101
Num primeiro momento, como vimos em 3.2, Austin (1990) constata a existência de
enunciados que não se prestam à função de descrever estados de coisas, e, por conseguinte,
conclui a impossibilidade de atribuir a esses enunciados um valor de verdade, como, por
exemplo, no enunciado Batizo este navio com o nome de “Senhor Stalin”. Como observa
Cervoni (1989, p. 85), “os enunciados deste tipo não descrevem, não relatam, não constatam
absolutamente nada. Sua enunciação é a execução de uma ação”. A estes Austin denomina
enunciados performativos, que, inseridos adequadamente num processo, não descrevem os
fatos, mas sim propriamente os realizam, quando da existência de circunstâncias favoráveis à
sua instância enunciativa. No dizer de Austin (OTTONI, 1998, p. 112), “não posso batizar o
navio se não sou eu a pessoa autorizada”. Em oposição aos performativos, inicialmente Austin
(1990) considera os enunciados constativos, isto é, aqueles que, contrariamente, prestam-se à
função de declarar ou descrever alguma coisa, submetendo-se, portanto, a critérios de verdade
e falsidade.
Mas, como já ressaltamos, a chamada teoria dos performativos, que estabelecia a
distinção constativo/performativo, cede lugar posteriormente à teoria das forças
ilocucionárias, notabilizada, por fim, como teoria dos atos de fala. Esta, por sua vez,
distingue três espécies de atos: o locucional
8
, que corresponde à produção linguístico-
gramatical do enunciado, isto é, ao próprio ato de enunciar o enunciado; o ilocucional, que
constitui o valor ou força da ação pretendida pela enunciação do enunciado; e o
perlocucional, que resulta em forma de efeito (êxito) do ilocucional sobre o falante/ouvinte,
quando atendidas, no conjunto das circunstâncias concomitantes, as condições necessárias à
realização do ilocucional.
Entretanto, todo ato de fala, em essência, reúne ao mesmo tempo um ato locucional,
um ato ilocucional e um ato perlocucional, visto que, caso contrário, não configuraria
verdadeiramente um ato de fala. Como observam Vilela e Koch (2001, p. 418), “sempre que
se interage por intermédio da língua, profere-se um enunciado linguístico dotado de certa
força, que irá produzir no interlocutor determinado(s) efeito(s), ainda que não aqueles que o
locutor tinha em mira”. Austin (1990, p. 91), no entanto, relacionando os três tipos de atos
mencionados à questão do uso da linguagem, adverte que “a expressão ‘uso da linguagem’
pode cobrir outros assuntos até mais diversos do que atos ilocucionários e perlocucionários”.
Podemo-nos referir ao uso da linguagem para atender a alguma função, como, por exemplo,
na narração de piadas. Como observa Araújo (2004:133), “os atos ilocucionários e os atos
8
Em português, registram-se ainda os termos locutório e locucionário.