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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA
GRANDE
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS CENTRO
DE
HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E
ENSINO
(MESTRADO)
DEMANDA PROFISSIONAL E LETRAMENTO(S) EM
CONTEXTO
DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Kátia Coeli Barbosa da Silva
Campina Grande, setembro de 2007
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Kátia Coeli Barbosa da Silva
DEMANDA PROFISSIONAL E LETRAMENTO(S) EM CONTEXTO DE
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
(Mestrado), no Centro de Humanidades, na
Universidade Federal de Campina Grande,
como requisito para obtenção do grau de
Mestre, na área de concentração “Ensino-
aprendizagem de Língua e Literatura”.
Orientadora: Profª Dra. Denise Lino de Araújo
Campina Grande, setembro de 2007
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FICHA
CATALOGRÁFICA ELABORADA
PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG
B238d
2007 Barbosa, Kátia Coeli da Silva.
Demanda profissional e letramento(s) em contexto de educação de
jovens e adultos/Kátia Coeli da Silva. Campina Grande: 2007.
89f. : il
Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) – Universidade
Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.
Referências.
Orientadora: Dr.ª Denise Lino de Araújo.
1. Letramento Escolar. 2. Letramento Profissional. 3. Demanda
Profissional. I. Título.
CDU 37.035.3 (043)
FOLH
A
DE
A
PROVAÇ
Ã
O
Profa. Dra. Denise Lino de Araújo – UFCG
(orientadora)
Profa. Dra. Williany Miranda da Silva - UFCG
(membro interno)
Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira – UFRN
(membro externo)
DEDICATÓRIA
A minha mãe MARIA DAS MERCÊS BARBOSA DA SILVA (in memorian), que
apesar das grandes e freqüentes dificuldades materiais não permitiu que
faltassem a busca e o prazer pelo conhecimento. Isto tudo em nome da
liberdade da alma e da obrigação para com os outros. Materialmente não viu o
plantio, o regar, o germinar e o colher do meu trabalho, mas espiritualmente
esteve comigo nos momentos de tristeza ante os erros, impingindo-me
coragem e nos momentos de alegria perante os acertos, instigando o
agradecimento. Nas madrugadas, entrava pela janela em forma de brisa suave,
nas tardes irrompia como um raio de sol. No meu sono, alinhava os
pensamentos confusos, no meu silêncio insuflava idéias, nos tormentos das
perdas guiava meus passos ao objeto perdido. Ao digitar a última palavra do
texto, senti sua vibração, por mais um dos seus filhos ter ultrapassado os
limites de um destino aparentemente implacável.
AGRADECIMENTOS
A Deus, Pai Todo Poderoso, que me fez apta ao pensamento racional,
livrando-me de incapacidades;
À Professora Doutora Denise Lino de Araújo, pelas sábias palavras, orientação
precisa, dedicação e paciência;
À Professora Doutora Wiliany Miranda da Silva, eterna professora, exemplo de
mulher, e amiga nos momentos certos;
À Neves por ter me dito um dia, em meio a mais uma crise de desistência: o
mestrado é seu, aproprie-se dele.
Aos professores Edmilson Luiz Rafael, pelo empréstimo de livros, Augusta
Reinaldo, Sandra Suely, Ana Paula, Washington, que sempre perguntavam
como ia o mestrado;
Ao meu pai e aos meus irmãos pela coragem sempre fornecida e pelo
entendimento da minha ausência nos finais de semana de reuniões familiares;
Aos meus sobrinhos e sobrinhos-neto pela alegria com que me recebiam
quando eu, cansada, buscava os seus afagos;
Aos meus informantes diretos e indiretos por terem contribuído com dados
valiosos e imprescindíveis à realização do meu trabalho;
Aos dirigentes do CAT JRF pela permissão e apoio na coleta dos dados;
Aos amigos: Lucila, Rita, Júlia, Carmita, Janaína, Fábio, Alzir, Enilda, Ana
Cláudia, Rosa Lúcia, Pádua, Fátima Coutinho... por serem amigos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 01
CAPÍTULO 1: Fundamentos Teóricos ........................................................ 05
1.1 Letramento: um fenômeno plural ................................................... 05
1.2 Letramento profissional: o mercado de trabalho........................... 11
1.3. Letramento escolar ....................................................................... 18
1.3.1 Escola como instituição do letramento ............................ 18
1.3.2 Características das práticas escolares............................. 23
CAPÍTULO 2: Fundamentos Metodológicos ............................................. 27
2.1. Definição da natureza e do tipo de pesquisa ............................... 27
2.2 Os procedimentos de coleta de dados e o corpus ......................... 27
2.3 Os sujeitos da pesquisa ................................................................. 28
2.3.1 Perfil dos sujeitos .............................................................. 29
2.4 Os cenários de investigação .......................................................... 32
2.4.1 Perfil dos cenários: a escola e as empresas envolvidas
no programa educação do trabalhador .......................... 32
2.4.2 O Programa Educação do Trabalhador e o CAT JRF ...... 33
2.4.3 Empresa SPA ................................................................... 36
2.4.4 Empresa CTM .................................................................. 37
CAPÍTULO 3: Gestão administrativa de recursos humanos: concepções
escolares em contexto profissional ........................................................... 40
3.1 SPA ............................................................................................... 40
3.1.1 Recrutamento ................................................................... 40
3.1.2 Mobilidade ........................................................................ 42
3.2 CTM ................................................................................................ 45
3.2.1 Recrutamento .................................................................... 45
3.2.2 Mobilidade ......................................................................... 46
3.3. A escola e a escolarização: a concepção de gestores e
funcionários .................................................................................. 47
CAPÍTULO 4: Práticas de repasse de letramento em contexto profissional
e escolar: convergências e divergências ....................................................54
4.1 Praticas de repasse de letramento em contexto profissional .......... 54
4.1.1 SPA .................................................................................... 55
4.1.2 CTM ................................................................................... 62
4.2 Práticas de repasse de letramento em contexto escolar ................ 68
4.3 Práticas de repasse de letramento: cruzamento entre os cenários 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 87
RESUMO
A volta do aluno trabalhador à escola se reveste de duas demandas básicas; a do
empregador, e a do funciorio Na condão de professora do Programa Educação do
Trabalhador, desenvolvido pelo SESI – PB, pude identificar indícios de divergências
entre essas demandas. Nesse sentido, o ponto de partida para nossa investigação
incidiu sobre o contexto de aprendizagem e o contexto de atuação profissional, uma
vez que nesses espaços temos imbricadas práticas de letramento escolar e de
letramento profissional. Os questionamentos que nortearam nossa investigação, a
partir desse objeto de estudo foram: (1) Quais as práticas caracterizadoras do
letramento profissional e do escolar em contexto de EJA e suas respectivas
convergências e divergências?; (2) Qual a eficácia do modelo de letramento funcional
adotado pela EJA para a demanda profissional do aluno trabalhador? (3) O que
influencia ou norteia a adoção do modelo de letramento funciona l em contexto
escolar? O respaldo teórico dessa pesquisa inscreve-se nos Novos Estudos do
Letramento, e a condução metodológica encaminha-se pela pesquisa qualitativa de
inspiração etnográfica. Os objetivos centrais dessa investigação são: (a) descrever e
comparar as práticas escolares e profissionais de leitura e escrita; (b) investigar as
convergências e as diverncias entre as práticas letradas em ambiente escolar e
profissional; (c) apontar a (in)eficácia do modelo de letramento predominante em
contexto de EJA para atender as demandas profissionais do aluno trabalhador. Três
são os cenários da investigação, 15 são os sujeitos, e o corpus constitui-se de
entrevistas com os informantes, transcrições das aulas gravadas em vídeo, anotações
no Diário de Campo, materiais escritos oriundos dos professores e das empresas
visitadas. A análise desse corpus revelou que há convergências e divergências entre o
letramento escolar e o letramento profissional sugerindo que tais modelos de
letramento se entrecruzam e se autoinfluenciam coincidentemente.
Palavras – chave: letramento escolar, letramento profissional, demanda profissional
0
RÉSU
Le retour de l´élève travailleur à l´école se revêtit de deux demandes basiques: celle de
l´employeur et celle de l´employé. En tant qu´enseignante du Programme Éducation du Travailleur,
développé par le SESI –PB, j´ai pu identifier des indices de divergences entre ces demandes.
Dans ce sens, le point de départ de notre enquête est tombé sur le contexte apprentissage et le
contexte professionnel, puisque dans ces espaces il y a des pratiques imbriquées de «
letramento » scolaire et de « letramento » professionnel. À partir de cet objet d´etude,
notre enquête a été orientée par les questions suivantes : (1) Quelles pratiques
caractérisent
le « letramento » professionnel et scolaire en contexte deEJA, et quelles
divergences et convergences leur concernent ? (2) Quelle est l´efficacité du modèle de «
letramento » fonctionnel adopté par l´EJA pour la demande professionnelle de l´élève travailleur ?
(3) Qu´est-ce qui influence ou oriente l´adoption du modèle de « letramento » fonctionnel en
contexte scolaire ? Les fondements théoriques de cette rechercheinscrit sur les Nouvelles
Études du « Letramento » et le parcoursthodologique suit la recherche qualitative
inspiration etnographique. Ce sont des objectifs centraux de cette enquête: (a) décrire et
comparer les pratiques scolaires et professionnelles de lecture etécriture ; (b) rechercher les
convergences et les divergences entre les pratiques letrées en ambiance scolaire et
professionnel ; (c) montrer l´(in)efficaci du modèle de
« letramento » qui prédomine en contexte de l´EJA pour s´occuper des demandes
professionnelles de l´élève travailleur. Il y a a trois décors et quinze sujets dans cette enquête,
tandis que son corpus est composé d´interviews avec les renseignants, de
transcriptions des cours enregistrés sur vidéo, d´annotations sur la Journée de
Campagne, de matériaux écrits originaires des enseignants et des entreprises visitées.
analyse de ce corpus a montré qu´il y a des convergences entre le
« letramento » scolaire et le « letramento » professionnel ce qui suggère que ces modèles
de « letramento »entrecroisent et s´autoinfluencent coïncidentement.
Mots-clés : « letramento » scolaire, « letramento » professionnel, demande
professionnelle.
1
INTRODUÇÃO
Esta dissertação sobre o processo de educação de jovens e adultos, no nível
médio de ensino, decorre da minha filiação como professora / coordenadora de Língua
Portuguesa do programa Educação do Trabalhador, desenvolvido pelo SESI – Campina
Grande, PB, desde o ano de 2000.
Nessa atuação, desempenhando o duplo papel de professora de Língua
Portuguesa e de coordenadora da mesma área, pude identificar indícios de divergências
entre as demandas de escrita e de leitura requeridas pelo serviço desempenhado pelos
trabalhadores nas empresas e a estabilização de práticas escolares dominadas por
alunos e professores, vinculados a essas mesmas empresas, razão pela qual um estudo
investigativo se fez oportuno.
Os alunos do programa Educação do Trabalhador, em sua maioria, são
trabalhadores industriários, do sexo masculino, que apresentam uma experiência escolar
de desistências, repetências e ou ausência da escola por tempo bastante considerável
(10, 15 anos). Também é comum a esses alunos uma mesma história familiar: jovens
casados, pais de muitos filhos, avôs, dentre outras características.
Em geral, eles regressam à escola não por vontade própria, mas por exigência da
empresa onde trabalham, que ao SESI os envia alegando que ao melhorarem seu nível
de instrução poderão ser promovidos funcionalmente, já que essas empresas adotam
uma política de promoção na qual os alunos que concluírem o ensino fundamental ou o
médio podem ser promovidos para cargos mais graduados, para além das funções
primárias, como a de operador de máquinas.
Percebemos que esta iniciativa das empresas desvela ao aluno trabalhador uma
perspectiva de melhoria de sua condição funcional, levando-o a permanecer na escola ou
a ela retornar movido por esse objetivo.
A história desses alunos com os eventos de letramento, no trabalho, restringe-se
em geral, à prática de leitura de gêneros informativos variados, relativos a cursos
profissionalizantes que realizam incentivados pelas empresas, tais como Saúde e
Segurança no Trabalho, Eletrônica, Primeiros Socorros, Relações Pessoais, Brigadas de
Incêndio, entre outros. Quanto à escrita, as experiências restringem-se a alguns
relatórios e assinaturas de recebimento de vale – transporte, cesta básica e mercadorias
provenientes do ramo de trabalho, como por exemplo, na empresa SPA e CTM, empresas
focalizadas nesse estudo, nas quais eles retiram produtos para revenda.
2
A pouca expressividade do domínio de escrita e de leitura pelos sujeitos
trabalhadores deixam mostras de que ler e escrever não constituem usos significativos e
recorrentes em suas vidas. A manifestação deste pouco domínio decorre das
características da escrita infantil típica dos primeiros anos escolares, com problemas de
segmentação, desconhecimento da organização espacial da folha, transcrições grafo-
fonéticas, entre outros aspectos.
Já a leitura, por sua vez, é usada por eles nos moldes de decodificação, pois não
conseguem abstrair os significados, nem manter uma interação discursiva com o que
lêem. Estas dificuldades mantêm-se mesmo para os alunos do nível médio, que são os
sujeitos desta investigação. É oportuno frisar que tais dificuldades estão presentes em
todas as disciplinas, e foram por mim identificadas através do contato com os professores
nas reuniões de planejamento, em que o desempenho dos alunos é posto em discussão.
Para sanar alguns desses problemas, os professores de Português e de
Matemática passaram a ter a incumbência de trabalhar as habilidades de linguagem em
torno da escrita, da leitura e das quatro operações básicas, mediadas por atividades de
reescritura dos textos produzidos. Esse redirecionamento ocasionou uma melhora
incipiente, já que o desenvolvimento dessas habilidades fica em torno do interno, ou seja,
a serviço da escola.
Tais modificações começam a dar mostras de fraturas no momento em que, em
atividades sociais da escrita e da leitura fora do ambiente escolar, os alunos revelam uma
habilidade pouco significativa e precária para o desempenho de atividades práticas que
envolvem essas duas habilidades. É comum os alunos pedirem a ajuda dos professores
para leitura e ou preenchimento de documentos do tipo formulário para a carteira de
estudante, guias de emplacamento, entre outros, tanto quanto recorrerem ao RH para
produção de avisos para divulgação de serviços desempenhados pelos funcionários,
como consertos e vendas de celulares. Essas atividades de “reforço, realizadas na
escola, portanto, parecem não ter alcance para atividades realizadas fora do âmbito
escolar, notadamente no âmbito profissional.
Em outras palavras, o aluno sabe ler, escrever, revisar, efetuar operações de
matemática para a escola; fora dela, porém, não consegue ir além dessa condição de
aprendizado básico, tamm definido como letramento funcional (cf. Descardeci, 2000,
Bueno, 2001), cujas habilidades pertinentes às práticas de leitura e de escrita restringem-
se ao universo escolar.
Desse modo, perduram as mesmas dificuldades em todas as disciplinas que
compõem o currículo do programa Educação do Trabalhador: dificuldades de
3
compreensão e notação e, conseqüentemente, os alunos vão ficando distantes dos seus
planos de melhoria em termos empregatícios, , em contraposição aos supostos anseios
da empresa, que neles investe buscando sua autonomia perante a função que exercem.
Isto posto, reconhecemos que não parece haver por parte da escolarização a
resposta desejada entre apropriação de novas práticas letradas escolares e progressão
na atividade profissional.
Nesse sentido, entendemos que o ponto de partida para nossa investigação deve
incidir sobre o contexto de aprendizagem e o contexto de atuação profissional, uma vez
que esse é o espaço de perceão da problemática. Nele, temos imbricadas práticas de
letramento escolar e de letramento profissional.
Os questionamentos que nortearam nossa investigação, a partir desse objeto de
estudo foram:
1. Quais as práticas caracterizadoras do letramento profissional e do
escolar em contexto de EJA e suas respectivas convergências e
divergências?
2. Qual a eficácia do modelo de letramento funcional adotado pela EJA para
a demanda profissional do aluno trabalhador?
3. O que influencia ou norteia a adoção do modelo de letramento funcional
em contexto escolar?
Esses questionamentos encontraram respaldo nos estudos sobre Letramento,
enquanto um fenômeno socialmente situado, conforme descrevem Barton & Hamillton
(1999), Gee (1999), Rojo, (2000), Signorini (2001), Descardeci (2000), Mey (2001), Bueno
(2001), Soares (2005), Lopes (2006), entre outros.
Tais estudos orientaram a nossa investigação, que é de natureza qualitativa posto
que o objeto de estudo é dinâmico e situa-se dentro de esferas socialmente constituídas.
Os pressupostos da investigação qualitativa adotados permitiram visualizar os torneios da
prática pedagógica do professor e permitiram identificar os vários fatores relacionados à
escrita e à leitura no ambiente de trabalho.
Assim sendo, os objetivos que nortearam o presente estudo foram:
a) descrever e comparar as práticas escolares e profissionais de leitura e
escrita ;
b) investigar as convergências e as divergências entre as práticas letradas
em ambiente escolar e profissional;
4
c) apontar a (in)eficácia do modelo de letramento predominante em
contexto de EJA para atender as demandas profissionais do aluno
trabalhador.
Acreditamos na relevância da presente investigação dado que são poucos os
estudos que focalizam a relação do letramento escolar com outros tipos de letramento .
Além disso, o fato de centrar-se sobre a educação de jovens e adultos, no nível médio de
ensino, e o de apontar as relações da escola com o mundo do trabalho (e vice-versa) nos
parece ser uma contribuição significativa para uma área pouco explorada, já que muito se
tem escrito sobre o letramento em Educação de Jovens e Adultos, mas a concentração
desses estudos restringe-se ao ensino fundamental no primeiro e segundo segmentos, e
tratam basicamente sobre processos de alfabetização propriamente ditos, conforme
Kleiman (2000), Signorini (2000), Soares (2003), Ribeiro (2005), Lopes (2006), entre
outros.
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos, além desta introdução e das
considerações finais. Os capítulos um e dois apresentam, respectivamente, os
fundamentos teóricos e os aspectos metodológicos da pesquisa, o capítulo três expõe e
analisa as práticas de letramento relacionadas à gestão de pessoas em contexto
profissional. Por fim, o capítulo quatro descreve e analisa as práticas de repasse de
letramento ocorridas em contexto profissional e em contexto escolar.
5
Capítulo 1 : FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Este capítulo tem por objetivo expor os fundamentos teóricos que norteiam a
realização da pesquisa ora apresentada. Para isso são discutidos os conceitos de
letramento, letramento escolar e letramento profissional, em 3 seções: 1. Letramento: um
fenômeno plural; 2. Mercado de trabalho: o cenário de letramento; 3. Letramento escolar.
1.1. Letramento: um fenômeno plural
O termo letramento, nas palavras de Descardeci (2001), Soares (2005), Bueno
(2001), Lopes (2006), entre outros, é recente no vocabulário da língua portuguesa, sendo
de uso mais recorrente nos meios acadêmicos, especificamente nas áreas educacionais e
sociológicas. Seu surgimento remete às mudanças ocorridas na sociedade por ocasião
da disseminação dos usos da escrita. Não obstante, tenha sido introduzido em
português recentemente, em termos conceituais, esse vocábulo já apresenta problemas,
pois, de acordo com alguns teóricos, a exemplo de Hasan (1996, apud Lopes, 2006) e
Constanzo (1994, apud Marcuschi, 2001) ocorreu uma saturação semântica ao longo da
sua assimilação nos meios educacionais, tendo em vista a plurissignificação da qual é
portador e da vinculação com o grupo teórico que o apresenta e da época em que a(s)
definição(ões) foi (ram) estabelecidas.
Assim, em face da complexidade dos usos da escrita na sociedade, que se
apresentam como múltiplos e variados, bem como dos olhares que se curvam sobre esse
fenômeno, é de se esperar que o termo letramento não possua uma definição universal e
satisfatória. O que se pode afirmar, com base na literatura consultada, é que os estudos
sobre o letramento põem em evidência o impacto da escrita na sociedade às voltas com
uma era balizada pela tecnologia. Em suma, usos da linguagem permeados pela escrita
compõem o cerne da questão do letramento, enquanto estudo reflexivo e investigativo
sobre esses usos.
A definição do letramento, portanto, influencia a noção de escrita, já a visão que se
tem sobre essa modalidade da língua não se constrói aleatoriamente. Decorre de uma
postura teórica, de um modo de conceber e olhar a escrita enquanto ferramenta. Se
entendermos o letramento como um fenômeno restrito à dimensão individual, a escrita
será vista apenas como uma ferramenta gráfico-visual, cujos aspectos relacionados ao
6
código serão enfatizados. Se o entendermos como um fenômeno social e plural, a escrita
será vista como um sistema simbólico-representativo das práticas sociais. Todavia, a
polarização num desses conceitos não abarca a complexidade dos usos da escrita, pois
duas dimensões a cercam: a dimensão individual e a dimensão social. Dimensões
opostas, porém indissociadas, no processo de aquisição das práticas sociais que
envolvem a leitura e a escrita.
Na dimensão individual, a escrita é tomada como neutra frente às práticas sociais,
cuja aquisição está vinculada às noções de progresso, civilização e autonomia. Adquirir a
escrita enquanto ferramenta é sair do estado de ignorância e primitivismo e adentrar em
um espaço civilizado e superior a outras formas comunicativas.
Vigoram nessa perspectiva de letramento noções descritivistas de escrita,
oralidade e linguagem. Predominam noções de que a aquisição da escrita é um atributo
pessoal, um bem individual, cujos benefícios podem ser sentidos em todas as esferas da
atividade humana. Em suma, nessa dimensão individual, a escrita
é tomada como um sistema de representão gráfica detentor
de qualidades intnsecas, e capaz de, por si só, proporcionar
o desenvolvimento social e cultural dos povos e de dotar
aqueles que dela se apropriam, de habilidades cognitivas que
os levariam ao aperfeiçoamento do pensamento abstrato e de
racionalidade (Lopes, 2006:16).
A essa linha de pensamento, Street (1984), um dos precursores dos Novos
Estudos do Letramento, denominou de Letramento Autônomo porque focaliza a es crita
desvinculada das práticas sociais. Conforme essa perspectiva e considerando a
aquisição e posse da escrita como fenômenos individuais, o letramento, de acordo com
Lopes (2006: 16), na perspectiva do modelo autônomo,
é visto como o conhecimento estrito do código linístico
objetivado num sistema de escrita e a escrita é considerada
uma tecnologia neutra em cujo tratamento, para efeito de
investigação do seu uso, o contexto social não é
considerado.
As premissas constitutivas do Letramento Autônomo derivam da tradição dos
estudos provenientes da história e da psicologia, a partir dos quais, historiadores culturais,
antropólogos e psicólogos estudam comparativamente comunidades com e sem uso da
7
escrita, visando aprimorar a tese de que o uso da escrita torna uma determinada
comunidade civilizada, ao passo que a ausência da escrita mantém uma comunidade
primitiva. Outro ponto considerável proveniente das pesquisas de historiadores e
psicólogos foi a idéia de que o uso da escrita ativa a capacidade mental e assim torna
seus membros usuários mais bem dotados cognitivamente que aqueles cuja modalidade
da linguagem predominante é a oralidade. Em decorrência, nasce a Teoria da Grande
Divisa (Lopes, 2006), que põe em lados opostos a escrita e a oralidade, conferindo àquela
o estatuto de organizada e a esta, caótica e desorganizada.
Assim sendo, na esteira do letramento autônomo, as unidades de análise estão
constituídas de peças de escrita em si mesmas, tendo em vista suas propriedades formais
e sua natureza intrínseca e, portanto, desvinculadas de um contexto específico.
Associada ao mundo do trabalho, essa concepção de letramento não estabelece
vinculações entre as práticas e eventos de letramento do mundo do trabalho e com as
práticas e eventos domésticos, escolares, políticos e ou sociais dos indivíduos. Da mesma
forma, não concebe a inter-relação entre sociedade, trabalho, escola e escrita.
Na perspectiva do letramento autônomo, não há necessidade de investigações em
locais por onde o indivíduo transita, já que o objeto a ser investigado não são as práticas,
mas o produto, o texto empírico. Assim é que em pesquisas cujo interesse sejam o
desvelamento de categorias do tipo argumentativas, irônicas e outras em discursos
acadêmicos ou jornalísticos, por exemplo, o pesquisador terá que se debruçar sobre o
texto, desconsiderando os processos e contextos de produção, pois estes não constituem
pontos basilares da investigação.
Na dimensão social do letramento, a escrita não é vista como um atributo pessoal
nem sua aquisição está associada a uma noção de civilidade e progresso em todos os
sentidos da vida humana. A escrita é vista nessa dimensão como uma ferramenta
integrante das práticas sociais com as quais o sujeito venha a interagir na sociedade,
respondendo às exigências que lhe são endereçadas socialmente. Adquirir as habilidades
de ler e escrever propicia ao sujeito mais um recurso comunicativo para além dos que já
domina, sem que essa aquisição lhe torne intrinsecamente melhor ou superior aos demais
membros da sociedade. Não obstante, às práticas sociais são atribuídos valores
representativos, logo, algumas práticas adquirem mais status do que outras.
Na esteira desse pensamento, o foco de estudo se desloca da língua enquanto
estrutura, sistema independente do indivíduo, para os usos da língua que o sujeito
atualiza nas suas práticas sociais. Ao propor que os estudos do letramento se fixem nas
práticas sociais, lançando as bases para uma nova maneira de investigar questões
8
relacionadas à escrita, Street (1984) apresenta o modelo Ideológico. Com relação a esse
modelo, tendo em vista a interpretação dada às palavras de Street (op. cit) e Cook
Gumperz (1986), Lopes (2006) registra que
em essência o termo é concebido no sentido de pôr em
evidência a natureza social da escrita uma vez que se refere
ao conjunto das práticas sociais em cujo processo estão
envolvidas atividades de leitura e de escrita.
O embasamento teórico do Letramento Ideológico decorre dos estudos
provenientes da etnografia e da sociologia, situados historicamente em fins do século XIX
e início do século XX através de pesquisas realizadas por vários estudiosos, entre eles
Scribner & Cole (1981), Heath (1983), Street (1984), Cook–Gumperz (1986) os quais
introduzem os agentes sociais e suas práticas nos estudos sobre a linguagem, que até o
momento estavam silenciados. Esse agente não é o falante ideal, nem o pré-fixado pelas
teorias, antes é sujeito comum, real, visto a partir das suas práticas sociais.
Associada ao mundo do trabalho, essa concepção de letramento estabelece
vinculações entre as práticas e eventos de letramento do mundo do trabalho com as
práticas e eventos domésticos, escolares, políticos e ou sociais dos indivíduos. Concebe,
portanto, a inter-relação entre sociedade, trabalho, escola e escrita. O estudo que
apresentamos neste trabalho insere-se, portanto, nessa linha de pesquisa denominada
Novos Estudos do Letramento por razões bastante óbvias em se tratando do foco
investigativo, qual seja a congruência das práticas escolares e das práticas profissionais
de operários de duas indústrias situadas na região polarizada por Campina Grande, PB, e
vinculadas ao programa educação do trabalhador.
Esse foco investigativo requer mais do que uma análise de eventos e práticas
isoladas e demanda uma investigação de caráter etnográfico e contrastivo porque desloca
o olhar para os ambientes sociais onde se inserem os informantes – escola e indústria –
e de que maneira os informantes alunos-trabalhadores reagem e interagem com os
usos da escrita nesses dois ambientes. No Letramento ideológico, o investigador parte
dos eventos e práticas de letramento. Unidades de análise que, subsidiadas pelas
perspectivas etnográfica e social, consubstanciam as investigações localmente situadas,
parâmetros básicos dos Novos Estudos do Letramento, ou como sugerem seus
precursores: Letramentos Sociais.
Ao sugerir que os usos, funções e significados da escrita, bem como suas
conseqüências individuais e sociais fossem abordadas sob uma perspectiva social e
9
etnográfica, dentro da mesma perspectiva defendida por Heath (1983) e Street (1984) et
al, Barton e Hamilton (1998) elaboraram 6 (seis) proposições básicas definidoras desta
perspectiva de Letramento, as quais transcrevemos a seguir:
1. O letramento é melhor compreendido como um conjunto de práticas sociais, estas
podem ser deduzidas de eventos que são mediados através de textos escritos;
2. Há letramentos diferentes associados a diferentes domínios da vida;
3. As práticas de letramento são padronizadas pelas instituições sociais e pelas
relações de poder e alguns letramentos se tornam mais dominantes e visíveis que
outros;
4. As práticas de letramento são intencionais e contidas em metas sociais e práticas
culturais mais amplas;
5. O letramento é historicamente situado;
6. As práticas de letramento mudam e outras novas são freqüentemente adquiridas
através de processos de aprendizagem informal e percepção de sentido.
De modo didático, poderíamos dizer que o letramento parte do que é externo ao
sistema de escrita, ou seja, parte dos usos que se faz com o letramento para então
investigar qual o limite ou o alcance das práticas letradas. Se a questão focaliza, por
exemplo, a dificuldade de alunos adultos com os usos da palavra escrita em ambientes
institucionais, tais como a escola, analisar o que eles produzem quase não ajudará o
pesquisador, pois este produto em si não fará eclodir o motivo dessas dificuldades. Antes,
uma observação criteriosa, nos moldes da pesquisa etnográfica, do “mundo social”
desses escreventes permitirá que algumas questões investigativas sejam esclarecidas.
Os Novos Estudos do Letramento (Heath, 1983; Street, 1984, Gee, 2000, Barton &
Hamilton, 2000) são uma perspectiva centrada na etnografia, nas ciências sociais e nas
da linguagem. Surgem como resultado da reflexão sobre os impactos da escrita e
questionam as abordagens tradicionais na relação escrita e sociedade. Essa concepção
de letramento revigora os debates e estudos em torno do impacto da escrita na
sociedade, como já sublinhamos, além de propor alternativas para refletir sobre a
complexidade dos fenômenos que envolvem o binômio escrita e sociedade
Conforme essa ordem de pensamento, as unidades de análise se voltam para os
eventos e práticas de letramento. Os eventos de letramento são as unidades observáveis
em quadros interativos que tenham uma peça de escrita integrando essas interações.
Reuniões, recebimento de instruções no local de trabalho, aulas, compras orientadas por
10
uma lista, entre tantos outros episódios em que haja um texto escrito presente e como
elemento dorsal da interação e ou da ação, constituem-se em eventos de letramento.
Os eventos têm regras específicas, pois funcionam em locais determinados, sendo,
portanto, dependentes da situação, do local e dos participantes e dos discursos
entremeados e ou constitutivos da ação. Assim sendo, diferenciam-se entre si por essa
natureza situada, só sob esse ponto de vista é que podem ser melhor observados.
As práticas de letramento são a contraparte do evento, já que por seu intermédio é
possível perceber como as pessoas, às voltas com um evento de letramento, se
comportam e reagem. Por esse motivo, Lopes (2006) e Marcuschi (2001) afirmam que os
eventos são unidades objetivas e as práticas unidades subjetivas. Observar e entender os
fenômenos do letramento, em nossa opinião, só poderá se efetivar em torno dos eventos
porque essas unidades só se revelam, digamos assim, no seu “habitat natural”.
Dada essa condição de exterioridade, estudiosos como Street, a exemplo de
Barton e Hamilton (1998) ressaltam que a natureza do letramento social é situada, porque
é localmente e contextualmente instituída. Nesse sentido tamm, é que Gee (1990) fala
em letramento como um fenômeno plural e multifacetado. Estes aspectos nos levam hoje
a pensar, como se torna comum nessa área de estudos, em letramentoS. De nossa
parte, acrescentamos a isto que é possível que letramentos convivam em um mesmo
evento ou que práticas de letramentos diferentes sejam mobilizadas para colocar em ação
eventos de usos da escrita.
É importante dizer que quando utilizamos aqui a expressão exterioridade para nos
referir aos fenômenos sociais que envolvem a escrita optamos por uma designão
didática, pois não fazemos uma separação entre escrita e sociedade. Seguindo a tradição
dos estudos sócio-históricos sobre língua e sociedade, consideramos que o aspecto
social é constitutivo da escrita. As pesquisas de campo, inspiradas pelos princípios
etnográficos e sociais, são constitutivas do letramento nessa abordagem ideológica ou
sócio-histórica. E sendo assim, muitos e variados serão os ambientes que compõem os
estudos, a exemplo de locais institucionais, como agremiações religiosas e políticas,
escolas, fábricas, sindicatos,
entre tantas outras encontradas numa sociedade
estratificada como a nossa.
Em todos esses locais, são identificadas práticas de letramento diferenciadas
porque direcionadas a fins específicos. Para investigá-los, vale o princípio geral das
pesquisas etnográficas, qual seja o de que o pesquisador deve se fazer admitir no locus
da ação, como observador ou até mesmo agente, desde que a sua presença não seja
vista com hostilidade ou leve os interactantes a alterarem a rotina devido à sua presença.
11
Por intermédio da condução de pesquisas dessa natureza, é possível identificar o tipo de
letramento predominante em determinada instância social e, se for o caso, investigar a
pertinência do letramento perante as práticas sociais em curso.
1. 2. Letramento profissional: o mercado de trabalho
Os usos da escrita estão historicamente ligados ao setor produtivo. Di versos
trabalhos (cf. Gnerre 1985, Cagliari 1987, Olson 1997) apontam a atividade comercial dos
sumérios como contexto propiciador para a invenção da escrita. Desde, então, as
relações entre setor produtivo e usos da escritam se imbricado, intensificado e
modernizado, influenciando quase sempre de modo direto as transformações econômico-
sociais. Tais transformações se fazem sentir por todos os membros da sociedade, uma
vez que não resultam de ações vindas de fora, desvinculadas das relações sociais; a
esse respeito são oportunas as palavras de Mey (2001:27):
A formação da sociedade não é trabalho do indivíduo, mas o
indivíduo é responsável por isso na medida em que é um
agente, um personagem, uma voz naquilo que Bakhtin chamou
de orquestração de um texto (...) como personagens sociais e
agentes, os humanos “inventam” a estrutura e a maneira como
querem viver, mas também estão sujeitos às suas próprias
criações, ou seja, a estrutura dá o troco.
Como se observa a partir dessa citação, as transformações econômico-sociais
obedecem a uma construção dialética na qual e pela qual as mudanças sociais se
efetivam e passam a exigir dos seus membros constitutivos uma adequação ao
prosseguimento e
manutenção da nova ordem histórico–cultural. Em suma, as
transformações não acontecem à revelia do sujeito, desconsiderando seu papel na
conjuntura social. Ao que parece, às diversas e diferentes etapas produtivas,
comportamentos e atitudes profissionais e/ou qualificativas são exigidos, conforme se
observará, a seguir, no percurso histórico do trabalho em território brasileiro.
O trabalho institucionalizado nasce com a divisão social e a complexificação da
atividade produtiva, quando o operário passa a fabricar um produto sob etapas de
produção e sob as ordens do patrão. Antes desse período vigorava a atividade artesanal
que se caracterizava pela liberdade do trabalhador de escolher o seu horário de trabalho,
12
pela posse dos instrumentos de produção e pela produção integral do produto. Esses dois
momentos do trabalho definem o que conhecemos como trabalho artesanal e manufatura.
Com a Revolução Industrial, a manufatura é substituída pela Maquinofatura, em
que máquinas passam a integrar a produção. Esse novo período marca a cisão entre
empregados qualificados e não qualificados porque vão surgir os operadores de
máquinas e os operadores de manutenção, de supervisão e de engenharia, uma divisão
que tamm faz eclodir uma gama de trabalhadores distintos, conforme as operações
especializadas da máquina. Como se observa, na maquinofatura a máquina substitui o
homem e o separa gradativamente da produção. Esse período remonta ao pós Revolução
Industrial e se estende até meados da década de 50 do século XX.
Na seqüência seguinte, por volta de 1900, o engenheiro consultor Frederick
Winslow Taylor desenvolve um trabalho de cunho empírico e funda a doutrina Taylorista
que rapidamente se espalha pelo mundo, fixando-se não na invenção de uma nova força
produtiva, mas nos ganhos que se poderia obter a partir de técnicas de racionalização do
trabalho, definido por ele como administração científica. Como nos mostra Assis (1999),
o taylorismo se classifica na categoria dos métodos e técnicas
de organização do trabalho. A doutrina não toca nas questões
relativas às tecnologias produtivas e, portanto, sua adoção
o representa uma mudança de base técnica de produção. A
base técnica continua intocada no taylorismo, ainda
alicerçada na mecânica.
A contribuição de Taylor refere-se à sistematização das etapas da produção,
locando e realocando essas etapas e respectivamente os trabalhadores de modo que se
obtivesse mais em menos tempo. Esse modelo de trabalho foi duramente criticado por
vários estudiosos, em virtude da excessiva racionalidade do trabalho, contra a qual, assim
se posiciona Camus (apud Friedmann, 1996)
Sem trabalho, a vida se corrompe. Mas com um trabalho sem
alma, a vida de asfixia e morre.
A doutrina taylorista foi aprofundada e modificada em alguns pontos pela doutrina
fordista, cujo mentor foi Henry Ford, fundador da indústria automobilística baseada na
automação, ou linha de montagem transfer como ficou conhecida. O fordismo remonta ao
período entre 1950 e 1990, tendo seu início visto a partir do pós Segunda Guerra Mundial,
13
é uma extensão do taylorismo, não sua substituição, posto que inova as etapas de
produção a partir da esteira rolante com a qual se poderia produzir mais em menos tempo
ainda, uma vez que o trabalhador ficava fixo em um ponto e o produto é que se movia em
direção a ele, gerando uma seqüência de operações repetitiva previamente determinadas.
O fordismo é tamm denominado taylorismo/fordismo porque representa uma
união entre as idéias dos dois pensadores e cuja alteração atingiu o setor produtivo
apenas. E a atenção excessiva sobre o setor produtivo foi o causador do declínio e
extinção da doutrina taylorista/fordista, posto que, conforme sublinhou Camus (op.cit), o
trabalhador começa a mostrar os efeitos de uma operacionalidade excessivamente
asfixiante para ele enquanto ser humano, o que redunda na baixa da motivação e
conseqüentemente na baixa produtividade.
No modelo taylorista / fordista, a visão de homem é a de um ser vivo e inteligente,
diferente da visão predominante no taylorismo, segundo a qual o homem é visto enquanto
extensão da máquina. Em ambos os modelos, no entanto, persiste a noção de eficiência
produtiva, sendo exigidas do operário a adequação ao trabalho e a qualificação perante
sua função. Ambas as exigências vão encontrar meios de consolidação na escola,
mediante técnicas pedagógicas de disciplina e meios básicos de apreender as novas
funções impingidas pela máquina, ao lado da formação profissional que permitirá a
especialidade da e na função.
Assim, o letramento profissional do operário vai estar relacionado à noção de
qualificação, que engloba os conceitos de educação básica e de formação profissional,
processos ocorridos dentro e fora das fábricas. Esse modelo parece apresentar variações
conforme a época, pois de acordo com o que relata Chiavenato (1999:27), os postos de
trabalho presentes, na época do modelo taylorista/fordista, eram funções emergentes no
cenário produtivo de então, eram funções nascentes com a época da industrialização
clássica. O aprendizado dessas funções ocorria no próprio ambiente de trabalho, não
guardando relação com os princípios educativos oferecidos pela escola, uma vez que os
cargos em oferta eram simples, fixos e repetitivos, no modelo taylorista, e rotativos e
mutáveis, no modelo fordista, e não demandavam conhecimentos escolares.
Ao que parece, a função da escola era justamente fornecer a disciplina necessária
para a realização dessas funções, já que os operários admitidos nas fábricas eram
egressos do campo, das antigas corporações de ofício artesanais e imigrantes trazidos
pela expansão dos mercados e formação dos Estados Nacionais e, por isso,
considerados “ignorantes” perante a nova força de trabalho que se descortinava com o
advento da máquina no setor produtivo.
14
Nesse sentido, o aprendizado da função dentro da fábrica ou fora dela, a partir dos
cursos profissionalizantes, vai ser respaldado e possível pela função da escola de
disciplinar e doutrinar o operário para aceitar ordens e cumprir adequadamente as tarefas
do cargo que ocupa, e a posteriori, pela função de oferecer ao operário os requisitos
básicos para poder cumprir o letramento realizado nos cursos profissionalizantes.
O modelo produtivo taylorista/fordista logo é substituído pela abordagem sócio
técnica, tamm denominada de pós–fordismo, desenvolvida por especialistas em
relações de trabalho e por empresários que propunham o fim do determinismo tecnológico
resultante dos modelos taylorista e fordista, para inaugurar novas e diversas formas de
otimizar e organizar o trabalho sem perder de vista a questão social. Esse modelo
produtivo é compatível com a época considerada era da informação, que surge a partir de
1990 e perdura até a atualidade, conforme descreve Chiavenato (1999:30).
De acordo com a abordagem sócio–técnica ou pós-fordismo, deveria haver espaço
na indústria para a iniciativa, autonomia e criatividade do trabalhador. Essa mudança
aponta para o fato de que o trabalhador assume um lugar de relevo como agente
produtivo, podendo inclusive apresentar sugestões de organização do trabalho. Isso vai
gerar alterações na estrutura do trabalho porque cria novos cargos, novos setores de
trabalho e põe fim à fragmentação, à rotina e à desqualificação do trabalho bastante
incentivada pelo taylorismo/fordismo. O homem passa a ser parceiro da indústria, não
mais um recurso humano nem um recurso econômico, e a questão da qualificação cede
lugar ao conceito de competência, através da qual o homem deva ser visto como ser
dotado de inteligência, personalidade, conhecimentos, habilidades, destrezas e
percepções singulares (cf. Ramos, 2006, Chiavenato, op.cit). Isto porque o cenário
econômico–produtivo da era da informão responde pelos seguintes adjetivos:
instabilidade, competitividade e globalização.
A era da informação, conforme descrevem Chiavenato (1999) e Ramos (2006) e
tamm denominada Sociedade da Informação, conforme Kumar (1997), é o que
vivenciamos na atualidade, enquanto resultado da Modernidade e refletida na ampla
utilização das tecnologias da informação e da comunicação. Os reflexos da Sociedade da
Informação, portanto, se fazem perceber em todos os setores da vida social, de modo que
podemos assegurar, conforme Giddens (1991), que
os modos de vida produzidos pela modernidade nos
desvencilharam de todos os tipos tradicionais de
ordem social, de uma maneira que não tem
precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto
15
em sua intensionalidade, as tranformações envolvidas
na modernidade são mais profundas que a maioria dos
tipos de mudanças dos períodos precedentes. Sobre o
plano extensional, elas serviram para estabelecer
formas de interconexão social que cobrem o globo; em
termos intensionais, elas vieram a alterar algumas das
mais íntimas e pessoais características de nossa
existência cotidiana.
Dessa forma, a Sociedade da Informão trouxe consigo um aumento
considerável na circulação da escrita, de sorte que toda a vida social está pautada pela
palavra escrita, quer nas telas, quer na superfície do papel. A leitura e a escrita passam, a
partir desse processo de modernização, a integrar cada etapa do cotidiano humano, e se
constitui em ponto nevrálgico para os grupos nos quais ainda vigora o analfabetismo e
naqueles cujos efeitos do alfabetismo funcional podem ser percebidos.
Sendo assim, entendemos que é preciso afinar-se com a Sociedade da Informação
porque é dela que provêm os mecanismos que movem a sociedade em termos de
funcionamento das práticas de leitura e escrita. Para qualquer deslocamento, para as
tomadas de decisão e a busca de resoluções básicas do cotidiano, a exemplo de
pagamentos e recebimentos, obtenção de informações, retirada de documentos e
aquisição de produtos, tem-se a presença da tecnologia e dos torneios relativos à escrita
e à leitura, de modo que, na atualidade, se torna imperioso saber como utilizar/empregar
as práticas e eventos de letramento que envolvem as tecnologias da informação.
Caso contrário, o cidadão é submetido a sansões sociais, uma delas é o
expurgo/interdição da participação em práticas letradas. E essa observação vale com
maior força para o mercado de trabalho, onde, ao que parece, a tecnologia chega primeiro
ou dele emana. E nessa ordem de raciocínio, concordamos com Kumar (1997) quando
afirma:
O conhecimento, segundo os teóricos da sociedade da
informação, progressivamente influencia o trabalho de
duas maneiras. A primeira é o aumento do conteúdo
de conhecimentos do trabalho existente, no sentido de
que a nova tecnologia adiciona mais do que retira da
qualificação dos trabalhadores. A outra é a recriação e
expansão de novos tipos de trabalho no setor do
16
conhecimento, de modo que os trabalhadores em
informação serão predominantes na economia.
Nesse ponto, vemos que no mercado de trabalho qualidade e quantidade se
interpenetram. Isto significa que do trabalhador é exigida uma qualificação moldada pela
quantidade de conhecimentos que possua e que possa redimensionar para acomodar os
novos conhecimentos que lhe são exigidos, caso queira permanecer no mercado de
trabalho ou nele ingressar. Assim, a questão da qualificação do trabalhador, tendo em
vista as demandas advindas das novas relações do mercado de trabalho, se desloca do
âmbito do trabalho e se fixa na escola, que passa a ser o lugar onde se realiza ou deve se
realizar a capacitação do trabalhador, quer enquanto possuidor de uma força de trabalho,
quer enquanto sujeito.
E nessa perspectiva, nem a qualificação profissional, nem a educação básica em
si, conseguem fornecer os instrumentos necessários a essas mudanças abruptas e
constantes da época em curso, porque são processo e resultado de concepções restritas
engendradas em período de constância e estabilidade do mercado de trabalho. Ao lado
dessas mudanças, ocorre outro agravante: a extinção do emprego e o aumento no setor
de serviços, o que vai gerar altos índices de desemprego em virtude da baixa qualificação
frente ao novo mercado de trabalho bastante pautado pela competência para além de
qualificações específicas. Conforme assegura Chiavenato (1999:85),
As taxas de desemprego tendem a ser maiores onde a
educação é pior. O problema educacional é um dos principais
responsáveis pela concentração de renda. Um efeito da
revolução tecnológica é o fato de haver maior demanda por
gente mais qualificada e menor necessidade de empregos
tradicionais (...) sem dúvida alguma, a educação melhora a
empregabilidade.
Assim, as alterações orientadas pelo pós–fordismo vão aparecer em forma de
qualificação ampla e acentuada ou competência, posto que não basta apenas saber fazer,
mas também conhecer, saber aprender e utilizar esse aprender para outros limites que
não o do próprio cargo. Este direcionamento livra o trabalhador das doutrinas da
mecanização e baixo uso do potencial humano, porém lhe são exigidas novas atribuições
para além do saber até então utilizado. Nesse novo cenário não mais importa o
desempenho na tarefa, conforme ocorria na manufatura e no taylorismo/fordismo, mas um
17
conhecimento que supera o fazer. E aquio oportunas as palavras de Leite (1996 , apud
Assis 1999):
O resgate da qualificação, entendido como a recuperação e a
valorizão da competência profissional do trabalhador, não
é, contudo, apenas uma questão de desempenho técnico e de
acordo sobre as condições de trabalho. Encerra também uma
dimensão dos direitos do cidadão e vai além dos muros da
empresa: ler, interpretar a realidade, expressar-se
verbalmente e por escrito, manejar conceitos científicos e
matemáticos abstratos, trabalhar em grupo na resolução de
problemas, tendem a converter-se em requisitos para a vida
na sociedade moderna.
Desse modo, o letramento profissional vai, ou deve, superar os limites da sua
função, da fábrica onde o trabalhador está situado, bem como de um letramento básico
restrito às habilidades de ler, escrever, contar e conhecer rudimentos de mecânica e/ou
engenharia ocorridos na escola, tanto quanto dos ensinamentos restritos oriundos dos
cursos profissionalizantes, para se fixar em um processo de letramento que seja
congruente com as novas funções que lhe são exigidas. A questão que se coloca nesse
momento é a de que o letramento do trabalhador exige mais que o aprendizado básico de
competências singulares restritas aos conhecimentos sistematizados e especificadores.
Principalmente porque o movimento do operário seja para outro setor, outro emprego ou
para a realização de cursos profissionalizantes ou de qualificação ampla exige o requisito
da escolaridade, e isto nos remete a conjeturar que o nível de escolaridade é entendido
pelo setor de Recursos Humanos como mantenedor de condições basilares que permitem
a absorção de outros conhecimentos e habilidades a desempenhar (novas) funções.
A escolaridade seria o requisito para as mobilizações, portanto, e para tanto, a
função da escola se desloca ou deve se deslocar para atender a essas demandas de
letramento exigidas pelo novo mercado de trabalho, evoluindo de uma função disciplinar e
doutrinária para uma função de preparadora de uma “mão – de – obra” afinada com as
mudanças ocorridas na atualidade e que atingem com mais força aqueles que apesar de
estarem inseridos no mercado de trabalho industrial, estão à margem da escolaridade
básica. No entanto, conforme os estudos realizados por Descaderci (2000), Bueno (2000),
Buque (2001), Rojo (2001), entre outros, apontam que o letramento realizado em contexto
18
escolar situa-se aquém das novas exigências do trabalhador inserido nesse novo
mercado de trabalho.
A escola, ao que parece, continua envolvida na função disciplinar e doutrinária da
conduta do indivíduo, tornando-o apto à obediência e à consecução de tarefas que são
aprendidas à revelia da inclusão na escola, ou seja, o que a escola ensina não guarda
relação com as tarefas desempenhadas ou a desempenhar pelo aluno trabalhador. Os
conhecimentos atualizados pela escola camuflam o desenvolvimento desse aluno
trabalhador por meio de um letramento que está mais inclinado às práticas escolares que
propriamente às práticas sociais ocorridas fora da escola. Nesse sentido, o binômio
educação–trabalho passa a ser problematizado e restaurado à luz de uma visão que
busca analisar as demandas profissionais com as práticas de leitura e de escrita. Para
isso, os estudos sobre letramento m apresentado uma significativa contribuição na
reorientação das práticas escolares.
1.3 Letramento escolar
Nesta seção abordaremos a escola a partir da sua historicidade e relação com a
sociedade econômica, na qual vai se tornando paulatinamente uma aliada, seja na
manutenção da estrutura hegemônica, seja na formação do individuo para atuar em
consonância com as forças produtivas. Para tanto, dividimos a seção em dois tópicos
centrais: 1.3.1 A escola como instituição do letramento; 1.3.2 Características das práticas
escolares.
1.3.1. Escola como instituição do Letramento
O surgimento da escola data de períodos bastante remotos na história da
civilização. Originalmente era tida como local de aprimoramento de estudos sem a
exigência da formalidade, sem o caráter de institucionalidade. Exemplos são as
academias platônicas e universidades medievais, conforme relata Mey (2001). Em
momentos posteriores, a escola adota a função de preservação das tradições culturais e
históricas, através do corpo dos preceptores, uma vez que remonta a um período anterior
ao surgimento da escrita.
19
Nesse momento, dada a eficiência que apresenta em termos de preservação da
cultura, a escola adquire o status de instituição, pois passa a representar um local por
excelência de transmissão de saberes e culturas. Como o surgimento da escrita, em suas
formas variadas, – pictográfica, hieroglífica, sumeriana, acadiana, cuneiforme e finalmente
a alfabética – (Mey, op.cit), a escola amplia seu status porque detém os meios de
aquisição da escrita.
À medida que as práticas escolares de letramento se consolidam, a escola passa a
ter o controle sobre a sociedade servindo a um propósito duplo: de um lado, a serviço do
Estado, na manutenção da cultura; e por outro, a serviço do povo, para quem oferece o
caminho de aquisição da escrita. Nesse sentido, o letramento escolar adquire o status de
único meio pelo qual alguém pode vir a reverter sua condição de marginalidade social e
ser considerado cidadão, mesmo que a história tenha revelado a ineficiência dessa
premissa, a exemplo da Suécia, em que a alfabetização dos seus membros ocorreu
desvinculada da escolarização (Marcuschi, 2003:19).
No ocidente, o surgimento da escola esde certa forma associado ao processo de
industrialização, conforme os estudos de Graff (1994), sem uma linearidade precisa, mas
que apresenta fortes indícios de que houve uma relação marcada entre escola e
industrialização. Nesse sentido, é correto afirmar que a função da escola prende-se às
exigências sociais e que seu aparato teórico–metodológico tem estreita relação com as
forças de poder que integram a sociedade.
A esse respeito são elucidativas as proposições de Signorini (1995) e Ramos
(2006) sobre a institucionalização da escola, ao assegurarem que a gênese histórica da
escola coincide com o advento das sociedades modernas e conseqüentemente com a
divisão social e com o nível de complexificação do trabalho. Novas formas de trabalho
surgem, novas formas de enfrentamento para esse mercado de trabalho são desejadas e
no ponto de interseção entre demanda / oferta, a educação é ponto de partida e de
chegada.
Como é sabido, a partir do século XVIII, ocorre a reviravolta das ciências e a
eclosão do Estado Moderno. Nessa época são desvencilhadas as forças produtivas
baseadas no trabalho artesanal, e a máquina passa a integrar de forma linear e paulatina
o processo produtivo, exigindo, por seu turno, uma massa de colaboradores que passam
a contribuir para o sucessivo plano de desenvolvimento e progresso econômico. Assim
sendo, esse plano de progresso e desenvolvimento econômico passa a ser impensável
sem a educação do povo, que deveria se tornar apto a integrar as forças produtivas por
meio de uma formação para o mercado de trabalho.
20
A educação, nesse período, nasce sob a égide do discurso pedagógico burguês,
constitutivo dos ideais racionalistas e iluministas, os quais propagam a transformação da
consciência por intermédio da racionalização e da libertação do homem de suas
diferenças de capacidades. Isto aponta para o fato de que seria a educação ou as tarefas
eminentemente pedagógicas que trariam o homem para atuar na construção e no
aperfeiçoamento do Estado Moderno, por meio de uma acentuada obediência e
passividade frente à marcha inexorável do progresso econômico, conforme acentua
Ramos (2006:31):
O projeto burguês de educação, desde o final do século XVIII,
é fortemente marcado pela concepção de educação para
as massas como fator de racionalização da vida econômica,
da produção, do tempo e do ritmo do corpo. Em outras
palavras, a educação do trabalhador, no projeto burguês, é
subsumida à necessidade do capital de reproduzir a força de
trabalho como mercadoria.
E, assim, na medida em que a massa de pessoas é incluída na escola passa a
integrar as forças produtivas do Estado. Todavia, realiza-se um projeto pedagógico
diferente do que é endereçado às elites dirigentes, porque a esses cabe comandar e
àqueles obedecer. A inclusão escolar se dá de forma aparente, uma vez que as classes
minoritárias da sociedade sempre ficam à margem do letramento com fins de
conscientização e desvendamento dos objetivos da sociedade, pois, via de regra, estão
sendo preparados para alargar a base da pirâmide social através da força de trabalho,
apenas.
E para este fim específico, conhecimentos básicos em torno da leitura, da escrita,
da contagem e de pontos teóricos que fundamentam a mecânica e a engenharia seriam
suficientes para fazer da pessoa um trabalhador passivo e adequado aos procedimentos
do Estado, à luz dos processos de industrialização.
A escola que abriga essa massa de pessoas aptas ao trabalho é permeada pelo
discurso das classes dirigentes e moldada pela forças de poder do Estado. Sendo assim
distancia-se do letramento que o aluno detém gerando a inflexibilidade comunicativa (cf.
Signorini, 1995:171) responsável, entre tantos outros fatores, pela continuada exclusão do
aluno da escola mesmo que ele permaneça em seus domínios ou pela exclusão
propriamente dita quando esse aluno não consegue acompanhar a transmissão do
conhecimento em virtude do tipo de linguagem empregado pela escola, pois conforme
21
Mey (2001), não se pode ensinar sem palavras, e a questão é saber de quem são as
palavras mais apropriadas ao ensino.
Um outro papel da escola, nessa perspectiva de raciocínio, é o da auto regulação
(cf. Mey, op.cit), ou seja, existe um espírito geral de que quem não passa pela escola não
consegue o desenvolvimento necessário, e quem dela sai é o responsável direto por isso,
não existe responsabilidade da escola perante a desistência, reprovação e repetências
sucessivas, ou ainda da não–entrada. Por seu turno, a auto-regulação que a escola
institui advém da regulação do Estado, que tem nela seu agente de manutenção da
cultura hegemônica, ao lado de outras forças de poder centrais, a exemplo da igreja, do
setor econômico e da própria sociedade. As palavras de Foucault (1972) são bastante
claras a esse respeito:
A educação pode até ser, como de direito, um instrumento por
meio do qual o indivíduo pode ganhar acesso a qualquer tipo
de discurso. Mas sabemos que em sua distribuição, naquilo
que ela permite e naquilo que previne, ela segue as bem
trilhadas linhas de batalha do conflito social. Todo sistema
educacional é um meio político de manter ou modificar a
apropriação do discurso com o conhecimento e o poder que
ele carrega consigo. (p 227)
Essa visão assustadora e preocupante que temos da escola faz parte da sua
agenda oculta (Mey, 2001:95-96), embora o quê a escola mostre e propague na
sociedade civil sejam ideais de civilidade, progresso, desenvolvimento cognitivo e garantia
de bem estar, seja profissional, seja pessoal via conhecimento sistematizado. Sobre isto ,
Mey declara:
muito tempo os pedagogos têm consciência de que a
escola, além do seu objetivo oficialmente proclamado
transmitir o conhecimento – tinha outro propósito oculto para
suas atividades educacionais: a formação de crianças e
adultos para serem bons cidadãos (grifos nossos) (p. 95)
Em que pese essas considerações em torno do que a escola oculta da sociedade
civil e de quais são seus reais objetivos educacionais, caberia questionar por que e como
a escola mantém essa agenda oculta sem que seja percebida por muitos e uma vez
22
percebida não seja desacreditada no seu papel e função sociais. O porquê já deve ter
ficado evidente: prende-se a questões históricas, políticas e sociais que engendram a
própria sociedade. Como ou de que maneira a escola mantém seu status quo à revelia do
que propaga na sociedade pode ser visto a partir:
a) do controle que exerce sobre a sociedade, em se tratando da manipulação do
conhecimento e de sua transmissão bem como dos critérios avaliativos na
perspectiva das mobilidades sociais. Não raro é atribuída à escola a categoria de
transmissora do conhecimento porque é por seu intermédio que o conhecimento
sistematizado geralmente é repassado às pessoas, bem como de detentora dos
meios de avaliar e medir a competência da pessoa frente à migração para outras
fases escolares ao lado do preenchimento de vagas em empregos mediante
concursos ou outros meios de avaliação sempre na perspectiva de conteúdos e
procedimentos escolares;
b) da instituição da variedade padrão como única e legítima, aproveitando a
disseminação da palavra escrita com a Sociedade da Informão. Ainda vigora na
sociedade a noção de que é na escola onde se aprende a língua padrão e a
linguagem escrita; geralmente é consenso, na sociedade, a idéia de que essas
modalidades de uso da linguagem são de responsabilidade da escola, de modo
que a preparação para exames, tipo vestibulares ou concursos, que geralmente
cobram a língua culta como requisito, adotam os procedimentos escolares quando
não buscam a escola para a apropriação desses requisitos;
c) da eleição e elevação da aquisição da escrita à condição de meio indispensável ao
desenvolvimento e ao poder. Tamm é consenso na sociedade que ser
escolarizado é garantia para se alcançar uma posição elevada, e a escolarização
está fortemente associada à aquisição da palavra escrita, não se concebe alguém
estar na escola ou ter concluído a escolarização básica sem o domínio da escrita;
d) da condição de espaço privilegiado e legítimo à pratica da transmissão do saber.
Embora o processo de letramento não ocorra exclusivamente na escola nem dela
derive, como apontam muitas pesquisas e estudos, nesse sentido, ainda é o
espaço escolar o responsável pela legitimidade do saber adquirido, inclusive a
institucionalidade desse espaço é a garantia de que só na escola se aprende
alguma coisa e o que se aprende nesse espaço é legitimamente considerado.
23
Tais fatos talvez não sejam questionados pela sociedade civil porque fazem parte
do imaginário popular, são cristalizações bastante arraigadas, de modo que
questionamentos sobre a função da escola se restringem a fatores outros que não essa
funcionalidade sobre a qual muitos estudos e pesquisas têm apontado como equivocada,
perante as práticas sociais do letramento. Além disso, socialmente já está tacitamente
pactuado que deixar de se submeter aos seus preceitos da escola conduz à exclusão,
algo como permanecer à margem de benefícios sociais e econômicos, tais como
emprego, mobilidade social, escolarização, entre outros que permeiam as socie dades
industrializadas, tecnológicas e capitalistas, a exemplo da nossa.
Como se observa, a escola mantém-se na dianteira das instâncias sociais, definindo e
comandando o que se deve ou não se deve aprender, como se dará esse aprendizado,
onde aplicá-lo e para que apren-lo. Isto porque seu funcionamento não obedece a um
comando de dentro para fora, mas está a serviço do Estado, conforme foi abordado em
vários momentos dessa seção, e, portanto, seu funcionamento é alimentado e revigorado
por aquilo que as forças de poder instituem como medidas para alcançar fins que se
situam bem aquém do que a sociedade civil necessita, em termos de consciência e
cidadania em sentido lato.
1.3.2. Características das práticas escolares
Conforme as discussões sobre o letramento na perspectiva social apontam, há
inúmeros letramentos, vinculados a instâncias sociais em que se realizam os usos e
funções da escrita com objetivos e fins específicos. Logo, havemos de convir que o
letramento realizado na escola é uma das variedades desse fenômeno, ao lado de tantos
outros que compõem o universo social, uma vez que a escola é uma das principais
instâncias de letramento.
No entanto, impera na sociedade a noção de que a escola é distinta das outras
instâncias de letramento em virtude da superioridade que lhe é conferida dado o seu
papel – outorgado pelas forças de poder – de transmissora por excelência do
conhecimento e reguladora/mantenedora da ordem social por meio da modelagem da
conduta humana. E assim, a instituição escolar se destaca entre as demais instâncias
pelo fato de estar a serviço do Estado nessa força-tarefa de formação de indivíduos para
atuar nas forças produtivas da sociedade, conforme enfatiza Lopes (2006:55):
24
por ser a escola a instituição tradicionalmente
responsável por essa tarefa, a ela é delegado o direito
de estabelecer os critérios através dos quais cumprirá
seus objetivos e, por ser credenciada para tal, elege
uma variedade particular de letramento – o escolar –
como a única que deve ser considerada como tal a
despeito dos múltiplos letramentos configurados em
práticas sociais que se processam em qualquer
sociedade.
Por essa razão, a atuação do letramento escolar nesse contexto específico se
realiza mediante algumas características básicas listadas a seguir:
a) Monologização, controle, imposição e inflexibilidade comunicativa (Signorini,
1995: 173);
b) Seqüenciamento e ordenação de conteúdos em função do critério do mais
simples para o mais complexo; distribuição de matérias segundo uma escala de
horizontalização e verticalização; singularização das experiências; centralização
da palavra na fala do professor; centralização da fonte de informação no texto
escrito (grifo nosso) (Lino de Araújo, 2004: 230).
As características registradas no item a estão associadas ao quadro interativo em
que se movem o professor e o aluno. Trata-se de um quadro no qual ocorre a relação
assimétrica, pois o professor detém o turno durante boa parte do tempo e regula as
interações mediante o esquema: pergunta–resposta–avaliação (Kerbrat – Orecchioni,
1992). Essa tríade interativa é na realidade um monólogo, posto que a fala do aluno,
quando ocorre, é ventrilocada (cf. Rojo, 2001). Além disso, marca o controle e a
imposição que o professor detém sobre o processo de ensino, independentemente do
conteúdo.
A inflexibilidade comunicativa prende-se ao fato de que sendo representante da
cultura letrada e tendo sob sua responsabilidade o repasse de determinado saber
científico, o discurso do professor geralmente se encaminha para uma configuração que
está distante daquela disposta pelo aluno, e assim, como seu compromisso é mais
inclinado às forças estruturais que engendram a escola, entre ele e o seu aluno, ocorrerá
uma distância considerável em termos de entendimento. A inflexibilidade comunicativa
apontada por Signorini (op.cit) pode ser entendida também a partir do que denominou
25
Lino de Araújo (op.cit) de centralização da palavra na fala do professor e centralização da
fonte de informação no texto escrito.
As características constantes do item b, com exceção das centralizações na fala do
professor e na fonte escrita, apontam para o que Chevallard (1991) denominou preparo
didático e Pais (2002) considerou textualização do saber, que é o processo de preparação
prévia por que passa o conteúdo a ser ensinado na escola, antes da sua exploração pelo
docente. As variáveis do preparo didático são o tempo didático e o tempo da
aprendizagem.
O tempo didático envolve a temporalidade legal do processo do ensino, que pode
ser observada a partir das características apontadas por Lino de Araújo (2004), ao se
referir ao seqüenciamento e a ordenação de conteúdos em função do critério do mais
simples para o mais complexo e distribuição de matérias segundo uma escala de
horizontalização. O tempo didático envolve tamm o tempo da aprendizagem, que é
subjetivamente compreendido em função da aprendizagem do aluno, e também configura
na característica da distribuição de matérias segundo uma escala de verticalização, ou
seja, na perspectiva da autora citada, aprofundamento à medida que o aluno avança na
hierarquia escolar.
Todas essas características funcionam como mecanismos que servem à escola e
funcionam bem dentro dos seus domínios, mas que nos espaços extra-escolares
dificultam as situações de comunicação social, uma vez que se restringem a uma única
variedade de língua, a uma única concepção de escrita, e elege o espaço escolar como
única via de acesso para a aquisição de bens culturais e sociais, desvinculado dos
espaços por onde transita o aluno. Por esse motivo, é que o letramento realizado em
contexto escolar é tido como uma variedade de letramento restrito ao espaço escolar e,
portanto, autônoma frente às outras variedades de letramento.
As características do letramento escolar são provenientes dos estudos realizados
no modelo autônomo do letramento, comentado na seção 1.1. Tais posicionamentos
teóricos foram refutados pelos Novos Estudos do Letramento, tendo em vista o equívoco
perante o que de fato acontece quando homem e escrita passam a ser mais próximos por
ocasião do advento da era tecnológica.
O modelo de letramento autônomo parece ser, portanto, subjacente às concepções do
letramento escolar. Essa corrente de pensamento, refutada pelos Novos Estudos do
Letramento e já abandonada pelos seus teóricos precursores, ainda está na base do
letramento escolar, originando os mitos que circundam essa variedade de letramento, os
quais reproduziremos a seguir, partindo da perspectiva dos estudos de Graff (1994):
26
1. Superioridade da escrita sobre as outras formas de representação;
2. O domínio da escrita permite a ascensão profissional e pessoal;
3. Não dominar a palavra escrita significa não pensar logicamente e racionalmente;
4. O analfabetismo é uma doença e deve ser erradicada pelo letramento;
5. A miséria social é decorrente da falta de escolaridade;
6. Supremacia dos saberes escolares sobre outros saberes;
7. O não escolarizado é cognitivamente semelhante a uma criança;
8. A alfabetização só ocorre em contexto escolar;
9. Letramento é sinônimo de aquisição da escrita;
10. Ser letrado é melhor que não ser.
Todos esses mitos estão seguramente consolidados na sociedade, bem como são
revigorados pelos ideais do letramento escolar, que definiu a aquisição da escrita como
uma espécie de status. Todos esses mitos têm seu construto nas forças de poder que
engendram a sociedade, logo, não se sustentam em si mesmos, e, apesar de terem tido
seu arcabouço teórico já refutado, permanecem em vigência porque servem aos objetivos
dessas mesmas forças de poder, de modo que critérios e preceitos escolares integram a
rotina do setor produtivo, como ficou evidente no letramento profissional.
27
Capítulo 2: FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
2.1. Definição da natureza e do tipo de pesquisa
A natureza da pesquisa adotada neste estudo investigativo foi a qualitativa dada
sua complexidade social. Considerada um estudo descritivo com análise intensiva e
holística de uma realidade social, cujo processo interpretativo é condicionado pela relação
entre o pesquisador e os atores sociais, contribuiu para que o conhecimento e a
interpretação sobre o nosso objeto de estudo – o contexto de aprendizagem e o contexto
profissional -, pudesse ser obtido.
Dentro do paradigma qualitativo de investigação, fizemos um recorte para a
pesquisa de inspiração etnográfica, posto que a condução do nosso trabalho investigativo
sugeriu que atores e cenários fossem observados dentro do seu contexto sócio – cultural.
As etapas de realização dessa pesquisa seguem a tradição dos estudos de base
etnográfica, cuja indicação sugere: a) estabelecimento do campo de estudo; b) formas de
adentramento nesse campo; c) perfil dos informantes; d) procedimentos para a realização
da coleta de dados, e) constituição do corpus; e) análise do corpus; f) interpretação do
corpus.
2.2. Os procedimentos de coleta de dados e o corpus
Para a consolidação do corpus dessa pesquisa foram utilizados vários
procedimentos de coleta de dados, uma vez que o objeto não se revela de modo claro
com um único procedimento de coleta. Ademais, a tradição da triangulação de dados é
recorrente nos estudos sobre Letramento. De acordo com Cançado (1994), a triangulação
é entendida como o uso de diferentes tipos de corpus, a partir da mesma situação – alvo
de pesquisa, com diferentes métodos e uma variedade de instrumentos de pesquisa.
Dessa forma, os instrumentos que permitiram a coleta de dados constituíram-se de:
a) entrevistas escritas; b) diários de campo, c) documentação em fitas audiovisuais, e os
procedimentos foram os seguintes: (1) Elicitação dos dados, utilizado nas quinze
entrevistas formais realizadas com os informantes e nos vários telefonemas com as
responsáveis pelo serviço de RH das duas empresas, (2) Documentação em vídeo de
aulas ministradas no CAT JRF e na CTM, (3) Observação, utilizado nas visitas às
empresas e nas aulas, reuniões com professores e nas conversas informais com os
28
informantes e com alunos não informantes, posteriormente registradas no diário de
campo, (4) Recolha dos materiais escritos utilizados pelos professores na sala de aula ao
apresentar os conteúdos referentes à sua disciplina e os textos escritos oriundos dos
eventos de letramento das referidas empresas.
Finalizadas as etapas de coleta de dados, obtivemos o seguinte corpus: entrevistas
com os informantes, transcrições das aulas gravadas em vídeo, anotações no Diário de
Campo, materiais escritos oriundos dos professores e das empresas visitadas. Esses
dados propriamente formatados e descritos através de quadros, aulas transcritas,
registros em Diário de Campo e material escrito recolhido, nos permitiram construir um
perfil ilustrativo dos sujeitos e dos contextos da pesquisa a partir da sua configuração
diante das agências de letramento com as quais trabalhamos. Esses perfis serão
expostos a seguir.
2.3. Os sujeitos da pesquisa
A pesquisa contou com a participação de 15 informantes diretos e alguns indiretos
tamm colaboraram para a constituição dos dados. São alunos do CAT JRF, operários
da SPA e CTM com os quais convivemos em diversas situações que não eram
propriamente as da coleta de dados, mas que se mostraram importante para uma melhor
compreensão do objeto desta pesquisa. Para proceder a nossa investigação no CAT JRF
e nas empresas SPA e CTM selecionamos como informantes 9 alunos do ensino médio, 3
de cada fase. Cada uma delas corresponde respectivamente a um dos anos letivos do
ensino médio regular. Os alunos da 1º fase pertencem ao quadro de funcionários da
empresa CTM, os da 2ª e 3ª fases integram o quadro funcional da SPA.
Todos os alunos foram escolhidos sob o critério de pertencerem à categoria de
industriários, já que no CAT JRF há tamm alunos não industriários. Compõem também
esse grupo de informantes 4 professores – 1 de Química, 1 de Inglês, 1 de Matemática e
1 de Língua Portuguesa - e 2 profissionais responsáveis pelo setor de Recursos
Humanos das empresas, 1 da SPA e outro da CTM. Esses informantes, por estarem
diretamente implicados no contexto de ensino-aprendizagem e recrutamento de mão de
obra são representativos do nosso objeto de estudo. A escolha das disciplinas obedeceu
a um critério aleatório, já que entendemos que qualquer uma delas atenderia ao nosso
objetivo de observar as práticas letradas adotadas pelo programa Educação do
Trabalhador.
29
2.3.1. Perfil dos Sujeitos
O perfil dos sujeitos foi possível definir a partir das entrevistas escritas a que se
submeteram os 15 informantes diretos. Esse instrumento de coleta de dados foi do tipo
entrevista estruturada e o foco central foi elicitar o opinião deles quanto às expectativas
sobre o trabalho desenvolvido pelo programa Educação do Trabalhador . Essas
entrevistas foram constituídas de 3 a 7 questões, assim distribuídas: RH – 7 questões;
professores – 3 questões, e alunos – 6 questões. (anexo 1) As entrevistas dos alunos da
empresa CTM bem como a dos responsáveis pelo setor Recursos Humanos não foram
realizadas pela pesquisadora.
Os alunos da empresa CTM não puderam sair do seu horário de trabalho nem do
seu horário de estudo, e os representantes do setor de RH, nas duas empresas, também
não dispuseram de tempo. Assim, a coleta dos dados da pesquisa a partir da opinião
sobre o programa Educação do Trabalhador foi realizada pelos profissionais do RH das
duas empresas e entregues á pesquisadora em momento posterior.
A realização das entrevistas dos alunos do CAT JRF foi realizada pelo pesquisador
que todos eles estavam nas dependências do CAT JRF no período de aulas e sua
disponibilidade era previsível e possível de ser aproveitada para a condução da
entrevista. Todas as entrevistas foram realizadas com a anuência da gerente do CAT JRF
e permitiram a obtenção das primeiras informações sobre os sujeitos sumarizadas nos
quadros 1, 2 e 3 que seguem:
Quadro 1
Perfil do Aluno
Aluno
Sexo
Idade
Empresa Função
Tempo
de
Empresa
Horário
de
trabalho
Horário
de
estudo
Observação
01/1ªF
F
30
CTM
tendente
7
anos
07:00
às
17:00
18:30
às
20:45
É
aluna do SESI desde
o
fundamental
02/1ªF
F
43
CTM
Serviços
Gerais
3 anos e
6
meses
07:00
às
17:00
18:30
às
20:45
Entrou na EJ
A
no ensino médio
e
não estuda há 20
anos
03/1ªF
M
26
CTM
Operador
de
máquinas
1 ano e
9
meses
06:00
às
18:00
18:20
às
20:45
Entrou na EJ
A
no ensino médio
e
não estuda há 3
anos
04/2ªF
M
28
SPA
Operador
de
máquinas
8 anos e
3
meses
14:00
ás
22:00
07;00
às
9:30
È aluno do SESI desde
o
fundamental
05/2ªF
M
38
SPA
Operador
de
máquinas
11
anos
14:00
às
22:00
07:00
ás
9:30
Entrou na EJ
A
no ensino médio
e
não estuda há 20
anos
06/2ªF
M
28
SPA
Mecânico
4
anos 14:00
às
22:00
07:00
às
9:30
Entrou na EJ
A
no ensino médio
e
não estuda há 5
anos
07/3ªF
M
32
SPA
Operador
de
máquinas
12
anos 14:00
às
22:00
11:15
às
13:30
É
aluno do SESI desde
o
fundamental
08/3ªF
M
35
SPA
Operador
de
máquinas
15
anos
14:00
às
22:00
11:15
às
13:30
È
aluno do SESI desde
o
fundamental
09/3ªF
M
38
SPA
Operador
de
máquinas
06
anos
14:00
às
22:00
11:15
às
13:30
È
aluno do SESI desde
o
fundamental
30
Como se pode observar a partir do quadro 1, as variáveis como a idade, o horário
de trabalho e de aula, ao lado de outras como função que exerce e o histórico escolar,
destacam mais semelhanças que particularidades no perfil do aluno da EJA. A idade dos
informantes alunos varia entre 26 e 45 anos, todos têm a mesma carga horária de
trabalho.
A função de operador de máquina parece ser ampla e engloba várias atividades
diferentes.São 6 operadores de máquina, 1 atendente, 1 auxiliar de serviços gerais e 1
mecânico. Um outro fator a considerar é a situação educacional. A maioria dos
informantes é aluno do SESI desde o fundamental e esse tempo de freqüência coincide
com o tempo de empresa. Aqueles que ingressaram na escola no ensino médio, em geral,
estavam afastados da escola por um período longo e reingressaram por intermédio da
empresa onde trabalham. Também havemos de considerar que 5 dos 9 informantes
ingressaram na empresa apenas com a escolarização básica.
Quadro 2
Perfil do Professor
P
r
ofesso
r
Formação Tempo de EJ
A
Observação
01 Licenciatura em
Ma
t
emá
t
ica
10 anos Pertence ao quadro
efetivo do SES
I
02 Licenciatura em
Química, Mestre em
Meio Ambien
t
e
3 anos Pertence ao quadro
efetivo do SES
I
03 Letras
Habili
t
ação
I
nglês
06 anos Pertence ao quadro
efetivo do SES
I
04 Letras
Habili
t
ação
Língua Portuguesa
,
Especialista em
Língua Portuguesa
10 anos Pertence ao quadro
efetivo do SES
I
O professor da EJA tamm apresenta um perfil em que a margem de diferenças é
pouco significativa. Dos quatro professores acompanhados, apenas um faz parte do
quadro funcional há pouco tempo, os demais estão inseridos no programa há um período
considerável. Dos quatro, dois possuem pós – graduação, e apresentam uma formação
voltada para o ensino regular.
Em conversas informais com esses professores obtive informações de que eles
estão formados há 10 anos, antes, portanto, de ingressarem no quadro funcional do
SESI, lecionaram em escolas públicas e privadas de ensino regular e que a formação em
EJA ocorreu de forma intensiva no contato diário com os alunos, já que seu treinamento
inicial ficou restrito a informações sobre o funcionamento do programa em termos
administrativos.
31
Esses professores tamm realizam cursos à distância promovidos pelo SESI, mas
são cursos pertinentes a teorias sobre a EJA em um nível de alfabetização bem como da
natureza dessa modalidade de ensino em termos institucionais, sem alcance para sua
prática de sala de aula.
Quadro 3
Perfil do profissional responsável pelo setor de Recursos Humanos
Hab
ili
tação Função
/
tempo Empresa
Psicóloga Organizacional
A
nalista de Recursos
Humanos / 8 anos
SP
A
Psicóloga Organizacional Psicóloga / 11 anos CTM
Os dois responsáveis pelo setor Recursos Humanos das empresas em foco
desempenham uma função ampla porque esse profissional é o responsável por toda a
movimentação empregatícia da empresa, a exemplo de recrutamento do funcionário, aval
da contratação bem como da dispensa, acompanhamento do funcionário no seu percurso
laboral em relação a casos de desavenças entre funcionários, indisciplinas, casos de
absenteísmo, marcação de consultas, matriculas em cursos profissionalizantes e outros, a
exemplo da EJA e progressões funcionais.
A esse profissional também é facultada a responsabilidades perante as visitas que
ocorrem nas empresas e por alguma alteração do percurso normal que venha a ocorrer
nas dependências da empresa, a exemplo de comemorações, entregas de prêmios,
campeonatos esportivos, enfim, o RH é o coração” da empresa e por essa razão,
organiza e comanda o movimento dos outros setores.
2.4. Cenários da investigação
Em termos dos cenários, escolhemos o (1) Centro de Atividades do Trabalhador
João Rique Ferreira, (CAT JRF) no qual atuo como professora e para o qual convergem
grande parte dos alunos-trabalhadores., (2) as empresas SPA e (3) CTM. A escolha por
essas duas empresas se deve ao fato de que é proveniente delas a maior parte de alunos
matriculados no Programa Educação do Trabalhador.
Os alunos, no entanto, assistem às aulas em salas separadas, pois os funcionários
da CTM dispõem de espaço apropriado e projetado para o funcionamento do seu
processo educativo na própria fábrica, ao passo que os funcionários da SPA, devido à
inexistência de espaço apropriado para abrigar um número expressivo de alunos
32
funcionários, são enviados ao CAT JRF para o cumprimento do seu processo educativo.
Portanto, três são os cenários de nossa investigação.
2.4.1. Perfil dos cenários: a escola e as empresas envolvidas no programa
Educação do Trabalhador
As visitas às empresas SPA e CTM foram registradas em Diários de Campo. Não
foi permitida gravação de nenhuma natureza nesses ambientes, uma vez que neles há
equipamentos de alta sensibilidade a focos luminosos e, portanto, impossíveis às
observações além das do olhar humano, segundo alegaram os responsáveis pelas visitas
aos locais de trabalho dos alunos trabalhadores.
Nessas visitas, além da observação aos ambientes constitutivos do setor de
produção onde são lotados os alunos trabalhadores, realizamos entrevistas estruturadas
e semi–estruturadas com o profissional responsável pelo setor de Recursos Humanos
sobre o requisito de ingresso do trabalhador no quadro funcional, bem como seu
deslocamento para outros setores. Além disto, coletamos alguns exemplares constitutivos
dos eventos de letramento realizados pela empresa.
Ao lado das visitas, informações adicionais foram obtidas mediante telefonemas
dados aos responsáveis pelo RH. Isto porque tais profissionais não dispunham de tempo
para receber o pesquisador tendo em vista a natureza da sua função na empresa onde
está inserido, conforme citado anteriormente. Tamm atribuímos a adoção desse
procedimento a questão de serem informações bastante pontuais e por assim serem, não
ter necessidade de que fossem realizadas mediante um contato direto.
As informações sobre o Programa Educação do Trabalhador e CAT JRF foram
obtidas por intermédio de documentos oficiais, conversas com os responsáveis pela
realização do programa, bem como a partir da minha inclusão como profe ssora da
instituição. Esta condição permitiu que os dados fossem coletados sem problemas, e
esses dados, salvo os encontrados nos documentos oficiais, foram registrados em Diário
de Campo. A seguir, será apresentado o perfil de cada um dos cenários utilizados nessa
dissertação.
2.4.2. O programa de educação para o trabalhador e o CAT JRF
O programa Educação do Trabalhador, tamm conhecido como Educação de
Jovens e Adultos, tem como suporte legal a LDBEN nº 9.394/96, segundo a qual
33
“a educação de jovens e adultos se destina àqueles que
tiveram acesso (ou não deram continuidade) aos estudos no
Ensino Fundamental e Médio, com oportunidades
educacionais apropriadas, considerando as características,
interesses, condições de vida e de trabalho do cidadão”.
(Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, V.
1, 2002)
Esse programa está subordinado aos pareceres constitucionais da COEJA
(Coordenação de Educação de Jovens e Adultos) da Secretaria de Educação
Fundamental do Ministério da Educação, cujas Diretrizes Curriculares Nacionais,
resolução CNE / CEB nº 1/ 2000, definem a EJA ou Educação do Trabalhador como
modalidade de Educação Básica e como direito do cidadão, afastando-se da idéia de
compensação e suprimento e assumindo a de reparação, eqüidade e qualificação.
Nesse sentido, as funções da EJA, segundo as Diretrizes Curriculares são: a
reparadora - reconhecimento da igualdade de acesso e direito a uma educação de
qualidade; a eqüalizadora – igualdade de oportunidades de inserção na vida social e a
qualificadora – educação para toda a vida. Este tópico é um reflexo das idéias de Paulo
Freire (1980) agregado às contribuições das teorias sócio-construtivistas.
Em Campina Grande, esse programa é desenvolvido pelo SESI (Serviço Social da
Indústria), através de 4 (quatro) escolas: Manoel Motta (Bodocongó), Cassiano Pascoal
Pereira (Jardim Paulistano), Roberto Simonsen (São José) e Centro de Atividades do
Trabalhador João Rique Ferreira (Distrito Industrial). Nesses estabelecimentos, o
programa atua em parceria com diversas indústrias de pequeno, médio e grand e porte
existentes na cidade. O maior número de alunos matriculados nesse programa educativo
provém das empresas SPA e CTM, informão já registrada anteriormente.
O CAT JRF possui 8 (oito) salas de aula destinadas ao ensino fundamental e
médio, atendendo a alunos da indústria e da comunidade e funcionando em 5 (cinco)
horários alternativos: 07:00 às 09:15, 11:15 às 13:30, 14:30 às 16:45, 17:15 às 19:30 e
19:30 às 21:45, com carga horária de 2:15m/dia e com mero de alunos bastante
variável, indo de 16 a 42 alunos por turma. O programa de ensino fundamental e médio é
desenvolvido em 3 semestres letivos, tendo cada um desses semestres 126 dias letivos.
O programa atende a um total de 1.200 alunos de ensino fundamental e médio.
Seu corpo docente é constituído de 9 (nove) professores efetivos licenciados e 20 (vinte)
estagiários provenientes da Universidade Estadual da Paraíba, Universidade Vale do
Acaraú e da Universidade Federal de Campina Grande. Dos professores efetivos, apenas
34
três possuem curso de pós-graduação, sendo dois Especialistas e 1 Mestre. Os níveis
fundamental e médio funcionam em três fases, com conteúdos distribuídos do seguinte
modo:
Ensino fundamental – CH 1107
1ª fase 2ª fase 3ª fase
Língua Portuguesa
Ma
t
emá
t
ica
His
t
ória
Artes
Língua Portuguesa
Ma
t
emá
t
ica
I
nglês
His
t
ória
Geogra
f
ia
Ciências
Ensino Médio – CH 1221
1ª fase 2ª fase 3ª fase
Língua Portuguesa
Ma
t
emá
t
ica
Qu
í
mica
I
nglês
Artes
Biologia
F
í
sica
Geogra
f
ia
Filoso
f
ia
Sociologia
Língua Portuguesa
Li
t
era
t
ura
Ma
t
emá
t
ica
F
í
sico-qu
í
mica
Biologia
Essa definição de fases não guarda relação com as séries do ensino fundamental.
Houve coincidência apenas em relação às séries do ensino médio e as fases do programa
para essa modalidade de ensino. A distribuição de disciplinas obedece a um critério de
determinação da carga horária imposta pela COEJA para os ensinos fundamental e
médio, de 1107 e 1221 horas, respectivamente.
A determinação dessa carga horária espautada pela noção de que cada
disciplina deve ministrar os conteúdos mínimos em cada fase. Com base nessa
determinação, coube à Inspetoria Técnica de Ensino da Paraíba distribuir a carga horária
por fase e por disciplinas, para fins de certificação. Houve uma modificação na
distribuição de disciplinas, por fases, no final do ano de 2006, a fim de que as disciplinas
Língua Portuguesa e Matemática figurassem em todas as fases, mas essa nova grade
curricular está em fase de implantação e nossos informantes estão inseridos na grade
acima descrita.
O material didático do programa Educação do Trabalhador é elaborado pelos
próprios professores, já que os livros didáticos do TELECURSO 2000, da Fundação
Roberto Marinho, foram considerados obsoletos. Esse recurso didático, na atualidade,
não é utilizado e funciona apenas como subsídio, caso o professor observe a relevância
35
de algum capítulo ou assunto abordado nesse material. A elaboração do material didático
é feita a partir das reuniões entre o coordenador da área específica e os demais
professores por meio de um planejamento.
Em termos de metodologia, os professores afirmam adotar um ensino
contextualizado, que se mostra quando os alunos participam de atividades experimentais,
como visitas às estações elétricas da CELB e Saelpa, no caso da disciplina de Química,
visitas à casa ecológica, a nichos ecológicos e a museus, a partir das aulas de Geografia
e de Ciências Biológicas, bem como quando realizam experiências na escola, por
exemplo, em torno de estudo e coleta de insetos, olimpíadas de Matemática e exposição
de trabalhos desenvolvidos nas disciplinas. Em nossas observações, identificamos a
recorrência de aulas expositivas, monologadas, a pouca recorrência de materiais escritos
à disposição dos alunos, bem como um certo distanciamento dos assuntos abordados nas
aulas e o contexto profissional dos alunos.
O CAT JRF conjuga ao lado da atividade educativa, os programas de Saúde e
Lazer, através dos quais ao trabalhador e à comunidade em geral são disponibilizados
serviços médicos, como consultas e exames laboratoriais e clínicos, e modalidades
esportivas variadas, a exemplo de futebol de campo, society e parque aquático. Esses
serviços são informados aos colaboradores mediante avisos e informes variados escritos
distribuídos pelas dependências do CAT, de modo que, o contato do aluno com o texto
escrito vai além do espaço da sala de aula.
2.4.3. Empresa SPA
A SPA produz sandálias de borracha que exporta para outros países e são também
comercializadas no Brasil. Possui 5.275 funcionários diretos, porque pertencentes ao
quadro funcional, e uma média de 2.000 funcionários indiretos, entre eles estagiários,
funcionários em fase de teste e prestadores de serviços. Desses funcionários diretos e
indiretos, aproximadamente 30 a 40% têm curso superior, segundo informou o RH.
Essa empresa atua em Campina Grande há 22 anos e localiza-se na parte central
do Distrito Industrial, entre indústrias de pequeno porte e cuja atuação produtiv o–
econômica é pouco expressiva para a cidade, com inclinações para a categoria de
empresas em declínio. A SPA, portanto, é a empresa de maior porte na área onde se
localiza, posição obtida pelo incremento da sua função produtiva ao longo da sua
existência.
36
Nessa empresa, ao contrário da empresa CTM, existem máquinas independentes,
há um galpão de grande proporção onde estão dispostas várias máquinas com fins
diferentes na produção das sandálias. O processo se inicia com o beneficiamento da
borracha e culmina com a sandália pronta e embalada para entrega. São diversas etapas:
beneficiamento da borracha, corte do solado, serigrafia, perfuração, produção de
forquilhas, encaixamento das forquilhas, análise do produto, afixação da marca,
embalagem e armazenamento nos caminhões.
São várias as máquinas e vários os funcionários, cada um atuando em uma
máquina. O processo é manual, o funcionário opera a máquina diretamente sem
intermediações, o trabalho é quase braçal. A produção dessas etapas é registrada em
tabuletas presas às máquinas contendo informações sobre o número de peças a serem
produzidas, entre outras informações relativas ao tipo de produto a ser produzido, bem
como sobre o funcionamento da máquina e as etapas da produção.
Essas informações, apesar de dispostas em forma escrita, são fornecidas ao
funcionário pelo supervisor do turno, sendo, portanto, repassadas oralmente. Durante 8
horas, o funcionário opera a máquina sem desviar a sua atenção para qualquer ponto,
salvo o momento em que sai para o seu horário de almoço ou jantar, dependendo do seu
turno de trabalho. A SPA possui vários textos em todos os setores, inclusive no setor de
produção onde se situam os trabalhadores. Há textos na portaria, na sala de descanso,
no refeitório, no setor médico, ao lado de cada uma das máquinas, nos sanitários, nos
setores existentes para além do setor de produção, enfim, em toda a empresa há um
variedade de textos escritos, indo dos informativos até os de entretenimento.
O ingresso do funcionário na SPA acontece por indicação dos funcionários já
pertencentes ao quadro funcional. A esses é disponibilizada uma espécie de “passaporte”
que funciona como uma carta de apresentação de potencial do novo funcionário. Assim
como acontece na CTM, esse funcionário em fase inicial de ingresso é orientado
oralmente pelo supervisor e acompanhado e avaliado pelos chefes de turnos. A
progressão funcional, na SPA, realiza-se de forma semelhante ao que ocorre no
recrutamento, ou seja, através de testes e posterior treinamento, salvo os casos em que o
funcionário já conhece o setor para onde migrará.
Nesse caso, por ser próximo ao seu setor de origem, é dispensado do
treinamento, mas não da realização do teste. Mesmo que esse funcionário possua todas
as condições de operar outra máquina e realizar a contento uma nova função, sua
migração está condicionada à realização do teste escrito; se for reprovado não migrará de
setor. A progressão funcional na SPA é constante, havendo sempre migrações entre
37
setores, novas contratações e dispensa, isto em relação aos setores que abrigam a parte
produtiva da empresa.
A SPA não dispõe de salas de aulas que comportem o número de funcionários que
ainda precisam cumprir a escolaridade básica, de modo que os funcionários são enviados
ao CAT JRF para cumprirem sua escolaridade. Esses alunos trabalhadores estão
distribuídos nos cinco horários alternativos do Programa Educação do Trabalhador,
porém, a maioria assiste às aulas no período diurno (07:00h), vindo, portanto, do trabalho
para a escola. Os trabalhadores beneficiados recebem vale–transporte, fazem uma
refeição leve antes de irem assistir aula e são incentivados a continuar estudando com o
estímulo de mudarem de setor ou de função, principalmente para chefes de turno/turma,
líder ou supervisor.
2.4.4. Empresa CTM
A empresa CTM possui 1.600 funcionários, dos quais a maioria é de profissionais
graduados, segundo informações apresentadas pelo responsável pelo RH. Esta empresa
está instalada em Campina Grande há 12 anos e localiza-se no Distrito Industrial numa
área projetada especificamente para sua instalação, não tendo, portanto, outras empresas
em seus arredores, posto que sua extensão abarca grande parte da Alça Sudoeste da
cidade, situando-se às margens de uma rodovia bastante significativa para a malha viária
do Estado e para o escoamento da produção.
A CTM fabrica o fio de algodão que servirá de matéria – prima para a produção de
toalhas e artigos desse gênero. O fio é tecido em um maquinário manipulado mediante
digitalização e constituído de uma única peça, não havendo setores determinados. Antes
um imenso “galpão” onde se situam partes desse maquinário, que acolhe o algodão em
estado bruto e conduze-o nas diversas etapas de melhoramento até finalizar a produção
do fio, que é disposto em carretéis e embalado.
O controle dessas etapas é feito por funciorios que geralmente são responsáveis
por um bom número de máquinas, chegando a supervisão de 11 máquinas por um
funcionário, algumas delas operados por robôs. O controle desse maquinário não se dá
manualmente, todo o procedimento é feito por computador, a partir de um pequeno visor
localizado na lateral de uma dessas máquinas que “avisa” os registros de al terações e/ou
finalizações de uma série de procedimentos.
Cabe ao funcionário, após a supervisão, responder aos “chamados” da máquina e
registrar todos os procedimentos. As mensagens emitidas por essas máquinas estão
38
dispostas em inglês e boa parte das informões aparece em forma de gráficos indicando
a localização da máquina e o seu funcionamento interno e eventuais problemas.
Em termos de demandas de letramento, a CTM apresenta um bom número de
textos escritos que se situam fora do ambiente de produção, a exemplo do refeitório, da
sala de descanso, do hall de entrada para as salas de aula e da portaria. Tais demandas
referem-se a textos informativos, de solicitação e de entretenimento, dispostos em sua
maioria em dois idiomas: português e inglês. No ambiente de produção, as demandas de
letramento restringem-se aos visores localizados em cada seção do maquinário.
O ingresso do trabalhador no quadro funcional da CTM se dá mediante a
solicitação ao RH de novos funcionários. Esse setor dispõe de um banco de dados que
quando não supre a necessidade imediata solicita novos funcionários de instituições
credenciadas, a exemplo do SENAI e Escolas Técnicas. Os candidatos indicados são
entrevistados e avaliados clínica e funcionalmente. Aceito como candidato à vaga, esse
funcionário recebe orientações orais sobre a função que desempenhará durante um
período de 3 meses, no qual seu desempenho será acompanhado e avaliado pelo
supervisor e ao final será feita sua contratação ou formalizada a dispensa.
Quanto ao deslocamento para outros setores, o procedimento é o mesmo. Não há
no ingresso nem no deslocamento do funcionário qualquer tipo de avaliação que não seja
relacionado ao desempenho de uma habilidade para determinada função. Na CTM, há
baixa incidência de progressão funcional. Enquanto parceira do SESI, a CTM dispõe dos
serviços de lazer, saúde e educação mediante pagamento previamente estabelecido. Em
função disto, se vincula ao programa de Educação para o Trabalhador, através do qual
atende funcionários que ainda não tenham concluído sua escolaridade seja em nível
fundamental ou médio.
A existência de funcionários com escolaridade incompleta na CTM se deve ao fato
de que muitos operários que participaram da fase de instalação da empresa não tinham
concluído a escolaridade básica, porém foram contratados tendo em vista o
aproveitamento da mão–de–obra. Por isso, figuram nas estatísticas de beneficiados pelo
Programa Educação do Trabalhador.
Com base num diagnóstico de funcionários com
escolarização incompleta e nos custos relacionados à implantação do serviço de
escolarização na empresa, na CTM funcionam três turmas: uma do primeiro segmento do
ensino fundamental, na qual é feito o trabalho de alfabetização, a outra da fase do
ensino fundamental, que corresponderia às e 6ª séries desse nível de ensino, e a
última da 1º fase do ensino médio, que corresponderia a 1ª série do ensino médio.
39
As aulas na CTM ocorrem no período noturno, para os alunos-operários que
trabalham durante o dia, no horário comercial, ou no horário de 22:00 às 06:00h. Cabe
registrar que a maioria dos alunos trabalha no período noturno, vindo à escola, portanto,
antes do seu horário de trabalho.
40
Capítulo 3: GESTÃO ADMINISTRATIVA DE RECURSOS HUMANOS: CONCEPÇÕES
ESCOLARES EM CONTEXTO PROFISSIONAL
O processo administrativo de gestão de pessoas em contexto profissional parece
ser pontuado por diversos procedimentos que podem ser assim descritos: recrutamento,
alocação, função a desempenhar, repasse de letramento profissional, mobilidade
funcional. Esses 5 (cinco) procedimentos funcionam nas empresas como mecanismos
institucionais de gestão de agentes produtivos, se diferenciam em função da atividade
produtiva da empresa e são inspirados em práticas escolares.
Neste capítulo, serão descritos e analisados 2 (dois) dos cinco procedimentos de
gestão de pessoas que fazem parte da rotina do funcionário no seu processo de
letramento profissional: o recrutamento e a mobilidade funcional. Esses procedimentos de
gestão empregatícia podem ser considerados, respectivamente, como acesso e
deslocamento (ao) no processo de aprendizagem profissional do funcionário e, por essa
razão, não estão relacionados diretamente ao processo de letramento funcional.
Isto não implica afirmar que esses dois procedimentos empregatícios se encontrem
em disjunção com concepções escolares, posto que, conforme será exposto a seguir, os
critérios e os recursos utilizados na operacionalidade dos procedimentos de recrutamento
e mobilidade funcional revelam concepções específicas de escola e de escolaridade.
Assim considerados, os dois procedimentos empregatícios dispostos neste capítulo
tamm funcionam como os elementos norteadores dos outros procedimentos que
pontuam a rotina do funcionário no seu processo de letramento profissional: alocação,
função a desempenhar e repasse de letramento profissional. Esses 3 (três)
procedimentos serão descritos e analisados no capítulo 4.
3.1 SPA
3.1.1 Recrutamento
O processo de seleção dos novos funcionários na SPA acontece mediado pelo
critério do compadrio. Esse é um procedimento comum nessa empresa que utiliza o
“passaporte” como requisito para contratação de novos funcionários. Esse documento
disponibilizado a integrantes do quadro e com boa conduta profissional funciona como
única forma de ingresso na empresa, tal como atestou um dos informantes e foi registrado
em Diário de Campo:
41
Registro 01
Eu entrei na empresa porque meu primo trabalha lá e conseguiu um passaporte para
mim, se não for assim, não tem jeito de entrar. É tão difícil que tem gente até que vende
passaporte. Mas é ruim de conseguir porque ninguém quer ficar responsável pelo outro.
(28.11.2005)
Esse critério de seleção faz ocorrerem dois fenômenos na SPA: 1) contratação de
famílias inteiras; 2) atração de uma massa de funcionários sem qualificação e por vezes
sem escolaridade. Isto porque a indicação é o critério atuante na escolha do funcionário.
Quanto melhor conceituado for quem indica, mais chances o indicado possui de conseguir
a vaga. Assim sendo, o valor cultural está embutido nesse procedimento de forma mais
significativa do que o mero preenchimento do formulário, pois que existe a crença de que
se o operário que indica é confiável, obediente e bom funcionário, o seu indicado também
o será, minimizando futuros problemas de ordem econômica e social. O problema real de
ordem educativa, portanto, pode ser conquistado depois ou é tratado como menor.
Dessa forma, uma prática de letramento oral permeia a admissão: a indicação;
num grupo menor poderia ser feita oralmente e o controle ser mantido pelo chefe, mas no,
caso em pauta, é apoiado pela apresentação de um formulário cujo valor é reconhecido
apenas na SPA.
Após a indicação, o candidato é convocado pelo RH e participa de uma entrevista
coletiva, qualificada por um dos informantes como “mini entrevista” porque é rápida e
enfoca apenas questões como comportamento em grupo, facilidade para aprender,
adaptação em horários noturnos ou diurnos, experiência em indústria. Passada essa
etapa, o candidato é submetido a um teste escrito cujo teor consideramos de natureza
escolar visto que é pontuado por questões normativas. Esse teste não guarda relação
com as funções a desempenhar pelo candidato a funcionário, pois explora, em Língua
Portuguesa, questões normativas, a exemplo de classificação morfológica de termos, bem
como questões relacionadas à ortografia, e em Matemática as questões focalizam as
quatro operações dispostas em forma de situações–problema.
Esse teste tamm é discrepante com o critério de seleção adotado; funciona, na
realidade, como um filtro perante o número de candidatos inscritos para o recrutamento,
e, como tal, representa a exclusão mediada pelas práticas escolares, já que os candidatos
a funcionários, em sua maioria, apresentam uma escolaridade incompleta ou mínima,
fator esse que parece não ser importante para a empresa, pois, de acordo com o registro
do Diário de Campo:
42
Registro 02
Ao perguntar sobre a sua experiência anterior tanto em termos de escolaridad e como
profissional, o aluno respondeu que na empresa não perguntaram por isso, apenas se ele
já havia trabalhado em indústria antes. Outro aluno que estava na sala confirmou a
informação e disse que quando entrou na empresa só tinha concluído o primário.
(5.12.2005)
É interessante pontuar que no “passaporte” consta como observação que o
candidato ao ser convocado pela empresa deve apresentar os documentos pessoais e o
certificado de conclusão do 1º ou do 2º grau (sic!), nomenclatura que se refere atualmente
ao ensino fundamental e médio. Este dado, à semelhança do teste escrito, representa
uma discrepância, posto que a indicação, conforme já frisado, é elemento preponderante
de admissão do funcionário. Vemos com isso certa influência das práticas sociais d e
valorização dos certificados escolares, pois a atividade a ser desempenhada na empresa
não requisita propriamente o domínio de conteúdos escolares. Além disso, a própria
empresa mantém uma política de apoio a complementação escolar nos moldes EJA/PET.
3.1.2 Mobilidade
Após essas etapas - indicação, entrevista e teste escrito - o candidato selecionado
é encaminhado ao setor onde irá trabalhar, ficando as instruções específicas a cargo do
supervisor ou do líder de grupo. Passados os três meses de estágio, conforme previsto
em Lei, e estando o funcionário adaptado ao setor, a contratação é efetivada. Nesse caso,
podemos afirmar que as práticas letradas exigidas aproximam-se das requeridas no
letramento escolar, que neste caso, habilita, de forma reduzida, para o letramento
profissional, uma vez que não são conteúdos relacionados à escrita-leitura ou à notação
matemática que são postos em avaliação, mas sim as características secundárias da
escola que são avaliadas, tais como obediência, atenção, capacidade de repetição de
ações segundo uma ordem pré-estabelecida.
Uma vez contratado e devidamente integrado à rotina da empresa, o próximo
passo do funcionário inclui a mobilidade funcional. Assim, de operador de máquina ele
pode chegar a supervisor (antes, ele pode ser líder de grupo, chefe de turma e chefe de
turno). Sendo assim, o procedimento da mobilidade funcional na SPA é horizontal, uma
vez que o funcionário não ascende a funções hierárquicas superiores. Ele permanece na
43
base da pirâmide produtiva da empresa. Além disso, como o número de setores e
funções é significativo, a mobilidade é quase constante.
Para migrar de uma função para outra, o funcionário segue quase os mesmos
passos do recrutamento, com a diferença de que ele próprio se inscreve para concorrer à
vaga, que pode ser sua dependendo da indicação, tal como ocorre no critério da
admissão. O supervisor ou outro responsável pelo setor indica o funcionário por razões
diversas, entre elas as relacionadas ao desempenho. O indicado tamm é sub metido a
um teste escrito de cunho escolar. Como são muitos os funcionários e poucas as vagas,
esse teste funciona como uma forma de excluir, posto que se houvesse a adoção do
critério do desempenho provavelmente haveria um grande número de aprovados.
Em todo caso, o que observamos através de relatos de funcionários– alunos foi
que, muitas vezes, a indicação prevalece à revelia do teste escrito, informação que não
pudemos confirmar em virtude da sua natureza comprometedora. Tamm podemos
considerar como variável, perante essa informação, o fato de que esses comentários
vieram de funcionários que não conseguiram a vaga.
A informação sobre o teste escrito como requisito da mobilidade e ascensão
funcional que ocorre na SPA foi obtida através dos alunos matriculados no EJA e que são
funcionários da SPA, conforme registrada no Diário de Campo:
Registro 03
Os alunos da SPA pediram ao professor de Matemática e a mim que déssemos aula para
eles porque iriam se submeter a uma prova na SPA para mudar de função. Ou tro dia um
aluno reclamou do conteúdo estudado em Química porque segundo ele não lhe serviria
de nada na empresa, ele só precisava de Português e de Matemática para poder
melhorar de função. Procurei o RH da SPA e a psicóloga confirmou; inclusive me mostrou
o teste, que infelizmente não pude xerografar, apenas tentar lembrar das questões.
Quase não ouvia o que ela conversava porque fiquei tentando decorar as questões, que
focalizam o gênero dos substantivos (epiceno, sobrecomum e comum de dois).
(23.07.2006)
A questão da mobilidade funcional na SPA, no entanto, não torna o trabalho do
operário menos árduo, antes continua a exigir dele grandes esfoos porque as outras
funções que ele almeja não são diferentes em termos de força física. As migrações
tamm estão relacionadas à perspectiva de evitar a exaustão e conseqüentemente a
elevação de absenteísmos e dispensas por danos físicos. Mudar de setor e de máquina
44
permite que o funcionário altere sua rotina de trabalho e assim retarde ou camufle o
desgaste físico. A essa mudança soma-se um aumento de salário e agrega-se o status
de passar a ocupar a função de líder, supervisor ou chefe de turma/turno ainda que
constantemente o funcionário promovido execute as funções mecânicas da máquina,
quando um de seus subordinados está ausente do setor.
A esse respeito é oportuno afirmar que, ao incentivar a mobilidade, a empresa
tamm está garantindo a fidelidade do funcionário ao setor fabril, coração da empresa, e
tentando evitar que ele se rebele contra determinados prejuízos, a exemplo dos
problemas de saúde que muitos adquirem ao longo do processo de inserção nessa
empresa, conforme o depoimento de um informante registrado em Diário de Campo:
Registro 04
Um aluno da sala comentou hoje comigo que sua esposa foi demitida da SPA por causa
de problemas na coluna cervical, que segundo ele foi obtido na empresa mesmo, mas
disseram a ela que era congênito e para não agravar era melhor que ela saísse da
empresa. O aluno estava com muita raiva porque ela nunca havia reclamado de dores na
coluna antes de entrar na empresa e que foi uma injustiça o que fizeram e principalmente
porque ela, ao sair, havia perdido o direito de usar o plano de saúde e agora teria que ir
ao INSS se tratar (15.03.2007).
Conforme esse depoimento mostra, o funcionário não tem autoridade para
questionar o diagnóstico, mesmo que ele contrarie o seu entendimento da situação,
primeiro, porque o mesmo veio de uma voz letrada com a qual o funcionário não tem
como contra-argumentar ou duvidar – a voz do discurso médico -, segundo, porque esse
diagnóstico foi repassado por uma outra voz de igual valor: a voz da empresa. Vejamos
que se constituem de vozes cujo letramento suplanta a voz do funcionário e perante as
quais ele não possui meios de enfrentamento, a não ser aceitar a sentença recebida e
nos bastidores, ou no espaço da sala de aula, onde eventualmente tem sua voz ouvida,
reclamar e lamentar (da) pela sua exclusão do quadro funcional.
A análise do recrutamento e da mobilidade na SPA permite inferir que o processo
de escolarização em si parece, no que diz respeito ao domínio de práticas letradas em
sentido estrito, não ser a parte mais importante. O mais importante vem a ser certo
comportamento social que está atrelado a determinadas práticas escolares, tais como
seguir instruções, copiar, esperar a vez, responder quando perguntado, repetir
informações, aceitar sem queixas ou contestações. Durante uma das visitas a SPA,
45
houve oportunidade de perguntar ao RH sobre a importância do processo de
escolarização para os funcionários, cuja resposta é a que segue:
Registro 05
Depois que eles passam a estudar, eles ficam diferentes. Pedem licença para entrar na
minha sala, dão bom dia, boa tarde e quando vêm me pedir alguma coisa, pedem por
favor. Então, já notamos a diferença. Antes eles eram bem menos educados.
Como se vê, a escola parece ser importante porque dá ao funcionário ares de
civilidade. Inferimos que para essa empresa parece ser preferível lidar com mão de obra
pouco qualificada, mas hábil para seguir instruções. Isto se revela pela pouca exigência
de escolarização no processo de admissão e no grande número de alunos-operários
provenientes dessa empresa matriculados na EJA/PET no CAT JRF.
Na seção a seguir, descreveremos como ocorrem na CTM os processos aqui
relatados.
3.2. CTM
3.2.1 Recrutamento
No caso da CTM, o recrutamento ocorre através da análise de currículo e de
desempenho, visto que o candidato entrega o currículo ao RH para que seja avaliado pelo
responsável pelo setor que está oferecendo a vaga. Nessa empresa, o currículo é o ponto
de partida para a admissão. Neste documento são observados o grau de instrução, as
experiências de trabalho e os cursos profissionalizantes realizados pelo candidato.
Desse modo, a admissão do funcionário parece depender do teor do seu currículo,
caso contrário a contratação pode não ser efetivada, conforme o registro que segue:
Registro 06
Um informante indireto que estava na sala revelou que, no seu caso, ele apenas entregou
o currículo e foi chamado dois meses depois. Ele disse que tinha no seu currículo alguns
cursos realizados junto ao ETER e ao SENAI e se expressou nos seguintes termos: um
engenheiro amigo meu pediu que eu levasse meu currículo para a empresa, mas que não
garantia nada, meu currículo é que iria me ajudar. Se eu tivesse um currículo bom, era
fácil de eu ser contratado. Perguntei ao aluno se realmente esse engenheiro não teria
facilitado a sua contratação. Ele me disse que não, pois esse apenas informara que
46
existia a vaga. Disse também que depois de contratado sequer o encontrava
freqüentemente na empresa. (7.12.2005)
Avaliado o currículo e constatada a sua relevância, o candidato é encaminhado ao
setor onde irá trabalhar para a realização de entrevistas com o engenheiro responsável
pelo mesmo, e, posteriormente, é submetido a avaliações médicas na própria empresa.
Trata-se de entrevista individual, supostamente entre pares, já que o tema versa sobre
conhecimento que o candidato apresenta sobre a área específica.
Nesse caso, o letramento escolar parece ser fator de ingresso no mundo do
trabalho. Vale destacar que parte desse letramento escolar já é tamm o próprio
letramento profissional, uma vez que os cursos profissionalizantes não são exatamente
cursos escolares no sentido estrito do termo.
3.2.2 Mobilidade
Na CTM, o número de setores e funções é pouco expressivo, em virtude da
automação que constitui os seus processos produtivos. Portanto, há pouca mobilidade
funcional, já que um mesmo operário chega a supervisionar o funcionamento de até 11
máquinas. Constata-se a mudança de um setor para outro, ou de um horário para outro,
mas sempre na mesma função.
A mobilidade na CTA, à semelhança da SPA é horizontal, embora menos constante
e tem como critério de recrutamento o desempenho e a qualificação. Dessa forma, os
funcionários do setor de produção não migram sempre e facilmente para outros setores e
funções, posto que sua qualificação não é significativa para que atinjam o meio da
pirâmide, ocupado por profissionais de qualificação bastante significativa (há engenheiros,
médicos, psicólogos, administradores, odontólogos) em relação ao do funcionário do setor
produtivo, que tem apenas o nível técnico.
Formulamos essa constatação em conversas com informantes indiretos.
Registramos no Diário de Campo a conversa com um deles que foi funcionário da CTM e
atualmente está trabalhando na SPA, conforme abaixo transcrito:
Registro 07
Hoje esperando o ônibus em frente ao CAT JRF fiquei conversando com dois alunos, um
deles perguntou se eu dava aulas na CTM porque um colega seu havia me visto lá.
Confirmei a informação e perguntei se ele conhecia a CTM, ele disse que já havia
trabalhado lá, mas pediu demissão porque ganhava pouco, estranhei a informação porque
47
pensava que na CTM, devido o seu status na cidade, o piso salarial era maior.
Continuamos conversando e eu aproveitei para perguntar sobre a questão de sair de
setor para outro, então ele disse que é a coisa mais difícil, isso também provocou sua
saída. Segundo o aluno, o funcionário passa anos no mesmo setor. Outra informação que
esse aluno forneceu foi que ele resolveu sair da CTM para tentar entrar na SPA, através
de um colega. Lá, conforme ele disse, é mais fácil mudar de setor e o salário é maior.
(17.03.2007)
Na realidade, na CTM ocorrem mobilidades intra-turnos, não necessariamente
mobilidades, posto que os funcionários alternam seus turnos de trabalho indo do diurno
para o noturno e vice-versa, havendo uma exceção para os funcionários que estão
matriculados no programa Educação do Trabalhador. A esses é vetada a possibilidade de
migrações intra-turnos. Nessas migrações, ocorre aumento salarial apenas, já que o
funcionário passa a ter o adicional noturno acrescentado ao seu salário. Ademais, os
funcionários são constantemente estimulados a fazerem outros cursos, credenciados por
instituições certificadoras, como o SENAI, o SESI e escolas técnicas e isto se revela com
facilidade na fala dos informantes, conforme registramos em Diário de Campo o
depoimento de um dos informantes indiretos:
Registro 08
Um aluno, que é mecânico, me disse que já havia mudado de setor três vezes nos seus
dez anos na empresa e isto porque ele sempre estudou, sempre foi um funcionário
qualificado e sempre que tem cursos na empresa ele participa, comentou também que
seu próximo curso será de informática. (12.07.2007)
Como se vê as mobilizações na CTM, quando ocorrem, parece que estão
condicionadas pelos mesmos critérios do recrutamento, ou seja, o funcionário que tem um
bom desempenho e tenha realizado cursos promovidos pela empresa ou por instituições
credenciadas passa a ter mais chances de migrar de um setor para outro.
3.3 Escola e escolarização: a concepção dos gestores e dos funcionários
Acreditamos que a utilidade do letramento escolar em ambas as empresas, a partir
da perspectiva do critério do recrutamento, relaciona-se ao que Mey (2001:235-6)
denomina efeitos primários e efeitos secundários do letramento. À medida que a SPA
utiliza o letramento escolar apenas para excluir o excesso de contingente entre
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pretendentes a funcionários está operando em nível dos efeitos secundários do
letramento, que, conforme esse autor (op.cit), relacionam-se aos valores atribuídos à
escolaridade para aquém dos usos reais que se possam realizar com as habilidades de
ler e de escrever. A CTM, ao enfatizar os saberes escolares como requisito de ingresso
no seu quadro funcional, opera em nível dos efeitos primários do letramento, posto que a
estes efeitos, conforme Mey (op. cit), não são agregados valores que se situem noutra
perspectiva que não os de natureza funcional ou de usos reais.
Na perspectiva do procedimento da mobilidade funcional, podemos afirmar que
ambas as empresas possuem uma agenda oculta (cf. Mey, 2001) para viabilizar a política
das mobilizações. Há uma política interna que funciona para garantir vantagens para a
empresa numa escala superior às vantagens para o funcionário. Dessa forma, podemos
entender a diferença de incentivo nas duas empresas nos seguintes termos: a SPA
incentiva as mobilizações tendo em vista que atrairá mão–de–obra fiel e produtiva; a
CTM, ao incentivar veladamente as mobilizações, o faz em seu favor, uma vez que
qualquer mobilização nessa empresa significa maior domínio do aparato tecnológico.
Essa política interna concernente à mobilidade, nas duas empresas, aparece na
visão dos alunos de modo diferente. Nas entrevistas dos funcionários da CTM,
verificamos uma pretensão para a qualificação em nível superior, como por exemplo, a
realização de vestibular. Já nas entrevistas dos funcionários da SPA, os informantes
defenderam que seu objetivo diante da EJA era apenas a mudança de função na
empresa, tal como os registros a seguir, coletados das entrevistas escritas e transcritas
tais como os informantes as redigiram:
Registro 09
1. Qual o seu objetivo diante da EJA – Educação do Trabalhador?
CTM: mim capacitar o máximo possível para estar bem preparado neste mundo
globalizado, onde a tecnologia já domina. (7/3ª fase)
SPA: ao concluir o ensino médio eu espero ter novas oportunidades dentro da empresa.
(3/1ª fase)
Estas respostas sugerem que o funcionário absorve o discurso pertinente às
mobilidades emitido pela empresa onde está inserido e, sendo assim, qualquer incentivo
declarado como constitutivo da mobilidade é aceito por ele como verdade, que desse
discurso se apropria constituindo-se como um eco.
49
Observemos que declaração do funcionário da CTM não se refere propriamente à
empresa onde trabalha e se ele o faz, pensa em obter a condição de integrar os quadros
funcionais superiores. Já o funcionário da SPA deixa bem evidente que seu limite é o
ensino médio e que este patamar de escolaridade é o suficiente e o necessário para sua
mobilidade horizontal, muito embora tenhamos visto ao longo dessa exposição que, nesta
empresa, o critério da escolaridade não é significativo, pelo menos em termos de
desenvolvimento funcional.
Os critérios recrutamento e mobilidade funcional nas empresas SPA e CTM, revelam,
portanto, a noção que ambas guardam de escola e a função que tem a escolaridade para
os seus funcionários, conforme demonstra o registro a seguir, oriundo da entrevista
escrita realizada junto aos profissionais responsáveis pelo setor de Recursos Humanos:
Registro 10
3. O que a empresa espera que a escola (Programa Educação do Trabalhador) ensine
aos funcionários?
a) CTM: nivelamento dos seus colaboradores, como também despertar nos alunos a busca
pelo nível universitário.
b) SPA: a cidadania como princípio básico e a responsabilidade por seu futuro profissional, a
consciência de que cada um é responsável pela melhoria em todos os aspectos.
Nessas respostas vê-se que para a CTM a verticalização da qualificação torna-se
imperiosa, pois existe a preocupação com a ascensão profissional ao lado de certo
cuidado que percebemos, durante as visitas e as aulas, com os operários enquanto
agentes do desenvolvimento da empresa. E isto passa pela escola. Para essa empresa, a
escolaridade do funcionário parece ser requisito de igual envergadura ao lado da
qualificação profissional, para que ele possa desempenhar sua função adequadamente, já
que essa função requer mais que saber supervisionar uma máquina. Assim, parece -nos
que para essa empresa escola é sinônimo de autonomia. Os critérios de recrutamento e
de mobilidade funcional revelam que para CTM a escola tem grande utilidade como
formadora de mão de obra qualificada e como centro de repasse de práticas letradas. A
esse respeito, as palavras do RH são elucidativas quando da sua resposta nas entrevistas
sobre a satisfação da empresa no tocante ao serviço oferecido pelo Programa Educação
do Trabalhador:
50
Registro 11
4. A empresa se encontra satisfeita com os resultados do programa Educação do
Trabalhador?
Sim, apenas observamos “dificuldades” na escrita por parte de alguns colaborador es –
estudantes (erros de grafia, concordância, etc). (Destaques da entrevistada)
A resposta do profissional responsável pelo RH mostra que o funcionário participa
de eventos de letramento na CTM e que esses eventos são significativos da relação que é
estabelecida entre o saber, o saber fazer e o saber dizer,. Relação, essa, que à empresa
importa prezar e defender, posto que, dada a natureza produtiva do seu processo
econômico, o saber fazer apenas não lhe é significativo. Ser escolarizado para a CTM é
saber bem mais que conteúdos escolares, é poder demonstrar o conhecimento adquirido
em contexto escolar, conforme revelam a entrega do manual de funcionamento das
máquinas e a análise do currículo do funcionário.
Assim sendo, a empresa espera, de fato, que a EJA promova o nivelamento de um
percentual mínimo de seus funcionários (remanescente da construção da empresa) a fim
de que um trabalho eficiente seja realizado. Um nivelamento vindo da escola que faculte
ao funcionário reutilizar os conteúdos vistos em Química, Matemática, Inglês e Língua
Portuguesa, no seu saber fazer e saber dizer.
Para a SPA, a horizontalidade do letramento profissional é bem mais preponderante,
a preocupação parece ser de fato com o saber fazer dentro da empresa, posto que o
discurso do RH é claro e não deixa dúvidas de que a escolarização possibilita ao aluno
funcionário o condicionamento do seu comportamento para agir/atuar na empresa e sob
esse critério migrar para outros setores. Nessa empresa, parece que o mais importante
não é a qualificação, mas a propensão para o letramento profissional acontecido dentro
da empresa, que em muitos casos, se dará com a mediação da escola, pois nas palavras
da profissional responsável pelo RH, oriundas da entrevista escrita, o PET tem atendido
às expectativas:
Registro 12
4. A empresa se encontra satisfeita com os resultados do programa Educação do
Trabalhador?
Percebe-se a mudança gradativa nos pequenos atos. A educação em forma de
comportamentos adequados
. Não há como negar os resultados desse aprendizado para
os alunos. (grifos nossos)
51
Para a SPA, ser escolarizado parece ser obediente e saber receber instruções e
ser educado, conforme o discurso do RH revela. A essa declaração acrescenta-se a
questão do critério de recrutamento e mobilidade funcional adotado por essa empresa.
Conforme visto, a escolaridade do funcionário não conta no que esta proporciona de
desenvolvimento cognitivo, antes funciona na solução para demandas maiores que
ofertas, já que utiliza os conteúdos e os requisitos escolares – o texto escrito – para
excluir os candidatos indicados.
Parece que a visão de escola que a SPA apresenta situa-a como agência
institucional que pode proporcionar condicionamento, obediência e passividade, fatores
não necessariamente voltados para a autonomia do funcionário, donde, parece resultar
uma massa de funcionários aptos a receber ordens e produzir eficientemente. Em outras
palavras, parece que o conceito de escola está associado à submissão. É importante
informar que os funcionários dessa empresa vão assistir às aulas pela manhã, após 8
horas de trabalho exaustivo, no período noturno. Assim sendo, o foco não nos parece ser
no conteúdo escolar, mas nas regras de convivência que são importantes para a atuação
na empresa.
Os funcionários da CTM, ao contrário, estudam à noite, antes do horário de
trabalho, após terem passado supostamente o dia inteiro em suas residências. Assim
sendo, chegam à escola mais dispostos para as atividades. Desse modo, a função da
escola, mesmo que sob um discurso opaco, pode ser a de garantir que o funcionário
aspire a um nível universitário, posto que existem condições mínimas de aprendizagem.
Esta constatação reveladora da distinção entre as empresas, em se tratando da noção
que guardam sobre a escola e da função que defendem para a escolaridade, nos remete
ao tipo de escolaridade que recebem os funcionários dessas empresas em contexto de
EJA, conforme será descrito no capítulo 4.
De modo geral, em contexto de EJA, não são levadas em consideração as
concepções de escola e de escolarização dos alunos-funcionários. Eles são vistos,
comumente, como industriários, sem que haja preocupação com sua procedência
profissional e necessidade escolar. Esse fato não ficou restrito apenas aos olhos do
pesquisador, revela-se tamm na reação dos 9 alunos informantes com relação à
contribuição dos conteúdos das disciplinas estudadas para a função que desempenham e
do que seria necessário aprender para desempenhá-la ainda melhor.
Dos 9 informantes, 2 afirmaram categoricamente que os conteúdos em nada
contribuem para o exercício da sua função; 2 enfatizaram uma contribuição parcial; os 5
restantes defenderam uma contribuição total sem que, no entanto, soubessem apontar
52
essa contribuição, muito embora tenham defendido enfaticamente que necessitavam da
aproximação dos conteúdos ao seu fazer laboral. Consideramos essa última posição
paradoxal, uma vez que se os conteúdos ministrados estão contribuindo
significativamente, não haveria ressalvas.
Esse comportamento dos informantes revela que, assim como eles absorvem o
discurso da empresa onde trabalham com relação à mobilização e passam a adotá -lo
como próprio, do mesmo modo, eles adotam o discurso do senso comum de que todos os
procedimentos escolares são adequados e aceitáveis porque legítimos na sociedade.
Essa perspectiva de pensamento e também de comportamento está relacionada ao
que Graff (1994) denomina o Mito da Alfabetização, através do qual ocorre o
envolvimento inconteste do sujeito pertencente à dada comunidade nas premissas
propagadas pelas instâncias maiores, a exemplo do Estado e da mídia, de que a
alfabetização é o caminho que conduz ao sucesso e ao desenvolvimento sócio-
econômico de todos os empreendimentos humanos. Segundo essa visão, só a educação
escolar, portanto, pode fazer com que o sujeito adquira os meios necessários para
alcançar um patamar
satisfatório e significativo na sociedade. Tais premissas
apresentam-se de tal maneira arraigadas no comportamento dos sujeitos, aqui
analisados, que ilustramos essas proposições com o depoimento de um informante,
conforme transcrito a seguir:
Registro 13
4. De quais outros cursos incentivados pela empresa você participa?
Não tive oportunidade ainda de participar de outros cursos, porém faço parte dos alunos que
faz o telecurso,
estão de parans as pessoas que teve essa iia de criar o telecurso (3/1ªfase)
(grifos nossos)
Ser aluno do programa constitui status, vejamos que ele frisa bem essa condição.
Ele não fez outros cursos, mas faz parte do programa, sobre o qual ele tece elogios e
agradecimentos. E aqui cabe frisar que este informante está no grupo dos cinco que
defenderam uma maior aproximação entre a EJA e o seu fazer laboral.
Em síntese, podemos afirmar que a escolarização para a SPA agrega um valor
secundário à atuação profissional, já para a CTM agrega um valor primário, posto que a
experiência escolar é requisito básico para atuação profissional. Já para os alunos da EJA
oriundos da SPA a contribuição parece ser quase nula. Suas aspirações em termos de
modificações na EJA/PET apontam para cursos de oratória e de leitura, ou seja, cursos
53
que tragam beneficio indireto à função que executam. Leitura dado que em alguns cursos
há textos para serem lidos, e oratória para ajudar os líderes de turnos e de turmas a
melhor se comunicarem com os seus subordinados, segundo imaginam. Para os da
CTM, as aspirações se voltam para cursos de informática e aulas práticas. Como se vê,
para eles a escola parece ter um conceito de agência formativa.
No capítulo a seguir, vamos tratar das práticas letradas propriamente ditas
relacionadas à alocação, função a desempenhar e repasse de letramento, tanto no
contexto profissional quanto no escolar.
54
Capítulo 4: PRÁTICAS DE REPASSE DE LETRAMENTO EM CONTEXTO
PROFISSIONAL E ESCOLAR: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
O corpus constitutivo dos cenários profissional e escolar possibilitou a identificação
de características relativas às práticas de repasse de letramento. Essas características
podem ser assim resumidas: a) o repasse de instruções ocorre através da modalidade
oral da linguagem utilizada pelo responsável direto pelo evento de letramento profissional
ou escolar; b) presença de objetivos distintos para justificar o repasse de letramento em
forma oral; c) presença de textos escritos na rotina do funcionário/aluno.
Assim sendo, para efeito de sistematização da presente análise, essas características
são descritas e traduzidas nos seguintes tópicos: 1) Práticas de repasse de letramento em
contexto profissional; 2) Práticas de repasse de letramento em contexto escolar. Esses
tópicos permitirão a descrição e a análise das práticas nos cenários 1 (SPA), 2 (CTM) e 3
(CAT JRF) bem como favorecerão uma análise comparativa entre esses cenários.
4.1. Práticas de repasse de letramento em contexto profissional
As visitas feitas às empresas SPA e CTM e as conversas realizadas junto aos
informantes deixaram transparecer que o repasse do letramento profissional ocorre,
nestas empresas, mediado pela modalidade oral da linguagem, conforme registrado nos
trechos seguintes do Diário de Campo:
Registro 14
Enquanto aguardava a profissional responsável pelo RH da SPA retornar ao seu setor
depois de um atendimento por telefone, aproximei-me de um stand onde estavam
dispostos vários modelos do produto ali fabricado. Atrás desse stand, havia uma sala,
semelhante a uma sala de aula, onde alguns funcionários estavam sentados em carteiras
ouvindo a preleção de um outro. Perguntei a um funcionário que estava no stand do que
se tratava, ele respondeu que eram instruções sobre alterações na produção atual, eles
receberam um grande pedido e teriam que trabalhar em dobro para poder entregar no
prazo determinado. Logo após, a responsável pelo RH voltou e seguimos a visita, foi
quando perguntei de que maneira os funcionários aprendiam as funções exercidas na
fábrica, e ela disse que era por demonstração. (22.06.2006)
55
Registro 15
Na CTM, ouvindo as explicações do engenheiro, perguntei a um aluno que acompanhava
a visita como é que eles sabiam manipular aquele visor, que me pareceu tão difícil, ele
respondeu que era fazendo, ou seja, o engenheiro explica como é. Então, pude perceber
que um fato aproximava as empresas: as orientações sobre o letramento profissional se
dão em forma oral seguidas de demonstrações. (23.11.2005)
A análise dos dados permite verificar que é a modalidade oral da linguagem que
perpassa as instruções dadas no interior das empresas, sendo esse um dos pontos de
convergência entre elas. No entanto, observando o perfil de ambas as empresas, tendo
em vista os seus processos internos – alocação do funcionário e função a desempenhar
a convergência revela-se parcial, posto que na base do repasse do letramento sob a
forma oral repousam a natureza da alocação bem como da função a desempenhar, que
nas empresas aqui focalizadas são de naturezas distintas, conforme se verá nas
exposições que seguem.
4.1.1 SPA
Na SPA, o funcionário só sabe em quê e onde irá trabalhar ao ser encaminhado
para este setor. No caso desta empresa, o ingresso do funcionário nos diferentes setores
que compõem o processo produtivo se dá de forma aparentemente aleatória, conforme
um dos depoimentos que registramos no Diário de Campo:
Registro 16
“Quando eu fui me apresentar na empresa eu não sabia para onde ia, também não
perguntei, como eu tava precisando aceitei o que me deram. A psicologia só me deu o
horário que eu ia trabalhar, disse que era de noite, eu achei ruim, mas só tinha esse
horário disponível. Depois foi que eu fiquei sabendo onde ia ficar, aí fiquei na prensa até
hoje.” (12.07.2006)
Conforme podemos verificar no depoimento anterior, parece que não é comum a
empresa pré-anunciar a função onde o recém contratado vai ser alocado. Interessa
informá-lo sobre o horário que ele deverá cumprir, uma vez que letramento profissional é
repassado enquanto se ensina a operar a máquina.
56
Nesta empresa tamm foi observado que o procedimento fabril é o mecânico,
realizado por máquinas controladas pelo operador, e que o produto é fabricado em
separado, sendo montado só na etapa final. Essa característica parece reforçar o
processo de repasse de letramento situado, ou seja, o funcionário vai aos poucos
conhecendo a função a desempenhar.
Dessa forma, podemos assegurar que o funcionário da SPA trabalha por produção,
na medida em que a quantidade de sandálias a serem produzidas depende da sua
agilidade frente à maquina. A esse respeito, foi registrado no Diário de Campo o seguinte
trecho oriundo das conversas com os informantes:
Registro 17
“Quando chega um pedido novo, de 10 mil pares de sandálias, por exemplo, é uma
correria porque a gente tem que parar aquela produção e começar a outra. Não dá tempo
nem para respirar se não atrasa tudo.” (...)
Assim sendo, podemos conjecturar que a realização das atividades nesta empresa
supõe funções simples que exigem dos funcionários apenas destreza e agilidade, e que,
portanto, não envolvem diretamente eventos de letramento centrados na escrita,
conforme mostram as respostas dadas pelos alunos da SPA a respeito das contribuições
dos conteúdos estudados, e sobre os quais os informantes-alunos em sua quase
totalidade, disseram ser de pouca utilidade ou de uma utilidade parcial, conforme os
exemplos ilustrativos a seguir, retirados das respostas aos questionários:
Registro 18
2. Quais as contribuições dos conteúdos estudados para o desempenho na sua função? A
minha função é muito simples e não precisa de grandes conhecimentos (4/2ª fase
1
)
Nenhua
2
, por que na minha não uso leitura, escrita nem outro conteúdo visto nas
disciplinas (3/3ª fase)
Das disciplinas a Física é a que mais se relaciona com a minha função, por causa, os
elementos que compõem as máquinas. (5/2ª fase).
Na SPA, em virtude do tipo de atividade produtiva desempenhada, do tipo de
maquinário e do tipo de processo de alocação, o aprendizado referente ao desempenho
1
Os números entre parênteses representam o código identificador do informante e a fase de ensino que ele
freqüentava quando respondeu ao ques
t
ionário
.
2
As respostas dos informantes estão transcritas tal como apresentadas no ques
t
ionário
.
57
da função é totalmente concretizado na e pela própria empresa. Para o funcionário recém
contratado, são necessárias a habilidade manual e a atenção tão somente, já que sua
função não demanda tomada de decisões nem resolução de problemas com base em
textos escritos; exige apenas o domínio dos mecanismos pertinentes à maquina e cuja
instrução é dada pelo supervisor ou pelo líder de grupo. Assim sendo, esse funcionário é
iniciado na sua função por intermédio de um sujeito mais experiente, a exemplo dos que
foram citados, que, oral e demonstrativamente, expõe o mecanismo da máquina, e dentro
de um prazo curto, convida o funcionário a repetir as instruções expostas, conforme
registrado no Diário de Campo:
Registro 19
Conversando com os alunos sobre a visita que fiz a empresa, comentei que havia visto a
matéria–prima que eles trabalham e que achei parecida com um queijo de manteiga. Um
aluno que trabalha na prensa disse que aquele “queijo” era muito duro e disse ainda que
sua função era cortar esse bloco de borracha em pedaços pequenos para poder ser
reduzido à borracha que fará o solado da sandália. Perguntei como ele foi iniciado na
função, ao que ele respondeu que o supervisor fez uma demonstração e mandou que ele
repetisse. Outro aluno, que trabalha na perfuração do solado, repetiu a mesma
informação. Ou seja, parece que na SPA eles aprendem a função através de
demonstração. (23.06.2006)
Essa forma de aprendizado característico da empresa SPA, balizada pela
modalidade oral da linguagem, parece ser condicionada:
a) pelo nível de escolarização daquele que aprende, que potencialmente é distinto
daquele que ensina;
b) pela função a desempenhar pelo funcionário da SPA, uma função tipicamente
mecânica e que não demanda significativos empreendimentos cognitivos;
c) pela situação do aprendizado, ou seja, ambos os sujeitos, ou o par em questão,
estão centrados no aqui e no agora da situação de aprendizado.
Dessa forma, a aquisição do letramento profissional tende a se concretizar por
intermédio de práticas interativas que estejam compatíveis com o aprendizado recorrente
na SPA, qual seja, o aprender a fazer, observando e fazendo, contrariamente a um
aprender explicando, que certamente aumentaria a assimetria entre esses pares. Sendo
58
assim, essa forma de repasse do letramento profissional, ao que parece, apresenta
margens significativas de absorção do letramento escolar, pelo menos no que diz respeito
à postura diante da atividade focalizada: seguir instruções, obedecer a normas.
A esse respeito são ilustrativas as palavras de Signorini (1991:146-152) quando
pontua que trocas interativas, com graus mínimos de confronto, entre escolarizados e não
escolarizados tendem a se realizar calcadas pelas categorias dêiticas ou demonstrativas
da linguagem e não apoiadas pela função representacional da ngua.
Através das categorias dêiticas e demonstrativas da linguagem, nessa situação
específica de aprender a fazer fazendo, entre os pares uma correlação do
entendimento e conseqüentemente a diminuição do confronto. Isto estabelece o quadro
interativo necessário à resolução do quadro explicativo sob o qual se move o que aprende
e o que ensina no contexto do letramento profissional.
Entre esses pares – funcionário e supervisor, funcionário e líder de grupo,
funcionário e chefe de turma - a relação é supostamente horizontal, porque vem da parte
superior o interesse (e a necessidade) de ensinar, mas a relação é assimétrica porque
cabe ao operador a obediência e o acatamento das decisões do responsável pelo repasse
do letramento profissional, já que este detém a voz letrada da função e da empresa, bem
como o papel de condutor autorizado do repasse de letramento profissional.
Assim, os eventos de letramento no contexto profissional pertinentes ao repasse do
letramento profissional são predominantemente orais, com margens pouco significativas
de entradas em eventos de letramento em forma escrita. Estas são mais periféricas,
porque o responsável pelo repasse de informação passa a desempenhar o papel de leitor
do grupo e por essa razão adquire o status de agente do letramento profissional.
Esse papel o define como porta voz oficial do letramento profissional, cujo
conhecimento ostenta em seu próprio corpo (Certeau, 1994:233), já que usa a voz e o
comportamento nas instruções emitidas aos novos funcionários. Sendo o leitor do grupo e
tendo o seu corpo como figurativo do conhecimento a transmitir, tem autoridade perante a
turma, ao ponto de exigir dos funcionários obediência e fidelidade frente às tarefas a
desempenhar. Nesse caso, é o instrutor que possui as credenciais para operacionalizar
o letramento profissional dentro de moldes que julgue adequados.
Perante essa relação desigual de interação, não cabe ao funcionário produtivo
questionar ou desacreditar das formas de repasse do letramento profissional, nem
tamm lhe cabe alterar as formas desse repasse, na medida em que sua posição
perante o letramento profissional, mediado por eventos de letramento comandadas pelos
59
chefes imediatos, é a de absorção numa etapa de profissionalização incipiente porque
inicial.
A descrição e a análise das práticas de repasse de letramento ocorridas no
contexto da SPA parecem revelar que a presença do texto escrito nesse contexto tende a
ser pouco expressiva em virtude da intensidade e da recorrência de utilização da
modalidade oral da linguagem. No entanto, conforme observado nas visitas realizadas a
essa empresa, fora dos momentos de repasse do letramento escolar, a presença de
textos escritos é bastante recorrente, posto que o funcionário é exposto continuamente a
textos escritos nos locais por onde transita, conforme revela o registro do Diário de
Campo:
Registro 20
Fui até a SPA para saber mais informações sobre o teste escrito que os alunos
comentaram, a que se submetem quando precisam mudar de função. A psicóloga estava
fazendo entrevistas e pediu que eu esperasse. Fiquei sentada na parte externa e notei
que havia textos escritos também nos corredores e na entrada do setor de RH. Este fato
acrescenta mais informações ao que já havia percebido. No dia da primeira visita notei os
textos escritos em muitos locais, como produção, quiosques, refeitório, sanitários. Ainda
não tinha entrado no RH nem havia ficado neste local. Parece que toda a empresa dispõe
de textos escritos, fenômeno semelhante ao que ocorre na CTM, nesta empresa também
vi textos em vários lugares onde os funcionários circulam. Alguns exemplares desses
textos me foram disponibilizados pelo RH das empresas. (23.07.2006)
Estes impressos podem ser enfeixados em três categorias: informativo, solicitação
e auto–ajuda. Os informativos apresentam indicações sobre entrega de preservativos,
escalas por setor das visitas à empresa pelos familiares, alterações no cardápio, entrega
de benefícios como vale transporte, prêmios por produtividade e/ou aniversário de
trabalho, entre outros de natureza tipicamente informativa.
Os textos de solicitação referem-se a pedidos de entrega de documentos, de
manutenção e ordem de certas áreas como sanitários e setores de lazer e descanso,
atenção para a coleta seletiva de lixo, preenchimento e entrega de formulários de
sugestões, entre outros. Os de auto-ajuda são menos recorrentes, geralmente se referem
a mensagens de otimismo, reflexão e incentivo. Situam-se nos mesmos locais que os das
outras categorias.
60
Além desses impressos, encontramos também aqueles que fazem parte da rotina
do funcionário de uma maneira mais direta, posto que se referem a instruções sobre o
funcionamento da máquina com a qual ele trabalha. Na SPA, este texto fica afixado ao
lado da máquina em forma de uma pequena tabuleta. Nele sobrepõem-se o verbal e o
não verbal, já que as instruções sobre a máquina estão dispostas sob a forma de um
desenho diagramático com interseções em forma escrita. Poderíamos dizer que a parte
escrita é a verbalização do desenho, um recurso auxiliar para as instruções em forma de
diagramas.
Este texto pode ser definido como a recomposição, no papel, da máquina com a
qual o funcionário trabalha. A utilização desse texto pelos funcionários é mínima ou quase
nula, pois, de acordo com o que observamos nas visitas, todo o período em que
permanecem junto à maquina eles não dispõem de tempo ou têm necessidade para fazer
qualquer tipo de consulta a não ser ao colega ao lado. Todo o tempo do funcionário é
dedicado à produção e o texto escrito nessa situação, portanto, pode ser inserido numa
categoria de artefato de auxílio à memória, uma vez que o recurso que possibilita esse
funcionário absorver as instruções pertinentes a sua função não está relacionado a esse
impresso.
Assim sendo, a presença do texto escrito no setor produtivo da SPA parece ser
figurativa e sua utilização apresenta uma função punitiva, conforme registrei em Diário de
Campo, após a resposta da psicóloga sobre se o funcionário consultava aquele texto em
algum momento do seu período produtivo:
Registro 21
Ao andar comigo pelos setores sem muitas explicações por causa do barulho, a psicóloga
ia mostrando os textos escritos afixados, inclusive os que contêm as instruções sobre a
máquina. Perguntei se os funcionários lêem aquele texto, ela disse que quando erram
alguma coisa, o supervisor manda que eles leiam para saber o que fizeram de errado e
não fazer mais. (22.06.2006)
A função punitiva do texto escrito na SPA é evidente, pois, sempre o funcionário
deixa de realizar alguma atividade ou comete algum tipo de erro, é submetido a sanções,
sendo o texto escrito o ponto de partida e o de chegada para essa sanção, já que é
convidado a ler o texto para que sua falha seja constatada por ele mesmo. Comprovamos
isto em uma de nossas visitas, conforme registrado no Diário de Campo:
61
Registro 22
No setor de RH, enquanto eu tentava memorizar o teor do teste escrito que os alunos
comentaram, um funcionário entrou na sala e perguntou a psicóloga pelo relógio que ele
havia ganhado por ocasião do seu aniversário de 10 anos de empresa. Ela disse que a
data da entrega dos prêmios foi colocada no setor dele, e que ele fosse lá olhar. O
funcionário disse que estava de folga e que não viu, ela voltou a dizer dessa vez em tom
de reclamação que o aviso havia sido afixado vários dias antes e que sua folga foi bem
depois do texto ter sido afixado. Saí da sala porque fiquei constrangida de ouvir a
reclamação e principalmente porque o funcionário era um senhor. (23.07.2006)
Com base nesse registro, inferimos que a atitude de não ler os textos escritos
dispostos nas várias dependências da empresa parece ser um fato comum na SPA. Isto
deve ser provavelmente motivado pelo fato de que a leitura não é uma prática recorrente
entre os funcionários e provavelmente, também, porque as práticas orais a que estão
vinculados na ação profissional os instigam continuamente a receber instruções em forma
oral.
Nesse sentido, vale recordar as idéias apresentadas por Certeau (1994:266) ao
enfatizar que entre o consumidor e o texto existe uma muralha, uma barreira que impede
que aquele institua sentidos para além do que a instituição social já definiu como possível.
Ou seja, a leitura do texto já foi feita pela instituição social, a interpretação é repassada ao
consumidor sem que haja negociações nem apropriações autônomas. Conforme afirma
este autor, o texto é posto à parte na relação entre este e o consumidor.
Sendo o texto posto à parte, resta ao consumidor (funcionário) tornar-se
semelhante ao que recebe ou deixar-se imprimir por ele sem que participe da construção.
Antes, atua numa perspectiva de sujeição à interpretação bem como aos modos dessa
interpretação. E, assim, sob o véu dessa restrição (Mey, 2001:84), o consumidor apropria-
se do já dito em relação ao texto e passa a instituir, como meios de chegar a esse já dito,
as formas tamm instituídas pela instância maior que o abriga. A esse respeito, Mey
(op.cit) assim declara: “os mundos sociais e naturais aparecem como auto-evidentes”.
Nessa perspectiva, o texto é o suporte, na instância que o legitima, para a instituição de
um comportamento, uma vez que sua leitura é uma única possível, não devendo pairar
sobre esta sentidos outros que não os hierarquicamente legitimados.
Havendo desvios nesse comportamento assegurado e consolidado pela leitura
literal realizada pela instituição social, ocorre a punição; e o elemento dessa punição
obviamente é o texto, posto que sendo ele retratado na sua literalidade, e não podendo
62
por essa razão ter sentidos plurais, há de ser tomado como meio e modo de punição. A
esse respeito declara ainda Certeau (1994:266):
De onde nasce então a muralha da China que circunscreve
um próprio” do texto, que isola do resto a sua autonomia
semântica, e que faz dela a ordem secreta de uma obra?
Quem eleva essa barreira que constitui o texto em ilha
sempre fora do alcance para o leitor? Essa ficção condena à
sujeição os consumidores que agora se tornam sempre
culpados de infidelidade ou de ignorância diante da “riqueza
muda do tesouro assim posto à parte. Essa ficção do
“tesouro escondido na obra, cofre-forte do sentido, não tem
evidentemente como base a produtividade do leitor, mas a
instituição social que sobre-determina a sua relação com o
texto.
Guardadas as devidas proporções, é isto o que acontece na SPA. O funcionário é
instruído por um texto que ele não leu, mas foi lido pelo chefe; é punido por um texto que
ele deixou de ler. Quando posta em dúvida a punição, o próprio texto é evocado como
ônus da prova.
4.1.2. CTM
Na CTM, ao contrário da SPA, a alocação do funcionário é direcionada na medida
em que as habilidades dispostas no seu currículo são o elemento de oferta para uma
demanda que a empresa apresenta, conforme ilustra o depoimento a seguir, coletado
junto a um dos funcionários e registrado no Diário de Campo:
Registro 23
Eu já tinha trabalhado em outra empresa como eletricista, então quando cheguei aqui fui
fazer a mesma coisa porque eles viram tudo isso no meu currículo, nem perguntaram
nada, fui direto para o meu setorzinho. (12.07.2006)
O trecho acima permite inferir que na CTM um operário é convocado quando um
determinado setor necessita de funcionários que possuam habilidades específicas; assim
sendo, mecânicos, eletricistas e marceneiros especializados ingressam na empresa para
63
exercer funções de mecânicos, eletricistas e marceneiros, e não funções aleatórias por
vezes sem relação com o seu saber fazer.
Em se tratando do processo produtivo, na CTM não há máquinas individuais, mas
um extenso maquinário dividido em seções atreladas aos processos de beneficiamento do
algodão. Sendo o procedimento fabril da CTM automatizado, o processo produtivo não
sofre a manipulação do funcionário, este, diferente do funcionário da SPA, atua na
supervisão da máquina, não nas etapas produtivas.
O funcionário da CTM, portanto, não trabalha por produção, ou o faz indiretamente,
posto que a quantidade do produto a ser fabricado, estando programado na máquina,
libera-o do emprego de esforços para além do prefixado pela sua função de
supervisionar a máquina, conforme foi registrado no Diário de Campo o trecho a seguir
oriundo das conversas com os informantes:
Registro 24
aqui na empresa tem que ficar de olho no visor se não pode acontecer alguma coisa na
máquina e a gente não tá olhando.(1.03.2006)
Estando atento ao monitor que controla a máquina, o operário deve supervisionar o
processo de produção e solucionar problemas de ordem mecânica, elétrica ou digital
quando estes se apresentem. São exemplos de problemas correlatos à função do
operador de máquinas: esvaziamento e limpeza da bandeja de fios, restauração do fluxo
do fio de algodão, entre outros. Também é exigida do funcionário a capacidade de
interpretar informações, posto que no visor as informações estão dispostas em forma
multimodal, são gráficos, cores, avisos luminosos, expressões em língua inglesa que
exigem mais que habilidade e destreza. Razão pela qual ao ser questionado sobre o que
seria necessário aprender na EJA para melhorar seu desempenho na função que exercia,
um informante direto da CTM assim se posicionou:
Registro 25
3. O que você acha que seria necessário aprender na EJA para melhorar o seu
desempenho na função?
É necessário aprender sobre tecnologia, pois trabalhamos com máquinas digitais, para ter
um bom desempenho na função tenho que ter conhecimento tecnológico.
64
Esse exemplo, além de evidenciar o tipo de mecanismo produtivo empregado pela
CTM, aponta para a questão do aprendizado da função, que não seria possível de ser
realizada totalmente na empresa, devido à natureza da função a ser desempenhada,
diferentemente da SPA. Nesse caso, a função a desempenhar está relacionada a práticas
letradas. No caso da CTM essas práticas envolvem tanto práticas escolares quanto
profissionais, pois a leitura corrente junto às máquinas, pelo que observamos, extrapola
em muito o que é ensinado na EJA. Todavia, as práticas escolares não nos parecem que
podem ser dispensadas em função dessas outras.
Dessa forma, o aprendizado da função na CTM é parcialmente executado na e pela
empresa, em virtude da natureza da alocação e da função a desempenhar. Ao chegar à
CTM, o novo funcionário já porta uma relativa qualificação já que o seu ingresso nesta
empresa ocorre por uma relação biunívoca oferta–demanda para uma determinada
função de um determinado setor. Como este funcionário não vai manipular o produto a ser
fabricado, conforme acontece com o funcionário da SPA, sua função é junto ao
mecanismo de produção, cujo processo de execução já é do seu conhecimento, em
virtude da sua qualificação.
Deste funcionário são exigidas, portanto, capacidade de operacionalização dos
mecanismos da máquina e capacidade de resoluções de problemas, já que a máquina
com a qual vai trabalhar é “inteligente”, dada sua eficiência tecnológica “dialoga” com o
funcionário, emitindo informações que demandam mais que um mero controle manual.
Em termos instrucionais, enquanto parte do processo de repasse do letramento
profissional, o funcionário da CTM é orientado pelo engenheiro responsável pelo setor,
que faz uma demonstração do funcionamento da máquina oralmente, à semelhança da
SPA, porém entrega ao funcionário o manual de instruções pertinente àquela máquina.
Trata-se de um texto esquemático. A demonstração oral é apenas uma forma de
reconhecimento da máquina; o funcionário irá obter as demais informações através do
manual que lhe foi entregue, conforme observação que registramos no Diário de Campo:
Registro 26
O informante da CTM comentou que o engenheiro lhe entregou o manual da máquina e
disse “te vira”. Então ele disse que foi olhar direitinho as instruções e quando tinha alguma
dúvida perguntava aos colegas. Depois de um tempo na função, esse informante afirmou
que o manual passou a ser um guia que ele só consultava quando precisava de mais
esclarecimentos. (7.07.2006)
65
A relação interativa na CTM revela-se como potencialmente assimétrica, uma vez
que é o engenheiro quem comanda a etapa inicial do repasse do letramento profissional,
mediado pela sua condição de superior e agente por excelência do letramento daquela
situação. Esse quadro interativo tamm pode ser considerado vertical em se tratando da
autoridade daquele que repassa as informações ao subordinado e, por essa razão, está
situado acima daquele que aprende.
No entanto, passada a etapa inicial que consideramos de reconhecimento, o par
funcionário e engenheiro – passa a desempenhar relações supostamente simétricas e
horizontais, na medida em que haverá, a partir da etapa inicial, discussões e não mais
instruções. A presença do manual os torna mais próximos, tendo em vista que este
documento é constitutivo de informações a que ambos têm acesso. Poderíamos dizer a
esse respeito que o conhecimento de ambos sobre a função a desempenhar é
potencialmente similar. Um fato que evidencia estas declarações pode ser visto quando
do depoimento de um aluno / funcionário registrado em Diário de Campo:
Registro 27
O aluno após concluir uma atividade feita na sala de aula, vai ao seu setor onde iniciará
seu trabalho. Pouco tempo depois o aluno retorna e fica conversando com os alunos que
permaneceram na sala e que não irão trabalhar, pois estão de folga. Eu perguntei se ele
não ia trabalhar, ele disse que como estava sozinho naquele dia não tinha problema de
sair do setor. Eu achei estranho e perguntei pelo engenheiro, o aluno disse que este
estava em casa e que só se precisasse ele retornaria a empresa. Então quis saber mais
sobre esse fato, e os alunos responderam que geralmente eles ficam sozinhos no setor e
o engenheiro só aparece quando tem necessidade, afinal eles sabem fazer o serviço
sozinhos, mesmo quando é um problema mais sério, porque eles sabem resolver os
problemas que ocorrem na máquina. Eu acho que isso se chama autonomia. (9.05.2007)
Tendo conhecimento sobre sua função, conhecimento, esse, situado para além do
saber fazer, o funcionário passa a ter autonomia perante sua função e sua subordinação
ao engenheiro diz respeito à hierarquia que permeia as relações trabalhistas. Parece
haver uma aproximação entre o que ambos conhecem.
Apesar desse perfil distintivo, em se tratando da estruturação do quadro interativo,
podemos afirmar que tanto na CTM, quanto na SPA, o engenheiro ou supervisor, e às
vezes até o líder de grupo, exerce o papel que, na escola, cabe ao professor. Em outras
palavras, a estrutura hierárquica de repasse de saber centrada numa pessoa mais
66
experiente e potencialmente preparada também é utilizada nas empresas. Em ambas
parece ser um procedimento natural centrar o repasse do letramento profissional numa
pessoa situada acima daquele que aprende.
Em todo caso, o que se observa é que na CTM essa estruturação hierárquica é
potencialmente mais branda em se tratando do “equilíbrio” existente entre os envolvidos
no aprendizado: o funcionário ingressante e o engenheiro. À medida que o aprendizado
se instaura, parece que o conhecimento daquele que ingressa se aproxima do
conhecimento daquele que ensina. Nesse ponto de raciocínio, somos levados a crer que
a dependência do repasse oral de letramento do advindo do engenheiro, por parte do
funcionário ingressante, se dissipa paulatinamente no prosseguimento do processo de
aprendizado, na medida em que esse funcionário dispõe de outros recursos de apoio para
a consecução do aprendizado, a exemplo dos textos escritos que integram sua rotina,
cuja leitura é instigada pela empresa.
Na CTM, à semelhança da SPA, os funcionários estão continuamente expostos a
textos escritos de variadas naturezas e nos locais de maior visitação. A relação do
funcionário dessa empresa com os impressos, porém é de natureza distinta, sendo uma
relação mais pontual, posto que parte do seu aprendizado bem como a realização da
suas tarefas dependem da atenção dispensada aos impressos, conforme registro d o
Diário de Campo a seguir:
Registro 28
Sempre que vamos ao refeitório, vejo que os funcionários ao sair param nos murais onde
têm textos escritos. Fui olhar de que natureza eram os textos e notei que eles olham para
os textos que se referem a avisos que estão relacionados a algum “ganho”:
comemorações de aniversários, dia de visita, resultado de campeonatos, enfim, eles
procuram os textos que estão relacionados a algo meio que imediato. Mas eles também
conferem o cardápio, e lêem as mensagens dispostas como, campanhas de saúde. Acho
que eles lêem tudo mesmo, ou pelo menos parecem ler. (7.03.2007)
A atenção dispensada aos impressos é acentuada, tendo em vista que, na CTM,
dois textos escritos estão presentes na rotina do funcionário de forma direta: (1) o manual
de instruções sobre a máquina e (2) o visor presente na lateral da máquina. Esses dois
textos são continuamente consultados numa escala gradual de maior e menor utilização.
O de menor utilização é o texto, porque sendo feita a leitura inicial de r econhecimento, e
assimilado o seu conteúdo com o auxílio da qualificação do funcionário, eventualmente
67
este manual é consultado outra vez, apenas quando ocorrer um defeito na máquina. O
texto 2 é o mais consultado por razões bastante óbvias, tendo em vista que esse texto é o
instrumento de trabalho do funcionário sendo, portanto, o guia da função desempenhada,
e tem sua consulta diária e constante.
A atitude do funcionário da CTM perante os textos escritos parece estar atrelada à
rotina da empresa. Uma rotina que instiga práticas de leitura e de escrita, desde o
recrutamento até os procedimentos funcionais menos institucionais, a exemplo da leitura
dos diversos impressos dispostos na empresa. Todavia, não podemos assegurar que a
atitude e a relação do funcionário da CTM com os impressos resultem tão somente da
rotina de trabalho, posto que em virtude dos critérios adotados pela empresa no tocante
ao recrutamento e a mobilidade funcional (abordados no capítulo 3), o funcionário, ao
ingressar nesta empresa, parece dominar outras práticas letradas, notadamente as de
natureza escolar.
Portanto, o funcionário da CTM ao ingressar encontra um ambiente instigador de
práticas letradas perante o qual parece aperfeiçoar o que sabe. Para aqueles cujo grau de
instrução não é equivalente ao perfil da empresa, parece ocorrer a adequação à rotina de
práticas de leitura e de escrita.
Se, por um lado, esse procedimento é diferente dos procedimentos relativos às
práticas de leitura ocorridas na SPA, por outro, encontramos semelhanças na punição. Na
CTM, aqueles que perdem alguma informação porque não leram os avisos tamm são
punidos com advertências do RH. Mas a recorrência desse evento é bem menor do que
na SPA, talvez pela característica de a empresa instigar a leitura dos textos escritos
afixados em suas dependências, conforme relatado anteriormente.
Na CTM, para aqueles que foram admitidos fora dos padrões de recrutamento da
empresa são realizadas capacitações visando ao mesmo fim: a qualificação. Nessa
empresa, ainda existem funcionários com baixa qualificação e escolaridade, visto que, no
seu processo de implantação na cidade, aproveitou a mão de obra que trabalhou na fase
de montagem da indústria. Esses colaboradores, conforme descreve o RH da CTM, foram
instruídos para trabalhar em funções de apoio, tais como auxiliares de limpeza, de
produção entre outros.
A fim de permanecerem na empresa, esses colaboradores são incentivados a
voltar à escola para que possam realizar cursos por intermédio de agências oficiais de
profissionalização, com vistas ao nivelamento com os outros profissionais em termos de
qualificação, conforme se observa nas palavras da profissional responsável pelo RH, na
68
entrevista, quando da sua resposta sobre os cursos profissionalizantes que o s
funcionários realizam:
Registro 29
5. Além da EJA, que outros cursos a empresa incentiva os funcionários a participar?
Treinamentos a nível operacional, capacitações de acordo com suas áreas de trabalho
através de diversas entidades: SESI, SENAI, SEBRAR, SEST/SENAT, ETER-
manutenção mecânica, elétrica e eletroeletrônica, formação para supervisores, saúde a
nível motivacional e relações humanas, entre outros.
Isto revela, portanto, que à CTM interessa qualificar seu funcionário para que
ocorra uma habilidade relacionada à função desempenhada ou a desempenhar, o que é
conseguido por via do aprimoramento da qualificação e da escolaridade, já que os cursos
e capacitações oferecidos pelas entidades citadas pela profissional do RH adotam o
critério de ingresso a partir da conclusão do ensino fundamental e/ou do ensino médio.
Um exemplo desse fato pôde ser registrado quando um dos informantes diretos
dessa empresa pontuou que ao concluir o ensino médio realizaria o curso de Técnico de
Higiene Dental para poder migrar da função de atendente para a função de auxiliar de
odontologia. Nesse caso, a progressão funcional está condicionada pela realização do
curso e conseqüentemente pela qualificação em termos profissionais.
4.2. Práticas de repasse de letramento em contexto escolar
A análise desenvolvida neste tópico adota como ponto de partida as aulas
gravadas das disciplinas Inglês, Matemática, Língua Portuguesa e Química. A transcrição
e observação dessas gravações revelaram-nos que: a) o texto escrito está presente em
todas as disciplinas e sua funcionalidade atende a objetivos específicos de controle,
domínio e punição; b) a modalidade oral da linguagem perpassa todo o repasse do
letramento escolar.
O texto escrito integra a rotina do aluno de maneiras distintas, indo numa escala
gradual que registra a presença construída, a presença reconstruída e a presença
empírica, conforme descrito por Rojo (2001). Em Matemática o texto escrito não aparece
nas mãos do professor nem na dos alunos, mas é construído pelo professor na sua
69
exposição, sem que se observe um exemplar de onde parta sua construção. Essa
construção é passada para o aluno em forma de cópia, conforme evidencia o exemplo:
Registro 30
Dimensão visual Dimensão verbal
O professor continua sua aula sem que
utilize qualquer texto escrito. O único
material que aparece sobre sua mesa é o
diário de classe.
89P: É o mesmo caso dali, ela nem é
injetora nem sobrejetora, é função inversa
certo? E agora vamos para o que nos
interessa para a aula de hoje... como se
calcular uma função inversa? Tá certo,
pessoal? Copiaram isso ? Tava no
caderno de vocês... bom, vamos definir
função inversa... posso apagar isso aqui?
Como se pode observar, o aluno não tem uma relação direta com um texto,
enquanto uma unidade lingüística de repasse de informação, mas com trechos da
exposição que vão sendo anotados a partir de critérios definidos pelo professor, tais como
de definições e exemplos.
Em Química, o texto escrito é reconstruído, posto que o professor porta um
exemplar de onde parte a exposição do conteúdo, que transcrito no quadro e copiado pelo
aluno, conforme revela o exemplo:
Registro 31
Dimensão visual Dimensão verbal
O professor copia mais duas questões no
quadro a partir de uma apostila que está
sobre a sua mesa.
P22: Essa segunda questão aqui... pra
isso... pra essa resolução... aí eu volto à
mesma tecla... repito... que eu tenho que
saber o que vem a ser o P do elemento, ou
seja, quando ele vai ser isótopo? Quando
ele apresenta o mesmo número [[de
prótons]]
Nesse caso, a cópia se mostra como fundamental ao processo de exposição da
matéria, diferentemente de Matemática em que a cópia se mostra como um recurso à
memória. Todo o esforço de professor é para que os alunos entendam o que foi
70
repassado oralmente. Já para o professor de Química, parece estar subjacente a crença
de que copiando os alunos vão entender a matéria.
Em Inglês e Língua Portuguesa, o texto escrito está presente nas mãos do
professor como tamm nas dos alunos, pois todos dispõem de um e xemplar, conforme
revelam os exemplos:
Registro 32
Inglês ngua Portuguesa
P5: Hoje é que a gente vai ver um novo
tempo, pois bem, quem vai fazer esse
desafio... você mesmo, guardando a folha,
e vê o que é que arranca de dentro?
P6:Ô, filhota, entregando os textos.
(...)
P10: Vamos ler? Alguém gostaria de ler?
Nessas disciplinas (Inglês e Língua Portuguesa), o texto escrito é potencialmente
empírico, posto que, ao lado da presença material, ocorrem tamm construções e
reconstruções do texto escrito. Em Língua Portuguesa, o texto escrito é o pretexto para a
aula que começa sempre com uma leitura, ainda que tenha como finalidade o estudo de
aspectos lingüísticos, que são copiados no quadro sem uma obra de referência. Em
Inglês, ocorre o contrário: a apostila contém apenas o conteúdo e os exercícios são
copiados no quadro. Dessa forma, a categoria empírica, que revela uma das formas de
utilização do texto escrito em contexto de EJA, pode ser revista sob um prisma de
empirismo variável, já que não se apresenta de forma homogênea, tal como as categorias
presença construída e presença reconstruída observadas em Matemática e Química.
Não obstante a presença do texto escrito nas aulas das várias disciplinas, os dados
revelam que o repasse do letramento escolar se dá através da modalidade oral, com
procedimentos de demonstração combinados com notação mnemônica.
A princípio, as formas distintas de utilização do texto escrito nas disciplinas
focalizadas parecem sinalizar para uma escolha deliberada do professor, condicionada
por três fatores:
a) preparo didático: o programa Educação do Trabalhador possui carga horária
reduzida e conteúdos disciplinares mínimos, sendo necessário seguir o tempo
didático e o tempo da aprendizagem na realização do repasse do letramento
escolar;
71
b) a natureza da disciplina que ministra: Matemática, Química e Inglês podem
ser consideradas disciplinas de alto teor de abstração tendo em vista a sua
representatividade simbólica através de elementos gráficos específicos; Língua
Portuguesa tende a ser uma disciplina cujos conteúdos podem ser tomados na
perspectiva da discursividade e do pragmatismo;
c) o perfil de aluno integrante do programa Educação do Trabalhador: alunos
com histórico de escolarização deficiente pontuado de repetências, reprovações e
desistências, e com histórico social de trabalhador do horário noturno.
Esses fatores parecem estar na base da formação do professor, guiando os
critérios do repasse de letramento escolar, e favorecendo os procedimentos didático -
pedagógicos atualizados em sala de aula, a exemplo da forma de utilização do texto
escrito. A percepção desses fatores, portanto, foi observada nas respostas dos
professores informantes dessa pesquisa, quando da entrevista escrita que concederam,
conforme o registro ilustrativo a seguir:
Registro 33
1. Que habilidades o conteúdo programático da sua disciplina busca desenvolver na
competência do aluno?
Como a Matemática é uma disciplina considerada uma das mais difíceis, temos que
utilizar uma metodologia diferente para o tratamento da disciplina diante da clientela da
EJA. Temos que procurar fazer o aluno:
- desenvolver a autonomia e o uso do raciocínio, reflexão e expressão dos alunos;
- construir, compreender, aplicar e avaliar as estratégias e procedimentos matemáticos
para resolver situações - problemas presentes em diversos contextos;
- relacionar conceitos matemáticos;
- utilizar o conhecimento matemático para compreender, representar e agir sobre a
realidade do aluno;
- desenvolver senso crítico e criativo na análise dos problemas.
Desse modo, relacionamos, a princípio, a presença do texto escrito em contexto
escolar à performance de construção, reconstrução e empirismo variável, ponderando que
se trataria de usos distintos associados a motivos distintos pontuados pelos fatores acima
delineados. Em outros termos, ao optar por uma das formas de utilização do texto escrito,
72
categorizadas nessa análise, o professor estaria pondo em evidência o delineamento da
disciplina que ministra, a clientela a que se destina o saber ensinado proveniente da sua
disciplina, bem como os critérios de funcionamento do programa de ensino ao qual está
integrado.
A utilização do texto escrito numa dessas formas estaria condicionada, em primeira
instância, pelo repasse de letramento. Aparentemente é como se os professores não
percebessem as implicações das formas de utilização do texto escrito, mas acreditassem
no potencial formativo de cada uma dessas formas, a ponto de apresentarem-se na sala
de aula “impressos” pelo texto escrito, posto que ostenta em sua voz e em seu corpo o
saber ensinado (Mey, 2001) e dessa forma, circunscrever a muralha da qual trata Certeau
(1994) entre o texto escrito e o aluno.
Observada a condução dos conteúdos ministrados nessas disciplinas, a forma de
avaliação e os fins desses conteúdos, tanto quanto o alcance que têm além do espaço
escolar, verificou-se que a distinção no uso do texto escrito parece decorrer da escolha
pessoal do professor. Na verdade, a escolha das formas de utilização do texto escrito ,
parece remontar, em nossa opinião, à formão do professor que, conforme visto no
capítulo 2, Quadro 2, revela-se pouco especializada para uma atuação eficiente em
contexto de EJA.
A gravação das aulas nas quatro disciplinas, portanto, revela que as práticas de
repasse de letramento em contexto escolar constituem-se, homogeneamente, de práticas
de letramento tipicamente escolares através das quais o texto escrito, independente da
sua forma de utilização: a) atua como elemento norteador das práticas de repasse de
letramento, sobre o qual repousa a autoridade do professor, que funciona como agente
intermediário do saber ensinado, conduzindo e controlando os turnos da participação à luz
do discurso oficial da sua disciplina; b) assume a função de artefato punitivo, uma vez que
sua utilização no cenário de letramento escolar, pontuado por práticas orais de repasse
de letramento, volta-se para a punição, pois as avaliações requisitam sempre o que foi
copiado.
Para efeito de visibilidade desses aspectos constitutivos das práticas de repasse de
letramento em contexto escolar, apresentamos a seguir um excerto das aulas gravadas.
73
Registro 34
Dimensão Visual Dimensão Verbal
1.A professora entra na sala, cumprimen
t
a
os alunos, põe seu material no birô, vai até o
quadro e escreve, em colunas, os nomes
:
Prótons, Nêutrons e Elé
t
rons
.
2. Aponta para o primeiro elemento, depois
para os que seguem
.
3. Copia um exercício do quadro, retirado de
uma apostila, e começa a rever o conteúdo a
partir desse exercio
.
4. Novos exercícios são copiados. Nesse
momento, um professor de outra disciplina
entra na sala,para distribuir um exercício
com os alunos, inicia-se um tumulto, mas a
professora não se envolve, con
t
inua
copiando os exercícios
t
ranqüilamen
t
e
.
P2: Ó, revendo aqui as semelhanças, certo? O que
representa pelos elemen
t
os?
A2: Pró
t
ons
P3: O P é o quê?
A3: Pró
t
ons
P4: O A representa o quê?
A4: A massa
P5: E o N?
A5: Nêu
t
ron
P6: Visto que um elemento qualquer, ele dispondo duas
características, o primeiro número é... que se localiza em
cima e um embaixo, que é a massa aqui?
A6: Quaren
t
a
P7: E aqui?
A7: Pró
t
on
P8: O que é que faltando em caracterís
t
ica?
A8: Nêu
t
ron
(.
..
)
A11: Professora, esse quinze nêutrons é o quê? É quaren
t
a
e cinco menos vinte e um é?
P12: Nêutron é o que sempre se localiza no centro do
elemento, ele vai ser montado em função das três... dos
outros elementos... ó, o elemento X ele tem dois números
,
duas características, ele tem 21 aqui e 45 aqui... aí ele
afirma que ele é isótopo do elemento Y o que é que ele
t
em
em soma?
A12: Vinte e um
P13: Mas... vinte e um prótons né? Bom, o elemento Y é
isóbaro do elemento Z, sabendo que Z tem vinte prótons
...
prótons é o mesmo que o quê?
A13: A massa?
A14: Não... menos que o elé
t
ron?
A15: Nêu
t
ron?
P14: Relembrando... número atômico é igual o número de
prótons... isso aqui é o que s chamamos o menor
número enquanto não sabemos o quê? O Nêutron, é
porque o nêutron pode ser menor, o elemento Y é isóbaro
do elemento Z. sabendo que Z tem vinte pró
t
ons
...
A16: Isso é muito impor
t
an
t
e
P15: Calcule o número atômico dos três elementos, o que é
que tá
f
al
t
ando?
(.
..
)
A34: Na prova tem que botar isso tudinho é?
P30: Tem, para eu resolver eu tenho de montar o sis
t
ema
...
tem que saber o que é isóbaro, isótono e isótopo pra poder
montar... pra concluir/ lá no nosso/ na nossa aula a gen
t
e
vai ter questões como essa, eu vou colocar as
semelhanças isóbaro, isótono e isótopo.. agora eu preciso
saber o que representa A no elemento, eu preciso saber o
que representa N e prótons... porque a gente vai escrever o
elemento dessa forma aqui. (
...
)
74
Neste excerto, percebe-se que o professor ministra sua aula potencialmente
centrado no texto escrito. Ele copia no quadro a tradução dos elementos e um exercício,
os quais segue fielmente, tornando a aula tão somente um exercício de leitura desses
escritos. Nesse exercício de leitura, o professor utiliza dois mecanismos que se alternam:
a leitura induzida e a leitura restrita. Consideramos como leitura induzida, o mecanismo
de apontar para os elementos dispostos no quadro e sugerir que o aluno leia; e como
leitura restrita o mecanismo de realizar a leitura de trechos dos escritos dispostos no
quadro sem a participação do aluno.
No mecanismo da leitura induzida, o aluno age como repetidor daquilo que está
bastante explícito e não demanda grandes esforços cognitivos, a exemplo dos turnos
P2/A2, P3/A3, P4/A4, P5/A5, P8/A8:
P2: Ó, revendo aqui as semelhanças, certo? O que representa pelos elemen
t
os?
A2: Pró
t
ons
P3: O P é o quê?
A3: Pró
t
ons
P4: O A representa o quê?
A4: A massa
P5: E o N?
A5: Nêu
t
ron
P8: O que é que faltando em caracterís
t
ica?
A8: Nêu
t
ron
Há nesses turnos uma marcada relação biunívoca entre as vozes dos
interactantes, ou seja, o professor aponta para o modelo, faz a pergunta e o aluno
responde. Nessa relação biunívoca, portanto, não há margens de erros, já que a forma de
condução e a natureza da pergunta anulam a possibilidade de que o erro ocorra. No
mecanismo da leitura restrita, o professor veta ao aluno a chance de realizar a sua própria
leitura e assim se ver desafiado a usar o seu raciocínio lógico, interpretando a questão.
Este fato acontece na etapa do exercício que seria nuclear para que o aluno se visse
instigado a buscar o entendimento da situação-problema e alcançar a sua resolução por
meio de um maior grau de abstração, conforme revelam os turnos P12 e P13:
P12 (...) aí ele afirma que ele é isótopo do elemento Y o que é que ele tem em soma?
P13: (...) Bom, o elemento Y é isóbaro do elemento Z, sabendo que Z tem vinte prótons ... prótons é o
mesmo que o quê?
75
Conforme esses turnos, o professor lê a etapa do exercio que exigiria do aluno
maior grau de abstração (ele é isótopo do elemento Y / o elemento Y é isóbaro do elemento z) e
deixa para ele a tarefa de repetição de dados explícitos cuja base de atendimento da
proposta é a indicação, fato observado nesses turnos (o que é que ele tem em soma? / prótons é
o mesmo que o quê?
) bem como nos turnos P6, P7, P8:
P6
: que se localiza em cima e um embaixo, que é a massa aqui?
P7: E aqui?
P8: O que é que faltando em caracterís
t
ica?
Observemos que seqüencialmente o professor vai indicando os elementos por
associação à forma por extenso dos mesmos, afixada no lado esquerdo do quadro, e com
isso vai esgotando a quantidade desses elementos. Na leitura do exercício, ele
indica/pergunta a massa, o próton e obviamente o que está faltando é o Nêutron, que não
foi indicado, mas é sugerido, conforme mostra o turno P8. A resposta do aluno é,
portanto, induzida e não apresenta margem de erros.
Nesses mecanismos de leitura, sobressai o que Rojo (2001) considera como
ventriloquismo da voz letrada do texto. Nesse procedimento, o professor ao repetir o
discurso oficial da disciplina que ministra, atua como “boneco de ventríloquo” do texto
didático, e o aluno, ao repetir o discurso do professor, atua como “boneco de ventríloquo
do professor. Dessa forma, o ventriloquismo da voz letrada do texto escrito, característico
das aulas em contexto de EJA, indica o modelo de quadro interativo que predomina: o
assimétrico, cuja interação entre os participantes é estruturada a partir de uma escala
decrescente em termos de definição de papéis: do texto escrito para o professor, do
professor para o aluno.
Consideramos o texto escrito como um elemento central da aula, já que sua
presença é materializada por intermédio dos interactantes reais, sendo o professor o
materializador por excelência.
Retirados os torneios lingüísticos característicos do gênero dialogal dos turnos P6,
P12, P13, P14 e P15:
P6: Visto que um elemento qualquer, ele dispondo duas características, o primeiro número é... que se
localiza em cima e um embaixo, que é a massa aqui?
P12: Nêutron é o que sempre se localiza no centro do elemento, ele vai ser montado em função das
t
rês
...
dos outros elementos... ó, o elemento X ele tem dois números, duas características, ele tem 21 aqui e 45
aqui... ele afirma que ele é isótopo do elemento Y o que é que ele tem em soma?
76
P13: Mas... vinte e um prótons né? Bom, o elemento Y é isótopo do elemento Z, sabendo que Z tem vin
t
e
prótons ... prótons é o mesmo que o quê?
P14: Relembrando... número atômico é igual o número de prótons... isso aqui é o que nós chamamos o
menor número enquanto não sabemos o quê? O Nêutron, é porque o nêutron pode ser menor, o elemen
t
o
Y é isóbaro do elemento Z. Sabendo que Z tem vinte pró
t
ons
...
P15: Calcule o número atômico dos três elementos, o que é que
f
al
t
ando?
;
teremos oralmente (re)construído um conteúdo da ciência química na sua forma original:
Visto que um elemento qualquer, ele dispondo duas características, o primeiro número é
isótopo do elemento Y, o Y é isóbaro do elemento Z. Sabendo que Z tem vinte prótons,
calcule o número atômico dos três elementos, conforme previsto por Rojo (2001).
Inclusive parte do turno P12 (P12: Nêutron é o que sempre se localiza no centro do elemen
t
o
,
ele vai ser montado em função das três... dos outros elementos...(...)), é a resposta dada à pergunta
do aluno, conforme sugere o turno A11 (
A11: Professora, esse quinze nêutrons é o quê? É quaren
t
a
e cinco menos vinte e um é?);
e o turno P14 (P14: Relembrando... número atômico é igual o número de
prótons... isso aqui é o que nós chamamos o menor número enquanto não sabemos o quê? O Nêutron, é
porque o nêutron pode ser menor(...) )
é a revitalização do conteúdo exposto tendo em vista o
desnorteamento do aluno diante da pergunta, visível nos turnos A13, (A13: A massa?) A14
(A14: Não... menos que o elétron?), A15 ( A15: Nêutron?) , e nem por isso se apresentam sob
outra forma que não a do discurso oficial da ciência química. Nesse sentido, o professor
por ser o materializador oficial do conteúdo que ministra desempenha o papel de guardião
do saber ensinado, sobre o qual não permite que ocorram desvios, conforme mostra o
turno P13
P13: Mas... vinte e um prótons né?
Nesse turno, o professor corrige a fala do aluno à luz do discurso oficial do saber
ensinado sem considerar a resposta dada que, conforme visto na retomada p elo
professor, está correta, apenas faltou o nome do elemento. Vejamos que nesse turno o
professor acentua a imperfeição da resposta através da conjunção adversativa. A
resposta do aluno está correta (A12: Vinte e um), no entanto, é corrigida em virtude da
ausência do essencial para o professor: o nome do elemento.
Essa forma de exposição do conteúdo traz à tona a questão da eficiência desse
método de ensino, bem como da relação que o aluno trava com o texto escrito durante
sua utilização nos eventos da aula e da avaliação. Conforme ainda revela o turno P13
(P13: Mas... vinte e um prótons né? Bom, o elemento Y é isótopo do elemento Z, sabendo que Z tem vin
t
e
prótons ... prótons é o mesmo que o quê?)
há um desvio nos mecanismos de leitura empregados
77
(prótons é o mesmo que o quê?), ocorrendo a alteração na natureza das perguntas
comumente realizadas pelo professor: ( P é o quê? / e aqui? / o que é que ta faltando em soma?) .
Nesse turno, o professor não indica o elemento, mas solicita a resposta, exigindo algo
mais elaborado porque em nível de comparação entre o nome (prótons) e sua
representatividade numérica no exercício, algo, portanto, que o aluno não está habituado
a realizar. Assim, a participação do aluno decai no grau da relação biunívoca, ficando em
seu lugar um conjunto de perguntas reveladoras da não assimilação do conteúdo, de
acordo com os turnos A13, A14 e A15:
A13: A massa?
A14: Não... menos que o elé
t
ron?
A15: Nêu
t
ron?
Nesses turnos, observa-se que o aluno negocia a resposta por meio de perguntas,
uma vez que o raciocínio até então instigado a ser realizado em sala de aula não lhe
capacita a responder questões que se situem fora do esquema pré-estabelecido e
comumente empregado. Em síntese, ao que parece, o método do ventriloquismo
empregado em sala de aula não caracteriza a exposição do conteúdo como eficiente
quando se realizar fora do domínio e condução do professor e fora de esquemas
arraigados.
Isto sugere que a relação do aluno com o texto escrito seja, por um lado, pautada
pela dependência do professor e, por outro, se revista de uma natureza punitiva. No
evento da aula, a interação do aluno com o texto escrito só foi possível de ser percebida
através da condução do professor, gerando, portanto, a dependência aludida.
Ao ser avaliado, a posteriori, razão de ser dessa aula, conforme revelam os turnos
inicial (P2: Ó, revendo aqui as semelhanças, certo?) e final (A34: Na prova tem que botar isso
t
udinho
é?);
a interação do aluno com o texto escrito se reveste de uma punição, uma vez que
nesse evento de letramento, o aluno está sozinho diante do texto com o qual deverá
contar para fazer eclodir as respostas corretas, que certamente não virão, tendo em vista
que os reforços às respostas corretas bem como a materialização do conteúdo de for ma
oral ficaram no evento da aula e, portanto, não estarão no exercício avaliativo, conforme
mostra o turno P30:
P30: Tem, para eu resolver eu tenho de montar o sistema... tem que saber o que é isóbaro, isótono e
isótopo
pra poder montar... pra concluir / lá no nosso/ na nossa aula a gente vai ter questões como essa, eu
78
vou colocar as semelhanças isóbaro, isótono e isótopo.. agora eu preciso saber o que representa A no
elemento, eu preciso saber o que representa N e prótons.
.. (...) (grifos nossos).
Vejamos que o professor irá cobrar do aluno, em um primeiro momento, algo que
ele não forneceu. Não foi observado nos turnos do professor qualquer alusão aos ter mos
isótono, isóbaro e isótopo. Acreditamos que essa informação seria necessária para que
na ausência de um dos elementos, conforme parece ser comum nos exercícios dessa
disciplina, o aluno pudesse fornecer dados a essa incógnita compatíveis com a natureza
de ser isóbaro, isótono e isótopo. No caso em pauta, não acreditamos que esses termos
sejam figurativos. Conjecturamos que a resposta do aluno quando da avaliação, nesse
caso específico, deva se ancorar na “lembrança” dos esquemas feitos no quadro pelo
professor, posto que outro suporte não foi dado para o reconhecimento a posteriori de
atividades que envolvam essa nomenclatura específica.
Em um segundo momento, o aluno estará sendo cobrado por algo que lhe foi
mostrado apenas, e voltou ao poder do professor. A forma gráfica de prótons, nêutrons e
massa não estará diante do aluno, conforme mostrou a dimensão visual 1, em seu lugar
estará a representatividade simbólica e dessa forma, o aluno possivelmente irá recorrer a
um recurso de natureza ideográfica, já que N coincidentemente (ou não) é nêutron e P é
prótons. Restando, portanto, procurar outra alternativa para o caso da massa, que
conforme visto parece ser representado pelo A e por assim ser não favorece a relação
nome – elemento.
Em síntese, a avaliação em contexto de EJA é punitiva, o texto escrito é o recurso
dessa prática e o saber ensinado pertence ao professor. A esse respeito, vale finalizar
essa seção com as palavras de Gee (1999), elucidativas do letramento em contexto de
EJA:
Desde que o conhecimento seja distribuído para múltiplas
pessoas, práticas sociais específicas e várias ferramentas,
tecnologias e procedimentos, e não seja armazenado em
qualquer cabeça, o problema de as pessoas andando por ai
com o seu conhecimento, mais ou menos, está resolvido. O
conhecimento pertence à companhia, não ao indivíduo
(p.6)
(grifos nossos)
79
4.3 Práticas de repasse de letramento: cruzamento entre os cenários
Exposta a caracterização dos cenários, em termos das práticas de letramento
realizadas, o que se observa é que se tratam de práticas pertinentes ao processo
produtivo ao qual se prendem os cenários, logo são práticas caracterizadoras da missão
produtiva de cada um deles. No entanto, o que essas práticas individuais revelam, para
além da sua institucionalidade, é que o se constituem de práticas propriamente
distintas, apesar de ocorrerem em cenários distintos, pontuados por objetivos distintos na
perspectiva da missão produtiva.
O cenário 1 (SPA), conforme a seção 4.1.1 mostrou, adota para os procedimentos
de alocação, função a desempenhar e repasse de letramento, critérios escolares, quando:
a) adota a modalidade oral da linguagem como predominante no repasse do
letramento profissional, cujo aspecto demonstrativo sobrepõe outra forma de
repasse,
b) utiliza o texto escrito como restrito ao responsável pelo repasse do letramento
desde que sua leitura é repassada e não realizada pelo aprendiz;
c) utiliza o texto escrito como recurso punitivo, na medida em que a ele recorre para
impor sanções;
d) o repasse do letramento ocorre sob o modelo do quadro interativo assimétrico,
sendo o responsável por esse repasse o supervisor, o chefe de turno/turma, e é
atualizado sob a seqüência: mostrar – fazer.
No cenário 2 (CTM), conforme a seção 4.1.2, práticas escolares foram observadas na
medida em que nessa empresa:
a) o repasse do letramento advém de uma pessoa mais experiente que institui as
formas desse repasse e cujo conhecimento eleva-o à categoria de agente por
excelência do letramento realizado;
b) o texto escrito é o ponto de partida para qualquer empreendimento ocorrido em seu
interior, a exemplo das diversas e variadas informações pertinentes ao movimento
do funcionário;
c) o texto escrito é também ponto de partida para a testagem daquilo que se pretende
a partir daquilo que se propaga, a exemplo da entrega do manual de instruções
80
que requer leitura eficiente e consecução de atividades a partir do que está
declarado no currículo entregue pelo funcionário.
Esses pontos observados nos cenários 1 (SPA) e 2 (CTM) são considerados
escolares, na medida em que, no cenário 3 (CAT JRF), as práticas de repasse de
letramento são:
a) centradas na palavra do professor que expõe corpora e oralmente o saber
ensinado;
b) centradas no texto escrito que funciona como ponto de partida e de chegada de
todas as ocorrências relativas à exposição do saber ensinado;
c) movidas sob o quadro interativo assimétrico cuja condução é delegada apenas ao
professor;
d) atualizadas seqüencialmente dentro de uma cadeia de crescente dificuldade;
Dessa forma, o cruzamento dos cenários parece revelar que na realização da missão
produtiva de cada um ocorre a adoção de práticas tipicamente escolares, tais quais
expostas no capitulo 1, seção 1.3.2, das quais salientamos: monologização, controle,
imposição, seqüenciamento e ordenação de conteúdos em função do critério do mais
simples para o mais complexo, centralização da palavra na fala do professor e
centralização da fonte de informação no texto escrito.
A semelhança entre os cenários tendo em vista as características no repasse do
letramento parece advir do fato de que há entre esses uma espécie de entrecruzamento.
Isto implicaria afirmar que as práticas de repasse de letramento seriam viabilizadas tendo
em vista a consciência do entrecruzamento, por intermédio da qual medidas escolares
parecem ser adotadas em função do entorno oriundo do entrecruzamento.
Conjecturamos que os três cenários agem em comum acordo com os procedimentos a
serem viabilizados em suas práticas individuais, tendo um eixo central de administração
que seria a perspectiva escolar. No entanto, observados os limites do entrecruzamento
entre os cenários, a partir do conhecimento obtido nesta pesquisa, esse entrecruzamento
parece se revestir de uma natureza acidental, pela qual a semelhança torna-se
coincidente. A adoção de práticas escolares nos três cenários parece revelar, na
realidade, que as fontes que subsidiam essa adoção advêm de outros horizontes para
além da própria noção do entrecruzamento.
Essas proposições serão discutidas nas considerações finais.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se propôs a responder três questões de pesquisa. A primeira delas -
Quais as práticas caracterizadoras do letramento profissional e do escolar em contexto de
EJA e suas respectivas convergências e divergências? – foi respondida quando da
apresentação dos capítulos três e quatro. Em síntese, podemos afirmar que examinando
cenários influenciados pela gestão taylorista e pós-fordista várias características do
letramento escolar podem ser encontradas, a exemplo da monologização, centralização
da palavra na voz do professor ou do instrutor, corporificação do texto através da voz do
professor e do instrutor, seqüenciamento de atividades.
A segunda questão – Qual a eficácia do modelo de letramento funcional adotado
pela EJA para a demanda profissional do aluno trabalhador? supõe uma discussão
sobre as práticas de letramento analisadas na correlação com os cenários em que
ocorrem. Discussão, essa, que só poderia ser realizada nessas considerações finais,
após a análise dos capítulos três e quatro.
A descrição e a análise das práticas de letramento ocorridas em contexto
profissional e escolar revelam que há entre os cenários 1 (SPA), 2 (CTM) e 3 (CAT JRF)
diferenças significativas nos modos de condução dessas práticas, se considerados
isoladamente. Percebemos e consideramos essas diferenças dentro de um padrão de
normalidade tendo em vista que são cenários distintos, nos quais se observa uma
organização e um funcionamento típicos da função produtiva a qual se prendem.
A SPA, tipicamente taylorista, adota práticas de letramento corroboradas pelo
modelo demonstrativo. Tal modelo adota a oralidade e esta suplanta a necessidade de
que práticas letradas escritas integrem o modo de repasse de letramento profissional. Isto
significa que o funcionamento produtivo da empresa não reclama práticas letradas outras
que não as condicionadas pelo seu processo produtivo de ensinar a fazer, fazendo.
A CTM, tipicamente pós-fordista, viabiliza seu letramento profissional por utilização
de práticas letradas situadas além do saber fazer, uma vez que seu aparelhamento
produtivo demanda respostas complexas (autonomia, conhecimento especializado,
resolução de problemas, etc) para as quais a simples operacionalização da máquina não
fornece subsídios. Nessa perspectiva, ao inserir textos escritos nas suas práticas de
letramento profissional o faz condicionada pelo seu perfil produtivo, que sugere mais que
um simples manuseio da aparelhagem, atinge inclusive a relação com o funcionamento
cotidiano da empresa que, conforme descrito nos capítulos 3 e 4, é fortemente pontuado
por textos escritos.
82
No cenário 3 (CAT JRF), o que se constata é que, predominando a função
educativo-escolar, são postuladas práticas de letramento pontuadas pela presença do
texto escrito e pela utilização de práticas didático-pedagógicas compatíveis com os
critérios institucionais do Programa Educação do Trabalhador (PET) ou Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
Assim sendo, considerados os cenários na sua individualidade, as diferenças se
tornam, por assim dizer, características que os definem. No entanto, apesar de distintos e
de manterem sua individualidade, o que se observa é que esses cenários atuam na
sociedade de uma forma implicada, posto que se entrecruzam nas suas práticas
instrucionais ou práticas de repasse de letramento numa espécie de interdependência
colaborativa. A SPA e a CTM, enquanto indústrias, são empresas filiadas ao sistema
SESI e por essa razão utilizam seus serviços a exemplo da EJA; a EJA por ser um desses
serviços colabora com essas empresas na questão educativa do seu funcionário. E assim,
os cenários 1, 2 e 3 vêem-se numa relação marcadamente entrecruzada cuja espinha
dorsal é o PET, que na realidade é o ponto de convergência entre os cenários.
Entretanto, o que se constata é que o entrecruzamento parece ser inconsciente, na
medida em que é mantido apenas como medida de institucionalização do acordo entre
esses cenários. Tudo se passa como se a correlação entre os cenários atendesse a uma
prerrogativa mercadológica e organizacional: as empresas matriculam seus alunos na
EJA, utilizando assim os serviços do órgão que os legitima como indústria, e mantém sua
autonomia educativo-instrucional; a EJA recebe os alunos provenientes da indústria,
acatando a decisão da modalidade de ensino que prefigura e também mantém sua
autonomia educativo-escolar. Os cenários, portanto, convivem, mas cada um ao seu
modo.
Por meio dessa associação inconsciente, os cenários contabilizam seus ganhos
numa perspectiva dos efeitos secundários do letramento, tal como abordados por Mey
(2001), pelos quais os efeitos primários são subsumidos. Isto implica afirmar que o
cenário 1 (SPA) recebe da EJA a obediência necessária do seu funcionário ao
prosseguimento eficiente da sua missão produtiva. A CTM recebe a certificação da
escolaridade que garantirá a inclusão do seu funcionário em cursos profissionalizantes
avançados e/ou cursos universitários, já que essa certificação favorece que ocorram
esses deslocamentos ascendentes. E a EJA ganha na manutenção e permanência do seu
status quo na sociedade. Em síntese, ganhos secundários, posto que agregam valores,
que validam o entrecruzamento, desconsiderando, portanto, os efeitos primários que esse
entrecruzamento poderia vir a produzir.
83
Por não perceber o entrecruzamento e o que poderia advir de positivo, caso os
efeitos primários do letramento fossem evidenciados, os cenários revelam sua doxa, ou
seja, a crença primitiva (Mey, op.cit) sobre escola e escolaridade. Ao instigar práticas
letradas na horizontalidade da questão interativa, utilizando o texto escrito como interface
para a instrução e o controle, a SPA revela sua noção de escola como restrita ao
condicionamento comportamental (civilidade, obediência, convivência, conforme mostrado
no capítulo 3). A escolaridade do seu funcionário, portanto, torna-se a garantia de que tal
condicionamento ocorra. A CTM, por seu turno, ao instigar práticas letradas verticais,
usando o texto escrito como interface para a instrução e o desempenho, revela sua noção
de escola numa perspectiva de agência formativa. Escolaridade para essa empresa
guarda relação com competência.
Essas noções distintas de escola e de escolaridade não são levadas em
consideração pela EJA; nela prevalece a noção de escola como agência certificadora e a
noção de escolaridade como absorção de conteúdos. A doxa sobre escola e escolaridade
advindas dos cenários profissionais sofre, portanto, alterações significativas e prevalece a
noção hegemônica de escola apresentada pela EJA.
O letramento realizado em contexto de EJA não extrapola o âmbito escolar e dessa
forma. Se esse letramento apresenta semelhanças com o letramento requerido e
acontecido em cenário profissional, parece ser resultado de uma coincidência. Realizado
sob essa noção restrita de escola e escolaridade, o letramento ocorrido em contexto de
EJA parece ser mais semelhante ao letramento requerido pelo cenário1 (SPA), mas não
deixa também de ter algumas semelhanças com o cenário 2 (CTM), perante o qual se
observa que prevalece o letramento escolar. Nessa perspectiva, os cenários 1(SPA) e
2(CTM) acabam por receber do cenário 3(CAT JRF) o mesmo tipo de letramento - o
letramento escolar – não obstante as suas diferenças.
Para a SPA, o letramento escolar é significativo, posto que se os conteúdos
“absorvidos” pelo seu funcionário, enquanto aluno do PET, não alteram para mais ou para
menos o desempenho funcional, o mesmo não pode ser dito quanto aos efeitos
secundários do letramento, pois o comportamento educado e obediente adquirido na
rotina escolar são medidas compensatórias. Para a CTM, o letramento escolar apesar de
distinto do letramento requerido pela empresa parece ser uma porta de acesso a esse tipo
de letramento “qualificado”, pois, não obstante os funcionários dessa empresa, que são
alunos da EJA, já terem um curso profissionalizante, em nível de ensino fundamental,
aspiram novos cursos especializados na mesma área de atuação, cujo pré-requisito é o
ensino médio (conforme demonstrado no capítulo 4).
84
Dessa forma, para os cenários 1 (SPA) e 2(CTM), a eficiência da EJA/PET, mesmo
que acidentada e coincidentemente, parece estar confirmada. Assim, por intermédio do
entrecruzamento inconsciente, os três cenários acabam sendo aparentemente
beneficiados na sua missão produtiva. Com isso, apresentamos a resposta a terceira
questão deste trabalho – O que influencia ou norteia a adoção do modelo de letramento
funcional em contexto escolar?
Impera nos cenários 1 (SPA) e 2 (CTM) a visão empresarial cuja administração em
termos de aprendizagem funcional e gestão de pessoas é pontuada por requisitos e
critérios próprios sobre os quais as práticas escolares são medidas auxiliares porque
servem de apoio à realização dos procedimentos administrativos.
Circunscritos à visão empresarial, os cenários 1 e 2 têm pouca autoridade perante
o que sobrevém do universo escolar, ou seja, os cenários não possuem formas de
adentrar nesse universo, como medidas de avaliação e constatação de que a educação
do seu funcionário seja a esperada, ou investigar que escolarização está recebendo o seu
funcionário. O fato de incentivar o seu ingresso e permitir que este ocorra, bem como
colher os resultados desse incentivo (aprovações), é o limite que os cenários se impõem.
A partir desse ponto, cabe a EJA realizar sua parte, que, para os cenários, constitui-se
numa tarefa eficiente, tendo em vista que o que eles “entendem” sobre escola e
escolaridade parece advir de concepções sociais oriundas do senso comum.
Mesmo que uma crise na escolarização do funcionário seja anunciada, conforme
revela o registro 11, a noção de escola e de escolaridade, mesmo “progressista”, da CTM
não lhe autoriza a questionar o letramento escolar, já que a doxa sobre letramento escolar
tamm impede questionamentos sobre o papel da escola na sociedade.
Em outros segmentos situados acima da EJA, qual seja, os responsáveis pela
realização do programa, sua manutenção e permanência na sociedade, a exemplo
daqueles situados acima dos professores, impera a mesma perspectiva sobre a utilidade
do programa. Esses tamm ostentam uma visão empresarial e se não se imiscuem nos
procedimentos adotados pela EJA no território da sala de aula. Não o fazem por não
possuírem meios de avaliação e porque consideram o professor o agente por excelência
do letramento que pratica, cujo domínio do saber ensinado o resguarda de uma avaliação
da sua prática. Perante os responsáveis pelo PET, o professor mantém uma inferioridade
apenas hierárquica.
Tratando de outro segmento que circunda o PET, temos o corpo discente. Nesse
segmento, a EJA é posta em avaliação e sua prática é questionada, conforme visto nas
respostas dos alunos informantes quando da entrevista escrita e outros flagrantes
85
captados pela pesquisadora. A avaliação e o questionamento advêm do fato de estarem
diretamente implicados com o PET. Em primeiro lugar, pela relação estreita com as
práticas de letramento realizadas em contexto de EJA, ou seja, são alunos; em segundo
lugar, pela natureza da sua inclusão no programa. Em outras palavras, eles procuram
esse programa ou são para ele indicados porque esperam ascender profissionalmente.
Esses alunos possuem objetivos claros para ali se encontrarem e, por essa razão,
passam a ter visão crítica do que estão recebendo. Dessa forma, esse segmento parece
possuir formas mais eficientes de avaliações do PET.
No entanto, a voz do corpo discente não é ouvida, tendo em vista a sua inclusão na
escala horizontal hierárquica que permeia o PET. Situado na posição inferior, porque
abaixo dos outros segmentos, sua voz é apenas um eco distante e cuja credibilidade é
quase nula. Ao que parece, compete a esse segmento aceitar o que está sendo oferecido
em contexto escolar e agradecer por essa oportunidade, conforme revela o registro 13. É
oportuno frisar que a voz do corpo discente também não é ouvida porque é a voz do
professor que possui as credenciais para se manter na dianteira das práticas de
letramento em contexto de EJA. Perante essa voz, o corpo discente, de fato, não possui
meios argumentativos suficientes.
Em que pesem essas proposições, parece-nos que o corpo docente passa a ser
considerado o grande vilão da eficácia acidental e por que não dizer, equivocada da
EJA/PET, tendo em vista que:
a) a operacionalidade real da EJA/PET está sob sua responsabilidade, cuja condução é a
ele delegada;
b) seu domínio do saber ensinado ou seu letramento qualificado eleva sua
responsabilidade perante a condução dos aspectos didático-pedagógicos empregados.
Na realidade, acreditamos ser o professor “inocente” da convergência dos três
cenários, uma vez que sua atuação revela também a inconsciência do entrecruzamento
entre os cenários. E essa inconsciência parece ser o resultado de que sua atuação não é
posta em avaliação nem questionada, e tamm não é observada, pelas razões já
expostas. O trabalho do professor em sala de aula é de sua inteira responsabilidade , cuja
autonomia o impele a realizar o trabalho pedagógico pautado pelo seu habitus e pelas
vivências que vai adquirindo ao longo do contato com os alunos.
E assim, protegida pelo véu da doxa presente em cada um dos segmentos que a
envolvem (Mey, 2001), a EJA segue seu percurso pontuado pelo modelo de letramento
86
autônomo. E, não sendo questionada por nenhum outro segmento, tem suas práticas
escolares utilizadas nos contextos profissionais e tamm é o ponto de convergência para
a educação do trabalhador, que semestre a semestre recebe alunos provenientes da
indústria. Portanto, reforça sua crença de que esse modelo de letramento é viável e
eficiente frente à educação do trabalhador.
87
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