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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
ALTO-MÉDIO SÃO FRANCISCO E O ESTUDO DA CULTURA MANIFESTADA
PELA POPULAÇÃO LOCAL
José Henrique da Silva Júnior
BELO HORIZONTE
2010
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José Henrique da Silva Júnior
ALTO-MÉDIO SÃO FRANCISCO E O ESTUDO DA CULTURA MANIFESTADA
PELA POPULAÇÃO LOCAL
Trabalho apresentado ao Programa de Pós- Graduação do
Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção do Título de
Doutor em Geografia.
Área de concentração: Organização do Espaço
Orientador: Professor. Dr. Ralfo Edmundo da Silva Matos
Belo Horizonte
Instituto de Geociências
UFMG
2010
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José Henrique da Silva Júnior
Alto-Médio São Francisco e o estudo da cultura manifestada pela população local
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor
em Geografia.
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Ralfo Edmundo da Silva Matos - UFMG
____________________________________________________________________
Prof. Dr. José Antonio Souza de Deus - UFMG
____________________________________________________________________
Prof. Dra Maria Luiza Grossi Araújo - UFMG
___________________________________________________________________
Prof. Dr. André Velloso Batista Ferreira – UNI-BH
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Daniel Jardim Pardini - FUMEC
A Deus
A meu pai e à memória de minha mãe
Ao meu querido filho Arthur que meu deu outro sentido à vida e a minha filha Carolina
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, em especial aos professores que integram essa
Instituição.
Ao Ralfo Matos pela paciência, disponibilidade, dedicação, destreza e firmeza na orientação e
elaboração do presente trabalho, bem como a segurança nas correções de rumo que se fizeram
necessárias, meus agradecimentos,
A Faculdade de Ciências Empresariais – Face da Universidade Fumec, na figura de seus
Diretores, pela ajuda prestimosa na produção desta Tese
A minha família, em especial meu pai e minhas irmãs
A minha Irmã Eliane Maris que muito me ajudou nos trabalhos intermediários
Ao Dr. Antônio Carlos Chelotti por me ajuda a entender meus processos mentais
Ao Professor Carlos Magno pela leitura, pelas anotações e discussões em torno da versão
parcial, pelas correções de rumo e pela revisão ortográfica e gramatical desta obra.
Ao Professor Matheus Ferreira pela amizade, compreensão e boa vontade
Aos amigos que se mantiveram firmes na árdua tarefa de me suportar, dentre eles destaco o
Walter e o Wagner, que também contribuíram na elaboração desse trabalho.
Finalmente, a todos que, embora o citados nominalmente, contribuíram direta ou
indiretamente para a elaboração desta Tese, sem os quais não seria possível concluí-la.
Hoje, ao fim de um exaustivo período de leituras, entrevistas, pesquisa de campo,
redação, vejo terminado o trabalho. Um trabalho sistematizado que objetivou apresentar a
condensação das idéias e eventos que constituíram a base da geohistória do Território do Alto-
Médio São Francisco.
Não tive a pretensão de esgotar o tema, mas apenas a intenção de abordar alguns
aspectos e nuanças. Apesar de sujeito a críticas e reparos, fica sempre a alegria de ter podido
concluí-lo em meio a inúmeras dificuldades, percalços, desânimos e ansiedades.
Mas, não abdiquei da missão e da perspectiva ao escrever este trabalho.
Ninguém pode esconder de si mesmo
Provérbios de Salomão (20.27)
RESUMO
Esta tese apresenta uma geohistória do Alto-Médio São Francisco e o estudo da
cultura manifestada pela população local, e procura comprovar as seguintes hipóteses: 1ª)
existe uma tendência à diluição e enfraquecimento da cultura local - identidades, hábitos, usos e
costumes, crenças, formas de vida cotidiana, casarios, manifestações folclóricas e religiosas,
entre outros, ligadas ao rio e à pecuária - diante do processo de modernidade e globalização; 2ª)
esta cultura local tem persistido por força da comunidade ou ressurgido ao longo do tempo e
pode ser preservada através da atuação, principalmente, do Estado associado às comunidades
locais, forças políticas e atores, comprometidos com a preservação do patrimônio cultural.
O trabalho investigativo de pesquisa está estruturado em quatro grandes etapas: na
primeira etapa, deu-se a realização da coleta de informações a respeito do tema, através de
consulta em livros, jornais, revistas, periódicos, boletins técnicos, trabalhos acadêmicos e sites
na internet, consolidando-se uma base conceitual para o início dos trabalhos. Na segunda etapa
promoveu-se a estruturação e discussão do material coletado em que o foco estava na
organização das informações. Na terceira etapa promoveu-se uma pesquisa de campo, que veio
completar o esforço de caracterização dos aspectos culturais do território ora em tela, em nove
municípios do Alto-Médio São Francisco. A pesquisa de campo consistiu em entrevistas junto a
comunidade local com a intenção de investigar uma série de aspectos que informam a
geohistória econômica do São Francisco. Na quarta e última etapa do estudo fez-se a discussão
dos resultados da pesquisa de campo, e uma análise da percepção dos moradores dos
municípios pesquisados quanto aos atributos objeto do presente trabalho.
Assim sendo, procurou-se ao final do estudo identificar quais elementos e
atividades foram importantes para formação do território em questão, rastrear heranças
geohistóricas relevantes e aspectos culturais importantes para a sobrevivência da população.
Verificou-se que a formação do território do Alto-Médio São Francisco se vincula
ao ciclo da pecuária e da circulação mercantil no vale do Rio São Francisco. Todos aqueles
municípios, objeto da pesquisa, tiveram origem nos núcleos urbanos nascidos da expansão das
fazendas de gado e da abertura dos caminhos de tráfego comercial que margeavam ou cortavam
o São Francisco. Ficou evidente que no passado, aqueles municípios tiveram vínculos estreitos
com a navegação do rio e a pecuária. Os indícios verificados encontram-se no casario,
arquitetura, nas manifestações culturais, festejos e na tradição política, entre outros.
ABSTRACT
This thesis presents a geo-history of the High-Medium São Francisco and the study
of the manifested culture of the local population, and has the objective of confirm the
following hypotheses: 1
st
That there is a tendency of diluting the local culture identities,
habits, usages and customs, believes, day-to-day way of life, settlements, folkloric and
religion, among others, which are linked to the river and to cattle raising due to the
modernizing process and the globalization; 2
nd
the local culture has survived due to the strength
of the community or resurged during the last years e can be preserved, mainly, by the State’s
action associated the local communities, political strength and actors, compromised in
preserving the cultural inheritance.
The investigative research work is structured in four phases: in the first phase, a
collection of information about the theme was carried out, consulting books, journals,
magazines, periodicals, technical reports, academic papers and internet sites, consolidating a
conceptual base to begin the research. In the second phase, the structuring and discussion about
the material that was collected proceeded, with the objective of organizing all the information.
In the third phase a field research was carried out, which completed the effort of characterizing
the cultural aspects of the territories in evidence, of the nine municipalities of the High-
Medium o Francisco. The field research was constituted of interviews with the local
community, with the intention of investigating a series of aspects that informed about the
economic geo-history of the São Francisco. In the fourth and last phase, there was a discussion
about the results of the field research, and an analysis the perceptions of the people that live the
municipalities which were researched, over the attributes that were object of this paper.
Following, at the end of the study, the objective was to identify which elements and
activities were important to form the territory in question, investigating the important geo-
historical heritages and the important cultural aspects for the survival of this population.
It was possible to verify that the formation of the High-Medium São Francisco
territory is linked with the cattle raising cycle and the merchant circulation in the São Francisco
River valley. All these municipalities, that were object to this research, had their origin in urban
nucleuses initiated by the expansion of cattle farms and of the opening of commercial traffic
that ran by the river side or cut over the São Francisco River. It is evident that in the past, these
municipalities had tight bonds with the navigation of the river and with cattle raising. The
evidence that was verified are found in the settlements, architecture, cultural manifestations,
festivities and the political traditions, among others.
Lista de Figuras
Figura 1: Localização da bacia do rio São Francisco no Brasil e no estado de Minas Gerais .............. 20
Figura 2: Subdivisões da bacia do rio São Francisco ........................................................................... 21
Figura 3: Cidades-sedes visitadas para efeito de pesquisa de campo na bacia do Rio São Francisco .. 22
Figura 4: Imagens de canoas usadas no rio São Francisco ................................................................... 91
Figura 5: Fotografia de um Paquete ..................................................................................................... 91
Figura 6: Fotografia das barcas usadas na navegação do rio São Francisco ........................................ 91
Figura 7: Fotografia do rebanho criado no Alto-Médio São Francisco ................................................ 97
Figura 8: Imagem de boiadeiro do Alto Médio São Francisco à época colonial .................................. 97
Figura 9: Fotografia do vaqueiro do Alto Médio São Francisco à época colonial ............................... 97
Figura 10: Animais de trabalho usados na pecuária do Alto-Médio São Francisco ............................. 97
Figura 11: Casas onde habitava gente das fazendas do Alto-Médio S. Francisco à época colonial ..... 105
Figura 12: Fotografia de arreio usado nas montarias no Alto-Médio São Francisco ........................... 105
Figura 13: Aspecto das fazendas do Alto-Médio São Francisco .......................................................... 105
Figura 14: Carro de boi utilizado no Alto-Médio São Francisco ......................................................... 105
Figura 15: Pecuária no município de São Romão ................................................................................ 114
Figura 16: Carro de boi no município de São Romão .......................................................................... 114
Figura 17: Aspectos do gado criado em São Romão ............................................................................ 114
Figura 18: Fazenda de gado em São Romão ........................................................................................ 114
Figura 19: Pesca artesanal no rio São Francisco .................................................................................. 123
Figura 20: Pescador tecendo Tarrafa .................................................................................................... 123
Figura 21: Pescador tecendo tarrafa (ao fundo a Ponte Marechal Hermes) ........................................ 123
Figura 22: Pesca do Surubim (foto cedida por pescadores) ................................................................. 123
Figura 23: Imagem de vapor que navegava pelo São Francisco a altura de Pirapora .......................... 123
Figura 24: Vapor ancorado em antigo cais na cidade de Pirapora ........................................................ 123
Figura 25: Descarregamento de barcas no passado .............................................................................. 133
Figura 26: Travessia da balsa (município de São Francisco) .............................................................. 133
Figura 27: Canoeiro às margens do rio São Francisco no município de São Francisco ....................... 133
Figura 28: Panorama das embarcações utilizadas no município de Carinhanha .................................. 133
Figura 29: Aspecto atual do porto de Pirapora ..................................................................................... 133
Figura 30: Imagem antiga alusiva ao embarque de mercadoria nas barcas em Januária ...................... 133
Figura 31: Comparação histórica da Igreja matriz no passado e no presente, em São Francisco......... 138
Figura 32: Parte do casario de Januária á época colonial ..................................................................... 138
Figura 33: Construção herdada do período colonial no Vale do São Francisco ................................... 138
Figura 34: Aspecto do casario na região do cais da cidade de Manga ................................................. 138
Figura 35: Igreja matriz da cidade de Manga ....................................................................................... 138
Figura 36: Igreja Matriz de São José, em Carinhanha, fundada no século passado ............................. 139
Figura 37: Bem imóvel construído no século XIX, em Carinhanha ..................................................... 139
Figura 38: Panorama do cais do porto construído de pedra e cimento, em Januária ............................ 139
Figura 39: Características físicas das construções e do calçamento antigo das ruas de Januária ......... 139
Figura 40: Fachada de hotel construído em imóvel do início do século XX ........................................ 139
Figura 41: Panorama do Casario da rua Barão do Rio Branco, em São Francisco ............................... 139
Figura 42: Centro de Cultura e Turismo de Januária ............................................................................ 145
Figura 43: Casa da Memória do Vale do São Francisco ...................................................................... 145
Figura 44: Centro de Educação Integrada do Vale do São Francisco .................................................. 145
Figura 45: Imagem da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Januária ........................................... 145
Figura 46: Foto da Igreja de Matias Cardoso herdada do período colonial .......................................... 145
Figura 47: Panorâmica do casario de Matias Cardoso .......................................................................... 146
Figura 48: Casario antigo de Matias Cardoso....................................................................................... 146
Figura 49: Lateral da Igreja de Matias Cardoso ................................................................................... 146
Figura 50: Fotografia da Matriz de Nossa Senhora da Conceição ....................................................... 146
Figura 51: Construção secular em São Francisco ................................................................................. 146
Figura 52: Imagem de monumentos em São Francisco ........................................................................ 147
Figura 53: Antigo mercado de São Francisco ....................................................................................... 147
Figura 54: Foto antiga do cais da cidade de São Francisco no século XIX .......................................... 147
Figura 55: Fotos de prédios antigos em São Francisco ........................................................................ 147
Figura 56: Casário de São Romão ........................................................................................................ 152
Figura 57: Igreja Nossa Senhora do Rosário em São Romão ............................................................... 152
Figura 58: Igreja em São Romão .......................................................................................................... 152
Figura 59: Casario antigo em São Romão ............................................................................................ 152
Figura 60: Fotografia da ponte Marechal Hermes, em Pirapora........................................................... 152
Figura 61: Casario de Pirapora ............................................................................................................. 153
Figura 62: Fotografia do Vapor Benjamim Guimarães ........................................................................ 153
Figura 63: Fotografia da estátua de São Francisco em frente ao Hotel Canoeiros ............................... 153
Figura 64: Congadas ............................................................................................................................. 159
Figura 65: Fotografia de moldura alusiva a festa comemorativa na cidade de São Francisco ............. 159
Figura 66: Fotos alusivas às manifestações de catopés realizadas em São Francisco .......................... 159
Figura 67: Fotografia de moldura alusiva ã festas comemorativas na cidade de São Francisco .......... 160
Figura 68: Moldura alusiva a festa de bumba meu boi em São Romão ............................................... 160
Figura 69: Adereços usados em manifestação folclórica em São Romão ............................................ 160
Figura 70: Realização folclórica documentada por mestre Zanzá no Vale do São Francisco .............. 160
Figura 71: Instrumentos usados em banda musical de São Francisco .................................................. 162
Figura 72: Pinturas antropomórficas e geométricas, em São Romão ................................................... 162
Figuras 73: Imagens de artesanatos e mobiliário antigo no município de Januária .............................. 162
Figura 74: Reliquias religiosas encontradas em casas de Januária ....................................................... 163
Figura 75: Artesã construindo uma carranca em Januária .................................................................... 163
Figura 76: Carranca exposta na frente do caís de Januária ................................................................... 163
Lista de Anexos
Anexo 1:
Roteiro de entrevista aplicada no campo
....................................................................... 210
Anexo 2:
Linhas condutoras para entrevista em campo
................................................................. 213
Anexo 3:
Linha do tempo - o rio São Francisco
............................................................................. 215
Anexo 4:
Sumário das anotações de pesquisa
................................................................................. 218
Anexo 5:
Glossário de termos utilizados pela população tradicional do Alto-Médio São
Francisco
............................................................................................................................................. 235
Anexo 6:
Cartografia do Alto-Médio São Francisco
...................................................................... 249
Lista de Mapas
Mapa 1: Cartas de Vicenzo Coronelli, uma datada de 1691 (dir.) e outra do ano seguinte
(esq.), representa a serra de “Sarabassu”, entre o rio São Francisco e o Paraná que, na verdade
é o rio Grande, próxima a uma grande lagoa, ou seja, em território mineiro.........................249
Mapa 2: Detalhe da Carta Geográfica Del Brasil, de Giovanni Batista Albrizzi, de 1740....250
Mapa 3: Principais expedições de reconhecimento, exploração e conquista da América
Portuguesa, desde o século XVI até a Restauração (1640).....................................................251
Mapa 4: Expedições de reconhecimento, exploração e conquista da América Portuguesa, após
a Restauração ............................................................................................................................252
Mapa 5: Cidades e vilas erigidas na América Portuguesa (séc. XVI e XVII), com indicação dos
topônimos coevos e data de ereção..........................................................................................253
Mapa 6: Cidades e vilas erigidas na América Portuguesa, durante a União Ibérica (1580-
1640), com indicação dos topônimos coevos e data de ereção.................................................254
Mapa 7: Cidades e vias erigidas no Nordeste no período colonial, com indicação dos
topônimos coevos e data de ereção...........................................................................................255
Mapa 8: Mapa da maior parte da Costa, e Sertão, do Brasil, extraido do original do Pe. Cocleo,
de datação aproximada de 1699-1702 nele foram destacados os assentamentos humanos, os
principais caminhos e a hidrografia.......................................................................................256
Mapa 9: Cidades e vias erigidas no Sudeste no período colonial e os principais eixos de
articulação macrorregional.....................................................................................................257
Mapa 10: Principais rotas e mercadorias comercializadas na América Portuguesa no século
XVIII e primeiras décadas do século XIX: ao final do século XVIII...................................258
Mapa 11: Estado de Minas Gerais: remanescências caminhos coloniais, com indicação
aproximada de seus trajetos e principais núcleos urbanos que os pontuam, confrontados com a
rede rodoviária atual, destacando-se as estradas atuais que os reproduzem parcialmente...259
SUMÁRIO
Capítulo 1 O OBJETO DE TRABALHO E SUA SUBSTÂNCIA: APORTES
METODOLÓGICOS, CONCEITUAIS E REVISÃO TEÓRICA
1.1 - Introdução .................................................................................................................. 14
1.2 - Justificativas, objetivos, hipóteses de trabalho e o recorte geográfico ......................... 16
1.2.1 - A Bacia e o território do Alto-Médio São Francisco ....................................... 20
1.3 - Aportes metodológicos e procedimentos de pesquisa .................................................. 23
1.4 - A estrutura do trabalho ............................................................................................... 25
1.5 - Aportes conceituais, fundamentos teóricos e abordagens adotadas .............................. 27
1.5.1 - A perspectiva geohistórica .............................................................................. 27
1.5.2 - Revisão da literatura ....................................................................................... 30
1.5.2.1 - Conceito de cultura ................................................................................ 30
1.5.2.2 - Cultura, lugar e identidade ..................................................................... 40
1.5.2.3 - Cultura, território, globalização, aculturação, heranças culturais e o
bem não econômico ............................................................................... 48
Capítulo 2 FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DO ALTO-MÉDIO SÃO FRANCISCO,
POPULAÇÕES E CULTURAS
2.1- Introdução ................................................................................................................... 62
2.2 - Brasil colônia e as minas gerais .................................................................................. 63
2.3 - O processo de formação e ocupação do território do Alto-Médio São Francisco ......... 68
2.4 - A ocupação, uso do território e articulação geográfica ................................................ 74
2.5 - Das minas do centro às Minas Gerais ......................................................................... 81
2.6 - Da geohistória à produção cultura .............................................................................. 85
2.7 - Elementos característicos da navegação no São Francisco .......................................... 87
2.8 - A pecuária formando a cultura e a territorialidade ...................................................... 91
2.9 - Caracterização geral das populações tradicionais do Alto-Médio São Francisco ......... 106
Capítulo 3 NOTAS, REGISTROS E DEPOIMENTOS RECOLHIDOS NA PESQUISA
DE CAMPO
3.1 – Introdução ................................................................................................................. 111
3.2 - Memórias da pecuária ................................................................................................ 113
3.3 - Da pecuária às tradições do mandonismo político ....................................................... 118
3.4 - Memórias da pesca, da navegação e do “velho Chico” ................................................ 121
3.5 - O casario e o patrimônio arquitetônico ....................................................................... 134
3.6 - O patrimônio imaterial ............................................................................................... l53
3.6.1 - Alguns causos preservados ............................................................................. 163
3.6.2 - Algumas narrativas sobre São Gonçalo ........................................................... 175
Capítulo 4 REFLEXÕES FINAIS E CONCLUSÕES
4.1 - Ocupação territorial, o rio e a estrada de ferro ............................................................ 178
4.2 - O século XX e o desdobramento das mudanças .......................................................... 182
4.3 - Heranças difusas, modernidade e a força do que restou............................................... 184
4.4 - Diluição cultural do Alto-Médio São Francisco e perspectivas atuais ......................... 189
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
ANEXO 1 - Roteiro de entrevista aplicada no campo ......................................................... 210
ANEXO 2 - Linhas condutoras para entrevista em campo .................................................. 213
ANEXO 3 - Linha do tempo – o rio São Francisco ............................................................. 215
ANEXO 4 - Sumário das anotações de pesquisa................................................................. 218
ANEXO 5 - Glossário de termos utilizados pela população do Alto-Médio São Francisco . 235
ANEXO 6 - Cartografia do Alto-Médio São Francisco ...................................................... 249
14
C
APÍTULO
1
O OBJETO DE TRABALHO E SUA SUBSTÂNCIA:
APORTES METODOLÓGICOS, CONCEITUAIS E REVISAO
TEÓRICA
1.1 Introdução
O território do Alto-Médio São Francisco, cuja história é vinculada ao ciclo da
pecuária e da circulação mercantil no vale do Rio São Francisco, têm como espaço empírico os
municípios
1
de Carinhanha, Januária, Manga, Matias Cardoso, Montes Claros, Paracatu,
Pirapora, São Romão e São Francisco. São municípios nascidos da expansão das fazendas de
gado e da abertura dos caminhos de tráfego comercial que margeavam ou cortavam o rio São
Francisco.
Desde a sua descoberta no século XVI, o rio São Francisco passou a ser
freqüentemente explorado por expedições de europeus interessadas nas riquezas do interior do
1
Na definição dos territórios e dos municípios abrangidos pela pesquisa que fundamenta o presente
estudo, optou-se pela regionalização adotada pela pesquisa “População e Territorialidades Chaves na
Rede de Cidades da Bacia do São Francisco, financiada pela FAPEMIG e realizada no Instituto de
Geociências IGC/ Departamento de geografia da UFMG e sob a coordenação do Professor Ralfo
Matos. Utiliza-se de critérios capazes de identificar o dinamismo econômico e/ou heranças geohistóricas
preservadas na região em foco. Tendo em vista a heterogeneidade da bacia, percebeu-se a necessidade
de regionalizá-la, até mesmo para que os critérios supracitados pudessem ser mais bem caracterizados.
Os critérios utilizados buscaram minimizar possíveis distorções no estabelecimento dos valores de corte
para seleção e classificação demográfica e econômica dos principais centros urbanos e obedeceram aos
seguintes parâmetros: a) individualização da Região Metropolitana de Belo Horizonte, dada sua
magnitude demográfica e econômica; b) classificação dos demais municípios em centros de ordem,
10 municípios com participação superior a 2% no PIB global da Bacia; e centros de ordem, 37
municípios com participação superior a 2,5% no PIB global subregional (excluídos os de 1ª ordem).
15
Brasil
2
, o que mais tarde, definiria o seu papel de principal via para a colonização dos sertões
de Minas Gerais e Goiás. Com a autorização da Coroa Portuguesa, em 1543, inicia-se a criação
de gado na região, atividade econômica que marca a história do vale do São Francisco,
determinando a partir de então um processo crescente de ocupação e exploração econômica da
bacia.
Um dos fatores que contribuiu para maior dinâmica econômica da bacia do São
Francisco aconteceu em fins do século XVII com as primeiras descobertas de ouro nas
cabeceiras do Rio das Velhas, um de seus principais afluentes. Isso provocou constantes
deslocamentos de pessoas em busca de riqueza, poder e do estabelecimento de atividades
atreladas à mineração e à pecuária.
As fazendas de gado às margens do São Francisco foram as principais fontes de
abastecimento da região mineradora com artigos de primeira necessidade tais como: carne,
couro, fumo e a cachaça, as fazendas serviam-se do rio como principal meio de transporte e de
contatos comerciais. Dessa articulação começam a surgir cidades com nítida vocação
comercial, dentre as quais destacam-se Januária, Pirapora, São Romão, São Francisco, entre
outras.
Ao longo do percurso do gado foram instalados muitos currais e pontos de venda.
Essa dinâmica fez estabelecer pelo trajeto do gado, uma população relativamente densa. Essas
terras passaram a ser mais densamente ocupadas a partir do final do século XVII, sendo que
algumas fazendas possuíam muitos currais. Nesses currais, o gado era vendido para as minas ao
preço que atingia nas cidades como Salvador, ou seja, o mais alto preço.
No território do Alto-Médio o Francisco as localidades de Carinhanha, Januária,
Manga, Matias Cardoso, Montes Claros, Paracatu, Pirapora, São Romão, São Francisco se
constituíram como localidades onde se estruturou uma organização sociopolítica que lhe deu
uma dimensão de centros de comando de uma ampla economia regional. Nesse sentido,
constituíram-se, cidades de fato, na acepção ampla do termo à época: locais de concentração de
excedentes econômicos, de pessoas, casario, com monumentalidade de várias edificações;
2
Entre essas expedições, conforme Santos (2004) destacaram-se as de: 1553 ou 1554 Francisco Bruzo
de Espinhosa; 1560 - 1561 - Brás Cubas; 1567 - Martim de Carvalho; 1572 - Sebastião Fernandes
Tourinho; 1572 - Antônio Dias; 1596 - Marcos de Azeredo; 1601 - André de Leão e Olimer, partindo de
São Paulo, atingiu a região Oeste do atual estado de Minas Gerais; 1611 - Marcos de Azeredo; 1664 -
Matias Cardoso de Almeida; 1668 - Lourenço Castanho Taques; 1671 - Agostinho Barbalho; 1673 -
Matias Cardoso; 1674 - Fernão Dias Paes [Leme], acompanhado de seu filho, Garcia Rodrigues Paes e
de seu genro, Manuel Borba, de alcunha o Gato; 1681 - Manuel de Borba Gato; 1693 - Antônio
Rodrigues Arzão.
16
intensa organização social e política geradora de novas práticas sociais; espaços de forte
expressividade simbólica, cultural e religiosa na sua organização arquitetônica e urbanística.
Para apoiar as descrições acima encontra-se no anexo 6 deste trabalho, um material
cartográfico contendo mapas do traçado das principais expedições de exploração do território
do Alto-Médio São Francisco, das principais vilas e cidades erigidas, dos assentamentos
humanos, caminhos e a hidrografia, e das rotas comerciais existentes à época da ocupação do
território
1.2 Justificativas, objetivos, hipóteses de trabalho e o recorte geográfico
O estudo de história local e regional do Alto-Médio São Francisco nem sempre teve
importância no mundo acadêmico, apenas recentemente, surgem trabalhos mais sistematizados
relacionados ao tema. Uma reflexão acerca da importância do rio São Francisco, enquanto fator de
ocupação e interiorização do desenvolvimento brasileiro, á partir do enfoque da sua cultura e de sua
gente, é praticamente inexistente.
O que se vê, predominantemente, é a noção tradicional da narrativa histórica que busca
compreender a ocupação do Brasil a partir do caminho tradicional vindo do sul, mais
particularmente de Paraty - RJ.
Evidentemente, a história regional e local não pode ser desvinculada de um contexto
mais amplo, ou seja, não podemos falar de economia mineradora no século XVIII sem fazer uma
relação com o cenário nacional, mas isso não significa estabelecer escalas de valores entre um tema
e outro, o fundamental é percebermos as relações históricas na mais pura especificidade,
Quando se fala da cultura e arte de outros locais, porém não se enfatiza o valor
histórico do São Francisco na sua região, como exemplo a musicalidade do forró e das crenças, da
pesca, da pecuária.
Muitos aspectos que até então não são mencionados, como os aspectos relativos a
cultura do rio e da pecuária, talvez, possam ampliar à visão dos agentes elaboradores da história,
quanto ao papel do rio enquanto vetor de ocupação, deixando-se um tanto de lado a concepção
tradicional da história do Brasil.
O estudo do regional, ao focalizar o peculiar, redimensionaria a análise do nacional,
que ressalta as identidades e semelhanças, enquanto o conhecimento do regional e do local insistira
na diferença e diversidade, focalizando o indivíduo no seu meio sócio-cultural, político e geo-
17
ambiental, na interação com os grupos sociais em todas as extensões, alcançando vencidos e
vencedores, dominados, conectando o individual com o social. (Neves, 2002, p. 89).
A história local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto
nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma idéia mais imediata do passado.
Faz-se necessário a produção de análises da realidade municipal e regional através
de novos estudos que possam aproximar pesquisadores e populações locais e estabelecer nexos
de colaboração e co-participação entre os diferentes agentes da produção do espaço. Estudos
que avancem no conhecimento de particularidades históricas e identidades culturais que
tipificam regiões onde existam pessoas e atividades que mantêm forte ligações e características
que remontam ao passado. Espaços geográficos que, hoje, se se conectam com a atividade do
turismo, a partir de um conjunto de atratores, heranças remotas e atributos paisagísticos.
Tal reflexão, evidentemente, não deve perder de vista o fato de que cada grupo
social que viveu ou vive em um lugar deixa nele suas marcas algumas o tempo leva, outras
permanecem com ou sem significado para as atuais gerações, algumas permanecem mesmo na
memória oficialmente estabelecida, outras permanecem na memória afetiva das pessoas que
usam os lugares cotidianamente, lugares que carregam claros ou secretos significados.
Estas marcas ou sinais podem apresentar-se de diversas maneiras, alguns são
conhecidos como patrimônio cultural e compreendem os bens (móveis ou imóveis) tombados,
preservados ou tutelados, que compõem um repertório oficialmente estabelecido e passível de
guarda. Outras marcas ou sinais, porém, vivem apenas na memória ou na vivência das pessoas,
são suas experiências de vida, suas histórias e estórias, registradas por objetos, signos, lugares,
paisagens, odores, cores, ventos, vozes e acontecimentos, elementos aparentemente
insignificantes, mas que denotam uma parte consideravelmente grande e importante da vida de
relações.
Para Rochefort (1961) citado em Matos (2005), não é nova a tentativa de analisar as
atividades e as formas como se articulam os elementos da organização sócio espacial de
determinadas regiões. Muitos são os estudos dedicados à temática da atividade econômica no
Brasil desde a análise da época colonial. Entre esses estudos, destacam-se os de Prado Júnior
(1966), Andrade (2004) e Furtado (1969). Porém, não são muitos os trabalhos que enfocam os
substratos geográficos, econômicos, demográficos e históricos de municípios como São
Francisco, Januária, São Romão, importantes núcleos urbanos que desde o cíclo da produção
aurífera e do diamante, contribuíram para a formação de uma economia de subsistência voltada
para o abastecimento e apoio principalmente daquelas atividades.
18
Essa realidade impõe a necessidade de atualização dos estudos sobre cultura,
economia, sociedade local, os patrimônios artístico, cultural e arquitetônico e a atividade
econômica atual. Se a região é conhecida, muito, como área fortemente influenciada pela
sua vinculação com a atividade mineradora do ouro e sua população mantinha laços com tais
atividades, se faz necessário examinar melhor a questão uma vez que a atividade pode
contribuir para potencializar formas de desenvolvimento regional sustentado. Estudos nessa
direção, utilizando dados censitários e pesquisa direta, são pouco numerosos.
O reconhecimento do São Francisco como um via de interiorização da expansão
econômica portuguesa no território brasileiro é, sem dúvida, um fato consolidado
historicamente, embora o seu reconhecimento como via de difusão de matrizes sócio-culturais
no Brasil seja um tema que necessita ser melhor explorado.
Embora não constitua objetivo dessa tese esquadrinhar essas questões, são várias as
indagações que pemanecem sem respostas convincentes.
1º) Quais elementos e atividades foram mais decisivos para formação do território
em estudo e onde estão os indícios? Se a pecuária e o rio São Francisco foram importantes para
formação do território em questão, onde estão os testemunhos mais antigos? Quê heranças
geohistóricas são relevantes e quais estão preservadas? Se há ainda uma população voltada para
essas atividades onde vive atualmente? Quais aspectos culturais são mantidos e como essa
cultura e essa gente se reproduzem?
2º) Será que além do rico patrimônio histórico composto de casarios, igrejas e
outros bens duráveis, aqueles municípios ainda dispõem de elementos ou atrativos importantes
como pessoas, vinculadas às atividades, tornando-se co-partícipes do desenvolvimento de
atividades econômicas sustentáveis no local, como a pesca, por exemplo?
3º) Profissões, habilidades, competências, funções, culinárias e tarefas estão vivas,
ainda existem, desapareceram ou estão na informalidade, poderão ser recuperadas e
impulsionadas pela modernização e a atividade econômica?
4º) Por fim, como se encontra essa identidade frente a sociedade moderna de
consumo?
Mais especificamente, os objetivos do presente estudo são: a) compreender a
formação do território do Alto-Médio São Francisco sob os aspectos sociais, econômicos e
culturais, tendo como unidade/base empírica os municípios de Carinhanha, Januária, Manga,
19
Matias Cardoso, Montes Claros, Paracatú, Pirapora, São Romão, São Francisco; b) identificar
os traços geohistóricos que as localidades guardam do período de formação; c) identificar as
marcas de valor identitário imaterias reconhecidos pela população, as heranças que estão
preservadas, vale dizer o folclore, a religiosidade, as festas, as lendas, entre outros; c)
identificar os testemunhos e materialidades duráveis (casarios igrejas, praças, fazendas, entre
outros); d) compreender a importância dessas identidades e testemunhos regionais no presente e
como elas se manifestam nas paisagens culturais; e) compreender esses aspectos culturais e a
força dos lugares tendo em vista o processo de globalização em curso, ou seja, se a identidade
fluida global dissolve essas paisagens e a força dos lugares.
Esta tese procura comprovar as seguintes hipóteses: i) existe uma tendência à
diluição e enfraquecimento da cultura local identidades, hábitos, usos e costumes, crenças,
formas de vida cotidiana, casários, manifestações folclóricas e religiosas, entre outros ligadas
ao rio e à pecuária, diante do processo de modernidade e globalização; ii) esta cultura local tem
persistido por força da comunidade ou ressurgido, em diversos planos, ao longo do tempo e
pode ser preservada através da atuação, principalmente, do Estado associado às comunidades
locais, forças políticas e atores, comprometidos com a preservação do patrimônio cultural.
Existem indícios de que em toda a extensão territorial da área estudada havia uma
dinâmica sociocultural ligada ao rio e a pecuária. Culturas vêm sendo mantidas e transmitidas
através das sucessivas gerações, sempre se renovando e se recriando num processo vivo e
dinâmico, resignificando a possibilidade da reconstrução itentitária. A manifestação dessa
identidade se revela por meio do patrimônio cultural, que o se restringe somente aos bens
culturais móveis e imóveis, se fazendo presente em outras tantas formas de expressão cultural.
Existem testemunhos de que esse patrimônio cultural se manifesta na interação das
pessoas com o ambiente, com a natureza e com as condições de sua existência. Se expressa
através dos saberes, celebrações e formas de expressão materializadas no artesanato, no casario,
nas maneiras e modos do fazer cotidiano das comunidades, na culinária, nas danças e músicas,
rituais e festas religiosas e populares, nas relações sociais de famílias ou de comunidades, nas
manifestações artísticas, literárias, cênicas e lúdicas, nos espaços públicos, populares, coletivos.
20
1.2.1 A bacia e o território do Alto-Médio São Francisco
A bacia hidrográfica do rio São Francisco, figura1, abrange 639.219 km2 de área de
drenagem (7,5% do país) e o rio tem vazão média de 2.850 m3/s (2% do total do país). O
São Francisco tem 2.700 km de extensão, nasce na Serra da Canastra em Minas Gerais,
escoando no sentido sul-norte até a divisa com Bahia e Pernambuco, quando altera seu curso
para este, chegando ao Oceano Atlântico através da divisa entre Alagoas e Sergipe. A bacia
abrange sete unidades da federação - Bahia (48,2%), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco
(10,9%), Alagoas (2,2%), Sergipe (1,2%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%). São 504
municípios (cerca de 9% do total de municípios do país). banhados pelo São Francisco e seus
afluentes
Figura 1: Localização da bacia do rio São Francisco no Brasil e no estado de Minas
Gerais
A regionalização da Bacia obdece aquela utilizada pela Companhia Hidroelétrica
do São Francisco Chesf, disponível no site da Empresa, após a construção das represas de
21
Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó, que alteraram significativamente o
perfil geográfico do rio, a divisão mais comum das regiões fisiográficas do São Francisco,
figura 2, é a seguinte: 1ª) Baixo São Francisco: de Paulo Afonso (BA) aa foz no Oceano
Atlântico; 2ª) Alto São Francisco: das cabeceiras do rio, na Serra da Canastra, até Pirapora
(MG); 3ª) Médio São Francisco: de Pirapora (MG) até Remanso (BA); 4ª) Submédio São
Francisco: de Remanso (BA) até Paulo Afonso (BA).
Figura 2: Subdivisões da bacia do rio São Francisco
Fonte:
Projeto de Pesquisa “População e Territorialidades Chaves na Rede de Cidades da
Bacia do São Francisco, financiada pela FAPEMIG e realizada no Instituto de Geociências
– IGC/ Departamento de geografia da UFMG
O Alto São Francisco abrange as sub-bacias dos rios das Velhas, Pará, Indaiá,
Abaeté e Jequitaí. Situa-se em Minas Gerais e apresenta topografia ligeiramente acidentada,
com serras e terrenos ondulados e altitudes de 1600 a 600 m. O divisor leste é formado pelas
montanhas da Serra do Espinhaço, estreitas e alongadas na direção N-S, e com altitudes de
1.300 a 1.000 m. Do lado Oeste, destaca-se a Serra Geral de Goiás, cujas cotas oscilam entre
1.200 a 800 m. É nesse segmento da bacia que se localiza a Usina hidroelétrica de Três Marias,
responsável pelo fornecimento de 396.000 kw de energia elétrica.
22
O Médio São Francisco abrange a Região I, inclui também as sub-bacias dos
afluentes Pilão Arcado, a oeste, e do Jacaré, a leste e, além dessas, as sub-bacias dos rios
Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente, Grande, Verde Grande e Paramirim, situando-se nos
Estados de Minas Gerais e Bahia. Suas condições climáticas vão nesse segmento se tornando
mais características de uma região tropical semi-árida.
Ainda segundo o site da Chesf, o Submédio São Francisco que abrange áreas dos
estados da Bahia e Pernambuco, estende-se de Remanso/BA aPaulo Afonso/BA e inclui as
sub-bacias dos rios Pajeú, Tourão e Vargem, além da sub-bacia do rio Moxotó, último afluente
da margem esquerda. Nesta região, a altitude varia de 800 a 200 m e se caracteriza por uma
topografia ondulada com vales muito abertos, devido à menor resistência à erosão dos xistos e
outras rochas de baixo grau de metamorfismo, onde sobressaem formas onduladas esculpidas
em rochas graníticas, gnáissicas e outros tipos de alto metamorfismo. Nela a semi-aridez é
quase generalizada.
O Baixo São Francisco – que estende-se de Paulo Afonso à foz, engloba as
subbacias dos rios Ipanema e Capivara. Situa-se em áreas dos estados da Bahia, Pernambuco,
Sergipe e Alagoas.
Figura 3:
Cidades
-
sedes visitadas para efeito de pesquisa de campo na
bacia do Rio São Francisco
Fonte: projeto de pesquisa “População e Territorialidades Chaves na Rede de Cidades da
Bacia do São Francisco, financiada pela FAPEMIG e realizada no Instituto de Geociências
– IGC/ Departamento de Geografia da UFMG
23
1.3 Aportes metodológicos e procedimentos de pesquisa
Para atingir os objetivos propostos procurou-se: identificar os indícios e heranças
geohistóricas relevantes associada à ocupação de Minas Gerais; levantar datas de fundação e
criação de localidades em fontes bibliográficas e documentos antigos existentes registrando os
fundamentos econômicos da sobrevivência dos homens e dos lugares; fotografar o casario e
instalações dos séculos XVI até o XIX, os atributos notáveis.
O trabalho investigativo foi estruturado em 4 grandes etapas.
Na primeira etapa, deu-se a realização da coleta de informações a respeito do tema,
através de consulta em livros, jornais, revistas, periódicos, boletins técnicos, trabalhos
acadêmicos e sites na internet, consolidando-se uma base conceitual para o início dos trabalhos.
Na segunda etapa promoveu-se a estruturação e discussão do material coletado em
que o foco estava na organização das informações. O objetivo foi instituir o ambiente de
estudo de forma gradativa e seqüencial, culminando em uma discussão mais detalhada. Vale
ressaltar que estas etapas não estão apresentadas no estudo de forma seqüencial, tal como
aconteceram, uma vez que o trabalho está estruturado de forma a facilitar a compreensão de sua
discussão principal e dos resultados da pesquisa.
Na terceira etapa promoveu-se uma pesquisa de campo, que veio completar o
esforço de caracterização dos aspectos culturais do território em tela. Esta pesquisa de campo
foi realizada em duas ocasiões janeiro e julho de 2008 - nos nove municípios do Alto-Médio
São Francisco, podendo ser observados na Figura 3. A pesquisa de campo consistiu em
pesquisas a fontes documentais, cartográficas, fotográficas, textos geo-históricos, estatuto de
associação, relatórios de audiências públicas, auto-declaração de comunidades e jornais e em
entrevistas, cujo roteiro é apresentado no Anexo 1, junto a comunidade local tendo em vista um
roteiro elaborado com a intenção de investigar uma rie de aspectos que informam a
geohistória econômica do São Francisco, quarta etapa do trabalho
3
.
Elegeram-se esses municípios, por estarem situadas no território e por fornecerem
informações pertinentes a este estudo. Elegeram-se algumas comunidades, por estarem situadas
na área atingidas pelo processo de ocupação do território. Vale salientar que todas os relatórios
3
Deve-se ressaltar que o estudo, baseado no levantamento da geohistoria do Alto-Médio São Francisco
e da história de vida das populações e dos lugares, realizou-se através de material recolhido em
entrevistas, depoimentos, narrativas orais, dados, fatos comprovados em “in loco” e material fotográfico
(a maioria de minha própria autoria)
24
e entrevistas transcorreram de forma espontânea, na perspectiva de resgatar a história que ainda
não foi escrita, mas que é contada com simplicidade por aqueles que lá resistem.
Além das entrevistas e relatórios, outros textos aqui utilizados foram escolhidos por
serem específicos quanto a ocupação e o uso da terra naquele território Os textos usados
buscam esclarecer o processo geo-histórico da ocupação e exploração desse território em
diversos momentos.
Dessa forma, no interior do território em questão pôde-se identificar espaços
notáveis de tamanhos variados, nos quais inequivocamente são ou foram expressivas as ões
humanas transformadoras do espaço. São espaços estruturadores que deflagram diversos tipos
de efeitos multiplicadores, sendo nomeados na pesquisa apoiada pela Fapemig de
territorialidades chaves. Em seu interior, o poder político e econômico costuma ser evidente,
seja por meio de novos atores que reconfiguram as economias sub-regionais, seja por meio de
testemunhos de antigas aristocracias mais ou menos eclipsadas no tempo. Além disso,
territorialidades podem se constituir por acúmulo de elementos e objetos geográficos de
importância social ou simbólica.
As entrevistas com moradores locais cidadão comum como donas de casa, chefes
de família, comerciantes, estudiosos, pescadores, padres, prefeitos, peões, ex-peóes,
professores, visita a sede da Codevasf, localizada no município de Januária, entre outros,
gravadas em áudio e acompanhadas de anotações escritas, foram realizadas mediante a
formulação de perguntas sobre aspectos sócioespaciais, econômicos e culturais. As perguntas
formuladas à população, orientada por um roteiro, buscavam conhecer fatores sócio-culturais,
como os relativos: à religião, ao casario e acervo arquitetônico existente; às manifestações
tradicionais de cultura popular (folclore, música, dança, artes em geral); ao rio enquanto valor
simbólico e recurso econômico; aos recursos naturais locais como fonte de sobrevivência; à
idéia de pertencimento.
Quanto ao rio perseguiu-se a identificação de alguns dos objetos, personagens e
aspectos que faziam parte da vida ribeirinha.
A partir de entrevistas qualitativas procurou-se registrar as características, os
valores e significados atribuídos à população e ao patrimônio artístico arquitetônico e cultural,
a fim de verificar sua importância enquanto agente condicionador do reordenamento do
território. Buscou-se identificar através desta leitura as identidades regionais, a “força dos
lugares” e dos símbolos identitários do território do Alto-Médio São Francisco.
25
Na quarta e última etapa do estudo fez-se a discussão dos resultados da pesquisa de
campo e uma análise da percepção dos moradores dos municípios pesquisados quanto aos
atributos objeto da presente trabalho.
Os diversos núcleos urbanos visitados, independente da sua posição econômica
atual no conjunto das localidades ribeirinhas, foram selecionados pela importância que tiveram
no passado do vale do São Francisco, quando foram localidades que expressavam, de forma
bastante clara, o ritmo e as condições de ocupação de toda a região ribeirinha do rio.
Ao relacionar a história narrada, as tradições, as festas, as imagens, a memória
coletiva e individual coletadas nas cidades pesquisadas e observando-se o material fotográfico
produzido, cotejados com as entrevistas, foi possível anotar a presença de distintas práticas
culturais que envolveram e ainda envolvem as pessoas e uma complexa relação de mestiçagem
e de diversidade dos indivíduos que ali residem.
1.4 A estrutura do trabalho
Esse estudo está organizado e estruturado em quatro capítulos. O capítulo 1 é tanto
introdutório como teórico-conceitual. Nele é feita uma introdução geral onde são colocados os
objetivos, hipótese e justificativa, o recorte geográfico e as divisões da bacia do Rio São
Francisco. Apresentam-se algumas noções sobre a abordagem geohistórica que serve de base
para a reconstituição histórica feita no capítulo 2 e expõe-se o escopo teórico sobre conceitos e
termos aqui utilizados mediante revisão da literatura.
Algumas questões, conceitos e definições,
relacionando cultura, território, lugar, globalização, identidade e aculturação o fundamentais.
O conceito de território é considerado, a partir da Geografia Cultural, como categoria onde
ocorre a base das relações socioambientais ou o espaço onde se materializam as práticas
sociais.
Os estudos sobre cultura, identidade, modernidade, globalização estão hoje,
profundamente relacionados à ruptura com paradigmas científicos fortemente vinculados à
esfera da racionalidade. O estudo das representações como elemento determinante das ações
humanas trouxe para o centro da discussão questões relativas à esfera das sensibilidades e do
pertencimento identitário, da memória coletiva e do imaginário social. Nessa construção,
procurou-se identificar as imagens pelas quais os protagonistas procuram se fazer visíveis,
esclarecendo as representações que fazem de si mesmos, dos outros e do mundo. Procurou-se
verificar a importância das identidades regionais na atualidade e como a cultura comparece
26
nelas, mas sem a
pretensão de tentar reproduzir exaustivamente a variedade de formulações e
reformulações a que a noção de território, lugar, identidade, cultura, globalização e aculturação,
entre outros, tem sido submetida ao longo do tempo. O interesse, aqui, é bem menor. Estará
restrito à discussão de noções que possam orientar os caminhos que este trabalho se propõe a
trilhar.
No catulo 2 promoveu-se abordagem geoistórica da formação do território do Alto-
Médio São Francisco.
Resgatou-se, de forma breve, a história do processo de consolidação do
território brasileiro e mineiro, através de revisão bibliográfica, desde a chegada do português,
até os dias de hoje. Para isso foi feita uma retrospectiva que se inicia com a interiorização da
expansão economica portuguesa no territorio brasileiro, a partir de meados do século XVI. Fez-
se uma breve e sucinta contextualização do processo de consolidação do território brasileiro,
em suas diferentes dinâmicas de ocupação a partir das quais desenvolveram-se, desde então,
distintas realidades sócioespaciais. Posteriormente, uma retrospectiva geohistórica da formação
e ocupação dos territórios do Alto-Médio São Francisco a partir de meados do século XVII e
finalmente uma breve descrição da formação do território das minas gerais” e sua articulação
com a expansão econômica do Alto-Médio São Francisco. Ainda nesse capítulo são
apresentados alguns aspectos culturais do Alto-Médio o Francisco assim como: o rio e sua
importância; os marcos históricos da sua história e desenvolvimento; tipos característicos da
navegação fluvial; a pecuária e sua importância para a produção do espaço do território em tela;
os tipos característicos da pecuária e a caracterização geral das populações tradicionais, daquele
território.
O capítulo 3 foi destinado a apresentação das anotações de pesquisa de campo,
algumas reflexões sobre a empiria. Foram apresentados os valores simbólicos importantes,
sejam espaciais ou não, que estão ainda vivos nos municípios do Alto-Médio São Francisco. As
identidades regionais e os valores e significados reconhecidos pela população local, em
especial o patrimônio artístico, arquitetônico e cultural local foram rastreados, a fim de
verificar se essas heranças do passado manifestadas pela paisagem cultural e a força dos lugares
representada pelos símbolos identitários não espaciais, estão sendo consumidos ou dissolvidos
pelo processo de globalização em curso.
Finalmente, no Capítulo 4 são apresentadas as reflexões e conclusões finais sobre o
processo de ocupação territorial, as heranças, aspectos culturais remanecentes, ressurgidos ou
mantidos vivos até os dias de hoje, a despeito da forças de dissolução e diluição atuantes em
diversos subespaços da bacia sanfranciscana.
27
1.5 Aportes conceituais, fundamentos teóricos e abordagens adotadas
1.5.1 A perspectiva geohistórica
Por que uma geohistória? A palavra tem lá seu histórico. Sua idade. No século XIX,
os geólogos a usaram para falar da história da terra. Mas o termo era tão impreciso quanto a
expressão “história natural”. Pois essas histórias” expurgavam os homens e as mulheres. A
Geohistória foi reivindicada nada mais, nada menos do que por Fernand Braudel em sua tese La
Mediterrannée (1949). Segundo ele a geohistória articula as várias temporalidades que
coexistem e se determinam reciprocamente no espaço. Num espaço que não é uma coisa, mas
um conjunto de relações cuja manifestação fenomênica é a territorialidade concreta, o meio
geográfico que é também humanizado e produzido. A História não articula esses tempos sem
considerar o espaço.
A geo-história, para Braudel, é a história que o meio impõe aos homens por suas
constantes ou leves variações, sendo que muitas modificações são despercebidas ou
negligenciadas na frágil e curta medida do homem. A geo-história é a história do homem na
apreensão do seu espaço, lutando contra ele ao longo de sua dura vida de penas e esforços,
conseguindo encê-lo, mais ainda suportá-lo, à custa de trabalhos a serem sempre renovados. A
geo-história é o estudo de um duplo vínculo, da natureza ao homem e do homem à natureza, o
estudo de uma ação e de uma reação, misturadas, confusas, recomeçando sem cessar na
realidade cotidiana. A qualidade e o volume deste esforço obrigam a inverter a abordagem
habitual do geógrafo.
A investigação Geohistórica permite constatar que cada época histórica particular
prefigura um jogo peculiar de possibilidades humanas e de determinações naturais,
transformando, em certa medida, o espaço em sujeito dos processos históricos da sociedade.
A abordagem geohistórica introduz a geografia como grade de leitura para a
história, e ao trazer o espaço para primeiro plano e não mais tratá-lo como mero teatro de
operações, possibilita o exame diferenciado dos processos de longa duração. Esta história quase
imóvel ganha dinamismos inusitados em ambientes dentro dos quais se instala o homem,
ambientes que se estruturaram por elementos climáticos, geológicos, geomorfológicos,
vegetacionais e biológicos, no lato senso.
28
Segundo Secco (2008, p.5)
(...) se até o século XIX os geólogos utilizavam o termo “geoistória” para
tratar da história da terra, com Fernand Braudel em sua tese La Mediterrannée
(1949), a palavra foi revigorada em uma acepção geográfico-histórica. No
espaço ele situou o ritmo mais lento da história, a longa duração, embora seja
possível encontrar ritmos muito lentos em outras instâncias, como as da
mentalidades, da economia e da política.
No passado, o termo era tão impreciso quanto a expressão “história natural”, que
ignorava homens e mulheres. Mais tarde, Braudel retirou o termo geoistória” da segunda
edição de sua obra máxima (Braudel: 2002, p.124).
A geohistória surgia para opor-se à geopolítica, de tantas e indesejáveis
reminiscências alemãs. Braudel (como antes dele Febvre e Bloch) recebia o influxo de Vidal de
La Blache e lançava como imprescindível uma geohistória que posicionava-se ante a
morfologia social de Durkheim e a própria geografia tradicional.
Ao que tudo indica a geohistória foi uma nova forma dinâmica de pensar a história,
tendo sido introduzida pela escola francesa dos “Annales, formada pelos eminentes
historiadores Henri Berr (1863-1954), Marc Bloch (1886-1944), Lucien Febvre (1878-1956) e
Fernand Braudel (1902-1985). A investigação geohistórica
4
permitiria constatar que cada época
histórica particular prefigura um jogo peculiar de possibilidades humanas associadas à
contingências naturais e geográficas, capazes de influir, em certa medida, no espaço social dos
sujeitos dos processos históricos da sociedade. Pires (2008, p. 99).
Da leitura de Rojas (2003), pode-se depreender que a proposta Braudeliana da géo-
história é afinal a exemplificação desta específica síntese entre história e geografia. Ela
combina o ‘raciocínio histórico’ com o ‘raciocínio geográfico’, visando colocar em seu centro a
dialética espaço/tempo que constitui, sem dúvida, uma das coordenadas centrais de qualquer
teoria social.
Para David Penna Aarão Reis, geohistória é nome novo para assunto antigo. O
criador da expressão, Fernando Braudel, ao estudar o Mediterrâneo e o mundo à época de
Felipe II (Paris, Ed. Armand Colin, 1966), combinara Geografia e História, uma tentando
explicar a outra, numa fase histórica em que a bacia do Mediterrâneo fora o grande pano de
fundo da história humana.
4
Peter Burke, prestigioso estudioso da “Escola dos Annales”, observa que a influência desta escola na
historiografia contemporânea representaria “uma revolução”. A geohistória, onde o grande precursor do
método “geohistóricé”, Fernand Braudel, é também um ramo da Geografia Humana, resultante da
combinação de métodos de investigação e metodologias das duas ciências: Geografia e História.
29
É perfeitamente razoável aceitar que geohistória seja o estudo dos fatos históricos
quando neles se procura seu fundamento geográfico, como propõe Delgado de Carvalho
definição que julgamos melhor do que a formulação naturalista de Vicens Vives, quando diz
que geoistória a ciência geográfica das sociedades humanas organizadas sobre o espaço
natural". (Carvalho, 1929),
Em favor de uma abordagem mais socioespacial conviria fazer alusão a Peter
Burque no momento em que enfatiza que a verdadeira matéria de investigação é a história “do
homem em relação ao seu meio”, em uma espécie de geografia histórica, ou, como Braudel
preferia denominar, uma “geo-história”, capaz de demonstrar que as características geográficas
são partes da história, e que tanto a história dos acontecimentos quanto a história das tendências
gerais não podem ser compreendidas sem elas.
Enfim, independente das diversas contribuições teóricas a propósito dos
significados e alcance epistemológico da Geografia Histórica como a de Vidal de La Blache
em sua Géographie Universelle essa perspectiva de trabalho pode ser considerada como um
dos campos mais profícuos da geografia. Talvez porque seja difícil pensar em fazer geografia
ignorando as histórias dos territorios, os processos relacionais envolvendo espaço e sociedade
como nos diz Capel (2006). Não se trata de uma questão periférica, mas de um abordagem
central na geografía.
“La geografía histórica tiene que ver con los cambios geográficos a través del
tiempo, con las transformaciones en los territorios, con el análisis de los
factores que los han producido. (...) El cambio no tiene siempre el mismo
ritmo: unos elementos pueden transformarse más deprisa que otros. Y algunas
formas del pasado pueden permanecer todavía hoy, en un presente en donde
otros muchos elementos se han modificado, tanto materiales como
inmateriales. El pasado, que es en cada momento una construcción, como nos
mostró David Lowenthal, no es siempre un país extraño: puede estar presente
en el espacio de una u otra forma. El pasado deja, en efecto, restos diversos,
permanece en este momento a través de ellos, y tenemos que dialogar con él,
tomar actitudes respecto al mismo. Capel (2006, p. 99).
30
1.5.2 Revisão da literatura
1.5.2.1 Conceito de cultura
A partir das interseções entre cultura, território, lugar, identidade, globalização e
aculturação, pode-se explorar a produção teórica relativa a processos atuais que problematizam
as noções de cultura, identidade, globalização e aculturação, comunidade local, populações
tradicionais, entre outras demarcações e fronteiras históricas, geográficas, culturais, simbólicas,
que em última análise definem as paisagens de um território, de um lugar.
A abordagem do território, sob o aspecto de sua apropriação cultural, tem sido um
objeto pouco explorado na geografia. A produção acadêmica da geografia brasileira, segundo a
análise de Abreu (1994), demonstra que essa não foi uma das preocupações dos geógrafos
brasileiros até o início dos anos noventa.
As interpretações culturais da geografia, segundo Sauer (1996), em sua maioria,
estiveram, durante muito tempo, vinculadas aos gêneros de vida e às paisagens, dando ênfase às
técnicas que os homens utilizavam para dominar o meio, concebendo as paisagens como
produto desta relação.
Desta forma, a Geografia Cultural ficou atrelada àquilo que era "legível" na
superfície da terra, ou à materialidade da paisagem, como declara Sauer (1996) apud Silva,
(2000).
O conceito de território foi inicialmente tratado nas ciências naturais, onde se
estabeleceu a relação entre o domínio de espécies animais ou vegetais com uma determinada
área sica. Posteriormente, foi incorporado pela geografia, quando relaciona-se espaço,
recursos naturais, sociedade e poder. Em seguida, diversas outras disciplinas passaram a
incorporá-lo no debate, entre elas a sociologia, a antropologia, a economia e a ciência política,
entre outras.
Para Milton Santos (2002) o território, sob a ótica da globalização, deve ser
interpretado como
(...) o conjunto de sistemas naturais mais os acréscimos históricos materiais
impostos pelo homem. Ele seria formado pelo conjunto indissociável do
substrato físico, natural ou artificial, e mais o seu uso, ou em outras palavras, a
base técnica e mais as práticas sociais, isto é, uma combinação de técnica e de
31
política. Os acréscimos são destinados a permitir, em cada época, uma nova
modernização, que é sempre seletiva. (Santos, 2002, p.87)
Também importante é o significado conceitual de territorialidades a que se atribui
às relações entre um individuo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas
várias escalas geográficas, ou seja, uma localidade, expressa um sentimento de pertencimento e
um modo de agir no âmbito de um dado espaço pessoal, que em muitos contextos culturais é
considerado um espaço inviolável e um meio de regular as interações sociais e reforçar a
identidade do grupo ou comunidade.
Marconi (2001) assevera que,
(...) as áreas culturais ou contextos culturais são territórios geográficos onde as
culturas se assemelham. Os traços e complexos culturais mais significativos
estão difundidos, resultando um modo peculiar e característico de seus grupos
constituintes. A área cultural refere-se a um território relativamente pequeno
em relação ao da sociedade global, no qual os indivíduos compartilham os
mesmos padrões de comportamento. A área cultural nem sempre corresponde
às divisões geográficas, administrativas ou políticas. O conceito, que em
princípio referia-se mais à cultura material do que a outros aspectos, tomou-se,
com o passar do tempo, em face das pesquisas realizadas, mais abrangentes. O
estudo das áreas é importante para o conhecimento de povos ágrafos ou para
análise histórica das tribos antigas, a fim de descobrir a origem e difusão de
traços culturais. (Marconi, 2001, p.09).
Os estudos sobre cultura, identidade, globalização e aculturação, de acordo com
Giddens (1991), estão hoje, profundamente relacionados à ruptura hodierna com paradigmas
científicos estritamente vinculados à esfera da racionalidade. O estudo das representações como
elemento determinante das ações humanas trouxeram para o centro da discussão questões
relativas à esfera das sensibilidades e do pertencimento identitário, da memória coletiva e do
imaginário social que alargaram, interdisciplinarmente, o campo de estudos da cultura e das
ciências humanas.
Para Giddens (1991), deve-se buscar compreender como a construção dessa
memória se torna configuradora de identidades, criando sentidos de pertencimento entre seus
membros, identificando processos de homogeneização cultural e de inclusão social,
registrando, também, os processos de exclusão ocorridos nos momentos em que os diversos
grupos da sociedade disputam entre si a hegemonia social e o lugar de quem escreve a História.
32
Por sua vez (Nora, 1993)
(...) a memória é vida, sempre guardada pelos grupos vivos e em seu nome, ela
está em evolução permanente, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todas as utilizações e manipulações, suscetível de longas latências e súbitas
revitalizações. A história é reconstrução sempre problemática e incompleta
daquilo que já não é mais. A memória é um fenômeno sempre atual, uma
ligação do vivido com o eterno presente; a história é uma representação do
passado. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e
no objeto. A memória é um absoluto, a história não conhece mais do que o
relativo. A memória é sempre suspeita à história, donde sua verdadeira missão
é a de destruí-la e rechaçá-la. (Nora, 1993, p. 9)
Como declara Sauer (1996) apud Silva (2000):
(...) o homem, por si mesmo, é objeto indireto da investigação geográfica,
confere expressão física à área com suas moradias, seu lugar de trabalho,
mercados, campos e vias de comunicação. A geografia cultural se interessa,
portanto, pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e
imprimem uma expressão característica. (Silva, 2000, p.02)
É oportuno chamar a atenção para o fato de que na
presente discussão d
as categorias
centrais de análise, fez-se a opção pela utilização de significados conceituais desenvolvidos no
campo da antropologia e da geografia cultural, que foi escolhida como adequada para a
apreensão dos lugares e de sua gente, de suas experiências, dos sentidos que dão aos seus
espaços vividos, soma com a teoria da complexidade para compor o arcabouço teórico.
Não existe um consenso, na antropologia moderna, sobre o conceito de cultura.
São muitos os olhares epistêmicos. Marconi (2001), por exemplo, diz que a cultura, para os
antropólogos em geral, constitui-se no conceito básico e central de sua ciência. O termo cultura
(colere, cultivar ou instruir; cultus, cultivo, instrução) não se restringe ao campo da
antropologia. Várias áreas do saber humano - agronomia, biologia, artes, literatura, história etc.
- valem-se dele, embora seja outra a conotação.
A cultura, segundo Marconi (2001),
(...) pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários enfoques: idéias
(conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição); valores (ideologia
e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e respeito ao
próximo); padrões de conduta (monogamia, tabu); abstração do
comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas
33
econômicos); técnicas (artes e habilidades); e artefatos (machado de pedra,
telefone). (Marconi, 2001, p.02)
Muitas vezes, de acordo com autora, a palavra cultura é empregada, para indicar o
desenvolvimento do indivíduo por meio da educação, da instrução. Nesse caso, uma pessoa
‘‘culta” seria aquela que adquiriu domínio no campo intelectual ou artístico. Seria inculta” a
que não obteve instrução. Assim, para os antropólogos, a cultura tem significado amplo:
engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos, em
sociedade.
Como esclarece Marconi (2001) a noção de cultura é o cerne de uma antropologia
que separava o determinismo biológico racial das manifestações de comportamento aprendidas
pelos indivíduos de uma sociedade após o nascimento. Estes aspectos eram considerados então
como de ordem ambiental no debate das relações entre raça e cultura. Cultura são
conhecimentos; crenças; artes; moral; leis; costume e quaisquer outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem como membro da sociedade.
Por seu lado, Monteiro (1997) apresenta uma síntese dos fundamentos das correntes
da antropologia, no trato da questão. Segundo a autora o ponto de partida é a obra de Darwin, A
origem das espécies, publicada em 1859, a partir da qual vários ramos do conhecimento
passaram a adotar uma perspectiva evolucionista: a lingüística, a pedagogia, a sociologia, a
filosofia, a política. Promove-se uma sistematização do conhecimento acumulado sobre os
povos primitivos. Ali há o predomínio do trabalho de gabinete. Nesse contexto, surge a
Antropologia, que teve o evolucionismo como princípio orientador. Dividindo a evolução em
estágios, os etnólogos abandonaram o uso convencional do tempo e utilizaram-se de etapas
construídas logicamente para referenciar o homem. O estudo das sociedades primitivas era feito
tendo por base documentos escritos, onde havia o relato dos costumes, mitos, objetos utilizados
pelos selvagens, etc. Através da utilização do método comparativo, os antropólogos analisaram
essas sociedades, guiados pela idéia de progresso.
Esse método recebeu vários ataques. Uma das críticas dizia respeito ao fato de os
elementos culturais serem analisados fora do seu contexto: a partir de uma parcela mínima da
cultura inferia-se sobre a totalidade. Isso permitiu o abandono da análise dos dados coletados
por viajantes e a adoção da pesquisa de campo como meio de investigação.
Essa perspectiva viabilizaria o surgimento da corrente funcionalista na
Antropologia da qual Malinowiski (1962) foi o precursor que trouxe consigo uma certa dose
de determinismo, ao considerar o processo de colonização como dado, como algo inevitável, no
34
qual os povos estudados eram focalizados em situação, ou seja, seu processo de autoconstrução
era avaliado a partir da contextualização dos fenômenos culturais.
Malinowski procedeu a explicação do todo social a partir da construção de unidades
significativas de análise, que seriam compostas por elementos representativos do todo e, assim,
ulteriormente, encadeadas na análise. A essas unidades ele chamou isolats, e utilizou as
instituições como objeto de análise. Para ele, as necessidades biológicas (primárias),
determinavam a existência de outras necessidades: as necessidades culturais (secundárias).
A cultura segundo Malinowski
5
seria o aparato instrumental que inicialmente
estaria ligado à satisfação das necessidades biológicas, e à medida que houvesse o
desenvolvimento, o crescimento da população e a diferenciação estrutural, ela passaria a
constituir-se num meio próprio. Os padrões culturais determinariam o surgimento do estatuto,
que é o liame entre as intuições.
Outro importante autor, Radcliffe-Brown, também funcionalista, propunha a
combinação das tarefas de pesquisa de campo e de gabinete. Ele apontava a necessidade de
estudos comparativos sistemáticos para que a Antropologia não se tornasse mera etnografia. O
método indutivo, proposto também por ele, possibilitaria o estabelecimento de regularidades e
leis gerais. Ele enfatiza o aspecto funcional de costumes como o rapto da noiva, hostilidade
inter-grupal, entre outros, baseando-os na idéia de oposição que fundaria sociedades divididas
em metades exogâmicas.
Na corrente funcionalista o conceito a cultura é tratado como algo localizado,
coeso, um dado da tradição dos povos, inteira, imutável. A Cultura enquanto processo
reificado, como processo pelo qual, nas sociedades industriais, o valor (do que quer que seja:
pessoas, relações inter-humanas, objetos, instituições) vem apresentar-se à consciência dos
homens como valor econômico, valor de troca, e com contornos bem definidos, onde se
descreve a totalidade da cultura local, que vai da família, a religião, a economia, ou seja: a
cultura como tudo, que é um conceito inicialmente desenvolvido por Taylor (1993), no século
5
Malinowiski, também considerado o “pai do trabalho de campo”, o método privilegiado de estudos
etnológicos, enfatizava que os estudiosos deveriam descrever todos os aspectos vinculados numa dada
sociedade ao complexo, por exemplo, da função alimentar: técnicas agrícolas; formas de distribuição
dos alimentos entre grupos e indivíduos; instituições de trocas (comércio ou circulação de bens); etc.
Malinowiski via a sociedade através de uma metáfora anatômica em que na morfologia das sociedades,
as instituições cumpriam as mesmas funções que os órgãos e sistemas do corpo humano. A metáfora
mecânica de estrutura e funcionamento também influenciou as teorias sobre as sociedades humanas,
como no funcionalismo, em que, porém, a metáfora fisiológica predominava. A noção de sistema
dinâmico é parte desta influência.
35
XIX, que envolve o modo de ver, fazer, e que segundo Marconi (2001) define cultura como
algo que engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem e vai predominar no
campo da antropologia durante várias décadas“ diferentemente do Marxismo, em que a cultura
corresponde a algo distinto, ou seja, a economia encontrar-se-ia de um lado e a cultura de outro
lado, sendo a economia a base e a cultura a superestrutura (onde estariam a religião, os valores,
os costumes, as crenças e o modo de vida)”. (Marconi, 2001, p.01)
Nesse sentido tudo faz parte da cultura, do modo de vida, da identidade, da
memória. Porém, nada disso é estático, nada disso é estanque, quando se tem a perpetuação de
uma dada tradição, esses elementos se reproduzem, e dão continuidade no tempo, porém, esses
elementos não se reproduzem ipsis litteris, tal qual.
MIGNOLO (2004) que nos faz entender o conceito funcionalista, vê a cultura como
um todo, integrado, homogêneo, que faz sentido, que tem um contorno fixo, definido, de forma
que pode-se dizer o que está dentro ou o que está fora de uma outra cultura. Fala-se da cultura,
como se ela reunisse os contornos de todos os bitos, costumes, crenças, de uma totalidade
coerente, coesa, integrada, fechada. Desde ai muitos outros conceitos e processos, estudos,
derivaram dessa concepção entre eles as teorias difusionistas, as evolucionistas, aquelas que
falavam que toda cultura tem um núcleo duro e onde uma cultura mais forte vai difundindo
seus elementos, digamos assim, para outras culturas.
Na seqüência, entretanto o mesmo autor afirma que, esse conceito carece de uma
perspectiva processual, pois trata a cultura como algo não dinâmico, a-histórica, estática, que
não se transforma. Ou seja, algo congelado, fixo, assim como a visão que deu origem ao
folclore, aos folcloristas, por exemplo, onde se encontram elementos tradicionais”, aspectos
que não mudam. Traços de uma essência, de uma pureza, de um povo, como o folclore e outras
manifestações culturais populares (Mignolo, 2004).
Essa concepção dominou as ciências sociais, de uma forma geral, ameados do
século XX muito fortemente, dentro de uma perspectiva realista, no campo da sociologia, e na
vertente funcionalista. Ele difundia a idéia de que existe um núcleo duro onde a cultura de um
povo é algo que se mantém repassado de geração pra geração.
São múltiplos os olhares epistêmicos, segundo Gupta e Ferguson (1992), sobre
cultura. Porém, afirmam que para se compreender a cultura, a mudança cultural, e as suas
transformações, deve-se entendê-las como situadas em espaços interligados que desde sempre
existiram. Deve-se trazer para o primeiro plano da análise a distribuição espacial de relações
hierárquicas de poder. Uma comunidade está ligada a um espaço físico e vice-versa. Há
necessidade de se romper com certas categorias que foram desenvolvidas tendo em vista um
36
isomorfismo entre espaço, cultura e lugar. A cultura não pode ser vista como fenômeno distinto
que se assemelha a objetos que ocupam espaços distintos.
Como asseveram Gupta e Ferguson (1992), a cultura está sempre em
transformação. É dinâmica, é construída, tem historicidade. É relacional e aberta. A cultura é o
resultado de transformações, pois o resultados de contextos e relações sociais existentes em
algum lugar ou tempo. As identidades culturais são processuais. Podem existir diferentes
culturas no interior de uma localidade, os chamados culturalismos.
Desta forma, Gupta e Ferguson (1992) enfatizam a necessidade de ser romper com
o conceito em que o termo cultura é tratado como uma noção essencializada, na qual se admite
a existência de um mundo pré-dado, pré-existente, onde povos e culturas são separados e
distintos. Ou seja, um conceito onde a cultura é vista de forma estática, a-histórica, o
relacional, não processual, adequado ao período fortemente influenciado pelo domínio
intelectual e político da igreja católica.
Como esclarece MIGNOLO (2004) esse conceito antigo de cultura foi sendo
abandonado concomitantemente ao surgimento e difusão da revolução científica iniciada em
torno do século XVI e XVII com o surgimento de vários pensadores e novas questões. Para o
autor, essa discussão desemboca na criação da antropologia como disciplina, a partir do século
XIX, um campo especifico, porém não isolado, que reflete também um debate mais amplo,
visões mais amplas das humanidades e da filosofia.
À luz de Hobsbaw et. al (1984), pode-se dizer que são inevitáveis as adaptações,
porque de outra forma, esses elementos acabariam virando folclore, peças de museus, ou seja:
como se cultura fosse encontrada no museu, fosse um artefato de museu. Entretanto, nem os
museus trabalham mais com essa abordagem, eles procuram hoje em dia, dar o caráter
histórico, processual de elemento vivo da história e não como peça morta, que corresponde a
um tempo do passado.
Segundo a ótica do autor, o conceito menos reacionário confronta-se com a idéia de
frigorificação, de congelamento, que se atribui muitas vezes aos aspectos culturais. Isso quer
dizer que ao mesmo tempo em que a cultura se mantém, ela muda. É dialético o processo.
Elementos vão sendo criados, gerados e mantidos, e ao serem mantidos, podem ser
modificados, adaptados a novas situações, com novos elementos e novas roupagens (Hobsbaw
et. al, 1984).
No final do culo XX houve muita contestação à tese funcionalista na medida em
que se admitia que a cultura é algo que não está atrelado a um território. Ela é uma construção
37
que tem a ver com as situações vividas pela comunidade. Ela é dinâmica. Pode ser hibrida,
variar, pode ser multiplicada e variar de acordo com os sujeitos envolvidos.
Hoje muitos autores adotam um conceito de cultura mais amplo, que envolve
inclusive a base material, como discutido na antropologia, por Sahlins (2003) que vai
considerar o fato de que o existe essa divisão rígida, nem esse determinismo, porque cultura
é também um modo de produção, é um modo de fazer, de se relacionar com a natureza. Para
Sahlins (2003,) cultura “envolve umas habilidades da existência, o é simbólico, o afetivo,
o emocional, o sensível, mas tem a ver também com o modo de produção material da
existência. O modo de vida, no sentido mais amplo”.
Alguns geógrafos como Claval (1999, 2002), Sauer (1996), Cosgrove (1998 e
2003) e Rose (2001) também deram suas contribuições à determinação de um significado
conceitual de cultura.
Para Claval (1999),
(...) a cultura não aparece mais como uma realidade monolítica; cada um
recebe uma cópia diferente, que modifica no decorrer de sua existência
segundo o autor. Sua compreensão de cultura também está relacionada com o
processo contínuo da criação, em que os papéis sociais são aprendidos ao
longo da vida e modificados através da experiência, admitindo que a cultura
seja um sistema aberto e mutável, a soma dos comportamentos, dos saberes,
das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos
durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem
parte. (Claval, 1999, p.51)
Como explica Claval (2001), existem diferentes concepções de cultura. Uma
concepção estabelece que o termo cultura seja um conjunto de práticas de conhecimentos e de
valores que cada um recebe e adapta a situações evolutivas.
Segundo Silva (2000)
(...) a cultura aparece ao mesmo tempo como uma realidade individual
(resultante da experiência de cada pessoa) e social (resultante de processos de
comunicação). Não é uma realidade homogênea. Ela compõe muitas
variações. Outra concepção apresenta o termo cultura como um conjunto de
princípios, regras, normas e valores que deveriam determinar as escolhas dos
indivíduos e orientar a ação. Essa concepção a define como imutável. Essa
concepção é útil para compreender a componente normativa dos
comportamentos, mas as regras são interpretadas tanto para justificar escolhas
diversas como para motivá-las. E, por último, uma terceira concepção,
apresenta a cultura como um conjunto de atitudes e de costumes que dão ao
38
grupo social a sua unidade. Essa concepção da cultura tem um papel
importante na construção das identidades coletivas (Silva, 200, p.04)
Sob a ótica de Clavall (1999),
(...) cultura é um conjunto de práticas compartilhadas comuns a um grupo
humano em particular, práticas que foram aprendidas e transmitidas através de
gerações. Essa definição faz pensar que a cultura funciona através das pessoas
para alcançar determinados fins. (Claval, 1999, p.51)
Assim sendo, entendendo cultura como uma construção social que estabelece
mecanismos de controle para determinar a reprodução das relações, ela deve ser
constantemente reconstruída a partir das diferentes experiências dos sujeitos ou grupos.
Portanto, deduz-se que as territorialidades construídas a partir dos espaços vividos estão
permanentemente se modificando, dependendo da perspectiva e do acionamento dos códigos
simbólicos que as caracterizam. A cultura não é algo externo, ou uma estrutura que paira sobre
todos, mas compõe homens em sociedade.
Por outro lado, Cosgrove (1998) argumenta que,
(...) cultura não é algo que funciona através dos seres humanos, pelo contrário,
têm que ser constantemente reproduzida por eles em suas ações, muitas das
quais são ações não-reflexivas, rotineiras da vida cotidiana. A cultura é, ao
mesmo tempo, determinada por e determinante da consciência e das práticas
humanas. A prática desenvolvida pelos indivíduos, ou grupo de indivíduos,
está intimamente relacionada com o exercício do poder, no qual um grupo
impõe aos demais seu modo de vida e através deste domínio reproduz a
cultura e garante sua perpetuação. O espaço é evocado para articular e reforçar
a aceitação e participação no código cultural da classe dominante. (Cosgrove,
1998, p. 101-102)
Por sua vez Rose (2001) vai inferir que o conceito de cultura é também complexo.
Resulta do interesse de cientistas sociais nos modelos em que os diferentes modos de vida
social são construídos a partir das idéias que as pessoas têm sobre si e das práticas que
emergem destas idéias. Segunda a autora, a cultura é a produção e a troca de significados entre
membros de determinados grupos sociais. Estes significados podem se manifestar como
verdade, como fantasia, ciência ou senso comum.
39
Nessa perspectiva, Claval (1999) argumenta que,
(...) a cultura é a soma dos comportamentos, saberes, técnicas, conhecimentos
e valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em uma outra
escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é uma herança
transmitida de uma geração a outra. Não é, portanto, um conjunto fechado e
imutável de técnicas e comportamentos. Os contatos entre povos de diferentes
culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma fonte de
enriquecimento mútuo (Claval, 1999, p.63).
Finalmente, Laraia (2003), vaticina que,
(...) a cultura determina o comportamento do homem e justifica suas
realizações. Nossa herança cultural desenvolvida através de inúmeras
gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao
comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos para a maioria da
comunidade. (Laraia, 2003, p. 67)
Segundo Sodré (1988) ”a multiplicidade das definições acompanha a diversidade
dos interesses institucionais ou disciplinares. Dessa forma, sobre o termo cultura, desenvolvem-
se um amplo arco de interesses que inclui além da sociologia e da antropologia, áreas
classicamente dedicadas à problemática, os estudos de comunicação, a ciência política, a
história”. (Sodré, 1988, p.43)
O importante para se compreender um processo cultural é vê-lo dentro de uma
história. É importante saber identificar que fatores podem determinar transformações culturais,
mudanças culturais. Saber que fatores, ao introduzirem mudanças culturais, respeitam a
identidade, fazem modificações sem destruir o significado cultural, e que fatores, ao interferir
numa cultura, destroem a sua identidade. Essas distinções o necessárias para se fazer política
cultural sem equívocos.
Assim sendo, o presente estudo tomou o significado conceitual de cultura como um
conjunto de idéias, valores e conhecimentos, algo processual, dinâmico, histórico, não estático,
relacional, que se transforma, que sofre influência, que exerce influência, ou seja: elementos
não congelados, fixos, que se referem a determinado modo de vida que está relacionado a um
local, a um espaço, a um território, que está relacionado a uma identidade, a um povo, ou não.
Esse conceito se opõe a idéia de que muitos conhecimentos são herdados de outras gerações e
com o passar do tempo acumularam-se mais conhecimentos, mais cultura. Ao contrário, o
conceito ora adotado pressupõe que não basta que se herde do passado todas essas riquezas.
40
É preciso continuar aprofundando certos veios, pois a cultura essempre em progresso e em
transformação.
Deve-se ressaltar no entanto, que o crescimento da cultura, todavia, não é uniforme;
pode haver épocas de maior ou menor dinamicidade e até de retrocessos. A alteração pode ser
realizada por substituição ou por acumulação, tomando de empréstimo elementos de outra
cultura, conservando-os ou adaptando-os. Quando os elementos componentes de uma cultura se
harmonizam e se completam, tem-se a integração cultural, que aparece em diferentes graus de
interação, levando a uma participação geral. A cultura é padronizada à medida que todos os
membros de uma sociedade agem da mesma maneira.
Em última análise, essa pesquisa, ao tomar-se o significado conceitual de cultura
pressupoe-se que ela é criada, aprendida e acumulada pelos membros dos grupos sociais e
transmitida socialmente de uma geração à outra e continuada em sua forma original ou
modificada. Os indivíduos aprendem a cultura ou os aspectos da cultura no transcurso de suas
vidas, dos grupos em que nascem ou convivem. Dessa maneira, ela é compartilhada por todos.
A cultura é dinâmica e contínua, em virtude de estar constantemente se modificando, em face
dos contatos com outros grupos ou com suas próprias descobertas e invenções, ampliando,
dessa maneira, o acervo cultural de geração em geração. Varia, portanto, no tempo e no espaço,
nas categorias tradicionais de território e lugar.
1.5.2.2 Cultura, lugar e Identidade
Para alguns autores, entre eles Thrift (1996), o espaço está na ordem do dia, em
grande parte devido ao processo de globalização e alguns dos seus corolários, como a
homogeneização social e a fragmentação regional. Nesses termos, ganha grande importância a
discussão sobre o embate do global versus local. Segundo Corrêa (1987), “o enfoque locacional
marcou fortemente a prática na geografia e nas universidades e órgãos públicos, apesar da
existência de outros enfoques, entre os quais o que considera as relações homem/natureza e
outro que se detém no estudo das áreas”.
Como é esclarecido em Santos (1997) o lugar é o ponto do recorte territorial por
cujo intermédio a pluralidade total dos elementos encontra sua síntese. Síntese onde o objeto
ganha significação (deixa de ser coisa, dado da natureza, e vira objeto, dado da história
humana), o lugar reúne-se aos outros lugares e no seu conteúdo e interior definir-se o
41
processo da produção técnica do espaço. A teoria do espaço afirma-se então como uma teoria
do lugar.
Na opinião de Suertegaray (2001) o termo localismo é um outro conceito
operacional em Geografia. Consistiria a expressão do espaço geográfico na escala local; a
dimensão pontual. Por muito tempo, a Geografia tratou o lugar nesta perspectiva e considerou-
o como único e auto- explicável.
Recentemente, o lugar é resgatado na Geografia como conceito fundamental,
passando a ser analisado de forma mais abrangente. Lugar constitui a dimensão da existência
que se manifesta através de um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas,
instituições–cooperação e conflito são a base da vida em comum segundo Santos (Santos,
1997). Trata-se de um conceito que nos remete à reflexão de nossa relação com o mundo. Para
o autor esta relação era local-local agora é local-global.
Santos (1997) afirma, por exemplo, que o conceito de lugar induz a análise
geográfica a uma outra dimensão a da existência, pois refere-se a um tratamento geográfico
do mundo vivido. Deve-se pensar na perspectiva de um mundo vivido, que leve em conta
outras dimensões do espaço geográfico, quais sejam os objetos, as ações, a técnica, o tempo.
É nesta perspectiva que Santos (1997) se refere ao lugar, dizendo que, no lugar,
nosso próximo, superpõe-se dialeticamente ao eixo das sucessões, que transmite os tempos
externos das escalas superiores e o eixo dos tempos internos, que é o eixo das coexistências,
onde tudo se funde, enlaçando definitivamente, as noções e as realidades de espaço e tempo.
Resulta dai sua visão de mundo vivido local–global. Segundo ele, o lugar expressa
relações de ordem objetiva em articulação com relações subjetivas, relações verticais resultado
do poder hegemônico, imbricadas com relações horizontais de coexistência e resistência.
(Santos, 1997).
Com o advento da globalização, surge uma certa consciência de que o mundo se
tornaria uma única localidade, um único lugar. Esse fato torna-se aparente nas imagens do
mundo como uma entidade isolada, proporcionada por fotos do espaço, e pela percepção de sua
fragilidade e vulnerabilidade à destruição. Embora possa ser limitada e contestada, essa
perspectiva poderá assinalar a localização na globalidade, através da consciência finita do
mundo. O lugar seria assim percebido, como uma particularidade oposta à global e estaria
intrinsecamente relacionado a valores criados pelos indivíduos que vivem ou passam,
incorporando rituais, símbolos e práticas sociais que os aproximam de um sentido comum.
42
No entender de Hall (2001),
(...) o lugar é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto de
práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formaram e com as quais
nossas identidades estão estreitamente ligadas: nas sociedades pré-modernas,
o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões
espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas por
uma atividade localizada. (Hall, 2001, P. 67-76)
Como esclarece Santos (1997),
(...) a ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade,
os lugares respondem ao mundo, segundo os diversos modos de sua própria
racionalidade. (Santos, 1997, p. 271-272)
A ordem global segundo Santos (1997) serve-se de uma população esparsa de
objetos, regidos por essa lei única que os constitui em sistemas. A ordem do lugar é associada a
uma população contígua de objetos reunidos pelo território e, como território regido pela
interação entre os mesmos. As experiências comuns, as formas culturais e os elementos
identitários que podem estar associados a um lugar tornam-se imprescindíveis quando da busca
de seu conteúdo valorativo local. Os aspectos simbólicos, onde os indivíduos definem seus
lugares geram imagens que representam, ou não, a realidade, ao mesmo tempo em que se
revelam como signos virtuais produzidos pela eletrônica e pela informática, numa total
divulgação global.
Ao falar sobre o lugar, Salvadori (2000) vai dizer que este desempenha um papel
fundamental na construção da identidade social, uma referência obrigatória para a constituição
de uma visão de si mesmo, do outro e do mundo ao redor. A casa, a moradia, a fábrica, as ruas
e as cidades constituem segundo ele um parâmetro básico não apenas de orientação geográfica,
mas principalmente de localização social. Assim, as vias de uma cidade, o desenho de suas
ruas, seus marcos externos (atributos que podem ser também da natureza), seus limites, bairros,
acessos, são elementos que configuram as formas e os sentidos que ela vai tendo ao longo de
sua existência. Sobre eles, podem existir múltiplas leituras, mas raramente se encontra uma
posição de indiferença. São eles também que podem oferecer caminhos para recordações e
simbolizações que conferem aos seus moradores sentimentos de aconchego ou estranhamento,
proximidade e distância.
No entender de Augé (1994), o local é o lócus inerte que recebe as transformações
provocadas pela globalização. Tem uma identidade, uma historicidade. Lugar é interpenetrável,
43
que incorpora relações sociais. Lócus cheio de significações que trazem seus elementos de
pertencimento. O lugar é relacional, histórico, construído por relações sociais que dão a ele
uma significação. O lugar tem significado simbólico que se estabelece pelas relações
interpessoais. O lugar identidades, significação e é construído. É sujeito da interação e ação. Há
lugares que se renderam às formas modernas de dominação, avanços e transformações
econômicas, mas que resistem às forças do capitalismo global.
Na visão de Massey (1994), a abordagem característica do espaço em geral, os
lugares divididos em suas próprias autenticidades internamente geradas, definidas pelas suas
diferenças em relação a outros lugares localizados externamente, além de suas fronteiras.
Segundo a autora deve-se romper com essa concepção de lugar reacionária.
Segundo ela essa concepção compreende que, lugar é físico, estático, imutável. Ou seja,
estagnado, sem dinamismo, ao contrário do modo progressista. Nele se estabelece uma relação
de estagnação cultural, tendo em vista resquícios de algo do passado. Herança do passado,
encurralado, pretérito. Não valorizam sua cultura, suas tradições que se referem a uma
localização específica. o tem interação com o mundo. Causam a impressão de serem
desconhecidos pelo meio externo a ele, pelo moderno, sem articulação com o mundo exterior,
sem estabelecer redes de relacionamento (Massey, 1994,).
Diferentemente, conforme afirma Massey (1994), o lugar, ao contrário, o sempre
fabricações processuais. Têm interação com outros locais. Sempre existe interação. Existem
processos e relações sociais que reproduzem relações sociais de lugar ou de outro lugar. Existe
uma crescente incerteza sobre o que se quer dizer com os lugares e como se relacionam com
eles. O lugar independe de demarcação territorial para construir uma narrativa sobre sua
identidade. A experiência do lugar está sujeita a gênero, raça, etc. Não nos remete a um todo. É
equivoco. Os lugares o cheios de características distintas. Regras e relações distintas. Não é
algo homogêneo, sem hierarquia, simétrico. É uma armadilha achar que o lugar tem apenas um
sentido. Não tem identidade única. Ele tem processos e contradições e relações assimétricas de
poder.
Nessa mesma esteira Gupta e Ferguson (1992) vão esclarecer que os lugares são
sempre imaginados no contexto de determinações políticas e econômicas que têm lógica
própria. A territorialidade é reinscrita no ponto exato em que está ameaçada de ser apagada. Ou
seja, a distribuição espacial de povos, tribos e culturas é feita sobre o espaço que se torna uma
grade neutra sobre a qual a diferença cultural, a memória histórica, a organização social e a
identidade são inscritas.
44
De outro lado, de se ressaltar a relevância dos estudos feitos sobre a questão da
identidade. Pode-se dizer que esse tema está sendo extensamente discutido na teoria social. Em
essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo
moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada crise de identidade é
vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e
processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos
indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
Ao manifestar-se sobre o tema Castells (1999) vai afirmar que,
(...) identidade é o processo de construção de significado com base em um
atributo cultural ou um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, que
prevalece(m) sobre outras fontes de significados. A construção de identidades
vale-se da matéria prima fornecida pela História, Geografia, Biologia,
instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias
pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém,
todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e
sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e
projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão
de tempo e espaço. (Castells, 1999, p.22)
Indo além, HALL (2001) vai esclarecer que,
(...) a identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (...) O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas. (Hall, 2001, p.07-22)
Ao tratar as chamadas identidades territoriais relação dos indivíduos e grupos
sociais com uma parcela do espaço, um território ─ em tempos de extrema mobilidade,
acentuada pelo processo de globalização, Haesbaert (1999) afirma que “toda identidade
territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja,
dentro de uma relação de apropriação que se tanto no campo das idéias quanto no da
realidade concreta”. (Haesbaert, 1999, p.172)
O autor trata a identidade territorial primordialmente como identidade social, sem,
contudo, ignorar a indissociabilidade das dimensões individual, mais subjetiva, e social, mais
objetiva, na construção das identidades. Mesmo que a maioria dos autores restrinja a existência
45
da identidade ao campo das representações, ressalta a base material, neste caso a territorial, que
serve de referência para a construção de muitas identidades.
Mais enfático, Claval (1999) afirma que “os problemas do território e a questão da
identidade são indissoluvelmente ligados e que as categorias território e identidade são
produtos da cultura”. (Claval, 1999, p.15)
Como explica Haesbaert (1999),
(...) a identidade territorial recorre a uma dimensão histórica do imaginário
social, de modo que o espaço que serve de referência condense a memória do
grupo. A (re)construção imaginária da identidade envolve, portanto uma
escolha, entre múltiplos eventos e lugares do passado, daqueles capazes de
fazer sentido na atualidade. A construção da comunidade imaginada de
qualquer nação ou região faz com que o indivíduo aja como próprio daquele
lugar, porque se sente pertencente a esse recorte territorial (nacional, regional
ou local), juntamente com seus bens culturais. (Haesbaert, 1999, p. 175)
Nesse sentido para Haesbaert (1999),
(...) os bens culturais podem determinar o valor que é dado para este ou aquele
conceito, mas é com o acesso às informações que deram origem a tais valores
que o homem constrói seu próprio juízo de valor. A identidade cultural vai se
formando na assimilação entre o passado e o presente, o histórico e o
moderno. Cada nova descoberta é um dado a ser compreendido e assimilado
pela comunidade, onde acontecerá o processo de modificação e por fim a
absorção ou rejeição parcial ou total desse novo item. A informação é,
portanto, a peça fundamental para o conhecimento. Quando a discussão
dialética entre o sabido e o ignorando se processa, ela possibilita uma nova
visão em relação ao que se conhecia como verdade dada. Sendo a cultura o
registro de um povo, ela se encontra em um processo contínuo de
transformação, e, nesse sentido, a formação da identidade cultural de um
indivíduo se dá durante toda a sua existência. (Haesbaert, 1999, p. 176-179)
Ao manifestar-se Castells (1999), vai sugerir que,
(...) entende-se por identidade cultural a fonte de significado e experiência de
um povo. O mundo cultural é construído através das vivências de uma
comunidade; ao surgir novos contextos, surgem também novas informações
com as quais a comunidade tem de lidar. Entender seus valores, perceber até
que ponto são realmente importantes, significa a procura do homem por sua
própria identidade, que, embora mesclada pelas diversas informações do
ambiente cultural, precisam ser submetidas à sua avaliação crítica. (Castells,
1999, p.23-24)
Segundo Castells (1999) O vel de identificação de um sujeito com a cultura em
que ele está inserido varia de acordo com suas experiências pessoais, no contato com essa
46
cultura. Tais experiências diferenciam cada indivíduo, permitindo uma seleção pessoal dos
valores gerais de sua comunidade. O legado cultural é parte determinante no modo de proceder
do homem, é uma influência da qual o indivíduo não tem consciência, mas passa a tê-la quando
começa a analisá-la com base no acesso a novas informações. A identidade cultural é um
elemento múltiplo presente na memória cultural do individuo, onde os diversos papéis sociais
designam qual dele o sujeito deve assumir nessa ou naquela situação.
Nessa perspectiva, a autor esclarece que a identidade cultural como item formado a
partir de significados e juízos de valor não está isenta da mobilidade dos costumes e nem tão
pouco das influências dos fatores que vão surgindo. Essa mudança interage com o indivíduo e
conduz a uma constante reavaliação do que ele tem como conceito de mundo. Faz-se necessário
compreender a identidade cultural como elemento complexo e em constante metamorfose, e
sua manifestação varia de acordo com as situações com que o sujeito se depara. Os vários
papéis sociais que o indivíduo ocupa exigem dele uma flexibilidade em seus juízos de valor,
cada contexto compreende uma face do mundo cultural do indivíduo.
No entendimento de Castells (1999),
(...) não se tem conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou
culturas em que uma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não
sejam estabelecida. No que diz respeito a atores sociais, entendo por
identidade o processo de construção de significado com base em um atributo
cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s)
qual (is) prevalece(m) sobre outras fontes de significados. As pessoas se
socializam e interagem em seu ambiente local, seja ele a vila, a cidade, o
subúrbio, formando redes sociais entre seus vizinhos. Por outro lado
identidades locais entram em intersecção com outras fontes de significado e
reconhecimento social, promovendo um padrão de diversificação notável.
(Castells, 1999, p. 25)
Nesse sentido para Hall (2001),
(...) é importante deixar claro, que nenhuma identidade constitui por si só, uma
essência, mas sim, gera elementos potencializadores aos indivíduos que a
incorporam, quando ampliada em suas bases de resistências às identidades de
projetos, que poderão transformar e desenvolver suas vidas. Essencialmente,
os atores compõem no interior de seus espaços internos e externos, valores e
traços de uma unidade, de vínculos de pertencimento. O pertencimento
cultural é algo que, em sua própria especificidade, todos partilham. É uma
particularidade universal ou uma universalidade concreta. (Hall, 2001, p.10)
47
Como esclarece Castells (1999),
(...) são esses traços que levam a refletir acerca do papel dessas identidades
nas relações de poder, ou seja, junto a esta tendência que desloca os indivíduos
ao interior de suas localidades e ao reposicionamento de suas identidades
locais, como forma de lidarem com suas forças e conflitos internos,
estabelecendo projetos de superação dos efeitos das desigualdades econômicas
e sociais. Sujeitos, se e quando construídos, não mais formados com base em
sociedades civis que estão em processo de desintegração, mas sim como um
prolongamento da resistência comunal. As pessoas resistem ao processo de
individualização e atomização, tendendo a agrupar-se em organizações
comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de pertença e, em
última análise, em muitos casos, uma identidade cultural comunal, uma
tradição. (Castells, 1999, p.23)
A tradição, à luz de Hall (2004) busca compor, a partir de sua estrutura narrativa,
uma relação entre o passado, a comunidade e a identidade, que passa a definir dentro de suas
particularidades, um horizonte mais universal. Mudanças em uma problemática transformam
significativamente a natureza das questões propostas, as formas como são propostas e a
maneira como podem ser adequadamente respondidas.
O tradicionalismo, segundo Castells (1999) tem sido freqüentemente mal
interpretado como produto de um impulso meramente conservador, retrógrado e anacrônico, o
que é justamente o contrário, quando identificamos o seu ponto de vista transformador. Quando
o mundo se torna grande demais para ser controlado, os atores sociais passam a ter como
objetivo fazê-lo retornar ao tamanho compatível com que o podem conceber. Quando as redes
dissolvem o tempo e o espaço, as pessoas se agarram a espaços físicos, recorrendo à sua
memória histórica.
Dessa forma, segundo Hall (2001),
(...) as identidades reconstroem-se sob novos códigos culturais, a partir da
matéria-prima fornecida pela história. A tradição ocupa um lugar de
reorganização de práticas, para que estas ganhem um novo significado as
identidades culturais ─, para que estas sejam capazes de se manter e de
negociar dentro da cultural global de mercado. A tradição é um elemento vital
da cultura, mas ela tem pouco a ver com a mera persistência das velhas
formas. Está muito mais relacionada às formas de associação e articulação dos
elementos. (Hall, 2001, p.14)
Como explica Escobar (2005), existe uma luta constante entre essas comunidades
que constroem identidades, que resistem com suas historicidades, pensamento e atores, em
48
oposição às forças da globalização. o embates políticos que estão em jogo, que vão
construindo, destruindo identidades focadas no lugar ou criando o lugares. A resistência
pode dar-se no local. É preciso pensar localmente para pensar globalmente.
por sua vez, ao comentar o conceito de identidade, Cunha (1985) vai afirmar que
a identidade não é algo fixo, situado, que perdura para sempre. Implica relações sociais. Não é
algo mutável. É algo constantemente recriado. Não são mais essencializados. O que vale
segundo a autora, é a tomada de consciência das diferenças e o as diferenças para que se
construam as identidades. Elementos do passado, sinais, artefatos diacríticos são recriados em
outras situações, em outros contextos de acordo com o interesse. Não são constantes, não estão
presos à idéia de uma historia realmente presente em uma cultura anteposta. É uma construção
processual e situacional, derivada de relações sociais, considerando todos os elementos
envolvidos.
1.5.2.3 Cultura, território, globalização, aculturação, heranças culturais e o bem não
econômico
Segundo Hannerz (1997) o é possível estabelecer limites culturais em um mundo
cada vez mais conectado e interdependente. Para este autor, as fronteiras são espaços nos quais
gradualmente uma coisa se transforma em outra”. Se o mundo está cada vez mais conectado
por fluxos e contra-fluxos, tudo são fronteiras, pois a cultura e a identidade estão
constantemente se transformando, se produzindo e reproduzindo. Desta maneira o sujeito, as
culturas e as identidades pós-modernas, apesar de não estarem se homogeneizando, podem ser
sempre associadas ao conceito de hibridez, pois estão em constante processo de formação,
influenciados por características locais e fluxos globais.
No entender de Hall (2001),
(...) o que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais,
agora, no fim do século XX é um complexo de processos e forças de mudança,
que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo "globalização". O
Autor argumenta que a "globalização" se refere àqueles processos, atuantes
numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e
conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-
tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais
interconectado. (Hall, 2001, p.67)
49
Na literatura consultada predomina a argumentação de que o efeito geral do
processo de globalização tem sido o de enfraquecer formas nacionais de identidade cultural. Ali
identifica-se a argumentação de um afrouxamento de fortes identificações com a cultura
nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais, acima e abaixo do nível do
estado-nação. As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a
coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias
têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do vel da cultura nacional, as
identificações "globais" começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades
nacionais.
Trata-se do fenômeno da aculturação, ou seja, quando duas culturas distintas ou
parecidas são absorvidas uma pela outra formando uma nova cultura diferente. Além disso,
pode ser também a absorção de uma cultura pela outra, onde essa nova cultura terá aspectos da
cultura inicial e da cultura absorvida. Com a crescente globalização a aculturação vem se
tornando um dos aspectos fundamentais na sociedade. Pela proximidade dos lugares e a rapidez
de comunicação entre os diferentes países do globo várias culturas estão a perder a sua
identificação social aderindo em parte a culturas mais influentes.
Aculturação segundo Hoebel e Frost (1981),
(...) é a fusão de duas culturas diferentes que, entrando em contato contínuo,
originam mudanças nos padrões da cultura de ambos os grupos. Pode abranger
numerosos traços culturais, apesar de, na troca recíproca entre as duas
culturas, um grupo dar mais e receber menos. Dos contatos íntimos e
contínuos entre culturas e sociedades diferentes resulta um intercâmbio de
elementos culturais. Com o passar do tempo, essas culturas fundem-se para
formar uma sociedade e uma cultura nova. O exemplo mais comum relaciona-
se com as grandes conquistas”. “No processo de aculturação, a mudança surge
como um desvio das normas consuetudinárias existentes. O desvio é realizado
de formas diferenciadas, ou seja, com “entusiasmo, desprezo, totalmente
desaprovado, sancionado levemente ou lentamente ou totalmente rejeitado.
(Hoebel e Frost, 1981, p. 20)
Hoebel e Frost (1981) confirmam que,
(...) aculturação consiste, pois, em uma forma especial de mudança. A
sociedade que sofre o processo de aculturação modifica a sua cultura,
ajustando ou conformando seus padrões culturais aos daquela que a domina.
Entretanto, embora sofra grandes alterações no seu modo de vida, conserva
sempre algo de sua própria identidade. Porém, em nenhuma sociedade os
processos de aculturação ocorrem total ou instantaneamente; a mudança é
sempre mais rápida e aceita com maior facilidade em relação a traços
materiais. Quando um traço novo entra em competição com outro existente
e o substitui. A assimilação, como uma fase da aculturação, seria o processo
50
mediante o qual os grupos que vivem em território comum, embora
procedentes de lugares diversos, alcançam uma solidariedade cultural. (Hoebel
e Frost, 1981, p.49)
Segundo Herskovits (1963),
(...) o termo aculturação não implica, de modo algum, que as culturas que
entram em contato se devam distinguir uma da outra como ‘superior’ ou ‘mais
avançada’, ou como tendo um maior ‘conteúdo de civilização, ou por diferir
em qualquer outra forma qualitativa. No processo de aculturação deve haver a
fusão completa dos grupos de origens diversas, supressão de um grupo ou de
ambos, e a persistência dos dois no equilíbrio dinâmico da sociedade.
(Herskovits, 1963, p.231),
O termo aculturação, no entanto, vem sendo empregado ultimamente, também,
como fusão de subculturas ou cultura rural versus cultura urbana.
Segundo Escobar (2005), existe uma luta constante entre lugares, comunidades que
constroem identidades que resitem com suas historicidades, pensamentos e atores que
constroem identidades que resistem em oposição as forças da globalização. São embates
políticos que estão em jogo que vão construindo, descontruindo identidades focadas no lugar,
criando não lugares. A resistência só pode se dar no local.
Para Escobar (2005), o lugar se aniquila com a globalização. O que ocorre é que
são desencadeados processos de criação de novas identidades culturais e enfrentamentos
territoriais. Afloram novos elementos de resistência, territórios étnicos e suas esferas de
pertencimento o que envolve festas, casarios, manifestações culturais religiosas, etc.
Ao observar-se a reações planetárias percebe-se uma tendência em direção a uma
maior interdependência global. Parece que um colapso de 'todas' as identidades culturais
fortes e está-se produzindo uma fragmentação de códigos culturais, uma multiplicidade de
estilos, uma ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo
cultural, mas agora numa escala global
__
o que poder-se-ia chamar de pós-moderno global.
Para Souza (2003), por exemplo, o processo de globalização leva a sociedade a ver
o mundo como um lugar. Segundo a autora, a frase é utilizada com freqüência para
caracterizar a sociedade contemporânea. Vista isoladamente, sugere que a sociedade tende a se
unificar, anulando as diversidades e as culturas regionais.
No entanto, diz a autora (Souza, 2003) que a dinâmica societária traz evidências
contrárias. Segundo ela, autores como Castells, Giddens, Hall e Ianni evidenciam, em recentes
estudos, que a atual fase da globalização vem provocando reações que buscam uma
redescoberta das particularidades, das diferenças e dos localismos.
51
O processo de globalização estabelece uma nova relação entre as culturas locais e a
cultura global. A disseminação da cultura mundializada influencia os padrões de
comportamento, provocando uma valorização da tradição e um fortalecimento dos
regionalismos manifestos na identidade cultural, no patrimônio cultural.
Desse modo, para a autora citada, muitos dos bens culturais que compõem um
patrimônio estão associados ao "passado" ou à "história" da nação. Eles são classificados como
"relíquias" ou "monumentos". Assim como a identidade de um indivíduo ou de uma família
pode ser definida pela posse de objetos que foram herdados e que permanecem na família por
várias gerações, também a identidade de uma nação pode ser definida pelos seus monumentos
aquele conjunto de bens culturais associados ao passado nacional. Estes bens constituem um
tipo especial de propriedade: a eles se atribui a capacidade de evocar o passado e, desse modo,
estabelecer uma ligação entre passado, presente e futuro. Em outras palavras, eles garantem a
continuidade da nação no tempo.
Retomando, pode-se dizer que o patrimônio imaterial
6
é a herança de toda uma
evolução histórica. Sua proteção é imprescindível para a conservação e manutenção dos
conhecimentos e expressões culturais tradicionais. Toda a comunidade, nação ou estado deve
preservar (no presente) seu legado para garantir às futuras gerações a oportunidade de conhecer
os valores e manifestações que deram existência à sua origem.
Nesse sentido Canani (2005) vai nos dizer que,
(...) a herança de um povo e conjunto de bens e valores representativos de uma
nação não é um tema novo, mas vem ganhando espaço nas pesquisas
produzidas por antropólogos, sociólogos, historiadores, arquitetos e
6
Entende-se por patrimônio cultural imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração
em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à
criatividade humana. Para os fins dessa convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com
os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e
indivíduos, e do desenvolvimento sustentável. O patrimônio cultural imaterial, conforme definido anteriormente, se manifesta nos
seguintes campos:
a) tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do patrimônio cultural imaterial;
b) expressões artísticas;
c) práticas sociais, rituais e atos festivos;
d) conhecimentos e práticas relacionados à natureza e ao universo;
e) técnicas artesanais tradicionais.
52
profissionais de diversas áreas, estabelecendo-se como temática
interdisciplinar. Traz no conjunto de seu significado uma relação estreita com
a idéia de herança: algo a ser deixado ou transmitido para as futuras gerações.
A continuidade de um grupo social, ou mesmo de uma família ou tradição
exige que haja a transmissão da propriedade considerada como patrimônio
desse grupo ou família, e do status relativo a tal propriedade, de uma geração
para a seguinte. Essa passagem é feita na forma de herança de bens e de
práticas sociais. Herança significa a transferência de status baseada na relação
existente entre dois membros de um grupo social, entre aquele que transmite e
o que recebe. Tal relacionamento é de caráter pessoal, e geralmente ocorre
entre parentes, sendo a passagem de pai para filho a mais tradicional. (Canani,
2005, p.01)
Nas últimas décadas, na visão de Tamaso (2006),
(...) pode-se observar a crescente velocidade com a qual se espalharam
mundialmente as obsessões com o passado e, sobretudo, com o que nós
costumamos chamar de patrimônio. (Tamaso, 2006, p01)
Essa ampliada afeição pelo patrimônio segundo a autora tem inúmeras
conseqüências. Patrimônio traz benefícios. Dentre ele, propicia a ligação entre as várias
gerações (dos nossos descendentes aos nossos ancestrais); cria vínculos entre os cidadãos por
fazer referência aos símbolos que são representativos da coletividade, ou bens coletivos
acionando, portanto o sentimento patriota; propicia o desenvolvimento econômico ao atrair o
turismo cultural e aumenta a auto-estima do grupo portador e herdeiro daquele legado.
(Tamaso, 2006, p.13)
Segundo Lowenthal (1998),
(...) o patrimônio expande-se especialmente porque a maioria das pessoas
começa a ter (e ser) parte nesse patrimônio: em tempos passados, apenas uma
pequena minoria procurava por seus antepassados, acumulava antiguidades,
desfrutava dos velhos mestres, ou excursionava por museus e sítios
históricos”. De algumas décadas para cá, tais propósitos passaram a atrair um
número muito maior de pessoas, que olhando, vivendo, reconhecendo e
valorizando o patrimônio “dos outros”, de outros povos, começaram a desejar
transformar suas histórias, seus monumentos, suas manifestações culturais em
patrimônio. (Lowenthal, 1998, p.10)
Tamaso (2006) esclarece que,
(...) o reconhecimento do valor arquitetônico e histórico desencadeou, e em
muitos casos, gera um processo que se configura por empreendimentos
53
econômicos em espaços selecionados da cidade, transformando-os em setores
de investimentos privados e públicos. São tão valorizadas as construções
localizadas nesses espaços, que sofrem um aumento significativo em seu valor
imobiliário. As populações nativas desocupam suas casas, ruas e bairros,
reocupados por outras pessoas, que obviamente imprimem a eles, outros
valores simbólicos e de usos. Os laços sociais existentes nesses lugares
tornam-se valores irrelevantes se comparados ao poder econômico e político
que entra em cena, quando os lugares transformam-se em patrimônios. Além
disso, muito embora constituam patrimônios” nacionais ou mundiais, e isso
remeta à propriedade cultural coletiva e global, o patrimônio é quase sempre
acionado pelas elites, que freqüentemente inclina-o para fins específicos e nem
sempre democráticos. (Tamaso, 2006, p.15)
De acordo com Gonçalves (1988), há, contudo, um patrimônio que ainda não foi
expropriado do grupo que o produziu e lhe atribuiu valores: o patrimônio imaterial. Este é um
domínio no qual a "agencialidade" dos sujeitos sociais ainda não sofreu impacto. A cultura
tradicional e popular crenças, comida, dança, procissões, folias, expressões, música, etc
mantém-se com relativa autonomia, no que concerne à ação dos realizadores e participantes
locais.
Além dessas concepções, nos últimos anos, segundo Gonçalves (1988),
(...) antropólogos e historiadores entre outros, têm realizado estudos sobre
objetos e coleções, e seu uso simbólico para construir identidades pessoais e
coletivas na moderna história cultural do Ocidente. Objetos de vários tipos são
apropriados e visualmente dispostos em museus e em instituições culturais
com a função de representar determinadas categorias culturais: os primitivos,
o passado da humanidade, o passado nacional, etc. Os chamados patrimônios
culturais podem ser interpretados como coleções de objetos móveis e imóveis,
através dos quais é definida a identidade de pessoas e de coletividades como a
nação, o grupo étnico, etc. (Gonçalves, 1988, p.266)
Segundo esse autor (1988), os projetos reinventam a memória local, resgatam o
capital simbólico e cultural como espetáculo e padronizam as formas edificadas, adequando-as
ao gosto da fruição visual, e tornando-as atrativas para a mercantilização do lugar que, no
processo de acumulação flexível, é transformado em mercadoria turística. O resgate das
concepções de cenário e espetáculo se justifica, de um lado, pela importância dada à
iluminação, à maquiagem, aos ornamentos e ao embelezamento e, de outro, às inúmeras
atividades culturais programadas para atrair cada vez mais visitantes (apresentações musicais,
teatrais, comemorações, festividades etc.).
Nos dias atuais, em que a globalização impõe um viver, um sentir, um pensar cada
vez mais parecido e comum, a valorização da diversidade cultural constitui um bem de
incomensurável valor.
54
A questão do patrimônio cultural
7
torna-se mais visível, assim como a preocupação
com a sua proteção e continuidade.
No entender de Cifelli (2005),
(...) a apropriação das velhas materialidades pela atividade econômica resulta
em uma reconfiguração sócio-territorial responsável pela adaptação das
especificidades locais a novas finalidades de cunho mercantil, demandando
novos usos e funções aos bens preservados que ampliem a oferta de bens da
localidade, responsável pela atração de um fluxo cada vez maior de pessoas,
mercadorias e capital, acentuando, a produção de lugares de consumo e o
consumo dos lugares. (Cifelli, 2005, p.01)
De acordo com Cifelli (2005), assim sendo, ganham importância a opulência do
casario, a expressividade dos monumentos públicos e religiosos e a riqueza artística encontrada
no interior das igrejas, museus e nos detalhes dos monumentos, as pinturas, as esculturas e
edificações projetadas e esculpidas e as manifestações artísticas e populares, as histórias líricas,
épicas e satíricas, relatando através dos séculos, os amores, os clamores e as dores de seus
habitantes.
São conjuntos de edificações, templos religiosos e edifícios públicos que
expressavam a estrutura social de uma época, representavam marcadamente o poder do Estado
e da Igreja na estruturação e organização do espaço urbano, que respondem, atualmente, aos
interesses do mercado e a refuncionalização dos objetos urbanos.
Com o processo de globalização o mercado vai impondo elementos da cultura de
massa, indispensáveis a expansão das formas de globalização econômica, financeira, técnica e
cultural.
Como explica Cifelli (2005),
(...) Inseridos em uma nova realidade social, política e econômica, essa
materialidade herdada, legitimada enquanto bens patrimoniais da nação e da
humanidade é condicionada a atender a novos interesses políticos, econômicos
e sócio-culturais, gestados pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade civil,
os quais determinam a reordenação de sua dimensão material e simbólica para
adequar-se aos desígnios do presente. É dentro desse contexto que se ordenam
7
Segundo a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, aprovada pela UNESCO em 2003, patrimônio cultural imaterial
são as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos, lugares que lhes são
associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
55
as territorialidades do patrimônio, o qual é considerado como o elo entre os
grupos sociais – munidos de interesses e práticas diversos e seu território de
referência como lócus de ações, de interesses conflitantes e das relações
sociais. Nesse sentido, os bens patrimoniais e o feixe de relações em que estão
envolvidos, constituem-se o ponto de intersecção entre as diversas
territorialidades concebidas ao longo do tempo. (Cifelli, 2005, p.205)
Sob a ótica do geógrafo Haesbaert (1999) o termo território vem do latim,
territorium, que deriva de terra e significa pedaço de terra apropriado.
Segundo Raffestin (1993)
(...) as noções de território e espaço são distintas. O espaço representa um
nível elevado de abstração, enquanto que o território é o espaço apropriado por
ator, sendo definido e delimitado por e a partir de relações de poder, em suas
múltiplas dimensões. (Raffestin, 1993, p.144)
O território é definido por Santos (2002) como
(...) conjunto de sistemas naturais mais os acréscimos históricos materiais
impostos pelo homem. Ele seria formado pelo conjunto indissociável do
substrato físico, natural ou artificial, e mais o seu uso, ou em outras palavras, a
base técnica e mais as práticas sociais, isto é, uma combinação de técnica e de
política. Os acréscimos são destinados a permitir, em cada época, uma nova
modernização, que é sempre seletiva. (2002, p.87)
De acordo com Haesbaert (1999)
(...) cada território é produto de intervenção e do trabalho dos protagonistas
sobre determinado espaço. Ele é um campo de forças. Uma teia ou rede de
relações sociais que se projetam no espaço. É construído historicamente,
remetendo a diferentes contextos e escalas: cidade, região, nação, planeta, etc.
O território assume significados distintos em cada formação espacial: pode ser
associado à base sica dos estados, incluindo-se o solo, o espaço aéreo, as
águas territoriais, etc. Pode ser visto sob as dimensões física, econômicas,
simbólica e sociopolítica (Haesbaert, 1997, p.91).
Ainda conforme Raffestin (1993),
(...) as relações sociais, por sua diversidade, criam vários tipos de territórios,
que são contínuos em áreas extensas e ou são descontínuos em pontos e redes,
formados por diferentes escalas e dimensões. Os territórios são países, estados,
regiões, municípios, departamentos, bairros, fábricas, vilas, propriedades,
moradias, salas, corpo, mente, pensamento, conhecimento. Os territórios são,
portanto, concretos e imateriais. O espaço geográfico de uma nação forma um
56
território concreto, assim como um paradigma forma um território imaterial. O
conhecimento é um importante tipo de território, daí a essencialidade do
método. Para a construção de leituras da realidade é fundamental criar
métodos de análise, que são espaços mentais (imateriais) onde os pensamentos
são elaborados. Para um uso não servil dos territórios dos paradigmas é
necessário utilizar-se da propriedade do método. (Raffestin, 1993, p.97).
A criação ou conquista de um território pode acontecer com a desterritorialização e
com a reterritorialização.
Para Haesbaert (2004) os territórios se movimentam também pela conflitualidade.
O território é espaço de vida e morte, de liberdade e de resistência. Por essa razão, carrega em
si sua identidade, que expressa sua territorialidade.
No seu trabalho de sobre desterritorialização e multiterritorialidade Haesbaert
(2004) trata o conceito territorialidade como as relações entre um individuo ou grupo social e
seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas, ou seja, uma localidade,
expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço
pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável.
Territorialidade também torna-se um meio de regular as interações sociais e reforçar a
identidade do grupo ou comunidade.
Esse processo de construção territorial Santos (2002) denomina de
reterritorialização, ou seja, a redescoberta do sentido de lugar e da comunidade. Essa
redescoberta do sentimento de pertencimento ao lugar é reforçada por diversas proposições de
diferentes autores que, contestando as teorias de aculturação que ocorreriam com o processo de
modernização (ou de globalização), sugerem que as novas construções identitárias têm ocorrido
com um reencontro com tradições culturais.
Para Santos (2002) uma interação entre as culturais externas com as culturas
locais, e pode ocorrer desterritorialização, uma vez que o existe nenhum vínculo obrigatório
entre cultura, identidade e comunidade, fixas em um lugar. Pode haver diversas disjunções
entre as diversas categorias, como conseqüência da globalização, a despeito das dificuldades de
definição desse termo muitas definições centram-se na economia e exacerbam o viés
econômico-financeiro
A globalização segundo Santos (2002) é o processo pelo qual determinada condição
ou entidade estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de
designar como local outra condição social ou entidade rival.
57
Santos (2001,) admite que,
(...) uma das transformações mais freqüentes associadas à globalização é a
compressão tempo-espaço, ou seja, o processo social pelo qual os fenômenos
se aceleram e se difundem pelo globo. Esse processo combina situações e
condições altamente diferenciadas e não pode se analisado independentemente
das relações que respondem pelas diferentes formas de mobilidade temporal e
espacial. a compreensão espaço tempo não é um fenômeno monolítico. Toda
condição global tem uma raiz local, uma imersão cultural específica. A
globalização pressupõe a localização. (Santos, 2001, p.04)
A globalização é considerada o fenômeno mais marcante das sociedades
contemporâneas, e tem acumulado aspectos negativos e positivos. Fala-se muito em
globalização, a produção acadêmica é vasta, mas sua origem é bastante antiga.
A globalização vem do movimento da economia. Os primeiros artigos publicados
sobre o tema datam da década de 60. No campo da sociologia, surge com Robertson (1990)
inicialmente com seus escritos sobre religião e, a partir dos anos 80, sobre outros processos
culturais em termos globais.
Ao fazer uma análise comparativa Giddens (1991) afirma que esse processo é
contemporâneo com a modernidade. Surge com a expansão capitalista recente. A globalização
é um processo social em que os constrangimentos geográficos sobre os arranjos culturais,
sociais e políticos são menores e o pensados, imaginados pelas pessoas desta forma cada vez
menos.
Sob a ótica atual, em função da crescente mobilidade e globalização da economia,
postulava-se nas ultimas décadas, uma inevitável uniformização planetária. Contudo, a
relevância atribuída ao consumo de natureza cultural, às diferenças étnicas, e a questão dos
valores se torna visível.
Acompanhando as mudanças globais em curso Robertson (1990) admite que é
implausível admitir um avanço da globalização de forma simultânea e em todos os cantos do
planeta ao mesmo tempo, de forma homogênea, de forma homogeinizadora. Para o autor
sempre existirão resistências. Não ocorre essa homogeneização que uniformiza, que varre tudo
inevitavelmente em todos os cantos do planeta, como se todos e tudo estivesse sendo levados
da mesma forma, do mesmo jeito. Segundo o autor processos e arranjos culturais e sociais e
políticos que não serão excluídos e, evidentemente, aqueles que o serão.
Monteiro (1997) reflete sobre os diversos arranjos culturais dentro de um contexto
da globalização, que induz a pensar erradamente no fim das diferenças e numa homogeneização
58
cultural. Porém, a autora vai dizer que ao contrário, as diferenças estão e são cada vez mais
evidentes e acentuadas.
Marconi (2001) aponta que,
(...) a mudança é qualquer alteração na cultura, sejam traços, complexos,
padrões ou toda uma cultura, o que é mais raro. Pode ocorrer com maior ou
menor facilidade, dependendo do grau de resistência ou aceitação. O aumento
ou diminuição das populações, as migrações, os contatos com povos e culturas
diferentes, as inovações científicas e tecnológicas, as catástrofes (perdas de
safras, epidemias, guerras), as depressões econômicas, as descobertas
fortuitas, a mudança violenta de governo etc. podem exercer especial
influência, levando a alterações significativas na cultura de uma sociedade.
Quando o número de elementos novos, adotados, supera os antigos, que
caíram em desuso, tem-se o crescimento da cultura. As mudanças podem ser
realizadas com lentidão ou com rapidez (como ocorre atualmente, em face dos
meios de comunicação) devido aos contatos diretos e contínuos entre povos.
(Marconi, 2001, p.11-12)
Na mesma esteira Marconi (2001) vai dizer que a mudança pode surgir em
conseqüência de fatores internos - endógenos (descoberta e invenção) ou externos - exógenos
(difusão cultural). Assim, segundo a autora, tem-se mudança quando: novos elementos são
agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio de invenções; novos elementos são tomados de
empréstimo de outras sociedades; elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são
abandonados ou substituídos e alguns elementos, por falta de transmissão de geração em
geração, se perdem.
Como explica a autora:
(...) o crescimento de uma cultura não é uniforme nem contínuo, no espaço e
no tempo, pois está sujeito a variações. Quando os povos mantêm-se isolados
ocorre a estagnação, pois a cultura permanece relativamente estática,
modificando-se apenas em conseqüência de ações internas. Somente as
culturas totalmente isoladas podem manter-se estáveis. (Marconi, 2001 p.12)
Insistindo Marconi (2001) vai afirmar que,
(...) se os elementos culturais desaparecem, tem-se o declínio cultural. Muitas
vezes, condições religiosas, sociais e ambientais levam ao desaparecimento ou
mudança de um complexo cultural. Por um lado, se um simples traço ou toda
uma cultura pode desaparecer, por outro, o renascimento cultural pode ocorrer,
em conseqüência de fatores endógenos ou exógenos. Quando os elementos
novos, acrescentados a uma cultura, forem menos significativos em relação
aos anteriores, desaparecidos, a cultura permanecerá estacionária ou declinará.
O crescimento, no âmbito geral de uma cultura, não se processa no mesmo
59
ritmo em todos os setores. Esse retardamento ou diferença de movimento entre
as partes de uma cultura recebe o nome de demora ou retardamento cultural.
(Marconi, 2001 p.13)
A partir do comportamento globalizante, Burity (1999) propõe uma nova
interpretação para o fenômeno. Esse pesquisador esclarece que:
(...) a globalização introduz um terceiro
8
na relação entre o local e o nacional,
o local e o regional, o regional e o nacional que interrompe o fluxo linear de
relações e comunicação onde estas polaridades se desenvolviam até vinte anos
atrás, reguladas pela unidade do estado-nação e pela repartição territorial das
trocas econômicas, políticas e culturais (exemplarmente capturada na
expressão “relações internacionais”). Este terceiro introduz uma lógica
desterritorializante e desinstitucionalizante em relação ao contexto anterior,
repleta de paradoxos e expressa em aspectos como: quebra da pretensão de
universalidade dos discursos políticos e culturais; quebra da soberania do
estado nacional em questões-chave de política doméstica; introdução de
valores e parâmetros de gestão pública em voga no âmbito da “sociedade civil
global”. (Burity, 1999, p.12)
Ainda segundo Burity (1999)
(...) a lógica da globalização pode opor tanto o micro ao micro, como o micro
ao macro, o macro ao mega, e vice-versa. Global o é o que é
necessariamente maior, mais distante, nem mais forte. Global é o que (se)
diferencia entre um campo que se regula por referências de soberania,
autodeterminação, distintividade, e um campo que pretende se abrir ou ser a
abertura para a renovação, inovação ou justiça que vêm descortinar novos
horizontes. (Burity, 1999, p.13)
Acompanhando as mudanças globais em curso, Gupta e Ferguson (1992) afirmam
que, não existe um isomorfismo entre cultura, comunidade, território e lugar. Não existe uma
cultura que se materializa numa comunidade e uma comunidade que se materializa mais ainda
num espaço, em que se pudesse através de uma delimitação, estabelecer um território
entrepassado por uma identidade.
Até os anos 50, particularmente, na antropologia, havia um isomorfismo entre as
categorias nação, cultura, estado e território. Porém isso foi contestado de forma contundente, a
partir das outras disjunções.
8
Segundo o autor a imagem do “terceiro” tem sido usada por outros autores num sentido que não necessariamente se coaduna com o que aqui
é utilizado. Uma das tematizações explícitas aparece em Bhabha e Laclau. O terceiro da globalização se “materializa” em múltiplos agentes,
uns mais benignos, outros mais perversos, que têm em comum não a adesão a uma única cultura ou estratégia de globalização, mas o
reconhecimento de que atuam num terreno movediço e em indefinida expansão.
60
Appadurai (1994), por exemplo, observa que poderão ocorrer disjunções entre esses
elementos. Segundo o autor não necessariamente a um território corresponde uma cultura e
uma cultura o necessariamente é uma comunidade imaginada, coesa e que tem um território
fixo e ligado ao espaço.
Para Appadurai (1994), essa perspectiva permite perceber a influência da chamada
globalização, permitindo assim revitalizar alguns conceitos e aspectos teóricos, a fim de
mostrar e rebater a idéia de homogeneização cultural, ou seja, a idéia de globalização como
uma força única, avassaladora, que vai assimilando processos culturais diversos,
transformando-os em resíduos culturais, peças e traços folclóricos.
Alguns autores, entre eles o próprio Appadurai (1994), reagem á essa concepção,
mostrando que ao contrário, a cultura é relacional, é situacional, constrativa, processual. Ao
mesmo tempo em que muitas coisas mudam, muitas coisas permanecem, e que a coisa é mais
complicada do que uma via de mão única. Esses autores vão resgatar desde a escola
difusionista, criticando o conceito de aculturação, que foi muito importante aos anos 50 e 60,
principalmente no Brasil, como por exemplo, com a discussão sobre a aculturação do índio, de
assimilação, entre outros.
Além de Appadurai (1994), vários outros como Gupta e Ferguson (1992), Hanner
(1997), Sahlins (2003), vão demonstrar que o movimento pode ser fluído. Hanner (1997), por
exemplo, fala de fronteira, de hibridismo, de culturas hibridas. Sahlins (2003), na sociologia,
fala de uma terceira cultura, de terceiros processos, aquilo que é médio da junção de duas
coisas como uma coisa nova, diferente, que guarda coisas, mas que também cria coisas novas.
Neste sentido, Appadurai (1994) identifica, analisa, compreende e demonstra,
através de seus conceitos de idiogramas, idiopanoramas, como por exemplo, os deos
panoramas, que as disjunções vão surgindo diversificadamente das mudanças provocadas por
aqueles processos. Isso é “olhar ainda do global para o local”, que rebate as criticas formuladas
a idéia de homegeinezação pela globalização, como uma força avassaladora e aniquiladora do
outro, da alteridade.
À luz da antropologia as alteridades
9
não desaparecem. Entretanto, considera a
existência do poder, das redes de poder, que vão se tornando mais fortes por meio de
influências geradas no campo político. Por isso é que nãopara pensar em cultura sem pensar
em política.
9
Alteridade é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outros indivíduos
61
Pensar que um território pode ser móvel implica pensar em processos de
territorialização diversos que rompem com a idéia de fronteira, de território fixo, tradicional,
onde novas territorialidades são ligadas a trajetórias e memórias antigas.
Ou seja, a existência de processos socioespaciais onde surgem disjunções entre
cultura, identidade, território e lugar, mas que afetam os que reivindicam justamente a junção,
em particular da cultura do lugar com sua identidade.
62
C
APÍTULO
2
FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DO ALTO -MÉDIO SÃO
FRANCISCO, POPULAÇÕES E CULTURAS
2.1 Introdução
Nesse capítulo procura-se fazer uma retrospectiva geoistórica que se inicia com a
interiorização da expansão econômica portuguesa no território brasileiro a partir de meados do
século XVI. O procedimento para compreensão desse processo, foi o de fazer inicialmente uma
breve e sucinta contextualização da consolidação do território brasileiro, desde o século XVI,
através de revisão bibliográfica. Procurou-se determinar e descrever as diferentes dinâmicas de
ocupação, pois entende-se que nelas desenvolveram-se, desde então, distintas realidades
sócioespaciais, resultantes de uma combinação singular de variáveis que datam de idades
diferentes, determinando um tempo espacial próprio para cada lugar. Posteriormente, fez-se
uma retrospectiva geoistórica da formação e ocupação dos territórios do Alto-Médio São
Francisco a partir de meados do século XVI e, finalmente, uma breve descrição da formação do
63
território das “minas gerais” e sua articulação com a expansão econômica do Alto-Médio São
Francisco.
2.2 Brasil colônia e as minas gerais
A partir de Straforini (2006), e diversos autores pode-se depreender que a
configuração atual do território brasileiro o foi estabelecida e definida com as primeiras
experiências colonizadoras, mas sim com o resultado de um longo processo de conquista
territorial iniciado no século XVI e somente consolidado no século XX. Foram necessários
mais de 400 anos de História para que o seu “desenho” chegasse ao que se conhece atualmente,
num processo constante e contraditório de produção territorial.
No entender de Moraes (2000), o Brasil nasce e se desenvolve tendo sempre a
conquista e a expansão territorial como fundamento estruturador do espaço ocupado. Para esse
autor, a análise espacial da configuração do Brasil e de seu território à época da colônia deve
ser vista na sua dimensão espacial e política. De acordo com sua visão são três os momentos
marcantes: i) o desinteresse dos colonizadores portugueses pelas terras encontradas; ii) o
interesse pelo espaço a partir de uma visão geopolítica que vislumbrava a manutenção do
domínio do território e, por último, iii) uma expressiva expansão territorial pela conquista e
ocupação da bacia amazônica e pela descoberta das minas.
Por outro lado, orientando-se por uma visão teórica menos determinista do ponto de
vista da economia internacional, Straforini (2006, p. 01) esclarece que,
(...) tomar a história territorial a partir de uma visão exclusivamente
econômica, baseada nos ciclos do açúcar, da mineração e do café, onde o traço
fundante dessas atividades econômicas é a organização da produção e do
trabalho com vistas ao mercado externo pouco contribui para a compreensão
espacial, uma vez que parte-se do princípio que tais atividades econômicas
foram uma superestrutura independente de lógicas que se operam no espaço
geográfico.
Por sua vez, na visão de Iglesias (1985), a história do Brasil tem de ser vista em
função da história geral, pois se inscreve em quadro maior em suas linhas principais, o do
Ocidente, como assinalam os especialistas. As trajetórias nacionais são ininteligíveis se presas
aos próprios limites de tempo e espaço e só adquirem pleno sentido quando relacionadas a
outras, com as quais formam sistema, configurador de fisionomias. A história do Brasil
coincide com a História Moderna. Nos três primeiros decênios, o Brasil esteve de lado, embora
64
não de fora das preocupações do colonizador: algum comércio se fez, houve pequenas
expedições e alguns portugueses ficaram. Não se pode falar em abandono. Segundo o autor
ainda não havia organização administrativa.
Na verdade, desde 1500 muitas viagens foram feitas entre Portugal e Brasil,
principalmente nos primeiros quatro anos. Nesse período, algumas tentativas oficiais de
penetrar seu interior foram feitas e em cada viagem, dezenas de degredados eram
desembarcados pelas costas brasileiras. Estes se juntavam às dezenas de outros marinheiros
portugueses que desertavam de suas expedições. E foram, sem dúvida, os primeiros a encontrar
ouro na nova colônia portuguesa.
Em 1530, com a primeira expedição importante, sob o comando de Martim Afonso
de Souza, propõe-se ao rei o sistema de Capitanias, já experimentado pelo governo em ilhas do
Atlântico. Através desse sistema seriam demarcadas longas faixas de terra, entregues a capitão
donatário, com o dever de explorá-las. Nessas capitanias o donatário deveria investir capital,
poderia fazer a doação de terras, teria de defendê-las contra o índio ou o estrangeiro, recebendo
em troca suas rendas, fora os direitos da Coroa. Esses são proprietários, têm jurisdição no cível
e no crime, podem fundar vilas, dar sesmarias, nomear autoridades, entre outros. O traço básico
nesse período é a ausência de autonomia do produtor, dependente de outro centro. Trata-se de
economia não-destinada, em princípio, ao consumo local ou mercado interno, mas ao
abastecimento do mercado externo. A Colônia existe para a Metrópole, todo seu esforço se
dirige a suprir as necessidades apresentadas por ela. Sua produção é ditada de fora, não só nos
artigos e quantidades, como nas condições gerais - preços, salários. Chama-se, pois de
economia colonial a voltada para o exterior, tendo os centros de decisão e uma dependência
de outro núcleo, determinando tudo.
Tendo em vista essas funções, à luz de Moraes (2000) pode-se dizer que, por muito
tempo, a economia colonial teve as seguintes características: a) a monocultura - uma economia
destinada ao exterior, devendo produzir em grande escala artigos típicos do clima tropical,
necessários ao consumo europeu e de produção impossível lá. Sua principal atividade no Brasil
português é a plantação de cana e a indústria açucareira que começou bem cedo, ainda em
meados do século XVI; b) o latifúndio - uma produção feita em alta escala em grandes
propriedades; c) a escravidão -. para se viabilizar uma atividade agrícola sob um vasto
território, feita em condições ásperas, a agricultura tropical e a mineração exigiu numerosa
mão-de-obra. O colonizador apelou para o trabalho escravo; d) o extrativismo - sua primeira
atividade produtiva é a extração. O pau-brasil é a riqueza no inicio, de fácil obtenção pelas
65
grandes reservas ao longo do litoral nordestino. o extrativismo mineral despertou interesse
desde o século XVI mas sem achados imediatos; d) a pecuária – Tem início também no
começo do século XVI, talvez em São Vicente, com a introdução de espécies de gado vacum
européias. O gado se desenvolve na Bahia e vai realizar a conquista do interior nordestino,
passando do rio São Francisco para o Piauí, Maranhão, Ceará.
Verifica-se portanto que a inserção do rio São Francisco na história brasileira se
deu logo nos primeiros anos. Entretanto, após a confirmação da descoberta de novas terras
“Além-mar” pela Coroa, os portugueses, devido ao lucro garantido do comércio com as Índias,
mantiveram o território brasileiro praticamente abandonado, resumindo as atividades
econômicas ao extrativismo de pau-brasil e as trocas com os índios. Com a pressão estrangeira
sobre o território brasileiro, as incursões francesas e holandesas nos domínios portugueses e os
altos custos da viagens às Índias, é que foram realizadas as primeiras ações no sentido da
ocupação e exploração econômica do Brasil a partir de meados de 1530, com as primeiras
iniciativas para o plantio de cana-de-açúcar em áreas do litoral nordestino.
Segundo a Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (1974),
(...) essa ocupação rarefeita aos poucos foi incentivada oficialmente no
período conhecido como União Ibérica (1580 1640), quando os tronos
espanhóis e portugueses foram unidos sob o domínio espanhol, o que
contribuiu para extinguir as normas do Tratado de Tordesilhas que limitava os
avanços portugueses mais a oeste no território brasileiro. É importante
ressaltar que, a existência de uma linha imaginária separando o mundo
conhecido entre Portugal e Espanha, não impediu a interiorização do Brasil,
contudo, as expedições oficiais puderam acontecer com a derrocada deste
acordo diplomático ... assim, de forma lenta e paulatina, os portugueses foram
adentrando o território brasileiro, mas é preciso ressaltar que havia escassez
tecnológica e estrutural para tal empresa. Os meios de transporte se limitavam
ao lombo de mulas e cavalos, importados a duras penas, ou ao uso da força
muscular dos escravos; as estradas inexistiam, ou se tratavam apenas de
caminhos. Além disso, havia a oposição dos índios bravios que habitavam a
região, combatendo ferozmente as entradas, as tribos hostis deixavam em
posição permanente de risco as Bandeiras, que eram obrigadas a manter
grande número de homens e armas. Todos estes fatores também contribuíam
para elevar o custo das entradas (Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da
Bahia 1974, p. 01).
Resumidamente poder-se-ia dizer que a pecuária bovina foi introduzida no Brasil
em meados do século XVI e se desenvolveu inicialmente em Pernambuco e na Bahia, de onde
se expandiu para os sertões que se especializaram na criação de gado. Apesar da sua
importância como elemento de penetração e de povoamento de várias regiões, a pecuária
66
bovina foi sempre uma atividade secundária, complementar às atividades econômicas
principais como a lavoura canavieira e mais tarde a mineração. Essa atividade foi importante
fornecedora de força de tração animal e meio de transporte para os engenhos, além de ser fonte
de alimento e de couro. Ela não exigia, como o engenho, muito capital para seu
desenvolvimento. Por isso mesmo, era muito mais fácil instalar uma fazenda de gado do que
um engenho de úcar. Para formar uma fazenda de gado, o eventual fazendeiro não precisava
de mão-de-obra abundante nem de importar equipamentos caros. O fundamental era a terra, em
grande extensão e aberta ao desbravamento no interior da colônia. Aos senhores de engenho
não interessava criar gado, para eles as terras deveriam ser usadas para o plantio da cana e não
para pastagens. Além disso, devido à ausência de cercas, o gado estragava as plantações. Por
essa razão, segundo Iglesias (1985) o gado foi afastado do litoral e levado para o sertão em
busca de novas pastagens e outros alimentos naturais.
Nas margens do Rio São Francisco nasceram e cresceram muitas fazendas de gado
no decorrer do século XVII. A pecuária era o vínculo do sertão do Nordeste com o litoral
açucareiro. As fazendas nordestinas abasteciam a zona do úcar, ao mesmo tempo em que se
tornavam áreas de atração para as pessoas pobres e marginalizadas daquela região, que viam na
pecuária uma possibilidade de melhorar sua condição de vida.
A economia colonial, no século XVII¸ possuía algumas características
interessantes, a começar pelos primeiros movimentos em busca da ocupação do interior do
Brasil. Com um irrisório apoio oficial, Fernão Dias Paes,
partiu em 1674 para o sertão, onde
permaneceu por seis anos, chegando ao Jequitinhonha. Porém, não descobriu nada de valor. Em 1681
encontrou turmalinas acreditando serem esmeraldas. Contudo, durante os anos em que permaneceu no
sertão, desbravou grande parte do interior das Gerais e abriu caminho para futuras descobertas de
importância. (
Moraes, 2000)
Entre 1698 e 1725 um novo caminho foi construído, a pedido do rei, com o objetivo
de comunicar diretamente a região do ouro com o Rio de Janeiro. Assim foi aberto o Caminho
Novo por Garcia Rodrigues, filho do bandeirante Fernão Dias Paes. A viagem agora podia ser
feita em 25 dias. Uma multidão invadiu a região mineradora e Ouro Preto, em meados do
século XVIII, era a maior cidade da América. O Caminho Novo ficou conhecido como
“Estrada Real de Vila Rica” e várias cidades ao longo de seu trajeto se desenvolveram.
Pode-se dizer que o ciclo do ouro foi responsável por iniciar profundas mudanças
na vida colonial. Segundo Moraes (2000), observa-se a proliferação de expedições que
demandavam o interior do Brasil em busca de minerais, num movimento irradiador que diferia
67
dos cleos costeiros, porque visava o apresamento do gentio, a expansão e a consolidação da
atividade agrícola.
A descoberta do ouro e o adensamento populacional como também a pecuária são
fundamentais para o entendimento desse período. Processou-se ali um incremento da vida
urbana que trouxe consigo profundas mudanças econômicas, culturais e intelectuais, na
constituição de novos espaços e territórios na Colônia. (ANDRADE, 2004)
No clássico de Caio Prado Júnior (2004), hoje insuficente para o entendimento da
história de Minas sob vários aspectos, a perspectiva da decadência mineira é bem explícita. Ali
pode-se compreender que a partir da segunda metade do século XVIII, a mineração começa a
entrar em decadência. Por ser de aluvião, o ouro descoberto era facilmente extraído, o que
levara a uma exploração constante, fazendo com que as jazidas se esgotassem rapidamente.
Num movimento inverso, desde meados do século XVIII, ganha força a agropecuária marcada
pela diversificação rural (algodão, úcar, tabaco, cacau e café), que se estenderá até a
consolidação da monocultura cafeeira, iniciada por volta de 1840, principalmente no Vale do
Paraíba do Sul.
Na verdade, bem antes do declínio da mineração, a agricultura ocupara posição de
destaque na economia colonial. A produção açucareira ganhar um ritmo acelerado de expansão
na segunda metade do século XVIII, colaborando para alterar a fisionomia geoagrícola do
Brasil. Para Prado Júnior (2004), a nova conjuntura estimulou a diversificação da produção. As
atividades agrícolas conjugam-se com outras, gerando ganhos monetários e não monetários,
independentemente de serem internas ou externas à exploração agropecuária. Segundo o
mesmo autor percebia-se que as atividades rurais não agcolas cresciam, e freqüentemente
proporcionavam maior renda às famílias, alterando a tradicional composição da renda familiar
dos domiciliados na zona rural. Muitas dessas atividades estão relacionadas a outros setores que
se desenvolvem no meio rural ou em cidades de menor porte, a exemplo da extração mineral. A
vida urbana, mais intensa, de acordo com Andrade (2004), viabilizou, portanto melhores
oportunidades no mercado interno e uma sociedade mais flexível.
Entretanto, mesmo com o declínio da extração do ouro e do diamante, a mineração
deixou traços muito importantes na apropriação e produção do território e o seu uso nas regiões
de influência dos municípios de Minas Gerais, principalmente.
68
2.3 O processo de formação e ocupação do território do Alto-Médio São Francisco
O ponto de partida para se entender o processo de formação dos territórios do Alto-
Médio São Francisco é o decreto estabelecido pela Coroa Portuguesa proibindo a pecuária na
costa brasileira, para favorecer a produção de cana-de-açúcar.
Conforme afirma Chaves (2004),
(...) em 1553, o rei D. João III, ordenou ao Governador Geral Tomé de Souza
a exploração das margens interiores do rio São Francisco. A organização da
empreitada ficou a cargo de Bruza Espinosa, que teve ao seu lado o Padre
Aspilcueta Navarro para formar a primeira companhia de penetração. O
roteiro dessa viagem e uma carta do Padre Navarro são os primeiros
documentos descritivos sobre o São Francisco. A partir daí, as águas do rio
foram navegadas por dúzias de expedicionários que, aos poucos, consolidaram
a exploração do São Francisco
10
. Chaves (2004. P.7)
De acordo com CARVALHO (1957), a tentativa de entrar no São Francisco pela
foz, subindo-o contra a correnteza, esbarrou com o Sumidouro, Cachoeira de Paulo Afonso e
em outro obstáculo representado pelas florestas. Nestas, conforme o autor, o perigo era a
solidão, sem veredas nem saídas. Nas caatingas era infalível o desnorteamento pela
multiplicidade de trilhas, despovoadas, sem água. Nas florestas encontravam insetos de picada
venenosa, onças, serpentes venenosas; contaminação nas águas dos rios, além de jacarés e
piranhas, raias de ferrão e sucuris. O maior empecilho à penetração estava na tenaz oposição
dos índios.
O fato é que fazendas de gado passaram a se estabelecer e se instalar junto às
margens direita e esquerda do rio São Francisco. A ocupação ocorreu, portanto, principalmente
através das sesmarias
11
, tendo sido as margens do São Francisco ocupadas à esquerda pela
10
A história oficial do Brasil registra em seus arquivos que no dia 04 de Outubro de 1501, uma expedição de
reconhecimento, comandada por André Gonçalves e Américo Vespúcio, ao deslocar-se no sentido norte-sul
acompanhando a costa brasileira no Atlântico, vindo desde o cabo de São Roque, chegou à foz de um grande rio.
Foi a partir dessa data que, o rio anteriormente denominado pelos índios – Caetés, Tupinambás, Taiês, Amoriporás
e Ubirajaras numerosos na região nesse período, teve seu nome modificado, de Opará (o mar), para Rio São
Francisco, em homenagem ao santo do dia no calendário católico.
11
A Sesmaria era a concessão de terras no Brasil pelo governo português com o intuito de desenvolver a
agricultura, a criação de gado e, mais tarde, o extrativismo vegetal, tendo se expandido à cultura do café e do
cacau. Ao mesmo tempo, servia para povoar o território e a recompensar nobres, navegadores ou militares por
serviços prestados à coroa portuguesa. O acesso à propriedade da terra era feito por duas ordens de concessão de
terras na região das minas sesmarias e datas minerais eram formalmente distintas, e igualmente distintas
foram as formas de registro e controle da posse. As terras minerais foram inicialmente concedidas pelos guardas-
mores, e lançadas em livros próprios, alguns dos quais compõem a Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Só
mais tarde, a partir de 1724, esses livros passaram a ser controlados por outros órgãos (a rie a SSS Mineiro, e a
série para Mariana é custodiada pelo Arquivo da Casa Setecentista de Mariana), Machado (1991)
69
Casa da Torre, de Garcia d’Avila até Sabará e à direita pela Casa da Ponte, de Antônio Guedes
de Brito. O primeiro, Garcia DÁvila, apossa-se das terras em 1573, sendo mais de 70 léguas
12
entre o rio São Francisco e o Parnaíba, no Piauí.
A historia oficial sobre o século XVII registra em seus arquivos que quase todo o
sertão da Bahia pertencia apenas a duas famílias: família da Casa da Torre e a dos descendentes
do mestre de campo Antônio Guedes de Brito que chegou a possuir 160 léguas de terras, cerca
de 1.060km de extensão, adentrando o interior na parte mais ao sul do sertão baiano. Toda essa
terra foi doada por carta de sesmaria, e serviu mais para colonizar o interior do que
propriamente para exploração da terra com cultivo de gêneros alimentícios.
Tais terras passaram a ser administradas por Manuel Nunes Viana no final do século
XVII. Sendo que algumas partes eram exploradas como currais, sítios de aproximadamente
uma légua, arrendadas mediante um foro anual. Algumas fazendas possam muitos currais
podendo ter de 6 até 20 mil cabeças de gado. Nos currais do rio São Francisco, o gado era
vendido para as minas ao preço que atingiam na cidade de Salvador.
De acordo com Chaves (2004, p7),
(...) Antônio de Brito foi proprietário do território que se constituiria no termo
de Rio Pardo. Ele possuiu uma enorme faixa de terra à margem direita do rio
São Francisco, localizada entre a capitania da Bahia e das Minas. Em seus
dilatados domínios, havia fazendas, como também sítios para venda e
arrendamento, onde se desenvolveram a pecuária e a agricultura. Tanto as
atividades econômicas desenvolvidas nos sítios como nas fazendas estiveram
inseridas no processo de ocupação e de povoamento do norte mineiro, em
geral, onde foi desenvolvida uma economia baseada na agricultura e na
criação de bovinos, que atendeu ao abastecimento alimentar e à demanda da
atividade artesanal pelo couro. Quanto à força do animal, ela foi utilizada no
transporte de cargas e nas atividades manufatureiras.
Uma característica do São Francisco, de extrema importância se refere a
salubridade, principalmente se considerarmos o isolamento geográfico das regiões, a partir do
Médio Vale em direção ao interior. Tal condição tem importante peso como elemento atrativo
para a ocupação de suas margens, que havia carência completa de recursos físicos e técnicos
para o acesso à medicina. Esta característica não era compartilhada, por exemplo, pela região
12
Légua era a denominação de várias unidades de medidas itinerárias (de comprimentos longos) utilizadas em
Portugal, Brasil e em outros países até à introdução do Sistema Métrico. As várias unidades com esta denominação
tinham valores que variavam entre os atuais 4 e 7 quilômetros.
70
do vale do Rio Doce, sendo registrada pelo viajante Auguste de Saint-Hilaire em sua obra
Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce:
As margens do São Francisco não são em absoluto insalubres, num período de
2 a 3 meses, porque esse tempo basta para se evaporarem as águas do rio,
transbordadas sobre o terreno aberto. No Rio Doce não é assim. As espessas
florestas que sombreiam suas margens impedem a ação do sol; a evaporação
das águas transbordadas se efetua lentamente, continuando de um ano para
outro, e em qualquer estação é perigoso descer ou subir o rio. Para resguardar-
se, tanto quanto possível, das febres a que estão sujeitos os navegadores do
Rio Doce, é preciso não passar a noite nas pirogas, nem mesmo dormir nas
margens do rio. (Saint-Hilaire, 1974, p19)
O território ao norte da capitania das Minas Gerais, foi um dos pontos de encontro
entre nativos e colonizadores portugueses. A primeira incursão no norte mineiro de caráter
colonizador foi realizada pelo castelhano Francisco Bruzza de Spinosa, entre 1553 e 1554,
durante o governo de Duarte da Costa.
Segundo Chaves (2004)
(...) a iniciativa de organizar essa expedição foi motivada pelas notícias da
existência de pedras e metais preciosos nos sertões. Partindo de Porto Seguro,
ela percorreu várzeas , bacias e sub-bacias do rio Jequitinhonha e do rio Pardo,
passando pelo rio São Francisco. Reconhecida como a primeira incursão
significativa nos sertões, a expedição de Francisco de Spinosa inauguraria
uma série de incursões incansáveis na busca de supostas minas sertanejas
13
.
Chaves (2004, p. 11)
Ainda que mal sucedidas em seu objetivo de encontrar riquezas minerais, tais
expedições proporcionaram um acúmulo de conhecimento que contribuiu, direta ou
indiretamente, tanto para o surgimento de fazendas e currais junto ao rio São Francisco e seus
afluentes, quanto para o êxito daquelas expedições que viriam a se realizar no século seguinte,
encontrando ouro e desencadeando o rush verificado em direção às minas de ouro.
Da leitura de Starling (2004) compreende-se que a penetração do interior, através
do estabelecimento de fazendas de criação ao longo do vale do rio São Francisco, tinha
começado do Recôncavo da Bahia, via Sergipe, e à margem direita do grande rio, antes da
13
Pode-se citar pelo menos quatro grandes expedições, inseridas no que Basílio de Magalhães denominou ciclo
baiano das entradas, que marcariam as primeiras tentativas de desbravamento de seu território ainda na segunda
metade do século XVI, tendo como principal foco de irradiação a Capitania de Porto Seguro: 1ª) Francisco Bruzza
de Spinosa e do padre João Aspilcueta Navarro (1554); a 2ª) Martim de Carvalho (1567); a 3ª) Sebastião
Fernandes Tourinho (1572-3) e, a 4ª) Antônio Dias Adorno (1574).
71
guerra holandesa. Gradativamente, a expansão acompanhava-se pelo movimento de gado,
porém mais lento, ao longo da margem esquerda, em Pernambuco (o rio São Francisco formava
a fronteira entre as duas capitanias). Segundo a mesma autora, esses movimentos foram
acelerados durante a segunda metade do século XVII, e na altura de 1700 eles se encontraram
com os paulistas que desciam o São Francisco vindos da região do rio das Velhas. Outras
trilhas tinham sido também abertas do Recôncavo, desde Cachoeira, e de Jacobina para
Juazeiro e outros pontos ao longo rio. Uma das importantes junções dessas trilhas foi o Arraial
de Mathias Cardozo, que recebe o nome de um paulista pioneiro e barão do gado, cujo lugar se
identifica com a atual Morrinhos.
As suposições da existência de ouro no interior, noticiada pelos índios mobilizaram
a organização de várias entradas. Da Bahia, expedições saíram do litoral, adentrando pelos
sertões. Na segunda metade do século XVII, as bandeiras de São Paulo chegaram ao vale do rio
São Francisco. A ambição de encontrar ouro e pedras preciosas nos sertões continuou a
impulsionar outros homens a desafiar as condições adversas do território desconhecido
14
.
Assim, portugueses e seus descendentes no Brasil partiram do litoral rumo ao sertão, levando
suas representações construídas sobre o território: lugar distante, vazio, não colonizado e
habitado por índios selvagens e por animais ferozes. Ele oferecia a possibilidade de encontrar
riquezas, mas era um lugar aterrorizante.
De acordo com a Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (1974, p.08)
(...) durante o século XVII, os d'Avilas promoveram três expedições armadas
provenientes do Nordeste movendo guerra contra os índios e obtendo, em
recompensa, grandes sesmarias, onde expandiriam seus rebanhos.
14
Segundo Rodrigues (2003, p.01), (...) tratando-se da colonização portuguesa, o território de Rio Pardo é aqui
abordado nos aspectos do contato entre culturas e de sua ocupação. Situado ao norte da capitania das Minas
Gerais, esse território foi um dos pontos de encontro entre nativos e colonizadores portugueses. A primeira
incursão no norte mineiro de caráter colonizador foi realizada pelo castelhano Francisco Bruzza de Spinosa, entre
1553 e 1554, durante o governo de Duarte da Costa. A iniciativa de organizar essa expedição foi motivada pelas
notícias da existência de pedras e metais preciosos nos sertões. Partindo de Porto Seguro, ela percorreu várzeas e
bacias do rio Jequitinhonha e do rio Pardo e passou pelo rio o Francisco. Reconhecida como a primeira incursão
significativa nos sertões, a expedição de Francisco de Spinosa inauguraria uma série de buscas incansáveis pelas
supostas minas sertanejas.
72
Estas ões de exploração conhecidas como Bandeiras, mais comuns no sul do
Brasil para prospecção de ouro, ficavam sempre a cargo de um homem de confiança da Coroa,
sendo Garcia D'Ávila um dos principais responsáveis por reconhecer a área entre o litoral
baiano até o Piauí e o médio São Francisco, ocupando a margem esquerda do rio.
A dinâmica da ocupação utilizada pelas bandeiras era simples e se baseava
principalmente na agricultura e pecuária. O gado trazido nas caravelas era instalado em currais
nos quais eram deixadas algumas novilhas, um touro e um casal de escravos para assim se
consolidarem as marcas portuguesas no território e servindo de ponto de apoio para futuras
incursões. Estas instalações primárias contribuíram, em parte, para o surgimento das primeiras
vilas nas margens do Rio São Francisco.
Paralelamente, os caminhos foram se multiplicando, seja pela simples exploração
ou pela ocupação, seja pela necessidade de se chegar a região do ouro em fins do século XVII.
De acordo com Athayde (2007) quando as novas e ricas descobertas de ouro finalmente
insinuaram-se através das áreas colonizadas do Brasil litorâneo, entre 1693 e 1696, havia
apenas dois caminhos praticáveis pelos quais os que desejassem alcançar as minas de ouro de
Minas Gerais poderiam utilizar. O mais antigo era aquele pelo qual as bandeiras tinham
viajado de São Paulo até as ramificações superiores do rio São Francisco, conhecido como
Caminho Geral do Sertão. A outra estrada principal, que depressa se tornou a mais importante,
corria paralela à margem direita do rio São Francisco. Chegava-se normalmente a esse
caminho, vindo da costa, pelo pequeno porto de Cachoeira, centro da região de cultura do
fumo, no Recôncavo da cidade de Salvador. Por terra, o rio São Francisco também podia ser
atingido de Pernambuco, e mesmo do interior do Maranhão, usando-se a região recentemente
aberta do Piauí. Caminhos que vinham de todas as direções do interior da capitania da Bahia
convergiam para o rio São Francisco, onde se juntavam numa fazenda chamada arraial de
Mathias Cardozo, de onde o caminho para as minas de ouro seguia a margem do rio por umas
cento e sessenta milhas, até a junção com o rio das Velhas.
Para Athayde
(2007),
(...) o caminho da Bahia, o caminho dos rios das Velhas e São Francisco, era
anterior à descoberta do ouro nas Minas, embora sua consolidação tenha
ocorrido principalmente como resultado dessa descoberta. Conhecido como
“Caminho dos Currais do São Francisco”, ligava as fazendas de gado que
beiravam o vale do rio das Velhas e o rio São Francisco ao porto de Salvador,
garantindo ao viajante um percurso mais longo e mais confortável para a
região da Minas, (2007, p.23)
73
Azevedo (1975) observa que utilizar como via de interiorização os rios solucionava
vários problemas, e o São Francisco foi naturalmente o primeiro caminho de acesso para
ocupação da área a partir da foz, tornando-se um dos principais elementos para exploração
territorial e para ocupação do espaço continental brasileiro a partir do litoral nordestino.
Utilizando a via fluvial, os portugueses encontraram uma maneira mais segura de se percorrer
os 70 km que ligam a desembocadura do rio até a maior das suas quedas, a cachoeira de Paulo
Afonso que recebeu o nome do primeiro europeu que chegou até ela.
Embora o caminho para o interior, partindo de Cachoeira ao rio São Francisco e
rio das Velhas fosse mais longo que os de Parati e São Paulo, a caminhada fazia-se por ali
muito mais fácil no todo. Havia fazendas de criação estabelecidas ao longo de uma grande
extensão do rio o Francisco, freqüentemente separadas umas das outras por meia dúzia de
milhas. O terreno era muito menos escabroso e dispunha-se de água com mais facilidade. Tanto
o gado como os cavalos podiam atravessar aquele caminho com relativa facilidade, enquanto as
trilhas montanhosas que vinham de Parati e São Paulo mostravam-se, em certos pontos,
praticáveis apenas para pedestres, ou para cavalos e mulas excepcionalmente fortes
.
(CHAVES,
2004).
Rapidamente os caminhos tornaram-se uma questão de Estado. A descoberta de
veios de ouro na última década do século XVII em Minas Gerais fez surgir os caminhos reais
que constituíam os únicos acessos autorizados à Capitania das Minas, sendo considerado crime
de lesa-majestade a abertura de vias alternativas. Os caminhos reais foram decisivos no
processo de ocupação e integração do território brasileiro. Esses caminhos se tornaram
verdadeiros eixos histórico-culturais, promovendo novos movimentos migratórios para o
interior, que levariam à ampliação dos limites da colônia portuguesa na América. Destacaram-
se as vias oficiais conhecidas genericamente por Estrada Real, em razão de sua importância
como ligação do litoral ao centro da área mineradora, onde se localizava Vila Rica, sede da
antiga Capitania, até a região dos diamantes.
De acordo com Athayde (2007, p.19),
(...) situadas no interior do centro-sul, as minas eram localidades de difícil
acesso. De São Paulo aos núcleos mineradores a viagem era de sessenta dias.
Havia três caminhos de acesso. O que foi aberto por Fernão Dias Pais passava
por Atibaia e Bragança e alcançava a Mantiqueira. O outro, saindo de São
Paulo, percorria Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Jacareí,
Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Lorena para chegar às três principais
74
regiões mineradoras: Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e rio das Velhas. Um
terceiro caminho passava por Mogi-Guaçu e correspondia, grosso modo, ao
traçado da Estrada de Ferro Mojiana, hoje desativada. Entretanto, a Bahia
possuía uma ligação com Minas muito anterior à descoberta do ouro. O
caminho foi aberto pelos bandeirantes paulistas no século XVII do sul para o
norte. A vantagem dessa via era a sua segurança e conforto. Não faltavam
pastos para os cavalos, nem alimento para os viajantes. As estradas eram mais
largas e podiam ser percorridas sem medo de ataques indígenas.
Ainda segundo Athayde (2007, p.23),
(...) um acesso mais antigo, o caminho dos Currais do São Francisco, ligava as
fazendas de gado às margens dos rios das Velhas e São Francisco,
representava um percurso mais longo e menos desconfortável para a região
das Minas, já que por ser uma rota de gado, os terrenos eram planos e
facilitavam o deslocamento dos cavalos de montaria e das tropas de burros de
carga, além de contar com alimentação farta principalmente no que se refere à
caça de veados, perdizes, jacus, jacutingas, pacas, capivaras, peixe e frutas.
Em princípios do século XVIII, toda a região norte de Minas se encontrava em
condições de suprir o aumento da demanda por alimentos nas áreas de mineração da capitania.
Um conjunto de fatores possibilitou o estabelecimento de redes de comunicação e de comércio
entre o norte mineiro e as capitanias da Bahia, de Pernambuco e de Goiás. Além do mais as
principais rotas de abastecimento das minas e de contrabando do ouro estavam localizadas na
capitania de Minas.
Para Vasconcelos (1948), a pouca expressividade das atividades de mineração,
aliada à natureza do solo e do clima fez com que a região apresentasse uma ocupação dispersa e
de baixa densidade demográfica, sobretudo se comparada ao centro-sul de Minas, configuração
que, em termos gerais, se mantém ainda hoje. No entanto, logo veio a se tornar auto-suficiente
em gêneros alimentícios e expressiva produtora de gado, inclusive disponibilizando produtos
para exportação.
2.4 – Ocupação, uso do território e articulação geográfica
Para uma melhor compreensão, dos processos espaciais e identitários e do papel da
bacia do São Francisco, pode-se pensar em três temporalidades: num primeiro momento - Séc
75
XVI - o rio assume papel de vetor da ocupação territorial; num segundo momento - Séc XVII -,
o rio torna-se o principal elemento da dinâmica regional e, finalmente, um terceiro momento -
Séc XVIII e XIX - o rio está diante dos novos elementos da modernidade.
Entretanto, antes de debruçar sobre tema, cabe rapidamente esclarecer que, no
contexto destes movimentos, duas regiões se destacaram: a mineradora e o sertão mineiro. A
atividade de mineração no alto São Francisco tem sido discutida e revisitada por muitos
autores, desde os viajantes como Richard Burton
15
e Auguste de Saint-Hilaire
16
, até os
contemporâneos como Diogo de Vasconcelos
17
, além de pesquisadores, tais como: Sérgio
Buarque de Holanda
18
e Antônio Gilberto Costa
19
.
De maneira geral as lavras mais importantes concentravam-se no Ribeirão do
Carmo hoje Mariana; em Vila Nova hoje Caeté; em Vila Rica hoje Ouro Preto e ainda
em Sabarabussú hoje Sabará. Nestas áreas a economia, altamente especializada, voltava-se
quase que exclusivamente para a mineração. Celso Furtado (1969) em sua obra Formação
Econômica do Brasil retratou esta situação: “a fome acompanhava sempre a riqueza do ouro. A
elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte nas regiões vizinhas constituiu o
mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mineração”.
Essa passagem mostra como as regiões produtoras de alimento no sertão se tornam
necessárias no abastecimento das áreas produtoras de ouro. Por conseguinte, vias de
interligação como o São Francisco, se transformam em artérias fundamentais neste processo.
O termo sertão supramencionado surge para designar espaços específicos, terras de
determinados índios, áreas por onde corre certo rio, “os diversos sertões do interior” (CUNHA,
2000), entre outras significações.
15
Richard Burton, viajante, Cônsul e escritor. Nasceu na Inglaterra, em Hertfordshire, em março de 1821. Pelos
lugares que passava procurava aprender a língua, conhecer os costumes e a religiosidade do povo, deixando das
muitas viagens diversas obras, além de ter escrito poemas e também possuir diversas biografias. Uma vez no
Brasil, empreendeu ousada viagem pelo rio São Francisco, registrando, num diário, suas aventuras, além de
observações acerca da natureza, da economia da região, do aproveitamento do rio para a navegação e para a
economia da população ribeirinha.
16
O francês Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) foi um dos primeiros cientistas vindos da Europa a poderem
percorrer livremente territórios do Brasil Colônia. Durante seis anos, de 1816 a 1822, visitou as províncias do
centro e do centro-sul do Brasil, recolhendo pelo caminho um proveitoso acervo, registrando cada passo das suas
andanças num diário de viagem, publicado mais tarde na França em diversos volumes.
17
Diogo Luís de Almeida Pereira de Vasconcellos - 1843 1927, mineiro de Mariana, foi um historiador e
político brasileiro. Escreveu, dentre outros, os livros História antiga de Minas Gerais (1904) e História dia de
Minas Gerais (1918).
18
Sérgio Buarque de Holanda, um importante historiador e jornalista brasileiro, nasceu a 11 de julho de 1902, em
São Paulo e é considerado um dos mais eminente intelectuais brasileiros do século XX.
19
Costa, Professor, coordenador do Centro de Referência em Cartografia Histórica, é o novo coordenador da Rede
de Museus e Espaços de Ciência e Cultura da UFMG. Ex-diretor do Instituto de Geociências (IGC) e professor do
departamento de Geologia.
76
Segundo Cunha (2000), o termo sertão
20
vem de desertão, deserto grande. No
início da colonização portuguesa, todo o território brasileiro além do litoral, era tudo como um
desertão. Pelo processo lingüístico aférase, o metaplasmo pelo qual um vocábulo perde a letra
ou a sílaba inicial, do vocábulo desertão foi suprimido a primeira sílaba “de”, ficando
simplesmente sertão. nos estados sulinos o se diz sertão, mas continente. Aqueles estados
foram colonizados, em grande parte, pelos açorianos, ilhéus dos Açores, para quem o interior
era o continente.
Na prática, geograficamente, o sertão mineiro, ou seja, a área de influência da bacia
do rio São Francisco, era a área recoberta principalmente pela zona curraleira o sertão dos
currais ─, confinando a capitania de Minas Gerais com a da Bahia, entendida como um extenso
e aberto sertão, onde não existia atividade mineradora e as terras eram planas e vistosas, porém
menos férteis do que a do restante de Minas. (RODRIGUES, 1989). Esta expansão geográfica
para o interior do continente tem nos paulistas sua mais clara representação e os primeiros
descobrimentos auríferos das Minas mostraram a ação destes homens na ocupação dos espaços
da capitania, momento a partir do qual duas categorias de percepção geográfica marcariam
fortemente as representações sobre o território ao longo de todo o século XVIII, mas com maior
força na primeira metade do século: as “minas” e os “sertões”. (Iglesias, 1985).
Como esclarece Chaves (2004, p 7-9),
(...) sertão corresponde à maior parcela do território do Município de Montes
Claros -1833/35 (excluídas as áreas ribeirinhas do o Francisco e que estão
além da Serra do Espinhaço). (...) Praticamente coincide com a zona
fisiográfica Montes Claros, acrescida de pequenas porções das zonas
fisiográficas Alto Médio São Francisco, Itacambira e Alto São Francisco. um
deserto devido à baixa densidade populacional observada. (...) A
predominância do trabalho livre e a estrutura da posse de escravos concentrada
20
Definir sertão é tarefa complexa, sendo a história de seus usos por demais intrincada. Ainda assim as acepções
parecem conduzir sempre a uma determinada percepção da natureza que se faz diversa e apartada do conhecido,
do apropriado. O vocábulo em suas primeiras referências foi ao que parece, obra dos navegadores portugueses,
como atribuição às que se opunham à costa, o “sartaam” a que se refere Vasco da Gama, e que se preserva em
generalidade nas doações e forais das capitanias hereditárias nos primeiros séculos da colônia. Esta referência
esparsa no vocabulário dos navegadores vai com o tempo assumindo variadas qualificações nas referências dos
que desbravavam terra firme. O sertão passa designação mais específica a lugares, terras de determinados índios,
áreas por onde corre rio, etc., “os diversos sertões do interior”, tal como na referência de Luís dos Santos Vilhena.
De forma geral, no caminho dos paulistas interior adentro, foi-se demarcando multiplicidade de um território que
antes se tomava com um grande bloco na qualificação destes muitos sertões. Todavia, uma certa coincidência de
impressões qualificavam áreas, o obstante essa diversidade de especificações; eram sempre assim os lugares
perigo, as terras de gentios não amistosos e adversidades naturais de toda ordem (CUNHA , 2000, p7).
77
são características do Sertão. Uma agricultura para auto-consumo lado a lado
com grandes unidades produtivas geradoras de significativos excedentes.
Conforme assinalado anteriormente por Moraes (2000), o Brasil nasce e se
desenvolve tendo sempre a conquista e a expansão territorial como fundamento estruturador do
espaço. A análise espacial da configuração do Brasil e de seu território à época da Colônia deve
ser relevada na sua dimensão espacial para se conhecer o seu processo de formação. O interesse
pelo espaço a partir de uma visão geopolítica que vislumbrava a manutenção do domínio do
território se fez acompanhar de uma expressiva expansão territorial, conquista e ocupação de
região das minas de ouro.
Para incentivar a fixação do homem na terra, um dos principais fatores de ocupação
da região, destacada pela Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (1974, p.10), fora
a distribuição de sesmarias, que variavam em tamanho de acordo com a sua localização em
relação à margem do rio ou do sertão. Obedecia também regras pré-estabelecidas pelo
Conselho Ultramarinho. Os beneficiários da posse das sesmarias tinham até 4 anos para obter a
confirmação régia de seu benefício. Se confirmada, sua obrigação era de cultivar e ocupar a
terra, o que normalmente não acontecia, ficando o proprietário apenas com a carta recebida do
governador como único documento.
O Legado do latifúndio implantado através das sesmarias persiste até hoje e Garcia
d’Avila pode ser considerado um dos primeiros latifundiários da região.
Com a introdução do cultivo de cana-de-açúcar no baixo São Francisco a partir do
século XVI, a interiorização foi mais incentivada e a pecuária bovina se expandira como uma
atividade importante para garantir a subsistência. Aliado a isso a pecuária favorecia as
primeiras e incipientes instalações de comércio, que como as fazendas de gado, se instalavam
nas margens do São Francisco. Essa constituição da dinâmica econômica atravessou o século
XVI e XVII. A conquista do território, a montante do São Francisco, evoluía, mas
vagarosamente.
Segundo a Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (1974, p.12),
(.....) nas margens do rio São Francisco nasceram e cresceram muitas fazendas
de gado no decorrer do século XVII. A pecuária era o vínculo de ligação do
sertão com o litoral açucareiro. As fazendas do sertão abasteciam a zona do
açúcar, ao mesmo tempo em que se tornavam área de atração para as pessoas
pobres e marginalizadas daquela região, que viam na pecuária uma
78
possibilidade de melhorar sua condição de vida. Geralmente, a fazenda de
gado exigia pouca mão-de-obra. Os trabalhadores (vaqueiros) eram livres e
excepcionalmente se encontrava um negro escravo em uma fazenda do sertão
nordestino. Os vaqueiros eram brancos, mestiços, alguns poucos negros livres
e alguns índios. Euclides da Cunha dizia que todos os sertanistas eram
vaqueiros.
Além de um pequeno salário, diz a história que o vaqueiro era pago com uma parte
das crias, que ele recebia após alguns anos de trabalho. Essa forma de pagamento era um
grande estímulo para o vaqueiro que sonhava em ser fazendeiro e se instalar por conta própria,
passados alguns anos.
Dessa forma, a pecuária foi um excelente instrumento de expansão e colonização
do interior do Brasil. Com ela surgiram muitas feiras que deram origem a importantes centros
urbanos, como por exemplo, Feira de Santana, na Bahia. Em fins do século XVII, com a
mineração, a pecuária ganhou novo impulso econômico. A necessidade de abastecimento das
zonas mineradoras elevou o preço da carne bovina e, conseqüentemente, estimulou ainda mais
o crescimento econômico demográfico, em particular, na área de influencia do rio São
Francisco
21
.
Com as primeiras descobertas de ouro na porção mais ao sul da bacia, às margens
do Rio das Velhas, um de seus principais afluentes, as fazendas de gado que durante anos
fincaram raízes no vale do São Francisco, tornaram-se as principais fontes de abastecimento da
região mineradora com artigos de primeira necessidade, tais como, a carne, o couro, o fumo e a
cachaça, utilizando-se do rio como hidrovia e estabelecimento de contatos comerciais.
Começam a surgir vilarejos com nítida vocação comercial, como as atuais Januária, Pirapora,
Juazeiro e Petrolina.
Segundo Koshiba e Pereira (2003) a atividade aurífera levou à ocupação do interior
brasileiro onde os limites fixados em Tordesilhas foram largamente ultrapassados. As áreas de
ocorrência do ouro, afastadas do litoral e de baixa densidade populacional, exerceram tamanha
atração sobre o espírito dos reinóis e colonos que, em pouco mais de noventa anos, o numero
de habitantes do Brasil viu-se decuplicado, concentrando-se no centro-sul área que
21
Um outro fator que exerceu um papel importante na colonização do sertão, segundo Barbosa (1971) foram as
Missões Jesuíticas. Existia um combate constante entre os senhores das sesmarias ─ localizados mais ao sul ─ e os
jesuítas que estavam mais próximos dos índios dentro do sertão de Minas. Os primeiros deixavam o gado
invadir as plantações dos índios, e esses eram então obrigados a caçar para poder comer, se dispersando e
atrapalhando assim o trabalho dos jesuítas. Diante disso, os missionários fizeram uma reclamação formal à coroa e
ganharam à causa. Uma lei foi então criada, proibindo qualquer forma de contato entre essa região o Médio rio
São Francisco e o sul do país.
79
apresentava, anteriormente, população escassa e amplamente diluída cerca de cinqüenta por
cento do contingente humano da colônia.
A interligação das áreas ocupadas pelo colonizador europeu foi um primeiro
elemento de integração econômico-social. Ao mesmo tempo esboçava-se o mercado
consumidor interno e intensificava-se o processo de urbanização, de divisão do trabalho e de
especialização regional. Em cada momento relacionam-se as condições geográficas, de um
lado, e a maneira de recolhimento das riquezas minerais, por outro. O fato é que pelos
caminhos do norte vinham da Bahia e de Pernambuco, homens miseráveis, que morriam de
fome nas Minas, mas sonhavam com a mítica Paracatu, imaginando-a repleta de mercadorias
finas, vindas diretamente da Europa, uma vila toda dourada onde habitavam damas soberbas
que empoavam de branco os próprios cabelos e polvilhavam de ouro puro a carapinha das
negras de estimação.
No rumo de Paracatu, confluía a fronteira entre a fantasia e realidade do sertão,
principalmente em decorrência de suas jazidas aluvionais e da posição geográfica privilegiada,
ponto de ligação entre a extração de ouro de Goiás e as fazendas de gado dos Gerais
(STRAFORINI, 2001).
O Século XVIII caracteriza a consolidação, não da ocupação do sertão mineiro,
como também do rio São Francisco como via de integração espacial.
Conforme esclarece a Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia (1974,
p.14),
(...) a proibição de criação de gado a menos de 10 léguas do litoral,
formalizada em 1701, para não liquidar com as matas e prejudicar a
agroindústria açucareira, estimularia a conquista do sertão. Por outro lado, a
crescente necessidade de bois para a movimentação dos engenhos, transportes
e abastecimento alimentar incrementava o tamanho dos currais. A eliminação
quase completa dos cariris, nos primeiros decênios dos Setecentos, liberou
uma grande área para instalação de fazenda de gado
.
No começo do século XVIII a inserção do São Francisco como rota comercial
estava consolidada, sendo o rio um dos principais elementos para o deslocamento de homens
vindos de Salvador e Recife, que se dirigiam a região mineradora de Vila Rica ou se
aventuravam em Goiás para exploração de diamantes. Alguns destes indivíduos se fixavam nas
fazendas de criação de gado, aumentando o povoamento nas margens.
80
A partir da segunda metade do século XVIII, a mineração começa a declinar. Com
o esgotamento das minas em Vila Rica, as fazendas de gado do São Francisco sofreram uma
involução, principalmente pelo menor uso do deslocamento fluvial até a região mineradora.
Com a abertura de estradas entre as principais cidades e a aniquilação de praticamente todos os
índios que se opunham ao trânsito por elas, o rio perde sua importância como instrumento
regional de transporte mantendo apenas sua influência local que se mantém até os dias atuais.
Mais tarde, com a concorrência das estradas de rodagem e do transporte ferroviário,
o rio São Francisco perde eficiência no transporte de pessoas e mercadorias. Os centros
comerciais outrora fortalecidos pelo fluxo de comércio fluvial entram em decadência e,
começam a definhar. A agricultura e a pecuária readquirem o papel de principal refúgio das
famílias que habitam a região e ainda hoje são as principais atividades encontradas ao longo do
rio, seja para sustentar um comércio de subsistência, seja para fixar a população a terra.
A historiografia tradicional considera o período entre 1750 e 1850 como a fase de
decadência dessas áreas. Esses cem anos situariam a economia colonial entre a decadência da
mineração e a reconversão à agropecuária e o florescimento do café em outras regiões, em
particular as da Zona da Mata e Sul de Minas Gerais (ANDRADE, 2004).
Para Wildhagen e Batista (1993, p. 15-16), contudo,
(...) o declínio da mineração não provocou transformações bruscas na estrutura
produtiva estabelecida. A economia regional tinha uma produção
diversificada, inicialmente voltada para o abastecimento dos centros
mineradores e depois para mercados mais distantes. Esse fato deveu-se, entre
outros, à administração pombalina que fora flexível em relação ao
desenvolvimento de atividades paralelas à produção aurífera, o que facilitou o
processo de substituição de algumas importações, mais tarde (...) de 1780 a
1810 a economia mineira deixou de ter a mineração como atividade principal
e as atividades agropecuárias passaram a ser o seu eixo central. Nesse primeiro
momento, o objetivo era suprir as próprias necessidades e comercializar
eventuais excedentes nos mercados locais, que não eram desprezíveis, visto
que Minas Gerais tinha um grande contingente populacional herdado da idade
do ouro. Com a chegada da família imperial em 1808 (acompanhada de mais
dez mil pessoas ligadas à corte portuguesa) e a conseqüente criação de um
novo mercado, a produção se dinamizou e passou a ser endereçada também à
praça do Rio de Janeiro.
Além da atividade de extração mineral, a ocupação e o povoamento dos territórios
estiveram ligados a outro processo: o da expansão econômica das áreas no sul da capitania da
81
Bahia e no norte da mineira. Essa extensa área estava inserida nas rotas de busca por riquezas
minerais e nas de expansão dos currais de gado bovino. As duas frentes de ocupação do norte
mineiro, que vieram da Bahia e de São Paulo, deixaram a questão em aberto sobre a
precedência de baianos ou de paulistas no seu processo de povoamento. uma vertente de
análise que aponta para a predominância dos baianos nesse movimento, os quais instalaram
fazendas de gado bovino na região desde o século XVII. Nessa interpretação, as bandeiras
paulistas não deram continuidade ao povoamento, como ocorreu com as correntes vindas da
Bahia. Outra tese, de argumentação contrária, afirma que a primeira onda de povoamento da
região em questão foi paulista.
O que se verifica é que importantes bandeiras paulistas instalaram grandes fazendas
de criação no vale do rio São Francisco, contribuindo para o povoamento da região. Esse
impasse permite pensar em uma terceira via de interpretação, articulada a partir não da defesa
de exclusividade de uma frente ou de outra, e sim da compreensão de que esse processo de
povoamento pode ser visto como tendo sido promovido por ambas as frentes. De fato, ocorreu
uma simultânea presença de baianos e de paulistas na região, explorando, ocupando e
povoando. A permanência deles no território permite inferir que uns e outros participaram
efetivamente desse processo.
2.5 Das minas do centro às Minas Gerais
Para Martins, Silva e Lima (2002), os trabalhos sobre a população e a economia
provincial mineira realizados nos últimos vinte anos tiveram, entre outros objetivos, o de rever
algumas considerações estabelecidas pela “historiografia clássica/tradicional”. Servem como
uma revisão, que se contrapõe aos “velhos modelos explicativos”. Até o final da década de
1970 a historiografia clássica caracterizava, por exemplo, a primeira metade do oitocentos
como sendo marcada, sobretudo, pela decadência e estagnação econômica de Minas Gerais. O
esgotamento das minas de ouro, no século XVIII, provocou, segundo tais autores, uma
profunda crise econômica que, por sua vez, ocasionou o esvaziamento dos centros urbanos e a
realocação dos escravos ociosos em outras áreas mais dinâmicas, como o Vale do Paraíba.
Consideraram, ainda, que tais efeitos negativos da economia só foram atenuados em meados do
século XIX com o desenvolvimento do café na Zona da Mata, como assevera Marques (2002, p
01-02):
82
Esse retrato de Minas Gerais começou a ser repensado no início dos anos de 1980.
Através de um tratamento documental diferenciado os autores contemporâneos perceberam
outras perspectivas para se abordar o universo oitocentista mineiro.
Parece inegável que a história de Minas Gerais na sua origem, é a história das catas
de ouro e faiscação de diamantes pelos ribeirões e rregos que cortavam a região montanhosa
dos matos gerais dos índios cataguás. O século XVIII, período correspondente à mineração do
ouro e do diamante, foi fundamenal para Minas Gerais. Do ponto de vista histórico, cultural e
artístico, este período foi marcante para a consolidação de uma cultura urbana. Um dos legados
mais importante foi um rico acervo de arte colonial mundialmente conhecido, decorrente do
trabalho exercido por uma população composta de artistas, artesões, artífices, entre outros. O
ciclo do ouro e do diamante precipitou o povoamento da região de Ouro Preto e Diamantina. O
ouro foi o evento que fez surgir as minas gerais”. O estabelecimento de comércio entre as
sociedades pastoril e mineradora perpassam a fundação e consolidação da sociedade mineira.
Para Furtado (1969) dois aspectos fundamentais se destacam na sociedade que ai se
forma: a urbanização e a estratificação social. A sociedade que ali se formou, diferentemente da
sociedade formada pela monocultura-exportadora – de senhores e escravos – propiciou o
surgimento de uma camada intermediaria de funcionários, artífices e artesãos, entre outros, que
se dedicaram a produção de objetos, artefatos, costumes, ritos e mitos (religião, folclore,
música, culinária, vestimentas, etc.) aceitos e praticados coletivamente, capazes de distinguir
um determinado grupo social dos demais.
Para o mesmo autor a camada socialmente dominante era mais heterogênea,
representada pelos grandes proprietários de escravos, grandes comerciantes e burocratas. A
novidade foi o surgimento de um grupo intermediário formado por pequenos comerciantes,
intelectuais, artesãos e artistas que viviam nas cidades. O segmento abaixo era formado por
homens livres pobres (brancos, mestiços e negros libertos), que eram faiscadores, aventureiros
e biscateiros, enquanto que a base social permanecia formada por escravos que em meados do
século XVIII, representavam 70% da população mineira”.
Segundo Monte Mor (2000 a), a vida urbana mais intensa decorrente deste período
viabilizou também melhores oportunidades no mercado interno e uma sociedade mais flexível,
principalmente se contrastada com o imobilismo da sociedade açucareira. Era comum, por
exemplo, no início do século XVIII, ser grande minerador e latifundiário ao mesmo tempo.
Com o crescimento do número de proprietários a mineração gerou uma menor concentração de
renda, ocorrendo inicialmente um processo inflacionário, seguido pelo desenvolvimento de
83
uma sólida agricultura de subsistência que, como a pecuária, consolida-se como atividade
subsidiária e periférica.
Para Monte Mor (2000 b) o impulso inicial da urbanização foi dado, de fato, pela
mineração, mas a continuidade do processo teve outros determinantes, como a agricultura, a
manufatura, a pecuária, e também motivações político-administrativas. Nesse sentido, a
constituição de regiões” e dos núcleos urbanos teve diferentes momentos e determinações,
dados pelo fluxo de pessoas, de mercadorias, de informações e pela própria ampliação da
estrutura judiciária, que teve em Minas quatro comarcas durante o período colonial (...) A
dinâmica da urbanização de Minas Gerais, nos culos XVIII e XIX, não foi uma simples
conseqüência da produção aurífera, mas de uma complexa rede de interações sociais e
regionais, possibilitadas pela emergência de diversas atividades produtivas, pela rápida
ocupação do território, pela diversificação (quantidade e qualidade) dos serviços, sendo este
último aspecto aquele que distinguiu Minas no Brasil colonial.
Sobre a difusão de povoados e caminhos resultantes da mineração na região central
de Minas, Monte Mor (2002 a, p 02), observa que as diversas tentativas de penetração no
interior da mata Atlântica para além da Serra do Mar deixaram os caminhos marcados por
arraiais dispersos ao longo dos vales, dos rios, dos passos das serras e outros pontos discretos
articulando os muitos fluxos. Buscando sítios privilegiados por acidentes geográficos que
facilitassem os deslocamentos regionais, os arraiais eram também redefinidos localmente pelo
cuidado lusitano na escolha do sítio urbano, garantindo a elevação, o descortínio, a salubridade.
Ao final do século XVII,
quando já proliferavam as descobertas de ouro de aluvião nos leitos dos rios
do interior, alguns arraiais eram importantes, como ponto de apoio para os paulistas que buscavam, a
partir do rio das Velhas, as lendárias “minas de Sabarabussú”.
Prosseguindo, o autor afirma que,
(...) as descobertas ou primeiros achados expressivos de ouro definiam o
assentamento e implicavam também a construção imediata de capelas, toscas
que inicialmente fossem, nos morros, outeiros ou encostas adjacentes onde
depositar as imagens trazidas na empreitada e agradecer aos santos de
proteção, ao Cristo ou à Virgem. Os arraiais se organizavam então em torno
das capelas e se estendiam pelos caminhos de acesso às áreas de mineração.
22
(2002 a, p04)
22
Segundo o mesmo autor, o tecido urbano resultante era via de regra linear, compondo-se espontaneamente à
medida que caminhava a mineração e se fortaleciam suas interligações. Dada a distribuição do ouro em várias
grotas e córregos, senão distantes entre si pelo menos separadas por acidentes geográficos, diversas eram as
nucleações que surgiam ao longo dos caminhos. O caminho principal, ou caminhos principais, logo ou tarde
84
Segundo Furtado (1969) no intervalo de um século, o espaço da capitania se
transformaria com grande velocidade, e produziria não só o redesenho da economia e da
estrutura demográfica, como promoveria, a partir do impulso do ouro, a primeira articulação
macro-regional do território brasileiro. No que diz respeito especificamente a sua dinâmica
interna, e aos efeitos diretos das estruturas econômicas e demográficas na produção do espaço,
o que se verifica é um gradual processo de diferenciação regional no mapa da capitania, onde
foram especialmente importantes os processos de diversificação das atividades produtivas e dos
eixos de comércio, sobrepondo por vezes, no mesmo período, movimentos de desenvolvimento
e retração de alguns setores da economia.
É evidente que a descoberta das minas de ouro aumentou o interesse da coroa
portuguesa pela ocupação territorial do interior, e a ocupação, como explicitado anteriormente,
orientou-se por dois sentidos principais de penetração: dos paulistas, de sul para norte, e o
movimento do nordeste para o sul, da Bahia e de Pernambuco aproveitando os vales do rio São
Francisco e Rio das Velhas. Existem registros desta ocupação inicial assinalando as minas de
ouro descobertas nas cabeceiras dos rios das Velhas, Paraopeba, entre outros, algumas fazendas
no vale do Rio das Velhas junto a sua barra no Rio São Francisco e várias outras situadas à
jusante desse ponto, em ambas as margens.
Eram fazendas que possuíam engenhos de açúcar, alambiques, refinaria de açúcar,
moinhos para triturar as raízes da mandioca, forno para secar farinha, pocilgas para engorda de
porcos, estábulos para ovelhas, curral para vacas, curral para bezerros, pomares, plantações de
café e trigo, hortas, cultivo de plantas medicinais, vinhas e canaviais.
A criação de gado fora a grande atividade econômica do Sertão. Atividade bastante
difundida e geradora de comércio valeu-se da existência de boas pastagens e terras salitrosas,
que dispensavam a aquisição do sal pelo criador
23
.
recebiam ordenações que os transformavam em espaços institucionalizados, garantindo localização privilegiada
para o comércio e abastecimento e não mais tratados apenas como espaços de produção, mas subordinados a
controle de ocupação urbana voltados para a reprodução. (Monte Mor a, p.4)
23
Cunha (2000. p 8) nos diz que, a área dos arraiais mais antigos e onde mais rapidamente se verificou um
adensamento populacional derivado da mineração, reúne ao sul os núcleos de o João e o José Del Rey, com
campos propícios para a agropecuária; a oeste os descobertos de Pitangui, em meio aos prados curraleiros; mais
ao centro os principais núcleos auríferos, nas cristas da Serra do Espinhaço, tomado pela paisagem montanhosa de
Vila Rica, Mariana, Sabae Vila Nova da Rainha (Caeté) no leito do Rio das Velhas. Mais ao norte, limitam-se
essas minas com as áreas das descobertas de diamantes, onde estava a Vila do Príncipe (Serro) e acima o arraial do
Tejuco (Diamantina), plantado entre o maciço do Espinhaço e em outro clima e vegetação. A diversidade nas
paisagens soma-se na percepção desse perímetro como a região das minas.
85
Nos primeiros anos do século XVIII surgiram núcleos distribuídos por áreas de
características geográficas distintas, mas que terminariam por compor um espaço não
descontínuo que concentrou a maior parte da população mineira por 200 anos ininterruptos, até
o advento do café na Zona da Mata e o surgimento da forte centralidade encabeçada por Juiz de
Fora na segunda metade do Dezenove.
Minas Gerais, conforme concluíra Francisco Iglesias e Celso Furtado, foi
responsável pelo primeiro movimento de verdadeira articulação inter-regional na Colônia e
pela simultânea diferenciação interna sub-nacional. O processo de regionalização da capitania
respeitava as diferenças econômico-produtivas das áreas complementares à mineração e
articulava os mercados regionais de curta e de longa distância. Foi entre as rotas do sertão do
norte e nordeste, dos caminhos velho e novo, das direções foz-nascente dos rios principais que
se definiram as coordenadas que a Coroa e o povo das “minas” aprenderam a utilizar na
apropriação dos territórios.
Pode-se concluir que dois momentos foram importantes na articulação do Alto-
Médio São Francisco com o resto de Minas. Um primeiro, o da articulação incipiente, antecede
a explosão do ouro e diamante e se de uma forma pouco intensa. Num segundo momento a
articulação com a região das minas passou a ser muito forte e constitutiva de laços de
importância capital para o desenvolvimento subseqüente da navegação pelo rio São Francisco.
2.6 Da geohistória à produção cultural
A produção do espaço territorial do Alto-Médio São Francisco esteve vinculada ao
ciclo da pecuária e da circulação mercantil no vale do rio São Francisco por muito tempo. Todos
os municípios Carinhanha, Januária, Manga, Matias Cardoso, Montes Claros, Paracatú,
Pirapora, São Romão, São Francisco são núcleos nascidos da expansão das fazendas de gado e
da abertura dos caminhos de tráfego comercial que margeavam ou cortavam o São Francisco.
Portanto, se faz necessário uma abordagem circunstanciada do valor que representam esses dois
elementos, no processo de formação e consolidação do território. O entrelaçamento dessas
experiências rio, pecuária e agricultura de subsistência -, tem norteado as maneiras e formas da
organização social tradicional entre as populações desse território. O modo de vida dessas
86
comunidades está diretamente imbricado com o rio e a pecuária. A relação que estabelece com a
cultura é uma resultante dos processos interativos que ligam o natural ao cultural
24
.
A criação bovina e a pesca foram atividades disseminadas por todo o vale, mas é o
rio o Francisco, antiga e importante via de comunicação, que eleva a região à condição de
privilegiada rota comercial, com atividades mercantis de vulto, pois constituíu-se em rota
preferencial de escoamento dos produtos de várias regiões para as províncias do nordeste do
Brasil.
Segundo Carneiro Filho (2005), o rio São Francisco serviu de via para transporte de
alimento (milho, feijão, carne seca, rapadura, farinha) destinado ao suprimento das minas de
ouro, mas por ele também seguiam escravos e garimpeiros vindos de outras regiões. Serviu
também para evasão (saída) de ouro que chegava até Salvador. Graças a este particular, o
controle da navegação pelo rio tornou-se mais incisivo por parte da Coroa portuguesa, a ponto
de chegar a proibir o tráfego de mercadorias, o ouro em particular, sendo permitido apenas
transporte de alimentos destinados ao abastecimento das minas.
Um grande rio como o São Francisco, suscita uma série imensa de possibilidades no que
diz respeito a relações entre o homem e o próprio rio, o homem e as águas. O rio é essencial
para que as populações circulem por ele, num incessante ir e vir. Os rios foram fundamentais na
historia da humanidade para afirmação de muitos povos, muitos assentamentos e o rio São
Francisco não foge à regra. Foi seguramente no passado, muito mais importante do que ele é
hoje, e muitas localidades se afirmaram no seu grande vale.
O reconhecimento do São Francisco como um via de interiorização da expansão
econômica portuguesa no território brasileiro é, sem dúvida, um fato consolidado
historicamente, embora o seu reconhecimento como via de difusão de matrizes sócio-culturais
no Brasil seja um tema que necessita ser melhor explorado.
Ao enfocar os valores e significados reconhecidos pela população de territórios da bacia
do São Francisco, as heranças do passado, a paisagem cultural e a força dos lugares
representada pelos símbolos identitários, consideram-se as espacialidades e a importância do
rio enquanto meio de penetração no território brasileiro, na época colonial, a partir do norte.
24
Deve-se salientar que a caracterização da navegação e da pecuária do Alto-Médio São Francisco baseia-se em
dados e informações e relatos coletados através de entrevistas com pessoas das comunidades visitadas, consulta
em livros, jornais, revistas, periódicos, boletins técnicos, artigos e trabalhos acadêmicos e sites na internet.
87
2.7 – Elementos característicos da navegação no São Francisco
Como vimos, o rio São Francisco e seus principais afluentes vinham sendo utilizados
como importantes vias no processo de interiorização territorial e no comércio de gêneros. No
caso do comércio, pode-se falar da existência de uma hidrovia popular, em que circulavam uma
infinidade de embarcações mais leves, funcionais para o comércio realizado cotidianamente
entre as localidades ribeirinhas e seu entorno, tendo, no “barqueiro” ou nos remeiros”, suas
figuras humanas de maior expressão.
Por quase um século, a importância econômica, política e cultural, de muitas localidades
no vale do São Francisco, esteve relacionada diretamente à necessidade e à capacidade de
utilização do rio enquanto um caminho de integração. Isso se dava particularmente no caso das
localidades portuárias mais bem equipadas, a exemplo de Pirapora, com sua conexão
hidroviária com Juazeiro e ferroviária com Belo Horizonte e Rio de Janeiro, ou com Salvador.
Pode-se destacar ainda, aquelas localidades que apareciam no sistema hidroviário enquanto
importantes entrepostos comerciais, como São Romão, Januária, Ibotirama, Barra, Pilão
Arcado, Remanso, Casa Nova e Sento Sé.
Assim sendo, pode-se dizer que muitas narrativas se acumularam centradas em
aspectos culturais da navegação, com destaque para os utensílios, hábitos, usos e costumes,
crenças e formas de vida cotidiana. A seguir são apresentados alguns dos objetos, personagens
e aspectos que faziam parte da vida ribeirinha e cujas descrições foram obtidas em conversas
com cidadãos da comunidade, estudiosos locais e em visita a sede da Codevasf, localizada no
município de Januária..
As canoas
Eram embarcações de uso generalizado, mas que no rio São Francisco e seus
afluentes tinham características próprias provenientes dos índios. Em outras partes do país
havia canoas de casca de árvores, de tábuas, etc. No Alto e Médio São Francisco eram feitas de
tamboril preto ou cedro. Para tal abatia-se a árvore, lavrava-se retirando-lhe a casca e o branco
da madeira já dando a forma externa da embarcação. Em seguida, era escavada com fogo ou
ferramenta polida por dentro. As bordas eram ligadas com pequenas tábuas onde os passageiros
se acomodavam. Havia canoas de várias dimensões. As pequenas eram geralmente usadas na
88
pesca em lagoas. As grandes eram empregadas no transporte de cargas e em viagem no rio São
Francisco e afluentes e para travessia. Transportavam areia e produtos agrícolas trazidos das
ilhas e vazantes pelos barranqueiros.
O paquete
É ahoje uma embarcação que pode ser impulsionada a remo, a vela, a motor de
popa ou de centro. No principio fora idealizada para viagens nos afluentes, transportando
cargas de comerciantes ambulantes. Além de trafegar em riachos onde a barca não entrava, era
usada para travessia nos portos mais importantes. Com a escassez de árvores de grande porte
para as canoas, passou-se a usar os paquetes ou outros tipos de barcos. Para construí-los partia-
se ao meio um cocho, que nada mais era do que uma canoa sem acabamento final. As duas
metades do cocho eram colocadas nas laterais e ligadas ao fundo de tábuas pelas cavernas ou
costelas. As cavernas eram em forma de esquadro feitas da madeira chamada rosqueira. Esse
tipo de embarcação é usado até hoje sem remos nem velas e sem motores.
O ajoujo
O ajoujo era uma embarcação usada para a travessia do rio São Francisco
conduzindo animais de montaria ou tropa e bovinos de alto valor. Na ocasião da romaria da
Serra das Araras, transportava todos os animais de montaria dos romeiros durante vários dias
na ida e na volta. Esta embarcação era operada por três homens sendo um piloto e dois que
remavam ou empurravam andando na coxia. Nas margens onde era pouca a profundidade, eram
usados os varejões que tinham um gancho na ponta que servia para fixá-lo no fundo do rio. A
outra extremidade era colocada no peito do remeiro que ia andando vagarosamente pela coxia
em sentido contrário à marcha do ajoujo que era empurrado com os pés.
A embarcação mais comum é uma junção de duas ou três canoas sendo que, quando
três, a mais comprida deve ficar no centro. As melhores madeiras são o forte e leve tamboril, o
vinhático e o cedro brasileiro que tem cerca de uma polegada de espessura. Às vezes um
leme que se fixa na mais comprida das canoas; na falta deste, o piloto tem que remar de ou
89
sentado na popa. De preferência as canoas têm que ser ligadas umas às outras por correias de
couro com intervalo de seis a oito polegadas entre elas, e não ligadas por barras de ferro na
proa e na popa, pois isso elimina toda a elasticidade. Estas canoas cilíndricas ou quadradas,
presas por correias de couro à murada suportam o assoalho, que deve ser bem ajustado
lateralmente para impedir a penetração de água quando a embarcação se inclina. Consta ela de
dez buas estendidas horizontalmente, projetando-se aos lados, em coxias ou corredores de
oito a dez polegadas de largura onde os homens trabalham.
Quando se alcançava a parte profunda, os homens passavam a trabalhar com dois
remos até chegar à margem oposta. Nos últimos tempos, o ajoujo não era mais uma
embarcação de viagem. Era usada somente em travessia de rios. Alguns eram construídos pelo
poder público que os arrendavam para serem explorados por particulares.
Os últimos que prestaram serviço nos portos do São Francisco eram particulares. A
embarcação tinha um estrado sobre duas canoas grandes de cedro ou tamboril onde se construía
um curral. Nas laterais existiam duas coxias por onde transitavam os varejeiros para empurrar a
embarcação.
A barca
A barca era, antes da navegação a vapor, o mais importante meio de transporte no
rio São Francisco e seus afluentes navegáveis. Fazia o comércio de compra e venda entre as
localidades ribeirinhas. Era carregada em Juazeiro, Pirapora, Santa Maria no rio Corrente e
Barreiras no Rio Grande. Da cidade de Juazeiro trazia o sal, o querosene como carga principal,
que era vendida nas localidades marginais, até chegar aos pontos finais. Descendo o rio,
levavam de Pirapora o café e produtos manufaturados do sul. Da cidade de São Francisco,
levavam a rapadura, a farinha e toucinho, e de Januária vinham a cachaça, a rapadura e as
peles. A barca era um armazém flutuante, pois o barqueiro vendia também miudezas no varejo.
Uma viagem completa durava dois meses, quando sem imprevistos. Era comandada pelo
proprietário, ou o encarregado da firma comercial. Todas eram registradas na Capitania dos
Portos. De acordo com o tamanho poderia ter de 12 a 20 contratados, pois uma barca tinha
capacidade de carga de 10 a 30 toneladas. Uma barca média podia ter 7 metros de comprimento
e 2 metros de largura. O casco era feito de cedro, e a armação interna, ou cavernas, eram de
camassari ou vinhático. A cinta e o banco eram de pau-d'arco, os remos de folha de bolo ou de
90
caraíba, as velas, duas no mesmo mastro, eram de algodão lonado resistente. As barcas não
tinham âncoras. Os varejões ferrados eram usados quando a barca navegava na calmaria, em
água rasa e os remos entravam em ação, quando a embarcação alcançava as partes profundas do
rio. O navegador, chamado de "prático" era quem determinava o rumo e o canal a seguir.
Elas eram pesadas e solidamente construídas, com fundos chatos e sem quilhas,
popa e proa arredondadas. Alguns dos prósperos comerciantes ribeirinhos possuíam
embarcações pintadas em azul claro, vermelho vivo, verde, com portas e janelas de vidro na
cabine, que servia como loja, armazém e moradia, com prateleiras e armários contendo
mercadorias, e espaços para pendurar redes. O trabalho de um longo dia de esforço para
propelir o barco correnteza acima, com pesadas varas de 20 a 24 pés de comprimento, não
apenas requer músculos mas também considerável experiência. As varas são usadas para subir
a corrente; para voltar, empregam-se grandes remos pesados. Entre a idade de 18 a 20 anos, os
homens começam seu árduo aprendizado e treinamento para o uso da vara; uma extremidade
delas é colocada contra o peito, e a outra é estocada contra o fundo do rio, eles impelem a
barca para a frente.
A barca tinha na sua proa, uma figura esculpida em madeira, a cabeça de cavalo de
aspecto fantasmagórico, que é também chamado "leão de barca" e depois "carranca", que é hoje
o símbolo do rio São Francisco. Atribuíam à carranca poderes de proteger os navegantes e as
barcas, contra os maus espíritos. As barcas tinham uma espécie de trombeta de chifre ou buzina
que era soprada na chegada e saída, e no encontro com outras embarcações. Navegaram aos
anos de 1940.
91
Figura 4: imagens de canoas usadas no rio São Francisco
Figura 5: fotografia de um Paquete
Figura 6: fotografia das barcas usadas na navegação do rio São
Francisco
Fonte:http://tbn0.google.com/images?q=tbn:LbCgwvmNnbLoTM e do próprio autor
2.8 – A pecuária formando a cultura e a territorialidade
A pecuária, sempre foi uma atividade de expressão econômica e influenciou
sobremaneira a configuração do território da bacia do rio São Francisco. Desde o inicio da sua
ocupação pelos primeiros portugueses, o gado bovino foi se disseminando pelos campos e
cerrados da margem do rio e pelas matas secas, tabuleiros e baixadas à margem direita.
Segundo Mata-Machado (1991, p.24)
(...) O sertão noroeste de Minas foi ocupado simultaneamente pelos vaqueiros
que seguiram o curso do rio desde a Bahia e Pernambuco, e pelos bandeirantes
paulistas que, movendo guerra ao gentio, fundaram povoados e se
estabeleceram como grandes criadores.
(...) a pecuária, praticada em regime extensivo, foi a atividade econômica
predominante. É possível fazer distinção entre a economia voltada “para fora”,
através da exportação de gado para as regiões litorâneas, e uma economia
92
“para dentro”, fundada no aproveitamento dos recursos florestais, na
agricultura, na caça e na pesca. As relações econômicas com o litoral foram
pequenas se comparadas com as trocas inter-regionais estabelecidas no
interior. A via navegável do Rio São Francisco facilitou as relações com o
Estado da Bahia, sendo Juazeiro, ponto terminal da navegação, um centro
comercial que estabelecia relações com os estados do Norte e Nordeste. O
relevo suavemente ondulado dos “gerais” possibilitou o contato relativamente
fácil com o vizinho estado de Goiás e, através do Rio das Velhas, fez-se a
ligação com a região central de Minas (...) o gado vindo, principalmente, do
litoral da Bahia impulsionou a ocupação do interior em direção ao sul
adentrando pelo vale do rio São Francisco. Na margem leste baiana do rio São
Francisco era volumosa a criação de gado em meados do século XVII,
estimada em cerca de 500.000 cabeças por volta de 1690. A criação penetrava
para o interior, mas os pontos de venda ainda se restringiam praticamente aos
centros populacionais do litoral. Durante este percurso, entre os currais e os
pontos de venda, era comum ocorrência de doença e desvios na boiada.
Muitos tipos característicos e manifestações culturais se desenvolveram no
território compreendido pelo Alto-Médio São francisco, assim como utensílios, bitos, usos e
costumes, crenças, formas de vida cotidiana. A seguir o apresentadas algumas destas
características e aspectos culturais pertinentes a pecuária local. Deve-se esclarecer que essas
informações o fruto de pesquisa em documentos encontrados em cartórios, repartições,
fóruns, escolas, Instituições Públicas e também do relato de moradores das comunidades
visitadas.
A fazenda
Durante muito tempo as fazendas de criação consistiam em instalações simples em
que havia a casa do fazendeiro, o depósito para arreios e a casa do vaqueiro. O curral por
tradição era sempre do lado direito da casa. Além do quintal com algum pomar havia um local
cercado de maior extensão onde ficavam os animais de montaria e os bezerros. O gado adulto
era solto nos campos e facilmente encontrado nos logradouros, que eram os locais onde eles
“malhavam” em certas horas e eram tocados para os currais.
Manejo do rebanho
Quando as boiadas atravessavam o rio, os vaqueiros forçavam o gado a cair na água
e os canoeiros previamente colocados nas laterais do mangueiro tangiam-no direcionando o lote
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para um determinado ponto de saída onde outros vaqueiros estavam para recebê-lo. Era a
ocasião em que a canoa substituía o cavalo. Eram impulsionadas por remos compridos de
caraíba ou folha de bolo. E o canoeiro remava em na popa. Costumava-se usar a vela
triangular feita de tecido de algodão fino que auxiliava bastante nas épocas de vento brando.
A mortalidade era alta, pois vacas pariam nos campos, e bezerros, recebendo uma
assistência tardia, morriam prematuramente. Sem vacinas, o sal era distribuído tão somente na
lua nova. Diversas eram as causas de perdas no rebanho: doenças como o carbúnculo
sintomático, chamado "quarto fofo", manqueira ou mal de ano, a aftosa, picadas de cobras,
ervas venenosas e outros não identificados causavam grandes prejuízos. Durante as secas o
gado se enfraquecia pela falta de sais minerais, reservas de pastagens e sede. Ao descer para
beber água nos córregos, veredas e cacimbas às vezes atolava na lama e mesmo retirado
permanecia deitados, vindo a morrer. Além destes males, os criadores supersticiosos tentavam
curar com orações e falsos remédios para as bicheiras, as cólicas, os timpanismos e acidentes.
Boiadeiro
O boiadeiro era uma figura importante para a vida da pecuária, pois era ele que
movimentava o rebanho e fazia circular o dinheiro. Negociava por conta própria ou por
comissão, recebendo o dinheiro do invernista para quem formava as boiadas. Atravessava o rio
São Francisco e ia pra o sertão de Urucuia, Goiás ou Serra das Araras onde comprava os bois
de boiada na idade de engorda, as vacas de descarte assim como os garrotes velhos. Era
muito raro o comércio de bezerros, a não ser na margem direita no atual município de Brasília
de Minas e outras regiões onde se criava o gado no pasto.
O boiadeiro na sua comitiva às vezes levava touros ou animais de sela para serem
trocados por bois magros. O boiadeiro, na escala social rural, formava um segmento de elite. O
seu traje típico de roupa vistosa, botas, guiaca, arma de fogo, capa e arreios de boa qualidade
despertava a atenção por onde passava. A maneira de negociar exigia dele boa aparência e
desenvoltura para conduzir a conversa.
O aprendizado era lento e passava por diversas fases. Tinha de conhecer gado,
animais de sela, saber montar, arreiar corretamente um animal e ter resistência para grandes
jornadas que duravam meses. Apartar uma boiada, comprar, contar as manadas durante a
viagem, comandar os homens rústicos que às vezes se impacientavam nas longas ausências de
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casa, não são tarefas fácéis. O boiadeiro era na estrada o capataz, o vendedor, o comprador.
Saber a hora de apertar ou afrouxar a marcha da boiada sem que ela se cansasse na jornada
longa, era arte que não se aprendia em pouco tempo. O boiadeiro começava na lida ainda no
curral da fazenda como vaqueiro tratando de vacas e bezerros, animais de arreio, até o posto de
condutor. Quando pegava a estrada era homem afeito à labuta e às surpresas do trabalho.
Com tudo isso havia certo romantismo e orgulho de estar pronto para correr mundo e se
envolver na poeira ou na lama da estrada.
Vaqueiro
O vaqueiro era o operário da pecuária e sentia orgulho da profissão. Ele se via
como classe privilegiada por gozar da liberdade de ir pelo mundo afora tal como seus ancestrais
do tempo das grandes manadas e longas viagens. Nunca se esmorecia diante da labuta quando o
gado estourava, quando a culatra pesava durante as grandes jornadas ou era surpreendido com a
chuva que trazia o desconforto do pouso.
Na seca tratavam do gado faminto e fraco procurando uma ração aqui e ali para os
animais sob seus cuidados. Nas águas, as várzeas do São Francisco eram inundadas e eram
reunidos grupos de homens que saiam pelo alagadiço juntando as reses ilhadas, forçando-as a
nadar para alcançar o alto enxuto, montando em cavalo de grande resistência pelos
sangradouros e lagoas. Ganhava pouco, mas nem assim deixava de enfrentar o trabalho duro
que lhe permitia provar sua coragem junto aos companheiros, gozar dos prazeres que aquela
vida lhe proporcionava. Seu companheiro fiel era o burro ou o cavalo que o conduzia e
perseguia a rês arribada. Era preciso saber tratar do animal de montaria na hora de ajustar o
arreio, forrando o lombo com cuidado, para evitar pisaduras. Na estrada devia saber fazer as
manobras nas cabeceiras para não cansar o animal com movimentos desnecessários. Na hora de
procurar uma rês desgarrada tinha que saber rastrear, distinguindo o rastro do gado do pasto
com o do boi que procurava. O pagamento que recebia era por dia de viagem variando o preço
se ia ou o na sua própria montaria. Comia na cozinha da comitiva na ida e se na volta ele a
acompanhasse, comeria por conta do patrão.
Os vaqueiros independentes moravam nas suas pequenas propriedades ou nos
subúrbios dos povoados ou cidades, o que os diferia dos vaqueiros que moravam nas fazendas e
que conduziam o gado dos patrões.
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Os vaqueiros tinham certas especialidades, pois uns eram laçadores, outros grandes
rompedores de mato fechado e os mais ousados topavam o boi feroz com a guiada ou
aguilhada, que era uma vara com ferrão na ponta e com ela enfrentavam o boi, a pé, frente a
frente, pondo-lhe a ponta do ferrão na testa e ficando a uma distância de dois palmos em duelo
até o boi se afastar. O traje que o vaqueiro envergava com orgulho consistia no chapéu de
couro, perneiras, gibão e às vezes o guarda peito que era uma espécie de avental curto que ia
até a cintura. Nas viagens demoradas levava pouca bagagem, pois a natureza do serviço não
permitia ter amarrado na sela mais que um malote de lona com cobertor, uma muda de roupa e
ao lado um bornal ou capanga de sola contendo miudezas de uso pessoal. O peão ou vaqueiro
de curral nem sempre lidava com o gado macho de boiada. Cuidava do gado de cria da fazenda,
tirava leite e tratava dos bezerros. Podia ser assalariado ou trabalhador recebendo a "sorte" que
consistia em receber 1 de cada 4 bezerros ferrados.
Os animais de trabalho
O animal para pequenas viagens e grandes corridas para pegar gado bravo era o
cavalo. Algumas fazendas possuíam criações para reprodução, com rebanho de éguas e
reprodutores. Compravam-se também cavalos amanssados e bons de arreio para viagens ou
para a lida com o gado. A raça era indefinida, sem um tipo padronizado. As cores mais comuns
dos cavalos eram o preto, o castanho, alazão, rosilho, queimado ou tordilho, ruço, pampa e
outros intermediários. Eram domados por peões especialistas, quando faziam a primeira muda e
passava por um período de "acerto" para aprenderem a obedecer àdea e ficarem mansos para
o vaqueiro carregar na cabeça da sela um bezerro ou uma vasilha de sal.
Os burros e mulas, são o produto do cruzamento de jumento com a égua, o
cruzamento de cavalo com a jumenta produz o "bardoto". Os muares eram usados em viagens
longas que necessitavam de animais resistentes. Quando o muar não tinha bom passo ou
agilidade ele era deixado para cangalha ou carroça. O burro de tropa foi muito útil antes da
chegada dos veículos de transporte, pois ele transportou tudo no interior brasileiro. Os defeitos
dos burros eram dar coice, empacar e serem lerdos.
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Os arreios
O arreio era simples, constava de estribo de madeira ou sola com armação de ferro,
às vezes feito por seleiros, enquanto as esporas, freios e argola eram produzidas pelos ferreiros.
Os arreios dos vaqueiros o eram iguais aos dos boiadeiros. Os vaqueiros usavam as selas
mais simples fabricadas na região, porém eram fortes e seguras. A arreiata completa
compunha-se de enxerga ou baixeiro, a sela, o cabresto de couro cru ou cabelo da crina dos
próprios animais. Alguns levavam o laço de couro de bovino ou de veado mateiro de grande
resistência. Nem todo vaqueiro era bom laçador. Tinha geralmente um facão na cabeça da sela
e um bornal na garupa. Os estribos eram de madeira, de sola com armação de ferro ou somente
de metal. Para excitar o animal, além das esporas, levavam preso ao pulso o chicote de couro
cru ou uma pirata de cabo de madeira.
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Figura 7: fotgrafia do rebanho criado no Alto- Médio São Francisco
Figura 8: Imagem de boiadeiro do Alto-Médio São
Francisco à época colonial
Figura 9: fotografia do vaqueiro do Alto- Médio o
Francisco à época colonial
Figura 10: a
nimais de trabalho usados na pecuária do Alto
-
Médio São Francisco
Fonte: http://tbn2.google.com/images?q=tbn:0kZWWyyU_KlVIMwww.boiapasto.com.br/wp-content/uploads/suple. e do
próprio autor
Os arreios de boiadeiro eram mais vistosos, caros e naturalmente de melhor
qualidade. As selas eram feitas antigamente em Curvelo, depois em Montes Claros. A cabeçada
da sola branca, o rabicho e a alça da cilha guarnecida de fivelas de metal branco e passadores
de sola ou prata tinha ainda a ponta e o afogador. Nas relações de bens dos inventários de
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século XIX os adornos eram destacados. Ameados do séc. XX comprava-se metal branco
vindo de Rio de Contas. Os metais da sela, do rabicho e do peitoral eram de alpaca. A enxêrga
recheada de cabelo encrespado era de tecido de boa qualidade. Na garupa, presa às garupeiras
da sela havia o malote ou capoteira aonde ia a roupa e sobre ela a capa gaúcha de feltro que
servia para se proteger da chuva e também como cobertor.
O comércio de gado
O gado era vendido magro para os boiadeiros que repassavam aos invernistas de
outras regiões. Depois que alguns fazendeiros formaram pastagens e invernadas as companhias
abatedoras mandavam os seus empregados fazerem a apartação nas fazendas e marcavam o dia
e a hora da pesagem na estação ferroviária mais próxima. Os pontos de embarque funcionavam
em Pirapora e Montes Claros e as boiadas saiam desta região tocadas a pé e demoravam de São
Francisco a Montes Claros sete dias, com grande perda de peso.
O rebanho criado era gado curraleiro de tipo bastante misturado o havendo raça
definida. depois de 1930 começaram a aparecer os tipos azebuados que eram vendidos por
"garroteiros" aos criadores. A partir daí, sem nenhum controle de sangue, foram sendo cruzados
até desaparecer os antigos tipos de grande resistência que vieram com os colonizadores.
O gado adquirido na margem esquerda do Rio o Francisco, vinha do Urucuia,
Serra das Araras e estado de Goiás. Atravessavam o rio nadando, tocado por canoeiros.
Chegavam a nadar 5 km, e eram freqüentes as perdas por afogamento. As reses fracas e as de
muito valor eram postas no ajoujo que cruzava o rio na base do remo e do varejão.
Marcação do rebanho
A colocação de um sinal de identificação nos animais tinha um significado especial
para os criadores. Era o sinal de posse, poder e afirmação na sociedade. Nas grandes fazendas a
ferra era uma festa. As marcas dos novos animais podiam ser feitos por meio de cortes nas
orelhas ou ferro em brasa em diversas partes do corpo. Cada corte na orelha conforme a
posição onde era feito significava um nome ou um número. Em outras regiões adotavam
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posições de cortes diferentes lavrada pra baixo, porém com a mesma finalidade. A marcação a
ferro quente era e ainda é até hoje a mais preferida.
Os ferros ou marcas são desenhados e entregues aos ferreiros que com perícia
forjam o ferro e fazem letras, números ou sinais escolhidos pelos criadores. pessoas que
usam as iniciais do seu nome, os dois últimos algarismos do ano de seu nascimento, sinais
cabalísticos, alterações pequenas de outras marcas ou simples desenhos de objetos. É
importante ter uma marca, tanto para garantir a posse e dos animais, como por questões legais.
O governo exigia o registro das marcas em livro próprio nas antigas Câmaras e depois nas
Prefeituras.
Meios de contenção dos animais
diversas maneiras de conter um animal seja para tratá-lo, evitar que ele saia do
pasto, ou que fuja quando está sendo conduzido. Laçar quando se quer contê-lo para marcar,
tratar de feridas ou fazer outra intervenção. Para evitar que a rês saia do pasto ou entre numa
roça põe-se canga no seu pescoço, que é uma simples forquilha. Antigamente, quando se
conduzia uma rês na estrada amarrava-se o tapa que era uma lâmina de couro cru diante dos
olhos vedando a visão frontal, o que a impedia de correr. Para que o animal fosse mais fácil de
ser localizado pendurava-se no seu pescoço um polaco ou cincerro, cujo badalar se ouvia de
longe. Cada região tinha os seus meios de conter e de conduzir os animais.
Usos e costumes nas fazendas
Os moradores das fazendas de porte médio que viviam da lavoura e pecuária eram o
proprietário e seus familiares, os vaqueiros e os agregados. Os homens da família participavam
do trabalho e se relacionavam de maneira democrática. Às vezes eram unidos pelos laços do
compadrio. Os agregados moravam nas terras da fazenda sem vínculo empregatício e
prestavam serviço quando solicitados para roçadas de pastos, construção de cercas, mutirões
nas lavouras. Fora dessas ocasiões trabalhavam em suas roças ou ajudavam os vizinhos. Os
vaqueiros lidavam com os animais e raramente se envolviam com trabalhos manuais. As
mulheres além dos afazeres domésticos trabalhavam no aproveitamento do leite fabricando
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queijos ou requeijões. A criação de pequenos animais ajudava na manutenção fornecendo carne
e ovos.
Havia costumes típicos como enterrar o cordão umbilical dos recém nascidos no
do moirão da porteira do curral para que eles se tornassem fazendeiros. Quando as crianças
eram batizadas os padrinhos presenteavam os afilhados com novilhas, que era feito também
pelos avós e pais. Todos levavam a vida com dedicação máxima ao trabalho para produzir a
maioria dos seus bens de consumo. No sertão não havia uma sociedade rural sofisticada, pois a
vida tinha muitos percalços como secas e pestes que dizimavam parte do rebanho. A pouca
produção não dava margem para luxos e a solidariedade imperava. Pela aparência das
edificações que eram construídas com material da terra e o mobiliário grosseiro constituído de
bancos, mesas, tamboretes e camas de cedro com forro de couro cru, conclui-se que o ambiente
era simples.
Cuidados com o rebanho
Com a inexistência de vacinas e outros medicamentos para tratamento dos animais
os criadores recorriam a recursos de pouca ou nenhuma eficiência. Na seca era grande a
mortalidade por subnutrição e doenças próprias das espécies. Recorria-se às ervas e às
benzeções para bicheiras. Misturando ao sal aplicavam a casca de unha d' anta, o benzocreol, o
enxofre e tudo o que era ensinado por pessoas que se diziam conhecedoras do assunto e que o
fazendeiro na sua aflição aceitava de bom grado. Era freqüente a presença dos “feiticeiros” que
rezavam para retirar as cobras do pasto, e combater as pestes.
As cercas
Quando o gado era criado solto se preocupava com a cerca do mangueiro para
prender os bezerros e animais de serviço. Quando o terreno era declivado cavava-se um canal
nas ladeiras e punha a água da chuva para correr dentro dele e a erosão se encarregava de
aumentar a sua profundidade e criar obstáculos para passagem dos animais. Podia se construir
cercas com madeira de pouca durabilidade ou por meio de achas ou lascas de madeiras de lei.
Para as estacas não se afastarem uma da outra usa-se até hoje o gastalho que é o arame que
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prende as duas. O gastalho no passado era feito de prancha de cedro onde se abriam dois
buracos e eram colocados nas pontas das estacas. As cercas espinho de peixe eram um estacado
com madeira inteira, escorada com forquilha. a cerca de varões era feita nas regiões onde
havia muita madeira de lei comprida e grossa. Os varões eram colocados em forquilhas baixas e
sobre o primeiros em tesouras mais compridas eram postos os de cima em número de 2 ou 3
espaçados chegando a uma altura de sete palmos.
As cercas de curral e os troncos ou bretes começaram a ser usados depois de
1940. As casas podiam ser cobertas de telhas ou palha de buriti. As porteiras eram de moirões
furados onde se colocavam caibros. As cancelas eram de macaco ou dobradiças.
O gado comprado em outra região quando chegava era empastado na fazenda o que
significava que durante algum tempo ele era pastoreado nos encostos até esquecer o pasto
antigo. Apesar da vastidão das terras o gado solto tinha os logradouros onde ele permanecia e a
fonte certa em que ele bebia, o que facilitava o trato e a vigilância por parte do vaqueiro.
As casas antigas do meio rural
As moradias mais simples e primitivas eram feitas de palhas de palmeiras como o
buriti ou o indaiá. A armação era de madeira branca, varas e embira ou fibra de buriti. A porta
feita de talos da folha. As casas mistas tinham paredes de enchimento e telhado de palha. A
casa de enchimento ou paredes de sopapo tinha telha de barro e às vezes, rebocadas e caiadas.
Fazia-se a casa de adobe com telhas, portas e janelas sem nenhuma ferragem. Os
alicerces eram baldrames de aroeira encaixados nos esteios onde eram assentados os adobes. Os
caibros eram ligados à cumeeira com tarugos de aroeira postos em buracos feitos nas suas
pontas e enganchados na madeira. As ripas eram varas ou tabocas amarradas com cipó aos
caibros. Primeiramente armava-se e cobria-se toda a casa e depois levantavam-se as paredes.
Portas e janelas não tinham dobradiças de metal. Abria-se um furo no batente e outro na soleira,
onde eram enfiados os tornos que eram feitos nas partes inferior e superior das folhas das portas
e janelas. Assim, a casa o tinha uma única peça de metal. Geralmente tinha duas salas, dois
ou três quartos, cozinha e dispensa. Quando o dono era muito zeloso, rebocava com barro e
esterco fresco e depois os construtores caiavam. O esterco funcionava como isolante rmico e
em qualquer época do ano o interior da casa era sempre fresco. A madeira branca com que era
feitos os caibros, geralmente era o pereiro, e as ripas de cedro obedeciam a uma regra para o
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corte: os mais velhos diziam que a madeira devia ser cortada "no escuro dos meses sem “r"; isto
é, na lua nova dos meses de maio, junho, julho e agosto que coincidiam com o período seco do
ano.
As casas dos grandes proprietários não diferiam muito na sua estrutura. Eram
maiores, tendo mais cômodos e ladrilhados com pequenos ladrilhos de barro cosido. Não era
comum o uso de banheiro e privada e nem água encanada. Nos fundos das casas às vezes havia
chácaras com fruteiras e uma horta na beira do córrego.
Meios de transportes
Desde o principio, o carro de bois nunca deixou de prestar serviço de transporte.
Nos diversos ciclos econômicos esse veículo rústico de rodas fixas no eixo enfrentou as
estradas improvisadas transportando tudo que a tropa de burros não podia carregar. A cana para
os engenhos, o material para construção, as primeiras máquinas, tudo foi transportado, sem
pressa, pelo carro de boi.
Feito das madeiras mais rijas e duráveis, o carro é composto de duas partes
principais: a mesa e as rodas. A mesa é composta da peça central chamada cabeçalho, as
laterais que são as chedas onde são postos os fueiros. Ligando as chedas na parte traseira fica o
rancavém e no meio as costelas que suportam o forro de tábua da mesa. Na parte inferior das
chedas ficam os cocões e as cantadeiras, que são espécies de madeira mole assentadas no
cantador do eixo. Na ponta do cabeçalho ficam o pigarro e a chaveta. O lugar onde fica o
carreiro em pé, chama-se piloto. Unindo o rancavém e o cabeçalho tem o argolão. Os fueiros
são varas de 4 palmos de comprimento que servem para amparar a. carga para que ela não caia.
Para transportar produto a granel usa-se a esteira de taquara amarrada aos fueiros. A parte
rodante é composta de eixo e rodas. O eixo tem a cintura e os tambores com mais ou menos 30
cm de diâmetro. Quanto mais grosso for o eixo, mais grosso o carro canta. O cantadouro é
untado com azeite para não queimar. As rodas são feitas de pau preto ou jatobá e se compõem
de meião, cambotas e duas costelas que unem as peças. As rodas podem ser ferradas ou não. Os
arreios para unir os bois ao carro são: o tamboeiro que amarra a canga de coice ao cabeçalho.
A canga de coice é a que se põe nos bois de traz e tem formato próprio para não
machucar o animal na hora de parar o carro. Tem quatro canzis e duas brochas de couro cru
trançado. Unindo cada junta de bois as tiradeiras vão de uma canga à outra e podem ser com
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ganchos de ferro ou cordas de couro. Cada canga tem formato próprio de acordo com a posição
dos bois, que são de coice, de meio e de guia. Quando os bois de guia não são muito mansos
amarra-se na cabeça dos mesmos, uma corda chamada soga que é puxada pelo guia ou guieiro.
O carreiro vai em no piloto e usa uma vara comprida com um ferrão na ponta
para tocar os bois. Em algumas regiões os carreiros iam a porque os carros eram pequenos e
tinha a mesa retangular sem o piloto, que é o lugar onde o carreiro fica em pé. Os bois de carro
são amansados quando atingem dois anos de idade mais ou menos e o aprendizado deles é
demorado. Usa-se atrelá-los para se acostumarem juntos e depois começam a trabalhar no
meio. Recebem nomes como Moreno e Mulato, Degredo e Segredo, Passeio e Patente,
Castanho e Castelo, etc. Os carreiros quando trabalham durante muito tempo com uma "tenda"
de carro - que é como se denomina o conjunto, tem grande afeição pelos animais e conhecem
todas as características de cada.
Com o correr do tempo o carro evoluiu para o que chamamos hoje de carroção que
nada é mais que o nosso velho carro de bois, com eixo de aço e pneus. Este, não canta e nem
enfrenta os tocos e pedras das velhas estradas. Ainda hoje em algumas regiões do Brasil é
usado, havendo até festivais anuais do carro de boi.
Os tropeiros
O transporte no interior do Brasil era até pouco tempo feito pelos carros de bois nas
regiões planas em pequenas distâncias e pelas tropas de burro nos percursos maiores. A falta de
estradas carroçáveis forçava os viajantes a improvisar picadas que eram conservadas pelos
cascos dos bois e burros. As tropas eram compostas de lote de animais arreiados com as
cangalhas onde eram colocadas as cargas. Os volumes eram de peso igual para cada lado,
geralmente perfazendo 8 arrobas em cada animal. Quando pesavam menos, completava-se com
pequenos volumes que se chamavam dobros. O transporte de mercadorias frágeis como louças
e vidros, chamadas cargas de risco, era feito em animais mais mansos e de passo seguro. A
cerveja era embalada em caixas de madeira com setenta e duas garrafas cada.
Os cavalos eram usados para o transporte de fardos de algodão porque eles eram
mais altos e assim a carga ficava livre de enganchar nos barrancos e tocos. Na frente da tropa ia
a mula madrinha que tinha o peitoral com o cincerro e guizos que marcavam o compasso da
marcha. O arreieiro era o responsável pela organização, os negócios e o cuidado com os
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animais. Ele viajava montado. Era o dono ou empregado de confiança. Os tocadores de burro
iam a pé e tinham a obrigação de colocar a carga para a saída e retirá-la na chegada dos pousos.
Possuíam grande resistência e caminhavam durante meses. Calçavam alpercatas de couro cru
tirado da queixada do boi, que era a parte mais espessa do couro. Para incitar os animais tinham
uma pirata ou taca que era um cabo de madeira com argola e um relho com a ponta larga. Na
argola havia várias rodelas de metal laminado que quando agitava a pirata produzia um ruído
semelhante ao de chocalho que fazia com que os burros andassem mais depressa sem ser
necessário chicoteá-los. Quem passasse pelo pouso e conhecesse o movimento das tropas,
pelo jeito e posição de arrumar as cangalhas, sabia-se para que rumo a tropa seguia.
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Figura 11: casas onde habitava gente das fazendas do Alto-Médio São Francisco à época colonial
Figura 12: fotografia de arreio usado nas montarias no Alto-dio
São Francisco
Figura 13: aspecto das fazendas do Alto-Médio São Francisco
Figura14: carro de boi utilizado no Alto-Médio São Francisco
Fonte:http://tbn1.google.com/images?q=tbn:QdMxMwrVBxV8IM e do próprio autor
Os tropeiros percorriam grandes distâncias em viagens que duravam a meses.
Havia itinerários bem conhecidos como o de São Francisco a Montes Claros, ou um pouco mais
longe: de Pedras de Maria da Cruz a Santa Luzia; de São Francisco a Buenópolis onde estava a
ponta dos trilhos da Central do Brasil. No inicio do século dezenove havia linhas de tropas
entre Cachoeira na Bahia, Goiás e Cuiabá, como testemunharam diversos viajantes. De São
Francisco saiam carregados de sal, rapadura, farinha, toucinho e na volta saíam de Montes
Claros com café, mercadorias de comerciantes ou encomendas. Depois de vender a carga que
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levavam, os tropeiros compravam as encomendas ou iam aos depósitos de consignação apanhar
cargas para ganhar o frete. As mercadorias eram recebidas pelos tropeiros nos portos fluviais e
nas estações das estradas de ferro e levadas aos seus destinos no sertão. Eram entregues pelos
consignatários que eram comerciantes que recebiam nos terminais a carga enviada peles
atacadistas dos grandes centros. Os produtos industrializados eram vendidos aos comerciantes
do interior pelos cometas ou representantes comerciais que viajavam com os seus lotes de
burros carregando os mostruários das mais variadas mercadorias. Os tropeiros e os cometas
faziam o intercâmbio entre várias regiões do país, levavam notícias dos acontecimentos e
acabavam transformados em agentes culturais. Os cometas eram recebidos muito bem, pois eles
ditavam a moda, cantavam canções novas, narravam às últimas histórias da metrópole.
2.9 – Caracterização geral das populações tradicionais do Alto-Médio São Francisco
A fonte aqui utilizada é secundária e o estudo tem um caráter exploratório, uma
espécie de primeira aproximação da caracterização da população. Pode-se considerar como
populações tradicionais aquelas comunidades que moram no território do Alto- Médio São
Francisco em áreas mais distantes ou mais próximas das margens de rio São Francisco, e que
utilizam recursos da natureza para viver e, ao mesmo tempo, contribuem para conservar
culturas, tradições e valores que são transmitidos de geração a geração e que tem garantido a
memória desses modos de vida.
As características definidoras das populações tradicionais envolvem uma
interdependência simbiótica entre a natureza, os ciclos e os recursos naturais com os quais
constroem seus modos de vida, o que implica profundo conhecimento da natureza e de seus
ciclos, transmitido oralmente por gerações e construído a partir de estratégias de uso e de
manejo dos recursos naturais. Significa apropriação do espaço em sua acepção territorial, onde
a vida é reproduzida social e economicamente, onde o sistema produtivo volta-se para a
satisfação de necessidades de cada família, em particular, e da comunidade como um todo.
Ainda que possa ocorrer uma relação com o mercado com a venda de excedentes, a
organização social basea-se na família e na comunidade e em relações de parentesco e de
compadrio que são atualizadas nas atividades econômicas, sociais e culturais. O impacto sobre
meio ambiente é limitado devido à tecnologia utilizada e a divisão técnica e social do trabalho
relativamente simples. A vida cultural é intensamente simbólica e mitológica, se expressa em
rituais vinculados às atividades de caça, pescas e extrativismo. ausência de conexões com o
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poder político, por situarem-se à margem da vida política, e, por último, uma auto-identificação
ou identificação constrastiva, tendo a cultura como definidor das diferenças.
(Ver Costa, 2006)
Pierson (1972) observa que nos territórios em questão, são comuns a presença de
veredeiros e os geraistas ou geraizeiros ou geralistas.
Mas outras populações, além destas, foram reconhecidas. Costa (2006, p.29),
afirma que:
(...) no interior das regiões do vale do São Francisco pequenos núcleos de
populações com denominações especiais, conforme a região habitada. os
chapadeiros, que vivem nas chapadas regionais, o campineiro, gente que
habita as campinas, os barranqueiros ou vazanteiros, que vivem e produzem
nas barrancas ou vazantes do Rio São Francisco.
Segundo Dayrell (1998), a existência, também, dos caatingueiros que se
distinguem dos barranqueiros e vazanteiros, assim regionalmente reconhecidos. Enquanto os
primeiros vivem nas margens sanfranciscanas, os segundos são grupos de gente habitando as
vazantes dos outros rios regionais.
Para Costa (2006, p.29),
(...) os caatingueiros se constituem numa população negra que habita o vale do
Rio Verde Grande, no interior de uma floresta de caatinga arbórea, desde antes
da chegada da bandeira de Mathias Cardoso de Almeida que ocupou e povoou
o território regional e consolidou, inicialmente, a sociedade norte-mineira. Por
outro lado, os imigrantes italianos que se fixaram nos sopés da serra do
Espinhaço, na região da Serra Geral, também são reconhecidos pelos
geraizeiros da região de Rio Pardo de Minas, que comercializam sua produção
na feira de Porteirinha, como caatingueiros. O termo caatingueiro tem sido
utilizado regionalmente para distinguir os descendentes dos imigrantes
italianos.
Segundo Costa (2006, p.30)
(...) todas essas identidades são construídas a partir do nicho ecológico em que
grupos de populações rurais fundaram os seus mundus e constituíram-se como
comunidades. Identidades são sempre auto-identificações, mas, elas se dão
constrastivamente. Somente se sabe que caatingueiros, por exemplo,
porque pessoas assim identificadas se encontram e convivem com pessoas que
são identificadas por elas como geraizeiros que, por sua vez, os identificam
como caatingueiros.
108
Os veredeiros, os chapadeiros, os campineiros e os Xakriabás segundo a literatura
consultada, localizam-se na margem direita do rio São Francisco. Os geraizeiros e vazanteiros
na margem esquerda do mesmo rio, enquanto os quilombolas concentram-se no vale do Rio
Verde Grande, mas, também, em diversas outras áreas do território regional. Os caatingueiros
25
estão nos sopés da serra do Espinhaço, na região da Serra Geral. Os barranqueiros vivem nas
margens do Rio São Francisco.
Cada uma dessas populações tradicionais é identificada a partir de um aspecto de
sua cultura, que é transformado em diacrítico que lhes confere uma diferença em relação às
populações que se situam nas circunvizinhanças dos seus territórios.
Para Costa (2006) os veredeiros ou gente das veredas, são contrastados, porque
convivem com os campineiros e os chapadeiros. Estas duas últimas populações reconhecem na
agricultura de vereda e na utilização do buriti, palmeira existente ao longo dos cursos de água
denominados veredas, um sem número de usos que lhes permitem usufruir de uma condição de
vida mais confortável. Outro aspecto importante é o fato de possuírem um sentimento de
localidade e de pertença que operacionaliza a vida destas pessoas, principalmente, em virtude
de ser por meio dele que se dá a diferenciação no contexto mais imediatamente regional em que
se encontram situados.
Segundo Costa (2006, p.31)
(...) o signo identitário dos geraizeiro está vinculado àquela formação a que se
denomina gerais, ou seja, os planaltos, as encostas e os vales das regiões de
cerrados, com suas vastidões que dominam as paisagens do bioma Cerrados.
O aspecto que os diferencia é uma forma singular de apropriação da natureza,
regida por um sistema peculiar de representações, códigos e mitos. Com o
plantio de lavouras diversificadas em espécies e variedades, essa população
tradicional constrói seus sistemas de produção. Para que os mesmos garantam
suas reproduções, os Cerrados, com seus tabuleiros, espigões e chapadas,
fazem parte da estratégia produtiva, fornecendo, por meio do extrativismo,
forragem para o gado, caça, madeira, frutos, folhas, mel e medicamentos (...) a
lógica da ocupação dos terrenos pelos geraizeiros segue uma estratégia de
multiusos das diferentes unidades da paisagem, explorando suas
potencialidades, mas respeitando, também, os seus limites. A apropriação é
realizada aproveitando-se a fertilidade e a umidade das vazantes para as
culturas mais exigentes. Nos tabuleiros constroem suas moradas, plantam os
quintais, criam os pequenos animais e cultivam plantas adaptadas. Das
25
Dado que as populações negras têm sido reconhecidas, desde que iniciou a aplicação do Artigo 68 dos Atos das
Disposições Constitucionais Provisórias identificados na Constituição de 1988, como quilombolas, o termo
caatingueiro tem sido utilizado regionalmente para distinguir os descendentes dos imigrantes italianos.
109
chapadas e dos carrascos provém o complemento fornecido pela diversidade
de frutas nativas, óleos, fibras, forragem para o gado, lenha, madeira para
diversos fins. A interação é complexa e a manutenção da vitalidade dos
ecossistemas é fundamental para a sobrevivência das famílias.
(...) os caatingeiros possuem como aspecto que os diferenciam dos geraizeiros
e dos quilombolas da Jaíba, principalmente, o fato de estarem vinculados à
Caatinga. Os caatingueiros são descendentes de migrantes portugueses, desde
o início do povoamento regional, e de italianos, que a partir de fins do século
XIX deram constituição a uma cultura distinta das existentes até então no
território norte-mineiro. Ela se constitui de agricultores familiares, tipo
camponeses, possuindo uma racionalidade econômica que permanentemente
os vincula ao mercado. Costa (2006, p.32)
Com base em Dayrell (1998) pode-se dizer que sobrevive uma agricultura
caatingueira, que, além da produção de carne e alimentos básicos, incorporou o cultivo do
algodão em seus sistemas diversificados de produção de alimentos. Tradicionalmente cul-
tivando para auto-abastecimento familiar, os caatingueiros incorporaram a cultura algodoeira,
com seu caráter nitidamente comercial. Com a derrocada da agricultura algodoeira, apenas as
comunidades caatingueiras que resistiram ao avanço da modernização agrícola ou do avanço da
agricultura capitalista, mantiveram seus sistemas tradicionais diversificados, destinados à
produção de fibras, alimentos e criação de animais, associados com o aproveitamento alimentar
e medicinal da flora nativa. Puderam assim continuar dedicados à agricultura. Aqueles que se
modernizaram foram forçados a migrar e empobreceram. Uma das poucas alternativas que
restou aos agricultores familiares, do tipo camponês, que possuíam uma gleba de terra um
pouco maior, passou a ser a pecuária.
Para Costa (2006) a população tradicional de maior importância no entorno norte-
mineiro, os quilombolas, se constituiu por grupos negros localizados em margens de lagoas,
ribeirões e rios que formam a bacia do rio Verde Grande. Suas relações, além de percorrerem
todo o vale deste rio, eram estabelecidas com povoações ao longo da bacia do rio São
Francisco, notadamente, Brejo do Amparo, Morrinhos e Malhada, e nos altiplanos com
Contendas, São José do Gurutuba, Porteirinha e Tremendal. Segundo o mesmo autor
(....) diversos grupos de quilombolas se articulam em um movimento de
reconhecimento social e de reapropriação de seus territórios ancestrais, mas
principalmente o de Brejo dos Crioulos, nas margens do Rio Arapuim, divisa
dos municípios de São João da Ponte e Varzelândia e os Gurutubanos,
comunidade negra estabelecida ao longo do Rio Gorutuba, abaixo da cidade
de Janaúba. Essas duas comunidades são representativas de outras dezenas que
vivem nas planícies sanfranciscanas. Comunidades que dialogam com os
vazanteiros do São Francisco e com os remanescentes dos Xakriabá, que
110
vivem no município de São João das Missões. São comunidades que mantém
aspectos significativos de sua cultura, de sua reprodução social, enraizados na
diversidade ecossistêmica presente nas planícies sanfranciscanas e que hoje,
em efervescência social, se apresentam como grupos sociais, oportunizando a
possibilidade da construção de um viver pautado em suas características
socioculturais e econômicas específicas
(...) Diversos estudos têm sido feitos sobre essa população negra vivendo no
imenso território negro da Jaiba, como as comunidades de Brejo dos Crioulos,
situada na divisa dos municípios de São João da Ponte e Varzelândia e
formada pelos grupos locais Arapuim, Araruba, Cabaceiros, Caxambu,
Conrado e Furado Seção, e o quilombo do Gurutuba, formado por diversos
grupos locais que formam a comunidade rural negras dos Gurutubanos grupos
locais foram mantidas intensas relações com um território mais amplo ao seu
redor, estruturado em vínculos de parentesco e estratégias de reprodução
social e econômica, compartilhando a ocupação e domínio dos lugares. Costa
(2006, p33)
Nas ilhas e barrancas do Rio São Francisco e nas margens de outros grandes rios do
Norte de Minas existem os vazanteiros. Oliveira (2005) apud Costa (2006, p.34) afirma que,
(...) os vazanteiros se caracterizam por um modo de vida específico,
construído a partir do manejo dos ecossistemas sanfranciscanos, combinando,
nos diversos ambientes que constituem o seu território, atividades de
agricultura de vazante e sequeiro com a pesca, a criação animal e o
extrativismo, numa perspectiva transumante. O ciclo natural do rio seca,
enchente, cheia e vazante sempre possibilitou a essas populações o acesso a
terras periodicamente fertilizadas pela matéria orgânica ou "lameiro"
depositado em longas extensões das suas margens e nas ilhas, além de um
farto suprimento de peixes que se reproduziam nas lagoas marginais.
Em última análise, conforme afirma Pierson (1972), a formação cultural da gente
do Alto-Médio São Francisco, além de legados da cultura indígena e da cultura negra, recebe
ínfluências da vida social ribeirinha de todo o rio São Francisco, particularmente no período de
intensa mobilidade propiciada pela navegação rumo ao Nordeste brasileiro. Não se pode perder
de vista a existência de componentes culturais comuns ao homem do Médio-Alto São Francisco
e aos nordestinos de um modo geral. O autor cita a linguagem e a literatura popular, os hábitos
alimentares e medicinais, como legados das migrações para a integração cultural dessa
população.
111
C
APÍTULO
3
NOTAS, REGISTROS E DEPOIMENTOS RECOLHIDOS NA
PESQUISA DE CAMPO
3.1 Introdução
O resgate geohistórico realizado anteriormente possibilitou uma compreensão do
povoamento do território do Alto-Médio São Francisco, associado à pecuária e à função do rio
desde os primórdios da penetração no interior. Nesse resgate se percebeu a importância destes
elementos na distribuição da população, circulação de mercadorias, formação de fazendas,
cidades, e no surgimento de muitos hábitos e costumes, envolvendo comunidades articuladas
com o seu passado.
indicios de que essa gente e seus hábitos, usos e costumes, crenças, formas de
vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõem a sociedade local,
permaneceram e estão vivos até o presente, e que muitas comunidades e atividades estão
ressurgindo, mas que não se sabe dizer o que, quanto e como permaneceram. Há indícios que
essas pessoas, essa gente, esses hábitos e costumes vêm resistindo ao tempo, em que pese o
processo de modernidade e globalização a que estão sendo submetidos.
Constata-se também que no território do Alto-Médio São Francisco, essa cultura
vem de certa forma sendo transmitida através das sucessivas gerações, as vezes se renovando e
se recriando num processo vivo e dinâmico, propiciando a esses territórios a possibilidade de
construir sua própria identidade. E a manifestação dessa identidade se revela por meio do seu
112
patrimônio cultural. Vai muito além, se fazendo presente em outras tantas formas de expressão
cultural. Esse herança também imaterial se manifesta na interação daquela gente com o
ambiente, com a natureza e com as condições de sua existência.
A origem das cidades foco deste estudo, de forma geral, está vinculada ao cíclo da
pecuária e da circulação mercantil no vale. São todas originadas de núcleos urbanos nascidos
da expansão das fazendas de gado e da abertura dos caminhos de tráfego comercial que
margeavam ou cortavam o São Francisco.
Recorde-se que o levantamento a seguir reflete uma abordagem predominantemente
qualitativa, descritiva e interpretativa, resultado do registro e das anotações de campo
realizadas. A pesquisa de campo possibilitou defrontar-se com a realidade socioeconômico
ambiental e cultural das comunidades, e ter acesso aos saberes produzidos por esses grupos
locais em seu cotidiano, vinculados às práticas religiosas, culturais e econômicas, marcantes na
vida social da comunidade, que puderam ser observados em missas e celebrações litúrgicas
católicas, em atividades produtivas e nas tradições orais.
Ao relacionar a história narrada, as tradições, as festas, as imagens, a memória
coletiva e individual, observando-se o material fotográfico produzido, cotejados com as
entrevistas, foi possível assinalar a presença de distintas práticas culturais que envolveram e
ainda envolvem as pessoas em uma complexa relação de mestiçagem e de diversidade, ao lado
de sentimentos de pertencimento dos que ali residem.
Nas palavras de Rieper (2002)
(...) através do estudo do cotidiano das populações ribeirinhas do rio São
Francisco pode-se compreender a materialização de um processo social na
vida diária das pessoas, buscando entender a forma como estas populações
recriam seu modo de vida em virtude das mudanças de que também são
sujeitos (...) para que se compreendam os vínculos emocionais que ligam as
pessoas ao lugar onde vivem, é necessária a consideração dos fatos sociais em
uma perspectiva pessoal, íntima. A esfera do sentimento, profundamente
comprometida com as formas de dar valor aos espaços vividos, somente pode
ser trabalhada do ponto de vista do indivíduo. Riper (2002, p 03),
Referindo-se ao espaço material e simbólico a autora observa
(...) O espaço tem uma carga emotiva, faz parte da história de quem vive nele.
Sua consideração a partir da percepção ganha importância no entendimento
das duas instâncias que permeiam o processo de apropriação da natureza - o
material e o simbólico. Nesta perspectiva, considera-se a importância afetiva
do lugar para a população, ultrapassando o entendimento do espaço
estritamente a partir de seus atributos físicos. Riper (2002, p 08),
113
Nas próximas páginas, agrupados por temas, o estudo dedica-se a apresentar os
resultados obtidos no levantamento de campo, principalmente a transcrição das respostas dos
entrevistados sobre o que a sociedade valoriza, ou seja, as identidades regionais, valores e
significados culturais - utensílios, bitos, usos e costumes, crenças, formas de vida cotidiana,
entre outros.
De modo geral deve-se destacar que essas informações compõem uma certa
tipicidade predominante ao longo do território do Alto-Médio São Francisco. Entende-se que
ali desenvolveram-se, desde o século XVII, distintas realidades socioespaciais, resultantes de
uma combinação singular de variáveis que datam de idades diferentes, determinando um tempo
espacial próprio para cada lugar.
3.2 Memórias da pecuária
Conforme se depreende de toda a bibliografia consultada, um fator de ocupação
do Alto-Médio São Francisco foi a pecuária extensiva. O gado proveniente do Nordeste foi
sendo tangido em direção ao o Francisco, ocupando os espaços abertos pela ação
exploratória que buscava os melhores pastos, as campinas com água, sal e salitre. A exploração
inicial foi assim complementada pelos rebanhos que não tiveram no rio São Francisco um
obstáculo.
A pecuária foi sempre importante para a economia dos territórios do Alto e Médio
São Francisco. Vários fatores determinaram a implantação e expansão de currais do gado às
margens do rio, entre eles: seus pastos, depósitos e barreiros de sal, fato que permitiu
proliferaram inúmeras fazendas e currais, muitos dos quais chegaram a se instalar em território
mineiro antes mesmo da divulgação das notícias da descoberta de ouro; o relevo, as chapadas e
a vegetação pouco densa, facilitaram o estabelecimento do homem e de fazendas, uma vez que
era necessário apenas o levantamento de uma casa, alguns currais e pouca mão-de-obra.
Durante grande parte do século XVIII, a atividade ali estabelecida promoveu o
abastecimento – de carne e outros produtos que vinham pelo sertão, provenientes das capitanias
de Pernambuco e Bahia – das terras auríferas das minas gerais.
114
Figura 15: Pecuária no município de São Romão Figura 16: Carro de boi no município de São Romão
Figura 17: Aspectos do gado criado em São Romão
Figura 18: Fazenda de gado em São Romão
Fonte: Material produzido pelo autor
115
Segundo Sr. Esmeraldo Lopes, escritor, historiador e pesquisador da formação
histórica e social do Alto-Médio São Francisco:
(...) A condição de vida era precária, nos arraiais era pobreza absoluta. Porém
a mesma foi importante ao tornar preponderante a figura do vaqueiro. Homem
destemido, que deixou muita herança através de seus hábitos e costumes, e
que vislumbravam a possibilidade de constituírem seus próprios criatórios e
retiravam dos derivados da criação condições para alimentarem-se, para
apurarem dinheiro com a venda das peles das criações que matavam e, de
quando em quando venderem boiadas. Muitas das tradições, hábitos e
costumes ainda hoje arraigados ao Alto e Médio São Francisco são elementos
herdados desse período.
Esmeraldo observa que:
(...) Outro elemento importante diz respeito aos agregados, sem função
econômica, que moravam de favor nas terras das fazendas, retribuindo os
fazendeiros com préstimos eventuais e gratuitos, devendo-lhes ainda
obediência total e configurando-se como um tipo de reserva militar daqueles a
quem estivessem submetidos. Alguns deles transformavam-se em carapinas,
ferreiros, sapateiros, etc, e deixaram também grande influência.
Porém, segundo Esmeraldo:
(...) houve um declínio da pecuária, atividade fundamental da região, com a
transferência da capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, com a
decadência da indústria açucareira, com a distância da região do Alto e Médio
São Francisco com relação aos centros políticos e econômicos e com o fato da
população do Alto e Médio São Francisco, como de resto de todo o Médio
São Francisco, não ter buscado alternativas econômicas à criação de gado.
Isso decretou um isolamento da região que durou quase dois séculos. No
período, mesmo decadente, a pecuária permanecia como atividade básica e
seguia os mesmos métodos técnicos e organizativos de antes
(...) Em conseqüência, a qualidade e produtividade dos rebanhos de bovinos,
ovinos e caprinos decaíam com o passar do tempo. Na medida em que não
havia introdução de reprodutores com melhores padrões genéticos e a criação
extensiva propiciava cruzamentos aleatórios, os animais definhavam e
perdiam suas qualidades gerando um padrão bastante inferior. A importância
do gado das caatingas diminuía na proporção direta de sua degradação,
chegando a ser rejeitado até mesmo pelos centros consumidores do Nordeste,
no final do século XIX.
116
Prosseguindo, o historiador nos diz que:
(...) A decadência da pecuária afetou diretamente a organização social e
moldou o estilo de vida acabrunhado da população pobre. Esta gente
continuou a viver como sempre havia vivido: sujeita aos desmandos dos
senhores, subsistindo com o pouco que conseguia produzir nas terras cedidas
por algum fazendeiro. Tendo apenas o compromisso de ser fiel ao proprietário
da terra onde moravam os pobres permaneceriam entregues a si mesmos, no
que diz respeito às atividades que praticavam para sobreviver
(...) Com os horizontes bastante limitados, os senhores não conseguiam
visualizar a possibilidade de modificação do estilo de pecuária que adotavam e
nem conseguiam empreender outras atividades. Restavam a fuga da região
ou a acomodação. Se durante os finais do século XVIII o processo de fuga
tinha sido iniciado, foi no século XIX que ele se acentuou, indo inúmeras
famílias em busca de novas formas de vida nas capitais, deixando suas
fazendas aos cuidados dos vaqueiros ou de algum procurador. É importante
notar que muitos desses fazendeiros, ao abandonar a região, paulatinamente,
se desfizeram de seus rebanhos em face das exigências econômicas requeridas
pelos custos da vida nos centros urbanos mais dinâmicos.
Na bibliografia consultada existem relatos de viajantes que circulavam pela região
do Alto-Médio São Francisco durante o século XIX. De modo geral, foram unânimes em
ressaltar a situação de pobreza dos lares e das condições de vida daqueles que se ligavam a
pecuária assim como casas mal mobiliadas e despensas parcamente abastecidas assinalavam o
grau de miserabilidade em que viviam. Sem condições técnicas para conservar os alimentos
produzidos nos períodos de chuva e sendo o comércio extremamente limitado, quando a seca se
abatia sobre a região o panorama da sobrevivência ganhava contornos de catástrofe.
Segundo Esmeraldo Lopes:
(...) A única forma do pobre marginalizado se promover nesse contexto era
transformar-se em vaqueiro. E ser vaqueiro era um sonho. O trabalho com o
gado, no estilo da pecuária extensiva, dava uma margem muito grande de
liberdade ao vaqueiro, que organizava sua atividade, além de exigir
constantemente deslocamentos pelo campo. De alguma forma, as tarefas
requeridas pela pecuária extensiva aproximavam-se do estilo de vida dos
índios, dos seus descendentes e da população liberta em geral.
Para João Botelho, morador da cidade de São Francisco, Diretor do Instituto de
História e Pesquisa da Cidade, dono de um acervo histórico substantivo (livros, fotografias,
objetos, entre outros):
(...) os territórios viveram praticamente dos seus próprios recursos, de 1750 a
1947. Houve uma grande influência dos primeiros criadores, vindos da região
nordeste, no sentido de gerar influência nos hábitos e costumes, locais. Os
117
habitantes das regiões curraleiras, esses vaqueiros principalmente, se
alimentavam da carne bovina, da mandioca e dos cereais que plantavam, da
rapadura que produziam e do óleo que extraíam das plantas, dos frutos,
animais e mel silvestres, do peixe abundante nos rios e lagoas. Do barro
construíam suas casas cobertas de palha de buriti, do couro de animais e do
algodão por eles cultivados confeccionavam suas roupas de couro eram
também os veis e os utensílios. Do salitre fabricavam a pólvora com a qual
caçavam e se defendiam; faziam-se transportar em cavalos que criavam ou em
canoas, ajoujos, balsas e barcas que fabricavam com as melhores madeiras de
lei; inebriavam-se com a famosa cachaça de Januária e com o vinho da polpa
do buriti; divertiam-se com as cantigas improvisadas, os versos satíricos e as
pilhérias dos remeiros do rio; faziam seu artesanato, sua música, suas festas
religiosas e profanas.
Na opinião do Sr. João Botelho:
(...) A cultura do vaqueiro, remeiro e da mulher rendeira é que sintetiza o
perfil estético e técnico do Alto-Médio São Francisco. Ainda hoje se encontra
certas práticas e hábitos adquiridos desta atividade, no passado. O artesanato
de couro começa com a confecção do chapéu. Este é ornado na barbela e na
copa. O gibão de campear é ornado com pingentes nas mangas e na barra. Os
arreios e as cordas não são simples instrumentos de trabalho. Cabresto, laço e
rédea levam graciosas combinações de cores no trançado.
Em Januária, Dona Maura, moradora a 80 anos da cidade, observa que o município:
(...) já foi importante centro de comércio de gado. Hoje a importância do gado
e do comerciante, não é como antes. Pelo menos no que diz respeito às formas
e operacionalidade que era aplicada naquela época. Mas, de um modo geral,
ainda guarda uma pequena manifestação nas práticas diárias de uma realidade
agro-pastoril, onde ainda hoje a pecuária é o maior vetor de movimentação da
economia.
A base da economia no passado, não se recompôs. Existem certas características
peculiares que ficaram no passado, como afirma Dona Maura.
(...) O sistema de pastoreio não conseguiu manter a produção do gado nos
níveis obtidos no passado e os rebanhos encolheram e se pulverizavam por
inúmeras propriedades sem infra-estrutura adequada. Há concorrência do gado
criado em outras regiões do estado e país que é de melhor qualidade. A
principal atividade econômica não conseguia oferecer suporte ao comércio
local.
118
Na mesma direção, observa o Sr. Esmeraldo que:
(...) A carne, o leite e o queijo não têm mais o valor comercial de outrora, dada
a dispersão e pobreza da população local, e a distância com relação a outros
mercados. A venda e a comercialização regional do principal subproduto do
gado, o couro, deixava de ser feita na própria região uma vez que os animais
eram abatidos nos mercados consumidores. Por outro lado, apesar de sua
debilidade, a pecuária ainda propiciava pequena parte do consumo regional,
tanto dos produtos artesanais, como dos produtos manufaturados, dado que
mesmo levando-se em conta a sua precariedade, neste setor da produção
concentrava-se o maior número de pessoas com algum poder aquisitivo:
fazendeiros, vaqueiros e agregados.
Segundo João Botelho:
(...) Temos muito a aprender com o povo que se dedicava à pecuária: a
produção agropecuária destinada ao auto consumo e ao abastecimento interno,
a auto-suficiência fundada na utilização dos recursos naturais, a vida política
centrada no município.
Enfim, fica claro que a velha pecuária, originária da influência nordestina perdeu
sua importância histórica e seu impacto no comércio e outras atividades ribeirinhas. Um bom
contraponto à idéia tradicional de que a região foi ocupada pelos bandeirantes paulistas é o
mundo do gado e do comércio, e toda a forma de uso e ocupação desse território do Norte de
Minas, como vimos no capítulo sobre a geoistória.
3.3 Da pecuária às tradições do mandonismo político
Tradição política associa-se a valores políticos que os antepassados legaram, ou
seja, práticas que são preservadas por ampla aceitação. Segundo o relato de algums pessoas
moradoras das cidades visitadas, a tradição política das localidades pesquisadas, não mudaram
muito com o passar do tempo. É fato notório nos territórios do Alto-Médio o Francisco a
existência de instâncias de poder herdadas do seu período de ocupação. É muito comum a
existência do chamado “coronelismo” que ainda hoje é evidente no interior dos sertões do norte
de Minas. Estas práticas políticas são heranças de um tempo passado. A apresentação dos
depoimentos a seguir expressam essa prática comum naqueles territórios.
119
De acordo com o Sr. João Botelho:
(...) Nos territórios do Alto-Médio São Francisco, durante o século XIX, o
Estado não regulava a ordem política. Quem determinava era o chefe de cada
lugar. Aqui em São Francisco as autoridades firmavam-se pela força da
violência. Era uma sociedade onde prevalecia o poder da violência,
naturalmente todas as pessoas que tivessem aspirações de riqueza, prestígio e
dignidade e possuíssem um mínimo de condições buscavam impor suas
vontades e garantir seus interesses com o uso de armas. Isso gerava profundo
estado de insegurança. A conquista e a manutenção do poder de chefia
implicava disputas entre os fazendeiros, que, quase sempre, terminavam
quando uma das partes era aniquilada ou quando fugia da luta, se mudando da
região. Como decorrência das lutas pelo poder em outras áreas, alguns
coronéis, depois de serem derrotados, acabavam vindo se refugiar no Médio e
no Submédio São Francisco, onde adquiriam terras e estabeleciam fazendas,
sem, contudo, inscreverem suas vidas em um cenário de paz.
Segundo Dona Darinha, moradora de Carinhanha:
(...) aqui em Carinhanha-BA é muito comum o coronel. Ainda um grande
ranço, da época do coronelismo na cidade, ainda existe muito do coronelismo.
Inserida nas pessoas, sei lá, na cultura daqui de Carinhanha. Agora, esta
prefeita que entrou agora, do partido dos trabalhadores, está lutando, pra se
acaba com a mentalidade do coronelismo, né! Principalmente na educação,
porque se não mudar na educação, como é que vai mudar essa cultura né!
Mas, está se desgastando, porque ela quer romper com essa cultura. Muitos
ainda resistem, e ainda acha que deve ser administrada, é de acordo com o
coronelismo, que não deixou né! O prefeito tem que ser autoritário né! O
prefeito não precisa ouvir ninguém para administrar. É o que ele decidiu e
acabou. Ela tem tido muitos problemas com isso (...) porque se ela colocou
como governo da participação, então todo mundo participa, dando sugestão,
todo mundo dando suas idéias, ela faz com que isto vai acabando, essa coisa
de um tá, na forma de governar né! E com isso, muitos correligionários,
muitos que acompanham não estão gostando não, são contra (...) teve muita
morte política aqui. Recentemente um homem foi morto em tocaia preparada
pela turma do ex-prefeito. (...) Ainda existe muito da raiz do coronelismo né!
Por exemplo, se alguém está nesse governo, e era do outro governo, tem que
ser demitido, seja concursado ou não, tem que ser demitido, não pode fazer
parte do outro governo, do Piau, por exemplo, do governo do passado, não,
não serve para ser nosso, porque vai ser bode expiatório dentro da nossa
administração, eu falo assim, mas a administração atual é transparente, aqui
todo mundo está vendo o que está fazendo. O que nós estamos fazendo né!
Não é por aí, e estas pessoas participando, que era do outro governo, vendo
a nossa forma de administrar, é como eles vão mudar a idéia, vão mudando as
idéias né! Mas o pessoal, muitos não concordam.
120
As famílias e pessoas entrevistadas relatam que desde a origem das cidades,
algumas características vêm sendo mantidas na política local, onde os interesses do “Coronéis”
procuram ser mantidos.
Segundo o Sr. Honorato, de Carinhanha:
(...) existem duas divisão, dois lados aqui, duas famílias. Olha, aqui antes era
duas falias, a família Sousa Costa, que é do lado do Piau né! Geraldo
Pereira Costa, que mandou aqui como prefeito 12 anos né! E que tem mais;
quando passou por vereador, que começou assim né! Mesmo que ele foi
prefeito oito anos, mas o prefeito apoiado por ele, quem mandou foi ele. Ele
não aceitava que outro tomava nenhuma decisão. A decisão era sempre dele, e
ele ficou nessa divisão, agora nesta época, a divisão era família Pereira
Costa, e a família Lima, né! Mas a família Lima, é muito passiva, e a outra é
de brigão, é gente valente, arruaceiro, essa coisa. Mas agora, na época, é
questão do partido, uma coisa assim, é claro, PFL ainda tem domínio do
Piau, aqui dentro, simboliza o coronelismo mesmo, porque todo mundo aqui,
que é do PFL, ele fala que é filha assim, é filhote, afilhado, essa coisa né! E
o PFL simboliza isso aí. Mas agora, quando foi à eleição, a campanha tudo,
desse novo governo, teve que fazer a aliança, né! Porque sozinho o PT não
ganhava, então teve que fazer aliança né! E nessa aliança entrou o PSDB,
entrou o PL, entrou o PMDB, o é! Então fizeram parte dessa aliança, e
agora para governar com essa aliança é que tá. Porque no PMDB, tem coronel
que infiltrava, no PSDB também tem, e aí essa dificuldade.
No município de Januária, as pessoas estavam assustadas com o atentado a tiros
contra o gabinete do prefeito municipal, candidato à reeleição. Tanto que os moradores
entrevistados pediram para não serem identificados devido ao estado de alerta e apreensão que
tomou conta da cidade.
Por outro lado, outras práticas ainda são constantes como por exemplo, as famílias
permitirem ao coronel, por meio de casamentos arranjados, ampliar o seu domínio, colocando
gente do seu sangue e da sua confiança em todo os escalões do poder municipal e estadual. É
isso o que denuncia seu Pedro Cristovão, em Matias Cardoso:
(...) aqui o ano passado teve um casamento de um tal senhor Raimundo com
uma outra moça da região para que pudesse ser selada uma parceria entre as
famílias. que a família da moça não podia desistir, sob pena de ser
ademoestada pelo coronel.
Segundo o Sr. João Botelho:
(...) Ainda é comum os coronéis, enfim, fazerem o processo eleitoral local
funcionar a favor deles, em detrimento dos poderes dos municipais. Para isso
tornaram-se comuns práticas ilícitas de manipulação eleitoral, entre outras: o
eleitor que vota várias vezes ou o eleitor-fantasma – o título eleitoral de
121
cidadãos mortos aparecem nas listas eleitorais, permitindo que alguém vote
em nome deles.
3.4 - Memórias da pesca, da navegação e do “velho chico”
No processo de produção dos territórios do Alto-Médio São Francisco,
desempenharam papel importante não apenas a pecuária, os criadores de gado, os garimpeiros,
mas também o rio, a pesca e os barqueiros que se deslocavam, incessantemente, ao longo do
grande rio. Com a descoberta e o início da exploração de ouro em Minas Gerais, no começo do
século XVIII, ampliaria de forma notável a importância do rio, como via de suprimento de
alimentos, escravos e manufaturados para as minas, e um reflexo imenso sobre a cultura local,
o rio São Francisco.
No passado, o território do Alto-Médio São Francisco, constituíam-se num dos
principais pólos de pesca fluvial. Era grande a quantidade de peixes existente nas corredeiras e
lagoas do grande rio.
São poucos os que cresceram no rio e com os seus pais aprenderam os segredos do
ofício da pesca. Conhecem os locais costumeiros de suas pescarias. Sabem “ler” o rio a cada
hora do dia, em cada lugar de pesca, a cada estação do ano. Vivem do rio e lamentam que hoje
em dia o rio São Francisco tenha bem menos vida do que até alguns anos atrás.
Nas cidades e povoados ribeirinhos convivem duas realidades de pescadores: os
pescadores caracterizados como artesanais ou profissionais, institucionalizados nas colônias de
pesca e os pescadores que pescam nas corredeiras que, segundo relatos dos mesmos, em sua
grande maioria não possuem a carteira de pesca, ou seja, não são cadastrados nas colônias.
A pesca fora uma atividade tradicional realizada pelos índios nas cachoeiras e
corredeiras, locais de alta piscosidade. Para proibir a pesca nestes locais foram criadas normas
específicas na legislação, interditando a atividade a menos de 200 metros de cachoeiras e
corredeiras, pela Portarias nº. 2230 7 de novembro de 1990, Portaria nº. 92 de 06 de outubro
de 1995, estabelecidas pelo IBAMA e a mais recente Portaria Estadual nº. 112 de outubro de
2003.
A proibição decorre da suposição de que a pesca em corredeiras é mais abundante
que em outros locais. Embora isso se aplique para diversos sítios de pesca, não é esse o caso da
pesca nas corredeiras de Buritizeiro, pelo fato dela ter organização própria, e estar limitada a
122
uma área muito pequena. Daí a proposta de gestão participativa da pesca nestes locais
.
Os
pescadores neste trecho de corredeiras são considerados ilegais clandestinos e impossibilitados
de ter a licença de pesca, os benefícios no período de defeso e o direito à aposentadoria como
pescador profissional. Neste local foi elaborado um sistema de pesca, em que regras têm que
ser respeitadas, caracterizadas por divisão de territórios de pesca nas corredeiras.
A pesca é fiscalizada em virtude do local onde é realizada, do período do ano
(piracema), da utilização de apetrechos e equipamentos de uso proibido e da obtenção de
licença de pescador, seja amador ou profissional, a ser expedida pelo órgão competente.
Segundo Maranhão, pescador e morador local, o pescador do São Francisco
possui um conhecimento detalhado do seu mundo de trabalho, nomeia lugares específicos de
pesca em trechos do rio que, na linguagem geográfica, são espaços onde acontecem cenas
cotidianas do seu mundo vivido. Este conhecimento tradicional vêm do acúmulo diário das
experiências relacionadas ao ambiente do trabalho, integradas à sua cultura.
Em Pirapora existem pescadores em vários pontos da cidade e que moram nos
distritos do município. A pesca é ainda um meio de vida para essas comunidades que a utilizam
como subsistência, cultuando tradições que passaram por gerações. As comunidades de
pescadores demonstram um vasto universo de conhecimento, práticas e valores cotidianos que
podem vir a contribuir na relação de manejo dos recursos naturais, tais como época reprodutiva
dos peixes e consequentemente a melhor época para se estabelecer o defeso.
Assim como no mar, os pescadores das cidades estudadas também territorializam
espaços de pesca no rio, nomeando e dividindo lugares. Nas corredeiras de Pirapora os espaços
são disputados por grupos que pescam muito tempo no lugar. Este sistema restrito de pesca
foi sendo repassado por gerações, envolvendo grupos de netos, sobrinhos e filhos de
pescadores.
123
Figura 19: Pesca artesanal no rio São Francisco Figura 20: Pescador tecendo Tarrafa
Figura 21: Pescador tecendo tarrafa (ao fundo a Ponte Marechal
Hermes)
Figura 22: Pesca do Surubim (foto cedida por pescadores)
Figura 23: Imagem de vapor que navegava pelo São Francisco a
altura de Pirapora
Figura 24: Vapor ancorado em antigo cais na cidade de Pirapora.
Fonte: Material produzido pelo autor
Depoimentos em seqüência permitem constatar que várias técnicas são utilizadas
nas corredeiras, porém as mais frequentes são a tarrafa e o colfo. A pesca profissional,
124
praticada de forma artesanal, é uma das atividades mais tradicionais no rio São Francisco,
havendo milhares de famílias ribeirinhas que se dedicam a essa ocupação. As características
artesanais marcam essa atividade – o uso de equipamentos rudimentares, a ausência de relações
de trabalho assalariado e a falta de ambição do pescador. Note-se que a pesca artesanal é
realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil, e abrange ainda os tipos bridos
de pescadores-agricultores. O ato de pescar recria um corpo indiviso em que as redes e os
barcos se misturam rendendo-se à força do pescador, à sua habilidade e à sua experiência. A
relação que se estabelece entre os pescadores e os seus instrumentos de trabalho permite as
formas e expressões variadas de divisão de tarefas e de modos de pesca.
Na pesca realizada no Alto-Médio São Francisco os apetrechos mais utilizados
são: a rede, a tarrafa e o anzol, ainda hoje confeccionados por eles. O ritmo do trabalho é ditado
pela natureza, no uso da rede e da tarrafa.
O processo atual de comercialização do pescado é feito pelo próprio pescador,
sendo uma parte destinada à venda aos intermediários, os chamados peixeiros ou
atravessadores, aos hotéis, restaurantes e a um único frigorífico local.
Segundo informações coletadas na associação dos pescadores de São Francisco, a
situação atual dos pescadores na região está vinculada a uma série de normas impostas pela
legislação vigente. Para o exercício da atividade pesqueira (seja ela profissional ou amadora), é
obrigatória uma licença específica, pessoal e intransferível. Trata-se de uma autorização para o
exercício da pesca, bem como para a guarda, porte, transporte e utilização de aparelhos de
pesca. Os pescadores amadores não podem comercializar o que capturam, apenas os
profissionais podem fazê-lo.
No trabalho da pesca, o homem ainda é o grande mantenedor e principal
responsável pela produção, como já foi mostrado em diversos trabalhos produzidos nas ciências
sociais. Na grande maioria dos casos, o trabalho é executado pelo homem, em horário
descontínuo, havendo a inserção ocasional de mulheres na pesca. As mulheres desenvolvem e
atuam mais no cuidado dos filhos, na casa, limpeza dos peixes e até no tecer de redes.
De acordo com a narrativa do Sr. Fernando Pedro, um dos diretores da
Associação, entre os associados, as lembranças de passagens vividas são muito fortes. Os
relatos sempre apontam o comêço da vida de pescador, nos tempos de criança, momento em
que o aprendizado da pesca se inicia: (...) Aprendi a pescar com pai. Desde criança - entre 10 e
12 anos. (...) Começei a pescar aos 10 anos de idade com o pai. Meu aprendizado começou na
Bahia e em 1971 vim pra São Francisco com os pais, que vieram aqui pra Minas Gerais. (...)
125
Sou pescador desde menino, aprendi a pescar com o meu pai, tive outra profissão, mas voltei
pra pesca, porque é o que faço com prazer e alegria. Tudo que tenho hoje veio da pesca.
Na fala dos entrevistados sente-se o grande laço de afetividade e o orgulho de ser
um pescador. Tendo aprendido a profissão com o pai, vários conseguem, até os dias atuais,
manter a família, com o trabalho na pesca. Segundo relato de um pescador de Pirapora:
(....) minha única atividade é a pesca. Pesco desde menino, aprendi com meu
avô e meu pai. Sou natural de Pirapora, barranqueiro, nunca tive carteira
assinada, meu patrão é o rio. Quando ele me chama estou pra pescar. Meu
salário fixo no ano é durante o defeso ou piracema que recebo do governo,
durante quatro meses, e assim vou levando a vida e sustento minha família.
Os relatos orais mostram que o rio e a pesca de antes eram melhores.
O Sr. Paulo,
pescador local, nos diz que é originário de:
(...) família de pescador. Aprendi a pescar com meus avós. Muito novo
comecei a pescar, ajudando meus avós. Comecei no ano primário,
transportando peixe pro frigorífico pro meu avô. Ganhei uma canoa coxa de
presente do meu avô de um pau só, material de pesca: o anzol, a tarrafa, eu
tinha 11 anos de idade. E assim comecei a pescar.
O rio São Francisco, mesmo com a diminuição de sua utilização como rota
comercial, ainda carrega o legado simbólico de uma população que formou suas raízes em
conjunto com a história do rio, e por fim, o valor do comércio regional nunca perdeu sua
importância local. Mesmo com o declínio dos grandes portos localizados ao longo do rio, ainda
hoje nas cidades onde ocorria intensa movimentação comercial restam marcas que remontam a
um passado facilmente identificado na arquitetura e na organização das construções comerciais
que se concentram normalmente na parte antiga da cidade, que está próxima a calha do rio.
No que tange a hidrovia do São Francisco, data da segunda metade do século XIX a
sua efetiva utilização para a navegação mercante, inclusive, com a chegada dos primeiros
“vapores” ou “gaiolas”. Certamente, bem antes desse período, o rio São Francisco e seus
principais afluentes já vinham sendo utilizados como importantes caminhos no processo de
interiorização territorial, bem como, para o comércio de gêneros.
Na atualidade pode-se falar da existência de uma “hidrovia popular”, em que,
diferentemente das embarcações de maior porte ligadas a empreendimentos maiores, circulam,
em quantidade, embarcações mais leves, funcionais ao comércio realizado cotidianamente entre
as localidades ribeirinhas e seu entorno, tendo, no barqueiro” ou nos remeiros”, suas figuras
humanas de maior expressão.
126
Segundo o Sr. Esmeraldo Lopes:
(...) A introdução da navegação a vapor, a partir de 1870/1871, alterou o fluxo
das barcas, mas não o suficiente para eliminá-las. Inadaptados às condições do
São Francisco, os vapores não conseguiam circular com regularidade durante
o ano. Nos períodos em que as águas do rio baixavam, pedras, corredeiras e
bancos de areia apresentavam-se como empecilho à circulação segura das
embarcações em geral, e dos vapores em especial. Os vapores não
representaram um avanço, se tomarmos a eficiência e os custos como critério.
Tinham pequena capacidade de carregamento e demandavam elevado número
de tripulantes que tanto trabalhavam nas cargas e recargas dos produtos como
também trabalhavam desencalhando as embarcações, sem contar com a
estrutura burocrática criada ao seu redor e que também implicava custos (...)
Nesse contexto, o povoado deixa de ser uma simples passagem de rebanhos e
de tropeiros, e também sede de missão, e firma-se como referência comercial.
Um fator decisivo para isto ocorrer foi, nada mais nada menos, a ligação com
o litoral feita por aí, através da velha estrada das boiadas, que era a mais
frequentada de todo sertão da Bahia para o Piauí”.
Por quase um culo, a importância econômica, política e cultural, de muitas
localidades no vale do São Francisco, esteve relacionada diretamente à necessidade e à
capacidade de utilização do rio enquanto um caminho de integração. Isso se particularmente
no caso das localidades portuárias nodais mais bem equipadas, a exemplo de Pirapora, com sua
conexão ferroviária para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte; e Juazeiro, cuja ligação com
Salvador também era feita por estrada de ferro. Pode-se destacar ainda, aquelas localidades que
apareciam no sistema hidroviário como importantes entrepostos comerciais, como o os casos
de São Romão e Januária.
De modo geral, ainda que por muito tempo a vida de relações entre localidades
situadas às margens do São Francisco tenha dependido das possibilidades econômicas e
técnicas de utilização dessa hidrovia, a navegação no São Francisco, enquanto infra-estrutura
logística no âmbito dos processos de estruturação e integração de espaços sócio-econômicos
regionais, não se consolidou de fato, ao contrário do que aconteceu com o sistema rodoviário.
Segundo o Sr. Esmeraldo Lopes:
(...) A história dessa hidrovia é marcada por ciclos de maior ou menor
intensidade em sua utilização, orientada quase sempre por aspectos
conjunturais. Uma ciclicidade que, de certo modo, contribui para que toda
uma região, especificamente os sertões mineiro e baiano, apresentasse
dinâmicas de crescimento econômico mais lentas e descompassadas em
relação a outras regiões do país. Mesmo projetos de desenvolvimento
direcionados a essas regiões, com destaque para aqueles referentes ao semi-
árido, não conseguiram potencializar uma melhor e mais eficiente utilização
da hidrovia são franciscana e seus recursos. Assim, com o passar do tempo,
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confirma-se cada vez mais o declínio das atividades de transporte de cargas e
passageiros no trecho navegável desse sistema, cujo auge se deu nas décadas
de 1950 e 1960.
Entretanto, é fato que no São Francisco uma parcela significativa de sua gente
ainda mantem-se ligada às atividades do transporte fluvial e da pesca, tanto, que ainda é
possível registrar significativa agitação diária no cais das principais cidades situadas às suas
margens. Sem dúvida, uma “hidrovia popular” resiste.
Muitos moradores se lembram de relatos e histórias sobre o rio e sua navegação.
Para Sr. João Botelho:
(...) O intercâmbio por via fluvial era feito pelas barcas e canoas; por via
terrestre e pelas tropas. Os tropeiros, como eram chamados, eram
comerciantes autônomos ou faziam serviço para fazendeiros. As barcas
apareceram no São Francisco depois da independência do Brasil, por volta de
1825. Até então o comércio fluvial era feito através de canoas e ajoujos. Como
tropeiros, os barqueiros eram autônomos ou estavam a serviço de um
fazendeiro, proprietário de barca. As barcas eram verdadeiras casas comerciais
ambulantes. Subiam o rio carregadas de bruacas de sal e regressavam levando
rapaduras e outros produtos agrícolas.
Segundo Dona Vera, no município de Januária:
(...) A travessia do rio São Francisco iniciou-se com a primitiva “Canoa”, feita
de um tronco de árvore, escavada ao longo de seu comprimento. Ela pode ser
encontrada em outros rios do país. É conhecida como “Ubá”, uma
denominação indígena. Tivemos também o Paquete”, mais equipado que as
canoas com uma vela presa ao mastro e um leme. É mais adaptado ao sopro do
vento do norte para evitar “encalhamento”, ou seja, entrar pelo “saco” (falta de
vento) sendo empurrado com varas pela tripulação. Era a hora de angústia para
os paqueteiros. Geralmente, isso acontecia próximo à ponta da Ilha do Fogo.
A barca construída por meio de tábuas que podem exceder às dimensões
restritas das ubás atinge dimensões bem maiores. Geralmente com fundo
chato, raso, ou vulgarmente chamado de “prato”, o que é mais conveniente
pelo meio de conservar-se maior equilíbrio, tanto navegam sobre as águas do
rio, como acontece de ficarem sobre um banco de areia. São construídas muito
bojudas e com “quilha” projetada consideravelmente e para baixo do fundo do
barco. Neste Caso, elas costumam tombar. Algumas barcas têm uma espécie
de camarote na proa ou na popa de embarcação. Muitas, nas suas proas,
usavam “Carranca”.
128
Segundo a entrevistada:
(...) As barcas dispensam o uso de vela, tornando-se, assim, perigosas na
região onde sopram fortes ventos e que são freqüentes: os pés de ventos”.
Outro meio de transporte fluvial aqui na região era o “Vapor”, conhecido, em
algumas regiões, como “Gaiola”.
Para o Sr. João Botelho:
(...) Com o advento das embarcações movidas a óleo diesel, as lanchas, a
profissão dura e brutal dos vareiros ou remeiros, passou a ser combatida pela
rígida fiscalização das Capitanias dos Portos de Juazeiro e de Pirapora, vindo
quase a desaparecer gradativamente. Os ribeirinhos, muitos deles, são
obrigados a deixar sua terra natal, indo para os garimpos de Mato Grosso e
Goiás ou para os cafezais de São Paulo, visto que lhes faltam, na terra de seu
berço, os elementos indispensáveis para satisfazer as suas aspirações e prover
a subsistência dos seus. Foram poucos os que conseguiram emprego como
marinheiros da Franave, antiga Viação Bahiana do São Francisco. Quanto aos
mais velhos muitos chegaram a passar fome. Extinguiram-se os paquetes,
logicamente a classe dos paqueteiros. (...) era o progresso chegando, trazendo
para alguns desemprego, fome e miséria. A navegação no rio São Francisco,
que foi muito praticada no passado, sofre atualmente grande concorrência do
transporte rodoviário, embora continue ainda desempenhando importante
papel na região, apesar das construções de barragens.
No município de Carinhanha, Dona Darinha nos diz que:
(...) A história da navegação, começou no século XVIII muito tempo, No
livro Carinhanha, eu conto a história da navegação, da barca e dos vapores.
Quando eles nasceram e tal. Tinha mais de 40 navios que nós chamamos
vapor né! Porque era à caldeira, á lenha né!
Apontando fotos que possui, sublinha que
:
(...) esta daqui, saiu na capa do meu livro: os navios, tudo era uma coisa linda,
tinha, dança, cinema, você tinha almoço, os caras, os copeiros, te servia, era
uma coisa maravilhosa né! A classe era em cima e a classe era embaixo,
porque a classe tinha camarote, é com quartinho né! Tinha banheiro, tinha
tudo lá dentro. E a 2ª classe ia sentado e em pé. Tinha de tudo: mesa pra jogar
baralho, dominó, e embaixo não, era tudo rede, era do povo pobre né!
Quanto ao rango, se via o cara fazer o prato dele, como eles falavam. Na 1ª
classe você sentava, o copeiro vinha né!, servia, tudo né!, era diferente,
então a gente falava que era a classe dos ricos, aí dividia a sociedade. Houve a
reforma ainda recente né!. (...) falando do vapor, ainda existe em Pirapora,
pois é, esta foto é de quando ele foi reformado em 1960. É muito bacana, ele
saia da região, e descia direto pra Salvador, por terra e pelo rio também. Pelo
rio não dava. Se fosse clandestino ia por terra. E vinham da Bahia, eu creio
que eles vinham da Bahia. Então o quê que acontecia, ela então vendia tudo
129
aquilo, e ali então começou a ser chamado de Porto do Salgado, por causa do
Brejo do Salgado.
Segundo Dona Vera, em Januária,
(...) a confecção das canoas é uma engenharia e ao mesmo tempo uma arte. Os
barcos são confeccionados de tábua. Além do cuidado técnico para evitar
acidentes, os barcos levam à frente, no alto da proa, uma carranca, figura de
gesto ameaçador. O casco é calafetado com resinas naturais da região. Pintado
com cores vivas o barco artesanal segue seu destino. Tinha os empurradores,
né! que paravam por causa do rio. Tinha os canoeiros trazendo a feira, que a
feira era feita no rumo do rio.
Expondo algumas fotos observa que
:
(...) Aqui é um ajoujo. O ajoujo eu consegui fazer no computador porque não
ficou mais nenhum, acabou, eu falei, eu tenho que criar. Imaginei mais ou
menos as proporções, porque meu filho trabalha com projeto, e arquitetura,
então ele fez isso aí: duas canoas, um estrado e um curral. E ele tinha porteira.
A hora que ele encostava, a gente punha os cavalos dentro dele, pra atravessar
o rio, que a gente atravessava a cavalo. E ele ia tocado a remo, no varejão.
Aqui é o vapor... aqui tem mais... aqui é um vapor no porto, essa é a
original... eu vou pegando as fotos aqui, eles me emprestam, as famílias
emprestam aquelas fotos antigas, eu mando pro laboratório, faz elas como era,
e então é incorporado ao patrimônio. Essa aqui foi a primeira lancha que
substituiu esse ajoujo, uma lancha a motor, e passou carro, que na outra
não passava. Aqui um carro de boi. Pode fazer um painel aí, ó. Aqui é o
primeiro trator de esteira, pra consertar estrada, caminhão, caminhão
carregando eleitor.
Em São Romão foi entrevistado Paulo Henrique, 60 anos, filho de barranqueiros.
Ainda que surpreendentemente nunca tenha viajado num vapor, Paulo Henrique acompanhou a
passagem de vários deles pelo porto, quando estava em Januária na sua infância e mocidade.
Ele viu o Engenheiro Halfeld, o Barão de Cotegipe, o São Francisco, o Wenceslau Braz e o
Benjamim Guimarães. Um detalhe interessante fornecido por Paulo Henrique é sobre os apitos
dos vapores. Segundo ele cada uma das embarcações tinha o seu apito característico, que
anunciava a sua chegada e a identificava nos portos ribeirinhos, provocando grande
movimentação da população local. O entrevistado ressaltou ainda um fato: a sua cidade,
Januária, não tem atracadouro.
Em São Francisco, conforme diz o Sr. João Botelho:
(...) a navegação aqui foi impulsionada pelo boi mesmo e o comércio. Esse
aqui é o cais primeiro. Aqui, sem o cais, essa aqui é importante: o vapor no
porto, a barca, e esse lugar aí. A barca não saia pra Bahia. A barca saia daqui
pra Pernambuco. Ela saia pra trazer o sal, porque aqui era porto de sal. No
130
vale do São Francisco era uma das coisas mais importantes... isso aqui era
uma fonte luminosa.
Segundo informações da CODEVASF prestadas pelo engenheiro Ari Martins:
(...) Na atualidade a navegação na região do São Francisco sofreu drástica
redução. Produziram esse fato a expansão rodoviária e o transporte a partir da
década de 50 do século XX, a construção das represas e das usinas
hidrelétricas, que trouxe a diminuição do volume de água navegável, e o
assoreamento, que tornou crítica as condições de navegabilidade em muitos
dos trechos do rio. Ainda assim, permanecem navegáveis 1.520 quilômetros
do curso do rio, representados pelos trechos de Pirapora a Juazeiro/Petrolina e
de Piranhas à foz. Os principais portos na atualidade são Pirapora, Itacarambi,
Ibotirama, Juazeiro e Petrolina (...) Hoje trafegam pelo rio canoas, barcos,
barcas, lanchas, balsas, chatas e empurradores. Os pequenos barcos a motor.
Os empurradores são embarcações de porte médio e grande potência utilizadas
para rebocar as chatas no Médio São Francisco. Um empurrador pode rebocar
até 10 chatas, com um peso máximo de duas mil toneladas. O assoreamento,
seja temporário, causado pela falta de chuva, seja permanente, provocado pela
diminuição do volume e da vazão de água em razão da construção das
barragens e da degradação ambiental é o fator decisivo quando se fala em
navegação pelo São Francisco.
Para Ari Martins ao contrário do que tem sido propalado:
(...) ainda é possível navegar pelo rio em embarcações de médio e grande
porte nos trechos acima citados, de Pirapora a Juazeiro/Petrolina e de Piranhas
à foz. As embarcações que passam pelos trechos assoreados são sempre as de
menor porte. Ainda assim os encalhes são freqüentes. A falta de chuva fazia
com o que o rio secasse paulatinamente, o que aumentou o problema. Vinte e
dois garrotes morreram pressionados pela movimentação do gado na
embarcação parada.
No Alto-Médio São Francisco, segundo o engenheiro,
(...) muitos sinais de tráfego instalados em grandes placas nas margens do
rio, indicando os melhores pontos de passagem das embarcações de maior
porte. A sinalização indica inclusive a distância da foz do rio, o que se torna
uma referência importante em viagens técnicas.
Para alguns moradores da beira do rio, mesmo com esses problemas, a relação
direta com o rio e com a água lhes algumas vantagens. A localização, além de facilitar o
processo de comunicação e de acesso, assegura algumas vantagens em termos do escoamento
dos seus produtos. Mesmo aqueles que não dispõem de transporte próprio, dependem, portanto,
do “barco da linha”, ainda assim, têm algumas vantagens na hora de comercializar a sua
131
produção. a alternativa de levar o pescado para a sede do município e vender diretamente
para o consumidor, ou mesmo para o atravessador, mas sem estar totalmente submetidos a uma
única oferta.
Conforme pode-se depreender da pesquisa oral realizada com aqueles moradores,
um dos pontos mais fortes de atração para quem viaja pelo rio são, naturalmente, as
embarcações que nele trafegam. Existem algumas das características dos veículos utilizados no
passado e das embarcações contemporâneas, que são ainda preservadas.
No passado remoto elas consistiam principalmente de canoas, feitas do tronco de
grandes árvores escavadas com o auxílio do fogo e de enxós; paquetes, que constituíam duas
metades de uma canoa com a largura aumentada pela inserção de tábuas; ajoujos, ou duas
canoas presas lado a lado; barcas, embarcações de baixo calado, consideravelmente maiores do
que a canoa e o ajoujo, impulsionadas por varejões ou vela; canoas-de-tolda, ou simplesmente
toldas, armadas com duas velas triangulares ou quadrilaterais; e os famosos vapores,
embarcações de grande porte utilizadas para o transporte de passageiros e carga, movidas a
vapor. O rio era um o intenso vai-e-vem das embarcações que garantiam a comunicação e as
trocas comerciais entre Pirapora e demais localidades e geravam um encantamento nas pessoas.
Segundo um trecho destacado da leitura de Rieper (2002):
(...) Isto fica claro no depoimento de D. Antônia, que considera que o beiço do
rio é onde você o rio. Ela está se referindo a uma área onde se desenvolve
grande parte das atividades cotidianas de quem vive nas margens e, portanto,
de grande importância material e simbólica para estas pessoas. Existem
aqueles que vivem no “beiço do rio” e os que moram no “centro”, que
constitui as terras mais afastadas do rio, onde a população não convive com as
águas do rio de forma tão direta quanto os beiradeiros. Uma série de distinções
quanto aos hábitos, às características do comportamento e o modo de vida
marcam a diferença entre quem mora em um e em outro lugar, na concepção
dos ribeirinhos. O fato de viver no “beiço do rio” é um fator de identidade
muito significativo para estas pessoas.
Na construção dos parâmetros espaciais da população ribeirinha, segundo Rieper,
influem e interagem o visto e o vivido. Ver o rio é fundamental para aquelas pessoas. Vários
depoimentos, colhidos da sua obra, expressam o sentimento das pessoas: “Antes era muito
lindo quando o rio enchia. A gente via da janela os peixões pulando, brincando. É muito bom
ver os bichinho brincando. Cada lapa de peixe...” diz Maria Deildes. A visão do rio significa a
continuidade do ordenamento do mundo a partir dos referenciais conhecidos peixe, barco,
mobilidade, água, tradição, conhecimento pessoal.
132
O rio é mais amigo que a gente, porque a gente usa o rio, usa aquelas águas,
trabalha, pesca, tudo, e anda dentro d’água e o rio não usa falsidade com
ninguém, o rio só é amigo para sempre. Eu vejo muita coisa de animação, que
a gente quando olha pro rio se anima e lembra dos tempos que a gente era
criança, brincava de canoa, pescava, como eu comecei a pescar mais o meu
pai, aprendi com ele, ainda que ele não soubesse bem, mas tinha um parceiro
que andava com ele que sabia mais. Ele pescava, aí pretendia de trazer a gente
pra pescaria, a gente aprendeu andando com ele, eu como meus irmãos.
depois que a gente tomou entendimento, a gente participou cada um a sua
embarcação, sua canoa, uma rede, uma tarrafa, uma linha, um anzol, uma
direção que a gente tomou por conta própria. Quando tomou entendimento de
gente a gente ficou liberto. Cada qual ia de animar o que era seu. (Gilberto).
Mas era muito divertido, o rio era animado naquele tempo, ele enchia. Queria
que você visse naquele tempo um dia de Sábado, com o rio cheio, as canoas
botava ali em baixo, óia, ficava assim (gesto de cheio de canoas) que era capaz
de você não ver o rio. De toda cor, pano de canoa. Em Pão de Açúcar pra
encostar ali tinha que ser bom piloto se não sabia dar o porto, elas tudo
topadinha assim uma na outra, de ponta a ponta. E agora, acabou-se. (Dona
Enoi).
Hoje as canoas de tolda não navegam mais no baixo São Francisco. Os pequenos
botes de pesca a vela ainda são numerosos, mas das embarcações de grande e médio porte,
restam apenas algumas chatas e duas canoas de tolda das menores, com capacidade para cerca
de 200 sacos de carga, equivalente a aproximadamente 12 toneladas, que encontram-se em
obras.
Apesar de todas estas mudanças, as grandes embarcações ficaram marcadas na
lembrança dos ribeirinhos. Os barcos são lembrados como um símbolo de uma época de fartura
em que o comércio de mercadorias produzidas na região era intenso. Olhar para o rio e ver os
barcos passando e o porto cheio era sinal de progresso e de bem estar.
As mudanças no modo de vida dos ribeirinhos do rio São Francisco se fazem
perceptíveis em seu cotidiano, os fazeres diários o cada vez mais impregnados pelo conflito
entre a tradição existente e a modernidade trazida pelas novas formas de viver o lugar.
133
Figura 25: Descarregamento de barcas no passado
Figura26: Travessia da balsa (município de São
Francisco)
Figura 27: Canoeiro às margens do rio São Francisco
no município de São Francisco
Figu
ra 28: Panorama das embarcaçõe utilizadas no
município de Carinhanha
Figura 29: Aspecto atual do porto de Pirapora
Figura 30: Imagem antiga alusiva ao embarque de
mercadoria nas barcas em januária
Fonte: Material produzido pelo autor
134
Porém, segundo o Sr. João Botelho,
(.....) no São Francisco ainda é muito comum as danças religiosas e o ritual às
almas do rio, as cantigas de nascimento, de morte, as promessas para chover,
as promessas para cura, tudo isso se mistura às romarias e procissões para
formar o amplo escudo espiritual da população são-franciscana. A vitalidade
desse sincretismo pode ser lida de várias formas. Como identidade primitiva,
coletiva e conformista, por exemplo. Ou a resistência coletiva que não pára de
acreditar no futuro. A exemplo do Velho Chico, a dos barranqueiros sugere
procura, superação, movimento do corpo, movimento da alma, como num
balançar das maretas nas águas mornas do Opará. O espetáculo da esperança
apeia dos confins do sertão mineiro para introjetar na fé a sua face humana,
pois a fé unifica o passado, o presente e o futuro do homem. Realiza-se para
cumprir promessas, ou ainda como por ocasião do término de colheita ou
construção de casa.
3.5 O casario e o patrimônio arquitetônico
Na maior parte das localidades pesquisadas se destaca, na área do patrimônio
arquitetônico, alguns elementos característicos do passado. Pode-se citar, por exemplo, a
presença de igrejas de época, as quais apresentam um formato singelo e elementos artísticos
interessantes em que pese o fato de não serem adequadamente preservadas.
Quanto ao estado de conservação e à proteção legal, encontraram-se situações
extremamente distintas entre si. cidades que possuem um conjunto de bens históricos e
artísticos razoavelmente bem preservados, como o casario de Januária enquanto outros
permanecem completamente desprotegidos e se degradaram como é o caso do casario de São
Romão e Matias Cardoso. outras cidades que, por seu turno, tombaram os seus bens ou os
inscreveram para tombamento, mas os têm deixado abandonados à própria sorte.
Uma das características que distinguem o Alto-Médio São Francisco dos demais
grandes trechos do rio, com relação ao patrimônio histórico e artístico existente nos núcleos
urbanos e áreas rurais do seu entorno, é o fato de as edificações antigas terem sido, nessa
região, menos preservadas. Porém, algumas ainda resistem.
Em diversas cidades alguns dos prédios históricos foram modificados nas suas
características arquitetônicas originais para dar lugar a construções modernas. Há, por certo,
várias exceções. Mas nos núcleos urbanos do Alto- Médio São Francisco, surge a tendência à
preservação dos bens históricos e artísticos em várias das cidades.
Diversas razões, numa primeira análise histórica, podem ser aventadas para explicar
esse fato. Um dos fatores decisivos é, sem dúvida, o ritmo mais acelerado de urbanização e de
135
crescimento econômico que marcou o Alto-Médio São Francisco, se comparado às outras
regiões ribeirinhas.
Enquanto muitos dos núcleos urbanos de parte do Alto-Médio São Francisco
padeciam de certa decadência ou estagnação econômica, outros se desenvolviam mais
rapidamente. Pode-se citar o caso de São Romão e Januária, respectivamente. Essa expansão,
combinada com a ausência de consciência da importância do patrimônio cultural e com a ânsia
pelo novo” que caracterizaram grande parte do século XX, foram determinantes no abandono
e na destruição das edificações antigas.
O fato de que o povoamento da região o tenha tido aquela constância e relativa
regularidade deve ter contribuído igualmente para dificultar a preservação das edificações
históricas. O crescimento do povoamento certamente não ajudou a manter intocadas as
edificações passadas.
Entretanto, em outras localidades grande diversidade quanto ao estilo
arquitetônico, datação, estado de conservação, finalidade original da edificação e proteção
legal. Registram-se edificações construídas nos mais diversos estilos, em diferentes períodos
dos quatro últimos séculos. Quanto à finalidade original da construção, as obras edificadas
apresentam objetivos tão distintos como o religioso, o cultural, o militar, o comercial, o
industrial, o de transporte, o residencial, o paisagístico e diversos outros.
Das impressões que se seguem muitas foram colhidas em depoimentos da
pesquisadora Maísa Fürst Miranda, pesquisadora do IEPHA-MG.
Em Manga, pode-se verificar que existem algumas heranças geoistóricas relevantes,
como o casario antigo na região do cais e a estrutura do cais. Ali percebe-se alguns objetos
preservados, como a Igreja de Brejo de São Caetano (não se tem informação sobre o nome
oficial da igreja). Pode-se dizer também que ainda existem umas poucas áreas orientadas por
uma regionalidade desenhada pelo rio e que preservam heranças geoistóricas notáveis,
passíveis de aproveitamento (o casario da área do cais serve de exemplo).
Erasmo Carlos Fernandes, funcionário da prefeitura municipal de Manga, nos diz
que “a cidade nasceu na localidade de Brejo de São Caetano e foi posteriormente transferida
para o local atual”.
136
Segundo Dona Clarice, moradora de Manga:
(...) A igreja original ocupava outro local, tendo sido derrubada e reconstruída
onde está hoje. Parece que essa reconstrução se deu em 1976, que é a data no
cruzeiro. A madeira de ornamentação foi vendida pelo padre responsável pela
igreja na época. Hoje a igreja encontra-se completamente descaracterizada, foi
pintada recentemente e tem janelas de vidro. A construção passou por duas
reformas, segundo a zeladora, Terezinha Alves de Almeida. O sino de bronze
foi retirado e está hoje na parte externa da igreja. A imagem de São Caetano,
de madeira, com coroa e cruz de prata e detalhes em ouro branco, foi roubada.
As únicas peças de importância histórico-arquitetônica que permanecem na
edificação são o altar-mor e o retábulo, que parecem originais e m sido
pintados freqüentemente. O altar-mor está em perfeito estado de conservação e
provavelmente foi transferido da edificação original para a igreja
contemporânea.
Em Carinhanha encontrou-se algumas heranças geoistóricas relevante: o casario
antigo na região do cais, algumas em processo de demolição; o Conjunto do casario da Praça da
igreja de São José; a Igreja Matriz de São José, bens imóveis construídos no século XVII.
Segundo moradores do local, como Dona Darinha:
(...) o aspecto externo da edificação é bom, mas fomos informados por José
Castor, secretário de Agricultura do município, de que ela já foi bastante
descaracterizada. Há “alguns anos” houve mudança do telhado e pintura do
altar-mor, que foi assim completamente desfigurado do seu aspecto original. A
pintura original era banhada a ouro e de grande beleza.
Também pode-se destacar a Casa da Careta, bem imóvel construído no século
XVIII, que para
José Castor, morador da cidade
:
(...) teria se originado de uma rixa entre dois portugueses que residiam no
local. Cada um construiu uma casa, tentando jocosamente mostrar a face do
outro. Quando concluídas as obras, as duas caretas tinham o mesmo aspecto e
se assemelhavam bastante aos dois contendores.
Outra constatação local foi a de que a única das duas casas que restou da época,
encontra-se em bom estado de conservação. A fachada é ornada com platibanda, e um rosto do
português encima a parede frontal. Existe uma casa na rua 2 de Julho, 493, bem imóvel
construído no século XIX, em bom estado de conservação. Uma casa na mesma rua 376 foi
construída provavelmente no início do culo XX. O estado de conservação é razoável, as
paredes têm cerca de 60 cm de espessura e o sótão é característico. Outra casa na Rua Quintino
Bocaiúva, 124, bem imóvel dos mais antigos da cidade, hoje abriga a Filarmônica Pedro
137
Leite de Almeida, uma banda local. Está em estado ruim de conservação, com batentes das
janelas carcomidos e paredes pichadas com propaganda política.
Pode-se dizer que as áreas portuárias apresentam maior relevância, assim como as
áreas limítrofes às igrejas. No entanto, mudanças arquitetônicas em vários imóveis deste
conjunto, vêm contribuindo para reduzir a possibilidade do aproveitamento integrado ao
turismo, que perde rapidamente muito de suas qualidades notáveis.
Na cidade de Januária, segundo Dona Maura, moradora da cidade
“tem um
excelente cais do porto, que foi preservado. Construído de pedra e cimento e que está como
testemunho de uma época áurea da cidade”.
Foram encontrados pela pesquisa um casario e calçamento da rua Visconde de Ouro
Preto e ruas transversais, ruas antigas com diversos bens imóveis de valor histórico-
arquitetônico. As épocas de construção variam entre o período colonial e início do século XX.
Detalhes das características físicas e históricas do calçamento da rua encontram-se no catálogo
Acervos do São Francisco.
Segundo Dona Maura:
(...) muitas destas edificações foram inventariadas pelo IEPHA-MG, estando
em processo de tombamento, mas nenhuma delas foi ainda tombada. Algumas
casas estão muito bem conservadas, tendo sido restauradas e pintadas
seguindo-se as características originais. As casas de números 50 e 142,
constantes do inventário do IEPHA-MG, foram preservadas com a construção
de um hotel. O endereço dessa edificação é avenida São Francisco, 448.
138
Figura 31: Comparação histórica da Igreja matriz no passado e no presente, em São Francisco
Figura 32: Parte d
o casario de
Januária á época
colonial
Figura 33: Construção herdada do período colonial no
Vale do São Francisco
Figura 34: Aspecto do casario
na região do cais da
cidade de Manga
Figura 35: Igreja matriz da cidade de Manga
Fonte: Material produzido pelo au
tor
139
Figura 36: Igreja Matriz de o José, em Carinhanha,
fundada no século passado
Figura 37: Bem imóvel construído no século XIX, em
Carinhanha
Figura 38: Panorama do cais do porto construído de
pedra e cimento, em Januária
Figura 39:
Características físicas das construções e do
calçamento antigo das ruas de Januária
Figura 40: Fachada de hotel construído em imóvel do
início do século XX
Figura 41: Panorama do Casario da rua Barão do Rio
Branco, em São Francisco
Fonte: Material produzido pelo autor
Os moradores das imediações dizem que a construção do hotel não alterou
significativamente a harmonia arquitetônica e volumétrica do casario, não prejudicando o
140
conjunto histórico da rua. Em relato, a pesquisadora Maísa Fürst Miranda, do IEPHA-MG em
Januária, observa que
(...) o calçamento antigo, feito de pedras retiradas dos morros, encontra-se
intacto, afora no trecho onde está sendo construído o hotel. Casario da rua
Barão do Rio Branco. Essa rua antiga, paralela à anterior, também apresenta
casario antigo de grande valor histórico-arquitetônico. Várias edificações, com
fachadas e platibandas antigas, foram reformadas e restauradas, preservando-
se o padrão original. Outras foram derrubadas para dar lugar a casas
modernas. Numa ruela transversal à rua existem duas casinhas do período
colonial, com batentes de madeira grossa. Os tetos de ambas estão bastante
avariados.
Além destas, a pesquisadora nos diz que ainda o Centro de Cultura e Turismo de
Januária na Praça Patrocínio Mota, 47 (esquina com a rua Barão do Rio Branco, descrita
anteriormente), edificação de dois andares, que apresenta características do século XIX e foi
restaurada e pintada recentemente.
O proprietário, Juarez Teixeira, informa que,
(...) o Centro deverá abrigar oficinas de arte e salas de exposição. Algumas
exposições já estão montadas, como a sala que exibe os trabalhos em cerâmica
do grupo denominado Mulheres do Candeal (...) Também pode-se apontar a
casa da Memória do Vale do São Francisco. Bem imóvel tombado pelo
município. Prédio do final do século XIX. Detalhes das características físicas
e da história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. O
prédio encontra-se em bom estado de conservação. Do acervo, em estado
médio de conservação e proteção, constam indumentárias antigas, imagens,
quadros, fotografias etc. Parte do acervo está ainda sendo organizada. O
prédio abrigou no passado a cadeia e, posteriormente, a câmara municipal da
cidade (...) Há também outros imóveis como: o Centro de Educação Integrada
do Vale do São Francisco, em bom estado de conservação; a casa localizada a
Rua Lindolfo Caetano, 316, pequena construção, de apenas duas janelas e uma
porta, possuindo expressiva arquitetura. Bens imóveis com características da
primeira metade do século XX. Um armazém localizado no centro da cidade,
endereço não registrado. Segundo o proprietário, Luiz Carlos, o mesmo vem
se esforçando para preservar as características antigas do imóvel,
representadas por um longo balcão de madeira, teto de madeira, portas altas e
fachada externa expressiva.
Pode-se citar o prédio da Prefeitura Municipal, prédio antigo, mas sem
identificação do período de construção. Ainda em Januária, no distrito de Brejo do Amparo,
pode-se encontrar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Bem imóvel tombado pelo estado.
Construção na primeira metade do século XVIII. Detalhes das características físicas e da
história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. Em relatório
141
circustanciado mostrado pela pesquisadora Maísa Fürst Miranda, do IEPHA-MG, durante sua
entrevista, pode-se encontrar a seguinte descrição:
(...) A igreja encontra-se numa área isolada, à qual se chega por estrada que
passa por fazendas de cana-de-açúcar. Trata-se de edificação grandiosa, mas o
estado geral de conservação não é bom. As portas e janelas estão deterioradas,
da varanda lateral foi retirado todo o ladrilho hidráulico e o teto foi refeito em
1998, para evitar desabamento. A pintura no altar-mor está desgastada, a
parede de adobe está deteriorada, a escada para o coro está quebrada e a
sacristia foi retirada por causa da obra de prevenção executada. O piso de
tábuas está deteriorado, cheio de empenas e falhas. As janelas e portas estão
escoradas. O arco com o cruzeiro e todo o madeirame está ameaçado por
cupins. O piso do coro está mofado. Como a igreja está semi-abandonada,
ocorrendo cultos uma vez por ano, não bancos. As imagens antigas estão
guardadas na casa da zeladora, consistindo de um Cristo crucificado e um São
Benedito, ambos originais. A imagem de Nossa Senhora do Rosário está
completamente deteriorada. O cruzeiro frontal ao templo corre o risco de cair,
por estar próximo a um barranco. Na fachada havia a inscrição de 1668, que
desapareceu, devido à repintura realizada na edificação. O muro que cerca a
igreja e as torres da fachada principal estão pichados e em estado de
deterioração. Apesar do estado geral precário da igreja, o risco de
desabamento foi evitado pela obra de cunho paliativo que alinhou a cumeeira
da nave.
Em Matias Cardoso, segundo Leila de Souza, a pesquisadora do IEPHA-MG:
(...) existe algum processo de manutenção do casario, pelo poder publico,
alguma coisa não da Prefeitura, mas eu estou falando, é tombado pelo
IPHAM. O casario tem uma construção de uma família aqui que é assim. Mas
não existe nada do tipo. Precisava realmente ter recursos para isso. Porque a
família nasce, vive, faz o que é possível, mas não consegue fazer o que é
necessário para preservar. A primeira construção junto com a igreja foi aquela
casa, aquele prediozinho o do lado esquerdo da igreja. Aquele prédio foi
construído na época da restauração da igreja. Essa igreja ta com uns 65
anos, então é muito tempo, e não tem nenhuma preservação, o tombamento
(...) a igreja é tombada pelo IPHAM certo, o resto foi-se. é uma pena, porque é
muito longe e tinha muita coisa. Falta poder com a política para isso, Matias
Cardoso ficou totalmente abandonada, perdeu-se tudo.
Sobre a arquitetura das cidades próximas, a entrevistada diz:
(...) Lá pelas bandas das Minas de Mossambinho a gente fez uma pesquisa
oral, o que consta é que quem construiu as Minas foi o Mestre Campos, os
mais velhos falam Mestre de Campo, a gente ficou na dúvida se era Mestre
Campos, sobre nome do doutor ou Mestre de Campos. E quem teria
construído aquela ruína lá, construiu também a igreja de Matias Cardoso,
construiu aqui e lá, e o fato é que a de lá esta em ruína também. Então sempre
corre o nome de Mestre de Campo. Vocês encontram alguma coisa sobre a
pessoa mesmo, o Mestre que construiu essa igreja.
142
Continuando a entrevistada diz que
(...) Agora, quando se fala na construção da igreja, existem lendas e lendas.
Agora tem uma coisa que se conta que eu acredito que é verdade, tem uma
historia da nossa igreja, que o acabamento dela foi feito em gemas de ovos. Lá
também prevalece esta história, que a massa teria levado gema de ovo, ovo de
pato, alguma coisa desse tipo. Tinha outra coloração, mas tinha outro produto
naquela época que agente não imagina o que foi. As tintas eram de arvores, a
tonalidade que você tem, talvez colocou ate gema de ovos sim, porque naquela
época era muito fácil. A massa foi de cal, o componente era o cal e areia do
rio, e agora o que dava liga, fica realmente esse mistério. O cal da liga. Mas
uma liga mais que desse uma consistência maior a massa. Alguns falam nos
ovos mesmo, outros falam no óleo de baleia. Pode ser, mas realmente isso é
uma coisa que fica a pergunta, o que constitui a massa? com certeza eu
acredito, aqui também tem o cal que não é da região, que tem que vir das
Caieiras. Mas aqui fazia cal nessa época, por que o cal aqui era das pedras as
pessoas iam lá e faziam o que queria. Hoje que é proibido tirar uma pedrinha,
por que acabou com tudo, as pedras eram muito bonitas. Então o cal é coisa
nativa, porque ate uns quinze, vinte anos atrás as pessoas não compravam
cimento, usavam sempre o cal, tinha esse facilidade. Era cal, areia do rio e
água. Os tijolos eram feitos de argila, né!
(...) Aqui tem alguma argila boa para tijolos. A gente tinha uma cerâmica que
foi desativada, fazia telha... Porque em uma terra arenosa é difícil de achar
argila, né! em Mossambinho acho que é mais complicado. A gente tem
uma idéia de que perto da beira do rio a argila era com facilidade, muita
facilidade; ainda tem que agora foi desativada. Agente ate vendia material
pra fora, telha, tijolos. Esse material para construção não foi problema,
madeira tinha muito na época. Esse construtor realmente nos escapa, o santo
também nos escapa lá. Nos não encontramos nada, nenhum registro. É
impressionante como a historia do norte vai sendo apagada.
Na seqüência confirma:
(...) Quanto as nossas imagens ainda existem muitas imagens de madeira, que
eu acredito que com a mão de obra escrava. Na historia também, agora essas
outras imagens parece gesso, isso deve ter vindo de Portugal, por que para a
época já era uma acabamento fino, aqui a gente não tinha tecnologia para isso.
Você aquelas imagens na igreja lá, aquelas imagens tem acabamento fino e
tem sido restauradas né!, e as imagens de madeira, hoje praticamente não
existem. E o que aconteceu com elas é que elas foram levadas para outros
lugares, foram roubadas. Foram roubadas. A história conta isso que foram
roubadas. Por que hoje a gente tem a pessoa que cuida, mas antes não. Tem
dois anos que tem uma pessoa que cuida da igreja, antes não tinha, e as portas
abrem com facilidade, né! E os curiosos, não pessoas da cidade, acredito que
não. Porque pessoa da cidade não tem nem muito conhecimento, hoje tem,
mas antes não tinha. Uma mina de colecionador, né! Então é diferente
(...) a gente falando da igreja, me ocorreu que o santo padroeiro daqui. Nossa
Senhora da Conceição, tem uma imagem bem grande lá em cima. E é isso que
143
acontece em todas as outras igrejas tudo leva a crer que seja Nossa Senhora da
Conceição, por isso que a coisa vai se ligando, né!
Dona Leila diz que:
(...) Em Mossambinho, era uma ruína, em setenta, era uma ruína,
ninguém sabia de nada. E aí um relato que a gente conseguiu dos mais velhos,
gente com 90 anos, falava de Nossa Senhora, eu não sei se em função daqui
ou realmente alguém tinha sobrado na região para contar essa historia. Então,
pode ser que seja mesmo a padroeira nas três igrejas. A de Parapé eu já tentei
duas vezes chegar lá e não consigo, as escadas são ruins, não da tempo.
essa época é complicado. Duas vezes que eu tento e não consigo. Agora
seria interessante estar conversando com duas pessoas aqui em Matias, é seu
Didu, ele tem noventa e alguma coisa, e a outra pessoa ela chama, não me
lembro ao certo, ela vai ter mais ou menos a mesma idade dele.
Segundo relato da entrevistada pode-se destacar enquanto herança geohistórica
importante o seguinte conjunto: o Casario antigo na praça da igreja matriz composto pela
Matriz de Nossa Senhora da Conceição, bem imóvel tombado pela União. Foi provavelmente
construído entre 1670 e 1673. Detalhes das características sicas e da história do bem
encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco.
As impressões que se seguem foram colhidas junto a pesquisadora Maísa Fürst:
(...) A igreja, grandiosa em relação ao aspecto geral de carência da cidade,
retrata o período de apogeu do antigo arraial de Matias Cardoso. O templo
possui três portas e características das igrejas baianas. O estado de
conservação da edificação é razoável, mas necessidade de restauração do
prédio. A inscrição referente à sepultura de Januário Cardoso, citada por
Burton, não pode mais ser vista. Segundo a zeladora, Suzana Barbosa, a pedra
original da sepultura foi quebrada em busca de ouro. A imagem original da
padroeira foi roubada na década de 60 do século XX. ainda três imagens
originais: Santana e Nossa Senhora do Desterro, colocadas no altar à esquerda
do altar-mor, e São Miguel, no altar à direita do mesmo. Há oratório de
madeira, com imagem de São Vicente de Paulo. Os belíssimos afrescos do teto
de madeira estão em bom estado. No topo do altar lateral direito, destacam-se
duas figuras indígenas, provavelmente uma alusão à antiga ocupação
ameríndia da região. Os muros que cercam a igreja estão em bom estado de
conservação
(...) Também pode-se destacar: o restaurante Normanha, localizado na Praça
Cônego Maurício, 65; as casas de números 462, 525, 556 na mesma praça;
todos em bom estado de conservação e tombados pelo município.
Por fim, pode-se dizer que ainda existem áreas orientadas por uma regionalidade
desenhada pelo rio e que preservam heranças geoistóricas notáveis passíveis de aproveitamento
144
para o turismo integrado. No entanto, mudanças arquitetônicas na área limítrofe à igreja, em
vários imóveis deste conjunto, m contribuindo para reduzir a possibilidade do
aproveitamento para fins de turismo.
No município de São Francisco, o Sr. João Botelho afirma que
(...) ainda existem, alguns monumentos, algumas construções. Quanto a
preservação destes existe um órgão específico... nós já temos o Conselho
Municipal de Patrimônio Histórico, que reúne uma vez por mês, já ta
registrado, e nós estamos produzindo processos de tombamentos, né!.
Continuando, o Sr. Botelho, mostrando as fotos na parede de seu escritório diz,
“isso aqui é o mercado antigo, isso aqui é o hospital, isso aqui é o antigo fórum, que hoje é a
inspetoria, isso aqui é o cais”. Olhando as fotos ele diz ainda:
(...) esse é o cais, aqui você tem fotos do cais antigo. Do antigo parece que
tem, tem até antes dele, olha que igreja bonita! Mas ta em outra coleção,
esse aqui, essa casa aqui, é particular. Então eu mandei meus empregados irem
pra restaurar, e disse pro dono: eu vou fazer porque vocês não fazem, antes
que ela caia! Então eu fui fotografando a medida... essas casas aqui da foto são
da fundação da cidade. Essa d é de mil oitocentos e alguma coisa. Hoje
existem muito poucas casas dessa aí. Essa daqui, por exemplo, caiu, ó. Essa
aqui é do século XIX... essa aqui ta restauradinha... essa daqui ta em vias de
cair também
(...) Os casarios de São Francisco tem uma característica de construção. foi
classificado pela especialista da Unimontes, em arquitetura antiga. Esse
casarão aqui foi classificado como neoclássico, barroco não tem, né! O
barroco no Brasil chegou atrasado, mas mesmo chegando atrasado nós não
alcançamos. É pobre, o cara que vem construir aqui é pobre, e pobre não pode
fazer grandes edificações, porque nós não tivemos o ouro, que financia tudo,
né!
145
Figura 42: Centro de Cultura e Turismo de Januária
Figura 43: Casa da Memória do Vale do São
Francisco em Januária
Figura 44: Centro de Educação Integrada do Vale do
São Francisco em Januária
Figura 45: Imagem da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário, em Januária
Figura 46: Foto da Igreja de Matias Cardoso herdada
do período colonial em Januária
Fonte: Material produzido pelo autor
146
Figura 47: Panorâmica do casario de Matias Cardoso
Figura 48: Casario antigo de Matias Cardoso
Figura 49: Lateral da Igreja de Matias Cardoso
Figura 50: Fotografia da Matriz de Nossa Senhora da
Conceição
Figura 51: Construção secular em São Francisco
Fonte: Material produzido pelo autor
147
Figura 52: Imagem de monumentos em São Francisco
Figura 53: Antigo mercado de São Francisco
Figura 54: Foto antiga do cais da cida
de de São
Francisco no século XIX
Figura 55: Fotos de prédios antigos em São Francisco
Fonte: Material produzido pelo autor
A pesquisadora Maísa Fürst Miranda nos diz que em São Francisco:
(...) existe uma construção na Av. Olegário Maciel, 1010, antiga, com
características baianas, estilo eclético, muito bem preservada pela proprietária,
148
Clionícia Ferreira. Outra edificação antiga, em estado médio de conservação,
com a estrutura intacta, mas as paredes externas estão sujas e o reboco está
solto em alguns pontos. No local funciona a sede da organização não
governamental Preservar. Há calçamento antigo nas ruas fronteiras à casa, que
fica numa esquina. Igreja. Bem imóvel. Bom estado de conservação. Há
calçamento antigo na rua fronteira. Avenida com casario antigo. Bem imóvel.
Bom estado de conservação.
Sobre São Romão o Sr. João Naves afirma que
(...) se preservou alguma coisa ou muita coisa já mudou. Quanto a São Romão
pode-se dizer que no século XVIII São Romão, então arraial foi centro
mercantil importante, especialmente no comércio de sal, peixe, carne,
melancias e açúcar. O sal fabricado nas salinas do rio São Francisco, nas
capitanias da Bahia e de Pernambuco, era transportado em barcas até o arraial,
de onde tomava então via terrestre, sendo levado às vilas mineradoras da
capitania das Minas Gerais e aos núcleos auríferos goianos pelas tropas de
muares. Além do caminho marginal do São Francisco, um outro antigo
caminho terrestre, no sentido leste-oeste, ligava São Romão ao núcleo
minerador de Paracatu e, daí, a Goiás.
Segundo Sr. Antonio Neto, morador de São Romão:
(...) São Romão aqui hoje, é o que eu estou te falando, São Romão é uma
cidade que até teve influência no Estado, ate acho que do Brasil, ate se pegar
os dados históricos aqui. Mas aqui hoje você viu, hoje não tem nada, ninguém
guardou nada daqui, tudo foi destruído vocês vão encontrar aqui hoje se for
olhar as coisas antigas daqui tem uma igreja parece que ela é de 1700 e pouco,
é a Igreja Nossa Senhora do Rosário, existe ela lá, e tem uma cadeia pública
aqui, tinha um fórum que chamava cadeia publica, foi uma mulher que
construiu para prender o cara que matou o marido dela, inclusive eles falam
que onde o pessoal ficou preso que ela colocou sal na massa para poder o cara
sofrer bastante, para ficar gelado, e essa cadeia é de 1880 está escrito nela
assim 1880, é a única coisa assim, de móvel, casas, essas coisas assim que eu
falo. Agora livros mesmo não têm nada assim que eu vejo, tem ate um de um
irmão meu, o Telêmaco.
(...) não tem aqui um apoio político da prefeitura para incentivar esse tipo de
pratica de conservar a cultura, de conservar essa identidade da cidade. Os
políticos daqui, por exemplo, que eu já presenciei né! tem essa casa lá que fala
que é a casa da cultura, ela foi criada e tombada por um prefeito daqui
chamado José Mauro, quando passou a ser a casa da cultura, isso foi em 1976,
ou foi até antes, mas tombou, veio aqui, fez aquele tombamento, mas não foi
nada para frente. Depois veio esse outro prefeito que ficou aqui oito anos, deu
lá, mas como se diz, queria levantar lá, fez uma reforminha lá, mas ficou
abandonado, ele também. Veio esse prefeito agora atual, esse agora, inclusive
ele pintou na semana passada, pintou lá, mas se você for lá vai conferir que
está tudo abandonado. Apesar de que esses prefeitos que tem entrado aqui
nessa cidade, esse agora ate que acho que é bondoso e tal, mas cultura valoriza
esse tipo de coisa, falta mais é eles ter conhecimento do que significa a cultura
para a cidade, aqui em São Romão, por exemplo, a historia mesmo eles estão
149
acabando com ela, muda nome de rua, essas coisas que faz parte da historia,
não cuida de coisa nenhuma, esses administradores daqui são péssimos.
Quanto ao patrimônio artístico arquitetônico, as impressões que se seguem foram
colhidas do relatório de Maísa Fürst, durante seu depoimento:
(...) Existe uma casa da Cadeia tombada pelo município. informações não
confirmadas de que teria sido fundada em 1880, pela proprietária de terras
Joaquina de Pompeu. Edificação de dois pavimentos. A parte externa do
prédio encontra-se em estado médio de conservação; a estrutura está intacta,
mas as paredes estão muito sujas, o reboco soltou-se em alguns pontos e a
parte inferior da porta de madeira está carcomida. Não foi possível conhecer a
parte interna, que não é utilizada.
(...) Há também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Bem imóvel.
informações não confirmadas de que seja de 1668; trata-se da edificação mais
antiga da cidade. Apresenta bom estado de conservação; a fachada antiga está
sendo descaracterizada por reformas contemporâneas. O telhado antigo foi
mantido. imagens antigas de madeira. Na área externa, frontal à igreja,
encontra-se um espaço para cavalhada (...) Tem também uma edificação
antiga. Bem imóvel. Uma das casas da avenida central da cidade, em estilo
neoclássico, data do início do período republicano e ainda mantém o brasão da
República na sua fachada. O estado de conservação é bom, mas as paredes
externas estão sujas e há pichações na base.
Para a pesquisadora Maísa Fürst Miranda: “o seu interior poderá abrigar, no futuro,
o museu da cidade, tarefa na qual está empenhado o morador Júlio César Lima Souza”.
(...) o acervo recolhido espontaneamente por Júlio César para constituir o
museu da cidade inclui uma algema da época da escravidão, um cachimbo
indígena, uma carranca, moedas antigas e diversos outros objetos. Foram
fotografadas duas dessas moedas, uma datada de 1649 e outra de 1685. Júlio
César relata que em 1998 foi encontrado, durante trabalhos de terraplenagem
de uma das ruas da cidade, um baú com cerca de 2.000 moedas antigas, que
teriam sido vendidas para numismáticos. Essas antiguidades encontram-se
espalhadas pela edificação citada no item anterior, e nenhuma delas foi ainda
tecnicamente identificada. Casario antigo nas proximidades do porto. Bens
imóveis. Foram registradas várias casas antigas, em diversos estilos
arquitetônicos. Algumas têm belas platibandas. As datas de construção variam
desde o período colonial até meados do século XX. Os estados de conservação
também variam bastante – há uma casa colonial, de portas e janelas azuis, bem
conservada, mas várias das edificações estão depredadas
(...) o cemitério antigo possui vários túmulos antigos, alguns datados do
século XVII. Um túmulo é do estilo carneiro, constituindo uma espécie de
gaveta semicircular em pedra onde é enterrado o cadáver. O cemitério
encontra-se tomado pelo mato e parcialmente abandonado. Existe o
Tamarindeiro. Bem imóvel. Essa árvore teria, segundo informações do
prefeito da cidade, Dênio Marcos Simões, cerca de 200 anos. Já foi
mencionada a idade de 500 anos. De qualquer forma, tudo indica que a região
150
onde está o tamarindeiro constitua o sítio original da cidade. Existe também
uma Capela. Bem imóvel aparentemente construída na primeira metade do
século XX. A edificação está situada no balneário conhecido como Veredinha.
Trata-se de construção exótica, de estilo eclético, instalada dentro de um pasto
para o gado e ao lado de uma vereda explorada como balneário. Bovídeos
pastam livremente ao lado da edificação, da qual tivemos apenas impressões à
distância, tendo em vista o pasto estar fechado.
Na cidade de Pirapora, segundo Maísa Fürst:
(...) quanto ao patrimônio e heranças geoistóricas, existe uma ponte Marechal
Hermes. Bem imóvel tombado pelo estado e pelo município. Construído em
1922. Detalhes das características físicas e da história do bem encontram-se no
catálogo Acervos do São Francisco. O estado geral é bom, a estrutura metálica
está intacta e a ponte é regularmente utilizada. No entanto, algumas reformas
são necessárias. Há tábuas soltas na área de trânsito de veículos, o acabamento
tem falhas e não há iluminação artificial, que é objeto de um projeto da
prefeitura da cidade. Uma bela placa de metal, afixada na parede lateral direita
da ponte, no sentido Pirapora-Buritizeiro, está suja e em local pouco visível.
Os dizeres da placa são: “Ponte de Pirapora. Placa comemorativa da visita
com que os Exmos. Srs. Drs. Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, presidente da
república do Estado de Minas Gerais, honraram o trabalho de construção desta
ponte em agosto de 1922”. vários mirantes ao longo da ponte, construídos
para permitir que os pedestres dessem passagem para as carroças.
(...) A ponte é utilizada pelas populações de Pirapora e Buritizeiro para o
trânsito entre as duas cidades, mas o IEPHA-MG pretende proibir o trânsito de
veículos motorizados. A população local alega que essa proibição é
contraditória, que a ponte vem sendo utilizada por décadas para o tráfego
diário de veículos, inclusive porque foi construída para suportar a passagem de
trens.
(...) A ponte é hoje um ícone, um monumento, uma marca da cidade, nos
dizeres do arquiteto Evandro Quinaud, que nos acompanhou durante a
travessia a pé pela ponte e forneceu algumas das informações acima.
(...) Deve-se destacar ainda o Vapor Benjamim Guimarães. Bem móvel
tombado pelo estado e pelo município. Construído nas primeiras décadas do
século XX e inaugurado em 1913. Detalhes das características físicas e da
história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco.
Encontra-se atualmente ancorado nas proximidades do porto da cidade. Não
foi visitado por este pesquisador, mas sabe-se que o vapor encontra-se em
processo de restauração para voltar a navegar pelo rio São Francisco.
Por fim, a mesma autora:
(...) existe estátua de São Francisco. Originalmente esculpida numa árvore
morta localizada na avenida paralela ao rio, ao lado do Quiosque Tamboril, a
estátua foi, alguns meses, transferida para uma base de concreto em frente
ao Hotel Canoeiros. O conjunto da árvore morta com uma estátua erigida no
151
seu tronco, tendo as raízes do vegetal como base, tinha um conteúdo artístico e
ecológico, mas a mudança tornou-o uma estrutura comum.
(...) Existe também o Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária. Bem
imóvel tombado pelo município. Construído em 1910. Detalhes das
características físicas e da história do bem encontram-se no catálogo Acervos
do São Francisco. A edificação está razoavelmente conservada, com pintura
recente. Telas metálicas colocadas na parte traseira e nas janelas
descaracterizam um pouco o prédio. Segundo a pesquisadora Maísa Fürst em
1999 a Biblioteca Municipal de Pirapora passou a funcionar no local. A
Secretaria Municipal de Cultura também funciona no prédio.
152
Figura 56: Casário de São Romão
Figura 57: Igreja Nossa Senhora do Rosário em São Romão
Figura 58: Igreja em São Romão
Figura 59: Casario antigo em São Romão
Figura 60: Fotografia da ponte Marechal Hermes, em Pirapora
Fonte: Material produzido pelo autor
153
Figura 61: Casario de Pirapora
Figura 62: Fotografia do Vapor Benjamim Guimarães
Fonte:http://images.google.com.br/imgres?imgurl
Figura 63: Fotografia da
estátua de São Francisco
em frente ao Hotel Canoeiros
Fonte: Material produzido pelo autor
3.6 O patrimônio imaterial
Minas é famosa pela sua história, pelo seu rico folclore, sua religiosidade, suas
lendas e festas populares. Personagens fascinantes, como os tocadores de violas, carranqueiros,
barqueiros, foliões e descendentes de escravos são encontrados ahoje. A religiosidade é uma
poderosa influência nas manifestações culturais do povo mineiro, especialmente nas festas
folclóricas. Entre as principais manifestações típicas, destacam-se o Congado, a Folia dos Reis
e a Dança de São Gonçalo. Entre os mitos, existem o saci, o caboclo-d’água, o lobisomem, o
come-língua, etc. Nascimento (2007).
Sobre a religiosidade, pode-se dizer que ainda está de pé, em muitas cidades e
povoados, por menor que seja, uma capela ou igrejinha. Às margens do rio São Francisco, no
154
seu curso médio, ergue-se um das mais importantes localidades religiosas: Bom Jesus da Lapa,
na Bahia.
Conta o Sr. Antônio Josias, da Chesf em Januária, que ainda hoje uma grande
crença e esperança de que os céus ajudam na mitigação dos problemas enfrentados pela
população. Segundo ele:
(...) Uma peculiaridade das cidades ribeirinhas é a religiosidade do seu povo.
Os sociólogos já afirmaram que as manifestações religiosas nas águas do
Velho Chico são uma forma de atenuar os momentos de angústia e desolação
causados pelas cheias. A criação das usinas hidrelétricas acabou com as
enchentes [mas] a continua cada vez mais forte!. Em Bom Jesus cidade
localizada aqui próximo é onde moram todos os milagres. A cidade é o maior
símbolo de uma devoção que se confunde com capricho de sertanejo. Para
rezar aos s do Bom Jesus, o romeiro não pode chegar no bem-bom, de
carro, ônibus ou besta. Só vale se for a pé. Quanto mais longe, melhor.
O entrevistado ouviu de uma moradora a seguinte frase:
(...) A gente vem um dia só e fica abençoado o ano inteiro. O Bom Jesus nos
saúde e felicidade, seu moço", acrescenta, ao lado da filha, com 30 anos e
cega.
Muitos vêm agradecer uma graça alcançada ou pedir alguma ajuda divina.
(...) Entre uma missa e outra, os romeiros pedem de tudo. O aposentado pede
desbloqueio de aposentadoria. A mulher pede que o marido deixe de beber. Há
os que suplicam perdão para segredos não confessados, mas todos cantam
"Senhor Bom Jesus da Lapa é senhor de muita luz; Socorrei o povo todo, para
sempre, amém, Jesus.”
Segundo Nascimento (2007), a tão citada globalização aparece nesse cenário como
uma ameaça à continuidade da existência desses traços populares. Embora o ritual seja
originário de uma globalização anterior, uma vez que seu berço é a Europa Medieval, é
inegável que surgiram traços distintivos que a identifica como uma variante genuinamente
brasileira. Esse ritual, trazido pelos portugueses, era freqüente em diversas regiões do Brasil,
mas acabou sendo esquecido e por pouco não se extinguiu. O processo de modernização e
esvaziamento da nas novas gerações, fez com que esses rituais se isolassem unicamente em
regiões rurais.
No território do Alto-Médio São Francisco, encontra-se uma rie de manifestações
culturais populares. A herança de bens imateriais se manifesta na interação daquela gente com
o ambiente, com a natureza e com as condições de sua existência. Se expressa através dos
155
saberes, celebrações e formas de expressão, “materializados” no artesanato, nas maneiras e
modos do fazer o cotidiano, na culinária, nas danças e músicas, rituais e festas religiosas e
populares, nas relações sociais e famíliares, nas manifestações artísticas, literárias, cênicas e
lúdicas, nos espaços públicos e coletivos, em várias localidades, assim como nas carrancas de
Januária, nas festas dos santos, dos catopés, entre outros, eventos que reúnem um grande
número de pessoas.
São inúmeras as manifestações de folclore pouco alteradas, cuja origem
comum é portuguesa, africana ou indígena. Reinados, reisados, congados, cantigas de rodas,
lendas, bem como algumas comidas típicas fazem parte da cultura popular, transmitida
oralmente por muitos e muitos anos.
S
egundo Maísa Fürst Miranda, nos municípios ainda existem outras expressões
artísticas e formas estilísticas.
(...) Em Januária a unidade estilística desenhos, com gravuras zoomorfas
muito pequenas. Lá em São Romão, existem além de pinturas antropomórficas
e geométricas, grandes conjuntos de gravuras em baixo relevo, realizadas por
picoteamento com cinzel, apresentam figurações humanas e representações de
armas, pessoas figuras religiosas.
O Sr. João Pimenta (o Mestre Zanza), presidente de honra de um dos mais
importantes grupos folclóricos local, de Montes Claros, observa que:
(...) pode-se encontrar por ai muitas danças como o “Carneiro”, “Gambá”,
“Lundu”, Marujada”, e manifestações de louvor, como as “Folias de Reis” e
“São Gonçalo”, além das lendas, mitos, contos, fábulas, ciranda e causos, e
claro o nosso artesanato em madeira, com destaque para as “carrancas”, dentre
outras peças de renomado valor, representam a singularidade da nossa
tradição, que vem sendo cultivada pelos ribeirinhos como uma rica
demonstração da nossa potencialidade.
Para Mestre Zanza, os reinados, os catopés e marujadas eram festas do calendário
religioso, desde os tempos da Vila de Formigas. Sublinha: (...) danço muitos anos, com
devoção e entusiasmo, para preservar as festas tradicionais que se realizam no mês de agosto,
na Semana do Folclore.
No campo do artesanato registra-se ainda alguma atividade. Em Pirapora,
por
exemplo,
segundo o Sr. Augusto Naves, a cidade preserva o artesanato de carrancas, esculturas
de madeira que eram colocadas na proa dos barcos para afastar os maus espíritos. Fruto da
156
criação de uma cultura em uma região isolada do resto do País e do mundo, cujos artistas
populares, a partir da idéia de esculpir uma figura de proa, criaram soluções plásticas próprias,
de forte conteúdo artístico e emocional, ainda hoje elas são fabricadas para comercialização,
guardando-se características do passado.
Segundo Dona Vera, de Januária:
(...) As famosas carrancas do rio São Francisco constituem um enigma de
nossa arte popular, na qual ocupam um lugar de especial destaque, tanto pela
notável expressão artística como, principalmente, por sua dupla originalidade.
Que eu me lembre as barcas do São Francisco são as únicas embarcações
populares de povos ocidentais que apresentaram figuras de proa deste tipo. E
estas são exemplo único no mundo de esculturas de proa antropomorfas. Eu
posso afirmar que as primeiras carrancas datam de 1875-1880, embora seu uso
no São Francisco se tenha generalizado neste século. As carrancas do São
Francisco são uma manifestação artística coletiva. Com caracteres comuns,
respeitadas as individualidades de cada artista.
Quanto às manifestações festivas, culturais e folclóricas encontraram-se evidências
interessantes, conforme nos diz João Botelho:
(...) em São Francisco ainda tem festas. A festa que tem aqui é a folia de reis,
né! festa de São José. Que é realizada todo ano. Folia de reis é justamente nos
reis, no princípio do ano, janeiro. A festa de São José é a festa mais importante
da cidade. Alem disso tem a festa de Santo Antônio, de Serra das Araras, que
pertencia aqui, e hoje pertence à chapada gaúcha, que é um povo muito
devoto, né! Tem até uma paróquia, uma capela de Santo Antônio aqui, em São
Francisco. A festa de São José é a mais importante
(...) em maio, tem as coroações de maio. Agora, a festa, que é o ponto alto do
sertão aqui, é o São João nos dias 23, 24, 25. A importância que se dá ao natal
nos grandes centros, você também aqui ao São João. É uma festa só, de
Santo Antônio até São Pedro no dia 29. Dia 13, 14, 15 ninguém quer nada
não, o que tiver em são Paulo vem, se você tiver no Rio de Janeiro, você
vem. E as coisas vão acontecendo aqui, no dia a dia, festa, quadrilha. Festa,
quadrilha, nas fazendas, em cada fazenda tem uma fogueira, cada casa no
sertão tem uma fogueira, isso serve pra você ver o quanto... aqui no centro.
Tem as quadrilhas, cada escola tem uma quadrilha.
Segundo o Sr. Botelho, “quem que organiza isso são as professoras. Elas que
organizam tudo com o maior sacrifício do mundo. E o tem grande ajuda da prefeitura. Tem,
alguma ajuda tem, mas pouca”. As festas se mantêm com dificuldades e não “têm diminuído a
intensidade, não. O ótimo que eu acho é que tem se intensificado, porque a juventude está se
interessando por elas”.
157
Para isso, segundo João Botelho, é feito um trabalho junto aos jovens de divulgação
e incentivo. Ele diz que
(...) agora mesmo eu to ali com essa mensagem aos jovens, que é sobre meio
ambiente. Nós estamos promovendo uma campanha de educação em volta do
meio ambiente, que, com a revitalização das fontes e das florestas e tudo, se
não educar o jovem, quando chegar a hora dele receber a missão dele, né! a
hora que ele receber a sociedade, ele ta preparado. É isso que nós estamos
fazendo.
João Naves, entretanto, ressalta as dificuldades de manutenção do patrimônio
imaterial:
(...) Muita coisa foi destruída ... isso aqui, por exemplo, já existe de forma
precária. Hoje tem uma bandinha que se reúne de vez em quando. Aqui é a
primeira escola de música. Isso aqui é diplomação da turma do primeiro
grupo. Aqui é outra escola de música. Essas aqui ainda tocam, elas são avós,
bisavós, e ainda tão exercendo. Agora a gente tendo dificuldade é com
renovação em orquestra de corda. A renovação de instrumento e de banda já ta
sendo feito. Tem uma equipe nova, tem um maestro de Belo Horizonte,
formado... aqui são as festas cívicas.aqui é o desfile de 90 anos da cidade.
No município de São Romão, Antonio José Balbino Neto, atualmente escrivão
judicial no Fórum, observa:
(...) Quando eu nasci tinha muitas festas e folclore. Hoje não existe tantas
mais. Tem uma tal de Ernestina. Ela foi uma pessoa que preservou o folclore
aqui, desde que eu me entendo por gente, meu pai também, ela comandava
aqui o Bumba Meu Boi, comandava um tal de Batuque, que é uma dança que
se dança com um tal de Pádua. Eles tem um tal de roncador, que é tipo uma
cuíca, que puxa o roncador, é uma espécie de um ronco
(...) Ela tem uma família, tinha uns bois, uns caboclos que usavam para
reproduzir as festas né! Partindo das festas tradicionais da cidade, e ela foi
uma pessoa que conseguiu com a família dela, manter isso, né! Ela era
escrava, ela era negra. Ela conseguiu deixar os filhos dela tomando conta disso
ate hoje. Ela dominava três tipos de folclore, então ela foi uma pessoa de
destaque nessa área assim da cultura.
(...) Mas essa Ernestina não está viva. Ernestina morreu muito tempo, eu
conheci ela quando era pequeno. Mas, seu filho ainda mantém a tradição. Essa
pessoa ficou famosa como Ernestina do Boi, aquela amiga agradável, amiga
simpática, todo mundo gostava dela, essa coisa né! Era de uma família
tradicional daqui, daqui mesmo, por que ela é daqui mesmo.
158
Apontando um livro o entrevistado diz:
(...) esse livro aqui, ele fala de família tradicional, tem muita gente aqui.
Tem os Balbinos, o pessoal do João Fernandes Torres que chegou aqui de
criancinha, mas todos os filhos dele residem aqui. Tem essa família dos
Balbinos, essa família tradicional do município, que fazia uma festa
tradicional do município aqui e se espalhou não é? Tem no município assim
como na cidade, tem os Palma, família de coronel, né! Inclusive da Palma
foi um Coronel que foi prefeito aqui, inclusive ele fundou, naquela época uma
vila, nessa época muito antiga ainda em 1960 ele tinha fabrica de manteiga,
aqueles coronelzão, foi prefeito daqui e tudo. Quer ver: tem os Oliveiras que é
uma família grande, família de pescadores que vivia da agricultura de familiar,
plantava e comia comida de pescadores, né! Sempre cultivava na ilha daqui.
Os Oliveiras é uma família muito grande e tradicional daqui também. Tem
esses Valadares também, eles não são daqui, mas chegou por aqui inclusive o
primeiro prefeito daqui, o Major São Cleto que foi quem mais passou
necessidades, né! Foi naquela época em 1924, ele foi intendente vários anos,
acho que 10 anos.
No município de São Romão, segundo Marcos Antônio, morador local
(
...) ainda existe uma pequena tradição do passado, que faz referência ao
congado e isso tem influência dos padres de ficar coibindo isso. Eles brigam
porque havia muito barulho e não os padres. Também tem gente da
cidade... tinha um aqui que era herói de guerra, que não podia nem soltar um
foguete de trovão que ele ficava doido né! Ah, o quê que nós tem com isso?
Solta o foguete! Soltar foguete é tradição
(...) Ah!, não tem como não fazer barulho, vai fazer barulho ... Mas, os padres
implicam. se nós tamos fazendo um sarau ali pras crianças, tem que terminar
tal hora porque o padre não quer que faz barulho. Ora, quê que eu tenho que
ver com o padre. Eu sou católico, fé é uma coisa, fanatismo é outra coisa
Dona Vera, menos exaltadamente, observa que
(...) algumas comunidades comemoram, com maior ênfase, certos
acontecimentos; enquanto outras os deixam em segundo plano. Nas cidades
médias e grandes comemoram-se as festas cívicas, históricas e políticas. Nos
povoados e vilarejos essas festividades ocupam um plano menos importante; e
os festejos locais e religiosos povoam meses, anos, décadas. Eles festejam o
Dia de Santos Reis, a festa do padroeiro, a Semana Santa (todos ficam quietos
e com medo de pecar), as festas juninas, o dia de São Sebastião, o dia de São
Judas, o dia de Nossa Senhora Aparecida, o Dia de Finados, e a qualquer
momento, a Festadança de São Gonçalo de Amarante, a única festa que não
há no calendário, pois é festa votiva
(...) A Festadança de São Gonçalo é o signo maior de referência cultural da fé
do povo barranqueiro, no norte de Minas Gerais. Assim, a diversidade da
Dança retrata a busca de novas-velhas formas de pensar e interrogar as
transformações ocorridas, trazendo à cena a recuperação de aspectos sensíveis
e marcadamente presentes no processo constitutivo de divulgação e ampliação
dos estudos, sobre a narrativa oral, da Festadança, não deixando de com ela
dialogar, seja pela língua comum, seja pelo viés da tradição e da mídia.
159
Figura 64: Congadas
(Fonte: http://www.brasiloeste.com.br/foto/rio-sao-francisco/237/capitao-congada)
Figura 65: F
otografia de moldura alusiva a festa comemorativa na cidade de São Francisco
.
Figura 66: Fotos alusivas às manifestações de catopés realizadas em São Francisco
Fonte: as fotos de autoria não discriminadas são do próprio autor
160
Figura 67: Fotografia de moldura alusiva ã festas comemorativas na cidade de São Francisco.
Figura 68: Moldura alusiva a festa de bumba meu boi
em São Romão
Figura 69: Adereços usados em manifestação
folclórica em São Romão
Figura 70: Realização folclórica documentada por mestre Zanzá no interior do Vale do São Francisco
Fonte: as fotos de autoria não discriminadas são do próprio autor
A festa é ainda organizada no Alto-Médio São Francisco essencialmente como uma
cerimônia religiosa, um espaço efetivamente religioso não se separa o mundo em sagrado e
profano. Nela, tudo é potencialmente sagrado, ainda que em certos lugares o laico se afigure
161
como tendência. Possui o caráter de execução no respeito profundo de que é acompanhada.
Frequentemente é o resultado de uma promessa. Para Dona Vera:
(...) na cidade, a família urbana comemora os ritos de passagem: os
aniversários, a primeira comunhão, o crisma, o ingresso dos filhos na
faculdade, as formaturas, a casa nova, a nova praça, a vitória do Atlético
Mineiro, a vitória do prefeito. Da economia passa-se à prodigalidade; da
discrição à exuberância. Surgem as manifestações de excesso, nos mais ricos
por ostentação, nos mais pobres por compensação. Dessa forma, mais uma vez
a festa é uma expressão de um desejo ou de uma necessidade coletiva. Entre as
famílias rurais ou das pequenas cidades ribeirinhas, as principais
comemorações continuam sendo as do batizado, do matrimônio, da formatura,
do velório, do enterro de uma pessoa conhecida. Vale notar que as cerimônias
urbanas oscilam no sentido do universal, do individual e, em contrapartida, no
campo, valem mais as cerimônias de reconhecimento de um nós local, ao
ritmo e ao sentido da vida comunitária.
Quanto às superstições que ainda existem o Sr. Alfredo Campos, de São Romão
diz:
(...) do primitivismo das condições de vida dos moradores da região a
superstição tinha um campo de ação fertilíssimo. A ingenuidade dos remeiros
buscava uma explicação sobrenatural para tudo que os atemorizavam,
especialmente os perigos do rio: encalhes, naufrágios, afogamentos, etc, e
gerava à partir disto uma gama de lendas (...) Esses homens são religiosos e
cheios de temores pelo desconhecido: se é remeiro, o seu remo quase sempre
tem uma cruz ou símbolo de Salomão desenhados na ...a crendice é muito
forte, mas as assombrações locais não têm os requintes de perversidade das de
outras regiões do País.
Em Januária, Dona vera relata que
(...) existem muitas crendices por aqui, em especial a dos mitos aquáticos do
vale, o Caboclo-d’Água e a Mae-d’Água são os mais conhecidos”. Mas ainda
o Minhocão (ou Surubim-Rei). Estes três “enchem de leves pavores
noturnos a gente da beira do rio”.
Segundo o Sr. Alfredo:
(...) ainda hoje, nas noites de conversa, após o jantar, isolados em um
barranco, alguns moradores contam causos, estórias de todos os tipos desde
cangaceiros até assombração e encantamento.
Dentre esses acontecimentos culturais, alguns “causos” que permanecem vivos.
Para o Sr. João Naves:
(...) Tem, tem muita coisa antiga que marcou e ainda está viva. A gente fazia,
por exemplo, na época de seca, a gente fazia novena pedindo chuva. Então
essa novena era feita pelas pessoas mais velhas, e pedindo chuva. E quando
chovia, a gente pagava promessas e rezava. Isso aqui são os trabalhos das
162
crianças da escola quer ver? isso aqui são trabalhos de alunos, são
fotografias que eles vão fazendo da época antiga, aqui são fotos dos escravos,
a escravidão no São Francisco... tudo registrado, aqui são as fotos antigas, a
fototeca da cidade que eu vou fazendo com as crianças, já to fazendo... aqui as
fotografias antigas... muita coisa foi demolida.
Figura 71: Instrumentos usados em banda musical de São Francisco
Figura 72: Pinturas antropomórficas e geométricas, em São Romão
Figuras 73: Imagens de artesanatos e mobiliário antigo no município de Januária
Fonte: as fotos de autoria não discriminadas são do próprio autor
163
Figura 74: Reliquias religiosas encontradas em casas de
Januária
Figura 75: Artesã construindo uma carranca em
Januária
Figura 76: Carranca exposta na frente do caís de
Januária
Fonte: Material produzido pelo autor
3.6.1 Alguns causos preservados
Causos são narrativas orais conservadas e transmitidas dos mais velhos aos mais
jovens. Para identificar alguns desses causos, procurou-se seus contadores, mediante consulta
aos moradores. A coleta das narrativas – feita através de gravações em fitas cassete e recolhidas
164
de documentos escritos ajuda a tradição repassada pela oralidade perenizar parte da história do
povo daqueles territórios. A seguir são apresentados alguns causos e narrativas lembrados por
moradores e colhidos no ato dos depoimentos dados por estes ao pesquisador.
A noiva e os cangaceiros
Naquele tempo o sertão ainda era o mesmo do antigamente. Muita vereda com
buritizais e no ar os cantos da curicaca, da inhuma e das araras. Nas campinas pastavam as
manadas de gado duro, e de longe os veados campeiros espreitavam. O cerrado permanecia
virgem e nas margens dos riachos pequenos plantios de vazantes com arrozais e plantações
de mandioca garantiam a sobrevivência dos moradores.
Morador, só se via na Renascença, no Bom Jardim, Barroca e Santo Antonio.
Trecho de três léguas sem uma gota de água passava depois de atravessar o riacho do Bom
Jardim ao riacho da Contenda. O mesmo acontecia entre o Santo Antonio e margem do rio
Pardo. Rio perigoso era aquele! Água sempre parada e o fundo de areia movediça. Era entrar
descuidado e atolar. Animal sem prática afundava e acabava se molhando, assim como o
cavaleiro que às vezes sofria sérios prejuízos e risco de vida. O rio era cheio de mistérios e
lendas. Diziam os sertanejos que se alguém gritasse na sua margem ele se tornava bravo e cheio
de ondas. Para atravessá-lo tinha que ter silêncio. Muitos jacarés habitavam nas margens e
atacavam pessoas e animais. Casos de caboclo d'água era o que o faltava. Depois do rio, que
era divisa de município, passava pela Santa Tereza e chegava em São Joaquim. Em treze léguas
de viagem era o primeiro povoado daquele sertão. Numa região bastante habitada nas margens
das veredas e riachos. Nos domingos chegavam os carros de bois carregados de mercadorias
para serem vendidas aos comerciantes. Os fazendeiros e lavradores compravam para sua
despesa o sal, o querosene, algum tecido e ferramentas.
Encontrando com os amigos e parentes, ficavam por ali conversando, tomando uns
goles e fumando grandes cigarros de palha. Ás vezes a pinga subia para a cabeça e por pouco
mais que nada começavam, discussões que acabavam em brigas. Na volta para casa saiam aos
gritos e tiros de arma de fogo ou foguetes. Era essa a diversão dos sertanejos além da festa
anual do padroeiro e de arrasta pés em pequenas comemorações nas vizinhanças.
O povoado de São Joaquim tinha alguns moradores meus conhecidos; mas os de
amizade mais chegada era o casal Honorato e Sinhá Delfina. Ele desguaritado da Bahia veio
165
parar ali naquele sertão. Soube conquistar a estima e confiança de todos de uma maneira tal que
por ocasião da festa da Serra ele nunca ia porque tinha que vigiar as casas de comércio. Os
proprietários iam visitar Santo Antonio e entregavam para ele as chaves das vendas e lojas.
Quando chegava um freguês e pedia uma mercadoria, ele se punha a pensar e depois dizia:
tem em tal loja. Vamos lá. Abria a porta, apanhava o pedido e despachava o comprador. Assim
ele servia a todos com a mais rigorosa honestidade.
Sr. Honorato tinha uma boa prosa e passávamos horas e horas ouvindo os "causos"
de pescarias, caçadas, casos de cangaceiros, de tesouros enterrados e de tudo aquilo que podia
encher de fantasia a cabeça de um sertanejo. A sua companheira D. Delfina era a bondade em
pessoa. Além da alegria que demonstrava em receber viajantes, a sua casa e a sua humilde mesa
estavam prontas para matar a fome e o cansaço de todos. Para matar a curiosidade ia pedindo
noticias dos conhecidos e ao mesmo, contando com pormenores os últimos acontecimentos do
sertão. Assim levavam os dois uma vidinha calma com dinheirinho curto, mas que ia dando
para tocar a vida.
D. Delfina apesar de se julgar uma pessoa feliz tinha uma tristeza antiga que ia
remoendo no intimo. Certa vez estávamos conversando sobre diversos assuntos e entre um e
outro caso ela começou a contar um seu drama que ia se desdobrando em tragédia. Contou-me
que vivia no arraial da Vargem Bonita, o lugar mais remoto de toda a região. Em 1913, saíra
Antônio Dó com os seus jagunços sertão afora fugindo da policia e lá pacificamente se instalou.
O governo organizou um forte contingente da policia e entregou o comando ao
famigerado alferes Felix Rodrigues da Silva (Felão) que partindo de São Francisco fez em
tempo mínimo a viagem até Vargem Bonita. Por onde passava com os seus soldados ia
praticando as mais condenáveis violências contra o patrimônio e as famílias. Em 5 dias chegou
e defrontou-se com o bando de Antonio que o esperava nas trincheiras. Foi uma luta
terrível que durou 4 horas. Durante a noite Antonio bateu silenciosamente em retirada.
Quando Felão notou o logro em que havia caído, começou com os seus soldados a cometer as
mais cruéis atrocidades. Matou mais de 20 pessoas e incendiou o povoado.
A jovem Delfina era criada pelo chefe do lugar e teve os documentos de terras e
mais pertences queimados. Para escapar da sanha assassina dos atacantes o povo correu para o
mato. Nada levavam além dos filhos pequenos nos braços.
O noivo de Delfina quando corria levando uma criança, tentando salvá-Ia, foi
alvejado pelas costas com tiro de fuzil que o prostrou sem vida. Nesse momento a jovem noiva
166
se via despojada de tudo que possuía em patrimônio e amor. Todas a suas esperanças e alegrias
acabaram naquele instante. No teatro de guerra constante em que vivia o sertanejo só se
contavam as vitórias dos lutadores, mas os dramas e as mais dolorosas perdas do povo sofrido
nunca eram notadas. Os que correram como Delfina e seu noivo foram acompanhados pela dor
o resto da vida.
Castanho e castelo
Eram gêmeos legítimos, semelhantes de causar admiração a todos que os vissem.
De uma bela cor castanha, aprumados, tinham a aparência geral de robustez o que na espécie
traduzia-se como grande capacidade de trabalho. Não trouxeram no sangue as qualidades
genéticas exigidas dos grandes caçadores e por isso foram castrados e reservados para o jugo da
canga. Nasceram juntos, foram criados e receberam o carinho da mesma e e dor ante toda a
vida nunca se separaram um instante sequer.
Logo cedo conheceram a trela e a canga e começaram a pagar pelo pouco pasto de
capoeira seca que comiam. Não tiveram a sorte de puxar o sonoro carro de bois junto com
outros companheiros nas longas viagens. Servicinho enfadonho sempre ali por perto nos
subúrbios da cidade puxando o carroção que não emitia nenhum som que desse um compasso a
marcha lenta, na poeira e no calor.
O dono de Castanho e Castelo resistia sempre às boas propostas de fazendeiros
caprichosos que olhavam para a parelha com inveja. Queriam a todo custo ter nas suas tendas
de carreança animais tão bonitos e raros como aqueles.
Pedro, o dono, que não era homem de grandes recursos, de tanto ser importunado
resolveu aceitar uma proposta que no comercio de gado era irrecusável. se foram os bois
para bem longe. Sempre motivo de admiração e inveja ficaram pouco tempo na boa fazenda.
Apesar de viver em boas pastagens com sal e água farta, nas primeiras luas novas sentiam
sempre a saudade das capoeiras natais. Essa época para os bovinos é tempo de saudade.
Erguendo a cabeça, ventas dilatadas, cheiravam o ar e emitiam berros longos e tristes de chegar
a comover-nos. Conheci velhos bois carreiros que fugindo para os cerrados atravessavam o rio
São Francisco nadando para ir lamber cinzas das queimadas e comer os primeiros brotos nos
chapadões da Serra das Araras.
167
Certo dia foram colocados numa manada e se foram sempre na culatra,
ameaçando arribada e ás vezes quando paravam olhavam para trás e berravam numa paixão de
dar dó. Dias depôs, estropiados e empoeirados, chegaram à fazenda de novo dono. Em
pastagem nova com aguada franca em breve recuperaram as forças e logo foram postos no
carro onde trabalhavam na guia.
Certa manhã, o carreiro foi buscá-Ios no pasto e só encontrou um deles que muito
inquieto andava a esmo. O carreiro sem entender o motivo, tangeu-o com muito trabalho até
que conseguiu levá-Io para o curral. Foi o trabalho de fechar a porteira e o boi saltou a cerca
e saiu em disparada auma moita que havia no canto do pasto. O carreiro já acompanhado de
outro foi verificar o que havia lá. Quando chegou, viu um buraco fundo, espécie de fojo, com
margem esbarrancada e o boi olhando para o fundo. Castanho havia caído e morrido em
conseqüência da queda. Castelo rondava o buraco mugindo sem parar como se velasse o corpo
do irmão. Tentaram levá-lo para outro pasto, mas ele não ficava e quebrando a cerca ia
novamente para junto do companheiro.
Assim Castelo o teve mais vontade de viver, o comendo nem bebendo até
morrer vitima do amor fraterno. Esse fato tão estranho foi motivo de reboliço, pois, nunca se
ouviu falar que um ser irracional tivesse tanto sentimento. Os homens que se consideram reis
do universo pensam que só eles têm superioridade de espírito e não observam o que se passa ao
redor. Quantos dramas acontecem no mundo e passam, porque a vaidade que faz a cegueira não
nos deixa ver além do que nos interessa?
O escravo bartholomeu
Bartholomeu era um escravinho de 11 anos que pertencia a João Farago Italiano,
fazendeiro de posse, dono da Fazenda da Galinha - Era um negrinho esperto e obediente que
executava os mandados do seu senhor com muita presteza. Em dias de dezembro de 1879
cumprindo ordem do seu senhor viajava do Arraial de Capão Redondo para a Fazenda da
Galinha em um cavalo arreiado e com as encomendas que fora buscar amarradas na garupa.
Aconteceu que próximo ao córrego das Areias encontrou com um homem que ia a para o
Capão Redondo e esse pegando no cabresto do cavalo falou com Bartholomeu que entregasse a
ele o animal.
168
Diante da resistência do menino, o desconhecido arrancou-o da sela e montou
segurando-o na garupa e partiu a galope. Nem assim Bartholomeu foi vencido e continuou
gritando e chorando. O assaltante vendo que tudo aquilo poderia denunciar o seu plano,
afastou-se da estrada e dando vazão ao seu instinto assassino, com a faca da própria vitima, deu
diversas facadas no pobre garoto matando-o e jogando o seu corpo em uma grota num lugar
ermo.
O povo da fazenda estranhando o sumiço do escravo espalhou a noticia do ocorrido
e todos foram procurá-lo. Depois de muito buscarem, encontraram o corpo na grota e junto dele
seus objetos. O criminoso seguiu em direção a Capão Redondo e para despistar, trocou o cavalo
por outro que encontrou peiado no lugar chamado Pindaíbas que pertencia a um tal Januário. O
criminoso foi viso por diversas pessoas na estrada e o cavalo em que viajava foi reconhecido.
Graças aos esforços do senhor João Farago, italiano que mandou seus homens em
perseguição do assassino, capturaram ele na Província da Bahia (Cocos) próximo ao rio
Carinhanha. Na viagem confessou o crime. O seu nome era Manuel Ferreira da Silva, natural
da Província do Ceará de onde vinha fugindo da seca, conforme declarou o mesmo em
inquérito instaurado na cidade de São Francisco no ano de 1882
26
.
A grande viagem
Numa daquelas secas bravas de fins de século XIX, vivia no sertão da Bahia o
tropeiro João com a sua esposa Júlia e os filhos pequenos. Ele era homem andejo que preferia
viajar pelo sertão fazendo pequenos negócios do que a labuta da roça com o sossego junto à
família.
A estiagem daquele ano fora bastante prolongada impedindo que acumulasse
alimentos para o sustento da família. Certo dia, Júlia que era mulher controlada e muito ativa,
notou que o estoque de farinha estava minguado. Naquela circunstância não era nada animador
para uma baiana a privação de um alimento de primeira necessidade.
26
Segundo o Sr. João Botelho, note-se a ausência da policia, sendo a prisão sido feita por homens do Sr. João
Farago, o que demonstra a força e independência do chefe no sertão. Naquela época apesar da decadência
econômica, já estavam lá famílias ainda hoje conhecidos como: Salgado, Balbino, Palma, Nunes de Macedo, Leite,
Rodrigues Cordeiro, Caxito e muitas outras que tinham grandes áreas, escravos, gado e jóias como mostram os
inventários e hipotecas da época.
169
Os dois, depois de trocarem idéia, decidiram que João deveria sair à procura de uma
carga de farinha pra reforçar o estoque. Preparada a viagem com animal de sela e o cargueiro
ele partiu deixando em casa a família. O tempo foi passando e nem noticias do João. Júlia nos
fins de semana ia para a casa dos parentes, punha o menorzinho no colo e seguia com o mais
velho caminhando atrás dela. Ele se cansava ficando para trás e ela quando passava por
acampamentos de retirantes, num instinto de defesa dizia: tem paciência filho que logo seu pai
vai nos alcançar e você monta na garupa do cavalo dele.
Assim ela foi tocando a vida, fiando algodão par vender a linha e cuidando de
preparar a terra para plantar um pouquinho quando a chuva viesse. O marido desapareceu, mas
ela não perdia a esperança e com resignação ia cuidando dos filhos e dos afazeres.
Preparou o roçado e quando caiu a chuva abençoada ela plantou mandioca que com
seis meses já dava um pouco de farinha, beiju e tapioca.
Certo dia estava na cozinha fazendo farinha quando ouviu o tropel de cavalos. Saiu
para ver quem era e viu ao longe o que parecia ser figura familiar. Quando reconheceu no
chegante a pessoa do seu marido, voltou para a cozinha e continuou o serviço. Sem qualquer
demonstração de alegria ou ódio, ficou lá dentro fingindo indiferença.
João apeou, tirou a carga do animal e carregou para dentro. Quando os dois se
defrontaram ficaram embasbacados e a única reação dela foi dizer: o que foi? E ele ainda mais
lacônico respondeu: fui longe! Um silêncio pesado caiu no ambiente e depois de algum tempo
ele disse: a farinha está aí. Um alqueire. Ele abençoou as crianças e ficou por ali todo sem graça
até que ela disse: vem tomar um chá com beiju. O beiju era da mandioca que ela havia plantado
quando ele saíra para a longa viagem em busca de socorro.
João saiu para uma volta pelos arredores e quando chegou já menos contrafeito
explicou: fui até o arraial de Contendas, em Minas, onde tenho um cunhado que é tropeiro e
negociante de burros. Ele nos convidou para ir pra e eu trouxe os animais cargueiros e de
montaria para levar você e os meninos. Vamos despedir dos parentes e arrumar as trouxas e
alguma coisa de valor que seja pequena e cair na estrada.
Durante dias e dias vararam caatingas, vazantes e cerrados, dormindo em ranchos
de viajantes, fazendo comida na trempe e dormindo nos couros das sobrecargas. Chegando em
Contendas, arrumaram as coisas e começaram nova vida. As crianças que trouxeram morreram
e aqui nasceram mais três. João, que tinha o apelido de Pombo, mal chegou, pegou a tropa e
partiu em longas viagens. Aquele era o seu mundo, a estrada, o som dos cincerros, os gritos dos
170
tocadores de burros e as histórias dos colegas ao redor do fogo. Nunca saiu de casa para ficar
na estrada menos de dois meses. Seu trajeto era de Pedras de Maria da Cruz a Santa Luzia do
Sabará. O amor à estrada foi herdado por seus descendentes e aderentes que foram tropeiros,
negociantes de animais e boiadeiros até a mudança dos tempos.
Sinhá Júlia dizia que ele morreu pobre, mas não mentia nem tentava ludibriar
ninguém com informações erradas. Assim João Alves Botelho, o Pombo, morreu ainda novo
deixando os filhos com a esposa Júlia que acabou de encaminhá-los na vida, com o seu
modesto trabalho de fiandeira e quitandeira.
Malvadeza de revoltoso
Na estradinha tortuosa que cortava o chapadão ia o serrano quase cochilando com o
balança do corpo no trote macio do cavalinho castanho. O sol de meio dia refletido na areia
branca embaçava-lhe e vista causando dificuldade de ver a paisagem do cerrado. Ouvia de
longe o barulho das araras no buritizal da vereda próxima e o canto triste da inhuma no
pântano.
Ia assim cortando estrada e com o pensamento vagando por longe, pensando no
movimento do porto, na travessia e na cidade com todas as suas novidades. Levava no arção da
sela amarrado de um lado um uru de saieta e do outro um bocapio de crueira; mercadorias de
pouco valor, mas eram encomendas das quitandeiras que haveriam de pagar-lhe um bom preço.
Não teria oportunidade de aproveitar os gozos da cidade, pois apuraria pouco
dinheiro com o que levava e uns trocados que recebera por uns dias de serviço na colheita e
bateção de arroz nos brejos dos vizinhos. Daria para um pouco de café cru e sal para o tempero.
Nada de agrados para os meninos e a mulher. Ela queria um lenço de cabeça para usar na festa
do casamento da filha do vizinho, mas o dinheiro estava curto. Ela bem que merecia e carecia,
mas fazer o quê?
Perdido em pensamentos viu destampar diante de seus olhos a "vereda e a
passagem o riacho de água fria e rasa. Um estranho estava na beira da água matando a sede
com um copo de chifre de bordas prateadas. O sertanejo pôs-se a olhar aquele homem estranho
com chapéu de massa de aba larga quebrando na testa, com lenço vermelho no pescoço. A
barba negra cobria um rosto de semblante fechado e pele queimada de sol.
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O chegante timidamente deu boa tarde ao desconhecido, que respondeu com um
resmungo grosseiro, e em seguida disse: que o senhor com a mão na massa, pode me dar
um copo d'água? Pois não, disse o homem que enchendo a guampa e estendeu para ele que
bebeu com sofreguidão.
Mal recebeu de volta a vasilha o homem encheu-a de novo e ofereceu ao serrano
que bebeu o segundo copo. Agora o senhor vai tomar outro em atenção a mim, outro porque
tem preguiça de descer do cavalo, outro em consideração ao seu cavalo. O pobre homem já não
agüentava mais, mas quando olhava para o baita revolver na cinta do seu agressor e mais um
fuzil, começou a desconfiar que ele era um daqueles revoltosos que andavam pondo em
desassossego toda a região; lembrou da mulher e dos filhos e se agarrou à vida por amor a eles.
Não esboçou reação e dizem uns que ele chegou a beber dez copos, e outros mais exagerados
diziam que foram catorze. O certo é que ele mesmo disse que perdeu a conta e foi obrigado a
ficar deitado na sombra de um pequizeiro aa tarde para esvaziar a barriga que quase rachou
de tão cheia.
Vejam a quanto chegava à covardia dos "heróicos" revoltosos que tanto prejuízo
causaram na região.
O código e o catrumano
Numa daquelas eleições que pelos lances de fanatismo político levou todo o povo
do município a um estado de tensão e alerta geral, surgiu a temida figura do tenente. Viera
destacado para a região sob encomenda de uma das facções locais que gozava, naquela época,
do prestígio junto ao governo estadual.
No dia da votação ele fez questão de visitar justamente os locais onde a oposição
tinha maioria e montou um esquema de intimidação geral. Como a fama dos tenentes naquela
época fazia parte das arbitrariedades e estavam vivas na memória do povo, com as figuras
dos tenentes Alcides e Felão o temor se espalhou.
Foi difícil para os cabos eleitorais conterem os eleitores que dispunham a fugir e
desistir de votar. Diante da situação o chefe do lugar comunicou ao juiz na cidade e, segundo
ele, veio a ordem de: se o tenente continuasse com tal procedimento poderiam detê-lo. A
resolução foi comunicada aos cabos eleitorais que ficaram mais apreensivos ainda. Um velho
172
compadre do chefe expressou a dúvida geral com a pergunta seguinte: "Compadre, ancê
olhou o código se reza prender tenente? Eu, no meu fraco entendimento de home de poucas
leitura, sei que tenente foi feito prá prender a gente e não ser preso".
Belão e Vavá
Vida de vaqueiro era difícil e perigosa. Apesar de viajar, correr mundo e ter bons
companheiros não era fácil tirar um gado do pasto na Serra das Araras, nos Chapadões de
Goiás ou Urucuia e por na estrada encarrilhado. Eram dias de trabalho, sede, fome e no fim
ainda havia a travessia do rio São Francisco. Quando se aproximava dele o capataz vinha na
frente para contratar os canoeiros e fazer o mangueiro no barranco. Era um corredor estreito de
cerca improvisada em frente a um ponto fundo do rio de maneira que o gado caia na água
nadando. A cerca frágil era reforçada no bico do ferrão. As canoas que ficavam nas laterais
fechavam o cerco e vinham tangendo as reses que nadavam. O nado era de alguns quilômetros
e havia bois mais velhos e muito pesados que não agüentavam e eram socorridos por vaqueiros
que agarrando o animal pelo chifre punha a sua cabeça na beira da canoa e iam rebocando-o até
a outra margem. Era um serviço de muita coragem.
Aqui em São Francisco a boiada que era repartida em "golpes" de 50 a 60 cabeças,
saía da água um pouco acima da cidade. Uns estavam cansados, outros nervosos arremetiam
contra os vaqueiros e os curiosos. Foi numa dessas travessias que o grande e corajoso Belão
vinha arrastando um garrote velho na canoa. Quando chegou no porto ele soltou o bicho e ele
mergulhou na água, incapaz que estava de se manter de pé, foi ao fundo e se afogou. Belão
imediatamente amarrou o animal e sangrou para aproveitar a carne. Como ele era campeão em
tirar couro, em poucos instantes a rês estava sem couro. O boiadeiro dono do boi que assistiu à
cena disse: "vou arranjar uma carroça para levar a carne para salgar". Nesse momento chegou o
fiscal da Prefeitura de nome Vavá que foi dizendo: "A carne não pode ser aproveitada porque é
carniça". "O boi foi afogado e sangrado na hora, sendo carnudo não é carniça". Disse Belão que
como sertanejo não era muito amante de fiscais.
Nesse instante, Zezé Botelho, o dono do boi, disse: "vou conversar com o prefeito e
ele manda examinar o caso e decidir o que deve ser feito". Montou no burro e saiu em direção
ao centro da cidade. Daí em instantes voltou e disse: "o prefeito me deu permissão para levar a
carne, pois não inconveniência em aproveitá-la se o boi estava sadio". O fiscal foi dizendo:
173
"E a ordem escrita, o senhor trouxe"? Zezé retrucou: "Palavras de dois homens sérios não
precisa ser escritas!" O fiscal estava irredutível. Zezé Botelho se exasperou e disse para Belão:
"Jogue na água, compadre!" Belão olhando para a carne e o fiscal perguntou: "O boi ou o
fiscal, compadre?" Claro que é o boi compadre! Belão, num gesto de contrariedade disse:
"ora, compadre...”
Muito tempo depois Belão na sua braveza de gorutubano que achava que a lei era a
sua vontade, estava na porta de sua casa soltando foguetes. O compadre chegou e perguntou:
"Tirou na loteria. compadre?" Ele interrompendo o foguetório respondeu: "Foi quase a loteria:
Vavá aposentou!".
Pecuária ontem e hoje
O jovem iniciante, com grande conhecimento teórico da administração rural tendo à
sua disposição a mais moderna tecnologia, o carro na porta da casa da fazenda, o telefone
celular, a previsão do tempo, o computador para registrar e calcular todos os problemas parecia
estar equipado para enfrentar o que desse e viesse. Fazendo projetos, estudando o mercado,
conseguindo financiamento, a energia elétrica, o combustível, o transporte, acertar todos os
encargos sociais, conferia o saldo e via que pouco sobrava em relação ao investimento. O
sonho do passeio de rias, a troca do carro e outros gastos para aliviar a tensão provocada pela
luta diária, ia ficar para outra vez.
Sentado diante da tela do computador, com o celular tocando com freqüência ele
analisava a vida do fazendeiro moderno e de repente indagou a si mesmo: como o fazendeiro
do passado conseguiu sobreviver conservando o patrimônio para transmitir aos seus herdeiros?
Como fez numa época sem transporte, sem comunicação, sem bancos, sem capital para investir
e multiplicar a riqueza? Meu caro jovem, se o seu avô ou bisavô estivesse entre nós ele diria:
sobrevivemos baseados na parcimônia e na solidariedade. Não lutamos para acumular riqueza e
sim para criar a família, conservando o patrimônio que herdamos e conseguimos multiplicar.
Levamos uma vida regrada, produzindo o necessário para atender às nossas necessidades.
Éramos cercados do necessário e com parentes e compadres nossos vizinhos compartilhávamos
dores e alegrias. Deles recebíamos de empréstimo o quarto de carne da rês abatida por um deles
e pagávamos quando abatíamos uma das nossas. Assim semprenhamos o produto fresco para
consumir. Se um tinha o remédio na hora da doença ele servia para todos. Comprávamos o
174
que não podíamos tirar da nossa terra. Não gastávamos nem desejávamos aquilo que não
podíamos pagar. A regra era não sonhar com o irreal.
O grande número de filhos, sobrinhos e afilhados que nos rodeavam era uma das
nossas alegrias e dava-nos a certeza de que seríamos sucedidos no futuro por gerações bem
formadas. Os objetos de uso, os animais de sela, as roupas e acessórios, nós tínhamos os mais
simples e os mais vistosos e de melhor qualidade, mas nunca luxuosos que demonstrassem
ostentação. Para o trabalho eram usadas as roupas de algodão rústico, a alpercata ou botina
reiuna, o chapéu de couro, os arreios resistentes e baratos. Para ir ao "Comércio" duas ou três
vezes ao ano para pagar impostos, na festa do padroeiro ou em ocasião muito especial, os
homens tinham a bota ou a botina, o terno de brim, o chapéu de massa e os arreios especiais
para a montaria. Tudo isso era guardado em baús com muito cuidado.
As mulheres seguiam o mesmo sistema e tinham a roupa do dia a dia e a de sair.
Nunca seguiam a moda e usavam algumas jóias que herdavam e eram passadas de geração em
geração. Tinham trajes próprios para viagem a cavalo e os arreios eram os silhões, os
chicotinhos com enfeites prateados e caçambas (estribos) de metal branco. Toda a cultura era
direcionada com rigorosa disciplina para o trabalho persistente, o respeito às tradições e aos
maiores.
Em Januária, cidade do Alto Médio São Francisco, por volta de 1960, os motivos
populares que determinavam a Festa de São Gonçalo eram, principalmente, o término da
construção de uma casa, o reerguimento do esposo que se encontrava enfermo, a volta do noivo
que se achava ausente, após a boa colheita da lavoura de milho e de feijão. A festa era
celebrada em qualquer época, dependendo da promessa. Caso uma graça fosse alcançada, sem
compromisso anterior, nesse caso o promesseiro aproveitava-se, geralmente, de festas
agendadas, sendo preferida a festa de São João, no dia 24 de junho ou, ainda, o dia de Natal e
Ano novo. Raramente, as pessoas escolhiam o dia de batizado ou de casamento. Quando as
coisas corriam mal, talvez por problemas nas lavouras, por causa dos passarinhos que comeram
todas as sementes ou por causa de mundiças (falta de asseio, sujeira), ou por causa de uma seca,
o que é comum no norte de Minas Gerais; seja pela forma arredia do noivo em se casar, seja
por fatores contrários à realização da festa, mesmo assim o barranqueiro não se desanima,
sempre arranja um motivo para dançar, ou melhor, para rezardançando.
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3.6.2 Algumas narrativas sobre São Gonçalo
Narrativa 1 – Adão Fernandes (Adão Barbeiro), 76 Anos
São Gonçalo é uma dança formada para seduzir aquelas mulheres solteiras que tava nessa
época no fim do século do Pai. Então aquelas mulher solteira, que vivia bebeno naqueles
cabaré, então foi transformado por esse homem por nome São Gonçalo e que formou essa
dança para seduzir elas. Então ele dava apoio pra elas e elas não ia pra os cabaré. E iam dançar
o São Gonçalo todo bado e domingo. E ele dominou elas. Tirou da perdição. Porque tava
no fim. Noé já tava com a barca pronta. tava demais. Ele seduziu através da dança e tirou da
perdição. São Gonçalo colocou elas pra dançar. Todo sábado tinha um forró, mas elas não ia.
“Ah, tem um São Gonçalo que tratei” e ia dançar o São Gonçalo. São Gonçalo é origem de
Portugal. Fundou aqui no Brasil em Salvador. Depois espalhou para todo o mundo. Jesus
mandava traduzir na idéia do homem pra ele seduzir, assim como Moisés e outros, tomava
conta daquela turma. na Bíblia, cês tudo sabe. Jesus colocava na idéia do homem para
dominar aquela turma, pra tirar da perdição. Naquela época vinha aquele mensageiro, mas dada
a força por Deus. Ele era mensageiro de Cristo e dominava, como São Gonçalo dominou
aquelas muié e elas seduzia as outra, porque aquelas muié tem aquela coisa, elas seduz as
outras. É... que nada, moça, vamo olhá lá? o Gonçalo é bonito”... e as outra acumpanhava e
ia tirando elas da perdição.
Narrativa 2 – Dona Maria de Rosa, 56 Anos
A origem do São Gonçalo é a seguinte: uma época qui São Gonçalo andava “nu mundu”, ele
andava com 12 mulheres. Eles é que mi contara o caso. Eu nunca vi isso em livro, procurei
em livro do mundo inteiro. Não tenho o de São Gonçalo. São Gonçalo, uma épuca, andar com
doze dançadeiras e ficou doente. Ele andava com todas elas e ficou muito doente. Então, ele
pediu a Jesus que desse a ele saúde e que a partir do momento que ele cuidasse de todas aquelas
enfermidade que ele estava doente, com aquelas dançadeiras e ficou cumprino, cum moral; que
num tocava mais em nenhuma daquelas. Elas era prostitutas. Era agora, uma coisa de respeito.
Agora é mulhé casada, é tudo no meio aí. Ele dançou a graça, ficou com saúde. Quem falô
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foi pessoa que dançava São Gonçalo, morreu, mas eu o sou pessoa de mentir e na idade
que tô, com esse cabelo branco, esse homem não pode mentir, que é Mangai. Ele falou pra
mim que naquele momento ele ficou com saúde e foi dançando, com essas doze dançadeiras e
até que ele virou um santo. Eles falam que São Gonçalo é casamenteiro, mas ele não é
casamenteiro. Tem esse ramo que fala que São Gonçalo é casamenteiro das velhas, por que
não casou as moças? Que mal lhe fizeram elas?” Mas é o povo que inventa. Quando eu
comecei a dançar, comecei com Madrinha Zefa. Eu tinha dez anos. E não errei nada. Madrinha
Zefa era mulher de Baiano, aquele ali sabia fazer as coisas certas, mas morreu. Sabia a
origem certinha. Seu Baiano também marcava o São Gonçalo. Agora, pra falá pro senhor, é
seu João Pomba Triste, que é o mais velho.Os outros é tudo jovem. ele mesmo que bate
caixa e sabe a origem direitinho. Baensinou ele e ele saiu ensinando um bocado deles aí. É
cumpadre João mesmo. E eu que estamos e ela (apontando para uma senhora) que canta na
guia. A minha e que entregou para mim. E quando estou doente, mando outra pessoa em
meu lugar. Sempre o povo chama, e se é folclore, eu não vou, mas se é promessa eu vou de
bom coração. Numa época eu tive doente. O Dr. Jaime tem a ficha minha todinha. Tive
congestão cerebral e não falava nada e me levaram para Brasília. Tiraram chapa da minha
cabeça e eu pedi a São Gonçalo que se ele me desse força, e eu fui pedindo e escrevendo
devagarzim pra ele. Eu fui operada na mama e no ovário, eu não sou de mentir. Eu falo as
coisas certas e nessa época, eu pedi a São Gonçalo que era dançar doze “Rodas de São
Gonçalo” sem cantar. Foi dançado em cima do tempo da caixa e da viola. E foi dançado
em cima do peso. Então, São Gonçalo me deu esta graça. Então ele é um santo milagroso. Se
ele não fosse santo, que no céu onde ele tá, ele na direita do pai. Não é que não gosto do
folclore. Folclore precisa ter a roupa “direitinho”. Quando é folclore é uma roupa e quando for
promessa de o Gonçalo as roupas são outras, são as mesmas que vamos para a missa. É
branca. Eu sou do Apostolado da Oração e a mesma roupa que uso no Apostolado, uso no São
Gonçalo, coloco a fita e vou. A fita é benta.
Narrativa 3 – João Pomba-Triste
Dona Antônia “morreu devendo”. É assim que dizem os barranqueiros. Ela morreu sem
cumprir a promessa feita a São Gonçalo. Eu tava em casa de manhã, bem cedim, quando chega
uma mulher do Rola. Ela tava toda afobada. Mandei ela entrá. Ela disse que teve um sonho com
sua irmã, Dona Antônia, que pediu pra ela fao São Gonçalo, como sem falta, pois ela fez
177
uma promessa e não pôde pagar em vida. Assim, daquele jeito a alma dela tava desassossegada.
Era preciso pagá. A irmã sonhava quase todos os dias. Foi aí que ela me procurô para fazê o
São Gonçalo, no Rola. Arreuni todo mundo. Arranjemo condução praí lá. E fizemo a Dança pra
Dona Antônia.
178
C
APÍTULO
4
REFLEXÕES FINAIS E CONCLUSÕES
4.1 - Ocupação territorial, o rio e a estrada de ferro.
Como já mencionado, o ponto de partida para a ocupação do território estudado, foi
o decreto real estabelecendo a proibição da pecuária na costa do Brasil, com o sentido de
favorecer a produção açucareira. Com isso as fazendas de gado foram então deslocadas e
passaram a se estabelecer junto às margens do rio São Francisco. Havia água suficiente para o
gado e terras planas e férteis. A terra abundante e a ocorrência esparsa de terrenos salinos às
margens do rio favoreceram a expansão e manutenção da pecuária. Esse processo, já num
segundo momento, tem um grande impulso em função da sua importância em abastecer as
regiões mineradoras, em princípios do século XVIII com as primeiras descobertas de ouro na
porção mais ao sul da bacia, principalmente na bacia do Rio das Velhas, um de seus principais
afluentes, com a carne, o couro e outros derivados. Além desta atividade, também se
desenvolve ali uma produção de roças voltadas ao cultivo de alimentos para subsistência.
A pecuária bovina representou um dos mais significativos vetores da ocupação do
espaço dos territórios em tela, ao difundir-se lentamente, com o estabelecimento de currais ao
longo do rio São Francisco que serviu de aguada permanente e importante via de transporte do
179
gado por seus amplos vales. Há evidências de que a frente de povoamento produziu
assentamentos humanos ao longo do rio São Francisco, por força da expansão da pecuária, da
concessão de sesmarias e conseqüente instalação de grandes fazendas de gado. Com ela
surgiram muitas feiras que deram origem a centros urbanos de expressão na atualidade.
Essa expansão, embora não tenha produzido grandes áreas de povoamento denso,
fez surgir uma série de pequenos povoados ao longo do grande rio, nos quais se desenvolveram
atividades portuárias e comerciais que deram suporte a um movimento intra e inter-regional
mais ou menos intenso, conforme os períodos de tempo aqui trabalhados.
Paralelamente à pecuária, desenvolve-se uma agricultura através da plantação de
pequenas roças destinadas ao próprio consumo de subsistência. A mandioca, conhecida dos
índios, foi o principal componente da agricultura de subsistência, sendo seguida do milho, do
feijão e da cana-de-açúcar, esta transformada em rapadura e cachaça. Estes produtos junto a
carne de boi e outros produtos agrícolas, acrescentados de frutos, da caça e pesca, completavam
a alimentação local.
Desde esse momento e ao longo de vários anos após as fazendas de gado fincaram
raízes nas margens do o Francisco, dinamizaram-se os sertões mineiros do São Francisco, os
principais territórios para abastecer a região mineradora com artigos de primeira necessidade
tais como: carne, couro, fumo e cachaça, utilizando-se do rio como principal elemento para
transporte e estabelecimento de contatos comerciais. Começam a surgir povoados com nítida
vocação comercial dos quais pode-se destacar: Januária, Pirapora, São Romão, São Francisco,
entre outros.
Às margens do São Francisco floresceram alguns núcleos de povoamento cuja
vocação comercial era apoiada pelo transporte hidroviário, com vistas ao abastecimento da
região das minas, a exemplo das atuais cidades de São Romão, Pirapora e Januária.
Mais tarde, entretanto, com a decadência da mineração, rompem-se os vínculos
comerciais entre o território do Alto-Médio São Francisco e a função estratégica que estes
desempenhavam junto às regiões das minas, dando início a um longo período de isolamento
daquela região que, sob certos aspectos, perdura a nossos dias. Esses territórios voltam-se
para dentro, mantendo uma economia de subsistência com escassa circulação de moeda e fraca
vinculação ao mercado interno e externo. Como se trata de um grande espaço que mantinha
articulação interna o isolamento aqui referido é isolamento relativo.
Os sinais desse isolamento parcial se fizeram sentir mesmo antes da decadência das
minas. A carta régia de 1701, que proibiu o comércio pelo caminho do sertão, por exemplo,
pode ser considerada o marco inicial, porque, mesmo o tendo sido respeitada, demonstrou a
180
intenção de isolar a região das minas, comportamento que a Metrópole manteria durante boa
parte do período colonial.
Por volta de 1800 a indústria da mineração começou a declinar e muitas cidades e
povoados localizados no Alto-Médio São Francisco diminuíram em tamanho e importância.
Instalou-se prontamente um certo isolamento desta região. Esse isolamento associava-se, aos
interesses mercantis metropolitanos, uma vez que, grande parte do ouro extraído na região de
Ouro Preto e Sabará, afluíam para os sertões às custas do abastecimento de gado bovino e de
gêneros agrícolas para a região de mineração e à preocupação com o controle fiscal, que a
população da região se recusava a pagar os impostos instituídos pelas autoridades
metropolitanas.
De acordo com Mata Machado, o isolamento da região, que era percebido desde
a publicação da carta régia de 1701, que proibia o comércio pelo caminho do sertão e que é
considerada o marco inicial do fenômeno do isolamento, se acentuou no final do século 18
quando com a decadência da mineração, rompem-se os vínculos comerciais entre o sertão e as
minas, dando início a um longo período de isolamento daquela região que, sob certos aspectos,
perdura até os nossos dias” (Matta Machado 1991, p.59).
O isolamento que a região manteve em relação às áreas mais populosas e
economicamente dinâmicas do Brasil, até meados da década de 50, fez com que este quadro
permanecesse basicamente inalterado, fato que a implantação de Brasília alterou
consideravelmente, desestruturando os sistemas sociais implantados, e causando entropias de
ordem biológica.
O rompimento desse isolamento, para o qual tomamos como marco a chegada da
ferrovia à Montes Claros em 1926, não somente abriu as portas para um processo de
desestruturação/reestruturação, como também contribui para a representação do
desenvolvimento, entendido como progresso material e pautado na racionalidade científica
ocidental.
Assim, o processo de desenvolvimento acionado pela inserção do norte de Minas
Gerais na rede urbana do sudeste, tem funcionado como um elemento apagador e expropriador
das lógicas e do conhecimento local, em favor dos interesses mercadológicos e da manifestação
da racionalidade científica do ocidente.
181
Entende-se aqui, que esse isolamento proporcionou à região norte-mineira os
sertões a configuração de relações sociais, políticas, econômicas e culturais. No mínimo,
ocorre uma economia praticamente desvinculada do grande mercado de exportação e, portanto,
menos especializada, quase de subsistência e amonetária.
Esse isolamento, se por um lado foi prejudicial, estagnando a região, por falta de
contato com comunidades mais cultas, por outro lado, serviu para gerar uma sociedade própria
do São Francisco, com suas lendas, seus mitos, seus folguedos, seus medos, suas crenças e, até,
seu próprio vocabulário.
Outro fator que contribuiu para o isolamento foi o estabelecimento de relações
comerciais entre os mineiros e outras regiões da Colônia com a Capitania. A abertura do
“caminho novo” (em direção ao Rio de Janeiro), fez com que as mercadorias européias, que
antes vinham de Salvador, passassem a ser transportadas por esta nova rota. O mesmo se deu
com o comércio de escravos que se fazia entre a zona açucareira baiana e pernambucana e as
minas, através do São Francisco.
A comercialização de gado e peles de animais continuou a ser realizada com a
Bahia e, em menor escala, para o Rio de Janeiro. Estabeleceu-se um comércio inter-regional,
nada desprezível, entre as localidades do médio o Francisco e entre estas e as províncias de
Goiás e do Nordeste. Contando com seus próprios recursos, a população desenvolveu um estilo
de vida autônomo, fundado na agricultura de subsistência e na utilização das riquezas naturais.
Portanto, o isolamento foi parcial e variava com as reestruturações que a região viveu ao longo
do tempo.
Embora isolado comercialmente do litoral, excetuando-se as vendas de gado e
peles, o território do Alto-Médio São Francisco não deixa em momento algum de realizar
intercâmbio com o interior do País. A maior parte deste comércio era feito na base de trocas,
pois era quase nula a circulação de moeda. Os viajantes experimentaram na prática a escassez
monetária. A troca, sob a forma de escambo, foi amplamente utilizada para suprir a falta de
moeda. O comércio de sal, por exemplo, extraído das salinas baianas, em alguns trechos era
trocado por produtos agrícolas de Januária. Este sal era repassado de Januária e São Romão
para outras regiões, inclusive Paracatu. O intercâmbio por via fluvial era feito pelas barcas e
canoas; por via terrestre pelas tropas de comerciantes autônomos ou a serviço dos fazendeiros.
Por muito tempo, a vida de relações entre localidades situadas às margens do São
Francisco dependia das possibilidades econômicas e técnicas de utilização da navegação no São
182
Francisco, enquanto infra-estrutura logística no âmbito dos processos de estruturação e
integração de espaços sócio-econômicos regionais.
As barcas apareceram no São Francisco depois da Independência, por volta de
1825. Até então o comercio fluvial se fazia por meio de canoas e ajoujos. Os barqueiros, como
os tropeiros, eram autônomos ou estavam a serviço de um fazendeiro proprietário da barca.
Subiam e desciam o rio carregados de bruacas de sal, rapaduras, aguardente, tecidos
importados, querosene, couros de boi e peles de animais.
de se ressaltar que as relações comerciais do território do Alto e Médio São
Francisco eram feitas predominantemente com a Bahia através da via navegável do rio São
Francisco. Essa tendência foi reforçada pela conclusão da “estrada de navegação a vapor”, em
1909, quando passaram a trafegar onze vapores.
Porém, em 1918, chega à região a ferrovia, cujo projeto previa a sua extensão até
Belém do Pará. Esse fato traz um grande impulso para alguns dos municípios estudados,
introduzindo-lhes maior expressão econômica, em particular Pirapora, Januária.
A estrada de ferro torna-se o único meio de transporte e comunicação com os
grandes centros urbanos, transportando carga e passageiros. Como a instalação da “Central do
Brasil” houve uma reversão na direção do comércio. As trocas passaram a ser feitas, na sua
maioria, com Belo Horizonte e Rio de Janeiro através do novo meio de transporte, o que deixou
Pirapora e Januária em posição privilegiada em relação a Juazeiro e Salvador.
A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil a Pirapora (MG)
estabelecendo a ligação com Belo Horizonte e Rio de Janeiro, fez de Pirapora o porto inicial da
navegação no Alto-Médio São Francisco para embarcações de maior capacidade de transporte.
A velha tecnologia das barcas integrou-se à moderna tecnologia das locomotivas estreitando os
laços de integração com a sociedade brasileira.
4.2 – O século XX e o desdobramento das mudanças
Até pouco tempo, a importância econômica, política e cultural, destas
localidades, esteve relacionada diretamente à pecuária e à necessidade e à capacidade de
utilização do rio São Francisco enquanto um caminho de integração. Isso se particularmente
no caso das localidades portuárias nodais mais bem equipadas, a exemplo de Pirapora, com sua
conexão ferroviária para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte; e Juazeiro, cuja ligação com
Salvador também era feita por estrada de ferro. Pode-se destacar ainda, aquelas localidades que
183
apareciam no sistema hidroviário enquanto importantes entrepostos comerciais, como são os
casos de São Romão, Januária, entre outros.
A chegada em Pirapora da ferrovia imprimiu um novo impulso ao município,
tornando-o a maior expressão econômica das margens do São Francisco em Minas Gerais. Com
a criação da Sudene, o município dava então um passo rumo à industrialização e ao
crescimento sócio-econômico moderno. Passou a ser servido pela energia da Cemig a partir de
janeiro de 1965. Nesse sentido, com o desenvolvimento rodo-ferroviário, e com a incorporação
do Norte de Minas a área da Sudene, parte da economia regional ampliou suas relações
comerciais com o resto do país e com o próprio estado de Minas Gerais.
Ante a revisão bibliografia e a pesquisa geohistórica realizada compreende-se que
havia uma antiga dinâmica regional ligada ao rio e a pecuária. Mas o rio assoreava-se,
degradava-se, perdia veredas e volume de águas. A construção de grandes barragens, como por
exemplo Três Marias e Sobradinho, a implantação de projetos de agricultura irrigada de grande
porte, além da construção de estradas margeando o rio, a partir das cadas de sessenta e
setenta, alteraram sobremaneira o viver local, introduzindo novas técnicas de trabalho e
relações de produção típicas da modernidade. A água do rio passa a ser considerada como um
recurso a ser explorado em prol dos grupos capitalistas, ao invés de recurso vital para as
comunidades ribeirinhas.
Em 1975, criada sob a forma de empresa pública, a Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco Codevasf surge para cuidar da irrigação e de
projetos agropecuários na Bacia do São Francisco. Conclui-se em1978 o Projeto de Irrigação
que possibilitou a produção de uvas, mamão, pepino,melancia, manga e diversas frutas,
constituindo-se em um dos maiores produtores de frutas do Estado.
A partir da criação da Sudene, o modelo de desenvolvimento que vigorou no Norte
de Minas sustentava-se em grandes projetos industriais, de reflorestamento e de irrigação. No
município de Buritizeiro, por exemplo, implantaram-se projetos agropecuários ocupando
grandes latifúndios, com monoculturas de soja e grandes plantações de eucalipto.
É importante ressaltar que este processo de mudança, provocado pela implantação
de parâmetros técnicos “modernos”, em detrimento de um modo de vida tradicional, que vai se
adequando às novas exigências da vida em sociedade, não é um fato isolado no Alto-Médio São
Francisco. O fenômeno ocorre em muitos lugares no Brasil, podendo ser considerado uma
tendência das formas de pensar e agir, de homogeneização dos modos de viver.
184
4.3 – Heranças difusas, modernidade e a força do que restou
Para a maior parte da humanidade, o processo de globalização acaba tendo, direta
ou indiretamente, influência sobre todos os aspectos da existência: a vida econômica, a vida
cultural, as relações interpessoais e a própria subjetividade. Ele não se verifica de modo
homogêneo, tanto em extensão quanto em profundidade, e o próprio fato de que seja criador de
escassez é um dos motivos da impossibilidade da homogeneização.
Os indivíduos não são igualmente atingidos por esse fenômeno, cuja difusão
encontra obstáculos na diversidade das pessoas e na diversidade dos lugares.
Pode-se admitir que, atualmente, vem ocorrendo um processo de mudança em
diversos aspectos da vida da população ribeirinha alimentação, consumo, educação,
aspirações, que se traduz nos seus cotidianos. A importância do rio que já foi, para a população
local, fundamental, hoje se alterou. Este processo geral é vivo e presente apesar de não
resguardar a pujança do passado.
Porém, o houve um extermínio da vida tradicional pela modernidade, ainda que
esta seja hegemônica e exerça grande influência. Também não se pode dizer que a
modernidade o tenha trazido mudanças de concepções de existência. O ritmo da mudança é
detectado na vida diária que é onde se percebe de que forma e até que ponto o novo se impõe e
o velho se destrói, ou permanece.
Conforme visto anteriormente, verificou-se que existem, de forma dispersa e
diluídas, heranças, identidades e territorialidades ligadas ao rio e a pecuária, envolvendo
comunidades articuladas com o passado, hábitos e costumes, que ali vêm resistindo ao tempo,
em que pese o processo de modernidade e globalização a que estão sendo submetidos.
Verificou-se também que houve agregação de práticas e identidades sub-regionais e
valores, fundamentais do ponto de vista geohistórico, cultural, econômico, que são importantes
para a preservação e/ou surgimento de relações entre a sociedade e o espaço.
Após o trabalho de pesquisa de campo conclui-se que em toda extensão territorial,
existe uma dinâmica econômica e social ligada ao rio e a pecuária. Existem indicios de que
aquela gente e essa cultura, de forma dispersa, vem sendo mantida, se renovando e se recriando
num processo vivo e dinâmico, propiciando a essas regiões a possibilidade de construir uma
certa identidade. Parte da manifestação dessa identidade se revela por meio do seu patrimônio
cultural.
Esse herança material e imaterial se manifesta na interação daquela gente com o
ambiente, com a natureza e com as condições de sua existência. Se expressa através dos
185
saberes, celebrações e formas de expressão “materializadas” nas maneiras e modos do fazer
cotidiano das comunidades, na culinária, no artesanato, nas danças e músicas, rituais e festas
religiosas e populares, nas relações sociais de uma família ou de uma comunidade, nas
manifestações artísticas, nos espaços públicos, populares, coletivos.
evidências de que tais populações e esses elementos, apesar de dispersos
permaneceram e estão vivos até o presente. Ao longo dos anos foram produzidos muitos
objetos, ferramentas e gerou-se inúmeros serviços. Artífices e pessoas da comunidade que
detêm habilidades na produção daqueles objetos, ainda hoje se dedicam a certas atividades
herdadas do passado, que se vinculam com o setor de serviços. Asssim, parte do que
sustentação à população local interage com elementos do passado, transmitidos de geração a
geração, e que se mostram importantes para a sobrevivência. Observou-se que no território em
questão, ainda os veredeiros e os geraistas. Há pequenos núcleos de populações com
denominações especiais, conforme a região habitada, a exemplo dos chapadeiros, o
campineiro, os barranqueiros ou vazanteiros. Os caatingueiros se distinguem dos barranqueiros
e vazanteiros, e regionalmente o reconhecidos. Enquanto os primeiros vivem nas margens do
grande rio, os segundos são grupos de gente habitando as vazantes dos outros rios regionais.
Conclui-se que, ainda hoje, formas culturais de apropriação resistem ao tempo, e
manifestam-se segundo antigos conceitos e tradições, consideradas por muitos como
responsáveis pela conservação do ambiente, da paisagem e de sua gente. Entende-se que as
relações sociais produzidas naquele território não resultaram apenas em formas materiais e
funcionais que sustentam os processos econômicos. Elas também são marcadas pelos códigos e
símbolos que foram construídos na vida cotidiana.
O espaço territorial em estudo ainda guarda traços do seu vinculo com a pecuária e
a circulação mercantil no vale do rio São Francisco. Marcado por velhas e novas contradições,
trata-se de um espaço que, se outrora vivenciou momentos de grande destaque econômico e
demográfico, vem apresentando nas últimas décadas um quadro de persistente perda de
dinamismo, não obstante, a presença de algumas áreas prósperas e modernizadas.
Apesar das barragens que alteraram o cíclo de vida do rio, a pesca está ainda
presente, seja de forma artesanal seja de forma comercial, apesar de mais excassa. Pode-se
dizer que muitos hábitos e costumes mudaram com a modernidade, alterando usos e costumes
de relacionamento com o rio. Entretanto, existem focos de resistência, conforme foi apontado
nas pesquisas de campo.
186
A maior parte das cidades visitadas mantêm, de modo geral, aspecto e funções
semelhantes. A praça central quadrada tendo um dos lados ocupado pela Igreja; os outros três
por repartições públicas, casas das famílias mais abastadas e lojas comerciais. Nos seus
arredores, em ruas mal alinhadas, onde ficavam as casas, de pessoas mais pobres, hoje existem
algumas construções mais modernas de alvenaria. As de melhor aspecto eram de fazendeiros
que passavam a maior parte do ano em suas fazendas, vindo à cidade aos domingos, nas
festas religiosas e nas eleições. Hoje muitas foram reformadas e servem a uma classe média e
de pessoas mais bem colocadas na comunidade local. A maiorias das casas comerciais também
pertenciam aos fazendeiros, que mantinham nelas empregados. Hoje esse comércio já não é tão
intenso quanto antes, mas mantém sua importância relativa. Além de ser núcleo comercial e
centro religioso, as cidades exerciam e exercem ainda importante função política. Nelas ainda
estão juízes, promotores, advogados, a cadeia e a Câmara Municipal.
Conclui-se que mesmo com a diminuição da importância econômica do rio e da
pecuária, o legado cultura resiste. Depreende-se da revisão literária e pesquisa junto à
população local, que ainda além dos testemunhos materializados no casario e arquitetura,
uma cultura de cunho popular, de viés religioso, manifestações que revivem as comemorações
que remontam aos antepassados.
A culinária, por exemplo, marcada pela presença da carne e do peixe reforça a
ligação com a pecuária e o rio. Ainda há quem sobreviva do produto dali retirado. A farinha e a
carne de sol constituem a nutrição básica do sertanejo nordestino que vive fora das margens do
rio. Ele alimenta de forma simples com o produto de uma lavoura rudimentar feita pela mulher.
Do casario ainda resta a presença de igrejas construídas à época de suas fundações,
as quais apresentam um formato singelo e elementos artísticos de relevância, em que pese o
fato de não serem adequadamente preservadas a despeito dos seus diversos elementos
decorativos e dos belos forros.
No patrimônio histórico e artístico existente nos núcleos urbanos e áreas rurais
grande diversidade quanto ao estilo arquitetônico, datação, estado de conservação, finalidade
original da edificação e proteção legal. Registram-se edificações construídas nos mais diversos
estilos, em diferentes períodos dos quatro últimos séculos. Quanto à finalidade original da
construção, as obras edificadas apresentam objetivos tão distintos como o religioso, o cultural,
o militar, o comercial, o industrial, o de transporte, o residencial, o paisagístico e diversos
outros.
Assim como uma sociedade marcadamente machista ali se revela um preconceito
advindo dos tempos em que os homens desbravavam o sertão na procura de ouro, índios ou
187
mesmo guiando os caminhos das primeiras fazendas de gado. De modo geral o homem sai para
produzir o sustento da família e a mulher permanece em casa onde executa os trabalhos
domésticos.
Outro aspecto constatado foi a existência de práticas políticas ligadas ao
coronelismo, muito evidente em período eleitoral, em algumas das cidade visitadas. O
coronelismo resiste enquanto prática de controle e manipulação eleitoral. Em rias cidades a
população, acuada pelo poder de fazendeiros ricos e influentes, ainda aceita o modelo, em que
a cidade é administrada de acordo com os interesses da figura local mais poderosa
economicamente.
A ligação com a criação de gado se mostra presente nas práticas diárias de uma
realidade agro-pastoril, onde ainda hoje a pecuária é importante para a economia. Encontram-
se ainda heranças materializadas na cultura do vaqueiro, da mulher rendeira que sintetizam o
perfil cultural do Alto-Médio São Francisco. Ainda hoje se encontram certas práticas e hábitos
adquiridos desta atividade, no passado. O artesanato de couro usado com a confecção do
chapéu. O gibão de campear é ornado com pingentes nas mangas e na barra. Os arreios e as
cordas ainda são simples instrumentos de trabalho.
Por outro lado, é importante ressaltar que o patrimônio cultural, material ou
imaterial das localidades do Alto-Médio São Francisco, não se restringe a estas heranças
remanescentes do período passado. Além das edificações históricas, pode-se verificar a
existência de manifestações culturais, como o artesanato, que ainda é achado em várias
localidades.
Algumas cidades, como por exemplo Januária, ainda preservam o artesanato de
carrancas, esculturas de madeira que eram colocadas na proa dos barcos. Essas obras de arte
ainda mantém grande apreço principalmente por turistas e viajantes que visitam as cidades.
Ao final da pesquisa fica claro também que algumas festas, cerimônias, danças e
músicas se conservam na região principalmente nas manifestações populares, valores de
origens que remontam ao passado, mas em vias de extinção se o forem oferecidas condições
de sua preservação. O dado étnico-demográfico associa-se a essas tradições, porque não
dúvidas: a influência do nordestino na ocupação do território foi e mantém-se muito forte.
Conforme observação durante o período das entrevistas locais, pode-se encontrar ao
longo dos caminhos percorridos a existência de d
anças como o “Carneiro”, “Gambá”, “Lundu”,
Marujada”, e manifestações de louvor, como as Folias de Reis” e “São Gonçalo”, além das
lendas, mitos, contos, fábulas, ciranda e causos, e do artesanato em madeira, com destaque para
188
as “carrancas”, dentre as peças que representam a singularidade da tradição do sertão do São
Francisco.
Pode-se citar como mais expressivas algumas festas, assim como as que existem em
São Francisco: a Folia de Reis, a festa de Santo Antônio e a de São José a mais importante
delas. A festa de Santo Antônio é realizada dia 13 de junho, a Folia de Reis realizada durante o
período natalino até o mês janeiro.
O rio o Francisco, mesmo com a diminuição de sua utilização como rota
comercial, ainda carrega o legado simbólico de uma população que formou suas raízes em
conjunto com a história do rio, e por fim, o valor do comércio regional nunca perdeu sua
importância local. Mesmo com o declínio dos grandes portos localizados ao longo do rio, ainda
hoje nas cidades onde ocorria intensa movimentação comercial restam marcas que remontam
um passado ligado à comercialização de bens, o que é facilmente identificado na arquitetura e
na organização das construções comerciais que se concentram normalmente na parte antiga da
cidade, que está próxima a calha do rio.
Quanto à modernidade, sua influência é relativa. Enquanto a estrutura de produção
permanecia quase intacta, nos moldes do passado, uma série de bens de natureza industrial são
encontrados nos municípios estudados: móveis, artigos de plástico, tecidos, bicicletas, bebidas,
certos tipos de alimento, remédios, artigos de metal, bugigangas várias, cigarros, etc.
Pode-se dizer que esses produtos trazem consigo valores e geram novos tipos de
conduta social. Como diz um dos entrevistados no local, “aquele homem que houvera se
formado em uma sociedade onde o ser humano precisava de duas mudas de roupa sendo
possível a vida com apenas uma, e mesmo assim confeccionada em ambiente doméstico -, daí
por diante passa a desejar, e mais que desejar, passa a sentir necessidade de cuidar melhor de
sua indumentária, o que se constituía como uma exigência social”.
Em última análise, pode-se dizer que sobrevive uma herança cultural frente ao
processo de modernização em curso. Porém, esses muitos elementos que ainda estão
preservados, elementos identitários, hábitos, costumes, testemunhos de um passado intenso,
correm risco grande de diluição e extinção.
189
4.4 Diluição cultural do Alto-Médio São Francisco e perspectivas atuais
O estudo da geohistória do Alto-Médio São Francisco e da cultura reconhecida pela
população procurou mostrar que existe uma tendência a diluição e enfraquecimento da cultura
local – identidades, hábitos, usos e costumes, crenças, formas de vida cotidiana, casários,
manifestações folclóricas e religiosas, entre outros, ligadas ao rio e a pecuária frente ao
processo de modernização a que está sendo submetida a região. Mas a cultura local tem
persistido por força da comunidade ou ressurgido, em diversos planos, ao longo do tempo.
Tanto as pesquisas bibliográficas quanto as pesquisas de campo permitiram determinar três
grandes eixos de análise da ocupação do espaço e constituição de territórios na bacia do São
Francisco
i) O rio como vetor de ocupação do espaço. A conquista do território brasileiro
sempre teve uma intima relação com as condições naturais, embora não seja determinado por
elas. Utilizando o rio São Francisco como vetor de interiorização, os pecuaristas foram
gradativamente subindo o rio em direção à nascente e instalando pelo caminho as bases para a
fixação da população e para o surgimento das primeiras cidades. Nossa hipótese reforça esse
processo como indispensável para formação da cultura e da estrutura social da população em
grande parte da bacia do São Francisco. A ocupação e povoamento do São Francisco, da foz até
as nascentes, foi lenta, muito conflituosa e a procura de novos espaços implicou escravidão e
eliminação do indígena.
Antes dos bandeirantes paulistas e simultaneamente a eles, baianos e
pernambucanos percorriam a região, demarcavam terras e fixavam limites, em grandes
chapadões e baixadas próprias para pastagens, apropriadas para a criação extensiva de gado. De
forma intuitiva, os fazendeiros buscavam todas as formas para diminuir o custo de produção:
terras cedidas pela Coroa, mão-de-obra de custo mínimo, sal para o gado próximo, proximidade
dos centros aurífero e diamantífero.
ii) O rio como principal elemento da dinâmica regional. Com o continuo processo
de fixação da população à terra pela criação de gado, as primeiras povoações foram se
estabelecendo. O rio o Francisco, além de via para interiorização, passou a se integrar à
dinâmica regional como condutor do comércio e como fonte de subsistência por meio da maior
utilização da pesca.
A descoberta do ouro na região de Ouro Preto fez aumentar os fluxos de ocupação
do território mineiro. Assim, as vilas e povoados da bacia do São Francisco, passam a se
190
integrar a esta dinâmica como principal provedora de recursos para as minas. O comércio
utilizando o rio prospera e as localidades ribeirinhas começam a despontar como importantes
entrepostos comerciais. As fazendas de criação de gado, lavoura de milho, feijão e mandioca e
extração de sal exigiam transporte de baixo custo para vencer as distâncias e chegar ao grande
mercado consumidor. Não havia opção melhor que a navegação fluvial de longo curso. A tropa
de burro e os carros de bois completavam a conexão entre as fazendas e as vilas bordejando o
vale do grande rio e de seus afluentes.
Segundo Rodrigues (1989) para abastecer essas aglomerações, desenvolveu-se uma
intensa rede comercial, com produtos de primeira necessidade e artigos trazidos da região
portuária do Rio de Janeiro e de outras capitanias. Essa circulação dava origem a roças e
paragens que se dedicavam à produção e escoamento de produtos agrícolas (alimentos e
bebidas notadamente aguardente), pastoris (bois, vacas e ovelhas) e têxteis (tecidos
grosseiros), direcionados ao abastecimento interno da capitania mineira.
No Alto-Médio São Francisco a produção do espaço territorial esteve vinculada ao
ciclo da pecuária e da circulação mercantil no grande vale por muito tempo. Todos os
municípios Carinhanha, Januária, Manga, Matias Cardoso, Montes Claros, Paracatú,
Pirapora, o Romão, São Francisco se não são oriundos de núcleos nascidos da expansão das
fazendas de gado e da abertura dos caminhos de tráfego comercial que margeavam ou cortavam
o São Francisco adotaram a pecuária como atividade chave posteriormente.
iii) O rio diante dos novos elementos da modernidade. A queda da mineração do
ouro nas Minas setecentistas contribuiu para o declínio do sistema de transporte capitaneado
pelo São Francisco. Mais tarde, o investimento do Estado brasileiro em infraestrutura de
transporte, tais como ferrovias e rodovias, faria aumentar a concorrência intermodal para a
ligação entre nordeste e sudeste do país. As novas exigências da modernidade do século XX
pediam uma agilidade que o rio e o transporte fluvial não podiam oferecer. O processo de
assoreamento, acelerado pelo desmatamento e a destruição das nascentes, dificultavam cada
vez mais a sua utilização como via de transporte.
Na segunda metade do século XIX, o processo modernizador baseado na navegação
comercial pode ter começado a atuar na aceleração do desaparecimento de elementos
tradicionais dos territórios do Alto e Médio São Francisco, tais como do vaqueiro, o remeiro e
outros personagens, além de hábitos e costumes. As condições de suas existências
modificavam-se em vários aspectos, embora muitos remanescentes resistiam ao longo do
século XX como modo de vida e forma de subsistência.
191
O estilo de vida delineado pela modernização costuma negar o modo de vida
tradicional. Os adultos sentem dificuldades para se adaptarem a ele e não conseguem entendê-
lo. Os jovens, por sua vez, abraçam-no, desejosos de integrarem-se à modernidade. Se, no estilo
de vida tradicional, ao jovem cabia o respeito às regras e a repetição dos hábitos das gerações
mais velhas, com a modernização perdem eficácia os ensinamentos tradicionais.
Como as mudanças ocorrem em espectro amplo, não sendo inteligíveis para as
gerações mais velhas, essas perdem a oportunidade de ensinar às gerações mais novas, que
acabam tendo que aprender sozinhas, com base em suas próprias vivências frente as inovações.
O que se verificava, na verdade, é um processo alienatório da juventude. Processo doloroso na
medida em que ela não tem uma compreensão clara a respeito do que está acontecendo e nem
do que aconteceu, fica comprometida a manutenção das tradições. A situação se agrava na
medida em que intensifica-se a emigração de jovens em busca de melhores oportunidades.
Pode-se dizer que por muito tempo, a vida de relações entre localidades situadas às
margens do o Francisco dependeu das possibilidades econômicas e técnicas de utilização da
navegação no São Francisco. A hidrovia funcionava enquanto infra-estrutura logística no
âmbito dos processos de estruturação e integração de espaços sócio-econômicos regionais.
Contudo, ela não se aprimorou e evoluiu nas últimas décadas, ao contrário do que aconteceu
com o sistema rodoviário. A história da hidrovia é marcada por processos de maior ou menor
intensidade em sua utilização e acabou contribuindo para que os sertões do norte de Minas
apresentassem dinâmicas mais lentas de crescimento econômico em relação a regiões
reestruturadas do Centro Sul após a Revolução de 1930, inclusive a região polarizada por Belo
Horizonte. A jovem capital experimentava uma expansão econômica e demográfica vertiginosa
a custa de grandes investimentos públicos e da drenagem de recursos humanos e materiais das
regiões setentrionais atrasadas de Minas Gerais.
É importante ressaltar que este processo de mudança, com a implantação de
parâmetros urbanos e técnicos “modernos”, em detrimento de um modo de vida tradicional,
ganhou maior intensidade no Alto-Médio São Francisco desde o surto de modernização
deflagrado pela metropolização de São Paulo e fundação de Brasília. O fenômeno ocorre
também em muitos outros lugares no Brasil, podendo ser considerado uma tendência de
homogeneização dos modos de viver.
Com o passar do tempo, confirma-se cada vez mais o declínio das atividades de
transporte de cargas e passageiros no trecho navegável da hidrovia, cujo auge se deu nas
décadas de 1950 e início dos anos 1960. O rio parece ter perdido potência como uma opção de
192
uso, como uma alternativa econômica confiável. Consequentemente, instalou-se o declínio das
cidades ribeirinhas, a decadência econômica e a diluição das culturas tradicionais.
Reflexo de toda uma situação histórica, atomizaram-se as localidades ribeirinhas,
praticamente isoladas umas das outras. Evidências, sinais que antes apresentavam um sentido
de continuidade, de proximidade nas inter-relações desaparecem ou são substituídas por um
sistema crescente de conexões rodoviárias, que visam, fundamentalmente, o contato junto aos
centros urbanos mais importantes do país, e ignora vilas e povoados, contribuindo diretamente
para a fragmentação do que antes o rio unia.
Em muitas cidades ribeirinhas a decadência estabeleceu-se com a instalação do
transporte terrestre, em particular da estrada de ferro e de rodagem, e a desativação da
navegação e transporte de carga pelo rio. Nesse ambiente instala-se a “competição” entre os
modais. O rio, que outrora era a espinha dorsal de um sistema de comunicação e integração,
passava a ser tratado como um obstáculo a ser vencido. A ser transposto pela rodovia.
Cabe destacar também a influência do acesso a outra modernização: a luz elétrica e
a televisão. Essa manifesta-se no momento em que as pessoas passam a ter o caminho aberto ao
contato com a televisão e seus efeitos. Cabe destacar que os efeitos causados pela atuação da
mídia moderna tem um forte poder de corrosão cultural. A cultura e a aculturação m origem
nas diversas formas de contato com outros pólos geradores de cultura. Dependendo do tempo
de contato, cada comunidade reage de uma maneira. Os contextos podem levar a alterações
irreversíveis com melhora ou piora das condições materiais.
Há, contudo, impactos do ponto de vista cultural que com o tempo se tornam
perceptíveis e claros. Para certos municípios ribeirinhos, o transporte moderno ou os efeitos de
uma modernidade globalizante, assim como a rodovia e a televisão, significam dinamismo
econômico, frente às dificuldades econômicas inerentes aos pequenos e estagnados núcleos
urbanos.
As grandes embarcações desapareceram da paisagem nos anos de 1960, sendo
substituídas por embarcações mais modernas. Contudo, no Alto-Médio São Francisco, uma
parcela de sua gente ainda mantêm-se ligada às atividades do transporte fluvial e da pesca,
tanto, que ainda é possível registrar movimento diário no cais das principais cidades situadas às
suas margens. Sem dúvida, uma “hidrovia popular” resiste.
Porém, desta conjunção de fatores em que surgiram novas culturas identitárias nos
lugares, em particular onde é mais evidente uma decadência econômica, surge ou estabelece-se
193
uma tendência de diluição cultural, de quase destruição ou aniquilamento, das identidades
locais. Esses elementos estão presentes no território do Alto-Médio o Francisco. Essas
tendências podem ser evitadas ou contornadas?
Pode-se dizer que um processo de mudança profunda, em diversos aspectos da vida
da população ribeirinha alimentação, trabalho, consumo, educação, aspirações está em
curso, e pode ser visto hoje, em alguns de seus hábitos e costumes. Porém, não se pode afirmar
que um extermínio generalizado da cultura e hábitos de vida tradicional pela modernidade
que atinge a todos, ainda que esta seja hegemônica. Também não se pode concluir que a
modernidade não tenha trazido mudanças de concepções, de existência. O ritmo da mudança é
detectado na vida diária onde se percebe de que forma e até que ponto o novo se impõe e o
velho se destrói, ou permanece.
Uma forma de conter a tendência de diluição da cultura local poderia ser efetivada
por meio de uma intervenção do Estado, a partir da introdução de laços e parcerias com a
sociedade e comunidades locais, forças políticas voltadas para a modernização, atores sociais
conectados com o espírito preservacionista. Parcerias público privadas podem amalgamar
projetos de desenvolvimento direcionados a essas regiões, com destaque para aqueles referentes
ao semi-árido, a fim de potencializar uma melhor e mais eficiente utilização da hidrovia
sanfranciscana e seus recursos, no sentido de minimizar os efeitos da decadência econômica, da
diluição da cultura, dos hábitos e da forma de ser e agir das populações ribeirinhas dos
territórios do Alto-Médio São Francisco.
Assim sendo, não se pode minimizar os efeitos das mudanças no modo de vida dos
ribeirinhos do Alto-Médio São Francisco que se fazem perceptíveis em seu cotidiano, nos
afazeres diários que estão cada vez mais impregnados pelo conflito entre a tradição existente e
a modernidade trazida pelas novas formas de viver o lugar.
Tendo em vista o território do Alto-Médio São Francisco pode-se afirmar que a
força da diluição cultural é grande. uma forte tendência ao enfraquecimento daquele
patrimônio cultural que resiste ao processo de modernização e globalização em curso, graças a
população local.
Pensando neste patrimônio levanta-se duas considerações: a primeira faz menção ao
fato de que o atraso econômico de algumas localidades ribeirinhas, tais como São Romão e
Matias Cardoso, não colabora com a preservação daquela herança cultural. Esse atraso e
estagnação econômica gera uma insatisfação junto a população local, que pela falta de
194
perspectivas, principalmente de emprego e renda, força principalmente os jovens a saírem em
busca de melhores condições de vida, fora daqueles territórios.
Conforme constatado nas localidades ribeirinhas, geralmente quando a pessoa
jovem adquire o segundo grau, ela emigra. Os jovens, para melhorar de vida, adquirir melhor
poder aquisitivo, deslocam-se dos municípios ribeirinhos para Belo Horizonte. aqueles que
saem para trabalhar em São Paulo. Muitos que vão para Brasília, principalmente porque hoje
uma linha ônibus entre São Romão e Brasília. Muitos ainda vão para Montes Claros, para
cursar uma faculdade.
Pode-se citar, por exemplo, a pesca que era um meio de vida que comunidades do
vale do rio São Francisco utilizavam como subsistência, cultuando tradições que passaram por
gerações e gerações de homens e mulheres, aos dias atuais. No território do Alto-Médio São
Francisco ainda existem milhares de famílias ribeirinhas que exercem, de forma artesanal, a
pesca como sua atividade de trabalho. São populações tradicionais que utilizam equipamentos
rudimentares para capturar o pescado e, na maioria das vezes, esses o produzidos pelos
próprios pescadores. Suas técnicas de pesca e o conhecimento que possuem acerca do ambiente
são compartilhados pelos diversos membros dessas comunidades e que correm o risco de se
extinguirem.
Outra consideração faz menção ao fato de que o dinamismo encontrado em outras
localidades ribeirinhas faz prevalecer os interesses de mudanças modernizadoras. Com ela,
ocorre descaso e um certo desinteresse na preservação das heranças, hábitos e costumes
herdados, bem como do patrimônio artístico e arquitetônico existente no território do Alto-
Médio São Francisco. Como o interesse recai sobre a modernidade, os vestígios de um passado
intenso naqueles territórios, tendem a ser varridos para que seja implantados em seu lugar, os
aparatos da modernidade.
Pode-se citar, por exemplo, itens que se impõem, forjando um novo estilo de vida,
que vão sendo assimilados de maneira peculiar pela gente do São Francisco. Segundo
depoimentos colhidos nas entrevistas de campo, pode-se citar o caso de alguns rapazes que,
para demonstrarem as condições de modernos, aderiam a vários itens do consumo de massa.
Acontece comumente, nos dias de feira ou festa, encontrar-se nas cidades, nos povoados e nas
estradas, pessoas principalmente rapazes -, envoltas em aroma de perfume, usando cortes de
cabelo modernos, usando jeans de marca, pulseiras, brincos, relógios a pilha, motocicletas,
entre outros.
195
Outros indícios são, por exemplo, a constatação de que, nas cidades e nos
povoados, os armazéns cada vez mais oferecem novos itens à população. Itens cujos preços são
determinados em rculos distantes e que se processavam por dentro de lógica bem diferente da
que até então dominara o pequeno comércio local. Os artesãos também foram afetados à
medida que alfaiates, marceneiros, ferreiros, etc. não podiam competir nem em preços e nem
em qualidade com os produtos que passavam a dominar o mercado.
Portanto a tendência existente no território do Alto-Médio São Francisco é de
diluição e enfraquecimento dos hábitos, costumes e do patrimônio arquitetônico herdado e de
valor identitário. Como visto eles estão resitindo e poderão ser preservados. Porém, para que
isso ocorra se faz necessário que o Estado e a comunidade representada por forças políticas e
sociais comprometidas com a preservação daquele patrimônio estabeleçam um laço que gere a
criação de parcerias público privadas em busca desta preservação.
As antigas territorialidades, detentoras dos hábitos sociais tradicionais, das práticas
cotidianas e da carga simbólica que advém de uma vivência coletiva passada tendem a ser
omitidas ou subvalorizadas diante das novas territorialidades, gestadas a partir do uso do
território na atualidade, num período de globalização intensa, cujas práticas tendem a gerar
novas formas de sociabilidade, comportamentos e valores canalizados para o consumo de bens
culturais e serviços, destituindo o território de sua riqueza sócio-cultural.
A capacidade de coexistência, conflituosa ou não, e de adaptação entre velhas e
novas territorialidades nos núcleos históricos preservados é responsável pela redefinição dos
usos sociais do patrimônio, bem como dos hábitos, costumes, vivências, valores e significações
atribuídos aos bens culturais e ao território pelos membros da coletividade.
Apesar das dificuldades encontradas nas diversas sondagens realizadas junto à
comunidade, conseguiu-se perceber, entretanto que mantém-se vários hábitos, costumes,
atividades do passado, algumas das tradições, bem como certas manifestações culturais, nos
territórios em tela. No território do Alto-Médio São Francisco tradições e certas manifestações
culturais sobrevivem e se renovam num processo vivo e dinâmico.
Pode-se ressaltar a exploração de museus e do ecoturismo, em particular, nas
cidades das margens do rio São Francisco ou junto a seus rios, corredeiras, cavernas,
cachoeiras. Observa-se a exploração turística e a visitação a sítios arqueológicos e paredões de
pedra escondidos entre a vegetação da caatinga, do cerrado e da mata do calcário.
196
A exploração, seja com interesse científico ou esportivo, das grutas e cavernas
também tornou-se uma tradição, desde que passaram a ser conhecidas, à partir no final dos anos
70, com a equipe de André Prous, um dos principais estudiosos
27
da pré-história brasileira e
titular do setor de Arqueologia do Museu de História Natural da UFMG, que passou a dedicar-
se à pesquisa no Alto-Médio São Francisco, em Minas Gerais, divisa com a Bahia. Os seus
estudos se concentram, entre outros, no município de Januária.
Pode-se ainda destacar a exploração da arte rupestre local - em Minas Gerais se
manifesta em três grandes tradições - marcada pela prevalência de figuras de animais
monocrômicos, principalmente cervídeos e peixes, embora apresente ainda, em certas regiões,
alguns grafismos geométricos e antropomorfos. Essa arte rupestre tem na tradição do São
Francisco seu foco principal em Minas Gerais. Essa tradição
28
é encontrada ao longo do Vale
do São Francisco, com pequenas variações.
Destaca-se também a produção de frutas no cerrado, capitaneados pelo impulso
provocado pelo Pólo Agroindustrial de Petrolina-Juazeiro, onde encontram-se os maiores
produtores de manga e uva do país, tendo alguns deles já alcançado mercados externos.
Outra menção é direcionada a produção da cachaça, com realidades distintas,
sofrendo, no geral, com as limitações dos pequenos produtores envolvidos, fazendo-se
necessário um trabalho mais demorado e abrangente com os mesmos no sentido de ampliar a
base de conhecimento, a capacidade financeira, o padrão cultural tornando-o mais adaptado à
praticas cooperativas e sinérgicas etc.
Toda essa dinamica vem se configurando um “mundo novo” no São Francisco. Isso
tem demonstrado uma certa ressignificação de atividades, produtos, hábitos e costumes, entre
outros. Entretanto, pode-se afirmar que, mesmo com todo o processo de modernização e
globalização da sociedade atual, a cultura local não é residual. Ao contrário, ela tem um certo
27
As pesquisas nos abrigos calcários da região evidenciam uma ocupação inicial entre 11 mil e 12 mil anos. Um dos sítios mais bem estudados
foi o de Boquete, em Januária, no canyon do Rio Peruaçu, afluente da margem esquerda do rio São Francisco, cujas escavações se iniciaram em
1981 e foram concluídas em 1998.
28
As figuras são geométricas, de grande variedade, muito coloridas e localizadas em locais bem visíveis, como para enfeitar a paisagem. Alguns
painéis alcançam 18 metros de altura. Além das figuras utilizarem duas ou mais cores, aproveitam a própria cor do relevo para compor o desenho.
Uma das figuras mais recentes dessa tradição, na Lapa do Veado, foi datada em 2,8 mil anos. As pinturas do Alto São Francisco Arcos,
Doresópolis e Pains talvez representem uma transição entre as duas tradições anteriores. Os temas são diferentes, regionais, mas a forma de
tratamento lembra as outras tradições. Utilizavam cores distintas para contornar e preencher os desenhos.
197
dinamismo, que por si determina uma renovação local, de forma simples mas concreta e que
vem se processado de uma forma inovadora.
Pode-se dizer que a tradição do território do Alto-Médio São Francisco apresenta,
ainda que de forma incipiente, traços de uma resistência, que ressurge em alguns momentos.
Como se fosse uma releitura, uma ressignificação, uma manifestação relacionada não com o
passado, mas com o futuro. Algumas atividades estão sendo recriadas e remetendo a tradição
para um futuro.
Entretanto, ainda é forte a influência do passado. Da observação da realidade local
verificou-se a coexistência, ainda que dispersa, de alguns elementos antigos, do período da
ocupação como hábitos de vida da população, costumes, crenças e ainda o patrimônio artístico,
cultural e arquitetônico.
Um grande rio como o São Francisco, suscita uma série imensa de possibilidades,
no que diz respeito às relações entre o homem e o próprio rio, o homem e as águas que esse rio
conduz. Os rios foram fundamentais na historia da humanidade para afirmação de muitos
povos, muitos assentamentos e o rio São Francisco não foge a regra.
Na relação homem-natureza, as localidades, os povoados e as cidades foram
importantes, fundamentais para consolidação de economias regionais, uma vez que se
desenvolveram ao longo do tempo inúmeras relações econômicas e redes de cidades. O Rio São
Francisco, no passado muito mais importante do que hoje, cumpriu o papel de circulação de
pessoas e mercadorias e amparou o surgimento de uma rede de localidades, que historicamente
tornou-se essencial para entender a historia do Brasil.
Nessa perspectiva de análise uma questão merece atenção: a grande diferença
existente entre as localidades. Entre 1900 até meados do século XX gestou-se uma
reorganização política e econômica que deflagrou situações de estagnação. Cidades mineiras
foram abandonadas e ficaram mais isoladas que as cidades da Bahia, a despeito de terem
também sofrido isolamento político e econômico.
Contemporaneamente, surge a necessidade de se promover uma reorganização
política dos territórios da bacia, a partir da qual a relação com o rio venha dialogar com o uso
do ambiente. Faz se importante adotar uma postura em que o pano de fundo seja a preocupação
em tornar mais justa a distribuição da riqueza propiciada pelo rio.
198
Faz-se necessário pensar de que forma e como que isso seria mais justo? Pensar
numa redistribuição da riqueza que foi gerada através da energia elétrica gerada e produzida
pelas usinas com o uso da água do rio?
Uma perspectiva é revitalizar as cidades ribeirinhas por meio da revitalização do
rio, de suas funções e da cultura local, utilizando-se para tanto a força das comunidades locais,
em diversos planos, apoiado por uma atuação do Estado associado ás forças políticas e atores,
comprometidos com a preservação do patrimônio cultural. Faz-se necessário a revitalização em
moldes sustentáveis. E isso envolve questões ambientais como o desassoreamento, a
recuperação das margens, da mata ciliar, entre outros. O desassoreamento tem que ser
acompanhado de um processo que ao mesmo tempo impeça a sua continuidade, o das
margens e vargens imediatas. Faz-se necessário revitalizar todas as sub-bacias que estão
conectadas com a bacia maior e insistir nos projetos com recursos financeiros assegurados, mas
com participação da comunidade, inclusive nas legislações pertinentes.
199
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210
Anexos
Anexo 1 - Roteiro de entrevista aplicada no campo
Caracterização da pessoa (entrevistado)
Comparação com o local em que vivia antes;
O que mais gosta de lembrar de sua cidade de origem;
Gostaria de voltar para lá;
Como é o bairro, como são os vizinhos;
Gostaria de morar ou trabalhar em outro lugar;
Quem conhece o local;
Alguém visitou;
Acha importante ou interessante;
Sabe algo sobre ele;
Acha importante preservar;
Quais os sonhos e aspirações;
O que espera da vida na cidade onde mora;
Pergunta sobre o lugar em que se encontra a escola, o bairro e a comunidade,
entre outros;
Pergunta sobre as belezas naturais, os espaços modificados pelos homens que
proporcionaram melhoria na qualidade de vida do bairro, e também os principais
problemas locais;
211
Pergunta como era o bairro há 20 ou trinta anos atrás;
Pergunta como é o papel dos homens e das mulheres na construção da história,
nas mudanças políticas e sociais ocorridas no local atual e no próprio âmbito
estadual ou municipal;
Pergunta se existe algum acontecimento da história do local que tenha
participado, vivenciado ou marcado a existência, mudou seu cotidiano, ou
simplesmente tornou-se importante marco na vida;
Pergunta se alguma característica, algum recurso ou aspecto natural, cultural,
etc., que na opinião tenha tido importância histórica para a cidade;
Pergunta qual a importância do Rio São Francisco para a história da cidade;
Saber se ele sabe onde fica a nascente do rio, por quais cidades que ele passa e
onde ele deságua;
Quando o assunto é, por exemplo, o rio, pergunta qual a primeira coisa que surge
a sua cabeça;
Pergunta se ele tem alguma religião;
Sobre seu local de trabalho;
Que tipo de serviço está disponível, como são os trabalhadores, como são as
pessoas que buscam esses serviços, como é o movimento;
Sobre o passado: pergunta sobre os meios de transporte hoje e como eram no
passado;
Como eram as ruas e calçadas, a conservação e equipamentos públicos;
Como eram construções;
O que predominava na paisagem;
Se existia a poluição ambiental e hoje;
Se havia há lixo, barulho, poluição visual (propagandas);
Se havia áreas verdes ou se acabaram;
Pergunta sobre as características da construção: pisos, paredes, portas, telhado,
divisões e funções; materiais empregados; os construtores: a mão-de-obra; o
mobiliário e outros objetos;
Pergunta sobre o seu nome e história deste, quem o escolheu e por quê;
Como era, ou é, a família: número de irmãos vivos ou mortos, por quem foi
criado;
Em que lugar passou a infância;
Quais as características desse lugar: cidade ou campo, relevo, clima e vegetação;
212
A arquitetura do lugar: material de que as casas eram construídas, se havia
grandes edifícios;
Se havia pavimentação e iluminação nas ruas. os meios de transporte
disponíveis;
Pergunta sobre educação: se havia escolas no lugar, se freqüentou a escola
quando lá vivia;
Atividades econômicas: principal atividade econômica da população e da
família, se trabalhou na infância e que atividade realizou;
Condições de vida: da própria família e de outras famílias que conhecia,
comparação entre essas condições;
Pergunta se ainda vive no mesmo lugar em que passou a infância, como é esse
lugar atualmente: características das casas e ruas, dos transportes; o que mudou,
o que permanece da mesma maneira e o que não existe mais: o relacionamento
entre as pessoas, as festas, os velórios, a relação entre pais e filhos, entre amigos
e no trabalho; as mudanças nas atividades econômicas: os tipos de trabalho que
existem hoje, os que são novos, os que não existem mais, se o trabalho dos pais
e avós ainda existe e se a atividade que o aluno realizou na infância (se for o
caso) ainda existe, o trabalho que realiza atualmente. Se o vive mais no lugar
em que passou a infância, motivos que provocaram a mudança, para onde se
mudou, em que época da vida isso aconteceu, se mudou-se com a família ou
sozinho; sentimentos que a mudança para outro lugar provocou, do quê sente
saudades; características desse outro lugar: relevo, clima, vegetação, arquitetura,
transportes, trabalho, festas, brincadeiras entre as crianças, relações entre as
pessoas (mais frias ou mais acolhedoras) etc.; semelhanças e diferenças entre o
lugar em que vive atualmente e o lugar em que passou a infância; o que mais
deixou marcas. Em que trabalha atualmente e que tipos de trabalho realizou.
Se constituiu família. Se pensa em voltar à terra natal. Se avalia que sua vida
melhorou com a mudança: como é a vida hoje, o que mudou, o que permaneceu;
213
Anexo 2 - Linhas condutoras para entrevista em campo
Fale sobre a cultura local
Assunto: quais personagens importantes se recorda
Nome:
Pseudônimo:
Data (Período) do Nascimento:
Data (Período) de Falecimento:
Ocupação Principal:
Importância para a História:
Existe acervo Documental? (Imagens, bibliografia, documentos, registros):
Existem outros moradores que podem fornecer mais informações:
Assunto: quais monumentos e construções
Nome:
Homenagem á:
Responsável pela conservação:
Padroeiro:
Principais comemorações:
Importância para o município:
Existe acervo Documental: (Imagens, bibliografia, documentos, registros)
Existem outros moradores que podem fornecer mais informações:
Assunto: quais manifestações culturais
Evento:
Homenagem à:
Local da Manifestação:
214
Responsável pela Organização:
Importância para o município:
Existe acervo Documental: (Imagens, bibliografia, documentos, registros):
Existem outros moradores que podem fornecer mais informações:
215
Anexo 3 - Linha do tempo - o rio São Francisco
Século XVI
1501 – O navegador Américo Vespúcio encontra o rio no dia quatro de outubro,
batizando-o com o nome do Santo do dia: São Francisco.
1522 Duarte Coelho, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, funda a cidade
de Penedo, em Alagoas, dando inicio à colonização do São Francisco.
1543 – A Coroa Portuguesa autoriza a criação de currais de gado nas margens do rio.
Século XVII
1637 Penedo é tomada pelos holandeses, que constroem um forte às margens do rio,
mas, em 1645, são expulsos pelos portugueses.
1675 – Ricas jazidas de outro são encontradas em afluentes do São Francisco e os índios
Cataguás, habitantes das suas cabeceiras, são dizimados pela bandeira de Lourenço de
Castanho.
1678 O bandeirante Salmeron chega a cachoeira de Pirapora e trava sangrenta batalha
com os índios Cariris, habitantes do território.
1681 – Fernão Dias morre de malária.
Século XVIII
1708 – Paulistas e portugueses entram em conflito, na Guerra dos Emboabas, pelo
direito de exploração das minas de ouro. Os portugueses atacam Sabará, em Minas,
conseguindo a rendição dos paulistas. As riquezas encontradas mudam o perfil da
colonização portuguesa, atraindo milhares de mineiros aventureiros.
1720 Com a criação da Província de Minas e a expansão da atividade mineradora, o
rio São Francisco assume sua histórica vocação de integração nacional, como meio
principal de transportes para o abastecimento das regiões mineiras.
1729 A descoberta de diamantes ao norte da província, a partir da região de
Diamantina, novo impulso à atividade mineira. E é o São Francisco o leito natural
para o abastecimento destas novas frentes da colonização.
216
Século XIX
1851 – O engenheiro Guilherme Halfeld é contratado pelo imperador Dom Pedro II para
fazer estudos sobre o São Francisco, légua a légua, o engenheiro faz o primeiro atlas do
rio, desde a cachoeira de Pirapora até o Atlântico.
1859 Dom Pedro II visita a Cachoeira de Paulo Afonso, na Bahia, fica impressionado
com sua beleza, ordenando a análise do seu potencial hidrelétrico.
1867 – A navegação a vapor é introduzida no Baixo São Francisco, no trecho de
Piranhas a Penedo.
1871 O imperador Dom Pedro II inaugura, em Sabará, o navio a vapor Saldanha
Marinho.
1886 – O engenheiro Trist Franklin Alencar de Lima propõe, pela primeira vez, a
transposição das águas do São Francisco, mas a idéia é arquivada em função de
dificuldades técnicas para sua viabilização.
Século XX
1913 O industrial Delmiro Gouveia inaugura a primeira usina hidrelétrica do
Nordeste.
1945 O presidente Getulio Vargas cria a Companhia Hidroelétrica do São Francisco
(chesf).
1950 É criada a Superintendência do Vale do São Francisco, inaugurando a
intervenção do Estado como elemento indutor e centralizador do desenvolvimento.
1955 – A usina Paulo Afonso entra em atividade, gerando 184 megawatts.
1957 O presidente Juscelino Kubitschek inicia a construção da barragem de Três
Marias.
1963 – A Companhia de Navegação do São Francisco (Franave) é constituída.
1972 O governo federal cria o Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas, para
preservar as nascentes do “velho chico”.
1974 São instalados os projetos de irrigação Bebedouro, em Petrolina, e Mandacaru,
em Juazeiro e Petrolândia.
1979 – O projeto Jaíba começa a ser implantado em Manga (MG).
217
1980 O presidente João Figueiredo inaugura a eclusa e a usina de Sobradinho. Com a
obra, as canoas e barcas ficam impedidas de navegar, em função das ondas do lago.
1981 A Chesf alerta para a poluição do rio, com a implantação do Proalcool.
Produzindo 7,5 bilhões de litros de vinhoto, o Proalcool torna-se um dos principais
responsáveis pela devastação da fauna e flora ribeirinhas.
1987 O governo federal da inicio as obras do Xingu. Após a criação da barragem e
entrada em funcionamento da usina, a vazão do rio é regularizada e a região próxima a
foz perde as enchentes de várzeas, que funcionavam como currais naturais para
reprodução de peixes.
1993 O frade Luiz Flávio Cappio, de Barra (BA) lança medida pública para cobrar a
revitalização do São Francisco, depois de um ano de peregrinação pelas águas do Vale.
Neste ano, começa a funcionar o projeto de irrigação de Itaparica.
1994 O Ministério da Integração Regional volta a discutir a transposição das águas do
São Francisco, baseado em projeto de autoria do então presidente Itamar Franco,
apresentado quando estava no Senado.
1995 – O presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda em seu primeiro mandato,
assina junto com os governadores de Minas, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco
estados banhados pelo São Francisco documento comprometendo-se com o projeto de
revitalização do rio, mas a promessa ficou no papel.
2000 O governo federal retoma a proposta de transposição, destinando 300 milhões
reais no Orçamento de 2001 para o projeto, mas o relatório de impactos ambientais
ainda aguarda aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Renováveis (IBAMA). Em Belo Horizonte, a Conferência Águas de Minas lança a
campanha pela inscrição de bens naturais e culturais do rio São Francisco na lista das
Paisagens Culturais da UNESCO.
218
Anexo 4 - Sumário das anotações de pesquisa
1 - Município de Manga
Informações obtidas na visita à cidade:
A cidade se apresentou como entreposto comercial, com as mesmas características das
cidades beira-rio, visitadas no primeiro campo.
Sua origem está ligada à implantação dos currais, sendo inclusive seu nome relacionado
a “Manga de Pasto” (Pasto cercado).
Mais tarde, a vocação comercial se diversifica, passando o exclusivamente pela cana-
de-açúcar, mas também por gêneros alimentícios, como o arroz, milho, feijão, peixe
salgado, e carne seca.
E em um período mais recente, pela produção de algodão, que entrou em decadência no
início dos anos 90, devido à abertura comercial do Brasil com a China.
Não foi relatada nenhuma relação comercial histórica com a região mineradora de
Minas Gerais, estando o comércio direcionado para o norte da Bahia (Juazeiro e
Salvador).
Percebe-se no registro oral, que o uso do papel moeda não era recorrente nas trocas
comerciais entre os vapores e os cidadãos, que davam preferência pelas trocas de
produtos.
Heranças geohistóricas relevantes
Casario antigo na região do cais, em processo de demolição.
Estrutura do cais.
Heranças geohistóricas que estão preservadas
História oral se perdendo entre a população mais antiga.
219
Edificações históricas sofrendo modificações ou demolição.
Igreja de Brejo de São Caetano (não se tem informação sobre o nome oficial da igreja).
Bem imóvel. Não se obteve informação sobre a datação da edificação.
Informações históricas indispensáveis ao entendimento das mudanças e reestruturações
econômico-demográficas que a região viria a experimentar posteriormente.
Ascensão e declínio do comércio no rio, aliada à mudança da dinâmica dos transportes
da região.
Inventário geohistórico sobre fontes documentais locais e filtragem de dimensões
geográficas notáveis, como as referidas a elementos integrantes do patrimônio natural e
cultural.
Não foi possível identificar uma fonte documental consistente na cidade, não houve
informações precisas sobre arquivos ou bibliotecas com acervo histórico científico.
Áreas orientadas por uma regionalidade desenhada pelo rio e que preservam heranças
geohistóricas notáveis passíveis de aproveitamento.
Apenas o casario da área do cais, poderia ser aproveitado, no entanto não há um
conjunto notável, para tanto, seria necessário frear o processo de descaracterização
arquitetônico.
Importância das frentes de expansão que utilizavam o rio São Francisco e caminhos
conexos provenientes do nordeste na afirmação das localidades do ouro da bacia do Rio
das Velhas
Não conexão, os caminhos utilizados eram direcionados para as áreas do norte e
litoral bahiano, segundo relatos obtidos através de entrevistas.
No entanto, se todas as cidades produziam os mesmos produtos alimentícios, qual seria,
realmente, o grande mercado consumidor destes produtos.
Considerações
Segundo Erasmo Carlos Fernandes, funcionário da prefeitura municipal de Manga, a
cidade nasceu na localidade de Brejo de São Caetano e foi posteriormente transferida
para o local atual.
220
Segundo Dona Clarice, moradora de Manga, “A igreja original ocupava outro local,
tendo sido derrubada e reconstruída onde está hoje. Parece que essa reconstrução se deu
em 1976, que é a data no cruzeiro. A madeira de ornamentação foi vendida pelo padre
responsável pela igreja na época. Hoje a igreja encontra-se completamente
descaracterizada, foi pintada recentemente e tem janelas de vidro. A construção já
passou por duas reformas, segundo a zeladora, Terezinha Alves de Almeida. O sino de
bronze foi retirado e eshoje na parte externa da igreja. A imagem de São Caetano, de
madeira, com coroa e cruz de prata e detalhes em ouro branco, foi roubada. As únicas
peças de importância histórico-arquitetônica que permanecem na edificação são o altar-
mor e o retábulo, que parecem originais e têm sido pintados freqüentemente. O altarmor
está em perfeito estado de conservação e provavelmente foi transferido da edificação
original para a igreja contemporânea.
Na chegada a Manga, ainda no cais, foi possível entrevistar um ex-piloto de vários
vapores, Bartolomeu Nunes Borges, hoje residente em Pirapora. Ele trabalhou nos
vapores de 1953 a 2000, tendo sido funcionário da antiga Navegação Mineira do Rio
São Francisco e da FRANAVE. Atuou como moço de convés, marinheiro, prático,
piloto e comandante, tendo circulado principalmente pelo trecho Pirapora Juazeiro e
pelos afluentes, como o Grande, o Carinhanha, o Corrente e o Paracatu. Como pilotou o
Engenheiro Halfeld durante seis meses, Bartolomeu pôde fornecer alguns detalhes do
vapor. Segundo ele, a embarcação transportava mercadorias e passageiros, em número
máximo de 300, divididos em três classes. O total da carga transportada podia chegar a
100 toneladas.
Muitas das embarcações antigas eram ornadas na sua proa com as extraordinárias
carrancas, figuras antropomórficas ou zoomórficas destinadas a espantar os maus
espíritos e as dificuldades no rio ou simplesmente a decorar o veículo.
2 - Município de Carinhanha
Informações obtidas na visita à cidade:
O início da ocupação local foi inegavelmente a instalação de um curral, empresa de
Manuel Nunes Viana, que segundo registro oral, tendo chegado na margem oposta, hoje
221
Malhada, resolveu atravessar o rio e atingir uma área mais elevada sendo, portanto,
menos propícia à inundações. Para tanto, teve que combater os Caiapós.
A cidade apresenta as mesmas características de Manga, no que se refere ao comércio,
constituiu um entreposto comercial, que recebia os produtos vindos de Salvador e
Januária, exportando nos primórdios gado, com o passar do tempo também produtos
agrícolas como milho, feijão, peixe seco, arroz e algodão, mais tarde mamona.
Características muito próximas das cidades beira-rio, visitadas no primeiro campo
(Montes Claros, Januária, São Francisco, São Romão, Pirapora e Paracatu).
Foi uma localidade com forte presença do coronelismo, segundo o registro oral da
comunidade, que se influenciada ahoje por este estilo de governância, que se faz
sentir nas disputas políticas atuais.
Não foi relatada nenhuma relação comercial histórica com a região mineradora de
Minas Gerais, estando o comércio direcionado para o norte da Bahia (Juazeiro e
Salvador), além de atender à região mineradora do entorno da Chapada Diamantina, que
segundo registro oral, foi antecedente à de Sabará.
Contexto observado na cidade:
Heranças geohistóricas relevante
Casario antigo na região do cais, algumas em processo de demolição.
Conjunto do casario da Praça da igreja de São José.
Igreja Matriz de São José. Bem imóvel construído no século XVII.
O aspecto externo da edificação é bom, mas fomos informados por José Castor,
secretário de Agricultura do município, de que ela já foi bastante descaracterizada.
“alguns anos” houve mudança do telhado e pintura do altar-mor, que foi assim
completamente desfigurado do seu aspecto original. A pintura original era banhada a
ouro e de grande beleza.
Casa da Careta. Bem imóvel construído no século XVIII.
Segundo José Castor, teria se originado de uma rixa entre dois portugueses que residiam
no local. Cada um construiu uma casa, tentando jocosamente mostrar a face do outro.
Quando concluídas as obras, as duas caretas tinham o mesmo aspecto e se
assemelhavam bastante aos dois contendores.
222
À parte a história local, a única das duas casas que restou encontra-se em bom estado de
conservação. A fachada é majestosa, ornada com platibanda, e um rosto do português
encima a parede frontal.
Casa. Rua 2 de Julho, 493. Bem imóvel construído no século XIX, em bom estado de
conservação. Casa. Rua 2 de Julho, 376. Bem imóvel construído provavelmente no
início do século XX. O estado de conservação é razoável, as paredes têm cerca de 60
cm de espessura e o sótão é característico. Casa. Rua Quintino Bocaiúva, 124. Bem
imóvel dos mais antigos da cidade. Não foi identificada a época da construção. Hoje
abriga a Filarmônica Pedro Leite de Almeida, uma banda local. Está em estado ruim de
conservação, com batentes das janelas carcomidos e paredes pichadas com propaganda
política.
Heranças geohistóricas estão preservadas
História oral se perdendo entre as famílias mais antigas da cidade.
Edificações históricas sofrendo modificações ou demolição.
Informações históricas indispensáveis ao entendimento das mudanças e
reestruturações econômico-demográficas que a região viria a experimentar
posteriormente
Ascensão e declínio do comércio no rio, aliada à mudança da dinâmica dos transportes
da região.
Inventário geohistórico sobre fontes documentais locais e filtragem de dimensões
geográficas notáveis, como as referidas a elementos integrantes do patrimônio
natural e cultural.
223
Como é recorrente o patrimônio histórico ligado às fontes documentais, foi
extremamente depreciado, devido à constantes mudanças de prédios e falta de
conservação, sendo uma delas de maior relevância, quando vários estabelecimentos
públicos, dentre eles a biblioteca e os arquivos da mara dos Deputados, deram lugar
às instalações de dois bancos (Banco do Brasil e Banco Nordeste), ficando toda
documentação em uma barraca de campanha montada na praça, tendo boa parte sido
descartada.
Áreas orientadas por uma regionalidade desenhada pelo rio e que preservam
heranças geohistóricas notáveis passíveis de aproveitamento
As áreas portuárias apresentam maior relevância, assim como as áreas limítrofes às
igrejas, no entanto, mudanças arquitetônicas em vários imóveis deste conjunto, vêm
contribuindo para reduzir a possibilidade do aproveitamento integrado ao turismo, que
perde rapidamente muito de suas qualidades notáveis.
Importância das frentes de expansão que utilizavam o rio São Francisco e
caminhos conexos provenientes do nordeste na afirmação das localidades do ouro
da bacia do Rio das Velhas
Não houve registros orais desta ligação, mesmo quando o questionamento era explícito,
os caminhos mencionados são recorrentemente os direcionados para as áreas do norte e
litoral da Bahia, nesta rota são citadas as localidades de Caitité e Paratinga, segundo
relatos obtidos através de entrevistas.
No entanto, se todas as cidades produziam os mesmos produtos alimentícios, qual seria,
realmente, o grande mercado consumidor destes produtos?
224
3 - Município de Matias Cardoso
Informações obtidas na visita à cidade:
A cidade de Matias Cardoso é singular pelo fato de ter sofrido o processo de apogeu e
declínio fora do recorte histórico das cidades próximas, banhadas pelo São Francisco e
que também fizeram o papel de entreposto comercial.
Esta impressão nasceu dos relatos, principalmente do Professor To, quando o mesmo
afirma que a busca por uma rota mais curta entre São Romão e a Bahia, fez com que os
comerciantes tropeiros, abandonassem a triangulação feita por Matias Cardoso e
empreendessem um caminho mais reto.
Tal atitude teria privilegiado a cidade de Manga e empobrecido Matias Cardoso, antes
mesmo do apogeu e declínio da navegação a vapor.
Isso teria levado os comerciantes mais abastados a “subir” o rio em direção a outras
localidades para se estabelecer, ou mesmo, a “descer” em direção a Manga.
Segundo os relatos, nesta tarefa de mudança, os comerciantes se valiam dos escravos
para remar rio acima, aqueles menos abastados, com escravos mais fracos ou em menor
número, só podiam seguir a direção da correnteza.
Não obstante, a cidade seguiu o mesmo padrão de fornecimento de produtos
alimentícios das demais cidades visitadas.
Contexto observado na cidade:
Quais heranças geohistóricas são relevantes?
Casario antigo na praça da igreja matriz.
Igreja de Nossa Senhora.
Matias Cardoso, MG
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Bem imóvel tombado pela União. Foi
provavelmente construído entre 1670 e 1673. Detalhes das características físicas e da
história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco.
225
A igreja, grandiosa em relação ao aspecto geral de carência da cidade, retrata o período
de apogeu do antigo arraial de Matias Cardoso. O templo possui três portas e
características das
igrejas baianas. O estado de conservação da edificação é razoável, mas necessidade
de restauração do prédio. A inscrição referente à sepultura de Januário Cardoso, citada
por Burton, o pode mais ser vista. Segundo a zeladora, Suzana Barbosa, a pedra
original da sepultura foi quebrada em busca de ouro. A imagem original da padroeira
foi roubada na década de 60 do século XX. ainda três imagens originais: Santana e
Nossa Senhora do Desterro, colocadas no altar à esquerda do altar-mor, e São Miguel,
no altar à direita do mesmo. oratório de madeira, com imagem de São Vicente de
Paulo. Os belíssimos afrescos do teto de madeira estão em bom estado. No topo do altar
lateral direito, destacam-se duas figuras indígenas, provavelmente uma alusão à antiga
ocupação ameríndia da região. Os muros que cercam a igreja estão em bom estado de
conservação.
Restaurante Normanha. Praça Cônego Maurício, 65. Bem imóvel tombado pelo
município. Bom estado de conservação. Casa. Praça Cônego Maurício, 462. Bem
imóvel tombado pelo município. Bom estado de conservação.
Casa. Praça Cônego Maurício, 525. Bem imóvel tombado pelo município. Bom estado
de conservação. Casa. Praça Cônego Maurício, 556. Bem imóvel tombado pelo
município. Bom estado de conservação.
Quais heranças geohistóricas estão preservadas?
História oral se perdendo entre as famílias mais antigas da cidade.
Edificações históricas sofrendo modificações ou demolição.
Informações históricas são indispensáveis ao entendimento das mudanças e
reestruturações econômico-demográficas que a região viria a experimentar
posteriormente
Modificações das rotas tropeiras, que buscavam caminhos mais curtos
226
Ascensão e declínio do comércio no rio, aliada à mudança de modal do transporte da
região.
Inventário geohistórico sobre fontes documentais locais e filtragem de dimensões
geográficas notáveis, como as referidas a elementos integrantes do patrimônio
natural e cultural.
Como é recorrente o patrimônio histórico ligado às fontes documentais, foi
extremamente depreciado, sendo inclusive o acervo eclesiástico queimado, segundo
relatos dos entrevistados, o motivo não é bem claro, podendo inclusive servir para
encobrir o saque dos objetos de valor da igreja.
Áreas orientadas por uma regionalidade desenhada pelo rio e que preservam
heranças geohistóricas notáveis passíveis de aproveitamento para o turismo
integrado
A área limítrofe à igreja, no entanto, mudanças arquitetônicas em vários imóveis deste
conjunto, vêm contribuindo para reduzir a possibilidade do aproveitamento integrado ao
turismo, que perde rapidamente muito de suas qualidades notáveis.
Importância das frentes de expansão que utilizavam o rio São Francisco e
caminhos conexos provenientes do nordeste na afirmação das localidades do ouro
da bacia do Rio das Velhas
Não houve registros orais desta ligação, mesmo quando o questionamento era explícito,
os caminhos mencionados são recorrentemente os direcionados para as áreas do norte e
litoral da Bahia, nesta rota são citadas as localidades de Salvador e Guanambi, segundo
relatos obtidos através de entrevistas.
No entanto, se todas as cidades produziam os mesmos produtos alimentícios, qual seria,
realmente, o grande mercado consumidor destes produtos?
227
4 - Município de São Romão
No século XVIII São Romão, então arraial foi centro mercantil importante,
especialmente no comércio de sal, peixe, carne, melancias e açúcar. O sal fabricado nas
salinas do rio São Francisco, nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, era transportado
em barcas até o arraial, de onde tomava então via terrestre, sendo levado às vilas
mineradoras da capitania das Minas Gerais e aos núcleos auríferos goianos pelas tropas
de muares. Além do caminho marginal do São Francisco, um outro antigo caminho
terrestre, no sentido leste-oeste, ligava São Romão ao núcleo minerador de Paracatu e,
daí, a Goiás.
Informações obtidas na visita à cidade e heranças geohistóricas:
Casa da Cadeia. Bem imóvel tombado pelo município. Há informações não confirmadas
de que teria sido fundada em 1880, pela proprietária de terras Joaquina de Pompeu.
Edificação de dois pavimentos. A parte externa do prédio encontra-se em estado médio
de conservação; a estrutura está intacta, mas as paredes estão muito sujas, o reboco
soltou-se em alguns pontos e a parte inferior da porta de madeira está carcomida. Não
foi possível conhecer a parte interna, que não é utilizada.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Bem imóvel. informações não confirmadas de
que seja de 1668; trata-se da edificação mais antiga da cidade. Apresenta bom estado de
conservação; a fachada antiga está sendo descaracterizada por reformas
contemporâneas. O telhado antigo foi mantido. Há imagens antigas de madeira. Na área
externa, frontal à igreja, encontra-se um espaço para cavalhada.
Edificação antiga. Bem imóvel. Uma das casas da avenida central da cidade, em estilo
neoclássico, data do início do período republicano e ainda mantém o brasão da
República na sua fachada. O estado de conservação é bom, mas as paredes externas
estão sujas e pichações na base. O seu interior poderá abrigar, no futuro, o museu da
cidade, tarefa na qual está empenhado o morador Júlio César Lima Souza.
228
Acervo de antiguidades. Bens móveis. O acervo já recolhido espontaneamente por Júlio
César para constituir o museu da cidade inclui uma algema da época da escravidão, um
cachimbo indígena, uma carranca, moedas antigas e diversos outros objetos. Foram
fotografadas duas dessas moedas, uma datada de 1649 e outra de 1685. Júlio César
relata que em 1998 foi encontrado, durante trabalhos de terraplenagem de uma das ruas
da cidade, um baú com cerca de 2.000 moedas antigas, que teriam sido vendidas para
numismatas. Essas antiguidades encontram-se espalhadas pela edificação citada no item
anterior, e nenhuma delas foi ainda tecnicamente identificada. Casario antigo nas
proximidades do porto. Bens imóveis. Foram registradas várias casas antigas, em
diversos estilos arquitetônicos. Algumas têm belas platibandas. As datas de construção
variam desde o período colonial até meados do século XX. Os estados de conservação
também variam bastante uma casa colonial, de portas e janelas azuis, bem
conservadas, mas várias das edificações estão depredadas.
Cemitério antigo. Bem imóvel. Possui vários túmulos antigos, alguns datados do século
XVII. Um túmulo é do estilo carneiro, constituindo uma espécie de gaveta semicircular
em pedra onde é enterrado o cadáver. O cemitério encontra-se tomado pelo mato e
parcialmente abandonado.
Tamarindeiro. Bem imóvel. Essa árvore teria, segundo informações do prefeito da
cidade, Dênio Marcos Simões, cerca de 200 anos. foi mencionada a idade de 500
anos. De qualquer forma, tudo indica que a região onde está o tamarindeiro constitua o
sítio original da cidade.
Capela. Bem imóvel, aparentemente construído na primeira metade do século XX. A
edificação está situada no balneário conhecido como Veredinha. Trata-se de construção
exótica, de estilo eclético, instalada dentro de um pasto para o gado e ao lado de uma
vereda explorada como balneário. Bovídeos pastam livremente ao lado da edificação, da
qual tivemos apenas impressões à distância, tendo em vista o pasto estar fechado.
229
5 - Município de Januária
Informações obtidas na visita à cidade:
No passado um arraial. A origem do arraial está ligada ao nome do português Manuel
Pires Maciel, agregado do potentado paulista Januário Cardoso, que fundou o arraial,
com a capela dedicada a Nossa Senhora do Amparo. Em torno dela cresceu o arraial de
Brejo do Amparo, mais tarde denominado Nossa Senhora do Amparo do Brejo do
Salgado, em razão de serem salobras as águas do ribeirão que abastecia a localidade.
A denominação de Januária, obviamente homenagem a Januário Cardoso, é de 1833,
quando o arraial foi elevado a vila. Em 1860 foi criado administrativamente o município
de Januária.
A fertilidade das terras do arraial tornaram-no produtor de cereais, fumo, úcar e de
seus derivados rapadura e cachaça. O sal produzido na capitania da Bahia,
especialmente nas salinas existentes entre Xique-Xique e Cabrobó, era ali trocado por
produtos agrícolas. Saint-Hilaire, na segunda década do século XIX, constata que: O
açúcar e a aguardente são os principais gêneros que Salgado oferece em troca aos
mercadores de sal, e é fácil compreender que vantagens deve fruir desse comércio uma
localidade que, por sua lavoura, constitui no deserto uma espécie de oásis.
Na atualidade o historiador Bernardo Mata-Machado não hesita em concluir que:
“Os principais povoados da ribeira do São Francisco, no período colonial, foram os portos
distribuidores de sal – Morrinhos, São Romão e Guaicuí – e os centros distribuidores de
produtos agropecuários Pedras de Maria da Cruz e Januária. Como referido acima, o arraial
de Brejo do Salgado teve participação ativa nos motins do sertão do São Francisco, em 1736”.
Embarcações Antigas
No passado elas foram profusas no Médio e Baixo São Francisco e consistiam principalmente
de canoas, feitas do tronco de grandes árvores escavadas com o auxílio do fogo e de enxós;
paquetes, que constituíam duas metades de uma canoa com a largura aumentada pela inserção
de tábuas; ajoujos, ou duas canoas presas lado a lado; barcas, que eram as embarcações de
230
baixo calado, consideravelmente maiores do que a canoa e o ajoujo, impulsionadas por varejões
ou vela; canoas-de-tolda, ou simplesmente toldas, armadas com duas velas triangulares ou
quadrilaterais; e os famosos vapores, embarcações de grande porte utilizadas para o transporte
de passageiros e carga, movidas a vapor.
Onde foi possível, a equipe da Expedição pesquisou os antigos vapores que trafegaram pelo rio
entre 1867 e as últimas décadas do século XX.
A Cachaça
Produção de cachaça - Januária, MG. O fabrico de aguardente de cana, realizado de forma
semi-artesanal na área rural do município de Januária, constitui importante atividade econômica
e forte referência cultural na região. Fomos informados de que as estradas vicinais que servem
as fazendas de produção de cachaça na região são pavimentadas com o bagaço da cana-de-
açúcar empregada no fabrico da bebida.
O Casario
Casario e calçamento da rua Visconde de Ouro Preto e ruas transversais. Rua antiga
com diversos bens imóveis de valor histórico-arquitetônico. As épocas de construção
variam entre o período colonial e início do século XX. Detalhes das características
físicas e históricas do calçamento da rua encontram-se no catálogo Acervos do São
Francisco.
Muitas das edificações foram inventariadas pelo IEPHA-MG, estando em processo de
tombamento, mas nenhuma delas foi ainda tombada. Algumas casas estão muito bem
conservadas, tendo sido restauradas e pintadas seguindo-se as características originais.
Outras edificações encontram-se em estado periclitante. As casas de números 50 e 142,
constantes do inventário do IEPHA-MG, foram completamente descaracterizadas.
Numa das esquinas da rua as edificações antigas foram destruídas, encontrando-se em
construção um hotel de dois blocos, cuja frente é voltada para a avenida São Francisco,
paralela ao rio. O endereço dessa edificação é avenida São Francisco, 448. O
231
proprietário, Ildeu Caldeira Brant, defende-se alegando que no local havia somente
bares, sem características arquitetônicas que pudessem ensejar a sua preservação. A
calçada na área do 14 Por um lapso, alguns dados de referência na cidade de São
Francisco não foram registrados.
O futuro hotel foi igualmente alterado, alegando o proprietário que estava também
“muito mexida”. A construção do hotel alterou significativamente a harmonia
arquitetônica e volumétrica do casario, prejudicando bastante o conjunto histórico da
rua. É importante registrar ainda, na questão do hotel, que a casa antiga de número 85,
constante dos relatórios do IEPHA-MG, o foi encontrada, indicando a forte
possibilidade de que edificações importantes tenham sido derrubadas para a nova
construção, ao contrário do que diz o proprietário.
O calçamento antigo, feito de pedras retiradas dos morros, encontra-se intacto, afora no
trecho onde está sendo construído o hotel.
Casario da rua Barão do Rio Branco. Essa rua antiga, paralela à anterior, também
apresenta casario antigo de grande valor histórico-arquitetônico. Várias edificações,
com fachadas e platibandas antigas, foram reformadas e restauradas, preservando-se o
padrão original. Outras foram derrubadas para dar lugar a casas modernas. Numa ruela
transversal à rua existem duas casinhas do período colonial, com batentes de madeira
grossa. Os tetos de ambas estão bastante avariados.
Centro de Cultura e Turismo de Januária. Praça Patrocínio Mota, 47 (esquina com a rua
Barão do Rio Branco, descrita anteriormente). Bem imóvel. A edificação, de dois
andares, apresenta características do século XIX. Foi restaurada e pintada recentemente.
O proprietário, Juarez Teixeira, nos informa que o Centro, com apenas oito dias de
funcionamento na data da nossa visita deverá abrigar oficinas de arte e salas de
exposição. Algumas exposições estão montadas, como a sala que exibe os trabalhos
em cerâmica do grupo denominado Mulheres do Candeal (ver relato no capítulo
Patrimônio Cultural Imaterial).
Casa da Memória do Vale do São Francisco. Bem imóvel tombado pelo município.
Prédio do final do século XIX. Detalhes das características físicas e da história do bem
encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. O prédio encontra-se em bom
estado de conservação. Do acervo, em estado dio de conservação e proteção,
constam indumentárias antigas, imagens, quadros, fotografias etc. Parte do acervo está
232
ainda sendo organizada. O prédio abrigou no passado a cadeia e, posteriormente, a
câmara municipal da cidade.
Centro de Educação Integrada do Vale do São Francisco. Bem imóvel com
características da primeira metade do século XX. Bom estado de conservação.
Casa. Rua Lindolfo Caetano, 316. Bem imóvel com características da primeira metade
do século XX. Essa pequena construção, de apenas duas janelas e uma porta, possui
expressiva arquitetura.
Armazém. Localizado no centro da cidade, endereço o registrado. Bem imóvel. O
proprietário, Luiz Carlos, vem se esforçando para preservar as características antigas do
imóvel, representadas por um longo balcão de madeira, teto de madeira, portas altas e
fachada externa expressiva.
Prefeitura Municipal. Bem imóvel. Não foi identificado o período de construção. Prédio
antigo, com arquitetura expressiva. Calçamento da rua Cônego Marinho. Detalhes das
características físicas e da história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São
Francisco. A rua não foi visitada por este pesquisador.
Distrito de Brejo do Amparo
Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Bem imóvel tombado pelo estado. Construção na
primeira metade do século XVIII. Detalhes das características físicas e da história do
bem encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. As impressões que se seguem
foram colhidas em depoimento da pesquisadora Maísa Fürst Miranda, pesquisadora do
IEPHA-MG, que o autor deste relatório não visitou o local. A igreja encontra-se
numa área isolada, à qual se chega por estrada que passa por fazendas de cana-de-
açúcar. Trata-se de edificação grandiosa, mas o estado geral de conservação não é bom.
As portas e janelas estão deterioradas, da varanda lateral foi retirado todo o ladrilho
hidráulico e o teto foi refeito em 1998, para evitar desabamento. A pintura no altar-mor
está desgastada, a parede de adobe está deteriorada, a escada para o coro está quebrada
e a sacristia foi retirada por causa da obra de prevenção executada. O piso de tábuas está
deteriorado, cheio de empenas e falhas. As janelas e portas estão escoradas. O marco
com o cruzeiro e todo o madeirame está ameaçado por cupins. O piso do coro está
mofado. Como a igreja está semi-abandonada, ocorrendo cultos uma vez por ano,
233
não bancos. As imagens antigas estão guardadas na casa da zeladora, consistindo de
um Cristo crucificado e um São Benedito, ambos originais. A imagem de Nossa
Senhora do Rosário está completamente deteriorada. O cruzeiro frontal ao templo corre
o risco de cair, por estar próximo a um barranco. Na fachada havia a inscrição de 1668,
que desapareceu, devido à repintura realizada na edificação. O muro que cerca a igreja e
as torres da fachada principal estão pichados e em estado de deterioração. Apesar do
estado geral precário da igreja, o risco de desabamento foi evitado pela obra de cunho
paliativo que alinhou a cumeeira da nave.
6 - Município de Pirapora
Patrimônio e heranças geohistoricas
Ponte Marechal Hermes. Bem imóvel tombado pelo estado e pelo município.
Construído em 1922. Detalhes das características físicas e da história do bem
encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. O estado geral é bom, a estrutura
metálica está intacta e a ponte é regularmente utilizada. No entanto, algumas reformas
são necessárias. tábuas soltas na área de trânsito de veículos, o acabamento tem
falhas e não iluminação artificial, que é objeto de um projeto da prefeitura da cidade.
Uma bela placa de metal, afixada na parede lateral direita da ponte, no sentido Pirapora-
Buritizeiro, está suja e em local pouco visível. Os dizeres da placa são: “Ponte de
Pirapora. Placa comemorativa da visita com que os Exmos. Srs. Drs. Epitácio Pessoa e
Artur Bernardes, presidente da república do Estado de Minas Gerais, honraram o
trabalho de construção desta ponte em agosto de 1922”. Há vários mirantes ao longo da
ponte, construídos para permitir que os pedestres dessem passagem para as carroças. A
ponte é utilizada pelas populações de Pirapora e Buritizeiro para o trânsito entre as duas
cidades, mas o IEPHA-MG pretende proibir o trânsito de veículos motorizados. A
população local alega que essa proibição é contraditória, que a ponte vem sendo
utilizada por cadas para o tráfego diário de veículos, inclusive porque foi construída
para suportar a passagem de trens. A ponte é hoje um “ícone, um monumento, uma
marca da cidade”, nos dizeres do arquiteto Evandro Quinaud, que nos acompanhou
durante a travessia a pé pela ponte e forneceu algumas das informações acima.
234
Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária. Bem imóvel tombado pelo município.
Construído em 1910. Detalhes das características físicas e da história do bem
encontram-se no catálogo Acervos do São Francisco. A edificação está razoavelmente
conservada, com pintura recente. Telas metálicas colocadas na parte traseira e nas
janelas descaracterizam um pouco o prédio. Em 1999 a Biblioteca Municipal de
Pirapora passou a funcionar no local. A Secretaria Municipal de Cultura também
funciona no prédio.
Vapor Benjamim Guimarães. Bem móvel tombado pelo estado e pelo município.
Construído nas primeiras cadas do século XX e inaugurado em 1913. Detalhes das
características físicas e da história do bem encontram-se no catálogo Acervos do São
Francisco. Encontra-se atualmente ancorado nas proximidades do porto da cidade. Não
foi visitado por este pesquisador, mas sabe-se que o vapor encontra-se em processo de
restauração para voltar a navegar pelo rio São Francisco.
Estátua de São Francisco. Originalmente esculpida numa árvore morta localizada na
avenida paralela ao rio, ao lado do Quiosque Tamboril, a estátua foi, alguns meses,
transferida para uma base de concreto em frente ao Hotel Canoeiros. O conjunto da
árvore morta com uma estátua erigida no seu tronco, tendo as raízes do vegetal como
base, tinha um conteúdo artístico e ecológico, mas a mudança tornou-o uma estrutura
comum.
7 - Município de São Francisco
Casa. Bem imóvel. Av. Olegário Maciel, 1010. A edificação antiga, com características
baianas,
estilo eclético, está muito bem preservada pela proprietária, Clio Nícia Ferreira. Casa. Bem
imóvel. Edificação antiga, em estado médio de conservação. A estrutura está intacta, mas as
paredes externas estão sujas e o reboco está solto em alguns pontos. No local funciona a sede
da organização não governamental Preservar. calçamento antigo nas ruas fronteiras à casa,
que fica numa esquina.
Igreja. Bem imóvel. Bom estado de conservação. Há calçamento antigo na rua fronteira.
Avenida com casario antigo. Bem imóvel. Bom estado de conservação.
235
Anexo 5 - Glossário de termos utilizados pela população tradicional do Alto-Médio São
Francisco
A
Abacaxi: Coisa ruim, imprestável.
Abafar (bater): Furtar.
Acomodação (cômodo): Espaço ou vaga no camarote do vapor.
Afundar: Sossobrar, submergir.
Ajôjo: Canoas amarradas entre si, com lastro de tábuas.
Alforges: Depósito de couro, duplo, com duas alças, para conduzir gêneros nas viagens à
cavalo.
Alinhavar: Apressar.
Alto: Alcoolizado.
Alvejado: Madrastro, morim. Usado no Norte de Minas.
Amarração: Casamento.
Amarrar: Atracar a embarcação.
Amolar: Aborrecer.
Âncora: Ferro.
Ancorar: Atracar.
Angarís; Vegetação espinhosa em local raso do rio.
Apavorar: Desesperar, impressionar.
Apitar: Chamar. Advertir tripulantes e passageiros do vapor.
Apito: Chaminé do vapor.
Arame: Cabo de aço.
Arame (outro significado): Dinheiro.
Armada: Astúcia, trocadilho.
Aribé (Alguidar): Vaso de barro cosido.
Armadores: Empresários donos de navios ou seus construções.
Armador: Aquele que constrói barcos (1ª sign.)
Armador (pares rêdes): Peça de ferro embutida na parede, a fim de pendurar rêdes de
dormir. (2ªsignif.)
Árvore: Pé de pau.
Assombração: Alma, visagem.
236
Assustado: Festa improvisada.
Aventura: (potoca) mentira. Conversar fiado.
B
Babau: Figura do folclore juazeirense.
Baderna: Briga – badejo – grande.
Bagunça: Atralhação. Coisa mal feita.
Banco (de areia): lugar raso no rio.
Banzeiro: Doente.
Baldear: fazer lavagem no convés do vapor.
Baldeação: Passar cargas ou passageiros de um vapor à outro.
Balisa: Sinal de identificação do perigo no rio.
Balsa: Embarcação feita de tóros e tábuas de cedro.
Balseiro: Acúmulo de vegetais fluviais (algas) formando camadas espessas no rio,
assemelhando-se à balsa.
Barafunda: Confusão, desordem.
Barfunda: Confusão, desordem.
Barbicacho: Cordão no chapéu do vaqueiro, passado ao pescoço.
Bainha: Coisa inútil. Botar bainha – fazer o desnecessário.
Barra-vento: Manobra que o condutor dos “paquêtes” fazem a fim de atravessarem de um a
outro lado, na ocasião que o vento não é favorável.
Batente: Trabalho, labuta.
Bater: Abafar – furtar.
Batuta: Pessoa hábil, caprichosa.
Bebida – (ou bebedor) – bebedouro. Local onde o gado bebe em conjunto, em determinada
hora.
Beirada, Beiradeiro – Terras marginais do rio, seu habitante.
Betume – Massa empregada na tapagem das fendas dos paquetes e barcas.
Bigode: Usufruir algo à custa de outrem.
Boi (Paquête) – Menstruação (1º signif.)
Boi – Pessoa conformada. Vítima de engodo. (2º signif.)
Bico – Atividade suplementar. Negócio à parte.
Beliche – Camarote. Aposento do vapor destinado à passageiros.
237
Baladeira: Peça de couro, com forquilha de madeira, utilizada para abater pássaros.
Bola – Suborno. Gratificação clandestina.
Bolada – Grande quantidade de dinheiro.
Bolandeira – Roda que se utiliza nas casas de farinha.
Batelão - Barco de madeira utilizado para reboque.
Boia - Refeição.
Boia (2) – cabaça colocada no conjunto de pesca a fim de localizar os anzóis (grozeira).
Bomba – Instrumento manual de puxar água, utilizado na barca.
Borá – Sopro forte com duas mãos na boca, provocando som.
Brinquêdo – Festejo íntimo.
Burbuia – (burbuiar) – borbulha – Sinal de pedra encoberta pelas águas do rio.
Burití – Buritizeiro – Prodigiosa palmeira que produz muito para as necessidades do sertanejo.
Fruto deste.
Buso – Molusco existente no rio, encontrado na praia. Assim é chamado instrumento de
audição do barqueiro.
C
Cabaça - Produto vegetal onde se extrai a cuia.
Cabo – Corda de amarração do vapor.
Caborge – Mulher sem valor.
Cabra – Jagunço.
Caçuá – Cesto de cipós para carregar frutas – jacá.
Cabrestante – Conjunto de peças empregado no desencalhe.
Caipira – ou Capiau – matuto - Jogo popular no natal em Juazeiro.
Cacête – (chato) – Coisa ou pessoa aborrecida.
Cacimba – Local onde se instala a bomba de puxa água, nas barcas antigas (carrancas).
Cafeteira – Vaso destinado a ferver a água.
Caiapós – Raça de índios habitantes de Cariranha.
Caldeirão – Grande pedra com fenda utilizada para conservar a água que cai chuva. Também,
panela de ferro.
Calejar – Acostumar-se a determinada coisa.
Camarote – Beliche – Aposento destinado aos passageiros dos vapores e dos barcos.
Caipora – Figura do folclore juazeirense.
238
Camarada – Bom amigo.
Camareira – Encarregada dos serviços dos camarotes de vapores.
Camofa – Ludíbrio.
Capar o gado – Fugir.
Carranca – Figura mitológica colocada na proa das barcas antigas.
Carona – Peça de couro sobreposta à sela. (1ª); Viagem gratuita.
Carnaúba – Carnaubeira – Palmeira utilíssima para o sertanejo. Fruto desta palmeira.
Carnear – Abater rezes para o abastecimento do vapor.
Carneira – Sepultura. Mausoléu.
Carneiro – Pessoa cordata, inofensiva.
Caruara – Fraqueza.
Carirís – Tribo descendente dos índios Tapuias. Significa: calado, silencioso.
Casa do Leme – Lugar dos pilotos, no vapor.
Catrumano – Termo que designa o tabaréu residente no sertão, usado no Alto São Francisco
(Minas Gerais).
Catatumba – Mausoléu. Sepultura.
Capataz – Encarregado de serviços relacionados com embarcações.
Cavalête – Peça de madeira que sustenta a prancha do vapor.
Cavernas – Peças que formam o esqueleto das barcas antigas.
Carregação – Trabalho apressado.
Chaleira – Vaso de flandres onde se côa café.
Chaleirento – Adulador.
Chaqualhar – Termo usado no Norte de Minas Gerais, significando – aborrecer, importunar.
Chamar – Apitar, advertindo os tripulantes ou passageiros do vapor.
Cravejar, Cravo – Pregos com que se emendam chapas de vapores.
Canal – Curso normal das águas por onde trafegam os vapores.
Chamêgo – Agrado. Exibição.
Chata – (lancha) – Alvarenga.
Chato – (Cacête) – Coisa ou pessoa aborrecida.
Chatear – Repetir coisas desnecessárias. Aborrecer.
Cherêta – Adulador, puxa-saco.
Churrasco – Refeição constituída de carne com farinha, rapadura, ECT, dada aos tripulantes
dos vapores, à meia noite e pela manhã.
Chaminé – (apito) – nos vapores.
239
Cobre – Dinheiro.
Cocada – (Servir de cocada) – dar recado à namorada de outrem.
Cochia – Lugar percorrido pelo remeiro, nas barcas, com a vara ao peito – Corresponde a
borda.
Coçar-se – puxar a arma.
Cochonilho – Manta de tecido fino destinada à montaria de luxo.
Coité – Uma das metades do côco partido.
Coisa feita – Feitiço, despacho.
Comer fogo – Encontrar obstáculos, dificuldades insuperáveis.
Congos – Tradicional festa religiosa do sertão.
Conversar fiado – Contar potoca, mentir.
Copeiro – (Taifeiro) – Paradoxalmente, o garçom de bordo.
Corpo fechado – Pessoa que possui força sobrenatural.
Couro – Prostituta. – Criação – gado miúdo; caprino e ovino.
Cruviana – Vento noturno – Comêta – Viajante comercial.
Criminosa – Nome de uma das pedras da Cachoeira do Sobradinho.
Crueira – Restos de mandioca obtidos depois da “desmancha”.
Curaçá – T. tupi – paus cruzados. Cidade à marg. dir. do S. Francisco.
Cuia – Uma das partes da cabaça partida ao meio.
Curralinho (Curralzinho) – Nome de um dos obstáculos à livre passagem das embracações no
rio S. Francisco.
Cururú – mercadoria clandestina.
Colar – Concordar – Corôa – Banco de areia descoberto. Também, môca em idade avançada.
Coroados – (Coroaces, acoroaces) – Índios que habitavam a Barra do Rio Grande e se
generalizaram por todo o vale.
D
Dama – Mulher de vida livre.
Desafio – (Parlenda) – Cantiga com perguntas e respostas, entre dois cantadores.
Desfeita – Injúria.
Desmanchar o leme – Fazer voltar a malagueta para o ponto inicial a fim de realizar nova
manobra.
Desmancha – Trabalho de transformar a mandioca em farinha.
240
Despacho – (1º sign.) – Guia de embarque de mercadorias.
Despacho – (2ª sign.) – Feitiço, coisa feita.
Despachar – Dar à luz. Parir.
Divino – (Festa do Divino Espírito Santo) – Tradição religiosa trazida ao Brasil pelos colonos.
Divulgar – Palavra usada pelos incultos, ao invés de enxergar.
Dois macacos – Negócio atrapalhado, frustração.
Dormir no ponto – Desuidar-se.
Duro – Valente.
E
Eito – Trabalho, labuta.
Emboaba – Portugueses radicados no Brasil ou seus descendentes.
Embrulhar, embrulhão – Enganar.
Empáfia – Pretensão.
Emputar – Enganar.
Encandeiar – Ofuscar a visão em face da intensidade de luz.
Encostar – (1º sign.) – Atracar o vapor.
Encostar, encostado – Pessoa em disponibilidade. Inativo.
Esbrégue – (bronca) – Tunda, repreensão forte.
Escureiros – Grupo político entagônico aos “luzeiros”, existente em Januário em antigos
tempos.
Escuro, Escurinho – Prêto, negrinho.
Espetáculo – Dificuldade. Obstáculo. Muito bom.
Espeto – Dificuldade.
Espeto (2ª) – Instrumento de ferro pontiagudo destinado a açar carne.
Escolha – Nome dado aos grãos de arroz com casca encontrados de mistura com o produto
beneficiado.
Esticar a canela – morrer.
Estouro – Muito importante. Grandioso.
F
Facada –Estorção de dinheiro.
241
Falso – Calúnia. (Levantar falso) – caluniar.
Farofeiro – Valentão que conta suas bravatas.
Fatiota – Terno de roupa nova.
Fazer água – Sinal de furo na embarcação.
Feita – coisa feita – feitiço, despacho.
Ferro – Marca em brasa do gado.
Ferro (2ª) – Ancora do vapor.
Feitor – Encarregado de propriedade agrícola.
Feitoria – Antiga posseção colonial.
Festa do Divino Espírito Santo – Tradição religiosa sertaneja.
Fiado – (crédito) – Confiança.
Ficar morno – Calar-se. Acomodar-se. Conformar-se.
Fifó – Candieiro de flandres com pavio de algodão.
Fita – Maneira de fingir. Fazer fita = enganar, aparentar.
Fofóca – Maneira de impressionar.
Fornalha – Cada uma das camadas de lenha posta na caldeira de vapor.
Farol – Faroleiro - Exibição. Pessoa que tece louvores a si própria,
Frango – Fraco, mofino. Fácil.
Frito – Farófia. 2ª sign. = Pessoa em apuros.
Frouxo – Covarde.
Frieira – Inflamação nos pés dos remeiros, devido enxarcamento.
Frigideira – Panela destinada a fazer fritadas. (1ª sign.)
Frigideira – Prato alimentício preparado com ovos. (2ª sign.)
Função – Festa.
Futrica – Intriga.
Fuxico – Intriga mesquinha.
G
Gabola – Imodesto. Elogio próprio.
Gaita – Dinheiro.
Gaitada – Gargalhada.
Galinha – Mulher leviana.
Galinhar – Acovardar-se.
242
Gamela – Vasilha de madeira.
Garganteiro (gabóla) – Conversador.
Gazear – Faltar. Desaparecer.
Genipapeiro – Genipapo- Árvore aquática que produz o genipapo. Fruto útil ao sertanejo.
Gibão – Casaco de couro usado pelo vaqueiro.
Gôrdo – Rico. Cheio de dinheiro.
Grana – Dinheiro.
Grélia – Peça de ferro destinada a açar carne.
Gringo – Estrangeiro em geral.
Grotos – Pedras altas.
Grozeira – Instrumento de pesca consistindo em uma linha crivada de anzóis com chumbo e
uma cabeça.
Guiada – Vara com ponta de ferro destinada a cutilar o gado.
Gruta – Loca, lapa, toca.
Guia – Documento comprovante do despacho de mercadorias nos vapores.
Gravatá – Bromeleácea usada na cura de hidropsia.
H
Hidrante – (Injetor) – Invenção – mentira.
I
Injetor – Sistema de bombas destinado a retirar água da embarcação, usado no rio S. Francisco
(hidrante).
Intôjo – (antógenes) – Enjôo provocado pela gravidez.
J
Jaboticaba – jaboticabeira – Fruto e árvore, muito útil ao sertanejo.
Jacuba – Farinha com rapadura raspada dissolvidas em água.
Jajapa – Medicamento vegetal de uso intenso no sertão.
Jardineira – Nome que era dado antigamente aos primeiros ônibus que surgiram no sertão.
(Marinete).
243
Jatobá, Jatobazeiro – Fruto e árvore que prolifera nas margens do rio S. Francisco que serve de
alimento à população pobre.
Jegue – (Jumento) – burrico.
Joça – Imprestável – ruim.
Juar (e não juá) – Zyzyfus Juazeiro, Mart. – Fruto do espinho ou do espinheiro. Laranja de
vaqueiro. – Nome dado à cidade do Est. Da Bahia localizada à margem direita do rio S.
Francisco, antiga “Passagem do Jauzeiro” – Situação geográfica – 9º 24’38’’ de lat. Sul. E
40º30’26’’ de long. W. G.
Jumento – Jegue. Burrico.
K
Kioski – Casa de madeira onde se vende café e alimentos.
Kombi – Nome dado aos carros da Volkswagen fechados.
Kalumbís – Planta aquática (calumbís) caracterizada por grande quantidade de espinhos.
L
Lameiro – Terreno invadido pelo rio. Próprio para plantação.
Lancha (chata) Alvarenga.
Lapa – Gruta, loca, toca.
Lapinha – Presépe ou presépio.
Largar – Destracar o vapor.
Laranjo – Ladrão.
Latada – Páus enfincados com cobertura de madeira e folhas.
Leva – Acha de madeira para desencalhe de embarcações.
Légua de beiço – Légua não medida.
Linha d’agua – Escala que estabelece o limite de tonelagem dos vapores (Régua) – (cordão).
Limpo (puro) – Sem dinheiro.
Lobis-homem – Personagem lendário do folck-lore sanfranciscano.
Lampião – Chefe do maior grupo de bandoleiros do Sertão.
Loca – Gruta, lapa, loca.
Lóro – Peça de couro destinada ao ensilhamento de montarias.
Lorota – Mentira.
244
Luzeiros – Grupo político antigo existente na cidade mineira de Januária, antagônico dos
escureiros.
M
Macambira – Bromélia utilizada na estiagem como alimento para o gado.
Massacará – Antiga aldeia Kiriri, na Bahia.
Macaco – Nome dado ao soldade de polícia pelo grupo de Lampeão. Outro significado:
Instrumento p/ levantar peso.
Madrasto (morim) – Alvejado (Este último termo é usado somente no Estado de Minas Gerais).
Malaguêta – Roda que dá direção ao leme dos vapores.
Mandú – Negócio confuso. – mandinga.
Manga – Pastagem pequena.
Manifesto – Relação nominal de passageiros/cargas nos vapores.
Manteiga – Passagem difícil no rio S. Francisco, trecho mineiro.
Marí – Fruto do marizeiro. Muito útil ao sertanejo.
Marmota – Coisa ou pessoa esquisita.
Marinete – (jardineira) – Nome que se dava aos primeiros ônibus a trafegarem no sertão.
Marizeiro – Árvore aquática que produz frutos usados pelos beiradeiros como alimento, depois
de cozidos.
Marretar – Estorquir.
Marrná – Touro.
Mastro – Grosso madeiro que serve de principal esteio das velas das barcas (mastreação).
Mastreação – Conjunto de peças que dá impulso à embarcação, aproveitando-se do vento.
Matraca – Instrumento que produz ruído surdo, usado pelos penitentes durante a Semana Santa.
Matróca – À vontade, desordenadamente.
Marêta – Sinal de pequena profundidade do rio (onda pequena).
Mirandeia – Antiga aldeia e índios kiriris, na Bahia.
Matolotagem – alimentos de viagem.
Manguá – Chicote.
Mau olhado – Quebranto.
Mae d’agua – Persondagem lendário do rio S. Francisco.
Menstruação – boi, paquete. Incômodo de mulher.
Merma – defeito, mancha, mal feito.
245
Mezinha – Remédio – Mocotó – Visceras cozidas – Buchada.
Mofino – fraco, covarde.
Morim – Alvejado (Minas Gerais) – (Madrasto(Bahia).
Moringue – (quartilha) – Vaso de barro cosido p/ água.
Muricí – Fruto existente ás margens do rio S. Francisco.
Murundú – Pequena casa geralmente de palha, construída na proa das barcas (carrancas),a fim
de guardar ferramenta.
Muguzá – Alimento constituído de milho cosido e leite.
Negro d’agua – Personagem lendária do folck –lore sanfranciscano.
N
Nincho (Nicho) – Santuário improvisado no recinto no recinto das residências católicas.
Nó – Dificuldade.
Nora – Sistema de sistema usado no Egito e trazido por nós.
Norte – Rumo, direção.
Nulo – Pessoa inculta, ignorante, destituída de conhecimentos.
O
Olofote – Refletor utilizado nos vapores.
Onda – Modo de impressionar. Fazer onda – exagerar, a fim de obter resultados favoráveis a
determinado ponto de vista.
Oapicurí (licurí) – Palmeira produtora de couquilhos e de muita utilidade para os habitantes de
várias regiões.
P
Palheiro – Depósito destinado à secagem das folhas de carnaubeira, a fim de extrair-se a cera
da carnaúba.
Papa-fôgo – Isqueiro.
Papôco – (pipoco) – estouro.
Paquête – (1ª sign.) – Embarcação menor do que a barca e maior do que a canôa.
Paquête (2ª sign.) – Menstruação.
246
Parlenda – Contenda entre cantadores (Desafio).
Patuá – Relíquia que se põe ao pescoço p/ evitar malefícios.
Pau de Arara – Caminhão que se transporta retirantes nordestinos.
Pau (pé de pau) – ávore – Pau ferro – planta medicinal.
Pauta – (ter pauta com o diabo) – Ficar incólume, ter força sobrenatural.
Petá – Mentira. Biscoito feito de ovos e manteiga.
Pedir marcha – Mover o telégrafo (tímpano) solicitando do maquinista acionar ou parar a
marcha.
Penacho – Penas colocadas no alto da cabeça das “carrancas”.
Pegar na chaleira – Adular.
Peneira – (urupema) – Instrumento de palha de carnaubeira destinado a peneirar.
Penitentes – Tradição religiosa de algumas localidades sertanejas.
Perúa – Nome que tomou em certa época, veículos coletivos pequenos.
Perrengue – (Usado somente no Norte de Minas) – Doente.
Piau – (Peixe). Remeiro. Tripulante de barcas.
Perneiras – Calças de couro do vaqueiro.
Pirapora – (do tupi – pulo do peixe. Cidade ao Norte de Minas.
Pilôto – O condutor da embarcação. Aquele que movimenta o leme.
Pega-pinto – Arbusto , medicinal.
Pontal – Saliênciade terra que se avista de bordo dos vapores e serve de orientação para o
prático.
Pontaria – Manobra executada pelo prático do vapor no sentido de evitar abalroamentos.
Piau – (peixe) – Remeiro. Tripulante de barca.
Pichincha – Coisa barata.
Portão – Garganta de pedras nas cachoeiras.
Prancha – Tábua destinada ao embarque e desembarque no vapor.
Potoca – Conversar fiado. Potoca – mentira.
Pra valer – Coisa muito bem feita, válida para todos os efeitos. Impecável.
Prata – Dinheiro.
Pressão – Temperatura de caldeira do vapor.
Presepada – Palhaçada. – Pucha-saco = adulador.
Púia – Maneira de enganar – linguagem erudita:pulha.
Puro (limpo) – Sem dinheiro.
247
Q
Quarto – Período de trabalho do tripulante dos vapores.
Quartilha – (Moringa) – Vaso de barro para água.
Quebranto – Mau olhado.
Quenga – Mulher ordinária.
Quibêbe – Espécie de sopa de abóbora.
Quitanda – Doce. Fazer quitanda, vender quitanda, (doces).
Quizilas – Vendedores ambulantes.
R
Raso – (Sêco) – Lugar onde as águas não têm muita profundidade.
Romeiro, Romaria – Cumpridor de promessa. Lugar de oração.
Rasteira – Modo de enganar. Passar uma rasteira, levar a melhor.
Remanso – (1ª sign.) – Localidade à margem do São Francisco.
Remanso (2ª sign.) – Convergência das águas para determinado lugar.
Régua – Posição da altura do rio dado pelo Serviço de Águas.
Remeiro – Piau (peixe) – Tripulantes de barcas.
Ressaca – passagem difícil para vapores do rio S. Francisco, nas proximidades de Manga
(Minas Gerais).
Rôdo – à rôdo – Em grande quantidade.
Rol – (de equipagem) – Relação nominal dos tripulantes embarcados no vapor.
Rôlo – Negócio que se realiza por base de troca de objetos quer sejam – móveis, semoventes,
utensílios, ou mesmo, propriedades.
Ronda – Patrulhamento feito por vigias.
Rumo – (1ª sign.) – Direção do vapor.
Rumo – (2ª sign.) – Local onde foi descoberta mina de cristal de rocha, nas proximidades de
Xique-Xique e Marrecas.
S
Saco – Local onde a embarcação encontra dificuldades para sair.
Sebacea – Produto do saqui, no rio S. Francisco.
248
Sangrador – (Sangradouro) – Lugar por onde as águas de um açude se escoam.
Serrote – Designação dada a uma elevação de pedra. (Môrro).
Sêco – Lugar muito raso no rio.
Seguro – Homem avarento. Pessoa sovina.
Sereia – Transplantação da lenda marítima assimilada no Rio.
Sôpa – Veículo de pequeno porte que antigamente levava passageiros.
Sondar – Calcular profundidade do rio com uma vara.
T
Taifeiro – Copeiro de bordo do vapor.
Tapagem – Cercas e outros meios de evitar a passagem dos peixes de lagoa para o rio.
Tapioca – (Polvilho) – Substância alvíssima extraída com o processo de produzir a farinha de
mandioca.
Telégrafo – Aparelho de comunicação do prático com o maquinista (tímpano) – Relógio –
Indica as marchas do vapor.
Tinindo – Importantíssimo. Substancial. Certíssimo
249
Anexo 6 – Cartografia do Alto-Médio São Francisco
Mapa 1 Cartas de Vicenzo Coronelli, uma datada de 1691 (dir.) e outra do ano seguinte (esq.),
representa a serra de Sarabassu”, entre o rio São Francisco e o Paraná que, na verdade é o rio
Grande, próxima a uma grande lagoa, ou seja, em território mineiro.
Fonte: Moraes 2005
250
Mapa 2 - Detalhe da Carta Geográfica Del Brasil, de Giovanni Batista Albrizzi, de 1740:
Fonte: Moraes 2005
251
Mapa 3 - Principais expedições de reconhecimento, exploração e conquista da América
Portuguesa, desde o século XVI até a Restauração (1640)
Fonte: Moraes 2005
252
Mapa 4 - Expedições de reconhecimento, exploração e conquista da América Portuguesa, após a
Restauração
Fonte: Moraes 2005
253
Mapas 5 - Cidades e vilas erigidas na América Portuguesa (séc. XVI e XVII), com indicação
dos topônimos coevos e data de ereção
Fonte: Moraes 2005
254
Mapa 6 - Cidades e vilas erigidas na América Portuguesa, durante a União Ibérica (1580-
1640), com indicação dos topônimos coevos e data de ereção
Fonte: Moraes 2005
255
Mapa 7 - Cidades e vias erigidas no Nordeste no período colonial, com indicação dos
topônimos coevos e data de ereção
Fonte: Moraes 2005
256
Mapa 8 - Mapa da maior parte da Costa, e Sertão, do Brazil, extraido do original do Pe.
Cocleo, de datação aproximada de 1699-1702 nele foram destacados os assentamentos
humanos, os principais caminhos e a hidrografia.
Fonte: Moraes 2005
257
Mapa 9 - Cidades e vias erigidas no Sudeste no período colonial e os principais eixos de
articulação macrorregional
Fonte: Moraes 2005
258
Mapa 10.- Principais rotas e mercadorias comercializadas na América Portuguesa no século
XVIII e primeiras décadas do século XIX: ao final do século XVIII
Fonte: Moraes 2005
259
Mapa 11 - Estado de Minas Gerais: remanescências caminhos coloniais, com indicação
aproximada de seus trajetos e principais núcleos urbanos que os pontuam, confrontados com a
rede rodoviária atual, destacando-se as estradas atuais que os reproduzem parcialmente.
Fonte: Moraes 2005
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