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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
GEOVANNI GOMES CABRAL
AS REPRESENTAÇÕES DE PODER NO
CORPUS DE FOLHETOS DE 1945 A 1954:
LEITURAS DA “ERA VARGAS”
Recife
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
AS REPRESENTAÇÕES DE PODER NO
CORPUS DE FOLHETOS DE 1945 A 1954:
LEITURAS DA “ERA VARGAS”
Recife
2008
Dissertação apresentada por Geovanni
Gomes Cabral em cumprimento às
exigências do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco, para obtenção
do grau de mestre.
Orientador: Prof. Flávio Weinstein
Teixeira.
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Cabral, Geovanni Gomes
As representações de poder no corpus de folhetos de
Cabral. -- Recife: O Autor, 2008.
171 folhas.
Dissertação (mestrado)
Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2008.
Inclui: bibliografia.
1.
História. 2. Cultura popular. 3. Folhetos de cordel.
4. Literatura de cordel – Política. I. Título.
981.34
981
CDU (2.
ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2010/03
A minha família, sempre presente nas horas precisas.
Ao meu pai Jose Cabral, (in memorian) pelo respeito e integridade.
A meu amado sobrinho Kauã Cabral.
A Vera Mônica e Maurício.
Aos poetas que possibilitaram essas leituras.
MEU POVO, MEU POEMA
Meu povo e meu poema crescem juntos
Como cresce no fruto
A árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
Como no canavial
Nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
Como sol
Na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
Se reflete
Como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
Menos como quem canta
Do que planta.
(Ferreira Gullar)
Agradecimentos
Diante das possíveis “leituras” que este trabalho nos proporcionou, chegamos não
ao final de um estudo, mas ao início de novas oportunidades que a vida nos reserva. Trabalhar
com o universo desta literatura popular me possibilitou ampliar um largo conhecimento
acerca deste rico acervo, permeado de passagens que refletem a nossa história.
Várias pessoas, ao longo deste curso, estiveram ao meu lado, na torcida para que
um pouco dessa história sobre Getúlio Vargas nos folhetos pudesse esclarecer dúvidas que
permaneceram ao longo do tempo e trazer à “luz” novos direcionamentos ou outras
possibilidades de reflexões.
Agradeço ao meu orientador Flávio Weisntein Teixeira pela confiança e
dedicação dispensadas a este trabalho, pelas suas interlocuções e críticas, e pela sua amizade,
que durante anos foi determinante na medida em que estava sempre disposto a colaborar e
oferecer novas sugestões. Muito obrigado pela paciência e competência. Mesmo distante do
Estado de Pernambuco, não deixou, em nenhum momento, de apoiar e dar as devidas
assistências quando sobre as leituras historiográficas pairavam as dúvidas.
Ao Prof. Antonio Paulo Rezende, exemplo de dedicação e competência ao lidar
com o conhecimento histórico associado ao mundo da literatura e poesia. As leituras
desenvolvidas nas suas aulas permitiram fazer novas leituras da vida, não percebidas até
então. Aos demais professores, como Antônio Montenegro, por sua firmeza e perseverança à
frente desta Pós-graduação; à Jorge Siqueira, pelos debates inicias que pontuaram o
desenvolvimento da pesquisa e aos demais professores que não foram mencionados, mas que
permanecem como exemplos de atuação no mundo da história.
Às minhas co-orientadoras, Marinalva Vilar e Ângela Grillo meu imenso carinho.
Marinalva é uma pessoa que não sei como descrever; seu apoio para o término desta pesquisa
foi singular. Obrigado por ter me recebido tão bem em sua casa, nas vezes em que fui à
Universidade Estadual da Paraíba, pela confiança que dedicaste à minha pessoa. Nosso
convívio extrapolou os parâmetros acadêmicos e nos tornamos verdadeiros amigos. Minha
amiga Ângela, que me acompanha desde a graduação, também não tenho palavras para
descrevê-la. Resta-me apenas dizer que me sinto muito honrado em poder ter contado com a
sua presença ao longo deste mestrado.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pelo incentivo financeiro à pesquisa, seu apoio foi fundamental.
Aos meus amigos do mestrado. Todos, sem exceção, foram pessoas que marcaram
a minha vida, por diversos motivos. Amigos que não ficaram restritos à sala de aula, mas que
estão guardados para sempre em meu coração. Sei que fui um pouco ausente com alguns,
porém não tive como mudar os rumos da vida, mas o importante de tudo isso é o sentimento
de respeito, admiração e a certeza de que posso contar com todos. Ao Carlos, Adilson,
Rogério, Vilmar, Francivaldo, Flávio, Andresa, Cíntia e outros, saibam que vocês estarão
sempre presentes em minha memória.
Ao museólogo Albino Oliveira, que com sua atenção pôde me ajudar a pesquisar e
selecionar os folhetos para serem digitalizados no acervo da Universidade Federal de
Pernambuco. À minha amiga Marilene Mattos, da Universidade Estadual da Paraíba, que, à
frente da documentação da Biblioteca Átila de Almeida, me atendeu com maestria. Sua ajuda
foi algo realmente espetacular, compartilhando a ânsia de encontrar mais um folheto relevante
para a pesquisa. Aos funcionários da Fundação Joaquim Nabuco e da Biblioteca da
Universidade Federal de Pernambuco.
Meus agradecimentos a todos que fazem parte do Educandário São Judas Tadeu,
pela força, determinação e apoio diante de um momento tão gratificante. Aos amigos que
sempre torceram para que este trabalho chegasse ao final, muito obrigado pelo
companheirismo, pelas brincadeiras nos momentos de tensão e sobrecarga de muitas leituras.
A Dannylson Albuquerque e Rosangela Machado, que em diversas situações me tiraram do
isolamento a que a pesquisa exige. A Bruno Guilherme, por sua participação na tradução de
alguns trabalhos e à Josenilda pela revisão de alguns textos ao longo do curso.
À Vera Mônica, por suas sugestões e críticas sempre pertinentes. Em momentos
de decisão, você apontou soluções que nortearam todo o desenvolvimento do trabalho.
Obrigado por acreditar que, mesmo diante das possíveis “falhas”, sempre possibilidade de
superação.
A seu José Clemente também minhas considerações, por vibrar a cada conquista.
Suas palavras de incentivo e orientação nos fazem perceber que lutar por nossos objetivos
nunca é demais, sempre com serenidade, humildade e sabedoria, pilares essenciais. À
Cremilda Rocha de Carvalho (in memorian), que não pôde ver a conclusão deste curso, mas
que muito contribuiu, pois foi na sua instituição de ensino onde tudo começou. Lembro como
suas palavras de incentivo permearam muitas alegrias. A você, meu respeito por ter ser sido
um exemplo na crença de que a educação é o caminho para a transformação.
A Maurício Carvalho, que esteve presente desde a elaboração do projeto e que
sempre buscou incentivar seus amigos a subirem mais um degrau e conquistar novos
horizontes, “além de Camaragibe”. A Rivaldo Bento, pelas palavras e apoio nas horas em que
o trabalho estava chegando ao seu término.
À minha amiga Paloma Borba, minha admiração pelo tratamento erudito dado ao
texto e pela forma como lida com este tipo de trabalho acadêmico. Suas sugestões foram
precisas, você, que esteve me acompanhado nas diversas leituras e revisões. Valeu pela
paciência ao longo deste curso, sou muito grato.
Aos amigos do Jarbas Passarinho, todos foram gentis demais no momento de
angústia para esta conclusão. Ao Prof. Marcos Vinícius, muito obrigado por ter me ajudado,
sua compreensão foi ímpar, pois todos os que passam por este curso sabem das horas de
desespero que enfrentamos. Aos amigos professores, Aiza Arôxa, Sandra Roberta, Ana
Claudia, Edinalva, Elizabete, Tércio, Fernanda e Ariene, que estiveram mais próximos, minha
terna gratidão. Fiquei muito honrado pelo carinho recebido.
Ao meu amigo Junior Cavalcanti, que esteve presente em várias fases deste
trabalho; você que me deu forças naquelas horas em que o pesquisador se vê diante do
computador e das fontes sem ter para onde ir. Seus telefonemas, as fugas para a descontração
foram realmente essenciais para reconquistar novas energias.
A Josenildo de Albuquerque Maranhão Filho, meu grande amigo, você o
poderia ficar de fora. As palavras de agradecimentos talvez não contemplem os significados
do carinho e respeito que tenho por sua pessoa. Seu apoio foi, e tem sido, fator de grandes
conquistas.
À minha família: Josefa, Katiana e Gleyson, base na qual na verdade, tudo
começou. Todos têm um papel singular na minha vida, seus apoios são os elementos que
nutrem o desenrolar de novas conquistas e objetivos futuros. Muito obrigado, agradeço a
Deus por existirem. Ao meu sobrinho Kauã Cabral, que me fez sair dos momentos de
concentração para o mundo da fantasia. Sua alegria e sorriso são contagiantes, claro que não
sabes o que isto representa, mas um dia saberás o que tento te passar. Amo-te. Ao meu pai,
José Lopes Cabral (in memorian), pessoa simples, que partiu muito cedo, mas cujo nome e
admiração permanecem presentes na minha vida.
Aos amigos que não foram citados, mas que estão presentes no meu tempo.
A Deus, por permitir tamanha alegria, obrigado.
RESUMO
A presente dissertação discorre sobre as representações de poder construídas pelos poetas
populares nos folhetos de cordel que tematizam a personagem política do presidente Getúlio
Dornelles Vargas, no período de 1945 a 1954. Através da análise do corpus de folhetos, aqui
destacado, nos foi possível rastrear os fatos políticos que envolveram a sociedade brasileira;
estabelecer comparações com os estudos consolidados pela historiografia que trata do
período; perceber a forma como os poetas compreenderam os acontecimentos da cena política
e relacionar o discurso desenvolvido pelos poetas com a leitura feita pelas classes populares a
partir desses textos uma vez que é a este público a que os poetas endereçam suas produções.
A literatura produzida pelos cordelistas nesse período, marcado pelo forte apelo social e
trabalhista, contribui fortemente para a difusão da imagem do “pai dos pobres”, fortemente
associada a Vargas. Esta perfilização vai ser popularizada através da circulação dos folhetos
que eram vendidos, principalmente, nas feiras livres do Nordeste e nas regiões/estados de
migração das populações oriundas deste cenário. Portanto, ao analisar tais folhetos, estes nos
revelaram o quanto a percepção popular estava inserida em um discurso político que se fazia
representar nos seus versos, aclarando, assim, o entendimento a que a pesquisa se propõe.
Neste interstício de tempo, Getúlio Vargas é “mitificado” por uma parcela da sociedade que
atribui a este dirigente a responsabilidade pela elaboração das leis trabalhistas. Por sua vez, o
poeta aproveita o momento de comoção nacional, de clamores, gerados pela morte do
presidente para produzir seus folhetos, transpondo para o papel fatos que ficaram na memória
social. É deste ponto que surgiu nossa problemática, na medida em que adentramos neste
universo poético para podermos entender o porquê de esse político ter sido tão exaltado pelas
camadas populares e recitado nos folhetos.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura Popular, Folhetos de cordel, Getúlio Vargas, representações
ABSTRACT
The current dissertation is concerned with the representations of power constructed by poets
in cordel twine comics which use the theme of the political personage of President Getúlio
Dornelles Vargas, over the 1945-1954 period. Through an analysis of the corpus of the
comics highlighted here, it was possible for us to trace the political facts which involved
Brazilian society; establish comparisons with consolidated studies of the historiography that
deals with the period; perceive the way the poets understood the events of the political arena
and relate the discourse developed by the poets to the reading of these texts by the popular
classes to whom they were addressed. The literature produced by the cordelists of this period,
noted for its strong social and working class appeal, contributed greatly to the diffusion of the
“father of the poor” image, closely linked to Vargas. This profile creation was popularized
through the circulation of cordel comics which were mainly sold in the open markets of the
Northeast and the states and regions concentrating migrant populations from this base. On
analysis of these comics, however, they reveal how far the popular perception was inserted in
the political discourse which made representations in the verses, thus, making clear the
understanding that the research proposes. Over this period of time, myths are created about
Getúlio Vargas and a portion of society attribute to him the responsibility for the elaboration
of labor laws. In turn, the poet takes advantage of a moment of national commotion, resulting
from the presidents’ death to produce comics, transposing to paper facts that will live in the
social memory. This is the contentious area, as we go deeper into this poetic universe to
enable us to understand why this politician has been so vaunted among the working classes
and recited in the cordel twine comics
Key words: Popular cultures, Cordel twine comics, Getúlio Vargas, representations
RESUMÉN
La presente disertación indaga sobre las reprentaciones del poder construidas por los poetas
populares en los folletines de cordel que traen el tema del personaje político del presidente
Getúlio Dornelles Vargas en el período desde 1945 hasta 1954. Por medio de análisis del
contenido de los folletines, aquí destacado, nos ha sido posible buscar los acontecimientos
políticos que envolvieron la sociedad brasileña; establecer comparaciones con los estudios
consolidados por la historiografia que retrata del período; sentir la forma como los poetas
comprendieron los sucesos de la escena política y promover articulaciones de sus lecturas
com aquéllas promovidas por las gentes de las camadas populares, lectora/público a que los
poetas direccional sus producciones. En ese período, observamos el establecimiento de un
Getúlio Vargas centrado a partir de la comprensión de “padre de los pobres”, puesto que de
carácter social y trabajador es que son recurrentemente puntuadas. Esta nombreación se va a
ser popularizada por medio de circulación de los folletines que eran vendidos, principalmente,
en las ferias libres del Nordeste y en las regiones / estados de migración de las populaciones
ubicadas en esta escena. Por lo tanto, al analizar tales folletines, estos nos han revelado lo
cuan la percepción popular estaba hacia en un discurso político que se hacia representar en sus
versos, desarrollando, así el entendimiento a que la encuesta se propone. En este intersticio de
tiempo que buscamos hacer tal levantamiento de papeleo, Getúlio Vargas es “mitificado” por
uma parte de la sociedad que nombra a este dirigente la responsabilidad por elaboración de las
leyes del trabajo. A su vez, el poeta aprovecha en este rato (momento) de conmoción
nacional, de rogares, de pedidos por su vuelta o de lloro por su muerte para producir sus
folletines, empleado en el papel los sucesos que quedaron en la memoria social. Es de este
punto que la surgido nuestra problematización, en la medida que que avanzamos en este
universo poético para podernos entender lo porqué de este político haber sido tan exaltado por
las camadas populares y recitado en los folletines.
PALAVRA - LLAVE: Cultura Popular, Folletines de cordel, Getúlio Vargas,
representaciones.
SUMÁRIO
Introdução: História e poesia no corpus de folhetos ....................................................... 14
Capítulo 01: Folhetos de Cordel: o estado da arte ......................................................... .26
1.1- Gênesis e classificação: um debate longe do fim ............................................. .27
1.2- As primeiras histórias impressas. ..................................................................... .41
1.3- Os folhetos e suas ilustrações .......................................................................... .46
1.4- Poetas, leitores e ouvintes. ............................................................................... 49
Capítulo 02: Getúlio Vargas: um panorama da política nacional de 1945 a 1954 ......... ..52
2.1- 1945: a redemocratização ................................................................................. ..53
2.2- Ele voltará! Da campanha às eleições de 1950 ........................................................... ..67
2.3- II governo Vargas: da vitória ao suicídio ......................................................... ..76
2.4- Vargas e seu legado .......................................................................................... ..92
Capítulo 03: As representações de Getúlio no corpus de folhetos ................................. ..98
3.1- Getúlio Vargas nos folhetos ............................................................................. . 99
3.2- Corpus dos folhetos antes do suicídio .............................................................. 103
3.3- Corpus dos folhetos após o suicídio ................................................................... 128
3.4- Getúlio Vargas; da carta-testamento para o corpus de folhetos ....................... ..144
Considerações finais .......................................................................................................... ..152
Referências ........................................................................................................................ . 157
14
INTRODUÇÃO
História e poesia no corpus de folhetos
1
POESIA
A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo o conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó
E ao chegar aqui abriram o nó
E foi como se ela saísse do ovo
A poesia recebeu sangue novo
Elementos deveras salutares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo
Os livros que vieram para cá
O Lunário e a Missão Abreviada
A Donzela Teodora e a fábula
Obrigaram o sertão a estudar
De repente começaram a rimar
A criar um sistema todo novo
O diabo deixou de ser um estorvo
E o boi ocupou outros lugares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo
No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá pena
A escola deveria ensinar
Pro aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu louvo
São vates de muitas qualidades
O aluno devia bater palma
Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor idade
Os nomes dos poetas populares.
2
Antonio Vieira
A poesia que aqui apresentamos, através dos versos de Antonio Vieira, faz parte
da história da Literatura de Cordel, um tipo de poesia impressa em versos que, segundo os
1
Nesta dissertação, preferimos chamar de folheto o corpus documental, tendo em vista que no referido período
era assim conhecido. por volta da década de 1970 é que a expressão “literatura de cordel” passou a ser
empregada por estudiosos, que o importaram do universo português, influenciando, a seguir, os poetas que
passaram a utilizá-la. Sobre esta discussão em torno da produção do cordel português e a literatura de folhetos
nordestinos, ver ABREU, rcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas –SP: Mercado das Letras:
Associação de Leitura do Brasil, 1999.
2
VIEIRA, Antonio. Poesia. Intérprete: Maria Bethânia In: BETHÂNIA., Maria. Pirata. Rio de Janeiro: Biscoito
Fino, p2006, 1CD. Faixa 12.
15
folcloristas e pesquisadores, chegou ao nosso país por volta dos séculos XV e XVI dentro das
malas dos colonizadores. Poesia esta que circulava nos países europeus, como França,
Inglaterra, Holanda, Espanha e Portugal, atingindo diversos setores sociais. A denominação
Literatura de Cordel vem de Portugal pelo fato de estes impressos estarem presos a um cordão
para serem vendidos. Aqui, esse tipo de literatura assumiu papéis distintos no tocante à sua
disseminação e produção, abarcando histórias das mais fabulosas e engraçadas, permeadas de
aventuras e cenários de uma cultura popular que se mesclava nos versos dos poetas populares,
transformando-se em memória, documento e registro da nossa história.
3
Portanto, por meio dessa literatura impressa, conhecida como literatura de cordel
ou literatura de folhetos, é que esta dissertação busca ressaltar de que forma o Presidente
Getúlio Vargas foi representado neste tipo de poesia popular, tomando como recorte temporal
os anos de 1945 a 1954. O que aqui se buscou foi entender as representações de poder
vinculadas nos textos desta poesia “popular”, examinando-as no tocante às condições
históricas em que foram produzidas e o sentido que elas adquiriram quando veiculadas no
âmbito social. O período estudado é importantíssimo para este tipo de literatura por dois
motivos: o primeiro por refletir uma série de turbulências que tangem a trajetória da política
nacional na chamada “Era Vargas” e segundo por ser um período em que estes de impressos
atingiram seu apogeu quanto à circulação e produção do gênero, conforme afirma Mark
Curran.
4
A chamada “Era Vargas” compreende um período que abrange alguns dos
momentos mais decisivos de nossa história republicana, tais como o processo de
industrialização e urbanização, controle dos trabalhadores e sindicatos, criação das leis
trabalhistas, e atuação do Estado como agente econômico. Enfim, uma série de mudanças que,
com certeza, transformaram o cenário histórico do país, marcado, até então, por uma
economia agro-exportadora que perdurara com a República do Café-com-Leite antes de 1930.
A partir de então, novos tempos se anunciam, é o capitalismo nacional tomando proporções
que mudarão a idéia de um Brasil agrário para um Brasil industrial, inserido no contexto
internacional.
5
3
Cf. SANTOS, Olga de Jesus. O Povo conta a História In: O Cordel, Testemunha da História do Brasil. Rio de
Janeiro, Fundação Casa Rui Barbosa, 1987.
4
CURRAN, Mark. História do Brasil em Cordel. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001,
p. 108-109.
5
Para maiores informações sobre a “Era Vargas” ver SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo,
1930-1964. Tradução de Ismênia Tunes Dantas, 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
16
Quanto ao fim deste período, ainda suscita controvérsias. Maria Celina D’Araújo
6
nos aponta que alguns historiadores acreditam que esta “Era Vargas” terminou em 1954, com
a sua morte; para outros, isso ocorreu apenas em 1964, com o golpe militar. Não cabe, aqui,
discutirmos em que momento termina essa fase da política brasileira, mas perceber o quanto
ela foi significativa e transformadora, atingindo o campo da política, economia, sociedade e
cultura.
7
E são justamente estes acontecimentos políticos, econômicos e sociais que
serviram de elementos norteadores para que os poetas registrassem nos versos de cordel
tamanha transformação que a nação vivenciou. Somado a isto, temos a imagem que este
dirigente construiu perante a sociedade brasileira. Segundo Orígenes Lessa, depois da
produção de folhetos sobre Padre Cícero, que obteve um grande número em termos de
produção, Getúlio desponta como temática de maior aceitação e inspiração entre os poetas
populares. Nem mesmo os cangaceiros Antonio Silvino e Lampião, com suas andanças pelo
Nordeste brasileiro, conseguiram tamanho êxito na poesia popular.
8
E foi mergulhando neste universo documental expresso pela poética popular,
mediante as leituras dos folhetos políticos de Getúlio, que levantamos nossas indagações: por
que este presidente foi tão exaltado pelos poetas populares? Por que se deu uma produção
mais volumosa deste tipo de literatura no final de 1945, quando este dirigente foi deposto do
poder e durante a sua campanha presidencial em 1950? Assim como o registro de sua morte,
atingindo verdadeiros recordes de tiragens e produções? Quem era este poeta que deitava
caneta e papel em punho, produzindo versos acerca deste político? Quais as suas intenções, ou
possíveis intenções, ao produzir estes folhetos? E, mais importante ainda, como entender o
imaginário criado em torno desta figura da política nacional? As perguntas não cessam por
aqui, tendo em vista que, diante das análises dos folhetos, novos questionamentos serão
acrescentados, visando a uma melhor compreensão do período estudado.
E assim, mapeamos poesias e poetas, inseridos em diversos contextos sociais
para tentarmos encontrar respostas a tais questionamentos. Não respostas conclusivas, até por
que a história não é algo fechado ou absoluto nas suas explicações; muito pelo contrário, ela é
6
Cf. D’ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas, São Paulo, 2. ed. Moderna, 2004, p. 8-12. Neste livro a autora
apresenta um estudo sobre o que foi a Era Vargas para o país e como Getúlio se tornou na figura mais popular do
século XX neste país. Ainda sobre este período ver FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006. É um trabalho interessante e ajuda o leitor situar a trajetória de Getúlio no
poder e suas estratégias.
7
Acerca deste debate sobre o tema do fim ou não da Era Vargas, ver FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e
o sorriso. São Paulo Companhia das Letras, 2006. Este livro tem um capítulo intitulado “Getúlio após a morte”,
que traz uma abordagem sobre este legado para o nosso país.
8
Cf. LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro. Documentário, 1973.
17
permeada de labirintos” e de mistérios, possibilitando diversos “tesouros” aos seus
exploradores. Mas, respostas que a nossa fonte documental é capaz de fornecer, esclarecendo
nossas dúvidas.
No entanto, utilizar a literatura de folhetos para contarmos a nossa história e suas
reminiscências foi possível com as mudanças de paradigmas por que passou a História ao
longo da década de setenta, quando o olhar de “Clio” se preocupou em observar mais o
popular e sua produção. Deixando um pouco de lado uma História marcada por palácios, reis,
rainhas, políticos e versões oficiais, para dar ênfase a uma história mais recortada,
privilegiando comunidades, elementos populares, trabalhadores simples, bem como suas
apropriações e práticas culturais. Tudo tem uma história, que pode ser contada e relacionada
em dado tempo e lugar. É a chamada História Cultural, que abriu “alas”, pedindo passagem,
redefinindo fronteiras, demarcando novos espaços, possibilitando uma visão “micro” dos
acontecimentos históricos e sociais.
Assim, segundo Vainfas:
A História Cultural não recusa as expressões culturais da elite e sua
produção, até porque se faz necessário entendê-la enquanto grupos atuantes
no processo histórico, mas revela um especial apreço, tal como a história das
mentalidades, pelas manifestações das massas anônimas como as festas, as
resistências, as crenças heterodoxas, ou seja, uma afeição pelo informal, e
sobretudo pelo popular. A preocupação se dá em resgatar o papel das classes
sociais, da estratificação e dos conflitos sociais. São os chamados caminhos
alternativos para a investigação histórica.
9
Sobre a História Cultural, Chartier nos relata que é importante identificar como
em “diferentes momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a
ler”
10
. Nesse contexto, o mesmo trabalha com a idéia de representação, prática e apropriação,
mostrando que existem diferentes práticas de utilização de materiais culturais, bem como sua
apropriação por diferentes sujeitos, dando-lhes novos sentidos
11
. É neste tipo de abordagem
que iremos fundamentar nossa pesquisa, com o objetivo de perceber, por meio das análises
9
VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, C. F. e VAINFAS, R.
(Orgs.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 148-149. Ainda sobre História Cultural ver
HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992 e BURKE, Peter. (Org.) A escrita da
história. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: editora UNESP 1992.
10
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela
Galhardo. 2. ed. Lisboa: Difel, 2006, p. 17.
11
Idem. Ibidem. Ver também, entre outras, as importantes contribuições de GINZBURG, Carlo. O queijo e os
vermes: o cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição. Tradução de Maria Bethânia Amoroso, São
Paulo: Companhia das Letras, 1991; THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; e DARTON, Robert. O grande massacre dos gatos e outros
episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
18
dos corpus de folhetos que circularam no período considerado, quais as representações de
poder presentes nos versos destes poetas.
Nesta linha de raciocínio, passamos a entender o valor que a literatura de folhetos
assumiu no âmbito social, com suas histórias associadas a práticas culturais que permitem ao
historiador perceber seus múltiplos significados, mergulhando na sua dimensão textual. Esta
literatura popular está relacionada a um sistema simbólico, a sujeitos sociais que, ao produzir
seus versos, transcrevem no discurso seu modo de pensar, sentir e agir. Assim, conforme
Darnton
12
ressalta, é preciso analisá-la não apenas sob um olhar, mas desvendá-la em todos os
seus sentidos.
Outra reflexão que pretendemos propor é a abordagem da cultura popular. Não
queremos, aqui, discorrer sobre os possíveis conceitos, tendo em vista que outras pesquisas
abarcaram este debate em torno da conceituação da cultura popular e que, mesmo assim,
mantiveram controvérsias alusivas ao antagonismo popular e erudito. Se é uma cultura que
vem do povo, como defini-la, apresentar suas características e seus simbolismos? É neste
ponto que se insere a disputa entre os intelectuais na tentativa de definir tal conceito. Sobre
este debate, Chartier é bastante categórico quando afirma que:
Não parece ser possível identificar a absoluta diferença e a radical
especificidade da cultura popular a partir de textos, de crenças, de códigos
que lhe seriam próprios. Todos os materiais das práticas e dos pensamentos
da maioria são sempre mistos, combinando formas e motivos, invenção e
tradições, cultura letrada e base folclórica.
13
Assim, nas palavras de Chartier
14
, fica claro que, ao utilizar os folhetos de cordel
como elemento da cultura popular, analisar apenas o seu corpo textual é insuficiente para
elucidar a problemática da pesquisa em questão ou defini-lo como pertencente a uma
determinada cultura. O sentido do corpo textual e sua apropriação estão associados a outros
fatores, como o produtor e as circunstâncias históricas na qual foi produzido tal folheto,
assim como, e talvez, principalmente, àquilo que diz respeito à dimensão ativa do consumo
sua capacidade de gerar, de criar práticas sociais e culturais.
Mas, nem por isso, vamos cruzar os braços. Precisamos de certos embasamentos
para entender a literatura de folhetos nordestina como produção ligada a esse sujeito popular.
Se determinado teórico se afasta de tal conceituação, outro se aproxima, nos mostrando as
12
DARTON, Robert. O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa. Op. Cit.
13
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Op. cit., p. 134.
14
Ibidem, p 56.
19
especificidades e imbricações contidas na cultura popular. O que se pretende é perceber o
folheto de cordel ligado a um contexto social, sua produção, sua circulação, bem como os
sentidos adquiridos na relação entre leitores e ouvintes. Sobre este “sujeito popular”, Nestor
Canclini, em “Culturas Híbridas”, argumenta que:
O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou
não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que não
chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado de
bens simbólicos “legítimos”; os espectadores dos meios massivos que ficam
de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a alta
cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos.
15
Conhecer a cultura popular é estar atento a detalhes que mantém vivo cada grupo
social, sociedade, costumes, suas histórias, elementos que são indissociáveis de um conjunto
mais amplo que se inserem na constituição de uma sociedade. Nas palavras de Peter Burke
16
,
a cultura popular varia de sociedade a sociedade e muda de um século a outro, que é
“construída” socialmente e, portanto, requer explicação e interpretação social e histórica.
Diante do exposto, Marcos Ayala
17
busca situar a cultura popular enquanto processo dinâmico
e atual no interior de uma sociedade dividida em classes. Como afirma, ainda, Victor Hell: a
cultura popular não é simplesmente o folclore, pois abrange toda uma maneira de viver; ela
influi nas experiências e atividades que caracterizamos entre o nascer e o morrer.
18
Diante de tais argumentações, também é aceitável a idéia de Thompson, quando
nos diz que:
Uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que
sempre uma troca, entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a
aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob
uma pressão imperiosa (...) assume a forma de um “sistema”. E na verdade o
próprio termo “cultura”, com sua inovação confortável de um consenso,
pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas
e posições existentes dentro do conjunto.
19
Dialogando com estes teóricos, percebemos que eles apresentam argumentações
para conceituar o termo “cultura popular”, cada um à sua maneira. Mas todos percebem que
encontrar definições para tal termo não é coisa tão simples. São vários os fatores que se
15
GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 205.
16
BURKER, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 21.
17
Cf. AYALA, Marcos; AYALA, Mª Ignez Novais. Cultura popular no Brasil. São Paulo: Ática, 2003.
18
HELL, Victor. A idéia de cultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 110.
19
THOMPSON, E.P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Op. Cit., p. 17.
20
imbricam em um emaranhado de significados que têm explicação diante do contexto em
que estão inseridos.
O pensamento de Nestor Canclini nos chama atenção para o fato de que não
existe uma cultura pura, que é preciso acabarmos com essas terminologias que utilizamos, tais
como, popular, erudito, culto, tradicional ou pós-moderno. Se faz mister perceber que dentro
deste universo que é a cultura popular, prevalecem o “hibridismo”, termo que para o
sociólogo responde às mudanças e permanências que perpassam e se mantém no meio social.
Ou seja, a cultura popular é uma realidade viva, dinâmica e que está em contínua
transformação, estando de acordo com o modo de agir, sentir e pensar de uma sociedade.
Em outras palavras, ao utilizar a literatura de folhetos, devemos estar atentos ao
fato de que estes versos não representam a “voz do povo”, muito menos uma expressão
totalmente popular pelo fato de ser realizada por indivíduos que fazem parte das camadas
populares.
20
Tem-se que estar atento à identidade de quem a produz e sua finalidade. Até
porque não se toma a obra pela referência direta ao âmbito da sua produção, levam-se em
conta as questões do consumo destes folhetos e da maneira como esta poesia será usada e a
forma como cada leitura e ambiente de leitura interferem no texto.
Os folhetos sobre Getúlio Vargas analisados nesta pesquisa, por exemplo, estão
impregnados de sentidos e discursos que são propalados entre diferentes sujeitos sociais e
contextos, com objetivos muitas vezes além do esperado em termos de leitura e informações,
no tocante principalmente à veiculação das propagandas políticas. Sendo assim, descreve
Chartier sobre as apropriações do popular na sociedade:
O “popular” não está contido em conjuntos de elementos que bastaria
identificar, repertoriar e descrever. Ele qualifica, antes de mais nada, um tipo
de relação, um modo de utilizar objetos ou normas que circulam na
sociedade, mas que são recebidos, compreendidos e manipulados de diversas
maneiras. Tal constatação desloca necessariamente o trabalho do historiador,
que o obriga a caracterizar, não conjuntos culturais dados como
“populares” em si, mas modalidades diferenciadas pelas quais eles são
apropriados.
21
Retomando as discussões acerca do recorte temporal em que se situa esta
dissertação, podemos afirmar que não foi uma idéia que surgiu do nada, partiu de uma
20
Sobre estas discussões ver LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que Carpem: a morte na Literatura de cordel.
2003. 208p. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo.. Nesta tese, a autora no seu primeiro capítulo traz uma contribuição importante no que
se refere debate em torno do fato dos versos de cordel representarem a “voz do povo.”
21
CHARTIER, Roger. Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, v.8, nº 16, 1995. p. 184.
21
pesquisa sobre este tipo de poesia popular, visando destacar a importância dos folhetos como
fonte para conhecer um pouco da história do país contadas em versos populares. Percebendo,
então, que a literatura e a história associadas nos levam à busca de significados, de
simbolismos e de novas interpretações. Em linguagem versificada e simples, a notícia e as
histórias assumiam papéis de destaque quando percorridos interiores de vilas e cidades.
Informando, divertindo ou ensinando, estabelecendo uma relação mais profícua com a
mensagem e sua leitura, até porque este tipo de literatura versificada auxiliava na
memorização.
22
Partindo deste pressuposto, os folhetos sobre Getúlio tomaram rumos
excepcionais, alcançando grande número de vendas, principalmente pelo papel jornalístico
23
que estes assumiam em contato com os diversos grupos sociais nos quais circulavam. Sobre
este fato, Orígenes Lessa, em Getúlio Vargas na literatura de cordel, afirma que o poeta
Delarme Monteiro da Silva, em um curto período de três semanas, vendeu cerca de 40.000
mil exemplares sobre a morte de Getúlio.
24
Percebe-se, com esta tiragem, a importância que
tais “folhetos” exerciam em plena metade do século vinte, quando, mesmo existindo o dio
25
como meio difusor de notícias, estes impressos não perderam campo para propagar suas
informações.
É esta construção imagética em torno de Getúlio Vargas que não podemos
desassociar dos folhetos de cordel e da forma como este político vem representado. Neste
caso, cabe mencionar o trabalho do Georges Balandier, O poder em Cena, no qual este
antropólogo associa o poder e seu maquinário de estratégias a um teatro. Para ele, a política é
uma “teatrocracia” em que o grande “actor comanda o real pelo imaginário, pois são através
das cenas produzidas por ele que se pode governar”.
26
Para o autor, é preciso manter toda uma
22
Cf. CAMPOS, Carneiro Renato. Folhetos Populares na Zona dos Engenhos de Pernambuco. In: Boletim 4
do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas de Pernambuco, Recife 1955. Ver também o trabalho de GALVÃO,
Ana Maria de Oliveira. Cordel: leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. Originalmente apresentada
como tese de doutorado, Universidade Federal de Minas, 2000. A autora se propõe a estudar a relação que os
folhetos mantêm com os leitores/ouvintes no tocante à memorização e aprendizagem.
23
Sobre o papel jornalístico da literatura de cordel ver a tese de LUYTEN, Joseph M. A notícia na literatura de
cordel. São Paulo. Estação Liberdade, 1992.
24
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro. Documentário, 1973, p.16. Ver
também sobre esta grande produção de folhetos na década de 1950, SOUZA, Liêdo Maranhão de. O mercado,
sua praça e a cultura popular no Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875 1975.
Recife: Prefeitura Municipal do Recife / Secretaria de Educação e Cultura, 1977.
25
Sobre a “Era do Rádiover NOSSO CULO 1930-1945. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Ver tamm
ALMEIDA, Cláudio A. Cultura e sociedade no Brasil: 1940-1968. (Orgs) Maria Helena Capelato e Maria Lígia
Prado. São Paulo: Atual, 1966. Também em uma minuciosa pesquisa destaca-se SEVCENKO, Nicolau.
República: da Belle Époque à Era do Rádio. In: História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. v.3.
26
BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Tradução de Ana Maria Lima. Minerva, Coimbra, 1999, p. 21.
22
produção de imagens, símbolos, cerimônias que possam trabalhar a transposição do poder.
Neste sentido, a busca da representação do poder seria inevitável para se ter uma maior
compreensão sobre a sociedade e suas práticas sociais. Portanto, não ficariam de fora as
estratégias criadas por Vargas no Estado Novo, tendo à frente órgãos capazes de trazer tal
legitimação, como exemplo maior, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que
estabelecia a censura nos meios de comunicação e mitificava a imagem do presidente.
Como aponta Maria Helena Capelato
27
, para melhor entendermos a construção
destas “representações”, é preciso estar atento para o fato de que as experiências utilizadas por
políticos como Getúlio e Peron têm uma relação com as práticas Nazi-Fascistas, haja vista seu
propósito de encontrar formas de controle social. Com este estudo, podemos perceber, por
exemplo, que muitas expressões ou referências contidas no corpus sobre Getúlio advém desta
circunstância histórica em que estava inserido o país.
Vale destacar que Vargas não ficou inerte durante o período em que esteve
ausente da presidência. Ele foi eleito senador e deputado nas eleições de 1945 e retornou às
ruas na campanha para presidente, em 1950 data importante para a crônica cordeliana, por
estar associada com a volta, o retorno triunfante do “pai dos pobres”. Com o lema “Ele
Voltará”, os poetas populares não pouparam esforços para exaltá-lo. Getúlio era lembrado por
sua atitude diante das massas trabalhadoras. Sobre este momento, Orígenes Lessa afirma:
Os folhetos se multiplicavam, o estimulados pelo situacionismo, não
favorecidos pelas autoridades. Identificam-se com o “queremismo” e com o
sebastianismo do “Ele voltará” que podem estar sendo manejados pelos
políticos getulianos, mas correspondem nitidamente à vontade de um natural
sentimento de admiração, um produto de consumo, um dos assuntos de
maior extração nas praças, feiras e mercados.
28
Derrotando Eduardo Gomes pela UDN e Cristiano Machado pelo PSD, Getúlio
sai vitorioso, elegendo-se presidente pela primeira vez pelo voto direto. Foi um governo
direcionado a uma economia intervencionista e nacionalista. Neste período, assinala Maria
Celina Soares D’Araújo:
Foi criada a Petrobrás, lançados o projeto da Eletrobrás, depois de
implantado o Fundo Federal de Eletrificação e o Plano do Carvão;
27
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas, SP: Papirus, 1998. Ver também sobre a atuação do “DIP” LACERDA, Aline Lopes. Fotografia e
propaganda política: Capanema e o projeto editorial Obra Getuliana. In: Capanema: o ministro e seu ministério.
(Org.) Ângela de Castro Gomes, Rio de Janeiro: FGV, 2000.
28
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Op. cit., p. 71.
23
estabelecidos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e o Banco
do Nordeste do Brasil; estabelecida a Superintendência de valorização
Econômica da Amazônia, depois de uma longa conferência sobre a região
que juntou representantes das várias esferas governamentais, da inteligência
e do empresariado; ampliadas as fontes de financiamento rodoviário;
implantados a Capes Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível
Superior e o programa nuclear (Álvaro Alberto); instituídos a Carteira de
Colonização do Banco do Brasil e o Instituto Nacional de Imigração e
Colonização; expandido o crédito agrícola, criando o seguro agrário e
ampliado o sistema de garantia de preços mínimos; dada preferência, ao
reaparelhamento de ferrovias e portos; lançada a base da industria
automobilística, com ênfase em caminhões e tratores, e a da expansão da
indústria de base. Dificilmente alguma coisa do que se fez, depois, no país,
deixou de partir das agências dinâmicas ou de fontes de recursos
estabelecidos nos três anos e meio do segundo Governo Vargas.
29
Mas esta política nacionalista desenvolvida por Vargas levou ao
descontentamento vários setores da classe dominante, que não viam com bons olhos sua
atuação política e econômica. Principalmente, no que se refere aos entraves dos privilégios do
capital estrangeiro no nosso país e ao aumento do salário mínimo. Com relação a este período
turbulento da vida política do país, Lessa ressalta que:
Alguns anos passam. A oposição cresce. Um vulto se destacava no combate
a Getúlio: Carlos Lacerda. Vem a morte do major Vaz. um clima de
expectativa e de angústia. Os acontecimentos se precipitam. Exige-se a
renúncia do presidente para uma limpeza completa no “rio de lama” que
corre por baixo do Catete. Vem a tentativa de uma licença de três meses.
Getúlio resiste. De repente, na manhã de 24 de agosto de 1954, dois anos
exatos da morte da Agamenom Magalhães, rebenta a negra notícia: Getúlio
acaba de pôr fim à sua vida.”
30
24 de Agosto de 1954, data em que Getúlio “sai da vida e entra para história”. Foi
um momento de grande comoção para a sociedade brasileira; a notícia da sua morte, que
chegara ao conhecimento da população pelas ondas do rádio, deixava todos estáticos. Era uma
manchete bombástica, inacreditável para milhões de brasileiros. Assim, vários poetas, ao
saberem deste episódio, aproveitaram o fato para escreverem seus versos e, desta forma,
garantir lugar no mercado com este tipo de notícia. Segundo Curran, quase todos os
cordelistas da época, tais como Minelvino Franscisco Silva, Rodolfo Coelho Cavalcante,
Delarme Monteiro da Silva, Azulão, Antônio Teodoro dos Santos, Cuíca de Santo Amaro,
29
D’ARAÚJO, Maria Celina. O Segundo governo Vargas. 1951-1954. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992, p. 11-12.
30
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Op. cit., p. 115.
24
Manuel D’Almeida Filho, Joaquim Batista de Sena, Amador Santelmo, entre outros,
venderam seus poemas ressaltando vida e morte de Getúlio.
31
Podemos destacar como exemplos os folhetos A morte do Presidente Getúlio
Vargas, de Rodolfo Coelho Cavalcanti, A morte do presidente Getúlio Vargas de Delarme
Silva, A morte do maior presidente do Brasil, dr. Getúlio Dornelles Vargas de Manoel
d’Almeida Filho, A lamentável morte do Presidente Getúlio Vargas de Francisco Areda, entre
outras referências.
Diante do exposto, temos uma visão panorâmica do que representa este momento
histórico delimitado nesta dissertação
32
. Poetas não mediram esforços ao falar da vida, obra e
morte, contribuindo para a aclamação de Vargas. Sobre esta produção, Orígenes Lessa
33
nos
apresenta dados impressionantes quanto à tiragem de cada folheto. Como foi mencionado,
os folhetos de Getúlio não ultrapassaram, em termos de produção, os folhetos sobre o
Padre Cícero, mas alcançaram números expressivos, mesmo depois de sua morte. Getúlio
chegou à casa dos milhões, uma vez que as pessoas buscavam no cordel a última notícia, o
último relato sobre o desfecho do caso. Sua morte, sua carta-testamento e até sua chegada ao
céu foram temas tratados nos folhetos, por meio dos quais os poetas tentaram retratar a
ausência de seu dirigente.
Todavia, os folhetos pesquisados que nortearam todas as discussões desta pesquisa
nos apontam para a importância que este tipo de fonte documental tem para a historiografia
brasileira, principalmente na primeira metade do século XX, quando este tipo de literatura
atingiu seu apogeu, mantendo uma profícua relação entre seus leitores e ouvintes. Assim, a
cada folheto, a cada poeta popular, nos deparamos com possíveis representações da imagem e
do papel político desempenhado por Getúlio Vargas, possibilitando ao historiador “outras
leituras” de momentos tão marcantes na história política de nosso país.
A organização desta dissertação se fez por meio de três capítulos. No primeiro
capítulo, intitulado Folheto de cordel: o estado da arte, dedicamo-nos a fazer todo um
levantamento historiográfico sobre a fonte documental, averiguando, de forma sucinta, como
este corpus de folheto é estruturado, os debates em torno da sua procedência, suas
características quanto ao seu formato e a relação estabelecida entre poetas, leitores e ouvintes.
31
CURRAN, Mark. História do Brasil em Cordel. Op. cit., p.133.
32
Sobre as questões econômicas da Era Vargas ver SZMRECSÁNYI, Tamás e GRANZIERA, Rui G. (Orgs)
Getúlio Vargas e a economia contemporânea. 2. ed. Rev. e Ampl. Campinas, SP: Editora da Unicamp; o
Paulo, SP, HUCITEC, 2004.
33
Ver LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Op. Cit, 1973, p.16.
25
O segundo capítulo, intitulado Getúlio Vargas: um panorama da política nacional
de 1945 a 1954, tem como propósito fazer um balanço historiográfico ressaltando a trajetória
política de Getúlio Vargas, seguindo desde o momento da sua deposição, em 1945, até sua
morte, em 1954. Procuramos situar historicamente o porquê de estes tipos de folhetos
populares obterem maior produção e circulação neste período. Assim, a leitura é permeada
cruzando as informações de historiadores sobre o tema abordado com as poesias destes
poetas, que representaram em seus versos passagens destes momentos.
No terceiro capítulo, As representações de Getúlio no corpus de folhetos,
procuramos discorrer acerca das representações de poder contidas no corpus que serviu de
fonte documental para estruturar esta dissertação. São folhetos raros, produzidos no período
então delimitado. Sendo assim, nos debruçamos sobre as apropriações e representações
textuais impressas nos versos destes folhetos, bem como as práticas culturais que são dadas
pelos poetas populares acerca de Getúlio Vargas, expressando, dessa maneira, o significado
que este estadista teve para o país.
Partindo desse arcabouço historiográfico e conceitual, pretendemos esclarecer de
que forma os versos, nos folhetos de cordel, então impregnados de ideologias, sentidos e
representações ligadas a um poder local e a um dado momento histórico.
Os folhetos de Getúlio Vargas pesquisados e trabalhados nesta dissertação
encontram-se distribuídos em três locais: nos acervos particulares das pesquisadoras
Marinalva Lima e Ângela Grillo; em coletâneas e publicações e nas principais instituições
onde foram todos digitalizados e pesquisados no seu formato original. A saber, Fundação
Joaquim Nabuco, Centro Cultural Benfica, ligado à Universidade Federal de Pernambuco, e a
Biblioteca Átila de Almeida, em Campina Grande, a qual pertence à Universidade Federal da
Paraíba.
Esta última contém a melhor coleção de folhetos do país, segundo pesquisadores
da cultura popular, por não ter tantos títulos repetidos e conter muitas raridades. Também
visitamos o site do Museu do Folclore da Biblioteca Amadeu Amaro, que dispõe de cerca de
seis mil folhetos digitalizados. Foi a analise deste material que conduziu a pesquisa.
Esperamos, então, que a leitura desta dissertação possa contribuir para uma melhor
compreensão de algumas passagens tão significativas da nossa história e que desperte em
outros pesquisadores o interesse em mergulhar na história deste tipo de poesia impressa tão
rica e importante para a nossa cultura, bem como chamar atenção para a preservação destes
documentos, para que não se apaguem registros da memória social, política e cultural de
nossa sociedade.
26
Capítulo 1
Folhetos de cordel: o estado da arte
Literatura de cordel
A fruta doce e madura
É jornalismo e ciência
É folclore e cultura
É a arte rica do mundo
Tesouro da literatura
A literatura de cordel
Tem força e tem vigor
Ela continua viva
No coração do trovador
Na inspiração do poeta
Que escreve com amor
(Teo Macedo)
27
1. FOLHETOS DE CORDEL: O ESTADO DA ARTE
A voz do passado tem importância para o presente.
(Paul Thompson)
1.1 Gênesis e classificação: um debate longe do fim
O ato de contar histórias, seja em versos ou mediante a tradição oral, sempre fez
parte da vida do homem em sociedade. O intuito dos indivíduos, ao adotar essa prática, é
preservar suas histórias tradicionais, seus folguedos, suas danças, seu folclore, enfim, todos os
conhecimentos que são repassados de geração a geração, como forma de manter viva sua
memória. Esses conhecimentos são entendidos, neste trabalho, não como algo estático,
acabado e sem modificações, mas como um constructo que recebeu influências étnico-
culturais mediante sua inserção em um determinado grupo social, intercalando-se por meio de
uma circularidade cultural.
Assim, procurando entender aspectos da formação da cultura brasileira através de
suas histórias, narradas em versos, Manuel Diégues Júnior
1
nos chama a atenção para os
elementos aglutinadores que constituíram “as raízes” desta manifestação poética, as quais
estão associadas aos diversos grupos étnicos que aqui existem. Nesta perspectiva, esses
elementos são entendidos como partes fundadoras que, no processo de sociabilidade,
mesclaram e veicularam seus romances, sua poesia e seu cancioneiro, disseminando, desta
forma, registros de suas reminiscências.
E não foram poucas suas contribuições das manifestações mencionadas
anteriormente. Basta olhar de Norte a Sul do Brasil para encontrarmos, em cada espaço
geográfico, uma nuance dos seus aspectos culturais e de suas identidades. Esses elementos
vêm, com suas tradições, passando por modificações, se adaptando, ou seja, se reelaborando,
acrescentando novos sentidos aos textos. Discorrendo acerca dessa formação, Manuel
1
Cf. DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Formação do Folclore Brasileiro; origens e características culturais. In:
Revista Brasileira de Folclore. Ano II, 4, Set/Dez, 1962. Ver também DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos
Temáticos na Literatura de Cordel. In: Literatura popular em versos: estudos. Belo Horizonte; Itatiaia; São
Paulo: Ed. da USP; Rio de Janeiro: FCRB: Vozes, 1997, p. 31-52, nos fornecem subsídios para entender a
formação da poesia popular.
28
Diégues ressalta, além do homem, como fator criador dos nossos valores culturais, a terra e a
tradição.
2
A terra, para o autor possibilitou mudanças no tocante à flora e à fauna, que
passaram a fazer parte de seu cotidiano, substituindo, nos seus romances e poesias, aqueles
que eram consagrados em seus territórios; assim, as condições ambientais assumem papel
singular nessas transformações. Quanto ao tradicional, é importante frisar que não foi este
aspecto que se conservou das três etnias, mas a recriação, a qual, sob influências diversas,
obteve outros significados, diversificando a nossa cultura, surgindo, desta forma, um folclore
mais particularizado.
3
Podemos tomar como exemplo uma quadrilha junina. Esta conserva, de
modo geral, sua tradição, sua forma, mas se renova quanto às apresentações, às vestimentas,
às músicas e danças, mudanças que também são verificados em outras manifestações
culturais, como no artesanato, no bumba-meu-boi etc.
Nestor Canclini, ao estudar as transformações por que passou a cultura popular,
defende a idéia de que em toda sociedade os usos da cultura tradicional se mantêm vivos
mediante a continuidade desta produção, através de pessoas interessadas em manter sua
herança e em renová-la, sejam eles artesãos, poetas populares, dançarinos, folcloristas
músicos etc. Ele utiliza o termo culturas híbridas para designar o resultado de tais
mudanças, as quais, inclusive, decorreram de sucessivos contatos com a indústria cultural da
propaganda, do rádio, da televisão ou por qualquer outro artifício da sociedade moderna.
Todavia, essas influências não são avaliadas como algo negativo, como afirma Canclini:
(...) é inegável que grande parte do crescimento e da difusão das culturas tradicionais
se deve à promoção das indústrias fonográficas, aos festivais de dança, às férias que
incluem artesanato e, é claro, à sua divulgação pelos meios massivos. (...)
4
Neste caso, podemos perceber que a preocupação do autor, ao estudar tais
alterações, é tentar entender de que forma ocorrem as interações com as forças da
modernidade, como os grupos sociais e suas manifestações folclóricas dialogam com o antigo
e o moderno na conservação de sua herança cultural. Para ele, a modernidade não veio para
abolir as tradições, mas para acrescentar-lhe outros significados e, desta forma, integrar os
grupos tradicionais.
2
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Op. Cit. p. 49.
3
Idem, ibidem.
4
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed., São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p.217-218. Neste capítulo intitulado “A Encenação Popular”,
Canclini nos apresenta um estudo mostrando que o desenvolvimento moderno não suprime as culturas
tradicionais, muito pelo contrário, ocorre uma dinamização, uma hibridização destes com o meio inserido.
29
Tal concepção é partilhada por Aristóteles, quando diz que o poeta não deve
romper com a tradição conservada nas histórias, e sim criar, servindo-se ativamente do legado
tradicional.
5
Diante disso, a literatura de folhetos, entendida como manifestação da cultura
popular, se diante dessa modernidade e assume papéis distintos quando propagados nos
meios populares, não perdendo, entretanto, suas características originais quanto à função de
ensinar, informar e divertir o público com seus versos rimados, que são difundidas com maior
freqüência através das narrativas orais do que da modalidade impressa.
A cultura popular e suas manifestações adquirem papel relevante no tocante à
sua produção, manifestação e propagação. Sendo assim, procuramos apresentar um panorama
dos mais recentes trabalhos e discussões acerca das histórias versejadas nos folhetos de
cordel, demonstrando que, mesmo diante de tantas produções acadêmicas, surgem estudos
sobre o cordel, evidenciando a importância que estes folhetos têm como fonte documental
capaz de reconstituir, por meio de sua crônica poética, momentos que marcaram a história de
nosso país.
6
Por sua vez, sua variação temática oferece aos pesquisadores um terreno fértil
para se entender a relação deste tipo de poesia popular com seu público consumidor. Faz-se
necessário deixar claro que o presente estudo não busca esgotar o que se tem produzido sobre
a literatura popular em versos, mas travar um debate, demarcando o espaço que esta produção
artística alcançou entre nós.
No tocante ao mundo clássico, destacamos os poemas da Ilíada e da Odisséia,
que percorreram todo o mundo grego nas vozes dos cantadores que, ao som de um
instrumento de cordas, a “phórmix”, faziam com que fosse ouvido seu canto. Tais poemas
eram apreendidos por meio da leitura ou pela audição de recitais.
7
Quanto à importância de
Homero e de sua poesia, Vidal-Naquet afirma: Homero era o poeta por excelência, assim
como a Bíblia é o livro dos judeus e dos cristãos, e como Dante, autor da Divina Comédia, é
o poeta dos italianos de ontem e de hoje. Os jovens gregos aprendiam a ler com Homero.
8
Diante de tal argumentação, pode-se fazer um paralelo com os folhetos nordestinos quanto à
sua forma de veiculação e aceitação popular. Assim como no tempo de Homero, a poesia
nordestina era recitada para várias pessoas em diferentes momentos e espaços, fatos que
5
ARISTÓTELES. Poética. In: Os pensadores. Editora Nova Cultura, 1996, p. 43.
6
Ver CALMON, Pedro. História do Brasil na poesia do povo. Rio de Janeiro: Bloch, 1973. Este livro é uma
antologia de documentos, de textos poéticos de várias fases decisivas da história do país contada por poetas
populares e sua sensibilidade artística.
7
VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002, p. 14-15.
8
Idem, p. 19-20.
30
permitia à população ouvir, ler e divulgar tais histórias, bem como obter as informações
desejadas.
Sendo assim, essas histórias versejadas facilitavam, para quem as ouvia, a
compreensão dos acontecimentos sociais. Muitos iam às feiras regionais, como a de São
Cristovão, no Rio de Janeiro, Largo da Concórdia, em São Paulo, Mercado de São José, em
Recife, Passarinho, em Maceió e Alecrim, em Natal. Em todas elas, formavam-se rodas em
torno do poeta, que lia suas histórias, procurando chamar atenção do comprador que, em
muitos casos, não sabia ler, a oferta era sempre feita, claro, enfatizando seus versos, visando
causar uma boa impressão e despertando a curiosidade de quem as ouvia tendo como objetivo
final a compra do folheto.
9
Aristóteles, na Poética, também destaca a importância da leitura e da forma
como o poeta vai criar ou esboçar suas histórias, buscando facilitar, desta maneira, uma
melhor compreensão do público ouvinte. Eram escolhidas, para este fim, fábulas que melhor
representassem as ações humanas e seu imaginário.
10
Sobre o trabalho dos trovadores, José
Tenório Rocha nos afirma:
Na Grécia antiga, era comum na Ágora (mercado) a presença de trovadores
que divulgavam, cantando, suas produções literárias, único meio de difusão
na época. Temas mais abordados eram estórias das regiões onde habitavam,
feitos dos antepassados, principalmente os heróicos, valentia dos homens e
glorificação dos desuses. Essas poesias eram transmitidas gerações após
gerações, oralmente através da memória dos poetas”.
11
Manuel Diégues Júnior
12
ressalta que a poesia impressa tem origens lusitanas,
estando ligada às histórias tradicionais, às novelas, romances, histórias de guerras, conquistas
e cavalaria que foram preservadas e conservadas na memória popular, “revelando o caráter do
seu povo”.
13
É bom destacar que este tipo de poesia popular em Portugal não atingia apenas
camadas populares, como destaca Diégues Júnior.
Márcia Abreu afirma que lavadeiras, carregadores, moleques de rua juntavam-se
em torno dos cegos para ouvir histórias e adquirir folhetos, mas que professores, médicos,
9
Cf. MEYER, Marlyse. Autores de cordel. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 4.
10
Cf. ARISTÓTELES. Poética. Op. Cit.
11
ROCHA, Jo de Maria Tenório. O mundo maravilhoso da Literatura de Cordel. Maceió: SENEC/MEC,
1976, p. 9.
12
DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel. In: et.al. Literatura popular em
versos: estudos. Op. Cit. p. 31. Este estudo do Manoel é tido como um dos mais abrangentes acerca das
origens do cordel. Cf. SLATER, Candace. A vida no barbante: a literatura de cordel no Brasil. Tradução de
Octávio Alves Velho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. Ver PROENÇA, Ivan Cavalcante. A
ideologia do cordel. Rio de Janeiro, Imago; Brasília, INL, 1976, p.28.
13
SILVIO, Romero. Estudos sobre a poesia popular. Petrópolis: Vozes, 1977, p.31.
31
advogados, militares, reis e fidalgos também consumiam e utilizavam tais impressos. Segundo
a autora, não se pode defini-la como uma literatura dirigida exclusivamente às camadas
pobres ou pressupor que ela expusesse e revelasse o ponto de vista popular, visto o interesse
que despertava desde o rei até as senhoras da corte.
14
Sua denominação, literatura de cordel é originada em Portugal e deve-se ao fato
de os impressos estarem presos a um barbante ou cordel exposto nas casas onde eram
vendidos. Existe um consenso entre diversos estudiosos da poesia popular impressa quanto à
procedência ibérica, merecendo destaque os estudos de: José de Ribamar Lopes
15
, Câmara
Cascudo
16
, F. A. Pereira da Costa
17
, Idelette Muzart F. dos Santos
18
, Franklin Maxado
19
,
Orígenes Lessa
20
, Joseph M. Luyten
21
, Silvio Romero
22
, Amadeu Amaral
23
, entre outros.
Não podemos deixar de ressaltar a contribuição da Márcia Abreu no tocante à sua
preocupação de, por meio de um estudo comparado da literatura de cordel portuguesa e
nordestina, localizar aproximações e diferenças quanto à procedência lusitana. Para a autora, a
relação não se de forma “plasmada”, ou seja, de forma totalmente direta, como propunham
alguns estudiosos. É necessário perceber a “recepção” que este tipo de impresso obteve em
terras americanas e sua difusão entre os grupos sociais, bem como entender a obtenção de
uma veiculação tão peculiar no Nordeste brasileiro, assumindo formas poéticas e estilos
diferentes dos impressos portugueses.
Neste caso, concordamos com Márcia Abreu quanto às especificidades deste tipo
de literatura impressa, que assumiu em terras tropicais seu caráter peculiar. Não podemos
analisar o fato focando apenas o elemento da “procedência ibérica”, mas perceber que este se
trata de um conjunto de fatores, inclusive o ambiente social e cultural que representa um
ponto de partida para que tais estórias fossem produzidas.
14
ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Campinas, SP: Mercado de Letras: ALB, 1999.
Originalmente apresentada como Tese de Doutorado, Universidade de Campinas, 1993, p.42-45.
15
LOPES, José de Ribamar. (Org.). Literatura de Cordel. Antologia. Fortaleza, BNB, 1982.
16
CASCUDO, Luís da Câmara. Cinco Livros do povo. João Pessoa: Editora Universitária / UFPB, 1994.
17
COSTA, F. A. Pereira da. Folk-lore Pernambucano: subsídios para a história da poesia popular em
Pernambuco. 2. ed. Recife: CEPE, 2004.
18
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento
Armorial. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1999.
19
MAXADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit.
20
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro. Documentário, 1973.
21
LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. São Paulo: Brasiliense. 1983.
22
SILVIO, Romero. Estudos sobre a poesia popular no Brasil. Op.Cit.
23
AMARAL, Amadeu. Tradições populares. 2. ed., São Paulo, Hucitec, 1976.
32
Nesse contexto, Marinalva Lima
24
mantém um diálogo com Márcia Abreu na sua
tese “A morte na Literatura de Cordel” no que se refere à problemática ligada à sua
procedência. Vilar também concorda com Márcia quando diz que não se pode olhar esta fonte
documental como sendo um elemento totalmente “popular”, muito menos ligado às histórias
ibéricas, tendo em vista contextos históricos totalmente diferentes.
No folheto A história da Literatura de cordel
25
, de Abdias Campos, podemos
constatar uma explicação para sua origem:
Sua primeira feitura
Na Europa aconteceu
Tipógrafos do anonimato
Botaram o folheto seu
Pra ser vendido na feira
E assim se sucedeu
Foi Portugal que lhe deu
Este nome de cordel
Por ser vendido na feira
Em cordões a pleno céu
Histórias comuns, romances
Produzidos a granel.
26
Em outro folheto, Nordeste Cordel Repente Canção
27
, de Delarme Monteiro, o
autor menciona o porquê do nome cordel:
Cordel, pra mim é isto
Não é mais do que se não
Esse fio para embrulhos
De nilon ou de algodão
Que todo mundo conhece
Vulgarmente por cordão.
[...]
Daí chama-se cordel
Coisa que ninguém contesta
Pois são livros populares
Numa linguagem modesta
Pendurados no cordão
Como bandeiras de festa.
24
Ver LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que Carpem: a morte na literatura de cordel. 2003, 208p. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo. No capítulo “O lugar da morte: poética popular e representação do morrer” autora nos remetem a uma
discussão acerca da caracterização dos folhetos enquanto elemento da cultura popular.
25
CAMPOS, Abdias. A história da literatura de cordel. 5. ed., Folhetaria Campos de Versos. Recife, [s/d.]
26
Idem, p. 2, estrofes 1 e 2.
27
MONTEIRO, Delarme. Nordeste Cordel Repente Canção. [s/n., s/d], Bezerros – PE, p. 1-2, estrofe 1 e 2.
33
Também houve um período em Portugal que essa produção era conhecida como
literatura de cego, em decorrência de uma lei, promulgada por D.João V, em 1789, que
concedia à Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos de Lisboa o direito de
comercializar tais folhetos.
28
Sobre esse episódio, Abdias escreveu:
Portugal ainda lança
Um monopólio cedido
Por ordem de D.João V
Podendo ser só vendido
Pelos cegos de Lisboa
Por direito adquirido.
29
Mas esse tipo de literatura popular não era exclusivamente lusitano; outras
regiões da Europa e da América Latina também produziram sua literatura popular; na
Espanha, chamado de pliegos sueltos; na Argentina, México, Nicarágua, Peru, chamados de
hojas, contrapuento ou corridos; na França, de littèrature de corpotage; na Inglaterra, cocks
ou catchpennies e broadsides; na Holanda de pamflet e nos Estados Unidos de boardside
ballads.
30
Cada qual assumindo características diversas quanto às histórias recitadas, levando-
se em conta os aspectos socioculturais.
Diante deste fato e concordando com Manuel Diégues, Veríssimo de Melo nos
relata que na Alemanha, durante o século XVI, já circulavam panfletos, principalmente
destacando temas portugueses, frutos das experiências e aventuras das grandes navegações,
como, por exemplo: A viagem de Américo Vespúcio, em 1501, ao Brasil, Cópia da Nova
Gazeta da Terra do Brasil; Carta latina de D. Manuel I, de Portugal, ao Papa Júlio II, sobre a
tomada de Malaca pelos portugueses; Carta de Damião de Góis ao Cardeal Bembo, sobre as
campanhas lusitanas na Índia; bem como as histórias da batalha de Alcacér Quibir e a morte
28
GRILLO, Maria Ângela de Faria. A arte do povo: Histórias na Literatura de cordel (1900-1940). 2005, 257p.
Tese (Doutorado em História), Instituto de Ciências e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de
Janeiro, p. 31. Sobre esta concessão ver ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Op. Cit. p. 28-29.
29
CAMPOS, Abdias. A história da literatura de cordel. Op. Cit. p.03, estrofe 2.
30
DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel. In: et.al. Literatura popular em
versos: estudos. Op. Cit. p. 32-35. Acerca dos impressos nos Estados Unidos ver, MAXADO, Franklin. O que
é Literatura de Cordel? Op. Cit. p. 28. Quanto aos impressos holandeses ver LOPES, José de Ribamar. (Org.).
Literatura de Cordel. Antologia. Op. Cit. p. 11 e EHRHARDT, Marion. Histórias alemães do século XVI
sobre Portugal Apud MELO, Veríssimo de. Origens da literatura de Cordel. In: Humboldt, 34, 1977, p.81-
82. Cf. MAXADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel? Op. Cit p.24. Merece ainda destacar a
contribuição de LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. São Paulo: Brasiliense, 1983. Este autor
refaz uma trajetória da presença deste tipo de literatura popular no mundo. Sobre as produções de folhetos na
França ver CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Tradução de Maria
Manuela Galhardo, Portugal, Difel, 2002. Podemos ainda destacar o capítulo O cordel, uma visão histórica In:
_______. CAVALCANTI, Carlos Alberto de Assis. A Atualidade na literatura de cordel. Recife, 2001.
Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
34
de D. Sebastião. Todas essas histórias circularam como folhetos em alemão, tendo grande
aceitação por onde passavam.
31
Quanto aos estudos relacionados aos panfletos holandeses, esses nos chegaram
por meio do Prof. José Gonçalves de Melo, que os identificou quando examinava documentos
relativos à dominação holandesa no Brasil. Sobre este conteúdo, o autor nos afirma que: Os
temas tratados, pelo menos com relação ao Brasil, que sãos os que unicamente conhecem,
são políticos, econômicos, militares, quando não são terrivelmente pessoais.
32
Verifica-se,
portanto, que não se trata de uma literatura popular exclusivamente ibérica e sim de histórias
que, vinculadas em prosa ou versos, percorriam diferentes lugares e contextos sociais.
E o poeta assim verseja:
Com esse mesmo papel
Era na Espanha vendido
Como “pliegos sueltos”
Assim era oferecido
Em tabuleiro ambulante
Ao pescoço prendido.
33
Tinha lugar garantido
Nas feiras livres da França
Na Alemanha também
Muito sucesso ele alcança
Essas pequenas brochuras
Que tanta história romança.
34
Quanto ao Brasil, o debate em torno da gênesis desse tipo de literatura tomou
outros rumos com a tese de Doutorado de Márcia Abreu, Histórias de Cordéis e folhetos.
Como mencionamos anteriormente, neste estudo a autora afirma ser, a nossa literatura, uma
produção totalmente diferente daquela produzida na Península Ibérica, havendo entre elas
distinções quanto à produção, temática e circulação de textos. Para a autora, não é,
simplesmente, pelo fato de termos versões nordestinas de histórias ibéricas, como História
da Donzela Teodora, a História de Pierre e Magalona e a História da Imperatriz Porcina -
que nos daria o direito de afirmar categoricamente sua origem.
35
Portanto, Márcia Abreu nos
menciona:
31
MELO, José Antônio Gonçalves de. Apud MELO, Veríssimo. Op. Cit. p. 82.
32
Idem, ibidem.
33
CAMPOS, Abdias. A história da literatura de cordel. Op. Cit. p.02, estrofe 3.
34
Idem, p. 03, estrofe 1.
35
ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Op. Cit.,p.129.
35
Nada nesse processo parece lembrar a literatura de cordel portuguesa. Aqui,
havia autores que viviam de compor e vender versos; lá, existiam adaptadores
de textos de sucesso. Aqui, os autores e parcela significativa do público
pertenciam às camadas populares; lá, os textos dirigiam-se ao conjunto da
sociedade. Aqui, os folhetos guardavam fortes vínculos com a tradição oral,
no interior da qual criaram sua maneira de fazer versos; lá, as matrizes das
quais se extraíam os cordéis pertenciam, de longa data, à cultura escrita. Aqui,
boa parte dos folhetos tematizavam o cotidiano nordestino; , interessavam
mais as vidas de nobres e cavaleiros. Aqui, os poetas eram proprietários de
sua obra, podendo vendê-la a editores, que por sua vez também eram autores
de folhetos; lá, os editores trabalhavam fundamentalmente com obras de
domínio público. Mesmo havendo significativas diferenças entre o cordel
português e os folhetos nordestinos no que tange ao modo de produção,
circulação e público, o ponto central de divergência entre as duas produções
diz respeito aos textos. Os folhetos nordestinos possuem características
próprias que permitem a definição clara do que seja esta forma literária.
36
Em seu trabalho, Márcia Abreu cita um folheto intitulado Origem da literatura
de folheto e sua expressão de cultura nas letras de nosso país
37
, pertencente a Rodolfo
Coelho Cavalcante, que expressa muito bem as diferenças acima referidas:
Cordel quer dizer Barbante
Ou senão mesmo Cordão,
Mas Cordel-literatura
É real expressão
Como fonte de cultura
Ou melhor: poesia pura
Dos poetas do sertão.
Na França, também Espanha
Era nas Bancas vendida,
Que fosse em prosa ou em verso
Por ser a mais preferida,
Com o seu preço popular
Poderia se encontrar
Nas esquinas da Avenida.
Era em pequeno volume
A edição publicada,
Tamanho 15 por 12
Pra melhor ser consultada,
Isso no Século XVIII
Depois de noventa e oito
Foi aos poucos desprezada.
36
Idem, p. 104-105.
37
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Origem da literatura de folhetos e sua expressão de cultura nas letras de
nosso país. [ s/l., s/n, s/d.], 1984. Apud ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Op. Cit., p.105-106.
Ver também PAVAN, Alexandre. Em versos. Revista de Educação, 246, Out. 2001, p. 60-66.
36
Mas, diante do debate, os pesquisadores mencionados, concordam em um ponto:
que as histórias vindas do além-mar sofreram modificações ao tocarem em solo brasileiro. É
inegável que a nossa produção de folhetos tem suas raízes nas histórias trazidas pelos
colonizadores europeus, que, junto com os negros vindos da África como escravos e os povos
nativos que aqui habitavam o território, forneceram elementos para criar uma poesia
particularmente brasileira, poderíamos até dizer autônoma, se levarmos em conta a
diversidade temática de suas histórias. Corrobora, pois, Cascudo, quando afirma que os
assuntos são infinitos, levando-se em conta a complexidade de temas abordados, como os
motivos políticos, locais e regionais.
38
O contexto histórico fez com que tais produções transitassem do oral, a princípio,
tendo em vista o analfabetismo de grande parte da população, até a forma escrita, obtendo
grande êxito com a difusão das tipografias, o que deu suporte material para a impressão e
transmissão, facilitando a sua veiculação.
39
É interessante mencionar Edilene Matos quando
diz que a influência da escrita dá-se de modo parcial, pois nela as marcas da oralidade
permanecem fortes, se afirmam, chegando a ser o elemento norteador de toda produção
poética.
40
Realmente, o Brasil obteve certo isolamento e atraso com relação às publicações
dos impressos, uma vez que o governo colonial não permitia a instalação de escolas, muito
menos a circulação de livros e impressos que viessem trazer algum esclarecimento que
pudesse pôr em cheque a dominação metropolitana, preferindo, dessa maneira, deixar certa
parcela da população na ignorância, a fim de ter um controle mais sistemático da sociedade.
Tal isolamento era quebrado pela passagem de tropeiros, boiadeiros, missionários, beatos,
mascates e ciganos.
41
Esse quadro veio sofrer alterações quando chega ao Brasil a Família
Real Portuguesa, em 1808, motivada pela invasão francesa de Napoleão, obrigando a corte a
se mudar para sua colônia na América, na qual funda a Tipografia Régia, facilitando, desta
forma, a circulação de impressos.
42
38
CASCUDO, Luís da Câmara. Cinco Livros do povo. Op. Cit. p.11.
39
Para este assunto ver GRILLO, Maria Ângela de Faria. O Folheto: entre a escrita e a oralidade. In: ________
A arte do povo: Histórias na Literatura de cordel (1900-1940). Op.Cit. p.75-82.
40
MATOS, Edilene. Cuíca de Santo Amaro: o boquirroto de megafone e cartola. Rio de Janeiro: Manati, 2004,
p.48.
41
MAXADO, Flanklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit. p. 29.
42
LUYTEN, Joseph M. A notícia na literatura de cordel. São Paulo. Estação Liberdade, 1992. p.15. Para
maiores informações sobre as mudanças oriundas da permanência portuguesa no Brasil ver CARDOSO, Ciro
Flamarion Santana. A crise do colonialismo Luso na América Portuguesa 1750/1822. In: LINHARES, Maria
Yedda. (Org.). História do Brasil. 6. ed., Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 119. Cf. CABRAL, Geovanni
Gomes. A literatura de cordel como fonte histórica. 2003. 61p. Monografia (apresentada ao final curso de pós-
37
Mas é no Nordeste brasileiro que este tipo de literatura tomou singularidade. O
próprio ambiente sócio-cultural permitiu um campo fértil para o desenvolvimento de várias
histórias que marcaram a produção deste tipo de impressão popular. Assim, segundo Manuel
Diégues:
Por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da
literatura de cordel, de maneira como se tornou hoje em dia característica da
própria fisionomia da região cultural. Fatores de formação social
contribuíram para isso; a organização da sociedade patriarcal, o surgimento
de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou
bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e
sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para
que se verificasse o surgimento de cantadores como instrumentos do
pensamento coletivo, das manifestações da memória popular.
43
Versejando sobre as condições sócio-ambientais, Abdias Campos nos informa
que:
O cordel introduzido
No Brasil foi gradual
Maior parte dos folhetos
Como patrimônio oral
Ingressou principalmente
Como histórias de sarau
44
Foi o Nordeste o local
Que lhe brasileirizou
Nos serões familiares
Dos sertões onde chegou
Levando alegria ao povo
Pela voz do cantador
Conduzia o rumor
De histórias da redondeza
Noticiadas em versos
Dadas com toda clareza
A uma população
Que se tornava freguesa
Desde as casas de riqueza
Nas varandas das fazendas
Até os dias de feira
graduação stricto sensu em Ensino de História) Departamento de Letras e Ciências Humanas, Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Recife, p.15.
43
DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel. In: et. al. Literatura popular em
versos: estudos. Op. Cit. p. 40. Cf. GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Errantes da Selva: história da migração
nordestina para a Amazônia. Apresentada originalmente como Tese de doutoramento em História pela
UNICAMP. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006, p. 126.
44
CAMPOS, Abdias. A história da literatura de cordel. Op. Cit. p.3, estrofe 3.
38
Entre os escombros de vendas
Histórias eram cantadas
De verdadeiras a lendas.
45
Partindo desta singularidade, assumida em solo nordestino, são produzidos
folhetos que tinham um formato de 10cm X 16cm, 11cm X 16cm, compostos por uma capa e
miolo, impressos em papel tipo jornal, bastante frágil e de pouca durabilidade. Suas capas
apresentavam algumas imagens que, na maioria dos casos, serviam para atrair o leitor para a
compra do mesmo. Sobre as capas destes folhetos trataremos mais adiante. Quanto ao número
de páginas, variavam entre 8, padrão denominado de folheto, aos de 16 páginas, conhecidos
como romances, e de 32, 48 ou 64, chamados de histórias.
46
Segundo Liêdo, estes dois
últimos deixaram de ser produzidos por causa do alto custo da impressão tipográfica. Ele cita
também que a denominação variava de região para região e por meio de suas andanças pelo
nordeste brasileiro, pôde constatar as seguintes denominações: “obra”, “livros”, “livros de
versos”, “poesias populares”, “livro de Ataíde”, estória do meu padrinho Cícero”,
“Arrecifes” e “ABC’s.”
47
Quanto ao nome do autor, este deve aparecer na primeira página, assim como o
do editor (este é aquele que compra os direitos do poeta), mas como diz Mark Curran, isto
varia conforme o caso, que em muitos folhetos, embora não apareça o nome do autor na
capa, ele vem em forma de acróstico na última estrofe.
48
Vejamos alguns exemplos destes
acrósticos:
Peço a Dona Alzira Vargas
Entre Suspiro e ai,
Recomendar-me a família
Esfinge que nunca cai,
Inspiradora dileta
Rainha de um poeta
Amigo do nosso pai.
49
Lutemos povo, lutemos
Unidos, que assim teremos
Mais força qu’inda não temos
Encorporada união
45
Idem, p. 4, estrofes 2, 3 e 4.
46
LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. Op. Cit. p.40-41.
47
SOUZA, Liêdo Maranhão de. Classificação popular da Literatura de Cordel. Petrópolis: Vozes, 1976. p.13.
Sobre a denominação de “arrecife” por ser proveniente de Recife no momento do seu auge, ver MAXADO,
Franklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit. p. 42.
48
CURRAN, Mark J. A literatura de cordel. Recife, Imprensa Universitária de Pernambuco, 1973, p.15.
49
SOBRINHO, Manoel Pereira. O Suicídio do Presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n, s/d.] p.8, estrofe 31. O
destaque em negrito é como se encontra no original.
39
Resistindo a reação
Que inda virá um dia
Uma só democracia
Em prol de nossa nação!Fim.
50
Esta foi uma forma de preservar a autoria, que muitos folhetos eram reeditados
com nomes de outros poetas. Na contracapa, está reservado o espaço para a propaganda do
editor, que coloca seus anúncios, e as do poeta, que além de anunciar novidades diante de
novas impressões, também indica o seu endereço ou da tipografia em que edita seus folhetos.
É um espaço em que o poeta denuncia ao leitor as ameaças de editores, acusados de roubarem
suas histórias. Sobre o tema, Mark Curran, no artigo intitulado “A ‘página editorial’ do poeta
popular”
51
, realizou uma pesquisa com cerca de cem folhetos, na qual é possível constatar a
seguinte classificação, quanto ao propósito editorial do poeta que imprimia folhetos:
1. Propaganda poética do poeta-editor.
2. Propaganda comercial paga ao poeta-editor.
3. Propaganda política-paga ou voluntária.
4. Orações atribuídas ao Padre Cícero de Juazeiro.
5. Homenagens feitas pelo poeta-editor.
6. Propaganda de horóscopos e astrologia popular.
7. Dados biográficos dos poetas, condecorações e aniversários deles.
8. Notícias e propaganda das organizações poéticas.
9. Declarações sobre as qualidades estéticas da poesia.
10. Declarações dos direitos autorais.
Em termos de classificação, muitos são os autores que tentaram encontrar uma
forma de enquadrar os folhetos e sua diversidade temática, esta que inclusive tomava
proporções cada vez mais complexas no intuito de enquadrá-la neste ou noutro modelo
classificatório. A diversidade justifica-se por se tratar de uma produção que abarcava histórias
da vivência popular, que contemplava contos maravilhosos, tradição religiosa, casos de
enchentes, festas, secas, sátira, misticismo, personalidades políticas, cangaceiros, heroísmo,
etc.
50
LUMERQUE, Luiz Gomes. A vitória do Presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n], 1950, p.8, estrofe 32.
51
CURRAN, Mark J. A página editorial” do poeta popular. In: Revista Brasileira de Folclore. Ano XII, 32,
p. 5-6 Jan /Abr 1972. Acerca deste tema MATOS, Edilene. Cuíca de Santo Amaro: o boquirroto de megafone e
cartola. Op. Cit. p.109-116. A autora faz um estudo das contracapas dos folhetos de Cuíca de Santo Amaro onde
destaca paródias, anúncios, propaganda eleitoral e propaganda comercial.
40
Entre os estudiosos da poesia popular que contribuíram com um modelo
classificador, podemos mencionar: Ariano Suassuna, Orígenes Lessa, Manuel Cavalcanti
Proença, Ivan Cavalcanti Proença, Manoel Diégues Júnior, Roberto Câmara Benjamim, Alceu
Maynard Araújo, Liêdo Maranhão de Souza, Sebastião Nunes Batista, Carlos Alberto
Azevedo, Marlyse Meyer, José de Ribamar Lopes, Franklin Maxado, Maria José Londres,
Eduardo Diatahy, José Alves Sobrinho, além, claro, de pesquisadores estrangeiros, como é o
caso de Paul Zumthor e Raymond Cantel.
52
Percebe-se, portanto, que diante de tantas classificações e enquadramento desta
literatura popular em versos, fica quase impossível dizer se este ou aquele enquadrou melhor
os folhetos, até porque tudo se passa com um tipo de produção que está ligado diretamente a
diferentes camadas sociais e suas práticas culturais
53
. A sociedade utiliza a poesia impressa
para se informar, se divertir, fazer críticas à política nacional, para aprender a ler, tendo em
vista a facilidade com que os versos deixam fluir a comunicação.
O certo é que estando ou não obedecendo algumas destas classificações, os
folhetos assumem sua própria identidade quando entram em contato com o leitor/ouvinte.
Seus versos são memória, documento e registro de uma sociedade em dado momento
histórico.
Estas histórias, na verdade, podem se encaixar em várias temáticas diferentes.
Portanto, é um procedimento utilizado quando se menciona o folheto, porém superado, pois
os títulos podem migrar de uma temática para outra. Vejamos, como exemplo, este folheto
sobre Getúlio Vargas de João Martins de Athayde, intitulado “A Chegada do Presidente
Getúlio Vargas a Pernambuco. As grandes homenagens do Leão do Norte ao seu grande
Chefe Nacional
54
que diz:
PERNAMBUCO é berço heróico
De uma raça varonil;
Seu povo é forte e guerreiro
E tem no peito viril
A rigidez dos tacapes
Que out’rora nos guararapes,
Lutaram pelo Brasil
52
GRILLO, Maria Ângela de Faria. O Folheto: entre a escrita e a oralidade. In: _______.A arte do povo:
Histórias na Literatura de cordel (1900-1940). Op.Cit. p. 131-139. Na sua tese Ângela Grillo faz um
mapeamento destes autores e suas classificações permitindo assim ao leitor uma maior abrangência quanto
essa miscelânea de folhetos. Agora frisar ressaltar que a autora não serventia alguma nesses exercícios
classificatórios.
53
Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Op. Cit.
54
ATHAYDE, João Martins. A chegada do Presidente Getulio Vargas a Pernambuco. As grandes homenagens
do Leão do Norte ao seu Chefe Nacional. Recife, 1943, p.01, estrofes 1, 2 e 3.
41
Resurge na tua gloria
Com o esplendor do passado,
Com o seu verbo inflamado
Agita a juba, Leão
Aplaude com devoção,
Um grande chefe de estado
Getulio Vargas é um nome
Que tem luz e tem calor,
É o sol da pátria brilhando
Astro de grande esplendor
Tem tão grande coração
Que toda população
Tem-lhe respeito e amor.
Um folheto como este, na classificação de Ariano Suassuna, aparece como ciclo
histórico, em Manuel Cavalcanti como Getúlio Vargas, em Manuel Diégues Júnior como
elemento humano, em Roberto Câmara Benjamim como informativo, Sebastião Nunes
Batista como político, José de Ribamar Lopes como cordel urbano e Liêdo como folheto de
Getúlio. Percebemos que este folheto se enquadra em diferentes classificações, deixando claro
que sua categorização se mediante o que se quer extrair dele. Desta forma, se as
classificações não dão conta da totalidade de significados que os folhetos podem vir a
expressar, ainda assim fornecem ao pesquisador um certo ordenamento quanto às suas
temáticas.
1.2 As primeiras Histórias Impressas
Segundo Câmara Cascudo, não podemos saber ao certo o que liam os brasileiros
nos séculos XVI e XVII na sua totalidade. De acordo com Cascudo, circulavam volumes de
orações, sermões e alguns livros de exemplos, os quais eram lidos nos serões noturnos ou
contados em rodas de amigos. Com isso, ele destaca a circulação de histórias eruditas que
foram reimpressas a partir de 1840, entre elas: Donzela Teodora, Imperatriz Porcina, Roberto
do Diabo, Princesa Magalona, João de Calais, História do Imperador Carlos Magno e os Doze
Pares de França.
55
Todas essas histórias viraram folhetos brasileiros, que circulavam pelo
55
CASCUDO, Luís da Câmara. Cinco Livros do povo. Op. Cit. p. 13.
42
país, reeditados, versejados, declamados ou cantados; a estes, o autor denominou de “Cinco
Livros do Povo”, pelo fato de terem obtido uma grande aceitação entre a população.
56
Outras pesquisas nos revelam a dificuldade que existia para circulação de livros
que vinham diretamente da Corte para o Brasil, que por sua vez não escapavam dos tribunais
inquisitoriais, como afirma Luiz Carlos Villalta, talvez pelo fato de alguns deles serem vistos
como ameaça à ordem constituída.
57
Tendo assim:
(...) a propriedade de livros se concentrando nas mãos de um reduzido
número de pessoas e se limitado a uns poucos títulos, preponderantemente
de cunho devocional. Os donos de bibliotecas, em sua maioria, eram
membros das elites, que combinavam a propriedade (de terras, gado e minas)
ou o envolvimento no comércio a ofícios que exigiam uma educação mais
esmerada. Assim, clérigos, advogados, médicos e funcionários públicos dos
altos escalões destacaram-se como os principais proprietários de livrarias.
58
Quanto aos primeiros folhetos que circularam no Brasil, sabe-se que estavam
associados às histórias de três grandes nomes da poesia popular: Leandro Gomes de Barros,
Chagas Batista e João Martins de Athayde. Estes propagaram, por meio de seus versos,
histórias que eram lidas e relidas, que percorriam o sertão, se faziam presentes nas feiras
livres, nos saraus, na reunião familiar após o almoço, nas rodas de amigos ou, como afirma
Renato Campos, eram um elemento de distração no momento de folga do trabalhador, mesmo
que estes tivessem que ouvir a leitura de algum indivíduo alfabetizado.
59
Assim expõe o poeta Abdias Campos:
Conduzia o rumor
De histórias da redondeza
Noticiadas em versos
Dadas com toda clareza
A uma população
Que se tornava freguesa.
Desde as casa de riqueza
Nas varandas das fazendas
Até os dias de feira
Entre os escombros de vendas
Histórias eram cantadas
56
CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed., São Paulo: Global, 2006, p. 209.
57
VILLALTA, Luiz Carlos. A censura, a circulação e a posse de romances na América Portuguesa (1722-1822).
In: Cultura letrada no Brasil: Objetos e práticas. ABREU, Marta, SCHAPOCHNIK, Nelson (Orgs). Op. Cit., p.
161-181.
58
_________. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: História da vida privada na América
Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 385.
59
CAMPOS, Renato Carneiro. Folhetos populares na zona dos engenhos de Pernambuco. In: Boletim do
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas, nº 4, Recife, 1955, p.48.
43
De verdadeiras a lendas
60
De inúmeras contendas
Entre grandes fazendeiros
Sobre as pegas de bois
Vitoriosos vaqueiros
Que se tornavam famosos
Em coma dos tabuleiros
Dos peregrinos romeiros
Da mocinha apaixonada
Dos ciganos que viviam
A procura de estrada
Dos sinais vindos do céu
Anunciando a invernada
Sempre em versão cantada
Assim o cordel viveu
Antes de 1900
Primeira edição se deu
De lá pra cá permanece
Mantendo o legado seu.
61
Existem algumas divergências quanto à datação do primeiro folheto impresso.
Ariano Suassuna aponta um folheto datado de 1836, intitulado Romance da Pedra do Reino;
Orígenes Lessa tem um folheto de 1865, Testamento que faz um macaco; Cascudo cita
como sendo o primeiro folheto Zezinho e Mariquinha, de autoria de Silvino Pirauá.
62
Por sua
vez, José Alves Sobrinho confirma os estudos de Cascudo: para ele, dois cantadores se
destacaram como pioneiro Silvino Pirauá Lima e Germano Alves de Araújo Leitão, que do
sertão paraibano escreviam e cantavam ao som de violas, romances e pelejas, caindo na graça
popular
63
.
Mas foi com Leandro Gomes de Barros que a poesia popular nordestina deu um
pontapé inicial em termos de veiculação, seu poema mais antigo data de 1893. Leandro
tornou-se proprietário de uma tipografia no Recife, a Tipografia Esperança, imprimindo tanto
seus livros como também de outros poetas, por volta de 1910. Ruth Terra nos relata que, entre
os anos de 1904 e 1930, existiam um total de 20 tipografias; Recife contava com 9, assumindo
a liderança da produção.
64
60
CAMPOS, Abdias. A história da literatura de cordel. Op. Cit, p.04, estrofes 2 e 3.
61
Idem, p.5, estrofes, 1, 2 e 3.
62
MAXADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit. p.30-31.
63
ALVES SOBRINHO, José. Cantadores, repentistas e poetas populares. Op. Cit., p.22. Ver MEYER, Marlyse.
Autores de Cordel. São Paulo: Abril Educação, 1980, p. 8-9.
64
TERRA, Ruth Brito Lemos. Memória de Luta: primórdios da literatura de folhetos do Nordeste (1893-1930).
São Paulo: Global, 1983, p.24. Cf. ver LOPES, José de Ribamar. (Org.). Literatura de Cordel. Antologia. Op.
44
É interessante ver que muitos poetas rejeitavam a publicação de seus folhetos,
preferiam deixá-los em um caderno anotado para serem lidos nas apresentações orais. Outros,
por sua vez, não tinham a intenção de editá-los, mas seguindo os passos de Leandro Gomes de
Barros, outros poetas se destacaram na produção de folhetos impressos, pelo menos até a
década de1930, como José Adão Filho, Firmino Teixeira do Amaral, João Martins Athayde,
Francisco das Chagas Batista, Antonio Ferreira da Cruz, José Galdino da Silva Duda,
Belarmino de França, Antônio Batista de Guedes, Libânio Mendes de Lima, Silvino Pirauá de
Lima, João Melchíades Ferreira da Silva, Antonio Mulatinho, Cícero Sidrônio do
Nascimento, Francisco Marabá, Heitor Martins de Athayde, José C. Correia, Luis da Costa
Pinheiro e Mariano Riachinho.
65
O folheto de Antonio Américo de Medeiros
66
Os mestres da Literatura de Cordel
descreve tal passagem:
Nosso cordel começou
Com Silvino Pirauá
E Leandro Gomes de Barros
Como na História por Recife
Começou tudo por lá.
Pirauá filho de Patos
E Leandro de Pombal
Todos dois paraibanos
Deixaram a terra natal
Foram para o Pernambuco
Pararam na capital
Porque Recife já tinha
Algumas tipografias
Lá Pirauá enfrentou,
Com vontade e energias
Publicou quatro folhetos
E vendeu em poucos dias.
67
Em outro folheto, o poeta deixa evidente a importância que Leandro teve para a
literatura em versos, quando diz:
Cit. p. 19-20. Ver também a contribuição de GRILLO, Maria Ângela de Faria. A arte do povo: Histórias na
Literatura de cordel (1900-1940). Op.Cit. p.90-104.
65
ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Op. Cit., p. 92.
66
MERDEIROS, Antonio Américo de. Os mestres da literatura de cordel. Patos, Ed. Coqueiro,1999.
67
Idem, p. 01, estrofes 1, 2 e 3.
45
Dos poetas de cordel
Foi Leandro; o pioneiro
Aqui dentro do Recife
Assim foi ele o primeiro
A distribuir folhetos
Por este nordeste inteiro
Leandro Gomes de Barros
Homem que tinha punjança
Na feitura dos seus versos
Com beleza e segurança
Morreu só deixando rimas
Pra viúva como herança.
68
Recife tornou-se uma cidade pioneira na impressão de folhetos, como afirma
Franklin Maxado
69
, passando a ser conhecida como a “Meca” do cordel, o centro da poesia
popular nordestina. Neste cenário, destaca-se a importância que exerceu a Praça Dom Vital ou
Praça do Mercado, no bairro de São José, nos idos do apogeu desta literatura, por entre as
décadas de 1930 e 1950. Descreve Liêdo acerca deste momento;
À sombra de suas árvores, matutos vindos do interior por alguns dias ou pela
vida toda, enquanto tomavam contato com as pessoas da cidade grande,
ouviam, deslumbrados, as mirabolantes estórias dos cordéis. A própria praça
era como se fosse uma daquelas estórias ao vivo: colorida, excitante,
poética, incrível. As mulheres fáceis, a cantoria, as ervas, garrafadas
milagrosas, uma maravilha de cinema, o mercado onde “tudo o que no
mundo” estava ali. (...) A história dos cantadores e folhetistas da Praça do
Mercado se São José é a própria história da literatura de cordel nordestina.
70
Sobre o que Liêdo de Souza argumenta na citação anterior, Delarme Monteiro assim
versejou:
A minha definição
Pode está errada
Mas eu vi lá no mercado
De São José, na calçada
Uma grade pra folhetos
Como era fabricada
Numa grade de sarrafos
Forrada de compensado
68
MONTEIRO, Delarme. Nordeste Cordel Repente Canção. Op. Cit. p.2 estrofes 2 e 3.
69
MAXADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit. p.32.
70
SOUZA, Liêdo Maranhão de. O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao
centenário do Mercado de São José – 1875-1975. Recife: Prefeitura Municipal do Recife / Secretaria de
Educação e Cultura, 1977, p. 15-16. Cf. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Folhetos de cordel: experiências de
leitores/ouvintes (1930-1950). In: Literatura e Letramento: espaços, suportes e interfaces. O jogo do livro.
(Orgs) PAIVA, Aparecida. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p.89.
46
Com 5, 6, 8 pregos
Isto é, de cada lado
Era passado um cordão
Pronto para ser usado
71
Ali era pendurados
Livros de muitos poetas
Com capas de varias cores
E com estórias completas
Para o freguês escolher
As suas mais prediletas
72
O Mercado São José
Tem a praça ladeada
De “Figo de benjamim
Cujo fruto não vale nada
Mas a sombra dos seus galhos
Deixa a praça ventilada
Protegidos pela sombra
Os folheteiros botavam
Suas grades de folhetos
Batiam papo, brincavam
Dali a poucos momentos
Os seus fregueses chegavam.
73
1.3 Os folhetos e suas ilustrações
A capa do folheto, assim como seu conteúdo, também passou a ser alvo de
pesquisas por diversos autores como Liêdo de Souza, Franklin Machado, Jurandy Temóteo,
Robert Grélier e José Lopes.
74
Essas imagens não eram apenas uma simples ilustração, mas
uma representação artística popular do imaginário do povo sertanejo. Eram imagens de seres
fantásticos e misteriosos, de bois, pavões, monstros, cangaceiros, fome, seca, Deus, o diabo,
enfim, desenhos que relacionavam-se com os versos da poesia do cordel.
Estas ilustrações, produzidas segundo a técnica das xilogravuras, tinham o
objetivo, a priori, de chamar a atenção dos leitores e ouvintes, tornando os panfletos mais
71
MONTEIRO, Delarme. Nordeste Cordel Repente Canção. Op. Cit. p.1, estrofes 1 e 2.
72
Idem, p. 2 estrofe 1.
73
MONTEIRO, Delarme. Nordeste Cordel Repente Canção. Op. Cit. p.6, estrofes 28 e 29.
74
Acerca dos estudos sobre a capa dos folhetos merecem destaquem SOUZA, Liêdo Maranhão de. O folheto
popular: sua capa e seus ilustradores. Recife. Massangana, 1981. Ver os trabalhos de MAXADO, Franklin.
Cordel: xilogravura e ilustrações. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. , TEMÓTEO, Jurandy. A xilogravura de
Walderêdo Gonçalves no contexto da cultura popular do Cariri. João Pessoa, UFPB, 2002. , GRÉLIER, Robert.
Com os dedos manchados de tinta. In: As crostas do Sol. Trad.ução de Martine Kunz e Teresa Maria Frota
Bezerra. Indez / Massangana, 1995., e LOPES, José de Ribamar. (Org.). Literatura de Cordel. Antologia.
Fortaleza, BNB, 1982.
47
atrativos, levando o público consumidor a comprá-los, facilitando a memorização. Lembrando
que não era apenas a capa que despertava a compra do impresso, mas o próprio autor,
principalmente quando este era popularmente conhecido, e as histórias, que dependendo da
ocasião ou do fato ocorrido caíam na graça popular.
Xilogravura vem do grego xylon (madeira) e graphein (escrever), sendo
comumente chamada nos meios artísticos de arte na madeira. Provavelmente, este tipo de
desenho é originário da China, onde foi encontrado um livro contendo imagem xilográfica de
Buda falando a um discípulo, datado de 869 d.C. Pouco tempo depois, sendo levado por
monges budistas, encontramos este mesmo processo no Japão, como nos mostra Franklin
Maxado, no seu minucioso estudo sobre as xilogravuras, intitulado “Cordel, xilogravura e
ilustrações.”
75
Percorrendo fronteiras, essa técnica de impressão chegou à Europa Medieval,
onde, por volta de 1150, é instalada uma fábrica de papel na Espanha, para onde são levados
os folhetos, pelos árabes, durante a sua permanência na Península Ibérica, tornando conhecido
seu uso e fabricação.
76
Deste período em diante, a arte de gravar em madeira se fez presente
na Idade Média, principalmente nas iluminuras e confecções de baralhos, sendo apenas uma
técnica de reprodução de cópias. mais tarde é que ela começa a ser valorizada como
manifestação artística em si, contribuindo, para isso, a invenção da imprensa por Johann
Gutemberg.
Assim, sobre esta invenção, discorre Franklin Maxado:
A Imprensa surgiu das necessidades de se popularizar textos solenes e da
comunicação de noticias, com um mercantilismo nascente. Em fim de se
tornar as informações mais acessíveis a um público interessado por
mudanças sociais. E quebrando, o monopólio da cultura, por parte dos
mosteiros católicos, a Imprensa popularizou a Bíblia, podendo ser
interpretada livremente por outros estudiosos, gerando novas religiões
cristãs. Também, publicando os textos do povo que os cantadores
divulgavam com as cordas vocais e as do alaúde. Além de almanaques e de
enciclopédias.
77
Aqui no Brasil, a xilogravura tomou realmente expressividade por volta do século
XX, principalmente associada aos trabalhos de Inocência da Costa Nick, conhecido como
75
MAXADO, Franklin. Cordel: xilogravura e ilustrações. O. Cit. p. 13-14. Sobre a origem chinesa ver também
LOPES, José de Ribamar. (Org.). Literatura de Cordel. Op. Cit., p. 43 e SOUZA, Liêdo Maranhão de. O folheto
popular: sua capa e seus ilustradores. Op. Cit.
76
MAXADO, Franklin. Cordel: xilogravura e ilustrações. Op. Cit. p.14.
77
Idem, p.20.
48
Mestre Noza,
78
Antonio Relojoeiro e Walderêdo Gonçalves. Destes, Walderêdo, até os anos
setenta, era considerado o mais clássico dos xilógrafos populares, o primeiro a assinar sobre
as capas dos folhetos.
79
Mas outros nomes se destacaram, como Expedito Sebastião da Silva,
Augusto Laurindo Alves, Dila, José Martins dos Santos, Minelvino Francisco da Silva, José
Costa Leite, José Francisco Borges e, mais recentemente, Abraão Bezerra Batista, Damásio
Paulo da Silva, Stênio Diniz, Ciro.
80
Quanto às primeiras capas, argumenta Liêdo, que os folhetos mais antigos da
poesia popular eram conhecidos como “sem capa”, contendo apenas arranjos com vinhetas,
filetes, e com letras ou figuras ornamentais. Estas vinhetas determinavam um espaço onde
vinha o título da obra, o nome do autor e outros dados. Isso se deve a ausência do clichê de
zinco ou de madeira, estampado sobre o papel manilha.
81
Outra forma de ilustrar era por meio das fotografias feitas em clichê de zinco,
principalmente nos folhetos políticos, nos quais era estampada a fotografia do candidato,
narrando para os leitores “a simpatia” dos candidatos, “sua campanha”, a grande vitória”, “a
prateada morte” e os “seus encontros no céu”.
82
Podemos perceber estes detalhes claramente
nos folhetos de Getúlio Vargas.
Também passam a ser utilizados os cartões-postais, vindos da Itália, Alemanha,
França e Japão, com estampas de fino colorido, pintados à mão. Eram trazidas, pelo vapor da
Mala Real, para o nosso porto e, aqui chegados, abarrotavam as livrarias Francesa,
Pernambucana e Universal, famosas na época, pelas reuniões de intelectuais, que iam em
busca de revistas estrangeiras e novidades literárias. Os folhetos invadiam toda a cidade e
eram vendidos arrumados em caixas de sapatos vazias ou pendurados em cordões, afirma
Liêdo.
83
Diante do exposto, percebemos que a união da poesia com a capa do folheto
passou por fases em que estava associada à própria dinâmica da sociedade, bem como a
evolução que este tipo de produção assumiu ao longo do tempo. Em nenhum momento, em
78
LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. Op. Cit. p. 50. O autor apresenta o Mestre Noza como
precursor da xilogravura no Nordeste.
79
Sobre a importância de Walderêdo Gonçalves ver TEMÓTEO, Jurandy. A xilogravura de Walderêdo
Gonçalves no contexto da cultura popular do Cariri. Op. Cit. Apresentada como dissertação de mestrado na
Universidade Regional do Cariri, em 2001.
80
GRÉLIER, Robert. Com os dedos manchados de tinta. In: As crostas do Sol. Op. Cit., p.60. Ver também,
CABRAL, Geovanni Gomes. A literatura de cordel como fonte histórica. Op, Cit. p. 16-17, LOPES, José de
Ribamar. (Org.). Literatura de Cordel. Op. Cit. p.42-44 e CARVALHO, Gilmar de. Vozes e letras do cordel. In:
CULT Revista de Literatura. nº 54, Ano V, Ago./2002. p. 44-49.
81
SOUZA, Liêdo Maranhão de. O folheto popular: sua capa e seus ilustradores. Op. Cit. p.27.
82
Idem, p. 66.
83
Idem. p. 49-50.
49
que novas ilustrações foram sendo utilizadas, o cordel perdeu a sua importância como veículo
de informação, diversão e ensinamento. E muito menos a xilogravura, que hoje é tida como
referência de uma arte popular.
1.4 Poetas, leitores e Ouvintes
Vários estudos foram realizados sobre a vida e a obra de poetas populares que,
segundo Ângela Grillo, quando inserida em um contexto histórico e compreendida a partir de
referenciais analíticos, contribui para preservar a memória social.
84
A autora se propõe a
fazer um levantamento de importantes poetas que representaram a história nos folhetos de
cordel, tomando, como exemplo, as biografias de Leandro Gomes de Barros, Francisco das
Chagas Batista, João Melchíades Ferreira da Silva, João Bernardo da Silva, João Camelo de
Melo Rezende, José Gomes, José Pacheco da Rocha, Manuel Cabloco e Silva e Silvino Pirauá
de Lima.
85
Mas nenhum estudo chegou a ser tão completo como o de Átila Almeida e José
Alves Sobrinho, que durante anos de pesquisas e em contato com poetas e seus leitores em
andanças pelo país, conseguiram montar um dicionário Bio-bibliográfico reunindo poetas de
A a Z e suas respectivas obras.
86
Em estudo recente, José Alves Sobrinho apresenta, em sua obra intitulada
Cantadores, Repentistas e Poetas populares, um estudo, uma síntese dos principais poetas
populares que foram cantadores, poetas populares que não foram cantadores, poetas eruditos
que escreveram cordéis, poetas populares editores, que possuíram impressoras, bem como
apresenta uma lista de mulheres que se destacaram como poetisas e cantadoras repentistas.
87
Outros autores, mencionados ao longo do texto, em suas pesquisas apresentaram listas de
poetas que nos presentearam com seus versos, a saber: Joseph Luyten , Márcia Abreu, Ruht
Terra e Marinalva Lima.
A maioria desses poetas nasceu na zona rural, pertencentes a famílias de
pequenos proprietários ou de trabalhadores assalariados. São geralmente semi-analfabetos,
podendo ler e escrever. Alguns não tiveram instrução formal, outros aprenderam a ler com
parentes, amigos e desconhecidos. Lessa, conforme citado por Márcia Abreu, nos relata que
84
GRILLO, Maria Ângela de Faria. A arte do povo: Histórias na Literatura de cordel (1900-1940). Op. Cit. p.41.
85
Idem, p. 41-74.
86
Cf. ALMEIDA, Átila de e ALVES SOBRINHO, José. Dicionário Bio-bibliográfico de poetas populares. 2.
ed., ampl., e reform. Campina Grande PB:UFPB-Campus II, 1990.
87
Cf. ALVES SOBRINHO, José. Cantadores, repentistas e poetas populares. Op. Cit.
50
Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athayde produziram versos sem saber ler.
Muitos tentaram a vida profissional, mas assim que produziam e vendiam seus folhetos
acabavam abandonando o emprego para dedicar-se à poesia. E, dessa forma, deixavam o
campo e passavam a morar na cidade, onde, segundo Márcia Abreu, compunham, editavam e
vendiam suas obras.
88
É muito comum encontrarmos estudos que apresentam o poeta como a “voz do
povo”
89
ou como cita Cascudo:
Essa Literatura Popular é reflexo poderoso da mentalidade coletiva em cujo
meio nasce e vive, retrato do seu temperamento, predileções, antipatias,
fixando o processo de compreensão, do raciocínio e do julgamento que se
tornará uma atitude mental inabalável.
90
Acerca deste tema, Marinalva Lima nos traz uma contribuição ímpar na sua tese
Loas que carpem: A morte na Literatura de Cordel quando nos chama à atenção para o fato
de que se propagou uma visão simplista do poeta e sua produção, na qual se transmite, por
meio de seus versos, as idéias das camadas populares. A autora nos alerta que é preciso levar
em conta a comunidade na qual o poeta está inserido, a visão deste em relação à sociedade e
sua produção.
91
Não é simplesmente pelo fato de estar ligado ao povo que se deve ter uma
visão genuína do fato; muitos poetas consideram-se diferentes dos demais membros sociais,
por terem um “dom” especial, afirma Lima. Esta também nos apresenta uma discussão em
torno da idéia de “popular”, visando entender a maneira como, nas práticas, nas
representações ou nas produções, se cruzam e se imbricam diferentes formas culturais.
Candance Slater
92
faz sua análise para este caso mencionado anteriormente,
mostrando que o poeta produz versos visando também ao dinheiro, até porque é um meio de
ganhar a própria vida e sustentar a família. Outros afirmam que os versos, muitas vezes, são
ajustados de acordo com o que o cliente quer, atendendo às necessidades e aos desejos de seu
público. Contudo, afirma Slater, o fato de fazer verso agradando o povo não o torna uma
pessoa mentirosa ou falsa, muito pelo contrário: é preciso saber ter clareza no que se está
fazendo.
Estas análises são importantes, pois desmistificam a idéia de que tudo é
produzido para o povo, como se os versos cordelianos expusessem a cosmovisão popular,
88
ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Op. Cit. 93-94.
89
MACHADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel ? Op. Cit. p. 124.
90
CASCUDO, Luís da Câmara. Cinco Livros do povo. Op. Cit, p.12-13.
91
LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que carpem: a morte na literatura de cordel. Op. Cit. p.39.
92
SLATER, Candance. A vida no barbante: a literatura de cordel no Brasil. Op. Cit. p. 181-206.
51
quando, na verdade, o que se percebe é que precisamos ter uma compreensão mais
aprofundada do tema, levando-se em conta uma relação mais detalhada entre autor, obra e
público. As próprias histórias são válidas dentro de uma esfera especial, limitada e
identificável, conclui Slater.
Em relação aos leitores/ouvintes, Luyten, em sua obra A notícia na literatura de
cordel
93
nos traz uma contribuição no tocante à percepção da importância que os folhetos
noticiosos, ou folhetos de época, assumem diante de seu público. Ressalta o folheto e seu
papel jornalístico na medida em que as notícias que são veiculadas em jornais, rádio ou na
televisão, são versificadas, tornando-as melhor compreendidas por aqueles que utilizam o
cordel como meio de informação.
Curran, por sua vez, nos chama a atenção para o público que compra este folheto,
pois geralmente é formado por pessoas que gostam de ler as histórias versificadas ou
solicitam que alguém realize a leitura, geralmente nas horas vagas. Na feira, nas casas, nos
engenhos, nos saraus, nos grupos de amigos, ler o cordel é algo prazeroso, principalmente se
for em voz alta, pois ajuda a memorizar as histórias.
94
Ainda neste aspecto, Ana Maria Galvão
95
desenvolveu uma pesquisa analisando a
relação leitor/ouvinte enfocando a importância que estes folhetos desempenham em sua
relação com o processo de aprendizagem e suas práticas culturais. Segundo Galvão, a leitura
e a audição de folhetos também cumpria, assim, um “pape”educativo, em relação a uma
sociedade caracterizada pelas altas taxas de analfabetismo, levando muitos a aprender e
desenvolver suas habilidades de leituras.
Em síntese, é preciso considerar que os folhetos estão relacionados com o seu
tempo e seu ambiente sócio-cultural, onde, por sua vez, os consumidores indicam as temáticas
que mais lhe interessam, mantendo, assim, sua produção no mercado consumidor. Afirma
Marinalva Lima que o poeta fala ou escreve para um público determinado, buscando
recursos de linguagens a ele adequado, bem como versejando sobre temas que mais lhe
convém.
96
93
LUYTEN, Joseph M. A noticia na literatura de cordel. São Paulo. Estação Liberdade, 1992.
94
CURRAN, Mark J. A literatura de cordel. Op. Cit. p. 19-20.
95
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel: leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p.109.
96
LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que carpem: a morte na literatura de cordel. O. Cit. p. 61.
52
Capítulo 2
Getúlio Vargas:
um panorama da política nacional de 1945 a 1954
Tem sua gestão na história
Feitos extraordinários
Protegeu todas as classes
Deu a mão aos operários
Deu valor ao Brasil
Foi o pai dos operários.
(Jose Aires Mendonça)
Assim foi o nosso povo
Votou conscientemente,
No Dr. Getúlio Vargas
Pra ser nosso presidente
O sol da libertação
Que brilha em nossa frente
(Manoel d’Almeida Filho)
53
2. GETÚLIO VARGAS: UM PANORAMA DA POLÍTICA NACIONAL
DE 1945 A 1954
O invisível pode tornar-se visível por meio do discurso.
(Bechelard)
2.1 1945: A redemocratização
1
Somente em 45
Foi o tratado de paz
A Alemanha derrotada
Não queria brigar mais
Voltaram nossos patrícios
Para os seus campos natais...
No fim desse mesmo ano
No governo houve desgosto
Voltava a velha política
Todo Brasil bem disposto
E nosso Dr. Getúlio
Pelas forças foi deposto
[...]
Mas ele havia saído
Com muito boa conduta
O povo queria ele
Era capaz de haver luta
Ele apresentou ao povo
O general Gaspar Dutra
De fato o Dutra ganhou
Presidiu os 5 anos
Muitos dizem que Getúlio
Orientava alguns planos
Até que em 51
Foi eleito sem enganos.
2
1
Procuramos, neste capítulo, dar ênfase ao governo Vargas a partir do final do Estado Novo, em 1945, até 1954,
ano de seu suicídio. Tal recorte temporal se faz mister por conta da própria limitação da pesquisa. Para maiores
detalhes da história de Vargas e seus 15 anos de governo, 1930-1945, sugerimos ver: FAUSTO, Boris. Getúlio
Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. , SKIDMORE, Thomas E. Brasil de
Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Tradução de Ismênia Tunes Dantas. 7. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982. e LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas. Tradução de Anna Olga de Barros
Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Também pode acessar o site do CPDOC onde dispõem de todo
um acervo documental sobre a Era Vargas. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/ comum/html/
>.
2
SANTOS, Antonio Teodoro dos. Vida e Tragédia do Presidente Getúlio Vargas. Ed. Prelúdio.,[ s/l, s/n, s/d.],
p.26. Sobre o Estado Novo mais especificamente o ano de 1945 ver: o trabalho da ARAUJO, Maria Celina D’.
54
As estrofes do folheto Vida e Tragédia do Presidente Getúlio Vargas,
mencionadas acima, estão relacionadas aos novos rumos que tomou a política brasileira no
ano de 1945. Trata-se do registro de um poeta que nos leva a discorrer sobre a historiografia,
que analisa os vários momentos em que Getúlio Vargas esteve na presidência do país,
tomando para isso os desdobramentos políticos de 1945 a 1954. Todavia, ao longo deste
capítulo, serão utilizados vários outros folhetos, mostrando, desta forma, o valor que tal
literatura popular assumiu nesta década, ao procurar registrar determinadas passagens da
nossa História; nas palavras de Mark Curran, este tipo de literatura é realmente memória,
documento e registro.
3
O país participara da Segunda Guerra Mundial, em 1944, apoiando os Aliados:
Estados Unidos, Inglaterra e a União Soviética contra o Eixo nazi-fascista representado pela
Alemanha, Itália e Japão. Para isto, enviou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para
combater em território italiano e deu permissão para que os Estados Unidos construíssem
bases aéreas no Nordeste brasileiro. É sabido o quando da entrada do Brasil na Guerra trouxe
de dificuldades políticas para a permanência do Estado Novo.
4
Conforme afirma Maria Celina
D’Araújo, diante do envolvimento do país nesta guerra, Getúlio Vargas entrava em
contradição, já que era um ditador e se via agora combatendo outras ditaduras.
5
Tal fato serviu para reforçar grupos de oposição que lutaram pela
redemocratização do país, como setores da classe média, setores empresariais, operários,
intelectuais e inclusive os militares que haviam sustentado o Estado Novo. Para Maria Celina
(e toda uma ampla gama de historiadores), existia certo temor entre os militares pelo
continuísmo de Getúlio Vargas ou pela possibilidade de que o mesmo tentasse alguma jogada
para permanecer na presidência.
6
Esse medo decorre do fato de Getúlio ter uma aceitação
entre a classe trabalhadora sintetizada na Consolidação das Leis Trabalhistas.Tais medidas
(salário nimo, a jornada de trabalho de 48 horas semanais, licença-saúde e a licença-
gestante, o direito a férias anuais e o direito à aposentadoria, entre outras), associadas a uma
propaganda eficaz, não foram apagadas da mente do trabalhador. Muito pelo contrário,
O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. Com relação à presença de Getúlio Vargas na literatura de
cordel ver: LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro, Documentário, 1973.
3
CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel. 2. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2001, p.19.
4
Acerca do Estado Novo ver: CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In:
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lúcia de Almeida Neves. (Orgs). O Brasil Republicano. O tempo do nacional-
estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. v. 2, Rio de Janeiro, Editora Civilização
Brasileira, 2003, p.107-144.
5
Cf. ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. 2. ed., São Paulo: Moderna, 2004, p.30.
6
Idem. Ibidem.
55
ficaram presentes, até porque traziam melhoria de vida para esta classe, sendo Vargas
concebido como um “líder”, um “mito”, aclamado como “pai dos pobres”.
7
Manoel d’Almeida Filho
8
, em um folheto versado para a campanha presidencial
de 1950, deixa bastante claras estas representações para os (e)leitores sobre a importância de
Getúlio Vargas como dirigente do país, comparando o candidato a uma estrela (“o sol da
libertação”) capaz de trazer luz para a nação. Neste mesmo folheto, o poeta ressalta a
singularidade de sua importância ao elencar que Vargas foi o único que protegeu a pobreza.
Observem nos versos abaixo:
Assim foi que nosso povo
Votou conscientemente,
No Dr. Getúlio Vargas
P’ra ser nosso presidente,
O sol da libertação
Que brilha em nossa frente
Foi eleito presidente
O chefe dos trabalhistas,
Protetor das classes pobres
Forca dos capitalistas,
Que oprimem os operários
Para aumentar as conquistas.
[...]
Foi o único presidente
Que protegeu a pobreza,
Decretou leis protetoras
Dando os meios de defesa,
Para melhorar os pobres
Deu um tombo na riqueza.
Mas não podemos associar o fim do Estado Novo apenas aos fatores externos.
Vários acontecimentos foram fundamentais para acelerar a queda da ditadura varguista, como,
por exemplo: o Manifesto dos Mineiros, em 1943, documento redigido por intelectuais
pedindo a redemocratização do país; a realização do Primeiro Congresso Brasileiro de
Escritores, em janeiro de 1945, exigindo liberdade de expressão, rompendo, desta forma, com
a censura; bem como a mobilização da União Nacional dos Estudantes, adotando um
7
Sobre a relação Getúlio e o trabalho, ver as análises de GOMES, Ângela de Castro e ARAÚJO, Maria Celina
D’. Getulismo e Trabalhismo. São Paulo, Ática, 1989. Também o artigo de NOGUEIRA, Arnaldo José França
Mazzei. O trabalho sob tutela do Estado. In: Revista História Viva Grandes Temas: O Brasil que Getúlio
Sonhou. Duetto, Edição Especial , 4, 2007, p. 31- 37. Ver SOUZA, Marquilandes Borges. 50 anos sem
Getúlio Vargas. In: Revista Desvendando a História, nº 1, ano 1, p. 32-41.
8
FILHO, Manoel d’Almeida. A vitória getulista nas eleições de 50. [ s/l, s/n s/d],. p. 02, estrofe 9 e p.3 estrofes
10 e 13.
56
posicionamento anti-fascista. Neste contexto, surpresa maior foi a entrevista do general Góis
Monteiro, articulador do Estado Novo, publicada no jornal Folha Carioca, na qual defendia a
realização de eleições para a presidência da República, segundo Boris Fausto:
Convencido de que o regime não sobreviveria aos novos tempos, o general
Góis Monteiro abandonou na mesma época o cargo que ocupava em
Montevidéu como embaixador do Brasil, junto ao Comitê de Emergência e
Defesa Política da América, regressando ao Brasil. Góis iria para o
Ministério da Guerra, em agosto de 1945, muito mais para encaminhar a
saída de Getúlio do que para tentar garantir sua permanência no poder.
9
Outra entrevista que também obteve grandes repercussões, agravando ainda mais
a situação do governo, rompendo a censura, foi a de José Américo de Almeida ao Correio da
Manhã, em 22 de fevereiro de 1945, na qual alegava rumores da permanência de Vargas no
poder. Ele afirmava que três brasileiros não podiam ser, naquele momento, candidatos à
Presidência da República: ele próprio, Armando de Salles Oliveira seu principal adversário
em 1937, e Getúlio Vargas, por se mostrar incompatível com as forças políticas do país.
10
Somado a isso, lançava a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência. Segundo
Jorge Ferreira, essa entrevista sinalizou para a sociedade brasileira que a censura mantida pelo
DIP aos meios de comunicação havia se afastado das redações dos jornais e a ditadura
apresentava sinais de cansaço.
11
O governo, por sua vez, procurou enfrentar tais pressões, justificando que,
quando a calma estivesse presente no país, marcaria novas eleições. Mas os rumos dos
acontecimentos fizeram Getúlio tomar medidas que levariam à redemocratização da nação, o
que era praticamente inevitável, pois o regime não tinha mais legitimidade. Vargas, desta
forma, tomou a iniciativa da liberalização. Baixou, em 28 de fevereiro, um Ato Adicional à
Constituição de 1937, que estabelecia um prazo de noventa dias para marcar a data das novas
eleições gerais, regulamentava a criação de partidos políticos, decretava anistia aos
envolvidos em crimes políticos, beneficiando, inclusive, os comunistas, que tiveram ampla
liberdade de organização partidária, acabava com a censura à imprensa, estabelecia a data 2
9
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: Edusp, 2003, p.383.
10
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit., p.146.
11
FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição democrática de 1945.
In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005, p.9-10.
57
de dezembro de 1945 para a eleição presidencial e de uma Assembléia Constituinte, e a 6 de
maio de 1946 para a realização dos pleitos estaduais.
12
As medidas adotadas por Getúlio com este Ato Adicional foram fundamentais
para o processo da redemocratização, inclusive para o próprio presidente, que se via agora
defensor de uma abertura democrática, tendo inclusive participado de movimentos contra as
ditaduras na Europa. Em análise sobre este período, Octávio Ianni
13
ressalta que, além dos
fatores apresentados neste momento de crise, destacam-se a Anistia política e a Constituinte
como palavras de ordem para as possíveis mudanças. Segundo o autor, era impossível entrar
em uma redemocratização sem estabelecer uma nova Constituição para o país. Ele menciona,
ainda, a abertura partidária como item fundamental deste cenário, ao citar a criação da União
Democrática Nacional (UDN), composta de oposicionistas liberais-conservadores ligados aos
grandes interesses econômicos, defendendo uma aproximação maior com os Estados Unidos,
o anti-comunismo em oposição à centralização política de Vargas. Compunha também este
quadro o Partido Social Democrático (PSD), formado predominantemente por setores
dominantes da sociedade, setores empresariais e agrários e alguns elementos da classe média;
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sob inspiração de Getúlio Vargas, do Ministério do
Trabalho e da burocracia sindical. Por meio deste partido, Vargas tentava institucionalizar sua
popularidade entre os trabalhadores e, ao mesmo tempo, impedir o avanço comunista no meio
sindical.
Também outros partidos menores se organizaram, como o Partido Comunista do
Brasil (PCB), que teve apenas poucos meses de legalidade, atuando de 1945 a 1947, quando
deste último teve seu registro cassado, mas que apoiava Vargas na política de
redemocratização.
14
O Partido Social Progressista (PSP) e o Partido de Representação Popular
(PRP) chefiado por Plínio Salgado, simpatizante do fascismo e que contava com um pequeno
apoio da classe média.
15
12
Idem. Op. Cit. p.384. Ver também MARANHÃO, Ricardo. O fim da ditadura. In: Revista História Viva
Grandes Temas: O Brasil que Getúlio Sonhou. Duetto, Edição Especial , nº 4, 2007, p. 72-77.
13
IANNI, Octávio. A “Redemocratização” de 1946 e as tentativas de reorientação da política econômica. In:
SZMRECÁNYI, Tamás e GRANZIERA, Rui G. Getúlio Vargas e a economia contemporânea. (Orgs). 2. ed.
rev. e ampl., Campinas, SP: Editora da Unicamp; São Paulo, SP: Editora Hucitec, 2004., p. 97-111. Neste artigo
o autor realiza um estudo sobre a importância desta formação partidária e da força que estes vão adquirindo ao
longo do processo histórico.
14
Quanto a atuação do Partido Comunista neste período de redemocratização ver PANDOLFI, Duce. A cassação
do Partido Comunista no cenário da Guerra Fria. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html >.
Acesso em: 05 de Maio de 2008.
15
Para um estudo mais detalhado sobre os partidos políticos ver DELGADO, Lucila de Almeida Neves. Partidos
políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia. In: FERREIRA, Jorge e
GELGADO, Lucia de Almeida Neves. (Orgs) O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática; da
58
Quanto ao apoio dos comunistas que sofreram perseguições políticas durante a
ditadura do Estado Novo, Maria Celina ressalta que:
Apesar de os comunistas terem sido as principais vítimas da ditadura,
seguindo orientação internacional do Kormitern, os comunistas brasileiros
abraçaram a tese de que todos os governos que combatessem o nazifascismo
teriam o apoio dos partidos comunistas nacionais. Por isso mesmo Luís Carlos
Prestes, que tivera sua mulher morta em um campo de concentração em
decorrência da decisão de Getúlio de entregá-la às autoridades nazistas,
declarou seu apoio a Vargas ao sair da prisão. Mais do que isso, os
comunistas defenderão a tese que Vargas só deveria deixar o poder depois que
o país tivesse uma nova Constituição.
16
Esse pluripartidarismo em termos de atuação política durante os anos de 1946 a
1964 girou em torno de três grandes partidos, a saber, UDN, PTB e PSD. Não importando,
para isso, se estavam apoiando Getúlio ou contra ele. Sabe-se que foram muito significativos
seus embates políticos, principalmente porque saíamos de uma ditadura e entrávamos em um
processo democrático.
Em seu folheto “Vida, Tragédia e morte do Presidente Getúlio Vargas”, escrito
em 1954, Antonio Teodoro dos Santos apresenta em seus versos essa disputa partidária,
através dos quais nos chama a atenção a forma como o poeta discorre sobre o surgimento dos
partidos e seus candidatos. E deixa transparecer que, de todos estes partidos, o PTB criado por
Getúlio era o que defendia os operários, inclusive dirigindo-se a ele com um termo intimista
de “Gegê”, vejam;
Por isso logo os canais
Ficaram desimpedidos,
Diversos grupos políticos
Foram formando os partidos
Para que se organizassem
E os leitores votassem
Nos seus nomes preferidos.
A UNIÃO DEMOCRÁTICA
NAIONAL foi fundada
Fazendo a oposição,
Por UDN chamada,
Que tinha entre muitos nomes
O grande Eduardo Gomes,
Por quem era liderada.
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. v. 3, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p 127-
154., Ver REVISTA NOSSO SÉCULO: a memória fotográfica do Brasil no século XX. A Era dos Partidos.
3, São Paulo: Abril Cultural, 1980., p 2-9.
16
ARAÚJO, Maria Celina D’. O Estado Novo. Op. Cit. p. 59.
59
O brigadeiro Eduardo
Gomes, o seu candidato,
Despontou como herói
E bem no momento exato –
Pela disputa do pleito
Esperava ser eleito
Numa campanha de fato.
Getúlio logo fundou
O Partido Social
Democrático, o primeiro
Plano governamental
Por PSD chamado
E totalmente apoiado
Pelo poder federal.
Crendo que o PSD
Não seguia o seu roteiro,
Fundou ainda o Partido
Trabalhista Brasileiro
Com outras idéias nobres
Para defender os pobres
Da escravidão do dinheiro.
Era que o PSD
Seguindo os seus partidários
Na campanha defendia
Os ricos milionários,
Enquanto que o PTB
Comandado por GEGÊ
Defendia os operários.
17
O fim do Estado Novo estava com seus dias contados. Na Praça da Sé, na cidade
de São Paulo, grupos de estudantes organizaram um comício para protestar contra a ditadura.
Munidos de faixas e cartazes, aos gritos de Liberdade de Palavra”, “Anistia aos presos
políticos”, “Nunca se poderá enganar toda a multidão todo o tempo”, os universitários
atacavam o governo. Nas palavras de Jorge Ferreira, os oradores clamavam pela democracia e
pediam a morte do Estado Novo.
18
Nesta passagem, Ricardo Maranhão
19
relata que grupos de
operários e centenas de pessoas, batendo em panelas, chegaram ao comício e começaram a
17
SANTOS, Antônio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Editora Luzeiro, São
Paulo, 1987. p. 24. Este texto segundo nota na contracapa foi reelaborado por Manuel d’Almeida Filho. Escrito
por Antônio Teodoro dos Santos em São Paulo, na data de 22/09/1954. Foi bastante elogiado pelo professor
Raymond Cantel, diretor do Instituo de estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne, Paris, por seu valor
histórico-literário. As transposições dos versos seguem o original.
18
FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição democrática de 1945.
In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Op. Cit. p. 24.
19
MARANHÃO, Ricardo. O Fim da ditadura. In: Revista História Viva Grandes Temas: O Brasil que Getúlio
Sonhou. Duetto, Edição Especial , nº 4, 2007, p. 77
60
vaiar os estudantes, impedindo-os de continuar seu manifesto de repúdio e, aos gritos,
exclamavam “Viva aos trabalhadores” e “Viva a Getúlio”.
Era o início da articulação denominada de “Queremismo”, contando com o apoio
do Ministério do Trabalho e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a ordem era
“Queremos Getúlio”. A adesão ao queremismo foi bastante grande, tomando ruas e praças em
várias capitais do país. Desta vez, o clima instaurado indicava que realmente Vargas pretendia
se manter no poder, mesmo negando que sairia candidato, pois em muitas destas mobilizações
nada fez para impedir o avanço de tais especulações.
Percebemos, com isso, que a inclinação de Vargas neste momento se dava em
torno da massa de trabalhadores e não no apoio militar, como este fizera em 1930 e 1937,
talvez na pretensão de amenizar sua imagem de ditador. E era justamente essa aproximação
popular, registrada neste momento, que levava à desconfiança dos opositores sobre as
verdadeiras intenções de Vargas para o Brasil. O quadro político, de acordo Ângela de Castro
Gomes, era “complexo e tenso e o movimento era assimétrico: caía o Estado Novo, mas
crescia o prestígio de Vargas”. Para a autora, o Queremismo era identificado como o
movimento mais forte do país sob o ponto de vista de opinião e de capacidade eleitoral.
20
Discorrendo sobre este movimento, Jorge Ferreira nos afirma:
O Queremismo, inicialmente um conjunto de manifestações populares de
reação aos insultos a Vargas, tornou-se, a partir daí, um movimento com
feições mais definidas em termos organizacionais e políticos. As adesões,
núcleos e comitês de bairros, abaixo-assinados e declarações de
solidariedade aumentavam diariamente.
21
O movimento tomava proporções assustadoras para os grupos de oposição.
Rumores do continuísmo de Vargas não paravam de circular, atingindo diversos setores
sociais. Até mesmo o embaixador norte-americano no Rio de Janeiro, Adolfo Berle, chegou a
condenar os planos de permanência do presidente, ressaltando em seu discurso que confiava
nas eleições para 2 de dezembro. Tal pronunciamento foi questionado por Vargas, que o
considerou uma intromissão na política nacional, bem como pelos queremistas e comunistas,
os quais alegavam que as próximas eleições seriam “maquinações de reacionários”.
22
A imprensa, contudo, tratava de divulgar manchetes que demonstravam querer
“Getúlio com ou sem Constituinte”; muitas destas eram pagas, usadas para reforçar o
20
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.284.
21
FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição democrática de 1945.
. In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Op. Cit. p.39.
22
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p. 75.
61
movimento, como o trecho do O Jornal, do Rio de Janeiro, de 17 de Agosto de 1945,
23
que
expressava:
porque, antes de Getúlio, o trabalhador tinha deveres e [ele] lhe deu direitos;
tinha família e lhe deu assistência; tinha fome e lhe deu pão; estava doente e
lhe deu hospital; ficava velho e lhe deu aposentadoria; morria e lhe garantiu
a família; o trabalhador tinha filhos e lhe deu escola; o operário era homem e
lhe deu a mão; enfim, Getúlio viu que o trabalhador era gente e lhe deu uma
situação na sociedade.
É por isso que NÓS QUEREMOS GETÚLIO.
Podemos perceber que tal mensagem enfatizava as conquistas dos trabalhadores
diante da política trabalhista impetrada por Vargas em pleno Estado Novo. Na análise de
Ângela de Castro Gomes, é praticamente impossível dissociar o movimento queremista da
política trabalhista, que esta vem sendo trabalhada dentro do Ministério do Trabalho desde
1942.
24
No desenrolar dos fatos, novos acontecimentos levaram ao “xeque-mate” do
Estado Novo. Em primeiro lugar, o discurso proferido por Vargas no comício de 3 de
Outubro, data do 15º aniversário da Revolução de 1930, no qual afirmou que não estava
candidato às eleições e que o povo tem o “direito de escolher seu próprio candidato” e exigir
uma Assembléia Constituinte. Também alegou que existiam “forças reacionárias poderosas e
ocultas” querendo impedir a vontade popular, deixando claro para os ouvintes do comício que
“o povo poderia contar com ele”.
25
Em segundo, baixou um decreto antecipando as eleições
estaduais e municipais para o mesmo dia das nacionais, sendo esta decisão vista como
manobra de controle eleitoreiro e, por último, seu irmão Benjamim Vargas foi nomeado para
o cargo de chefe de Polícia do Distrito Federal no lugar de João Alberto, que iria para a
prefeitura do Rio de Janeiro: tais medidas despertaram forte oposição.
Segundo Celina de Araújo, com essas duas nomeações, Getúlio Vargas passaria a
ter o controle da capital e da repressão; as massas poderiam ser convocadas a seu favor e
protegidas pelo poder público. Estavam claras, na visão dos militares, as possíveis intenções
de Vargas. Portanto, Góis Monteiro tratou logo de agir. Mandou Dutra ao palácio levar um
ultimato a Getúlio, pedindo para retirar a nomeação do seu irmão ou seria derrubado pelo
23
FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição democrática de 1945.
In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Op. Cit. p. 43
24
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Op. Cit. p. 284. A autora também se propõe a fazer
uma análise do movimento queremista e sua importância em GOMES, Ângela de Castro e ARAÚJO, Maria
Celina D’. Getulismo e Trabalhismo. Op. Cit. p.17-26.
25
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p.76.
62
Exército. Por sua vez, Vargas não aceitou a proposta, até porque não acreditava que pudesse
ser deposto. Sitiado no Palácio Guanabara por tropas enviadas a mando de Dutra, Getúlio
renunciou ao cargo em 29 de Outubro de 1945
26
, partindo para seu “exílio” voluntário no Rio
Grande do Sul, mas voltando à cena política em dezembro deste mesmo ano para disputar o
pleito de Senador e o de Deputado Federal. Encerrava-se o Estado Novo e novas eleições
marcariam uma nova fase na história política do país.
27
Antes de partir, dirigiu uma
mensagem ao povo brasileiro, em 30 de Outubro de 1945, em que diz:
Em todos os momentos decisivos de minha vida pública sempre procurei
pairar acima das paixões e choques personalistas, pensando somente na
pátria.
Não me afastarei, ainda agora, dessa atitude de serena isenção.
Abstenho-me de analisar os graves acontecimentos que me levaram a
renunciar ao governo, a fim de evitar ao País maiores males e abalos
irreparáveis.
A História e o tempo falarão por mim, discriminando responsabilidades.
Ao afastar-me da vida pública quero, apenas, dizer aos brasileiros palavras
de compreensão e de confiança nos seus juízos definitivos.
Não tenho razões de malquerença para com as gloriosas Forças Armadas da
minha pátria, que procurei sempre prestigiar. Nenhum governo se esforçou
mais do que o meu pelo seu fortalecimento. Nenhum outro cuidou tanto da
sua preparação profissional, do selecionamento dos seus quadros, do seu
aparelhamento material, da melhoria de suas condições de trabalho e
conforto.
Ao povo brasileiro procurei servir, sempre, defendendo com intransigência
as suas aspirações e legítimos interesses.
Faço votos para que a serenidade volte aos espíritos e todos se compenetrem
das tremendas responsabilidades do momento.
Não guardarei ódios nem prevenções pessoais.
Os trabalhadores, os humildes, aos quais nunca faltarei com o meu carinho e
assistência – o povo, enfim, há de me compreender.
28
Em sua análise do movimento queremista, Jorge Ferreira mostra que este não
alcançou seus objetivos, dos quais o principal era o de manter Vargas no poder, muito menos
com uma Constituinte. Mas ressalta sua importância no cenário político como um movimento
que serviu de aprendizado para os trabalhadores, que fez com que eles percebessem a
importância das lutas para garantir os direitos sociais e manter a cidadania política.
29
26
Idem. Op. Cit. p. 77.
27
Para uma análise da deposição de Vargas em 1945 ver LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a Era
Vargas. Op. Cit. p 112-113.
28
SILVA, Hélio. e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Vargas uma biografia política. Porto Alegre: L&PM,
2004, p. 151-152.
29
FERREIRA, Jorge. Quando os trabalhadores “querem”: política e cidadania na transição democrática de 1945.
. In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Op. Cit. p. 87.
63
Após sua deposição, o havia vice-presidente da República nem da Câmara
Federal. O governo foi assumido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares,
que procurou tomar medidas, junto com Góis Monteiro, para garantir as eleições de 2 de
dezembro. Linhares procurou revogar o decreto que antecipava as eleições para governador
do Estado. Ficaria, portanto, estabelecido que fosse convocada uma Assembléia Constituinte,
com o objetivo de elaborar uma nova Carta que viesse substituir a Constituição de 1937.
Vejamos o desenrolar da história nos versos abaixo, em que Antônio Teodoro
mostra-nos que Getúlio sofreu um grande desgosto ao apresentar tão bem o candidato
pessedista e de repente ser deposto pelas forças armadas, assumindo o poder provisoriamente
o José Linhares, como atestam os versos abaixo:
Então para fazer frente
Ao brigadeiro Udenista,
O general Gaspar Dutra
Foi colocado na pista
Muito bem prestigiado
Por Getúlio apresentado
Candidato pessedista.
Porém enquanto Getúlio
Fazia tudo com gosto
Por uma nomeação,
Sofreu um grande desgosto;
Tentou mudar o processo,
Porém por um retrocesso
Pela força foi deposto
A deposição foi feita
Pelas tropas militares –
Foram então de imediato
Preenchidos os lugares
Chaves; como providência
Foi passada a presidência
Ao doutor José Linhares.
Porque pelos militares
Ele foi designado
Ministro do tribunal
Federal foi convocado
Para assumir o poder
E os problemas resolver
Depois de ser empossado.
30
Três foram os candidatos que disputaram estas eleições: o brigadeiro Eduardo
Gomes, recebendo apoio de uma frente de oposição a Vargas reunidas na União Democrática
30
SANTOS, Antônio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. Cit. p 24-25.
64
Nacional (UDN); o General Eurico Gaspar Dutra, pela coligação PSD (Partido Social
Democrático) que no decorrer dos momentos finais da campanha recebeu apoio do PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro); e Iedo Fiúza pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). A
campanha estava nas ruas. Nesta disputa, o candidato da UDN obtinha grandes vantagens,
tendo seu nome alcançado grande notoriedade por meio do rádio e dos jornais. Segundo Jorge
Ferreira, estava quase certa a vitória do brigadeiro
31
, até porque Vargas se recusava a apoiar
Dutra, preferindo a lei do silêncio em sua terra natal.
Mas uma frase dita por Eduardo Gomes em cadeia de rádio nacional, e ouvida
por Hugo Borghi, líder queremista, trouxe mudanças na conjuntura política. Dizia que: “Não
necessito dos votos desta malta de desocupados que apóia o ditador para me eleger presidente
da República”.
32
Este pronunciamento foi tomado como o ponto-chave que faltava para
impedir o crescimento da campanha de Eduardo Gomes. Por sua vez, Hugo Borghi, atento
aos discursos de Eduardo, através de pesquisa, verificou que a palavra “malta” significava
“grupo de operários que percorriam as linhas férreas levando suas marmitas, bando,
agrupamentos de lobos”. Distante, não perdeu tempo e tratou de acionar uma cadeia de rádios,
explicando à sociedade o sentido da palavra proferida pelo Brigadeiro. Seu pronunciamento
surtiu efeito ao mostrar o candidato udenista como elitista e contrário aos trabalhadores.
Tal episódio representou um divisor de águas na política nacional. Os
trabalhadores passaram a freqüentar os comícios de Dutra; contudo, como ressalta Jorge
Ferreira, “milhares de trabalhadores participavam com marmitas, panelas e outros utensílios
domésticos de metal, batendo com talheres, a marmita representava agora a dignidade, o
respeito e a decência do trabalhador.”
33
Outro embate que selou de vez o destino da campanha presidencial da UDN foi o
manifesto de Vargas recomendando a candidatura de Dutra, em 28 de novembro, pedindo ao
povo que votasse no candidato alegando que se este não cumprisse suas promessas, ficaria ao
lado do povo, contra o presidente:
As ocorrências de 29 de outubro foram o resultado de erros e confusões das
quais nos devemos dar quitação recíproca. As Forças do Brasil devem estar
acima de suspeitas facciosas e não podem ser consideradas em causa nas
lutas partidárias.
31
FERREIRA, Jorge. A democratização de 1945 e o movimento Queremista. In: FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucia de Almeida Neves. (Orgs) O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática; da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Op. Cit., p 40-41.
32
Idem, ibidem.
33
FERREIRA, Jorge. A democratização de 1945 e o movimento Queremista. Op. Cit. p.41.
65
O momento não é de nomes, mas de programas e de princípios.
Recentemente, em mensagem, aconselhei aos trabalhadores que cerrassem
fileiras em torno do programa do Partido Trabalhista Brasileiro,
representante e defensor dos seus interesses.
O general Eurico Gaspar Dutra, candidato PSD, em repartidos discursos e,
ainda agora, em suas últimas declarações, colocou-se dentro das idéias do
programa trabalhista e assegurou a esse partido garantias de apoio, de acordo
com suas forças eleitorais. Ele merece, portanto, nossos sufrágios.
34
E o resultado não foi diferente. Em 31 de Janeiro de 1946, José Linhares passava
a faixa presidencial para o general Dutra. Nas estrofes abaixo, o poeta descreve o momento
em que Getúlio passou a dar apoio ao candidato Dutra, nas eleições de 1945. E cita ainda que
até porque seu nome estava em baixa, bastou um toque do ex-presidente Vargas para os
rumos dos acontecimentos mudarem. É ressaltado que, “sem mostrar mágoa” pelos fatos
ocorridos, ele o apoiou. Percebemos, com isso, o quanto era forte o nome de Vargas na
política nacional.
Porém o general Dutra,
Vendo a luta muito dura,
Foi a Getúlio depressa
Em São Borja àquela altura
Para separa o joio,
Pedir que lhe desse apoio
À sua candidatura.
Getúlio sem mostrar mágoa
Com a plena consciência
Apoiou o general,
Que, com essa preferência
Aceita em toda a nação,
No dia da votação
Foi eleito á presidência.
35
Eurico Gaspar Dutra obteve 55,39% dos votos, tendo uma expressiva votação em
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Eduardo Gomes alcançou
35,74% e Iedo Fiúza, 9,7%. Segundo Skidmore, nas eleições para o Congresso, o PSD ganhou
42% dos votos, perfazendo um total de 151 cadeiras; a UDN 26%, com 77 cadeiras; o PTB
10%, com 22 cadeiras e o PCB 9%, sendo 14 deputados e um senador. Os votos restantes
ficaram para os partidos menores.
36
34
SILVA, Hélio. e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Vargas uma biografia política. Porto Alegre: L&PM,
2004, p. 152.
35
SANTOS, Antônio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. Cit. p.25.
36
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p.90. Do mesmo autor ver: SKIDMORE,
Thomas E. Uma História do Brasil. Tradução de Raul Filker. São Paulo: Paz e Terra, 1998. p.182-183. Ainda
66
Mesmo fora do poder, a popularidade do presidente, bem como seu prestígio, se
fez sentir na expressiva votação obtida nas eleições parlamentares. De acordo com a
legislação da época, era permitido um candidato se eleger para vários cargos, em seu estado e
em outros estados. Desta maneira, Getúlio foi eleito Senador em São Paulo, pelo PTB, e no
Rio Grande do Sul, pelo PDS. Também conseguiu ser eleito para o cargo de deputado federal
por sete estados, entre eles, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal,
Minas Gerais, Bahia e Paraná.
37
Destes, optou pelo cargo de Senador pelo Rio Grande do Sul,
permanecendo até 1950, quando afastou-se para disputar novas eleições.
Getúlio, neste período em que foi Senador, não teve uma grande atuação no
Congresso Nacional, preferiu ficar em sua estância Santos Reis, na cidade de São Borja.
Quanto a sua participação na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, Vargas tomou
posse bem depois que o ante-projeto tinha sido encaminhado para discussão e aprovação. De
volta para São Borja, não chegou assinar a nova Carta Magna, promulgada em 18 de setembro
do corrente ano.
38
Somente em Dezembro assumiu a cadeira de Senador, uma vez que,
segundo Regina Moreira, estava motivado pela necessidade de anunciar seu rompimento com
o presidente Eurico Gaspar Dutra.
39
Nas vezes em que esteve no Senado, proferiu alguns discursos em favor de seu
governo e outros criticando a política econômica de Dutra. Assistiu à união do governo Dutra
e da UDN, partidos de forças antagônicas, mas que se viam agora, segundo Bolívar
Lamounier
40
, unidos com o propósito de mantê-lo à distância da política. Até porque Vargas
se manteve durante todo o período de 1946 a 1950 como uma referência da política nacional
e, entre um momento e outro, insinuava um possível retorno em 1950, deixando a oposição
um pouco preocupada, pois sabia que se isso realmente ocorresse, seu nome tinha um grande
peso nas urnas.
Neste interstício de tempo, o PTB rompeu com o governo Dutra em 1948,
aumentando, assim, as expectativas em torno de uma possível volta de Vargas ao poder. Para
sua sorte, a UDN se separou do PSD, deixando o governo enfraquecido. Vargas, por sua vez,
sobre os resultados das eleições presidenciais de 1945 ver FERREIRA, Jorge. A democratização de 1945 e o
movimento Queremista. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucia de Almeida Neves. (Orgs) O Brasil
Republicano. O tempo da experiência democrática; da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964.
Op. Cit. p. 42., FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p.159 e LAMOUNIER, Bolívar.
Os Grandes Líderes: Getúlio. Nova Cultural, São Paulo, 1988, p.93.
37
Cf. ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. Op. Cit. p. 33
38
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 160.
39
Cf. MOREIRA, Regina da Luz. Vargas: o parlamentar ausente e as articulações do exílio. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html
> Acesso em: 05 de Maio de 2008.
40
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p.94
67
não poupou esforços em lançar severas críticas à máquina governamental, alegando que ela
não conseguia beneficiar a classe trabalhadora.
41
É importante lembrar que Dutra abriu as
portas para o capital estrangeiro, favoreceu as importações, levando a uma drástica redução
das reservas cambiais e freou a intervenção do Estado na economia. Em sua política
trabalhista, restringiu o direito de greve, congelou o salário-mínimo e travou sérios duelos
com os sindicatos. Além de mergulhar o país em uma grande inflação, diminuindo o poder
aquisitivo da maior parte da população.
42
Foi neste clima que, aos poucos, Vargas e seus
correligionários foram preparando terreno e se articulando para as eleições de 1950.
2.2 Ele Voltará!!! Da campanha às eleições de 1950
O ex-presidente Vargas, deposto em 1945 pelas forças armadas, era um nome
presente nos debates políticos que seguiram os anos do governo Dutra. Buscou, em seus
poucos discursos, manter um linha conciliatória com os seus inimigos, principalmente com os
políticos udenistas, mostrando, assim, que não guardava rancores pelas intrigas políticas
travadas durante a fase final do Estado Novo.
43
Procurou, gradativamente, converter a
imagem de ditador em um Vargas democrata.
Nas palavras de Boris Fausto, a corrida para a sucessão do presidente Eurico
Gaspar Dutra foi um verdadeiro “Balé” de idas e voltas.
44
As bancadas partidárias governistas
não se entendiam quanto a indicação de um nome que pudesse ser sugerido à sucessão.
Tentou-se, inclusive, manter a “política de união nacional” por meio do Acordo
Interpartidário, que reunia os partidos PSD, UDN e PR com o objetivo de dar sustentação à
política de Dutra no Congresso e escolher o sucessor.
45
Seguia o ano de 1949. Enquanto isso, Vargas ia se articulando, buscando apoio
no Partido Trabalhista Brasileiro, nos amigos que fizera no Partido Social Democrata e no
Partido Social Progressista, representado por Ademar de Barros. Este último liderava uma
grande força política dentro de São Paulo, junto ao PSP, que chegara a ter mais força do que
mesmo os partidos majoritários nacionalmente, PTB e PSD. Desta forma, a aproximação de
41
ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. Op. Cit. p. 33-34
42
Para maiores informações sobre o governo do general Eurico Gaspar Dutra ver: SKIDMORE, Thomas E.
Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p. 91-101.
43
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p. 102.
44
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 161.
45
Cf. LAMA, Sérgio. O fracasso das “fórmulas” e a candidatura Vargas em 1950. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html
> Acesso em: 05 de Maio de 2008.
68
Vargas com Ademar era ponto-chave para as futuras eleições.
46
Em fevereiro de 1949, Vargas
concedeu uma entrevista ao repórter Samuel Wainer, que trabalhava para O Jornal, em sua
fazenda em São Borja, admitindo a possibilidade de ser candidato, dizendo: “Sim, eu voltarei,
não como líder político, porém como der de massas”. Para Boris Fausto, essa frase deu
origem ao mais popular dos slogans da futura campanha do candidato: “Ele Voltará”. Tal
expressão serviu de inspiração para a montagem de toda a propaganda partidária, convertida
em panfletos, broches, porta-fósforos e de temática nos folhetos de cordel, que apostavam no
retorno do “grande pai da nação”.
47
Mas Getúlio não era homem de ficar parado, apenas esperando pelos apoios
partidários que o cercavam. Com sua experiência e tática política, recorreu também aos
militares. Essa conduta visava sondar o que pensavam os militares sobre a sua candidatura e
se teria algum impedimento no ato da posse, caso fosse eleito. Góis Monteiro tratou de
assegurar para Vargas o seu apoio e que os militares não o vetariam, caso fosse escolhido.
48
É
importante lembrar, que nesse período, o mundo estava vivendo a chamada Guerra Fria, uma
bipolarização entre os Estados Unidos capitalista e a União Soviética socialista, pairando uma
atmosfera de medo da expansão do comunismo. Getúlio, dentro deste quadro, era visto como
um político capaz de atenuar o crescimento desta “ameaça” no país.
Segundo Skdimore,
49
em 1950, Ademar de Barros e o PTB ofereceram a Getúlio
a indicação de sua candidatura eleitoral, levando-o a aceitar em 7 de junho do mesmo ano.
Vargas, então, ressurgia no cenário nacional com uma campanha que não ultrapassou dois
meses. Do lado governista, Dutra se recusou a dar apoio a Vargas, alegando que não
representaria uma continuidade de sua linha de governo. Através de manobras, levou o PDS a
indicar o nome de um político mineiro, Cristiano Machado; este, apesar de sua importância
política, não possuía uma liderança forte, capaz de derrotar Vargas. A UDN voltava a
apresentar o brigadeiro Eduardo Gomes, um nome não muito apreciado entre os meios
políticos. Sua campanha teve péssimos resultados, associados a sua aliança com Plínio
Salgado e ao seu discurso defendendo a extinção do salário mínimo, em nome da liberdade
contratual. É fácil imaginar o que isso significou para o contexto da época, em que a maioria
46
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p. 104-105.
47
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 163. Ver também em LAMOUNIER,
Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit., p.94.
48
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit., p. 105.
49
Idem, ibidem.
69
da sociedade defendia a política trabalhista de Vargas.
50
E por último, o PSB indica João
Mangabeira.
Em se tratando de sua campanha, Getúlio Vargas entrou com todas as forças. Esta
teve início em 6 de agosto de 1950, em Porto Alegre, e foi encerada em 30 de setembro, na
cidade de São Borja. Dois temas foram centrais em seus discursos: o nacionalismo e a
reforma social. Segundo Boris Fausto:
No primeiro, ele destacava os grandes empreendimentos de seu governo a
Companhia Vale do Rio Doce, a Fábrica Nacional de Motores e a usina
siderúrgica de Volta Redonda e prometia ampliar a ação do estado, sem
renunciar aos investimentos estrangeiros. No segundo, acenava com
extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores do campo, para “manter
e ampliar as conquistas alcançadas pacificamente, sem o apelo á luta de
classes, em favor dos que trabalham e produzem.
51
Percorreu vários estados brasileiros, sempre com uma campanha empolgante e
um discurso enaltecedor. Segundo Sérgio Lama
52
, em cada cidade por onde passava, utilizava
um discurso que se adequava à realidade daquele povo: por exemplo, se estivesse na
Amazônia, enfatizava a borracha; se no Paraná, falava da lavoura cafeeira: se no Nordeste, o
aproveitamento do Rio São Francisco e os problemas da seca. Ao total, foram 80 discursos.
Esta campanha de Vargas também foi relatada pelos poetas populares que se
debruçavam em seus livrinhos expressando apoio à candidatura daquele tido como o “líder
nacional” que tanto fez pelos pobres trabalhadores. O poeta popular além de ter uma forte
admiração pelo ex-presidente era importante para a campanha porque seus folhetos tinham
uma boa aceitação no mercado, principalmente aos modestos compradores das calçadas do
Recife, Salvador, Aracaju, Itabuna e Campina Grande, ou seja, atingindo um leitor que ia do
litoral ao sertão, afirma Orígenes Lessa.
53
50
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 165. Ainda sobre este debate partidário ver
ARAÚJO, Maria Celina Soares D’. A volta de Vargas ao poder e a polarização das forças políticas e sociais. In:
SZMRECÁNYI, Tamás e GRANZIERA, Rui G. Getúlio Vargas e a economia contemporânea. Op. Cit. p. 112-
116.
51
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p.163-164. Sobre a questão da candidatura de
Vargas ver GOMES, Ângela de Castro e ARAÚJO, Maria Celina D’. Getulismo e Trabalhismo. Op. Cit.
52
Cf. LAMA, Sérgio. O fracasso das “fórmulas” e a candidatura Vargas em 1950. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html/
> Acesso em: 05 de Maio de 2008.
53
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Op. Cit. p.105. Também sobre este retorno de
Vargas em 1950 nos folhetos de cordel ver: CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel Op. Cit. p 120-
132.
70
Vejamos o que versejou Delarme Monteiro Silva
54
ao descrever a entrada de
Getúlio Vargas em sua campanha no Recife. O poeta descreve com muita eloqüência a
receptividade de Getúlio em solo pernambucano, quando diz “viva Pernambuco em peso /
num delírio colossal” constatando, com isso, o que a imagem do ex-presidente significava
para o povo. Mostra ainda que as pessoas fizeram de tudo para lhe homenagear e chamar
mesmo atenção, quando cita “repicam sinos festivos / sirenes soam no ar”, leiamos:
Viva Pernambuco em peso
Num lírio colossal
Nesta hora inesquecível
Nossa linda capital
Hospeda Getulio Vargas
O líder nacional
Repicam sinos festivos
Sirenes soam no ar
Em ruas, becos vielas
O povo em massa a vibrar
Numa prova de civismo
D’uma beleza sem par.
[...]
Daquela data em diante
Foi o povo acreditando
Que ainda havia um homem
Que nele estava pensando
E o valor de Getúlio
Foi pouco a pouco aumentando
Já hoje não é preciso
Comícios ou propaganda
Pra dizer que no Brasil
Dr. Getulio é quem manda
Pois o povo está com ele
E com ele o povo anda
[...]
Verdadeira apoteose
Brindou nossa capital
Ao grande Getulio Vargas
O líder nacional
Que fez ontem no Recife
Sua entrada triunfal
[...]
Foi verdadeiro triunfo
54
SILVA, Delarme Monteiro. A entrada triunfante de Getúlio Vargas em Pernambuco. Tip. São Francisco,
1950, p.1, estrofes 1 e 2, p. 5, estrofes 16, 17 e 19, p. 7, estrofes 26 e 27, respectivamente. Na capa deste folheto
consta o nome de José Bernardo da Silva, mas este cordel pertence a Delarme Monteiro Silva, segundo consta na
pesquisa realizado na Biblioteca Átila Almeida, em Campina Grande.
71
De Getulio em Pernambuco
E quem for contra Getulio
Desta vez fica maluco
E quem competir com ele
Termina louco ou caduco.
Durante sua passagem
Pelas ruas principaes,
A multidão delirava
Como não se viu jamais
Relembrando outros festejos
De muitos anos atraz.
Em um outro folheto, datado de 1949, “Getulio Vargas O Orgulho do Brasil com
ele triunfaremos”, o poeta apresenta o que acontecerá ao país com a sua volta, ao escrever:
“ele voltando, operários / a classe triunfará / a vida torna-se amena / tudo se amenisará”. Com
estes versos, podemos perceber que, na visão do poeta, Getúlio era a solução para os
problemas pelos quais estavam passando, como por exemplo, baixos salários e alta da
inflação. E que, por isso, ele diz que está cumprindo seu dever ao anunciar e mostrar que o
país só vai adiante com Getúlio no poder. Vejamos:
Não desanime operário
Vosso dia chegará,
O nosso chefe está vivo
Não nos abandonará
Existe inimigo dele
Que carrega contra ele,
Mas Getúlio voltará.
Ele voltando, o Brasil
Sua marcha seguirá,
E um progresso brilhante
O nosso país terá
Sem perigo ou cambalacho
Podem fazer o “diacho”,
Mas Getulio voltará.
Ele voltando, operários
A classe triunfará,
A vida torna-se amena
Tudo se amenizará
Os inimigos da terra
Podem lhe fazer mil guerras,
Mas Getulio voltará.
[...]
Vejo o país em regresso
Caminhando sem destino
Mas com um homem de tino
O Brasil terá progresso
72
Por isso aqui me apresso
Cumprindo assim meu dever
Para bem alto dizer
Numa voz tonitruante:
Meu país só vai avante
Com Getulio no poder.
55
Por sua vez, o folheto escrito por Manoel Camilo dos Santos, datado de 1948,
dava conselhos ao povo brasileiro sobre a importância de Getúlio Vargas, versejando sobre
suas realizações, procurando, desta forma, fazer reviver na memória das pessoas seus feitos,
bem como alertar para as futuras eleições. No início do folheto, o autor enaltece o surgimento
de Getúlio na política, comparando-o ao “sol” em termos de grandeza, vejam:
Porem tudo tem seu fim
Como já vimos em outrora
O Dr. Getúlio Vargas
Surgir como nova aurora
Espargindo no Brasil
Luz, liberdade e melhora..
Surgira Dr. Getúlio
Como o sol nos horizontes
Seus reflexos matutinos
Depois de espargir nos montes
Suas palhetas benévolas
Brilhou das colinas as flores.
56
E partindo deste ponto, passa a descrever sua atuação política, destacando que
não importava o local, se no Rio de Janeiro ou no sertão, para suas realizações:
E lançou um olhar benéfico
em prol de toda a nação
fez muitos departamentos
próprios para educação,
da capital carioca
ao alto sertão.
Protegeu o industrial
Criador, proprietário
Com bancos e caixas rurais
E deu ao operário
55
SILVA, Monteiro Delarme. Getulio Vargas O orgulho do Brasil com ele triunfaremos. Tip. São Francisco.
Juazeiro. 17/10/1949. p. 15, estrofes 56, 57 e 58. p.16, estrofe 61, respectivamente. Na capa deste folheto aparece
o nome de José Bernardo da Silva, mas de acordo com a pesquisa de Átila Almeida, a autoria deste folheto é de
Delarme Silva, o José Bernardo era apenas proprietário da tipografia.
56
SANTOS, Camilo Manoel dos. Conselho aos Brasileiros. Guarabira, 1948, p. 1, estrofes 3 e 4,
respectivamente.
73
A garantia que tem
Um plenipotenciário.
57
[...]
Estradas, pontes e açudes
escolas, abrigos infantil,
maternidades orfanatos
em todo nosso Brasil
colégio, asilo hospital
ele fez mais de cem mil
De Norte a Sul, Leste a Este
no mais longe (continente)
não ficou um lugarejo
que não fosse felizmente
olhado e beneficiado
pelo grande presidente.
Todos os sertões do Brasil
Dr. Gettulio (acodiu)
Abem de seus abitantes
Como igual, nunca se viu
Fez centenas de barragens
E muitos açudes construiu.
58
[...]
Um homem deste merece
nossa estima e atenção
seus serviços relevantes
prestados desde então
nos fazem gritar: estamos
à sua deposição.
59
E finalizando, o poeta procura dar um desfecho sobre a sua volta, alegando que
este tirará o Brasil do “cativeiro”, reconhecendo que mesmo como ex-ditador teve boa
administração:
Brevemente ele virá
em prol do Brasil inteiro
vamos marchar tudo ao lado
desse grande brasileiro
que só assim livraremos
o Brasil do cativeiro.
Viva o grande senador
o Dr. Getúlio Vargas
homem de idéas largas
57
Idem, p. 4, estrofes 15 e 16, respectivamente.
58
Idem, p. 5, estrofes 18, 19 e 20, respectivamente.
59
Idem, p. 6, estrofe 23.
74
mesmo como ditador,
pois este nobre senhor
tem boa administração
já por isto com razão
grita o Brasil em apuro
vivando o ex e futuro
presidente da nação.
60
Quanto ao material da campanha presidencial, este buscava, em seu conteúdo,
apresentar ao povo brasileiro motivos pelos quais ele deveria escolher Getúlio, visto que tinha
um apelo nacionalista pelas realizações do ex-presidente, vejamos:
Ele Voltará porque:
Foi o realizador de Volta Redonda;
Foi o realizador da Cia. Vale do Rio Doce;
Foi o realizador da Estrada Rio-Baia;
Foi o realizador da Estr. Barra Mansa a Caxambú
Foi o reformador do Exercito Nacional;
Foi o semeador da Baixada Fluminense;
Foi o realizador da Marcha para o Oeste;
Foi GEULIO que acabou com o cangaço no Brasil!
GETULIO DISSE: Acima dos ódios e das rivalidades,
acima dos partidos e das competições,
paira a imagem da Pátria!
61
Em outro, se verifica um apelo religioso com uma paráfrase para o Credo”
católico e o “Salve Rainha”, como podemos observar:
ORAÇÃO GETULISTA
Creio e Getúlio Vargas, todo poderoso, criador
das leis trabalhistas. Creio no Brasil e no seu filho, nosso
patrono, o qual foi concebido pela revolução de 30. Nasceu
de uma Santa Mãe, investiu sobre o poder de Washington
Luiz, foi condecorado com o emblema da Republica, desceu
ao Rio no terceiro dia, homenageou os mortos, subiu ao
Catete e está sentado em São Borja, donde há de vir
para nova vitória. Creio em seu retorno ao palácio do Catete,
na comunhão dos pensamentos, na sucessão Presidencial
Amem.
Nota – Para o bem da nação tire cópias desta oração
e envie a seus amigos patriotas.
60
Idem, p. 7, estrofe 27 e p. 8, estrofe 32, respectivamente.
61
Os grifos e as letras maiúscula estão de acordo com a transcrição do documento datado de 15/04/1954.
Material de campanha. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html
> Acesso em: 05 de Maio de
2008.
75
SALVE GETULIO VARGAS
Salve! ó Pátria gloriosa
Salve! ó Céu azul de anil
Salve! Getulio Vargas
Orgulho do nosso Brasil
Salve!este povo que sofre
Deste país rico e forte
Salve! Getulio Vargas!
Do Brasil, deu sul a norte!
Salve! ó intrépido heroe
Desta raça varonil
Salve! Getulio Vargas!
Salve! nosso Brasil!
62
Sendo assim, em 3 de outubro de 1950, chegara o momento das eleições, quando
compareceram às urnas um total de 8.254.989 eleitores. Destes, 48,7% dos votos ficaram com
Getúlio Vargas, que mesmo fazendo uma boa campanha, teve menos votos que Dutra nas
eleições passadas. Cristiano Machado ficou com 21,5% dos votos, o Brigadeiro Eduardo
Gomes com 29,7% e João Mangabeira com 0,1%. Segundo Maria Celina, a candidatura de
Vargas foi vitoriosa em 18 das 24 unidades da federação, perdendo apenas nos Estados do
Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais e nos territórios de Acre e Amapá.
63
Nas pesquisas de arquivo, encontramos a letra de uma música, que descreve a
cosmovisão do poeta Manuel d’Almeida Filho em relação ao pleito eleitoral deste período e
que ilustra tão bem esta passagem da história, em que o autor faz questão de enfatizar que
apesar, das manobras de cada candidato, quem realmente sobe ao poder é Getúlio Vargas,
aclamado como “protetor dos operários” e “pai dos pobres”. Observem:
Samba da vitória Getulista
(Na música de Juazeiro)
Letra do poeta popular Manoel d’Almeida Filho
Brigadeiro foi eleito
P’ra perder a eleição,
E voltar para a caserna
62
Os grifos e as letras maiúscula, bem como a própria grafia das palavras estão de acordo com a transcrição do
documento datado de 15/04/1954. Material da campanha partidária. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/comun/html > Acesso em: 05 de Maio de 2008.
63
ARAÚJO, Maria Celina D’. O segundo governo Vargas (1951-1954). Democracia, partidos e crise potica. 2
ed. São Paulo: Ática: 1992, p. 78. FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. 165. Ver
também COHEN, Marleine. Getúlio Vargas. São Paulo: Globo, 2007.
76
Dirigir seu avião.
Vai brigadeiro
Parar na Aviação,
Sem marmiteiros
Não se ganha a eleição.
Cristiano foi eleito
Para perder a contenda,
Voltar p’ra Minas Gerais
Governar sua fazenda.
Vai Cristiano
Não caia n’outra de novo,
Que só governa
Quem beneficia o povo,
João Mangabeira perdeu
Por ser pouco experiente,
Com meia dúzia de votos
Queria ser presidente.
Vai Mangabeira
Deixa o socialismo,
Que no Brasil
Só queremos Getulismo.
Voltaram nas eleições
Milhares de marmiteiros,
Para elevar ao Catete
O maior dos brasileiros.
Sóbe Getúlio
Protetor dos operários,
E pai dos pobres
Amparo dos proletários.
Sóbe Getúlio.... Sóbe Getúlio....
64
2.3 O II governo Vargas: da vitória ao suicídio
Em 31 de Janeiro de 1951, Getúlio Vargas assume a presidência do Brasil. Desta
vez, por eleições diretas, escolhido em uma grande disputa nacional, em um clima de
polarização de forças políticas e inserido em um regime democrático com estruturas de
classes mais diferenciadas, cujas virtudes ele não conhecia, conforme analisa Boris Fausto.
65
O autor relata, ainda, que mesmo legitimado por eleições democráticas para assumir a
presidência, grupos da UDN tentaram impedir a sua posse, alegando que este não tinha obtido
uma quantidade de votos suficiente para assumir o cargo; para eles, era preciso ter mais de
50%, tendo por base uma interpretação peculiar da Constituição, que exigia a maioria absoluta
64
FILHO, Manoel D’Almeida. Samba da vitória Getulista. [s.d., s.l]. Sobre a inclusão de Getúlio Vargas no
cancioneiro popular ver JÚNIOR, Mugnaini Ayrton. Compositores do Brasil... o getulismo e a MPB. In: Revista
História Viva Grandes Temas: O Brasil que Getúlio Sonhou. Duetto, Edição Especial , nº 4, 2007, p.89-100.
65
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. 166.
77
nas eleições presidenciais. Mas, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, em Janeiro de
1951, a vitória do gaúcho de São Borja fora reconhecida como legítima e a decisão acatada
pelos militares.
Vargas procurou estabelecer sua política neste segundo mandato centrado em
dois pontos fundamentais: o nacionalismo e a industrialização. Não foi à toa que, durante toda
a campanha política, grande parte da sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito
à massa trabalhadora, depositou nele suas esperanças, associando sua imagem a um “herói
nacional”, o “defensor dos pobres”. Não se pode negar que o período em que este dirigente
esteve no comando do país, de 1930 a 1945, trouxe profundas mudanças para a sociedade,
ainda que nem todos tenham sido beneficiados por suas políticas governamentais. Suas ações
se refletiram, principalmente, no campo das leis trabalhistas, buscando atrair o apoio popular
e deste uma espécie de defesa para seu governo. É por isto que encontramos tantas
mobilizações em dois momentos relacionados à sua trajetória política: um correspondendo ao
movimento Queremista e o outro ao apoio recebido na campanha eleitoral de 1950 (sem
esquecer, claro, da imensa comoção que sua morte provocou).
No início de seu governo, tratou logo de organizar a bancada governamental que
refletia neste momento as diversas tendências e alianças políticas que o apoiaram nas eleições.
Nestas disputas ministeriais, estavam envolvidos o PSD, o PSP, o PTB e a UDN.
66
Bolívar
Lamounier afirma, sobre Getúlio:
Consciente dessas dificuldades “parece ter cogitado de um Ministério no
qual a UDN tivesse uma participação expressiva, mas a idéia foi repelida de
pronto nas sondagens iniciais. Mesmo assim, os ministros escolhidos
refletiam de certo modo o desejo de conciliar as diversas tendências. O
partido melhor aquinhoado foi o PSD, que colocou João Neves da Fontoura
no Ministério das Relações Exteriores; Horácio Lafer, empresário paulista,
na Fazenda; Negrão de Lima na Justiça e Ernesto Simões Filho na Educação
e Saúde. Ademar de Barros indicou o ministro da Viação de Obras Públicas
(Álvaro Pereira de Souza Lima) e o presidente do Banco do Brasil , Ricardo
Jafet. A pasta do Trabalho coube ao PTB, com Danton Coelho, e a da
Agricultura ao udenista pernambucano João Cleofas. O Ministério da Guerra
foi entregue ao general Estilac Leal, de corrente nacionalista.
67
O autor relata ainda que João Neves e Horácio Lafer
66
Com relação a essa base política ver Em busca de uma base política o ministério da experiência. Disponível
em: <http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html/
> Acesso em: 05 de Maio de 2008.
67
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p 96. Sobre essa composição ministerial ver:
SKIDMORE, Thomas E. Brasil de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit. p. 110-111.
78
(...) procuraram desenvolver as relações econômicas externas com base na
orientação industrialista de Getúlio Vargas, mas sem hostilizar de nenhum
modo o capital estrangeiro; ao contrário, procurando atraí-lo para os projetos
de desenvolvimento elaborados pela competente assessoria econômica da
presidência da República.
68
Esses projetos abrangiam a criação de novas fontes de energia elétrica, a expansão da
indústria de base, a modernização de transportes, a ampliação dos serviços portuários e a
introdução de novas cnicas na agricultura. Todo esse esforço tinha como meta livrar o país
da crise econômica e levar adiante seu projeto nacionalista de governo. Vargas encontrou a
nação mergulhada em uma grande crise financeira deixada por Dutra; era necessário lançar
mão de estratégias para poder superá-la. Segundo Boris Fausto:
No início da década de 50, o governo promoveu várias medidas destinadas a
incentivar o desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização.
(...) Ao mesmo tempo que tratava de dinamizar a economia, o governo
Vargas se via diante de um problema com fortes repercussões sociais o
avanço da inflação. Em 1947, a inflação que vinha dos últimos anos da
guerra mundial perdeu intensidade, mas logo depois tomou ímpeto. Passou
de 2,7% em 1947 a uma média anual de 13,8% entre 1948 e 1953,
apresentando só neste último ano uma variação de 20,8%.
69
Enquanto isso, a oposição tentava de toda forma atacar as ações nacionalistas do
presidente, que procurava defender os anseios populares contra as ambições dos empresários e
a economia nacional contra os interesses estrangeiros. Cabe lembrar que essa política
nacionalista não propunha um rompimento direto com o capitalismo. Esse nacionalismo
estava associado a dois ângulos principais: o primeiro era uma forma estratégica de Vargas
manter relações com o capital internacional, o outro pretendia a união da classe trabalhadora
em torno de ideais ligados ao Estado.
Este último ponto relaciona-se às políticas de massa, o “populismo” que foi
explorado por Vargas. Para Francisco Weffort, o populismo corresponde uma relação
complexa entre lideranças que surgem de cima com massas que estão embaixo. Diz o autor
que o termo é teoricamente impreciso, mas em se tratando do Brasil, nos anos que seguem de
1945 a 1964, o populismo era uma espécie de manipulação política em que a classe
dominante procurava estabelecer uma sustentação cercada de propagandas, comícios,
programas de dio e jornais, visando, sobretudo, manter uma ligação íntima com o líder.
70
68
Idem, p. 98
69
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Op. Cit, p.409.
70
WEFFORT, Francisco. O nacional, O populismo e o que restou do legado político de Vargas. In:
SZMRECÁNYI, Tamás e GRANZIERA, Rui G. Getúlio Vargas e a economia contemporânea. Op. Cit p.166.
79
Paralelo a essas medidas estava o Estado, que construía um discurso legitimador, buscando
integrar e unir os interesses sociais, políticos e econômicos para o bem-estar da nação.
O mundo, neste momento, enfrentava as hostilidades da Guerra Fria. Pairava no
ar o temor por um novo conflito bélico. E isto se refletia nas divergências partidárias. De um
lado, grupos de posições nacionalistas, como o PTB, parte do PSD, comunistas e parte do
Exército; de outro, a UDN, totalmente anti-getulista, contrária a essa política desencadeada
por Vargas. Vale frisar que estes grupos partidários vão aos poucos obtendo forças políticas e
poder de mobilização, defendendo sempre seus próprios interesses, fruto até mesmo do
processo político democrático.
Em se tratando da política externa, a relação do Brasil com os Estados Unidos
ficou um pouco abalada devido à pressão norte-americana para que o país ingressasse na
Guerra da Coréia. Em consulta ao presidente sobre a possibilidade de enviar tropas para o
conflito em troca de promessas de empréstimos e projetos econômicos, este descarta a
hipótese, aproximando-o ainda mais dos militares nacionalistas. Tal decisão não foi muito
bem recebida pelos generais Cordeiro Farias e Juarez Távora, que eram a favor da
participação do país no conflito. Considerando este embate e se aproveitando da situação, os
militares conservadores ligados à UDN passaram a conspirar contra Getúlio.
71
Tendo em conta esse cenário é que foi criada a Cruzada Democrática, uma
associação composta de políticos e militares anti-esquerdistas e anti-nacionalistas, que com
um pequeno apoio dos Estados Unidos pediram a demissão do general Estillac Leal, Ministro
da Guerra. Tal fato ocorreu anos mais tarde, com o aumento das divergências na área
militar. Vargas afastara Estillac e Zenóbio, que ocupava o comando da Zona Militar Leste.
Assim, nas palavras de Bolívar, Vargas perdia a colaboração de dois dos chefes que mais o
apoiaram na sua posse.
72
Ainda sobre esta política externa, Boris Fausto diz que ficou ainda pior quando o
Eisenhower chega ao poder, em 1953. Além de ser anti-comunista, passou a adotar uma
postura rígida com os países subdesenvolvidos, criando obstáculos à concessão de
empréstimos. Do outro lado, o Brasil também baixou um decreto limitando a remessa de
lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Nas palavras do autor, a linha dominante
Para maiores detalhes do populismo ver: WEFFOR, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 2003.
71
Cf. FAUSTO, Boris. História do Brasil. Op. Cit, p.176.
72
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p 100.
80
norte-americana consistia em abandonar a assistência estatal e dar preferência aos
interesses privados. Este fato alterou o quadro de créditos do Brasil.
73
Um outro ponto que obteve grande repercussão foi a criação da Petrobras. Vargas
tinha enviado, em 6 de dezembro de 1951, um projeto que previa a criação de uma empresa de
economia mista com controle majoritário da União, não prevendo um controle estatal. Mas
essas idéias desagradaram diversos setores econômicos, inclusive os nacionalistas, que se
mobilizaram através do slogan “O Petróleo é nosso” e que tomaram as ruas com comícios,
passeatas e panfletos. Em 1953, de acordo com a Lei nº 2004, a Petrobras era criada,
tornando-se o símbolo maior do nacionalismo varguista.
74
Uma empresa totalmente nacional,
sem a participação de empresas estrangeiras e que passou a ter o monopólio de todas a etapas
da produção, exceto da distribuição. No ano seguinte, Vargas enviou a proposta ao Congresso
para a criação da Eletrobrás, com o objetivo de enfrentar o déficit de energia do país, tendo
em vista que o crescimento industrial precisava de uma demanda maior do fornecimento de
energia elétrica; mas o jogo das pressões das multinacionais foi intenso, alegavam ser
desnecessária a interferência do governo neste setor, sendo assim, a proposta veio a ser
aprovada em 1961.
75
A política econômica do governo Vargas deixava claro seu objetivo de promover
uma substituição das importações pela valorização de um setor industrial em que o Estado
tivesse papel importante na organização desta infra-estrutura. Tais iniciativas tiveram grandes
destaques na imprensa, pois entravam em choque com os interesses de uma burguesia
dependente do capital estrangeiro e dos grupos nacionalistas. Destacam-se, neste âmbito, os
jornais Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, totalmente de oposição, que não poupava
críticas ao presidente, e o Última Hora, de Samuel Wainer, porta-voz do governo.
Durante os anos de 1953 e 1954, Getúlio Vargas enfrentou os piores momentos
do seu governo. Mesmo com todo esse impulso desenvolvimentista, a sociedade enfrentou
uma grande inflação, chegando a atingir índice de 21% no ano de 1953. Isto, por sua vez,
acarretava no aumento dos gêneros alimentícios de primeira necessidade, principalmente o
feijão, o leite e a farinha de mandioca.
76
Corroborando com Boris, Skidmore também destaca
a inflação do período como sendo um ponto crítico do governo; cita o exemplo do Rio de
73
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Op. Cit, p.177.
74
Idem, p. 172.
75
Para maiores detalhes das represálias dos Estados Unidos e das divergências das empresas estrangeiras diante
da política industrial de Vargas ver: MARANHÃO, Ricardo. Nacionalismo, petróleo e eletricidade marcaram a
volta de Vargas. In. Revista História Viva Grandes Temas: O Brasil que Getúlio Sonhou. Op. Cit. p. 79-83.
76
Cf. FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. 173.
81
Janeiro, cujo índice aumentou em 11% em 1950 e 11%, outra vez, em 1951 e saltou para 21%
em 1953.
77
Um poeta popular chamado Manuel Dionísio Filho, mais conhecido pelo seu
acróstico “Canelinha”
78
, procurou descrever em seus versos o desconforto da sociedade diante
do aumento dos impostos e da carestia. Logo no início, o autor faz um apelo a Deus, pedindo
inspiração para poder escrever, levando-nos a crer que a dificuldade era tanta que lhe faltava
concentração para poder criar seus versos. Observemos o folheto:
Oh! Deus baixai sobre mim
Vossa santa inspiração,
Para descrever em versos
A péssima situação,
Em que estamos passando
Dentro de nossa nação.
Não quero me referir
Diretamente a alguém
Mas geralmente ao povo,
Que nosso Brasil contem
Porque nestes últimos dias
Ninguém vai passando bem.
O rico chora seu pranto
Com desgosto absoluto
Ainda sendo abastado
Sem prazer é diminuto,
Porque lhe falta a paz
Não pode encontrar reduto.
Chora o pobre quitandeiro
Chora o pobre mascate,
Chora o pobre tintureiro
Chora o pobre alfaiate
Chora o pobre sapateiro
Chora o pobre engraxate.
Chora o pobre arquiteto
Chora o pobre carroceiro
Chora o pobre servente
Chora o pobre cavoqueiro,
Chora o pobre pião
Chora o pobre carpinteiro.
Lamenta o fazendeiro
Lamenta o agricultor
Lamenta o motorista
Lamenta o jogador.
77
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Op. Cit. p. 150.
78
Cf. SOBRINHO, Jose Alves e ALMEIDA, Átila. Dicionário Bibliográfico de poetas populares. 2. ed. ampl. e
refor., Campina Grande-PB: UFPB- Campus II, 1990 (v. 2: Biografias), p. 116.
82
Lamenta o jornalista
Lamenta o professor.
Toda classe hoje em dia
Sente desgosto profundo
Vive em desassossego,
Muitos vagabudo no mundo
Atraz da felicidade
Em nosso Brasil fecundo.
79
E o poeta, ao lamentar esse desgosto, roga ao governo para tomar providências,
quando se refere a ele dizendo que “é o esteio desta pobre humanidade” e passa a descrever os
impactos causados pelo aumento dos impostos, como é possível perceber em:
Porém isto meu leitor
É uma barbaridade
O pobre também precisa
Um degrau de prosperidade
O governo é o esteio
Desta pobre humanidade
Portanto vamos rogar-lhe
Que nos melhore a sorte
Dentro dos vinte estados,
Desde o sul até o norte
Porque estamos sofrendo
Opressão bastante forte.
[...]
Vejo cada brasileiro
Vertendo lagrimas no rosto,
Por causa do cambio negro
E a alta do imposto,
Pois são eles os fatores
Deste implacável desgosto.
O imposto no Brasil
Está alterado demais
A carestia é enorme,
Em tecidos e cereais
Artefatos e molhados
Produtos industriais
Geralmente está sofrendo
Todo povo da nação
Paga imposto sindical
Industria e profissão
Paga também instituto
Paga consignação.
80
79
CANELINHA. A Alta dos impostos e o choro da Humanidade. Ituiutaba, maio de 1952. p. 1, estrofes, 1ª a 5ª e
p. 2, estrofe 6 e 7, respectivamente.
80
Idem, p.2, estrofes 8 e 9, p.3, estrofes 11, 12 e 13, respectivamente.
83
Depois de expor a situação em que se encontrava a sociedade diante da tão
temível inflação, Canelinha faz questão de frisar que Getúlio está no Catete e convida o leitor
a pedir proteção àquele que é “o pai da nação”. Em um tom apelativo, o poeta pediu para que
o presidente olhasse primeiramente para as várias pessoas que migraram do norte e vieram
tentar a sorte no sul do país e que precisam de atenção, afirmando que vive da poesia e o
sabe quando regressará à sua terra:
O mundo está em balanço
O Brasil está vai não vai
Getúlio está no Catete,
Tão cedo de lá não sai
O mundo pode cair
Mas ele de lá não cai.
Por tanto caro leitor,
Ele é o pai da nação
Vamos pedir proteção
Não deixe os brasileiros
Sofrendo tanta opressão.
Que olhe primeiramente
Os pobres filhos do norte
Que estão vindo para o sul
Por causa da crise forte,
E não arranjam seque
O dinheiro do transporte.
Eu mesmo sou um dos tais
Que para o sul emigrei
Vivo da arte poética
Até hoje pouco ganhei
Me acho aqui desterrado
Não sei quando voltarei.
81
Na descrição do poeta Canelinha, podemos perceber como se encontrava a
sociedade em meio às turbulências econômicas enfrentadas neste segundo governo de Vargas.
Tomado esse clima, as agitações populares adquirem rumos inesperados, várias greves
irrompem no Rio de Janeiro e em São Paulo, trabalhadores foram às ruas em prol da defesa
salarial e do aumento dos preços, como podemos atestar pelos versos de Canelinha. Um
desses movimentos, que representou um significativo desgaste para o presidente, foi a “Greve
81
Idem, p.7, estrofe 35, p. 8, estrofes 36, 37 e 38 respectivamente.
84
dos 300 mil”, culpando-o pelo sacrifício dos trabalhadores, que deixou a cidade de São Paulo
paralisada em 26 de março de 1953.
82
Mediante os acontecimentos, Getúlio se obrigado a manobrar essas correntes
contraditórias, que ficavam cada vez mais instáveis e de difícil controle. Para isso, propôs
uma reforma ministerial, visando, desta forma, atingir uma estabilização econômica. Nomeou
para o Ministério do Trabalho João Goulart, ligado ao PTB; Tancredo Neves, do PSD, para a
Justiça; Osvaldo Aranha, da UDN, para a Fazenda; o Ministério da Viação e Obras Públicas
ficou com José Américo; Educação, Antônio Balbino e para o Exterior Vicente Rao, também
de tendência udenista.
83
Mesmo com essa concessão dada à UDN no Ministério da Fazenda, não foi
suficiente para deixar o governo em paz. Novas acusações direcionadas ao governo são
levantadas, como intuito de poder atingir o ministro do Trabalho, que foi acusado de querer
implantar uma ditadura semelhante à de Perón na Argentina. Também corria o boato de que
Jango iria aumentar o salário mínimo em 100%. Esses comentários levaram grupos de oficiais
militares a contestar tais medidas, lançando o chamado “Manifesto dos Coronéis”, criticando
as possíveis propostas de Jango. A necessidade de se organizar o exército, para que este
pudesse lutar contra o comunismo, que, segundo eles, estaria ameaçando o Brasil e propor
aumento salarial. Tal manifesto foi dirigido ao ministro da Guerra e outras autoridades do
comando maior.
84
Em resposta a tais situações políticas, segundo Boris Fausto, Getúlio demitiu o
Ministro da Guerra, pelo fato de este o ter lhe informado sobre o manifesto, e faz o mesmo
com João Goulart. Afirma, ainda, que a linha que o presidente procurou seguir em 1954 é a
“da aproximação com os trabalhadores, seja pela escalada retórica, seja pela concessão de
benefícios”. Como sempre fizera em comemorações anteriores, durante o Estado Novo,
Vargas escolheu o de maio, dia do trabalhador, para poder anunciar o aumento do salário
mínimo em 100%, tecendo elogios a Goulart por ser “amigo dos trabalhadores”. Seu discurso
à classe trabalhadora acerca deste aumento terminava com uma frase que gerou polêmicas e
inquietações. Dizia ele: “Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o
governo”. Para Boris, essa inclinação de Vargas de atrair os trabalhadores para o seu lado,
como fizera em outros tempos de governo, é o que levaria militares, grupos da classe
82
Cf. FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. 180.
83
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p 101. Para entender melhor este quadro da
reforma ministerial em 1953 por Vargas ver a análise de SKDIMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Op.
Cit. p.150-157.
84
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Op. Cit. p.415.
85
dominante e classe média a vê-lo com outros olhos, não mais aqueles de apoio, mas os de
perda de prestígio político.
85
Nas palavras de Skidmore:
A verdade era que Getúlio tinha decidido conquistar o apoio político da
classe trabalhadora por meio de um atraente aumento nos salários reais, sem
se incomodar com as conseqüências que seu ato pudesse ter sobre os outros
setores da opinião pública. Era um sinal de que Getúlio havia perdido seu
comprovado senso de equilíbrio. Sua nova estratégia era imprudente, devido
à situação política brasileira, uma vez que os grupos marginalizados
industriais, classe média, militares estavam em melhor posição para
mobilizar a oposição do que os trabalhadores para mobilizar o apoio ao
governo.
86
O aumento do salário mínimo gerou uma onda de protestos por parte dos
industriais, que recorreram ao Supremo Tribunal Federal, alegando a impossibilidade de pagar
aos trabalhadores. Mas, diante da ameaça de uma greve geral, em início de julho o decreto foi
declarado legal. O líder da UDN, Afonso Arinos, e o jornalista Carlos Lacerda, o qual não
cessava a campanha contra o governo em seu jornal Tribuna da Impressa, levaram ao
Congresso o pedido de impeachemnt do presidente Vargas. Em resposta, o Congresso negou o
pedido, por 136 votos contra 35, em 16 de junho, como afirma Lamounier.
87
Esta negação
fortaleceu os oposicionistas quanto à derrubada do governo. Nas palavras de Lamounier,
faltava apenas o “peteleco” para a deflagração final do seu governo.
A situação para Getúlio estava realmente delicada. Cada vez mais, os anti-
getulistas buscavam adesão em vários setores da sociedade com o intuito de derrubá-lo. A
imprensa local o atacava de todas as formas, acusava-o de “imoral” e “corrupto”. Vargas, que
buscara sustentação nos trabalhadores, pouco fez para mobilizar o apoio dessa classe, apesar
de ter chegado à presidência com seu apoio. Para alguns, Vargas dava sinais de cansaço e
envelhecimento. Mas devemos lembrar que o contexto em que este homem esteve no poder na
década de 40 é totalmente diferente dos anos 50. Com a redemocratização, os grupos sociais e
os partidos políticos ficaram mais atuantes, facilitando assim a propagação de suas idéias. A
imprensa passou a ter total liberdade de expressão, o país enfrentava outros desafios
econômicos e a oposição atuava com mais rigor, principalmente os militares, que se
afastavam cada vez mais do governo. O poder de aglutinação de Vargas não fazia mais
tanto efeito, sua base governista convergia para outros rumos.
85
Cf. FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p.185-187.
86
SKDIMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Op. Cit. p. 171.
87
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p 102.
86
Mas, na manhã de 5 de agosto, chegava no palácio do Catete a notícia de que o
jornalista Carlos Lacerda, líder de oposição, havia sofrido um atentado criminoso por volta da
meia-noite, quando estava indo para seu apartamento na rua Tonelero, em Copacabana. Um
pistoleiro, sob as ordens indiretas de Gregório Fortunato, alvejou Lacerda, que ficou ferido; e
seu amigo, o major Rubens Florentino Vaz, que fazia sua guarda pessoal, morrendo na hora.
Gregório, chefe da guarda presidencial do palácio, achava que tirando Lacerda do caminho, a
vida de Getúlio deixaria de ser alvo de críticas e acusações na imprensa.
88
Obtendo grandes
repercussões em toda a sociedade, este atentado também foi representado pelos poetas que
comparavam o mandante do crime a uma “perversa pantera”, como podemos perceber:
No dia 5 de Agosto
Pelo destino da sorte,
Um grupo de irresponsáveis
Fez uma desgraça forte,
Por ordens de um golpista
Alvejaram um jornalista
Destemido, honrado, e forte
Porem ele não morreu,
Foi apenas baleado,
Rubens Florentino Vaz,
Major destino e honrado,
Morreu por ser inocente
E o nosso presidente
Foi tido como culpado.
Devido a ter amigo
O Gregório Furtunato,
Perverso como a pantera
E macio como gato,
Foi quem mandou o Climério
Fazer este vutupério
De clamor e desacato.
89
Este crime marcou o estopim do final do segundo governo Vargas. Os militares
começaram a fazer suas investigações para tentar achar o culpado. A Aeronáutica, por sua
vez, instalou na base aérea do Galeão, um inquérito policial militar, com o objetivo de
investigar diretamente o caso; isso mostrava a desconfiança nas investigações por parte do
Ministro da Justiça. Assim, o brigadeiro da Aeronáutica Eduardo Gomes, advertiu que para o
bem da nação, este crime não deveria ficar impune. Enquanto isso, Getúlio interrogara
88
Idem., p.176.
89
SOBRINHO, Manoel Pereira. O suicídio do Presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n, s/d], p.3, estrofes, 8, 9 e 10,
respectivamente.
87
Gregório sobre o acontecido, mas este negou qualquer tipo de envolvimento e da guarda
presidencial. Porém, o depoimento de Nélson Raimundo, o taxista que acompanhara os
envolvidos no atentado, denunciava os verdadeiros culpados; apontando o Climério Euribes
de Almeida, membro da guarda pessoal do presidente, como um dos envolvidos e Alcino João
do Nascimento como o responsável pelos disparos.
90
As investigações não deixaram dúvidas: Gregório foi o mandante do crime.
Getúlio, ao tomar conhecimento de tal ato, ordenou sua detenção, sendo condenado,
esfaqueado e morto na prisão, em 1962. No rádio, nos jornais não se falava em outra coisa. À
medida que as investigações tramitavam novas denúncias de corrupção abalavam ainda mais a
desgastada imagem do governo. Segundo Skdimore
91
, “Gregório, além de ter comandado o
atentado a Carlos Lacerda, mantinha estritas ligações com vários criminosos profissionais,
junto com o filho do presidente Manuel Vargas e que acumulara fortunas, explorando sua
posição oficial”. Amigos comentam que Getúlio chegou a desabafar surpreso com tudo isso, a
seguinte frase: “Tenho a impressão de me encontrar sobre um rio de lama”. Tal frase
ultrapassou as paredes do palácio e chegou aLacerda, que tratou logo de lançá-la no jornal
Tribuna da Imprensa transformando “o rio” em “um mar de lama”. Diante das violentas
acusações, dissolveu sua guarda pessoal e procurou permanecer no poder.
92
Delarme Monteiro Silva, em folheto sobre a morte do presidente Vargas, também
descreve, detalhadamente, a situação do atentado ao jornalista Lacerda. O mesmo afirma que
transcreveu seus versos baseado nos informes de jornais e comenta que o clima ficou tenso
quando foi encontrado o verdadeiro culpado e constatou-se que eram pessoas ligadas ao
presidente, deixando a população incrédula. Vejamos:
Baseado nos informes
Que transcrevi dos jornais,
Toda a trama começou
Quando alguns dias atrás
Uns assassinos roubaram
A vida do major Váz.
O crime fora tramado
Contra um grande jornalista
De nome Carlos Lacerda,
Pois alguém tinha em vista
Para ser assassinado
Seu nome estava na lista.
90
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 187-188.
91
SKDIMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Op. Cit. p. 177.
92
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 189.
88
O citado jornalista
Sempre andava acompanhado,
Com o Major Rubem Vaz,
Então ao ser atacado
Lacerda, saiu ferido
E o Major assassinado.
Então a aeronáutica
Tomou a resolução
Em defesa de um membro
Da sua corporação,
De caçar os assassinos
E botá-los na prisão
A coisa foi piorando
O caso ficou sério
Foram presos os pistoleiros
José Soares, Climério
E também outros suspeitos
Daquele drama funéreo.
Na prisão, Climério, disse
No longo interrogatório
Que no crime muita gente
Tinha <culpa no cartório>
E quem o ajudou na fuga
Fora o tenente Gregório.
Disse que, era o mandante
Desse crime repelente;
O Sr. Lutero Vargas,
O filho do presidente!
O caso então foi tomando
Um rumo diferente.
A nação foi se agitando
Muitos não queriam crer,
Nas palavras de Climério;
Se dizia por dizer,
Ou se dizia a verdade,
Ninguém podia entender.
93
A partir deste momento, a pressão pela renúncia intensificava-se. Em 22 de
agosto, Vargas recebe um comunicado do chefe do estado-maior das Forças Armadas, o
general Mascarenhas de Morais, explicando a necessidade de deixar o governo. Vargas, por
sua vez, expressou sua recusa, dizendo que não era nenhum criminoso, que não aceitaria tal
imposição e que do palácio sairia morto. Em apoio à Aeronáutica e às Forças Armadas, a
93
SILVA, Delarme Monteiro Silva. A morte do presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n], 1954, p. 1, estrofes 2, 3 e 4,
p.2, estrofes de 5 a 8, e p. 3 estrofes 9 e 10, respectivamente.
89
Marinha também dá seu ultimato, exigindo Getúlio fora do poder. Em 23 de agosto de 1943, é
organizado o “Manifesto dos Generais”, que atribui como missão a Zenóbio da Costa,
Ministro da Guerra, levar o pedido de renúncia para o presidente. Este, mais uma vez,
manteve seu posicionamento anterior de não renunciar.
94
Os versos de Antônio Teodoro dos
Santos deixam transparecer os momentos de agonia que acompanhavam os tramites políticos
do presidente, ao escrever:
As oposições em peso
Acusaram firmemente
Vargas como responsável
O chamado conivente;
Todas numa só pronúncia
Pediam logo a renúncia
Do sofrido presidente.
Tentaram vários acordos
Em muitas reuniões
Dos ministros de Getúlio
E as fortes oposições
Com uma ação decidida
Procurando uma saída
Entre duas relações...
Houve um acordo dizendo
Que ele se licenciava
Do Governo por uns meses
Enquanto a crise passava,
Porém Vargas não cedeu
Que saindo não voltava
Por isso se decidiu
Com a plena consciência
De ter cumprido o dever
Durante a sua existência
E disse vendo outro porto
Que só sairia morto
Da casa da presidência...
95
Mas as pressões não param, e Getúlio vai ficando sem saída. Segundo Boris
Fausto, o presidente convocou uma reunião com seus familiares e ministros por volta das três
horas da madrugada de 24 de agosto de 1954, a fim de apresentar uma possível solução para o
embate político: concordaria em licenciar-se se os ministros militares mantivessem a ordem
pública; caso contrário, a defenderia com o sacrifício da própria vida. De volta, Zenóbio
apresenta a decisão de Getúlio aos generais, mas estes não aceitaram, forçando sua renúncia.
94
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit. p. 189.
95
SANTOS, Antonio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. Cit. p. 27 e 28.
90
O próprio palácio do Catete, por essas horas, estava cercado com trincheiras de sacos de areia,
o clima estava muito tenso. Por volta das 7 horas da manhã de 24 de Agosto, Zenóbio
apresenta a decisão dos generais e o irmão de Getúlio, Benjamim Vargas é quem lhe traz a
notícia.
Desse momento em diante, constrói-se o desfecho final. Getúlio retirou-se para
seu quarto e, por volta das 8h e 30 minutos, suicidava-se com um tiro no coração. De acordo
com Boris, dentre as peças que estavam no quarto, foram encontrados, além do revólver, uma
cartela de comprimidos, uma receita de colírio, um par de óculos, um pente, uma caixa de
charutos e uma cópia de uma carta que ficou conhecida como carta-testamento. Nesta, Getúlio
se apresenta à nação explicando o seu sacrifício.
96
A notícia da sua morte foi ecoada pelas ondas dos rádios, principalmente a Rádio
Nacional, que fez questão de ler a carta. Nas ruas, uma sociedade atônita, parada; o povo, em
lágrimas, buscava uma explicação para tal ato. Getúlio cumpria, desta forma, o que
prometera: que sairia morto. Os líderes oposicionistas, bem como os generais que
esperavam a sua renúncia, se vêem agora diante de sua morte. Nas palavras de Boris Fausto, o
momento não era de comemoração, mas de busca por uma saída política. A carta-testamento
nutria na mente das pessoas, que forças contrárias impediram Vargas de continuar seu
trabalho junto à sociedade. Em protesto, as sedes da Tribuna da Imprensa, do jornal O Globo
e da embaixada dos Estados Unidos foram atacadas no Rio de Janeiro; em São Paulo,
operários entraram em greve e em outras capitais do país, como Porto Alegre, Belo Horizonte
e Recife, os protestos não foram diferentes. Sua morte produziu um efeito inesperado pela
oposição: Getúlio passara de acusado a vítima da situação.
97
Segundo relatos da historiografia oficial e dos folhetos de cordel, nunca se viu
uma comoção tão grande na cidade do Rio de Janeiro. O povo corria às ruas para dar seu o
último adeus àquele que, na visão da sociedade, foi “o pai da nação”, o “protetor dos
humildes”. Em 26 de Agosto, no túmulo da família, em São Borja, Getúlio era sepultado.
Podemos analisar tal momento nos versos de Teodoro, que não poupou palavras para mostrar
o clima em que ficou a população com a perda do seu presidente:
Entrando no quarto
O presidente deitado
96
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit, p. 190-191.
97
Idem. p.191-192. Para entender melhor os acontecimentos de 24 de Agosto ver: FERREIRA, Jorge. O
carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: O Imaginário Trabalhista: getulismo, PTB e cultura
política popular 1945-1964. Op. Cit. Também GOMES, Ângela de Castro (Org). Vargas e a crise dos anos 50.
Rio de Janeiro: Delume-Dumará, 1994.
91
Com um buraco no peito
Onde havia disparado
A bala do desenlace
Para que se confirmasse
O que ele havia jurado
Uma verdadeira bomba
Explodiu penosamente
Com a notícia da morte
Do querido Presidente,
O maior até então
Que governou a nação
Atendendo a sua gente.
Naquela manhã sombria
De vinte e quatro de agosto
Em cinqüenta e quatro, não
Houve entre os pobres um rosto
Que não derramasse pranto
Enxugado com o manto
Do seu imenso desgosto
Os pobres saíram à ruas
Chorando a infelicidade
Com perda do seu chefe
Naquela fatalidade,
Gritando
Em sua tristeza
“Morreu o pai da pobreza,
Ficamos na orfandade”.
98
E uma nova história se inicia na República brasileira, nas palavras de Bolívar
Lamounier:
Começava um novo período na vida brasileira, mas não o que os
adversários de Getúlio Vargas haviam imaginado. Com o suicídio, Getúlio
forçou o recuo daquela oposição desabrida, e ao mesmo tempo reagrupou
forças políticas que haviam estado com ele em diferentes etapas. Nas
eleições legislativas de outubro, a UDN, acuada pela hostilidade popular,
perdeu dez de suas 84 cadeiras na Câmara. As correntes nacionalistas
passaram a empunhar a Carta-Testamento como bandeira. O próprio PCB
revisou sua posição, apontando a pressão norte-americana como pano de
fundo daquela crise. Os dois partidos criados por Getúlio para formarem
uma aliança, PSD e PTB, conheceriam em seguida o seu ponto de maior
aproximação preparando-se para eleger Juscelino kubitscheck e João
Goulart, respectivamente, para a presidência e vice-presidência da
República. Essa Aliança não coesa e nem tão duradoura como Getúlio talvez
tenha imaginado, mas continuou a ser o principal fator de poder naquela
década. O velho líder havia demonstrado, mais uma vez, sua capacidade de
avançar a cada recuo, transformando a fraqueza de seus últimos dias numa
enorme força carismática.
99
98
SANTOS, Antonio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. Cit. p. 28.
99
LAMOUNIER, Bolívar. Os Grandes Líderes: Getúlio. Op. Cit. p 107.
92
2.4 Vargas e seu legado
Em se tratando da Era Vargas e seu legado, são indiscutíveis na historiografia
política brasileira a sua importância quando se reporta aos anos em que este esteve no poder.
Getúlio Vargas é tido como o político que, durante o século XX, mais profundamente marcou
as mudanças no país, se mantendo presente na memória popular por muitos anos, mesmo após
a sua morte.
Analisar este homem e sua trajetória política e pessoal levou vários estudiosos a
acreditar que existiu não apenas um Getúlio, mas vários. Isto se deve ao fato de este político
apresentar, em sua administração, diferentes perfis, ora sendo o “conciliador”, o “pai dos
pobres”, o “ditador”, o “perseguidor político”, o “nacionalista”, enfim, são muitos os
atributos, mas todos recaem em uma pessoa. Se ele foi tudo isso ou não, vai depender do
ponto de vista e da interpretação que se busca do momento estudado, porém um fato é
indiscutível: Getúlio foi um Chefe de Estado que marcou fundo a história política brasileira,
sendo até natural que desperte opiniões contraditórias, dado o tempo em que esteve na direção
do país.
100
Coube a ele a liderança do movimento que deu início a uma nova fase da história
política republicana, ao redefinir as bases de poder das oligarquias rurais. A ele também deve
ser creditado o primeiro grande esforço pela criação de um Estado Moderno no Brasil. Para
Francisco Weffort
101
, antes de 1930, o que havia era uma fragmentação de poder, do qual
participavam apenas núcleos políticos ligados a São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul, um tipo de Estado patrimonialista e oligárquico. Coube a Getúlio dar
novas feições a este Estado, que aos poucos foi se estruturando em termos econômicos e
sociais. Para Weffort, foi com Vargas que passamos a ter a formação de partidos políticos de
caráter nacional, durante o processo da redemocratização, a institucionalização dos
trabalhadores no Estado brasileiro e a organização de um Exército mais expressivo no campo
de sua atuação organizacional.
100
Uma sucinta apresentação sobre O mito Vargas ver em GOMES, Ângela de Castro. O mito Vargas.
Disponível em < http://www.cpdoc.fgv.br/comum/html/ Acesso em: 02 Abr. 2008. Ver também Era Vargas, um
legado que até hoje marca o país. Disponível em < http://oglobo-globo.com/jornal/especiais/vargas/
>. Acesso
10/mar/2008.
101
Cf. WEFFORT, Francisco. O Nacionalismo, o Populismo e o que restou do legado político e econômico. In:
SZMRECÁNYI, Tamás e GRANZIERA, Rui G. Getúlio Vargas e a economia contemporânea. Op. cit.
93
Considerando tudo isso, compreende-se o alarde que se formou em torno do seu
nome, bem como a “mitificação popular” advinda de uma construção política atrelada ao
surgimento do Estado Novo. Vargas foi projetado para a sociedade brasileira como um
símbolo de renovação e de desenvolvimento. Segundo Baczko
102
, são as ações dotadas de
valor simbólico que conduzem as pessoas à criação de “modalidades específicas de acreditar,
sentir e pensar”. A criação do Departamento de Imprensa e Propaganda um órgão
responsável pela legitimação do Estado Novo a partir do cerceamento da imprensa, rádios,
jornais, cinema e cultura popular – parece ter obedecido a esse imperativo. Enfim, nada
escapava aos olhos desta máquina governamental. Seu objetivo era a “exaltação do ditador”,
conferindo-lhe uma imagem de “protetor da nação”.
103
Partindo desta produção de efeitos é
que, aos poucos, se foi criando um imaginário político e social associado aos direitos sociais.
Imaginário esse que, nas palavras de Baczko, se torna uma peça efetiva e eficaz do dispositivo
de controle da vida social, em especial do exercício da autoridade e do poder. Ao mesmo
tempo ele torna-se o lugar e o objeto de conflitos sociais.
104
Foi o departamento de propaganda que efetivamente construiu a figura do “mito
Vargas”, enaltecendo o nome do presidente nas várias regiões do país, atrelando-o aos feitos e
realizações de seu governo. Foram estabelecidas datas especiais em que o presidente se dirigia
à sociedade, fortalecendo a relação massa/líder, ganhando, assim, os contornos de uma
liderança do tipo carismático. Muitos são exemplos: dia do índio, aniversário do presidente,
dia do Trabalho, dia da Raça e da Pátria. E dessa forma, por meio de símbolos, ritos, crenças
ia-se construindo um imaginário social em torno do político Vargas. Segundo Maria Celina
105
,
este “mito Vargas” foi construído porque a política passou a ser uma atividade central na
qual o poder se fazia legitimar.
Conforme nos lembra Baczko, todo poder tem de se impor não como poderoso,
mas como legítimo
106
. Mas, na verdade, o que está por trás deste enredo relaciona-se à
102
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Portugal: Imprensa Nacional / Casa da
Moeda, v. 5, 1985, p. 309. Ainda sobre o imaginário, ver TRINDAD, Liana e LAPLATINE, François. O que é
imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1997. Também podemos ter uma referência sobre o imaginário e as
representações em PESAVENTO, Sadra Jatahy. Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. In:
Revista Brasileira de História. São Paulo, Contexto, v. 15, nº29, 1995, p. 9-25.
103
Para maiores informações sobre a atuação do DIP, ver: FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso.
Op. Cit., p. 115-128. Assim como o trabalho da CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena.
Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP: Papirus, 1998.
104
BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 310.
105
Cf. ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. Op. Cit. Para uma abordagem sobre esta construção mítica
ver ABREU, Luciano Arone de. Getúlio Vargas: a construção de um mito: 1938-1930. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996. Neste o autor busca entender a construção do mito Vargas partindo do contexto regional para
o nacional, onde privilegiou seus estudos a partir do Rio Grande do Sul.
106
BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 310.
94
apropriação do discurso através do qual Getúlio tomou da classe trabalhadora e sua luta por
melhores condições de trabalho durante os anos vinte, transformando isso em decretos de leis
impetrados pelo Estado logo após o golpe de trinta. Nesse sentido, a despeito da cooptação
envolvida nessa estratégia de apropriação das bandeiras e de lutas dos trabalhadores, Vargas
foi o primeiro político brasileiro a dar uma atenção especial à classe trabalhadora, ao instituir
uma série de leis que os beneficiavam. Se não chegavam a todos os brasileiros é uma outra
discussão, o fato é que tal ação produziu um efeito impressionante no imaginário social.
Na medida em que promovia as leis trabalhistas, que culminaram com a
Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, Vargas era associado a um “pai”, aquele que
estava sempre olhando para seus filhos: a classe operária. Adotou, deste modo, uma política
paternalista, na qual o Estado se prontificou a doar as leis que resultavam, de uma maneira ou
de outra, em uma maior valorização do trabalho. Dessa forma, gradativamente, a figura de
Vargas passou a ficar associada a um conjunto de ações que podiam ser tomadas como
voltadas para impor maior respeito aos direitos dos trabalhadores.
A criação de uma Justiça do Trabalho foi decisiva, na medida em que estabelecia
uma instância jurídica na qual a classe trabalhadora podia identificar, como garantidora de
seus direitos, uma justiça que a protegia. Para Celina, Vargas reconheceu o direito dos
trabalhadores através dos sindicatos, em razão do que, passou a controlar a vida política
destes e dos operários. Ele foi responsável pela formação de uma elite sindical, que atravessa
anos a fio na nossa política.
107
Muitos foram os debates que ocorreram em torno das comemorações dos
cinqüenta anos de sua morte: seminários, lançamentos de livros, artigos em revistas, todos
buscavam, de certo modo, trazer à luz da sociedade moderna aspectos memoráveis e
importantes que giraram em torno do personagem Getúlio Vargas. Eram destacados, a priori,
nestas discussões, o nacionalismo, sua ação trabalhista e a presença de um Estado forte, capaz
de elevar o desenvolvimento do país. Seu legado era representado por instituições como a
Petrobrás, a Eletrobrás, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, bem
como pelo Estatuto do Trabalhador Rural e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que
congrega uma série de conquistas trabalhistas que permanecem até hoje quase inalteradas.
Mas ficou também como herança deste homem o projeto desenvolvimentista, a administração
autoritária, o controle estatal dos sindicatos, bem como o imposto pago para poder mantê-lo.
Alguns pontos destas discussões deixam claro que, mesmo diante de controvérsias políticas
107
ARAÚJO, Maria Celina D’. A Era Vargas. Op. cit.. p. 97.
95
assumidas por sua personalidade, seu legado é de extrema importância para a compreensão da
conjuntura do Brasil pós-30. Getúlio estabeleceu novos parâmetros para se conceber a
soberania, o nacionalismo, a legislação trabalhista e a posição dos trabalhadores na sociedade
brasileira.
Segundo Boris Fausto, ao analisar este legado, a morte de Vargas teve um papel
importante na construção desta mitificação, principalmente porque veio acompanhada por
uma carta em que explicava à sociedade brasileira o motivo de sua partida frente aos
acontecimentos que sucederam até então. É como se o próprio Vargas, mais uma e última vez,
movesse as peças que permitiriam uma mitificação de sua imagem a partir da morte heróica.
Com ela, a classe trabalhadora se via órfã do pai que, em seu imaginário, sempre esteve
associado à garantia de seus direitos sociais. Entre a grande massa, restou a memória
registrada por aquele homem que inclinou seu olhar para o pobre, o humilde.
108
Confirmando o que se expôs acima, o poeta Antônio Teodoro dos Santos
109
relata
uma passagem interessante no seu folheto Vida, tragédia e morte do presidente Getúlio
Vargas”. Conta o autor que, vendendo seu folheto sobre a morte de Vargas na feira, uma
senhora o parou, pegou um folheto se ajoelhou e começou a beijá-lo. Depois, começou a falar
quem era Getúlio Vargas e as mudanças que suas ações trouxeram para sua família. Versejou
dessa forma o poeta:
Por entre muitas pessoas
Uma senhora passou;
Vendo o livro de Getúlio,
Pediu um e segurou,
Olhou na capa o retrato
Como se fizesse um trato.
Logo se ajoelhou e o beijou.
Com isso o povo ficou
Em um silêncio profundo
Só se ouvia nos relógios
A pancada do segundo
Porém a mulher rompeu
E disse: - Agora sou eu
Que vou falar para o mundo.
Este é o grande presidente
Getúlio, o bendito nome
Que com suas leis salvou
Muitos que não há quem some,
Vivendo em pleno abandono
108
Cf. FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. Cit.
109
SANTOS, Antonio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. cit., p.29-30.
96
Quando lhes deu um abono
Para matar sua fome.
Com os meus catorze filhos
Graças a Deus recebi
Catorze mil réis por mês,
Dinheiro que antes nunca vi,
Um mil réis de cada filho:
Não tive mais empecilho,
Fome nunca mais senti.
[...]
Graças a Getúlio
Meus filhos são estudados
Trabalhando em bons empregos
Já quase todos casados.
Por isso, bom Presidente,
Pelo bem que fez a gente,
Deus perdoe seus pecados.
[...]
Ainda hoje é lembrado
Como o pai dos sofredores
Pelo bem que se fez a todos
Aplacando as suas dores
Com boas leis trabalhistas,
Suas primeiras conquistas
Em prol dos trabalhadores.
Tudo quanto aqui narramos
Está como aconteceu
Ouvimos, lemos e vimos
Dentro do que sucedeu;
Os fatos foram milhares
Rememorando os lugares
Onde Getúlio viveu.
Diante do exposto, resta reconhecer que as ações que Getúlio empreendeu não
foram suficientes para redefinir os padrões de vida social de todas as pessoas, principalmente
as do campo, excluídas das leis trabalhistas. os trabalhadores urbanos, sindicalizados, vale
ressaltar, tinham direitos reconhecidos, até porque possuíam um elemento que os identificava:
a carteira de trabalho. Nas palavras de Robert Levine
110
, o desenvolvimento econômico surgia
como algo factível aos olhos dos industriais, de Vargas e do capital internacional este,
inclusive, sempre presente nos investimentos do país.
Ao falar desta legislação trabalhista, não podemos deixar de mencionar que nem
todos os patrões aceitaram isso. Tiveram reações contrárias e burlaram as leis sempre que
110
LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas. Op. cit., p. 173.
97
possível. Na verdade, a maior parte dos industriais não se importavam com as medidas criadas
pelo governo, desde que não interferissem nos seus lucros.
111
Finalizando, podemos perceber que, mesmo diante do que não foi alcançado, e de
seus múltiplos olhares para uma política desenvolvimentista, urbana e capitalista, seu nome
permanece sendo lembrado, principalmente quando se faz uso dos mbolos criados em seu
governo, tais como a carteira de trabalho, as leis trabalhistas e seu carisma popular. Sem
dúvida, continua sendo um personagem político decisivo para o entendimento do Brasil no
século XXI.
111
Idem, ibidem.
98
Capítulo 3
As representações de Getúlio no corpus de Folhetos
Porque o meu sacrifício
Manterá vocês unidos
Cada gota do meu sangue
Vibrará nos seus ouvidos
Como chama imortal
Pra resistência global
Contra balas dos bandidos...
Ao povo dei minha vida
E hoje morro na glória
Meu sacrifício que seja
A semente da vitória
Eu dou o primeiro passo
Saio da vida o faço
Para entrar na história....
(Raimundo Santa Helena)
99
3. AS REPRESENTAÇÕES DE GETÚLIO NO CORPUS DE FOLHETOS
Uma vez registrada, a palavra se destaca da fonte e ganha vida
própria na mão do pesquisador. (A. Porcelli)
3.1 Getúlio Vargas nos folhetos
Creio em Getúlio Vargas, todo poderoso, criador das
leis trabalhistas, creio no Rio Grande do Sul e no seu
filho, como nosso patrono o qual foi concebido pela Revolução
de 30, nasceu de uma Santa Mãe, investiu sobre o poder
de Washington Luiz, foi condecorado com o emblema da República,
desceu ao Rio de Janeiro ao terceiro dia,
homenageou ao mortos, subiu ao Catete e está hoje
assentado em São Borja, donde há de vir a julgar o
General Dutra e seus ministros. Creio no seu retorno
ao Palácio do Catete, na comunhão dos pensamentos,
na sucessão do Presidente Dutra por toda a vida. Amém.
1
A presença de Getúlio Vargas nos folhetos é tida por alguns poetas como um
marco neste tipo de literatura popular. Na paráfrase do Credo católico citada acima, do poeta
Cuíca de Santo Amaro, fica bastante claro para os leitores o quanto o presidente Getúlio
Vargas significava para o povo, o lugar que ele ocupava na representação social, a começar
pelo título do folheto: “Deus no céu e Getúlio Vargas na terra”. Para Liêdo Maranhão de
Souza, Getúlio foi o presidente que mais inspirou os cordelistas, motivando os poetas a
agirem como verdadeiros repórteres populares, trazendo as notícias “quentes” em forma de
arte. Afirma ainda o pesquisador que nestes folhetos políticos, a precisão dos fatos é uma
característica dos poetas-repórteres, mas vez por outra é possível encontrar algumas
imprecisões nas histórias, que muitas vezes ocorrem devido à forma como a notícia foi
transmitida ao interlocutor.
2
É importante ressaltar que estes poetas com pouca ou nenhuma
1
AMARO, Cuíca de Santo. Deus no Céu e Getúlio na terra. In: CURRAN, Mark J. História do Brasil em
Cordel. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p.128
2
FILHO, Sérgio Montenegro. A política na cultura popular. Jornal do Commercio, Recife,15 dez. 2002, nº 349,
p.3. Ver também do mesmo autor Jornal do Commercio, 13 mar. 2003, nº 103, p.18 e História Política. Jornal
do Commercio, 1 set. 2002, nº 244, p.2.
100
escolaridade acompanhavam tudo pelo rádio
3
, pelos jornais ou colhiam as informações
através de conversas informais nas ruas.
Para Cecília Azevedo, a necessidade de transformar em versos seus sentimentos,
suas vivências e angústias, leva os autores a escrever sobre temas que se referem à realidade
da nova vida, como os fatos do cotidiano e os problemas típicos das grandes cidades que eles
têm que enfrentar.
4
É por isso que a retratação de Getúlio encontra uma grande aceitação
entre os poetas. Versejar sobre este político garantia aos autores uma grande tiragem de
folhetos, pois tendo seu nome na capa facilitava a vendagem por onde circulava.
5
Segundo Orígenes Lessa, era muito comum encontrar folhetos que falavam de
políticos locais, mas muitos, na verdade, não passavam de obras feitas por encomenda no
intuito de impressionar o povo nos comícios ou nas leituras dos textos nas praças da cidade.
6
No caso de Getúlio, era impressionante como o poeta se identificava com a sua política;
tornava-se algo até natural versejar sobre suas realizações. O poeta tinha grande ligação junto
ao público, o que permitia uma maior divulgação de seus trabalhos.
Cuíca de Santo Amaro, poeta baiano, por exemplo, era muito crítico nas suas
poesias, uma “metralhadora giratória” que distribuía comentários ácidos em todas as direções,
mas quando o assunto era Vargas, o poeta mudava de postura, versava com muita emoção e
exaltação à figura de seu líder. Acerca desta admiração, Edilene Matos nos apresenta a
seguinte situação:
A admiração de Cuíca extrapolou a pura louvação do folheto e enraizou-se
na sua própria conduta. Quando o presidente Getúlio de quem o poeta
afirmava ser compadre e receber correspondência esteve na Bahia, ganhou
de Cuíca uma estatueta em gesso moldada com a figura, cuidadosamente
encomendada. Para conseguir junto ao presidente e presenteá-lo, o poeta
3
Sobre a importância do rádio no período Vargas, ver JAMBEIRO, Orthon. [et al.] Tempo de Vargas: rádio e o
controle da informação. Salvador: EDUFBA, 2004. Também as considerações realizadas por OLIVEIRA, Lúcia
Lippi. Sinais de modernidade na Era Vargas: vida literária, cinema e rádio. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO,
Lúcia de Almeida Neves. ( Orgs). O Brasil Republicano. O tempo do nacional-estatismo. Do início da década de
1930 ao apogeu do Estado Novo. v. 3, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2003.
4
AZEVEDO, Cecília da Silva. Rompendo fronteiras: a poesia de migrantes nordestinos no Rio de Janeiro (1950-
1990). 1990. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de pós-graduação em História, Universidade
Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro. p. 32.
5
Um estudo sobre o ciclo de Vargas encontramos em Júnior, Manuel Diégues. (et al.). Literatura popular em
versos. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Unesp; (Rio de Janeiro): Fundação Casa Rui Barbosa, 1986.
6
FILHO, Sérgio Montenegro. A política na cultura popular. Jornal do Commercio, 15 dez. 2002, 349, p.3.
Sobre os folhetos de encomenda feitos para políticos AZEVEDO, Cecília. Rompendo fronteiras: a poesia de
migrantes nordestinos no Rio de Janeiro (1950-1990). Op. Cit. p.32 nos chamam a atenção pelo fato de que
muitos estudiosos tem uma visão distorcida sobre estes poetas na medida em que apresenta-os como vítimas e
ingênuos caindo na rede de políticos aproveitadores. Mas na verdade esquecem de ver as dificuldades materiais
que passa tal poeta a ponto de mergulhar em tal produção. Para Cecília “eles têm tido sensibilidade o suficiente
para captar as novas preferências do público e na medida em que não se sintam passiveis de repressão, têm sido
implacáveis nas suas críticas ao sistema político e econômico”.
101
malandro e astucioso furou o cerco de segurança e conta que abraçou
demoradamente seu ídolo, de quem recebeu elogios e agradecimentos pelo
apoio constante e fiel, e a quem prometeu plena divulgação das propostas de
governo.
7
Lessa aponta, nas suas pesquisas, que o folheto mais antigo encontrado sobre
Getúlio data de 1932, “O levante de São Paulo”, mas é justamente a partir do Estado Novo
que passamos a ter produções deste gênero literário com mais freqüência.
8
Inclusive, muitos
folhetos foram alvo da censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), assim
como muitos outros foram incentivados a versejar glorificando o presidente e seus feitos sobre
esta fase na política nacional. O próprio João Martins de Athayde teve cinco de seus folhetos
retidos na mesa do censor por conterem versos que iam de encontro ao governo.
9
Claro que
Lessa não descartou a possibilidade de produções anteriores ao período de 1930 sobre
Getúlio.
Outro fator que podemos mencionar como fundamental para entendermos o que
levava os poetas a despertarem tanto interesse por Vargas está associado ao papel jornalístico
que estes folhetos desempenhavam ao trazer as informações em uma linguagem simples,
versificada e gostosa de ler, direcionada a um público de pouca escolaridade. Assumindo,
assim, o folheto uma faceta muito singular, a de reportar, informar, documentar, instruir e
divertir o público.
10
Sem esquecer que, como foi mencionado, os poetas inseridos também
neste contexto das ações do presidente escreviam suas poesias porque elas tinham uma boa
receptividade entre o público consumidor. O nome de Getúlio estampado na capa dos folhetos
representava certeza de lucro e quando estes poetas caíam no gosto popular viravam
verdadeiros ídolos da massa.
11
Três momentos da trajetória política de Getúlio são tidos como marcos na
produção e veiculação de folhetos nas feiras do país: um relaciona-se ao movimento
Queremista, outro à campanha eleitoral de 1950 e outro à sua morte em agosto de 1954.
Realmente, estes momentos citados são singulares para a vida de cada poeta, pois cada um
7
MATOS, Edilene. Cuíca de Santo Amaro: o boquirroto de megafone e cartola. Rio de Janeiro: Manati, 2004, p.
92.
8
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na Literatura de cordel. Rio de Janeiro: Documentário, 1973, p.60
9
Idem, p.64. No decorrer da pesquisa não conseguimos encontrar estes folhetos citados por Lessa, os quais
foram censurados. Acreditamos que os mesmos traziam em seus versos conotações que não atendiam o desejo do
DIP.
10
Sobre a relação que o folheto mantém com seu público leitor ver GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Folhetos
de Cordel: experiências de leitores/ouvintes (1930-1950). In: Literatura e Letramento: espaços, suportes e
interfaces. O jogo do livro. (Org). Aparecida Paiva. Belo Horizonte: Autêntica. CEALE /FARC / UFMG, 2003,
p. 87-98.
11
MATOS, Edilene. Cuíca de Santo Amaro: o boquirroto de megafone e cartola. Op. Cit. p. 77.
102
buscou representar à sua maneira um pouco da trajetória desta personalidade política. Como
exemplo de tal produção, Rodolfo Coelho Cavalcante, conhecido como o poeta-repórter
escreveu folhetos em 1945, momento da deposição de Vargas, e deu trégua quando este
ganhou as eleições, em 1950.
12
Entretanto, acima de tudo, foi com sua morte, em 24 de agosto de 1954, que
passamos a ter o “boom da produção cordeliana sobre este político. Aquele tido como o
“governante-pai”, presente na memória popular, dava adeus a seu povo, com um gesto de
“sacrifício”, de humildade, legando uma carta na qual explicava à nação os motivos da sua
morte, a qual termina com a seguinte citação: Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha
morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História.
Conta Orígenes Lessa que Delarme Monteiro da Silva, na cidade de Recife, ao
saber da notícia veiculada pelo rádio na manhã de 24 de agosto, correu logo em pegar sua
pena para poder registrar tal acontecimento, ainda abalado e tomado de profunda comoção.
Em seguida, levou o manuscrito à tipografia, o qual, no final da tarde, foi posto nas ruas de
Recife, chegando a vender 40.000 exemplares com o tulo “A morte do presidente Getúlio
Vargas”. E não faltaram poetas que queriam deixar sua última impressão, o que os obrigou a
correrem contra o tempo para escrever, enquanto a notícia da morte estava ainda sob impacto
e as pessoas estavam procurando obter informações.
13
Outros, por sua vez, davam um tom
poético à carta-testamento, obtendo, assim, grandes tiragens, a exemplo de Amador Anselmo,
com “Carta e Biografia do ex-presidente Getúlio Vargas” que vendeu 120.000 exemplares;
José João dos Santos (Azulão), com “Vida e Morte de Getúlio Vargas”, 200.000 e Antônio
Teodoro dos Santos, com “Vida e tragédia do Presidente Getúlio Vargas”, vendeu 280.000.
14
Nos estudos de Raymond Cantel
15
acerca desta produção, o autor utiliza a
denominação de “onda” para identificar a produção de folhetos após a morte de Getúlio. Ele
caracteriza de “primeira onda” os folhetos produzidos no dia da morte, como foi o caso de
Delarme Monteiro, citado anteriormente. Numa “segunda onda”, os folhetos se
apresentavam mais ricos de detalhes, acrescidos de fatos novos, que saíam na imprensa ou nas
ondas do rádio; e de “’terceira onda”, retratando a sua biografia e a chegada ao céu. O
interessante é que muitos poetas, ao escreverem seus folhetos, em 25, 26 ou 27 de agosto,
12
CURRAN, Mark J. A presença de Rodolfo Coelho Cavalcante na moderna literatura de cordel. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Casa Rui Barbosa, 1987, p.112.
13
LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na Literatura de cordel. Op. Cit. p.120.
14
Idem, p.121.
15
CANTEL, Raymond. Temas da Atualidade na literatura de cordel. Tradução de Adélia Lúcia Borges. São
Paulo, 1972, p. 9-10.
103
antecipavam as datas de suas obras para 24 de agosto, com o objetivo de alcançar o sucesso
dos demais poetas. Quanto aos folhetos que retratam sua biografia, vamos encontrar uma
exploração poética mais consciente; o poeta verseja desde o nascimento, trajetória de vida, até
a morte de Vargas ficando os versos com mais qualidade e emoção.
Portanto, podemos perceber o quanto Getúlio Vargas representou para o universo
dos folhetos, tornando-se mote de muitos versos que exprimiam suas ações e sua relação com
a sociedade e a cultura popular. Todavia, as análises desses folhetos que seguem adiante neste
texto nos permitem perceber que este tipo de poética popular está contido de diferentes
significados e representações, nos possibilitando obter “leituras” diversas dessa relação leitor,
poeta e ouvinte.
3.2 Corpus de folhetos antes do suicídio
Como já foi mencionado, a figura de Getúlio Vargas é tema recorrente nas
poesias de folhetos. Seu nome aparece neste tipo de literatura associado, principalmente, à sua
ação social-trabalhista impetrada nos anos em que esteve na presidência do país. Os poetas,
ao versejarem sobre Getúlio nos anos de 1945 a 1950, apresentaram este como um grande
“estadista”, o “poderoso da nação”, o “símbolo do país”, “a esperança”, etc. Não faltavam, na
verdade, adjetivos entre os poetas para se dirigirem ao seu líder, àquela figura mitificada na
representação social, presente nos debates populares, nas ruas, ou seja, no cotidiano do povo
brasileiro. Nas palavras de Ângela de Castro Gomes a respeito dessa relação estabelecida
entre o líder e a massa, percebe-se:
Vargas era um “gênio” capaz de, por sua inteligência superior, entender e
resolver os complexos problemas da nacionalidade em clima de segurança e
tranqüilidade. Aliás, bem conforme à “índole” e “a sabedoria” particulares
do povo brasileiro, finalmente valorizado e conduzido ao centro do cenário
político, do qual estivera afastado pelas “ficções liberais”. O presidente era,
a um tempo, “povo e patriciado”, sintetizando as qualidades intelectuais
de nossos “maiores” até então desviadas e intuição privilegiadas do
“homem” brasileiro. Elites e massas integrados numa comunicação “direta e
afetiva”, sem intermediários.
16
16
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o
privado. In: SCWARTZ, Lilia Moritz (Org). História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, v. 4 1998, p. 527.
104
É diante desta comunicação direta e afetiva, sem intermediários, citada por
Ângela Grillo, que o presidente aparecia como povo e patriciado, é através desse canal que
são construídas as representações que irão fazer parte deste contexto social acerca de Getúlio,
possibilitando ao poeta fazer o registro em seus versos. Nesta perspectiva, segundo Baczko:
O controle do imaginário social, da sua reprodução, difusão e manejo,
assegura em graus variáveis uma real influência sobre os comportamentos e
as atividades individuais e coletivas, permitindo obter os resultados práticos
desejados, canalizar as energias e orientar as esperanças. Sendo todas as
escolhas sociais resultantes de experiências e expectativas, de saberes e
normas, de informações e valores (...)
17
Partindo deste ponto, podemos observar no folheto de Rodolfo Coelho
Cavalcante
18
uma predileção, ao versejar, pela temática Vargas com o intuito de apresentá-lo
aos leitores, mostrar a sua importância enquanto um “símbolo de garantia” para a classe dos
trabalhadores, uma vez que, na visão de Rodolfo, este “desempenhou com critério” ao longo
dos anos em que esteve no poder, vejam:
Agora, caros leitores
Para mim chegou o momento
Entre vários trovadores
De vibrar meu pensamento
Em torno do grande pensamento
Este Presidente augusto
Com pleno conhecimento.
Getúlio Dornelles Vargas
É o Presidente, leitores
O símbolo de garantia
Pra todos trabalhadores
No seu alto Magistério
Desempenhou com critério
Nos seus anos de labores.
19
Seguem os versos nos quais o autor procura mencionar as ações desempenhadas
por Vargas, as quais o levaram a ser representado como “símbolo de garantia para todos os
trabalhadores”, conforme a estrofe anterior. Na defesa do presidente, apresentada nos versos
abaixo, o poeta esclarece que vários grupos sociais foram protegidos, entre eles órfãos, viúvas
17
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Portugal: Imprensa Nacional / Casa da
Moeda, v.5, 1985, p. 312.
18
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. O Presidente. 2. ed. Salvador, 1945. In: CURRAN, Mark J. A presença de
Rodolfo Coelho Cavalcante na moderna literatura de cordel. Op. Cit. p. 258-261.
19
Idem, p.258.
105
e militares, mas chama atenção principalmente para a classe trabalhadora, que passou a
receber uma aposentadoria. E enfatiza que, para a nossa sociedade, não teria outro presidente
no contexto da Democracia sem ser o próprio Getúlio; como diz o poeta, “é só ele o
presidente”. Leiamos com atenção:
Protegeu órfãos, viúvas,
Famílias desamparadas
Deu abono de família
Melhorou as classes armadas
Beneficiou o Nordeste
Combateu a seca e a peste.
Em todas as suas camadas.
[...]
Neste campo no país
Era uma grande confusão
Viviam os “camisas verdes”
Numa grande “animação”
Compreendendo o perigo
Este Presidente amigo
Tomou toda precaução.
20
[...]
Qual foi o Chefe, leitores
Que deu aposentadoria
Ministro do Trabalho
Para a nossa garantia?
Por isto estamos ciente
É só ele o Presidente
Dentro da Democracia.
21
E nas estrofes do final do folheto, Rodolfo apresenta sua visão no que diz
respeito aos turbulentos meses que seguem à deposição do presidente pelos militares. Até
porque este folheto foi escrito na crise desencadeada em 1945, quando o Estado Novo vivia
seus momentos de declínio
22
. É interessante notar que ele chama a atenção para o fato de que
o folheto não tem o objetivo de atacar nenhum partido político, mas de mostrar com
sinceridade quem é o verdadeiro “chefe da nação”:
Não venho com este folheto
Atacar nenhum partido
Todos têm o seu direito
Cada um é permitido
20
Idem, p.259.
21
Idem, p.260.
22
Sobre o declínio do “Estado Novo” ver SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castelo Branco, 1930-
1964. Tradução de Ismênia Tunes Dantas. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p 72-89
106
Mas não esconda a verdade
Fale com sinceridade.
Deste chefe da nação.
[...]
No tempo que agora passa
De confusão e chalaça
Mostremos brasilidade
Demonstremos firmemente
Junto ao nosso Presidente
Nossa solidariedade.
23
Os folhetos que antecedem ou datam da campanha presidencial procuram trazer à
memória da sociedade o que Getúlio fez pela nação e o porquê de se escolher tal presidente
para assumir mais uma vez o palácio do Catete. Segundo Ângela Gomes
24
, a construção de
sua figura e de toda sua obra governamental advém desde 1930 dos resultados de sua
intervenção pessoal na direção do Estado. Todavia, vários foram os poetas que procuraram
endossar, com seus folhetos, esta campanha de 1950, na qual se ouvia entre as pessoas o
slogan “Ele voltará”. Em outro folheto, Rodolfo Coelho Cavalcante
25
, volta a enfatizar, em
suas estrofes, a importância de se escolher tal presidente, afirmando com muita veemência
“Nós Queremos GETÚLIO”:
Nós queremos é GETULIO
Vou explicar a razão
Quem não gostar realmente
Deste digno cidadão
Eu acho melhor não ler
Mas se gostar pode c
Leia com todo coração
Nós queremos GETULIO
O maior dos brasileiros
Para que nossa Pátria
Pela a mão dos estrangeiros
Não seja ludibriada
Vendida negociada
Em troca de mil cruzeiros.
Nós queremos GETULIO
Para governar a Nação
Para ver se assim acaba
A raça de comilão
Que ganha sem trabalhar
23
Idem, p.261.
24
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o
privado. Op. Cit. p. 526-527.
25
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Nós Queremos é Getúlio. [s/l, s/n,s/d].
107
Deixando o povo ficar
Sem casa, sem roupa e pão.
Nós queremos é GETULIO
Para acabar com a Ganância
Para que a LIBERDADE
Venha com SEGURANÇA
E a nossa Democracia
Venha mais com garantia
Sem a raiz da vingança.
26
Nas páginas seguintes do folheto, o poeta apresenta o quadro caótico em que se
encontrava a sociedade brasileira na década de 50, marcada principalmente pela fome e pelo
aumento do custo de vida. Em relação a este momento da política econômica do país, Thomas
Skidmore afirma que a inflação agravava as tensões sociais, porque tornara mais dramática
as alterações na distribuição de renda. O grupo que mais sofreu com o aumento do custo de
vida era a classe operária urbana. O governo Dutra testemunhou uma perda da renda real
no setor assalariado.
27
Constatemos, pois, tal situação:
Nós Queremos é GETULIO
Para acabar com a fome
Com as necessidade
A miséria nos consome
Por isto queremos Ele
Não tem este, nem aquele
Que represente o seu nome.
28
[...]
Nós queremos é GETULIO
Para ver mais produção
Para que o nosso povo
Tenha ao menos: CASA e PÂO
Mais conforto pode crer
Pois ninguém pode viver
Só nos dias de eleição.
Nós queremos é GETULIO
Para que a nossa vida
Melhore de uma maneira
Que seja mais parecida
De um País como o nosso
Que se coma menos ossos
Como é a nossa comida.
Nós queremos é GETULIO
Por uma necessidade
26
Idem, p.01, estrofes, 1, 2, 3 e 4, respectivamente.
27
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964. Op. Cit., p.145-146.
28
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Nós Queremos é Getúlio”. Op. Cit. p.2 estrofe 2.
108
E nunca por fanatismo
Nem tão pouco vaidade
No seu tempo não havia
O que se ver hoje em dia
Miséria e calamidade.
Nós queremos é GETULIO
Para uma vida melhor
Para que os tubarões
Seu numero seja menor
Um cruzeiro pelo ovo
É roubar do nosso povo
O seu dinheiro e suor.
29
Atentando para as estrofes acima, podemos perceber que realmente o poeta o
deixou de fazer referência à crise econômica pela qual passara o brasileiro. Chama a atenção
para o fato de que em dias de eleições “o povo passava bem”, em virtude das promessas e
festas de nossos candidatos, pelo menos é o que fica nas entrelinhas. Outro fato que merece
destaque é que o poeta menciona que a escolha de Getúlio não é “fanatismo” e sim uma
solução para tirar o povo desta grande inflação, da “miséria” e da “calamidade”.
Foi nesta perspectiva de mudar o quadro nacional que Manoel Pereira Sobrinho
30
escreveu um folheto com um discurso político em primeira pessoa, tomando a voz de Getúlio.
Nas primeiras estrofes, Manoel se apresenta à nação “com coragem, calma, justiça e ação”,
mostrando que está disposto a qualquer sacrifício em favor do povo brasileiro, vejamos:
A Deus eu peço saúde
Sossego paz e razão
Para falar com coragem
Calma, justiça e ação
Ao povo brasileiro
Que, persistente e ordeiro
Pede minha opinião
31
Ao se colocar em favor da nação, Getúlio se compara a Jesus Cristo pelo
sacrifício que, por ventura, de realizar pelo seu povo amado, oferecendo seu corpo, sua
vida e seu coração, seguindo assim os passos de Cristo quando se propôs a salvar a
humanidade. Esse tipo de comparação é recurso muito recorrente em todo o seu discurso e
29
Idem, p. 3, estrofes, 1, 2, 3 e 4.
30
SOBRINHO, Manoel Pereira. GETULIO fala ao seu povo. Campina Grande, novembro 1950.
31
Idem, p.01, estrofe 01.
109
propaganda eleitoral, em que passa a utilizar palavras de convencimento e cooptação, atraindo
o povo para sua atenção
32
. Leiamos essas passagens:
Povo amado do Brasil
Aqui estou outra vez
Para qualquer sacrifício
Como Cristo rei dos reis
E vou falar sem ofensa
Medo é uma doença
Que para mim não se fez.
33
No folheto “Lançamento da Candidatura do Senador Getúlio Vargas e mensagem
ao povo brasileiro”
34
, do mesmo autor, também escrito em primeira pessoa, Getúlio mais uma
vez se apresenta aos brasileiros como sendo o Salvador:
A Deus ofereço a alma
Corpo, vida e coração
E ao povo brasileiro.
Com toda satisfação
Ofereço o meu serviço
Na paz ou no reboliço
Quero salvar a Nação.
35
Enfatizando que não tem medo de falar à nação, o folheto informa que Getúlio não
ia se candidatar, mas quando percebeu que seus admiradores, neste caso subentendem-se os
trabalhadores, fariam qualquer coisa por ele, muda completamente de opinião e “se joga no
sacrifício” como assim o denomina. O folheto discorre sobre as tramas políticas que se
armaram em torno de sua candidatura, querendo afastá-lo da disputa. E cita, ainda, sobre sua
candidatura, que grandes foram os pedidos de norte a sul do país, todos dizendo “só com
Getúlio o Brasil seria feliz” e volta a repetir que se seu sacrifício era o que faltava para todas
as mudanças, estava pronto para se entregar à nação. Mais uma vez, percebemos um discurso
voltado para a religiosidade, na mística da salvação, doação de sacrifício, se prontificando, em
outras palavras, como o “salvador do país”. Vejamos os versos que traduzem tal
compreensão:
Tendo em vista o sacrifício
32
Para obter uma abordagem mais precisa sobre a relação da política com o sagrado e do discurso messiânico
ver: OLGA, Tavares. Fernando Collor: o discurso: o clamor ao sagrado. São Paulo: Anmablume, 1998.
33
SOBRINHO, Manoel Pereira. Getúlio fala ao seu povo. Op. Cit. p.1, estrofe 2.
34
SOBRINHO, Manoel Pereira Sobrinho. Lançamento da candidatura do Senador Getúlio Vargas e mensagem
ao povo brasileiro. [s/d, s/n, s/l].
35
Idem, p. 01 estrofe 01.
110
Dos meus admiradores
Que poderiam por mim
Sofrerem mil dissabores
Não quis me candidatar
Procurei conciliar
A bem dos trabalhadores.
Porém o grande mandão
De posse do arvoredo
Da grande máquina política
Tomou-me por um brinquedo
Não deu a mínima importância
E em sua ultima ância
Pensou de me fazer medo.
36
Uns diziam: O Exercito
É contra Getúlio Vargas
Outros diziam: O Getulio
Sofrerá horas amargas
E não será candidato
Portanto mais de um boato
Andava correndo as largas
Me fizeram vários “bichos”
Inclusive as ameaças
Que me foram dirigidas
Vindas de diversas praças
Além de criarem pânicos
Com vários planos satânicos
Desorganizarem as massas
Porém quando eu conheci
Deste grande malefício
Que tramavam contra mim
E que há muito teve inicio
Meu coração bateu palma
E mandou com muita calma
Eu jogar-me no sacrifício
O povo todo pedindo
De norte ao sul do país
Dizendo que só comigo
O Brasil será feliz
E se com meu sacrifício
Tira-lo do precipício
Pronto estou como juiz.
37
A partir de tais considerações sobre sua candidatura, o poeta apresenta as
possíveis transformações que Getúlio fará durante o seu segundo governo, centrada em
promessas nacionalistas. Os versos atestam que ele irá governar com democracia, protegendo
36
Idem, ibidem, p.01 estrofes 3 e 4.
37
Idem, p 2, estrofes 1, 2, 3 e 4.
111
e amparando os oprimidos e apertando a burguesia, trazendo sempre a idéia de um governo no
qual impera a justiça, a liberdade e a democracia. Seus versos remetem a um assunto que, até
nos dias de hoje, é motivo de polêmica em todo o país, a reforma agrária. Para o poeta, essa
seria sua obra de maior urgência, considerando que sua legislação trabalhista e previdenciária
teve pouco impacto na zona rural do país. Segundo Levine, as regiões distantes e a zona rural
levavam a pior... as medidas de Vargas tinham muito menos influência, se alguma, sobre as
vidas dos brasileiros do interior do que sobre as do que viviam nas cidades populosas do
litoral.
38
Assim versejou Manoel Pereira Sobrinho;
Vou governar com justiça
Com lei e com harmonia
Dando liberdade ao povo
Com ordem e democracia
Protegendo aos oprimidos
Amparando aos desvalidos
E apertando a burguesia
A minha primeira empresa
Será a reforma agrária
Porque acredito ser
A obra mais necessária
Por falta desta medida
Vive a pobreza oprimida
Numa onda funerária.
39
Finalizando o folheto, o autor nos apresenta um Getúlio conhecedor do povo
pobre brasileiro, com o qual teve contato por meio de suas viagens pelo país durante a
campanha presidencial, quando chegou a visitar todos os Estados e o Distrito Federal.
Interessante a observar nos versos de Manoel Sobrinho é o apelo religioso. Getúlio aparece
como elemento aglutinador para seu governo, tomando Deus como testemunha e Nossa
Senhora como sua auxiliadora. Na verdade, este tipo de apelo recai sobre uma representação e
apropriação profundamente marcadas pela religiosidade, oferecendo, dessa forma, uma
legitimidade e um sentido para o seu retorno ao poder
40
. Vejamos de que maneira o poeta
descreveu tais situações:
Já andei todo Brasil
38
LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas. Tradução de Anna Olga de Barros Barreto. São
Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 174.
39
SOBRINHO, Manoel Pereira. Getúlio fala ao seu povo. Op. Cit. p. 4, estrofes 1 e 2.
40
Sobre essa relação do governante e a mítica religiosa, ver LENHARO, Alcir. Sacralização da política.
Campinas. 2. ed., São Paulo: Papirus, 1986. p. 155.
112
Onde a luz do sol nos cobre
Desde a classe media a rica
Desde o mais humilde ao nobre
E vi que em toda terra
Desde a capital serra
Quem mais sofre é gente pobre.
41
[...]
Porém Deus é testemunha
Com meu fiel coração
Da nobreza da alma e do
Amor a religião
Que tenho sem ter maldade
Desde minha mocidade
Até a consumação.
A virgem mãe de Deus vivo
Para tal me auxiliará
Pois com sua ajuda santa
Minha voz triunfará
E castigarei aos nobres
Que vive sugando os pobres
Bons filhos de Jeová
[...]
Grande Deus Mestre dos Mestres
Eterno e onipotente
Tudo faz em prol dos bons
Único e justo pai Clemente
Levou-me ao poder de novo
Indicado pelo povo
O Tribunal consciente.
42
Dos folhetos analisados, o que mais nos chamou atenção, de fato, foi a
representação acerca do que Getúlio fez pelo país, ou seja, das reminiscências quando estava
no poder durante o Estado Novo. Suas realizações no campo trabalhista ficaram registradas na
memória popular, conforme cita Antônio Montenegro:
Essa capacidade de Getúlio em produzir uma memória foi
característica de seu governo mas também um traço pessoal. Mesmo
no momento da morte, não se furtará de deixar uma marca profunda.
43
Manoel Pereira Sobrinho
44
, retratado anteriormente, ao tomar a primeira
pessoa nas descrições poéticas do seu folheto, dirige-se ao povo, mostrando o que fez para
a nação brasileira. Agora, para isto, assume um discurso paternalista, na condição realmente
41
Idem, p. 6 estrofe 4.
42
Idem, p 7, estrofes 2, 3 e 4.
43
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto,
1992, p. 107.
44
SOBRINHO, Manoel Pereira Sobrinho. Lançamento da candidatura do Senador Getúlio Vargas e mensagem
ao povo brasileiro. Op. Cit.
113
de “pai”, de “protetor da classe pobre”, que nunca deixou faltar nada para seu filho. Vejamos
algumas destas estrofes:
Eu criei Sindicato
E fiz a Lei do Trabalho
Limitei em oito horas
Sem haver qualquer encalho
Sendo mais o operário
Recebe extraordinário
Ali não tem atrapalho.
45
[...]
Criei o salário mínimo
Fiz a caixa de pensão
O abono de família
Para quem tem precisão
Protegi a classe pobre
Dei um acocho no nobre
Sem dar nem satisfação.
Fiz Lei de inquilinato
Protegendo ao morador
Que paga aluguel de casa
Sendo o maior sofredor
E hoje é mais do que dono
Canta, salta e dorme sono
E não tem nenhum temor
46
[...]
Quem deu esta lei ao pobre
Que antes não existia?
Porque só davam direitos
A quem tinha fidalguia?
Respondam meus compatrícios
A custa de sacrifícios
Vos dei esta garantia.
47
Mas a mensagem ao povo brasileiro não termina nas questões de âmbito social.
Getúlio também fez questão de lembrar as principais metas, dentre as quais pretendia
transformar o Brasil atrasado em um país com grande visibilidade econômica, podendo ser
equiparado às principais nações do mundo moderno.
48
Neste sentido, os versos que seguem
representam tais considerações:
45
Idem, p.2, estrofes 4.
46
Idem, p. 3, estrofes 2 e 3.
47
Idem, p 4, estrofe 1
48
Cf. CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge e DELGADO,
Lúcia de Almeida Neves. ( Orgs). O Brasil Republicano. O tempo do nacional-estatismo. Do início da década de
1930 ao apogeu do Estado Novo. v. 2, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2003.
114
Criei uma grande fábrica
De fabricar Aviões
Construí vários açudes
Pra melhora os sertões
Fiz navios em quantidade
As toneladas de verdade
Foram mais de 10 milhões
[...]
E fiz em Volta Redonda
A grande Siderurgia
Aproveitando o minério
Que jaz na louza fria
A maior do continente
A onde trabalha gente
Todas as horas do dia.
Construí fábrica de pólvora
Fabricas de munições
Revolver quarenta e cinco
Metralhadoras e canhões
Deu para ser exportada
Carros de assalto e blindado
Fabriquei para milhões.
49
Diante do exposto no folheto, podemos perceber que Manoel Sobrinho recorreu
ao Estado Novo para poder mostrar à sociedade quem era Getúlio e o motivo pelo qual de no
dia três de outubro, data marcada para as eleições, os brasileiros deveriam fazer valer seu
sufrágio. Ao término deste folheto, o discurso apresentado pelo poeta destaca um político
pronto para assumir a presidência quando verseja “estou pronto brasileiros... quinze anos fui
governo e posso ser outra vez”. Tal expressão só vem confirmar o que Ângela de Castro
Gomes diz em relação à propaganda publicitária da campanha de 1950: que toda ela era
assentada no material do Estado Novo, até porque o objetivo era justamente reforçar os laços
entre o líder e os trabalhadores, como fizera outrora.
50
Em outros versos, percebemos o tom
enfático que assume quando diz que “eu não prometi, dei” aludindo sempre às leis trabalhistas
como um ato de doação do Estado e não de um conjunto de lutas e conquistas dos operários
antes de ele chegar ao poder. Nas palavras de Montenegro, setores dominantes não apenas se
apropriam de muitas das reivindicações da classe trabalhadora, como as devolveram
49
SOBRINHO, Manoel Pereira Sobrinho. Lançamento da candidatura do Senador Getúlio Vargas e mensagem
ao povo brasileiro. Op. Cit. p. 5, estrofe 4 e p.6, estrofe 1, respectivamente.
50
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o
privado. Op. Cit. p. 531.
115
revestindo-as de uma conotação paternalista”.
51
Passemos agora à percepção de tais
contextos versejados:
Estou pronto brasileiros
Às vontades de vocês
Quinze anos fui governo
E posso ser outra vez
Digo sem medo nenhum
Entrando em cinqüenta e um
Vou até sessenta e seis.
É esta minha mensagem
Escrita por seu Sobrinho
Poeta que não vacila
Nem tira o pé do caminho
Com ele não tem carreira
Tudo é chã não há ladeira
Que for meu compre o livrinho.
Operário te recorda
Que eu não prometi, dei
Fui deposto do governo
Porque a ti abracei
Porem estou satisfeito
E tenho escrito em meu peito
Ó ao pobre abracei.
Grande só existe Deus
Este ser grande e divino
Tudo que faz é bem feito
Único dono do destino
Liberta preso e inocente
Imprensa o impertinente
Olha ao justo e ao ferido.
52
Delarme Monteiro da Silva
53
, em folheto de 1949, refletindo em seus versos
sobre a situação em que se encontrava o país, marcado pela fome e um grande abandono,
conseqüências do governo Dutra, conclama, pois, a nação a acordar e olhar para os feitos do
Senador Getúlio Vargas enquanto esteve à frente da direção do país. Pode-se perceber em
seus versos um tom de desespero ao afirmar que até por Deus o povo foi abandonado. Assim
relata:
51
51
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. Op. Cit. p.100.
52
SOBRINHO, Manoel Pereira Sobrinho. Lançamento da candidatura do Senador Getúlio Vargas e mensagem
ao povo brasileiro. Op. Cit. p.8, estrofes 1, 2, 3 e 4.
53
SILVA, Delarme Monteiro Silva da. Getulio Vargas o Orgulho do Brasil com ele triunfaremos. Juazeiro, 17
de novembro de1949. Este folheto tem na capa como sendo de Jose Bernardo da Silva, só que este é o
proprietário da tipografia São Francisco e não o autor. Na verdade, nas pesquisas de Átila Almeida o folheto é de
Delarme Monteiro Silva.
116
Despertai oh Brasileiros
Homens de fibra e ação,
A fome de pouco a pouco
Invade nossa nação
Breve estamos humilhados
Famintos esfarrapados,
Sem roupa, sem lar, sem pão.
Estamos abandonados
Entregues ao “Deus dará”
Mas um voto consciente
Da fome nos livrará
E o futuro medonho
Se torna belo, risonho,
E a fome passará...
54
Nas demais estrofes que permeiam todo o folheto, perfazendo um total de 16
páginas, Getúlio é representado com “muito orgulho”, somando, desta forma, o que outros
poetas mencionaram a seu respeito. A singularidade deste folheto reside no fato de
comparar Getúlio a um “lapidador” de diamantes e rubis, que procurou lapidar o país,
tornando-o o orgulho da Nação:
Mas ainda existe um homem
Que confiança nos traz,
Seu governo é relembrado
Pelas obras colossais
Homem de virtudes largas
Seu nome é Getúlio Vargas
Que não promete mais faz.
Getúlio foi o governo
Que brilhou nosso país,
Foi como lapidador
De diamantes, rubis,
Burilou deu nome e fama
Tirando o Brasil da lama,
Cortando o mal pela raiz.
55
Nos versos seguintes, Delarme Monteiro frisa que não adiantava meditar sobre
em que candidato votar nas eleições, Getúlio era o candidato certo para a nação. E no
Catete, ocuparia mais uma vez a cadeira que o destino lhe reservara, deixando o povo outra
vez feliz. Mais uma vez, Getúlio aparece representando o ideário da “felicidade”, o “provedor
da paz”, vejamos:
54
Idem, p. 01, estrofes 1 e 2.
55
Idem, p.02, estrofes 2 e 3.
117
Não devemos meditar
Se vote neste ou naquele
Pois do senador Getúlio
Sabemos o valor dele
Não é carta de baralho
Continua seu trabalho,
Temos confiança nele
E Getulio voltará
Para ocupar a cadeira,
Pra dirigir o destino
Dessa terra brasileira
E então de infelizes
Passaremos a felizes,
Nesta data alvissareira.
56
Em outro folheto de Delarme Monteiro Silva
57
, logo na primeira estrofe ele
parabeniza os proletários, com bastante ênfase, por Getúlio ter entrando para disputar as
eleições. Para o poeta, os pobres teriam agora em quem votar, levando-nos à conclusão de que
os demais candidatos o correspondiam aos seus interesses. Percebe-se que tais versos
enaltecem a figura do presidente e suas ações sociais. Apresenta ao leitor a importância de
Getúlio no poder, pois só desta forma o Brasil seria uma verdadeira nação passando, a ter uma
boa administração, vejamos:
PARABÉNS oh proletários
E a classe pobre em geral
Devemos cantar hosanas
Pela entrada triunfal
De Getúlio, neste grande,
Pleito presidencial.
Getúlio candidatou-se
Não é ficção nem boato,
Quer dizer que a pobreza
Agora vota de fato
Porque para presidente,
Surgiu o seu candidato.
58
[...]
Com Getúlio no poder
O Brasil será nação
56
Idem, p. 14, estrofes 3 e 4.
57
SILVA, Delarme Monteiro da. A candidatura de Getúlio Vargas. Juazeiro do Norte: Tipografia São Francisco,
10 de junho de 1950. Este folheto tem na sua capa o nome de José Bernardo da Silva, mas seu autor é Delarme
M. Silva, José Bernardo é o editor-proprietário e dono da Tipografia São Francisco.
58
Idem, p.01, estrofes 1 e 2.
118
E não um simples joguete
Como está se vendo então
Tão novo e quase caduco,
Sem administração.
Getúlio Dornelles Vargas
É orgulho de uma raça,
Não é palhaço de circo
Que ganha pra fazer graça
Nem se guia pela popa,
Feito canoa ou barcaça.
O Brasil só vai avante
Sendo ele presidente
Pois sabe pegar as rédeas
Como um cocheiro valente
Que não deixa os animais
Tomarem o freio no dente.
59
O poeta por sua vez ressalta sua condição de operário dizendo que não tem
ligações com Getúlio, mas vem apresentar ao povo uma verdade dizendo que “se não fosse
Getúlio o pobre não valia nada”. Delarme deixa claro para os leitores ao trazer à memória o
quanto Vargas foi importante enquanto presidente no sentido de valorizar os humildes e cita
como exemplo o direito às férias, perguntando quem antes de Getúlio tomou tal decisão.
Menciona, ainda, o fato da valorização que as leis trabalhistas trouxeram para os operários,
levando-os a serem tratados como homens e não como canalhas, inclusive o poeta faz até uma
crítica ao tratamento recebido pelos patrões quando estes demitiam seus funcionários,
observem:
Sou um simples operário
De Getúlio não sou nada
Porem não gosto de ver
Uma verdade incubada
Se não fosse “seu” Getúlio,
Pobre não valia nada.
Hoje o homem que trabalha
Para servir seu patrão
Sabe que tem suas férias
Boa remuneração
E chegando a invalidez
Recebe sua pensão.
60
Só será posto pra fora
Da casa onde trabalha
Por um motivo de roubo
59
Idem, p 2, estrofes 1, 2 e 3.
60
Idem, ibidem, p.2 estrofes 4 e 5.
119
Ou outra coisa que valha
É tratado como homem,
E nunca como um canalha.
Mas antes de Getúlio
Quero que responda então,
Qual o pobre se metia
A ser cavalo do cão
Recebia como férias
Ponta-pé e bofetão...
61
Cabe mencionar aqui, ainda, a exaltação de Cuíca de Santo Amaro
62
acerca da
volta de Getúlio ao Catete. O poeta, que foi citado anteriormente sobre a sua admiração por
Vargas, produziu um folheto de exortação, carregado de representações que foram construídas
socialmente e permaneceram na memória da sociedade brasileira. Termos como “Competente,
inteligente, bom velhinho, Salvador, Orgulho nacional, corajoso, protetor, libertador e
onipotente”, entre outros, foram esgrimidos como forma de conferir legitimidade às
aspirações políticas de Getúlio.
Nas palavras de Roger Chartier, as representações do mundo social assim
construídas, embora aspirem à universalização de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam.
63
São termos que foram
versejados por outros poetas, comprovando o quanto este tipo de literatura marcou o cotidiano
político-social da “Era Vargas”. Vejamos agora algumas estrofes do autor, Cuíca de Santo
Amaro, aclarando tal contextualização:
Salve Getulio Vargas
Protetor do Operário
Salve Getúlio Vargas
O Homem extraordinário
Pois sempre nos ajudara
A levar a Cruz ao Calvário.
Salve Getúlio Vargas
O ex-chefe da Nação
O homem que nos livrara
Das garras da escravidão.
Pois o Operário vivia
Em completa escuridão.
Salve Getulio Vargas
Pivot da Democracia
61
Idem, p3, estrofes 1 e 2.
62
AMARO, Cuíca de Santo. Getúlio volta ao gramado. [ s/l, s/n, s/d.]
63
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela
Galhardo. 2. ed. Lisboa, Difel , 2002., p.17.
120
Salve Getúlio Vargas
Diz o povo da Bahia
Liberdade e garantia.
Salve Getulio Vargas
Numero um do Brasil
O homem que se destaca
Embaixo do Céu cor de anil
Um Democrata de fibra
E de porte varonil.
64
[...]
A sua inteligência
E grande capacidade
Convenceu ao Brasileiro
Que é homem de verdade
Que durante quinze anos
Ajudou a humanidade.
65
[...]
Enfim... este Brasil
Que é o nosso orgulho
Digo eu desassombrado
Porque posso com barulho
Se tem hoje alguma coisa
66
[...]
Eis, o que diz o Operário
Do nosso Ex-presidente
Melhor do que Getúlio
Só quando a galinha nascer dente
No Brasil Getúlio Vargas
É o Homem competente.
67
[...]
Foi o único no Brasil
Que olhou para o Operário
Foi o único somente
Que foi até o Calvário
Foi ele Getulio Vargas
Porque é extraordinário.
[...]
A torcida satisfeita.
Gritou assim mais de mil
Salve Getúlio Vargas
Sempre forte e varonil
Salve Getúlio Vargas
Para salvar o Brasil.
68
64
AMARO, Cuíca de Santo. Getúlio volta ao gramado. Op, Cit. p. 01, estrofes 1, 2 , 3 e 4.
65
Idem, p. 03, estrofe 2.
66
Idem, p. 6, estrofe 2.
67
Idem, p. 7, estrofe 4.
68
Idem, p. 8, estrofe 4.
121
Chegamos às eleições de 1950. Getúlio Vargas não alcançou a maioria absoluta
dos votos, como Dutra em 1945, obtendo apenas 48,7%. Mas, mesmo assim, chegara ao poder
um presidente escolhido pelo povo em eleições diretas. Estava de volta ao poder o “pai dos
pobres” tão exaltado e reverenciado pelos poetas populares, como vimos nas representações
dos folhetos descritas acima. A identificação do passado se fez presente nos versos destes
poetas que deixaram transparecer o valor e o simbolismo que este presidente legou à nação.
Conforme visto no capitulo anterior, A União Democrática Nacional tentou, inutilmente,
impedir a posse de Getúlio, por uma interpretação descabida de que a Constituição de 1946,
implicitamente, exigia a obtenção da maioria absoluta dos votos como requisito à eleição do
presidente e do vice-presidente da República, mas graças ao surgimento da Justiça Eleitoral,
que ele criara, tomou posse no Palácio do Catete em 31 de janeiro de 1951.
69
Sobre esta tentativa inútil de querer impedir a posse de Getúlio, encontramos um
folheto de um poeta popular paraibano, que vendia suas obras em feiras livres, carregando-os
em um saco, diferente dos demais, que os transportavam em malas, conhecido por Manoel
Tomaz de Assis.
70
Seu folheto nos chamou atenção por apresentar em seus versos poéticos
uma indignação popular referente à tentativa de “alguns sujeitos”, os quais não mencionam
que queriam impedir a posse de Vargas. Passemos, pois, à verificação de tal situação:
O Senador Getulio Vargas
Eleito pela nação
Ele sem fazer campanha
Ganhou por mais dum milhão
Se não for para o Catete
Vai haver tanto cacete
Que o diabo tem compaixão.
Tem descontente gritando
Que Getúlio não se apossa,
Se não houver justiça
O porco revira roça,
A nação fica empenada
E conte com a brigada
Que o país se destroça.
Se Getúlio Vargas
Foi eleito pelo povo,
Todo pobre tem vontade
69
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo Companhia das Letras, 2006, p.166.
70
ASSIS, Tomaz Manoel. Perigo de Revolução. [s/d, s/n, s/l) Sobre os dados biográfico deste poeta ver
ALMEIDA, Átila de & ALVES SOBRINHO, José. Dicionário Bio-bibliográfico de poetas populares, 2. ed.,
ampl. e refor., Campina Grande- PB: UFPB-Campus II, 1990, v.2, p. 46.
122
Que ele volte de novo,
Vai ser um pau com formiga
Se não voltar o povo briga
Pelo valor de um ovo.
71
Getúlio foi quem deu
O valor a classe pobre
Tanto que pra ser eleito
Não precisou nem do nobre,
A todos eu faço saber
Se ele não for para o poder
Já sei que o cacete cobre.
Eu só ouço é o boato
De sujeito descontente,
Porque perdeu a política
Está todo diferente,
Grita ganhou mais não vai
Desta vez o diabo sai
Amarrado na corrente.
72
[...]
Getúlio já foi eleito
E porque ele não vai
Se o povo todo quer
Já o seu poder não cai
Acho bom que não assanhe
Que porco grita mãe
Cachorro grita papai.
Dos governos da República
Getúlio foi o maior
Se caso entrar outro
O país fica pior
Todo povo vai conhecer
Que com Getulio no poder
O Brasil fica melhor.
73
[...]
O Doutor Getulio Vargas
Tem que ir para o Catete
Diga se vai ou não vai
Tem paciência cadete
Chegando a coisa vai
Briga filho contra pai
Vai haver muito cacete.
74
Quanto aos folhetos que tratam da “vitória do presidente” Vargas, os poetas
continuaram representando-os por suas ações ligadas ao passado. que agora com um tom
71
Idem, p. 1, estrofes 1, 2 e 3.
72
Idem, p. 2, estrofes 1 e 2.
73
Idem, p.5, estrofes 2 e 3.
74
Idem, p. 8 estrofe 3.
123
de alegria, de esperança, de crença de que seu voto não foi em vão e que Getúlio, por ser o
maior”, passará a governar de novo o Brasil. Minelvino Francisco Silva
75
procurou, em seu
folheto “O Maior do Brasil”, representar Getúlio como aquele que veio para libertar o Brasil
daqueles que querem escravizar a sociedade. Tal idéia de “libertação” nos remete a um
discurso messiânico, muito presente na trajetória política do país. Todavia, não foi diferente
da prática de Getúlio, que lançou para a sociedade a idéia do “pai da nação”, tido como
elemento capaz de resolver os problemas sociais, satisfazer nossas necessidades, ou seja, nos
proteger, cumprindo, assim, sua função paternalista.
76
Podemos observar em seus versos:
Getúlio Dornelles Vargas
Vem ao Catete de novo
Pra governar nosso povo
Que estão de baixo da carga
Vem ele Getúlio Vargas
Com seu porte varonil
Que vai vencer mais de mil
Que quer nos escravizar
Ele vem nos libertar
Porque é o maior do Brasil.
Luta com os outros partidos
Igualmente a Rui Barbosa
Com sua voz poderosa
Os outros serão vencidos
Nós vamos ser garantidos
Vamos dar louvores mil
Este senhor tão gentil
Que vem nos libertar
Por isso vamos gritar
Ele é o maior do Brasil.
77
E a emoção do poeta é tão grande que chega a comparar, em termos de poder, Getúlio
a Nosso Senhor, inclusive dizendo que querem até o seu retrato de volta na parede porque ele
“é o maior do Brasil”, confirmando a relação religiosa entre os poetas e a sociedade.
Nosso Senhor lá no céu
Getúlio Vargas na terra
Que já nos livrou da guerra
Envolvido com um véu.
Livrou-nos deste escarcéu
De irmos para o alcantil
Todos cair no fuzil
75
SILVA, Minelvino Francisco. O Maior do Brasil. s/l, s/d.
76
OLGA, Tavares. Fernando Collor: o discurso: o clamor ao sagrado. Op. Cit., p. 52.
77
SILVA, Minelvino Francisco. O Maior do Brasil. Op. Cit., p.01, estrofes 1 e 2.
124
Por isto queremos ele
Até o retrato dele
É o maior do Brasil.
78
Minelvino Silva relata que teve um sonho no qual viu Jesus Cristo ordenando Getúlio
a voltar para governar e triunfar no Brasil. Observem:
Esta noite eu tive um sonho
Que fiquei imaginando
No céu eu ia chegando
Entrei com Santo Antônio
Por isso que eu suponho
Que era céu cor de anil
Santo ali, vi mais de mil
Vi Jesus Cristo ordenar
Getúlio vai governar
Por ser o maior do Brasil.
Vi o profeta Isaías
Vi Moisés e vi Arão
Vi São Pedro e São João
Vi também o rei Messias
Falando com Jeremias
Santo ali, vi mais de mil
Vi Getúlio tão gentil
Vi Jesus Cristo falar
Getúlio vai triunfar
Porque é o maior do Brasil.
79
Luiz Gomes Lumerque
80
também seguiu n mesma direção, procurando versejar um
folheto expressando sua satisfação e ao mesmo tempo mostrando o que Getúlio fez e fará pelo
Brasil. E começa pedindo inspiração a Deus para poder escrever sobre nosso presidente:
O Santo Deus inspirai-me
(como pai Onipotente)
Que eu possa escrever agora
Com pensamento vidente,
Com idéias muito largas
Será nosso presidente.
81
[...]
De todos os presidentes
Que governaram o Brasil,
O doutor Getúlio foi
78
Idem, p. 3, estrofe 01.
79
Idem, p. 4, estrofes 2 e 3.
80
LUMERQUE, Luiz Gomes. A vitória do Presidente. [ s/l, s/n, s/d.]
81
Idem, p. 1, estrofe 1.
125
O mais nobre e varonil
Deu direito ao operário
Aumentou o seu salário
De cousas fez mais de mil.
82
E diante da esperança em um governo que possa atender às reivindicações
populares, o poeta pede para que Vargas honre o voto daqueles que depositaram sua confiança
em um governo melhor:
Esperamos que Getúlio
Governe e faça aliança
Com os povos democratas
Honre a nossa confiança
De nosso voto secreto.
83
E finaliza o folheto com uma espécie de desabafo, destacando o dever cumprido
por ter escolhido Getúlio para governar novamente o país. E o mais interessante é que Luiz
Lumerque afirma que os poetas estavam cansados por fazerem uma propaganda totalmente
fundamentada na figura de Vargas para este chegar ao poder e menciona, ainda, que em
qualquer campanha, os poetas sempre estão presentes, trabalhando ativamente. Tal fato
justifica a utilização do folheto como elemento de propaganda eleitoral e que não exprime “a
voz do povo” como costumam definir este tipo de impresso. Vejamos os versos abaixo:
Os poetas populares
Já trabalharam demais
Fazendo uma propaganda
Com bases fundamentais
Para verem o presidente,
Vir governar novamente,
Com democracia e paz.
Por que em qualquer campanha
Democrática e positiva
Os poetas sempre têm
Tomado uma parte ativa;
Diz que o provérbio sagrado
Todo filho abençoado
Quer ver sua pátria viva.
84
No caso da campanha de 1950, segundo os folhetos analisados, podemos
constatar que versejar sobre Getúlio era algo que os poetas faziam porque queriam ver “seu”
82
Idem, p. 2, estrofe 3.
83
Idem, p. 5, estrofe 4.
84
Idem, p. 8, estrofe 1 e 2.
126
presidente de volta ao Catete, não se tratava de algo forçado. Muito pelo contrário, soava com
certa naturalidade. Em meio a tudo isso, era inegável a existência de uma construção
imagética em torno do “político Vargas” levando os poetas a pegarem seu lápis e retratá-lo,
transpondo para o papel o que conheciam sobre seu “líder”. Nesse contexto é bom lembrar a
relação entre produção e consumo, pois o folheto atendia a uma lógica de mercado, que
muitos sobreviviam das vendas desta literatura.
Corroborando, ainda, com este momento de euforia pela vitória getulista, Manoel
D’Almeida Filho
85
fez um folheto no qual apresentou logo no início o jogo partidário que
disputou o pleito eleitoral em 3 de outubro de 1950, com o objetivo, segundo o autor, de
“erguer a nação que estava paralítica”:
Todo povo do Brasil
Caiu dentro da política,
Para erguer a nação
Que estava paralítica,
Cada partido mostrou
A sua carta analítica.
PSD – UDN
PR e PSP
PTB e PTN
PL e PSB
PRP – PTS
A Lec e o PDC.
[...]
E assim cada partido
Preparou seus eleitores,
Apresentou candidatos
A postos superiores,
E esperou a vitória
Entre os demais contendedores.
86
Na seqüência das estrofes que permeiam o folheto, cada partido “apresenta” seu
candidato, mas quando o poeta apresentou o PTB com o nome de Vargas, tratou logo de
destacá-lo como “homem justo e consciente”, conhecido como “O pai da pobreza
descontente”. Percebe-se que o pensamento paternalista é mantido, como nos folhetos
analisados anteriormente. Vejamos:
85
D’ALMEIDA FILHO, Manoel. A Vitória Getulista nas eleições de 50. [s/l, s/n, s/d]. Este folheto circulou com
duas capas diferentes.
86
Idem, p. 1, estrofes, 1, 2 e 3.
127
PTB apresentou
Ao lugar de presidente
O Dr. Getúlio Vargas
Homem justo e consciente,
Conhecido como “O pai
da pobreza descontente”.
87
E seguindo a leitura das estrofes, vamos nos deparar com versos que constatam a
“mitificação” deste “líder” nacional, representado aqui pelo “defensor dos marmiteiros”,
“salvador da nação” e o “maior da nação”. Observem:
Vai subir para o Catete
O maior dos brasileiros
Getúlio Dornelles Vargas
Castigo dos bandoleiros,
Cadeia dos criminosos,
Defensor dos marmiteiros.
Todo povo brasileiro
Cumpriu com seu dever,
Elegendo o maior homem
Para o trono do poder,
Para completar a obra
Que criou sem prometer.
88
[...]
Acredito que as leis
Sejam regularizadas,
Para salvar a nação
Muitas sejam ampliadas,
E cumpridas com rigor
Entre todas as camadas.
O Dr. Getúlio Vargas
Representa a maioria,
Dos brasileiros honestos
Que naquele grande dia
Votaram no seu partido
Para a nossa garantia.
Consagrado pelo povo
Eleito por muitos mil
Que levaram ao Catete
O seu vulto varonil,
Que brilha como uma estrela
Hoje nos céus do Brasil.
89
87
Idem, p. 2, estrofe 3.
88
Idem, p. 3, estrofes 2 e 3.
89
Idem, p. 7, estrofes 2, 3 e 4.
128
Os folhetos analisados nesta seção apresentam um Getúlio “mitificado”,
inserido nos versos de cada poeta, elencando toda uma trajetória de realizações e ações
destinadas a uma sociedade que via na figura do presidente a representação de um
“protetor” nacional.
3.3 Corpus de folhetos após o suicídio
Na manhã de 24 de agosto de 1954, em meio à crise política por que passara o
governo Vargas, os jornais matutinos traziam em suas páginas o pedido de licença como
resultado da reunião ministerial que ocorreu pela madrugada no Palácio do Catete. Essas
informações poderiam até passar sem grandes repercussões, se por volta das 8h30 uma notícia
que ecoava das ondas do rádio não mudasse os rumos da história. Era divulgada para toda a
nação, em edição extraordinária do Repórter Esso, transmitido pela Rádio Nacional, a notícia
do suicídio do presidente Getúlio Vargas. Com uma voz trêmula, o locutor afirmava: “E
atenção, acaba de suicidar-se em seus aposentos, no Palácio do Catete, o presidente Getúlio
Vargas”.
90
Consternado, o povo, sem entender muito bem o que se passava, saia às ruas, ouvia
outras emissoras em busca de um desmentido. Mas os esforços foram em vão, o fato estava
consumado.
Kolecza, citado por Nair Prata, nos traz uma descrição acerca dos últimos
momentos da repercussão da notícia do suicídio:
O torpor tomou conta do Brasil a partir da edição extra do Repórter Esso. As
escolas foram liberando os alunos, o comércio fechando e as fábricas
desligando as máquinas. As pessoas caminhavam tontas pelas ruas. Os jipes
desobedeciam os sinais à frente de comboios dos quais desembarcavam às
pressas soldados para apontar metralhadoras contra locais de maior
ajuntamento. Getúlio Vargas estava morto. Era o desfecho sangrento do
drama que o país acompanhou pelo rádio e diante das bancas de jornal.
90
PRATA, Nair. O rádio mineiro e a cobertura do suicídio de Getúlio Vargas. In: Vargas, agosto de 54: a
história contada pelas ondas do rádio. (Org.) Ana Baumworcel. Rio de Janeiro: Graramond, 2004, p. 81. Este
livro oferece um leque de curiosidades sobre a cobertura que o rádio deu em diferentes locais do país da morte
do presidente Vargas. É um estudo primoroso no sentido de ressaltar a importância que este veículo de
comunicação possuía nos anos 50 entre as camadas populares. Para uma abordagem mais aprofundada sobre o
rádio na Era Vargas ver: OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema e
rádio. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lúcia de Almeida Neves. ( Orgs). O Brasil Republicano. O tempo
do nacional-estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. v.2, Rio de Janeiro, Editora
Civilização Brasileira, 2003.
129
Impotentes para reagir, as multidões, dispersas pelas ameaças, voltavam a se
formar a alguns metros adiante para chorar.
91
Segundo Jorge Ferreira, na capital da República a notícia do suicídio do
presidente Vargas pairou em torno de um sentimento de dor e revolta. Populares passaram a
percorrer as principais ruas munidos de paus e pedras. Tudo que encontrassem pela frente de
material de propaganda contra Getúlio era arrancado ou destruído. O “feitiço virou contra o
feiticeiro”; o ditado popular se aplicava aos ataques da oposição, que criara uma imagem
considerada pelos populares distorcida do presidente, usando adjetivos do tipo “corrupto,
ambicioso, desonesto, violento, anormal etc”, veiculados no jornal Tribuna da Imprensa, na
Rádio Globo ou no Correio da Manhã, agora estava sendo acusada de levar Vargas a cometer
o suicídio. A morte de Getúlio trazia mudanças jamais esperadas pela oposição, que se via
mergulhada em um clima tenso de profundas manifestações.
92
De fato, este dia ficou marcado na história do país. Para Boris Fausto, a morte de
Getúlio desencadeou uma mobilização popular nas grandes cidades, que colocou os
opositores em posição embaraçosa. A massa saiu às ruas em todas as cidades, atingindo os
alvos mais expressivos de seu ódio.
93
O momento citado acima coincide com os versos de Antonio Teodoro dos
Santos, no seu folheto “Vida, tragédia e morte do presidente Getúlio Vargas”
94
, quando diz:
Assim lamentavam todos
Que se lembravam de Vargas
Com suas leis trabalhistas
Tirando as pesadas cargas
Dos ombros dos operários,
Adoçando com salários
As suas dores amargas.
Houve no país inteiro
Entre as pessoas sofridas
Um verdadeiro clamor
Lamentando as suas vidas,
Pois nas adversidades
91
KOECZA, Carlos Alberto. Disponível em: < http://www.pdt.org.br/personalidades/getulismo_historia_4.htm
> Apud PRATA, Nair. O rádio mineiro e a cobertura do suicídio de Getúlio Vargas. Op. Cit. p 83-84.
92
Cf. FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular. 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005, p. 165-204. Este artigo sem as devidas revisões do autor pode ainda ser encontrado em
GOMES, Ângela de Castro. (Org.) Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro, Relume-Dumará / Editora da
Fundação Getúlio Vargas.
93
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. cit., p. 191.
94
SANTOS, Antônio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Editora Luzeiro, São
Paulo, 1987.
130
As grandes necessidades
Por Vargas foram atendidas.
Mães de família chorando
Pelas dores sufocadas
Sofreram até passamentos
E caíram desmaiadas
Pelas praças e avenidas
Muitas foram socorridas
Com os filhos abraçadas.
95
Meia hora depois da notícia do episódio dramático que atordoava o país, o rádio
mais uma vez se fazia presente, ao divulgar uma carta-testamento na qual o presidente
explicava à nação o porquê de sua decisão. Nas palavras de Ana Baumworcell, a leitura da
carta estabelecia um elo entre o locutor e o que foi escrito pelo autor, produzindo um efeito
simbólico para o receptor. A autora afirma que a sonoridade radiofônica trazia
simbolicamente Getúlio Vargas de volta à cena política. Era como se a palavra, ao ser dita,
ganhasse corpo, se materializasse em imagens na mente do ouvinte. Era o retrato (imaginário)
do velho outra vez, apesar de ele estar está morto. “Escolho este meio de estar sempre
convosco”, dizia a carta-testamento.
96
Nesse contexto do retorno de Getúlio por meio da carta, dos motins e lágrimas
derramadas por sua partida, percebemos que o povo se “reapropriou” de uma mensagem que,
ao ser pronunciada pelo rádio, assumiu contornos imagéticos. Era como um filme que se fazia
presente em cada trabalhador, o “pai” deixava seus filhos, mas ao mesmo tempo os consolava
com suas últimas palavras.
O jornal Última Hora foi o único a circular pela cidade, segundo Jorge Ferreira,
com uma tiragem de quase 800 mil exemplares; os demais foram detidos nas sedes devido aos
ataques da multidão, que, furiosa, bloqueou a saída dos caminhões.
97
Como destaque, trazia a
manchete: MATOU-SE VARGAS! O presidente cumpriu a palavra: “só morto sairei do
Catete! Ás 8,30 hs. da manhã de hoje o maior der popular que o povo brasileiro conheceu
encerrou de modo dramático sua grande vida”.
98
O impacto da morte de Vargas caiu como uma “pedra na cabeça” dos poetas
populares, pois anos atrás estes o reverenciavam, em seus folhetos, para que voltasse ao
Catete. Sob lágrimas e dor, muitos correram para registrar seu pesar, algo que pudesse
95
Idem, p.28-29.
96
BAUMWORCEL, Ana. 1954: um retrato do rádio na época de Vargas. In: Vargas, agosto de 54: a história
contada pelas ondas do rádio. (Org.) Ana Baumworcel, Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 22.
97
Cf. FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. Op. Cit. p. 179.
98
Jornal Última Hora, Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 1954, ano IV, 979, p.01. In: AGUIAR, Ronaldo
Conde. Vitória na derrota: a morte de Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004, p. 201.
131
lembrar o quanto ele foi importante como “pai” de uma nação. Getúlio ficou na memória dos
trabalhadores como o homem que ouvia os “humildes” e fora responsável pela implantação
das leis trabalhistas. Era esse o perfil pelo qual Getúlio passou a ser representado nos folhetos
produzidos após sua morte. Muitos poetas, ao discorrer sobre o tema, traziam à memória dos
leitores suas principais realizações. Outros procuraram fazer uma espécie de folheto
biográfico, perpassando informações de toda sua trajetória de vida. Independente de como o
retrataram, estes folhetos contribuem para um grande registro da memória poética popular
sobre agosto de 1954. Nas palavras de Mark Curran, a morte de Getúlio, se não foi o maior,
certamente foi um dos grandes acontecimentos de toda a crônica cordeliana.
99
Praticamente todos os cordelistas da época escreverem sobre a morte de Getúlio.
Na pesquisa realizada, encontramos: Antônio Teodoro dos Santos, Rodolfo Coelho
Cavalcante, Francisco Sales, Expedito Sebastião Silva, Amaro Quaresma dos Santos, Manoel
Pereira Sobrinho, Manoel Monteiro, João Ferreira de Lima, Manoel D’Almeida Filho,
Sebastião José do Nascimento, José João dos Santos (Azulão), José Luiz Júnior, João Antônio
de Sena, Manoel Serafim, Cuíca de Santo Amaro, José Aires de Mendonça, Delarme
Monteiro da Silva, Manoel Serafim, Antônio Eugênio da Silva e Minelvino Francisco
Silva.
100
Era de se esperar que seu nome atingisse uma grande produção. Se antes do
suicídio Getúlio se fazia presente nos versos dos poetas populares, a produção se intensificou
com este desfecho. Acerca deste comentário, Marinalva Vilar de Lima afirma que em se
tratando de uma personalidade de reconhecida envergadura, no âmbito da política nacional, como foi
Vargas, observa-se que sua morte vai movimentar a produção e o consumo dos folhetos à época.
101
As descrições de Antonio Teodoro dos Santos sobre o universo desta produção
nos fazem entender o que Marinalva de Lima expressa acima:
Mais de trezentos poetas
Pelo país escreveram
Folhetos sobre a tragédia
Que os brasileiros sofreram
Esses livros aos milhares
Muitos milhões de exemplares
Milhões de pessoas leram.
99
Cf. CURRAN, Mark J. História do Brasil em cordel. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2001, p. 133.
100
Ver a lista destes poetas e suas respectivas obras na Bibliografia.
101
LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que carpem:a morte na literatura de cordel. 2003, 208p. Tese (Doutorado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 134.
132
Nas feiras e praças públicas
Lugares que houvesse gente
Os livros eram vendidos
E lidos rapidamente
Contando num só sentido
Como havia acontecido
A morte do Presidente.
Após aquela leitura
Muitas pessoas choravam
Sofrendo desenganadas
Enquanto outras desmaiavam
No meio das emoções
Num mar de desilusões
Sem esperança acordavam.
102
Delarme Monteiro Silva
103
,
atordoado com a notícia da morte do presidente, que
ouvira pelo rádio, em Recife, tratou logo de versejar sobre o acontecido em um folheto que
reproduz os passos que o teriam levado ao término da vida. Conta o poeta que utilizou, para
formar a trama, os informes de jornais e os noticiários do rádio. Mas, na segunda estrofe,
chama a atenção do leitor com um simples verso, ao se dirigir a Getúlio como o “defensor do
povo”, trazendo à tona toda uma representação social em torno de sua pessoa. Assim
escreveu:
O Brasil por estas horas
Está de luto fechado,
Pois morreu seu presidente
Que se vendo bloqueado
Preferiu morrer com honra
Do que viver desonrado
O povo em peso pranteia
A morte do presidente
Getúlio Dornelles Vargas,
Braço firme e competente
Que por defender o povo
Sucumbiu tragicamente.
Baseado nos informes
Que transcrevi dos jornais,
Toda trama começou;
104
[...]
Hoje dia 24
Já o rádio anunciava
102
SANTOS, Antônio Teodoro dos. Vida, Tragédia e Morte do Presidente Getúlio Vargas. Op. cit., p. 29.
103
SILVA, Delarme Monteiro da. A morte do presidente Getúlio Vargas. Recife. 24 de agosto de 1954.
104
Idem, p. 01, estrofes 1, 2 e 3.
133
Que o presidente Vargas
Do cargo se afastava
Dando palavra de honra
Que ao poder não voltava.
E as oito e trinta e cinco
De hoje não se esperava
Nosso valoroso chefe
No leito se ultimava
Um tiro no coração
A sua vida tirava.
105
Nas estrofes listadas abaixo, o poeta afirma lamentar muito a morte de Vargas e
que ele não deveria morrer de uma forma tão cruel. Também expressa certo medo pelo futuro,
quando diz que “prevê um certo desconforto”, pois morreu o presidente que olhava para o
povo. Interessante observar, no final do folheto, que mesmo diante do suicídio, Vargas
recebeu o perdão de Deus por ter defendido ideais. Este fato nos chama atenção porque em se
tratando de uma sociedade pautada na ética cristã apostólica romana, o suicídio era visto
como pecado mortal. Mas em se tratando de Vargas, este recebera o perdão tanto da sociedade
como de Deus. Vejamos:
Eu mesmo lamento a morte
Desse grande presidente
Pois ele não merecia
Morrer assim cruelmente
Já houve homens piores
E morreram calmamente.
A minha humilde homenagem
Eu rendo ao ilustre morto
Pois como pobre operário
Já prevejo o desconforto
A que fica o povo pobre
Que nele via conforto.
[...]
Deixou nosso presidente
Eterna recordação
Lutou por suas idéias
Alcançou seu galardão
Retirou-se sem desonra
Morreu mas morreu com honra
E de Deus teve o perdão.
106
105
Idem, p. 7, estrofes 1, 2.
106
Idem, p. 8, estrofes 1, 2 e 4.
134
Rodolfo Coelho Cavalcante
107
, em seu folheto “A morte do Grande Presidente
Getúlio Vargas”, na sua primeira estrofe, traz uma reflexão sobre a morte, para depois dizer,
em um tom bastante acusatório, que os traidores foram os verdadeiros culpados pela morte do
presidente. Ao analisar este folheto, percebemos que Getúlio morreu como vítima da ação dos
traidores, essa foi uma das saídas encontradas por alguns cordelistas para lidar com o suicídio.
Vejamos:
A morte é como um punhal
Que fere nosso sentido
É o descanso da alma
Quando tem muito sofrido
O labirinto da sorte
Para o desconhecido.
Em 24 de agosto
Oito e meia da manhã
GETULIO DORNELLES VARGAS
Essa nossa alma irmã
Morreu pela sua Pátria
Que era sua ardente fã.
Suicidou-se Getúlio?
Não leitores, isto não!
Mataram Dr. GETÙLIO
Com a arma da traição
Venderam-lhe e ameaçaram-lhe
Ferindo seu coração.
[...]
Como Cristo foi Getúlio
Maltratado e oprimido
Por Gregório traiçoado
Por Climério atingido
Por amigos desprezado
Por parentes sucumbido.
108
Quem matou Getúlio Vargas
Não foram os trabalhadores
Não foram os pequeninos
Foram eles: os Doutores
Foi a Política malsã
Dos políticos traiçoeiros!
Quem matou Getúlio Vargas
Foram eles os medalhões
Aqueles que a ele
Lhes pedia proteções
107
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. A morte do grande presidente Getúlio Vargas. Salvador, 1954.
108
Idem, p. 01, estrofes 1, 2, 3 e 4.
135
Se dizendo serem amigos
Com o seus falsos corações.
109
Mas o que chama atenção neste folheto é a comparação que Rodolfo Cavalcante
faz de Getúlio em relação a Cristo, no tocante a seu sofrimento e martírio. Na esteira do que
analisa Alcir Lenharo
110
, esta imagem descrita por Rodolfo Cavalcante aparece de forma
selecionada e articulada em meio a toda uma propaganda imagética que o Estado fez de
Getúlio. Quando o poeta passa a representar Getúlio, ele tem na mente todo um referencial
que está associado à memória popular. Contudo, afirma ainda o autor, que nesta “memória”
“articula de modo especial, o culto do amor, à pátria, a na prática e no futuro, o apostolado
para a pátria, a predestinação do líder, o fim dos antigos intermediários entre o poder e o povo
e a nova relação de comunhão entre Getúlio e as massas, as novas leis, atos e atitudes
aprovados por todos, concretização da universalidade eclesial (Pai, que todos sejam um). O
discurso do poder penetra e caminha por dentro do conjunto de símbolos, imagens e
personagens familiares ao imaginário cristão.”
111
Portanto, percebemos que uma projeção da imagem de Getúlio a um plano
divino. Rodolfo Cavalcante deixa bastante claras tais representações quando diz que “Getúlio
é o símbolo da Redenção”, o “Salvador da nação”. Para Alcir Lenharo, essa relação Getúlio-
massa está fundamentada em três arquétipos: o Getúlio como imagem do Pai, que protege e
ampara seus filhos, ora identifica-se com a imagem de um Filho ligado à idéia do Messias que
veio para poder salvar e mudar a Nação e a imagem do Espírito Santo, aquele que ilumina o
seu povo, que veio para trazer a luz.
112
E nesta comparação, chega a mencionar o fato de Getúlio ter morrido pela nação,
oferecendo seu “corpo” como holocausto e derramado seu sangue. Tal discurso está presente
no imaginário religioso social; cabendo lembrar que a religião católica se fazia presente, com
suas normas e éticas junto ao social, como é possível observar nos versos:
Como Cristo ofereceu
O seu corpo à nação
Derramou seu próprio sangue
Ferindo seu coração
Todo povo brasileiro
Tem-lhe toda gratidão.
109
Idem, p.8, estrofes 1 e 2.
110
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Op. Cit. p. 194.
111
Idem, p. 194.
112
Idem, p. 194.
136
Nunca na História do Brasil
Registrou um fato igual
No mundo somente Nero
Teve um epílogo fatal
Mas Getúlio se imolou
Como Cristo tal e qual.
113
[...]
Getúlio teu nome é
Um símbolo de Redenção
Uma Bússola do teu Povo
O Salvador da Nação
Paladino da Verdade
És o nosso Pavilhão.
114
Analisando, ainda, esta conotação religiosa delegada a Vargas pelos poetas,
Marinalva Vilar de Lima afirma que:
Os poetas vão atribuir a Getúlio uma relação de grande proximidade com
Jesus. No entanto, esta distinção não tem uma conotação deificadora,
conforme ocorre nas narrativas sobre as mortes dos homens religiosos. O
espaço celestial, subsidiário aos políticos, que sobressai dos folhetos, por um
lado, copia as tramas terrenas e, por outro, é representado a partir das idéias
de além que se ligam à tradição cristã.
115
No folheto de Sebastião José do Nascimento
116
, o poeta procura compor seus
versos voltando seus pedidos para Deus, a fim de que este interceda por Getúlio e tenha
compaixão de sua alma. Segue aqui uma outra maneira que o poeta encontrou para lidar com
a morte. Diferente de Rodolfo Cavalcante, ele apresenta a visão de que Vargas morreu para
defender seu povo. Para isto, passou a enumerar o que as ões getulistas representaram em
termos de mudanças à classe operária. Vejamos o que ele escreveu:
Ó Deus protetor dos pobres
Em todas horas amargas
Neste momento de dramático
E de angústias tão largas
Tendes compaixão da alma
Do Dr. Getúlio Vargas.
Fazei com que ela agora
Envolta em santo troféu
Lá no tribunal divino
113
Idem, p. 2, estrofes 1 e 2.
114
Idem, p. 6, estrofe 4.
115
LIMA, Marinalva Vilar de. Loas que carpem: a morte na literatura de cordel. Op. Cit., p. 132-133.
116
NASCIMENTO, Sebastião José. A morte do Dr. Getúlio Vargas. [s/l, s/n], 1954.
137
Não vá a banco de réu
E o que perdeu na terra lhe seja dado no céu.
[...]
Porque foi Getúlio Vargas
O primeiro presidente
Desta terra brasileira
Que lutou heroicamente
Pra defender os direitos
Da pobreza geralmente.
117
Pois criou os sindicatos
Que defendem os operários
Criou as leis trabalhistas
E deu aumentos de salários
Pois foi combatido
Pelos reacionários.
118
[...]
Porque o seu pensamento
Era defender o pobre
Embora que nesse meio
Também entrasse algum nobre
Pois em nome da pobreza
Muita gente sobe.
119
[...]
No Recife os sindicatos
Estão todos reunidos
Prestando a última homenagem
Ao pai dos desvalidos
Que até seus últimos instantes
Lembrou-se dos oprimidos.
120
O folheto de Manoel D’Almeida Filho
121
é outro exemplo, dentre os demais, de
um poeta que não conteve as lágrimas ao escrever sobre Getúlio. Nos seus versos, procurou
relacionar a imagem de Getúlio aos pobres, destacando de que forma este presidente foi o
maior. Constatemos:
Com os olhos rasos d’água
E o coração entre dores
Pego a minha rude pena
Pra escrever os clamores
Dos pobres e operários
117
Idem, p. 1, estrofes 1, 2 e 4.
118
Idem, p. 2, estrofe 1.
119
Idem, p. 3, estrofe 3.
120
Idem, p. 4, estrofes, 2 e 3.
121
D’ALMEIDA FILHO, Manoel. A morte do maior presidente do Brasil Dr. Getúlio Dornelles Vargas. [s/l,
s/n, s/d].
138
Humildes trabalhadores.
Choram os pobres humildes
Nestas horas tão amargas
Quando viam no Brasil
Abrirem-se estradas largas
Na gloriosa gestão
Do Dr. Getúlio Vargas.
Que vendo os trabalhadores
Nos estados mais precários
Passando fome e nudez
Achou que os operários
Precisavam com urgência
Melhoria de salários.
122
Mais uma vez, encontramos na poética de Manoel Filho a representação da idéia
de que Getúlio foi o Salvador da Nação. O poeta o elege como herói, comparando este a
Tiradentes, que também morreu em prol da liberdade do Brasil. Essa idéia de liberdade
também associa-se à representação religiosa, na medida em que Cristo veio para libertar seu
povo. Vejamos como o poeta apresentou tais idéias:
Já pronto para morrer
Depois de ter satisfeito
Os seus últimos ideais
Atirou no próprio peito
O corpo do grande herói
Tombou morto no seu leito.
Assim foi como morreu
O maior dos democratas
Que defendeu o Brasil
Com ideais autocratas
Salvando os trabalhadores
Dos lobos escravocratas
Tiradentes foi um mártir
No Brasil foi o primeiro
Morreu pela liberdade
Do seu solo brasileiro
Depois o nosso Brasil
Foi salvo do cativeiro.
Getúlio foi o segundo
A passar as mesmas dores
Pra salvar os operários
Dos seus escravizadores
Porém já deixou libertos
122
Idem, p. 01, estrofes 1, 2, 3.
139
Os homens trabalhadores.
123
Podemos encontrar, nas estrofes deste folheto, o legado que Getúlio teria deixado
para os seus seguidores. O poeta destaca o Partido Trabalhista, que na sua visão é o meio
através do qual os trabalhadores vencem os capitalistas. Vejamos:
O grande Getúlio Vargas
Deixou para os getulistas
A gloriosa legenda
PARTIDO dos TRABALHISTAS
Por onde os trabalhadores
Arrasam os capitalistas
Vamos votar no PARTIDO
TRABALHISTA BRASILEIRO
Porque os seus candidatos
Não se vendem por dinheiro
Nos defendem para que
Jamais volte o cativeiro.
124
Com o título “A pranteada morte do Presidente Getúlio Vargas”, Amaro
Quaresma dos Santos
125
traz aos seus leitores um folheto com um tom mais poético. Não que
os demais não tivessem este viés, é que Amaro Santos, diferente de outros, não se prendeu aos
detalhes que levaram à morte do presidente; as calúnias publicadas nos jornais, o atentado na
rua Tonelero, etc. Ele faz questão de enfatizar que sua morte ficaria na memória popular,
junto com sua política, e ninguém nunca a esqueceria. Vejamos como versejou suas idéias:
Peço a todos meus amigos
Licença primeiramente
Para fazer um folheto
Sentindo profundamente
Com meu repertório farto
Vou versar agora a morte
Do nosso ex-presidente
A 24 de agosto
Tornou-se o mundo sutil
Quando às 8 e 35
Debaixo de um céu de anil
Reinou a maior tristeza
Porque morreu de surpresa
Quem governava o Brasil
126
123
Idem, p. 5, estrofes 1, 2, 3 e 4.
124
Idem, p. 6, estrofes 4 e 5.
125
SANTOS, Amaro Quaresma dos. A pranteada morte do presidente Getúlio Vargas. [s/l., s/n, s/d.]
126
Idem, p. 01, estrofes 1 e 2.
140
[...]
Porém nesta terça-feira
Quando a aurora surgia
O sol com seus raios de ouro
Denunciou que havia
Entre toda natureza
De aparecer com certeza
Tristeza naquele dia
Quando às 8 e 35
A esposa do presidente
Se descuidou um pouquinho
Ocupada certamente
Ele para o quarto entrou
Um revólver disparou
Morreu instantaneamente
127
Naquele triste momento
Logo o palácio se encheu
Todo comércio fechou
Todo mundo entristeceu
Sentiu até a policia
Quando vagou a notícia
Getúlio Vargas morreu.
128
Ainda no mesmo folheto, Amaro Quaresma dos Santos, entre lamentos sobre a
morte de Vargas, procurou descrever o seu desejo de vê-lo em um bom lugar, chegando a
dizer que sua alma estaria junto aos pés de Deus Poderoso. As pessoas passaram a ver a morte
de Vargas como sendo um verdadeiro sacrifício, um último ato de doação, em que o pai
deixava para seu filho a lembrança de um grande herói que morreu em prol da nação:
O Dr. Getúlio Vargas
Como homem ele nasceu
Como homem ele estudou
Como homem ele viveu
Como homem governou
Como homem a pátria amou
Como homem ele morreu.
[...]
Deixou saudade e lembrança
Do seu lar tão amoroso
Jesus bota a sua alma
Num lugar bem luminoso
Morreu foi para o Além
Sua alma vive bem
127
Idem, p. 2, estrofes 3 e 4.
128
Idem, p.3, estrofe 1.
141
Nos pés de Deus Poderoso.
129
[...]
A morte do presidente
Ficará como memória
Porque na sua política
Sempre alcançava vitória
Aquela justa excelência
Por não ter mais paciência
Morreu ficou na história.
130
A cada folheto que analisamos, vamos percebendo como a imagem de Getúlio
pós-morte que ficou na mente dos poetas e que estes veicularam nas feiras, ruas e praças,
chegando aos leitores de norte a sul do país, é de um Getúlio trabalhador, revolucionário,
defensor e, acima de tudo, “salvador”. Vimos que, quando o poeta alude às obras realizadas
por Getúlio em seu período de governo, ele as cita não como forma de saudosismo, apenas
por rememorar, mas porque seu passado representou conquistas para o trabalhador.
Fundamentando tal argumentação, Antônio Montenegro relata que a imagem de
Vargas estava direcionada às ações do Estado e da sua personalidade, materializada na
memória popular com a idéia paternalista.
131
José Luiz Júnior
132
versou sobre a morte de Vargas em profunda comoção,
mostrando suas ações, mas pedindo para que os trabalhadores guardassem na memória a
lembrança do único presidente que fez pela pobreza. Acompanhem o desenrolar dos versos:
Brasil! Querido Brasil!!!
Eu sinto de coração
Não possuir nesta hora
Profunda elucidação
Pra compor em versos, a morte
Do Governo da nação.
Getúlio Dornelles Vargas
A quem estou me referindo:
O ex-chefe da nação.
Homem de prestígio infindo,
Por quem a Pátria está
A sua perda sentido.
Foi inesperadamente
A morte do grande vulto
129
Idem, p.7 estrofes 1, 2 e 3
130
Idem, p.8 estrofe 2.
131
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo:
Contexto, 1992, p. 98-111.
132
JÚNIOR, José Luiz. A lamentável Morte do Presidente Getúlio Vargas. Natal, [ s/n, s/d.]
142
A única que encheu o mundo
De acerbante tumulto
E por quem a Pátria chora
Rendendo: tristonho culto.
Vinte quatro de Agosto
Dia de Bartolomeu
Dia trágico, que a morte
Baixou o decreto seu:
Exterminando o maior
Filho que o Brasil deu.
133
O poeta passa agora a dar seu testemunho sobre quem ele considera o maior do
Brasil”, destacando o que o país alcançou com Getúlio no poder:
Vinte quatro anos completos
Podemos dizer assim,
Dirigiu o seu país
Com uma estética sem fim
Trabalhando a bem do pobre
Pois ninguém reprova a mim.
Neste referido tempo
O Brasil pode gozar
Uma orla progressista
Que fez até abismar
E cujos feitos, aqui
Posso bem testemunhar.
134
[...]
Em benefício ao povo
Fez com toda exatidão
Amparo ao trabalhador
Acolhendo a emigração
Desenvolvendo as indústrias
Melhorando a nação
135
[...]
Portanto toda nação
Deve prestar claramente
Patriotas homenagens
Ao seu ex-presidente
O homem que muito fez
Por si, e por sua gente,
Assumiu o compromisso
Condolente com certeza
Empenhou o seu critério
Que ficaria em defesa
133
Idem, p.01, estrofes 1, 2 3 e 4.
134
Idem, p.2 estrofes 1 e 5.
135
Idem, p.3 estrofe 1.
143
Lutando arduamente
Pra defender a pobreza.
136
Assim foram suas últimas estrofes, dizendo que todas as classes devem guardar a
memória do presidente e rogando a Deus para que Este coloque Getúlio em um bom lugar. É
interessante que os folhetos, ao chegarem ao final de sua história, têm sempre um pedido
deste tipo, que soa como uma espécie de reconhecimento por parte do poeta às ações de
Getúlio. Podemos ainda perceber que José Junior representa Getúlio como uma espécie de
intermediário junto a Deus, podendo rogar-lhe pela nação:
Getúlio como político
Soube bem se estender
Foi revolucionário
Lutou e soube vencer
Tanto que outro Getúlio
É difícil de se ter.
Todas as classes trabalhistas
Deve guardar em memória
Foi o único Presidente
Dos quinze anos da nossa História
Que mais fez pela pobreza
Alguma ação meritória.
Getúlio deixou no mundo
A mais profunda saudade
Deus o bote em um dos cantos
Melhores da eternidade
Rogando a Deus pela paz
Da nacionalidade.
Leitores apenas fiz
Este pequeno apanhado
Da morte do Presidente,
E contei algum passado
Dos seus feitos, é porque tenho
Convicção do tratado.
137
Nesta última estrofe, o poeta faz algo bastante interessante, não visto em outros
folhetos, que é falar para o leitor que o lamento aqui exposto sobre Getúlio Vargas é fruto da
sua convicção, da sua memória. Ele se coloca no lugar de testemunhado que Vargas fez para o
povo desta nação.
136
Idem, p. 7 estrofes 2 e 3.
137
Idem, p.8, estrofes 2, 3, 4 e 5.
144
3.4 Getúlio Vargas: da carta-testamento para o corpus de folhetos
De todas as notícias que pairavam em torno da morte de Getúlio, de seu
enaltecimento pelos poetas populares, nada ficou tão marcado quanto a leitura e divulgação da
carta-testamento. Ela teve uma contribuição ímpar na construção do mito Vargas. Divulgada
pela Rádio Nacional, diretamente do Palácio do Catete, por Oswaldo Aranha, sua mensagem
chegava aos ouvidos de um público que se via ainda atônito com a notícia da morte.
138
Daí em
diante, essa carta foi sendo “apropriada” por um povo ávido por justiça. Seu conteúdo, que até
então era de cunho privado, atinge agora a massa, possibilitando uma guinada nos rumos
políticos do país. Aqueles que acusavam e caluniavam Getúlio enfrentam o revés da
população. Distribuída nas ruas, lida de dez em dez minutos nas estações do rádio, rimada nos
folhetos, a carta tomava sua própria dimensão.
À medida que esta carta-testamento era recebida pela população, surgiram
dúvidas quanto à sua autenticidade, que, aliás, até hoje repercutem nos meios acadêmicos ou
entre os getulistas e anti-getulistas. Tais repercussões se deram devido à existência de duas
cartas. Uma escrita e datilografada por José Soares Maciel Filho, amigo íntimo de Vargas,
bem antes do suicídio, e outra manuscrita por Vargas, encontrada por sua filha Alzira Vargas,
no cofre pessoal de Getúlio. O certo é que ambas têm a assinatura do presidente.
Comentando este fato, Boris Fausto
139
destaca que a carta que chegou
primeiramente a ser divulgada para a sociedade tinha uma conotação heróica afirmativa de um
discurso preparado para fins políticos. Já a segunda versão expressa o desalento de quem
decidiu pôr fim à vida. Recentemente, Maria Celina de Araújo realizou um estudo sobre as
várias cartas-testamento deixadas por Getúlio Vargas em seu diário; nelas, pôde constatar que
essa idéia de praticar o suicídio, de sair da vida para história se fazia presente nos discursos de
outras cartas. Portanto, era algo que rondava a vida do presidente. Para Maria Celina, a morte
presente nesses escritos, não era, para Getúlio, um recurso para lidar com dilemas
existenciais de ordem pessoal ou íntima... mas seria o coroamento de um drama histórico do
138
BAUMWORCEL, Ana. 1954: um retrato do rádio na época de Vargas. In: Vargas, agosto de 54: a história
contada pelas ondas do rádio. Op. cit., p. 23
139
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Op. cit., p. 194. Para uma abordagem mais precisa
sobre esta carta ver ALMEIDA, Cícero Antônio F de. A carta de muitos autores. Revista Nossa História. Ano 1,
10, agosto 2004, p. 22-25. Ver também CARVALHO, Jose Murilo de. As duas mortes de Getúlio Vargas. In:
Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 409. Sobre as duas
versões ver SILVA, Hélio. Vargas: uma biografia política. Porto Alegre: L&PM, 2004.
145
qual sairia como herói.
140
Não pretendemos, com isso, afirmar as circunstâncias de sua morte
nem tampouco esgotar tais problemáticas, mas deixar claro que as circunstâncias que
envolvem a morte de Getúlio Vargas devem ser analisadas não exclusivamente naquilo que se
refere aos momentos críticos de agosto de 1954, mas averiguado sob uma ótica que perpassa
todo seu governo. 1954 é apenas o ápice de uma tragédia final.
Contudo, sabemos que Getúlio foi um político que teve sua imagem mítica
construída pela morte e consolidada pela carta-testamento. É este discurso que se propala nos
versos dos folhetos. Segundo afirma Maria Celina de Araújo, não é apenas uma carta, nem
apenas um suicídio. A carta seria o mbolo da vida, de sua dedicação ao Brasil; o suicídio, a
resposta à incompreensão dos poderosos.
141
Segundo Francisco Sales
142
, a carta-testamento representa um Getúlio
preocupado em deixar seu “povo humilde”, mas que era chegado o dia da partida. Tais
palavras refletem o conteúdo emocional que a carta possuía e fora divulgado. Vejamos:
Inda deixou por memória
Uma carta que dizia
Brasileiros alertai-vos
Que já é chegado o dia
Irei partir de entre vós
Pra outra supremacia
Só sinto meu povo humilde
Que em mim teve confiança
Não fazer mais do que fiz
Por vossa perseverança
Partirei deixando
Minha restrita lembrança.
143
E o poeta, em tom dramático, segue descrevendo o folheto, até porque a própria
carta transmite tal expressividade. Os versos são descritos em uma conotação fúnebre,
levando os leitores a sentirem compaixão, principalmente quando cita que “cada pingo do
sangue de Getúlio será uma Glória”. Outro detalhe é que a leitura da carta trouxe como
discurso a idéia de um Getúlio intercessor nas questões divinas, afirmando que “quando
ascendesse à eternidade olharia para a humanidade”. Constatemos, pois, tal situação:
140
D’ARAÚJO, Maria Celina. Getúlio Vargas, cartas-testamento como testemunho do poder. In: Escrita de si,
escrita da história (Org.) Ângela de Castro Gomes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004., p. 295.
141
Idem, p. 304.
142
SALES, Francisco. A carta deixada pelo Presidente Getúlio Vargas. [ s/l, s/n, s/d.]
143
Idem, p. 5, estrofes 2 e 3.
146
E o meu sangue derramado
Ficará sobre a história
Como perfeita lembrança
Desta página transitória
Cada pingo de meu sangue
Será pra vós uma glória.
Meu espírito partirá
Para sua eternidade
E de lá fará contacto
Com vós na humanidade
Pedindo para o Brasil
Saúde, paz, liberdade
Portanto já são chegadas
As minhas horas amargas
E provarei não temer
Da morte as cruentas chagas
Repousarei no além
Assina: Getúlio Vargas.
144
No folheto de João Ferreira de Lima, este se refere à carta como sendo um
“bilhete” e traz no conteúdo um desabafo alegando que “a Pátria amada era o berço da
ingratidão” e recorre a Deus como testemunha e defensor. Mas que se sente angustiado por
deixar os humildes ao Deus dará. Assim versejou:
Escreveu um bilhetinho
Nesta triste narração
Oh! Brasil pátria amada
Oh! Berço da ingratidão!
Só Deus é a testemunha
Da minha consumação.
Sinto deixar os humildes
No meio de tantos perigos
Uns chorando sem consolo
Entre pragas e castigos
A minha morte será
Prazer para os inimigos
[...]
Seja feita a vontade
Do nosso Deus Criador
A Deus meus crimes entrego
Como homem pecador
A morte é o meu descanso
Deus seja o meu defensor.
144
Idem, p. 6, estrofes 1, 2, 3 e 4.
147
A carta-testamento em toda sua leitura trazia palavras fortes que envolviam todo
uma representação construída durante vários anos de seu governo. A comparação com Cristo,
quando ele oferece sua vida em holocausto e seu sangue, aludindo à idéia de salvação
representada pelo poeta “nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue; se as aves de
rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço
em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco.” Assim podemos
observar:
Ofereço o meu sangue
Como seja um sacrifício
Para evitar a perda
Neste grande precipício
O meu desaparecimento
Serve de um benefício.
145
[...]
Adeus pátria idolatrada
Terra Santa de Cabral
Adeus povo trabalhista;
146
Entre os folhetos que retratam a carta-testamento, o de Expedito Sebastião Silva,
“A Carta do Dr. Getúlio Vargas”,
147
mantém uma singularidade por expressar a carta em toda
sua extensão. Os outros folhetos que consultamos procuravam ainda mostrar o jogo político
que levou Vargas a cometer o suicídio para, então, por volta da página dois ou três, passar
a versejar sobre a carta. Neste, o poeta começa a registrar que, mesmo em lamentações, teve
que escrever linhas amargas, confirmando o conteúdo dramático da carta:
Meu coração brasileiro
Triste em lamentações
Traçando linhas amargas
De acordo a minha tática
Mostrando a carta dramática
Do Dr. Getúlio Vargas.
O Dr. Getúlio Vargas
Antes de se liquidar
Fez uma carta dramática
Para no Brasil deixar
A qual ficará na História
145
Idem, p.5, estrofe 2.
146
Idem, p.6, estrofe 2.
147
SILVA, Expedito Sebastião da. A carta do Dr. Getúlio Vargas. Tipografia São Francisco. 24 de agosto 1954.
Este folheto aparece na capa como sendo de José Bernardo, mas este é apenas o dono da tipografia assumindo os
direitos do autor.
148
E o povo na memória
Triste há de a guardar.
148
Vejamos algumas estrofes desta percepção poética:
Eu fui escravo do povo
Protegi e fiz o bem
Também jamais este povo
Será escravo de alguém
Fiz tudo só não fiz guerra
Pra não deixar minha terra
Ser escrava de ninguém
[...]
Eu vos dei a minha vida
Meu sangue vos ofereço
Esta sentença terrível
Com grande mágoa obedeço
Vou andar noutro roteiro
Mas do povo brasileiro
Eu morto não me esqueço.
149
O poeta procurou não esquecer detalhes importantes da carta quando afirma que Getúlio
criou tudo para a Nação, dizendo que amava muito o brasileiro e que, no momento, só teria seu sangue
para ofertar:
Quis criar tudo de bem
Em prol de nossa nação
Vendo a nossa economia
Com desvalorização
Porém o que acontece
É que de súbito aparece
A maior agitação.
150
Nos versos, vamos encontrar um Getúlio que se aproximou do seu povo, vendo
de perto seu sofrimento e que vinha lutando de peito aberto com imenso sacrifício. E termina
legando sua vida, dizendo que tomou outro destino e que partia desta vida para entrar na
história. Assim atestam os versos abaixo:
Observei dos humildes
Seu sofrimento de perto
148
Idem, p. 1, estrofes 1e 2.
149
Idem, p. 2, estrofes 1 e 3.
150
Idem, p. 4, estrofe 1.
149
Condoí-me dos que tinham
Um destino mau incerto
A favor fiz todo empenho
E com sacrifício tenho
Lutado de peito aberto.
151
[...]
Vos dei a minha vida
Honrada, sincera e forte
Procurando outro caminho
Outro destino, outro norte
Levando da glória a palma
Então com pureza d’alma
Ofereço a minha morte
Nada receio em seguir
Pelo caminho da glória
Darei este eterno passo
Orvalhado de vitória
Faço a carta concluída
Me retiro desta vida
Para entrar na história.
152
Em meio aos folhetos pesquisados, encontramos um que retrata a carta-
testamento de forma diferente entre os demais por sua criatividade e resolução dos fatos.
Trata-se do folheto de Cuíca de Santo Amaro,
153
“O Testamento de Getúlio”. Começa logo o
folheto explicando que Getúlio cumpriu seu juramento, deixando um riquíssimo testamento,
que saiu deste planeta deixando para muita gente o seu legado, vejamos a maneira como ele
escreveu:
O Grande Getúlio Vargas
Brasileiro cem por cento
Antes de morrer
Cumpriu o seu juramento
Deixando pros seus herdeiros
Um riquíssimo testamento.
[...]
Ele que tinha antes
Um espírito muito forte
Saiu deste hemisfério
Para melhorar de sorte
Deixando pra muita gente
O legado de sua morte.
154
151
Idem, p. 7, estrofe 3.
152
Idem, p.8 estrofe 2 e 3.
153
AMARO, Cuíca de Santo. O testamento de Getúlio. [s/l, s/n, s/d.]
154
Idem, p. 01, estrofes, 1 e 3.
150
O poeta era muito ligado à política e deixava transparecer seu carinho por
Getúlio. Neste folheto, percebemos que tratou o momento histórico de forma satírica; aliás,
era uma peculiaridade nos seu folhetos. Cuíca de Santo Amaro buscou criar justiça para
aquelas pessoas que contribuíram de uma forma ou de outra para o suicídio de Getúlio.
Vejamos a trama que ele criou:
Ao Gregório por exemplo
A quem ele deu proteção
Para o mesmo pagar
O preço de sua traição
Deixou-lhe o Getúlio Vargas
As grades do Galeão.
Deixou também aberta
A porta do cemitério
Para um certo individuo
Que jamais teve critério
Se não estou enganado
Tem o nome de Climério.
Deixou a maldição
Para um sujeito cretino
Criado na malandragem
Desde menino
Se não estou enganado
Tem o nome de Alcino.
Para o Carlos Lacerda
Incluir no seu caderno
Deixou-lhe o Getúlio Vargas
Por ordem do Pai Eterno
Para este jornalista
As caldeiras do Inferno.
155
para o povo brasileiro, Cuíca de Santo Amaro não teve dúvidas quanto a sua
parte no testamento, não poderia ser algo mais determinante. O poeta foi categórico ao dizer
que Getúlio deixou para as pessoas que ele tinha amizade as Leis Trabalhistas, e que por meio
delas o povo teria liberdade. E para os donos do poder que não seguissem as normas, deixou o
Ministério do Trabalho. Vejamos sua atuação:
Deixo ao povo Brasileiro
Os quais me tinham amizade
Elas!...as Leis Trabalhistas
155
Idem, p. 2, estrofes 1, 2, 3 e 4.
151
Para a sua liberdade
Deixo ela para o povo
Antes de ir para eternidade
Deixo a todo trabalhador
Igualdade de condições
Isto é... o direito
Que também tem os patrões
E o Ministério do Trabalho
Pra castigar os Tubarões.
Com as análises do corpus de folhetos referentes a Getúlio Vargas, podemos
verificar que a poesia foi um dos caminhos que veicularam a representação de um político de
grande notoriedade no país. Desde a sua chegada ao poder até sua morte Getúlio foi
perpetuado por uma classe social que se viu assistida por benefícios que interferiram
diretamente em seu cotidiano: as leis trabalhistas. Cabe ressaltar que o poeta não representava
a voz da consciência de uma classe; ele, ao escrever, se via associado a um contexto social
que o permitia versejar sobre Getúlio Vargas. Claro que em seus versos podemos encontrar
essas representações trabalhistas, mas isso não foi uma constante para todos os trabalhadores;
basta lembrar que os benefícios atingiram apenas uma parcela da sociedade. Se não conseguiu
chegar a todos, pelos menos contribuiu para acelerar mudanças no cenário político social
brasileiro. Seu registro nas poesias ecoa como um pássaro em liberdade cuja imagem, seu
perfil, sua vida se faz presente a cada poeta, que ao versejar sobre sua vida, ganhava ginas
na história. Getúlio, por meio de sua morte-sacrifício ou sua morte-tragédia, cumpriu talvez
seu objetivo: consolidou-se como um “mito”, um “herói” nacional. Nas suas palavras,
serenamente deu o primeiro passo no caminho da eternidade e saiu da vida para entrar na
história.
152
Considerações finais
Relembrar é mais do que se deslocar
para o passado e deslocar para o
presente tempos vividos. (Lucena)
A literatura de folhetos que aqui trabalhamos nos fez mergulhar em um tipo de poesia
popular que marcou o país na primeira metade do culo XX. Suas histórias nos fazem
relembrar fatos que foram muito significativos para a nossa sociedade. De norte a sul do país,
poetas em determinados momentos passaram a registrar, documentar episódios que
exprimiam seu cotidiano, seu modo de pensar, ser e agir em dado lugar por meio de poesias
impressas.
Chegando aqui, trazida por colonizadores europeus, este tipo de poética popular aos
poucos foi adquirindo suas próprias dimensões, passando a integrar “práticas de leituras” que
se fizeram presentes entre a cidade e o campo. Em um país marcado por uma profunda
oralidade, onde as notícias demoravam a chegar e associado a um baixo nível de letramento,
essa literatura começou a seduzir cada vez mais pessoas em sua volta. Com sua linguagem
poética, fácil de ler e entender, os folhetos circulavam, principalmente, nas feiras livres, locais
preferidos pelos poetas por se tratar de um espaço de circulação de pessoas, possibilitando ao
poeta colocar sua produção no mercado e aos transeuntes a aquisição dos folhetos.
Das feiras livres para a sala de jantar, para os encontros de amigos, na difusão da
informação, esta literatura difundiu-se, ocupando espaços entre seus leitores/ouvintes. O poeta
se via inserido em um contexto que o possibilitou versejar sobre diferentes temas, daí a
riqueza e a grandeza deste tipo de poesia popular, que tratava de todos os assuntos e histórias,
conquistando todos os gostos. Eram histórias que representavam desde um universo
mitológico até as situações políticas pelas quais passava o país. Atônitos perante um arco tão
abrangente de interesses, não foram poucos os estudiosos que procuraram sistematizar,
ordenar este tipo de literatura de acordo com sua temática, na tentativa de encontrar, entre
esses folhetos, uma classificação plausível. Mas, a todo o momento, novas histórias eram
acrescentadas e o trabalho de catalogação perdia seu sentido. Com isso, verificamos a
impossibilidade de uma classificação que atenda a todas as categorias. Definir este ou aquele
folheto vai depender do olhar de quem está fazendo suas devidas “leituras”.
153
Em versos de Marcelo Soares
1
, podemos entender essa relação entre o poeta, seus
leitores e ouvintes. Neste folheto, o autor verseja sobre a importância deste tipo de literatura
como meio de informação, fazendo com que as pessoas fossem a feira para adquirir essas
poesias. Depois ele apresenta uma outra função assumida pelos folhetos de serem lidos entre a
família ou grupo de amigos. E é justamente neste ambiente que muitas pessoas analfabetas
passaram a ler apenas pelo fato de ouvir essas palavras rimadas. Dependendo das histórias,
elas ficavam registradas na memória popular e sempre que possível eram relembradas.
Vejamos como o poeta representou tais situações:
Antigamente o nortista
Ia a feira no sentido
De comprar um Folhetinho
E saber do ocorrido
Pois ficava a par de todo
E qualquer acontecido
Daí levava o folheto
Pra toda família ver
E analfabeto pedia
Para quem soubesse ler
Que lesse alto para ele
Das novidades saber
Desse modo o sertanejo
Que lá do Nordeste é nato
Lia muitos esses folhetos
Pois entendia de fato
A linguagem do Poeta
Popular e Literato
Comprar um Romance e ler
Era a maior diversão
Exemplos do Padre Cícero
E façanhas de Lampião
São tão bons que os nortistas
Os guardam no coração
Os versos acima nos fazem perceber o quanto os folhetos representaram
personagens que marcaram o cenário da História nacional. Sendo assim, escolhemos trabalhar
com os folhetos políticos de Getúlio Vargas, devido ao seu potencial de nos abrir uma janela
que permite visualizar os traços mais marcantes que vieram a moldar sua figura perante
amplos setores da população. O significativo consumo popular desses folhetos talvez possa
ser tomado como indicativo de uma certa “exaltação” popular, construída em torno da figura
1
SOARES, Marcelo. Literatura de cordel O prenúncio do fim? In: MAXADO, Franklin. O Cordel Televivo:
futuro, presente e passado da literatura de cordel. Rio de Janeiro: Codecri, 1984, p.10-11.
154
de Getúlio. Os folhetos de cordel parecem oferecer boas pistas de como as histórias
veiculadas por esses podem vir a representar conceitos e práticas sociais. Quando nos
referimos a essas práticas, nos reportamos ao que propôs Roger Chartier, na medida em que as
relações culturais se estabelecem por “apropriações”, por práticas e trocas culturais, levando,
desta forma, o indivíduo a representar o seu cotidiano, ou seja, o mundo que o cerca.
Partindo desta premissa, trabalhamos com as “representações” advindas das
leituras dos folhetos que retratavam Getúlio Vargas e suas ações no campo da política
nacional. A pesquisa concentrou-se em dois momentos delineadores deste dirigente, um
consistindo na sua deposição e outro na sua morte. Este último momento foi marcado por uma
grande produção, chegando os folhetos produzidos a alcançarem grandes tiragens, uma vez
que todos queriam saber como foi a morte do presidente e acompanhar os últimos detalhes.
Procuramos, pois, por meio dos folhetos, realizar “leituras” sobre este período,
aclarando momentos que permearam as representações sociais, foco do presente estudo.
Marcelo Soares caracteriza muito bem o quanto as histórias sobre Getúlio percorreram o
Brasil. Vejamos o que afirma o poeta sobre os folhetos de Getúlio:
Só sobre Getúlio Vargas
Foram vendidos milhões
Falando da sua morte
Em centenas de edições
Percorriam as Capitais
E as cidades dos sertões.
2
São essas histórias que nos permitem repensar a memória popular sobre uma
dada realidade. Estudar os folhetos políticos de Getúlio possibilitou adentrarmos neste campo
temático da poética popular, percebendo que o folheto não é a “voz” do povo e nem muito
menos a opinião total do poeta sobre determinados assuntos. Tanto ele poderia fazer versos
puramente para o mercado consumidor de folhetos, como também por querer elogiar
determinado personagem ou ainda representando cenários de sua vida cotidiana.
Foi por meio do Estado nacionalista, de uma efetiva política social, que Vargas
foi aos poucos conquistando seus admiradores. Tudo isso permeado por um intenso
investimento em festas, propagandas e comemorações e, em conformidade com as quais, a
produção desses cordéis não deixou de se alinhar. Não é de se estranhar, pois, que a grande
produção de folhetos sobre Getúlio tenha servido para consolidar sua política no campo social
em estabelecer os direitos dos trabalhadores. Assim sendo, Getúlio tornou-se, entre poetas,
2
Idem, p. 57
155
músicos, militares e povo em geral uma figura de destaque, ora amado, ora odiado. Mas aceito
ou não, seu nome estava sempre presente na memória popular como Salvador da pátria”, “O
Maior dos brasileiros”, “Grande Pai” e tantos outros epítetos, como percebemos diante das
análises do corpus.
As leituras dos folhetos nos fizeram perceber que, entre os poetas que versejaram
sobre Getúlio, existia certa homogeneização ao representá-lo. Suas análises contribuíram para
reforçar o quanto o papel do Estado foi decisivo para deixar registradas na memória social as
ações impetradas no seu governo. Vargas e sua equipe não descuidaram um momento do
fator ideológico que contornou toda a sua trajetória política. Assumiu uma identidade
“paternalista” de governo e procurou transparecer que sua permanência no poder se fazia
necessária para a construção nacional. Mesmo tendo seu lado negativo no tocante ao
cerceamento das liberdades democráticas veiculadas por um Estado autoritário e uma política
social que não atingiram a todos, principalmente os trabalhadores do campo, seu nome estava
presente e registrado nos folhetos de cordel.
Para tanto, constituiu-se prioridade fazer as “leituras dos folhetos”, entender em que
campo simbólico foi construída a imagem de Getúlio. Por que esta imagem foi tão enaltecida
pelos poetas? Qual o objetivo deste poeta em escrever sobre este dirigente? Com vistas a isso,
a metodologia adotada foi justamente fazer um certo agrupamento destas fontes, como foi
mencionado, e procurar, por meio de suas representações, cruzar com os dados
historiográficos para podermos perceber sua contextualização.
A pesquisa revelou que, independente do cenário, Natal, Recife, Paraíba ou Bahia,
Getúlio Vargas era um político, ora exaltado, ora odiado por muitos; seu nome se estendia às
várias esferas sociais, permitindo uma maior fluidez de suas ões. Mas também é possível
esclarecer que os poetas, na medida em que enalteciam a figura de Vargas em seus versos,
solicitavam dele providências para poder amenizar a situação das pessoas pobres. Os folhetos
por eles produzidos mostravam um discurso poético permeado de significados os quais
estavam associados às influências dos leitores, bem como às exigências do mercado
consumidor. O poeta, antes de tudo, era também um ser político, um homem do seu tempo,
que entendia o que se passava em seu cotidiano e buscava informações no rádio ou jornal para
poder escrever.
Não se pode falar, neste campo discursivo, de poesia ingênua ou de que o poeta
representa a “voz do povo”; ao lidarmos com este tipo de documentação, ele nos permitem
fazer leituras que conduzem para um outro caminho. Mostrando que os poetas, ao versejar
suas histórias partilham naquele momento de práticas culturais por eles vivenciadas, de
156
interesses próprios que podem também estar ligados a desejos socais. O folheto e suas
representações nos revelam possibilidades de leituras muitas vezes não apresentadas pela
historiografia oficial por ser tratar de uma produção veiculada a uma cultura popular, e que
muitas vezes não é aceita pelo universo acadêmico. Esta foi aos poucos se firmando enquanto
fonte documental, consolidando sua importância dentro do campo investigativo da história
cultural.
Todavia, a leitura deste corpus de folhetos” não pretendeu encerrar um capítulo sobre
as representações de poder de Vargas. Ela abre outras janelas, na medida em que novas
perguntas forem direcionadas a essas fontes. O importante é sempre fazer emergir novos
“olhares”, diversas possibilidades de “leituras”, no desejo de fazer da História não algo
acabado, mas uma luta. Uma luta entre o lembrar (o que lembrar, dentro de que registro) e o
esquecer.
157
FONTES E REFERÊNCIAIS
BIBLIOTECAS CONSULTADAS:
Biblioteca Átila de Almeida- UEPB – Campina Grande
Biblioteca Blanche Knopf – Fundação Joaquim Nabuco
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular Biblioteca Amadeu Amaro (Disponível em
http://www.cnfcp.gov.br)
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil- FGV (Disponível
em http://www.cpdoc.fgv.br)
Biblioteca do Centro de Educação - UFPE
Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFPE
Biblioteca do Centro Cultural Benfica – UFPE
Biblioteca Central da UNICAP
Biblioteca da FAFIRE
DOCUMENTO SONORO:
VIEIRA, Antonio. Poesia. Intérprete: Maria Bethânia In: BETHÂNIA., Maria. Pirata. Rio de
Janeiro: Biscoito Fino, p2006, 1CD. Faixa 12.
FOLHETOS ANALISADOS:
(AZULÃO) SANTOS, José João dos. Vida, Obra e Morte de Getúlio Vargas. Rio de Janeiro,
[s/n], 1954.
AREDA, Francisco Sales. A carta deixada pelo presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n, s/d.]
ASSIS, Manoel Tomás. Perigo de Revolução. [s/l, s/n, s/d.]
ATHAYDE, João Martins de. A chegada do presidente Getúlio Vargas a Pernambuco. As
Grandes homenagens do Leão do Norte ao seu Grande Chefe Nacional. Recife, [s/n], 1943.
_________. Homenagem da musa sertaneja ao Grande Chefe da Nação Dr. Getúlio
Dornelles Vargas e ao digno Interventor de Pernambuco Doutor Agamenon Magalhães.
Recife, s/n], 1938.
BAPTISTA, Manoel. Suicídio do Presidente Vargas e as Lágrimas de Calabar. [s/l, s/n],
I954.
158
CAMPOS, Abdias. A História da literatura de cordel. 5. ed. Folhetaria Campos de Versos.
[s/d.]
CANELINHA. A alta dos impostos e o choro da humanidade. [s/l], Distribuidor Ituiutuba,
1952.
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. A Chegada de Getúlio Vargas no Céu e o seu Julgamento.
[s/l, s/n], 1954.
__________. A Morte de Getúlio Vargas. Bahia, [s/l, s/n]., 1954.
__________. A Morte do Grande Presidente Getúlio Vargas.. Salvador, Juazeiro do Norte-
CE, Tipografia São Francisco, 1954.
__________. A Vitória de Getúlio Vargas.[s/l, s/n], 1950.
__________. Nós Queremos Getúlio. Salvador, [s/d, s/n]
__________. O Presidente. 2. ed. Salvador, out. 1945.
__________. Nascimento, vida, paixão e morte de Getúlio Vargas. Salvador, 10/ set. de 1954.
D’ALMEIDA FILHO, Manoel. A Vitória Getulista nas Eleições de 1950. Aracajú-SE, 1950.
_________. A morte do Maior presidente do Brasil Dr. Getúlio Dornelles Vargas. [s/l, s/n,
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_________. O samba da vitória getulista. [s/l, s/n, s/d.] (Corresponde a letra de uma música )
DOIS AMIGOS. O valor de Getúlio e Zé Américo. [s/l, s/n, s/d.]
JUNIOR, Jose Luiz. A lamentável morte do presidente Getúlio Vargas. Proprietário José Luiz
Júnior, [s/l, s/n, s/d.]
LIMA, João Ferreira de. A morte do Dr. Getúlio Vargas. Caruaru, Centro de Imprensa S/A
Natal, 1954.
LUMERQUE, Luis Gomes. A vitória do presidente Getúlio Vargas. [s/l, s/n, s/d.]
MACEDO, Teo. Cordel, a mais rica Literatura do mundo para o Prf. Raymond Cantel. [s/l,
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