Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FFC – FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
CAMPUS DE MARÍLIA
Alexandre dos Santos Lopes
A METAMORFOSE DA ATUAÇÃO POLÍTICA DO PARTIDO DOS
TRABALHADORES 1987 – 1991
Marília
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ALEXANDRE DOS SANTOS LOPES
A METAMORFOSE DA ATUAÇÃO POLÍTICA DO PARTIDO DOS
TRABALHADORES 1987 – 1991
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Universidade Estadual Paulista como parte
integrante dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais. Área de concentração: Ciências Sociais
Orientador: Professor Dr. Paulo Ribeiro Rodrigues da
Cunha
Marília
2009
ads:
Ficha Catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília
Lopes, Alexandre dos Santos.
L864m A metamorfose da atuação política do Partido dos
Trabalhadores 1987-1991 / Alexandre dos Santos Lopes. –
Marília, 2009.
154 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade
de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009.
Bibliografia: f. 148-154
Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha.
1. Partido dos Trabalhadores (Brasil). 2. Ciência política.
3. Metamorfose. 4. Tendências internas. I. Autor. II. Título.
CDD 329.981
ALEXANDRE DOS SANTOS LOPES
A Metamorfose da Atuação Política do Partido dos Trabalhadores 1987-1991
Comissão Examinadora:
Dr. Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha
(Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
– UNESP)
Dr. Jair Pinheiro
(Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
– UNESP)
Dr. Antonio Ozaí da Silva
(Universidade Estadual de Maringá – UEM)
Marília
2009
AGRADECIMENTOS
Ao longo de uma jornada de estudos para a elaboração de uma pesquisa conhecemos
diversas pessoas, cada qual ao seu modo auxiliaram nesta trajetória. Agradeço a todos que
contribuíram para a realização desta dissertação. De antemão peço desculpas se por ventura
alguém não for citado, entretanto deixo meus agradecimentos aqui postulados.
Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, Ailton e Maria José, que me
“suportaram” nestes tempos de elaboração da pesquisa, mas que souberam compreender-me
com muito carinho e amor; as minhas irmãs, Cristiane e Débora, que também puderam
presenciar e compartilhar das minhas angústias neste processo.
Agradeço imensamente ao meu orientador e sobretudo um grande amigo, Paulo Cunha,
que muito contribuiu para amenizar as dificuldades dessa jornada de pesquisa, compreensão
tamanha sem a qual não seria possível escrever estas breves linhas.
Agradeço também com muita gratidão pela amizade e pela contribuição fundamental, a
Ana Cristina e seu companheiro Jefferson Barbosa, que leram esta pesquisa e fizeram uma
primeira revisão indicando os pontos a serem corrigidos.
Aos professores, Dr. Marcos Tadeu Del Roio e Dr. Antonio Ozaí da Silva ambos por
terem participado da banca de qualificação; o primeiro por fornecer contribuições
fundamentais para a compreensão dos objetivos científicos a serem alcançados, a partir de
uma visão crítica sobre a discussão levantada neste trabalho, e o segundo pelas contribuições
teóricas acerca da trajetória política do PT, fundamentais para a elaboração desta dissertação.
Ao professor Dr. Antonio Carlos Mazzeo por ter me convidado a participar do Núcleo
de Estudos da Ontologia Marxiana, que também contribuiu para a minha formação crítica
sobre o marxismo; a todos que participaram das discussões no grupo: Lucio Flávio, Nilton,
Oliveira, Érika, Carol, e a todos que passaram pelo grupo ou que nele ingressaram.
Agradeço ao professor Toninho, pessoa que me cedeu os primeiros documentos e as
primeiras referencias para se pensar a trajetória do PT; a Silvia do escritório de pesquisa e as
pessoas da secretaria de Pós-Graduação que sempre estiveram prontos a atender e a
encaminhar os pedidos solicitados, toda compreensão às dificuldades pelas quais enfrentamos
ao longo de uma pesquisa aprofundada.
Agradeço aos funcionários da biblioteca, especialmente a Luzinete, pessoa que
contribuiu para normatização desta pesquisa.
A Fundação Perseu Abramo, local que possibilitou a coleta da maior parte dos
documentos pesquisados, sobretudo a Carlos Henrique Menegozzo, amigo que reencontrei
após o término da graduação, que me atendeu de forma paciente e pelas dicas sobre a
trajetória petista.
As pessoas que trabalham no Centro de Documentação e Memória da Unesp, que me
permitiram usar o acervo e coletar documentos.
Agradeço ao Andrey e ao Leonardo por permitirem me hospedar em sua casa em
minhas viagens a Marília, contribuição fundamental para o prosseguimento da pesquisa.
Igualmente agradeço aos companheiros (as) do MST pelas contribuições nos debates
acerca do PT e aos esclarecimentos cedidos. Ao camarada Alex, cuja militância e seriedade
intelectual me serviram de motivação para finalizar esta pesquisa.
Ao Ricardo Guarany, sua companheira Priscila e sua irmã Patrícia, ao Daniel Fanta e
sua companheira Tais, que também contribuíram cada um dentro de suas possibilidades para
que este sonho tornar-se realidade.
Agradeço também a todos trabalhadores da UNESP Marília pela atenção e serviços
prestados para que os alunos possam sentir-se em casa, mesmo estando muito bem longe de
suas cidades natais; a Escola Estadual Jornalista Wandyck Freitas, onde lecionei e
especialmente a diretora Rosemeire.
Enfim, agradeço a todos aqueles que de certa forma contribuíram para a elaboração
desta pesquisa.
À todos aqueles que tombaram na tentativa de construir um
mundo melhor.
À todos que lutam para romper com a lógica capitalista.
RESUMO
Esta presente pesquisa tem como propósito central discutir a Metamorfose da Atuação
Política do Partido dos Trabalhadores, entre os anos de 1987 a 1991. A partir de uma
investigação sobre a conjuntura política da década de 1980 e início de 1990, fez-se uma
análise do comportamento político dos partidos, sobretudo do PT, o Partido dos
Trabalhadores. Analisamos também a dinâmica assumida pelas tendências internas, ou seja,
dos agrupamentos partidários que fizeram parte da construção petista e da definição de sua
identidade. Para isso foi necessário analisar os documentos oficiais do período delimitado,
assim como publicações realizadas em jornais, revistas, dissertações e teses, que são muito
variadas neste momento histórico que estamos vivenciando, pois o Partido dos Trabalhadores
após vinte e dois anos de existência, chega a Presidência da República com Luiz Inácio Lula
da Silva à sua frente. A dissertação coloca em discussão a mudança que o partido sofre a
partir de 1987, quando ocorre o 5° Encontro Nacional, o PT passa a optar pelo abando do
marxismo e afasta-se das reivindicações populares, que de certa maneira estavam presentes
em suas formulações, influenciadas pelas organizações marxistas-leninistas e também as de
tradição trotskista. A preferência petista pela institucionalidade e a ascensão de uma nova
postura organizativa, certamente foram consequências das transformações ocorridas no
cenário nacional e internacional, como a queda do muro de Berlim, o fim do “socialismo
real”, e a introdução do neoliberalismo.
Palavras-chave: Partido dos Trabalhadores. Política. Metamorfose. Tendências internas.
ABSTRACT
This present dissertation aims to discuss about the Metamorphosis of the Politic Activities of
the Worker’s Party (PT), during the period of 1987 to 1991. It is an inquiry into the politics
conjuncture from the 80’s until the beginning of the 90's, analyzing the political behavior of
the parties, especially PT’s. The dissertation also considers and analyzes the actions taken in
the Worker’s Party internal trends, the partisanships and the definition of its identity. For the
studies development, it was necessary to compile official documents from the delimited
period of time, as well as essays published in periodicals, magazines, newspapers and thesis,
which are varied due to the election of the leader of the PT, Luiz Inácio Lula da Silva in 2002,
for the President of the Republic. PT finally reaches the power after twenty two years of
existence. The research discuss that the PT since 1987, year of its 5° National Meeting,
assures the institutional fight, abandoning the Marxism and leaving aside the popular claims,
which until that date had always been supported by the party’s decisions, also influenced by
the Marxist-Leninist organizations and by the Trotskyism tradition. The dissertation
concludes that PT’s institutional preference is a result of the transformations occurred
nationally and internationally, including the fall of Berlin's wall and the end of the “real
socialism”. Furthermore, the introduction of the neoliberals made PT assume a new kind of
organization.
Keywords: Worker’s Party. Metamorphosis. Politics. Trends.
LISTA DE SIGLAS
AC – Agrupamento Comunista
AI – Ato Institucional
ALA – Ala Vermelha
ALN – Aliança Libertadora Nacional
AP – Ação Popular
APML – Ação Popular Marxista Leninista
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
CC – Comitê Central
CEB – Comunidade Eclesial de Base
CEN – Comissão Executiva Nacional
CT – Comissão de Tendências
CIR – QI – Comitê Internacional de Reconstrução – Quarta Internacional
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CO – Causa Operária
COLINA – Comando de Libertação Nacional
CORQUI – Comitê de Reconstrução da Quarta Internacional
CS – Convergência Socialista
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DDD – Dissidência da Dissidência
DI – Dissidência Estudantil
DN – Diretório Nacional
DPV – Dissidência da VAR – Palmares
DR – Democracia Radical
DS – Democracia Socialista
EN – Encontro Nacional
FBT – Fração Bolchevique Trotskista
FMI – Fundo Monetário Internacional
IC – Internacional Comunista
JUC – Juventude Universitária Católica
LIBELU – Liberdade e Luta
LIT – Liga Internacional dos Trabalhadores
MCR – Movimento Comunista Revolucionário
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado
MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário
MOLIPO – Movimento de Libertação Popular
MR – 8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MTM – Movimento por uma Tendência Marxista
NE – Nova Esquerda
OCDP – Organização Comunista Democracia Proletária
OCML – PO – Organização Comunista Marxista Leninista – Política Operária
OLAS – Organização Latino Americana de Solidariedade
ORM – POLOP – Organização Revolucionária Marxista – Política Operária
OQI – Organização da Quarta Internacional
OSI – Organização Socialista Internacionalista
OT – O Trabalho
PAG – Plano de Ação de Governo
PC – Partido Comunista
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PO – Pastoral Operária
POC – Partido Operário Comunista
POLOP – Política Operária
POR – Partido Operário Revolucionário
PPB – Projeto para o Brasil
PPS – Poder Popular e Socialismo
PRC – Partido Revolucionário Comunista
PRN – Partido da Renovação Nacional
PRO – Partido da Revolução Operária
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSD – Partido Social Democrático
PSP – Partido Social Progressista
PST – Partido Socialista dos Trabalhadores
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
QI – CI – Quarta Internacional – Comitê Internacional
QI – CIR – Quarta Internacional – Comitê Internacional de Reconstrução
PV – Partido Verde
SU – Secretariado Unificado
UDN – União Democrática Nacional
URSS – União das Repúblicas Soviéticas Socialistas
VAR – Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária
VS – Vertente Socialista
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 – O PARTIDO DOS TRABALHADORES E AS ORGANIZAÇÕES
1.1 – O SURGIMENTO DE UMA NOVA ESQUERDA NO BRASIL................... 41
1.2 – A FORMAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES...........................46
1.3 – A IGREJA CATÓLICA...................................................................................... 50
1.4 – AS ORGANIZAÇÕES PRESENTES NA FORMAÇÃO DO PT................... 51
1.5 – AS ORGANIZAÇÕES TROTYSKISTAS........................................................ 52
1.6 – AS ORGANIZAÇÕES MARXISTAS-LENINISTAS...................................... 58
1.7 – A ARTICULAÇÃO DOS 113..............................................................................60
CAPÍTULO 2 – AS RESOLUÇÕES DO 5° E 6° ENCONTRO NACIONAL
2.1 – O 5° ENCONTRO NACIONAL E OS NÚCLEOS DE BASE DO PT............63
2.2 – PARTIDO DE MASSAS E PARTIDO DE QUADROS...................................73
2.3 – AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1988............................................................74
2.4 – AS ELEIÇÕES DE 1989......................................................................................78
2.5 – PLANO DE AÇÃO DE GOVERNO (PAG).......................................................84
CAPÍTULO 3 – O PT NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1990
3.1 – AS RESOLUÇÕES DO 7° ENCONTRO NACIONAL....................................89
3.2 – O I CONGRESSO DO PT...................................................................................98
3.3 – A CONSOLIDAÇÃO PETISTA.......................................................................108
CAPÍTULO 4 – A METAMORFOSE DA ATUAÇÃO POLÍTICA DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES
4.1 – O QUE MUDOU NO PT DE 1989-1991...........................................................119
4.2 – AS NOVAS TENDÊNCIAS PETISTAS...........................................................132
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................148
12
INTRODUÇÃO
Em uma pesquisa dedicada à ciência política para a compreensão da dinâmica
assumida pelos partidos políticos, torna-se necessário a adoção de pressupostos
metodológicos para se alcançar os objetivos delimitados. Os objetivos desta pesquisa
são obter a compreensão dos partidos políticos brasileiros, ou seja, resgatar a
metamorfose da atuação política do Partido dos Trabalhadores - PT, que compreende
aos anos de 1987-91, quando ocorreu 5º Encontro Nacional (1987) ao I Congresso
(1991).
A partir da análise desta fase, pode-se pontuar elementos básicos para a
compreensão do marxismo no Brasil e no mundo, principalmente no que diz respeito a
como os movimentos populares e sindicais articulavam suas reivindicações e realizavam
sua luta. Ainda no período delimitado, pudemos analisar as tendências marxistas do
Partido dos Trabalhadores, a compreensão do Estado Brasileiro na transição
democrática, as mudanças organizacionais ocorridas ao longo das décadas de 1980 e
1990, o sindicalismo, os movimentos sociais e, por último, a nova dinâmica da
sociedade civil frente aos desafios colocados por esta nova fase do capitalismo.
Realizamos em face desta dissertação uma investigação através do levantamento
do material bibliográfico disponível, dos quais fazem parte os documentos oficiais do
PT, as publicações petistas acerca das tendências internas, incluindo as teses de
doutorado, dissertações de mestrado, revistas e jornais.
Foram visitados alguns centros de documentação e memória que forneceram
documentos referentes ao histórico do PT. A Fundação Perseu Abramo disponibilizou a
maior parte da documentação pesquisada. Foram encontrados documentos referentes às
tendências internas do partido, principalmente os referentes à época de sua formação.
Tivemos acesso às resoluções dos Encontros e Congressos, militantes e dirigentes, além
de muitas dissertações e teses referentes à trajetória partidária petista e publicações
próprias, como a revista Teoria & Debate.
No Centro de Documentação e Memória da Unesp (CEDEM), tivemos acesso ao
acervo do jornal Em Tempo de publicação da Democracia Socialista, tendência interna
do Partido dos Trabalhadores, que nos traz um amplo debate acerca das polêmicas
internas do partido. Outros arquivos também foram pesquisados: a Causa Operária e a
Convergência Socialista.
13
Trabalhamos com a hipótese de que o Partido dos Trabalhadores não é mais o
mesmo de suas origens e a esse processo chamamos de metamorfose. Toda a
radicalidade assumida pelo partido ao longo da década de 1980 se desfaz gradualmente
com o advento da queda do muro de Berlim e o fim do socialismo real. Com a conquista
de prefeituras e de cargos parlamentares, a institucionalidade assume demasiado espaço
na atuação petista. O PT, apontado como opção eleitoral, permitiu o crescimento da
máquina partidária e de sua burocratização.
A adoção de alguns pressupostos teóricos debatidos por Marx e Engels são
fundamentais para compreensão da dinâmica da superestrutura e da estrutura. Ambos
não desenvolveram em vida uma teoria acabada sobre os partidos políticos. Engels
referia-se aos partidos como expressão de classes ou fração de classes. (BOTTOMORE,
2001, p.282).
Na introdução de As lutas de classes na França (1895), Marx apresenta uma
análise sobre o partido monarquista, que por sua vez, num processo de luta entre os
interesses agrários e urbanos, acabou dividindo-se em duas frações: os orleanistas os
legitimistas. No entanto, ao longo da Segunda Internacional (1889), Marx fez a defesa
da construção de um único partido da classe operária, pois considerava a existência de
uma única classe operária e esta organização deveria ter representações que fossem
totalmente diferentes dos partidos das classes dominantes, e deveria possuir uma
perspectiva de superação da ordem capitalista, opondo-se às organizações burguesas.
Lênin (1983), levantou uma discussão sobre o papel do Partido Comunista em um
cenário de grandes transformações sociais como a Revolução Russa de 1917, que
representou um marco para o marxismo. Dessa forma em o Estado e a Revolução, cita:
O Estado não é uma força imposta do exterior à sociedade também
não é, tampouco, a ‘realidade da Idéia Moral’, ‘a imagem e a realidade
da Razão’, como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa
certa fase do seu desenvolvimento. Sociedade essa que se embaraçou
numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos
inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas
classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se
devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu a necessidade de uma
força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim
de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’. Essa força, que sai da
sociedade, ficando, porém por cima dela e dela se afastando cada vez
mais, é o Estado. (LÊNIN, 1983, p. 7-8).
14
As contribuições de Lênin são fundamentalmente importantes para entendermos
a função que o partido político assume na sociedade e enquanto Estado. Este seria o
partido do proletariado, baseado nos princípios do centralismo democrático, guiado
pelas concepções marxianas de sociedade. A revolução comunista é o objetivo de Lênin,
ao pensar a trajetória do proletariado durante a Revolução de 1917, e que
definitivamente alcançou seus objetivos conduzindo o proletariado e o exército
Bolchevique ao triunfo na Rússia.
Embora estas sejam contribuições relevantes para pensarmos a dinâmica dos
partidos políticos no século XX, para que se compreenda na presente dissertação as
formas analíticas da formação, existência e consolidação de um partido, faremos uma
breve análise dos pressupostos colocados por Antônio Gramsci.
Uma das contribuições mais relevantes para que possamos entender a trajetória
dos partidos políticos está fundamentado em parte, no O Moderno Príncipe (Gramsci:
2000). Foi a escolha ao debate a ser estabelecido na dissertação, para podermos traçar
metodologicamente pressupostos da forma e das bases programáticas assumidas por um
partido político em um determinado momento histórico.
De acordo com a apreciação de Gramsci sobre quem representaria o Príncipe de
Maquiavel na sociedade moderna, o partido ganha destaque por representar a
complexidade da sociedade na qual está inserido, com a tarefa de efetivar uma ação para
alcançar a existência de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada pela ação,
ou seja, na filosofia da práxis, cuja visão do autor, “seria a primeira célula na qual se
aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a ser tornar universais e totais”. Para
Gramsci, os partidos devem assumir uma postura que contenham idéias sobre a
importância das concepções democráticas, guiadas pela vontade de transformação
social, que deve ser demonstrada na ação através vontade coletiva. Define vontade
como algo que seja trabalhoso na necessidade histórica.
Ao levantar a questão, “Quando é possível dizer que existem as condições para
que se possa criar e se desenvolver uma vontade coletiva nacional-popular?”
(GRAMSCI, 2001, p. 17). Gramsci responde que seria possível através da análise
histórica da estrutura social de um país. Aborda ainda a questão de que seria impossível
a formação de uma vontade coletiva se os trabalhadores não entrassem impetuosamente
na vida política. O partido aparece como aquele que deva ser o que torna público suas
concepções e organiza uma reforma intelectual e moral, propiciando um novo espaço
15
para o desenvolvimento de uma vontade coletiva nacional-popular, que possibilite a
organização de uma nova sociedade.
Em reflexão sobre os aspectos teóricos e práticos do economicismo, Gramsci
afirma que a ideologia liberal é a proposta das classes dominantes, ressalta que o grande
erro dos liberais está na separação que atua entre sociedade política e sociedade civil,
uma vez que a atividade econômica é realizada pela sociedade civil, o Estado não deve
intervir na regulamentação daquela. Na sociedade liberal, o sindicalismo teórico faz
parte das classes subalternas, ou seja, dos trabalhadores, classe essa impossibilitada de
se tornar dominante, de conquistar uma hegemonia ético-política na sociedade civil e
tornar-se dominante no Estado. Desta forma, os adeptos ao pensamento liberal não
pretendem transformar o Estado, e sim obter orientação governamental.
Todo partido representa a expressão de um grupo social exercendo uma função
de decisão entre os interesses em comum de classe do qual o Novo Príncipe representa,
fazendo com que o desenvolvimento de seus militantes se dê através do consenso e com
o apoio de seu arco de alianças, a conquista de um novo Estado.
No item que aborda dos aspectos da estrutura dos partidos políticos nos períodos
de crise orgânica, Gramsci (2000), levanta a discussão que discute o abandono por parte
dos militantes de seus próprios partidos quando acontecem determinadas crises e
passam a não reconhecer o partido como expressão de sua própria classe. Afirma que as
crises acontecem devido a um fracasso do setor dirigente, ou porque as tendências
internas passaram a realizar certas reivindicações, como crise de hegemonia e crise de
Estado em seu conjunto. Afirma que as organizações políticas nascem com o propósito
de dirigir ações políticas em momentos fundamentais aos grupos que representa, no
entanto, nem sempre conseguem adaptar-se às novas épocas, nem desenvolver-se
conforme o conjunto das relações de força. Alerta para o surgimento de uma burocracia
que pode vir a ser um elemento que se constitui e implementa uma visão que
desconsidera a importância da luta social.
Outras pontuações metodológicas postas por Gramsci foram fundamentais para a
formulação e compreensão destas questões, principalmente porque sugerem que a
história do Partido Comunista está intimamente ligada à história de um país e
paralelamente, à trajetória de seus militantes. De certa forma, essa história converge
com a história do Brasil, como citado por Gramsci, em um de seus últimos trabalhos
referenciais sobre a questão:
16
Será necessário levar em conta o grupo social do qual o partido é a
expressão e a parte mais avançada: ou seja, a história de um partido
não poderá deixar de ser a história de um determinado grupo social.
Mas este grupo não é isolado; tem amigos afins, adversários, inimigos.
Somente o quadro global de todo o conjunto social e estatal (e,
freqüentemente, também com interferências internacionais) é que
resultará a história de um determinado partido; por isso, pode-se dizer
que escrever a história de um partido significa nada mais do que
escrever a história geral de um país a partir de um ponto de vista
monográfico, pondo em destaque um seu aspecto característico. Um
partido terá maior ou menor significado e peso precisamente na
medida em que sua atividade particular tiver maior ou menor peso na
determinação da história de um país. (GRAMSCI, 2000, p. 87).
Segundo os fundamentos metodológicos assumidos nesta pesquisa, entendemos
que a história de um partido só pode ser adequadamente compreendida se levarmos em
conta as relações entre a organização e a época em que atua. Neste âmbito, as principais
relações dizem respeito ao conflito existente entre as diferentes forças políticas, sociais
e econômicas, tanto em escala internacional quanto nacional, tanto externa quanto
internamente ao partido.
O desenvolvimento histórico do Partido dos Trabalhadores, o que inclui a
guinada à direita das opiniões do PT acerca da sociedade brasileira, inclusive de suas
posições programáticas e estratégicas, só pode ser adequadamente compreendido se
levarmos em conta o conflito de classes existentes na sociedade e no interior do próprio
partido, representada pela constelação de organizações e tendências políticas presentes
nos debates, Encontros e Congressos. Deste conflito de classes, a relação
capital/trabalho assume um significado preponderante no campo da luta política. O
conflito entre as classes sociais acarreta divergências e disputas, e a classe que se
sobressai dominante em nossa sociedade é a burguesia.
A dinâmica assumida pela sociedade brasileira no pós Segunda Guerra Mundial
acentuou e agravou a situação da classe operária. A entrada de fato em uma economia
mundial monopolista, fez com que as forças progressistas (populares) entrassem em
constante luta contra o capital. As organizações que aderiram à luta armada
representaram um grande exemplo de lutas travadas contra o capital, cujo objetivo
central era promover a revolução socialista. Os partidos políticos que se posicionaram
17
contra o processo ditatorial que se instalou no Brasil em 1964, sofreram diversas
dissidências e a grande maioria foi desbaratada pela polícia política.
Seguindo os pressupostos metodológicos traçados por Antônio Gramsci, quando
afirma que “escrever a história de um partido é reescrever a história de um país”,
tentaremos neste momento da pesquisa, reconstituir o período anterior ao surgimento do
Partido dos Trabalhadores; num primeiro momento servirá para compreendermos a
dinâmica dos partidos políticos que o antecederam, para depois traçarmos um paralelo e
o situarmos historicamente. De fato notou-se que muitas destas organizações
revolucionárias atuantes entre meados dos anos 60 e 70, posteriormente aderiram ao PT.
A fim de apreendermos a Metamorfose da Atuação Política do Partido dos
Trabalhadores, é necessário, portanto, a análise das organizações clandestinas que
participaram deste processo de luta.
Jânio Quadros, Presidente da República eleito pela União Democrática Nacional
(UDN), em 1960, chega ao poder professando idéias de intransigência à corrupção,
dando ênfase aos valores do lar e da família. Também prometia erradicar a inflação e
racionalizar o papel do Estado na economia. Em seu curto governo, condecorou Ernesto
Che Guevara, o que ocasionou grande desconfiança na UDN, seu partido. Em 1961,
envia carta ao Congresso Nacional renunciando ao seu posto de Presidente da
República. Logo assume seu vice, João Goulart, também conhecido como Jango, um
político de esquerda das bases do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que encontrava-
se no exato momento de sua nomeação, estava em visita à República Popular da China,
que por sua vez fora proibido de regressar ao seu país para assumir o posto de comando
da República Brasileira.
Estava então criada a polêmica: os ministros militares do governo anunciariam
que Jango não poderia assumir o governo, pois havia o temor que entregasse setores
importantes aos comunistas. Leonel Brizola, governador do estado do Rio Grande do
Sul, em ação conjunta com Machado Lopes, comandante do exército gaúcho,
interviriam nesta decisão permitindo que Goulart entrasse no país pelo Rio Grande do
Sul, ameaçando afundar navios da marinha no porto da cidade de Porto Alegre caso
tentassem impedir sua volta ao Brasil. Esta ameaça fez com que os ministros militares
abrissem negociação.
Goulart assumiria a presidência com poderes reduzidos. Tomaz Skidmore
afirma:
18
O poder executivo era efetivamente transferido para o gabinete, que
governaria com o apoio da maioria do Congresso. Goulart aceitou
com relutância este compromisso, mas imediatamente começou a
planejar a reconquista dos plenos poderes presidenciais. Conseguiu
em 1963, quando um plebiscito nacional lhe devolveu o sistema
presidencial. (SKIDMORE, 1989).
Jango adotou uma política de estratégia de nacionalismo radical. Afirmava que o
setor externo da economia era a causa das graves dificuldades do país. O FMI e o Banco
Mundial foram criticados pela política desempenhada em permitir que o Brasil
permanecesse subordinado aos interesses dos Estados Unidos. Em razão a estes fatores,
Jango propôs uma série de reformas de base, como a reforma agrária, educação,
impostos e habitação. No ano de 1964 as tensões políticas haviam se agravado,
ocasionando assim, o golpe de Estado, protagonizado, sobretudo, pelo exército
brasileiro.
Em 1º de Abril de 1964 o exército brasileiro - em oposição ao governo de Jango
- iniciou um golpe de Estado, depondo o presidente da república e aprisionando as
lideranças da esquerda brasileira do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do Partido
Comunista do Brasil (PC do B), tanto do movimento estudantil, como militantes ligados
à Igreja Católica, a Juventude Universitária Católica (JUC) e integrantes da Ação
Popular (AP).
A postura assumida pelo Estado exigiu sua redefinição e uma nova articulação
entre suas instâncias, num processo decisivo para a conformação da nova
institucionalidade brasileira. No plano das relações da sociedade política, o golpe de
Estado ocasionou um esvaziamento progressivo das instâncias originadas da consulta
política popular, que funcionava
como arena decisória na sua inevitável transformação
em um apêndice do governo, cujo núcleo central era o Executivo Federal. Desse modo,
passou a se posicionar à favor da representação burocrática. No interior da burocracia
do Executivo Federal, os militares tiveram uma ascensão progressiva como bloco
dirigente do Estado e consequentemente no poder, mesmo que estivesse em aliança com
a tecnocracia.
A luta travada entre as forças progressistas, ou seja, os movimentos de esquerda
existentes neste período histórico contra o movimento reacionário - a ditadura militar -
não resulta numa ação catastrófica. A luta surgiu de uma deficiência política das forças
dominantes, e não em virtude de uma deficiência orgânica insuperável.
19
Com a instituição do AI – 2, Ato Institucional nº 2, sob o governo de Castelo
Branco (1966), o presidente da República passaria a ser escolhido pelo voto indireto e o
sistema bi-partidário. A extinção dos partidos políticos significou uma intervenção
autoritária do Estado sobre a organização da sociedade civil, atingindo
fundamentalmente os movimentos ligados a mobilização popular. Com o Ato
Institucional nº 3, foram criadas as regras para o surgimento de novos partidos, que
ficou limitado a dois: a Arena, governista, e o Movimento Democrático Brasileiro
(MDB). Os maiores partidos que existiam na época do AI – 3 aderiram a Arena: UDN,
PSD, PSP, e até setores do PTB. O MDB conseguiu se formar com a participação de
egressos do PTB e, alguns membros do PSD. O MDB era minoritário no Congresso
Nacional por representar uma força contrária aos militares. A nova constituição
outorgada em 1967 surgiu como uma necessidade de reprimir a esquerda brasileira.
A crise de hegemonia instalada com o colapso do populismo se
prolongou e se aprofundou, pois o crescimento da oposição burguesa
combinou-se com a retomada da oposição popular nos anos de 1967 e
1968, fortalecendo a luta antiditatorial. A crise que adveio desse
processo exigiu do governo autoritário um novo plano de ações para
reforçar o cesarismo militar e aliar ainda mais o Estado e o grande
capital monopolista. (MACIEL, 2004, p. 53-54).
Para podermos elucidar o conceito de capitalismo monopolista iremos nos
reportar a Lênin (1983), em seu livro O Estado e a Revolução de 1917, onde aparece
este conceito: “A guerra imperialista acelerou e acentuou consideravelmente o processo
de transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado”, e
o imperialismo “a época dos gigantescos monopólios capitalistas, época que o
capitalismo monopolista se transforma por via de crescimento em capitalismo
monopolista de Estado.” (LÊNIN: 1983, p. 14).
No Brasil, para Florestan Fernandes (1975) o relacionamento da economia
brasileira com o capitalismo monopolista inicialmente se deu a partir do surgimento de
grandes corporações, que muitas vezes, operavam por meio de filiais, ou mediante
concessionárias, explorando várias áreas da economia: produção e fornecimento de
energia elétrica, exportação de produtos agrícolas ou derivados industrializados,
minérios, produção industrial de bens de consumo perecíveis, semiduráveis e duráveis
para o mercado interno, etc.
Teria sido na década de 1950 que o Brasil se incorporaria ao capitalismo
monopolista aparecendo como um dos pólos da periferia capitalista mundial.
20
Esta transformação não se dá de modo súbito mas graças a uma
evolução gradual, em que tem importância especifica três fatores
distintos. De um lado, a ‘decisão externa’ de converter o Brasil numa
economia monopolista dependente repousa em dois fatores diversos: a
disposição das economias centrais e da comunidade internacional de
negócios de alocar no Brasil um volume de recursos suficientes para
deslocar os rumos da revolução econômica em processo; e no
deslocamento empresarial envolvido por essa disposição, que iria
implantar dentro do País o esquema de organização e de crescimento
econômicos intrínsecos à grande corporação. De outro lado, ‘a decisão
interna’ de levar a cabo a referida transformação capitalista, tão
temida por muitos povos de economia competitiva dependente e
subdesenvolvida. (FERNANDES, 1975, p. 256).
O capitalismo monopolista no Brasil foi provocado pelas economias centrais,
superpõe-se como um modelo ideal, ou seja, moderno. Gerou impactos sob a
organização, o funcionamento e o desenvolvimento das economias periféricas. A
exploração de matérias-primas, a capacidade de consumo ou de produção, comércio
externo, recursos humanos, excedente econômico é mobilizado de dentro para fora,
posto a serviço do crescimento das economias centrais do capitalismo mundial.
Florestan Fernandes (1975) afirma que a decisão interna não é somente
econômica, situa-se principalmente no cerne de uma motivação psicossocial e política.
A burguesia nacional acreditava que com a aceitação de tal forma capitalista resolveria
os problemas do subdesenvolvimento, o que, segundo o autor seria uma grande ilusão.
Desta passagem, entendemos que a burguesia nacional fez uma auto-defesa de seus
interesses de classe, uma vez ameaçados pela crise econômica mundial. O Estado
Nacional Brasileiro sucumbiu aos interesses de classe que ele representava, permitindo
que a intervenção econômica e política estatal do capitalismo monopolista se tornasse
viável e irreversível.
Segundo Miriam Limoeiro-Cardoso, o capitalismo monopolista em Florestan
Fernandes
Define-se como parte de um determinado ‘sistema de produção’, para
usar a expressão pela qual Florestan o designa preferencialmente (o
capitalismo); como parte deste ‘sistema’ num determinado momento
do seu desenvolvimento na história (o capitalismo monopolista).
(CARDOSO, 1994, p. 2).
Seguindo este raciocínio, entendemos que o governo brasileiro com base nas
importações de bens de capital e tecnologia, com a inundação de dólares na economia
brasileira, o endividamento foi inevitável e aprofundou o padrão de acumulação
21
monopolista liderado pelos bens de consumo duráveis. O capital externo e o capital
estatal tiveram um aumento de sua importância na estrutura econômica.
Afinal, que papel assumiu a burguesia nacional com seu capital privado? O
capital privado foi ficando distante do crescimento alcançado pelo capital estatal e
internacional, consequentemente não encontrou outra saída a não ser atrelar-se a este
padrão de acumulação monopolista, pois a burguesia nacional viria a beneficiar-se,
encarregando-se, ao mesmo tempo de assumir uma função importante na política de
equilíbrio da balança de pagamentos: o de ser a base de sustentação do capitalismo
monopolista brasileiro.
Diante deste quadro político, qual foi a função desempenhada pela esquerda
brasileira? Quais foram os grupos que surgiram neste processo histórico?
Os comunistas acreditavam na hipótese de uma revolução socialista por etapas.
Os realinhamentos propostos pelos PCUS apareceram na Declaração Política de Março
de 1958, do Comitê Central (CC) do PCB, que reafirmava sua concepção anterior da
revolução brasileira realizada em respectivas etapas: primeiro a revolução democrática,
nacional e antifeudal contra o imperialismo; segundo, a revolução socialista. No
entanto, o Comitê Central chega a conclusão de que já existia um desenvolvimento
capitalista em efetivação no Brasil e a necessidade de se lutar por reformas estruturais
seria imprescindível. Para esta luta, que desencadearia a primeira das revoluções,
acreditavam que seria possível aliar-se a alguns setores da burguesia nacional e do
próprio exército.
Nesta linha de argumentação, em maio de 1965, o Partido Comunista Brasileiro,
por meio de uma resolução política de seu Comitê Central, fez um primeiro esforço para
tentar avaliar o significado do golpe militar de 1º de abril de 1964.
A fim de estimular esse processo autocrítico, damos ao conhecimento
ao Partido das principais conclusões a que pode até agora chegar o CC
a análise que fez dos acontecimentos relacionados com a vitória do
golpe de 1º de Abril, a respeito das falhas e erros da atividade dos
comunistas. A vitória do golpe militar pôs a descoberto muitas de
nossas debilidades, fomos colhidos de surpresa pelo desfecho dos
acontecimentos e despreparados não para enfrentá-los, como também
para prosseguir com segurança e eficiência em nossa atividade nas
novas condições no país. Revelou-se falsa a confiança depositada no
“dispositivo militar” de Goulart. Também falsa era a perspectiva, que
então apresentávamos ao Partido e as massas, de uma vitória fácil e
imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em relação ao
setor da burguesia nacional que estava no poder, tornaram-se
22
evidentes. Cabe-nos analisar o processo que levou à semelhante
situação. (CARONE, 1982).
Esta reflexão auto-crítica é significativa pois propõe uma avaliação sobre os erros
que o partido cometeu na condução do processo político, cujas raízes se encontram nas
influências negativas advindas da intervenção da pequena-burguesia dentro do partido.
Mesmo que a questão explicitada pelo Comitê Central não tenha sido objeto de
polêmica, o diagnóstico em relação ao governo Goulart estava longe de ser consensual.
Por isso, durante a primeira reunião do Comitê Central no pós-golpe, em 1965, as
divergências se explicitaram.
Em virtude do surgimento de diferenciadas interpretações da conjuntura, que
passariam a ter reflexos sobre a prática política a partir de então, foram expulsos do
partido quadros importantes: Jacob Gorender, Carlos Marighela, Jover Teles, Câmara
Ferreira, Mário Alves, Apolônio de Carvalho, entre outros.
Como afirma Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho:
Entre 1964 e 1967, ano do VI Congresso do PCB, houve acirrada luta
interna que culminou com a vitória do secretário-geral, Luís Carlos
Prestes, vitória contestada pelos derrotados, que denunciaram diversas
fraudes ocorridas ao longo deste Congresso. Esse processo gerou uma
série de dissidências partidárias, como aquelas que dariam origem à
Ação Libertadora Nacional (ALN), ao Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR) e a inúmeras dissidências estudantis em
vários estados, como Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Rio
Grande do Sul e outros – afinal, eram os estudantes que mais se
mobilizavam na luta contra a ditadura.” (FILHO E RIDENTI, 2007, p.
108).
A ALN surgiu a partir da expulsão de Marighella do Partido Comunista
Brasileiro, ocasionado pela sua participação na reunião da Organização Latino-
Americana de Solidariedade (OLAS), realizada em Havana, Cuba, em 1967, sem a
prévia autorização do Comitê Central.
Em São Paulo houve forte reação em relação às medidas tomadas pelo Comitê
Central e suas bases desligaram-se do PCB formando, em 1967, o Agrupamento
Comunista de São Paulo – AC-SP, que pouco tempo depois de seu surgimento adotaria
o nome ALN. A ALN, liderada por Marighella, negava a estrutura centralizada dos
partidos comunistas e algumas questões como a montagem de uma organização
revolucionária nacional para o desencadeamento de ações revolucionárias.
23
De acordo com Jacob Gorender (1987) esta negação à estrutura partidária levou
o Agrupamento Comunista a perder a maioria de seus militantes, pois estes eram
ligados ao princípio do partido político de vanguarda. Por outro lado, mantinha-se a
análise do PCB no tocante ao caráter de libertação nacional da revolução brasileira,
inclusive as críticas à suposta submissão do partido quanto à própria liderança e aquela
do campesinato no processo de guerra revolucionária, desencadeado por sua Vanguarda
armada.
As primeiras ações revolucionárias realizadas pela então ALN, que deixara de ser
um agrupamento paulista e passara a possuir ramificações em todo o Brasil, foram
realizadas no espaço urbano, nas grandes cidades brasileiras em 1968, através da
guerrilha urbana e da guerra psicológica, prenunciadora da guerrilha rural brasileira.
Neste mesmo ano de 1968 foi instituído, em nosso país, o Ato Institucional número 5, o
AI – 5, que se tratava de medidas voltadas contra as ações revolucionárias
desencadeadas pelos grupos guerrilheiros. Esta lei mencionava como atos
revolucionários o terrorismo, os assaltos a bancos, o justiçamento de espiões
estrangeiros, os ataques a quartéis, o desvio e captura de armas e explosivos.
Conjuntamente com o AI – 5, a violência policial recrudesceu sobre os agrupamentos
guerrilheiros brasileiros e o movimento estudantil.
A opção feita pela Ação Libertadora Nacional pela luta revolucionária através da
guerrilha justifica-se pela oposição feita ao tradicionalismo partidário empregado pelos
Partidos Comunistas, em alianças feitas com a burguesia nacional. No entanto, muitas
críticas foram feitas a ALN e podemos encontrá-las em documentos escritos pelos seus
militantes. Alguns destes documentos foram publicados por Daniel Aarão Reis Filho e
Jair Ferreira de Sá (Sá e Filho, 2006). As críticas seguem-se nesta ordem:
a) a organização não dispunha de estratégias;
b) a ALN era exclusivista, e a única pauta de reunião era a luta armada;
c) o foco revolucionário era o seu princípio, que irrefutavelmente iriam fracassar e
seriam esmagados pelas forças militares, prejudicando a revolução brasileira;
d) a organização não dava importância à luta de libertação nacional;
e) não havia trabalho de massa, estavam isolados do povo;
f) não constituíam uma organização revolucionária;
g) faziam a luta sozinhos e não davam importância à frente única.
24
Nota-se que estas críticas eram feitas pelos partidos comunistas, baseadas na
Declaração Política de 1958, na qual constavam as diretrizes para a revolução
brasileira. Revolução esta, como anteriormente mencionado, seria feita por etapas,
sendo a primeira delas antifeudal, nacional e democrática, admitindo-se uma aliança
com a burguesia nacional. Eram passíveis de críticas por parte dos PC as opções que
muitos dos grupos guerrilheiros fizeram neste período, também condenados o
guevarismo e a inspiração da revolução chinesa.
Em abril de 1968 no jornal O Guerrilheiro, órgão oficial da ALN, o documento
Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo afirmava que a guerrilha no
Brasil é uma estratégia revolucionária e que seu êxito depende de três fases:
planejamento e preparação da guerrilha; lançamento da organização e, por fim, da
transformação da guerrilha em guerra de movimento, com a formação e o aparecimento
do exército revolucionário de libertação nacional
A repressão aos guerrilheiros acirrou-se, o próprio Marighella foi assassinado
numa emboscada no dia 4 de novembro de 1969, em São Paulo. Em seguida, o antigo
dirigente do PCB Joaquim Câmara Ferreira, voltou do exterior, onde se encontrava para
fugir da perseguição policial contra todos os que participaram do seqüestro do
embaixador norte-americano.
Em 1970, ano em que a ALN continuava a sofrer com a repressão do regime
militar, Câmara Ferreira foi capturado, torturado e morto. Depois disso, a organização
insistiu nas ações armadas, embora fosse constantemente atingida pela polícia e ficasse
cada vez mais isolada socialmente.
A ALN sofreu a dissidência do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO) em
1971, bem como da Tendência Leninista, esta permaneceu apenas entre os militantes no
exílio, não exercendo praticamente nenhuma influência no território nacional. Entre
1972 e 1974, com sucessivas mortes e prisões, a ALN não tinha a mesma expressão do
tempo de Marighella.
Outro grupo significativo originou-se no PCB: o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR). Esta organização também optou pela luta armada, por meio da
guerra popular que teria início no campo, e mantinha uma estrutura leninista de partido.
O PCBR surgiu entre uma disputa interna no PCB. Em 1967, a Conferência Regional do
Estado do Rio de Janeiro, preparatória para o VI Congresso, resolveu desligar-se do
25
Partido Comunista Brasileiro por compreender que o Comitê Central impediria a vitória
da corrente na disputa interna pela direção do partido. Em abril de 1968, após a I
Conferência Nacional, foi fundado o PCBR.
Segundo GORENDER (1987, p. 103) “o PCBR veio a ser a mais típica das novas
organizações que se debateram no esforço de enlaçar a tradição doutrinária marxista à
pressão avassaladora pela luta armada imediata e incondicionada.”
A linha política desta organização pode ser encontrada no documento elaborado
pela I Conferência Nacional. Nas análises feitas neste documento Reis e Sá (2006),
caracterizam o Brasil como um país essencialmente capitalista. O desenvolvimento do
capitalismo no Brasil conduziu a indústria de bens de consumo e meios de produção, ao
crescimento do mercado interno e a um processo de urbanização relativamente
acelerado. O imperialismo conquistou um domínio do sistema industrial, comercial,
financeiro, através do crescente endividamento realizado por empréstimos e
financiamentos. O desenvolvimento do capitalismo na agropecuária gerou, no interior
do Brasil, relações de trabalho semifeudais e semi-escravas, tanto pela ausência de
investimentos e de tecnologia moderna quanto pela baixíssima produtividade.
A burguesia nacional não desempenhou um papel revolucionário durante o século
XX. Sendo assim, o PCBR conclui em seus documentos que “tais condições não podem
traduzir-se, porém, numa luta conseqüente pela libertação nacional devido ao fato de
que o próprio crescimento do capitalismo brasileiro se realiza através de uma
dependência crescente ao sistema imperialista.” (Reis e Sá: 2006). Com esta afirmação
feita pela organização percebe-se que existe uma discordância no que se refere à linha
política estabelecida pelo PCB na Declaração Política de 1958. Para o PCBR o
desenvolvimento econômico e social brasileiro apenas seria realizado mediante a uma
revolução popular, socialista, que fosse capaz de derrubar o poder da burguesia e do
latifúndio.
No entanto, o progresso dos países socialistas do Leste Europeu desempenhava a
função de frear a expansão capitalista, mas considerava que o capitalismo mundial não
fosse destruído pela competição econômica. Esta análise referia-se, sobretudo, aos
países conhecidos como terceiro mundo, oprimidos pelo imperialismo capitalista
patrocinado pelos Estados Unidos. O caráter da revolução brasileira, segundo os
documentos publicados pelo PCBR, foi socialista, tendo utilizado a luta armada. A
guerra de guerrilhas seria a forma pela qual a luta armada teria seu início.
26
O movimento de massas foi fundamental para a luta revolucionária, na qual a
guerrilha deveria entrelaçar-se com as greves econômicas e políticas, com as
manifestações estudantis, aquelas dos trabalhadores e todo o povo brasileiro. A proposta
da criação de uma frente única fora baseada em uma aliança camponesa-operária e dos
setores das classes médias que visavam uma conjugação das ações de massas e da luta
armada. O partido assumiria a posição de educador e organizador da luta revolucionária,
onde o proletariado será o protagonista.
O Partido deveria assumir o marxismo-leninismo como referências principais,
sendo este, uma organização de vanguarda capaz de dirigir o movimento revolucionário
conforme as necessidades do proletariado. As constantes críticas, que levaram à ruptura
com o PCB, também baseiam-se na forma de organização do partido. Nas análises feitas
pelo PCBR, o PCB deixou de estar vinculado à ação revolucionária e colocaram na
ordem do dia, um reexame das concepções ideológicas em que se baseava sua atuação
política
1
.
Não foram somente a ALN com suas dissidências juntamente com o PCBR que
surgiram do PCB. As bases universitárias também romperam com o PCB constituindo
as conhecidas dissidências estudantis (DIs). No estado do Rio de Janeiro surgiu a DI –
RJ, na Guanabara a DI – GB. Surgiram dissidências estudantis também no Rio Grande
do Sul, em São Paulo, Minas Gerais. A DI – RJ ficou conhecida como Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR – 8), em homenagem a Ernesto Che Guevara, que foi
capturado na mesma data em 1967 e, também esta dissidência estudantil tinha uma
publicação chamada 8 de Outubro. O MR – 8 havia participado de um seqüestro, a do
embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, subsidiados por quadros da ALN e,
consequentemente a polícia agiu com repressão e dispersou a organização. A DI – GB
em uma tentativa de desmoralizar a polícia e a ditadura militar assume o nome em 1969.
A linha política estabelecida pela organização foi a luta armada no campo e na
cidade. Nas análises feitas em documentos por Reis e Sá (2006), o Brasil aparece como
1
O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário põe-se contrário ao revisionismo, sobretudo, ao
abandono das concepções revolucionárias do marxismo, e aquilo que foi proposto como o caminho
pacífico de libertação nacional. Também existem críticas ao chamado dogmatismo, que ficou manifestado
na prática de levar os princípios marxistas de acordo com as particularidades de outros países. A
estruturação do partido revolucionário requer a aplicação do princípio do centralismo democrático e a
democracia interna deve ser assegurada.
27
país de formação capitalista dependente, não se distanciando das análises feitas pela
ALN e o PCBR. A revolução para o MR – 8 é socialista, discordando da declaração do
PCB de que ela deveria ser feita por etapas. O proletariado precisaria inicialmente
conquistar a hegemonia do processo revolucionário conjuntamente com outras forças de
pequenos camponeses, semi-proletariado rural, setores assalariados empobrecidos das
classes médias da população, frações das camadas inferiores dos pequenos empresários
falidos pela concorrência e poder monopolista, pela força também dos estudantes e
intelectuais. Assim como o PCBR, o MR – 8 previa a construção de uma Frente Única
“que se formará durante a luta revolucionária entre todos os setores e classes sociais
referidos...”
Para a organização será instaurada uma ditadura do proletariado que contará com
trabalhadores do campo e da cidade. Os princípios norteadores das transformações
sócio-políticas operam em relação a questões fundamentais, tais como: nacionalização
dos grandes monopólios, destruição das instituições burguesas, destruição das forças
repressivas burguesas e constituição de forças armadas populares, economia planificada,
pleno emprego, melhorias nas condições de habitação, transporte, alimentação, saúde e
educação.
Estes princípios determinam o caráter da revolução para o MR – 8. Percebe-se
que a organização tenta recuperar o pensamento revolucionário do século XX, com
inspiração na Revolução Cubana. Também distanciava-se das concepções dos PCs, da
revolução por etapas e do chamado revisionismo.
O debate estabelecido
não se limita somente às organizações dissidentes do PCB.
Entre os anos 1960 e 1970, no Brasil, proliferaram diversas organizações clandestinas
revolucionárias. A Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (ORM –
Polop) é mais um exemplo das tanta outras deste mesmo período. A ORM-Polop foi um
resultado da fusão da Juventude do Partido Socialista – seção Guanabara, com um
grupo de intelectuais próximos ao pensamento de Rosa Luxemburgo, em São Paulo, e
com setores da Juventude Trabalhista – seção de Minas Gerais. A sigla Polop deriva do
nome de sua publicação mais importante, Política Operária.
A Polop, assim como as organizações já mencionadas neste trabalho, retoma a
questão do desenvolvimento capitalista no Brasil, sugerindo que as forças produtivas
pudessem estar plenamente desenvolvidas.
28
Para a Polop, o capitalismo já estaria plenamente estabelecido no
Brasil, havia uma interdependência entre os setores ‘modernos’ e
‘atrasados’, num processo de desenvolvimento desigual e combinado
que implicaria íntima ligação entre latifundiários, imperialistas e a
burguesia brasileira. Portanto, a proposta de revolução seria
descabida: tratava-se da revolução socialista. (RIDENTI E REIS,
2007).
A organização - por compreender que o capitalismo brasileiro teve um
desenvolvimento tardio - analisa que a única forma da burguesia brasileira se inserir no
contexto mundial era fazer uma aliança com a burguesia mundial, imperialista,
sufocando assim, a classe trabalhadora brasileira, sobretudo os trabalhadores rurais que
sofriam com a grande concentração de terras, ou seja, com o predomínio dos latifúndios
no cenário rural. Descartou-se, dessa forma, a possibilidade de uma revolução burguesa
no Brasil, e optou-se pela luta armada e a construção do socialismo.
As propostas socialistas da Polop podem ser encontradas no documento,
Programa Socialista para o Brasil, publicado em setembro de 1967. O socialismo
proposto baseia-se na destruição das instituições, ditas burguesas, e na construção de
uma coletividade para os meios de produção, na planificação da economia e a extinção
da propriedade privada. Os princípios norteadores da Polop são o marxismo-leninismo,
como teoria da ação revolucionária.
A construção do partido assume um papel estratégico para o caminho da revolução
socialista, como órgão dirigente e educador das classes trabalhadoras. O partido teria
como tarefa ser o propagador do marxismo, socialismo científico, em contraposição às
ideologias burguesas, difundidas pela influência capitalista e reformista. A guerra de
guerrilhas, com inspiração na teoria do foco revolucionário advinda da experiência da
revolução cubana, é a forma pela qual a Polop propõe a luta pelo socialismo no Brasil.
As forças integrantes do processo revolucionário brasileiro, para a Polop, é o
proletariado. O grande aliado são os trabalhadores do campo. Setores da pequena
burguesia também poderiam vir a ser aliados neste processo, o movimento estudantil, os
soldados, cabos e marinheiros, oriundos da classe das camadas exploradas da sociedade.
Em 1967, foi realizado o IV Congresso da Polop, que aprovou o Programa
Socialista para o Brasil, cujo intento era conciliar a proposta leninista de revolução com
a proposta de guerrilha rural, de inspiração cubana. Conforme Jacob Gorender (1987),
estas propostas levaram a Polop a uma cisão, especialmente entre os militantes de São
Paulo e Minas Gerais. Os demais militantes que permaneceram na organização
29
propuseram uma unidade das esquerdas revolucionárias, entretanto somente uma
Dissidência do PCB, no Rio Grande do Sul, aderiu à proposta formando assim uma
nova organização, o Partido Operário Comunista (POC). Outras dissidências da Polop
foram os Comandos de Libertação Nacional (COLINA) e a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR).
O POC, entre os anos de 1968 e 1970, concentrou-se em um trabalho de
aproximação da classe operária. Em seu documento, Por Uma Prática Partidária, de
1968, aparece esta questão da classe operária como classe hegemônica da revolução.
Uma autocrítica é feita em relação à falta de aproximação com os trabalhadores, a
organização entendia que seria necessário uma maior aproximação com os
trabalhadores.
Após o seu II Congresso, o POC passou por cisões internas. O grupo que era
oriundo da Polop, em 1970, refunda a organização por não concordar com a linha
política do POC, na questão da luta armada urbana. Como consequência, a organização
ficou debilitada e foi duramente atingida pela repressão policial e praticamente deixou
de existir em 1971. Seus remanescentes foram para o exílio, onde parte deste grupo se
aproximou da IV Internacional.
Segundo Gorender (1987), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) é também
uma cisão da ORM – Polop com militantes da seção paulista do Movimento
Nacionalista Revolucionário (MNR), de orientação brizolista. A VPR teve participação
em diversas ações armadas e também em lutas estudantis. A organização ficaria
conhecida pelas suas diversas ações: em 1969 promoveu a expropriação de armas no
quartel do 49º Regimento de Infantaria de São Paulo, ação que provocou o abandono do
Exército por Lamarca. Esta ação ficou conhecida como “ação de Quitaúna”, que
culminou com a prisão de dois militantes envolvidos no plano, obrigando Lamarca a
abandonar o quartel às pressas equipado com um carregamento de armas. Outras ações
significativas foram a expropriação do cofre do ex-governador Ademar de Barros no
valor aproximado de US$ 2,5 milhões, o seqüestro do cônsul japonês Nobuo Ocuchi e
dos embaixadores alemão e suíço.
Os documentos publicados pela organização podem nos dar um perfil de suas
bases teóricas e políticas. O documento segundo o qual nos referimos é intitulado A
Vanguarda Armada e as Massas na Primeira Fase da Revolução de junho de 1969.
Este documento tem uma “importância decisiva na definição do perfil da VPR, suas
30
concepções de revolução, de organização revolucionária e da conjuntura que então se
vivia” (FILHO E SÁ, 2006).
O título deste documento refere-se à primeira fase da revolução. E sua definição:
“é a fase em que a vanguarda ainda é numericamente muito pequena e politicamente
pouco presente no processo político nacional. O seu desafio ainda é fundamentalmente
político e não militar, mas se faz pelas armas”. (FILHO E SÁ, 2006)
Aqui se aponta o problema debatido por todas as organizações de esquerda o que
se refere à relação entre a vanguarda e as massas. A VPR, por ser muito pequena se
comparada ao cenário político nacional, estava distanciada das massas e se constituía
numa organização de quadros. A referência bolchevique de partido que tenta enquadrar
as massas para a guerra revolucionária é a opção feita pela Vanguarda Popular
Revolucionária, embora a organização acreditasse que este partido já existisse, embora
sofresse debilidades.
Os impasses políticos que paralisaram a luta revolucionária na América Latina, na
análise da organização, dizem respeito a uma opção de “radicalização da luta de massas
com o acréscimo de ‘braços armados’, com perspectiva insurrecional na medida em que
não são posteriores a um desenvolvimento das forças revolucionárias no campo”.
(FILHO E SÁ, 2006). O impasse político da luta armada refere-se à insuficiência gerada
em criar um desafio real para o regime, não desgastando os governos latino-americanos
politicamente. Este impasse seria resolvido com a devida repercussão das ações
armadas, que proporcionaria uma repercussão nacional e afastaria esta crise de
crescimento das organizações clandestinas.
A VPR entendia que se atingisse um estágio avançado da luta revolucionária
transformar-se-ia em um partido nacional. Na tentativa de dar expressão organizada
utilizando-se de todas as formas de luta contra o regime autoritário, espantaria o
impasse do vazio político, catalisando a oposição social existente em oposição política
através da luta armada. O partido tornaria-se o educador das massas, necessitando de
uma grande estrutura.
A guerrilha estratégica, como está denominada no documento anteriormente
analisado, seria a única forma de luta capaz de combinar o apoio popular e transformá-
lo em força organizada. Fala-se também em guerrilha tática irregular, na qual o
guerrilheiro não é permanentemente um guerrilheiro, mas realiza ações armadas em
determinados momentos, para posteriormente voltar à sua atividade legal. Este tipo de
31
guerrilheiro é característico do meio rural quando existe o apoio popular. A ação
irregular destes guerrilheiros se dá pela facilidade da possibilidade de repressão em
lugares onde todos se conhecem. A guerrilha tática regular é aquela em que os
guerrilheiros realizam ações de sabotagem econômica e militar, a fim de atrair e
paralisar as forças antagônicas.
A opção feita pela luta armada e clandestina levou a VPR a um afastamento das
massas rurais e urbanas. A visão revolucionária inspirada na forma de partido
bolchevique fez com que a organização tentasse atrair quadros para a construção de tal
partido e, sobretudo, conseguisse avançar na luta armada. Diversas ações armadas foram
realizadas pela VPR, a “Ação de Quitaúna”
2
, por exemplo, fez com que a polícia agisse
com tamanha violência para desmantelar as ações clandestinas da VPR, o que surtiu
efeito. Reorganizada após muitas dificuldades, a VPR caminhou para a fusão com os
COLINA e outros pequenos grupos de esquerda, também duramente atingidos pela
repressão. Dessa junção constituiu-se uma outra organização, a VAR – Palmares, em
1969.
Os COLINA (Comandos de Libertação Nacional) quando surgiu, não adotara
nenhum nome para a organização pois tinha como objetivo participar de um processo
maior de fusão de diversos grupos e tendências. A cisão do Agrupamento de Minas
Gerais e do Rio de Janeiro realizaram uma conferência em 1968, na qual definiram-se
como organização política pelo caráter socialista da revolução brasileira e pela guerra
de guerrilhas.
As análises feitas pela organização em seu documento
3
escrito em abril de 1968
enfatiza que “as condições históricas concretas a luta armada assume o aspecto
fundamental entre as formas de luta” (COLINA: 1968). A guerra de guerrilhas, opção
feita pela organização, seria o embrião do exército popular, que não se traduz na luta de
um povo inteiro. A estratégia adotada é a teoria do foco, que pressupõe o
estabelecimento da guerrilha rural em lugares de difícil acesso para se travar a luta
revolucionária pela libertação nacional.
Por acreditarem
que o latifúndio e a industrialização brasileira atrelada ao capital
internacional geraram problemas não resolvidos pelo Partido Comunista Brasileiro,
2
Assalto ao Quartel do Exército em Quitaúna, São Paulo, que acabou sendo descoberto pela policia
instantes antes de sua realização.
3
Concepção da Luta Revolucionária é um documento significativo do Colina, nele está expresso as
concepções da realidade brasileira, assim como o da revolução brasileira e a organização do partido.
32
muito menos pela burguesia nacional, a solução seria a preparação de uma organização
revolucionária que promovesse a guerra de guerrilhas. A escolha de regiões pouco
acessíveis fora uma tentativa de encontrar o ponto fraco da repressão militar, que
possuía suas bases em regiões urbanas. O guerrilheiro, entretanto, deveria sobreviver em
lugares inóspitos, nas mais longínquas regiões brasileiras.
Em citação a uma reflexão de Che Guevara podemos sintetizar o que os Colina
estavam refletindo naquele momento histórico:
É preciso ficar bem definido que a guerra de guerrilhas é uma fase da
guerra e que, por si só, não tem a oportunidade de conseguir o triunfo
final. É uma das causas primárias da guerra e irá se desenvolvendo até
que o exército guerrilheiro, em seu crescimento constante, adquire as
características de um exército regular. Neste momento estará pronto
para aplicar golpes definitivos ao inimigo e alcançar a vitória. O
triunfo final será sempre o resultado da ação de um exército regular,
embora suas origens estejam no exército guerrilheiro. (GUEVARA,
apud FILHO e SÁ, 2006).
As bases explicativas para as concepções adotadas pelos COLINA estão
expressas nesta reflexão de Guevara. O foco guerrilheiro seria o embrião do exército
popular, poder alternativo que iria assegurar a vitória contra a burguesia, assegurando a
libertação nacional através da luta antiimperialista e antilatifundiária.
Os COLINA, em 1969, sofreram um forte ataque da polícia em Minas Gerais,
resultando na desmantelação da organização. Contudo, a organização não fora destruída
por completo e, no mesmo ano outros grupos aderiram aos COLINA: uma Dissidência
do Rio Grande do Sul que não aceitou a fusão com o POC; a Dissidência da Dissidência
(DDD) que reunia militantes da DI – GB; o Núcleo Marxista Leninista da AP do Rio de
Janeiro, e militantes dos estados da Bahia, Pernambuco e Goiás. Neste mesmo ano, os
Colina fundiriam-se a VPR formando assim, a VAR – Palmares.
A Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR – Palmares) resulta,
portanto, da fusão de diversas organizações provindas do Partido Comunista Brasileiro,
da ORM-Polop e da AP, ainda reúne quadros do MNR. Em seu programa de setembro
de 1969, a organização analisava a situação das classes sociais brasileiras a fim de
determinar sua condição econômica e ideológica e suas atitudes face a revolução.
A burguesia industrial, comercial e financeira eram os detentores dos meios de
produção ou simples administradoras daqueles que foram propriedade direta do
imperialismo. Sua política e ideologia eram a expressão dos interesses de concentração
33
e centralização do capital no quadro da integração do imperialismo. O latifundiário
constituía-se historicamente na forma econômica principal do capitalismo no campo e
estava voltado ao mercado imperialista. Estas classes constituíam o bloco das classes
dominantes no Brasil.
De forma antagônica situava-se a classe operária urbana e rural. O proletariado
era a classe social capaz de comandar a revolução brasileira. O proletariado rural passa
a ter uma importância fundamental para a revolução derivada das condições de
existência do capitalismo atrasado e dependente do Brasil. Os trabalhadores assalariados
agrícolas trabalhavam pelo salário ínfimo e irregular, devendo assim desempenhar um
papel relevante no desenvolvimento da luta revolucionária, pois estariam no centro do
palco revolucionário, reunindo características como concentração, organização coletiva
de trabalho, desvinculação dos meios de produção. Os trabalhadores das empresas
agrícolas era constituído de posseiros, parceiros, minifundiários, arrendatários, foreiros.
O semiproletariado caracterizava-se pela venda de sua mão-de-obra, ao mesmo tempo
em que trabalhava como produtor independente para a sua subsistência ou diretamente
para o mercado.
Diante desta análise acerca das classes sociais brasileiras, conclui-se que para
atingir as metas necessárias à construção do socialismo, protagonizada e dirigida pela
classe operária, a luta armada seria a única maneira de conquistar tal hegemonia
proletária. A aliança camponesa-operária seria fundamental para alcançar tais objetivos.
Assim como podemos encontrar no programa da VAR – Palmares:
O exército revolucionário é a corporificação da aliança particular que
o proletariado estabelece com as demais massas trabalhadoras, aliança
político-militar que se constrói através da progressiva mobilização e
organização armada das massas. (FILHO E SÁ, 2006)
A questão do partido era imprescindível na luta revolucionária. O partido
marxista-leninista asseguraria a coesão dos trabalhadores urbanos e rurais com uma
firme direção política e ideológica. Para a organização não existia oposição entre o
partido urbano e a guerrilha rural, pois só haveria direção partidária se fossem criados -
no exército revolucionário - organismos que facultassem a efetivação dessa direção que
aproximassem o exército do partido.
Diante destas concepções de luta revolucionária e organização do partido a partir
da análise das classes sociais brasileiras, a VAR –Palmares lança-se na luta armada e
34
clandestina no Brasil. No entanto, divergências referentes às concepções das tarefas
políticas e militares, entre lutas sociais e luta armada, levaram à dissolução da
organização. Uma parte dos militantes reconstruiria a VPR. Outro grupo desligaria-se
da VAR, discordando tanto das concepções analisadas da VAR – Palmares quanto da
VPR, formando assim a Dissidência da VAR –Palmares (DPV).
Não podemos nos esquecer da função desempenhada pela Ação Popular (AP) no
cenário das organizações de esquerda no Brasil. A AP formou-se a partir de quadros da
Juventude Universitária Católica (JUC), em 1963. Teve forte participação na
organização de trabalhadores rurais, no movimento social e estudantil.
No documento-base de 1963, a AP opta pela luta revolucionária, por uma política
de preparação revolucionária na organização popular, realizando, dessa forma, um
trabalho de organização de massas. A aliança camponesa-operária seria a força motriz
da revolução brasileira, como demonstrado nas revoluções socialistas no mundo. No
entanto, neste documento não aparece nenhuma formulação referente à diretriz política
da organização, muito menos uma formulação de como seria realizada a revolução no
Brasil.
Somente em 1971 a Ação Popular define-se como organização marxista-leninista-
maoísta. Percebe-se a influência de Mao Tse-Tung sob a organização. Conforme se
encontra no Programa Básico de 1971:
O maoísmo ou pensamento de Mao Tse-Tung é ao mesmo tempo uma
continuação e uma nova etapa do marxismo-leninismo: é a terceira
etapa do marxismo, o marxismo-leninismo de nossa época, da época
revolucionária em que o imperialismo caminha para sua ruína
completa e o socialismo avança para a vitória em escala mundial.
(FILHO E SÁ, 2006, p. 372).
A revolução popular chinesa exerce aspecto fundamental na ação política da AP,
como continuação da obra de Marx e Engels. As revoluções socialistas ocorridas
durante o século XX assumiram táticas diferenciadas. Enquanto a russa propunha uma
transformação pela via proletária, os cubanos propunham a tática do foco guerrilheiro
sem a participação das grandes massas, e na China iniciou-se um processo através dos
trabalhadores do campo.
Nas concepções expostas pelas resoluções da AP, a revolução brasileira seria
parte integrante da revolução mundial. A proposta era unir todos os partidos marxista-
35
leninistas para derrotar o imperialismo, o revisionismo, e a exploração do homem pelo
próprio homem. O programa máximo da AP consistia na emancipação proletária diante
da dominação burguesa, substituindo a ditadura da burguesia pela ditadura do
proletariado, vencendo o capitalismo com o socialismo e realizando o comunismo no
mundo inteiro.
A revolução brasileira, por sua vez, consistiria por uma visão etapista. A primeira
etapa seria uma transformação democrática e popular, antiimperialista e agrária. Esta
revolução teria como tarefas a de libertar o país, liquidar o domínio do imperialismo
estadunidense e a tarefa democrática de conquistar as liberdades democráticas do povo,
cessar o sistema latifundiário e todas as formas semifeudais e feudais de exploração e
libertar os camponeses. Com esta mudança econômica, política e social de cunho
nacional, democrática e popular teria como objetivo derrubar a ditadura militar instalada
no Brasil. Também exigiria a estatização de todas as empresas do grande capital
internacional e nacional, o confisco das terras dos latifundiários e sua distribuição para
os camponeses e assalariados agrícolas. Para conquistar tais êxitos precisaria ser
instalada a luta armada no país, construindo assim um exército revolucionário, e um
partido marxista-leninista-maoísta.
Outra dissidência da qual pretendemos citar brevemente, é o Partido Comunista
do Brasil – Ala Vermelha – PC do B – AV. A Ala vermelha surgiu em 1966, como uma
ruptura do Partido Comunista do Brasil (PC do B), ocasionado pelo texto apresentado
na VI Conferência neste mesmo ano. Os militantes que haviam viajado para a China,
encarregados de cumprir estágios e treinamentos, articularam-se em oposição ao
partido, fundando assim, a nova organização.
Esta oposição publicou um texto Crítica ao oportunismo e ao subjetivismo do
documento União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça
neocolonialista. Este documento representa uma forte crítica ao PC do B devido as suas
concepções sobre a revolução brasileira.
Neste documento encontramos as formas pela qual a Ala Vermelha analisa a
situação política brasileira, a elaboração de uma estratégia e táticas para a revolução
brasileira e a forma pela qual se desenvolveria o processo revolucionário. Afirma que o
Brasil é um país neocolonial e que as forças estrangeiras comandadas pelos Estados
Unidos ganharam espaço no Brasil devido ao apoio e aceitação da política de
dominação pelos grandes capitalistas brasileiros - os latifundiários, a burguesia
36
exportadora-importadora e a burguesia financeira. Estes setores capitalistas estariam no
campo da contra-revolução.
Do outro lado, estariam as classes menos favorecidas, ou seja, as camadas sociais
mais exploradas que constituem a força revolucionária: o proletariado, o campesinato, a
pequena burguesia, o semi-proletariado. A burguesia nacional, pelo fato de também
estar submetida à opressão neocolonialista, se constitui uma força revolucionária. Para
se alcançar os objetivos revolucionários, seria necessário que o proletariado fosse o
protagonista desta união de classes, ou seja, a aliança camponesa-operária. A principal
estratégia da Ala Vermelha era a destruição das forças militares, agrárias, com a
burguesia atrelada ao capital internacional.
Por esta razão, a atual etapa da revolução brasileira objetiva instituir
um regime democrático, sob a hegemonia do proletariado, e realizar
transformações na estrutura da sociedade, correspondentes às
necessidades da grande maioria da nação, ou seja, do povo brasileiro,
o que a caracteriza como uma etapa de democracia popular. (FILHO E
SÁ, 2006).
Portanto, o caráter da revolução brasileira seria anti-colonialista, democrática,
agrária e de transformações socialistas.
A estratégia desenvolvida pela Ala Vermelha foi a luta armada, através da guerra
popular, nos moldes da revolução chinesa. A guerra insurrecional - o processo de
desenvolvimento do movimento de massas, a luta urbana - foi descartada. A opção
adotada foi a guerrilha rural, pois acreditavam que as forças de repressão social eram
mais vulneráveis no campo, pelo simples fato do aparato militar estar concentrado nas
grandes cidades brasileiras. A guerra popular “é a forma que a luta armada assume
quando, a partir de pequenas ações armadas, se desenvolve paulatinamente até envolver
a participação de todo o povo.”
Diferentemente da tática cubana, para a conquista do socialismo, a Ala Vermelha
previa a participação de todo o povo na luta revolucionária. O partido seria forjado
através da luta armada e assumiria o papel de vanguarda do proletariado. O partido teria
como diretrizes metodológicas o marxismo-leninismo e comandaria o exército popular
revolucionário.
A Ala Vermelha havia participado das lutas sociais durante a década de 1960. Na
década de 1970, a organização ocupou a rádio de Santo André para emitir mensagens
revolucionárias. As forças policiais vinham armando um cerco à organização desde
37
1969, contribuindo para o isolamento político. Com isso, a Ala Vermelha começa a
fazer uma autocrítica às formas de luta até então realizadas e a suas concepções
referentes à revolução brasileira. Os 16 pontos foi um artigo crítico publicado pela AV,
uma primeira mostra de autocrítica em relação à avaliação de conjuntura e à
oportunidade da prática das ações armadas.
Este documento indica que opção adotada para o desencadeamento da luta
armada estava errada. O maior erro cometido foi não ter enfrentado o desenvolvimento
de um movimento de massas.
A ausência de um trabalho político junto as massas básicas, nosso
desligamento delas criava as condições para que essa ‘luta armada’ se
limitasse a ações armadas de vanguarda. Daí o desejo de transformar o
partido em ‘exército’, em ‘unidades de combate’, isto é, ao
liquidacionismo aberto ou sutil, o passo é pequeno. Isto resultou
também da falta de perspectiva para a orientação do trabalho de
massas. (FILHO E SÁ, 2006).
Esta resolução marca o início de uma nova etapa da Ala Vermelha. A partir dela,
os militantes teriam outras concepções de atuação política perante a sociedade. O
partido assumira tarefas de organização de atividades como greves, piquetes, a luta
contra o arrocho salarial, contra o Fundo de Garantia, contra a lei antigreve, contra a
intervenção nos sindicatos. Estas lutas assumiram um caráter de contestação a ditadura
militar e tinham como meta final a derrubada da ditadura militar.
De acordo com Jacob Gorender (1987), antes de 1968, somente a Aliança
Libertadora Nacional (ALN), o Comando de Libertação Nacional (COLINA) e a
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) implementaram ações armadas. Os dois
últimos eram dissidentes da POLOP que aderiram abertamente ao foquismo. A ALN,
dissidência do PCB de 1967, comandada por Carlos Marighella e João Câmara Ferreira
veio a ser, pelo menos até o final de 1969, a principal interlocutora do governo de Fidel
Castro no Brasil.
O foquismo, ou teoria do foco revolucionário, originava-se da crença de que a
Revolução Cubana teria se iniciado a partir da ação isolada de poucos homens. As
condições objetivas para a revolução estavam dadas na América Latina e a ação de um
foco guerrilheiro poderia acelerar o amadurecimento das condições subjetivas das
amplas massas. Introduzindo uma variação considerada necessária no marxismo
clássico, o foco atuaria junto aos camponeses e, posteriormente, com estratégias de
38
caráter verdadeiramente militar, a luta armada se expandiria de tal forma até conseguir a
derrubada do inimigo no poder.
Obviamente, esse processo de desmantelamento das organizações de esquerda,
dos sindicatos, das entidades estudantis e dos partidos de esquerda, determinou
alterações entre Estado e sociedade civil.
Para que o leitor possa entender melhor o debate realizado nesta dissertação
passemos a demonstrar o que se trata cada capítulo deste trabalho.
No primeiro capítulo desta pesquisa abordaremos a discussão referente ao
surgimento do PT e às organizações presentes em sua formação. Tentaremos demonstrar
que grande parte das organizações que deram origem ao partido e que estiveram
presentes no Congresso nos anos mencionados, eram as de orientação marxista,
principalmente as do período da luta armada no Brasil. Abordaremos também o debate
da presença de grupos da tradição trotskista, como a Causa Operária, Convergência
Socialista, Democracia Socialista. As agremiações estudantis também aderiram ao
partido. A Liberdade e Luta (LIBELU) que foi uma chapa para disputar o DCE da USP,
depois conhecida como O Trabalho é um exemplo significativo destas agremiações
estudantis.
Ressaltamos também a influência que a Teologia da Libertação teve na formação
partidária em sua escolha pelos pobres realizada em sua Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano, sinalizando em seus documentos, a busca por liberdade
e autonomia dos pobres oprimidos do Terceiro Mundo. Com estas concepções fizeram
com que entrassem no PT. Mostramos o surgimento da Articulação dos 113, que foi um
movimento formado principalmente por setores ligados a Lula, os sindicalistas, setores
da Igreja Católica progressista, setores marxistas ligados ao pensamento da revolução
cubana, além de outros quadros marxistas, que tinham como plataforma base conquistar
a hegemonia. Surge em 1983 como fruto de oposição as correntes organizadas no
interior do Partido dos Trabalhadores. Criticava a atuação das organizações internas ao
PT, como se fossem “partidos dentro do partido”, e suas concepções acerca do partido.
No capítulo II levantaremos o debate acerca das resoluções dos 5° e 6° Encontros
Nacionais. No 5º Encontro Nacional constatamos a consolidação petista, a sua saída de
discussões internas, ou seja, suas tendências e organizações ganham destaque nos
debates em nível nacional. As resoluções de Encontros e Congressos tornam-se mais
maduras, com o destaque para a forma de organização partidária, táticas e estratégias
39
adotadas, o socialismo, entre outros temas de relevância, como por exemplo, a estratégia
fixada de um programa Democrático e Popular. O PT ao longo de 1987 muda sua tática
de atuação regulamentando o direito de tendências, tentando assim, garantir a
hegemonia política. Os Núcleos de Base aparecem como expressão máxima de
aglutinação dos setores populares dos quais tentava-se conquistar a direção.
Discutiremos se houve de fato um núcleo marxista dentro do setor majoritário, a
Articulação. Ao longo do debate estabelecido surgiu a necessidade de diferenciação da
concepção entre partido de quadros ou de massas, e a definição petista entre elas. Outro
tema de relevância do 5° Encontro Nacional é a discussão das eleições municipais de
1988, das quais causaram uma divisão interna do partido, deixando a Articulação e os
setores que a apoiavam de um lado, e os setores minoritários de outro.
No Encontro Nacional foi estabelecida a discussão sobre as eleições
presidenciais de 1989 e o Plano de Ação de Governo (PAG). Afirmamos que a
campanha de Lula teve uma expressão socialista ao optar pelas plataformas
reivindicatórias dos trabalhadores. A formação da Frente Brasil Popular manteve a
radicalidade do 5° Encontro Nacional, na proposta da construção de um Governo
Democrático e Popular, colocando a possibilidade de acumular forças para a construção
de uma sociedade socialista. No entanto evidenciamos, a partir de 1989, a
profissionalização das campanhas políticas com grande apelo publicitário. O PAG
continha as propostas políticas para a democratização brasileira e suas plataformas em
caso de vitória eleitoral.
O terceiro capítulo traz o debate referente ao 7° Encontro Nacional, o I Congresso
do PT, e as idéias que fazem parte de sua consolidação como expressão política
nacional. Tentaremos demonstrar que com a queda do muro de Berlim e com a
bancarrota dos sistemas socialistas do Leste Europeu, o Partido dos Trabalhadores passa
por um processo de auto-crítica. O 7° Encontro Nacional foi marcado pelas críticas a
social-democracia e aos regimes comunistas soviéticos. Trazemos também a definição
da incorporação das tendências internas a Executiva Nacional e a regulamentação do
direito de tendências. Mostramos que a auto-crítica petista o conduziu a abandonar o
socialismo como uma conquista, colocando a democracia como princípio e fim das
metas partidárias. Sua opção pela institucionalidade e o abandono das plataformas
reivindicatórias dos trabalhadores.
40
No I Congresso temos uma continuação das resoluções do 7° Encontro Nacional.
Surge a idéia de que o partido passaria por um “refundacionismo”, como se sua
construção partisse do marco zero, assimilando assim novas concepções que advinham
da nova ordem mundial. Todas essas discussões representariam a consolidação petista.
Por fim, no capítulo IV levantaremos o debate, no que diz respeito às mudanças
que ocorreram no Partido dos Trabalhadores de 1989 – 1991. Faremos a pergunta: qual
foi o impacto causado no partido decorrente do desmantelamento do Leste Europeu?
Demonstraremos de que forma o PT assimilou novas concepções de organização
partidária e de atuação política, e de que forma as tendências internas filiadas ao
marxismo-leninismo se dissolveram, transformando-se em novas organizações, nas
quais muitas delas tornaram-se críticas à teoria marxista.
41
CAPÍTULO 1 - O PARTIDO DOS TRABALHADORES E AS ORGANIZAÇÕES
1.1 O surgimento de uma nova Esquerda no Brasil
Segundo Marco Aurélio Garcia (1994), a nova esquerda, surgida após as derrotas
das esquerdas revolucionárias na época das ditaduras militares da América Latina,
possui traços de rupturas e continuidades com a esquerda tradicional. Afirma que a
primeira geração teve origem na formação do Partido Comunista do Brasil. A segunda
geração constitui os grupos conhecidos como esquerda revolucionária, acima citada. A
terceira geração advém de uma conjuntura de declínio das ditaduras, que designa esta
esquerda como “esquerda social”. (GARCIA, 1994, p. 124).
Esses chamados ‘novos movimentos sociais’ correspondem à (re)
descoberta e/ou (re) valorização de temas ausentes ou minimizados
pelo pensamento das esquerdas tradicionais ou, o que é mais
importante, a uma nova reflexão substantiva sobre a democracia,
entendida como espaço de criação de novos direitos. (GARCIA, 1994,
p. 124).
O Partido dos Trabalhadores, objeto de estudo desta pesquisa, insere-se na terceira
geração, cujo processo de rupturas se apresenta sob três circunstâncias enumeradas por
Marco Aurélio Garcia (1994): ausência de referências internacionais; ausência de uma
referência doutrinária - é uma esquerda única; democrática – a nova esquerda dá ênfase
à democracia, procurando aprofundar seu significado e suas conquistas como um novo
espaço de atuação.
Ao longo da década de 1980, mais precisamente na segunda metade desta década,
o Brasil sofreu inúmeras transformações políticas, econômicas e sociais. O Partido dos
Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores, CUT, faziam oposição direta aos
governos militares e com a transição conservadora que se processava no decorrer da
década de 1980. Com o fim do milagre econômico e o processo de abertura “lenta e
gradual”, anunciada por Geisel, a instabilidade política, ocasionada pela crise, ampliou
significativamente o desemprego e a miserabilidade do povo brasileiro. Instaurou-se
portanto, uma crise no movimento operário, também motivados por razões
internacionais como as reformas soviéticas Perestroika e Glasnost, e com a posterior
queda do muro de Berlim. A expectativa do novo partido, dentro deste quadro, era a de
42
eleições diretas para o Brasil, que viabilizava eleger um candidato advindo da base do
proletariado. Seria a grande conquista do socialismo.
Mudanças históricas ocorridas desde 1970 fizeram com que a burguesia se
desprendesse do desenvolvimentismo com base na teoria Keynesiana, na qual o Estado
intervinha diretamente na economia, e na política de bem-estar social. O capitalismo
traz, até então, em face da ameaça socialista, a rigidez das propensões conciliatórias da
burguesia que tendiam a inibir as exigências reformistas das massas pauperizadas das
classes trabalhadoras e dos extratos assalariados das classes médias. No terreno
econômico, ele adere a um liberalismo sem consistência ideológica e sem dimensões
utópicas. Em suas duas
polaridades teóricas, “neoclássica conservadora e neoclássica
liberal assumem uma postura de defesa do status quo.” (BRUNOFF, 1991). A política
liberal emprega, sobretudo nos países de economia emergente, a abertura de mercados
para as corporações gigantes e o enlace do governo com o desenvolvimento capitalista,
especialmente na transferência do máximo de riqueza pública nacional para o setor
privado.
A burguesia espelhou-se no neoliberalismo para suprimir os direitos dos
trabalhadores no momento em que houve uma tendência decrescente na taxa de lucro
das empresas. As condições históricas do período possibilitaram uma reviravolta da
burguesia.
Na década de 1980 a estagnação econômica e o declínio da URSS já eram
evidentes. A URSS sofria muitas críticas dos movimentos socialista, reformista e
revolucionário. Assistimos ao fim da bipolarização do mundo, com o advento da Guerra
Fria, as tentativas de reformulação dos regimes do “socialismo real” com a Perestroika e
Glasnost, o massacre dos estudantes chineses e o avanço da ideologia neoliberal com a
crescente hegemonia mundial e o fim da URSS, que carregou consigo toda a carga
mítica do socialismo. Em decorrência disso, agrava-se a conhecida “crise do
marxismo”, em que as mudanças qualitativas ocorridas nas sociedades capitalistas
inauguram uma nova legalidade social diante da qual o “corpus teórico e a práxis
política inspiradas no marxismo já não tem nada a dizer nem a fazer” (BORON, 1994,
p. 221).
De acordo com Armando Boito Jr (1999), alguns países europeus elegeram
candidatos socialistas ligados ao pensamento da social democracia na década de 1980,
como François Mitterrand na França e Felipe Gonzáles na Espanha que aplicaram
43
medidas semelhantes àquelas de Thatcher na Inglaterra: a redução dos direitos dos
trabalhadores e a garantia de rentabilidade às empresas capitalistas. A União Soviética
implantava a Perestroika com Gobarchev, em 1986, que resultou no desmantelamento
da superpotência sem forças para combater os EUA. Devido à desarticulação da URSS
neste período, a crise do movimento operário acirrou-se, fora extinto o confronto bélico
contra o imperialismo. O campo capitalista tornava-se cada vez mais coeso. A burguesia
mundial encontrou um caminho aberto para implantar a política de supressão dos
direitos sociais e deixa os países da periferia do capitalismo em uma grande recessão.
Consideramos nesta pesquisa, que a situação mundial está marcada pelo
enfrentamento entre a revolução e a contra – revolução. O pano de fundo deste conflito
é a catastrófica crise econômica que deixa evidente o caráter da atual ordem econômica
e política internacional, hegemonizada pelo imperialismo norte- americano.
Segundo a tese Articulação: 1987 apresentada no 5° Encontro Nacional do
Partido dos Trabalhadores, em 1987, o desemprego, que atingia cada vez mais as classes
trabalhadoras de todo o mundo, se combinava, especialmente no terceiro mundo, com a
intervenção militar direta ou indireta do imperialismo e a repressão sistemática nos
setores sociais internos. “Dentro da ordem imperialista só existe um único destino: a
fome, a marginalidade, o assassinato, o genocídio...” (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 1987).
Vejamos alguns exemplos dos quais fizeram o PT se manifestar em relação à
conjuntura mundial em apoio aos povos oprimidos:
No momento que o Partido dos Trabalhadores realiza seu V Encontro,
os trabalhadores poloneses acabam de impor uma derrota ao governo
do general Jaruzelsky, dizendo não ao apelo feito de apoio as reformas
econômicas. Tais reformas visam adequar à economia polonesa às
exigências do FMI, portanto implica em medidas contrárias às
aspirações das massas da Polônia, agravando ainda mais as condições
de vida do país. Com esse resultado o polonês demonstra que não está
disposto a sustentar nenhum programa de um governo que lhe impede
de constituir livremente seus partidos políticos e sindicatos
independentes. Demonstra que o poder na Polônia, que persegue e
prende os militantes do Solidariedade, não representa os interesses do
povo polonês.
O PT sempre esteve solidário a luta dos trabalhadores da Polônia.
Os delegados presentes ao 5º Encontro reafirmam seu apoio a esta
luta, colocando – se ao lado dos trabalhadores poloneses na defesa da
melhoria de suas condições de vida. “Solidarizam – se também com a
luta pela conquista do direito da livre organização sindical e partidária
na Polônia, porque o PT entende que a democracia operaria é
44
imprescindível para a construção do socialismo. (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 1987).
Durante décadas, a Polônia viveu sob o domínio soviético que encontrou pela
frente movimentos formados por socialistas e nacionalistas contrários à imposição de
um comunismo autoritário como o da fase Stalinista. O temor de um Estado
centralizador e sobretudo burocratizado, fizeram com que o povo polonês optasse por
representantes eleitos diretamente. Na América Latina a situação dos países não era
muito diferente. Várias ditaduras militares se instalaram em alguns países, como Brasil,
Argentina, Paraguai, Chile, Haiti, entre outros. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores,
no 5° Encontro Nacional, aprovou uma série de monções em apoio aos povos do Leste
Europeu e América. Questões como autodeterminação dos povos, fim das ditaduras pelo
mundo, e construção de democracia foram temas de discussão durante o 5° Encontro
Nacional.
Entretanto, a situação política e econômica brasileira tornava-se cada vez pior.
Tancredo Neves, presidente da República, morre e assume seu vice, José Sarney. A
instabilidade política estava instaurada. Setores ligados ao PT faziam oposição à
chamada transição conservadora e ao processo de Constituinte no Brasil. A dinâmica
que o Estado brasileiro assume ao longo da história da República e como a classe
dominante mantém-se no poder, é historicamente determinada.
O processo de modificações organizacionais e tecnológicas ocorria de maneira
lenta na década de 1980, intensificando-se no final desta década com os primeiros
governos da década de 1990 (Collor e FHC). Neste período, houveram repercussões
importantes na organização operária. O solo favorável à proliferação dos movimentos
sociais de massa se desfaz. Acontece um aumento de subproletariados, trabalhadores
empregados no setor de serviços, subempregados, além do desemprego estrutural.
Ocorre uma fragmentação da classe trabalhadora, que torna suas organizações de luta
também fragmentadas e, por isso, enfraquecidas.
4
Deixam de existir reivindicações
respectivas à necessidade de consubstanciação de um projeto de infra-estrutura para o
4
Segundo Maria da Glória Gohn (1995) os sindicatos entraram em uma fase regressiva caracterizada pelo
sindicalismo defensivo e contratualista. Ocorre uma inversão da luta classista para o plano moral
claramente evidenciados em movimentos pela ética e os movimentos ambientais, por exemplo,
decorrentes da própria fragmentação ocorrida no processo de trabalho. Esse processo de fragmentação do
movimento dos trabalhadores também pode ser caracterizado pelas conhecidas lutas cívicas.
45
bem coletivo e passa-se a buscar garantias para um suporte mínimo de satisfação
(alimentação) pessoal. A sociedade civil passa a desacreditar no Estado e tenta
independentemente viabilizar a execução de suas próprias necessidades por meio de
movimentos como, por exemplo, as ONGs (Organizações não Governamentais).
Nesse sentido, as lutas populares e sindicais observadas do fim da década de 1970
até 1985 são substituídas pelas lutas cívicas, que diferentemente daquelas, não se
constituem de reivindicações estruturais, ligadas a um projeto político. A questão da
cidadania ganha maior importância e o próprio movimento sindicalista a coloca como
bandeira principal, perdendo seu caráter classista, assim como na década de 1970
ocorrera nos países desenvolvidos e periféricos.
O Brasil percorreu um período sem expansão econômica e sem modernização do
parque industrial, o que acarretou na perda da capacidade de competição econômica
internacional e num atraso extremamente difícil de ser recuperado, mesmo com o passar
de décadas.
Celso Frederico (1994) aponta que a Constituição Brasileira de 1988 consagrou
uma série de direitos sociais presentes na Consolidação das Leis do Trabalho, CLT,
havendo assim uma derrota dos setores conservadores que defendiam o Estado mínimo.
No entanto, esta Constituição não destruiu as bases do sindicalismo elaborado por
Vargas, o único ponto de ruptura seria o fim da tutela estatal.
Compreendemos, todavia, que se trata de uma crise estrutural do capitalismo
monopolista de Estado, que se manifesta ora numa recessão aberta, ora numa inflação
descontrolada ou no problema cambial, mas que reflete, no fundo, o esgotamento de um
determinado padrão de acumulação capitalista e a incapacidade de encontrar um novo
caminho de crescimento unicamente nos marcos da economia brasileira.
Com o objetivo de esclarecermos a formação do Partido dos Trabalhadores até
aqui, fizemos uma análise crítica da conjuntura em que a esquerda brasileira viveu. A
metamorfose da atuação política do Partido dos Trabalhadores será percebida somente
ao reescrevermos a história do país, em uma tentativa de reconhecer suas propostas,
formas organizacionais, acepção sobre o socialismo. Levantamos diversas questões:
será que o PT representa a continuidade das organizações de esquerda, com suas
concepções táticas e estratégicas? Ou será que o PT representa uma ruptura com estas
organizações políticas? Ainda continuamos a questionar se, em certa medida, o PT se
apresentaria com elementos de ruptura e continuidades da esquerda tradicional e da
46
esquerda armada. Qual seria o papel que as organizações revolucionárias e armadas das
décadas de 1960 e 1970 tiveram em sua construção e caracterização como partido? Com
todas as respostas ainda por serem encontradas, podemos dizer que agora nos falta
analisar a estrutura interna do PT, as teses e publicações relativas às organizações e
tendências que deram origem ao partido, suas concepções, seu desenvolvimento e
choques de propostas, e finalmente, suas bases programáticas acerca da conjuntura para
alcançar o socialismo.
1.2 A Formação do Partido dos Trabalhadores
Após um período marcado pelas lutas revolucionárias dos grupos armados e
pelas suas derrotas, o movimento operário brasileiro passou por um momento de
autocrítica e refluxo, somente superados com as novas experiências surgidas no cenário
político brasileiro. As greves que se desenvolveram na região da Grande São Paulo,
Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema, o ABCD paulista,
tiveram uma repercussão demasiada importante ao que a esquerda revolucionária
armada havia conseguido alcançar. As transformações ocorridas no movimento sindical
em 1978 e 1979 exerceram influência primordial sobre a formação do Partido dos
Trabalhadores.
As relações trabalhistas brasileiras foram edificadas durante o governo Vargas
nos anos de 1930 e início de 1940, em um processo que culminou com a criação da
Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, em 1943. A CLT definia os sindicatos como
órgãos destinados a colaborar com o governo. O Ministério do Trabalho, por sua vez,
tinha poderes de intervenção sindical, como por exemplo, substituir líderes sindicais
eleitos por funcionários do governo. Conforme a colocação de Margaret E. Keck:
Com o segundo governo de Vargas, estabeleceu-se o padrão do
chamado sindicalismo populista, segundo o qual o operariado apoiava
as políticas governamentais em troca de um afrouxamento dos
controles mais estritos sobre os sindicatos; assim, por exemplo, os
sindicatos puderam conquistar maiores salários nas grandes
mobilizações grevistas de 1953 e 1957. (KECK, 1991, p. 78).
Após o golpe, o governo militar continuou realizando uma série de intervenções
nos sindicatos brasileiros, substituindo as lideranças eleitas por funcionários do
governo. O regime passou a oferecer funções administrativas da previdência social, o
47
que fez os dirigentes sindicais dedicarem mais tempo ao gerenciamento de programas
de assistência social ao invés de praticar mobilizações grevistas.
Nos anos de 1978 e 1979 eclodem, no ABCD paulista, sucessivas greves
operárias com a participação de mais de três milhões de trabalhadores. Keck em citação
a Maria Hermínia Tavares de Almeida afirma acerca das greves:
Pareciam inspiradas mais pela necessidade de testemunhar as
aspirações operárias de liberdade, autonomia e direito a uma cidadania
plena, do que por qualquer reivindicação de curto prazo. (ALMEIDA,
APUD KECK, 1991, p. 81-82).
Embora as greves de 1979 tivessem como alvo principal a reivindicação salarial,
algumas delas já vislumbravam críticas a legislação sindical. Na pauta de
reivindicações, clamavam por uma organização de representação sindical ao nível de
fábrica e medidas de garantia de estabilidade no emprego.
O debate referente à construção do Partido dos Trabalhadores esteve presente nos
sindicatos de São Bernardo do Campo, Santo André, Osasco, Santos, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Campinas e Porto Alegre. Oficialmente, a idéia da construção do
Partido dos Trabalhadores foi lançada como uma resolução do XI Congresso dos
Metalúrgicos do Estado de São Paulo, realizado em Lins, São Paulo, em 1979. Neste
Congresso houveram sérias divergências em relação à formação de tal partido. De um
lado encontravam-se lideranças sindicais ligadas ao PCB, ao PC do B e ao MDB, que
criticavam a formação do partido baseado na proposta da reforma partidária, pois
avaliavam a construção do PT como uma tentativa de dividir a esquerda. De outro,
haviam os grupos que pretendiam dar um posicionamento revolucionário ao novo
partido, com grupos oriundos da esquerda armada, como a ALN, por exemplo.
Com a aprovação do Manifesto no dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion,
em São Paulo, foi criado oficialmente o Partido dos Trabalhadores. Os agrupamentos da
esquerda pressionavam para que suas linhas políticas de atuação pudessem ser
estabelecidas num único partido. Luis Inácio da Silva (Lula) colocou-se a favor da
democracia interna e rejeitou a proposta de uma ideologia do partido marxista-leninista.
Desde então, o PT assume um critério de subordinação aos interesses da classe
trabalhadora, norteador da atuação de Lula no PT.
O partido surgiu de uma trama muito particular da história brasileira, num período
de extrema resistência, assim como de uma original ruptura histórica com a antiga
48
política paternalista sobre a classe trabalhadora. O conceito de autonomia esteve
presente desde as origens do partido, a autonomia das classes subalternas em luta por
um movimento de negação da própria dominação. Nascido no seio dos sindicatos
combativos, o PT definiu-se como partido classista, de caráter amplo e massivo, de
organização autônoma e independente, não pretendendo, no entanto, ser o único
representante da classe trabalhadora.
Muitos autores
5
escreveram sobre o PT. Para Moacir Gadotti e Otaviano Pereira,
a idéia da criação de um Partido dos Trabalhadores, que, além de pretender educar
politicamente os trabalhadores, tem como proposta fazer a classe trabalhadora participar
da vida política brasileira, é radical porque faz com que os trabalhadores assumam sua
permanência no cenário político brasileiro. (GADOTTI E PEREIRA, 1989, p. 22).
Leôncio Martins Rodrigues (1990, p. 10) indica que “o PT surgiu dos
movimentos sociais, mas dos movimentos sociais ligados a Igreja Católica. Por outro
lado, o partido de fato foi lançado e apoiado por dirigentes sindicais, por lideranças
operárias”. O autor afirma que esta idéia relacionada à natureza do partido se dá pelo
fato de que a sua formação é constituída basicamente por trabalhadores, como é o caso
de Lula, considerado a maior liderança operária naquele momento histórico. No entanto,
o partido deveria ser entendido do ponto de vista sociológico como um partido de
classes médias, ou mais exatamente, de um setor das classes médias, de acordo com a
análise das profissões dos membros do Diretório Nacional.
Para Keck (1991), o PT foi criado em consequência de um conjunto de fatores
combinados em São Paulo (incluindo-se aí a região do ABC) em um momento histórico
cujas alternativas pareciam em aberto e o futuro ainda não determinado. Em 1979 e
início de 1980, apesar de dois anos de discussões, a concretização da idéia de um
Partido dos Trabalhadores autônomo e independente estava longe de constituir um fato
evidente. Em primeiro lugar, encontrava-se em São Paulo o núcleo central das
lideranças trabalhistas conhecidas em nível nacional. Em segundo lugar, uma base de
massa já se manifestava em São Paulo no final dos anos 70, por ocasião das greves e de
um sem-número de lutas sociais. Esses dois elementos envolvidos na formação do PT
5
Os trabalhos escritos sobre o PT, na atualidade, ganharam uma dimensão significativa, pois, o partido
elegeu Lula por duas vezes a presidente da República. Logo surgiram teses, dissertações, livros e artigos
discutindo algum aspecto referente ao PT. Para pesquisadores interessados no tema, alguns trabalhos
referenciais: (DELGADO, 2007); (FILOMENA, 2006); (SOUZA, 2004); (NUNES, 2003); (FRANÇA,
2006); (SAMUELS, 2004); (COUTINHO;MIGUEL, 2007); (CERVI; SOUZA;VEIGA, 2007);
(DEMIER, 2003); (BALBACHEVSKY; HOLSHACKER, 2004); (OTTMANN, 2006); (ALMEIDA,
2003); (CARVALHO, 2006); (GENRO, 2000); (DEMIER, 2003).
49
são os mais freqüentemente citados nas tentativas de análise do seu desenvolvimento.
Contudo, a existência de líderes e de uma base não são suficientes para explicar o
surgimento do partido, numa situação histórica em que ainda se conservava muitas das
características de um regime autoritário. O terceiro fator a ser considerado neste quadro
de formação do PT consiste na “preparação do terreno” para o seu lançamento pela
esquerda organizada, cuja visibilidade crescente no plano público no final dos anos 70
ajudou a ampliar a possibilidade de ocupação da esquerda num espectro político.
Além dos sindicatos, o PT pôde contar com outras formas de organização social
que contribuíram para a formação de sua base de massa, como as Comunidades
Eclesiais de Base – CEBs – que ajudaram a ampliar o potencial do partido. As ligações
entre o movimento operário e os movimentos de bairro, forjadas em grande parte pelo
papel central desempenhado pelos ativistas católicos, foram cruciais na mobilização do
apoio local das greves em 1978 e 1979, revelaram-se também importantes para expandir
a discussão do projeto do PT.
Algumas facções de esquerda foram ativos promotores na formação do PT. No
final dos anos 70, muitas pequenas organizações de esquerda, frequentemente
originárias do movimento estudantil, começaram a organizar-se de forma mais aberta.
Um dos mais ativos, dentre a constelação de grupos de esquerda, era a Convergência
Socialista, que desde sua formação, em janeiro de 1978, havia apontado a necessidade
de se criar um partido socialista. A Convergência foi um dos primeiros defensores da
idéia de um Partido dos Trabalhadores. A Liberdade e Luta, Libelu, organização
estudantil e o Movimento de Emancipação do Proletariado, MEP, acabaram filiando-se
ao partido.
Alguns parlamentares oriundos do MDB, da tendência popular, aderiram ao
partido. Posteriormente, Edson Khair, Antonio Carlos de Oliveira, Eduardo Suplicy
entre outros, aderiram ao PT.
Márcia Regina Berbel (1991) nos traz pistas interessantes do que pretendemos
investigar nesta pesquisa: as tendências de esquerda que estão presentes no PT. Berbel
indica em sua análise a presença dos sindicalistas ligados a Lula na formação do PT.
Também coloca a posição adotada pelos intelectuais e o grupo dos “autênticos” ligados
ao MDB, o papel que a Igreja Católica dispunha nas formulações para a criação do
partido, e o que mais interessa neste estudo, o papel que a chamada esquerda clandestina
teve na formação do Partido dos Trabalhadores.
50
O ingresso da Ala Vermelha e da AP no PT se deu a partir do contato com os
sindicatos, que não haviam passado por nenhuma elaboração partidária anterior. As
questões teóricas parecem ter ficado sem resposta e a própria adesão ao PT ocasionou
grandes divergências internas, com a posterior dissolução da organização. O MEP, por
sua vez, veio a assumir a perspectiva de união das esquerdas para a formação de um
partido. No entanto, tentativas de ligação com a AP e o MR-8, por exemplo, eram
inviabilizadas pelo fato de que o centro de atuação desses grupos, era a luta pela
democracia.
1.3 A Igreja Católica
A Igreja Católica teve um papel importante na fundação do Partido dos
Trabalhadores. As comunidades Eclesiais de Base (CEBs) eram organismos da igreja
que atuavam nos bairros, organizando os trabalhadores em suas lutas cotidianas, como
organização de movimentos sem-teto, entre outras lutas. A Segunda Conferência Geral
do Episcopado Latino-Americano de 1968, já sinalizava em seus documentos, a busca
por liberdade e autonomia dos pobres oprimidos do Terceiro Mundo. Na terceira
Conferência do Episcopado de 1979, os documentos apresentam duras críticas ao
sistema capitalista de produção:
A economia do mercado livre, na sua expressão mais pura ainda
vigorante em nosso continente, e legitimadas por ideologias liberais,
tem alargado o fosso entre ricos e pobres, pelo fato de antepor o
capital ao trabalho, os interesses econômicos aos sociais.
(GREINHACHER, 1995).
A opção da Igreja em lutar pelos pobres fez com que a Teologia da Libertação
entrasse na disputa política, e também contribuiu pela sua afirmação enquanto
tendência de pensamento da Igreja Católica, que gerou adeptos do pensamento
crítico de esquerda.
Armando Boito Jr. (1999), diz que a Igreja Católica, no início do novo
sindicalismo, marcado pelas greves de 1978 e 1979, teve participação fundamental,
tanto ideologicamente como politicamente. As organizações da esquerda marxista
51
estavam debilitadas no Brasil, mas a Teologia da Libertação, ao contrário dos
movimentos marxistas de esquerda, estava em ascensão no Brasil e na América Latina.
A ação da Teologia da Libertação contribuiu para a orientação de esquerda assumida
pela liderança sindical emergente no ABCD paulista, que poucos anos depois
organizaria a tendência Articulação. (BOITO JR., 1999, p. 210).
Márcia Regina Berbel afirma que:
Antes mesmo da elaboração da Teologia da Libertação, as
experiências da juventude estudantil cristã, através da JUC (Juventude
Universitária Católica) entre 1960 e 1962, apontavam para a
necessidade de uma prática política junto aos setores desprivilegiados
da população, utilizando-se da literatura marxista. (BERBEL, 1991, p.
36).
Mas também enfatiza que a igreja só ingressou de fato no PT, em 1983. As CEBs
tiveram um papel decisivo na organização dos movimentos populares urbanos. A forma
de organização molecular e a prática cotidiana são expressões de organização e,
sobretudo, de amadurecimento político, que parte da própria dinâmica estabelecida
pelos trabalhadores, impedindo a atuação de partidos políticos com centralismo
democrático. A luta trava-se como expressão autônoma dos próprios trabalhadores.
Com sua inserção no movimento de trabalhadores, a Teologia da Libertação
participou da construção do Partido dos Trabalhadores, que por abarcar muitas de suas
propostas e influências, como por exemplo, a questão da autonomia que aparece no
Manifesto e no Programa do Partido dos Trabalhadores. Contudo, os setores da igreja
que compuseram de início o PT aderiram à corrente majoritária, a Articulação dos 113.
Os setores que se integraram ao PT na época de sua fundação foram a Pastoral
Operária e alguns intelectuais, como Plínio de Arruda Sampaio. Podemos constar esta
afirmação na leitura dos trabalhos de Boito Jr. (1999), Costa (1998), nos documentos
publicados pela Democracia Socialista, entre outros. A presença dos setores
progressistas foi fundamental para a formação do PT, principalmente para o surgimento
e fortalecimento de seu núcleo dirigente.
1.4 As organizações presentes na formação do PT
No Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação convivem diversas
organizações e tendências. A partir de 1983, dois grandes blocos se evidenciam: a
52
Articulação e as tendências minoritárias. A Articulação reúne militantes não mais
vinculados a grupos organizados: sindicalistas autênticos, cristãos, intelectuais e
militantes de esquerda independentes, bem como ex-militantes da esquerda organizada,
particularmente da extinta ALN e, a partir de 1987, os dissidentes do grupo trotskista, O
Trabalho. Na presente análise, acreditamos que a Articulação fosse a tendência
majoritária existente no PT. Vinculam-se à Articulação Luís Inácio da Silva (Lula); José
Dirceu; Olívio Dutra; Luís Gushiken; Jair Menegueli; Aloizio Mercadante, Plínio de
Arruda Sampaio dentre outros.
Conforme indica Clóvis Bueno de Azevedo:
A distinção entre partidos clandestinos ou paralelos no PT,
agrupamentos ou organizações parapartidários, facções ou tendências
internas (no PT ou ao PT, a depender da análise) varia conforme a
ênfase que se de a uma ou outra característica de cada grupo.”
(AZEVEDO, 1995, p. 79).
Entre a constelação de agrupamentos, partidos, facções e tendências podemos
encontrar: a Ação Popular Marxista Leninista (APML), Política Operária (POLOP);
Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP); Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR); Ação Libertadora Nacional (ALN); Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR); Ala Vermelha (ALA); Convergência Socialista (CS);
Democracia Socialista (DS). Mais tarde, um ano após a fundação, aderiu ao PT a
corrente Liberdade e Luta, O Trabalho. Em 1985, o Partido Revolucionário Comunista
(PRC), grupo que rompera com o PC do B alguns anos antes, também ingressou no PT
apesar de manter durante vários meses uma dupla militância no MDB e no PT, porta-
vozes públicos do PRC.
1.5 As Organizações Trotskistas
Dentro de cada agrupamento que participaram da fundação do PT, podemos
encontrar diferentes concepções defendidas. A pesquisa de Antonio Ozaí da Silva
(1986) é referencial na discussão acerca das tendências no Brasil.
A corrente O Trabalho, mais conhecida pelo nome de Libelu (Liberdade e Luta),
era uma chapa estudantil que disputou eleições ao Diretório Central dos Estudantes
(DCE) da USP. Este agrupamento político foi impulsionado pela Organização Socialista
53
Internacionalista (OSI) e fazia uma análise de que os sindicatos oficiais atrelados à CLT
travavam lutas políticas através de reivindicações incompatíveis com a tese de
autonomia sindical, que está presente no Manifesto Programa do Partido dos
Trabalhadores, cuja tese defendia que os sindicatos deveriam ser dirigidos por uma
política independente.
A posição da OSI defendia que o PT não era um partido revolucionário e
colocaram-se contra o surgimento do partido. Como afirma o Antonio Ozaí em relação
às propostas da OSI encontradas em sua I Conferência Nacional:
O PT é uma resposta ao movimento do operariado no sentido de sua
organização independente. É uma resposta que atende aos interesses
de auto-preservação da pelegada ‘autêntica’, bem entendido. Porém,
para os trabalhadores o importante é conhecer as intenções ocultas dos
pelegos; o importante é que o PMDB é inaceitável como partido,
como também é inaceitável a limitação de suas lutas no plano sindical.
(SILVA, 1986, p. 180).
No entanto, as propostas da OSI referentes ao PT modificam-se conforme o
tempo. No IV Congresso, segundo Antonio Ozaí (1986), a organização opta pelo PT
considerando que o partido se constrói como uma opção do operariado pelas relações
que tem com as massas e que, “construir o PT, contribui com a construção do partido
revolucionário.” A OSI tentava uma aproximação com a Articulação dos 113, pois
considerava que esta corrente era o pilar de sustentação do Partido dos Trabalhadores.
Esta foi uma tentativa de levar as influências da IV Internacional ao partido, acreditava-
se que a aproximação à Articulação dos 113, transformaria-se em mais uma organização
da IV Internacional.
Ao ingressar no PT, a OSI defendeu que se construísse como um partido de
classe, combatendo a idéia de um partido ‘dos trabalhadores e da sociedade’ ou de um
‘partido aberto’. Conforme Karepovs e Leal (2007) era preciso lutar pelo término da
ditadura brasileira, romper os acordos firmados pelos governos com o imperialismo,
lutar pela independência nacional, etc. Ainda lembram que conjuntamente à
Convergência Socialista fizeram um manifesto ‘Em 82 vote PT – Contra a ditadura, os
patrões e seus partidos’. Ao longo de 1984, defenderam a convocação de uma
Assembléia Constituinte sem a participação das oposições no colégio eleitoral.
Conforme a execução de novos Congressos, a OSI adota o nome de Fração da IV
Internacional e tenta uma aproximação com o intuito de aprofundar sua integração no
54
PT. Mais tarde adota o nome O Trabalho e passa a ser uma corrente do PT respeitando
e adotando as resoluções do partido.
A Causa Operária surgiu de uma cisão do Comitê Internacional pela
Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI). A Causa Operária desde o
surgimento do PT tentou influir em seu destino travando debates acerca da organização
e atuação do partido. Defendia que o PT estivesse envolvido na formação de comitês
dentro dos sindicatos para que fossem organizados a partir de seu lugar de trabalho, nos
sindicatos classistas e de massas; um partido operário. A Causa Operária sempre se
recusou encapar as propostas da Articulação dos 113 e de outras correntes do PT, o seu
pequeno número de militantes aliado a falta de correspondência com as demais
organizações dentro do PT, levaram a isolação da Causa Operária no partido e
consequentemente do movimento operário.
A história da Convergência Socialista (CS) formou-se por brasileiros que
estavam no exílio na Argentina e possuíam uma publicação chamada “Independência
Operária”. Estes exilados organizaram-se em torno da Tendência Leninista-Trotskista
do Secretariado Unificado (SU) que junto com militantes da FBT formaram a Liga
Operária, que tinha como referência o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) da
Argentina. Em 1977, a Liga Operária passa a chamar-se Partido Socialista dos
Trabalhadores e lança o movimento Convergência Socialista, cujos objetivos eram
aglutinar militantes socialistas para a formação de um partido no Brasil. Em 1979 o PST
passa a se chamar Convergência Socialista.
A Convergência Socialista desde o lançamento do PT encampou a ideia de
formação do partido, mas sempre formulava muitas críticas referentes às formas de
organização. Por serem uma organização da IV Internacional com a proposta de
construir o Partido Revolucionário no Brasil, ou seja, o Partido da IV Internacional,
definiram suas posições a favor da construção do Partido dos Trabalhadores em
contraposição às propostas do Partido Comunista Brasileiro, visto como um partido
contra-revolucionário. Entretanto, ao encampar a ideia da construção do PT, suas
críticas estavam voltadas à direção petista, que estaria conduzindo o partido a uma
política de conciliação com a burguesia e ao capitalismo e que o partido estaria
caminhando para tornar-se simplesmente eleitoreiro, abandonando as lutas sociais.
55
Karepovs e Leal (2007) apontam as tensões internas da CS ao entrarem no
partido. Houve uma divisão interna da organização ao acreditarem que o PT poderia
representar o embrião do partido revolucionário.
Portanto desde o começo se estabeleceu uma relação tensa, em que a
Convergência Socialista sofreu pressões diluidoras em seu novo meio
de trabalho, tendo que se esforçar por delimitar seu território,
pressionando para que o PT mantivesse um caráter classista e uma
orientação programática socialista. (KAREPOVS E LEAL, 2007, p.
173).
Conforme documento oficial (BASES PROGRAMÁTICAS, 1988) da
Convergência Socialista, o PT seria uma proposta pequeno-burguesa, pois em lugar de
ter como base as organizações operárias de massas, tinha uma proposta de aliança da
burocracia sindical com os grupos pequeno-burgueses de esquerda baseada na formação
de núcleos, o que não superava o chamado nacionalismo burguês. Defendiam a
formação de frações sindicais
6
que deveriam possuir autonomia de atuação
independentemente da vinculação partidária. (CONVERGÊNCIA SOCIALISTA,
1988).
Para a CS o processo de transição foi reflexo das lutas populares que teriam
forçado a derrubada da ditadura militar, o que representava um momento de ruptura
revolucionária. Com esta análise, a CS aprofunda sua atuação na CUT e tenta
implementar uma política de classe na busca de unidade do movimento operário.
Acreditavam na ideia de que seriam o embrião do Partido Revolucionário.
Karepovs e Leal (2007) afirmam que a organização em 1984 viu a necessidade de
lutar por uma Constituinte livre, democrática e soberana, contra o pacto social. Ao
analisarem que Tancredo Neves, presidente eleito, tentaria impedir as lutas,
6
O debate estabelecido é a atitude a ser tomada perante a estrutura sindical. Frederico (1994) afirma que
os comunistas defendiam a ‘Unidade Sindical’. Esta orientação era uma tentativa de manter a unidade do
movimento sindical. Os outros segmentos defenderam a idéia de unidade somente entre os setores
combativos, que na verdade consistia em não fazer aliaas com os comunistas na tentativa de fazer com
que Lula e setores ligados a esse novo sindicalismo, conquistassem a hegemonia frente ao movimento
sindical. O PCB procurava conquistar as entidades sindicais. A linha política do partido para alavancar as
entidades seguia a orientação leninista. De outro lado, diversos grupos de esquerda procuraram uma
fórmula alternativa para reerguer o movimento dos trabalhadores. Essas organizações tentavam organizar
os trabalhadores fora da estrutura sindical.
56
mobilizações populares e greves. Com o perfil da Constituinte definido, a Convergência
Socialista defendeu que o PT não deveria assinar o texto
7
.
Em 1979 surgiu a Democracia Socialista (DS). Formada a partir de Dissidências
Estudantis de Minas Gerais, Rio Grande do Sul. Segundo Antonio Ozaí (1986), um dos
fatores que permitiram a formação da DS foi a participação da Dissidência de MG e do
RS na criação do jornal “Em Tempo”
8
. A Democracia Socialista participou do PT
desde sua fundação. Em 1983, com surgimento da Articulação dos 113, a organização
passa formar articulações em composição com outras tendências que atuavam no PT. A
DS compôs a “Alternativa Operária e Popular”, destacando-se como principal força
política que visava construir uma articulação de esquerda revolucionária no PT. Esta
articulação baseava-se na defesa da “independência política da classe trabalhadora”,
“uma alternativa operária e popular”, “uma opção pela revolução brasileira”, “a
democracia operária na construção do socialismo”, “a luta pela construção do PT como
um partido militante, dirigente das lutas dos trabalhadores”, entre outras plataformas
políticas.
Na leitura realizada por Karepovs e Leal (2007) o jornal Em Tempo, porta-voz da
DS, propunha que o Partido dos Trabalhadores encapasse a plataforma de apoio à
construção de uma Assembléia Nacional Constituinte, combinando o processo de sua
construção com a luta pela derrubada da ditadura militar. Durante as eleições de 1982
lançaram candidatos próprios com a palavra de ordem ‘Trabalhador vota em
trabalhador’, pois acreditavam que este mote animaria os trabalhadores e diminuiria o
controle da burguesia sobre a classe trabalhadora.
A Democracia Socialista propunha construir um partido revolucionário que fosse
capaz de dirigir a revolução brasileira. Esta revolução abrangeria um processo de
massas, que entraria no cenário político para fazer enfrentamento ao Estado,
construindo assim um novo poder político a partir dos órgãos criados pela auto-
organização dos trabalhadores.
7
Embora o Diretório Nacional (DN) do PT tenha aprovado a rejeição da Carta Constitucional, optou por
assiná-la, como forma de participar do jogo institucional.
8
Conforme Karepovs e Leal (2007) o jornal Em Tempo agregaria, em sua primeira fase, grupos tão
variados como o Centelha, de Minas Gerais, o Nova Proposta, do Rio Grande do Sul, o Movimento pela
Emancipação do Proletariado, o Sub-Frente, a Ação Popular Marxista-Leninista, o Grupo Debate, o MR-
8, representantes da OSI e independentes.
57
As posições assumidas pela DS tiveram a influência marcante do SU
da IV Internacional, por quem os líderes da Democracia Socialista já
eram influenciados antes mesmo da fundação do grupo. Em linhas
gerais, a corrente dirigida por Mandel criticava a experiência stalinista
e todas as outras formas de Estado burocrático, qualificados como
“degenerados ou deformados”, e defendiam a ditadura do proletariado
com democracia socialista, no que o partido revolucionário teria um
papel fundamental a desempenhar. O SU afirmava que os Estados
tinham uma natureza de classe, e que, como tal, serviam de
instrumento para manter no poder uma determinada classe, o que o
levava à conclusão de que “todos os Estados são ditaduras”. Nesse
sentido é que a democracia burguesa representava a ditadura da classe
que controlava o Estado (ditadura burguesa), mas que,
contraditoriamente, era minoria em relação à classe proletariada.
(ÂNGELO, 2007, p. 03).
Conforme os Cadernos de teses da DS, logo que surgiu, o PT representava um
passo histórico para o proletariado brasileiro. “Representa um esforço dos setores
fundamentais da vanguarda do movimento operário e popular no sentido de construir
um partido próprio dos trabalhadores, com uma política própria.” (DS, 1988, p. 9). O
PT também representaria o único partido em oposição a transição em curso no Brasil,
que era oposto a conciliação de classes, que tinha como meta os interesses dos
trabalhadores.
Para a DS o PT seria um partido estratégico. Seria necessária a construção de uma
nova direção, uma nova hegemonia, fruto de um amplo reagrupamento em seu interior,
unificando todos os setores que defendiam a independência de classe dos trabalhadores.
Esta nova direção contaria com a participação da Articulação dos 113, procurando fazer
uma fusão dos setores revolucionários com o setor da vanguarda classista.
Segundo Karepovs e Leal (2007) a Democracia Socialista, ao longo da campanha
pelas Diretas-JÁ, propôs que o PT lutasse para conquistar a hegemonia do movimento.
Deveria o partido fazer com que a campanha negasse tudo o que a ditadura
representava, lutando assim, por uma Assembléia Constituinte e por um governo dos
trabalhadores. Com o falecimento de Tancredo Neves, a DS defendeu a convocação
58
imediata de eleições gerais para Presidente da República e para a Assembléia Nacional
Constituinte.
Com a instauração do Congresso Constituinte, a organização posicionou-se
contrário a entregar todo o poder ao congresso, que havia sido proposto pela
Convergência Socialista. Visualizavam que a composição do parlamento era
extremamente conservadora.
A direita detinha 21,8% das cadeiras, os conservadores de centro-
direita, 17,7%, e os liberais de centro, 47,5%. Naquelas condições,
‘defender todo o poder à Constituinte só poderia ter um significado: o
de fortalecer nas massas a ilusão numa democracia autoritária, o de
apoiar objetivamente a estratégia de transição à democracia moldada e
controlada pela burguesia’. (KAREPOVS E LEAL, 2007, p. 213).
1.6 As Organizações Marxistas-Leninistas
A Organização Comunista Marxista Leninista – Política Operária (OCML - PO),
mais conhecida como Nova Polop, enxergara que o rápido crescimento petista estava
ligado ao descrédito que a classe trabalhadora depositava nas alternativas políticas
existentes, fosse no MDB ou no PTB, cujas alianças com as classes dominantes
deixaram as reivindicações das classes subalternas em segundo plano.
Na publicação da organização, Política Operária, define o PT “como um partido
organizado pela base, presente nas lutas das massas trabalhadoras e que pretende
unificá-las. (OCML-PO, 1980, p. 14).
O PT está organizado na luta contra o poder
econômico e político dominantes. É um partido que visa à autonomia dos trabalhadores
através das lutas emancipatórias, como por exemplo, a luta pela autonomia sindical,
lutas salariais.
A OCML-PO acredita que o PT por ser expressão mais avançada da classe
trabalhadora no Brasil possibilitará a construção de um partido revolucionário capaz de
dirigir a revolução brasileira. No entanto, faz críticas à direção petista, acusando-a de
“cupulismo”, como expressão da experiência política da década de “chumbo”, o período
caracterizado pela existência e lutas de organizações clandestinas revolucionárias.
Enfatiza que os núcleos de base formados pelo PT caracterizam uma forma de
organização peculiar, que permitirá a discussão de diversas organizações incluídas no
PT, como fruto da democracia interna do partido.
59
O Partido Revolucionário Comunista (PRC) teve sua fundação em 1984.
Oriundos de uma cisão do Partido Comunista do Brasil, pois acreditavam que o partido
estava oscilando entre a burguesia e a classe operária sem uma definição ideológica
precisa. O PT era um partido reformista que pregava a ascensão das massas através da
ordem capitalista vigente. O PRC definia-se como uma organização marxista-leninista e
formulava críticas às correntes trotskistas e ao stalinismo como degeneração do
pensamento marxista. Em 1985 decide entrar para o PT por acreditarem que era o único
partido não integrado com a transição burguesa. Segundo as afirmações acerca do
Partido dos Trabalhadores em seu II Congresso, afirmam:
Trata-se de uma organização político-frentista hegemonizada por
posições reformistas, aprisionada nos marcos da ideologia burguesa
dominante na sociedade e com a qual só uma ideologia revolucionária
pode romper. Não esperamos, tampouco, que o PT venha a se
transformar em um partido revolucionário marxista-leninista, pois as
premissas ideológicas deste último são totalmente diferentes. (II
CONGRESSO, 1985).
O PT seria então um partido de frente de esquerdas, que agruparia uma
constelação de partidos e tendências em seu interior. O PRC não coloca-se como uma
tendência do PT, define-se como uma organização política revolucionaria clandestina,
com existência própria, autônoma, que define sua atuação partidária-legal de seus
militantes, como filiados individuais.
O Movimento Comunista Revolucionário (MCR) foi fundado em 1985, uma
fusão do MEP, da Ala Vermelha, OCDP. Para o MCR, a construção do Partido dos
Trabalhadores passa pelo combate ao basismo, ao obreirismo e à supremacia das
correntes autonomistas e social-democrata. Em seu I Congresso afirmam que
trabalhavam para construir o PT como um amplo instrumento político, que
representasse a unidade dos trabalhadores contra a exploração capitalista. Não
acreditavam na idéia de que o PT fosse um partido revolucionário. Reconheciam que o
partido cumpriria um papel estratégico para a revolução brasileira, por reunir diversos
setores da classe trabalhadora. O MCR lutava pela unificação dos comunistas
revolucionários brasileiros em um único partido. Nas condições objetivas brasileiras, a
revolução tem um caráter socialista, pois visa criar e assegurar as condições para a
transição do capitalismo ao socialismo e cumprir as tarefas democráticas, anti-
monopolistas e anti-imperialistas.
60
1.7 Articulação dos 113
A Articulação dos 113 surge em 1983 como fruto de oposição às correntes
organizadas no interior do Partido dos Trabalhadores, formada por setores ligados a
Lula, aos sindicalistas, aos setores da Igreja Católica progressista, aos setores marxistas
da revolução cubana, além de outros quadros marxistas. Criticava a atuação das
organizações internas ao PT, como se fossem “partidos dentro do partido”, e suas
concepções acerca do partido. Elucidavam que o PT não tinha surgido do seio destes
movimentos revolucionários e que a atuação dos mesmos, atrapalhava a proposta do
partido aberto e de massas.
Segundo a edição resumida dos textos com as propostas políticas da Articulação
divulgada na época de seu surgimento, o partido vivia uma crise relacionada a
resultados eleitorais, divergências internas, falta de propostas, cujo enfrentamento
demandaria a superação de duas “tendências” que então se verificavam no partido: uma
tendência reunia militantes vinculados ao pensamento marxista, oriundos de
organizações marxistas, a outra tendência era formada por aqueles que defendiam a
autonomia política dos trabalhadores, vinculados ao pensamento anticomunista, à crítica
social-democracia formados por setores da Igreja, sindicalistas, intelectuais, estudantes
e movimentos populares. Assim, a Articulação veio analisar os setores marxistas do PT
como formuladores de uma proposta estreita, vanguardista e tradicional de partido de
classe operária, confundindo o partido com os pequenos agrupamentos que
habitualmente se intitulam representantes das massas exploradas. Ao invés de
contribuírem para a construção de uma organização política forte, coesa, democrática e
de massas, preferem se organizar à margem do PT.
A Articulação criticava as concepções adotadas pelas organizações que definiam
o PT como frente de forças políticas. O MEP, por exemplo, acreditava na possibilidade
de o partido ser a frente de partidos de esquerda por possuir um conjunto de forças
sociais e políticas em seu interior. Baseado nestas implicações a carta aberta aos
militantes do PT diz:
Definir o PT como ‘frente de forças políticas’ quer dizer o contrário
da concepção original do PT, porque uma frente deste tipo, é a
expressão de pontos comuns de forças políticas diversas, até mesmo
de partidos políticos diferentes, em seus programas, em seus
61
princípios, que se unem na luta concreta em determinado momento. É
reduzir o PT a uma frente de grupos de esquerda, que ditariam seus
caminhos. É reduzir o PT a uma colcha de retalhos, cujas posições
políticas seriam o denominador comum às forças que o compõem.
Finalmente, é reduzir o PT a uma situação pior do que era o antigo
MDB, porque este era um partido tradicional da oposição burguesa
hegemonizado pelos liberais, que abrigava forças políticas diversas
inclusive algumas correntes de esquerda; enquanto hoje, o PT, por
essa concepção teria seu caráter e sua política determinados pelo
conchavo entre os grupos de esquerda à revelia da grande massa dos
trabalhadores que aderiram. (VIANA, 1991, p. 107-108).
Com esta passagem constatamos que o Partido dos Trabalhadores pretende ser um
representante da classe trabalhadora, com política e programa próprios. Almeja
participar das lutas políticas e sociais brasileiras, como o movimento sindical, o
movimento de mulheres, de negros, ou seja, de todas as minorias existentes no país. Por
isso a Articulação dos 113 propunha que o PT fosse um partido de massas, democrático
e socialista.
Sendo assim, a Articulação surgiu como uma corrente do PT que promovia
críticas às organizações de esquerda por avaliar que elas impediam a construção de um
partido autônomo.
Outro enfoque que assumiu grande importância para os grupos de esquerda que
atuavam dentro do PT, era denominar se o PT era tático ou estratégico. Partido tático é
aquele útil para lutar em determinadas momentos ou conjunturas. Segundo as correntes
de esquerda, seria útil na luta contra a ditadura militar, para unificar o movimento
sindical e popular, mas seria capaz de transformar-se em partido revolucionário. Partido
estratégico é aquele capaz de conduzir a revolução político-social, assumindo o poder
político, e estabelecer um poder proletário.
Nos textos publicados no Caderno de Teses Nacionais
podemos perceber que a
Articulação dos 113 assumiu forte posicionamento de esquerda. O texto sobre a linha
sindical tenta definir o sindicalismo classista, como “independência em relação à
burguesia e ao estado burguês”; “democracia operária nos sindicatos” e, alerta que sem
democracia interna não há sindicalismo de classe. No texto que aborda a política de
alianças está proposto a “frente única classista” com os “partidos e organizações
socialistas”, a “frente democrática popular”, uma aliança da classe operária com outras
classes sociais, que devem integrar-se ao projeto socialista. A proposta de um governo
democrático-popular e programa democrático-popular está ligada a ideia da conquista
da hegemonia do proletariado na frente, que seria uma etapa democrática e popular e
62
marca o início da transição ao socialismo. O texto sobre socialismo afirma que a
conquista do socialismo só se deu por via revolucionária, seja através da tática da
insurreição, seja pela tática da guerra revolucionária, seja ainda por uma tática que
combinasse formas variadas de lutas revolucionárias.
Estes textos foram apresentados no Encontro Estadual de São Paulo com partes
resumidas e algumas modificações. Posteriormente, foram apresentados no V Encontro
Nacional e fora aprovado com algumas emendas. Estas propostas de esquerda deve-se
ao fato da Articulação ser uma corrente constituída por marxistas ligados ao castrismo,
assim como outros quadros ligados ao pensamento marxista.
Ao assumirmos que a Articulação seja a tendência majoritária do Partido dos
Trabalhadores e que suas teses e propostas foram aprovadas em todos os Encontros
Nacionais aqui elencados, e que estas discussões travadas entre as diferentes
organizações e tendências são a expressão dos primeiros anos de vida petista, ou seja,
representam as formulações contidas nos quatro primeiros Encontros Nacionais, faz-se
necessário o aprofundamento das análises acerca da Articulação, no que diz respeito as
suas relações com as demais tendências, facções, partidos e grupos internos do PT. Faz-
se ainda mais necessário, um exame crítico do PT relacionado à sua postura frente ao
Estado capitalista e o cesarismo militar, suas formas de organização e disputas
eleitorais.
63
CAPÍTULO 2 – AS RESOLUÇÕES DOS 5° E 6° ENCONTROS NACIONAIS
2.1 – O 5º Encontro Nacional e os Núcleos de Base do PT
O 5º Encontro Nacional representou a consolidação do PT. Com a cessão de
discussões internas, as tendências e organizações do PT ganham destaque nos debates
em nível nacional. As resoluções de Encontros e Congressos tornam-se mais maduras,
com o destaque para a forma de organização partidária, táticas e estratégias adotadas, o
socialismo, entre outros temas de relevância. O PT ao longo de 1987 muda sua tática de
atuação regulamentando o direito de tendências, tentando assim, garantir a hegemonia
política. Também assume em suas formulações um vocabulário baseado nos autores
Gramsci, Lênin, Trotsky, ao trabalharem com diversas categorias como, por exemplo, a
questão da hegemonia, a questão do imperialismo, revolução, tática e estratégia. Logo
levantamos a questão: Havia um núcleo marxista na Articulação? Em caso afirmativo,
até quando existiu este núcleo? Outra questão que nos chama muito a atenção é saber se
esta mudança da tática de atuação petista representa uma espécie de metamorfose
política? Situamos o debate aqui estabelecido através das diferentes concepções das
organizações e tendências que atuam no partido, os choques criados pelos seus
antagonismos, a fim de entendermos as formas prioritárias de organização partidária e o
socialismo.
As resoluções do Encontro Nacional apontam claramente para um programa
que garantisse a transição ao socialismo.
Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas
democráticas e populares, de caráter anti-imperialista, antilatifundiário
e antimonopólio, tarefas não efetivas pela burguesia tem um duplo
significado: em primeiro lugar é um governo de forças sociais em
choque com o capitalismo e a ordem burguesa, portanto, um governo
hegemonizado pelo proletariado e que só poderia viabilizar-se com
uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização das tarefas
a que se propõem exige a doção concomitante de medidas de caráter
socialista em setores essenciais da economia e com o enfrentamento
da resistência capitalista. (PARTIDO DOS TRABALHADORES,
1987).
Neste Encontro, estava colocada a necessidade de definição da questão do
socialismo, a proporcionalidade também era uma das principais questões políticas
levantadas pelas diferentes tendências e representava uma das reivindicações petistas
64
para as eleições internas do partido, que não fora aprovada neste Encontro Nacional.
Apesar de não aprovada à reunião do Diretório Nacional foram integrados a Comissão
Executiva Nacional membros das correntes minoritárias do PT: A composição passou
ser a seguinte: Presidente – Olívio Dutra; 1º vice – Djalma Bom; 2º vice – Jacó Bittar;
3º vice – Hélio Bicudo; Secretário Geral – José Dirceu; 1º Secretário – Paulo Delgado;
2º Secretário – Perseu Abramo; Tesoureiro Geral – Geraldo Magela; 1º Tesoureiro –
Marcelo Deda; 2º Tesoureiro – Luis Dulci; 1º Vogal – Wladimir Pomar; 2º Vogal – Luis
Eduardo Greenhalg; 3º Vogal – Luíz Gushikem; 4º Vogal – Hamilton Pereira; e
Suplentes: Eurides Mescolotto, Cézar Alvarez, José Genoíno, João Machado e Gilberto
Carvalho.
Assim composta a Comissão Executiva Nacional de 1987, o PT se afirma
socialista, democrático e de massas na tentativa de se contrapor aos Partidos
Comunistas, que são acusados de não possuir democracia interna, umas das principais
características petistas. No 5° Encontro Nacional o PT formula teses que enfatizam na
análise acerca da conjuntura do Brasil e internacional, tentando reconstituir a
importância da luta popular. A construção de núcleos de base também aparecem como
uma característica fundamental em sua organização e a luta por democracia representa
no Partido sua determinação de consolidação. Segundo Silva (2008), o crescimento do
partido impõe desafios que exigem a superação das formulações genéricas. Falta-lhes
uma definição estratégica mais precisa, o aprofundamento da concepção de socialismo
etc. O 5º Encontro Nacional sintetiza o acúmulo teórico e prático, constituindo-se num
marco em seu processo de construção. Parte deste acúmulo está presente neste 5°
Encontro Nacional, quando o PT aprova a regulamentação ao direito de tendências no
partido. Inicialmente, a tendência majoritária, a Articulação, posicionou-se contra a
regulamentação do direito de tendências, alegando que dentro do PT existiam partidos
dentro do partido. Mas quando aprovada, afirma o seguinte:
A resolução considerou rigorosamente incompatível com o caráter do
PT a existência, velada ou ostensiva, de partidos em seu interior,
concorrentes do próprio PT. A partir de então, o PT não mais admitiria
em seu interior organizações com política particulares em relação à
política geral do PT, com direção e representação pública próprias;
com disciplina própria, implicando inevitavelmente em dupla
fidelidade; com estrutura paralela e fechada; com jornais públicos e de
periodicidade regular. (SILVA, 2008, p.1).
65
Esta regulamentação exigia que os partidos que atuassem no PT deveriam diluir-
se enquanto organizações partidárias e, deveriam torna-se apenas tendências políticas
para continuarem a poder atuar.
A Articulação era composta pelo núcleo fundador do partido – sindicalistas
oriundos do processo grevista de 1978-79 - que em 1983, pela ameaça das organizações
políticas partidárias, viu-se obrigado a organizar-se para não perder a hegemonia do
partido impondo, desta forma, uma derrota as outras organizações ao longo de 1987 e,
sobretudo ao longo do 5° Encontro Nacional. No entanto, o debate permaneceu vivo no
interior do partido, pois, as organizações e tendências minoritárias do PT não
concordaram com a resolução da Articulação que aprovava a regulamentação do direito
de tendências.
Conforme os Cadernos da Democracia Socialista “a proposta da Executiva
Nacional reduzia o ‘direito de tendência’ à existência de agrupamentos eventuais -
alguns membros da Executiva Nacional deixaram claro que não aceitavam o direito de
tendência, preferindo falar em direito de divergência.” (Democracia Socialista, 1988, p.
16). Parte dos debates referente aos setores que emplacaram em uma luta pela
hegemonia petista durante este período, são encontrados nos Cadernos da Democracia
Socialista, e neles estão afirmados que os setores da Igreja Católica se dividiam em três
campos: os que integravam a ‘Corrente’, forma pela qual a DS designa a Articulação, os
que se situavam à sua direita, e os que se situavam à sua esquerda. Dentre aqueles que
integravam a Articulação encontramos a direção do PT. No campo da direita da
Articulação situava-se Plínio de Arruda Sampaio, o líder sindical João Paulo
Vasconcelos, lideranças ligadas a Igreja, como a Irma Passoni. No campo da esquerda
da Articulação estavam principalmente militantes da Pastoral Operária, como o líder
sindical Waldemar Rossi e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas,
Durval.
No entanto, algumas organizações metamorfosearam-se em tendências, enquanto
outras organizações continuaram existindo ainda como partido, e assim, passaram a
coexistir internamente no PT, porém verdadeiramente reconhecidas pelas resoluções do
5° Encontro, embora houvessem discordâncias em relação a esta determinação.
Em 1987, no 5° Encontro Nacional, uma dissidência da Articulação, o PPS, Poder
Popular e Socialismo, lança uma tese conhecida como o PT pela Base, liderados pelo
deputado Eduardo Jorge. O PPS se centrou na caracterização da sociedade brasileira e
66
da revolução brasileira, na defesa de uma política de alianças classistas, na defesa de um
‘Governo Democrático e Popular’ sob a hegemonia dos trabalhadores, na candidatura de
Lula a Presidência da República e por um programa de transição ao socialismo.
O PPS passa, em 1987, por um processo de mudanças que determinaram a
mudança do nome da organização para Vertente Socialista. Formado principalmente por
militantes da área da saúde na Zona Leste de São Paulo, por membros da Pastoral
Operária, dirigido por Eduardo Jorge, em São Paulo, por Virgilio Guimarães em Minas
Gerais e pelo goiano Augusto de Franco, membro pelo Diretório Nacional, e pelo
paulista Pedro Dallari. Conforme Clóvis Azevedo (1995), a Vertente Socialista surgiu
em maio de 1989, como uma dissidência da Articulação, sob o nome de PPS, que fora
posteriormente convertido. Segundo um manifesto do então PPS, era necessário
‘perguntar em que medida a prática do partido vem acompanhando ou não o seu
discurso inovador’. Entendia o grupo que o PT tinha ‘análises insuficientes’ e ‘poucas
políticas’; que a direção partidária afastava-o ‘do ideal de um partido de massas, não
(conseguia) mobilizar nem organizar as bases partidárias’; que os ‘núcleos estão
desprotegidos’; que o PT ressentia-se da ‘despolitização’ e da ‘falta de democracia
internas’. (AZEVEDO, 1995, p. 124).
Já o PRC, Partido Revolucionário Comunista, postulava que o PT fosse um ponto
de encontro de elementos embrionários de uma futura frente política de massa operário-
popular. No entanto, a organização tinha um problema fundamental a ser resolvido:
sendo o PRC uma organização marxista-leninista, que seguia o centralismo democrático
como princípio norteador de disciplina partidária, como então, atuar segundo a
disciplina do Partido dos Trabalhadores, que privilegiava a democracia interna e a
crítica aos Partidos Comunistas?
Paradoxo mal resolvido pelo PRC, apontavam que o PT era um partido
estratégico da esquerda brasileira que poderia impulsionar a construção de um partido
revolucionário no Brasil e, assim, alcançar o socialismo sob a hegemonia popular. Mas
ao longo da década de 1980 a organização passa por um processo de debates que
trouxeram a concepção de atuar no PT conforme a sua disciplina. Esta relação dúbia do
PRC em relação ao PT trouxe sérios problemas à organização. O PRC em 1989 passou
por um processo de auto-crítica e acabou por mudar suas concepções originárias.
O Movimento Comunista Revolucionário, MCR, era outra tendência do PT
situado no campo da esquerda política do partido, que também tinha afinidade com a
67
tendência majoritária, a Articulação. O MCR enfatiza em seus documentos políticos, no
I Congresso, que atuavam no PT por acreditar que este poderia vir a ser um partido
marxista-leninista, ou seja, um partido revolucionário. No documento de fundação do
MCR diz que “trabalhamos para fazer o PT um amplo instrumento político,
representativo da unidade dos trabalhadores contra a opressão e a exploração
capitalista”. (MCR, 1985). O Partido dos Trabalhadores seria então um partido
estratégico para a construção de um partido revolucionário.
Todas as tendências existentes neste período no PT se autodenominavam
marxistas, marxistas-leninistas, e, em alguns casos, marxistas-leninistas-trotskistas. Os
grupos trotskistas que podemos encontrar são: a Democracia Socialista, Convergência
Socialista, a Causa Operária (uma cisão de O Trabalho), e o próprio O Trabalho.
Na visão de militantes da tendência majoritária,
Os grupos trotskistas jamais conseguiram ter uma forte expressão
política no Brasil, mesmo em comparação com o PCB. Alguns setores
atuais do trotskismo, como a DS, tendem a reconhecer esse fato,
explicando-o mais pela fraqueza do movimento operário do que pelas
próprias concepções ideológicas e políticas que os embasam. Na
atualidade, a CS e a Causa Operária são os grupos trotskistas que
guardam mais fidelidade às origens, mantendo as características que
marcavam o trotskismo em seus primórdios. (FILHO, 1987, p. 33-34).
Todas as tendências trotskistas, a DS, a CS, Causa Operária, O Trabalho eram
filiadas a diferentes frações da IV Internacional.
Os embates teóricos e a experiência adquirida tendem a desenvolver o espírito
crítico da base, que pode se transformar em pressão sobre o corpo dirigente, o que
acentua a tensão existente no interior do partido. Em a Revolta dos Bagrinhos
9
(Viana:
1991), as formas de superação dessa tensão se dão através da emergência de setores
dissidentes. As organizações e tendências dissidentes surgem como manifestação de
descontentamento e revolta. Quando o mecanismo que sustenta as posições majoritárias,
as formas de delegação de poder à Comissão Executiva Nacional e a confiança na
liderança do núcleo histórico se torna insuficiente, a base passa a exigir a
democratização das discussões e decisões e se mostra favorável às propostas
consideradas inadmissíveis pela direção. Todavia, não bastava mais ao partido construir
9
Em a revolta dos bagrinhos encontramos um debate interno da Articulação discutindo sobre os setores
minoritários do PT. Os bagrinhos seriam exatamente os peixes pequenos, ou seja, a Articulação realiza
uma comparação dos bagrinhos com os setores minoritários criticando suas posições táticas e estratégicas
acerca da formação e consolidação de um partido político.
68
sua identidade por contraste às forças externas a ele, era necessário conquistar a
hegemonia interna do partido, para barrar a ação dos “Bagrinhos”.
No entanto, as alianças das tendências minoritárias, com o setor majoritário
encerram-se no 5° Encontro Nacional, quando fora aprovado o direito de tendências,
ficou evidente que a Articulação posicionava-se contra a regulamentação do direito de
tendência e o da proporcionalidade, que, como vimos, do “direito” das tendências
minoritárias do PT participarem do Diretório Nacional.
A tendência O Trabalho, também situa-se neste período analisado, de 1987 –
1991, como aliada ao setor majoritário, até 1985, analisava que o PT resumia-se tão
somente à Articulação e que as demais organizações que se encontravam no PT seriam
partidos tentando construir outro partido. O PT possuiria uma série de partidos políticos
em seu interior que pretendiam construir uma organização com princípios marxistas.
Com o afastamento de O Trabalho das demais tendências, justifica-se as críticas da
tendência direcionadas às demais tendências do PT e a sua aceitação de integrar-se ao
setor majoritário. No entanto, O Trabalho não manteria suas críticas aos outros setores
minoritários do PT, pois a tendência não possuía mais a mesma força que aquela de
1982, quando ainda era denominada como OSI. Muitos dos membros da tendência não
concordaram em aliar-se à Articulação, o que levou O Trabalho a um declínio em seu
número de militantes. Segundo Antonio Ozaí:
Esta cisão tem como causas diretas tanto a evolução de O Trabalho em
sua relação com a Articulação quanto os aspectos internacionais
determinados pela crise da IV Internacional. As divergências no CIR-
QI referem-se justamente à política a ser seguida pela seção brasileira
(OT) em relação ao PT e sobre a estratégia para construir a
Internacional. (SILVA, 2001, p.2).
A Articulação, por sua vez, o aceitou a entrada de O Trabalho na tendência, o
que o obrigou a mudar seu discurso e papel de atuação dentro do Partido dos
Trabalhadores.
Na análise de O Trabalho, em Um balanço do 5º Encontro Nacional do PT: o
Partido saiu desarmado, dezembro de 1987, sua exclusão da Articulação foi provocada
“em favor de uma centralização política que se dá por fora de um debate que clarifique
as eventuais divergências e que visa construir uma corrente excludente, cujos contornos
políticos não estão claros para suas próprias bases”. (1987). As análises de O Trabalho
continuaram para estabelecer uma crítica à resolução aprovada no 5º Encontro Nacional,
69
pois, a aplicação desta resolução seria o mesmo que instaurar o regime de tendência
única, isto é, uma consequente desqualificação das posições da minoria.
As divergências da tendência O Trabalho não era em relação à formulação de um
governo democrático e popular, mas no fato deste se fundamentar na tese do acúmulo
de forças. Para O Trabalho, este governo nada mais é do que um governo de transição
para o socialismo apoiado na auto-organização dos trabalhadores e dos oprimidos da
cidade e do campo.
A Convergência Socialista, CS, estava situada no campo da esquerda petista. Esta
tendência distinguiu-se de todas as outras por não ter contribuído sistematicamente para
a construção do PT, direcionando suas críticas ao setor majoritário. Posicionava-se mais
nas lutas sindicais e nas lutas organizadas pela CUT, do que no PT. O Partido da
Revolução Operária (PRO) é outro exemplo de organização que se encontrava no PT,
que também possuía uma militância a partir do PT, ou seja, não seguia a disciplina do
Partido dos Trabalhadores. A reação das suas lideranças era diferenciada: alguns
dirigentes reforçavam a pressão dos liderados e incorporavam as críticas; outros
adotaram uma postura autodefensiva.
Segundo Silva (2003, p.06), esse processo pressiona a Articulação a aprofundar
suas definições políticas e organizativas, isto é, a se assumir enquanto tendência interna
do PT. Na prática, a Articulação se remodela, constituindo-se, no período que antecede
o 5º Encontro Nacional, numa corrente política em torno de Lula e dos sindicalistas,
com a participação de setores vinculados à Igreja progressista e incorporando quadros
marxistas oriundos da corrente O Trabalho.
A atuação dos setores minoritários na tendência majoritária é fundamental para
que prevalecesse a proposta de construção da Articulação enquanto tendência. Mas
haviam dificuldades para consolidar esse processo: a Articulação mantinha a posição de
não aceitar a tese da proporcionalidade. Na luta entre diferentes grupos em disputa por
mais espaço e poder, a relação dos Diretórios com a base permanece ambígua. Havia
uma ala contra a sua configuração enquanto tendência permanente e centralizada. Além
de tudo, a necessidade de manter sua hegemonia no partido constituía uma força oposta
ao esforço de delimitação e depuração da base política: para garantir a maioria tornou-se
necessário estabelecer alianças à direita no espectro partidário.
70
João Bosco de Araújo Costa (1998), afirma que o 5° Encontro Nacional foi a
expressão da fase madura petista, a expressão de um vocabulário marxista em suas
vertentes leninistas e gramscianas tornaram-se hegemônicas no discurso petista.
Antonio Ozaí (2003) comenta que o crescimento da esquerda brasileira nos anos
80, cujo auge será precisamente o ano de 1989, expressa o esforço político em forjar um
maior grau de homogeneidade e de elaboração teórica. Por outro lado, revela a crescente
influência dos dirigentes com formação marxista no interior da Articulação. Esses
quadros são originários do PCB e PC do B – e das suas cisões, tendo como referências
ideológicas a revolução cubana, a China e, em certa medida, outros países no Leste
Europeu, como a ex-Alemanha Oriental.
A influência destas organizações políticas no PT fizeram com que a tendência
majoritária adotasse idéias vinculadas à esquerda tradicional, ideias e práticas adotadas
pelos Partidos Comunistas, formando assim, um núcleo marxista dentro da Articulação.
Em entrevista a Antonio Ozaí, Valter Pomar diz que não se configurou um núcleo
marxista organicamente estruturado como tendência na Articulação. No entanto,
enfatiza o papel dos marxistas presentes nesta tendência. Para o autor, esses setores
constituíam-se nos principais responsáveis pelas formulações políticas e teóricas que a
Articulação consolidou nessa fase. A elaboração de suas teses para o 5º Encontro
Nacional, por exemplo, teve uma influência decisiva dos militantes vinculados a essa
tradição: José Dirceu, Rui Falcão, Wladimir Pomar, entre outros. (SILVA, 2003, p. 7).
Mas no debate realizado, Antonio Ozaí nos mostra que no PT havia um núcleo
marxista dentro da Articulação, formado principalmente pela influência da Revolução
Cubana, liderada por José Dirceu. Costa (1998) enfatiza a importância deste núcleo
marxista nas formulações petistas. Pomar (2005) argumenta que não havia um núcleo
marxista estruturado dentro da Articulação, mas reconhece a importância destes
intelectuais dentro da mesma.
Tentaremos esboçar uma primeira tentativa de resposta em relação a umas das
questões iniciais que se refere à existência de um núcleo marxista presente na
Articulação. Segundo a visão dos autores analisados, compreendemos que existia neste
momento histórico um grupo dentro do setor majoritário vinculado ao pensamento
marxista. Também vimos, no decorrer desta pesquisa, que inicialmente muitas das
organizações que aderiram ao partido analisavam que a Articulação era a expressão
petista e por essa razão queriam vincular-se a ela, proporcionando assim, influências de
71
experiências vividas durante o processo de luta armada, portanto, experiências de luta
vinculadas ao marxismo. Sendo assim, podemos verificar que realmente existia esse
grupo dentro da Articulação. Embora ainda precisemos de mais elementos para tentar
responder a questão e averiguar se este grupo permanece a traçar propostas vinculadas
ao pensamento marxista, houve de fato uma metamorfose na atuação política?
A Articulação cumpriu um papel fundamental dentro do PT para superar a crise
gerada após as eleições de 1982 e para resgatar os princípios vinculados ao pensamento
marxista. Os desafios expostos pelo desenvolvimento da realidade política, econômica e
social brasileira, do partido e da própria Articulação, exigem definições políticas e
orgânicas mais precisas para superar a crise de hegemonia instalada no partido. O
primeiro desafio era avançar na formulação de um projeto estratégico mais preciso. A
Articulação propõe o objetivo de responder a essa realidade. Para ela, o ponto de partida
foi a defesa da estratégia democrática e popular e a plena execução das resoluções do 5º
Encontro Nacional.
A tendência majoritária opunha-se à visão das tendências minoritárias os
chamados “pequenos grupos” - declarava que a necessidade de ruptura socialista não
estaria colocada para a totalidade da classe trabalhadora, pois para o PT avançar com a
proposta de um governo democrático e popular seria necessário ganhar o máximo de
eleições possíveis (como as eleições de 1988), conquistar a hegemonia frente às lutas
sociais, sendo assim, um braço parlamentar dos movimentos. Segundo Mauro Iasi
(2006), a Articulação não estaria voltada para a classe operária brasileira em razão de
defender a alternativa do acúmulo de forças contra uma proposta ‘vanguardista’. As
tendências minoritárias estariam equivocadas em suas análises acerca da caracterização
da sociedade brasileira e da organização partidária. O autor ainda ressalta em seus
documentos que é significativo a identificação pelo termo ‘pequenos grupos’, pois havia
uma clara disputa contra a prática considerada de fração. (IASI, 2006, p. 417).
A proposta de uma alternativa democrática e popular viria a contrapor a
impossibilidade da burguesia em oferecer um projeto para a classe trabalhadora que
fosse capaz de unificá-la e estabelecer uma possível hegemonia popular. O PT iniciaria
sua concretização com as eleições municipais de 1988 com um arco de aliança com
setores vinculados à esquerda.
Entretanto, sabemos que a cultura política petista muitas vezes transmite a ideia
de ser o representante destes movimentos em âmbito parlamentar, cabe ao partido ser o
72
reflexo dos movimentos sociais e populares. O PT pretende ser um braço parlamentar
do movimento sindical ou dos movimentos populares e, sobretudo, ser capaz de dirigir
estes movimentos e apontar diretrizes políticas. O Partido dos Trabalhadores concebe a
ação parlamentar na perspectiva da luta social subordinada ao objetivo de organização e
luta das massas exploradas e da elevação da consciência política dos trabalhadores.
Nas resoluções do 5° Encontro Nacional, os núcleos de base constituíam a forma
primordial de organização. Foram um canal de participação dos militantes nos debates e
na definição das políticas petistas, representando um órgão decisório no partido. No
momento da história do Partido dos Trabalhadores que compreende o 5º Encontro
Nacional, os núcleos eram pouco numerosos e sofriam debilidades como infra-estrutura,
pouca experiência política dos militantes, falta de quadros organizados, ausência de uma
formação política, e a própria mentalidade eleitoral que visava priorizar os diretórios
aos núcleos de base. Muitas tendências também avaliaram que a existência dos núcleos
de base era saudável para a coexistência de diversas correntes de pensamento, e
principalmente para garantir a democracia interna.
Embora os núcleos de base estivessem abandonados, as resoluções do 5º Encontro
Nacional determinam como prioridade sua reorganização como meio de formar a
militância. Oliveira (1986) indica que a fragilidade nos núcleos de base se deve,
inicialmente, à campanha eleitoral de 1982, quando os núcleos foram transformados em
comitês eleitorais. Neste período o PT não conseguiu implementar uma política de
organização que estimulasse o crescimento orgânico do partido.
Entretanto, nem todas as tendências petistas concordavam com a dinâmica de
formar núcleos de base. Para a Causa Operária no PT havia uma burocracia sindical
centrista, que não representava um movimento de integração ao Estado a partir de
posições independentes, mas sim um movimento de independência a partir de posições
de integração ao Estado. O PT seria uma proposta pequeno-burguesa por propor uma
aliança da burocracia sindical com os grupos pequeno-burgueses de esquerda, baseada
na formação de núcleos. A proposta da Causa Operária era a formação de organizações
operárias de massas, os sindicatos. (CAUSA OPERÁRIA, 1990).
Na constelação de tendências e organizações políticas existentes no Partido dos
Trabalhadores, somente a Causa Operária não aceitou a tese de formação de núcleos.
Sendo assim, outras propostas foram aprovadas. Durante o período de consolidação, o
PT optou pelas seguintes formas de organização: grupos de apoio, que se formaram em
73
épocas de campanha, plenárias de militantes, uma forma rápida de aproximação entre os
órgãos de direção e a base.
2.2 Partido de massas e partido de quadros
No Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores a tese guia
10
aprovada
fora da tendência majoritária, a Articulação, e definiu um conjunto de propostas acerca
das bases programáticas e estratégicas. Dentre estas, outro tema que nos parece curioso
é a definição do partido. O PT seria um partido de quadros ou de massas?
A questão é polêmica. As tendências minoritárias do partido acreditavam que o
PT poderia ser o embrião do partido revolucionário no Brasil. A DS, a Convergência
Socialista, o MCR, PRC, PPS, são exemplos de partidos e movimentos que tornaram-se
tendências internas e acreditavam em certa medida que o PT poderia vir a ser o embrião
do partido revolucionário, mesmo sabendo que a Articulação não aceitava esta tese. A
Articulação defendeu a tese de que o Partido dos Trabalhadores seria algo diferente na
história, algo que se renovava na história, que surgiu contra as ditaduras ao mesmo
tempo que formulava críticas aos Partidos Comunistas.
A tese sobre o partido de quadros exposta por Lênin, era uma orientação
estratégica adotada pelos PCs. Nas formulações petistas do 5° Encontro Nacional,
encontramos um debate referente a uma possível confusão na ideia de partido de
quadros em oposição a ideia de partido de massas, muitas vezes inspiradas em uma
leitura equivocada da obra de Lênin.
O setor majoritário levanta a tese de que o PT representa ao mesmo tempo um
partido de quadros e de massas. Um partido de quadros estreito, pequeno, sectário,
formado por militantes de correntes à esquerda, por outro lado possui um partido de
quadros frouxo, inorgânico, “cada um faz o que bem entende e convoca filiados para
fazer número em votações expressivas, como um partido burguês”. (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 1987).
Acreditamos que as teses petistas implicam na formulação de um partido
organizado e militante, o que demonstra a necessidade de quadros organizados.
10
Um conjunto de teses são apresentadas ao Encontro e apenas uma é escolhida para servir de tese guia
para o respectivo Encontro. No período analisado nesta pesquisa, 1987-1991, percebe-se que as teses
guias de todos os Encontros e Congressos partem da tendência majoritária, Articulação, ou seja, as teses
guias aprovadas partiam do grupo de Lula e os setores vinculados a ele.
74
Também um partido que seja de massas, inserido no movimento operário, organizando
os trabalhadores ativos nos movimentos sociais. A concepção petista, portanto, é a de
constituir um partido de classe dos trabalhadores, democrático e de massas, que possua
os militantes organizados em torno do socialismo, conforme declara o setor majoritário
em seus documentos.
2.3 As Eleições Municipais de 1988
Outra tema de relevante preocupação destacada no 5º Encontro Nacional foram as
eleições municipais de 1988. Com uma caracterização nacional - o partido neste
momento histórico tornara-se um partido nacional, com suas tendências distribuídas na
totalidade dos estados da federação. Assim como suas propostas, todo debate realizado
desemboca em um amadurecimento partidário que resulta em disputas pela hegemonia
partidária. Neste Encontro Nacional foram realizados os preparativos para as eleições
municipais. Esta campanha teve importante relevância ao partido, pois serviu de
preparação às eleições para presidente e demais cargos em 1989. Foram aprofundadas a
estratégia de programa democrático e popular com a hegemonia dos trabalhadores, e a
disputa das tendências minoritárias contra a Articulação no lançamento de candidatos a
eleição municipal. Nesta linha de argumentação torna-se indispensável colocar a
público as formulações petistas.
As resoluções petistas trazem expressas que a insatisfação com o governo Sarney
era muito grande durante este período. Seria possível ocorrer um extravasamento
popular antigoverno, com muitos votos de protesto, dos quais o Partido dos
Trabalhadores viria a se tornar beneficiário. A disputa eleitoral não estava garantida ao
PT, pois outros partidos da direita brasileira também exploravam o desgaste de Sarney.
Outra questão relevante eram as propostas petistas para a Constituinte que redefiniria
pontos importantes nesta disputa eleitoral: direito ao voto aos 16 anos, eleições para
prefeitos em dois turnos, normas para organização e funcionamento dos partidos,
disposição entre os municípios, seu grau de autonomia, sua posição no sistema
tributário, etc. Embora o partido tenha se recusado a participar da votação que definiu a
nova Constituição Brasileira, acabou assinando a Carta Constitucional de 1988.
Nas resoluções do Encontro Nacional estão traçadas algumas metas para
atingir os objetivos políticos estratégicos, uma vez que a burguesia possuía a hegemonia
75
na sociedade brasileira: fixar o perfil de um partido socialista, assim como apresentar
propostas de novos rumos a sociedade, expressas no Programa Alternativo de Governo
para o País; formar lideranças locais que favoreçam o partido em âmbito nacional com
bases implantadas em cada localidade enraizando de forma expressiva o partido no
âmbito da vida da sociedade política, incluindo as disputas eleitorais; avançar na luta
por conquistas democráticas, econômico-sociais e de políticas públicas; conquistar o
maior número de prefeituras e de vereadores; constituir novos núcleos de base e ampliar
a filiação partidária; criar mecanismos de controle e participação popular nas decisões
municipais. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1987).
Assim, podemos perceber que os preparativos para esta campanha tendiam a ser
uma oposição à Nova República e à direita, na tentativa de estabelecer uma consciência
crítica e socialista entre os trabalhadores tendo em vista as eleições presidenciais de
1989. Foi nesta eleição que o PT tornou-se institucionalmente um dos pólos da
oposição democrática e popular contra a transição conservadora. O outro pólo de
oposição era ocupado pelo PDT (Partido Trabalhista Democrático) de Leonel Brizola.
Para as eleições de 1988 os Diretórios Municipais petistas reuniram-se para
escolherem os candidatos que disputariam as eleições nas principais capitais brasileiras.
Luiza Erundina em São Paulo, Jacó Bittar no Rio de Janeiro, Virgílio Guimarães em
Belo Horizonte, Olívio Dutra em Porto Alegre, Vitor Buaiz em Vitória, Klaus Germer
em Curitiba, são alguns dos candidatos que o partido lançou para a disputa eleitoral.
A disputa interna do Partido dos Trabalhadores para a candidatura às eleições
municipais na cidade de São Paulo, travou-se entre Plínio de Arruda Sampaio,
representante dos setores ligados à Articulação, e Luíza Erundina, que representava as
tendências marxistas do PT. Conforme afirma João Bosco Araújo Costa naquela disputa
apareceram divergências de formulação em relação ao papel do partido e das gestões, da
participação popular e sua relação com o sistema representativo, aos quais irão cada vez
mais opor a lógica do partido e a lógica das administrações nos anos posteriores.
(COSTA, 1998). Já a Articulação defendia que a disputa eleitoral podia ser traduzida
como frentes da luta de classes. A atuação de seus militantes faria parte de uma política
de acúmulo de forças. A intervenção do partido em suas campanhas eleitorais como a
luta econômica e social, a luta política, luta ideológica e cultural.
Plínio de Arruda Sampaio contava com o apoio da Articulação, corrente
majoritária do PT liderada por Lula e José Dirceu, setores da Igreja Católica, das
76
maiorias das bancadas municipal, estadual e federal do partido, além dos sindicalistas de
São Bernardo do Campo. Luiza Erundina contou com o apoio das tendências internas
do partido, ou seja, as correntes organizadas e com a maioria dos sindicalistas da
capital. Na prévia realizada para a escolha do candidato petista da prefeitura de São
Paulo, Plínio conquistou 3.982 votos contra 5.044 de Erundina. Assim as correntes
organizadas impuseram uma derrota ao setor majoritário petista, a Articulação. O PT,
PC do B e o PCB unem-se em uma coligação para a disputa eleitoral. É então lançada a
Coligação dos Partidos do Povo, como foi conclamada.
Nas eleições municipais de o Paulo, Airton Soares era o candidato do PDT de
Leonel Brizola, Osvaldo Leiva era o candidato do PMDB e homem de confiança de
Orestes Quércia, Maluf era o candidato do PDS e José Serra o candidato do PSDB.
Assim, temos um quadro de disputa eleitoral formado na cidade de São Paulo, com o
qual Luiza Erundina iria disputar.
No diário de campanha de Rebelo (1989) encontramos informações preciosas
referentes à campanha de Luiza Erundina e à disputa eleitoral de São Paulo. A seguir
tentaremos reconstituir alguns dos principais fatos que levaram à candidata petista a
vitória.
Luiza Erundina e sua equipe eram compostas por militantes dos partidos da
coligação Partidos do Povo, que começaram a sua campanha com o levantamento dos
problemas sociais da cidade de São Paulo. Diversas fábricas foram visitadas e conversas
com os operários na tentativa de ganhar declarações e voto e apoio à campanha. A
favela Nitroquímica, de mesmo nome da indústria de propriedade de Antonio Erminio
de Moraes, a Arno, indústria de eletrodomésticos, a CMTC (Companhia Municipal de
Transporte Coletivo), a fábrica de vidros Nadir Figueiredo, da Editora Abril, a Mecano
Fabril, Philco, entre tantas outras indústrias e favelas foram visitadas por Luiza
Erundina e seus correligionários durante a campanha.
A campanha contou com o apoio de militantes e moradores de bairros populares
situados na periferia de São Paulo, na organização de reuniões e debates na tentativa de
ganhar votos. No bairro de Guaianases, zona leste de São Paulo, foram realizadas
reuniões com os moradores para tentar viabilizar uma proposta de campanha entre as
tantas dificuldades e precariedades enfrentadas pelos moradores, como a falta de
transporte público e asfalto nas ruas e acessos principais.
77
Algumas experiências como a do jornalista Raimundo Pereira, morador do Jardim
Romano, que reuniu amigos e vizinhos para receberem Erundina, no final da reunião
um dos vizinhos do jornalista comenta com a candidata que naquela eleição iria haver
votos da classe média, de forma silenciosa.
Luiza Erundina também foi recebida por um dono de bar na Vila Teresinha,
localizado no bairro da Brasilândia, para conversa com alguns moradores. Enfim, a
coligação Partidos do Povo contou com o apoio de diversos militantes espalhados pela
cidade de São Paulo, principalmente nas regiões periféricas.
Podemos verificar então, que a campanha petista na cidade de São Paulo assumira
uma estratégia socialista, essencialmente vinculada a setores populares, representando
um esforço de crítica ao capitalismo e apontando o socialismo como horizonte possível,
após as derrotas sofridas pela esquerda no período anterior, como elucidadas no
primeiro capítulo.
O primeiro comício de campanha foi realizado na Praça da Sé, em São Paulo,
onde “os discursos são como o vento a acoitar um mar de bandeiras vermelhas, que
treme e se ergue em ondas rubras para se acalmar no momento seguinte” (REBELO,
1989). Assim, em face da adesão popular da candidatura de Luiza Erundina,
constatamos que a coligação ganha um vigor que não se esperava obter dentro das
correntes petistas, como demonstravam as próprias críticas petistas dirigidas aos PCs
(Partidos Comunistas) em teses de Encontros e publicações internas.
Conforme Oliveira (1986), a campanha eleitoral na televisão demonstrou uma
atuação petista mais “cor – de –rosa”, ou seja, não foi usado um discurso radicalizado,
na tentativa de conquistar o eleitorado de classe média. Os candidatos dos partidos
conservadores, tentaram traçar um perfil para conquistar o eleitor de baixa renda. No
entanto, o programa eleitoral de TV também exibiu imagens da candidata petista
enfrentando a polícia em desocupação de sem-tetos na zona Leste de São Paulo.
Constatamos, dessa forma, que a coligação Partidos do Povo ganha unidade e
apoio popular. Com todas as visitas realizadas aos bairros mais longínquos de São Paulo
e esquecidos pelo poder público, com a militância e dedicação de seus filiados, com as
visitas a portas de fábricas, com seus comícios e com a divisão entre os partidos
considerados no campo da direita e seus ataques mútuos a candidatura ganhou as ruas
de São Paulo e as eleições municipais em 1988.
78
O Partido dos Trabalhadores elegeu prefeitos em 36 municípios, distribuídos em
12 Estados, sendo três capitais: São Paulo, Porto Alegre e Vitória. Ainda conquistou
outras importantes prefeituras no Estado de São Paulo: Campinas, Santos, São Bernardo
do Campo, Santo André, Diadema, Piracicaba, Americana e outros municípios. Em
Minas Gerais, no vale do Aço: Timóteo, Ipatinga e João Molevade. No Rio de Janeiro, a
cidade de Angra dos Reis. (PONT, 1992).
2.4 As Eleições de 1989
O 6º Encontro Nacional foi realizado em São Paulo, no Colégio Caetano de
Campos, entre 16 a 18 de julho de 1989. A principal preocupação deste Encontro foi
marcada por análises voltadas às eleições presidenciais que ocorreriam naquele ano,
assim como a elaboração de um Plano de Ação de Governo (PAG).
Esta eleição representou um marco para o Brasil, pois fora a primeira eleição
direta para presidente da república, após o golpe militar de 1964. A configuração interna
do Partido dos Trabalhadores no início de 1989 permanecia a mesma do ano anterior.
No entanto, com os resultados eleitorais, com o impacto da queda do muro de Berlim
algo novo se processa no PT. Inicialmente algumas tendências e organizações fazem
uma auto-crítica a respeito do paradigma acerca do socialismo, rompendo assim, com
uma concepção dialética da história. Aquelas tendências e organizações que não
aceitaram o fim do paradigma iniciaram um processo de ruptura com o PT.
A eleição de 1989 marca precisamente o início do processo de profissionalização
das campanhas políticas no Brasil. A partir desse ano, essas campanhas passaram a
investir cada vez mais no caráter publicitário de seu discurso e na adequação desse
discurso político à lógica midiática.
Contudo, nesta presente análise verificaremos que as propostas petistas e a
condução da Frente Brasil Popular seguiam a radicalidade do 5° Encontro Nacional, no
objetivo da construção de um Governo Democrático e Popular, colocando a
possibilidade de acumular forças para a construção de uma sociedade socialista. Já
sabemos que as diferentes tendências e organizações petistas abordavam a questão da
ruptura socialista de diversos modos. Na presente pesquisa, assumimos que a construção
do socialismo petista é aquela proposta pela tendência majoritária. Diferentemente das
eleições municipais de 1988, onde o PT se dividiu em dois grandes blocos compostos
79
pela Articulação versus os setores minoritários, nas eleições presidenciais as tendências
se uniram. Esta união dava-se em torno do nome de Lula.
Nas resoluções do Encontro Nacional a análise sobre o Brasil estava apontada
uma profunda crise; inflação exorbitante, uma década sem expansão econômica, e o
desmantelamento do movimento operário, desmotivados pela grande crise do
socialismo real, e a crise estrutural do capitalismo monopolista, que gerou um enorme
descontentamento dos setores populares frente à política. O entusiasmo petista
ocasionado pelas campanhas realizadas em 1988 nas eleições municipais e pelas vitórias
em 36 municípios, inclusive São Paulo, com Luiza Erundina, fizeram com que o Partido
dos Trabalhadores entrasse com força total na disputa destas eleições de 1989. O
combate ao Governo Sarney na campanha municipal mostrou que os temas locais
estavam voltados aos nacionais, fizeram com que os partidos da esquerda brasileira
obtivessem vários votos e diversas vitórias nas urnas. Outra razão para entusiasmo
dentro do PT fora o fato de que os partidos da direita e de centro estavam “rachados”
11
na tentativa de encontrar um candidato que fosse capaz de ganhar as eleições de Luiz
Inácio Lula da Silva.
Alguns impasses entre os partidos da direita e centro brasileiros, com a
indefinição da escolha de um candidato ou uma possível aliança, abriram caminho para
a candidatura de Fernando Collor de Mello, pelo PRN (Partido da Renovação
Nacional). Este surgiu como um candidato jovem, com uma visão modernizadora para o
país, que realizava críticas aos “marajás”, se auto-definia como oposição ao governo
Sarney e contra a ineficácia do Estado. Segundo Francisco Weffort:
O PDS e o PFL pagam em desprestigio político por terem sustentado
uma ditadura (embora naquela época embutidos na Arena) e pelos
efeitos sociais de um modelo econômico concentrador de capitais e
antipopular, adotado então pelo regime militar e hoje inteiramente
esgotado. O PMDB paga pela crise econômica que afeta a vida do país
desde 1980 e que ele, como patrocinador da Nova República, foi
incapaz de resolver, de 1984 em diante. (WEFFORT, 1989, p. 68).
Collor conseguiu passar a imagem de pessoa com autoridade para realizar as
melhorias necessárias para o Brasil. Lula era identificado com a grande massa de
eleitores, com uma postura socialista. O voto pragmático viu em Collor seu maior herói,
11
Termo comumente utilizado pelos partidos políticos para designar uma divisão interna entre os
membros de um determinado partido.
80
o que não aconteceu, com tamanha força, com o voto por identificação em relação a
Lula.
As resoluções petistas afirmavam que o caminho para resolver a crise devia partir
do ponto de vista dos trabalhadores, com a instauração de um governo democrático-
popular, anti-imperialista, antimonopolista, colocando-se contra o pagamento da dívida
externa, a favor da realização da reforma agrária e da promoção do desenvolvimento
sobre novas bases, no qual os trabalhadores conquistariam a hegemonia e avançariam
em direção ao socialismo. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1989).
João Amazonas, presidente do PC do B, à época da eleição presidencial de 1989,
assim como ressalta Mendes (2004), ao se dirigir às forças populares que contribuiriam
para a construção de um governo democrático e popular, chama os trabalhadores da
cidade e do campo; os estudantes; a intelectualidade democrática; as mulheres; a
juventude; os democratas em geral e os comunistas.
Podemos perceber que as principais propostas do Partido dos Trabalhadores para
as eleições de 1989, tinham como diretrizes aproximar a campanha das grandes
mobilizações nacionais, principalmente aquelas organizadas pela CUT, lançar um
candidato com raízes e uma forte base no movimento operário, Luiz Inácio Lula da
Silva. Aproximaram-se das universidades, intelectuais e estudantes, de toda a sua base
social, para construir uma alternativa de governo que combatesse o agronegócio, o
monopólio das grandes indústrias, o fim do coronelismo, e cuidasse do saneamento
básico, habitação, transporte coletivo, elaboração democrática do orçamento, educação
e uma distribuição de renda para alavancar o desenvolvimento do Brasil.
Como nos lembra Mendes (2004) no horário eleitoral de 1989, diversos
candidatos à Presidência lançaram mão de formatos da TV tradicional para tornar seus
programas mais atraentes para o espectador-eleitor. Contudo, a “Rede Povo”, programa
eleitoral televisivo petista, foi o único a se apresentar explicitamente como um
programa de TV “normal”, dizendo-se uma emissora comum de televisão independente.
Portanto, o programa eleitoral de Lula em 89 caracterizava-se pela
intenção de ser uma programação alternativa, que se diferenciava, em
termos de conteúdo, tanto das outras emissoras comerciais quanto dos
outros programas políticos. Lemas do programa como “Aqui você vê
a verdade na TV” ou “Aqui você vê o que não vê nas outras TVs”
evidenciam essa tese. Por trás disso está, decerto, uma crítica aos
tradicionais meios de comunicação de massa do Brasil que se definem
pelo comprometimento constante com a manutenção da ordem
vigente. (MENDES, 2004, p.07)
81
Criar condições e propostas na campanha presidencial era levar a cabo as
reivindicações populares, das mobilizações sociais, que exigiam mudanças
fundamentais na estrutura do país. A geração de emprego e a reforma agrária, por
exemplo, foram tidas como propostas sociais radicais, que visavam a ruptura de
sociedade a um modelo socialista, pela grande elite brasileira e por setores do Partido
dos Trabalhadores.
Souza (2004) em seu trabalho de doutoramento aponta que a participação nas
eleições presidenciais em 1989 e a perspectiva de governar fora uma disputa pelo poder
com as classes dominantes, não obstante o PT negava a existência de uma situação
revolucionária. Articulava-se novas possibilidades, fala-se no aprofundamento da crise e
num governo que avançaria na direção do socialismo. Ora, este avanço seria efetivado,
como conclui o autor, pela via revolucionária ou pacificamente.
A oposição fundamental aqui é entre o pobre e o rico, entre explorado e
explorador, entre o povo sem recursos e os privilegiados que engrandeciam suas contas
bancárias, investiam dinheiro no ouro e no dólar e mandavam dinheiro para a Suíça.
Tratava-se, portanto, de uma visão classista do mundo que dividia a sociedade em um
embate de antagonismos.
Levanta algumas considerações referentes ao tema da democracia, que aparece
nas resoluções do 6° Encontro Nacional. A possibilidade de um governo petista com
Lula à frente, propunha um governo democrático ao enfatizar que eram prioritárias as
questões das liberdades individuais e coletivas e, com isso, acatava as pressões das
classes trabalhadoras, aparecendo assim, como sinônimo de mudanças institucionais, de
uma ampla reforma institucional e reforma da Constituição de 1988. Afirma ainda que
mesmo estabelecendo-se poucas relações da candidatura petista com a democracia, fica
claro que existiam algumas diferenças com a sua versão liberal: “democracia ligada à
maioria; espaço da criação de novos direitos; possibilidade de mudar a Constituição
para satisfazer as maiorias etc.” (SOUZA, 2004, p.232).
Um debate que surgiu na época foi a proposta de se construir uma Frente Popular
no Chile. Conforme Contreca (1999), a Frente Popular Chilena consistia em formar um
amplo leque de alianças em torno de um projeto democrático-popular, e principalmente
antifascista. Então reunir setores da classe operária, pequena burguesia do campo e da
82
cidade, estudantes, intelectuais entre outros setores da sociedade para construir uma
alternativa popular.
No entanto, para se conseguir a construção da Frente Brasil Popular era
necessário levar em conta alguns critérios:
1-) a correlação de forças no Brasil entre as classes sociais na atual etapa da política
nacional;
2-) o grau de experiência política do povo brasileiro;
3-) a necessidade de desenvolver uma unidade que combata todas as forças
antidemocráticas e neoliberais reunidas nos partidos burgueses.
Na análise petista a correlação de forças existentes no Brasil era extremamente
favorável à construção da Frente Brasil Popular, uma vez que os partidos de centro e da
direita estavam divididos em diferentes projetos para o país. No entanto, os
trabalhadores estavam encontrando diversas dificuldades para tornar este projeto
realidade. A Articulação criticava as demais organizações internas, mesmo havendo
uma “união” em torno da candidatura Lula, enquanto a organização dos comitês Pró
Lula.
A militância ainda não assimilou a idéia de que a campanha, para
assumir um caráter de massas, deve transbordar os limites da
organização dos partidos da Frente, incorporando milhares ou milhões
de não-filiados a partido alguma. (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 1989).
Este exemplo vem demonstrar que a própria Articulação reconhece que as
organizações minoritárias petistas tinham propostas antagônicas para a jornada eleitoral.
Mas a superação desta dificuldade veio com as alianças dos partidos de esquerda, da
Frente Popular com o PC do B (Partido Comunista do Brasil), o PSB (Partido Socialista
Brasileiro) e o Partido dos Trabalhadores. Entendemos que houve um esforço conjunto
dos partidos em superar disputas antigas e posições estratégicas antagônicas. No
segundo turno a Frente Brasil Popular contou com o apoio de outros partidos como o
PDT, o PCB, o PMDB, e o PSDB.
Para Florestan Fernandes:
No passado remoto, prevalecia a tática da radicalização crescente. O
partido mais radical ou revolucionário de uma coligação punha-se
automaticamente à frente dos outros e assumia a liderança do
processo. Aqui e agora não se trata de uma revolução social mas da
83
implantação de uma democracia dotada de dois pólos, um burguês,
outro popular e proletário, como já foi indicado. Nenhum partido
disputa a preeminência incisiva. Portanto, os partidos de esquerda
aprendem a lutar juntos contra o inimigo comum e pela mesma causa.
(FERNANDES, 1989).
Segundo Karepovs e Leal (2007) a Convergência Socialista ao engajar-se na
candidatura de Lula lançara propostas de defesa de um programa anticapitalista, de
ruptura com o imperialismo, indicando assim, um possível caminho para a construção
de um Brasil socialista. O Trabalho, por sua vez, em 1989, defendia a construção de
uma greve geral. Esta greve teria como objetivo central liquidar com o governo Sarney
e abrir caminho para um novo governo. Durante a campanha também defendia um
programa de ação que estipulava o fim do pagamento da dívida externa, uma ampla
reforma agrária, a estatização dos bancos e do comércio exterior e o fim da tutela
militar. Esta luta era vista de uma perspectiva revolucionária que viabilizaria o
programa democrático-popular.
12
Contudo, a Democracia Socialista, propunha que Lula
tivesse um perfil de defesa de uma democracia radical voltada à construção do
socialismo. Propugnava também que as alianças partidárias deveriam ser estabelecidas
com partidos que se situassem no campo da esquerda do espectro político. Sugeriu, no
decorrer da campanha, a suspensão do pagamento da dívida, controle cambial, redução
e tabelamento dos juros, congelamento dos preços de primeira necessidade, reforma
urbana, reforma agrária.
Souza (2004) afirma que a candidatura de Lula estaria posicionada para a
construção do socialismo ou, como ressalta o autor ao analisar os documentos do 6°
Encontro Nacional, demonstra a retomada de uma expressão da esquerda, pois afirmava
que o PT não iria gerir a crise do capitalismo. A atuação estabelecida daria-se em várias
direções, “no caso o programa, a força social do governo que seria hegemonizada pelos
trabalhadores, a incorporação e implementação das suas reivindicações e o fato de que
criaria uma ruptura”. (SOUZA, 2004, p.235 – 236).
A Frente Popular não venceu as eleições no Brasil. As classes dominantes
conseguiram assegurar sua hegemonia na sociedade brasileira, com a vitória de
Fernando Collor de Mello. Embora tenhamos afirmado que as classes dominantes
tinham perdido a credibilidade no governo Sarney, torna-se um exagero afirmar que as
classes dominantes seriam incapazes de exercer sua hegemonia. A hegemonia não pode
12
Essas propostas também foram defendidas pela Convergência Socialista e pela Luta pelo Socialismo.
84
ser expressa apenas neste campo de disputa partidária. Entendemos o conceito de
hegemonia como “direção política, mas também como direção moral, cultural,
ideológica.” (GRUPPI, 1978, p. 11).
Acreditamos que uma das causas atribuídas à derrota da Frente Brasil Popular foi
a associação político-ideológica da direita sobre a crise do Leste Europeu, do socialismo
real, de suas matrizes teóricas e filosóficas. Chegou-se ao ponto de Fernando Collor,
influenciado por setores da burguesia nacional e internacional, afirmar que se caso Lula
ganhasse a eleição os cidadãos teriam que dividir suas casas com sem-teto, que seria
inaugurada uma nova ditadura no Brasil, a exemplo dos países do Leste Europeu.
2.5 Plano de Ação de Governo (PAG)
O Plano de Ação de Governo, lançado pelo Partido dos Trabalhadores, para as
eleições de 1989, foi considerado uma proposta popular, democrática e socialista pelas
lideranças do partido por outros setores petistas. A intenção de tal proposta estava
voltada para a redemocratização do Brasil, após longos anos de dura repressão militar
patrocinada pela ditadura instalada neste país em 1964.
Nos documentos publicados das resoluções do 6º Encontro Nacional encontramos
afirmações que evidenciam a preocupação petista em construir uma democracia com a
mais ampla participação popular nas decisões do governo e da sociedade e que seus
interesses estivessem voltados nas decisões governamentais. A defesa da democracia é
colocada como condição primordial para a construção do socialismo. O PT defende uma
participação ampla dos trabalhadores nas decisões do governo, como por exemplo, a
participação popular na gestão das empresas estatais, na gestão de serviços públicos, a
participação nas decisões de controle da Previdência Social. Como afirma Weffort:
Ao invés da continuidade da transição conservadora, a política de
reformas do PT propõe uma ruptura de caráter democrático. Ruptura
que, alias, será condição da consolidação e do aprofundamento da
democracia. Propõe um processo de acumulação, ao longo do tempo,
de conquistas econômicas e sociais e de uma crescente capacidade de
participação popular no poder. (WEFFORT, 1989, p. 75).
Notamos que as propostas petistas estão carregadas de noções referentes a uma
democracia popular. Sendo assim, o Estado teria que assumir uma forma diferente
daquela que vinha se organizando, os militares não poderiam mais participar da gestão
85
da coisa pública, teriam que se submeter ao poder civil, representado pelo Presidente da
República, pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal. Havia a
proibição da participação militar na repressão contra greves e mobilizações populares.
Este era um projeto que estava em disputa na sociedade brasileira. O Partido dos
Trabalhadores elaboraram um plano de governo baseado na experiência da Frente
Popular Chilena e latino-americana que tinha como preocupação fundamental uma nova
forma de desenvolvimento social. A luta contra o monopólio e má distribuição de renda
causadora da imensa pobreza do povo brasileiro, assim como as demais propostas
desenvolvidas pelos movimentos sociais faziam parte de sua plataforma política. No
entanto, haviam outros candidatos na disputa presidencial, em especial, Fernando Collor
de Mello, candidato que representava os interesses do capital internacional, como ficou
demonstrado nas privatizações realizadas nas empresas estatais brasileiras e na abertura
desmedida da economia para o capital financeiro e para o imperialismo norte-
americano. Nos documentos elaborados deste Encontro Nacional, encontramos muitas
críticas ao Governo Sarney e à Nova República, cuja formação teve um caráter
puramente conservador, cujo resultado nós assistimos com a vitória do senhor Fernando
Collor de Mello. O PAG representou um plano para atacar diretamente os interesses do
capital internacional. Se compreendermos que a crise vivida pelo Brasil ao longo da
década de 1980 possa ser considerada como uma crise de governo e que interessava ao
PT aprofundá-la e torná-la crise de regime, os militantes petistas concluíram que seria
necessário consolidar uma campanha com o mais amplo apoio dos setores populares.
João Bosco cita “que o sistema representativo era compreendido pelo PT como um meio
de aprofundar sua própria crise, na medida em que este era uma forma de dominação
burguesa e num governo Lula teria o papel de limitação”. (COSTA, 1998, p. 156).
Souza (2004) ao escrever acerca do PAG indica que alguns princípios e valores,
chamam a atenção ao fato de que, diferentemente das resoluções do 5° e 6° Encontros
Nacionais, o socialismo não aparece como núcleo central, afirma-se que ele se
construiria com democracia, com pluripartidarismo e seria obra coletiva dos
trabalhadores. O socialismo apenas apareceria quando se defendesse a solidariedade aos
movimentos que lutassem a favor da democracia, progresso social.
Souza (2004) demonstra ainda que além da ideia de democratização em vários
planos, no debate referente a participação popular e do poder popular e de outros canais
de controle e participação, continuava-se não discutindo a questão dos conselhos
86
populares. Somente encontramos, conforme afirma o autor, a proposição de criação dos
chamados conselhos institucionais ou setoriais, como o Conselho de Comunicação
Social e os conselhos a serem implantados junto às empresas estatais. Também fala-se
em outros como o Conselho de Transportes e os conselhos fiscalizadores e deliberativos
no município e estados na educação e na rede pública e privada.
A proposta de reforma agrária tinha um caráter marcadamente antilatifundiário
“que defende um modelo de produção democrático e popular” (6º ENCONTRO
NACIONAL, 1989, p. 413). Na Carta Constitucional de 1988 está declarada que a
propriedade privada é insuscetível de desapropriação. A Frente Brasil Popular defendia
“a fixação de um tamanho máximo para as propriedades fundiárias, particulares,
considerando um enquadramento modular para cada região, tipo de produção e do
conjunto das propriedades de cada proprietário, com a desapropriação das áreas que
excedam esse limite” (6º ENCONTRO NACIONAL, 1989, p.414).
Conclui assim Souza (2004) que a questão mais importante do Plano de Ação de
Governo refere-se à retomada da democracia como ponto central especialmente se isto
for comparado com as outras resoluções dos Encontros Nacionais anteriores.
Mendes (2007) ao analisar a campanha de 1989 através da propaganda eleitoral
gratuita de rádio e televisão afirma que a “polêmica e a tensão que envolve a questão da
reforma agrária e o PT ganham fôlego quando Lula afirma que a reforma agrária, para
ele, não era somente um compromisso de campanha”. Aponta que Lula chega a afirmar
que a reforma agrária é, para a Frente Brasil Popular, “como o oxigênio que se respira”.
“Um compromisso de vida”. Nota-se o tratamento fornecido a essa questão, na
avaliação de Lula, representa a injustiça na distribuição de terras, uma das faces mais
lutuosas da “injusta realidade brasileira”.
Contudo, verficamos que esta proposta não contemplava o conjunto dos
trabalhadores rurais. A plataforma de campanha em nenhum momento fala de
desapropriação de terras, ao contrário, somente aborda a Carta Constitucional de 1988, a
proibição de se desapropriar propriedade privada, o que nos faz compreender que o PT
não realizaria de fato a reforma agrária conforme as reivindicações dos camponeses. Na
questão da produção também não é mencionado que forma seria aplicada aos pequenos
proprietários, como por exemplo, o incentivo à agricultura familiar e um combate
intensivo a monocultura. A ausência de uma proposta real de reforma agrária para o
Brasil demonstrava uma debilidade do partido em encampar propostas dos movimentos
87
sociais do campo e nos mostra também certo receio em fugir da “legalidade” imposta
pelas classes dominantes, declaradas na Assembléia Constituinte, com a referida
Constituição.
No Encontro Nacional foi aprovada uma resolução que apontava claramente
para um programa que garantisse a transição ao socialismo.
Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas
democráticas e populares, de caráter anti-imperialista, antilatifundiário
e antimonopólio, tarefas não efetivas pela burguesia tem um duplo
significado: em primeiro lugar é um governo de forças sociais em
choque com o capitalismo e a ordem burguesa, portanto, um governo
hegemonizado pelo proletariado e que só poderia viabilizar-se com
uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização das tarefas
a que se propõe exige a adoção concomitante de medidas de caráter
socialista em setores essenciais da economia e com o enfrentamento
da resistência capitalista. (PARTIDO DOS TRABALHADORES,
1987).
O PAG não atribui a mesma ênfase ao texto aprovado pelo Diretório Nacional,
deixando a desejar nas questões fundamentais acerca da transição ao socialismo. Como
afirma Mauro Iasi “ainda que reflita uma certa moderação no tom geral da proposta, as
diretrizes têm o mérito de ser fruto da ampla consulta e de um processo participativo
que envolveu e ouviu os diferentes setores que se somavam à campanha. Por tudo isto o
6º Encontro acabou ficando entre a radicalidade da estratégia do encontro anterior e o
tom geral de moderação que se seguiria à derrota eleitoral de 1989”. (IASI, 2006).
Antonio Ozaí (2001) comenta que para a organização O Trabalho, o Programa de
Ação de Governo representa o abandono das reivindicações que davam o caráter de
classe à campanha Lula por representar um programa submetido à Constituição e à
legalidade. (SILVA, 2001, p. 6).
Neste processo eleitoral o PT saiu debilitado pela derrota nas eleições, pela crise
que o socialismo passava motivado pela queda do muro de Berlim, com o
aprofundamento do capitalismo monopolista. O setor majoritário ao longo dos próximos
anos viria a acentuar suas críticas ao socialismo real, fundamentalmente aos Partidos
Comunistas e às ditaduras geradas, afastando-se cada vez mais, das concepções
socialistas. Já o PRC pode ser definido como uma organização política revolucionária
clandestina, com existência própria, autônoma. Para a organização, não havia
contradição entre ela e o PT, pois a participação em uma organização partidária de tipo
88
leninista e a participação em um partido de massa pluralista eram complementares. Para
o PRC, a revolução socialista não se efetivará sem a existência de um partido
clandestino, de tipo leninista, articulado com o fortalecimento de organizações de massa
de tipo anticapitalista. (AZEVEDO, 1995, p. 111).
89
CAPÍTULO 3 – O PT NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1990
3.1 As Resoluções do 7° Encontro Nacional
O Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores aconteceu em São Paulo
entre 31 de maio a 03 de junho de 1990. Este Encontro aconteceu com o impacto da
derrota petista na eleição presidencial de 1989 e a falência dos regimes socialistas do
Leste Europeu. Nas resoluções referentes a este Encontro podemos encontrar a negação
aos modelos desenvolvidos pelos partidos da social-democracia ao chamado
“socialismo real” e ao modelo marxista de sociedade, e também críticas relacionadas ao
então governo Fernando Collor de Mello. Também são encontradas formulações
referentes à construção partidária, conjuntura, tática e monções.
Em reunião do Diretório Nacional fora escolhida a nova Comissão Executiva
Nacional e, desde sua fundação, foi respeitada, pela primeira vez, a proporcionalidade
de 10%, para compor a Executiva Nacional, alcançada pelas correntes no 7º Encontro
Nacional: Presidente: Luíz Inácio (Lula); 1º vice: Luíz Gushiken; 2º vice: José Genoíno;
3º vice: Benedita da Silva; Secretário Geral: José Dirceu; 1º Secretário: Cezar Alvarez;
2º Secretário: Augusto de Franco; Tesoureiro: Eurides Mescolotto; 1º Tesoureiro: Raul
Pont; Vogais: Gilberto Carvalho, Valério Arcary, Hamilton Pereira, João Machado,
Markus Sokol, Eduardo Jorge, Jorge Almeida, Marco Aurélio Garcia, Luis Dulci,
Perseu Abramo e Gumercindo Milhomem.
As tendências internas não podiam compor a Executiva Nacional, pois a proposta
de proporcionalidade não era respeitada. A regulamentação das tendências petistas foi
aprovada apenas em 1990
13
.
O editorial do jornal Em Tempo de junho de 1990 traz a discussão de que a
aprovação da proporcionalidade, conquistada somente neste Encontro Nacional,
significaria a vitória de um modelo de partido. Representaria a rejeição aos modelos dos
partidos comunistas, especialmente, os que se desenvolveram na URSS.
13
Um partido que privilegia este tipo de formação pluralista de pensamento atuava em contradição com a
própria forma de atuação política desrespeitando suas próprias formulações aprovadas em Encontros
Nacionais, e pelas bases partidárias.
90
O setor majoritário do Partido dos Trabalhadores, Articulação, enxergava as
tendências como uma espécie de deformação partidária. A aprovação do direito à
proporcionalidade regimental representou uma conquista decorrente da regulamentação
ao direito de existência de tendências internas ao partido. Define, assim, uma dinâmica
de construção partidária democrática em relação ao posicionamento e dos rumos a
serem traçados.
O Diretório Nacional do PT em 20 de maio de 1990 regulamentou o direito de
existência de tendências, resolução que havia sido aprovada no 5° Encontro Nacional
em 1987. Ressaltamos mais uma vez o debate de que o PT desde sua origem é
constituído por diferentes tendências e agrupamentos internos. Segundo Machado
(1990) em artigo ao jornal Em Tempo afirma que a corrente majoritária sempre manteve
uma postura ambígua frente a esta questão, considerando-se por muito tempo, a única
tendência legítima, como se fosse o verdadeiro PT. Ressalta ainda que a regulamentação
representaria a superação das posições excludentes da Articulação e o amadurecimento
das organizações presentes no partido.
A resolução aprovada no 7° Encontro Nacional, O Socialismo Petista, foi a
proposta encaminhada pelo Diretório Nacional, no entanto, oito teses foram
apresentadas e não foram votadas. Foi proposto que o debate prosseguisse para o I
Congresso, em 1991.
Neste Encontro a discussão sobre O Socialismo Petista aparece com algumas
características: o pluralismo partidário e ideológico, a garantia das liberdades
individuais e a democracia como valores estratégicos de sociedade. Isto leva o partido a
enfatizar suas críticas ao modelo desenvolvido no Leste Europeu, com o chamado
socialismo real. As resoluções do 7° Encontro afirmam:
Desconsidera particularidades nacionais, diferentes processos
revolucionários, variados processos econômicos e políticos etc. Nivela
experiências de transformação social heterogêneas em sua natureza e
em resultados, desqualificando conquistas históricas que,
seguramente, não são irrelevantes para os povos que as obtiveram. (7º
ENCONTRO, 1990, p. 431).
Claramente observamos a postura petista em relação ao modelo socialista
desenvolvido na URSS. O Partido dos Trabalhadores possui em suas instâncias de
representação, diversas correntes de pensamento, que variam do cristianismo social aos
marxismos vários, democracias radicais, socialismos não-marxistas, etc. Logo, o
91
socialismo proposto pelo partido deveria contemplar as diferentes correntes de
pensamento que compunham o PT.
O editorial do jornal Em Tempo de junho de 1990 aborda o debate acerca do
questionamento do partido frente ao processo revolucionário latino americano, uma vez
que considerou que os regimes socialistas da extinta União Soviética não representariam
mais uma continuidade deste processo, colocando assim o Partido dos Trabalhadores
em confronto com a história como em contradição com os processos revolucionários da
América Central.
Argumenta que o debate no DN se induziu com a afirmação de que a
‘convergência teórico–prática’ dos PCUS procura um espaço para inserir tal concepção
das resoluções do 7° Encontro. Entretanto, ao longo das discussões, chegou-se a
conclusão de que esta visão seria contraditória com a natureza petista. Esta passagem foi
substituída pela emenda: “com a luta dos trabalhadores e dos povos por sua libertação e
pelo socialismo, assumindo como sua tarefa a defesa dos diferentes processos
revolucionários”. (EM TEMPO, 1990, p. 03).
Segundo Cicone (1995) o PT estava repensando a forma de organização
partidária, pois crescia a responsabilidade e novos desafios impunham-se ao partido,
principalmente as tarefas institucionais. Argumenta que as resoluções do 7° Encontro
Nacional apontam que o modelo de socialismo deveria estar relacionado com a forma
de organização partidária. Enfatiza a necessidade de reforçar a atuação partidária nos
setores progressistas da sociedade. Era necessário o enraizamento do partido nesses
setores, “tornado-se sua expressão e referência de direção.” (CICONE, 1995, p. 165).
Os núcleos de base reaparecem na berlinda, segundo Cicone (1995), como
principal instrumento de aglutinação de massas e um poderoso centro de debates e
trocas de idéias, no entanto, era necessário promover a sua reestruturação, a fim de
alcançar os objetivos. Isto permitiria o caráter orgânico do partido permitindo atividades
de massa, contribuindo assim, com os setores menos avançados da sociedade.
Nas resoluções do Encontro Nacional está definido que socialismo do qual o
partido almeja é um projeto humano de luta consciente dos oprimidos capaz de
desenvolver uma consciência libertária, de recuperação ética da política para o
restabelecimento da unidade entre socialismo e humanismo. A proposta socialista
desenvolvida fora formulada através da organização da propriedade social dos meios de
produção, diferentemente da propriedade estatal. Aqui foram demonstradas uma
92
mudança acerca da tese do Socialismo em relação às resoluções do 5º Encontro
Nacional, conforme texto:
Na luta pelo socialismo, é preciso distinguir dois momentos
estratégicos que, apesar de sua estreita relação de continuidade, são de
natureza diferente. O primeiro diz respeito à tomada do poder político.
O segundo refere-se à construção da sociedade socialista sobre as
condições materiais, políticas etc. deixadas pelo capitalismo. (5º
ENCONTRO, 1987, p. 312)
Ao analisarmos os treze pontos que compõem a resolução, O Socialismo Petista,
a importância da democracia aparece como central. Os objetivos do partido tinham
relação direta com a organização partidária e a democracia interna. A questão da
diversidade ideológica, fruto da convivência das diversas organizações que estão no PT.
Observamos que o partido avançara muito pouco nas formulações sobre o conceito de
socialismo, e o pouco que se acumulara sobre o assunto, estava muito próximo às
reflexões de Gramsci, quanto ao conceito de socialismo, e de partido enquanto
intelectual coletivo. Concebido com ampla democracia política e individual, necessitava
também de uma democracia econômica. Surge, então, a preocupação na questão de uma
propriedade social dos meios de produção, que nega a lógica do mercado e o
autoritarismo estatal, no qual a gestão das empresas deveria ter suas decisões realizadas
pela sociedade.
Costa afirma que o Socialismo voltara a ocupar a centralidade da agenda de
discussões. Também ressalta que as resoluções políticas, o debate sobre a demasiada
importância do sistema representativo colocara-se com uma recusa e desconfiança cada
vez menor, “cada vez maior sua assimilação positiva”. (COSTA, 1998, p. 158). A
entrevista de Amauri Teixeira
14
cedida a Costa (1998) é uma análise do Partido dos
Trabalhadores do início da década de 1990.
O autor observa uma postura crítica do PT em relação ao chamado socialismo
real, mas que ideologicamente ainda estava muito próximo do marxismo. Segundo
Amauri Teixeira “era uma afinidade crítica” (COSTA, 1998, p. 158). Esta proximidade
ideológica pode ser traduzida pela construção do imaginário da tradição socialista que o
partido desenvolveu ao longo de sua trajetória.
14
Foi membro do Diretório Municipal de Porto Alegre
93
Souza (2004), ao escrever sobre esta questão, ressalta como a resolução aborda a
democracia, afirmando que as noções gerais que norteariam a construção de uma
sociedade socialista deveria favorecer uma democracia universalista. Aponta para a
necessidade de produzir num internacionalismo democrático e socialista e propõe uma
democracia econômica no socialismo destacando a vigência da propriedade social a ser
decidida democraticamente pela sociedade.
Podemos perceber que o PT deixa de propor a tomada do poder pelos
trabalhadores através da luta revolucionária. Vale ressaltar este debate aqui, na tentativa
de demonstrar a Metamorfose da Atuação Política do Partido dos Trabalhadores. Como
afirma Iasi (2006): o contraponto ao capitalismo é cada vez mais a democracia e não o
socialismo. A convicção democrática sempre esteve presente nos documentos e na vida
partidária, porém o centro da meta estratégica era a afirmação socialista, de modo que o
aspecto democrático aparecia como que o qualificando. Agora a democracia é o centro e
o aspecto socialista aparece para qualificar a democracia.
A metamorfose do partido perpassa através das mudanças no cenário nacional e
mundial. As mudanças produzidas na estrutura político-econômica do Brasil, com a
inserção do neoliberalismo, as reformulações do capitalismo mundial e as profundas
transformações nos países socialistas do Leste Europeu, fizeram com que o PT iniciasse
um debate e um reexame da teoria e da prática que vinha adotando.
Neste 7° Encontro Nacional, o Partido dos Trabalhadores ressalta a prevalência às
disputas eleitorais permitindo um afastamento da militância e dos movimentos sociais e
populares. Os núcleos de base, organização estratégica de democracia interna petista,
não cumpriram com sua tarefa estratégica de debater questões de conjuntura,
organização e principalmente o de formar militantes. Estes deixaram de existir ou
passam a atuar precariamente. Os núcleos de base como já afirmamos, anteriormente,
metamorfosearam-se em comitês eleitorais, cumprindo atividades apenas em época de
eleições.
Cicone (1995) argumenta que o fato de Lula ter tido a possibilidade de chegar à
Presidência da República e ter conquistado alguns governos estaduais em 1990, aguçava
internamente o debate sobre a institucionalização do partido. Afirma que a frente
institucional assumiu demasiada importância quanto as outras lutas, passou a possuir
status semelhante ao de dirigente sindical. “Defendia-se a necessidade de ‘mediação e
síntese’ nas relações entre os detentores de mandato e o partido, já que, afirmava-se, o
94
mandato não era simplesmente do eleito, do grupo que o elegeu ou do partido.”
(CICONE, 1995, p. 73).
Os documentos referentes ao 7º Encontro Nacional levantam as preocupações
expostas por militantes na relação do partido com a institucionalidade. O Partido acabou
se limitando ao comportamento típico de uma organização da ordem e perdeu seu
horizonte de transformação. Ganha corpo uma mentalidade de que só passaria a ter
poder no Partido quem tivesse mandato eletivo institucional. Muitas vezes, os petistas
que estavam na frente institucional desenvolveram comportamentos independentes em
relação ao Partido, praticando uma política preconceituosa em relação aos
parlamentares e prefeitos. O Partido não elaboraria política para esse setor e
desenvolveria uma relação utilitarista entre seus parlamentares e prefeitos, medindo seu
caráter de pertencer ao Partido apenas pelo volume de suas contribuições financeiras.
O jornal Em Tempo (1990) traz algumas tensões suscitadas no debate da
organização partidária. Afirma que o PT é conhecedor das diferenças entre poder e
governo, no entanto, transparece em suas resoluções a subordinação da luta institucional
à organização dos trabalhadores. As tendências das tradições marxistas enfatizam que
esta não representa, ou não deveria representar, a atuação política-partidária, que por
sua vez, continua motivada pelo calendário eleitoral. O partido ao longo de sua
trajetória diferenciou-se do PC por ter desenvolvido uma democracia interna como
critério organizativo. O direito à existência de tendências, como foi discutido ao longo
do 5° Encontro Nacional, foi regulamentada somente dez anos após sua fundação. Os
núcleos de base, por sua vez, tornaram-se em sua maioria, comitês eleitorais. Não foram
criadas estruturas que permitissem a coordenação dos movimentos sociais, pois o
acúmulo político-organizativo nesta nova fase, dava-se exclusivamente sob a égide das
direções, reduzindo drasticamente o alcance das diretrizes políticas.
Mais uma vez podemos constatar características da Metamorfose do Partido dos
Trabalhadores, devido à sua preferência pela institucionalidade, deixando seus
militantes muitas vezes desamparados, demonstrando suas preocupações e frustrações
recorrentes da transformação partidária. Estes são os rumos que o PT irá seguir ao longo
da década de 1990. A forte influência de parlamentares e principalmente das prefeituras
conquistadas nas eleições de 1988 demonstram são consequências do aumento da
preocupação do partido em sua forma de governar, ou seja, “o modo petista de
governar”. Muitas tendências petistas questionaram estas novas diretrizes de
95
reorganização partidária, principalmente aquelas tendências de tradição
comunista/socialista, muitos dissidentes dos Partidos Comunistas que acreditavam no
projeto petista de sociedade.
O PT estava consolidado nacionalmente com suas instâncias representadas em
todos os estados do Brasil, com militantes organizados em todo o país e com um projeto
nacional fundamentado ao decorrer os Encontros Nacionais, principalmente no 5º
Encontro Nacional, que serviu de base para os encontros posteriores. No entanto, seu
projeto de classe ficou nos limites da institucionalidade, que foi, aos poucos, revelando
a nova diretriz petista. Assim como está afirmado nas resoluções do 7º Encontro:
Há clara consciência de que não se passa impunemente pela
instituição. Registra-se em muitos setores do Partido uma procedente
preocupação com um certo grau de acomodação, de adaptação
“exagerada” aos trâmites, usos e costumes da vida institucional.
Registra-se uma certa perda do ardor revolucionário das primeiras
obras. (7° ENCONTRO, 1990).
O centro do debate eleitoral do 7º Encontro são as eleições de 1990, para a
escolha do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas dos estados. O PT
posicionou-se claramente contra o governo de Fernando Collor de Mello, que
simbolizara o desfecho da transição conservadora e o segundo governo da Nova
República. Apesar do conceito de socialismo ter desaparecido do Plano de Ação de
Governo, apresentado pela Frente Brasil Popular, a candidatura Lula teve o apoio de
diversos setores da sociedade, tais como: a CUT, os movimentos populares, os sem-
terra, e parcelas significativas da intelectualidade brasileira. Em oposição ao apoio de
todos esses setores, estava a grande mídia apoiando Collor e os partidos situados no
campo da direita, PDS, PFL, PTB, setores do PMDB, que também apoiavam esta
candidatura, e estavam certos de que comporiam o governo e tirariam “proveito” da
situação.
O PT, como principal partido de oposição, abre a discussão na tentativa de
continuar com as alianças estabelecidas nas eleições de 1989 e também com a proposta
de uma Frente Brasil Popular. Todavia, diversos debates travados pela direção do PT
chegaram à conclusão de que o tema Socialismo espantaria muitos eleitores, tendo em
vista a experiência da eleição presidencial de 1989 e os acontecimentos no Leste
Europeu com a Perestroika e a Glasnost, e por isso deixariam de propor este tema.
96
Sem entrar nas particularidades ou nos problemas internos ou nas
relações internacionais de qualquer partido de esquerda no Brasil,
entendemos ser impossível construir alianças para a disputa eleitoral
de 90 sem uma definição comum, que a chapa majoritária exponha
durante a campanha eleitoral, sobre a questão do socialismo, sob pena
de não termos respostas durante o debate eleitoral ou, pior, termos
diferentes respostas, na maioria dos casos antagônicas. O que, como já
ficou comprovado, é desastre político e eleitoral”. (7° ENCONTRO,
1990).
Costa (1998) aborda que as resoluções do 7° Encontro apontam para a
continuidade da concepção dos objetivos petistas nas disputas eleitorais, enfatiza que a
imprensa partidária acena em sentido oposto. Demonstra que houveram tentativas de
ampliação das alianças eleitorais e a composição dos respectivos governos e que
surgiram novas noções para os programas de governo. Conclui assim, que depois de
1990 agrava-se o conflito entre as características que marcaram o PT
15
, pois as escolhas
iam caminhando no sentido de mudanças nas quais as plataformas políticas estavam
sendo deixadas de lado em detrimento de um enraizamento no sistema institucional.
Marco Aurélio Garcia (1994) comenta sobre a força eleitoral que os partidos de
esquerda brasileiros e latino americanos conquistaram nos últimos anos. A discussão
feita sobre a possibilidade eleitoral e a paradoxal não correspondência ideológica,
podem ser traduzidos na fala de Luís Maira, secretário geral do Partido Socialista
Chileno, quando afirma que “antes tínhamos idéias, mas não tínhamos votos; hoje
temos votos mas não temos idéias”.
Esta passagem nos serve para entendermos o espectro que rondava a esquerda
latina americana e, sobretudo a esquerda brasileira. Marco Aurélio Garcia (1994)
considera que esta a terceira geração de esquerda formada pelos “novos movimentos
sociais”, baseara-se em uma reflexão sobre a democracia, “entendida como espaço de
criação de direitos”. Diz ainda que esta esquerda é heterogênea, não possuindo uma
referência doutrinária. A democracia política aparece como um fim, um objetivo a ser
seguido e isto nos faz concluir que o Partido dos Trabalhadores aderiu aos programas
democráticos burgueses.
15
Aqui pretende-se dizer que o Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação, ao disputar eleições,
sempre levou em consideração as plataformas políticas dos movimentos sociais classistas.
97
Mauro Iasi levanta um dado que pode ser decisivo para compreendermos a
atuação política petista, afirma que o recuo dos movimentos sociais ocasionados pelo
envelhecimento das lideranças e a falta de condições para formar novas pessoas para
substituírem os quadros, se deve ao crescimento institucional do partido. Levanta outra
questão que se refere ao dilema de lutar contra governos instituídos, “produzindo uma
crise de identidade com sérias proporções” (IASI, 2006, p. 453).
O peso do PT nas administrações municipais e seu papel na
conjuntura eram por demais importantes para ocupar toda a atenção
das direções e dos militantes e estes nem sequer notaram que as
relações do PT com os movimentos eram cada vez mais formais,
quando não tensas. (IASI, 2006, p. 454).
Esta preponderância da institucionalidade produziu um distanciamento interno
entre as direções e a base partidária. Neste momento, dentro do partido fica evidente a
importância do militante profissional e as possibilidades de ganhos são disputados em
seus espaços de decisões.
Uma característica fundamental deste debate reside na questão do PT não ter
conseguido romper com as políticas neoliberais de desregulamentação da economia, no
combate à inflação, às privatizações, que, por sua vez ocasionaram uma crise interna no
partido. Constatou-se que não conseguiriam mais organizar o movimento popular,
principalmente a CUT, para tentar barrar as políticas neoliberais iniciadas por Fernando
Collor de Mello, e por isso o PT conciliou-se com as políticas de Estado. Segundo Iasi
(2006) uma das razões da crise geral pela qual passaram as administrações petistas, fora
em decorrência da crise do movimento operário brasileiro: a falta de espaços
democráticos de debate, o desemprego que assombrava a vida da classe trabalhadora, e
a própria metamorfose da atuação do Partido dos Trabalhadores, no início da década de
1990.
Com a vitória de Fernando Collor e a opção por uma política neoliberal, os
trabalhadores, desmotivados pelo desemprego, possuíam menos energia para emplacar
lutas reivindicatórias; a CUT ficou isolada politicamente. Para Armando Boito JR.
(1999), a Articulação sempre esteve próxima de um sindicalismo católico e social-
democrata europeu e suas influências foram demasiadas importantes para entendermos
o sindicalismo dos anos 1990 e, sobretudo a tendência majoritária nesta década, a
Articulação.
98
Verificamos dois fatores explicativos que são lançados à luz, na tentativa de
melhor elucidar a postura petista no início da década de 1990.
A-) a Articulação formada pela influência da Teologia da Libertação,
organização que sofreu com o fim do comunismo mundial e consequentemente fora
dissolvida do seio da igreja, cedeu espaço às tendências que aderiram ao neoliberalismo
como demonstra as experiências francesas e italianas. A organização tornou-se
hegemônica após a derrota de Lula em 1989 e com isso foram abandonadas as lutas
reivindicatórias da década de 1980;
B-) o movimento histórico da década de 1980 com o fim do chamado
“socialismo real” motivado pela falência dos regimes do Leste Europeu, a
implementação do neoliberalismo na América Latina e principalmente no Brasil,
ocasionaram um reexame das propostas socialistas do PT fazendo com que este optasse
pela via eleitoral e abandonasse as lutas reivindicatórias chegando até propor uma
separação entre movimentos populares e sociais e partido, sendo que os primeiros
teriam como tarefa organizar os trabalhadores, e o segundo apenas a tarefa de disputar
eleições.
3.2 O I Congresso do PT
O I Congresso do Partido dos Trabalhadores aconteceu em São Bernardo do
Campo, localizado na grande São Paulo, entre os dias 27 de novembro a 1º de dezembro
de 1991. Neste Congresso foram discutidos temas referentes ao Socialismo, caminhos
de sua construção, concepção prática de construção e atuação partidária.
Foram apresentadas oito teses para discussão, sendo que mais uma vez a tese
apoiada pela Articulação, tendência majoritária do partido nos anos 1980-1990, serviu
de tese guia para este Congresso. Venceu a tese Por um Brasil Democrático e Popular.
A segunda tese mais votada foi Por um PT Socialista e Revolucionário (Força
Socialista, Tendência Marxista e independentes). A tese Um projeto para o Brasil
(Vertente Socialista e a Nova Esquerda). A tese Um rumo revolucionário para o PT
(Democracia Socialista) e a tese Em Defesa do PT; das origens, por um Brasil
Socialista foram as teses apresentadas ao I Congresso, como afirma Raul Pont (1992).
Árabe (1991) ao escrever no jornal Em Tempo no mês de setembro aborda a discussão
de que a Articulação representava a maior das tendências internas do PT e guardava
99
consigo uma relação viva da trajetória construída pelo partido. Os impactos causados na
esquerda motivados pelo cenário internacional fez com que grande parte das
organizações marxistas perdessem sua identidade assimilando grandes traços da nova
ordem imperialista.
Afirma assim o autor, que internamente ao Partido dos Trabalhadores essa
assimilação apareceu na forma de um “refundacionismo”, baseado na idéia de se
construir um partido a partir de um marco zero em relação às tradições que vinham
sendo constituídas como identidade partidária, “acompanhado de pontos de aceitação
dos novos termos políticos e ideológicos impostos internacionalmente”. (ÁRABE,
1991, p. 03).
Acentua que a nova ordem social estabelecida após a bancarrota dos regimes do
Leste Europeu e a introdução do neoliberalismo, fortaleceram seu caráter de exclusão
social e de subordinação dos países pobres, estabeleceram uma competição econômica
entre blocos, atualizaram a prática de partilha do mundo e militarizam os conflitos
regionais.
Em relação a conjuntura nacional, o governo de Fernando Collor de Mello,
propunha, segundo as resoluções políticas, cinco palavras de ordem: Estado mínimo,
desregulamentação da economia, privatização, livre comércio, mercado.
O PT se propõe como alternativa política de esquerda ao governo atuante com
suas políticas neoliberais desenvolvidas, e tenta formular hipóteses de retomada de seu
projeto de fundação, ou seja, voltar a estar próximo das lutas reivindicatórias, estar
próximo dos movimentos populares, levar o partido novamente às ruas com sua
militância.
Souza (2004) faz uma síntese da proposta partidária sobre a disputa de hegemonia
em 1991, uma vez que isto permite entender melhor a visão dos princípios e valores
petistas. Afirma que até o 5° Encontro Nacional a disputa por hegemonia vinculava-se
diretamente à idéia de uma política de acumulação de forças em função da não
existência de uma situação revolucionária. Já neste período, a disputa de hegemonia
teria passado a incorporar a disputa eleitoral para 1994, os governos municipais
conquistados pelo partido e as propostas de democratização do Estado, reformas sociais
e organização e crescimento dos movimentos sociais.
Cicone (1995) aborda esta discussão afirmando que o PT necessitava reforçar sua
atuação nos setores progressistas da luta política, articulando-se organicamente. Era
100
necessário fixar-se nestes movimentos tornando-os sua expressão de direção. Os
núcleos de base reaparecem nos debates travados pelos petistas tendo como ênfase a
noção geral de relacionamento com a sociedade. Apontava-se novamente suas
fragilidades e delegava-se ao Diretório Nacional a tarefa de propor novas atribuições
aos núcleos.
No entanto, observamos que suas normas foram modificadas. Começaram a ser
considerados núcleos todos os agrupamentos de nove pessoas minimamente
organizados por local de trabalho, moradia, categoria, movimento social
16
. Nas
resoluções políticas, visava-se não privilegiar apenas a luta econômica e a pressão
popular, ou simplesmente a atuação institucional sem articular as lutas pelas reformas
políticas e econômicas com as de caráter reivindicatório e setorial. Também se estaria
reconhecendo a necessidade e a relevância da apresentação de propostas políticas para
que elas levassem o movimento a superar o corporativismo, ultrapassar as
reivindicações pertinentes à recessão e ao desemprego, estabelecendo assim uma
política de alianças que abrangesse os setores minoritários da sociedade, como negros,
deficientes, mulheres, etc.
Notamos que ao longo do I Congresso desenvolvem-se algumas orientações
aprovadas pelo 7° Encontro Nacional quanto à disputa de hegemonia. O centro da
estratégia se inicia pelo campo institucional através das eleições nacionais. Isto vai
ressoar sobre as diretrizes gerais do partido e as funções programáticas.
Ao analisarmos as resoluções políticas referentes ao I Congresso observamos a
presença de uma defesa de uma campanha de emergência, aprofundando-o com os
sindicatos e movimentos, pois neste Congresso não estava na pauta às eleições de 1994.
Defendia-se a reposição salarial em escala móvel, a fim de garantir a reposição da
inflação, o controle dos fundos sociais e seu redirecionamento para investimentos
sociais e seguro desemprego, instituição do imposto solidariedade e sobre grandes
fortunas, a reforma agrária, reforma financeira e monetária, combate à corrupção e fim
da impunidade dos crimes de colarinho branco, amplas reformas políticas democráticas
no sistema eleitoral brasileiro, representação proporcional dos Estados na Câmara dos
Deputados, redefinição do papel do Senado.
16
Os não filiados ao PT também poderiam participar dos núcleos, mas somente filiados poderiam intervir
nas instâncias dirigentes.
101
A constatação de que uma pequena parcela da população brasileira participava do
mercado, surgia então, a proposta de mudança desse quadro a partir de uma política
econômica radicalmente diferente daquelas que vinham sendo estabelecidas.
Acreditava-se na distribuição de renda para promover o crescimento, de fazer do Estado
um instrumento de divisão de equidade do produto social, de uma reforma patrimonial
da sociedade, ou seja, de amplas reformas no Estado brasileiro.
Assim como no 7º Encontro Nacional, a tese O Socialismo Petista reaparece no I
Congresso cheio de ambiguidades e como uma nova roupagem. Nele estavam contidas
teses abordadas pela teoria liberal, como a questão da liberdade e da ética, a democracia
assume um papel central nas formulações petistas. No I Congresso, estes temas são
recolocados mais uma vez, no entanto, as novidades são os novos temas como a questão
da ecologia que aparece como uns dos critérios básicos para se alcançar o Socialismo.
Os socialistas propõem novos critérios para a elaboração da
contabilidade nacional, onde sejam computados os custos da
degradação ambiental, como, por exemplo, a perda da biodiversidade,
da fertilidade da terra, da água e da pureza do ar. A poluição é um
claro exemplo de socialização dos prejuízos e de privatização dos
benefícios. (I CONGRESSO, 1991).
Souza (2004) ao discutir o socialismo ressalta algumas passagens significativas.
Afirma em primeiro lugar, a importância da atualização do chamado projeto histórico
petista, ou seja, da renovação de um projeto de socialismo democrático. Em segundo
lugar, enfatiza que as idéias do documento do 7° Encontro e as orientações do
eurocomunismo, estão presentes neste Congresso, deixando mais claras as posições
partidárias e somando novos temas ao socialismo democrático do partido.
Afirma que estávamos presenciando ao esgotamento do ciclo que fora iniciado
com a Revolução Russa de 1917. O que estaria a findar na União Soviética era uma
sociedade moldada sob os aspectos da estatização dos meios de produção e do controle
burocrático, planejamento centralizado, o Estado burocrático separado da sociedade
civil, a substituição da democracia socialista pela opressão burocrática, a negação do
marxismo e sua transformação em ideologia de Estado, a falta de democracia política,
etc.
Ainda seguindo a abordagem de Souza quanto aos elementos incorporados no
socialismo petista, considera que em termos mundiais tornava-se necessário um padrão
sustentável de desenvolvimento socialista, que garantisse uma democratização radical
102
nas estruturas decisórias, a assimilação de um planejamento ambiental e a participação
dos países pobres no processo decisório. Assim, considera-se também, que deveriam ser
incorporadas à construção do socialismo, a luta das mulheres, dos negros e dos índios e
a entrada de novos agrupamentos como os deficientes
17
, ou seja, a incorporação dos
grupos sociais menos favorecidos da sociedade. Aparece também em seu trabalho a
afirmação de que o PT aspirava a superação do capitalismo, trabalhava-se no sentido de
renovação de um projeto de socialismo democrático, que impulsionasse os valores
libertários e socialistas.
Cicone (1995) ressalta que para se alcançar o socialismo o PT deveria preocupar-
se com sua prática e com sua organização interna. Defende que o tema socialismo não
poderia restringir-se a um pequeno grupo de intelectuais e dirigentes. Deveria
contemplar o conjunto de militantes e assim abranger toda a sociedade. Aproxima as
formulações petistas acerca do socialismo com Gramsci “sobre a forma de disputa de
hegemonia e elaboração coletiva, já que todos são, a seu modo, intelectuais e
dirigentes.” (CICONE, 1995, p. 192).
O Socialismo aparece no I Congresso Nacional como sinônimo de radicalização
da democracia. “A democracia, para nós, é simultaneamente meio e fim. Esta concepção
de democracia é resultante de experiências históricas de partidos da social-democracia
européia, que por sua vez, registraram momentos de questionamento ao modelo
socialista, ditadura do proletariado. Em substituição à matriz soviética propuseram as
disputas eleitorais como meio de se alcançar o socialismo. O PT nega qualquer
associação com os partidos da social-democracia.
Na concepção de socialismo petista, a cooperação e a solidariedade, o pluralismo
partidário e ideológico aparecem como frutos de uma sociedade democrática, assim
como a questão do Estado de Direito irá prevalecer as liberdades civis e políticas, de
opinião, de manifestação, de imprensa, partidária e sindical. A democracia
representativa também ganha espaço na concepção petista de socialismo, que tende a
estabelecer a legitimação majoritária do poder político.
17
Falava-se em garantir a participação de pessoas portadoras de necessidades especiais, no entanto, como
nos lembra Cicone (1995) três anos após a realização do I Congresso o partido não havia conseguido
adotar nenhuma das medidas que garantissem a participação destes indivíduos.
103
A negação ao modelo socialista do Leste Europeu e a negação à política de livre
mercado faz com que nos deparemos com um paradoxo: de fato qual é o modelo que o
PT realmente pretende construir à sociedade brasileira?
Nas resoluções políticas do I Congresso o partido propõe que seja realizada uma
combinação entre planejamento estatal e um mercado orientado socialmente para
impulsionar o desenvolvimento econômico.
Será necessário que o Estado exerça uma ação reguladora sobre a
economia, através de suas próprias empresas e de mecanismos de
controle do sistema financeiro, de políticas tributárias, de preços, de
crédito, de uma legislação antimonopolista e de proteção aos
consumidores, aos assalariados e aos pequenos proprietários. (I
CONGRESSO, 1991).
Conforme as resoluções políticas a social-democracia propunha um Estado de
Bem-Estar Social, que se apropriaria de uma parte do excedente econômico e repassaria
para políticas sociais destinadas a amenizar as desigualdades sociais ocasionada pelo
capitalismo. Embora o PT tenha formulações análogas não podemos afirmar que seja
um partido vinculado ao pensamento social-democracia, até mesmo porque afirma
desde sua fundação ser um partido sem uma filosofia oficial, e que em suas instâncias
de representação existem diversas tendências.
Cicone (1995) ao analisar as teses petistas refere-se ao socialismo real e ao
socialismo almejado, afirmando que o Partido dos Trabalhadores não almeja fundar um
Estado totalitário. Pretende ganhar não somente através da força, levando-se em
consideração a necessidade de seu uso, argumenta o que se pretende conquistar são
corações e as mentes, a solidariedade e a democracia são os instrumentos para alcançar
tais êxitos.
Iasi (2006) afirma que o I Congresso é um aprofundamento das resoluções do 7º
Encontro e o que teria de ser corrigido neste Congresso, uma visão “dogmática” a
respeito do processo de transformação da sociedade, pois supunha-se que era necessário
chegar ao poder de Estado destruindo o domínio político da burguesia. Para o autor, o
caminho a ser seguido é “a progressão da “democracia” e da “liberdade” entendidas
como uma democracia da sociedade civil”. Iasi ainda ressalta que o propósito é afirmar
um caminho próprio que evite a burocratização quanto à social-democracia, e destacar a
centralidade que a democracia assume nas resoluções políticas do PT; a democracia
como meio e como fim.
104
Conforme constatamos o I Congresso é uma afirmação das resoluções do 7º
Encontro Nacional, no qual estão afirmadas que para o PT socialismo é sinônimo de
radicalização da democracia.
Para Valter Pomar, a bibliografia utilizada pelo PT na década de 1980, em certa
medida, utilizava-se de um referencial da esquerda crítica na interpretação formulada
pelo comunismo oficial, que subestimava o desenvolvimento capitalista existente no
país. Nos anos 1990 a visão que o PT possuía da sociedade brasileira começa a mudar.
Em decorrência da crise do marxismo o Partido dos Trabalhadores não teve condições
de resistir ao neoliberalismo. “Na prática, a crítica ao capitalismo cedeu espaço à crítica
ao neoliberalismo; o socialismo perdeu espaço como alternativa ao neoliberalismo”
(POMAR, 2005, p. 174). Afirma ainda que o abandono do socialismo, como elemento
ideológico organizador do petismo, foi acompanhado pela conversão de amplos setores
oriundos do marxismo às ideias do liberalismo e do Keynesianismo. O referido autor
acredita que foi gerado uma espécie de social-liberalismo, devido às concepções de
socialismo que o partido desenvolveu, semelhante às posições da social-democracia que
protagonizou a conhecida “terceira via”, ou seja, os partidos que assumiram o poder na
França e Espanha, respectivamente.
Na discussão referente ao Estado, Souza afirma que a burguesia ao administrar o
Estado possuía diversos tipos de dominação que “dariam-se desde a repressão física,
persuasão via Rede Globo até a abertura de fatias do aparelho de Estado às forças
populares”. (SOUZA, 2004, p. 283).
Ao contrapor-se novamente ao governo Collor, o partido propõe que o Estado
garanta a repartição igualitária da produção, e a recuperação do planejamento
econômico. Novamente formula a questão de um governo paralelo, pois acreditava-se
que ele teria demasiada importância na construção do programa de governo para 1994.
Cinco aspectos são levantados por Souza nas mudanças gerais das prioridades:
a) o PT não avança na proposta referente da organização econômica, social e política do
socialismo desejado, admite-se, embora não explicitamente, que se deveria governar sob
o capitalismo
18
.
18
Souza (2004) aborda a discussão ressaltando que encontra-se nas propostas petistas uma abertura para o
funcionamento do mercado, mesmo que se fale de sua orientação social e a regulação pelo Estado.
Enfatiza também que existe uma insistência acerca da importância das reformas e que elas fossem
associadas a um projeto de desenvolvimento dentro da democracia.
105
b) a incorporação de novos temas ao socialismo, como é caso do meio ambiente, a
questão feminina.
c) a estratégia política é dirigida agora para o âmbito institucional, o que leva a condição
de oposição e a pensar na necessidade da formulação de políticas.
d) a análise levada a efeito sobre as transformações da estrutura capitalista, notadamente
a perda da centralidade do operário industrial na estratégia adotada, leva o partido a
reabrir as portas para a incorporação e transformação dos interesses e reivindicações de
outros setores em políticas governamentais.
e) passa-se a acrescentar um novo papel ao movimento sindical. Atribui-se também à
CUT a ultrapassagem das chamadas lutas corporativas, propondo que ela interferisse de
forma mais decisiva nas alternativas para o país e nas políticas públicas.
As críticas constantes às tendências marxistas existentes no partido foram
consideradas como temas relevantes ao fracasso, em outros termos, como empecilhos
para a construção do socialismo petista. Como já foi dito, o socialismo petista é
democrático, que pretende ser diferente daquele que foi desenvolvido no Leste Europeu.
O aparelhismo, o sectarismo, a falta de democracia são todos elementos decorrentes das
críticas relacionadas às tendências marxistas do PT e ao modelo socialista soviético.
Desde sua origem, o Partido dos Trabalhadores, vem criticando o chamado socialismo
real e a social democracia.
O debate referente à construção partidária teve no tema das tendências um de seus
pontos mais polêmicos. Corrêa
19
(1991) fala que de um lado representa um exemplo à
esquerda mundial na medida em que mantém em seu interior o princípio de pluralismo,
mantendo diversas tendências. Por outro lado, produziu-se uma “cultura política de
tendências”, cujo problema está situado na incompetência do partido em não formular e
implementar uma concepção político-organizativa que o ponha em um novo patamar de
organicidade.
A questão das tendências vislumbra uma preocupação em unificar a intervenção
petista com “o monopólio da vida partidária pelas tendências”, que interrompem a
construção de uma identidade política. Corrêa (1991) cita a tese Um Projeto para o
19
José Corrêa, membro da DS, escreve artigo ao jornal Em Tempo em setembro de 1991 e analisa a
discussão sobre tendências no I Congresso petista na tentativa de formular um debate acerca da afirmação
elaborada pela Articulação: tendências sim, mas só de vez em quando.
106
Brasil (PPB)
20
que trabalha contra a ideia de se construir um PT com uma militância
organizada, que desempenha um “papel dirigente”. Aponta no documento da
Articulação o rompimento com as diretrizes estabelecidas para o funcionamento político
do Partido dos Trabalhadores e das organizações internas:
É assim resolvido negativamente, estabelecendo-se que elas só
poderão ser agrupamentos de militantes formando-se e desfazendo-se
a cada momento de decisão, e não positivamente, criando condições
para que o PT incorpore em sua vida cotidiana as funções que elas
ainda cumprem. (EM TEMPO, 1991, p. 05).
Assim a Articulação propõe tendências sim, mas só de vez em quando, discutindo
eliminar a regulamentação do direito de tendências. Conforme Corrêa (1991) esta
proposta da Articulação produziria a condução de articulações somente em escala
institucional, ou seja, em torno exclusivo de gabinetes parlamentares, prefeituras,
centros de assessoria, etc.
O I Congresso abordou a discussão da organização e do fortalecimento das
instâncias decisórias do partido. A preocupação com os militantes que possuíam
mandatos fez com que o PT propusesse balanços e planos de trabalho conjuntos entre a
direção e as bancadas. Sobre a questão das tendências internas, fora avaliado que não
haviam provocado o fim das frações no interior do Partido dos Trabalhadores. Fora
então aprovada uma nova regulamentação do direito de tendência. Apresentaremos
alguns pontos:
a) tendências são agrupamentos que estabelecem relações entre militantes para
defender, no interior do partido, determinadas posições políticas, não podendo assumir
expressão pública e declarar-se com vida permanente;
b) ficam proibidas sedes próprias;
c) as tendências poderão manter mecanismos de arrecadação de recursos, desde que eles
não concorram com as finanças partidárias ou adquiram caráter de finanças públicas
para uma tendência interna.
20
A tese Um Projeto para o Brasil é a expressão de um processo de recomposição política que envolve
ao seu centro a Nova Esquerda, encontramos também a Vertente Socialista liderado por Augusto de
Franco, a Democracia Radical grupo de Carlos Nelson Coutinho, militantes da Articulação e um setor
oriundo da igreja referenciado por Plínio de Arruda Sampaio e Irma Passoni.
107
d) as relações internacionais são atributo exclusivo do partido, através de suas instâncias
de direção.
Assim tínhamos aprovada uma nova regulamentação para as tendências internas
do PT, que se efetivaria em um processo político para por fim às organizações que não
respeitavam e não se submetiam às resoluções partidárias.
Estamos tentando demonstrar que o PT estava com uma nova roupagem, que seus
quadros organizados já não acreditavam mais no partido, pois após a derrota nas
eleições de 1989 o Partido dos Trabalhadores assumiria uma nova postura diante da
sociedade, a CUT e os movimentos populares não possuíam a mesma força, a
conjuntura internacional e nacional influenciou muito nesta metamorfose de atuação
política, pois a URSS deixou de existir e um paradigma colocado ao mundo perdeu suas
forças, o socialismo real.
A Metamorfose da Atuação Política do Partido dos Trabalhadores neste
momento, que compreende ao I Congresso, ganha um aspecto definitivo para aquilo que
o partido iria propor nos anos seguintes, resultando na dispersão de sua militância, na
burocratização partidária, no afastamento dos movimentos sociais e populares, no
afastamento e abando das idéias socialistas.
A transformação partidária é resultante de modificações nas condições objetivas
verificadas pelas classes trabalhadoras. A utilização de determinados paradigmas
explicativos, a substituição da luta socialista pela luta para a consolidação de uma
democracia representativa e o fortalecimento de um Estado de Direito, a inversão da
proposta de combate ao capitalismo tornou-se somente luta contra o neoliberalismo, as
próprias idéias de solidariedade demonstram a influência da Igreja Católica (Teologia
da Libertação) dentro do partido, assim como a disputa eleitoral em contraposição a luta
política através de organismos como os movimentos sociais, representam a
metamorfose petista.
A recessão, o desemprego e o neoliberalismo no Brasil também contribuíram
para a metamorfose de atuação política do PT, sendo que as lutas reivindicatórias por
uma nova sociedade agora se apresentam como lutas corporativistas.
108
3.3 A Consolidação Petista
O Partido dos Trabalhadores chega à sua maturidade, ou seja, constitui-se como
um partido nacional com tendências internas, as mais variadas possíveis, dentro de uma
constelação de fusões partidárias pós–golpe de 1964.
Encontra-se tendências ligadas ao pensamento maoísta, trotskista, setores ligados à
igreja católica, leninistas, intelectuais, operários, entre outros ramos de atividades
ligadas à classe média.
Costa (1998) afirma que o Encontro Nacional pode ser considerado o marco
para esta consolidação partidária. Este Encontro demarca a necessidade do partido em
definir seu discurso, sua tática, estratégia, ideologia, objetivos. Verificamos que o PT
ocupa parcelas progressivas de poder pela via eleitoral-institucional, possui bancadas de
vereadores, deputados estaduais e federais, assume prefeituras de diversas capitais.
Aprovou também neste Encontro o programa democrático popular, o objetivo
estratégico, o socialismo, apontou a necessidade de uma política de alianças, definiu o
momento como acúmulo de forças.
Ao analisar a conjuntura, Costa (1998) fala da crise vivenciada pelo PT quando
recusou-se comparecer ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Esta decisão
de não comparecer foi estabelecida a partir da proposta do partido manter-se fiel às suas
origens. Três deputados compareceram e votaram em Tancredo Neves, foram
desligados do partido pelo não cumprimento da decisão tomada.
Aborda ainda as transformações ocorridas no cenário político nacional, com o
encerramento do regime ditatorial e a transição conservadora, significando o retorno das
liberdades constitucionais, a consagração da Constituição promulgada de 1988, a volta
das eleições diretas para as capitais, governos estaduais. Fala também das modificações
ocorridas no interior da Igreja Católica com a concomitante perda de influência da
Teologia da Libertação. Com isso as Comunidades Eclesiais de Base tornam-se objeto
de críticas internas, fornecendo espaço para os segmentos do pensamento liberal com
um viés humanista de conquistar espaço na linha social da Conferência Nacional de
Bispos do Brasil (CNBB).
109
Weffort
21
(1988) afirma que as definições do 5º Encontro Nacional ligam a
concepção do PT como partido de massas às tarefas democráticas e populares. Lembra
que esta questão permite traçar perspectivas de políticas de aliança como um momento
de afirmação da identidade política e social do Partido dos Trabalhadores.
Discute que a definição de uma linha política “está sempre carregada de
proposições que são apenas aproximações à realidade” (WEFFORT, 1998, p. 01). Uma
das principais preocupações do 5° Encontro foi a definição de um possível arco de
alianças partidárias, porém foi muito mais polêmico o debate acerca da definição de um
perfil organizativo que tem como necessidade de estabelecer perspectivas históricas que
vão muito além do período atual. Das polêmicas mencionadas levanta a questão que o
PT seria um partido de massas ou um partido de quadros. Diz que esta polêmica trazia
embutida uma outra, a de partido de massas ou partido de lutas. No entanto, ressalta o
autor, que ainda existiam aqueles que tentavam traçar o perfil ideológico petista como
marxista-leninista.
Não estou pretendendo sugerir que o partido não cresceu neste
período. Nem pretendo negar algumas importantes conquistas
organizatórias no campo da democracia partidária; ou na área das
relações do partido com a sua frente parlamentar. Sustento, porém,
que se o PT cresceu como imagem junto às massas, não cresceu no
mesmo ritmo nem na mesma proporção como organização. Os 1300
municípios (somando perto de 85% do eleitorado) nos quais
lançaremos candidatos a prefeito em 1988 dão uma imagem do nosso
crescimento como legenda. Aparecemos nas pesquisas como o
segundo partido depois do PMDB, alcançando uma expectativa de
votos em torno dos 15%, mais do que o dobro daquilo que agora
temos. Crescemos também como imagem de luta junto à população e
como influência difusa sobre os movimentos sociais. Mas
continuamos, enquanto organização política, como reflexo dos
movimentos sociais, em especial do movimento sindical. A CUT
(Central Única dos Trabalhadores), que, embora concebida desde o
início como organização independente, nasceu do impulso do PT,
cresce num ritmo mais rápido do que o nosso. (WEFFORT, 1988, p.
03 e 04).
Acredita Weffort que o Partido dos Trabalhadores é uma proposta partidária e por
isso não consolidado. Diz ser o PT uma grande proposta política com mais força social
21
Weffort escreveu artigo à revista Teoria & Debate em 30/09/1988 abordando o debate da consolidação
petista, discutindo a idéia de que o PT não poderia ser considerado um partido consolidado pela ausência
de definições programáticas acerca dos rumos a serem seguidos.
110
do que política, que necessita amadurecer para definir seu perfil organizativo, ou seja,
sua identidade. Ao lembrar os anos de 1980 e 1982, onde propunha-se a construção de
partido de massas não apenas para as eleições. Afimava que um partido de massas
deveria estar inserido permanentemente nas lutas sociais dos trabalhadores, nos
movimentos populares, nos debates culturais, na defesa dos direitos das minorias.
Ressalta que as resoluções do PT tinham que voltar não apenas a afirmar isto, mas a
tomar isso a sério.
Conclui o autor que desde as suas origens estava proposta a construção de um
partido a partir de baixo, que o Partido dos Trabalhadores seria construído a partir das
proposições dos trabalhadores, uma proposta de aprofundar radicalmente a democracia,
possibilitando assim, estabelecer novas metas para a construção do socialismo a ser
alcançado. Neste rumo vê-se as indicações gerais do 5° Encontro. Consolidar o processo
da construção do PT no conjunto do país, ligado ao processo de luta pela democracia e
por uma política econômica que atenda aos interesses dos trabalhadores. (WEFFORT,
1988, p. 05).
Cicone (1995) parte do pressuposto de que o 5° Encontro Nacional representa a
consolidação petista. Ocorre em suas resoluções atualizações e modificações, entre 1987
e 1994, principalmente em relação à conjuntura, à política de alianças e ao programa
que propõem ao país.
Segundo o autor a análise de conjuntura no 5° Encontro aparece como combate ao
sistema capitalista de produção, enfatizando que a economia brasileira havia
apresentado um crescimento desigual proporcionando uma grande concentração de
renda e de poder, com uma super-exploração do trabalho. A estratégia de um governo
democrático e popular com tarefas antiimperialistas, anti-latifundiárias de
democratização do espaço e da sociedade, seriam os pressupostos petistas para a
negação da ordem capitalista e para a construção do socialismo.
A consolidação do Partido dos Trabalhadores passa pela definição da resolução
das tendências internas. Como mencionado anteriormente, as organizações que estavam
presentes no partido deveriam acatar as resoluções e submeterem-se à autoridade do
DN.
A DS (1988), por exemplo, cita que a proposta da Executiva Nacional reduzia o
direito de tendência à existência de agrupamentos eventuais. Algumas organizações
continuaram a existir como partidos políticos ao discordarem da regulamentação de
111
tendências. O PRC, que se situava como clandestino em suas origens e definia-se pelo
marxismo-leninismo, não acatou a resolução que definia o caráter organizativo petista.
Convivia com o PT, porém com um centralismo democrático próprio, acreditando que o
PT possuía um caráter estratégico que poderia impulsionar a construção do partido
revolucionário no Brasil. Outras organizações que faziam parte do Partido dos
Trabalhadores, a CS, CO, OT, viam o PT como partido estratégico. A Causa Operária
apesar de ser uma tendência do partido formulava muitas críticas aos rumos
estabelecido pelo núcleo dirigente, muitas vezes, atuava por conta própria não
submetendo-se às diretrizes estabelecidas pelo Diretório Nacional.
No entanto, a Articulação considerava um erro estas organizações assumirem tal
definição, e acreditava que, conforme afirma (Vianna, 1991), não bastava ao partido
construir sua identidade por contraste às forças externas a ele, era necessário conquistar
a hegemonia interna do partido, para barrar a ação destas correntes.
A regulamentação é elaborada como uma forma de organizar o partido
internamente e uma tentativa de criar uma identidade política-partidária, uma unidade
interna a fim de construir um partido democrático e de bases. Segundo Costa (1998)
esta regulamentação representa a dissolução das organizações leninistas. Com esta
dissolução, afirma o autor, dava-se o fim das acusações e disputas de quem era
realmente a expressão de um petismo. Enfatiza que o vocabulário marxista dentro do
Partido dos Trabalhadores não se dava apenas entre as organizações leninistas, mas
também na Articulação e entre os membros da Teologia da Libertação. Levanta ainda
outro aspecto do período de sua consolidação: o crescimento da indagação referente à
herança marxista. O partido avaliado por membros do DN, necessitava refundar seu
projeto político, pois a estratégia democrática-popular não havia dado certo, o que ficou
evidente com a perda das eleições de 1989.
Os núcleos de base também aparecem nas resoluções do Encontro Nacional
como fonte de preocupações, pois estes estavam esvaziados e haviam se tornado em
quase sua totalidade diretórios, que só funcionavam em épocas de campanhas eleitorais.
Segundo Gurgel o PT consolidado como partido, reclama uma unidade de ação entre
seus militantes, afirmando que deveria estar presente nos locais de moradia, de trabalho,
nos movimentos sociais. Os núcleos de base aparecem como “uma unidade de
democracia e ação” (GURGEL, 1989, p. 99).
112
Os núcleos representariam parte integrante do processo democrático do partido.
As decisões seriam tomadas pela base partidária, representando assim a expressão de
sua democracia interna. Conforme as resoluções políticas do 5° Encontro, os núcleos
são o meio do partido colocar-se nos movimentos e na vida social, seja como fonte
objetiva de informação, seja como espaço privilegiado de planejamento político, seja
como escola política ou como grupo de intervenção organizada.
João Bosco de Araújo Costa (1998), afirma que o 5° Encontro Nacional é a
expressão da fase madura petista, assim como a expressão de um vocabulário marxista
em suas vertentes leninistas e gramscianas tornam-se hegemônicas no discurso petista.
Antonio Ozaí (2003) revela a crescente influência dos dirigentes com formação
marxista no interior da Articulação. Esses quadros são originários do PCB e PC do B –
e das suas cisões, tendo como referências ideológicas a revolução cubana, e a via
chinesa e, em certa medida, influências da revolução russa.
A influência destas organizações políticas no PT fizeram com que a tendência
majoritária adotasse idéias e práticas advindas dos Partidos Comunistas, formando
assim, um núcleo marxista dentro da Articulação. Afirma que a elaboração das teses
para o 5º Encontro Nacional, por exemplo, tivera uma influência decisiva dos militantes
vinculados à tradição comunista: José Dirceu, Rui Falcão, Wladimir Pomar, entre
outros. (SILVA, 2003, p. 7).
Entretanto, no debate realizado Antonio Ozaí nos mostra que no PT houve um
núcleo marxista dentro da Articulação, liderada por José Dirceu, que se inspirava
principalmente na influência da Revolução Cubana. Costa (1998) enfatiza a importância
deste núcleo marxista nas formulações petistas. Pomar (2005) argumenta que não havia
um núcleo marxista estruturado, mas reconhece a importância destes intelectuais dentro
da Articulação.
Segundo a visão dos autores analisados podemos compreender que existia neste
momento histórico um grupo dentro do setor majoritário vinculados ao pensamento
marxista. Observamos ao decorrer desta pesquisa, que inicialmente muitas das
organizações que aderiram ao partido analisavam que a Articulação era a expressão
máxima petista e por essa razão queriam vincular-se a ela, proporcionando assim,
influências de experiências vividas durante o processo de luta armada, portanto
experiências de luta vinculadas ao marxismo. Sendo assim, podemos verificar realmente
a existência deste grupo dentro da Articulação.
113
No entanto, ao observarmos as resoluções políticas no decorrer dos anos 1987-
1991, encontramos uma grande modificação na linha política do partido. O PT tornou-
se uma organização política-partidária que abandonaria as lutas reivindicatórias dos
movimentos sociais classistas e adotaria a luta institucional e a democracia como
objetivos centrais em sua atuação política.
O crescimento do PT deveu-se a algumas questões ligadas à conjuntura. Seu
crescimento pode ser indagado a partir da constatação de sua penetração na esfera
pública, a conquista de algumas prefeituras, por exemplo, no aumento e atuação de seus
filiados e simpatizantes. Também podemos falar da insatisfação popular em relação à
Aliança Democrática formada pelo PMDB e PFL.
O PMDB avaliava que o PT alcançara seu crescimento devido à transição
democrática e conservadora, e dos governos estaduais da Aliança Democrática. Em um
regime democrático a oposição pode declarar-se independentemente e
consequentemente o PT conseguira ocupar um lugar que estava fechado ao longo da
ditadura militar. Segundo Chauí
Essa interpretação exclui o PT do movimento histórico de esforço para
a instauração da democracia no país. Além de excluir o PT do fazer
democrático, reduzindo-o à condição de mero beneficiário de um
processo do qual não teria participado a interpretação também silencia
uma das contribuições fundamentais do PT à instauração de uma
democracia. (CHAUÍ, 1986, p. 57-58).
Ou ainda como indaga Oliveira (1986) a preferência à via eleitoral e o abandono
das questões como filiação partidária, existência de diretórios, a queda da organização
dos núcleos, o êxito da campanha pela prefeitura de São Paulo demonstraram
obediência aos cânones da publicidade ‘padrão Globo de qualidade’ até limites que
tornavam irreconhecíveis as próprias propostas do PT. Ao invés de usar o espaço
público da mídia concedido legalmente para veicular uma proposta política socialista, o
PT foi à televisão com um programa bonito, ágil, mas destituído de qualquer significado
de política cultural no sentido mais amplo.
Compreende-se que o PT o veio a ocupar um lugar cedido pela Aliança
Democrática e sim porque este espaço fora conquistado com a inserção de suas teses na
sociedade e que corresponde um enorme sucesso nas eleições de 1986, com a conquista
de diversas prefeituras nas capitais brasileiras. Também não podemos sugerir que os
114
votos destinados ao partido tenham meramente sido de protesto, até mesmo porque o PT
não era o único partido de oposição a participar destas eleições.
O PT reclama ser um partido da classe trabalhadora. Sua atuação na conjuntura é
parte do processo de conhecimento de outros grupos da própria classe trabalhadora que
muitas vezes não são militantes petistas que formulam teses diferenciadas, mesmo
sendo policlassistas tendiam a buscar uma pretensão menos ideológica e mais como
uma necessidade de obrigarem outras forças a enxergarem sua presença nesta
conjuntura.
Outra característica fundamental do PT no período que compreende seu 5º
Encontro Nacional, foram as críticas realizadas aos Partidos Comunistas e a sua atuação
no campo político, e as críticas aos modelos desenvolvidos no Leste Europeu. Assim
tentaremos analisar alguns pressupostos do totalitarismo no mundo e no Brasil.
Acreditamos que o trabalho de Chauí (1986) seja representativo no
desenvolvimento das críticas petistas ao chamado socialismo real. Argumenta que uma
sociedade sem classes sociais, sem diferenças e conflitos, estática, anuladas não pela
socialização, mas sim pela submissão ao Estado, transformam a opinião em crime do
indivíduo contra o Estado e contra a questão do povo unido, mediado pelo partido único
que dita as regras abolindo todas as conquistas da democracia.
Diz que, com o aparecimento de uma burocracia estatal tornou-se uma aberração
os que se apresentaram com a finalidade de instaurar o reino da liberdade, mas que, com
a burocracia partidária ocupando o centro do espectro social e político, causou a
abolição de todas as liberdades, suprimindo a autonomia individual e coletiva, levando a
dominação estatal da economia, da sociedade, da política, da cultura, substituindo a
possibilidade de fortalecimento das forças sociais identificadas como “ditadura do
proletariado”, e que nada mais era senão o poder ilimitado de uma burocracia. A
exploração e dominação dos trabalhadores pelo Estado e pelo partido, com o surgimento
de uma nova classe social - os tecnocratas, reduziu os trabalhadores a uma condição de
sujeição de proletariado, cuja promessa de desaparecimento foi substituída em
subjugamento às exigências da produção.
Segundo Marilena Chauí:
O fenômeno totalitário é o surgimento de um novo sistema de
dominação no qual foram abolidas as mediações diferenciadoras entre
economia, sociedade, lei, saber e poder, num gigantesco e literal corpo
místico político, ritualização fantástica da sociedade e da política,
115
cujas células são as “células do partido”, cujos membros são os
serviços secretos, o trabalho coletivo e a militarização, e cuja cabeça é
o líder (seja este um indivíduo, um grupo burocrático ou todo o
“comitê central”). (CHAUÍ, 1986).
Afirma ainda que o PT recoloca a questão operária em situação econômica,
política, social e cultural radicalmente diferente daquela colocada pelo PCB. Existia
uma nova classe operária, e esta não possuía nenhuma cultura política socialista ou
comunista, nem mesmo cultura política. O regime autoritário vetou todas as ligações
entre sindicatos e partidos, além de interromper as relações com outras experiências
socialistas. Isto significa dizermos que o socialismo saiu do horizonte de qualquer
discussão, de qualquer comunicação, o que produziu péssimos resultados, uma nova
classe operária sem cultura política socialista ou comunista. Com o esfacelamento do
Partido Comunista Brasileiro, ocasionado pelo golpe militar, em 1964, com a criação do
PC do B (Partido Comunista do Brasil), a centralidade da participação política operária
ficou nas mãos de uma classe média, com reduzidíssima participação operária.
Foi por conta disso que o Partido dos Trabalhadores rejeitou a formulação de um
partido de quadros, burocratizado, que era apêndice da Internacional no Brasil. A
democracia era um valor estratégico dentro do PT assim como o socialismo. As lutas
realizadas pelo partido eram contra o fenômeno chamado totalitarismo, ou seja,
ditadura, como ocorrera no Brasil e nos países da Europa Oriental. Assim podemos
afirmar que o PT estava consolidado na sociedade brasileira por possuir um caráter
nacional e quadros atuando na construção de teses no seio da classe operária.
Esta consolidação petista também passou por questões de afastamento de sua
ideologia inicial na qual propunha a ruptura com o sistema capitalista ao longo de sua
história. Encontramos nas resoluções políticas do 5º Encontro Nacional (1987)
indicativos de uma definição do seu valor estratégico, o socialismo: “a conquista do
socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são os principais
objetivos estratégicos do PT”.
No Encontro Nacional (1988) a afirmação não sofre alterações. “Na
conjuntura, o objetivo imediato da tática dos trabalhadores é a conquista de um governo
democrático-popular com a eleição de Lula. Um governo do PT e da Frente Brasil
Popular deverá realizar as tarefas democráticas e populares no país de conteúdo
antiimperialista, anti-latifundiário e anti-monopolista”. A definição de um programa
democrático e popular representou a campanha de Lula às eleições presidenciais de
116
1989. No entanto, a esquerda petista formulou uma contra-proposta representada pela a
tese segundo a qual a plataforma deveria ser uma alternativa Democrática, Operária e
Popular.
No Encontro Nacional, Cicone (1995) afirma que o Partido dos Trabalhadores
conservava sua atuação no campo institucional, mas previa uma possível ruptura após a
eleição. Afirmava o partido que a tarefa colocada para a classe trabalhadora consistiria
em conquistar o governo com uma plataforma democrática e popular. Assim reaparece a
necessidade do envolvimento petista com as reivindicações dos setores populares e
reafirmação da luta pelo socialismo.
Nas resoluções do Encontro (1990) estão apontadas algumas diferenças em
relação ao valor estratégico do PT. “Lutamos por um socialismo que deverá não só
conservar as liberdades democráticas duramente conquistadas na sociedade capitalista,
mas ampliá-las”. Encontramos nesta resolução uma adesão ao discurso liberal, algo que
não aparecia em suas formulações anteriores. No 7° Encontro foi defendida a
necessidade de realizar oposição ao governo Collor em diferentes frentes. O objetivo,
segundo Cicone era de atrair os partidos de “esquerda”, PC do B, PCB, PDT e PSB na
tentativa de criar uma frente oposicionista e também na necessidade de enfatizar a luta
pela democracia, “tomando a defesa do estado de direito e das liberdades democráticas.”
(CICONE, 1995, p. 72). Argumenta o autor que a preocupação com a institucionalidade
e com a governabilidade burguesa aparecem no centro do espectro político partidário, a
partir deste Encontro Nacional. As resoluções do I Congresso vão no mesmo sentido
não apresentando nada de novo. O socialismo aparece como sinônimo de radicalização
da democracia que é compreendida como meio e fim, que significa a negação de
qualquer espécie de ditadura.
Para Clóvis Bueno de Azevedo (1995) existiu uma ambiguidade no pensamento e
atuação política do PT e ressalta algumas questões interessantes sobre o socialismo
petista: O que seria o socialismo petista? Qual seria a via para o socialismo que não
obedece a modelos conhecidos? O autor conclui que as resoluções políticas do Partido
dos Trabalhadores não oferecem respostas satisfatórias para estas questões.
Clóvis Bueno (1995) afirma que também existiam ambiguidades no conceito de
democracia petista, que aparecia ora como poder do povo, ora como governo da
maioria. O 5º Encontro qualifica a luta dos trabalhadores como uma “luta democrática”,
de modo que cabia ao PT “buscar medidas democráticas radicais”, lutar por “um
117
programa municipal com medidas de democratização política”. O pretendido Estado
socialista “deverá estabelecer uma legitimidade nova, democraticamente construída”.
Para o 6º Encontro, o “binômio mudanças econômico-sociais radicais e democracia é a
chave capaz de levar Lula à Presidência. O nosso governo será o mais democrático da
história do país. Não encaramos a democracia como uma concessão das classes
dominantes. A democracia é uma conquista dos trabalhadores. O PT quer a
democracia”. Nas resoluções do 7º Encontro, “a relação das elites dominantes com a
democracia é puramente tática, elas se socorrem da democracia quando lhes convém.
Na verdade, a democracia interessa, sobretudo, aos trabalhadores”. (AZEVEDO, 1995).
O autor conclui que estas transcrições expressam o entendimento da democracia
como o governo do povo, da maioria, dos trabalhadores. Mas, nos mesmos documentos,
o Partido dos Trabalhadores trata a democracia de modo diverso, adjetivando-a.
Nas resoluções do Encontro (1987), encontra-se “transformar as liberdades
políticas e a democracia formais próprias do capitalismo nas liberdades e na democracia
real que deve ser própria do socialismo”. No 6º Encontro (1989) o PT afirma que “faça
da democracia não um compromisso discursivo e legitimador de práticas formais e
alienantes de uma pseudo-participação política. O PT defende a democracia efetiva e
não a democracia meramente formal e truncada”.
No Encontro (1990) “uma democracia qualitativamente superior, para
assegurar que as maiorias sociais de fato governem a sociedade socialista”. Assim,
Clovis Bueno (1995) afirma existir dois tipos de democracia nas resoluções políticas do
Partido dos Trabalhadores: uma superior, efetiva e real, e outra truncada, alienante e
formal.
Acreditamos que o trabalho de Azevedo (1995) é referencial para entendermos a
trajetória do Partido dos Trabalhadores. No entanto, aquilo que ele classifica como
ambiguidade, nós classificamos como metamorfose. Não podemos crer que o PT possua
somente ambiguidades em sua atuação política, pois muita coisa mudou da década de
1980 para a de 1990. O PT não é mais o mesmo.
O Partido dos Trabalhadores passa por um processo de transformação quando
deixa de ser um partido socialista para se transformar em um partido da ordem
burguesa, assumindo outra práxis. Seu afastamento dos movimentos sociais, sua
burocratização partidária dando espaços para, quase exclusivamente a relação com a
institucionalidade, fez com que se tornasse um partido eleitoreiro.
118
Autores como Iasi (2006), Oliveira (1986), Costa (1998), Silva (1986), são
exemplos que atestam que o PT sofreu sua metamorfose nos primeiros anos da década
de 1990. Outros acreditam que o partido sempre tenha apresentado as mesmas
características e afirmam que se existisse um marco para traçar o início de sua
metamorfose seria na data de sua fundação, como afirma José Maria, integrante do
PSTU, antiga Convergência Socialista, tendência interna do PT expulsa no início da
década de 1990. Já Pomar (2005) acredita que a metamorfose se iniciou nos primeiros
anos da década de 1990 mas talvez só veio a se concluir com a vitória de Lula nas
eleições de 2002. Quem será que tem razão a respeito da metamorfose do PT? O que de
fato contribuiu para esta metamorfose? Foi a conjuntura nacional e internacional? Ou
podemos afirmar que foram as tendências internas do PT? Quais foram as tendências
existentes neste período no Partido dos Trabalhadores?
119
CAPÍTULO 4 – A METAMORFOSE DA ATUAÇÃO POLÍTICA DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES
4.1 O que mudou no PT de 1989 -1991
Para podermos compreender o que mudou e como no PT entre os anos de 1989 a
1991, período de sua metamorfose, torna-se necessário averiguarmos as mudanças
estruturais desenroladas pelo mundo neste período. As constantes críticas ao socialismo
real e a social- democracia, presentes em seus documentos, indicam os novos rumos
pelos quais o Partido dos Trabalhadores seguiria. A queda do muro de Berlim e o
desmonte do bloco soviético representaram no pensamento e na atuação política da
esquerda mundial, sobretudo na petista, a busca por novos paradigmas para a construção
de uma nova sociedade. Mas, de fato, o que morreu com o fim da URSS? O que
representou para a esquerda o fim do bloco soviético?
Lowy
22
(1990) aponta que o comunismo, assim como o socialismo, não podem
ter morrido pela razão de nunca terem de fato nascido. Argumenta que a mídia ocidental
ao relacionar o Leste Europeu como socialismo real representava um engano, por
acreditar na ideia de que existiriam sociedades não capitalistas, onde a propriedade dos
meios de produção fora abolida. Indica ainda que estas sociedades estavam muito longe
do socialismo, de uma sociedade onde os produtores associados controlariam o processo
de produção, onde deveria existir a mais ampla democracia econômica, social e política.
No entanto, o que se verificou foi a construção de uma sociedade com ausência da
democracia e exclusão dos trabalhadores da participação real no poder político. Afirma
que: “os direitos democráticos – liberdade de expressão e organização, sufrágio
universal, pluralismo político – não são “instituições burguesas”, mas conquistas
duramente obtidas pelo movimento operário.” (LOWY, 1990, p.12).
Indaga sobre o que os meios de comunicação conservadores do ocidente
propagandeavam como a morte do comunismo representaria a crise de um modelo de
desenvolvimento não capitalista autoritário e burocrático ocasionado pela representação
política de Stalin. Na União Soviética a crise ocasionou o surgimento de uma nova fase
com Mikhail Gorbatchev e com os movimentos democráticos, as Frentes Populares, as
22
Em entrevista cedida ao jornal Em Tempo de outubro/novembro de 1990 tenta responder a questão:
Morte do Comunismo?
120
associações socialistas, ecológicas e reformistas, que adveio da abertura política, a
Glasnost, e a Perestroika, que representaram a reestruturação da economia orientada
para o mercado. Com esta crise encontra-se - em muitos que se situam a esquerda do
espectro político - uma confusão ideológica e desesperança. Assim, surgiu uma
orientação ara a modernização do marxismo, “muitos adaptaram-se às idéias
dominantes, ao neoliberalismo, ao individualismo, ao positivismo e, sobretudo, à nova
religião de mercado.” (LOWY, 1990, p. 13).
O autor acredita que o marxismo necessitava ser questionado, criticado e
renovado, mas por um modo totalmente inverso, no tocante das análises desenvolvidas a
partir dos modos de produção e sua crítica ao desenvolvimento do capitalismo dos
séculos XVIII e XIX:
Felizmente a essência do marxismo está em outro lugar: na filosofia
da práxis e no método dialético/materialista, na análise do fetichismo
da mercadoria e da alienação capitalista, na perspectiva da auto-
emancipação revolucionária dos trabalhadores e na utopia de uma
sociedade sem classe e sem Estado. Esta é a razão pela qual o
marxismo mantém um extraordinário potencial de pensamento (e
ação) crítico e subversivo. A renovação do marxismo deve começar
com esta herança humanista/democrática e revolucionária/dialética a
ser encontrada no próprio Marx e nos seus melhores continuadores,
como Rosa Luxemburgo, Trotsky, Gramsci (apenas para mencionar
estes três) – uma tradição que foi aniquilada durante os anos 20 e 30
pela contra-revolução, pelo Estalinismo e pelo Fascismo. (LOWY,
1990, p. 13).
Przeworski (1994) ao falar da queda do comunismo no Leste Europeu afirma que
“é mais fácil explicar porque o comunismo tinha de falir do que afirmar porque ele, de
fato, fracassou.” O referido autor justifica-se dizendo que os ideais que haviam fundado
a ordem social haviam se tornado altamente subversivos. A classe operária tornou-se
radical ao modo de produção socialista. Com isso tenta concluir que a ideologia
comunista tinha tornado-se uma ameaça à ordem social que ela incorpora, pelo uso que
os trabalhadores fizeram dos direitos proclamados pela constituição comunista, na
tentativa de subverter a ordem social.
Por essa razão o clamor pela “verdade” tornou-se pelo menos tão
relevante para a implosão do sistema quanto os brados por pão; por
isso a história tornou-se uma obsessão quando o regime começou a
desmoronar; foi esse o motivo que fez o diretor do Arquivo Nacional
um importante adversário do regime comunista da União Soviética;
por essa razão as provas de história nas escolas secundárias soviéticas
121
foram suspensas por dois anos e os escritores e intelectuais tornaram-
se líderes dos regimes pós-comunistas. (PRZEWORSKI, 1994, p. 17).
Afirma ainda que o comunismo teria falido rapidamente tanto na esfera
ideológica quanto na força física. Os burocratas do Partido Comunista não tinham nada
a dizer em defesa do poder, sobre o futuro, o socialismo, a racionalidade, a igualdade.
Simplesmente contabilizaram quantos milhares de pessoas poderiam derrotar, quantos
cargos ministeriais teriam de ceder se transigissem, e quantos empregos poderiam
manter caso se rendessem.
O que de fato fracassou? Przeworski (1994) diz que aquilo que morreu foi a idéia
de administração racional, a viabilidade de administrar a propriedade pública através de
uma economia planejada, a possibilidade de dissociar as contribuições sociais das
recompensas individuais. Assim ele nega que o socialismo tenha morrido pelo simples
fato de Stalin ter governado com mãos de ferro, ou a questão do estatismo, a burocracia
ou o comunismo.
Em 1990, a Democracia Socialista analisava a crise do Leste Europeu sob
pressupostos democráticos, afirmando o que fracassou fora um sistema político
dominado por um partido único, sem democracia interna, que passou a controlar o
Estado, os sindicatos e todas as formas de organização social exercendo o poder através
de simulacros de eleições, sem liberdade de expressão e organizão. As reivindicações
que moviam a massa no processo de derrocada dos regimes do Leste foram, em
primeiro lugar, contra as polícias políticas, por eleições livres, pelo pluri-partidarismo,
pela liberdade sindical.
O debate estabelecido por Bobbio (2000) também está presente dentro no Partido
dos Trabalhadores, sendo um forte requisito para a compreensão de sua metamorfose. O
processo de democratização produziria uma crença no surgimento de uma sociedade
socialista, fundada na transformação da propriedade e na coletivização dos meios de
produção. A sociedade socialista reforçaria e alargaria a participação política e, com
isso, tornaria-se possível a plena realização da democracia.
Com a demonstração das duas teses os partidos socialistas acreditavam que seria,
uma condição indissociável, a democracia e socialismo, como uma condição necessária
ao advento da sociedade socialista, e como parte integrante do desenvolvimento da
própria democracia.
122
A democracia social pretendia ser uma fase que sucedia a democracia liberal, na
medida em que a defesa dos direitos sociais, além dos direitos de liberdade, pretendia
ser uma primeira fase. Bobbio (2000) apresenta esta ambiguidade na dupla crítica que a
democracia social recebia da direita, por parte do liberalismo que nela previa uma
diminuição das liberdades individuais, ora da esquerda, feita pelos
comunistas/socialistas que condenavam a aceitação de uma concepção democrática.
Lefort (1983) assinala que esta questão surge nas condições históricas e
testemunha uma nova visão para a política. Ela se impõe a todos aqueles que não
acreditam mais na análise a partir das relações de produção, demonstrando assim, o
abandono da perspectiva do comunismo. Afirma ainda, que o marxismo mudou de tom
com uma fraseologia liberal “enquanto um pequeno número de ideólogos, que antes se
apresentavam como guardiães intransigentes da doutrina voltam-se contra ele.” (Lefort:
1983; p. 38).
Na URSS e no Leste Europeu aconteciam manifestações contra a ideia totalitária
de Estado, o povo colocava-se na defesa dos direitos do homem. Tratava-se assim, da
independência do pensamento e da opinião frente ao poder. Na medida em que os
direitos do homem são postos como referência última, a ordem social estabelecida está
destinada ao questionamento. Negar as mudanças ocorridas nas sociedades socialistas
no sentido de compreender as reivindicações cuja finalidade são os novos direitos,
significa manter intacta as relações de poder estabelecidas pelo Estado convicto de que
a conquista de um poder operário significaria a imagem do novo.
Lefort (1983) formula críticas aos partidos de esquerda dizendo que estes nada
souberam fazer a não ser explorar os sinais dessas transformações a favor de suas
estratégias, introduzindo-as em seu programa político, proclamando que somente o
socialismo teria o poder e a fórmula para a mudança de vida.
Entre o Estado e a sociedade civil a linha de separação torna-se invisível. Dessa
forma o poder de Estado perde toda independência face ao partido comunista e à sua
direção. Em segundo lugar, deixa de existir uma divisão interna da sociedade. Todas as
formas que não desapareceram são referidos à existência de camadas sociais oriundos
do Antigo Regime. Aqui o que Lefort (1983) tenta expressar é a noção de
homogeneidade social da sociedade soviética, “a noção de uma variedade de modos de
vida, de comportamento, de crença, de uma sociedade de acordo consigo mesma.”
123
(Lefort: 1983; p. 82). Suas críticas ao totalitarismo baseiam-se na ideia de uma
sociedade que se basta a si mesma, a de um poder a si mesmo.
O processo de identificação entre o poder e a sociedade, processo de
homogeneização do espaço social, o processo de fechamento da
sociedade e do poder encadeiam-se para constituir o sistema
totalitário. Fica assim restabelecida a representação de uma ordem
“natural”, mas esta ordem é suposta social-racional e não tolera
divisões nem hierarquias aparentes. (LEFORT, 1983, p. 83).
Ao analisar profundamente essas representações, Claude Lefort (1983), conclui
que teremos a contradição que persegue o militante ou o dirigente da sociedade
totalitária, pois, por um lado, confunde-se com o povo, o partido, está incorporado nele,
encontrando-se dissolvido enquanto, ou seja, homogeneizado, suas particularidades
deixadas de lado, ou então torna-se uma espécie de correria de transmissão na
organização.
A noção entre esquerda e direita no campo político jamais desapareceu. Esquerda
e direita representam programas contrapostos a diversos problemas cuja solução está
vinculada à ação política, disputas não só de ideias mas também de interesses a respeito
da hegemonia a ser seguida pela sociedade.
Bobbio (1995) levanta o problema segundo o qual o conceito de esquerda reduziu
significativamente sua capacidade conotativa; a esquerda seria atualmente uma
expressão muito pouco utilizada no vocabulário político. Nas sociedades democráticas
liberais, torna-se inadequado a separação entre esquerda e direita. Para ele, a crise do
socialismo real não representaria o fim da esquerda, mas sim de uma esquerda bem
delimitada no tempo. As duas concepções teriam se tornado meras ficções, somente
formulariam esquemas para uso e consumo de seus eleitores, seus programas não se
diferenciariam substancialmente.
O autor enfatiza que a distinção entre esquerda e direita não exclui a
“configuração de uma linha contínua sobre a qual a esquerda inicial e a esquerda final,
ou que é o mesmo, entre direita inicial e a esquerda final, se colocam posições
intermediária que ocupam o espaço central entre os dois extremos, normalmente
designado como centro.” (BOBBIO, 1995, p. 35).
Esta noção desenvolvida em torno do centro, na qual acredita o autor, não
representa uma esquerda e nem direita, mas estão presentes no campo político, e
representa por sua vez, um universo pluralista. Diz que o centro busca espaços entre a
124
esquerda e a direita, impedindo que os dois entrem em choque, permitindo uma terceira
solução. A política de centro é designada como uma política de Terceira Via,
apresentando-se como uma espécie de superação de uma visão dicotômica da política. O
centro apresenta-se com uma práxis sem doutrina, como doutrina em busca de uma
práxis.
Com a crise da esquerda mundial apareceram o ideal do socialismo liberal que é
uma expressão típica da Terceira Via. Assim afirma Bobbio:
Toda forma de pensamento sintético apresenta sempre um aspecto
algo paradoxal, pois busca manter juntos dois sistemas de ideias
opostos, que a história havia mostrado serem, até aquele momento,
incompatíveis, e portanto alternativos; mas o paradoxo acaba por se
justificar em decorrência do comprovado insucesso daqueles sistemas
quando considerados ou aplicados unilateralmente. (BOBBIO, 1995,
p. 39).
Outra razão apresentada pelo autor para se rejeitar a noção de uma visão entre
esquerda e direita bem delimitada no tempo é quando parte de seu valor descritivo
perdeu-se decorrente de uma sociedade em constantes transformações com novos
problemas políticos. Diz que os verdes representam um exemplo típico do fim da
separação da sociedade em esquerda e direita. Estes não se situam nem à esquerda nem
à direita. Acredita na idéia que eles poderiam ser denominados como um movimento
“transversal”, atribuindo a eles um sentido de que passam de um lado para o outro,
comprovando assim a hipótese de que a distinção da sociedade entre esquerda e direita
estariam superadas devido à sua crise.
Bobbio (1995) afirma que estas questões elencadas são secundárias. A principal
razão de se levantar este debate reside no fato de relevância política e social. A razão
pela qual o desaparecimento da visão societal entre esquerda e direita, como foi
afirmado anteriormente, reside no colapso do sistema soviético, colocando a idéia de
que existem não uma esquerda mas sim muitas esquerdas e muitas direitas. No entanto,
indica que existe a possibilidade -com o fim da transição - de uma sociedade totalitária e
burocratizada à democracia, ao passo que as instituições democráticas se consolidem, e
com o reagrupamento dos partidos políticos, novamente a noção de esquerda e direita
possa voltar a existir.
Virgínia Fontes em entrevista a Demier (2003), ao abordar o debate acerca do
socialismo no Partido dos Trabalhadores desde 1985, sobretudo desde 1989, com a
125
derrota nas eleições, conclui que não possui mais um perfil revolucionário. Diz que ao
longo da década de 1990 o socialismo fora abandonado, fora retirado do centro do
programa petista, permanecendo só a democracia. Nesta década de 90 o partido foi se
reduzindo a uma definição de democracia, limitando essa discussão à disputa eleitoral,
similar aos partidos liberais. “Dentro desta perspectiva, da redução da democracia ao
seu âmbito eleitoral e da quase eliminação do horizonte socialista que figurava o PT
anteriormente, é muito difícil pensar que ainda subsiste uma alternativa socialista no
PT” (DEMIER, 2003, p. 103). Babá
23
também em entrevista a Demier (2003), afirma
que o Partido dos Trabalhadores não representa mais a luta pelo socialismo, justifica
que a submissão partidária ao grande capital representa esta ruptura.
Entretanto, a partir dos fins dos anos 1980, e daí por diante, o PT parece ter
assumido esta crise de paradigma tornando-se assim, outro partido, ou seja, uma
organização institucional, uma agremiação da ordem burguesa.
O neoliberalismo conquistava uma magnitude em escala internacional. Nos
Estados Unidos, Ronald Reagan em aliança com Margareth Thatcher, retomavam uma
postura agressiva na política, na diplomacia e no campo militar. Na América Latina os
sandinistas sofriam as pressões da nova ordem mundial. Na União Soviética, Mikhail
Gorbatchev, revelaria uma transição para a derrocada do sistema político soviético. Na
Europa Ocidental, os partidos ligados à social-democracia demonstraram-se impotentes
frente ao avanço do neoliberalismo, abandonando as políticas do Estado de Bem-Estar
Social.
Conforme Ferreira e Reis (2007) com a queda do muro de Berlim, a crise
socialista de Cuba, e o desmantelamento da União Soviética, as esquerdas em todo o
mundo, passavam para uma posição defensiva estratégica.
Assim podemos levantar a seguinte questão: o que o Partido dos Trabalhadores da
década de 1990 tem de diferente da década de 1980?
As entrevistas realizadas por Demier (2003) apontam várias respostas. José
Maria, integrante do PSTU, antiga Convergência Socialista, demonstra que os
problemas relacionados ao PT começaram no momento de sua fundação. César
Benjamim declara que a metamorfose petista iniciou-se com a derrota de Lula em 1989.
Luciana Genro acredita que a transformação da atuação política iniciou-se com a
23
João Batista de Araújo, o Babá (PT-PA) foi deputado federal e em 2003 foi expulso do partido por não
concordar com a Reforma da Previdência.
126
chegada do PT no governo de São Paulo, em 1988, na gestão de Luíza Erundina.
Todavia, ainda existem aqueles que designam a metamorfose petista quando se dá a
eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República.
Virginia Fontes declara reconhecer que o PT tinha uma forte base sindical, ligada
à CUT. No entanto, a direção tinha um caráter social democrata, e ainda afirma que
existia uma forte influência da Terceira Via. Assim o Partido dos Trabalhadores esvazia
o caráter reivindicatório do sindicalismo e dos movimentos sociais. Marcelo Badaró
indica que o partido não buscaria mais uma base social da classe trabalhadora, buscava
agora, uma base eleitoral que passasse pela classe trabalhadora. Acreditava representar
um partido que se alinhava com a social democracia européia. Babá por sua vez, diz que
o DNA das origens petistas foram modificados. Com sua política de alianças incorporou
genes da burguesia. Pontua que existia uma base operária que lhe dava sustentação, no
entanto, o programa partidário era estritamente burguês. Define o PT como um partido
burguês-operário. Valério Arcary argumenta que o PT representa um aparelho político
burocrático irrecuperável para um projeto de transformação da sociedade. Pela sua base
social era um partido operário-popular, situação que estaria mudando. Embora fosse um
partido majoritário nos movimentos organizados, eleitoralmente, estaria mudando sua
base eleitoral para os segmentos das classes médias.
Pomar (2005) ao analisar o PT diz que a releitura da história partidária, feita após
1989, atribui um caráter ao debate sobre as classes médias. No início da década de 1990,
utilizaram-se dos êxitos do partido em 1985-1988 e da derrota eleitoral em 1989 como
argumento em favor de uma ampliação. Argumenta que esta ampliação pretendida em
1990 tinha um caráter distinto daquela de 1985-1989; possuía uma marca fundamental
que era o rebaixamento programático, “a tal ponto que o PSDB foi considerado, pelo
Diretório Nacional do PT reunido no início de 1990, como integrante do campo
democrático e popular.” (POMAR, 2005, p. 154).
Não obstante, ele acredita que esta seja uma razão para dizermos da metamorfose
incompleta do Partido dos Trabalhadores, ou melhor, das razões pelas quais ela deva se
completar externamente do partido. “A base social da moderação programática do
Partido é exatamente uma das vítimas do programa moderado de governo.” (POMAR,
2005, p. 159).
A mudança central ocorrida na trajetória política petista é a sua escolha pela
democracia representativa como fundamento central e sua opção pela institucionalidade.
127
O programa possui como eixo central a democratização da sociedade e do Estado e sua
projeção em setores e áreas diferentes. Existe a defesa da idéia de contraposição ao
neoliberalismo, uma transição para a democratização e depois para o socialismo.
Antonio Ozaí da Silva
24
(2009) diz que apesar do Partido dos Trabalhadores ter
nascido enquanto uma crítica eleitoreira, priorizando a luta dos trabalhadores como
sinônimo de elevação da consciência de classe, acaba cometendo o erro de tornar-se
aquilo que ele criticava, um partido eleitoreiro e de ordem. Afirma que a participação
em eleições foi um fator determinante para muitos jovens ingressarem na vida política.
Com as eleições de 1988 o PT mudaria seu tom de radicalidade ao conquistar
prefeituras importantes, como é o caso da cidade de São Paulo, “o ato de administrar
obrigou o partido a negociar, a modificar sua orientação radical e assumir uma postura
mais realista.” (SILVA, 2009, p. 22).
Enfatiza que a entrada petista no jogo institucional em 1989, ocasionou uma
moderação no arco de alianças, uma menor intensidade radical no programa de governo,
quando a Frente Brasil Popular trouxe à tona um programa reformista.
Ao abordar o debate referente às resoluções do 7° Encontro Nacional nota-se que
o PT assumiu aquilo que havia nomeado de ‘administrativismo’. O partido inicia a
década de 1990 com uma grande influência eleitoral. Esta influência fez com que o PT
se tornasse uma alternativa à esquerda para os setores populares. Reconhece que está
presente nas resoluções do 7° Encontro a constatação da nova realidade petista, ao
observar a desproporção entre crescimento eleitoral e a estrutura orgânica do partido.
No debate sobre o I Congresso surge a preocupação com a divisão partidária entre
militantes e parlamentares que mudam a conjuntura interna em relação às definições e
rumos que o PT deveria seguir. Observa que as resoluções políticas aparecem numa
tentativa de sanar esta questão ao propor que deveria combinar as lutas sociais com as
lutas eleitorais.
Conclui Antonio Ozaí da Silva (2009), que a elegibilidade petista ao conseguir
que alguns de seus candidatos chegassem ao poder, a cargos do poder executivo, tais
como prefeituras e governos de estado, possibilitou um maior peso da institucionalidade
no interior do partido, o que veio a acarretar mudanças significativas em seu perfil com
os movimentos sociais.
24
Escreve artigo intitulado Nem reforma nem revolução: a estrela é branca no livro organizado por
Ângelo e Villa (2009), discutindo a trajetória petista e seu aprofundamento ao campo institucional.
128
Em vários casos, os altos salários e a estabilidade empregatícia
constituíram fatores de acomodação. Com seus interesses econômicos
estritamente ligados ao aparelho do Estado, muitos passaram a
depender da manutenção dos espaços partidários nas instituições
burguesas. Esse processo favoreceu o surgimento de relações de
subordinação aos que detêm mandatos públicos. Considerando os
recursos e a quantidade de militantes diretamente envolvidos nestas
atividades, é de se imaginar o peso e a importância que este fator
assumiu no interior do partido. (SILVA, 2009, p. 31).
Segundo Souza (2004) as inflexões referentes ao socialismo passa a ser nivelado à
radicalização da democracia, ou socialismo democrático, direcionando sua construção
para o âmbito da sociedade civil associado a um novo humanismo, como está presente
no 7° Encontro Nacional (1990) e no I Congresso (1991).
Iasi (2006) diz que o teor geral do 7° Encontro Nacional é que, pela primeira vez
a meta socialista não encontra consenso. Inicia-se aqui, um processo de ruptura
socialista, que nos anos seguintes se aprofundará. Neste Encontro a correlação de forças
internas produziu uma solução de compromisso, expressa no documento referente ao
Socialismo Petista.
Quanto à participação popular, registramos o desaparecimento dos conselhos
populares e sua substituição pelos conselhos institucionais setoriais. Mesmo tentando-se
manter o nome de conselhos populares, a eles agora é conferido o papel de participação
no controle e gestão das políticas governamentais, e não mais, como antes, órgãos de
duplo poder das reivindicações populares.
Outros aspectos da metamorfose da atuação política, além dos já ressaltados no 7°
Encontro Nacional, foi a aceitação da proposta de governar para todos e não mais aos
trabalhadores. No I Congresso (1991) surge a crítica ao corporativismo dos movimentos
sociais e a proposta dirigida a estes, para que se envolvessem com as políticas sociais de
saúde, educação, entre outros e ampliassem suas reivindicações para este campo.
Com a consolidação da institucionalidade na trajetória petista, podemos apontar
como sintomas da burocratização a centralização partidária, a profissionalização dos
quadros do PT. Com o lançamento do Modo Petista de Governar (1992) que surgiu em
função das preocupações quanto ao desempenho de Lula nas eleições de 1989 e com a
imagem da gestão de Luiza Erundina, em São Paulo. Após a derrota em 1989 e as
conflituosas relações com as tendências internas e as organizações políticas na
129
implementação de suas diretrizes políticas, o PT, a partir de 1991, começa a promover
encontros mais sistemáticos.
Se por um lado o Partido dos Trabalhadores na década de 1980 não tinha a
percepção de participação das eleições como um fim em si mesmo, na década de 1990
podemos afirmar o contrário, a participação na vida institucional tornou-se um fim em
si mesmo. Weffort (1992) aponta que os acontecimentos de 1989 e 1991 tiveram um
impacto profundo na esquerda mundial, a democracia representativa e o respeito às
regras do jogo democrático amadurecia a cada dia.
Segundo Miguel e Coutinho (2007) o PT havia nascido de baixo para cima,
possuía uma relação com os movimentos sociais que desejava representar, contrapondo-
se aos partidos comunistas. Os petistas ganhavam uma imagem de radicalidade por
tentar fazer política de uma maneira diferente. No entanto, o partido passa a ser
constituído por tendências moderadas e permite o abrandamento do programa do
partido. Boa parte de sua guinada à direita no campo político deve-se ao seu sucesso
eleitoral, que impôs seu modo de governar aos petistas, representando assim uma
ruptura com o leninismo e a concepção da construção de um partido para a classe
trabalhadora.
Observamos que em seu 5° Encontro Nacional, em 1987, o partido havia definido
uma alternativa, que ficou conhecida como democrática e popular, como estratégia de
enfrentamento à dominação burguesa. Tal alternativa estaria baseada na luta pelo
socialismo, na luta por um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e
populares, de caráter antiimperialista, anti-monopolista, anti-latifundiária, governo de
forças sociais em contraste com o capitalismo e a ordem burguesa, sob a hegemonia
popular, que só poderia viabilizar-se com uma ruptura revolucionária. Segundo
Mesquita (2005) estava assim anunciado o papel do movimento sindical petista. Ao se
abrir um leque de alianças que se restringia ao campo da luta popular, adotaria uma
ideologia operária.
No início da década de 1990 com a vitória de Fernando Collor de Mello, através
do voto popular, ficou consagrada a política neoliberal tão defendida em sua campanha.
A Articulação Sindical, corrente majoritária da CUT, percebeu as mudanças no cenário
político e prontamente modificou suas estratégias e propostas de lutas políticas. A CUT,
que representa o braço de apoio ao Partido dos Trabalhadores no seio operário
brasileiro, abandonou a prática de agitação e organização de luta classista contra o
130
modelo de desenvolvimento econômico implementado no Brasil. O momento histórico
talvez fizesse com que o movimento recuasse em suas lutas, mas não o obrigava ao
abandono. Um exemplo marcante do abando de uma política reivindicatória e classista
foi a simples denúncia contra a política recessiva neoliberal do governo Collor,
abandonando o discurso contra o neoliberalismo e até mesmo formulações que levassem
a superação do capitalismo, como as encontradas no 5º Encontro Nacional do PT.
Segundo Boito JR (1999):
O sindicalismo propositivo é, por isso, um sindicalismo que pretende
elaborar propostas que interessariam tanto aos governos neoliberais e
às empresas quanto aos trabalhadores. Acredita ser possível conciliar a
burguesia com os trabalhadores e os trabalhadores com o
neoliberalismo. (BOITO JR, 1999, p. 144).
Acredita que a transformação ocorrida na luta sindical brasileira fora devido à
ascensão da Articulação como tendência majoritária no PT. Entendemos que essa
metamorfose da atuação política da CUT é resultante da Metamorfose da Atuação
Política do Partido dos Trabalhadores, ocasionadas pelas grandes modificações
organizacionais ocorridas no Brasil e no mundo no final da década de 1980, e ao longo
da década de 1990.
O desemprego, ocasionado pelos novos métodos de organização do trabalho, a
abertura comercial, a redução de postos de trabalho abateram claramente a classe
trabalhadora brasileira. Apenas encontramos formulações críticas em relação ao Estado
e à política capitalista ao longo do 5º Encontro Nacional (1987) sendo que nos demais
Encontros, especialmente no 7º Encontro (1990) e no I Congresso Nacional (1991),
verificamos a ausência de formulações críticas de combate ao capitalismo e
enfrentamento ao sistema. No entanto, as correntes marxistas do PT faziam críticas em
relação a esta postura adotada pelo partido e ao movimento como um todo, mas estas
correntes já não possuíam as mesmas forças de outrora.
Conforme texto enviado por e-mail de Souza
25
(2007), uma contribuição para
compreendermos o abandono petista das lutas populares e seu distanciamento paulatino
25
Marcos Rogério de Souza é mestre em Direito pela Unesp, advogado em Brasília-DF e assessor do
deputado federal Iran Barbosa (PT-SE). E-mail: mrogeriosouza@yahoo.com.br
131
dos movimentos sociais. O Programa Agrário do PT, definido pelo 6º Encontro
Nacional (1989) era dividido em dois grandes eixos:
a) plano agrário, marcadamente anti-latifundiário e comprometido com a reforma
agrária,
b) e o plano agrícola, que defende um modelo de produção agrícola democrático e
popular.
Entre as medidas propostas estavam a limitação do tamanho da propriedade,
taxação progressiva dos grandes imóveis e o confisco das terras de multinacionais e as
pertencentes a assassinos de trabalhadores ou a pessoas que praticavam trabalho
escravo. Onze anos depois de sua fundação, ao longo de seu I Congresso Nacional
(1991), a reforma agrária deixou de ocupar uma centralidade estratégica no projeto do
partido e de representar uma bandeira política dos trabalhadores.
Segundo Ferreira e Reis (2007) o Partido dos Trabalhadores, após onze anos de
existência, transformou-se de um partido de militantes ao partido de funcionários. De
sua inserção no seio do movimento dos trabalhadores, ao papel cada vez mais
predominante das classes médias assalariadas. De um conjunto de organizações
políticas e tendências passara à rígida hegemonia de uma delas, a Articulação.
Em sua trajetória está estampada a ruptura com os movimentos classistas. Ao
assumir uma agenda estritamente eleitoral, suas propostas presentes principalmente nas
eleições de 1989 de nacional-estatismo, com perspectivas socialistas, à moderação de
sua atuação política e suas proposições. Transformou-se em um partido profissional
comprometido com a administração pública.
O setor majoritário que possuía um núcleo marxista em seu interior permitindo
que muitas das tendências e organizações presentes no Partido dos Trabalhadores se
filiassem a ele, parece ter desaparecido. Baseados na nova ordem mundial e nos
preceitos de aprofundamento da democracia e da necessidade de institucionalização
partidária, permitiram que este núcleo também abandonasse as metas socialistas. A
noção de que a ruptura socialista não estava colocada ao conjunto da classe trabalhadora
aparece no 5° Encontro Nacional (1987). Naquele momento a Articulação defendia uma
alternativa democrática e popular contrapondo-se às organizações marxistas que
defendiam uma alternativa Democrática, Operária e Popular.
Estas novas referências expressam um novo PT, o partido assume frente aos
movimentos sociais de esquerda, ao socialismo, à nação de trabalhadores, o abandono
132
que as organizações marxistas fizeram da teoria revolucionária. Representa-se assim, a
Metamorfose da Atuação Política, que está situada entre 1987 a 1991.
4.2 – As Novas Tendências Petistas
A fim de entendermos a metamorfose petista, sua transformação em partido
eleitoreiro, um partido profissional da ordem burguesa, verificaremos se esta
transformação realmente ocorre a partir de 1989. Analisaremos em conjunto quais são
as novas tendências que surgiram no período delimitado, suas bases programáticas, os
debates estabelecidos pelas novas organizações petistas e seus processos de
modificações de atuação políticas e ideológicas.
A polêmica acerca das tendências se iniciou durante o 5° Encontro Nacional de
1987 através da resolução que regulamentava as tendências internas. Esta considerava
inconciliável a existência de partidos dentro do partido. Assim, às vésperas do 7°
Encontro Nacional o Diretório Nacional regulamenta a resolução. Logo, as organizações
presentes no PT deveriam acatar o programa petista, reconhecer o partido como
estratégico para a construção do socialismo, não deveriam ter política própria, poderiam
publicar jornais internamente ao partido, poderiam ter escritórios e sedes próprias desde
que não constituíssem uma organização externa ao partido. Estava assim criada a
polêmica.
A regulamentação de tendências representava a criação de uma identidade
política-partidária, uma tentativa de homogeneizar o partido internamente. Segundo
Costa (1998) esta regulamentação causou a dissolução das organizações marxistas-
leninistas.
O PRC, fundado em 1984 como uma organização revolucionária e clandestina,
em 1989 passa por um processo de ruptura com a teoria marxista, tornando-se outra
organização, a Nova Esquerda (NE). Esta é certamente a tendência petista que mais
mudou suas concepções e sua ideologia. Em 1989, Tarso Genro, dirigente do PRC,
afirmava que, não havia ‘uma crise revolucionária na sociedade brasileira’, havia ‘uma
crise aberta’; no ‘movimento socialista como generalidade abstrata’. Até que os ‘valores
se recuperem na URSS, revitalizam os pressupostos da democracia burguesa clássica e
recolocam a questão democrática como uma questão de fundo para o socialismo,
destacando a vitalidade da democracia burguesa clássica’.
133
O manifesto por uma Nova Esquerda (1989) inicia-se com uma análise da teoria
da história, voltada para a crítica da teoria marxiana, apontando que Karl Marx,
Frederich Engels e os autores que seguiram suas tradições teóricas, estariam
aprisionados a determinadas contradições, que o conceito de razão estaria reduzido a
uma razão instrumental. O marxismo havia se tornado uma razão dogmática e
prostituída pela certeza, uma razão que já não constrói nada além de blindagens
conceituais que a protegem do mundo.
Para Silva (2001) o PRC mantinha suas concepções que entraram em conflito
com o setor majoritário, a tática de desestabilizar a Nova República através de um
processo cuja proposta era a construção de uma Alternativa Democrática, Operária e
Popular, causou relações tensas e conflituosas entre o PRC e o PT. Esta alternativa se
contrapunha à estratégia Democrática e Popular, formulada pela Articulação.
Com a queda do Muro de Berlim o paradigma do socialismo parece ter caído com
ele. José Genoino (1991) afirma ter rompido com a ortodoxia marxista dizendo “que se
recusa a ter uma filiação doutrinária única”. A necessidade de afirmar que um novo
projeto político era necessário, fez com que Genoino realizasse declarações como estas.
Líder do Partido Revolucionário Comunista, filiado ao marxismo-leninismo, em 1989
decidiu dissolver a organização e adotar o caráter de tendência petista.
O PRC assumiu uma denominação: Nova Esquerda. Suas críticas estavam
direcionadas à ortodoxia marxista. Seus representantes se auto-definem ideologicamente
como socialistas democráticos que “busca pautar sua atividade política por um conceito
revolucionário de emancipação da humanidade de emancipação do indivíduo”.
(GENOINO, 1991, p. 24).
O rompimento com a ortodoxia consiste em uma revisão da teoria socialista,
assim como de seus conceitos. A luta de classes seria um instrumento analítico da teoria
marxista para a compreensão da sociedade moderna. Nas análises da Nova Esquerda
(1989) está explícita a ideia de que a revolução socialista representaria uma redução de
análise contemporânea. Segundo Silva a tendência:
Centraliza sua atuação no parlamento, compreendido
como o lugar privilegiado para implementar a reforma
do Estado. Esta política se expressou na resistência à
palavra de ordem Fora Collor; na defesa da
governabilidade do governo Itamar Franco; na
cruzada pelo parlamentarismo; na proposta de
participar positivamente da revisão constitucional; na
134
insistência, reiterada em vários momentos, em prol de
uma ampla política de alianças da esquerda e centro-
esquerda; na defesa da reforma do Estado. (SILVA,
1998, p. 170).
Podemos afirmar que o antigo partido revolucionário, que propunha a revolução
comunista, havia surgido como clandestino em 1984, num momento histórico de ampla
revisão da teoria socialista, acaba, por sua vez, aderindo a um socialismo democrático,
pluralista e de massas. Estes temas já haviam sido propostos por outros partidos no
mundo, como por exemplo, o Partido Social-Democrata Polonês e a Articulação na
década de 1980. Por esta razão existiu uma aproximação da Nova Esquerda com a
Articulação.
Juarez Guimarães
26
(1989, p. 6) diz que o manifesto de lançamento da NE vem
carregado de críticas ao dogmatismo como a necessidade de libertação “das heranças
teóricas que oprimem nossos cérebros”. Afirma que se existiu uma crise do movimento
operário, e do marxismo, reside no fato de enunciar respostas políticas aos novos
desafios estabelecidos pela história. Salienta o autor que estas colocações elaboradas
pela Nova Esquerda são resultantes da incompreensão do marxismo como filosofia da
práxis. “A prática revolucionária é o elo de ligação entre as leis objetivas que regem a
sociedade capitalista e a intervenção consciente dos homens, para transformá-la.”
(GUIMARÃES, 1989, p. 07).
O Movimento por uma Tendência Marxista (MTM) é um movimento interno ao
PT surgido a partir da dissolução do PRC. Diferentemente da NE, este agrupamento é
definido pelo marxismo, tido como corrente crítica e revolucionária. Por outro lado,
houve a necessidade de se caracterizar como um partido de massas pluri-classista, como
unificador de tendências com frações de classes diferentes. O MTM acreditava que a
revolução brasileira não poderia ser concretizada por uma única classe social, o que
implicaria a construção de uma união das classes dominadas e oprimidas.
Em suas formulações, Resoluções da I Conferência Nacional do Movimento por
uma Tendência Marxista do Partido dos Trabalhadores (1991), o PT aparece como
uma organização revolucionária e socialista, como um partido operário e popular.
Pretendiam fazer sua defesa como um organismo que assumisse um papel estratégico
26
Escreveu um artigo ao jornal Em Tempo em Outubro de 1989, A “Nova Esquerda” e o marxismo”,
abordando o debate acerca da ruptura da teoria marxista pela Nova Esquerda.
135
central da revolução socialista, penetrando nas aspirações dos trabalhadores, tornando-
se uma possibilidade concreta de mudança.
A formação desta tendência é parte integrante da construção do Partido dos
Trabalhadores. Entendiam que o partido estava em formação e que seus rumos
encontravam-se em disputa. Assim como afirma suas resoluções:
Seu futuro será decidido fundamentalmente numa disputa de grande
envergadura em torno da política e da estratégia, que envolva o
conjunto de seus militantes e as próprias massas que nele se
referencia, fortalecendo-o política e organizativamente. Para ajudar na
realização de tal tarefa é preciso constituir uma nova tendência petista
de esquerda, organizada e atuante. (MTM, 1991).
Entendemos assim que o Movimento por uma Tendência Marxista do PT
acreditava que o partido ainda encontrava-se em disputa e que suas bases organizativas
estavam a construir a identidade petista. Parecem não levar em consideração os dez anos
de formação partidária, as lutas travadas ao longo da década de 1980 e os processos
eleitorais dos quais o PT havia participado, que por sua vez permitiram uma guinada à
direita no espectro político, devido ao peso e a importância dadas à institucionalidade.
Este movimento petista, por outro lado, discordava das formulações da Nova
Esquerda no tocante à avaliação da falência do regime socialista do Leste Europeu.
Acreditavam que era o fim de um processo aberto controlado pelas políticas de Stalin e
que se tratava do colapso de um conceito economicista do socialismo. Destas diferentes
concepções acerca da bancarrota no Leste Europeu surgiram duas tendências: A Nova
Esquerda e o Movimento por uma Tendência Marxista. Em 1990, ao longo do Encontro
Nacional que deveria formar a NE, surgiram duas teses. Uma intitulada Para uma
estratégia revolucionária (1990), que defendia que o marxismo não representaria mais a
expressão do operariado, negando assim, sua filiação a esta doutrina, a outra tese
apresentada PT: que socialismo (1990), também defendendo uma postura não ortodoxa
acerca do marxismo, porém manteve-se muitos dos princípios revolucionários
marxistas, o que resultou em uma apreciação de tipo dogmática pelos integrantes da
Nova Esquerda.
136
Rogério Corrêa
27
(1990) afirma que os militantes de Minas Gerais ao formarem o
MTM, a partir de um grupo que era conhecido como Corrente Revolucionária, não
haviam rompido com a Nova Esquerda por ela ter sido constituída somente no Encontro
Nacional. A negação de incorporar a NE deveu-se ao fato dela ter rompido com o
marxismo, renunciando à elaboração de uma via revolucionária da classe trabalhadora.
No entanto, afirma que o Movimento por uma Tendência Marxista do PT também
havia negado o dogmatismo, ou seja, a negação adveio de fato ao stalinismo, que
acabou desqualificando a filosofia da práxis, colocando o marxismo como alvo central
do combate teórico, o abando da luta de classes como determinação objetiva da
estratégia socialista.
Em relação às tensões internas do Partido dos Trabalhadores, na preparação para
o I Congresso, tentou-se determinar que a construção do socialismo representaria o fruto
inevitável da história da humanidade, negando-se a experiência soviética sob a égide de
Stalin, que negava o papel do indivíduo. Por outro lado, havia também a crítica às
versões liberais do socialismo, “que dissolve luta de classes e revolução social como
categorias-chave da estratégia socialista, faz a apologia de um sujeito infinito e regenera
o reformismo.” (CORRÊA, 1990, p. 16).
Conclui o autor, que o Movimento por uma Tendência Marxista do PT pensa em
um marxismo como uma corrente de pensamento crítica, anti-dogmática, e
revolucionária, anti-reformista. Neste sentido sua crítica se dirige às sociedades
totalitárias e burocratizadas, na tentativa de construir um PT socialista.
Outra grande mudança nas bases organizativas do PT foi a expulsão da Causa
Operária em 25 de março de 1990, em uma resolução publicada pelo Diretório
Nacional, O PT e as Organizações (1990). Esta resolução decidiu não reconhecer a
Causa Operária como tendência petista. Conforme documento a CO teria infligido dois
itens da Resolução sobre Tendências do 5° Encontro Nacional. “O PT afirma não
admitir em seu interior, organizações com políticas particulares em relação a política
geral do partido”. (5° ENCONTRO NACIONAL, 1987). Temos também outro item da
resolução que afirma: “A tendência não pode construir um partido distinto do PT e deve
reconhecer expressa e praticamente o PT como partido estratégico no rumo do
socialismo”. (5° ENCONTRO NACIONAL, 1987). Esta era acusada de manter uma
27
Forneceu entrevista ao jornal Em Tempo de maço/abril de 1990, intitulado: “Por uma marxismo anti-
dogmático e revolucionário.”, abordando as diretrizes do Movimento por uma Tendência Marxista.
137
dupla militância no interior do partido. A resolução ordenava que abandonassem suas
vinculações com os demais partidos, organizações autônomas, se não fossem o PT.
O estopim desta polêmica foi a publicação, em 1988, de uma Resolução Política
da III Conferência da Organização da Quarta Internacional (OQI), no jornal Causa
Operária, onde diz:
A nossa participação nas eleições, lançando candidatura ou apoiando
candidatos pelo PT não está determinada de forma alguma pelas
características do programa do PT, mas pelo fato de que este se
constitui em um terreno – na medida em que é uma referência eleitoral
para os trabalhadores e o ativismo sindical e que se apresenta de forma
independente das organizações da burguesia – onde se possa realizar
um reagrupamento revolucionário no sentido da construção de um
partido operário revolucionário. (CAUSA OPERÁRIA, 1988).
Esta declaração confronta a Resolução Política petista do Encontro Nacional
sobre as tendências internas, pois uma vez regulamentado o direito de tendências, as
organizações deveriam abrir mão de sua atuação em outros agrupamentos políticos e
deveriam também aceitar o Partido dos Trabalhadores como estratégico. Com este
debate aberto pelo Diretório Nacional a Causa Operária não foi reconhecida como uma
tendência interna sendo automaticamente desligada do partido.
A tendência CO expulsa, defende nunca ter formulado e considerado o PT como
partido tático, como uma organização política de frentes partidárias.
Nos é, e sempre foi estranha a noção de construir um ‘partido frente’
dentro do qual atuaria outro partido, este sim revolucionário; um
‘partido institucional’, que serviria para as eleições e o parlamento,
mas não para a revolução e a luta pelo socialismo; um ‘partido legal’
que serviria de fachada para um outro, clandestino; um partido ‘de
massas’ que seria diferente de um outro ‘de vanguarda’ (CAUSA
OPERÁRIA, 1990, p. 6).
A Causa Operária
28
negou a acusação de que poderia vir a construir um partido
revolucionário fora do PT, este seria o embrião do partido da transformação social,
socialista. Ao longo de sua trajetória defenderam uma política voltada aos
trabalhadores, à construção de uma organização classista, que fosse representante da
revolução socialista.
28
Artigo escrito na primeira quinzena de abril de 1990 intitulado: Sobre a resolução do Diretório
Nacional do PT, abordando a questão de seu não reconhecimento como tendência interna.
138
Em meio ao fogo cruzado, a CO, acusada de não respeitar as resoluções petistas
acusa o setor majoritário de cometer erros, desvios em causa própria, reivindicando-se
como expressão máxima do partido. Um exemplo foi a acusação feita ao setor
majoritário que teria defendido o PDT com a candidatura de Brizola no Rio de Janeiro,
postura essa, segundo a Causa Operária (1990) “contra a vontade das bases partidárias”.
Alegaram que a Articulação e os setores que a apoiavam, cometeram uma
violação do item 7 das resoluções do 5° Encontro Nacional, nas palavras da CO:
“abandonaram o caráter estrategicamente socialista da nossa luta em favor dos objetivos
‘táticos’ e transformaram assim o PT em um partido ‘tático’, de um tipo de ‘tática’ que
se coloca em oposição à estratégia da luta pela revolução socialista” (CAUSA
OPERÁRIA, 1990, p. 06).
Em outro artigo
29
afirma que a Comissão de Tendências (CT) do PT nega à CO o
direito de divergências. O documento insere o Partido dos Trabalhadores o que ficou
conhecido como “crime de opinião”, julgando se a formulação teórica das tendências
acerca da política do partido eram aceitáveis ou não. Esta atitude teve como princípio
básico estabelecer uma regulamentação para as atividades das organizações internas,
“uma tentativa de regulamentar a opinião, as posições políticas, não apenas de uma
tendência em particular, mas de todas as tendências, de todo partido” (CAUSA
OPERÁRIA, 1990, p. 06).
Dessa forma, a corrente discorda e defende que, se existe um crime de opinião,
significa dizer que não há uma liberdade de expressão. Com base no título do artigo A
liberdade é sempre e apenas liberdade para quem pensa de modo diferente, significa
dizer que a existência de tendências internas é o direito de divergência de quem pensa
diferente. Em outras palavras, a Causa Operária pede o direito de discordar do setor
majoritário, Articulação e dos setores que a apóiam.
A expulsão ocorreu em decorrência à atuação política da CO, e esta defendeu-se
afirmando que estivera presente no partido desde suas origens, que acreditava
ardorosamente que o PT poderia possuir um programa revolucionário, defenderam
também a organização petista por local de trabalho, sua inserção no movimento sindical.
29
Causa Operária na segunda quinzena de julho de 1990 publica: ‘A Liberdade é sempre e apenas
liberdade para quem pensa de modo diferente’, onde encontramos trechos de seu documento apresentado
ao Diretório Nacional do PT
139
Conclui a corrente o que se reivindica está acima do seu reconhecimento da
corrente como tendência, trata-se da defesa do direito de divergências e do próprio
direito de tendências no interior do Partido dos Trabalhadores.
No Jornal da Tarde (30/03/ 1990), Paulo Okamoto, presidente do PT – SP, afirma
que a expulsão da Causa Operária é a primeira de uma série, que poderá incluir outras
correntes como o PRO, PCBR, POR, O Trabalho, caso estas não acatem as
determinações petistas. Este fora mais um processo de metamorfose da atuação política
do Partido dos Trabalhadores que culminou com o processo de reestruturação da Nova
Ordem Mundial.
A Convergência Socialista
30
também foi alvo de duras críticas do Diretório
Nacional. Durante uma greve dos servidores municipais de Timóteo (MG) a CS rompe
com as determinações da administração municipal, governada pelo PT, durante o
processo de negociação. Temos aqui mais um caso de uma tendência petista que rompe
com as determinações da Resolução sobre Tendências de 1987. Este foi um processo de
ruptura iniciado pela organização, que em 1993 acabaria expulsa do partido por não
acatar as decisões petistas. Outro episódio ocorreu em Diadema/SP em uma ocupação
de um terreno que ocasionou a expulsão de um vereador ligado a CS.
Em artigo
31
, a DS critica a atuação da Convergência Socialista afirmando que esta
procurava construir um PT das origens. Se usa de métodos que se opõem às resoluções
dos Encontros e Congressos petistas. Afirma que a tendência aponta que os principais
problemas enfrentados pelo partido encontram-se nas administrações municipais, ao
invés de enfrentar os patrões e os governos, apoiados nas grandes mobilizações
populares, o PT vem se posicionando contra elas. Desta forma a CS é acusada de
sectária em relação à sua visão com a política e com os demais setores do movimento
operário.
Na prática, a CS atuava como fração pública do PT. Essa tática
expressava uma análise sobre o PT e a sua direção hegemônica que,
paulatinamente, se tornava predominante no interior da CS: a idéia de
30
Expulsa em abril de 1992 por se posicionar a esquerda do PT. Em 1993 juntamente com cinco
agrupamentos – Liga Democrática, Democracia Operária, Núcleo de Independência Proletária,
Movimento Socialista Revolucionário e Partido da Frente Socialista -, fundou o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU).
31
Escrito ao jornal Em Tempo de setembro de 1989, intitulado: O novo giro sectário da Convergência
Socialista.
140
que o movimento de massas estava em ascenso e chocava-se com a
direção petista integrada à ordem burguesa e em crescente
desprestígio diante das bases, particularmente onde o PT administrava
o aparato burguês municipal (SILVA, 2001).
Com isso a Convergência Socialista pretendia ganhar a direção dos movimentos
classistas. Segundo Silva (2001) a tática era aprofundar suas críticas ao setor majoritário
do PT e da CUT fortalecendo sua imagem nas disputas sociais e eleitorais. Em 1990 o
Diretório Nacional exigiu que a CS deveria tornar-se tendência interna do partido, ao
passo que haviam setores que pediam sua expulsão. Silva (2001) ressalta que vários
dirigentes pediam sua expulsão, como é o caso de Luiz Gushiken.
Para discutir a postura da corrente com o PT, foi formada uma comissão
composta por Cesar Alvarez, João Machado e Perseu Abramo. A comissão alegou o não
reconhecimento da Convergência Socialista explicitando que esta teria uma postura
política-partidária independente ao partido alegando que possuía políticas próprias,
distribuição de jornais fora do PT, manutenção de sedes próprias, entre outros.
Os dirigentes da CS recorreram a esta decisão alegando que estiveram presentes
no partido desde sua fundação, que a atuação da CS não era contraditória aos
direcionamentos partidários, pois sempre acataria as resoluções políticas, inclusive a
regulamentação de tendências do 5° Encontro Nacional, sempre havia atuado nos
movimentos sociais como petistas.
Silva (2001) afirma que o CEN PT acabou por reconhecê-la como parte
integrante do Partido dos Trabalhadores, e que esta deveria submeter-se às diretrizes
estabelecidas pela Comissão de Tendência e pelo Diretório Nacional. Entretanto, como
salientamos anteriormente, é sabido que os conflitos internos entre o PT e a
Convergência Socialista não tiveram um fim à partir desta definição da Comissão
Executiva Nacional, pois em 1992 a tendência seria expulsa do partido, e um ano depois
viria a fundar o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).
Outra mudança significativa foi a fundação da tendência Projeto para o Brasil
(PPB) em 1991, que se tornou posteriormente Democracia Radical. Originado a partir
de um manifesto apresentado ao I Congresso (1991), intitulado Um projeto para o
Brasil. Este documento trouxe uma série de questões como a necessidade de renovação,
a crítica ao autoritarismo da trajetória da esquerda. Esta nova tendência petista trazia a
importância da heterotodoxia. Segundo Azevedo (1995) a Democracia Radical é uma
corrente situada no campo da direita e era composta por ex-integrantes da Articulação,
141
como o paulistano Francisco Whitaker, Irma Passoni, Vitor Buaiz, José Genoino e
Eduardo Jorge que liderava a Vertente Socialista.
Segundo Pomar (2005) a conversão à direita foi muito intensa entre integrantes da
tendência trotskista O Trabalho. Antonio Palocci, Luís Gushiken, Clara Ant são
exemplos de ex-militantes da tendência que também formularam críticas à história do
marxismo e ao socialismo real, assim como aconteceu com Genoíno e Tarso Genro.
O manifesto Por um PT Socialista e Revolucionário (1991) lançado por
tendências da esquerda, Movimento por uma Tendência Marxista, Força Socialista e
Vertente Socialista, denuncia a direitização do partido. Afirma a necessidade do
desenvolvimento de uma alternativa revolucionária, critica as correntes que defendiam o
reformismo e enfatiza que ser inovador é o acúmulo revolucionário das lutas sociais.
Trata-se de garantir a transição revolucionária nas condições históricas brasileiras, aos
trabalhadores o poder político, o status de classe dirigente.
As correntes situadas no campo da esquerda revolucionária não mais encontravam
espaço para disputar as arenas decisórias do partido. Por que então estas permaneceram
no Partido dos Trabalhadores?
Observamos ao longo desta pesquisa que o PT não é mais o mesmo de suas
origens, toda radicalidade apresentada até o fim da década de 1980 se desfaz com o
advento do fim do socialismo real. Com a conquista de prefeituras e cargos
parlamentares, a institucionalidade ganha demasiado espaço na atuação petista. Muitos
militantes ligados aos movimentos populares assumiram cargos de importância nos
governos. O apontamento petista como alternativa eleitoral acompanhou o crescimento
da máquina partidária e a consequente burocratização.
Segundo Antonio Ozaí da Silva:
(...) A esquerda petista justifica a permanência no partido com a tese
de que é necessário disputar a hegemonia de sua direção política.
Nenhuma novidade! As posições políticas precisam construir um
discurso que as justifiquem. As interpretações condescendentes
favorecem a construção de argumentos deste tipo, mas estas, e as boas
intenções, não mudam os fatos (SILVA, 2009, p. 29).
A Articulação havia se tornado a tendência majoritária conseguindo aprovar suas
propostas e ditar os rumos do PT, e muitas outras tendências entraram em um processo
auto-crítico e de reformulação teórica. Aqui podemos confirmar a hipótese de que a
142
Metamorfose da Atuação Política do Partido dos Trabalhadores tenha se dado no
período de 1987 – 1991, quando ocorre a queda do muro de Berlim e o desmonte da
URSS. Como tentamos demonstrar ao longo desta pesquisa, as grandes transformações
conjunturais estabelecem-se neste período, assim como as transformações políticas-
partidárias.
O processo de aceitação da institucionalidade negando suas origens, nas quais o
partido apresentou-se ao mundo como diferente dos partidos ditos tradicionais, o
aprofundamento da proposta de democracia representativa se contrapôs ao socialismo,
ou seja, o que era um meio para se alcançar a transformação social, tornou-se um fim
em si mesmo. As tendências representativas da esquerda revolucionária petista, sendo
algumas delas oriundas do processo da luta armada, foram expulsas. Essas são as
hipóteses confirmadas nesta pesquisa para demonstrar a Metamorfose da Atuação
Política do Partido dos Trabalhadores.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Partido dos Trabalhadores é uma organização que surgiu de uma trama muito
particular da vida social e política brasileira. Surgiu em um período delimitado pelas
verificadas derrotadas da luta armada, que ao longo das décadas de 1960 e 1970
enfrentaram a ditadura militar; de um tempo em que os operários do ABCD paulista
realizavam as famosas greves de 1978 e 1979.
No ano de 1980 é oficialmente lançado a público o Partido dos Trabalhadores.
Em suas propostas encontradas no Manifesto e no Programa estavam presentes teses de
que o PT nascera como um contraponto aos partidos tradicionais da direita do espectro
político, no que diz respeito ao seu eleitoralismo, e também em contraposição aos
Partidos Comunistas, que consideravam o marxismo-leninismo como teoria central do
partido. Opta assim, por se construir os princípios de valorização da autonomia dos
trabalhadores enfatizando o debate de uma democracia interna, de um socialismo
democrático.
Estavam presentes a sua fundação os dirigentes dos sindicatos oriundos do
processo grevista de 1978 e 1979, organizações que pertenceram ao período da luta
armada como a ALN, AP, MEP, Ala Vermelha, entre outros, também estavam presentes
o PCB, PC do B, setores do MDB, algumas organizações trotskistas como a Causa
Operária, Convergência Socialista, e a Igreja Católica representada pela Teologia da
Libertação.
Com forte influência das organizações marxistas em seu interior pudemos
constatar o surgimento de um núcleo marxista na Articulação, que tornaria-se o setor
majoritário do PT. Em seu 5° Encontro Nacional o Partido dos Trabalhadores aprovaria
um programa democrático e popular que enfatizava a construção do socialismo sobre a
hegemonia dos trabalhadores. Nele aparece a necessidade de se formar um governo que
fosse capaz de implementar uma política anti-imperialista, anti-latifundiária e anti-
monopolista. Este governo seria hegemonizado pela classe trabalhadora em
contraposição à ordem social vigente, que viabilizaria através de uma ruptura
revolucionária.
Certamente não podemos afirmar que o PT era um partido revolucionário, no
entanto o socialismo era um fim a ser alcançado, as propostas de uma ruptura
144
revolucionária eram frutos de emendas em suas resoluções oriundas das influências dos
setores marxistas do partido.
Usaremos uma expressão de Gramsci para designarmos que a preocupação central
petista estava voltada à grande política, para a compreensão acerca da formação de
novos Estados. Esta nova forma de organização política-social preconizada pelo PT
estava voltada à construção de uma sociedade socialista e democrática que se
constituísse das mais amplas liberdades políticas e sociais. Ao longo de seu 5° Encontro
o partido estava consolidado, pois possuía uma estrutura orgânica nacional, um
programa que representava uma vontade coletiva historicamente determinada.
O tema da regulamentação das tendências internas merece um destaque, uma vez
que fora uma tentativa de definir o perfil programático e ideológico dentro do partido.
Em suas resoluções, afirmava-se que os partidos que integravam o PT, ao possuírem
uma dinâmica externa, tornaram-se incompatíveis com sua existência e, portanto
concorrentes. No entanto, as organizações situadas à esquerda no campo político petista
não concordaram com a resolução enfatizando que a mesma teria um caráter diluidor de
suas principais características e tradições.
Constatamos então que a dinâmica assumida pela Articulação era a de conquistar
a hegemonia do partido, já que as tendências minoritárias surgiram como expressão de
revolta e descontentamento contra o núcleo dirigente e seus aliados e contra as formas
de delegação de poder à Comissão Executiva Nacional. A confiança na liderança do
núcleo se tornara insuficiente, a base passou a exigir a democratização das discussões e
decisões, se mostrou favorável às propostas consideradas inadmissíveis pela direção. O
setor majoritário chegara à conclusão de que era necessário barrar a ação destas
organizações.
Com a polêmica criada, a desconfiança sobre a Articulação tornara-se cada vez
mais acentuada. Nas eleições municipais de 1988 o PT em suas prévias para escolher os
candidatos que disputariam as prefeituras, se dividiu em dois grandes blocos: o bloco do
setor majoritário capitaneada pela Articulação e o bloco das organizações minoritárias.
O que assistimos foi à derrota da Articulação em São Paulo, quando Plínio de Arruda
Sampaio perde nas prévias para Luiza Erundina, que representava as tendências
minoritárias do partido. O mesmo aconteceu em Fortaleza quando Fontinelle chega ao
poder municipal.
145
A grande preocupação da campanha municipal estava voltada para as eleições
presidenciais de 1989, para o aprofundamento da estratégia do programa democrático e
popular com a hegemonia dos trabalhadores. Havia muita insatisfação com o governo
de Sarney, acreditava-se ser possível um extravasamento popular anti-governo, com
muitos votos de protesto, dos quais o Partido dos Trabalhadores poderia se tornar
beneficiário. A disputa eleitoral não estava garantida ao PT, pois outros partidos da
direita brasileira também exploravam o desgaste do governo federal.
Desta forma, o Partido dos Trabalhadores aprovou o aprofundamento de algumas
metas para atingir seus objetivos políticos e estratégicos, como a fixação de um
programa socialista, a apresentação de novos rumos para a sociedade, que estariam
presentes no Plano de Ação de Governo (PAG). Assim, houve a necessidade de formar
lideranças locais que favorecessem o partido em âmbito nacional com bases
implantadas em cada localidade, o que enraizara de forma expressiva o partido na
sociedade política, incluindo as disputas eleitorais. Avançou-se na luta por conquistas
democráticas, econômico-sociais e de políticas públicas para conquistar o maior número
de prefeituras e de vereadores, constituir novos núcleos de base e ampliar a filiação
partidária, criar mecanismos de controle e participação popular nas decisões municipais.
Com isso acontecendo, pudemos evidenciar que existiu um aprofundamento da
proposta de um programa democrático e popular na tentativa de se construir uma
sociedade socialista para o Brasil. A campanha presidencial de 1989 caminhou no
mesmo sentido, entretanto, para a se eleger Lula foi preciso haver um consenso interno
no PT, pois este representava a possibilidade de um candidato operário chegar ao poder.
Toda a radicalidade petista presenciada até este momento esteve em formular
críticas às formas despóticas de poder, ao conservadorismo da elite brasileira, ao
direcionamento de um novo socialismo, diferente daquele desenvolvido no Leste
Europeu, hegemonizado pela União Soviética. Todavia, com a derrota nas eleições
presidenciais de 1989, com a queda do muro de Berlim e com o fim do socialismo real,
pudemos constatar uma nova fase na vida política partidária do Partido dos
Trabalhadores.
Ao longo do 7° Encontro Nacional e do I Congresso houve uma guinada
definitiva à direita do espectro político, demonstrando que o núcleo marxista da
Articulação havia rompido com a filosofia da práxis, o que também ficou evidente nas
novas organizações surgidas neste período histórico. O Partido Revolucionário
146
Comunista, por exemplo, passa por um momento de crise e realiza uma auto-crítica
enfatizando que marxismo não daria respostas objetivas para a realidade social. Sendo
assim, o PRC deixaria de existir e tornaria-se uma nova organização, a Nova Esquerda,
processo similar a outras organizações que atuavam no PT. Também pudemos
evidenciar a expulsão daquelas tendências que não se enquadraram nas regras do jogo.
O Socialismo Petista desapareceria gradualmente de suas resoluções cedendo
espaço para a democracia. Nos Encontros Nacionais anteriores, a democracia aparecia
como qualificando o socialismo, mas à partir de 1990 aparece como um fim em si
mesmo, ou seja, como objetivo final a ser alcançado.
O PT torna-se também alternativa de governo pelas conquistas que obteve nas
eleições de 1988 e 1990, resultando na ampliação da institucionalidade dentro do
partido. Ressaltamos que nas resoluções políticas estiveram presentes o debate sobre a
demasiada importância do sistema representativo, porém com o passar do tempo, o
debate sobre a institucionalidade fora diminuindo e a recusa e desconfiança petistas se
tornaram com cada vez menores. Esta preponderância à institucionalidade produziu um
distanciamento interno entre as direções e a base partidária. Neste momento, fica
evidente a importância do militante profissional e as possibilidades de ganhos são
disputados em seus espaços de decisões.
Evidenciamos, portanto, uma guinada do Partido dos Trabalhadores à direita; o PT
não é mais o mesmo de suas origens, abre mão da construção de uma nova sociedade
socialista, deixando de lado a importância da construção e da direção dos movimentos
sociais, e a formação dos núcleos de base. O PT passa a ser preocupar com aquilo que
Gramsci intitulou de pequena política, ou seja, a atenção petista estava voltada aos
assuntos cotidianos, eleitorais, presentes nas disputas pela predominância no poder por
setores que representassem a mesma fração de classe e ideologia.
Observamos que as resoluções políticas no decorrer dos anos, 1987-1991, tornou-
se emblemática à grande modificação em sua linha política. O PT tornaria-se uma
organização política-partidária que abandonaria as lutas reivindicatórias dos
movimentos sociais classistas e adotaria a luta institucional e a democracia
representativa como objetivos centrais em sua atuação política. Portanto, fica
evidenciada em sua trajetória, a ruptura com os movimentos sociais classistas. Ao
assumir uma agenda estritamente eleitoral, as propostas presentes principalmente nas
eleições de 1989 de nacional-estatismo, com perspectivas socialistas, permanecem à
147
moderação de sua atuação política e suas proposições. Transformou-se assim, em um
partido profissional comprometido com a administração pública.
148
REFERÊNCIAS
ANGELO, Vitor Amorim de. A Trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao
PT. 2007 f. Dissertação – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos Trabalhadores:
da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, n. 20, jun.
2003.
AZEVEDO, Clovis Bueno de. A Estrela Partida ao meio. Ambigüidades do
pensamento petista. Entrelinhas: São Paulo, 1995.
BALBACHEVSKY, Elisabeth; HOLSHACKER, Denilde Oliveira. Identidade,
oposição e pragmatismo: o conteúdo estratégico da decisão eleitoral em 13 anos de
eleições. Opinião Pública, Campinas, v. X, n. 02, outubro, 2004.
BERBEL, Márcia Regina. Partido dos Trabalhadores: tradição e ruptura (1978 –
1980), 1991. Dissertação (Mestrado) História, FFLCH da USP, São Paulo.
BETTO, Frei. Cristianismo e marxismo. In: LOWY, Michael (Org.). O marxismo na
América Latina: uma utopia de 1909 aos dias atuais. São Paulo: Perseu Abramo, 1999.
BETTO, Frei. A Educação nas classes populares. In: Encontros com a civilização
brasileira. v.13 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
BORON, Atílio A. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1994.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
BRUNHOFF, Suzanne de. A Hora do Mercado. Critica do Liberalismo. São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.
CADERNOS DA ARTICULAÇÃO. Teses Nacionais. Por um PT de massas,
democrático e socialista. São Paulo: 1987.
CADERNOS DA DEMOCRACIA SOCIALISTA. Teses. São Paulo, 1988.
CARDOSO, Miriam Limoeiro. Capitalismo dependente, autocrítica burguesa e
revolução social em Florestan Fernandes. In: Instituto de estudos avançados da
universidade de São Paulo. 1994.
CARONE, Edgar. O PCB. São Paulo: Difel, 1982.
CARVALHO, Fernando J. Cardim. Da morte política a consagração. Indagações sobre
o significado da reeleição de Lula. Revista Novos Rumos, novembro, 2006.
149
Causa Operária. Bases Programáticas: A Luta por um partido operário no Brasil. São
Paulo: n° 1, set., 1988.
______. Sobre a resolução do DN do PT. São Paulo: n° 105. Abril, 1990.
______. Contra a expulsão da Causa Operária. São Paulo: n° 105. Abril, 1990.
______. “A Liberdade é sempre e apenas liberdade para quem pensa de modo
diferente”. São Paulo: n° 110. Julho, 1990.
______. Resolução do DN. São Paulo: n° 110. Julho, 1990.
______. Em defesa do direito de tendência no PT. São Paulo: n° 110. Setembro, 1990.
______. Pela reversão da decisão do DN. São Paulo: n° 112. Setembro, 1990.
CERVI, Emerson Urizzi; SOUZA, Nelson Rosário de; VEIGA, Luciana Fernandes. As
estratégicas de retórica na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2004: PT,
mandatário, versus PSDB, desafiante. Campinas, Opinião Pública. VOL. 13, n° 01,
junho, 2007.
CICONE, Reinaldo Barros. Da intenção ao gesto: um olhar gramsciano sobre a
possibilidade de integração do PT à ordem. Dissertação de Mestrado. Campinas,
Unicamp, 1995.
COUTINHO, Aline de Almeida. MIGUEL, Luis Felipe. A crise e suas fronteiras: oito
meses de “mensalão” nos editoriais dos jornais. Campinas: Opinião Pública. Vol. 13, n°
01, junho, 2007.
COSTA, João Bosco de Araújo. O Imaginário político do Partido dos Trabalhadores: o
petismo, o sistema representativo e o poder local. Tese (Doutoramento). São Paulo,
PUC, 1998.
Chauí, Marilena. O PT leve e suave? São Paulo: Ed. Brasiliense. 1986.
DAVID, Samuel. As bases do petismo. Campinas: Opinião Pública. VOL. X, n° 02,
Outubro, 2004.
DELGADO. Maria do Carmo. Estrutura de governo e ação política feminista: a
experiência do PT na prefeitura de São Paulo. Tese de doutoramento. São Paulo: PUC,
2007.
Desvios. A Rebelião do coro, autonomia e vontade política. São Paulo: nº 2, ago/ 1983.
DIAS, Reginaldo Benedito. Da esquerda católica à esquerda revolucionária: a ação
popular na história do catolicismo. In Revista Brasileira da História das Religiões. Ano
I, nº 1.
Diretório Nacional. O PT e as Organizações. São Paulo, 1990.
150
DUSSEL, Enrique. Teologia da Libertação. In LOWY, Michael (org.). O marxismo na
América Latina. Uma utopia de 1909 aos dias atuais. São Paulo: ed. Perseu Abramo,
1999.
Em Tempo. O PT e o partido revolucionário no Brasil. São Paulo, 1981.
______. A “Nova Esquerda” e o marxismo. São Paulo: n° 239. Outubro, 1989.
______. VII Encontro: a consolidação da democracia. São Paulo: n° 245, junho, 1990.
______. Regulamentação das tendências internas. São Paulo: n° 245, junho, 1990.
______. O PT e as eleições de 90. São Paulo: n° 246, jul/ 1990.
______. A Esperança não foi as urnas. São Paulo: n° 248. Outubro/novembro, 1990.
______. Morte do Comunismo? São Paulo: n° 248. Outubro/novembro, 1990.
______. Congresso do PT: Acertando o rumo. São Paulo: n° 252. Agosto, 1991.
______. As letras do I Congresso. São Paulo: n° 252. Agosto, 1991.
______. As tendências e a construção partidária. São Paulo: n° 252. Agosto, 1991.
______. Uma crítica ao “Projeto para o Brasil”. São Paulo: n° 255. Novembro, 1991.
______. Venceu a democracia. São Paulo: n° 256. Dezembro, 1991.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975.
FERNANDES, Florestan. Frente Popular Brasil – Da aliança à Solidariedade. Teoria e
Debate. São Paulo: Nº 08. out.; nov.; dez., 1989.
FILHO, Daniel Aarão, SÁ, Jair Ferreira (orgs). Imagens da Revolução. Documentos
Políticos das organizações clandestinas de esquerda dos 1961-1971. São Paulo: Editora
Expressão Popular, 2006.
FILOMENA. Cesar Luciano. O agonismo nas relações sociais do partido, dos espaços
públicos da sociedade civil e do sistema administrativo estatal: a experiência da
administração em Porto Alegre. Porto Alegre: PUC, 2006.
FRANÇA, Raimundo Nonato Cunha de. Acre: uma experiência nova de governança?
Dissertação de Mestrado. Natal: UFRN, 2006.
GADOTTI, Moacir; PEREIRA, OTAVIANO. Para que PT: origem, projeto e
consolidação do partido dos Trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1989.
GARCIA, Marco Aurélio. “Esquerdas: rupturas e continuidades”. Evelina Dagnino
(org.) Anos 90: sociedade e política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
151
GENRO, Tarso. Os desafios da tragédia. Estudos Avançados. N° 14, 2000.
GOHN, Maria da Glória M. História dos movimentos e lutas sociais, São Paulo:
Loyola, 1995.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas à esquerda brasileira: das ilusões perdidas à
luta armada. São Paulo: Ática, 1987.
JR, Armando Boito. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil, São Paulo: Xamã,
1999.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
GREINACHER. Norbert. Teologia no “Primeiro Mundo”? In BOFF, Leonardo (org).
Igreja: Entre norte e sul. São Paulo: ED. Ática, 1995.
GURGEL, Claudio. Estrelas e borboletas: Origens e questões de um partido a caminho
do poder. Rio de Janeiro: ed. Papagaio, 1989.
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: edições
graal, 1978, p.11 e seguintes.
IASI, Mauro Luis. As metamorfoses da consciência de classe. O PT entre a negação e o
consentimento. Editora: Expressão Popular, São Paulo, 2006.
KECK, Margaret E. PT a lógica da diferença: o Partido dos Trabalhadores na
construção da democracia brasileira. São Paulo: Ed. Ática, 1991.
KAREPOVSS, Dainis e LEAL, Murilo. Os Trotskismos no Brasil: 1966-2000. IN
RIDENTI, Marcelo e REIS, Daniel Aarão (orgs). História do Marxismo no Brasil.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
LENIN, V. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel
do proletariado na revolução. São Paulo: Hucitec, 1983.
LIBARDI, Ana Paula de Souza. A Guerrilha armodaçada: A ALN na imprensa (1969-
1974). In Revista Agora. Vitória: nº 6, 2007.
Manifesto, Programa, Estatuto e Discurso de encerramento da 1ª Convenção Nacional.
São Paulo: 1981.
MARTINEZ, Paulo Henrique. O Partido dos Trabalhadores e a Conquista do Estado:
1980-2005. IN RIDENTI, Marcelo e REIS, Daniel Aarão. História do Marxismo no
Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
MENEGUELO, Raquel. PT: A formação de um partido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990.
152
MESQUITA. Rui Gomes de Mattos de. O mito democrático-revolucionário da década
de 1980: estudo sobre uma experiência radical de democracia. Dissertação de Mestrado.
Recife: UFPE, 2005.
MERCADANTE, Aloísio. Trabalhadores: Entre a reação conservadora do
"sindicalismo" e a ruptura histórica da CUT. Revista Teoria & Debate. São Paulo: Nº
01, dezembro de 1987.
Nova Esquerda. Por uma Nova Esquerda. São Paulo, 1989.
NUNES. Paulo Giovani Antonio. O Partido dos Trabalhadores e a política na Paraíba:
construção e trajetória do partido no Estado (1980/2000). Tese de Doutoramento.
Recife: UFPE, 2003.
O que é a Democracia Socialista. As posições políticas da Organização Revolucionária
Marxista Democracia Socialista. São Paulo. 1983.
OLIVEIRA, Francisco de. Qual é a do PT? Ed. Brasiliense: SP, 1986.
OTTMANN, Goetz. Cidadania mediada. Processos de democratização da política
municipal no Brasil. Novos Estudos. N° 74, 2006.
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções do 5º Encontro Nacional. São
Paulo: 1987.
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções do 6º Encontro Nacional. São
Paulo: 1989.
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções do 7º Encontro Nacional do PT. São
Paulo: 1990.
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções do I Congresso do PT. São Paulo:
1991.
Política Operária. Partido dos trabalhadores: Uma realidade vitoriosa. São Paulo: nº 1,
ago/1980.
POMAR, Valter Ventura da Rocha. A Metamorfose. Análise econômica, programa e
estratégia do Partido dos Trabalhadores: 1980-2005. Tese de doutoramento. São
Paulo: USP (FFLCH), 2005.
PONT, Raul. Breve História do PT. 1979-1991: das origens ao 1º Congresso. Brasília:
Câmara dos Deputados, 1992.
PRZEWORSKI, Adam. Democracia e Mercado. Reformas Políticas e Econômicas no
Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
RAMOS, Alcides Freire. A luta contra a ditadura militar e os intelectuais de esquerda.
In Revista de História e Estudos Culturais. Universidade Estadual de Uberlândia: vol. 3,
nº 1, jan/fev/mar/ 2006.
153
REBELO, Aldo. No olho do furacão. Luiza Erundina. A campanha e a vitória. Ed. Alfa
- Omega: 1989, SP.
REIS, Daniel Aarão (org). História do marxismo no Brasil. Campinas: Editora da
Unicamp, 2007.
MCR. Resoluções do 1º Congresso do Movimento Comunista Revolucionário. São
Paulo, 1985.
RIDENTI, Marcelo. Esquerdas Armadas Urbanas 1964-1974. IN RIDENTI, Marcelo e
REIS, Daniel Aarão (orgs). História do Marxismo. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2007.
SADER, Emir (org). Gramsci: poder, política e partido. Expressão Popular: São Paulo,
2005.
SILVA. Antonio Ozaí da. História da tendências no Brasil. Origens, cisões e propostas.
São Paulo: Dag Editorial, [1986?].
______. O Trabalho (OT) – Corrente Interna do Partido dos Trabalhadores. REA:
2001. Ano I, n° 01, junho.
______. A Democracia Socialista (DS). REA: 2001. Ano I, n° 02, julho.
______. As origens e ideologia do Partido dos Trabalhadores Unificado (PSTU). REA:
2001. ANO I, n° 03, agosto.
______. A Causa Operária. REA: 2001. Ano I, n° 04, setembro.
______. Ruptura e tradição na organização política dos trabalhadores. (Uma análise
das origens e evolução da Tendência Articulação-PT). REA: 2003. Ano II, n° 22,
março.
______. A Esquerda marxista e o PT. REA: 2008. N° 87, agosto.
______. A esquerda marxista e o PT II. A Nova Esquerda (NE) e o Movimento por uma
tendência Marxista (MTM). REA: 2008. N° 89.
______. Nem reforma nem revolução: a estrela é branca. IN ANGELO, Vitor Amorim e
VILLA, Marco Antonio (orgs). O Partido dos Trabalhadores e a política brasileira. São
Carlos: Edufscar, 2009.
SKIDMORE, Thomas. Brasil de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SOUSA. Lincoln Moraes de. Crônica de um partido não anunciado: programa e
governos do PT entre 1979-2000. Tese de doutoramento. Campinas: Unicamp, 2004.
SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930
a 1964). São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976.
154
O TRABALHO. “Um balanço do 5º Encontro Nacional do PT: o Partido saiu
desarmado”. Boletim O Trabalho, nº 8 (nº 262) extra, dezembro de 1987.
VERTENTE SOCIALISTA. Manifesto de constituição da Tendência Nacional interna
ao Partido dos Trabalhadores. Circulação interna ao PT. Março, 1989.
VIANA, Gilney Amorim. A Revolta dos Bagrinhos. Belo Horizonte: Segrac, 1991.
WEFFOT, Francisco C. PT. Um projeto para o Brasil. Seminário realizado em São
Paulo nos dias 15 e 16 de Abril de 1989. Ed. Brasiliense: 1989
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo