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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL
MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
SONIA MARIA DOS SANTOS CARVALHO
DOM AVELAR BRANDÃO VILELA:
uma biografia histórica
Teresina-PI
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL
MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
Sônia Maria dos Santos Carvalho
DOM AVELAR BRANDÃO VILELA:
uma biografia histórica
Teresina
2010
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3
Sônia Maria dos Santos Carvalho
DOM AVELAR BRANDÃO VILELA:
uma biografia histórica
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em História do Brasil, do Centro de
Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal
do Piauí, como requisito à obtenção do título de
Mestre em História do Brasil.
Orientadora: Profa. Dra. Áurea da Paz Pinheiro
Teresina
2010
4
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
Sônia Maria dos Santos Carvalho
C331d Carvalho, Sônia Maria dos Santos.
Dom Avelar Brandão Vilela [manuscrito] : uma biografia
histórica / Sônia Maria dos Santos Carvalho. – 2010.
207 f.
Impresso por computador (printout).
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Piauí, Centro
de Ciências Humanas e Letras, Programa de Pós-Graduação em
História do Brasil, 2010.
“Orientadora: Profa. Dra. Áurea da Paz Pinheiro”.
1. Biografia - Piauí. 2. História - Piauí. 3. Arquidiocese de
Teresina. 4. Dom Avelar Brandão Vilela. I. Título.
CDD 920.981.22
5
DOM AVELAR BRANDÃO VILELA:
uma biografia histórica
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em História do Brasil, do Centro de
Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal
do Piauí, como requisito à obtenção do título de
Mestre em História do Brasil.
Área de Concentração: História, Memória, Cidade e
Trabalho.
Aprovado em: 08/06/2010
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profa. Dra. Áurea da Paz Pinheiro – UFPI
Doutora em História Social
Orientadora
_______________________________________________________
Prof. Dr. Gustavo Fortes Said – UFPI
Doutor em Ciências da Comunicação
Examinador
_______________________________________________________
Profa. Dra. Vanessa Maria Brasil – UnB
Doutora em História Social
Examinadora
6
À Júlia, a Arthur e Álvaro, pelos beijos e abraços nos
momentos de exaustão.
À Zora-Yonara e à Sandra, pela cumplicidade e cuidado
que só as irmãs de sangue e coração podem dispensar.
À Francisca e Raimundo (mãe e pai), e ao meu avô
Francisco, que, lavradores quando crianças, não sabiam ao
certo o que significava o Mestrado para a minha vida
acadêmica, mas se alegraram imensamente pelo meu ingresso
e apostaram em uma conclusão satisfatória.
À amiga Izabel e a meu afilhado João, por incentivo
incomum à minha felicidade.
A Tomaszewski Hipólito de Moura, por sua atenção,
aposta no meu sucesso e conselhos de quem já vivenciou todo
o processo de Mestrado.
Aos professores e amigos da quinta turma do Mestrado
em História do Brasil da Universidade Federal do Piauí, que me
ensinaram, voluntariamente ou não, que todos os dias posso
inventar-me historiadora.
7
Pequena Folha
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda
AGRADECIMENTOS
Sou uma jornalista por formação que se inventa historiadora. Com esta pesquisa, coloco-
me pela primeira vez como pesquisadora do campo historiográfico. Não terminaria este trabalho
sem dar o devido crédito à Dra. Áurea da Paz Pinheiro, que visualizou minhas possibilidades,
8
acompanhou-me e orientou-me com sapiência de grande mestra. Agradeço pelas orientações e
parcerias em artigos e eventos, pois todas estas experiências ajudaram a construir meu
surgimento no campo da História.
Agradeço aos doutores Francisco Alcides do Nascimento, Teresinha Queiroz, Edwar
Castelo Branco, Pedro Vilarinho e Antônio de Pádua, meus professores do Mestrado, pois, cada
um, a seu modo, indicou-me formas de inserção nesta área de conhecimento, e despertou
admiração pelo compromisso com que trata as pesquisas em História. Deles e da minha
orientadora vieram conselhos úteis à conduta dentro desta Pós-Graduação. Fica um sentimento
de gratidão também aos servidores pelo atendimento carinhoso e respeitoso em todas as
ocasiões.
Aos funcionários do Museu do Sertão em Petrolina(PE); do Instituito Histórico e Geográfico
de Sergipe; do Laboratório Reitor Eugênio de Andrade Veiga da Universidade Católica de
Salvador; do Seminário Maior de Aracaju; do Arquivo Público do Piauí; do Jornal O Dia, em
Teresina; da Hemeroteca do Curso de Comunicão Social da Universidade Federal do Piauí; e
Núcleo de História Oral da Universidade Federal do Piauí, deixo agradecimentos pelo
entendimento das necessidades da pesquisa e pela recepção gentil que me foi oferecida.
Agradeço ainda aos funcionários das cúrias metropolitanas de Teresina, Aracaju e Petrolina. Não
seria possível reunir este universo de fontes sem o atendimento que me prestaram ao longo
destes dois anos.
Agradeço aos quatorze colegas de sala: Arimateia, Eliane, Cícero, Lindalva, Gustavo,
Leda, Mara, Rodrigo, Jarbas, Reginaldo, Iara, Regiany, João e Gislane, pelas conversas, ideias,
críticas e sugestões sobre o meu trabalho. Cada um ensinou-me algo que levarei em
consideração nos próximos desafios. À Eliane, a Gustavo, Cícero, João, Reginaldo e à Iara, um
muito obrigada particular, pelos motivos que cada um conhece bem Mesmo cheios de humildade,
saibam que foram importantes para mim nesta caminhada. À Marylu, a Mairton e Warrginton
Veras, precusssores no Programa de Pós-Graduação, pela atenção na indicação de fontes.
À Francisca Joana de Carvalho, Raimundo Francisco de Carvalho, Zora, Sandra, Arhtur,
Júlia, Alvaro, Moisés Mendes da Silva, Izabel Gheller, João Robert, Danuse Santiago e Clara
Marcília, Tomaszewski familiares e amigos um agradecimento impossível de ser expressado
em plenitude, pelo muito que me ajudaram. Talvez consiga alguma aproximação ao dizer que foi
por vocês que construí este trabalho. Obrigada por compreenderem todas as minhas recusas e
ausências em nome do Mestrado, e pela paciência que tiveram quando meu único assunto em
nossas conversas era a pesquisa que fazia nesta Pós-Graduação.
Meu sentimento de gratidão à Universidade Estadual do Piauí, pelas concessões para a
redução de minha carga horária, medida imprescindível para a dedicação a esta pesquisa. Aos
meus alunos e orientandos, que me incentivaram durante o biênio.
A Deus, por ter enviado forças que me atravessaram, quando estive a ponto de me
considerar pequena demais para esta missão.
RESUMO
A presente dissertação foi construída em forma de biografia histórica, na qual o contexto
social ganha importância como cenário de construção da singularidade do personagem
9
histórico. Realiza uma leitura, entre as muitas possíveis, da vida de Dom Avelar Brandão
Vilela, relacionando-a aos contextos nos quais viveu nas cidades de Aracaju-SE,
Petrolina-PE, Teresina-PI e Salvador-BA entre 1912 e 1986. O objetivo central é narrar
aspectos de sua trajetória, reunindo diversas janelas de pesquisa sobre o tema para
futuras investigações. As fontes utilizadas constituíram jornais impressos, cartas pessoais
do religioso ou a ele endereçadas, e entrevistas com seus contemporâneos, colhidas nas
cidades supramencionadas. A narrativa foi estruturada a partir de sua formação
sacerdotal e exercício eclesial em Aracaju; das paixões que travou com os habitantes das
cidades nas quais trabalhou, gerando identificações e conflitos; dos silêncios e
pronunciamentos sobre sua vida familiar; da fuga aos enquadramentos nos quais os
contemporâneos desejaram aprisionar-lhe; e nos discursos e homilias nos quais construiu
suas visões sobre o tempo, a igreja e o homem. Pelos textos publicados em jornais ou
registrados em cartas, Dom Avelar legitimou seu lugar de fala, defendeu posturas de
aproximação da Igreja Católica com questões de ordem social e assistencial, e assim
conquistou condições de atuar na cidade dentro ou fora do campo eclesiástico.
Palavras-chaves: Dom Avelar Brandão Vilela. Biografia. Arquidiocese de Teresina. Igreja
Católica.
ABSTRACT
This dissertation was compiled in a historical biographical style in which the social context
gains importance as a setting for the construction of the uniqueness of historical character.
An article is made, among the many possible, about the life of Dom Avelar Brandão Vilela,
related to the social contexts in which he lived in the cities of Aracaju, Petrolina, Teresina
and Salvador from 1912 to 1986. The main objective is to describe aspects of his career
10
combining several windows of research about the subject for future investigations. The
resources utilized were print newspapers, personal letters from the religious or addressed
to him and interviews with his contemporaries located in the cities of Teresina, Piaui;
Petrolina, Pernambuco; Salvador, Bahia, and Aracaju in Sergipe. The narrative was
structured beginning with his priestly formation to his ecclesial exercise in Aracaju, to the
passions that fought with the inhabitants of the cities in which he worked, generating
identifications and conflicts, to the silences and statements about his family life, through
the path of frameworks in which his contemporaries tried to limit him and in the speeches
and homilies that formed his views over time in regards to the church and man. Through
texts published in newspapers or registered letters, Dom Avelar legitimized his place as a
speaker, defending positions to unify the Catholic Church on issues of social order and
care, thereby overcoming work conditions in the city within or outside the ecclesiastical
circle.
Keywords: Dom Avelar Brandão Vilela. Biography. Archdiocese of Teresina. Catholic
Church.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01
Dom Avelar Brandão Vilela em postal alusivo ao jubileu de ouro
sacerdotal, comemorado em 27 de outubro......................
14
Figura 02
Dom Avelar Brandão Vilela ao tomar posse em Petrolina, em
1946...........................................................................................
69
Figura 03
Monumento em homenagem a Dom Avelar erguido na Praça
São Benedito, no Centro de Teresina.......................................
78
11
SUMÁRIO
1
O BISPO NO OBSERVATÓ
RIO
..............................................................
13
2 O ARCEBISPO NO PRELO E AS CIDADES ENGALANAS.................. 27
2.1
O Arcebispo no prelo.............................................................................
34
2.2
A Cidade da falta: a Teresina viva, péssima e que deixa saudades. 46
2.3
A Capital engalanada para o arcebispo.............................................. 57
Figura 04
Bilhete de fiel católica solicitando ajuda financeira....................
84
Figura 05
Postal de lembrança do Congresso Eucarístico de Petrolina
enviado por Dom Avelar a sua mãe em 1948............
100
Figura 06
Capa da Revista do 1º Congresso Eucarístico de Petrolina.....
100
Figura 07
Altar monumento erguido em Teresina para as sessões magnas
do 1º Congresso Eucarístico de Teresina, em 1960...
102
Figura 08
Concentração popular para recepção do ncio apostólico, no
último dia do 1º Congresso Eucarístico de Teresina.................
103
Figura 09
Capa da Revista Caravana, em edição especial de cobertura do
1º Congresso Eucarístico de Teresina.................................
104
Figura 10
Dom Avelar Brandão Vilela o primeiro a ser produzido pelo
serviço de clicheteria do Jornal O Dia.......................................
108
Figura 11
Cartões de despedida e ramalhete espiritual oferecidos a Dom
Avelar pelos fiéis do Piauí, em 1971.................................
126
Figura 12
Multidão na missa de despedida dos piauienses, em 05 de maio
de 1971, em frente a Igreja Nossa Senhora do Amparo..
128
Figura 13
Dom Avelar em foto de honra aos pais no dia da ordenação
sacerdotal, em Aracaju..............................................................
136
Figura 14
Dom Avelar com os pais e os nove irmãos, no Engenho Mata
Verde.........................................................................................
136
Figura 15
Dom Avelar com a mãe e dois irmãos, no Engenho Mata Verde,
em 1926, aos 14 anos....................................................
143
Figura 16
Dom Avelar, no Palácio Campo Grande, em Salvador, em maio
de 1971.............................................................................
165
Figura 17
Dom Avelar partindo de Salvador com destino a São Paulo,
onde realizaria tratamento no Instituto do Coração, em1986....
176
12
2.4
As cerimônias de posse: expectativas e simbolismos...................... 65
3 AS INTERVENÇÕES, OS CONFLITOS, AS DESPEDIDAS....................
76
3.1
Mudanças institucionais na Igreja Católica, novas vivências na
cidade......................................................................................................
85
3.2
Congressos eucarísticos: transformação das cidades em
monumentos...........................................................................................
97
3.3
A Imprensa que Construiu o Arcebispo...............................................
105
3.4
O Arcebispo agindo na Imprensa: batalhas e constituição
narrativa do mundo................................................................................
111
3.5
As Despedidas do Piauí.........................................................................
125
4 A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE VIDA
COERENTE.............................................................................................
132
4.1
O falar de si: a fuga aos enquadramentos e invenção da postura
moderadora.............................................................................................
147
4.2
O trabalho da expressão: palavras a serviço da missão de pastor.. 162
5
A USINA E A FALTA DO
FIM
................................................................. 178
REFERÊNCIAS
........................................................................................
181
ANEXOS
.................................................................................................. 196
1 O BISPO NO OBSERVATÓRIO
Completo, com a graça de Deus, cinquenta anos de sacerdócio. Fiel ao chamado
de Cristo e da Igreja, servi como pude aos desígnios do Senhor, neste meio
século de vida consagrada, anunciando o Amor, a Justiça e a Paz. Os pequenos
dissabores que tive perderam-se no oceano das infinitas alegrias com que o Pai
quis, benevolamente, pontilhar o meu caminho. O passado construído, mais do
que nunca, é hoje estímulo para o futuro que ainda me resta perfazer. Unido a
Maria Santíssima, continuarei rogando o auxílio divino, para melhor atender a
outros tantos apelos do Evangelho, que por certo virão. Nada tenho de que me
queixar, mas muito para agradecer. Bendigo, então, pelo padre que fui ontem.
13
Pelo padre que sou hoje. Pelo padre que quero ser, até o fim (Dom Avelar
Brandão Vilela).
1
Avelar Brandão Vilela nasceu em treze de junho de 1912, em Viçosa, Alagoas.
Seus pais, Elias Brandão Vilela e Isabel Brandão Vilela, eram proprietários do Engenho
Mata Verde, naquele município. Foi ordenado padre em Aracaju, Sergipe, em vinte e sete
de outubro de 1935, dia da Festa de Cristo Rei. Nesta capital, durante onze anos, exerceu
cargos de professor de Psicologia, Português e Literatura Luso-Brasileira; secretário do
Bispado, capelão, cônego, diretor espiritual do seminário Sagrado Coração de Jesus,
assistente diocesano e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Foi eleito
bispo de Petrolina, em Pernambuco, em junho de 1946, pelo Papa Pio XII, e sagrado em
27 de outubro do mesmo ano. No decênio em que esteve na cidade, realizou dois
congressos eucarísticos e semanas ruralistas, fundando o Instituto São José para
iniciação profissional de jovens; organizou setores da Ação Católica e instalou a
Campanha Nacional de Educação Rural. Chegou ao Piauí em 6 de maio de 1956, aos
quarenta e quatro anos, na condição de segundo arcebispo da Arquidiocese de Teresina,
e permaneceu até 6 de maio de 1971, quando foi transferido para Salvador, sede
primacial da Igreja Católica no Brasil. Em 2 de fevereiro de 1973, anunciou que fora
escolhido pelo papa Paulo VI como cardeal da Igreja de Roma. Em meados dos anos
1960, ao assumir a Diretoria Nacional do Movimento de Educação de Base (MEB), a Vice-
Presidência e Presidência interina da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
e a Presidência do Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM), projetou-se
internacionalmente, chegando a participar de todas as sessões do Concílio Vaticano II
(1962-1965), e a coordenar a Conferência de Medellín, na Colômbia, em 1968.
Posteriormente, participou da elaboração do primeiro Sínodo dos Bispos a convite do
Papa Paulo VI, e de todos os consistórios realizados desde então.
Em Salvador, Bahia, Dom Avelar Brandão Vilela redigiu o texto que início à
presente dissertação. Trata-se de um fragmento que compõe o postal comemorativo de
seu jubileu de ouro sacerdotal, realizado em 27 de outubro de 1985. O fragmento está no
verso de uma foto de Dom Avelar. Na imagem, encontra-se sentado, usando a veste talar
preta, adornada por faixa e botões vermelhos e o colar com crucifixo sobre o peito.
Imagem e texto dialogam e representam o arcebispo primaz do Brasil, em momento de
revisão da sua trajetória de vida, avaliando o que conseguiu fazer na condução de seu
ofício, cujo resultado seria a conjunção de suas possibilidades de existência
atravessadas, segundo o clérigo, por auxílio divino.
1
VILELA, Dom Avelar Brandão. Postal do seu Jubileu Sacerdotal de Ouro. Salvador, 27 out. 1985.
Disponível em acervo pessoal de Mons. Bernardino Pacífico da Luz, ordenado sacerdote em 19 dez. 1948,
em cerimônia presidida por Dom Avelar, em Petrolina (PE).
14
Figura 1 Dom Avelar Brandão Vilela, em postal alusivo
ao Jubileu de Ouro Sacerdotal, comemorado em 27 de
outubro de 1985.
Fonte: Acervo pessoal do Monsenhor Bernardino
Pacífico da Luz.
Em uma primeira leitura, as reflexões sobre o passado, presente e futuro podem
ser atribuídas ao simbolismo típico das celebrações de jubileu de ouro dentro do contexto
católico. Contudo, em Dom Avelar Brandão Vilela, o exame da própria vida era exercício
permanente e angústia existencial, presentes em pronunciamentos e entrevistas
concedidas quando assumia cargos na Igreja Católica ou recebia títulos honoríficos de
cidadania e incorporação em academias literárias. O anterior, o hoje e o amanhã, assim
como o temporal e o divino não existiriam senão através de vinculações. Para o religioso,
passado, presente e futuro, trajetória terrena e mística o composições em constante
contato e influência mútua compondo um conceito próprio de tempo.
2
Avelar Brandão Vilela foi padre, bispo, arcebispo metropolitano, arcebispo primaz
do Brasil e cardeal da Igreja Católica, nascido no Nordeste brasileiro. Embora a Igreja o
tenha incumbido de apostolados somente nesta região, sua atuação foi nacional e
internacional pelos cargos que ocupou junto a organismos católicos, como o Conselho
2
Para Dom Avelar, o tempo é uma partícula da eternidade que se localiza no espaço e logo desaparece. É
um sopro quente e fugaz do infinito, no homem que transita pelos caminhos efêmeros da vida. VILELA,
Dom Avelar Brandão. Discurso do acadêmico por ocasião de seu ingresso à Casa de Lucídio Freitas
Academia Piauiense de Letras. In: DANTAS, Deoclécio. Dom Avelar Brandão Vilela, uma vida a serviço
da paz. Teresina: Gráfica do Povo, 2006. p. 52.
15
Episcopal Latino-Americano (CELAM) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
É possível refletir o papel de um indivíduo na história a partir dos cargos exercidos
ao longo dos anos. Porém, uma existência humana é mais complexa, abraçando as
ideias, as posturas e as articulações que um indivíduo estabelece com os demais.
Ciente da efemeridade do tempo dentro da noção de eternidade, como rebelde às
classificações exteriores, Dom Avelar Brandão Vilela definiu-se pela identificação junto ao
cargo que ocupava, na fusão de todas as épocas. “Sou um bispo da igreja, de uma igreja
viva e que, sendo eterna, tem compromisso com o passado, o presente e o futuro”.
3
Além
dos apostolados, foi articulador e agente de desenvolvimento social nas cidades em que
trabalhou; escreveu com intensidade, distinguiu-se na hierarquia eclesial como
palestrante e orador sacro. Foi homem de ideias, e despertou paixões, em forma de
estima ou protesto, ao construir autoridade fora do campo eclesial, com permissões para
gerência de enfrentamentos pela leitura moderada de situações conflituosas.
muito o que conservar se quisermos manter a nossa identidade, e muito o que
renovar se quisermos ser fiéis à nossa vocação de peregrinos da história. Sou
moderador quando as radicalizações intransigentes se levantam. [...] Eis o que
sou.
4
A vida de Avelar Brandão Vilela foi marcada por sua crença, na necessidade
constante de constituir-se membro de uma religião viva em todos os tempos. Nesta
narrativa histórica, busco analisar o permanente esforço do clérigo em eternizar suas
ideias, de sua religião e Igreja, unindo a própria existência às frações de seu passado,
presente e futuro.
Busco construir uma biografia histórica de Avelar Brandão Vilela, dentre as muitas
faces e interfaces de sua vida, considero os cargos que ocupou, mas coloco na
centralidade desta proposta de pesquisa a identificação existente entre o personagem e
os fiéis católicos das cidades de Aracaju, Petrolina, Teresina e Salvador; a sua relação
com a palavra escrita e oral e as incoerências e dificuldades divulgadas e silenciadas ao
longo da vida. Apresento Avelar Brandão Vilela imerso na teia de relações socioculturais
de seu tempo, formação, atitudes, tensões, desafios, incertezas, utopias...
A quantidade e qualidade das fontes que consultei e de problemas que visualizei
ao analisá-las tornam esta investigação repleta de chaves de pesquisa sobre a existência
e atitudes da Igreja Católica, a religiosidade e espiritualidade dos católicos, instigando ou
3
VILELA, Dom Avelar Brandão. o me agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela esquerda.
Diário de Notícias, Salvador, 22 a 23 abr. 1973, Caderno 2, p. 7.
4
VILELA, Dom Avelar Brandão. Um bispo da Igreja Viva. Jornal da Bahia, Salvador, 1 jun. 1971, ano XIII,
n. 3678, p. 3.
16
auxiliando novas propostas de investigação, independente do campo de estudos
selecionado.
Priorizei, nesta dissertação sobre o clérigo, personagem central do texto que
elaboro, incoerências, descontinuidades e permanências, silêncios e pronunciamentos,
um corpo de informações capazes de capturar faces de seu viver, quando tantas outras
poderiam constar a partir de posturas de investigação diferenciadas. Apresento, portanto,
uma proposta biográfica, que não segue uma linha cronológica da vida na integralidade.
Ao contrário, ocupo-me em descrever e analisar as posturas tomadas por Avelar Brandão
Vilela no tempo rebelde ao calendário e às respostas obtidas, sejam essas em forma de
protestos ou aplausos blicos. Falo de suas escolhas, retomo temas estudados para
aprofundá-los ou auxiliar no entendimento de novas questões. Elaboro uma biografia
histórica preocupada com as atitudes e relações do personagem com os contextos
sociais
5
e históricos e menos afeita ao ordenamento cronológico.
A opção por uma Biografia e Contexto se justifica pela complexidade inerente à
trajetória de vida e ao gênero historiográfico. Discorrer sobre a vida de um personagem é
compreender a impossibilidade de respostas fixas, de reconstituição plena dos
sentimentos, dúvidas e harmonizações características. Porém, é possível tratar a
existência de Avelar Brandão Vilela no contexto social e pensá-lo como agente desse
contexto, acatando as limitações ou imposições do cenário, dialogando e intervindo a
ponto de modificá-las. Na prática do exercício tenso de existir foi cunhada sua postura
como bispo em todos os tempos.
6
Concordo com Le Goff, para quem a escolha da biografia histórica, em que pese
ser “uma das maneiras mais difíceis de fazer história”,
7
é observatório privilegiado para
refletir acerca das convenções, limitações e necessidades do historiador. A escolha do
gênero historiográfico mostrou-se, nesta pesquisa, um observatório privilegiado do
personagem, uma vez que me permitiu mergulhar nos registros deixados sobre ele, por
ele e por seus contemporâneos. A dissertação tem como seu protagonista central Avelar
5
O contexto é pensado como uma realidade bem mais heterogênea e estratificada, em que os efeitos das
ações do indivíduo não são considerados no seu imediatismo, mas em uma perspectiva temporal mais
ampla. O contexto nas biografias históricas é percebido tanto em sua horizontalidade quanto na sua riqueza
vertical. ROJAS, Carlos Antônio Aguirre. La biografia como gênero historiográfico algunas reflexiones
sobre sus possibilidades actuales. In: SCHMIDT, Benito (Org.). O Biográfico. Perspectivas
interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000. p. 21.
6
Giovani Levi coloca que nenhum sistema normativo é de fato suficientemente estruturado para eliminar
toda a possibilidade de escolha consciente, de manipulação ou interpretação das regras de negociação.
“Parece-me que a biografia constitui neste sentido, o lugar ideal para se verificar o caráter instersicial e
ainda assim importante da liberdade que as pessoas dispõem, assim como para se observar a maneira
como funcionam concretamente os sistemas normativos que nunca estão isentos de contradições”. LEVI,
Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, Janaina, FERREIRA, Marieta de Morais. Usos & abusos da
História Oral. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 167.
7
Le Goff também recomenda que a biografia seja elaborada como narração de uma vida que se articula em
torno de certos acontecimentos individuais e coletivos. LE GOFF, Jacques. São Luis Biografia. Rio de
Janeiro: Record, 1999. p. 20.
17
Brandão Vilela, religioso imerso nas tensões e utopias de seu tempo, que dialoga com
outros agentes sociais e constrói a si próprio.
8
Por considerar as relações entre o indivíduo e as sociedades nas quais viveu, a
perspectiva biográfica adotada para esta pesquisa é a de Biografia e Contexto, segundo
tipologia proposta por Levi, para quem a biografia conserva sua especificidade, todavia, a
época, o meio e a ambiência também são muito valorizados como fatores capazes de
caracterizar uma atmosfera que explicaria as singularidades das trajetórias.
9
Avelar Brandão Vilela estabelece relações com os fiéis, clérigos de hierarquias
diversas, bispos, arcebispos e papas. Em cada tempo e espaço essas relações foram
diferenciadas. Construir uma biografia histórica sobre um determinado personagem é
perceber o seu processo de individualização, mutante, conquistado e diferenciado nas
diversas sociedades nas quais esteve presente, excedendo esforços de enquadramento
linear e acumulativo de sua vida.
Entendo Avelar Brandão Vilela como criador e criatura de suas posturas no existir.
Tal qual Certeau, no estudo The practice of everyday life, compreendo que cada homem é
um locus, em que uma incoerente e frequentemente contraditória pluralidade de
determinações relacionais interagem.
10
Assim, o personagem que apresento é esse
indivíduo que atingiu distinção social pela intelectualidade e popularidade junto às classes
sociais pobres, por reconhecer carências materiais e financeiras. O seu pertencimento a
uma elite eclesial católica, antes de ser empecilho, encorpou o esforço de construção
de uma dissertação biográfica.
11
Para Pinheiro, construir uma biografia pode parecer, à primeira vista, fácil, desde
que se disponha de documentos e de talento para escrever. Por outro lado [...] faz-se
8
Em seu estudo sobre as relações entre indivíduos e sociedade, Norbert Elias reflete sobre a
impossibilidade de colocar os dois conceitos indivíduo e sociedade – em conceituações opostas. Para ele,
a historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta são a chave para a
compreensão do que é sociedade. A sociabilidade inerente aos seres humanos se evidencia quando se
tem presente o que significam as relações com outras pessoas para a criança pequena. [...] Não existe um
grau zero de vinculabilidade social do indivíduo, um ‘começo’, ou uma ruptura nítida em que ele ingresse na
sociedade como que vindo de fora, como um ser não afetado pela rede, e então comece a se vincular a
outros seres humanos. ELIAS, Norbert. A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p.
30-31.
9
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO; FERREIRA, op. cit., 2002, p. 175.
10
Apud SCHMIDT, Benito Bisso. Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na história, no
jornalismo, na literatura e no cinema. In: SCHMIDT, op. cit., 2000, p. 63-64.
11
Cidadãos comuns, mas também indivíduos pertencentes às elites podem constituir objetos de biografias
históricas, contrariando a ideia de que biografias feitas sobre personagens destacados seriam sempre
suspeitas ou comprometidas do ponto de vista histórico metodológico. Alguns historiadores, tais como
Georges Duby
, que escreveu sobre o cavaleiro medieval Guilherme Marechal, e Jacques Le Goff, sobre
São Luís e São Francisco de Assis; além de Nobert Elias, autor de trabalho com marcas biográficas sobre
Mozart, ao analisá-los sob a ótica sociológica, podemos ver que esses trabalhos são exemplos das
potencialidades do gênero biográfico. DUBY, Georges. Guilherme Marechal ou o melhor cavaleiro do
mundo. Rio de Janeiro: Graal, 1987; LE GOFF, op. cit., 1999. ______. São Francisco de Assis. 7. ed. Rio
de Janeiro: Record, 2005. ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1995.
18
necessário saber quais as implicações e as exigências da biografia histórica?
12
Acrescento a esse questionamento as reflexões de Le Goff, para quem a biografia não
exige
[...] apenas os métodos intrínsecos de fazer história: posição de um problema,
busca crítica das fontes, tratamento num tempo suficiente para determinar a
dialética da continuidade e da troca, redação adequada para valorizar um esforço
de explicação, ou consciência do risco atual ou seja, antes de tudo, da distância
que nos separa da questão tratada. A biografia confronta o historiador com os
problemas essenciais porém clássicos - de seu ofício de um modo
particularmente agudo e complexo.
13
Graduei-me em Jornalismo,
14
e, ao analisar a produção historiográfica sobre os
meios de comunicação piauienses, obtive as primeiras informações sobre Avelar Brandão
Vilela. O personagem que conheci naquele momento tinha sido o fundador da Rádio
Pioneira, em 1962, em Teresina, e carregava uma história marcada por uma intervenção
social singular, merecedora mesmo de esforço específico de pesquisa. Nas primeiras
conversas informais com os contemporâneos do religioso, e em entrevistas realizadas
com essas pessoas, percebi um discurso pronto a ser entregue, apresentando-o como
pessoa de moral irretocável, personalidade extemporânea e realizadora de grandes obras
assistenciais e pastorais, em tempos de indicadores socioeconômicos dos mais críticos
vividos na capital piauiense, Teresina, e no interior do Estado.
15
Não constavam
informações mais detalhadas sobre sua trajetória, que pudessem quebrar naturalizações
e motivações de identificação dos fiéis com o religioso. Havia, portanto, lacunas
investigativas.
Ao elaborar um levantamento prévio para a produção de uma biografia histórica,
encontrei trabalhos
16
dedicados a faces específicas da vida de Avelar Brandão Vilela.
12
PINHEIRO, Áurea da Paz. O desmoronar das utopias. Abdias Neves (1876-1928): anticlericalismo e
política no Piauí nas três primeiras décadas do século XX. Tese (Doutorado) Departamento de História do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, nov., 2003.
p.16.
13
LE GOFF, op. cit., 1999, p. 20.
14
Sou Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí,
desde ago. 2001.
15
Realizei entrevistas temáticas com o padre Tony Batista e a professora Cecília de Araújo Mendes, em jul.
2008, aqui estão discursos dessa natureza. Porém, essa naturalização dos discursos sobre o arcebispo
também é sentida pelo pesquisador Warrington Wallace Veras de Araújo, que elaborou a dissertação Dom
Avelar Brandão Vilela, entre o texto e o contexto: trajetória e representações do arcebispo do Piauí
(1956-1971), apresentada em 2008 ao Mestrado em História do Brasil da Universidade Federal do Piauí.
16
Dissertações que abordaram direta ou indiretamente o personagem Avelar Brandão Vilela, ligadas ao
Mestrado em História do Brasil da UFPI: História e Repressão: fragmentos de uma memória oculta em meio
às tensões entre a Igreja Católica e o regime militar em Teresina, de Maria do Amparo Alves de Carvalho
(2006); A Igreja Católica e os tempos Modernos: A luta pela construção de uma neocristandade em
Teresina (1948-1960), de Luciana de Lima Pereira (2008); Dom Avelar Brandão Vilela, entre o texto e o
contexto: trajetória e representações do arcebispo do Piauí (1956-1971), de Warrington Wallace Veras de
Araújo (2008) e Contra a Foice e o Martelo. Considerações sobre o discurso anticomunista piauiense no
período de 1959-1969: uma análise a partir do jornal O Dia, de Marylu Alves de Oliveira (2008). Em 2009,
foi apresentado o trabalho de pesquisa Práticas de devoção à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Vila
Operária, em Teresina Piauí, de Ana Cristina da Costa Lima. ainda as publicações História e Memória
da Rádio Pioneira de Teresina, de Francisco Alcides do Nascimento (2004). Fora do campo historiográfico,
19
Tomavam-no a partir da vida como religioso ou na condição de articulador social e
político, porém, dentro de questões intrínsecas a um campo geográfico e humano mais
restrito. Percebi a ausência de uma narrativa biográfica que pudesse oferecer
informações de sua trajetória vista de modo mais amplo, oportunizando reflexões sobre o
Avelar Brandão Vilela escritor, religioso e filho de uma numerosa família de plantadores
de cana-de-açúcar no sertão alagoano.
Comecei então a questionar: Como conhecer a trajetória de vida de Avelar
Brandão Vilela, como obter informações além de seus feitos reconhecidos e das obras
registradas? Como perceber as naturalizações e tentar desnaturalizá-las? Como entender
sentimentos, confidências, silêncios que tanto caracterizam a existência humana, porém
nem sempre são permitidos na frieza e formalidade dos textos eclesiásticos?
Para encontrar essas repostas, recorri ao estudo de cartas pessoais ou
endereçadas ao clérigo, discursos, palestras, registros de solenidades que promoveu e
fontes hemerográficas e orais; recorri ao que os jornais publicaram sobre ele, mas
percebendo, em particular, suas intervenções e colocações em primeira pessoa.
As fontes hemerográficas foram consideradas por mim como integrantes de um
processo sociointerativo, em que cada veículo criou seus códigos internos de produção
de sentido, segundo os quais trataram a notícia e transformam um acontecimento em fato
público. A resultante no tempo dessas manifestações impressas pode ser analisada
segundo o conceito de lugar de memória,
17
criado por Pierre Nora, e que possibilita uma
articulação entre memória e produção jornalística. Portanto, percebo essas fontes como
campo de memória.
Para o trato das cartas pessoais ou a ele dirigidas, o amparo teórico veio de
Certeau, quando questiona: “daquilo que cada um faz, o que é que se escreve?
18
posicionamento considerado por guiar o entendimento quanto à falta de identidade entre
o que cada um faz e aquilo que dele se escreve. Homilias e palestras foram estudadas à
luz do conceito foucaultiano de prática discursiva,
19
considerada um conjunto de regras
o livro reportagem A outra igreja: memórias das ações de Dom Avelar Brandão Vilela e a construção de
um outro catolicismo no Piauí, de Elane Odorico e Elias Monteiro (2008); O presente do passado: a
Faculdade Católica de Filosofia na História da educação do Piauí, de Maria do Carmo Bonfim, Maria das
Graças Pereira e Francisca de Souza (2002). Esses trabalhos são exemplos de obras que tratam das
realizações de Avelar Brandão Vilela na condição de arcebispo, além de muitas outras que o citam como
líder religioso e político, ao abordarem o contexto histórico dos anos 1950 e 1960; O Piauí no século XX, de
Zózimo Tavares (2003); e Economia e desenvolvimento do Piauí, de Felipe Mendes (2003).
17
Segundo Nora, lugar de memória é unidade significativa, de ordem ideal, da qual a vontade dos homens
ou o trabalho do tempo fez um elemento simbólico do patrimônio da memória e de uma comunidade
qualquer. NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares Projeto História - Revista do
programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, p.
7, 1981.
18
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1. Artes de fazer. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p.
106.
19
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 16. ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 34.
20
anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definem em uma
determinada época e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística as
condições do exercício da função enunciativa.
A História Oral
20
foi utilizada. A técnica da entrevista temática foi selecionada pelo
interesse particular nas lembranças acerca do personagem e sua atividade religiosa. Para
Verena Alberti,
21
a História Oral torna-se válida pela necessidade de preencher lacunas
sobre o problema proposto, que, porventura, as fontes documentais não conseguiram
sanar. Uso, portanto, suportes teóricos e metodológicos de natureza interdisciplinar.
Ponto comum nas fontes estudadas é o seu caráter narrativo. Nas cartas pessoais,
jornais ou depoimentos, os autores estabelecem um modo de se constituírem diante dos
problemas dados, narrando suas impressões do e no tempo. Para Motta,
22
narrativa é a
tradução do conhecimento objetivo e subjetivo do mundo, o conhecimento sobre a
natureza física, as relações humanas, os valores, as crenças, as identidades e
representações em relatos. Pelos enunciados narrativos, tornamo-nos capazes de colocar
as coisas em relação umas com as outras, trabalhar ordens e perspectivas e
compreender as coisas do mundo. Narrar, portanto, é uma atitude do presente que se
defronta com ações do passado, coloca em perspectiva ações históricas e inclui
exercícios de memória. Na prática, o narrador se investe na organização narrativa e
solicita determinada interpretação por parte de seus destinatários, como se faz no
jornalismo ou nos discursos e palestras.
A metodologia de análise do corpus documental materializado em jornais deu-se
pelo que Motta denomina de análise pragmática da narrativa jornalística, cujos
procedimentos de investigação se debruçam sobre o conjunto de notícias de um mesmo
tema, publicadas cotidianamente, para, em seguida, empreender reflexão sobre aquilo
que a dinâmica jornalística separou em edições diárias, semanais ou em outra
periodicidade. Afinal, é assim que o leitor percebe as narrativas e constrói sua memória,
em intervalos de tempo, recebendo e reestruturando novos elementos a cada notícia
unitária; passando a um construto contínuo da realidade que vai vivendo.
Avelar Brandão Vilela é um personagem impossível de aprisionar em fronteiras
geográficas, dada a projeção nacional e internacional de sua atuação como religioso ao
20
História Oral é um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto e que
continua com o estabelecimento de um grupo de pessoas a serem entrevistadas. O projeto prevê:
planejamento da condução das gravações com definição de locais, tempo de duração e demais fatores
ambientais; transcrição e estabelecimento de textos; conferência do produto escrito; autorização para uso;
arquivamento e, sempre que possível, a publicação dos resultados que devem, em primeiro lugar, voltar ao
grupo que gerou as entrevistas. HOLANDA, Fabíola; MEIHY, José Carlos Sebe Bom. História oral: como
fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007. p. 15.
21
ALBERTI, Verena. Fontes orais: histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes
históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 66.
22
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise pragmática da narrativa jornalística In: LAGO, Claudia; BENETTI, Márcia
(Org.). Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes: 2007. p. 78.
21
longo dos anos. Em virtude dessa constatação e perseguindo o objetivo de abrir chaves
de pesquisa em níveis horizontais e verticais de sua existência, busco fontes históricas de
natureza e suportes diversos nas capitais e na cidade onde o personagem viveu e
trabalhou ao longo dos anos. Percorro Teresina (PI), que, por ser meu lugar de fala, teve
detalhamento privilegiado no decorrer da construção do texto; Salvador (BA), Aracaju
(SE), além da cidade de Petrolina, em Pernambuco. Cobri, assim, os principais centros de
formação e atuação de Avelar Brandão Vilela.
Na capital piauiense, consultei os documentos da Cúria Metropolitana de Teresina,
digitalizei cartas pessoais e todas as edições do jornal católico O Dominical existentes no
acervo, disponibilizando cópias à própria instituição como forma de auxiliar em trabalhos
futuros. A investigação ali realizada auxiliou no conhecimento das relações políticas,
manifestações de paixão e estima existentes entre Avelar Brandão Vilela, na condição de
Arcebispo, e os habitantes da cidade. Acessei os jornais católicos na sua integralidade, o
que me permitiu conhecer a fala da Igreja Católica institucionalizada pelo Arcebispo nas
décadas de 1950 e 1960. Pelo caráter próprio que reveste a imprensa católica, as
mensagens do Arcebispo na imprensa escrita era a tradução dos caminhos e
determinações da Igreja de Roma na cidade de Teresina, o que influenciava nas relações
estabelecidas com seus habitantes.
Os jornais comerciais O Dia e Jornal do Piauí, publicados entre 1955 e 1971, foram
consultados no acervo do Arquivo Público do Estado do Piauí durante todo o ano de
2008. Utilizei a metodologia da análise pragmática da narrativa jornalística para as
matérias, artigos, fotografias e colunas que citavam o Arcebispo. Analisei o contexto
jornalístico mais amplo das páginas, que, em seguida, foram digitalizadas e analisadas
como um corpus documental temático, de acordo com os objetivos de cada capítulo da
dissertação.
As revistas Caravana, Veja, e IstoÉ - que trazem informações sobre o Arcebispo e
a conjuntura social e econômica ou acerca da religião católica no Brasil da época - foram,
respectivamente, colhidas na Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castelo Branco, da
Universidade Estadual do Piauí, e na Hemeroteca do Curso de Comunicação Social da
mesma instituição ou em sebos de diversas localidades. As entrevistas com jornalistas e
religiosos e com o personagem foram colhidas junto ao Núcleo de História Oral da
Universidade Federal do Piauí e ao Acervo da Rádio Pioneira de Teresina. A pesquisa
nas fontes citadas permitiu-me conhecer as relações entre os homens e as mulheres de
imprensa, religiosos e o Arcebispo. Percebi, nas lembranças, faces dessas relações, além
de enquadramento de memória que costuma cercar o pensamento sobre o personagem.
22
Em Petrolina, cidade na qual Avelar Brandão Vilela exerceu o episcopado pela
primeira vez (1946-1955), foi consultado o jornal O Farol. Consultei o acervo da Biblioteca
Cid Carvalho, o que me permitiu acessar obras com representações do religioso em sua
estada e partida para Teresina, ocorrida em 1956, além de notar a estima e dissensos ali
estabelecidos. Observei as concepções que os habitantes fizeram acerca do papel de
Avelar Brandão Vilela, na condição de bispo, e como este percebia sua missão naquele
território. Trabalhei na identificação e seleção destas fontes na primeira quinzena de
fevereiro de 2009.
A fase seguinte de coleta de fontes aconteceu entre os dias 1 a 4 de abril de 2009,
na capital sergipana, Aracaju, onde o religioso tornou-se sacerdote e exerceu os primeiros
anos de vida religiosa. No acervo da Cúria Metropolitana e do Instituto Histórico
Geográfico de Sergipe, consultei o jornal A Cruzada e obra acadêmica produzida sobre a
intelectualidade católica da década de 1930, fontes que ajudaram a compreender a
constituição do personagem como religioso, com missão adicional no campo político e
assistencial e no entendimento da crescente acumulação de cargos na hierarquia eclesial
que marcou sua trajetória.
Por último, consultei o acervo do Laboratório Reitor Eugênio de Andrade, da
Universidade Católica de Salvador, na Bahia, entre os dias 4 e 9 de abril de 2009. A
Instituição foi criada para conservação e restauração do acervo da Cúria Metropolitana de
Salvador, e contém cartas, recortes jornalísticos e fotográficos que o Arcebispo levou
consigo quando partiu de Teresina, em 1971, e assumiu o cargo de Arcebispo Primaz do
Brasil, na capital baiana. Esse acervo, em particular, foi de grande auxílio para a
pesquisa, pois concentra documentação pessoal endereçada aos parentes e amigos,
comunicações com diretores de periódicos, cartões de despedida e congratulações; além
de registros jornalísticos de suas passagens por outras cidades e seu pensamento sobre
os contextos vividos, expressos em jornais e em revistas de várias capitais brasileiras.
Este acervo ampliou o olhar da pesquisa, tornando-a capaz de perceber Dom Avelar
através de 21 jornais impressos.
Reunidas as fontes, com mais de duas mil imagens disponíveis à investigação,
passei à fase de sistematizar esse corpus documental. Procedi à leitura para a seleção de
características mais presentes, harmonizações, disputas, pronunciamentos e silêncios.
Dessa forma, estariam focalizados não somente os cargos e as obras, mas as relações
estabelecidas e as concepções sobre o tempo, a Igreja Católica, os contextos sociais e
sobre si próprio, componentes presentes na riqueza de uma trajetória de vida. Cheguei a
um corpo final de 350 imagens selecionadas e analisadas, referentes aos diversos
momentos de sua constituição como membro da Igreja Católica.
23
O cruzamento das fontes, onde inclui ainda depoimentos e entrevistas, permitiu a
construção de uma biografia histórica estruturada em três partes que dialogam entre si,
aprofundam informações dos anteriores, retomam momentos da trajetória do
personagem, porém, sob o ponto de vista das ideias principais, podem ser entendidos de
modo independente. Quais sejam:
- O ARCEBISPO NO PRELO E AS CIDADES ENGALANAS trata da formação
intelectual de Avelar Brandão Vilela em 1930; apresenta o contexto de formação
sacerdotal da época para auxiliar na compreensão do comportamento do personagem e
das permissões sociais que obteve para agir nas cidades. As escritas, jornalísticas e
pessoais, estudadas demonstram um religioso constituindo-se e cercando o seu lugar de
fala para uma legitimação das ações nos campos eclesiais ou fora desse espaço. Trata,
ainda, das cerimônias de recepção programadas para o religioso nas cidades nas quais
exerceu apostolado. A intenção é abordar a expectativa, os sentimentos e a
efervescência que atingiam a população, deixando transparecer as suas carências e
desejos em relação à figura do religioso. Dedico-me a iniciar o leitor na percepção de um
homem na construção de sua alteridade, a partir do estudo e análise dos contextos
sociais nos quais teve de viver.
- AS INTERVENÇÕES, OS CONFLITOS, AS DESPEDIDAS. Aborda as
identificações entre Avelar Brandão Vilela e os habitantes das cidades nas quais
trabalhou, privilegiando as intervenções presentes nesses espaços, realizadas para
mobilizar a população, e as controvérsias que essas ações provocaram nos setores
descontentes. São vistas, de modo mais específico, as relações do religioso com os
teresinenses sob a ótica da nova postura, mais política, ao tempo em que também vem à
tona o ponto de vista religioso, detendo-se nas intervenções que promoveu na cidade de
Teresina e que mudaram as formas de perceber e usufruir o espaço urbano, com
destaque para a Faculdade Católica de Filosofia e Congresso Eucarístico realizado em
1960.
Nesse momento da pesquisa procuro mostrar Teresina múltipla, viva nos jornais e
textos construídos sobre as décadas de 1950 e 1960, bem como as memórias presentes
nas fontes orais e jornais impressos. As relações do religioso com a cidade, presente nos
periódicos e lembranças dos jornalistas contemporâneos do personagem; as impressões
sobre o papel da imprensa na missão religiosa foram analisadas de modo a refletir sobre
um Arcebispo que se imiscuiu na capital e, continuamente, pela palavra escrita,
constituía-se agente social legitimado a mudar o cenário teresinense não sem atravessar
conflitos com a intelectualidade da época. As despedidas de Dom Avelar, em meio a
24
novas manifestações de delírio popular, ainda são abordadas neste momento de
pesquisa.
- A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE VIDA COERENTE. Neste momento
Avelar Brandão Vilela encontra-se em família, em meio aos silêncios e pronunciamentos
que ele e seus contemporâneos realizaram em torno desse ponto da vida do personagem
ainda pouco abordado. É percebido o esforço por uma construção de imagem pública e
não privada, típica dos líderes religiosos católicos, imagem que se pretende mais
identificada com o cargo e menos com as fraquezas e contradições. uma reflexão
sobre o Arcebispo rebelde às classificações externas e preocupado em tomar para si a
tarefa de qualificação social, constituindo-se homem equilibrado e pronto para dirimir
conflitos dentro e fora da Igreja. Em seguida, descrevo o momento em que seus discursos
acusam suas mudanças de opinião sobre a Igreja Católica e sobre sua própria condição
humana, característica que foi se fortalecendo com a chegada dos sinais de debilidade
física e o câncer em 1983. O objetivo foi perceber o homem Avelar Brandão Vilela
identificado com sua missão religiosa, porém admitindo suas fragilidades, medos, conflitos
e contradições.
Por mais que tenha sido objeto de estudo, Avelar Brandão Vilela constitui ainda
campo fértil de análise, longe de atingir seu esgotamento. Sem pretensões de oferecer
um trabalho que o observe em sua completude, espero, ao final, que o leitor sinta-se
motivado a lançar seu olhar particular sobre o tema, encontrando possibilidades de
aprofundar as ideias ora lançadas. Esta pesquisa foi realizada, inclusive, por se acreditar
no valor do contributo interdisciplinar, e crendo que escrever e estudar História é,
também, reinventar-se como historiador, sendo ou não nativo da oficina histórica, nos
olhares para o passado, futuro e presente. Em olhares de todos os tempos.
25
2 O ARCEBISPO NO PRELO E AS CIDADES ENGALANADAS
Quem tiver problemas políticos, dirija-se às autoridades políticas e não ao bispo.
23
A advertência acima compunha uma placa informativa exposta às portas do
Palácio Arquiepiscopal Nossa Senhora das Graças em Teresina, em meados de 1950. A
recomendação simbolizava o entendimento da Igreja Católica local acerca de seu papel
frente aos setores administrativos e políticos da cidade, concretizado no posicionamento
pastoral de Dom Severino Vieira de M elo.
24
Condutor da firmação doutrinária do
catolicismo, o Arcebispo pensava a Igreja de seu tempo a partir da identificação de
fronteiras explícitas entre os campos religioso, social e político.
No entanto, o que se viu, após a chegada de seu sucessor ao Piauí, Avelar
Brandão Vilela, em cinco de maio de 1956, foi a instalação de um governo episcopal na
contramão da diretriz sintetizada na placa informativa da cada de 1950. Contrariada
com veemência através das práticas do agora Arcebispo, Avelar Brandão Vilela nos
quinze anos após sua posse.
Eleger a trajetória de Avelar Brandão Vilela na centralidade de uma biografia
histórica é buscar entendê-la com suas contrariedades, conflitos, harmonizações,
silêncios e pronunciamentos presentes nas fontes orais, visuais e escritas. É ir além das
obras que se atribuem à sua autoria. Compreender a existência de um personagem
23
O RENOVADOR e o diplomata. Revista Veja, Rio de Janeiro, n. 231, p. 50, 7 fev. 1973.
24
O PERNAMBUCANO Dom Severino Vieira de Melo foi o bispo do Piauí (1924-1944); bispo de
Teresina (1944-1952) e arcebispo de Teresina (1953-1955). Faleceu em 27 maio 1955, no Palácio
Arquiepiscopal de Nossa Senhora das Graças. Ver CARVALHO JUNIOR, Dagoberto de. História
Episcopal do Piauí. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1980. p. 95.
26
através de suas realizações é um caminho possível, porém, fracionado e vazio da riqueza
que flui nas relações que estabeleceu, dos posicionamentos legitimados, das paixões
despertadas, sendo essas constituídas com outro, que é externo, mas não
necessariamente antítese do personagem.
Neste capítulo, questiono as relações que o religioso estabeleceu com os católicos
das cidades que trabalhou, a forma como fora recebido e as ações que executou nos
espaços de seu apostolado. Porém, daquilo que cada um faz, o que se escreve?
25
Afinal,
não identidade uniforme entre o que cada um faz e aquilo que dele se escreve. Os
registros são representações, elaborações, havendo um excedente que preserva a
diferença entre a ação e a escrita. o que o arcebispo fez. Existiram relações
construídas com as sociedades nas quais viveu e o que se escreveu sobre essas
ações. As minhas reflexões se debruçam sobre este último, reconhecendo que o dois
polos distintos, mas relacionados entre si.
É necessário pensar a formação religiosa e intelectual de Avelar Brandão Vilela
através do cruzamento de fontes produzidas por ele próprio ou sobre ele, enquanto
cumpria estudos preparatórios para o presbiterado no Seminário Sagrado Coração de
Jesus, e ascendia na hierarquia eclesiástica, em Aracaju, Sergipe. Como seminarista,
chegou a essa casa de formação em Aracaju, em 1930, para prosseguir os estudos
religiosos iniciados em 1925, no Seminário Arquiepiscopal de Maceió, Alagoas.
26
Permaneceu na capital sergipana até 1946, quando foi sagrado bispo e transferido para
Petrolina, Pernambuco.
As cartas e artigos de jornal, assinados durante dez anos de permanência do
personagem no campo eclesial sergipano, não possuem potencial que justifique a
totalidade das ações que promoveu desde então. Considerar isso seria negar a
importância das habilidades acumuladas em período seguinte (1945-1956), quando viveu
a primeira experiência como bispo, na cidade de Petrolina. Seria ainda julgar que os
registros do passado explicariam a totalidade de suas ações futuras. As fontes que
consultei são pensadas, portanto, como chaves de apreensão de uma figura eclesial
estimulada pelo meio intelectual e por características pessoais, a trabalhar a sua trajetória
de vida, em particular a religiosa, empregando e reempregando ferramentas de
25
Michel de Certeau explicita que entre o que se faz e o que se escreve um excedente que preserva a
diferença entre ambos. Neste capítulo, reflito sobre o que se escreveu a respeito das relações entre Dom
Avelar e as cidades nas quais trabalhou. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1. Artes de fazer.
14. ed. Petrópolis, RJ: VOZES, 2008. p.106.
26
No terceiro capítulo, este período da trajetória de vida do personagem será abordado com maiores
detalhes.
27
interlocução social, a exemplo dos jornais, como aconteceu no semanário católico A
Cruzada.
27
A cidade de Teresina dos anos 1950 e 1960, apresentada pelos jornais impressos
O Dia e Jornal do Piauí,
28
bem como as demonstrações de estima nas cerimônias de
chegada as cidades Petrolina e Salvador completam as reflexões deste primeiro capítulo.
São leituras, dentre outras tantas possíveis das relações que o religioso construiu com os
fiéis católicos. Os jornais impressos são as fontes consultadas, pensadas a partir de três
leituras diversas, dependentes entre si e, sucessivamente, mais aprofundadas. Em
princípio como caldeirões de formação de identidade e posicionamento social, quando
jornalistas e colaboradores, como Avelar Brandão Vilela, os utilizavam para comunicar
suas angústias imediatas e exercitar a prática enunciativa de interferência no seu tempo,
identificação de si, da cidade e qualificação de um outro colocado como interlocutor. A
segunda leitura entende que o trabalho dos jornalistas - na lida de perceber, constituir,
condensar e publicar, no período de um dia, o registro de verdades para os próximos
tempos - demonstra como o religioso e os cidadãos afetavam-se mutuamente. Na última
leitura, as práticas de escrita do personagem são analisadas como uma modalidade de
ação, ou como maneiras de fazer
29
a si.
Escrever como discursar no púlpito era uma prática constante do Arcebispo,
criando um jogo de relações mediante a estratificação da sua função, traduzida no
exercício de diversos papéis na Igreja Católica e fora dela, como o de professor, diácono,
subdiácono, padre, cônego e secretário do bispado. Com essas maneiras de fazer, criou
para si um espaço para jogar com as maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar. A
partir do seu posto na hierarquia católica e da cidade em que teve de viver, sob regimes
de convivência diferenciados e que lhe impunham expectativas e normas, instaurou a
pluralidade de seu trabalho; portanto se construiu como político, assistente social ou
promotor de causas educacionais.
27
Jornal da Diocese de Aracaju de periodicidade semanal, com seis páginas. Voltou a circular a 10 de
fevereiro de 1935, no governo episcopal de Dom José Tomás Gomes da Silva, dirigido por um conselho
editorial formado por padres e presidido pelo sacerdote João Moreira Lima. A redação e administração
localizavam-se no próprio Seminário Diocesano.
28
O Jornal O Dia foi fundado em 14 jul. 1923, e dirigido por Abdias Neves, mas teve vida curta, durou
apenas dois anos. Foi reaberto em 1 fev. 1951, sob a direção de Raimundo Leão Monteiro, com redação de
Orisvaldo Bugyja Britto, circulava às quintas-feiras e domingos, com seis páginas em cada edição. Em
1962, fora arrendado pelo Partido Trabalhista Brasileiro e em1964 adquirido pelo coronel do Exército Otávio
Miranda. O Jornal do Piauí era também bissemanário e composto por seis ginas em cada edição. Foi
fundado em 1951 por Antônio de Almendra Freitas e dirigido por José Gayoso de Almendra Freitas, José
Camillo da Silveira Filho, pela bancada de deputados estaduais do Partido Social Democrático,
posteriormente pelo jornalista Arimateia Tito Filho, e, a partir de 1957, por José Vieira Chaves. Os dois
foram selecionados por terem circulação ininterrupta no Estado durante todo o governo episcopal de Dom
Avelar Brandão Vilela. PINHEIRO FILHO, Celso. História da imprensa no Piauí. 3. ed. Teresina: Zodíaco,
1997. p. 232.
29
Utilizo as reflexões sobre as maneiras de fazer e de falar nas práticas cotidianas, adaptando o
pensamento de Michel de Certeau para o pensamento de um espaço próprio que Dom Avelar Brandão
Vilela construiu para si. CERTEAU, op. cit., 2008, p. 103.
28
Quem tiver problemas políticos, dirija-se às autoridades políticas, e não ao bispo,
caracteriza atitude do episcopado de Dom Severino Vieira de Melo, mas não o traduz em
detalhes justos perante os registros do trabalho eclesial por ele efetuado. O seu bispado
foi o mais longo do Piauí,
30
e representou um período de organização administrativa da
Igreja Católica local, decisivo para o quadro institucional vigente em 1950. O seu
apostolado, percebido na contramão da linha cronológica a partir de Dom Avelar, remete
a uma relação mais silenciosa ou distante da política partidária e governos estabelecidos.
Quando pensado nas contingências de seu tempo, encontra-se um bispo com o olhar
interno ativado, aberto à estruturação física e financeira da instituição eclesiástica,
mergulhado na introspecção institucional, desde a sua posse, em 1924. Ao longo dos 31
anos de trabalho, duas novas dioceses foram criadas no Piauí, em Parnaíba e Oeiras,
31
e
reintegrada parte do patrimônio eclesial perdido por questões legais no município de
Piracuruca,
32
cidade localizada a 204 km da capital Teresina. ainda o empenho de
Dom Severino na reabertura das casas de instrução da Diocese, reinaugurando o Colégio
Diocesano em 1925, e o Seminário dois anos depois; o que o fez trocar de moradia
oficial, saindo do Palácio Episcopal para residir na Chácara Tabajara.
As vitórias sucessivas obtidas pelo bispo em questões de reorganização da
estrutura católica refletiram junto à Santa Sé, que cedeu aos apelos de interiorização e
autonomia em relação à Província Eclesiástica do Maranhão, a qual a diocese piauiense
respondia hierarquicamente.
33
Dom Severino conseguiu, em 1952, realizar a reunião dos
bispos da Província Eclesiástica do Maranhão na capital piauiense, ocasião em que
obteve consenso para o pedido de elevação da Diocese de Teresina à categoria de
Arcebispado. No mesmo ano, em documento datado de nove de agosto, a Santa criou
a Província Eclesiástica do Piauí e o elegeu como seu primeiro titular. A solenidade de
30
MELO, Padre Claudio. Piauí Diocese e Província Eclesiástica. Teresina: Arquidiocese de Teresina,
1993. p. 72.
31
Foi criada ainda a Prelazia de Bom Jesus do Gurgueia pelo Papa Pio XII, em 16 dez. 1944. Ao acatar a
criação das duas dioceses, o papa automaticamente modificou a denominação da Diocese do Piauí para
Diocese de Teresina. MELO, Pe., op. cit., 1993, p. 61.
32
Na questão de Piracuruca, a atuação de Dom Severino teria sido fundamental. Foi o autor da ação contra
Raimundo Rodrigues Lima e Antônio H. Rodrigues Lima, em prol da interpretação correta do documento de
vendas de terras da Santa na região. Por falha de redação, o documento foi interpretado segundo o
interesse dos compradores, indo à venda mais que as zonas estéreis das fazendas e lesando o patrimônio
eclesial. Há, no arquivo da Cúria Metropolitana de Teresina, cópia do jornal O Piauhy, n. 215, 14 out. 1928,
com publicação da peça judicial de defesa dos réus, assinada pelo desembargar Antônio da Costa.
33
Dom Severino Vieira de Melo obteve consentimento para a fundação das paróquias de Porto Alegre
hoje município de Luzilândia Miguel Alves, Altos e Simplício Mendes, e a anexação da freguesia de São
João do Piauí à Prelazia de Bom Jesus do Gurgueia. Outras conquistas a ele atribuídas são: a formação de
patrimônio para essas novas dioceses do Estado, reconstrução do Centro Cultural Católico, a vinda da
Ordem Franciscana para o Convento de São Benedito, restauração da Igreja de Nossa Senhora das Dores,
a aquisição, por doação e compra, de metade do que se configura atualmente como Palácio Episcopal;
obtenção de novos bens patrimoniais para a Diocese, eleição de um bispo auxiliar para Teresina e até
mesmo o funcionamento de um cinema no Centro Cultural Católico. O Dominical, semanário publicado pela
Diocese de Teresina, desde 1948,
também foi criado em seu governo. CARVALHO JUNIOR, Dagoberto de.
História Episcopal do Piauí. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1980. p. 95.
29
instalação ocorreu na Catedral de Nossa Senhora das Dores, a quatro de janeiro de 1953,
com a leitura da bula Quemademodum Insignis, assinada pelo papa Pio XII (1939-1958).
A postura de mergulho no próprio bispado o significou alheamento integral do
cenário político local. Dom Severino atuou em situações fora do campo religioso em ao
menos três situações específicas: quando da chegada da Coluna Prestes ao Piauí, em
1925; no ano seguinte, quando se tentou introduzir o divórcio no Brasil, e, em 1952,
durante as comemorações do centenário de fundação de Teresina.
No primeiro caso, intermediou a desistência da passagem por Teresina das tropas
chefiadas por Luís Carlos Prestes, Juarez vora e Miguel Costa, oferecendo-se para ir
pessoalmente ao acampamento instalado pelos revoltosos no povoado Natal, município
de Monsenhor Gil, a 60 quilômetros da capital. Juarez vora encontrava-se preso em
Teresina, o que fez crescer um temor de invasão pelos integrantes da Coluna. O bispo
viajou para o acampamento, a cavalo, em janeiro de 1926, levando uma carta do líder
preso ao comando revolucionário, atestando a inconveniência de um ataque à cidade.
Após conversar com os demais líderes, retornou com a certeza de que a invasão não
ocorreria. Juarez Távora foi embarcado para o Rio de Janeiro, e as tropas se retiraram do
acampamento.
Durante a campanha do divórcio, em 1926, Dom Severino mobilizou as paróquias,
e pediu que amigos de deputados federais lhes telegrafassem manifestando oposição ao
divórcio. Solicitou ainda que as câmaras municipais manifestassem repúdio à
possibilidade de dissolução do casamento, e pessoalmente se dirigiu aos poderes
públicos estaduais e federais, colocando a campanha divorcista como um atentado à
Religião, à Pátria, e à Família.
34
Outro momento de inserção política ocorreu em 1952, quando Teresina vivia as
festividades relacionadas ao seu primeiro centenário de fundação. Tendo recebido convite
para participar da Feira de Amostras, onde a artista carioca Elvira Pagã, famosa por
apresentar-se seminua, fora convidada a cantar, Dom Severino respondeu em carta
enviada à comissão organizadora que não iria comparecer nem mesmo agradeceria o
convite, pois não poderia participar de evento com a presença de uma artista
[...] cuja triste crônica é por demais conhecida e tem merecido o repúdio dos
elementos sãos dos grandes centros como o Rio, São Paulo, Recife, Paraíba e
São Luis do Maranhão. Não acham VV.SS., que como tal convite nos insultam em
nosso caráter de Bispos da Igreja Católica, mestra e defensora da moralidade e
dos bons costumes? E que com tal anúncio afrontam o brio da família teresinense
e os bons bitos do nosso povo além de colocar-nos em um nível por demais
baixo de civilização?
35
34
MELO, Pe, op. cit., 1993, p. 60.
35
MELO, Pe, op. cit., 1993, p. 60.
30
Diante da repercussão da carta de Dom Severino e do apoio recebido de entidades
como a União dos Moços Católicos, a artista não veio ao Piauí, sob a justificativa
adicional de que o era produto do meio teresinense e não teria sentido ser integrada a
um evento intitulado 1ª Feira de Amostras.
O legado de Dom Severino formou-se enquanto a Santa conservava práticas
que, se por um lado contribuíam para manter a imagem de instituição respeitada,
dedicada aos assuntos do espírito e guardiã inabalável da moral cristã, por outro
perpetuava ritos católicos distantes da compreensão popular. Monsenhor Isaac Vilarinho
percebia a instituição no Piauí do fim dos anos 1940, revestida de um caráter quase
medieval ou caracterizada pela forte vivência de um espírito da cristandade.
36
Não era um cenário local exclusivo. Até a realização do Concílio Vaticano II (1962-
1965),
37
em Roma, e mesmo anos depois de sua realização, setores da Igreja Católica
em todo o mundo permaneceram resistentes a mudanças internas e à aceitação de novas
formas de vivenciar a religiosidade.
A filosofia de São Tomás de Aquino, centrada na infalibilidade da instituição
eclesiástica e de seu maior líder, o Papa, e a ideia do necessário reajustamento do
homem moderno à doutrina cristã ainda eram marcas do catolicismo à época. Obrigatória
nos seminários no início do século XX, defendia-se a existência de uma Igreja fechada e
autosuficiente, dando ênfase à crença em aspectos universais e perenes, como a
essência religiosa do homem e do cosmo, e à possibilidade de redenção da sociedade
para a vivência harmoniosa dos povos. Nessa perspectiva, as angústias do homem, as
incertezas, as questões de economia e política, os conflitos de natureza social, racial e
sexual eram considerados secundários, continentes diante da grandiosidade do horizonte
metafísico.
38
Na Igreja Católica nordestina, nas décadas de 1930 e 1940, vigorava um modelo
profundamente hierarquizado e centralizado na figura do bispo, que permitia a
participação de leigos somente em associações como apostolados da oração,
36
Vigário no período de transição decorrido do falecimento de Dom Severino, em 27 maio 1955, e a posse
do novo arcebispo, a 5 maio 1956, Dom Avelar Brandão Vilela. CARVALHO, Maria do Amparo Alves de.
História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em meio às tensões entre igreja católica e o
regime militar em Teresina. 2006. 229 p. Dissertação (Mestrado) UFPI, Teresina, 2006. p. 127.
37
Segundo Scott Mainwaring, o Concílio Vaticano II marcou um dos mais importantes eventos na história do
catolicismo romano, pois enfatizou a missão social da Igreja, declarou a importância do laicato, motivou
maiores responsabilidades e co-responsabilidades entre papas e bispos, ou entre padres e leigos,
desenvolveu a noção de Igreja como o povo de Deus, valorizou o diálogo ecumênico, modificou a liturgia de
modo a torná-la mais acessível. MAINWARING, Scott. Igreja católica e política no Brasil - 1916/1985.
São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 62. As conclusões das plenárias conciliares. Site do Vaticano. Disponível
em: <http://vatican.mondosearch.com/search_pt.aspx?query=Conc%EDlio+Vaticano+II&x=24&y=1
>.
Acesso em: 21 nov. 2008.
38
AZZI, Riolando; GRIJP, Klaus van der. História da Igreja no Brasil: ensaio e interpretação a partir do
novo. Tomo II/3-2. Terceira época 1930-1964. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 98.
31
congregações à semelhança das Filhas de Maria e em ações de apoio material e logístico
ao trabalho evangelizador. Nesse quadro, o bispo era o príncipe da Igreja.
39
De fato, os desdobramentos conciliares que implicaram nas alterações da liturgia e
do uso da língua vernácula nas missas foram aplicados de modo paulatino, mas
polêmico, somente na cada de 1960, exigindo de clérigos e fiéis a participação em
cursos de renovação e preparação litúrgica com fins de adaptação às novas
determinações, conforme eram publicadas as licenças papais de mudanças nos ritos.
40
Por sua vez, a renovação ocorreu em meio a protestos dos conservadores, defensores da
permanência das práticas simbolizadoras da entendida essência cristã, como o uso do
latim nas missas.
Uma Igreja de introspecção, mobilizada no sentido de organizar-se e ganhar
legitimidade perante a estrutura institucional superior; dedicada ao reconhecimento de
Cristo pelos homens, seja pela negação do mundo seja pela missão de conserto do
mundo, porém estruturada financeira e organicamente. Diante das dificuldades temporais,
foi o terreno ou cenário sobre o qual Dom Avelar trabalhou em Teresina.
O contexto de suas relações iniciais com a cidade torna-se, portanto, objeto de
interesse em paralelo aos momentos vividos nos demais municípios. Neste estudo,
enfatizo o contexto teresinense, mas destaco a formação intelectual e religiosa de Dom
Avelar em Aracaju.
2.1 O Arcebispo no prelo
[...] Voltei-me para 30 anos atrás, quando do dia festivo da ordenação sacerdotal
daquele jovem viçosense que se chama Avelar. Reportei-me aos dias, também,
em que ingressamos ainda crianças no Seminário Arquiepiscopal de Nossa
Senhora da Assunção, lá do alto do Jacuntinga, a cobrir à distância o horizonte e o
mar. [...] Viera ele de Viçosa, sentado no vagão de passageiros, acompanhado do
seu ilustre tio Brandão Vilela. [...] Ensinaram-nos, naquelas primeiras séries do
curso de Humanidades, as cadeiras e disciplinas de Latim, Português, Francês e
Matemática. Sem falsa modéstia, apraz-me memorizar que éramos nós dois os
mais estudiosos da classe e concorrentes de notas por matérias. Os graus de
promoção e aproveitamento, até a terceira série, sempre nos foram de efetivas
disputas das melhores colocações. Quando da conclusão do terceiro ano ginasial,
transferiram-me para o Seminário Episcopal Sagrado Coração de Jesus, em
formosa cidade de Aracaju. [...] Surpreendi-me quando ao regressar das férias de
1930, tomara conhecimento de que meu colega Avelar também se transferira para
o Seminário, que Dom José Gomes fundara para os filhos de seus diocesanos.
Convivemos juntos ainda por mais um ano de estudos filosóficos [...] Deixei o
39
CAVALCANTE, Pe. Francisco José P. Diocese de Petrolina: 80 anos de evangelização. Petrolina:
Gráfica Franciscana, 2004. p. 9.
40
Em comunicado oficial ao clero e aos fiéis, Dom Avelar anuncia a vigência nas Igrejas piauienses da nova
Constituição da Sagrada Liturgia, segundo a determinação conciliar votada na sessão conciliar de 1963 e
aprovada sob o documento Sacrum Liturgium. AVISO ao Revmo. Clero e aos fiéis. O Dominical. Teresina,
16 fev. 1964, n. 7/64, p. 1.
32
jovem viçoense em Aracaju a desfrutar da estima e confiança dos superiores
hierárquicos.
41
A longa citação do deputado federal Medeiros Netto, publicada no jornal católico O
Dominical, reúne fragmentos da formação religiosa e intelectual de Dom Avelar,
divulgadas quando assumiu a vice-presidência do Conselho Episcopal Latino Americano,
tornando-se, para a imprensa católica, sinônimo de proeminência no episcopado nacional.
Certificados de conclusão do ginasial ou preparatório em Humanidades, conforme o curso
era chamado à época, integram o acervo documental sobre Avelar Brandão Vilela,
disponível no Laboratório Eugênio de Andrade Veiga, da Universidade Católica de
Salvador, na Bahia. Em seu conteúdo, consta a provação plena ou com distinção nas
disciplinas de História do Brasil, Latim, Aritmética e Francês, no início de 1930,
confirmando os dados da memória do colega de estudos.
O prosseguimento da formação deu-se no Seminário Episcopal Sagrado Coração
de Jesus, em Aracaju, casa de formação posta em segundo plano na análise de
pesquisadores sobre o religioso, em função das obras que o caracterizam como fundador
de paróquias, movimentos sindicais rurais, igrejas, centros sociais e ginásios públicos.
Contudo, a casa era considerada, na década de 1930, centro diferenciado de formação
católica e intelectual de uma série de presbíteros, na perspectiva episcopal de Dom José
Tomás Gomes da Silva,
42
paraibano e primeiro Arcebispo de Aracaju, que, em 1913,
alocou a própria residência como sede de formação de novos padres. À época, a
fundação do seminário constituiu-se como primeiro núcleo sergipano dedicado à
formação superior, fornecendo material humano para outros institutos de formação.
Seu seminário foi, durante aquilatados anos, o principal centro de estudos de
Sergipe, dele saindo não apenas sacerdotes de Cristo, pastores do rebanho
católico, mas também homens de boas e apuradas letras, muitos deles de
admirável formação clássica. O ensino público, no Ateneu Sergipense e na Escola
Normal Rui Barbosa, sempre contou com a colaboração de padres ilustres que se
tornaram também mestres da Universidade Federal de Sergipe. Muitos e muitos
deles trabalharam na imprensa do Estado, tomaram assento na Academia
Sergipana de Letras, figuraram entre os pesquisadores do nosso passado,
integrando o quadro social do nosso Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
43
Existiam diferenças no plano de formação religiosa e intelectual do Seminário de
Aracaju, que, se não determinaram a singularidade do seminarista Avelar em relação aos
demais, constituíram um campo de construção de sua atuação religiosa particular. Na
contramão do funcionamento de casas semelhantes no Brasil, o investimento na
formação clássica de seminaristas voltada para as carências educacionais da região
41
NETTO, Medeiros. Menino de Viçosa. O Dominical, Teresina, 10 jan. 1965, n. 2/65, p. 5.
42
BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro. Os padres de D. José: Seminário Sagrado Coração de
Jesus (1913-1933). 2004. 201p. Dissertação (Mestrado) UFSE, São Cristóvão, 2004. p. 88.
43
CALASANS, José. Os padres de D. José. A Tarde, Salvador, 23 out. 1985, n. 1220, p. 6.
33
cooperou para a construção de uma elite intelectual dirigente, confiante em si mesma, de
formação missionária catequética, através da qual, Dom José Tomás Gomes da Silva
estabelecera uma hegemonia de poder, traduzida em uma corporação fechada,
preservadora de verdades divinas reveladas, antepondo a consciência trancafiada nos
seminários à própria razão como enunciadora de novas verdades científicas.
44
Avelar
Brandão Vilela observou essa diretriz, obedeceu as normas de formação e dialogou com
elas a ponto de divergir, em seus artigos, quanto à condenação das verdades científicas,
dentro dos limites possíveis para sua condição, e construir uma intelectualidade
destacada dos demais.
Conforme condições de existir de um lugar, os intelectuais podem constituir grupo
social de contornos vagos, incompreendido por vezes em seu raio de atuação, e, por
longos períodos, ser considerado pouco significativo em termos de tamanho.
45
Sob essa
perspectiva, afirma-se que a intelectualidade dos padres ali formados pode ser tomada no
duplo aspecto polimorfo e polifônico do termo, relativo à sua compreensão e extensão.
São muitas as vozes e variadas as formas de expressão intelectual, ganhando
proeminência as que dialogam com maior afinidade com os demais constituintes do
contexto social.
Em acepção global, os intelectuais são criadores, além de mediadores dos
saberes, e atuam no sentido da difusão e vulgarização de conhecimentos. Em acepção
mais restrita, assumem facetas de engajamento no serviço das causas em que acreditam.
Como dois elementos de natureza sociocultural, essas facetas, a global e a mais restrita,
não seriam autônomas entre si, mas interdependentes. E a notoriedade eventual ou
especialização deste intelectual, reconhecida pela sociedade em que vive
especialização que legitima e mesmo privilegia sua intervenção nos debates das cidades
emerge das práticas e estratégias que este intelectual põe a serviço das causas que
defende.
46
O semanário católico de Aracaju, A Cruzada, contém parte da atividade intelectual
do seminarista, diácono, clérigo e posteriormente cônego Avelar Brandão Vilela,
desenvolvendo-se em fases distintas ao longo de uma década e meia de permanência em
terras sergipanas. Secretário do Bispado, capelão da Igreja de São Salvador, professor
de História do Brasil no Círculo Operário Católico, assistente da Liga Feminina Católica,
docente titular das disciplinas de Português, Literatura Portuguesa e Psicologia, cônego
do cabido diocesano, diretor do Departamento de Vocações Sacerdotais e diretor
44
LIMA, Jackson da Silva. Os estudos filosóficos em Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de
Sergipe,1995. p. 130.
45
SIRINELLI, Jean François. Os intelectuais. In: REMOND, Renê (Org.). Por uma história política. Rio de
Janeiro: UFRJ/Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 234.
46
Id. ibid.
34
espiritual do seminário (1938-1946), foi também integrante da Academia Literária de
Santo Tomás de Aquino, professor de Latim
47
e redator do jornal católico.
O grau de entrosamento do clérigo com a hierarquia local e a vontade de progresso
na vida religiosa estão presentes na sua escrita e nos documentos oficiais da casa de
formação sacerdotal em Aracaju. No livro de registro histórico do seminário, os estatutos
exigiam que, durante os estudos, cada seminarista possuísse ligação direta com um
morador da capital, chamado de correspondente, capaz de lhes prestar ajuda financeira
para o pagamento da pensão e acolhida em caso de necessidade, como doenças.
48
O
jovem Avelar, no entanto, aparece no Livro de Matrícula dos Alunos, em 1933, quando
cumpriria o segundo ano de Teologia, como responsável por si próprio, sem nenhum
mantenedor externo a responder por ele. Naquele mesmo ano, diante do fechamento do
seminário por motivos financeiros, foi enviado ao Seminário de Olinda, com
recomendações especiais do bispo de Aracaju, para o cumprimento da última etapa de
estudos teológicos. Mesmo a distância, Avelar continuou dialogando com seu principal
orientador.
Em carta escrita à família em outubro de 1934, avisou sobre comunicado -
expedido por Dom José Tomás Gomes da Silva no mês anterior, solicitando
documentações para o seu ingresso no subdiaconato e diaconato, tais como certidões de
batismo e de casamento dos pais, e comprobatórios de execução do processo canônico
de vita, gênese et moribus
49
- segundo o qual padres da Igreja Matriz de Viçosa, sua terra
natal, deveriam levantar informações a respeito do cenário familiar do seminarista, com
vistas a encontrar possíveis impedimentos à sua carreira sacerdotal. Vencida a
burocracia, o subdiaconato e o diaconato lhe seriam conferidos, inaugurando um
momento de definição pessoal. Diga a todos que rezem por mim, porque o subdiaconato
47
Estes dois últimos quando ainda era seminarista, entre 1933 e 1942. Concessões dessa natureza, fruto
do perfil do seminarista e da necessidade de pessoal qualificado para ministrar aulas, eram rotina no
Seminário de Aracaju, apesar de contrárias às determinações canônicas. Tanto essa irregularidade como as
constantes ausências de Avelar Brandão Vilela no cargo de diretor espiritual do Seminário, já em 1946,
foram motivo de repreensão oficial por parte de monsenhor Manoel Pedro da Cunha Castro. Em 8 jun.
1946, esteve em Aracaju como visitador apostólico dos Seminários do Brasil para vistoriar a casa de
formação sacerdotal de Aracaju, e assinalou no Registrou Histórico do Seminário a solicitação de
providência para o fim das “irregularidades”.
48
O Livro 1, do Registro Histórico do Seminário Sagrado Coração de Jesus, determina a existência dos
correspondentes de cada seminarista, em seu Capítulo II – Da pensão, Artigo 19, p. 7.
49
Vita, gênese et moribus compunha a segunda das três fases do processo de habilitação que um
candidato ao sacerdócio necessitaria atravessar para atender as exigências canônicas. Consistia no envio
pelo vigário-geral do bispado e juiz do processo como um todo de um edital a ser recebido pelo vigário do
local da residência do habilitando e lido em missa solicitando as seguintes informações à comunidade: se o
habilitando era ou não filho legítimo, se havia cometido algum crime que o tornasse indigno ao cargo de
padre, se devia restituição de honra ou promessa de casamento ou se era constrangido a se tornar
religioso. MICELI, Sérgio. A Elite eclesiástica brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000. p. 33.
35
é o passo mais rio que hei de dar na vida. Uma vez recebido, não se pode mais voltar.
Abençoe com mamãe o filho que muito lhe quer. Avelar”.
50
O clima de estima e de aposta no futuro sacerdotal de Avelar Brandão Vilela foi
percebido pelo bispo de Aracaju, o que inferimos a partir de documentos pessoais. Em
carta redigida no município de Propriá, em Sergipe, e endereçada a seu pai, a afinidade
fica demonstrada no esforço de ordenação, não obstante o impedimento da idade, pois
Avelar Brandão Vilela estava com apenas 23 anos, mas secretariava o bispo em longas
viagens pastorais. A agenda episcopal, somada às questões da idade impediriam a
sonhada ordenação sacerdotal no município em que nascera.
No dia 27 deste, festa de Cristo Rei, serei ordenado sacerdote de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Está bem perto o dia em que se realizarão os meus ideais. Minha
satisfação é incomensurável! Não esperava que fosse tão minha sagrada
ordenação. Julgava mesmo que não viesse mais este ano a dispensa de idade.
[...] O Sr. Bispo não pode, no momento, ir até Viçosa. Sou o primeiro a
reconhecer. Tudo isso devido a não se poder, com antecedência, marcar a
ordenação por falta de idade. mais de um mês D. José está fora da Diocese.
[...] O Sr. Bispo vem cansadíssimo desta viagem longa e trabalhosa. Em princípios
de novembro terá de viajar a Bahia. Como, poder ordenar-me em Viçosa?
51
Nas cartas pessoais e nos jornais, principalmente no semanário católico A
Cruzada, estão conteúdos representativos de uma intensa atividade intelectual e religiosa
que merece exame mais detalhado. Nas condições de seminarista e cônego, até sua
ordenação episcopal em 1946, registrou ideias por intermédio da imprensa e plantou
sinais do forjar-se como religioso. Avelar Brandão Vilela, em Aracaju, estivera, portanto,
no prelo.
De fato, examinando sua trajetória, é possível percebê-lo próximo ou envolvido
diretamente com a imprensa. O Curriculum Vitae,
52
preparado em 1976, por sua
assessoria em Salvador, elenca as relações diretas com as mídias. Em Teresina,
manteve a crônica diária no rádio, denominada Oração por um dia feliz, nas emissoras de
rádio Difusora e Pioneira, e na redação frequente no semanário impresso católico O
Dominical.
Em terras baianas, foi titular de coluna fixa no jornal A Tarde. Deu continuidade à
crônica diária Oração por um dia feliz, e manteve o programa semanal A Voz do Pastor,
na Rádio Cultura, este último como programa de evangelização oficial da Arquidiocese de
Salvador, no contexto de engajamento do povo de Deus em marcha. Além dessas
50
VILELA, Avelar Brandão. Carta redigida no Seminário de Olinda, em 11 out. 1934, quando cursava o
penúltimo ano de Teologia fora de Sergipe, por recomendação do bispo de Aracaju, Dom José Tomás
Gomes da Silva, diante do fechamento do Seminário de Aracaju. O documento encontra-se no acervo do
Laboratório Eugênio Veiga, da Universidade Católica de Salvador, em Salvador.
51
Ibid. Carta redigida no Seminário da cidade de Propriá, Sergipe, em 13 out. 1935, durante viagem
pastoral. O documento encontra-se no acervo do Laboratório Eugênio Veiga, da Universidade Católica de
Salvador.
52
Material disponível no acervo do Laboratório Eugênio Veiga, da Universidade Católica de Salvador, em
Salvador, Bahia.
36
participações, ainda havia contribuições semanais no jornal impresso O Mensageiro, de
cunho católico, e apresentação de um programa diário na TV Itapoã, denominado
Sementes de Contemplação. Por sua iniciativa, foi adquirida, em regime de cotas entre
ele e os vigários da Arquidiocese de Salvador a Rádio Excelsior;
53
e, antes, a própria
Rádio Pioneira de Teresina, fundada em 1962.
54
Como órgão da Ação Católica Diocesana de Aracaju, A Cruzada vinha de uma
suspensão de publicação, motivada pela falta de recursos financeiros. Por isso, expôs na
sua edição de retomada a intenção de explorar a imprensa cristã e os princípios de Santo
Tomás de Aquino, com vistas à doutrinação e defesa das verdades do Cristo, e à
aplicação de uma divisa missão baseada em “fazer brilhar a luz de Deus através de todos
os caminhos do homem. E os caminhos do homem, planos ou tortuosos, são, de qualquer
modo, caminhos de Deus”.
55
As edições destacavam pronunciamentos do Papa Pio XI
sobre a importância da manutenção financeira, pelos católicos, de uma imprensa que
representasse os interesses da Igreja e valorizasse a sua presença no meio social.
Porém, em edição de 1935, o reforço da autoridade papal à causa do periodismo ganhou
contornos explícitos, dando a dimensão da importância conferida à prática jornalística
pela Santa Sé. Nas palavras de Pio XI, “a imprensa, integralmente católica é a minha voz.
Não digo eco da minha voz, mas propriamente a minha voz”.
56
Para os padres e o bispo de Aracaju, a Igreja Católica modelada pelo papado de
Pio XI entendia a necessidade de revitalização presencial do catolicismo no mundo,
adquirindo um modo específico de lidar com suas fragilidades internas, sem modificações
profundas na natureza conservadora.
57
A década de 1930, portanto, vivenciava uma
oposição à secularização e a outras religiões, pregando, no respeito à hierarquia e à
ordem, um lugar para o catolicismo capaz de se aninhar às demais instituições, como os
governos e a imprensa. A concepção de missão integral da Igreja guardava a como um
fenômeno interno, necessário para se manter contato íntimo com Jesus Cristo dentro de
um sentido devocional. Havia o antagonista a esta cristandade, traduzido no mundo
moderno, que corroía a fé e encorajava o culto da personalidade, do prestígio, do
53
A Rádio Excelsior de Salvador foi adquirida em 22 nov. 1984, em nome de Dom Avelar, o acionista
majoritário, e dos monsenhores Gaspar Sadoc e Manoel Sampaio Pithon com recursos da Arquidiocese de
São Salvador. Em seu testamento, o Arcebispo explica a aquisição por pessoas físicas pela impossibilidade
legal de a Arquidiocese tornar-se a proprietária. Após sua morte, a emissora seria legada aos seus
substitutos, desde que entendessem o seu pertencimento ao patrimônio da Arquidiocese.
54
A imprensa desperta o interesse dos bispos brasileiros com maior ênfase a partir do século XX, quando
se intensificou a publicação de cartas pastorais específicas sobre o assunto. Conforme LUSTOSA, O. P.
Oscar de Figueiredo. Os Bispos do Brasil e a imprensa. 2. São Paulo: Loyola, 1983. (Coleção Cadernos
de História da Igreja no Brasil).
55
ADLUCEM. A Cruzada, Aracaju, 10 fev. 1935, n. 1, p. 1.
56
PIO XI e os meios de comunicação. A Cruzada, Aracaju, 9 jun. 1935, n.17, p. 1.
57
MAINWARING, Scott. Igreja católica e política no Brasil 1916/1985. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.
43.
37
conforto, do dinheiro e do poder. O produto dessa tensão era a marca da espiritualidade
centrada em uma ética de renúncia e de sacrifício na vida terrena.
Da centralidade na devoção pessoal, enxergava-se, em aparente paradoxo, a
necessária intervenção na sociedade secular através da imprensa de alcance massivo,
como o rádio e a televisão. Com inspiração no pensamento tomista, os clérigos
acreditavam que a fidelidade ou conversão de fiéis aos seus preceitos seria possível
através do convencimento intelectual. Afinal, se homem moderno era um ser perdido,
carente do poder pedagógico da Igreja, esta cumpriria o seu papel de ordenamento de
vida e rememoração valorativa do homem, ao utilizar meios da modernidade, como a
imprensa, de modo positivado e voltado ao crescimento da fé. O ganho da instituição
seria na razão direta em que conseguisse transformar os seus seguidores, atingidos pela
imprensa católica, em militantes católicos.
Os anos de 1930 foram de investimento, na publicação de livros e jornais, e
programas radiofônicos, por parte da Igreja Católica; aconteceu na esperança fazer frente
ao avanço de ideias contrárias a seus preceitos. “Tendo o catolicismo romanizado origem
marcadamente letrada, era normal que considerassem a imprensa como o seu principal
instrumento de difusão da e de guerra contra o demônio.
58
Daí o tom pedagógico e
panfletário que o jornal A Cruzada utilizou para organizar e reduzir a pluralidade do
mundo em dois polos antagônicos: o bem e o mal. Havia uma imprensa benéfica, a
católica. Seus antagonistas diretos eram os veículos de comunicação apartados dos
preceitos cristãos, abertos à veiculação de material sobre o comunismo, o paganismo, o
ateísmo ou que negassem a essência católica do povo brasileiro. Caberia ao bom católico
atender ao preceito do padre Leonel Franca, quando advertiu sobre o poder do jornalismo
na difusão e perpetuação dos valores no mundo moderno: “agitar ideias é mais grave que
mobilizar exércitos”.
59
No pensamento oficial da Igreja Católica, era necessário reconhecer a ditadura
vencedora e gloriosa da imprensa, conforme os termos proferidos pelo cardeal do Rio de
Janeiro, Sebastião Leme.
60
Pela universalidade e alcance, a imprensa teria a capacidade
de minar e destruir construções do pensamento humano ou fechar os homens quanto às
verdades de Cristo. Os católicos, portanto, não poderiam deixar instrumento tão poderoso
nas mãos dos inimigos da Igreja. Ativando o ataque à imprensa, a comunidade era
convocada a alimentar a consciência católica para a proteção e apoio à imprensa da
58
AZZI, Riolando & GRIJP, Klaus van der. História da Igreja no Brasil: ensaio e interpretação a partir do
novo. Tomo II/3-2. Terceira época 1930-1964. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 187.
59
A BOA imprensa. A Cruzada, Aracaju, 10 fev. 1935, n. 1, p. 2.
60
LEME, Cardeal Sebastião. Ditadura gloriosa e vencedora da imprensa. A Cruzada, Aracaju, 21 abr. 1935,
n. 10, p. 1.
38
Igreja. Dessa postura, vem a repetição em caráter intensivo das verdades católicas, em
variadas modalidades de veículos de comunicação.
Em 1937, o editorial que comemora os dois anos de retomadas das operações de
A Cruzada traz clichê enquadrando o corpo editorial do veículo, e texto resumindo o
sentimento de alcance dos objetivos traçados.
A CRUZADA sente-se feliz na luta que empreendeu com ardor inexcedível, porque
sua voz não reboa nas quebradas do solo sergipano para fomentar o desvario da
guerra, nem as desordens que as falsas ideologias pretendem inocular no coração
magnânimo do nosso povo [...] Levantou-se nos horizontes nevoentos da hora que
passa, para, qual luminosa estrela engastada no céu azul do pensamento
contemporâneo, conduzir os adoradores hodiernos aos pés do Mestre, à
manjedoura de Belém.
61
Avelar Brandão Vilela envolveu-se naquele ambiente jornalístico, abraçando a
perspectiva inicial acerca do periodismo católico. Sua participação é visível nos
comunicados oficiais do bispado, expedindo a agenda episcopal ou diretrizes internas
norteadoras do cotidiano da Diocese, bem como no agendamento que o veículo faz das
viagens a serviço da Igreja. constantes informes sobre a sua própria progressão
hierárquica, com indicações de participações em congressos eucarísticos, datas de
recebimento das ordens menores, dos programas de ordenação em 1935 e cobertura da
viagem que realizou à cidade de Viçosa em caravana com representantes da Diocese de
Sergipe, para a realização de sua primeira missa.
A sua faceta articulista foi desenvolvida naquele contexto. A depender da pauta em
questão, publicou seus pareceres sobre as relações entre homem, ciência, modernidade,
e ação social, legitimando-os conforme a função religiosa do momento: a de secretário,
professor, diácono ou assistente de movimentos como a Ação Católica Diocesana e a
Liga Feminina Católica. Do local de fala emergia o argumento original da escrita.
Importavam os debates blicos travados nos veículos de comunicação que atingissem
os valores cristãos de seu tempo, reservando a si, no ambiente dos prelos, uma função
adicional à sua rotina religiosa: de diálogo com ideias vigentes para interpretação e
mediação de conhecimentos para os fiéis da diocese. Operava uma vigilância
permanente da arena jornalística, crendo na necessidade de os semanários católicos
trabalharem na salvação dos homens, caso contrário, seriam sufocados pelo conteúdo
ordinário de um campo de debates em mudanças. Para ele, os meios de comunicação
formavam uma complexa zona de convergência de discursos e ideias, na qual vinha se
configurando a opinião pública brasileira. “Como sentinelas de valores inalienáveis da
consciência católica e faróis norteadores das verdades do Cristo”,
62
os jornais católicos
61
CONTINUANDO a jornada... A Cruzada, Aracaju, 10 fev. 1937, n. 90, p. 1.
62
VILELA, Pe. Avelar Brandão. A missão do jornal calico. A Cruzada, Aracaju, 13 out. 1935, n. 35, p. 1.
39
seriam denunciadores de artimanhas dos erros sociais, baseados na divulgação de uma
pedagogia isenta da preocupação com o divino. Dentre as batalhas de ideias travadas a
partir de sua função jornalística, emergiu aquela de apoio à inclusão do ensino religioso
nas escolas brasileiras, cruzada que toda a Igreja nacional travou junto ao governo
brasileiro nos anos 1930, até a promulgação da Carta Constitucional de 1937.
Outros embates de ideias também foram percebidos, dando a ver um autor atento
às agitações clericais internas e aos desafios que ciência, homem e modernidade
apresentavam à Igreja Católica, colocando à prova a perenidade da instituição e incitando
seus membros a um posicionamento público, fora da sombra de uma verdade cristã
imutável e absoluta.
O problema religioso,
63
alvo de uma série de artigos, foi colocado como o mais
complexo diante da crise existencial. Nascido pela condição racionalista própria do
homem e caracterizado pelo antagonismo entre espírito e corpo, seria superior a todos os
demais dramas humanos, pela gerência involuntária do espírito sobre a matéria. O corpo,
em sua multiplicidade aparente e essência efêmera e fraca, ofereceria questões simples e
pouco numerosas à ciência. O espírito, no entanto, seria o campo de ocorrência dos mais
importantes fenômenos humanos, apesar de desconhecido e atravessado por vidas
que a religião seria capaz de responder. O fiel católico, carente do senso de verdade,
teria de buscar a orientação religiosa para suas angústias espirituais, devendo deixar a
matéria em segundo plano. Para o padre Avelar Vilela, o homem de seu tempo perdia-se
no intervalo entre estas atitudes: ao invés de fixar eixos vitais em torno de um ideal
absoluto – de um Deus revelado pelos ensinamentos de Cristo deixava-se arrastar pela
frivolidade do mundo hodierno ou inconsistência própria do relativismo humano, sentindo
a matéria humana como superiora ao divino. O problema religioso surgia como resultado
deste confronto de atitudes em paralelo: haveria um Deus que se humanizara em Cristo e
humilhara-se chegando à condição humano-divina; mas na contramão era afrontado pela
ação de um homem guindado às ações sobrenaturais diversas, procurando elevar-se
para humilhar Deus.
Outra faceta do problema seria a dificuldade de entendimento da consistência e
fixidez da palavra divina diante da efemeridade e volatilidade mundana. Enquanto o
mundo pediria explicações novas para as condições de existir, ressaltando imobilidade e
angústia pelo nomadismo dos conhecimentos e impossibilidade das certezas,
permaneceria enraizada a verdade do Evangelho, resistente à passagem do tempo. O
ideal pedagógico da Igreja Católica deveria ser entendido como aquele que tenta operar
em um espaço estreito para quebrar a ideia de incapacidade da verdade cristã de ser
63
VILELA, Pe. Avelar Brandão. O problema religioso. A Cruzada, Aracaju, 23 fev. 1936, n. 50, p. 1.
40
eterna e atender às necessidades e angústias da atualidade. A fixidez e eternidade da
mensagem, antes de constituírem fraquezas, seriam símbolo da segurança espiritual
almejada pelo homem.
64
Dramas de consciência, reformulações e questionamentos sobre a existência ou
não dos pecados capitais, dos quais a Igreja Católica se valeu para balizar a conduta dos
povos, chegam ao pensamento do padre como uma provocação da ciência para com o
catolicismo. Em 1937, o professor de Biologia do Ateneu Pedro II de Aracaju, Garcia
Moreno, publicou artigo, em jornal comercial da capital sergipana, questionando a
doutrina católica referente ao pecado. A resposta da Igreja local foi dada pelo padre
Avelar Vilela, colega do autor do artigo no magistério, em tom desafiador, que contrapôs o
quanto seu desconhecimento sobre a postura religiosa o descredenciaria a falar sobre o
assunto.
Vamos saber o que ensina a igreja a respeito do pecado e o que pode, a seu
respeito, dizer a ciência. [...] Pecado, portanto, segundo o pensamento da igreja, é
um ato consciente, um ato humano, verdadeiramente livre. [...] E que coisa pode
nos dizer a ciência? [...] Nos disse que a explicação endocrinológica dos pecados
mortais (talvez quisesse dizer pecados capitais), os sete aleijões da alma humana,
longe de ser ateia é quase sempre católica. [...] A igreja ensina que se pode pecar
sobre as influências do mundo, do diabo e da carne. Mas não disse que essas três
influências por si só, sejam realmente o pecado. imensa distância entre uma e
outra afirmação. Bem razão teve Alfredo Roussel para, em pleno funcionamento
de suas faculdades intelectuais, afirmar que ‘a igreja tem uma coisa a temer:
ser mal conhecida’.
65
Em outro momento, foi publicado artigo em que Menotti Del Picchia decretara o fim
da caridade no ambiente hodierno ou o arcaísmo da terminologia caridade, concebida
como ação desinteressada pelo bem do outro. O sentido evangélico da expressão havia,
no seu entender, sucumbido mediante ascensão capitalista. Tornara-se, para o rico,
somente um rito de distinção social ou adorno classista, substituído pelo termo assistência
social. A caridade fora esvaziada de sentido cristão e apagada na pompa econômica,
porque, sendo um ato individual, humilharia e não repararia as desigualdades sociais. O
padre Avelar Vilela, em um embate direto, questionou tais colocações.
Basta! O Sr. Menotti falou demais sobre a caridade, entretanto, segundo me
parece, não sabe ainda o que seja, realmente, a caridade. Falar muito nem
sempre é sinônimo de ter conhecimento da matéria que se discute [...] Tenho a
dizer que a caridade por ele descrita o é nem de longe a terceira das virtudes
teologais. [...] A assistência social, sucedânea da caridade não exclui, de maneira
nenhuma, esta que é a terceira virtude teologal. [...] A própria assistência social,
quando inspirada nos princípios cristãos, que outra coisa é senão caridade?”
66
64
Ibid. O ideal pedagógico. A Cruzada, Aracaju, 1 nov. 1936, n. 70, p. 1.
65
VILELA, Pe. Avelar Brandão. Os pecados, a ciência e a igreja. A Cruzada, Aracaju, 31 out. 1937, n. 123,
p. 6.
66
Ibid. Caridade, arcaísmo. A Cruzada, Aracaju, 11 ago. 1935, n. 26, p. 1.
41
A presença do padre Avelar Vilela nos jornais assumiu pautas diversas, além das
que registram sua agenda social e as ideias que defendeu em tom panfletário. No
entanto, além dele, somente padres que alcançaram o episcopado ou os jubileus
sacerdotais
67
receberam de A Cruzada atenção ou espaços editoriais semelhantes. Da
presença de Monsenhor Vilas-Boas, vigário capitular e representante da Diocese na
caravana que rumou à cidade alagoana, em novembro de 1935, resultou artigo de gina
completa publicado com o título Viçosa das Alagoas.
68
A cidade, com pouco mais de 60
mil habitantes, foi contada em roteiro sentimental como a terra acolhedora do amigo
recém-ordenado, enriquecida na presença de familiares.
Entre as publicações em torno da ordenação de Avelar Brandão Vilela em Aracaju,
na igreja matriz de São Salvador, em 27 de outubro de 1935, e a realização de sua
primeira missa na cidade natal de Viçosa, em Alagoas, o jornal reforçou seus dados
biográficos em matérias valorizadas por clichês, raras no jornalismo da época. Com
elogios rememorou a trajetória e qualidades atribuídas a ele,
69
em um trabalho de
distinção intelectual.
As maneiras de fazer, de Avelar Brandão Vilela na imprensa, indicam ações de
reemprego do jornal para além da função de manter o católico bem informado ou
defender a Igreja Católica. Quando se tornam produtos que se disseminam na rede
intelectual, comercial e política da cidade, os impressos podem ser pensados como uma
estratégia do religioso, onde estão inclusos tipos de operações capazes de produzir,
mapear e impor”.
70
No caso, houve o mapeamento do contexto social e a produção de
sua singularidade naquele cenário. Os contextos de uso da fala do personagem remetem
às circunstâncias por ele interpretadas, e à estratégia de calcular uma atuação diante de
relações estabelecidas. A seu favor o fato de constituir-se autoridade religiosa,
legitimada pela sociedade como um intelectual com autonomia de fala em assuntos
vários.
71
No lugar social, circunscrito ao personagem, estão as possibilidades de gerir
relações com a exterioridade. Os jornais eram uma arena pública, lugar de poder, de
querer e de diferenciar. Escrever era comunicar sua particularidade, exercitar a fala
67
Como, por exemplo, o monsenhor Vilas-Boas, posteriormente sagrado bispo de Garanhuns-PE.
68
VILAS-BOAS, Monsenhor. Viçosa de Alagoas. A Cruzada. Aracaju, 1 dez. 1935, n. 41, p. 6.
69
Padre OlívioTeixeira, redator de A Cruzada, representou o jornal católico na viagem em caravana que
saiu de Aracaju, chegando de trem a Viçosa, terra natal de Dom Avelar, na noite de 9 nov. 1935. Foram
recebidos na estação da Great Western com banda de música da Polícia Militar, coral de normalistas e
populares, que formaram cortejo até a residência onde ficariam hospedados. Padre Avelar Brandão Vilela.
A Cruzada, Aracaju, 24 nov. 1935, n. 40, p. 1.
70
CERTEAU, op. cit., 2008, p. 92.
71
O conceito de estratégia é tomado a partir de Certeau, para quem estratégia vem a ser o cálculo (ou a
manipulação) das relações de força que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer
e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. CERTEAU,
op. cit., 2008, p. 99.
42
legitimada, com base na condição religiosa, e construir singularidades na relação com um
outro, representado pelos leitores.
Alicerçado por construções textuais, o personagem histórico Avelar Brandão Vilela
inventou-se, reunindo nas predisposições pessoais e externas como a formação no
Seminário Sagrado Coração de Jesus as condições de avaliação de cenário e de
atuação pastoral. Não foi em Pernambuco e tampouco no Piauí o mesmo idealista de tom
panfletário da década de 1930. Ao contrário, textos veiculados em meados de 1940 e
1950 começam a demonstrar maior abertura ao diálogo e tolerância em relação à
pluralidade de ideias, em um perfil mais aproximado do Arcebispo que Teresina irá
conhecer. A capital piauiense de 1950 e 1960, bem como as reações de êxtase pela
respectiva chegada do religioso, Dom Avelar Brandão Viela, são tratadas a seguir.
2.2 A cidade da falta: a Teresina viva, péssima e que deixa saudades
Os contextos nos quais se encontrava Teresina na década de 1950 foram
analisados através dos jornais O Dia e Jornal do Piauí. Neles estão olhares sobre a
cidade e seus habitantes, envolvidos em acontecimentos humanos sucedâneos,
acumulados e transitórios no tempo. Como perseguem as faces de uma realidade
mutante e vivenciam a rotatividade de personagens tanto na sua produção quanto no
produto, os impressos são caros à pesquisa histórica. Conforme Pinheiro, em artigo sobre
a importância da existência de políticas públicas para a conservação das fontes
hemerográficas no Piauí:
[...] estas são fontes que dizem sobre as imagens e representações construídas
pela intelectualidade que participou da política brasileira, oferecem valiosas
informações sobre embates políticos entre grupos rivais, bem como sobre a
situação econômica e social do Estado. [...] A leitura dos artigos abre chaves de
pesquisa, problemas e hipóteses de investigação.
72
Artigos, crônicas, notas, clichês e gravuras, a disposição gráfica do corpo de letras
e imagens no papel-jornal, organizados conforme a linguagem jornalística da época são
mapas de olhares e de poder e representam as falas desejosas do estatuto de verdade e
as forças simbólicas em atuação. Os enunciados jornalísticos ganham o espaço da cidade
e adentram as redes comerciais, econômicas, políticas, compondo o próprio cenário
urbano; são repertórios com os quais os usuários procedem a operações próprias no
exercício de existência em determinado tempo e lugar. A cidade, representada pelos
jornalistas é viva e ganha representações diferenciadas. Portanto, no papel-jornal de
1950, Teresina é plural. Críticas se alternam com saudade e elogios.
72
PINHEIRO, Áurea Paz. Fontes hemerográficas. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides & VAINFAS,
Ronaldo (Org.). História e historiografia. Recife: Bagaço, 2006. p. 55.
43
Àquela década, o Piauí sofria uma de suas piores crises econômicas.
73
As riquezas
e divisas estaduais possibilitadas pelo ciclo do extrativismo nos maniçobais e carnaubais
não existiam, deixando os cofres públicos desabastecidos e impossibilitados de
investimento em áreas sociais. O comerciante Pedro de Almendra Freitas (1950-1954),
74
do PSD, governava o Estado, quando o número de habitantes superava a casa de um
milhão cerca de 1.046.669 pessoas, conforme o senso demográfico daquele ano. À
época, o Piauí possuía quarenta e nove municípios vivendo o início do fenômeno de
urbanização.
75
Já a capital do Estado, com 90.723 habitantes, representava menos de 9%
da população total, que, como um todo, amargava um índice de analfabetismo dos
maiores do País: de cada quatro piauienses com dez anos ou mais, três não sabiam ler e
escrever.
A partir da metade da década, Teresina viveu a ampliação da capacidade da Usina
Termoelétrica, fundada no governo Rocha Furtado (1946-1950). Contudo, em todo o
Piauí, apenas 17 localidades contavam com energia elétrica produzida por geradores que
abasteciam as cidades até as 21 horas. Quanto às comunicações, somando as linhas
telefônicas da capital com as de Parnaíba, existiam apenas 700 aparelhos no Estado. A
vida comercial fluía pela venda de produtos agropecuários e extrativistas e era irrisório o
volume de vendas de produtos como ferragens e materiais de construção. A navegação
pelo rio Parnaíba, que faz divisa com o Estado do Maranhão, entrou em declínio no fim de
1940, a extinguir-se na década seguinte, deixando no passado o escoamento de
produtos extrativistas rumo à exportação pelo porto da cidade de Parnaíba.
Em decorrência da falta de articulação política entre o Estado e o governo central,
até 1955, quando foi inaugurada a ponte sobre o rio Poti, ligando o centro à zona Leste da
capital,
76
as obras mais importantes construídas no Piauí com recursos federais foram
açudes, os primeiros trechos de ferrovias na região Norte, e a ponte metálica sobre o rio
Parnaíba, inaugurada em 1939. Ou seja, não houve ajuda financeira federal para a
construção de obras expressivas nos setores de infraestrutura em um intervalo de
dezesseis anos. O Estado, portanto, carecia articular-se politicamente e planejar ações
que visassem o desenvolvimento econômico. O período era de recessão, marcado pela
crise que levaria ao encerramento das atividades da Companhia de Navegação do rio
Parnaíba, em 1955, e da Companhia de Fiação e Tecidos Piauiense, em 1957, naquele
momento a maior fábrica da cidade.
73
MENDES, Felipe. Economia e desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, 2003. p. 177.
74
GOVERNO DO PIAUÍ. Governadores do Piauí: uma perspectiva histórica. Teresina: Fundação CEPRO,
1993. p. 141.
75
Porém, cerca de 84% da população no início da década de 1950 ainda viviam nas zonas rurais.
MENDES, Felipe, op. cit., 2003, p.175.
76
À época, o Piauí já era governado por Jacob Gayoso e Almendra (1954-1958), também do PSD.
44
Na contramão do ritmo piauiense, o Nordeste crescia em importância para o
Governo Federal. O Vale do rio São Francisco assegurou recursos na constituição
brasileira, entrando no espírito de desenvolvimento a partir da criação da Comissão do
Vale do São Francisco hoje CODEVASF. Outro marco para o Nordeste foi a
inauguração da Usina de Paulo Afonso. Construída na Bahia pela CHESF em 1948,
começou a levar energia para as principais capitais nordestinas João Pessoa, Salvador,
Recife, Aracaju e Maceió no início da segunda metade da década de 1950. O Banco
do Nordeste também iniciou, à época, estudos sobre o potencial econômico da região.
Porém, “o Piauí permaneceu alheio aos novos rumos que aos poucos eram delineados
para a economia nordestina”.
77
Até 1956, quando o Governo do Estado tomou as primeiras medidas para se
organizar administrativamente, com vistas a enfrentar o problema do subdesenvolvimento,
o setor político preocupou-se com questões políticas locais, sem olhar para o
desenvolvimento regional que se organizava em seu entorno. Foi somente a partir
daquele ano que o cenário político e econômico sofreu a entrada de novas ideias no
contexto social. Um agente dessas ideias transformadoras foi Dom Avelar Brandão
Vilela.
78
A partir de 1956, com a chegada do novo Arcebispo, ocorreram significativas
mudanças de rumo necessárias ao Piauí. Alagoano de família agroindustrial, o arcebispo
trouxe uma visão dos problemas sociais sintonizada com o Nordeste.
79
Sua inserção na
cidade é pensada, portanto, como mobilizadora das reflexões sobre um cenário de
desenvolvimento para a capital.
No fim do governo de Jacob Gayoso e Almendra (1954-1957), do PSD, e ao longo
de todo o mandato de Chagas Rodrigues (1958-1962), do PTB, o setor público estadual
buscou adaptar-se ao Brasil em mudança. O mandato do último governador da década de
1950 começou em clima de dinamismo, com a criação da Companhia de
Desenvolvimento do Nordeste, colocando a situação nordestina em debate. Como a
política de aceleração do crescimento econômico do governo de Juscelino Kubitschek
(1956-1961) batia às portas do Estado, Chagas Rodrigues definiu um estilo de governo
desconhecido até então no Piauí, com mobilização popular e forte uso da mídia.
80
Mantinha um programa na Rádio Clube, denominado Falando com o Povo, e recebia a
imprensa semanalmente para divulgar posicionamentos, além de conceder longas
entrevistas pelo rádio. A preocupação desenvolvimentista do governo buscou concentrar-
se no industrialismo, no planejamento e na modernização institucional.
77
MENDES, Felipe, op. cit., 2003, p. 187.
78
Ibid., 2003, p.182.
79
MENDES, Felipe, op. cit., 2003, p. 182.
80
MEDEIROS, Antônio José. Movimentos sociais e participação política. Teresina: CEPAC, 1996. p. 89.
45
A partir de 1955, e ao longo da transferência entre dois governos estaduais de
legendas diferentes, PSD e PTB, foram criadas assessorias de governo e instituições
voltadas ao desenvolvimento econômico e agropecuário do Piauí, aumentando o poder
estatal no direcionamento da economia. É dessa época a criação do FRIPISA (1957), da
CEPISA (1959), da TELEPISA (1960) e da AGESPISA (1962),
81
para gerir,
respectivamente, frigorífico, energia, comunicações telefônicas do Estado e serviços de
abastecimento de água.
Naquele contexto, os jornais, guardadas as diferenças pertinentes à formação
gráfica, ligações políticas e linhas editoriais, simbolizadas nas escolhas de seus lemas,
não possuíam as características de separação de matérias por editorias, ou dedicação ao
aspecto factual e noticioso dos acontecimentos nos moldes do jornalismo atual. A fase
vigente era a dos textos dispostos segundo grafismo irregular, sendo comum encontrar
artigos distribuídos por duas ou atrês páginas diferentes, com ou sem prévio aviso ao
leitor. Fotos e clichês se popularizaram somente no fim da década de 1960, e as
temáticas políticas, urbanas e sociais eram presentes, principalmente nas crônicas
sociais. A crônica social praticamente nasceu com os jornais piauienses:
[...] inicialmente com noticiário sobre casamentos, óbitos, batizados, nascimentos
e viagens. Foi aos poucos, destacando-se, ao ponto de adquirir importância
fundamental em qualquer jornal moderno. O interessante é que através das
mesmas, os segredos mais transcendentais da política e dos negócios foram
desvendados. Filtra conversas havidas na intimidade dos lares, largadas nos
salões de beleza e captadas pelos cronistas, com antecedência de dias sobre a
argúcia dos comentaristas em assuntos políticos e econômicos.
82
O jornal O Dia chegou ao ano de 1955 intitulando-se como órgão independente,
noticioso e político e como o jornal das multidões, seguindo linha política de oposição ao
governo do PSD. Era dirigido por Raimundo Leão Monteiro, com redação de Orisvaldo
Bugyja Britto. O primeiro, mais conhecido por Mundico Santídio, era tido como
“irreverente, combativo ao extremo. Liderou por largo período a classe a que pertencia e
foi campeão de processos baseados na Lei de Imprensa”.
83
[...] como a lei facultava ao indiciado a retratação, havendo para tal uma audiência
prévia, nessa audiência Mundico, com a mais inocente das expressões, dizia para
o juiz: ‘Dr., fui mal interpretado. Conhecendo esse moço desde menino, como
conheço, como poderia injuriá-lo ou caluniá-lo? Encerrada a audiência e o
processo arquivado com a retratação, no dia seguinte vinha o jornal repetindo
tudo e acrescentando ainda mais. Novo processo, nova retratação mais dramática.
81
As siglas se referem respectivamente a Frigoríficos do Piauí S/A, Centrais Elétricas do Piauí S/A,
Telefones do Piauí S/A e Águas e Esgotos do Piauí S/A.
82
PINHEIRO FILHO, Celso. História da imprensa no Piauí. 3. ed. Teresina: Zodíaco, 1997. p. 190.
83
Celso Pinheiro Filho, advogado, o defendeu em dez processos dessa natureza. PINHEIRO FILHO, op.
cit., p. 152.
46
O infeliz terminava por desistir. Aí, o Mundico também desistia, pois não
costumava tripudiar sobre o cadáver do adversário.
84
Arrendado pelo Partido Trabalhista Brasileiro, do governador Chagas Rodrigues,
em 1962, O Dia foi posteriormente comprado pelo coronel do Exército Otávio Miranda,
que o modernizou graficamente e tentou desvinculá-lo da crítica ou apoio político-
partidário explícitos.
O outro periódico analisado, o Jornal do Piauí, era também bissemanário e dirigido
por José Gayoso de Almendra Freitas, José Camillo da Silveira e bancada de deputados
estaduais do Partido Social Democrático. Posteriormente foi dirigido por Arimateia Tito
Filho, e, a partir de 1957, por José Vieira Chaves. Teve a colaboração de jornalistas de
prestígio no Piauí, como, por exemplo, Macário Oliveira e Deoclécio Dantas. Não trazia
lema junto à logomarca para resumir a linha editorial adotada, mas eram nítidas as
influências políticas do PSD.
A profissão de jornalista até então era menos considerada como campo
profissional autônomo que espaço de doutrinação política e de legitimação da
intelectualidade local. Mas, naquele contexto, passou a existir como carreira, cuja arena
de produção possuía uma estrutura mínima, com redação, oficinas e salas de
gerenciamento. Os jornais do Piauí, em meados de 1950, começaram a pensar em si
como empresas, tratando com maior relevância as questões comerciais.
O pessimismo com que o teresinense via sua cidade era a marca nos impressos.
Teresina era a cidade da falta. Sem instalações sanitárias, a ser implantadas somente no
fim de 1960, no governo de Helvídio Nunes; sem uma grande companhia telefônica,
instalada na década seguinte; desprovida de universidade ou mesmo de energia elétrica
de qualidade, cujo advento se deu nos anos 1970; era uma capital com grandes
problemas de infraestrutura e tomada como atrasada em relação às demais do Nordeste.
Na análise social empreendida pelos jornais impressos, estava o cotidiano do trânsito,
mercados públicos, oferta de ensino, abastecimento alimentício; distribuição de energia,
rede telefônica e água, além das questões sanitárias que condicionavam a qualidade de
vida dos moradores e dos usos da cidade, pensados aqui como práticas diretamente
ligadas aos personagens que nela vivem e dela se utilizam.
A vida mais próxima das residências foi percebida. O Jornal do Piauí chegou a
publicar colunas específicas sobre os bairros da capital, como Teresina em 7 Dias, em
novembro de 1956, e Notas Soltas, abril de 1957, nas quais os colunistas Rômulo
Petrônio e Simplício Araújo, respectivamente, abriram espaços para discutir os problemas
dessas localidades urbanas, e ainda convidavam o público a enviar suas reclamações
84
Id. ibid.
47
para a redação do jornal. Foram divulgadas as demandas dos leitores de um modo mais
direto, dando outra configuração à mediação jornalística, praticada até então, e
aproximando as relações dos veículos com os leitores.
Na enunciação dos discursos, surgia a terra do teve
85
e uma profusão de fortes
sentimentos em relação à capital. Sendo o espaço urbano de Teresina planejado quando
da sua fundação, os jornalistas percebiam tratamentos políticos diferenciados
dispensados aos cidadãos. Os governos do município não ofereciam equidade de
infraestrutura aos moradores das zonas centrais e suburbanas, condicionando-os a
consumos diferenciados desses espaços, sob a perspectiva do binômio zelo/abandono. O
centro era privilegiado em relação aos bairros, mas não estava isento de reclamações por
conta de problemas estruturais. O cronista Califas resumiu a preocupação em uma de
suas crônicas, apontando como culpados a gestão do município e o comportamento do
próprio cidadão.
Não é a primeira vez que chamamos a atenção do Departamento de Saúde
Pública para o estado sanitário de nossa capital. Se não fosse, talvez, o sol
causticante de Teresina, turbilhão de micróbios infestariam a cidade [...] em virtude
de o haver nela esgotos e da falta de asseio em muitas de suas ruas, quer nos
arrebaldes, quer no centro urbano. A saúde blica, além do mais, fecha os olhos
aos infratores das leis sanitárias, pois não são poucas as casas em Teresina, com
águas represadas nos quintais [...] e nas poucas residências que possuem fossas
higiênicas, a água não sobe a caixa para lavá-las. E até mesmo no centro da
cidade se cria porco em chiqueiros ou solto no quintal.
86
O discurso, atribuindo os usos e práticas urbanas às péssimas condições de
saúde, perdurou ao longo da segunda metade da década de 1950
87
, quando Dom Avelar
chegou a Teresina. O tom dos textos era de cobrança, exigindo mais disciplina por parte
do povo e do poder municipal no viver em sociedade. Em geral, aludiam à falta de
educação para a saúde. Os impressos assumiram, nesse sentido, o papel de disciplinador
do comportamento social, pois o poder público pouco fazia para ensinar o cidadão a viver
no perímetro urbano, segundo as regras de civilidade. Daí, o motivo de sua luta particular
em prol da saúde pública. No artigo Falta de higiene nos bares, a questão sanitária entra
em pauta, apontando a situação em estabelecimentos do centro comercial da cidade,
como botequins, lanchonetes e bares:
Higiene é o que não existe neles, como se pode constatar logo na entrada, pois é
raro o que tem parede revestida de azulejo, como exige o regulamento da Saúde
85
Em nota na coluna Tópicos e notícias Teresina é chamada de Terra do Teve. Conforme Tópicos e
Notícias. O Dia, Teresina, 6 maio 1956, n. 353, p. 1.
86
PELA saúde do povo. O Dia, Teresina, 23 out. 1955, n. 30, p. 2.
87
Os discursos jornalísticos que criticavam a situação sanitária da cidade e o péssimo comportamento dos
moradores aconteciam antes da década de 1950. Na sua tese de doutorado, apresentada em 1999 à
banca de História da Universidade Federal de Pernambuco, A cidade sob fogo: modernização e violência
policial em Teresina (1937-1945), o professor Francisco Alcides do Nascimento traz uma discussão sobre
Teresina como a cidade do desejo de modernização, do embelezamento e as iniciativas do poder público
em afastar do centro da cidade os símbolos da pobreza, como as casas de palha comuns naquela época.
48
Pública e deveria constar nas especificações das plantas a serem aprovadas pela
Prefeitura. E quando o freguês se serve sente que a louça é mal lavada, a colher
do sorvete tem a parte de baixo pegajosa e os copos não raro, manchados de
batom. Alguns empregados respondem aos que reclamam, dizendo que tem
pouca água. E por isso, a lavagem das louças servidas do café é feita numa
vasilha em que as xícaras são mergulhadas na mesma água, a qual depois pode
até ser fervida e servida ao público como bom café. [...] Cremos que deve ser
exigido de todos os bares que servem café a colocação de um aparelho de água
fervendo à vista de todos os fregueses para a imersão das xícaras a fim de matar
os micróbios, pois é comum uma pessoa sadia tomar café com uma louça
anteriormente usada por um enfermo das mais horripilantes e contagiosas
moléstias.
88
A Teresina doente emergia dos periódicos. O fim da década foi marcado por
epidemia de tuberculose com casos de óbitos. Em outro momento, no artigo denominado
A tuberculose em Teresina, a equipe do jornal O Dia colocou a capital em dramática
situação dentre as demais. “Depois de Manaus, é a cidade verde a mais atingida em
óbitos pela tuberculose no Brasil. Estamos muito atrasados”.
89
Usar a cidade, praticá-la era sinônimo de entrar em contato com problemas contra
os quais as autoridades municipais não conseguiam fazer frente. Com signos da
modernidade, como os cinemas, os sinais de trânsito e os automóveis, a população
desenvolvia relações que os jornais não julgavam coerentes.
90
O jornalista A. Tito Filho
91
afirma que em 1952 a capital passou a contar com sinais luminosos na esquina das ruas
Coelho Rodrigues e Barroso, e na altura do relógio da Praça Rio Branco. No entanto, os
sobressaltos que o uso desses disciplinadores de tráfego provocaram no cotidiano
motivavam críticas em relação aos usuários e ao poder público, criando enunciados que
os alternam em papéis de culpados e vítimas, a depender da situação relatada.
O tráfego veloz de veículos, a imperícia dos motoristas, a negligência dos que
flanavam pelas calçadas e a impunidade nos casos de atropelamento eram
constantemente criticados, diante da rapidez com que o trânsito crescia na capital. O
Jornal do Piauí na coluna Notas e Política
92
referia a um fluxo de veículos na Avenida Frei
Serafim, a principal da cidade, na ordem de 150 veículos diários. Posteriormente,
explicitou o desrespeito dos motoristas para com o limite de velocidade determinado pela
Prefeitura Municipal para as ruas do centro - 20 quilômetros por hora. Em contrapartida, o
poder público utilizou os jornais para pedir aos pais que disciplinassem seus filhos
pequenos e os ensinassem a se proteger dos perigos da rua. Comentário assinado por
88
FALTA de higiene nos bares. O Dia, Teresina, 1 jan. 1959, n. 629, p. 1.
89
A TUBERCULOSE em Teresina. O Dia, Teresina, 5 dez. 1957, n. 511, p. 2.
90
No Piauí, pesquisa de Terezinha Queiroz apresenta estudo sobre o espaço urbano e a Teresina que se
civiliza, entre as últimas décadas no século XIX e início do século XX, abordando relações entre a
sociedade teresinense e alguns signos da modernidade, como o cinema, que exibia filmes através dos
quais a população passou a conhecer produtos e comportamentos diversos. QUEIROZ, Terezinha. Os
literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina/João Pessoa:
EDUFPI/UFPB, 1998.
91
TITO FILHO, Arimateia. Memorial da cidade verde. Teresina: APL, 1978.
92
NOTAS e Política. Jornal do Piauí, Teresina, 1 jan. 1956, n. 376, p. 12.
49
Rômulo Desidério foi publicado, aludindo ao trabalho de esclarecimento que o poder
municipal queria prestar aos circulantes:
A Delegacia de Trânsitos e Costumes desta capital espublicando na imprensa
local, avisos de advertência aos senhores pais de menores, no sentido de prevenir
os seus filhos do grande perigo que o trânsito atualmente lhes oferece, pois toda
atenção é pouca e o tráfego de veículos está cada dia maior.
93
O entendimento era de que a população precisava cooperar com a realidade que
se estava modificando na cidade, alterando sua forma de circular pelas ruas, protegendo-
se dos veículos ao adotar conduta preventiva, que os motoristas e ciclistas não
conseguiam adaptar-se às normas civilizadas de circulação.
No que tange à questão assistencial, mendigos e crianças abandonadas foram
representados nas fontes hemerográficas como chagas sociais, pois, ao tentarem se
relacionar com os demais cidadãos apresentando suas carências financeiras,
atrapalhavam o consumo tranquilo da cidade. Quando buscavam ajuda nos cafés, bares e
restaurantes do centro, os pedintes quebravam a rotina de circulação e fruição do espaço
urbano; a partir daí, tornava-se motivo para cobrança de atitudes da Igreja e do poder
público. Cara ou coroa, crônica relâmpago de Bina Batista, denuncia o mal-estar:
Nos bares e cafés, as famílias são importunadas constantemente pelos
esmoleres, que percorrem banca por banca, suplicando uma esmola pelo amor de
Deus. Nos cinemas, nos bancos e nas casas comerciais, as mesmas cenas são
repetidas. Os turistas que nos visitam e os forasteiros que por aqui transitam saem
mal impressionados.
94
O problema da mendicância e infância desassistidas teria se tornado maior a partir
do governo Pedro de Almendra Freitas (1950-1954), do PSD. A aquele momento, a
situação era considerada sob controle pela existência de obras sociais que efetuavam a
doação de roupas, remédios e víveres, como a Legião Brasileira de Assistência e a Caixa
de Assistência. Enquanto ambas atuaram, os pedintes foram personagens raros no
espaço urbano. Contudo, o cenário era outro no governo pessedista de Gayoso e
Almendra (1954-1958). “Veem-se em todos os recantos gente pedindo esmolas [...]
muitos maltrapilhos, sujos e fedorentos, em bares, cafés e restaurantes. Não seria melhor
que a polícia tomasse isso em consideração?”
95
Demonstrando o seu incômodo, o
jornalista A. Pacheco colocava a situação dos mendigos em termos epidêmicos. “Estamos
em plena vigência das muriçocas, dos potós, do calor e dos mendigos. De todas essas
indesejáveis vigências, a mais triste sem dúvida é a dos mendigos”.
96
93
A CIDADE. Jornal do Piauí, Teresina, 29 ago. 1957, n. 527, p. 3.
94
CARA ou Coroa. O Dia, Teresina, 5 maio 1956, n. 396, p. 3.
95
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, 15 jan. n. 322, p. 2.
96
A. PACHECO. Coluna da Cidade. Folha da Manhã, Teresina, 23 jan. 1958, n. 94, p. 2.
50
Essas, no entanto, outras leituras foram realizadas sobre Teresina. Cronistas,
principalmente filhos da terra que passaram a morar em outras cidades em nome dos
estudos, deixaram, nos jornais, seu olhar de saudade e as percepções positivas das
mudanças físicas na capital. O olhar de quem estava fora selecionava o lado bom e
jogava em cena as vantagens do viver teresinense.
O acadêmico Vitalino de Alencar Bezerra, seis anos após deixar a capital para
estabelecer residência no Rio de Janeiro, publicou, em 1958, o texto Revendo Teresina.
97
O olhar enxergou a presença de signos da modernidade como aspectos positivos. A
Rádio Difusora, o Hotel Piauí, que foi o primeiro a ser erguido na capital; o surgimento de
novos espaços de lazer para além do já conhecido Clube dos Diários, e configurados nas
chácaras das localidades Socopo, Cidade Jardim e no Jóquei Clube onde as famílias
mais ricas passavam os domingos apostando nas corridas de cavalo foram exemplos
citados. Continuou sua lista de melhorias, apontando o novo prédio do Seminário
Diocesano, erguido ao lado do rio Poti, além da fase atravessada pela imprensa escrita,
percebida como ferramenta de mobilização da vida cultural da cidade.
um aparente conflito nos enunciados jornalísticos: textos condenando a falta de
lazer, ao lado de outros que remetem às novas manifestações e arranjos sociais. O
conflito pode ser entendido pelos sentimentos plurais que a cidade despertou, sendo,
para os seus habitantes, várias cidades ao mesmo tempo.
Em 1956, Godofredo Soares Cavalcante deixou suas impressões no artigo
Caminhando pela cidade.
98
Como quem fazia um passeio, o cronista construiu
enunciados, percorrendo à extensão que o levava do cais do rio Parnaíba, passando pela
Avenida Frei Serafim a chegar às margens do Poti. Para o que visualizou, projetava
uma Teresina destinada a melhorar na pujança frente aos municípios do Interior,
traduzida na usina termoelétrica que dispunha, capaz de iluminar não seu perímetro
urbano, mas ainda garantir a iluminação de outras cidades, como Timon e José de
Freitas. Via a capital por dentro, sem comparações externas com outras cidades; e,
assim, a urbe se apresentava rica e promissora.
Em paralelo, o abastecimento elétrico era abordado como ícone do atraso
industrial. A Usina Termoelétrica de Teresina era acusada de não abastecer a contento
sequer bairros mais distantes da capital, como o Matadouro, localizado na zona Norte. A
causa seria a falta de planejamento dos governantes, à época de sua instalação, em
1947. Imaginava-se que a usina seria capaz de suprir as necessidades da população
pelos próximos vinte anos. No entanto, dez anos depois, administrada pelo Instituto de
97
BEZERRA, Vitalino de Alencar. Revendo Teresina. Jornal do Piauí. Teresina, 13 mar. 1958, n. 580, p. 3.
98
CAVALCANTE, Godofredo Soares. Caminhando pela cidade. Jornal do Piauí. Teresina, 10 maio 1956,
n. 398, p. 4.
51
Águas e Energia Elétrica (IAEE), criado em 1955, ainda era alimentada por lenha. O uso
dessa matriz energética causou forte impacto ambiental, pela derrubada de árvores no
entorno da cidade, para alimentar a necessidade diária de, ao menos, 300 metros cúbicos
de madeira. Os problemas de abastecimento provocavam constantes crises de
racionamento e reclamações permanentes por parte dos jornalistas.
Em 1957, os redatores e cronistas do Jornal do Piauí, por seu comprometimento
político com o governo pessedista, tentavam amenizar os problemas em meio ao
racionamento, alertando para o fato de que àquele tempo, todas as grandes capitais do
País também padeciam do mesmo mal.
99
Seu esforço enunciativo tentava orientar a
população a conviver com a redução de energia, divulgando os procedimentos de
consumo racional da eletricidade. Os consumidores deveriam desligar as geladeiras duas
horas por dia, diminuindo o número de lâmpadas acesas e ouvindo rádio o mínimo
possível, principalmente entre as 18 e 21 horas, quando o consumo alcançava sua curva
ascendente máxima.
A. Tito Filho, jornalista e presidente da Associação Piauiense dos Jornalistas
Profissionais à época, publicou em Prosa Enxuta, coluna que abria o Jornal O Dia, ironias
sobre abastecimento elétrico:
Começo esta escritura às 23 horas, do dia 11, feira. Luz boa no momento, o
que dá para desconfiança. Abasteci-me cedo: dois pacotes de vela. Cada vela tem
um palmo. Sei que daqui a pouco viro defunto vivo. Cr$ 40,00 o pacote, cada
pacote 6 velas. Errei na profissão: poderia estar rico fabricando vela. Rico porque
o IAEE ajudaria com a escuridão; falido porque o IAEE o permitiria que minha
indústria fabricasse. [...] Sim, sou pobre porque não fabrico velas [...].
100
Os problemas causados às casas comerciais e poucas indústrias existentes
chegaram às portas dos próprios periódicos. Em 11 de agosto de 1960, O Dia chegou a
estampar comunicado oficial aos leitores sobre a redução do seu número de páginas, de
seis para quatro por edição, afirmando que tal fato se devia exclusivamente ao irregular
fornecimento de energia elétrica por parte do Instituto de Águas e Energia Elétrica. Ao
mesmo tempo, procedeu um apelo ao presidente da autarquia, José Guilherme do Rego
Monteiro, para que regularizasse a situação que acarretava problemas para o jornal e
para a comunidade teresinense como um todo.
Em seu conjunto, as representações jornalísticas dão a perceber uma cidade que
padece economicamente, mas que reage, pede mais atenção e investimentos públicos.
Em 1950, Teresina não era uma cidade apenas, mas sim atravessada por problemas
estruturais; contudo digna de um futuro marcado pelo desenvolvimento social, surgindo
99
LUZ. Jornal do Piauí, Teresina, 14 nov. 1957, n. 547, p. 3.
100
TITO FILHO, Arimateia. O Dia, Teresina, abr. 1960, n. 763, p. 1.
52
múltipla pelos desejos e olhares dos escritores. Independente do prisma adotado, a urbe
estava viva.
A imagem residual, preservada a diferença entre aquilo que efetivamente foi a
capital em 1950 e o que era abordado nos periódicos consultados, apontava para
cidadãos conscientes da necessidade de ajuda exterior para o desenvolvimento de suas
potencialidades e abertos à captação de forças mobilizadoras do progresso. Junto àquela
conjuntura social e econômica, existia uma religiosa, abrigando membros da Igreja
Católica e fiéis dos mais diversos setores. Naquele contexto, em 1956, foi preparada a
recepção para o novo Arcebispo metropolitano, Dom Avelar Brandão Vilela, como um
evento que marcou a história de Teresina. A cidade foi preparada para uma ocasião de
gala.
2.3 A capital engalanada para o arcebispo
Nada sem o bispo (Santo Inácio de Antioquia)
101
No dia cinco de maio de 1956, ocorreu a posse de Avelar Brandão Vilela, no cargo
de segundo Arcebispo do Piauí, quarto bispo da Teresina e símbolo das esperanças de
renovação do catolicismo local. A epígrafe acima fora publicada no jornal católico O
Dominical, junto a exortações às famílias piauienses, para que transformassem, com a
sua presença, as cerimônias de posse em momento histórico. “Católicos de Teresina,
preparai uma recepção condigna ao nosso arcebispo, testemunhando de público a sua fé
jamais desmentida!”.
102
Toda a edição foi composta em tom convocatório à população,
para que tomasse conhecimento da programação oficial de recepção, entendendo,
mediante a frase do santo católico, a importância dada ao papel do bispo pela Igreja.
A chegada do Arcebispo inaugurou uma fase de seu apostolado representativa
dentro da trajetória religiosa. Conseguindo implementar obras sociais e educacionais no
Estado, conhecido pela fragilidade econômica, teria obtido internamente as condições de
representatividade da Igreja brasileira tanto em Roma quanto no cenário latino-americano.
Em outros termos, as possibilidades de progressão hierárquica do Arcebispo teriam se
constituído, a rigor, nas condições de plena atuação social, política, educacional e
religiosa legitimadas pelo povo, imprensa, autoridades civis e políticas teresinenses.
“Essa veneração por Dom Avelar tem muito a ver com os quinze anos que passou em
Teresina”.
103
101
O DOMINICAL. Teresina, 29 abr. 1956, n. 18/56, p. 1.
102
O DOMINICAL. Teresina, 29 abr. 1956, n. 18/56, p. 1.
103
O RENOVADOR e o diplomata. Revista Veja, 7 fev. 1973, n. 231, p. 50.
53
As expectativas em torno do novo chefe da igreja local começaram a surgir logo
após o falecimento de Dom Severino Vieira de Melo, em 27 de maio de 1955. Encerrado
o apostolado, considerado tradicionalista, conservador e introspectivo, Teresina tornara-
se sede vacante, sendo o governo episcopal conduzido temporariamente pelo sacerdote
Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, da Paróquia de Nossa Senhora do Amparo,
escolhido como vigário capitular após reunião extraordinária do Conselho Arquidiocesano.
O padre chegou a viajar a sede da Nunciatura Apostólica do Brasil, no Rio de Janeiro,
enfatizando a expectativa do clero local por um chefe identificado com linhas
progressistas de trabalho religioso.
104
Enquanto Roma não se pronunciava, as
interrogações sobre o sucessor cresciam dentro do semanário católico O Dominical. “Com
o falecimento do Sr. arcebispo metropolitano, uma interrogação se põe diante de nós:
quem será o futuro arcebispo?”.
105
A expectativa se fundamentava também por motivos
canônicos. Como vigário capitular, respondendo pela sede vacante, algumas limitações
de trabalho lhe eram impostas, como o impedimento de criação de paróquias ou
dioceses.
A nomeação oficial proferida pelo Papa Pio XII (1939-1958) foi publicada no
Osservatore Romano, jornal oficial da Santa Sé, e divulgado na Rádio do Vaticano em 19
de novembro de 1955. No Piauí, O Dominical publicou que, por volta do meio-dia daquela
mesma data, o padre Joaquim Chaves fizera o anúncio aos jornalistas de rádio e jornal
impresso locais, para que os fiéis começassem ali a preparar a festa de posse do novo
Arcebispo. O momento de euforia social começou, portanto, a ser forjado pelos meios de
comunicação.
A chegada de Dom Avelar foi pensada como um marco para a cidade. Doze
comissões foram organizadas e presididas por uma comissão central, composta pelo
governador do Piauí, general Jacob Gayoso de Almendra e Freitas, o prefeito de
Teresina, Agenor Barbosa Almeida, o próprio vigário capitular, Joaquim Chaves, além de
autoridades jurídicas e membros das forças armadas. Chegou-se a um programa de
recepção a ser realizado nos dias 5 e 6 de maio, respectivamente, sábado e domingo,
com alvoradas de sinos em todas as matrizes, três cortejos, recepções, solenidades
pontificais, almoço, jantar e sessões magnas de homenagem.
O jornalista José Lopes dos Santos relembra aspectos da recepção, alusivos ao
banquete oferecido pelo governador do Estado, Gayoso e Almendra, no Clube dos
Diários:
Dom Avelar ouviu vários discursos feitos em sua homenagem. Eram tantos os
discursos que falaram 23 oradores. [...] O último discurso foi dele agradecendo
aquela homenagem, que era para ele muito carinhosa. Ele vinha de Petrolina onde
104
CARVALHO, Mª, op. cit., 2006, p.127.
105
P.L.S. Constatações. O Dominical. Teresina, 16 jun. 1955, n. 25/55, p. 1.
54
foi Bispo da Diocese. No final, quando falou muito orador, ele tomou a palavra e
fez o discurso de agradecimento no qual, sem ter tomado uma nota, apenas vendo
e ouvindo, ele citou os vinte e três oradores que falaram, pelos nomes e citou
trechos dos discursos de cada um para agradecer. Uma coisa que impressionou a
todos que estavam presentes e eu nunca me esqueci desse detalhe.
106
A receptividade popular foi estimulada pelos jornais de modo intenso. O tom de
convocação aludia à necessidade de demonstrar, na prática, a intensidade da no Deus
católico presente no povo piauiense. Receber com vibração seria dar mostras de
hospitalidade, respeito, necessidade e ciência do valor de um Arcebispo para a Igreja.
Contou, para o sucesso da convocação, o reforço na divulgação dos dados
biográficos e do perfil pastoral de Dom Avelar, focado na formação sacerdotal em Aracaju
e na atuação episcopal em Petrolina, Pernambuco. Dessas cidades, vieram os registros
de combate à pobreza rural e melhoria da condição educacional da periferia, bem como a
adjetivada capacidade de comunicação direta com os fiéis. A oralidade, a eloquência e a
aparência física compõem, de fato, os registros dos historiadores de Petrolina.
107
O Dominical empenhou-se no sentido de reavivar o simbolismo episcopal
predominante na Igreja à época. Lançou reflexões acerca das necessidades sociais
piauienses, passíveis de solução com a chegada de um religioso proeminente na
hierarquia eclesiástica nacional. Em uma terra de carência em todas as ordens
financeira, social e religiosa o que significaria, afinal, a chegada de um bispo? Quais
expectativas foram alocadas sob símbolo encarnado por Dom Avelar? Segundo as
tradições eclesiais da época, um bispo seria o próprio Cristo da sua diocese.
108
Pela
mística católica, a fé do devoto operaria na sua aceitação como pastor, pai e operário de
uma missão possível pela direta outorga de poderes cedida por Deus. Nos bispos, os
poderes do sacerdócio seriam somados à abundância de liberdade e à plenitude do
cargo. Por conseguinte, como cabeça de sua Igreja, reuniria condições de pontificar
padres e fiéis, personalizando as virtudes cristãs e a figura paterna. Sendo pai, esperava-
se que fosse capaz de atuar como defensor da fé dos homens/filhos contra os ataques da
heresia e da incredulidade.
O jornal católico uniu à expectativa social as intenções de trabalho anunciadas pelo
religioso, gerando um panorama de encontro de carências e desejos.
O bispo é, antes de tudo, um embaixador de Deus e como tal, a sua missão se
situa na esfera do espiritual, sem que isso impeça, todavia, que o raio de sua ação
106
SANTOS, José Lopes dos. Teresina, 2001. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em
20 jul. 2001.
107
Y BRITO, Maria Creusa de. Petrolina: origem, fatos, vida, uma história. Petrolina: Tribuna do Sertão,
1995. p. 137.
108
O DOMINICAL. Teresina, 26 jun. 1955. n. 26/55, p. 3.
55
apostólica, atinja também, o plano natural, material, naquilo que tange aos direitos
inalienáveis da justiça e da caridade.
109
Dom Avelar foi responsável, com o intermédio da imprensa, peça construção dessa
expectativa. Encontrou-se com o vigário capitular da Arquidiocese de Teresina em
dezembro de 1955, pouco depois de sua nomeação,
110
e, nos seis meses seguintes,
cumpriu etapas formais de envio das primeiras bênçãos e cumprimentos ao povo
piauiense, enquanto permanecia na cidade pernambucana de Petrolina. Enviou
telegramas de agradecimentos pelas congratulações recebidas e convites de sua posse
às autoridades constituídas e aos diretores de jornais comerciais, extensivos aos
funcionários.
Matéria que antecipa o seu plano de ação
111
dá conta do primeiro encontro de Dom
Avelar com o governador Gayoso e Almendra, em reunião no Serviço Nacional de
Informação do Ministério da Agricultura, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1956. Ao lado
de deputados da bancada federal do Piauí, o chefe do Executivo tomou conhecimento de
suas pretensões de intervir nas questões sociais. A realização de uma semana ruralista,
que de fato ocorreu em agosto de 1956, dois meses após sua posse em Teresina, seria
somente a primeira demonstração de mudança no comportamento da Igreja no Piauí em
relação ao bispado de Dom Severino.
Os teresinenses, a partir da elite política e religiosa, construíam, meses antes da
recepção oficial, o ambiente de atuação do Arcebispo. Os periódicos comerciais, como o
Jornal do Piauí e O Dia, reproduziram a programação da cerimônia de posse e reforçaram
em seus discursos os dados biográficos do Arcebispo, denotando assimilação da
mensagem católica e repassando a representação de pastor qualificado e necessário ao
contexto social e econômico do Piauí.
A atuação mais direta de Dom Avelar seria no entorno das vinte e uma paróquias
que constituíam o bispado teresinense. Contudo, a posse gerou expectativas quanto a
uma atuação que contemplasse as necessidades não somente da capital, mas de todo o
Estado. Discurso do jornalista Jo Fernandes do Rego, publicado ainda no primeiro
trimestre de sua chegada, exemplifica as expectativas alimentadas.
A cruzada contra o pauperismo, o compromisso de redimir o Nordeste, conta entre
os seus maiores e mais nobres integrantes a personalidade de Dom Avelar Vilela,
o novel arcebispo de Teresina. Figura extraordinária de pastor, homem de luta,
dotado de uma grande brandura e uma severa energia, qualidades que se
completam e se harmonizam. O arcebispo inicia rodeado de simpatia e de
esperança de todos os piauienses sua missão apostolar em um Estado devastado
pelas vacilações administrativas, pelas secas, pelas competições políticas e vítima
109
HOMENAGEM a Dom Avelar. O Dominical. Teresina, 5 maio 1955, n.19/56, p. 3.
110
Jornal O Dominical registrou a viagem de Monsenhor Joaquim Chaves a Petrolina para conhecer e
tratar do pastoreio que seria instalado no Piauí, 27 nov. 1955, n. 48/55, p. 3.
111
Trecho de matéria jornalística reproduzido no Piauí pelo jornal O Dominical, 26 fev. 1956, n. 6/56, p. 1.
56
do mais completo, constante e criminoso esquecimento dos poderes federais. Sua
excelência lembra assim, com sua tenacidade e sua inteligência, ajudando a
construir o futuro do Piauí, o espírito dos cristãos antigos, que, numa mão
empunham o gládio para a defesa de sua e na outra sustentavam os
instrumentos de seu labor.
112
A partir da posse em Teresina, passaria a ser representante da população
piauiense em causas diversas. Por tal representatividade, a cidade deveria recepcionar o
Arcebispo ornamentada e com festa. As residências, ao longo do percurso por onde
deverá passar o cortejo no dia 5 de maio, devem estar ornadas festivamente. Não devem
também faltar faixas!”.
113
As exortações ao comparecimento massivo de fiéis, em todas as
etapas das cerimônias de posse obtiveram o resultado esperado. A comissão executiva
empenhou-se na organização e disposição das concentrações populares ao longo dos
cortejos, solenidades pontificais e recepções, de modo que o povo se fizesse sentir.
Porém, em contrapartida, cuidou para que houvesse campo livre para o desfile de
autoridades religiosas, civis e militares.
O lugar a ser ocupado pelo povo na chegada do arcebispo foi definido
textualmente. No dia 5 de maio, sábado, a população deveria comparecer em grande
número ao aeroporto, e em frente à Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Nesse templo,
representado pelo procurador do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Comerciários, José Auto de Abreu, o povo faria o acolhimento oficial ao novo arcebispo. O
seu papel, a partir de então, seria esperar do lado de fora o procedimento de troca das
vestes pontificais para que acompanhasse o deslocamento de Dom Avelar em direção à
Igreja Nossa Senhora das Dores. Nessa catedral haveria a posse oficial com a leitura da
bula papal de nomeação.
Os colégios e as associações pias estacionarão com suas bandeiras e
estandartes em ala dupla através de todo o percurso na seguinte ordem: pelo lado
direito e a partir da rua Desembargador Freitas, travessa Rui Barbosa formarão os
colégios: colégio Arquidiocesano São Francisco de Sales, Ginásio Leão XIII,
Ginásio Desembargador Antônio Costa, associações da Matriz do Amparo,
associações da matriz da Igreja São Benedito e Filhas de Maria. Ao lado
esquerdo: Colégio Estadual, Escola Normal Antonino Freire, Liceu Industrial,
Ginásio Demóstenes Avelino, Ginásio Sagrado Coração de Jesus e as
associações pias da catedral.
114
Manifestações de alegria e de aclamação do arcebispo, emanadas a partir dos
simbolismos do cerimonial de posse foram registradas nos textos jornalísticos. Para os
colaboradores do Jornal do Piauí, a recepção que o povo teresinense tributou a Dom
Avelar foi um acontecimento sem precedentes, traduzido em uma capital ansiosa, cujos
112
O PAPEL de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 16 ago. 1956, n. p. 2-3.
113
O DOMINICAL. Teresina, 29 abr. de 1956, n. 18/56, p. 4.
114
CERIMONIAL Litúrgico de posse do novo arcebispo. Cortejo para a catedral. O Dominical, Teresina, 5
maio 1956, n.19/56, p. 8.
57
habitantes se aglomeraram no aeroporto para testemunhar a entrega das chaves da
cidade ao novo Arcebispo, pelo prefeito Agenor Barbosa de Almeida, acompanhando, em
seguida, a fila de veículos em percurso até a Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Os
estudantes, trajados com as fardas escolares, estiveram entre a Igreja do Amparo e da
Catedral de Nossa Senhora das Dores, presenciando a recepção com honras de chefe de
Estado.
A população de nossa capital participou ativamente de todas as homenagens
tributadas a Dom Avelar, que foi devidamente aclamado pela grande massa do
povo concentrada ao longo do percurso e nas proximidades das igrejas do
Amparo e das Dores.
115
O povo cortejou na saída da catedral até o Palácio Arquiepiscopal de Nossa
Senhora das Graças e na homenagem que a Federação Piauiense de Futebol prestou,
em nome de todos os desportistas piauienses, na tarde de 6 de maio, no Estádio Lindolfo
Monteiro. “A fim de recebê-lo, com a alma em festa, se engalanaram os jardins de
Teresina [...] e tudo naquele instante se harmonizava e a uma voz dizia ‘bem-vindo seja
Dom Avelar à terra de Mafrense”.
116
Dom Avelar pela cultura, devotamento e trabalho é admirado e respeitado,
vivendo no coração de todos em virtude de uma obra admirável de catequese e
assistência social [...] O pálio segurado por autoridades e guardado pelas forças
armadas, foi acompanhado por uma multidão de féis até a igreja de Nossa
Senhora das Dores.
117
Os colaboradores do Jornal do Piauí chegaram a questionar uma linguagem
apropriada e capaz de traduzir aos seus leitores a importância do momento.
Confessaram-se admirados com a Teresina engalanada,
118
que acabara de experienciar
uma manifestação incomum: a recepção mais festiva que a população oferecera para
uma autoridade eclesial constituída. No editorial O sentido de uma homenagem,
119
especulou-se sobre as causas possíveis para calorosa hospitalidade, encontrando
resposta no coração simples do povo nordestino, junto ao perfil realizador de Dom Avelar.
Os jornais seguiram o discurso oficial da instituição católica sobre o Arcebispo, sem
maiores variações de informações entre si. Harmonizaram discursos e anunciaram junto
às suas coberturas sobre o evento os próprios desejos de boas-vindas e feliz atuação ao
religioso no Piauí. Ou seja, atuaram como instrumentos ativos de propagação da ideia da
recepção singular e festiva.
115
A RECEPÇÃO a Dom Avelar. Jornal do Piauí, Teresina, 10 maio 1956, n. 398, p. 1.
116
BARROMEU, Carlos. Maio em Flor, O Dia, Teresina, 10 maio 1956, n. 354, p. 2.
117
EM TERESINA, desde ontem, o novo chefe da Arquidiocese. O Dia, Teresina, 6 maio 1956, n. 353, p. 1.
118
O SENTIDO de uma homenagem. Jornal do Piauí. Teresina, 10 maio 1956, n. 398, p. 1.
119
O SENTIDO de uma homenagem. Jornal do Piauí, Teresina, 10 maio 1956, n. 398, p. 1.
58
No entanto, as manifestações de apreço pelo religioso podem ser compreendidas
para além da simples convergência de pensamento com o ideário católico predominante.
Os teresinenses padeciam com as falhas estruturais da cidade e desesperança nos
agentes públicos constituídos. Tornavam a capital viva e receptiva aos agentes de
desenvolvimento, acreditando que sem um elemento externo, personalizado naquele
momento por Dom Avelar Brandão Vilela, suas chances de progresso social estariam
apáticas ou reduzidas. Esta situação contextual específica, aliada à tradição católica de
grandes recepções explicam por que a cidade se engalanou para receber o Arcebispo.
A atuação da imprensa no momento da posse contribuiu para o estabelecimento de
um lugar para Dom Avelar. Nas ocasiões reservadas às homenagens, discursos o
introduziram nas fundações de um poder legitimado por seu preparo intelectual e
religioso, e pelas ações antes empreendidas, cujos braços de atuação poderiam partir do
campo eclesial e chegar ao social e educacional.
O Arcebispo postulou, de modo paulatino, um lugar de poder. Constituiu, na arena
social da cidade, um campo próprio, e, com base neste, estaria balizada sua fala dentro e
fora do campo religioso. A posição de Arcebispo não dizia respeito, portanto, somente a
um conjunto de lugares físicos nos quais pontificariam as ordens episcopais, mas
abarcava um lugar social e circulante por outras esferas. A partir da sua posse, Dom
Avelar trataria também das queixas políticas e carências sociais, contrariando a placa de
advertência da época de Dom Severino.
2.4 As cerimônias de posse: expectativas e simbolismos
Em 14 de dezembro de 1946, aos 34 anos, Dom Avelar chegou a Petrolina, no
Estado do Pernambuco. Era o bispo mais jovem ordenado no Brasil, e vivia a primeira
experiência de sair de uma região litorânea e assumir uma Diocese encravada no sertão
nordestino,
120
marcado pelo fenômeno da seca. A mudança de cenário foi considerável,
apesar de continuar dentro da região Nordeste. Segundo o padre Manoel Soares, seu
contemporâneo nos tempos de seminário sergipano, em 1940, Aracaju era uma cidade
pequena, contendo pouco mais de 30 mil habitantes, “com suas ruas retas e arenosas,
sem calçamento e sem arborização, com bondes vermelhos, com seu seminário pobre e
modesto, com a academia Santo Tomás de Aquino atendendo a avidez pela literatura,
120
Dom Avelar Brandão Vilela foi o terceiro bispo a assumir a Diocese de Petrolina (PE), sendo antecedido
por Dom Antônio Maria Malan (1924-1931) e Dom Idílio José Soares (1933-1943). LUZ, Marta. Cronologia
histórico-cultural de Petrolina. Petrolina: Prefeitura Municipal de Petrolina, 1995. p. 130.
59
pela poesia e pela oratória”.
121
Porém, era uma capital voltada para o mar, enquanto
Petrolina, às margens do rio São Francisco e distante 734 quilômetros da capital Recife,
localizava-se em pleno semiárido pernambucano, atravessando ciclos periódicos de seca
e clima quente e seco. O próprio Dom Avelar lembraria a cidade imersa em dificuldades
ligadas ao contexto geográfico, social e econômico. “Fui para Petrolina numa época em
que aquela região era muito difícil, abandonada e muito seca. A Diocese plantada no
sertão mais duro, mais profundo, mais cheio de problemas que jamais imaginava”.
122
Conforme a tradição católica, a cidade o recebeu com manifestações de apreço e
aclamação popular em cerimônias programadas por uma comissão coordenada pelo
Monsenhor Ângelo Sampaio.
123
Através de convites publicados nos jornais da cidade,
distribuídos nas missas de domingo e nas emissoras de rádio, a população foi estimulada
a prestigiar os eventos semelhantes aos que ocorreriam em Teresina, onze anos depois,
como a entrega das chaves da cidade pelo prefeito Darci Almeida, homenagens com
salva de tiros e procissão ao Paço Episcopal. No dia seguinte, a solenidade de posse
oficial aconteceria na catedral, após o cortejo saído da residência oficial do bispo.
Desde a transferência de Dom Idílio José Soares para o município de Santos, em
São Paulo, em 1943, a Diocese de Petrolina estava sob a coordenação do monsenhor
Ângelo Sampaio. Passados três anos, não havia sido expedida a nomeação do substituto,
e a comunidade petrolinense sentia-se desprestigiada e imersa em um marasmo
espiritual.
124
Diante da falta de autonomia para tomar decisões acerca dos rumos das
paróquias e dos rumores de perda do estatuto de Diocese, o negativismo crescia entre os
católicos do lugar. O anúncio da escolha do novo bispo gerou, portanto, expectativas na
população que culminaram em programa de recepção atento inclusive com o trajeto de
sua transferência de Sergipe a Pernambuco.
Dom Avelar saiu de Aracaju, primeiro com destino a Recife, partindo para o
município de Salgueiro no dia 13 de dezembro de 1946, em comitiva de carros postos à
sua disposição pelo interventor federal, general Demerval Peixoto. em Salgueiro,
recebeu homenagens de petrolinenses designados para ir ao seu encontro, como o padre
Manoel Neto e intelectual Nestor Cavalcante. No dia seguinte, Petrolina amanheceu
enfeitada com faixas de saudação, desde o portão do Palácio Episcopal até a sua
121
SOARES, Pe. Manoel. Uma lembrança. A Semana, Aracaju, ano XII, [19--], p. 6-7, n. 23.
122
VILELA, Dom Avelar Brandão. Curitiba, 1976. Entrevista concedida por Dom Avelar Brandão Vilela à Voz
do Paraná em 26 set. 1976, p. 6.
123
A Comissão Central de Recepção era assim composta: padre Américo Soares, vigário de Petrolina,
Darci Almeida, prefeito municipal, Antônio Viana Siqueira, juiz de Direito e padre Manoel de Paiva Neto,
diretor do Ginásio Dom Bosco. O Programa de Recepção começou a ser divulgado nas paróquias e meios
de comunicação da cidade a partir do dia 16 nov. 1946. Foram designados quatro dias de solenidades, de
14 a 17 de dezembro, com missas, banquetes e visitas de representantes paroquiais. Conforme. Recepção
do Exmo. Sr. Dom Avelar Brandão Vilela. O Farol, Petrolina, 7 dez. 1946, ano XXXII, n. 11, Capa.
124
A CIDADE recebe hoje, sob intensa vibração cívico-religiosa, o seu terceiro bispo, S. Excia. Revma. Dom
Avelar Brandão Vilela. O Farol, Petrolina, 14 dez. 1948, ano XXXII, n. 12, Capa.
60
entrada, onde foi construído um arco triunfal. A parte superior da construção continha a
legenda Bendito o que vem em nome do Senhor; e nas duas colunas de sustentação
foram colocadas as frases Petrolina jubilosa abre o seu coração para receber o seu
pastor; e Petrolina genuflexa oscula o anel do seu terceiro bispo.
O comércio fechou as portas às três horas da tarde, contribuindo para que
houvesse a concentração popular na estrada de acesso a Petrolina. No momento da
chegada, os carros da comitiva pararam distantes do arco triunfal, e os integrantes se
dirigiram a pé até o monumento, conduzindo Dom Avelar ao encontro do prefeito Darci
Almeida para a entrega das chaves do município ao novo bispo. O cortejo seguiu para a
Praça Dom Malan, na região central, onde foi proferido o discurso de recepção pelo poeta
e jornalista Antônio de Santana Padilha. As cerimônias do dia ainda incluiriam banquete
para cinquenta pessoas, com mesa posta em formato de cruz, oferecido pelas senhoras
católicas da cidade, tendo ao fundo músicas sacras e clássicas executadas pela banda
Sociedade Filarmônica 21 de Setembro, de Petrolina.
Receber um bispo da Igreja Católica significou modificar o cotidiano da cidade, e
representar a capacidade de organização e união popular em um ato de acolhimento
possível pela intensidade da e desejo de convivência cordial. Porém, o posicionamento
dos petrolinenses, simbolizado no discurso do poeta e jornalista Antônio de Santana
Padilha, excedeu o aspecto tradicional da ocasião, revelando as relações específicas da
cidade com seus bispos anteriores, e remetendo para as expectativas em torno do
trabalho de Dom Avelar.
A Petrolina que idealizo para receber-vos neste momento, não é uma Petrolina
realidade na sua duplicidade material de ‘urbe’ e povo, como ai vedes, engalanada
e vibrante, mas uma Petrolina simbólica, espiritual, personalizada, humana, uma
Petrolina metade sonho metade vida, pensando e sentindo, vendo e falando,
porque, alma de muitas almas, vida de muitas vidas, uma Petrolina como a vi pela
primeira vez, transfigurada numa sertaneja humilde e bisonha a dizer com
franqueza e sinceridade à aquele que foi seu primeiro bispo, Dom Malan:
Senhor, tenho duas coisas vos posso oferecer: a minha pobreza e o meu
coração! E Dom Malan escolheu e preferiu o coração [...] Petrolina transformada
num vulto de mulher, transpassada à voz comovente dos sinos, disse à chegada
do segundo bispo: Senhor, uma cousa vos posso oferecer: a minha pobreza!
E Dom Idílio ficou com a pobreza de Petrolina [...] Mais ei-la que se aproxima. Que
se ajoelha aos vossos pés. Que beija a vossa mão. Sabe que sois a Bondade e
se conforta; que sois a Ação – e se anima; que sois a – e se fortalece; que sois
a Inteligência e se ilumina! E assim, transfigurada num transporte, num
arrebatamento, vencendo a emoção que lhe embarga a voz, com os olhos no
futuro e o pensamento em Deus, ei-la que fala, que diz: Senhor, uma cousa
vos posso oferecer: o meu destino!
125
O discurso de recepção mostra relações de proximidade entre as necessidades
econômicas e afetivas do povo e as passagens episcopais anteriores. Seria necessário
ao novo bispo estabelecer laços de compreensão e sensibilidade para com as faltas - de
125
Ibid. O Farol, Petrolina, 14 dez. 1948, ano XXXII, n. 12, Capa.
61
natureza estrutural, social ou financeira no contexto da cidade - sofridas pela população.
Além de carências espirituais, as lacunas peculiares apontavam para um campo de
trabalho apostólico pontuado por desafios, que colocavam Petrolina diante da incerteza
em relação a seu próprio destino. Conduzir os fiéis católicos, imersos neste cenário de
incertezas, compunha o fundo das expectativas que recaíam sobre o projeto de Dom
Avelar para a Diocese.
Os petrolinenses propunham o início de uma convivência a partir da transfiguração
da cidade em figura sertaneja, com face retraída, tímida. O discurso excede à
apresentação de uma cidade modificada no cotidiano e enfeitada para a recepção,
conforme as tradições da época. Petrolina surgia humanizada, transformada em vulto de
mulher, com voz e gestos para expressar a si e engajada no estabelecimento de boas
relações com a Igreja Católica. Dentro da duplicidade construções de concreto/povo, o
município emerge simbolicamente.
As condições específicas do catolicismo petrolinense cooperaram para o
engajamento imediato de Dom Avelar em obras de visibilidade no espaço urbano, a
exemplo do que ocorreu com seus antecessores eclesiásticos. O francês Dom Antônio
Maria Malan, primeiro bispo, havia construído em fins da década de 1920, o Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora, o Seminário Diocesano, inaugurado o serviço de iluminação
pública da cidade e erguido o Palácio Episcopal Diocesano em noventa dias.
126
A catedral
em estilo gótico, com vitrais franceses e sino doado por Padre Cícero, foi considerada sua
maior intervenção na paisagem de Petrolina. Erguida através de recursos do povo e de
autoridades políticas, em um intervalo de quatro anos, foi inaugurada em 1929, com
ampla festa no município.
Duas cadas depois, Dom Avelar, de posse do governo episcopal, organizou a
construção da praça, no entorno da catedral, e a colocação de uma estátua de bronze em
nome de seu antecessor. Até deixar Petrolina, havia criado o Departamento Diocesano de
Ação Católica, a granja Santa Isabel, postos de colonização mediante convênio com o
Ministério da Agricultura. Criou também uma Escola de Economia Doméstica, o Centro
Social Pio XII; realizou semanas ruralistas, e, em 1948, organizou o 1º Congresso
Eucarístico de Petrolina, para comemorar os 25 anos da Diocese. Trabalhar na cidade
demandava intervenções ações nos cenários das cidades. A identificação popular, como
contrapartida, se concretizava nos agradecimentos e reconhecimentos prestados
publicamente pelos fiéis.
126
CAVALCANTE, Pe.; Francisco José P. Diocese de Petrolina: 80 anos de evangelização. Petrolina:
Franciscana, 2004. p. 53.
62
Era tão querido que os seus diocesanos lhes ofertaram, no dia do seu aniversário,
um carro preto, marca Ford, com placa preta com o brasão do bispo no canto
direito em alto relevo e os dizeres em bronze ‘homenagem dos seus
diocesanos’.
127
Monsenhor Luiz Bernardino Pacífico da Luz, petrolinense cuja ordenação
sacerdotal deu-se em cerimônia presidida por Dom Avelar, em dezenove de dezembro
1948, entende que a chave da popularidade do bispo foi o trabalho de comunicação
realizado com as famílias, os setores ruralistas, os pobres e as autoridades políticas. Por
suas memórias, sabe-se que o bispo diplomaticamente visitava lares e órgãos públicos ou
abria a própria casa episcopal aos que pediam conselhos e traziam solicitações. “A casa
dele era sempre aberta. E a oratória perfeita. Serena, tranquila ou incisiva, mas
comovente. Não raro, durante suas missas, o povo o aplaudia na homilia. Para mim, era
um homem da palavra”.
128
Figura 2 Dom Avelar Brandão Vilela ao
tomar posse em Petrolina (1946).
Fonte: Arquivo Pe. Francisco José P.
Cavalcante.
Os convênios firmados com o Governo Federal para a condução de postos de
colonização nas paróquias sufragâneas, e o agendamento de visitas pastorais nas
cercanias de Petrolina foram os motivos que o próprio Dom Avelar alegou, em entrevista
ao jornal carioca Correio da Manhã,
129
para atrasar em seis meses sua posse na
arquidiocese piauiense. Aliado aos compromissos firmados, houve o peso da comoção
dos petrolinenses
127
Y BRITO, Maria Creusa de. Petrolina: origem, fatos, vida, uma história. Petrolina: Tribuna do Sertão,
1995, p. 138.
128
LUZ, Monsenhor Bernardino Pacífico. Petrolina, 2009. Entrevista concedida à Sônia Maria dos Santos
Carvalho em 19 fev. 2009.
129
DOM AVELAR e seu plano de Ação. O Dominical, 12 fev. 1956, n. 6/56, Capa.
63
A Nunciatura Apostólica resolveu nomeá-lo arcebispo de Teresina, mas
permanecendo como administrador apostólico de Petrolina, porque a cidade não
se conformou com a saída do bispo e a Nunciatura Apostólica não suportava mais
tanto abaixo-assinados pedindo para que ele não fosse mais transferido.
130
De fato, somente em 1957, depois de 11 anos prestando serviços a Petrolina, Dom
Avelar deixaria, de fato, de administrar o catolicismo na cidade pernambucana. A
manifestação de estima e a recepção fervorosa de membros da Igreja, em suas partidas
ou chegadas, não foram exclusividade piauiense, em que pese a intensidade com que
ocorreu em Teresina.
Ao longo da vida, por diversas vezes, afirmou ser alagoano-sergipano-piaueinse-
baiano. A reação popular tanto às suas propostas de trabalho quanto durante as
cerimônias de acolhimento ou de partida coopera para entender esta identificação
assumida.
131
Além dos vinte títulos de cidadania que acumulava em 1973, as
manifestações dos féis nos momentos de celebração de sua imagem demonstram que as
relações entre Dom Avelar e as cidades eram intensas, fruto de alianças, com segmentos
políticos e articulações com as faixas mais diferenciadas da população em prol da
realização de seus programas de apostolado, que, por seu turno, nasceriam de
demandas apontadas por estes mesmos fiéis.
A legitimidade de suas linhas de atuação foi obtida a partir das carências
manifestadas pelos habitantes, e da capacidade de resposta do religioso a estas
demandas, gerando uma ligação capaz de superar a sua transferência para outra
diocese. Em 1973, quando já era arcebispo de Salvador, na Bahia, foi convidado a
proferir discurso de inauguração do Museu do Sertão, em Petrolina, e a realizar
conferência nas comemorações dos 45 anos de fundação da Diocese. Seis anos depois,
retornou ao município, e sua presença na cidade foi considerada o ponto alto da festa do
cinquentenário da catedral. Ao chegar ao templo para presidir a missa do ano jubilar, em
6 de setembro de 1979, Dom Avelar foi recebido com um buquê de hortênsias roxas
doados por Maria Salvani da Silva, moradora da cidade, sem residência fixa, casada, mãe
de seis filhos, entre eles uma garota paralitica.
132
Outras manifestações semelhantes de
apreço, nas quais era saudado nos aeroportos por fiéis saudosos,
133
ocorreram com os
fiéis de Teresina e Aracaju.
Quando julgou ter chegado ao último cenário urbano de sua vida religiosa, a cidade
de Salvador, passou a reexaminar com mais frequência as impressões sobre os locais por
130
Y BRITO, Maria Creusa de. Petrolina: origem, fatos, vida, uma história. Petrolina: Tribuna do Sertão,
1995, p. 139.
131
Em 12 de agosto de 1976, durante o discurso de posse na Academia Baiana de Letras, Dom Avelar
afirmou aos acadêmicos que estariam acolhendo um alagoano-sergipano-piauiense-baiano, que se faz
portador de um razoável currículo, onde o melhor que nele se encontra é a vida que corre para Deus”.
132
SÁ Y BRITO, op. cit., 1995, p. 136.
133
SAUDAÇÕES a Dom Avelar Vilela. O Farol, Petrolina, 11 maio 1957, ano 42, n. 20, p. 1.
64
onde viveu. Nessas ocasiões, ressaltava a aliança e a receptividade popular como a
chave para o alcance de seus objetivos. Passei por terras onde os climas foram sempre
difíceis e as gentes muito boas”.
134
Celebrações organizadas em torno da imagem de homem religioso não eram
estranhas a Avelar Brandão Vilela. Ainda no seminário em Aracaju, o jornal A Cruzada
emitia notas valorizadas por fotos sobre os seus aniversários,
135
tratamento o recebido
por outros seminaristas ou sacerdotes. Conforme citado, quando ordenado padre, a
primeira missa celebrada em Viçosa, no Estado de Alagoas, também ocorreu com
recepção calorosa na estação de trem, incluindo banda de música, aclamação por
estudantes e membros de organizações religiosas, além de desfile nas ruas da cidade de
toda a comitiva vinda de Aracaju.
136
À semelhança do que aconteceu em Petrolina, em 1946 - acolhimento festivo com
base em cerimônias com apelo popular, nas quais imprensa, sociedade civil, militar e
religiosa marcavam presença um programa especial ocorreu em Salvador, em 1971.
Dom Avelar conheceu a cidade em 1933, quando era seminarista, participante do I
Congresso Eucarístico Nacional, e voltou a ela diversas vezes como palestrante. A capital
baiana foi para ele a cidade-síntese de todos os municípios nos quais havia trabalhado.
Elaborou essa representação em seu discurso de posse na Arquidiocese de São
Salvador, remetendo à ideia de que seria o seu último campo de trabalho como
arcebispo.
137
O clima de síntese do apostolado também foi representado nos discursos
proferidos e na presença de comitivas vindas de Viçosa, Aracaju, Petrolina e Teresina.
De modo análogo ao ocorrido nas outras cidades, o programa de recepção foi
trabalhado por uma Comissão de Divulgação e Imprensa, que esteve nos meios de
comunicação da capital baiana mantendo entendimentos diretos com seus respectivos
diretores. Em visitas às emissoras de rádios, jornais e televisões, os membros da
Comissão entregaram a cada diretor o convite oficial para a posse e solicitaram
divulgação da programação, além da cobertura das solenidades. Folhetos distribuídos
nas igrejas, além do forte trabalho junto à imprensa levaram ao conhecimento dos fiéis a
programação das cerimônias.
A convocação à população funcionou segundo o agendamento da Igreja. A cidade
vivia o clima de uma recepção festiva. Salvador também se enfeitara. No dia 29 de maio
de 1971, um domingo, o arcebispo foi recebido no Aeroporto Dois de Julho pelo
134
DOM AVELAR vê no cardinalato maiores responsabilidades. A Tarde, Salvador, 3 fev. 1973.
135
PADRE AVELAR Brandão Vilela. A Cruzada, Aracaju, 24 nov. 1935, ano I, p. 1, n. 40.
136
Ibid., p. 1.
137
Dom Avelar assumiu o cargo de arcebispo primaz do Brasil em Salvador prestes a completar 59 anos.
Entendendo que pela idade de afastamento imposta pelo Direito Canônico, 75 anos, aquela deveria ser a
última cidade na qual trabalharia como arcebispo.
65
governador baiano, Antônio Carlos Magalhães, e pelo prefeito de Salvador, Clériston
Andrade, às 17h45, sob o sentimento de expectativa quanto aos rumos que a Igreja
tomaria.
138
Irmandades religiosas, associações, colégios e movimentos leigos contrataram
ônibus e compareceram ao aeroporto, animados por marchas da banda de música da
Base Aérea.
Dom Avelar não chegou à Bahia com planos estabelecidos, e hesitou em
apresentar a imprensa um planejamento pastoral específico. Seu argumento foi que os
rumos de seu trabalho nasceriam a partir da observação do contexto baiano. O único
objetivo que poderia antecipar seria a comunicação de uma mensagem radiofônica, nos
moldes da Oração Por Um Dia Feliz que implementou em Teresina.
Após seguirem em cortejo vindo do aeroporto, o Arcebispo e sua comitiva
chegaram às dezenove horas ao Palácio do Campo Grande, sob chuva e falta de energia.
A concentração popular o esperava desde as quatro da tarde, por conta do atraso de três
horas na programação, em decorrência da demora nas homenagens durante passagem
da comitiva por Petrolina. Não obstante as condições de tempo, houve saudação ao novo
arcebispo em frente ao paço episcopal, e discurso do governador do Piauí, Alberto Silva.
Os ritos de posse aconteceram no dia 30 de maio de 1971, e incluíram procissão
saída da Igreja de São Pedro dos Clérigos, percorrendo o Terreiro de Jesus no bairro do
Pelourinho, até a Catedral Basílica de Salvador, onde o arcebispo era aguardado para a
leitura da bula papal e investidura oficial do cargo. Por exigência de Dom Avelar, a
entrada na igreja aconteceu sob a execução do hino de Nosso Senhor do Bonfim, que
costumava ouvir no templo em que foi batizado, e recebeu a primeira comunhão, ainda
em Viçosa, Alagoas. Além de políticos e fiéis católicos, seus irmãos compareceram à
solenidade, ficando Giselda Marinho Vilela responsável pela administração do Palácio
Arquiepiscopal.
Quinze dias antes da data marcada para a posse, o Palácio Arquiepiscopal do
Campo Grande foi preparado para a acomodação do novo arcebispo. Três arrumadeiras
e três serventes, sob a coordenação da funcionária conhecida como Dona Anísia,
onze anos responsável pelo funcionamento interno da residência dos arcebispos de
Salvador, organizaram as acomodações do prédio, sob a expectativa que as solenidades
de posse provocavam. “Acredito que Dom Avelar irá me enterrar, porque não aguento
mais tantas emoções com entradas e saídas de arcebispos. Meu coração não resiste”.
139
O prédio de dois andares teve os onze quartos limpos e adornados com jarros de flores. À
138
Para fazer a cobertura da posse, o jornal O Dia enviou a Salvador o jornalista José Maria Rodrigues. A
Rádio Pioneira enviou o radialista Carlos Augusto. A cobertura radiofônica aconteceu via Embratel em
parceria a Rádio Cultura da Bahia.
139
O PRIMEIRO dia de Dom Avelar como arcebispo. Tribuna da Bahia, Salvador, 1 jun. 1971. Não
paginado.
66
época, era constituído de três salas de entrada, salão nobre, capela, sacristia, salão de
refeitório, sala de audiência, uma biblioteca localizada no primeiro andar. O quarto de
Dom Avelar contava com mesa e oratório repleto de imagens sacras, escritório e banheiro
particular. No mesmo andar, havia o quarto de sua irmã, Giselda Marinho Vilela.
A atuação no campo da Diocese Primaz do Brasil exigiu articulação para o
enfrentamento das questões culturais específicas, como a existência do sincretismo
religioso que fundia práticas católicas às de religiões de ascendência africanas, e
intervenções junto à igreja popular para orientação e purificação das manifestações
católicas que não eram consideradas genuínas. Em 1976, os eventos alusivos ao
tricentenário da Arquidiocese de São Salvador simbolizaram esse enfrentamento com a
instituição de uma Pastoral das Grandes Cidades, promoção do Simpósio Sobre
Sincretismo Religioso, realização de Semana de Evangelização Popular na Colina do
Senhor do Bonfim e encerramento das atividades, através de concelebração eucarística
no Estádio Otávio Mangabeira, com a presença de 60 cardeais e bispos, e 300
sacerdotes. Estar na cidade exigia a demonstração de capacidade de aglomeração de
multidões em torno dos temas católicos.
As primeiras alianças realizadas na Bahia deram-se no âmbito interno, diocesano.
Um dia após a posse, ao reunir-se com o Clero no Centro de Treinamento de Líderes, em
Itapoã, Dom Avelar surpreendeu os 80 padres, ao pedir que indicassem, em lista tríplice,
aqueles que deveriam ser os novos vigários da Arquidiocese Primaz. Em duzentos e
noventa e cinco anos, foi a primeira vez que o Clero foi ouvido sobre o assunto, atitude
que gerou confiança e simpatia interna à figura no novo religioso. Até então, as
nomeações ocorriam por indicação direta do arcebispo primaz.
Outras articulações foram possíveis através do reforço da mensagem católica nos
meios de comunicação baianos. Em 1970, havia um Departamento de Opinião Pública na
Arquidiocese, responsável pelos serviços de assessoria de comunicação da Igreja local.
Durante os primeiros anos de trabalho de Dom Avelar em Salvador, o padre Edmilson
Macedo trabalhou como assessor de comunicação da Arquidiocese, articulando as ações
junto à imprensa brasileira, uma vez que a Arquidiocese de Salvador, como primaz do
Brasil,
140
carregava a simbologia de uma voz importante da Igreja Católica no País,
constituindo, por isso, fonte permanente de pautas para os meios de comunicação.
140
Segundo o próprio Dom Avelar, em 1977, o Brasil contava com 320 dioceses e cerca de 300 bispos,
sendo que em cada país a Arquidiocese Primaz carrega a simbologia de representação das demais
dioceses. COMUNICAR é fazer história. Jornal da Madeira, Ilha da Madeira, n. 14381, 15 jun. 1977. Até
aquele ano, Dom Avelar havia criado mais dez paróquias em Salvador, totalizando 23 paróquias criadas à
época de seu falecimento.
67
Dom Avelar reativou o jornal católico O Mensageiro, e iniciou a Oração Por Um Dia
Feliz, em setembro de 1971, em dois programas radiofônicos,
141
antes mesmo de
apresentar à comunidade o seu plano geral de atuação. Assinale-se que a primeira
oração proferida em Salvador sintetizou o desejo de reflexão sobre problemas de
natureza variada:
[...] uma oração que deseja ser contemplativa e ativa, ao mesmo tempo. Uma
oração colocada dentro da vida [...] oração que quer despertar na consciência do
homem sua responsabilidade de filho de Deus, de membro da grande família
universal [...] e quer informar sobre os grandes problemas e suas possíveis
ações.
142
Em seus pronunciamentos, Dom Avelar colocava em prática os desejos de
intervenção, de relação aproximada com os fiéis nos debates dos assuntos considerados
palpitantes para sua época. Nos contatos com os moradores das cidades, o simbolismo
de pastor/pai, responsável pelo desenvolvimento social e harmonização do homem, em
contextos de existência considerados difíceis, foi assumido, de sua parte, em constantes
negociações, cujo pano de fundo eram as carências e expectativas da comunidade
católica. Legitimidade e confiança conferidas ao bispo geraram abertura de espaços de
trabalho e apoio às realizações empreendidas. O poder simbólico de seu cargo
143
possibilitou integração social, e foi perceptível nas solenidades de recepção nos diversos
campos de trabalho. Serviu como premissa para a ocorrência de consensos, na definição
dos caminhos a seguir, em busca de melhores condições de vida nas cidades.
As intervenções de Dom Avelar nos espaços urbanos geraram obras assistenciais
e educacionais ou eventos religiosos que circunstancialmente modificaram o cotidiano
dos municípios. No entanto, não causaram somente admiração ou momentos de
demonstração pública de afeição, mas foram pontuados por embates com personagens
que não concordaram com sua atuação para além do campo eclesial. Essas intervenções,
conflitos e descontentamentos, tendo como objeto de detalhamento as experiências
vividas em Teresina, são o assunto do próximo capítulo.
141
O programa radiofônico também chegou a ser transmitido pela Rádio Cultura, indo ao ar às 5h50 e às
9h, e pela Rádio Bahia às 11h50.
142
Trecho da primeira Oração por um dia feliz, escrita após sua posse em Salvador e veiculada em 13 set.
1971.
143
O poder dos símbolos nas sociedades é pensado a partir de Pierre Bourdieu, segundo o qual o “poder
simbólico é um poder de construção da realidade, e tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido
imediato do mundo, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna
possível a concordância entre as inteligências”. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 9. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 9-10.
68
3 AS INTERVENÇÕES, OS CONFLITOS, AS DESPEDIDAS
Em 1986, às 23h55, no leito do apartamento 506 do Hospital Português de
Salvador, faleceu Dom Avelar Brandão Vilela. Em 1987, dezesseis anos após sua
69
transferência para Salvador, e antes do primeiro aniversário de morte, foi homenageado
pelo Governo do Estado do Pia e pela Prefeitura Municipal de Teresina com uma
estátua, por sua importância para esta população, na Praça São Benedito, região central
da capital piauiense. Nela foi colocada uma epígrafe, identificando-o como pregador da
humildade e do “evangelho para humanizar a vida, batalhando pelos ideais de justiça
social e nunca esquecendo os fiéis e amigos teresinenses, que guardam a sua memória
como patrimônio espiritual”.
144
A partir de então, sob a forma de monumento, tornou-se parte material da cidade,
dentro de um jogo paradoxal de sentidos, pois contraditória é a necessidade de sua
estátua, se amigos e fiéis o guardam em sua memória como patrimônio espiritual. Utilizo a
necessidade de materialização do sentimento dos teresinenses em relação a um
personagem para abordar as intervenções, as despedidas e os conflitos vividos nos
contextos sociais do sacerdócio e do bispado de Dom Avelar, entendendo que, nas
articulações estabelecidas com os fiéis, acontecimentos foram reservados ao
esquecimento, e outros persistiram como lastros de memória sobre sua trajetória.
A função do monumento no centro de Teresina, de duas fundações, do museu, do
conjunto habitacional e de escolas que levam o nome Dom Avelar Brandão Vilela
145
foi
criar um lugar de memória;
146
materializar seu nome na concretude dos espaços da
cidade, sob o risco do esquecimento por obra da passagem do tempo diante de
transformações sociais. Carregam o nome do homem e o cargo que ocupou. o
estratégias de poder constituído que excedem à remissão ao passado; na verdade, jogar
com ele, criando uma janela para o conhecimento ou aprofundamento de sua existência
em Teresina. Os monumentos são, no presente, uma intenção deliberada, consciente, de
selecionar a memória que se deseja perpetuar sobre Dom Avelar.
147
144
GONÇALVES, Wilson Carvalho. Teresina: pesquisas históricas. Teresina: Gráf. e Ed. Júnior, 1991. p.
36. A estátua foi inaugurada em 15 ago. 1987, segundo acordo do governo municipal de Raimundo Wall
Ferraz com o governador do Estado, Alberto Tavares Silva.
145
a Fundação Dom Avelar Brandão Vilela, ligada à Arquidiocese de São Salvador da Bahia (Brasil),
criada pelo Cardeal D. Lucas Moreira Neves em 19 dez. 1987, um ano após o falecimento de Dom Avelar.
Foi pensada com o intuito de perpetuar sua memória, sob o argumento de Dom Avelar ter obtido o
reconhecimento oficial de primazia da igreja católica bainana no Brasil junto a Santa Sé. A ela está
vinculada a Rádio Excelsior de Salvador, emissora AM 840. Há outra fundação homônima na capital
piaueinse, a qual está ligada a dio Pioneira de Teresina, fundada por Dom Avelar em 1960. Na capital
Piauiense, há uma vila com seu nome, além de um condomínio de apartamentos na zona Sul e um Museu,
localizado na Rua Poeta Domingos Fonseca, s/n, Bairro Cristo Rei. Em Paulo Afonso, na Bahia, também
uma rua e um colégio estadual com seu nome. Em Petrolina, Pernambuco, a Escola Agrotécnica Federal
também ganhou seu nome após o falecimento em 1986.
146
Segundo Nora, “lugar de memória é unidade significativa, de ordem ideal, da qual a vontade dos homens
ou o trabalho do tempo fez um elemento simbólico do patrimônio da memória e de uma comunidade
qualquer”. NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História: Revista
do programa de Estudos Pós-Graduados em História do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo,
p. 7, 1981.
147
Pensam-se os monumentos que levam o nome do religioso adaptando a reflexão de Le Goff sobre a
relação documento/monumento. Alertando para a importância da crítica ao documento, o pesquisador
afirma que este não é material bruto, objetivo e inocente, mas algo que exprime o poder da sociedade do
70
O texto da estátua remete ao esforço orientado de perenização das
representações. Aborda a forma mais comum de referencialidade do arcebispo na capital
piauiense, a uma memória enquadrada,
148
que o apresenta como visionário, de atitudes
extemporâneas com pouca margem a vacilações íntimas; capaz de agregar as vantagens
sociais do cargo de Arcebispo às ações dentro e fora do campo episcopal.
No entanto, outras memórias além das epígrafes dispostas nos monumentos,
constituindo trabalhos de lembranças e esquecimentos, que, pluralizados, permitem
leituras diferenciadas. Existem os esforços de uma fixidez da imagem do arcebispo, e
contrapontos em jornais livros, revistas e lembranças dos homens de imprensa e da
igreja. Utilizei-as para colocar no horizonte das reflexões a trajetória de Dom Avelar,
pontuada por conflitos, dores e tensões, além de harmonizações, alegrias e sucessos.
Neste capítulo, as intervenções e conflitos vividos em Teresina ganham
proeminência. Por diversas vezes, o religioso referiu-se aos laços que manteve com os
teresinenses. Em 1973, época de sua ascensão ao colégio de cardeais, lembrou que, ao
chegar à capital, em 1956, percebeu-a sob o signo da pobreza. “Nunca imaginava ver
crianças misturadas com porcos e cachorros”.
149
passado sobre a memória e o futuro: o documento é monumento”. LE GOFF, Jaques. História e Memória.
5. ed. Campinas: Unicamp, 2003. p. 526.
148
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2,
n. 5, p. 5-12, 1989. Neste texto, o autor institui o conceito de enquadramento de memória como trabalho que
reinterpreta o passado em função do presente e mediante matizes limitadas de construção arbitrária.
149
O RENOVADOR e o Diplomata. Revista Veja, n. 231, 7 fev. 1973, p. 50.
Figura 3 Monumento em homenagem a
Dom Avelar erguido na Praça São Benedito,
no Centro de Teresina.
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora
Sônia Maria dos Santos Carvalho.
71
A visão inicial teria contribuído para a construção de um plano de trabalho,
centrado no lema Evangelizar e Humanizar. Lembrado na inscrição da estátua inaugurada
em 1987, o binômio abre um portal de entendimento para suas intervenções: o evangelho
e a humanização seriam as chaves do plano de trabalho posto em prática oficialmente
com a fundação da Ação Social Arquidiocesana (ASA), em 13 de junho de 1956. Com
tríplice ramificação, a ASA atuaria na ação junto às comunidades, formação de lideranças
cidadãs e assistência social,
150
balizando o relacionamento diferenciado que Igreja e
poderes constituídos teriam dali em diante, em contraste ao episcopado de Dom Severino
Vieira de Melo.
Durante os quinze anos vividos na capital, Dom Avelar misturou-se a Teresina.
Escreveu nos jornais comerciais, reorganizou e modernizou as oficinas do jornal católico
O Dominical, fundou a emissora de rádio Pioneira, a Faculdade Católica de Filosofia
(FAFI), e onze centros sociais; promoveu a sindicalização rural, iniciou experiências de
colonização nos arredores da capital, fundou paróquias e abriu escolas radiofônicas,
através do Movimento Educacional de Base, além de promover a Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos e o movimento bandeirante. Estas ações foram deflagradoras de
novos costumes e usos do espaço urbano.
Comunicava-se, portanto, com os cidadãos, e os analisava, tendo-os em seu
campo de visão.
151
O cotidiano urbano e rural era o pano de fundo dos programas diários
na Rádio Pioneira, entre 1962 e 1971, quando apresentava a Oração por um dia feliz.
Transmitido às 6 horas e ao meio-dia, com 15 minutos de duração, o programa consistia
na divulgação de mensagem evangelizadora, em tom de interpelação ou de súplica a
Deus e aos fiéis católicos, com a marca da subjetividade comum às orações pessoais.
Era um híbrido de orientação espiritual e crônica jornalística, pois buscava, na cidade, os
fatos que alimentavam reflexões católicas. Teresina era o campo de coleta de ideias,
ponto de partida e de retorno de suas mensagens. Mesclando conotação religiosa,
compromisso de evangelização e linguagem de cronista, buscava a audição popular
trabalhando o binômio povo/cidade como estruturas vivas e carentes de orientação
episcopal. Seu púlpito tomava a dimensão e o alcance do veículo de comunicação.
Desloquei faces do relacionamento travado através dos jornais e presentes na
memória de contemporâneos para o foco da análise por suas singularidades históricas.
Ambos trazem personagens que elegeram o Arcebispo para o combate do
subdesenvolvimento social e os que destoaram desta ideia e demonstram como a
150
PLANO de Ação de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 16 ago. 1956, p. 1-4.
151
Não fora o único arcebispo a empreender esse olhar sobre a cidade. Dom Hélder Câmara, fundador da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e arcebispo de Olinda e Recife
em 1964, publicou, em 1977, uma coletânea de suas crônicas sobre as transformações sociais no espaço
urbano. CÂMARA, Dom Hélder. Um olhar sobre a cidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
72
imprensa serviu de campo de posicionamento público para o religioso e seus
interlocutores. Mostrando faces de animosidade e apreço, compreendidas no contexto
vivenciado. Há, ainda, outras faces pelas quais estas relações poderiam entrar em
perspectiva de análise histórica, agora explicitadas.
Várias Teresinas existiram nas representações dos jornais e no conteúdo do
programa Oração Por Um Dia Feliz, o que permite assegurar que a capital também era
plural aos olhos do arcebispo. No capítulo anterior, falou-se das visões jornalísticas
acerca de Teresina nas décadas de 1950 e 1960, e de como registraram a carência
financeira, os maus costumes, as urgências sociais, a falta de infraestrutura, quietude ou
a saudade que era capaz de inspirar. Sentimentos contraditórios foram estampados
inclusive na produção literária da época, e estão nas memórias de escritores piauienses.
Na literatura ou na imprensa, a capital não era única.
A prosa do escritor piauiense H. Dobal, escrita para o centenário de Teresina em
1952,
152
mostra o cotidiano que Dom Avelar iria integrar a partir de 1956. Mergulhado em
paradoxos, o escritor traçou um painel, com base em temas que vão desde os tipos
urbanos aos logradouros públicos, cabarés, jornais e monumentos. Teresina surgiu
calma, serena e sem segredos no início de sua narrativa, porém, não demorou em
apresentar faces movimentadas, como a região do centro. Ser calma ou pacata não
implicava ausência de tensões, debates nem convivência intensa dos habitantes com o
espaço urbano. Mesmo com poucas tradições, mistérios e pontos turísticos, um local de
gente que caminhava sem pressa era atravessado, em simultâneo, pela efervescência.
Os cafés se enchem de homens [...] discutem política, negócios, amor e vida dos
outros. Há praças para os namorados, a quem a polícia não permite muitas
expansões, cinemas, a missa aos domingos, os bailes, a igreja e em qualquer
lugar sempre música de um alto-falante. A cidade é aberta, sem segredos,
acolhedora. Tem ar de família que vem do fato de que quase toda gente tem
relações ou se conhece. [...] As praças sempre cheias de gente pelo calor ou por
inclinação natural dos habitantes eram centros de reunião obrigatória para quem
queria participar da vida da cidade, lugar onde se faz a crônica viva dos
acontecimentos cotidianos.
153
O autor compreende a cidade como campo de contradições, em oposição a outros
que cooperaram na formação das alteridades, entendendo-a como objeto vivo e a todo
momento construída subjetivamente. Teresina se realizaria a despeito dos paradoxos
colocados, em locais diferenciados de viver a afetividade e a vida comercial. Durante dia,
os cidadãos estariam nos cafés da Praça Rio Branco e, à noite, no cinema e peças no
152
Contudo, foi publicada somente em 1992, 40 anos após sua conclusão.
153
DOBAL, H. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, 1992. p. 9.
73
Theatro 4 de Setembro, nas festas no Clube dos Diários e nos encontros na Praça Pedro
II.
Nos cafés, que raramente são frequentados por mulheres, a cidade se mistura.
Professores, operários, advogados, comerciários, gente de todas as profissões e
até sem profissão, conversa cordialmente, resolve os problemas da cidade e do
mundo ou apenas se entretêm nos seus pequeninos dramas e preocupações
pessoais [...] Assim, de certa maneira, se resolvem aqui os destinos da cidade. [...]
É uma cidade, sem dúvida, tem um comércio muito barulhento e uma indústria
muito modesta. Tem as associações religiosas, profissionais, filantrópicas,
culturais que também nesta cidade os homens são gregários: a Academia
Piauiense de Letras, a Ordem dos Advogados, o Rotary Clube, a maçonaria.
154
Os cafés aos quais o autor faz referência em seu texto literário, bem como os
encontros rotineiros ali ocorridos, ganharam a pauta dos jornais na cada de 1950. O
Café Avenida, o Bar Carvalho e o Bar Carnaúba surgiram nas narrativas jornalísticas
como cenários de discussões de intelectuais, de conversas sobre os acontecimentos nas
esferas do poder estadual ou municipal e discussões políticas e econômicas. Os
movimentos de seus moradores pelos espaços urbanos, seus comportamentos e
decisões, tanto na literatura como na imprensa, foram matéria-prima para a produção dos
discursos que representavam as preocupações e anseios à época.
Para o ex-deputado estadual Jesualdo Cavalcanti, Teresina era provinciana e
acanhada do ponto de vista populacional. Em dezembro de 1957, possuía menos de 150
mil habitantes. O tímido crescimento urbano foi percebido e comparado ao de outras
capitais, como Goiânia, de onde retornou após a graduação em Direito no fim dos anos
1950. Olhando pela janela do avião durante sua viagem de volta à capital, em dezembro
de 1957, o escritor percebeu a expansão territorial ainda em marcha lenta, situação
oposta à de São Paulo ou Rio de Janeiro, e a distribuição da população no espaço ainda
ligada ao traçado planejado à época de sua fundação em 1852, por Conselheiro Saraiva.
A zona urbana, centrada na faiscante Chapada do Corisco, espalhava-se pelo
perímetro projetado [...] entre os rios Parnaíba e Poti ao tempo de sua fundação.
Bairros, apenas alguns, todos rigorosamente localizados dentro deste perímetro,
destacando-se o Cabral, o Porenquanto, o Mafuá, a Vila Operária, a Matinha e o
Matadouro na zona Norte, bem como a Piçarra, a Macaúba, o Barrocão, a
Catarina e a Vermelha, na zona Sul. E ainda na zona Norte, no encontro dos
rios [...] o povoado Poti Velho. Fora destes limites, a zona Leste começava a
ensaiar os seus primeiros passos, após a inauguração do balneário Socopo e a
construção da ponte de concreto sobre o Rio Poti, iniciada em 1948 e concluída
em 1956.
155
Símbolo do Estado por ser sua capital, Teresina concentrava o que de mais
moderno e desenvolvido existia no Piauí de 1950 e 1960. Conduto, do ponto de vista
154
DOBAL, op. cit.
155
BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar (o que vi e sofri nos idos de 1964). Teresina: Gráfica
do Povo, 2006. p. 93.
74
econômico e social, empalidecia no cenário das demais capitais brasileiras, por não
possuir planos de desenvolvimento em longo prazo, nem universidade, abastecimento
energético ou hídrico modernos, asfaltamento de suas ruas, jornais diários ou rede
telefônica capaz de atender as demandas. Era símbolo de um Estado que perdeu no
tempo a oportunidade de crescimento. Segundo artigo publicado em 1957 pelo professor
Raimundo Nonato Monteiro de Santana, o Piauí chegou com atraso ao século XX, e
mesmo tendo o Governo Federal lançado metas de crescimento dos Estados nordestinos,
através do Conselho Nacional de Desenvolvimento, o piauiense ainda teria de se preparar
para solucionar as dificuldades que impediam melhorias econômicas e seriam derivadas
da falta de sintonia entre o desejo de crescer e a habilidade de articulação política para
tanto. “Nossas aspirações e realidades não se encontraram ainda”.
156
A carência de agentes de desenvolvimento que unissem forças com as classes
políticas para pensar a realidade e planejar o futuro do Piauí constituía ressentimento
visível. Ao chegar, o Arcebispo posicionou-se diante dele, como mostra o texto de
apresentação que escreveu para a primeira edição da Revista Econômica Piauiense,
editada pelo citado professor Raimundo Santana. O planejamento socioeconômico de
Teresina e do Piauí, a seu ver, era campo vasto, e, à época, encontrava-se “à espera de
ceifadores e de pioneiros que oferecessem aos órgãos executivos do Estado e aos
particulares conclusões seguras acerca de nossos problemas básicos”.
157
Em 1969, a ASA integrou uma Secretaria de Planejamento à sua estrutura, com a
finalidade de estudar a realidade local e propor projetos de desenvolvimento regional pela
via do estudo socioeconômico. No entanto, após treze anos de permanência e atuação no
Estado, a imagem de uma cidade carente ainda fundava os argumentos do arcebispo
para a aquisição de parcerias nas ações sociais da igreja. Em carta de novembro de
1969, dirigida ao diretor de oficina do Latin American Bereau,
158
Edward Scalan, Dom
Avelar apresenta os projetos de formação e educação de base da Ação Social
Arquidiocesana, ressaltando sua importância para uma “capital localizada dentro do
Nordeste brasileiro e onde são grandes os problemas religiosos e sociais”.
Os projetos não possuem caráter paternalista, nem assistencial. Prestar
assistência segundo as necessidades do povo nesta região seria tarefa impossível
e sem justificativa. Sendo aqui o problema de natureza estrutural, a melhor
maneira de se conduzir a marcha dos acontecimentos é certamente partindo do
exame da realidade, promovendo-se a conscientização dos vários grupos
156
SANTANA, R. N. Monteiro de. Necessidade de desenvolvimento econômico para o Piauí. Jornal do
Piauí, Teresina, 12 dez. 1957, p. 5.
157
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta à Direção. Revista Econômica Piauiense, n. 1, vol. 1, p. 5,
Teresina, jan./mar. 1957.
158
A carta foi endereçada ao escritório da entidade católica em Washington.
75
representativos da sociedade estabelecida e criando uma nova mentalidade de
renovação social e religiosa.
159
Matéria publicada pelo Jornal do Piauí a perceber o peso das representações
da cidade nos rumos que o arcebispo definiu para seu trabalho. Logo após a posse, em
1956, Dom Avelar marcou encontros com jornalistas, professores e literatos na Casa
Anísio Brito, no centro da cidade, para sondar os acontecimentos locais, conhecer os
mobilizadores da imprensa e da educação, e anunciar a ão da Igreja nas questões
sociais e políticas. Ao lado da oração, “o trabalho humanitário seria realizado, pois a
sem obra é morta. [...] Evangelizar e humanizar deveria ser um programa de todos os
bispos da igreja e do poder temporal a face da Terra”.
160
A postura eclesial frente às
carências da cidade sofreu uma torção em relação ao governo de Dom Severino Vieira de
Melo. Auxiliar os homens na recuperação de suas condições materiais de bem-estar, ao
lado da assistência religiosa, seria o foco da atuação do novo Arcebispo.
Nesse sentido, a cidade, passou a vislumbrar uma abertura para reclamação de
suas questões, originadas ou não pelas ingerências políticas, junto ao Palácio Episcopal.
E, de acordo com as correspondências disponíveis no acervo da Cúria Metropolitana de
Teresina, foi intensa a busca popular pela intervenção ou mediação do religioso junto aos
poderes públicos. Desse processo, fizeram parte leigos e religiosos. Cartas endereçadas
às assistentes sociais da Legião Brasileira de Assistência (LBA), aos representantes do
Serviço Social do Estado, de secretarias de Educação e Saúde, e aaos diretores de
instituições como Banco do Brasil e Correios indicam a busca popular junto à Igreja por
instrumentos de trabalho, oportunidades de colocação no mercado ou assistência
financeira, uma vez fracassada a tentativa de obter a ajuda social através dos poderes
instituídos. Um dos bilhetes arquivados traz o pedido da dona de casa identificada apenas
como Isabel, motivado por problemas de saúde. 8 dias meu marido está bastante
doente, sem recurso amesmo para a alimentação. Confiada na sua imensa bondade,
peço ajuda. Sem mais agradeço
.
161
A correspondência trocada com secretarias públicas, solicitando parcerias para o
andamento dos projetos assistenciais da Igreja foi frequente, como a que pede isenções
de taxas e impostos para os prédios da Arquidiocese de Teresina, conforme a legislação
em vigor, uma vez que dedicavam-se a atividades sem fins lucrativos, auxiliando o poder
público no papel de atender a população. A isenção seria justificada diante das rendas
inexpressivas da Arquidiocese. Derivados de aluguéis de casas, estes recursos seriam
159
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina.
Teresina, 9 dez. 1969, p. 1.
160
Regressa ao Piauí o bispo de Teresina. Jornal do Piauí, Teresina, 28 jul. 1956, p. 1.
161
Bilhete disponível no acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 7 jul. 1962, p. 1.
76
destinados integralmente à educação de seminaristas pobres que estudam sob a
responsabilidade da Arquidiocese de maneira total”.
162
O conteúdo mais comum das cartas pessoais, no entanto, era o requerimento em
favor do remanejamento de professores, assistentes sociais, enfermeiras, dentistas e
médicos dos postos ou centros de saúde e escolas públicas para os centros sociais
católicos, por tempo determinado ou não. As solicitações buscavam obter do poder
público a manutenção dos rendimentos destes profissionais, mesmo após o
deslocamento para os novos locais de trabalho, pois nos centros católicos também
estariam desempenhando serviços sem desvio de natureza social. Carta ao governador
Chagas Rodrigues foi elaborada nestes termos. Dom Avelar solicitou autorização para
que o então diretor geral de Saúde, Otton Soares, designasse Antônio de Oliveira para
atender como dentista no Centro Social Nossa Senhora de tima, correndo despesas
pelo Fundo de Desenvolvimento Econômico
.
163
Documentos do acervo disponível na Cúria Metropolitana de Teresina permitem
observar uma face da relação com a cidade, na qual parcerias no campo da assistência
social, mediante voluntariado ou financiamento junto a poderes públicos e organismos
estrangeiros davam sustentabilidade ao papel de mediador ou delegado assistencial que
se adere à imagem de Dom Avelar. A legitimação foi naturalizada na carência própria da
população, fragilidade ou lentidão da estrutura blica de assistência e nas intervenções
concretas da organização arquidiocesana no cotidiano teresinense. As cartas denotam o
trabalho permanente do arcebispo em torno de sua imagem e da sua Igreja, remetendo a
novas funções episcopais e à própria incapacidade do poder público e igrejas de,
sozinhos, atenderem as demandas da cidade. Nesse sentido, construía-se como
personagem histórico necessário na concretude das carências sociais, cujo raio de ação
162
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 14
mar. 1962, p. 1.
163
Ibid. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 23 mar. 1962, p. 1.
Figura 4 - Bilhete de fiel católica
solicitando ajuda financeira.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Teresina.
77
ganharia sentido no mover-se entre os demais poderes, quebrando a fixidez do papel
religioso anterior, circunscritos aos templos ou ao Palácio Episcopal.
A fundação da Faculdade Católica de Filosofia e a construção de Centros Sociais
nos bairros da capital piauiense, exemplos dessa movimentação articulada, estão nas
análises seguintes.
3.1 Mudanças institucionais na Igreja Católica, novas vivências na cidade
Imerso em uma conjuntura de participação da igreja nordestina em atividades
assistenciais, como as de incentivo à educação rural e ao sindicalismo, cruzadas contra a
pobreza e de combate à marginalização de pessoas nas grandes cidades, Dom Avelar
empreendeu em Teresina ações pastorais, educacionais e sociais que modificaram as
formas de vivenciar a cidade, não sem causar controvérsias com o modo de viver
estabelecido. O seu histórico de trabalho, amplamente divulgado nos jornais locais desde
sua indicação para o cargo, e os pronunciamentos nos primeiros dias após a posse
indicavam interferências nas formas de experienciar a igreja e a própria capital.
O contexto histórico pelo qual passava a Igreja Católica, no Brasil e no mundo,
indicava transição interna e inclinações cada vez mais explícitas, principalmente entre as
dioceses localizadas na região Nordeste do Brasil, em favor da ampliação do papel junto
à sociedade. A justificativa seria o cumprimento da missão eclesial junto aos pobres, além
da assistência religiosa centralizadas nos templos.
Em 1950, setores progressistas da Igreja no Brasil realizaram maior aproximação
com o Ministério da Agricultura, à procura de incentivos para reformas sociais, mesmo
diante da resistência de grupos católicos considerados conservadores. Ao longo dessa
década, o posicionamento em prol de mudanças no setor agrário foi se tornando mais
visível.
164
Data de agosto de 1952 a assinatura do documento A Igreja e o Vale do São
Francisco,
165
pelos bispos nordestinos, com apelo para o início de uma reforma agrária.
Em maio de 1956, após a reunião em Campina Grande, na Paraíba, os bispos da
região reafirmaram posição em favor de mudanças socioeconômicas, decidindo romper
com elites agrárias. Dizendo-se colocar ao lado dos injustiçados, anunciaram marcha pela
reforma social em prazo amplo, mesmo sem estabelecer exatamente qual seria este
164
Os anos 1950 foram de mudanças profundas na mentalidade da Igreja Católica no Brasil. O episcopado
brasileiro encampou a ideia de fundação de um centro de âmbito nacional, destinado a coordenar a tomada
de decisões e a otimizar a troca de ideias entre os bispos, clérigos e leigos, que iria originar a fundação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1952.
165
Como resultado do Encontro dos Bispos do Vale do São Francisco, o documento alertava a necessidade
de “lembrar que, no Brasil, a questão da reforma agrária é complexíssima, é apenas prova que urge estudá-
la no Norte, no Nordeste, no Centro e no Sul, estudá-la enquanto é tempo, enquanto resta serenidade e os
agitadores, interessados no caso, não cheguem com suas tochas incendiárias”. A Igreja e o Vale do São
Francisco. In: Pastoral da Terra: posse e conflitos. São Paulo: CNBB, 1976. p. 72.
78
prazo. A preocupação com as questões agrárias chegou ao primeiro plano na política
brasileira, e ganhou a atenção da Igreja; em parte, devido ao fortalecimento de
movimentos de camponeses politizados, denunciadores de conflitos e más condições de
vida rural, como as Ligas Camponesas,
166
de cunho comunista. Do setor rural, partiram os
primeiros impulsos reformistas da Igreja por conta do temor institucional do alastramento
da ideologia comunista.
Tratava-se, pois, de um tempo de transição iniciado com a abertura da Igreja de
Roma ao mundo moderno, anunciada nos pensamentos dos papas Leão XIII (1878-1903)
e Pio XI (1922-1939), no início do século XX, porém levada à concretude nos papados
de João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978).
167
A Encíclica Rerum Novarum, de
Leão XIII, de 15 de maio de 1891, posteriormente atualizada pela Quadragésimo Anno,
de Pio XI, datada de 15 de maio de 1931, estabeleceu oficialmente as preocupações da
Santa com as questões sociais, trabalhistas e econômicas desdobradas até então.
168
Ou seja, décadas antes da chegada de Dom Avelar ao Piauí, o Vaticano sinalizou em
seus documentos oficiais a intenção de iniciar trabalho mais próximo às faixas pobres dos
países subdesenvolvidos.
Em meados do século XX se podia falar na existência de uma doutrina social na
Igreja, pela divulgação de novas encíclicas que reforçaram a defesa de reformas sociais
que aplacassem as desigualdades entre ricos e pobres, como foi o caso dos textos Mater
et Magistra, de 15 de maio de 1961, e Pacem in Terris, de1963, ambos assinados pelo
papa João XXIII. Os documentos atualizaram o pensamento dos papas precedentes e
abriram aos primazes, arcebispos, padres e fiéis o posicionamento oficial sobre a
socialização desejada. Pediam ajustamento entre progresso econômico e progresso
social, e o nivelamento e promoção nas zonas subdesenvolvidas. As dimensões mundiais
dos problemas humanos exigiam a valorização da instrução formal, a cooperação técnica
e científica entre os povos, e cobravam que religiosos e leigos, se ocupassem de ver,
julgar, agir,
169
e da difusão de ideias através dos meios de comunicação.
166
As Ligas Camponesas foram uma entidade que organizava camponeses em torno da luta pela reforma
agrária, cujos primeiros movimentos aconteceram no interior de Pernambuco. Sua origem remonta às
antigas Ligas Camponesas da década de 1930, originárias da ação do Partido Comunista do Brasil no
campo. Uma das grandes lideranças da liga foi o pernambucano Francisco Julião Arruda de Paula.
MAINWARING, Scott. Igreja católica e política no Brasil 1916-1985. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 76.
167
AZZI, Riolando; GRIJP, Klaus van der. História da Igreja no Brasil: ensaio e interpretação a partir do
novo. Tomo II/3-2. Terceira época 1930-1964. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 177.
168
PAPA Leão XIII. Rerum Novarum. Carta Encíclica sobre a condição dos operários. In: JUNIOR,
Pimentel (Org.). São Paulo: DOMINUS, 1963.
169
“Ver, julgar e agir” foi uma metodologia católica de análise dos fenômenos sociohistóricos. O método
esteve ligado à maneira de ser Igreja nos anos 1950 e 1960. Consistiu em orientar os católicos a ver,
discernir e agir como comunidade. MORAIS, J. F. de. Os Bispos e a política no Brasil. São Paulo: Cortez /
Autores Associados, 1982. p. 58.
79
Textualmente, os veículos de comunicação ganharam o reconhecimento do
Vaticano no que tange à força de propagação e identificação com o público.
De novo afirmamos, e acima de tudo, que a doutrina social cristã é parte
integrante da concepção cristã da vida. Embora saibamos, com prazer, que esta
doutrina já de há muito é proposta em vários institutos, insistimos na intensificação
de tal ensino, por meio de cursos ordinários e em forma sistemática, em todos os
seminários e em todas as escolas católicas de qualquer grau que sejam. Inclua-se
também nos programas de instrução religiosa das paróquias e das associações do
apostolado dos leigos; propague-se através dos meios modernos de difusão:
imprensa diária e periódica, obras de vulgarização e de caráter científico, rádio e
televisão.
170
Levado a viajar pelo Brasil, participando de palestras nas quais se notabilizou como
orador sacro, e participante das discussões promovidas pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, CNBB,
171
Dom Avelar travou contato com as variadas correntes de
pensamento internas e externa da Igreja brasileira e de Roma. Conhecia e apoiava o
posicionamento oficial da doutrina social da Igreja, o que foi uma das chaves de sua
progressão na hierarquia. Conhecer a fundo a instituição para a qual trabalhava, operar
dentro dela significou a necessidade de aplicar o posicionamento eclesial à realidade
específica das cidades.
Em face desta missão, concretizada nas constantes viagens para conferências em
outros Estados, criaram a expectativa de que, em breve, Dom Avelar poderia deixar
Teresina, devido ao sucesso alcançado dentro da hierarquia brasileira e latino-
americana.
172
Em 1965, pelo afastamento temporário dos presidentes da CNBB e do Conselho
Episcopal Latino Americano, CELAM, assumiu a presidência das duas entidades. Estas
condições provocaram a previsão de sua transferência em um futuro próximo, em que
pese sua saída oficial ter ocorrido apenas seis anos depois.
170
JOÃO XXII, Papa. Mater et Magistra: sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/documenst>. Acesso em: 20 out. 2007.
Disponível ainda em: As encíclicas sociais de João XXIII. Mater et Magistra. 2. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1963. v. 2.
171
O Encontro dos Bispos do Vale do São Francisco foi um balão de ensaio para o surgimento da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, fundada alguns meses depois, em 14 out. 1952. A CNBB é obra
de Dom Helder Câmara, que, em Roma, na ocasião, encontrou o apoio do Monsenhor Montini, que mais
tarde, 1963-1978, seria o Papa Paulo VI para a fundação oficial. Desde a sua fundação, a CNBB tem como
objetivo congregar a Igreja Católica no território nacional. Conforme: RIOLANDO e GRIJP, Klaus van der.
História da Igreja no Brasil: ensaio e interpretação a partir do novo. Tomo II/3-2. Terceira época 1930-
1964. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 625.
172
Dom Avelar cumpriu, principalmente depois do seu quinto ano de apostolado no Piauí, intensa agenda
de viagens para cumprir compromissos junto à CNBB, ou entidades que o convidavam para proferir
palestras. Ao menos uma vez por ano, entre 1962 e 1965, Dom Avelar afastou-se da capital por três meses
seguidos, outubro, novembro e dezembro, para participar, no Vaticano, das sessões do Concílio Vaticano II.
Na última sessão, chegou a ficar quatro meses afastado de Teresina, devido a compromissos como vice-
presidente da CNBB. Seu retorno ocorreu somente em 14 jan. 1966, quando concedeu entrevista à
imprensa e chegou a receber voto de congratulações da Assembleia Legislativa pela sua atuação no
concílio. CONFORME Assembleia Legislativa aprovou voto de congratulações com o arcebispo. O Dia,
Teresina, 15 jan. 1966, n. 1740, ano XV, p. 4.
80
Assalta-nos a intuição de que a sociedade católica piauiense estará na iminência
de ver-se privada talvez em breve das luzes e grandeza espiritual de Dom
Avelar à frente da Arquidiocese de Teresina. É o que pressentimos com o brilho
de sua alta e superior personalidade, e, diante da projeção proporcionada pelos
grandes méritos que o distinguem decerto outras e mais altas investiduras,
Sua Excelência virá a ter na hierarquia eclesiástica [...] A ascensão de Dom Avelar
será uma decorrência natural, inevitável [...] Iremos perder a presença aqui do
nosso devotado, mas é uma previsão apenas.
173
Sintonizando com os ritmos de mudanças internas, promoveu a I Semana
Ruralista, entre 6 e 11 de agosto de 1956, três meses após sua chegada em Teresina,
segundo a proposta de orientação de trabalhadores rurais para o melhor aproveitamento
da terra. Na programação do evento, estavam inclusas palestras e cursos, orientando o
homem do campo ao uso de técnicas adequadas para otimizar o plantio, bem como
orientações para a convivência com a seca.
A estrutura da igreja local sofreu mudanças com bases em suas experiências
externas e na percepção do contexto estadual. Como presidente da Província Eclesiástica
do Piauí, rompeu os limites da capital e até 1971 criou paróquias nas cidades de Água
Branca, Altos, Elesbão Veloso, Miguel Alves, São Félix, São Miguel do Tapuia e
Pimenteiras. Na própria capital, fundou as paróquias de São José Operário (Bairro Vila
Operária), Nossa Senhora de Lourdes (Bairro Vermelha), Nossa Senhora das Graças,
Nossa Senhora de tima (Bairro de Fátima), São João Evangelista e São Raimundo
(Bairro Piçarra), ampliando a atenção dada aos fiéis.
174
Com a construção e funcionamento de templos, as representações da autoridade
eclesiástica foram chegando aos bairros, ao lado de padres e demais religiosos. Dessa
forma, a Igreja moveu-se para acompanhar o crescimento urbano de Teresina,
influenciando-o diretamente. A atenção empreendida ao Bairro de Fátima, localizado na
zona Leste da capital, à margem direita do rio Poti, mostra este movimento.
O povoamento da região teve fomento após a visita a Teresina da imagem
portuguesa de Nossa Senhora de Fátima, ocorrida em 1953. Em homenagem à santa, os
moradores ergueram uma capela no local, onde realizavam adorações de cunho popular,
sem a presença de padres. Passados quatro anos, Dom Avelar a teria visitado e
nomeado o padre Isidoro Pires como assistente eclesiástico responsável pelo templo.
175
Missas passaram a ser celebradas regularmente, conforme calendário católico, com a
assistência pessoal do próprio arcebispo. Em carta de 1961, o clérigo registrou
173
MENDES, Simplício de Sousa. D. Avelar. Coluna Televisão. O Dia, Teresina, 15 jan. 1966, ano XV, n.
1740, p. 3.
174
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e repressão: fragmentos de uma memória oculta em
meio às tensões entre a Igreja Católica e o regime militar em Teresina. 2006. Dissertação (Mestrado)
Coordenação do Mestrado Acadêmico em História do Brasil, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.
175
BATISTA, Padre Tony. Teresina, 2008. Entrevista concedida à nia Maria dos Santos Carvalho em 1
ago. 2008.
81
impressões sobre a época de articulação entre igreja e teresinenses no desenvolvimento
do bairro.
Nem sei mais. Foi por 55 ou 56, e aquele pedaço de chão era apenas uma
terrinha cortada por largas derrubadas, mal sulcadas por estreitas trilhas. Uma
casinha aqui e acolá meio escondida pela folhagem da galharia espessa. [...].
Apareceu, para surpresa do rabiscador destas linhas, a silhueta esguia de
mulheres não estranhas. Logo um pedido: Padre, venha catecismo aqui.
muitas crianças. Agente nem vai na missa porque é longe. Venha. Não se fez
esperar promessas. E o catecismo começou. Com um pedaço de trilho foi
improvisado um sino. Mais tarde, uma missa por mês. Dom Avelar... missa
dominical. E estava lançada a semente do evangelho nesta terrinha reservada à
proteção da Virgem de Fátima. Uma capelinha tosca e desengonçada. Um posto
médico. Um dentista. Uma pedra fundamental, e lá se foi. Agora um big centro
social e um bairro que cresce dia a dia. Uma gleba que se valoriza. Uma
civilização que caminha.
176
Com a ajuda do católico Marcolino Rio Lima, doador dos lotes para a construção
da Praça de Fátima, do Centro Paroquial e do próprio templo, começou a ser erguida o
que se tornou a Vila de Fátima, um novo espaço urbano com quarenta e quatro quadras,
sendo quatro delas destinadas à Igreja ou usadas para a agricultura da comunidade.
177
Criando centros sociais, o Arcebispo levou a presença da Igreja Católica à
periferia, firmando a instituição nos pontos pobres e de maior expansão populacional. Até
o fim do seu apostolado, foram inaugurados os centros sociais Leão XIII, no Bairro Vila
Operária, o Cristo Rei, no Bairro homônimo, o de Nossa Senhora das Graças, no Aterro, o
de Pio XI, no Bairro Piçarra, e Pio X, no São Pedro; o de Nossa Senhora de Fátima, no
Bairro de Fátima, e o Centro Social D. Avelar, no Bairro Memorare, além do Posto de
Puericultura Santo Antônio, no centro da cidade. A Ação Social Arquidiocesana era
orgulho para o religioso; ali concentravam-se assistentes sociais, médicos, dentistas,
enfermeiras diplomadas, auxiliares de enfermeiras e de assistentes sociais; professores
de letras, de aprendizagem doméstica e iniciação profissional, além de cooperadores
voluntários. O conjunto dos serviços ali prestados era percebido com um Estado
Assistencial erguido pela igreja, em Teresina, na ausência de ações governamentais de
maior expressão.
178
Em 1957, o arcebispo concretizou sua interferência no cenário educacional
superior. A partir desse ano, reforçou seus vínculos com a intelectualidade local,
176
PIRES, Padre Isidoro. In: Revista Paróquia de Fátima: sua história, sua gente. Teresina: Alínea
Publicações /Halley, 2003. p. 24.
177
BATISTA, Pe. Tony. Revista Paróquia de Fátima: sua história, sua gente. Teresina: Alínea Publicações
/Halley, 2003. p. 26.
178
MEDEIROS, Antônio José. Movimentos sociais e participação política. Teresina: CEPAC, 1996. p. 96.
Atualmente, esses projetos são adaptados de acordo com as demandas vigentes, mas ainda envolvem
ações religiosas, sociais e culturais, como aulas de catecismo para crianças e adultos, atendimento
ambulatorial, odontológico, farmacêutico, e escolas dedicadas a trabalhar a evangelização no ambiente
familiar. Os centros sociais com plena atividade hoje são o Centro Social Leão XXIII, Centro Social Nossa
Senhora de Fátima e o Centro Social Cristo Rei.
82
fundando em junho a Sociedade Piauiense de Cultura, com o intuito de criar uma
faculdade católica de Filosofia, na esteira do clima de incentivo à educação vivido dentro
da Igreja Católica no Brasil.
No período que se estende de 1945 a 1964, observa-se um crescimento
significativo do número de instituições. A partir de 1946, começaram a surgir as
universidades particulares, com especial destaque para a atuação da Igreja
Católica. Naquele ano foram reconhecidas a Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro e a PUC de São Paulo. [...]. Entre os anos de 1950 e 1960 foram
criadas mais quatro universidades (faculdades, federações ou escolas isoladas).
No final da década de 1950, o Brasil contava, pois, com 21 universidades e mais
de 100 estabelecimentos de ensino superior.
179
O interesse pela temática educacional chegou aos outros níveis de ensino da
época. Ao aceitar a presidência estadual da Campanha Nacional de Educandários
Gratuitos (CNEG), e trabalhando para ampliar a rede de ginásios existente, Dom Avelar
operou na modificação das vivências dos alunos na rede educacional piauiense.
Presidindo no Estado o Movimento de Educação de Base (MEB),
180
criado em 1961, para
combater o analfabetismo e a falta de conscientização social das camadas populares,
através de programas de alfabetização via escolas radiofônicas, Dom Avelar constituiu-se
agente mobilizador do campo educacional, gerando sentido às representações de homem
extemporâneo que se construiu ao seu respeito.
Em 1961, já havia construído cinco ginásios: o Popular da Vermelha, em Teresina,
o de Pedro II, o de Fronteiras, o de Canto do Buriti, a Escola de Comércio de
Oeiras e a Escola de Comércio de José de Freitas. Quando assumiu a
Arquidiocese, havia apenas um daqueles ginásios, em Jaicós. No final do seu
governo, já se somavam trinta e dois.
181
A Faculdade Católica de Filosofia (FAFI), fundada em 16 de junho de 1957,
começou a funcionar em 1958 e proporcionou novas formas de viver e de consumir a
cidade. Em uma primeira leitura, as instruções sobre a FAFI informam as linhas de
pensamento, dizem das dinâmicas de gestão da faculdade, e remetem a um convívio
solidário e de crescimento mútuo entre alunos e professores. Por ser considerada o
embrião da Universidade Federal do Piauí (UFPI), empreendi análise mais detalhada das
representações construídas a seu respeito.
179
ROSSOTO, Ricardo. Universidade: nove séculos de História. Passo Fundo: EDUFPI, 2005. p. 118.
180
O MEB, Movimento Educacional de Base, foi criado oficialmente em março de 1961 mediante Decreto n.
56.370, após acordo entre o presidente Jânio Quadros e o bispo de Aracaju, Dom José Távora, considerado
progressista e parceiro de Dom Helder Câmara nas ações sociais da Igreja. Segundo o acordo, o Estado
financiaria e a Igreja executaria o Programa de Educação Básica Popular através da instalação de escolas
radiofônicas nas regiões menos desenvolvidas do País. Estas escolas trabalhariam a interação cultural e
econômica das comunidades rurais, através da alfabetização e debates sobre as alternativas de melhoria
de vida no campo. Conforme NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Memória e história da Rádio Pioneira
de Teresina. Teresina: Alínea, 2004. p. 93.
181
CARVALHO, Mª, op. cit., 2006, p. 132.
83
A carência de infraestrutura no campo da educação era sentida em Teresina na
década de 1950. O crescimento populacional
182
fez com que a demanda por serviços
públicos aumentasse, desembocando na maior necessidade não de vagas nos cursos
primários e secundários, como de professores qualificados com formação específica para
lecionar. No entanto, a despeito da expansão da demanda, poucas foram as ações do
poder público no sentido de ampliar a rede escolar, dada a precariedade de recursos
orçamentários e às mudanças nas políticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas,
INEP.
183
O órgão vinha financiando a construção de prédios escolares na área rural
piauiense, mas rompeu os contratos com o Governo do Estado, diante da ausência das
prestações de contas exigidas. Os recursos ficaram suspensos aa segunda metade da
década de 1950, quando o governo Gayoso e Almendra (1954-1958) negociou as
pendências existentes e obteve a retomada da construção de mais prédios escolares na
zona urbana da capital, com capacidade para ampliar o número de matrículas.
Em Teresina, o cenário educacional dos anos 1950 era formado por escolas
estaduais de ensino primário e secundário, como o Liceu Piauiense, e colégios
particulares que abrigavam os alunos de maior poder aquisitivo, como o Colégio Sagrado
Coração de Jesus, ou Colégio das Irmãs, e Colégio São Francisco de Sales, o Diocesano,
reaberto em 1958, e entregue aos jesuítas pelo próprio Dom Avelar no ano de 1960. Os
dois últimos foram representativos da influência da Igreja Católica na educação formal
piauiense. Após suas fundações, a igreja instalou uma rede de patronatos e colégios em
cidades do Interior. As estatísticas, no entanto, mostravam uma face das carências
educacionais no ensino superior. Dados do Censo do IBGE, publicados em 1952
informam a existência de somente 591 pessoas no Estado com diploma universitário.
184
A única faculdade existente em Teresina, até 1958, era a Faculdade de Direito do
Piauí (FADI), fundada, em 1931, por piauienses bacharéis em Direito, formados na
Faculdade do Recife, e desejosos de capacitar jovens para o exercício de cargos na vida
pública.
Com a FADI em operação, o bacharelado era uma opção real de ensino superior,
mas não qualificava docentes ao exercício do magistério no ensino secundário, mesmo
quando o número de alunos aptos a este patamar de estudos não parava de crescer.
Como medida paliativa, o Ministério da Educação e Cultura oferecia o Curso de
Aperfeiçoamento de Docentes do Ensino Secundário (CADES), para a formação de
182
No início de 1960, a população piauiense era de 1.263.368 habitantes. Em 1950, o número estimado era
de 1.045.696 habitantes. A maior parte da população ainda convivia no meio rural (965.216 habitantes).
Teresina possuía 144.799 habitantes. IBGE Conselho Nacional de Estatística e Contagem da População.
Estatísticas Básicas. Série Retrospectiva, 1971.
183
CARDOSO, Elisângela Barbosa. Múltiplas e singulares: histórias e memórias de estudantes
universitárias em Teresina 1930-1970. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2003. p. 65.
184
CARDOSO, Elisângela, op. cit., 2003, p. 63.
84
professores que lecionassem no Ensino Médio a título precário.
185
Contudo, acontecendo
de modo intensivo durante trinta dias, o curso não assegurava a necessária formação
pedagógica ao professor, e criava uma distorção: embora legalmente habilitado para
lecionar, o docente continuava sem formação específica na área de atuação escolar. A
pressão social pela qualificação real dos professores dentro de uma faculdade, conforme
lembra a ex-aluna e ex-professora da Faculdade de Filosofia, Maria Cecília de Araújo
Mendes, continuava. Para ela, uma vez instalada, a FAFI supriu esta lacuna, beneficiando
professores oriundos de municípios como Campo Maior, Parnaíba, São Raimundo Nonato
e União, que puderam se dirigir à capital com bolsas de estudo, frequentar as aulas e,
depois de formados, retornar às suas cidades com o compromisso de lecionar no ensino
secundário. “Muitas vezes, somente eles em suas cidades possuíam este grau de
qualificação”
186
No contexto piauiense, o esforço de Dom Avelar para reunir pensadores e políticos
locais em torno da criação da Sociedade Piauiense de Cultura traz o simbolismo de ter
sido o primeiro a agregar a intelectualidade local em torno do projeto de municiar no
Estado uma instituição voltada à formação humanística de professores.
187
Os intelectuais recrutados pelo Arcebispo para pensar a implantação da FAFI eram
reconhecidos pela erudição e experiência docente no Ensino Médio, mas não dispunham
de qualificação específica para lecionar nos cursos de Graduação superior. A intervenção
do religioso, convocando-os e, em seguida, lhes delegando a escolha dos titulares das
disciplinas que seriam ministradas na FAFI, teria provocado reflexões sobre a aptidão
desta intelectualidade à qualificação de futuros professores, em nome de um
desenvolvimento social que se fazia urgente.
No entanto, os percalços legais foram suplantados pelas relações de respeito que
os intelectuais inspiravam no contexto educacional teresinense. Nas lembranças do ex-
aluno Antônio José Medeiros,
188
as presenças dos professores Clemente Honório Parente
Fortes e Raimundo José Airemoraes Soares, ambos diretores durante os doze anos de
funcionamento da FAFI, davam respeitabilidade moral e intelectual à faculdade, gerando
credibilidade em seu torno. O fato de ser católica condicionava as vivências dentro da
faculdade, porém, não a engessava pedagogicamente. A presença de professores leigos
185
BRITO, Itamar Sousa. História da educação no Pia. Teresina: EDUFPI, 1996. p. 45.
186
MENDES, Maria Cecília de Araújo. Teresina, 2008. Entrevista concedida à Sônia Maria dos Santos
Carvalho em 15 ago. 2008.
187
MELO, Antonio Maureni Vaz Verçosa de. Faculdade Católica de Filosofia do Piauí: renovação e
transformação da educação do Estado. In: FRANCO & VASCONCELOS (Org.). Outras Histórias do Piauí.
Fortaleza: UFC, 2007. p. 36.
188
MEDEIROS, Antônio José. In: BONFIM, Maria do Carmo; PEREIRA, Maria das Graças Moita R.;
SOUSA, Francisca Mendes de (Org.). Anais do seminário presente do passado: a faculdade Católica de
Filosofia na História da Educação do Piauí. Teresina: EDUFPI, 2000. p. 230.
85
e a tolerância a alunos de outros credos ou linhas de pensamento arejavam e
pluralizavam o viver dentro da instituição de ensino.
A FAFI cobrava anuidades de seus alunos, e seu sustento dependia de
subvenções orçamentárias, colhidas junto aos representantes piauienses na esfera
federal. Conforme Benedito da Rocha Freitas Filho,
189
ex-secretário da Faculdade, a
instituição viveu de dotações consignadas nos anos de 1958 a 1962, 1964, 1967 e 1969.
Além desta fonte, o Estado concedia auxílios financeiros esporádicos, e o comércio local
cedia material de expediente em compras parceladas e prazos indeterminados de
pagamento. Ainda assim, crises financeiras constantes atrasavam os salários dos
docentes, e mantinham os vencimentos abaixo dos valores praticados nas escolas de
ensino de primeiro grau. Porém, os docentes percebiam a FAFI como uma missão, um
projeto social de desenvolvimento do Estado, e não como fonte de renda. “Para o seu
sustento, os professores desenvolviam outras atividades ao longo do dia. Não contavam
com o dinheiro de lá. Aquilo era uma missão”.
190
O primeiro vestibular, em 1958, classificou quarenta alunos para os cursos de
Letras Neolatinas, Geografia e História que constituíam um curso e Filosofia. Nos
anos 1960, mediante convênio com a Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste, SUDENE, foram abertas graduações em Matemática e Física. A princípio, a
instituição funcionou no mesmo edifício do Colégio Sagrado Coração de Jesus, na
Avenida Frei Serafim, e posteriormente ocupou os três andares do prédio em frente à
Praça Saraiva, onde funcionou o Grupo Escolar João Gayoso e o Instituto Brasil-Estados
Unidos. Até 1971, quando foi incorporada à Universidade Federal do Piauí, contava ainda
com um prédio anexado ao seu lado esquerdo.
Pela voz de seus ex-alunos, a FAFI emerge como um ambiente de vivências
democráticas e de intensas atividades políticas, produzindo em seus frequentadores a
sensação de construção de uma cultura universitária. Com a anuência do próprio Dom
Avelar, jovens das mais diversas orientações da Ação Católica, cujo crescimento marcava
o contexto social brasileiro da época, como a Juventude Agrária Católica (JAC), a
Juventude Estudantil Católica (JEC), a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude
Universitária Católica (JUC), mantinham reuniões na FAFI, constituindo-a em cenário de
discussão sobre os últimos acontecimentos do País. Existiam, ainda entre os estudantes,
jovens ligados ao Movimento Educacional de Base.
189
FREITAS FILHO, Benedito da Rocha. In: BONFIM, Maria do Carmo; PEREIRA, Maria das Graças Moita
R.; SOUSA, Francisca Mendes de (Org.). Anais do Seminário Presente do Passado: a faculdade Católica
de Filosofia na História da Educação do Piauí. Teresina: EDUFPI, 2000. p. 260.
190
MENDES, Maria Cecília, op. cit., 2008.
86
A Faculdade atuou como um espaço de reflexão, inclusive para os que não eram
alunos. As atividades de extensão efetuadas nos finais de semana incluíam reuniões e
discussões com qualquer membro da comunidade que se interessasse pelas questões
ocorrentes no Brasil o que revitalizava a instituição e promovia novas vivências para os
alunos. Para quem estava regularmente matriculado e pertencia ao Diretório Acadêmico,
estar na FAFI era programar debates políticos e semanas culturais, levantar livros para a
biblioteca e organizar eleições que mobilizavam toda a classe universitária.
191
A liberdade de circulação pela cidade e a chance de ascensão profissional
marcaram as vivências dos estudantes. Com aulas noturnas, realizadas das 18 às 22
horas, as alunas
192
começaram a ter mais liberdade de consumir a cidade; aproveitavam
os intervalos entre aulas para frequentar a Praça Saraiva nos horários em que
normalmente as moças de família não poderiam estar. Além destas permissões, o
ingresso no ensino superior continha rituais de alargamento das regras de
condicionamento e disciplina no espaço urbano.
As lembranças de Maria Raimunda das Dores dos Santos, que ingressou na
instituição em 1961, são marcadas pelos trotes que os veteranos aplicavam nos calouros
logo no primeiro dia de aula. Seguindo percurso que começava na Praça Saraiva e se
espalhava para outras imediações do centro da cidade; ocorriam os trotes conhecidos
como banhos nos calouros. A brincadeira quebrava a rotina dos circulantes, convocando
outros modos de estar nas imediações do centro. Era uma atividade na qual a população
expectadora se integrava aos estudantes universitários.
Constava de uma passeata acompanhada de banda de música pelo centro da
cidade. Era uma iniciação na academia e uma espécie de rito pré-carnavalesco.
Por ser uma festa que se identificava com o povo, a comunidade tamm
participava. Tanto familiares como comunidade de modo geral. As pessoas das
lojas, todo mundo ia para rua ver o trote de calouro. Isso era uma coisa linda que
acabou. O cortejo terminava na Praça Pedro II.
193
Na instituição existiam modos diversos de viver a educação. Diogo José Soares,
ex-professor da FAFI, rememora a perplexidade de alguns pais e mães de alunos que se
dirigiam à Faculdade nos finais de semana, por estranhar a presença dos filhos em
atividades realizadas aos sábados e domingos. Eram os chamados programas de
extensão, nos quais os alunos exerciam junto à comunidade o conhecimento técnico
adquirido, e incentivavam os participantes a pensar sobre as conjunturas estatais e
nacionais. Como não existia auditório, algumas aulas eram dadas ao ar livre, na própria
Praça Saraiva, quebrando a rotina dos teresinenses. “Isso chamava a atenção das
191
MEDEIROS, In: BONFIM; PEREIRA; SOUSA, op. cit., 2000. p. 233.
192
O número de mulheres que ingressou nos quadros da FAFI começou a crescer a partir de 1960.
Conforme CARDOSO, Elisângela, op. cit., 2003, p. 44.
193
SANTOS, Maria Raimunda das Dores dos. In: BONFIM; PEREIRA; SOUSA, op. cit., 2000, p. 280.
87
pessoas. Se o conteúdo da aula atraísse o cidadão que passava, ele ficava e assistia à
aula”.
194
Conforme dito, a Faculdade Católica de Filosofia funcionou em Teresina até o ano
de 1971, quando foi incorporada à Universidade Federal do Piauí, UFPI. A instituição
federal de ensino era esperada com expectativa pela população, por representar maiores
chances de desenvolvimento social de todo o Estado. Sua viabilidade deu-se pela
existência prévia de faculdades como as de Direito e a de Filosofia, o que solidificou a
imagem de homem com visão futurística de Dom Avelar, e reforçou o discurso sobre a
existência de um patrimônio educacional deixado por ele, perpetuado e vivo através da
Universidade Federal do Piauí.
O religioso teve ao seu lado, nos intentos educacionais que concretizou em
Teresina, um conjunto de forças sociais e de pessoas comprometidas com o projeto
comum de desenvolvimento pela educação. Agiu a seu favor uma conjuntura nacional,
que foi sendo conhecida e debatida entre os alunos e professores ao longo dos anos, um
ambiente externo que criou possibilidades de renovação, no qual se legitimavam
faculdades católicas no Brasil, sendo a FAFI um local onde os processos de
transformação se manifestaram no Piauí de modo agudo.
Intervenções na cidade também aconteceram na forma de eventos religiosos. Os
congressos eucarísticos, que o religioso organizou tanto em Petrolina quanto em
Teresina, apontam para outras vivências possibilitadas através do seu trabalho como
membro da Igreja. Reflexões sobre os desdobramentos destes eventos são objetos das
reflexões que coloco a seguir.
3.2 Congressos Eucarísticos: transformação das cidades em monumentos
Por todo o século XX, a mística do Cristo presente nas hóstias consagradas esteve
na centralidade de uma sucessão de eventos denominados de congressos eucarísticos.
Avelar Brandão Vilela participou intensamente destes momentos como ouvinte,
palestrante ou correspondente da imprensa católica em fases diferentes de sua vida
religiosa. No papel de seminarista, participou do 1º Congresso Eucarístico Nacional,
ocorrido em Salvador, em 1933, e nas edições posteriores de caráter nacional.
195
194
Id. ibid.
195
O contingente numeroso de fiéis, e a reafirmação da preeminência da católica entre os brasileiros, de
modo a marginalizar o máximo possível as outras religiões, eram o objetivo destes congressos, mediante a
mobilização da população urbana, demonstrando o potencial político do episcopado. Era um modo de dizer
aos governos que deviam considerar as orientações católicas, emanadas pelo Vaticano, pois a Igreja em si
era uma grande mobilizadora social. O primeiro congresso eucarístico do país aconteceu no Rio de Janeiro,
em 1922, sob o comando de Dom Sebastião Leme, de caráter estadual, mas ganhando projeção nacional
para mostrar as vinculações entre fé e pátria. Em seguida, aconteceram congressos eucarísticos nacionais
88
Devido às distâncias geográficas, os congressos eucarísticos abriam
oportunidades de interação entre católicos, leigos ou não; constituíam espaços de
discussão e demonstrações públicas de fé e da demarcação da presença católica na
sociedade. Pela pretensão de reunir centenas de pessoas em uma cidade,
demandavam esquemas rigorosos de organização a cargo de comissões executivas e
subcomissões formadas por sacerdotes, cidadãos comuns e representantes de poderes
públicos. Sediar um congresso significava intervir no funcionamento da cidade, tanto no
sentido físico pelo uso dos espaços para sessões magnas, missas, palestras e
procissões, quanto imaterial, pois engajavam a população local e os visitantes em torno
dos temas propostos.
Em 1948, Dom Avelar Brandão Vilela experimentou a organização de um evento
dessa natureza com a realização do Congresso Diocesano Eucarístico de Petrolina,
sob o lema Eucaristia, caminho, verdade e vida, a pretexto da celebração dos 25 anos de
fundação da Diocese. Conforme a tradição católica, bodas de prata ou de ouro de
dioceses, arquidioceses e ordenações sacerdotais ou episcopais motivavam a reunião de
fiéis em situações de festividade religiosa, quebrando a programação rotineira nos
templos católicos, avançando por outros espaços como praças, ruas e estádios.
A experiência em Petrolina foi possível pela nomeação de uma comissão
executiva, que coordenou outras oito comissões presididas por clérigos da confiança de
Dom Avelar: imprensa e propaganda, instalação e ornamentação, finanças, recepção e
transportes, finanças, hospedagem, liturgia e arte sacra e de sica e canto sacro. Havia
ainda a comissão de honra, formada pelo governador de Pernambuco, Alexandre José
Barbosa Lima Sobrinho, além do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Miguel de Lima
Verde e bispos da região do sertão pernambucano.
As alianças firmadas com a população permitiram o início das mobilizações
populares nas paróquias, durante reuniões realizadas a partir de fevereiro de 1948. A
estrutura planejada pelo bispo, quando criou o Departamento Diocesano de Ação
Católica
196
e deu organicidade específica ao corpo de religiosos e leigos que gravitavam
em seu entorno, contribuiu para a aproximação e o engajamento de novos fiéis nas
realizações da Igreja. O gesto de organização simbolizou, ainda, a atualização das
na Bahia (1933), Belo Horizonte (1936), tendo Dom Avelar participado também como correspondente para o
Jornal A Cruzada, de Aracaju; Recife (1939), São Paulo (1942), Porto Alegre (1948), Belém (1952) e
Curitiba (1960). O congresso de 1933 continha a intenção de pressionar a aprovação dos interesses
católicos junto à constituição em andamento, como a impossibilidade do divórcio e a obrigatoriedade do
ensino religioso nas escolas.
196
O Departamento Diocesano de ão Católica, composto por oito departamentos: vocações sacerdotais,
ensino de religião, educação e cultura, ação social; imprensa, rádio e informação, defesa da fé e da moral,
cinema e teatro e liga eleitoral católica.
89
estruturas católicas locais frente à realidade existente em dioceses mais antigas no
País e ao incentivo dado ao movimento da Ação Católica.
197
Para o congresso eucarístico, a estrutura organizada no município permitiu às
reuniões de estímulo o engajamento na construção e realização do evento, tanto nas
paróquias quanto nos salões de reuniões das organizações religiosas, colégios e
associações de leigos.
Entre os dias 6 e 10 de outubro de 1948, o Congresso foi realizado, tendo
programação nos templos, praças e colégios constituída por missas e discussões e
adornada por coral formado para executar o hino do evento.
198
A intervenção na cidade trabalhava a autoestima da população. “Sob a orientação
de Dom Avelar, Petrolina apresenta ao mundo civilizado, na década de 1940, uma cidade
de povo bom, ordeiro, trabalhador e honesto”.
199
Dentre os sentidos produzidos na
população estavam, portanto, o sentimento de satisfação pela projeção estadual e
nacional que ganhou a cidade, por se mostrar capaz de sediar um evento de grande
porte. Ao atribuir a iniciativa, planejamento e coordenação geral do congresso ao bispo, a
cidade prestava-lhe reverência. Há, portanto, um sentido de carência e baixaestima
originais, revertidas em orgulho regional pela iniciativa de liderança e organização popular
em torno de uma causa considerada legítima: celebrar as bodas de prata da diocese
petrolinense.
197
Esta organização inspirava-se no modelo italiano promovido por Pio XI, com um caráter bastante
centralizado nas mãos da autoridade clerical e a função inicial de combater o desenvolvimento do
comunismo através de alianças com os poderes políticos vigentes. A Ação Católica Brasileira foi fundada
em 1935, também com essa ideia inicial de certificar a manutenção de garantias católicas junto aos
governos. Em 1937, com o Estado Novo, o temor comunista arrefeceu dentro da Ação Católica Brasileira.
Com o tempo, a Ação Católica deixou de organizar-se em torno de gêneros, homens, senhoras e moços,
para organizar-se segundo a participação social dos membros, chegando a congregar a juventude
universitária na JUC (Juventude Universitária Católica) ou JOC (Juventude Operária Católica), dentre outras
segmentações.
198
Composto pelo próprio Dom Avelar e musicado do padre Cromácio Leão, de Jaboatão dos Guararapes.
199
SÁ Y BRITO, op. cit., 1992, p. 137.
90
Figura 5 Postal de lembrança do
Congresso Eucarístico de Petrolina
enviado por Dom Avelar a sua mãe em
1948.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Salvador.
Figura 6 Capa da Revista do
Congresso Eucarístico de Petrolina.
Fonte: Acervo disponível na Cúria de
Petrolina.
O ano de 1960 foi emblemático na realização de congressos eucarísticos. No mês
de maio, em Curitiba, no Paraná, realizou-se o Congresso Eucarístico Nacional, e, em
agosto, a 37ª edição internacional do evento, em Munique, na Alemanha, com um milhão
de participantes, conforme dados da Comissão Organizadora. Naquele mesmo ano, Dom
Avelar, como arcebispo metropolitano no Piauí, organizou o Congresso Eucarístico
de Teresina, com o tema idêntico ao de Petrolina, a pretexto de celebração de seus vinte
e cinco anos de ordenação sacerdotal. O evento foi realizado entre os dias 26 e 30 de
outubro de 1960, contemplando, no segundo dia de atividades, o aniversário de seus 25
anos de sacerdócio. Considerado um pretexto adicional para a realização da festa
religiosa, esta data acabou ganhando a centralidade no decorrer do Congresso.
Mais uma vez, a intervenção no cotidiano da cidade foi intensa. O adro da Igreja
São Benedito, fixado em um local elevado no centro de Teresina, recebeu um altar
monumento desenhado por Adalberto Correia Lima, arquiteto piauiense que vivia no Rio
de Janeiro. A instalação do altar, de inspiração moderna, simbolizava a transformação da
própria Teresina em cidade monumento. Palco das sessões magnas, acompanhadas pela
orquestra de trinta e dois fuzileiros navais e coral sob a regência de Dom Plácido de
91
Oliveira, tornou-se, para a imprensa, o símbolo da festa e da elevação moral do povo
piauiense.
Escolas municipais, colégios particulares, as ruas, praças, igrejas e o salão de
reuniões do Hospital Getúlio Vargas foram espaços utilizados pelos congressistas. Desde
o mês de abril de 1960, o jornal católico O Dominical lançava chamamentos às reuniões
de organização, convidava a população leiga e os representantes dos poderes
constituídos ao engajamento na causa, e agendava a imprensa para a cobertura do
congresso. A expectativa lançada era a de que este seria o maior evento cívico-religioso
vivido em Teresina, à semelhança das comemorações do centenário da cidade, em 1952.
A programação incluiu no dia 26 de outubro, uma procissão com a imagem de
Nossa Senhora da Vitória, padroeira do Estado, saindo da Igreja do Amparo até a Igreja
São Benedito, onde, diante do altar monumento, foi coroada como a rainha do
Congresso. No dia seguinte, data do aniversário de ordenação de Dom Avelar, em sessão
magna no altar monumento e em seu entorno, foram realizadas 25 missas, simbolizando
um colar espiritual de agradecimento. Nos dias 28 e 29 de outubro, as sessões mais
importantes foram a missa especial para as crianças e senhoras. Encerrando o evento, no
dia 30, houve a recepção do núncio apostólico,
200
Dom Armando Lombardi, representante
do Vaticano no Brasil, e encerramento com missa que reuniu dez mil homens diante do
altar monumento. Nos intervalos das cerimônias mais importantes, aconteceram as
sessões de estudos com palestrantes do Piauí e de fora do Estado, que articularam o
tema da eucaristia e da religião à política, ordenamento jurídico, trabalho rural, vida
estudantil ou fortalecimento familiar. Desta forma, o evento segmentava o público por
gênero e relações de trabalho.
A coluna Congresso em Marcha, que passou a integrar as edições de O Dominical,
atualizava a população das atividades que se vinham realizando com vistas à
arrecadação de recursos para custear o Congresso. As associações esportivas, como os
times de futebol River e Ferroviário realizaram jogo no dia 7 de Setembro, com renda em
benefício do evento, apoiados pela Federação Piauiense de Futebol.
201
Os colégios
públicos e particulares foram estimulados a implementar a Campanha dos cálices e dos
missais,
202
visando a aquisição do material sacro, que seria utilizado nas sessões magnas
no altar monumento, tendo sido arrecadado mais de 60 mil cruzeiros nesta iniciativa.
Outras fontes de arrecadação foram bingos e vendas de lembranças na secretaria geral,
como o brasão com as armas do Congresso, confeccionado em plástico. Do Rio de
200
O cargo de núncio apostólico equivale ao de embaixador de Estado, o representante oficial do Vaticano
no País. Portanto, Dom Armando Lombardi foi recebido no aeroporto de Teresina com honras pelo
governador do Piauí, Chagas Rodrigues, esposa e demais autoridades políticas.
201
O CONGRESSO em Marcha. O Dominical, Teresina, 4 set. 1960, ano XXIV, n. 36/60, p. 1.
202
Ibid., Teresina, 2 out. 1960, ano XXIV, n. 40/60 p. 1.
92
Janeiro vieram cópias de discos de vinil com a gravação do hino oficial do congresso,
executado pelo coral da Matriz da Glória, no Rio de Janeiro. Gravado em 78 rotações, o
disco possuía o emblema do evento e era vendido a 200 cruzeiros.
A intervenção ganhou as ruas de Teresina, pois em paralelo às sessões magnas, a
Comissão Organizadora planejou eventos que mobilizassem a participação popular, como
um concurso artístico literário em torno do tema central e uma exposição de produtos das
pequenas indústrias, organizada a partir de objetos que a comunidade geralmente
desperdiçava, mas pelo uso de técnicas específicas poderia aprender a reaproveitar.
Figura 7 Altar monumento erguido em Teresina para as sessões magnas do
1º Congresso Eucarístico de Teresina, em 1960.
Fonte: Acervo disponível na Cúria Metropolitana de Teresina.
93
Figura 8 Concentração popular para a recepção do núncio apostólico, no último dia
do 1º Congresso Eucarístico de Teresina.
Fonte: Acervo disponível na Cúria Metropolitana de Teresina.
Poder público e população aderiram aos apelos convocatórios da Igreja. Com a
expedição dos decretos estaduais de n. 338 e 339, o governador Chagas Rodrigues
determinou o abono de faltas dos funcionários públicos nos dias do evento e garantiu o
pagamento dos vencimentos do funcionalismo do Estado para o dia vinte de outubro, seis
dias antes do início do Congresso, tempo considerado hábil à preparação das residências
para o evento.
Conforme as solicitações lançadas nas missas e na imprensa, as casas do centro
da cidade receberam nova pintura. Os hotéis hospedaram os visitantes desconhecidos, e
teresinenses abrigaram parentes e amigos em suas próprias casas, como mbolo de
hospitalidade regional e habilidade para contornar a inexistência de uma rede hoteleira
estruturada. Mais uma vez, Teresina se engalanou em torno de um evento religioso.
Nesta calorosa preparação para o congresso, quando todo mundo procura prover
a sua casa e sua pessoa do necessário para evitar as possíveis aperturas, é bom
não esquecer que muitas frentes de casas, batidas pelas chuvas e pelo sol,
gostariam de receber uma pinturazinha, assim como nós gostaríamos de uma
fatiota novas. Muitas estão apresentando cara nova, alegre. As que o foram
contempladas com o pincel, certamente estão com inveja.
203
À semelhança do que havia ocorrido com o Congresso Eucarístico de Petrolina, a
realização do evento em Teresina também fora representado na imprensa como
acontecimento que transpôs os limites do município, tornando-se símbolo para o País da
religiosidade e capacidade de articulação de todo o Piauí. Em paralelo à sua
concretização, ocorreu fortalecimento do nome do Arcebispo, interna e externamente,
simbolizado pelo prestígio demonstrado ao atrair, para a capital, a presença do Núncio
Apostólico, Dom Armando Lombardi. Os sentimentos de fé e patriotismo se misturavam
nos registros de orgulho que os teresinenses deveriam cultivar frente o sucesso do
Congresso, personificado por Dom Avelar.
203
O CONGRESSO em Marcha. O Dominical, Teresina, 2 out. 1960, ano XXIV, n. 40/60, p. 1.
94
Da maneira como o congresso empolgou a cidade, do entusiasmo que o povo viu
e viveu deste certame que reuniu mais de 10 mil homens, na noite que lhe foi
destinada, guardo como expressão mais autêntica a recomendação de uma
velhinha, que por acaso observei no meio do povo: encarecia ela a um filho que
escrevesse aos irmãos ausentes, contando todas as magnificências do Congresso
‘porque tenho certeza de que morro e nunca mais verei uma coisa igual em
Teresina’.
204
Ao analisar o poder de articulação de Dom Avelar com a cidade de Teresina,
monsenhor Joaquim Chaves compreendeu que as adesões internas e externas aos
projetos do arcebispo eram derivadas da capacidade de, como chefe, provocar a
dedicação dos subordinados e de insuflar na Arquidiocese uma nova atmosfera
espiritual. Em quatro anos de episcopado, completos em 1960, a Igreja piauiense sofreu
mudança de orientação interna, passando o catolicismo a viver em organicidade
complexa. O Piauí social e político estaria tomando consciência diferenciada de seu
aspecto cristão e da importância de “dar um passo adiante no desejo de não lhe ser
infiel [...] Nosso arcebispo encarna, como poucos, a própria doutrina católica das
relações da Igreja com a soberania civil”.
205
204
PAULA, Alves de. Teresina: Primeiro Congresso Eucarístico. Editorial. Revista Caravana. Especial 1º
Congresso Eucarístico de Teresina, ano XIV, p. 3, jan. 1961. Órgão de divulgação do desenvolvimento
nacional.
205
CHAVES, Monsenhor Joaquim. Dom Avelar Brandão Vilela. Revista Caravana. Especial Congresso
Eucarístico de Teresina, ano XIV, p. 3, jan. 1961. Órgão de divulgação do desenvolvimento nacional. Não
paginado.
Figura 9 Capa da Revista Caravana,
em edição especial de cobertura do
Congresso Eucarístico de Teresina.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Teresina.
95
3.3 A Imprensa que Construiu o Arcebispo em Teresina
Os jornais impressos e os programas radiofônicos formaram espaço de atuação de
Dom Avelar e uma extensão do púlpito. Suas ações eram pauta constante nos periódicos
de Teresina, e serviram de campo para explicações públicas e defesa de sua imagem em
situações conflitantes. Refletir sobre a narração jornalística a seu respeito é perceber a
trajetória de vida do religioso em movimento e diálogo com os interlocutores da cidade.
Narrativas jornalísticas podem ser compreendidas como construções discursivas
derivadas dos encontros e tensões sociais. Remetem aos acontecimentos conflitantes no
cotidiano, às normas de convivência estabelecidas, às expectativas alimentadas e
frustrações percebidas. o objetos circulantes, abertos e sujeitos das condições
históricas de existência à época. Derivam de operações linguísticas e extralinguísticas
construídas para obter efeitos de verdade,
206
e remetem à forma como os leitores
organizam o mundo e constroem temporalmente suas experiências. Cada veículo de
comunicação cria seus códigos internos de produção de sentido, conforme os quais
tratam a notícia e transformam um acontecimento em fato para um público com o qual se
relaciona. Há, no Jornalismo, o desejo de construir histórias para o futuro, que fiquem
registradas e sejam dignas de consultas num tempo vindouro. De fato, o consumo diário
não esgota consumos futuros, e a publicação de ideias nos jornais fala de credibilidade,
perenidade e de registro histórico.
207
Os conteúdos dos jornais têm alcance impreciso, pois chegam aos que não os
leem diretamente, dada a capacidade de agendar ou suscitar temáticas na esfera pública,
participando da circulação de sentidos do cotidiano. Coloco estas fontes como
instrumentos de intervenção na vida social,
208
mesmo nas condições sociais de
analfabetismo, à semelhança das existentes na capital Teresina de 1950 e 1960.
A operação dos jornais implica em uma oficina ligada a padrões e valores de uma
época; organiza coletivamente a gama de acontecimentos impossíveis de serem
testemunhados na sua totalidade, e os seleciona/transforma em fatos compreensíveis.
Portanto, a primeira relação de poder estabelecida entre a sociedade e o Jornalismo é a
de instrumento organizador dos fatos do mundo, do qual se espera obter as informações
necessárias para ser e agir.
206
MOTTA, Luiz Gonzaga Motta. Análise pragmática da narrativa jornalística. In: Metodologia de pesquisa
em jornalismo. LAGO, Claudia; BENETTI, Márcia (Org.). Petrópolis: Vozes, 2007. p. 146.
207
BARBOSA, Marialva Carlos Barbosa. Meios de comunicação e história: um universo de possíveis. In:
FERREIRA e RIBEIRO (Org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio
de Janeiro: Mauad X, 2007. p. 45.
208
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos impressos. Fontes Orais: Histórias dentro da
História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
96
De partida, o Jornalismo existe por essa condição de legitimação, que se modifica
de acordo com as condições históricas de diferentes épocas. Expectativas e
desconfianças, exigências e críticas sociais, reflexão dos próprios profissionais sobre a
escrita e função social jornalística fazem com que essa relação ganhe formas
diferenciadas ao longo da história, relacionadas com o lugar social e especificidades
desse público consumidor de notícias.
Quando as narrativas jornalísticas adquirem significados na ênfase, nos temas
escolhidos, pelo símbolo de progresso intelectual que encerram, procedimentos
tipográficos utilizados ou na natureza do conteúdo, estes meios de comunicação passam
a ser campos de fermentação intelectual e viveiros das socializações, tensões e batalhas
travadas nas cidades.
209
Entre os anos 1956 e 1971, período de chegada e partida de Dom Avelar à capital,
foram lançados dezessete jornais, cinco revistas e dois periódicos especializados. Em
1952, circulavam os jornais O Piauí; o Jornal do Comércio; Jornal do Piauí (direção de
Gayoso Almendra Freitas); O Pirralho; O Dia (direção de Raimundo Leão Monteiro); O
Dominical (direção de Padre Hermínio Davis); A Luta (direção de A. Tito Filho); O Norte e
Folha do Litoral no município de Parnaíba; A Ordem e A Flâmula, da cidade de Picos.
Os textos de O Dia, Jornal do Piauí e O Dominical mostram os jornais imersos em
temporalidade específica, diferenciada da realidade jornalística nacional e internacional,
quanto ao conteúdo, temas tratados, apresentação gráfica e profissionais colaboradores.
Ao longo de quinze anos da permanência de Dom Avelar em Teresina, uma
mudança no modo de produção dos periódicos esteve diretamente relacionada à sua
imagem. Em 1968, O Dia, sob a direção do coronel Otávio Miranda, escolheu uma foto do
arcebispo para demonstrar o novo serviço de clicheteria do jornal. Sua imagem,
estampada na primeira página, foi utilizada como modelo da nova forma de tratar imagens
dentro do jornalismo impresso.
O clichê de Dom Avelar Brandão Vilela foi o primeiro a ser produzido pelo serviço
de clicheteria do O Dia, e o primeiro, portanto, a ser publicado pelo matutino de
maior circulação do Piauí: o nosso arcebispo, ilustre pastor de almas, homem de
pensamento e de cultura, líder que sempre aglutina, une, soma, e nunca divide, a
não ser o pão entre os pobres, inaugura assim o serviço de clicheteria, a primeira
grande conquista de O Dia em sua fase de expansão.
210
Na década de 1950, jornalistas locais conheciam a tendência norte-americana
de produção jornalística, com base nas supostas ideias de imparcialidade no trato das
informações. Esse entendimento, que abriu espaço para a publicação sobre o cotidiano,
209
SIRINELLI, Jean François. Os intelectuais. In: REMOND, Re(Org.). Por uma história política. Rio de
Janeiro: UFRJ/Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 234.
210
O DIA. Teresina, 31 ago. 1968, ano XVIII, n. 2.520, p. 1.
97
ganhou adesão de jornais em todo o mundo, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, quando teve início uma fase de reestruturação das empresas de jornalismo no
Brasil, tendo por base modelos administrativos de cunho fordista, então em moda nos
Estados Unidos”.
211
De modo sutil, os jornais piauienses vinham sofrendo processo de mudança
editorial desde a Era Vargas (1937-1945), quando as discussões e debates
eminentemente políticos, inclusive colocadas com termos de baixo calão e com produção
a cargo de intelectuais, passaram a conviver com a tímida inclusão de narrativas de
cunho mais social, que se reportavam ao cotidiano da cidade. Foi nesse período que os
jornalistas começaram a reformular ou fortalecer instituições de representação da
classe.
212
Nos 1950, os jornalistas piauienses tentavam se reinventar como profissionais,
e solicitavam da sociedade maior reconhecimento. Era uma fase de transição, pois,
mesmo parcialmente amarrada às estruturas do passado, a categoria começou a
incorporar os discursos de representatividade social, defesa popular, imparcialidade e
reprodução de uma verdade social a ser trabalhada e divulgada.
211
SAID, Gustavo Fortes. Comunicações no Piauí. Teresina: APL / Banco do Nordeste, 2001. p. 49.
212
Em 1934, a Associação Piauiense de Imprensa, API, que teve origem como braço da Associação
Brasileira de Imprensa na década de 1930, começou suas atividades sob a presidência de Cláudio
Pacheco, realizando o I Congresso de Jornalistas do Pia em 23 jul. 1934, quando Higino Cunha é
aclamado presidente de honra. A API, depois de longo período de estagnação, ressurgiria em 1972, sob a
presidência de Iracema Rocha Silva, mas sem a mesma magnitude. Na década de 1950, a categoria abriga-
se sob a Associação Profissional de Jornalistas do Piauí, gozando de prestígio em todo o Estado e com a
presidência sendo ocupada por A. Tito Filho. Em 1959, transformada em sindicato sob a presidência de
Araújo Mesquita, a entidade agiu estimulando jornalistas ao debate sobre a autonomia e reconhecimento
profissional, aquisição de sede própria para sua entidade, busca por qualificação e representação do Estado
em congressos nacionais problematizadores da profissão. A associação mobilizou os jornalistas, que se
encontravam desanimados no que tange à ideia de um grupo profissional por conta do período de
estagnação pelo qual passava a Associação Piauiense de Imprensa.
98
Figura 10 - Dom Avelar Brandão
Vilela o primeiro a ser produzido
pelo serviço de clicheteria do Jornal
O Dia.
Fonte: Jornal O DIA. Teresina, 31
ago. 1968, ano XVIII, n. 2.520, p. 1.
.
Em impressos como os jornais O Dia e Jornal do Piauí, comunicar a missão central
e marcas identitárias, provocar diálogos e negociações tanto entre si quanto com a
população eram questões importantes, que delimitavam o seu lugar social. Havia
momentos de renovação da autodefinição, do dizer sempre de si mesmo e da qualificação
do outro ou da sociedade sendo o pano de fundo de disputas de poder. Construíam a si
próprias, constantemente, por meio de narrativas. Para seus redatores, O Dia
representava, sem recuos nem curvas na sua missão editorial, os anseios populares. A
poesia de Bina Batista simboliza a imagem que tentou construir para si e o lugar de fala
que imaginava ocupar:
Salve O Dia!
O cabecinha encarnada!
Que mantém soberania,
Em campanha encarniçada,
Defendendo os pequeninos,
Os pobres injustiçados,
Como os grandes paladinos,
Heróis dos tempos passados!
213
Com textos jornalísticos carregados de opinião, ao lado de outros mais informativos
e próximos do cotidiano, os periódicos falavam das relações entre imprensa e governos
pela perspectiva das garantias que a atuação dos primeiros daria ao bom andamento dos
segundos. O Dia nota o aparecimento repentino de muitos periódicos na capital; contudo,
prevê que as críticas e controvérsias resultantes desta agitação no setor dariam mais
calor à vida democrática e abririam os olhos dos governantes no trato da coisa pública.
Segundo a sua lógica, a fiscalização dos poderes públicos seria maior quanto mais amplo
fosse o número de periódicos. A população ganharia com o fortalecimento da vigilância
social jornalística, pois “governos livres das críticas facilmente desandam”.
214
Os caminhos do jornalismo piauiense indicam, portanto, que a partir da década de
1930, a cena política começou a misturar-se com a vida privada, dando a ver “que o social
e o cotidiano da cidade eram agora enredos de uma peça representada nos jornais, não
213
TIRA GOSTO. O Dia, Teresina, 2 fev. 1956, n. 326, p. 3.
214
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, 29 mar. 1956, n. 342, p. 6.
99
apenas pelas autoridades, mas também pelo cidadão comum, cujos autores eram
homens de imprensa”.
215
A ampliação da arena pública ocorreu de modo célere.
Em 1950, os periódicos piauienses mantinham características de um jornalismo de
transição, aproximando-se com avanços e recuos, de uma cobertura maior do cotidiano e
editoração, segmentada conforme temas gerais, tais como: política, cidade, esportes,
cultura e assuntos policiais. Até o momento, assuntos ligados a esses temas eram
cobertos, mas não havia espaços específicos de publicação, sagrados em páginas e
tamanhos determinados e invariáveis. Os assuntos flutuavam à margem gráfica, ao sabor
da composição que o editor julgava mais coerente. Isso gerava a quebra de textos, por
várias páginas, dificultando o estabelecimento de um contrato de leitura com o leitor.
216
O jornalista Deoclécio Dantas,
217
que começou a trabalhar em jornais impressos de
Teresina em 1955, aos 17 anos, lembra que o processo de seleção para os jornalistas
baseava-se em dois valores: o da boa redação e boa revisão. A princípio, o candidato era
convidado a revisar um texto, em que teria de encontrar os erros que o próprio editor
incluía. Aprovado nesta etapa, seguia para o teste redacional. Para o jornalista, a seleção
era bem-sucedida pela própria dificuldade de se fazer jornalismo impresso.
Era a redação que assegurava o acesso ou o da pessoa. Nesse tempo deu
certo. Dava certo porque na crise, na dificuldade, o tinha formação acadêmica,
não tinha faculdade, não tinha o curso e eram as pessoas no batente, como se
dizia na época, que faziam os jornais saírem. Elas terminavam se adaptando à
prática do jornalismo, fosse em rádio ou fosse em jornal e era assim que acontecia
a seleção. Tinha um secretário de redação que era, quase sempre, a pessoa que
orientava os trabalhos na redação. Os repórteres eram poucos naquele tempo,
então, o que cobria cidades, cobria política, polícia, economia, tudo. Enfim, não
havia a disciplina, a regra, o departamento. A coisa era muito improvisada e muito
difícil. Apesar disso, terminava dando certo, a necessidade terminava produzindo
bons valores. Nossas condições de trabalho eram muito precárias. o tínhamos
condições materiais, no máximo um telefone. Nós não tínhamos comunicação
fácil. Fazíamos um noticiário do jornal nacional e internacional gravando as
emissoras de outros estados, principalmente, Rio de Janeiro e o Paulo, para
copiar o noticiário. E em plano internacional, a Voz da América e a BBC de
Londres. Era assim: gravava e depois copiava para dar forma àquilo e colocar no
jornal, porque não tinha agência, não tinha sistema. As tiragens de cada jornal
eram pequenas, não era acima de 600 exemplares por dia. Em 1968, quando
transcrevi a leitura do AI-5 no Jornal do Piauí, era tudo feito a mão. Nem linotipo
não tinha. O jornal O Dia trabalhava com linotipo. A composição manual era
215
SAID, op. cit., 2001, p. 49.
216
No resto do País, os jornais já seguiam a periodicidade diária, instaurando, a partir do Jornal do Brasil, a
estruturação empresarial e adotando o modelo norte-americano de produção de textos. Conforme CONTI,
Mário Sérgio. Notícias do Planalto. São Paulo: Companhia das Letras,1999. p. 43.
217
O jornal O Dia, onde Deoclécio Dantas trabalhou como revisor, repórter e editor, chegou ao ano de 1955
usando o lema de órgão independente noticioso e político. Em obra sobre a ditadura e o jornalismo em
Teresina, afirma que a linha política do jornal variava conforme as circunstâncias, ganhando linhas editoriais
a partir do grau de intimidade do veículo com o poder. Mais detalhes: DANTAS, Deoclécio, op. cit., 2008. No
Brasil, somente nos anos 1970 são efetivamente estruturados os primeiros cursos de Comunicação Social
com a habilitação específica em Jornalismo. O Piauí, por sua vez, veio a contar com uma graduação desse
tipo apenas em 1984, quando é formada a primeira turma de alunos do curso de Comunicação Social.
Antes disso, a função social jornalística era abraçada por profissionais diversos.
100
feita por tipógrafos e ninguém fechava jornal antes das duas horas da
madrugada.
218
O lugar social dos jornais era o do campo de convergência, para onde confluíam
olhares desejosos de entender o espaço público e seus personagens, e de trabalhar
mensagens que ficassem na memória. Os processos e produtos jornalísticos negociaram
sentidos com vozes ltiplas. Dom Avelar foi personagem de atuação frequente neste
lugar social chamado imprensa escrita. Nele viveu tensões e batalhas para defender sua
atuação em Teresina. O preço da diversificação do púlpito foi ampliação das
possibilidades de choques ideológicos com os interlocutores da cidade.
3.4 O arcebispo agindo na imprensa: batalhas e constituição narrativa do mundo
Dos muitos usos da imprensa para a Igreja Católica, além da divulgação do ideário
da Santa e do combate aos inimigos comunistas ou espíritas, havia um ligado à
preparação dos recursos humanos. Para os religiosos em formação nos seminários, os
diários cumpriam função adicional como campos de exercício público dos discursos
sacros, gerando chances de contato com a sociedade na qual iriam trabalhar futuramente.
Foi com esse sentido que o seminarista Avelar Vilela produziu, na década de 1930,
artigos e matérias na imprensa católica de Aracaju, conforme mostrado no primeiro
capítulo. À medida que subia na hierarquia eclesial, o envolvimento do religioso com os
meios de comunicação tornou-se mais intenso, sendo possível dizer, que viveu
construindo sua própria imagem e a da instituição católica em programas radiofônicos e
televisivos, além de inserções em folhas impressas seculares ou da própria igreja. Ao
realizar o 1° Congresso Eucarístico de Petrolina, publicou uma revista dedicada ao
registro da ocasião, na qual assina o texto de abertura.
Os grandes acontecimentos da vida merecem um registro especial. O Congresso
Eucarístico Diocesano de Petrolina será luminoso marco de fé e de civismo na
vida do sertão pernambucano. Eis porque a ideia de uma “Revista do Congresso”
apresenta carinhoso esforço do presente no desejo de bem servir à curiosidade do
futuro.
219
À época, Dom Avelar demonstrou, na publicação, consciência da historicidade
construída em torno de suas atividades. De fato, a própria sistematização aplicada ao
material recolhido sobre ele, ao longo de sua vida pastoral, disponível hoje no Laboratório
Eugênio Veiga da Universidade Católica de Salvador, na Bahia, sinais que permitem
pensar nesta perspectiva. Fotos, discursos, cartas, originais de telegramas, comunicados
oficiais do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Vaticano; artigos sobre suas
218
DANTAS, Deoclécio. Teresina, 2009. Entrevista concedida à Thais de Araújo Carvalho em 20 maio 2009.
219
SÁ Y BRITO, op. cit., 1995, p. 139.
101
viagens publicados em jornais do exterior; manuscritos e matérias de jornal de todo o
Brasil foram catalogados, datados e separados em pastas, a partir de índice temático
próprio, criado por sua assessoria do Palácio Episcopal de Campo Grande e da Basílica
de São Salvador. Encontram-se arquivados no mencionado laboratório, conservando a
ordem que sua equipe utilizou na cada de 1970, contendo material trazido das cidades
nas quais trabalhou ao longo da vida. São comuns as cartas manuscritas com suas
correspondentes transcrições datilografadas. Pelo volume do material disponível,
percebe-se que a rotina de seus assessores incluía um trabalho diário de leitura, recorte e
armazenamento daquilo que os principais jornais impressos do Brasil publicavam sobre o
arcebispo de Salvador.
Havia a preocupação com suas falas na imprensa, com a imagem constituída a
partir daí, assim como é possível falar do peso atribuído à comunicação em si. Reunir-se
com a imprensa era fato comum registrado nos jornais impressos do Piauí dos anos 1950
e 1960. As inserções falam de recepções que a imprensa e autoridades políticas
promoviam quando do retorno de suas viagens. No saguão do aeroporto ou Palácio
Arquiepiscopal, o arcebispo prestava contas de suas ações em longas entrevistas. Em
outras ocasiões, como nos lançamentos das Campanhas da Fraternidade, e após suas
participações no Concílio Vaticano II (1962-1965), a imprensa radiofônica constituía
cadeia integrada de difusão para transmitir entrevistas com seus pareceres sobre os
acontecimentos do momento. Nestas oportunidades, os profissionais da imprensa escrita
também eram convocados.
Nas memórias dos jornalistas piauienses que com ele conviveram, Dom Avelar
tinha a personalidade de um comunicador, que sofria da necessidade de otimizar a
própria oralidade e ampliar a influência das mensagens católicas. Por isso, teria fundado
a Rádio Pioneira.
220
A emissora, fundada em 8 de setembro de 1962, nasceu como uma
sociedade por cotas de participação, em que o acionista majoritário era o arcebispo,
porque a Igreja não podia ser proprietária de uma emissora de rádio”.
221
Em linha
decrescente de poder acionário, estava a dupla de vigários padre Rego e Monsenhor
Joaquim Chaves. Havia ainda o investimento pessoal do arcebispo no funcionamento do
veículo de comunicação. Para Deoclécio Dantas:
Dom Avelar tinha a vontade e o desejo, sobretudo, pelo talento que possuía, de
ser ouvido por um número maior de pessoas. Ele achava que no altar, o público
não era bastante para aquilo. Então, ele conseguiu a rádio. Nessa iniciativa esteve
dentro dele a necessidade e o desejo de primeiro ser ouvido e depois de difundir
220
Ao chegar a Teresina, fez uso da emissora de rádio Difusora, a única existente na capital, à época, para
transmitir mensagens católicas. Outras atividades nesse sentido já existiam, como o programa “Avante
Mocidade!” da União de Moços Católicos.
221
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. História e memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina:
Alínea Publicações, 2004. p. 65.
102
as ideias mais liberais, as questões mais objetivas e a defesa do interesse público
com mais energia.
222
Sob a sua direção, a emissora veiculava noticiários esportivos, musicais e
jornalísticos, programas ligados ao Movimento de Educação de Base e de mobilização
das massas camponesas e religiosas, como o Desperta, camponês!
223
A missa de
domingo, celebrada na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, passou a ser retransmitida
também pela Rádio Pioneira, integrando a face católica da programação constituída
pela Oração por Um dia Feliz, apresentada por Dom Avelar.
O jornalista Carlos Augusto Araújo Lima, diretor de comunicação da Rádio Pioneira
nos anos 1960, lembra que o religioso possuía um rádio, à pilha, sobre a mesa de seu
escritório, e assim acompanhava a programação da rádio. Usava esta audição para
possíveis ajustes na programação jornalística ou musical, além das determinações
transmitidas pessoalmente nas reuniões noturnas no Palácio Arquiepiscopal, realizadas
com os radialistas. O objetivo era cuidar com rigor da linguagem e do conteúdo
retransmitido, pela vinculação e compromisso direto com os preceitos do catolicismo.
Para o radialista Joel Silva, que conduzia programa jornalístico no fim da década
de 1960, o cuidado com a produção e a apresentação da Oração Por Um Dia Feliz era
rigoroso. Dado seu apego ao vocabulário correto, muitas orações terminavam o
processo de gravação às duas horas da madrugada.
Ao apresentar o seu programa ele não admitia qualquer ruído [...] A oração por um
dia feliz é uma peça. Jamais deixou de ir ao ar nos horários preestabelecidos, nem
que ele estivesse na China. Tinha um gravador que veio da Itália e era exclusivo
dele, fitas exclusivas e um operador exclusivo: o Roni Vasconcelos. [...] As
gravações aconteciam na casa dele (Dom Avelar) no Palácio Episcopal. Ele
gravava e ia ouvir para ver se não encontrava erro.
224
O rigor com que tratava os assuntos ligados à emissora está exemplificado na
carta endereçada a Jesus Elias Tajra,
225
diretor da Rádio Pioneira, em outubro de 1970.
No documento, Dom Avelar cobrou explicações sobre o cumprimento dos horários de
transmissão da Oração por um dia feliz. Pelo atraso no início da programação, o primeiro
horário de veiculação da sua fala só estava indo ao ar 20 minutos depois do previsto.
222
DANTAS, Deoclécio. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 19
mar. 2002.
223
O programa “Desperta, Camponês!” era dirigido e apresentado pelo advogado Manoel Emídio na Rádio
Pioneira de Teresina. Segundo Deoclécio Dantas, o programa era “visto com desconfiança por ricos
proprietários de terras, transformou-se em alvo dos conservadores e de oficiais da Guarnição Federal de
Teresina, logo nos primeiros dias de atuação do grupo que derrubara o governo João Goulart. A emissora
fundada por Dom Avelar foi logo submetida a uma censura rigorosa, a partir da medida que resultara no
cancelamento do programa e seu apresentador recolhido, por 12 dias, a uma das celas do quartel do 25
Batalhão de Caçadores”. DANTAS, Deoclécio, op. cit., 2006, p.17-18.
224
SILVA, Joel. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 20 jul. 2002.
225
TAJRA, Jesus Elias. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 2002.
103
Em outra comunicação, iniciada com pedido de não publicação do seu conteúdo a
terceiros, solicitou ao coronel Otávio Miranda, diretor-presidente do jornal O Dia,
explicações pela opção de convênio entre o periódico e uma emissora concorrente da
Rádio Pioneira. Dr. Jesus Tajra se disse surpreso quando viu a nova posição de O Dia em
matéria de rádio.
226
Além de trabalhar junto aos meios de comunicação, com seu próprio programa
radiofônico e com o jornal católico O Dominical, o religioso pronunciava-se quando
matérias jornalísticas o incomodavam. As que tratavam de suas ações para além do
campo pastoral, buscando cercar sua atividade à exclusividade do campo religioso, foram
objeto de esclarecimentos em formas de carta, dirigida aos diretores dos veículos.
Um exemplo foi carta endereçada ao diretor do jornal Correio do Ceará, em 16 de
julho de 1970, questionando o posicionamento do repórter Lincoln Nery, que o havia
entrevistado no Aeroporto do Galeão por ocasião de uma viagem a Roma. Pronunciando
interesse em discutir a melhor distribuição do clero no mundo, uma vez que a sociedade
marcada pela tecnologia e modernidade apresentava outras demandas da igreja, Dom
Avelar sentiu-se acossado por críticas do jornalista quanto à sua autoridade para falar em
técnica e progresso.
O jornalista acha que a tecnologia está fora do âmbito da igreja. A instituição é
para cuidar de almas e não de corpos. É a vida que vem depois desta que é
objetivo primacial dos sacerdotes. É o único território em que devemos mover os
passos. Crê que tecnologia e modernidade são (sic) da alçada dos governos e dos
laboratórios e que os sacerdotes não conseguiram divinizar o homem, mas
desdivinizar Deus. Os rebanhos de Cristo se dispersam por obra exclusiva dessa
insensatez inominável. Diz ‘trate Dom Avelar de salvar as almas, intercedendo
junto ao amado cordeiro para que perdoe os pecados do mundo. Pense apenas
na paz de espírito. A outra paz é competência dos estadistas e dos generais’. Não
entendo como as declarações rápidas e sucintas que dei podem oferecer campo
tão vasto para lições de religião e tecnologia.
227
Ao analisarem-se jornais para os quais contribuiu, católicos ou comerciais, é
possível perceber mudanças no entendimento de Dom Avelar sobre a imprensa ao longo
de sua vida religiosa. De palanque para a reacionária defesa católica, contra os ataques
da ciência e da modernidade, passou a ser instrumento de registro de suas atividades ou
intervenções, nas cidades nas quais trabalhou achegar, em 1970 e 1980, a ganhar o
sentido de campo imprescindível à manutenção de uma ordem democrática. Os textos
publicados dizem das alterações no sentido político que o arcebispo atribuiu à
operacionalização dos veículos de comunicação, em que pese a persistência no uso dos
impressos para a constituição pública de seu pensamento, ora considerado mais
226
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 27
jul. 1970, p. 1.
227
Ibid. Teresina, 16 jul. 1970, p. 2.
104
reformista, ora tido como mais moderado dentro da igreja e das conjunturas políticas que
se sucederam ao longo do tempo.
Em conferência pronunciada na Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo,
228
a imprensa como alicerce democrático e a conjuntura política de então
são colocadas como participantes de uma relação delicada, que precisa pender para a
menor repressão das expressões populares, só conseguida com a compreensão dos
homens que dirigirem ambos os poderes: imprensa e governos. A conferência abordou a
temática Liberdade de Imprensa, Humanismo e Cristianismo, indo a primeira além da
consequência dos exercícios de valores cristãos. Segundo o arcebispo, liberdade, palavra
de muitas acepções, estaria embutida no conceito próprio de humanidade. Ao direito de
ser homem estaria vinculado o direito de ser racionalmente livre. Ao direito de ser livre,
estaria ligado o direito de expressão. O contexto político e social de restrição de diretos
civis condicionou, portanto, o posicionamento do arcebispo e seu entendimento sobre a
imprensa.
É muito difícil, nesta hora turbilhonária do mundo, alimentarmos a pretensão de
possuir uma sociedade unicamente capaz de andar em linha reta, certa da cabeça
aos pés, a guiar-se por medidas e indicações milimétricas. O desencadear de
tantas ideias jogadas em todas as direções, o fermento atuante dos mais diversos
anseios do ‘ter mais’ e do ‘ser mais’, a mobilidade espantosa no campo social e
religioso, o histórico conflito das gerações em termos de afirmação peremptória, a
queda violenta de tabus e a iconoclastia dos reformadores carismáticos, o fixismo
exagerado dos conservadores e o espírito vingativo dos desesperados e dos
injustiçados, ao lado dos sonhos utópicos dos semeadores de angústias sociais,
tudo isso faz de nosso século um verdadeiro mundo em gestação, uma espécie de
fogoso corcel, difícil de ser domado, aos primeiros movimentos do mais destro
cavaleiro.
229
Por esta percepção, o arcebispo via nos anos 1970 um tempo que falava da
necessidade de pesquisa, originalidade, de espírito crítico, no qual seria ignorância não
perceber mudanças nas consciências das massas, marcadas pela ânsia de participação
nos bens produzidos. A modernização, todos os dias apresentada e renovada pelas
mensagens dos meios de comunicação, dava a entender que este era o século do
homem.
O homem é matéria e como matéria precisava de seu sustento. O homem é
portador de elementos espirituais e materiais. Uma filosofia que, iluminada pela
Teologia dá, em princípio, a primazia do espírito ‘quoerite, primum, Regnum Dei’
procurai, primeiro o Reino de Deus, mas não deixa de aceitar e de fato aceita o
228
VILELA, Dom Avelar Brandão. Liberdade de Imprensa, Humanismo e Cristianismo. Conferência
pronunciada na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em 19 de junho de 1970. In:
DANTAS, Deoclécio, op. cit., 2006, p. 32.
229
Ibid., 2006, p. 34.
105
princípio que diz primum ‘vivere e deinde philosophare’ primeiro viver e depois
filosofar.
230
Sendo pauta constante nos jornais piauienses e em outros Estados, a
personalidade de Dom Avelar e seus atos passaram pela etapa de avaliação e tradução
social, comum à ótica dos homens de imprensa, gerando representações que, a princípio,
poderiam ser facilmente sobrepostas pela semelhança entre si, dando a impressão de
existência de uma imagem positivada coletivamente e incontestada dentro ou fora da
imprensa. Seminarista, diácono, padre, cônego, bispo, arcebispo, primaz ou cardeal, Dom
Avelar foi traduzido, nos textos jornalísticos, como grande orador sacro, brilhante
intelectual católico, diplomata, político, redentor da pobreza, comunicador, príncipe da
igreja, pastor de almas, mobilizador social e homem de prestígio na Santa Sé e nos meios
políticos nacionais.
As adjetivações entram no jogo da rotina produtiva de jornalistas e colaboradores
de jornais, atravessada pelo desafio de construir narrativas baseadas em veracidade,
argumentação, credibilidade e interesse social amplo. Sob esta lógica, julgar, confrontar e
classificar informações em torno de um tema central, criando um quadro de certa forma
estável e compreensível de referências sobre ele, para que se torne palatável ou
acessível ao público heterogêneo, ganha sentido. Esta estratégia ajuda a entender os
adjetivos comuns nos jornais, nas memórias dos que conviveram com ele e nos discursos
do poder público, como mostra a epígrafe da estátua erguida em sua homenagem no
centro da capital piauiense.
A memória do jornalista Deoclécio Dantas segue o enquadramento dos discursos
que comumente resumem e envolvem o arcebispo, pois o percebe pela oralidade ou
capacidade de não apenas saber falar, mas obter retorno popular dos seus discursos. O
classifica como o maior comunicador de todos os tempos no Piauí. Dom Avelar achava
que o arcebispo de Teresina não devia ser aquela pessoa que cuida das coisas da
Igreja, tinha que falar com o povo”.
231
Artigo de Gilberto Freyre coaduna com essa concepção de orador sacro e
carismático. Referindo-se à palestra Igreja e mudança social,
232
Freyre o classificou a
partir do que percebeu nas reações dos ouvintes do cardeal.
Carisma não se adquire por vontade própria. Tem-se ou não se tem. Ele tem.
Quando em prece, essa sua atitude é seguida pelos que o veem em prece. Não se
230
VILELA, Dom Avelar Brandão. Liberdade de Imprensa, Humanismo e Cristianismo. Conferência
pronunciada na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em 19 de junho de 1970. In:
DANTAS, Deoclécio, op. cit., 2006, p. 36.
231
DANTAS, Deoclécio. Teresina 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 19
mar. 2002.
232
Palestra proferida por Dom Avelar, como cardeal, na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife,
Pernambuco, em set. 1986, apenas três meses antes do seu falecimento.
106
trata de lógica, mas de sobrelógica de sua parte. Ele faz que o acompanhem em
prece quem deixou atitudes de crentes seguidas quando criança. Todo um
público heterogêneo o seguiu na sua demonstração de fé no vasto auditório da
Fundação Joaquim Nabuco, inclusive uma inquieta inteligência brilhante e um
cientista escandalosamente ateu. Viu-se como que cientificamente, o que é o
poder do carisma. Viu-se o que é esse poder de maneira mais clara, mais incisiva,
mais inegável. [...] Sou brasileiro de muitas experiências. Não é em vão que minha
idade é chamada das avançadas. Pois nunca vi um líder religioso de alta
responsabilidade e notável saber, após proferir conferência em recinto dos mais
nobremente intelectuais, fitar o público e exclamar para esse público que ia
terminar sua conferência com uma prece, imediatamente dando início a essa
prece e sendo também imediatamente acompanhado nessa prece por um público
heterogêneo na sua composição erudita. Só um carismático teria esse arrojo.
233
As dez páginas do discurso que impressionou Gilberto Freyre, ainda com
anotações que o arcebispo acrescentou de próprio punho, encontram-se no Museu do
Sertão, em Petrolina, cidade onde Dom Avelar exerceu o primeiro mandato episcopal.
Nelas, o religioso lança o recurso dos questionamentos a si próprio, como forma retórica
de convidar os interlocutores a também se questionarem. Estas marcas discursivas estão
logo na abertura de sua fala, quando põe em dúvida a importância ou sentido de sua
presença no Seminário Nacional de Tropicologia, assunto que não dominaria. Perguntas
sobre as posições da Igreja em meados de 1980 – quando a redemocratização, a
descrença na instituição religiosa e a autoridade romana passavam por forte
questionamento social – servem como trilho condutor de sua fala.
A Igreja que aparece nas palavras de Dom Avelar é marcada pela contradição: é
santa e pecadora, divina sem deixar de ser humana. Fixada no tempo e no espaço,
embora trazendo consigo a força concentradora de teses teológicas universais, vai
absorvendo o clima e as características dos ambientes nacionais, regionais e locais. Seria
uma igreja a se mover enquanto acumula o peso do conhecimento de vinte séculos de
existência. Formada por homens, seria, por conseguinte, histórica e viveria na promessa
de sua vitalidade no tempo. A oração final, que despertou a atenção de Freyre,
reconhecia as diversidades e contradições da Igreja e demonstrava o planejamento que
envolveu sua fala.
Senhor, estamos aqui reunidos, uma família diversificada, uma família pluralista do
pondo de vista do pensar, do sentir, do opinar, mas todos voltados para um
sentido da unidade. Unidade que o é uniformidade, mas aquela unidade
substancial da raça humana, aquela unidade que estabelece laços e vínculos
naturais e originais de uns para com os outros [...] Estamos aqui discutindo a
posição da igreja frente à mudança social, desejando que prevaleçam no mundo
as ideias mais inteligentes, mais puras, mais nobres, mais capazes de aproximar
os homens mesmo nas suas divergências, mas aproximar os homens como
pessoas, fazendo amigas mesmo quando diversificação filosófica ou religiosa.
Qualquer que seja a nossa colocação filosófica, sempre dentro de nós alguma
233
FREYRE, Gilberto. Meu caro arcebispo carismático. Diário de Pernambuco, Recife, 2 out. 1986, p. 5.
107
coisa que nos aproxima um do outro e alguma coisa que nos aproxima do infinito e
do absoluto.
234
Outras impressões, porém, pouco exploradas nas pesquisas sobre o religioso
falam da vaidade emergente. As lembranças do radialista Carlos Augusto de Araújo Lima,
diretor do Departamento de Jornalismo da dio Pioneira na década de 1960, são
cercadas por afetividade exemplificada no ciúme e orgulho da carteira de trabalho
profissional assinada por Dom Avelar. No entanto, também o classifica como um homem
vaidoso.
Vestia sempre os paramentos de arcebispo com aquele chapeuzinho vermelho na
cabeça. [...] Ele só andava todo paramentado. Por que? Para ser notada a
presença dele. Quando chegava, chegava Dom Avelar! Não se começava uma
solenidade em Teresina, antes que Dom Avelar chegasse. Ele ficava
acompanhando para ver que horas o governador chegava, ou ele chegava mais
ou menos junto ou chegava depois para poderem ficar esperando por ele, para
chamar a atenção. Era uma estratégia dele. Por isso, ele tinha grande
popularidade.
235
O jornalista Joel Silva também guardou esta representação das atitudes do
arcebispo, e a associa à necessidade da manutenção de um lugar de fala diferenciado em
relação às demais autoridades constituídas. No sentido de suas memórias, a vaidade
demonstrada, longe de ocorrer em sentido gratuito, seguia roteiro mais amplo de
comportamento. Sua memória refere-se a um homem que se fazia lembrar. “Pragmático,
mas intelectual, metódico e com uma boa dose de vaidade. Não era autoritário, mas não
perdia a oportunidade de chamar as atenções”.
236
O argumento para sua fala vem da
descrição da forma como Dom Avelar chegava à Rádio Pioneira: evitando surpresas,
“anunciava quando iria à emissora e chamava todos os funcionários para recebê-lo. Ao
chegar, não se apressava para ocupar nenhuma dependência como diretor, mas
adiantava para que alguém o conduzisse
.
237
Para os jornalistas, o comportamento do arcebispo trazia indicativos de percepção
ampla do contexto social da cidade, até pelo trabalho diário de se comunicar com seus
habitantes através do rádio. Relembram, então, o arcebispo como um homem que “tinha
um poder de pressão política muito grande, porque era dono de uma locução, de um
discurso, se não populista, mas que trabalhava muito sua figura construída no meio da
população”.
238
234
VILELA, Dom Avelar Brandão. Igreja e mudança social. Conferência pronunciada na Fundação Joaquim
Nabuco, em Recife, Pernambuco, em 16 set. 1986, p. 10.
235
LIMA, Carlos Augusto de Araújo. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do
Nascimento em 14 abr. 2002.
236
SILVA, Joel. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 20 jul. 2002.
237
Id. ibid.
238
DANTAS, Deoclécio. Entrevista, op. cit., mar. 2002.
108
Porém, a permanência de Dom Avelar em Teresina não ocorreu sem batalhas
travadas, inclusive, no campo dos discursos jornalísticos. E apesar da reserva de
credibilidade aderida à sua imagem, tensões eclodiram em circunstâncias singulares
ligadas, sobretudo, às ações do arcebispo fora do campo religioso. Análise desses
documentos permite considerar que a opção pela arena jornalística de discussões não
apenas garantiu condições de se dirimir problemas, mas de representar publicamente as
ideias e valores que constituíam e moviam as ações de cada escritor.
Os esforços reunidos em torno da causa da educação, bem como os viveres
proporcionados a partir da instalação da Faculdade Católica de Filosofia colocaram o
arcebispo no centro de um debate sobre a qualidade e os propósitos dos intelectuais
piauienses, que o escritor O. G. Rego de Carvalho
239
vinha fomentando nos meios
jornalísticos e culturais desde 1956.
Jovem romancista, O. G. Rego publicou artigos no jornal O Dia, não
questionando atributos da intelectualidade piauiense, como o próprio sentido de
instituições em torno das quais esta se reunia, como a Academia Piauiense de Letras e
Instituto Histórico e Geográfico.
240
Tentando mediar o conflito provocado por suas
palavras, o periódico lançou nota na primeira página discordando em parte do escritor:
Contrariando a opinião de O. G. Rego de Carvalho, o Piauí possuiu e possui
intelectuais de valor. Da Costa e Silva, Félix Pacheco, Abdias Neves, Berilo
Neves, Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Zito Batista, Anísio de Abreu, Amélia
Beviláqua, Alcides e Lucídio Freitas, Celso Pinheiro, Jonas da Silva, Armando
Madeira [...] e outros piauienses de renome intelectual confirmam a nossa
assertiva. Em parte, O. G. Rego de Carvalho tem razão, em sua implicância com o
intelectualismo, porque, realmente, a Academia Piauiense de Letras e o Instituto
Histórico e Geográfico do Piauí nada têm feito, nos últimos anos, pelo
desenvolvimento intelectual de nossa terra. Não podemos dizer, que no momento
presente, haja piauienses de sólida cultura e de mérito intelectual. O que falta em
nossos intelectuais de mais erudição e talento é a iniciativa em escrever obras de
cunho literário e científico.
241
Até deixar o Piauí, em meados de 1957, para morar no Rio de Janeiro, O. G. Rego
direcionaria sua crítica ao próprio arcebispo, acusando-o de capitanear a fundação de
uma Faculdade Católica de Filosofia, permitindo que fossem selecionados professores
despreparados para as disciplinas dos cursos de Letras Neolatinas, História e Geografia e
Filosofia. Estes docentes seriam intelectuais piauienses sem intimidade alguma com as
áreas de estudo da faculdade, e sequer possuíam a qualificação exigida pela legislação
em educação para assumir cargos no ensino superior. Foram chamados por O. G. Rego
239
Orlando Geraldo Rego de Carvalho nasceu em 25 de janeiro de 1930 em Oeiras, Piauí. Quando ainda
estava no terceiro ano primário; em 1940, tornou-se colaborador da imprensa. Em 1942, tornou-se
romancista.
240
Esta crise que marcou a intelectualidade nos meados de 1950 também é abordada pelo biógrafo do
poeta H. Dobal, considerado um dos mais importantes do cenário literário piauiense, na biografia escrita por
SILVA, Halan Kardec F. As formas incompletas: apontamentos para uma biografia. Teresina: Oficina da
Palavra/Instituto Dom Barreto, 2005.
241
O DIA. Teresina, 22 ago. 1957, n. 487, p. 3.
109
de medalhões, e atacados principalmente através de críticas desferidas contra o professor
Clemente Honório Parente Fortes, o primeiro diretor da FAFI.
Em ABC da Filosofia,
242
artigo não assinado, mas com autoria atribuída ao
romancista pelos intelectuais que se sentiram ofendidos, colocou para cada letra do
alfabeto o nome de um candidato a professor que, segundo sua ironia, não dispunha de
competência para assumir as disciplinas. O revide veio em forma de textos escritos sob
pseudônimos e publicados nas edições de jornais concorrentes, principalmente o Jornal
do Piauí. O teor era de questionamento à qualidade das ficções publicadas por O. G.
Rêgo.
As acusações do escritor, que incluíam desafios intelectuais, cobranças por
publicações e cumprimento da jurisdição em educação brasileira se prolongaram. Na
coluna A Cidade, com artigo intitulado Ensino Primário, O. G. Rego de Carvalho reclama
do salário de mil e quinhentos cruzeiros pago aos professores desse vel de instrução, e
lança novas indagações: “Como Teresina estaria pronta para ingressar no ensino superior
de Humanidades diante de condições tão precárias ainda no ensino primário, somadas à
situação particular de falta de formação dos professores candidatos às vagas na
Faculdade de Filosofia? “Ou os intelectuais produzem, ou nós, que somos incapazes,
vamos produzir por eles. Poderão autodidatas fazer professores?”.
243
Os professores pés-duros, donos de uma erudição oral e não escrita, segundo o
romancista, não deveriam conduzir os destinos dos alunos da faculdade. Em seu lugar,
deveriam ser convocados docentes gabaritados por aprovação de suas teses diante de
uma banca examinadora de seleção. Nesses artigos, Dom Avelar fora criticado por não
selecionar a intelectualidade e não considerar a chance de trazer profissionais das
regiões Sul e Sudeste do País. Para o romancista, trazer professores qualificados de
outros Estados brasileiros seria cil diante do prestígio social do religioso, com a
vantagem adicional de contribuir para a vinda de novas ideias ao Piauí. No entanto, o
arcebispo se matinha em silêncio em relação aos questionamentos.
O ponto alto das críticas foi a carta aberta endereçada diretamente ao arcebispo,
com o título Deus e os Homens.
244
Neste texto de despedida, pois estava prestes a deixar
o Piauí para morar no Rio de Janeiro, O. G. Rego tece críticas, não enquadra o
processo de seleção docente assumido pelo arcebispo em termos de indicações pessoais
e não competências técnicas, como amplia seu olhar para as ações do religioso,
estivessem estas dentro ou fora do campo eclesial. Inquiriu e qualificou a linguagem do
periódico católico O Dominical como apologética e fechada a qualquer contribuição que
242
CARVALHO, O. G. Rego de. ABC da Filosofia. O Dia, Teresina, 14 jul. 1957, ano VII, n. 476, p. 3.
243
Ibid. Ensino Primário. O Dia, Teresina, 11 ago. 1957, ano VII, n. 484, p. 2.
244
Ibid. Deus e os homens. O Dia, Teresina, 13 out. 1957, ano VII, n. 503, p. 1.
110
não partisse dos religiosos católicos. Desqualificou o comportamento do religioso frente à
crise da intelectualidade, pois, ao não se pronunciar publicamente a respeito, tornava-se
anuente com os críticos do romancista. A carta em seu final responsabilizou o arcebispo
pelo abandono dos católicos, pois preocupava-se em demasia com questões ruralistas e
desprezava os problemas pastorais e necessidades espirituais do seu rebanho.
A resposta do Arcebispo, publicada no jornal O Dia na edição seguinte, em tom
formal, atribuía as críticas do romancista a possíveis crises espirituais pelas quais
estivesse passando, e reiterava votos de progresso social a Teresina, a partir da
instalação da faculdade, sendo a intelectualidade local o motor mais interessado no
desenvolvimento do povo do Piauí.
A resposta diplomática foi alvo de editorial de O Dia, que se absteve de atribuir
razão a uma das partes, e ressaltou a diplomacia do arcebispo em manter uma discussão
em nível compatível com o que se esperava de um ocupante do cargo de arcebispo. Para
o jornal:
Dom Avelar demonstra o apreço de S. Exma. Revdma não só pela opinião do
autor, mas também pela salvação de sua alma. A carta de D. Avelar representa
profunda compreensão. O gesto mostra que compreendeu a importância da
imprensa na formação da sociedade. Apesar de Chefe de Estado, não se fugiu ao
dever de um pronunciamento, e o fez à altura da crítica, com a mesma sinceridade
e respeito. Com esta atitude, contribuiu fortemente para melhorar as condições
morais de nossa imprensa, que em parte, ainda está faltando à altura da
responsabilidade.
245
Não foi o único atrito que ganhou as páginas dos jornais. Segundo consta na
matéria publicada pelo jornalista Orlando C. Rollo, em O Dia,
246
o periódico O Compasso
veiculou o texto Presença de Petrolina, na sua primeira edição do mês de julho com
críticas que feriram a honra do arcebispo de Teresina.
247
Sobre este assunto, Dom Avelar
redigiu, de Petrolina, Pernambuco, uma carta à sua mãe em Viçosa, Alagoas.
O que houve de extraordinário foi um boato que surgiu em Teresina, na minha
ausência, de que fora agredido, em Petrolina. Não se sabe quem apareceu com
essa conversa! [...] Teresina possui gente muito boa. Mas também dispõe de
elementos de má-fé, capazes de pretender criar uma situação desagradável para
quem possui a responsabilidade da igreja e foi tão bem aceito no meio. deve
existir uma rancorosa maçonaria que não deve sentir-se bem com esses primeiros
meses de minha atuação por lá.
248
Em que pese este exemplar de O Compasso não estar disponível à pesquisa no
Arquivo Público, é possível perceber a reação originada da mácula aos discursos
245
A LIÇÃO de Dom Avelar. O Dia. Teresina, 24 out. 1957, ano VII, n. 505, p. 1.
246
ROLLO, Orlando C. Ocorrência lamentável. O Dia, Teresina, edição de 11 de julho de 1957, n. 475, p. 2.
247
Por ocasião do mal-entendido, a população de Petrolina, representada por 41 signatários, enviou a
Teresina uma carta pública de apoio ao arcebispo, criticando com veemência o autor dos ataques feitos a
Dom Avelar.
248
VILELA, Avelar Brandão. Carta redigida da cidade de Teresina, para sua mãe, Isabel Brandão Vilela, em
Viçosa (AL), em 17 out. 1957.
111
sacralizados em torno do arcebispo. A imprensa registrava de imediato as repercussões,
as monções de apoio e de desagravo, demarcando nomes que compunham os dois lados
da questão: quem criticava e quem era ofendido. Desse modo, organizava em uma
dualidade pouco esclarecedora os fatos ao leitor: colocava quem era amigo e quem se
levantava contra a igreja católica, mas os representava em matérias que nem sempre
explicavam a fundo o teor das intrigas. O jornal posicionava-se diante das celeumas
participando das situações, mas o leitor não tinha a mesma oportunidade.
Condenando a crítica do jornalista de O Compasso, O Dia passa a refletir sobre a
ética na profissão, sempre no limiar entre a missão pública, que tem como fim o bem
social, e a prática remunerada como outra profissão qualquer. Aborda o papel dos
veículos de comunicação na cidade, frente ao povo e ao poder público, e, ao final, não
encontra na argumentação do jornalista agressor fundamento que justificasse as críticas
feitas ao arcebispo. No entanto, em nenhum momento detalha os motivos das acusações,
nem explica o lugar de fala do jornalista. As razões da celeuma, para o leitor,
permanecem inacessíveis e Dom Avelar é representado como o mobilizador injustiçado,
por ser incompreendido pelos que não entendem ações desenvolvimentistas do Piauí.
Por ocasião das cheias do rio Parnaíba, em 1960, que afetaram principalmente os
municípios do Interior do Estado, como Picos, Jaicós, Conceição do Piauí e Itainópolis, os
jornais construíram uma representação de liderança contra a calamidade centrada na
figura de Dom Avelar e em si próprios. alusões à figura da primeira-dama Maria do
Carmo Caldas Rodrigues, frente ao atendimento dos mais necessitados. No entanto, o
papel de protagonistas da Campanha da Solidariedade é dado ao próprio arcebispo e aos
veículos de comunicação radiofônicos (Difusora e Rádio Clube) e impressos (Jornal O
Dia, Jornal do Piauí) – que se sensibilizaram com os apelos iniciais emitidos pelo chefe da
Igreja Católica no Estado.
249
De Dom Avelar teria partido a mobilização social para a
arrecadação de remédios, roupas, comida e dinheiro em prol dos ribeirinhos ou
inundados.
Naquele momento, os veículos impressos se orgulharam do conjunto das ações
que fizeram renascer o sentimento cristão no coração das pessoas mais favorecidas
economicamente e, principalmente, que fizeram o Piaser notado por outros Estados do
Brasil e até outros países, como um lugar realmente carente de ajuda, repleto de
problemas e de pessoas largadas à míngua. Nesse momento, junto com a figura de líder
assistencial e espiritual, os veículos trabalham, a partir de Dom Avelar Brandão Vilela, o
discurso da pobreza e da potencialidade que não se desenvolve tanto pelos dramas
naturais, como seca e enchente, quanto pelos políticos que agem com descaso e
249
CALAMIDADES. In: O Dia, Teresina, 3 abr. 1960, n. 760, p. 2.
112
corrupção. Os jornais escolheram construir, naquele momento, a representação do Piauí
necessitado de ajuda externa e do olhar piedoso do outro, para que pudesse contornar os
dramas sociais que o vitimaram.
Das representações presentes nas narrativas jornalísticas e nas memórias das
fontes orais, pelo lugar de fala que ocupavam, é possível entender que Teresina e o
arcebispo estiveram em relação de comunicação permanente, conflituosa quanto mais
intensa fosse a inserção de Dom Avelar Brandão Vilela nos campos estranhos à sua
missão religiosa. A mediação dos conflitos e as permissões sociais para seu engajamento
social foram construídas pela prática discursiva,
250
portanto, histórica, simbolizadas na
sua oratória e trabalho diário de posicionar-se através dos meios de comunicação da
época. Quando os arquivos sonoros são raros, as fontes hemerográficas reunidas ao
longo da década e meia de sua permanência em Teresina demonstram isto.
É possível entender que, por meio dos jornais, cartas, memórias e discursos, as
relações entre o religioso e a capital emergem na intimidade com as regras históricas,
determinadas no tempo e no espaço e definidoras, nas décadas de 1950 e 1960, das
condições de existir e de se enunciar publicamente.
251
A despedida de Dom Avelar de
Teresina demonstra mais aspectos de sua ligação com a cidade.
3.5 As despedidas do Piauí
Aos trinta dias do mês de maio de 1971, às 13h30, Dom Avelar Brandão Vilela
deixou Teresina, fechando um ciclo de quinze anos de apostolado. Após uma escala em
Petrolina, onde receberia homenagens, seguiu para Salvador com o objetivo de tomar
posse como o 23º arcebispo da primeira Igreja Católica fundada no País, condição
honorífica dentro da hierarquia eclesiástica.
A despedida foi carregada de dramaticidade. “No dia em que deixou Teresina seu
carro foi praticamente empurrado até o aeroporto, e houve cenas de verdadeira histeria,
com mulheres chorando e desmaiando”.
252
A ida ao aeroporto em cortejo saído do
Palácio Nossa Senhora das Graças, no centro, não foi uma manifestação isolada. Nos
dois meses anteriores, o arcebispo realizou mais de vinte viagens a municípios do Interior,
em algumas oportunidades utilizando a aeronave custeada pelo Governo do Estado para
atender às solicitações de fiéis que desejavam prestar homenagens antes da partida.
250
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 16. ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 34.
251
Segundo o conceito de prática discursiva, “que vem a ser um conjunto de regras anônimas, históricas,
sempre determinadas no tempo e no espaço, que definem numa determinada época e para uma área
social, econômica, geográfica ou linguística as condições do exercício da função enunciativa” (FOUCAULT,
op. cit.).
252
O RENOVADOR e o diplomata. Revista Veja, Rio de Janeiro, 7 fev. 1973, n. 231, p. 50.
113
As provas da afeição são os cartões, bandeirinhas, poemas, flâmulas, missais e
programas de despedida acumulados nas pastas pessoais de Dom Avelar na Bahia. Os
alunos das escolas da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, associações
religiosas, paróquias, apostolados da oração, prefeituras, Governo do Estado e leigos
assinam essa documentação com poemas, músicas e ofertas de ramalhetes espirituais.
Conforme a tradição da época, os ramalhetes consistiam na realização de missas,
confissões, terços, comunhões, sacrifícios e atos de obediência, zelo e caridade feitos em
nome de um religioso como provas de estima e obediência às diretrizes católicas. A
Paróquia de Nossa Senhora do Livramento, no município de José de Freitas, prestou
homenagem neste sentido em 22 de maio de 1971, data em que foi também conferido a
ele o título de cidadania.
Figura 11 - Cartões de despedida e ramalhete espiritual oferecidos a Dom Avelar pelos fiéis
do Piauí, em 1971.
Fonte: Acervo disponível na Cúria Metropolitana de Salvador
Na homenagem recebida no município de Amarante, também no mês de maio, a
direção do ginásio da Costa e Silva, ligado à Campanha Nacional de Educandários
Gratuitos, reconheceu a angústia que a desvinculação da arquidiocese de Teresina trazia
aos estudantes da região, pois não sabiam como a instituição iria continuar, uma vez que
sua figura pessoal era garantia dos recursos para o custeio de despesas e representava
um braço articulador, tanto junto à Coordenação Nacional da CNEG quanto ao Governo
do Estado do Piauí.
Diante de sua partida, Dom Avelar solicitou aos diretores dos centros sociais que
elaborassem um balanço das atividades realizadas, para que levasse consigo esta
documentação e registrasse impacto da Ação Social Arquidiocesana na vida das famílias
da periferia de Teresina. O setor educacional do Centro Social do Bairro de Fátima, por
114
exemplo, anexou os dados da evolução da escola primária. Em 1961, cinquenta e nove
alunos eram atendidos. Em 1971, o número chegava 320 estudantes, no ensino primário
e ginasial, que dispunham de merenda escolar e biblioteca com 629 livros. O centro social
estaria em funcionamento pela parceria com o Governo do Estado para o custeio dos
salários dos professores, incluindo ainda atividades de conselho de bairro, clube de mães,
serviços médicos, odontológicos e nutricionais e cursos de artesanato, malharia, cortem e
costuram, cestaria, crochê, bordado a mão.
253
Nessas ocasiões, os sentimentos expressados pelos fiéis eram múltiplos e
contraditórios. “A nossa gente tremula, palpita, ora reflete, ora se exalta, ora se agita,
chora e ri comovida: ontem viu chegando o arcebispo; hoje, viu partir o grande amigo
adeus cardeal!”.
254
A contradição traduzia o sentimento coletivo. A alocução do padre
Raimundo Nonato de Melo, representante do clero da Arquidiocese de Nossa Senhora
das Dores demonstra os sentidos de perda e de gratidão, euforia e desencantamento
presentes nos pronunciamentos de sua posse na Bahia, marcando o ambiente de
recepção com a evidência da estima sentida pelos piauienses.
A esta altura urge a pergunta: a quem serviu a transferência de Dom Avelar? Ao
povo do Piauí, ao seu clero, às autoridades? A hora não é de lamentações. Se o
fosse, com as lágrimas daquele povo, com os seus sentimentos, escreveríamos
uma página bem trágica. [...] A quem serviu finalmente a transferência de Dom
Avelar? À Arquidiocese de Salvador, ao povo de Deus nela localizado [...] o Piauí
não poderia conceber algo de melhor à Bahia de Todos os Santos.
255
Um programa de atividades organizado pelo monsenhor Joaquim Chaves foi
realizado em 5 de maio de 1971, para que o povo de Teresina se despedisse do
arcebispo exatamente no aniversário de quinze anos de sua chegada. Contou com
homenagens na Assembleia Legislativa, almoço no Clube dos Diários para duzentas
pessoas e sessão magna à noite, no mesmo local, com discursos do presidente do
senado Petrônio Portela, membros da Academia Piauiense de Letras e representantes do
Clero.
253
O texto faz alusão à ajuda da assistente social irmã Margarida de Castro, que chegou a Teresina em 23
fev. 1957, para implementar experiências de trabalho no campo social em nossos bairros.
254
Texto integrante do cartão de despedida da jovem piauiense Alice dos Santos Lopes, de maio 1971.
Disponível no Laboratório Eugênio Veiga, na Universidade Católica de Salvador, Bahia.
255
UM BISPO de igreja viva. Jornal da Bahia, Salvador, 1 jun. 1971, ano XIII, n. 3.678. Não paginado.
115
A atividade dedicada à despedida da população em geral ocorreu durante a tarde,
com concentração popular no adro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, mesmo local
onde fora recebido em 1956. Simbolicamente, o intelectual que pronunciou o discurso de
recepção no adro igreja, José Auto de Abreu, também foi convidado a proferir o discurso
de despedida. Como o comércio fechou suas portas às 16h30 e foi decretado ponto
facultativo no funcionalismo público pelo governador Alberto Silva, uma multidão
compareceu diante da igreja.
Na imprensa, os editoriais tentaram traduzir a adesão popular à despedida. “A
massa atendeu, como sempre, ao chamado do pastor, porque sentiu confiança nele e
entendeu que seria pelas suas mãos que atingiria grandes conquistas, como atingimos
durante o pastoreio de Dom Avelar”.
256
O povo piauiense jamais foi tão verdadeiro, justo e reconhecido. Todas as
homenagens tributadas ao grande príncipe da igreja ainda são pequenas para
refletir a dimensão do seu apostolado em terras piauienses. 15 anos chegava
Dom Avelar Brandão Vilela para transmitir a mensagem de Cristo e cumprir sua
missão pastoral [...] Antes mesmo do Concílio Vaticano II no qual a Igreja lançou
as bases do ecumenismo, no Piauí, o grande pastor o exercitava, respeitando
convicções ideológicas [...] Católicos e não católicos reverenciaram na sua pessoa
a síntese da bondade, humanismo e solidariedade que teriam marcado Teresina
num apostolado fecundo, humano e justo em todos os campos de atividades
sociais. Em nome das crianças que tem colégios, de universitários que podem
aqui completar seus cursos e dos necessitados que receberam assistência
social.
257
Além da cobertura no primeiro caderno, o jornal O Dia publicou edição especial
com dois cadernos adicionais para prestar homenagens ao arcebispo. Continha sessenta
e nove anúncios pagos por comerciantes, bancários, farmacêuticos, comerciários,
prefeitos, diretores de repartições ou secretarias públicas, presidentes de associações de
256
PIAUÍ CHORA na despedida de Dom Avelar Brandão Vilela. O Dia, Teresina, 5 maio 1971, n. 3.282, p.
1.
257
OBRIGADO Dom Avelar. O Dia, Teresina, 5 maio 1971, n. 3.282, p. 3.
Figura 12 Multidão na missa de despedida
dos piauienses, em 5 de maio de 1971, em
frente a Igreja Nossa Senhora do Amparo.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Teresina.
116
classes, paróquias e entidades religiosas, com texto de abertura assinado pelo
governador Alberto Silva, reconhecendo a contribuição do arcebispo para o
desenvolvimento do Estado. Foi pela sua palavra que a consciência das autoridades
federais se voltou para a necessidade de construir a Usina de Boa Esperança, que nos
dá, hoje, condições de desenvolvimento e paz social”.
258
Antes de despedir-se oficialmente, Dom Avelar se dirigiu à Prefeitura Municipal de
Teresina, e em meio a homenagens de estudantes das escolas municipais, que lhes
ofertaram rosas, ele devolveu simbolicamente as chaves da cidade ao prefeito Joel
Ribeiro, alegando que as chaves verdadeiras que recebera em 1956 ficariam em seu
coração.
259
Depois de mais de dois meses de despedidas, o arcebispo chegou ao aeroporto
acompanhado de uma comitiva formada pelo governador Alberto Silva, sua esposa,
familiares e amigos. Enquanto uma concentração popular formava-se no aeroporto, uma
caravana da gratidão,
260
formada por vinte e três operários dirigiu-se a Salvador para
assistir às solenidades de posse, utilizando ônibus custeado pelo governo do Estado e
Prefeitura Municipal de Teresina. À comitiva piauiense se juntariam, em Salvador, outras
vindas de Alagoas, Sergipe e Pernambuco.
Dom Avelar deixou Teresina chorando. No percurso de carro uma multidão
prostrava-se à margem da Avenida para prestar as últimas homenagens. No
aeroporto, centenas de pessoas se comprimiam junto ao cordão de isolamento
armado pela polícia militar para isolar o arcebispo. As áreas que circundavam o
campo de pouso, restaurantes terraços e todas as dependências da estação de
passageiros ficaram tomadas pelo povo que chorava a despedida do Pastor D.
Avelar.
261
A profunda ligação com as cidades, que o fazia se classificar como pertencente a
todas elas, um alagoano-sergipano-pernambucano-piaueinse-baiano, ficou representada
na última Oração por um dia feliz que recitou na Rádio Pioneira, antes de deixar Teresina.
Embora longa, a citação vale ser colocada pela carga de afetividade:
Deus disse: ‘sai, sai desta Terra. Deixa este povo. Eu preciso de ti mais além. Vai
para a Terra outra que eu vou te indicar’. Esta outra Terra era Teresina. Teresina
no Piauí. Numa época difícil para o Piauí. Quando eu aqui cheguei, quanta
dificuldade, quanta pobreza, quanto desalento, quanta falta de esperança. E
começamos a trabalhar, começamos a levar adiante nosso lema de evangelizar e
de humanizar. [...]. Os anos se passaram, quinze anos aconteceram, misturei a
minha alma, com a alma de Teresina. Assumi as esperanças e as angústias de
um povo. Foi lindo! Foi bonito. Quanta coisa para contar. Não! Não devo contar.
Alguma coisa está espalhada no coração de todos. As lembranças são páginas do
passado vividas no presente. Deus marcou, Deus está conosco. Mas, depois,
houve outro momento. ‘Vem cá. Tu és meu servo. Eu preciso de ti, noutra
paragem. Vai, vai para as terras da Bahia. Vai para primeira capital do Brasil, vai
para Salvador’. E eu deixei o Piauí. E eu deixei Teresina, deixei amigos, deixei a
258
SILVA, Alberto Tavares. 15 anos de Santo apostolado. O Dia, Teresina, 5 maio 1971, n. 3.282, p.1, 3
Caderno. Edição especial.
259
DOM AVELAR entrega a cidade. O Dia, Teresina, 29 maio 1971, n. 3.322, p. 1.
260
CARAVANA operária vai a posse de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 30 maio 1971, n. 3.221, p. 4.
261
DOM AVELAR deixou Teresina chorando. O Dia, Teresina, 30 maio 1971, n. 3.223, p. 1-5.
117
Pioneira, deixei os Centros Sociais. Deixei tanta coisa! Deixei. Deixei porque eu
não tinha feito nada para mim. Deixei tudo aqui. Parti sozinho. Sozinho, tal como
chegara. Que beleza a gente ser livre! Livre dos bens materiais, livre naquela
liberdade dos filhos de Deus, convivendo com todos, não se escravizando a
ninguém [...] Senhor, termino, termino porque não posso continuar falando, o
devo. Daqui a pouco estarei tomando o avião via Brasília. Hoje deverei chegar,
com a Vossa graça, à cidade de Salvador. Adeus Teresina. Adeus Piauí. Adeus
povo querido. Até outro dia, quando Deus o permitir. [...] Senhor, eu vos agradeço.
Eu vos agradeço pelos dons todos que me destes, nesta Oração por um dia
feliz.
262
Colocar-se como narrador, como produtor textual era mobilizar a intelectualidade
local, construir-se, abrir ou fechar caminhos aos seus próprios intentos e constituir a si,
como religioso. Era colocar-se na marcha da missão religiosa. A escrita do outro
importava a Dom Avelar, tanto que empreendeu fugas às classificações que textos
jornalísticos lançaram em torno de sua imagem, como será visto no capítulo a seguir. O
seu único livro publicado,
263
discursos e livretos, cartas escritas pouco antes de sua morte
mostram a visão particular sobre si próprio. Como Dom Avelar aquilatou sua existência?
Que referências foram registradas?
262
ORAÇÃO proferida em 30 maio 1971, pela Rádio Pioneira.
263
VILELA, Dom Avelar Brandão. A prece que brota da vida. Salesiano Dom Bosco. São Paulo, 1983.
118
4 A CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE VIDA COERENTE
São escassas as informações sobre a família de Dom Avelar Brandão Vilela;
observa-se apenas que a convivência com pais e irmãos encontra-se sob um manto
silencioso. O pouco desvelado é retomado na maioria dos textos pelo empenho de
enfatizar o que fora dito, e não de acrescentar novos dados ao que se conhece. Em
uma primeira impressão, não há como encontrar o homem Avelar Vilela em família.
Contudo, há momentos de ruptura da monotonia construída acerca do ambiente familiar
do personagem. o ocasiões em que se pode encontrar o personagem no trabalho
contraditório de silenciar sobre a vida pessoal, para construir uma trajetória pública,
porém, a cada vitória sacerdotal, credita seu sucesso à origem familiar.
Pelos ritos que envolviam a inclusão na vida religiosa em 1930, os seminaristas
eram convidados a trabalhar o desapego familiar e mundano, logo nos primeiros dias de
vida contemplativa.
264
O que explica em parte, silêncios
265
produzidos em torno na vida
em família e a seleção rigorosa do que é publicado sobre ela.
264
Ao ingressar nos seminários, geralmente aos doze ou treze anos de idade, os jovens tinham suas roupas
incineradas e trocadas pelo hábito religioso. A veste talar ao mesmo tempo significava, com sua cor preta, a
renúncia e a morte aos prazeres e vaidades do mundo, e uma honra especial concedida aos escolhidos por
Cristo. Os superiores nos Seminários procuravam restringir ao máximo as possibilidades de comunicação
com pessoas não envolvidas na formação sacerdotal, programando e modelando os contatos familiares
posteriores ao ingresso nas casas de formação. AZZI, Riolando; GRIJP, Klaus van der. História da Igreja
119
Em textos de ocasiões específicas, como aniversário episcopal e sacerdotal ou
ascensão na hierarquia eclesial,
266
é apresentado um perfil familiar centrado na tradição,
na e no trabalho no Engenho Mata Verde. Essa representação foi posta em cena para
embasar, ao menos em parte, o sucesso vocacional do religioso, com a atribuição de
momentos originais à sua biografia. É como se pontos específicos do tempo vivido fossem
responsáveis pelos acontecimentos que se sucederam dali em diante, levando-o
continuamente ao sucesso na Igreja Católica. De garoto do interior da cidade alagoana, o
personagem se tornou sacerdote, bispo, arcebispo, Arcebispo Primaz do Brasil e cardeal
da Santa Sé em trinta e oito anos de carreira.
Entre os momentos originais estaria a herança religiosa familiar. O primeiro bispo
de Alagoas, D. Antônio Brandão e os padres Eloy Brandão e Loureiro Brandão, os dois
últimos irmãos de sua mãe, Isabel Brandão Vilela, seriam vultos de uma ascendência
familiar, cuja experiência sacerdotal teria margeado a constituição de um lar católico,
propício ao nascimento de novas vocações. A personalidade de Isabel Vilela, mãe de dez
filhos e católica praticante, é outra influência citada, inclusive, nas declarações em
primeira pessoa do sacerdote, ganhando importância nos rumos de sua vida. Outro
argumento explicativo recai sobre a mística católica segundo a qual a voz de um Deus
supremo fala ao íntimo de cada futuro padre. Essa mística o teria convocado ainda
menino e lhe indicado o momento de agir na temporalidade do mundo na função de
religioso. Por ter nascido em berço católico e recebido um chamamento místico, seu
destino, portanto, estaria naturalmente ligado ao catolicismo.
As posturas explicativas levam a um olhar para o passado, no ambiente familiar do
Engenho Mata Verde, embora a maioria dos textos não supere a citação superficial do
seu local de nascimento. Entre 1912 e 1925, no ambiente rural de trabalho, tradição e fé,
vivenciado pelo sétimo filho do casal Isabel Vilela e Elias Brandão Vilela, teriam ocorrido
os primeiros sinais desencadeadores de seus avanços hierárquicos. O raciocínio segue o
modo de ver o passado como causa do presente e chave de abertura de um futuro
inevitável, reduzindo a potência das escolhas pessoais na definição dos rumos da
existência.
no Brasil: ensaio e interpretação a partir do novo. Tomo II/3-2. Terceira época 1930-1964. Petrópolis:
Vozes, 2008. p. 540.
265
Os jornais O Farol, de Petrolina, e O Dia, de Teresina, chegaram a registrar as visitas de Dom Avelar ao
Engenho Mata Verde, em Viçosa, para ver a família ou para se recuperar de problemas de saúde, mas não
são dados detalhes sobre que doenças estariam fragilizando o religioso. Há silêncios quanto aos momentos
familiares pelo número reduzido de correspondências de foro privado que estão disponíveis à pesquisa.
266
Esses textos foram publicados na imprensa comercial e católica ou nos comunicados oficiais da Igreja à
época.
120
Uma rie de méritos lhe é atribuída, tais como a obtenção da ordenação
sacerdotal aos vinte e três anos, através de licença especial,
267
a responsabilidade pela
cadeira de Latim no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Aracaju, entre 1933 e
1942, antes de se tornar padre, e a sagração episcopal com apenas onze anos de vida
sacerdotal, tornando-se o bispo mais jovem do Brasil. No entanto, as conquistas que o
distinguem caem na naturalização sob o argumento da herança genética e vontade
divina. Mostram, ainda, que fora percebido por seus contemporâneos pela perspectiva da
excepcionalidade.
Avelar Brandão Vilela seria predestinado à Igreja Católica, um escolhido, que
chegou ao reconhecimento nacional e internacional, quando soube utilizar o dom da
comunicação a partir de uma índole isenta de contradições e de conflitos. Comparada a
uma estrada ou caminho que levava inevitavelmente ao serviço no catolicismo, a sua
existência era um modelo de vida coerente.
268
No entanto, a complexidade da trajetória garantiu que nas memórias dos parentes
e contemporâneos de seminários e nas cartas arquivadas, aspectos da vida familiar e
religiosa sobrevivessem ao lado de um conjunto maior de explicações baseadas na ideia
de predestinação. Desses documentos emergem as rupturas que desestabilizam
esquematizações fixas: momentos de construção de uma vida pública separada da
vida familiar ou privada; situações nas quais a família é citada superficialmente como
berço de sua vocação e outras mais raras, fora do ambiente solene dos discursos e
palestras, nas quais as lembranças familiares são marcadas por afetividade e intimidade.
267
O Livro de Registros do Seminário de Aracaju não estabelece claramente a idade mínima para a
concessão das ordens sacerdotais, cita apenas que respeita as exigências do Código do Direito Canônico
vigente. Esse código foi resultado do trabalho direto de quatro papas do século XX, pois até então
vigoraram orientações esparsas sobre a formação religiosa reunidas pela primeira vez durante o Concílio de
Trento (1545-1563). Pio IX e Leão XIII ordenaram algumas partes do Direito Canônico em estrutura de
código, e Pio X, mediante Motu Proprio, de 19 mar. 1904, o reviu e editou. O sucessor Bento XV apresentou
em 4 dez. 1916 o novo Código, promulgado em 27 maio 1917 pela constituição Providentissima Mater
Ecclesia e vigorando em 19 maio 1918. Era este código que estava em vigência quando, em 1935, Dom
Avelar recebeu as ordens sacerdotais. Conforme Código de Direito Canônico. Tradução oficial da CNBB.
São Paulo: Loyola, 1983. Para BARRETO, “O seu objetivo era tornar visível a estrutura hierárquica e
orgânica da Igreja; organizar o exercício das funções divinamente confiadas à sociedade eclesial e compor
as relações mútuas entre os fiéis. [...] Cada nação deveria compor as diretrizes básicas para a formação
sacerdotal, levando em conta as normas dadas pela suprema autoridade da Igreja, e aprovadas pela Santa
Sé, devendo ser adaptadas a novas circunstâncias, em todos os seminários. De modo que cada seminário
deve ter o seu próprio regulamento desde que aprovado pelo Bispo diocesano; ou se tratar de seminário
interdiocesano, pelos bispos interessados, desde que o Código não seja agredido por este regulamento. O
que se percebe é que o código e seus cânones não fazem da formação de padres algo homogêneo, as
peculiaridades de dada local devem ser consideradas para que se entenda, de fato, a formação dos padres
em cada local e em cada época”. BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro. O Código de Direito Canônico
e a formação de padres. Artigo. p. 1. Natal, [19--].
268
Bourdieu critica este pressuposto de que a vida constitui uma totalidade marcada de coerências
passíveis de apreensão, por representarem objetiva e subjetivamente um determinado personagem.
Posicionamentos que forcem a interpretação de posturas como algo naturalizado ou que ocorreu desde
sempre em uma trajetória de vida resvalam em coerência e linearidade que não condizem com a riqueza de
uma história de vida. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO,
Janaína (Coord.). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: F.G.V., 1996. p. 183-191.
121
As últimas trazem sinais do Avelar que trabalhou a si, além do divino e da predestinação,
no intuito de permanecer nos quadros da Igreja Católica. Permitem o contraste com o
homem que, na maior parte dos textos, não combateu a versão da predestinação aliada à
sua biografia e manteve o hábito de pouco falar publicamente sobre os detalhes da
própria infância, definindo-se a partir do cargo religioso.
No momento de tessitura deste capítulo da dissertação, procuro ocupar-me da
tensão entre o esforço de apresentar Dom Avelar Brandão Vilela como símbolo de
coerência e homem isento de vida exterior à trajetória pública, e as contradições,
incoerências, silêncios e adversidades que marcaram sua trajetória, e vieram à tona em
documentos peculiares, irrisórios numericamente, em meio ao que se escreveu sobre ele,
porém, historicamente válidos para uma narrativa biográfica.
Havia em Dom Avelar a saudade da infância no campo. Para a sobrinha Maria
Isabel Vilela, com quem morou durante sua permanência em Teresina, o tio gostava de
reviver os momentos no Engenho Mata Verde. Em casa, solicitava que cantasse a música
sobre a propriedade do interior alagoano. “Ainda hoje canto para mamãe, que está
sempre me pedindo isso. É uma canção feita por um primo. Tio Avelar sempre me pedia
para cantar porque relembrava esse momento tão importante da família”.
269
Mata Verde, sonho dourado/
Que vive e que mora no meu coração/
Mata Verde relembra a infância/
Brinquedos, castigos e repreensões/
Mata Verde, o vovô acordando e o
Engenho apitando com toda a pressão/
Mata Verde, bodoque e peteca
Jamais sairás da imaginação.
270
A propriedade de que fala a música chegou às mãos de seu pai, Elias Brandão
Vilela, por meio de herança de família. Filho de políticos alagoanos, casou-se com Isabel
Loureiro Brandão Vilela, em 17 de abril de 1901, com quem teve dez filhos; Avelar
Brandão Vilela foi o sétimo.
271
269
VILELA, Maria Isabel. Teresina. Entrevista concedida ao radialista Severino Filho. Arquivo da Rádio
Pioneira da Teresina. Não consta data de realização.
270
Canção composta por um sobrinho de Dom Avelar Brandão Vilela, costumeiramente cantada em família.
Depoimento concedido ao radialista Severino Filho. Arquivo da Rádio Pioneira de Teresina.
271
Os filhos do casal, por ordem cronológica de nascimento, foram: José Aloísio Brandão Vilela (folclorista e
Agricultor), Hercília Vilela Pimentel (dona de casa), Maria Nair Brandão Vilela (irmã de caridade) Francisca
Brandão Vilela (monja beneditina), Giselda Marinho Brandão Vilela (após tornar-se viúva, o acompanhou
aos apostolados de Teresina e Salvador, junto com a filha Isabel), Irene Vilela Vasconcelos (dona de casa),
Avelar Brandão Vilela, Teotônio Brandão Vilela (senador, jornalista e empresário da agricultura), Osvaldo
Brandão Vilela (médico em Maceió) e Rubens Brandão Vilela (agricultor no engenho Mata Verde). Antes da
morte do arcebispo em 1986, Teotônio, José Aloísio e Osvaldo faleceram. O primeiro e o último em
decorrência de câncer, o segundo de acidente automobilístico.
122
Figura 13 - Dom Avelar em foto de
honra aos pais no dia da ordenação
sacerdotal, em Aracaju.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Salvador.
Figura 14 - Dom Avelar com os pais e os
nove irmãos, no Engenho Mata Verde.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Salvador.
Em entrevista gravada em Salvador na primeira metade da década de 1980, Dom
Avelar quebrou o costumeiro silêncio em torno do Engenho Mata Verde, quando foi
perguntado sobre a vida financeira da família, condição que lhe causava desconforto.
“Meus pais não eram ricos. Meu pai era um homem lutador. Ele não tinha usina. A usina
foi um fenômeno que veio depois, a partir do Teotônio com a sua vocação de
desbravador”.
272
Em sua memória de infância, o Mata Verde era rudimentar, do tipo
banguê, uma propriedade com canaviais e engenho de açúcar primitivo, anterior à usina,
que o pai mantinha “ao lado de uma propriedade pequena de 900 hectares, onde cuidava
da criação do gado que vendia, para com aquele lucro ajudar na criação dos filhos.
273
As lembranças do Arcebispo expressavam sentimentos diferenciados, com base no
canal de expressão e no destino da fala. Enquanto o sentimento de saudade emergia nos
pedidos de canto feitos à sobrinha Isabel, é a dificuldade para o sustento da família
numerosa que permeia a fala direcionada à imprensa.
Seletividade e construção caracterizam a operação de memória de Dom Avelar.
Ela edita e adequa recordações conforme as preocupações que o momento da fala
impõe. Em seus pronunciamentos públicos, a consciência do peso do cargo religioso e
272
VILELA, Dom Avelar. Teresina. Entrevista concedida ao jornalista Ney Gonçalves Dias. Arquivo da Rádio
Pioneira de Teresina. Sem data especificada.
273
Id. ibid.
123
suas implicações políticas e sociais condicionavam os discursos. Isto se refletia na
intenção de colocar os sentidos de interpretação em parâmetros limitados. O nível
econômico da família era apresentado, portanto, dentro da situação peculiar: o sustento
dos dez filhos, que demandava uma dedicação intensa ao trabalho, identificada com a
luta contra as condições rudimentares de trabalho no campo. O acúmulo de terras era
uma necessidade de sobrevivência e não sinônimo de luxo.
274
O pronunciamento
alinhava-se, deste modo, à concepção da doutrina social da Igreja, que vivia, em 1980, a
cristalização da crítica à concentração de renda e opção de representação e assistência
às camadas economicamente desfavorecidas.
Falar da família através de reminiscências de infância significava marcar sua
identidade e municiar de informações o público que o julgava no presente. Havia em Dom
Avelar a consciência desse julgamento social e tanto as memórias quanto a identidade
que esforçava para construir seguiam em constantes negociações, de modo que não
prejudicassem sua posição de arcebispo.
O autor da música, neto de Elias Brandão Vilela, registrou a presença do patriarca
da família no cotidiano do engenho, dando a ver a marca de sua identificação com o
trabalho desenvolvido no local. “O engenho era realmente a vida do meu pai, que era um
homem simples, realmente do campo [...] seus irmãos quiseram estudar, se formaram,
mas ele preferiu a vida rural”.
275
Nos poucos registros em que Dom Avelar falou diretamente do pai, chamado pelos
funcionários do engenho de Capitão Senhor, ressaltou seu aspecto severo, austero e
dedicado ao trabalho. No perfil familiar, sua figura simbolizava a tradição nordestina de
dedicação ao labor rural para a criação dos filhos. Lembranças mais detalhadas sobre o
relacionamento entre os dois e a postura paterna em relação à sua opção pela vida
religiosa foram silenciadas nos pronunciamentos públicos. Quando era inevitável assumir
o temperamento severo do pai, amenizava o posicionamento ressaltando a inteligência e
seu espírito de liderança para lidar com o engenho. Organizava em suas lembranças
argumentos que funcionavam como mecanismos compensatórios dos defeitos paternos.
O que foi calado pelo personagem emergiu, no entanto, na imprensa comercial
276
e
em publicações especiais da Igreja nos anos 1980: Elias Brandão Vilela não foi um
274
Para Michael Pollack, a memória é seletiva, pois nem tudo fica registrado. Outro elemento da memória, a
sua construção consciente e inconsciente, ocorre conforme as preocupações políticas e sociais do
momento. Para ele, “o que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra é evidentemente o
resultado de um verdadeiro trabalho de organização”. POLLAK, Michael. Memória e identidade social.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 5, 1992.
275
Dom Avelar Brandão Vilela. Teresina. Entrevista concedida ao jornalista Ney Gonçalves Dias. Arquivo da
Rádio Pioneira de Teresina. Sem data especificada.
276
Em entrevista à revista Isto É, em 1982, a reportagem aborda esta característica paterna. Conforme.
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não sou oposição, sou pastor. Entrevista concedida à Revista Isto É, n. 287,
p. 93, em 23 jun. 1982.
124
homem marcado apenas pela rudeza e severidade no trabalho rural, mas no ambiente
familiar se colocara contrário ao ingresso de filhos na vida religiosa. No texto de
homenagem ao jubileu sacerdotal de Dom Avelar, elaborado em julho de 1985 pela
Arquidiocese de Salvador, monsenhor José Gilberto Luna, vigário geral e coordenador
das comemorações, citou o perfil pouco religioso de Elias Vilela, com base nas
informações cedidas pelos familiares. No capítulo que trata dos traços biográficos, o
Capitão Senhor é apresentado como homem de inteligência viva, mas
[...] não sentia atração pela penumbra das sacristias. Estranhou, portanto, a
decisão do filho. Entrar para o Seminário lhe parecia uma carreira absurda.
Desabafava: ‘é melhor ser qualquer outra coisa na vida do que ser um padre ruim’.
A esposa é quem sempre defendia a vocação do filho.
277
Conhecendo a personalidade paterna, o próprio Avelar, às vésperas da ordenação,
enviou carta ao pai, pedindo que participasse da sua primeira missa, a ser realizada na
igreja matriz da terra natal, próxima ao Engenho Mata Verde.
Ficaria tão contente, tão satisfeito se no dia de minha primeira missa tivesse a
ventura de lhe distribuir a sagrada comunhão!? E isto seria tão fácil para o senhor!
Se esse desejo meu não se realizar, minha alegria não será completa. Queria ter a
felicidade de, nesse dia, levar Jesus Sacramentado ao coração de meus queridos
papais, de meus irmãos e dos membros da família que me quiserem dar esse
prazer. Comuniquem a todos os parentes.
278
Não registros sobre a participação do pai na distribuição eucarística da sua
primeira missa. Porém, nas cartas pessoais e pronunciamentos públicos ao longo da vida,
fica perceptível o ressentimento que a desaprovação e o afastamento paterno de suas
atividades lhe causaram. Nos momentos de ascensão eclesial, quando costumava olhar
para o passado para significar o seu momento vivido no presente, as informações sobre o
pai eram sucintas. Abordagens mais longas sobre este aspecto da vida, quando
aconteciam, estavam na voz de terceiros, como a imprensa ou a própria Igreja. No
discurso de posse da Academia de Letras da Bahia, marco de sua aceitação na
comunidade intelectual baiana, reforçou que Elias Brandão Vilela, se tivesse cultivado,
“como os irmãos, a inteligência que Deus lhe deu, por certo teria marcado de luz a sua
geração. [...] Dele aprendi a independência moral e a percepção clara e realista dos
problemas da vida”.
279
Em paralelo, a percepção da figura materna era acentuada pelas
características católicas. “Anjo tutelar da minha vida, viveu o lema beneditino ora et
277
DOM AVELAR Brandão Vilela. Meio século de pregação. Homenagem da Arquidiocese de São Salvador
da Bahia pelo seu jubileu sacerdotal de ouro, 27 out. 1985. p. 14.
278
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta pessoal. Propriá (SE), 13 out. 1935.
279
Ibid. Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, 12 ago. 1976.
125
laborano trabalho, na piedade sincera e na devoção sem limites à formação religiosa e
moral dos filhos.”
280
Para o filho, o desenvolvimento integral de Elias Brandão Vilela, pelo desinteresse
em relação aos estudos, ficara incompleto. As lembranças da mãe, cercadas de
afetividade, contrastam com o distanciamento guardado em relação ao pai, e demonstram
as estratégias de organização e apresentação de suas lembranças familiares, segundo as
quais as influências paternas e maternas na vida familiar eram distintas.
Em postal datilografado constante no acervo pessoal arquivado em Salvador, o
cardeal respondeu sobre a influência da mãe na sua vida.
O que mais encantava em minha mãe era a simplicidade pessoal, o espírito de
oração fervorosa, a dedicação ao trabalho doméstico, o interesse permanente pela
educação dos filhos. Minha vocação sacerdotal nasceu espontaneamente, mas
encontrou no coração de minha mãe um exemplo lúcido de mulher forte e
entranhada de fé, capaz de ajudar-me a ver, claramente, a beleza do caminho a
percorrer. Sempre foi um ponto de referência em minha vida.
281
A prova da dedicação materna, segundo ele, estaria na boa formação que todos os
irmãos tiveram, tornando-se religiosos, médicos, agricultores, intelectuais ou políticos,
como o senador do Movimento Democrático Brasileiro, Teotônio Vilela.
Por essas marcas nas poucas falas sobre o cotidiano da família Brandão Vilela,
começa a ruir a ideia da transmissão natural de uma vocação católica no seio familiar.
Apesar da ideia de herança ter sido utilizada, o silêncio pessoal sobre a oposição paterna
à opção de vida religiosa demonstra o trabalho e o empenho necessários para levá-la
adiante. Em sua memória, os empecilhos que existiram na casa da infância,
representados na autoridade paterna indisposta com o catolicismo, são ressignificados, e
expostos como exemplo da determinação e firmeza que Elias Vilela necessitou ter para o
sustento da família e garantia de integridade de caráter dos filhos. “Meu pai era um
homem muito rígido e defendia a tese de que quem é alguma coisa deve ser de
verdade”.
282
Mais cinco personagens da infância foram lembrados pelo Arcebispo, com a sua
eleição ao Colégio Cardinalício, em fevereiro de 1973. À época, a imprensa mobilizou-se
para divulgar aspectos biográficos frente ao contexto internacional de valorização da
Santa aos religiosos brasileiros.
283
O pronunciamento oficial do cardeal lembrou a
280
Id. ibid.
281
VILELA, Dom Avelar Brandão. Postal do acervo do Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de
Salvador. Salvador, Bahia. Documento sem disponibilidade de data.
282
DOM AVELAR Brandão Vilela. Especial Dom Avelar. Um prazo para entregar o pode aos civis. Jornal
de Brasília, Brasília, 10 abr. 1977, p. 16.
283
Na mesma ocasião em que Dom Avelar recebeu o título honorífico de cardeal, o Vaticano elegeu o
brasileiro Dom Paulo Evaristo Arns e mais 28 bispos de todo o mundo, oportunizando a condição de eleição
de um novo papa a 116 dos 145 novos cardeais. Por determinação do Concílio Vaticano II, somente votam
126
professora que o alfabetizou em Viçosa, Maria Eufrozina da Silva, e o baiano José
Domingos Moreira, do Ginásio Viçoense, que o preparou para iniciar o curso de nível
médio. “Tinha uma régua disciplinar e uma respeitável palmatória sempre tão temidas,
mas que, graças a Deus, respeitaram a criança tímida e curiosa que eu fui”.
284
Os demais
citados em tom de saudade e agradecimento foram Dom José Tomas Gomes da Silva, o
bispo de Aracaju que lhe conferiu a primeira e segunda tonsura, ordenação sacerdotal e a
consagração episcopal; o tio e padrinho Manoel Brandão Vilela, que o levou ao Seminário
pela primeira vez, e monsenhor Cândido Machado, ministro da primeira comunhão e
organizador da sua primeira missa em Viçosa. A menção destes personagens teria
ocorrido porque o “ajudaram a descobrir no corpo das letras a alma das coisas, dos
homens, dos acontecimentos, do tempo e da eternidade; abriram as portas do tesouro da
sabedoria, humana e divina”.
285
A figura paterna o participava do quadro de referências
educacionais e de apoio à vida eclesiástica. Antes disso, simbolizava resistência diante
das dificuldades e uma inteligência não trabalhada nos bancos escolares.
A existência de outra personagem de infância foi conhecida pela entrevista da irmã
Hercília Brandão Vilela à Revista Veja, em 1973. Residente ainda em Viçosa, Alagoas, foi
ouvida para compor o perfil do irmão e transmitir o sentimento da família e da cidade ao
receber a notícia da eleição de seu primeiro cardeal. A intenção da reportagem era a
busca de detalhes da intimidade familiar que pudessem ajudar a entender a trajetória, e
traçar uma imagem mais atualizada de Dom Avelar. Pelas memórias de Hercília, a
vocação sacerdotal fora estimulada também pela negra Generosa, doméstica no Engenho
Mata Verde, e participante dos primeiros doze anos de vida do arcebispo.
Tinha uma preta velha no engenho, a Generosa, que vivia repetindo: ‘Meu filho vai
ser padre, não vai’? Ele dizia: Vou’. Então, ela completava: ‘Você reza uma missa
para a nega?’ E ele respondia: ‘Rezo! E realmente logo depois da ordenação
rezou uma missa pela alma da Generosa.
286
Nos pronunciamentos deixados pelo cardeal, no entanto, ela não é citada. A
canção que inspirava seus mergulhos no passado, vivido no Engenho Mata Verde,
também não a citou nem referenciou outros personagens além do pai. No entanto, a
constância dos pedidos para que fosse cantada demonstra a identificação do cardeal com
ou podem ser votados na eleição de um novo chefe da Igreja Católica os cardeais com idade inferior a 80
anos. O consistório de 1973 no qual Dom Avelar recebeu o título foi o quarto convocado por Paulo VI,
deixando o Colégio de Cardeais com a maior internacionalização e menor média de idade vistas, com
participantes de mais de vinte país e média de idade na casa dos sessenta anos. O Brasil passou a ter
cinco cardeais: Dom Avelar Brandão Vilela (Salvador) Dom Paulo Evaristo Arns (São Paulo), Dom Eugênio
Sales (Rio de Janeiro), Dom Vicente Scherer (Porto Alegre) e Dom Carlos Carmelo Mota (Aparecida).
284
Trechos de sua fala na imprensa, em fev. 1973, foram recolocados em seu discurso de posse na
Academia de Letras da Bahia. VILELA, Dom Avelar Brandão. Discurso de posse na Academia de Letras da
Bahia, em 12 ago. 1976.
285
VILELA, Dom Avelar Brandão. Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, em 12 ago. 1976.
286
O RENOVADOR e o diplomata. Revista Veja, São Paulo, n. 231, p. 50. 7 fev. 1973.
127
a mensagem contida na letra. No jogo das lembranças, a saudade tanto solicitava a
execução da canção, como o canto suscitava saudades e lembranças, memórias, como,
por exemplo, os temperamentos doce da mãe e austero do pai, e a vivência infantil no
campo, com brincadeiras desenvolvidas ao som do apito do engenho. Em meio à
liberdade do espaço rural para brincadeiras, os castigos e repreensões permaneceram na
memória após cinco décadas vividas longe do lugar. Contudo, o ressentimento emerge,
abordado como aspecto do cotidiano, o que torna o Engenho Mata Verde um lugar que
desperta saudade.
Avelar Vilela deixou o engenho aos doze anos, e foi levado ao Seminário
Arquiepiscopal de Nossa Senhora da Assunção, em Maceió, em 5 de março de 1925,
pelo tio e padrinho Manoel Brandão Vilela. Ao longo da vida silenciou sobre dificuldades
vividas nos primeiros momentos da formação sacerdotal. Por sua vez, seu
contemporâneo de batina, Medeiros Netto, jornalista e político, redigiu sobre este ponto
da sua trajetória.
O seu terno era azul-cinza. Não trazia chapéu. Os seus sapatos eram pretos. O
seu ingresso fora pelas seis da tarde, à merde um crepúsculo quente e de
poucas nuvens. [...] Recordo-me de que chorei, apenas, quando me queimaram o
paletó, no dia da recepção da batina. Mas o menino Avelar era chorão,
demasiadamente saudoso da casa grande do engenho de seus avós e pais. [...]
Enquanto eu refletia a agilidade do sertanejo, cheio de travo e do amargor cruel da
ensolarada região do sudeste, ele era manso, silente, tranquilo, como se refletisse
o açúcar da sua vida adocicada, desde que nasceu senhorial.
287
Ao relembrar seu ingresso na casa de formação, cinquenta e um anos após aquela
data, o cardeal refletiu sucintamente sobre a sua vocação, o ambiente doméstico e as
relações familiares. Para ele, os irmãos viviam sob o signo da amizade, “no entanto, cada
qual seguia o seu caminho, segundo a sua vocação. Entrei para o Seminário. Não sei
como nem porque, desde criança, a ideia de ser padre se instalou no meu espírito.
288
Espontaneidade vocacional e ambientação católica familiar são o centro da explicação do
cardeal sobre a sua opção pelo sacerdócio. Os problemas ocorridos não são tratados.
Fora do campo de declarações em primeira pessoa, a título de contextualização de
sua identidade, terceiros o apontaram como orador sacro, comunicador e articulador da
Igreja, legitimando sucesso à opção pela vida religiosa. Partem dos feitos do personagem
nas cidades em que pontificou apostolado, e produzem sentidos de continuidade de uma
vida marcada pela identificação entre o homem e o religioso, sem margem para a
ocorrência de conflitos e contradições. Apesar de representar a opinião institucional da
Igreja Católica teresinense, em um momento de festividade religiosa, o Encontro
287
NETTO, Medeiros. Menino de Viçosa. O Dominical, Teresina, 10 jan. 1965, n. 2/65, p. 5.
288
VILELA, Dom Avelar Brandão. Curitiba, 1976. Entrevista concedida ao Jornal Voz do Paraná em 26 set.
1976.
128
Eucarístico de Teresina, uma fala do monsenhor Joaquim Chaves ajuda a entender como
se constituiu uma imagem de coerência, mobilização social e de popularidade em torno
do arcebispo.
homens marcados a quem Deus destaca para missões especiais no seio do
povo. Até parece que sem eles, a história não poderia desenrolar-se. o pontos-
chaves nos planos da Providência. Seu influxo decisivo imprime um rumo
característico ao curso dos acontecimentos. São guindados à celebridade,
independente de suas vontades [...] Quem não o conhece no Piauí? Quem já não
sentiu direta ou indiretamente o influxo de sua portentosa personalidade? Sabe
dizer ‘não’ na hora que precisa, mas de uma maneira que ninguém lhe guarda
ressentimento.
289
A representação de Dom Avelar como homem de pulso moderado, mas firme e
capaz de dar rumo aos acontecimentos, em uma primeira leitura, o deixa margem a
maiores indícios de vacilações contra a sua vocação de pastor. Harmonia entre todas as
fases de sua vida, além de equilíbrio, moderação e certeza de sucesso progressivo são
as ideias correntes. Entretanto, existiram vozes mais raras que destoaram da corrente de
naturalização de harmonização da trajetória do arcebispo.
Avelar era um menino franzino e muito calado, segundo a irmã Hercília Vilela.
Houve empenho pessoal, além de vocações naturais, na construção da oratória requerida
pela vida sacerdotal que o enquadraria como um dos maiores oradores sacros do Brasil.
O padre alagoano Luís Sarmento, contemporâneo do Seminário em Maceió, teve Avelar
Vilela como seu prefeito,
290
e lembra o jovem
[...] magrinho, baixinho, tímido e ensimesmado que era o seminarista. Vivia muito
na capela, quem não o encontrava ali é porque estava na banca preparando as
lições ou estudando português. Era muito estudioso e prefeito da primeira divisão.
[...] Tinha algo de enérgico, mas sempre muito diplomata. Nunca foi de levar casos
à Reitoria ou fazer queixas a ninguém. Ele resolvia tudo sozinho. E sempre que
tinha uma folga, ao invés de ir ao recreio, ficava lendo um livro muito grosso
“Serões Gramaticais” [...] Se não me engano, Dom Avelar fez alguns gols no
campo do seminário. Gostava de jogar futebol.
291
289
Monsenhor Joaquim Chaves. Dom Avelar Brandão Vilela. Revista Caravana. Especial. Primeiro
Encontro Eucarístico de Teresina. Ano XIV, jan. 1961. Rio de Janeiro.
290
A figura do prefeito de divisão era comum nos Seminários brasileiros no início do século. O Capítulo VIII
do Livro dos Estatutos do Seminário Episcopal do Sagrado Coração de Jesus, em Aracaju, define o prefeito
da divisão como alguém a ser escolhido entre os seminaristas, pelo reitor, através de seu adiantamento ou
destaque nos estudos. Sua função básica era supervisionar o comportamento dos demais seminaristas,
mantendo a reitoria informada de possíveis desvios de conduta que agredissem os estatutos.
291
SARMENTO, Padre Luis. Nosso cardeal quase não se ordenava padre. Maceió, 1973. Entrevista
concedida ao jornalista Alves Damasceno. Gazeta de Alagoas, Maceió, 8 abr. 1973.
129
Como testemunha da época de 1925 a 1930, o sacerdote revelou à imprensa a
fase mais difícil vivido pelo colega seminarista: o episódio que culminou na sua
transferência para o Seminário do Sagrado Coração de Aracaju, em Sergipe, no final da
década de 1920. Sobre este ponto da trajetória de Dom Avelar não há pronunciamento de
outra fonte, nem registros de repercussão que a revelação do padre Luís Sarmento
pudesse ter causado.
O ano era 1929, antes do fim do período letivo no Seminário. No decorrer das
aulas, Avelar Vilela conversou com os colegas de curso e fez críticas a respeito dos
sermões do diretor espiritual da casa, cônego Luiz Barbosa.
Ah, rapaz! Não prestou. O assunto rendeu e foi levado ao reitor, que na época era
o cônego Antônio Tobias. E este, com aquele seu gênio às vezes explosivo,
chamou à Reitoria o Avelar para que repetisse o que tinha feito. E ele confirmou: -
Eu disse e acho que as pregações do cônego Luís são muito enjoadas a
cansativas. Pronto! Foi a espoleta! Levou um carão danado e chegou a ser
aconselhado a deixar o Seminário. Naquela noite, quando eu voltava da banca,
encontrei o Avelar chorando, sozinho, de joelhos, na capela. Depois ele saiu de
férias e nunca mais voltou ao Seminário. Soubemos que ele estava cursando
Filosofia em Aracaju. Do imprevisto, quase que deixava de ser padre. É fato, que,
para continuar, muito trabalharam os cônegos Cícero Vasconcellos e Antônio
Valente. Eles tiveram o cuidado de contornar as coisas e mudar o rapazinho.
292
O homem Avelar Vilela, nestas falas, é reenviado ao universo de complexidade,
contradições e momentos de crises próprios das trajetórias de vida. As concepções de
coerência e harmonia que se construíram em seu entorno perdem fixidez e o lugar as
tensões vividas na articulação entre seus pontos de vista e o contexto social e religioso
vivido.
Para Medeiros Netto, a capacidade de transitar por situações adversas a partir do
posicionamento de si mesmo era a característica marcante do personagem. “Conciliador,
mas decidido [...] e habilidoso. De fato Dom Avelar, hoje prefere não firmar pontos de vista
292
SARMENTO, op. cit., Gazeta de Alagoas, Maceió, 8 abr. 1973.
Figura 15 - Dom Avelar com a mãe e
dois irmãos, no Engenho Mata Verde,
em 1926, aos 14 anos.
Fonte: Acervo disponível na Cúria
Metropolitana de Salvador.
130
quando há choque de ideias. Mas sabe onde quer chegar”.
293
A propensão à diplomacia e
conciliação, no entanto, não se havia cristalizado no passado. Sendo capaz de resolver o
mal-estar criado dentro do Seminário alagoano, o personagem sofreu a interrupção da
formação religiosa na sua terra natal e a consequente transferência para Sergipe.
Por conta do conflito inesperado, os documentos que necessitou levar para o
Seminário Sagrado Coração de Jesus têm data de 1930, apesar de atestarem seu
desempenho nas disciplinas do ginasial cursadas entre 1925 e 1929. Durante mais de
cinquenta e um anos, o arcebispo arquivou em Salvador as declarações originais de
1930, e a integridade do acervo demonstra o apreço com que esta documentação foi
conservada em meio à totalidade de documentos ali recolhidos.
Pertencem às memórias dos colegas de Seminário as informações sobre os gostos
pessoais e as pistas sobre os rumos que o sacerdote começou a desenhar para a sua
biografia. Monsenhor José Moreno de Sant’Ana, padre do município de Neópolis, em
Sergipe, conviveu com Dom Avelar entre 1931 e 1933, no Seminário de Aracaju, sendo o
prefeito de sua divisão, além de ser professor de Francês e Religião. Juntos jogaram
futebol, e Avelar Vilela era o zagueiro do time. O trabalho do colega em prol da
constituição de oratória modelar ressalta, em suas lembranças, a fala; como a oralidade
para o seminarista virara objeto de exercício.
Sendo permitido aos filósofos e teólogos ocuparem o púlpito sagrado da capelinha
do Seminário durante o mês mariano, o povo procurava saber qual era o dia de
Avelar. O templo ficava repleto de fiéis. Era o seu auditório [...] e nos passeios do
seminário era generoso com os menos prevenidos da turma sob os seus
cuidados, pagando guloseimas quando em algum lugar estacionavam.
294
Isolados da família, os colegas de vocação lembram os tempos de Seminário e o
seu cotidiano, atualizando as recordações, pensando no cardeal em projeção nacional à
época de suas falas. A saudade, a proximidade ou distanciamento em relação a sua
figura expressam-se nos detalhes selecionados para divulgação.
A posse de Dom Avelar como arcebispo primaz do Brasil motivou o padre
sergipano Manoel Soares a relembrar as experiências vividas quarenta anos antes, na
cidade de Aracaju. Os momentos de recreação, em contraponto à disciplina rígida do
ambiente de confinamento, e as relações de amizade são abordados em tom de saudade.
Nas quintas-feiras e aos domingos, o nosso joguinho de futebol. Nossos times
organizados e valentes chegando a vencer um campeonato intercolegial de que
faziam parte o velho Ateneu Pedro II (hoje colégio estadual), o “Tobias Barreto” e
o colégio Salesiano. Dom Avelar era zagueiro e todos jogavam de batina e na
293
NETTO, Medeiros. Nosso cardeal quase não se ordenava padre. Maceió, 1973. Entrevista concedida ao
jornalista Alves Damasceno. Gazeta de Alagoas, Maceió, 8 abr. 1973.
294
SANT´NA, Monsenhor Jo Moreno de. Nosso cardeal quase não se ordenava padre. Maceió, 1973.
Entrevista concedida ao jornalista Alves Damasceno. Gazeta de Alagoas, Maceió, 8 abr. 1973.
131
areia, com prefeitos rigorosos e reitores também. Vida que não volta, mas que a
gente lembra com saudade, carinho e com amor. Dentro dessa paisagem, dentro
desse quadro, uma mocidade vibrante, ardente, sonhadora. Estudando, brincando,
jogando bola e se preparando para a vida e para o sacerdócio.
295
Os detalhes da rotina no Seminário Sagrado Coração de Jesus foram
estabelecidos nos estatutos redigidos pelo bispo Dom José Tomaz Gomes, em 1914,
distribuídos para os alunos no ato de seu ingresso, e lidos em voz alta no refeitório da
casa de formação ao menos uma vez por mês.
A preparação para a vida sacerdotal incluía a imposição de orações e “exigia
posturas condizentes com a de mediadores de Deus na terra”.
296
De segunda a domingo,
os seminaristas deveriam levantar-se ao sinal do despertar e executar orações ainda em
seus quartos e em seguida se dirigirem à capela para novo ciclo oratório e missa.
Durante os períodos de oração era expressamente proibido sair dos recintos, ler
livros que não fossem os exigidos na ocasião ou olhar para trás e para os lados. Após a
missa, era servida a refeição. Dado início aos recreios que intercalavam as aulas nas
bancas de estudos, nenhum aluno poderia ocupar as dependências das salas de aula. À
tarde, era obrigatória a participação em momentos como saudação aos anjos, terços e
ladainhas oferecidas à Nossa Senhora, precedidas pelas leituras da Bíblia. A rotina
noturna incluía jantar, visita à capela para adoração do Santíssimo Sacramento, ceia e
volta à capela para as orações da noite e o exame de consciência.
O cotidiano de orações era quebrado às quintas e domingos, com os passeios
fora do Seminário, sob a supervisão do diretor espiritual, vice-reitor ou do próprio reitor, ou
pelas visitas de parentes. Nos recreios, as diversões permitidas incluíam o jogo de
futebol, desde que fosse praticado no campo do Seminário e com os seminaristas usando
a batina tradicional.
A disciplina afetava até a forma de transitar pelas dependências do
estabelecimento: oferecendo os cursos de Filosofia, o preparatório em humanidades e o
de Teologia, os estatutos exigiam a separação dos alunos de cada curso em divisões que
ficassem a cargo de um prefeito, vice-prefeito ou suplente escolhido entre os próprios
estudantes. Não se poderia andar fora da divisão, nem abandoná-la sem prévia
autorização do superior.
Aos prefeitos cabia a cobrança pelo uso de trajes sempre limpos, a serem lavados
pelos próprios usuários. Deviam, no entanto, reparar se os seminaristas trajavam-se “sem
295
SOARES, Padre Manoel. Uma Lembrança. A Semana, 6 e 7 jun. 1971, ano XLI, n. 23.
296
Os padres eram percebidos como instrumentos de representação divina e mediação entre os planos
terrenos e celestes diante dos fiéis. Conforme: Capítulo X Da piedade. Estatutos do Seminário Sagrado
Coração de Jesus. Aracaju, SE, p. 9, 15 nov. 1914.
132
exagerada elegância”,
297
e prezar pelo silêncio total nos banheiros, refeitórios e bancas
de aula. Suas obrigações incluíam denunciar ao reitor quando um seminarista visitasse o
quarto de outro ou falasse com os empregados que estivessem trabalhando no
estabelecimento.
No ato de recepção de novos alunos, o Seminário Sagrado Coração de Jesus
exigia certificados de batismo, vacinação e bons antecedentes morais e religiosos,
assinados pelo vigário de sua paróquia de origem. Reservava-se o direito de não receber
jovens com doenças contagiosas ou fracos a ponto de não cumprir a rotina de aulas. O
calendário anual seguia de fevereiro a novembro, intercalando-se com períodos de férias,
a serem cumpridas junto à família e aos padres de suas paróquias de origem, evitando o
relacionamento com pessoas fora dos contextos familiares e católicos.
Mesmo com tanta rigidez, conforme a memória do padre Manoel Soares, a vida no
Seminário de Aracaju era intensa, e as práticas de lazer e de preparação sacerdotal
incluíam as atividades na Academia Literária São Tomaz de Aquino, já citada, e na capela
onde eram experienciados os primeiros sermões dos futuros padres. Nestes espaços, a
memória dos contemporâneos remetem ao Avelar Vilela que vivenciou intensamente a
prática da oralidade sacra e da homilia prevista no curso de Filosofia. Constituiu nestas
práticas o falar sobre os temas católicos e os elementos de diferenciação de si próprio.
Neste ponto da narrativa, refleti sobre este falar como recurso de distinção e identificação
usado por Avelar Vilela, pois, abaixo desta superfície, estão estratégias que caracterizam
sua trajetória de vida.
4.1 O falar de si: a fuga aos enquadramentos e invenção da postura moderadora
A necessidade de posicionar-se socialmente exigiu de Dom Avelar um esforço
contínuo para a definição de si mesmo, principalmente após o Concílio Vaticano II e a
Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, ambos constituindo
momentos de reflexão e mudanças de postura da Igreja Católica frente às realidades
vividas.
Entre outubro de 1962 e dezembro de 1965, sessões conciliares foram realizadas
em Roma, com o objetivo de ajustar suas dimensões internas e externas às condições
temporais e sociais vigentes, posicionando-se junto a dois segmentos mais amplos: o de
fiéis e o da comunidade de não católicos. Era uma Igreja que havia experienciado o mal-
estar frente à acelerada mudança de costumes e avanços tecnológicos no início do
297
Recomendação passada como forma de evitar que os seminaristas chamassem a atenção a partir de
sua vestimenta e belezas física. Estatutos do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Aracaju. Sergipe.
Capítulo XI – Dos deveres dos seminaristas, p. 12, 15 nov. 1914.
133
século XX, e feito alianças malsucedidas com regimes fascistas para combater o avanço
comunista no mundo. Internamente, vivia uma crise conservadora e padecia do pouco
conhecimento sobre si.
Desde a década de 1950, estudos começaram a formular uma nova visão do
catolicismo, influenciando a cúpula católica de Roma a uma reflexão interna, tal como a
doutrina da democracia cristã, de Jaques Maritain,
298
segundo a qual fiéis detinham a
vontade divina à semelhança da instituição em si. O leigo poderia atuar politicamente,
autônomo em relação à Igreja, mas permaneceria dependente em relação ao Clero no
âmbito espiritual ou de realização de rituais. Um catolicismo mais progressista foi
estimulado ainda pelas ideias de Emmanuel Mounier
299
e sua proposta de liberdade
coletiva como bem superior ao individualismo liberal e à prisão dos regimes totalitários.
Ser católico implicava, portanto, em lutar pela liberdade própria e liberdade do outro. O
dominicano Louis-Joseph Lebret,
300
por sua vez, contribuiria com a ideia de economia
solidária, na qual conceitos fraternais e não o mercado em si, impessoal e baseado no
lucro, deveriam reger a produção, distribuição e consumo de bens.
A promoção do Concílio Vaticano II, aberto pelo papa João XXIII, colocou a
instituição frente à diversidade de atuação eclesial na América Latina e Europa e em meio
a reflexões sobre estudos teológicos de cunho progressista. A Igreja chegou ao ano de
1962 ansiosa por demonstrar capacidade de diálogo e atuação no mundo, provando o
entendimento do contexto social, cultural e econômico da época. Os estudos realizados
por seus representantes nas sessões conciliares tentaram definir uma identidade
teológica, antropológica e eclesiológica necessária à manutenção do caráter
transnacional de seus carismas e hierarquia.
A reconfiguração conceitual optou pela fundamentação em verdades perenes, de
fundo divino no Cristo, em prol de uma mudança delimitada: o povo católico passou a ser
conceituado como o povo de Deus; e a Igreja como instituição serva e pecadora, falível e
não detentora das verdades do mundo. No fundo, o que os cristãos católicos buscavam
298
Filósofo francês, nascido em Paris, a 18 nov. 1882, Jacques Maritain escreveu mais de 60 obras e
renovou o pensamento tomista no século XX. A ideia de democracia cristã constitui defesa de uma
democracia baseada nos ensinamentos e princípios cristãos, tais como a liberdade, a solidariedade e a
justiça. Conforme: VILELA, Daniel Marques. A igreja contra os coronéis. Artigo. In: Revista História Viva,
São Paulo, ano V, n. 60, p. 70, out. 2008.
299
Emmanuel Mounier nasceu na França, em 1905, e faleceu em 1950. Sua concepção de catolicismo
entendia a necessidade de renovação e revisão crítica do movimento da Igreja na história. Impulsionou uma
corrente de pensamento cristão chamada de personalismo. Ibid., Revista História Viva, São Paulo, ano V,
n. 60, p. 70, out. 2008.
300
Conhecido no Brasil como Padre Lebret, economista e religioso católico dominicano francês, criador do
centro de pesquisas e ação econômica "Economia e Humanismo", em 1942. Foi um dos introdutores da
preocupação com o desenvolvimento global dentro da Igreja Católica, entendido como desenvolvimento da
pessoa e dos grupos sociais. Chamou a atenção da Igreja e do mundo ocidental para as questões do
subdesenvolvimento e da necessidade de solidariedade com os países pobres. Ibid., Revista História Viva,
São Paulo, ano V, n. 60, p. 70, out. 2008.
134
era a relação próxima entre mística e contexto sociohistórico, acreditando no lego que a
mensagem evangélica, de quase dois mil anos, teria diante das mudanças temporais.
Os temas dos trabalhos conciliares foram a atualização interna articulada ao
diálogo e participação maior dos leigos; corresponsabilidade de padres e bispos nas
decisões da Santa Sé mediante conselhos consultivos, e abertura ao ecumenismo para
enriquecer os relacionamentos externos. Partiram do consenso de que as mudanças
seriam obtidas após o reconhecimento de que a temporalidade da Igreja andava em
descompasso com a temporalidade do mundo, no qual, em um nível perigoso para sua
hegemonia como religião universal. Os métodos evangélicos, em meio ao desalinho, não
construíam pontes significativas de identificação entre a mensagem e os fiéis do culo
XX.
Viviam-se as mudanças sociais e culturais do pós-guerra, a presença ativa e
crescente do Terceiro Mundo, a industrialização dos países norte-atlânticos e as
consequências de emigração e turismo, urbanizações gigantescas;
transformações no mundo rural, o nascimento da sociedade de consumo, a
emergência da televisão com forte impacto na cultura e nos comportamentos [...].
A emergência das teologias da história transcendental, o desenvolvimento dos
movimentos litúrgico e bíblico, o retorno às fontes patrísticas e o aparecimento da
Ação Católica proporcionaram o desenvolvimento do Concílio Vaticano II, levado a
cabo pelo papa Paulo VI.
301
Após o Concílio, a atuação internacional de Dom Avelar ganhou corpo.
Internamente, era respeitado como orador sacro e convidado a ministrar palestras em
vários Estados brasileiros, abordando temas como igreja e a conjuntura latina, o Estado
ou as mudanças sociais. Tornou-se presidente do Departamento de Opinião blica da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, órgão onde chegou a ser vice-
presidente por duas gestões, de 1965 a 1968. Presente em todas as sessões conciliares,
durante três meses por ano, e nos quatro sínodos eclesiais realizados em Roma, entre
1965 e 1974, Dom Avelar promoveu oito intervenções em plenário e foi eleito presidente
dos grupos de estudo de que fez parte.
Ao articular-se junto ao episcopado da América do Sul, reforçou o respeito interno
que lhe era atribuído e obteve a confiança do Vaticano para assumir a presidência do
Serviço de Colaboração Apostólica Internacional (SCAI) e do Conselho Episcopal Latino-
Americano (CELAM). Nos anos pós-concílio, portanto, Dom Avelar agia como
representante do pensamento eclesial latino-americano junto à Santa Sé.
Os primeiros passos da II Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada
em Medellín, na Colômbia, em agosto de 1968, sob a sua presidência, deram-se na última
sessão conciliar, realizada em dezembro de 1965. Os bispos latinos reconheceram a
301
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Org). Concílio Vaticano II: análise e
perspectivas. São Paulo: Paulinas, 2004.
135
necessidade de um debate próprio, que chegasse a refletir sobre as metodologias de
aplicação das determinações conciliares no contexto complexo da América Latina. Nos
bastidores da Igreja brasileira, a escolha de Dom Avelar para presidir a Conferência
surgiu por outro motivo além da atuação nas plenárias do CELAM, em Mar Del Plata,
Argentina (1966) ou no próprio Concílio: veio das experiências de apostolado em regiões
do Brasil marcadas pela pobreza, como Petrolina e Teresina. A capacidade de articulação
do trabalho nestas realidades com a intervenção nos organismos de atuação mais ampla
da Igreja no continente foi levada em consideração por Paulo VI para a indicação do
arcebispo brasileiro à presidência.
302
A Conferência, cujo tema central foi “A Igreja na atual transformação da América
Latina, à luz do Concílio Vaticano II”, marcou a primeira visita de um papa ao continente.
No discurso de abertura do Congresso Eucarístico Internacional, em Bogotá, Paulo VI
promoveu também o início oficial dos debates do CELAM, e pediu cautela, sensibilidade
pastoral e social para que as decisões não excedessem as verdades pontificais
expressas nas encíclicas da doutrina social vigente na igreja.
O futuro exige esforço, audácia e sacrifício, o que faz com que apossar-se da
Igreja uma ansiedade profunda. Estamos num mundo de reflexão total. Invade-nos
como onda avassaladora, a inquietação característica dos nossos tempos e
especialmente destes países em estado de tensão e em busca de
desenvolvimento completo, agitados pela consciência dos seus desequilíbrios
econômicos, sociais, políticos e morais.
303
O clima era de tensão na Igreja latina, traduzido no enfrentamento das opiniões de
bispos progressistas, moderadas e conservadoras nos debates da Conferência.
Articulando-se tanto com a hierarquia conservadora – temerosa que as inclinações sociais
dos religiosos excedessem à expectativa papal quanto com os mais progressistas, Dom
Avelar, proferiu discurso de abertura em 26 de agosto, pedindo prudência e reafirmando a
posição pontifícia como matriz orientadora dos debates, negando que o papa tivesse
intenção de cercear a espontaneidade episcopal nos estudos e trabalhos.
304
Tentando
harmonizar a postura de Paulo VI à diversidade de pensamentos de bispos latinos, a
atuação de Dom Avelar foi crucial para que se reforçasse o comprometimento da Igreja
com o homem em situação de pobreza e desamparo social no continente.
Ao final dos debates, o Cristo, fundamento transcendental da instituição, não
passou a dividir a atenção da Santa Sé com a dimensão antropológica da fé, como foi
percebido como sua maior finalidade. A mística cristã ganharia sentido se aplicada ao
302
O RENOVADOR e o diplomata. Revista Veja, São Paulo, n. 231, p. 50, 7 fev. 1973.
303
PAULO VI apud Dom Avelar Brandão Vilela. Discurso de Abertura da II Conferência Episcopal Latino-
Americana. Medellín. 26 ago. 1968. In: DANTAS, Deoclécio. Dom Avelar Brandão Vilela, uma vida a
serviço da paz. Teresina: Gráfica do Povo, 2006. p. 73.
304
VILELA, Dom Avelar Brandão, op. cit., 2006, p. 74.
136
homem, adentrando por suas fraquezas e necessidades para promover a salvação de sua
alma pela fé. A consideração da dimensão antropológica e o reconhecimento do homem
alijado de condições materiais nos países subdesenvolvidos daria sentido à existência
perene do Cristo, independente das mudanças seculares, pois a sua função maior seria
ensinar o povo católico a superar as dificuldades mediante a observância de seus
ensinamentos.
No âmbito latino-americano, a exortação a um Cristo e sua representante divina e
terrena, a Igreja Católica, buscou a identificação desta com povos sensibilizados pelo
subdesenvolvimento e regimes antidemocráticos. Tratava-se da sobrevivência de sua
natureza institucional, pois carecia da identificação dos fiéis às suas mensagens. Era
crucial para a sobrevivência da Igreja que estes ensinamentos ressoassem os valores que
os católicos julgassem importantes para o momento vivido. As decisões foram baseadas
na necessidade de reorganização interna para a existência temporal e contínua,
apontando para o trabalho de valores, aspectos transcendentais e manutenção numerosa
do que chamou de rebanho do povo de Deus.
No contexto brasileiro, a Igreja vivia agitada pelo regime militar de exceção de
direitos (1964-1985), traduzido na edição contínua de pacotes econômicos, censura aos
meios de comunicação, fechamento do Congresso Nacional e suspensão de garantias
políticas. A necessidade dos militares de estabelecer, de modo claro, quem estava contra
ou a favor do regime, fomentou a discussão a respeito de qual lado seria ocupado pela
Igreja no rumo dos acontecimentos. Depois de apoiar inicialmente o golpe militar, a Igreja
modificou sua forma de relacionamento com o Estado ao tempo em que ocorriam
agitação e contestação popular ao regime.
Inserido em uma delicada relação de diálogo e conflito com os poderes
constituídos, Dom Avelar procurou manter uma postura conciliadora. Pela facilidade de
acesso aos presidentes militares, trânsito fluido junto às correntes moderadas, reformistas
e tradicionais católicas, atuou como agente de negociação da Igreja, estabelecendo as
faces de contato entre as duas instituições durante mais de duas décadas de ditadura
militar. este aspecto da trajetória de vida de Dom Avelar Brandão Vilela é
suficientemente rico do ponto de vista histórico e tem gerado pesquisas aprofundadas.
305
Nas décadas de 1970 e 1980, ser um cardeal católico significou para Dom Avelar
trabalhar em meio a um complexo contexto social, de reabertura política e reivindicação
social de direitos. A Igreja, que havia sofrido as intervenções profundas do Concílio, tanto
305
A Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) e o Núcleo de Estudos sobre o Regime Militar
(NERM) lançaram, em nov. 2009, trabalho sobre o regime militar no qual figura a atuação de Dom Avelar
Vilela à época. Ver: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (Org.). Ditadura Militar na Bahia: novos
olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: UDUFBA, 2009.
137
na liturgia quanto no tratamento com os leigos e não católicos, viu-se cercada de
conceitos modernos de atuação, porém, inábil na definição de metodologias de aplicação
das determinações conciliares. As divergências quanto à forma de dar vida prática à
postura pós-conciliar fortaleceram as diferenciações entre correntes internas de
pensamento, umas mais outras menos adeptas ao investimento incisivo nas mudanças
sociais.
A participação de Dom Avelar nos debates católicos nacionais e internacionais foi
crescendo, em meio ao recrudescimento político ou a reabertura democrática brasileira
nos anos 1980. Repetia-se na imprensa a interpelação social quanto às suas intenções e
linha de atuação eclesial. Em duas décadas, Dom Avelar pouco modificou o teor de suas
respostas a estes questionamentos. As definições de si partiram de um estado de
neutralidade para a postura da moderação. O estudo de seus pronunciamentos torna
visível sua estratégia de atuação no cenário complexo de existência.
Em 1969, o Papa Paulo VI convocou o II Sínodo dos Bispos, o primeiro encontro
internacional de caráter consultivo a ser convocado após o Concílio Vaticano II. Ouvir os
bispos de todo o mundo em questões internas e sociais tratava-se de uma das decisões
pós-conciliares na busca por menor centralização de decisões na figura papal. Após a
realização dos trabalhos, Dom Avelar, em comissão com demais bispos, concedeu
entrevista coletiva na sala de imprensa do Vaticano. A imprensa havia acompanhado de
perto as quatro sessões do Concílio e, diante da convocação do sínodo, percebia a
emergência de uma Igreja lutando por unidade de substância e ação, em meio à
existência de correntes conservadoras, progressistas e moderadas de pensamento. O
contexto interno suscitou a pergunta sobre em qual classificação o bispo brasileiro se
enquadraria. A resposta: “Não sou progressista, conservador ou moderado. Sou um bispo
da Igreja. De uma Igreja que, sendo eterna, tem compromisso com o passado, o presente
e o futuro.”
306
O momento ganhou repercussão mundial pelo contexto e lugar de fala, e
caracterizou o trabalho do Arcebispo de colocar sob o seu controle a definição da própria
identidade. Em escala ascendente a partir da declaração dada no Vaticano, Dom Avelar
posicionou-se como o principal dono de sua imagem, comportamento que se repetiu nos
pronunciamentos por ocasião da ascensão ao Colégio de Cardeais, em 2 de fevereiro de
1973, e em orações, homilias e entrevistas que realizou após 1969.
Sou bispo católico e muito me honra em o ser agora, inclusive revestido do título
de cardeal da Igreja Católica. [...] Minha formação é de caráter universal, cósmica,
embora identificada com a minha [...] Ultimamente as referências sobre a minha
pessoa me apresentam como um diplomata. Jamais li um livro sobre diplomacia.
306
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não me agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela
esquerda. Diário de Notícias, Salvador, 22 a 23 abr. 1973. Caderno 2, p. 7.
138
Se diplomacia consiste em encontrar meios de resolver problemas difíceis sem
prejuízos da dignidade e da nobreza de sentimentos, pode ser que eu tenha algo
de diplomata. [...] Quando eu devo dizer a verdade, sou eu quem resolve a
respeito. Não me agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela
esquerda. Sinto-me um homem independente, livre para tomar as posições que
julgar mais oportunas [...]
307
Não admitiu, portanto, que os outros operassem em relação à sua imagem uma
classificação única ou fixidez de posicionamentos. “Não sou de partidos, nem de
‘igrejinha’. [...] Aquilo que realmente sinto que sou é um pastor de todos. Quem não me
olha assim vai ter dificuldades de me entender”.
308
Em novembro de 1977, tratando da
postura da Igreja junto à reabertura democrática, reforçou com ironia a dificuldade que a
opinião pública teria de defini-lo em um padrão de comportamento isolado, porque ao
olhar para si via um homem que não gostava de “andar na crista da onda, que nunca
aprendeu a nadar direito”.
309
Ao tentar destituir do outro o poder de traduzir o seu comportamento, apresentou-
se moderador pela causa da própria Igreja, reservando-se ao direito de racionalizar sobre
valores permanentes e necessidades de atualização eclesial. Fora da fixidez de uma linha
de atuação, encontrou o arejamento necessário para exercer o papel de orientador de
uma religião em efervescência.
muito o que conservar se quisermos manter a nossa identidade, e muito o que
renovar se quisermos ser fiéis à nossa vocação de peregrinos da história. Sou
moderador quando as radicalizações intransigentes se levantam. [...] Eis o que
sou.
310
Dom Avelar investiu na constituição da imagem de moderador e homem contrário a
radicalismos. Esta foi a estratégia que lhe permitiu transitar por vários setores e
intermediar divergências. Ao falar de si, contrariando classificações exteriores, expunha
um conjunto de características que circunscreveram sua figura em um círculo de
credibilidade e ponderação, elementos cruciais para a gestão de relações conflituosas. A
imagem de equilíbrio e coerência se fortalecia tanto mais fosse capaz de se aproximar
dos radicalismos e agir sobre eles. E as conversas diretas, homilias, palestras,
pronunciamentos e entrevistas serviram de tática de intervenção social,
operacionalizaram a moderação propalada em suas autodefinições. Em outras palavras,
Dom Avelar justificava, defendia ou inaugurava suas posições pela palavra comunicada,
conseguindo os espaços de manobra necessários para a sua atuação.
311
307
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não me agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela
esquerda. Diário de Notícias, Salvador, 22 a 23 abr. 1973. Caderno 2, p. 7.
308
Ibid. Coluna destaque. Jornal A Tarde, Salvador, 6 fev. 1973.
309
Ibid. A Igreja e a reabertura. São Paulo, 1977. Entrevista concedida à Revista Veja em 2 nov. 1977, p. 3.
310
Ibid. Um bispo da Igreja Viva. Jornal da Bahia, Salvador, 1 jun. 1971, ano XIII, n. 3678, p. 3.
311
Michel de Certeau, ao elaborar os conceitos de tática e estratégia, ajuda a entender o jogo de articulação
e inserção social de Dom Avelar Brandão Vilela. Estratégia é o lculo (ou a manipulação) das relações de
139
Na Bahia, durante os quinze anos de apostolado, Avelar Brandão Vilela trabalhou
na intermediação de conflitos entre poder público e invasores de terra, agricultores,
famílias sem teto ou sem emprego. Os populares solicitavam o seu intermédio, gerando
registros de intervenção pessoal junto ao Governo Federal, em situações como a greve
dos professores da Universidade Federal da Bahia, além da tentativa de fechamento do
Hospital das Clínicas em 1984.
312
Eram comuns tanto as visitas aos bairros alagados e favelas cujos moradores não
possuíam os títulos das terras quanto as recepções de comissões de populares no
Palácio Arquiepiscopal do Campo Grande. Após estas audiências, procurava o poder
público para a obtenção de posicionamentos, dando às audiências sentido de fórum de
cidadania. A cada intermediação, a sua atuação como agente social ou religioso ganhava
contornos mais fortes.
Alinhado à doutrina social da Igreja, segundo a qual vivia-se um tempo regido pelo
signo de contradições sem precedentes, Dom Avelar entendia que a existência de
pensamentos contrários dentro da Igreja, antes de sufocá-la ou mostrar suas fraquezas,
representava um pluralismo e reforçava o caráter de resistente peregrina da história. Em
uma série de pronunciamentos, percebe uma Igreja Católica particular, vista a partir do
lugar de mundo por ele ocupado. O catolicismo precisaria de renovação com respeito à
tradição, e demandaria o entendimento das relações com os contextos históricos. Igreja e
história seriam, assim, mutuamente tributárias no influxo dos tempos.
Adoto como norma de ação pastoral o pluralismo das experiências, levando em
conta a idade e a mentalidade e outros fatores ditados pela psicologia e pela
metodologia. Sou pela renovação da Igreja sem prejuízo dos valores essenciais de
sua verdadeira tradição. Entendo que renovar não é destruir, mas adaptar. Cada
momento histórico tem a sua contribuição a oferecer à igreja. E a Igreja a cada
momento histórico.
313
Em sua concepção, as mensagens cristãs teriam pertinência nos mais
diferenciados momentos históricos, por seu caráter divino. A mística tanto marcaria os
valores essenciais da Igreja com o selo de uma tradição verdadeira quanto os faria fortes
o suficiente para atravessar temporalidades ilesos às contaminações que modismos
forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder pode ser isolado. A
estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio a ser a base de onde se podem
gerir as relações com uma exterioridade. Tática seria a ação calculada que é determinada pela ausência de
um próprio. Nenhuma delimitação que vem de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem
por lugar senão o do outro. Tática é movimento dentro do campo de visão do inimigo e no espaço por ele
controlado. CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano. Artes do Fazer. 14. ed. Petrópolis: Vozes,
2008. p. 99-100.
312
A SITUAÇÃO dos invasores do Teotônio Vilela é crítica. Correio da Bahia, Salvador, 12 set. 1984, p. 1.
CARDEAL pede apoio e ajuda para o Maciel. Jornal A Tarde, Salvador, 29 maio 1984. DOM AVELAR luta
pelas clínicas. Jornal da Bahia, Salvador, 14 jun. 1984, p. 1.
313
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não me agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela
esquerda. Diário de Notícias, Salvador, 22 a 23 abr. 1973, Caderno 2, p. 7.
140
poderiam criar. Renovações não significariam mudanças bruscas, mas adaptações a uma
essência católica a ser considerada. A moderação apregoada a si e para a sua Igreja não
significava, portanto, paralisia eclesial em meios aos percursos históricos, mas o
estabelecimento de parâmetros capazes de proteger uma essência divinal. Quando na
igreja, o homem e suas paixões eram o suporte do transcendental ou do divino,
considerava importante à sua tarefa de arcebispo orientar e intervir nos excessos típicos
da humanidade e tirar proveito de sua natureza mutante. Fechar-se a isso seria estancar
a instituição dentro de conceitos imutáveis. Seria, portanto, arriscar a existência
duplamente temporal e humana da própria Igreja Católica.
Creio na incorporação de valores próprios de cada momento histórico. Não seria
conservador ao ponto de acreditar que toda a tradição deva se fechar aos novos
tempos, não seria moderado no sentido de ser indiferente aos apelos da hora
presente. Há núcleos de ideias que se aperfeiçoam. Há conceitos que se matizam.
Eu sou conservador no sentido de respeitar as legítimas tradições religiosas e
culturais.
314
Para justificar sua postura de moderação, explicava as possibilidades de
comportamento frente a choques de pensamentos contrários. Seriam três as
possibilidades de atuação: a primeira e a segunda correspondiam às vozes em choque,
pensadas por ele em situação de total antagonismo, e impossibilitadas de, sozinhas, ouvir
uma a outra pelo calor das tomadas radicais de posição. A terceira, a sua via, o levaria a
optar pela presença efetiva em meio aos debates, dentro de uma linha crítica às posições
em choque.
A opção pela terceira possibilidade de comportamento gerava ônus à sua imagem
em forma de críticas diretas ou veladas. Dom Avelar as rebatia estrategicamente,
colocando sua conduta sob a proteção das recomendações institucionais da Igreja
Católica. Baseava-se na convicção de que a Igreja em si era optante pela linha do meio,
pois era tradicional em sua substância e missão de portar as verdades evangélicas.
Contudo, quando a metodologia de ação missionária provocava divisões na unidade,
inclinava-se para uma postura de conciliação.
Muita gente discorda de um comportamento assim. [...] Essa terceira posição pode
ser deturpada e mal interpretada, como se fosse contrária aos interesses em jogo,
porque quando os espíritos estão conturbados só querem ouvir a palavra de
integral apoio às suas convicções ou conveniências. Este é um dos grandes males
do nosso tempo. [...] A igreja em si é da linha do meio. O que vi nos quatro anos
de concílio e dois sínodos é que o que prevalece é a via média, andar para frente
sem radicalizações. [...] Eu penso numa igreja que esandando, mas uma igreja
que, por andar com todos e não apenas com grupos, não pode fazer seu o
patrimônio de uma corrente, tal como aquela corrente desejaria que fosse, quer
314
Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, 12 ago. 1976. Constante no acervo pessoal.
Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
141
seja ela avançada ou conservadora. No trabalho global, a igreja sempre faz um
trabalho de integração.
315
As incompreensões que sofria pela opção pública da moderação tanto se
mostravam esperadas por ele quanto o identificavam com a própria instituição católica.
Em sua concepção ideal de Igreja e de conduta, a diversidade das visões contrárias
enriqueceria o catolicismo com a garantia de muitas faces à instituição, nas quais
ninguém teria em mãos a solução final dos desafios levantados. “Em nenhum lugar as
resoluções são definitivas, pois cada pessoa ou grupo trazia riquezas admiráveis que não
podem ser dispensadas”.
316
A estratégia adotada permitia, portanto, a condição de mudança de posicionamento
e fluência nas instâncias sociais. Quando a premissa era o olhar moderado de
julgamento, afastado das paixões em oposição, a postura do arcebispo ganhava a
liberdade de trafegar para qualquer direção entre os polos de conflito. Haver um centro de
equilíbrio não significava fixidez de opinião, mas fluxo, segundo seus critérios particulares.
Dessa forma, angariava a atenção e o consentimento social para o seu trabalho, a partir
da circunscrição peculiar de seu posicionamento.
Usando a via do meio para a intervenção nos debates de parte a parte, o arcebispo
defendeu as discussões para além de duas vozes opostas, e estabeleceu as condições
para que fluísse ele mesmo entre polos de discórdia, sem desligá-los uns dos outros. Ser
pastor fixado na corrente de direita ou de esquerda seria perder a condição de julgamento
e trânsito nas linhas de pensamento, gerando uma restrição no campo de atuação
desinteressante ao serviço de pastor da igreja.
A estratégia moderadora de Dom Avelar não o isentou de dissabores e conflitos
com o poder político e com membros da Igreja brasileira. Em dois momentos
emblemáticos ocorreram confrontos públicos, nos quais o arcebispo respondeu a críticas
mediante pedidos de desculpas e ratificações de sua personalidade equilibrada.
Um dos momentos delicados ocorreu em 1971 ao aceitar o convite da Escola
Superior de Guerra para proferir a palestra Igreja e Estado no Brasil. No dia 23 de agosto,
no Rio de Janeiro, o arcebispo primaz abriu sua fala, no auditório da instituição,
declarando sentir-se à vontade e honrado por ser chamado a palestrar naquela casa. Ao
propor sua análise, estabeleceu a importância do diálogo em uma época conflituosa e de
restrição da liberdade expressiva. Questionou por que temer o diálogo, e defendeu que se
vivia a hora de sua maior necessidade. “Há perigo para a segurança nacional no gesto de
315
VILELA, Dom Avelar Brandão Vilela. A difícil posição de quem não aceita os radicalismos. Carta pessoal
de 31 ago. 1973. Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de
Salvador.
316
Ibid. A Igreja e a reabertura. São Paulo, 1977. Entrevista concedida à Revista Veja em 2 nov. 1977, p. 3.
142
intercâmbio de experiências, iniciativas e sugestões? Será que estamos tão próximos
da perfeição que não precisamos de ajuda mútua?”.
317
Seguiu pregando diferenças entre
a exigência de expressão responsável e a limitação violenta do direito de expressão que
vinha ocorrendo no País. A utilização dos meios de comunicação para desqualificar atos e
programas governamentais seria um polo de conflito tão intenso e errôneo quanto o
controle desses meios, de “modo a impedir a manifestação do pensamento e incentivar o
uso extremo da propaganda, para dar a impressão de que tudo esperfeito e de fato
resolvido definitivamente”.
318
O discurso trazia um tom institucionalista e menos centrando em sua figura,
alocando ideias sob o conceito atualizado de Igreja.
319
Esta última, sendo um híbrido de
hierarquia e instituição divina, estenderia a seus arcebispos a possibilidade de opinar
sobre dimensões humanas ou terrenas, questões de Estado ou modificações sociais. Em
outros termos, sendo pastor católico, cumpriria dever de ofício ao defender na Escola
Superior de Guerra o pensamento social da Igreja, salvaguardando o seu direito de atuar
nas desigualdades e injustiças do mundo. “Mesmo institucional, a igreja não se considera
um gueto dentro do mundo, mas como uma presença nas estruturas humanas e,
sobretudo, na consciência dos homens”.
320
No contexto de exceção de direitos, e falando no ambiente intelectual que formava
e agregava militares pensadores do regime, o discurso incomodou.
321
E ao deixar o
auditório após a palestra, Dom Avelar distribuiu cópias do discurso à imprensa, levando-o
à maior divulgação no dia posterior. “Sei que o comandante da Escola, general Rodrigo
Otávio Jordão, se demitiu, ao que consta extraoficialmente, em função desse episódio”.
322
317
Igreja e Mudança Social. Discurso proferido na Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, 23 ago. 1971.
Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
318
Id. ibid.
319
Conforme SERBIN, nos anos 1970, os bispos brasileiros desejavam elucidar o pensamento dos militares
quanto ao envolvimento da Igreja em projetos de ativismo social. Tornou-se uma época de tensões pelas
dificuldades de aplicar as resoluções do Concílio Vaticano II, que davam ênfase à necessidade de luta por
maior justiça social, no contexto da Doutrina de Segurança Nacional do governo militar brasileiro. Em 1970,
durante o Encontro Bipartite, com segmentos do governo e da Igreja, “Dom Avelar apontou que o
relacionamento dos militares de segurança com desenvolvimento é de difícil conceituação e admite
contestações e interpretações. Ele resumiu o debate com uma pergunta, que captura a essência do conflito,
não só nas relações entre Igreja e o Estado no Brasil autoritário, mas em todas as sociedades modernas
que confrontavam a tensão entre a necessidade de ordem e de progresso social: onde termina a justiça
social e começa a subversão?”. Conforme SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares,
tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 33.
320
Igreja e Mudança Social. Discurso proferido na Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, 23 ago. 1971.
Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
321
A Escola Superior de Guerra, ESG, foi criada pela Lei n. 785/49, como Instituto de Altos Estudos de
Política, Estratégia e Defesa, integrante da estrutura do Ministério da Defesa, para desenvolver e consolidar
os conhecimentos necessários ao exercício de funções de direção e assessoramento superior para o
planejamento da Defesa Nacional, nela incluídos os aspectos fundamentais da Segurança e do
Desenvolvimento. Conforme SERBIN, Kenneth, op. cit., 2001, p. 130.
322
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não sou oposição, sou pastor. Entrevista concedida à Revista Isto É, n.
287, p. 93, em 23 jun. 1982.
143
O mal-estar junto à Presidência da República motivou a expedição de comunicados
oficiais do arcebispo, realizados em 24 de setembro de 1971, anexados a novas cópias
do discurso. Nos textos, pediu desculpas ao presidente Emílio Garrastazu Médici, ao
comandante da Escola Superior de Guerra, Rodrigo Otávio Jordão, e a qualquer outro
brasileiro que tivesse sido ofendido por suas palavras. Em sua defesa, alegava que envio
do material à imprensa ter-se-ia dado por solicitação dos jornalistas e pelo conhecimento
do costume de divulgação das ideias dos palestrantes convidados a falar naquela casa. A
razão do pedido de desculpas nascia, portanto, de sua índole pacífica, sem intenções de
polemizar ou desmoralizar a imagem dos que compunham a elite intelectual dos militares
brasileiros. A intenção era apenas de pregar o intercâmbio de conhecimento. No entanto,
o envio das solicitações de desculpas junto com novas cópias do discurso na sua
integralidade foi entendido como gesto de reforço da sua opinião e não como recuo dos
posicionamentos proferidos.
Internamente, Dom Avelar também provocou descontentamentos junto aos
membros do Centro de Estudos e Ação Social, CEAS,
323
instituição ligada aos jesuítas da
Bahia com forte preocupação política, econômica e social. Quando organizou a vinda do
papa João Paulo II ao Brasil, em julho de 1980, tratou o assunto diretamente com os
grupos do Governo Federal, Itamaraty e Secretarias de Segurança dos Estados que
seriam visitados. Para os membros do CEAS, nas condições de diálogo colocadas pelo
Governo, a primeira visita do papa ao Brasil seria manipulada por forças políticas e a
atuação do arcebispo estaria construindo, a favor do regime, uma imagem amenizada dos
problemas sociais brasileiros.
Não pude aceitar que se entrasse nessa seara. Dei uma nota enérgica pela
primeira vez. O CEAS avançou um pouco, mas logo se recompôs e seu diretor me
explicou as razões, convidando-me a um encontro. Eu aceitei, porque não sou
homem de fechar portas e janelas. Sou um moderado, não sou água estagnada.
Sou apenas de dizer basta quando se ultrapassam os limites.
324
Dezessete anos antes, em Teresina, a atuação moderadora de Dom Avelar na
maior crise política do governo Petrônio Portela (1962-1965) também provocou
dissabores ao arcebispo. O episódio envolveu a rebelião da Polícia Militar do Estado,
eclodida em 1963, após anos de tentativas de negociação por melhores salários e
323
O Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) é uma entidade jurídica sem fins lucrativos fundada pela
Companhia de Jesus em 1967, hoje integrada por jesuítas e profissionais leigos. Com sede na cidade de
Salvador, Bahia, o CEAS buscou trabalhar na superação da miséria e da exclusão social através da
atuação em regiões do Nordeste brasileiro, marcadas por situações históricas de pobreza e de dominação,
tendo como eixo unificador de sua prática o fortalecimento da autonomia e do protagonismo dos públicos
que acompanha. Conforme SERBIN, Kenneth, op. cit., 2001, p. 130.
324
VILELA, Dom Avelar Brandão. Não sou oposição, sou pastor. Entrevista concedida à Revista Isto É, n.
287, p. 93, em 23 jun. 1982.
144
atualização de vencimentos junto aos governos anteriores.
325
Em agosto daquele ano,
Petrônio Portela recebeu os manifestantes em audiência, mas negou a possibilidade de
melhorias salariais. Da sala do governador, os policiais optaram por ir ao quartel central e
permanecer em estado de assembleia por tempo indeterminado.
O contexto de agitação que marcava a situação política local transformou o quartel
em movimentado centro de manifestações.
326
Membros do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), partido de oposição ao governo, sindicatos e entidades estudantis emitiram notas
de apoio aos aquartelados e compareceram para prestar solidariedade aos familiares dos
policiais. Começou, em paralelo, uma campanha de arrecadação de alimentos, com o
apoio de populares e da Igreja local, visando o sustento dos grevistas e nas
dependências do quartel.
Uma intermediação do conflito foi tentada por Dom Avelar, porém, com o fracasso
do diálogo junto ao governador, sua ação passou a se concentrar na assistência aos
grevistas. A greve terminou com a prisão dos oficiais que a lideravam, rendidos por tropas
do Exército e guarnições federais de Fortaleza, convocadas por Petrônio Portela. As
relações entre Igreja e o Executivo estadual, no entanto, ficaram estremecidas.
Em carta de 28 de agosto de 1963, o governador dirigiu ao arcebispo a sua mágoa
e decepção pelo envio de um caminhão de víveres para abastecer os rebelados no
quartel. A resposta de Dom Avelar foi produzida por escrito na mesma data, lamentando
que o governador o tivesse percebido como intruso na questão e reduzido a intenção
moderadora a uma coletânea de erros, ignorando o fato de ter sido procurado por
pessoas que padeciam de fome, por conseguinte, mereciam a atenção e
compadecimento do chefe da Igreja.
327
Nos últimos vinte anos de vida de Dom Avelar, as demandas em torno de um
discurso definidor de si ampliaram-se, e foram trabalhadas pelo religioso de um modo
estratégico, em contextos de ampliação da arena pública e reivindicação crescente por
maior espaço de expressão, devido às alterações no campo político. Com os sinais de
reabertura democrática gradual, mudanças tecnológicas nos meios de comunicação e o
desejo de maior participação popular na vida blica após o período ditatorial, as
demandas por suas falas tornaram-se mais frequentes.
Com o uso tático da palavra, reafirmou-se moderador. Na agitação interna da
própria Igreja pela aceleração de acontecimentos em seu tempo, sentiu necessidade de
325
Quando foram governadores do Piauí Chagas Rodrigues e Tibério Nunes. Conforme: Governadores do
Piauí: uma perspectiva histórica. Teresina: Fundação CEPRO, 1993. p. 39.
326
MEDEIROS, Antônio José. Movimentos sociais e participação política. Teresina: CEPAC, 1996. p. 67.
327
As relações entre o arcebispo e o governador piauiense voltaram à cordialidade. Petrônio Portela esteve
nas cerimônias de despedida de Teresina, em 5 maio 1971, e na sua posse na Arquidiocese de São
Salvador, em 1993, como representante do Senado Brasileiro, almoçando com Dom Avelar no Palácio
Campo Grande.
145
ampliar o alcance da sua voz e conduta, legitimando ambas na integração e
representação da Igreja Católica. A postura moderadora de Dom Avelar acreditava no
poder do centro, do meio ou da terceira via, com a mesma força com que apostava em
seu poder apostólico de influir nas questões temporais.
Enfrentando o desafio de manter-se ativo entre aos apelos dos radicalismos e
mergulhado nos problemas que afetavam os homens nos diferentes setores, ganhou
espaço em sua própria instituição pelo poder articulador. Os seus discursos, homilias e
palestras, estudados no pico a seguir, tratam da relação entre sua fala e os destinos
católicos na América Latina. Mostram, ainda suas impressões sobre o tempo, o mundo e
a própria missão. Misturam sua vida particular à profissão de religioso. Conforme
Medeiros Netto, Dom Avelar foi, afinal, “um bispo e pronto! A sua Igreja pertence ao
passado, presente e futuro”.
328
Portanto, todos os tempos.
4.2 O trabalho da expressão: palavras a serviço da missão de pastor
Sendo homem de pregação e de ação, pelo respeito mesmo ao altar e ao trabalho
[...] teria de valorizar o uso da palavra, teria de o ausentar-me do mundo, de
seus problemas e de suas ansiedades, de encontrar na expressão os recursos
necessários para atingir todas as camadas da inteligência e da cultura sem
esquecer, embora, que neste momento em que surgem e espocam, violentos, os
problemas sociais mais diversificados, jamais seria lícito permanecer nas torres de
marfim do pensamento [...] Sempre entendi o direito da fala como um dever – o de
saber cumpri-lo. Não foi a esmo que recebemos o dom da linguagem. E a
linguagem é minha e é nossa, nem é totalmente minha nem é vossa, porque é,
sobretudo, um poderoso instrumento de inter-relação humana e quase diria um
processo de elaboração e organização da vida social.
329
Coletâneas de discursos, homilias e pronunciamentos de Dom Avelar Brandão
Vilela foram transformados em publicações pelo Governo do Piauí,
330
Igreja piauiense e
baiana, porém, com circulação restrita, e tom de registro interno. A obra de teor mais
comercial, editada e posta no mercado pela editora Salesiana Dom Bosco, foi o livro A
prece que brota da vida, de 1983, com cinquenta orações dominicais abordando a
situação da Igreja e do cotidiano. Além destes, a Arquidiocese de Salvador chegou a
organizar outro título, com textos do arcebispo, como marca de homenagem pelos
328
NETTO, Medeiros. Nosso cardeal quase não se ordenava padre. Maceió, 1973. Entrevista concedida ao
jornalista Alves Damasceno. Gazeta de Alagoas, Maceió, 8 abr. 1973.
329
Discurso de posse na Academia Piauiense de Letras. Teresina, 17 ago. 1969. Dom Avelar foi o quarto
ocupante da cadeira número 1 da Academia Piauiense de Letras, cujo patrono é José Manuel de Freitas.
Conforme MATOS, Maria Ivone. Vultos da Academia Piauiense de Letras. Cadeira 1. Teresina, 1991. p.
37b.
330
VILELA, Dom Avelar Brandão. A serviço da paz! Coletânea de homilias e discursos. Teresina: COMEPI,
[19--].
146
cinquenta anos de sua ordenação sacerdotal. Após o seu falecimento, o lançamento do
livro foi cancelado, mas editado posteriormente.
331
A citação anterior, extraída do discurso de posse na Academia Piauiense de
Letras, mostra tanto a valorização dos momentos de expressão quanto a identificação dos
discursos com a função de pastor da Igreja Católica.
Ao longo da vida, Dom Avelar Brandão Vilela escreveu de modo intenso, e, ao usar
a palavra, catalisou momentos importantes de seu sacerdócio, e buscou a atenção dos
contemporâneos para as concepções próprias sobre catolicismo, humanidade e
evangelização em mutação conforme a passagem dos anos. O empenho em construir e
articular seus discursos garantiu-lhe a característica de orador sacro desde antes de sua
ordenação sacerdotal, em Sergipe.
A reflexão sobre as relações do autor com os textos
332
e acerca dos escritos em si,
originalmente destinados à expressão oral, ganha importância dentro desta biografia
histórica, pois são vestígios que reenviam ou apontam para o Avelar Brandão Vilela em
momentos diferenciados.
Na medida em que a escrita se excede como recurso para registro de pensamento,
torna-se construto e construção em simultâneo. Está entre os mecanismos de
individualização e distinção sociais. Sendo peça de fabricação da alteridade, é ativada a
cada leitura, guardando um potencial de consulta que possibilita ao próprio autor
racionalizações sobre si e abertura a projeções de mudanças de conduta. São pensadas,
portanto, como ferramentas de captura do religioso em movimento, longe do aspecto de
material acabado e encerrado no tempo passado em um suporte de papel. Percebi
discursos, homilias, pronunciamentos, palestras e sermões, a partir de seu contexto de
produção, repletos de aspectos de mobilidade, contradições, avanços, recuos, fluxos e
influxos característicos da trajetória de vida e da ideia de biografia histórica de Dom
Avelar.
Seguindo o costume, Dom Avelar preparava seus sermões poucas horas antes de
proferi-los, datilografando os manuscritos em uma máquina que o acompanhava desde
Teresina. O sermão de posse no sólio primacial da Bahia chegou a ser preparado na
mesma manhã da celebração, segundo confessou aos jornais. Admitiu que procurava os
locais mais tranquilos para escrever e não gostava de ser interrompido.
331
Dom Avelar Brandão Vilela. Meio século de pregação. Homenagem da Arquidiocese de São Salvador da
Bahia pelo seu jubileu sacerdotal de ouro, 27 out. 1985.
332
Segundo as reflexões de Michel Foucault, ao debruçar-se sobre a relação do texto com o autor, é
possível pensar na maneira como o texto aponta para essa figura que lhe é exterior a anterior. Questiona:
que importa quem fala? FOUCAULT, Michel. O que é um autor. 3. ed.
147
O uso da palavra lhe era caro, pois servia à constituição de uma concepção de sua
passagem pela vida. Conforme chegou a escrever, comunicar é fazer história.
333
O acervo
documental arquivado pela Universidade Católica de Salvador, oriundo dos escritórios do
Palácio Arquiepiscopal do Campo Grande no ano de 2009, dito anteriormente, é marcado
pelo zelo dedicado às palavras registradas em um desejo de posteridade. A divisão
temática dos assuntos em pastas identificadas e adornadas por fotos; o cuidado com a
especificação das datas das matérias publicadas; a organização das cartas datilografadas
e suas originais repletas de revisões feitas à mão, pelo próprio arcebispo, e o cotejamento
de matérias e entrevistas concedidas a jornais ou revistas de procedência nacional e
internacional dão a entender, além do apreço pela palavra, a preocupação com a imagem
que vinha sendo construída no momento, e que ficaria ao dispor das futuras gerações.
Dom Avelar convocava a imprensa para entrevistas coletivas, e preparava as
declarações públicas com antecedência. Outro recurso utilizado era a recepção de
perguntas dos jornalistas, por telefone ou carta, e a redação das respostas em máquina
de datilografar, antes do envio aos meios de comunicação. Reside nestes procedimentos
parte dos motivos que fizeram com que as matérias jornalísticas guardassem elementos
de semelhança e pequena variação de informações, principalmente em ocasiões de
grande interesse midiático, como a sua eleição ao Colégio Cardinalício. Havia na
Arquidiocese de Salvador uma Comissão específica para comunicação, que cuidava dos
contatos com a imprensa, organizava e arquivava as publicações sobre a Igreja Católica
local e seu arcebispo. Era uma forma de compreensão global dos acontecimentos
discutidos na arena pública.
Nos pronunciamentos de posse nas academias literárias do Piauí e da Bahia, sua
relação com as letras e a necessidade de expressão emergiram ao lado da vontade de
explicar a falta de produção literária artística e o atrelamento da sua obra escrita ao
trabalho sacerdotal. Repetidamente, sentiu-se impelido a fazer esta justificativa pública,
defendendo que escrevia para a oralidade, e não vislumbrava possuir trabalhos de valor
artístico. Em 12 de agosto de 1976, em seu discurso de posse na Academia Baiana de
Letras, reconheceu sua identidade literária como de difícil caracterização.
Das centenas de trabalhos que escrevi, 80% são de expressão oral. Não sou nem
me considero homem de letras, em sentido estrito. Minha arte, meu cinzel, minha
pena, meu espírito, meu pincel, minha escala, minha sensibilidade, minha palavra,
tudo o que sou e o que tenho pertence ao patrimônio de minha formação
sacerdotal e às preocupações absorventes de meu apostolado religioso. O que
sou afinal? Sinto-me padre, alguém que foi chamado para o ministério da
paternidade espiritual. Padre de minha igreja, sem, contudo, alimentar
clericalismos ou intolerâncias de proselitismo doentio. Padre por formação e por
333
VILELA, Dom Avelar Brandão. Visita do cardeal primaz do Brasil ao Jornal da Madeira. Jornal da
Madeira, Ilha da Madeira, 15 jun. 1977, ano XLVII, n. 14.321, p. 4.
148
convicção, missionário do amor fraterno, pregoeiro dos valores transcendentais da
vida humana.
334
Foto 16 – Dom Avelar, no Palácio Campo Grande, em Salvador, em maio de 1971.
Fonte: Acervo disponível na Cúria Metropolitana de Salvador
Entre a nomeação para a Academia Piauiense de Letras, em 1969 e a ascensão à
Academia Baiana de Letras, o tempo decorrido foi de sete anos; período em que assumiu
o sólio primacial baiano, o cardinalato, e participou de nodos e encontros internacionais
de bispos latino-americanos. Por viver intensamente a vida pastoral, ambas academias
teriam de recebê-lo como homem de Igreja. Haveria um pastor católico ao lado de
pessoas de letras. E assim permaneceria, mesmo recebendo o título honorífico de imortal.
Sou um padre que no exercício de sua missão compreendeu logo cedo que o uso
da palavra correta era importante para o destino de seu ministério e que, por isso,
tentou valoriza-la, quanto possível, a serviço da mensagem cristã. Sempre vi na
palavra a expressão de um dom de Deus, de um ‘logos’ do pai, existencializado
pelo filho Jesus. Usei a palavra sem radicalismos perigosos e sem a covardia
comprometedora. A palavra, escrita e oral, é presença obrigatória em minha vida,
a estampar as virtudes e defeitos deste comunicador. [...] Não quero entrar em
conflito comigo. Não posso viver o drama de ser dois. Acadêmico eu estou,
sacerdote eu sempre serei. Não creio muito nas minhas letras, na imortalidade das
letras, das minhas letras.
335
Ao apresentar-se como um religioso escritor de textos orais para fins evangélicos,
e negar vocação artística, fugiu da incongruência que as academias trariam à sua vida
religiosa. Tanto assumiu a função de pastor, que, em ocasião de posse, abriu espaço no
discurso para exercer a função de padre. Prestes a ocupar a cadeira de número 18 da
Academia Baiana de Letras, patrocinada por Zacarias de Góes e Vasconcelos, e ocupada
334
VILELA, Dom Avelar Brandão. Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia, 12 ago. 1976.
Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
335
Id. ibid.
149
anteriormente por José Joaquim Seabra,
336
e Augusto Alexandre Machado,
337
pediu
permissão ao auditório para executar a absolvição dos pecados dos dois antecessores e
lançar sobre eles a penitência devida: dali em diante, que os integrantes das novas
gerações familiares se edificassem com as boas obras que os acadêmicos deixaram, e
não repetissem suas fraquezas e vacilações diante do bem. A partir de então, pelo poder
divino conferido a Dom Avelar, José Joaquim Seabra seria considerado um santo no
sentido bíblico do termo, e as sentenças pitorescas que publicara, de sabor moral e social
seriam redimidas por seus derradeiros anos de sofrimento.
Os discursos dos primeiros anos de formação sacerdotal foram criados a partir de
sua colaboração à imprensa católica, na qual trabalhou em Aracaju, em 1930, conforme
mencionado na parte dois desta dissertação. Os textos tratavam do empenho dos papas
em integrar os leigos à igreja, o que se tentou através da implantação da Ação Social
Católica, passando por uma campanha social de regeneração do homem perdido em
meio à modernidade. Falam, ainda de uma crise moral brasileira pelo afastamento da fé e
da necessidade de unir, a qualquer custo, os católicos em torno da hierarquia. A
mentalidade da época era a de que o mundo tornara-se um redemoinho de erros que se
revezam sob o signo do progresso. Neste cenário, a Igreja Católica apontaria o caminho
seguro de sobrevivência, pois, com ela, estariam os ensinamentos imutáveis do mundo, a
verdadeira ciência das coisas eternas.
O teor pedagógico caracterizava os discursos na medida em que, ao se iniciar o
século XX, o desenvolvimento da imprensa, da ciência, e os questionamentos acerca da
origem do homem e dos mistérios de sua mente traduzidos nos estudos como os de
Charles Darwin e Sigmund Freud e no materialismo trouxeram à Igreja o desafio de
sustentar as verdades universais de quase dois mil anos de idade. Nesse contexto, os
pronunciamentos exigiam dos féis a manutenção da imprensa católica, recomendavam a
condenação aos outros credos, alertavam para os riscos do mundo moderno e traziam
determinações papais, com a intenção de proximidade como povo distante
geograficamente da Santa Sé.
Ao escrever como diácono, Avelar Vilela apresentou, em 1930, um caráter
combativo, de recrutamento dos fiéis católicos para uma batalha contra o mundo. O
posicionamento abaixo referia-se ao nazismo e paganismo modernos:
336
Conhecido como J. J. Seabra, foi jurista e governador da Bahia em dois mandatos (1912-1916 e 1920-
1924), ligado à República Velha. Emprendeu obra de reurbanização em Salvador, sendo conhecido pela
oratória, gestos largos e suas controvérsias políticas. Conforme: VILELA, Dom Avelar Brandão. Discurso de
posse na Academia de Letras da Bahia, 12 ago. 1976. Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio
Veiga. Universidade Católica de Salvador.
337
Economista e jurista. VILELA, Dom Avelar Brandão. Discurso de posse..., op. cit.
150
Aproxima-se a hora de os fatos históricos, em sua dialética de fogo, darem ao
mundo a prova esmagadora do quanto é forte e poderosa a noção genuína do
Eterno, do quanto é real e pura a consciência católica, do quanto é irrefutável a
assistência divina da igreja. A igreja é a grande mestra. Vinte séculos não a
envelheceram.
338
No entanto, o diácono quebrava perspectivas uniformes, trazendo leituras de
mundo que oscilavam entre apoio à visão institucional e as suas percepções particulares.
Enquanto era comum à imprensa católica publicar textos baseados na oposição entre
Igreja e modernidade, ciência, conhecimento ou reflexão, Dom Avelar chegou a publicar
que ciência e eram irmãs e filhas do mesmo pai. Inimigo moderno seria o materialismo,
quando este definia o sentimento religioso nos liames de um caso patológico. Por
consequência, a observação da necessidade do homem de desenvolver-se pela ciência e
confortar-se na deveria ser levada em conta como medida cautelar diante da crise
moral que se instalara pela secularização. Os diálogos com os pensadores como
Rousseau foram travados no intuito de nortear os fiéis frente às descobertas científicas
que incomodavam a Igreja Católica.
Também não é rousseauniano... Nem o homem nasce integralmente para o bem,
nem a sociedade necessariamente o corrompe quando virtuoso. Em todas as
fases da vida, inclinações boas e más, inatas e adquiridas, que podem ser
enfraquecidas ou alimentadas, conforme a direção que lhes imprimir e os objetivos
que se lhes apresentarem.
339
Como padre, a relação entre Igreja e Ciência ganhou um patamar diferenciado.
Não era a inteligência a produtora de desavenças entre Deus e as criaturas, entre e a
ciência, entre a Igreja e o século. “É o coração, que dominando e manobrando a cabeça
impõe à inteligência sua vontade, mostrando o caminho que melhor se coaduna com os
desejos imperiosos.”
340
Nestas colocações do início da vida sacerdotal, o sentido de cristandade o levou à
percepção de um homem em luta com mundo moderno, dividido pelos estímulos diversos,
dados com a secularização, marcado pela debilidade do espírito. A humanidade não
sabia viver a fé nem a negava por completo. Ou seja, vivia irresoluta e incapaz de
perseverar. A ciência, se não era completamente oposta à Igreja, não dispunha de
capacidade de compreensão completa do caos atual. Este homem lançado à desordem
precisava da “consistência, fixidez, imobilidade características de quem nasceu com
raízes entranhadas na eternidade, pois o mundo fala das realizações do efêmero. A igreja
338
VILELA, Dom Avelar Brandão. Os de hoje e os de amanhã. A Cruzada, Aracaju, 18 ago. 1935, n. 27, p.
6.
339
Ibid. Ciência e Fé. Jornal O Farol, Petrolina, 21 jan. 1950, ano XXXV, n. 18, p. 4.
340
VILELA, Dom Avelar Brandão. No retomar das posições. A Cruzada, Aracaju, 25 ago. 1935, ano I, n. 28,
p. 3.
151
de cristo fala do eterno”.
341
O perfil de humanidade necessitaria de redenção, purificação
e ensinamentos que o levassem por caminhos seguros. A Igreja Católica, com o seu
poder pedagógico seria a resposta, estando preparada e disposta a esta missão. Caberia
ao homem perdido buscá-la e colocá-la como ponto central de sua vivência. para o
padre Avelar não seria um subjetivismo apaixonado, mas uma escolha consciente,
dotada de sentido.
As concepções da atuação da Igreja no tempo modificaram-se em seus discursos
ao longo dos cinquenta anos de sacerdócio. Foi citada anteriormente a passagem do
Concílio Vaticano II, com a postura de defesa da visão antropocêntrica da fé, colocando o
homem e suas carências materiais no centro das preocupações católicas, e
reconhecendo uma mística cristã carente de mergulho no mundo moderno. A passagem
da II Conferência do Episcopado Latino-Americano, em 1968, em Medellín, também foi
lembrada como momento de reflexão da Igreja sobre si mesma. Ambos eventos afetaram
Dom Avelar, colocando-o como defensor das teses que, de novos caminhos pastorais,
eram necessários para que se atingisse em plenitude o homem num continente em
transformação.
Os discursos s-Concílio e pós-Medellín possuíam tom de otimismo. Apostavam
em uma sociedade capaz de alterar seus comportamentos em prol da justiça social, e na
Igreja capaz de contribuir com mudanças estruturais profundas. Dom Avelar passou a
escrever que à Instituição cabia voltar-se para “o homem, consciente de que para
conhecer Deus era necessário conhecer o homem, [...] ter sensibilidade dos problemas
sociais e mais sensibilidade pelos pobres, sem esquecer os mais ricos que também são
membros da Igreja”.
342
Após 1968, reafirmava com mais veemência a crença em solução
possível para a condição de miséria que atingia os povos da América Latina. Como
continente em fase de desenvolvimento da consciência de sua própria existência,
chegaria o momento de passagem a uma afirmação soberana de seu próprio destino.
Acreditava, portanto, em um desenvolvimento integral e pacífico em um ambiente de
justiça social. Os homens afetados pelo subdesenvolvimento, sendo alvo de uma Igreja
renovada e tradicional ao mesmo tempo, poderiam alcançar o ideal de justiça, progresso
e sobrevivência digna. Seguiu, portanto, o raciocínio de Paulo VI, para quem o termo
desenvolvimento seria o novo nome da paz. Os discursos desta fase de Dom Avelar
trabalharam pelas mudanças estruturais, sem violência, acreditando que na aplicação da
doutrina social católica, das verdades pontifícias e do diálogo, haveria possibilidade de
constituição de um homem respeitado em seus direitos e valores na existência terrena,
341
Ibid. O ideal pedagógico. A Cruzada, Aracaju, 1 nov. 1936, ano II, [s.n.], p. 4.
342
VILELA, Dom Avelar Brandão. Dom Avelar continua a jornada da arquidiocese. Gazeta de Sergipe,
Aracaju, 15 nov. 1971, ano XVI, n. 4.602, [s.n.].
152
conforme desejava a mística cristã defendida. Uma intervenção católica forte seria
fundamental para a obtenção das necessidades de valorização humana, pois as
condições de existência em si próprias eram marcadas pelas oposições. “Nunca houve
tantas riquezas e ao mesmo tempo imensa quantidade de analfabetos e famintos [...] O
sentido de liberdade é imenso, mas surgem novas formas de escravidão social”.
343
Dom
Avelar seguia este raciocínio sobre as contradições do mundo em seu entorno.
Vive-se num mundo de perplexidades, contestações, contrastes, os projetos são
colocados ao alcance de todos [...] Somos um mundo que busca a unidade e
admite o pluralismo, que estimula um tipo de educação personalizante do homem
sujeito da história, que defende as convicções apaixonadas e ao mesmo tempo se
abre ao ecumenismo [...] Não podemos uniformizar os métodos de nossa pastoral.
A velocidade do mundo é tão grande que as situações não esperam nossas
prolongadas reflexões. O difícil é compreender o sentido real do Cristo, no coração
da história dos homens. O cristianismo na prática falhará se não conseguir tocar o
povo e os corações dos homens de modo especial.
344
Analisar a sua escrita ao longo dos anos significa encontrar mudanças na forma
eclesial de perceber a realidade em que deveria atuar. É refletir sobre os julgamentos que
construiu acerca dos rumos que a Santa seguiu; pensar sobre as necessidades do
homem na Igreja particular, o comportamento das demais denominações religiosas e as
questões internas da Igreja brasileira. Estes fatores se aglutinaram, influenciando seus
textos e sendo também afetados pelo peso de sua atuação como arcebispo primaz ou
cardeal. No discurso de posse na Arquidiocese de Salvador, na Bahia, em 30 de maio de
1971, explicitou que uma das preocupações eclesiais são os problemas de
relacionamento interno e externo. O comportamento interno evangélico, ainda estava em
descompasso com a própria consciência da realidade de mundo.
Não é um problema rigorosamente de hoje e pertence a todas as idades, mas se
reveste de aspectos inteiramente novos: a mentalidade científica modela a cultura
e os modos de pensar de uma maneira diferente do passado e o próprio
movimento da história torna-se tão rápido, que os indivíduos dificilmente
conseguem segui-lo. Vivemos situações peculiares, dignas de meditação.
345
E os problemas internos da Igreja passaram a tomar maior visibilidade. Pesquisa
internacional apresentada em 1971 apontou que, de 1939 até o primeiro trimestre de
1969, em média 8.297 sacerdotes católicos abandonaram as ordens; 85% deles citaram o
343
GAUDIM et SPES. In: JUNIOR, Pimentel (Org). A doutrina social da Igreja. Rerum Novarum.
Quadregesimo Anno. Mater et Magistra. São Paulo: Dominus, 1963. p.132.
344
VILELA, Dom Avelar Brandão. Um mundo em contrastes. Texto escrito em 25 ago. 1974. Discurso
proferido na XIV Assembleia Geral do Conselho Episcopal Latino Americano. Revista Vozes, p. 144-145,
jul. 1974.
345
Ibid. Discurso de posse na Arquidiocese Primaz de São Salvador, na Bahia, 30 maio 1971. Constante no
acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
153
celibato obrigatório como causa da decisão. Às portas de um sínodo,
346
o Vaticano se
recusou a estudar o assunto ou pôr em pauta o crescente número de deserções. Colocou
em pauta somente a possibilidade de ordenação de homens casados em situações
especiais, mesmo tendo os motivos da crise eclesiástica em documento de 200 páginas,
compiladas após um estudo de dois anos pelo monsenhor Emílio Calagiovani, sociólogo e
advogado do Vaticano”.
347
No Brasil, a CNBB constatou que 65% do Clero mineiro e
capixaba admitia o casamento dos sacerdotes, de acordo com inquérito realizado sobre
os temas a serem debatidos no sínodo em Roma. Cerca 83% gostariam que existisse um
novo tipo de padre. Em meio à crise, a posição de Dom Avelar foi de suavizá-la nos
diálogos externos, apresentando-a em meio a contextualizações que apelavam para o
tradicionalismo do qual a Igreja não poderia abrir mão sem perder sua identidade. A
questão celibatária estaria neste enquadramento.
Em 1970, havia o entendimento de que um mundo mais aberto, com a
comunicação, deixando de ser privilégio e se voltando para a massa, não mais
comportava o afastamento dos fiéis dos problemas internos. Eles se tornaram mais
públicos, forçando a Igreja à mudança de posicionamento. Dom Avelar passou a perceber
sua Igreja como excessivamente empenhada em encontrar para si uma ordem temporal
mais perfeita, deixando para trás o progresso espiritual dos fiéis. Foi quando admitiu
publicamente, pela primeira vez, uma crise real e profunda na hierarquia.
Em intervenção realizada em março de 1986, em Roma, no encontro com o papa
João Paulo II, colocou sua posição sobre a integração, subordinação ou
reposicionamento da Igreja diante do objetivo da promoção social humana, legitimado em
1960 com o Concílio Vaticano II. O pronunciamento chegou a ser repetido no mês
seguinte, na XXIV Conferência Nacional da CNBB, em Itaici, São Paulo. Dom Avelar
admitiu-se incomodado com o desvirtuamento das decisões de Medellín e do Concílio,
revelando uma face mais conservadora que moderada. Apesar de longa, a sua citação
ajuda a compreender a defesa do retorno ao cristianismo, que não deixa de significar o
reposicionamento diante da sua própria história e a autopermissão para mudar condutas
de apostolado, a partir de avaliações do contexto histórico. Embora não admitisse,
permitia-se uma mudança de opinião, e por isso foi considerado incoerente com seus
últimos quinze anos de atuação.
A meu ver, a igreja nem es num otimismo vitorioso nem no oposto, vive um
processo de renovação permanente. Ao meu ver a nossa evangelização deve ser
mais bíblica, cristocêntrica e eclesiológica do que antropológica. Embora
aceitando plenamente a dimensão antropológica da fé, devemos dar ênfase a um
esforço apostólico e missionário mais sistemático e coordenado, com a adoção de
um catecismo básico. o seria preciso renunciar as posições de defesa dos
346
Por que os padres não podem casar? O Jornal, Rio de Janeiro, 5 nov. 1971, [s.n].
347
VILELA, op. cit., Revista Vozes, p. 144-145, jul. 1974.
154
direitos humanos, assumidos pela igreja no Brasil. O problema não se resolve
fazendo recuar a igreja em plano meramente religioso. Trata-se de um problema
de integração e dosagem. Não se pode dar 80% do nosso tempo e preocupações
para assuntos sociopolíticos e 20% para os temas religiosos. Urge definir uma
identidade sem vacilações para que os católicos não se sintam desorientados. A
maioria católica do Brasil esameaçada. Todos os dias estamos perdendo fiéis.
As outras denominações são melhor organizadas que nós, mais unidos e mais
revestidos do espírito missionário, a seu modo. Temos perdido muito tempo em
questões internas e polêmicas desnecessárias e os outros estão se aproveitando
disso para o desenvolvimento de seu trabalho. Eles têm um número muito maior
de agentes ativos do que nós, por exemplo. É possível a sugestão de modificar o
conjunto geral de ão pastoral da CNBB sem prejuízo da substância? São
possíveis campanhas mais dirigidas e questionamentos com mais textos litúrgicos
no sentido de uma formação cristã mais explicita?
348
Recuos, reavaliações e reconhecimento das fragilidades pessoais no exercício
religioso, não identificadas por ele como oposição à autodeclarada moderação, o
registros que remetem ao autor e seus dilemas existenciais. Em A prece que brota da
vida¸ ao falar sobre o papel da Igreja na reorganização da sociedade vigente em 1983,
chegou a entender o contexto político como uma página do Gênesis para todos os
brasileiros, um começo que eleva as expectativas quanto ao futuro, e amedronta o
homem, aflorando suas limitações. Os líderes da Igreja, como ele, estariam vivenciando,
amedrontados, este contexto de crises existenciais para conservar a hierarquia como
depósitos de e acompanhar as opções de vida, a evolução das ideias, “dos sistemas e
o comportamento social e político das pessoas, dos partidos, das associações e dos
organismos intermediários que se colocam entre o poder constituído e as grandes
massas”.
349
Ser líder religioso era uma missão que o remetia à fragilidade, ao não saber
como agir diante do futuro.
A escrita supracitada exemplifica o tom dado ao livro. Nos últimos sete anos de
vida, o otimismo quanto à possibilidade de progresso social e desenvolvimento humano
igualitário mantinha-se como o ideal de uma Igreja em marcha, ainda era o objetivo a ser
alcançado. Porém, com a mesma ênfase, surgia a Eclésia perdida em si, abatida com a
somatória das fragilidades do seu braço humano, tanto fiéis quanto líderes religiosos.
As fraquezas físicas estão nas reflexões. Em texto de 1979, ressentiu-se dos
problemas de saúde que se revelariam quatro anos depois, em 1983, como o primeiro
tumor a ser extirpado. “Vivi com intensidade problemas inesperados sob o crivo de muitas
incompreensões. Um dos anos mais incômodos, humanamente falando, de minha
348
VILELA, Dom Avelar. Intervenção no encontro em Roma com o papa, a CNBB e membros da cúria. 13 a
15 mar. 1986. Registrado na 24ª. Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Itaici-SP.
9 a 18 abr. 1986. Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de
Salvador.
349
Ibid. A Igreja e a reorganização da sociedade. A Prece que brota da vida. São Paulo: Salesiano Dom
Bosco, 1983. p.14.
155
vida!”.
350
Este texto em específico tratava do aniversário de seus 44 anos de ordenação,
avaliando o passado nas cidades em que trabalhou e projetando expectativas para as
cerimônias de bodas sacerdotais que aconteceriam em 1985.
Nos seus cinquenta e um anos de vida religiosa, desafios de atualização ou
adaptação aos contextos históricos foram constantes para Dom Avelar, como foram para
a Igreja Católica. Neste aspecto, há identidade entre homem e instituição.
Os textos mostram esforço de inserção e distinção pessoal. As lutas pelas
definições de si, as elaborações cuidadosas de suas falas e a vigilância em torno dos
suportes de divulgação e do público que iria recebê-las. As memórias de seus
contemporâneos de Seminários ou de seus familiares apontam tensões que deram
movimento ao homem Avelar Brandão Vilela; foram, em simultâneo, usina para as
marcações de sua individualidade ou singularidade, estratégias de sobrevivência ou
defesa frente ao outro, e produto dos momentos nos quais, na escrita, punha em marcha
sua própria história.
No início da década de 1980, Dom Avelar Brandão Vilela passou a sofrer
problemas de saúde que impediram o cumprimento normal de sua agenda religiosa. Em
28 de outubro deste ano, pela primeira vez, não assistiu à missa celebrada na Catedral
Basílica de Salvador, em homenagem aos seus 45 anos de ordenação sacerdotal, e 34
anos de sagração episcopal. O bispo coadjutor, Dom João de Sousa Lima, presidiu a
cerimônia que contou com mais trinta concelebrantes, e havia sido agendada como
grande momento da vida do arcebispo. Dom Avelar, acometido de forte gripe, seguia
repousando no Centro de Treinamento de Líderes de Itapoã, sob recomendações
médicas.
Ao longo dos anos, o seu modo de lidar com as debilidades físicas foi modificado.
Dom Avelar passou a autorizar o conhecimento público de seus problemas de saúde,
através da divulgação à imprensa dos motivos de seus afastamentos, ao contrário do que
ocorreu nos primeiros anos de seu apostolado em Teresina. Esta atitude refletiu as
formas diferenciadas de participação popular na vida de personagens públicos, cujas
agruras e conquistas fatores que os humanizam e os tornam figuras sacralizadas mais
próximas dos dramas cotidianos passaram a ser objeto de maior interesse da imprensa
e seu público. Apontou ainda uma forma de pensar sobre si a partir daquilo que o
fragilizava, o aproximava do fim da existência terrena, e o estimulava a rever a trajetória
que construiu ao longo dos anos. A realidade biológica, com suas limitações e angústias,
350
VILELA, Dom Avelar Brandão. Quase meio culo de sacerdócio. A Prece que brota da vida. São
Paulo: Salesiano Dom Bosco, 1983. p.19.
156
ganhou corpo ao lado da realidade espiritual que havia posto na centralidade durante toda
a vida.
Viver é também caminhar para a morte, e a morte é sublime instrumento de
caracterização dos legítimos valores do viver. Quero imaginar-me também um
imortal dentro do tempo que passa, eu que sempre falei dos valores eternos.
351
O seu ritmo de trabalho seguia com vistas às comemorações do jubileu de ouro de
ordenação sacerdotal, em 1985,
352
e planejamento do afastamento das funções religiosas
por imposição das normas católicas. De fato, no início de 1984, divulgou à imprensa um
plano de aposentadoria, que, mesmo sem fazer alusão direta ao tumor no intestino,
retirado em novembro de 1983, em Salvador, rememorava o período afastado dos
trabalhos da Arquidiocese, quando, por um mês e meio, buscou repouso e cura em
viagens por Campos do Jordão, no Rio de Janeiro, Poços de Caldas e Guaxupé, em
Minas Gerais e Campinas, em São Paulo.
O aparecimento do tumor em 1983
353
e a sua publicação nos jornais, por iniciativa
do próprio bispo, foi o marco mais visível da nova postura em relação a si mesmo. A
imprensa foi utilizada como mecanismo de comunicação com os fiéis e clérigos de
Salvador quando precisou se ausentar. A descoberta do retorno da doença, em 1986,
reforçou esta forma particular de se posicionar.
354
Após receber na Bahia o diagnóstico de câncer e a recomendação de tratamento
em São Paulo, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, convocou os jornais e
comunicou o conteúdo do boletim médico. Daí em diante, a imprensa acompanhou cada
passo de sua busca pela cura. A partida para São Paulo, no dia primeiro de outubro, em
jatinho cedido pela Força Aérea Brasileira, foi publicada com intensidade à semelhança
das coberturas que marcavam sua posse nos lios anteriores.
355
A Igreja baiana ficou a
cargo dos monsenhores Gaspar Sadock, José Gilberto Luna, Manoel Pithon e do bispo
auxiliar Dom Tomas Guilherme Murphy, e não mais voltaria a ser comandada pelo
arcebispo. Receberia informações apenas pelas mensagens publicadas semanalmente,
351
Discurso de posse na Academia Piauiense de Letras. Teresina, 17 ago. 1969. DANTAS, Deoclécio. Dom
Avelar Brandão Vilela, uma vida a serviço da paz. Teresina: Gráfica do Povo, 2006. p. 54.
352
Em 1985, em Salvador, aconteceram grandes solenidades pela passagem dos cinquenta anos de
ordenação sacerdotal, contendo missa em ação de graças no dia 27 out. às 17 horas, no estádio Otávio
Mangabeira (Fonte Nova). Foi criado um hino especialmente para a comemoração do jubileu sacerdotal de
ouro.
353
Dom Avelar pensa o mistério da vida após ser operado. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 nov. 1983,
Caderno, p. 4.
354
Os médicos Silvano Raia e Dalton F. Chamone do Instituto do Coração, em São Paulo, assinaram, no
dia 8 out. 1986, a carta com a conformação de existência de um tumor no estômago (adenocarcinoma em
células do corpo do estômago com metástase comprovada) e recomendação de tratamento à base de
quimioterapia, confirmando o laudo de exame feito ainda em Salvador pelos médicos Heonir Rocha,
Fernando Didier e Helito Mascarenhas. O documento tinha data prevista para divulgação no dia seguinte e
por isso continha no cabeçalho a data de 9 out. 1986.
355
Até a volta, Dom Avelar! Tribuna da Bahia, Salvador, 2 out. 1986, p. 9.
157
no Boletim Arquidiocesano, contendo orientações gerais aos fiéis para a participação nos
eventos religiosos.
356
Internado, Dom Avelar continuou a escrever intensamente. Redigiu do apartamento
no Instituto do Coração versos de natureza mais íntima e menos clerical, tematizando-a
sobre a natureza que envolvia o Engenho Mata Verde e um poema sobre sua doença.
357
Manteve o quanto pôde a rotina sacerdotal, celebrando diariamente uma missa no próprio
apartamento em companhia do padre Antônio Thadeu. À imprensa comunicou que
providenciou sua confissão e programou a recepção da unção dos enfermos por entendê-
la como auxílio para a alma e o corpo, e não pela certeza da morte. Divulgou estar
tranquilo diante das adversidades.
Em oito de outubro de 1986, ao receber a confirmação sobre a malignidade do
tumor, escreveu uma carta introdutória, anexou o laudo médico e o poema que fez sobre
o próprio estômago, e enviou cópias aos principais jornais brasileiros, revelando a
necessidade de submeter-se à quimioterapia. “Aos amigos comunicadores, se puderem,
transmitam ao povo brasileiro esta página de fé, de humildade e de confiança”.
358
Figura 17 Dom Avelar partindo de Salvador com destino a São Paulo, onde
realizaria tratamento no Instituto do Coração, em1986.
Fonte: Acervo disponível na Cúria Metropolitana de Salvador
356
Dom Avelar publicou no boletim poemas em tom de retrospectiva da sua vida em todas as cidades
vividas. Conforme, VILELA, Dom Avelar Brandão. 40 anos. Poema. Boletim Arquidiocesano. Salvador, ano
VII, n. 16, p. 2, 29 out. 1986. Fez ainda versos a amigos seus que o visitaram no Instituto do Coração, em
São Paulo.
357
VILELA, Avelar Brandão. Meu irmão estômago. Poema. Compõe acervo de documentação pessoal, 8
out. 1986, do Instituto do Coração. Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga. Universidade
Católica de Salvador. Ao final da cópia manuscrita acrescentou: “Não sou poeta. Quis apenas, sem maiores
preocupações de rima e ritmo, exprimir sentimentos íntimos que mantenho com os órgãos doentes e com a
própria doença”.
358
VILELA, Avelar Brandão. Introdução ao Relatório da equipe médica. São Paulo. Instituto do Coração, 8
out. 1985.
158
Dom Avelar passou quarenta e sete dias em São Paulo sob tratamento. No dia 17
de dezembro, a seu pedido, foi transferido para Salvador, ficando internado no quarto 506
do Hospital Português, em companhia da irmã Giselda Marinho Vilela e da sobrinha Isabel
Vilela. Lá permaneceu até o falecimento às 23h55 do dia 19 de dezembro de 1986.
As cidades nas quais viveu sua experiência religiosa foram lembradas no
testamento escrito à o, em 14 de maio de 1985, quando desconfiou da gravidade da
doença. O texto foi assinado apenas um dia antes de sua morte, quando, em Salvador,
solicitou aos seus auxiliares que datilografassem as cinco folhas do testamento. Folheto
distribuído na missa de trigésimo dia de falecimento do arcebispo, realizada na Catedral
Basílica de Salvador, traz trechos das últimas vontades de Dom Avelar. Apesar de longa,
a citação é válida, por explicar por resumir a paixão pelas cidades, pela escrita e a
identificação com o papel de bispo da Igreja Católica.
Não sei quando, mas é certo que, desta doença ou de outra, morrerei. A morte é
irmã da vida. É ressurreição. É transfiguração. Quero ter direito a todos os favores
que a Igreja confere a seus filhos, na hora da morte. Quanto ao meu
sepultamento, que se faça conforme a Liturgia da Santa Igreja. Perdoo a todos os
que me ofenderam. Peço perdão a quem porventura tenha ofendido. Meu caixão
seja do tipo comum. Digno, mas simples. Gosto muito de flores e de crianças. Não
desejo desperdício, absolutamente, mas desejo que as flores estejam presentes,
nos momentos da partida. Deixo para as crianças um abraço amigo e um beijo de
ternura. Que elas rezem por mim. Quanto ao local de meu sepultamento, não
estabeleço exigências, a não ser que Salvador receba meu corpo e que se
cumpram as normas a respeito. Viçosa, a minha terra natal, querida, sob todos os
títulos. Aracaju é a terra onde me ordenei padre e me consagrei bispo. Petrolina
foi o primeiro campo de meu apostolado episcopal. Quantas recordações!
Teresina, a minha primeira arquidiocese muito amada. Salvador, a síntese de
todas as terras que pisei. A primacial do Brasil. Aqui, deverei ser sepultado.
Despeço-me de todas as categorias sociais e culturais de Viçosa, Aracaju,
Petrolina, Teresina e Salvador, sem distinção de classes, nem cor, nem credo
político ou religioso. Declaro-me um homem feliz, porque consegui identificar-me
com a minha vocação, apesar das minhas falhas. Jamais imaginei chegar a
Cardeal Arcebispo Primaz do Brasil. Não fiz nenhum curso para além daqueles
que o exigidos pela Igreja para a ordenação sacerdotal. O que pude acumular
de conhecimentos foi fruto da vontade férrea de servir à Igreja e ao Cristo. Mesmo
assim, a Providência Divina quis usar o seu servo para grandes coisas. Deixo para
todos a PAZ que sempre procurei transmitir e a BENÇÃO que sempre procurei
dar, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo! Amém!
359
O corpo de Dom Avelar foi enterrado dia 21 de dezembro de 1986, sob
comoção.
360
Compareceram às cerimônias fúnebres o presidente José Sarney,
deputados, senadores e caravanas de fiéis das cidades nas quais trabalhou. Conforme
359
VILELA, Avelar Brandão. Trecho das últimas vontades publicadas em 18 dez. 1986. Lembrança da
Missa de 30° dia de falecimento de Dom Avelar Brandão Vilela. Salvador, 19 jan. 1987, [s.n.].
360
Muita emoção no adeus a Dom Avelar. Correio da Bahia, Salvador, 22 dez. 1986, [s.n.].
159
seu pedido, permanece na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus, Bairro do
Pelourinho. O padre Gilberto Luna, ao tentar resumir o sentimento coletivo, produziu um
poema que vai ao encontro do desejo do bispo de pertencer a todos os tempos, nas
articulações pessoais e nas palavras que deixou registradas:
Tuas palavras [...] de tal modo nos marcaram
que ficaram presas a cada um de nós
Como rio ao leito,
o sorriso ao lábio,
o sangue à veia,
o pranto à dor [...]
E quando da ressurreição a luz brilhar
Seremos reconhecidos
Como irmãos amigos, fiéis a velar.
361
361
LUNA, Pe. José Gilberto de. Lembrando o pastor. Poema dedicado a Dom Avelar no 30° dia de sua
morte. Salvador, 19 jan. 1987.
160
5 A USINA E A FALTA DO FIM
Não biografia histórica que contemple, por inteiro, a trajetória de uma vida.
Impossível dar cabo de todas as faces do existir de Avelar Brandão Vilela ou de qualquer
outra pessoa; por conseguinte, nesta pesquisa, a falta do fim e pistas para outras
investigações.
Parte dos vestígios deixados sobre esta personagem tem a marca de sua
intencionalidade, pela consciência do peso dos cargos religiosos nos contextos vividos.
Isto lhe confere uma singularidade a ser observada pelos estudiosos: se existem
documentos construídos à sua revelia, calcados na impossibilidade de controle total sobre
a produção em torno de si, muito de sua condução pessoal na edição, controle e
arquivamento dos vestígios compilados. Há um construto autoral presente, que não chega
a invalidar os trabalhos científicos - tanto quanto o faria qualquer outra documentação
construída pela mão humana - contudo, exige sensibilidade histórica para com a crítica
dos documentos. O personagem monumentalizou o quanto pôde sua imagem, exigindo
esta atenção especial; mas o diálogo e a reflexão a partir destes documentos não perdem
sua validez, pois o propósito da pesquisa histórica completa-se na riqueza de olhares e
na diversidade de significados que um mesmo corpus documental pode gerar. Apesar da
preocupação pessoal com o material que deixaria para contar sua história, Dom Avelar
não foi capaz de minar todos os espaços de manobra de quem o desejasse analisar.
A reflexão desta pesquisa o percebeu construindo a existência na sensibilidade aos
contextos sociohistóricos e na tensão constante em prol de uma postura que dialogasse
com esses contextos.
Comunicar é fazer história, segundo seu pensamento. Pelo apreço à palavra,
sensibilidade às armadilhas e potencialidades da linguagem, estabeleceu o campo do
equilíbrio e moderação como o próprio de sua imagem e da sua igreja. Ao menos
161
publicamente, agiu segundo o princípio de que sua história comunicada seria também
parte da história comunicada sobre a Igreja Católica.
A oratória não era dom, mas sim trabalho, fundamentado nas relações com o outro,
forjada nas práticas de seminário e situações específicas dos apostolados mediante a
percepção das mudanças necessárias ou desejadas pela Igreja Católica. Pelos discursos,
estabeleceu aproximação com os fiéis, articulou eventos religiosos nas cidades,
geradores de ltiplos sentidos: do orgulho local pela demonstração de à vivacidade
católica diante do crescimento de outros credos.
Em seus apostolados, os fiéis eram carentes do ponto de vista econômico e
afetivo, na medida em que careciam de palavras de otimismo e direcionamento em prol
de mudanças sociais significativas. Nesta lacuna, Avelar Vilela trabalhou, planejando
grandes eventos religiosos e ações fora do campo eclesial, obtendo igual legitimidade
social para ambos. Articulou temporalidades, conhecendo o ritmo histórico e
socioeconômico, inerente às cidades nas quais trabalhou, propondo formas de conexão
entre estas e outras temporalidades conhecidas ao percorrer estados e países na função
de representante da Igreja.
Conseguiu a empatia suficiente para defender uma naturalidade híbrida e múltipla,
dizendo-se alagoano, sergipano, pernambucano, piauiense e baiano, com mostras de que
os povos desses locais também o percebiam como nativo. Foi apaixonado e despertou
paixões nos habitantes destas cidades, ponto que chamou minha atenção como
pesquisadora, logo nos primeiros contatos mais aprofundados com a sua figura.
Avelar Vilela não trabalhou sozinho, tampouco foi extemporâneo ou homem à
frente de seu tempo. Foi personagem ciente de sua época, e a considerava ligada ao que
era passado e ao que seria futuro. Guiou-se pela ciência de sua capacidade de
mobilização, estimulando e obtendo o engajamento de poderes públicos e sociedade civil,
católicos ou não, nas atividades de aprendizagem ou sindicalismo rural, construção de
centros sociais, atividades religiosas, fundação de faculdades e intermediações de
conflitos.
Uma quantidade crescente de adjetivos continuará a ser utilizada para etiquetá-lo
como o arcebispo da paz, político, assistente social, padrinhos dos pobres, grande orador
sacro, entre outros, sem que seja objetivo desta pesquisa apontar quais o os
qualificadores mais corretos. As etiquetas importam menos que as relações que as
geraram.
Avelar Brandão Vilela, quando pensado como personagem histórico, marcado de
conflitos, tensões, consensos num conjunto das ações de intervenção social, práticas,
escritos e obras, permanece como uma usina de novos questionamentos históricos, nos
162
quais pode ser o pretexto para estudo de conjunturas mais amplas ou tornar-se objeto de
novas biografias.
A partir de sua trajetória de vida, a intervenção da Igreja Romana nas igrejas
particulares ou práticas católicas populares, entendidas aqui como ritos que o povo,
distante da hierarquia eclesial arranjou para vivenciar sua fé, e que foram alvos da
atenção hierárquica no sentido de corrigi-las e levá-las de volta à essência católica. Existe
ainda um contributo de Avelar Brandão Vilela à educação, principalmente nos Estados de
Pernambuco e Piauí, que renderiam novas investigações por significarem arranjos
católicos, ora mais ora menos apartados dos poderes públicos, para o oferecimento de
Ensino Fundamental e Superior. De igual potencial investigativo são as experiências de
construção e funcionamento de centros sociais pioneiros em serviços de assistência
médica, odontológica e nutricional, chegando à população periférica a atenção social que
os poderes públicos, sozinhos, não tinham conseguido articular. Sua trajetória
internacional junto ao CELAM e ao Vaticano constitui, ainda, outra janela para futuros
estudos.
Imersa na missão de me inventar historiadora, mantenho-me convencida de que
construir biografia histórica não é seguir linha de vida coerente, com origem e final
determinados. É dar abertura para que a vida possa ser vista inclusive por outras
simbologias, que não sejam uma linha, um curso, um caminho e possam se aproximar da
ideia de conflito, alternância, luta, tensões e harmonizações em que o outro é uma
referência em vista.
Ao analisar vestígios deixados em forma de silêncio e memória, informação,
intenções, e subjetividades que os documentos não alcançam, de se manter o espaço
para a humildade e reconhecimento das limitações dos esforços de pesquisa. Existe, na
minha narrativa, a falta do fim no ponto em que encontrei em Dom Avelar uma espécie de
usina para novas propostas de estudo. Por questões burocráticas, foi encerrada, mas não
pertence à origem nem ao ponto de chegada da vida de Avelar Brandão Vilela, nem
poderia. História não é início ou fim, mas aquilo que se movimenta dentro dos interesses
humanos e sobre os quais é sempre possível refletir e aprender.
163
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A Tarde
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paginado.
CARDEAL pede apoio e ajuda para o Maciel. A Tarde, Salvador, 29 maio 1984. Não
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DOM AVELAR vê no cardinalato maiores responsabilidades. A Tarde, Salvador, 3 fev.
1973. Não paginado.
VILELA, Dom Avelar Brandão. Coluna Destaque. A Tarde, Salvador, 6 fev. 1973. Não
paginado.
168
Correio da Bahia
SITUAÇÃO dos invasores da Teotônio Vilela é crítica. Correio da Bahia, Salvador, 12
set. 1984, p. 1.
MUITA emoção no adeus a Dom Avelar. Correio da Bahia, Salvador, 22 dez. 1986. Não
paginado.
Diário de Notícias
NÃO ME agrada ser instrumentalizado nem pela direita, nem pela esquerda. Diário de
Notícias, Salvador, 22 e 23 abr. 1973, p. 2, Caderno 2, p. 7.
Diário de Pernambuco
FREYRE, Gilberto. Meu caro arcebispo carismático. Diário de Pernambuco. Recife, 2
out. 1986, p. 5.
Folha da Manhã
A. PACHECO. Coluna da cidade. Folha da Manhã, Teresina, 23 jan. 1958, n. 94, p. 2.
Gazeta de Alagoas
DAMASCENO, Alves. Nosso cardeal quase não se ordenava padre. Gazeta de Alagoas,
Maceió, 8 abr. 1973. Não paginado.
Gazeta de Sergipe
DOM AVELAR continua a jornada da arquidiocese. Gazeta de Sergipe, Aracaju, 15 nov.
1971, ano XVI, n. 4.602. Não paginado
Jornal da Bahia
DOM AVELAR luta pelas clínicas. Jornal da Bahia, Salvador, 14 jun. 1984, p. 1.
UM BISPO da Igreja Viva. Jornal da Bahia, Salvador, 1 jun. 1971, ano XIII, n. 3.678, p. 3.
Jornal de Brasília
ESPECIAL Dom Avelar. Um prazo para entregar o poder aos civis. Jornal de Brasília,
Brasília, 10 abr. 1977, p. 16.
169
Jornal do Brasil
DOM AVELAR pensa o mistério da vida após ser operado. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 7 nov. 1983, 1° Caderno, p. 4.
Jornal O Dia
A LIÇÃO de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 24 out. 1957, ano VII, n. 505, p. 1.
ASSEMBLEIA Legislativa aprovou voto de congratulações com o arcebispo. O Dia,
Teresina, 15 jan. 1966, ano XV, n. 1740, p. 4.
A TUBERCULOSE EM TERESINA. O Dia, Teresina, 5 dez. 1957, n. 511, p. 2.
BARROMEU, Carlos. Maio em Flor. O Dia. Teresina, Edição do dia 10 de maio de 1956.
n. 354. p. 02.
CALAMIDADES. O Dia, Teresina, 3 abr. 1960, n. 760, p. 2.
CARA OU COROA. Teresina, O Dia, 5 maio 1956, n. 396, p. 3.
CARAVANA operária vai a posse de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 30 maio 1971, n.
3.221, p. 4.
CARVALHO, O. G. Rego de. Ensino Primário. O Dia, Teresina, 11 ago. 1957, ano VII, n.
484, p. 2.
______. ABC da Filosofia. O Dia, Teresina, 14 jul. 1957, ano VII, n. 476, p. 3.
______. Deus e os Homens. O Dia, Teresina, 13 out. 1957, ano VII, n. 503, p. 1.
DOM AVELAR entrega a cidade. O Dia, Teresina, 29 maio 1971, n. 3.322, p.1.
DOM AVELAR deixou Teresina chorando. O Dia, Teresina, 30 maio 1971, n. 3.223, p. 1-
5.
EM TERESINA, desde ontem, o novo chefe da Arquidiocese. O Dia, Teresina, 6 maio
1956, n. 353, p. 1.
FALTA de higiene nos bares. O Dia. Teresina, 1 jan. 1959, n. 629, p. 1.
MENDES, Simplício de Sousa. D. Avelar. Coluna Televisão. O Dia, Teresina, 15 jan.
1966, ano XV, n. 1740, p. 3-4, ano XV.
NOSSO Aniversário. O Dia, 2 fev. 1956, p. 1.
OBRIGADO Dom Avelar. O Dia, Teresina, 5 maio 1971, n. 3.282, p. 3.
O DIA. Teresina, 2 fev. 1956, n. 326, p. 1.
O DIA. Teresina, 22 ago. 1957, n. 487, p. 3.
O DIA. Teresina, 31 ago. 1968, ano XVIII, n. 2520, p. 1.
O PAPEL de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 16 ago. 1956, p. 2-3.
170
PELA Saúde do povo. O Dia, Teresina, 23 out. 1955, n. 30, p. 2.
PIAUÍ chora na despedida de Dom Avelar Brandão Vilela. O Dia, Teresina, 5 maio 1971,
n. 3.282, p. 1.
PLANO de Ação de Dom Avelar. O Dia, Teresina, 16 ago. 1956, p. 1-4.
ROLLO, Orlando C. Ocorrência lamentável. O Dia, Teresina, 11 jul. 1957, n. 475. p. 2.
SILVA, Alberto Tavares. 15 anos de Santo apostolado. O Dia, Teresina, 5 maio 1971, n.
3.282. p. 1, 3 Caderno.
TITO FILHO, Arimateia. O Dia, Teresina, 14 abr. 1960, n. 763, p. 1.
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, 15 jan. 1956, n. 322, p. 2.
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, 29 mar. 1956, n. 342, p. 6.
TÓPICOS e notícias. O Dia, Teresina, 6 maio 1956. n. 353, p. 1.
TIRA GOSTO. O Dia, Teresina, 2 fev. 1956, n. 326, p. 3.
Jornal da Madeira
VISITA do cardeal primaz do Brasil ao Jornal da Madeira. Jornal da Madeira, Ilha da
Madeira, 15 jun. 1977, ano XLVII, n. 14.321, p. 4.
Jornal do Piauí
A CIDADE. Jornal do Piauí. Teresina, 29 ago. 1957, n. 527, p. 3.
A RECEPÇÃO a Dom Avelar. Jornal do Piauí, Teresina, 10 maio 1956, n. 398, p. 1.
BEZERRA, Vitalino de Alencar. Revendo Teresina. Jornal do Piauí, Teresina, 13 mar.
1958, n. 580, p. 3.
CAVALCANTE, Godofredo Soares. Caminhando pela cidade. Jornal do Piauí, Teresina,
10 maio 1956, n. 398. p. 4.
LUZ. Jornal do Piauí, Teresina, 14 nov. 1957, n. 547, p. 3.
NOTAS E POLÍTICA. Jornal do Piauí, Teresina, 1 jan. 1956, n. 376, p. 12.
O SENTIDO DE UMA HOMENAGEM. Jornal do Piauí, Teresina, 10 maio 1956, n. 398, p.
1.
O TESTAMENTO DE D. SEVERINO. Jornal do Piauí, Teresina, 5 jun. 1955, n. 343, p. 3.
REGRESSA AO PIAUÍ O BISPO DE TERESINA. Jornal do Piauí, Teresina, 28 jul. 1956,
p. 1.
SANTANA, R. N. Monteiro de. Necessidade de desenvolvimento econômico para o Piauí.
Jornal do Piauí, Teresina, 12 dez. 1957.
171
O Farol
Recepção do Exmo. Sr. Dom Avelar Brandão Vilela. O Farol, Petrolina, 7 dez. 1946, ano
XXXII, n. 11, p. 1.
SAUDAÇÕES a Dom Avelar Vilela. O Farol, Petrolina, 11 maio 1957, ano 42, n. 20, p. 1.
A CIDADE recebe hoje, sob intensa vibração cívico-religiosa, o seu terceiro bispo, S.
Excia. Revma. Dom Avelar Brandão Vilela. O Farol, Petrolina, 14 dez. 1948, ano XXXII, n.
12, Capa.
VILELA, Dom Avelar Brandão. Ciência e Fé. O Farol, Petrolina, 21 jan. 1950, ano XXXV,
n. 18, p. 4.
O Dominical
AVISO ao Revmo. clero e aos fiéis. O Dominical, Teresina, 16 fev. 1964, n.7/64, p. 1.
CERIMONIAL Litúrgico de posse do novo arcebispo. Cortejo para a catedral. O
Dominical, Teresina, 5 maio 1956, n.19/56, p. 8.
DOM AVELAR e seu plano de Ação. O Dominical, Teresina, 26 fev. 1956, n. 6/56, p. 1.
DOM SEVERINO Vieira de Melo. Post Mortem. O Dominical, Teresina, 26 jun. 1955, n.
26/55, p. 3.
DOM AVELAR, arcebispo de Teresina. O Dominical, Teresina, 27 nov. 1955, n.48/55, p.
3.
HOMENAGEM a Dom Avelar. O Dominical, Teresina, 5 maio 1955, n.19/56, p. 3.
NETTO, Medeiros. Menino de Viçosa. O Dominical, Teresina, 10 jan. 1965, n. 2/65, p. 5.
O CONGRESSO em Marcha. O Dominical, Teresina, 4 set. 1960, ano XXIV, n. 36/60 p.
1.
P. L. S. Constatações. O Dominical, Teresina, 16 jun. 1955, n. 25/55, p. 1.
PROGRAMA de Recepção e Posse do novo arcebispo Dom Avelar B. Vilela. O
Dominical, Teresina, 29 abr. 1956, n. 18/56, p. 1-4.
O Jornal
POR QUE os padres não podem casar? O Jornal. Rio de Janeiro, 5 nov. 1971. Não
paginado.
Revista Caravana
CHAVES, Monsenhor Joaquim. Dom Avelar Brandão Vilela. Revista Caravana. Especial
1º Congresso Eucarístico de Teresina. Rio de Janeiro, ano XIV, jan. 1961. Não paginado.
PAULA, Alves de. Teresina: Primeiro Congresso Eucarístico. Editorial. Revista Caravana.
Especial 1º Congresso Eucarístico de Teresina, Rio de Janeiro, ano XIV, p. 3, jan. 1961.
172
Revista Econômica Piauiense
VILELA, Dom Avelar Brandão. Carta à direção. Revista Econômica Piauiense, Teresina,
n. 1, vol. 1, p. 5, jan./mar. 1957.
Revista Isto É
VILELA, Dom Avelar Brandão. São Paulo, 1982. Não sou oposição, sou pastor. Entrevista
concedida à Revista Isto É, São Paulo, n. 287, p. 93, 23 jun. 1982.
Revista Paróquia de Fátima
BATISTA, Pe. Tony. Revista Paróquia de Fátima: sua história, sua gente, Teresina, p.
26, 2003.
PIRES, Padre Isidoro. Revista Paróquia de Fátima: sua história, sua gente, Teresina, p.
24, 2003.
Revista Veja
O renovador e o diplomata. São Paulo, 1973. Revista Veja, São Paulo, n. 231, p. 48, 7
fev. 1973.
A IGREJA e a reabertura. São Paulo, 1977. Entrevista concedida por Dom Avelar
Brandão Vilela à Revista Veja, São Paulo, 2 nov. 1977, p. 3.
Tribuna da Bahia
O PRIMEIRO dia de Dom Avelar como arcebispo. Tribuna da Bahia, Salvador, 1 jun.
1971. Não paginado.
ATÉ A VOLTA, Dom Avelar! Tribuna da Bahia, Salvador, 2 out. 1986, p. 9.
Voz do Paraná
DOM AVELAR Brandão Vilela. Curitiba. Entrevista concedida ao Jornal Voz do Paraná
em 26 set. 1976.
Livros de Registros e estatutos
LIVRO I do Registro Histórico do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Capítulo II – Da
pensão, Artigo 19, p. 7, 15 nov. 1914.
LIVRO I do Registro Histórico do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Capítulo X – Da
piedade. Estatutos do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Aracaju-SE, p. 9, 15 nov.
1914.
173
LIVRO I do Registro Histórico do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Aracaju-SE.
Capítulo XI – Dos deveres dos seminaristas, p. 12, 15 nov. 1914.
ESTATUTOS do Seminário Sagrado Coração de Jesus. Aracaju-SE. 15 nov. 1914.
Cartas, boletins, discursos e conferências
LUNA, Pe. José Gilberto de. Lembrando o pastor. Poema dedicado a Dom Avelar no 30°
dia de sua morte. Salvador, 19 jan. 1987.
VILELA, Dom Avelar Brandão. A difícil posição de quem não aceita os radicalismos. Carta
pessoal. 31 ago. 1973. Constante no acervo pessoal. Laboratório Eugênio Veiga.
Universidade Católica de Salvador.
______. Carta redigida de Petrolina, para sua mãe, Isabel Brandão Vilela, em Viçosa
(AL), 17 out. 1957.
______. Cartão de lembrança do seu Jubileu Sacerdotal de Ouro. Salvador, 27 out. 1985.
Disponível em: Acervo pessoal do monsenhor Bernardino Pacífico da Luz, ordenado
sacerdote em 19 dez. 1948, em cerimônia presidida por Dom Avelar em Petrolina(PE).
______. Carta redigida do Seminário de Olinda, 11 out. 1934.
______. Carta redigida do Seminário da cidade de Propriá(SE), durante viagem pastoral,
13 out. 1935.
______. Igreja e mudança social. Conferência pronunciada na Fundação Joaquim
Nabuco, em Recife(PE), 16 set. 1986.
______. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 27 jul.
1970.
______. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 16 jul.
1970.
______. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 14 mar.
1962.
______. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 23 mar.
1962.
______. Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia. Salvador, 12 ago. 1976.
______. Oração por um dia feliz. Salvador, 13 set. 1971.
______. Liberdade de Imprensa, Humanismo e Cristianismo. Conferência pronunciada na
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.o Paulo, 19 jun. 1970.
______. Oração por um Dia Feliz. Rádio Pioneira, Teresina, 30 maio 1971.
______. Postal do acervo do Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de
Salvador. Salvador, [19--].
174
______. Discurso de Abertura da II Conferência Episcopal Latino-Americana. Medellin. 26
de agosto de 1968. In: DANTAS, Deoclécio. Dom Avelar Brandão Vilela, uma vida a
serviço da paz. Teresina: Gráfica do Povo, 2006. p. 74.
______. Discurso de posse na Academia Piauiense de Letras. Teresina, 17 ago. 1969.
______. Um mundo em contrastes. São Paulo, 25 ago. 1974. Discurso proferido na XIV
Assembleia Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano. Revista Vozes, São Paulo,
p. 144 -145, jul. 1974.
______. Discurso de posse na Arquidiocese Primaz de São Salvador, na Bahia.
Constante no Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador. Salvador,
30 maio 1971.
______. Intervenção no encontro em Roma com o papa, a CNBB e membros da cúria,
entre 13 e 15 mar. 1986. Registrado na 24ª. Assembleia Geral da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil. Itaici. São Paulo, 9 a 18 abr. 1986. Constante no acervo pessoal.
Laboratório Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador.
______. Meu irmão estômago. Poema. Compõe acervo de documentação pessoal.
Instituto do Coração. São Paulo, 8 out. 1986. Constante no acervo pessoal. Laboratório
Eugênio Veiga. Universidade Católica de Salvador
______. Introdução ao relatório da equipe médica. Instituto do Coração. São Paulo, 8 out.
1985.
______. Lembrança da Missa de 30° dia de falecimento de Dom Avelar Brandão Vilela.
Salvador, 19 jan. 1987.
VILELA, Isabel B. Bilhete disponível no acervo da Cúria Metropolitana de Teresina.
Teresina, 7 jul. 1962.
______. Carta pessoal do acervo da Cúria Metropolitana de Teresina. Teresina, 9 dez.
1969. p. 1.
Boletim Arquidiocesano
VILELA, Dom Avelar Brandão. 40 anos. Poema. Boletim Arquidiocesano, Salvador, ano
VII, n. 16, p. 2, 29 out. 1986.
Encíclicas papais
AS ENCÍCLICAS sociais de João XXIII. Mater et Magistra. Comentários atualizados.
Pacem in Terris. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1963. 2. v.
GAUDIM ET SPES. In: JUNIOR, Pimentel (Org.). A doutrina social da Igreja. Rerum
Novarum. Quadregesimo Anno. Mater et magistra. São Paulo: Dominus, 1963. p. 132.
JOÃO XXII, papa. Mater et Magistra: sobre a evolução da questão social à luz da
doutrina cristã. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/documenst
>.
Acesso em: 20 out. 2007.
175
Entrevistas
BATISTA, Pe. Tony. Teresina, 2008. Entrevista concedida à Sônia Maria dos Santos
Carvalho em 1 ago. 2008.
DANTAS, Deoclécio. Teresina, 2009. Entrevista concedida à Thais de Araújo Carvalho em
20 maio 2009.
______. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em 19
mar. 2002.
LIMA, Carlos Augusto de Araújo. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco
Alcides do Nascimento em 14 abr. 2002.
LUZ, Monsenhor Barnardino Pacífico. Petrolina, 2009. Entrevista concedida à
pesquisadora Sônia Maria dos Santos Carvalho em 19 fev. 2009.
MENDES, Maria Cecília da Costa Araújo. Teresina, 2008. Depoimento concedido à Sônia
Maria dos Santos Carvalho em 15 ago. 2008.
SANTOS, José Lopes dos. Teresina, 2001. Entrevista concedida a Francisco Alcides do
Nascimento em 20 jul. 2001.
SILVA, Joel. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento em
20 jul. 2002.
TAJRA, Jesus Elias. Teresina, 2002. Entrevista concedida a Francisco Alcides do
Nascimento em 2002.
VILELA, Dom Avelar Brandão. Teresina. Entrevista concedida a Ney Gonçalves Dias.
Acervo da Rádio Pioneira de Teresina. [19--].
VILELA, Isabel Marinho. Entrevista concedida ao radialista Severino Filho. Arquivo da
Rádio Pioneira da Teresina. [19--].
Monografias, Dissertações e Tese
ARAÚJO, Warrington Wallace Veras de. Dom Avelar Brandão Vilela, entre o texto e o
contexto: trajetória e representações do arcebispo do Piauí (1956-1971). 2008.
Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História do Brasil. Universidade
Federal do Piauí, Teresina, PI, 2008.
BARRETO, Raylane Andreza Dias Navarro. Os padres de D. José: Seminário Sagrado
Coração de Jesus (1913-1933). 2004. 201p. Dissertação (Mestrado). UFSE, São
Cristóvão, 2004.
CARVALHO, Maria do Amparo Alves de. História e repressão: fragmentos de uma
memória oculta em meio às tensões entre a Igreja Católica e o regime militar em
Teresina. 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História do
176
Brasil. Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, 2006. Disponível em:
<http://www.ufpi.br/mesthistoria/amparo.php>. Acesso em: 10 out. 2007.
MONTEIRO, Elias; ODORICO, Elane. A outra igreja: memórias das ações de Dom
Avelar Brandão Vilela e a construção de um outro catolicismo no Piauí. 2008. Monografia
(Conclusão de Curso). Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual do Piauí,
Teresina, 2008.
OLIVEIRA, Marylu Alves. Contra a foice e o martelo: considerações sobre o discurso
anticomunista piauiense no período de 1959-1969: uma análise a partir do jornal O Dia.
2008. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História do Brasil.
Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, 2008.
PEREIRA, Luciana de Lima. A igreja católica e os tempos modernos: A luta pela
construção de uma neocristandade em Teresina (1948-1960). 2008. Dissertação
(Mestrado) Programa de Pós-Graduação em História do Brasil. Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2008.
PINHEIRO, Áurea da Paz. O desmoronar das utopias. Abdias Neves (1876-1928):
anticlericalismo e política no Piauí nas três primeiras décadas do século XX. 2003. Tese
(Doutorado). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, SP, 2003.
177
Anexos
Figura 1 - Convite produzido no Rio de Janeiro, para as
cerimônias de ordenação sacerdotal em Aracaju. E
Primeira Missa em Viçosa, Alagoas, em 1935.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica
de Salvador.
1
178
Figura 2 - Convite produzido no Rio de Janeiro para
as cerimônias de sagração sacerdotal em Aracaju em
1946.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade
Católica de Salvador.
Figura 3 - Jornal O Dia, de Teresina, em edição de 05 de
maio de 1971, especialmente produzido para a despedida de
Dom Avelar Brandão Vilela do Piauí.
Fonte: 15 Anos de Santo apostolado. Jornal O Dia. 3
Caderno. Teresina. Edição especial do dia 05 de maio de
1971, n. 3.282, p. 1.
2
3
179
Figura 4 - Cartão produzido pelos fiéis do município de Valença e
região para a cerimônia de despedida de Dom Avelar, do Piauí, em
maio de 1971.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de
Salvador.
Figura 5 - Dom Avelar Brandão Vilela no momento em que devolveu
simbolicamente as chaves da cidade de Teresina ao prefeito Joel Ribeiro,
antes de ser transferido para a Arquidiocese de São Salvador, na Bahia.
Fonte: Jornal O Dia, Edição do dia 29 de maio de 1971, p. 1, n. 3.322.
4
5
180
Figura 6 - Parto com o Piauí no coração.
Fonte: Jornal O Dia, Teresina. Edição do dia 30 de
maio de 1971, p.1, n. 3.223, p. 5.
Figura 7 - Posse na Diocese de Petrolina, em dezembro de 1946.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de Salvador.
6
7
181
Figura 8 - Dom Avelar assina termo de posse no Sólio Primacial da
Bahia, em 31 de maio de 1971.
Fonte: Jornal Tribuna da Bahia, 01 de junho de 1971.
8
9
10
182
Figuras 9, 10, 11 – Visita à comunidade do bairro Maciel, em Salvador e recepções de
populares em reivindicação no Palácio Campo Grande, em Salvador, na década de 1970.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de Salvador.
Figuras 12, 13, 14 - Capas de compilações de discursos e orações de Dom Avelar Brandão Vilela, produzidas com
recursos da Arquidiocese de São Salvador.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de Salvador.
11
12
13
14
183
Figuras 15 - Dom Avelar Brandão Vilela recepciona o Papa
João Paulo II na primeira visita de um chefe da Igreja de Roma
ao Brasil, em 1980.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de
Salvador.
Figuras 16 - Dom Avelar Brandão Vilela exibe comunicado
oficial de sua eleição para o colégio de cardeais, em
fevereiro de 1973.
Fonte: Jornal A Tarde. Salvador, edição do dia 03 de
fevereiro de 1973.
15
184
Figuras 17, 18 - Poema temático sobre o estômago. E carta acrescentada por Dom Avelar Brandão Vilela ao
laudo médico que diagnosticou câncer, em 1986. Ambos foram encaminhados à imprensa para a divulgação
do estado de saúde de Dom Avelar.
Fonte: Laboratório Eugênio Veiga, Universidade Católica de Salvador.
17
185
Figuras 19, 20 - Cerimônia fúnebre de Dom Avelar Brandão Vilela, na Catedral Basílica
de Salvador, em 21 de dezembro de 1986.
Fonte: Jornal A Tarde, 22 de dezembro de 1986.
19
20
186
187
Figuras 20, 21 – Manuscrito com os votos do seminarista Avelar Brandão Vilela, para o
recebimento oficial da ordenação sacerdotal.
Fonte: Cúria Metropolitana de Aracaju.
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