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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Letras
Verônica Aparecida de Oliveira Aquino
A influência da linguagem para o raciocínio de crenças falsas em Teoria da
Mente: uma análise em pacientes afásicos agramáticos.
Rio de Janeiro
2010
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Verônica Aparecida de Oliveira Aquino
A influência da linguagem para o raciocínio de crenças falsas em Teoria da
Mente: uma análise em pacientes afásicos agramáticos
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração:
Linguística.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima
Co-orientador: Profª. Drª. Marina R. A. Augusto
Rio de Janeiro
2010
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
A657 Aquino, Verônica Aparecida de Oliveira.
A influência da linguagem para o raciocínio de crenças falsas em
Teoria da Mente: uma análise em pacientes afásicos agramáticos/
Verônica Aparecida de Oliveira Aquino. – 2010.
117 f.: il.
Orientador: Ricardo Joseh Lima.
Co-orientadora: Marina R. A. Augusto
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Letras.
1. Afasia – Estudo de casos – Teses. 2. Distúrbios da linguagem –
Teses. 3. Cognição – Teses. 4. Teoria da mente – Teses. I. Lima,
Ricardo Joseh. II. Augusto, Marina Rosa Ana. III. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. IV. Título.
CDU 81’234.2
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação
__________________________ __________________
Assinatura Data
Verônica Aparecida de Oliveira Aquino
A influência da linguagem para o raciocínio de crenças falsas em Teoria da
Mente: uma análise em pacientes afásicos agramáticos
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Linguística.
Aprovado em 09 de abril de 2010
Banca examinadora:
___________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima (Orientador)
Instituto de Letras da UERJ
___________________________________________
Profª. Drª. Marina Rosa Ana Augusto (Co-Orientadora)
Instituto de Letras da UERJ
___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Kenedy Nunes Arêas
Instituto de Letras da UFF
___________________________________________
Profª. Drª. Luciana Teixeira
Instituto de Letras da UFJF
Rio de Janeiro
2010
DEDICATÓRIA
Ao meu pai “I”, que sempre será minha eterna fonte de inspiração; à minha mãe
“Pempem”, que dedica a todo tempo seu amor incondicional e me fortalece com seus
conselhos sábios. Aos meus irmãos, Maykon e Marcelo, por acreditarem veemente na
minha capacidade. Às minhas cunhadas, Vivian e Michele, pelo companheirismo. Às
minhas avós, Cuca e Natalina, que, mesmo não sabendo de meus estudos, sempre
torceram pelo meu sucesso e, principalmente, ao meu esposo Anderson que me
mostrou o sabor incomparável do verdadeiro amor.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Ricardo Joseh Lima, em primeiro lugar, por ter me proporcionado a
chance de ser sua orientanda. E depois, por ter se mostrado um excelente profissional
que, além de evidenciar sua extrema sabedoria e competência, foi suficientemente
capaz de compreender todas as dificuldades que enfrentei, não só devido às
dificultosas tarefas enfrentadas para obter os dados que compuseram a dissertação,
mas também devido ao fato de, por diversas vezes, ter compreendido o quanto é difícil
residir em uma cidade e estudar em outra. E por fim, preciso agradecer a ele por ter
servido como modelo para a profissional que serei no futuro.
À Profª Marina Augusto, por acreditar na minha força de vontade e
principalmente por ter me proporcionado, como ninguém, o contato maravilhoso que
tive com os fenômenos da aquisição da linguagem e por ter, com seu trabalho sério, me
dado apoio para continuar no momento que mais precisei.
Às professoras Cristina Name (Universidade Federal de Juiz de Fora) e Letícia
Sicuro (PUC-RJ), que me receberam com muita atenção e proporcionaram-me visões
que ampliaram meus conhecimentos.
À Clínica de Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida, por ter
possibilitado a realização de nossos testes, em especial à fonoaudióloga Solange Lima,
que acompanhou com muita atenção e boa vontade os momentos que dediquei aos
afásicos.
Aos pacientes CS e RP, por terem, gentilmente, participado de meus testes
enfadonhos, com tanta boa vontade e atenção.
À amiga Patrícia Maroco, que por diversas vezes me abrigou em sua casa e me
mostrou um pouco desta cidade maravilhosa.
Aos membros de minha banca examinadora, em especial à professora Luciana
Teixeira que além de ter cumprido de forma esplendorosa com sua função avaliativa,
abriu espaço para o fortalecimento de uma grande amizade.
Aos colegas de mestrado e aos professores da UERJ que participaram e
contribuíram de alguma forma para a obtenção deste grande sonho.
À agência de fomento CAPES, que proporcionou a oportunidade de me dedicar
com exclusividade a este trabalho.
RESUMO
AQUINO, Verônica Aparecida de Oliveira. A influência da linguagem para o raciocínio
de crenças falsas em Teoria da Mente: uma análise em pacientes afásicos agramáticos.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
O termo Teoria da Mente diz respeito à habilidade que os seres humanos
adquirem de compreender seus próprios estados mentais e os dos outros e predizer
ações e comportamentos dentro de uma interação social. As principais questões da
pesquisa em Teoria da Mente são: determinar qual o tipo de conhecimento que
sustenta essa habilidade, qual sua origem e desenvolvimento e em que momento se
manifesta. (Astington e Gopnik, 1991). Ao levar em consideração que a língua pode ser
vista como instrumento da cognição (Spelke, 2003), através da qual o falante adquire
suporte para o planejamento de ações, contribuindo para o desempenho de tarefas
cognitivas complexas (Corrêa, 2006), de Villiers (2004, 2005, 2007 e subsequentes), no
que diz respeito à Teoria da Mente, argumenta que o seu desenvolvimento depende do
desenvolvimento linguístico, estando diretamente ligado à aquisição de verbos de
estado mental, como pensar, por exemplo, pelo fato de que esses verbos
subcategorizam uma sentença encaixada. Para ela, o domínio dessa estrutura
possibilita que o raciocínio de crenças falsas da Teoria da Mente seja efetivamente
realizado. A presente dissertação tem como objetivo verificar em que medida há uma
influência direta e necessária da linguagem para a condução de tarefas de Teoria da
Mente. Para tanto, focamos nossa atenção em pessoas que estão, por algum motivo,
destituídas parcialmente da capacidade linguística, mas que mantêm intacta a
capacidade cognitiva, os afásicos. Por meio de uma pesquisa realizada com dois
pacientes afásicos de Broca, selecionados pelos critérios clássicos, procuramos
entender se a habilidade de predizer ações está intacta nestes pacientes ou se tal
habilidade foi perdida, assim como a linguagem. Para tanto, aplicamos dois testes de
crença falsa em Teoria da Mente. O primeiro utilizou-se de suporte verbal, uma
narração de eventos e expectativas dos personagens envolvidos. A pergunta-teste foi
manipulada em função do grau de complexidade por meio do cruzamento de dois
fatores: sentenças simples ou complexas e QU-in situ ou movido. O segundo teste
seguiu o padrão não-verbal, sendo constituído de uma sequência de imagens, sendo
que o sujeito deveria decidir entre duas últimas imagens apresentadas, aquela que
coerentemente finalizava a história. Uma vez que houvesse influência direta da
linguagem na condução de tarefas de Teoria da Mente, esperar-se-ia que a dificuldade
no teste verbal refletisse o grau de complexidade das questões apresentadas.
Adicionalmente, o desempenho no teste não-verbal também deveria ser insatisfatório,
dado o comprometimento linguístico apresentado pelos sujeitos testados. Para o
primeiro teste, o desempenho dos pacientes foi aleatório e inferior ao do grupo controle,
já para o segundo teste, o aproveitamento foi de 100%. Em geral, os resultados
sugerem que o raciocínio de crenças falsas em Teoria da Mente é alcançado por esses
sujeitos, haja vista o desempenho plenamente satisfatório no teste não-verbal. Os
resultados do teste verbal, por outro lado, atestam tão somente a dificuldade linguística
característica dessa população. Desse modo, conclui-se que uma vez desenvolvida a
habilidade em Teoria da Mente, esta permanece intacta na mente destes pacientes,
mesmo que destituídos parcialmente da capacidade linguística.
Palavras-chave: Teoria da Mente. Afasia de Broca. Linguagem. Cognição.
ABSTRACT
The term Theory of Mind refers to the ability of attributing mental states – beliefs,
intention, desires, pretending – to oneself and others and to predict or explain others’
behavior on the basis of these beliefs. The main research questions undertaken in the
Theory of Mind field are: (i) which kind of knowledge supports this ability; (ii) where it
originates from and how it developes; and (iii) when it emerges (Astington e Gopnik,
1991). Assuming that language plays an important role for the development of cognition
(Spelke, 2003), as far as it can provide support for action planning, contributing to the
performance of complex cognitive tasks (Corrêa, 2006), de Villiers (2004, 2005, 2007
and subsequent work) argues, with regard to the Theory of Mind, that its development
depends on language development, since it would be directly related to the acquisition
of mental state verbs (think, for example) and the fact that these verbs subcategorize an
embedded sentence. According to de Villiers, it is the mastering of such structure which
enables a false belief reasoning in Theory of Mind. This dissertation aims at examining
the extent to which there is a direct and necessary language influence for the false belief
reasoning in Theory of Mind. Therefore, it focuses on aphasics – a population who
shows impaired language skills but keeps intact cognitive abilities. Two Broca’s aphasic
patients, selected by classical criteria, are observed in relation to the extent to which
their ability to predict others’ behavior shows to be intact or is disrupted in parallel to
their language skills. They are submitted to two false belief tasks. The first one is a
verbal task consisting of a short story, depicting characters’ expectations towards the
events. The test question is manipulated as a function of complexity by means of two
factors: simple or complex sentences and Wh-in situ or Moved-Wh. The second test is a
non-verbal task, consisting of a sequence of images displayed on a laptop screen. The
subject task consists of deciding between the two last images shown, the one that
consistently ends the story. Considering that there is a direct influence of language on
false belief reasoning, it is expected that difficulty in the verbal task reflects the
complexity of the test sentences presented. Additionally, the performance in the non-
verbal task is also predicted to be unsatisfactory, due to the subjects’ linguistic
impairment, which arguably would not lend the necessary support for this kind of
reasoning. The first test results were poorer than the control group results. Second task
results were at the ceiling – 100% correct responses. In general, the results show, in
one hand, that false belief reasoning in Theory of Mind is achieved by aphasics, as the
good performance in the non-verbal task assures. On the other hand, the poor
performance in the verbal task seems to solely reflect the linguistic impairment that
characterizes this population. Thus, it may be argued that once abilities in Theory of
Mind are developed, they remain intact, even in the mind of patients who are partially
deprived of linguistic abilities.
Keywords: Theory of Mind. Broca’s Aphasia. Language. Cognition.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1- Resultados dos testes verbais de de Villiers (2005)......................................30
Gráfico 2- Resultados dos testes de baixo conteúdo verbal de de Villiers (2005).........31
Gráfico 3- Resultados dos testes de crença falsa e verdadeira (Onishi & Baillargeon,
2005).............................................................................................................................. 33
Gráfico 4- Resultados dos testes de ToM (Dias et al., 1995).........................................37
Gráfico 5- Resultado dos pacientes afásicos para testagem de ToM verbal ................99
Gráfico 6- Resultado dos pacientes afásicos para testagem de ToM não-verbal .......103
Figura 1- Área de Broca e Wernicke .............................................................................43
Figura 2- Teste de conhecimento causal ...................................................................... 57
Figura 3- Teste WAIS de combinação de figuras ..........................................................58
Figura 4- Teste de crença falsa ....................................................................................59
Figura 5- Teste de mudança de recipiente ...................................................................60
Figura 6- Imagem I do teste de Varley e Siegal (2000).................................................62
Figura 7- Imagem II do teste de Varley e Siegal (2000)................................................63
Figura 8- Imagem III do teste de Varley e Siegal (2000)...............................................64
Figura 9- Imagem Peter de Villiers e Smith College (2007) ........................................66
Figura 10- Pré-teste (lista I) ...........................................................................................74
Figura 11- Pré-teste (lista II) ..........................................................................................74
Figura 12 - Vídeos de ToM verbal .................................................................................85
Figura 13- Vídeos de ToM não-verbal I.........................................................................91
Figura 14- Vídeos de ToM não-verbal II.........................................................................92
Quadro 1- Informações dos pacientes afásicos ............................................................71
Quadro 2- Respostas do paciente CS para o pré-teste .................................................75
Quadro 3- Respostas do paciente RP para o pré-teste .................................................76
Quadro 4- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (listagem I) ..............79
Quadro 5- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (listagem II) .............80
Quadro 6- Exemplo de como foi feita a permutação das respostas para o teste de ToM
verbal...............................................................................................................................83
Quadro 7- Exemplos de interrogativas utilizadas nos testes .........................................84
Quadro 8- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (ToM verbal)............86
Quadro 9- Respostas do paciente RP para os testes de ToM verbal ...........................88
Quadro 10- Respostas do pacientes CS para os testes de ToM verbal ........................88
Quadro 11- Respostas de RP e CS para os testes de ToM não-verbal ........................93
Quadro 12- Lista das questões interrogativas ..............................................................97
Quadro 13- Lista das questões interrogativas e resposta ..........................................100
Tabela 1- Resultados de S.A. Varley e Siegal (2000)....................................................56
Tabela 2- Calendário de aplicação dos testes ...............................................................72
Tabela 3- Respostas corretas fornecidas por RP e CS .................................................98
Tabela 4- Natureza das questões e as respostas corretas porcentagem.......................98
Tabela 5- Respostas incorretas: imagens que apareceram no vídeo ..........................101
Tabela 6- Respostas incorretas: imagens que não apareceram no vídeo....................101
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................13
1 TEORIA DA MENTE ............................................................................................18
1.1 Origens e caminhos percorridos ......................................................................18
1.1.1
A Psicologia e as principais correntes teóricas sobre a Teoria da Mente ..........19
1.1.2 Principais correntes teóricas sobre a Teoria da Mente ........................................21
1.2 O desenvolvimento da ToM na criança............................................................23
1.3 Uma hipótese linguística para a relação entre a ToM e a linguagem ...........25
1.3.1 A influência da linguagem nos testes de CF: uma análise de crianças surdas.. 27
1.3.2 Resultados que desafiam a hipótese de de Villiers .............................................32
1.4 O papel da linguagem na compreensão de crenças falsas: questões e
objeções.........................................................................................................................34
1.5 Considerações finais .........................................................................................39
2 A CONTRIBUIÇÃO DA AFASIOLOGIA LINGUÍSTICA PARA O ESTUDO DA
TEORIA DA MENTE ......................................................................................................41
2.1 Origem dos estudos das afasiologias .............................................................42
2.2 Tipos de afasia ...................................................................................................44
2.3 O Estudo das afasias no âmbito da Linguística: a Afasiologia Linguística..45
2.4 A síndrome afásica do agramatismo e o estudo sobre Teoria da Mente ....47
2.5 Estudos sobre a ToM em pacientes com lesão no Hemisfério direito do
cérebro ..........................................................................................................................49
2.6 A proposta de Varley e Siegal (2000) Evidence for cognition without
grammar from causal reasoning and ‘theory of mind’ in an agrammatic aphasic
Patient………..................................................................................................................54
2.6.1
Dados gerais apontados por Varley e Siegal (2000) para o desenvolvimento da
pesquisa ……………………………………………………………………………............….55
2.6.2 Os experimentos .………………………………………………………….......……...56
2.7 Considerações sobre Varley e Siegal (2000)....................................................67
3 METODOLOGIA ..................................................................................................69
3.1 Sujeitos ...............................................................................................................69
3.1.1
Elaboração e aplicação dos testes ......................................................................72
3.2 Materiais e Procedimentos ...............................................................................72
3.2.1
Pré-teste ..............................................................................................................72
3.2.2 Teste 0 .................................................................................................................76
3.2.3 O teste de ToM verbal (Teste 1) ..........................................................................81
3.2.4 O teste de ToM não verbal (Teste 2) ...................................................................89
3.3 Análise dos dado................................................................................................94
3.4 Discussão dos resultados.................................................................................95
3.4.1 Teste 1: Teste de ToM verbal ..............................................................................95
3.4.2 Teste 2: Teste de ToM não-verbal .....................................................................102
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................106
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................110
APÊNDICE A- Termo de consentimento do Sujeito .....................................119
13
INTRODUÇÃO
A Teoria da Mente Theory of Mind, doravante (ToM), consiste no processo de
identificação e compreensão dos próprios estados mentais e os dos outros. Tal
capacidade nos habilita a predizer ações e comportamentos advindos de indivíduos
dentro de uma interação social.
Piaget (1929) é considerado o precursor dos estudos sobre a ToM no
desenvolvimento infantil. No entanto, a preocupação piagetiana se restringia ao
comportamento infantil diante do mundo físico que o cercava. Ele afirmava (c.f.
Astington & Gopnik; 1991; Perner, 1991; Wellman, 1990 in Jou & Sperb, 1999) que a
criança no período pré-escolar não diferenciava os estados mentais dos físicos. Nessa
época, o processo conhecido atualmente como ToM era abordado nos estudos de
Piaget como egocentrismo, entre os anos 20 e 30, e empatia, entre os anos 60 e 70.
Porém, a origem do termo ToM está no trabalho pioneiro de Premack & Woodruff
(1978), os quais tentaram demonstrar que os chimpanzés podiam, em alguma medida,
compreender a mente humana. Os experimentos desses pesquisadores com um
chimpanzé em laboratório incentivaram a pesquisa sobre o que significa possuir uma
concepção da mente de outra criatura e quais as consequências comportamentais
dessa concepção.
O avanço das Ciências Cognitivas permitiu uma mudança na abordagem da
ToM, tendo passado de um processo conceitual abstrato para um processo
experimental que busca explicar a realidade. Isso aconteceu por vários motivos. O
primeiro deles é que, até o final da década de 70, a tradição da psicologia do
desenvolvimento estava muito orientada para o marco teórico piagetiano. A maioria das
pesquisas tinha como objetivo confirmar ou refutar Piaget. Em segundo lugar, a
influência da Filosofia, da Primatologia e das Ciências Cognitivas somente começa a
aparecer nos últimos anos da década, trazendo novas propostas ao pensamento
piagetiano. Em busca de respostas para explicar os mecanismos mentais de aquisição
e desenvolvimento da ToM, vários estudos voltados para esta problemática foram
iniciados. Surgem, nesse contexto, com maior intensidade entre os anos 80 e 90,
algumas pesquisas que buscavam investigar os estudos já introduzidos por Jean Piaget
na área do desenvolvimento, objetivando compreender como ocorria este processo na
14
mente humana. Desde então, alguns estudiosos passaram a explicar a capacidade de
compreensão dos estados mentais dos outros e de si de forma naturalística. Entretanto,
tais estudos se solidificaram quando foi acrescido um caráter experimental, herdado
de uma linha positivista (c.f. Wellman, 1991 in Jou e Sperb, 1999). Essa percepção
levou os pesquisadores Astington e Gopnik (1991) a proporem três questões que
representam o ponto central da pesquisa nessa área. Eles buscavam entender que tipo
de conhecimento sustenta a habilidade de compreender os estados mentais; como se
pode explicá-la e em que momento ela se manifesta.
As respostas e a observação sobre o desenvolvimento da ToM na criança têm
sido oferecidas a partir de várias linhas teóricas, que buscam o entendimento para o
processo recorrente nas crianças pré-escolares de compreenderem seus próprios
estados mentais e dos outros e dessa maneira, predizerem suas ações ou
comportamentos (c.f. Astington & Gopnik, 1988, 1991; Dias, 1994; Feldman, 1992;
Lourenço, 1992; Siegel & e Beattie, 1991; Wellman, 1991).
A literatura existente sobre ToM é bastante ampla no que diz respeito ao seu
conceito, e é divergente no que diz respeito à forma e o momento em que tal habilidade
é adquirida pela criança, bem como às capacidades cognitivas responsáveis por tal
habilidade, ou seja, ainda não foi possível chegar a um consenso com relação aos
questionamentos levantados por Astington & Gopnik (1991). Hobson (1991), entre
outros autores, sustenta que a ToM é uma habilidade inata; outros, como Leslie (1987),
Perner (1991), Gopnik e Wellman (1992) e Fodor (1992) acreditam que ela necessita
de outras faculdades para ser adquirida. De acordo com Corrêa (2006), a linguagem é
tomada como uma fonte de ferramentas para o exercício do pensamento e através dela
o falante pode adquirir suporte para o planejamento de ações, também a língua é
responsável por contribuir para o desempenho de tarefas cognitivas complexas. Assim,
sendo a capacidade de predizer ações e comportamentos de outros indivíduos dentro
de uma interação social uma habilidade cognitiva, é possível levar em consideração,
conforme Spelke (2003), que a língua pode ser vista como instrumento da cognição e,
portanto, pode contribuir para o processo de desenvolvimento da ToM.
De Villiers (2004, 2005, 2007 e subsequentes) defende que o desenvolvimento
da ToM está diretamente ligado à aquisição de verbos de estado mental, como pensar,
15
por exemplo, e por isso, as crianças desenvolvem tal habilidade mais tardiamente,
que estes verbos demandam um pouco mais de tempo para serem adquiridos, se
comparados a verbos como comer, correr, por exemplo. Ainda segundo ela, é o fato de
verbos mentais subcategorizarem uma sentença encaixada que possibilita que o
raciocínio de crenças falsas – compreender que um indivíduo pode ter uma crença falsa
em relação aos eventos reais - da ToM seja efetivado. Onishi e Baillargeon (2005), por
outro lado, acreditam que antes de adquirirem uma língua as crianças são capazes
de, mesmo que de forma bem rudimentar, perceberem que os outros agem com base
em crenças pessoais que podem representar a realidade ou não, ou seja, de forma
elementar já são capazes de compreender crenças falsas.
Na presente dissertação, buscamos investigar a ToM em pessoas que, por
algum motivo, encontram-se parcialmente destituídas de habilidades linguísticas. Tal
ocorrência se dá devido a uma lesão no cérebro que acarreta um novo nível de
funcionamento linguístico, diferente do estado anterior à lesão. Tal ocorrência pode ser
chamada de síndrome afásica. Assim, afasia pode ser entendida como a perda
repentina (ocasionada por um golpe brusco, acidente cardiovascular (AVC) ou
isquemia) da capacidade linguística em qualquer uma de suas modalidades, que
provoca prejuízos na comunicação humana. Os afásicos selecionados para a pesquisa
são representantes de um dos grupos de afasia conhecidos como não-fluentes. Este
grupo é representado por diversas ocorrências, como: déficits de expressão, fala
telegráfica, agramatismo e apraxia buco-lábio-lingual. Os pacientes pertencentes a este
grupo são chamados de afásicos de Broca.
A população-alvo de nossa pesquisa são os afásicos de Broca, que apresentam
como característica principal o agramatismo, ou seja, possuem comprometimento
quanto à capacidade de compreender/produzir sentenças gramaticais. Desse modo,
este trabalho visa a verificar que medida uma influência direta e necessária da
linguagem para a condução de tarefas de ToM. Tomamos como referência um trabalho
de Varley e Siegal (2000), que pode ser considerado como um dos pioneiros em
investigar a ToM em pacientes afásicos agramáticos. Nele, os autores trabalham testes
de ToM em um paciente afásico agramático, porém, algumas lacunas passíveis de
investigação.
16
A partir de tais considerações, nossos objetivos se focam na investigação de
questões relacionadas ao uso da linguagem como mecanismo de ativação/construção
dos processos mentais, que desencadeiam a elaboração da ToM. As perguntas que
orientarão esta pesquisa seguirão dois níveis de estudo, partindo do nível geral para o
específico. Essa divisão nos possibilitará responder às seguintes questões:
1) Como os pacientes afásicos interpretam comportamentos, intenções e sentimentos
considerando seus próprios estados mentais e os dos outros?
2) Se a sintaxe contribui para a formação da ToM, uma vez adquirida, essa habilidade
torna-se cristalizada e, portanto, permanece acessível a qualquer momento, ou a perda
de habilidades linguísticas implica um prejuízo dessa capacidade?
Para responder a estas questões utilizaremos dois testes de crença falsa
denominados: ToM verbal e ToM não-verbal. Tais testes foram aplicados em adultos
que sofreram perda significativa da capacidade linguística, mas que mantêm suas
capacidades cognitivas intactas, chamados pacientes afásicos de Broca. Um grupo
controle de adultos sem comprometimento linguístico foi também submetido aos testes.
Em primeiro lugar será aplicado o teste verbal de ToM e após a análise de seus
resultados aplicaremos o segundo teste de ToM não-verbal. A importância do teste não-
verbal está diretamente ligada ao comprometimento linguístico apresentado pelos
pacientes afásicos agramáticos. Desta forma, buscamos verificar a real situação da
ToM destes pacientes sem o envolvimento da linguagem verbal.
Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: No capítulo I,
apresentamos um histórico que parte da origem dos estudos em ToM, passando pela
abordagem sobre a psicologia e as principais correntes teóricas, pelo desenvolvimento
da ToM na criança e por fim todos os conceitos e hipóteses que levam à proposta
defendida por de Villiers. Também são apresentados os resultados que desafiam a
hipótese dessa autora, tais resultados são fruto de uma pesquisa com bebês realizada
por Onishi e Baillageon (2005). No capítulo II, destacamos a Afasiologia linguística, os
conceitos e dados científicos que caracterizam essa área de estudos. Nele são
abordados: a origem dos estudos, os tipos de afasia, a síndrome afásica do
agramatismo e sua contribuição para o estudo da ToM, assim como os diversos
estudos e experimentos considerados básicos para os objetivos deste trabalho. Estão
17
em pauta dados de pesquisadores como: Jakobson, Luria, Saussure, Caramazza e
Zurif, Grodzinsky, Bastiaanse, Varley e Siegel, Winner, Carrington e Radel. Desta
forma, apresentamos os pressupostos teóricos em conformidade com o estudo da
Afasiologia; as contribuições teóricas referentes à Afasiologia Linguística, observando
especialmente, o conceito e os tipos de afasia, assim como a classificação do grupo de
afásicos que participarão da pesquisa. Abordamos também o texto de Varley e Siegal
(2000), que traz informações precisas sobre o estudo da ToM em um paciente afásico
agramático de Broca. No capítulo III, apresentamos com detalhes nossos pressupostos
metodológicos, os elementos humanos, os materiais, métodos e regras para a
realização de duas modalidades de teste: um verbal e o outro não-verbal. Por fim, no
capítulo IV trazemos nossas considerações finais a respeito dos resultados e
estabelecemos nosso parecer e nossa crença referente aos achados de ToM para os
afásicos.
18
1 TEORIA DA MENTE
O propósito deste capítulo é introduzir o conceito “Teoria da Mente” (ToM do
inglês Theory of Mind), que remete à capacidade de compreender os estados mentais,
tais como, sentimentos, desejos, crenças e intenções dos outros e de si mesmo,
apresentando uma revisão da literatura em ToM, os principais achados e pressupostos,
a diversidade de abordagens teóricas encontradas, assim como alguns dos principais
resultados obtidos a partir deestudos experimentais. A discussão acerca de ser essa
uma capacidade exclusiva do homem e o interesse em definir quando e como essa
habilidade se manifesta são aspectos pesquisados sob o título “Teoria da Mente” (ToM).
Este capítulo traz em 1.1 uma reflexão sobre a origem e os percursos seguidos
pelo estudo da ToM, e em 1.2 uma abordagem sobre o desenvolvimento da ToM na
criança. A subseção 1.3 traz uma possível relação entre a linguagem e a ToM; a
subseção 1.4 aponta para questões e objeções relacionadas ao papel da linguagem
para a compreensão da ToM e em 1.5 são apresentadas algumas considerações sobre
o capítulo.
1.1- Origem e caminhos percorridos
O estudo sobre a compreensão e percepção do estado mental de outras pessoas
por parte da criança iniciou-se em 1929, com Jean Piaget, que ficou conhecido, entre
os pesquisadores de ToM, como o primeiro a se interessar pelo campo das ciências
mentais infantis, principalmente, por investigar o conteúdo dessa faculdade. Com seus
estudos, observou que crianças no período p-escolar não eram capazes de
diferenciar seus próprios estados mentais dos estados físicos, e as pesquisas sobre
egocentrismo e empatia podem ser consideradas precursoras no estudo da capacidade
da criança de entender os próprios estados mentais e os dos outros, um dos temas que
se tornará de interesse central para a Psicologia do Desenvolvimento.
19
Na década de 70, contribuições advindas de vários estudos sobre a cognição
animal também se mostraram relevantes para o desenvolvimento dessa área de
estudos. Premack e Woodruff foram, em 1978, os primeiros estudiosos a utilizarem o
termo ToM, em um artigo publicado sob o título: “Os Chimpanzés têm uma Teoria da
Mente?”. Nele, é discutido o desempenho de Sarah, um chimpanzé que foi investigado
em relação à sua compreensão sobre o estado mental de um humano. Um filme, no
qual um homem não consegue alcançar uma penca de bananas, apesar de inúmeras
tentativas realizadas, é apresentado ao primata. Em seguida, várias fotografias o
mostradas ao chimpanzé de nome Sarah, que é capaz de apontar uma das fotos na
qual o homem aparece empilhando cestos sob as bananas desejadas. Os
pesquisadores interpretaram essa escolha como evidência de que Sarah entendeu a
intenção do protagonista e pôde predizer o meio pelo qual ele poderia alcançar as
bananas. Apesar de a pergunta do artigo permanecer ainda sem resposta, pela
polêmica que despertou, ela incentivou a pesquisa sobre o que significa possuir uma
concepção da mente de outra criatura e quais as consequências comportamentais
dessa concepção. A partir de então, essa área ganhou espaço nas ciências cognitivas,
visando à investigação das habilidades presentes nas crianças pré-escolares de
compreenderem seus próprios estados mentais e os dos outros. Os estudos
intensificaram-se por volta dos anos 80 e 90, quando deixaram de se basear apenas
em observações naturalísticas - como vinha sendo realizado por pesquisadores como:
Shatz e colaboradores (1983), Bretherton (1991), Dunn (1991) - e passaram a adotar
um caráter positivista, tornando-se mais experimental (cf. Wellman, 1991). Foram
firmadas, então, duas tradições de pesquisa de caráter divergente, mas que buscavam
respostas de cunho científico para o mesmo problema, seja pela via da construção de
teorias, seja pela investigação de caráter mais empírico e desenvolvimentista.
1.1.1 – A Psicologia e as principais correntes teóricas sobre a ToM
As principais questões que norteiam os estudos sobre ToM dizem respeito à
origem, ao desenvolvimento e ao fator desencadeador da habilidade de perceber e
compreender os estados mentais dos outros e os seus próprios. Como proposto por
pesquisadores como Perner (1991), Astington e Gopnik (1991), alicerçados em parte
20
nos estudos de Piaget, as questões centrais são: (i) qual o conhecimento que sustenta
a habilidade de compreender os estados mentais?, (ii) como se pode explicar a origem
e o desenvolvimento dessa habilidade?, (iii) quando, primeiramente, se manifesta essa
habilidade?.
A concepção psicológica mais geral sobre a ToM atribui ao uso de uma
psicologia popular (folk psychology) a percepção e compreensão de um mundo mental,
o que seria similar ao uso popular de conceitos físicos, no âmbito da percepção e
compreensão do mundo físico. A psicologia popular é segundo Horgan e Woodward
(1990) um conjunto de princípios estabelecidos pelo senso comum acerca do
comportamento humano, que concebe atitudes como crenças e desejos, sendo que
cada cultura formula sua psicologia popular a partir de seus costumes e convicções (cf.
Bruner, 1990). São elaboradas, no entanto, duas concepções distintas sobre como o
uso de uma psicologia popular permitiria o desenvolvimento de uma ToM na criança: a
Teoria da ToM (Leslie, 1987; Perner, 1991; Gopnik e Wellman, 1992) e a Teoria da
Simulação (Harris, 1991; 1992; Gordon, 1996).
A Teoria da ToM remete à Premack e Woodruff (1978) por terem sido esses
pesquisadores os primeiros a usarem o termo “teoria”. Uma vez que a ToM implica uma
representação mental sobre crenças e desejos, pois não há uma evidência direta
desses estados mentais, um sistema de inferências se faz necessário para que se
possa predizer comportamentos; logo a idéia de que se tem uma “teoria” sobre a mente,
uma hipótese. Sendo assim, para autores como Leslie (1987), Perner (1991), Gopnik e
Wellman (1992) e Fodor (1992), ter uma teoria sobre a ToM significa possuir uma gama
de conhecimentos implícitos a respeito de outro ser humano. Eles acreditam que teorias
são abstratas, são coerentes, permitem generalizar, explicar e predizer, mas têm uma
relação menos direta com a realidade, e podem, eventualmente, mudar frente a novas
descobertas e evidências e, na maioria das vezes, definem domínios específicos.
Assim, o conhecimento implícito caracterizado pela visão desses estudiosos os induziu
a considerar mais importante ainda a relação que a elaboração de teorias tem com o
mecanismo de desenvolvimento. A interação entre a elaboração de uma teoria e seu
teste efetivo conduz à caracterização do desenvolvimento do conhecimento infantil, da
mesma forma como acontece com o conhecimento científico. Porém, não significa que
21
as crianças sejam vistas como formuladoras de teorias, explicitamente. O que esses
autores defendem é que esse tipo particular de conhecimento implícito pode ser
caracterizado como uma teoria.
Bruner (1990) e Hobson (1991) contradizem a Teoria da ToM. O primeiro por
priorizar o papel da cultura no desenvolvimento da compreensão da mente nas
crianças, o segundo por sugerir que o conhecimento adquirido pelas crianças se por
meio da experiência das relações interpessoais, e que, apesar de inferências serem
necessárias, isso não justificaria a idéia de que “os estados mentais sejam construtos
hipotéticos” (Jou & Sperb, 1999).
A Teoria da Simulação, defendida por Harris (1991; 1992), declara que, para
atribuir estados mentais aos outros e a si mesmo, o sujeito não necessitaria recorrer a
uma teoria que relacione esses estados mentais. Segundo Jou & Sperb (1999), a
simulação da teoria “permitiria ao indivíduo pensar como atuaria estando no lugar do
outro, ou seja, emularia o outro, porém usando suas próprias fontes emocionais e
motivacionais”. Toma-se, assim, a simulação como processo necessário e suficiente
que permitiria que a criança desenvolvesse uma psicologia popular e identificasse a
emoção, desejo ou crença em outra pessoa, desenvolvendo assim um acesso
introspectivo aos estados mentais.
1.1.2 – Principais correntes teóricas sobre a ToM
A psicologia popular, a percepção dos bebês, os aspectos neuropsicológicos, os
trabalhos com os chimpanzés, a compreensão da mente e a cultura são aspectos
considerados em relação às raízes do desenvolvimento da ToM e estão na base das
reflexões realizadas pelas principais correntes teóricas sobre a ToM: inatista,
desenvolvimentista, evolucionista, cognitivista e culturalista.
No inatismo (Fodor, 1992; Perner, 1991), defende-se que o ser humano nasce
com um módulo social que lhe permite adquirir a psicologia popular da cultura da qual
faz parte. Sendo assim, a ToM diz respeito à capacidade inata de elaborar teorias.
Leslie (1987) chega a sugerir a existência de um módulo inato para a ToM. Segundo
ele, evidências em relação à ausência específica dessa habilidade nas crianças autistas
(Baron-Cohen, 1990) indicariam um possível substrato fisiológico relacionado a essa
22
função cognitiva, o que pode ser tomado como argumento favorável à visão inatista ou
mesmo desenvolvimentista.
Para os desenvolvimentistas, crianças e adultos se diferenciariam, no que diz
respeito à habilidade em ToM, apenas pelo desempenho, isto porque os adultos teriam
desenvolvido teorias mais especializadas, devido às suas experiências. Para Wellman
(1990), a ToM da criança nada mais é do que uma versão inicial da psicologia popular
do adulto. Assim como a criança é capaz de formar conceitos em vários domínios, ela
também construiria o conceito da própria cognição, isto é, uma ToM. O
desenvolvimento, portanto, da ToM partiria de vários aspectos iniciais que podem ser
tomados como precursores da existência dessa habilidade, como o contato ocular nos
bebês, a atenção compartilhada aos nove meses (Baron-Cohen, 1990), a utilização dos
verbos mentais aos dois anos e meio (Bretherton, 1991), as brincadeiras de faz de
conta (Leslie, 1987) e os diferentes níveis de representação mental (Perner, 1991).
Whiten e Byrne (1991), seguindo a linha evolucionista, declaram que “o faz-de-
conta”, encontrado em trabalhos com chimpanzés, e a “leitura da mentesão partes do
mesmo padrão cognitivo e revelam uma ampla correspondência entre esses dois
fenômenos numa perspectiva filogenética. No campo evolucionista, Whiten e Perner
(1991) citando os argumentos de Dennett (1978; 1983), de que a psicologia popular
deve ser compreendida do ponto de vista de sua utilidade, concluem que ao ser capaz
de atribuir estados mentais aos outros alcança-se a habilidade de predizer seus
comportamentos, o que poderia trazer ganhos à espécie.
A perspectiva cognitivista considera o próprio desenvolvimento cognitivo como
responsável diretamente pelas mudanças no que diz respeito ao desenvolvimento da
ToM, isto é, da compreensão da mente. Segundo autores como Perner (1991) e Leslie
(1987), a representação mental é uma capacidade cognitiva que habilita o ser humano
a interpretar o mundo exterior e interior, atuando de uma forma social. Essa habilidade
é mais primitiva nos primeiros anos de vida e evolui com o passar do tempo. Perner
(1991) considera três níveis de representação: o primário, o secundário e a meta-
representação. No primeiro nível, que caracteriza a criança no seu primeiro ano de
idade, a relação da criança se com o objeto, a situação real, mas não haveria ainda
uma interpretação do objeto no processo mental, mas tão somente seu
23
reconhecimento. No nível secundário de representação mental, que caracteriza o
segundo ano de vida, já há uma teorização sobre a situação real, mas é somente ao ser
capaz de representações do terceiro nível, isto é, de meta-representações,
representações de representações, que uma interpretação mental mais evoluída se
faria possível, o que ocorreria por volta dos quatro anos de idade. Por fim, vale
mencionar que Feldman (1988) considera que a compreensão da mente faria parte do
desenvolvimento das habilidades recursivas do pensamento e da linguagem (Feldman,
1988).
Destacamos, por fim, o culturalismo. Bruner (1990) afirma que a criança adquire
a psicologia popular pelo processo de socialização dentro da linguagem e cultura à qual
pertence. Esse conhecimento adviria das próprias narrativas geradas culturalmente.
Johnson (2001) salienta o papel da experiência social, principalmente, das
conversações entre pais e filhos na formação dos processos de compreensão dos
estados mentais em crianças. Para essa abordagem, o conceito de estados mentais
jamais seria atingido sem o pertencimento a uma cultura.
1.2- O desenvolvimento da ToM na criança
No que diz respeito ao desenvolvimento da ToM na criança, de Villiers (2007)
propõe que a criança passa por várias etapas de desenvolvimento cognitivo, quando se
encontra em interação com o mundo, que são precursoras da aquisição de habilidades
cognitivas mais desenvolvidas, como a ToM. A base de desenvolvimento para a ToM se
iniciaria, na criança, por volta dos nove meses de idade, se estendendo a os dois
anos e meio, e se caracterizaria pelo compartilhamento de atenção e direcionamento do
olhar de acordo com a intenção dos que a cercam. A partir do dois anos e meio, até os
três anos e meio, a compreensão dos desejos começa a ser evidenciada. Outra
importante atividade desenvolvida nessa etapa é a participação em brincadeiras de faz-
de-conta. Dos três anos e meio aos quatro, as crianças são capazes de distinguir o
real do imaginário e também de compreender emoções. Mas é somente a partir dos
quatro anos que as crianças se mostram capazes de compreender crenças falsas e
desejos advindos do comportamento de outras pessoas.
24
Sendo assim, pode-se dizer que a primeira aquisição por parte da criança no que
se refere ao entendimento da mente diz respeito ao seu autoconhecimento, sendo ela
capaz, antes mesmo dos 2 anos de idade, de demonstrar conhecimento de seus
próprios estados mentais. As crianças fazem isso quando demonstram querer algum
objeto ou alimento, quando estão decepcionadas, quando estão esperando por algo.
Antes dos dois anos também começam a adquirir a linguagem e, de acordo com o seu
desenvolvimento, passam a comentar seus próprios estados mentais e posteriormente
comentam os estados mentais de outras pessoas (c.f. Harris, 1989; apud Dias, 1994).
Para a grande maioria dos pesquisadores (Dennete, 1978; Pylyshyn, 1973;
Wimmer e Perner, 1983), considera-se, no entanto, que uma ToM pode ser atribuída a
uma criança quando ela é capaz de entender que uma pessoa pode ter uma crença que
não corresponde à realidade, em determinado evento, ou seja, em que a criança é
capaz de conflitar uma crença (percebida pelo outro) com a realidade (percebida pela
própria criança). Essa habilidade é denominada compreensão de crenças falsas (CF) e
constituiria o estágio mais desenvolvido da ToM.
1
O processamento dos estados mentais dos outros e de si mesmo é, pois, o que
permite verificar a presença da ToM. Mas como é possível detectar tal capacidade?
Para muitos autores, a crença falsa é tão importante para guiar o comportamento
humano quanto a crença verdadeira, por isso, utilizam-se testes de crença falsa para a
identificação da existência de uma ToM. Wimmer e Perner (1983) foram os pioneiros a
testar experimentalmente crianças em idade p-escolar em uma tarefa de crença falsa,
que ficou conhecida como “Maxi e o chocolate”. O protagonista Maxi guarda o
chocolate em um determinado lugar que é posteriormente trocado de lugar por sua
mãe, sem que Maxi veja. A partir dessa encenação é perguntado à criança, que está
sendo testada, onde Maxi irá procurar o chocolate. Caso ela responda o local onde
Maxi guardou o chocolate significa que ela é capaz de representar o que o
protagonista pensa e confrontar sua crença com a realidade. Mas se ela aponta para o
local onde a mãe de Maxi pôs o chocolate significa que ela ainda não é capaz de
representar o estado mental de Maxi, o que revela que ela é capaz de representar a
1
Trabalhos mais recentes (Hollebrandse et al., 2008) sugerem que o estágio mais avançado da ToM seria a
compreensão de crenças falsas de segunda ordem, isto é, a compreensão da crença falsa de um indivíduo sobre a
crença falsa de outro, ou seja, uma capacidade recursiva de avaliação de crenças.
(i) Pedro acha que a Maria pensa que o chocolate está na geladeira.
25
realidade. Os pesquisadores aplicaram o teste em crianças normais e puderam verificar
que a habilidade de representar a relação entre os estados mentais de duas ou mais
pessoas emerge e se sedimenta por volta dos 4 até os 6 anos de idade.
No entanto, existem alguns estudiosos que contestam a idade apontada por
Wimmer e Perner. Lourenço (1992), por exemplo, argumenta que se a ToM é a
capacidade de atribuir estados mentais, tais como: desejos, intenções, crenças a si
próprios e aos outros, as crianças apresentam evidências dessas capacidades entre
os 2 e 3 anos (Bretherton e Bughly, 1982; Leslie, 1987; Wellman, 1990) ou amais
cedo (Fodor, 1992). A questão deve, então, ser delimitada e os estudos se voltam,
assim, para o desenvolvimento da compreensão de CF, último estágio do
desenvolvimento da ToM, suscitando as seguintes questões: (i) como se desencadeia
esse desenvolvimento?, (ii) existe algum conhecimento subjacente a ele?.
1.3- Uma hipótese linguística para a relação entre a ToM e a linguagem
A relação entre desenvolvimento linguístico e cognitivo tem sido foco de
interesse tanto para psicólogos como para linguistas (Spelke, 2003; de Villiers, 2005).
No que diz respeito ao desenvolvimento da ToM, de Villers (2005) apresenta uma
hipótese em que se estabelece uma relação direta entre desenvolvimento linguístico e
desenvolvimento da compreensão de CFs. A autora acredita que o desenvolvimento da
ToM se baseia nas estruturas representacionais que a língua fornece, na medida em
que estas seriam fundamentais para o pensamento, ou seja, segundo de Villiers, a
representação mental para o processo cognitivo apóia-se necessariamente em
representações geradas linguisticamente. Assim, para a concretização do entendimento
da CF é necessário que a criança atinja o “auge” de sua competência linguística,
momento em que é capaz de compreender até mesmo sentenças mais complexas.
Ela parte da idéia de que existe uma linguagem que fornece subsídios para o
raciocínio, e que em determinados contextos, processamentos cognitivos, como os de
CFs, necessitam de um amparo do raciocínio linguístico. Para a compreensão da CF, a
criança deve construir uma representação mental a partir dos dados que foram
26
fornecidos, ou seja, representar a crença falsa de outra pessoa sobre um estado de
coisas. Trata-se de uma representação que apresenta uma propriedade fundamental --
a recursividade. Essa representação mental seria semelhante à representação de uma
sentença recursiva, uma estrutura em que se tem “uma frase embutida em outra”, e que
possibilita a computação da sentença encaixada como falsa, enquanto o restante da
sentença, isto é, a sentença como um todo permanece verdadeira. Para a autora, esse
tipo de estrutura está exclusivamente associado a verbos de comunicação ou de estado
mental e esse fato constitui uma importante chave para o desenvolvimento da
compreensão de CFs.
(1) Max disse que o chocolate está no armário.
(2) Max acha que o chocolate está no armário.
Isto é, os verbos de estado de comunicação ou de estado mental compartilham
uma estrutura sintática/semântica recursiva crucial, e identificam um bootstrap para o
entendimento e geração de orações sobre falsa crença. Sendo assim, a criança pode
experienciar eventos declarados e relembrar como as condições de verdade vão de
encontro à fala. Nesse sentido, a compreensão de CFs constituiria uma tarefa cuja
aquisição depende não da interação da criança com o mundo, mas também
depende diretamente da linguagem, pois somente quando a criança domina estruturas
linguísticas recursivas, ela teria a capacidade representacional para raciocinar sobre
CFs, por meio da possibilidade de representar eventos verdadeiros que comportam um
estado de coisas falso. Desse modo, de Villiers (2004) salienta a importância do papel
da competência linguística no desenvolvimento e maturação de uma ToM, pois postula
uma relação de dependência entre o entendimento da CF e a linguagem, uma vez que
esta oferece condições processuais para o entendimento daquela. Assim, ela justifica o
baixo desempenho das crianças mais novas para responderem aos testes de CF,
que ainda não teriam adquirido as estruturas mais complexas da língua e por isso não
possuiriam as ferramentas necessárias para processar tal situação.
A questão que se levanta passa a ser então como as sentenças com verbos
mentais seriam compreendidas e em que momento a criança teria acesso às estruturas
27
recursivas da língua. Para tanto, as investigações recaem sobre o papel
desempenhado pelo complemento dos verbos de comunicação ou de estado mental em
favor do desenvolvimento do entendimento de CFs. Para a autora, o entendimento dos
verbos mentais e a relevância da estrutura de complementação sentencial para a
interpretação de CFs podem partir das semelhanças sintáticas compartilhadas com os
verbos de comunicação. Sendo assim, sentenças como (2), com verbos mentais,
seriam compreendidas a partir das seguintes percepções de ordens diversas: (i) um
significado lexical rudimentar deve ser atribuído a um verbo como pensar, achar”, no
sentido de que se remete a alguma coisa que está oculta na mente, (ii) deve-se
reconhecer que verbos desse tipo inferem um conteúdo, não perceptível pelo contexto
e, por fim, (iii) deve-se perceber que as proposições encaixadas podem ser falsas em
comparação com o mundo. Quando as crianças descobrem esses três elementos,
segundo a autora, elas podem identificar as classes verbais baseando-se no
comportamento sintático e então detectar complementos semelhantes ou diferentes,
como no caso dos verbos dizer e pensar”, que passam a ser considerados como
potencialmente permitindo uma sentença completiva com valor de verdade falso,
embora a sentença como um todo permaneça verdadeira, e permitem uma
representação mental adequada para lidar com CFs.
1.3.1- A influência da linguagem nos testes de CF: uma análise de crianças surdas
P. de Villiers (2005) investiga o envolvimento da linguagem no processo de
desenvolvimento da ToM e apresenta um estudo realizado com crianças surdas (ASL)
2
e com crianças cujo desenvolvimento linguístico é normal. O autor acredita que
investigar a ToM em crianças surdas é uma forma de se obter uma forte prova da
importância da língua no desenvolvimento da ToM, pois muitas crianças surdas
apresentam um significativo atraso na aquisição da língua e, por isso, estudar o seu
desenvolvimento quanto ao raciocínio da ToM pode demonstrar o quanto os efeitos de
aquisição da linguagem influenciam na maturação do desenvolvimento cognitivo na
interação social.
2
ASL: Linguagem Americana de Sinais
28
Vários estudos enfocaram o domínio de CFs por crianças surdas (Courtin, 2000;
de Villiers & de Villiers, 2000; Pyers & de Villiers, 2001; Gale, de Villiers, de Villiers, &
Pyers, 1996; Jackson, 2001; Peterson & Siegal, 1995, 1997, 1999; Russell, Hosie,
Gray, Scott, Hunter, Bancos, & Macauley, 1998; Steeds, Rowe, & Dowker,1997), mas
as dimensões das amostras são muito pequenas para serem confiáveis. Assim, os
estudos de de Villiers, de Villiers, Schick & Hoffmeister (2001) e de Schick, de Villiers,
de Villiers & Hoffmeister (2007)
3
, reportados em de Villiers (2005) pretenderam sanar
essas deficiências e permitir a comparação entre populações, testando (i) um grupo
controle de crianças com audição normal , (ii) um grupo de crianças surdas oralizadas,
isto é, crianças cujo acesso à informação auditiva foi maximizado através de aparelhos
auditivos e implantes cocleares, permitindo a elas acesso ao Inglês falado, e sem
qualquer exposição à linguagem de sinais, (iii) um grupo de crianças surdas, filhas de
pais surdos (DoD deaf of deaf) e que foram expostas a uma linguagem plena de
sinais sob a forma de uma ngua natural (ASL American Sign Language) e, (iv) um
grupo de crianças surdas, filhas de pais ouvintes (DoH deaf of hearing), cujo contato
com a língua de sinais americana se deu apenas na escola. Desse modo, buscou-se
obter um controle de todos os efeitos da surdez, no que diz respeito ao
desenvolvimento da ToM.
O grupo controle era formado por 42 crianças com audição normal e idade entre
4;0 e 6;8 anos. O grupo de crianças oralizadas constituia-se de 86 crianças surdas, com
idades entre 4;0 e 8;3 anos (idade média: 6;1) e perda auditiva de 92dB (de 47dB a
120dB). Destas 53 usavam aparelhos auditivos e 33 tiveram implantes cocleares, tendo
todas elas perdido a audição antes dos 18 meses de idade. As crianças expostas a ASL
totalizavam 90 crianças surdas, com idades entre 3;11 e 8;0 (idade dia: 6;1) e perda
auditiva média de 90dB (de 45dB a 120dB), tendo todas elas perdido a audição antes
dos 18 meses. Destas, 49 crianças tinham pais surdos e haviam sido expostas a ASL
desde o seu nascimento e 41 tinham pais com audição normal, tendo sido expostas à
língua de sinais mais tardiamente.
Os testes foram realizados individualmente, cada uma das crianças recebeu uma
bateria de testes de inteligência não-verbal, avaliações da linguagem e de ToM. Para as
3
O texto original citava (in preparation) a referência: Schick, de Villiers, de Villiers & Hoffmeister (2007).
29
crianças surdas o teste oral foi realizado por examinadores com audição normal, mas
altamente familiarizados com a linguagem de sinais. Para as crianças surdas
oralizadas, foi utilizado um sistema de amplificação do som. As análises estatísticas
mostraram que os três grupos de crianças surdas - oralizadas, filhas de pais surdos e
filhas de pais com audição normal - possuíam correspondência quanto à idade, perda
auditiva e média de resultados em testes de QI não-verbal e sequência de memória.
Dois tipos de testes verbais para a avaliação do domínio da ToM foram
realizados: um teste verbal de CFs e um teste de quebra de expectativas o teste do
conteúdo inesperado. Foram também utilizados dois testes de baixo conteúdo verbal:
um jogo de esconde-esconde com adesivos e um jogo de avaliação com escolha de
carinha surpresa ou não-surpresa.
Os testes de ToM verbal foram efetuados através de narrativas acompanhadas
de imagens em um livro infantil (Wimmer & Perner, 1983; de Villiers & Pyers, 2002).
Depois de cada história, era perguntada à criança a localização original do objeto e o
local para onde ele havia sido transferido, a fim de auxiliar a criança a acompanhar os
eventos. Quando o personagem retornava para buscar o objeto escondido, as crianças
eram questionadas quanto ao propósito do protagonista "Onde X vai buscar primeiro
Y?" e "Por que ele /ela vai buscar lá?".
Os testes de conteúdo inesperado (Perner, Leekam, & Wimmer, 1987) fazem uso
de embalagens conhecidas, mas cujo conteúdo é trocado, por exemplo, uma caixa de
giz de cera contendo colheres plásticas, uma caixa de chicletes com moedas ou uma
embalagem de ovos com tomates. As crianças são então questionadas sobre o que
esperam encontrar nas embalagens e são surpreendidas pelos conteúdos inesperados.
Uma vez conhecendo o conteúdo real das embalagens, a questão crucial relaciona-se
ao pensamento do outro, “o que o seu amigo vai pensar que tem na caixa?”.
Para controlar os efeitos da linguagem com relação ao domínio de CFs, os testes
de baixo conteúdo verbal foram realizados, tomando como base a investigação
realizada por Povinelli e de Blois (1992) com crianças e chimpanzés. No primeiro jogo,
participam 3 experimentadores, além da criança. São utilizadas quatro caixas idênticas
de cor branca, sendo que em uma delas um dos experimentadores cola o adesivo,
enquanto uma tela impede que a criança e um dos outros experimentadores, sentado
30
Verbal False Belief Reasoning
0
1
2
3
4
5
6
7
4 5 6 7
Age
Hearing
ASLDoD
ASLDoH
Oral
ao seu lado, vejam que caixa foi a escolhida. No entanto, o outro experimentador,
sentado ao lado do primeiro, pode presenciar a colagem do adesivo. A tela que
esconde as caixas é então levantada e a tarefa da criança é tentar adivinhar em que
caixa o adesivo foi colado, levando em conta as sugestões que os outros dois
experimentadores oferecem a ela, ou seja, ela deve considerar a visão que cada adulto
teve em relação à colagem do adesivo.
O segundo jogo era uma versão, de baixo conteúdo verbal, do teste de conteúdo
inesperado. Eram apresentadas figuras à criança que contavam uma história em que o
conteúdo típico de uma embalagem era trocado por outro objeto pouco usual na
presença ou ausência do personagem principal. A tarefa da criança era avaliar, com o
uso da carinha de “surpresa” ou não-surpresa/neutra”, a reação do personagem frente
ao conteúdo da embalagem na última figura, o que dependia da avaliação da criança
em relação às expectativas e o estado de conhecimento do protagonista quanto ao
conteúdo da embalagem.
Os resultados encontrados pelos autores podem ser verificados nos gráficos a
seguir, em que se comparam os resultados do grupo controle (Hearing), do grupo de
crianças surdas de pais surdos (ASLDoD), de crianças surdas filhas de pais ouvintes
(ASLDoH) e das crianças surdas oralizadas (Oral). O primeiro gráfico apresenta os
resultados para os testes verbais e o segundo para os testes de baixo conteúdo verbal:
Gráfico 1- Resultados dos testes verbais: CFs e conteúdo inesperado
(de Villiers, 2005: 17)
31
Gráfico 2- Resultados dos testes de baixo conteúdo verbal: adesivo e carinhas
(de Villiers, 2005: 18)
Os autores salientam que em ambos os tipos de teste, houve um efeito
significativo de grupo experimental ((F(3,164)=7.42, p<.001), para as tarefas verbais e
(F(3,160)=3.49, p<.001), para as de baixo conteúdo verbal). Testes-t post-hoc
indicaram que as crianças com audição normal e as crianças surdas de pais surdos,
isto é, aquelas que foram expostas à língua de sinais desde cedo se equivaliam e
tiveram um desempenho melhor que as crianças surdas filhas de pais ouvintes,
expostas à língua de sinais tardiamente ou as crianças surdas oralizadas.
Os resultados obtidos são tomados então como evidência de que para o
desenvolvimento do domínio de CFs é necessário que a criança
reconheça/compreenda certas estruturas peculiares da língua, ou seja, o
desenvolvimento da ToM se baseia em estruturas representacionais fornecidas pela
língua, sendo essa um instrumento fundamental para o pensamento. Mais
especificamente, as sentenças completivas que ancoram o raciocínio das CFs.
Low-Verbal ToM Tasks Passed
0
0,5
1
1,5
2
4 5 6 7
Age
Hearing
ASLDoD
ASLDoH
Oral
32
Vale ainda salientar que Lohmann e Tomasello (2003) submeteram crianças com
desenvolvimento linguístico característico, que haviam fracassado em tarefas de CFs, a
treinamento direcionado para a produção de sentenças que envolvem verbos de
comunicação e obteve-se uma melhora posterior quanto ao raciocínio de CFs,
enquanto crianças que haviam sido treinadas no uso de sentenças relativas, também
uma estrutura complexa da língua, mas que não permite a caracterização em termos de
valores/verdade distintos para a sentença encaixada e a sentença como um todo, não
mostraram melhora quando testadas novamente nos testes de CF.
1.3.2- Resultados que desafiam a hipótese de de Villiers
Onishi e Baillargeon (2005) realizaram uma pesquisa com bebês de 15 meses
para investigar a capacidade dos mesmos com relação à compreensão de CFs.
Buscando respostas para as controvérsias, dentro do campo da Psicologia, em relação
ao momento em que a criança adquire uma ToM e como ocorre tal processo, os autores
conceberam um teste de CF não-verbal, adotando o método “expectativa de violação”,
em que se mensura o tempo de atenção que o bebê dispensa a eventos distintos e
tem-se obtido resultados que demonstram que os bebês prestam atenção por mais
tempo a eventos novos, não-esperados.
O teste conta com 3 objetos, uma fatia de melancia e duas caixas, uma amarela
e outra verde e 3 eventos de familiarização. Nestes o experimentador é mostrado
apalpando o brinquedo, a fatia de melancia - e colocando-o dentro da caixa verde,
seguido do afastamento visual deste, por meio de uma cortina. O segundo e terceiro
eventos mostram o experimentador tateando o interior da caixa verde, sugerindo que o
brinquedo está sendo localizado.
Após a familiarização foi aplicado um único teste, em que o experimentador
poderia ter uma crença falsa ou verdadeira, tendo sido planejadas quatro versões: duas
para produzir condições de crença verdadeira, e duas para condições de crença falsa,
ambas com as caixas amarela e verde. Na condição-teste, o objeto era colocado na
caixa verde, mas poderia permanecer ou mover-se para a caixa amarela. Esses
eventos poderiam ser assistidos tanto pelo experimentador quanto pela criança, quando
33
a cortina permanecesse aberta, ou somente pela criança, com a cortina fechada,
impedindo o experimentador de ver o deslocamento do brinquedo.
A previsão dos autores era de que a localização do objeto era sempre conhecida
pela criança, mas o experimentador poderia ter uma crença verdadeira ou falsa em
relação ao local do brinquedo. Se o experimentador violasse tal condição ao buscar o
objeto em uma das caixas, esperar-se-ia que a criança demonstrasse maior interesse.
Assim, quando o experimentador tivesse uma crença verdadeira, a criança olharia com
menos atenção e o contrário ocorreria, caso a crença dele fosse falsa.
Os testes foram realizados com 56 crianças saudáveis, sendo 27 meninas e 29
meninos, com idade média de 15 meses e 7 dias, divididas em 8 grupos. A escolha
para a designação dos grupos foi aleatória, formada pelo agrupamento de 3 fatores
manipulados: a crença do experimentador quanto à localização do brinquedo (caixa
verde ou amarela), o estado da crença (verdadeira ou falsa) e o local de busca do
experimentador no teste (caixa amarela ou verde).
Em todas as análises pertencentes ao único teste, o qual foi dividido em quatro
versões: duas para produzir crenças verdadeiras (TB true believe, no gráfico) e duas
para produzir CFs (FB false belief, no gráfico) em ambas as caixas (amarela e verde),
o resultado apontou um efeito significativo com p < .05.
Gráfico 3- Resultados dos testes de crença falsa e verdadeira
(Onishi & Baillargeon (2005, 257)
34
Os resultados encontrados pelos pesquisadores apontam para uma presença,
mesmo que rudimentar, de uma ToM em crianças com 15 meses de vida, indicando,
dessa forma, que elas com essa idade o capazes de perceber que os outros agem
com base em crenças pessoais que podem representar a realidade ou não. A
interpretação apresentada por eles questiona a noção de que crianças pré-escolares se
submetem a uma mudança fundamental de uma teoria não representacional para uma
teoria representacional da mente.
1.4- O papel da linguagem na compreensão de crenças falsas: questões e
objeções
A idade exata em que se consideraria que a ToM estaria adquirida ainda é muito
questionada e os questionamentos se voltam, sobretudo, ao tipo de testes aplicados,
pois se acredita que os resultados podem ser influenciados pela realidade vivida pela
criança.
“A evidência resultante da investigação de natureza experimental indica que as crianças
geralmente adquirem ToM semelhantes às dos adultos por volta dos 3-4 anos. No
entanto, Vasu Reddy e Paul Morris verificaram, por investigações de natureza
observacional, que crianças muito mais novas do que os 3-4 anos eram capazes de
confrontar, confortar, enganar, ajudar, brincar - comportamentos que pressupõem a
compreensão de estados psicológicos de outras pessoas.” (Dias, 1994)
Como foi citado, Wimmer e Perner (1983) criaram a tarefa de crença falsa
conhecida como “Maxi e o chocolate”. Outros testes também foram concebidos, mas
todos seguem a mesma lógica, variando de acordo com a realidade/necessidade do
público que será avaliado.
No Brasil, tem-se uma pesquisa realizada por Dias (1994) e Dias, Soares e Sá
(1995), cujo objetivo foi verificar a aquisição da ToM em crianças de orfanato,
comparadas a crianças de nível socioeconômico médio e baixo. Em sua pesquisa, Dias
(1994) utiliza-se da “tarefa de Sally”, semelhante à de “Maxi e o chocolate”, também
elaborada por Wimmer e Perner (1983), mas faz modificações quanto ao nome da
35
boneca. Utiliza-se, ainda, um outro experimento conhecido como “tarefa dos Smarties”,
um teste de conteúdo inesperado, desenvolvido por Wimmer e Perner (1983), e
novamente adaptado para a realidade das crianças de orfanato que não conheciam
“Smarties”.
No primeiro experimento, foi utilizada a tarefa adaptada da boneca Sally, na qual
se apresenta a boneca, neste caso, chamada Silvia, que brinca com uma bolinha de
gude e, depois, a guarda em uma cestinha e sai. Uma outra boneca, de nome Ana,
entra, retira a bolinha da cesta e a coloca em uma caixa de papelão. Feita essa
representação, pergunta-se à criança onde a boneca Sílvia iria procurar sua bolinha. No
segundo experimento, foi utilizada a tarefa adaptada dos “Smarties”, substituídos por
chicletes “ping-pong”. O experimentador mostrava uma caixa de chiclete para a criança
e perguntava o que tinha dentro. Quando a criança respondia “chicletes”, ele mostrava
que dentro da caixa havia pis, então perguntava à criança se uma outra criança fosse
brincar o que ela responderia sobre o conteúdo da caixa. A partir da resposta, o
experimentador poderia verificar se a criança acredita que a outra pode ter uma crença
falsa sobre o conteúdo da caixinha de chiclete. Em um terceiro momento, a interação
com a criança era maior, pois dois experimentadores brincavam de esconder chicletes
em três caixas de papelão. O chiclete era escondido e quando um dos
experimentadores saía, o experimentador que permanecia na sala perguntava à criança
onde ela queria esconder o chiclete. Então a criança mudava-o de lugar e o
experimentador, que havia ficado interagindo com a criança, perguntava onde o
experimentador que havia saído da sala iria procurar o chiclete, quando voltasse. A
interação envolvia várias perguntas:
“O E2 nos viu mudando o chiclete de lugar? Onde o E2 pensa (acha) que estão os
chicletes? (pergunta de pensar); Onde ele colocou o chiclete? Onde está o chiclete
agora? Onde o E2 irá procurar o chiclete quando ele/ela voltar? (pergunta de predição)”
(Dias, 1994).
Com os resultados obtidos nesses experimentos, a autora pôde verificar que a
capacidade de predizer ações e emoções parece emergir aos 6 anos nas crianças de
orfanato, enquanto as outras crianças de nível social médio e baixo apresentam essas
36
habilidades aos 4 anos, confirmando os achados de Perner, Lekan e Wimmer (1987) e
por Sodian (1991).
Dias et al. (1994), em um outro estudo realizado posteriormente, também sobre o
desenvolvimento da ToM em crianças de orfanato comparado ao das crianças de nível
social médio e baixo, questiona a inadequação da linguagem utilizada pelo
experimentador durante a realização dos testes anteriores. Já que, segundo Leslie
(1987), a capacidade de predizer ações e emoções referentes a crenças e desejos de
outras pessoas é uma capacidade inata, esta deve emergir em tempos aproximados
para todas as crianças, sendo necessário apenas o convívio social. Desse modo, Dias
et al. (1994) questionam o tipo de interação estabelecida entre os experimentadores e
as crianças durante a execução de tarefas de crenças falsas.
Buscando proporcionar uma maior interação entre experimentador e crianças, as
mesmas tarefas utilizadas na primeira pesquisa foram aplicadas, mas foram também
feitas diversas modificações linguísticas. Na primeira tarefa, foi modificada a pergunta
final, passando de: “Onde Silvia irá procurar a bola?” (Dias, 1994) para “Qual o primeiro
lugar em que Silvia vai procurar sua bola de gude assim que ela voltar? Em sua
cestinha ou na caixa de papelão?” (ibidem). Na segunda, a pergunta “O que ele(a) dirá
que tem dentro da caixa?” (ibidem) foi mudada para “O que ele(a) vai dizer que tem
dentro da caixinha assim que eu perguntar a ele(a), como fiz com você?” (ibidem). E na
terceira tarefa a pergunta “Onde o E2 irá procurar o chiclete quando ele/ela voltar?”
(ibidem) foi trocada por “Qual o primeiro lugar em que ele(a) vai procurar o chiclete
assim que voltar? (ibidem).
Os resultados obtidos por Dias apontam para uma significativa mudança quando
existe uma maior interação entre as crianças e o examinador e mostram que o
desempenho delas, após as modificações linguísticas, torna-se similar ao das crianças
de nível social baixo e médio.
37
Gráfico 4- Resultados dos testes de ToM (Dias et al., 1995:07)
Dias et al. (1995) salientam que uma maior interação entre experimentador e
criança é responsável pela melhora no desempenho desta, mas as modificações
realizadas não são explicitadas, o que impossibilita que os fatores reais que tenham
melhorado o entendimento das crianças possam ser identificados.
A fim de manipular distinções linguísticas que possam interferir em uma tarefa de
CF, considerando particularmente uma especificidade do Português Brasileiro (PB), o
tipo de interrogativa utilizada, Azevedo-Silva & Augusto (2009) testaram 60 crianças de
3, 5 e 7 anos, comparadas com um grupo controle de 20 adultos universitários em um
teste padrão de CFs.
Conforme aponta Augusto (2005), crianças mais jovens e os portadores de DEL
entendem com mais facilidade interrogativas com QU in situ sem deslocamento do
pronome interrogativo - do que interrogativas com QU movido. Sendo assim, as
pesquisadoras combinaram essa variável com o tipo de sentença que foi utilizada na
pergunta do teste: sentenças simples ou complexas, obtendo as seguintes
combinações: QU in situ simples, QU movido simples, QU in situ complexa e QU
movido complexa.
(3) Onde o menino vai procurar o carrinho?
(4) O menino vai procurar o carrinho onde?
38
(5) Onde o menino acha que o carrinho está?
(6) O menino acha que o carrinho está onde?
Desta forma, obteve-se uma inter-relação inversamente direcionada entre
complexidade linguística e cognitiva, uma vez que a interrogativa combinada com
sentença completiva, que é uma estrutura linguística mais complexa, requer que a
identificação da CF do outro seja reconhecida, enquanto a interrogativa com sentença
simples requer a previsão da ação do outro com base em sua CF.
Com os dados obtidos, submetidos ao ANOVA, verificou-se que houve um efeito
principal de idade e de tipo de pergunta-QU (in situ ou deslocado) e que não houve
efeito principal ou interações com o tipo de sentença utilizada. As crianças com idades
entre 3 e 5 anos tiveram um melhor desempenho nas perguntas em que não houve
deslocamento do pronome interrogativo, o que corrobora a importância de se
considerarem as demandas linguísticas envolvidas nos testes de CF para que se possa
ter resultados confiáveis na avaliação do desenvolvimento da ToM.
Augusto & Corrêa (2009) salientam a importância de se dissociarem demandas
cognitivas e linguísticas nas tarefas de CF e questionam se a relação estabelecida
entre domínio de CFs e de estruturas recursivas, defendida por de Villiers (2004, 2005,
2007 e subsequentes) e por Hollebrandse, Hobbs, de Villiers & Roeper (2008), no que
diz respeito a CFs de segunda ordem, pode ser sustentada. As autoras demonstram
que as estruturas recursivas de verbos mentais podem ser parafraseadas por estruturas
paratáticas, isto é, sentenças simples, não-encaixadas.
(7) a. Para Sally, a bola de gude está na caixinha. Pra mim, ela está
enganada.
b. A bola de gude está na caixinha, Sally acha. Ela está enganada/. Não é
nada disso/ A bola de gude está na caixa grande, eu sei.
Deve-se ainda levar em conta a complexidade das questões que estão
envolvidas nos testes de CF, que, conforme demonstrado pelo estudo de Azevedo-Silva
& Augusto (2009), se mostra relevante para o sucesso nessas tarefas. Sendo assim, as
autoras salientam que, para se atestar o domínio de CFs, se faz necessário considerar
se:
39
a) É necessária a compreensão de termos linguísticos que caracterizam estados
mentais?
b) A compreensão da pergunta da tarefa envolve alto custo de processamento?
c) É necessária a recuperação de informação acerca do estado de conhecimento do
outro?
d) É necessária a condução de inferências sobre as atitudes decorrentes de um estado
de conhecimento?
Uma importante questão que se coloca, portanto, é em que medida o uso de
certas construções linguísticas, que se mostram realmente mais efetivas para a
veiculação da atribuição de CF, seria condição necessária para que um raciocínio
dessa ordem se efetive ou, no que diz respeito ao desenvolvimento no período de
aquisição da linguagem, existe uma correlação entre o desenvolvimento nos domínios
linguístico e cognitivo.
Sendo assim, embora, como salientam Augusto & Corrêa (2009), “as
propriedades da recursividade e da representacionalidade, características das línguas
naturais, podem se apresentar como fatores relevantes para o desenvolvimento
cognitivo”, e seja “difícil determinar em que medida esses aspectos da linguagem
podem ser tomados como diretamente responveis pelo desenvolvimento da ToM”,
delimitar a importância da linguagem para capacidades cognitivas complexas, como a
ToM, é objeto de pesquisa ainda em desenvolvimento.
1.5- Considerações finais
Assim como a mente do ser humano é complexa, os estudos referentes à
compreensão dos estados mentais também o são. O desenvolvimento e as descobertas
através dos estudos e pesquisas vieram revelando, com o passar dos tempos, que
graças aos trabalhos de psicólogos, neurologistas, linguistas e outros, é possível saber
que o homem possui a habilidade de compreender os seus estados mentais e de seus
co-específicos. Várias teorias foram apresentadas em relação a como essa habilidade
se desenvolve. Dentre elas, abordou-se a hipótese de de Villiers (2004, 2005, 2007 e
subsequentes) que assume uma dependência dessa habilidade cognitiva com um
processo mental linguístico.
40
Nossa colaboração para essa questão se volta para a compreensão de CFs por
afásicos agramáticos, os quais apresentam um comprometimento linguístico bastante
acentuado, buscando verificar, por meio da aplicação de testes de CFs a dois
pacientes, até que ponto eles o capazes de compreender as crenças e pensamentos
dos outros, tendo se tornado afásicos. Desta forma, poderemos verificar se, nesses
casos de afasia agramática, a linguagem, ou ausência dela pode influenciar no
desempenho dos investigados em relação à ToM, uma vez que, no que diz respeito,
particularmente, ao domínio de estruturas recursivas, isto é, sentenças complexas com
encaixamento, é conhecido que essas estão ausentes nesses afásicos. Por outro lado,
essa população não mostra comprometimentos cognitivos. Sendo assim, parece
relevante verificar em que medida o raciocínio sobre CFs pode ser conduzido por esses
pacientes, que parecem não poder contar com a representação linguística associada a
esse tipo de raciocínio.
41
2 A CONTRIBUIÇÃO DA AFASIOLOGIA LINGUÍSTICA PARA O ESTUDO DA ToM
Considerar a cognição como processo superior que rege o funcionamento da
percepção, do armazenamento, da recuperação, da utilização e do tratamento da
informação e contemplar a língua a partir dessa óptica implica a busca incessante de
meios capazes de explicar tais fenômenos. Desta forma, ao relacionarmos cérebro e
cognição, buscamos compreender a forma com que são transformadas as informações
recebidas pelos sentidos - os signos - em códigos apropriados, que são os diversos
tipos de linguagem. Assim, para compreendermos esta interseção prático-conceitual, é
necessário verificarmos a inter-relação existente entre linguagem e cérebro, campo de
estudo da Neurolinguística.
Segundo Caplan (1987), a Neurolinguística é a ciência que estuda as relações
entre cérebro e linguagem, com enfoque no campo das patologias cerebrais, cuja
investigação relaciona determinadas estruturas do cérebro com distúrbios ou aspectos
específicos da linguagem. No entanto, o termo Neurolinguística tem sido associado à
Afasiologia Linguística, ramo da ciência que se dedica ao estudo de déficits linguísticos
resultantes de formas específicas de danos cerebrais. O termo Afasiologia Linguística
(cf. Lima, 2003) está em evidência por se propor a realizar uma análise das síndromes
afásicas a partir de um modelo do sistema linguístico do indivíduo neurologicamente
intacto.
Abordaremos na primeira seção a origem dos estudos de afasia e as
denominações predominantes; na segunda seção, faremos uma descrição dos tipos de
afasia; na terceira, buscaremos esclarecer como o estudo da Afasiologia se
estabeleceu dentro do campo da Linguística e como tal estudo pode influenciar nossa
pesquisa. Na quarta seção, relacionaremos a síndrome afásica do agramatismo com o
estudo sobre ToM, tentando esclarecer o motivo de nossa pesquisa. Na quinta seção,
mostraremos um pouco da referência existente sobre o estudo da ToM em pacientes
afásicos com lesão no Hemisfério Direito. Na sexta seção, apresentaremos uma
abordagem sobre o estudo que prevalecerá na presente dissertação e para finalizar o
42
capítulo, na sétima seção, exibiremos um estudo anterior ao nosso que investiga a ToM
em pacientes afásicos agramáticos.
2.1- Origem dos estudos das afasiologias
Após a proposta de Franz Joseph Gall (1800), de que o cérebro era composto por
27 faculdades mentais “afetivas e intelectuais”, nasce uma teoria denominada de
Frenologia (phrenos=mente e logos=estudo). Tal teoria foi a primeira mais extensa
sobre a localização cerebral. No entanto, devido a sua falta de cientificidade, foi
questionada e substituída por uma proposta cujo caráter era mais empírico, a
apresentada em 1861, pelo médico francês Paul Broca (Mansur e Radanovic, 2004).
Ele era um pesquisador que acreditava no princípio da localização e, por isso, realizou
de forma pioneira uma abordagem clínica. Em um de seus trabalhos, estudou o cérebro
de um paciente específico que apresentava grande comprometimento linguístico, ou
seja, ele era capaz de falar apenas duas palavras “tan tan”. Com a morte e exame do
cérebro desse paciente, Broca constatou que a primeira circunvolução frontal esquerda
estava atrofiada, e que na parte posterior da terceira circunvolução frontal esquerda
havia uma cavidade. O mesmo ocorreu com um segundo paciente de Broca, chamado
Lelong, que não lia nem escrevia, e usava muitos gestos. Com a morte de Lelong, seu
cérebro foi examinado por Broca, que pôde notar novamente uma perda de substância
considerável na terceira circunvolução frontal esquerda. Fundamentando-se nesses
dois casos, Broca concluiu que o centro (controle) da fala estaria situado na parte
posterior da terceira circunvolução frontal. Esta parte do cérebro se tornou conhecida
como área de Broca. Sujeitos com lesão nesta área apresentam perda da expressão da
linguagem, que a partir daí passou a ser denominada afasia de Broca.
Em 1874, o neurologista Carl Wernicke buscou traçar conexões sensoriais no
córtex cerebral. Até aquele momento, os estudos se baseavam na correlação local x
função. Wernicke acreditava que o sistema nervoso era composto por várias sinapses
interconectadas, sendo que a parte anterior do cérebro era responsável pelos
movimentos, e a parte posterior responsável pelas impressões sensoriais. Ficou
constatado que sujeitos com lesão nesta área, denominada área de Wernicke,
apresentam afasia de Wernicke, ou seja, perda da compreensão da linguagem.
43
Wernicke e outros pesquisadores começaram a levantar a hipótese sobre
possíveis interconexões entre a área de Broca e a área de Wernicke, postulando ainda,
a existência de um outro tipo de afasia, a afasia de condução, que resulta de uma lesão
nas fibras associativas que ligam essas duas áreas.
Figura 1- Área de Broca e Wernicke. Imagem retirada da Enciclopédia Virtual “Portal da
Mente e do Cérebro”: http://www.enciclopedia.com.pt/articles.php (acessado em:
02/09/2009)
Em 1971, Luria descreveu a organização funcional do cérebro através de
estudos com soldados com lesões cerebrais focais. Este pesquisador elaborou uma
teoria denominada “Teoria dos Sistemas Funcionais”, que descreve a existência de três
unidades funcionais no cérebro, independentes, organizadas hierarquicamente e
integradas funcionalmente. A primeira unidade de estimulação é responsável por
regular o tônus cortical; a segunda unidade funcional tem a função de receber, analisar
e armazenar informações; a terceira unidade funcional, de planejamento, é encarregada
da programação, regulação e verificação da atividade comportamental. Estas unidades
foram consideradas pelo pesquisador como sendo essenciais mediante qualquer
atividade cognitiva. O autor “descreveu diversas formas de tratamento para os
diferentes tipos de afasia (Mansur e Radanovic, 16: 2004). Portanto, verificamos a
grande contribuição de Luria no desenvolvimento de uma metodologia que possibilita
analisar qualitativamente o processo cognitivo, demonstrando uma visão dinâmica do
44
funcionamento cerebral, além da compreensão do funcionamento das áreas frontais do
cérebro.
2.2- Tipos de afasia
Como vimos, o problema cérebro-linguagem evidencia-se a partir do início do
século XIX, período chamado de Frenologia, alargando os interesses em direção aos
estudos anatomo-fisiológicos da linguagem e seus distúrbios. No entanto, foi apenas no
fim do século XIX que surgiu o estudo “científico” do cérebro, tal interesse ocorrendo
concomitante aos estudos relacionados à cognição.
Anteriormente aos estudos da Afasiologia Linguística, era adotado um modelo
idealista para a classificação do quadro de afásicos. Tal modelo não considerava os
aspectos linguísticos, ou seja, não se ocupava com fenômenos morfológicos, sintáticos,
semânticos e nem pragmáticos. Para classificar as afasias era necessário considerar a
zona anatômica afetada, sua etiologia, os resultados das testagens e as características
da linguagem pós-lesão. Acreditava-se em modelos puros de afasia.
Segundo Goodglass (1972) e Caplan (1987) (apud Mansur e Radanovic, 2004),
é possível dividir as afasias em dois grandes grupos: fluentes e não-fluentes, através do
teste: “Boston Diagnostic Aphasia”. É possível também alcançar esse resultado através
do teste Western Aphasia Battery (WAS-Kertesz,1982), protocolo BETA (Nespoulous et
al., 1986) e Token Test (De Renzi e Vignolo, 1962).
As afasias não-fluentes, consideradas assim por este modelo idealista,
caracterizam-se por estarem localizadas na parte frontal e por apresentarem problemas
de expressão, fala telegráfica, agramatismo, apraxia buco-lábio-lingual, sendo
características nas afasias de Broca. as afasias fluentes, que estão localizadas na
região temporoparietal do paciente, manifestam-se com a presença de distúrbios de
compreensão, ausência de déficits articulatórios, anomias, parafasias semânticas e são
características, principalmente, nas afasias de Wernicke e Condução.
Cabe ressaltar que tais denominações ainda são utilizadas, que são, muitas
vezes, necessárias para guiar o estudo dentro do campo da Neurolinguística. No
45
entanto, as lesões não se apresentam com exatidão e, por isso, considera-se um local
aproximado para denominar a enfermidade.
A Afasiologia Linguística investiga e considera outros parâmetros dentro do
estudo da afasia. O local da lesão, por exemplo, não é uma informação central a ser
considerada, que o foco principal desse ramo da ciência cognitiva é investigar os
traços linguísticos pertencentes ao paciente afásico, como veremos a seguir.
2.3- O Estudo das afasias no âmbito da linguística: a afasiologia linguística
O primeiro linguista a se dedicar ao estudo das afasias, sistematicamente, foi
Jakobson, o qual se baseou nos postulados neuropsicológicos de Luria. De acordo com
as classificações do último, foram estipuladas cinco formas de afasia: a afasia eferente,
a aferente, a sensorial, a dinâmica e a amnésica. Todas foram observadas por
Jakobson sob o ponto de vista linguístico. Tal procedimento foi utilizado com o
propósito de se formular uma teoria geral da linguagem, a qual abarcaria explicações
acerca da aquisição, funcionamento, estrutura e alterações linguísticas. Uma vez que a
afasia era considerada por Luria como sendo uma demência que afeta as modalidades
de fala, audição, leitura e escrita, consequentemente os estudos sobre ela
estimulariam, também, um estudo sobre o funcionamento da linguagem.
A partir dos estudos de Jakobson sobre as afasias, ampliações das idéias de
Saussure foram feitas, principalmente no que diz respeito às dicotomias clássicas, que
envolvem as relações sintagmáticas e paradigmáticas. Segundo Saussure, “a relação
sintagmática existe in praesentia: repousa em dois ou mais termos igualmente
presentes numa série efetiva” (Saussure, 1916). No discurso, um termo colocado num
sintagma só adquire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou
a ambos. Por outro lado, a relação associativa (ou paradigmática) une termos in
absentia numa série mnemônica virtual. Fora do discurso, as palavras que oferecem
algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro das quais
imperam relações muito diversas. “Elas não têm por base a extensão; sua sede está no
cérebro” (Saussure, 1916 ).
46
Ao trabalhar essas duas dicotomias clássicas, Jakobson concluiu que uma ou
outra delas é reduzida ou totalmente bloqueada nas afasias. O argumento do linguista
se baseia na hipótese de que as duas formas do eixo estariam sob domínio de
estruturas diferentes do cérebro, sendo assim, relativamente independentes, mesmo
atuando juntamente na comunicação.
Outros pesquisadores transportaram também seus conhecimentos para a
Linguística. Neste mesmo momento, houve um avanço considerável nos estudos que
seguiam a linha estruturalista. Assim, ocorreu um crescimento representativo quanto ao
estudo em aquisição da linguagem, o que fortaleceu a busca por respostas
relacionadas à linguagem patológica. Com isso, a Afasiologia Linguística se solidificou.
A partir da criação de alguns conceitos e da utilização de termos ainda não
consagrados, foi-se ampliando o estudo em Afasiologia Linguística.
A Afasiologia Linguística, então, passou não a considerar a existência da
afasia de Broca e Wernicke, mas também a estabelecer parâmetros que se alinhavam
aos diferentes tipos de casos, que eram categorizados em quatro unidades de
articulação. Com isso, os pesquisadores passaram a investigar os sintomas comuns da
patologia, principalmente no que dizia respeito ao agramatismo, que é considerado o
sintoma mais frequente da afasia e resulta em uma significativa redução da linguagem.
É caracterizado pela utilização de substantivos, juntamente com o emprego sistemático
de verbos no infinitivo e a supressão de pequenos instrumentos de linguagem (artigos,
preposições...) o que traz semelhanças que determinam uma forma de expressão
próxima de uma linguagem primitiva ou de um estilo telegráfico, com uma linguagem
econômica, reduzida, concreta e sem flexibilidade.
Outros sinais de comprometimento lingüístico que se manifestaram não
usados na linguagem oral, como também na linguagem compreensiva e expressiva
escrita, produzidos por sujeitos afásicos, passaram a ser considerados pelos
estudiosos. Dentre eles, estão a Anomia, encontrada em quase todos os pacientes
afásicos, a qual se caracteriza pela incapacidade de nomeação; a Estereotipia, quando
os segmentos lingüísticos são repetidos automaticamente todas as vezes que o
indivíduo tenta se comunicar; o Jargão, que se caracteriza pela produção verbal sem
47
identificação precisa; discurso sem mensagem e as Parafasias, quando a emissão de
uma palavra por outra ocorre sem que haja um prejuízo muscular orofacial.
Assim, o foco de nossa pesquisa volta-se para o desempenho dos pacientes
afásicos agramáticos de Broca (cf. 2.2), visto que a atuação destes nos fornece indícios
de déficits referentes à compreensão e produção, uma vez que a sintaxe se mostra
alterada. Então, como estamos investigando o papel da linguagem para a ToM, e os
estudos experimentais controlados mostraram que, quando a compreensão de pacientes
com este perfil depende de uma estrutura sintática de orações complexas, déficits de
compreensão podem ser observados (Caramazza e Zurif, 1976; Heilman e Scholes,
1976; Caplan, 1996; Kean, 1985 apud Avrutin, 2000). Um outro fator importante é a
questão da complementação sentencial, uma vez que, segundo De Viliers & de Villiers
(2005), os aspectos recursivos tipicamente linguísticos podem estar implicados no
processamento cognitivo da crença falsa, o que sugere que o domínio da
complementação sentencial é crucial para que o domínio da ToM se estabeleça. Sendo
assim, investigar pacientes afásicos agramáticos de Broca significa buscar evidências
para verificar tal pressuposto, uma vez que estes se encontram destituídos de tal
habilidade.
2.4- A síndrome afásica do agramatismo e o estudo sobre ToM
De acordo com o que foi definido anteriormente, a síndrome afásica do
agramatismo é a consequência de uma lesão causada na área de Broca, que traz
consigo características telegráficas constituídas pela diminuição ou eliminação de
traços linguísticos como: flexões, preposições e determinantes. Tais omissões eram
consideradas por estudiosos como um processo externo, ou seja, os pacientes afásicos
agramáticos de Broca não conseguiam externar esses traços linguísticos, mas,
segundo essa concepção, o conhecimento, tal como sua construção, estariam intactos
na mente (c.f.Goodglass 1972).
No entanto, em meados da década de 80, Grodzinsky (1984-1986) propõe que
indivíduos com lesão na área de Broca apresentam dificuldades com sentenças
48
geradas por movimento, ou seja, sentenças cujos constituintes não aparecem nas
posições em que são interpretados, mas sim em posições derivadas. Caramazza e
Zurif (1990) também demonstraram, através de estudos experimentais, que os
agramáticos eram incapazes de estabelecer relações sintáticas na ausência de pistas
semânticas. Sendo, então, o agramatismo um déficit ligado à compreensão e produção
da fala, seu estudo torna-se não somente de interesse clínico, como era prioridade
anteriormente, mas também de interesse linguístico, uma vez que as manifestações
recaem sobre a linguagem expressiva e receptiva e afetam diretamente a compreensão
e produção, logo o sistema linguístico.
Com o avanço dos estudos, a Afasiologia Linguística passa a investigar os
diversos déficits linguísticos que são encontrados nos dados, principalmente no que se
refere ao estudo do agramatismo. Um exemplo clássico é o que diz respeito à
dificuldade que afásicos de Broca apresentam na compreensão de sentenças passivas.
Segundo Grodzinsky, em testes que envolvem esse tipo de construção, eles
demonstram dificuldades quanto à definição de quem é o agente e o paciente dentro de
um evento.
Assim, o agramatismo se caracteriza como um dos tipos de sintoma presentes
no déficit da capacidade de linguagem falada e escrita que é a afasia. Trata-se, como já
foi abordado, de uma fala não-fluente, em que palavras funcionais, como preposições,
pronomes, conjunções e artigos são omitidas (cf. Grodzinsky, 1990) e produções são
compostas por poucos verbos (Bastiaanse et al., 2002), além de apresentar problemas
com relação à forma passiva (c.f. Villarinho, 2008) que esta construção envolve um
desenvolvimento linguístico mais apurado. Por isso, torna-se fonte de estudo para
nossa pesquisa, uma vez que nosso objetivo é encontrar, justamente dentro do campo
da Afasiologia Linguística, uma evidência que aponte para a relação entre linguagem e
ToM, através de experimentos realizados com pacientes afásicos não-fluentes.
Partimos do principio de que o paciente afásico agramático não constrói
sentenças encaixadas. Nossa pesquisa parte da consideração de que tal tipo de
estrutura está diretamente relacionada ao conhecimento sintático e que, conforme
enfatizado por De Villiers (2004), as estruturas encaixadas apresentam verbos de
comunicação ou de estado mental que podem ajudar a entender a crença falsa, sendo
49
por isso uma estrutura comprometedora no que diz respeito à ToM. Portanto,
buscamos evidências que expliquem o processamento da ToM em indivíduos com
afasia agramática através de experimentos aplicados em pacientes, como foi
mencionado, que apresentam problemas referentes à sintaxe.
Desta forma, buscamos compreender se a ToM está intacta nos pacientes
afásicos agramáticos, o que foi foco de interesse de Varley e Siegal (2000), como
veremos posteriormente. É importante ressaltar que, existem estudos referentes à ToM
cujo foco são pacientes afásicos com lesão no hemisfério direito, uma vez que o
raciocínio de ToM implica a condução de inferências, habilidade pragmática,
comumente associada ao hemisfério direito. Vários estudos demonstram que os
afásicos com lesão nessa área apresentam dificuldades de compreender/executar
atividades cognitivas complexas que possivelmente envolvem a linguagem e o
conhecimento pragmático do falante.
2.5- Estudos sobre a ToM em pacientes com lesão no hemisfério direito do
cérebro
Winner et al (1998) realizaram um trabalho sobre ToM com pacientes afásicos
portadores de lesão cerebral no hemisfério direito. O objetivo desse trabalho era
investigar até que ponto a lesão no hemisfério direito podia afetar o entendimento
destes pacientes com relação às crenças falsas e verdadeiras advindas de outras
pessoas. Estas crenças poderiam estar vinculadas a um evento real ou irreal no mundo
físico ou a uma questão que envolvesse crença falsa ou verdadeira de segunda ordem.
Tal estudo surgiu a partir de dados que constatam a dificuldade das crianças menores
em entender quando uma outra pessoa está fazendo uma ironia ou está mentindo
(Andrews, Rosenblatt, Malkus, Gardner, & Winner, 1986; Winner et al, 1987), bem
como, a partir de dados que apontam para a dificuldade enfrentada por crianças
autistas de compreender os estados mentais de outras pessoas e de entender
expressões com sentidos não-literais, ou seja, expressões que contenham ironia
(Baron-Cohen, 1989; Baron-Cohen, Leslie, & Frith, 1985 entre outros).
50
Foi realizado um teste piloto antes da execução do teste principal. Além disso,
todos os testes passaram por um grupo controle. O teste piloto era formado por três
contos populares que mantinham a crença falsa de primeira ordem e a crença falsa de
segunda ordem. Era contada ao paciente uma história e no final duas perguntas
deveriam ser respondidas. Um dos contos se referia a uma mãe que proibira o filho de
se alimentar na ausência dela. Enquanto a mãe observava o filho por uma fresta, a
criança tinha uma falsa crença de que a mãe havia saído. Então, era perguntado ao
investigado uma questão de crença falsa de primeira ordem: “Onde o menino pensa
que a mãe está?” e em seguida uma pergunta de crença falsa de segunda ordem: “Se
fosse perguntado ao filho se a mãe sabe que ele está comendo o que ele diria?”. Com
relação à crença falsa de primeira ordem os afásicos não tiveram problema, obtiveram
um desempenho igual ao do grupo controle, mas nas questões de crença falsa de
segunda ordem dois dos nove investigados apresentaram dificuldades nos três contos.
Mediante a baixa proporção de erros, os pesquisadores acrescentaram, ao estudo,
outros pacientes com o mesmo local de lesão.
Diante do insucesso dos pacientes com lesão no hemisfério direito, demonstrado
em estudos existentes, com relação ao entendimento da crença falsa de primeira
ordem quando os personagens não são humanos (por exemplo, quando eram histórias
contadas a partir de desenhos animados), os autores sentiram a necessidade de
realizar um estudo para investigar o entendimento desses pacientes com relação ao
uso de ironias quando relacionadas a mentiras. Eles investigaram também se existe
alguma ligação entre tal dificuldade com a capacidade de compreender crença falsa de
segunda ordem. Para tanto, os autores testaram a habilidade dos pacientes de atribuir
crença verdadeira de segunda ordem e crença falsa de segunda ordem. Um segundo
teste constituído com questões que continham crença verdadeira foi a base para a
atribuição irônica (o falante sabe que o ouvinte sabe), as questões que estavam
relacionadas às mentiras continham crença falsa de segunda ordem, ou seja, o falante
desconhecia a informação do ouvinte. Um outro fator que foi investigado se referiu à
habilidade dos investigados de atribuir se a mentira estava apropriada ou inapropriada
para o participante a quem era dirigida a mentira. Foi investigada também a habilidade
51
dos pacientes de determinar se as declarações específicas eram mentiras ou tinham
intenção irônica.
Os testes eram compostos por histórias que continham enredos como, por
exemplo: Oscar e o jogo de hóquei: Oscar não queria ir trabalhar, ele preferiu ir a um
jogo de hóquei com seus amigos. Então, ele avisou no trabalho que estava doente. Era
perguntado ao investigado: “Oscar está realmente doente? Sim ou não?”. No jogo,
Oscar tinha se divertido tanto que não observou que seu chefe estava sentado algumas
fileiras atrás dele, mas o chefe reconheceu Oscar. Então era feita uma pergunta da
crença de primeira ordem: “O chefe de Oscar sabia que Oscar não estava em casa
doente? Sim ou não?”. Oscar não viu seu chefe durante todo o jogo. Um amigo de
Oscar perguntou-lhe durante o jogo: “seu chefe sabe que você veio ao jogo?”. Após a
reflexão, era feita a pergunta da crença falsa de segunda ordem: “O que você acha que
Oscar respondeu ao amigo?”, então o paciente podia escolher entre duas opções: A)
“Meu chefe sabe que estou no jogo” e B) “Não, meu chefe não sabe que eu estou no
jogo.'' Daí, fazia-se mais uma pergunta, ainda de segunda ordem: “Oscar pensou que o
que disse era realmente verdade? Sim ou o?”. O chefe decidiu não deixar Oscar
saber que o tinha visto no jogo. Decidiu que falaria com o funcionário no próximo dia,
quando eles estivessem a sós. No dia seguinte, no trabalho, o chefe chamou Oscar em
seu escritório e perguntou: “Você descansou muito ontem?'' Oscar respondeu que sim,
e que ter um dia de descanso o havia curado. Direcionava-se mais uma pergunta de
expectativa de segunda ordem: Ao responder a pergunta de seu chefe, Oscar pensou
que o mesmo acreditaria? Sim ou não?”. Feito isso, era direcionada uma pergunta de
interpretação que envolvia novamente duas alternativas: Quando Oscar disse que o
descanso o havia curado, ele estava: A) mentindo para evitar ser pego ou B) ironizando
para encobrir o seu erro?
4
“For example, imagine a situation in which a hockey fan calls in sick at work so that he
can go to a hockey game. Unbeknownst to the fan, his employer is at the same game
and sees him. The next day at work, the boss asks the employee if he feels better. The
employee replies, ‘‘Yes, a day of bed rest cured me.’’ In this case, the employee has lied.
He believes (alas, wrongly) that his employer does not know that he was at the hockey
game, and also believes (wrongly) that his employer will believe what he says.
But now imagine the same situation, except that in this case the employee bumps into his
employer at the game. The next day at work, the employer asks the same question, to
4
Este parágrafo foi resumido, traduzido e adaptado pela autora da dissertação.
52
which the employee makes the same response. In this case, the employee has uttered a
self-mocking, ironic joke. He knows that his superior knows he was at the game, and so
he tries to make light of the situation in the hopes of not getting into too much trouble. He
knows that his employer will not believe what he says”. (Winner, E., Brownell, H., Happe´,
F., Blum, A., & Pincus, D. 2:1998)
As histórias totalizaram 16 narrativas breves para o teste acompanhadas de 3
narrativas para o teste piloto. Participaram da pesquisa 13 pacientes com lesão no
hemisfério direito, sendo 7 mulheres e 6 homens. O grupo controle era composto por 20
pessoas não portadoras de lesão cerebral, sendo 6 mulheres e 14 homens. Foi
balanceada a questão da idade e do grau de escolaridade.
Os pacientes, em geral, não apresentaram dificuldades para acompanhar o
desenvolvimento da história, mostrando um comportamento semelhante ao do grupo
controle. No entanto, os resultados para os experimentos revelaram diferença
significativa com relação aos encontrados no grupo controle. Eles demonstraram, antes
de mais nada, que a habilidade de atribuir os estados mentais de segunda ordem está
relacionada à habilidade de dizer/entender uma ironia e tal habilidade é distinta da
habilidade de dizer/entender uma mentira. Os resultados oscilam de acordo com a
proposição, o que faz os pesquisadores acreditar que alguns parecem ter a habilidade
de compreender como pensa uma outra pessoa, de forma bem “frágil” e que este
problema se devido à dificuldade que os pacientes encontram em entender se a
sentença contém ironia ou se está se referindo a uma mentira.
Os pacientes com lesão no hemisfério direito falharam aproximadamente em um
terço das perguntas de segunda ordem, tanto para as mentiras quanto para as
questões que continham ironia. O desempenho manteve-se em relação às perguntas
de expectativa de segunda ordem. No entanto, para as questões de ironia, os pacientes
falharam aproximadamente em um quinto das proposições, o que fez o desempenho
deles se aproximar do grupo controle.
Desta forma, os autores acreditam que os pacientes portadores de afasia no
hemisfério direito enfrentam dificuldades para compreensão e percepção do estado
mental de seus co-específicos devido a dificuldades vinculadas ao mundo social, mas
nada se relaciona com demandas linguísticas. Assim, podemos entender que os
resultados encontrados por eles reforçam a hipótese da pragmática vinculada ao
hemisfério direito, pois compreender sentenças que contenham ironia ou processar as
53
mais diversificadas piadas é uma habilidade cognitiva que necessita certo
conhecimento pragmático, ou seja, um pouco de convivência social.
Um outro estudo apresentado por Surian e Siegal (2001) aborda questões de
ToM em pacientes com lesão no hemisfério direito. No entanto, este estudo também
leva em consideração os pacientes com lesão no hemisfério esquerdo e faz um paralelo
entre os resultados encontrados a partir dos experimentos em pacientes com diferentes
lesões. Tal trabalho surgiu com o intuito de investigar se os pacientes com lesão no
hemisfério direito são capazes de inferir os estados mentais de outras pessoas, que,
conforme os autores, estes pacientes enfrentam dificuldades para compreender
sentenças que necessitam de um contexto.
Em um trabalho anterior Siegal, Carrington e Radel (1996) encontraram pistas
que evidenciam déficits de ToM nesses pacientes. Happé, Brownell, Winner (1999) e
Winner et al. (1998) também encontraram resultados semelhantes. Desta forma, os
autores trazem uma nova proposta de testagem para investigar uma possível melhora
em relação aos achados anteriores.
Participaram do experimento 32 adultos que sofreram um dano unilateral, sendo
16 pacientes com lesão no hemisfério direito e 16 no hemisfério esquerdo. Todos os
investigados são falantes do idioma italiano; portanto, os testes foram elaborados no
idioma nativo. Para lesão de ambos os hemisférios foi, contrabalanceada a questão do
sexo, idade e escolaridade. Os dois grupos não diferiram significativamente em
quaisquer destas três variáveis. Foi também utilizado um grupo controle, que era
composto por 32 adultos sem qualquer comprometimento cerebral, também divididos
em grupos de mulheres e homens, sendo novamente contrabalançada a questão das
três variáveis citadas anteriormente.
Todos os pacientes foram testados com relação à ToM e com relação às tarefas
de violações pragmáticas. O teste de ToM envolvia questões de crença falsa e
verdadeira e além de contar uma história, o experimentador também fazia uso de
recursos visuais para facilitar o entendimento. Com relação à tarefa de violação
pragmática, era apresentada ao paciente uma conversa entre três pessoas e uma das
três apresentava uma atitude que poderia ser interpretada como uma violação de uma
das máximas descritas por Grice (1975).
54
Os autores constataram que, com a ajuda visual, ambos os grupos tiveram bom
desempenho, não havendo diferença significativa entre o desempenho dos pacientes
com lesão no hemisfério direito em relação àquelescom lesão no esquerdo. A partir daí,
eles inferiram que a presença de sugestões visuais eliminou as dificuldades aparentes
dos pacientes com lesão no hemisfério direito, conforme resultados dos trabalhos
anteriormente citados. Então, eles realizaram uma retestagem e, neste segundo
momento, apenas foi utilizada a pista linguística.
Com a retirada das pistas visuais foi constatado, a partir de uma análise no
programa ANOVA, que os pacientes com lesão no hemisfério direito erraram
significativamente mais que o grupo controle e que os pacientes com lesão no
hemisfério esquerdo. E estes, apesar de não terem acertado significativamente mais
que os lesionados no hemisfério direito, ainda apresentaram melhor desempenho. Com
isso, é possível inferir que a ToM não se restringe a uma questão pragmática - já que os
pacientes portadores de uma lesão no hemisfério esquerdo possivelmente não foram
destituídos de tal capacidade - mas sim, de uma habilidade cognitiva complexa que
possivelmente envolve a linguagem e o conhecimento pragmático do falante. Uma
evidência para esta afirmação é o aparecimento de erros nos pacientes com lesão no
hemisfério esquerdo quando testados na versão sem imagens, que estes, em sua
maioria, apresentam comprometimento linguístico severo, ou seja, possuem uma
linguagem comprometida com relação à produção e compreensão.
Sendo assim, passamos a apresentar a pesquisa de Varley e Siegal (2000) que
aborda um estudo sobre a ToM em um paciente afásico agramático.
2.6- A proposta de Varley e Siegal: Evidence for cognition without grammar from
causal reasoning and ‘theory of mind’ in an agrammatic aphasic patient.
Nesta seção faremos um panorama da pesquisa apresentada por Varley e Siegal
(2000) sobre a existência de habilidades cognitivas em um paciente afásico agramático.
O foco de nossa dissertação se volta para os testes realizados pelos investigadores
sobre a ToM possivelmente intacta neste paciente. No entanto, faremos uma
exposição breve sobre todos os aspectos abordados pelos estudiosos. Em 2.6.1
55
apresentaremos os dados gerais da pesquisa; em seguida, em 2.6.2 mostraremos os
experimentos. E em 2.6.3 apontaremos para as considerações observadas por nós
durante o estudo.
2.6.1- Dados gerais apontados por Varley e Siegal (2000) para o desenvolvimento da
pesquisa
O estudo relata experimentos realizados com um homem (S.A.), de 53 anos,
sargento aposentado da polícia que sofreu uma infecção, causando um epirema
subdural localizado na fissura sylviana esquerda. A infecção danificou grande parte dos
vasos e artérias no hemisfério esquerdo, causando uma desordem de motricidade
severa (apraxia) e afasia. No entanto, como apontam os investigadores, seu
desempenho em testes de função executiva e de Wisconsin foi bem sucedido, obtendo
um bom desempenho nas tarefas de compreensão nominal (oral e escrita). em
relação à compreensão de verbos, o paciente teve dificuldades profundas. Além
desses, foram feitos também testes numéricos em que a apresentação oral de grupos
deveria ser associada a grupos numéricos. O baixo desempenho desse teste em
pessoas normais indica que a capacidade fonológica limitada não poderia dar conta das
dificuldades de S.A. com a gramática.
Conforme foi relatado pelos autores, S.A. não conseguia produzir uma sentença
completa, sua escrita se baseava em arranjos de: artigo-substantivo; adjetivo
substantivo ou quantificador-substantivo, quando não produzia sentenças pseudo
gramaticais. Em suas produções orais e escritas não apareciam verbos, e quando
ocorriam eram de origem duvidosa. No entanto, apesar de sua escrita estar
comprometida, ela ainda se destacava em relação a sua produção oral.
O desempenho de S.A. no teste de identificação de figura, retirado do conjunto
PALPA (Provas de Avaliação da Linguagem e da Afasia em Português) está
apresentado no tabela 1 a seguir. S.A. teve dificuldades profundas em compreender
verbos. Igualmente, em uma tarefa que requeria julgamento de quando as frases
escritas eram gramaticais, S.A. teve desempenho normal. As sentenças agramaticais,
56
neste conjunto, constituíam dois grupos: as que violavam os parâmetros do inglês,
embora em conformidade com os princípios universais da linguagem e as que violavam
os próprios princípios da linguagem. O resultado do teste de números foi calculado
através da apresentação oral de grupos numéricos, em que se perguntava se um
segundo grupo era igual ou diferente do primeiro, sendo constituído de três itens. Esse
teste, apesar de ter tido um resultado inferior ao esperado por sujeitos normais, indica
que a capacidade de memória fonológica limitada não poderia dar conta das
dificuldades de S.A. com a gramática.
Tabela 1- Resultados alcançados por S.A. no teste de identificação de figura. Fonte:
Varley e Siegal (2000).
2.6.2 - Os experimentos
Foram realizados três conjuntos de experimentos. No primeiro conjunto de
experimentos, S.A. recebeu vários testes, incluindo teste de conhecimento causal, o
teste de organização de figuras em escala de inteligência adulta e o teste da ToM, que
consistia nas medidas de crença falsa e mudança de recipiente. No segundo, S.A. foi
testado em relação à crença verdadeira e falsa e no terceiro experimento, novamente
uma bateria referente à crença falsa.
57
* Teste do raciocínio causal
O paciente recebeu em sua mão esquerda uma imagem que descrevia um
evento (por exemplo, um carro que colidiu com uma árvore). Ao seu lado direito, havia
três imagens (o alvo, por exemplo, uma bebida alcoólica, e duas associações
semânticas, por exemplo, um helicóptero e um machado). S.A. apontava para indicar a
causa do evento. As três alternativas propostas vinham acompanhadas da pista “por
que?” que estava impressa em um cartão. A tarefa foi explicada ao participante e logo
após a explicação não foram dadas mais instruções sobre os 15 itens examinados.
Figura 2- Teste de conhecimento causal
5
* Teste WAIS de combinação de figuras
Uma série de desenhos foi colocada em frente ao participante, que foi convidado
a reorganizá-las, de modo que estas figuras contassem uma história coerente (por
exemplo, uma simples sequência envolvendo três imagens que mostravam a
5
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
Teste do raciocínio causal
“por que?”
58
construção de uma casa). As respostas foram pontuadas e valoradas em relação à
precisão e rapidez.
Teste WAIS de combinação de figuras
Figura 3- Teste WAIS de combinação de figuras
6
* Teste de mudança de recipiente
Foi mostrado a S.A. um pacote familiar com um inesperado item colocado em
seu interior (por exemplo, um frasco de pílulas contendo botões). Foi perguntado a ele o
que uma terceira pessoa, que o tinha visto o conteúdo do frasco, acreditaria ter
(erroneamente) no recipiente. Em um estudo piloto, S.A. teve dificuldade abrangendo
perguntas sobre a crença falsa, devido às exigências linguísticas do formato padrão das
tarefas sobre ToM. Mediante este fato, os pesquisadores, tendo deixado passar um
intervalo de 12 meses, treinaram o paciente para realizar tarefas relacionadas à crença
falsa.
6
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
59
Eles entregaram a S.A. um saco contendo um número de bolas. Ele foi
convidado a sentir o saco e adivinhar o número de bolas que estavam dentro do saco.
Foi apresentado a ele, simultaneamente, um cartão contendo uma pista “PENSAR”.
Então, ele era convidado a abrir o saco e contar o número de bolas. Em seguida, era
dada a pista impressa com a pergunta: QUANTAS BOLAS EXISTEM REALMENTE?”,
enquanto era apresentado simultaneamente um cartão com a palavra “REALIDADE”
impressa nele.
A figura a seguir ilustra o teste de crença falsa baseado na adivinhação. O
investigado era convidado a “adivinhar”, após apalpar a bolsa, quantas bolas havia
dentro da mesma e em seguida era convidado a contar. Após a contagem, era possível
verificar que a realidade poderia ser, ou não, diferente da pressuposição anterior.
Figura 4- Teste de crença falsa
7
.
A ilustração abaixo é um exemplo utilizado pelos investigadores para demonstrar
ao paciente que ele pode ter uma crença falsa a respeito de um evento, através da
7
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
“Think”/ Pensamento
“Really”/Realidade
60
mudança de recipiente. Este é um experimento muito comum dentro do estudo da ToM.
O pesquisador utiliza um recipiente de conhecimento do investigado, mas ao invés de
colocar o conteúdo esperado, ele troca o mesmo. Após a checagem do conteúdo, ou
seja, após a pessoa que está respondendo ao teste verificar que o conteúdo não é o
esperado, o investigador pergunta o que uma outra pessoa que não sabe o que existe
dentro do recipiente acreditaria ter no interior do mesmo. No caso especifico da
pesquisa de Varley e Siegal (2000), a mudança de recipiente teve apenas a intenção de
treinar o paciente a constatar que o pensamento dele poderia ser diferente da
realidade, dentro de um determinado contexto.
Figura 5- Teste de mudança de recipiente
8
Depois de ter sido treinado a fazer um contraste entre pensamento e realidade, um
terceiro agente foi adicionado ao “pensamento”. Foi novamente dado a S.A. um saco de
bolas que, depois de sua exploração, foi transferido para uma terceira pessoa. Na
presença de uma pista “X PENSA”, S.A. foi convidado a indicar quantas bolas a terceira
pessoa pode imaginar que estavam no saco. S.A. rapidamente compreendeu o que era
necessário fazer em apenas três tentativas sobre o “pensamento de X”. Ele, então,
procedeu à tarefa de ToM, que consistia em 20 ensaios sobre a tarefa da mudança de
8
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
?
“Think”/ Pensamento
“Really”/Realidade
61
recipiente. Em cada ensaio, foi dada a S.A. uma questão de crença falsa (“o que X
pensa que está no____?), na presença simultânea de um cartão com a pista “X
PENSA”; (“o que realmente está no___?”), na presença de um cartão com a pista
“REALIDADE”. S.A. respondeu principalmente através de uma única palavra
complementada por um desenho ou um gesto.
Este primeiro experimento o continha condição de controle da crença
verdadeira, ou seja, quando a resposta para a questão sobre a crença (“o que X pensa
estar em Y”) é a mesma para a questão da realidade (“ o que realmente está em Y?”).
Segundo os autores, questões destoantes como as de respostas idênticas para
“pensamento” e “realidade” poderiam ter cancelado o treinamento cuidadoso que havia
sido estabelecido com o participante severamente prejudicado com relação à
linguagem.
* Resultados gerais do experimento 1
S.A. demonstrou habilidades em todos os testes do primeiro experimento. No
teste de raciocínio causal ele alcançou um resultado perfeito, pois suas respostas eram
rápidas e corretas. No teste de organização de figuras WAIS, ele produziu acerto de 16
em 20, o que o coloca com 84% em relação às pessoas normais de sua idade. No que
se refere à ToM, S.A. respondeu corretamente a ambos: crença falsa e questões de
realidade, acertando 19 das 24 tarefas experimentadas. Segundo os autores, os cinco
erros nesse teste foram relacionados às questões de crença falsa, nas quais as
proposições ligadas à realidade eram apresentadas primeiro. Nestes casos, S.A.
respondeu com “eu acho” primeiro, seguido pela resposta “verdadeira”. Mediante este
fato, foi necessária a elaboração de um novo experimento a fim de investigar a suposta
estratégia criada pelo investigado. Então, diante da possibilidade de S.A. ter atingido a
resposta correta por uma experiência que o envolvia o entendimento da ToM, no
segundo experimento foram realizados testes contendo 12 tarefas de crença falsa e 12
de crença verdadeira, para evitar que o paciente encontrasse novamente uma
estratégia.
62
* Experimento 2
O primeiro experimento foi descrito em minúcias pelos autores. No entanto, os
experimentos dois e três não são claros no que diz respeito à parte metodológica.
Portanto, o nosso desafio, que era o de somente descrever o trabalho elaborado por
Varley e Siegal (2000), passou também a ser uma tentativa de esclarecer o que foi
descrito, a fim de deixar as informações um pouco mais acessíveis aos leitores.
O segundo experimento, então, foi realizado 20 meses depois do primeiro e nele
S.A. completou tarefas de crença falsa e verdadeira. Alguns exemplos de respostas de
S.A. a este experimento podem ser verificados no desenho fornecido pelos autores.
Figura 6- Imagem I do teste de Varley e Siegal
Fonte: Varley e Siegal (2000).
O primeiro desenho representa uma resposta correta para o julgamento da tarefa de
crença falsa. Sobre tal julgamento, foi apresentado a S.A. um livro cujo centro era oco
e continha em sua cavidade um colar. O paciente, em resposta à pergunta “o que X
pensa que está no interior do livro?” escreveu “livro”, e em resposta à pergunta “o que
realmente tem no interior do livro?” desenhou um colar em torno do pescoço de uma
pessoa.
63
Figura 7- Imagem II do teste de Varley e Siegal
9
A segunda imagem a seguir apresenta uma resposta correta para uma questão de
crença verdadeira referente à boneca Russa, também conhecida como “Mamuska”, que
contém miniaturas que se encaixam umas nas outras e que são guardadas dentro da
boneca maior, S.A. deveria responder às questões: “o que X pensa que tem no interior
da boneca?” “o que realmente tem no interior da boneca?”. O ultimo desenho,
representado na figura 6, também se refere a uma questão de crença verdadeira, em
que foi apresentada ao investigado uma caixa de lenços, contendo lenços, e ele deveria
responder “o que X pensa que está no interior da caixa?” e “o que realmente tem no
interior da caixa?”. A redundância do questionamento - no que se refere às questões de
crença verdadeira ou às questões de realidade - é indicada por S.A. através das
marcas repetidas dos pontos de exclamação.
9
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
‘”What does X think is inside the
book?” / O que X pensa que tem
no interior do livro?
What is really inside the book?”
/ O que realmente tem no
interior do livro?
64
Figura 8- Imagem III do teste de Varley e Siegal
10
Segundo os autores, o investigado variou suas respostas contrabalanceando
crença falsa e realidade. Diante das respostas apresentadas por S.A., que indicam uma
suposta redundância diante das questoes, foi necessária a realização de um terceiro
experimento para que as dúvidas existentes com relação à busca de um planejamento
fossem eliminadas. O terceiro experimento foi realizado seis semanas após o término
do experimento supracitado.
* Resultados gerais do experimento 2
O segundo experimento misturou aleatoriamente tentativas de crença falsa e crença
verdadeira. De acordo com os autores, S.A. teve sua atenção redobrada para as
questões deste teste. No entanto, a metade das questões era composta por crenças
10
Essa imagem é um exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
What does X think is inside the
doll?”/ O que X pensa que tem no
interior da boneca?
What is really inside the doll?/ O
que realmente tem no interior da
boneca?
65
verdadeiras, o que fez os pesquisadores, posteriormente, acreditarem que metade das
possibilidades continha informações de caráter redundante. A partir da análise do
resultado, os autores visualizaram uma nova possibilidade: que S.A. poderia ter falhado
em responder a pergunta e no lugar disso teria encontrado novamente uma estratégia
em relação à ordem (o pacote é mostrado primeiro, e somente depois os conteúdos são
mostrados), ou poderia ter criado uma estratégia de coerência narrativa (dando a
resposta “eu acho” antes de os conteúdos verdadeiros do pacote serem abertos).
Nesse sentido, S.A. mostrou sua proficiência usando estratégias pragmáticas para
interpretar a linguagem. Isso também foi sugerido para o julgamento de suas respostas
relacionadas às crenças verdadeiras em que era requerido que ele fornecesse
respostas idênticas para as duas perguntas. Com relação a estas últimas, ele ilustrou
sua habilidade em reconhecer questões de natureza redundante simplesmente
adicionando três pontos de exclamação em sua primeira resposta (ver figura 6). Para
este experimento não foram apresentados nem o número de sentenças utilizadas e
nem os percentuais de acertos.
* Experimento 3
No primeiro experimento de ToM, que se refere ao tópico “Teste de mudança de
recipiente (experimento 1)”, a atenção de S.A estava plenamente envolvida na
distinção de “pensamento/ realidade”. Naquele momento, ele era capaz de variar as
suas respostas, contrabalanceando crença falsa com questões de realidade. Assim,
para replicar os resultados do primeiro experimento, os autores realizaram o terceiro,
que consistia em mais doze sentenças de crença falsa. Tais questões seguiam o
mesmo princípio do primeiro experimento de ToM, ou seja, o investigado era convidado
a responder o que ele achava sobre algum fato, logo em seguida era convidado a
averiguar se sua crença era verdadeira ou falsa e posteriormente deveria responder o
que uma outra pessoa, que não tinha conhecimento do evento poderia pensar em
relação ele.
Nenhum exemplo do terceiro experimento foi explorado no artigo em questão. A
única afirmação importante diz respeito à não repetição dos recipientes, bem como dos
66
conteúdos utilizados nos primeiros experimentos. A falta de informações nos leva a
crer que os testes seguiram o mesmo padrão de aplicação dos demais, bem como dos
testes convencionais de ToM, muito comumente citados na literatura. A título de
ilustração é pertinente citar o exemplo usado por de Villiers e College (2007) em um
trabalho apresentado no Brasil. Para investigar a questão da crença falsa, eles
substituíram os ovos da cartela por tomates. Assim, era perguntado ao investigado o
que havia na caixa, posteriormente um convite era feito para averiguação da crença e
em seguida era perguntado o que uma outra pessoa acreditaria ter na caixa.
Figura 9- Imagem Peter de Villiers e Smith College: “Theory of Mind Development: An
Overview” Peter de Villiers e Smith
College. Slides of Winter Institute, PUC Rio. Rio de Janeiro, August 2007.
11
* Resultados gerais do experimento 3
11
Essa imagem foi exemplo dado pela autora da dissertação para ilustrar a situação descrita no artigo.
67
Na tentativa de replicar os resultados do primeiro experimento, os autores
realizaram o terceiro, que, conforme foi dito, consistia em mais 12 tarefas de crença
falsa, o contendo questões de crença verdadeira. S.A. respondeu corretamente à
primeira questão abordada. Em relação à segunda e terceira, ele voltou para o padrão
mostrado no experimento 2, ou seja, ele respondeu “eu acho” como primeira resposta e
posteriormente disse a resposta “verdadeira”. Ele também inverteu o que teria sido
resposta correta nos dois próximos itens. No entanto, segundo os pesquisadores, ao
final da quinta proposição, S.A. sinalizou, através de uma expressão facial, que ele
havia percebido de outra forma o problema e que sua reposta a este julgamento havia
sido errada. Ele então produziu uma sequência de respostas corretas no restante do
teste. Quando verificadas em um programa estatístico, que não foi identificado pelos
autores, as respostas apontaram que o desempenho no experimento três aumentou
significativamente e estava acima da possibilidade de chance em relação aos demais
experimentos (p<0.025), corroborando os resultados do experimento 1.
Uma outra observação dos autores diz respeito ao desempenho gramatical de
S.A., que não sofreu alterações durante todo o estudo. Foi feita também uma
reavaliação sobre compreensão de sentenças dentro da bateria do teste PALPA (vide
item 2.6.1), e esta não revelou alteração entre a combinação de sentenças escritas e
figuras. No entanto, com a reanálise, S.A. apresentou um pequeno aumento no índice
de acertos, no que se refere à combinação da sentença falada quando associada à
figura.
2.7- Considerações sobre Varley e Siegal (2000)
Os autores da pesquisa, a partir do resultado dos experimentos em que o
paciente afásico agramático se mostrou apto diante das tarefas de ToM, puderam
concluir que a gramática é distinta e separada dos outros sistemas cognitivos, apesar
de ela ser fundamental para a maturidade da natureza modular do funcionamento
cerebral.
68
Desta forma, seria possível acreditar que a ToM permanece intacta nos
indivíduos afásicos agramáticos. No entanto, as investigações propostas parecem
apontar para lacunas, ou seja, alguns pontos da pesquisa podem ser questionados
quando nos dispomos a uma análise minuciosa em relação aos experimentos: a
primeira, e o mais sobressalente, diz respeito à forma de aplicação dos testes, que
foram ministrados em momentos diferentes, mas estiveram ligados por uma sequência
de fatos comuns, proporcionando um possível treino ao investigado, como os próprios
autores mencionam. A segunda lacuna se refere ao terceiro experimento, no qual os
autores se basearam para chegar à conclusão, que foi elaborada a partir do resultado
de “doze ou mais questões” de crença falsa, que não foram explanadas e nem sequer
citadas. O que eles esclarecem diz respeito á proximidade de tal experimento com o
primeiro, mas não foi explicitado nem mesmo um exemplo das tarefas, o que pode levar
os leitores a imaginar que o primeiro experimento serviu como “um treino” para induzir o
investigado a responder o terceiro, permitindo assim aos pesquisadores chegarem a um
resultado enviesado. A terceira lacuna pode ser visualizada pela facilidade de seguir
estratégias para obtenção da resposta correta por parte do investigado, pois as
propostas não eram seguidas por distratores, ou seja, em uma sequência de
investigação de ToM eram apresentadas as questões de ToM, sem que fossem
alternadas ou seguidas por questões pragmáticas para evitar busca por estratégias.
Neste contexto, nos propusemos investigar a ToM em dois pacientes afásicos
agramáticos de Broca para verificar se é possível confirmar os dados encontrados por
Varley e Siegal. Buscaremos também investigar até que ponto a complementação
sentencial (c.f. De Villiers & de Villiers (2005)) pode influenciar na ToM. Desta forma,
nosso objetivo é investigar se a ToM, uma vez sedimentada na mente do falante, pode
operar sem a gramática.
69
3 METODOLOGIA
Serão apresentados, neste capítulo, os critérios metodológicos utilizados para a
realização dos testes presentes nesta dissertação. Na seção 3.1, é apresentada a
caracterização dos sujeitos participantes dos testes. Em 3.2 será descrito o processo
inicial e as dificuldades que encontramos para a realização desta pesquisa. Em 3.3,
faremos uma descrição dos procedimentos e materiais utilizados nos testes que
nortearam a presente dissertação.
3.1 Sujeitos
A pesquisa contou com 32 sujeitos, sendo 2 pacientes afásicos e 30 que não
portavam nenhum tipo de lesão cerebral, que faziam parte do grupo controle. Todos
são falantes do Português do Brasil, com exceção de um dos pacientes afásicos, que
nasceu em Portugal e veio para o Brasil com 18 anos e aqui reside por mais de 39
anos. Responderam ao teste 1 (teste de ToM verbal) e teste 2 (teste de ToM não-
verbal) todos os participantes, sendo que o grupo controle respondeu aos testes uma
semana antes dos afásicos, que através do desempenho daquele poderíamos prever
o funcionamento ou não do teste com os afásicos.
O grupo controle era composto por 15 mulheres com idade entre 19 e 30 anos e
15 homens também com faixa etária dentro do mesmo intervalo. O nível de
escolaridade era de no máximo ensino médio completo para todos os participantes. O
perfil dos pacientes afásicos pode ser verificado na quadro 1. Adiante eles foram
escolhidos com base em características funcionais e fisiológicas. O julgamento para a
seleção das características funcionais se deu a partir da presença de ‘características
agramáticas’ na fala, isto é, afásicos que possuem fala não-fluente do tipo telegráfica,
que omitem ou usam de forma inadequada as categorias funcionais, como: artigos,
complementizadores, preposições e desinências verbais. o julgamento das
características fisiológicas foi feito pela fonoaudióloga Solange Lima, encarregada pelo
tratamento destes indivíduos no Laboratório de Fonaudiologia da Universidade Veiga
de Almeida (UVA). Segundo ela, ambos os sujeitos poderiam ser classificados como
70
agramáticos porque o local da lesão cerebral sofrida por estes sujeitos foi considerado,
uma vez que a área de Broca foi afetada.
A realização do trabalho foi possível graças a uma parceria firmada pelo
coordenador do Programa (PLCD) “Linguagem em Condições Diferenciadas ” da UERJ,
Prof. Dr. Ricardo Lima, com o Centro de Saúde da Universidade Veiga de Almeida,
representado pela terapeuta Solange Lima, diretora da clínica. Nesta clínica, os
pacientes recebem atendimento gratuito e, por isso, se comprometem em participar de
alguns experimentos. Todos os sujeitos assinaram um termo de consentimento
12
, no
qual se disponibilizavam a participar da pesquisa, bem como, autorizaram a divulgação
dos dados obtidos. Além de participarem dos testes, os indivíduos investigados tinham
parte de suas sessões de terapia gravada em fitas de vídeo para que pudessem
compor o banco de dados do PLCD e também para que a avaliação preliminar de sua
fala pudesse ser feita.
O quadro a seguir faz uma descrição dos pacientes investigados no que diz
respeito a características como: local da lesão (fator importante para o presente estudo,
que nosso objetivo é trabalhar com pacientes afásicos agramáticos e, conforme foi
abordado no capítulo I, estes são efetivamente distintos em relação aos afásicos com
lesões no hemisfério direito), idade, principais sintomas, tempo da lesão, entre outros
dados que compõem com precisão o perfil dos pacientes. A caracterização dos
mesmos além de satisfazer ao alvo da pesquisa também é importante para a
delimitação do grupo controle e para o direcionamento dos testes, pois, dentro de um
universo de possibilidades, temos que nos preocupar com fatores como grau de
escolaridade, sexo e lateralidade, pois são características que possivelmente
influenciam nos resultados. Sendo assim, a seleção do nosso grupo controle também
foi minuciosa quanto a estes elementos.
12
Um modelo do documento é apresentado no apêndice A.
71
Caracterização geral dos pacientes afásicos
Dados
CS
RP
Idade
22
57
Local da
lesão*
Área de encéfalomácia
acometendo os lobos insular,
frontal, temporal e parietal
esquerdos. Lacunas
isquêmicas na
coroa radiada, cabeça do
núcleo
caudado e na substância
branca
peri-ventricular adjacente ao
corno frontal do ventrículo
lateral, à esquerda, e no joelho
do corpo
Isquemia no
território de
artéria
cerebral média
(frontotemporo-
parietal
esquerda).
Sintomas
concomitantes
hemiparesia direita
hemiplegia
direita
Tempo de
lesão**
3 anos
6 anos
Etiologia
encefalite
isquemia
Características
funcionais
fala telegráfica
fala telegráfica
Sexo
masculino
masculino
Lateralidade
destro
destro
Profissão
estudante
marceneiro
escolaridade
ensino médio incompleto
médio
incompleto
* De acordo com o laudo médico anexado à tomografia.
** Em junho de 2009, período aproximado de início das avaliações.
Quadro 1- Informações dos pacientes investigados baseados em: Foster, 2008.
72
3.1.1- Elaboração e aplicação dos testes
Os testes foram elaborados e aplicados seguindo as etapas abaixo. A seguir
apresentamos uma tabela com o calendário seguido nesta pesquisa.
Tabela 2 - Calendário de aplicação dos Testes
3.2 Materiais e Procedimentos
Os testes utilizados nesta pesquisa serão descritos, nesta seção, da seguinte
forma: em 3.2.1, será descrita a primeira forma de testagem utilizada para averiguar
conhecimento pragmático, a qual chamaremos de pré-teste. Em 3.2.2 mostraremos
nossa primeira tentativa de testagem em relação à ToM, que não foi apresentada aos
pacientes afásicos, denominado de Teste 0. Em 3.2.3, será feito um relato da segunda
etapa do processo, que a primeira tentativa de testagem de ToM não foi efetivada.
Tal etapa consiste no experimento de ToM que utiliza pistas verbais, ao que
chamaremos de Teste 1. Em seguida, na seção 3.2.4 abordaremos o teste que não faz
uso de linguagem verbal para sua aplicação; este será chamado de Teste 2. Na seção
3.3, faremos uma breve reflexão sobre os dados encontrados.
3.2.1- Pré-teste
Impulsionados pela escassez de dados no que diz respeito ao estudo da ToM em
pacientes afásicos, conforme foi mencionado em nossa introdução, nos propusemos
a investigar como os pacientes afásicos interpretam comportamentos, intenções e
Teste
Grupo controle
CS
RP
Pré-teste
04/05/09 a
22/05/09
26/05/09
02/06/09
Teste 0
15/06/09 a
22/06/09
------
-------
Teste 1
13/07/09 a
30/07/09
04/08/09
11/08/09
Teste 2
01/09/09 a
21/09/09
28/09/09
06/10/09
73
sentimentos, considerando seus próprios estados mentais e os dos outros e
principalmente se a sintaxe contribui para a utilização da ToM. Nossa intenção é
entender se a linguagem desempenha algum papel para o desenvolvimento de
habilidades cognitivas, como no caso da ToM, e, uma vez adquirida, essa habilidade
torna-se cristalizada, permanecendo por isso acessível a qualquer momento, ou se a
perda de habilidades linguísticas implica prejuízos dessa capacidade.
De acordo com as referências citadas no primeiro capítulo, para se investigar
ToM, é necessário elaborar experimentos que envolvam o desencadeamento de fatos
que possam transmitir a informação de que um determinado participante do evento
pode ter uma crença falsa ou verdadeira sobre o ocorrido. Então, nosso primeiro
desafio era testar nossos pacientes para saber se estes eram capazes de perceber que
alguns eventos poderiam conter diferenças ou erros. Assim, nossa primeira testagem
se baseou no “jogo de sete erros”. Este primeiro teste foi dividido em duas listas
distintas, que foram escolhidas aleatoriamente e direcionadas para cada participante do
grupo controle. Cada investigado deveria responder apenas uma das listas que
consistia em diversas fotos contendo ou não uma diferença, a que atribuímos o nome
de “erro”, como no “jogo dos sete erros”, o qual se caracteriza por apresentar diferenças
entre duas imagens. As imagens que foram selecionadas referem-se a objetos
presentes no mundo real e principalmente de conhecimento dos investigados. Elas
foram apresentadas em forma de fotografia no tamanho 13x18 cm, em versão colorida.
Antes de iniciar o teste, o participante era convidado a manusear um dispositivo que
continha dois botões, um vermelho e o outro verde; assim, quando era acionado o
botão vermelho, uma luz vermelha acendia no painel e, para o botão verde, acendia-se
uma luz verde. Após a familiarização com o dispositivo, o investigado era convidado a
dizer se as fotografias eram iguais ou diferentes, dada a seguinte instrução: “Aqui eu
tenho duas fotos e eu quero saber se são iguais (se forem iguais, acione o botão verde;
se não forem iguais, o vermelho)”. Assim, podemos verificar as imagens a seguir:
74
Ordem de apresentação da Lista I
II
I
III IV
V VI
Figura 10- Pré-teste (lista I): imagens selecionadas pela autora da dissertação para
ilustrar o teste.
Ordem de apresentação da Lista II
II
I
III IV
V VI
Figura 11- Pré-teste (lista II): imagens selecionadas pela autora da dissertação
para ilustrar o teste.
75
Primeiramente, o teste foi aplicado ao grupo controle. Quando a primeira dupla
de fotografias apresentada era igual, os investigados demoravam mais tempo do que
quando eram diferentes. Apesar disso, o resultado apresentado pelo grupo controle foi
de acordo com o esperado, já que os participantes obtiveram 100% de acerto.
Mediante esta situação, o mesmo teste foi aplicado aos pacientes afásicos, tendo
o paciente RP respondido ao grupo de imagens da lista II e o CS da lista I. Esta escolha
também foi ao acaso. O Paciente CS obteve 83,3% de acerto, errando apenas a
imagem das uvas na fruteira, ou seja, ele acionou o botão vermelho, indicando que as
imagens eram diferentes, enquanto a resposta correta seria acender a luz verde. o
paciente RP obteve 66,7% de acerto, tendo confundido as imagens das pelúcias e das
taças, conforme pode ser visualizado nas tabelas a seguir:
lista I
Nome: CS (23 anos)/ Sexo: masculino/ Escolaridade: ensino médio incompleto
IMAGENS
Resposta
do
participante
Respostas
corretas
Resultado
Pelúcias
Livro
Taças
Canetas hidrocor
Uvas na fruteira
X
Presépio
Legenda
Imagens iguais
Imagens diferentes
Resposta correta do
participante
X
Resposta incorreta do
participante
Quadro 2: Repostas do paciente CS para o pré-teste.
76
lista II
Nome: RP (57 anos)/ Sexo: masculino/ Escolaridade: ensino médio incompleto
IMAGENS
Resposta
do
participante
Respostas
corretas
Resultados
Pelúcias
X
Livro
Taças
X
Canetas hidrocor
Uvas na fruteira
Presépio
Legenda
Imagens iguais
Imagens diferentes
Resposta correta do
participante
X
Resposta incorreta do
participante
Quadro 3: Respostas do paciente RP para o pré-teste.
3.2.2- Teste 0
Por termos cumprido esta primeira etapa com êxito, passamos para a segunda
parte do nosso trabalho e, novamente voltamos a testar nosso grupo controle. Os testes
agora envolviam questões pragmáticas e de crença falsa. Foi feita uma primeira versão
contendo doze filmes breves que representavam estas questões, mas, devido ao
excesso de informações, resolvemos elaborar novos, antes mesmo de apresentá-los ao
grupo controle. na segunda versão, preparamos 22 breves histórias (duração de 1 a
3 minutos) que novamente foram divididas em duas listas.
Tanto na listagem I quanto na II, cinco dos onze vídeos representavam questões
pragmáticas bastante triviais, para as quais não se esperava qualquer dificuldade. O
investigado tinha em mãos, novamente, o artefato contendo dois botões, um vermelho e
o outro verde para acender suas respectivas luzes. A instrução dada ao investigado se
77
referia ao procedimento de se acender a luz verde para as cenas que dotavam sentido
dentro do contexto e ao acendimento da luz vermelha para aquelas que o faziam
sentido dentro do contexto.
Um exemplo das histórias apresentadas mostrava uma menina fazendo a
impressão de seu trabalho; em certo momento, a folha da impressora acaba e, então,
ela aponta para um armário que contém um bloco de envelopes e outro de folhas
brancas. Um segundo personagem entrega as folhas brancas para a menina. Então, o
investigado deveria acionar o botão verde, pois se a menina estava fazendo impressões
de seu trabalho, ela continuaria utilizando as folhas brancas, e não os envelopes.
Uma outra questão pragmática foi mostrada através de imagens de uma mulher
fazendo a limpeza de um armário. Ela, em um certo momento, aponta para uma mesa
sobre a qual está um tubo grande de cola branca e um detergente multiuso; um
segundo personagem entrega a cola branca em vez do detergente. Então, diante desta
situação o participante deveria acionar a luz vermelha, que é estranho uma pessoa
que está fazendo limpeza necessitar de cola no lugar de detergente.
Os vídeos utilizados para testar ToM retratavam histórias que envolviam crenças
falsa e verdadeira. Foram criadas situações como as imagens de um menino que
utilizava uma caneta PILOT. Após o uso, ele a colocava dentro de um porta-canetas e
saía da sala. Momentos depois, uma menina entrava, utilizava a mesma caneta,
guardava dentro de um estojo de pis (posicionado em cima da mesa, assim como o
porta-canetas) e se retirava do recinto. Passavam-se alguns segundos e o menino
entrava novamente e procurava a caneta no porta-canetas. Ao ver esta cena, o
investigado deveria acionar o botão verde para indicar que o menino procurou a caneta
onde ele havia deixado e, portanto, o personagem estava correto, uma vez que o
presenciou a caneta sendo trocada de lugar. O contrário também foi investigado. Por
exemplo, a menina colocava o cd no drive do computador e saía da sala. Uma outra
menina entrava, utilizava o computador, retirava o cd de dentro do drive e colocava-o
dentro de uma pasta. A primeira, que não viu a troca de lugares, entrava na sala e
buscava seu cd dentro da pasta. Assim, o participante deveria acionar o botão vermelho
para indicar que havia algo estranho naquela cena, pois se a primeira não viu a
78
segunda fazer a troca, ela não poderia procurar em outro local que não fosse o primeiro
em que ela havia deixado o cd.
Dentre os 22 filmes, 10 eram questões pragmáticas (cinco faziam sentido dentro
do contexto e, portanto, os investigados deveriam acionar o botão verde, e cinco não
faziam sentido e, para elas, os investigados deveriam acionar a luz vermelha) e 12
questões de crença falsa (novamente a metade era representada por cenas coerentes
com a CF e a outra metade com cenas não coerentes). Ou seja, em 6 cenas o
protagonista do filme buscava o objeto onde o havia deixado e nas outras 6 o
protagonista buscava o objeto no novo local para o qual um outro personagem o havia
transferido sem que o primeiro visse). Todas seguiam o mesmo princípio e tinham
durações semelhantes ou até mesmo iguais, sendo as de crença falsa pouco maiores
do que as pragmáticas. Foram criadas duas listas com os mesmos enredos, mas com
desfechos contrários, ou seja, para as questões pragmáticas, na lista II, em vez de o
menino entregar as folhas brancas, ele entregava os envelopes, ou nas questões de
crença falsa, em vez de o menino procurar no porta-canetas, ele procurava no estojo de
lápis. Eles receberam oralmente a seguinte instrução: “Aqui eu tenho várias filmagens,
eu quero saber se a estória faz sentido ou não faz sentido (se faz sentido, aponte o
verde; se não faz sentido, aponte o vermelho)”. Era possível repetir cada deo duas
vezes após a primeira vez.
79
Legenda
Estória que faz sentido dentro do
contexto
Estória que não faz sentido dentro do
contexto
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
NR
Questões não respondidas
Quadro 4- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (listagem I).
lista I
Nome: CV (19 anos)/ Sexo: feminino/ Escolaridade: ensino médio
Questão
Estórias gravadas em vídeo
Resposta
do
participante
Natureza
das
questões
Respostas
corretas
Resultados
Apagador ou tesoura
pragmática
X
Envelope ou folha A4
pragmática
Livro: procurar na bolsa vermelha
ou mochila
ToM
Detergente ou cola
pragmática
Caneta: procurar na bolsa de lápis
ou no porta-canetas
ToM
X
Cd: procurar na pasta ou no
computador
ToM
Todinho: procurar na geladeira ou
no armário
ToM
X
Cafeteira: água ou álcool
pragmática
Bolsa: procurar atrás da porta ou no
armário
ToM
Celular: procurar dentro da pasta
ou na bolsa
ToM
Vídeo cassete: controle ou giz
pragmática
80
lista II
Nome: M S (22 anos)/ Sexo: masculino/ Escolaridade: ensino médio
Questão
Estórias gravadas em vídeo
Respostas
do
participante
Natureza
das
questões
Respostas
corretas
Resultados
Apagador ou tesoura
pragmática
X
Envelope ou folha A4
pragmática
Livro: procurar na bolsa
vermelha ou mochila
ToM
X
Detergente ou cola
pragmática
X
Caneta: procurar na bolsa de
lápis ou no porta-canetas
ToM
Cd: procurar na pasta ou no
computador
NR
NR
ToM
NR
Todinho: procurar na geladeira
ou no armário
ToM
X
Cafeteira: água ou álcool
NR
NR
pragmática
NR
Bolsa: procurar atrás da porta
ou no armário
ToM
X
Celular: procurar dentro da
pasta ou na bolsa
ToM
X
Vídeo cassete: controle ou giz
pragmática
X
Legenda
Estória que faz sentido dentro do
contexto
Estória que não faz sentido dentro do
contexto
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
NR
Questões não respondidas
Quadro 5- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (listagem II).
Os testes foram aplicados no grupo controle duas semanas após a realização do
experimento das fotografias. O desempenho dos investigados foi muito abaixo do
esperado. Desmotivados pelo baixo desempenho dos primeiros 10 participantes (cinco
81
mulheres e cinco homens), resolvemos interromper as aplicações e repensar a
metodologia. Como os 10 participantes já estavam eliminados de nossa pesquisa,
resolvemos procurá-los para que pudessem dizer o que acharam dos testes. A
reclamação recorrente era em relação à busca pela ausência ou presença de
coerência. Segundo eles, muitas coisas não faziam sentido, mas como sabiam que
estavam sendo investigados, inferiam que algumas das questões necessitavam fazer
sentido, mesmo quando eles não entendiam o sentido que era atribuído àquela
sequência de fatos. Alguns comentários como “a menina guardou o celular sem desligá-
lo” ou “ninguém guarda ‘Todinho’ no armário” nos fizeram acreditar que a complexidade
do teste não estava em sua má elaboração, mas na riqueza de detalhes que os vídeos
ofereciam em contraste com a instrução linguística fornecida. Naturalmente é desejo de
todos os humanos normais, que participam de uma pesquisa, acertar a todas as
questões, mesmo sabendo que nada mudará em sua vida. Portanto, o grupo controle
buscava, no excesso de informações oferecidas pelos filmes, minúcias para justificar a
falta de sentido. Com isso, nem percebiam que um personagem trocava um objeto de
lugar sem que o outro visse e este outro, quando ia procurar, dirigia-se exatamente
para o local em que o primeiro havia guardado. Os investigados estavam procurando
minúcias e, por isso, não conseguiam atende o real objetivo da investigação.
3.2.3- O teste de ToM verbal (Teste 1)
Após estes resultados prévios, resolvemos não aplicar os testes nem no restante
do grupo controle e nem nos pacientes afásicos. Assim, evitamos qualquer contato dos
mesmos com questões de crença falsa e, com isso, uma possível manipulação dos
resultados. Então, uma nova forma de testagem foi elaborada para suprir as
dificuldades que os participantes do grupo controle encontraram. Desse modo, nosso
desafio era elaborar questões que envolvessem crença falsa que fossem dotadas de
pistas linguísticas, já que se tratava de testes verbais. Após muita reflexão, resolvemos
utilizar um programa da Microsoft chamado Movie Maker. Este programa auxilia na
transformação de imagens e sons em vídeos.
82
Criamos 12 vídeos formados por uma sequência de imagens acompanhadas de
narração. Os enredos baseavam-se em contextos de conhecimento de mundo dos
participantes. Portanto, não foi utilizada nenhuma palavra ou objeto desconhecido do
investigado. Houve uma preocupação quanto à nitidez e volume do som, para que nada
impedisse o entendimento da narrativa.
Como exemplo das histórias mostradas neste teste, podemos citar o de uma
senhora, que entrava em seu quarto, colocava uma blusa na gaveta do armário e saía
para um outro cômodo da casa. Uma outra mulher entrava no quarto da senhora,
retirava a blusa da gaveta e colocava no cabide dentro do mesmo armário. Logo em
seguida, retirava-se em direção a um outro cômodo. Ao voltar para o quarto, a senhora
ia procurar a blusa. Então, a última imagem da sequência mostrava os diferentes locais
em que a personagem poderia buscar seu casaco: o primeiro era uma penteadeira, o
segundo era uma imagem do local em que a senhora havia deixado sua roupa, ou seja,
a gaveta e o terceiro era uma imagem da porta do armário, local em que a mulher havia
guardado a roupa. Além da narração, direcionava-se, então, ao participante, uma
pergunta sobre o local de busca do objeto, que permanecia na tela na forma escrita.
As trocas de recipiente sempre eram feitas por um segundo personagem, na
ausência do primeiro. Este, quando voltava para buscar seu objeto, não encontrava o
segundo participante. Por isso, era possível perceber que a troca era feita sem
nenhuma comunicação entre eles. A posição da fotografia correta no último slide de
cada filme foi minuciosamente calculada para evitar a busca por estratégias. Os vídeos
totalizavam 12, conforme citado anteriormente; por isso, alteramos as condições em:
imagem correta, imagem do mesmo campo semântico e imagem que não apareceu no
vídeo, dispostas em 3 posições. Para a primeira posição, utilizamos 4 imagens corretas,
4 imagens que não apareceram no vídeo e 4 imagens que apareceram no vídeo. O
mesmo para a posição mediana e terceira posição, conforme pode ser verificado no
quadro a seguir:
83
Quadro 6: Exemplo de como foi feita a permutação das respostas
para o teste de ToM verbal
Os eventos, apesar de seguirem os mesmos scripts, apresentavam diversidades
em relação aos personagens e aos enredos. Foram feitos vídeos com crianças, adultos
e adolescentes, procurando-se diversificar ao máximo para evitar a busca por
estratégias. Os cenários também foram explorados de diversas formas. Além de lugares
fechados, como quartos e salas, também utilizamos automóveis e lugares abertos,
como rua e quintal. A qualidade das imagens também foi levada em consideração. Para
os diversos enredos, foi utilizada a mesma voz para a narração. Houve também um
cuidado especial para que não ocorresse diferença de timbre e ruídos externos. As
imagens eram narradas seguindo uma sequência e, no final desta seqüência, era feita
uma pergunta para o investigado, o qual deveria apontar para a imagem correta que
aparecia no visor. Juntamente com esta imagem, aparecia uma outra do mesmo campo
semântico, e uma terceira destoante. Os vídeos foram distribuídos da seguinte maneira:
três apresentavam uma questão formada por sentença simples e Qu- movido, três
traziam questão formada com sentença complexa e Qu- movido; três apresentavam
uma questão formada por sentença simples e Qu- in situ e três uma questão formada
com sentença complexa e Qu- in situ. O motivo da utilização de tais interrogativas está
relacionado ao fato de de Villiers (2004, 2005, 2007 e subsequentes) apontar para uma
relação existente entre o entendimento/produção de sentenças encaixadas com o
Resposta
Correta
Imagem
correta
Resposta
Incorreta
Imagem não
apareceu no
vídeo
Resposta
Incorreta
Imagem
apareceu no
vídeo
84
processamento cerebral de verbos mentais como o pensar, por exemplo. A
pesquisadora acredita que as estruturas encaixadas fornecem o suporte para o
raciocínio de CFs. Estas são também usadas em grande parte dos testes de CF,
responsáveis por averiguar ToM em falantes sem comprometimento linguístico.
Adicionalmente, a maior ou menor complexidade sintática das perguntas podem
constituir fator que se mostrasse relevante para o desempenho dos afásicos, assim
como se mostrou para as crianças (Azevedo-Silva, M. Augusto, 2009). O quadro abaixo
exemplifica os tipos de interrogativas utilizadas neste trabalho.
NATUREZA DAS
INTERROGATIVAS
EXEMPLOS RETIRADOS DOS VÍDEOS
Qu- simples movido
“Onde ela vai procurar o frango?”
Qu- simples in situ
“Ele vai procurar a chave onde?”
Qu- encaixado movido
“Onde ela pensa que a garrafa está?”
Qu- encaixado in situ
“Ela pensa que o chocolate está onde?”
Quadro 7: Exemplos de interrogativas utilizadas nos testes
A seguir apresentamos a sequência de uma das histórias. Cada imagem é a
representação de uma tela; cada tela permanecia no visor por aproximadamente 3
segundos. A narração também era apresentada de forma vagarosa para melhor
entendimento.
85
Figura 12 - Vídeos de ToM verbal.
Depois de aproximadamente um mês de elaboração, o teste foi aplicado ao
grupo controle, formado por 10 homens e 10 mulheres. A orientação era que cada
vídeo poderia ser mostrado duas vezes além da primeira, mas os vinte pesquisados
não pediram para assistir pela segunda vez, com exceção de uma investigada TA (19
anos, ensino médio completo) que pediu para repetir apenas um vídeo, pois alegou ter
se distraído com o toque de seu celular. O aproveitamento do grupo controle foi de
100%, conforme apontado na tabela abaixo.
86
Lista ToM verbal
Nome: PM (26 anos)/ Sexo: feminino/ Escolaridade: ensino médio
Estórias
apresentadas no
Movie Maker
Respostas dos
participantes
Natureza das
questões
Respostas
corretas
Resultados
A senhora e a blusa
Na gaveta
Qu- encaixado
movido
Na gaveta
Frango congelado
No microondas
Qu- simples
movido
No
microondas
A menina e o urso
No guarda-
roupas
Qu- simples
movido
No guarda-
roupas
A mulher e o pente
Na bolsa
(necessarie)
Qu- simples in
situ
Na bolsa
(necessarie)
A mulher e o
macaco do carro
No porta-malas
Qu- encaixado
in situ
No porta-
malas
O pedreiro e o
martelo
No armário
Qu- simples
movido
No armário
A moeda e o
porquinho
No porta-moedas
Qu- encaixado
movido
No porta-
moedas
A criança e a
garrafinha
Na lancheira
Qu- encaixado
movido
Na lancheira
O menina e seu
perfume
Na bolsa
(tiracolo)
Qu- encaixado
in situ
Na bolsa
A criança e o
chocolate
No armário
Qu- encaixado
in situ
No armário
A mulher e as frutas
Na fruteira
Qu- simples in
situ
Na fruteira
O rapaz e chave do
carro
Na ignição
Qu- simples in
situ
Na ignição
Legenda
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
Quadro 8- Exemplo de respostas oferecidas pelo grupo controle (ToM verbal).
Diante destes resultados, direcionamos nosso teste ao principal alvo de nossa
pesquisa, os pacientes afásicos agramáticos. O desempenho destes foi muito inferior
ao do grupo controle. O paciente CS, apesar do seu baixo desempenho, ainda
apresentou um resultado melhor que o de RP. O afásico CS acertou 41,6%, ou seja,
87
das doze questões, ele acertou cinco e aparentemente não demonstrou estar seguindo
nenhum tipo de estratégia. o afásico RP acertou 33,3%, ou seja, quatro em doze
proposições, mas demonstrou através de seu comportamento que estava respondendo
ao acaso e que não havia compreendido a essência das proposições. Ele não
compreendeu sequer que deveria apontar para uma imagem ao final do vídeo. Ambos
pediram para repetir todos os vídeos. Com relação à natureza das questões, o paciente
RP acertou uma de cada tipo, ou seja, uma pergunta de Qu- simples movido, uma Qu-
simples in situ, uma Qu- encaixado movido e, por fim, uma Qu- encaixado in situ.CS
acertou uma questão do tipo Qu- simples movido, uma Qu- encaixada in situ e duas Qu-
encaixado movido.
Lista ToM verbal
Estórias
apresentadas no
Movie Maker
Respostas do
participante
RP
Natureza das
questões
Respostas
corretas
Resultados
A senhora e a blusa
No armário
Qu- encaixado
movido
Na gaveta
X
Frango congelado
No fogão
Qu- simples
movido
No microondas
X
A menina e o urso
Embaixo da
cama
Qu- simples
movido
No guarda-
roupas
X
A mulher e o pente
Na bolsa
(necessarie)
Qu- simples in
situ
Na bolsa
(nécessaire)
A mulher e o
macaco do carro
No porta-
malas
Qu- encaixado
in situ
No porta-malas
O pedreiro e o
martelo
No armário
Qu- simples
movido
No armário
A moeda e o
porquinho
Na bolsa
tiracolo
Qu- encaixado
movido
No porta-
moedas
X
A criança e a
garrafinha
Na lancheira
Qu- encaixado
movido
Na lancheira
O menina e seu
perfume
Na gaveta
Qu- encaixado
in situ
Na bolsa
X
A criança e o
chocolate
Na cesta
Qu- encaixado
in situ
No armário
X
A mulher e as frutas
No armário
Qu- simples in
situ
Na fruteira
X
O rapaz e chave do
carro
No porta-luvas
Qu- simples in
situ
Na ignição
X
88
Legenda
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
Quadro 9- Respostas do paciente RP para os testes de ToM verbal.
Lista ToM verbal
Estórias
apresentadas no
Movie Maker
Respostas do
participante CS
Natureza das
questões
Respostas
corretas
Resultados
A senhora e a blusa
Na gaveta
Qu- encaixado
movido
Na gaveta
Frango congelado
No fogão
Qu- simples
movido
No
microondas
X
A menina e o urso
Embaixo da
cama
Qu- simples
movido
No guarda-
roupas
X
A mulher e o pente
Na gaveta
Qu- simples in
situ
Na bolsa
(necessarie)
X
A mulher e o
macaco do carro
No porta-malas
Qu- encaixada
in situ
No porta-
malas
O pedreiro e o
martelo
No armário
Qu- simples
movido
No armário
A moeda e o
porquinho
No porquinho
Qu- encaixado
movido
No porta-
moedas
X
A criança e a
garrafinha
Na lancheira
Qu- encaixado
movido
Na lancheira
O menina e seu
perfume
Na gaveta
Qu- encaixado
in situ
Na bolsa
X
A criança e o
chocolate
No armário
Qu- encaixado
in situ
No armário
A mulher e as frutas
Na geladeira
Qu- simples in
situ
Na fruteira
X
O rapaz e chave do
carro
No porta-luvas
Qu- simples in
situ
Na ignição
X
Legenda
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
Quadro 10- Respostas do paciente CS para os testes de ToM verbal.
89
Os resultados obtidos não atenderam às expectativas que assumíamos antes da
aplicação do teste. Tínhamos em mente algumas previsões, principalmente por
estarmos convivendo diretamente com os pacientes e por saber das limitações
particulares de cada caso. Além disso, tínhamos também uma questão que foi colocada
em xeque: o grau de dificuldade das perguntas. Naturalmente as questões que
envolvem Qu- simples movido e Qu- simples in situ parecem exigir um processamento
mental um pouco mais simples do que o exigido pelas questões que envolvem Qu -
encaixado movido e Qu- encaixado in situ (discutiremos com mais detalhes na próxima
seção). No entanto, o comprometimento dos pacientes foi bastante aleatório nesse
sentido, não permitindo elucidar até que ponto o processamento linguístico influenciou
quer o não entendimento das questões propostas, quer o raciocínio necessário para o
entendimento da ToM.
Impulsionados pelo baixo desempenho no teste de ToM verbal, partimos para a
etapa seguinte, isto é, a elaboração dos testes de ToM não-verbal, prosseguindo na
tentativa de averiguar se a linguagem pode interferir na habilidade cognitiva de
perceber uma crença falsa por parte de uma outra pessoa.
3.2.4- O teste de ToM não verbal (Teste 2)
Como os resultados do teste de ToM verbal apresentados pelo grupo controle
foram excelentes, o que significa uma elaboração e aplicação objetiva, nos
empenhamos na elaboração dos testes não-verbais. Estes precisavam seguir um
padrão que realmente o dependesse de nenhuma pista verbal para serem
efetivamente entendidos. Então, demos continuidade ao formato seguido no teste
verbal, prosseguindo com o mesmo programa, Movie Maker, utilizando imagens na
construção de sentido. O diferencial é que, neste momento, não poderíamos inserir
uma voz que narrasse os fatos, como no teste anterior; portanto, deveríamos deixar
bem claras as situações, os objetos e as intenções dos participantes. Foi necessário
aumentar o número de imagens para isso.
90
Neste teste, criamos apenas 6 vídeos, que não lidávamos mais com a variável
complexidade de pergunta-teste, isto é, a manipulação de sentenças simples ou
complexas e de Qu- movido ou in situ. Acreditamos que apenas os 6 vídeos já seriam c
suficientes para a obtenção de um resultado que revelasse a realidade vivida pelos
pacientes afásicos em relação à ToM. Adicionamos também a esta sequência de
experimentação dois vídeos destoantes (pré-teste) para evitar que os participantes
seguissem qualquer estratégia. Antes de iniciar a testagem, foi dada a seguinte
instrução para o investigado: Vou lhe mostrar uma sequência de imagens que formam
um filme; ao final da sequência você deve apontar para a figura que melhor se encaixa
dentro do contexto, ou seja, você deve apontar para a figura que melhor finaliza o
filme”.
Novamente os enredos baseavam-se em contextos de conhecimento do mundo
dos participantes. O teste foi precedido de 2 pré-testes de natureza pragmática. Um
deles foi formado por imagens de uma sala de aula que mostra a professora
escrevendo no quadro e posteriormente apontando para uma mesa que tem um
apagador de quadro e uma tesoura. Então a professora aponta para o aluno entregar
um dos objetos que estão em cima da mesa; ela não deixa claro qual deles, apenas
aponta para a mesa. Em seguida aparecem duas imagens na mesma tela. A primeira
mostra o aluno entregando à professora o apagador de quadro, e a segunda
entregando a tesoura, o participante deveria apontar para a figura que melhor se
encaixasse dentro do contexto.
91
Figura 13- Vídeos de ToM não-verbal I
Figura 13- Vídeos de ToM não-verbal I
Com relação aos vídeos de ToM não-verbal, as imagens representavam fatos
como, por exemplo, um trabalhador que busca no quartinho de ferramentas uma
vassoura de grama, utiliza-a na grama, em seguida a guarda no local em que a
encontrou e vai descansar em outro ambiente. Uma menina retira a vassoura do
quartinho de ferramentas, utiliza-a e guarda-a dentro da casinha da piscina (local em
que ficam apenas os utensílios da piscina), sem que o homem veja. Em seguida,
aparece uma imagem do homem com um balão de pensamento portando uma imagem
encaixada da vassoura. Esta cena é seguida de um ponto de interrogação. Logo em
seguida, aparece uma tela contendo duas imagens ao mesmo tempo. Em uma, o
homem procurando a vassoura na casinha da piscina e, na outra, ele procurando a
vassoura no quartinho de ferramentas. Novamente o investigado deveria apontar para a
imagem que melhor se encaixasse dentro do contexto.
92
Mais uma vez tivemos o cuidado de, nos seis vídeos, apresentar diversidades
em relação aos personagens e aos enredos, nos preocupando não só com os testes de
ToM não-verbal, mas também com os doze vídeos apresentados anteriormente.
Exploramos diferentes ambientes e personagens para evitar a busca por estratégias.
Além de toda a preocupação com as diversidades, nos atentamos aos detalhes de cada
imagem e do conjunto para nos certificar de que os vídeos não traziam ambiguidades e
incoerências como no teste 0.
Figura 14- Vídeos de ToM não-verbal II
Após aproximadamente um mês de elaboração, o teste foi aplicado ao grupo
controle. Os mesmos participantes do teste de ToM verbal responderam a esse.
Novamente, seguimos a orientação de que cada vídeo poderia ser mostrado duas
vezes além da primeira, mas nenhum participante solicitou a repetição. O
aproveitamento do grupo controle foi mais uma vez de 100%, o que nos tranquilizou
93
com relação à clareza das imagens, uma vez que estas não eram acompanhadas de
narração.
Com o ótimo resultado apresentado pelo grupo controle, voltamo-nos aos
pacientes afásicos agramáticos. O desempenho destes foi igual ao do grupo controle.
O paciente CS acertou a todos os testes tendo respondido prontamente sem solicitar
repetição, além disso, demonstrou através de expressões faciais que o teste era óbvio.
O paciente RP também teve o aproveitamento de 100% considerando as questões de
ToM, mas errou uma das duas questões distratoras. Ele também pediu que se repetisse
pelo menos uma vez cada vídeo, sendo que três do total de seis foram passados três
vezes. Um foi repetido apenas uma vez e dois duas vezes.
Lista ToM não-verbal
Questão
Respostas dos
participantes
Natureza das
questões
Respostas
corretas
Estórias apresentadas
no Movie Maker
RP
CS
---
---
O homem lendo seu
jornal
Óculos
Óculos
pragmática
Óculos
A professora
escrevendo no quadro
Tesoura
Apagador
pragmática
Apagador
O trabalhador e a
vassoura de grama
No quarto de
ferramentas
No quarto
de
ferramentas
ToM
não-verbal
No quarto
de
ferramentas
O rapaz e o cobertor
No armário
No armário
ToM
não-verbal
No armário
O homem e o livro
Na pasta
preta
Na pasta
preta
ToM
não-verbal
Na pasta
preta
O rapaz e o chinelo
Embaixo da
cama
Embaixo da
cama
ToM
não-verbal
Embaixo da
cama
A mulher e a caneta
No estojo
No estojo
ToM
não-verbal
No estojo
O homem e o bolo
No fogão
No fogão
ToM
não-verbal
No fogão
Quadro 11- Respostas dos pacientes RP e CS para os testes de ToM não-verbal.
94
3.3- Análise dos dados
Considerando-se os objetivos desta pesquisa, aplicamos, no primeiro momento,
um pré-teste para averiguar se os pacientes afásicos conseguiam perceber diferenças
sutis “jogo do erro” dentro de um determinado contexto. Levamos em consideração
aspectos como desejo pelo acerto, ansiedade e, principalmente as condições em que
os pacientes se encontravam no momento da testagem.
Com relação aoTeste 1, os pacientes não alcançaram tanto êxito como
conseguiram no pré-teste. Os resultados não apontaram muitas possibilidades de
leitura, não conseguimos perceber nenhuma estratégia aparente o que pode ser
confirmado pelo baixo índice de acertos. Também nos desapontaram tais resultados,
pois esperávamos compreender um pouco sobre o processo linguístico mental exigido
por questões mais complexas da língua, mas também não pudemos concluir nada a
este respeito. O que ficou nítido, mais uma vez, é que estes pacientes estão
praticamente destituídos da capacidade de compreender/produzir sentenças complexas
de nossa língua.
E por fim, para responder a um de nossos questionamentos, foi possível verificar,
a partir dos resultados obtidos no Teste 2, que a habilidade cognitiva de perceber que
um outro indivíduo pode ter uma crença falsa a respeito de um evento é uma habilidade
intacta nos pacientes afásicos agramáticos. Portanto, se a linguagem ou o
processamento linguístico mental é de fundamental importância para o entendimento da
crença falsa, tal questão ainda não pode ser verificada, mas se esta é uma xima, é
possível pensar que a linguagem pode ser importante para se alcançar essa habilidade.
No entanto, uma vez alcançada, parece ser uma capacidade que se torna cristalizada
na mente do falante e, por isso, ele pode acessá-la mesmo quando destituído de sua
ferramenta principal: a linguagem. Sendo assim, na próxima seção discutiremos com
mais detalhes os resultados encontrados nesta pesquisa e as possíveis formas de
leituras para tais achados.
95
3.4 - Discussão dos resultados
Esta seção aborda os testes apresentados anteriormente e discute as
repercussões dos resultados para as hipóteses que nortearam este trabalho. Em 3.4.1
será apresentada a discussão acerca dos resultados do Teste 1, que investigou a ToM
nos pacientes afásicos através de uma testagem verbal; em 3.4.2, serão apontadas as
considerações acerca do Teste 2, que buscou investigar novamente a ToM nos
pacientes afásicos, mas, ao contrário do Teste 1, este seguiu uma abordagem não-
verbal para compreensão.
3.4.1- Teste 1: Teste de ToM verbal
O teste verbal foi aplicado, em um primeiro momento, ao grupo controle que não
apresentou problemas para a realização do mesmo; por isso, julgamos o teste apto
para aplicação ao público alvo. Os dois pacientes apresentaram desempenho inferior
ao esperado. Nossa expectativa se baseava na proposta de de Villiers (2004, 2005,
2007 e subsequentes), que, em seus trabalhos, apresenta uma hipótese segundo a
qual se estabelece uma relação direta entre desenvolvimento linguístico e
desenvolvimento de crenças falsas. A autora acredita que o desenvolvimento da ToM
se baseia nas estruturas representacionais que a língua fornece, na medida em que
estas seriam fundamentais para o pensamento, ou seja, a representação mental para o
processo cognitivo apóia-se necessariamente em representações geradas
linguisticamente. Assim, para a concretização do entendimento da crença falsa, é
necessário que o falante atinja o “auge” de sua competência linguística, momento em
que é capaz de compreender até mesmo sentenças mais complexas. Em se tratando
de complexidade, dentre as possibilidades de sentenças interrogativas oferecidas aos
pacientes, estavam três que apresentavam Qu- simples movido “onde ele/a vai procurar
o X?”, três com Qu- simples in situ: “ele/a vai procurar o X onde?”; três com Qu-
encaixado movido: “onde ele/a pensa que o X está?” e três com Qu- encaixado in situ:
“ele/a pensa que o X está onde?”. Assim, nesse universo de 12 questões, tínhamos 6
que não envolviam verbos de comunicação mental; portanto, seriam menos complexas
(se pensássemos em crianças em fase de aquisição), conforme menciona de Villiers,
96
(ibidem). Adicionalmente, segundo Villarinho (2008), os afásicos o capazes de
compreender interrogativas simples in situ, mas apresentam dificuldades com as
interrogativas com Qu-movido e com as encaixadas com Qu- movido e in situ, pois
estas exigem um processo mental mais complexo, possivelmente incompatível com a
perda sofrida por estes pacientes.
De acordo com de Villiers (ibidem), quando é criada uma situação e nela é
perguntado para o falante que está respondendo ao teste “Onde o menino vai buscar
o chocolate? o investigado pode fazer inferências de forma inconsciente e deduzir
condições como: se o menino deixou o chocolate no armário, ele vai buscar no armário,
ou ele buscará no armário, porque ele levou o chocolate para lá. Segundo a autora, o
investigado em questão deve construir uma representação mental a partir dos dados
que foram fornecidos. Tal representação tem uma propriedade fundamental, que é a
recursividade. Ou seja, a representação mental deve ser semelhante à representação
de uma sentença recursiva. Desta forma, tem-se “uma frase embutida na outra”, em
que a sentença encaixada é falsa, enquanto o restante da sentença pode ser falso ou
verdadeiro. Para a autora, esse tipo de estrutura está exclusivamente associado a
verbos de comunicação ou de estado mental e esse fato constitui uma importante
chave para o aprendizado.
Desta forma, acreditávamos que os pacientes afásicos agramáticos acertariam
as questões que envolvessem interrogativas de natureza simples e possivelmente as
questões de Qu-simples in situ, uma vez que as interrogativas simples in situo
menos complexas e as Qu-simples movido, apesar de seu grau de complexidade ser
mais elevado do que das questões simples in situ, ainda são menos complexas que as
questões que envolvem verbos de comunicação mental com sentenças encaixadas.
Vale lembrar que a probabilidade de acerto total das mesmas (qu- simples movido e qu-
simples in situ), ao acaso, implicaria uma chance em 729, ou seja, aproximadamente
0,00137%. Assim, seguindo o pensamento de que os pacientes acertariam (o que não
aconteceu) as questões simples com Qu- simples movido ou simples in situ, a
probabilidade com chance mínima de ocorrer ao acaso, como vimos, poderíamos
pensar em uma possível influência do processamento mental linguístico para o
desenvolvimento da ToM, que os pacientes, destituídos da capacidade de
97
compreender sentenças recursivas, não acertariam as questões que fossem
constituídas por tal complexidade. No entanto, este fato não ocorreu, o comportamento
dos pacientes se mostrou bastante aleatório. No quadro abaixo, apresentam-se as
questões utilizadas no teste e nossa previsão para os acertos.
Lista ToM verbal
Resultados
dos
afásicos
Estórias
apresentadas no
Movie Maker
Interrogativa
Natureza das
questões
Previsão
RP
CS
A senhora e a blusa
Onde ela pensa que
a blusa está?
Qu- encaixado
movido
< chance de
acerto
X
Frango congelado
Onde ela vai procurar
o frango?
Qu- simples
movido
> chance
de acerto
X
X
A menina e o urso
Onde ela vai procurar
o urso?
Qu- simples
movido
> chance
de acerto
X
X
A mulher e o pente
Ela vai procurar o
pente onde?
Qu- simples in
situ
> chance
de acerto
X
A mulher e o
macaco do carro
Ela pensa que o
macaco está onde?
Qu- encaixada
in situ
>chance de
acerto
O pedreiro e o
martelo
Onde ele vai buscar
o martelo?
Qu- simples
movido
> chance
de acerto
A moeda e o
porquinho
Onde ela pensa que
as moedas estão?
Qu- encaixada
movido
< chance de
acerto
X
X
A criança e a
garrafinha
Onde ela pensa que
a garrafa está?
Qu- encaixada
movido
< chance de
acerto
O menina e seu
perfume
Ela pensa que o
perfume está onde?
Qu- encaixada
in situ
< chance de
acerto
X
X
A criança e o
chocolate
Ela pensa que o
chocolate está onde?
Qu- encaixada
in situ
< chance de
acerto
X
A mulher e as frutas
Ela vai procurar as
frutas onde?
Qu- simples in
situ
> chance
de acerto
X
X
O rapaz e chave do
carro
Ele vai procurar a
chave onde?
Qu- simples in
situ
> chance
de acerto
X
X
Legenda
<
Menor
>
Maior
Resposta correta do participante
X
Resposta incorreta do participante
Quadro 12- Lista das questões interrogativas e nossas previsões para as respostas.
98
Respostas corretas dos pacientes (em porcentagem %)
Questões
RP
CS
> chance de acerto
33,3
16,6
< chance de acerto
33,3
66,6
Tabela 3: Respostas corretas fornecidas por RP e CS
Natureza das
questões
Respostas corretas dos pacientes
(em porcentagem)
RP
CS
Qu- simples
33,3%
33,3%
Qu- simples in situ
33,3%
0%
Qu- encaixada
33,3%
66,6%
Qu- encaixada in situ
33,3%
66,6%
Tabela 4: Natureza das questões e as respostas corretas
fornecidas por RP e CS em porcentagem.
O desempenho dos pacientes não nos possibilitou uma leitura coerente a
respeito dos processos mentais percorridos, ou seja, não conseguimos saber se os
afásicos realmente não entenderam as questões apresentadas no teste e, por isso,
responderam ao acaso ou se as respostas que os afásicos acertaram estão
representando a realidade vivida por eles. É importante acrescentar que para o acerto
total de todas as questões do Teste 1 por eventualidade, os pacientes teriam 1 chance
em 531.441, isto é, o equivalente a 0,000188% por aproximação.
99
99
Gráfico simplificado dos resultados do Teste 1
00
1
00
11
00
1
00
1
0
1
00
1
000
1
0
1
0
1
A senhora
e a blusa
A m oeda e
o
porquinho
A criança
e a
garrafinha
Frango
congelado
A m enina
e o urso
O pedreiro
e o
martelo
A m ulher e
o pente
A m ulher e
as frutas
O rapaz e
chave do
carro
A m ulher e
o m acaco
do carro
O m enina
e seu
perfum e
A criança
e o
chocolate
Qu- encaixado movido Qu- simples movido Qu- simple in situ Qu- encaixado in situ
Questões aplicadas
Resultado
Acerto)(0
=
Erro e 1
=
RP CS
Gráfico simplificado dos resultados do Teste 1
00
1
00
11
00
1
00
1
0
1
00
1
000
1
0
1
0
1
A senhora
e a blusa
A m oeda e
o
porquinho
A criança
e a
garrafinha
Frango
congelado
A m enina
e o urso
O pedreiro
e o
martelo
A m ulher e
o pente
A m ulher e
as frutas
O rapaz e
chave do
carro
A m ulher e
o m acaco
do carro
O m enina
e seu
perfum e
A criança
e o
chocolate
Gráfico 5- Resultado dos pacientes afásicos para testagem de ToM verbal Gráfico 5- Resultado dos pacientes afásicos para testagem de ToM verbal
Um fator que nos leva a acreditar que as respostas condizem com o
entendimento do Teste por parte dos investigados se refere às alternativas
destoantes. Para cada questão era contada uma história e, ao final desta,
apareciam três imagens. Assim, o investigado deveria apontar para aquela que
melhor se encaixasse no filme, de acordo com o contexto. Dentre estas três
imagens, uma era correta (local em que o personagem principal deixou o
objeto); das duas incorretas, uma era o local em que o objeto foi deixado pelo
personagem secundário (lugar onde o objeto permaneceu até o término do
filme) - erro tipo 1 - e a outra era uma imagem do mesmo campo semântico,
mas que não havia aparecido no filme – erro tipo 2, conforme a tabela a seguir.
Um fator que nos leva a acreditar que as respostas condizem com o
entendimento do Teste por parte dos investigados se refere às alternativas
destoantes. Para cada questão era contada uma história e, ao final desta,
apareciam três imagens. Assim, o investigado deveria apontar para aquela que
melhor se encaixasse no filme, de acordo com o contexto. Dentre estas três
imagens, uma era correta (local em que o personagem principal deixou o
objeto); das duas incorretas, uma era o local em que o objeto foi deixado pelo
personagem secundário (lugar onde o objeto permaneceu até o término do
filme) - erro tipo 1 - e a outra era uma imagem do mesmo campo semântico,
mas que não havia aparecido no filme – erro tipo 2, conforme a tabela a seguir.
Qu- encaixado movido Qu- simples movido Qu- simple in situ Qu- encaixado in situ
Questões aplicadas
Resultado
Acerto)
RP CS
=
Erro e 1
=
(0
100
Lista ToM verbal
Respostas dos
participantes afásicos
Demais alternativas
Estórias
apresentadas
no Movie
Maker
RP
CS
Respostas
corretas
Imagem
que
apareceu
no vídeo
Imagem
que não
apareceu
no vídeo
A senhora e a
blusa
No armário
Na gaveta
Na gaveta
No armário
Na
penteadeira
Frango
congelado
No fogão
No fogão
No
microondas
No fogão
No armário
da cozinha
A menina e o
urso
Embaixo da
cama
Embaixo
da cama
No guarda-
roupas
Em baixo
da cama
Na gaveta
A mulher e o
pente
Na bolsa
(necessarie)
Na gaveta
Na bolsa
(necessarie)
Na gaveta
No porta-
shampoo
A mulher e o
macaco do
carro
No porta-
malas
No porta-
malas
No porta-
malas
Embaixo do
banco
Na roda do
carro
O pedreiro e o
martelo
No armário
No
armário
No armário
Caixa de
ferramentas
Na gaveta
A moeda e o
porquinho
Na bolsa
tiracolo *
No
porquinho
No porta-
moedas
No
porquinho
Na bolsa
tiracolo
A criança e a
garrafinha
Na
lancheira
Na
lancheira
Na lancheira
Na mochila
Na
geladeira
O menina e
seu perfume
Na gaveta
Na gaveta
Na bolsa
Na gaveta
No armário
A criança e o
chocolate
Na cesta
No
armário
No armário
Na cesta
Na
geladeira
A mulher e as
frutas
No armário*
Na
geladeira
Na fruteira
Na
geladeira
No armário
O rapaz e
chave do carro
No porta-
luvas
No porta-
luvas
Na ignição
No porta-
luvas
No porta-
malas
______
* Respostas apontadas pelo paciente RP que correspondem a imagens que não foram
mostradas no vídeo, portanto, são respostas ilógicas.
Quadro 13- Lista das questões interrogativas e resposta.
Cumpre ressaltar que as imagens que não apareceram no vídeo, uma vez
apontadas pelos afásicos, poderiam nos levar a uma reflexão que vai além de questões
101
linguísticas, pois se o investigado aponta para a referida imagem, ele nos leva a pensar
que sua atenção não está voltada para o teste ou que, no momento daquela questão
sua atenção tinha sido desviada. Assim, verificamos que, no universo de 12 questões, o
paciente RP apontou para duas imagens que não apareceram no vídeo, ou seja, 8,33%
do total de possibilidades de erro. Dentre as 8 questões que o afásico errou, 2 apontam
para esse tipo de resposta. Isso nos leva a pensar que existe 75% de chance de RP ter
sua atenção voltada para o deo que ele errou e 25% de ele ter se distraído. Em
contrapartida, o paciente CS não apontou para as respostas representadas por
imagens que não apareceram no vídeo, conforme pode ser verificado na tabela 6
abaixo.
Natureza das
questões
Respostas incorretas de Tipo 1 (em
porcentagem %)
RP
CS
Qu- simples
66,6
66,6
Qu- simples in situ
33,3
100
Qu- encaixada
33,3
0
Qu- encaixada in situ
66,6
33,3
Tabela 5: Respostas incorretas: imagens que apareceram no vídeo.
Natureza das
questões
Respostas incorretas de natureza
ilógica (em porcentagem %)
RP
CS
Qu- simples
0
0
Qu- simples in situ
33,3
0
Qu- encaixada
33,3
0
Qu- encaixada in situ
0
0
Tabela 6: Respostas incorretas: imagens que não apareceram no vídeo.
102
O aspecto mais interessante destes resultados, como pode ser verificado no
gráfico 5 e no quadro 13, é que das 6 questões que considerávamos mais prováveis de
serem acertadas apenas duas o foram, o que equivale a 33,3% de nossa previsão,
considerando as respostas dos dois investigados. Para as demais questões, é possível
verificar acertos equivales a 66,6%, considerando que pelo menos um dos dois
pacientes acertou as questões restantes.
3.4.2- Teste 2: Teste de ToM não-verbal
Para elaboração do Teste 2, utilizamos novamente o programa Movie Maker e
seguimos os mesmos princípios trabalhados no Teste 1. No entanto, para esta segunda
etapa foi necessária a elaboração de imagens que o necessitassem do áudio. Os
mesmos padrões de narrativa foram seguidos, variando apenas o enredo e a
quantidade de imagens por deo, uma vez que este, destituído de áudio, deveria ser
mais rico em detalhes.
Conforme mencionado no capítulo anterior, não foi preciso trabalhar com as
variantes (Qu- simples, Qu- encaixada, Qu- simples in situ e Qu- encaixada in situ), por
isso, elaboramos apenas seis questões de ToM e duas questões pragmáticas, que
tinham apenas função distratora. Tanto as questões pragmáticas quanto as de ToM
tinham duas possibilidades de resposta e, para serem respondidas, o investigado
deveria seguir a mesma instrução, que era apontar para a imagem que melhor
completasse o vídeo de acordo com a lógica dentro do contexto.
O grupo controle não apresentou problemas e, portanto, aplicamos o teste nos
pacientes afásicos. Estes tiveram o desempenho igual ao do grupo controle.
103
Gráfico simplificado dos resultados do Teste 2
1
0
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
1
O homem
lendo seu
jornal
A
professora
escrevendo
O
trabalhador
e a
O rapaz e o
cobertor
O homem e
o livro
O rapaz e o
chinelo
A mulher e
a caneta
O homem e
o bolo
Questões
Pragmáticas
Questões de ToM
Questões aplicadas
Resultado
(0 = Erro e 1 = Acerto)
RP CS
Gráfico 6- Resultado dos pacientes afásicos para testagem de ToM não-verbal
O paciente CS obteve 100% de acerto tanto com relação às duas questões
pragmáticas, quanto nas 6 questões de ToM. O paciente RP errou apenas uma
pragmática, mas este erro pode ter sofrido influências, pois na ordem de apresentação
foi o primeiro vídeo apresentado e logo após apontar para a resposta errada o
investigado demonstrou ter detectado seu erro, através de um nítido movimento de
negação feito com a cabeça. As demais respostas foram indicadas corretamente e,
portanto, com relação aos testes de ToM, ele também obteve 100% de acerto.
Diante do excelente desempenho dos pacientes afásicos nos testes de ToM não -
verbal e em comparação com os resultados apresentados nos testes de ToM verbal ,
partimos para uma reflexão que buscou salientar o propósito inicial desta pesquisa:
responder aos questionamentos que impulsionaram este trabalho. O primeiro refere-se
ao modo como os pacientes afásicos interpretam comportamentos, intenções e
sentimentos considerando seus próprios estados mentais e os dos outros. O segundo
direciona-se à sintaxe e sua contribuição para a construção do processo mental para o
entendimento da ToM. Tentamos então, entender se essa habilidade cognitiva uma vez
adquirida torna-se cristalizada e, portanto, permanece acessível a qualquer momento,
ou se a perda de habilidades linguísticas implica em prejuízo nessa capacidade.
104
Nossa pesquisa, durante o tempo de sua preparação, voltou-se para este foco e
após a análise dos resultados conseguimos responder parcialmente aos
questionamentos. Com relação ao primeiro, foi possível certificar, tendo como base os
achados do Teste 2 (teste de ToM não-verbal), que a habilidade de interpretar
comportamentos, intenções e sentimentos, considerando seus próprios estados
mentais e os dos outros, é uma capacidade pertencente à gama de habilidades
cognitivas intactas na mente dos afásicos de Broca. Ao responderem às proposições do
teste não-verbal demonstraram muita convicção. Era possível verificar a feição de
certeza a cada resposta; no final da testagem, os pacientes evidenciaram lassidão
mediante as circunstâncias tão cotidianas, mas ainda assim acertaram. Com isso, é
possível afirmar que a ToM está intacta na mente dos pacientes afásicos.
Com relação ao segundo questionamento podemos pensar, diante das
circunstâncias que nos fazem acreditar que a ToM está intacta na mente dos afásicos
agramáticos, que é possível existir uma influência direta da linguagem - sintaxe,
conforme afirma de Villiers (2004, 2005, 2007 e subseqüentes) - para aquisição de tal
habilidade, mas esta é uma questão que foge ao escopo deste trabalho. Constatamos
através de dados empíricos, no entanto, que se existe uma influência direta da
linguagem para a percepção, entendimento e aquisição de habilidades cognitivas
complexas, como a ToM, esta influência fomenta para o indivíduo condições para a
aquisição inicial, mas tal habilidade, uma vez adquirida, pode permanecer intacta na
mente de falantes que sofreram perda significativa da capacidade linguística, como os
pacientes afásicos de Broca.
105
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A capacidade de compreender os estados mentais como sentimentos, desejos,
crenças e intenções dos outros e de si mesmo é uma das características sociais
pertencentes à gama de habilidades presentes na vivência do ser humano. Esta
capacidade pode ser considerada como uma das habilidades que fazem parte do
desenvolvimento cognitivo e que, em geral, é adquirida na fase inicial da vida, a
infância.
Os primeiros estudiosos a se dedicarem à tal tarefa foram Premack & Woodruff
(1978) que iniciaram a investigação tendo como foco o comportamento dos primatas.
Após tais achados, o estudo da ToM voltou-se para o ser humano e a partir daí passou-
se a investigar como o ser humano prediz ações advindas de seu co-específico. Desde
o início desses estudos, se discutia qual era o conhecimento que desencadeava a
habilidade de predizer ações e comportamentos advindos de outros indivíduos, dentro
de uma interação social. Algumas questões emergiram nesse contexto e podem ser
consideradas como ponto central das pesquisas nessa área. Tais questões foram
levantadas primeiramente por Astington e Gopnik (1991) e ainda são discutidas pelos
psicólogos desenvolvimentistas e alguns representantes de áreas afins, como a
linguística, por exemplo. Os questionamentos centrais da pesquisa em ToM são: (i)
Qual o tipo de conhecimento que sustenta a habilidade de compreender os estados
mentais? (ii) Qual sua origem e desenvolvimento? (iii) Em que momento ela se
manifesta? As perguntas que norteiam a pesquisa em ToM já foram e ainda são
discutidas por diversos estudiosos; no entanto, estas não são o foco central de nosso
trabalho.
Partimos do princípio de que a linguagem pode ser vista como instrumento da
cognição (c.f. Spelke, 2003) e assim, pode ser considerada como uma fonte de
ferramentas para o exercício do pensamento. Desta forma, como afirma Corrêa (2006),
é através da linguagem que o falante pode adquirir suporte para o planejamento de
ações e também é a língua a responsável por contribuir para o desempenho de tarefas
106
cognitivas complexas. Assim, sendo a ToM, como já foi dito, uma habilidade cognitiva
complexa, poderia a língua ser uma fonte de pistas imprescindível para o desempenho
dessa capacidade? A partir dos estudos de de Villiers (2004, 2005, 2007 e
subsequentes), que propõe que a habilidade linguística é crucial para o
desenvolvimento da ToM, buscamos, em nossa pesquisa, compreender se a habilidade
de predizer ações e comportamentos de outros seres humanos é uma capacidade
intacta na mente dos pacientes afásicos agramáticos, buscando verificar, ainda, em que
medida a complexidade linguística envolvida nas questões dos testes de ToM poderia
comprometer seu desempenho nas tarefas de crença falsa.
De acordo com de Villiers (2004, 2005, 2007 e subsequentes), existe uma
relação direta entre linguagem e ToM. Para a autora, a linguagem é a responsável por
fornecer pistas para a manifestação de tal habilidade, já que é através dela que
ocorrem os processos mentais responsáveis para o entendimento de tal conhecimento.
De acordo com de Villiers (ibidem), o desenvolvimento da ToM está diretamente ligado
à aquisição de verbos de estado mental, como pensar, por exemplo, e por isso, as
crianças desenvolvem tal habilidade mais tardiamente, que estes verbos demandam
um pouco mais de tempo para serem adquiridos, se comparados a verbos como comer,
correr, por exemplo. Ainda segundo ela, é o fato de verbos mentais subcategorizarem
uma sentença encaixada que possibilita que o raciocínio de crenças falsas da ToM seja
efetivado.
O foco da nossa pesquisa foi testar a ToM nos pacientes afásicos agramáticos.
Tais pacientes sofreram uma lesão no cérebro que acarretou um novo nível de
funcionamento linguístico, o que pode ser considerado como ndrome afásica. A
afasia, então, pode ser entendida como a perda abrupta do desempenho linguístico em
qualquer uma de suas modalidades em consequência de uma lesão cerebral, o que
acarreta prejuízos na comunicação humana. Os investigados foram selecionados pelos
critérios clássicos dentro do estudo da afasiologia, conforme pode ser verificado no
capítulo referente à Metodologia. A afasia de Broca inclui-se no grupo das afasias não-
fluentes, que normalmente estão localizadas na parte frontal do cérebro e, em geral,
apresentam manifestações como: problemas de expressão, fala telegráfica,
agramatismo, apraxia buco-lábio-lingual. Escolhemos os afásicos de Broca RP e CS,
107
por terem perdido parcialmente a capacidade de compreender/produzir sentenças
gramaticais.
Baseamo-nos em uma referência, que serviu como norte para nossa pesquisa, o
trabalho de Varley e Siegal (2000), que pode ser considerado como um dos pioneiros
em investigar a ToM em pacientes afásicos agramáticos. Nele, os autores trabalham,
dentre outros testes, o teste de ToM em um paciente afásico agramático. No entanto, tal
pesquisa apresenta algumas lacunas quanto à metodologia. A partir disso, tentamos
evitar os problemas encontrados na condução de tal estudo. Ponderamos os erros e
acertos para evitar que caíssemos nas mesmas lacunas. Também foram ponderados
todos os achados das referências citadas no capítulo I, de ToM, pois os estudos
presentes nesta área voltam-se para a investigação em crianças em fase da aquisição,
sendo este um foco diferente do nosso. Assim, tivemos como base estas referências e
seus achados para a confecção e adaptação dos testes ao nosso público-alvo.
Desta forma, a presente dissertação teve como objetivo verificar em que medida
uma influência direta e necessária da linguagem para a condução de tarefas de
ToM. Retomamos nossas indagações apresentadas na Introdução deste estudo:
1- Como os pacientes afásicos interpretam comportamentos, intenções e
sentimentos considerando seus próprios estados mentais e os dos outros?
2- Se a sintaxe contribui para a formação da ToM, uma vez adquirida, essa
habilidade torna-se cristalizada e portanto permanece acessível a qualquer
momento, ou a perda de habilidades linguísticas implica um prejuízo nessa
capacidade?
Buscamos verificar se a habilidade de compreender ações, sentimentos, pensamentos
advindos de outros seres humanos estava ou não intacta na mente dos pacientes
afásicos agramáticos, uma vez que estes perderam parcialmente a capacidade de
compreender/produzir sentenças gramaticais, mas mantiveram intacta a capacidade
cognitiva.
Buscamos entender, desta forma, como a linguagem pode interferir na condução
de tarefas de ToM, ou seja, até que ponto tem influência direta nessa habilidade
cognitiva complexa. A fim de alcançar estas respostas, aplicamos dois testes de crença
falsa em ToM: o primeiro utilizou-se de suporte verbal, uma narração de eventos e
108
expectativas dos personagens envolvidos na trama. E o segundo teste seguiu o padrão
não-verbal.
O teste verbal foi constituído por doze narrativas formadas por uma sequência de
imagens acompanhadas de narração. As narrativas traziam enredos criados a partir do
conhecimento de mundo dos investigados. Eram histórias que mostravam o
protagonista utilizando um objeto (de conhecimento do participante do teste) e em
seguida guardando-o em um lugar (também conhecido). Após estes fatos, o
protagonista retirava-se do local e entrava um personagem secundário que retirava o
objeto do local inicial (sem que o protagonista visse) e guardava-o em um novo local. A
pergunta-teste era narrada e também o investigado poderia lê-la no visor. Após a
pergunta, apareciam três imagens: uma representava a resposta correta, outra era o
segundo local para onde tinha sido transferido o objeto e a terceira, uma imagem que
não havia aparecido no vídeo. Todos os eventos seguiram o mesmo ritmo de narração,
houve uma preocupação quanto à nitidez e volume do som, para que nada impedisse o
entendimento da narrativa. Foi utilizado apenas um narrador para todas as questões.
A pergunta-teste foi manipulada em função do grau de dificuldade e
complexidade por meio do cruzamento de dois fatores: sentenças simples ou
complexas e QU-in situ ou movido. Os resultados demonstraram um padrão de
desempenho baixo. Surpreendeu também o fato de o teste verbal não refletir, em
alguma medida, o grau de complexidade das questões apresentadas. Na verdade, o
desempenho demonstrado pelos pacientes foi aleatório e, de forma geral, bastante
comprometido.
O teste que seguiu o padrão não-verbal foi constituído por uma sequência de
imagens. Os vídeos eram ricos em detalhes e mostravam uma trama semelhante à do
teste verbal. O personagem principal colocava um objeto em um lugar e o personagem
secundário retirava o objeto deixado pelo personagem principal e colocava-o em um
novo local. No final da história, aparecia uma imagem do personagem principal com um
balão de pensamento contendo a imagem do objeto. Em seguida, o investigado deveria
apontar, dentre duas opções, a imagem que finalizava coerentemente a história. As
duas imagem finais haviam aparecido durante a trama, por isso os participantes da
pesquisa poderiam errar com facilidade, caso não entendessem o teste.
109
Os resultados dos pacientes afásicos para o teste não-verbal foi de 100% de
acertos, o que nos faz refletir sobre a influência da linguagem para o raciocínio de
crenças falsas, pois se o suporte da língua seu uso efetivo - fosse imprescindível para
a condução desse raciocínio, esperar-se-ia que o desempenho no teste não-verbal
também fosse insatisfatório, dado o comprometimento linguístico apresentado pelos
sujeitos testados. A despeito disso, os resultados demonstram que o raciocínio de
crenças falsas em ToM é alcançado por esses sujeitos. Sendo assim, deve-se
considerar que os resultados do teste verbal atestam tão somente a dificuldade
linguística característica dessa população. Desse modo, concluímos que uma vez
desenvolvida a habilidade em ToM, esta permanece intacta na mente destes pacientes,
mesmo que destituídos parcialmente da capacidade linguística.
111
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118
APÊNDICE A – Termo de consentimento do sujeito
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de letras
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa A
influência da linguagem para o raciocínio de crenças falsas em Teoria da Mente:
uma análise em pacientes afásicos agramáticos, caso concorde favor assinar ao
final do documento. Sua participação não é obrigatória, e, a qualquer momento, você
poderá desistir e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em
sua relação com o pesquisador(a).
Responder à pesquisa não gera nenhum gasto e nem qualquer espécie de
reembolso ou gratificação devido à participação.
CONFIDENCIALIDADE DA PESQUISA: é garantido ao participante o sigilo, de
modo a assegurar sua privacidade, uma vez que os dados são extremamente sigilosos
e somente serão divulgados dados quantitativos diretamente relacionados aos objetivos
da pesquisa.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o nome do pesquisador(a)
principal, podendo tirar dúvidas do projeto e de sua participação.
Pesquisadores Responsáveis:
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima
Co-orientador: Profª. Drª. Marina R. A. Augusto
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu, _____________________________, declaro que li as informações contidas
neste documento, fui devidamente informado(a) pelo pesquisador(a) dos procedimentos
que serão utilizados, concordando ainda em participar da pesquisa. Declaro também,
que garantiram-me poder retirar o consentimento a qualquer momento, bem como, ter
recebido uma cópia deste Termo de Consentimento.
Rio de Janeiro, ______ de ________________ de 2009
_________________________________ ______________________________
(Nome por extenso) (Assinatura)
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