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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A INTERNET COMO MECANISMO DE
MOVIMENTAÇÃO DOS FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS
NO TEMPOESPAÇO GLOBALIZADO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Michele Dacas
Santa Maria, RS, Brasil
2010
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A INTERNET COMO MECANISMO DE
MOVIMENTAÇÃO DOS FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS NO
TEMPOESPAÇO GLOBALIZADO
por
Michele Dacas
Dissertação apresentada ao curso de mestrado do programa de
Pós- Graduação em Ciências Sociais, Área de Concentração em
Instituições, Cultura e Globalização, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
em Mestre em Ciências Sociais
Orientador: Prof. Dr. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira
Santa Maria, RS, Brasil
2010
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Pós-Graduação em Cncias Sociais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
A INTERNET COMO MECANISMO DE MOVIMENTAÇÃO DOS
FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS NO TEMPOESPAÇO GLOBALIZADO
elaborada por
Michele Dacas
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Ciências Sociais
Comissão Examinadora:
Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira, Dr.
(Presidente/Orientador)
João Vicente da Costa Lima, Dr. (UFSM)
Adair Caetano Peruzzolo, Dr. (UFSM)
Santa Maria, 10 de março de 2010
DEDICATÓRIA
DAS ESCRITAS INTEIRAS
ÀS PALAVRAS LIGEIRAS
DEDICO A SABER
UM POUCO DO ZELO SIGILO
QUE ESSE PERCURSO
NADA SERIA
SEM A FINA ROSA DO MEU PAI DANILO
SEM O AMOR DA MINHA MÃE MARIA
Agradeço à minha família pela esplêndida leveza.
Ao professor Holgonsi pela paciência e
compreensão na orientação deste trabalho.
Aos professores e colegas do programa pelo
incentivo e cumplicidade.
Aos amigos pela luz e obscuridade.
Se o eterno retorno é o mais pesado dos
fardos, nossas vidas, sobre esse pano de
fundo, podem aparecer em toda sua
esplêndida leveza
(Milan Kundera)
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Universidade Federal de Santa Maria
A INTERNET COMO MECANISMO DE MOVIMENTAÇÃO DOS
FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS NO TEMPOESPAÇO
GLOBALIZADO
AUTORA: MICHELE DACAS
ORIENTADOR: HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 10 de março de 2010
Esse trabalho objetiva investigar as possibilidades da internet em ampliar os fluxos sociopolíticos em
um espaço público condicionado pelos processos de globalização. Sob o paradigma do
desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, privilegio as possibilidades da
internet para as intervenções discursivas de micropolíticas como o Fórum Social Mundial. Obtenho
esse movimento como referencial por se tratar de uma micropolítica que procura a visibilidade para
seus interesses e diálogo com a sociedade por meio de mídias alternativas como a internet. Isso
condiciona a internet como um mecanismo sociotécnico que permite a autonomia de produção
discursiva por parte desses atores sociopolíticos, como também, a relação entre contextos espaço-
temporais distintos. Desta forma, características como a flexibilidade e a dialogia são abordadas
conforme as leituras produzidas da internet como um dispositivo midiático flexível que possibilita o
entrecruzamento entre autorias diversas, contrastando manifestações e contestões de todas as ordens.
Aspecto que relaciona a internet como um mecanismo sociotécnico fundamental para movimentar os
fluxos sociopolíticos no espaço de debate púbico global.
Palavras -chave: globalização, internet, fluxos sóciopolíticos
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Universidade Federal de Santa Maria
THE INTERNET AS A MECHANISM OF MOVEMENT
OF
FLOWS SOCIO-POLITICAL IN THE
GLOBAL SPACE
AUTHOR: MICHELE DACAS
ADVISOR: HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
Date and Location of Defense: Santa Maria, March 10, 2010
This work aims to investigate the possibilities of the Internet to broaden the socio-political
flows in a public space determined by the processes of globalization. Under the paradigm of
the development of new technologies of information and communication, I aim the
possibilities of the Internet as a device to enlarge the discurse about the micro-political as the
World Social Fórum. I get this movement as a reference, because it talk about the micro-
political that have as a aim to get visibility for the people interested about it and dialogue with
civil society through alternative media, such as Internet. This makes the Internet as a socio-
technical mechanism that allows the autonomy of discourse production by these socio-
political actors, but also the relationship between spatial and temporal contexts different.
Thus, characteristics such as flexibility and dialogism are addressed according to the readings
produced the Internet as a media device that enables the flexible interweaving of different
authorship, contrasting demonstrations and protests of all orders. Aspect which relates to the
Internet as a mechanism to move sociotechnical fundamental socio-political flows within the
global public debate.
Key-words: globalization, internet, socio-political flow
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 home Page do site www.forumsocialmundial.org .................................... 118
ANEXO 2 home Page do site ciranda.net ......................................................................119
ANEXO 3 continuação da home Page do site ciranda.net .............................................120
ANEXO 4 página da edição do FSM 2008 no site ciranda.net ......................................121
ANEXO 5 continuação da página de edição do FSM 2008 no site ciranda.net..............122
ANEXO 6 página da edição do FSM de Belém no site ciranda.net................................123
ANEXO 7 continuação da página da edição do FSM de Belém no site ciranda.net.......124
ANEXO 8 página da edição do FSM Pan Amazônico no site ciranda.net.....................125
ANEXO 9 continuação da edição do FSM Pan Amazônico no site ciranda.net............126
ANEXO 10 página Honduras do site ciranda.net...........................................................127
ANEXO 11 continuação da página Honduras do site ciranda.net..................................128
ANEXO 12 link “quero participar” do site ciranda.net..................................................129
ANEXO 13 link “quero publicar” do site ciranda.net....................................................130
ANEXO 14 link “venha para a ciranda” do site ciranda.net...........................................131
ANEXO 15 link “ciranda em seu site” do site ciranda.net.............................................132
ANEXO 16 link “fale conosco” do site ciranda.net........................................................133
ANEXO 17 link “acesso ao espaço privado” do site ciranda.net....................................134
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11
1 NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO: A FLEXIBILIDADE COMO
CONDICIONAMENTO DOS FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS NA
GLOBALIZAÇÃO.......................................................................................................18
1.1 Elementos de uma nova ordem espaço-tempo para a configuração dos fluxos
sociopolíticos..................................................................................................................33
2 ASPECTOS DIALÓGICOS DA INTERNET PARA OS FLUXOS
SOCIOPOLÍTICOS NO ESPAÇO-TEMPO GLOBAL............................................50
2.1 Fluxos sóciopolíticos na internet .............................................................................63
3 DOS CONTRASTES NA WEB: FLEXIBILIDADE E DIALOGIA NO ESPAÇO
INTERATIVO...............................................................................................................74
CONCLUSÃO ...............................................................................................................110
INTRODUÇÃO
Nesse trabalho, busco analisar as contradições da internet concebida como um
dispositivo sociotécnico para a articulação de micropolíticas em um espaço público
condicionado pelos processos de globalização. Nesse contexto, o espaço público encontra-se
cada vez mais permeado por conexões desterritorializadas e pela ação de atores sociais à
distância. Dessa forma, a internet surge como um mecanismo para as micropolíticas
agenciarem seus interesses num cenário potico mais amplo e constituir suas ações, como
fluxos sociopoticos no espaço público global.
Compreendo que os processos de globalização, sob o ponto de vista do
desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) influenciam
tanto a organização de sujeitos coletivos como tamm imprimem uma descentralização dos
espaços públicos, passando a serem concebidos como a própria informação. Nesse contexto
permeado por conexões entre distantes, a internet pode tornar-se um entre os dispositivos
sociotécnicos que atuam sob uma reordenação espaço-temporal.
Dispositivos tecnológicos, como a internet, podem possibilitar a troca de experiências
e a transposição de horizontes, por meio da conexão entre contextos espaço-temporais
distintos. Essa reordenação espaço-temporal é um dos processos globalizadores
impulsionados pelas novas tecnologias que configuram a sociedade por intermédio dos fluxos
tecidos pela interação entre distantes. Nesse sentido, a internet pode tornar-se um dispositivo
sociotécnico onde se inscrevem práticas sociais de naturezas diversas, que, quando
desterritorializadas, confrontam as dimensões locais e globais.
Dessa forma, no cenário de debate potico, a internet pode surgir como uma
possibilidade para a ampliação dos fluxos sociopoticos, pois, suas características
pressupõem uma flexibilidade discursiva que permite manifestações diversas e circulação não
controlada de conteúdos. Outrossim, presume a ampliação dos lugares de produção
discursiva como dispositivo midiático, propositando aspectos dialógicos para um cenário
restritamente constituído por relações dominantes, como a esfera de debate potico global.
Como constituinte de um espaço público marcado por condições de visibilidade
midiática, a internet identifica-se como um espaço cujas práticas sociais, como as
micropoticas, podem ser inscritas e projetadas globalmente, atribuindo uma variedade de
significados aos discursos circulantes no debate político.
12
Com a inserção das micropoticas no cerio potico, suponho que sejam ampliados
os fluxos ciopoticos desse espaço, cuja constituição sofre a influência de universos
simlicos que homogeneízam os processos de globalização. Contradição que permeia a
internet como um dispositivo que, ao mesmo tempo, que pode impulsionar a formação de
hegemonias por meio da intensificação dos fluxos globais, pode também, surgir como um
mecanismo capaz de ampliar o contraste de interesses que movimentam os fluxos globais.
Esse quadro implica em uma profunda ressignificação do entendimento de conceitos
tradicionais da sociedade contemporânea, pois, são muitos os aspectos expostos às
transformações da ampliação dos fluxos sóciopoticos. Observo, então, a internet como um
mecanismo que influencia a articulação de sujeitos coletivos, como as micropoticas, que
projetam seus interesses por meio dos significados negociados pelo discurso circunscrito
nesse mecanismo sociotécnico.
Diante disso, a internet se traduz como um possível espaço de disputa e negociação de
interesses no cenário que engloba as relações do debate potico global. Essa potencialidade
reside na combinação entre suas características e a possível apropriação social de sujeitos
políticos o institucionalizados, pelos quais tomo as micropolíticas. O reconhecimento
desses fatores pode resultar em um espaço mais diversificado, onde os interesses provenientes
tanto da esfera institucional, quando a não institucional da potica podem se intersectar
dialogicamente devido à ampliação dos fluxos sóciopolíticos.
Portanto, considerados os aspectos e as mudanças de paradigmas em um cenário
político permeado pelas novas tecnologias, coloco como problema central desse trabalho a
seguinte questão: “quais as influências positivas da internet em sua relação com os fluxos
sociopolíticos resultantes da inserção discursiva de micropolíticas no espaço de debate
público globalizado”. Dessa forma, concretizo como objeto dessa pesquisa os fluxos
sociopolíticos através da internet, com referência na projeção global de sujeitos coletivos no
espaço de debate político.
De maneira específica, tomo como corpus dessa análise a intervenção do Fórum Social
Mundial (FSM) na internet, por meio do site
1
que relata várias edições. Além de ser um
portal
2
de divulgação dos ativistas, é também, um local de participação e opinião pública
sobre as questões debatidas pelo movimento.
Em síntese, tenho como objetivo central analisar as possibilidades da internet em
movimentar os fluxos sociopoticos por intermédio da inserção discursiva de micropoticas
1
Pode ser chamado de sítio, é um conjunto de páginas na internet.
2
Esse portal é o site www.ciranda.net que se autodenomina como um centro de mídia independente.
13
em um espaço público condicionado pelos processos de globalização. Tenciono como
objetivos específicos, primeiramente, refletir acerca dos condicionamentos dos fluxos
sociopolíticos, tendo como base o novo paradigma tecnológico.
Em segundo, especificar as características da internet enquanto dispositivo
sociotécnico para a ampliação dos fluxos sociopolíticos. Por fim, evidenciar os contrastes de
interesse e a movimentação dos fluxos sociopoticos no ciberespaço, através da análise do
site anteriormente declarado.
A resposta do problema, bem como o desenvolvimento dos objetivos, parte de um
percurso teórico-metodológico qualitativo articulado entre uma reflexão teórica e uma prática
de observação de campo, nesse caso, a própria internet. Esse campo envolve o site do FSM,
cujo endereço http://www.ciranda.net
3
, um portal de divulgação das atividades e projão
global das ações dos ativistas ligados ao Fórum, bem como, consultas ao site oficial do
movimento, localizado no seguinte endereço: http://www.forumsocialmundial.org.br.
Essa prática tem como eixo a análise de discurso pós-estruturalista, com
instrumentos de semiologia social organizados conforme a estrutura dos dados externos do
contrato de comunicação. A opção pelo referido percurso metodológico consiste na ideia de
ser um roteiro que pode ser adaptado à internet e suas especificidades, como o tipo de
linguagem de rede, a lógica de tempo-espaço e a estética online, que contemplam suas
condições de produção discursiva.
Mediante a escolha desse percurso de análise, parto do princípio que, para abordar as
possibilidades da internet como um espaço que movimenta os fluxos sociopoticos na
globalização, torna-se necessário uma contraposição às dias tradicionais, através não
apenas do reconhecimento prático de características centrais, como também, dos aspectos
diferenciadores. Nesse sentido, elegi como características a serem interpretadas na pesquisa
de campo, a flexibilidade da internet como um mecanismo sociotécnico, e a dialogia
4
, que
representa a intertextualidade do discurso na internet.
Essa análise prática é estruturada por meio dos elementos do contrato de comunicação
proposto por Charaudeau (2006). Esses elementos correspondem às condições de enunciação
da produção discursiva, reconhecidos pelo autor como dados externos do contrato de
3
Penso ser importante ressaltar que o site do FSM é utilizado nesta pesquisa somente como um referencial e não
como objeto da mesma. Essa afirmação se faz necessária devido à constatação em congressos pelos quais este
trabalho foi qualificado de que há uma controvérsia entre o objeto internet e a referência ao movimento social
sobre o qual diz respeito o site analisado. Sendo em alguns momentos considerado os movimentos sociais ou o
próprio Fórum como categoria central desta pesquisa, o que de fato não é.
4
“todo texto é perpassado por vozes de diferentes enunciadores, ora concordantes ora dissonantes, o que mostra
que o texto é uma composição essencialmente dialógica. (Peruzzolo, 182:2001).
14
comunicação. Eles configuram constantes, que caracterizam as trocas entre sujeitos e indiciam
uma determinada prática social. Assim, mesmo não sendo essencialmente discursivas, as
condições de enunciação são semiotizadas, pois apresentam os índices que correspondem ao
quadro convencional da menica de construção do sentido
5
, na troca discursiva.
As condições de enunciação da produção discursiva como identidade, finalidade,
propósito e dispositivo organizam a observação dos fluxos sociopolíticos na internet,
indiciando os elementos que comem as suas características. A coleta desses elementos,
então, é conduzida através da semiologia social como instrumento de análise discursiva. Esta,
consiste na concepção de discurso enquanto prática social, como um meio de interação entre
subjetividades, como sugere Peruzzolo (2001).
Essa abordagem dirige-se à análise de discurso, em ambas correntes teóricas: a escola
francesa
6
e a anglo-americana. Conforme aporta Rosalind GILL (2007), a escola francesa
define o discurso como prática social determinada pelo contexto sócio-histórico, fazendo
parte, também, de sua constituição. Da mesma forma, a escola anglo-americana, de cunho
empirista, na qual toda fala é uma ação, uma prática social. A partir dessas duas tradições
surge a investigação da superfície textual e suas pistas, enquanto indícios da presença do
social como um princípio fundamental da análise discursiva
Como instrumento da análise discursiva, a semiologia que, de acordo com Peruzzolo
(2001), contribui por considerar os enunciados marcas efetivas de sujeitos, que se buscam um
ao outro em situação de comunicação e que, para isso, desenvolvem uma série de ações sob
determinadas condições de produção. Nessas práticas, os atores sociais o os sujeitos do
processo de interação comunicacional, de produção-circulação e de consumo de sentidos,
incluídos nas condições de produção discursiva.
Nesse âmbito, a semiologia dos discursos sociais fornece subsídios para os indícios da
mecânica de construção de sentidos, que revelam uma constante nas condições de produção
discursiva, possibilitando a troca entre sujeitos na internet. Em princípio, esses indícios são os
elementos que correspondem à dialogia e à flexibilidade, ou seja, características que definem
a configuração dos fluxos sóciopoticos na internet em um espaço público globalizado.
Mediante essas condições de produção discursiva na web, abordo a flexibilidade e a
dialogia como características que subsidiam uma leitura dos significados negociados no
discurso empreendido pelo FSM no portal de divulgação. Essas características estão
relacionadas com um debate trico em torno dos seguintes conceitos: espaço-tempo global,
5
O sentido é construído pela ação linguageira do homem em situação de troca social. (Charaudeau, 41, 2006)
6
Tem como teóricos expoentes Michel Foucault e Pêcheux.
15
fluxos sociopoticos e internet. Essa combinação permite cumprir a proposta metodológica
deste trabalho, analisando as possibilidades da internet em movimentar os fluxos
sociopolíticos, por intermédio da inserção discursiva de micropoticas em um espaço público
condicionado pelos processos de globalização.
Ao considerar os aspectos centrais desta pesquisa, o desenvolvimento dessa análise
atenta para as possibilidades da internet enquanto um dispositivo que movimenta os fluxos
sociopolíticos num espaço-tempo globalizado. Assim, as questões que permeiam os
comportamentos dos interlocutores no site referencializado e, por conseguinte, uma
interpretação minuciosa e fragmentada dos enunciados que integram o discurso de uma
micropotica na internet, o configuram o foco proposto. Diante desses aspectos centrais, é
conduzida uma reflexão em torno de conceitos teóricos, elaborados por autores renomados da
sociologia contemporânea como Giddens, Castells e Levy. Patrick Charaudeau é estabelecido
como principal base complementar na área de comunicação social
Entre os diversos autores que vêm se dedicando aos estudos da globalização, articulo
como eixo central Antony Giddens, sobretudo nas obras As conseqüências da modernidade
(1991) e Modernização Reflexiva” (1997), que retratam os aspectos em que o autor afirma
ser esta, uma sociedade s-tradicional, regida por processos como o de globalização. Ainda
no paradigma global, destaco, equitativamente, Manuel Castells e o advento da sociedade da
informão, enfatizando os fluxos sociopoticos e a reordenação espaço-temporal, na obra
“Sociedade em rede” (1999).
Como teórico central, no que concerne ao dispositivo midiático aqui elencado, aponto
as obras de Pierre Levy, acerca das novas tecnologias, enfaticamente, a internet. Ainda no
âmbito da mídia destaco Patrick Charaudeau e a abordagem doDiscurso das mídias” (2006),
pois ele prescreve aspectos como o poder de visibilidade desses dispositivos, e fornece
subsídios para a análise prática, com vista às condições de produção discursiva do contrato de
comunicação.
Justifico a relevância em estudar esse objeto, não apenas por expressar, de maneira
veemente, o momento controverso e os contrastes inerentes ao contexto atual, mas também
por ele e pelo mesmo estar refletido na amplitude de pensamentos que se propõem a elucidar
os processos globalizadores. Assim, prepondero a pertinência e a adequação deste trabalho
para o mestrado em ciências sociais, com ênfase na área de concentração em globalização,
novas tecnologias e implicações sociopoticas por estar inserido nas teorias que concernem às
questões da sociedade contemporânea.
16
Pesquisar as possibilidades da internet, como espaço de ampliação dos fluxos
sociopolíticos, é um dentre os aspectos que demandam uma observação frente às novas
configurações que atingem todas as dimensões da vida social na globalização. A contribuição
dessa análise aciona a necessidade de se pensar numa sociedade que está cada vez mais
imersa no contexto das novas tecnologias de informação e comunicação, que delineiam
espaços e modos de interação entre os sujeitos, ressignificando postuladas tradições.
Essas transformações são estendidas amplamente a todas as dimenes da vida social,
pois emergem da relação recíproca entre os indivíduos e o sistema vigente modificando
estruturas por intermédio dos interesses que interagem entre indivíduos ou grupos, em
contextos espaço-temporais distantes. Dessa maneira, busco a elaboração de uma pesquisa
sobre as transformações e as configurações que a nova lógica espaço-temporal, advinda das
novas tecnologias, infere sobre as práticas sociais, verificando estas como a inserção
discursiva de sujeitos em um espaço público, por meio de dispositivos sociotécnicos.
A importância dessa abordagem ocorre pelas estimativas da contribuição que essa
pesquisa, embasada nos eixos sociológicos e comunicacionais, pode agregar a ambas as áreas
tratadas, sobretudo, frente ao contexto da globalização. É reconhecida a complexidade da
abordagem e parece extremamente relevante inserir o pesquisador em um contexto
interdisciplinar, ma vez que o próprio objeto evoca os saberes elencados. Faz-se necessário
relacionar, redefinir e criar categorias e conceitos novos nas ciências sociais e humanas,
buscando o enriquecimento do entendimento de práticas sociais submersas em um espaço
globalizado.
Desta forma, entendo a articulação de diferentes áreas como fator relevante para uma
pesquisa que tenha como eixo norteador reflexivo uma sociedade imersa no processo de
globalização e no desenvolvimento tecnológico. Essas configurações redesenham traços
complexos que não se definem mais por fronteiras, mas sim, por entrelaçamentos que
constroem a sociedade atual desterritorializada. Assim, a articulação de um percurso teórico-
metodológico insere ideias congruentes com as transformações sociais e as percepções do
sujeito pesquisador.
No primeiro capítulo, “Novo paradigma tecnológico: a flexibilidade como
condicionamento dos fluxos sociopolíticos na globalização”, parto de uma reflexão teórica
em torno das transformações nas dimensões da vida social contemporânea sob o paradigma da
informão e da comunicação. Observo a inflncia das novas tecnologias sobre os processos
globais como a reordenação espaço-tempo e a desterritorialização. Pondero-as como
dispositivos sociotécnicos de apropriação social que revelam a flexibilidade enquanto uma
17
característica peculiar de condicionamento da configuração dos fluxos sociopoticos por meio
dos processos de globalização. Essa interface revela as diretrizes que convergem e que são
confrontadas no âmbito dos fluxos que comem as investiduras locais e as projeções globais,
entre as forças hegemônicas e contra-hegemônicas do cenário potico global.
No segundo capítulo, “Aspectos dialógicos da internet para os fluxos sociopolíticos
no espaço-tempo global”, abordo as implicações da web como um dispositivo sociotécnico de
visibilidade midiática e como alternativa para a inserção dos interesses de atores não
institucionalizados, as micropoticas no espaço de debate global. Percebo o aspecto dialógico
da internet como uma característica que contribui para movimentar os fluxos sociopolíticos no
espaço-tempo globalizado.
Enfatizo o papel da internet enquanto espaço onde ocorrem as manifestações
discursivas de fontes diversas, que se articulam mediante seus conceitos e lógicas midiáticas,
como também, a compreensão das contradições produtivas desse novo espaço. Observo,
então, a internet como um elemento fundamental da nova ordem sociopotica que influencia
na interação entre determinadas práticas sociais e as novas tecnologias de informação e
comunicação.
No terceiro capítulo, Dos contrastes na web: flexibilidade e dialogia no espaço
interativoevidencio o potencial da internet para a ampliação dos contrastes de interesses e,
conseqüentemente, a movimentação dos fluxos sociopoticos no espaço de debate global.
Enfatizo uma análise que relaciona os conceitos centrais debatidos com o reconhecimento de
características próprias do mecanismo sociotécnico internet. Essa análise tem como foco o site
do FSM, que trata da divulgação das edições do Fórum, bem como das questões debatidas
entre os ativistas e a sociedade em geral.
Considero os conceitos abordados como foco de análise que confere o discurso online
do FSM características dialógicas e flexíveis, consternando os fluxos ciopoticos no
espaço-tempo global. Mediante a configuração dos fluxos sociopoticos num espaço público
condicionado pelos processos de globalização, onde contrastes de interesses são
movimentados por meio da inserção discursiva das micropolíticas na internet.
1 NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO: A FLEXIBILIDADE
COMO CONDICIONAMENTO DOS FLUXOS SOCIOPOLÍTICOS
NA GLOBALIZAÇÃO.
Observar os fluxos sociopoticos na internet, a partir de uma reflexão sobre o contexto
global admitido sob o paradigma do desenvolvimento das novas tecnologias de informação e
comunicação, é uma opção frente à complexidade do contexto atual. Entre tantos fatores que
norteiam as transformações da sociedade globalizada, considero o advento das novas
tecnologias e suas implicações como fundamentais para as transformações das dimensões da
vida social contemporânea.
Essas transformações, diante de sua gama de seus fatores constituintes, são entendidas
como consequência de uma nova ordem espaço-temporal, também, reordenada por
mecanismos sociotécnicos de informação e comunicação. Esses mecanismos são dispositivos
tecnológicos que difundem os fluxos sociais, culturais, econômicos e poticos no contexto
global. Esse quadro formata um novo paradigma informacional, sobre o qual considero
algumas observações:
O que distingue a configuração do novo paradigma tecnológico é sua capacidade de
reconfiguração, um aspecto decisivo em uma sociedade caracterizada por constante
mudança e fluidez organizacional (...) Porém, devemos evitar julgamento de valores
ligado a essa característica tecnológica. Isso porque a flexibilidade tanto pode ser
uma força libertadora como também um tenncia repressiva, se os definidores das
regras sempre forem os poderes constituídos. (CASTELLS, 1999, p. 109)
O contexto de globalização permeado pela atual revolução tecnológica, constitui um
conjunto de processos que envolvem a flexibilidade como uma característica intrínseca às
configurações sociais desse novo paradigma. Um dos processos globais que contemplam a
flexibilidade são as condições para uma nova ordem espaço-temporal, que afetam diversas
esferas da vida social. Isso, mediante as possibilidades de conexões entre distantes, que
interligam uma variedade de atores cio-poticos por meio dos dispositivos tecnológicos,
surgidos no século XX.
A flexibilidade que permeia as relações estruturais e está entre os sujeitos no sistema
global resulta, também, em uma dinâmica de interdependência entre as dimensões global e
local. Com base nisso, reconheço esse fenômeno como “glocalização”, conforme Robertson
(1999), ou seja, a configuração da interdependência entre o global e o local num contexto de
19
supressão espaço-tempo. Diante desses princípios, considero a inflncia do desenvolvimento
das novas tecnologias de informação e comunicação sobre os processos de globalização que
atuam na redefinição de determinadas práticas sociopolíticas na contemporaneidade.
Uma reflexão sobre a sociedade global se faz pertinente para a contextualização e a
melhor compreensão da internet enquanto espaço de debate potico global, também enquanto
objeto de pesquisa. Porém, não se trata de locali-lo no tempo e no espaço, mas sim entender
a dinâmica dos próprios fatores que tornam complexa a sociedade que a envolve. Dinâmica
que constitui a sociedade designada como processo e que é transformada pelos próprios
elementos que a constituem. Assim, procuro, no limiar da transitoriedade do processo global,
delinear aspectos que ressalvam para este o caráter contradirio e contínuo com que se
instituem a fluência das relações e as práticas sociais que o integram.
Compreendo as transformações do processo de globalização sob o aspecto recíproco
da relação indivíduo e sociedade, embasado em concepções que concebem o seu sentido de
interdependência. No entanto, o recorte desse trabalho caracteriza um traço sobre as
contradições das relações entre sujeitos no contexto global a partir de dispositivos
sociotécnicos, como as novas tecnologias de informação e comunicação. Isso significa a
constante relão da totalidade com as partes que firmam a contradição como a construção
social das relações díspares e não a anulação de uma pelo outra.
Nessa perspectiva, nada está fragmentado, tudo está entrelaçado num encadeamento de
contradições que se originam por meio de um conjunto de micro e macro ações interligadas
por meio de instâncias objetivas e subjetivas da sociedade em rede. Dessa forma, a sociedade
global reivindica uma leitura na sua totalidade, sobre a qual delineio suas contradições sob o
aspecto produtivo das configurações que dela emanam e que o se fundamentam em grandes
polaridades ideológicas. Todavia, recicladas no cotidiano e nos entraves mundanos que
instauram a todos como constituintes do tecido social que dá forma à sociedade global.
Dessa maneira, não compactuo com posições que amparam o sistema global em
dualidades, ou seja, que traduzem suas causas e consequências como efeitos bilaterais.
Entendo que correntes que se reportam às figurações da sociedade atual desse modo, amarram
acontecimentos do agora, a reflexões bipolares, de ontem. Assim, concebo a globalização
como um conjunto de processos que operam de maneira contraditória e que marcam não a
dimensão econômica, mas também a potica, o social e o cultural, na sociedade
contemporânea.
Não como precisar a origem ou mesmo designar um consenso sobre o sentido do
conceito globalização. Diante da amplitude de significados e pressuposições teóricas, existe
20
apenas a possibilidade de estimar suas forças impulsoras e supor seus efeitos, apoiando-se na
unívoca razão de que estes estão lançados por toda parte. Mesmo que distribuídos
distintamente, a totalidade com que seus efeitos atingem o globo demonstra como todos
vivem e estão interligados em um único mundo.
Pensar no termo globalização, hoje, sugere um sentimento de proximidade em relação
a um fenômeno que está cada vez mais perto do universo dos indivíduos e até mesmo de um
interior subjetivo que os preenche. A penetrabilidade dos processos globais torna distantes as
concepções que faziam os sujeitos se sentirem longe de tudo que concernia aos seus
terririos. Hoje, é notório que a “globalização está na ordem do dia”, como revela Bauman
(1999, P.7). O cotidiano forma e concretiza os fluxos que se movimentam no globo,
indiferente à sua natureza. Concebe-se, então, que “estamos todos sendo globalizados” como
sugere Bauman (1999, P.7), mesmo que por incidências diferentes, constituímos um todo
global.
A globalização representa inovação em diversos aspectos influenciando e
reestruturando modos de vida, sendo um processo que provoca mudanças profundas na
sociedade atual. Giddens (1997) define essa nova sociedade por intermédio de um quadro de
incertezas, onde as ações do cotidiano são deslocadas por meio de interligações indefinidas
nas extensões do tempo e do espaço. Sobre essas interligações extensivas num tempo-espaço
comprimido, Giddens afirma que a globalização é o deslocamento de contextos conectados
através dos sujeitos pela ação à distância.
A globalização se refere essencialmente a este processo de alongamento, na medida
em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se
enredam através da superfície da Terra como um todo. A globalização pode assim
ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam
localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por
eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. (GIDDENS, 1991,
p.69)
Essa premissa, que trata a globalização essencialmente como ação à distância permite
observar que a flexibilidade torna-se, então, uma característica essencial dessa conjuntura.
Característica esta que interpela as estruturas institucionais lidas da sociedade anteriormente
concebida como tradicional. Aspectos que geravam e sustentavam sentimentos de previsão e
controle são flexionados por meio da ação à distância e da dissolução de fronteiras. Isso
significa que a globalização é, essencialmente, a ação à distância; a ausência predomina
sobre a presença, não na sedimentação do tempo, mas graças à reestruturação do espaço”,
como destaca Giddens (1997, p.118).
21
Reitero, assim, que a ação à distância é o fator preponderante que colocou indivíduos e
a sociedade submetidos ao movimento da globalização. A ação à distância rompeu fronteiras
e diluiu as especificidades locais, tornando perceptível que o globo não é apenas um símbolo
astronômico, mas um terririo que conecta todos em múltiplas redes de comunicação e
informão. São modificados os quadros sociais e mentais de referência, fazendo surgir novos
significados, nos quais as relações, os processos e as estruturas característicos da
globalização incutem em praticamente todas as realidades preexistentes novos significados,
outras conotações”,como aponte Ianni (1998, p.163).
Concordo que a globalização condiz com uma nova ordem emergente da mistura de
influências. Mesmo sendo reconhecida a sua indução pelos países desenvolvidos, não há
Estado ou organização que exerça seu controle e, muito menos, que esteja imune aos seus
efeitos. Dessa forma, sua ordem é a descentralização e a complexidade com que suas causas
produzem efeitos, tanto nos sistemas financeiros, quanto nos governos e na vida íntima dos
indivíduos.
As consequências desiguais dos processos globais são, então, reflexos dessa mistura
díspar de influências que conferem algumas características dominantes da globalização.
Boaventura (2005) as considera como sendo provenientes dos países desenvolvidos que tem o
capitalismo como modo de produção. Segundo Ianni (2005), o capitalismo adquire maior
fusão ao sistema global devido à sua forma, que é, simultaneamente, abstrata e real, em
interface com as particularidades das configurações singulares. Essa forma abstrata e real do
capital global confere a compressão do espaço pela circulação de bens e consumo, além da
força-trabalho em um tempo cada vez menor ou até mesmo instantâneo. Capacidade de
desdobramento do capitalismo, que o torna predominante como modo de produção na nova
ordem econômica mundial.
Consciente da importância de forças motrizes, como o poder político, e a ofensiva do
mercado econômico transnacional nas estruturas da ordem global, destaco a afirmação de
Boaventura (2005, p.50) para o qual “a globalização resulta, de fato, de um conjunto de
decisões políticas identificadas no tempo e na autoria”. Esse autor pontua o consenso de
Washington como a matriz geradora dos processos de globalização. Diferentemente de
teóricos como Castells (1999), que distingue como causa da globalização a revolução
tecnológica atual.
Ainda acerca dos fatores motivadores do contexto global, ressalto a abordagem de
Ianni (1995), que chama a atenção para o aspecto incisivo do colapso do comunismo soviético
no desenvolvimento do processo global. Sobretudo, porque o controle ideológico e cultural da
22
autoridade comunista o conseguiu ser sustentado diante de uma economia eletrônica e de
uma dia global. Os fluxos correntes de sociedades mais desenvolvidas diminuíram o papel
ativo de países menos favorecidos e ampliaram as desigualdades sociais no contexto global.
Verifico essas perspectivas como inerentes às relações estruturais que geraram o
contexto atual. Contudo, chamo a atenção para a transição entre estes pontos de vista para
ressalvar a complexidade do conjunto de fatores constituintes da sociedade global. Isso,
porque assim como Giddens (1991), Ianni (1995) e Boaventura (2005) reconhecem os limites
dos fatores econômicos, políticos e dos propósitos que, inicialmente, motivaram os fluxos
globais e em muito ultrapassaram, sendo incorporados em âmbitos de práticas sociais e
culturais.
Essa multiplicidade das dimensões globais é evidenciada no pensamento de
Boaventura (2005), que pontua as características dominantes da globalização, entendendo
suas origens na dimensão econômica. Para o autor, a globalização hegemônica reside no
sentido de anular as clivagens poticas, tornando as nações interdependentes. Estes fatores
centrais fortalecem a hegemonia dos países ricos por medidas de controle, que contemplam,
desde a dívida externa, até as ajudas internacionais.
Boaventura (2005) difere essa globalização dominante chamando a atenção para a
globalização contra-hegemônica, sobre a qual afirma ser dotada de estratégias de resistência
às desigualdades poticas, culturais e sociais, que descaracterizam o contexto local. A
globalização contra-hegemônica não está limitada apenas às manifestações locais, mas em
iniciativas com direcionamento transnacional, que estão ancoradas em questões locais
concretas.
Em suma, entendo que o fenômeno de globalização apresenta uma variedade de
dimensões sobre o direcionamento da vida social. São pluralidades de sujeitos, estruturas e
contextos que, ao entrelaçarem-se de modo complexo, dão forma ao sistema global. Nesse
sistema, o único aspecto central é a contradição que permeia as relações entre indivíduos e
estruturas, submetidos a um contexto de entrelaçamento e de multidimensionalidade, que
circundam as conexões entre o global e o local. Contradição que foge do sentido de oposição,
mas que significa a interdependência entre forças díspares que se conduzem como uma
essência constitutiva de um sistema mundial em transão.
Nesse sentido, concordo com um movimento de interdependência da sociedade global
permeada por diretrizes dominantes que preponderam, mas não imperam em sua totalidade.
As forças hegemônicas assim não o seriam se não estivessem em relação com outras fusões e
contraposições. Posiciono-me, no entanto, destacando que essas contradições são inerentes às
23
condições que impulsionam os processos de globalização reconhecidos como compressão
espaço-tempo e desterritorialização. Essas condições são próprias da revolução tecnológica a
partir da década de setenta. Revolução esta que tendenciou as conexões entre indivíduos em
diferentes contextos, permitindo o contato simultâneo entre um lado e outro do mundo.
A comunicação eletrônica não foi apenas um meio pelo qual as mensagens puderam
ser transmitidas mais rapidamente. Sua perpetuação, concomitantemente com os fluxos da
globalização, impulsionou a formação de um mundo interligado e conectado, que desloca as
coisas, as pessoas e as ideias, tornando decisões globais e locais influentes reciprocamente. As
disparidades de interesses que se cruzam por meio dos fluxos globais resultam em
contradições, como a globalização e a localização.
Neste contexto, configuram-se relações sociais cada vez mais intensificadas por
processos como a desterritorialização. Processo pelo qual tendências globalizantes e locais
são confrontadas. Fazendo insurgir aspectos locais construídos em torno de interações face à
face e nas proximidades dos espaços territoriais sobre o global. Assim como as possibilidades
de inovações, liberdades, inclusões e oportunidades, que a estrutura global possa condicionar.
Dessa forma, a relação entre o global e o local expressa uma combinação de posições opostas
e similares, na qual os sujeitos transitam num sentido interdependente.
Segundo Giddens (1997), todos estarem imersos no movimento desses processos,
mesmo que indiretamente resulta no próprio cerne de uma nova ordem global. Uma ordem
que consiste em uma sociedade desenvolvida no fluxo das difues extensivas das instituões
modernas e na conexão intensiva das relações locais com as consequências globais. Concordo
que este seja o caráter central da globalização, designado por uma ordem que não se move
afetando somente os grandes sistemas, mas o interior dos indivíduos, incidindo e fazendo
incidir questões que dizem respeito aos seus cotidianos e subjetividades.
Conforme Giddens (2005), os fluxos emergentes do advento das novas tecnologias de
informão e comunicação acarretam em mudanças que resultam num mundo em descontrole
diante das possibilidades da convergência de diferentes contextos. A significação deste
descontrole reside em uma sociedade de riscos, onde são ampliadas as condições de
incertezas. Segundo o autor, o risco sempre esteve presente na sociedade moderna, porém, na
contemporaneidade, ele está envolto pelas incertezas diante das infinitas possibilidades.
Atualmente, o risco está despido dos ditames das tradições que prescreviam as maneiras de
regular o presente e o futuro.
A ideia de risco assume o caráter fabricado pelo nosso conhecimento sobre o mundo.
Essa nova concepção é influenciada diretamente pelos processos globais diante da infinidade
24
de possibilidades que coloca os sujeitos num estado de inquietação. Os indivíduos passam a
o confiar mais, simplesmente, suas decisões em instituições como a religião, a tradição ou a
política. Giddens (2005) afirma que o risco é a dinâmica mobilizadora de um cenário que
contempla o fim das metanarrativas, postuladas tradicionalmente por intermédio do saber de
autoridades como a científica, a religiosa e a política.
Instituições como essas não desaparecem com a globalização, elas são modificadas
mediante a de relação indivíduos e sociedade. Na globalização, instituições como o Estado-
nação, continuam a existir e o papel dos deres poticos também, o que ocorre é uma maior
reflexão dos indivíduos sobre a convergência dos seus interesses com os interesses defendidos
por seus governantes. A ciência, também, não perde sua autoridade, mas se descentraliza
tornando-se um sistema de especialistas ou agentes de conhecimento expostos a elucidação e
destruição de sua própria racionalidade. A religião, também, persiste, mas noções como
destino, sorte ou vontade dos deuses são enfraquecidas diante da consciência sobre as próprias
escolhas.
Conforme Giddens (1996), as mudanças em torno dessas estruturas foram efetivadas
pela transformão do espaço e do tempo através impulso das novas tecnologias.
Transformão identificada, também, como um dos processos de globalização. Essa
concepção alerta que as condições de ação à distância, intensificadas pela comunicação global
instantânea e pelo transporte de massa, configuram um emaranhado de processos que produz
contradições e disjunções.
Esse processo influencia o deslocamento entre conhecimento e controle diante de uma
diversidade de informações que os indivíduos tendem a filtrar, frente à gama de situações
vivenciadas por meio da experiência prática e da imaginação. Isso, porque o processo de
compressão espaço-tempo proporciona a experiência vivenciada através da imaginação sendo
mais uma plataforma para a ação à distância. A infinidade de alternativas de modos de vida
entre a experiência prática e a imaginada, implica num fator que configura uma amplitude dos
limítrofes do conhecimento, ao passo que desemboca em descontrole.
Até uma época relativamente recente, grande parte do mundo permaneceu em um
estado quase segmentário, em que ainda persistiam numerosos grandes enclaves do
tradicionalismo. Nessas áreas e também em algumas regiões e contextos dos países
mais industrialmente desenvolvidos a comunidade local continuou a ser forte. Nas
últimas décadas, particularmente influenciadas pelo desenvolvimento da comunicação
eletrônica global instantânea, estas circunstâncias se alteraram de maneira radical. Um
mundo em que ninguém é forasteiro é um mundo em que as tradições preexistentes
não podem evitar o contato, não somente com outros mas também com muitos
modos de vida alternativos. (GIDDENS, 1995, P. 119).
25
No mundo interligado e conectado, o cotidiano é transformando pelos acontecimentos
globais e as decisões locais são projetadas a nível global. Mesmo que as novas tecnologias
estejam à disposição de uma pequena parcela da sociedade, elas aceleraram e totalizam o
desenvolvimento da globalização, na medida em que movimentam os fluxos sociais
instantânea e simultaneamente na comunicação entre distantes. Principalmente, porque
eliminam a situação de copresença como fundamental para o estabelecimento de interação
entre os indivíduos. Diante disso, as novas tecnologias constituem modos de vidas sob
influências diversas através das conexões interligadas numa estrutura em rede.
Ainda sobre a revolão tecnológica atual, Castells (1999) exe que o rearranjo
espaço-temporal, que constitui a sociedade em rede, expressa um sistema interligado pelo
fluxo de pessoas e de informação. Esse autor observa que, além do deslocamento de
informão que intensifica as formas de interação ao redor do mundo, há, também, a
dinamizão do fluxo de pessoas e a aceleração dos processos globais devido, ao avanço dos
meios de transportes. Processos que instauram uma ordem que costura o tecido social a uma
infinidade de estilos de vida e de culturas variadas, que tendem a serem referencializadas
reciprocamente, configurando uma mútua influência entre o local e o global.
Sobre o entendimento de deslocamento neste contexto, chamo a atenção a um aspecto
denominado desencaixe, entendido como o “deslocamento das relações sociais de contextos
locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço”
para Giddens (1991, p.29). Compartilho assim, a ideia de que muitos são os mecanismos que
operam no sentido de desterritorializar, dinamizar o tempo e tornar móbil o espaço no
contexto global. São estes mecanismos que integram elementos que atuam no sentido de
deslocar as relações sociais de seus contextos locais e impulsionar os processos globais como
as novas tecnologias de comunicação e de informação.
Giddens (1991) designa os mecanismos de desencaixe como elementos capazes de
reorganizar o tempo e o espaço, por produzirem ações globais conectadas à distância. Essa
condição gera reestruturação de instituições e de práticas sociais através da intensificação dos
fluxos que provêm de naturezas diversas. O sentido de um sistema global compactado é
significado mediante a ampliação do fluxo de informações e a intensificação das relações
interconectadas num modo que não exige a comunicação em situação de copresença.
Esses processos globais revelam um quadro de aumento potencial da capacidade de
reflexão dos indivíduos na medida em que as fontes de saber e de conhecimento são lançadas
para horizontes além das fronteiras territoriais. Esse cenário construído pela compressão
espaço-temporal e pela desterritorialização, reflete um quadro de incertezas, pois os sujeitos
26
ampliam o perímetro social sobre formas e estilos de vida. Da mesma maneira, manifestam
limitações para poucos privilegiados, repercutindo em marginalização, pobreza, exclusão e
circunstâncias nada reflexivas para os indivíduos localmente confinados.
Consequentemente, essas incertezas revelam riscos, anteriormente mencionados, no
sentido de que são fabricados pela própria sociedade e sobre os quais não determinações
quanto aos níveis dos perigos criados. Nesse âmbito, os sujeitos encontram-se atrelados em
meio a um turbilhão de informações conflitantes, sob as quais devem tomar as decisões sobre
como conduzir cotidianamente seus modos de vida.
A reflexividade pode implicar na revisão radicalizada das práticas sociais, significando
o pensamento sobre o mundo refratado em si ou a autorreflexão a partir do outro. Esse
exercício reflexivo é instituído e instituinte do conhecimento organizado de forma
descentralizada. Sobre isso, Giddens (1991, p.45) destaca que a reflexividade consiste no
fato que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de
informação renovada estas próprias práticas alterando assim constitutivamente seu caráter”.
Essa descentralização, conforme Giddens (1991) está imbricada ao fim de
metanarrativas e no surgimento de sistemas peritos, que são especialistas técnicos em diversas
áreas como na saúde, no direito e na ecologia, entre outras. Dessa forma, compreendo que a
reflexividade, enquanto força integrante das transformações globais condiz com o fim do
conhecimento proveniente de fontes unívocas, centrais e de autoridades incontestadas em
quase todas as esferas institucionalizadas em épocas anteriores.
Sintetizo, então, que as novas tecnologias de comunicação e informação constituem-se
como mecanismos de desencaixe que ativam os processos globais, gerando consequências
como a reflexividade, o descontrole diante das incertezas e os riscos. Quando considero a
dinamicidade gerada por meio dos processos de separação do tempo, do espaço e de
desterritorialização dos sistemas sociais. As consequências dessa dinâmica da sociedade
global são contradições das diferenças sociais e culturais quando interconectadas através dos
fluxos de pessoas e de informação, entre outros mecanismos de desencaixe.
Tanto a reflexividade, quanto a fabricação de riscos advindos de um quadro de
incertezas o, portanto, resultantes dessas fusões ou disjunções dos universos socioculturais
intensificados através do intercâmbio de informações, que conecta as experiências dos
indivíduos a diferentes alternativas de se ver e de se pensar o mundo. Segundo Giddens
(2003), a reflexividade contribui para a transformação das práticas sociais, estreitando a
relação sujeito e estrutura na constituição do sistema social. Contudo, evidencio que as novas
tecnologias os podem ser consideradas como mecanismos de desencaixe, que tornam
27
complexas as interações através do alongamento das modalidades de conexões mediadas e
independentes de situações de copresença.
Integro, assim, a teoria de Castells (1999) acerca da importância das novas tecnologias
de informação e comunicação (NTIC) na constituição de uma sociedade dinamizada pelos
fluxos econômicos, sociais, culturais e políticos, intercambiados globalmente.
Primordialmente, conforme o autor, designo as novas tecnologias como o conjunto
convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (hardware e software),
telecomunicações/radiodifusão, optoeletnica, além de engenharia genética, por se tratar da
manipulação de informação sobre matéria viva. Conceitualmente, isso configura um novo
paradigma tecnológico da informação constituído pela convergência de tecnologias para um
sistema que integra três principais campos como a microeletnica, a telecomunicação e os
computadores como componentes imbricados.
Sobre esse novo paradigma tecnológico, enfatizo a revolução atual referenciada pelas
tecnologias de informação e comunicação (NTIC), que se caracterizam pela importância e
penetrabilidade em variadas dimensões da atividade humana, não apenas como produto, mas
também como processos. Essa visão da revolução tecnológica pode ser ancorada em
concepções que indicam as tecnicidades como novos modos de intercâmbio simlico, os
quais ressoam como profundas transformações, caracterizando a sociedade em rede.
Referente a isso, Castells (1999) afirma que a informação é parte indissociável de toda
atividade humana, sendo as novas tecnologias processos que moldam, embora o
determinem a existência individual e coletiva. A respeito dessa penetrabilidade dos efeitos das
novas tecnologias, considero a morfologia da rede nas estruturas da sociedade;
É forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu
desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de
rede são seus principais atributos. (...) É uma força que provavelmente está, mais do
que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da
mente. (CASTELLS, 1999, p. 113)
Partilham dessa concepção autores como Levy (1994), quando afirma que dispositivos
de informação midiática de todas as ordens reelaboram as maneiras de pensar e conviver.
Visões como estas concebem a técnica como sendo intrínseca à condição humana. Nesse
âmbito, Levy (1994) propõe que a técnica é uma dimensão de estratégias dos sujeitos, quando
agentes efetivos situados no tempo e no espaço, a fim de intercambiarem uma infinidade de
objetos. Assim, esses dispositivos de comunicação e técnica são fontes de ver e agir no
mundo compartilhado por sujeitos, durante um tempo.
28
Nesse sentido, a interação entre as NTIC e as práticas sociais possibilita o
entendimento da flexibilidade das interações sociais na sociedade global, que não dependem
mais de situações de copresença. Logo, a partir dessa relação intrínseca da técnica no pensar e
no fazer humano, reitero as NTIC como mecanismos de desencaixe, que reconfiguram o todo
social através das ações intensificadas pelos processos de globalização.
Nesse sentido, considerando as NTIC, então, como dispositivos/mecanismos flexíveis,
que alteram e reorganizam diversas formas e estilos de se conduzir a vida. Outrossim, ressalto
a importância do reconhecimento da flexibilidade como aspecto das novas tecnologias por
entender que “a fixidez de tempo-espaço também significa normalmente fixidez social”, como
enfatiza Giddens (2003, p.XXXVIII). Nesse sentido, considero a flexibilidade como uma
característica essencialmente intrínseca às novas tecnologias na intensificação dos processos
de globalização.
Princípio diferenciador, conforme Castells (1999), que torna a flexibilidade uma
característica peculiar da revolução tecnológica atual em relação às revoluções anteriores. Em
inovações passadas, as tecnologias eram simplesmente ferramentas a serem aplicadas nos
processos a serem desenvolvidos. Diferentemente, o advento das novas tecnologias de
informão e comunicação significou a aplicação de conhecimento e informação para a
geração de dispositivos de informação e comunicação. Isso redesenhou um novo paradigma
tecnológico, porque “são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação
para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores” de
acordo com Castells (1999, p.78).
É observado que a flexibilidade, também, reside na difusão tecnológica a partir de
meados dos anos setenta, que atingiu, demasiadamente, todo o globo. Fator que a distingui
das inovações anteriores pela maior penetrabilidade entre a tecnologia e a sociedade. A
própria constituição dessa inovação é diferenciadora, pois origina-se da interface entre
programas de macropesquisas e grandes mercados desenvolvidos pelos governos, aliados por
uma cultura de consumo e criatividade tecnológica autônoma.
O contexto histórico e social embrionário dessa inovação tecnológica remete ao
progresso econômico dos Estados Unidos que, em décadas anteriores, proporcionou a
dinâmica autônoma de descobertas e o efeito sinérgico entre elas. Depois de estabelecida, essa
revolução tecnológica foi sendo delineada conforme o cenário ao qual foi sendo expandida.
De forma que esse sistema tecnológico manifesta as desigualdades dos territórios
segmentados no mundo, apesar de sua difusão descentralizada que atinge a todos, mesmo que
indiretamente.
29
Cabe ainda lembrar que essas desigualdades, também, são reflexos do aproveitamento
das novas tecnologias por parte das agências internacionais de informação. Essas agências
criaram um ordenamento multilateral de comunicação global em amplo alcance, que resultou
em uma divisão do mundo em esferas de operação exclusiva, pertencente aos países
privilegiados.
Essa conjuntura traduziu algumas desigualdades no processo de distribuição da
informão, combatidas por meio de conferências e fóruns interessados em novas formas de
cooperação com os países menos desenvolvidos. Com base nisso, destaco a contraposição de
movimentos hegemônicos e contra-hegemônicos, como sendo estratégias de dominação e
resistência, conforme Boaventura (2005), sobretudo acerca das disparidades dos fluxos de
informão e comunicação em torno das novas tecnologias. Esse autor, as ressalta como
forças ativas da globalização, principalmente como suporte de práticas de dominação que
colocam muitos em condição subalterna de autonomia e deliberação.
Ao considerar, então, os aspectos hegemônicos das novas tecnologias a favor das
estratégias dominantes, enfatizo, da mesma forma, a apropriação destas por estratégias
pertencentes à globalização contra-hegemônica. Premissa que releva o sentido contraditório
das novas tecnologias como força integrante dos processos globais. Diante disso, reconheço a
complexidade do fenômeno tecnológico e considero a sua natureza plural constituída por
elementos e processos distintos, mas interligados.
Portanto, a flexibilidade, como característica fundamental desse novo paradigma
tecnológico pode servir tanto como matriz geradora dos fluxos hegemônicos, bem como pode
constituir uma via para a movimentação dos fluxos de resistência. Através desses fluxos,
dialogam, sob o signo da comunicação, concepções impregnadas pelo caráter hegemônico,
visões de mundo incorporadas pela resistência e alternativas a esses padrões sociais
estabelecidos.
Pelas novas dias transbordam um universo de signos que são deslocados e dão
forma aos fluxos globais, conduzindo as transformações que assolam a sociedade atual. Esses
signos figuram como versões representativas reproduzidas mediante os dispositivos
tecnológicos, que figuram para um imaginário coletivo difusos nesse sistema mundo.
Portanto, a comunicação eletrônica comporta as especificidades locais em conexões globais
por meio de dispositivos sociotécnicos que imprimem mudanças concretas diante da
dinamizão com que rompem as fronteiras territoriais.
A profunda interação desses dispositivos com os indivíduos os institui como
tecnologias da inteligência e da imaginação, codificando os acontecimentos sociais por meio
30
de textos, sons e imagens. Característica esta que reorganiza a forma com a qual os sujeitos se
situam no mundo, pois diante das possibilidades abertas pela comunicação e informação
eletnica, os acontecimentos atravessam fronteiras ao serem recortados e traduzidos em
imagens por esses dispositivos midiáticos.
Para autores como Ianni (1998), ainda que o deslocamento de signos através dos
dispositivos midiáticos, seja configurado como um instrumento potencial para influenciar e
assimilar características dominantes globais em âmbito local, esse processo não é monotico.
Os dispositivos midiáticos expressam muito da integração e dos conflitos que são
atravessados por uma infinidade de fatores sócio-culturais que emergem das junções locais,
nacionais e regionais. Reproduzem virtualmente recortes dos acontecimentos que
movimentam a sociedade em todos os seus níveis.
Segundo Ianni (1998), tudo se organiza eletronicamente. As novas tecnologias
intensificam e generalizam as comunicações, ocasionando um sistema mundo movimentado
pela relação entre os elementos complexos que são simultaneamente convergentes e
divergentes, antigos e renovados, novos e desconhecidos. São relações próprias dos processos
que desterritorializam aspectos políticos, econômicos e culturais referentes a pessoas e a
ideias tecidas na realidade globalizada.
O eixo de um novo parâmetro sociotécnico, ocorreu devido à expansão da capacidade
de transmitir informação de maneira mais flexível e eficiente, por meio da distribuição do
espectro eletromagnético pelas organizações nacionais e internacionais. Além do surgimento
dos primeiros satélites que, a partir da década de sessenta, tornaram global a transmissão
eletromagnética, facilitando a inovação de dispositivos sociotécnicos de informação e
comunicação. Esse sistema possui determinadas características de desdobramento da
informão, conforme citado abaixo:
Os contextos culturais/institucionais e a ação social intencional interagem de forma
decisiva com o novo sistema tecnológico, mas esse sistema tem sua própria lógica
embutida, caracterizada pela capacidade de transformar todas as informações em um
sistema comum de informação, processando-as em velocidade e capacidade cada vez
maiores e com custo cada vez mais reduzido em uma rede de recuperação e
distribuição potencialmente ubíqua. (CASTELLS, 1999, P. 51)
Características estas que refletem a interface entre as ações sociais e o avanço de uma
tecnologia em microeletrônica e telecomunicação, acarretando em uma redução de insumos
de energia para aumento potencial de informação. Nesse aspecto, reside, mais uma vez, a
flexibilidade como capacidade de reconfiguração na qual o os processos são reversíveis,
31
mas também, as organizações e as instituições.
Em suma, a penetrabilidade das novas tecnologias surte efeitos sobre diversos aspectos
da atividade humana. Esse novo paradigma informacional intensifica os processos de
globalização onde não somente as estruturas são atingidas, mas também as subjetividades
investidas no cotidiano dos indivíduos. Consequências como a reflexividade são próprias da
relação estrutura e indivíduo e expressam as mudanças em práticas tradicionalmente
estabelecidas. Atribuição incumbida aos dispositivos sociotécnicos como forças pulsoras, que
tornam os processos de globalização contínuos. São, também, inerentes às subjetividades
devido à constante examinação e reelaboração da vida social à luz dos fluxos de informão.
Reitero esse aspecto com o conceito de Levy (1994) sobre as novas tecnologias, que as
reconhece como não sendo apenas dispositivos que transmitem informação, mas também
meios que estabelecem relação entre sujeitos deslocando seus contextos. Assim, as novas
tecnologias desencaixam as estruturas envoltas no universo social e cultural dos sujeitos.
Sintetizo então, a concepção do entendimento das novas tecnologias como dispositivos
sociotécnicos, por estarem intrínsecas à atividade humana como, também, por fazerem parte
da elaboração de um constructo permeado pelas dimensões sociais.
No âmbito de uma sociedade global, as novas tecnologias, ao serem incorporadas às
práticas sociais, acabam gerando e ampliando os fluxos de informação, deslocando contextos
diversos através das relações instituídas na conexão entre distantes. A ampliação destes fluxos
significa a intensificação dos processos de comunicação. Assim, a comunicação é um
processo que, em sua natureza, carrega as representações dos contextos sociais. As novas
tecnologias atuam, então, como dispositivos que dinamizam os fluxos interativos para
âmbitos globais, deslocando, então, os contextos representados.
Como a comunicação reside no plano das representações, sobre o qual os sujeitos
produzem o universo de sentidos, os contextos deslocados, da mesma forma, também são
auxiliares para a codificação das mensagens/informação flexibilizadas por meio dos
dispositivos sociotécnicos. Dessa forma, as realidades locais e globais comportam o sistema
vigente numa relação de interinflncia. Sendo elas fluxos de naturezas diversas,
movimentados por dispositivos que atuam no sentido de desterritorializar contextos sociais
para horizontes além de seus limites sicos.
Conforme Levy (1994), a informação através dos dispositivos sociotécnicos possui
uma forma hipertextual, que constitui um mundo de significações, no qual os atores da
comunicação ou os elementos da mensagem constroem ou remodelam universos de sentido,
projetando seus contextos. O hipertexto possui como característica, a heterogeneidade que
32
aciona através dos nós e ligações, diversos indivíduos, coletividades e contextos.
O hipertexto traz a flexibilidade por intermédio da multiplicidade e do encaixamento
de escalas onde qualquer nó pode revelar-se composto por uma rede onde os efeitos se
propagam de uma escala para outra. Levy (1994) afirma que a exterioridade prediz a forma
com a qual elementos novos intervêm em uma rede sociotécnica, conferindo um caráter
topológico sobre o curso das forças de conexão e desconexão de informação, que constituem a
rede como sendo o próprio espaço. Por fim, o autor revela como característica a mobilidade
da rede, cuja estrutura rizomática é formada por vários centros móveis.
Verificadas essas características do hipertexto percebo porque ele não é exclusivo das
novas tecnologias de informação e comunicação. No entanto, constitui-se como um
componente intrínseco a elas devido a flexibilidade inerente a sua forma. Assim, na
informão comunicada, por meio dos novos dispositivos tecnológicos, o deslocamento de
contextos ocorre sob a determinação flexível das características do hipertexto.
Aspecto este que torna a flexibilidade o regime do fluxo de informação através das
novas tecnologias que desterritorializa realidades e sujeitos mediante a intersecção destes na
comunicação instantânea. Evidencio esse aspecto para os dispositivos sociotécnicos como
produtos da inovação tecnológica atual, em especial, a internet, que mediam na
contemporaneidade os sujeitos que se colocam em interação segundo as características
anteriormente citadas.
Com base nas características peculiares das novas tecnologias como dispositivos
sociotécnicos onde se inscrevem grande parte das práticas sociais na atualidade, identifico
então, a articulação destas com os processos de globalização. Destaco, assim, a flexibilidade
como aspecto central da influência das novas tecnologias sobre os processos de
desterritorialização e compressão espaço-temporal, que imprimem uma reconfiguração dos
sistemas sociais envoltos às relações entre sujeitos e estruturas no âmbito global. Conjuntura
pela qual são transformadas as dimensões, como o cenário potico, a partir da ampliação dos
fluxos sociopoticos através da inserção de sujeitos coletivos o institucionalizados nesse
espaço.
33
1.1 Elementos de uma nova ordem espaço-tempo para a configuração dos fluxos
sociopolíticos
Reafirmo as possibilidades de relações de troca e circulação de universos simbólicos,
independentemente de situações de copresença como ponto central da inovação das novas
tecnologias de informação e comunicação instantânea. Ressalto que essas possibilidades
constituem o aspecto que difere a sociedade atual das sociedades tradicionais. Destaco, então,
essas trocas, livres das circunstâncias do contexto de copresença como os fluxos de
informão, imagens e iias que são movimentados por meio das novas tecnologias.
Esses fluxos podem ser caracterizados pela desterritorialização, que sintetiza a
conjuntura de ação à distância como um dos fatores que integram os processos de
globalização. Percebo, assim, que a desterritorialização se realiza através de mecanismos de
desencaixe, que permitem a inovação e dinamização do tempo e a mobilidade do espaço na
contemporaneidade o que implica em condições de ação à distância. Essas condições tornam a
desterritorialização um fator essencial para a motivação dos processos de globalização, pois
estrutura uma nova ordem, influenciando a organização social e tornando o globo cada vez
mais uma realidade estrutural, isto em vista de sua representação como apenas um símbolo
geográfico.
Entendo essas condições como consequências das mudanças de um tempo-espaço
reordenado pelas novas tecnologias que o sendo inseridas e incorporadas aos processos que
fundam a sociedade global. Dessa forma, pressuponho a relação espaço-tempo como uma
variante das transformações que afetam todas as dimensões estruturais e subjetivas do
complexo social. Assim, percebo seu vínculo com as demais transformações de extrema
relevância, que vigoram e determinam cada contexto social, em específico, a aproprião das
novas tecnologias de informação e comunicação por práticas sociopoticas redefinidas nas
intermincias dos processos globais.
Entre tantos aspectos, trago para discussão a compressão espaço-temporal pontuada
pelo desenvolvimento das novas tecnologias, reconhecendo a transição dessa relação como
um processo contínuo que se manifesta em profundas mudanças nas sociedades. A
compressão tempo-espaço consiste na separação entre estas duas categorias que
correspondem à dinâmica que converte o desenvolvimento e as mudanças na sociedade
contemporânea. Porém, isso significa que “a separação entre tempo e o não deve ser vista
como um desenvolvimento unilinear, no qual não reversões ou que é todo abrangente”,
34
diz Giddens (1991, p.27).
Essa relação é permeada, na sua recombinão, com a organização social atual que
implica na coexistência de nuances que refletem diversos modos de vida. Estes, delineados
interdependentemente na tecitura dos fluxos conectados em diferentes pontos do mundo
global, o que resulta em um desencaixe desse sistema social devido às variantes que afetam a
reordenação espaço-temporal.
Isso, porque em épocas anteriores, essas nuances eram abafadas pela condição de
mensuração temporal totalmente inerente ao espaço considerado em relação a um referente
físico. Isso conduzia a modos de vida organizados dentro de limites territoriais, com um
tempo mais cristalizado nas características desses espaços e com menos convergência para
formas distintas de organização. Em suma, o cálculo do tempo dependia da vida social
organizada no espaço conceituado como lugar. Isso significa que a vida social se constituía
sob interações presenciais e demarcadas fisicamente. Com base nisso, as horas eram
pontuadas segundo marcadores sócio-espaciais.
Conforme Giddens (1991), a vinculação do tempo, com o espaço concebido como
lugar, vigorou até o advento do relógio mecânico, que proporcionou a uniformidade, a
mensuração do tempo e, também, como consequência, a uniformidade na organização social
do tempo. Essa reorganização do tempo, tamm, decorreu da pressão diante do
desenvolvimento das telecomunicações e dos meios de transporte para calcular o tempo em
âmbitos supralocais. Conforme Thompson (1998), essa padronização do tempo através de
uma linha internacional de mudança de data, pela qual o mundo foi dividido em vinte e quatro
fusos horários, contribuiu para a coordenação dos tempos locais e para a organização de redes
de comunicação e transporte.
Sobre essa questão, o autor ressalta que a separação entre tempo e espaço ainda se
trata de um desenvolvimento em constante expansão e parcialmente abrangente. Isso, porque
a dinâmica da nova ordem tempo-espaço desenvolveu-se na intermitência de aspectos que
dificultaram a uniformização do tempo mediante as diferenças existentes entre fronteiras de
países e regiões. Esses obstáculos foram devidamente diagnosticados nos procedimentos de
padronização mundial de calendários por meio das discrepâncias entre regiões.
Na medida em que vão se rompendo as barreiras que impedem a uniformização e
padronização do tempo, vai ocorrendo, simultaneamente, a desvinculação entre espaço e
lugar. Esse fato ocorre porque “a coordenação através do tempo é a base do controle do
espaço” (Giddens, 1991, p. 26). Isso reflete as possibilidades do desenvolvimento da
sociedade contemporânea através das novas tecnologias, que conduzem as interações sociais
35
em um campo onde as distâncias são aniquiladas por meio da velocidade e da instantaneidade
do tempo. Características que imprimem maior mobilididade e flexibilidade na vida social
contemporânea, pois amenizam as barreiras do espaço físico e ampliam as conexões pelo
espaço de fluxos.
Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida
em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e
para quase todos os efeitos, dominadas pela presença _ por atividades localizadas.
O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando
relações entre outros ausentes, localmente distantes de qualquer situação dada ou
interação face a face. (GIDDENS, 1991, p.27)
O autor aproxima a separação do espaço e do tempo com o desenvolvimento da
sociedade atual, no que refere a sua constituição e a sua influência. A mobilidade no espaço e
a velocidade do tempo resultam em situações de interação não dominadas pela presença, o
que, também, impulsiona a formação de um mundo globalmente vivenciado. A separação
espaço-temporal trata de uma conjuntura de desenvolvimento tecnológico mais difuso e
extensivo. Esse contexto é um novo paradigma que, simultaneamente, desenvolveu processos
globalizadores, como a desterritorialização, mas que também é um produto desses processos.
Entretanto, a revolução tecnológica atual não é fator único e nem isolado na
configuração da separação espaço-temporal. O esvaziamento espacial, formado pelas
disjunções entre a representação do espaço referencializando um local, assim como a
velocidade do tempo instantâneo, são, também, produtos de mudanças políticas, como a
cooperação entre estados e econômicas de organização do mercado, de bens e serviços, am
de outros.
Harvey observa a nova ordem espaço-temporal, aplicando sua relevância para a
intervenção das novas tecnologias nos modos de produção que intensificaram e flexibilizaram
os processos de trabalho e as transações financeiras. Outrossim, a circulação de mercadorias
em escala maior isso visto também sob o aspecto da adaptação a essa dinâmica das mudanças
organizacionais. Assim, temos que o aumento do ritmo de consumo e, também, de
densificação de consumo de serviços de entretenimento, comerciais de saúde mais efêmeros,
mais fluidos nas transações globais que os bens físicos.
Esses bens, apregoados pela instantaneidade e descartabilidade, podem ser abordados
como os mecanismos de desencaixe de Giddens (1991), que proporcionaram uma
descontinuidade entre a condição atual e a estrutura das sociedades tradicionais. Isso, porque
o sentido descartável e instantâneo do consumo desses bens deslocou valores, culturas, ideias
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e forneceu uma diversificação em estilos de vida através da construção de novos signos e
imagens, principalmente, por meio dos dispositivos midiáticos.
É sob essa perspectiva vinculada aos modos de produção capitalista, que Harvey
observa a compressão espaço-tempo como uma alteração nas representações de mundo devido
à variante de estilos de vida que permeiam as trocas de bens simbólicos entre os sujeitos na
contemporaneidade. Isso ocorre no âmbito das representações por ser a compressão espaço-
temporal, reafirmadamente, um produto social correspondente ao sentido que os processos
globais inferem ao deslocar pessoas, ideias e contextos por intermédio dos mecanismos de
desencaixe. Assim, essa representação social confere o sentido de um espaço condensado e de
um tempo instantâneo, imune de barreiras que caracterizam um modo de tempo real nas
conexões firmadas no contexto global.
Em condições de globalização, Harvey destaca uma perspectiva que salienta uma
aceleração na vida social, que incumbe aos indivíduos se adaptar e reconfigurar suas
representações frente à alteração das circunstâncias de ruptura de fronteiras e livre circulação
de significados, que podemos reconhecer como desterritorialização. Essas possibilidades de
deslocamento subvertem a relação espaço-temporal, pois diferente de épocas precedentes, o
tempo em sua efemeridade imprime uma volatilidade das atividades, o que inscreve um
esvaziamento do espaço dadas as possibilidades de intervenções através dos fluxos diluídos
por meio dos diversos mecanismos que desencaixam este sistema mundo hoje.
No entanto, conduzo esta abordagem, referindo-me, especificamente, às novas
tecnologias que deslocam as interações sociais de seus contextos mediante uma condição de
tempo instantâneo e imprimem um esvaziamento espacial. O deslocamento/desencaixe dessas
interações sociais ocorre porque as novas tecnologias as possibilitam serem desprovidas da
realizão localizada. Da mesma forma que afirmo serem os fatores centrais da constituição
da velocidade do tempo instantâneo que diluem, efemeramente, o espaço de fluxos. Essa
perspectiva traduz aspectos que apontam para uma não linearidade dos fatores que repercutem
na separação entre tempo e espaço, principalmente para incidências diferenciadas desse
desenvolvimento, que atingem e dinamizam a sociedade atual.
No que tange a essa perspectiva, posso argumentar que a supressão do espaço em
relação ao tempo é condição essencial do processo de desencaixe. Sobretudo, porque a relação
espaço-temporal penetra “as conexões entre a atividade social e seus encaixes nas
particularidades dos contextos de presença”, como afirma Giddens (1991, p.28).
Característica esta que perpetua significantes transformações, quando a atividade social se
torna independente dos contextos de presença, possibilitando a compressão espaço-temporal
37
por meio de mecanismos de desencaixe que deslocam as ações de suas localidades.
Essa relação espaço-temporal é uma condição que diz respeito às formatações
advindas de circunstâncias de ausência e presença, encaixe e desencaixe, sobretudo para
formas variadas de conexões em um contexto de espaço-temporal comprimido, gerando
processos de desterritorialização. Esse contexto revela modos de vida não mais limitados por
influências situadas localizadamente diante das alternativas que surgem sobre eles, quando
deslocados no espaço de fluxos. Cada vez mais as conexões entre distantes marcam as
influências locais num sentido contínuo de troca entre as dimensões regidas pelos processos
globalizadores.
A compressão tempo-espaço provoca efeitos disjuntivos sobre práticas potico-
econômicas, assim como sobre a vida social e cultural. Harvey (1999) afirma, também, que
essa transformação de paradigmas é reflexo das novas tecnologias combinadas com mudanças
organizacionais que ativaram um caráter de velocidade sobre as dimensões da vida social. Sob
o aspecto das novas tecnologias, a velocidade surge da intensificação dos processos de
comunicação e de informação. Essas mudanças acentuaram o intercâmbio de bens, produtos,
sistemas de trabalho, ideias e valores, conduzindo um sentido instantâneo sobre as práticas
estabelecidas.
Sobretudo, percebo que o reordenamento espaço-temporal dinamizou, através dos
mecanismos de desencaixe, os fluxos que constituem as práticas sociais na globalização.
Conduzo a compreensão dessas transformações de acordo com Castells (1999), quando afirma
que, atualmente, a concepção de tempo se em função do paradigma das novas tecnologias
sob o comando das práticas sociais e do espaço de fluxos.
Seguindo esses autores, verifico que o tempo linear, irreversível, que dominou
cronologicamente o espaço e a sociedade moderna, está se desintegrando com as práticas
sociais combinadas às novas tecnologias interativas na sociedade global. O tempo linear foi o
alicerce de uma sociedade tradicional, configurada em um sistema fragmentário de mundo.
Com as possibilidades de ação à distância, o mundo se tornou pequeno e as conexões
aproximaram e manifestaram diferentes alternativas de vivenciar a vida além das
tradicionalmente estabelecidas e demarcadas nos limites culturais, sociais e poticos de cada
comunidade local.
Diferente do tempo linear, que assegurava as formas de vida em uma sociedade
tradicional, a globalização protagonizou o alvorecer de um tempo real. Esse tempo significou
as trocas e experiências vivenciadas entre distantes simultaneamente. Os quatro cantos do
mundo puderam ser interligados e, mutuamente, influenciados através das conexões dos
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fluxos globais em diversas esferas tanto no mercado econômico, quanto no intercâmbio
cultural e nas relações sociais e políticas.
Na economia, a velocidade das transações financeiras implicou em uma fonte de valor
que gera lucros ou perdas através da aceleração do tempo manipulado pelos mercados
eletnicos globais. Também o intercâmbio de ideias e costumes contrastou diversas culturas,
mesclando-as e reproduzindo tais manifestações nos espaços fluidos da sociedade global. Nas
relações políticas, as guerras adquiriram muito mais um caráter instantâneo com base nas
tecnologias e com o foco na mídia. Em contrapartida, isso demonstrou que o gerenciamento
do tempo pode ser ainda um privilégio de poucos, pois sua condução em muito depende da
capacidade disponível de recursos e de investimentos tecnológicos.
No que refere ao aspecto das tecnologias de comunicação e informação, posso afirmar,
conforme Castells (1999), que as conexões geradoras dos fluxos globais se devem ao caráter
simultâneo e à intemporalidade dos processos sociais. Além dos demais dispositivos
tecnológicos, chamo a atenção para as contribuições de uma cultura da virtualidade real
associada a um sistema multimídia eletronicamente integrado, como a internet. Isso, porque a
comunicação mediada através das redes interativas possibilita o diálogo em tempo real e com
maior flexibilidade.
Importante enfatizar que essas características fazem do dispositivo tecnológico em
destaque um mecanismo de desencaixe que prima pela participação efetiva dos sujeitos que
através dele interagem. Esses, enquadrados como usuários, consagram-se como interagentes
da rede e criam uma colagem temporal, ordenando os eventos conforme as sequências
temporais condicionadas pelo contexto social de sua utilização. Dessa forma, ocorre uma
especialização ou personalização do tempo, pois faz com que as características de um
contexto causem confusão sistêmica na ordem seqüencial dos fenômenos sucedidos.
Conforme Castells (1999) essa descontinuidade através dos fluxos constitui o tempo
intemporal.
Essa inovação do tempo intemporal ou tempo real, marca a dinâmica flexível com que
se molda a estrutura da sociedade global por meio das conexões em rede. Trata-se de uma
sociedade cuja morfologia não é mais constituída por uma estrutura social marcada pela
tirania do tempo cronológico ou pelos espaços de lugares, mas sim por pilares regidos pelos
fluxos de informação e de pessoas conectados em pontos móveis do globo. Sobre essa
estrutura em rede da sociedade global, encontro apoio nas palavras de Castells (1999), que
dizem:
39
As funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais
organizados em torno de redes (...) Embora a forma de organização social em redes
tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da
informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a
estrutura social (...) essa lógica de redes gera uma determinação social em nível
mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes: o
poder dos fluxos é mais importante que os fluxos de poder. (CASTELLS, 1999,
p.497)
Essa lógica de redes é regida pela nova dinâmica do tempo e pelo espaço de fluxos
conforme anteriormente afirmado pelo autor. Nessa perspectiva, o espaço de fluxos organiza
o tempo na sociedade em rede, porém não de forma a ser fixado fisicamente como o espaço
de lugares em épocas antecedentes. Esse espaço diz respeito a uma transformação dos padrões
de localização das atividades humanas através dos fluxos da informação, como a
reconfiguração das práticas ecomicas, de interações subjetivas e, também, a organizão
das cidades.
Como exemplo disso, percebo que na economia, os fluxos conduzem as atividades
empresariais organizadas em rede, através dos serviços avançados que se integram
globalmente por meio dos fluxos de informação. Essas organizações estabelecem as conexões
que formam os fluxos financeiros, atuando, também, como mecanismos de desencaixe na
sociedade global. São operações que facilitam as transações financeiras, porém implicam em
maior risco.
A esse respeito observo que a compressão espaço-temporal aumenta as condições de
risco social, lembrando que esses são instituídos nas incertezas da ampliação reflexiva dos
modos de vida. Isso, porque os acontecimentos extensivos no tempo e espaço, através dos
mecanismos de desencaixe, deslocam determinadas práticas sociais de suas situacionalidades,
fator que revela maiores alternativas e coloca em discussão solidificados meios de exercer
essas atividades. Como são ampliadas as incertezas, o risco torna-se um aspecto presente em
diversas áreas da vida social, as quais são inundadas pelas infinitas possibilidades.
Os riscos contemplam toda a estrutura em rede que perpetua a vida social por meio do
espaço de fluxos. Neste âmbito, também são encontradas as cidades globais que são
constituídas como processos onde os centros produtivos, de consumo, de serviços avançados e
as sociedades auxiliares estão conectados em uma rede global. Essa estrutura em rede não é
estável, é uma combinação de nós que depende dos fluxos de informação e que torna qualquer
lugar vulnerável à concorrência entre cidades e serviços como educação, cultura e aos altos
investimentos.
Vale ressaltar que essa instabilidade reflete os nós como elementos da rede que
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representam as concentrações de atividades importantes em determinados lugares. Fatores que
expressam, também, a flexibilidade dessa estrutura social, pois os principais centros das
atividades humanas podem migrar, desde que emaranhados na rede, conforme os fluxos
globais e fluir constituindo outros nós. De tal forma que o espaço de fluxos torna todos
vulneráveis aos fluxos de poder da sociedade global. Essa flexibilidade enquanto viabiliza
possíveis reconfigurações, também normatiza as transformações quando se torna operacional
apenas para os poderes constitutivos da sociedade.
Castells (1999) chama a atenção para a premissa de que a arquitetura da rede se
reproduz localmente, conectando todo o sistema a nível global. Nesse sentido, todos são
atingidos pelos efeitos globalizadores e, também, são produtores destes. A interdepenncia
entre local e global é aqui acionada com ênfase na interdependência dos elementos que
estruturam tanto um quanto o outro. Aqui, a relão entre local e global pode ser concebida
como o local, configurando o espaço de lugares, sendo o espaço percebido pelas pessoas em
função do lugar e o global, o espaço de fluxos. O contraste dessa relação consiste em ponderar
que, no espaço de fluxos a forma, a função e o significado são independentes das fronteiras e
da contiguidade física, tornando o significado e a dinâmica dos lugares suscetíveis aos
movimentos dos fluxos globais.
Tomar essa relação sob determinado aspecto reside refletir a contradição que indica
que “os processos globalizadores não tem unidade de efeitos” de acordo com Bauman (1999,
p.8). Caráter multidimensional que inscreve os contrastes percebidos pela compressão espaço-
temporal e que repercutem, intrinsecamente, relacionados a fatores como a globalização e a
localização. Isso porque esses processos tanto dividem, quanto unem, ou seja,
equivalentemente, os fluxos econômicos e de informação são movimentados através do tempo
enquanto há uma fixação de alguns segmentos da sociedade no espaço.
Embora esses processos demonstrem uma contraditória natureza, isso não significa
exatamente que seus componentes estejam em oposição. A relação entre o global e o local
representa, conforme Bauman (1999), os efeitos pares e díspares que podem, ao mesmo
tempo, convergir e divergir as forças e relações imersas na estrutura global, mesmo
reconhecendo que essa força globalizante é tomada como predominante na condução da vida
social contemporânea.
Segundo os princípios do autor, como a globalização é uma força preponderante, a
localização se torna uma das forças contrárias aos elementos que formam a natureza do
fenômeno global, mesmo sendo intrínseca a ela. Com base nisso, Bauman (1999, p. 8)
determina que a localização designa um modo de exclusão, pois “ser local em um mundo
41
globalizado é sinal de privação e degradação social”. Contudo, ser local não significa estar
nitidamente isolado ou pertencente a um sistema inverso a sociedade global. Mais que isso,
ser local significa alimentar o sentido dialético que configura essa relação, mesmo que para
alguns o ser local implique no sentido restrito de exclusão.
Entretanto, a perspectiva de Bauman (1999) considera a influência recíproca de ambas
as forças. Porém, evidencia que num contexto onde a globalização se torna ordem e os
espaços blicos adquirem cada vez mais conotação planetária, tudo fica mais susceptível e
interpenetrado pelos fluxos globais. Nesse sentido, os sujeitos localmente inseridos tornam-se
dependentes dos significados globalmente negociados.
No que tange as novas tecnologias, compreendo suas contradições como mecanismos
de desencaixe que propiciam a nova dinâmica espaço-temporal e, consequentemente, a
desterritorialização de práticas sociais. Essa contradição consiste no fato de que ao mesmo
tempo em que elas libertam e criam oportunidades por meio da comunicação instantânea,
também sucumbem à manifestação dos que delas não se beneficiam. Mecanismos
sociotécnicos como a internet, por exemplo, ao passo que tornam mais flexíveis os encontros
e as intersecções entre dialogias em um tempo-espaço comprimido, também restringem em
universos localizadamente situados uma gama de indivíduos não integrados nas vias
interativas da web.
No entanto, essas contradições revelam disparidades, mas não significa que existem
contextos menos atingidos por estas inovações tecnológicas, e muito menos pela condição que
imprimem a um tempo-espaço comprimido. Autores, como Bauman (1999), caracterizam
essas disparidades como uma ruptura entre as elites extraterritoriais, cada vez mais globais, o
restante das populações, cada vez mais localizadas.
Referente a essas assimetrias provocadas pela compressão espaço-tempo através de
dispositivos tecnológicos, o autor enfatiza, como consequência incidente do processo de
globalização, a vantagem das elites nesse contexto. Para ele, as elites podem beneficiar-se dos
fluxos de naturezas diversas, movendo-se transnacionalmente, por meio dos recursos
tecnológicos que dispõem, enquanto o restante das populações fica ainda mais confinado em
seus terririos. Sobre essa desigualdade que assola a relação entre a globalização e a
localização Bauman (1999, p.20) afirma que com o tempo de comunicação implodindo e
encolhendo para a significância do instante, o espaço e os delimitadores de espaço deixam de
importar, pelo menos para aqueles cujas ações podem se mover na velocidade da mensagem
eletrônica”.
Esse autor percebe que os processos de compressão espaço-territorial limitam ainda
42
mais localizadamente as pessoas que estão à margem das vias tecnológicas por onde circulam
informações, relações e sujeitos. De tal forma que a globalização imprime contrastes num
tempo espaço comprimido no sentido em que emancipa “certos seres humanos das restrições
territoriais ao _mesmo tempo que desnuda o território, no qual outras pessoas continuam
confinadas” como diz Bauman (1999, p. 25). Condição esta que torna vulneráveis os espaços
territoriais descobertos e interpenetrados pelos fluxos globais.
Para o autor, o complexo de tempo/espaço é um produto social que muito favorece
os poderes constitutivos com uma tendência capaz de criar sua realidade através de
significações indiferentes à divisão perto e longe, contrapondo-se à realidade construída pelas
populações de classes menos privilegiadas, que construíram suas realidades com base em
significações limitadas das suas fronteiras. Nesse sentido, observo o diálogo de Bauman
(1999) com a globalização dominante de Boaventura (2005) para o qual as novas tecnologias
também constituem estratégias de imposição do poder. Essa ideia resume a concepção das
novas tecnologias como dispositivo de desenvolvimento da globalização hegemônica, para
obtenção de maior alcance e controle.
Assim como o estar perto e o estar longe integram conceitos socialmente construídos,
da mesma maneira, o conceito distância é compreendido, supondo conforme Bauman (1999,
p.19) “que sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida”. De
tal forma que diminuir a distância é uma condição que favorece a uma elite que se beneficia
de tecnologia em relação aos transportes de pessoas, informação e transações financeiras,
além da circulação de bens e produtos. Enquanto uns se beneficiam, como diz Bauman (1999,
p.25), outros observam, impotentes, a única localidade que habitam movendo-se sob seus
pés” posicionando-se na contramão da globalização.
Para esclarecer sobre o significado dos conceitos que elaboram as noções de longe e
perto, Bauman (1999) elucida que o primeiro representa imprevisibilidade das ações, como
estar deslocado e atraindo problemas; o segundo, a obviedade, as atividades cotidianas, estar
em um espaço conhecido, à vontade. Esses significados representam a construção social do
sentido atribuído ao longe e ao perto. A partir disso, retorno, relacionando estes significados
com aspectos da sociedade global levantados por Giddens (2005).
Reitero que esses aspectos suscitam a incerteza, como uma categoria gerada pelos
mecanismos de desencaixe ao desterritorializarem e ao dotarem de sentido o estar perto e o
estar longe, sobre diversas dimensões da vida humana. Esse autor prescreve que esses
mecanismos aproximam realidades distantes, extrapolando crenças e ampliando os horizontes,
fazendo surgir sentimentos de desconforto e inquietude em relação a estilos e modos de vida,
43
anteriormente assegurados por fatores como a tradição.
Como mencionado, entre os mecanismos sociotécnicos que imprimem essa
mobilidade/desencaixe, encontram-se o desenvolvimento dos meios de transporte e dos meios
de informação e comunicação, que proporcionam o processo de desterritorialização de
pessoas e ideias. Esses mecanismos, em especial a inovação da comunicação planetária e
instantânea, fizeram com que a informação fosse deslocada independentemente de seus
portadores sicos e dos objetos sobre os quais se informava. Evidencio, fundamentalmente,
que esses mecanismos contribuíram de forma significativa para o desencaixe no contexto
atual. Como o deslocamento conferido à comunicação eletrônica, sobre a qual se percebe que
através desses dispositivos segundo Bauman (1999, p.21). “libertaram-se os significantes do
controle dos significados”.
Um dos meios de comunicação a promover esse deslocamento foi a rede mundial de
computadores (world wide web) que tornou a informação disponível em todo o planeta. Com
o advento da internet foi possível, então, observar “com mais clareza do que nunca o papel
desempenhado pelo tempo, o espaço e os meios de utilizá-los na formação, na
estabilidade/flexibilidade e na extinção de totalidades políticas e socioculturais”, segundo
Bauman (1999, p.22). A extinção das totalidades políticas e sócio-culturais se devem à
circulação de conteúdos que provêm de variadas autorias na web e, também, da escolha ativa
desses conteúdos por parte do público.
Essa diversidade de fontes, bem como de conteúdos, resulta, entre outros elementos,
do provento da comunicação instantânea de baixo custo, já que não há diferença de custo
entre a informação em nível global ou local. No entanto, isso implica em um transbordamento
de informações frente aos filtros que interceptam interesses e interpretões. Essa livre
circulação de conteúdos ocasiona um emaranhado de “mensagens mutuamente incompatíveis
ou canceladoras”, evidencia Bauman (1999, p. 23). Isso leva a resguardar que a efemeridade
é a característica que torna os acontecimentos e os fatos que são relatados na comunicação
planetária imediatista, tanto na sua produção e circulão, como também, no modo como são
interiorizados pelos sujeitos.
Nesse sentido, entendo que a efemeridade da comunicação ciberespacial influi nos
movimentos dos fluxos globais por ser dotada de dinâmicas como a aceleração do tempo e
compressão do espaço, revelando reconfigurações, como a organização social do espaço. Em
épocas precedentes, o espaço territorial e planejado sempre foi o eixo de uma sociedade bem
estruturada. Entretanto, as transformações da globalização impuseram um terceiro espaço, o
ciberespaço configurado pela rede (www), no qual distantes não são separados por obstáculos
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físicos ou temporais.
O surgimento do ciberespaço é um dos fatores que tornam a sociedade global
vulnerável ao princípio do efêmero em todas as suas dimensões. A variedade de conteúdos
disponíveis e sujeitos que se cruzam nesse espaço revela a flexibilidade de reconfiguração
rápida de ideias, valores, contextos fluidos. Essa afirmativa segue o princípio da rede que
estrutura o sentido de que estamos todos sendo globalizados, numa cadeia ampla e variável de
nós. O ciberespaço sublinha que os efeitos de mecanismos sociotécnicos como a internet
incidem, variável e principalmente, sobre indivíduos ainda limitados por um espaço fixo e por
uma distância temporal. De tal forma que esses sujeitos estão enraizados em seus contextos e
o acompanham a velocidade com que se movimentam os fluxos no mundo global.
Nesse sentido, a flexibilidade e a mobilidade do ciberespaço é, também, um processo
globalizador de natureza intrinsecamente contradiria. A mobilidade, que flexiona
tecnologias como a internet, também imprime uma característica restrita ao acesso a essas
inovações. A rede global de comunicação, nesse contexto, traduz as possibilidades abertas
pelos fluxos da globalização e das NTIC, ainda como oportunidades seletivas e em potencial
de expansão. São possibilidades abertas para a criação e ressignificação de significados para
uns, enquanto para outros ainda tencionam a falta de significados. Nesse sentido, a internet é
“aclamada como a porta de uma nova e inaudita liberdade e, sobretudo, como fundamento
tecnológico da iminente igualdade, é claramente usada com muita seletividade trata-se na
verdade de uma estreita fenda na parede e não de um portal”, diz Bauman (1999, p.79).
O autor observa que o sentido empregado às inúmeras possibilidades da internet e à
constituição do ciberespaço é ainda um processo disponível a poucos, com significantes
limitações de abranncia social. Conjuntura essa que pode fazer do efêmero, um componente
de estratégia dos poderes dominantes na sociedade global. A concepção de velocidade do
tempo, segundo Bauman (1999), postula uma visão sobre a qual revela que a compressão do
tempo tem consequências segregadoras sobre diferentes camadas da sociedade. O autor retrata
que a aniquilação das distâncias espaços-temporais configura processos de globalização que
polarizam muito mais do que convergem.
Isso instaura as desigualdades entre os sujeitos possibilitadamente flutuantes nos
fluxos econômicos, poticos, culturais e cio-extraterritoriais, enraizados e cada vez mais
encarcerados localizadamente. Essa polarização reflete a ideia de que num mundo globalizado
os processos atingem a todos, porém, distintamente. De tal forma que os indivíduos cujas
práticas sociais ainda encontram-se isentas de intercâmbio simlico pelos espaços de fluxos
são cada vez mais enclausurados em seus universos localizados fisicamente num espaço de
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lugares.
No entanto, no âmbito da política, muitas são as estratégias contra-hegmônicas,
segundo a definição anterior de Boaventura (2005), que tomam a forma de organizações que
se utilizam de mecanismos de desencaixe como a internet para imprimir suas visões de mundo
e diluir seus interesses nos fluxos globais. Essas práticas denominamos como micropoticas
consideradas como intersecções dialógicas ou fluxos sociopoticos que se valem da rede para
legitimar seus interesses e projetarem globalmente as questões referentes aos contextos aos
quais estão inseridas.
Nesse aspecto, surgem formações coletivas com propósitos comuns que circulam num
espaço público ainda desigual, porém mais diversificado pelas vozes/atores que investem, por
interdio da internet, em seus interesses. Embora ela ainda seja um mecanismo sociotécnico
de donio mais elitista, suas características flexíveis imprimem possibilidades de
visibilidade a atores e conjunturas submersas pelos enfoques influentes de dispositivos
midiáticos mais tradicionais.
Dessa forma, relacionando com a reflexão até aqui desenvolvida e, portanto, com os
conceitos trabalhados de globalização, compressão espaço-temporal e mecanismos de
desencaixe, como as novas tecnologias de informação e comunicação, insiro aqui a análise
referente ao site do rum Social Mundial (FSM), pelo qual organizam-se manifestações
diversas condensadas no propósito de “um outro mundo é possível” (http:wfs2008.net).
Este movimento expressa entre encontros presenciais sua causa publicamente através
da articulação na internet, formando uma rede descentralizada de ativistas dispostos a
divulgar, organizar e manifestar posições referentes ao propósito do movimento em diversas
partes do mundo.
Entre as ramificações expostas pelo FSM, na internet, está o site motivador dessa
pesquisa, que é o http:wsf2008.net, que retrata um evento descentralizado organizado e
difundido estritamente pela rede, o site de endereço http://www.ciranda.net, que imprime uma
central de dia sobre todas as edições com contribuições através de vídeos e postagens da
sociedade em geral. Há, também, os sites http://www.openfsm.net e
http://www.wsfprocess.net, de cunho mais organizacional, que implica em um portal de
ativismo ligado ao fórum e um portal para os ativistas organizarem e projetarem suas ações,
respectivamente.
Através destes sites, além de outros, os sujeitos rompem fronteiras e interagem
mediante uma variedade de informações e diálogos intercambiados independentes de espaços
territoriais e em condições de tempo real. Isso insere o FSM no espaço de fluxos da sociedade
46
global por tratarem-se de conexões que englobam ações e indivíduos distantes numa
conjuntura de tempo-espaço comprimido, são intersecções dialógicas que circulam por um
espaço público descentralizado sob inflncia de mídia flexíveis e autônomas como a internet.
O FSM é caracterizado pela diversidade e relação entre interesses locais e globais e, através
da sua projeção na rede, são desterritorializadas manifestações/ações provenientes de diversas
partes do planeta. O fórum constitui-se como:
(...) Um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da refleo,
formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais,
redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem ao
neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de
imperialismo. (http://www.wsf2008.net.br).
É com base neste objeto anatico que me permito concordar parcialmente com
Bauman (1999), pois reitero o ponto que revela as consequências diferenciadas sobre as quais
incidem os processos globais. Contudo, ratifico as enfatizações sobre as afirmações que
relatam os efeitos de processos como a desterritorialização devido a nova ordem espaço-
tempo como polarizações, sobretudo porque polarizar significa posicionar em lados opostos
as condições a que estão sujeitos os indivíduos na sociedade global. Num contexto de
imanente complexidade, esse aspecto invoca determinismos que não considero complacentes
com uma realidade na qual todos estão sendo globalizados e insurgem manifestações contra-
hegemônicas por meio de mecanismos de desencaixe como as novas tecnologias de
informão e comunicação.
De tal forma que caracterizar esse contexto por efeitos, positivos para elites e
negativos para os demais, ressoa como absolutismo diante da complexidade do fenômeno.
Pois inovações tecnológicas, assim como a rede global de comunicação, podem trazer
benefícios até mesmo para aqueles que são atingidos indiretamente, o que não diminui a
ressalva do autor para a polarização de efeitos produzidos por estas inovações como a
limitação ainda territorial/espacial para quem não tem acesso a esses mecanismos
sociotécnicos.
Essa perspectiva polarizadora qualifica a criação do ciberespaço e as manifestações de
poder independente do ambiente sico, avaliando que a elite da mobilidade precisa “é isolar-
se da localidade, agora despojada de significado social, transplantada para o ciberespaço”,
conforme Bauman (1999, p.27). Em contrapartida a isso, declaro um aspecto importante,
referente ao universo representativo das localidades. Considero que embora vinculadas ao
espaço de lugares, as localidades dialogam e refletem os significados que são negociados por
47
meio dos fluxos.
Logo, questiono ser inadequado afirmar que tanto o global, quanto o local isolam-se
um do outro, principalmente em termos de construção de significados, ou seja, um processo
contínuo da relação entre ambos. Coloco essa relação, segundo Hannerz (1990), evidenciando
através de uma diferenciação entre o sujeito global e o sujeito local, que os aborda como
cosmopolitas e exilados, respectivamente.
Os cosmopolitas manifestam o desejo de se envolverem com outras culturas, ou, de
certa forma, sentirem-se livres para assim proceder. Eles querem ser participantes,
ou, ao menos, não desejam ser facilmente identificados com uma multidão de
participantes, isto é, de habitantes locais em se próprio país de origem. (...) O
exilado, que também é deslocado diretamente de uma determinada cultura local
para outra, a maioria das vezes também o é um verdadeiro cosmopolita, pois o
seu envolvimento com uma cultura estranha à sua te natal é algo que lhe foi
imposto. (HANNERZ, 1990, p.256).
Abordo essa distinção entre os sujeitos globais e locais como cosmopolitas e exilados
para ressaltar que, na verdade, o fator que os difere é, ao mesmo tempo, o ponto crucial que os
relaciona. A própria conceituação de um não é possível se não comparada com o outro.
Adiciono a essa concepção que existe, no entanto, uma potencialização dessa relação ao entrar
em contato, como no ciberespaço. Mesmo que o sujeito local ainda não esteja inserido
diretamente nele, é afetado, mesmo quando interpreta em segunda mão o universo simbólico
negociado globalmente por camadas cosmopolitas com trânsito nos espaços de fluxos.
Portanto, afirmo que não isolamento num mundo global, mas sim extenes diferenciadas
das relações que são construídas face à face.
Em relação ao paradoxo entre a interação face à face e as interações livres das
situações de copresença, como a primazia do ciberespaço em detrimento do espaço físico,
ressalto que o advento de um não implica em anulação do outro. Nesse aspecto, os espaços de
debate público não estariam desaparecendo devido às forças desintegradoras dos espaços de
fluxos. Embora, destacando a observação de teóricos como Bauman (1999) que alertam para a
diminuição da capacidade deliberativa do poder local o qual se concentra nos limites
territoriais. Esse autor argumenta que à medida que o espaço público assume a forma
desterritorializada, ele encontra-se sob o domínio de uma elite global. Pom, esse paradigma
o é estático, da mesma forma que tudo vem se transformando, inclusive o espaço de debate
público, as pessoas e as relações em exercício nele também o transformadas.
Outrossim, os espaços de encontros e de interação face à face também permanecem e
podem influenciar nas trocas dialógicas dos espaços de fluxos de informação e comunicação.
48
Pondero, então, que as mudanças dos processos globais são extensivas ao espaço público em
sua forma tradicional. Elas implicam em reconfiguração e ressignificão do sentido dessa
estrutura de debate público e podem ser reconhecidas nas palavras do próprio Bauman (1999,
p.31) quando afirma que “a localidade no novo mundo de alta velocidade não é o que a
localidade costumava ser numa época em que a informação movia-se apenas junto com os
corpos dos seus portadores”.
Assim, a efemeridade de uma condição de tempo-espaço comprimida revela que as
possibilidades de conexões entre distantes também geram desconexões na medida em que se
aceleram os fluxos pela rede que interliga os processos e os sujeitos da globalização, de forma
desigual. A mobilidade e a flexibilidade, igualitariamente, aproximam e afastam os sujeitos,
criam e diluem interesses, num constante contínuo e descontínuo perpetuar das relações que
rondam as interações na sociedade global. Nesse contexto, nada é estável, nem posições,
status, produtos, culturas, ideias, pessoas, tudo está fluido na mecânica que dinamiza os
processos que tecem a rede global. Nesses parâmetros, reordena-se as novas dimensões
temporais e espaciais, ou seja, no limiar das conexões e desconexões da sociedade global.
O caráter do efêmero atinge diversos níveis de atividades humanas na
contemporaneidade, permeando os modos de agir e pensar e refletindo até mesmo nas
relações pessoais e afetivas. Observo o efêmero compreendendo a concepção de instantâneo
que rege as interações sociais num contexto tempo-espaço comprimido. Para tanto, destaco
que a “instantaneidade significa realização imediata, no ato mas também exaustão e
desaparecimento do interesse”, segundo Bauman (2001, p.137). Essa concepção designa a
intensidade com que as conexões são realizadas e a mesma forma com que são desfeitas.
Nesse sentido, considero que o efêmero se institui na imediatização dos processos contínuos e
descontínuos.
Com referência nessas categorias, enfatizo a instantaneidade como pertencente à
composão móbil e flexível com que se configura o chamado espaço de fluxos. Seguindo
Castells (1999), conceituo que o espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais
de tempo compartilhado, que funcionam através das trocas e interações entre sujeitos situados
fisicamente desarticulados. Antecipando e aproveitando essa definição, declaro que essa
dinâmica tempo-espaço na sociedade globalizada é essencial para a apropriação do conceito
de fluxos de natureza diversas. Entretanto, para fins específicos, proponho como práticas
sociopolíticas fluidas através das novas tecnologias no interior de uma sociedade global,
considerando assim, como fluxos sociopoticos.
Nesse âmbito, essa investigação circunda as profundas transformações que podem
49
ocorrer através da nova ordem tempo-espaço que caracterizam as práticas sociopoticas
enquanto fluxos na sociedade global. A demanda global impulsiona através do surgimento das
novas tecnologias novas configurações sociopoticas articuladas em diferentes contextos
espaço-temporais. Isso permite a organização de coletividades que atuam na cena potica,
formulando questões sociais que circulam num sistema complexo de interação discursiva,
entre posições fisicamente desarticuladas no espaço público contemporâneo.
Nesse sentido, reconheço como fluxos sociopoticos as manifestações de indivíduos
ou as coletividades que colocam suas visões de mundo em circulação no espaço público
através das novas tecnologias de informação e comunicação. Denomino, então, como
micropoticas, essas práticas sociais impulsionadas para além de suas localidades que
ampliam o debate potico para questões localmente situadas. As micropolíticas, por
necessitarem de visibilidade para obter projeção e alcance global, portanto, fazem uso de
dispositivos midiáticos mais flexíveis, como a internet.
Sintetizo, assim, que a inovação tecnológica atual contribui para a movimentação dos
fluxos sociopoticos como elementos integrantes da estrutura da rede que inferem no sistema
global. Pensamento que reflete a inserção dessas práticas sociais na sociedade em rede através
da manifestação articulada por meio de discursos e ações poticas que abrem caminhos para
uma comunicação dialógica no contexto global. Esses fluxos configuram formas
descentralizadas de poder, como as micropoticas, que emergem de expressões de instâncias
e que colocam em evidência questões locais, porém, que estão intercomunicadas e articuladas
globalmente.
Como os fluxos se encontram inseridos no processo de globalização, entendo que o
desenvolvimento das NTIC propicia a circulação dessas manifestações diversas na sociedade
atual, tornando ainda mais potencial o fenômeno de globalização. Isso implica na influência
mútua entre a constituição de uma sociedade global e os contextos deslocados através dos
fluxos sociopoticos em interações espaço-temporais comprimidas.
2 ASPECTOS DIALÓGICOS DA INTERNET PARA OS FLUXOS
SOCIOPOLÍTICOS NO ESPAÇO-TEMPO GLOBAL
Acerca da internet, percebo que o surgimento das redes interativas significou a
transição de um paradigma midiático marcado pelos acontecimentos difusos a uma vasta
audiência, para um paradigma, no qual a comunicação é organizada ao redor de interesses ou
fins em comum, designando uma audiência segmentada. Essa percepção está amparada nas
palavras de Castells (1999), que visualiza esse novo sistema de comunicação caracterizado
pela integração de diferentes tipos de mídia. Como exemplo disso, exponho o conjunto que
mistura áudio, deo e dado, originário da fusão do hipertexto com a multimídia,
configurando um sistema de hiperdia, de acordo com Santaella (2007).
Diante dessa perspectiva multimodal, ao salientar a variedade que contempla a esfera
midiática atual, comparo as especificidades das mídias de massa em relação às novas dias,
como a internet. Os meios de comunicação massivos foram o advento de uma inovação
tecnológica com características oligopolistas. dias, como a televisão, tornaramse o
epicentro cultural da sociedade através de emissores centralizados que se dirigem a uma
audiência massiva de receptores, constituindo um processo de comunicação de o única. No
entanto, a audiência o é passiva e a absorção das mensagens ocorre de acordo com uma
variedade de digos e interpretões. Cada cultura ou grupo social produz um repertório de
códigos específicos que conduzem o relacionamento para com o sistema de dia.
Conforme Castells (1999), a comunicação de massa não é uma cultura, mas sim, um
sistema tecnológico que representa o tecido simlico de sociedades organizadas em torno da
mídia, nas quais a cultura é reproduzida por interdio de dispositivos midiáticos. O
paradigma da comunicação de massa significa o emprego de “objetos tecnológicos capazes
de transmitir a mesma informação para um vasto público ou para a massa”, conforme Chauí
(2006, p.35). Por meio desses dispositivos, a mídia interfere mediante a uma diversidade
cultural e representativa que inscreve o comportamento de indivíduos e práticas sociais
coletivas, por intermédio do universo simbólico que é produzido no seu interior. Da mesma
forma, porém com uma interpenetração ainda mais avançada no cotidiano dos indivíduos, as
novas dias passaram a inscrever grande parte da realidade social num complexo jogo de
linguagens, interpretões em imagens, sons e textos interativos.
Nesse novo sistema de comunicação a mediação do desenvolvimento tecnológico e de
interesses econômicos fez surgir uma cultura da virtualidade real que “está construída
51
principalmente através de processos virtuais de comunicação de base eletrônica”, sugere
Castells (p.240, 2004). Esses processos virtuais ocorrem na dimensão da vida social sendo
reais porque “são a base material com que vivemos a nossa existência, construímos os nossos
sistemas de representação, fazemos o nosso trabalho, nos relacionamos com os outros,
obtemos informação”, embasa Castells (p.240, 2004).
Para Castells (1999), todas as realidades são comunicadas por intermédio de símbolos,
assim, são percebidas virtualmente. A diferença é que o novo sistema de redes interativas é
capaz de abarcar e integrar todas as formas de expressão, bem como a diversidade de
interesses, valores e imaginações. A internet é assim, “um meio de comunicação, com sua
própria lógica e linguagem. Mas não está circunscrita a uma área específica da expressão
cultural. Atravessa-as todas” afirma Castells, (p.236, 2004). .
Nessa realidade virtual, os receptores são concebidos como interagentes
7
. Portanto, na
internet o processo comunicativo é delineado, através da produção, da distribuição e do
intercâmbio de informações digitalizadas, o seja, uma ação de colaboração coletiva. Os fluxos
das conexões são “a fonte aberta, a emissão livre de mensagens, a interação inesperada, a
comunicação orientada para um fim determinado e a criação coletiva”, segundo Castells
(p.237, 2004). A internet constitui-se de forma ativa por uma gama de indivíduos, mesmo que
indiretamente, sem que haja a necessidade de contatos físicos ou a restrição de conteúdos.
Castells (1999) define que a cultura da virtualidade real não veio para substituir outras
formas de cultura, tampouco implica num empobrecimento da vida social. A virtualidade, a
partir da integração entre dia impressa e audiovisual, assim como as técnicas antigas de
comunicação, quais sejam a escrita e a imprensa, surge como reposta da sociedade à
adaptação de suas necessidades. Nesse aspecto, por ser uma tecnologia de comunicação, a
internet é um produto onde “as instituições, as empresas e a sociedade em geral,
transformam a tecnologia, qualquer tecnologia, apropriando-a, modificando-a e
experimentando-a” revela Castells (p.19, 2004).
Antes de tudo, cabe elucidar que a internet é uma forma de cultura, pois a construção
coletiva influencia os utilizadores/produtores que pertencem a essa manifestação explícita e
que transcende os aspectos individuais. Essa influencia cultural atribui à internet a
característica de ser um componente do advento da revolução tecnológica, que impulsiona,
assim como outros, os processos de reordenação espaço-temporais na globalização. Isso
7
Transposição de usuários para usos, de receptores para interagentes.
52
decorre de sua apropriação enquanto um mecanismo sociotécnico ter configurado modos de
viver, de ser e de sentir para âmbitos de uma sociedade de ordem global.
As conexões entre sujeitos descentralizadamente localizados constituem uma cultura
da internet de forma diversificada e contraditória, não configurando-se como um sistema
coerente de crenças e valores, pois perpassa por todas as outras manifestações culturais
existentes. Para Castelles (p.56, 2004) essa seria, então, a cultura comunitária virtual” que
“acrescenta uma dimensão social à cooperação tecnológica ao fazer da internet um meio de
interação social seletiva e de pertença simbólica”. Essa medida de comunicão estabelece-
se livre e bem mais dependente do contexto do que do próprio processo tecnológico.
Dessa maneira, a cultura da internet constitui uma forma de cultura específica, do
mesmo modo que as mídias tradicionais. Ambas contemplam uma cultura da mídia sob uma
ótica mais ampla onde imagens, textos e sons produzem a vida social. Conforme Kellner
(2001), dispositivos como o cinema, a televisão, a imprensa, o rádio e seus sistemas de
reprodução e distribuição modelam opiniões, comportamentos e identidades, fornecendo
significados para valores mais profundos, que determinam não apenas parâmetros sociais,
como também o senso moral do que é negativo ou positivo na estrutura social.
Ao contemplar as diferentes dimensões a que perpassa, essa cultura produz um tipo de
sociedade, cuja mídia e a tecnologia mostram-se como as principais organizadoras. Ao passo
que também são produtos da sociedade global, possuem um protagonismo na constituição dos
fluxos que a movimentam, pois a dia detém um grande poder de desenraizar o a
informão, mas tudo o que está ao seu redor, deslocando os significados das ações cotidianas
através da imagem, do som e do texto.
No entanto, a cultura da mídia, em suas diferentes formas, não pode ser concebida
como massificadora ou manipuladora, pois envolve uma relação intrínseca com as
transformações sociais, demonstrando ainda ser um campo de ação e repercussão dos agentes
dessas mudanças. A preponderância da mídia tem decorrido da reelaboração das
representações e das trocas simbólicas da vida social nesse sistema complexo, que circunda a
produção, a circulação e a recepção dessas mensagens midiáticas.
A disposição de mensagens a um número incalculável de indivíduos em uma
amplitude espacial e velocidade de tempo cada vez maior, tornou a cultura da mídia uma
forma de representação da vida mediada pela troca simbólica através desses meios, ou seja,
uma compreensão do mundo fora do alcance das experiências pessoais. Desde o início do
desenvolvimento das telecomunicações, houve a possibilidade de transmissão de conteúdo a
vastas distâncias e em tempo reduzido. Ao retomar Giddens (1991), posso afirmar que as
53
mídias constituem-se como mecanismos de desencaixe, ma vez que contribuem para a
desterritorialização não apenas de formas simbólicas, como também de representações de
mundo e dos contextos sociais.
Ressalto que as representações de mundo construídas no interior do campo midtico
viabilizam a reestruturação espaço-tempo por meio do desencaixe dos elementos do cotidiano
dos sujeitos. Ao mesmo tempo, o desencaixe como característica da cultura da mídia é um
aspecto essencial do poder de projetar visivelmente determinados conteúdos para uma ampla
audiência. Segundo Kellner (2001), é importante aprender a receber essas informações,
entendendo, interpretando e criticando seus significados e suas mensagens. Dessa forma, os
indivíduos poderão fortalecer-se em relação à mídia e à cultura dominante, mesmo que,
muitas vezes a dissociação entre produção e recepção de mensagens através desses
dispositivos midiáticos proporcione aos receptores a capacidade de decodificar as mensagens,
independentemente da intenção dos produtores.
É relevante pensar a microfísica do poder de Foucault (1979), que compreende a
questão do poder como relação de forças díspares onde a dominação é sempre acompanhada
de resistência. A dia por ser um dispositivo de poder no contexto atual, estabelecerá
resistência nessas relações de poder. Nesse sentido, a dia não configura uma forma de
cultura absoluta: é um campo em interação com sujeitos e com objetivos variados. O
indivíduo não é matéria inerte ou exterior às relões de poder, da mesma forma que a mídia
considerada como um mecanismo de poder não descaracteriza, mas sim, produz o indivíduo
como seu mais importante efeito ao reproduzir elementos do cotidiano da vida social.
Ao seguir esse pensamento, entendo a concepção mais ampla da cultura da mídia
como reprodutora dos elementos da vida social, não como um mecanismo que detém o poder,
mas sim exerce o poder institdo através de um campo de saber midiático no corpo social em
relação a uma multiplicidade de forças. Os campos de interação os indivíduos que ocupam,
muitas vezes, posições dentro de instituições, ou seja, encontram-se condicionados por um
conjunto de regras, relações sociais e recursos. Esse referido aspecto é atribuído a uma
concepção mais específica da cultura da internet.
Na cultura da internet, o desencaixe, conforme destaquei no primeiro capítulo como
sendo as relações sociais configuradas em extensões indefinidas de espaço-tempo, é uma
característica presente e que torna essencial o papel das novas mídias na constituição da
sociedade global. A justificativa está no surgimento de novos dispositivos midiáticos, como a
internet, que torna todos interagentes na produção e circulação de informão e, também, por
aproximar, em situações de interação, sujeitos em contextos espaço-temporais distintos.
54
A internet além de coexistir com outras variadas formas de mídias, renova os meios de
produção, obtenção e circulação de informação. Na sociedade global, as novas mídias
intensificam ainda mais o processo de circulação de significados por meio da representação
dos elementos cotidianos no sentido de um tempo cada vez mais veloz e de um espaço de
interações mais retraído. Dessa forma, a relação entre as novas tecnologias e os processos de
globalização ocorre através de uma colaboração para a produção, o armazenamento e a
circulação da informação e comunicação, em escala global.
A internet repercutiu como uma entre as novas tecnologias digitais e redes teleticas
desenvolvidas por intermédio da fusão das telecomunicações analógicas veiculadas mediante
a um mesmo suporte: o computador. Trata-se de uma linguagem que mistura formas de
comunicação anteriormente separadas, como texto, imagem e som e, também, engloba uma
variedade de formas de conteúdo equivalentes a revistas, livros, jogos, jornais, televisão,
espaço de discussão, entre outras. Além de uma amplitude multimídia que converge uma
diversidade de dispositivos, resultando em web TV, rádio TV, entre outras.
Enquanto especificidade que contempla a internet em relação as formas tradicionais de
mídias, considero-a pelo seu caráter de hipermídia. Santaella (p.317, 2007) a entende como
um “conglomerado de informação multimídia de acesso não seqüencial, navegáveis através
de palavras-chave e semi-aleatórias”. Esse diferencial da internet é atravessado por
características, como a interatividade e o hipertexto. O hipertexto é essencialmente interativo,
de acordo com o que levantei no primeiro capítulo, pois a sua não linearidade permite que o
usuário influencie na sequência e no tempo da disposição da informação. Castells (p.239,
2004), compreende “a interatividade como a capacidade do utilizador manipular e intervir
diretamente na sua experiência com os média e comunicar com os outros através desses
meios”.
Num amplo entendimento, a interatividade provém da organização desse sistema
compactuado sobre diversas formas midiáticas que possibilitam a produção livre de conteúdo
e a distribuição e armazenamento da informação, independentemente da maneira como é
transmitida. Conforme Castells (1999), esse potencial interativo do sistema hipermídia integra
todos os donios da vida social a uma hierarquia complexa, móvel e abundante de conexões
entre sujeitos e representações simlicas cada vez mais heterogêneas.
No sistema de hiperdia, o hipertexto interativo condiciona uma organização da
leitura na internet diferenciada das outras dias, onde o “leitor não pode usá-la de modo
reativo ou passivo” (Santaella, p.310, 2007). Acerca desse aspecto, ressalto a caracterização
de Levy (1999) sobre a busca da informação a qual ele denomina como uma “caçada” em
55
que se procura o conteúdo com precisão e rapidez. Outrossim, a “pilhagem”, que supõe um
vago interesse por determinado assunto, mas eminente de ser desviado a qualquer outro por
o saber exatamente o que se procura, dispersando-se através dos links em diversos sites.
Para o autor, a rede eletnica autodefinida de comunicações interativas e articulada
em torno de interesses comuns, mesmo que efêmera, permite relações múltiplas agregadas em
comunidades parciais. A característica interativa ao inferir a transposição de usuários para
usos, também, proporciona uma reversão dos modelos de comunicação das dias
tradicionais. Isso porque o receptor dessas mensagens é interagente do conteúdo ao qual tem
acesso.
A internet, enquanto hipermídia resulta na reversão dos processos de comunicação
devido a essas especificidades anteriormente descritas. Diante disso, faço uso de uma
proposta de Charaudeau (2006) sobre o modelo do ato comunicativo na mídia. O autor
observa a mecânica de construção de sentido como um duplo processo em que a troca
linguageira se realiza cointencionalmente. É um duplo processo entre as instâncias de
produção e recepção, perpassado pela relação entre transformação e transação. A
transformação implica em passar o acontecimento de um estado bruto mas interpretado ao
estado de mundo midiático. A transação significa destinar a mensagem em função de um
receptor que a reinterpreta de acordo com seu repertório de significações. Esse processo, de
acordo com o autor, é enfatizado como um contrato midiático
8
, que reflete características
referentes aos dados externos, próprios da situação de troca, e dos dados internos, próprios das
características discursivas.
Esse contrato midtico referido por Charaudeau (2006) é composto por três lugares de
condições de produção, de recepção e restrições de construção do produto/mensagem. O lugar
das condições de produção é formado por múltiplos atores que definem a enunciação
discursiva. O lugar das condições de recepção diz respeito à instância interpretativa da
mensagem posta em circulação.
Esses três lugares são resultado de uma ação de cointencionalidade que compreende os
efeitos visados, possíveis e os produzidos no duplo processo de transformação e transação que
conduz a menica de construção de sentido. Numa concepção mais ampla, saliento que essa
mecânica de construção de sentido está presente em todos os dispositivos midiáticos, sendo
8
CHARAUDEAU 2006. Os dados externos são retirados do conjunto do comportamento social e respeitam as
condições de identidade, de finalidade, de propósito e de dispositivo. Os dados internos são propriamente
discursivos e referem-se às estratégias de encenação da informação e aos aspectos semiológicos.
56
congruente com a relação de co-intencionalidade das trocas entre sujeitos através desses
meios de comunicação.
Daí que a informação como produto discursivo, antes de representar visões de mundo,
significa representação de relações sociais. Ela depende do campo de conhecimento que a
circunscreve, da situação na qual é interpretada, do dispositivo técnico. Isso implica uma
transposição do aparato tecnológico em si e revela a importância da inteligibilidade das
escolhas discursivas e interpretativas, dos valores referenciais que descrevem um estado de
mundo, dos atributos enunciativos que incumbem as identidades dos interlocutores e da
multiplicidade de efeitos de sentido movimentados nessa relão de cointencionalidade.
Entretanto, na internet, esse contrato é firmado sob uma relão mais estreita de
cointencionalidade, pois a informação abrange uma infinidade de atores sociais que se
interconectam e constituem o ato comunicativo através de assuntos/interesses comuns. Ao
mesmo tempo em que a internet amplia as intencionalidades através da diversidade de
conteúdos que abarca, também pressupõe relações mais segmentadas da ação comunicativa
em relação às outras dias. Isso devido à mobilidade atribuída ao lugar de recepção, que não
é restrito à interpretação da mensagem, mas que pode vir a comunicar-se e a produzir
informão por intermédio desse meio, transpondo-se para o lugar de produção.
Essas possibilidades da hiperdia permitem a colaboração coletiva do discurso na
web. Nessa reversão dos modelos tradicionais da ação comunicativa, uma infinidade de atores
estabelece conexões entre si sob diversos temas, porém de forma mais específica e
direcionada. Especificidades dessa hipermídia que conduzem a uma característica que
pretendo evidenciar: a dialogia. Sobre esta entendo que “todo texto é perpassado por vozes de
diferentes enunciadores, ora concordantes ora dissonantes, o que mostra que o texto é uma
composição essencialmente dialógica” (Peruzzolo, 182:2001).
Na internet, as condições de produção da informação estão ao alcance de um mero
maior de indivíduos, resultando em uma diversidade das fontes de elaboração de conteúdos.
Outrossim, os receptores tornam-se mais ativos diante da escolha de acesso a essa
multiplicidade de mensagens e fontes. Característica que difere a internet das dias
tradicionais, pois flexiona a posão das instâncias do contrato midtico ao possibilitar que os
consumidores também assumam a posição de produtores, fornecendo conteúdo e dando forma
à teia de conexão que impulsiona a sociedade global.
As peculiaridades desse conjunto do sistema hiperdia implicam na flexibilidade
como outra característica da internet que pontuo como de extrema relevância, pois intensifica
a segmentação da audiência, de forma que os sujeitos possam organizar a procura por
57
conteúdos, bem como, propriamente, produzi-los. Na comunicação mediada pela internet, as
instâncias do contrato midiático tornam-se interagentes diante das possibilidades de maior
intervenção dos sujeitos, tanto no consumo, quanto na produção do conteúdo especializado e
diversificado.
A flexibilidade da internet também resulta das conexões que perpetuam uma
comunicação, interligando indivíduos situados em diferentes contextos através dos
microcomputadores. Essas possibilidades de conexões entre distantes e a manifestação
discursiva de fontes diversas da internet resultam em uma supervia da informação que
constitui uma versão eletrônica de diferentes contextos, diluindo fronteiras e desenraizando
culturas. Essa conexão planetária entre indivíduos significou cada vez mais a
interdependência de uns com os outros ao conectar representações locais em projeções
globais.
Em decorrência desses aspectos, observo que a configuração da flexibilidade como
característica da internet é própria do reconhecimento desta como uma hiperdia. Em
síntese, a relação entre hiperdia e internet se estabelece da seguinte forma:
No início, os sistemas hipermídia só podiam ser armazenados no computador ou em
um suporte externo, o CD-ROM, mas quando os sistemas multimídia em rede
começaram a se desenvolver como na WWW, a internet adquiriu a capacidade de
fornecer interatividade hipermídia. Depois de colocados em formato digital,
quaisquer dados híbridos (textuais, sonoros, visuais) podem ser sintetizados em
qualquer lugar e a qualquer tempo para produzir produtos com idênticas cores e
sons. Desse modo, os dados independem do lugar e tempo de sua emissão original
ou de uma destinação determinada, pois são realizáveis a qualquer tempo e qualquer
época. (SANTAELLA, p.320, 2007)
Essa organização de dados, imagens e sons num sistema hipermídia, que possibilita a
comunicação para extensões indefinidas de tempos e espaço, é que determina a internet como
um elemento fundamental para o processo de compressão espaço-temporal, que reordena a
sociedade global. São infinitas as intersecções entre sujeitos, interesses e assuntos realizadas a
partir de uma conexão imediata, na velocidade de um simples toque no mouse.
A internet, enquanto uma hiperdia, confere um rearranjo espaço-temporal, pois a
concepção da informação por meio de nós, links, redes e multilinearidade estipula uma
conexão descentralizada e rizomática, em relação ao espaço e, imediatista e simultânea, em
relação ao tempo. Isso permite a disposição não somente de conteúdo configurado em um
58
hipertexto mundial interativo, mas também, a dialogia entre sujeitos situados em localidades
distantes.
É dessa forma que a flexibilidade e a dialogia são características de destaque da
internet, pois são elementares não apenas para possibilitar essas conexões de naturezas
diversas, mas por interferir diretamente como um meio e uma forma de cultura. Cultura esta,
enraizada na volatividade dos fluxos em suas mais variadas dimensões, configurando a
internet não apenas um elemento fundamental da ordem global, mas talvez como a própria
ordem.
A internet como cultura registra um constante estado de mudanças profundas na
sociedade que compreendem revoluções na quase totalidade das áreas de atuação humana. A
junção das telecomunicações à informática e aos audiovisuais penetrou no comportamento
social no que concerne às formas de divertir-se, trabalhar, estudar e consumir, além de outras
tarefas, instituindo, assim, uma nova cultura: a cibercultura, definida como:
um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre
relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em
torno de centros de interesse comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do
saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração.
(LEVY, 1999, p.130).
A formação da cibercultura se deve ao fato da internet não ser uma estratégia
tecnocrática de cima para baixo, mas de uma apropriação social. O potencial descentralizador
de uma mídia aberta e acessível à livre circulação de conteúdo e às formas de emissão da
informão integrou uma infinidade de atividades humanas, que passaram a não necessitar
apenas da veiculação midiática tradicional. Agrega uma diversidade de serviços,
entretenimento, transações comerciais, fóruns de discussão, que passam a ocorrer no interior
da interação via internet, tanto de modo especializado, quanto amplo. Nesse meio multimídia,
interagem questões políticas, sociais, culturais e econômicas através da versatilidade de
formas de expressão, valores, imaginações e interesses.
As características flexibilidade e dialogia, que fornecem o subsídio para as
especificidades da internet constituem o sentido de liberdade em relação às mídias
tradicionais e que, contudo destoa do propósito fundador da internet. O intercâmbio
simlico, por meio de um sistema de comunicação eletrônico integrado, possui como
considerável consequência o enfraquecimento do poder de publicização de dias
tradicionais, pois o advento da internet a partir da revolução tecnológica atual imprime um
59
novo sentido à expressão cultura de massa, diretamente ligado ao sistema de mídia
oligopolista.
Em 1969, com objetivos militares elaborados pela agência norte-americana ARPA -
Advanced Research and Projects Agency
9
. Inicialmente restrita ao uso dos laboratórios
militares e das universidades, a internet expande-se para o âmbito do uso pessoal, juntamente
com a difusão dos computadores domésticos e com os serviços online que tornaram as
empresas as usuárias dominantes da rede. A partir da comercialização crescente dos personal
computers
10
e do crescimento exponencial dos provedores de acesso à internet, o seu uso
íntimo e a sua apropriação para a expressão pessoal asseguraram a essa mídia uma rápida
difusão, fator que configurou-a como um ponto de acesso individual aos acontecimentos do
mundo.
Esse ponto de acesso pode ser traduzido pela World Wide Web, que estrutura uma
rede mundial de computadores interligados e que transforma a internet em um hipertexto
gigante através da interconexão da informação disposta em links, ou seja, independente da
localização sica dos arquivos. Interconexão da informação em tempo imediato que incumbiu
a instituição do ciberespaço, sendo este um “espaço de comunicação aberto pela
interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”, afirma Levy
(1999, p.92). Um espaço munido da codificação digital caracterizada pela interatividade e
hipertextualidade que implica em um processo flexível e dialógico de comunicação.
Em síntese, a cultura da internet é o modo pelo qual os indivíduos navegam de
informão à informação, de forma não linear, estruturando uma relação descentralizada e
rizotica com o espaço organizado em um hipertexto mundial, interativo e de conexão
imediata. A internet com suas características e especificidades, contribui para a estruturação
da sociedade global, cuja multiplicidade de interações ocorre através da expansão dos
vínculos sociais em escala planetária, porém, de forma efêmera.
No entanto, as atribuões da interconectividade planetária advinda de um novo
paradigma tecnológico, permeada pela flexibilidade que imprime a capacidade de
reconfiguração, tanto estrutural, quanto subjetiva de sujeitos e organizações imersos nesse
contexto, não está ao alcance de todos. Mesmo com um crescimento exponencial, com um
índice de penetração e apropriação social superior a qualquer outro meio de comunicação, a
internet possui, no interior de seu desenvolvimento, significantes desigualdades sociais,
9
Tradução minha- Agência avançada de projetos e pesquisa.
10
Computadores pessoais.
60
raciais de nero, etárias, espaciais e de acesso. Para melhor entender os aspectos dessa
desigualdade, destaco o seguinte entendimento de info-exclusão:
A fratura aberta entre aqueles indivíduos, empresas, instituições, regiões e
sociedades que possuem as condições materiais e culturais para operar no
mundo digital e os que não podem, ou não querem, adaptar-se à velocidade
da mudança. Nestas condições, a lógica reticular do sistema global baseado
na internet atravessa o planeta em busca de oportunidades e liga-se com o
que necessita, e apenas com o que necessita, para cumprir os seus objetivos
programados. Esta situação tem como consequência a fragmentação de
sociedades e instituições, por um lado, e a ligação dinâmica em rede de
empresas valiosas, indivíduos triunfadores e organizações competitivas.
(CASTELLS, p.312, 2004)
Em decorrência da internet ser um dispositivo de intensa apropriação social, é
compreensível que essas desigualdades sejam reflexos da conjuntura que forma à
sociedade atual, além de intensificar ainda mais os abismos de desenvolvimento social e
humano. Essa conjuntura a revela um mecanismo sociotécnico proeminente das contradições
de uma sociedade globalizada e interligada em rede que, entretanto, restringe localmente
muitos sujeitos e comunidades imunes aos recursos tecnológicos e fora do alcance das
políticas de acesso.
Considero o contexto global e suas pontuações cio-econômicas inerentes ao
desenvolvimento tecnológico que constitui as contradições de uma sociedade organizada cada
vez mais ao redor dos espaços de fluxos em escala planetária, mas que, contudo perpetua
muitos contrastes ao limitar localmente uma grande parcela de indivíduos. Fator que significa
disparidades na apropriação dos mecanismos sociotécnicos da revolução tecnológica que
impulsionou este contexto.
No entanto, esses contrastes residem no contraponto dos processos globais, pois
articulam-se, reciprocamente, num âmbito de interdependência sobre o qual, também, são
diretamente influenciados pelos aspectos locais. Ao observar que os processos globais
incidem, demasiadamente, sobre as dimensões da vida social, está nas projeções das hipervias
da tecnoinformação interativa.
Mesmo não contemplando a todos diretamente, as conexões planetárias não dizem
respeito somente às trocas entre indivíduos, mas também um complexo inerente às
instituições e estruturas sociais que as envolve. Isso significa que, embora haja disparidades
da apropriação desses mecanismos sociotécnicos, as mudanças do desenvolvimento deles são
extensivas em sua totalidade. A exclusão de muitos da interface da internet o implica na
extradição dos fluxos globais, pois a estes todos encontram-se sujeitos, atualmente. Mesmo os
61
que não têm recursos tecnológicos, reflexivos, discursivos e hábeis para apropriarem-se
desses mecanismos sociotécnicos.
Essas contradições são consequências próprias da lógica de um sistema social e de
seus processos gerativos que, ao mesmo tempo que instituem uma sociedade globalizada,
limitam a apropriação de muitos a esses fluxos. Isso devido a relação entre os sujeitos e as
novas tecnologias realizar-se sob a base do conhecimento para uso e articulação da
informão através desses mecanismos. Não se trata apenas de disponibilidade econômica
para uso desses dispositivos midiáticos, mas de condições de saberes em relação ao manuseio
e à absorção da informação.
Sobre a informação, tanto a capacidade interpretativa, como a gerativa dela perpassam
as bases do conhecimento, pois observo-a como um saber novo através do ato discursivo:
A informação é, numa definição empírica mínima, a transmissão de um saber, com
a ajuda de uma determinada linguagem, por alguém que o possui a alguém que se
presume não possuir (...) A linguagem não se refere somente aos sistemas de signos
a uma língua, mas a sistemas de valores que comandam o uso desses signos em
circunstâncias de comunicação particulares. Trata-se da linguagem enquanto ato de
discurso, que apontam para a maneira pela qual se organiza a circulação da fala
numa comunidade social ao produzir sentido. Assim, pode-se dizer que a
informação implica processo de produção de discurso em situação de comunicação.
(CHARAUDEAU, p. 33-34, 2006).
Diante disso, percebo que a constituição da informação como fluxos movimentados na
sociedade global o são simplesmente objetos postos em circulação por meio de mecanismos
sociotécnicos como a internet, pois, além disso, abarca a disposição do conhecimento como
capital gerativo da relação entre sujeito e novas tecnologias. Assim, a exclusão digital
transpassa a disponibilidade de recursos tecnológicos para o conhecimento como capital para
inserção ativa dos sujeitos nesse contexto. Essa inserção ativa significaria a apropriação social
dos dispositivos tecnológicos para o processo reflexivo que alimenta os fluxos de informação
na sociedade global. Trataria mais da ampliação das representações dos sujeitos frente aos
acontecimentos comunicados em grandes extensões de tempo e espaço do que o simples
manuseio de tecnologias digitais.
Uma melhor distribuição dos recursos e implementação tecnológica entre desiguais
aliados a um exercício de reflexividade próprio de um contexto permeado por conexões
mediadas e independentes de situações de copresença, contribuíra efetivamente para uma
conexão planetária ao alcance de todos. Com base nisso, entendo que a exclusão o se limita
ao caráter digital, mas profundamente no sentido das disparidades sociais refletidas nessa era,
62
cuja compressão espaçotempo acaba por oprimir àqueles que o têm força ativa,
conhecimento somado a recurso, para nela emergir.
A partir da ótica da exclusão digital, conceber a internet como um mecanismo
sóciotécnico implica, acima de tudo, atentar à movimentação de saberes/conhecimentos para
sua apropriação social, bem como para o uso e para a absorção do conteúdo circulante na
interface hipermídia. Em suma, essa é uma das interpretações da contradição das
possibilidades das novas tecnologias na vida social do mundo global.
Ao reconhecer essas limitações e não indiferente às restrições da internet, ainda
ressalvo a ideia de que muitos contribuem para, também, muitos diante de um dispositivo
midiático flexível e dialógico que descentraliza as conexões entre sujeitos, multifacetando os
conteúdos representados. Assim, atribuo tanto às influencias positivas da internet quanto seus
limites enquanto configurações de um processo repleto de transformações tecidas no todo
complexo das relações sociais, culturais, econômicas e políticas inerentes à interdependência
e às disparidades da sociedade global.
Dessa forma, considero as transformações advindas do entrelaçamento de mecanismos
com determinadas práticas sociais. Num conjunto de atmosfera de conexões
desterritorializadas, novas configurações poticas conjuntas a aspectos sociais, econômicos e
culturais, provocam mudanças e são provocadas, num cenário amplo de debate público global.
É diverso e, inclusive, divergente a natureza dos interesses materializados no interior de novas
mídias que interferem na esfera de debate potico global.
Essa dinâmica é a combinação de práticas micropolíticas e à internet, tornando o
debate público, mesmo que ainda restrito por fatores exclusivos de certas capacidades e
benefícios tecnológicos, extensivo para além das instituições e sujeitos que interagem por
revelar a estrutura gida de deliberação política, econômica e social. Questões localizadas,
referentes ao mundo da vida
11
e não tão pertinentes à esfera institucional da potica valem-se
de uma reorganização espaço-temporal e são projetadas a horizontes distantes e em tempo
real.
Dessa ação a distância, própria de forças hegemônicas da sociedade global, apropriam-
se também, as manifestações de ordens distintas, tornando ainda mais fundamental a internet
como um elemento de convergência de estratégias e movimentos opostos. È nesse aspecto que
reside a flexibilidade e a dialogia da internet, preenchendo a sociedade global através da
11
Giddens
63
movimentação dos fluxos sociopolíticos e das possibilidades de reconfiguração das relações
sociais em suas mais variadas dimensões.
Os fluxos sociopolíticos não são, portanto, apenas ações contra-hegemônicas, mas sim
a convergência destas forças dominantes no todo global. Nesse movimento e por meio da
comunicação instantânea é que reside a possibilidade de ampliar os horizontes e o imaginário
dos indivíduos, estendendo suas realidades para além dos limites territoriais. Nesse sentido, a
internet é um mecanismo de desencaixe, que desterritorializa ideias, pessoas e contextos
quando postos em relação através da interface hiperdia.
2.1 Fluxos sóciopolíticos na internet
Após delimitar a internet como um dispositivo sociotécnico, por entender da combinação
de suas especificidades somadas às pertinências de sua apropriação social, e também, como
um dispositivo midiático diferenciado e peculiar em relação às outras mídias, passo então, a
reflexão da relação entre determinadas práticas sociais e a internet. As isso, abordo os
aspectos inerentes à internet como um mecanismo sociotécnico de manifestação aunoma e
de articulação flexível para discutir os investimentos de práticas sociais como as
micropoticas.
As micropolíticas são parte das instâncias que movimentam os fluxos sociopoticos na
sociedade global através de seus interesses postos em circulação na web. De forma que nesta
observação, os fluxos sociopolíticos na internet são vistos pelo recorte das micropoticas.
Sendo eles constituídos pelo alvorecer de intersecções entre diferentes atores poticos no
espaço de debate público contemporâneo.
Nesse sentido, concebo a relação entre a internet e as micropolíticas sob o aspecto de um
espaço de debate público, condicionado pela visibilidade midiática e inserido no contexto
global. Ressalto essa relação, evidenciando os processos de informação e comunicação
desprovidos de interação face a face que intersectam sujeitos em diferentes contextos espaço-
temporais, configurando um espaço público descentralizado. A partir disso, caracterizo que a
internet apresenta-se como um dispositivo de encenação e alternativa midiática para a
inserção dos interesses de micropoticas devido às condições discursivas apropriadas para um
espaço-temporal comprimido.
64
Os investimentos dessas práticas sociais, diante das possibilidades de autonomia
discursiva através da internet ao mesmo tempo em que intersectam sujeitos, revelam
contrastes. Contradição que resulta da internet como um mecanismo sociotécnico que
inscreve a inserção de novos atores, intersectando suas vozes com a de antigos na potica
globalizada. Essa intersecção é o aspecto que força aos fluxos sociopoticos, mesmo na
internet não sendo movimentados por uma totalidade de manifestantes, pois essa ainda é um
mecanismo sociotécnico de restrito acesso e atrelado às desigualdades remanescente das
relações de poder na sociedade global.
Essas desigualdades são reconhecidas e comparadas com os fatores acerca dos aspectos
produtivos da internet para a visibilidade de conteúdos de variadas fontes de interesse na
sociedade atual. Trata-se de uma comparação em torno da interface entre as micropoticas, a
política institucionalizada e a mídia dominante que circunda a internet como um meio
alternativo para manifestações e investimentos de práticas sociais diversas.
As possibilidades de autonomia discursiva e a flexibilidade dedias como a
internet revelam incursões de práticas sociais como as micropolíticas no espaço de debate
público contemporâneo. As questões que permeiam as micropolíticas referem-se a aspectos
do cotidiano diretamente relacionados ao mundo da vida (Giddens, 1997) e podem dizer
respeito às reinvidicações de gênero, educação, ambientalismo, direitos humanos, trabalhistas,
desigualdades sociais, ou até mesmo referem-se a manifestações de arte e cultura.
Através da dialogia acentuada na internet, essas micropolíticas perpetuam as
infinitas intersecções por meio da multiplicidade de vozes acionadas no discurso ou entre os
interlocutores. São temas, sujeitos interagentes ou o, que representam instâncias da
sociedade, do governo, da mídia e da própria organização. Manifestações discursivas como
estas são reveladas como intersecções dialógicas que alimentam os fluxos sociopoticos no
contexto global. Considero-as de tal forma, porque, independente dos níveis de interações e
alcance midiático, insurgem uma interface entre as micropolíticas, a potica institucionalizada
e a mídia dominante.
Reconheço essas dialogias como sendo as práticas discursivas de atores sociais como
as micropoticas, compostas por sujeitos que são agentes de um processo comunicacional de
produção-circulação e de consumo de sentidos. Esse processo comunicacional se institui
fazendo parte das ações a distância que ocorrem, especificamente, por meio de dispositivos
65
como a internet. Então, essas dialogias são elaboradas através de múltiplas vozes, o que
confere um caráter intertextual ao discurso
12
circulante na rede pelas micropoticas.
Na busca por intervir produtivamente na constituição da vida social que as
micropoticas se instituem como micropoderes ao elaborarem seus discursos e os colocarem
em circulação no campo midiático tornando, assim, compartilveis suas representações de
mundo. Destaco como característica fundamental das micropolíticas a mutliplicidade de
objetivos que regem os propósitos discursivos desses grupos no debate público. Fator que,
segundo Siqueira (2003), representa uma potica que não se faz de forma macro, ou seja, com
objetivo único direcionado às massas.
Contrariamente, essas práticas são próprias da condição s-moderna e voltadas para a
manifestação de qualquer grupo social e com uma infinidade de objetivos. Diante disso, o autor
infere que a apatia potica ou a falta de participação não são o único viés potico da s-
modernidade. Nesse contexto, tamm podem surgir novas formas de organização potica,
novas frentes de ação e, consecutivamente, uma diversidade temática no espaço público atual.
Compactuando com o sentido dessa pluralidade de temas, atores e articulação descentralizado
que insiro o seguinte entendimento amplo de micropolíticas;
Nessa nova realidade e rejeitando a confiança plena nos processos democráticos
formais, as identidades coletivas de classe e os grandes partidos são substituídos por
formas plurais e específicas, por micropolíticas que, com uma estrutura decisória
descentralizada, criam impactos na defesa pela cidadania de forma fluída e dinâmica,
agregando a diversidade política, cultural e social, sobre uma multiplicidade de
temas. Essa multiplicidade caracteriza a agenda política pós-moderna, que é voltada
para os (novos) problemas/desafios políticos, econômicos, sociais e ambientais os
quais, por estarem numa condição de pós-modernidade, são ricos, heterogêneos, mais
complexos e representam uma mistura de afirmações bastante globais e de objetivos
muito particulares. (SIQUEIRA, p.171, 2003)
As micropolíticas configuram-se, assim, como organizações coletivas que encontram na
internet um meio de projetarem seus interesses, mesmo que restritas à manifestação discursiva.
Práticas que combinam a flexibilidade da internet como um dispositivo de comunicação, com a
iniciativa dessas micropolíticas, gerando, assim, novas esferas públicas e articulações
deliberativas no âmbito de micropoderes. Isso reflete um quadro em que a internet, por ser um
12
PERUZZOLO, 2001, p.149. Discurso é ao mesmo tempo, um objeto produzido por um destinador e o meio de
relação de comunicação entre ele e um destinatário. Ato fundamental é a inserção do outro e a definição de si,
porque as estratégias discursivas utilizadas constroem relações sociais e de interação entre subjetividades (...) O
discurso se caracteriza, como sendo, ao mesmo tempo, objeto produzido e objeto de comunicação, onde os
dispositivos empregados a produção do discurso servem também e meios de persuasão utilizados pelo
enunciador para convencer o enunciatário da verdade do que diz no seu texto.
66
meio de comunicação mais flexível, possibilita autonomia para autorias diversas que emergem
como micropoderes na cena potica.
Entendo a atuação das micropolíticas na internet como micropoderes porque, mesmo
indiretamente, suas manifestações, através de um dispositivo midiático, influenciam de certa
forma na formão da opinião pública. Isso porque a atuação desses microgrupos, através da
internet como produtores de informação, estabelece o partilhamento de sentidos e vínculos
entre atores diversos que figuram um espaço de debate público condicionados pela visibilidade
midiática. Além disso, as próprias mídias são interdependentes, ou seja, a informão
circulante nos meios de comunicação é mutuamente alimentada por diferentes dispositivos
midiáticos. No caso da internet, vem crescendo o uso da web como fonte de informação,
principalmente, pela velocidade com que os acontecimentos são expostos e também pela
acessibilidade e descentralização. De forma que a internet também se institui como um espaço
público de discussão, produção e circulação da informação. A web surge como uma variação
da esfera pública, num nível descentralizado e inerente ao espaço de fluxos que conduzem as
trocas na sociedade global. Sobre esse espaço público não localizado e fluído, destaco a
seguinte afirmação:
O espaço blico não é único, nem um fato, nem um ponto de partida. Ele resulta
da conjunção das práticas sociais e das representações. As práticas sociais
constituem o motor das representações, e estas são a razão de ser daquelas,
atribuindo-lhes valores que tendem a confirmá-las ou a modificá-las. Essa interação
dialética constrói um espaço público plural e em movimento. (CHARAUDEAU,
p.120, 2006).
Dessa forma, no atual espaço público, diferentes grupos buscam legitimidade e
reconhecimento para suas ações e interesses junto à esfera blica midiatizada. Segundo
Charaudeau (2006), entre as funções do discurso circulante no campo midiático está a
instituição do poder e do contrapoder. O discurso, como um contrapoder no âmbito das
micropoticas, implica a inserção de um discurso com propósitos que fazem frente a potica
institucionalizada no espaço de debate público contemporâneo. Embora o espaço público seja
marcado por um protagonismo da visibilidade midiática restrita à projeção do interesse de
poucos, as manifestações por meio da internet ocasionam uma diversidade de dialogias que se
intersectam nesse campo homogêneo de representação midiática.
Diante disso, relembro Boaventura (2005) que afirma que, no contexto dominante da
sociedade atual, uma movimentação de estratégias contra-hegemônicas que respondem a
esses processos de poder deliberativo e unilateral. Perpetuo, assim, essa questão para o campo
67
de visibilidade midiática condicionante do espaço de debate público atual que insere novos
atores através da apropriação das novas tecnologias de comunicação e informação. Esses novos
atores compartilham seus valores e interesses fazendo frente à supremacia do discurso potico
institucionalizado. Trata-se de um contrapoder articulado por meio desses produtores de
informão, mediante as novas tecnologias, advindo de grupos que se propõem a reivindicar e
contestar queses pertinentes à sociedade.
Nesse sentido, considero que os microgrupos são dotados de uma influência cada vez
maior na configuração da cena política atual, porque atuam, significativamente, na cena política
à medida em que os lugares de produção da informação vão sendo ampliados devido ao avanço
de mecanismo sociotécnicos mais flexíveis. Essa influência aumenta potencialmente porque a
ampliação das condições de produção discursiva na esfera midiática contribui para a geração de
um espaço público descentralizado. Consequências de dimensões crescentemente gradativas de
visibilidade e publicidade para questões que pautam aspectos do cotidiano social, como
desigualdades de nero, classe ou discriminações raciais, étnicas entre outras, que necessitam
de projeção global e articulação no espaço de fluxos que geram a sociedade global.
Essa descentralização do espaço blico midiatizado figura para uma reestruturação da
cena potica tornando a participação de atores sociais cada vez mais diversificada e complexa,
no sentido em que proporciona abertura para estratégias contra-hegemônicas através do conflito
argumentativo com a potica institucionalizada. Conflito que reconheço não necessariamente
como propósitos e interesses que se opõem, mas que se intersectam nos fluxos da sociedade
global por meio do campo de visibilidade midiática.
Assim, atribuo a constituição das intersecções dialógicas às práticas sociais como as
micropoticas por dias mais flexíveis como a internet que transbordam o papel crucial de
conceder visibilidade do campo midiático no espaço público atual. Isso devido às
possibilidades de a internet proporcionar maior exercício de autonomia discursiva e à
importância de os sujeitos reconhecerem sua apropriação social para fins de manifestarem
seus valores/interesses. Tais intersecções significam a projeção, não apenas uma visão
absoluta de mundo, mas sim o entrelaçamento de posições que representam as interpretações
contextuais e a imersão cultural dos sujeitos articulados através da rede, sobretudo, as
micropoticas que, na condição de interagentes, se organizam coletivamente e encontram na
internet um meio para manifestarem seus interesses em uma esfera pública condicionada pelo
espaço de visibilidade midiática.
Através da internet, as micropoticas, como interagentes, tornam-se atores com
potencial para movimentar as dialogias por meio de intersecções discursivas com diferentes
68
níveis de visibilidade no espaço público. Esses atores dialogam entre si, com a sociedade, com
a grande mídia e governo, concorrendo com uma multiplicidade de representações dos
acontecimentos e questões sociais. Mesmo assim, as disputas entre as visões de mundo nesse
universo discursivo midiático legitimam-se mais pela coexistência de diferentes pontos de
vista e menos pela busca por consenso ou primazia absoluta de um sobre o outro. Ressalto,
então, a importância dessas intersecções dialógicas na sociedade contemporânea, sob o
aspecto de que é conhecer, manifestar e expressar o que dizem e como fazem para dizer,
práticas sociais como as micropoticas frente ou em relação a outros atores.
A dualidade visibilidade/invisibilidade demonstra a importância de mídias como a
internet propiciarem visibilidade a visões que não dispunham de privilégios em espaços
atribuídos aos fatos relatados por mídias mais tradicionais. Por meio da internet, grupos e
vozes excluídos da potica e de suas vias de participação tradicionais podem encontrar um
meio para estabelecer conexões entre si e r em circulação seus modos de ver e de dizer o
mundo. Mediante isso, as possibilidades de organizações coletivas na internet tornam-se
possíveis através da produção e circulação de um discurso em que as micropoticas podem
mostrar suas concepções de realidade e legitimarem seus propósitos.
Nesse sentido, falo em concepções de realidade por reconhecer que a veracidade são
efeitos de sentido dessas visões de mundo acionados por meio de estratégias discursivas
investidas pelos sujeitos da enunciação. Esses sujeitos conferem às suas visões de mundo o
efeito de sentido de verdade por meio da referencialidade tecida no discurso que empregam na
relação com o outro, ou seja, “da subjetividade do sujeito em sua relação com o mundo,
criando uma adesão ao que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável
com outras pessoas” diz Charaudeau (2006, p. 49).
O compartilhamento de valores e reconhecimento das visões de mundo se dão pelo
fato de as micropoticas se colocarem em relação com outros grupos ou sujeitos no lugar das
condições de produção discursiva. Esse fator também torna peculiar o processo que institui o
contrato midtico na internet, pois a autonomia e flexibilidade conferem aos usuários dela a
categoria de interagentes. Segundo Castells (1999), categorizar os usuários da internet como
interagentes significa que podem tanto produzir quanto buscar informação de acordo com o
seu interesse.
Assim, pressuponho que os sujeitos do contrato midiático na internet são pretensos ao
partilhamento de valores e assuntos em comum, mesmo sendo refutáveis ou o à temática
exposta isso conduz a maior proximidade, mesmo que efêmera das relações sociais tecidas na
rede interativa. Além disso, o modo de interação na internet é condizente com as etapas que
69
integram os modos de dizer propostos por Pinto (2002), que relatam o uso do discurso como a
busca por consenso, em que são expressados os valores em relação aos eventos e
acontecimentos expostos. Assim, a construção discursiva corresponde à distribuição dos
afetos positivos ou negativos que determinado ator social reconhece ou quer ver reconhecida.
Isso implica que mesmo estratégias contra-hegemônicas buscam por consenso e
demonstram o quanto as disputas na esfera de debate público estimam a hegemonia do que
consideram como realidade e querem ver reconhecido como verdadeiro. Dessa forma, as
intersecções dialógicas refletem a diversidade discursiva do entrecruzamento de contextos,
fator que diminui fundamentalismos, na vida em sociedade, e diminui, efetivamente, o
estabelecimento e permanência de hegemonias sociopoticas.
Referente a isso, considero o significado ampliado de dialogia, ou seja, a interação
contínua entre uma multiplicidade de vozes, especificamente, por mídias como a internet.
Destaco, então, a importância desses dispositivos para a ampliação das condições de produção
discursiva, assim como a potencialização da capacidade reflexiva dos indivíduos diante da
oferta de informação e o confronto com realidades diversas. Pondero a dialogia como um
valor fundamental no/para a ampliação dos fluxos sociopoticos investidos por um tecido
cada vez mais complexo de práticas sociais articuladas em rede na sociedade global.
Utilizo o conceito de dialogismo proposto por Mikhail Bakhtin, o qual reflete a
dialogia como sendo intrínseca às relações humanas, a própria essência de sua natureza
constituinte e que funda mecanismos de comunicação como a linguagem. Segundo Barros
(2005), Bakhtin difere a dialogia entre interlocutores e a dialogia entre discursos. Na primeira,
trata do dialogismo interacional, da intersubjetividade, da relação entre interlocutores que
constroem os próprios sujeitos do texto, produtores e receptores, enunciadores e
enunciatários
13
. A segunda afirma que, além de no discurso haver diálogo de interlocutores,
também o diálogo entre discursos.
Diante disso, observo a dialogia como sendo um fator essencial das relações entre
sujeitos perpetuada através dos discursos. Verifico esse caráter intrínseco ao discurso em
relação às manifestações das micropoticas na internet como um fator que amplia os fluxos
sóciopolíticos por empregar intersecções dialógicas no espaço público contemporâneo. Isso
porque a dialogia pode ser implícita como constituinte da própria interação comunicativa,
13
PERUZZOLO 2001. Os sujeitos da enunciação referem a imagens idealizadas apresentadas no discurso pelos
sujeitos da fala, que contemplam o enunciador e, também, o outro-ouvinte, o enunciatário. Esses sujeitos estão
implícitos no discurso e tem responsabilidades na enunciação. Isso porque o discurso implica a ação de ambos,
entendendo que o enunciatário, assim como o enunciador, é também, sujeito da enunciação, pois, desempenha
um dos papéis assumidos no discurso.
70
como ser visível através de efeitos de sentido como a polifonia que transparece as múltiplas
vozes constituintes de um discurso. Sobre essa relação impcita/explícita da dialogia no
discurso, considero determinada afirmativa:
Pode-se dizer que o diálogo é condição da linguagem e do discurso, mas textos
polifônicos e monofônicos, conforme variem as estratégias discursivas empregadas.
Nos textos polifônicos, os diálogos entre discursos mostram-se, deixam-se ver ou
entrever, nos textos monofônicos eles se ocultam sob a aparência de um discurso
único, de uma única voz. Monofonia e polifonia são, portanto, efeitos de sentido,
decorrentes de procedimentos discursivos, de discursos por definição e constituição
dialógicos. (BARROS, 2005, p. 34).
Nesse sentido, fundamento, com base no conceito de dialogia de Bakthin, conforme
Barros (2005), a iia de que intersecções dialógicas significam os contrastes das múltiplas
vozes acionadas através do discurso circulante por dispositivos como a internet, constituíntes
dos fluxos sociopoticos na globalização. No que se refere à dialogia empregada nos
investimentos das micropoticas na internet, percebo a ampliação dos fluxos sociopoticos
devidamente como intersecções dialógicas marcadas pelas próprias características do
dispositivo, além das estratégias discursivas.
Entre essas características, destaco a autonomia, o hipertexto, a flexibilidade e a
própria condição de interagentes atribuída aos usuários da web. Fatores que tornam a internet
um mecanismo sociotécnico de significantes possibilidades dialógicas, pois suas
peculiaridades interativas revelam a polifonia como um elemento inerente ao discurso
circulante na internet e que delineia os fluxos de naturezas diversas em um espaço público
midiatizado.
É pertinente enfatizar que, além dessas características próprias da internet que fazem
do discurso circulante nela ser próprio de recursos polinicos, a sua dialogicidade também é
potencializada pelos investimentos de organizações coletivas articuladas na rede. Essas
organizações, as quais denomino micropoticas, movimentam, através da web as intersecções
dialógicas ou fluxos sociopoticos na sociedade global. Trata-se de sujeitos que utilizam a
rede para legitimar seus interesses e exporem seus pontos de vista a respeito de temáticas
diversas.
A articulação tecida em rede das micropolíticas pontua essas intersecções dialógicas
através da diversidade de interesses tencionados no espaço de debate público contemporâneo.
Intersecções que não ocorrem apenas nos fluxos interativos da web, mas que dialogam com
outras esferas do campo midiático podendo contrastar com a dimensão potica nas vias de
suas instituições. Assim, essas organizações coletivas constituem e movimentam os fluxos
71
sociopolíticos através dos processos de globalização, pois fazem uso de dispositivos como a
internet que atua como um mecanismo de desencaixe dos atores sociais, projetando interesses
locais a escalas globais de interação, desterritorializando tanto as representações de mundo
desses sujeitos quanto seus contextos.
A medida que as manifestações insurgem de vias não-institucionais da potica, tornam
a discussão pública mais aberta e eminente às interpenetrações de diferentes posições e
contextos sociais. Isso porque os debates passam a ter uma maior proximidade com as
questões do cidadão e se tornam mais contextualizados com a sua respectiva realidade
confrontando com as instâncias deliberativas. Nesse sentido, proponho o entendimento da
seguinte idéia de comunidade virtual para embasar o significado em relação as redes
micropoticas, o apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relação
humana desterritorializada, transversal, livre. As comunidades virtuais são os motores, os
atores, a vida diversa e supreendente do universal por contato”, conforme Levy (1999,
p.130).
Nessa atmosfera de colaboração coletiva proposta pelo entendimento de ocmunidade
virtual articulada em torno de interesses comuns na internet, evidencio que as micropolíticas
constituem, também, comunidades virtuais. São sujeitos que interagem com base em temas e
propósitos comuns por um determinado tempo, não dependendo da comunicação presencial.
Logo, isso provoca o encontro de realidades e atores inseridos em localidades distintas que
podem se comunicar em tempo real. Conjuntura que alimenta os fluxos sociopolíticos na
sociedade global através da interação entre atores sociais diversos em situação de um contexto
espaçotemporal comprimido.
Essas comunidades virtuais, em torno de interesses comuns, permitem a ação
comunicativa entre distantes e a inscrição de uma diversidade de conteúdos. Além disso, a
ampliação dos lugares de produção da informão na internet difunde o saber através da
informão articulada discursivamente, descentralizando o poder. Nesse sentido, também,
aumentam-se os fluxos sociopoticos, pois os saberes sobre os acontecimentos do mundo
encontram por meio dos investimentos dos sujeitos coletivos na internet, uma alternativa
frente aos filtros convencionais da dia e da potica institucionalizada.
Então, ressalto a importância do entrecruzamento de informações que diversificam o
debate público, configurando-o através de intersecções dialógicas, que tencionam variadas
visões e prositos. A constatação da ampliação dos lugares de produção da informação
revela maiores possibilidades de organização coletiva, assim como maiores opções de escolha
e interpretação, ou seja, aumento da reflexividade diante da diversidade de visões de mundo.
72
Esse fator contribui para que os sujeitos revejam constantemente as perspectivas de sua
realidade nas suas diversas dimensões.
No âmbito da dimensão política, exemplifico as intersecções dialógicas utilizando a
manifestação discursiva do Fórum Social Mundial na internet. Na versão de 2008, em
específico, o FSM trouxe para a página da internet um discurso competitivo à potica
econômica global e à mídia convencional. Principalmente, manifestou o interesse em se
mostrar, sem depender do olhar da mídia tradicional, que enquadra os acontecimentos
condicionada por lógicas próprias de informação e entretenimento atrelado às finalidades
econômicas e tecnológicas. Esse enfoque fica mais explícito no site da ação global do dia 26,
na janela “centro de dia”, na qual um texto direcionado aos jornalistas demonstra a
preocupação do enunciador
14
com a cobertura fiel das dias, designando uma informação ao
enunciatário
15
jornalista.
Nesse discurso, encontro a informação que se refere à seguinte frase: esse formato
transporta o FSM 2008 para o território da comunicação,
conferindo uma grande responsabilidade às mídias alternativas, que
respeitam o processo FSM” (http://www.wsf2008.net.br). Percebo, com base na
interpretação dessa passagem, uma preocupação em transmitir um olhar do fórum sob uma
perspectiva de quem o faz e participa. Além de advertir contra informações como a de fóruns
anteriores em que parte foi tomada como totalidade pelas lentes da grande mídia.
É importante ressaltar que, através do site, se estabelece uma relação de contra-poder,
uma informação independente de instituições midiáticas convencionais e também uma
preocupação com a verossimilhança, correspondente ao ponto de vista do próprio movimento.
Embaso essa afirmativa ao observar a seguinte frase: Construa um outro mundo possível:
comece a planejar a sua atividade para o Dia de Ação Global em 26 de Janeiro”
(http://www.wsf2008.net.br), que aparece tanto no boletim quanto no site, revelando o
objetivo central do enunciador em convocar os enunciatários para participarem e aderirem as
causas do movimento.
É relevante ressaltar e especificar as peculiaridades do dispositivo de encenação do
FSM 2008, pois como ele é todo mediado pela internet, confere-se um caráter de muita
interatividade e articulação em rede. Pela internet, pode haver tanto mais interferências das
instâncias de recepção, quanto melhor articulação das instâncias de produção. Suponho,
14
PERUZZOLO 2002, p. 190. É exercido como um fazer persuasivo.
15
Ibid. p. 190. É um fazer interpretativo, cabendo a este a decisão do que fazer em seguida com a leitura que faz.
73
assim, que o saber transmitido pelo site do FSM 2008 é predominantemente representativo da
articulação em rede dos diversos movimentos que ali são mencionados.
Nesse sentido, considero posicionamentos políticos como o do FSM como
dialogicidades que se intersectam, na esfera pública contemporânea, independentes de
consenso. O FSM na internet revela posições que tecem uma rede de relações e fluxos
sociopolíticos sobre determinadas questões sociais que se conflitam com distintas visões de
mundo. Nesse contexto, a internet se torna um espaço alternativo para diferentes diretrizes e
nuances das questões políticas que se constituem nas próprias relações de força estabelecidas
entre sujeitos, sociedade e instituições.
Reafirmo, então, a importância da internet para a constituição dessas redes
sociopolíticas em face da predominância das dias tradicionais. Dessa maneira, ampliam-se
os lugares de produção discursiva, conduzindo a um aumento da dialogia e também da
participação, tanto de microgrupos como de indivíduos nessa esfera pública midiatizada.
Atribuições das condições de visibilidade desse dispositivo midiático, como também, de uma
linguagem em rede que estabelece uma lógica temporal e estética marcada pela articulação
o-linear de textos, imagens e sons que interligam sujeitos num tempo-espaço comprimido.
Características como autonomia, hipertextualidade e interatividade são decisivas para práticas
sociopolíticas se articularem e se manifestarem nesse novo tempo espaço.
3 DOS CONTRASTES NA WEB: FLEXIBILIDADE E DIALOGIA
NO ESPAÇO INTERATIVO.
A abordagem em torno dos conceitos de globalização, de fluxos sociopoticos e de
internet, é aqui reconhecida mediante uma análise discursiva do site ciranda.net. D dar-se-a
por meio do levantamento das características, dialogia e flexibilidade, que permeiam a
inserção discursiva de micropoticas em um espaço público, condicionado pelos processos de
globalização. Considero os conceitos abordados com um enfoque prático de análise que
reconhece, na ação coletiva do FSM
16
na internet, características dialógicas e flexíveis, que
sustentam o seu discurso online imerso no espaço global.
Essa constatação revela a influência da internet para a ampliação dos fluxos
sociopolíticos através dos contrastes movimentados por meio da inserção discursiva de
práticas sociais como as micropoticas na internet, num espaço público condicionado pelos
processos de globalização. Dessa forma, elegi a flexibilidade e a dialogia como características
a serem interpretadas no percurso técnico-metodológico, por corresponderem a aspectos
inerentes a um espaço público regido pelos processos globais e permeado pelas novas
tecnologias estando intrínsecas à manifestação discursiva de sujeitos nãoinstitucionalizados na
internet.
Conforme discorrido nos capítulos anteriores, a flexibilidade reside em uma
característica peculiar pertencente aos dispositivos sociotécnicos provenientes da inovação
tecnológica que infere diretamente sobre os processos globais. Isso, porque tomo a
globalização, conforme Giddens (1991), essencialmente como ação à distância, de forma que
os dispositivos sociotécnicos como a internet intensificam essa nova ordem através do
impulso a processos como a compressão espaço-temporal e a desterritorialização.
16
O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da refleo, formulação de propostas,
troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil
que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo.
Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, se configurou como um processo mundial permanente de
busca e construção de alternativas às políticas neoliberais. Esta definição está na Carta de Princípios, principal
documento do FSM.
O Fórum Social Mundial se caracteriza também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter o
confessional, não governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma
descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao
internacional, pela construção de um outro mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da
sociedade civil mundial. O Fórum Social Mundial não é uma entidade nem uma organização.
75
Conforme observado, a dialogia traz uma peculiaridade à internet, configurada como
um dispositivo sociotécnico de significante apropriação social em relação aos dispositivos
midiáticos mais tradicionais, que condicionam o espaço de visibilidade público global.
Compreendo que, pela internet ser um dispositivo midiático mais flexível devido à autonomia
discursiva e à segmentação da audiência como interagentes dos assuntos circulantes na web, a
dialogia encontra-se estritamente associada à flexibilidade.
Essa premissa institui a complementaridade das duas características como foco
anatico das influências positivas da internet em relação aos fluxos sociopoticos no espaço
de debate público globalizado. Considero, portanto, a flexibilidade e a dialogia como aspectos
centrais que integram as mudanças de um paradigma moderno marcado por um contexto que
condiciona as diretrizes que convergentes e o confrontadas no âmbito dos fluxos que
come as investiduras locais e projeções globais. Tais aspectos serão analisados, no decorrer
desse capítulo, como manifestações diretas dos elementos discursivos que compõem o site de
divulgação do FSM.
As mudanças entendidas em relação aos fluxos sociopoticos na internet permitem
observar, então, uma ampliação dos espaços onde se inscrevem micropolíticas, a fim de
negociar seus interesses com outras instâncias do cenário de deliberação potica. Para a
compreensão das possibilidades de ampliação desses espaços pela internet, torna-se
necessário uma contraposição com os dispositivos midiáticos tradicionais.
Esse contraste empreende-se por meio do reconhecimento prático das características
centrais enquanto diferenciadoras dos aspectos que tornam o espaço de debate potico global
ser interpelado pela organização entre sujeitos coletivos e descentralizados. A flexibilidade e a
dialogia subsidiam identificar as inflncias da internet como um dispositivo sociotécnico que
conduz a uma reordenação espaço-temporal e que desterritorializa contextos, sujeitos e ideias
através das conexões entre distantes.
Nesse sentido, a internet_verificada como um dispositivo dialógico e flevel_
proporciona a manifestação de práticas sociais de naturezas diversas e que, quando
desterritorializadas, confrontam as dimensões locais e globais. Enfaticamente, abordo a
inserção discursiva de micropoticas na internet como um pressuposto para movimentação
dos fluxos sociopoticos no espaço de debate público global.
Referencialmente, introduzo uma leitura dos significados negociados no discurso
empreendido pelo FSM no portal de divulgação www.ciranda.net com ênfase na flexibilidade
e na dialogia enquanto características capazes de demonstrar as influências positivas da
internet para a ampliação dos fluxos sociopolíticos no debate político global. A ampliação dos
76
fluxos sociopolíticos revela, simultaneamente, as possibilidades de mecanismos
sociotécnicos, como a internet, contrastarem os interesses entre diferentes atores do cenário
político globalizado.
O princípio evidenciado conduz a uma reconfiguração de conceitos postulados, como
democracia e cidadania. Trata-se das consequências que a internet como um lugar de
produção discursiva mais flexível, pode inferir sobre a convergência entre forças hegemônicas
e contra-hegemônicas inerentes à relação entre o global e o local. São os fluxos entre o
confronto de forças opostas ou complementares que destaco como sendo a intersecção de
sujeitos coletivos com instâncias institucionalmente deliberativas no cenário político.
As intersecções são visualizadas a partir do aspecto dialógico, anteriormente
verificado, mediante a intertextualidade do discurso das micropoticas na internet. Essa
possibilidade dialógica é uma influência incisiva da atuação da internet como dispositivo
midiático, no qual se inscrevem diversas práticas sociopolíticas. Considero, assim um quadro
de intersecções dialógicas, instituído pelo entrecruzamento de atores individuais e coletivos
por meio das conexões na internet, que circulam pelo espaço de debate público global.
Essas intersecções são efetivadas pelo potencial autônomo e flexível da internet em
ampliar os contrastes de interesses e movimentar os fluxos sociopoticos através das dialogias
intersectadas na sociedade global. Então, destaco a importância do desenvolvimento das
novas tecnologias para a intensificação dos processos de globalização por meio da
flexibilidade, que permite uma interface dos investimentos locais e das projeções globais,
convergindo forças hegemônicas e contra-hegemônicas no cenário potico globalizado.
Busco, assim, os elementos convergentes da análise discursiva do site de divulgação
das edões do FSM, com a inserção deste no debate potico global. Isso significa interligar
os conceitos levantados com os elementos discursivos do FSM na web, analisando, a partir
disso, as possibilidades da internet em movimentar os fluxos sociopoticos através da
inserção discursiva de micropoticas em um espaço público condicionado pelos processos de
globalização.
Reconheço, dessa maneira, as inserções desse movimento como práticas
micropoticas articuladas na rede e revelo que o material referente ao rum é exclusivo à
projeção deste na página da internet analisada. Assim, faço uso de um procedimento técnico-
metodológico que tem como eixo norteador a análise de discurso pós-estruturalista com
instrumentos de semiologia social do site www.ciranda.net do FSM. Conforme exposto no
primeiro capítulo, os sites da internet são compostos por uma morfologia hipertextual
77
interligada por nós que pode remeter a infinitas páginas, dessa forma, considero suficiente
para coleta dos dados o acesso a dois níveis de escalas de conexão.
Além disso, escolho uma interpretação conjunta dos elementos discursivos que
comem as páginas, devido a infinitude de conexões e significados imersos nos enunciados
17
multimodais do site. Conforme anteriormente, introduzi que os aspectos centrais que
correspondem aos objetivos desta pesquisa são referentes as possibilidades da internet em
relação aos fluxos sociopolíticos. Não sendo, portanto, objeto desta análise uma interpretação
minuciosa do discurso de uma micropolítica na internet.
A estrutura da análise que segue corresponde aos elementos pertencentes aos dados
externos do contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006). Essa análise
discursiva exige atenção aos dados externos, que são as condições de enunciação
18
da
produção linguageira. Essa está relacionada aos dados internos
19
do contrato como papéis
linguageiros e maneiras de falar.
No entanto, direciono minha ênfase à situação de troca que envolve a internet como
um dispositivo sociotécnico, mesmo que o contrato de comunicação resulte, conforme o autor,
da soma dos dados externos com as características próprias da produção linguageira. Isso,
porque o objeto desta pesquisa trata dos fluxos sociopolíticos na internet, enfocando as
possibilidades do dispositivo e não os comportamentos dos interlocutores do site
referencializado.
A partir dos dados externos do contrato de comunicação, atribuirei os elementos que
comem as características analisadas como a flexibilidade e a dialogia. São conhecidos
como dados externos as condições de identidade, de propósito, de dispositivo e de finalidade.
Através das condições de identidade, posso reconhecer os sujeitos da enunciação
20
que são
imagens idealizadas apresentadas pelo discurso dos sujeitos da fala, que contemplam o
enunciador
21
e, também, o outro-ouvinte, o enunciatário
22
, no site. Isso, conforme Charaudeau
17
Enunciado é da ordem do que é dito, “não é a frase, mas o dito representado pela frase”. (PERUZZOLO,
148:2001). Enunciar é o “ato de enunciação transforma a intenção virtual e abstrata em fato discursivo
objetivo, perceptível e observável”. (PERUZZOLO, 144:2001).
18
(Peruzzolo, 2004, p.143-147) É uma ação de mediação que opera uma obra, que integra estruturas narrativas e
discursivas, com o intuito de produzir dois grandes efeitos de sentido: produzir um objeto de comunicação e
entrar em comunicação com alguém. Modalidade de dizer, como se diz.
19
(Charaudeau 2006) são três os espaços de comportamento linguageiros, o de locução, de relação e de
tematização.
20
Esses sujeitos estão implícitos no discurso e tem responsabilidades na enunciação. Isso porque o discurso
implica a ão de ambos, entendendo que o enunciatário, assim como o enunciador, é também, sujeito da
enunciação, pois, desempenha um dos papéis assumidos no discurso.
21
(Peruzzolo 2004) É o destinador implícito da enunciação, podendo ser individual ou coletivo. Não é um
sujeito empírico, é um papel assumido no discurso. Institui o enunciatário.
78
(2006, p.69), implica em “destacar os traços identitários que interferem no ato de
comunicação”, ou seja, perguntar quem fala a quem.
O próximo dado externo é o propósito discursivo, que é um elemento do contrato de
comunicação designado como uma entre as condições de enunciação, sendo conceituado por
Charaudeau (2006, p.69) como uma maneira de recortar o mundo em universos de discurso
tematizados”. Essa condição diz respeito ao macrotema, ao discurso dominante que se refere
ao que se trata, sendo partilhado pelas instâncias de produção e recepção do contrato de
comunicação.
As condições de dispositivo são próprias das especificidades que envolvem um ato de
comunicação diante das circunstâncias materiais em que se desenvolvem. Segundo
Charaudeau (p. 70, 2006), o dispositivo constitui o quadro topológico da troca, que é mais
ou menos manifesto, mais ou menos organizado”, corresponde ao lugar físico ocupado pelos
parceiros, ao canal de transmissão que é utilizado. Levando em conta à internet como um
dispositivo ressalto que o lugar dessa condição de troca se estabelece como o próprio espaço
de fluxos.
Por fim, a condição de finalidade é a ordenação do ato discursivo em função de um
objetivo que, por sua vez, se em termos da intencionalidade dessa relação intersubjetiva.
Para Charaudeau (p. 69, 2006), “A resposta a essa questão, numa problemática da influência,
se em termos de visadas, pois na comunicação linguageira o objetivo é, da parte de cada
um, fazer com que o outro seja incorporado à sua própria intencionalidade”. Nessa premissa,
o autor ainda afirma que existem quatro tipos de visadas: a prescritiva que é motivar uma
ação, a informativa que significa transmitir um saber novo; a incitativa, que é a busca pela
legitimação do que está sendo dito e a visada do páthos, que é despertar uma emoção.
Essa hierarquia, composta pelos elementos dos dados externos do contrato, é
perpassada pelo reconhecimento de dois conceitos centrais dessa pesquisa, como dialogia e
flexibilidade, até então relacionados com uma reflexão teórica da discussão entre os termos
processos de globalização, internet e fluxos sociopolíticos. Diante disso, dialogia e
flexibilidade são debatidas a partir de um percurso anatico em campo, considerada como a
própria web.
22
(Peruzzolo 2004), É o destinatário implícito da enuncião. Assume o papel de sujeito falado; depois,
concretamente, assume também a função de sujeito de leitura.
79
A interdiscursividade
23
reflete a dialogia
24
de um discurso configurado por múltiplas
vozes, implicando, também, na relação com o outro. Essa característica da internet é
reconhecida através do entrecruzamento de diversas vozes no site do FSM, ou seja, a
polifonia. Esses aspectos semiológicos indiciam o posicionamento dos sujeitos do
enunciado
25
nessa relação intersubjetiva. A dialogia revela temáticas e interesses postos em
circulação no discurso online, configurando a articulação potica do FSM no debate público
global. Estes temas são organizados em cadeias significantes, onde a proposição de uma ideia
está associada a outras, compondo-se, assim, em subtemas.
A flexibilidade da internet é analisada de acordo com as conexões mediadas pela
interface multimídia do discurso na internet, que articula imagem, som e texto, juntamente,
com as demais ferramentas de interação, que estimulam e possibilitam a participação do
receptor/interagente. Sobre a flexibilidade, considero as possibilidades discursivas por meio
da imagem e som. As ferramentas do site, como elementos estético-interativos do discurso
online que permitem o diálogo e intersecção entre distantes.
Começo, então, pela flexibilidade, delineada como característica dos fluxos
sociopolíticos na internet, conforme a coleta de elementos no site, organizados por meio das
condições de enunciação dos dados externos do contrato de comunicação. A princípio, são
reconhecidos os sujeitos de enunciação movimentados e configurados no discurso pelo
emissor
26
e pelo receptor do site.
Primeiramente, observo no canto esquerdo superior da página
27
o termo ciranda
28
,
seguido de uma logomarca que remete a um círculo composto por crianças, formando uma
ciranda com um teclado contendo algumas letras e números ao centro. Por estar numa posição
de destaque, reconheço a centralidade de ciranda como uma das imagens enunciativas
movimentadas no discurso empreendido pelo emissor do site. Essa imagem designa um
enunciador coletivo, pois encontra-se amparado a um ícone, que, por sua vez, remete a algo
dinâmico, coletivo e genuíno.
23
(Peruzzolo, 2004, p.184) Mescla polifônica de textos pertencentes a campos de sentido diversos (nos dois
sentidos desse termo: diferentes e vários).
24
Lembrando que todo discurso é constituído dialogicamente, pois se trata de uma relação intersubjetiva. Dessa
forma considero uma dialogia explícita no sentido Bakthiano.
25
(Peruzzolo 2004, p.147-148), Plano do que é dito, é a idéia concreta. Não é a frase, mas o dito representado
pela frase.
26
È importante diferenciar enunciador dos termos, autor empírico e emissor. O autor empírico é o indivíduo que
produziu o texto fisicamente. E o emissor_ o significante eu de um texto_ é quem põe em cena um ou mais
enunciadores. Com os quais o emissor se identifica e define sua imagem ou lugar enunciativo, que é o sentido
que reinvindica para si mesmo. Da mesma forma, é conduzida a diferenciação entre audiência empírica e
receptor.
27
Ver anexo 2
28
Para diferenciação os enunciados descritivos do site eso destacados em itálico.
80
Essa imagem come uma enunciação, ou seja, uma “relação do enunciador com o
que ele diz” (Peruzzolo, 2004, p.147), relacionada ao seguinte enunciado: Ciranda
Internacional de Informação Independente: Para que outro mundo seja possível, é preciso
reinventar a comunicação”. A composição desta enunciação mostra, assim, um enunciador
coletivo comprometido com a informação de uma forma inovadora e alternativa. Nessa
passagem, identifico que o sentido do termo independente conduz ao questionamento:
independente de quem?
Seguindo esse pensamento e considerando o dispositivo no qual o enunciado está
escrito: a internet. Interpreto que essa indepenncia é em relação às formas tradicionais de
informão midiática. Isso, porque a internet é uma hiperda, característica ultrajada por
caracteres, como o hipertexto, dotado de alinearidade e interatividade, como afirma Santaella
(2007). Segundo a autora, a não linearidade permite organizar a informação em fragmentos ou
módulos, possibilitando a interpretação em diferentes níveis de profundidade. A interatividade
consiste numa série de mecanismos online, permitindo ao receptor exercer inflncia sobre o
acesso e inserção de informação.
De certa maneira, essas especificidades da internet estabelecem que a imagem
construída do enunciador condiciona a flexibilidade, como um sentido proposto, dessa troca
intersubjetiva, nesse lugar de enunciação que é o site do FSM. Em outras palavras, implica na
intencionalidade de mediação do emissor em um espaço blico através de condições de
visibilidade midiática alternativa, como a internet.
A flexibilidade proporciona a construção de um enunciador coletivo, o ordenamento
interdiscursivo das vozes entrelaçadas ao enunciador. Por outro lado, o mesmo enunciado
contém o dito
29
Para que outro seja mundo é possível” que é referente ao slogan do FSM
“um outro mundo é possível”, encontrado em diversas manifestações do movimento e,
inclusive, no site oficial
30
. A partir disso, observo que o Ciranda Internacional de
Informação Independenteé o emissor que e em cena um ou mais enunciadores, como o
FSM é definido como sua imagem ou lugar enunciativo, sendo o sentido que reinvindica para
si mesmo.
Assim, o site ciranda.net não trata do movimento propriamente dito, mas de um lugar
de produção, consumo e veiculação de informação correspondente aos ideais e interesses do
FSM. Outro elemento dessa enunciação coletiva, no site, pode ser observado, tamm, no
29
O dito é organizado como um todo de sentido e como um objeto de comunicação que se coloca entre um
destinador e um destinatário, movimentando suas subjetividades. (Peruzzolo, 2004, p. 140)
30
http://www.forumsocialmundial.org.br
81
canto superior direito da página
31
por meio de uma ferramenta ou elemento estético-interativo,
figurada por uma caixa que disponibiliza a leitura da página em diferentes idiomas.
Essa flexibilidade do dispositivo permite a troca entre sujeitos portadores de diferentes
códigos linguísticos. Ao inserir essa ferramenta no site o emissor institui enquanto sentido no
discurso, um enunciatário que pode ser proveniente de contextos distintos referente aos
idiomas apresentados. Essa flexibilidade é a possibilidade de conexão em rede que torna a
internet um mecanismo sóciotécnico, que potencializa a velocidade do tempo e a compressão
do espaço que atua nos processos de globalização. A disposição flexível da rede, por meio
dessas ferramentas que tornam a internet um mecanismo sociotécnico capaz de comportar as
mudanças sociais na contemporaneidade, conforme afirma Casttells (2004):
Uma rede é o conjunto de nós interligados. As redes são formas muito
antigas de atividade humana, mas atualmente essas redes ganharam uma
nova vida, ao converterem-se em redes de informação, impulsionadas pela
internet. As redes têm enormes vantagens como ferramentas organizativas,
graças à sua flexibilidade e adaptabilidade, características fundamentais para
sobreviver e prosperar num contexto de mudança permanente. (CASTELLS,
p.15, 2004)
Embora a referida ferramenta, na internet, permita essa convergência em escala global,
muitas vezes a otimização dos sites contradizem essa capacidade interativa. Como ocorre no
site ciranda.net, onde, ao clicar tanto nos diferentes idiomas, a página não é inteiramente
traduzida. Fator que condiz com a importância da relação entre o dispositivo. Assim, a
flexibilidade é uma característica sociotécnica, dependente da combinação da apropriação
social com as peculiaridades do dispositivo, conforme argumenta Levy (1994).
Sob o aspecto de ferramentas do site, como essa conversão de idiomas permitirem a
conexão entre sujeitos num espaço comprimido e numa condição de tempo simultânea, a
flexibilidade é uma característica do espaço de debate potico global. Sendo ela inerente à
internet a concepção de desencaixe de Giddens (1991) torna esse dispositivo imprescindível
para as práticas poticas do contexto global. O debate político global é efetivado através da
intersecção entre diferentes sujeitos encontrados em localidades distintas, por meio de
mecanismos como a internet.
Novas formas de fazer política emergem-se absorvidas pelos processos de
globalização, sendo sujeitos conectados em diferentes pontos do globo por objetivos comuns.
31
Ver anexo 2
82
A evanescência de uma reflexividade de ordem planetária, não mais pautada por aspectos
hierárquicos e formais da potica tradicional, confinados na dureza das instituições
territoriais. Essa nova forma de fazer potica é fruto desses processos que tornam uma
diversidade de questões globais em uma resultante de uma projeção ampla para aspectos
específicos de articulações transversais. Dessa forma, o caráter “microdessa nova forma de
fazer potica é constitdo pelo agenciamento de assuntos sobre os domínios básicos da vida,
pois
A política, como tradicionalmente a conhecemos não acompanhou essas
mudanças. Com suas instituições hierárquicas e rígidas, com sua atuação
reduzida à classe ou a outros determinismos fixos, passa por um processo de
desencaixe frente às novas demandas para descentralização do poder e
flexibilidade de resposta. (SIQUEIRA, p.170, 2004).
Sob esse ponto de vista, adoto o princípio de que a flexibilidade é, antes de tudo, a
força regente dessa potica descentralizada. Conforme visto na enunciação coletiva do site
ciranda, observo a necessidade de interação entre sujeitos situados em diferentes localidades
do globo. A flexibilidade que proporciona uma articulação global e descentralizada do FSM,
pontua-o ainda mais como uma micropolítica. Isso, porque as micropoticas são formações
sociais e práticas, constituídas de maneira fluida e articulada numa estrutura descentralizada.
Essas possibilidades de organização e projeção descentralizada podem conferir maior
desempenho dessas práticas no contexto do espaço público global.
A flexibilidade, então, contempla uma interação onde as práticas sociopoticas são
inscritas, distintamente, das dias tradicionais por onde se instaura grande parte do debate
político. Como indicativo dessa interação mais flexível, é observada por meio de categorias de
acesso comoespaço privado
32
; venha para a ciranda
33
; quero participar
34
; quero publicar;
35
fale conosco
36
e ciranda em seu site
37
. Essas ferramentas integram um conjunto de
elementos textuais e estético-interativos desse espaço discursivo, demonstrando uma
mobilidade entre as instâncias do contrato de comunicação, conforme discorrido no segundo
capítulo. Em poucas palavras, intensificam a relão de troca entre sujeitos.
32
Ver anexo 17
33
Ver anexo 14
34
Ver anexo 12
35
Ver anexo 13
36
Ver anexo 16
37
Ver anexo 15
83
Essas ferramentas atentam para o site como um espaço onde o público receptor pode
se inscrever também como produtor da informação intensificando a relação de co-autoria
própria do ato comunicativo. As categorias além de serem recursos da instância de produção
ciranda.net, pois estreitam a relação entre enunciador e enunciatário, também, conforme
afirmado por Castells (1999), configuram os sujeitos do processo comunicativo na internet
como interagentes do conteúdo produzido.
Característica que difere a visibilidade midiática da internet das mídias tradicionais,
isso porque a relação entre as instâncias que a produzem se dá de forma móvel e flexível. Essa
flexibilidade invoca uma autonomia discursiva possibilitada pelo dispositivo em questão, que
é atribuída como sendo constituído coletivamente. Mesmo assim, a condição de interagentes
no ciberespaço também se pela captação do conteúdo na web pelo usuário. Com base em
Levy (1999), nessa captação há uma busca eficiente de um conteúdo predisposto ou a
dispersão incessante pelas interligações do hipertexto.
Para o investimento de micropolíticas este fator beneficia a interatividade, pois,
precede uma convergência de interesses com os sujeitos visitantes do site. Assim como, a
busca aleatória pode formar contatos ou difundir informações sobre questões políticas
deterritorializadas das interações presenciais. Isso significa que essa mobilidade trazida para o
âmbito das articulações micropolíticas na internet as torna mais fluidas, mas também, mais
efêmeras, pois a interação ocorre na medida em que permanece o interesse do receptor no
conteúdo.
Para conter a efemeridade da lógica do hipertexto na web, os enunciadores valem-se
de estratégias para conduzir e aprofundar o nível de leitura no site. Um exemplo disso, está
interagem no mural central da home page
38
do site do FSM onde uma breve introdução do
conteúdo referente a cada uma das temáticas, que demonstra uma interpelação do enunciador
incitando o enunciatário para acessar o link e se aprofundar no conteúdo. Além disso, esses
recursos possibilitam que o enunciatário faça suas escolhas e conduzindo sua leitura conforme
seus interesses compartilhados com o enunciador implicam em uma difusão mais flexível das
temáticas dessas micropolíticas.
Essas características encontradas no discurso circulante de micropoticas na internet
são um entre os aspectos que as tornam um elemento crucial da nova ordem global e que
condicionam, também, a um novo entendimento de espaço blico. Assim como as demais
estruturas, o espaço público foi se modificando conforme a dinâmica da vida social e também
38
Ver anexo 2
84
conforme a sua relação com a tecnologia. Os meios de comunicação tiveram um papel central
na configuração do espaço público, na modernidade com a invenção da imprensa e formação
dos públicos leitores, e posteriormente, com as mídias de massa.
Habermas (1984) questiona a interpelação das dias no espaço público através da
concepção da formação de uma esfera blica burguesa, que passa da representatividade do
chefe de Estado, de um sistema absoluto de governo onde impera a autoridade direta do
estado sobre a sociedade civil, para uma esfera mais dinâmica, que se dissocia do poder
público. Porém, a esfera pública burguesa é seletiva, embora a partir dela surja a idéia de
igualdade, pois se torna um fórum de pessoas privadas a fim de obrigar o poder público a se
legitimar perante a sociedade.
Essa legitimação se pela convergência com a opinião pública que era formada na
época do jornalismo literário por uma elite que revolucionou as estruturas poticas, sociais e
culturais, criticando outra elite mais dura, a aristocrática. Esse quadro foi conseqüência da
movimentação econômica do século XIX pelo capitalismo, e também ocasionou a transição
do jornalismo literário para os serviços blicos de mídia, devido ao avanço tecnológico em
decorrência da competição e busca por lucros.
Habermas (1984) argumenta que a partir do século XX, com o desenvolvimento das
novas mídias, a função potica da esfera pública, anteriormente rica em confrontos
argumentativos, se torna homogeneizada pela função de propaganda e por uma opinião
pública forjada. Com o crescimento das novas mídias como televisão, cinema e o rádio, a
orientação passa a ser para o consumo.
Diante disso, segundo Habermas (1984) a publicidade perde sua função crítica que
seguia o mandamento democrático do agir publicamente em favor da função demonstrativa.
Logo, as discussões blicas surgem de instâncias privilegiadas que passam a legitimar seus
interesses em um espaço público restrito, porém de ampla visibilidade. Assim, Habermas
(1984) afirma que ocorreu uma redução na participação política na esfera pública, pois a
configuração dela se tornou uma tarefa das mídias e a corrente opinião que se forma nela é no
sentido dos grupos mais elevados para as minorias.
Nesse pensamento, uma esfera blica dominada pela mídia é constrda por grupos
privilegiados através de um marketing potico direcionado a consumidores apoticos,
resultantes de uma cultura de consumo. Nesse sentido, os meios de comunicação constituem-
se dispositivos de propaganda a serviço da manipulação de interesses dominantes.
O princípio apresentado por Habermas em relação à preponderância dos meios de
comunicação no espaço de debate público segue a concepção de Boaventura (2005) sobre as
85
estratégias dominantes através das novas tecnologias. Isso porque o poder de publicizar das
mídias condiciona a esfera pública à dualidade visibilidade-invisibilidade, e no decorrer das
transformações da sociedade, o dispositivo midiático ocupa um papel central no espaço
público, assim como na globalização devido ao avanço das novas tecnologias.
Por outro lado, embora muitas transformações sociais criaram ou remodelaram a
esfera pública, esta permanece assegurada como o espaço do debate ou do conflito
argumentativo. Na contemporaneidade, a esfera pública adquire para si mesma as
características do reordenamento espaço-temporal, ou seja, ela o é mais localizada. Nesse
aspecto a esfera blica é fragmentada, podendo se constituir de rias formas e por variados
atores. Ela se coloca como o próprio debate, a própria circulação de informações. Num
contexto globalizado, permeado por inovações tecnológicas, a internet enquanto configura
uma mudança de paradigma para o espaço público contemporâneo.
De forma eu a internet também pode servir como estratégia para articulações contra-
hegemônicas, pois, sua estrutura em rede que estabelece uma lógica temporal e estética
marcada por uma organização não-linear de textos, imagens e sons. Características como a
flexibilidade, hipertextualidade e interatividade, são decisivas em práticas contra-
hegemônicas que se manifestam neste novo tempo-espaço.
A internet, como uma mídia de maior flexibilidade, possibilita o exercício de autorias
diversas, contribuindo, no sentido da dialogia, para o enriquecimento da esfera pública
contemporânea. Saliento que a relação desta flexibilidade com seu caráter mais interativo,
proporciona visibilidade a uma ampla diversidade de interesses em um novo espaço público,
mas marcado pelo seu princípio que é o bem comum e a igualdade de participação.
Diferente das mídias tradicionais a internet possibilita uma visibilidade mais flexível e
ancorada nos fluxos de naturezas diversas que come o espaço público. Este sendo um
espaço condicionado pelos processos de globalização é tensionado entre os fluxos globais e
locais através dos mecanismos de compressão espaço tempo e desterritorialização.
Das dias que possibilitam essa visibilidade a internet se constitui como o pprio
fluxo sendo o seu conteúdo circulante o investimento de um agenciamento coletivo desse
intercâmbio entre as instâncias de produção e recepção que contemplam o contrato de
comunicação na internet, caracterizado pela flexibilidade. No âmbito do debate político essas
são as características próprias do dispositivo que norteiam as possibilidades da internet em
movimentar os fluxos sociopoticos em um espaço público condicionado pelos processos de
globalização.
86
Reflexão da qual compartilha a observação sobre a internet como espaço público de
Downing (2002), considerando o seu potencial como um dispositivo de visibilidade midiática
de intensa e ampla interatividade, conforme descrito abaixo:
É o primeiro veículo que oferece, aos indivíduos e coletivos de todo o mundo, a
chance de comunicar-se, com suas próprias vozes, com uma audiência internacional
de milhões de pessoas. Portanto, as possibilidades técnicas da internet como esfera
pública são ilimitadas (DOWNING, 2002, p. 270).
O impacto da internet através de suas possibilidades não se configura somente pelo
âmbito tecnológico, mas como um dispositivo sociotécnico onde suas características
peculiares são efetivadas através de sua apropriação social. Nesse sentido, que as
possibilidades sociotécnicas da internet como espaço público são ilimitadas. Diferentemente
de concepções tradicionais de espaço público observo a reconfiguração deste como uma
esfera interativa e deslocada, devido a flexibilidade com que sujeitos de diferentes contextos e
uma diversividade de conteúdos temáticos são articulados em escala planetária através da
interface da web.
A internet intensifica a co-autoria, a enunciação coletiva, atribuindo uma espécie de
agenciamento coletivo dos conteúdos e pautas no espaço blico global. Entretanto, a
abertura, a flexibilidade do dispositivo é submetida aos entraves do propósito discursivo do
enunciador, ou seja, das micropolíticas que se apropriam da internet defendendo seus
interesses. Diante disso, percebo que a dialogia requer flexibilidade, porém, nem toda
flexibilidade implica em dialogia. Porque o discurso condicionado por meio de ferramentas
flexíveis na internet que implicam em autonomia e interatividade pode ser, também, um
mecanismo de imposição e manutenção de hegemonias.
Mesmo com a mediação via web em situação de alcance e visibilidade ainda inferior
em relação às grandes mídias, essa flexibilidade interfere como espaço de debate político
quando comparado à instâncias de produção discursivas mais estáticas e restritas de
interatividade. A flexibilidade mediante essas ferramentas interativas da internet é o fator pelo
qual práticas sociais como as micropoticas adquirem uma participação discursiva no debate
político global. Principalmente, porque interagem suas questões globalmente articulando uma
diversidade cultural aos aspectos sociopoticos intersectados através do interesses
compartilhados na web.
87
Ainda na home page
39
, sobre a condição de propósito discursivo observo sua
amplitude para além das temáticas nacionais, pois, além de ser organizada pela divulgação das
ações planetárias, e temáticas globais e projeção global das temáticas localizadas, os
enunciados consistem em uma mescla do código lingüístico em diferentes idiomas. Como
forma de catalisar essa flexibilidade, ferramentas como um recurso interativo possibilita a
leitura do site em diferentes idiomas. Isso traduz um a flexibilidade como efeito de sentido
visado pelo enunciador ao inserir esta ferramenta no discurso significando que o conteúdo
produzido é relevante em escala global.
A flexibilidade, também, é uma característica que comporta a estrutura temática
discente do propósito discursivo explicitado no site ciranda.net. Como demonstra o
entrelaçamento do propósito discursivo do site às visadas de interesse do Fórum, verificadas
mediante um olhar sob as categorias de acesso da página, localizadas na margem esquerda.
Estas categorias estão dispostas como links para as edições anteriores do Fórum, são elas:
Forum Social Pan Amazônico
40
; FSM 2009 Belém
41
; FSM 2008 global
42
; Nairóbi, FSM
2006 Policêntrico; Porto alegre, India Social Forum e Educação. A oferta desses links são
lugares onde se inscrevem informações sobre as edições do FSM.
Ao “clicar” sobre os links do site as laterais da página permanecem as mesmas,
mudando apenas o conteúdo disposto em um formato de mural ao centro. Neste espaço são
centralizadas as informações contidas nos respectivos links, com o termo evento na vertical
classificando as informações como específicas sobre as edões. As edições dos eventos,
postas como subtemas são desmembradas em outras temáticas, organizadas como notícias,
que por sua vez conectam o conteúdo a outras páginas.
A disposição dos temas configura uma cadeia associativa numa estrutura própria do
hipertexto que permite flexibilidade de organização de leitura ao receptor/interagente. Essa
cadeia associativa consiste como uma ramificação do propósito discursivo desse lugar de
enunciação e permite visualizar, através das categorias e notícias dispostas em links, a
morfologia da rede na internet. De acordo com o hipertexto diversas páginas são conectadas
constituindo os portais de acesso, ou sites, sobre conteúdos diversos, estruturando um roteiro
temático, mas de perspectiva do receptor eu imprimem o grau de interatividade daquele
espaço enunciativo na web.
39
Ver anexo 2
40
Ver anexo 8
41
Ver anexo 6
42
Ver anexo 4
88
Sobre as condições de dispositivo, encontro na Home Page do site ciranda.net uma
edição referente a categoria WSF 2008 global
43
que traz em seu cabeçalho a seguinte
descrição: Dia de Ação Global FSM 2008 - 26 de Janeiro. Neste espaço é interessante
observar a flexibilidade da internet como um dispositivo sociotécnico que influencia na
compressão espaço-tempo. Isso porque o enunciado trata de uma edição do FSM articulada
através de ações em âmbito global, em um único dia. Ao mesmo tempo em que significa a
abrangência e descentralização dos sujeitos envolvidos, remete a um sentido de compressão
de todas essas ações em uma única página da web.
Esse aspecto pode ser evidenciado através de imagens, vídeos e textos sobre as
diferentes manifestações nesse espaço da edição de 2008. As imagens juntamente com os
textos escritos em diversos idiomas trazem uma diversidade de atores/ativistas envolvidos nas
manifestações do dia de ação global. Característica que chama à atenção são os contextos
desterritorializados através dessa plataforma discursiva que empregam o sentido da ação
organizada planetariamente. Signos como bandeiras, roupas típicas, grupos étnicos nas
imagens representam distintas culturas e indivíduos promovendo suas ações.
Dessa forma, o sentido do enunciado Dia de Ação Global FSM 2008 - 26 de Janeiro é
a própria compressão espaço-tempo proporcionada pela internet. Mediante a flexibilidade de
organização entre os sujeitos que exerceram suas atividades conforme a proposta do Fórum,
ou seja, articulando em um só dia as ações promovidas em diversas partes do planeta.
Conforme, anteriormente visto sobre a concepção de hipertexto de Levy (1994), a
flexibilidade da internet é própria dessa característica que permite o deslocamento de
contextos através da multiplicidade de encaixamento da informação disposta por meio dos nós
e ligações que come a estrutura móvel da rede.
Essa possibilidade permitida pela flexibilidade enquanto característica da condição de
produção discursiva na internet condiz com a importância da “descentralização” como aspecto
da nova forma de fazer potica na globalização. Nas palavras de Levy (2001) isso significa
que a contemporaneidade marca
o verdadeiro início da política, uma política desembaraçada de sua hipoteca
territorial, uma política sem inimigos, que podese dedicar enfim a afinar a
inteligência coletiva. Não podemos mais agir de qualquer maneira para com
outras porções do planeta “porque elas estão longe”. Nada do que entra na
cadeia cibernética de conseqüências de nossos atos está, de agora em diante,
“longe”. Ecologia, economia, tecnologia, demografia: tocamos todo o
43
Ver anexo 4 e 5
89
planeta e todo o planeta nos toca. Tudo o que nos faz viver com os resultados
de nossos próprios atos nos engrandece porque isso aumenta, com nosso
senso de responsabilidade, a acuidade da nossa percepção e a extensão da
nossa liberdade. Havia uma política internacional há séculos, mas
descobrimos somente alguns anos a política planetária. (LEVY, p. 37,
2001)
Essa potica planetária e a articulação entre uma diversidade de sujeitos, num espaço
mais amplo da cena tradicional de debate público, implica em uma maior reflexividade pela
compilação das diferenças. O deslocamento de sujeitos, bens de consumo, idéias e sistemas
sócioeconômicos mediante os processos de globalização ampliou os horizontes e as
dimensões da concepção de tempo-espaço conforme citado Giddens (1991) no primeiro
capítulo. Esses processos foram proliferados pelo desenvolvimento tecnológico que colocou a
disposição uma infinidade de mecanismos tecnológicos assim como a internet que por meio
de sua flexibilidade estrutural e a combinação com sua apropriação social colabora para essa
nova forma de se fazer política.
Entretanto, a interpelação entre contextos distintos diante dos processos globais não
institui igualdade ou unidade. As disparidades persistem mesmo num sistema de maior
reflexividade e de alternativa nas configurações políticas. Uma contradição deste cenário são
os próprios mecanismos sociotécnicos como a internet que se tornaram fundamentais para a
configuração de práticas e produtos sociais diversos, mas que ainda em âmbitos de
competências e recursos excluem da rede grande parte dos indivíduos. Neste aspecto, que
organizações coletivas como as micropoticas podem utilizar da estrutura flexível da internet
para dar voz aos excluídos desse mecanismo de ordem discursiva planetária.
Continuando com a característica flexibilidade, observo na categoria WSF 2008
global
44
, que traz em seu cabeçalho a seguinte descrição: Dia de Ação Global FSM 2008 - 26
de Janeiro constituindo um evento descentralizado e organizado principalmente através da
interface da internet. A amplitude global e a descentralização são percebidas no mural desse
evento onde os enunciados são codificados com idiomas pertencentes aos códigos lingüísticos
de diferentes sociedades. Nesta edição, em específico ocorre a projão e articulação direta de
ações localizadas em âmbito global, as manifestações são desterritorializadas através do
registro de imagens em áudio e vídeo, além de fotografias e produções textuais, ampliando a
44
Ver anexo 4
90
relação entre as micropolíticas e a internet na configuração dos fluxos sociopoticos no
espaço de debate global.
As imagens dispostas nesta edão desterritorializam as manifestações pelos espaços
territoriais em que foram realizadas, estendendo a vincia desses acontecimentos para as
conexões interativas da rede. As imagens de diferentes bandeiras, faixas com dizeres em
rios idiomas, e etnias entre outras revelam um evento em escala planetária que toma a sua
amplitude significativa no conjunto de elementos expostos através dessas mediações.
Em específico, duas imagens figuram uma antena de rádio e a interface de um
computador que em conjunto com os demais elementos da enunciação confere o sentido de
transmissão planetária das manifestações descentralizadas pelo mundo. Neste aspecto, a
organização e difusão planetária dessas ações descentralizadas configuram como a própria
temática da edão de 2008 pela possibilidade de organização de uma diversidade cultural de
atividades em um evento em escala planetária.
Assim, as ações dispersas do FSM puderam convergir constituindo um único dia de
ação global através dos fluxos de texto som e imagens projetadas nas conexões via internet.
Fator peculiar desta edição que não só desterritorializou as ações sociopolíticas como também
os contextos culturais. A internet como um dispositivo de conexão planetária mostrou sua
potencialidade através dessa edição do FSM como uma dia capaz de unir manifestações
globais sob uma condição de partilhamento em tempo real.
Essa flexibilidade confere à internet a capacidade de influenciar nos processos de
globalização como desterritorialização e compressão espaço-tempo. Além disso, esse aspecto
o se reflete apenas pela reprodução em tempo real das informações através dos textos,
imagens e sons, mas também, pelo armazenamento dessas mensagens nas páginas da internet.
São condições do dispositivo que permitem as conexões em tempo real de sujeitos em escala
planetária, como também, a continuidade dessa comunicação global em um processo contínuo
conforme o partilhamento de interesses.
A continuidade através da web da edição de 2008 possibilita uma extensão daquele dia
de ação global mediante a disponibilidade de material midiático produzido por uma
diversidade de manifestantes na categoria a respeito do evento. Da mesma forma, edições
presenciais como o FSM 2009 Belém
45
podem prosseguir com os debates do evento por meio
da disposição das temáticas nas páginas do site. Essa continuidade para as edições do Fórum
mantém a conexão entre os participantes das edições localizadas ou não, assim como
45
Ver anexo 6 e 7
91
possibilitam a participação e interação com os acontecimentos para aqueles que na estiveram
presentes.
Em relação a continuidade dos acontecimentos publicados no site um ponto crucial
da internet como dispositivo sociotécnico que é a sua efemeridade, que se contrapõe à
possibilidade de continuidade. Isso porque a mediação de práticas sociopoticas entre
diferentes localidades condiciona ao aumento dos fluxos no espaço de debate potico global,
no entanto, a instantaneidade dessas conexões imprime uma imediatização dessas
configurações em processos contínuos e descontínua.
Diante disso, a efemeridade é um desdobramento da flexibilidade sobre a constituição
dos fluxos sociopoticos na globalização, pois as articulações na internet estão expostas a
efervenscência dos interesses que atribuem forma as essas conexões. Conforme destaquei no
pensamento de Bauman (2001), no primeiro capítulo, sobre a fluidez que a compressão
espaço-tempo infere em relação as conexões mediadas pelas novas tecnologias, sendo
intensas da mesma forma com que são concebidas e desfeitas.
A efemeridade limita as condições de visibilidade para práticas sociopolíticas na
internet. Uma referência disto é o próprio site da edição do FSM 2008, o www.wsf2008.net
que um ano depois não estava mais em circulação, sendo todo material produzido pelos
manifestantes fragmentado pela web e também reduzido na página de divulgação do FSM
ciranda.net. Isso também ocorre no site de divulgação na mesma categoria que das edições do
FSM como Fórum Policentrico e Porto Alegre que estão fora da rede, constam como
inexistentes. Essa efemeridade do dispositivo pode tornar o conteúdo disperso e as
articulações sociopoticas estabelecidas vulneráveis a essa mobilidade das conexões em rede.
A internet além de coexistir com outras variadas formas de mídias, implica na
renovação de se produzir, obter e circular informação. Renovação que consiste no caráter
multimídia da internet que converge para as páginas da web uma diversidade de formatos de
dispositivos midiáticos. Como exemplo disso, observo na margem direita do site do FSM
46
os
termos Tv, rádio e fotos como portais de acesso seguidos de “centro de mídia independente”
e uns links
47
referentes a programas como TV Ciranda, Estúdio Livre, TV Piolho e rádio
Piolha, além de alguns programas de áudio de algumas cidades do Brasil.
Chamo atenção a partir disso para o sentido interativo não apenas entre sujeitos na
internet, mas também, entre meios ou dispositivos que dialogam nas páginas do site em
questão. Trata-se de uma dialogia dessas formas de mediações a partir da flexibilidade de
46
Ver anexo 2
47
Um apêndice, projeção a outro local
92
tecnologias como a internet integrarem um dispositivo multimodal por onde são inscritas as
práticas sociopoticas. Para as micropolíticas circularem pela internet significa dispor de
recursos multimeios para inscreverem seus discursos, permitindo aproximarem-se de formatos
tradicionais de mídia pelo qual prevalece a potica institucional. Intensificando ainda mais
suas relações poticas no espaço público global através das conexões mediadas pela interface
multimídia do discurso na internet que articula imagem, som e texto nos mais diversos
formatos de mídia.
Diante disso, o uso da internet como um dispositivo sociotécnico para as
micropoticas resulta de uma finalidade de se propagarem questões locais em escala global.
Conforme Levy (2001), essa desterritorialização resulta da contribuição de mecanismos
sóciotecnicos como a internet potencializarem a compressão espaço-tempo através das
interconectividades ciopoliticas no ciberespaço. A desterritorialização observada diante das
condições de enunciação da produção discursiva do site ciranda.net indica uma formação
política planetária destitda do poder dos limites fronteirísticos que confinam pessoas e
idéias.
Para Levy (2001) essa formação global do debate político é conseqüência da
velocidade do tempo e retraição do espaço provocada pelos transportes e meios de
comunicação que antes de implicar em uma diminuição das distâncias significa a
aproximação de consciências, pois, “os pontos estão sempre à mesma distância” (Levy, p.42,
2001), mas as intersubjetividades encontram-se num constante deslocamento através dos
fluxos em suas mais diversas naturezas.
A dialogia também é uma característica presente na constituição dos sujeitos de
enunciação do site. Como visto no enunciado Ciranda Internacional de Informação
Independente: Para que outro mundo seja possível, é preciso reinventar a comunicação”
48
,
existe uma interdiscursividade que demonstra a existência de mais um enunciador. A
interdiscursividade trata-se de um recurso polifônico empreendido através do entrelaçamento
de diferentes vozes. Nesse enunciado o slogan um outro mundo é possível”
49
interpela o
sujeito ciranda como uma central independente de mídia aprimorando a condição de
identidade num sentido dialógico. Pois, o ideal característico do FSM posiciona outros
enunciadores como à mídia alternativa a comparando à mídia tradicional.
A dialogia também reside como condição de identidade da enunciação acima porque
revela ainda o enunciatário. Esse considerado como uma imagem do sujeito falado e que
48
Ver anexo 2
49
Ver anexo 1
93
assume o papel de sujeito de leitura, também instituído no discurso. Essa é uma relão
dialógica, pois em sua natureza o discurso movimenta uma relação intersubjetiva. O
enunciatário, então, se constitui até então, como a própria sociedade, incitada a participar e
contribuir para a finalidade do emissor do site. No entanto, no decorrer desta análise os
aspectos dialógicos do discurso empreendido no site demonstram também que o enunciatário
conforma um caráter coletivo, sendo revelado muitas vezes como as instituições poticas
deliberativas ou até mesmo a própria dia.
Nesse sentido, o termo ciranda, juntamente com o ícone, indicia a atuação de um
enunciador coletivo na produção de informação incitando a sociedade à participação. Mas, diz
respeito a uma participação efetiva aos módulos do movimento, pois, buscando entrar em
comunicação com os demais sujeitos através desse lugar de enunciação coletiva. Reportando a
dialogia como um recurso para a participação efetiva de sujeitos que compartilhem com os
interesses do emissor.
Dessa forma considero que o FSM é a voz que perpassa todas as outras, através dessas
estratégias dialógicas, ou seja, enunciadores coletivos. Como enunciador, o FSM convoca a
participação e manifestação discursiva coletiva dos indivíduos na sociedade está incitando
manifestações para as questões que permeiam os seus interesses. Nesse sentido, a dialogia que
configura o ciranda.net como um lugar de enunciação coletiva beneficia a finalidade ou
objetivos do FSM que articula ali suas visões de mundo.
Esse quadro apresentado nessa relação de identidade dos sujeitos da enunciação do site
ciranda.net em muito corresponde às características próprias das micropoticas. Isso porque a
construção de enunciadores coletivos nessa discursividade tanto por intermédio dos textos
quanto de imagens e demais ferramentas estético-interativas manifesta a pluralidade que
marca essas formações sociais. O entrecruzamento de vozes nessas plataformas discursivas
inscreve a dialogia como um efeito de sentido que descobre uma diversidade de sujeitos,
contextos e interesses que convergem no exercício de um agenciamento de pautas no espaço
de debate político.
A dialogia é uma característica intrínseca na relação entre os sujeitos de enunciação
que residem na condição de identidade. Para melhor visualização disso, chamo à atenção para
categorias de acesso no site como: espaço privado; venha para a ciranda; quero participar;
quero publicar; fale conosco e ciranda em seu site. Localizadas na margem esquerda
inferior do site estas ferramentas de relacionamento entre o FSM e os receptores do site são
complementares, pois indicam um roteiro para vir que possam também inserir conteúdo nesse
espaço discursivo.
94
Sumariamente, espaço privado
50
é um link
51
para acesso a uma área restrita para
cadastrados no site, exigindo declarar informações de identificação. Consecutivamente, o link
venha para a ciranda
52
complementa o sentido do primeiro, ampliando a interação
interdiscursiva do site, pois, demonstra como ter acesso ao espaço privado e estreitar as
relações com o emissor. Este espaço contém o enunciado: Viva a Comunicação
Compartilhada! Participe desta nova cobertura da Ciranda! que incita os receptores para se
tornarem, também, produtores de conteúdo referente aos eventos do fórum, valendo-se das
possibilidades dialógicas desse lugar de enunciação na internet.
Seguindo para o link quero participar
53
, no qual é disponível um espaço para
comentários gerais do site, um fórum com janelas onde diferentes autorias manifestam suas
opiniões sobre assuntos diversos. Para participar do fórum é preciso clicar no link Responder
a esta matéria que leva a uma ferramenta de submissão de mensagens, mas que é descrito
segundo este enunciado: “Este fórum é moderado a priori: a sua contribuição só será exibida
após ser validada por um administrador do site.
Através desses enunciados fica evidente que a dialogia como característica dessa
produção coletiva do discurso no site está submetida a um sutil controle de moderação do
espaço. Mas seguidamente revela que a mensagem estará sujeita a avaliação pelo
administrador para ser submetida. O sentido amenizado de controle discursivo do site é um
recurso para o comprometer a dialogia que infere como um aspecto central do propósito do
FSM ao incitar a participação dos enunciatários no ciranda.net.
Essas ferramentas na internet são utilizadas para intensificar o sentido de dialogia do
site ciranda.net. Ampliando a inserção de diferentes vozes nessa enunciação coletiva
contempla-se o sentido que identifica a ciranda internacional de comunicação
independente
54
pela qual fala o FSM. Essa possibilidade de agenciamento coletivo de
questões poticas torna a dialogia uma característica necessária para a movimentação dos
fluxos sociopoticos através da internet.
Por fim, o link fale conosco
55
traz além das ferramentas interativas, uma descrição
do site: A Ciranda é feita por centenas de pessoas que participam de eventos do Fórum
Social Mundial e que se reunem para organizar coberturas compartilhadas do Fórum a
partir do olhar, do trabalho e das ações coletivas e solidárias das mídias alternativas. Essa
50
Ver anexo 17
51
Nós e nexos associativos. (SANTAELLA, p.307, 2007)
52
Ver anexo 14
53
Ver anexo 12
54
Home Page anexo 2
55
Ver anexo 16
95
imagem é o sentido coletivo do FSM reinvindicado para o site “ciranda”. Nessa definição,
observo a imagem de um enunciador coletivo que demonstra ser constitdo por um conjunto
de pessoas em torno de uma organização que as representa, o FSM.
Representação através de um site de divulgação que produz notícias sobre o FSM e
assuntos afins. Aspecto que contempla então, a dialogia como uma característica não apenas
de produção discursiva do site, mas de um todo que engloba a formação do próprio
movimento. Em suma, o FSM se institui como uma organização dialógica, um movimento
político que atribui ao entrecruzamento de diversas vozes no seu interior a essência da sua
configuração.
A dialogia como caráter dessas condições de enunciação ampliam os lugares de
produção discursiva no espaço público global. Principalmente, quando são combinadas com
formações como as micropoticas que imprimem por fortalecer o agenciamento dos interesses
locais na constituição dos fluxos sociopolíticos globais. Por meio da internet, as
micropoticas pautam interesses específicos, relacionados ao cotidiano aproximando os
anseios localizados às configurações de um todo global. Sobre a formulação e projeção dessas
questões específicas, organizações como o FSM tem um papel decisivo a cumprir, isso
porque,
não é na esfera política formal que os temas do futuro, que afetam a vida dos
indivíduos pós-modernos, têm origem, mas são colocados na agenda social
contemporânea pelos grupos e movimentos políticos pós-modernos, os quais,
através dos debates em torno das questões relativas aos males globais, estão
aproximando da vida cotidiana, a refleo sobre os riscos de grande
conseqüência e mostrando, ao mesmo tempo, através desta reflexão, que o
micro (cotidiano) o é (ou o está) desvinculado do macro (globalização)
e que, portanto, os problemas globais, por mais distantes que param estar,
afetam o mais íntimo do espaço privado. (SIQUEIRA, p.174, 2004)
A dialogia através dessa apropriação social da internet pelas micropotcas é que pode
inferir esse intercâmbio entre os interesses locais e globais. Quanto mais dialógica for a
condição de produção discursiva dessas micropolíticas na internet, mais efetivas serão as
possibilidades de uma articulação mais ampla da potica global. Isso porque, mais sujeitos
terão oportunidades de acesso e inserção através dessas vias de informação na agenda social
do debate potico na globalização. Pois, se na nova potica ainda é restrita essa participação,
96
nas vias formais a rigidez da hierarquia institucional não permite nem ao menos as
possibilidades disto.
A composição dialógica do discurso na internet produzido por inúmeras vozes
reiteram a identidade coletiva das novas formações políticas. Caráter que contribui para a
multiplicidade das micropoticas e evidencia a internet como um dispositivo sociotécnico
apropriado para a sua inserção no espaço público global. Isso porque as micropolíticas são
configuradas pela fluidez e conexões múltiplas com que são articuladas, suas convergências
se dão pela intersecção de interesses e não por identidades coletivas fixas como as que
comem o entendimento de classe e etnia.
Esse quadro coexiste com a potica tradicional configurada por uma superestrutura
rigidamente articulada entre governos e partidos representativos que se mantém distantes da
sociedade em geral, aproximando-se desta apenas através de uma interação panfletária
organizada em processos eleitorais. Nessa instância política, o exercício da cidadania passa
a compreender exclusivamente o voto, desencorajando-se outras formas de participação
política” (SIQUEIRA, p.169, 2004).
Diferentemente, micropolíticas como o FSM, mesmo reconhecendo sua
institucionalização como um movimento social regimentado e também calcado em vértices
institucionais da potica, podem condicionar ações de cidadania mais fluída e dinâmica. Isso
porque, através da dialogia que institui uma ampliação dos lugares de produção discursiva no
site ciranda.net observo uma incitação para a participação e ação coletiva. Possibilidade que
permite a inserção de diferentes sujeitos ativistas ou o do movimento, porém com interesses
comuns ao FSM.
Esses interesses comuns são exemplos dessa configuração micropolítica do FSM que
se manifesta na dialogia do site ciranda, pois, amplia a participação dos sujeitos mesmo que,
indiretamente, no debate político global. Por outro lado, isso conduz essa interação de forma
efêmera, pois, sobrevive ao tempo de intersecção dos assuntos que pautam os interesses
comuns. Fator que pode comprometer a ação cidadã dos sujeitos atrelados ao movimento, mas
que também pode atribuir-lhes as possibilidades de articulação e organização para âmbitos
além de seus limites de atuação.
Conforme exposto até aqui, as influências positivas da internet para a movimentação
dos fluxos sociopolíticos ocorre, devido a intersecção de uma diversidade de vozes, de
sujeitos e interesses. Inscritos através desses elementos discursivos do site que movimentam o
sentido de dialogia e a demonstram como um dispositivo midiático mais flexível em relação
às outras mídias que condicionam a visibilidade no espaço de debate potico global.
97
A mesma dialogia que aponta a existência de mais de um enunciador no site,
apontando a flexibilidade da condição de produção discursiva na internet, também confere a
significação de construção do macro-tema. Como observado nos elementos do campo
discursivo empreendido pelo FSM como uma micropolítica na internet. Primeiramente,
considero ainda o enunciado: Ciranda Internacional de Informação Independente: Para que
outro mundo seja possível, é preciso reinventar a comunicação”
56
, destaco, então, os
elementos que contemplam a configuração de um macro-tema sociopolítico.
A primeira sentença do enunciado implica em uma abordagem previa do tema, como
sendo informação em âmbito internacional e independente. Esse termo insere uma
interdiscursividade, significando uma autonomia de produção da informação internacional em
relação á mídia tradicional. Essa interdiscursividade resulta de uma dialogia implícita na
comparação entre a mídia alternativa e independente e a mídia tradicional.
O acionamento da mídia tradicional ampara o caráter alternativo da abordagem dos
temas propostos nesse lugar de produção da informação independente. Porque essa dialogia
pressupõe uma condição de visibilidade midiática no site, distinta da visibilidade nas mídias
tradicionais. Sabendo que as mídias tradicionais submetem a produção de informação às suas
lógicas de operação restritas à grande parte da sociedade, atuando mais para atender às
demandas de uma organização empresarial.
Os dois pontos que precedem a segunda sentença do enunciado indicam a inserção de
uma especificação do universo temático dessa proposta de produção de informação
internacional e independente. O dito referente ao slogan do FSM no enunciado: para que um
outro mundo seja possível, é preciso reinventar a comunicação” representa a motivação
política desse movimento social na luta por transformações no sistema vigente. Revela um
universo temático que diz respeito aos interesses poticos do movimento voltados agora para
a comunicação midiática.
O conjunto dessa enunciação contempla o propósito discursivo do FSM que é dizer
que para que ocorram as transformações sociopolíticas deve ser reelaboradas as formas de
comunicação existentes, ressaltando que a ciranda.net é um espaço para que isso aconteça.
Logo, o macro-tema se configura como a interpelação dos interesses do FSM como
movimento social articulados no site ciranda.net.
Observo, assim, que a pluralidade de temas com que se caracterizam as micropolíticas
são, então, axiomáticas de identidades de movimentos coletivos que, por sua vez, podem ser
56
Home Page anexo 2
98
extensões da política institucional. Nesse sentido, a diversidade temática de uma micropolítica
na internet está submetida ao universo de interesses na qual pertence. No decorrer da
construção do propósito discursivo do FSM no site analiso essa ancoragem temática a partir
da dissecação dos temas debatidos no portal.
Continuando, encontro no centro um painel contendo a palavra temas
57
na vertical,
essa disposição revela a atualização dos assuntos pautados. São notícias que contemplam uma
diversidade temática correspondente ao eixo de assuntos referentes ao FSM. Como
exemplificação, neste enunciado: Parem com o Muro, existe um apelo a quem constrói um
muro, porém muro com a letra maiúscula e escrito na semana da celebração da queda do muro
de Berlim no mês de novembro revela que o se trata de um muro qualquer. É uma
contraposição a essa semana de celebração da queda do muro de Berlim em comparação as
cisões sociopoticas que persistem no mundo de hoje. A forma como se diz esse enunciado
em relação a este contexto um sentido de contradição à comemoração vigente enquanto
continuam a existir separações sociais e poticas no mundo.
Esse enunciado revela que o FSM através do ciranda.net se posiciona contrário diante
dos mecanismos concretos de divies poticas e sociais. Abaixo do enunciado há uma breve
descrição:
“O ativista Jamal Juma é ícone de luta contra o muro israelense que vem
dividindo terras e famílias palestinas, desde 2002. Entre suas atividades es
a de coordenador da campanha popular Stop the wall (Parem com o muro) e
a militância no movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanção). A
resistência do povo tem dificultado o, levantamento de novas partes do
muro, tornando a construção mais lenta e difícil, conta”. (ciranda.net, 2009)
Essa explicação do enunciado afirma que se trata de um movimento liderado por um
ativista palestino contra o muro
58
israelense que vem dividindo terras e famílias na palestina.
A citação de sua fala o coloca como o enunciador da frase Parem com o Muro”
59
e não o
FSM, aqui ele é o sujeito eu dialoga com o ativista. Além disso, contém como um indicativo
de autoria, que pode ter sido escrito tanto um ativista do movimento como alguém da
sociedade em geral e um link para maiores informações de acesso da leitura da notícia
completa. Na primeira instância, o enunciatário é o governo de Israel que institui essa cisão,
porém a explicação que segue demonstra que se trata de um enunciado dirigido para chamar
atenção da sociedade sobre o fato que ocorre na Palestina.
57
Home Page anexo 2
58
Conhecido como Muro do apharteid formado por um complexo de barreiras e cercas e sistemas de controle e
vigilância. Fonte www.ciranda.net
59
Home Page anexo 2
99
Na mesma página, o enunciado: Não ao tratado de livre comércio
Israel/MERCOSULestabelece um diálogo referente ao acordo econômico entre Israel e os
países do Mercosul. Neste, um posicionamento contrio as iniciativas econômicas
investidas entre esses os países, incluindo o Brasil. Ao contrário do enunciado anterior, esse
o contém um indicativo de autoria, significando ser próprio do ciranda.net. Trata-se de uma
dialogia entre os dois enunciados que revela uma intersecção de interesses entre o ativista
palestino, no enunciado anterior, e o FSM como enunciador deste.
A dialogia no enunciado precedente demonstrou o apoio do FSM como contrário as
políticas separatistas referente ao apelo do ativista palestino. No enunciado seguinte é o
próprio Fórum que explicita sua insatisfação com os acordos econômicos de Israel. Essa
dialogia entre os enunciados é, então, apresentada como a própria intersecção de interesses
diante de temas diversos pelo qual se posicionam sujeitos inseridos em contextos distintos
num cenário mais amplo da potica global.
As questões abordadas nas temáticas acima, incluindo os sujeitos que a inscrevem
demonstram a intersecção pela qual observo a convergência de contextos poticos diversos
articulados em uma mesma página da internet. Isso porque, são sujeitos situados em contextos
espaço-temporais distintos que se intersectam constituindo um prosito discursivo mais
amplo que é a função do FSM como um movimento social. Esse caráter plural dos temas e
fluidez dessas intersecções demonstram como essas micropolíticas procuram estabelecer um
diálogo de debate no cenário político.
Contrariando a isso, essa dialogia do site sugestiona uma tendência da produção
discursiva entre pares no site, ou seja, supõe o compartilhamento de interesses para a
efetivação do diálogo neste espaço. Logo as autorias destacadas, os enunciadores
movimentados indiciam o compartilhamento de posicionamentos sociopolíticos. No entanto,
isso não implica na descaracterização do FSM como uma micropotica, pois, a organização
desta se dá justamente pela convergência de interesses.
Outro aspecto desses enunciados é a projeção global das questões e interesses locais.
Nesse âmbito, as micropolíticas se organizam globalmente apoiando suas causas e interesses
específicos articulando-se com atores/movimentos localizados em diferentes contextos. De
forma que a projeção global é correspondente aos próprios fluxos que se dão através dessas
intersecções mediante dispositivos sociotécnicos como a internet.
Essa interface não constitui um modo único de formação fluída das micropoticas,
porém é um impulso e potencialização para a inserção destas no cenário público global. Pois,
permite além da articulação entre sujeitos distantes, a reinvindicação de interesses específicos
100
na corrente dos fluxos hegenicos da globalização. De forma que, as micropolíticas como
integrantes desses fluxos sociopoticos através da internet manifestam incisivamente seu
caráter contra-hegemônico.
Entretanto, o potencial dialógico da internet é submetido à relação dispositivo e
práticas sociais. Pois, a essência múltipla das micropoticas podem ser reduzidas a
linearidades e convenções nesses espaços interativos. Constantemente, as micropoticas
projetam interesses diversos num fluxo contra-hegemônico das correntes poticas globais, no
entanto, muitas vezes no interior de seus espaços discursivos destituem-se desse sentido
impondo suas representações de mundo. Assim como a ciranda.net é um espaço dialógico
para se reinventar a comunicão, no entanto, sob o enquadramento dos interesses de do
movimento.
Conforme aparece nas categorias das edões do Fórum, como: Forum Social Pan
Amazônico
60
, onde destaco três notícias diferentes entre elas: Uma história de resistência
na Selva Central” , Manifesto Pan-Amazônico e Especial: resistência no Rio Madeira”.
Todas trazem em comum a questão ambiental configurando um subtema dessa categoria no
site. Também, os títulos das notícias estão articulados e ilustrados ao lado de imagens que
representam indígenas e congressistas. Essas imagens são reciprocamente remissivas às
temáticas e problemáticas ambientais específicas do local em debate.
Entretanto, os termos, resistência” em dois dos enunciados e manifesto” que não se
trata simplesmente de um debate ambiental, mas sim, de um debate ambiental articulado com
os objetivos políticos do FSM, pois remetem a caracteres próprios de um movimento contra-
hegemônico. Também, o foco desse evento representa através de temáticas específicas uma
abordagem local, mas que articuladas e projetadas globalmente passam a fazer parte dos
fluxos sociopoticos que intersectam diversos sujeitos no cenário potico global.
O evento divulgado por meio dessas conexões desterritorializadas na internet
contempla as questões discutidas presencialmente com proporções globais. Essas questões
específicas reconfiguram determinadas concepções sobre culturas e modos de vida por meio
dessas conexões diversas. Além disso, a ppria existência desses assuntos locais nos fluxos
do cenário político global pode formar uma via de pressão e em relação à esfera potica
institucional e deliberativa.
Continuando com as categorias sobre as edições do Fórum, no link FSM em
Belém
61
, é apresentada uma série de notícias sobre a última edão do Fórum. Os termos
60
Ver anexo 8 e 9
61
Ver anexo 6 e 7
101
noticiados no mural desta categoria remetem a um evento localizado, mas, que implicou em
um debate das problemáticas globais. Tomo para essa interpretação os seguintes aspectos:
Fórum Social Mundial 2009 - Belém do Pará (Brasil), 27 Jan a 1º Fev”, através dos
referenciais data e lugar como espaço territorial verifico que se trata de um evento localizado
e presencial.
Contudo, as temáticas debatidas no espaço destinado a essa categoria, demonstram a
relevância em escala global para este evento localizado. Além dos enunciados em diferentes
idiomas destaco, a partir de uma escolha aleatória, um enunciado que identifica a influencia
do global sobre as temáticas debatidas no FSM 2009 Belém. Na passagem, Davos em
velório, Belém em celebração”, fica evidente a comparação entre o Fórum realizado em
Belém e o encontro em Davos, na Suíça. Os termos velório e celebração figuram a
contraposição entre os dois eventos atribuindo o sentido de perda e vitória, respectivamente.
Esse enunciado imprime uma conotação de sobreposição do FSM em relação a Davos, porém
significa a inflncia do evento global para a atribuição de valor do Fórum localizado.
Essas edições expressam dialogias através da exposição temática no site ciranda.net
que traduzem a internet como um espaço de diálogo entre o local e o global. Por mais que as
edições tenham sido realizadas como eventos centralizados, isso não impediu a participação,
projeção e relevância de questões em âmbito global. Com base nisso, observo que as
micropoticas são próximas do sentido de comunidade virtual
62
referencializado por Levy
(1999) como expressão da cibercultura, verificada no capítulo anterior, que designa os laços
sociais em torno de interesses comuns. Laço que são firmados por relações humanas
desterritorializadas e transversais, significando as conexões que movimentam em volta de
uma ação colaborativa comum.
Seguindo esse pensamento, compreendo que a organização temática em torno do
propósito discursivo no site do Fórum reside em uma ação colaborativa de um discurso que
pretende transmitir uma perspectiva de quem o faz e participa. Esse aspecto dessa ação
colaborativa se estabelece como uma hegemonia da contra-hegemonia no interior das suas
manifestações discursivas, por vezes conduzidas aos fluxos poticos na sociedade global.
Mesmo assim, a ação colaborativa no site é uma estratégia de práticas contra-hegemônicas
como as micropolíticas que atuam a fim de concretizar interesses específicos desprovidos de
um espaço maior de visibilidade midiática.
62
Levy (1999, p.130) São fenômenos de comunicação coletiva no ciberespaço, também, reconhecidos por
comunidades atuais.
102
Nesse sentido da ação colaborativa, que a cibercultura é um conceito inerente a
inserção de micropoticas na internet. Com base nesse entendimento, pontuo que essas
práticas colocam-se como comunidades atuais, aquelas propostas por Levy (1999). Isso
porque estão organizadas de forma desterritorializada e transversal, ou seja, são
descentralizadas em termos de sujeitos e convergidas em torno de interesses sendo duráveis
até findar a perspectiva de manutenção destes.
Cibercultura e o sentido de comunidade atual ou virtual propostas por Levy (1999)
conformam-se as práticas sociopoticas inscritas na internet como ações coletivas no
ciberespaço. Pensamento evidente na análise do site do FSM com ênfase nas categorias de
edições anteriores como nos links Nairóbi e Índia Social Fórum, que foram eventos
centralizados do movimento ocorridos fora do Brasil. Ambos implicam em propagações
desterritorializadas do FSM por países de outros continentes, no entanto, compartilhadas pelo
propósito um outro mundo é possível
63
, objetivo central expresso no slogan do movimento.
Outras categorias de acesso do site, como resistência em Honduras
64
, localizada na
parte superior da margem esquerda são referentes a temas poticos atuais. Os enunciados no
painel desta categoria chamam à atenção para outro aspecto da apropriação social da internet
pelas micropolíticas. Ao clicar nesta categoria são centralizadas as informações a respeito da
temática do golpe potico em Honduras e a intervenção do Brasil. Entre essas temáticas
destaco os seguintes enunciados que conduzem a uma interpretação do vínculo do FSM como
uma micropotica com as vias institucionais de deliberação potica.
O enunciado, “Imprensa megalomaniaca trata golpista como presidente interino”
enfatiza uma posição totalmente contrária ao tratamento dado ao presidente Micheletti pela
imprensa tradicional, este reconhecido pelo enunciador como golpista. Aqui o FSM se coloca
contrário a conjuntura política em Honduras e a forma como se a visibilidade desta na
mídia tradicional concebida pelo termo “imprensa”. o termo “megalomaniaca” é um
adjetivo que atribui exagero ao tratamento da mídia dado ao caso em Honduras.
Continuando, no enunciado Honduras: o Brasil acertou, o enunciador revela, então,
sua posição favorável ao apoio do Brasil ao presidente deposto Zelaya. Porém, aqui “Brasil”
o remete ao sentido de Estado, mas sim, ao sentido de potica de governo, pois quem
“acertou” foi o governo em intervir na situação em “Honduras”. Diante disso, interpreto que
o FSM se declara favorável a ação do governo brasileiro diante do cenário político em
Honduras, contrariando a formação de opiniões divergentes a essa postura na mídia.
63
Site oficial do FSM, anexo 1
64
Ver anexo 10 e 11
103
Principalmente, quando fala que o Brasil acertou” tenta impor a idéia de que esta tenha sido
uma iniciativa da sociedade brasileira como um todo.
Não nesta página a existência de um enunciado que demonstre posicionamento
contrário, ficando evidente a interdiscursividade com o governo atual. Logo, considero que o
FSM se coloca inteiramente a favor da ação do governo. Essa imparcialidade destitui o caráter
dialógico proposto no site, compromete a finalidade de reinventar a comunicação de forma
alternativa e independente. Pois, ime uma versão hegemônica da representação dos fatos
que circundam os acontecimentos poticos atuais no interior desse lugar enunciativo.
Entendo que uma micropolítica o necessariamente precisa se posicionar de forma
contrária as ações do poder político tradicional. No entanto, uma postura sem questionamento
às poticas do governo, retira de si seu caráter essencial que antes de exercer pressão na
esfera do poder institucional e deliberativo, é promover a reflexão social por meio dos debates
políticos no espaço de visibilidade pública. Diante disso, as micropolíticas e os aspectos
contra-hegemônicos sejam necessariamente compatíveis, depende da relatividade com que
são expostos e intersectados diante de determinados posicionamentos no cenário político.
Assim como os investimentos de práticas sociais de micropoticas na internet podem
fornecer dados sobre a autonomia discursiva no cenário de debate potico global podem,
também, refletir uma conjuntura onde as micropoticas muitas vezes são movimentos de
extensão da política institucional. Com ênfase nisso, na relação entre as micropolíticas e a
internet nem sempre a interdiscursividade implica em dialogia, pois, pode até mesmo
fortalecer hegemonias estabelecidas por meio dos recursos polinicos. Revelando, também, a
flexibilidade da internet como um instrumento, também, de manutenção da ordem vigente.
Nesses aspectos, a inserção de micropoticas na internet pode ser conduzida como
extensão das vias institucionais da potica. Isso implica numa contradição o-produtiva da
ampliação dos fluxos sociopoticos através da internet, reiterando ainda mais a hegemonia
dos discursos políticos institucionalizados. Aspecto este, que perpetua a internet como um
dispositivo sociotécnico fundamental para os fluxos sociopolíticos na nova ordem global, mas
também, como um dispositivo que pode fortalecer a difusão dos fluxos hegemônicos da
ordem vigente.
Nesse sentido reitero o aspecto dominante, afirmado por Boaventura (2005), da
articulação das novas tecnologias a favor das forças hegemônicas nos fluxos sociopolíticos da
globalização. Mas ainda assim, ressalvo para esse aspecto como um potencial das forças
hegemônicas, da mesma forma que o mesmo pode ser para as estratégias contra-hegemônicas
dos fluxos globais. Essas contradições conferem a vulnerabilidade de mecanismos
104
sociotécnicos como a internet quando dise o discurso online a um cerio mais amplo ao
qual se inserem as micropoticas por meio da internet, mas sim, no seu próprio interior
discursivo, como no site do FSM.
Enfim, a delimitação de um macro-tema em muito refletem as intersecções globais e
locais, forças hegemônicas e contra-hegemônicas que compõem as dialogias manifestadas no
conjunto de elementos textuais e estético-interativos do site ciranda.net. Esses contrastes de
interesses projetados mediante as condições de visibilidade midiática e conexões planetárias
da internet possibilitam, assim, a ampliação dos fluxos sociopoticos em suas mais diversas
correntes e diretrizes no espaço de debate público global.
A dialogia é uma característica que influi, também, nas condições de dispositivo,
como observo através do exercício de autonomia discursiva no site do Fórum. Além da
ciranda.net ser um espaço propriamente de autonomia discursiva porque possibilita a
manifestação dos interesses de um movimento social como o FSM, também, amplia essa
dialogia através de mecanismos de inserção de conteúdo por parte dos receptores do site em
geral. Essa perspectiva torna a internet um dispositivo sociotécnico fundamental para a
conexão de uma série de sujeitos no debate potico global.
Contém abaixo de cada uma das notícias, distribuídas nos centros das páginas, uma
estratégia discursiva que representa legendas com os créditos que dão o sentido de autorias,
estando grifadas em caixa baixa e em marca d’água. Por serem distintas uma das outras, essas
autorias demonstram a intersecção de diferentes vozes que come a produção do discurso do
site ciranda.net. Principalmente, indiciam uma participação independente do emissor
responsável, assim como, reiteram o sentido coletivo do enunciador do site.
Enfatizo assim, que os elementos estético-interativos do site acarretam em uma
dialogia explícita. Isso porque, os indicativos de autoria demonstram a existência de
publicações exteriores às produções do ciranda, no entanto, conferem o de participação e
descentralização do FSM. Os artigos assinados com indicativos de autoria o recursos de
polifonia na construção do discurso no site, assim como os não assinados são identificados
como pertencentes ao enunciador do site ciranda. Essa interdiscursividade afirma a dialogia
como condição de enunciação evidenciando o agenciamento coletivo das pautas e conteúdos
no site ciranda.
Essa autonomia discursiva ocorre através do link quero publicar
65
que permite que
artigos sejam publicados por qualquer indivíduo no site. Essa ferramenta do dispositivo
65
Ver anexo 13
105
possibilita, então, que textos sejam submetidos referentes a autores/enunciadores diferentes
daqueles que constroem as discursividades do site ampliando as condições dialógicas dessa
troca enunciativa. Isso porque, mesmo reconhecendo a enunciação coletiva do discurso do
FSM através da ciranda, sabe-se que existe um autor empírico que é o indivíduo que produz o
texto fisicamente, ou uma equipe talvez especializada que mantém o site atualizado.
No link quero publicar, em específico, um convite através do enunciado com
seu login
66
e senha, publique artigos, imagens ou links de arquivos. Essa ferramenta é
destinada à enunciatários que tenham se tornado usuários do site por meio do cadastro na
janela venha para a ciranda
67
. Dessa forma, “quero publicar é a voz do próprio
enunciatário que pode, então, adquirir a oportunidade de vir a ser enunciador, interferindo na
produção desse discurso.
Esse recurso é extensivo no mural centralizado onde são inseridas notícias sobre
diversos assuntos por meio do link escrever matéria, que ao ser clicado acesso a uma
janela para inscrever o login
68
. Para quem não está cadastrado no site, nesta janela intitulada
Ciranda: acesso ao espaço privado”
69
opções como o link cadastrar-se, o qual abre
uma janela menor para indicar nome e endereço eletnico. Nesta janela o seguinte
enunciado: O espaço privado deste sítio está aberto aos visitantes, após inscrição. Uma vez
registrado podeconsultar os artigos em curso de redação, propor artigos e participar em
todos os fóruns. Isso significa que ao efetuar esse procedimento o usuário está apto a inserir
dados e manipular informações restritas no site.
Essa ferramenta remete ao aspecto dialógico do dispositivo isso porque imprime o
direito de qualquer indivíduo ou grupo se cadastrar e submeter seus discursos no site após
uma supervisão. No entanto, isso é uma condição entre os sujeitos de enunciação sobre as
temáticas discorridas no site, pois os artigos para serem submetidos passam pelo crivo de uma
avaliação da adequação ao conteúdo proposto. Logo, a dialogia da internet é evidenciada
através dessas ferramentas que possibilitam a autonomia discursiva disposta diante da
intersecção de interesses. Entretanto, existe uma moderação para a publicação dos artigos no
site.
Essa autonomia discursiva imprime o sentido de dialogia para o site ciranda.net, é um
recurso de interdiscursividade onde o enunciatário ocupa o lugar de produção do contrato de
comunicação de Charaudeau (2006). No âmbito do debate político isso significa uma
66
Identificação de acesso
67
Ver anexo 14
68
Login é um identificador que permite o acesso a páginas restritas dos portais.
69
Ver anexo 17
106
interatividade do discurso circulante pelos espaços de visibilidade midiática. Quando os
sujeitos têm a oportunidade de publicar seu texto no site FSM estão de certa forma fazendo
parte daquele enunciador coletivo.
Conforme vêm sendo abordado na análise dos aspectos anteriores, a flexibilidade e a
dialogia apresentada em muito é atribuída aos recursos e elementos próprios da internet como
dispositivo sociotécnico onde se inscreve o discurso em questão. Isso se refere à configuração
de um enunciador coletivo assim como as diferentes vozes intersectadas às temáticas
acordadas com o eixo do propósito discursivo. Onde a condição de finalidade é portada com o
objetivo de transmitir informações sobre questões ciopoticas através de um centro
internacional de dia independente.
Em suma, o objetivo do site do FSM é a visada informativa que se define nessa
situação de troca que é perpassada em alguns momentos pela visada prescritiva como no caso
do FSM de 2008 que tentava acionar a participação da sociedade ao movimento
descentralizado. Assim, a finalidade da apropriação sociotécnica da internet pelo FSM com
vistas no site do movimento representa, em muito, o fazer potico de sujeitos não
institucionais no espaço blico global. Principalmente, por se tratarem de temáticas
específicas e dotadas de uma diversidade que não ocorre nas projeções da política tradicional
e que encontra na internet um dispositivo capaz de inscrevê-las.
Conforme as características flexíveis e dialógicas indiciadas no site do FSM ficam
evidentes as possibilidades sua articulação global dos fluxos sociopoticos na internet.
Principalmente, pela convergência de eventos realizados em diferentes lugares do mundo. E,
também pela inserção de diferentes vozes através das coberturas compartilhadas dos
encontros, assim como dos artigos no site que expressam a intersecção de interesses.
Com base na análise do site de divulgação do FSM, considero a finalidade entrelaçada
a essas intersecções de interesses, pois a mesma, não se trata apenas de constituir uma central
de informação independente, mas de configurar um espaço de informação independente das
vias poticas tradicionais. É reconhecido que a política tradicional ou institucional circula
pelos espaços privilegiados das grandes mídias pelo seu poder de influencia e altos custos de
veiculação. Isso acaba em muito interferindo em um debate político pouco ou quase nada
dialógico.
O prevalecente discurso da macropotica encontrado nas mídias de ampla audiência
como jornais e televisão é um aspecto intrínseco ao discurso competitivo à política econômica
global e à mídia convencional no site do FSM. A versão de uma plataforma digital de
divulgação do FSM demonstra o interesse do movimento em se mostrar, sem depender do
107
olhar da mídia tradicional, que enquadra os acontecimentos a suas lógicas próprias atreladas
às finalidades ecomicas e políticas.
Esse aspecto restringe o potencial democrático do debate entre sujeitos no cenário
político. Num ambiente permeado pelos processos de globalização é necessário a ampliação
dos espaços de visibilidade midiática para maior circulação e embate de interesses nesses
fluxos de ordem planetária. Dessa forma, o centro de dia independente do FSM é condição
para a ampliação dos lugares de produção discursiva no espaço público global pela internet.
Essa condição implica no exercício da autonomia discursiva, a possibilidade para
políticas específicas ou micropolíticas produzirem uma informação independente de
instituições midiáticas convencionais e dialogarem com uma esfera da potica institucional,
em âmbito macropolítico. Isso corresponde a dialogia como característica dos fluxos
sociopolíticos na internet, pois a apropriação desses espaços é, também, uma preocupação
com a legitimação de visões de mundo específicas articuladas com diferentes pontos de vista.
A legitimação de visões de mundo específicas significa que, a internet ao mesmo
tempo em que proporciona a autonomia discursiva para a inserção de sujeitos não-
institucionalizados no espaço de debate político, também firma os interesses dessas contra-
hegemonias através de um discurso configurado para manifestar pontos de vista próprios, ou
seja, a hegemonia dessas contra-hegemonias.
Dessa forma, a autonomia discursiva pode legitimar uma visão hegemônica de
micropoticas por meio da produção alternativa de comunicar a informação. Entretanto, seria
incoerente afirmar que esse aspecto destituiria o caráter dialógico com que os fluxos
sóciopolíticos são instituídos no espaço público global através da internet. Isso porque, no
interior da enunciação coletiva manifestada por meio dessas práticas, como no discurso no
site do FSM, são muitas as vozes que intersectam uma diversidade de interesses, incluindo os
interesses do poder político institucional.
São essas as contradições que levam a reconfigurações de postulados conceitos como
democracia
70
incitando uma ressignificação que esse conceito adquire no espaço público atual
devido a movimentação dos fluxos sociopoticos conforme demonstrado pela participação de
sujeitos não-institucionais nesta esfera de atuação no cenário político. Diante dessas
contradições, a flexibilidade e a dialogia através das ferramentas e recursos interativos que
70
No modelo representativo de democracia (Giddens, 2005, p.344) afirma que são sistemas políticos nos quais
as decisões que afetam a comunidade não são tomadas pelo conjunto de seus membros, mas pelas pessoas que
eles elegeram para essa finalidade.
108
contemplam as condições de enunciação do discurso online revelam uma repaginação do
entendimento do sentido democrático configurado no cenário global.
As transformações no sentido de democracia diante dos fluxos sóciopoticos na
internet são instigadas pela circulação de discursos que conflitam hegemonias e contra-
hegemonias construindo a mecânica de construção de sentido do espaço político global. Os
fluxos sociopolíticos são eles próprios constituídos pela intersecção de interesses entre novos
atores políticos e a potica institucionalizada no processo global. Entendo assim, que essa
mesma mecânica de construção de sentido por este entrecruzamento de forças hegemônicas e
contra-hegemônicas no cenário potico global é o aspecto que ressignifica o conceito de
democracia que nas palavras de Giddens (1996) adquire o sentido de democracia dialógica:
não é a mesma coisa que uma situação ideal de discurso (...). O potencial para a
democracia dialógica está, em vez disso, presente na difusão da reflexividade social
como uma condição tanto das atividades diárias como da persistência de formas
mais amplas de organização coletiva. Em segundo lugar, a democracia dialógica não
é necessariamente orientada para a obtenção de consenso (...). A democracia
dialógica pressupõe apenas que o diálogo em um espaço público fornece um modo
de viver com o outro em uma relação de tolerância mútua.” (GIDDENS, 133, 1996).
No âmbito das organizações coletivas, pelas quais destaquei as micropoticas como o
FSM, quando investem seu discurso na internet, manifestando sua visão de mundo para além
dos limites de suas localidades gera um quadro de ampliação dos fluxos sociopolíticos no
espaço publico global. Essa atuação na cena política vai ao encontro da compreensão de
democracia dialógica proposta acima por Giddens (1996), pois, nessa configuração, a
democracia é institda não apenas por uma égide representativa, mas também, dialógica
devido inserção discursiva de diferentes atores políticos no debate globalizado.
Nessa concepção democrática, a complexidade da relação entre forças hegemônicas e
contra-hegemônicas da dialogia que revela intersecções de interesses em determinados
espaços públicos não implica em busca por consensos. Mesmo porque, a observação da
flexibilidade e da dialogia como características dos fluxos ciopolíticos na internet indiciou
aspectos hegemônicos no interior desses espaços contra-hegemônicos. Essa complexidade
inibe, então, de consensos os discursos inscritos nos espaços de debate potico global por
serem permeados por fluxos que intersectam interesses diversos através de dispositivos como
a internet. Com vista em um cenário mais amplo, considero uma infinidade de atores sociais e
coletividades se manifestando e, mesmo que atrelados aos axiomas ideológicos,
movimentando os fluxos sociopoticos no debate político global.
109
Exatamente essas intersecções de interesses entre novos e antigos atores políticos
materializados no discurso empreendido na internet que são os aspectos que promovem uma
ampliação dos fluxos sociopoticos no espaço público global. Ao inscrever seus discursos sob
determinadas égides políticas, nas condições de produção discursiva da internet, sujeitos
como o FSM lançam seus pressupostos de mundo à mecânica de construção de sentido do
debate potico global.
CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho, observei como princípio de constatação que a internet
constitui um mecanismo sociotécnico fundamental para os fluxos sociopoticos na nova
ordem global. Devido a essa verificação, a internet se tornou um meio, no qual se inscrevem
práticas sociais de naturezas diversas, influenciando diretamente a constituinte dos fluxos
globais. De uma forma mais ampla, esses são os aspectos pelos quais identifiquei a influência
dos processos de globalização pelas novas tecnologias de informão e comunicação sobre a
organização dos sujeitos coletivos.
Ao reconhecer as práticas sociais de sujeitos coletivos no cenário de debate político
global, como micropolíticas, passei, então, a adotar como estratégia de análise, uma
perspectiva interdisciplinar para responder a minha questão central. Inicialmente, tomei
conhecimento da complexidade acerca dos fluxos sociopoticos na internet como objeto de
pesquisa. Principalmente, porque trata-se de um objeto intangível, que reflete as próprias
relações em um cenário potico, regido pelos processos de globalizão e inscritas em um
dispositivo midiático como a internet.
Da observação em torno desses conceitos centrais resultou a conexão com outros
diferentes conceitos. A internet passou a ser denominada como um mecanismo sociotecnico.
Os fluxos sociopolíticos foram reconhecidos como a intersecção de uma diversidade de atores
políticos. O espaço de debate público foi identificado como um cenário, principalmente,
convertido pelo processo de compressão espaço-temporal global. Entretanto, essa relação
entre conceitos somente foi possível porque designei um olhar panorâmico, que convergiu
diferentes áreas, como as ciências sociais e a comunicação.
Essa estratégia reflexiva ocorreu não no sentido de abarcar o todo sobre determinado
objeto, mas sim no sentido de me valer de conceitos e instrumentos complementares que
correspondessem à complexidade dessa análise. Diante disso, considerei pertinente a fusão da
aplicação de instrumentos de comunicação para analisar as possibilidades da internet em
movimentar os fluxos sociopoticos por meio da inserção discursiva de micropolíticas em um
espaço público global.
Antes desse propósito, a relação entre as duas áreas foi um desafio para mim enquanto
uma pesquisadora cuja formão se deu na graduação, em comunicação social e s-
graduação em ciências sociais. Foi conveniente para a construção do meu saber
interdisciplinar validar a utilização das duas áreas em torno de um trabalho que requeria,
assim como meu pensamento, uma costura complexa de aparato teórico sobre um objeto tão
111
fluido como os fluxos sociopoticos na internet.
No entanto, o acervo proveniente das duas áreas e a formulação reflexiva em torno do
objeto da pesquisa demonstraram a própria interdisciplinariedade como uma questão
transversal do aspecto central dessa dissertação. Destaco isso, porque a relevância dessa
abordagem está inscrita nas ciências sociais, mas a produção dessas leituras, da forma como
foi exposta, somente foi possível pelo complemento de uma ciência social aplicada à
comunicação.
Esse complemento se deu no aspecto metodológico pelo qual produzi leituras do site
do FSM, enquanto uma micropotica inscrita na internet. Leituras que dialogaram no decorrer
do trabalho com o conteúdo sociológico empreendido para tal reflexão anatica. Destaco,
assim, como produção dessa interface a constatão de características, como a flexibilidade e
a dialogia, que a princípio eram apenas categorias de análise e, logo depois foram tomadas
como conceitos em torno dos fluxos sociopoticos na internet.
Esse pensamento imprime um aspecto crucial dessa pesquisa: a observação da internet
como um mecanismo sociotécnico. Saliento isso, porque dialogia e flexibilidade assim como
resultam da interface entre os conceitos empreendidos, também o são próprias da internet
como dispositivo midiático ou tão somente dos fluxos sociopoticos. Elas são resultantes da
relação que permeia este objeto, sendo, então, a internet identificada como um mecanismo
sociotécnico por atribuir uma análise de suas implicações no âmbito de sua apropriação
social.
Nesse sentido, a flexibilidade é uma característica que torna a internet um elemento
fundamental dos fluxos sociopoticos na globalização. Por meio dessa característica, observei
os condicionamentos globais dos fluxos sociopolíticos na internet. Tendo por base o novo
paradigma tecnológico e sua influência direta nos processos de globalização, constatei a
flexibilidade como um aspecto da interface do sistema de hiperdia da internet onde ocorrem
as conexões entre sujeitos em contextos espaço-temporais distintos.
Diante da apropriação da internet por sujeitos coletivos, como as micropolíticas,
analisei as influências desse mecanismo na movimentação dos fluxos globais, por possibilitar
a compressão espaço-tempo em processos como a desterritorialização. Ao redimensionar as
relações entre o local e o global, a internet provoca efeitos disjuntivos em relação às práticas
sociopolíticas, assim como em outras esferas da vida social.
Esses efeitos disjuntivos foram encontrados no site do FSM, em grande parte do seu
discurso online. Esse discurso é composto pelos elementos estético interativos da interface
hiperdia, que contempla uma junção de dados, imagens e som a uma organização o
112
linear. Então, foi frente a constatação de uma infinidade de elementos como os diferentes
idiomas, disposão de temáticas diversas e das mais variadas culturas que saliento o processo
de desterritorialização diante da flexibilidade de um dispositivo midtico de conexão
planetária, como a internet.
Conforme a minha leitura produzida sobre a categoria FSM 2008, aponto uma
perspectiva da potencialidade de descentralização de articulação de um encontro do
movimento realizado basicamente pela internet. Sobre isso, interpreto um espaço de debate
público, permeado pela flexibilidade visível na fusão de imagens, idiomas e artigos
publicados por pessoas de diferentes contextos, que convergiram questões específicas a um
propósito mais amplo que enuncia o FSM do movimento.
Essas conexões descentralizadas ampliam os fluxos, justamente porque permitem, como
na categoria FSM 2008, articular manifestações ao redor do mundo em um único dia pela a
internet. Diante disso, pude constatar que a internet como um dispositivo midiático flexível,
proporcionou não a conexão entre esses diferentes atores, mas também a desterritorialidade
dessas culturas incorporadas na fusão de texto, sons e imagens da interface hipermídia.
Ressalto que esse modo de organização independe de localizações territoriais, porque os
sujeitos coletivos convergem conforme o compartilhamento de interesses comuns. Nesses
modos de organização, as conexões entre distantes influenciam práticas como as
micropoticas, potencializando a diversidade temática de formulações das questões sociais no
espaço de debate político global. A partir disso, posso inferir que a internet atua como um
mecanismo de desencaixe, que impulsiona os processos de globalização, sobretudo o
reordenamento espaço-temporal.
Entretanto, a flexibilidade ao mesmo tempo em que possibilita ampliar a visibilidade
das micropoticas no espaço público global, tamm torna suas projeções dessas práticas
efêmeras neste cenário. Em outras palavras, a velocidade que incumbe a articulação de
manifestações de forma descentralizada é a mesma que torna a continuidade dessas
convergências sociopoticas reféns da efemeridade da comunicação instantânea.
No entanto, as organizações de sujeitos coletivos descentralizadas, mesmo que
efêmeras, possibilitam convergências e intercâmbios sociais, poticos e culturais que os
limites territoriais impediriam. De forma que designei a ação do FSM na internet, como
referência a uma micropotica, por essa produção interpretativa do caráter descentralizado
com que sujeitos coletivos intersectam seus interesses mediante temáticas diversas no site
ciranda.net.
A mesma referência não posso afirmar quando questionada sobre esse caráter
113
micropotico do movimento propriamente dito. Fator que julguei importante distinguir
devido a trajetória com que essa pesquisa foi apresenta em diferentes congressos e, que
principalmente surgiu a interrogação sobre essa perspectiva quando relatada a articulação
estrutural do FSM. Assim salientei minha opção pelo recorte apenas da expressão do
movimento no site e, pelo qual, o reconheci como sendo uma micropolítica, ainda mais por se
valer de meios alternativos como a internet.
A inserção de uma micropotca na internet contribui para uma ressignificação de
espaço público no aspecto dos condicionamentos dos fluxos sociopoticos diante da
possibilidade de conexão planetária que a torna um mecanismo sociotecnico, que
potencializando a velocidade do tempo e compressão do espaço impulsionando os processos
de globalização. Em outras palavras, interpreto um espaço blico global permeado pela
flexibilidade de dispositivos como a internet é antes de tudo a força regente dessa potica
descentralizada.
Seguindo esse mesmo pensamento, enfatizo que a essa inserção de micropolíticas na
internet comem a dinâmica dos fluxos sociopolíticos, pois, a formação de sujeitos coletivos
no ciberespaço flexibiliza instâncias lidas da potica deliberativa. Porque essas disjunções
ocorrem na velocidade dos mecanismos que desencaixam uma infinidade de contextos através
do conteúdo que produz um debate potico descentralizado.
Apesar dessa ótica do ponto de vista das micropolíticas acrescento que o potencial
crescimento da internet emerge tanto de vias institucionais como de movimentos e
organizações mais informais da potica. Aspecto que a transforma como a própria interface
de intersecção dessa variável que conduz o debate público atual.
Mesmo reconhecendo o significante investimento de atores poticos
institucionalizados na internet, pontuei a capacidade de movimentação dos fluxos
sociopolíticos sob a ótica de atores que não desfrutam de visibilidade nas mídias tradicionais.
Com base nisso, observei a tendência de aumentar cada vez mais o espaço no cenário potico
global para os atores o institucionalizados. Principalmente porque, a convergência e o
agenciamento entre os dispositivos midiáticos, explicitados no site, fazem com que muitos
conteúdos circulem em diferentes espaços de visibilidade.
Conforme a análise empreendida do site do FSM ciranda.net, a relação direta das
características da internet e a manifestação de micropolíticas em um cenário mais amplo de
debate político. Encontrei os contrastes que designam a condição de existência dos fluxos
sociopolíticos no interior da discursividade online. Os contrastes de fato ocorrem com a
inserção das micropoticas no cerio global, pois, diversificam-se as visões de mundo
114
projetadas globalmente, atribuindo uma variedade de significados aos discursos circulantes
nos espaços públicos.
Mesmo que construídos sob a inflncia de universos simlicos homogeinizadores do
processo de globalização, os fluxos sociopolíticos realizam-se mediante o contraste de
interesses que se movimentam através da apropriação de mecanismos sociotécnicos como a
internet por micropoticas. Nesse sentido, ressalto a colaboração das micropoticas como
sujeitos coletivos organizados discursivamente através de mecanismos como a internet.
As micropoticas são assim como outras instâncias do debate político atual,
constituintes dos fluxos sociopolíticos. Elas contribuem para essa dinâmica através da
manifestação pública de suas visões de mundo, diluindo seus interesses nos fluxos globais.
Ao legitimarem seus interesses e projetarem globalmente as questões referentes aos contextos
aos quais estão inseridas colaboram para a dinâmica dos fluxos por interligarem e conectarem
uma diversidade de sujeitos e seus cotidianos no agenciamento dos acontecimentos globais.
Mediante o exercício de autonomia discursiva, evidencio, então, o potencial da
internet como um mecanismo capaz de movimentar os fluxos sociopolíticos nas vias de escala
planetária que constituem a sociedade global. As conexões via web priorizam uma
caracterização dessas formações que é a descentralizão de suas articulações, de maneira que
suas questões não encontram-se confinadas nos limites territoriais.
A consideração da internet também como um meio constituinte de um espaço público
marcado por condições de visibilidade midiática, configura uma alternativa diante da
visibilidade comparativa às mídias tradicionais que enunciam vozes privilegiadas. Mesmo
com uma visibilidade mais segmentada, a internet indicia ser um espaço onde práticas sociais,
como as micropoticas, podem ser inscritas e projetadas globalmente, atribuindo uma
variedade de significados aos discursos circulantes no debate político.
A intersecção entre novos e antigos atores nos fluxos sociopoticos do debate público
global é expresso no discurso empreendido pelo FSM no site ciranda.net. O aspecto dialógico
foi constatado na relação entre os sujeitos institucionais da política, entre as dias
tradicionais e a ppria sociedade. Isso sugere, antes de tudo, que as forças hegemônicas e
contra-hegemônicas entrelaçadas, são em muitos aspectos complementares, e não
simplesmente opostas.
Além disso, a relação entre dominação e resistência nos fluxos globais demonstrou
como no site do FSM que implica antes de tudo em estratégias, podendo ser dotada por um
discurso de caráter hegemônico dentro de sua própria contra-hegemonia. Identifiquei em
algumas passagens do site do FSM, uma dialogia implicitamente firmada às questões
115
debatidas em torno dos interesses do movimento.
Por outro lado, a dialogia transpareceu não ser apenas uma característica das
condições discursivas da internet para movimentação dos fluxos sociopolíticos, ela também
figurou o propósito do próprio movimento. Isso, porque foi salientada a construção de um
enunciador coletivo no site, com ferramentas de disponibilidade de inserção discursiva de
diferentes atores políticos.
Os contrastes empreendidos no interior do próprio site do FSM apresentaram
manifestações divergentes em um cenário mais amplo de debate potico global através de
mecanismos como a internet. Entretanto, determinados enunciados configuraram uma relação
direta do propósito do FSM com as temáticas produzidas por aquela coletividade enunciativa.
Esses aspectos não descaracterizaram o caráter micropolítico, mas indicaram ser a dialogia
refém da apropriação sociotecnica do enunciador conforme seus interesses.
A possibilidade dialógica reside na internet, mas depende do formato de sua
apropriação. Dessa forma, as intersecções entre diversos atores na internet são, portanto,
aspectos que configuram os fluxos sociopoticos não apenas como ações contra-hegemônicas,
mas como a convergência destas com forças dominantes no espaço-tempo global. Assim,
interpreto essas intersecções no site do FSM diante da dialogia utilizada como um recurso
para a participação efetiva de sujeitos que compartilhem com os interesses do emissor.
As amplas condições discursivas, como a autonomia, para autorias diversas, e a
projeção global, para ações que estão à margem das vias institucionais de decisão potica
podem, assim, legitimar hegemonias dentro desses propósitos contra-hegemônicos. Sobretudo
porque as características como a dialogia podem até mesmo fortalecer hegemonias por meio
dos recursos polifônicos, bem como a flexibilidade pode ser um meio de manter hegemonias
diante desse caráter instantâneo e comprimido do espaço pelo qual nem todos podem
acompanhar.
No entanto, a dialogia, ainda assim, é uma característica peculiar da internet como um
mecanismo sociotécnico para congruência de uma diversidade de sujeitos nesses espaços de
visibilidade público midática. No interior do site referencializado, alguns aspectos como os
fóruns, as possibilidades de publicação externa e os enunciados de ativistas localizados em
diferentes partes do globo indiciaram este ser um mecanismo potencial para a diversidade de
interesses no cenário político global.
Afirmo, então, que a intersecção de uma diversidade de vozes, de sujeitos e interesses
promovidos na internet como figuração do debate político, revelou as influências para a
legitimação de visões de mundo específicas. Entretanto, na minha perspectiva, essa
116
legitimação é um aspecto volúvel do movimento dos fluxos numa condição de espaço-tempo
comprimido, que é constantemente transformado, conforme a continuidade dessa
comunicação global, em um processo contínuo de partilhamento de interesses.
Com base nisso, observo que a mecânica de sentido dos fluxos sociopolíticos é
decorrente da combinação da apropriação social de mecanismos sociotécnicos como a
internet, e as configurações poticas institucionais existentes. Evidencio que os fluxos
aumentam na medida em que dispositivos tecnológicos, como a internet, possibilitam
manifestações de rias ordens e a circulação não controlada de conteúdos, intersectando
sujeitos no espaço público contemporâneo.
Considero que as influências da internet residem na intrínseca relação com os
processos de globalização, pelo qual é transformado o espaço de debate potico atual. Diante
dos processos globais, mais uma vez, enfatizo que todos o atingidos, porém alguns sujeitos
conseguem efetivamente interferir, nesse aspecto que a internet influencia positivamente, ao
possibilitas o exercício de autonomia discursiva para que autorias diversas dialoguem nos
fluxos do cenário potico global.
Quanto maior os contrastes movimentados por meio dos fluxos nesses dispositivos de
conexão planetária, maior a extensão das intersecções de interesses entre novos e antigos
sujeitos no debate político global. As características interpretadas no discurso, empreendido
no site do FSM, apresentaram as possibilidades de manifestações articuladas globalmente sob
uma condição de partilhamento em tempo real.
Considero, por fim, que as influências positivas que comem a formação de sujeitos
coletivos de diferentes contextos e uma diversidade de conteúdos temáticos, dando
movimento aos fluxos sociopoticos, são as mesmas influências que contrapõe a
possibilidade contínua dessas formações. No meu ponto de vista, isso revela ou afirma a
complexidade da internet tanto como um mecanismo capaz de ampliar os fluxos poticos em
um cenário global como um dispositivo de intensa visibilidade de midiática e instantânea
conectividade entre sujeitos.
Complexidade que imperou por completo a interpretação das possibilidades da internet
para movimentação dos fluxos sociopoticos como um entre tantos aspectos que demandam
uma observação diante das novas configurações que atingem a dimensão política da vida
social na globalização. A contribuição desta análise viabiliza a observação atenta dos fluxos
enquanto movimentações entre sujeitos que partilham de semelhantes interesses, assim como
o conflito entre os que divergem no cenário potico. Entendo, assim que as influências
positivas dessa conjuntura estão na diversidade que ressignifica postuladas tradições desse
117
cenário.
De forma alguma são esgotados as possibilidades de interpretação desses aspectos,
pois muitas são as naturezas dos fluxos sociopoticos na globalizão e crescente é o
desenvolvimento de um espaço de debate público configurado pela apropriação de
mecanismos sociotécnicos, como a internet. Isso aciona a necessidade de se pensar uma
sociedade que está cada vez mais imersa no contexto das novas tecnologias de informação e
comunicação, que delineiam espaços e modos de interação entre os sujeitos.
Essa mecânica de construção de sentido da interface entre os diferentes interesses
alimentam o movimento dos fluxos sociopolíticos no tempoespaço global. Movimento que
também alimenta a necessidade para uma interpretação produzida com base em novas
categorias, novos conceitos e também “novas metodologias”, que contemplem a velocidade e
as reconfigurações desses fluxos sociopoticos no interior de mecanismos como a internet.
118
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___________________________. Site oficial do evento. Disponível em
(http://www.forumsocialmundial.org.br/). Acesso março de 2008.
121
ANEXOS
122
ANEXO 1 home Page do site www.forumsocialmundial.org
123
ANEXO 2 home Page do site ciranda.net
124
ANEXO 3 continuação da home Page do site ciranda.net
125
ANEXO 4 página da edição do FSM 2008 no site ciranda.net
126
ANEXO 5 continuação da página de edão do FSM 2008 no site ciranda.net
127
ANEXO 6 página da edição do FSM de Belém no site ciranda.net
128
ANEXO 7 continuação da página da edição do FSM de Belém no site ciranda.net
129
ANEXO 8 página da edição do FSM Pan Amazônico no site ciranda.net
130
ANEXO 9 continuação da edição do FSM Pan Amazônico no site ciranda.net
131
ANEXO 10 página Honduras do site ciranda.net
132
ANEXO 11 continuação da página Honduras do site ciranda.net
133
ANEXO 12 link quero participar” do site ciranda.net
134
ANEXO 13 link quero publicar” do site ciranda.net
135
ANEXO 14 link venha para a ciranda” do site ciranda.net
136
ANEXO 15 link ciranda em seu sitedo site ciranda.net
137
ANEXO 16 link fale conosco” do site ciranda.net
138
ANEXO 17 link acesso ao espaço privadodo site ciranda.net
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