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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ELAINE MARIA GERALDO DOS SANTOS
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O NEOLOMBROSIANISMO NO RECIFE DA DÉCADA DE 1930
RECIFE
2008
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ELAINE MARIA GERALDO DOS SANTOS
A FACE CRIMINOSA
O NEOLOMBROSIANISMO NO RECIFE DA DÉCADA DE 1930
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal
de Pernambuco, como requisito para obtenção do
título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Cunha Miranda.
RECIFE
2008
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Santos, Elaine Maria Geraldo dos.
A face criminosa: O neolombrosi
anismo no Recife da
década de 1930 / Elaine Maria Geraldo dos Santos.
Recife : O Autor, 2008.
134 folhas: il., fig., tab.
Dissertação (mestrado)
Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2008.
Inclui: bibliografia.
1. História 2. Antropologia criminal. 3. Criminologia. 4.
Exclusão social. 5. Identificação de criminosos. - I. Título.
981.34
981
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
BCFCH2008/76
AGRADECIMENTOS
Ofereço meu reconhecimento a todos que, de forma direta ou indireta,
contribuíram para a consolidação deste trabalho. A meus pais, José Ribamar dos
Santos e Sueli G. dos Santos, que tornaram meu caminho mais suave. A Flavia que
gerou Luiza, que tanto rabiscou meus textos com suas travessuras infantis. A
Diogo Barbosa, por todos os anos de companheirismo e sentimento verdadeiro. A
Madrinha Fátima, que me serviu como exemplo de superação e vitória.
Ao Prof. Carlos Miranda, que antes de ser meu orientador por mais de
cinco anos, mostra postura profissional a todos que buscam seu conhecimento: um
apaixonado pela pesquisa.
Ao comportamento ético e sábio da Prof.ª Ana Maria, que iluminou meu
caminho, contribuindo para meu crescimento pessoal e acadêmico. À conversa
agradável com o Prof. Severino Vicente. Aos dias de estudo concedidos pela Profª.
Sylvana Brandão.
Ao amigo e irmão Rivelynno Lins, que leu este trabalho desde que era
apenas um projeto de pesquisa até sua edição final, incentivando-me nos momentos
de inquietação. Aos companheiros de longas horas de estudo desde a graduação,
como Sóstenes Portela e Leda Cristina. A Fernanda Encarnação pela tradução e
amizade. A Dorilene (Dori), que ofereceu palavras de estímulo.
A mulo, Rose e Amanda, pelas horas de descontração durante os dois
anos de labuta. Não posso esquecer: Maria Jo(Mary), Fátima Almeida, Antônio
Almeida, José Olivan, Fabiana Mendes, Hérica, Solange, Agenor, Marcílio,
Marielson, Giscard, Wagner e tantos outros que permanecem no meu pensamento.
Ao futuro mestre Emanuel, pelas breves e relevantes conversas entre os Arquivos
da cidade.
Aos funcionários da Biblioteca Pública de Pernambuco, em especial a
funcionária “Jô”, que permitiu acesso a obras incomuns. Aos servidores do IITB
(Ivan, Ivoneide, Ricardo e Cláudio da Silva), que ofereceram informações
preponderantes para arrematação desta pesquisa.
A todos os membros de minha família e aos professores que me ergueram
até os dias de hoje. À força divina, que alguns chamam de natureza, outros de Deus.
Por fim, ao apoio financeiro do CNPq.
Na verdade, é preciso que conheçamos bem nossos próprios
defeitos, antes de apontarmos os de outrem. Uma vez
reconhecidos, esses defeitos deixam de ser impedimentos e
tornam-se instrumentos do saber.
Stephen J. Gould
RESUMO
Sob o lema de que não haveria crime, mas apenas criminosos natos, a Antropologia
Criminal consolidou-se como corrente científica no final do século XIX. Elaborada
pelo médico Cesare Lombroso, a teoria defendia a idéia da predisposição biológica
do indivíduo à conduta anti-social, ao qual ele chamou de criminoso nato. Ao estudar
os traços faciais e as compleições corporais desses indivíduos, Lombroso contribuiu
para a elaboração do sistema de identificação forense. O objetivo de nosso trabalho
é analisar a retomada da Antropologia Criminal, na década de 1930, sob a
roupagem do conceito de identificação médico-jurídico, tendo como complemento a
Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal. Essas correntes deram
composição ao chamado neolombrosianismo, as quais ampliaram os métodos de
identificação forense. As categorias seriam determinadas por medições físico-faciais
e exames do organismo humano tido como degenerado pelos peritos. O olhar da
sociedade adotou esses métodos de identificação como forma de delimitar os
indivíduos que deveriam ser afastados de seu convívio, estigmatizando,
principalmente, os pobres, as pessoas portadoras de certas características físicas ou
doenças, (como a epilepsia) o que indicaria a suposta “degeneração moral”. Mas,
como as técnicas de identificação criminal foram aplicadas pelo poder judiciário em
Pernambuco? Como o neolombrosianismo se desenvolveu nos centros acadêmicos
e nos institutos ligados ao judiciário pernambucano? Para discutirmos essa
problemática, utilizamos jornais, teses acadêmicas da Faculdade de Direito e
Medicina do Recife, como também as fichas de identificação do GIEC e os laudos do
IML, os quais traçaram o caminho da exclusão social ao procurar enquadrar certos
grupos sociais como difusores da delinqüência.
Palavras-chave: Neolombrosianismo. Identificação Criminal. Criminologia.
ABSTRACT
According to the motto that there would be no crime, but only born criminals, the
Criminal Anthropology has consolidated itself as scientific current in the end of the
XIX century. Elaborated by the doctor Cesare Lombroso, the theory used to advocate
the idea of the human biological pre disposition to the anti-social behavior, which he
named as born criminal. When studding the facial features and the body constitution
of these individuals, Lombroso has contributed to the elaboration of the forensic
identification system. The aim of our work is to analyze the resumption of Criminal
Anthology in the 1930’s, under the form of medical-juridical identification concept,
having as complement the Criminal Biotypology and the Criminal Endocrinology.
These currents have composed the neolombrosianism, which have extended the
forensic identification methods. The categories would be determined by physical-
facial measurements and exams of the human body considered degenerated by the
experts. The eye of the society has adopted these identification methods as a way to
delimitate the individuals that should be excluded from the society, stigmatizing
mainly the poor, and people suffering from specific diseases or physical
characteristics (such as epilepsy), that would indicate the alleged “moral
degeneration”. However, how the criminal identification techniques were used by the
judiciary in Pernambuco? How has the neolombrosianism developed itself in the
academic centers and at the institutes linked to the Pernambucan’s judiciary? To
discuss this problematic, we used journals, academic theses from Recife’s College of
Law and Medicine (Faculdade de Direito do Recife e Medicina) as well as
identification forms from GIEC and the reports of IML (Legal Medical Institution),
which have drafted the path of social exclusion when trying to fit specific social
groups as broadcasters of delinquency.
Keywords: Neolombrosianismo. Criminal Identificatio. Criminology.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 O homem da ciência 24
Figura 2 A diferença e a semelhança entre a Biotipologia Criminal e a
Antropologia Criminal 46
Figura 3 O estigma do degenerado 49
Figura 4 A identificação datiloscópica que deveria ser aplicada pelas
empresas para monitorar seus trabalhadores. 58
Figura 5 Um dos focos da incivilização na região central do Recife 60
Figura 6 O corpo disciplinado e vigilante 68
Figura 7 Representação política do Recife na exposição da LSCM 68
Figura 8 A face dos “ex-degenerados” 79
Figura 9 Propaganda do anti-epileptico Barasch 80
Figura 10 Exame antropométrico realizado em um detento da CDR –
década de 1930 82
Figura 11 O tipo físico ideal proferido pela fisiologia na tese do Prof.
Figueiredo 88
Figura 12 Tipos físicos biotipológicos que deveriam ser estudados na
disciplina de fisiologia. 89
Figura 13 Leptosômico, Picnico e Atlético. 90
Figura 14 Ficha de identificação do GIEC, proferindo a datiloscopia, foto
Sinalética e exame somático. 103
Figura 15 Escala antropométrica e equipamentos fotográficos 104
Figura 16 Laudo IML 108
Figura 17 Frenologia no IML 108
Figura 18 Esquema anatômico completo do IML. Laudo realizado em
30/05/1930 111
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Relação entre Antropologia Criminal e a Sociologia Criminal 32
Tabela 2
Esquema das áreas estudadas pela figura sinalética utilizada pelo
serviço de perícia forense no IML pernambucano: mesmos traços
fisionômicos usados por Cesare Lombroso ao estudar Craniometria 109
ABREVIATURAS
CDR Casa de Detenção do Recife
FDR Faculdade de Direito do Recife
GIEC Gabinete de Identificação e Estatística Criminal
GP Colégio Ginásio Pernambucano
IITB Instituto de Identificação Tavares Buril
IML Instituto de Medicina Legal
JC Jornal do Commercio
LSCM Liga Social Contra o Mocambo
MCR Museu da Cidade do Recife
DM Diário da Manhã
MJ Memorial da Justiça de Pernambuco
PM Polícia Militar
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1 CAPÍTULO 1 - A DOUTRINA LOMBROSIANA 18
1.1 A teoria e seu instituidor 18
1.2 A adoção do estudo jurídico-antropológico num país tropical 25
1.3 O discurso Neolombrosiano 36
2 CAPÍTULO 2 - A INFLUÊNCIA DO BIODETERMINISMO NOS
PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO DA CIDADE 49
2.1 Os anos trinta e as concepções a respeito das “raças” 50
2.2 As políticas de modernização do Recife: o estigma da pobreza 60
2.3 Os “normais” e os “anormais” no processo educativo moderno 71
2.3.1
Epilepsia: o enigmático estigma lombrosiano 77
3 CAPÍTULO 3 - A PROPAGAÇÃO DO NEOLOMBROSIANISMO
EM PERNAMBUCO 82
3.1 Teor da hereditariedade: os estudos acadêmicos 83
Neolombrosianos em Pernambuco
3.1.1
A tese do Dr. Aureliano Corrêa de Araújo: Criminologia e
Psychanalyse e política criminal 84
3.1.2
Corpo Aritmético: tese do Prof. Figueiredo sobre Biotipologia 87
3.1.3
Dr. Amaro Gomes Pedrosa e sua tese sobre a Responsabilidade
Criminal dos epilépticos 93
3.1.4
A critica do Dr. Augusto Lins e Silva a Medicina Legal 95
3.2 Perícia e Identificação no Inquérito Policial 99
3.2.1
Ficha do GIEC 100
3.2.2
Laudo do IML 105
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 113
A Persistência das idéias lombrosianas no século XXI
REFERÊNCIAS 119
ANEXOS 126
10
INTRODUÇÃO
No dia 27 de julho de 1932, o jornaleiro R.A. foi preso em flagrante delito
pelos policiais que faziam ronda na Rua da Aurora, sob acusação de furto, o
encaminhando à delegacia para dar procedimento ao inquérito policial.
1
Como na
ocasião não portava documentos, R.A foi encaminhado da Delegacia de Polícia ao
Gabinete de Identificação e Estatística Criminal (GIEC) para a comprovação de sua
identidade e para que fosse levantado seu antecedente criminal, a fim de elaborar a
ficha de identificação.
O jornaleiro permaneceu horas nas instalações do GIEC para a elaboração
da ficha de identificação, que incluía dados fisionômicos, fotografias faciais e
recolhimento das impressões digitais. Com esse procedimento policial, ficou
comprovado que R.A.: tinha 22 anos, era analfabeto, cútis parda, casado, com
histórico de crises epilépticas. A extensão dos antecedentes criminais de R.A.
impressionou os peritos, contando três boletins criminais anteriores: um no ano de
1924, sob a denúncia de furto; outro em 1928, por estupro e, em 1929, por furto
novamente.
Após a inspeção do GIEC, o jornaleiro foi encaminhado ao Instituto de
Medicina Legal (IML), onde se realizou o laudo médico-legal, constante de exames
clínicos e físicos. No IML, o serviço foi mais ágil, por não carecer de fotografias,
apenas de exames de sangue e exame traumatológico. Depois desses
procedimentos, forenses o inquérito policial estava concluído e R.A. pôde ser
conduzido à prisão na Casa de Detenção do Recife (CDR), onde da mesma forma,
preencheu uma ficha de identificação para controle interno, na qual também
constavam traços faciais, impressão digital do dedo polegar e fotografia de frente e
de perfil.
Mesmo sem saber, o jornaleiro R.A. foi submetido às técnicas de
identificação forenses em todas essas instituições, desde a delegacia até a CDR.
Essas fichas de identificação criminal estavam alicerçadas em teorias científicas de
1
Iª Vara Criminal da Capital. N° 147. Inquérito com início em 27/06/1930.
11
identificação, estudadas desde o final do século XIX, nos cursos de Direito, na
disciplina chamada de Criminologia.
2
Esse episódio nos remete à escola positivista de Criminologia, a qual teve
como um de seus fundadores o médico italiano Cesare Lombroso, no final do século
XIX. Lombroso (apud SILVA, 1906), defendia a idéia de que a tendência ao crime é
determinada biologicamente, podendo ser diagnosticada pelos peritos forenses ao
estudar as características físicas dos delinqüentes. Segundo Lombroso, o indivíduo
era hereditariamente predisposto a ações anti-sociais, possuindo em sua anatomia
determinados estigmas atávicos
3
, os quais revelariam científicamente a propensão
à denominada criminalidade nata.
Dessa forma, a Criminologia Italiana discutiu a responsabilidade moral do
indivíduo em relação a seus atos, o que deveria retratar o criminoso nato como um
ser subumano, com características atávicas e que careceria de cuidados preventivos
do Estado. A psiquiatria encaixava-se perfeitamente no processo de identificação do
louco moral.
A Antropologia Criminal ofereceu técnicas de identificação forenses que
foram adotadas como metodologia na perícia científica para averiguação da
identidade dos indivíduos e elucidação de inquéritos judiciais. O crime não era o
foco principal dos estudos forenses, mas o corpo dos indivíduos envolvidos.
Informações sobre corte do cabelo, tatuagens, cútis, proporção do nariz e da boca,
tornava a descrição precisa e perícialmente confiável.
Assim, o sistema de identificação estava influenciado pela doutrina
lombrosiana, o que contribuiu para dar à perícia judicial o arcabouço científico
necessário para elaboração dos procedimentos mais corriqueiros do sistema
policial, como a ficha de identificação criminal. Essa ficha deveria conter
informações sobre o porte físico do indivíduo e de seu histórico social, modelo este
utilizado pelas instituições pernambucanas, a exemplo da ficha de identificação do
jornaleiro R.A.. Para complementar as informações dessa ficha científica, uniram-se
2
A disciplina Criminologia é pré-requisito nas grades dos cursos de graduação em Direito. Atualmente, a
Criminologia procura esclarecer a elaboração dos códigos de Direito Penal, analisando nomes como Augusto
Comte, Beccaria, Paul Broca e, de seu criador, Cesare Lombroso.
3
Lombroso desenvolveu um estudo comparativo entre criminosos e pessoas comuns, nas quais observou
caracteres que supostamente apareciam freqüentemente nesses dois grupos de indivíduos. Os traços anatômicos e
psicológicos encontrados nos delinqüentes remeteriam ao instinto selvagem do homem primitivo: queixos
grandes, narizes aquilinos, orelhas de abano, zigomas salientes, braços compridos, entre outros atavismos, os
quais comprovariam que a ação delituosa seria uma determinação biológica. (LOMBROSO apud SILVA, 1906,
p. 153).
12
a fotografia sinalética (frente e perfil), originada por Alphonse Bertillon, a
datiloscopia (impressão digital) catalogada por Juan Vulcetch e, na década de 1920,
a Biotipologia Criminal de Nicola Pende.
A primeira fase para elaboração dessa ficha de identificação criminal
consistia no conhecimento fenótipo lombrosiano, no qual os aspectos físicos dos
indivíduos indicavam sua personalidade delinqüente. A segunda fase da
Antropologia Criminal viria após a década de 1920, por suscitar exames endócrinos
e biotipológicos, uma complementação perícial na diagnose do criminoso nato.
Segundo Pierre Darmon (1991, p.171) o neolombrosianismo pode ser
compreendido após 1921, com a Biotipologia Criminal de Ernest Kretschmer que
subdividiu os humanos em três biótipos: atlético, leptossômico e picnico.
Cada
grupo possuía características atávicas próprias, as quais facilitariam o processo de
classificação e estatística dos tipos degenerados mais incidentes. O atlético seria o
biótipo de compleições quase simétricas (proporcionais), fortes e de musculatura
talhada; o leptossômico teria alta estatura, corpo delgado e assimétrico; o picnico é
obeso, membros atarracados e de assimetria corporal. Para esses estudiosos,
mesmo que os sujeitos portadores de tais características anatômicas não sejam
levados à delinqüência, seu biótipo deve ser avaliado como indício da gênese
criminosa.
Em 1931, o termo neolombrosianismo foi pronunciado no Brasil pela
primeira vez, pelo médico-legista Arthur Ramos no traballho Hipergitalismo e
Criminalidade, apresentado ao Instituto Médico Legal da Bahia. Nesse artigo,
Ramos discorre sobre a influência das duas novas teorias que complementavam o
lombrosianismo: a Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal. (MENEZES,
2002, p.69). Em tais teorias, variações morfológicas e psicológicas dos indivíduos
estabeleceriam um parâmetro de identificação do delinqüente, voltada ao
funcionamento orgânico/hormonal.
Meu interesse sobre o tema neolombrosianismo se deu a partir do ano de
2002, quando fui inserida como bolsista do PIBIC/UFPE, na pesquisa do Prof. Dr.
Carlos Miranda, sobre a História da Medicina em Pernambuco. Com isso,
desenvolvi o desejo em aprofundar o estudo, voltando meu olhar também para o
Poder Judiciário.
O objetivo desta Dissertação consiste em analisar o discurso
neolombrosiano na década de 1930 no panorama jurídico-social pernambucano,
13
como também sua aplicação no procedimento de identificação criminal. A cidade do
Recife serve como cenário da Criminologia neolombrosiana, tendo, nas reformas
urbanas realizadas na década de 1930, o cuidado em adequar o espaço público às
normas de segurança social. A teoria lombrosiana, a justiça e a medicina-legal
entrelaçaram-se para formular uma sociedade excludente, que ligava a pobreza e
as compleições biológicas das pessoas ao incivilizado. Segundo o esforço das
políticas proferidas pelos governantes da época, o centro do Recife deveria retirar
paulatinamente esses “degenerados morais” de seus espaços sociais.
4
Vendo essa readequação do espaço social da cidade, utilizamos como
embasamento teórico às obras de Michel Foucault, onde analisamos as teorias
neolombrosianas em conjunto com as idéias sobre o processo de enquadramento do
corpo humano pelos parâmetros do Estado, as quais serviam como arma de
dominação, que fortaleciam o dos estereótipos sociais. Um corpo estigmatizado
reproduzia o discurso dominador do sistema judiciário e médico. (FOUCAULT, 2006,
p.39). Esse estereótipo também se refletia no olhar da população, que passava a
procurar no outro os estigmas característicos da inferioridade biológica e, por
conseguinte, da incivilização. Segundo Foucault, as pessoas são selecionadas e
catalogadas individualmente pelas instituições de poder, não no sentido de valorizar
suas particularidades, mas para conhecer suas fraquezas, facilitando seu controle. O
intuito é dissecar o corpo social, transformando essa massa tida como
desorganizada, em micro seções individuais, para identificá-la, vigiá-la e discipliná-
la. (FOUCAULT, 1987, p.118).
Dessa maneira, o poder é praticado de forma celular pelas instituições
públicas. Ainda, analisando as palavras de Foucault: “toda forma de saber produz
poder”, tendo em vista que dividir, classificar e identificar cada célula social seria
necessário para desenvolvimento da administração do goveno.
Tal vigilância se
disseminou em forma de discurso por toda a sociedade, numa trama ramificada para
além da estrutura física das instituições. Essa classificação capilar do Poder é uma
questão fundamental para o controle da sociedade, potencialmente nociva à
“ordem”.
4
O termo “degenerado moral” foi utilizado pelo francês Benedict August Morel (1809-1873) em sua obra Traité
des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de l´espèce humaine et des causes qui produisent ces
variétés maladives, de 1857, onde avalia o suposto crescimento do número de doentes mentais, com a tida
decadência da raça. Os chamados “degenerados” eram os indivíduos que possuíam a disposição biológica ao
comportamento anti-social. Lombroso adotou esse termo em seus trabalhos para designar o criminoso nato.
14
Nosso recorte temporal se justifica, uma vez que a década de 1930 é um
período de importantes mudanças no Brasil e no mundo, com a emersão dos
regimes totalitários na Europa e o desejo governista em modernizar as cidades e
suprimir a delinqüência.
5
Em meio a essa discussão sobre criminalidade, o Recife
de 1930 possuia cerda de 500 mil habitantes (BARROSO FILHO, 1985, p.13), os
quais conviviam com transformações sócio-estruturais, encorajadas pela idéia
européia de modernização, que consistia, inclusive, na retirada dos “degenerados”
do centro da cidade para uma vida marginalizada na periferia.
Esse processo de retirada dos pobres da área central das cidades,
influenciado pelas teorias neolombrosianas, acabava rotulando-os como pessoas
“biologicamente” portadoras do comportamento anti-social. Assim, seria obrigação
das autoridades governamentais controlá-los e retirá-los do convívio dos cidadãos
(tidos como) “normais”. Entre os degenerados estavam os pobres, epilépticos,
deficientes mentais, entre outros indivíduos tidos como portadores dos estigmas
atávicos.
Teses acadêmicas foram desenvolvidas em diversas faculdades de Direito e
Medicina do país (SCWARCZ, 1993, p. 30), as quais procuravam analisar e explicar
esses fenômenos sociais. A Antropologia Criminal ganha força e legitimidade,
continuando a ser oficialmente discutida e aplicada nas técnicas de identificação das
instituições do poder judiciário para impetrar, principalmente, o inquérito policial
(como ocorre no GIEC e no IML).
As teses da FDR pós-30 e as fichas de identificação dos Institutos
Judiciários são o ponto central da nossa investigação. Nesse material, analisamos o
modo como o discurso neolombrosiano toma forma e procura transmitir ao trabalho
técnico da perícia criminal os novos conceitos de identificação propagados na
Europa, como na teoria da Biotipologia Criminal e na Endocrinologia Criminal. Era
pretensão traçar uma face criminosa, a qual poderia ser identificada científicamente
por um profissional da perícia forense.
Seguindo a mesma perspectiva de Foucault, utilizamos a obra de Pierre
Darmon (1991, p.274), onde não apenas apresenta a teoria lombrosiana, mas
5
O início da década de trinta no Brasil foi turbulento, com troca do poder governamental e com os confrontos
sociais, como a Revolução de 1930. A Revolução de 1930 foi à união das oligarquias contra a República dos
Coronéis” no partido político intitulado de Aliança Liberal, lançando a candidatura de Getúlio Vargas à
presidência, contra Julio Prestes do partido PRP. Prestes vence as eleições, ocasionando a união entre os
tenentistas e o partido de Vargas. No dia 24 de outubro de 1930, o presidente Washington Luiz é deposto, dando
início à chamada Era Vargas. (SKIDMORE, 1975, p. 42).
15
discute a idéia de que os delinqüentes seriam organicamente inferiores e o crime
seria conseqüência do conflito entre meio e biótipo degradado. Dessa forma, havia
relação entre raça, a hereditariedade e a espécie de dolo, tendo em vista que
morfologia e delito interagem. O corpo refletia a degeneração moral contida nos
indivíduos. Dessa forma, apresentava-se a Endocrinologia Criminal que, fazendo
ligação entre os exames clínicos do organismo e suas oscilações hormonais,
chegariam a uma conclusão sobre sua conduta anti-social.
A premiada obra de Olívia Maria Gomes da Cunha, Intenção de Gesto, faz
um mergulho sobre as correntes biodeterministas, entre elas a Antropologia
Criminal, tanto no Brasil como no mundo. A autora discute as técnicas de
identificação apresentando-as como métodos utilizados pelas instituições Estatais
para a normalização do corpo humano, por meio das políticas públicas. Segundo a
autora, o neolombrosianismo difundido no Brasil na década de 1930, fortaleceu a
Criminologia em nosso país, promovendo estudos médico/forense sobre a influência
do sistema endócrino na personalidade humana, bem como o desdobramento
dessas discussões nas técnicas de identificação médico-legal.
O autor Stephen Gould, na obra A Falsa Medida do Homem, realiza um
apanhado histórico sobre o biodeterminismo, discutindo o trabalho de diversos
cientistas, entre eles Paul Broca, Alfred Binet, Cesare Lombroso, os quais
realizaram estudos craniométricos e procuravam encontrar fatores físicos que
explicasse a tendência de algumas pessoas ao crime. Essa obra de Gould nos
ajudou a compreender o desenvolvimento dos estudos de identificação e os
estigmas que eles concederam a alguns grupos sociais.
A autora Maria Tereza Silveira, em seu livro Biometria: antropometria e
biotipologia, realizou um preciso trabalho técnico sobre a aritmética empregada no
corpo humano, com as proporções exatas e os cálculos relacionados à identificação
humana. A autora coloca o arquétipo e as rmulas geométricas que a estrutura
morfológica humana sofre ao passar pela perícia forense e em alguns
procedimentos médicos.
Através desse levantamento historiográfico e, em meio à documentação
colhida nos arquivos e bibliotecas do Recife, chegamos às seguintes questões:
como a campanha modernizadora da cidade do Recife se apropriou do discurso
neolombrosiano na retirada dos pobres da área central? Sob que parâmetros as
16
teses da FDR reproduz o neolombrosianismo em meio à Criminologia
pernambucana?
Para analisar essas questões sobre o percurso do neolombrosianismo em
Pernambuco, dividimos nosso trabalho em três capítulos.
No primeiro, procuramos apresentar a Antropologia Criminal, realizando um
apanhado sobre a vida e o percurso acadêmico de Cesare Lombroso, como também
a difusão de suas idéias no Brasil, bem como as particularidades raciais que sua
teoria adquiriu ao imiscuir-se num país miscigenado. Para realizar essa análise,
utilizamos como autores principais: Olívia Maria Gomes da Cunha (1999) sobre a
Antropologia Criminal, Stepen Gould (1991) e a reedição do Homem Delinqüente de
Cesare Lombroso (2001).
No segundo capítulo, propomos a análise do cotidiano recifense na década
de 1930, com suas reformas urbanísticas e mudanças nas políticas de segurança
pública que influenciaram o sistema judiciário. Essas obras de construção civil
procuraram deslocar a maioria dos moradores pobres (estigmatizados como
degenerados) do centro da metrópole para a periferia, retirando-os do convívio com
os freqüentadores considerados “normais” (sem portar os estigmas atávicos).
Procuramos avaliar também o papel das instituições educacionais em Pernambuco e
a ligação entre epilepsia e responsabilidade criminal, que supostamente, tratava-
se de uma doença degenerada.
No terceiro capítulo deste trabalho, mergulhamos na discussão e aplicação
dos processos de identificação neolombrosiana em Pernambuco. Traçamos um
panorama da produção intelectual da FDR, com as teses de acadêmicos
neolombrosianos, que realizaram amplas discussões sobre os atavismos e a
responsabilidade penal, amparados pelo olhar da Biotipologia Criminal e da
Endocrinologia Criminal. Outra fonte utilizada foi o Inquérito Policial, constituído pela
ficha do GIEC e o laudo concedido pelo IML. A partir da ficha e do laudo, analisamos
a aplicação dos métodos de identificação criminal no cotidiano, bem como a
aplicação das teorias neolombrosianas no processo de investigação judicial. A
proposta é mostrar o contraste entre a teoria discutida nas faculdades e a prática
nos procedimentos policiais, isto é, a procura da face criminosa.
Nas considerações finais, procuramos mostrar a atualidade da discussão
lombrosiana, utilizando artigos publicados no ano de 2007 que se baseiam no
trabalho de Lombroso, ou seja, mais de um século depois da formulação de suas
17
teorias elas ainda são referência sobre identificação criminal e discussão sobre
Criminologia.
Este trabalho dissertativo tem a pretensão de trazer a lume um trecho da
História Social de Pernambuco, e mostrar como diferentes institutos de poder
uniram-se em torno do discurso excludente do neolombrosiano. Outro ponto que
almejamos é a ampliação do estudo da Criminologia e das técnicas de identificação
perícial, as quais deixariam de ser vistas apenas como ferramenta de identificação,
mas como meio utilizado para delimitar padrões distorcidos do que deveria ser
considerado “normal” e “anormal” em nossa sociedade.
18
CAPÍTULO 1 - A DOUTRINA LOMBROSIANA
1.1 A teoria e seu instituidor
O criminoso, qualquer que seja sua habilidade, traz sempre, na execução
de seu crime, a imprevidência que está no fundo de seu caráter. A violência
e a paixão dominante arrojam como que um véu sobre seu critério. O
prazer de cometer uma acção culpável, de saborear uma execução, de
levar ao conhecimento de outrem a realização do mal, colocam a justiça
menos hábil na pista da autoria. (LOMBROSO, 2001, p.437).
Numa tarde na cidade italiana de Verona, em 6 de novembro de 1835, o
casal hebreu Aaron Lombroso e Zerofa Levi Lombroso tornava-se pais duma criança
que viria a ser um dos maiores expoentes da Escola Clássica do Direito Penal:
Cesare Lombroso. Lombroso passou sua infância na pequena cidade de Chieri,
rodeado por parentes e costumes patriarcais, com reuniões familiares semanais e
uma vida financeira estável.
No início de sua puberdade, a família Lombroso viveu fortes contratempos
econômicos tendo, então, se mudado de um espaçoso casarão, onde o menino
costumava brincar livremente pelo pátio, para uma modesta casa. Essa fase de
dificuldades financeiras marca seus estudos, mas sem diminuir a intensidade de sua
dedicação ao conhecimento científico. (LOMBROSO, 2001, p. 528).
Aos 15 anos de idade, o adolescente Lombroso conhece Paulo Marzolo,
profundo estudioso que marcaria preponderantemente sua visão analítica. Mazolo
era um respeitado médico, filósofo, historiador e naturalista italiano que se deparou
com um artigo sobre seu trabalho e quis conhecer o autor que o havia citado.
Mazolo acreditava se tratar dum acadêmico, entretanto, para sua surpresa, era do
jovem e discípulo Lombroso. (FERRERO, 1940, p.12).
Com Mazolo, Lombroso aprendeu a disciplinar seu olhar para a natureza da
penalogia, da anatomia humana e da moral. A escolha pela faculdade de Medicina
também foi espelhada pelo mestre, tendendo à análise das raças humanas, dos
doentes mentais e da filosofia.
Após anos de estudo sobre psiquiatria e alienação, Lombroso apresenta a
monografia: Influência da Civilização sobre a Loucura e da Loucura sobre a
Civilização. Essa obra dá origem aos conceitos biodeterministas que tanto vão
movimentar discussões médico-criminais na Europa no final do século XIX.
19
Em 1859, Lombroso adere à campanha militar no conflito bélico entre a
Áustria e o Piemonte, onde pôde observar as características físicas e o histórico
médico dos soldados originários de localidades variadas da Itália. Essas
informações alicerçaram suas idéias antropológicas, compondo uma mescla entre
alienação mental com comportamento sócio-cultural. Após correlacionar as
observações feitas em soldados austríacos a seus estudos sobre História Natural e
Darwinismo, deu partida a sua teoria antropológica, onde os indivíduos teriam sua
conduta influenciada por aspectos biológicos, os quais poderiam ser percebidos
anatomicamente. (LOMBROSO, 2001, p.517). Era a teoria do criminoso nato.
No ano de 1870, ocorre a publicação de sua pesquisa sobre Antropologia
Criminal e, nesse mesmo ano, casa com Nina Lombroso, filha de um banqueiro, a
qual se tornaria sua “secretária”. (DARMON, 1991, p.13). A criminalidade e a loucura
se tornaram os temas centrais de seu estudo, que o acompanharia por toda vida.
O ano de 1871 foi preponderante na vida do médico Lombroso no campo
profissional e pessoal. Nesse ano, assume o cargo de diretor do manicômio e do
asilo da cidade de Pésaro. Em sua vida particular, nasce sua filha primogênita que
recebe o nome de Paula Marzola, em homenagem póstuma a seu antigo mestre
Marzola.
Na diretoria do Manicômio Judiciário de saro, Lombroso procedeu a
inúmeras necropsias de cadáveres de delinqüentes da Calábria e Sicília. Nesse
período, um fato chamou-lhe a atenção, ao examinar o crânio feminino do cadáver
de Charlotte Corday
6
, pois o mesmo possuía uma anatomia rica em anomalias
patológicas. (DARMON, 1991, p. 14). Segundo os estudos de Darmon (1991, p.12),
os restos mortais de Corday foram exumados diversas vezes e sepultados em locais
diferentes, o que colocou em dúvida a autenticidade do crânio por alguns cientistas.
Mesmo tendo consciência desses episódios, Lombroso desenvolveu seu
estudo sobre a criminalidade feminina com base no suposto crânio de Corday, por
considerá-lo um crânio precioso para a corroboração do atavismo, tendo em vista
que contava inúmeros traços intrínsecos aos símios.
Assim ele o descreve:
6
A francesa Marie-Anne Charlotte Corday d'Armont (1768-1793) assassinou Jean-Paul Marat, um dos
defensores da política do Terror, implantada durante a Revolução Francesa, pelos Jacobinos. Em 13 de junho de
1793, Corday adentrou a casa de seu suposto amigo Marat, esfaqueando-o friamente durante seu banho. Quatro
dias depois, ela teve sua cabeça decepada pela guilhotina da justiça imposta pelos jacobinos. (Site: HISTÓRIA,
2008).
20
O maxilar era exagerado e projetado para frente, platicéfalo,
características mais raras em mulheres que em homens. Tem uma
apófise jugular muito proeminente, uma capacidade média de 1360 em
lugar de 1337, que é a média, uma saliência temporal muito
acentuada, uma cavidade orbital enorme e maior à direita que à
esquerda. Tem, enfim, esse crânio anormal, uma fosseta occipital.
Trata-se de anomalias patológicas e não de anomalias individuais.
(DARMON, 1991, p. 13).
A chegada dos estudiosos a esses resultados absolutos do atavismo de
Corday fortalecia cada vez mais Lombroso e seu prestígio entre médicos forenses.
Em 1874, Lombroso assume definitivamente a cátedra de especialista em medicina-
legal, e a Antropologia Criminal abre caminhos para inúmeras pesquisas científicas.
Lombroso combinou seu conhecimento adquirido no asilo e no manicômio de
Pésaro, com doutrinas acadêmicas anteriores, como a Frenologia, a qual realizava
um estudo empírico do crânio humano dizendo que poderia determinar o caráter,
tipo de personalidade e grau de periculosidade do indivíduo. Era o auge da carreira
de Lombroso e a Antropologia Criminal dava sinais de aceitação entre os intelectuais
da época.
A Antropologia Criminal procurou embasar-se ideologicamente sob
parâmetros de estudos interdisciplinares. Dentre os campos de análise, podemos
fazer menção: a frenologia, a biologia, a sociologia, a medicina legal, a estatística, a
penalogia e a psiquiatria. O mosaico da teoria lombrosiana estava sendo montado.
A data de 15 de abril de 1876 torna-se um marco para a Criminologia. É
publicada a obra mais célebre de Lombroso, O Homem Delinqüente, que abre
espaço para discussões sobre Criminologia, bioderterminismo e, por conseguinte,
formas de possibilitar o controle social.
Nesse livro, Lombroso discute a teoria da criminalidade congênita,
defendendo a idéia de que os indivíduos seriam biologicamente predispostos ao
incivilizado, o criminoso nato. Com essa tese, Lombroso consegue o que tanto
ansiava no meio médico-jurídico: fermentar o desejo de discussão da Antropologia
Criminal pelos intelectuais europeus.
Reeditado inúmeras vezes e traduzido para diversos idiomas, O Homem
Delinqüente tornou-se referência nos estudos forenses, tendo um sucesso
fulminante. Lombroso apresenta como “taras degenerativas da fisiologia” os
estigmas congênitos e os desvios comportamentais como: daltonismo, epilepsia,
alcoolismo, promiscuidade sexual, assimetria fisionômica, tatuagens, etc. (SILVA,
21
1906, p.153). Qualquer uma dentre essas características designaria o louco moral,
o qual deveria ser retirado do convívio social e precocemente tratado por uma
instituição com capacidade de disciplinar, retardar ou inibir sua herança agressiva.
A Criminologia alcança patamares de ciência após a publicação de O
Homem Delinqüente. Abandona o antigo posto de ciência inexata e, como qualquer
ciência, casou o empirismo desenvolvido anteriormente com correntes teóricas. A
Criminologia dimanou em duas fases: o pré-científico e Antropologia Criminal.
A trajetória pré-científica da Criminologia é considerada até o ano de 1875,
tendo como expoente o jurista italiano Cezare Beccaria (1738- 1794). (BECCARIA,
2007, p.16), Beccaria mostrou-se como um dos defensores da gradativa substituição
dos métodos punitivos de suplício (torturas físicas públicas), pela implantação da
penalogia moderna (privação da liberdade e ideais de reeducação do infrator), sendo
considerado ícone da Escola Clássica de Direito Penal.
7
Com a contribuição dos estudos sobre Direito Penal desenvolvido por
Beccaria e o lançamento do livro O Homem Delinqüente de Lombroso, a
Criminologia (que até 1876 era vista apenas como pesquisa intelectiva), logrou
aceitação científica entre juristas e médicos europeus.
8
A década de 1880 foi
marcante para a penalogia italiana, com a elaboração do Novo Código Penal e,
também, com a ascensão da disciplina de Criminologia nos cursos de Direito, na
maioria das faculdades européias.
O inóspito do período de formulação do novo Código Penal foi à
apresentação das argüições de Lombroso contra as novas diretrizes francesas,
entre elas a “benignidadedas leis com relação aos delinqüentes, a falta da prisão
perpétua para criminosos reincidentes e um manicômio para o criminoso-louco.
Equivaleu, assim, ao restabelecimento do conceito e semi-responsabilidade estatal
sobre a contenção da agressividade de alguns grupos sociais, para isso o código
deveria ser severo e punitivamente eficaz.
7
Através do seu livro Dos Delitos e das Penas, Beccaria alterou a consciência, publicou a respeito dos
julgamentos secretos, das torturas, da falta de padronização punitiva e métodos preventivos da ação criminosa.
Alguns dos postulados de Beccaria fazem parte do que constitui o Direito Penal até os dias atuais, como: leis
fixas para um determinado tipo de delito; as leis que consideravam que apenas os magistrados teriam o poder de
julgar os apenados; qualquer acusado é inocente até a sentença, entre outras jurisprudências.
8
Após 1905, um ecletismo de teorias sobre criminalidade e suas causas. A Antropologia Criminal passa por
um período de obscurecimento, ressurgindo apenas na década de 1930, com a nova roupagem científica, sendo
chamada de Neolombrosianismo. Sobre este tema, falaremos a seguir.
22
Para Lombroso, as “falhas” do novo Código Penal sobre a responsabilidade
criminal causariam um afrouxamento do sistema punitivo italiano, tendo como
resultado o aumento das ações delituosas. Numa demonstração de sua influência
teórica, Lombroso consegue levar à discussão no Congresso Legislativo Italiano.
Seus argumentos contra a Nova Legislação Penal conseguem modificar parâmetros
legais do Código Penal.
No período de 1885 a 1911, ocorrem sete Congressos acadêmicos de
Antropologia Criminal. O positivismo consolidaria o regulamento científico dado às
discussões sobre o controle governamental da violência social. O conceito central
das argüições que perpassavam ano após ano em tais eventos acabava
fortalecendo a política judiciária, edificada pelo estudo da biologia criminal. (DEL
OLMO, 2004, p.94).
Outra preocupação dos palestrantes estava em fornecer um “banco de
dados” composto das características fisionômicas dos supostos degenerados, o que
poderia vir a facilitar o trabalho de identificação da perícia médico-legal. No entanto,
a partir do segundo congresso, a idéia de regeneração cio-comportamental
desses delinqüentes entraria em discussão, resaltando que não havia como
recuperar o infrator, apenas conter sua tendência ao incivilizado.
Em Roma, no ano de 1885, estava previsto o III Congresso Internacional de
Penitenciária, entretanto o calor das discussões lombrosianas acabou modificando o
tema do evento para o I Congresso Internacional de Antropologia Criminal. (DEL
OLMO, 2004, p.88). Nesse primeiro Congresso, Lombroso defende a idéia de que os
indivíduos portadores de delinqüência nata o teriam cura, por possuírem em sua
formação biológica a doença da criminalidade. Essa afirmativa do caráter incurável
do criminoso foi rebatida nos inúmeros congressos de Antropologia Criminal na
Europa. O próprio Lombroso vai argumentar posteriormente que a educação pode
conter a manifestação social das pulsões atávicas.
A disseminação das idéias discutidas nesses congressos originou condições
para a fundação, em 1889, da União Internacional de Direito penal, na Alemanha.
Esse órgão teria a finalidade de propor mudanças na penalogia sob os parâmetros
do estudo criminológico, correlacionando o Direito Penal às ações da política
criminal e dos métodos punitivos, pretendendo tornar a reabilitação do delinqüente
possível e rápida.(DEL OMO, 2004, p.72).
23
O II Congresso Internacional de Antropologia Criminal ocorre na capital
francesa, Paris, no ano de 1889. Por ter ocorrido no mesmo ano da elaboração do
novo código penal italiano, os debates estavam mais calorosos entre franceses e
italianos. As idéias de Lombroso vão ser rebatidas severamente pelos juristas e
médicos. Lombroso retorna à Itália levando consigo a certeza da intriga entre os
cientistas italianos contra os estudiosos franceses.
Após o Segundo Congresso, Lombroso aumenta sua desmotivação teórica
com a crise econômica que acometeu a Itália ainda no ano de 1889. Procurando
minorar seus problemas financeiros, Lombroso passou a comercializar sua
pesquisa, alcançando uma projeção intelectual ainda mais ampla que a anterior.
Passou a escrever e publicar em troca de pecúlio. Diversos livros e artigos para
jornais internacionais, até mesmo na Argentina e nos Estados Unidos da América,
são publicados. (LOMBROSO, 2001, p. 543). Durante essa fase, podemos citar as
obras: Crime Político, Microcefalia e Cretinismo, todas voltadas à Criminologia.
A doutrina lombrosiana ganha caráter sociológico com a contribuição do
italiano, nascido em Bolonha, Enrico Ferri, que elabora a Sociologia Criminal em
1890. Ferri foi amigo e discípulo de Lombroso, no entanto ofereceu outro rumo às
pesquisas, desenvolvendo um caráter sociológico às teorias do mestre, instituindo o
princípio de que a ciência teria o poder de reabilitar o criminoso ao convívio social,
através de métodos educacionais. Os estudiosos de Criminologia se dividiriam ainda
mais entre os conceitos da criminalidade nata ou da criminalidade destinada pelo
meio social; agora, a delinqüência também era vista como fenômeno social e não
apenas biologicamente predeterminado.
Certamente que Ferri não havia sido o primeiro teórico a tratar da
delinqüência como patologia social, mas seu preceito sociodeterminista seria um dos
primeiros estudos a procurar padronizar mecanismos educacionais que inibissem a
delinqüência. A ciência criminológica estava formada e consolidada, mesmo
sofrendo críticas. As faculdades de Direito européias passaram a disponibilizar em
sua grade acadêmica a Criminologia como disciplina e fervorosas discussões são
realizadas nos congressos de Direito Penal. Devido às críticas sofridas pela
Sociologia Criminal francesa, Lombroso publicou o estudo Le Crime, Causes et
Remedes, voltado ao olhar sociológico da delinqüência, onde continuava
defendendo sua teoria biodeterminista e apresentou o brasileiro Nina Rodrigues
como seu discípulo nos trópicos.
24
Em 1904, Lombroso consegue uma melhora financeira, devido à
estabilidade política interna italiana e à melhoria nas relações comerciais com a
França. No ano seguinte, Lombroso assume ter-se convertido ao espiritismo, crença
na qual passou anos refutando e denominando de charlatanismo. Assumiu que sua
credulidade como espírita ocorreu após ter presenciado a “materialização”
ectopasmática
9
de sua falecida mãe em uma reunião, levando-o a reformular seu
ceticismo.
Ainda no ano de 1905, debilitado pela idade avançada, Lombroso não
pôde participar da inaugurarão da Seção de Antropologia Criminal, especialmente
preparada para recebê-lo no Congresso de Psicologia de Roma. Mesmo com a
saúde abalada, ainda escreve um trabalho sobre perícias. Em 1906, uma grandiosa
homenagem foi organizada pelos seus discípulos e mestres de várias partes da
Europa, seguidores da doutrina lombrosiana no Congresso de Antropologia Criminal.
Recebeu várias homenagens acadêmicas
até seu falecimento, aos 75 anos, em 1909, onde as
correntes anti-lombrosianas ganharam espaço e
atacam Lombroso veementemente, fato que,
segundo a biografia escrita por sua filha Gina
Lombroso, pode ter agravado seu estado de saúde.
(LOMBROSO, 2001, p.546).
Intelectuais de diversas partes do mundo
reconhecem a obra produzida por Cesare Lombroso e sua atuação na penalogia e
em outras áreas do conhecimento. Entretanto, os anti-lombrosianos embevecidos
pela Sociologia Criminal francesa e com as práticas de modernização social,
apresentavam-se contra a antiga idéia de que apenas o biodeterminismo causaria a
degenerescência moral.
Respeitando seu desejo em vida, a cabeça e o coração de Lombroso foram
devidamente doados para estudos científicos em universidades européias. Para ele,
sua contribuição à ciência positivista não deveria limitar-se apenas enquanto estava
vivo.
9
Termo utilizado pela doutrina espírita.
FIGURA 1
-
O homem da ciência:
a cabeça de Lombroso.
FONTE: Colombo (2000).
25
1.2 A adoção do estudo jurídico-antropológico num país tropical.
Cinco anos depois da Independência Nacional e após a outorgada
Constituição brasileira de 1824, nada mais natural do que promover o
ensino das ciências jurídicas e sociais, pois que a Nação necessitava de
uma ordem legal que viesse do próprio conhecimento e da prática dessas
ciências. O que então possuíamos era, no campo do Direito, o
ensimanento castiçamente europeu da Universidade de Coimbra, de onde
vieram os nossos doutores em Leis para executar, no Brasil, as Leis e
Ordenações do Reino. (PEREIRA, 1977, p.65).
O processo constitucional brasileiro de 1828 procurava fundamentar-se na
concepção de dois centros jurídicos e a produção duma inteligência local. Dois
centros de graduação e pós-graduação estrictu sensu na área jurídica foram
escolhidos para a implementação desses cursos: São Paulo e Pernambuco. O
mosteiro de São Bento, em Olinda, torna-se sede da primeira instalação de estudos
jurídicos pernambucanos; em 1854, a Faculdade de Direito seria devidamente
transferida para a capital da província e batizada como FDR. (SCHWARCZ, 1993,
p.142).
As idéias vindas de Portugal, influenciadas pela discussão sobre
Antropologia Criminal e Sociologia Criminal, deparam-se com a nova situação social
brasileira de mudança política de Monarquia para República (1889), em conjunto
com abolição da escravidão (1888) e com aumento populacional das áreas urbanas.
A estruturação da classe média contribuiu para diminuir a distância financeira entre
os mais abastados e os grupos menos favorecidos, tendendo a estabelecer novas
necessidades urbanas.
Em meio a essas discussões sobre estruturação social e mecanismos
judiciais de contenção, a FDR origina o movimento intelectual conhecido como
Escola do Recife, demonstrando estar relacionada ao determinismo europeu do
século XIX. (SCHWARCZ, 1993, p.150).
A Escola do Recife seria a vanguarda científica no Brasil, respirava o
Darwinismo Social do inglês Herbet Espencer que estava embasada na teoria
evolucionista das espécies, de Charles Darwin. Nessa corrente sócio-evolucionista,
os membros da sociedade viveriam em constante processo seletivo, culminando
com a vitória dos biologicamente bem preparados, em detrimento dos indivíduos
portadores de deformidades atávicas. A Escola do Recife e sua produção acadêmica
passaram a ser referência nacional no estudo spenceriano, propondo também
26
debates sobre criminalidade. Esses estudos se apresentavam contra a mestiçagem
do povo brasileiro, o que seria o problema central de nossas perturbações urbanas,
tal como a criminalidade.
A Escola do Recife dividiu-se em três fases: a primeira teve início em 1862,
sendo conhecida como “escola condoreira” por sua influência com o teatro e a
poesia. Estava composta por nomes como Capristano de Abreu, Castro Alves e
Guimarães Rosa. Entre 1868 e 1882, dá-se conta da segunda fase marcada pela
crítica a religiosidade ortodoxa, e abrindo espaço à estruturação do Direito positivo,
sendo o Recife o centro editorial do país. A terceira fase, a FDR volta-se as
discussões jurídicas, como a penalogia e a elaboração de um código penal
condizente com as necessidades dum país mestiço. Juristas como Silvio Romero e
Tobias Barreto integravam o coro da jurisprudência pernambucana,
autodenominando-se de “reformadores da justiça”. A FDR, apesar de realizar
estudos influenciados pelo Darwinismo Social, dividia seus estudos entre Sociologia
Criminal e Antropologia Criminal, tendo críticado o lombrosianismo, por limitar a
predisposição humana à agressividade ao fator biológico, sem levar em
consideração as condições sociais e o histórico de vida de cada indivíduo. Mas,
produziu inúmeros estudos de cunho lombrosiano.
Impulsionando a Antropologia Criminal brasileira, surge o nome do médico
maranhense Raymundo Nina Rodrigues (1862- 1906). Com seu livro As Raças
Humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894). Nina adquire notoriedade não
apenas no cenário brasileiro, mas passa a ser citado por nomes como Lacassagne e
Brouardel. Lecionou durante dezessete anos na Faculdade de Direito da Bahia e
conquistando discípulos como Afrânio Peixoto e Arthur Ramos (que se auto-
intitulava neolombrosiano).
(RODRIGUES, 1957, p.10).
O próprio Lombroso reconhecia Nina Rodrigues como seu discípulo nos
trópicos. Nina preocupava-se com os problemas sociais brasileiros propondo uma
reformulação do Código Penal, debruçando seus estudos sobre a miscigenação da
população brasileira e os incômodos sociais que ela nos delegaria; acreditava que a
suposta inferioridade racial africana poderia ser um dos motivos dos nossos
problemas com a violência urbana.
A autora Mariza Corrêa descreve Nina Rodrigues como exímio orador e
articulador da medicina e da jurisdição brasileiras de identificação. Alguns viam nas
27
idéias de Nina um movimento intelectivo, devido a sua credibilidade no meio médico-
jurídico.
Tanto médicos como antropólogos se agrupavam sob a denominação de
uma ‘escola Nina Rodrigues’, mas a sua ala médica parece ter tido, para a
sociedade brasileira como um todo, uma influência muito maior do que a
ala antropológica. (CORRÊA, 1998. p. 216).
A questão racial tão abordada por Nina Rodrigues o se encontrava
presente no pensamento lombrosiano. Aparentemente não havia ligação entre
Antropologia Criminal e as questões raciais, essa característica verificou-se apenas
entre os intelectuais brasileiros. (COSTA, 1997, p.53).
Nina teve atuação direta na elaboração do Código Penal de 1890. Defendeu
a apreciação de leis que atendessem às necessidades sócio-culturais brasileiras,
que acreditava que cada raça sentia e se manifestava socialmente de maneira
diferente, logo deveria haver uma dissociação na aplicação da punitividade.
(CUNHA, 1999, p.336). Esse código defendia a implementação dos exames
taxológicos e da intervenção médica, principalmente, nos crimes de homicídio (art.
195). (PEIXOTO,1910, p.496).
A discussão sobre a temática da miscigenação de Nina Rodrigues retoma o
Brasil após trinta anos de seu falecimento, em 1906. O ambiente de desestruturação
social favoreceu a propagação da teoria neolombrosiana, na década de 1930. No
pensamento dos juristas brasileiros resistiram traços do positivismo europeu,
apresentando a necessidade do poder judiciário em tutelar alguns grupos sociais.
(LOPES, 2003, p.109). Com o golpe de Getúlio Vargas, em 1937, nosso cenário
político ficou confuso e as crescentes migrações das zonas rurais para as urbanas,
contribuíram para aumentar a população nas grandes cidades.
Como o Brasil teve uma história marcada pela escravidão dos africanos,
pelo sangue indígena e pela vinda de europeus, relações inter-raciais impregnaram
a nação. Essa mistura racial, segundo Nina, nos condenava a uma herança atávica,
entretanto com uma esperança de ser gradativamente solucionada. Por haver
sangue europeu nas veias, a população brasileira tinha chance de se tornar
civilizada, bastava que o Estado tutelasse um trabalho sério na área social,
definindo critérios para evitar pcias inter-raciais e a adequação de uma legislação
penal rigorosa com crimes cometidos por negros. No trecho abaixo sobre conflito e
responsabilidade individual, Nina Rodrigues aponta o cruzamento inter-racial como
28
agente dos males sociais, defendendo ações médico-jurídicas de esterilização, para
sanar o problema:
Nesses casos, o cruzamento acaba sempre por dar nascimento a
produtos evidentemente anormais, impróprios para a reprodução e
representando na esterilidade de que são feridos, estreitas analogias
com esterilidade terminal da degeneração psíquica. (RODRIGUES,
1957, p.126).
Essas idéias são discutidas dentro das instalações da FDR pelas turmas de
graduação e de pós-graduação, na maioria das vezes sendo publicadas. No período
republicano do século XX, os ecos dessas discussões ocorridos na FDR ressoam,
com destaque no cenário acadêmico, na década de 1920 com os estudos europeus
sobre a Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal, teorias chamadas de
neolombrosianas.
O pensamento acadêmico pernambucano, na década de 1920, passou a
retomar o discurso positivista para alicerçar suas políticas urbanísticas da cidade e
possibilitar o controle social. (ANTUNES, 1999, p.117). Teses e dissertações da FDR
e da Faculdade de Medicina do Recife alimentavam-se das teorias européias de
modernização do espaço social.
Na década de 1920, a Escola Biotipológica alemã, sofisticada pelo
psiquiatra Ernest Kretschmer (1888-1964), associou a psiquiatria ao estudo criminal,
afirmando que os indivíduos tidos como degenerados apresentavam disfunções
antropométricas. Essas disfunções propiciariam transtornos de personalidade,
desencadeando a agressividade humana. (COSTA, 1997, p.157).
A biotipologia de Ernest Kretschmer propaga-se pelo mundo, defendendo a
idéia de que haveria um conjunto de características psicopatológicas,
antropométricas, antroposcópicas (cor da cútis) e fisiológicas (funcionamento
orgânico), as quais determinariam a agressividade humana. Entre essas
características se poderia enquadrar parte da sociedade, onde a biotipologia teria a
função forense de identificar o comportamento criminal entre os indivíduos.
(BERARDINELLI, 1938, p.25).
A Biotipologia desencadeou um processo de discussão entre os juristas
brasileiros sobre identificação criminal e seus métodos, na cada de 1920.
Entretanto, na década de 1930 a biotipologia ampliou o campo de discussão, saiu
29
das fechadas salas dos laboratórios de medicina legal para invadir espaço jurídico-
criminal.
Sobre a discussão biotipológica em Pernambuco, podemos citar a tese de
doutorado de Nise da Silveira aprovada com distinção na Faculdade de Medicina do
Recife em 1927, a qual ilustra o processo de ressurgimento da Antropologia Criminal
nos estudos acadêmicos brasileiros. A medicina dico-legal e a justiça
caminhavam unidas na elucidação de crimes e possíveis estudos sobre
delinqüências. Em seu trabalho, Nise Silveira inicia sua narrativa dissecando a teoria
lombrosiana e fazendo as primeiras citações neolombrosianas sobre endocrinologia,
biotipologia e crime.
Nise assegura que até meados do século XIX, o Brasil (como também na
Europa) os suplícios físicos (FOUCAULT, 1987, p.11). era a forma mais comum de
se aplicar a justiça. Torturas físicas e execuções públicas de supostos infratores
ocorriam sem um controle judicial rígido, abrindo brechas para injustiça e
desorganização na aplicação das penas. Nise Silveira revela seu discurso
lombrosianista ao afirmar constantemente em seu texto que a degeneração moral
encontrava-se estampada na fisionomia humana.
Os estreitos laços de parentesco que criminalidade e degenerecência,
revelam-se claramente pela existência em delinqüentes de características
estigmas somáticos e psychicos, como também pela coincidência que tem
sido constatada entre criminalidade e degeneração, na mesma família.
(SILVEIRA, 1926, p.13).
A médica discorre também sobre o sistema punitivo brasileiro, traçando um
pequeno perfil histórico para desenvolver seu estudo biotipológico. Inspirado nos
modelos sócio-estruturais aplicados pelo velho mundo e seguindo o caminho de
seus estudos antropológicos, o Brasil republicano procurou assemelhar-se aos
métodos punitivos europeus, fugindo dos antigos suplícios e pregando uma
penalogia em meio ao discurso da privação de liberdade para reabilitar o delinqüente
à vida social.
Estava configurando-se, na república brasileira a tentativa de organizar seu
aparelho institucional republicano com órgãos centralizadores de poder
governamental. Para isto, deu-se apoio à construção de instituições educacionais de
pesquisas científicas, como faculdades de Direito e Medicina. (CORRÊA, 1998,
p.31). Essa preocupação com o sistema educacional teria explicação: a necessidade
30
de implantar as idéias européias carecia de pesquisas acadêmicas, as quais
contribuiriam para formular a base legislativa e penal do país.
Esses ensaios acadêmicos esforçavam-se para apontar meios de
modernização do pensamento brasileiro e das normas jurídicas, com a implantação
das cnicas biotipológicas nas instituições de identificação forense. Essa
normalização jurídica buscava não apenas controlar e disciplinar a população, como
também diminuir gradativamente a incômoda mentalidade colonial e dar espaço a
parâmetros europeus de cidadania. (CARVALHO, 1987, p.136).
O anseio de tornar o país moderno e civilizado permeava o desejo político
da elite brasileira, a qual temia os movimentos agressivos dos grupos sociais
economicamente menos favorecidos. Para estabilizar ações agressivas e
movimentos de desordem da população, foram promulgados diversos estudos
acadêmicos. Esses estudos encontravam-se influenciados pelas doutrinas européias
biodeterministas. O lombrosianismo, por ser uma doutrina biodeterminista, foi
adotado pelos intelectuais como uma forma de modernizar, não apenas o espaço
social, mas também seus habitantes, diminuindo gradativamente o convívio entre os
indivíduos “normais” dos portadores de estigmas atávicos. (DARMON, 1991, p. 35).
Em particular, a França moderna serviu de espelho civilizatório para o Brasil
no que tange as políticas blicas e a Itália nos estudos de Criminologia. Daí a
proposta dos intelectuais brasileiros em modernizar os espaços e excluir de certos
ambientes os supostos degenerados, aperfeiçoando os estudos forenses com
finalidade de identificar tais indivíduos; período comum de reprodução das normas,
dos costumes e dos conceitos vigentes entre intelectuais europeus.
Nesse espaço de tempo estabiliza-se na França a Sociologia Criminal,
consolidada por Enrico Ferri, a qual defendia e apontava como causa da
criminalidade a condição sócio-econômica. A Sociologia Criminal criou
metodologias, as quais utilizavam técnicas de pesquisa, como a estatística, para
analisar condições ambientais (como clima ou geografia da região) e os fatores
sociais (pobreza, baixa instrução, profissão). (HARRIS, 1993, p.93). Esses itens
estariam interligados e seriam responsáveis por desencadear a degeneração moral.
A Sociologia Criminal francesa foi um contraponto com a Antropologia
Criminal Italiana. Mesmo com semelhanças ideológicas, a Escola Francesa e a
Escola Italiana entraram em choque nos congressos internacionais de 1885-1906.
31
Os franceses julgavam-se teoricamente moderados, vendo os italianos como
extremistas.
Contra esse ataque, os italianos passaram a se julgar cientificistas, diferente
do que seriam os estudiosos franceses, por realizarem medições craniométricas dos
delinqüentes e por delimitarem uma metodologia condizente com as exigências
positivistas. Os Italianos passaram a exigir que a sociologia francesa apresentasse
estudos métricos tão “exatos” quanto os seus, comparando crânios de pessoas
consideradas normais com pessoas possuidoras de atavismos. Os franceses
recusaram-se a fazer, dizendo que tais estudos não comprovariam nada. (HARRIS,
1993, p.98).
Enquanto as revistas cnicas de medicina registravam rivalidade entre
médicos e juristas franceses e italianos, é inegável que houve uma contribuição
mútua na estruturação das técnicas de identificação e na medicina-legal. Como
veremos no terceiro capítulo deste trabalho, os intelectuais neolombrosianos
brasileiros costumavam discutir a Biotipologia e a Endocrinologia Criminal, sempre
apontando elementos exógenos ao corpo humano (como clima e condição sócio-
econômica) como um dos fatores que desencadeariam a agressividade.
No ambiente jurídico, ambas concordavam: a introdução da medicina-legal
deveria ocorrer nos procedimentos policiais de lesão corporal ou agressões
psíquicas. Um Estado moderno deveria acolher essas teorias lombrosianas em suas
instituições de pesquisa científica, como também nos órgãos identificadores da
criminalidade. (HARRIS, 1993, p.93).
A tabela abaixo ilustra a relação entre essas teorias européias:
32
TABELA 1: Relação entre a Antropologia Criminal e a Sociologia Criminal
ANTROPOLOGIA CRIMINAL
SOCIOLOGIA CRIMINAL
RELAÇÃO TEÓRICA ENTRE
AMBAS
Procurava reunificar o poder
político e civil
O governo republicano
procurava civilizar, com
políticas públicas.
Identificar as massas para melhor
controlá-las.
A Criminologia francesa de
1880 procurava identificar e
eliminar a “selvageria” que
promovia a instabilidade
político-social.
Os estigmas físicos e psíquicos
degenerativos esclareceriam as
deformidades em loucos,
criminosos e doentes mentais
(como epilépticos e pessoas
com déficits de inteligência).
Criminologista Cesare Lombroso e
sua teoria sobre o criminoso-nato,
caracterizado pelos estigmas
físicos.
Ligada a discussão jurídica e
aplicação das técnicas de
identificação.
O termo degeneração foi utilizado
por ambas para referir-se aos
indivíduos estigmatizados (como os
epilépticos).
_____________________________
O estudo da metodologia científica
da medicina legal deveria ser
obrigatório nos cursos de Direito e
Medicina, para formar peritos
criminais competentes. Após essa
luta, a graduação desses cursos
adotaram tal disciplina em suas
grades curriculares.
Gradativamente os lombrosianos
adotaram alguns posicionamentos
político-sociais da sociologia
francesa, admitindo que o meio
pode interferir para que o atavismo
seja desencadeado. Vendo nas
políticas públicas uma arma de
contenção do Estado.
Defendia a teoria de que a
fisionomia revelava o provável
delinqüente, como: assimetria
facial, dentes irregulares, maxilares
grandes, pêlos do rosto escuros,
insensibilidade à dor, epilepsia e
impulsos instintivos ao incivilizado.
Discutiu a aplicação das
políticas públicas de
modernização, as quais
contribuíam para diminuir a
ocorrência de degeneração.
Acreditava que o social
interferia no indivíduo,
revelando sua degeneração. A
sociologia Criminal criou
metodologias utilizando a
estatística (que deveria estudar
os fatores sociais como
pobreza, baixa instrução ou
profissão, assim revelaria o
perfil do individuo).
Alexandre Lacassagne: influenciou
Lombroso com a idéia que o “meio
social é a cultura do crime”. Utilizou
estudos sobre delinqüência juvenil e
comportamento anti-social,
delimitando os estigmas físicos dos
degenerados.
FONTE: Tabela elaborada pelo autor (a), a partir de informações colhidas nas obras de HARRIS
(1993) e GOULD (1991).
Essa rivalidade discursiva entre Sociologia Criminal e Antropologia Criminal
estava alicerçada na visão de que cada Escola dava as causas do delito. A primeira
apresentava o delinqüente como vítima do sistema sócio-econômico, com poucas
oportunidades de ascensão social; enquanto que, para Antropologia Criminal
italiana, o caráter biológico em conjunto e o meio em que o indivíduo vive seria
responsável pelo seu “desvio” sócio-comportamental. (HARRIS, 1993; GOULD,
1991).
A escola francesa de Criminologia teria surgido oficialmente em 1880 e
também possuía a inquietação acadêmica em criar todos para identificar as
pessoas portadoras dos supostos estigmas da degeneração moral. Entre as
primeiras idéias da escola criminológica francesa estava a diferença entre “classes
operárias” e “classes perigosas”. Diferente da Escola Italiana, que estudava os
33
delitos das localidades rurais, os franceses possuíam os olhos vigilantes quase que
unicamente voltados à zona urbana.
Pontos de similitude entre criminalistas franceses e italianos estavam na
presença preponderante do positivismo, das medidas excludentes da população
financeiramente menos favorecida e a idéia fixa em acreditar que a maioria dos
indivíduos eram ameaças à tranqüilidade social. (HARRIS, 1993, p.96).
Os franceses tornaram-se os principais rebatedores de Lombroso. Médicos
renomados, como A. Lacassagne (1843-1924), colocavam-se contra o modelo de
criminoso nato lombrosiano, apelidando-o ironicamente de “arlequim ideal”.
Lacassagne, por ser professor catedrático de medicina, tornou-se um expoente
singular da Escola Sociológica francesa e, em represália, não cita Lombroso em seu
livro. (LOMBROSO, 2001, p.222).
Lacassagne comparou a sociedade delinqüente à vida dos micróbios, os
quais de desenvolvem em meio propício. Esse catedrático francês substituiu a
nomenclatura “nata” recorrente na Antropologia Criminal por “predisposto” a ações
delituosas.
10
Lacassagne visualizava a sociedade num caldinho cultural de pura
criminalidade, onde o micróbio e o criminoso se assemelham, uma vez que ambos
carecem dum ambiente favorável para germinar. Retomando o Primeiro Congresso
de Antropologia Criminal de Roma, Lacassagne (apesar de concordar com a
existência dos estigmas lombrosianos) manifestou-se contrário a alguns pontos de
vista dessas proposições. Defendeu a idéia de que tais estigmas criminológicos não
provinham do atavismo, mas produto do ambiente social, hábitos alimentares e
possíveis enfermidades.
Com essas afirmativas anti-lombrosianas, Lacassagne almejava reafirmar a
Escola da Sociologia Criminal francesa, destacando que antes do Estado intervir nos
criminosos, deveria intervir nos problemas urbanos. Para ele, a pobreza era a
responsável pela reprodução dos estigmas atávicos e supostas anomalias
anatômicas. (LOMBROSO, 2001, p.223).
10
Iraneidson Santos Costa defende que a Sociologia Criminal teria superado a Antropologia Criminal por estar
agregada a problemática social. Na realidade, ao mesmo tempo em que foram escolas rivais, elas se
complementavam teoricamente: uma tomava dos conhecimentos da outra para legitimar-se. Pelas Segundo este
autor: “É certo que a Antropologia Criminal, cujo período hegemônico situa-se nas décadas de 70 e 80 do século
XIX, logo foi superada pela Escola Sociológica de Lyon. Centrada na figura de Alexandre Lacassagne e negando
terminantemente a existência do ‘criminoso nato’ lombrosiano, coube a esta escola rival reorientar o estudo da
criminalidade, privilegiando agora mais os fatores exógenos (sociais) que endógenos (biológicos) e lançado nas
bases da Sociologia Criminal.” (COSTA, 1997, p.27).
34
Os italianos, para defenderem-se dos ataques da sociologia francesa,
passam a desenvolver pesquisas craniométricas estatisticamente precisas, com
medições dos crânios de inúmeros criminosos. A craniometria convinha como
instrumento cabalmente conciso, comparando medidas de crânios de indivíduos
julgados como criminosos natos com índices métricos retirados de pessoas
consideradas “normais”.
Ao mencionar o estudo da craniometria devemos falar do seu principal
expoente, o professor da faculdade de medicina parisiense Paul Broca (1824-1880).
Broca foi o fundador da Sociedade Antropológica de Paris no ano de 1859, antes da
teoria lombrosiana ser publicada. Assim Lombroso, para escrever a doutrina da
Antropologia Criminal, buscou elementos nos ensinamentos craniométricos de Pierre
Paul Broca. (GOULD, 1991, p.76).
Broca desenvolveu todos precisos de medição dos crânios com a
finalidade de confirmar a teoria da inferioridade racial e de gênero entre os humanos.
O tamanho e o peso do cérebro também designariam a superioridade racial, onde
indivíduos com características físicas “simiescas” possuiriam inclinação natural à
incivilização.
Na realidade, a técnica de pesquisa de Broca compreendeu o peso dos
cérebros, afirmando que quanto maior a espessura e a massa maior seria a
capacidade intelectiva do indivíduo. A tonalidade da pele também interferia na
classificação intelectiva das pessoas: quanto mais escura fosse à tonalidade da
cútis, maior seria a ligação com caracteres animais. Para Broca, a ciência deveria
desenvolver uma hierarquia científica que determinaria a capacidade intelectual das
pessoas, como os famosos testes para medir a capacidade intelectual do indivíduo,
os testes de Quociente de Inteligência – QI.
11
O objetivo dos postulados de Broca consistia na diminuição gradativa da
hibridação racial utilizando métodos de esterilização. A evolução humana
dependeria da implementação de tais cnicas de controle demográfico das raças
consideradas biologicamente inferiores. (SCHWARCZ, 1993, p.55).
A craniologia de Broca, com os resultados de seu estudo das dimensões
cerebrais dos delinqüentes influenciou a Antropologia Criminal Italiana, passando a
11
O teste de QI foi aplicado em Pernambuco na seleção de novos alunos de escolas voltadas para indivíduos
portadores de alguma anomalia mental (como os epilépticos e os esquizofrênicos). A Escola Especial Aires
Gama aplicou o teste de QI desde a década de 1940, sendo retirado apenas no final do século XX. Falaremos
sobre o assunto no segundo capítulo deste trabalho.
35
fazer parte da metodologia de análise biológica. Essa ideologia determinista de
Broca, em conjunto com a Antropologia Criminal, abriu margem aos famosos testes
de inteligência, como os testes de QI.
(GOULD, 1999, p.113). Com essa metodologia
encontra-se em andamento a atuação acadêmica mais fervorosa do Darwinismo
Social.
12
O teste de QI pouco se esquiva da analogia de que todo estado intelectual
estaria acompanhado por manifestações físicas determinadas, as quais
caminhariam num fenômeno psíquico. O estado intelectual dum indivíduo se
expressaria em suas manifestações sociais, numa coreografia de legítima
reciprocidade.
No entanto, não podemos refutar que tanto a Antropologia Criminal quanto a
Sociologia Criminal eram modelos ideológicos do determinismo social, onde o mais
capaz sobrepõe-se ao menos habilitado, tanto intelectualmente quanto fisicamente.
(SCHWARCZ, 1993, p.15).
Mesmo sendo uma classe de pouco reconhecimento, o médico-legista
possuía um poder inegável perante as investigações. Havia evidência de que
médicos e juristas uniam-se para retirar do julgamento os us comprometidos com
os estigmas degenerativos ou para, simplesmente, chegarem ao mesmo consenso
num caso policial. A Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal, teorias que
faziam parte do neolombrosianismo passam a ser propagada em pesquisas
acadêmicas desde a década de 1920, ganhando notoriedade na década de 1930,
trazendo novos artifícios técnicos na elaboração das fichas de identificação criminal.
Mesmo legistas e juristas franceses e italianos, discordando abertamente
em congressos internacionais, os olhares técnicos tanto de uma quanto da outra
escola vislumbravam o mesmo sentido: o de procurarem entre a população os
degenerados. (DARMON, 1991, p.174). Minuciosas medições craniométricas,
corporais, antecedentes psicopatológicos, taras hereditárias e histórico cio-
familiar, eram cuidadosamente investigados pelos peritos.
Os resultados dessa perícia psico-social não ficavam guardados em
prontuários médicos, seriam exibidos principalmente em julgamentos de crimes de
12
Para esclarecer o que foi o Darwinismo Social, utilizaremos palavras da historiadora Lilia Moritz: “não são
poucas as interpretações de A Origem das Espécies que desviam do perfil originalmente esboçado por Charles
Darwin, utilizando as propostas e conceitos básicos da obra para a análise do comportamento das sociedades
humanas. Conceitos como ‘competição’, ‘seleção do mais forte’, ‘evolução’ e ‘hereditariedade’ passam a ser
aplicado aos mais variados ramos do conhecimento (...)” (SCHWARCZ. Op. Cit. p. 56)..
36
homicídio, estupro ou, os mais “inexplicáveis”, como por exemplo, em casos de
assassinato dos próprios pais. (HARRIS, 1993, p.98).
Os estudiosos brasileiros misturaram essas teorias e originaram uma
política pública preocupada em afastar das áreas de modernização os indivíduos
tidos como degenerados, tendo em vista que o centro das cidades deveria ser
freqüentado pelos “normais”, os cidadãos que tanto se procurava: sem estigmas e
dentro dos padrões sócio-comportamentais. Dessa maneira procuravam expor à
sociedade a periculosidade dos sujeitos apontados como degenerados, valorizando
a pesquisa cientificista e proporcionando uma popularização das idéias
criminológicas, saindo das academias para os meios de comunicação de massa,
como jornais.
1.3 O discurso Neolombrosiano
Vemos a psychologia e a endocrinologia de mãos dadas, no investigar os
mesmos phenomenos neo-lombrosianismo com o contingente precioso
que lhe trouxe a psychanalyse. (Grifo nosso) (RAMOS, 1937, p.139).
Em 1931, o médico-legista Arthur Ramos escreve o artigo sobre os
distúrbios das glândulas endócrinas e sua relação com crimes sexuais, pronuncia a
palavra neolombrosianismo pela primeira vez no Brasil. Influenciado pela
Antropologia Criminal e, após realizar perícias no Serviço Médico Legal do Estado
da Bahia, teria chegado à conclusão de que as oscilações hormonais provocadas
pelas glândulas endócrinas interagiam no comportamento humano. (RAMOS, 1937,
p.139). Seria a manifestação da natureza criminal no organismo dos indivíduos.
Em 1937, Ramos publica seu livro sobre medicina forense Loucura e Crime,
sob direção e prefácio do professor Josué de Castro, onde discute a questão da
raça e os índices de delinqüência brasileira.
13
Ramos havia sido um jurista
republicano respeitado, escrevia constantemente em periódicos como A Província
14
defendendo a reclusão prévia dos indivíduos que possuíssem os estigmas
antropológicos da delinqüência. Essa reclusão prévia encontrava-se ligada ao
13
Arthur Ramos foi professor de Psicologia Social da Universidade do Distrito Federal, chefe do Serviço de
Higiene Mental do Departamento de Educação do Rio de Janeiro (D.F.), livre docente de Clínica Psiquiátrica da
Bahia, médico-legista do Instituto Nina Rodrigues, na Bahia. (MENEZES, 2002).
14
A Província foi um periódico pernambucano publicado durante cerca de 50 anos, até o ano de 1933, o qual
promovia um discurso modernizador da cidade, com artigos que discorriam sobre Antropologia Criminal e os
projetos de modernização do centro da cidade do Recife.
37
processo educacional dos pré-degenerados (pessoas com o atavismo ainda não
manifestado). Ramos defendia, assim como os lombrosianistas, a criação de
escolas especializadas em distúrbios de personalidade, a fim de conter previamente
a agressividade congênita contida nessas pessoas.
Esses juristas pareciam não possuir consciência da força político-social que
o conhecimento científico possui na formação da mentalidade social. Ignoravam que
a ciência pode se tornar uma arma quando não se encontra empregada em meio
aos parâmetros da dúvida (sem almejar resultados acadêmicos positivistas, onde se
poderia chegar a conclusões definitivas). As certezas neo-positivistas de 1930
caminhavam num viés estreito, praticamente retomando o positivismo,
desencadeando discussões entre os intelectuais da década posterior. (GOMES,
2001).
O discurso neolombrosiano remontava à ciência positivista européia do
século XIX, julgando percorrer o sinuoso percurso das certezas cientificistas. A
psiquiatria fazia parte dos procedimentos técnicos para classificar, enclausurar e
conter os marcados como loucos morais.
Fazendo uma breve retrospecção a respeito dos primeiros passos da
Antropologia Criminal no final do século XIX, juristas e psiquiatras divergiam suas
idéias em tribunais sobre insanidade mental e as causas da delinqüência. Pouco
tempo depois, tanto juristas quanto psiquiatras camuflaram suas divergências e
uniram-se em tribunais e na elucidação de crimes. Essas profissões deram espaço
ao conceito de administração criminal; agora, ao invés de responsabilizar o réu,
analisava-se sua “periculosidade social” a qual definiria sua “personalidade
criminosa”. (HARRIS, 1993, p.93).
O trabalho de Lombroso associado à psiquiatria contribuiu para a divisão
dos infratores em dois tipos primários: o criminoso por ocasião e o criminoso por
paixão. O criminoso por ocasião possuiria os estigmas hereditários da delinqüência,
entretanto reagiriam em situações emocionais extremas, não sendo classificado
de criminosos natos.
O criminoso por paixão teria o emocional exacerbado, geralmente cometem
o delito na juventude devido ao “temperamento indomesticável”. (ARAGÃO, 1955,
p.48). Possuiriam as mesmas desproporções fisionômicas identificadas nos loucos e
epilépticos, sem resistência psíquica para dominar suas pulsões animalescas.
Dificilmente comoviam-se após cometerem o delito que o senso de moral lhes
38
estava pouco desenvolvida. Segundo Lombroso, quando um criminoso por paixão
arrependia-se de ter cometido a infração, ocorria o suicídio ou era acometido pela
alienação mental.
Essa distinção entre criminosos por ocasião e criminosos por paixão era
críticada pela escola francesa por ignorar o livre arbítrio do delinqüente para cometer
ou não o ato. Para os lombrosianos o sujeito teria suas escolhas atreladas a pulsões
hereditárias, não a desejos pessoais. Com isso, a Escola Clássica de Direito Penal
apregoava que todos os indivíduos estariam sob o domínio da punitividade, mesmo
encontrando-se sob estado de alienação mental ou qualquer outro tipo de
circunstância emocional, tendo em vista que os valores morais dos transgressores
estariam ligados ao atavismo. (LOMBROSO, 2001, p.38). Entretanto, mesmo com
essa divisão quanto ao tipo de criminoso, ambos possuíam os estigmas da
degeneração moral.
A medicina neolombrosiana vestiu-se dessas analogias psiquiátricas e
superlotou os hospícios com loucos morais que deveriam ficar sob custódia e serem
devidamente tratados à base de forte medicação sedativa.
Esse período teria sido seguido por um aumento no índice de criminalidade
nas áreas urbanas, o qual ocasionou a necessidade do Estado em reforçar o
controle das manifestações incivilizadas da sociedade. A pretensão era apresentar
um sistema punitivo eficaz na prevenção de delitos, com técnicas de identificação
forense tendo base no conhecimento científico para precaver a ação delituosa. O
corpo humano passa a ser o material de estudo, o tornando num “corpo político”
como conjunto dos elementos materiais e das técnicas que servem de armas, de
reforço, de vias de comunicação e de comunicação e de pontos de apoio para
realizações de poder (...)”. (FOUCAULT, 2001, p. 27). Para Foucault, era o
estabelecimento do biopoder ou do corpo bio-politico, onde o controle sobre a
sociedade se operava não apenas pela ideologia, mas o fator biológico e somático
do indivíduo. Podemos observar o desenvolver dessa idéia na citação a seguir:
O controle da consciência sobre os indivíduos não se opera simplismente
pela cosnciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo.
Fio o biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a
sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. (FOUCAULT,
2001, p. 80).
39
Em meio a essa necessidade dos dirigentes em controlar a sociedade se
utilizando, principalmente, do sistema de controle judiciário, a miscigenação da
população brasileira era vista como negativa pelos neolombrosianistas. Isso devido
à dificuldade dos estudiosos brasileiros em dividir nossa população em “grupos
raciais”, por causa do alto índice de miscigenação, não havendo o “corpo humano
com traços padronizados”, como desejava os especialistas.
A miscigenação facilitaria a propagação da degeneração moral no Brasil,
diferente do que acontecia com o povo Europeu, expondo os brasileiros a diversas
falhas biológicas, herança de grupos sociais populares, como negros e indígenas
(pessoas que, para os especialistas, possuiriam explícita ligação atávica).
15
Essa
mestiçagem teria nos condenado a uma sociedade violenta devido ao fator
congenito.
Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande & Senzala, onde
apresentou a miscigenação como um ponto positivo na população brasileira, que
servia como encontro das civilizações africana, indígena e européia. (FREYRE,
2004, p.380). Freyre faz críticas às idéias neolombrosianas, principalmente com
relação à associação da delinqüência brasileira como a causa da miscigenação.
Na inferioridade ou superioridade pelo critério da foema do crânio não se
acredita; e esse descrédito leva atrás de si muito do que pareceu ser
cientifico nas pretenções de superioridade mental, inata e hereditária, dos
brancos sobre os negros. A teoria da superioridade dos dólico-louros tem
recebido golpes profundos nos seus redutos. (...) O que se sabe das
diferenças da estrutura entre os crânios de brancos e negros não permite
generalizações. Já houve quem observasse que o fato de que alguns
homens notáveis têm sido indivíduos de crânio pequeno, e autênticos
idiotas, donos de crânios enormes. Nem merece contradita séria a
superstição de ser o negro, pelos seus característicos somáticos, o tipo de
raça mais próximo da incerta forma ancestral do chimpanzé. Superstição
em que se baseia muito do julgamento desfavorável que se faz da
capacidade mental do negro. Mas os lábios dos macacos são finos como
na raça branca e não como na preta. (FREYRE, 2004, p. 377)
A crítica de Freyre aos estudos antropométricos fomentaria ao que, para
ele, estaria à força da sociedade brasileira: a miscigenação. O autor discute os
estudos da Antropologia Criminal em mais de cem páginas desta obra, rebatendo as
declarações dos endocrinologistas e outros cientistas sobre a suposta inferioridade
biológica da população brasileira, alegando que o problema de nosso povo o
15
Para Roquette Pinto, a miscigenação gerou o bordão: “miscigenação brasileira determina sua sifilização”.
Atribuindo à miscigenação um caráter de promiscuidade sexual, a qual propiciaria doenças sexualmente
transmissíveis, como a sífilis. (ROQUETTE-PINTO, 1925, p. 16).
40
seria uma inferioridade congênita, mas a falta duma alimentação equilibrada.
(FREYRE, 2004, p.104).
Freyre se recebe duras criticas dos estudiosos pernambucanos por se
mostrar contra as idéias cientificas da época, num momento que a maioria defendia
o trabalho antropométrico desenvolvindo pelo Instituto de Identificação Criminal.
Esse instituto jurídico encontrava-se sob os parâmetros de identificação
lombrosianos, tendo a função de investigar ações criminosas como também estudar
anatomicamente os delinqüentes. Esse estudo anatômico com medições
craniométricas e faciais serviria para elaborar um banco de dados antropológico, que
facilitaria a identificação de possíveis delinqüentes.
Com esse tipo de estudo de identificação criminal-anatômico, a FDR tornou-
se referência nacional sobre os estudos influenciados pelas teorias lombrosianas.
Juristas como Luciano Pereira e Arthur Ramos, bem como a freqüente publicação
de diversos artigos em jornais pernambucanos, populariza o lombrosianismo e
adquire credibilidade, não apenas no meio jurídico, mas em áreas intelectuais, tendo
uma extensa discussão interdisciplinar. (ADEODATO, 2005, p.18).
O trabalho do estudante de Direito da FDR, Luciano Pereira Silva, ilustra a
confusão dos intelectuais brasileiros em misturar a Antropologia Criminal com a
Sociologia Criminal. A obra A Sociologia Criminal, em 1906, foi um dos primeiros
estudos biodeterministas realizados em Pernambuco; nele, Luciano concorda com a
teoria do criminoso nato, defendendo a idéia de que a violência social estaria ligada
ao atavismo. Entretanto, para ele, a criminalidade brasileira estaria intimamente
ligada à alta miscigenação da população (com seu atavismo) e aos problemas
sociais (como defendia a Escola de Sociologia Francesa). Em mais da metade de
seu trabalho de 533 páginas, Luciano relaciona os atavismos Lombrosianos com os
códices apregoados pela Sociologia Criminal, tais como:
O crime é um fenômeno de anormalidade “biológica-psico-
social”;
Atavismo, patologia, degenerescência, e defeito de nutrição do
sistema nervoso central;
Fenômeno de origem social por influência econômica;
Por defeito de adaptação político social;
Por influências sociais complexas. (SILVA, 1906, p.94).
41
A explicação de Luciano sobre como ocorreria uma ação criminal é seguida
pelas teses dos acadêmicos neolombrosianos pernanbucanos, tendo continuidade
na FDR durante a década de 1930. A Endocrinologia Criminal e a Biotipologia
Criminal em Pernambuco continuam suas análises sobre as variações
comportamentais dos criminosos, concordando que certas anomalias
relacionadas por Lombroso, demonstram a suposta degeneração do sujeito, como a
epilepsia. Antes mesmo de a endocrinologia ser estudada como preceito forense, o
estudante da FDR, Luciano Pereira, ao falar do cientista Eurico Ferri, menciona que
certas doenças ou disfunções psíquicas estavam diretamente relacionadas à
predisposição de alguns indivíduos à vida anti-social os conhecidos Stigmas da
Criminalidade. Haveria uma grande variedade de Stigmas: enfermidades,
anatômicos, psicológicos, comportamentais, etc. Nesses casos, caberia a pena de
morte, uma forma prática para eliminar os tidos degenerados. Nesse sentido,
vejamos a citação:
O delinqüente será mais ou menos temível conforme o perigo que dele
decorrer para a sociedade, aplicando-se lhe então a pena de acordo e na
proporção do perigo, podendo ela ir desde a simples medida de policia até
mesmo á eliminação completa pela morte, exercendo a sociedade contra o
criminoso pela morte, exercendo a sociedade contra o criminoso tão
somente o direito de legitima defesa. (SILVA, 1906, p. 72).
A pena de morte é um ponto defendido pelos lombrosianistas do início do
século; os neolombrosianos, defendem que o Estado deveria tutelar esses
anômalos, vigiá-los e separá-los do convívio com as pessoas “normais”. Dentre as
enfermidades relacionadas por Luciano Pereira, estavam os estigmas criminais
relacionados por Ferri: a epilepsia, o daltonismo e a alienação mental. Tatuagens, a
mendicância e a “vagabundagem” eram práticas relacionadas ao comportamento
dos “delinqüentes natos”. As pessoas que apresentassem esses distúrbios, quando
não se suicidavam ou tornavam-se mendigos, entregavam-se à vida desregrada do
crime (o que ocorria com a grande maioria desses “doentes biológicos”).
(ADEODATO, 2005, p.158).
No Brasil, a onda de violência e a pressão dos juristas fizeram o governo
criar o Gabinete de Estatística e Identificação, que era relacionado à ciência
criminal, o qual deveria dar o número “exato” e elaborar ações públicas na
42
prevenção da delinqüência. O GIEC (1909), em conjunto com o Instituto de
Criminologia (desde 1910), seria responsável por serviços policiais de identificação
antropométrica. A ideologia desse órgão judiciário estava embasada no estudo
lombrosianista, sendo modificado para Instituto Médico-Legal, em 1933. (COSTA,
1997, p.87).
O clamor dos chefes de polícia pela inauguração de Gabinetes de
Identificação Criminal no Brasil tinha como pretensão inícial realizar estudos
craniométricos e antropométricos dos delinqüentes, com finalidade de formar um
“banco estatístico de criminosos”, o qual ajudaria o trabalho de identificação da
polícia. Para utilizar cotidianamente desse conhecimento biodeterminista no GIEC, o
perito necessitaria de noções científicas lombrosianistas. Para isso, o sistema
judiciário deveria oferecer aos policiais cursos de aperfeiçoamento sobre perícia
forense, tendo a Antropologia Criminal e as técnicas de identificação anatômica
como complemento do curso de Criminologia (que deveria ser obrigatório). (MAIA,
2001, p.115).
Em 1930, o estudo da Criminologia brasileira estava focado na atuação
repressiva da polícia em conjunto com as novas técnicas de identificação humana.
A Endocrinologia e a Biotipologia Criminal faziam parte das teorias neo-positivistas e
estariam à disposição, não apenas dos exames biológicos, mas submetidas,
também, às decisões subjetivas do magistrado:
A ciência penal logra um estudo completo da confederação orgânica do
indivíduo. [...] O criminalista, subordinado ao estudo das leis biológicas não
é mais o exegeta do antigo direito. O jurista, em missão preventiva e
repressiva, tem fatalmente de participar dos atributos do clinico. Por isso
mesmo a ciência penal, com investigação profunda, se resume em
verdadeira clínica criminalógica. (SILVA, 1930, p.47).
Nessa associação entre a ciência penal da década de 1930 e a análise do
corpo biológico criminoso como um trabalho de repressão psico-social, situava-se
um mecanismo interligado com outros institutos repressivos, tais como o GIEC e o
IML (os quais serão discutidos no terceiro capítulo).
A Endocrinologia Criminal associou secreções e fluxos hormonais à
variação comportamental e a oscilação de humor dos indivíduos. Essa teoria
pregava que os possíveis portadores dessa disfunção hormonal estariam sujeitos a
43
desvios de personalidade prejudiciais ao convívio civilizado, nos quais
desencadeariam a agressividade humana. (COSTA, 1997, p.157).
Para se diagnosticar, essas pessoas tidas como predispostas deveriam
realizar exames de sangue para colher os índices hormonais e detalhar as funções
glandulares, facilitando o diagnóstico do comportamento criminal. (CUNHA, 1999,
p.372). Dessa forma, casavam a medicina legista (e seus procedimentos períciais
de identificação) com a medicina clínica na realização de exames periódicos nos
presidiários para detectar o índice de testosterona e prever possíveis distúrbios
comportamentais. A proposta da teoria endocrinológica consistia em realizar
exames clínicos de sangue e urina para acompanhar a evolução hormonal desses
indivíduos.
Nesse sentido, a endocrinologia proporcionaria uma ampliação dos
postulados lombrosianos por associar a análise médico-jurídica partindo do fenótipo
para o estudo genótipo, ambos funcionariam de maneira associada. Esses exames
clínicos tornavam mais precisos à detecção do atavismo, preenchendo lacunas
deixadas pelos métodos de identificação científica lombrosiana. Entretanto, a
endocrinologia se reconhecia como complementação dos estudos lombrosianistas,
não como opositor.
Segundo a autora Olívia Gomes da Cunha:
A ação das secreções internas, ao envolver o metabolismo e produção de
hormônios – planos responsabilizados pelo desenvolvimento das principais
patologias físicas e mentais interligaria também as atitudes, a
sexualidade e os comportamentos sociais. Ou seja, as secreções e fluxos
hormonais seriam creditados a estabilidade do ‘caráter’ e o ‘temperamento’
dos indivíduos. (CUNHA, 1999, p. 332).
O funcionamento das glândulas endócrinas não estaria atrelado à produção
de substâncias nem masculinas nem femininas, mas a elementos híbridos. Quando
esse equilíbrio hormonal era atingido pela produção desarticulada da tireóide –
hipertireoidismo anomalias físicas e comportamentais afloravam. (RIBEIRO, 1932,
p.358). Os indivíduos acometidos por essas enfermidades endócrinas deveriam
sofrer não apenas o castigo punitivo polícial, mas passar por um rigoroso tratamento
clínico que iria equilibrar suas taxas hormonais e o reabilitaria ao convívio social.
Alguns desses enfermos poderiam necessitar de tratamento endocrinológico ao
longo da vida, para conter suas pulsões selvagens. (RIBEIRO, 1932, p.368).
44
Outra vertente do neolombrosianismo é a Biotipologia Criminal, onde os
adeptos julgavam-se mais “completos” teoricamente que os lombrosianistas do
início do século XX, por empregarem a psiquiatria no processo de identificação dos
indivíduos. O biotipologista não faria apenas medições físicas, como um perito
lombrosiano, mas realizava um trabalho conciso de psiquiatra criminal. Segundo o
médico Ernest Kretschmer (1888-1964), o exame morfológico estaria comprometido
por não revelar as manifestações fisiológicas e psicológicas as oscilações de
temperamento e caráter. (RIBEIRO, 1932, p.368).
Essas oscilações comportamentais dos indivíduos eram conferidas por
Kretschmer como ritmo psíquico, distinguido pelo “ritmo geral” (concepção,
elaboração e reação dos processos químico-psíquicos) e o “ritmo psíquico especial”
que seria a regularidade ou a irregularidade do decurso dinâmico dos atos
psíquicos. Seria a análise da insensibilidade do delinqüente frieza -, o chamado
‘esquizotimico’ de Kretschmer. (MENDONÇA, 1938, p.71).
O ritmo psíquico de Kretschmer se dividia em ciclotímido e esquizotimicos.
Os ciclotímicos seriam pessoas acometidas por oscilações comportamentais
dinâmicas, onde seus sentimentos percorriam desde a alegria intensa ao
sofrimento, em um curto espaço de tempo. Os esquizotímicos seriam os indivíduos
que reagiam hipersensivelmente à excitação químico-psíquica, oscilando sua
conduta, exaltação emocional até a frieza. (MENDONÇA, 1938, p.71).
Kretschmer constrói um arquétipo de temperamentos: três temperamentos
ciclotimicos e três esquizotímicos. Os ciclotimicos seriam dinâmicos nas oscilações
emocionais, entretanto menos propensos à indolência social. Estavam divididos
pelos hipomaníacos (pessoas alegres) e o sintônicos (realistas, pragmáticos, humor
ingênuo). Os artistas e os poetas seriam indivíduos desse grupo, pessoas de menor
grau de periculosidade.
Os esquizotímicos teriam sua oscilação de humor menos dinâmica, mais
lenta. Dividiam-se em: “[...] hiperestésico (nervosos, irritados, idealistas),
esquizotímico intermediário (frios, lógicos, calmos, aristocráticos) e o anestésico
(frios, solitários, falsos, indolentes, lentos, obtusos). (MENDONÇA., 1938. p. 75)
Entre esses dois tipos biotipológicos seriam os esquizotímicos os mais
propensos à conduta inapropriada, como a vagabundagem e o crime. Mas, entre os
esquizotímicos estariam pessoas “normais”, como os aristocratas. Mesmo assim, os
45
olhares da biotipologia deveriam estar voltados a esses indivíduos, garantindo a
idoneidade de seus atos e regulando seu comportamento.
A Biotipologia Criminal se distingue da Nova Antropologia Criminal
pelas suas bases constitucionalistas (...), pelos seus métodos de
orientação particular, sem negar, antes exaltando, a magnífica
orientação do acatado cientista. (MENDONÇA, 1938, p. 73
).
Um dos motivos dessa celeuma se devia à pretensão dos juristas em
elaborar o Código Penal Brasileiro, o qual foi instuido em 1940. Leonídio Ribeiro
(1893-1976), professor de medicina legal da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro
e vencedor do Prêmio Lombroso, em 1933, desenvolvia sua pesquisa biotipológica
no Laboratório de Antropologia Criminal da cidade carioca. Leonídio ganha tamanha
notoriedade que adquire um anexo na penitenciaria de São Paulo em 1935,
exclusivamente para suas pesquisas.
Entre os estudos de Leonídio está a endocrinologia voltada para analisar os
casos de homossexualismo e a biotipologia dos afro-descendentes criminosos. Os
biotipologistas brasileiros procuravam desmistificar o lombrosianismo, não
procuravam distinguir uma ‘espécie criminal’, tendo em vista que alguns
delinqüentes nem sempre externavam sua “degenerescência” com atitudes
agressivas, como as prostitutas ou os epilépticos. (CUNHA, 1999, p.344).
46
FIGURA 2 - Diferença e semelhança entre Biotipologia Criminal e Antropologia Criminal.
FONTE: Annais do Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia, 2. (1956, p.420).
47
Nesse esquema, são comparados os aspectos da Antropologia Criminal
tradicional e a Biotipologia Criminal, mostrando suas semelhanças e diferenças.
Ambas as correntes pretendiam formular uma visão sintética da identificação
criminosa. A primeira ofereceu base teórica para que os métodos de identificação do
biótipo fossem sistematizados e voltados às operações práticas do sistema
judiciário, como o trabalho de identificação e o entendimento da personalidade
delituosa.
Podemos visualizar no diagrama que Antropologia Criminal constrói sua
tese sobre o fenótipo do crime, formado por três aspectos principais da
personalidade: individual, nacional e internacional. Destilados em quatro ângulos
básicos que explicariam o distúrbio anti-social:
Natural: influenciado pela temperatura do ambiente, clima e variações do
solo, estações climáticas, mas que não propagariam tanta influência na
construção da personalidade criminosa, que a hereditariedade do
indivíduo se encarregaria do desvio de conduta social.
Econômico: interferido pelo poder aquisitivo do indivíduo, como habitação.
Cultural: como interferência da religião, ética, nível de instrução, costumes,
etc.
Político: como o sistema de governo, aparatos do sistema de justiça pública,
política criminal (medidas de segurança, pena) e a organização social.
(CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA LEGAL E CRIMINOLOGIA,
1956, p.410).
Dessa forma, o conhecimento da Criminologia poderia ser estudado de
maneira completa, vendo no fenótipo humano a resposta do que havia dentro de seu
genótipo. Os traços físicos estavam em plena evidência, facilitando a identificação e
a aplicação das medidas de segurança pública.
A Biotipologia Criminal estava mais voltada a elucidar a personalidade do
delinqüente, um biótipo derivado basicamente do genótipo idealizado por Nicola
Pende, em 1921. Genótipo e fenótipo se associam para ajudar os estudiosos e
peritos a compreender a constituição da personalidade humana. Cinco itens
estavam em destaque no esquema:
48
* Morfológica: onde se examinava e media a massa corporal, suas proporções e
comprimentos, aparelho respiratório e circulatório, genital, sistema nervoso, todos
submetidos aos ditames do biótipo racial.
* Dinâmica humoral: formula endócrina, grupo sanguíneo, tempo que o sujeito levava
para manifestar a irritabilidade.
* Intelectiva: o desenvolvimento e a manifestação da inteligência pela memória, lógica,
capacidade de atenção, pensamento sintético e analítico, sendo considerada pelos
criminalistas como o espírito do indivíduo.
* Moral: influenciada pela psicanálise de Edmund Freud, onde analisa o desenvolvimento
ético do ser humano por meio dos instintos, sensibilidade, emotividade, senso crítico,
tipos psíquicos (extrovertido e introvertido), herança moral e patológica, esses itens
estariam relacionados com a manifestação do indivíduo perante a sociedade.
(
CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA LEGAL E CRIMINOLOGIA, 1956, p.410).
Esses tópicos biotipológicos enriqueceriam a análise criminal e
contribuiriam na investigação da patologia da delinqüência nata. Tanto para
Antropologia Criminal quanto para a Biotipologia Criminal, o fenótipo e o genótipo
estavam entrelaçados, dissociando o homem “normal” do indivíduo com organismo
desregular, confrontando os criminalistas a uma estrutura investigativa que
associava outros campos profissionais. Agora, o conhecimento dos criminologistas,
psiquiatras, médico-legistas e peritos criminais caminhariam para a elaboração duma
penalogia moderna integrada com as necessidades de segurança da sociedade.
Os métodos de identificação biotipológicos deram o formato que a política
ditatorial buscava: separar os cidadãos tidos normais dos indivíduos que se
encaixavam nos moldes biotipológicos e endócrinos de anormalidade. Podemos ver
a manifestação dessa teoria na FDR, a qual semeou o discurso neolombrosiano em
conjunto com as manobras políticas de retirada dos principais indivíduos portadores
desses estigmas os pobres - do centro da cidade, colocando-os no lugar onde
deveriam morar: na periferia, distantes do centro moderno e policiado. Era o olhar
estereotipado dos criminalistas a população pobre tida como degenerada, ítem que
discutiremos no capítulo a seguir.
49
CAPÍTULO 2 - A INFLUÊNCIA DO BIODETERMINISMO NOS PROJETOS DE
MODERNIZAÇÃO DA CIDADE
FIGURA. 3 - O estigma do degenerado: olhar de estranhamento
do indivíduo bem trajado para o ambulante. Trecho da Rua
Conde da Boa Vista – Recife- PE.
FONTE: Memorial de Justiça de Pernambuco. Vara Criminal.
Foto perícial anexa aos autos, 1938.
50
2.1 Os anos trinta e as concepções a respeito das “raças”
A mistura de sangue e a conseqüente queda do vel racial é a única causa
da derrocada de velhas civilizações; pois o homem não perece como
resultado de guerras perdidas, mas pela extinção daquele poder de
resistência existente apenas no sangue puro. Todos que o sejam de boa
raça são escória. (HITLER ,1983, p.296).
Essas palavras de Hitler ilustram parte do pensamento dos anos trinta, que
uniu diversas partes do mundo, não apenas na esfera financeira, mas no que tange
à tendência ideológica. O diálogo entre setores intelectuais expandia-se e as idéias
acadêmicas eram trocadas entre estudiosos de diferentes localidades. A herança
das idéias lombrosianas, mesmo que rebatida por correntes como a Sociologia
Criminal francesa, continuava norteando os estudos forenses.
A crise da economia mundial de 1929 atingiu não apenas o setor financeiro,
mas ferindo o sentimento patriótico da população. O temor do desemprego e a
desestruturação dos serviços públicos tornaram a organização social de alguns
países decadentes, atingindo o sentimento nacionalista. Os governos de diversos
países passam a investir em programas ufanistas que procuravam formular um
modelo físico e moral do que deveria ser o “cidadão ideal”. Os governos autoritários
surgidos na década de 1930 temiam que, sem a construção da imagem cidadã, a
população ficaria sujeita à manifestação de uma conduta incivilizada, degenerada.
A propaganda da época reforçava o modelo de cidadão que a modernização
almejava: trabalhador, dentro dos parâmetros legais de conduta e que estivesse
enquadrado nos serviços de regulação sócio-governamental, do controle policial
intensificado e aparado pelas leis trabalhistas e de cidadania. Os governantes dos
países procuravam a imagem que gostariam de obter da população.
Em meio a esse processo de busca pelo paradigma de cidadão, um dos
fatores importantes foi a retomada das pesquisas influenciadas pela teoria da
Antropologia Criminal, chamada de neolombrosianismo. As discussões acadêmicas
na área jurídica e da medicina são fortalecidas pelo garimpo da raça biologicamente
pura que não portasse os estigmas degenerados, como pobreza, epilepsia,
alcoolismo, vagabundagem e ações criminosas.
O sentimento nacionalista, associado às relações raciais, ganha espaço nas
discussões intelectuais, as quais procuravam justificar as modificações urbanísticas
51
como forma de selecionar as pessoas que freqüentariam esses centros: a população
de sangue puro.
(SKIDMORE, 1976, p.183). Nesse contexto, foram realizadas
inúmeras reformas urbanísticas nos EUA e nos países europeus, com a finalidade
de aperfeiçoar a sociedade, para que ficasse imune aos atavismos característicos às
raças impuras e, por conseguinte, da criminalidade e do caos que essa
predisposição poderia ocasionar. Encontravam-se influenciados pelas idéias do
Darwinismo Social.
16
Algumas destas reformas urbanas serviram de modelo à
urbanização de algumas regiões brasileiras na década de 1930 (SKIDMORE, 1976,
p.183). Em Pernambuco, o processo de modernização das cidades também recebeu
influência européia, discussão que veremos adiante.
Ao falar da necessidade ideológica do governo em traçar uma identidade
racial, vem a s como exemplo os estudos na área da medicina e da política social
nos EUA e na Alemanha Nazista. Segundo Edwin Black, os EUA no início do século
XX, sente-se abalado por um surto demográfico, estimado em 18 milhões de
imigrantes estrangeiros pobres. O governo, influenciado pelas idéias do Darwinismo
Social
,
vê-se na obrigação de conter esse crescimento mestiço, numa terra onde a
presença de negros e índios, “envenenava” a descendência americana com o
sangue inferior.
17
O Darwinismo Social estava alicerçado nas idéias de Charles Darwin, a qual
acreditava que os indivíduos estariam numa constante luta pela sobrevivência e,
apenas os mais adaptados e fortes teriam vantagens, como longevidade, inteligência
e qualidade de vida, sobrepondo-se aos indivíduos considerados biologicamente
fracos.
18
O lombrosianismo faz parte da ideologia propagada pela sociedade
16
O Darwinismo Social seguia a teoria evolucionista de Charles Darwin, foi empregado para tentar explicar a
pobreza e a criminalidade, sugerindo que os pobres seriam indivíduos menos aptos ao convívio social. Dessa
maneira, o homem civilizado subjugaria os demais, os quais seriam considerados, por esses estudiosos, como
inferiores. (HARRIS, 1993; GOULD, 1991).
17
Os legisladores americanos passam a elaborar leis que colocam índios, negros, pobres e imigrantes como
possíveis criminosos, criando políticas de segurança pública especificas, como a proibição de casamentos inter-
raciais. Tudo pelo receio do crescimento da miscigenação, que seria, na concepção do governo dos EUA,
suicídios raciais, que ofenderia “legítimos” americanos. No decênio de 1920, os EUA implementam sua política
de controle do crescimento da taxa de natalidade e Planejamento Familiar, com campanhas médicas de
esterilização em massa. Meninos e meninas moradores de bairros pobres do Estado da Virginia, enquadrados
como predispostos ao incivilizado, foram esterilizados nos anos trinta por instituições médicas, como a Westren
State Hospital e o Colony for Epileptics and Feebleminded. A Alemanha nazista vê-se profundamente
influenciada pelo biodeterminismo americano e continuidade aos estudos eugênicos e às políticas de
esterilização dos indivíduos portadores de deficiências físicas e psíquicas. (BLACK, 2003, p. 163 ).
18
Nos anos da cada de 1920, Adolf Hitler escreveu o livro Mein Kampf (Minha Luta) durante os meses que
passou na prisão. Nessa obra, ele profere um manifesto político no qual detalhou a necessidade do povo alemão
se reerguer como potência mundial oferecendo como caminho à autonomia econômica, extinção do sindicalismo,
a perseguição ao comunismo e a purificação da raça ariana. (SHIRER, 1963, p. 140).
52
científica que disseminava animosidade étnica e a noção da hereditariedade
criminosa ao conhecimento popular.
19
A esterilização dos supostos portadores de
degeneração deveria ser o caminho para limpar as impurezas atávicas contidas nas
raças consideradas inferiores, o que geraria um biótipo puro, de compleições físicas
perfeitas e sem atavismos.
20
Mesmo sofrendo críticas, a Lei de Proteção da Saúde do Povo Alemão, é
apregoada em 1935, envolvida pela concepção do aperfeiçoamento da super-raça
ariana, proibindo casamentos inter-raciais ou de pessoas com doenças hereditárias.
Essa Lei veio como complemento da Lei de Esterilização de 1933, ambas
destinadas a retirar os casos de indivíduos nocivos à pureza da raça alemã, como
pessoas com deformidades físicas, doenças mentais e prostitutas. (DIWAN, 2007,
p.70).
Um dos artigos da lei nazista especificava quais os indivíduos que deveriam
ser esterilizados:
Toda pessoa portadora de uma doença hereditária poderá ser esterilizada
por meio de uma operação cirúrgica se, após as experiências das ciências
médicas, for atestado que grande probabilidade de que os
descendentes dessa pessoa sejam afetados por um mal hereditário grave,
mental ou corporal. (...) É considerada portadora de uma doença
hereditária pelo senso da lei toda pessoa que sofre das seguintes doenças:
debilidade mental congênita; esquizofrenia; loucura circular (maníaco
depressivo; epilepsia hereditária; cegueira hereditária; surdez hereditária;
formação corporal grave e hereditária. (Grifo nosso) (GIRARD, 1933
apud PICHOT, 2002, p. 241).
No Brasil, dentro da comunidade médica, a esterilização em massa
recebeu críticas e resistência, como por exemplo, através do artigo Esterilização e
Raça. Este artigo, publicado no jornal Diário da Manhã, no Estado de Pernambuco,
coloca-se contra a esterilização de pessoas com moléstias hereditárias. O artigo
considera que não era correto que descendentes de tais indivíduos fossem
necessariamente criminosos ou portadores de degenerescência moral. Assim dizia o
artigo:
19
Galton, embora associado às idéias nazistas, que preconizavam a eugenia pelo aniquilamento das raças tidas
como inferiores, não defendia a criação de classes hereditariamente selecionadas, mas apenas o aprimoramento
da humanidade em decorrência da “seleção natural” pela predominância dos caracteres tidos como fortes.
(DIWAN, 2007, p. 37).
20
Os estudos da Antropologia Criminal e da Eugenia geralmente caminhavam juntas nesse período, enquanto a
primeira priorizava a identificação e o trabalho médico-legal, a segunda atinha-se à exclusão dos indivíduos
biologicamente impuros, com medidas públicas consideradas de assepsia social (como a esterilização).
53
Mas a idéia de se preservar a raça mediante a esterilização dos doentes de
moléstias chronicas e hereditárias, é tão inútil quão damninha. o são
poucas as moléstias hereditárias que se curam e não poucas as que se
attenuam e desaparecem. As qualidades morais e intellectuais adquiridas
não são quase nunca hereditárias. o é a hereditariedade, mas o ambiente,
que desenvolve instintos e paixões. O filho de um criminoso pode ser até um
homem virtuoso e um atleta; mas tem poucas possibilidades de o ser, se
viver em um ambiente de corrupção e de crime. (ESTERILIZAÇÃO, 1933,
p.5).
O artigo, escrito anonimamente por um “comentador alheio”, salientava
que a moléstia afligiria moralmente o progenitor, não necessariamente, atingiria seus
descendentes. Por isso seria inútil esterilizar tais indivíduos. Isso demonstra uma
crítica às correntes neolombrosianas que defendiam a esterilização como saída para
a limpeza da hereditariedade criminosa, que a descendência não seria um
determinante à conduta incivilizada ou a doenças mentais. Isso porque em toda
família havia um indivíduo portador de alguma doença atávica (como epilepsia,
alcoolismo, entre outras) sendo um equívoco determinar que o comportamento do
restante dos parentes estivesse comprometido.
É difficil encontrar indivíduos completamente sãos, que não tenham na sua
família doenças hereditárias. Não se pode condenar toda uma família pelo
facto de se terem verificado em um de seus elementos casos de desordem
mental. (...) Conheço muitos scientistas que são filhos de surdos, de
corcundas, de doentes e até de homens desordenados e alcoólatras. Não
me parece lícito citar nomes: poderia, porém encher uma longa lista. Um
meu collega, corcunda, professor de universidade e homem nervosíssimo
filho de pae epiléptico tem filhos de grande belleza e intelligencia e
perfeitamente sãos. (ESTERILIZAÇÃO, 1933, p.5).
No Brasil, debates na Câmara Federal para a elaboração da Constituição de
1934 seguiam a temática sobre a mistura racial e as políticas de imigração. A
ementa parlamentar . 1.164 defendia uma “orientação branca, cristã e
nacionalista” na elaboração da política imigratória, buscando acatar os sentidos:
racial, religioso e social. Propunha-se a dissolução da miscigenação racial pela
seleção na entrada de imigrantes de países que não fossem europeus, considerada
como ameaça por militar contra o Brasil e contra a América. (CARNEIRO, 1988,
p.104). Era a tentativa de branqueamento da população, os traços fisionômicos
europeus condiziam com o biótipo que se desejava do povo.
No Brasil, a imigração de japoneses e chineses estava sendo ligada aos
parâmetros da Endocrinologia Criminal, ao defender que esses indivíduos seriam
responsáveis por propagação de doenças congênitas ligadas ao funcionamento do
54
fígado, expondo seus descendentes às mesmas enfermidades. Os filhos de
brasileiros com asiáticos eram considerados “brasileiros de pelle amarela” pelos
jornais e intelectuais da época, os quais nasceriam com o problema no fígado, os
que lhes daria a cor amarelada da pele, traços faciais assimétricos e, em alguns
casos, desencadearia agressividade contida em sua raça.
No ano de 1933, em artigo denominado Os Brasileiros de Pelle Amarella, o
jornal A Província, expunha o quanto à entrada de japoneses e chineses era
indesejada no Brasil. Essa resistência à imigração dos asiáticos era justificada tendo
em vista que todos sabem que a raça amarella vive na Ásia e que no Brasil se
encontram com pelle amarella chineses e japoneses, os quaes vem ganhar a vida
no nosso hospitaleiro país. Quaes serão, pois, os brasileiros de pelle amarella?
21
A pergunta referia-se ao receio da propagação dos defeitos endócrinos
dessa “raça amarela” entre seus herdeiros brasileiros. Essa mistura racial poderia
nos condenar a uma sociedade de traços físicos de amarelos, portadora de seus
impulsos primitivos.
Ao referir-se às disfunções do fígado, seguindo o conceito neolombrosiano
endocrinológico, dizia que o organismo influenciaria não apenas a aparência física,
como também o comportamento dos descendentes amarelos. Essa descendência
poderia ser percebida fisicamente pelo suor e tom da pele dos amarelos, devido ao
mau funcionamento do fígado. Podemos ver esse sentido retomando trecho o artigo
citado acima:
São apenas os nossos infelizes patrícios victimas do sofrimento do fígado.
Sabe-se que grande numero dos males do fígado produzem o
apparecimento da icterícia, que vem a ser um derramamento de bille no
sangue e nos tecidos. Como conseqüência, o indivíduo fica amarello, súa
amarello manchando as roupas, e a própria secreção urinaria torna-se
amarella. (OS BRASILEIROS, 1933).
Mas, os amarelos não eram apenas os imigrantes temidos pelos órgãos de
imigração do país. O político pernambucano Agamenon Magalhães ao escrever O
Nordeste Brasileiro, em 1930, aborda a etnologia do homem nordestino e as
misturas raciais. Para ele, o sangue caucasiano do português era o que nos dava
esperança de sermos uma raça evoluída, que o sangue índio e negro condenava
os brasileiros à temida degeneração moral, originária das raças selvagens.
21
A Província, 13/06/1933.
55
Os etnólogos assinalem semelhança entre selvagens da África e os
autóctones da América, tinham divergências radicais. (...) Com essas raças
inferiores entrou em fusão o ariano o português. Este, representante de
uma cultura superior, originário de uma civilização elevada; superior
àquelas raças rudimentares, ainda no primeiro estágio de desenvolvimento.
(MAGALHÃES, 1985, p.23).
Esse desenvolvimento racial primário tinha a resposta no sangue do povo
brasileiro, contaminado pela degeneração, por conter em sua herança genealógica o
negro o índio e o mestiço. Segundo Agamenon, para salvar os brasileiros dessa
depreciação congênita deveria ser implantada uma política de branqueamento racial.
Essas medidas políticas deveriam vir da interferência pública com ações sociais para
melhorar a habitação, a educação, os sistemas de saúde e policiamento, medidas
adotadas por Agamenon Magalhães quando assume o controle do Estado, em 1938.
O mestiço é realmente um tipo instável, cujas influências hereditárias das
raças das quais se origina, ainda não estão definidas. Daí a tendência que
nele se reserva de regresso, pelo cruzamento, ao tipo de origem cujos
caracteres lhe são predominantes. Essa tendência de mestiço que o traz em
desequilíbrio, em luta com as forças hereditárias diversas, procurando
eliminar os caracteres inferiores, é a seleção, é a raça que se procura fixar,
adaptando-se, melhorando-se, voltando ao tipo superior. (MAGALHÃES,
1985, p. 27).
A suposta instabilidade emocional do mestiço seria solucionada mediante
políticas para a melhoria da educação escolar, privilegiando o intercâmbio cultural
com costumes europeus (tidos como povos evoluídos). Agamenon defende que a
imigração deveria ser concedida no nordeste brasileiro apenas para os “tipos
superiores”, visando que o mestiço desenvolvesse:
Um tipo étnico, que caracterize a raça em elaboração. Há muito o que fazer
ainda. As nacionalidades não surgem acidentalmente. Resultam, como
observa um etnólogo, de uma grande quantidade de combinações de toda
espécie. A formação de nossa raça é um problema que está a exigir a
atenção dos dirigentes do país. (MAGALHÃES, 1985, p. 79).
Essas idéias sobre mestiçagem não vão se limitar apenas a Agamenon,
elas também permearam as leis de imigração nacional de 1933. A ementa
apresentada à Sala de Sessões parlamentares pelo membro Xavier de Oliveira,
avaliou que pessoas das raças negras e amarelas eram prejudiciais à nacionalidade
brasileira, por trazerem estampado em seu corpo o estereótipo selvagem. Para
56
diminuir os efeitos nocivos que esses indivíduos trariam à sociedade, deveria ser
proibida a entrada no país de pessoas dessas raças.
Para efeito de resistência é proibida a entrada no país, de elementos das
raças negra e amarela, de qualquer procedência. Parágrafo único: é
obrigatório exame de sanidade física e mental para todo o imigrante ou
estrangeiro que, com o intuito de residir, se destine ao território nacional ou
que se queira naturalizar cidadão brasileiro. (DIRWAN, 2007, p.70).
A embaixada japonesa no Brasil repudiou a ementa e passou a encabeçar
protestos anti-raciais. Com toda essa pressão, os parlamentares acabaram
rejeitando a ementa racial elaborada por Xavier, tornando a quota imigratória mais
flexível, sem restrições quanto à raça e à nacionalidade. (DIRWAN, 2007, p.70).
O cuidado com a entrada desses imigrantes asiáticos no Brasil era
justificado pela associação do cidadão/trabalho/corpo, tendo em vista que os
amarelos e seus problemas endócrinos prejudicavam seu desempenho profissional.
Segundo as análises de Alcir Lenharo sobre os anos 1930 e a atuação do
Estado Novo, havia uma associação entre o corpo físico estigmatizado e a
sociedade. Nessa associação, o corpo degenerado deveria ser diagnosticado pela
perícia forense e tratado para que retornasse ao convívio social. Lenharo enfatiza o
caráter conservador das comparações entre corpo e civilidade em favor dos
procedimentos políticos. (LENHARO, 1986, p.139). A idéia de Lenharo estava
envolvida pelo conceito do “corpo que trabalha” como ponto central do que
constituíria o pensamento nacional brasileiro. (LENHARO, 1986, p.139). Seria o
racismo se apresentando através da imagem do corpo humano, num Brasil que se
deparava com a problemática da imigração, da mestiçagem e do crescimento
populacional. (LENHARO, 1985, p.222). Seria o corpo humano institucionalizado,
que proporcionaria a imagem do cidadão idealizado pelos intelectuais e pelo
governo.
Maria Luiza Tucci Carneiro, ao analisar o trabalho de Lenharo coloca:
Chamando a atenção para a presença do judeu imigrante durante o Estado
Novo, Lenharo focaliza-o como elemento indesejável cujo sangue não
interessava para a composição da população nacional. Contrapondo o
conceito de trabalhador” ao de parasita”, identifica a idéia de “sangue-
sêmemcomo mecanismo de poder. (...) Lenharo classifica esse racismo à
brasileira de “arianismo travestido em outras cores”. (CARNEIRO, 1988,
p.35).
57
Esse “racismo travestido em outras cores” se concentrava nas áreas de
miséria, localizadas no centro das metrópoles, o que deveria passar a ser o alvo das
políticas de segurança pública. A remoção dessa população “parasita” dos centros
das cidades eliminaria gradualmente possíveis focos de criminalidade.
22
Seria uma
forma de excluir dos centros da cidade os moradores chamados de degenerados
para áreas distantes das pessoas consideradas “normais”.
Enquanto na Europa e nos EUA ser cidadão significava estar incluso nas
políticas governamentais, no Brasil do Governo Vargas, com a implementação das
Leis Trabalhistas, ser cidadão estava vinculado a ter emprego e participar dos
programas sociais. O Brasil procurava copiar as políticas e idéias européias e norte-
americanas, entretanto esbarrava em sua realidade local. O significado de ser
cidadão num país de desempregados era ter a carteira de trabalho assinada.
(GOMES, 2002, p.23). As questões trabalhistas, antes tratadas marginalmente,
como caso de polícia, passam a ser de controle estatal. Assim, a identificação dos
trabalhadores deveria ser padronizada.
23
Em 1931, sob a autoria do Dr. Geraldo de Andrade, a Revista Médica de
Pernambuco publica um livreto sobre higiene do trabalho e os exames que deveriam
ser proferidos para constar no prontuário do empregado. O exame de sanidade
mental era primordial no prontuário, devendo ser efetuado periodicamente. Em
seguida, vinham os processos influenciados pela identificação forense, como a
datiloscopia e a somatometria, assuntos que abordaremos no mais adiante. Assim,
se impõe o exame de sanidade prévio e o periódico do operariado. Ao lado de
pesquisas clinicas, é mister que se effectuem, também, averiguações com o intuito
de aferir das condições de existência (...)
(ANDRADE, 1931, p.2). A pretensão dos
empregadores era inserir seus trabalhadores num sistema de identificação prático,
para isto, simplificaram o sistema de identificação forense ao máximo,
22
Vargas consolida-se na liderança do governo e a construção do pensamento ditatorial brasileiro ganha formato
com a diminuição do poder das oligarquias latifundiárias de Minas e São Paulo, subindo no poder o bloco
político urbano paulista. Essa alteração do grupo no poder, do agrário para o grupo urbano ofereceu um olhar
ideológico voltado à organização dos espaços da cidade e pela eleição dos símbolos do que deveriam ser
moderno nesse período, elegendo quais seriam os sujeitos contemplados pela hierarquia social. Essa hierarquia
social baseava-se no poder econômico como também na aparência física dos indivíduos, o moderno em conjunto
com o biodeterminismo teria a função de refletir na população a imagem da raça ideal. (SKIDMORE, 1976;
FAUSTO, 1983, p. 12).
23
Ângela Gomes defende a idéia de que a população brasileira teve avanços, com a Revolução de 1930, mesmo
passando pelo governo autoritário de Vargas. Os direitos trabalhistas e a implementação de uma Legislação
Eleitoral, seriam ganhos para a sociedade que abriu caminho a uma república voltada para os problemas político-
sociais, incluindo gradativamente a população ao voto e à proteção trabalhista. (GOMES, 1983, p. 22).
58
transformando-o em um crachá, que deveria ser carregado junto ao corpo do
trabalhador, enquanto estivesse em horário de serviço.
O modelo do crachá usado para identificação dos
trabalhadores seguia os padrões da ficha de identificação
influenciada pelas diretrizes lombrosianas (os quais
discutimos no primeiro capítulo), entretanto com menos
detalhes. Ao invés de possuir os onze traços de
identificação fisionômica, havia apenas informações
pessoais como nome completo do indivíduo, idade, sexo
e exame datiloscópico.
.
FIGURA 4 - A identificação
datiloscópica que deveria ser
aplicada pelas empresas para
monitorar seus trabalhadores.
FONTE: Andrade (1931, p. 4).
Nem a datiloscopia era realizada de maneira completa, uma vez que apenas
o polegar direito era conferido como registro de identificação dos trabalhadores,
que a proposta era servir de simples identificação no crachá do empregado, para
controlar quem entrava ou saía da empresa. Mas, a pretensão era colher aoximo
as informações do trabalhador, com uma ficha de identificação completa, incluindo
medições antropométricas e informações fornecidas pela somatometria.
Segundo a cartilha, a somatometria caracterizava a medição
antropométrica do trabalhador, a qual constava apenas como reivindicação para que
fosse colocada como requisito para uma futura avaliação da personalidade do
empregado. Essa “averiguação” deveria ser realizada levando em conta a vida social
e o físico do trabalhador, na medida em que, através de investigações dessa
espécie que conseguiremos identificar o homem brasileiro nos seus diversos typos,
e livral-o, talvez, do opprobrio de doente e cacoplasta, que gratuitamente lhe
arranharam alguns deletreadores de sciencia. (sic) (ANDADE, 1931, p.2). Esses
procedimentos descreviam-se em nome da ciência que procurava enquadar os tipos
humanos em um sitema nem sempre justo, mas que se julgava eficiente, por
transformar o corpo humano num objeto de estudo científico.
59
A ciência neolombrosiana estava criando mecanismos de controle do corpo
humano, o que refletia socialmente, em especial nas empresas, tanto para o
contrato de mão-de-obra quanto para analisar seus funcionários. O indivíduo estaria
cada vez mais sujeito às determinações do Estado e, para sentir-se cidadão, deveria
enquadrar-se nos seus moldes disciplinares. Gradativamente, ser moderno seria
estar sob os parâmetros influenciados pela teoria lombrosiana de controle estatal,
inclusive no que tange ao físico. (CARVALHO, 2001, p.144).
E outros aspectos do exame de sanidade que o impõem como medida de
grande alcance social. Na secção a nosso cargo, por exemplo, deixam todos
os operários as suas impressões digitaes, constituindo, hoje, o archivo da
Inspectoria de Hygiene Social um apreciável subsidio á identificação dos
elementos constitutivos do operariado fabril do Recife. É que da nossa ficha,
além do dado dactyloscopico, fazem parte informes de natureza
anthropologica, que entram no retrato falado”. (Grifo nosso) (ANDRADE,
1931, p. 4).
A justificativa dos exames antropométricos nos prontuários trabalhistas se
dava porque nem sempre se obtinha a fotografia do rosto dos trabalhadores.
Segundo Andrade, a aplicação da somatometria, associada a exames
antropométricos, contribuíria para formular o perfil dos trabalhadores, tendo como
foco os dados antropológicos, etnia e traços corporais. Essas informações ajudariam
a empresa a conhecer a predisposição biológica de cada trabalhador, contribuindo
para retirar deles suas habilidades e principais disposições à atividade que melhor
se enquadrava aos anseios da empresa.
Em novembro de 1930, o Ministério do Trabalho foi inaugurado e modificou
os preceitos do governo e da sociedade sobre o que deveria ser cidadão; o porte
físico e as aferições biológicas não seriam os únicos determinantes. Agora, ser
cidadão estava associado ao grau de intimidade que o indivíduo possuía com as
políticas modernas de habitação, trabalho, saúde e educação, além do seu biotipo.
Por exemplo, se o local onde a pessoa reside obtém serviços governamentais (como
higienização e policiamento), ser um trabalhador de carteira assinada e ter
características biotipológicas consideradas superiores (pele alva e traços simétricos),
este indivíduo estaria dentro dos padrões exigidos pela modernidade.
O Direito Trabalhista passa a acoplar um novo paradigma da pobreza, tendo
em vista que o pobre com “carteira assinada”, passa a ser apresentado como
cidadão. Dessa forma, qualquer outro problema biologicamente determinado seria
60
amenizado pela nova condição de trabalhador, enquadrado nos parâmetros de
política social e sob os olhos do Governo. Em Pernambuco, a década de trinta foi
um período de implantação dos direitos trabalhistas, como também do exercício das
idéias urbanistas, do aumento da vigilância social e da intervenção do Estado.
(GOMINHO, 1998, p.90). A guerra contra a pobreza, tida como biologicamente
incivilizada, estava deflagrada: era o Estado versus a temida selvageria social.
2.2
As políticas de modernização do Recife: o estigma da pobreza
FIGURA 5 - Um dos focos da incivilização na região
central do Recife: a Rua dos Mocambos Bairro de
Santo Antônio. Década de 1930.
FONTE: Museu da Cidade do Recife. Foto: 654.
Um breve passeio pelas ruas da cidade nos condiciona a olhares
estereotipados de seus personagens. O morador dos bairros circunvizinhos ao
centro, que passava a tarde entre as lojas de modistas, os cafés e, depois, ficava à
espera do bonde para voltar pra casa. O policial, de postura firme e vigilante, circula
em meio a estudantes fardados que andam despreocupadamente pela calçada
abarrotada de ambulantes ansiosos por venderem suas guloseimas ou tabaco. No
entanto, o olhar repressor da polícia pairava justamente nos indivíduos que, nos
trajes e “aparência física”, indicasse traços de pobreza, como também de atavismo.
A cidade moderna ansiava ser espelho do que deveria ser “civilizado”,
condenando seus personagens a estereótipos, que acabam por designar alguns
grupos à marginalização, como os ambulantes e os moradores das áreas pobres: os
tidos como propagadores do mal e da desordem pública. O freqüentador do centro
61
do Recife vivia esse duelo entre o olhar estigmatizado da polícia e dos moradores a
procura do civilizado.
24
Segundo Foucault, no seu livro Vigiar e Punir, ao analisar a preocupação
das autoridades com o alargamento das avenidas e a construção de praças nas
cidades, estas deveriam ter arquitetura funcional para exercer os instrumentos de
vigilância permanente, assim como para agilizar o deslocamento policial aos locais
de ocorrência. (FOUCAULT, 1987, p.176). O centro da cidade sempre obteve
atenção especial das políticas modernistas, principalmente no que tange à vigilância
policial.
De 1930 a 1936, a administração pública do Recife procurou sanar o
problema da habitação precária no centro da cidade, deslocando os moradores
pobres para a periferia do município, onde passavam a viver em pequenas casas de
alvenaria construídas pela Prefeitura. Era a tentativa de diminuir o número de pobres
no centro da metrópole, assim como a possível atuação criminosa desses
indivíduos.
Bairros distantes do centro como Areias, Afogados, Cabanga e Caxangá,
foram os escolhidos para abrigar essas novas moradias. Podemos dizer que, a
1937, esse processo de deslocamento dessas famílias era tímido, comparado-se
com as políticas modernistas do Governo Agamenon Magalhães, que construiu
conjuntos habitacionais para população de baixa renda na periferia do município.
O objetivo do governo de Carlos Lima Cavalcanti foi fazer dos bairros
centrais (como Santo Antônio, Boa Vista, o José), um espelho do progresso
urbanístico. Os bairros circunvizinhos ao centro, como Espinheiro, Torre,
Encruzilhada, tornaram-se áreas residenciais da classe mais favorecida, ficando nos
bairros mais longínquos, como Areias, Tejipió, Caxangá, o abrigo à população
pobre. (GOMINHO, 1998; PONTUAL, 2001). Entretanto, nem sempre a população
expulsa do centro recebia assistência do governo. Muitas vezes as famílias
24
O dono do Jornal Diário da Manhã, Carlos de Lima Cavalcanti, é nomeado Interventor do Estado de
Pernambuco, após a Revolução de 1930 e o Recife passar pela administração de três prefeitos, até 1937.
Lauro Borba, o qual permaneceu apenas um ano no cargo, foi o primeiro desse período em 1930, tendo pouca
expressividade política. Foi substituído por Antônio de Góis Cavalcanti em 1931, que deu propulsão às obras de
estrutura pública e incentivos à política de segurança da capital. Em 1934, assume o posto de Prefeito do Recife,
Pereira Borges, que vai voltar sua atenção à conservação das instalações do Teatro de Santa Isabel, por achar que
as peças teatrais atrairiam um público mais refinado. Os prefeitos citados mostram uma semelhança
administrativa, ou seja, a implementação de obras de estrutura civil voltada à segurança pública. (BRAGA, 2000,
p.100).
62
despejadas dos mocambos ficavam sem ter para onde ir, procurando então os
morros, como os localizados na zona norte. (MIRANDA, 2004, p.145).
Mendigos, prostitutas, alcoólatras, toxicômanos, vagabundos, delinqüentes,
doentes mentais, ambulantes, entre outros eram considerados os tipos
“degenerados” que deviam ser removidos do centro. O importante para o Governo
era “limpar” o centro da cidade, que a degeneração dessas pessoas não teria
cura, apenas poderia ser contida por remoção, policiamento e educação escolar.
(PONTUAL, 2001, p.12). A ação criminosa, o espaço social e a degenerescência
teriam seus fatores causais interligados.
Sanear, vigiar e civilizar fez parte do discurso que as reformas do espaço
urbano, como se o crime e as ações anti-sociais pudessem ser prevenidas somente
com essas modificações. O custo financeiro das obras de infra-estrutura da área
central recifense recompensaria a população em curto prazo, por abranger e facilitar
a atividade da guarda policial e o comércio legal, já que abria avenidas, aumentando
a capacidade de vigilância das autoridades.
25
O artigo do engenheiro de obras José Estellita é publicado em maio de 1930
sob o título: O Plano Geral de Remodelação da Cidade em qualquer parte onde se
pratiquem as boas idéias do urbanismo existe sempre a comissão do Plano da
Cidade. Nele, Estellita discutia as mudanças estruturais do Recife e reivindicava a
formação duma comissão de especialistas em políticas públicas para encabeçar tais
reformas, vistas como necessárias na efetivação das ações higiênicas, como
sugeria o jornal n’A Província, que diz:
A necessidade imperiosa de se constituir nos núcleos urbanos que precisam
de grandes reformas, uma comissão de pessoas reconhecidamente
competentes, a quem cabe fazer o trabalho de propaganda, a quem deve ser
conferidos por lei e plenos poderes ou a maior liberdade de ação. A carência
de semelhante órgão para actuar permanentemente a frente da confecção do
plano da cidade, provém da própria natureza das suas funções. (ESTELITA,
1930, p.2).
Podemos perceber nesse trecho que a comissão de especialistas em
urbanismo deveria impulsionar as reformas, das quais as ações políticas de
saneamento público deveriam atuar como nos mocambos do bairro Santo Antônio.
25
O comércio legalizado também seria favorecido por essas reformas, uma vez que promoveria a retirada
gradativa dos ambulantes, livrando os comerciantes da concorrência desse tipo de negócio ilegal. Tratava-se de
uma ideologia excludente, que procurava isolar a pobreza, supostamente portadora da degeneração na periferia
da cidade, longe a área central.
63
Os bairros mais distantes do centro recebiam esses mocambeiros, que acabavam
por permanecer sem a devida atenção, que seriam os locais certos para o
isolamento e contenção da pobreza desencadeadora da degeneração.
Deparar-se com o “dito” atavismo proferido pela pobreza ocasionava outro
malefício no centro do Recife: o comércio ilegal. O progresso propagado pela
modernização não deveria admitir a circulação desses ambulantes, geralmente mal
vestidos e de imagem pouco condizente com o que ansiava a administração pública
(ver figura 3, pág. 49). O Jornal do Recife se diz opositor ao governo, destacando
que seu interesse era o mesmo da população: ver o progresso abraçar a cidade em
detrimento dos aspectos primitivos.
Não se podia admitir mais, já naquella época, que a cidade em flor pudesse
conservar taes aspectos primitivos e que tão seriamente attentavam contra
sua decantada esthetica. (...) Será que estamos fazendo mesmo
opposição, (e, por isto, nada vale o que escrevemos), tentando esse
registro innocente, e, para elle, em bem dos nossos foros de povo
civilizado, implorando dos poderes competentes a graça de sua attenção
misericordiosa. (Jornal do Recife, 25/01/1933).
Como se pode ver, a reivindicação da população recifense dita civilizada,
deveria ter a “atenção misericordiosa” do governo, com a retirada do comércio
ambulante que tanto aproximaria o aspecto da cidade às características primitivas
do interior do Estado. Esse tipo de negócio informal atraía desorganização e
contribuía para a formação de moradias miseráveis na região. Os mocambos trariam
para o centro da cidade o comércio ambulante que tornaria às ruas centrais do
Recife uma “feira a céu aberto”, sujeita a indivíduos incivilizados, tais como
prostitutas, vagabundos e criminosos. Esse comércio informal era motivo de
preocupação constante dos jornais locais que reivindicavam sua extinção, por poluir
esteticamente o ambiente, com a presença constante de seus clientes de baixa
renda. No artigo Aspectos do Recife publicado pelo Jornal do Recife, o ataque ao
comércio ambulante mostra-se voraz.
Em todas cidades do mundo há commercio ambulante, por que existem
certas classes de artigos de commercio que a praxe e a necessidade
immediata de consumo (...). Em parte alguma civilizada se observa todavia,
como entre nós, essa pratica abusiva de, em ruas commerciaes como Duque
de Caxias, Fiorentinas, Estreita e Larga do Rosário e tantas outras, onde
differentes casas de negócios são oneradas e tão pesados tributos de toda
ordem se espalharem pelas calçadas e pelas esquinas, ora no próprio meio
fio, ora em barracas nas esquinas, mercadorias das mais variadas espécies,
num attentado vergonhoso a esthetica da cidade e aos anseios de progresso
e civilização. (ASPECTOS, 1933).
64
Mesmo com toda a pressão da imprensa para tentar inibir o comércio
ambulante no centro, ele persistia e era aceito pela população, mesmo admitindo
que servia de atrativo à ilegalidade e aos tipos degenerados. Para os intelectuais e
autoridades, o comércio informal fomentava a moradia precária no centro do Recife,
levando os órgãos estaduais a pensar alternativas para sua remoção. Sendo assim,
como diminuir a pobreza e seus “atavismos” que tomavam as principais ruas do
Recife?
Para tornar os bairros circunvizinhos ao centro em áreas nobres,
financiamentos para a compra da casa de alto padrão foram liberados. Era uma
forma de atrair os indivíduos “normais” para habitarem esses locais, os quais
possuíam a função de se tornarem extensão do centro.
Em 1937, o Jornal do Commercio divulgou a realização da empresa
pernambucana Predial do Nordeste S.A., a qual, em apenas oito meses de atuação,
havia realizado diversos empréstimos para a construção dessas residências de alto
padrão nos bairros nobres do Recife.
26
Com a manchete O Problema da Habitação:
as realizações da Predial Nordeste S. A., o referente jornal anunciou os nomes dos
proprietários e as fotos das casas em fase de conclusão. Foi o caso de Maria
Guiomar B. Soares, da Rua Conselheiro Portella (Espinheiro), que o jornal
anunciava com fotos do imóvel e comentários da proprietária, juntamente com o
texto abaixo:
IMPREVIDÊNCIA CRIMINOSA
Com esta ausência de senso econômico, verdadeiramente criminosa,
innumeras famílias viverão, de geração à geração, a ajustar
acrobaticamente o ordenado a seus cabeçudos chefes as ásperas
domesticas, nas quaes o aluguel da casa consome cerca de quarenta a
cinqüenta por cento. (...) Recife conta com cerca de 500 mil habitantes. Se,
pelo menos, 200 mil pessoas se compenetrarem desta verdade e
assinarem um contracto com a Predial do Nordeste S. A., do valor de 20
contos, 88 chefes de família receberão mensalmente a sua casa própria.
Dentro de um anno esta cifra será elevada a 1.056 casas construídas e
entregues. (...). (JC, 1937, p. 12).
O estímulo do Governo e de alguns setores privados para o financiamento
da construção de casarões nos bairros tidos como nobres tinham um propósito, o
desejo de restringir quem freqüentaria o centro do Recife. A idéia seria que as
26
Cabe-nos mencionar que enquanto o Jornal do Recife se dizia opositor ao governo, cobrando mais ação
pública e críticando o descaso em algumas áreas da cidade; o Jornal do Commercio procurava publicar artigos
onde ilustrava as obras sociais feitas pelo Governo, com certos elogios à bancada política.
65
pessoas que moravam nessas áreas nobres pudessem chegar de bonde ou até
mesmo caminhando às ruas centrais. Já os que habitavam os bairros mais distantes,
nem sempre tinham como deslocar-se até o centro; moradores dos mocambos, tidos
pelo governo como propagadores da insalubridade e da criminalidade. (REZENDE,
2005; GOMINHO, 1998).
Retirando-se esses mocambos, o centro se tornaria um local próprio para o
passeio das famílias de sociedade, que possivelmente freqüentariam o comércio, as
salas de cinema, os consultórios médicos e jurídicos, entre outros espaços
modernos de funcionalidade social e lazer. A intervenção estatal contra os “males
sociais” estava concretizando-se através dessas políticas de melhoria dos espaços
públicos, onde o Estado buscava legitimar seu controle social. (BRAYNER apud
REZENDE, 1987, p.162).
A informalidade do comercio ilegal nos remete ao problema que as políticas
trabalhistas enfrentavam, tendo em vista que mais da metade dos pernambucanos
estavam engajados em trabalhos informais, habitando moradias precárias. Além de
que, as barracas instaladas nas ruas do Recife, segundo o Jornal do Recife,
deixavam o centro anti-higiênico e desorganizado, uma área propensa à ação
delinqüente.
Outras barracas mais ou menos nas mesmas condições exóticas figuram
permanentemente e ostencivamente, por toda parte, como por exemplo,
nos quatro cantos de Duque de Caxias, com Estreita do Rosário, para
venda de gelados, doces, miudezas, etc. (...) Locais onde a ocorrência de
acções delituosas se faz constante por pessoas de caracteres físicos
doentís. (Grifo nosso) Jornal do Recife, 25/01/1933.
A característica fisionômica dos indivíduos que freqüentavam e habitavam o
centro mostra, de forma sutil, a sua ligação do atavismo com a pobreza. Qualquer
situação que remetesse a miséria, a falta de higiene e a desorganização, estava na
mira da repressão e deveria ser combatida ostensivamente. As barracas, assim
como os mocambos e o trabalho informal, representavam o lado bárbaro da
metrópole recifense.
O Governo do Prefeito Novaes Filho administrou o Recife com uma
população estimada em 500 mil pessoas, onde cerca de 50 mil, viviam em precárias
instalações residenciais espalhados por todo espaço da cidade, principalmente no
centro. (RIBEIRO, 2008).
66
O Jornal Diário da Manhã propagava as ideologias do Governo Estadual
sem pudor. Nas manchetes que ilustravam a capa do periódico, geralmente fazendo
menção à Alemanha Nazista, o jornal apresentava as dificuldades financeiras que a
administração estadual passava para realizar obras de vigilância pública e
investimentos sociais. Entre 1930-1937, os textos publicados no DM, eram uma
tentativa de desculpar as falhas na administração do governo pernambucano, no
baixo investimento nos institutos de investigação criminal (como o IML e o GIEC).
O governador Carlos Lima Cavalcanti se preocupava com os índices de
miséria e de violência no Estado, conforme descrevia o jornal: a luz dessa norma
estou bem certo que a posteridade de fazer inteira justiça ao governo
revolucionário de Pernambuco, chefiado pelo Sr. Lima Cavalcanti, dando-lhe, na
historia gloriosa do grande Estado do Nordeste, o logar que merecidamente lhe
cabe.
27
A pobreza e seus atavismos não eram algo simples de eliminar apenas com
programas de habitação ou vigilância permanente. A educação desses moradores
deveria vir em conjunto com essas políticas sociais, como afirmava Lombroso em
seu livro O Homem Delinqüente: que a educação seria a arma para conter a
fermentação dos atavismos nos indivíduos. Nisso concordava o Jornal da Manhã:
O problema dos mocambos não será, de maneira nenhuma, resolvido
definitivamente com o estabelecimento de casas hygienicas, mais ou
menos confortáveis, de alugueis baratos. Existindo em todas as cidades do
Brasil, no Norte e no Nordeste, no Sul ou no centro, não é, apenas, um
caso material de moradia mais ou menos hygienica, mais ou menos
salubre. Envolve, também, um aspecto de educação popular entrelaçado
com a economia da região formando um complexo de administyração que
não pode ser afastado de pronto, em poucas décadas. Envolve, também,
qualquer centro maior de habitação, pode resolver independente dos
particulares, dos capitalistas, dos proprietários. (DM, 18/08/1935,p 3)
Nesse artigo, a alternativa sugerida para amenizar o problema dos
mocambos, seria a construção de colônias agrícolas que adotariam essas pessoas,
oferecendo meios de subsistência. Para que o projeto das colônias agrícolas desse
certo, o Governo estadual teria que conseguir apoio financeiro do Governo Federal,
o que complicava ainda mais sua realização. Entretanto, Getulio Vargas subsidiou
tais empreendimentos, que era uma maneira de promover a modernização, com a
27
DM, 08/08/1933. p. 3.
67
possibilidade de exclusão dos indivíduos anômalos. Ajudando os miseráveis, o
Governo estaria contribuindo para o bem estar de toda a população.
Em 1937, Novaes Filho torna-se Prefeito do Recife, realizando um trabalho
em conjunto com o Governo Federal, aliado politicamente à chefia estadual de
Agamenon Magalhães. Uma das marcas administrativas de Novaes Filho foi à luta
para acabar com os mocambos nas vias do Recife, tendo o Governo Federal como
tutor para a realização desses projetos. (PONTUAL, 2001, p.79). Essas ações
estavam supostamente vinculadas ao cumprimento do dever cívico, que ampararia a
constituição da identidade nacional. Assim:
A criação da Liga Social Contra o Mocambo concretizou o pensamento
daqueles que se vinham batendo, bastante tempo, pela intervenção do
Estado na Questão. Entretanto, sente-se que a própria expressão “Contra o
Mocambo” refletiu ainda, a ira e o desprezo que a classe privilegiada tinha
pelo fenômeno e seu aspecto físico. Não um desprezo preconcebido. Não
um ódio explosivo. Porém, um ressentimento instintivo, tradicional, atávico
e muito de estético. (BEZERRA, 1965, p.44).
A LSCM, segundo o texto de Daniel Uchoa, revela a idéia de desprezo
quase instintivo e atávico que a elite da época sentia contra qualquer coisa que
lembrasse a miséria humana. Em meio à criação da LSCM, cabe-nos lembrar que
desde o início da década de XX a Prefeitura tentava expurgar os mocambos do
centro do Recife, com a ajuda da Polícia Militar de Pernambuco, encarregada direta
do combate à delinqüência. Vemos tal atitude nas figuras a seguir:
68
FIGURA 6 - O corpo disciplinado e vigilante: missa realizada no ano de 1935 em
homenagem aos Policiais Militares de Pernambuco, responsáveis diretos pelo
combate a criminalidade. Ano de inauguração da Capela do colégio Nóbrega-
Recife, 1935.
FONTE: Museu da Cidade do Recife. Foto: 9221
FIGURA 7 - Representação política do Recife na exposição da LSCM: os civilizados
homens do governo tomando as decisões necessárias para promover a modernização e
a retirada dos “incivilizados” do centro da cidade. Recife, novembro de 1939.
FONTE: Museu da Cidade do Recife. Foto: 8726.
69
A PM representava o corpo disciplinado do Estado que circulava pelas ruas
e avenidas da cidade: a representação direta do sistema judiciário. A normalização
da sociedade devia-se à “anatomia política” dos corpos ceis reproduzidos pelos
membros do sistema de vigilância. (FOUCAULT, 1987, p.117).
A guerra contra a incivilização das áreas centrais do Recife estava
deflagrada anos, entretanto não conseguia conter o crescimento da miséria nem
diminuir os ambulantes nas áreas centrais. A pobreza que desfilava pelo bairro de
Santo Antônio estava na mira dos trabalhos do prefeito Novaes Filho e da LSCM.
Apesar da luta travada em toda década de trinta contra a pobreza, apenas em 12 de
julho de 1939, sob administração do prefeito recifense Novaes Filho, a LSCM vigora
a fim de transtornar a paisagem do município.
O discurso utilizado para a remoção desses moradores era proferido pelo
Estado Novo, encarregado de levar a cruzada contra a pobreza e a incivilização,
construindo vilas de residências populares, casas de alvenaria, geralmente
possuindo sistema de fossas e ruas pavimentadas. A infra-estrutura social traria o
moderno e o civilizado para o espírito recifense, a habitação em conjunto com
educação escolar e vigilância policial constante serviria para conter a ação
criminosa. Seria uma ação dupla, onde o centro do Recife seria modernizado e,
consequentemente, inseria o espírito civilizado nesses portadores de degeneração
moral.
A criminalidade feminina também estava presente nas discussões
intelectuais nesse período. Em 1933, ao lado de artigos solicitando as mudanças de
infra-estrutura na cidade, o Jornal do Recife cita textos do livro Os novos horizontes
da justiça criminal, escrito pelo Desembargador do TJPE, João Aureliano, no texto A
Mulher Criminosa. No artigo, o Desembargador Aureliano enfoca os caracteres
antropológicos e psíquicos da mulher criminosa na cidade do Recife.
Não é rara a coparticipação da mulher nos grandes crimes, ideados ou
concebidos pelo amante ou mesmo pelo marido. Com effeito, a exceção do
infanticídio e do envenenamento, na maioria dos assassinatos commetidos
pela mulher, ella figura como auxiliar do homem. (AURELIANO, 1933).
Segundo esse artigo, a mulher degenerada tinha temperamento pacífico e
emotivo, raramente praticava ações agressivas, tendendo à melancolia e a cometer
suicídio. As estatísticas apontavam que sua participação em um crime estava sob
70
influência masculina, onde as estatísticas accusam uma percentagem de 85 a 86%
dos delictos praticados pelo sexo forte, ou seja, um coefficiente de 13 a 14% de
crimes commetidos pela mulher.
28
A mulher era o sexo frágil e, mesmo quando
possuía a vertente atávica em sua compleição biológica, estava geralmente
subordinada ao desejo degenerado masculino. Segundo o jornal:
D’ahi Lombroso chama a algumas dessas assassinas “criminosas natas”
creando um typo, embora raro dessa espécie de delinqüentes, como fizera
em relação ao homem, symbolizando naquelle celebre especimem de
criminoso atávico. (...) A semelhança do homem delinqüente, as servas
criminosas são, em geral, classificadas pelos criminalistas em delinqüentes
instintivas, habituaes e de occasião, sendo certo que, como affirma
Lombroso, a maior parte dessas criminosas são occasionaes. (AURELIANO,
1933).
Segundo o Dr. Aureliano, a semelhança entre homens e mulheres
delinqüentes estaria em seu atavismo e no instinto pelo subversivo. A delinqüência
ocasional acometia ambos os sexos, mas a mulher criminosa era menos comum. A
inferioridade do sexo feminino estaria presente até em suas ações psicológicas que
tendiam à emotividade e cuja delinqüência não carecia de tanto cuidado preventivo
do Estado.
A mulher delinqüente constitue, segundo Lombroso e Ferrero, um typo
intermédio entre a criminosa por instinto ou a nata. (...) Deste modo, não
aqui margem para discussões, acerca das condições morais, sociais e
jurídicas da mulher, de sua pseudo inferioridade em face do homem ou o
direito que, por ventura, tenha ela á reivindicação, conforme a doutrina do
feminismo. (AURELIANO, 1933).
Para Dr. Aureliano, a imagem idealizada em trinta sobre a mulher
criminosa não possuía a mesma conotação da idealizada por Lombroso, seria de um
indivíduo diabólico e intelectualmente inferior. O irônico nessa passagem do texto é
que as doutrinas feministas lutaram contra o rótulo de que a criminosa nata seria
intelectualmente inferior ao delinqüente nato, mas estava classificada num tipo
intermediário de conduta social. O homicídio de autoria feminina era cometido por
meio de envenenamento da vítima, isso devido ao conhecimento que a mulher
possui sobre alimentos tóxicos. Com relação a esse tipo de violência, a vigilância do
Estado não teria tantos recursos, por ser uma ação imprevisível. A educação voltada
aos valores domésticos poderia condicionar o comportamento da mulher agressiva,
resgatando a pacificidade e os valores sócio-comportamentais.
28
Jornal do Recife, 01/02/1933.
71
2.3 Os “normais” e os “anormais” no processo educativo moderno
As duas características predominantes da degenerescência do rapaz das
grandes cidades, a despeito de toda influencia escolar, são o estiolamento
intelectual e a inaptidão genésica. Os fatores que concorrem para esse
estiolamento são complexos, tais como o trabalho em oficinas, a
permanência em lugares pouco salubres, a libertinagem precoce, o
alcoolismo prematuro.
(LOMBROSO, 2001, p. 264).
O ensino escolar, segundo Lombroso, tinha um papel fundamental na
prevenção do comportamento degenerado dos indivíduos portadores das anomalias
morais. As crianças por ainda não terem vivido o processo de civilização, deixam
aflorar os sentimentos atávicos, era o que os alienistas chamavam de loucura moral.
Tanto na infância, como nos estados de demência mental, sentimentos como cólera,
vingança, ciúme, mentira, crueldade, preguiça, ociosidade e gíria, seriam
despertados, sendo a instituição escolar o mecanismo social ideal para conter o
avanço desses sentimentos atávicos até a vida adulta. (LOMBROSO, 2001, p.125).
Entretanto, para Lombroso, as crianças portadoras dos estigmas de
degeneração corriam o risco de manifestar um comportamento incivilizado durante o
resto de sua a vida, havendo, no entanto, a chance de reprimir essa manifestação
com a aplicação das instituições coercitivas. Dentre essas instituições de controle e
vigilância social, estavam a polícia e a escola.
O colégio seria o local ideal para os primeiros cuidados do Estado com os
indivíduos, o qual contribuiria para formar na criança um espírito moderno e seus
preceitos: “estimulando as pessoas a escolher sua profissão, a discernir seus atos
sociais, a idealizar, a trabalhar e a utilizar os seus músculos, mais que o raciocínio.
29
Segundo essas diretrizes, o homem moderno poderia exercer sua independência,
porém estaria sob a vigilância governamental. Mas, como a educação moderna se
posicionou para proteger a sociedade dos males proporcionados pela degeneração
moral?
No Brasil, alguns pedagogos passaram a clamar por testes biométricos de
cunho lombrosiano em instituições educacionais, afirmando que iriam contribuir para
estabelecer diretrizes pedagógicas mais condizentes com a realidade social. Dessa
forma, seria mais uma forma para identificação prematura dos indivíduos propensos
ao anti-social. A proposta da educação moderna seria tutelar os “anormais” para
29
DM, 4/11/1933. p. 1
72
uma relação harmoniosa com a escola, a família e a sociedade. Entre os indivíduos
tidos como “anormais” estavam os epilépticos e aqueles com déficits intelectuais.
30
A finalidade dessas diretrizes escolares era separar os alunos normais,
daqueles considerados problemáticos em sala de aula, realizando uma orientação
vocacional. Era a crença no papel regenerador da educação, onde se procura
vincular escola, educação, higiene e saúde, fatores necessários à construção da
nação.
(ALMEIDA, 1995, p.90).
Tanto os discentes “normais” quanto os “anormais”, deveriam ser
institucionalizados e disciplinados pelas escolas. Segundo o professor
pernambucano Fernando S. Barbosa, o ensino da Higiene deveria ser dado no curso
de formação das normalistas, que educando as professoras educaria também os
alunos. Dessa forma, se asseguraria a prática desses modos civilizatórios no âmbito
social, tendo em vista que atingiria o público alvo: as crianças. Assim:
O ensino da Hygiene na Escola Normal carece, portanto, de tornar-se
extensivo a todos os gráos da escolaridade. Seu Jardim da Infância, suas
escolas primarias annexas não podem constituir Curso de Applicação
completo para a formação dos futuros servidores do magistério sem o ensino
da Hygiene confinado as respectivas professoras desse mesmo Curso de
Applicação, com a presença e activa collaboração das alumnas mestras
devidamente iniciadas após a freqüência no e annos do Curso Official.
Disse Felix Béguin que “a hygiene adquirida na escola assegura a hygiene na
vida”. (BARBOSA, 1931, p.5).
Desse modo, a pedagogia científica exigia que a escola moderna analisasse
os significados sociais conferidos ao ensino normal, sob os olhares do conhecimento
médico, biológico e psicológico. Em Pernambuco, o dico eugenista Ulysses
Pernambucano (1892-1943), publica sua tese “Classificação das Crianças Anormais
e influencia uma teoria seguida pelos pedagogos neolombrosianos: a idéia de
separar as crianças tidas como “normais” das “anormais”. A educação deveria
oferecer o equilíbrio comportamental e emocional para a construção duma
sociedade de conduta saudável.(CICLO, 1978, p.69). Os relatórios anuais proferidos
na década de 1930 pelo Ginásio Pernambucano, instituíram exames de seleção
para novos alunos, onde clamava pela aplicação da biometria, na tentativa de
instituir classes homogêneas. A biometria, que consiste na análise técnica e
30
Para Lombroso, a infância era a fase onde a degeneração encontrava-se latente e deveria ser trabalhada por
meio da institucionalização educacional desses indivíduos. Diferente dessa idéia, os pedagogos modernos
acreditavam que havia alunos normais e anormais, devendo desenvolver uma metodologia educacional distinta
para cada tipo de criança. (LOMBROSO, 2001, p. 264).
73
estatística das compleições físicas do indivíduo, serviria para determinar sua
personalidade e suas ações comportamentais. Para isso se elaborava a ficha
biométrica, onde deveriam constar as digitais do indivíduo, medidas físicas e tipo de
personalidade.
O exame de seleção para novos alunos nas escolas pernambucanas,
constante no folheto de 1931, publicado pelo Programa de Hygiene de Pernambuco,
aconselha a aplicação do teste para medir o Quociente de Inteligência, testes
psíquicos e das compleições físicas para a seleção dos alunos. A escola elaborava
um questionário, abrangendo o histórico do aluno, com detalhes de sua vida familiar
e social. Abaixo, selecionamos uns tópicos que deveriam constar no questionário:
Hygiene da criança. Desenvolvimento corporal. A evolução da criança desde o berçário
até adolescência. Temperamentos hereditários e hábitos.
Edade escolar. Condições de admissão na escola; exame physico e physhico dos
escolares. Ficha sanitária e caderneta de saúde. Inspecção sanitária escolar.
Moléstias escolares e medidas de preservação. (BARBOSA, 1931, p.7).
Em meio às perguntas, um tópico mostrava estreita relação com o sentido
de “educação moral”, referido na pedagogia neolombrosiana. Era o tópico sobre a
Higiene Moral, isto é, a contenção da conduta atávica que o condicionamento
escolar ocasionaria pela ação disciplinadora da escola. A idéia de anormalidade ou
debilidade mental pode ser vista no desejo das instituições educacionais em separar
os estudantes normais dos indivíduos portadores dos estigmas degenerados.
Hygiene Moral. Educação moral; sentimento de responsabilidade, dignidade; disciplina
e obediência. A temperança e os bons costumes. Recompensas e punições escolares.
Seleção e preservação escolar. Considerações sobre os escolares anormaes; sua
classificação e proteção sanitária. Dispensários medico-pedagógicos; classes e escolas
para anormaes. (BARBOSA, 1931, p.7).
A separação dos discentes considerados normais dos tidos como
anormais seria um percurso necessário a higiene moral descrita por Fernando
Barbosa, no folheto de Educação Pública de 1931.
31
A escola deveria, segundo o
Programa de Hygiene, reprimir a conduta dos discentes considerados anormais,
com disciplina e punições geralmente físicas. Dificuldades de aprendizagem,
31
Outro folheto de Educação Pública foi publicado em 1945 com as mesmas propostas de divisão dos alunos
normais dos alunos anormais por salas de aula. O objetivo para essa divisão, descrito no folheto de 1945,
continuava sendo fortalecer o desenvolvimento intelectual dos normais e conseguir reforçar o conhecimento dos
alunos anormais com baixos índices de aprendizado.
74
doenças como epilepsia ou histeria estavam na lista dessas investigações da Escola
Normal. No curso prático de normalista, o conhecimento de primeiros socorros e
ocasiões de emergência, os professores aprendiam lições de, como controlar o
aluno anômalo nas situações em que manifestasse tais enfermidades. Esse curso
de primeiros socorros oferecia informações sobre procedimentos que o professor
deveria ter durante o ataque epiléptico ou histérico. Vejamos alguns dos pontos do
quarto ano do Curso Prático para normalistas, em 1931:
Ocorrências morbidas e accidentes mais communs no meio escolar e das
famílias; ferimentos; hemorragias; queimaduras; intoxicações diversas,
syncopes; vertigens; dores; dyspnea; asphyxia; vômitos; crises epilépticas e
hysterias. (BARBOSA, 1931, p. 7).
A ocorrência dessas “mórbidas enfermidades” tomava voz em artigos
publicados em revistas e periódicos que circulavam nas escolas tradicionais do
Recife, os quais discutiam o posicionamento político dessas instituições e seus
valores pedagógicos. Escolas de caráter religioso, como o Colégio Salesiano e a
Escola de São José, redigiam revistas que debatiam, desde a separação dos alunos
anormais nas salas de aula, como também, as teorias biodeterministas. Muitos
artigos tinham a autoria de padres e alunos, como forma de alicerçar os princípios
cristãos da Igreja Católica e discutir assuntos sociais e pedagógicos.
O posicionamento ideológico dessas instituições religiosas nem sempre
concordavam com alguns itens neolombrosionistas, como os métodos
contraceptivos ou a esterilização. Na concepção desses autores, a fecundidade
humana deveria ser preservada e estimulada por ser uma benção divina.
Segundo os pedagogos, a psiquiatria empregada na educação dos alunos
anormais designaria uma sociedade equilibrada e disciplinada. Todo esse empenho
pedagógico tinha como finalidade excluir e vigiar as crianças que seriam os futuros
degenerados morais, evitando contaminar os indivíduos normais.
O clamor pela aplicação da metodologia biométrica entre os alunos do
Colégio Ginásio Pernambucano ficava evidente nos relatórios anuais. Como de
costume da época, os médicos (que procuravam vigiar e controlar nas mais
diferentes áreas sociais) enviavam anualmente instruções médico-pedagógicas a
serem aplicadas. No ano de 1938, o relatório do GP possuía um texto escrito pelo
médico Álvaro Ferraz, o qual ofereceu sugestões para a elaboração duma ficha
75
biométrica dos alunos, usando por base a disciplina de Educação Física, onde o
exercício físico do alunado já havia dado o primeiro passo para uma educação
rigorosa, a qual deveria ser ministrada por oficiais militares.
A educação física esteve ao encargo dos oficiais instrutores da Brigada
Militar, capitão Floriano B. de Oliveira, tenentes José J. de e Milton
Benjamin; e o gabinete médico especializado (serviço de fichas
biométricas) sob a minha orientação, tendo como auxiliar o acadêmico
Otacílio N. de Queiroz. (Grifo nosso) (FERRAZ, 1938.)
Segundo Dr. Ferraz, a participação de militares e dicos renomados
como Dr. Otacílio Queiroz (declarado estudioso da Biometria), contribuiria para a
elaboração de fichas biométricas dos alunos. Essas fichas facilitariam o trabalho dos
pedagogos ao realizar a divisão das turmas de alunos normais dos anormais que
apresentavam disparidades físicas metricamente calculadas. O conteúdo dessas
fichas seria preenchido pelos valores morfo-fisiológico de cada discente, idade, entre
outros fatores que ajudariam na escolha das atividades físicas.
Divisão de Turmas: de acordo com a idade cronológica e com o valor
morfo-fisiologico de cada aluno, foram organizadas pelo serviço medico
duas turmas para efeito de educação física: Turma A (24 alunos) idade: 11
anos incompletos (3º grau do ciclo elementar) ... (sic) (FERRAZ, 1938, p.1).
Segundo esse relatório, mais de trezentas fichas biométricas tinham
sido levantadas pelo trabalho conjunto dos médicos e dos militares responsáveis
pelos exercícios de Educação Física do GP, o que deu espaço para estudos bio-
estatísticos do alunado. Esse procedimento métrico favoreceu na seleção das
turmas: os simétricos (considerados indivíduos normais) tomavam lugar diferente
dos assimétricos (portadores dos estigmas lombrosianos de desarmonia nas
medidas craniométricas e nas compleições físicas).
FICHAS BIOMÉTRICAS: foram levantadas, no ano letivo de 1938, 385
fichas. Reunidas estas fichas, as levantadas nos anos anteriores, ficamos
com mais de setenta, devidamente arquivadas por idades. Aproveitando o
período de férias escolares, tentamos, neste instante, organizar as tabelas
para confecção dos perfis morfo-fisiologicos nas diferentes idades da
adolescência, localisando os períodos de crescimento, não estrutural
como em largura e em profundidade. Trabalho exaustivo de bio-estatística
lamentamos não nos ser possível encaixar nesse relatório a sumula dessas
pesquisas, porque ainda não se acham concluídas; oportunamente as
publicaremos com todos os detalhes e pensamos, com isto, preencher uma
lacuna em estudos desse gênero. (FERRAZ, 1938. p. 4).
76
Essas fichas biométricas eram separadas pela idade do aluno, as
aferições físicas de altura e dimensões antropométricas eram resumidas. Essas
informações bio-estatísticas facilitariam a elaboração de exercícios físicos
destinados a cada classe escolar. Os alunos mais agitados deveriam praticar
exercícios mais rigorosos pela manhã, para que gastassem sua energia durante a
aula de Educação Física e moderasse seu comportamento dentro da sala de aula.
Vale salientar que, segundo Dr. Ferraz, apenas os médicos deveriam ser
responsáveis pelo preenchimento das fichas biométricas, por terem o conhecimento
necessário para tal procedimento.
Um instrutor nessas condições ficaria em contacto mais estreito com o
gabinete de Biometria vindo, todas as vezes que se fizer necessário, verificar
a ficha médica do aluno que se lhe parecer retardado, recebendo do médico
instruções especiais para cada caso particular. (Grifo nosso) (FERRAZ,1938,
p. 5).
O GP era considerado colégio padrão para as demais instituições
educacionais do Recife e esse trabalho de bioestatística favorecia no refino do
alunado: os retardados seriam diminuídos gradativamente do quadro escolar. A
finalidade era tornar as salas de aula em “grupos homogêneos”, com alunos
devidamente qualificados para desempenhar as atividades exigidas pelo corpo
docente.
No ano seguinte a esse relatório, a disciplina de Educação Física já estava
sendo ministrada pelo tenente e médico Jo Jardim de que, logo de início,
incorporou a biometria como exame fundamental para a formação de grupos
homogêneos de alunos. O relatório da disciplina de Educação Física de 1939 foi
escrito pelo Dr. José que apresentou essa divisão necessária para a qualidade
da formação intelectual do aluno.
GRUPAMENTO HOMOGENEO: distribuição mais aconselhada dos alunos
em grupos deva obediência a idade fisiológica, adotamos eu médico- a
divisão cronológica, por vez mais pratica e a mais indicada no momento em
que fez o grupamento dos indivíduos respeitando-se, porem, os seus valores
físicos. (SÁ, 1939, p.2).
O grupamento homogêneo significava a segregação intelectual dos alunos
aptos dos inaptos, os portadores de alguma doença mental, como a epilepsia,
77
tinham destino certo: a Escola de Anormais.
32
Em 1936, Ulysses consegue organizar
uma pequena escola para excepcionais, que passa a vigorar ao lado do Sanatório
do Recife. (CICLO, 1978, p.70).
A Escola para Anormais empregou os primeiros
testes de inteligência em Pernambuco, visanva classificar o grau de
comprometimento intelectual dos que apresentavam alguma deficiência mental.
(ARAÚJO, 2002, p.91).
2.3.1 EPILEPSIA: o enigmático estigma lombrosiano
Em O homem criminoso, ele [Lombroso] se contentara em recensear as
semelhanças morfológicas que aproximam o criminoso do epiléptico
(assimetria craniana, daltonismo, crueldade, a lascívia precoce,
religiosidade e cinismo). (DARMON,1991, p.56)
A epilepsia era um estigma lombrosiano considerado misterioso, a medicina
não sabia como combatê-lo nem o porquê de sua manifestação, sendo classificada
como doença mental. Os epilépticos estavam na lista dos indivíduos portadores de
degeneração moral, possuindo os mesmos traços fisionômicos desproporcionais dos
demais degenerados, mesmo que sutilmente. Deveriam receber tratamento
farmacológico apropriado desde a infância para isolar seu mal incurável.
Por outro lado, havia uma discussão entre pedagogos e médicos a respeito
de quem seria a responsabilidade de cuidar dessas pessoas: dever-se-ia ser a
família ou a escola. Mas esses estudiosos concordavam que as crianças deveriam
ser isoladas das demais, que sua deficiência mental dificultaria o aprendizado dos
colegas tidos como “normais”.
Segundo Salustiano Gomes Lins em seus estudos sobre epilepsia, o
controle das crises epilépticas devia estar primeiramente sob tutela da escola,
proporcionando ao doente um ajustamento psico-social condizente com seu
desenvolvimento intelectual.
32
No Recife de 1941 é inaugurada a Escola Aires Gama para pessoas “anormais”, a qual seguia os processos de
identificação na elaboração das fichas de seus alunos, constando: fotos sinaléticas, exames somáticos, teste de
QI, antecedentes hereditários, entre outros itens empregados pelo lombrosianismo. Em 1943, muda seu nome
para Escola Especial Ulysses Pernambucano após o falecimento deste seu diretor e continua em funcionamento
até hoje. Os exames somáticos, a ficha de identificação e o laudo médico fazem parte do processo de triagem do
alunado até hoje, onde o aluno aprovado pelo exame neuropsiquiátrico e pedagogo, deve aguardar numa fila de
espera de pelo menos 6 meses para ser convocado a matricular-se. As fichas de identificação dos alunos ainda
seguem o mesmo modelo do ano em que foram implementadas, com exames sobre o comprometimento mental.
Os epilépticos, que antes eram matriculados como degenerados, agora são aceitos se apresentarem algum tipo
de deficiência mental.
78
A educação de uma criança ou adolescente com epilepsia constitui por
vezes, tarefa difícil, que não deve ser improvisada por quem não tem
experiência, sob pena de limitar desastrosamente, sem apoio científico, as
possibilidades de desenvolvimento intelectual e da personalidade do
paciente. Caso não coexistam com as crises graves distúrbios de conduta
nem déficits cognitivos importantes, é desejável encaminhar a criança à
escola (...). (LINS, 1983, p. 253).
Dessa maneira, mesmo pregando o isolamento dos epilépticos em escolas
para anormais, havia a preocupação em seu desenvolvimento educacional que
ocasionaria a sua adaptação social. A epilepsia era tida, na década de 1930, como
uma enfermidade mental que poderia ser controlada por meio da instrução, que
ocasionaria uma diminuição no déficit cognitivo existente nas crianças anormais. No
artigo A Hygiene Mental e as escolas publicas, no periódico A Província de 1932, a
educação dos doentes mentais (onde eram incluídos também os epilépticos)
aparece como ponto principal para a formação da personalidade do indivíduo. Para
isso, o preparo dos educadores e das instituições de ensino era fundamental para o
ajustamento dos anormais na escola.
A educação, além de preparatória, tem chegado a ser correctiva,
especializando-se para poder attender ao grande numero de crianças que
apresentam defeitos physicos ou mentaes, para as quaes estabelecem
classes e escolas especiaes. (...) A educação especializada tem sido até
aqui organizada tomando em consideração a incompetência os defeitos
destas crianças deficientes. Este ponto de vista está, porém, sendo
rapidamente substituído por uma attitude muito mais constructiva da parte
dos especialistas educativos e autoridades escolares. A educação deve ter
por fim auxiliar todas as crianças a desenvolverem sua personalidade o
mais completamente possível
.
(A HYGIENE, 1932).
O auxílio social que esse artigo propõe às atividades escolares viria pela
divisão nas salas de aula, melhorando os índices de aprendizado das crianças tidas
pelo professorado como competentes, retirando os anormais que emperrariam o
desenvolvimento intelectivo dos demais colegas de turma. Tal responsabilidade de
selecionar os alunos deficientes mentais deveria ser dos funcionários da escola e
seria um procedimento que ajudaria, não apenas o trabalho pedagógico, mas
também a sociedade, por tratar e conter a manifestação social da degeneração
epiléptica.
O desejo de escapar dos estigmas da anormalidade manifestava-se nos
inúmeros anúncios em jornais pernambucanos, que buscavam vender a cura de
enfermidades como a epilepsia. Xaropes milagrosos tinham lugar cativo nas colunas
79
comerciais dos jornais da época, os quais procuravam vender a idéia de que, depois
de tomados regularmente, livrariam as pessoas da temida epilepsia.
Era comum encontrar anúncios com fotografia de pessoas relatando que
ficaram curadas após ingerirem tal antídoto. A pseudo cura da epilepsia seria
comprovada por depoimentos como o de Antônio Mendes, com 38 annos, que
sofreu durante 8 annos de ataques epilépticos e 4 está completamente curado,
depois de fazer uso de 9 vidros grandes, do especifico denominado: anti-epiléptico
Barash.
33
Podemos acompanhar esse discurso propagado pelo antídoto Barasch de
“cura da epilepsia” em inúmeros anúncios publicados nos jornais da época, como A
Província e o Diário da Manhã, como apresentamos a seguir, nas figuras 8 e 9:
FIGURA 8 - A face dos “ex-degenerados”: a
pseudo cura da epilepsia pelo antídoto Barasch.
FONTE: A Província, 08/06/1932.
33
Jornal do Commercio, 03/03/1936. p. 8.
80
FIGURA 9 - Propaganda do anti-epileptico Barasch.
FONTE: DM, 02/12/1933.
Os anúncios de anti-epilépticos desfrutavam de um mercado rentável.
Livrar-se do estigma de ser um epiléptico tornava-se algo real para muitos enfermos.
Estampar sua foto entre os curados da epilepsia não deixava de ser uma vitória para
essas pessoas.
O acompanhamento do epiléptico deveria ocorrer desde a infância, para
evitar que o portador desta “degenerescência” não externasse sua “selvageria
moral”, que as instituições governamentais de saúde e educação não sabiam
como realizar o tratamento médico, deixando os doentes serem atraídos por esses
antídotos. Esses anti-epilépticos eram vendidos em farmácias e drogarias da cidade,
devendo ser ingeridos durante toda a vida, o que manteriam os doentes
dependentes desses medicamentos.
Para comprovar as propriedades curativas do anti-epiléptico Barasch, foi
publicado o depoimento do médico Leonel Ferreira Bastos. A declaração de um
médico sobre a cura dava uma suposta legitimidade aos anúncios. O depoimento de
81
um médico sobre a suposta cura da epilepsia do seu filho, Orlando Ferreira Bastos
pelo antídoto Barasch, dava credibilidade ao produro. Diz Dr. Leonel ao jornal que
seu filho há três anos não tomava mais o medicamento por estar curado.
O mistério a respeito das origens do que poderia desencadear a crise
epiléptica no organismo humano reforçava o estigma da hereditariedade
degenerada. Nesse caso, a separação dos indivíduos anormais dos demais se via
legitimada, sem muitos protestos da parte dos demais alunos e da família do doente.
Não se sabia o momento em que a crise epiléptica poderia ocorrer, nem como
deveriam ser os procedimentos para com o doente. Daí, a idéia de divisão do
alunado anormal do normal seria prudente, por isolar o epiléptico durante uma crise
que viesse a chocar os demais alunos com o ataque da dita “manifestação da
selvageria”.
Teses acadêmicas sobre responsabilidade criminal dos epilépticos, passa
a ser discutida pelos neolombrosianos, como veremos no próximo capítulo através
do trabalho de Amaro Gomes Pedrosa, que os via como inimputáveis. Possuir o
atavismo epiléptico poderia significar um tratamento judicial diferenciado, como
ocorria na seleção pedagógica.
Entretanto, os indícios do neolombrosianismo não se limitavam às
discussões travadas sobre a epilepsia, ou no referente à educação no ensino
primário e secundário. A teoria neolombrosiana sobre epilepsia e outros estigmas
fora tema de estudos acadêmicos na FDR durante a década de trinta e será nossa
temática no capítulo seguinte, onde procuramos mostrar o discurso dos intelectuais
da época em meio à modernização da cidade.
82
CAPÍTULO 3 -A PROPAGAÇÃO DO NEOLOMBROSIANISMO EM PERNAMBUCO
FIGURA 10 - Exame antropométrico realizado em um detento da CDR
– década de 1930.
FONTE: Museu da Cidade do Recife. Foto: 6776.
83
3.1 O Teor da Hereditariedade: os estudos acadêmicos neolombrosianos em
Pernambuco.
Vimos no primeiro capítulo à discussão teórica sobre a Antropologia
Criminal; no segundo capítulo, apresentamos as políticas sociais paralelas à
repercussão desta doutrina no Recife. Neste terceiro, discutiremos a produção
acadêmica com vertente ideológica neolombrosiana, destilada nas Faculdades de
Medicina e Direito do Recife, as quais tomaram como alvo a Psiquiatria Forense, a
Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal. Estes três elementos estavam em
pauta nos estudos acadêmicos da época e se propunham a construir o perfil
psíquico do delinqüente para facilitar o trabalho de identificação forense.
As teses foram escritas por professores-doutores, que propagavam
contribuir para o conhecimento da perícia criminal no Estado, tendo em vista que
estavam readequando os estudos no Recife, ao que se via em outras partes do
mundo, como Europa e EUA. Dessa forma, constituía-se o caminho da ciência
forense, a qual voltou seu olhar não apenas ao corpo dito degenerado, mas,
também, ao funcionamento do organismo e da personalidade criminosa.
As fichas de identificação assimilam cada vez mais os exames
antropométricos e endócrinos, tornando estreita a relação entre medicina e
jurisprudência. Entre os acadêmicos neolombrosianos no Recife podemos citar:
Aureliano Corrêa de Araújo na Criminologia e Psicanálise;
Arnaldo Porto Poggi Figueiredo, na Biotipologia Criminal;
Amaro Gomes Pedrosa, no tema sobre a Responsabilidade Criminal
dos epilépticos;
Augusto Lins e Silva, em seus estudos sobre Medicina-Legal.
Cada autor acima adota a perspectiva neolombrosiana em seus estudos,
preocupando-se em estabelecer uma normalização da perícia forense de
Pernambuco quanto à prevenção e à elucidação de crimes cometidos pelos
supostos degenerados morais. Com a Antropologia Criminal do século XIX, a
identificação do delinqüente estava fixada em seu fenótipo, em seus traços
anatômicos; Com o neolombrosiano a identificação associaria o fenótipo a exames
clínicos do organismo e da psique humana.
84
3.1.1 A tese do Dr. Aureliano Corrêa de Araújo: Criminologia e Psychanalyse e
Política Criminal
Os estudos actuaes da Criminologia comprehendem a anthropologia, a
psychologia e a sociologia criminaes, como a penalogia, disciplinas que se
movimentam em áreas distinctas. A primeira occupa-se das investigações
relativas à somatologia dos delinqüentes, dos seus caracteres
morphologicos. A segunda do estudo attinente á etiologia do delito, das
causas endógenas, instinctos, da vontade, das tendências, dos impulsos,
em summa, da alma do homem criminoso. (ARAÚJO, 1934, p. 110).
O desejo dos diretores da FDR em atualizar seus estudos criminológicos
mobilizou o professor e juiz da Corte de Apelação Criminal, o Dr. Aureliano Corrêa
de Araújo, a escrever sua tese sobre psicologia e criminalidade na formação do
caráter degenerado, no ano de 1933. A instalação do curso de Psicologia Criminal
na grade curricular do Curso de Direito do Recife, em 1932. A Criminologia acopla o
perfil psíquico à análise da biotipologia do indivíduo com as características da
personalidade delinqüente.
O Dr. Araújo lutou para implementar o curso de Psicologia Forense também
na Faculdade de Medicina de Pernambuco, como um dos tópicos da disciplina de
medicina-legal. Em 1935, esse objetivo foi alcançado com os estudos sobre
Criminologia e psique, passando a ocupar o viés investigativo pelos demais
acadêmicos forenses. Na sua tese, o Dr. Araújo defendia que os criminosos natos
agiriam instintivamente, mas que os cientistas poderiam diagnosticar sua
personalidade, associando o exame antropométrico e somatológico às cnicas de
Psicologia Criminal. Segundo ele, a análise da psique delinqüente poderia reformular
o estudo e a prática penal, como também favorecer a constituição dos laudos
científicos realizados no IML. Dessa forma, a Psicologia Criminal contribuiria para
explicar a gênese dos fatos anti-sociais e a insensibilidade apresentada pelos
amorais ao praticar o delito, o que chamou de “anestesia moral profunda”.
O criminoso por instincto da concepção lombrosiana, typo anthopologico,
que apresenta grande perversão dos instinctos, da affectividade, com
anomalias profundas do caráter, assinalado por uma anesthesia moral
profunda, a psychologia criminal, fundada nos dados e ensinamentos da
psychanalise explica, como a vitima de seus traumas pathologicos,
provocadores dos chamados impulsos de repetição”, que são
constantemente observados nos criminosos reincidentes, em cuja negra
categoria se encontra os amoraes perversos (loucos morais), e os typos
profundamente pervertidos e degenerados, a que Lombroso aprouve
chamar “criminoso nato”.
(SIC) (ARAÚJO, 1934, p. 2).
85
Em sua tese, o Dr. Araújo subdividia os degenerados em dois tipos de
criminosos: o criminoso por instinto e o criminoso orgânico. O criminoso orgânico
apresentava um atavismo diferente do criminoso por instinto, por ter suas ações anti-
sociais condicionadas ao funcionamento do seu organismo anormal. Nessa
categoria de delinqüência predominaria a gênese patológica do crime,
compreendendo os loucos morais, os paranóicos e os epilépticos. Esta associação
entre a epilepsia e o distúrbio moral nos remete à discussão que fizemos
anteriormente, os “normais” e os “anormais” no processo educativo moderno.
Ele defendia que Cesáre Beccaria, Cesare Lombroso e Edmund Freud
teriam a mesma finalidade perito-criminal ao procurar elucidar a personalidade do
criminoso nato. O primeiro, por formular o estudo penal; o segundo, por agregar os
meios de identificação fisionômica e o último por traçar o perfil da personalidade
delinqüente. A psicologia viria complementar a técnica científica de identificação,
derivadas nos exames de antropometria
34
e a somatometria, porém sem dispor
tanta rigorosidade aritmética ao períciar o corpo humano. A psicologia, apropriada
para o delinqüente, deveria estar voltada a entender e tratar a degeneração moral.
Cada criminoso deveria ser visto como um conjunto entre personalidade, anatomia e
organismo.
Diferente dos demais neolombrosianos, o Dr. Araújo não acreditava que as
instituições governamentais seriam suficientes para conter as pulsões do criminoso
nato. O mecanismo de punição moderno não retiraria o instinto delinqüente, pois a
pena, portanto, não exerce nelles nenhuma força inhibidora ou correctiva, porque a
causa determinante do acto anti-social sobreleva as suas forças anímicas, as suas
faculdades volitivas (...) (SILVEIRA, 1979, p.73). Dessa maneira, a punição seria
apenas um paliativo social, por ser impossível eliminar o instinto selvagem; a pena
não reabilitaria o infrator, devendo ser aumentada apenas para retirar o degenerado
do convívio dos demais cidadãos o maior período de tempo possível.
Contrário ao que pretendia a tese do Dr. Araújo, o Direito Penal o seguiu
as sugestões para o aumento do período de punição dos criminosos orgânicos,
34
Antropometria é o estudo das avaliações métricas e proporcionais do corpo humano, as quais variariam
conforme a raça, o sexo, a idade e a condição sócio-econômica do indivíduo. Itens como: altura, envergadura,
comprimento dos membros superiores e inferiores e peso seriam avaliados para diagnosticar de forma precisa as
deformidades anatômicas que evidenciariam a degeneração. (SILVEIRA, 1979, p. 1).
86
variando na aplicação dos casos julgados como inimputáveis.
35
Nesse sentido, a
pena se tornaria medida de segurança, podendo ser cumprida em hospitais
psiquiátricos ou diminuindo o período de enclausuramento.
Conhecida a variedade do typo humano, de seu caráter, de seus instinctos,
de suas tendências, em summa, de suas faculdades physiologicas e
physhicas, como nos demonstram os estudos da biologia, hoje reforçados
pelas pesquizas da endocrinologia e da psychanalyse impõe-se o exame a
cada typo de delinqüente para o conhecimento perfeito de sua natureza e
conseqüente individualização da pena
.
(Grifo nosso) (ARAÚJO, 1934, p.49).
Conforme esse texto, a Psicologia Criminal em conjunto com os exames
endócrinos ajudaria na aplicação de uma pena compatível ao delito e ao
delinqüente. Dessa maneira, o trabalho de punição penal corria um risco menor de
cometer injustiças. Porém, Dr. Araújo não mencionou que a Justiça estava sendo
aplicada de maneira individualizada, quer dizer, a reprimenda da justiça tinha seu
período de detenção calculado de forma proporcional conforme as características do
crime como também as físico-psicológicas do infrator.
Dessa forma, havia uma diretriz para a aplicação das penas descritas no
Código Penal, mas a forma de punir ou o tempo de cumprimento era determinado
conforme as provas contidas nos autos judiciais e o resultado da análise do
delinqüente. Se fosse constatada, pela perícia, a inimputabilidade do infrator, a pena
poderia ser cumprida nos manicômios judiciários ou teria seu período de detenção
diminuído.
Mesmo propondo que as aplicações das penas dos inimputáveis fossem
individualizadas, coisa que estava ocorrendo na Justiça, o trabalho do Dr. Araújo
obteve repercussão acadêmica, tornando-se pré-requisito nos estudos de psiquiatria
forense em Pernambuco.
35
Indivíduos considerados inimputáveis pela justiça: doentes mentais, menores de dezoito anos ou pessoa
tomada por forte emoção. Código Penal 1940. Art. 26.
87
3.1.2 Corpo aritmético: a tese do
Prof. Figueiredo sobre
Biotipologia
.
É noção corrente hoje que as formas e as proporções do corpo, a regulação
do metabolismo do organismo e de todas as ações bio-quimicas que nele se
processão, bem como o desenvolvimento psíquico e os traços característicos
da mentalidade humana tudo isso, é condicionado pelo conjunto de
substancias que são lançadas na circulação pelas glândulas de secreção
interna. Esses hormônios são, segundo Pende, “verdadeiros reguladores do
relógio da nossa existência”. Timo, tireóide, para-tireóides, supra-renais,
hipófise, glândulas sexuais governam o corpo e a alma das raças.” (Grifo
nosso). (FIGUEIREDO, 1935, p.59).
O concurso à livre docência da cadeira de Fisiologia, na Faculdade de
Medicina do Recife, realizado no ano de 1935, exigia dos candidatos a apresentação
de uma tese sobre temas relativos aos métodos de identificação humana. Arnaldo
Porto Poggi de Figueiredo venceu o processo seletivo, expondo todo seu preparo
profissional com a tese sobre o tema considerado atual no período: a Biotipologia
Criminal. (FIGUEIREDO, 1935, p.59). Em sua tese, procurou analisar a Biotipologia
e a Endocrinologia Criminal, teorias neolombrosianas consideradas essenciais para
a disciplina de Fisiologia.
Mas, como a Biotipologia Criminal teria alcançado a projeção em
Pernambuco de maneira a ser escolhida por Figueiredo como tema de um concurso
à disciplina de Fisiologia?
A tese do Professor Figueiredo procura iniciar seus estudos fazendo
levantamento da história da fisiologia humana, desde os gregos até os cientistas da
década de 1930. Cita Heródoto, o pai da História, como um dos primeiros a dividir os
grupos raciais, utilizando como critério avaliativo a tonalidade da cútis humana,
alegando que a cor da pele serviu de base a Heródoto para fazer a identificação das
raças, assim é que distinguiu-se em branca, negra e intermediaria. Como também
em seus escritos se verifica a diferenciação dos povos em cultos e incultos.
(FIGUEIREDO, 1935, p.15).
Assim, segundo Figueiredo, a perícia empregada no século XX deveria
seguir as discussões sobre diferenças de temperamento, tendo em vista raízes
étnicas, as quais impulsionaram estudos de anatomia desde o século XVIII. Esses
estudos teriam desembocado nos ensaios somatométricos, numa ciência voltada ao
indivíduo. Seguindo a história da Criminologia italiana, Figueiredo adota o estudo
antropométrico como procedimento que destacaria, nos corpos degenerados de
88
seus “pacientes”, as medições fisionômicas da degeneração moral, influenciado pelo
trabalho anatômico do italiano De Giovanni:
FIGURA 11 - O tipo físico ideal proferido pela fisiologia na tese do Prof.
Figueiredo.
FONTE: Figueiredo (1935).
Embasado por esse esquema de exposição corporal, Figueiredo
incrementa os estudos de De Giovanni com medições da estatura: medindo a
grande abertura dos braços; da circunferência do tórax; da altura do esterno; do
segmento xifo-umbilical: umbelico-pubiano; do diâmetro bi-liaco: altura do abdômen.
(
FIGUEIREDO, 1935, p.17). Para se averiguar uma pessoa tida como normal, a
antropometria desses itens deveria constar-se de índices harmônicos com a altura,
compleições anatômicas e informações dos diâmetros faciais.
A proposta de Figueiredo era contribuir para a perícia forense em
Pernambuco, realizada principalmente nos institutos de identificação criminal (GIEC
e IML), arquétipos corporais que facilitariam o diagnóstico dos supostos criminosos.
Entretanto, suas sugestões científicas estavam distantes do que se podia
implementar nesses institutos, por requerer um maior número de profissionais e de
material, o que não estava nos planos orçamentários do governo, mais preocupado
com as obras de modernização do Recife.
Objetivando tornar a antropometria mais consistente, Figueiredo sugere
análise clínica dos órgãos internos, o que ele chama de “combinação”, como:
coração, sistema nervoso, aorta, artéria pulmonar, pulmões, fígado, intestino
delgado e sistema muscular. O criminologista que conseguisse diagnosticar esses
itens físicos estaria apto a conhecer o funcionamento da ação selvagem no corpo
dos delinqüentes. Nesse contexto, Figueiredo pretende ilustrar a “evolução” dos
estudos antropométricos que originaram a Biotipologia Criminal no século XX.
89
Para Figueiredo (1935, p.20), as qualificações biotipológicas, que
teoricamente condenariam a pessoa à temida degeneração atávica, estavam ligadas
diretamente à assimetria anatômica. Entretanto, seria raro encontrar medidas
harmônicas entre os indivíduos, como:
Coração: grande.
Sistema arterial: grande: artéria pulmonar: estreita em relação à aorta.
Pulmões: pequenos.
Fígado: grande.
Intestino delgado: grosso e longo.
Sistema muscular: bem desenvolvido.
Sistema esquelético: idem.
Panículo adiposo: idem.
O indivíduo enquadrado nesses diagnósticos antropométricos era
classificado como pessoa em excelente estado de nutrição e resistentes a
enfermidades mentais congênitas. Giacintho Viola, discípulo de De Giovanni
desenvolve sua teoria antropométrica voltando aos tipos hereditários, com as
medidas do tronco, comprimento dos membros superiores e inferiores. Com as
informações dessas medidas físicas, Viola criou o “homem normal estatístico”,
obtendo a seleção dos grupos étnicos e delinqüentes por resultados matemáticos
precisos.
FIGURA 12 - Tipos físicos biotipológicos que deveriam ser estudados na
disciplina de fisiologia.
FONTE: Figueiredo (1935). Figuras anexas.
O tamanho desses itens de identificação corporal mostraria os índices de
desproporção físicos e a predisposição do indivíduo às características atávicas da
90
selvageria social. Após as aferições antropométricas, o cientista criminal classificaria
os indivíduos com eficiência, principalmente após a aplicação do estudo
craniométrico, que revelaria a medida assimétrica crânio-facial.
A tese de Figueiredo e as teorias neolombrosianas de identificação
mostram a afinidade da Faculdade de Medicina e dos estudos forenses
pernambucanos com as teorias circulantes na Europa e parte dos países da
América. Figueiredo diz-se influenciado pelo psiquiatra alemão Ernst Kretschmer, o
qual desenvolveu os “tipos” biotipológicos. Esses tipos de Kretschmer seriam
chamados de picnico, leptosomico e atlético. Cada um desses tipos teria suas
características físicas associadas à perícia forense endocrinológica dos indivíduos
portadores da anormalidade moral, tomados pelo desequilíbrio glandular, que
acometiam os criminosos fisicamente feios.
Essas informações sobre os estudos de Kretschmer contidas na tese do
Prof. Figueiredo atingiram os estudos criminais em Pernambuco de forma peculiar.
Os estudos antropométricos estavam sendo discutidos desde a década de 1920
na Faculdade de Medicina e na FDR.
Figueiredo apresenta uma rie de
combinações aritméticas que serviam para fazer a
classificação antropométrica do tronco humano
(tórax/abdômen). A resposta dessas medidas
aritméticas corporais deveria estabelecer a imagem
do indivíduo, oferecendo inclusive sua classificação
no grupo racial.
FIGURA 13 - Leptosômico, Picnico e
Atlético: os tipos biotipológicos de
Krestschmer.
FONTE: Figueiredo (1935). Figuras anexas.
Entre os pontos de investigação antropométricos estava a altura, largura e
comprimento do crânio; a altura, o comprimento e a proporção nasal, os quais
seriam o segundo sinal de descendência racial. Tais reações do indivíduo com
relação ao ambiente social, segundo os estudos de Figueiredo, “é essencialmente
91
determinada pelas ações perturbadoras exercidas pelo ambiente sobre a atuação do
plano hereditário de organização do indivíduo”. (FIGUEIREDO, 1935, p.37).
A hereditariedade mestiça da população brasileira justificaria esses
estudos antropométricos, que elucidaria qual dos três tipos étnicos (negro, índio e
europeu) desempenharia maior influência na constituição desse povo. A
porcentagem exata de qual grupo étnico ao qual cada indivíduo pertencia, explicava
caracteristicas de sua personalidade, como a agressividade e o desempenho
cognitivo.
Segundo a tese em questão, cada raça possui estrutura emocional própria
e repassada hereditariamente, assim à aplicação do exame somatológico ajudaria
os peritos a destilar o teor de mestiçagem contida nesses indivíduos. Vejamos essas
idéias de branqueamento racial na tese:
Conseqüência da distribuição irregular do branco, do negro e mesmo do índio
que não foi batido com a mesma intensidade em todas as zonas do território.
tem-se verificado que tendência de se acentuar cada vez mais a raça
branca na formação do povo brasileiro. Fatores vários tem contribuído para
isto. A diminuição do concurso aborígine e a parada de importação do negro,
com o aumento sucessivo do branco, vem clarear suficientemente este
ponto. É de lastimar que o branco importando de várias nações, não seja
distribuído convenientemente pelo território. Agrupa-se onde melhor lhe
parece, e, a julgar pelas estatísticas, zonas contempladíssimas enquanto
que outras ficam sem o menor contingente. (Grifo nosso) (FIGUEIREDO,
1935, p. 48).
Essa distribuição irregular dos indivíduos brancos em certas áreas do país
ocasionava numa região mais “evoluída” racialmente que as demais. Dessa forma,
podemos entender que, segundo Figueiredo, a região sul do Brasil estaria
racialmente mais evoluída, por comportar a imigração nórdica, italiana e alemã que
tornaram esse espaço menos apto à epilepsia e desvios morais de conduta. Assim,
o branqueamento racial era algo possível e estava acontecendo gradativamente
no Brasil.
36
Para o sucesso desse processo de limpeza racial, o ideal seria que o
nordeste conseguisse o mesmo grau de imigração branca que o sul. Dessa maneira,
o negro e o índio se concentravam mais no norte que no sul, condenando a região
norte do país a um atraso étnico e aos atavismos que essas raças teriam.
36
A tese de branqueamento racial ganhou força no Brasil com o advogado e historiador Oliveira Viana, na
década de 1910, que divulgou na década de 1920 de forma “otimista” que o brasileiro iria conseguir ser um país
de indivíduos racialmente superiores por conter o sangue de brancos europeus em suas veias. (SKIDMORE,
1976, p. 219).
92
Figueiredo estava convicto de que os problemas sociais brasileiros eram
causados pela nossa mistura racial e deveriam ser tratados com políticas que
trouxessem cada vez mais pessoas descendentes de raças puras para o país. A
quantidade de negros e índios iria desaparecer desconfigurados pelo cruzamento
com o sangue puro dos brancos, “o mestiço, que é a genuína formação histórica
brasileira, ficará diante do branco puro, com o qual se de, mais cedo ou mais
tarde, confundir”. (FIGUEIREDO, 1935, p.55).
Figueiredo se contradiz ao colocar que os fatores exógenos, como as
quatro estações climáticas do ano, influenciam nas atitudes dos indivíduos. Ora ele
apresenta um discurso neolombrosiano de que as funções endócrinas em conjunto
com a fisionomia determinavam as ações anti-sociais, ora apresentava que apenas
fatores exógenos, como o ambiente social, seriam causadores do comportamento
incivilizado.
Numa de suas passagens, ao citar o neolombrosianista italiano Nicola
Pende, destaca a passagem onde diz que “é provável que a primavera e, sobretudo,
o princípio do verão, seja a estação de maior excitação fisiológica da glândula
tireóide; a primavera e o principio de outono, a estação de maior atividade supra-
renal”. (FIGUEIREDO, 1935, p.55). Figueiredo chama essa passagem de endocrino-
simpático, onde os hábitos de alimentação em conjunto com fatores étnicos, de
sexo, idade e histórico familiar, funcionariam associados ao organismo para
determinar o humor humano em determinadas situações. Veremos mais adiante que
parte desse parâmetro perícial defendido por Figueiredo já era empregado nos
laudos do IML, os quais compõem nossa análise mais adiante.
Para Figueiredo, a disciplina de Fisiologia tinha finalidade de trazer novos
rumos acadêmicos ao estudo da medicina, levando em consideração a Biotipologia
Criminal e a Endocrinologia Criminal.
O presente trabalho tem por fim trazer uma pequena contribuição. Esta, de
acordo com a índole da cadeira, teve de ser essencialmente experimental.
Muitos foram os óbices que se antepuseram, mas tendo sido vencidos um
a um foi possível atingir-se o termo da jornada. (FIGUEIREDO, 1935, p.
72).
O que esse professor não mencionava era a marginalização que essas
teorias causavam para certos grupos sociais. Negros e índios eram os alvos
preferidos dos exames sangüíneos realizados em pessoas detidas pelas instituições
93
governamentais, como uma maneira de assegurar e tratar a instabilidade das
funções orgânicas desses degenerados. Era a forma de identificar os anormais,
salvando a sociedade dos tipos delinquentes.
3.1.3 Dr. Amaro Gomes Pedrosa e sua tese sobre a Responsabilidade Criminal
dos epilépticos
A partir de meado do século passado, a epilepsia tem sido estudada de uma
forma meticulosa e intensa, isso depois que se lhe atribuíram a gênese de
certos atos anti-sociais, como crimes monstruosos, as ações inéditas e a
pratica de atos repulsivos, cometidos por pessoas normais aparentemente, e,
mesmo, de alta cultura. E foi precisamente Lombroso um dos grandes
precursores desse movimento científico em torno do grande mal, estudando-
o largamente, para aponta-lo, mais tarde, como causa preponderante do
crime, da prostituição e do gênio
.
(Grifo nosso)
(PEDROSA, 1935, p.9).
Em 1935, é publicada a tese de doutorado de Amaro Pedrosa Gomes,
defendida na FDR, visivelmente influenciada pelas idéias neolombrosianas quanto à
epilepsia e crime. Nesse trabalho, a epilepsia é apresentada como afecção mental
praticamente imperceptível a análise antropométrica. Dessa maneira, pessoas
normais poderiam ser facilmente confundidas como epilépticos, que a ciência não
sabia identificar neles elementos anatômicos plausíveis do criminoso nato, o que
transformava esses indivíduos em delinqüentes “invisíveis” aos olhos dos peritos.
Como o próprio Dr. Pedrosa referiu, Cesare Lombroso foi um dos
primeiros cientistas a apontar a epilepsia como falha mental dos degenerados, tanto
quanto outro comportamento anti-social, como a prostituição e a vadiagem.
A tese do Dr. Pedrosa defende que o epiléptico é criminalmente
inimputável devido seu estado mental inconstante e sem tratamento alienista para
controlar suas crises de exaltação e depressão. A epilepsia era tida pela ciência
moderna como um dos estigmas lombrosianos imperceptíveis fisicamente, que
nem todos os enfermos manifestavam convulsões e a perda da consciência. A não
ocorrência de crises convulsivas e sem traços antropométricos científicamente
classificados, poderia confundir a identificação desses delinqüentes com pessoas
“normais”.
94
A hereditariedade foi por muito tempo considerada como sendo essa causa
essencial, única, passando, porem, a um plano secundário logo que se
procurou constata-la na pratica. Efetivamente, o epiléptico, como portador
que é de um insidioso processo degenerativo, pode transmitir á
descendência uma tara mórbida, a que, mais tarde, estímulos vários
precipitam em acessos típicos, conforme salienta Fere
.
(PEDROSA
, 1935,
p. 12)
Com essas palavras, Dr. Pedrosa salienta a dificuldade do trabalho do
serviço de segurança pública pernambucano; a hereditariedade da epilepsia viria
acompanhada pela tendência a outras taras congênitas, como o alcoolismo e a
sífilis, conhecida como espinha epiléptica. Essa agregação de “degenerações” num
mesmo indivíduo era comum no paradigma neolombrosiano. Menciona:
(...) a chamada “espinha epiléptica”, estigmatizando-o para sempre e para
sempre o dispondo de possibilidades ao completo desenvolvimento do mal.
(...) pelo ponto de vista médico-legal, o estudo do mal, assim, encarado na
sua dupla feição, como moléstia puramente autônoma, essencial, e como
moléstia propriamente sintomática. (PEDROSA, 1935, p.14).
Para Dr. Pedrosa, estigmatizar o epiléptico como propagador do mal
social, influenciaria nos estudos médico-legais pernambucanos, retirando o indivíduo
da condição de doente para a categoria de criminoso, antes mesmo de um
diagnóstico conciso. A epilepsia derivava de uma formação do aparelho nervoso
ainda na fase fetal da gestação humana, a qual só emergia nos momentos de
convulsões ou ações incivilizadas. A face degenerada ficava evidente durante os
ataques das crises:
A face do paciente se enruga, os supercílios se aproximam, os músculos
como que se contorcem, e as pálpebras se entreabrem, deixando ver os
olhos fixos, duros, pupilas voltadas para dentro, ou em movimento rotativo
dentro das órbitas. A fisionomia geral toma então um aspecto extranho e
pavoroso; os dentes trituram em vão; uma baba espumosa e sanguinolenta,
as vezes, corre pelas comissuras dos lábios contraídos
.
(PEDROSA, 1935, p.
17).
Essa descrição da crise epilética procurava apresentar a transformação de
um indivíduo aparentemente “normal” num animal puramente selvagem, que
carregava dentro de si perturbações psíquicas que resultariam numa mudança
brusca de caráter. A partir dessa constante oscilação de personalidade, o governo
deveria ver o epiléptico como alvo das políticas de segurança pública, sendo que se
tratava de “seres anormais, terríveis e altamente perigosos porque nesse estado
95
podem cometer os atos mais escandalosos, os crimes mais repulsivos e ações
ignóbeis, tudo como se estivessem perfeitamente sãos e sem guardiã desses
crimes”. (PEDROSA, 1935, p.17).
Pudemos perceber no capítulo anterior, onde analisamos educação e
epilepsia em Pernambuco, como os estudos realizados por Dr. Pedrosa possuíam
uma conexão com o que se propunham setores pedagógicos no Estado. Através dos
documentos que apresentamos, verificamos o ensejo em dividir os alunos tidos
como normais dos alunos anormais, com aplicação de exames biométricos. Os
alunos diagnosticados com epilepsia deveriam ser retirados do convívio dos demais,
por receio que sua agressividade emergisse.
Entretanto, a tese do Dr. Pedrosa possui um olhar voltado ao convívio
social dos epilépticos. Acreditamos que a apresentação do epiléptico como
inimputável estava associada ao suposto poder aquisitivo que parte dos doentes
aparentava ter. A existência de um amplo mercado farmacológico, como também a
preocupação de pedagogos (a exemplo do GP), em separar os epilépticos dos ditos
normais, orienta-nos a uma análise da inimputabilidade como um artifício para
continuar estigmatizando os epilépticos ao tipo degenerado.
3.1.4 A crítica do Dr. Augusto Lins e Silva a Medicina Legal
São correntes afins a biologia e o Direito Penal. Por isso mesmo torna-se
indispensável para a boa orientação jurídica, na ciência do direito penal, a
cooperação científica da medicina. O homem, como expressão biológica,
como formação psíquica, como complexo físico-químico, não pôde fugir á
corrente medica no terreno da criminalidade. (Grifo nosso) (SILVA, 1938,
p.47).
Ao estudar os degenerados, nos deparamos com a estreita relação entre
Medicina e Direito. Em 1938, é publicada a tese do Dr. Augusto Lins e Silva,
catedrático em medicina-legal da Faculdade de Medicina e livre docente da FDR,
representando essa relação. Como Dr. Silva argumenta, a discussão desta tese se
concentra no período que ele chama de “pós-lombrosiano”.
37
37
O que para Dr. Lins e Silva era pós-lombrosionismo, podemos enquadrar como neolombrosionismo.
96
O Dr. Silva procurou confrontar estudos somáticos da compleição
delinqüente com questões externas (ambiente social e anatomia individual) e
internas (organismo e psique) do indivíduo. O psíquico humano seria uma junção
desses elementos, sendo a degeneração da personalidade decorrente destes dois
aspectos atávicos.
Mas, qual o objetivo da tese do Dr. Silva em meio ao trabalho forense de
identificação em Pernambuco? Por que a perícia forense em Pernambuco deveria
ter um arcabouço refinado para diagnosticar os doentes mentais?
Essas questões podem ser respondidas pela quantidade de fraudes
judiciais que alguns réus utilizavam como meio de abrandar ou fugir das penas. Para
isso, procuravam se passar por doentes mentais no momento da prisão ou durante
sua permanência sob custódia das instituições de reabilitação do Estado. Para
diminuir a incidência desses casos de fraude, o Estado deveria promover exames
somáticos e antropométricos com maior rigor. Esse esforço do delinqüente para
enquadrar-se nos moldes da punição dos alienados, era para ser considerado
inimputável, obrigando o Estado a fazer uma investigação mais detalhada do
indivíduo, a fim de oferecer um diagnóstico fiel de sua situação mental, focando seu
olhar forense nos:
Sinais anatômicos, estigmas de degeneração, pesquisas antropológicas,
completam o acervo de elementos para a elucidação diagnostica. Sem
sintomas específicos, todos os dados se apresentam com múltipla
significação, provocando uma conclusão científica. O processo químico é
uma questão apenas de ordem patológica no alienado e de harmonia com o
mundo exterior no homem são. Daí a dificuldade de se estabelecer, por
vezes, as fronteiras que limitam o estado patológico do estado de
irresponsabilidade absoluta atenuada
.
(SILVA, 1938, p. 43).
Dr. Silva justifica seu desejo pelo aprimoramento da investigação forense
em Pernambuco para buscar a real “natureza degenerada” do réu que simulasse
desequilíbrio mental. Essa simulação era possível pelo simples questionário criminal
realizado nas delegacias e presídios pernambucanos, sem levantar informações
básicas, como antecedentes hereditários e antecedentes pessoais. Isso, porque o
“delinqüente, de quem particularmente, mais comumente fazem-se simuladores, com
o intuito de escapar as conseqüências penais de seus atos”. (SILVA, 1938, p.43).
Tanto os criminosos que tentavam se passar por doentes mentais, quanto
os alienados, eram degenerados e deveriam passar pelo detalhado exame “médico-
97
psíquico problema e antecedentes sociais”, tendo o histórico familiar investigado,
com o levantamento das enfermidades que assolaram seus familiares, o que deveria
comprovar a hereditariedade de seu atavismo. Após essa primeira etapa, seria
realizado o exame somático e os exames do sistema nervoso.
No exame somático seria feita a observação da estatura, peso, estigmas,
tatuagem, pêlos, estudo morfológico da cabeça, da fronte, da orelha, do nariz,
aspecto da arcada dentária e estudo dos traços faciais. Esses exames dos traços
fisionômicos estavam influenciados pelo moldes dos 11 traços de identificação facial
elaborados por Lombroso, aplicados nos processos de identificação médico-legal
desde o final do século XIX, mas desde a década de 1920 incluiam exames do
sistema nervoso, tudo para detalhar a personalidade degenerada.
38
O exame nervoso viria como complemento do somático, começando pelos
testes de reflexo das articulações, exames laboratoriais, soro sanguíneo, líquido
céfalo raquiano, exame de urina e fezes. Esse procedimento deveria estabelecer o
funcionamento endócrino do indivíduo, o qual influenciaria no seu humor e ações.
Por último, o exame mental ajudaria a criminalística a descobrir os
indivíduos que estariam simulando loucura. Segundo Dr. Silva, essa inimputabilidade
penal de “abrandar” a punição dos mentalmente incapazes, não significava uma
regalia aos trapaceiros, que o tratamento dessa enfermidade se daria num
manicômio judiciário, com métodos austeros à base de forte medicação sedativa e,
por vezes, com sessões terapêuticas de eletro-choques (as quais eram utilizadas no
Hospital de Alienados de Pernambucano). Mesmo com tantas tentativas de trapaça
dos réus, o perito dico-legal e os profissionais de psiquiatria poderiam
diagnosticar os indivíduos que tentavam se passar por doentes mentais. Os
“simulados” poderiam enganar no comportamento, mas não nos exames
laboratoriais.
(...) os casos são difíceis de simular e mais difíceis ainda de enganar
psiquiatras. A atitude como que estereotipada do melancólico, o mutismo, a
aparência teatral, podem ser imitadas facilmente em cada ocasião por um
cômico simulador; mas como imitar com saúde robusta a recusa completa de
alimentos, como simular distúrbios orgânicos, perturbações funcionais,
resfriamento das extremidades, etc (...). E essa intenção, consciente e por
vezes proveitosa, inteligente e sempre sagaz, conduz-nos a melhor crer, com
segurança, que todos os simuladores carregam a pecha de degenerados.
(Grifo nosso) (SILVA, 1938, p. 56).
38
O prontuário médico-social dos pacientes mentais da Assistência a Psicopatas do Estado de Pernambuco já
realizava esse tipo de questionário, com os parâmetros médico-psíquicos, exame somático, entre outros,
elaborando um questionário médico do tratamento mental.
98
A simulação do criminoso que pretende se passar por demente, não
conseguia ser perfeita. A Psiquiatria Criminal poderia desmascarar o impostor, com
exames endócrinos que diagnosticariam o funcinamento orgânico, o que
comprovaria o charlatanismo. Entretanto, segundo Dr. Silva, tanto o simulador
quanto o doente mental estavam enquadrados como degenerados, logo, ambos
possuíam disfunções orgânicas. Apenas a experiência profissional do psiquiatra
poderia distinguir a que tipo de patologia degenerada o suposto simulador pertencia:
a moral ou a mental.
Para Dr. Silva, o psiquiatra pernambucano poderia desenvolver seu
conhecimento sobre os degenerados em instituições jurídicas ou em hospitais para
alienados. Fazia parte da investigação dos delitos à perícia psiquiátrica sempre que
se houvesse desconfiança sobre a situação mental do acusado. Porém, na tese o
Dr. Silva esqueceu de que Pernambuco não possuia um local especializado para o
trabalho desse tipo de profissional forense.
A tese do Dr. Silva esbarrava nas condições deficitárias do sistema
judiciário pernambucano, que fazia da Casa de Detenção do Recife espaço de
triagem para todos os tipos de problemas sociais. Qualquer infortúnio captado pelos
policiais nas ruas era levado à triagem da CDR, assoberbada com todo tipo de
detento: crianças, mulheres, homens, doentes mentais, entre outros. A CDR foi
pouco utilizada para desenvolvimento e estudo da psiquiatria forense, que, quando
conseguia ser realizado, era de forma precária e superficial. Segundo o próprio Dr.
Silva, a falta de acompanhamento acadêmico se dava que não havia espaço
apropriado para pesquisa.
A distinção entre os “dissimulados” e os doentes mentais acabava não
sendo realizada. Qualquer indício de alienação era encaminhado para tratamento no
Hospital de Alienados. O que realmente importava seria a exclusão desses
degenerados do convívio social, cujo tratamento não era prioridade nos serviços de
psiquiatria pernambucanos.
99
3.2 Perícia e Identificação no Inquérito Policial
A exclusão pelo visual foi justificada pela diferença física, racial, mental ou
social do sujeito. O corpo figurado torna-se um instrumento de saber, um
objeto de poder. A imagem pode ser utilizada para assentar uma ideologia,
estabelecer uma tipologia ou recensear as características morfológicas que
atestam os diversos modos de alienação, de degenerescência ou de
inferioridade
.
(GRUNSPAN, 1992).
As tipologias corporais do indivíduo, proferidas pelos métodos científicos
de identificação criminal estabelecem o domínio governamental a partir da
compleição física e constituição biológica, que compunham o Biopoder.
39
O exame
médico-legal e as fichas de identificação do delinqüente eram os pontos propícios
para destilar tanto o estudo anatômico do agressor como também da vítima. A
descrição biotipológica das fichas de identificação atestaria o grau de degeneração a
que o indivíduo encontrava-se submetido.
Mas, como os mecanismos de Biopoder pernambucanos se apropriaram
do esquema biotipológico criminal para constituir a representação estigmatizada do
delinqüente? A investigação criminológica no processo penal põe a tipologia física e
o processo de identificação em conjunto com o relato do fato delituoso, tendo o
objetivo de identificar os envolvidos em supostos crimes ou ocorrências policiais.
Seguindo esse sentido investigativo, os processos criminais do Tribunal de
Justiça de Pernambuco utilizam as técnicas de identificação biotipológicas para
ajudar na perícia dos casos policiais. A delegacia é o primeiro passo para a abertura
do inquérito policial, que constava de uma ficha de identificação primária, conhecida
também como somatológica (apenas com nome, idade e filiação). Após esse
procedimento, o indivíduo era encaminhado ao Gabinete de Identificação e
Estatística Criminal (GIEC), onde se faria o levantamento dos antecedentes criminais
e realizaria os procedimentos de identificação do inquérito.
40
39
Biopoder é um termo utilizado por Michel Foucault ao discutir sobre dominação e subjeção dos corpos
humanos pelo Estado moderno como forma de legitimar seu poder político. (FOUCAULT, 2001; FOUCAULT,
2003).
40
Após anos de clamor dos Chefes de Polícia em diversas partes do país, o GIEC foi finalmente fundado em
1909, pelo Decreto de Lei 968 de 28/06/1909. Em Pernambuco, suas instalações funcionavam ao lado do
Instituto Médico Legal, o que facilitava o trabalho da perícia forense nas aberturas de inquéritos e na realização
dos laudos médicos sobre o estado sico dos indiciados dum processo judicial. Desde sua criação o GIEC se
especializou na identificação dactiloscópica, criada pelo argentino Juan Vucetich e aplicada nos mais diferentes
métodos de identificação. Em 1980, o GIEC mudou seu nome para Instituto Tavares Buril, em homenagem a seu
diretor João Tavares Buril, o qual permaneceu no cargo por mais de 26 anos. Informações colhidas no IITB.
100
Após a elaboração dessa ficha criminal no GIEC, o indivíduo era
encaminhado ao Instituto de Medicina Legal (IML) para a realização do laudo
médico-legal, que analisaria o estado físico e clínico dos indivíduos. Nessa fase do
inquérito, exames de sangue, entre outros, eram utilizados a fim de diagnosticar o
temperamento psíquico da pessoa. O organismo humano teria voz por meio da
perícia forense.
3.2.1 Ficha do GIEC
Illmo. Snr. Dr. Diretor do Gabinete de Identificação: O exmo. Snr. Dr.
secretário da Segurança Pública recomenda que envieis a individual
dactiloscópica do réu H.E., vulgo “Cambraia”, identificado 9310, fazendo
acompanhar a individual de 5 retratos do mesmo réu. Saudações. (Oficio
s/nº, anexada à ficha do GIEC, 1930)
Esse trecho encontra-se no ofício da Delegacia de Polícia do Districto
da Capital destinado ao GIEC para a realização dos métodos de identificação oficial
do biótipo e da datiloscópica do criminoso Cambraia, sujeito temido pela população
do Recife, acusado de cometer diversos assaltos a mão armada em conjunto com
outros comparsas. Cambraia foi capturado pela polícia após o assalto à residência
do professor Antônio L. Amaral, situada na Estrada do Cumbe, Beberibe, chefiando
um grupo de 8 indivíduos armados com rifles. A invasão à casa do professor foi
realizada à noite, atacando com violência a família da vítima, resultando em
agressões ao filho menor e no assassinato do professor. O bando apenas conseguiu
subtrair um revólver, um relógio de ouro e uma mínima importância em dinheiro e
evadiram-se do local.
A prisão de Cambraia e mais dois integrantes de seu bando, o José de
Souza e o Arlindo, ocorreu dias depois, com a ajuda da elaboração de um retrato
falado por uma testemunha, a qual descreveu o bando como: apenas vi um homem
preto, outro preto fulo, um rapaz pardo, os outros não vi, mas eram de cor. Baixos,
cabelos crespos e roupas pobres. Vi em seus olhos que eram pessoas de pouca
moral.
41
A descrição física desses indivíduos era a única informação plausível da
autoria do crime, possibilitando a polícia fazer um perfil dos infratores, os quais
confessaram o delito.
41
Inquérito Policial n° 844. GIEC, 1930.
101
Na delegacia, Cambraia e seus comparsas foram submetidos às
impetrações do Boletim de Ocorrência (B.O.), o primeiro passo para a instalação do
inquérito policial. O BO consta duma ficha de identificação primária (apenas com
nome, idade e filiação) pouco confiável, já que se baseava apenas no que os
impetrados falavam. Cabia ao investigador Alcindo Maranhão dar procedimento ao
inquérito, encaminhando-os ao GIEC, para averiguação da identidade e verificação
de possíveis antecedentes criminais de Cambraia e seus companheiros de crime.
Nessa fase perícial, o GIEC preenchia uma ficha de identificação criminal mais
elaborada, compondo-se da descrição dos 11 traços faciais (os quais discutimos no
primeiro capítulo), duma ficha dactiloscópica (impressão digital), fotos sinaléticas e
histórico do delito que o levou a ser fichado.
O processo de preenchimento da ficha sinalética de Cambraia no GIEC
levou horas, mobilizando vários agentes e peritos, tais como: datiloscopista,
fotógrafo, escrivão, perito investigativo e a observação do diretor do GIEC, o
responsável pela perícia. O recolhimento da impressão digital pelo datiloscopista era
o procedimento mais rápido e o que definia o número de registro da ficha, evitando
possíveis enganos entre homônimos (pessoas com nomes idênticos).
Após manchar as pontas dos dedos com a tinta necessária para a
datiloscopia, Cambraia foi encaminhado ao trabalho do perito criminal responsável
pelo preenchimento das informações da Nota Chromaica. Nessa parte do
procedimento, o perito noticiou ao inquérito a compleição do biótipo do indiciado,
fazendo uso da escala antropométrica (a qual conferia a altura) e amparada pelo
olhar do perito que abalizaria a cor e aspecto dos cabelos, pele, olhos, entre outros
aspectos fisionômicos. Desse modo, estava nas mãos do perito a responsabilidade
de repassar para a ficha o que constatava apenas por visualização, sem utilizar
metodologia científica. O que abalizaria suas descrições fisionômicas seria o
trabalho de outro profissional: o fotógrafo.
A realização das fotografias sinaléticas demorava muito, que o fotógrafo
deveria bater duas fotos de cada indivíduo e o equipamento requeria certo tempo
para ser preparado entre uma foto e outra. Segundo a historiadora Elise Grunspan, o
processo de fotografia sinalética no Brasil foi imposto em conjunto com a criação dos
Gabinetes de Identificação, em 1909, pelo Decreto-lei 3.640. Neste Decreto,
impunha-se aos fotógrafos o estudo dos métodos de Alphonse Bertillon para a
realização do retrato forense. (GRUSPAN, 1992). Esse processo estava submetido
102
às mensurações físicas pela antropometria lombrosiana, substituindo o retrato falado
e a suposta neutralidade que a imagem sinalética passa à perícia criminal.
A fotografia, segundo Boris Kossoy, se tornava um documento cientifico
que carecia de outros artificios para ser validado como científico.
(KOSSOY, 2001,
p.28). A imagem captada pela câmera encontra-se fora do controle do sujeito
fotografado, congelando a expressão e o sentimento do sujeito, o que a tornaria um
testemunho quase irrefutável da “idoneidade” dos métodos de identificação. Vendo
por esse prisma, a fotografia realizada pela perícia forense seria um documento tão
importante quanto às análises do perito ou do datiloscopista. Dessa maneira,
analisamos a ficha de identificação de Cambraia, a qual vem a seguir:
103
FIGURA 14 - Ficha de identificação do GIEC, proferindo a datiloscopia, foto sinalética e exame
somático.
FONTE: IITB, Fichas do GIEC, registro 9310.
104
Cambraia estava sendo analisado por peritos influenciados pelos estigmas
proferidos pela Biotipologia Criminal: a identificação física apontava a personalidade
degenerada do indivíduo, discutidas anteriormente nas teses dos pernambucanos
Poggi Figueiredo e Aureliano Araújo. (FIGUEIREDO, 1934; ARAÚJO, 1935).
O histórico do delito de que o indivíduo estava sendo acusado, seguia a
ficha produzida no GIEC simplesmente como um detalhe, sem aprofundamento dos
fatos. O crime, o qual teria dado início ao inquérito policial, estava representado em
quatro linhas nas “observações” da ficha. O crime não era importante naquele
momento, mas apenas o corpo do acusado de tê-lo cometido.
Os equipamentos utilizados pelo GIEC para preencher a ficha de
identificação sinalética eram:
A escala antropométrica, onde o indivíduo ficaria de enquanto o
perito retirava as medidas de sua altura física e peso;
A máquina fotográfica acompanhada duma cadeira de base rotativa
para realizar fotografias faciais;
Esquadro corporal;
Compasso de toque para medições craniométricas.
Esses instrumentos eram utilizados pelos peritos forenses para a
construção de uma metodologia que transformava a fotografia num documento
judicial. Em 2008, no decorrer desta pesquisa, encontramos parte do equipamento
utilizado pela perícia do GIEC em poder do IITB, como podemos visualizar logo
abaixo.
FIGURA 15 - Escala antropométrica e equipamentos fotográficos: utilizados nos exames de
identificação do GIEC na década de 1930. Fotos tiradas pela autora no IITB. Jan./2008.
105
Esses instrumentos biométricos constituiam parte do olhar perícial do
profissional criminalista, que deveria preencher esses dados: o perito criminal.
Pontos da ficha perícial como cor da pele, olhos, nariz, sobrancelhas, entre outros,
estavam sob os ditames do datiloscopista encarregado de preencher tais requisitos.
Por serem itens quase que objetivos ao olhar do perito, sem equipamentos para
diagnósticos tão precisos quanto os métricos, poderiam apresentar um laudo
tendencioso para mostrar os estigmas atávicos que perseguiriam o indivíduo.
Em meio a esse procedimento realizado no Cambraia, um bilhete do
perito solicitando do Poder Judiciário instrumentos biométricos, como o estesiometro
de contato alternante, responsável pelas medições do crânio e dos traços faciais. O
GIEC pernambucano não possuía tais equipamentos preponderantes para uma
identificação mais precisa dos impetrados, os quais dariam distâncias exatas entre
os olhos, sobrancelhas, tamanho da boca, orelhas entre outros traços faciais. Vemos
no caso de Cambraia a aplicação da identificação proferida pela Biotipolagia
Criminal: a união da datiloscopia, fotografia sinalética, os quais oferecem à perícia
criminal o suporte metodológico quase incontestável da identidade humana.
Essas fichas de identificação do GIEC possuiam influência do
neolombrosianismo, entretanto não conseguiam formular uma análise perícial tão
completa quanto ansiavam os acadêmicos pernambucanos. Isso, devido à escassez
de materiais e profissionais que agilizassem o serviço de identificação. Um dos fatos
dessa carência de recursos se devia ao baixo investimento do Estado nessas
instituições, que a prioridade era atender aos anseios da modernização do centro
do Recife, onde circulariam os cidadãos, enquanto que no GIEC o atendimento
estava concentrado aos supostos degenerados morais.
3.2.2 Laudo do IML
Chegando ao conhecimento desta Inspectoria, por queixa apresentada por
Venicius A., que ás 19 horas de hoje, na Rua do Cupim, fora victima de uma
agressão, por parte de José Guerra, resultando sahir ferido, determino que A.
esta, se proceda o necessário a respeito, tomando-se por termo as
declarações da victima, que deverá ser submettida a exame medico legal
.
(Grifo nosso). (1º Vara Criminal, processo nº 2997, 09/06/1930).
106
O oficio redigido pelo GIEC encaminhou o jovem Venicius ao exame
traumatológico do IML, dando continuidade à averiguação do inquérito policial.
Segundo os autos judiciais, era um final de tarde do dia 09 de junho de 1930, os
colegas de trabalho Venicius e José, após largarem do serviço no banco da cidade,
tiveram uma breve conversa que ressuscitou um atrito ocorrido dois meses antes.
Ambos aferiram luta corporal e a diligência policial foi acionada. Ao serem fichados
na delegacia, os policiais elogiaram a conduta educada dos rapazes que não se
enquadravam nos parâmetros dos delinqüentes comuns que geralmente chegavam
sem portar documentos à delegacia e sem preocupar-se em prestar informações
sobre sua identidade, o que facilitava o trabalho do GIEC.
Cabia ao IML proferir em Vinicius o laudo que apresentaria o seu estado
físico e clínico, como hematomas, lesões, exame sangüíneo e características de seu
temperamento. Diferente do que acontece com as fichas de identificação, o laudo do
IML não procura narrar o histórico do incidente que havia levado o sujeito a ser
submetido a tal procedimento médico, tinha apenas o objetivo de estudar o corpo
científicamente. Como proferia o neolombrosianismo: a análise do corpo revelaria o
que o inquérito policial deveria saber sobre o perfil psicanalítico do indivíduo, por
conseguinte seu grau de periculosidade. (ARAÚJO, 1934, p.25).
uma ficha de identificação interna que antecede o laudo médico-legal,
seguindo o mesmo percurso dos exames somáticos. (ARAÚJO, 1934, p.103). Nela,
continha informações embasadas na somatometria, como idade, altura, cor da pele,
constituição física (fraco, regular ou forte) e temperamento emocional. Essa ficha
constituía a primeira parte do laudo assinado por um médico-legista, o qual seria
responsável por todo processo de análise clinica.
Nessa ficha somatológica, Venicius é descrito como homem de cor
branca, altura regular, natural de Pernambuco de vinte e um anos de idade, de
constituição fraca e temperamento symphatico.
42
Não foi por acaso que o perito
responsável pelo laudo de Venicius delineou seu temperamento como “symphatico”,
durante a pesquisa podemos perceber que a questão racial no preenchimento desse
item: pessoas de cor branca tinham seu temperamento descrito como symphatico,
enquanto pardos, pretos e “preto fulo” teriam o temperamento psíquico descrito
42
1ª Vara Criminal, processo nº 2667.
107
como sanguíneo (sinônimo de inquietude e ansiedade).
43
Podemos notar a
influência neolombrosiana na aplicação desses exames de sangue e descrição de
temperamento psíquico, é aplicado nos laudos a partir da década de 1920, mesmo
período em que surgiu a Endocrinologia Criminal.
44
Essa ficha de identificação simples encontrava-se anexa ao laudo perícial,
o qual não utilizava fotografia, apenas uma figura facial ou corporal (seguindo o
arquétipo sinalético: frente e perfil). A figura da face de perfil estava subdividida em
19 pontos composto por questões biotipológicas, enquanto a figura frontal do laudo
estava subdividida em 12 questões. O objetivo do exame traumatológico é dar base
a um prontuário médico-legal, o qual seria anexado ao inquérito e à ficha de
identificação do GIEC.
Como exemplo do trabalho desenvolvido no IML, utilizaremos o laudo a
seguir, onde podemos perceber a presença da figura craniométrica, proferida pela
Frenologia. Esta figura era utilizada para realizar estudos dos crânios e da fisionomia
humana, tendo sido adotada por Lombroso para desenvolver suas pesquisas na
Itália.
43
Os biótipos de temperamento humano eram diversos, mas os encontrados nos laudos do IML foram:
symphatico (tranqüilo e sociável, tipo predominante nos atléticos), sanguíneo (ansiosos, de espírito inquieto, seu
biótipo não é facilmente definido) e o melancólico (apático é predominante no tipo físico fraco e esguio).
(ARAUJO, 1934. p. 47).
44
A teoria da Em, docrinologia Criminal defendia que os exames clínicos eram necessários para o perito
averiguar o funcionamento orgânico, o que revelaria a personalidade do indivíduo. (SILVA, 1938. p. 47).
108
FIGURA 16: Laudo IML.
FONTE: 1º Vara Criminal, processo nº 2997, ano de 1930.
FIGURA 17 - Frenologia no IML: figura desenvolvida pela Frenologia que Lombroso utilizou em
seus estudos craniométricos.
FONTE: Futuro Passado (2007).
http://www.futuropasado.com/images/frenologia.jpg. Acessado em:
14/12/2007.
109
A figura traumatológica utilizada pelo IML na cada de trinta possui a
mesma estrutura da figura desenvolvida pela frenologia do alemão Fraz Gall, no
século XIX, e empregada por Lombroso ao estudar a craniometria nos prisioneiros
da Itália. No Brasil, o IML utiliza essa figura do crânio como recurso para realizar a
perícia forense, tendo em vista o alto custo financeiro da fotografia sinalética.
Lombroso sofisticou a figura craniométrica para incluir os traços fisionômicos.
Entretanto, a figura craniométrica utilizada, tanto por Lombroso quanto pelos peritos
do IML, era semelhante, apresentando a mesma subdivisão, variando apenas na
análise do pescoço ,proferida pelo IML.
Esse exame craniométrico da figura facial, chamado face (posição frontal)
e face lateral (perfil), serviam para que os peritos descrevessem possíveis
hematomas, ferimentos ou observações contidos no rosto do indivíduo. Essa figura
estava decomposta em tópicos que descreviam a estrutura facial:
TABELA 2: Esquema das áreas estudadas pela figura sinalética utilizada pelo
serviço de perícia forense no IML pernambucano: mesmos traços
fisionômicos usados por Cesare Lombroso ao estudar
Craniometria.
LAUDO DO IML
FACE FACE LATERAL
1- Frontal: área da testa;
2- Orbitárias: olhos;
3- Nasal: nariz;
4- Malares: parte superior das
bochechas, abaixo dos olhos;
5- Masseterinas: parte lateral
das bochechas, antes dos
ouvidos.
6- Buccinadora: bochechas
7 - Lábios
8- Mentoniana: queixo;
9-Suprahyoidea:área superior
do pescoço;
10- Infrahyoidea: área inferior
do pescoço;
11- Carotidianas: área lateral
do pescoço;
12- Supraclaviculares: espaço
entre o pescoço e o início dos
ombros.
1- Frontal: testa;
2- Orbitária: área dos olhos
3- Parietal: área por trás do crânio;
4- Nasal: nariz
5- Malar: área superior da bochecha;
6- Zigomática: pequena área entre a bochecha e o ouvido;
7- Temporal: espaço entre os olhos e a orelha;
8- Auricular: orelha;
9- Mastoideana: pequeno espaço no crânio, localizado atrás da orelha;
10 - Auricular: área inferior do crânio;
11- Labial: boca
12- Buccinadora: parte inferior da bochecha;
13- Masseterina: estreito espaço entre a parte inferior da bochecha e o
ouvido;
14- Mentoniana: queixo;
15- Suprahyoidea: área superior do pescoço, abaixo do queixo.
16- Carotidiana: lateral do pescoço;
17- Supraclavicular: área do pescoço, abaixo da nuca.
17- Nuca
18- Infrahyoidea: área do pescoço abaixo da nuca.
FONTE: 1ª Vara Criminal, processo nº 2667.
Podemos compreender como a figura craniométrica é aproveitada pelo
laudo médico-legal, no laudo de Venicius. O perito, ao analisar a face de Venicius,
110
constatou que ele foi ferido por um objeto contundente (não especificado pelo
laudo), que encontraram nas áreas zigomática e temporal esquerda, sendo uma
escuridão medindo quatro centímetros de extensão por um e meio centímetro de
largura. O equipamento biométrico empregado no trabalho de perícia traumatológica
para medir as lesões chamava-se estesiometro de contato permanente, usado para
medir o tamanho do crânio, como também verificar a extensão de possíveis
ferimentos.
Atendidas essas questões formais, os peritos procuram descrever ao
máximo os traços físicos, já que não dispunham de aparelhos fotográficos para
“capturar” as imagens do corpo. Assim, a alternativa escolhida era preencher esses
questionários o mais claro possível. Com isso, obter-se-ia um mapa minucioso da
situação fisionômica, desde suas tatuagens, cicatrizes, sinais, entre outros pontos de
identificação facial.
Depois de proferido o laudo, o IML o encaminhava à delegacia para dar
continuidade ao inquérito e avaliação policial do ocorrido. Venicius e seu colega
brigão tiveram sorte: ambos foram liberados depois de se submeterem aos
procedimentos policiais, entretanto um processo criminal foi aberto sem lograr
conseqüências aos dois.
Devemos lembrar que para inspeção corporal completa, havia a figura do
“arquétipo corpóreo”, também seguindo a vertente lombrosiana. Nessa situação, o
esquema biotipológico se subdividia em 52 tópicos na figura frontal e 35 para a
figura das costas. Podemos perceber a influência da tese sobre Biotipologia Criminal
do Dr. Arnaldo P. Poggi Figueiredo, a qual discutimos anteriormente, sobre
antropometria, como procedimento do estudo anatômico do criminoso (Ver figuras
10 e 11).
Entretanto, enquanto Dr. Figueiredo discutia a Biotipologia Criminal e suas
técnicas de aplicabilidade, o IML aproveitava essas perícias para realizar o “laudo
corporal completo”. Esse laudo também tinha anexada uma ficha de identificação
somatológica simples, a qual acompanhava apenas o ofício de solicitação da
delegacia ou do GIEC, mas não se restringia apenas a um membro do corpo, mas
ao corpo como um todo. Era basicamente utilizado em incidentes físicos que
necessitassem de uma descrição que abrangesse todos os membros. Vejamos a
figura abaixo:
111
FIGURA 18 - Esquema anatômico completo do IML. Laudo realizado em 30/05/1930.
FONTE: 1ª Vara Criminal, processo s/n.
Em 24 de Maio de 1930, Djalma deu entrada no IML com queimaduras por
todo o corpo proveniente de uma explosão em sua residência. O oficio encaminhado
pela delegacia ao IML para realizaçao do laudo conta que, por haver explodido uns
traques, a casa que era coberta de palha e zinco, pegou fogo. Havia a dúvida se o
ocorrido se deu de maneira criminosa, por isso o inquérito policial teria sido
impetrado. Como várias partes do corpo de Djalma foram atingidas, a perícia utilizou
a figura corpórea completa, o que nos permite uma análise detalhada da influência
lombrosiana nesse processo médico-legal.
A posição da figura e as subdivisões do corpo seguem o padrão de
análise forense desempenhado pelos intelectuais lombrosianos, um esquema
minucioso em que cada membro está enumerado para que o laudo seja o mais
exato possível. Encontraram: queimaduras do primeiro e segundo graus attingindo a
cabeça, o tronco e os membros superiores e um terço superior das coxas. O
inquérito policial da explosão na residência de Djalma não conseguiu constatar se foi
acidente ou crime o ocorrido, mas seu corpo levou as cicatrizes das lesões por toda
a vida.
112
O IML proferiu sua função tanto no laudo facial de Venicius quanto na
perícia corpórea de Djalma, misturando Biotipologia Criminal e Endocrinologia
Criminal na aplicação de seus laudos. Depois de terminado o exame, o laudo voltava
às mãos do delegado responsável para que o inquérito policial fosse concluído,
sendo elaborado o relatório e, consequentemente, enviado à continuação dos
procedimentos do Poder Judiciário.
Dessa maneira, podemos perceber a relação teórica entre as teses
acadêmicas, apresentadas no início do capítulo, com o inquérito policial aplicado
pelo GIEC e IML. Os autores das discussões acadêmicas ansiavam uma perícia
científica mais completa, com exames antropométricos extensos, o que tornariam
onerosos e mais burocráticos o serviço forense, estendendo também o tempo para
elaboração da ficha de identificação criminal. O emprego de uma ficha
antropométrica mais elaborada ocasionaria outros transtornos aos cofres públicos,
como a necessidade do aumento no quadro de funcionários e investimento em
formação criminal desses profissionais, o que seria uma prioridade nos serviços de
segurança pública.
No IML, as sugestões acadêmicas para o emprego de exames hormonais
e de sangue pela Endocrinologia Criminal nos laudos eram realizados em menor
proporção. A análise biotipológica possuiu maior espaço no laudo, mesmo contendo
tímidos exames de sangue, os quais designavam a personalidade/temperamento do
indivíduo.
A prioridade do Estado era investir nos procedimentos de infra-estrutura e
modernização da cidade, até porque, no entendimento do governo, os serviços
forenses eram utilizados geralmente por pessoas de baixa renda. A campanha de
modernização da cidade recifense estava entre as prioridades da administração
pública, tendo em vista que era o espaço onde deveria circular os cidadãos, não os
degenerados morais.
113
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A persistência das idéias lombrosianas no século XXI
Em ‘Recordação a Casa dos Mortos’, Dostoievski, dizia que há
indivíduos irrecuperáveis. Influenciados por essa opinião, os criminalistas
Lombroso e Ferri, criadores da Escola Penal Positivista, teorizavam que
existe um sujeito que nasce predisposto ao crime. (...) ‘A ocasião não faz o
Ladrão; O ladrão nasce feito’. É curial que fatores exógenos
(desequilíbrio social, concentração de renda, falta de educação e de
assistência médica, analfabetismo, drogas, alcoolismo e miséria) são
causas preponderantes da etiologia do crime. Mas não podemos descartar
e minimizar os fatores endógenos, como genéticos, hereditários e
personalizados.
45
Esse artigo publicado pelo Jornal do Commercio em março de 2007 e escrito
pelo advogado Arthur Carvalho,
46
dirigente de um escritório de advocacia no Estado
de Pernambuco, demonstra argumentos lombrosianos ainda vivos na teoria
criminológica.
A ligação dos criminologistas contemporâneos com o lombrosionismo pode
estar atrelada à propagação dessa teoria em outras áreas de conhecimento como
Sociologia, Antropologia, História, Medicina e Direito. A roupagem atual da
discussão ainda debruça-se nas explicações sobre violência, identificação forense e
métodos preventivos da delinqüência.
Essa união da Criminologia lombrosiana com a atualidade pode ser explicada
pelos cursos de graduação em Direito que, desde o século XIX, oferecem em sua
grade curricular a Criminologia como disciplina que discute a origem do Direito Penal
positivista. Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal, relacionou às
características da anatomia humana a propensão à delinqüência, o que contribuiu
para elaborar uma metodologia de identificação científica estereotipada e rodeada
de pré-julgamentos do perito com relação ao corpo analisado. Tudo que fosse
disforme, assimétrico ou estivesse dentro dos estigmas atávicos, os quais discutimos
45
CARVALHO, Arthur. Lombroso e Ferri tinham razão. Jornal do Commercio. Recife, 14 de março de 2007. p.
11. Nesse artigo, Athur Carvalho faz menção a obra de Fiódor Dostoievsk: Recordação a Casa dos Mortos
(1861), que se baseia no período em que foi prisioneiro político na Sibéria, onde teve contato com prisioneiros e
com o funcionamento prisional, o qual não reabilitaria o criminoso. Essa obra originaria posteriormente Crime e
Castigo, em 1866.
46
O jurista pernambucano Arthur Carvalho possui um escritório de Advocacia que atua nas áreas de Direito
Civil, Direito do Trabalho e Criminal, com projeção e atuação em todo território nacional, há 40 anos.
114
ao longo do trabalho, eram rotulados de degenerados pelos estudiosos discípulos de
Lombroso.
O artigo de Arthur Carvalho ilustra a persistência do pensamento lombrosiano
não apenas entre os juristas, mas em meio ao olhar da imprensa que se dispõe à
publicação sob a idéia de estar preocupada com os índices atuais da violência
social.
Em outro trecho do mesmo artigo, Arthur Carvalho embasa seu discurso
lombrosianista ao distinguir o cidadão de bem do indivíduo de índole má:
O problema social é uma coisa, índole má é outra. (...) A situação como
está é que não pode continuar. O cidadão pacato e de bem, que paga
imposto, produz para a nação e tem família para criar o deve ficar a
mercê da bandidagem, de um pivete qualquer, que tire sua vida covarde e
impunemente. A certeza da impunidade é um incentivo ao crime. A
literatura brasileira e a estrangeira são ricas em personagens lombrosianas
– pessoas intrinsecamente perversas que nasceram propensas à prática de
crimes escabrosos. (CARVALHO, 2007, p. 11)
O discurso, que nos remonta à narrativa criminológica elaborada no século
XIX, sobreviveu às críticas e modificações no culo XX e continua a operar na
metodologia de identificação forense do culo XXI. O receio do comportamento
anti-social nos reporta à necessidade da Humanidade de criar mecanismos para
disciplinar os cidadãos, como escolas, penitenciárias, hospitais psiquiátricos,
orfanatos, entre outros que foram e ainda são redutos de ordenamento e controle.
Com esses institutos de modelagem da conduta populacional, o poder estatal
procurou base para legitimar-se, estruturando o conceito de ordem pública e os
parâmetros morais. (FOUCAUT, 2001, p.50).
Ao poucos, o conceito de justiça estatutária e os métodos de identificação
foram revestindo-se de licitude, passando a ser aceitos pela população como
mecanismo necessário para impetrar o poder do Estado.
Mas, devemos estar cientes de que a justiça é um produto de construção
cultural, variando conforme o conceito de crime e os parâmetros culturais da
sociedade que o emprega. Ao percebermos essa variante teórica, nos atemos ao
que a metodologia penal estava delimitada conforme as necessidades de cada
grupo social. A padronização das penas abriu espaço para as demais ciências
voltadas ao estudo forense, que procurou enquadrar o corpo humano às normas
penais.
115
O corpo humano domina-se pelo olhar da vigilância social, no entanto, agora,
sem sofrer diretamente com a punição física, o corpo seria alvo dos estigmas
excludentes proferidos pelas teorias que suscitaram os meios de identificação.
(FOUCAULT, 1987, p.80). Representava a passagem dos antigos moldes punitivos
dos suplícios para o modelo de penas limpas, sem sangue, sem torturas, mas
recheados de estereótipos. (FOUCAULT, 1987, p.166).
No que diz respeito à Escola Clássica do Direito Penal destacam-se os
postulados que deram roupagem às teorias biodeterministas do séc. XIX: a
finalidade do poder judiciário é reabilitar o transgressor ao convívio social. Para isto,
a ciência penal ansiava por estudos voltados às necessidades sociais. Ganhava
terreno às teorias biodeterministas que viriam fermentar a discussão sobre
criminalidade, suas causas e artifícios científicos para controlá-la. Esse seria o início
da elaboração dos métodos científicos de identificação humana, difundidos pela
Criminologia e, no século XX, adotados pelo sistema Judiciário como mecanismo de
delimitação da criminalidade.
Os estereótipos raciais, doenças mentais e aparência física assimétrica, entre
outros desacertos humanos, passam a integrar as fichas de identificação criminal. A
delegacia de polícia adota as fichas de identificação como forma de facilitar o
trabalho de catalogação, mas o Poder Judiciário sente a necessidade de ampliar o
diagnóstico da identificação criminal. Em 1909, o GIEC é criado no Brasil
abertamente declarado como propagador dos meios científicos lombrosianos de
identificação, unindo-se ao IML para compor o inquérito policial.
Na cada de 1920, o lombrosianismo retoma o fôlego na área acadêmica
com a Biotipologia Criminal e a Endocrinologia Criminal, ampliando a análise das
fichas de identificação forense, empregando outros métodos para diagnosticar o
degenerado. As teses da Faculdade de Direito e Medicina de Pernambuco passam a
discutir a inclusão das teorias neolombrosianas nos métodos de identificação
criminal.
O GIEC incorpora parte do que estava sendo discutido pela Biotipologia
Criminal em suas fichas de identificação, até porque não possuía equipamento
necessário para uma análise biométrica completa, o que era um ponto de
reivindicação constante de seus peritos. Como vimos no terceiro capítulo, o laudo do
IML adotou os exames de sangue e a figura sinalética utilizada para estudos
craniométricos por, também, não dispor de estrutura perícial necessária para
116
empregar a Endocrinologia Criminal. Entretanto, tanto o GIEC quanto o IML até hoje
empregam os mesmos métodos de identificação forense, o mesmo modelo da ficha
de identificação, a mesma figura no laudo médico-legal. Lombroso e sua teoria do
criminoso-nato ofereceram base aos métodos de identificação utilizados por todo o
sistema penal.
Acreditamos que mesmo a teoria de Lombroso tendo ressurgido em trinta
com novas técnicas de identificação criminal e contendo o mesmo sabor ácido de
exclusão social, ela contribuiu para formular a metodologia de identificação utilizada
até hoje em todos os níveis do Poder Judiciário: delegacia, instituições correcionais,
entre outros mecanismos. As fichas sinaléticas, a datiloscopia e as técnicas de
biometria ainda são empregadas em diferentes locais, tendo permeado as
instituições educacionais, empresas, hospitais, entre outros locais que necessitem
controle e ordem. Tanto as fichas de identificação do GIEC (atualmente IITB em
Pernambuco), quanto os laudos traumatológicos do IML, ainda possuem o mesmo
modelo formulado no século XX.
Atualmente, a discussão lombrosiana sobre criminalidade e sua idéia de
ligação com biológico humano ainda seduz discípulos. No artigo escrito do Jornal do
Commercio por Arthur Carvalho anteriormente citado - nos deparamos com uma
Antropologia Criminal vigente, num Lombroso que se encontra no século XXI.
Entendemos que a conotação dada a essas discussões judiciárias atuais
possuem um olhar diverso do olhar oferecido pela ciência do culo XIX, mas que
ainda insiste em conservar-se, retirando a responsabilidade do transgressor para
colocá-la em questões externas (como a condição biológica). Arthur Carvalho traduz
o incomodo sentido pelas classes mais favorecidas, habitantes dos bairros nobres
da capital pernambucana, circundada pela pobreza, responsável pelo crescimento
da criminalidade:
Nos arrabaldes miseráveis do Recife, as gangues de marginais agem com
liberdade, diante da impotência da policia para combatê-las eficazmente e
o índice de homicídios cresce todos os anos, praticados por grupos de
extermínios, assaltantes mirins e juvenis habitantes de mangues, alagados,
palafitas e barracos infectos circunvizinhos dos bairros nobres.
(CARVALHO, 2007).
Outro exemplo da atualidade da discussão lombrosiana está na capa da
revista Veja, de circulação nacional, a qual publicou uma edição especial no primeiro
mês do ano de 2007 sobre criminalidade. Nessa edição, procurou apresentar o
crime e suas causas distribuídas em quase 50 páginas, subdivididas em 10 artigos.
117
Nessa edição, Lombroso é reconhecido como precursor da ciência criminal, no
entanto, há críticas feitas pelo colunista João Neto sobre a forma pela qual a ciência
forense lombrosiana determina o conceito do criminoso nato. (JERÔNIMO NETO,
2007, p.82).
No artigo Crueldade nas Veias, o autor Jerônimo Neto procura traçar o perfil
dos criminosos considerados psicopatas pela psiquiatria forense, realizando um
apanhado dos estudos científicos sobre criminalidade desde o século XIX. Lombroso
e a teoria do criminoso-nato são apresentadas por Jerônimo como uma falácia
teórica, que não como identificar por feições anatômicas o atavismo
degenerado. Diz:
A busca de um tipo físico característico do criminoso, que orientou grande
parte da ciência forense no século XIX, foi um fracasso completo. Não
como identificar um assassino ou um ladrão apenas pela configuração de
seu crânio ou de suas feições faciais, como acreditava Cesárea Lombroso
(1835-1909). Muito influente em seu tempo – inclusive no Brasil- a teoria de
Lombroso atribuía o crime a um atavismo, uma decorrência de tendências
primitivas que os seres humanos ‘normais’ teriam superado no curso da
evolução. Por esse raciocínio, o criminoso estaria mais próximo dos
animais do que o restante dos homens. E teriam marcas físicas
diferenciadas. Se o formato das orelhas ou da mandíbula fosse mesmo
indicador de comportamento criminoso, o trabalho da policia seria bem
mais fácil. (JERÔNIMO NETO, 2007, p. 83).
Mais adiante nesse mesmo artigo, Jerônimo defende o endurecimento da
legislação penal e sua aplicabilidade, uma vez que para ele o indivíduo é
responsável pela decisão de cometer o delito. Significa dizer que as condições
sociais ou biológicas pouco interferem na escolha de realizar a transgressão. Essa
posição de culpabilidade do infrator com relação à infração difere da idéia de
criminoso nato, a qual apresentava como responsável às condições biotípicas e
endógenas do organismo humano.
Segundo Jerônimo Neto, atualmente estudos neurológicos que utilizam
equipamentos sofisticados para o mapeamento cerebral desses indivíduos, ainda
como ocorria com os estudos lombrosianos, procurando explicações científicas para
o comportamento delinqüente. A semelhança entre estes a ciência atual e a tese
lombrosiana está no estudo do cérebro e variações hormonais.
Mesmo discordando da doutrina lombrosiana em seu artigo, Jerônimo acaba
por apresentar que esses estudos neurológicos realizados em psicopatas no Brasil e
Estados Unidos procuram apresentar disfunções genéticas para o comportamento
118
delinqüente. A ciência biodeterminista do século XIX e as pesquisas genéticas atuais
parecem buscar a explicação para a conduta criminosa ainda nos fatores
biotipológicos, comparando os resultados desses exames dos “normais” com os
“psicopatas”. Entretanto, os fatores sociais que desencadeariam a psicopatologia
estariam ligados a abusos físicos sofridos na infância.
Ao questionar as causas da psicopatia, Jerônimo caminha para as
problemáticas: seria uma deficiência psiquiátrica, uma influência do meio ou um
somatório dos dois fatores? Em meio a esse questionamento, o artigo nos revela
metodologia dos estudos lombrosianos ainda empregados pela neurologia atual:
formar um grupo de pessoas para exames detalhados de seu comportamento social
e cerebral com o anseio de encontrar resquícios da conduta anti-social.
E o que dizer dos 80% de criminosos não psicopatas que estão nas
cadeias? São bandidos por natureza ou por influência do ambiente? Esse
ainda é um tópico para discussões inflamadas, frequentemente temperadas
por algum argumento ideológico. (...) Um estudo realizado em 2002, na
Nova Zelândia, com mais de 400 homens, aponta para relações bem mais
complexas entre genética e ambiente na formação da violência. A atividade
de gene específico chamado de MAOA foi examinada. Em algumas
pessoas, o gene é mais ativo do que em outras- cerca de 37% dos homens
possuem o gene de baixa atividade. (JERÔNIMO NETO, 2007, p. 85).
Analisando a opinião local de Arthur Carvalho com o artigo de Jerônimo Neto
podemos perceber uma diferença entre sua forma de apresentar o lombrosionismo.
Ambos são artigos escritos no ano de 2007, mas com posições ideológicas
diferentes. Arthur ainda reproduz as idéias lombrosianas, onde indivíduos possuiriam
fatores endógenos de perversão social, enquanto Jerônimo apresenta a
Antropologia Criminal como um equívoco científico do séc. XIX, que seria difícil
encontrar um padrão fisionômico do criminoso.
Os estigmas que essas palavras exalam refletem a idéia que ainda permeia a
alma de parte da nossa sociedade excludente e impregnada de estereótipos. De
certa forma, ainda hoje encontramos pessoas que associam o caos urbano a algum
tipo de desvio congênito, a tal “índole” criminosa.
119
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