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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
CLÁUDIA A. ROST SNICHELOTTO
“OLHA” E “VÊ”: CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM
FLORIANÓPOLIS
2009
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Cláudia A. Rost Snichelotto
“Olha” e “vê”: caminhos que se entrecruzam
Tese apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Lingüís-
tica da Universidade Federal de
Santa Catarina como requisito
parcial para obtenção do título
de Doutora em Lingüística.
Orientadora: Profª. Drª. Edair
Maria Görski
Florianópolis
2009
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
.
R839o Rost Snichelotto, Cláudia Andrea
Olha e vê [tese] : caminhos que se entrecruzam / Cláudia
Andrea Rost Snichelotto ; orientadora, Edair Maria Görski.
- Florianópolis, SC, 2009.
408 p.: il., grafs., tabs.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Programa de
Pós-Graduação em Lingüística.
Inclui referências
1. Linguística. 2. Mudança semântico pragmática. 3.
Variação linguística. 4. Gramaticalização. 5. Pragmatização
do significado. 6. Marcadores discursivos. 7. Abordagem
pancrônica. I. Gorski, Edair Maria. II. Universidade
Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em
Linguística. III. Título.
CDU 801
À minha sobrinha Yasmin Schuch Rost, in memoriam,
dedico.
AGRADECIMENTOS
À professora amiga Edair Maria Görski, novamente, pelo privilégio de
sua incansável orientação, pelo incentivo e pela confiança;
Aos professores Luiz Carlos Travaglia (UFU), Sanderléia Roberta Lon-
ghin-Thomazi (UNESP), Izete Lehmkuhl Coelho (UFSC) e Luizete
Guimarães Barros (UFSC), pela leitura, análise e contribuição dada;
À amiga Raquel Ko. Freitag, pela disponibilização de inúmeros textos,
pelas dicas antes e durante a redação desta tese e pela parceria em publi-
cações e congressos;
Às amigas em especial Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott, Diane
Dal Mago e Lucilene Liboa de Liz, pelo carinho;
À Carla Regina Martins Valle, Adriana Gibbon, Sueli Costa, Christiane
Maria Nunes de Souza e Guilherme Henrique May, pela amizade e as-
sessoria em traduções;
À bolsista do VARSUL Patrícia Floriani Sachet, pelo auxílio no levan-
tamento do material sincrônico e diacrônico;
Às minhas famílias gaúcha e paulista, pela torcida;
Aos meus pais, pelo exemplo, pelo incentivo desde sempre à realização
de muitos sonhos;
Ao Denis, meu marido, meu protetor, meu amor, pelo encorajamento
constante e, principalmente, pela tolerância;
A Deus, pela saúde e pelas oportunidades ao longo da vida.
“Somos transição, somos processo.”
“Cada um em seu caminho e com suas singularida-
des.”
Perdas & Ganhos, de Lya Luft
R
ESUMO
Nesta tese, com base na associação dos postulados da Teoria da Varia-
ção e Mudança e do Funcionalismo Lingüístico, especialmente no que
concerne à gramaticalização, objetivamos analisar, numa abordagem
pancrônica, o funcionamento dos marcadores discursivos (MDs) olha e
(e suas variações), em amostras sincrônicas do Banco de Dados
VARSUL e também em uma amostra diacrônica, representada por 17
textos de peças teatrais escritas nos séculos XIX e XX por escritores
catarinenses. Partimos de estudos anteriores que investigaram a mudan-
ça semântico-pragmática dos verbos de percepção olhar e ver e deline-
amos a origem e potencialidade semântico-pragmática de cada elemen-
to, desde sua base verbal como item lexical pleno, realizado via ato de
fala manipulativo, até seu comportamento como MD, situação em que
apresenta um enfraquecimento da força imperativa prototípica, estando
mais associado a sentidos abstratos e pragmáticos. À luz dos trabalhos
de Traugott (1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002) e Traugott e König
(1991), vimos a pertinência da associação entre a trajetória de mudança,
especialmente a pragmático-semântica, e as funções da linguagem pro-
posicional, interpessoal e textual. Com base na descrição dos contextos
de uso dos itens, foi possível tratá-los como variantes de uma variável
lingüística, alternantes num mesmo contexto discursivo o da chamada
da atenção do ouvinte. A pesquisa compreende duas etapas metodológi-
cas: na primeira, caracterizada como uma abordagem basicamente fun-
cionalista, empreendemo-nos no mapeamento do comportamento dia-
crônico dos MDs em dados de escrita e, posteriormente, o sincrônico em
dados de fala. Nas duas amostras, as ocorrências de diferentes contextos
de atuação discursiva de olha e analisadas atestaram o papel da pres-
são contextual para a emergência de novos usos e a pragmatização do
significado. A descrição delineada permitiu vislumbrar a possibilidade
de enunciados imperativos, inerentemente intersubjetivos, virem a ser
subjetivizados no curso da mudança de significados de conteúdo, basea-
14 |
dos na estrutura argumental, para significados procedurais pragmáticos
no nível discursivo. Na segunda etapa da análise, de cunho variacionista,
com o respaldo da etapa anterior, procedemos ao tratamento estatístico
dos dados. Os resultados das amostras sincrônicas investigadas aponta-
ram indícios do desenvolvimento individual e conjunto dos MDs sob
análise, e permitiram identificar os condicionadores, lingüísticos e extra-
lingüísticos, do uso de um ou outro MD. A partir do traço comum de
percepção que os caracteriza, constatamos que olha, como forma mais
recorrente nas amostras investigadas, é também o MD mais avançado no
processo de mudança em função dos seguintes fatores, entre outros: (i) o
MD olha aparece em seis diferentes contextos de atuação discursiva
no século XIX, ao passo que se manifesta em três contextos no sécu-
lo XX, apenas, com um número bastante reduzido de ocorrências; (ii)
sincronicamente, um uso mais generalizado de olha do que de ,
sendo que alguns contextos são categóricos para olha; (iii) olha retém o
menor vestígio de herança verbal em comparação a .
Palavras-chave: Mudança semântico-pragmática. Variação lingüística.
Gramaticalização. Pragmatização do significado. Marcadores Discursi-
vos. Abordagem pancrônica.
A
BSTRACT
In this thesis, theoretically based on the combination of postulates from
the theory of language variation and change and from functionalist lin-
guistics, especially concerning grammaticalization, we aim to analyse,
with a panchronic approach, the operation of the discourse markers
(DM) olha [look] and [see] (and their variations), with synchronic
data from the VARSUL database and a diachronic sample constituted by
the texts of 17 plays written in the nineteenth and twentieth century by
writers from Santa Catarina, Brazil. We begin considering prior studies
that have investigated the semantic-pragmatic change of the perception
verbs olhar [to look] and ver [to see] and propose the origin and seman-
tic-pragmatic potentiality of each element, from their verbal base as full
lexical items, performed via manipulative speech acts, to their behaviour
as DMs, a situation in which they present a weakness of their prototypi-
cal imperative power, being more strongly associated with abstract,
pragmatic meanings. In Traugott (1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002)
and Traugott & König (1991) we saw how pertinent was the association
between path of change, especially semantic-pragmatic, and the proposi-
tional, interpersonal and textual functions of language. Based on the
description of the contexts of use of the items, it was possible to treat
them as variants of a linguistic variable, which alternate in the same
discursive context the one of call for hearer´s attention. The research
comprehends two methodological steps: on the first, characterised basi-
cally by a functionalist approach, we map the diachronic behaviour of
the DMs in written data and, after that, their synchronic behaviour in
spoken data. In the two samples, the occurrence of different contexts of
discursive action of olha and attest the role of contextual pressure on
the emergence of new uses and the pragmatization of meaning. This
description allowed us to glimpse the possibility that imperative state-
ments, inherently intersubjetive, become subjetive in the course of the
change from content meaning, based on argument structure, to pragmat-
16 |
ic, procedural meaning on the discourse level. On the second step of the
analysis, with a variationist approach, we proceeded to the statistical
treatment of the data, based on the results of the previous step. The re-
sults drawn from the synchronic sample pointed to traces of individual
and collective development of the DMs in focus, and allowed us to iden-
tify the linguistic and extralinguistic conditioners of the use of either
DMs. From the common aspect of perception that characterises them,
we have noticed that olha, as a more recurrent form in the samples, is
also the most advanced DM on the change process due to the following
factors: (i) the DM olha already appears in six different contexts of dis-
cursive action in the nineteenth century, while appears in three con-
texts in the twentieh century only, with a very limited number of tokens;
(ii) synchronically, there is a more generalised use of olha compared to
, with some contexts being categorical for olha; (iii) olha has the
smallest trace of verbal heritage in comparison with .
Keywords: semantic-pragmatic change; language variation; grammati-
calization; meaning pragmatization; discourse markers; panchronic ap-
proach.
L
ISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - The metonymic-metaphorical model ................................ 88
GRÁFICO 1 - Formas de tratamento tu e você em peças de teatro de
autores catarinenses ............................................................................. 238
QUADRO 1 - Tendências da mudança semântico-pragmática ............. 95
QUADRO 2 - Gramaticalização de while ............................................. 96
QUADRO 3 - Resumo dos tipos de MDs ........................................... 166
QUADRO 4 - Funções dos marcadores em estudos do PB ................. 170
QUADRO 5 - Multifuncionalidade de olha e ................................. 171
QUADRO 6 - MDs derivados de verbos de percepção visual ............ 172
QUADRO 7 - Distribuição da amostra 1F por cidade ........................ 212
QUADRO 8 - Distribuição da amostra 2F .......................................... 213
QUADRO 9 - Distribuição da amostra 3F .......................................... 214
QUADRO 10 - Distribuição das peças teatrais, segundo o ano de
nascimento dos autores e o ano de publicação das obras (Amostra 4E)
............................................................................................................. 219
QUADRO 11 - Síntese da amostra pancrônica ................................... 220
QUADRO 12 - Distribuição das variáveis controladas nas amostras 1F,
2F e 3F para a escolha de olha e ..................................................... 225
QUADRO 13 - A multifuncionalidade de olha e ........................... 229
QUADRO 14 - Grupos de fatores estatisticamente significativos para o
uso de olha por amostra ...................................................................... 283
QUADRO 15 - Grupos de fatores estatisticamente significativos para o
uso de olha por cidade da amostra 1F ................................................. 284
18 |
QUADRO 16 - Breve biografia dos autores das peças teatrais
consultadas .......................................................................................... 401
QUADRO 17 - Visão comparativa e de conjunto das formas do
imperativo no português brasileiro falado ........................................... 403
L
ISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Distribuição das ocorrências de formas verbais e MDs
derivados de olhar e ver nas peças, segundo o ano de nascimento do
autor e o de publicação da obra ........................................................... 233
TABELA 2 - Distribuição das formas dos MDs por século de
nascimento do autor das peças teatrais ................................................ 237
TABELA 3 - Distribuição das ocorrências das formas de MDs nos
séculos XIX e XX ............................................................................... 239
TABELA 4 - Distribuição das ocorrências formais de P2 dos MDs nos
séculos XIX e XX ............................................................................... 240
TABELA 5 - Distribuição dos MDs olha e por peça, segundo o
contexto de atuação discursiva .......................................................... 243
TABELA 6 - Distribuição das formas dos MDs por amostra ............. 255
TABELA 7 - Distribuição das ocorrências dos MDs olha e por
amostra, segundo o contexto de atuação discursiva ........................... 259
TABELA 8 - Influência da variável cidade sobre o uso de olha em
relação a (Amostra 1F) ................................................................... 287
TABELA 9 - Distribuição das formas de realização do MD olha por
cidade (Amostras 1F, 2F e 3F) ............................................................ 293
TABELA 10 - Distribuição das formas de realização do md por
cidade (Amostras 1F, 2F e 3F) ............................................................ 295
TABELA 11 Influência da variável contexto de atuação discursiva
sobre o uso de olha em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F) .............. 299
TABELA 12 - Distribuição pancrônica dos MDs olha e de acordo
com os contextos de atuação discursiva em amostras de fala e de escrita
............................................................................................................. 302
TABELA 13 - Influência da variável seqüência discursiva sobre o uso
de olha em relação a (amostras 1F, 2F e 3F) .................................. 314
20 |
TABELA 14 - Influência da variável presença/ausência de
pronome/vocativo junto ao MD sobre o uso de olha em relação a
(Amostras 1F, 2F e 3F) ....................................................................... 324
TABELA 15 - Cruzamento entre a variável presença/ausência de
pronome vocativo junto ao MD e as formas dos MDs (Amostra 1F) . 326
TABELA 16 - Distribuição das ocorrências das formas dos MDs olha e
derivadas de IND e SUBJ acompanhadas dos pronomes tu e você
(Amostra 1F) ....................................................................................... 327
TABELA 17 - Influência da variável relação sintática com a estrutura
oracional sobre o uso de olha em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F)
............................................................................................................ 331
TABELA 18 - Influência da variável posição dos MDs sobre o uso de
olha em relação a (Amostras 1F, 2F E 3F) ..................................... 337
TABELA 19 - Distribuição do cruzamento entre as variáveis contexto de
atuação discursiva e posição do MD (Amostra 1F) ........................... 339
TABELA 20 - Influência da variável pausa sobre o uso de olha em
relação a vê (Amostras 1F, 2F e 3F) ................................................... 344
TABELA 21 - Influência da variável gênero/sexo sobre o uso de olha
em relação a .................................................................................... 349
TABELA 22 - Influência da variável idade sobre o uso de olha em
relação a (Amostras 1F, 2F e 3F) ................................................... 354
TABELA 23 - Influência da variável escolaridade sobre o uso de olha
em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F).............................................. 405
TABELA 24 - Influência da variável informante sobre o uso de olha em
relação a .......................................................................................... 407
L
ISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BLU Blumenau
BNC British National Corpus
Cf. Conforme
CHP Chapecó
CTB Curitiba
D & G Grupo de Estudos Discurso e Gramática
F Falante
FLP1 Florianópolis (amostra 1F)
FLP2 Florianópolis (amostra 2F)
GTI Gramática Textual-Interativa
IND Indicativo
LGS Lages
MDs Marcadores Discursivos
NGB Nomenclatura Gramatical Brasileira
NURC Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta
O Ouvinte
PB Português Brasileiro
PEUL Programa de Estudos sobre o Uso da Língua
PR Peso Relativo
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
P2 Segunda pessoa do singular
P3 Terceira pessoa do singular
P4 Primeira pessoa do plural
22 |
P5 Segunda pessoa do plural
RADs Requisitos de Apoio Discursivo
SUBJ Subjuntivo
UC Unidade Comunicativa
UD Unidade Discursiva
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
URV Unidade Real de Valor
VARSUL Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Brasil
L
ISTA DE SÍMBOLOS
['] acento primário
[a] vogal baixa não-arredondada
[e] vogal média-alta anterior não-arredondada
[] vogal média-baixa posterior arredondada
[j] semivogal palatal
[] consoante lateral palatal vozeada
S
UMÁRIO
1INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ...................................................31
1.1 Objetivos...............................................................................................36
1.1.1 Objetivos gerais ..................................................................................36
1.1.2 Objetivos específicos ..........................................................................37
1.2 Questões e hipóteses ............................................................................37
2 CONTEXTUALIZANDO O FENÔMENO INVESTIGADO ............45
2.1 Rumo a outro olhar: evidências em dados de fala e de escrita ........46
2.2 Rumo a outro ver: evidências em dados de fala e de escrita ............53
2.3 Funções e formas concorrentes ..........................................................58
2.4 As construções imperativas em PB ....................................................61
2.4.1 Forma .................................................................................................61
2.4.2 Função ................................................................................................62
2.4.3 O uso variável do imperativo no PB: evidências pragmáticas ...........63
2.5 Fechando o capítulo ...........................................................................65
3 ENQUADRE TEÓRICO DA PESQUISA............................................69
3.1 Abordagem Funcionalista ...................................................................70
3.1.1 Gramaticalização: definição, princípios, trajetórias, motivações .......75
3.1.1.1 Definição ........................................................................................76
3.1.1.2 Os princípios de Hopper (1991) .....................................................79
3.1.1.3 Tipos de mudança: categorial e semântico-pragmática ................82
3.1.1.4 A abordagem de Traugott..............................................................93
26 |
3.1.1.4.1 A noção de (inter)subjetividade e (inter)subjetivização ............... 97
3.1.1.4.2 Relação entre (inter)subjetivização e gramaticalização ............ 101
3.1.1.4.3 Pragmatização do significado ................................................... 104
3.1.1.5 Fechando a seção .......................................................................... 106
3.1.2 Teoria dos atos de fala ................................................................... 107
3.2 Teoria da Variação e Mudança Lingüística .................................... 117
3.2.1 A variação lingüística....................................................................... 117
3.2.1.1 Princípios gerais ........................................................................... 117
3.2.1.2 O método de pesquisa em variação na comunidade de fala ......... 120
3.2.2 A extensão da metodologia variacionista na aplicação de
fenômenos discursivos .............................................................................. 121
3.2.3 A mudança lingüística ...................................................................... 124
3.3 Sociofuncionalismo ........................................................................... 128
4 MARCADORES DISCURSIVOS ...................................................... 133
4.1 A diversidade de pesquisas sobre MDs ........................................... 133
4.1.1 A abordagem de Schiffrin ................................................................ 134
4.1.2 A abordagem de Fraser .................................................................... 140
4.1.3 A perspectiva textual-interativa ....................................................... 144
4.1.4 Convergência e divergência entre as abordagens ............................. 147
4.2 Características formais dos MDs ..................................................... 152
4.2.1 Categorias de origem ....................................................................... 152
4.2.2 A unidade de análise e a posição dos MDs ...................................... 155
4.2.3 Independência sintática dos MDs..................................................... 160
4.2.4 Constituição formal .......................................................................... 161
4.2.5 Demarcação prosódica ..................................................................... 164
4.3 Características funcionais dos MDs ................................................ 165
4.4 Fechando a seção ............................................................................... 171
| 27
4.5 MDs derivados de verbos de percepção visual em línguas
românicas ................................................................................................. 172
4.5.1 Os MDs franceses ‗regarde‘ e ‗vois-tu‘............................................ 176
4.5.2 Os MDs espanhóis ‗mira‘ e ‗¿ves?‘.................................................. 182
4.5.3 O MD italiano „guarda ................................................................... 190
4.5.4 Os MDs catalães ‗a veure‘ e‘ miri‘ .................................................. 196
4.5.5 Os MDs galegos ‗olla‘ e ‗mira‘ ........................................................ 204
4.6 Fechando o capítulo .......................................................................... 207
5 METODOLOGIA ................................................................................ 209
5.1 Etapas metodológicas da pesquisa ................................................... 209
5.2 Corpus ............................................................................................211
5.2.1 Corpus sincrônico: o banco de dados do Projeto VARSUL ............ 211
5.2.2 Corpus diacrônico: peças teatrais escritas por catarinenses nos
séculos XIX a XX......... ............................................................................ 215
5.3 Coleta de dados .................................................................................. 220
5.4 Tratamento dos dados ....................................................................... 221
5.5 A variável dependente e as variáveis independentes ...................... 222
5.5.1 Variável dependente ......................................................................... 222
5.5.2 Variáveis independentes ................................................................... 223
5.5.2.1 Variáveis lingüísticas/discursivas e extralingüísticas ................... 224
6 MDS OLHA E : FORMAS E FUNÇÕES ...................................... 227
6.1 A multifuncionalidade de olha e .................................................. 227
6.1.1 Análise diacrônica do comportamento (multi)funcional de olha e
............................................................................................................... 230
6.1.1.1 Aspectos formais dos MDs olha e vê nos séculos XIX e XX .......... 231
6.1.1.2 Aspectos funcionais dos MDs olha e vê nos séculos XIX e XX .... 241
28 |
6.1.2 Análise sincrônica do comportamento (multi)funcional dos MDs
olha e .................................................................................................... 254
6.1.2.1 Aspectos formais dos MDs olha e vê ............................................. 254
6.1.2.2 Aspectos funcionais dos MDs olha e ....................................... 256
7 VARIAÇÃO NO DOMÍNIO FUNCIONAL DA CHAMADA DA
ATENÇÃO DO OUVINTE ...................................................................... 281
7.1 As rodadas estatísticas ...................................................................... 281
7.2 Análise sincrônica dos MDs olha e .............................................. 285
7.2.1 Cidade .............................................................................................. 285
7.2.2 Apresentação formal do MD ............................................................ 288
7.2.3 Variáveis lingüísticas/discursivas .................................................... 296
7.2.3.1 Contexto de atuação discursiva .................................................... 297
7.2.3.2 Seqüência discursiva ..................................................................... 305
7.2.3.3 Presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD ................. 318
7.2.3.4 Relação sintática com a estrutura oracional ................................ 328
7.2.3.5 Posição dos MDs .......................................................................... 333
7.2.3.6 Traço prosódico: pausa ................................................................ 340
7.2.4 Variáveis extralingüísticas ............................................................... 346
7.2.4.1 Gênero/sexo .................................................................................. 346
7.2.4.2 Idade ............................................................................................. 351
7.2.4.3 Informante ..................................................................................... 358
7.3 Fechando o capítulo .......................................................................... 360
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 363
REFERÊNCIAS ...................................................................................... 373
ANEXO A Breve biografia dos autores das peças teatrais
consultadas .............................................................................................. 395
| 29
ANEXO B Visão comparativa e de conjunto das formas do
imperativo no português brasileiro falado ............................................ 403
APÊNDICE A Influência da variável escolaridade sobre o uso de
olha em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F) ........................................ 405
APÊNDICE B Influência da variável informante sobre o uso de
olha em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F) ........................................ 407
| 31
1
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Esta tese está vinculada a um projeto maior em curso, sob a coor-
denação da Profª. Drª. Edair Maria Görski, denominado ―O percurso de
gramaticalização de formas de base adverbial e verbal: funções e formas
concorrentes‖, no qual se associam postulados da Teoria da Variação e
Mudança e do Funcionalismo Lingüístico, especialmente no que con-
cerne à gramaticalização. Atualmente, inclui dissertações de mestrado
concluídas que tratam de itens de natureza discursiva e analisam amos-
tras sincrônicas do Banco de Dados do Projeto VARSUL
1
(TAVARES,
1999; DAL MAGO, 2001; VALLE, 2001; GASPARINI, 2001; ROST,
2002; FREITAG, 2003; MARTINS, 2003; OLIVEIRA, 2006) e uma
tese de doutorado (TAVARES, 2003). É comum, a parte desses traba-
lhos, o estudo de elementos lingüísticos de base verbal com traços de
cognição/percepção/enunciação que, em sua trajetória, sofrem alteração
em sua configuração gramatical associada a mudanças semântico-
pragmáticas
2
, o que se reflete em um continuum multifuncional. Essa
discussão tem proporcionado reflexões, resultados e contribuições inte-
ressantes para a literatura lingüística, os quais fornecem pistas acerca de
estágios de mudança semântica e categorial das formas analisadas, per-
mitindo propor a hipótese de que as formas se encontram em diferentes
estágios de desenvolvimento rumo à gramaticalização.
Em Rost (2002), descrevemos o comportamento dos itens olha e
veja em dados de fala de informantes das três capitais da região Sul do
Brasil, provenientes de uma amostra extraída do Banco de Dados do
Projeto VARSUL (Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Bra-
sil). Identificamos a propriedade comum de chamada da atenção do
ouvinte, mostramos as funções compartilhadas pelos itens nos contextos
em que se manifestam, bem como dispensamos ao objeto de estudo um
tratamento variacionista. A partir da identificação dos fatores lingüísti-
cos e extralingüísticos mais favorecedores aos elementos em estudo,
projetamos, a partir de dados sincrônicos, segundo a direção ideacional
> interpessoal > textual, prováveis caminhos que cada um dos itens teria
percorrido até seu uso como Marcador Discursivo (doravante MD).
Com base nos resultados estatísticos sinalizamos que (i) de modo geral,
1
A caracterização do Banco de Dados do Projeto VARSUL é apresentada na seção 5.2.1.
2
O nível semântico-pragmático descreve a significação das palavras no texto e no contexto.
32 |
o MD olha tendia a um maior avanço rumo à mudança, uma vez que
apresentava fortes características interpessoais como elemento de conta-
to e, paralelamente, parecia ocupar posições junto a conectores tipica-
mente textuais, auxiliando na continuidade do discurso ao mesmo tempo
em que mantinha a atenção do ouvinte (doravante O) direcionada para o
texto do falante (de agora em diante F), apresentando, conforme o con-
texto, características, ora mais interpessoais, ora mais textuais; e (ii) o
MD veja, por apresentar mais marcas morfossintáticas (número-pessoal
e modo-temporal) encontrava-se menos avançado no processo de grama-
ticalização.
A partir desses resultados, conforme destacamos àquela época,
algumas questões mereciam ainda maior atenção, como: (i) ampliação
do corpus, utilizando como amostra outras cidades que compõem o
Banco de Dados VARSUL para verificar se as diferenças regionais
apontadas se manteriam ou tomariam outros rumos; (ii) averiguação da
hipótese de mudança em andamento pelo controle de outras faixas etá-
rias; (iii) aprofundamento da investigação da mudança semântico-
pragmática de cada item, através de dados sincrônicos e da inserção de
dados diacrônicos. Hoje, acrescentamos ainda outros desdobramentos
que julgamos necessários, tanto de ordem metodológica como teórica:
(iv) revisão dos critérios para identificação dos contextos discursivos em
que cada item se manifesta; (v) refinamento das variáveis de controle;
(vi) revisão ampla da literatura sobre o assunto, especialmente no âmbi-
to das línguas românicas; (vii) (re)discussão acerca do campo conceitual
que dá suporte à análise, incorporando bibliografia atualizada na área.
É nesse contexto que esta tese se insere e objetiva mapear, numa
abordagem pancrônica
3
, o comportamento dos MDs
4
olha e (e suas
3
Os estudos funcionalistas recentes tendem a adotar uma concepção pancrônica de mudança.
Conforme Furtado da Cunha, Oliveira e Votre (1999, p. 1), conjugar as duas dimensões tem-
porais torna a descrição mais densa e amplia o poder explanatório da teoria lingüística: Estu-
dar a mudança lingüística intrínseca à gramaticalização envolve a pesquisa e a comparação
de estágios lingüísticos distintos, utilizando modelos ou teorias desenvolvidos nas pesquisas
sincrônicas. Por outro lado, esses modelos podem ser testados a partir de dados históricos, e só
podem ser considerados completos se permitirem a incorporação da mudança na gramática.
4
A exemplo de Risso, Silva e Urbano (1996, p. 22), nesta tese, adotamos a designação marca-
dores discursivos do inglês, discourse markers, cunhada primeiramente por Fanshel e Labov
(1977) e adotada principalmente por Schiffrin (1987) ―[...] que nos parece mais adequada e
abrangente do que a de Marcadores Conversacionais. Embora esta outra seja a mais corrente e
aceita entre os lingüistas brasileiros, reconhecemos nela uma limitação, por sugerir, inevita-
velmente, um comprometimento exclusivo com um tipo de texto oral, que é a conversação.‖
Em termos gerais, pode-se definir MDs como ―expressões que relacionam segmentos discursi-
vos‖ (SCHIFFRIN, 1987; FRASER, 1999, p.193). No capítulo 4, essa questão é abordada e
aprofundada.
| 33
variações)
5
em amostras do português falado e escrito. Tenciona-se
identificar estágios de mudança dos MDs, teoricamente associados às
funções da linguagem ideacional, interpessoal e textual e discutir a
pertinência de abordá-los como um fenômeno de gramaticalização.
A fim de procurar fundamentar o percurso da mudança semânti-
co-pragmática e categorial desses elementos lingüísticos, toma-se como
base teórico-metodológica a interface variação/gramaticalização, con-
forme Naro (1998), Naro e Braga (2000), Tavares (1999, 2003), Görski
et al. (2003), Görski e Tavares (a ser publicado), entre outros. É relati-
vamente recente a idéia de estudos variacionistas tomarem como objeto
variável fenômenos discursivos, assim como é relativamente atual a
proposta de conciliação téorica que combina pressupostos da sociolin-
güística variacionista com a perspectiva funcionalista, voltada para o
estudo do processo de gramaticalização. O enfoque dessa interface está
nas relações entre funções e formas, decorrentes de pressões de natureza
cognitivo-comunicativa e social, com destaque para a história da(s)
forma(s) e sua multifuncionalidade, bem como a coexistência de dife-
rentes formas/funções, o que configura uma situação de estratifica-
ção/variação.
Conforme Görski (2006), mesmo que a Teoria da Variação e
Mudança e o Funcionalismo voltado à gramaticalização divirjam no seu
ponto focal a primeira tendo como objeto de interesse a coexistência
de formas que se intercambiam com o mesmo significado em um mes-
mo contexto, situação de variação que pode vir a ser resolvida pela mu-
dança; e a segunda ocupando-se prioritariamente do percurso de mudan-
ça de uma forma, que pode vir a coexistir com outra(s) em um mesmo
domínio funcional,
isso não representa um empecilho para uma abor-
dagem integrada dos fenômenos lingüísticos, já
que, para ambas, (i) o objeto de estudo é a língua
em uso, cuja natureza heterogênea abriga a varia-
ção e a mudança; e (ii) é atribuída grande impor-
tância ao tratamento empírico com quantificação
estatística, especialmente em relação à freqüência
de uso, como evidência para atestar fenômenos de
5
Adotamos como representantes das variantes em estudo as formas olha e . Embora essas
formas apresentem realizações distintas para a primeira, olha ~ olhe ~ [‗ja] ~ [‗j] ~ [‗], e
para a segunda, vejas ~ veja ~ ~ vês, inclusive construções como olha e veja bem, esco-
lhemos as derivadas do IND porque foram as mais recorrentes, considerando o critério de
freqüência, na pesquisa de Rost (2002), e as que têm uso mais mais generalizado nas entrevis-
tas do Projeto NURC/Brasil (Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta), conforme
Urbano (1999, 2006).
34 |
variação e mudança (cf. WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968; LABOV, 1972; GIVÓN, 1995;
BYBEE; HOPPER, 2001; BYBEE, 2003 apud
GÖRSKI, 2006, p.2).
Situações de variação podem ser recobertas pela gramaticaliza-
ção, conforme Naro e Braga (2000). A restrição que há, porém, diz res-
peito ao fato de as "variantes" não terem o ―mesmo significado‖ (segun-
do demandado pela sociolingüística quantitativa). Trata-se de restrição
contornável, no entendimento dos autores, a partir do abrandamento da
equivalência semântica, bem como do controle dos matizes de sentido
por variáveis independentes apropriadas (GÖRSKI, 2006).
No caso específico dos MDs, constata-se que a investigação de
elementos dessa natureza tem se intensificado nos últimos anos, sob
diferentes linhas teóricas e procedimentos metodológicos, porém não é
consensual sua denominação, tampouco a definição categorial
6
e o rol
dos itens que se incluem sob esse rótulo. Martelotta (2004) destaca que,
de acordo com a orientação teórica do pesquisador, opta-se por nomeá-
lo como marcador discursivo, operador argumentativo, operador dis-
cursivo, entre outros rótulos, conforme se verá no capítulo 4. Em termos
conceituais, costuma-se estudá-los enviesadamente, conforme Urbano
(1999, p. 86)
7
, ou ainda sob o rótulo de MD tem-se abarcado ―todos os
recursos discursivos com os quais não se sabe o que fazer. A sua lista
não se fecha nunca e não se lhes dá uma definição integrante‖ (cf.
POTTIER, 1962, p. 53 apud RISSO; SILVA; URBANO, 1999, p. 22).
Como a investigação dos MDs ainda se trata de um campo escor-
regadio, diversas pesquisas (por exemplo, SCHIFFRIN, 1987, p. 328)
procuram sistematizar as condições lingüísticas que conduzem uma
expressão a ser empregada como MD. Além disso, necessita-se proceder
a abordagem das funções dessas expressões no discurso não sob a
perspectiva sincrônica, mas também sob o ponto de vista diacrônico, o
que poderia auxiliar na análise da mudança semântica e pragmática
6
Nas gramáticas tradicionais do português (por exemplo, CUNHA; CINTRA, 2001, p. 552-
553), costuma-se denominar elementos dessa natureza como ―palavras denotativas‖.
7
Autores como Urbano (1999, 2006), Risso, Silva e Urbano (1996, 1999), entre outros, adotam
como corpus as entrevistas do Projeto NURC/Brasil. Este Projeto objetiva documentar e
descrever o português culto falado em cinco capitais brasileiras: Porto Alegre, São Paulo, Rio
de Janeiro, Salvador e Recife. Trata-se de vasta documentação da fala de 600 informantes de
formação universitária, selecionados entre pessoas nascidas na cidade, filhas de pais igualmen-
te nascidos na cidade, divididos por igual em homens e mulheres e distribuídos por três faixas
etárias (25-35 anos, 36-55 e de 56 em diante). Para outras informações acerca do Projeto,
consulte Castilho (2006) ou acesse <http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/index.html>.
| 35
desses itens. De fato, Waltereit (2002) observa que grande parte das
pesquisas sobre MDs tende a adotar uma abordagem sincrônica. Porém,
negligencia-se a abordagem diacrônica uma vez que é na fala que se
verifica a alta recorrência dessas formas e também à dificuldade de re-
gistro e coleta de dados orais dos séculos anteriores.
Nessa perspectiva, chama-nos a atenção o fato de que, em diver-
sas línguas, verbos de percepção visual associados a segunda pessoa do
singular (doravante P2) em enunciados de comando na forma imperati-
va, como olhar e ver, tendem a derivar MDs
8
, tais como em espanhol
mira‟ e ¿ves?‟ (cf. PONS BORDERÍA, 1998, 2001; CUENCA;
MARIN, 2000; GALUÉ, 2002; DOMÍNGUEZ; ALVAREZ, 2005, no
francês regarde‟ (cf. DOSTIE, 1998), no italiano guarda‟ (cf.
WALTEREIT, 2002)
9
, no catalão a veure‟ e „miri‟ (cf. MARIN
JORDÁ, 2003) e no galego olla‟ e „mira‟ (cf. DOMÍNGUEZ
PORTELA, 2008).
Em nossa pesquisa, procedemos a uma abordagem pancrônica.
Na etapa sincrônica, rastreamos as ocorrências de olha e , descreven-
do o seu funcionamento na amostra de dados de informantes do Banco
VARSUL do estado de Santa Catarina, incluindo as cidades de Floria-
nópolis, Lages, Chapecó e Blumenau. Nessa etapa, verificamos se as
formas se encontram em variação e em que domínio(s) funcional(is) isso
ocorre. Destaca-se que Florianópolis é a única cidade pertencente ao
VARSUL que dispõe de quatro faixas etárias (9 a 14; 15 a 24; 25 a 49; e
acima de 50 anos), o que permite a análise do funcionamento dos MDs
em tempo aparente, nos dados dessa cidade
10
. Também será incluída
nessa etapa uma amostra complementar da cidade de Curitiba, com o
intuito de se verificar se o uso dos MDs é sensível a fatores de natureza
geográfica, especialmente em face da natureza do objeto em estudo, que
envolve, num determinado ponto do seu processo de mudança funcional,
8
Em português brasileiro, os MDs olha e veja foram investigados por Castilho (1989), Mar-
cuschi (1989), Silva e Macedo (1996), Risso, Silva e Urbano (1996), Martelotta, Votre e
Cezario (1996), Urbano (1999), Risso (1999), Travaglia (1999) e Rost (2002). Esses são os
estudos dos quais temos conhecimento.
9
Conforme Waltereit (2002, p. 1008), ainda que, em muitas línguas, existam MDs derivados
de imperativo, não têm necessariamente as mesmas funções.
10
A distribuição escalar das faixas etárias permite virtualmente constituir uma sucessão de
fatias temporais, como se houvesse progressão temporal (por isso o termo ―aparente‖), o que
vai permitir avaliar se há indícios de mudança em curso (LABOV, 1994).
36 |
o modo verbal imperativo e as formas pronominais referentes à pes-
soa do discurso
11
.
Como tencionamos verificar em que contextos as formas verbais
imperativas olha e começaram a derivar MDs, incluímos na pesquisa
também uma amostra de dados diacrônicos. Nesse sentido, para se veri-
ficar em que contextos a categoria MD ocorre e quais formas codificam,
necessita-se recuar para períodos de tempo distantes, porém, como o
acesso ao registro falado torna-se obviamente inviável, restou-nos a
opção de recorrer à escrita, que, de certa forma, espelha alguma percep-
ção da fala de um estado de língua passado. Portanto, procuramos sele-
cionar textos que apresentem, na medida do possível, linguagem mais
próxima à fala, seja pelo gênero de texto ou mesmo pelo estilo do autor.
Assim, reunimos, para a amostra diacrônica
12
, peças de teatro escritas
por autores catarinenses nos séculos XIX
13
a XX.
Feitas essas considerações, apresentamos os objetivos, as ques-
tões e as hipóteses desta pesquisa.
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivos gerais
(i) Mapear, numa abordagem pancrônica, o comportamento fun-
cional dos MDs olha e em amostras do português brasileiro falado e
escrito, descrevendo seus contextos de uso em amostras diacrônicas
(peças teatrais de autores catarinenses dos séculos XIX e XX) e sincrô-
nicas (Banco de Dados VARSUL), considerando a articulação metodo-
lógica entre presente-passado-presente;
11
É sabido que, na amostra dos informantes de Curitiba do projeto VARSUL, não registro
de ocorrências do pronome tu (cf. MENON; LOREGIAN-PENKAL, 2002; LOREGIAN-
PENKAL, 2004).
12
Cabe aqui uma observação: a amostra escrita é constituída por peças teatrais escritas nos
séculos XIX e XX. A amostra oral é constituída por entrevistas gravadas na década de 1990.
Embora haja coincidência de datas entre as peças mais recentes e os dados de fala, optamos por
nomear aquela como amostra diacrônica e esta como amostra sincrônica. Dessa forma,
nesta tese, deve-se entender que o corpus diacrônico corresponde à escria e o sincrônico à fala
analisada.
13
O corpus diacrônico, que se caracteriza fundamentalmente por peças de teatro, é constituído
de textos a partir do século XIX porque a imprensa em Santa Catarina foi fundada pelo lagu-
nense Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o Jornal ―O Catharinense‖ somente em
28/7/1831.
| 37
(ii) Identificar, em amostras sincrônicas atuais (VARSUL/SC
Florianópolis, Blumenau, Chapecó e Lages e amostra complementar
de Curitiba), o(s) domínio(s) funcional(is) em que olha e atuam co-
mo camadas/variantes, dispensando um tratamento variacionista aos
dados, por meio do controle quantitativo de grupos de fatores lingüísti-
cos/discursivos e sociais;
(iii) Colaborar com as discussões teóricas que propõem: (i) a aná-
lise de fenômenos discursivos na interface variação/gramaticalização; e
(ii) a inclusão de componentes pragmáticos na trajetória de gramaticali-
zação.
1.1.2 Objetivos específicos
Investigar, a partir de amostras sincrônica (de fala) e diacrônica
(de escrita) do PB:
(i) indícios do desenvolvimento individual das formas sob análi-
se, considerando a mudança semântico-pragmática e categorial associa-
da a olha e , sob a ótica funcionalista da gramaticalização;
(ii) a possível trajetória de mudança de olha e acoplada às fun-
ções da linguagem, segundo a direção ideacional/proposicional > textu-
al, perpassada pela função interpessoal;
(iii) as motivações lingüísticas/discursivas e extralingüísticas que
desencadearam e/ou condicionam a variação entre as formas;
(iv) se os MDs olha e se apresentam num quadro de variação
estável, ou se é possível caracterizá-los como mudança em tempo apa-
rente e/ou tempo real;
(v) se existe tendência à especialização de uso das formas, ou à
generalização do uso de uma delas;
(vi) correlações entre o funcionamento dos MDs olha e e os
sistemas pronominal e modo-temporal do PB em relação à P2.
1.2 Questões e hipóteses
Com base na literatura acerca do uso dos MDs derivados de ver-
bo de percepção, notadamente nas pesquisas que investigaram diferentes
amostras em PB e nos postulados do Funcionalismo Lingüístico, especi-
almente no que concerne à gramaticalização, e da Teoria da Variação e
38 |
Mudança, traçamos as seguintes questões e hipóteses de pesquisa, bre-
vemente justificadas. Lembramos que o aprofundamento teórico de cada
uma das hipóteses será feito nos capítulos respectivos.
a) É possível descrever e explicar o funcionamento de MDs de
base verbal sob a ótica da gramaticalização?
De acordo com a perspectiva de gramaticalização assumida nesta
tese (cf. TRAUGOTT, 1982, 1989, 1995, 1999, 2002; TRAUGOTT;
KÖNIG, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 1993; BYBEE; PERKINS;
PAGLIUCA, 1994; BYBEE, 2003, entre outros), a mudança ocorre na
negociação interacional, na qual o falante/escrevente e o ouvinte/leitor
têm papel fundamental, sendo impulsionada pela necessidade de se
(re)interpretar itens no contexto. A mudança é, pois, ―motivada por prá-
ticas discursivas e sociais‖ (TRAUGOTT, 2002). Nesse processo de
(re)interpretação, ganham espaço as inferências pragmáticas associadas
a mecanismos metonímicos, podendo resultar em convencionalização de
implicaturas conversacionais. Assim, a recorrência de certos padrões em
determinados contextos, vale dizer, a freqüência de uso, é determinante
na gramaticalização de itens ou de construções.
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) destacam o potencial de ver-
bos de percepção para sofrer gramaticalização. Os autores ainda argu-
mentam que as situações mais nítidas de interação com o O envolvem
atos de fala manipulativos com enunciados de perguntas e de comandos;
nesse último caso, formas imperativas podem se gramaticalizar. Tam-
bém Martelotta (1998) ressalta a tendência associada a verbos de per-
cepção de ter seu uso estendido para propósitos metalingüísticos. Essa
extensão de sentido reflete perda maior ou menor de valor lexical e ga-
nho de função pragmático-discursiva, o que caracteriza a progressão no
sentido de usos mais abstratos e mais (inter)subjetivos.
Conforme Travaglia (2002, 2003)
14
, verbos como olhar e ver e-
xercem, em determinados contextos, funções textuais-discursivas diver-
sas, como, por exemplo, a de marcadores conversacionais. São usados
na interação entre interlocutores para marcar relações interpessoais e,
por isso, compõem o rol de verbos gramaticalizados ou em processo de
gramaticalização.
14
Travaglia (2002, 2003) investigou uma amostra com cerca de cem verbos, entre eles olhar e
ver.
| 39
Muitos pesquisadores
15
vêm se dedicando ao estudo de MDs de
base verbal. Assumindo a concepção de gramática ―como estruturante
de aspectos comunicativos da linguagem, englobando, além da fonolo-
gia, morfossintaxe e semântica, também aspectos pragmáticos inferenci-
ais‖ (GÖRSKI, 2006, p.6), como sugere Traugott (1995), nossa proposta
é de que a mudança semântica e categorial dos verbos de percepção que
passam a atuar como MDs pode ser adequadamente descrita e explicada
com base na definição de gramaticalização postulada por Hopper e
Traugott, (1993, p. xv): ―processo pelo qual itens lexicais e construções
vêm, em certos contextos, a desempenhar funções gramaticais e, uma
vez gramaticalizados, continuam a desenvolver uma nova função grama-
tical‖; e especificada por Traugott (1995, p. 1, grifo nosso): ―processo
pelo qual um item lexical [ou uma construção], impulsionado por certo
contexto pragmático e morfossintático, torna-se gramatical‖. Portanto,
nossa hipótese é de que os MDs de base verbal podem ser tratados sob o
paradigma da gramaticalização.
b) É possível tratar os itens olha e como camadas/variantes
dentro de um domínio funcional?
Considerando o princípio da estratificação, proposto por Hopper
(1991)
16
, acreditamos na convergência entre os objetos de estudo varia-
cionista e funcionalista, visto que o autor considera, dentro de um domí-
nio funcional, a emergência contínua de novas camadas para marcar
funções que, em geral, são marcadas por outras formas, mais antigas
de um certo domínio. Porém, Labov (1978) estabelece como condição
necessária para a variabilidade entre duas ou mais formas sua equivalên-
cia em significado e seu uso no mesmo contexto. A fim de convergir
numa linguagem teórica comum, Naro e Braga (2000) e Görski e Tava-
res (a ser publicado) propõem o afrouxamento da noção de mesmo
significado referencial, considerando a função/significação
17
para que
seja possível o tratamento variável de formas que compartilhem funções
15
Martelotta e Alcântara (1996) estudaram a partícula né?; Martelotta e Leitão (1996) pesqui-
saram Sabe?; Dal Mago (2001) investigou quer dizer; Valle (2001) pesquisou os Requisitos de
Apoio Discursivo (RADs) sabe?, não tem? e entende?; Rost (2002) investigou olha e veja; e
Waltereit (2002) estudou o italiano guarda.
16
Esse princípio é apresentado e discutido no capítulo 3.
17
A noção de função/significado (cf. NICHOLS, 1984) remete ao papel discursivo dos elemen-
tos lingüísticos, no sentido de que não são propriamente os itens em estudo que portam signifi-
cado referencial, mas as funções são depreendidas a partir do contexto de ocorrência dos itens.
40 |
discursivas, o que resulta na proposta sociofuncionalista
18
. Espera-se,
portanto, ser possível tratar os itens olha e como variantes de uma
variável lingüística, alternantes num mesmo contexto discursivo. Em
outras palavras: podem ser tratadas como formas que competem entre si
num mesmo domínio funcional no caso, o domínio da chamada da
atenção do ouvinte (cf. capítulo seguinte).
Observe-se, no entanto, que é provável que existam contextos es-
pecíficos de uso de uma ou de outra forma caso de especialização de
certos usos , o que não invalida o tratamento variacionista para as ocor-
rências que se mostram intercambiáveis. Nesse sentido, esperamos en-
contrar tanto contextos de uso categórico de uma das formas como con-
textos variáveis. É nesse último caso que os MDs serão tomados como
variantes.
c) Que variáveis lingüísticas/discursivas e sociais
19
condicio-
nam o uso dos itens olha e ?
De modo geral, acreditamos que as variáveis lingüísti-
cas/discursivas que podem condicionar a atuação dos MDs olha e
podem ser: a) contexto de atuação discursiva
20
(cf. CASTILHO, 1989;
SILVA; MACEDO, 1989; RISSO, 1999; URBANO, 1999; ROST,
2002, TRAVAGLIA, 2003; GUERRA, 2007, entre outros); b) seqüên-
cia discursiva (tipo textual) (cf. PAREDES SILVA, 1999; BACK et al.,
2004; TRAVAGLIA, 2001, [2003]/2007); c) presença/ausência de pro-
nome/vocativo junto ao item (cf. FARACO, 1986; SCHERRE et al.,
2000; MENON, 2000; MENON; LOREGIAN-PENKAL, 2002;
LOREGIAN-PENKAL, 2004; ROST, 2002); d) relação sintática com a
estrutura oracional (cf. MARCUSCHI, 1989; RISSO; SILVA;
URBANO, 1996; RISSO, 1999; URBANO, 1999; ROST, 2002;
GUERRA, 2007); e) posição (cf. MARCUSCHI, 1989; URBANO,
1999; ROST, 2002); e f) traço prosódico (pausa) (cf. RISSO; SILVA;
18
A abordagem sociofuncionalista será apresentada na seção 3.3 do capítulo teórico.
19
As hipóteses específicas sobre as variáveis lingüísticas/discursivas e extralingüísticas serão
detalhadas no capítulo 7. A seleção dessas variáveis se baseou principalmente no rastreamento
de dados bibliográficos em PB disponíveis sobre MDs.
20
Denominamos contextos de atuação discursiva aquelas porções de texto nas quais se eviden-
cia a atuação de olha e auxiliando na veiculação de diferentes significados semântico-
pragmáticos, manifestando graus de (inter)subjetividade dos participantes do diálogo, nos
termos de Traugott (1999). Nos capítulos 6 e 7, detalhamos esses contextos.
| 41
URBANO, 1996; RISSO, 1999; URBANO, 1999; ROST, 2002;
GUERRA, 2007).
Quanto às variáveis sociais que, a nosso ver, tendem a condicio-
nar o uso dos MDs sob análise, destacamos: a) gênero/sexo; b) idade; e
c) escolaridade. É importante mencionar que pesquisas sobre fenômenos
discursivos realizadas com dados do Projeto VARSUL (DAL MAGO,
2001; VALLE, 2001) constataram a pouca influência de fatores sociais
na escolha desses elementos, ao passo que, em outros trabalhos, como
de Tavares (1999, 2003), as variáveis extralingüísticas indicaram pistas
da ocorrência de um processo de mudança lingüística em andamento no
uso de itens discursivos.
d) Que correlações se pode estabelecer entre o funcionamento
dos MDs olha e e os sistemas pronominal e modo-temporal do PB
em relação à P2?
Conforme Basílio (apud URBANO, 1999), uma das característi-
cas do item ao assumir funções discursivas é não estar sujeito à flexão
número-pessoal e/ou modo-temporal. Quanto à correlação entre os sis-
temas pronominal e modo-temporal em relação à P2, acreditamos que
existe dependência, ao menos parcial, com o funcionamento dos MDs
sob análise, tendo em vista as pesquisas de Menon (2000), Menon e
Loregian-Penkal (2002), Loregian-Penkal (2004). Quanto ao sistema
modo-temporal, baseando-nos nos resultados de Rost (2002) e Scherre
(2005, 2008) e Scherre et al. (2007), cremos que as formas dos MDs
derivadas do indicativo (doravante IND) sejam mais recorrentes, consi-
derando-se que este modo esteja tomando, na fala, o lugar do subjuntivo
(de agora em diante SUBJ).
e) O uso dos MDs olha e é sensível a fatores de natureza
geográfica?
Conforme os resultados das pesquisas de Menon (2000), Menon
e Loregian-Penkal (2002), Loregian-Penkal (2004), esperamos que as
formas que ainda retêm vestígios verbais de imperativo (como olhe e
veja) estejam mais presentes em Curitiba, dadas certas particularidades
que constituem o modo imperativo padrão: pronome você associado à
forma verbal subjuntiva. Em oposição, a expectativa é de que as formas
derivadas do IND (olha, e respectivas alterações fonéticas) sejam
42 |
mais predominantes em Florianópolis, Chapecó, Blumenau e Lages,
nessa ordem, uma vez que, das cidades catarinenses contempladas no
banco de dados VARSUL, Lages é a que apresenta o maior número de
ocorrências do pronome você e Florianópolis, o menor.
f) Os MDs olha e se apresentam num quadro de variação
estável ou é possível caracterizá-los como mudança em tempo apa-
rente e/ou tempo real?
Na trajetória de mudança semântico-pragmática e categorial dos
itens olha e , ambos competem para representar um mesmo domínio.
Acreditamos que, por meio de evidências sincrônicas, possamos atestar
que se trata (ou não) de mudança, em que uma das formas ―perde a bata-
lha‖ para codificar determinada função.
Na ótica funcionalista, a distribuição em tempo aparente pode in-
dicar ―gramaticalização em andamento‖ (cf. ANDROUSTOPOULOS,
1999, apud GÖRSKI; TAVARES, a ser publicado), notadamente ao se
considerar a fala dos jovens, faixa etária que pode apresentar um pico de
mudança (cf. LABOV, 2001). Dessa maneira, o fato de um item lingüís-
tico não ser freqüente em faixas etárias mais velhas, mas passar a sê-lo
entre as faixas etárias mais jovens pode significar que o processo de
gramaticalização está avançando (cf. GÖRSKI; FREITAG, 2006).
Entretanto, ressalve-se que as diferenças de efeito associadas às
faixas etárias não podem ser tomadas como indicadores indiscutíveis e
conclusivos de mudança em curso. Pode ocorrer (i) gradação etária
mudança no comportamento lingüístico do indivíduo, sendo que a co-
munidade permanece estável; ou (ii) mudança geracional quando
certa variante passa a ser valorizada por alguns indivíduos e, gradativa-
mente, passa a exercer efeito sobre toda a comunidade. (cf. LABOV,
2001). Assim, é importante perceber se estamos diante de uma mudança
que acontece caracteristicamente numa dada faixa etária, ou se estamos
frente a uma mudança em progresso que perpassa as diferentes faixas
etárias e se estabelece na gramática da língua.
***
Em suma: estamos prevendo que haja ―motivações em competi-
ção‖ (cf. DU BOIS, 1985; FURTADO DA CUNHA, 2001) atuando
sobre os usos de olha e : (i) de um lado, pressões estilísticas e discur-
sivas, fortemente atreladas à mudança semântico-pragmática dos itens;
| 43
(ii) de outro, pressões de natureza morfossintática, associadas a diferen-
ças geográficas, com reflexos na mudança categorial dos itens; e (iii) por
fim, pressões sociais, correlacionadas tanto à mudança por gramaticali-
zação como à mudança em tempo aparente/real.
Na seqüência, os demais capítulo desta tese está assim organiza-
dos: no segundo capítulo, contextualizamos o fenômeno investigado
com base no rastreamento da bibliografia disponível, descrevemos hipo-
tética e sincronicamente a origem e potencialidade semântico-
pragmática de cada elemento, desde sua base verbal como item lexical
pleno, realizado via ato de fala manipulativo, até seu comportamento
como MD, quando apresenta um enfraquecimento da força imperativa
prototípica, estando mais associado a sentidos abstratos e pragmáticos.
No terceiro, evidenciamos o enquadre teórico-metodológico no
qual esta tese se insere, baseado na aproximação do Funcionalismo Lin-
güístico, postulado especialmente por Givón (1993, 1995, 2001, 2002,
2005), Traugott (1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002), Heine, Claudi e
Hünnemeyer (1991), Traugott e Heine (1991), Traugott e König (1991),
Hopper e Traugott (1993) e Vincent e outros (1993), Bybee e Hopper
(2001), Heine (2002, 2003), Bybee (2003), Heine e Kuteva (2007), e da
Teoria Variacionista, conforme formulada por Weinreich, Labov e Her-
zog ([1968] 2006) e Labov ([1972] 2008, 1978, 1994, 2001).
No quarto capítulo, realizamos ampla revisão bibliográfica acerca
do conceito e da caracterização formal e funcional dos MDs em geral.
Na seqüência, restringimos nossa pesquisa à investigação dos MDs de-
rivados de verbo de percepção visual em cinco línguas românicas a fim
de explicitar similaridades e diferenças morfossintáticas e semântico-
pragmáticas entre as abordagens. Por fim, com base nessas informações
e nas investigações em PB, põe-se em evidência especialmente os con-
textos e as condições de ocorrência dos itens olha e com o intuito de
verificar seu aspecto formal e suas respectivas funções.
No quinto capítulo, descrevemos as etapas metodológicas adota-
das nesta pesquisa: a primeira, caracterizada como abordagem basica-
mente funcionalista, contempla o mapeamento da multifuncionalidade
dos itens olha e , envolvendo ainda a identificação do(s) domínio(s)
funcional(is) em que as formas convivem como camadas de um mesmo
domínio; e na segunda, de cunho variacionista, dispensamos um trata-
mento estatístico aos dados com vistas a descrever os contextos de uso
de cada uma das formas supostamente em competição. Após a descrição
das etapas metodológicas, caracterizamos o corpus sincrônico e o dia-
crônico do qual extraímos os dados para análise, definimos os instru-
mentos de coleta de dados e o Programa estatístico empregado para
44 |
tratamento dos dados. Por fim, elencamos os grupos de condicionadores
lingüísticos e extralingüísticos controlados para a amostra sincrônica e
diacrônica.
No sexto capítulo, efetuamos o cumprimento da etapa funciona-
lista da análise do comportamento dos MDs olha e . Primeiramente,
procedemos à descrição da multifuncionalidade dos MDs, iniciando pela
análise diacrônica e, posteriormente, focando na análise sincrônica. As
subseções de cada análise empreendida, por sua vez, contemplam, pri-
meiramente, os aspectos formais dos MDs e, depois, os aspectos funcio-
nais.
No sétimo, executamos a etapa variacionista da análise. Para le-
var a cabo essa tarefa, codificamos as ocorrências e identificamos os
prováveis fatores condicionadores do uso variável dos itens. Na seqüên-
cia, dispensamos um tratamento quantitativo aos dados submetendo-os
ao pacote estatístico VARBRUL 2S (PINTZUK, 1988) com vistas a
identificar os contextos de uso preferencial e variável das formas supos-
tamente em competição.
No oitavo e último capítulo, apresentamos a síntese das principais
contribuições desta tese e apontamos sugestões para trabalhos futuros.
| 45
2
CONTEXTUALIZANDO O FENÔMENO INVESTIGADO
Neste capítulo procuramos contextualizar o objeto de estudo des-
ta tese os MDs de base verbal olha e e seus diferentes usos em
dados do português falado e escrito.
Dividimos este capítulo em cinco seções. Nas duas primeiras,
partimos de estudos anteriores
21
em que se investigou a mudança se-
ntico-pragmática dos verbos de percepção olhar e ver e descrevemos
hipoteticamente a potencialidade semântico-pragmática de cada elemen-
to, desde sua base verbal como item lexical pleno, realizado via ato de
fala manipulativo, até seu comportamento como MD, quando apresenta
um enfraquecimento da força imperativa prototípica, estando mais asso-
ciado a sentidos abstratos e pragmáticos. Na terceira, procuramos identi-
ficar o domínio funcional em que as formas podem estar atuando como
camadas em competição. Na quarta seção, para contextualização ampla
do fenômeno em estudo, tecemos algumas considerações sobre as for-
mas e funções (valores interacionais) desempenhadas pelo imperativo,
bem como apresentamos a síntese do levantamento feito em pesquisas
que tratam sobre o uso variável do imperativo em PB. Por fim, a quinta
e última seção é dedicada às conclusões principais deste capítulo.
Os itens olha e podem ser distribuídos, a depender do contex-
to, em dois níveis distintos: no primeiro, de caráter dêitico espacial, são
verbos plenos, de percepção, visto que um comando explícito do F
para o O direcionando o olhar/visão deste último, ou, num plano um
pouco mais abstrato, expressando advertência (cf. exemplos (2) e (3) a
seguir); no segundo nível, são MDs que ampliam seu significado de
base e, conforme Risso (1999, p.270), a referência à percepção visual
aparece remanejada para a expressão de outra espécie de envolvimento
sensório-cognitivo, isto é, altera-se o ponto de referência do campo vi-
sual (situações objetivas) para o da ação mental (situações (in-
ter)subjetivas) (cf. exemplos (4) a (10) a seguir). Nesse sentido, em seu
percurso de mudança funcional, elementos designativos de espaço
[+concreto] passariam a ser usados como organizadores do universo
21
A reconstrução do percurso dos itens baseia-se, principalmente, nos trabalhos de Marcuschi
(1989), Castilho (1997), Rost (2002) e Votre (2004).
46 |
discursivo [-concreto] (cf. HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991).
Vale ressaltar que entre esses níveis, delimitados de forma discreta co-
mo domínios metafóricos distintos, um continuum de pequenas mu-
danças que se dão metonimicamente, por contigüidade contextual, em
que um uso dá origem a outro (cf. explorado adiante).
2.1 Rumo a outro olhar: evidências em dados de fala e de escrita
O verbo olhar deriva do latim oculare e, em língua portuguesa,
entra com esse mesmo sentido de fitar os olhos em, mirar, conforme
exemplo (1):
(1) F: [Porque eles não entendiam.] É, porque
o povo , vamos dizer, alemão ou europeu assim,
ele é um povo alegre e tudo, então [se <con>] fala,
se toma uma cerveja, eles contam uma história,
coisa assim, eles riem e se divertem, então, quem
não entende, pode achar que estamos falando de-
les, né? Porque é lógico que a gente, às vezes, o-
lha pra uma pessoa e pra outra, né? então, im-
pressão de que está se falando da pessoa, mas não
é o caso, né? (BLU 07)
4
Em (1), olha funciona sintaticamente como verbo pleno. Como
nosso objeto de estudo restringe-se ao contexto específico de P2 em
enunciados de comando na forma imperativa, arrolamos alguns exem-
plos de usos de olha que têm apresentado expansões semântico-
pragmáticas, não só na modalidade falada como na escrita, conforme (2)
a (16):
(2) F: [Hoje] hoje [me dizem] dizem assim pra
gente: "Ah! Mas você é um homem feliz, você
mora [numa] num lugar nobre." Eu digo: "Sim. Eu
4
Knies e Costa (1996) alertam para a seguinte simbologia empregada na transcrição das entre-
vistas do Projeto VARSUL: E indica o entrevistador e F identifica o falante (entrevistado),
[n....n] sobreposição de falas, .... citação, [...] gaguejo, repetição e correção, <....> palavra
não dicionarizada, <....-> palavra interrompida ou incompleta e ―:‖ (dois-pontos) para alonga-
mento. Além disso, o texto transcrito segue os sistemas ortográfico (Lei 5.765, de 1971) e
sintático da língua portuguesa. A fim de identificarmos as pausas, usamos a seguinte simbolo-
gia: a pausa breve será marcada com ―,‖ e a longa será identificada por ―...‖ (reticências) antes
ou após o item. Em caso de ausência de pausa, esta não terá marcação de quaisquer sinais nos
trechos transcritos.
| 47
moro num lugar nobre, mas eu nasci [no] no meio
da capoeira, né?"
E: É sim. E [aqui] aqui pra trás, o que que
é aqui [tem lotes].
F: [Aqui embaixo tem lotes, lote]. Aqui
tem umas casas grandes, aqui olhe, tem casas
grandes ali pra baixo tudo. Aqui está tudo dividi-
do, tudo loteado esse terreno. (CTB 23 L. 194)
5
(3) E: Porque você não continuou os estudos.
[Você ]
F: [Bom, daí], na época assim, como s estáva-
mos comentando ali, depois o meu pai teve que
vender lá, né? que você ouviu. Na época daí [eu]
eu mesmo não tive assim aquela vontade, daí eu já
comecei a trabalhar, né? Que eu fiz [um] um cur-
so, como eu estava explicando ali. Trabalhei, mé-
dia assim, entre estudos e tudo, cinco anos na Ma-
ria Rute Junqueira, eu lecionava quase noventa
crianças. Filhas de professoras formadas não pas-
saram no concurso da Secretaria. E daí, naquela
época, eu comecei [a] a lecionar e fiquei ali traba-
lhando, né? E dali que eu saí pra começar a Olhe,
olhe, ela: Tira a mão! pra trabalhar na escola, nes-
sa escola, e foi quando eu comecei a trabalhar
com peças. Mas ali que eu comecei a gostar da
Que daí eu tinha parado os estudos, né? que eu
comecei a gostar de mecânica, essas coisas que
[daí queria] (CTB 04)
(4) E: E você não tinha assim algum sonho.
Todo mundo tem quando é pequeno, pensar em
ser alguma coisa. O que que você pensava em ser,
os seus sonhos assim?
F: Olha, eu achava muito bonito quando
eu era pequena balé, ? [é] piano, sempre achei
muito bonito quando tocavam piano e sempre gos-
tei [é] assim [é] mais pro lado da medicina tam-
5
As informações entre parênteses ao final de cada exemplo identificam: (i) entrevista do
Projeto VARSUL codificada, respectivamente, da seguinte forma, conforme caracterização de
Knies e Costa (1996): as primeiras letras se referem à cidade (FLP: Florianópolis, LGS: Lages,
BLU: Blumenau, CHP: Chapecó e CTB: Curitiba); em seguida, os números que seguem são o
da entrevista e o da linha onde se encontra o item pesquisado na entrevista; (ii) peças de teatro
de autores catarinenses escritas nos séculos XIX a XX representadas do seguinte modo: título
da peça, autor, ano de publicação e número da página de onde o dado foi extraído.
48 |
bém, sabe? Eu sempre gostei de ver sangue [...]
(CTB 19 L. 1024)
(5) F: Eu comecei de ajudante de cozinha da
minha patroa, no fogão. Daí, trabalhei com ela de
ajudante [no] [no] no fogão mesmo. Ficava ver-
melha que nem um pimentão porque, beira de fo-
gão, dia inteiro, né? E daí, foi indo, foi indo, eles
tiveram cozinheira, daí trocavam, punham como
ajudante, até que minha gerente daí me pôs nesse
serviço dela. Daí ela passou fazer a escrita do res-
taurante e o que ela fazia ela passou pra mim. [Aí]
daí, pra mim foi mais tranqüilo pra sair da beira
do fogão porque olhe que é um calor, né? (CTB
10 L. 1270)
(6) Vocês ainda se lembram daquela história,
edificante!, do garoto holandês que botou o dedo
na rachadura do dique pra salvar sua cidade, e to-
da a Holanda, por que não?, de ser inundada pelas
águas? Pois é. O Brasil está precisando de pelo
menos um milhão desses garotos pra tapar com o
dedo todas as rachaduras que estão aparecendo em
nossos cofres morais. E, olha aqui, não seria tam-
bém uma forma de resolver o problema dos meno-
res abandonados? Nosso maior pobrema? (Veja,
edição 2050, 5/03/2008, Millôr).
(7) Isabela Boscov: Você nunca fez o papel da
mocinha ingênua ou romântica.
Jodie Foster: Olhe que até fiz muitos testes para
esses papéis, mas fui reprovada em todos. Com o
tempo, você percebe a razão das rejeições: coi-
sas que eu faço bem, e outras em que não conven-
ço. (Veja, edição 2054, 2/04/2008)
(8) Fernando: Deixe a minha cara. A minha
cara não é da sua conta. Ouça-me, e resigne-se à
sua sorte!
Lucrecia: Estás dramático hoje. Olha que
eu gosto de ver cenas no teatro, mas não cá em ca-
sa. Fica sabendo. (Um cacho de mortes, peça tea-
tral de Horácio Nunes, de 1881).
(9) Delfim Neto, ex-ministro da Economia, fa-
lando da passagem do país de devedor a credor in-
| 49
ternacional : Olhe, eu vou dizer um negócio a
você. Eu sou tudo na vida; agora, não sou besta.
Eu quero meu cento, o meu dinheiro. Diga a Al-
buquerque. Eu quero o meu dinheiro. Senão eu es-
touro essa assembléia.‖ Diálogo, revelado pela
Folha de S.Paulo, entre o ex-deputado alagoano
Gilberto Gonçalves e o então diretor de RH da
Assembléia Legislativa de Alagoas, Roberto Me-
nezes (Veja, edição 2050, 05/03/2008).
(10) É irretocável o artigo de Reinaldo Azeve-
do ("O movimento dos sem-bolsa", 8 de agosto),
que demonstra a existência de dois Brasis: o dos
que se locupletam com o poder, perdoam e esque-
cem facilmente todas as falhas cometidas pelo go-
verno Lula (e olha que não são poucas) e o daque-
les que querem tão-somente viver a própria vida,
sem depender de favores do governo, e que por is-
so mesmo sofrem toda sorte de prejuízos e agres-
sões. Gostaria muito de saber quando teremos go-
vernantes que se preocuparão com a população
como um todo e não somente com o seu rebanho
eleitoral. (Veja, edição 2021, 15/08/2007, Seção
Cartas).
(11) Mas os sinais da decadência intelectual de
Gabo se mostram tempos. Não termos ouvi-
do até hoje sequer uma reprimenda ou uma pala-
vra de desacordo com relação ao que seu grande
amigo Fidel Castro faz em Cuba talvez seja o
mais importante deles. Nem no famoso episódio
em que três dissidentes do regime castrista foram
executados, em 2003, ouvimos uma crítica de Ga-
bo. E olhe que até Saramago chiou. A seu modo,
mas chiou... (Folha de São Paulo, 12/01/2007).
(12) E: E naquele tempo, quando a senhora era
mais jovem, isso decerto teve, né? casos, assim,
de moças [que] que engravidaram antes de casar?
F: [...] A minha tia que me criou, ela tinha medo,
né? porque eu não tinha mãe, não tinha pai. Ela
que me criou, era responsável por mim. Ela dizia:
―Toma cuidado! Ói quando tu namorares, tu não
vai te entregar pro namorado antes de casar‖, ela
dizia pra mim. [...] (FLP 08 L.768)
50 |
(13) E: Então tu nasceste aqui mesmo no bair-
ro, né? Daí tu começou a sair, tinha mais ou me-
nos que idade? (vozes ao fundo) F: Ah! Eu quan-
do ia pra casa do meu irmão, eu tinha dezesseis
pra dezessete. É que eu brigava muito aqui, né? se
ajuntava com meu (‗primo‖), (vozes ao fundo) fi-
caba brigando muito. muita gente vinha aqui
na casa da minha mãe: (ruído de vozes) Ó Dona
Maria, o seu filho bateu no meu‖ e não sei o quê.
eu sempre apanhava da minha mãe, né? [...]
(FLP Jovens)
(14) E: Tem que botar a turma pra trabalhar,
né? F: (―Também‖), está todo mundo batalhando.
Cada preso por mês, né? (―isso é verdade‖), é isso
mesmo, cruzados. É isso mesmo. É. Bota esses ca-
ras a trabalhar. óia, vou contar uma história, não
sei se [se] me lembro: seis anos passados, eu
estava indo pra casa, e um preso de Santa Casa
detenção de São Paulo, lê, ele era chefe da ofi-
cina de fazer vassoura e (ruído de automóvel) pe-
dindo emprego [...] (FLP 06 L.545)
(15) Ó-lhó-lhó quem taí?
8
(16) Tem até Gaúcho fazendo o nosso persona-
gem É BRINCADEIRA ÓÓ fazer o quê? A-
chamos graça do BÁH TCHÊ deles: eles também
acham engraçado o nosso OLHÓLHÓ! TÁS
TOLO! NÃO TEM? (AMANTE, 1998 apud
VALLE, 2001, p. 08).
Em (2) e (3), olha apresenta um estatuto verbal definido. Em (2),
refere-se a uma situação contextual concreta, em que percebemos a ex-
plícita remissão do F ao O para que atenda ao comando indicado pelo
verbo, isto é, que mire/fite os olhos em direção a algo (dêitico locativo).
Em (3), notamos que esse elemento lingüístico se reveste de certo grau
de abstratização, pois supostamente expande seu sentido de base e tende
a expressar uma espécie de advertência cuidado com. Nesse contexto,
8
O exemplo (15) foi extraído do Dicionário Falar e Falares da Ilha de Santa Catarina, de
Alexandre (1994, p. 71).
| 51
observamos um enfraquecimento do comando (ato de fala manipulativo)
visto que o imperativo perde parte de sua força ilocucionária prototípica.
nas ocorrências (4) a (14), verificamos que, por meio de ex-
pansão metafórica, o foco de atenção deixa de apontar para o ambiente
situacional, e o efeito manipulativo sobre o parceiro do diálogo diminui,
em graus variáveis. Essa mudança semântico-pragmática afeta o estatuto
gramatical do item que pode ser considerado um MD. Nesses contex-
tos, o O tem sua atenção direcionada para a informação a ser provida
pelo F. Assim, ao chamar a atenção do O, olha mantém traços de senti-
do original no que concerne à percepção e, adicionalmente, instaura um
contexto que pode revelar diferentes intenções do F.
Quanto à configuração morfossintática do contexto de ocorrência
do item, em (2) e (3), olha está atuando como item lexical pleno em atos
de fala claramente diretivos. Em (6), apesar de manter estrutura similar a
(2), associado ao locativo aqui, um deslocamento do espaço físico
para o espaço discursivo, e olha aqui poderia ser adequadamente substi-
tuído por presta atenção. O caso (6) parece ser um contexto típico de
transição de um uso verbal para um uso como MD. As ocorrências (4) e
(9) iniciam um turno e não têm elo sintático explícito com o enunciado.
os dados (7), (8), (10) e (11) apresentam a construção olha que, os
dois últimos em contextos avaliativos.
Em termos de sua posição no enunciado, nos dados (4) a (8), F
usa o item olha à esquerda do enunciado como um meio de interagir e
antecipar suas intenções com relação, por exemplo, a eventuais questio-
namentos do entrevistador. Em (5) e nos dados (6), (10) e (11), o item
apresenta certa mobilidade posicional e coocorre com elementos lingüís-
ticos de valor relacional, como porque olhe, e olha. Nesses contextos, o
falante/redator parece encadear coesivamente o resultado de uma série
de argumentos que estava apresentando, ao mesmo tempo em que solici-
ta a atenção do ouvinte/leitor para a situação descrita. Portanto, olha
aparece em posição relacional, contribuindo simultaneamente para a
chamada da atenção do ouvinte e a seqüenciação do fluxo discursivo.
Ilustramos essa contextualização com os dados (6) e (7), (9) a (11), ex-
traídos da modalidade escrita, para mostrar que a inserção dos MDs
também ocorre nesse contexto. Porém, nosso escopo, nesta tese, é o
mapeamento dos contextos de uso dos itens em dados de fala provenien-
52 |
tes do Projeto VARSUL e de peças de teatro
22
escritas por autores cata-
rinenses, o que, de certa forma, procura representar a fala.
Por fim, observamos que, além das alterações de ordem semânti-
co-pragmática, ocorrências, como (12), (13) e (14), em que evidenci-
amos a tendência do MD a apresentar alterações e/ou reduções fonéti-
cas.
Vale destacar, ainda, as ocorrências (15) e (16), em que a expres-
são ―olhólhó‖ tem a acepção de uma espécie de admiração e é apresen-
tada como marca característica do falar dos descendentes de açorianos
de Florianópolis, conhecidos tradicionalmente como manezinhos da
ilha.
Assim, a forma verbal imperativa canônica é sistematicamente
enfraquecida, que cada vez mais se distancia do mundo externo para
algo que faz parte do texto do falante/redator, isto é, chamando a aten-
ção do ouvinte/leitor para sua declaração. Esse movimento mostra um
duplo deslocamento: desbotamento do conteúdo semântico com ganho
pragmático-discursivo e mudança gradativa do estatuto categorial de
verbo a MD.
22
A opção pela coleta de dados de escrita se deve à inexistência do registro de dados de fala de
séculos anteriores. Nesse sentido, julgamos que os autores de peças teatrais tentaram retratar,
na medida do possível, a fala característica do personagem e do tempo representado.
| 53
2.2 Rumo a outro ver: evidências em dados de fala e de escrita
Desde a sua origem latina videre, o verbo ver apresentava a a-
cepção de avistar, empregar vista, perceber pela vista. Em língua por-
tuguesa, seu significado mais concreto é conhecer ou perceber pela
visão; olhar para, conforme (17).
(17) F: [...] Então lá, inclusive na firma, a gen-
te tinha o maquinário, tudo, a gente levanta, e tu-
do, né? o povo todo, né? vamos dizer, um mês ou
dois meses depois, quem passa aqui, quase não
mais vestígio da enchente, ? porque, o pessoal
começa a lavar [as] pintar as casas outra vez e la-
var, se lavar quando a água está descendo, a
gente consegue lavar bem, que não precisa nem
pintar praticamente, né? só se a gente deixar secar,
aí é que fica mais difícil, né? (BLU 07)
Em (17), vi atua sintaticamente como verbo pleno. Além desse
sentido concreto de percepção, matizes variados são encontrados nos
dicionários de língua portuguesa, a depender do contexto, para o verbo
ver: sentir a impressão que um objeto faz nos olhos; contemplar; obser-
var; ser testemunha; examinar; advertir; idear, imaginar; calcular;
recordar; ponderar, deduzir; antever; apreciar; visitar. O exemplo (18)
evidencia a atuação mais abstrata de ver e refere-se a um uso também
freqüentemente empregado em PB, que evidencia a diminuição do sen-
tido de percepção visual e a adoção de um significado de inferência
mental:
(18) E: E é engraçado que a gente acredita, né?
F: Sim, sim. Eu mesma coisa com cegonhas,
sempre acreditei até que um dia uma amiga disse:
"Mas deixa de ser boba! Isso não é a cegonha
que vem. Imagina, a mulher está gorda como é
que é a cegonha?" Então, tudo isso a gente foi [a-
té] até praticamente quando eu casei, depois de
casados é que a gente foi aprendendo coisas ainda,
né? Que a gente vive naquela inocência toda a vi-
da e meus pais nunca foram de sentar e conversar
hoje é assim, assim, assado. Então, a gente tinha
[que] <dis> que descobrir [com] com amigas, né?
[que] ou então, que Como elas haviam casado
antes de mim, elas às vezes chegavam a contar
54 |
coisas pra mim, que hoje em dia a gente que a
gente estava bem atrasada na época, né? (BLU 09)
Em sua trajetória de mudança semântica, ver perde parte do signi-
ficado relativo à percepção visual (perceber com os olhos) e passa a
veicular a acepção de saber, perceber com a razão, e depois, compreen-
der. Observa-se a perda parcial do sentido de base da forma sob trans-
formação, desenvolvendo-se novos sentidos relacionados uns com os
outros, num movimento que vai de um significado-fonte, mais concreto,
para sentidos derivados, mais abstratos, preservado o sentido original de
captar algo (cf. CASTILHO, 1997).
Votre (1998, 1999, 2001)
23
investigou o comportamento sintático
de achar, pensar, saber e ver
24
e captou os diferentes significados assu-
midos por ver. Conforme o autor, ver tende a desviar-se do sentido de
percepção corporal e a coocorrer com o sentido de percepção mental,
veiculando notar, perceber com a mente, ter visão, compreender, ver
com os olhos do espírito, julgar, determinar. Os resultados apontaram
que ver tem acepção ampla na fase arcaica do que no português contem-
porâneo
12
. Sua conclusão decorre da testagem da trajetória de abstratiza-
ção de ver, para a fase arcaica e proposta para o português atual: avistar
> encontrar > visitar > sentir > perceber > conhecer. Além disso, o autor
observou que ver, no corpus do português contemporâneo analisado,
não ocorre com todos os significados, limitando-se mais à percepção
corporal do que à mental. Todavia, o autor ressalta que não se deve des-
cartar para o português contemporâneo sentidos correspondentes aos do
português arcaico evidenciados em sua investigação.
Nos exemplos, a seguir, extraídos de textos da modalidade falada
e escrita, procuramos recuperar acepções diversas de ver, salientando
contextos específicos de P2 em enunciados com alguma força manipula-
tiva.
(19) E: Ah! É verdade. E essa situação da edu-
cação no país, o que é que tu achas?
23
Votre buscou evidências da trajetória de abstratização de ver em corpus do Português Arcai-
co, que reúne obras dos séculos XIII a XV, e no corpus do Grupo de Estudos Discurso &
Gramática (D & G) da cidade do Rio de Janeiro. Mais informações acerca desse corpus, aces-
se: < http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/corpus.html>.
24
Como Votre (1998, 1999, 2001) já realizou abordagem diacrônica afase arcaica do portu-
guês, nos apropriaremos de seus resultados para proceder ao mapeamento da multifuncionali-
dade do MD .
| 55
F: Olha, eu acho que muitas escolas públicas que
estão dando um banho no Aderbal, né? não no
nosso Estado porque nosso Estado está uma ver-
gonha. Agora tem escolas que passam na televi-
o, pelo menos é o que dizem, né? (est) que ela
está boa, que não sei o quê, não sei o quê. che-
ga ali tu vais nessas escolas públicas tipo Ader-
bal, Irineu, José Boiteaux, tu vês que é aquele pá-
tio sujo, aqueles professores lá tudo não dando bo-
la para os alunos [...] (FLP Jovens)
(20) E: E aqui em Florianópolis, no verão, com
turismo, as praias?
F: Ah, muito movimento, né? Aqui principalmen-
te em Florianópolis, a Ilha da Magia que dizem,
né? vem [turista] turista de tudo que é lado, en-
tão tu vês um falando inglês no teu lado, o outro
falando (risos F) japonês, outro holandês e outro
assim, então [tu]- tu nunca sabes [...](FLP Jovens)
(21) E: Era a sessão das moças, assim, não?
F: Não, a sessão das moças eras às terças-feiras.
Domingo. E aí, assim, a gente namorava, os na-
morados [não] [não] não entravam juntos no ci-
nema, a gente entrava no cinema depois eles en-
travam, a gente guardava a cadeira, eles sentavam.
Tu que era tudo mais romântico, não é como
hoje. Essa mocidade de hoje está muito Talvez e-
les acham o tempo deles melhor do que o nosso,
né? (FLP 24 L.200)
(22) E: E é um problema sério esse do esgoto.
Ainda por cima com essas doenças [agora].
F: [Pois é]. E precisava ter, né? porque ve-
ja, é dificultoso, uma pessoa quer puxar o esgoto
pra rua, não pode. Tem que fazer fossa e poço
morto, que chamam, né? porque não tem encana-
mento de esgoto. E era tão importante ter, né?
(CTB 10 L. 176)
(23) E: E quando a senhora era mais moça?
F: Ah, quando eu era moça, eu gostava. Naquele
tempo tinha a sessão das moças, né?
E: Ah, é? E como era [isso]?
56 |
F: [Era mais] barato. Então a gente aproveitava,
né?
E: E daí iam só moças?
F: Não, era o nome, né? Era sessão das moças
mas ia moça, moço, senhora, ia qualquer pessoa.
E: E era [mais <ba>]
F: [Era uma] vez na semana que tinha, né?
E: Que bacana isso. Eu não sabia.
F: Não sabia? No meu tempo. Vê, eu, quando eu
tinha os meus vinte anos, dezoito. , quantos a-
nos faz, né? (FLP 15 L.204)
(24) E: Porque a gente está fazendo esta entre-
vista com várias pessoas em vários bairros, ? e
o pessoal que fala mesmo que antigamente, né?
[por] <me-> por <ma-> menos que a gente estu-
dasse, mas a escola era muito mais forte [era
mais] puxava mais [pela] pela [cabeça da criança]
e tal, né? Valia bem mais até do que
F: [Ah! Puxava sim.] Valia bem mais a
pena estudar, né? Agora não vale a pena mais.
Você manda a criança pra escola, chega lá, a pro-
fessora não vem, né? Uma hora a professora não
vem dar aula, outra hora tem reunião, né? outra
hora por falta de material, outra hora que não sei o
quê e assim vai indo, né? E as crianças passam
<m-> maior parte do tempo deles em casa sem
estudo, né? Você , então não adianta você bata-
lhar, você sofrer pra você dar estudo pros teus fi-
lhos, né? Você faz de tudo pra dar uma coisa que
você não pode. Você tira <daonde> você não tem
porque você não vê um futuro mais tarde, né?
(CTB 08 L. 29)
(25) Corte para o Brasil. Antônio Beldi, contro-
lador do grupo Splice, de Sorocaba, foi a maior
surpresa da privatização da telefonia brasileira.
Partindo de um grupo relativamente pequeno, ele
arrematou a TCO, uma das maiores companhias
de telefonia celular do Brasil, com 2,7 milhões de
clientes nas regiões Centro-Oeste e Norte e um fa-
turamento da ordem de R$ 1,5 bilhão. Mas, nesta
semana, Beldi protagonizou um negócio que fez
com que o mercado o comparasse a Bernie Eb-
bers. A TCO decidiu comprar a dívida da Splice,
| 57
sua controladora. Trata-se de um papagaio de R$
660 milhões. Veja bem: a Splice controla a TCO
com 18% do capital total, mas todos os acionistas
da operadora pagarão pela compra de uma dívida
que é só do sócio controlador. Resultado: as ações
caíram 16,1% na quarta-feira 14 e outros 14,8%,
um dia depois. Desde junho, o valor de mercado
da TCO evaporou em R$ 700 milhões. (Istoé Di-
nheiro, 22/08/2002).
(26) deputados e senadores dando uma de
demagogos. Não devolva os salários, isto serve
bem para Coruja e Ranzolin. Nossa região precisa
de tantas coisas. Veja bem, até o IPTU e a água
aumentaram 10%, tem gente que nem o que era
não pagava. A Br-282 precisa ter continuidade,
não seria hora dos prefeitos irem, agora sim, de
pires na mão e mudar a opinião destes 30 indese-
jáveis. Mesmo que fosse dinheiro do Mensalão era
bem vindo. Porque quem rouba de ladrão, tem
cem anos de perdão. E aqui ta fazendo uma falta.
Não é mesmo moradores do Morro Grande, bei-
rando a estradinha que dá acesso a Chácara do
Battistella (foto da capa)? É como votar em bran-
co. O Congresso Nacional precisa infinitamente
menos que muitas comunidades. Ou estou errado?
(Jornal O momento, de Lages/SC, 29/12/2005).
Nos exemplos (19) a (21), apresenta estatuto verbal bem defi-
nido. Em (19), trata-se de um uso que tem como função fazer com que o
O ―perceba por meio da visão‖ algo próximo (dêitico locativo). Na ocor-
rência (20), verificamos que mantém o sentido original de percepção,
mas desloca o canal perceptual da ―visão‖ para a ―audição‖. Em (20) a
(26), amplia seu significado inicial, pois perde parte do sentido de
percepção visual e adota um sentido de inferência mental, tendo em
vista que a atenção do O não é mais deslocada para o espaço físico.
Além disso, parece ter a conotação imperativa enfraquecida. Assim, aos
poucos, notamos que esse elemento lingüístico, por meio de transferên-
cia metafórica, parece percorrer a trajetória do ―mundo físico‖ para o
―mundo das idéias‖. Essa mudança semântico-pragmática afeta o estatu-
to categorial do item que pode passar a ser considerado um MD, co-
mo de (22) a (26).
58 |
Em relação ao estatuto morfossintático no contexto de uso, o item
, nas ocorrências (19) a (21), exerce a função de um item lexical ple-
no. Porém, a partir de (22), parece sinalizar a transição de um uso verbal
para um uso como MD, pois aparentemente tem mais independência
sintática. Ressalte-se que nem sempre a total independência pode ser
caracterizada devido à presença de pronomes no contexto de uso (cf.
exemplo 24).
Quanto à posição, observamos que, no exemplo (22), o item ten-
de a ocorrer em posição relacional e coocorre com o elemento porque, o
que sinaliza simultaneamente a chamada da atenção do ouvinte e o
auxílio à organização do fluxo discursivo. Por fim, nas ocorrências em
contexto de escrita em (25) e (26), se afasta do mundo externo, mas
permanece o efeito manipulativo, visto que o redator chama a atenção
do leitor para algo que faz parte da informação veiculada (assumindo,
nesse caso, a forma de uma construção que se pode dizer cristalizada:
veja bem). Assim como com o MD olha, observamos em um duplo
movimento: desbotamento semântico com ganho pragmático-discursivo
e mudança gradativa do estatuto categorial de verbo a MD.
2.3 Funções e formas concorrentes
As ocorrências, rapidamente examinadas nas seções 2.1 e 2.2, e-
videnciam aspectos que suscitam questionamentos, os quais orientaram
a formulação de nossas questões e hipóteses, já apresentadas na Introdu-
ção, mas que julgamos pertinente reafirmar aqui: (i) dado que os itens
apresentam origem semanticamente bastante aproximada (olhar = fitar
os olhos em; e ver = perceber com a vista) e um processo de mudança
semântico-pragmática também parecido, chegando a atuar como MDs,
serão eles intercambiáveis em todos (ou alguns) de seus usos como
MDs?; (ii) que relação esses MDs guardam com a categoria fonte, no
caso, com os verbos?; (iii) em quais de seus usos os MDs migraram
para a escrita?; (iv) construções, como veja bem, funcionam da mesma
maneira que itens isolados, como veja?; (v) o que leva os falantes a
produzirem, de forma variável, olhe, olha; veja, vês/, alternando for-
mas subjuntivas e indicativas?; (vi) haverá, nesses usos alternados, al-
guma correlação com o sistema pronominal do PB para P2 (você/tu)?
Essas indagações, entre outras, orientam o desenvolvimento deste traba-
lho e vão emergir freqüentemente ao longo da tese. Neste momento,
| 59
nossa intenção é problematizar o fenômeno em estudo e evidenciar a
relevância do mesmo.
Como podemos notar, embora tenham acontecido expansões de
caráter semântico-pragmático, olha e ainda retêm, em seus diferentes
usos, vestígios de seu significado-fonte. Por outro lado, apesar de os
itens terem reduzida força dêitica, com enfraquecimento do comando
imperativo do F sobre o O, ainda perduram traços de ato de fala manipu-
lativo. Essas características nos levam a identificar um domínio funcio-
nal em que os itens poderiam estar concorrendo entre si: a chamada da
atenção do ouvinte (cf. ROST, 2002). Observem-se os dados:
(27) E: Totalmente? Então quando você diz que é
um estado de espírito, mas estado de espírito é
uma coisa tua, tá? e como que funciona esse
teu eu com o resto do mundo?
F: Veja bem, se sentir amado de fora pra dentro,
sabe? uma outra pessoa gostar de você, tipo ho-
mem mulher é um lance, mas se você se sentir
amado por uma coletividade, se sentir bem, sabe?
se sentir bem, você chegar num lugar e ter várias
pessoas, nenhuma delas te conhece você se sente
como? (CTB 09 L.1108)
(28) E: Ana Rita, podias pegar um cafezinho pra
nós, faz favor? Eu queria saber mais uma coisa, tu
gostas de cozinhar?
F: Olha, não é meu forte. Não sou muito chegada
na cozinha, mas pra quebrar um galhinho. Mas
eu tenho duas receitinhas bem legais. (FLP 01
L.595)
Nesses contextos, os MDs estão posicionados em início de turno,
em respostas dos informantes a perguntas feitas pelo entrevistador. Pa-
rece haver um maior envolvimento do F consigo mesmo, e o uso dos
itens permite a diminuição da força ilocutória do enunciado opinativo,
fazendo com que o entrevistado não se sinta comprometido com o juízo
emitido. Trata-se, portanto, de contextos em que as formas parecem
estar em competição. É claro que sempre haverá matizes de sentido um
pouco diferenciados em cada contexto, mas a chamada da atenção do
ouvinte permanece, ou seja, o domínio funcional é o mesmo. Resta
averiguar (i) a multifuncionalidade dos itens no interior de tal domínio
(e mesmo fora dele) e (ii) se a intercambialidade é possível em todas as
60 |
ocorrências de olha e como MDs, ou se restrições de uso de um
ou de outro item, e, se for o caso, que restrições são essas.
| 61
2.4 As construções imperativas em PB
Como o objeto de estudo desta pesquisa são MDs que derivam de
contextos imperativos de P2, descrevemos, a seguir, a forma e função
(valores interacionais) desempenhadas pelo imperativo, sem nos ater às
demais pessoas gramaticais, bem como apresentamos a síntese do levan-
tamento feito em pesquisas que tratam sobre o uso variável das formas e
funções do imperativo em PB.
2.4.1 Forma
Said Ali (1971, p.323) destaca que, quanto à formação, o impera-
tivo português apresenta somente para o sujeito tu forma própria. Devi-
do à deficiência nas frases negativas para o dito sujeito, nas afirmati-
vas ou negativas para os sujeitos você, o Sr., etc. e para a pessoa do
plural, recorre-se a formas do presente do conjuntivo.
Assim, tradicionalmente, duas naturezas para a formação do
imperativo, considerando o objeto central desta pesquisa: as formas olha
e não diferem das respectivas formas pessoais do presente do IND
senão pela eliminação do s final. Por outro lado, as formas olhe e veja
são derivadas do presente do SUBJ. Nesse caso, nos moldes das gramá-
ticas normativas, o imperativo se constituiria a partir da concordância
com a terceira pessoa do singular (doravante P3) do SUBJ.
É interessante considerarmos esses aspectos formais do modo
imperativo, pois os MDs em análise m apresentado variações em suas
formas de realização, que podem estar relacionadas à formação do modo
imperativo. Ademais, se atentarmos para aspectos regionais, é plausível
indagarmos se haveria alguma correlação entre as formas olhe e veja e o
uso do pronome você para referir P2, como ocorre em Curitiba, por
exemplo (cf. LOREGIAN, 1996, 2004).
62 |
2.4.2 Função
A função essencial do imperativo, conforme Said Ali (1971, p.
323), é denotar ordem, convite, conselho, pedido, súplica, quer dizer,
manifestações de vontade ou desejo acompanhadas da esperança de seu
cumprimento da parte do indivíduo a quem se dirige. Entretanto, segun-
do o autor, outras formas podem ocasionalmente preencher o mesmo
fim, porém sempre com função secundária. Semelhantemente, Luft
(1991, p. 112) menciona que, por meio do imperativo, o F impõe o pro-
cesso verbal ao O, assumindo atitude ativa; é o modo do mando.
Apesar do nome ―imperativo‖, Said Ali (1971) capta, no uso, as
diferentes circunstâncias e relações, destacando que freqüentemente
pode auxiliar na expressão de convite, conselho ou pedido. Nas circuns-
tâncias de igual para igual ou de inferior para superior, por exemplo,
tende a veicular sentido oposto ao de ordem ou mando. Trata-se de im-
perativo rogativo não somente nos contextos em que denota pedido
propriamente dito, mas também quando significa imprecação, invocação
e outras noções semelhantes.
Outro uso diferente do anterior, segundo Said Ali (1971), se dá
quando o imperativo é empregado para induzir alguém a fazer alguma
coisa de seu próprio interesse, ou para fazer sentir que esta pessoa não é
menos interessada que o indivíduo falante. Está compreendido nesta
categoria o imperativo denotador de conselho, convite, admoestação,
advertência, insinuação e outras acepções análogas.
Por outro lado, mais recentemente, Cunha e Cintra (2001, p.485)
destacam que, além de veicular ordem e comando, usos em que os
falantes pretendem exortar, animar, incitar, encorajar, estimular o inter-
locutor a cumprir a ação indicada pelo verbo. Nesses contextos, o em-
prego do imperativo projeta uma hipótese no lugar de comandos proto-
típicos. Destacam os autores que as acepções do imperativo são alta-
mente dependentes do significado do verbo, do sentido geral do contex-
to e, principalmente, da entonação empregada. Por meio do tom da voz,
a noção de comando pode se abrandar até a de súplica.
Além desses matizes apresentados pelo imperativo, há outros
meios de que dispõe a língua para denotá-lo, os quais os autores definem
como substitutos do imperativo. São frases nominais e tempos verbais
do IND e do SUBJ que podem ser utilizados com valor de imperativo,
bem como advérbios, formas verbais repetidas e emprego de formas de
polidez que funcionam com o intuito de ―evitar ferir a suscetibilidade de
| 63
nosso interlocutor com a rudeza de uma ordem (CUNHA; CINTRA,
2001, p. 482).
Como se vê, embora normalmente voltada para a ngua escrita,
as gramáticas tendem a apresentar uma razoável gama de formas e fun-
ções do imperativo e reconhecem, mesmo de modo discreto, os fatores
pragmáticos envolvidos no contexto de uso. É o gradiente semântico-
pragmático dos itens em estudo que ainda mantêm traços de ato de
fala manipulativo em P2 que desejamos captar nesta pesquisa, desde o
uso como verbo pleno até MDs, a fim de que possamos identificar, além
da multifuncionalidade dos itens, o domínio funcional em que as formas
podem estar atuando como camadas em competição. Para isso, apresen-
tamos, a seguir, a síntese de três estudos que foram realizados sobre a
expressão variável do imperativo em PB, que captam nuances pragmáti-
cas em contextos específicos de uso, e podem orientar algumas de nos-
sas hipóteses.
2.4.3 O uso variável do imperativo no PB: evidências pragmáticas
A pesquisa de Faraco (1982, 1986) ratifica a hipótese de que fato-
res pragmáticos tendem a influenciar uma série de mudanças lingüísti-
cas. O autor, ao estudar o emprego alternado da sentença imperativa,
analisou a literatura lingüística a respeito do assunto e observou que
ocorrem, em P2, dois conjuntos diferentes de formas verbais: (a) as
originadas do SUBJ Cante essa música agora! ou Não cante essa
música agora! tendo em vista, segundo ele, que o tratamento com o
interlocutor em PB é feito, predominantemente, com formas lingüísticas
de P3; e (b) as originadas do IND Canta essa música agora! ou Não
canta essa música agora! usadas na conversação.
Esperava-se, conforme o autor, que (b) teria reduzida probabili-
dade de ocorrência no PB devido ao amplo emprego de você no trata-
mento com o interlocutor. A ausência de sujeito superficial e a presença
de valores discursivos diferenciados, a depender do contexto, podem
caracterizar um pedido atenuado, uma ordem rude, uma súplica humilde
ou um recurso ilocucional do ato de fala. Esse recurso se dá, muitas
vezes, quando o interlocutor não cumpriu a ordem que lhe foi dada,
assim o F repete-a mudando a forma verbal de (a) para (b), o que equi-
vale a um reforço da força ilocucional de ordem. Houve, portanto, se-
gundo o autor, especialização pragmática com restrições de uso.
64 |
Conseqüentemente, a ocorrência de (b) engendrará um contexto
para uma implicatura conversacional, que uma das estratégias que se
tem para forçar o interlocutor a usar sua capacidade inferencial para
apreender significados conversacionalmente implicados de enunciados é
o emprego de formas inesperadas. O uso recorrente da forma cristaliza
uma implicatura como um traço significativo permanente da forma nu-
ma prática discursiva específica. O autor ressalta que o fato de o F esco-
lher (a) ou (b) não quer dizer que ele está trocando a forma de tratamen-
to com o interlocutor. Tem-se uma mudança na função da forma.
Além da pesquisa de Faraco (1982), outros estudos que constata-
ram a influência de fatores pragmáticos, como também lingüísticos, na
variação do imperativo foi o de Scherre et al. (2000) e Scherre (2008).
Em situações de língua escrita, como textos de propaganda, de histórias
em quadrinhos, de histórias infantis e da literatura brasileira em geral,
verificou-se que a expressão do imperativo se faz predominantemente
por meio da forma subjuntiva por razões de natureza lingüística e con-
textual (discursiva e social). Por outro lado, nos eventos de língua fala-
da, o uso do imperativo em P2 se corporifica na forma indicativa, ao
contrário da forma plural que é quase categórica na forma subjuntiva.
Segundo os autores, tal fato se deve porque está em jogo uma questão
puramente sintática.
Scherre (2008, p. 307) destaca que a tradição gramatical costuma
vincular as formas do IND ao pronome tu e as do SUBJ ao pronome
você. Porém, a autora reuniu
25
os estudos que tratam da alternância das
formas indicativas e subjuntivas nos contextos de pronome tu ou você
em nove cidades brasileiras e verificou a alta freqüência de uso de impe-
rativo associado ao IND em dados de fala em contexto exclusivo do
pronome você (Brasília, Goianésia, Campo Grande, Rio de Janeiro,
Salvador e João Pessoa) e em contexto de alternância de tu/você (Rio de
Janeiro, Florianópolis e Lages).
Aspectos de natureza pragmática também foram evidenciados em
Reis (2003). A autora confirmou, a partir da estratificação estilística dos
principais personagens-manipuladores de As Vinhas da Ira
26
, de Jonh
25
Scherre (2008, p. 307) refere-se aos resultados das pesquisas de Rodrigues (1993), Morais
(1994), Loregian (1996), Bonfá, Pinto e Luiz (1997), Scherre et al. (1998), Paredes da Silva
(1998), Ferreira (2000), Alves (2001), Sampaio (2001), Alves (2001) e Lima (2004).
26
As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath), escrita pelo norte-americano John Steinbeck, no
ano de 1939, traduzida para a versão sul-regionalista do PB por Herbert Caro e Ernesto Vinha-
es, é o relato de uma família pobre de Oklahoma. Devido à Grande Depressão de 1929, obriga-
se a abandonar suas terras e partir para um novo mundo (Califórnia), em busca de condições de
vida melhores. Ludibriados por falsas promessas, todos partem em um velho caminhão pela
| 65
Steinbeck, a existência de uma correlação escalar entre os dispositivos
enfraquecedores/fortalecedores da força manipulativa constituinte dos
atos de fala de comando e o uso das variantes indicativa e subjuntiva.
Assim, segundo Reis (2003, p.191), ―quanto maior a força manipulativa
dos atos de comando, maior foi o uso da variante indicativa e, quanto
menor, maior o uso do SUBJ‖. Nesse sentido, observou também a
relevância da variável simetria/assimetria das relações sociopessoais
entre manipuladores e manipulados, segundo a abordagem estilística da
variação. Seus resultados apontaram para o seguinte comportamento:
comandos dirigidos a personagem manipulado de
papel sociopessoal de [> autoridade], com
tratamento respeitoso, foram mais recorrentes na
variante subjuntiva, como por exemplo, de
filhos/mãe, fiéis/reverendo. comandos dirigidos
a personagem manipulado de papel sociopessoal
de [> proximidade] e de relação de [> intimidade],
como entre iguais (irmãos, marido/mulher,
amigos), foram mais freqüentes na variante
indicativa. [...] a variável independente
simetria/assimetria das relações sociopessoais,
detalhadamente tratada, firmou-se como a maior
norteadora na abordagem estilística da variação
(REIS, 2003, p. 191).
Como se vê, as três pesquisas levantadas ressaltam que constru-
ções imperativas envolvem fatores pragmáticos que podem influenciar
usos variáveis e eventuais mudanças.
2.5 Fechando o capítulo
Neste capítulo, o rastreamento bibliográfico permitiu delinear a
mudança semântico-pragmática por que passam os verbos de percepção
olhar e ver, especialmente as formas de P2, e descrever hipoteticamente
a sua potencialidade semântico-pragmática desde sua base verbal como
item lexical pleno, realizado via ato de fala manipulativo, até seu com-
portamento como MD, quando apresenta um enfraquecimento da força
imperativa prototípica, estando mais associado a sentidos abstratos e
Route 66 em uma jornada em que nada pode ser previsto. Por essa obra, Steinbeck recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1962.
66 |
pragmáticos. Esse movimento revela duplo deslocamento: desbotamento
do conteúdo semântico com ganho pragmático-discursivo e mudança
gradativa do estatuto categorial.
Na seqüência, identificamos o domínio funcional da chamada da
atenção do ouvinte em que olha e podem estar atuando como cama-
das em competição.
Em seguida, para contextualização ampla do fenômeno em estu-
do, tecemos algumas considerações sobre as formas e os valores intera-
cionais desempenhados pelo imperativo, bem como apresentamos a
síntese do levantamento feito nas pesquisas de Faraco (1982, 1986),
Scherre et al. (2000), Scherre (2008) e Reis (2003), que tratam sobre o
uso variável do imperativo em PB. Vimos que construções imperativas
tendem a comportar-se de maneira variável devido a fatores pragmáticos
que influenciam eventuais mudanças em contextos específicos de uso.
Feitas essas considerações sobre a potencialidade semântico-
pragmática de olha e , vislumbramos a necessidade de nos dedicar-
mos ao aprofundamento do fenômeno em estudo. Verificamos que a
investigação sobre a definição, a forma e a função dos MDs é crescente
em diversas línguas. Alguns estudos ganharam evidência em meados da
década de 80. Citam-se, especialmente, os de Schiffrin (1987, 2003),
que analisou sistemática e detalhadamente os MDs oh, well, and, but,
or, so, because, now, then, I mean, y‟know com base numa amostra de
dados de entrevistas sociolingüísticas com americanos
27
. Embora há
muito tenham sido identificados
28
, nas últimas décadas seu estudo tende
a ser mais aprofundado em uma variedade de gêneros. Schiffrin (2003,
p. 54) cita, por exemplo, gêneros como entrevistas políticas, consultas
médicas, jogos, seções tutoriais de computadores, jornais, sala de aula,
entre outros.
É consenso entre os pesquisadores que os MDs ―são expressões
que relacionam segmentos discursivos‖ (SCHIFFRIN, 1987; FRASER,
1999, p.193), porémdescompasso quanto à identificação de sua natu-
reza (cognitiva, expressiva, social e textual, cf. SCHIFFRIN, 2003) e de
seu estatuto. Essa complexidade do objeto em si, aliada ao fato de que
27
A autora não explicita clara e quantitativamente os intrumentos de coleta de dados que
serviram de base para sua pesquisa.
28
Said Ali, em 1930, reconhecia algumas das formas hoje rotuladas como MDs identificando-
as como ―expressões de situação‖ (apud URBANO, 1997, p. 86). Por outro lado, o logicista
Martinez (1952 apud PONS BORDERÍA, 1998, p. 214) denominou-os muletillas (bordões),
cuja função, segundo o autor, é carecer de função alguma. Conforme Schiffrin (1987), Fanshel
e Labov (1977) introduziram o termo marcador discursivo e Levinson (1983) destacou a
relevância do estudo dessa classe.
| 67
provêm de um universo de categorias
29
, contribui para que haja acentua-
da pulverização terminológica. Fraser (1999, p. 932) cita, pelo menos,
quinze diferentes denominações. Há ainda, além dos termos citados por
Fraser, outras expressões: marcadores conversacionais (MARCUSCHI,
1991; SILVA, MACEDO, 1996; TRAVAGLIA, 2002; BASÍLIO,
2002), pontuantes (VINCENT, 1983 apud SILVA; MACEDO, 1989;
VICENT; VOTRE; LAFOREST, 1993), bordões (MARQUES, 1993),
entre outras. Conforme antecipamos na Introdução desta tese, adotamos
a expressão marcador discursivo, introduzida por Fanshel e Labov
(1977) e adotada principalmente por Schiffrin (1987). Essa pulveriza-
ção, conforme alertam Risso, Silva e Urbano (1996, 2006), se, de um
lado, atesta a especificidade dos enfoques dados aos MDs, de outro,
revela os desencontros na compreensão de sua atuação, ou seja, a falta
de um assentamento comum de seu estatuto. Essa diversidade de abor-
dagens e de caracterizações seja formais, seja funcionais, justifica, a
nosso ver, o fato de reservamos um capítulo especial para tratar de MDs,
focalizando-os do ponto de vista teórico e também apresentando traba-
lhos realizados com MDs similares em cinco línguas românicas (cf.
capítulo 4).
29
No capítulo 4, serão apresentadas mais detalhadamente as categorias que derivam MDs.
68 |
| 69
3
ENQUADRE TEÓRICO DA PESQUISA
Apresentamos, neste capítulo, o enquadramento teórico-
metodológico em que esta tese se insere, baseado na aproximação entre
o Funcionalismo, notadamente os estudos acerca da mudança lingüística
via gramaticalização (cf. HOPPER, 1987, 1991; GIVÓN, 1991, 1995,
2001, 2002, 2005; TRAUGOTT, 1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002;
TRAUGOTT; HEINE, 1991; HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER,
1991; TRAUGOTT; KÖNIG, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 1993;
BYBEE; HOPPER, 2001; HEINE, 2002, 2003; HEINE; KUTEVA,
2007) e a perspectiva da Teoria da Variação e Mudança (cf.
WIENREICH; LABOV; HERZOG, [1968] 2006; LABOV, [1972]
2008, 1978, 1994, 2001).
Dividimos este capítulo em quatro seções. Na primeira, destinada
ao funcionalismo lingüístico, tratamos da concepção de gramática emer-
gente, dos princípios da iconicidade e da marcação e do estatuto e dos
preceitos da mudança lingüística via gramaticalização. Nesse momento,
nos deteremos na discussão acerca dos aspectos cognitivos e comunica-
tivos envolvidos na mudança com ênfase nos aspectos pragmáticos,
tendo em vista que nosso objeto de estudo são as formas olha e (e
suas variações formais) que, no contexto de ato de fala manipulativo,
tendem a manter resquícios de imperativo. Por tal razão, tenciona-se
identificar estágios de mudança dos MDs, teoricamente associados às
funções da linguagem ideacional, textual e interpessoal, e discutir a
pertinência de abordá-los como um fenômeno de gramaticalização. Ain-
da nesta seção sobre a abordagem funcionalista, revisamos preliminar-
mente a literatura acerca dos atos de fala com o intuito de captar os ma-
tizes semântico-pragmáticos dos graus de manipulação envolvidos nos
atos de fala diretivos.
Na segunda seção, apresentamos, em linhas gerais, os pressupos-
tos básicos e a operacionalização metodológica da Teoria da Variação e
Mudança Lingüística, discutindo a possibilidade de se incluir fenômenos
discursivos na abrangência da regra variável (no sentido laboviano do
termo) e a pertinência de se recuar períodos de tempos distantes mesmo
quando o acesso ao texto falado torna-se quase inviável.
70 |
A terceira seção é dedicada à apresentação da proposta de uma
abordagem integrada para o tratamento do fenômeno investigado: que a
mudança seja vista na perspectiva da gramaticalização e da variação
lingüística.
Na última seção, apontamos as principais conclusões deste capí-
tulo.
3.1 Abordagem Funcionalista
Nesta seção, apresentamos, em linhas gerais, alguns dos pressu-
postos básicos que caracterizam o funcionalismo lingüístico, especial-
mente a abordagem funcionalista da Costa Oeste Americana, represen-
tada por Givón, Hopper, Traugott, Bybee e pesquisadores associados, e
da Alemanha, representada por Heine, Claudi e Hünnemeyer.
Funcionalismo é uma abordagem teórica que se liga, acima de tu-
do, aos fins a que servem as unidades lingüísticas, ou seja, ocupa-se das
funções dos meios lingüísticos de expressão. As formas lingüísticas são,
pois, configurações de funções, e as diferentes funções são os variados
modos de significação no enunciado, que conduzem à eficiência da co-
municação entre os usuários de uma língua.
Sob essa perspectiva, conforme Givón (1993, 1995, 2001, 2002,
2005), a gramática resulta de regularidades fundamentadas no uso, ou
seja, se molda a partir do discurso dos falantes. A intenção principal é
observar a língua do ponto de vista do contexto lingüístico e da situação
extralingüística. Trata-se, portanto, de um dos princípios gerais do fun-
cionalismo conceber a linguagem como um instrumento de interação
social que busca no contexto discursivo a motivação para os fatos da
ngua.
Segundo Givón, as funções principais da linguagem são de repre-
sentação e de comunicação do conhecimento/experiência. A comunica-
ção se por meio de dois sistemas que envolvem níveis hierarquica-
mente articulados: (i) de um lado, um sistema de representação cogniti-
vo que abriga o nível lexical, a informação proposicional e o discurso
multiproposicional; (ii) de outro, um sistema de codificação comunicati-
vo no qual se situa o código gramatical, que atua concomitantemente
nos níveis proposicional e multiproposicional. A gramática, portanto,
codifica, simultaneamente, a semântica proposicional e a pragmática
discursiva.
| 71
Givón concebe a gramática como estrutura (código simbólico
complexo que envolve níveis mais concretos e mais abstratos de organi-
zação gramatical) e como função adaptativa (que interage com a memó-
ria semântica (léxico)), com a semântica proposicional (estrutura argu-
mental), com a memória episódica (coerência discursiva), com a memó-
ria de trabalho e atenção. A função comunicativa das construções gra-
maticais é observada no contexto discursivo (GIVÓN, 2005, p. 95-96).
Ainda na perspectiva givoniana, o caráter dinâmico da língua ga-
nha evidência ao ser vista como adaptação biológica:
As pressões adaptativas que dão forma à estrutura
sincrônica (‗idealizada‘) da língua são exercidas
durante a performance on-line. É que a língua
emerge e muda. É aí que as formas se ajustam
constantemente a novas funções e significados es-
tendidos. É que a variação e a indeterminação
são componentes indispensáveis dos mecanismos
que modelam e remodelam a competência‘
(GIVÓN, 2002, p. 5, tradução nossa).
Hopper (1987) cunha o termo gramática emergente, remetendo
à idéia de que uma forma lingüística nunca é fixa nem a priori determi-
nada. Sua estrutura, ou regularidade, é delineada pelo uso no discurso.
A noção de Gramática Emergente se destina a su-
gerir que a estrutura, ou a regularidade, parte do
discurso e é moldada por ele tanto quanto molda o
discurso em um processo contínuo. A gramática,
portanto, não deve ser entendida como um pré-
requisito para o discurso, um bem prévio que pode
ser atribuído de forma idêntica ao falante e ao ou-
vinte. Suas formas não são modelos fixos, mas são
negociáveis na interação face-a-face de modos
que refletem a experiência passada do indivíduo
com essas formas e sua avaliação sobre o contexto
presente, incluindo especialmente seus interlocu-
tores, cujas experiências e avaliações podem ser
muito diferentes. Além disso, o termo Gramática
Emergente aponta para uma gramática que não é
formulada e representada abstratamente, mas é
sempre ancorada na forma concreta e específica
de um enunciado (HOPPER, 1987, p. 142, tradu-
ção nossa).
30
30
―The notion of Emergent Grammar is meant to suggest that structure, or regularity, comes
out of discourse and is shaped by discourse as much as it shapes discourse in an on-going
72 |
Tavares (2003, p. 15) tece considerações interessantes a respeito
da noção de gramática emergente:
a gramática sob a perspectiva emergente é uma a-
tividade real, on-line, que emerge cotidianamente
no discurso. No uso diário das línguas, temos, por
um lado, a repetição de formas gramaticais (pala-
vras, construções), reforçando-se assim sua regu-
larização. Por outro, tais formas são rearranjadas,
desmanteladas e remontadas de modos diferentes
a cada situação comunicativa, podendo dar origem
a fórmulas inovadoras.
Sob esse ponto de vista, a gramática não envolve categorias dis-
cretas. Essa visão levada ao extremo não prevê relações estáveis entre
estruturas e seus correlatos semântico-pragmáticos: as regras são
100% flexíveis (GIVÓN, 2002, p. 33).
Não obstante considerar o caráter adaptativo da gramática, Givón
assume uma perspectiva diferente do ponto de vista de Hopper ao admi-
tir que pode haver tanto emergência como rigidez de categorias, que são
vistas a partir da noção de protótipo: as categorias têm natureza híbrida,
podendo se distribuir num continuum mas também ser discretas. Essa
noção de discretude e de gradiente está diretamente relacionada à ques-
tão de freqüência de uso e grau de previsibilidade informacional, e será
retomada adiante quando falarmos de gramaticalização.
Além das duas funções básicas da linguagem anteriormente men-
cionadas, de natureza cognitiva e pragmática respectivamente repre-
sentação mental da experiência e sua comunicação aos outros , Givón
(1993, p. 21) elenca outras funções metacomunicativas: a função de
coesão sociocultural (assinalando a identificação dos indivíduos com o
grupo), a função afetiva interpessoal (servindo à interação e externali-
zando afeto, cooperação, obrigação, dominação, competição), e a função
estética.
Ainda tratando de funções da linguagem, Thompson (1996, p. 27-
28), a partir da proposta teórica tripartite de Halliday e Hasan (1976),
process. Grammar is hence not to be understood as a pre-requisite for discourse, a prior posses-
sion attributable in identical form to both speaker and hearer. Its forms are not fixed templates,
but are negotiable in face-to-face interaction in ways that reflect the individual speakers' past
experience of these forms, and their assessment of the present context, including especially
their interlocutors, whose experiences and assessments may be quite different. Moreover, the
term Emergent Grammar points to a grammar which is not abstractly formulated and abstractly
represented, but always anchored in the specific concrete form of an utterance‖ (HOPPER,
1987, p. 142).
| 73
reafirma que cada uma das três diferentes funções da linguagem expe-
rencial
31
, interpessoal e textual igualmente sua parcela de contribu-
ição para o sentido da mensagem integral e é tipicamente usada como
base para explicar como sentidos são criados e compreendidos. Essas
três funções são também evocadas por estudiosos da gramaticalização
para explicar o movimento de mudança de MDs impulsionada por fato-
res de natureza semântico-pragmática. É o que fazem Traugott (1982,
1989, 1995, 1999, 2001, 2002), Traugott e König (1991), Heine, Claudi
e Hünnemeyer (1991) e Heine (2002, 2003), por exemplo. Esse ponto
será retomado ao final da seção que trata de gramaticalização.
Além da premissa funcionalista de que a estrutura da gramática
depende do uso que se faz da língua, isto é, que a estrutura é motivada
pela situação comunicativa, verificam-se dois outros princípios regula-
dores da codificação lingüística: o da iconicidade e o da marcação.
O princípio da iconicidade é definido como a correlação natural
entre forma e função, entre o código lingüístico (expressão) e seu conte-
údo
32
. Nesse sentido, a estrutura da língua reflete, de algum modo, a
estrutura da experiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, a
suposição geral é que a estrutura lingüística revela as propriedades da
conceitualização humana do mundo ou as propriedades da mente huma-
na. Assim, a língua não consiste em um mapeamento arbitrário de idéias
para enunciados: razões estritamente humanas de importância e comple-
xidade refletem-se nos traços estruturais das línguas. As estruturas sintá-
ticas não devem ser muito diferentes, na forma e na organização, das
estruturas semântico-cognitivas subjacentes (cf. GIVÓN, 1995, p. 25).
Givón (2001, p. 24) admite que o princípio da iconicidade com-
pete com o princípio da economia de processamento, formulado por
Haiman (1985). Ambos são universais, mas se submetem a um com-
promisso adaptativo dinâmico: de um lado, a necessidade de ser infor-
mativo e claro favorece a iconicidade; de outro lado, a tendência à redu-
ção da atividade física e mental (lei do menor esforço) favorece a eco-
nomia. Essas motivações em competição se refletem no processo de
mudança lingüística via gramaticalização: ganha-se rapidez de proces-
samento via automatização, enquanto se perde certa porção de transpa-
rência do código, via aumento da arbitrariedade.
31
Também chamada de ―ideacional‖ ou ―proposicional‖.
32
Para Givón (1991), trata-se da correlação idealizada entre forma e função. O autor admite
que exista arbitrariedade na estrutura formal e justifica que a iconicidade do código lingüístico
está sujeita a pressões diacrônicas tanto na forma (desgaste do código por atrito fonético-
fonológico) quanto na função (alteração da mensagem por expansão polissêmica).
74 |
Em sua versão atenuada, o princípio da iconicidade permite a in-
vestigação detalhada das condições que governam o uso dos recursos de
codificação morfossintática da língua. Assim, formas e funções estão
sempre em mobilidade, havendo geralmente mais de uma forma para
cada função e mais de uma função para cada forma. A iconicidade que
caracteriza a língua reside no fato de que as formas são usadas sob in-
fluência de um conjunto de motivações funcionais.
Outro aspecto cognitivo que influi no rol de inter-relações grama-
ticais, conforme Givón (1995, p. 28), é o princípio da marcação. Para o
autor, a marcação é dependente do contexto, no sentido de que uma
construção pode manifestar-se como marcada num contexto e não-
marcada em outro. O autor apresenta três critérios básicos para definir
um item como marcado: complexidade estrutural, distribuição de fre-
qüência e complexidade cognitiva. Os itens ou as construções que apre-
sentam maior complexidade estrutural e cognitiva e menor freqüência
de uso são considerados mais marcados. E vice-versa: aqueles que apre-
sentam menor complexidade estrutural e cognitiva e maior freqüência
de uso são considerados menos marcados
33
. a tendência geral nas
línguas para que esses três critérios de marcação coincidam. A correla-
ção entre complexidade estrutural, complexidade cognitiva e freqüência
de ocorrência é o reflexo mais geral da iconicidade da gramática.
Nesse sentido, vale ilustrar que, na pesquisa de Rost (2002), a a-
plicação do princípio da marcação nos MDs olha e veja, sob a forma de
seus três critérios básicos, revelou a seguinte tendência: olha foi o MD
mais recorrente e que apresentou menor complexidade estrutural e cog-
nitiva, ao contrário de veja. Acreditamos que a baixa freqüência do MD
veja se deva ao fato de ainda apresentar mais marcas visíveis de sua
origem verbal e à transferência metafórica que sofreu da percepção físi-
ca para a percepção mental.
Cabe ressaltar ainda que, conforme Givón, a aplicação do princí-
pio da marcação não se restringe apenas às categorias lingüísticas, mas
pode estender-se a outros fenômenos, como a distinção entre o discurso
formal e a conversação espontânea.
Em síntese, objetivamos, nesta seção, apresentar alguns dos pres-
supostos básicos que caracterizam o funcionalismo, especialmente o da
vertente norte-americana, os quais servirão como parte do suporte teóri-
33
Givón (2001, p. 38, grifo nosso) acaba reunindo os critérios de complexidade cognitiva e
estrutural no que ele denomina princípio meta-icônico da marcação: ―categorias que são
estruturalmente mais marcadas tendem também a ser substantivamente [vale dizer funcional-
mente] mais marcadas‖.
| 75
co desta tese. Adotamos, portanto, a concepção de que (i) forças cogni-
tivas e comunicativas operam no indivíduo no momento concreto da
comunicação, traduzidas na formulação dos princípios da iconicidade,
da economia e da marcação, reguladores da codificação linguística; (ii)
as principais funções da linguagem são de representação e comunicação
do conhecimento/experiência essas funções amplas recobrem as fun-
ções ideacional, interpessoal (expressiva) e textual; (iii) a gramática é
vista tanto como instrumento que codifica, articuladamente, os níveis
proposicional e multiproposicional, quanto como função adaptativa; e a
função comunicativa das construções gramaticais é observada no con-
texto discursivo; (iv) a relação entre formas e funções é dinâmica e su-
jeita a reelaborações constantes por meio do processo de gramaticaliza-
ção; (v) as categorias têm natureza híbrida, podendo se distribuir num
continuum mas também ser discretas.
3.1.1 Gramaticalização: definição, princípios, trajetórias, motivações
A mudança lingüística por gramaticalização ainda é uma questão
bastante controversa na literatura, pois (des)encontros na compreen-
são exata do termo ―gramaticalização‖
34
e, freqüentemente, observam-se
34
Gramaticalização é um termo que tem sido utilizado com uma variedade de significados
(consulte, por exemplo, BYBEE; PERKINS; PAGLIUCA, 1994; HEINE; CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991; TRAUGOTT; HEINE, 1991). Heine (2003, p. 577) faz a distinção
entre teóricos que adotam a perspectiva diacrônica, os quais preferem o termo gramaticaliza-
ção (por exemplo, MEILLET, [1912] 1948; HOPPER, 1987; HOPPER; TRAUGOTT, 1993,
entre outros) daqueles que investigam a abordagem sincrônica, cujos termos gramaticização ou
gramatização (por exemplo, MATISOFF, 1991 apud CAMPBELL; JANDA, 2001, p. 94) ou
ainda gramaticalidade (TRAUGOTT, a ser publicado) são aplicados. De igual forma, Hopper e
Traugott (1993, p. 1-2, tradução nossa) apresentam dois significados para o termo gramaticali-
zação: ―Como um termo que se refere à abordagem com a qual se lida com o fenômeno da
linguagem, ele se refere àquela parte do estudo da ngua que se volta a como as formas e
construções gramaticais surgem, como são usadas, e como elas moldam a língua. […] Logo,
ele salienta a tensão entre uma estrutura lexical relativamente sem restrições e uma estrutura
sintática, morfossintática e morfológica mais restrita. O termo ‗gramaticalização‘ também se
refere ao fenômeno da linguagem de fato com que a abordagem da gramaticalização busca
trabalhar, especialmente os processos pelos quais itens se tornam mais gramaticais com o
tempo.‖. Cabe, ainda, segundo alguns teóricos (entre os quais, HOPPER; TRAUGOTT, 1993;
CAMPBELL; JANDA, 2001), distinguir entre gramaticalização ("fenômenos lingüísticos
específicos"), estudos de gramaticalização ("a análise desses fenômenos") e teoria da gramati-
calização ("uma memória descritiva e explicativa desses fenômenos"). Heine (2003, p. 575)
expõe que a teoria da gramaticalização é amplamente empregada como disciplina, embora
alguns prefiram simplesmente se referir à gramaticalização (HOPPER; THOMPSON 2003
[1993]), por analogia à fonologia, morfologia, sintaxe, etc. Também, ao se adotar a expressão
76 |
discussões críticas acerca do estatuto, das trajetórias e de seus princípios
básicos (ver, por exemplo, CAMPBELL, 2001; CAMPBELL; JANDA,
2001).
Como a polêmica que emerge dos estudos sobre a gramaticaliza-
ção não é o objeto de interesse desta tese, passamos a apresentar apenas
um recorte dos pressupostos fundamentais que se mostram pertinentes
para o tratamento do tema desta pesquisa. Na seqüência, buscamos uma
definição de gramaticalização que dê conta do comportamento multifun-
cional dos MDs olha e , apresentamos os princípios que acreditamos
estarem atuando sobre o funcionamento desses itens, os tipos de mudan-
ça envolvidos na gramaticalização, as motivações pragmáticas e semân-
ticas que subjazem ao longo do processo por que se aventuram olha e
, os parâmetros interrelacionados na gramaticalização e, por fim, re-
servamos um espaço especial para expor a concepção de Traugott, que é
bastante relevante nesta pesquisa em virtude da ênfase atribuída por ela
ao contexto pragmático.
3.1.1.1 Definição
A primeira vez
35
em que se observou declaradamente o uso e a
definição do termo ―gramaticalização‖ foi no artigo de A. Meillet, de
1912, intitulado L‟évolution des formes grammaticales. Em síntese, o
exemplo apresentado por Meillet para os usos em francês do verbo être
na pessoa do presente leva a crer que a gramaticalização pode ser
entendida tanto como um processo diacrônico e gradual, isto é, a deriva-
ção de usos acessórios e gramaticais de um uso principal (lexi-
cal/expressivo), quanto um processo sincrônico, ou seja, a convivência
dos usos assim constituídos num mesmo recorte de tempo (CASTILHO,
1997).
teoria da gramaticalização, permite-se a referência aos teóricos da gramaticalização, na ausên-
cia de terminologia como ―grammaticalizationists(NOËL, 2006). No Brasil, diversos estudos
sobre gramaticalização surgiram a partir do final dos anos 90 e têm se voltado a diversas áreas:
perspectiva geral, aspectos teóricos e metodológicos da gramaticalização; gramaticalização de
substantivos; gramaticalização de verbos; gramaticalização de pronomes e de expressões de
tratamento; gramaticalização de advérbios; gramaticalização de conjunções; gramaticalização
de preposições; gramaticalização de operadores discursivos e argumentativos; gramaticalização
e organização funcional da sentença. Para mais detalhes sobre o desenvolvimento de pesquisas
brasileiras nesta área, consulte Castilho (2002).
35
Para mais detalhes sobre o histórico da gramaticalização, consulte Lehmann (1995 [1982]),
Heine, Hünnemeyer e Claudi (1991), Hopper e Traugott (1993) e Heine (2003).
| 77
É nessa direção que as definições
36
a seguir também caracterizam
a gramaticalização, que atinge não o plano da mudança categorial,
mas também o plano da mudança no significado semântico-pragmático,
numa escala contínua de aumento de gramaticalidade/abstratização, seja
num recorte sincrônico e/ou diacrônico
37
:
Gramaticalização […] é o processo pelo qual itens
lexicais e construções passam em certos contextos
linguísticos a desempenhar funções gramaticais, e,
uma vez gramaticalizados, continuam a desenvol-
ver novas funções gramaticais […] pelo qual as
propriedades que distinguem sentenças de voca-
bulário vêm a existir diacronicamente ou são or-
ganizadas sincronicamente (HOPPER;
TRAUGOTT, 1993, p. xv, tradução nossa)
38
.
Gramaticalização é o processo pelo qual material
lexical impulsionado por certo contexto prag-
mático e morfossintático, torna-se gramatical [...].
(TRAUGOTT, 1995, p. 1, grifo da tradução)
39
Gramaticalização é a mudança pela qual itens le-
xicais e construções chegam a certos contextos
lingüísticos para servir a funções gramaticais ou
itens gramaticais desenvolvem novas funções
gramaticais (TRAUGOTT, 2001, p. 1, grifo da
tradução)
40
.
A gramaticalização é definida como o desenvol-
vimento de formas lexicais em formas gramaticais
(ou categorias funcionais), e de formas gramati-
36
Campbell e Janda (2001) apresentam, cronologicamente, outros sentidos que têm sido pro-
postos para o termo gramaticalização.
37
No percurso de mudança de um item, Hopper e Traugott (1993), por exemplo, propõem a
combinação da perspectiva sincrônica e diacrônica (pancrônica), ao passo que, por exemplo,
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994) sugerem a recuperação de seu percurso diacrônico.
38
―Grammaticalization […] is the process whereby lexical items and constructions come in
certain linguistic contexts to serve grammatical functions, and, once grammaticalized, continue
to develop new grammatical functions […] whereby the properties that distinguish sentences
from vocabulary come into being diachronically or are organized synchronically(HOPPER;
TRAUGOTT, 1993, p. xv).
39
―Grammaticalization is the process whereby lexical material in highly constrained prag-
matic and morphosyntactic contexts becomes grammatical […]‖ (TRAUGOTT, 1995, p. 1,
grifo nosso).
40
―Grammaticalization is the change whereby lexical items and constructions come in certain
linguistic contexts to serve grammatical functions or grammatical items develop new gram-
matical functions(TRAUGOTT, 2001, p. 1, grifo nosso).
78 |
cais a formas ainda mais gramaticais. […] De a-
cordo com essa definição, a teoria da gramaticali-
zação se preocupa com o desenvolvimento de
formas gramaticais. Sua meta principal é descre-
ver como formas gramaticais surgem e se desen-
volvem através do espaço e do tempo (HEINE,
2003, p.163, tradução nossa)
41
.
Como se extrai das citações, observa-se o fenômeno da gramati-
calização como um continuum ou processo inacabado, a partir da possi-
bilidade de graduação ou etapas avançadas associadas à passagem de um
elemento lexical para gramatical, que atinge não só o plano da mudança
categorial
42
, mas também o plano do significado. Trata-se de um movi-
mento contínuo e altamente produtivo em todas as línguas.
Interessa mais diretamente, para os propósitos desta tese, o con-
ceito de ―gramaticalização‖ apresentado por Hopper e Traugott (1993) e
retomado por Traugott (2001). A expressão ―novas funções gramaticais‖
(HOPPER; TRAUGOTT, 1993; TRAUGOTT, 2001) remete à possibili-
dade de haver sempre novas funções, isto é, ressignificações e recatego-
rizações de formas existentes (e não necessariamente funções/formas
―ainda mais gramaticias‖). Ademais, a menção ao ―contexto pragmáti-
co‖ (TRAUGOTT, 1995) permite-nos aventar a hipótese de que os MDs
de base verbal podem ser tratados sob a instância da gramaticalização.
41
―Grammaticalization is defined as the development from lexical to grammatical forms (or
functional categories), and from grammatical to even more grammatical forms. […] In accor-
dance with this definition, grammaticalization theory is concerned with the development of
grammatical forms. Its primary goal is to describe how grammatical forms arise and develop
through space and time‖ (HEINE, 2003, p.163).
42
Hopper (1998, p. 148) batizou a passagem de um elemento lingüístico ―menos‖ gramatical
para um elemento lingüístico ―mais‖ gramatical com a expressão ―gramaticalização canônica‖.
Decorre da condução desse processo, mas não vice-versa, uma de suas propriedades intrínsecas
que é a unidirecionalidade. Porém, há dúvidas acerca da natureza unidirecional da gramaticali-
zação, pois alguns contra-exemplos (Consulte principalmente NEWMEYER, 1998, 2001;
CAMPBELL, 2001; JANDA, 2001) têm surgido (cf. TRAUGOTT, 2001, 2002; HEINE, 2003,
p. 582). Essa polêmica se deve em parte, segundo Prévost (2003), à confusão operada entre
gramaticalização e mudança lingüística em geral, ou, pelo menos, mudança lingüística que
implica novas formas gramaticais. Nesse sentido, os exemplos que contradizem a hipótese da
unidirecionalidade são escassos (Veja também NEWMEYER,1998 apud HEINE; KUTEVA,
2007; HASPELMATH, 1999). Por outro lado, em Traugott (2001), são apresentados alguns
casos que a autora denomina de ―não legítimos‖ e ―legítimos‖ contra-exemplos em comparação
aos que a confirmam. Muito mais importante, conforme Heine (2003), é o fato de, até então,
não se ter descoberto casos de reversão de gramaticalização. Além disso, muitos contra-
exemplos têm sido descritos como sendo casos de idiossincrasia, hipercorreção, eufemismo,
homofonia ou de situações de línguas em contato.
| 79
Acreditamos que tal concepção de gramaticalização sustente o
cumprimento do objetivo central desta tese, que é o de mapear, numa
abordagem pancrônica, o comportamento dos MDs olha e (e suas
variações) em amostras do português falado e escrito. As definições
apresentadas legitimam a proposta de se cogitar os itens olha e como
instâncias de gramaticalização, associadas à mudança semântico-
pragmática e também categorial, ocorrida, no caso, com as formas de P2
dos verbos de percepção visual olhar e ver que migraram para MDs.
3.1.1.2 Os princípios de Hopper (1991)
Hopper (1991), ao identificar tendências de gramaticalização, a-
preensíveis na língua em uso, procura postular princípios gerais que
possam explicar os estágios iniciais de processos de mudança lingüística
em geral, aplicáveis também a casos de gramaticalização.
Na seqüência, além de apresentar a caracterização dos cinco prin-
cípios estratificação, divergência, especialização, persistência e des-
categorização (ou de-categorização, ou ainda nomeados por alguns
como recategorização) propostos por Hopper (1991), associamos,
rápida e preliminarmente, os MDs em estudo a cada um desses princí-
pios, os quais serão úteis para a descrição do comportamento de olha e
em sua trajetória de mudança, a ser feita adiante.
(1) Estratificação (camadas): em um domínio
funcional amplo, novas camadas estão continua-
mente emergindo. À medida que isso acontece, as
camadas antigas não são necessariamente descar-
tadas, mas podem continuar a coexistir e interagir
com novas camadas.
43
O primeiro princípio reforça a idéia de que a gramaticalização dá
surgimento à variação lingüística, ou seja, numa determinada sincronia,
observa-se a variação entre formas que competem pelo desempenho de
determinada função. Em direção contrária, a variação tende a ser consi-
derada por alguns autores (entre os quais, LABOV, [1972] 2008) como
o gatilho que dispara a mudança.
43
―Layering: Within a broad functional domain, new layers are continually emerging. As this
happens, the older layers are not necessarily discarded but may remain to coexist with and
interact with the newer layers.‖
80 |
A aplicabilidade do princípio da estratificação aos MDs olha e
pode ser conferida nos seguintes usos: de um lado, os verbos de percep-
ção visual olhar e ver coocorrem, em P2, com os MDs olha e ; de
outro lado, olha e também se encontram em variação entre si no
domínio funcional da chamada da atenção do ouvinte. No caso desses
MDs, verifica-se que existe, atualmente, um período de convivência
entre as duas camadas que concorrem pelo mesmo domínio funcional.
(2) Divergência: quando uma forma lexical sofre
gramaticalização em clítico ou afixo, a forma
lexical original pode permanecer como um ele-
mento autônomo e passar a sofrer as mesmas mu-
danças que itens lexicais comuns.
44
O segundo princípio advoga a permanência de formas de etimo-
logia comum convivendo de forma autônoma ao lado de formas em
processo de gramaticalização, embora, a depender do contexto, apresen-
tem diferente funcionalidade, mas cada uma ―seguindo o seu próprio
caminho e com as suas singularidades‖. Embora os MDs não tenham
(pelo menos aparentemente) chegado à cliticização, conforme prevê o
princípio, pode-se pensar na situação de convivência entre a categoria-
fonte (em primeira instância, olhar e ver em seu funcionamento como
verbos plenos sujeitos a expansões de sentido e a flexões modo-
temporais e número-pessoais; e, em segunda instância, os itens em
contextos de atos de fala manipulativo que remete a uma ação dêitica
locativa
45
) e a categoria-alvo, os MDs olha e que instauram novas
funções de caráter cognitivo e comunicativo.
(3) Especialização: em um domínio funcional,
várias formas com nuances semânticas diferentes
podem ser possíveis num estágio. À medida que
ocorre a gramaticalização, essa variedade de esco-
lhas formais se estreita e um menor número de
formas selecionadas assume significados gramati-
cais mais gerais.
46
44
―Divergence: When a lexical form undergoes change to a clitic or affix, the original lexical
form may remain as an autonomous element and undergo the same changes as ordinary lexical
items‖.
45
Em geral, estamos considerando como categoria-fonte, ou significado-fonte, essa segunda
instância, em que os verbos de percepção visual estão associados a P2 em atos de fala manipu-
lativo mediante enunciados de comando imperativo.
46
―Specialization: Within a functional domain, at one stage a variety of forms with different
semantic nuances may be possible. As grammaticalization occurs, this variety of formal choic-
es narrows and the smaller number of forms selected assume more general grammatical mean-
ings‖.
| 81
O terceiro princípio, segundo Hopper (1991), capta a necessidade
de se reduzir ou eliminar a concorrência, com uma(s) das formas tendo
seu uso generalizado. Nesse sentido, verifica-se que há um estreitamento
da variedade de escolhas a serem empregadas, bem como decorre dessa
redução a necessidade de uma das formas se tornar, em alguns contex-
tos, praticamente obrigatória. Antecipando os nossos resultados da aná-
lise variacionista, verifica-se que, no total dos itens analisados, olha
apresenta um percentual de ocorrências significativamente mais alto que
, o que pode ser interpretado como indício de que uma das formas está
generalizando seu uso no domínio de chamada da atenção do ouvinte.
(4) Persistência: quando uma forma sofre grama-
ticalização de uma função lexical para uma gra-
matical, na medida do possível e gramaticalmente
viável, alguns traços do seu significado lexical o-
riginal tendem a aderir a ela, e detalhes de sua his-
tória lexical podem se refletir sob a forma de res-
trições sobre sua distribuição gramatical (quando
um significado gramaticalizado B se desenvolve,
isso não significa que o significado A seja perdi-
do).
47
O quarto princípio capta processos semânticos que acompanham
a gramaticalização e evidencia que traços do significado lexical original
tendem a permanecer na nova forma gramaticalizada, o que pode con-
duzir à polissemia.
Na bibliografia referente a MDs (cf. capítulo seguinte), vemos
que verbos de percepção visual associados a P2 em enunciados de co-
mando tendem a derivar MDs em diversas línguas (por exemplo, ―mi-
ra/¿ves?‖ em espanhol, regarde/vois-tu‖ em francês, ―guarda‖ em itali-
ano e ―olha/vê‖ em português, entre outras). No caso específico dos
MDs em PB, o significado-fonte (verbo de percepção visual em P2 no
imperativo) permanece no uso corrente, mas constitui a expressão de
outra espécie de envolvimento sensório-cognitivo, ou seja, não remete
mais a algo dêitico espacial, mas sim a algo relativo à ação mental com
reflexos no contexto pragmático-discursivo.
47
―Persistence: When a form undergoes grammaticalization from a lexical to a grammatical
function, so long as it continues to have a grammatical role, some traces of its original lexical
meanings tends to adhere to it, and details of its lexical history may be reflected in its grammat-
ical distribution‖.
82 |
(5) Decategorização: formas que estão sofrendo
gramaticalização tendem a perder ou neutralizar
seus marcadores morfológicos e características
sintáticas peculiares das categorias plenas, nome e
verbo, e a assumir atributos característicos de ca-
tegorias sintáticas secundárias como adjetivo, par-
ticípio, preposição etc.
48
De acordo com o quinto princípio, o da decategorização, formas
em processo de gramaticalização, ao assumirem uma nova função, per-
dem ou neutralizam traços das categorias mais lexicais, tendendo a as-
sumir peculiaridades morfossintáticas da categoria-alvo.
No caso do objeto de estudo desta tese, a categoria-alvo MD olha
(e suas variações) passa a assumir as seguintes características morfossin-
táticas e fonético-fonológicas, perdendo, pois, traços da categoria-fonte
original (verbo olhar):
(i) fixação em P2, com forma morfologicamente variável olha ~
olhe;
(ii) redução fonética (['a] ~ ['ja] ~ ['j] ~ [']);
(iii) fixação predominante em contextos sintaticamente indepen-
dentes.
Para a categoria-alvo MD (e suas variações), são observadas
as seguintes características morfossintáticas e fonético-fonológicas:
(i) fixação em P2, com forma morfologicamente variável ~ ve-
ja;
(ii) certa mobilidade sintática, coocorrendo ainda junto a prono-
me.
Consideramos que esses princípios, por se aplicarem a estágios
iniciais de mudança, são adequados à nossa análise e serão retomados
adiante.
3.1.1.3 Tipos de mudança: categorial e semântico-pragmática
A mudança categorial se manifesta na trajetória léxico > gramáti-
ca (postulada inicialmente por Meillet, [1912] 1948) e/ou na trajetória
48
―De-categorialization: Grammaticalization always involves a loss of categoriality and
proceeds in
the following direction: Noun and Verb > another category, never the reverse‖.
| 83
discurso > morfossintaxe (proposta por Givón, 1979). A reativação pelo
interesse na mudança categorial
49
pode ser atribuída à reação à provoca-
ção de Givón (1979, p. 394) com o slogan ―a morfologia de hoje é a
sintaxe de ontem‖, o que abriu nova perspectiva para a compreensão da
gramática. A fim de compreender a estrutura de uma língua, deve-se ter
conhecimento dos estágios anteriores de seu desenvolvimento histórico
foi o que alegou o autor na seguinte declaração:
A evolução linguística é cíclica, e envolve […] o
desenvolvimento de lexemas livres em afixos pre-
sos, que sofrem erosão e eventualmente fusão com
a raiz, resultando no começo de um novo ciclo
(GIVÓN, 1979, p. 411-412, tradução nossa).
50
Embora a maioria dos autores (por exemplo, MEILLET, [1912]
1948) estivesse operando com dois módulos lingüísticos, o lexical e o
gramatical, a caracterização de Givón para alguns aspectos da evolução
lingüística não invalida essa acepção clássica da gramaticalização. Pos-
teriormente, em 1979, a asserção foi reescrita: ―a sintaxe de hoje é a
pragmática discursiva de ontem.‖ Coube, portanto, ao funcionalismo
givoniano a apresentação de uma proposta diferenciada de percurso com
a agregação de um novo nível, o discursivo, considerando-o prioritário
em relação ao gramatical. Com base em exemplos de diversas línguas, a
trajetória pragmática > sintaxe marca o início do ciclo apresentado como
típico no fluxo diacrônico dos mecanismos lingüísticos em processo de
gramaticalização.
A noção de pragmática discursiva presente em Givón (1979) pas-
sa a ser reconhecida como o maior parâmetro para entender a estrutura
lingüística em geral e o desenvolvimento de estruturas sintáticas e cate-
gorias gramaticais em particular. Por pragmática o autor entende uma
espécie de sintaxe mais frouxa. Givón defende que a gramática das lín-
guas é um fenômeno emergente e resulta de constantes mudanças em
conseqüência da criação de novos arranjos motivados por pressões do
discurso
51
(HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991). Devido a esse
49
Heine (2003, p. 576) distingue três fases que envolvem os estudos de gramaticalização. A
primeira é associada ao século XVIII, a segunda ao século XIX e a terceira inicia nos anos 70
do século XX e segue até a atualidade. Para mais detalhes acerca de cada uma das fases, con-
sulte Heine (2003).
50
―Linguistic evolution is cyclic, involving […] development from free lexemes to bound
affixes, which undergo attrition and eventually fusion with the stem, the result being the begin-
ning of a new cycle‖ (GIVÓN, 1979, p. 411-412).
51
Givón define discurso como macrossintaxe que toma o texto por objeto empírico. Para o
autor, discurso e pragmática são termos praticamente sinônimos.
84 |
entendimento, Givón adota, ao contrário de outros estudiosos de grama-
ticalização, o termo ―sintaticização‖, tendo em vista que a origem do
processo é sempre um elemento do discurso que passa pelo estágio de
sintaticização.
Givón (1979) propôs um cline que caracteriza a sua visão de mu-
dança como evolução cíclica:
discurso sintaxe morfologia morfofonêmica zero
Para o autor, no processo de gramaticalização, o modo mais
pragmático de comunicação lugar a um modo mais sintático e assim
sucessivamente
52
.
Ambas as perspectivas, de Meillet e de Givón, aproximam-se e
poderiam ser combinadas em um trajeto de item lexical usado no discur-
so > morfossintaxe (TRAUGOTT; HEINE, 1991). É importante consi-
derar que Traugott (2001, 2002) discorda do cline de Givón (discurso >
sintaxe). Para a autora, essa formulação implica que a sintaxe teria evo-
luído a partir do discurso, sendo este uma etapa do processo de gramati-
calização. Mas ela defende que a mudança é motivada por práticas dis-
cursivas e sociais: a interação F-O no discurso é a motivadora da mu-
dança e não deve ser vista como um estágio ou fase no desenvolvimento
histórico (TRAUGOTT, 2002).
A proposta givoniana, se entendida conforme comentada acima,
excluiria do processo os MDs
53
, porque o aumento da informação prag-
mática que esses itens passam a adquirir estaria contrariando as caracte-
rísticas do processo. No entanto, adotando a posição de Traugott, julga-
mos que os MDs, resultantes da mudança categorial verbo > marcador
discursivo, podem ser incluídos no rol de itens que passam pelo proces-
so de gramaticalização. Retomaremos esse ponto adiante.
Passamos, agora, a tratar da mudança semântico-pragmática.
Tem sido discutido, na literatura da área, que nem sempre são nítidos os
52
Construções de tópico que se gramaticalizam como sujeito constituem, entre outros exem-
plos fornecidos por Givón, o trânsito de estruturas pragmáticas para a sintaxe. Também é
exemplo recorrente na literatura sobre o tema a passagem de verbo auxiliar (habere, em latim)
a morfema de futuro (-ei, em português, por exemplo) e de nome (mente) a sufixo (claramente).
Essa linha de pesquisa abriu nova janela nos estudos de gramaticalização, vendo-a não sim-
plesmente como ―reanálise de material lexical em gramatical‖, mas também como reanálise de
padrões discursivos em padrões gramaticais e de funções de nível discursivo em funções
semânticas de nível sentencial (HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991, p. 13).
53
Traugott (1995) apresenta o desenvolvimento de indeed, in fact e besides que migram de
item lexical pleno para MD. Defende a autora que, como MDs, podem ser tratados sob a
escopo da gramaticalização.
| 85
limites entre a semântica e a pragmática (ver, por exemplo, MOURA,
1999). No âmbito da gramaticalização, alguns autores distinguem e
separam esses dois campos, como Traugott (a ser publicado), por exem-
plo, que assume explicitamente essa distinção, como se verá adiante. Em
termos de mudança de significado em geral, é comum encontrarmos
referência aos termos ―mudança semântica‖ e ―mudança pragmática‖. A
posição que assumimos nesta tese é a de tratar a mudança de significado
envolvida em processos de gramaticalização, em princípio, como mu-
dança semântico-pragmática‖
54
, sem entrar no mérito das discussões que
aproximam ou separam esses dois campos. A distinção será mantida,
contudo, ao nos reportarmos a autores que assim o fazem. Feita essa
observação inicial, passemos à exposição do que consideramos pertinen-
te à tese.
Do ponto de vista semântico, a direção de mudança concreto >
abstrato tem sido postulada por Sweetser (1988, 1990) e assumida por
teóricos da gramaticalização como Traugott (1982, 1989, 1995, 1999,
2001, 2002), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), Traugott e Heine
(1991), Traugott e König (1991), Hopper e Traugott (1993), Bybee,
Perkins e Pagliuca (1994), Bybee e Hopper (2001), Heine (2002, 2003),
Bybee (2003), Heine e Kuteva (2007), entre outros autores. Decorre
dessa trajetória a emergência de usos, que têm sua origem em itens lexi-
cais de sentido concreto, com abstratização progressiva de significado
sem que haja, necessariamente, mudança de categoria gramatical.
A motivação cognitiva subjacente a esse tipo de mudança concre-
to > abstrato envolve a metáfora. Sweetser (1988, 1990) postula que
usamos a linguagem do mundo exterior (sócio-físico) para aplicar ao
mundo interior (emocional e psicológico). O domínio interno dispõe de
um sistema metafórico altamente estruturado paralelo ao mundo exteri-
or, que pode ser estendido para diferentes áreas da experiência humana.
A autora argumenta que a mudança inicia quando um item lexical, por
meio de transferência metafórica, substitui um significado do mundo
externo (sócio-físico) por outro do mundo interno (mental). Além disso,
destaca que, no curso da história, o sistema metafórico tem guiado o
curso de abundantes mudanças semânticas. Por outro lado, em termos
sincrônicos, ele é representado por numerosas palavras polissêmicas e
usos abstratos do vocabulário do mundo físico.
54
Por vezes, usamos o termo ―mudança pragmático-semântica‖, quando queremos enfatizar os
aspectos pragmáticos presentes nos contextos de uso que antecedem uma mudança semantica-
mente codificada na língua, como por exemplo: implicatura conversacional > implicatura
convencional.
86 |
Os estudos mais recentes sobre gramaticalização têm depositado
interesse na configuração dos processos metafóricos que constituem a
base desse tipo de mudança concreto > abstrato, e reconhecem a metáfo-
ra como um processo unidirecional de abstratização crescente, ou seja,
de transferência de um significado básico, normalmente mais concreto,
para um menos concreto e mais abstrato. Os padrões de transferência
conceitual têm sido descritos mediante modelos conhecidos como
transfer model (HEINE, 2003).
Outro tipo de mudança evidenciada é aquela que envolve fatores
pragmáticos e tem sido postulada, nos estudos sobre gramaticalização,
como sendo anterior e motivadora da mudança semântica. A motivação
comunicativa subjacente a esse tipo de mudança envolve a metonímia
55
.
O modelo que enfatiza o componente pragmático é conhecido como
context model. As principais noções relacionadas a este modelo são,
além da metonímia, ―reinterpretação induzida pelo contexto‖, inferência
pragmática, implicatura conversacional (HEINE, 2003).
Enfatizando mais as motivações pragmáticas do que as cogniti-
vas, Traugott aborda a mudança semântico-pragmática como decorrente
do contexto discursivo. Nesse sentido, Traugott (1988, 1989) e Traugott
e König (1991) chamam a atenção para o papel que o fortalecimento
pragmático, caracterizado pela convencionalização de uma implicatura
conversacional por meio de um processo metonímico, desempenha no
desenvolvimento de categorias gramaticais
56
.
Foi a partir da noção de implicatura de Grice ([1975] 1989) e Le-
vinson (1983) que Traugott desenvolveu a Invited Inferencing Theory of
Semantic Change (TRAUGOTT, 1999; TRAUGOTT; DASHER, 2005).
Com o termo ―inferência sugerida‖ (invited inferencing), Traugott quer
aludir tanto à ação estratégica do F (sugestão) como à resposta do O
(inferência). A concepção de Traugott será retomada e detalhada em
seção adiante.
Numa abordagem que integra os mecanismos metafóricos e me-
tonímicos envolvidos na mudança, Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991,
p. 217) apresentam a proposta de percurso em cadeias, sob a forma de
um continuum, no qual a passagem de um domínio a outro para eviden-
55
Traugott e König (1991) estendem a noção de metonímia de contextos concretos a contextos
pragmáticos de inferência conversacional e convencional. A contigüidade envolvida nesse
último caso é baseada no mundo do discurso. Assim, para os autores, a pressão da informativi-
dade é um tipo de metonímia. A metonímia é indicial: aponta para relações no contexto.
56
Para Traugott e König (1991), ambos os processos metáfora e metonímia podem ser
considerados como tipos complementares de processos pragmáticos, desde que se inclua o
primeiro como um tipo especial de inferenciamento.
| 87
ciar os possíveis caminhos dos itens lexicais em processo de gramatica-
lização pode se dar por metáfora (motivações cognitivas), mas também
por metonímia (motivações comunicativas):
pessoa> objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade
Esse continuum é irreversível, unidirecional, e o surgimento de
novas estruturas gramaticais, segundo os autores, é motivado quer por
necessidades comunicativas não satisfeitas, quer pela ausência de desig-
nações lingüísticas para determinados conteúdos cognitivos. Decorre
dessa trajetória a idéia de que as mudanças são operadas sempre da es-
querda para a direita, isto é, categorias cognitivas mais próximas do
indivíduo [+ concretas] são empregadas para expressar categorias cogni-
tivas mais distantes do indivíduo [- concretas]
57
. Assim, quanto mais à
direita um item estiver, mais avançado é o seu estágio de gramaticaliza-
ção, visto que as categorias vão apresentando maior grau de abstratiza-
ção. Ao se gramaticalizar, o item desloca-se da esquerda para a direção
mais abstrata.
Vejamos o modelo metafórico-metonímico
58
dos autores:
57
Os autores exemplificam que, em muitas línguas, o lexema ―back‖, que indica a parte de trás
do corpo, é usado como um veículo metafórico para expressar um conceito espacial ―behind‖
(atrás) e depois serve como um veículo para significar um conceito temporal ―after‖ (depois),
resultando na trajetória objeto > espaço > tempo.
58
Lopes-Damásio (2008), ao realizar um estudo sobre o uso do elemento ―assim‖, observou os
mecanismos envolvidos na gramaticalização e adaptou o modelo metafórico-metonímico de
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) conjugando as propostas de Traugott (1982, 1989) e
Sweetser (1988, 1991).
88 |
→ context-induced reinterpretation
metaphorical transfer
FIGURA 1 - THE METONYMIC-METAPHORICAL MODEL
FONTE: HEINE, CLAUDI e HÜNNEMEYER (1991, p. 114)
Como pode ser lido esse modelo? duas forças, uma cognitiva
e outra pragmática, envolvidas no processo de gramaticalização, repre-
sentadas por dois tipos de estrutura: (i) uma ―macroestrutura‖ que
caracteriza, de modo discreto, a passagem do domínio conceitual I para
o domínio conceitual II, mediante transferência metafórica por relações
de similaridade ou analogia (natureza cognitiva); e (ii) uma ―microestru-
tura‖ que caracteriza, num continuum, uma seqüência em cadeia que
mostra etapas com significados sobrepostos, cuja expansão se meto-
nimicamente mediante reinterpretação induzida pelo contexto, por im-
plicatura conversacional (natureza pragmática) (HEINE; CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991, p. 102-112).
Essa proposta, que reúne motivações cognitivas e comunicati-
vas/pragmáticas e que considera ambos os mecanismos metáfora e
metonímia , está mais de acordo com a abordagem teórica da tese, que
| 89
transita por esses dois planos. Dada a natureza do nosso objeto, contudo,
os aspectos pragmáticos acabam ganhando maior relevo.
Para se entender a atuação de aspectos pragmáticos e semânticos
ao longo do processo de mudança lingüística por gramaticalização,
Traugott (1988, 1989 e a ser publicado), Traugott e König (1991), Hei-
ne, Claudi e Hünemeyer (1991), Traugott e Dasher (2005) trazem à
cena as três funções da linguagem
59
: ideacional
60
, textual e interpessoal,
nos termos de Halliday e Hasan (1976)
61
. Essa é uma abordagem teórica
que também nos interessa mais diretamente, pois a classificação triparti-
da de Halliday e Hasan, revisitada pelos estudiosos da gramaticalização,
é fundamental para a discussão acerca da multifuncionalidade dos MDs.
Apresentamos, brevemente, duas propostas em torno das funções da
linguagem.
Traugott (1982, 1989) demonstra, ao estudar o desenvolvimento
de itens lexicais em clíticos, partículas, auxiliares, advérbios, conectivos
e MDs, que os significados de uma palavra ou expressão seguem a ten-
dência que pode ser verificada no seguinte contínuo: Proposicional >
((Textual) > (Expressivo))
62
, mas não inversamente. De acordo com esse
cline, significados com conteúdo proposicional podem ganhar signifi-
cados textuais (concernentes à coesão, por exemplo), expressivos (pres-
59
O fato de que essas três funções podem ser veiculadas por qualquer elemento lingüístico e se
manifestam simultaneamente não impede que, em alguns contextos, uma delas acabe predomi-
nando e seja mais proeminente do que as outras. A partir do momento em que ocorre uma
mudança no contexto no qual o item se insere, pode haver também uma mudança na relação
entre as três funções da linguagem, sendo que aquela que era mais evidente no primeiro con-
texto, pode vir a ser coadjuvante no segundo, enquanto uma das outras duas toma o lugar de
destaque. Nesse sentido, as funções mesclam-se, entrecruzam-se o tempo todo, obtendo-se de
suas combinações os mais diferentes efeitos.
60
Encontram-se, na literatura, outras denominações para essa função, como proposicional,
referencial, representativa, cognitiva, descritiva, experiencial (GÖRSKI; ROST; DAL
MAGO, 2004, p. 39).
61
O modelo de Michael Halliday vem sendo elaborado mais de trinta anos. Inicialmente
uma teoria sistêmico-funcional, depois revista e ampliada, com proposição de uma base para-
digmática e, afinal, completada com a teoria das metafunções. Halliday interpretou o sistema
lingüístico como um conjunto de possibilidades de escolhas relacionadas a um dado tipo de
constituinte, de caráter sintagmático, a que estão ligadas três funções: a ideacional, a interpes-
soal e a textual. Em linhas gerais, a função ideacional envolve a negociação do tema discuti-
do/referido, mostrando a relação de experiência do falante com o mundo real e o mundo inter-
no de sua consciência, enfim, auxilia a organização do que o falante pretende dizer, marcando a
relação texto/falante, enquanto que a interpessoal envolve a administração de turnos conversa-
cionais e a manutenção dos papéis e atitudes do falante e ouvinte ao longo da interação. a
função textual refere-se a como os falantes constroem suas mensagens, organizam seu discurso
de modo a ajustá-los facilmente ao evento comunicativo (NEVES, 1997).
62
Observe-se que as funções proposicional e expressiva equivalem, respectivamente, à idea-
cional e à interpessoal de Halliday e Hasan.
90 |
suposicionais e atitudinais, por exemplo), ou ambos (1989, p. 31)
63
. Essa
trajetória de mudança foi posteriormente refinada e especificada, poden-
do ser correlacionada a três tendências gerais possíveis de mudança
semântico-pragmática, tanto lexical como gramatical, que focalizam: a)
a passagem de uma situação externa para uma interna; b) a passagem de
uma situação externa/interna para uma textual; e c) a passagem de uma
situação textual para o estado de crença subjetiva do F (TRAUGOTT;
KÖNIG, 1991). Essas propostas tiveram desdobramentos interessantes,
que serão retomados na seção destinada à exposição da abordagem teó-
rica de Traugott.
Como contraponto, Heine, Claudi e Hünemeyer (1991, p. 182), a
partir da discussão sobre a metáfora ESPAÇO-PARA-DISCURSO,
sugerem o seguinte tipo de transferência metafórica que atua no desen-
volvimento de categorias gramaticais
Domínio de re : ESPAÇO TEMPO
Domínio de dicto: TEXTO
Conforme o diagrama acima, conceitos concretos do mundo real
(domínio de re) transitam para o mundo do texto (domínio de dicto). Os
autores correlacionam essa distinção às funções ideacional e textual, de
Halliday. Ao analisarem o desenvolvimento de who (quem) de pronome
interrogativo (Who came?/ Quem chegou?) para marcador de oração
subordinada (I don‟t know who came/ Não sei quem chegou), tomam
esse caso como contra-exemplo para a direcionalidade proposta por
Traugott, uma vez que, no primeiro uso de who, um componente
interacional forte e, no segundo, um componente textual. Daí a proposta
dos autores de se distinguir dois componentes na função interpessoal:
63
O exemplo mais conhecido da autora é o desenvolvimento construção þa hwile þe ―at the
time that‖, do inglês antigo, em conector temporal while ―during‖, no inglês médio, e conector
concessivo while ―although‖, no inglês contemporâneo. Conforme Traugott (1982), inicialmen-
te, o significado while tende a ser identificável nas situações concretas at the time that‖ e,
nesse sentido, apresenta a função proposicional, mas, no curso do tempo, passa a codificar
situações discursivas, e como ―during‖ sinaliza, segundo a autora, uma relação coesiva de
tempo não apenas entre dois eventos no mundo, mas também entre duas orações, evidenciando,
simultaneamente, uma função temporal e textual. No uso mais recente, com sentido concessivo
―although‖, while codifica a função expressiva da linguagem na medida em que revela a atitude
do falante frente ao que é dito. Extrai-se desse exemplo que o percurso do item while parte de
situações menos objetivas para mais subjetivas, isto é, o significado identificável na situação
extralingüística é pressionado a codificar significados cada vez mais vinculados ao contexto
pragmático. Tal configuração deixa evidente uma unidirecionalidade que aponta para um
crescente fortalecimento da expressão subjetiva do falante.
| 91
um orientado para o F (referindo-se ao que o F tem em mente: suas
atitudes, julgamentos, crenças, etc) e outro orientado para o F (servindo
para estabelecer e manter relações sociais), cuja fronteira entre eles nem
sempre é nítida. Em virtude disso, postulam o seguinte cline, pelo me-
nos para o componente orientado para o O: Ideacional > Interpessoal >
Textual. Como se pode perceber, há inversão na ordem da função inter-
pessoal que, para esses autores, deve anteceder a textual.
A argumentação dos autores se pauta basicamente no seguinte: as
situações mais nítidas de interação com o O envolvem atos de fala ma-
nipulativos com enunciados de perguntas e de comandos; entra em ação
um mecanismo de reanálise pelo qual um marcador de interrogação
(who) se gramaticaliza como marcador de subordinação. Esses elemen-
tos acabam atuando no plano textual com função coesiva. um jogo
de relações na situação interativa: F vai direcionando sua atenção mais
para partes do texto do que para o interlocutor e essa relação pode vir a
ser reinterpretada não mais como uma relação do F com o texto, mas
entre diferentes partes do texto, instaurando-se, assim, a função textual.
As trajetórias implicadas nas funções da linguagem evidenciam
instâncias de mudança semântico-pragmática e também categorial. A
seguir, trazemos à discussão outros fatores relacionados a essas mudan-
ças.
Nos processos de mudança lingüística via gramaticalização
perdas e ganhos. Heine e Kuteva (2007) colocam em evidência um con-
junto interrelacionado de parâmetros que evidenciam algumas perdas em
diferentes níveis lingüísticos:
a. extensão, i.e. o surgimento de novos significa-
dos gramaticais quando expressões linguísticas
são estendidas a novos contextos (reinterpretação
induzida pelo contexto);
b. dessemantização (ou ―apagamento semântico‖),
i.e. perda (ou generalização) em conteúdo de sig-
nificado;
c. descategorização, i.e. perda em propriedades
morfossintáticas características de formas lexicais
ou de outras formas menos gramaticalizadas;
d. erosão (ou ―redução fonética‖), i.e. perda em
substância fonética (HEINE, 2003; HEINE;
KUTEVA, 2007, p. 34, tradução nossa).
64
64
―a. extension, i.e. the rise of new grammatical meanings when linguistic expressions are
extend to new contexts (context-induced reinterpretation); b. desemanticization (or ‗semantic
bleaching‘), i.e. loss (or generalization) in meaning content; c. decategorialization, i.e. loss in
morphosyntactic properties characteristic of lexical or other less grammaticalized forms; d.
92 |
Cada um desses parâmetros recobre diferentes aspectos da língua
em uso. A extensão é de natureza pragmática, a dessemantização capta o
nível semântico, a decategorização exibe a natureza morfossintática e a
erosão reflete o nível fonético da categoria lingüística. A ordenação
desses parâmetros reflete a seqüência diacrônica em que eles são aplica-
dos nos itens em processo de gramaticalização: inicia com a extensão, a
qual desencadeia a dessemantização e subseqüentemente a decategori-
zação e a erosão.
Enquanto três dos parâmetros (semântico, morfossintático e foné-
tico) apresentados por Heine (2003) e Heine e Kuteva (2007) envolvem
perda de propriedades, também ganhos (que serão detalhados mais
adiante) no que tange às características desses usos em novos contextos
(denominados ganhos pragmáticos). Destacam os autores que, embora
as formas evoluam do léxico para a gramática, de menos gramatical para
mais gramatical, não se observa perda completa de suas propriedades
originais.
Como se vê, a definição meilletiana permitiu um alargamento no
âmbito dos estudos relacionados à gramaticalização e a maior parte dos
autores propõe que seja entendida como um processo de mudança inter-
componencial que apresenta alterações fundamentais baseadas na inte-
ração de fatores pragmáticos, semânticos, morfossintáticos e fonéticos
que podem promover a alteração de seu estatuto categorial (HEINE;
CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991; HEINE; KUTEVA, 2007, p. 34). O
conceito de gramaticalização, portanto, representa um desafio às abor-
dagens lingüísticas que pressupõem categorias discretas encaixadas em
sistemas fixos e estáveis.
Há, ainda, um fator relacionado à mudança lingüística que mere-
ce destaque: o papel da freqüência de uso
65
. Nesse caso, vale enfatizar a
advertência de Bybee (2003) de que a alta freqüência não é um resultado
da gramaticalização, mas apenas um indício para a sua identificação.
Discutindo as conseqüências de aspectos da ritualização, a autora argu-
menta que a repetição freqüente de uma forma desempenha um impor-
tante papel nas seguintes mudanças identificadas com a gramaticaliza-
ção:
erosion (or ―phonetic reduction‖), i.e. loss in phonetic substance‖ (HEINE, 2003; HEINE;
KUTEVA, 2007, p. 34).
65
Entre os fatores associados à evolução de novos significados gramaticais, Heine (2002, p.
84) também menciona a freqüência uso. São esses os fatores listados pelo autor: a) Contexto,
b) Freqüência de uso, c) ‗Reasoning processes‘ (inferência), d) Mecanismos de transferência
(metáfora, metonímia, etc.), e) Direcionalidade (concretização/abstração), f) Implicações
semânticas (‗bleaching‘ (desbotamento)/ generalização).
| 93
(i) enfraquecimento de forças semânticas pela habitualidade, que
faz que um organismo deixe de responder, com a mesma eficácia, a um
estímulo repetido;
(ii) mudanças fonológicas de redução e de fusão de formas;
(iii) maior autonomia da forma, que propicia a neutralização de
componentes individuais (tais como flexões, estrutura argumental etc.)
presentes em outros usos menos gramaticalizados;
(iv) extensão de uso da forma para novos contextos com novas
associações pragmáticas.
3.1.1.4 A abordagem de Traugott
Retomamos, neste ponto, a perspectiva assumida por Traugott a-
cerca das questões de mudança. Como adiantamos anteriormente, a
proposta inicial do cline Proposicional > ((Textual) > (Expressivo) teve
desdobramentos. Essa formulação foi revisada e a mudança foi especifi-
cada nos seguintes termos: ―[...] de significados fundados em situações
extralinguísticas mais ou menos objetivamente identificáveis a signifi-
cados fundados no fazer textual (por exemplo, conectivos, marcadores
anafóricos etc.) a significados fundados na atitude ou crença do falante
sobre o que é dito [...]‖ (TRAUGOTT, 1989, p. 34, tradução nossa)
66
.
Assim, a autora propõe um alargamento dos significados ressaltando a
relevância do enfoque no significado baseado na situação extralingüísti-
ca.
Nesse sentido, sugerindo não o enfraquecimento semântico, pos-
tulado por Meillet e Givón, entre outros, mas o fortalecimento pragmáti-
co, Traugott e König (1991), Hopper e Traugott (1993), Traugott (1995)
destacam que tal ganho em significado pragmático ocorre nos primeiros
estágios de gramaticalização, especialmente devido ao acréscimo do
envolvimento da expressividade subjetiva do F em termos de atitudes e
crenças, o qual a autora, em outras palavras, denominou pragmatização
do significado.
Nessa direção, propõem Traugott e König (1991) a existência de
estratégias de dois tipos ao longo do ato comunicativo num processo de
66
―[...] as one from meanings grounded in more or less objectively identifiable extralinguistic
situations to meanings grounded in text-making (for example connectives, anaphoric markers,
etc.) to meanings grounded in the speaker‘s attitude to or belief about what is said […]‖
(TRAUGOTT, 1989, p. 34).
94 |
pragmatização do significado, dependendo da função gramatical envol-
vida, as quais podem pressionar as mudanças semânticas em gramatica-
lização e tornar o significado da expressão mais abstrato: metonímia
(fortalecimento pragmático por meio da convencionalização de uma
implicatura conversacional
67
) e metafóra. Assim, com o tempo, caso um
mesmo padrão de inferências ocorra freqüentemente com uma constru-
ção gramatical particular, este torna-se codificado como parte do signifi-
cado dessa palavra/construção, o que significa uma convencionalização
de inferências
68
, mas emerge desse novo significado uma forma polis-
sêmica (TRAUGOTT, 1995).
Recomendam os autores estender a noção de metonímia do con-
texto concreto e manifesto para o contexto cognitivo e encoberto, espe-
cificamente o contexto pragmático da inferência conversacional e con-
vencional. Nos processos metonímicos, três tipos de contiguidades são
inerentes, conforme postulam Traugott e König (1991, p. 210-211, tra-
dução nossa):
Contigüidade em cio-físico ou sócio-cultural
[…] (associação de comportamento com uma cer-
ta pessoa ou classe de pessoas) […]; b. contigüi-
dade no enunciado (ou seja, adequação), geral-
mente terminando em elipse […]; c. sinédoque, ou
a relação parte-todo […]
69
Traugott e König (1991) correlacionam a trajetória de mudança e
as três tendências gerais, reunidas no quadro a seguir:
67
A noção de convencionalização de implicaturas conversacionais é proveniente de Grice
(1975) e constitui de fundamental importância para o entendimento de como falantes e ouvin-
tes se comunicam em situações em que aquilo que o falante quer comunicar difere do signifi-
cado literal da sentença. Assim sendo, as implicaturas têm a propriedade de comunicar mais do
que aquilo que vem explicitamente dito no enunciado.
68
Dois dos exemplos que envolvem o desenvolvimento de novos significados por meio de
convencionalização de inferência conversacional, citados por Traugott e König (1991, p. 194,
tradução nossa), são derivados do inglês mais recente. Observe: ―Depois que ouvimos a aula
nós nos sentimos muito inspirados (+> por causa da aula nos sentimos muito inspirados)e
―No minuto em que John entrou para o nosso time, as coisas começaram a dar errado (+> por
John ter entrado para o time, as coisas começaram a dar errado)‖. Trata-se de exemplos de
inferências conversacionais em jogo, isto é, não constituem como parte do significado de
qualquer constituinte da sentença, mas estabelecem relação de causa entre elas. Na medida em
que a interpretação conversacional torna-se rotineira e adotada em diversas circunstâncias,
emerge daí o que os autores nomeiam de convencionalização de implicatura e também a possi-
bilidade de gramaticalização dos itens ou construções.
69
―a. Contiguity in social-physical or socio-cultural […] (association of behavior with a certain
person or class of persons) […]; b. contiguity in the utterance (that is, collocation), often
ending in ellipsis […]; c. Synecdoche, or the part-whole relation […].‖
| 95
I
Significados
baseados na
situação descri-
ta externa
>
Significados baseados a situação
interna (avaliati-
va/perceptual/cognitiva)
II
Significados
baseados na
situação descri-
ta externa ou
interna ou ex-
terna
>
Significados baseados na situação
textual
III
(Situação tex-
tual)
>
Significados tendem a se tornar cada
vez mais situados nas crenças, esta-
dos/atitudes subjetivas do falante em
relação à situação
QUADRO 1 - TENDÊNCIAS DA MUDANÇA SEMÂNTICO-
PRAGMÁTICA
FONTE: adaptado de TRAUGOTT e KÖNIG (1991, p.208-209)
O quadro 1 pode ser lido da seguinte maneira: I significados i-
nicialmente voltados para a situação externa mais, ou menos, identificá-
vel objetivamente vão se deslocando para a situação interna (por ex.:
objeto > espaço; espaço > tempo); II significados concernentes à situ-
ação externa ou interna vão mudando para significados na situação tex-
tual (por ex.: espaço > conexão textual); III os significados ganham
aumento da expressão do envolvimento do F em termos de suas crenças
e atitudes avaliativas. Nas tendências I e II, o processo envolvido é a
metáfora (transferência de domínios); na tendência III, é a metonímia
(fortalecimento pragmático com mudança de uma implicatura conversa-
cional para uma convencional)
70
.
Como exemplo da tendência I, Traugott e König apresentam a ex-
tensão espacial da preposição after para codificar significado temporal,
isto é, uma mudança da situação concreta/física para referenciar um
aspecto cognitivo/perceptual. Na tendência II, o significado baseado na
situação interna e externa é reinterpretado no próprio contexto situacio-
nal. No desenvolvimento do advérbio after, por exemplo, o significado
de lugar é reinterpretado como conector subordinativo para descrever
situações no tempo, estabelecendo, nesse contexto, relação coesiva. Por
fim, na tendência III, a mudança de valores espaciais ou temporais para
70
Ocorre transferência metafórica de domínios: objeto > espaço > tempo > texto (conector). E,
dentro de um mesmo domínio (texto), fortalecimento pragmático, ou mudança metonímica:
valor temporal > concessivo, por exemplo.
96 |
codificar valores causais, concessivos ou partículas de negação são e-
xemplos da expressão da subjetividade do F, decorrente de inferências
(fortalecimento pragmático), para relacionar elementos da proposição.
O quadro 2 apresenta o desenvolvimento de while e a correlação
das funções da linguagem com as três tendências:
QUADRO 2 - GRAMATICALIZAÇÃO DE WHILE
71
FONTE: adaptado de TRAUGOTT (1989 apud GÖRSKI; ROST; DAL MAGO,
2004, p. 42)
Os pares tradicionais metáfora e metonímia envolvidos na elabo-
ração do discurso pelos falantes são decorrentes de dois outros meca-
nismos conhecidos, respectivamente, analogia e reanálise, que, por sua
vez, dizem respeito a questões estruturais da gramaticalização. Tais
mecanismos guiam e restringem a convencionalização de implicaturas
conversacionais. Além da metáfora e da metonímia, Traugott prevê dois
outros mecanismos de mudança semântica em geral: subjetivização >
intersubjetivização como processos que se desenvolvem a partir do
uso de expressões de subjetividade, cujo significado pragmático é o de
indexar a atitude ou ponto de vista do F, e de expressões de intersubjeti-
vidade, cujo significado pragmático é o de indexar a atenção do F à
face/imagem do O. Trata-se de mecanismos não apenas cognitivos, mas
71
O desenvolvimento da construção þa hwile þe em conector temporal while se deu devido ao
fortalecimento do envolvimento expressivo do falante. Inicialmente Hwilum apresentava
sentido adverbial de tempo simultâneo the time that, mas perdeu a especificação de simultanei-
dade, devido a outras inferências baseadas na temporalidade, e passou, como Wile, a designar
uma relação coesiva entre duas orações (temporal > coesivo [temporalidade/concessividade]),
depois, o significado concessivo de While se expandiu para expressar contraste entre orações,
como although. Este significado mais recente é o resultado de uma relação construída subjeti-
vamente, pois expressa a atitude do falante (subjetivização) a respeito do que está sendo dito. A
polissemia de while é vista, portanto, como resultante de uma implicatura conversacional
(nesse caso, determinada pelos princípios da informatividade e da economia) que se torna
convencionalizada, ou seja, um novo significado convencional lhe é atribuído.
Proposicional
>
Textual >
Expressiva
Hwilum (‗tempo‘)
>
inglês antigo
Wile (‗durante‘) >
inglês médio
While (‗enquanto‘)
Inglês atual
Situação temporal
vista como exis-
tindo no mundo
(significado con-
creto)
Relação temporal coesiva
não entre dois eventos no
mundo, mas entre duas
orações, com função textu-
al (e proposicional)
Sentido concessivo:
expressão da atitude
do falante (avaliação
do contraste entre
proposições)
| 97
comunicativos que emergem das práticas de fala e de escrita
(TRAUGOTT, 2002). Os conceitos de (inter)subjetividade e (in-
ter)subjetivização são apresentados mais detalhadamente a seguir.
3.1.1.4.1 A noção de (inter)subjetividade e (inter)subjetivização
Primeiramente, é preciso estabelecer distinção entre (in-
ter)subjetividade e (inter)subjetivização, conforme apresentada por
Traugott (1999, 2002, 2005 e a ser publicado)
72
. Comecemos tratando
da primeira. A noção de (inter)subjetividade está apoiada, em geral,
nas idéias de Benveniste e de Lyons (cujos predecessores são Bréal,
Bühler e Jakobson) e remete à perspectiva sincrônica de fenômenos que
envolvem o falante/escrevente e/ou o ouvinte/leitor. Segundo Traugott,
a intersubjetividade é construída em paralelo com a subjetividade, como:
―[...] a expressão explícita da atenção do F para o ‗self‘ do O tanto num
sentido epistêmico, prestando atenção a suas (prováveis) atitudes em
relação ao conteúdo do que é dito, como num sentido mais social (pres-
tando atenção à ‗face‘ ou ―image needs‖)‖
73
(1999, p.2, tradução nos-
sa)
74
.
Traugott chama a atenção para a necessidade de se distinguir os
papéis do F/O no mundo do evento de fala (esse é o que interessa) da-
queles papéis que os mesmos indivíduos podem desempenhar como
referentes no mundo sobre o qual está se falando, nesse caso presentes
na estrutura argumental. Nesse sentido, esclarece a autora, a intersubje-
tividade não é necessariamente uma característica de todas as expressões
que fazem referência a P2, mesmo que P1 e P2 sejam dêiticos. Exem-
plos fornecidos pela autora (1999, p. 2-3):
a. I will take you to school (Vou apanhar você na
escola)
b. Actually, I will take you to school (Realmente/
de fato, vou apanhar você na escola).
72
Importante destacar que a abordagem de Traugott é ―discursiva‖, diferente da de Langacker,
por exemplo, que é ―cognitiva‖.
73
―[…] the explicit expression of SP/W's attention to the "self" of AD/R in both an epistemic
sense, paying attention to their (likely) attitudes to the content of what is said, and in a more
social sense (paying attention to ―face‖ or ―image needs‖)‖ (TRAUGOTT, 1999, p.2).
74
As páginas correspondem ao texto acessado na internet em
<http://www.stanford.edu/~traugott/traugott.html>.
98 |
Enquanto o primeiro revela pouca ou nenhuma atenção da parte
do F em relação à face do O, no segundo a palavra actually mostra a
atitude do F para com o O e com o conteúdo da proposição, antecipan-
do, por exemplo, o pensamento do O de que não seria necessário ir pe-
gá-lo na escola; adiantando, nesse caso, um MAS... Retomaremos essa
questão mais adiante.
Outro ponto de partida de Traugott para conceituar a (in-
ter)subjetividade é a distinção entre os componentes do sistema linguís-
tico ideacional, textual e interpessoal (HALLIDAY; HASAN, 1976),
vistos sincronicamente, renomeados pela autora como proposicional,
textual e expressivo (1982), conforme já mencionado. Sob uma perspec-
tiva histórica, ela propõe que, em muitos casos, um item lexical que se
origina no componente ideacional desenvolve mais tarde polissemias
nos domínios textual e interpessoal. Ela aponta que esses dois últimos
termos recobrem, de fato, dois tipos de estrutura: (i) o componente tex-
tual inclui elementos que servem à conexão local (como relativizadores
e complementizadores) e também elementos que servem mais a propósi-
tos procedurais
75
de expressar a atitude do F (como topicalizadores e
marcadores discursivos), alguns deles sobrepondo as duas funções (co-
mo and, then, in fact) todos tidos como ingredientes essenciais da
gramática; (ii) o componente interpessoal, rebatizado inicialmente como
expressivo, foi posteriormente desdobrado em subjetivo (orientado para
o F) e intersubjetivo (orientado para o O) (TRAUGOTT; DASHER,
2002); por exemplo, o modal epistêmico possivelmente e a partícula de
foco até (‗even‘) são marcadores de avaliação do F (elementos subjeti-
vos), por favor é um marcador de reconhecimento e de atenção do F
para com o O (elemento intersubjetivo). Traugott admite que, num sen-
tido geral, o fato de se comunicar com outra pessoa envolve intersubje-
tividade. O que interessa a ela, contudo, não é apenas esse caráter con-
textual da situação de interlocução, mas a presença de marcadores e
expressões lingüísticas que indexam a subjetividade e a intersubjetivi-
dade, e a descoberta de como eles emergem.
Passemos agora à (inter)subjetivização. Essa é uma noção di-
nâmica que remete à perspectiva diacrônica. Numa visão histórica, se
presta atenção aos mecanismos pelos quais (i) os significados tendem a
se tornar cada vez mais baseados nas crenças ou na atitude subjetiva do
75
Com base em Blakemore (1987) e Wilson e Sperber (1993), Traugott distingue os significa-
dos de ―conteúdo― dos significados ―procedurais―: os primeiros são independentes do contexto
e os últimos requerem o ouvinte para interpretar os significados no contexto. O termo ―proce-
dural― equivale, por vezes, a ―metatextual― (DANCYGIER, 1992 apud TRAUGOTT, 2002).
| 99
F em relação ao que/como é dito; e (ii) os significados tendem a se tor-
nar cada vez mais centrados no O. Considerem-se as definições:
(1) Subjetivização é o processo semasiológico pe-
lo qual significados passam, ao longo do tempo, a
codificar ou externalizar as perspectivas e atitudes
do F restringidas pelo mundo comunicativo do
evento de fala, mais do que pelo chamado ‗mundo
real‘ do evento ou situação referida
(TRAUGOTT, 1999, p. 01).
76
(2) Intersubjetivização é o processo semasiológico
pelo qual significados passam, ao longo do tempo,
a codificar ou externalizar implicaturas conside-
rando a atenção do F para com o self‘ do O num
sentido epistêmico e social (TRAUGOTT, 1999,
p. 03).
77
Traugott salienta que a intersubjetivização não é um mecanismo
separado da subjetivização, mas uma extensão deste, sendo ―motivado
pela indexação metonímica da intersubjetividade do evento de fala (re-
lações entre F-O)‖ (p.04).
O caráter dinâmico da (inter)subjetivização fica claro no se-
guinte procedimento: as expressões de (inter)subjetividade têm como
primeiro significado pragmático e semântico o de indexar a atitude ou
ponto de vista do F (subjetividade) e a atenção do F para com a self-
image do O (intersubjetividade). A partir daí é que se desenvolvem po-
lissemias, de início pragmáticas, depois semânticas (codificadas)
78
, as
quais podem, mais tarde, vir a ser reinterpretadas como homonímias, ou
até mesmo deixar de ser usadas.
Na visão de Traugott (a ser publicado), é possível organizar ex-
pressões ao longo de um cline de (inter)subjetividade, correlacionado
com a proposta de Halliday e Hasan, do seguinte modo:
76
―Subjectification is the semasiological process whereby meanings come over time to encode
or externalize the SP/W's perspectives and attitudes as constrained by the communicative
world of the speech event, rather than by the so-called "real-world" characteristics of the event
or situation referred to‖ (TRAUGOTT, 1999, p. 01).
77
Intersubjectification is the semasiological process whereby meanings come over time to
encode or externalize implicatures regarding SP/W's attention to the "self" of AD/R in both an
epistemic and a social sense‖ (TRAUGOTT, 1999, p. 03).
78
Traugott chama a atenção que é preciso distinguir (i) a intersubjetividade que pode pragmati-
camente acompanhar o uso de uma forma, de (ii) seu desenvolvimento até um significado
semanticamente codificado.
100 |
não-/menos subjetivo -- subjetivo -- intersubjetivo
ideacional -- interpessoal
Esse continuum sintetiza tendências de mudança e é baseado em
resultados de trabalhos diacrônicos que têm mostrado que, para alguns
itens lexicais ou construções, polissemias subjetivizadas emergem de-
pois do significado ideacional (subjetivização) e, para outros, polissemi-
as intersubjetivizadas emergem depois dos significados subjetivizados
(intersubjetivização). Em outras palavras, por esses mecanismos (i)
significados são recrutados para codificar e regular atitudes e crenças do
F; e (ii) uma vez subjetivizados, podem ser recrutados para codificar
significados centrados no O
79
. Traugott destaca que o cline acima deve
ser visto como ―camadas‖ (HOPPER, 1991) no sentido de que formas
mais novas e mais velhas coexistem em variação.
Nessa concepção mais recente de Traugott a respeito da intersub-
jetivização (a ser publicado), a autora frisa que, se um significado for
derivável do contexto, não se trata de intersubjetivização, mas simples-
mente de aumento de intersubjetividade pragmática (os sufixos zação
e dade são muito relevantes aqui). A intersubjetivização implica codi-
ficação semântica: acontece quando significados intersubjetivos
pragmáticos, que são inferíveis do contexto, vêm a ser codificados como
parte da semântica de um item
80
. Nesse sentido, casos genuínos de inter-
subjetivização são difíceis de se identificar. Um exemplo dado por
Traugott é o do surgimento de honoríficos no japonês que, dirigidos ao
interlocutor, podem indexar polidez ou intimidade, e fazem parte de um
estilo/registro mais geral. São elementos linguísticos cuja estrutura se-
mântica passa a codificar diretamente dêixis social.
Em resumo: subjetivização e intersubjetivização envolvem a re-
análise, como significados semânticos (codificados), de significados
79
Essa trajetória é questionada por alguns autores. A própria Traugott (a ser publicado) registra
a seguinte nota: Athanasiadou, Canakis, and Cornillie (2006) constroem sua visão de subjetivi-
zação (de Traugott) como sendo primariamente pragmática. Ela argumenta que enquanto a
força pragmática de significados subjetivos é, indiscutivelmente, uma pré-condição para a
subjetivização, a própria subjetivização não é pragmatização, mas semantização (considerando
que há diferença entre pragmática e semântica).
80
Na ―revisitação‖ de Traugott à (inter)subjetivização (a ser publicado), ela tende a desconsi-
derar como caso de intersubjetivização certos usos de hedges (elementos que criam contato
com o O, sendo usados também como marca de polidez) que emergem de MDs subjetivizados,
por terem os significados pragmaticamente derivados do contexto, sem ser semanticamente
codificados. Um dos exemplos havia sido dado em Traugott (1999) para o inglês:
actually 'efetivamente' > 'adversativo' > 'reforçador do enunciado anterior‘ > 'hedge'
advérbio de modo > adv. adversativo sentencial > MD aditivo > hedge
| 101
pragmáticos que emergem no contexto de negociação de sentidos pelos
interlocutores.
3.1.1.4.2 Relação entre (inter)subjetivização e gramaticalização
Como pontua Traugott (2005, p. 89), subjetivização e intersubje-
tivização são fatores típicos da mudança semântica em geral. Ainda de
acordo com a autora (a ser publicado), subjetivização e intersubjetiviza-
ção são independentes da gramaticalização, nenhum desses mecanismos
acarreta gramaticalização; existe, contudo, forte correlação entre grama-
ticalização e subjetivização, e mais fraca entre gramaticalização e inter-
subjetivização. No domínio da subjetivização, as evidências vêm princi-
palmente do desenvolvimento de verbos de atos de fala e especialmente
de seus usos ilocucionários. No domínio da intersubjetivização, vêm do
desenvolvimento dos usos polidos de itens lexicais que se desenvolvem
a partir de usos humilhativos.
A autora propõe, a exemplo do que fez com a (inter)subjetividade
e a (inter)subjetivização, que se distinga a gramaticalidade (um modo
sincrônico de organizar os dados) da gramaticalização (um cline de
tendências atestadas ao longo do tempo).
Clines sincrônicos de gramaticalidade normalmente são estabele-
cidos a partir do critério graus de fusão, como ilustrado no exemplo
(BYBEE; PERKINS; PAGLIUCA, 1994, p. 40 apud TRAUGOTT, a ser
publicado):
sintagma ou palavra „gram‟
81
não-preso „gram‟ preso
Traugott salienta que o interesse pelos graus de fusão como uma
medida sincrônica advém do fato de que é visto como resultado de mu-
danças diacrônicas via gramaticalização, definida como ―mudança pela
qual itens lexicais e construções passam, em certos contextos lingüísti-
cos, a desempenhar funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados,
continuam a desenvolver novas funções gramaticais‖ (HOPPER;
TRAUGOTT 2003 [1993], p. 18). Nesse sentido, o cline sincrônico
ilustrado acima deriva de um cline diacrônico:
item lexical/construcional > item gramatical > item mais gramatical
81
Gram corresponde, grosso modo, a morfema, no trabalho de Bybee, Perkins e Pagliuca
(1994).
102 |
Embora seja um mecanismo de mudança geral, a subjetivização
está bastante atrelada à gramaticalização (bem mais do que a intersubje-
tivização
82
), provavelmente porque a gramaticalização envolve recruta-
mento de itens para marcar a perspectiva do F sobre fatores como
(TRAUGOTT, a ser publicado):
• quem faz alguma coisa para quem (estrutura argumental)
como a proposição (expressão ideacional) está relacionada ao
tempo da fala ou à temporalidade de outra proposição (tense)
• se a situação é perspectivizada como contínua ou não (aspecto)
• se a situação é relativizada às crenças do F (modalidade, modo)
• se as entidades referidas são construídas como as mesmas ou di-
ferentes (pronomes, indexadores)
• que parte da oração é vista como tópico ou foco
• como os enunciados são conectados aos outros (conectores,
marcadores discursivos).
É na gramaticalização primária
83
(mudança de lexi-
cal/construcional para gramatical) que a subjetivização ocorre mais,
provavelmente ―porque a gramaticalização freqüentemente requer forta-
lecimento de inferências pragmáticas que emergem em contextos lin-
güísticos bem específicos, antes de sua semantização e reanálise como
elementos gramaticais‖.
Traugott (a ser publicado) chama a atenção para o fato de que e-
lementos subjetivizados tendem a se posicionar na periferia de um cons-
tituinte ou oração, ilustrando com o trabalho de Suzuki (1998) sobre o
desenvolvimento do nome japonês wake reason em um MD explana-
tório situado no final do enunciado, traduzido para o inglês como no
wonder‖ ou you see (você ).
Nesse ponto, Traugott (a ser publicado) faz uma consideração
bastante relevante ao nosso trabalho, ao mencionar que ―a migração de
elementos subjetivizados para a periferia do sintagma, da oração ou da
sentença não seria considerada um caso de gramaticalização por aqueles
que tomam a redução do escopo estrutural e a condensação como um
critério para a gramaticalização‖ (como é o caso de Lehmann 1995
82
Na maioria das nguas, a intersubjetivização é gramaticalizada apenas em alguns MDs e
interjeições; e é fortemente gramaticalizada, no sentido de ser expressa morfologicamente, em
poucas línguas (ex. japonês, onde final verbal pode indexar polidez). No geral, a intersubjetivi-
zação envolve expressões de polidez e tende a ser mais associada a escolhas lexicais do que
gramaticais (TRAUGOTT, a ser publicado).
83
A gramaticalização secundária envolve o desenvolvimento de material gramatical em
mais gramatical.
| 103
[1982], p. 144). No entanto, Traugott considera que esse é um critério
muito restritivo, uma vez que a redução e a condensação ocorrem em
certos domínios cujo escopo é mais localizado, como o desenvolvimento
de caso e tense; mas não ocorrem em outros, como o da modalidade
epistêmica, dos conectores, dos MDs, etc., que implicam aumento de
escopo e que esses também são casos de gramaticalização.
Traugott compara a mudança semântica com a morfossintática,
evidenciando os mecanismos envolvidos em ambas. Como mecanismos
internos de mudança morfossintática, costumam ser mencionados a
reanálise
84
(vista como mudanças que concernem à constituição, estrutu-
ra hierárquica, categoria, relações gramaticais, tipos de fronteira) e a
analogia (vista como mudanças baseadas em padrões e moldes explíci-
tos que servem como exemplares para outro) (HOPPER; TRAUGOTT,
2003 [1993]). Como mecanismos de mudança semântica, têm sido pro-
postos a metáfora (equivalente à analogia ou generalização, por ser pa-
radigmática) e a metonímia (análoga à reanálise, por ser dependente de
contexto e associativa) (TRAUGOTT; DASHER, 2005). Reanálise e
analogia são mecanismos independentes, assim como o são a metonímia
e a metáfora
85
(TRAUGOTT, a ser publicado)
Na visão da autora, a subjetivização e a intersubjetivização são
subtipos de reanálise semântica, são mecanismos. Por exemplo, a mu-
dança de a bit of (um pedaço de) de partitivo > modificador de grau é
um caso de subjetivização: a reanálise de avaliações escalares pragmati-
camente inferidas emerge por metonímia conceptual no contexto dos
enunciados. Em geral, mudanças que envolvem significados de conteú-
do > significados procedurais também são vistas como resultantes de
subjetivização (TRAUGOTT; DASHER, 2005).
Traugott (2002) defende que uma polissemia semântica codifica-
da não deve necessariamente emergir antes que ocorra uma mudança
categorial. Mas, o que tem de ocorrer antes da gramaticalização é uma
polissemia pragmática, ou seja, o uso de inferências sugeridas generali-
zadas (generalized invited inferences).
84
Parece consensual entre os estudiosos o fato de que gramaticalização requer reanálise estru-
tural, mas nem toda reanálise (ex. mudança na ordem de palavras) é necessariamente gramati-
calização.
85
Traugott (a ser publicado) alerta que, quando os contextos da mudança são levados em conta,
muito do que parece ser mudança metafórica pode passar a ser visto como resultado de mudan-
ça metonímica.
104 |
3.1.1.4.3 Pragmatização do significado
Um exemplo freqüentemente citado por Traugott em seus traba-
lhos é o que envolve o uso de let‟s no inglês (2005, p. 176-177):
let us X ‗permit us to X‘ (Imp.) > let's ‗I pro-
pose‘ (hortativo)' > 'mitigador'
Let us go, will you, > Let's go, shall we, >
Let's take our pills now, Johnny
86
A construção imperativa let us X (‗permita-nos X‘)
87
é intersub-
jetiva desde o início, pois o enunciado tem força ilocucionária em virtu-
de da estrutura argumental: F e O são participantes no evento projetado
uma vez que a construção é imperativa (endereçada a P2) e se refere a
uma ação do O projetada em relação ao F.
Fora dessa construção, que pode ser expandida para Let us go,
will you!, emerge uma polissemia orientada para o F let us (> let‟s),
conhecida como let‟s ―hortativo‖ (= exortativo). Aqui, P1 e P2 juntos
são sujeitos sintáticos tanto de let como de go, como em Let us go, shall
we?. Essa construção é mais subjetiva, pois o F se inclui na exortação,
além de ser uma forma mitigada de um imperativo; e é também mais
intersubjetiva, pois o O é agora conceptualizado como agente junto do
F. Mesmo enunciados imperativos, que são inicialmente claramente
intersubjetivos, podem, portanto, ser subjetivizados
88
.
Usos mais recentes de let‟s mostram um aumento de intersubjeti-
vidade, como nos casos que incluem locuções dirigidas a pacientes ou a
crianças, em que o F presumivelmente não é um participante no evento
―tomar pílula‖: Let‟s take our pills now, Johnny (Vamos tomar nossas
pílulas agora, Johnny‖). Esse tipo de posicionamento do F mitiga forte-
mente a intenção, que é imperativa (Tome suas pílulas agora, Johnny!‖)
86
O imperativo Let‟s go pode ser analisado sintaticamente como bi-oracional (allows us to go
= ―permita-nos ir‖), o hortativo Let‟s go como uma oração única modalizada (may we go! =
―podemos ir!‖) e a terceira construção Let‟s take our pills como uma oração única com um
marcador pragmático let‟s funcionando como algo do tipo well (―bem‖). A composicionalida-
de semântica deste último let‟s é obscurecida (TRAUGOTT, 2005, p. 177).
87
Esse tipo de construção é atestado desde o inglês antigo (OE) até hoje.
88
Veja-se também o caso do MD say em muitos de seus significados (‗assume, about, for
example, tell me‟). Say deriva de um uso imperativo, naturalmente intersubjetivo portanto, mas
é subjetivizado ao longo do tempo: o uso abouté um tipo de topicalizador, e o uso tell me‟
expressa impaciência do F (BRINTON, 2005 apud TRAUGOTT, a ser publicado).
| 105
e explicitamente marca atenção intersubjetiva para com a image needs
do O
89
.
O desenvolvimento de let‟s ilustra não somente aumento de inter-
subjetividade, mas também uma mudança de significados de conteúdo
(baseados na estrutura argumental no nível oracional) para significados
procedurais pragmáticos (no nível discursivo).
Segundo Traugott (a ser publicado), é necessário distinguir a in-
tersubjetividade que é inerente ao contexto de sujeitos de P2 (O) da
intersubjetividade que é relevante para a intersubjetivização. Enquanto
you see e y‟know, com seus sujeitos de P2 rotinizados, parecem ser
marcadores de intersubjetidade, como no exemplo ―Tenho algo a lhe
dizer, querida‖, disse Caleb em seu tom hesitante... Veja, eu fui um tanto
tolo novamente, e assumi uma dívida‖ (TRAUGOTT, a ser publicado,
p.13, grifo da tradução)
90
, eles são atualmente usados com frequência
para propósitos subjetivos, para negociar o significado do F (como no
caso da subjetividade de a bit of, mencionada anteriormente).
Fitzmaurice (2004 apud TRAUGOTT, a ser publicado, p. 05) su-
gere que mais um degrau do intersubjetivo para o interativo, espe-
cialmente no caso de MDs como you know, you see, you say, do século
XVIII em diante. Sua hipótese é de que mudança de atenção para
com o O para simplesmente ―mantendo coisas numa conversação (―ke-
ep[ing] things going in a conversation‖) e chamando a atenção do inter-
locutor. Os exemplos sugerem que provavelmente não um significa-
do recentemente codificado, mas sim um significado pragmático emer-
gindo em contextos menos claramente intersubjetivos. De fato, Fitzmau-
rice conclui o artigo com: Uma questão para mais investigação é se a
função de MD interativo de uma expressão é mais forte somente onde
nenhuma implicação [de significados do F, etc] pode ser delineada a
partir do uso da expressão‖.
89
Traugott destaca que, para Langacker, Let's take our pills now ainda é um caso de subjetivi-
zação, mas para ela trata-se de um estágio de intersubjetivização. Isso porque o F se posiciona
enfaticamente quanto a uma possível objeção do O à atividade projetada (TRAUGOTT, 1999).
90
"I've got something to tell you, my dear," said Caleb in his hesitating way… You see, I've
been a bit of a fool again, and put my name to a bill‖ (1871 Eliott, Middlemarch [UVa])
(TRAUGOTT, a ser publicado, p.13).
106 |
3.1.1.5 Fechando a seção
Nesta seção 3.1.1 foram apresentadas e discutidas algumas defi-
nições, princípios, trajetórias e motivações para a mudança semântico-
pragmática e categorial que está atrelada à gramaticalização. Adotamos,
basicamente, a noção de gramaticalização desenvolvida por Traugott
como ―o processo pelo qual material lexical impulsionado por certo
contexto pragmático e morfossintático, torna-se gramatical [...]‖ (1995,
p. 1), e ainda como ―a mudança pela qual itens lexicais e construções
chegam a certos contextos lingüísticos para servir a funções gramaticais
ou itens gramaticais desenvolvem novas funções gramaticais (2001,
p. 1). A razão dessa escolha tem a ver com os trechos destacados por nós
nas definições: a autora relevo ao contexto pragmático e considera
que itens gramaticais podem desenvolver novas funções gramaticais
(não necessariamente mais gramaticais). Assumimos, também, os prin-
cípios sugeridos por Hopper (1991) para explicar os processos de mu-
dança por que estão passando os itens olha e , uma vez que tais prin-
cípios contemplam estágios iniciais de gramaticalização, que é o que
acreditamos estar ocorrendo com esses MDs.
Consideramos, como Traugott e Heine (1991), a perspectiva de
análise que combina, pelo menos em termos gerais, as propostas de
Meillet e de Givón numa trajetória de item lexical usado no discurso >
morfossintaxe. Nesse sentido, compartilhamos a reflexão de Traugott
(2002) de que a mudança é motivada por práticas discursivas e sociais: a
interação F-O no discurso é a motivadora da mudança (e não deve ser
vista como um estágio no desenvolvimento histórico).
Admitimos, ainda, que forças de natureza cognitiva, além de
comunicativa/pragmática, motivando a mudança. Nesse caso, o modelo
metonímico-metafórico proposto por Heine, Claudi e Hünnemeyer
(1991) parece captar adequadamente a atuação dessas forças na repre-
sentação integrada de (i) uma macroestrutura, associada à transferência
metafórica, discreta, de domínios conceituais, e de (ii) uma microestru-
tura, associada a etapas dispostas em cadeias contínuas, cuja expansão
se metonimicamente por meio de reinterpretação induzida pelo con-
texto, por implicatura conversacional.
Reconhecemos que nos processos de mudança lingüística via
gramaticalização há perdas e ganhos: há desgaste semântico com a gene-
ralização de usos, perda de propriedades morfossintáticas, redução foné-
tica, mas também ganho, especialmente pragmático, na emergência
de novos significados gramaticais (HEINE; KUTEVA, 2007). Conside-
| 107
ramos também a relevância do papel da freqüência de uso, no sentido de
que a alta freqüência, por levar à habitualidade ou ritualização das for-
mas/funções, pode ser vista como um indício de gramaticalização
(BYBEE, 2003).
É bastante pertinente a esta tese a associação proposta entre a tra-
jetória de mudança, especialmente a pragmático-semântica, e as funções
da linguagem. No entendimento de Traugott, em seus inúmeros traba-
lhos, itens lexicais podem vir a desenvolver polissemias pragmáticas
(por inferências sugeridas no contexto) e semânticas, com conseqüentes
reanálises categoriais, nos domínios interpessoal (com componentes
orientado para o F subjetivo, e orientado para o O intersubjetivo) e
textual (com elementos de conexão local, mais sintática, e também com
elementos procedurais, de natureza discursiva, como por exemplo os
MDs). Interessa, pois, não só o caráter contextual da situação interlocu-
tiva, mas principalmente a presença de expressões lingüísticas que inde-
xam a subjetividade e a intersubjetividade, e a descoberta de como eles
emergem.
Assumimos que a (inter)subjetivização deve ser vista, ao lado da
metonímia e da metáfora, como um mecanismo de mudança, e que exis-
te forte correlação entre subjetivização e gramaticalização. Acredita-
mos, também, que os MDs sob análise podem ser tratados na perspecti-
va da gramaticalização, tanto no que se refere à mudança semântico-
pragmática, como à mudança categorial. Defendemos que enunciados
imperativos, inerentemente intersubjetivos, podem vir a ser subjetiviza-
dos no curso da mudança de significados de conteúdo, baseados na es-
trutura argumental, para significados procedurais pragmáticos no nível
discursivo.
3.1.2 Teoria dos atos de fala
A noção de atos de fala é imprescindível numa abordagem fun-
cional, tendo em vista o jogo comunicativo F/O.
Nesse sentido, necessita-se lançar mão da Pragmática Ilocucional,
que é também a pragmática da relação F/O, tal como a de Grice, mas
diversa em um aspecto. A Pragmática Ilocucional não considera a fun-
ção informativa como a função fundamental da linguagem. Nessa teoria,
a linguagem é vista como ação entre os interlocutores pelo fato de ser
um dos elementos constitutivos da performatividade. A ação é uma ati-
tude independente de uma forma lingüística.
108 |
Para Austin (1965), o ato de fala se compõe por três tipos de ação
lingüística: (i) ato locucionário - enunciado com determinado sentido ou
referência; (ii) ato ilocucionário - o F atribui a esse conteúdo proposi-
cional uma determinada força: a realização de uma afirmação, ofereci-
mento, promessa, ordem, num determinado contexto; e (iii) ato perlocu-
cionário - o F exerce certos efeitos sobre o O por meio do enunciado.
Nesse sentido, Austin (1965) assinala a distinção entre sentido e
força, visto que o ato locucionário envolve a produção de sentido que se
opõe à força do ato ilocucionário; ambos se distinguem do ato perlocu-
cionário, que é a produção de um efeito sobre o interlocutor. Assim, ao
se falar uma língua, estamos nos envolvendo em formas de comporta-
mento conduzido por regras. Em uma situação típica de fala, entre um F,
um O e um proferimento por parte de um F vários são os tipos de atos
realizados, como declarar, perguntar, ordenar, prometer, cumprimentar,
entre outros.
Searle (1969) adota a noção básica inserida por Austin (1965) e a
define como a condição essencial para que um ato de fala seja realizado.
A proposta do autor abarca cinco tipologias dos atos de fala: (i) repre-
sentativo - envolve o F com a verdade expressa na proposição (dizer,
asseverar); (ii) diretivo: incita o interlocutor a fazer algo (pedir, mandar,
ordenar); (iii) comissivo: compromete o F como uma ação futura (pro-
meter, ameaçar); (iv) expressivo: expressa um estado psicológico (agra-
decer, congratular); (v) declarativo: muda o estado institucional, tende a
se apoiar em instituições extralingüísticas (excomungar, declarar guerra,
condenar, demitir) (SEARLE, 1969 apud SILVA, 2004).
Além dessa tipologia, é importante mencionar a dicotomia pro-
posta por Searle (1969) que abarca atos de fala diretos e indiretos. O
primeiro é realizado por meio de formas lingüísticas especificadas como
certos tempos ou modos verbais, expressões estereotipadas e algumas
formas de entoação. Empregam-se, por exemplo, expressões como ―por
favor‖, ―por gentileza‖ para fazer pedidos, solicitações, dar ordens. O
segundo diz respeito a uma força ilocucionária obtida indiretamente por
meio de outro ato. Nesse caso, muitos casos em que o F realiza um
ato de fala que pode, ao mesmo tempo, significar literalmente o que
expressa na proposição, e indicar um conteúdo proposicional diferente,
ligado a outra força ilocutória. Searle (1969 apud SILVA, 2004) propõe
então regras de inferências com base em Grice, abrangendo atos de fala
indiretos, ironia e metáfora. Nos atos de fala indiretos, conforme o autor,
os falantes comunicam mais do que aquilo que realmente dizem, confi-
ando no conhecimento das condições de felicidade.
| 109
Quanto aos atos de fala que envolvem enunciados de comando,
nem todos os casos de significação são tão simples. No caso, por exem-
plo, dos atos de fala indiretos, o F emite uma sentença, quer significar o
que diz, mas também quer denotar algo mais, já que a força manipulati-
va tende a ser sistematicamente enfraquecida devido a convenções de
polidez. É supostamente o que acreditamos estar acontecendo em alguns
contextos de uso dos MDs olha e . Vejamos os exemplos a seguir:
(29) E: Então tu nasceste aqui mesmo no bair-
ro, né? Daí tu começou a sair, tinha mais ou me-
nos que idade? (vozes ao fundo)
F: Ah! Eu quando ia pra casa do meu irmão, eu ti-
nha dezesseis pra dezessete. É que eu brigava
muito aqui, né? se ajuntava com meu (‗primo‖),
(vozes ao fundo) ficaba brigando muito. muita
gente vinha aqui na casa da minha mãe: (ruído de
vozes) Ó Dona Maria, o seu filho bateu no meu‖
e não sei o quê. eu sempre apanhava da minha
mãe, né? [...] (FLP Jovens)
(30) E: E esses programas aí, da Prefeitura
principalmente, pra criar escolas integrais para as
crianças ficarem direto, será que resolve?
F: Pois é, mas você veja, eu conheci o projeto
PIA, que a criança até catorze anos fica das sete
da manhã às sete da noite, [no <proje->] no proje-
to PIA. Aí, teria que vir daí os pais e fazer eles fi-
carem das sete da noite até às sete da manhã den-
tro de casa, né? E eles depois das sete da noite e-
les ficam na rua até uma, duas horas da manhã
cheirando cola, então não resolve nada esse pro-
grama. Praticamente, isso [está] está isentando
[o] os pais na [Como][como] como que eu posso
dizer pra você, [é] ajudar nos gastos da família,
porque ele está comendo ali, então, não vai gastar
em casa, mas não está colaborando em nada. Esse
que é o problema da marginalidade no Brasil, de
Curitiba e de lugar nenhum. (CTB 07 L.269)
Assim, sentenças diretivas não se constituem apenas em signifi-
cados imperativos, mas seu propósito pode ser a tentativa (em graus
variáveis) de o F levar o O a fazer algo mais ligado a propriedades men-
tais. Dessa forma, conforme Searle (1969), o F comunica ao O muito
mais do que diz, contando com a informação de base, lingüística e não-
110 |
lingüística, que compartilham e também com as capacidades gerais de
racionalidade e inferência.
Cabe ainda destacar na teoria dos atos de fala a distinção entre
sentido literal e não-literal dos enunciados. O primeiro constitui o mes-
mo que dizer sentido próprio, básico, a partir do qual o sentido das ex-
pressões lingüísticas, em qualquer situação, possa ser apreendido. O
segundo, por sua vez, refere-se àquele cuja interpretação exige inferên-
cia por parte do interlocutor. No caso, os atos de fala indiretos constitu-
em-se como exemplos de sentido não-literal (apud SILVA, 2004).
Porém, os enfoques inferenciais fracassam ao explicar por que
motivo os falantes preferem fazer verdadeiras ―contorções‖ com os atos
indiretos em lugar da simplicidade das expressões diretas. Assim, por
exemplo, em Labov e Fahshell (1977 apud SCHIFFRIN, 1987), mostra-
se a necessidade e importância dos mitigadores e, em Brown e Levinson
(1978), expõe-se o modelo de estratégias de polidez.
Heine, Hünnemeyer e Claudi (1991) argumentam que as situa-
ções mais nítidas de interação com o O abrangem atos de fala manipula-
tivos com enunciados que envolvem perguntas e comandos, sendo os
primeiros mais comuns, entrando em ação o mecanismo de reanálise:
um marcador de interrogação se gramaticaliza como marcador de subor-
dinação; no que se refere a comandos, formas imperativas também po-
dem se gramaticalizar. No inglês, por exemplo, suppose adquire função
pontual como marcador de prótase condicional.
De acordo com Givón (1993, 2001), a modalidade deôntica com-
preende desejos, preferências, intenções, obrigações, manipulações e
habilidades e está ligada à necessidade ou à possibilidade de atos per-
formativos pelo O. Assim, os atos de fala de comando (atos de fala ma-
nipulativos, atos de fala não-declarativos) são aqueles em que o F, ao
proferi-los, espera do O uma resposta não-verbal, que pode ser a realiza-
ção de uma ação pelo O, a depender de um conhecimento compartilhado
entre eles, ou de normas culturais constituintes de um contrato comuni-
cativo. Para o autor, uma das propriedades pragmáticas do imperativo
consiste na força manipulativa de sua expressão, visto que sempre se
espera do O uma resposta não-verbal, diferentemente dos demais atos de
fala. O ato de fala especificamente manipulativo é aquele que ultrapassa
o nível epistêmico.
O imperativo carrega o traço de futuridade em si, pertence à mo-
dalidade irrealis, é o único ato de fala que leva o O a uma resposta não-
verbal, à realização de uma ação. No entanto, a realização do evento é
duvidosa porque a condição para a sua realização ainda não aconteceu e
não se tem certeza da sua ocorrência. Para que o comanda-
| 111
do/manipulado aja, são esperadas competências comunicativas corres-
pondentes aos níveis situacionais e que atendam a algumas convenções
culturalmente estabelecidas (GIVÓN, 1993).
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994) ampliam o conceito de modali-
dade deôntica de Givón no sentido de incluir os componentes pragmáti-
cos ―orientado para o Oe ―orientado para o F‖. O primeiro diz respeito
às atitudes do F consigo mesmo (subjetividade) e o segundo, sinalizando
maior atuação do F sobre o O (intersubjetividade).
Conforme visto nesta seção, em seqüências de atos de fala indire-
tos, o F aparentemente informa ao O mais do que realmente diz, com-
partilha com este informações lingüísticas e não-lingüísticas e conta
também com a capacidade de racionalidade e inferência do O. Preten-
demos, portanto, ao mapear os contextos de atuação dos MDs olha e ,
verificar em que contextos é reduzida a força manipulativa, ou seja, é
supostamente enfraquecido o comando imperativo do F sobre o O.
3.1.3 Nossa proposta de abordagem funcional dos MDs olha e
Tomando como ponto de partida os trabalhos, discutidos, de
Givón (1991, 1995, 2001), Heine, Claudi e Hünemeyer (1991), Traugott
(1989, 1991, 2002, 2005, e a publicar), bem como os estudos de pesqui-
sadores que atuam na linha textual-interativa (como Jubran (2006), Ris-
so; Silva; Urbano (2006); Urbano (1999; 2006)) e ainda considerando
Rost (2002) e Görski, Rost e Dal Mago (2004), entre outros, elaboramos
a nossa proposta de abordagem dos MDs, em função das especificidades
dos itens olha e . Trata-se da conjugação de elementos que, a partir de
uma concepção de gramática como um sistema de codificação comuni-
cativo que codifica articuladamente os níveis da informação proposicio-
nal e do discurso multiproposicional (GIVÓN, 2001), e uma concepção
de mudança como sendo motivada por práticas discursivas e sociais
(TRAUGOTT, 2002), além de cognitivas, convergem, a nosso ver,
numa abordagem que integra funções da linguagem e mecanismos de
mudança, com ênfase no papel dos interlocutores F e O nas diferen-
tes situações comunicativas. Nesse sentido, ganha relevo a noção de atos
de fala, especialmente o ato de fala manipulativo, que pode ser direto ou
indireto e envolver maior ou menor força de manipulação, bem como a
noção de modalidade deôntica incluindo os componentes pragmáticos
―orientado para o O e ―orientado para o F‖, conforme proposto por
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994).
112 |
Consideramos, pois, os seguintes aspectos:
- direcionais de mudança que envolvem (i) as funções idea-
cional/proposicional, interpessoal/interacional e textual; (ii) os meca-
nismos metonímia e metáfora, (inter)subjetivização (pragmático-
semânticos), reanálise e analogia (morfossintáticos); e (iii) o processo de
gramaticalização.
- graus de envolvimento do F e do O, que vão se refletir nos
componentes subjetivo (basicamente orientado para o F) e intersubjetivo
(basicamente orientado para o O).
Como vimos ao longo da seção 3.1, que trata da abordagem fun-
cionalista, e retomamos resumidamente aqui, duas propostas gerais
de desenvolvimento funcional que entram em conflito em um ponto:
enquanto Heine, Claudi e Hünemeyer (1991) sugerem que a direção das
funções da linguagem seja Ideacional > Interpessoal > Textual (aten-
tando para o componente orientado para o O), Traugott (1989), num
primeiro momento, defende a trajetória Proposicional > Textual > Ex-
pressiva (atentando para o componente orientado para o F). Posterior-
mente, a autora desdobra as funções textual e expressiva em duas: a
primeira recobrindo elementos de conexão sintática local e também
elementos mais discursivos que servem a propósitos procedurais ou
metalinguísticos de expressar a atitude do F (os MDs, por exemplo); e a
segunda recobrindo o componente subjetivo (orientado para o F) e o
intersubjetivo (orientado para o O) (TRAUGOTT; DASHER, 2002;
TRAUGOTT, a ser publicado).
Além disso, Traugott (a ser publicado) prevê dois mecanismos de
mudança semântica em geral, sendo um extensão do outro, nesta dire-
ção: subjetivização > intersubjetivização que se desenvolvem a partir
do uso de expressões de subjetividade, cujo significado pragmático é o
de indexar a atitude ou ponto de vista do F, e de expressões de intersub-
jetividade, cujo significado pragmático é o de indexar a atenção do F à
face/imagem do O. A tendência é que as polissemias desenvolvidas, que
são de início pragmáticas, dependentes do contexto e emergentes meto-
nimicamente por meio de usos de ―inferências sugeridas generalizadas‖
(TRAUGOTT, 2002), venham a se tornar depois semanticamente codi-
ficadas na língua, e gramaticalizadas. A autora menciona que nenhum
desses mecanismos acarreta a gramaticalização, mas que existe correla-
ção entre eles, que é mais acentuada entre a subjetivização e a gramati-
calização, provavelmente em virtude do fato de ambos envolverem re-
crutamento de itens para assinalar a perspectiva do F em relação a dife-
rentes pontos do fluxo discursivo.
| 113
Além desses mecanismos, outros dois que atuam na resolução
de problemas de natureza cognitiva (representacional) e comunicativa
(informativa) a metáfora e a metonímia, respectivamente. Enquanto a
primeira envolve transferência de domínios motivada por similaridade
ou analogia, num processo paradigmático, a última leva à reinterpreta-
ção induzida pelo contexto (um significado é especificado em termos de
outro que está presente, mesmo que encoberto, no contexto), envolven-
do um processo sintagmático de reanálise. Assim, a noção de metonímia
é estendida de contextos concretos a contextos pragmáticos de implica-
turas conversacionais que podem vir a se convencionalizar, cuja conti-
güidade é baseada no mundo do discurso. A metonímia é indicial: apon-
ta para relações no contexto (TRAUGOTT; KÖNIG, 1991; HEINE;
CLAUDI; HÜNEMEYER (1991); HOPPER; TRAUGOTT, 1993).
Ainda considerando a gramaticalização, Traugott e Dasher (2005)
admitem que mudanças que envolvem significados de conteúdo > signi-
ficados procedurais podem ser vistas como resultantes de subjetivização.
Nesse caso parece se enquadrarem os itens olha e na sua trajetória de
verbos plenos, carregando significado de conteúdo, a MDs, carregando
significados discursivos procedurais. Podemos, pois, falar em processos
de subjetivização e de gramaticalização. Defendemos que os MDs olha
e se encontram num processo de subjetivização e gramaticalização
numa instância fortemente motivada por fatores pragmáticos.
Um aspecto importante a ser considerado é o seguinte: os usos o-
riginariamente imperativos de olha e são, por natureza, intersubjeti-
vos, têm força ilocucional na estrutura argumental que representa o F e o
O como participantes de um evento comunicativo (é, provavelmente, a
esse tipo de contexto que se reportam Heine, Claudi e Hünemeyer
(1991) ao proporem que a função interpessoal intermedeia a ideacional e
a textual). Essa intersubjetividade que é inerente ao contexto de P2,
contudo, deve ser diferenciada da intersubjetividade que, nos termos de
Traugott (a ser publicado), é relevante para a intersubjetivização. Assim,
o uso de olha e como verbos plenos que veiculam significado de
conteúdo a serviço de um ato de fala manipulativo, evolui para usos com
significados discursivos que refletem propósitos subjetivos do F e/ou
tipos diferentes de intersubjetividade em relação àquela inerente ao con-
texto imperativo. São usos que se expandem polissemicamente nas situ-
ações comunicativas em que F e O constantemente negociam os signifi-
cados. Como se pode perceber, há graus de (inter)subjetividade envolvi-
dos nesse cline.
Assumindo outra perspectiva, mas de modo complementar a essa,
os pesquisadores que seguem a linha da GTI propõem como uma variá-
114 |
vel para analisar os MDs a orientação da interação (SILVA, 1999, p.
300; RISSO; SILVA; URBANO, 2006, p. 407-408). Embora tenha sido
proposta para os MDs em geral, é interessante trazê-la a essa discussão.
Os autores estabelecem três graduações possíveis para definição da ori-
entação da interação: (i) maior grau quando envolvimento inter-
pessoal claro, a orientação é nítida por parte do F em direção ao O, ou
deste ao F, através, por exemplo, da busca de aprovação discursiva ou
da manifestação de um acompanhamento atencioso da fala do outro (ex.:
certo?, uhn uhn, digamos)
91
; (ii) o grau de orientação é considerado
secundário, quando uma unidade sinaliza opinião ou orientação argu-
mentativa, incluindo processos em que o F verbaliza avaliações subjeti-
vas a propósito das significações proposicionais ou envolve, indireta-
mente, seu interlocutor (ex.: acho, agora, bom); e (iii) por fim, a orien-
tação interacional é considerada frágil, quando a interação se define
apenas em função da própria natureza do evento conversacional, com
envolvimento fraco dos interlocutores (ex.: então, primeiro).
Urbano (1999, p. 198), focalizando a variável acima descrita,
propõe ainda alguns desdobramentos considerando o conceito de intera-
ção que, segundo o autor, não se restringe apenas ao processo interacio-
nal bem caracterizado (envolvendo F-O), mas envolve também o pro-
cesso de manifestação pessoal do F com avaliações subjetivas sobre o
conteúdo proposicional, ou com comprometimento retórico do interlo-
cutor. Nesse caso, o autor sugere que os graus de envolvimento dos
parceiros conversacionais o desde um maior envolvimento do F con-
sigo mesmo e menor com o interlocutor (maior grau de subjetividade)
até uma situação oposta (maior grau de intersubjetividade).
Antes de apresentar a nossa proposta para esta tese, convém ainda
reapresentar o diagrama sugerido por Görski, Rost e Dal Mago (2004, p.
50):
ideacional > textual____
O F
interpessoal
naquele momento, admitia-se que a função interpessoal ―per-
meia a trajetória ideacional > textual, chegando até a expandir a função
textual via ‗subjetivização‘‖. Considerando que o componente orientado
para o F e o orientado para o O parecem não ser claramente delimitados
91
Ressalve-se que esses exemplos apenas ilustram aproximativamente esses graus, já que estão
descontextualizados.
| 115
entre si (HEINE; CLAUDI; HÜNEMEYER, 1991, p.190), distinguia-se,
na função interpessoal, um gradiente de proeminência: (i) um compo-
nente orientado para o O (a) com alta intersubjetividade nos atos de fala
manipulativos que envolvem perguntas e comandos, e (b) com média
intersubjetividade quando atua chamando a atenção para partes do texto,
por exemplo; e (ii) um componente orientado para o F que (a) com bai-
xa intersubjetividade, em certos momentos ainda requer o O, e (b) com
alta subjetividade, outras vezes parece estar mais centrado no próprio F.
Essa proposta é, agora, revisada à luz de textos mais recentes so-
bre esse tema, especialmente os trabalhos de Traugott já referidos. Inici-
almente, observamos que o componente orientado para o O, no diagra-
ma, contemplava basicamente aquela intersubjetividade que é inerente
ao contexto de P2, caracterizando atos de fala manipulativos com o uso
do modo verbal imperativo. A partir daí, considerava-se um gradiente
em que a orientação interacional ia diminuindo até se chegar a um alto
grau de subjetividade e subjetivização, que se sobrepunha, muitas vezes,
à função textual. Acreditamos que a idéia geral do diagrama permanece,
porém acrescida de novos elementos.
Assim é que passamos a admitir que há complexidade bem maior
envolvida nos componentes de (inter)subjetividade e nos mecanismos de
(inter)subjetivização do que aquela então delineada. Consideremos os
itens olha e , em contexto específico de P2. A partir de seu signifi-
cado original concreto de percepção visual, têm derivado diferentes
funções relacionadas, de início, a ações mentais mais abstratas, especi-
almente quanto aos valores semânticos de atenção e compreensão.
Ao adquirir o sentido relacionado a ações cognitivas, esses itens, por um
lado, enfraquecem o ato de fala manipulativo, embora retenham certos
valores pragmáticos devido à intenção do F em trabalhar comunicativa-
mente; e, por outro, mostram dois comportamentos sintáticos distintos
podem ser verbos plenos, com significado de conteúdo, dependentes da
estrutura oracional, tendo como complemento um objeto direto (ex.:
Olha o chão limpo! Veja esses comentários!); ou podem ficar alheios à
estrutura oracional, mas discursivamente dependentes, com significado
procedural (ex.: Olha/Veja, não é meu forte.).
Na transição de uso como verbo pleno, naturalmente intersubjeti-
vo, a uso como MD, os significados vão ganhando, gradativamente,
aumento da expressão do envolvimento do F em termos de suas crenças
e atitudes avaliativas, ou seja, vão assinalando subjetividade à medida
que a intersubjetividade inicial vai se atenuando. Atua, nesse movimen-
to, o mecanismo de subjetivização.
116 |
Considera-se que a função interpessoal recobre tanto atos de fala
manipulativos de perguntas e comandos, ou de sugestões, advertências,
atenuações, etc que são basicamente orientados para o O‖, porém
com um gradiente de força manipulativa , como expressões atitudi-
nais/avaliativas que são basicamente orientadas para o F‖, com pre-
sença acentuada de aspectos pragmáticos contextuais. Como em partes
desse processo o texto também ganha uma certa proeminência, as fun-
ções interpessoal, principalmente centrada no F, e textual podem acabar
se entrecruzando. É nesses pontos em que os itens ou construções apre-
sentam forte caráter interacional (seja com foco maior nos interlocuto-
res, seja em partes do texto) que podem ser captados estágios iniciais de
gramaticalização envolvendo mudança semântico-pragmática via (in-
ter)subjetivização.
Nosso diagrama inicialmente proposto é essencialmente mantido,
apenas com uma pequena inserção no jogo O-F de modo a salientar o
gradiente interativo, além da interseção com a função textual:
Ideacional > Textual
O O/F F
Interpessoal
O contexto, a inferência e a freqüência são três fatores que intera-
gem no processo de mudança que envolve as funções da linguagem e os
mecanismos. À medida que itens e construções passam a ser recorrentes
em certos contextos, por inferência sugerida, podem expandir seus usos
por meio de polissemia pragmática, estendendo seu campo de atuação a
novos contextos. É nesse movimento que podem operar os parâmetros
elencados por Heine e Kuteva (2007): extensão, dessemantização, deca-
tegorização e erosão fonética. Além disso, os itens podem vir a desem-
penhar papéis também no âmbito relacional, atuando coesivamente na
organização das informações no texto como conectores ou articuladores
textuais. Os graus de complexidade e de abstração crescente nas rela-
ções lógico-semântico-discursivas devem acompanhar a distribuição do
diagrama, acentuando-se no componente subjetivo centrado no F e, mais
fortemente, na função textual da linguagem.
| 117
3.2 Teoria da Variação e Mudança Lingüística
3.2.1 A variação lingüística
A Teoria da Variação e Mudança Lingüística
92
, postulada inici-
almente por Labov (1966) e também por Weinreich, Labov e Herzog
(1968), é uma proposta teórico-metodológica de pesquisa que visa estu-
dar a estrutura e a evolução da língua dentro do contexto social da co-
munidade de fala. Essa proposta rompe com o princípio de correntes
anteriores tanto com a abordagem saussureana, quanto com a choms-
kiana
93
de que a língua é um sistema sincronicamente homogêneo e
estável, passível de ser encontrada no idioleto. A crítica dos autores aos
modelos anteriores recai principalmente sobre o fato de que a língua não
pode ser estudada fora do contexto social, ou seja, faltou-lhes desenvol-
ver métodos empíricos para trabalhar dentro da comunidade de fala.
Na seqüência, veremos uma série de conceitos básicos que envol-
vem o estudo e a aplicação da Teoria da Variação e Mudança. Em um
primeiro momento, é fundamental deixar claro com que noção de língua,
de indivíduo e de comunidade de fala se opera. Num segundo momento,
dispõe-se acerca do método de pesquisa adotado.
3.2.1.1 Princípios gerais
O material básico de estudo da Teoria da Variação e Mudança
Lingüística primeiramente é a língua definida como ―[...] uma forma de
comportamento social [...] usada por seres humanos num contexto soci-
al, comunicando suas necessidades, idéias e emoções uns aos outros‖
(LABOV, [1972] 2008, p. 215). Em outras palavras, a língua falada
―[...] tal qual como usada na vida diária por membros da ordem social,
este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus
92
Rotulada também como ―sociolingüística‖, embora, para Labov ([1972] 2008, p. 13, 215),
seja um uso um tanto enganoso de um termo estranhamente redundante. O autor expõe que
resistiu ao uso do termo sociolingüística, ―já que ele implica que pode haver uma teoria ou
prática lingüística bem-sucedida que não é social.‖
93
O modelo chomskiano toma como objeto de estudos lingüísticos a competência do falante-
ouvinte ideal, pertencente a uma comunidade lingüisticamente homogênea, em detrimento do
componente social.
118 |
cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos
(LABOV, [1972] 2008, p. 13).‖
94
Necessita-se considerar, portanto, como objeto de estudo, não a-
penas a língua de um ou dois informantes, para não se correr o risco de
fazer o que fizeram as correntes anteriores a Labov, mas a língua dentro
do contexto social. Recorre-se assim à definição de comunidade de fala
―[...] como um grupo que compartilha as mesmas normas a respeito da
língua (LABOV, [1972] 2008, p. 188).‖
95
Seja qual for a comunidade de
fala, não se pode ignorar o padrão de estratificação social que a permeia.
A observação direta da variação na comunidade na qual ela ocorre per-
mite vislumbrar, em princípio, que cada F é um caso individual, no en-
tanto, para a perspectiva da Teoria da Variação e Mudança,
o indivíduo da sociolingüística variacionista é um
ser ‗estratificado‘ de acordo com propriedades su-
pra-individuais (idade, classe social, etc.) e, devi-
damente categorizado de acordo com tais proprie-
dades, é somado aos demais indivíduos para que
se chegue ao retrato da comunidade de fala
(TAVARES, 2003, p. 82).
Sob a perspectiva dessa Teoria, parte-se da premissa de que lidar
com variação inerente dentro da comunidade de fala é, portanto, lidar
com heterogeneidade. O princípio da heterogeneidade ordenada e siste-
mática recobre todos os níveis lingüísticos, da fonologia à sintaxe toma-
da no contexto discursivo, em todas as línguas naturais, ―o que não ex-
clui em hipótese alguma, a existência de regras categóricas‖ (PAIVA;
DUARTE, 2006, p. 135).
A noção não-monolítica da língua contempla, portanto, pelo me-
nos três aspectos, resumidos por Bartsch (1987, p. 186-190 apud
MARCUSCHI, 2008, p. 63):
(a) heterogeneidade na comunidade lingüística (a
população não é homogênea e fala de forma dife-
renciada com variedades dialetais regionalmente
94
Tradução para o português de Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre e Caroline Rodri-
gues Cardoso.
95
Dessa definição emerge um problema: como estabelecer limites geográficos ou sociais de
uma comunidade de fala? Até que ponto pode-se dizer que todos os falantes de uma determi-
nada língua participam da mesma comunidade de fala? Figueroa (1994) argumenta que a
comunidade de fala não é uma entidade transparente. Se uma comunidade de fala é definida a
partir de um grupo que compartilha as mesmas normas lingüísticas, trata-se mais de normas de
interpretação do que de uso, isto é, são atitudes partilhadas em relação a formas estigmatizadas.
Uma discussão aprofundada acerca do conceito de comunidade de fala pode ser conferida nos
trabalhos de Guy (2000, 2001) e Severo (2007, p. 144-160).
| 119
caracterizadas ou variedades sociais sociocultu-
ralmente marcadas);
(b) heterogeneidade de estilos e registros numa
língua (na linguagem do dia-a-dia, tem-se estilos
mais informais e na linguagem cuidada ou técnica
tem-se estilos formais; também observam-se re-
gistros de vários tipos, sendo que um falante pode
dominar vários deles simultaneamente);
(c) heterogeneidade no sistema lingüístico (a n-
gua não tem um sistema ou o sistema, mas diver-
sas sistematizações complementares, sobrepostas
ou concomitantes, hoje conhecidas como ‗regras
variáveis‘, seja na fonologia, morfologia ou se-
mântica).
A variação é, pois, entendida como um princípio geral e universal
das línguas, passível de ser descrita e analisada a partir de técnicas de
abordagem quantitativa dos dados. Objetiva-se, ao se fazer uso do apara-
to teórico-metodológico da Teoria da Variação e Mudança Lingüística,
identificar, na medida do possível, em situação natural de comunicação,
as formas das regras lingüísticas, sua combinação em sistemas, a coexis-
tência de vários sistemas e a evolução dessas regras e sistemas com o
tempo a partir dos condicionamentos da variação na língua em uso de
determinada comunidade de fala (LABOV, [1972] 2008, p. 216).
Para se proceder à sistematização desse controle, a Teoria da Va-
riação e Mudança dispõe de um método de investigação científica que
permite estabelecer correlações entre estratos sociais e variedades de
uso, ou seja, concebe instrumentos imprescindíveis para se descrever
evidências empíricas de variação e mudança dos fatos da língua.
A introdução do conceito de variável lingüística no modelo de
heterogeneidade ordenada, conforme Weinreich, Labov e Herzog
([1968] 2006, p. 105), é imprescindível para se dar conta da variação na
comunidade de fala. Trata-se, portanto, de ―um elemento variável dentro
do sistema controlado por uma única regra.‖
96
É o resultado do conjunto
de duas ou mais variantes lingüísticas, as quais, por sua vez, se consti-
tuem nas diversas maneiras de se dizer ‗a mesma coisa‘ em um mesmo
contexto, e com o mesmo valor de verdade. Destacam, porém, os auto-
96
Tradução para o português de Marcos Bagno.
120 |
res que, embora as variantes sejam idênticas em valor de verdade, o-
põem-se quanto à significância social e/ou estilística
97
.
Segundo extrai-se da definição de variantes lingüísticas, a igual-
dade de significado referencial ―a mesma coisa‖ é essencial para a
seleção das variantes. Nos primeiros estudos clássicos de Labov (1966,
1972)
98
, a investigação se voltou para o nível fonológico. Os resultados
de suas pesquisas revelaram que as formas variantes são as mesmas no
que diz respeito à referência e ao valor de verdade, mas refletem dife-
renças quanto à significação social e/ou estilística.
Nesse sentido, os resultados de pesquisas na comunidade de fala
podem indicar que certos grupos de fatores condicionantes de natureza
lingüística e social são, na realidade, responsáveis pela implementação
de uma variante e que outros, ao contrário, não demonstram qualquer
efetividade na aplicação da regra variável. Trata-se, portanto, da formu-
lação de regras gramaticais, consequentemente, de regras variáveis,
cujo favorecimento de uma variante e não de outra decorre de circuns-
tâncias lingüísticas e não-lingüísticas apropriadas à aplicação de uma
regra específica (TARALLO, 1985, p.11).
Assume-se, a competição entre forças internas e externas os
grupos de fatores condicionadores ou variáveis independentes operan-
do na configuração da estrutura lingüística. Nesse sentido, não basta
apontar a existência ou a importância da variabilidade, antes se deve
lidar com os fatos de variabilidade com precisão suficiente para nos
permitir incorporá-los nas análises da estrutura lingüística. Toda varia-
ção é, pois, motivada, isto é, passível de ser controlada por condiciona-
mentos diversos, como fatores lingüísticos, de natureza estrutural, e
extralingüísticos, de natureza externa ao sistema.
3.2.1.2 O método de pesquisa em variação na comunidade de fala
Quatro problemas teóricos normalmente têm sido alegados pelos
que preferem restringir os dados lingüísticos a intuições em detrimento à
97
―Por ‗social‘ entendo aqueles traços da língua que caracterizam vários subgrupos numa
sociedade heterogênea; e por estilística‘, as alternâncias pelas quais um falante adapta sua
linguagem ao contexto imediato do ato de fala.‖ (LABOV, [1972] 2008, p. 313]).
98
Por exemplo, sua dissertação de mestrado sobre Martha‘s Vineyard e sua tese de doutorado
sobre Nova York. No primeiro, toma como fenômeno de investigação a variação articulatória
dos ditongos [ay] e [aw], como em right e house. No segundo, investigou a presença/ausência
de [r] em posição pós-vocálica, como em car, card, four, fourth, etc.).
| 121
adoção do estudo da fala cotidiana: (i) a agramaticalidade da fala cotidi-
ana; (ii) a comprovação da existência de variação e de estruturas hetero-
gêneas dentro das comunidades de fala; (iii) a audição e gravação dos
dados; (iv) a raridade dos dados. Labov ([1972] 2008, p. 237-238) con-
tra-argumenta alegando que essas dificuldades se revelam ilusórias
quando não exageradas.
A quem se empreenda no exercício acadêmico de investigar a va-
riação na comunidade de fala, cinco passos metodológicos devem ser
sistematizados:
(i) levantamento exaustivo dos dados de língua fa-
lada, para fins de análise, dados estes que refletem
mais fielmente o vernáculo da comunidade;
(ii) descrição detalhada da variável, acompanhada
de um perfil completo das variantes que a consti-
tuem;
(iii) análise dos possíveis fatores condicionadores
(lingüísticos e não-lingüísticos) que favorecem o
uso de uma variante sobre a(s) outra(s);
(iv) encaixamento da variável no sistema lingüís-
tico e social da comunidade: em que nível lingüís-
tico e social da comunidade a variável pode ser
colocada;
(v) projeção histórica da variável no sistema so-
ciolingüístico da comunidade (TARALLO, 1999,
p. 10-11).
3.2.2 A extensão da metodologia variacionista na aplicação de fenôme-
nos discursivos
No campo da variação, os trabalhos pioneiros de Labov (1966,
[1972] 2008) estão focados em análises de fenômenos fonológicos ou
fonéticos. Nesse nível de análise, as variantes comunicam o mesmo
valor referencial e a variação pode ser motivada por fatores sociais ou
estilísticos da comunidade de fala. Mais tarde, porém, seus resultados
permitiram o desdobramento da metodologia variacionista para outros
níveis lingüísticos além da fonologia. Derivam desse desdobramento
dificuldades de adaptação do modelo em campos diferentes do fonológi-
co visto que se esbarra na discussão acerca da manutenção do mesmo
significado das variantes lingüísticas.
122 |
Weiner e Labov ([1977] 1983) ampliam a aplicação da metodo-
logia de pesquisa variacionista para o campo da sintaxe, em um estudo
quantitativo sobre construções passivas e ativas no inglês. Os resultados
para esse fenômeno mostraram que a variação pode também ser motiva-
da apenas por fatores lingüísticos, neste caso, sintáticos, excluindo-se os
sociais. Os autores perceberam que a variação lingüística pode ser con-
dicionada por fatores de natureza apenas interna.
Em conseqüência desses resultados, trava-se a conhecida polêmi-
ca entre Labov (1978) e Lavandera (1978) acerca da noção de variável
sociolingüística. Decorre desse embate a necessidade de (i) se reformu-
lar o nível de abrangência da regra variável; e (ii) se rever a noção de
variável ―sociolingüística‖. Vejamos alguns dos argumentos apresenta-
dos pelos autores.
Conforme Lavandera, uma vez que a variação pressupõe duas ou
mais maneiras de dizer ―a mesma coisa‖, mesmo significado referencial,
seria inviável estender sua ocorrência para outros níveis além do fonoló-
gico. Nesse sentido, à falta de uma teoria articulada do significado nos
estudos de variação, a autora conclui que o fenômeno da passiva não se
constitui uma variável sociolingüística. Postula, para o estudo das vari-
áveis não-fonológicas, o alargamento da noção de ―equivalência semân-
tica‖ para ―comparabilidade funcional‖.
Em contrapartida, Labov (1978) relativiza a definição de signifi-
cado como ―estado de coisas‖ e ressalta que duas construções que se
referem ao mesmo ―estado de coisas‖ têm o mesmo valor de verdade e,
portanto, mesmo significado referencial. Ao se equacionar a noção de
―significar a mesma coisa‖ como ―ter o mesmo significado referencial‖,
facilita-se o tratamento de variáveis não-fonológicas mesmo que elas
apresentem traços pragmáticos e nuanças distintas. Além disso, à critica
de Lavandera de que as formas que não têm relevância estilística ou
social (ou seja, que não se mostram condicionadas por fatores dessa
natureza) devem ser desconsideradas como variáveis sociolingüísticas.
Labov, mais uma vez, procura ressaltar a validade dos estudos sociolin-
güísticos, mesmo que fatores dessa natureza não se mostrem significati-
vos. Portanto, segundo o autor, não é a busca pela relevância social
ou estilística que se constitui como preocupação primeira da sociolin-
güística, mas, antes disso, a obtenção de uma representação acurada da
estrutura da língua levando em conta a vida social da comunidade em
que ela ocorre.
Como se viu, a polêmica de Labov e Lavandera vislumbra a hipó-
tese de se descrever e explicar um fenômeno lingüístico variável a partir
de condicionamentos lingüísticos, além dos sociais e/ou estilísticos.
| 123
Também, ao discutir o estatuto sociolingüístico e o nível de abrangência
da regra variável, ―abriu espaço para uma gradual implementação de
estudos variacionistas de fenômenos de natureza morfossintática, se-
mântica e discursiva‖ (GÖRSKI et al., 2003, p. 106).
Com base nessa perspectiva, também estendemos o conceito de
variável lingüística para o âmbito discursivo, de modo a incluirmos sob
seu escopo os MDs olha e como variantes de uma mesma variável
visto que são itens discursivos que, supostamente, em determinados
contextos, se encontram em variação e verificarmos quais os fatores
que condicionam o uso dessas variantes. Nesse caso, é necessário tam-
bém operar com um conceito de gramática alargado de modo a recobrir
esses elementos, além de estender a noção de significado referencial,
que remete à idéia de mesmo valor de verdade, para mesmo significado
ou função.
Estudos de variação no discurso revelam comportamento distinto
em termos de idade. Dubois (1993 apud MACAULAY, 2002, p. 296),
por exemplo, examinando cuidadosamente ―extension particles‖, consta-
tou que os mais jovens usam-nas mais freqüentemente do que os mais
velhos. Vincent (1993 apud MACAULAY, 2002, p. 296), por sua vez,
investigou as partículas de exemplificação, como par exemple, comme,
genre, disons, etc., e encontrou freqüências semelhantes às de Dubois,
mas o decréscimo não se mostrou significativo e gradual ao longo do
tempo. Os resultados da pesquisa de Macaulay (1991, 1995 apud
MACAULAY, 2002, p. 298) a respeito de MDs e tags de finalização
mostram que adolescentes empregam menos you know que os adultos
investigados.
Naro (1998) mostra evidências sobre a natureza plenamente fun-
cional de um bom número de fenômenos morfossintáticos variáveis em
português. Nesses casos, conforme o autor, os falantes usam mais certas
variantes em contextos em que o uso da variante em questão, e não outra
variante, colabora para transmitir um determinado sentido em nível
semântico ou discursivo. Por outro lado, reconhece o autor que casos
em que a variação é puramente mecânica, sem qualquer efeito funcional,
assim como situações em que os dois tipos estão em jogo (cf. GIVÓN,
1995). Braga (2003) atesta como princípios da Teoria da Variação e
Mudança Lingüística podem ser empregados no tratamento de variáveis
independentes discursivas, como o status informacional de itens lexicais
e de orações, aspectos relativos à coesão e à relação semântica de con-
traste, entre outros.
No parágrafo acima, evidencia-se o caráter funcional de fenôme-
nos variáveis no nível morfossintático, captado pelo controle de variá-
124 |
veis independentes de natureza semântico-discursiva. No caso desta
tese, é o próprio objeto de estudo que se constitui num fenômeno discur-
sivo, situando-se, pois, num nível gramatical ainda mais alto. Nesse
caso, o desafio de dispensar um tratamento variacionista aos MDs é
instigante e, certamente, não isento de dificuldades. Nesse sentido, esta
tese se alinha a outros trabalhos desenvolvidos no âmbito do Projeto
VARSUL (por exemplo, TAVARES, 1999, 2003; VALLE, 2001;
ROST, 2002; FREITAG, 2003, 2007c; MARTINS, 2003) que também
tratam de itens discursivos aplicando postulados da Teoria da Variação e
Mudança.
3.2.3 A mudança lingüística
As línguas humanas não são realidades estáticas; ao contrário
mudam com o passar do tempo. Como a língua é um fato social, Milroy
(1993, p. 217, tradução nossa) expõe que a
[…] a mudança linguística é uma das coisas que é
negociada pelos falantes ao longo das trocas ver-
bais. Como a atividade linguística se em con-
textos sociais, mudanças linguísticas devem ser
transmitidas de falante a falante nesses contextos.
Mas muitas outras coisas acontecem nas trocas
verbais, logo, precisamos considerar suas caracte-
rísticas cuidadosamente.
99
Nesse sentido, que se considerar necessariamente três proble-
mas distintos que envolvem a explicação da mudança lingüística:
(i) a origem das variações lingüísticas;
(ii) a difusão e propagação das mudanças lingüísticas; e
(iii) a regularidade da mudança lingüística.
Parafraseando Labov ([1972] 2008, p. 19-20), os três problemas
são descritos da seguinte forma: inicialmente, requer-se como ponto de
partida a variação em uma ou mais palavras na fala de um ou mais indi-
víduos, as quais podem ser desencadeadas por processos de assimila-
ção, dissimilação, por analogia, empréstimo, fusão, contaminação, vari-
99
―[...] linguistic change is one of the things that is negotiated by speakers in the course of
speech-exchanges. As language activity takes place in social contexts, linguistic changes must
be passed from speaker to speaker in these contexts. But many other things happen in speech-
exchanges, an so we need to consider their characteristics quite carefully‖.
| 125
ação aleatória, ou quaisquer outros processos [...].‖ Ou seja, a inovação
é desencadeada por um ato do F. Posteriormente, a inovação pode se
extinguir tão rapidamente quanto surgiu, ou, pode ser recorrente e passar
a ser imitada e difundida a ponto de, como forma nova, entrar em con-
traste com formas mais antigas. Finalmente, uma ou outra forma geral-
mente triunfa, e a regularidade é alcançada, isto é, a mudança se mani-
festa no sistema da língua. Nesse sentido, a mudança será observada
depois de o ato de inovação ter acontecido. Uma vez criada uma nova
estrutura lingüística, isto é, uma vez que a mudança entrou no sistema,
ela penetra de forma bem ordenada e pressiona o comportamento indivi-
dual e coletivo (MILROY, 1993).
A variação, portanto, poderá desencadear mudanças no uso de de-
terminada língua, que mudança implica variação embora nem toda
variação implique mudança. Conforme dizem Weinreich, Labov e Her-
zog ([1968] 2006, p. 188): ―nem toda a variabilidade e heterogeneidade
na estrutura lingüística envolve mudança, mas toda a mudança envolve
variabilidade e heterogeneidade‖.
Para se adentrar na investigação de aspectos da variação e mu-
dança lingüística, Labov (1990, 1994) sugere que se deveria observar
dada comunidade e retornar a ela uns vinte anos mais tarde para realizar
nova pesquisa, fazendo um estudo da mudança em tempo real (eixo
diacrônico). Outro método mais imediato é captar a mudança em tempo
aparente (eixo sincrônico). Nesse caso, ao estudarmos uma determinada
comunidade, devemos comparar a fala das pessoas mais idosas com a
das mais jovens e podemos constatar que as diferenças de uso de dada
forma entre as faixas etárias podem ser indícios de mudança lingüística.
O autor propõe que o método básico para o estudo da mudança em curso
é o que combina dados de tempo aparente e dados de tempo real.
No caso de fontes escritas, alguns teóricos questionam o uso de
dados de sincronias anteriores, pois, além de serem escassos, os docu-
mentos históricos sobrevivem ao acaso. Além disso, a estrutura lingüís-
tica dos dados escritos antigos é diferente da fala espontânea de seus
escritores. Dados escritos sempre sofreriam interferência da norma e
nunca registrariam a língua em uso efetivamente.
De fato, Labov ([1972] 2008, 1994, 2001, p. 35) também adverte
sobre a falta de informações estilísticas e sociais nos registros históricos.
Porém, destaca o autor, com entendimento do que é preconizado pelo
princípio do uniformitarismo, herdado da geologia, de que as tendências
de variação ou mudança que atuam na fase atual de uma língua atua-
ram em sincronias anteriores e vão ocorrer em estágios posteriores da
língua. especificidades em cada época que não devem ser despreza-
126 |
das, mesmo que os padrões gerais de mudança sejam os mesmos dos
dados de hoje. Labov sugere então que se diversifiquem os métodos de
abordagem a fim de que se evidencie convergência de resultados. Dada
essa dificuldade, o autor alerta que os dados usados para fornecer infor-
mações sobre a língua no uso real podem prover de outras fontes como
censos, questionários, excertos de peças de teatro e romances, testes
psicológicos, relatórios etnográficos de normas. Todavia, reconhece que,
por mais que diversos estudos mostrem resultados produtivos sobre o
uso da língua escrita, nem por isso eles nos permitem chegar o mais
próximo possível dos dados fundamentais da língua em uso.
Labov faz referência ao paradoxo da lingüística histórica, devi-
do ao fato de que não se deve simplesmente associar dados de séculos
tão distintos como se fossem da mesma comunidade de fala.
Sendo o passado diferente do presente, não há
como saber quão diferente ele foi […] O fenôme-
no que estamos estudando a mudança lingüísti-
ca é irracional, violento e imprevisível. Desen-
volver princípios de mudança lingüística pode pa-
recer um empreendimento quixotesco, como mui-
tos estudiosos concluíram […] A lingüística
histórica é marcada pela prevalência de contradi-
ções paradoxais que oferecem um rico leque de
desafios para o especialista que deseje resolvê-los
(LABOV, 1994, p. 21).
Trata-se, portanto, de objeto da lingüística histórica, segundo La-
bov, explanar sobre as diferenças entre o passado e o presente, mas não
se tem meios suficientemente seguros para saber o quanto diferentes
eram. A solução reside então não apenas na aplicação pura e simples do
princípio do uniformitarismo, mas antes na abordagem de cada caso de
variação e mudança a seu tempo a partir de diferentes métodos de abor-
dagem (TAVARES, 2003, p. 91).
Diante disso, pretendemos aplicar, nesta tese, com base numa a-
bordagem pancrônica, também o princípio do uniformitarismo, uma vez
que partimos de uma análise sincrônica, quantificando as ocorrências e
identificando os fatores condicionadores dos usos variáveis e, em segui-
da, recorremos a amostras de momentos anteriores da língua para buscar
indícios do funcionamento dos MDs olha e ao longo do tempo.
Fica latente até aqui que Weinreich, Labov e Herzog ([1968]
2006, p. 188) e Labov ([1972] 2008) defendem com vigor a língua como
dotada de heterogeneidade sistemática e a mudança lingüística como
encaixada numa dimensão social. Os autores formulam cinco princípios
| 127
de natureza empírica, que denominam problemas, e que, segundo eles,
devem estar presentes numa investigação lingüística. Esses problemas
são sistematizados a seguir, atrelados, na medida do possível, ao objeto
de estudo nesta tese, conforme assinalado na Introdução.
Problema de restrição: diz respeito aos fatores condicionantes e
às restrições lingüísticas e extralingüísticas da mudança.
Nesta tese, este problema relaciona-se aos grupos de fatores in-
ternos e externos que podem favorecer ou restringir o uso de um MD no
lugar de outro. Buscamos observar quais as forças lingüísticas e extra-
lingüísticas que atuam/condicionam o uso de um MD em relação a ou-
tro.
Problema de transição: remete à necessidade de definir e analisar
como a mudança acontece, quais são seus caminhos e etapas, se o siste-
ma lingüístico de um indivíduo muda ao longo de sua vida, como as
mudanças são difundidas na comunidade de fala, como elas se movem
de uma comunidade a outra e, por fim, como a mudança é transmitida de
uma geração a outra. Weinreich, Labov e Herzog ([1968] 2006) também
questionam como a mudança ocorre de um nível lingüístico a outro.
Nesta tese, este problema diz respeito ao tipo de passagem ou
transmissão dos MDs, seja no âmbito linguístico pela reanálise gramati-
cal (verbo > MD) decorrente da multifuncionalidade dos itens, seja no
âmbito social (por exemplo, a transmissão de uma forma para outra
entre grupos de faixas etárias diferentes ou entre uma região e outra).
Em termos funcionalistas, qual dos dois MDs se encontra mais distanci-
ado de seu estatuto verbal e, portanto, mais avançado no movimento de
mudança rumo à gramaticalização.
Problema de encaixamento: refere-se a como as mudanças se en-
caixam no sistema das relações lingüísticas e sociais das variantes: (i)
Encaixamento na estrutura lingüística (possíveis relações em cadeia):
busca-se descrever a estrutura lingüística em que as formas em mudança
estão situadas; (ii) Encaixamento na estrutura social: identificam-se os
grupos sociais aos quais as formas se vinculam.
Quanto ao encaixamento na estrutura lingüística, poderá ser evi-
denciado, pelo menos parcialmente que os MDs são por natureza
discursivos, na medida em que observarmos, por exemplo, as correla-
ções entre os sistemas pronominal e modo-temporal do PB em relação à
P2 e o funcionamento dos MDs olha e . Com relação ao encaixamen-
128 |
to na estrutura social, poderá ser atestado por meio das diferentes di-
mensões (idade, sexo/gênero, localidade, etc.) previstas nesta pesquisa.
Problema de avaliação: remete à discussão de como os indiví-
duos de uma comunidade de fala avaliam uma mudança particular e a
própria língua. Questiona se avaliações negativas podem afetar o curso
da mudança e se esta pode ser impedida ou revertida como conseqüência
do estigma social.
Este problema diz respeito à significação social associada ao uso
dos MDs olha e vê, ou seja, às avaliações que os falantes, consciente-
mente, fazem a respeito dessas formas. Não foi previsto, na tese, ne-
nhum tipo de teste de atitude que pudesse captar essa avaliação. O que
pode ser feito, num controle indireto, é observar, mediante os resultados
estatísticos, se o nível de escolaridade dos informantes se mostra influ-
ente sobre o usos de uma ou outra variante e em que contextos discursi-
vos isso ocorre. Talvez a gradação etária dos informantes também possa
indicar alguma tendência significativa.
Problema de implementação: diz respeito à procura de justificati-
va para dada mudança lingüística ocorrer em certa época e lugar, ou
seja, quais são as causas da mudança (relações sociais?) e dos demais
problemas: em que parte da estrutura social e lingüística a mudança se
originou, como se espalhou para outros grupos e que grupos tendem a
mostrar maior resistência.
Aventamos a hipótese de que os MDs olha e podem ser inves-
tigados à luz dos problemas apresentados por Weinreich, Labov e Her-
zog ([1968] 2006, p. 188). No capítulo 7, com base nos resultados das
amostras, retomaremos tais princípios e procederemos à discussão.
3.3 Sociofuncionalismo
Atualmente, como se viu, nota-se a tendência de estudos varia-
cionistas tomarem como objeto variável não fenômenos morfossintá-
ticos mas também semântico-discursivos, bem como recentemente se
visualiza a possibilidade de aproximação teórica, que combina a pers-
pectiva funcionalista, voltada para o estudo do processo de gramaticali-
| 129
zação, com pressupostos da sociolingüística variacionista
100
. A combi-
nação entre essas abordagens mostra-se viável e frutífera, porém não
significa que seja isenta de problemas. É o que veremos a seguir, sinteti-
camente, com base em Tavares (1999, 2003), Görski (2006), Görski e
Tavares (a ser publicado).
Conforme as autoras, embora a Teoria da Variação e Mudança e
o Funcionalismo Lingüístico, voltado à gramaticalização, mostrem-se
divergentes seu ponto focal
101
, não se vislumbra impedimento para se
integrar ambas abordagens na investigação dos fenômenos lingüísticos,
uma vez que
[...] (i) o objeto de estudo é a língua em uso, cuja
natureza heterogênea abriga a variação e a mu-
dança; e (ii) é atribuída grande importância ao tra-
tamento empírico com quantificação estatística,
especialmente em relação à freqüência de uso,
como evidência para atestar fenômenos de varia-
ção e mudança (cf. WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968; LABOV, 1972; GIVÓN, 1995;
BYBEE; HOPPER, 2001; BYBEE, 2003 apud
GÖRSKI, 2006, p.2).
Nessa interface, o uso dos falantes determina as funções gramati-
cais. O enfoque está nas relações entre funções e formas, decorrentes de
pressões lingüísticas e sociais, com destaque para a história da(s) for-
ma(s) e sua multifuncionalidade, bem como a coexistência de diferentes
formas/funções, o que configura situação de estratificação/variação.
Dentre os pressupostos teórico-metodológicos compatíveis entre
as perspectivas, destacam-se: (i) prioridade atribuída à língua em uso,
que continuamente se move, muda e é mecanismo de interação; (ii) a
mudança é contínua e gradual; (iii) diacronia e sincronia são comple-
mentares na busca pela trajetória da mudança; (iv) crença no princípio
do uniformitarismo; (v) destaque para a freqüência de uso; e (vi) vínculo
entre fatores lingüísticos e sociais.
100
A aproximação entre a Teoria da Variação e Mudança e o Funcionalismo de vertente norte-
americana começou a ser feita, no Brasil, no âmbito do Programa de Estudos sobre o Uso da
Língua (PEUL/UFRJ, cf. SILVA; SCHERRE (Orgs.), 1996).
101
O objeto de interesse da Teoria da Variação e Mudança é a coexistência de formas que se
intercambiam com o mesmo significado em um mesmo contexto, situação de variação que
pode vir a ser resolvida pela mudança; e o do Funcionalismo Lingüístico, especialmente os
estudos acerca da mudança lingüística via gramaticalização, ocupa-se prioritariamente do
percurso de mudança de uma forma, que pode vir a conviver com outra(s) em um mesmo
domínio funcional (GÖRSKI, 2006).
130 |
Em relação à variação/mudança, Hopper (1991, p. 22), ao formu-
lar princípios gerais de mudança aplicáveis às etapas iniciais de gramati-
calização, propõe o princípio de camadas (estratificação), conforme
visto na seção 3.1.1.2, o que reforça a viabilidade de aproximação entre
os objetos de estudo da perspectiva da gramaticalização e da sociolin-
güística variacionista. À medida que uma forma começa a se fixar como
uma das camadas de certo domínio, ―a análise somente será completa se
também forem levadas em conta as demais formas que competem com a
forma mais recente, pois são as inter-relações entre todas as camadas
que definem os rumos do domínio como um todo e de cada forma em
particular‖ (GÖRSKI; TAVARES, a ser publicado).
Outro aspecto convergente diz respeito aos rumos possíveis para
solucionar a variação ou estratificação. As duas perspectivas deixam
evidente que, na ocorrência de situações de variação ou estratificação,
estas tendem a ser solucionadas com o passar do tempo, mas ainda as-
sim de se verificar como se o fim da competição. Na perspectiva
da gramaticalização, um dos modos de se eliminar a concorrência é,
segundo Hopper (1991), a especialização, com uma das formas tendo
seu uso generalizado. De fato, a especialização pode se dar por genera-
lização ou por especificação: a primeira ocorre quando uma das cama-
das se sobrepõe às demais; na segunda, as camadas se especializam em
determinados contextos e/ou levam vantagem em determinados contex-
tos sociolingüísticos (TAVARES, 1999; GÖRSKI; TAVARES, a ser
publicado). Já na perspectiva sociolingüística, a variação pode ser resol-
vida quando as regras variáveis se tornam categóricas, generalizando-se
para o maior número possível de contextos lingüísticos e sociais: ou
uma forma deixa de ser usada, ou assume um novo significado no con-
texto.
Entre os pontos de divergência entre as abordagens pode-se citar:
na ótica da gramaticalização, a prioridade atribuída à função e o foco
nas relações entre funções e formas ao longo do tempo com ênfase na
análise das tendências de uso manifestadas pelos falantes e das motiva-
ções discursivas para tais usos; na ótica da sociolingüística variacionista,
a primazia dada à estrutura e ao sistema de regras com ênfase na des-
crição da estrutura variável da língua e dos fatores de natureza estrutural
e social que a condicionam.
Do ponto de vista metodológico, outro aspecto divergente diz
respeito ao tratamento dispensado aos condicionadores: na perspectiva
funcionalista, importa captar os processos ainda sutis de mudança que se
percebem no continuum semântico-pragmático e categorial, o que impli-
ca um grande número de fatores e a possibilidade de sobreposições entre
| 131
eles; já na perspectiva variacionista, os fatores condicionantes do uso de
uma variante são tratados como discretos, sendo freqüentemente amal-
gamados em busca de um menor número de fatores que possam funcio-
nar como mecanismos explanatórios.
Defendendo a abordagem integrada da variação/gramaticalização,
Görski e Tavares (a ser publicado) sugerem as seguintes etapas metodo-
lógicas na investigação dos fenômenos lingüísticos:
identificação de situações de uso lingüístico va-
riável a partir da observação do continuum multi-
funcional de certos itens em processo de mudança
por gramaticalização;
operacionalização da noção laboviana de variá-
vel, isolando formas variantes que cumpram uma
mesma função/significação dentro de um domínio
funcional;
testagem de grupos de fatores diversos para i-
dentificar os contextos (lingüísticos/discursivos,
sociais) de uso das formas;
detalhamento de cada grupo de fatores lingüísti-
cos/discursivos buscando captar variações e mu-
danças em curso ainda sutis (considerando inclu-
sive sobreposição de funções), e posterior amal-
gamação de fatores em busca de generalizações;
interpretação da freqüência das formas em de-
terminados contextos como indício (i) de perda de
espaço de uma das variantes, ou (ii) de generali-
zação de significado (os itens expandem seus con-
textos de uso), ou (iii) de especialização de uso
(os itens
adquirem significados mais específicos restritos a
certos contextos dentro do domínio).
Diante da conciliação teórica proposta e do encaminhamento me-
todológico apresentado, e considerando também os pontos em desacordo
entre as duas abordagens, julgamos pertinente conduzir esta investiga-
ção mapeando os caminhos em que olha e se entrecruzam como
MDs. Inserindo-se nesse contexto, tenciona-se identificar estágios de
mudança dos MDs e discutir a pertinência de abordá-los como um fe-
nômeno de gramaticalização, e como camadas de um mesmo domínio
funcional, ou, em termos labovianos, como variantes de uma mesma
variável lingüística.
132 |
| 133
4
MARCADORES DISCURSIVOS
Neste capítulo, pretende-se, inicialmente, conceituar e caracteri-
zar de modo geral os MDs, segundo diferentes bases teóricas e procedi-
mentos metodológicos. Na seqüência, enfatizam-se os pontos de con-
vergência e divergência entre elas com vistas a verificar qual enfoque
(ou quais) mais se ajusta (am) à caracterização dos MDs olha e . Em
seguida, passa-se a descrever, segundo a literatura, as características
formais e funcionais dos MDs. Posteriormente, restringindo o campo de
atuação desses itens, identificam-se formas e funções dos MDs deriva-
dos de verbo de percepção visual com base em estudos em cinco línguas
românicas
102
. Por fim, com base nessas informações e nas investigações
em PB, põe-se em evidência especialmente os contextos e as condições
de ocorrência dos itens olha e a fim de verificar seu aspecto formal e
suas respectivas funções.
4.1 A diversidade de pesquisas sobre MDs
O interesse pelo estudo dos MDs tem despontado em diferentes
áreas da lingüística. Schiffrin (2003, p. 68) destaca algumas dessas áreas
e respectivos pesquisadores:
[...] teoria da relevância (ver Andersen 1998; Bla-
kemore 1988 [...]; Rouchota 1998; Shloush 1998;
Watts 1986; Ziv 1998), lingüística computacional
(Hirschberg e Litman 1993; Elhadad e Mckeown
1990; Miller 1998; Moser e Moore 1995), lingüís-
tica aplicada (Chaudron e Richards 1986; Schle-
102
Destacam-se, entre outras pesquisas acerca de MDs nas línguas românicas, as do espanhol,
de Pons Bordería (1998, 2001), Cuenca e Marin (2000), Galué (2002) e Domínguez e Alvarez
(2005); a do francês, de Dostie (2004); a do italiano, de Waltereit (2002); a do catalão, de
Marin Jordá (2003); e a do galego, de Domínguez Portela (2008). Todas serão apresentadas
mais detalhadamente na seção 4.5. Além dessas pesquisas nas línguas românicas, para conhe-
cimento de outras línguas que também se interessam pela investigação do comportamento de
MDs, ver Schiffrin (2003, p.54).
134 |
pegrell 1996), análise variacionista (Sankoff et al.
1997; Vincent 1993; Vincent e Sankoff 1993),
lingüística formal (Unger 1996); [...] lingüística
cognitiva (Bell 1998), processamento cognitivo
(Sanders 1997) e análise da conversação (Heritage
1984, 1998; Heritage e Sorjonen 1994).
Assim como as áreas são distintas, também as abordagens dentro
de cada área ou em áreas afins são diversificadas
103
. É natural, portanto,
que se encontrem diferentes significados atribuídos aos MDs bem como
métodos de análise distintos a depender da perspectiva de cada grupo de
pesquisadores.
Nesta seção, nosso interesse recai na reunião de alguns estudos,
embora centrados em diferentes aspectos, que tratam acerca dos MDs,
notadamente as pesquisas de Schiffrin (1987, 2003)
104
, Fraser (1999,
2006) e, no Brasil, especialmente os trabalhos de Risso e colaboradores
(1996, 1999, 2006), pela abordagem textual-interativa assumida. Refe-
rências serão feitas também, nos momentos oportunos, aos trabalhos de
Marcuschi (1989), Castilho (1989), de Martelotta et al. (2004) e de Rost
(2002), entre outros.
4.1.1 A abordagem de Schiffrin
Schiffrin (1987) objetiva apresentar um modelo teórico baseado
no princípio de Brown e Yule (1983), segundo o qual a análise do dis-
curso é necessariamente a análise da língua em uso. Nessa perspectiva,
pretende dar conta dos princípios que possibilitam a diferentes MDs
contribuir com a construção da coerência do discurso
105
, evidenciando,
principalmente, como são empregados para distinguir as partes de figura
103
Fraser (1999, p. 933-937), por exemplo, reuniu quatro abordagens (SCHIFFRIN, 1987;
FRASER, 1990, 1997; BLAKEMORE, 1987, 1992; MANN; THOMPSON, 1987, 1988) que
envolvem a diversidade de pesquisas sobre os MDs. Em Schiffrin (2003), citam-se três pers-
pectivas (HALLIDAY; HASAN, 1976; SCHIFFRIN, 1987; FRASER, 1990, 1998), as quais,
segundo a autora, embora divergentes, continuam a repercutir entre os estudos mais recentes
sobre MDs.
104
No entendimento de Fraser (1999), a abordagem de Schiffrin (1987) é a mais detalhada.
105
Sob esta perspectiva, Mann e Thompson (1987, 1988, entre outros) também têm abordado a
natureza das relações entre as sentenças de um texto tal que o seu conteúdo pode fornecer
elaboração, circunstância ou explicação. O trabalho desses pesquisadores tem resultado ―in
various accounts of discourse coherence‖, nas quais as relações discursivas são às vezes explí-
citas pelo uso de MDs (denominados de ―cue phrases‖).
| 135
e fundo, em seqüências narrativas, e as de posição, disputa e suporte,
nos segmentos argumentativos.
Os MDs são definidos pela autora ―como elementos sequencial-
mente dependentes que agrupam unidades de fala‖
106
e constituem-se
―[...] em um nível mais teórico, como membros de uma classe funcional
de mecanismos verbais (e não verbais) que prevêem coordenadas con-
textuais da fala em curso)‖ (SCHIFFRIN, 1987, p. 31, tradução nos-
sa)
107
. Embora inclua elementos não-verbais na definição de MDs, o
trabalho de Schiffrin se concentra exclusivamente nas seguintes catego-
rias: conjunções (and, but, or, because; well, so), advérbios (now, then),
interjeições (oh) e expressões lexicalizadas (I mean, y‟know).
No exemplo
108
a seguir, because conecta ações e idéias, respecti-
vamente:
(31) a.Yeh, let‘s get back, because she‘ll never
get home.
b. And they holler Henry!!!! Cause they
really don‘t know!
109
Em 31a), because conecta um pedido (para completar uma tarefa)
e a justificativa para essa solicitação. Em 31b), because estabelece co-
nexão entre duas idéias ou representações de eventos. Já no exemplo 32,
a seguir, but desempenha quatro diferentes funções em níveis distintos
simultaneamente:
(32) Jack: [The rabbis preach, [―Don‘t inter-
marry‖
Freda: [But I did- [But I did say
those intermarriages that we have in this country
are healthy
110
.
As funções desempenhadas por but, segundo Schiffrin (2003, p.
57), são: introduzir uma idea unit; desempenhar uma participation fra-
mework; realizar uma ação; e abrir um turno de fala.
106
―[…] as sequentially dependent elements which bracket units of talk‖ (SCHIFFRIN, 1987,
p. 31).
107
―[…] at a more theoretical level as members of a functional class of verbal (and non verbal)
devices wich provide contextual coordinates for ongoing talk)‖ (SCHIFFRIN, 1987, p. 31).
108
Alertamos ao leitor que os exemplos de uso dos MDs serão mantidos na língua de origem
no corpo da tese e a tradução para o português quando possível é nossa e será apresentada
sempre em nota de rodapé.
109
―a. É, vamos voltar, porque ela nunca vai chegar em casa. b. E eles gritam Henry!!! Porque
eles não sabem mesmo!‖ (SCHIFFRIN, 1987).
110
―Jack: [Os rabinos pregam, [―Não façam casamentos interraciais‖ Freda: [Mas eu- [Mas eu
disse que esses casamentos que nós temos nesse país são saudáveis‖ (SCHIFFRIN, 1987).
136 |
Em sua investigação, Schiffrin (1987) verificou que os MDs são
multifuncionais, têm função integradora no discurso e, assim, contribu-
em para a coerência discursiva. Para explicitar a multifuncionalidade
dos MDs, a autora distingue cinco níveis de organização do discurso em
que os MDs operam, cada nível com seu próprio tipo de coerência:
Estrutura de troca, que reflete a mecânica da
troca conversacional (etnometodologia) e mostra
o resultado das tomadas de turno e de como essas
alternâncias se relacionam umas com as outras;
Estrutura da ação, que reflete a sequência de a-
tos de fala que ocorrem no discurso;
Estrutura ideacional, que reflete certas relações
entre as ideias (proposições) encontradas no dis-
curso, incluindo relações coesivas, relações de tó-
pico, e relações funcionais;
Plano de participação, que reflete os modos pe-
los quais os falantes e ouvintes podem se relacio-
nar uns com os outros, bem como a orientação pa-
ra com os enunciados; e
Estado de informação, que reflete a organização
contínua e a administração de conhecimento no
que ele progride ao longo do discurso (tradução
nossa)
111
.
O modelo da autora é composto por estruturas lingüísticas (idea-
cional) e não-lingüísticas (exchange structure e action structure), e a
multifuncionalidade dos MDs decorre de sua atuação em diferentes
componentes discursivos: ―assim como marcadores que parecem ser
expressões relacionadas em outros paradigmas linguísticos podem ter
funções em componentes discursivos muito diferentes (SCHIFFRIN,
1987, p. 317, tradução nossa)
112
.
Cada um dos MDs pode integrar enunciados em diversos níveis
de fala ou componentes discursivos. Assim, em princípio, MDs que
111
Exchange Structure, which reflects the mechanics of the conversational interchange
(ethnomethodology) and shows the result of the participant turn-taking and how these alterna-
tions are related to each other; Action Structure, which reflects the sequence of speech acts
which occur within the discourse; Ideational Structure, which reflects certain relationships
between the ideas (propositions) found within the discourse, including cohesive relations, topic
relations, and functional relations; Participation Framework, which reflects the ways in
which the speakers and hearers can relate to one another as well as orientation toward utter-
ances; and Information State, which reflects the ongoing organization and management of
knowledge as it evolves over the course of the discourse‖ (apud FRASER, 1999).
112
―just as markers which seem to be related expressions in other linguistic paradigms may
have functions in very different discourse components‖ (SCHIFFRIN, 1987, p. 317).
| 137
poderiam parecer muito diferentes, como now e I mean, têm um impor-
tante papel no mesmo nível discursivo, neste caso, participation frame-
work.
Em relação ao significado, a autora assinala que alguns MDs di-
zem respeito apenas a realidades semânticas (os ―fatos‖) de duas senten-
ças; outros, porém, podem referir a sentenças de nível lógico (epistêmi-
co) e/ou de ato de fala (pragmático), ou seja, cada MD tem funções es-
pecíficas em determinados contextos.
Schiffrin afirma ainda que parte da força comunicativa do MD é
conseqüência da definição do espaço discursivo em que é utilizado.
Também as propriedades lingüísticas (tanto o significado semântico ou
referencial como o valor gramatical) das expressões empregadas como
MDs são responsáveis pelo efeito comunicativo de que dispõem. Assim,
muitos MDs são usados para refletir o significado referencial que veicu-
lam. As conjunções, por exemplo but, embora tradicionalmente conhe-
cidas como uma classe morfossintática bem definida, apresentam efeito
pragmático ligado a sua significação. No caso de but, marca contraste do
F no seu significado, ou indica opção do O graças a seu sentido dis-
juntivo (MARÍN JORDÁ, 2003).
Em síntese, Schiffrin (1987) mostra que os MDs exibem relações
que têm função local (entre pares adjacentes) e/ou global (ampla), isto é,
desempenham mais do que a simples união entre unidades de fala. Em
33d), por exemplo, because desempenha ambas as funções:
(33) Debby: a. Well some people before they
go to the doctor, they talk to a friend, or a neigh-
bor.
b. Is there anybody that uh…
Henry: c. Sometimes it works!
d. Because there‘s this guy Louie
Gelman.
e. he went to a big specialist,
f. and the guy analyzed it
wrong.
[narrative not included]
o. So doctors are well they‘re
not God either!
113
113
―Debby: a. Bem, algumas pessoas, antes de irem ao médico, elas falam com um amigo, ou
com um vizinho. b. Tem alguém que uh… Henry: c. Às vezes funciona! d. Porque tem esse
cara, Louie Gelman. e. ele foi a um grande especialista, f. e o cara … analisou errado. [narrati-
va não incluída] o. Então os médicos são bem, eles também não são Deus!‖.
138 |
Assim, os MDs freqüentemente proporcionam as coordenadas
contextuais através da: (i) localização do enunciado em um ou mais
planos do discurso; (ii) orientação do enunciado para o F, para o O ou
para ambos; e (iii) orientação do enunciado precedente e/ou subseqüen-
te, ou seja, são mecanismos que têm caráter anafórico e catafórico e
assim auxiliam na coesão textual.
Porque o primeiro conjunto de MDs investigados pela autora en-
contra-se em unidades bem diversas (orações, proposições, atos de fala,
etc.), o que pode expor a leitura ampla e vaga da unidade de análise
considerada, Schiffrin (2003, p. 60, tradução nossa) alerta: ―qual unida-
de considerar (e.g. sentença, cláusula, unidade entoacional, turno), […]
como conceitualizar e operacionalizar o contexto, como analisar funções
múltiplas, e a diferença entre análises guiadas pelos dados e guiadas pela
teoria.‖
114
Expõe, portanto, a sua preocupação em clarear a expressão
―unidade conversacional‖, presente na sua definição de MD. Segundo a
autora, várias teorias podem ser retomadas na definição de ―unidade
conversacional‖, como a dos atos de fala, de Austin (1965) e Searle
(1969), ou a de idea unit, de Chafe (1994). Como se tratam de estruturas
discursivas, não é apropriado definir ―unidades conversacionais‖ em
função de ―unidades sintáticas‖, por não se operar, sempre, o discurso
no nível sentencial.
Resumindo, a autora (tradução nossa) aponta cinco características
de um elemento lingüístico para ser considerado um MD, a partir de sua
investigação:
Ele deve ser sintaticamente destacável de uma
sentença.
Ele deve ser comumente usado na posição inicial
de um enunciado.
Ele deve ter uma gama de contornos prosódicos
(e.g. acento tônico e seguido de uma pausa, redu-
ção fonológica).
Ele deve ser capaz de operar tanto em níveis lo-
cais quanto globais do discurso.
Ele deve ser capaz de operar em diferentes planos
do discurso.
115
114
―what unit to consider (e.g. sentence, clause, intonation unit, turn), [...] how to conceptual-
ize and operationalize context, how to analyze multiple functions, and the difference between
data-driven and theory-driven analyses.‖
115
―It has to be syntactically detachable from a sentence. It has to be commonly used in initial
position of an utterance. It has to have a range of prosodic contours (eg tonic stress and fol-
lowed by a pause, phonological reduction). It has to be able to operate at both local and global
| 139
Colhe-se dessa caracterização aspectos relativos à forma e à atua-
ção dos onze diferentes MDs investigados pela autora, portanto aquilo
que permite a uma expressão constituir o grupo de elementos denomi-
nado MD. Quanto ao aspecto formal, segundo a autora, os MDs não se
vinculam sintaticamente à oração na qual se localizam; fixam-se, proto-
tipicamente, em posição inicial
116
do enunciado, embora haja exemplos
de MDs que ocupam outras posições; são acompanhados de pausa e
tendem à redução fonológica. Quanto à atuação, operam tanto em nível
local ou global como em diferentes planos discursivos. Além disso,
trata-se de ―um conjunto de itens linguísticos que atuam em donios
cognitivos, expressivos, sociais e textuais‖ (SCHIFFRIN, 2003, p. 54,
tradução nossa)
117
.
Por fim, Schiffrin (2003) sugere que a abordagem mais aprofun-
dada sobre MDs deve levar em consideração diferentes contextos de uso
(discurso infantil, por exemplo), contextos de fala monolíngüe e bilín-
güe e corpus de diferentes épocas. Destaca também a relevância de es-
tudos comparativos que investigam a gramaticalização de MDs em dife-
rentes línguas, como fez Onodera (1992, 1995), Brinton (2003) e Jucker
(1997).
Em resumo, o estudo de Schiffrin, um dos mais importantes feitos
sobre MDs, evidencia o princípio da conectividade dos MDs e enfatiza
os aspectos da coerência pragmática de nível mais local da organização
sentencial e do nível da articulação discursiva ampla. Embora a autora
reconheça sua abordagem como ―simples‖ e ―modesta‖, Schiffrin (1987,
2003) quem desenvolve um dos trabalhos mais extensos sobre MDs e
quem mais contribui para sua definição como uma categoria, inclusive
para fixação da denominação MD.
A autora, de modo abrangente, consegue dar conta de um número
de elementos heterogêneos do ponto de vista gramatical, mas que consti-
tuem uma classe funcional com papel comunicativo importante, especi-
almente porque lida com a linguagem oral. É nesse rol de elementos
heterogêneos, como vimos, que podemos inserir, na abordagem de S-
levels of discourse. It has to be able to operate on different planes of discourse‖ (SCHIFFRIN,
1987, p. 328).
116
Discordamos de Schiffrin quanto à prototipicidade da posição inicial dos MDs. No capítulo
da análise variacionista, ao controlarmos a posição dos MDs olha e , os resultados apontam
que tendência de os itens se fixarem em posição de abertura, mas também há, segundo o
contexto de atuação discursiva, ocorrência de MDs no interior e na finalização de tópico.
117
[…] on set of linguistic items that function in cognitive, expressive, social, and textual
domains.‖
140 |
chiffrin (1987, 2003), os MDs derivados de verbos de percepção olha e
.
4.1.2
A abordagem de Fraser
Fraser (1999, p. 936)
118
, sob a perspectiva que batiza de pragmá-
tico-gramatical, propõe quatro tipos de marcadores pragmáticos
119
: a)
marcadores pragmáticos básicos (veiculam mensagem separada mas da
natureza de um comentário sobre a mensagem base); b) marcadores
pragmáticos de comentário (veiculam mensagem separada mas da natu-
reza de um comentário sobre a mensagem base); c) marcadores pragmá-
ticos paralelos (veiculam mensagem separada da mensagem base); d)
marcadores discursivos
120
. Passemos ao exame mais detalhado deste
último grupo.
Os MDs, conforme caracteriza Fraser (1999), constituem uma
classe de expressões que têm duas propriedades básicas: ―(i) has core
meaning which can be enriched by the context; and (ii) signals the rela-
tionship that the speaker intends between the utterance the DM introdu-
ces and the foregoing utterance‖. Vejamos os seguintes exemplos de
MDs:
(34) a) A: I like him. B: So, you think you'll ask
him out then?
b) John can't go. And Mary can't go either.
c) A: Harry is hurrying. B: But when do
you think he will really get here?
d) I think it will fly. Anyway, let's give it a
chance.
118
Embora Fraser (1999) reconheça a existência de mais de 100 MDs em inglês britânico,
investigou breve amostra dos MDs but, and, so e then, entre outros, constantes no British
National Corpus (BNC). Trata-se de um corpus sincrônico com mais de 100 milhões de pala-
vras recolhidas, a partir do final do século XX, de fontes variadas: escrita (90% do total do
corpus) e fala (10% do total do corpus). Para mais informações acerca do BNC, acesse: <
http://www.natcorp.ox.ac.uk/>.
119
Marcadores pragmáticos são parte de um segmento discursivo e veiculam informações
diversas, mas, segundo o autor, não contribuem para o conteúdo proposicional da sentença
(FRASER, 1999, 2006).
120
―a) basic pragmatic markers (signal a message separate from but in the nature of a comment
on the basis message); b) commentary pragmatic markers (signal a message separate from but
in the nature of a comment on the basis message); c) parallel pragmatic markers (signal a
message separate from the basis message); d) discourse markers.‖
| 141
e) Sue isn‘t here, although she said she
would be.
f) Donna left late. However, she arrived
on time
121
.
Observa-se que, dentre as categorias morfossintáticas que podem
atuar como MDs, destacam-se: conjunções coordenativas, conjunções
subordinativas, preposições, locuções prepositivas e advérbios. Chama-
nos a atenção que a definição de Fraser contempla apenas expressões
lexicais, não incluindo fenômenos de outra natureza (como prosódicos,
sintáticos, não-verbais, etc.).
Por conta disso, Fraser alerta que seu objetivo é elucidar as pro-
priedades gerais dos MDs, por exemplo, seu estatuto sintático e semân-
tico, por isso não se detém na descrição mais detalhada de um ou outro
MD em especial. Também não se preocupa em verificar como essa clas-
se contribui para a coerência do discurso (cf. SCHIFFRIN, 1987) ou
qual papel desempenha na argumentação (cf. ANSCOMBRE;
DUCROT, 1989 apud FRASER, 1999).
Nesse sentido, a seguinte definição canônica de MD é apresenta-
da por Fraser (2006, p. 191, tradução nossa):
Para uma sequência de segmentos discursivos S1-
S2, cada um codificando uma mensagem comple-
ta, uma expressão lexical LE funciona como um
marcador discursivo se, quando ele ocorre na po-
sição inicial de S2 (S1 LE + S2), LE aponta que
ocorre uma relação semântica entre S2 e S1 que é
de: a. elaboração; b. contraste; c. inferência; d. ou
temporalidade
122
.
Extrai-se dessa definição que os MDs são elementos que têm em
comum a propriedade de ―impor‖ uma relação entre qualquer aspecto do
segmento discursivo de que faz parte (S2) e qualquer aspecto do seg-
mento discurso anterior (S1). À medida que relaciona dois segmentos
contínuos ou não, sinaliza uma das quatro relações semânticas amplas:
121
―a) A: Eu gosto dele. B: E aí, você acha que vai chamar ele para sair, então? b) John não
pode ir. E Mary também não pode ir. c) A: Harry está se apressando. B: Mas quando você acha
que ele vai mesmo chegar lá? d) Eu acho que vai voar. Enfim, vamos dar uma chance. e) Sue
não está aqui, apesar de ela ter dito que estaria. f) Donna saiu tarde. Contudo, ela chegou a
tempo.‖
122
―For a sequence of discourse segments S1 S2
122
, each of which encodes a complete mes-
sage, a lexical expression LE functions as a discourse marker if, when it occours in S2-initial
position (S1 LE + S2), LE signals that a semantic relationship holds between S2 and S1
which is one of: a. elaboration; b. contrast; c. inference; or d. temporality‖.
142 |
elaboração, contraste, inferência ou temporalidade. Porém, às vezes,
pondera o autor, os segmentos relacionados podem não constituir pares
adjacentes, como no exemplo a seguir:
(35) A: I don‘t want to go very much.
B: John said he would be there.
A: However, I do have an obligation to be
there
123
.
Membros dessa classe normalmente têm, segundo o autor, as se-
guintes propriedades: Eles são morfemas livres, são iniciais em um
segmento discursivo, veiculam mensagem específica, e são classificados
não sintaticamente mas em termos de suas funcções semânti-
cas/pragmáticas.‖
124
Fraser (1999) identificou duas classes principais de MDs: os que
relacionam mensagens ou seja, aqueles que interligam algum aspecto
das mensagens veiculadas pelos segmentos que seguem e precedem o
MD (a. Contrastive markers; b. Collateral markers; c. Inferential mar-
kers; d. ...). Nesse caso, a relação discursiva envolvida abarca o domínio
do conteúdo (proposicional), (36a), em outros envolve o domínio epis-
têmico (as crenças do F), (36b), e ainda em outros abrange o domínio
dos atos de fala, (36c). Vejamos, a título de exemplificação, os contex-
tos a seguir:
(36) a. Since John wasn't there, we decided to
leave a note for him.
b. Since John isn't here, he has (evidently) gone
home.
c. Since we're on the subject, when was George
Washington born?
125
A outra classe diz respeito aos MDs que relacionam tópicos, ou
seja, aqueles que envolvem algum aspecto do intercâmbio discursivo
tal como a exchange structure, de Schiffrin (1987). Considere os exem-
plos:
(37) a. This dinner looks delicious. Incidentally
where do you shop?
123
―A: Eu não quero muito ir. B: John disse que ele estaria lá. A: Contudo, eu tenho a obriga-
ção de estar lá‖.
124
―they are free morphemes, are discourse-segment initial, signal an especific message, and
are classified not syntactically but in terms of their semantic/pragmatic functions.‖
125
―a. Já que John não estava lá, nós decidimos deixar um recado para ele. b. Já que John não
está aqui, ele (evidentemente) foi para casa. c. que estamos nesse assunto, quando que
George Washington nasceu?‖
| 143
b. I am glad that is finished. To return to my
point, I'd like to discuss your paper.
126
Conforme o autor, em (37a), incidentally sinaliza que S2 deve ser
interpretada como uma digressão a partir do tópico de S1, enquanto
(37b) to return to my point sinaliza a reintrodução do tópico anterior no
discurso. É para o tópico que S1 está contribuindo, em vez da mensa-
gem a qual está relacionada com o tópico apresentado em S2.
Sintaticamente, os MDs investigados por Fraser (2006, p.196-
201) pertencem a cinco categorias: a) conjunção coordenativa; b) con-
junção subordinativa; c) advérbio; d) preposição; e) locução prepositiva.
É a categoria sintática do MD que determinará a posição em que pode
ocorrer em S2. Todavia, devido a restrições sintáticas, conjunções coor-
denativas e subordinativas sempre se encontram em posição S2 inicial,
ao passo que as demais categorias (preposições, locuções prepositivas e
advérbios) transitam mais livremente nas demais posições.
A fim de se proceder à análise do significado individual de um
MD, sugere o autor o emprego da abordagem polissêmica. ―Eu sustento
que cada MD tenha um significado central de natureza geral (por exem-
plo, para but, o significado é ‗contraste simples‘), com várias nuances de
sentido ativadas como uma função de (i) o significado central do MD
específico, (ii) as interpretações de S2 e S1, e (iii) o contexto, linguístico
ou outro‖(tradução nossa)
127
. Observe que but, na seqüência a seguir,
veicula o mesmo core meaning:
(38) a) Water boils at 2112 degrees but mer-
cury boils at a much higher temperature.
b) Mary is thin. But she still weighs more than
me.
c) A: John is right here. B: But I just saw him on
TV.
d) John died. But he was ill.
e) A: The flowers are beautiful. B: But they‘re
plastic.
f) A: We had a very nice meal. B: But did you ask
him about the money he owes us?
128
126
―a) Esse jantar parece delicioso. Por acaso, onde você faz compras?; b) Estou contente que
isso acabou. Voltando ao assunto, eu gostaria de discutir o seu texto‖.
127
―I take each DM to have a core meaning of a general nature (for example, for but, the
meaning is ‗simple contrast‘), with various meaning nuances triggered as a function of (i) core
meaning of the specific DM, (ii) the interpretations of S2 and S1, and (iii) the context, linguis-
tic and otherwise‖.
128
―a) A água ferve a 2112 graus mas o mercúrio ferve a uma temperatura muito mais alta. b)
Mary é magra. Mas ela ainda pesa mais que eu. c) A: John está bem aqui. B: Mas eu acabei de
144 |
Em síntese, colhe-se da definição de Fraser (1999, 2006) o prin-
cípio da conectividade dos MDs. Como vimos, propõe o autor que con-
junções, advérbios, preposições e locuções prepositivas apresentam as
seguintes propriedades gerais: (i) possuem um significado central, que,
entretanto, pode ser enriquecido pelas circunstâncias contextuais; e (ii)
sinalizam a relação que o F busca entre a unidade introduzida pelo MD e
a anterior. Portanto, para o autor, somente serão considerados MDs os
elementos que intermedeiam dois segmentos discursivos com conteúdos
proposicionais claramente definidos. Por isso, diferente de Schiffrin
(1986), Fraser (1999) exclui as partículas modais, os vocativos, as ex-
pressões iniciais, os sons não-lexicalizados e as interjeições do grupo
dos MDs, pois eles próprios acrescentam uma mensagem ao conteúdo
proposicional da sentença em que se situam e não necessariamente sina-
lizam para uma relação entre dois segmentos discursivos diferentes. As
interjeições configurariam outro tipo de expressão pragmática.
Nesse sentido, como se observa, a concepção de MD do autor re-
vela-se bastante restrita, uma vez que não recobre categorias derivadas
de verbo de percepção, como olha e , objeto de estudo desta tese.
4.1.3 A perspectiva textual-interativa
Pesquisadores (RISSO, SILVA, URBANO, 1996, 2006; RISSO,
1999, entre outros) que adotam a abordagem da Gramática Textual-
Interativa (doravante GTI) assumem
uma concepção de texto firmada na perspectiva
sócio-comunicativa, que aponta não para os as-
pectos cognitivo-informativos contidos no produto
lingüístico e nas partes de sua estrutura, mas tam-
bém para a compreensão desse produto como algo
que congrega e sinaliza os interlocutores, o pro-
cesso de produção e interação (KOCH et al.,
1993).
ver ele na TV. d) John morreu. Mas ele estava doente. e) A: As flores estão lindas. B: Mas elas
são de plástico. f) A: Nós tivemos uma refeição muito boa. B: Mas você perguntou a ele sobre
o dinheiro que ele nos deve?
| 145
Segundo Jubran (2006), a GTI fundamenta-se teoricamente no
tripé Pragmática, Lingüística Textual e Análise da Conversação, cujo
enfoque se baseia empiricamente na língua em uso.
A definição de propriedades gerais dos MDs é também objeto de
estudo de Risso, Silva e Urbano (1996, 2006). Os autores atribuem ho-
mogeneamente aos MDs a condição de uma categoria pragmática bem
consolidada no funcionamento da linguagem, ou seja, os MDs exercem
funções importantes na interação, pois ―amarram o texto não enquan-
to estrutura verbal cognitiva, mas também como estrutura de interação
interpessoal‖ (URBANO, 1997, p. 86)
129
.
O tratamento dos MDs, segundo Risso (1999, p. 263), permitirá
revelar a inscrição do processo formulativo e interacional na materiali-
dade lingüística do texto, uma vez que se firmam claramente como sina-
lizadores pragmáticos do monitoramento local do texto falado e das
relações interlocutivas responsáveis por sua co-produção dinâmica e
emergencial. Na sua condição de MD, estabelecem-se como embreado-
res dos enunciados com as condições da enunciação, apontando, portan-
to, para as instâncias produtoras do discurso e definindo a relação dessas
instâncias com a estruturação textual-interativa.
No processo de investigação das propriedades gerais dos MDs, há
matrizes de traços mais ou menos constantes a eles aplicáveis, conforme
Risso, Silva e Urbano (1996, 2006). Para se apurar essas matrizes bási-
cas, foram consideradas dez diferentes variáveis. Os autores apuraram
os traços fortes dos MDs e identificaram como elementos:
a) altamente recorrentes no plano textual (variável
1 [...]); b) atuantes no plano da organização textu-
al-interativa, com tônica funcional na articulação
entre segmentos textuais (variável 2 [...]), ou na
sinalização das relações interpessoais (variável 3
[...]); c) exteriores ao conteúdo informativo dos
tópicos ou segmentos de tópicos (variável 4 [...])
Risso, Silva e Urbano (1996, 2006) apontam a presença do cará-
ter de seqüencialidade (o princípio da conectividade tal como citado
por Schiffrin e Fraser) dos MDs. No caso de alguns MDs (por exemplo,
olha e veja), o que confere ao elemento o estatuto de MD é a ―sinaliza-
ção das relações interpessoais‖ e atribui ao item o caráter de bidireciona-
lidade, conforme Marcuschi (1989). Ou seja, os autores postulam que o
conteúdo dos MDs está fortemente ancorado textual (variável 2) e
129
O autor investigou parte do inquérito 360 do Projeto NURC. Esse inquérito compreende
um diálogo em que interagem uma documentadora e duas informantes.
146 |
pragmaticamente (variável 3). Dentre os aspectos pragmáticos, destacam
a força ilocutória com que podem ser tomados, a checagem da atenção
do O e a orientação que o F imprime à natureza do elo seqüencial entre
as unidades textuais.
A variável 4 explicita a definição da unidade de análise do grupo
da GTI, na qual se inscrevem os MDs. Embora o texto falado tenha
aparente fragmentaridade, há, no nível macro, uma estruturação orgâni-
ca do texto, que aponta para uma regularidade de construção. Essa regu-
laridade pode ser recoberta pela topicalidade
130
. Assim, cada conjunto
de fragmentos apresenta relações de interdependência tópica estabeleci-
das simultaneamente em dois planos discursivos: hierarquicamente (ver-
ticalmente), conforme as dependências de super ou subordenação entre
tópicos que se implicam pelo grau de abrangência com que são tratados
na interlocução; linearmente (horizontalmente), de acordo com as articu-
lações intertópicas em termos de adjacência ou interposições de tópico
na linha do discurso (JUBRAN, 2006).
Na seqüência, Risso, Silva e Urbano (1996, 2006) descrevem ou-
tras seis variáveis que demarcam a caracterização dos MDs:
d) não totalmente transparentes do ponto de vista
semântico-referencial [...] (variável 5 [...]); e) de
pouca ou nenhuma variação fonológica, flexional
ou sintática: a ausência ou a reduzida proporção
das variações e/ou elaborações, observadas em
poucas formas variantes [...] (variável 6 [...]); f)
independentes do ponto de vista sintático, isto é,
sem integração sintática na estrutura oracional em
que se alocam (variável 7 [...]); g) realizados, na
maioria das vezes, com o acompanhamento de
uma pauta (sic) prosódica demarcativa, ora bem
definida [...], ora bastante sutil (variável 8 [...]); h)
insuficientes para constituírem enunciados com-
pletos por si próprios (variável 9 [...]); i) reduzi-
dos, em sua massa fônica total, a um limite de até
três silabas tônicas (variável 10 [...]), o que, do
ponto de vista da constituição léxica, significa
uma extensão reduzida a 1, 2 ou, no máximo, 3
palavras (RISSO, 1999, p. 265-266).
Nessa abordagem, concebem-se os MDs como categoria gradien-
te, própria de configurações discursivas. Há, segundo essa concepção,
130
Na seção 4.2.2, apresentaremos mais detalhadamente a descrição da unidade de análise da
GTI.
| 147
um continuum de traços mais ou menos típicos. Risso, Silva e Urbano
(1996, p. 58) afirmam que ―a postulação dos MDs como uma classe
gradiente põe em destaque uma vez mais a concepção do continuum,
que se tem revelado, em várias circunstâncias, como bastante pertinente
para a definição e qualificação das configurações discursivas, em geral‖.
Entretanto, convém assinalar que nenhuma das características pode ser
tomada isoladamente e de forma absoluta, pois é o predomínio mais ou
menos homogêneo desse conjunto de fatores que parece definir esses
mecanismos verbais que, por sua natureza, inscrevem a enunciação no
discurso, superpondo funções de caráter pragmático (avaliação, julga-
mento, maior ou menor comprometimento do locutor etc.), e atuam na
organização coesiva das partes do texto.
4.1.4 Convergência e divergência entre as abordagens
O cotejo das diferentes abordagens apresentadas permite extrair
aspectos convergentes e divergentes das análises dos MDs, os quais
passamos a sintetizar. Dentre as regularidades observadas, identifica-
mos:
a) a fonte dos MDs: embora as três perspectivas concordem
que os MDs provêm de variadas categorias, discordam quanto ao signi-
ficado e à classe de MDs. Fraser reduz o rol de elementos que podem ser
incluídos entre os MDs e abarca apenas expressões lexicais, excluindo,
portanto, expressões não-verbais, estruturas sintáticas e fenômenos pro-
sódicos, aspectos que são considerados por Schiffrin (1987) e pela GTI.
b) a evidência do princípio da conectividade
131
: as três abor-
dagens consideram os MDs como mecanismos coesivos que cumprem
funções de organização intra e intertextual importantes. No entanto,
apenas Schiffrin e a GTI explicitam-na nos termos de Halliday e Hasan
(1976);
c) a análise em dois níveis: o proposicional (ideacional) e o
pragmático (interpessoal);
131
Vale destacar também que Guerra (2007) realizou a análise comparativa entre as principais
abordagens teóricas que estudam os MDs com o intuito de precisar sua definição. No geral, os
resultados apontam que há entre as abordagens investigadas a convergência no que diz respeito
ao princípio da conectividade desses itens, entre os quais se inscrevem a forma derivada do
IND olha e a do SUBJ veja.
148 |
d) a busca de princípios pragmáticos gerais: as três perspecti-
vas aderem ao fato de os MDs ganharem funções no discurso, ou seja,
são elementos de negociação da ação dos interlocutores. Pressupõem
origem dêitica comum, orientando a relação entre os enunciados e estes
e o seu contexto. Schiffrin inclui vários aspectos da situação comunica-
tiva no seu modelo discursivo e insere os MDs como mecanismos prag-
máticos que guiam a interpretação dos interlocutores;
e) o reconhecimento da multifuncionalidade dos elementos
dessa categoria: os MDs podem sinalizar relações aditivas, adversativas,
causais, entre outras;
f) a independência sintática: as abordagens ressaltam que,
embora sintática e semanticamente independentes do enunciado que
introduzem, os MDs são sequencialmente dependentes dos enunciados
anterior e posterior à sua realização;
g) a fixação da posição inicial: as três perspectivas caracteri-
zam-nos por serem elementos que ocorrem tipicamente em posição ini-
cial, embora reconheçam também a possibilidade de acomodá-los, em
menor freqüência, em outras posições;
h) a preocupação com a descrição do funcionamento dos MDs
a partir da língua em contextos de uso: Schiffrin (1987, 2003) investigou
entrevistas sociolingüísticas realizadas com norteamericanos; Fraser
(1999), um corpus de língua falada e escrita do inglês britânico e a GTI,
dados de fala do acervo do Projeto NURC;
i) a necessidade de expandir o material lingüístico tomado pa-
ra análise dos MDs: Schiffrin (2003) reconhece a importância de se
investigar não os gêneros da fala, como entrevistas políticas, consul-
tas médicas, jogos, sala de aula, etc., mas também os da escrita, como
seções tutoriais de computadores, jornais, etc.; e
j) a pouca ou nenhuma variação fonológica. Há variantes gráficas
e fonéticas, por exemplo, entre os MDs não é verdade?, não é?/num é?,
né? ; olhe/olha, etc.;
Dentre os aspectos divergentes nas análises, ressaltamos:
a) a unidade de análise: O foco de Fraser é identificar primeira-
mente como MDs apontam relações entre mensagens. Conforme o autor,
sua definição especifica que S1 e S2 ―are single contiguous discurse
segments‖. Porém, MDs (por exemplo, however) que podem relacio-
nar segmentos não-contínuos. Evidencia também que não segmentos
avulsos são relacionados pelos MDs, mas também um conjunto amplo
de sentenças. Enfim, Fraser (1999) trata de sentenças ou blocos de sen-
tenças; a GTI estabeleceu como categoria analítica o tópico discursivo,
| 149
isto é, a topicalidade é o fio condutor da organização discursiva, estabe-
lecida em dois níveis interligados (o linear e o hierárquico); Schiffrin
(1987, 2003), por sua vez, menciona a dificuldade de se operacionalizar
a unidade de análise (sentença, orações, unidade entonacional ou turno).
Discute, portanto, que a delimitação da unidade lingüística pode ser
feita, basicamente, a partir de três aspectos: (1) o estrutural (das relações
com outras unidades); (2) o textual (das relações coesivas); e (3) o inte-
racional.
b) a integração de bases teóricas que congregam princípios dife-
rentes no estudo da língua e, consequentemente, na análise dos MDs: a
abordagem de Fraser integra teoria pragmática e gramatical (preocupada
com a descrição do significado da sentença, mais especificamente em
como um tipo de marcador pragmático em uma sentença pode relacionar
a mensagem na passagem de uma sentença a outra); Schiffrin combina
as abordagens interacional e variacionista a fim de analisar o papel dos
MDs na co-construção do discurso. A GTI resulta da convergência de
três áreas: a Lingüística Textual (devido aos subsídios que oferece para
a configuração do objeto de estudo: o texto, tomado como unidade
transfrástica), a Pragmática (devido à orientação da descrição de dados
lingüístico-textuais a partir das situações concretas de uso da língua) e a
Análise da Conversação (porque, ao examinar a oralidade, inclui ques-
tões amplas a propósito da língua falada, abrangendo questões situações
diversificadas de intercurso verbal) (cf. JUBRAN, 2006, p. 29-30).
c) a interdependência entre os níveis semântico e pragmático: a
GTI, ao tomar como objeto de estudo o texto, busca o enfoque lingüísti-
co-pragmático, refletido na concepção de texto como unidade globaliza-
dora, sociocomunicativa, que ganha existência dentro de um processo
interacional. Da mesma forma o faz Schiffrin quando sugere que os
MDs operam simultaneamente nos níveis local (morfofonêmico, sintáti-
co e semântico) e global (pragmático). Do mesmo modo, o componente
pragmático pode atuar em diferentes níveis: interpessoal e textual. Não
necessariamente a função dominante num determinado contexto. Toda-
via, Fraser defende a estrita separação entre eles;
d) as particularidades relevantes na definição do que se entende
por princípio da conectividade: Fraser os MDs como mecanismos
pragmáticos que guiam a interpretação do interlocutor; Schiffrin e a
GTI parecem analisar os MDs com relação a sua função na estruturação
do discurso. A primeira analisa-os como mecanismos ligados à delimi-
tação de segmentos discursivos, e a segunda, por sua vez, considera um
MD prototípico aquele que apresenta o traço basicamente seqüenciador
tópico (estabelecendo aberturas, encaminhamentos, retomadas e fechos
150 |
tópicos, em posições intra e intertópicas) em detrimento do papel de
seqüenciador frasal (atando as orações ou seus segmentos internos, à
semelhança de conjunções e advérbios);
e) a invariabilidade morfológica: claramente são invariáveis as
conjunções, os advérbios, as preposições e locuções prepositivas descri-
tos por Schiffrin e Fraser. No entanto, a GTI apurou a aproximação da
freqüência entre as formas invariantes e as variantes morfossintatica-
mente oriundas de verbos, como olhe/olha, entende?, entendeu?. Nesse
sentido, destacam Risso, Silva e Urbano (2006, p. 411-412): ―As altera-
ções formais constatadas [...] não são relevantes o que vem confirmar
que as unidades em análise são normalmente cristalizações usadas au-
tomaticamente no discurso, e não propriamente unidades formuladas ad
hoc‖;
De certa forma, as semelhanças e diferenças revelam nossa difi-
culdade em compreender o funcionamento dos MDs derivados de ver-
bos de percepção. Na tentativa de compor um fio condutor nas aborda-
gens levantadas, nesta tese, adotamos a noção de MD de Schiffrin
(1987, p. 31), conforme adiantado na introdução de 4.1. ―I operationally
define markers as sequentially dependent elements which bracket units
of talk.‖ Essa definição ressalta a função pragmática da categoria, a qual
se encontra estreitamente unida ao valor anafórico e catafórico, ou a
ambos, na qual se pode também inserir os MDs derivados de verbos de
percepção visual. Nessa direção também converge a definição de Mar-
cuschi (1989) e Görski, Rost e Dal Mago (2004): MDs são elementos
lingüísticos, lexicalizados ou não-lexicalizados, variáveis e multifuncio-
nais. ―Amarram o texto não enquanto estrutura verbal cognitiva, mas
também como estrutura de interação interpessoal‖ (URBANO, 1993, p.
85). Podem, portanto, articular diferentes valores: ―tanto de caráter tex-
tual estabelecendo elos coesivos entre partes do texto, como interpes-
soal, mantendo a interação F/O e auxiliando no planejamento da fala.‖
Em termos de traços gerais, também assumimos os apontados pe-
la GTI como pertinentes à descrição dos MDs olha e , que sintetiza-
mos a seguir:
a) [...] atuam no plano da organização textual-
interativa, com funções normalmente distribuídas
entre a projeção das relações interpessoais
quando o foco funcional não está no sequencia-
mente de partes do texto e a proeminência da ar-
ticulação textual quando a dominante deixa de
estar no eixo da interação;
| 151
b) operam no plano da atividade enunciativa e não
no plano do conteúdo; por isso mesmo, são exte-
riores ao conteúdo proposicional e à informação
cognitiva dos tópicos ou segmentos de tópicos.
Entretanto, asseguram a ancoragem pragmática
desse conteúdo, ao definirem, entre outros pontos,
a força ilocutória, as atitudes assumidas em rela-
ção a ele, a checagem de atenção do ouvinte para
a mensagem transmitida, a orientação que o falan-
te imprime à natureza do elo seqüencial entre as
entidades textuais [...];
c) manifestam um processo de acomodação do
significado literal da(s) palavra(s) que os constitui
(constituem) à sinalização de relações dentro do
espaço discursivo. Esse fato carreia, muitas vezes,
uma perda parcial de transparência semântico-
referencial;
d) [...] são unidades independentes, que, portanto,
não se constituem como parte integrante dessa es-
trutura;
e) realizam-se, na maior parte das vezes com o
acompanhamento de uma pauta (sic) prosódica
demarcativa, ora bem definida [...] ora bastante
sutil. [...];
e) são insuficientes para constituírem enunciados
completos em si prórpios [...];
f) [...] são formas de extensão reduzida a uma ou
duas palavras, ou de massa fônica mais restrita a
um limite de três sílabas tônicas [...];
g) [...] destacam-se como formas recorrentes no
espaço textual [...];
h) [...] são, comumente, formas mais ou menos fi-
xas, pouco propensas a variações fonológicas, fle-
xionais, ou de construção. [...] (RISSO; SILVA;
URBANO, 1996, p. 55-57).
152 |
4.2 Características formais dos MDs
4.2.1 Categorias de origem
Os MDs não se enquadram facilmente em uma classe de pala-
vras
132
(cf. SCHIFFRIN, 1987; MARCUSCHI, 1989; BASÍLIO, 2002),
pois provêm de variadas categorias gramaticais (cf. SILVA; MACEDO,
1989). Poucos autores (por exemplo, DIJK, 1977; FUENTES
RODRÍGUEZ, 1987; FRASER, 1999 apud PONS BORDERÍA, 1998)
manifestam-se a favor de identificar os MDs como uma classe formal,
devido à dificuldade de formação de um paradigma homogêneo. Mais
comum é a posição de considerá-los como uma classe funcional (por
exemplo, SCHIFFRIN, 1987; RISSO; SILVA; URBANO, 1996, 2006),
a qual também adotamos neste trabalho.
Risso (1999, p. 267) salienta que, ―em razão, pois, de sua própria
condição de mecanismos discursivos [...], mesmo que admitam traços
mais ou menos regulares, que definem seu estatuto, não chegam a cons-
tituir uma classe discreta e absolutamente homogênea.‖ Assim, expõe
Marcuschi (1989, p. 290): ―Elementos de todas as classes gramaticais e
formas sintáticas podem em princípio funcionar como MCs
133
[...] isto
significa que não é pela classe gramatical que identificamos os MCs,
mas pela função que aquela forma tem na interação.‖
134
132
Conforme Urbano (1997, p. 86, grifo nosso), ―as gramáticas tradicionais, normalmente
voltadas para a língua escrita, não têm contemplado esses elementos ou os têm estudado envie-
sadamente. Por não se enquadrarem nos critérios de classificação das dez classes de palavras
ou por não desempenharem funções exclusivamente lógicas, alguns desses elementos, quando
lexicalizados, receberam na NGB [Nomenclatura Gramatical Brasileira] a classificação pouco
esclarecedora de ‗palavras denotativas.‘‖ Pons Bordería (2001, p. 226-228), por sua vez, insiste
sobre o problema terminológico MD e conector. Acredita que se tomarmos como base a defini-
ção de MD de Schiffrin, o termo conector deve ser entendido como um hipônimo de um hipe-
rônimo. Nesse rol se incluiriam então outros elementos como modalizadores, reformuladores,
MDs de polidez ou reguladores de turno, etc. De acordo com Pons, esta é a abordagem adotada
por autores como Bazzanella (1995) e Portolés (1998). No entanto, salienta que a questão é
complicada porque, enquanto os conectores são os mais estudados entre os marcadores, o
conceito de conector não é generalizado nos Estados Unidos, de forma que especificidades de
MDs e conectores são misturadas e é difícil saber se a caracterização específica de marcadores
é válida para um conjunto de MDs ou para conectores.
133
MCs são Marcadores Conversacionais.
134
Marcuschi (1989, p. 282), que adota a expressão MC, considera-a tanto em suas proprieda-
des interacionais (na condução de atos ilocutórios e das relações interpessoais) bem como em
suas propriedades intratextuais (na estruturação da cadeia lingüística).
| 153
Além dos onze MDs investigados por Schiffrin (1987, p. 327-
328, grifo da tradução)
135
, em cuja amostra a autora reconhece limita-
ções, outras classes, como verbos de percepção visual see (usados
principalmente em explicações) e look têm sido empregadas como
MDs. Veja-se a lista da autora:
Os verbos de percepção see (usado em explica-
ções), look e listen (usado em diretivos repetitivos
e desafios, bem como em pré-fechamentos), mas
não hear
Os dêiticos locativos here, there (geralmente usa-
dos em narrativas para marcar resultados surpre-
endentes nos resultados da ação complicadora)
O advérbio why (usado em vez de then, como em
if he wants to come, why let him come!, ou para
prefaciar exemplos típicos, como em why just the
other day…) mas não when
Where ou how
As interjeições gosh, boy
O verbo say (como em say, can you lend me a di-
me? mas não outros verbos de dizer (exceto em
expressões metalinguísticas como lemme tell you)
Metafala (como this is the point, what I mean
is…; cf. Schiffrin, 1980)
As expressões quantificadoras anyway, anyhow,
whatever.
136
Como se observa, a lista é bastante extensa e diversificada, o que
tem gerado, muitas vezes, dificuldade conceitual, uma vez que mais
elementos a serem inseridos e os critérios nem sempre são homogêneos.
No corpus do Projeto NURC, Castilho (1989, p. 270) constatou
as seguintes classes atuantes como MDs: nomes (nos vocativos, nos
tópicos e antitópicos, nas expressões estereotipadas), verbos (cognitivos,
135
MDs oh, well, and, but, or, so, because, now, then, I mean, y‟know.
136
the perception verbs see (used in explanations), look and listen (used in repeated direc-
tives and challenges, as well as in preclosings), but not hear
the location deictics here, there (often used in narratives to mark surprising outcomes in the
outcomes in the complicating action)
the adverbial why (used instead of then, as in if he wants to come, why let him come!, or to
preface typical instances, as in why just the other day…) but not when,
where or how
the interjections gosh, boy
the verb say (as in say, can you lend me a dime? But not other verbs of saying (except in meta-
linguistic expressions such as lemme tell you)
meta-talk (such as this is the point, what I mean is…; see Schiffrin 1980)
the quantifier phrases anyway, anyhow, whatever.”
154 |
emotivos, de percepção e copulativos), advérbios, interjeições e palavras
exclamativas e ―classes intranucleares‖, como assim e tal.
Também Risso, Silva e Urbano (1996, 2006), com base no corpus
do Projeto NURC, observaram o vínculo entre algumas classes de pala-
vras e os MDs e identificaram como base gramatical de MDs advérbios
(agora, então), conjunções (e, mas), verbos (sabe?, viu?, olha ~ olhe),
adjetivos (certo?, bom, capaz), preposições (por exemplo, em resumo,
até), partícula (né?), interjeições (ah, oh, ), nome (conclusão), pro-
nome (meu), orações (veja bem, digamos assim), agrupamentos (mas aí,
né?) e sons não lexicalizados (uhn, uhn uhn). Conforme os autores, a
incidência mais intensa de fontes de MDs são, respectivamente, as for-
mações mistas (que reúnem classes gramaticais diferentes), os advér-
bios, os verbos
137
e as conjunções.
Martellotta (2004, p. 82)
138
, analisando dados do Grupo de Estu-
dos D & G, distingue os MDs dos ―operadores argumentativos‖
139
. Os
primeiros são itens lingüísticos de natureza mais livre quanto às restri-
ções gramaticais, pois assumem funções mais voltadas para orientação
da interação, como ?, certo?, sabe?, portanto são externos; os segun-
dos, são formas de natureza mais fixa na sentença, que desempenham
funções gramaticais prototípicas, de orientação argumentativa do discur-
so, como , assim, então, entre outros. O autor observa a tendência de
ambos os tipos partirem de expressões formadas de elementos lexicais
oriundos de classes gramaticais diversas, como advérbios (apenas e
mal), verbos (? sabe? entendeu?), pronomes (tal) etc. que perderam
seu valor original, para assumirem funções pragmático-discursivas.
137
Cerca de 20% dos contextos do corpus do Projeto NURC evidenciou as formas verbais
como base de MDs e, portanto, sugerem Risso, Silva e Urbano (2006, p. 423) investigações
acerca do ―conteúdo cognitivo-sensitivo dos verbos predispostos a evoluir para a conformação
do processo discursivo de estabelecimento de contato e colaboração mútua entre os interlocuto-
res [...]‖.
138
O autor investigou o corpus ―A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro materi-
ais para seu estudo‖. Esse corpus constitui-se de 93 entrevistas orais e escritas de informantes
estratificados de acordo com o nível de escolaridade (CA supletivo e infantil, e 8ª séries do
1º grau, 2º e 3º graus). Durante as entrevistas, cada informante era levado a produzir narrativas
de experiência pessoal, narrativas recontadas, descrições de local, relatos de procedimento e
relatos de opinião.
139
Ao fazer a distinção entre ―operadores argumentativos‖ (de natureza mais textual) e MDs
(de natureza mais interativa), Martelotta defende a ocorrência de um processo de ―discursiviza-
ção‖ para dar conta dos MDs. No entanto, é contra essa idéia que Longhin-Thomazi (2003,
2005, 2006a,
2006b) e Lopes-Damásio (2008) se colocam, e a nossa pesquisa também, defen-
dendo, com base nos trabalhos de Traugott (1995, 2003, 2007), que os MDs podem ser anali-
sados sob a perspectiva da gramaticalização. Essa discussão foi feita no capítulo 3.
| 155
Também nas línguas românicas, adjetivos, advérbios e verbos,
notadamente verbos de percepção auditiva e visual (cf. PONS
BORDERÍA, 1998a, 1998b; DOSTIE, 1998, 2004; WALTEREIT,
2002; CUENCA; MARIN, 2000; GALUÉ, 2002; DOMÍNGUEZ;
ALVAREZ, 2005; MARIN JORDÁ, 2003; DOMÍNGUEZ PORTELA,
2008), tendem a derivar MDs, conforme se verá mais detalhadamente na
seção 4.5.
4.2.2 A unidade de análise e a posição dos MDs
A identificação da posição do MD está intrinsecamente ligada à
delimitação da unidade de análise. Assim como os MDs se mostram
uma categoria bastante heterogênea, objeto de diferentes enfoques, as
unidades de análise também são definidas e delimitadas de modos diver-
sos. Castilho (1989, p. 253), por exemplo, trabalha com a noção de uni-
dade discursiva (UD), assim definida:
[...] um segmento do texto caracterizado semanti-
camente por preservar a propriedade de coerência
temática da unidade maior, atendo-se como arran-
jo temático secundário ao processamento informa-
tivo de um subtema, e formalmente por se compor
de um núcleo e de duas margens, sendo facultati-
va a figuração destas.
Ainda segundo o autor, as margens da UD constituem-se de ma-
teriais verbais e não-verbais que envelopam o núcleo, situando-se à sua
esquerda ou à sua direita, ou insinuando-se no núcleo. O núcleo da UD é
constituído por uma ou mais orações. É no interior de UDs que atuam
os MDs, tanto no nível das relações estabelecidas no texto, como das
relações entre o F e o seu próprio texto e, até mesmo, entre o F e o O.
Marcuschi (1989)
140
opera com a noção de unidade comunicativa
(UC), que corresponde aproximadamente a enunciado conversacional,
podendo ou não coincidir com turnos, orações ou atos de fala. ―Tal co-
mo a frase na escrita, a UC, no texto oral, é um ponto de referência mí-
nimo para se verificar localmente posições, formas e funções dos mais
diversos fenômenos lingüísticos‖ (p. 288). Conforme o autor, o MD
(verbal ou não) pode se posicionar no início e no final da UC. Urbano
140
O autor investigou três textos (dois diálogos entre dois informantes e uma conversação
telefônica) que compõem o corpussico do Projeto NURC.
156 |
(1997, p. 100) aponta também que, caso a unidade seja maior do que a
unidade entonacional, como o turno ou o tópico, o MD pode também
posicionar-se no seu interior.
Schiffrin (1987), por sua vez, considera diferentes concepções de
unidades lingüísticas, apresentando, afinal, a definição que ela mesma
caracteriza como ―imprecisa‖. As ―unidades conversacionais‖ a que a
autora se refere podem, em diferentes contextos, coincidir, mais ou me-
nos precisamente, com sentenças (unidades estruturais), enunciados,
atos de fala e unidades tonais.
Fraser (1999, p. 189) toma como unidade de análise dos MDs
segmentos discursivos cujos sinônimos seriam, para o autor, ―proposi-
ção‖, ―sentença‖, ―enunciado‖ e ―mensagem‖. Os MDs ―occur as part of
a discourse segment but are not part of the propositional content of the
message conveyed, and they do not contribute to the meaning of the
proposition per se.
141
A forma canônica de Fraser (<S1. MD + S2>)
revela que o MD ocorre em posição inicial de S2. Porém, outra alterna-
tiva posicional, conforme o autor, pode ser deslocá-lo para o início de
S1, com adaptações no segmento. Ele destaca que o MD normalmente
introduz S2, o que constitui sua posição mais freqüente, mas pode ocor-
rer também, em menor intensidade, em posição medial ou ainda, de
modo menos freqüente, em posição final.
A perspectiva da GTI (por exemplo, RISSO; SILVA; URBANO,
1996, 2006) define como unidade de análise a frase
142
, o turno e o tópi-
co transitando do nível sintático ao discursivo. Nesse sentido, a posi-
ção no enunciado, de feição mais sintática, parece estar intimamente
relacionada à articulação tópica da conversação, de caráter mais discur-
sivo, entendendo-se tópico como ―aquilo acerca do que se está falando‖
(BROWN; YULE, 1983 apud FÁVERO, 1999, p. 38). O tópico é, antes
de tudo, questão de conteúdo, estando na dependência de um processo
colaborativo que envolve os participantes do ato interacional. Deve ser
desenvolvido por, pelo menos, duas pessoas, sendo sua condição inicial
um ato de fala que deve ter alguma relação com o ato seguinte e, quando
for o caso, com o anterior. Dessa forma, uma conversação fluente é
aquela em que a passagem de um tópico a outro se com naturalidade,
cuja regra básica é: a) continuidade: dois turnos contíguos que apresen-
tam desenvolvimento do mesmo conteúdo seqüenciam o mesmo tópico;
141
142
Urbano (1999, p. 201) considera a frase oral [...] uma unidade comunicativa entonacio-
nalmente delimitada e segmentada conforme os propósitos do falante e/ou as condições discur-
sivas da produção coletiva do texto. Freqüentemente tem feição oracional, ainda que muitas
vezes sem a estrutura e completude gramatical canônicas‖.
| 157
b) mudança: dois turnos que não seqüenciam o mesmo conteúdo consti-
tuem mudança de tópico; c) quebra: ocorre quando o tópico foi inter-
rompido, podendo haver o seu retorno (MARCUSCHI, 1986).
Por turno, entende-se a alternância entre os participantes de um
diálogo na consecução do objetivo comum. Nesse caso, os participantes
revezam-se nos papéis ora de F e ora de O. Assim, a conversação pode
ser caracterizada por uma série de turnos, entendendo-se por turno qual-
quer intervenção de qualquer extensão entre os interlocutores
(GALEMBECK, 1999, p. 60). Porém, o turno ―nem sempre forma uma
unidade autônoma e completa. Por vezes, um turno é desenvolvido em
várias etapas pelo mesmo falante com a interpolação do interlocutor‖
(JUBRAN et al., 2002, p. 373).
Considerando-se a frase oral, o turno ou o tópico como unidade
de análise, no que tange às posições dos MDs, observa-se que casos
em que esses itens gozam de certa liberdade posicional
143
, porém a mai-
oria dos autores (por exemplo, ZWICKY, 1985 apud FRASER, 1999;
URBANO, 1999; RISSO, 1999) frisa que as mais recorrentes são as
iniciais e finais, embora haja evidências da tendência à especialização
(MARCUSCHI, 1989, p. 291). Nesse sentido, por exemplo, Silva e
Macedo (1989, p. 11)
144
, Urbano (1997) e Risso (1999, 2006) verifica-
ram que os MDs bom, bem, olha e veja atuam como marcadores inicia-
dores já que iniciam turnos de resposta em estruturas de pares conversa-
cionais adjacentes, ao passo que sabe? e certo? costumam encerrá-los.
Na mesma posição encontram-se os MDs investigados por Mar-
cuschi (1989) ao postular que um número maior de MDs para as
posições iniciais porque é o lugar do engate, da coesividade sintagmáti-
ca. Castilho (1989, p. 261) observa que os MDs à esquerda são funcio-
nal e formalmente mais complexos dos que os à direita, ―pois o falante
antecipa ao interlocutor instruções sobre a organização do texto que será
produzido‖. Entretanto, para o autor, todos os MDs interligam as uni-
dades discursivas (UDs), atuando como nexos com um papel simultane-
amente anafórico e catafórico‖ (CASTILHO, 1989, p. 265, grifo nosso).
Já Marcuschi (1989, p. 298) faz a ressalva quanto ao caráter bidirecional
143
Por exemplo, Koch (1987, p. 139) sugere as seguintes configurações para o MD eu acho:
―a) me realizaria eu acho mais como orientadora do que como professora; b) me realizaria
mais como orientadora eu acho do que como professora; c) me realizaria mais como orien-
tadora do que como professora eu acho.‖
144
As autoras analisaram MDs extraídos de entrevistas sociolingüísticas da Amostra Censo.
Essa amostra consiste num acervo de fala de indivíduos cariocas com até ensino dio de
escolarização, coletada nos anos 80. Para mais detalhes sobre a Amostra Censo, consulte Paiva
e Duarte (2003).
158 |
(anafórico e catafórico) dos MDs, o qual, segundo o autor, pode ser
evidenciado quando estes se posicionam em início de turnos e de UCs
(intraturnos) de contextos argumentativos.
Em termos de freqüência, Marcuschi (1989), Silva e Macedo
(1989, p. 39) e Risso (1999, p. 262) constataram a alta freqüência (80%
dos casos) de MDs, tanto iniciando tópicos e/ou turnos como no interior
do texto. Porém, os MDs mediais tendem a ocorrer em turnos mais lon-
gos, ao mobilizarem diferentes instâncias de aberturas, como operações
de exemplificação, de citações, de reintrodução de uma seqüência dis-
cursiva temporariamente suspensa, de movimentos argumentativos de
ressalvas, concessões, entre outras.
Considerando MDs derivados de base verbal, num corpus de 45
minutos do NURC, Marcuschi (1989, p. 293-296) observou que olha e a
expressão conjugada porque olhe tendem a ocupar a posição inicial de
UC (intraturno). Dentre os MDs finais mais freqüentes, o autor encon-
trou a forma simples viu. Por fim, outros MDs localizados no corpus
foram olhe e deixa ver, que ocupam, de modo mais freqüente, a posição
medial.
Quanto aos MDs tá?, sabe?, entendeu? e né?, Martelotta (2004,
p. 89-90) verificou, em dados do Rio de Janeiro (corpus D & G), a ten-
dência a ocorrerem em final de cláusula ou de sintagma, característica
que persiste, no entendimento do autor, de sua origem como pergunta
referencial, em que o F pede a concordância ou aceitação do O em rela-
ção ao que acabou de dizer. Já o MD bem é utilizado em início de fala,
preparando a audiência para o que vai ser dito. Além dessas posições, o
autor encontrou contextos em que o MD quer dizer, quando ligado ao
seqüencializador então (então quer dizer), atua como elemento de cone-
xão entre as cláusulas, que vão surgindo em blocos de informações no
fluxo improvisado do discurso.
No entanto, resultados de trabalhos realizados com amostras do
projeto VARSUL demonstraram um comportamento por vezes diferen-
ciado para esses MDs. Contrariamente aos resultados de Martelotta
(2004), de maneira geral, para Valle (2001)
145
, não é tão evidente que os
MDs se encontrem apenas em final de enunciado, pois um elevado
número de ocorrências desses itens em sua amostra em posição inter e
intraoracional. A autora verificou que a maioria dos Requisitos de Apoio
145
Valle (2001) analisou os MDs sabe?, entendeu? e não tem? numa amostra composta por 36
entrevistas de informantes florianopolitanos, pertencente ao Banco de Dados VARSUL e
estratificada de acordo com as variáveis sociais sexo, idade e escolaridade.
| 159
Discursivo (RADs)
146
concentra-se em posição inter-oracional, princi-
palmente entre orações coordenadas.
Dal Mago (2001, p. 89)
147
mostra que a posição preferencial do
quer dizer é entre orações, seguida da posição inicial. Apenas o quer
dizer denominado pela autora de preenchedor de pausa, ocupa algumas
vezes a posição medial. Rost (2002), por sua vez, aponta correlação
acentuada entre o MD olha e a posição inicial. Já o MD veja aparece
largamente em posição medial e também em posição final da frase oral,
nos termos de Urbano (1999, p. 201). Quanto à freqüência, bom e bem,
conforme Martins (2003)
148
, ocorrem predominantemente na posição
intraturno, superando o número de ocorrências em posição de abertura
de turnos de respostas. Apenas 11% das variantes foram utilizadas em
abertura de turnos sem pergunta e 3% em abertura de fala citada.
Observa-se que a posição inicial, muitas vezes invocada como
uma característica básica dos MDs (cf. SCHIFFRIN, 1987; FRASER,
1999; RISSO; SILVA; URBANO, 1996, 2006), não é uma característica
permanente visto que dependerá do contexto que analisamos. Assim,
dada a complexidade de fatores envolvidos na conversação, o recorte
frasal como postulado pela tradição gramatical dificilmente conta de
dados pragmático-textuais. Portanto, em se tratando da identificação de
uma unidade de análise para descrição dos MDs olha e , elegemos
uma porção textual-discursiva ampla: o tópico. Esperamos recortar os
segmentos tópicos nos quais se inserem os MDs na entrevista sociolin-
güística e nas peças teatrais e, a partir disso, possa se constatar se, de
fato, os MDs são exteriores ao conteúdo informativo dos tópicos ou
segmentos tópicos, conforme postulam Risso, Silva e Urbano (1996,
2006) e Fraser (1999).
Assim, para caracterizar cada contexto de análise, consideramos
certa porção de texto
149
do falante/personagem na qual se evidencia a
atuação de olha e auxiliando na veiculação de diferentes significados
146
Conforme Silva e Macedo (1989), RADs são MDs usados para se certificar da atenção do
interlocutor, ocorrendo, na maioria das vezes, no final de enunciado. Citam-se como ?, sabe?,
entendeu?, viu?, não é mesmo?.
147
A análise de Dal Mago (2001) foi efetuada em dados de entrevistas do Projeto VARSUL, de
Florianópolis, Blumenau e Chapecó (SC), Porto Alegre e São Borja (RS), Curitiba e Londrina
(PR), igualmente estratificados em sexo, idade e escolaridade.
148
Martins (2003) investigou dados extraídos de uma amostra composta por 288 entrevistas,
pertencente ao Banco de Dados do VARSUL.
149
A porção de texto a que nos referimos pode coincidir com feição oracional, ainda que,
muitas vezes, sem a estrutura e a completude gramatical canônicas, pode ser um trecho amplo,
que envolve todo o turno do falante, ou pode ser um trecho no interior de um tópico em desen-
volvimento, que manifesta um dos significados semântico-pragmáticos identificados.
160 |
semântico-pragmáticos, como advertência, conselho, surpresa, descon-
tentamento, atenuação, opinião, causa, exemplificação, entre outros.
Embora a conversação seja desenvolvida com base na troca de turno,
que pode englobar porções de texto maiores ou menores, adotamos uma
unidade de análise centrada na veiculação de um significado semântico-
pragmático proeminente.
4.2.3 Independência sintática dos MDs
Além da posição dos MDs, importa considerar ainda seu estatuto
sintático (cf. RISSO, SILVA; URBANO, 1996; RISSO, 1999;
URBANO, 1999, entre outros). Em relação a isso, Urbano (1997, p. 89)
sugere que se leve em conta a diferenciação entre os itens lexicalizados
(por exemplo, sabe?, certo?) e os não lexicalizados (por exemplo, ahn
ahn, uhn uhn). Para o autor, aqueles são independentes sintaticamente, e
estes apenas entremeiam a estrutura oracional, sem integrá-la sintatica-
mente.
A independência sintática, no entendimento de Marcuschi (1989,
p. 299-300), consiste no fato de os MDs serem descartáveis sem prejuí-
zo da construção sintagmática em si, pois estruturalmente não estão
integrados como constituintes essenciais. Expõe o autor que os MDs
iniciais caracterizam-se pela independência sintática em relação à cons-
trução em que se inserem. Todavia, trata-se de elementos ―discursiva-
mente dependentes e, nesse caso, não são descartáveis‖
150
.
Na sua caracterização de MD, Schiffrin (1987, p. 321) também
sugere que os MDs são sintaticamente descartáveis da sentença. Porém,
salienta que, se a sentença não incluir um MD, pode levar o O a inferir
diferentes relações de sentido, o que pode ser resolvido com a inserção
de um MD (so ou because, por exemplo), permitindo que um sentido
seja selecionado com exclusão de outro
151
.
Também como Schiffrin, Fraser (1999, p. 944, grifos do autor)
expõe a possibilidade de se excluir alguns MDs de algumas seqüências.
No entanto, o autor explica que, quando o MD não está presente no
150
Em 1930, Said Ali já revelava sensibilidade e visão pioneira sobre alguns tipos de elementos
estudados sob a denominação de ―expressões de situação‖. Dentre as características apontadas
pelo autor, afirmava que: ―parecem, mas não são, descartáveis, discursivamente falando‖ (apud
URBANO, 1997, p. 86).
151
(2‘): a. I believe in fate. b. Because I won the grand prize in a sweepstakes. (2‖): a. I
believe in fate. b. So I won the grand prize in a sweepstakes.‖ (grifo nosso)
| 161
enunciado, o O fica sem pista que estabeleça relação de sentido entre os
dois segmentos. Em síntese, os autores convergem em relação ao fato de
que, embora os MDs possam ser sintaticamente descartáveis, são discur-
sivamente importantes.
4.2.4 Constituição formal
Entendemos que a constituição formal diz respeito a alterações no
plano fonético-fonológico e/ou morfossintático, bem como ao caráter
lingüístico ou não-lingüístico dos itens.
Em seu primeiro trabalho, como vimos, Schiffrin (1987) enqua-
dra no rol de MDs não expressões verbais, como conjunções, advér-
bios, interjeições, etc., mas também as não-verbais, como os gestos e
outros recursos paralingüísticos (olhares, por exemplo). Nesse sentido,
reconhece a autora a dificuldade em lidar com um conjunto tão amplo de
expressões, bem como em delimitá-lo. Em contrapartida, a proposta de
Schiffrin (1987) é rejeitada por Fraser (1999). Para o autor, não se deve
incluir no rol de MDs gestos não-verbais e frases lexicalizadas (I know,
por exemplo).
Quanto à extensão dos MDs, verifica-se que os MDs constam de
uma palavra, normalmente breve, ou de várias (compostos ou oracio-
nais). Fraser (2006) destaca os monossilábicos (por exemplo, so, and e
but), polissilábicos (e.g. furthermore, consequently, nevertheless) e a-
queles que são formados por uma seqüência de elementos lexicais (por
exemplo, on the contrary).
Marcuschi (1989) e Urbano (1997) sistematizaram quatro tipos:
simples, compostos, oracionais e prosódicos: (i) simples: têm um
lexema ou para-lexema, como os interrogativos, os advérbios, os verbos,
os adjetivos, as conjunções e os pronomes; (ii) compostos: o sintag-
mas, muitas vezes estereotipados, como ―tá certo‖, ―que coisa né‖, etc;
(iii) oracionais: ―eu acho que‖, ―não sei não‖, etc.; (iv) prosódicos: hesi-
tações, ligadas em geral a um marcador verbal. Nos exemplos do autor,
observa-se a inserção de olha na classe de MD simples e porque olhe na
de MD oracional.
Risso, Silva e Urbano (1996, p.21) registram que os MDs com-
põem um amplo grupo de elementos de constituição bastante diversifi-
cada, envolvendo, no plano verbal, sons não lexicalizados, palavras,
locuções e sintagmas mais desenvolvidos. Nesse sentido, Urbano (1997,
162 |
p. 85) expõe um maior detalhamento dos MDs no que diz respeito ao
aspecto formal ou estrutural. Assim, propõe o autor separá-los, inicial-
mente, em marcadores lingüísticos e não lingüísticos. Os primeiros são
de duas naturezas: os verbais e os prosódicos. Os verbais podem ser
lexicalizados, como sabe?, eu acho que, ou não-lexicalizados, por e-
xemplo, ahn ahn, eh eh. Os de natureza prosódica são a pausa, a entona-
ção, o alongamento, a mudança de ritmo e de altura, por exemplo. Os
não lingüísticos são o olhar, o riso, os meneios da cabeça, a gesticula-
ção.
Também quanto à forma, Urbano (1997, p. 87) observa que os
marcadores verbais se apresentam ora como elementos simples (sabe?),
ora como compostos ou complexos (quer dizer, no fundo) e, ainda, ora
como oracionais (eu tenho a impressão de que), podendo aparecer com-
binados (mas acho que).
Em galego, essa combinação com outros elementos discursivos
também foi observada para os MDs mira e olla, por exemplo, na
repetição do MD (olla, olla), na junção com outro MD (ala olla), na
junção com um vocativo (como, Olla, Garela...) ou com complementos
verbais próprios (por exemplo, olla unha cousa ou olla ti)
(DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008). Em contrapartida, Marin Jordá
(2003) verificou que, na maioria das vezes, os MDs derivados de verbos
de percepção do catalão (mira/miri e ¿ves?) encontram-se sozinhos na
oração, cercados de pausa, porém podem, eventualmente, coocorrer
associados a outros elementos. Nesse caso, a combinação mais freqüente
se dá com conjunções e entre si.
4.2.3 Aspectos morfossintáticos e fonético-fonológicos
Nas línguas românicas, são freqüentes os MDs derivados de ver-
bos, como se verá na seção 4.5. Isso ocorre porque os verbos são uma
categoria bastante heterogênea. Em comparação à classe dos nomes, a
conjugação verbal permite mais opções morfológicas como ponto de
partida para o desenvolvimento de MDs (PUSCH, 2008).
Nesse sentido, Duran e Unamuno (2001) citam a alta produtivi-
dade do verbo ver, em catalão, como fonte de partículas discursivas:
¿ves? (¿ves? Si no hubieras bebido tanto...); ¿lo ves? (e.g., ¿lo ves? Ya
te lo decia yo...); verás (verás, estaba yo paseando tranquilamente...);
ya ves (¿Cómo te va? Ya ves, ir tirando...). Também identificaram certa
variedade no espanhol falado em Buenos Aires: ¿viste? (este, ¿viste?).
| 163
Observam Risso, Silva e Urbano (1996, 2006) que, na maioria
dos casos, as formas do MDs são mais ou menos fixas, pouco propensas
a alterações no plano fonológico ou morfossintático. Segundo os auto-
res,
As alterações pouco relevantes observadas, seja
no plano fonológico, seja no plano morfossintáti-
co, antes de contrariarem a concepção de que as
formas se cristalizam, ou tendem a se cristalizar
como ‗fórmulas‘ ou automatismos de pouca ou
nenhuma elaboração, só vêm a confirmar o fato de
que elas são normalmente cristalizações usadas
automaticamente no discurso, e não propriamente
unidades formuladas ad-hoc (p. 39).
Essa citação corrobora com a afirmação de Basílio (2002) de que
uma das características do item ao assumir funções discursivas é não
estar sujeito à flexão número-pessoal e/ou modo-temporal.
No caso do objeto de estudo desta tese, os MDs olha e são
provenientes de formas verbais com significado de percepção, em P2 do
presente do modo IND, com eliminação do s final, ao contrário da forma
vês que o mantém. olhe e veja derivam de P3 do presente do SUBJ.
Acrescenta-se à variação formal de caráter morfológico que a forma
olha tende a sofrer alteração de ordem fonética (['ja] ~ ['j] ~ ['])
principalmente no uso como MD.
É importante destacar, também, que, em termos de regularidade
morfológica, a forma do MD olha é derivada da categoria dos verbos
regulares da primeira conjugação, ao passo que o MD provém da
categoria dos irregulares da segunda conjugação. Essa característica
morfológica pode se mostrar relevante na codificação desses marcadores
tendo em vista dois comportamentos: de um lado, Scherre et al. (2000,
2007) e Scherre (2005, 2008) dão mostras de que fatores de natureza
estrutural (como tipo de conjugação e paralelismo fônico) são favorece-
dores ou não da variante subjuntiva e da indicativa; por outro, Urbano
(1999, p. 225) insiste no fato de que o uso de uma ou de outra forma de
MD parece não ter qualquer motivação a não ser um uso acidental, pois
nem sempre é possível a identificação auditiva de uma ou de outra. Esta
é uma afirmação com a qual não concordamos. Acreditamos, com base
em Scherre et al. (2000, 2007) e Scherre (2005, 2008), que todos os usos
são motivados e cabe-nos investigar essas motivações ou condiciona-
mentos. Esperamos também que alguns desses fatores possam também
164 |
se correlacionar com as formas de expressão de cada um dos itens em
análise.
4.2.5 Demarcação prosódica
Alguns MDs são acompanhados de pausa e/ou por algum outro
elemento prosódico (como rebaixamento do tom de voz) no segmento
precedente ou subseqüente, ou ainda, em relação a ambos, ―[...] realiza-
dos, na maioria das vezes, com o acompanhamento de uma pauta (sic)
prosódica demarcativa, ora bem definida [...], ora bastante sutil‖. A
constatação, identificação e descrição da variação melódica, com acerto
absoluto, pode ser obtida somente com espectogramas em laboratório
(RISSO; SILVA; URBANO, 1996, p. 29).
Pons Bordería (1998, p. 174) mostra que mira pode aparecer tan-
to com uma curva entonacional própria como incorporado à curva ento-
nacional do enunciado em que aparece.
Normalmente alguns MDs são átonos, mas, como Fraser (2006)
observa, quando monossilábicos, estrategicamente podem tornar-se
tônicos. Por exemplo: contextos em que but, so e and estão em posi-
ção inicial e se pretende dar ênfase à segunda seqüência, assim, após o
MD, pausa. Observe o exemplo: ―Child: There was a big puddle.
Parent: So - you had to jump right in?‖. Ou ainda quando S1 e S2 apre-
sentam diferentes significados proposicionais, pode haver pausa antes
do MD. Por exemplo em ―John was hungry – so he ate a sandwich‖.
Em sua pesquisa sobre a expressão quer dizer, Dal Mago (2001,
p. 98) identificou que, predominantemente, ocorre algum tipo de pausa
nos contextos de uso desse item. Em contraste, os resultados de Valle
(2001) sobre os RADs sabe?, não tem? e entende? revelam que esses
itens são muito mais recorrentes nos contextos sem pausas, perfazendo
77% das ocorrências nesse tipo de contexto.
Rost (2002) verificou que, em 87% do total de contextos analisa-
dos, olha e veja aparecem sem qualquer acercamento de pausa. Isolada-
mente, os itens apresentam comportamento distinto: enquanto olha é
privilegiado em ambiente com pausa anterior, veja não se realiza nesse
tipo de contexto. Por outro lado, os fatores pausa posterior e sem pausa
são praticamente indiferentes, mostrando-se esse o contexto mais fértil
de variação entre os dois MDs.
| 165
Na língua catalã, Marín Jordà (2003)
152
constatou que majoritari-
amente as pausas acompanham os MDs miri, escolti, a veure e avi-
am/viam. O caráter parentético desses elementos se configura, conforme
a autora, principalmente pela posição inicial e pelo acercamento de pau-
sas.
Em síntese, verifica-se que, a depender da forma e da categoria
de origem do MD, este pode ser tanto átono como tônico. No caso deste
último, pode situar-se acercado de pausas ou possuir uma curva entona-
cional própria.
4.3 Características funcionais dos MDs
Começamos apresentando a classificação proposta por Silva e
Macedo (1989). As autoras distribuem os MDs em nove grupos levando
em conta a sua função.
152
Na seção 4.5.4, apresentamos mais detalhadamente o corpus investigado pela autora.
166 |
Tipo
Função
MD
Exemplo de contexto de
ocorrência
Iniciadores
iniciam turnos, po-
dendo também intro-
duzir o discurso
direto.
ah, bom,
bem, não,
olha, ih,
espera.
Olha, eu em questão de
cozinha eu gosto de fazer
tudo.
Requisitos de
Apoio Discursi-
vo (RADs)
usados para se certifi-
car da atenção do
interlocutor, ocorren-
do, na grande maioria
das vezes, no final de
enunciado.
né?, Tá?
Sabe? En-
tendeu? Viu?
Não é mes-
mo?
E de vez em quando ela dá
umas bandeirazinhas, ?
Redutores
evitam uma postura
assertiva ou autoritária
do locutor.
Eu acho pô,
pô, sei lá.
Mas eu não fico muito,
assim, sei lá, muito assim
confiante de ser carioca da
gema.
Esclarecedores
tentam resumir ou
retomar com maior
clareza parte do
discurso.
Quer dizer,
isto é, deixa
eu ver,
(xovê).
É um filho que não estava
muito aí para as coisas, né?
Saía aí pelo mundo e tal.
Quer dizer, eu acho que
hoje...
Preenchedores
de pausa
evitam o silêncio
enquanto um novo
trecho de fala está
sendo preparado.
assim, bem,
hãa, é...
É mais lógico que você não
só vai, assim, expulso quem
faz uma coisa dessas,
assim, muito grave, como
roubar e pegar aquele
cigarro, assim, sabe, né? É
isso.
Seqüenciadores
marcam seqüência no
discurso.
aí, então,
depois.
e depois, então o meu pai
começou... depois passou a
pedreiro, então depois ele
veio aqui...
Resumidores
encerram uma lista e
resumem o que se
considera ser de
conhecimento do
interlocutor.
essas coisas,
e tal, coisa e
tal, e tudo,
papapá,
tatatá.
Aí vêm os filho, aturar isso,
aquilo, papapá, bababá, é
isso aí.
Argumentadores
iniciam argumentação,
geralmente contrária
ao discurso preceden-
te.
agora, não,
não mas, é
mas, sim
mas, eu pra
mim.
Não tenho preguiça de
fazer nada. Agora, eu gosto
de fazer muito aquilo que
eu agrado meu esposo...
Finalizadores
dão um fecho ao turno
de um falante.
então tá, é
isso aí, tudo
bem.
... e o carro está tudo legal
tudo bem. É isso aí. É.
Tudo bem.
QUADRO 3 - RESUMO DOS TIPOS DE MDS
FONTE: adaptado de SILVA e MACEDO (1989, p. 10-11, grifos nossos)
Em relação à proposição das autoras, destaca-se do quadro 3 o
MD iniciador como o que mais se aproxima dos MDs deste trabalho,
| 167
visto que olha pode sinalizar diferentes instâncias de abertura na tessitu-
ra textual da informação, além de orientar a direção da informação a ser
dada pelo F, uma vez que o foco da atenção pode incidir sobre o próprio
locutor, deixando de apontar diretamente para o entrevistado (cf.
SILVA; MACEDO, 1989, p. 11).
Como se percebe pelo nome escolhido para identificar o tipo de
MD, o critério mais relevante para o grupo em que se insere olha foi a
posição. No entanto, Urbano (1999, p. 200) alerta para o fato de que, se
um MD é empregado numa posição fixa, ―esse uso sistemático leva a
confundir propriedade com função. Não ficando claramente identificada
outra função interacional, seu desempenho costuma ser expresso como
‗iniciador de turno‘‖. Note, porém, que essa observação é válida tanto
para os iniciadores como para os finalizadores, dispostos no quadro 3.
Com efeito, esses tipos parecem estar mais atrelados a aspectos formais
do que funcionais, contrariando o desejo das autoras.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito aos tipos elencados por
Silva e Macedo (1989), caracterizados por apresentarem ora matizes
mais interacionais, voltados para o O (como os RADs), ou para o pró-
prio F seja modalizando sua atitude (como os redutores), seja argu-
mentando (como os argumentadores) ; ora matizes mais textuais, vol-
tados para a articulação do próprio texto (como os seqüenciadores e os
esclarecedores).
Conforme já mencionado, e tamm detalhado a seguir, tanto
Castilho (1989) como Marcuschi (1989) ressaltam esse papel coesivo
dos MDs, atuando anafórica e cataforicamente. O caráter bidirecional,
ao mesmo tempo em que mostra esses itens atuando com valor textual,
também permite conside-los como um tipo especial de dêitico. Essa
função dêitica também foi apontada por Schiffrin (1987), como di-
mensão centrada ora no F (próximo), ora no O (distante), ora em ambos.
Castilho (1989, p. 273) afirma que todos os MDs exercem função
comum: ―todos eles organizam o texto,‖ o que o faz reconhecê-la como
uma hiperfunção do MD. A partir desta hiperfunção, caracteriza duas
outras funções: interpessoais e ideacionais. Estas são acionadas pelo F
para a negociação do tema e seu desenvolvimento e aquelas servem para
administrar os turnos conversacionais. Ambas, segundo o autor, perpas-
sam a maioria dos MDs, ainda que fragilmente, ora com ênfase em uma,
ora com proeminência em outra (cf. RISSO; SILVA; URBANO, 1996,
p. 26).
Marcuschi (1989, p. 282, 298) também considera tanto proprie-
dades interacionais (na condução dos atos ilocutórios e das relações
interpessoais) como intratextuais (na estruturação da cadeia lingüística)
168 |
para os MDs. Nesse sentido, ―[...] operam simultaneamente como orga-
nizadores da interação, articuladores do texto e indicadores de força
ilocutória, sendo, pois, multifuncionais.‖ Porém, na medida em que
encadeiam coesivamente o texto, ressalta o autor, tendem também a
segmentá-lo, de modo a suprir em boa medida o papel da pontuação na
fala. Assim, constitui propriedade dos MDs a atuação bidirecional, ou
seja, auxiliam na sustentação da interação tanto considerando o parceiro
quanto introduzindo posição pessoal. Portanto, mais do que simples
conectores textuais, são, sobretudo, conectores interativos.
As funções interacionais comandam e controlam as estratégias
adotadas pelos interlocutores na construção e manutenção de suas iden-
tidades e relações sociais. Em geral, cristalizam-se em esquemas lingüís-
ticos bastante rotineiros e estereotipados, dependentes, muitas vezes, de
fatores e variáveis socioculturais, sendo, de algum modo, socialmente
controlados. O formato desses esquemas vincula-se à natureza da ação
praticada. Entre os muitos atos possíveis, os interlocutores realizam:
asserções, informações, constatações, descrições, perguntas, respostas,
concordâncias, dúvidas, ordens, elogios, ameaças, críticas, defesas, des-
culpas, convites, etc. (MARCUSCHI, 1989).
Em termos gerais, Marcuschi (1989, p. 304) resume as proprieda-
des formais e funções dos MDs
153
:
i. operam como fatores de coesão textual (na ca-
deia sintagmática)
ii. distribuem-se em posições bastante regulares
iii. contribuem para hierarquizar e topicalizar ar-
gumentos
iv. operam com características de dêiticos discur-
sivos
v. mantêm relativa independência sintática no
conjunto da construção.
O reconhecimento desse caráter simultaneamente fórico e dêitico
dos MDs é compatível com a perspectiva textual-interativa, anterior-
mente apresentada.
Urbano (1997, p. 100) diferencia funções mais genéricas das mais
específicas dos MDs. São genéricas a função articuladora ou estrutura-
dora. Constituem as mais específicas as funções de monitoramento do O
ao F ou a de busca de aprovação discursiva pelo F em relação ao O, ou
ainda, de sinalizadores de hesitação, de atenuação ou de reformulação
153
Embora esta seção trate de funções dos MDs, optamos por apresentar todas as propriedades
resumidas por Marcuschi, inclusive as formais.
| 169
por parte do F, ou ainda, de sua intenção de asserir ou perguntar. Embo-
ra admita que não tenha feito um estudo exaustivo, para o autor, os mar-
cadores por ele analisados que mais se destacam pela freqüência, recor-
ncia e função no texto são: 1) marcadores de hesitação: ah, ah ah, ah
ahn, eh eh; alongamento de vogais; pausas longas; 2) marcadores de
teste de participação ou busca de aprovação discursiva: sabe?, né?/não
é?, certo?; 3) marcadores de atenuação da atitude do F: eu acho que,
tenho a impressão de que; 4) marcadores de apoio/monitoramento do O:
ahn ahn, uhn uhn, sei.
Consideremos agora especificamente os MDs olha e . Confor-
me Urbano (1999, p. 226-233), os MDs atuam em contextos em que
prevalecem funções denominadas ―basicamente orientadores da intera-
ção‖. Os itens olha/olhe e veja desempenham duas subfunções derivadas
dessa função ampla: (i) fáticos de natureza imperativa e entonação ex-
clamativa; (ii) fáticos de início de fala citada. O autor ratifica a hipótese
de que as formas olhe/olha e veja não são simples abertura de frase, mas
têm realmente significação pragmática de solicitação de atenção, sem
qualquer valor semântico que a forma verbal de fonte lexical pareça
embutir.
Risso (1999, p. 260), por sua vez, demonstrou que o MD olha, ao
abrir determinados contextos, sinaliza intenções distintas do F: (i) testa o
grau de atenção e participação do O durante a atividade comunicativa; e
(ii) auxilia na organização coesiva dos enunciados, relacionando dife-
rentes justificativas que o F apresenta em sua fala.
Chamando a atenção para as formas conjugadas, Martelotta, Vo-
tre e Cezario (1996, p. 72-73) observam que olha , olha e veja
tendem a funcionar como elementos de aviso ou de chamamento da
atenção do O para o que vai ser dito.
Outro aspecto é salientado por Travaglia (1999, p.117), ao apre-
sentar a hipótese de que elementos iniciadores que chamam a atenção do
F para determinados elementos e idéias dentro do texto têm a função de
marcar relevo. O F, ao formular seu texto, utiliza-se desse recurso ou
para destacar determinados elementos dentro do texto, colocando-os em
proeminência em relação a outros (relevo positivo), ou para rebaixar,
ocultar certos elementos em relação a outros (relevo negativo). Tal co-
mo o autor, consideramos, portanto, que os MDs olha e apresentam a
função de marcar relevo, quando o falante chama a atenção do ouvinte
para aquilo que vai ser dito.
Considerando as funções de caráter mais geral, sintetizamos, no
quadro 4 a seguir, as atribuídas aos MDs olha e conforme os estudos
realizados do PB:
170 |
Os MDs olha e vê
FUNÇÕES
AUTORES
Textual, interpessoal e ideacio-
nal
Castilho (1989)
Multifuncional, com ênfase à
interacional
Marcuschi (1989); Silva e Macedo
(1989)
Interpessoal e textual
Martelotta (1996, 2004); Travaglia
(1999); Rost (2002)
Interacional
Risso, Silva e Urbano (1996)
Textual-interativa
Risso (1999, 2006); Urbano (1999);
Guerra (2007)
QUADRO 4 - FUNÇÕES DOS MARCADORES EM ESTUDOS DO PB
FONTE: adaptado de ROST (2002)
No âmbito de uso dessas formas, em Rost (2002), foi evidenciada
variedade de contextos de atuação de olha e veja. Esses itens foram
caracterizados como integrando o domínio funcional identificado pela
propriedade de chamada da atenção do ouvinte, em decorrência da
permanência do vestígio imperativo de um ato de fala manipulativo.
Foram sistematizadas, sem comprometimento diacrônico, mas num
continuum funcional, macrofunções e contextos de atuação discursiva
desses MDs. Tal propriedade, conforme o contexto, recobre duas macro-
funções: uma basicamente interacional e outra basicamente textual. A
primeira com maior ênfase nas atitudes do F em relação ao texto que ele
está produzindo tendo em vista o O, enquanto que a segunda mais volta-
da para a sequenciação do texto, assinalando relações de caráter coesivo.
Observe o continuum de contextos de atuação discursiva dos
MDs derivados de verbo de percepção visual, identificados por Rost
(2002), no quadro a seguir
154
:
154
Dados exemplificativos encontram-se nos capítulos 6 e 7.
| 171
Propriedade de chamada da atenção do ouvinte
Macrofunção articuladora basi-
camente interacional
Macrofunção articuladora basica-
mente textual
Contextos de atuação discursiva
Contextos de atuação discursiva
De Advertência
Retórica (SCHIFFRIN, 1987;
URBANO, 1999)
Interjetiva
Exemplificativa
Atenuadora (CASTILHO, 1989;
SILVA; MACEDO, 1989)
Causal
De Planejamento Verbal
(RISSO, 1999, 2006)
Concessiva
Prefaciadora (SCHIFFRIN,
1987; RISSO, 1999, 2006)
QUADRO 5 - MULTIFUNCIONALIDADE DE OLHA E
FONTE: adaptado de ROST (2002, p. 74)
4.4 Fechando a seção
Não se pretendeu, nesta seção, apresentar uma classificação defi-
nitiva desses MDs. Muito pelo contrário, espera-se, à luz dos dados
bibliográficos disponíveis, reexaminar o comportamento dos MDs olha
e , refinando a análise dos contextos de atuação desses itens. Como
atesta Urbano (1999, p. 226), ―só em estudos exaustivos de cada marca-
dor ou conjunto de marcadores poderão ser identificadas conclusiva-
mente funções mais específicas e precisas deles, dentro do contexto real
de suas ocorrências‖.
Além disso, seguindo a orientação de se efetivar a descrição de
MDs em diferentes línguas (cf. SCHIFFRIN, 2003; FRASER, 1999) a
fim de se verificar se são usos universais (cf. HEINE, 2003), na seqüên-
cia, restringindo o campo de atuação dos MDs, identificam-se formas e
funções dos MDs derivados de verbo de percepção visual com base em
estudos em cinco línguas românicas (francês, espanhol, italiano, catalão
e galego), para efeitos de comparação com o PB.
172 |
4.5 MDs derivados de verbos de percepção visual em línguas româ-
nicas
É comum a todas as investigações o fato de, em alguns contex-
tos, os verbos de percepção visual migrarem de categoria para atuar
como MDs, situação em que funcionariam como elementos de chama-
mento da atenção do O para um aspecto do texto do F. Além da base
comum, verifica-se, a partir do levantamento da literatura, que os MDs
compartilham uma gama de contextos de atuação, desempenhando fun-
ções ora mais interativas, ora mais textuais.
Iniciemos, agora, a apresentação dos aspectos morfossintáticos
e fonético-fonológicos. No levantamento de pesquisas publicadas sobre
MDs de base verbal, observou-se que, nas cinco línguas, os provenientes
de verbos de percepção
155
visual se fixam em P2 do modo imperativo:
(i) mira/miri e ¿ves? (PONS BORDERÍA; 1998; MARÍN JORDÁ,
2003; DOMINGUEZ; ALVAREZ, 2005; DOMÍNGUEZ PORTELA,
2008); (ii) regarde e vois-tu (DOSTIE, 2004; VICENT; VOTRE;
LAFOREST, 1993) e (iii) olla (DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008). Esse
comportamento é semelhante ao que ocorre com olha e , em português
(SILVA; MACEDO, 1989; CASTILHO, 1989; MARCUSCHI, 1989;
RISSO; SILVA; URBANO, 1996; URBANO, 1993, 1999; RISSO,
1999; ROST, 2002).
No quadro 6, organizamos as respectivas formas codificadas em
cada uma das línguas para os MDs derivados de verbos de percepção
visual, notadamente associadas a P2 do imperativo:
Francês
Espanhol
Italiano
Catalão
Galego
Português
Ver
vois-tu
¿ves?
(veja,
vês)
156
Olhar
regarde
mira
guarda
(guardi)
miri
olla e
mira
olha (o-
lhe)
QUADRO 6 - MDS DERIVADOS DE VERBOS DE PERCEPÇÃO VISUAL
FONTE: A autora (2009)
155
Outros verbos de percepção tendem a recrutar MDs de modo similar aos derivados de
percepção visual. São eles: sentire, écouter, entendre, fíjate, oye, entre outros (cf. PONS
BORDERÍA, 1998; WALTEREIT, 2002; DOSTIE, 2004).
156
Inserimos aqui para efeito ilustrativo apenas algumas das formas que codificam MDs em
PB. Nos capítulos 6 e 7, apresentamos mais detalhadamente outras formas simples e compos-
tas identificadas no corpus investigado.
| 173
Além de os MDs se fixarem em P2, o MD mira do espanhol, por
exemplo, tende a ocorrer também nas formas mire/mirá; ao passo que o
espanhol ¿ves? e o francês regarde têm forma única, mas, a depender do
contexto, este último pode ser intercambiável por vois-tu ou tu vois. Em
italiano, guarda é codificado, para tratamento em P2, sob as formas
guarda, guardi e, para a segunda do plural, como guardate. Em catalão,
embora miri seja a forma mais freqüente no corpus investigado por Ma-
rín Jordà (2003), a veure e aviam/viam também são MDs derivados de
verbo de percepção veure, mas correspondem à primeira pesssoa do
plural (doravante P4).
Em francês, espanhol, catalão e galego, na constituição dos MDs
derivados de verbos no imperativo, regarde, mira/miri e olla mantêm a
supressão do sufixo -s, como ocorria no latim, o que não ocorre com
vois e ¿ves? que o conservam, assim como vês, no português.
É importante destacar, ainda, que guarda, regarde, mira/miri e
olla pertencem à categoria dos verbos regulares, ao passo que ¿ves?,
vois, a veure e aviam/viam incluem-se na dos irregulares.
No catalão, Marin Jordá (2003) constatou que, dentre as quatro
formas analisadas (miri, escolti, a veure e aviam), apenas as duas últi-
mas sofreram redução fonética: a veure > avere e aviam > viam. Parale-
lamente à redução fonética, as formas do catalão fixam-se morfologica-
mente: as derivadas do verbo veure (a veure e aviam) dizem respeito à
primeira pessoa do plural. Quanto a veure, este elemento não apresenta
morfema de flexão, que se trata da redução de anem a veure, e a for-
ma anem foi suprimida. Segundo a autora, mais gramaticalizada en-
contra-se a forma aviam, que provém do imperativo da primeira pessoa
plural, veiam/veja, que se juntou à preposição/prefixo a, provavelmente
porque houve um cruzamento com a veure. A forma aviam e sua varian-
te reduzida viam ainda mantêm o morfema de primeira pessoa plural m.
É de notar, no entanto, que estas formas estão mais gramaticalizadas,
razão pela qual não se tem possibilidade de variação flexional e o F
perdeu quase completamente a noção de conjugação.
Em contraste, os MDs derivados de mirar, no catalão, mantêm a
capacidade flexiva mesmo que limitada à P2 (segunda morfológica, no
caso de tratamento de tu e terceira para o tratamento de você).
Waltereit (2002) sugere, a partir de seu estudo sobre verbos itali-
anos, que o fato de o MD estar menos propenso à flexão poderia ser
tomado como um indício de seu desenvolvimento recente e, conseqüen-
temente, como um incentivo para um estudo sobre sua evolução con-
temporânea na língua falada.
174 |
Por outro lado, Pons Bordería (1998) observou que, no espanhol,
as formas verbais perdem parcialmente certas características da catego-
ria, mas em grande parte das ocorrências de mira de seu corpus notou a
possibilidade de se incluir junto ao item discursivo o sujeito tu, usted e
vos. Da mesma forma para o francês, Dostie (2004) observa que voir
necessita obrigatoriamente do preenchimento do pronome sujeito (pro-
clítico ou enclítico), diferente do que ocorre com os MDs regarde nesta
língua e olha do PB.
Quanto à posição no enunciado, as seis línguas românicas são u-
nânimes ao postularem que os MDs derivados de verbo de percepção
visual situam-se, comumente, na posição inicial, embora também ocor-
ram no meio e fim do contexto discursivo (MARCUSCHI, 1989; PONS
BORDERÍA, 1998; RISSO, 1999; URBANO, 1999; ROST, 2002;
WALTEREIT, 2002; MARÍN JORDÁ, 2003; DOSTIE, 2004;
DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008).
No catalão, os MDs miri, escolti, a veure e aviam/viam ocupam a
posição inicial prototípica, mas também podem, em menor proporção,
ocorrer no interior das orações, conforme Marin Jordá (2003). Essa
posição inicial foi classificada da seguinte forma: absoluta (encabeça
oração e está entre pausas); e combinada (quando o MD não encabeça
uma oração, mas encontra-se precedido de outro MD, ou de conector, ou
de vocativo). No caso da posição interna, o MD localiza-se após uma
oração afirmativa ou negativa, ou, mais internamente, acompanhado de
conector ou ainda funcionando de maneira enfática no contexto em que
ocorre.
Em galego, Domínguez Portela (2008) observou quatro posições
em que os MDs olla e mira podem encontrar-se: inicial, posposto a um
elemento externo (como outro MD, ou conectivo, ou vocativo),
posposto a um elemento oracional (sujeito, verbo, locativo temporal ou
espacial) e final. Os resultados revelaram que olla e mira ocupam
majoritariamente a posição inicial.
Em resumo, o levantamento de particularidades morfossintáticas
e fonético-fonológicas dos itens permite identificar algumas semelhan-
ças nas cinco línguas:
- fixação em P2 do imperativo;
- em algumas, redução fonética;
- predomínio na posição inicial; e
- no caso das formas irregulares (vois e ver), conservação de tra-
ços de sua origem verbal (preenchimento do pronome sujeito e perma-
nência do sufixo s).
| 175
Esse levantamento atesta o princípio da decategorização postula-
do por Hopper (1991, p. 22).
Passemos, agora, à apresentação dos aspectos semântico-
pragmáticos dos MDs. Embora sejam altamente produtivos nas cinco
línguas, os MDs não apresentam a mesma distribuição de funções, con-
forme se verá mais detalhadamente nas seções seguintes.
Quanto à origem, no francês, regarder deriva de garder. Trata-se
da junção do prefixo re + garder e significa olhar, ver. No entanto, gar-
der provém do alemão wardôn e expressa o sentido de guardar, conser-
var, reter. Na língua alemã, wardôn, por sua vez, possui as seguintes
acepções: buscar com a vista, prestar atenção, estar atento. Já voir
deriva do latim veoir que passou a vĭdēre. Este, por sua vez, na sua for-
ma latina, apresentava a acepção de avistar, empregar vista, perceber
pela vista. Esse significado concreto é mantido na língua espanhola.
No espanhol, catalão e galego, mirar origina-se do latim mīrārī
que significa admirar-se, contemplar, olhar. De modo semelhante, em
galego, ollar deriva do latim oculare, que significava dar vista, mirar.
No italiano, guarda, do infinitivo guardare, veicula o significado
básico de examinar, observar. Com sentido figurado, apresenta acepção
de observar com a mente, pensar, refletir.
Em síntese, a apuração da origem dos verbos de percepção visual,
com base no levantamento bibliográfico realizado, evidencia certo des-
gaste semântico do item lexical (percepção física > ação mental). Decor-
re desse significado mais abstrato, conforme os autores investigados, a
maioria dos usos como MD no levantamento bibliográfico das cinco
línguas.
Fica evidente assim que, no percurso de mudança de verbo a MD,
elementos designativos de espaço [+concreto] passam a ser usados como
organizadores do universo discursivo [-concreto] (cf. HEINE; CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991), embora o significado literal dos verbos de
percepção ainda seja bastante produtivo na atualidade
157
(cf. PONS
BORDERÍA, 1998; WALTEREIT, 2002). Isso converge com o princí-
pio da divergência de Hopper (1991, p. 22), aplicável às formas que
passam por mudança lingüística. O princípio da divergência postula a
permanência da forma lexical original convivendo de modo autônomo
junto à gramaticalizada, embora não se coadunem funcionalmente.
A partir do levantamento dos MDs em diferentes línguas români-
cas, podemos postular que os itens em estudo são universais que emer-
157
Mira e guarda existem como forma verbal ou como substantivo no português. Assim,
não se encontra registro de que sejam MDs em PB nem PE (DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008).
176 |
gem provavelmente de um verbo de percepção visual, o que se atesta
também em inglês look e alemão sieh mal/sehen Sie/schauen Sie, por
exemplo (cf. WALTEREIT, 2002).
É devido a esse continuum semântico-pragmático que, a seguir,
passa-se a apresentar os contextos e condições de ocorrência dos MDs
derivados de verbos de percepção em cinco línguas românicas, a fim de
se identificar seus respectivos valores tendo em vista posterior compara-
ção com os usos de olha e .
4.5.1 Os MDs franceses „regarde‟ e „vois-tu‟
Dostie (2004)
158
empreendeu uma análise sincrônica e diacrôni-
ca a fim de observar o comportamento dos MDs regarde (olha) e écoute
(escuta) no francês de Quebec, Canadá, derivados, respectivamente, dos
verbos de percepção regarder e écouter. Conforme a autora, ambos
compartilham alguns contextos como MD. Embora regarde tenha sido
herdado do francês arcaico, desapareceu da França em meados do século
XX, mas persiste no francês falado em Quebec.
Os verbos de percepção écouter, entendre (ouvir) e voir (ver)
tendem a desenvolver sentidos cognitivos, assim como regarder, que
gerou o sentido de considerar, analisar e ver, de acordo com Dostie
(2004, p.110). Esse ―deslizamento semântico‖, segundo a autora, não foi
aleatório, mas decorrente do fato de que a comunicação verbal supõe um
esforço cognitivo dos interlocutores. Essa mobilização cognitiva pode
ser sinalizada e/ou lembrada na conversação por meio dos MDs regarde
e vois-tu (você vê) que a autora passa a analisar.
Inicialmente, a análise sincrônica revelou que, como verbo de
percepção, as formas regarde e vois-tu apresentam, em contexto discur-
sivo imperativo de P2, sentido dêitico e são empregadas pelo F para
lançar um convite ao O para prestar atenção em algo que possa ser al-
158
A autora objetiva efetuar um levantamento lexicográfico de regarde, o que, embora muito
distinto dos objetivos desta tese, permite-nos chegar a valiosas conclusões sobre o desenvolvi-
mento dos diferentes valores dos MDs derivados de verbos de percepção visual nas línguas
românicas. Os dados sincrônicos provêm do Banco de dados de textos (literários, entrevistas,
programas de televisão, etc.) da Universidade de Sherbrooke. Os dados diacrônicos, por sua
vez, são provenientes da base de textos variados do século XVII a XX, do Instituto Canadense
de Microproduções Históricas e do Banco ―Québéctext‖, da Universidade Laval. Os dados do
francês hexagonal provêm do ARTFL (American and French Research on the Treasury of the
French Language) da Universidade de Chicago e da base de dados da Biblioteca Nacional da
França.
| 177
cançado com a visão. Na passagem para MD, Dostie (2004) destaca que
regarde e vois-tu atingem seu auge de abstração quando apresentam
valor cognitivo, ou seja, naqueles contextos em que o F convida o O a
prestar atenção em elementos explícitos e implícitos do seu texto (do F).
Regarde, conforme Dostie (2004), também pode gerar sentido
ambíguo em determinados contextos, que pode ser empregado tanto
como verbo no imperativo ou como MD. Observe:
(39) Tout le monde va bien ici dans la maison
pis monsieur Còté, il a eu 95 ans le 8 mars pis
regarde, il se promène dehors, pis il va chercher
son journal au coin de la rue à chaque jour. Il a
tombé cet hiver, il a perdu connaissance, il a fait
des petites crises d‘épilepsie. Le docteur dit c‘est
parce que c‘est son cæur. Son cæur est pas fort,
mais à part ça il va... Ça fait juste deux ans qu‘il
pelte plus l‘hiver. Avant, c‘était toujours lui qui
ouvrait notre chemin d‘auto là.
159
No exemplo (39), essa diferença entre os dois usos funda-se na
presença ou ausência do Sr. Còté no campo de visão do F. Se assim for,
o F emprega o verbo regarder no imperativo para solicitar ao O que
―preste atenção em X que ele pode ver com seus olhos‖. Se não, explica,
de modo abstrato, que o homem está vivo e bem e ilustra sua fala com
um exemplo. Nesse caso, o MD regarde pode ser empregado e também
é intercambiável com vois-tu/ tu vois. Além disso, em certos contextos,
apresenta semelhança de sentido com écoute (DOSTIE, 2004).
Dostie (2004) passa a apresentar os diferentes valores dos MDs
regarde e vois-tu, nomeando-os respectivamente cada qual da seguinte
forma: vois-tu1 e vois-tu2, regarde1, regarde2a e regarde2b. Nessa
direção, observa que regarde2a é análogo ao emprego de vois-tu1, en-
quanto que regarde2b é semelhante a vois-tu2.
Na passagem para MD, persiste a idéia de chamada da atenção
do ouvinte, mas para o O considerar algo ou refletir sobre algo que é
dito pelo F, o que abre espaço, segundo a autora, para diferentes empre-
gos discursivos de regarde. Um desses valores, nomeado como regar-
de1, se nos contextos em que o MD, desacompanhado de pausa, en-
contra-se mais integrado à sentença e introduz uma ilustração/exemplo
159
―Todo mundo vai bem aqui em casa e o senhor Còté completou 95 anos dia 8 de março e
olha, ele passeia fora, vai buscar o jornal na esquina todo dia. Ele caiu esse inverno, perdeu a
consciência, teve pequenas crises de epilepsia. O médico diz que é o coração dele. O coração
dele não está forte, mas fora isso ele está bem... Faz dois anos que ele não tira mais a neve no
inverno. Antes sempre era ele quem abria o caminho do nosso carro.‖
178 |
para o O. Nesse caso, pode ter o mesmo valor da expressão Tomemos
(como exemplo) o caso X.
(40) A: Est-ce que tu penses que dans deux gé-
nerations, ça veut dire dans soixante-quinze ans
ça, on parlera encore français au Québec? B: Ben,
il va y avoir beaucoup d‘anglais, nécessairement,
c‘est une espèce de melting-pot, ça, le Québec. Pis
t‘as le Québec anglais, pis t‘as le États-Unis, pis
toute le reste du pays qui parle anglais… Ça va y
venir. Peut-être qu‘on va parler... ben on dit ça...
Faut parler français parce que, regarde em Loui-
siane, em plein cæur des États-Unis, ça parle juste
français. Ça... peut-être que ça faire la même
chose.
160
Na seqüência, a autora afirma que há diferença de valores de
vois-tu em (41) e (42), respectivamente nomeados como vois-tu1 e vois-
tu2. O primeiro exemplo apresenta valor explicativo e o segundo, con-
clusivo.
(41) A: Mais comment ça se fait que tu sens le
parfum comme ça? B: Bien, vois-tu, c‘est heu...,
c‘est maman qui a em échapper sur moi.
<comprends-tu, sais-tu>
161
(42) A: Finalement, Marie ne pourra pás venir
parce qu‘elle est malade. B: Ah ben! Vois-tu.
<*compreends-tu, *sais-tu>
162
Em (41) e (42), regarde é um MD de consenso e indica uma es-
pécie de convite para que o O ―use sua inteligência‖, ou seja, demande
esforço cognitivo para compreender a mensagem expressa pelo F. Além
disso, nesses contextos, pode ser intercambiável com écoute e vois-tu.
160
―A: Você acha que em duas ou três gerações, quer dizer, em setenta e cinco anos, ainda se
falará francês no Quebec?
B: Bem, haverá necessariamente muitos ingleses, o Quebec é uma espécie de caldeirão cultural
(melting-pot). Além disso, tem o Quebec inglês, tem os Estados Unidos e todo o resto do país
que fala inglês... Isso vai acabar acontecendo. Pode ser que a gente passe a falar... bem, dizem
isso... É necessário falar francês, porque, olha em Louisiane, em pleno coração dos Estados
Unidos, se fala justamente francês. Pode ser... que aconteça o mesmo‖.
161
―A: Como assim que você está cheirando a perfume desse jeito?
B: Bem, você vê/veja, é... mamãe que deve ter deixado cair em mim. <compreende, sabe>‖
162
―A: Finalmente, Marie não poderá vir, porque está doente.
B: Ah, claro ! Você vê. <compreende, sabe>.‖
| 179
(43) Moi j‘usais toujours les affaires dês autres
là, pis maman m‘avait acheté des belles petites
claques neuves, attachés avec un lacet à l‘avant là.
J‘étais contente, je pleurais. Je voulais pas les
mettre pour aller à l‘école. Quand l‘école a com-
mencé, maman a dit: « Mets-les, les tiennes sont
percées » Je voulais pas les user. RegardePour
te dire comment on était pas riches. L‘été on par-
tait de chez nous nu-pieds, pis on mettait nos
souliers dans notre sac d‘école pour pas les us-
er.
163
(44) A: Des pacifists, ce sont des héros. Ce sont
des gens qui sacrifient leurs interest à une idée
qu‘ils ont dans la tête. B: En connaissez-vous be-
aucoup? Moi, je vois que des profiteurs. Regar-
dez, depuis six mois seulement que la guerre dure,
combine de gens en profitent? À commencer par
ceux qui se fonte une job dans l‘arinée.
164
O exemplo (43) expõe o emprego de regarde2a e serve de
entrada no assunto e fixa as balizas do texto que virá. Em (44), além da
estratégia cognitiva utilizada para chamar a atenção do O, regarde2a
introduz um exemplo do F e objetiva fazer com que o O compreenda
melhor que há aproveitadores.
Quanto à posição, em início de enunciado, regarde e vois-tu são
intercambiáveis, como no exemplo (45). Todavia, é duvidosa a permuta,
conforme Dostie (2004), em contexto localizado em final de enunciado,
como no exemplo (46). Observe:
(45) À um moment donné, j‘ai eu l‘impression
que mês parents préférainent mon frère et ma
sceur parce que j‘etaits à l‘àge difficile puis auto-
matiquement, ils me disaient: « Regarde, ta ur
163
―Eu usava sempre as coisas dos outros, depois minha mãe comprou pra mim uns sapatinhos
novos bem bonitos, fechados aqui na frente por um laço. Eu estava contente, eu chorava. Eu
não queria colocá-los para ir à escola. Quando a escola começou, mamãe dizia: ―Coloque-os,
os seus estão furados‖. Eu não queria gastá-los. Olha... pra te dizer como nós éramos pobres.
No verão, partíamos de casa descalços, depois colocávamos nossos sapatos na mochila para
não gastá-los‖.
164
―A: Pacifistas são heróis. São pessoas que sacrificam seus interesses em nome de uma idéia
que eles têm na cabeça.
B: Você conhece muitos? Eu vejo apenas aproveitadores. Olhe, depois de apenas seis meses de
guerra, quantas pessoas se aproveitam disso? A começar por aqueles que conseguem um
trabalho no exército.‖
180 |
nous donne pas autant de problèmes ».
Automatiquement, au lieu d‘en venir... dans
certains cas, tu viens à détester ta sæur. <vois-
tu>
165
(46) À um moment donné, j‘ai eu l‘impression
que mês parents préférainent mon frère et ma
sceur parce que j‘etaits à l‘àge difficile puis auto-
matiquement, ils me disaient: « Ta sæur nous
donne pas autant de problèmes, vois-tu ».
Automatiquement, au lieu d‘en venir... dans
certains cas, tu viens à détester ta sæur.
< ??Regarde>.
166
Nos exemplos a seguir, regarde oferece também a possibilidade
de efetuar um ―deslizamento‖ suave em direção a outro assunto que não
se havia começado anteriormente, ou seja, constitui um prefácio do texto
a ser anunciado pelo F como marca que anuncia e situa a entrada do F
no jogo comunicativo como estratégia cooperativa. Vejamos os contex-
tos a seguir:
(47) A: Je sais pas trop quoi faire aujourd‘hui.
C‘est plate. Je m‘ennuie.
B: Ben regarde, je vais t‘expliquer mon dessin.
Ça se resume... euh... un thème général, c‘est...
euh..., ici... euh... dans la loi des tiers, je vais
t‘expliquer un peu le principe, comment faire pour
situer mes éléments... comment je fais pour situer
tous mes éléments sur ma feuille. En art, il y a une
règle... la régle d‘art qui fait que tu divises la
feuille en tiers
167
.
165
―Em um momento dado, tive a impressão que meus pais preferiam meu irmão e minha irmã,
porque eu estava em uma idade difícil e automaticamente, eles me diziam: ―Olha, sua irmã não
nos dá tantos problemas‖. Automaticamente, em vez de chegar a esse ponto... em certos casos,
você acaba por detestar sua irmã. <você vê>‖.
166
―Em um momento dado, tive a impressão que meus pais preferiam meu irmão e minha irmã,
porque eu estava em uma idade difícil e automaticamente, eles me diziam: ―Sua irmã não nos
tantos problemas, você . Automaticamente, em vez de chegar a esse ponto... em certos
casos, você acaba por detestar sua irmã. <??olha>‖.
167
―A: Não sei bem o que fazer hoje. Está chato. Estou entediado.
B: Bem, olha, vou te explicar meu desenho. Ele se resume a... ah... um tema geral, é... ah...,
aqui... ah... à lei da terça parte, vou te explicar um pouco do princípio, como fazer para situar
meus elementos... como eu faço para distribuir todos os meus elementos sobre minha folha. Em
arte, há uma regra... a regra da arte que faz com que você divida sempre a folha em três partes.‖
| 181
(48) [A arrive chez B. Une fois qu‘il a mis son
manteau au vestiaire, B lui dit: Regarde, on va al-
ler dans ma chambre, on va être mieux pour pla-
coter
168
.
Por fim, outro emprego de regarde2b bem como de vois-tu2 se dá
como palavra-frase. Trata-se de orientação do F para que o O atente a
uma idéia mencionada de modo explícito, como em (49), ou sugerida,
como em (50), pelo F. No exemplo (49), ocorre como um elemento
lingüístico para chamar a atenção à informação antecedente (uso anafó-
rico). Em (50), regarde apresenta valor de conclusão que não é total-
mente verbalizada, mas que provavelmente está no alcance da compre-
ensão do O. Novamente aqui se tem a idéia de mobilização cognitiva
que é sinalizada e/ou lembrada na conversação por meio do MD regar-
de. Vejamos os exemplos:
(49) A: C‘est une bonne idée, ça. B: J‘ai
toujours pensé que j‘avais bonnes idées. On ne me
fait pas assez confiance, c‘est tout! Regarde...!
C‘est loin d‘être bête ma suggestion.
169
(50) [C diz alguma coisa. B ouve e diz a A:]
Olha! (tradução nossa)
170
Neste exemplo, regarde sinaliza, conforme Dostie (2004), uma
informação implícita que F e O conhecem/compartilham e é recuperável
por ambos, uma vez que faz parte da bagagem de seu conhecimento
comum. Pode ser entendido como um marcador de suposta conivência.
A simples presença do MD deveria ser suficiente para fazer o O com-
preender o que o F tem em mente. Ou seja, o esforço cognitivo exigido
do O é importante, de modo particularmente marcado quando regarde2b
aponta rumo a uma idéia que não está claramente expressa (DOSTIE,
2004).
Como se observa na análise sincrônica, Dostie (2004) verificou
que, como MD, permanece o valor assumido da forma fonte para regar-
de, de um lado, devido ao caráter significativamente voltado para o es-
forço cognitivo exigido do O e, de outro, em razão do valor diretivo
168
―[A chega na casa de B. Depois de colocar seu casaco no vestiário, B lhe diz]: Olha, a gente
vai para meu quarto, é melhor para conversar.‖
169
―A: Essa é uma boa idéia.
B: Sempre pensei que eu tivesse boas idéias. As pessoas não confiam suficientemente em mim,
é isso. Olha...! Está longe de ser idiota minha sugestão.
170
―[C dit quelque chose. B l‘entend et dit à A :] Regarde!‖
182 |
conservado pelo imperativo em P2, embora seja possível também em
P4.
A análise diacrônica empreendida pela autora, por sua vez, reve-
lou que regarde aparece nos textos literários do século XVII, o que sig-
nifica que já estava em uso no século XVI. Os dados diacrônicos coleta-
dos confirmam também os valores do MD regarde evidenciados nos
dados sincrônicos.
Por fim, a autora apresenta um paralelo entre regarder e écoute e
mostra a impossibilidade de equivalência completa entre ambos, tendo
em vista que desenvolvem polissemias distintas e sofrem influência
lexical e gramatical que permitem sua emergência. Detacam-se, entre
outras, o aspecto ostentatório permanente em regarde e a ação verbal
dele decorrente, o que não ocorre com écoute.
4.5.2 Os MDs espanhóis
171
„mira‟ e „¿ves?‟
Mira e suas variantes (mire e mirad) foram investigados na fala
espanhola por Pons Bondería (1998)
172
, ao passo que Cuenca e Marin
(2000)
173
expõem uma análise constrastiva dos verbos de percepção ver
e mirar gramaticalizados, segundo as autoras, como vamos a ver/a ver,
171
É sabido que o espanhol é uma língua de grande extensão territorial e variedade. É sabido
também que constitui-se como língua oficial dos seguintes países: Argentina, Bolívia, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Guiné Equatorial,
Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai,
Venezuela e os assentamentos do Saara. Ademais, é falado, como língua não oficial, em outros
territórios como Belize, Estados Unidos, Filipinas, Gibraltar e Marrocos. Em todos os níveis da
língua, o espanhol apresenta variação; porém, em alguns níveis mais do que em outros. Moreno
Fernández (2000, p. 35-46 apud CONCEIÇÃO PINTO; SILVA, 2005), com base nas diferen-
ças da língua espanhola de diferentes territórios, dividiu-a em 8 zonas lingüísticas, a saber: a)
Zonas lingüísticas do espanhol da América: A1. Caribe; A2. México e América Central; A3.
Andes; A4. Rio da Prata; A5. Chile; b) Zonas lingüísticas do espanhol da Espanha: E1. Região
castelhana; E2. Região andaluza; E3. Região canária.
172
O autor, com enfoque baseado na teoria de Halliday e Hasan (1976) e de van Dijk (1977),
investigou o corpus Val.Es.Co, cujas gravações foram obtidas mediante método de observação
participante e transcritas segundo método denominado ―jeffersiano‖, adaptado para o espanhol.
173
O suporte teórico que embasa este estudo provém da lingüística cognitiva (por exemplo,
HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991) e da teoria da gramaticalização (por exemplo,
HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Compõem o corpus de investigação das autoras gravações de
programas de televisão em espanhol e catalão. Ressalta-se também que, às páginas 219-223,
observa-se um levantamento apurado dos estudos pioneiros que tratam dos usos conectivos dos
verbos de percepção ver e mirar em espanhol coloquial.
| 183
mira/mire, nas línguas espanhola e catalã
174
. ¿Ves?, mire e mirá, empre-
gados no espanhol falado em Mérida (Venezuela), foram descritos por
Domínguez e Alvarez (2005)
175
. Também deste país, porém da capital
Caracas, provém a pesquisa dos MDs mira efetuada por Galué
(2002)
176
.
Para Pons Bondería, mire e mirad desempenham diferentes valo-
res na conversação, desde o significado literal do verbo de percepção até
o emprego como conector textual
177
. O autor explica essa expansão de
uso de acordo com uma série de etapas. Do sentido literal em que o F
usa mira para convidar o O para prestar atenção a um elemento da enun-
ciação, ou seja, a um componente do contexto discursivo, resulta o em-
prego das formas verbais prototípicas. Desse sentido de base, mira passa
a apresentar valor fático de chamada da atenção do ouvinte para o pró-
prio enunciado proferido pelo F. Nesses contextos, conforme o autor,
mira pode ser parafraseado pelo verbo de percepção escúchame e tem
valor perlocutivo, visto que pretende que o O faça algo. Vejamos o e-
xemplo:
(51) A: síí/ perooo hombre/ no hay que ir tam-
pocoooo/
[provocando allí/ al personal↑]
L: [pero es incómodo/ es incómodo]
S: provocando nada/ el queee- se ponga-que see-
que s‘excite ya se apañará↓ es su problema/ ¿no?/
(RISAS)/ no no por ver a uma tia em bequini↑
A: no↓ pero [nooo]
C: [pero] eso tiene más {que ver com la
(( comodidad)) deee]
A: [pero eso em verano] / primero/ mira]
C: al nadar/ si hace mucho movimientoo
A: si voy em biquini tengo que tomar [primeroo]
[AP.80.Al, 352] catafórico
178
174
Na seção 4.5.4, apresentamos mais detalhadamente os MDs em catalão. Aqui, vamos nos
deter somente nos exemplos de MDs em espanhol.
175
As autoras analisaram o Corpus sociolingüístico de Mérida (Venezuela).
176
Galué (2002) investigou uma amostra constituída por 15 informantes em situação de diálogo
e entrevistas, com falantes caraquenhos (Venezuela) de ambos os sexos, nível socioeconômico
médio-alto, idade entre 20 a 65 anos.
177
Pons Bordería (2001, p. 226-227) coloca a dificuldade em diferenciar conectivos e MDs.
Segundo o autor, os conectivos são apenas uma classe inserida noutra ampla de MDs, que
compreende também elementos como modalizadores, reformuladores, marcadores de polidez,
entre outros.
178
―A: siimm/ maaas homeem/ não tem que ir tambééém/
[provocando ali/ o pessoal↑]
L: [mas é incômodo/ é incômodo]
184 |
Dessa função fática primária, mira expande seu sentido e deriva
uma espécie de função fática interna que opera anafórica e cataforica-
mente, chamando a atenção do O para o contexto precedente ou avisan-
do-o da importância do segmento seguinte. Nesses contextos, mira pode
ser parafraseado fíjate, pois serve como um guia ou instrução para o
processamento interno do enunciado. A função fática interna relaciona-
se diretamente aos usos enfáticos ou de reforço do que é dito. A ênfase,
por sua vez, pertence, conforme Pons Bordería, ao terreno da modalida-
de, considerada como a atitude do F frente ao que é dito. Dessa forma,
mira passaria a desenvolver diferentes valores conversacionais:
(i) desacordo frente ao que é dito, quando aparece isoladamen-
te. Por exemplo:
(52) V: em resumen// quee habtenía un asesor
// un asesor // pagado también del ayuntamiento
de A./ que es V. F. que es el secretario de *** // y
ese tío↑ ese tío estaba percibiendo otras tantas/ o-
tras tantas como el señor alcalde↑/ del presupuesto
de las arcas municipales/ el presupuesto munici-
pal// (en)tonces resulta que ese tío/ pues también
veía que se le ibaa/ y no noo/ aguanta aguanta
que aunque presenten la moción/ tal/ cual/ aguan-
ta↑// ahora resulta que ya no está↑/ porqueee el L.
le ha dicho/ chh/ fuera de ahí// y el- y el cabritoo/
por aguantar um mes más um mes más↑// la sen-
tencia del juez puede ser dura ¿eh? PUEDE SER
muy dura
S: ¡uy! mira [J.82.Al, 702] (PONS BORDERÍA,
1998, p.223)
179
S: provocando nada/ ele queee - se arrume-que see-que se anime depois se vire↓ é seu o pro-
blema/ não?/ (RISOS) / não, não por ver uma tia de biquini ↑
A: não↓ mas [nããão]
C: [mas] isso tem mais [que ver com a (( comodidade)) deee]
A: [mas isso no verão]/ primeiro/ olha]
C: ao nadar/ se faz muito movimento‖
179
―V: em resumo// quee hav-teria um assessor↑/ / um assesor // recebia também da prefeitura
do A./ que é V. F. que é o secretário do***
18
/ / e esse tio↑ esse tio estava percebendo outras
tantas/ outras tantas como o senhor prefeito↑/ do orçamento dos cofres municipais / o orçamen-
to municipal/ / (en)tão acaba que esse tio/ pois também via que se fosse / e não nãão / agüenta
aguenta que ainda que apresentem a moção/ tal qual aguenta / / agora acaba que já não
está↑/ porqueee o L. lhe disse/ chh/ fosse daí/ / e o- e o safadoo/ por agüentar mais um mês↑ //
a sentença do juiz pode ser dura, né? PODE SER muito dura S: ui! olha [J.82.A1, 702] (PONS
BORDERÍA, 1998, p.223)‖.
| 185
(ii) rejeição a um aspecto do texto do interlocutor nos contex-
tos em que inicia um turno. Por exemplo:
(53) C: ya// PERO BUENO- PERO/ PERO ES
QUE ALGO TE DEBE PASAR ¿no? / algo te- ti-
e- o
sea §
JM: §mira/ no lo sé es que / es TODO y no
es nada/ [pero=]
C:
[pero si es que]
JM: = se me juntan las cosas/ / llega un momento
que vas aguantando y que las cosas se juntan y
que dices/ pues no/ tengo que pararme/ y- y deci-
dir [ML.84.Al, 108] (PONS BORDERÍA, 1998,
p.224)
180
.
(iii) insegurança por parte do F frente ao conteúdo da mensa-
gem proferida. Por exemplo:
(54) S: iguels
S: iguels
C: ¿esto es águila?
S: es queee/ mira
J: § ¿qué grupo de música es?
S: un grupo de música se llama↑ / / / a floc- / / a
floc/ / of/ / / siguels/ / / eaguls/ / / (2.5») pero en-
tonces no sé/E/ eaguls↑ / oo
J: igual éste es el plural de- de éste ¿sabes?
(PONS BORDERÍA, 1998, p.224)
181
180
―C: já / / MAS BEM- MAS/ MAS É QUE ALGUMA COISA DEVE ACONTECER, não? /
alguma coisa te- tem- ou seja §
JM: §olha/ não sei o que é / é TUDO e não é nada/
[mas=]
C: [mas sim
é que]
JM: =se eu acumulo as coisas/ / chega um momento que vais aguentando e que as coisas se
juntam e que dizes / chega/ tenho que parar/ e- e decidir [ML.84.A1, 108]‖ (PONS
BORDERÍA, 1998, p.224).
181
―S: iguels
C: isto é águia?
S: é queee/ olha
J: § que banda é?
S: uma banda se chama↑ / / / a floc- / / a floc/ / of/ / / siguels/ / / eaguls/ / / (2.5») mas então não
sei/E/ eaguls↑/ oo
J: igual este é o plural de- deste, sabes? [AP.80.A1, 223]‖ (PONS BORDERÍA, 1998, p.224).
186 |
Cuenca e Marín (2000), por sua vez, expõem os usos de vamos
a ver e a ver, formas de P4, e mira/mire, formas de P2. Conforme as
autoras, essas formas, além de corresponder ao mesmo tipo semântico,
compartilham características formais e funcionais. Vejamos a descrição
desses itens que permite a análise como um grupo relativamente homo-
gêneo, tanto do ponto de vista semântico, como morfossintático e dis-
cursivo:
- Têm caráter parentético.
- São formas imperativas ou relacionadas com o
imperativo.
- Como conseqüência, têm um valor conativo bá-
sico, que as vincula ao receptor comunicativamen-
te, e a segunda pessoa (tu ou usted), morfologica-
mente.
- Manifestam um valor conversacional (fático) re-
lacionado com a gerenciamento da conversação e
são, portanto, formas típicas da língua oral
(CUENCA; MARÍN, 2000, p. 216).
Constatam Cuenca e Marín (2000) que ver (espanhol) e veure
(catalão) são verbos de percepção passiva, ao passo que mirar (espanhol
e catalão) insere-se no conjunto de verbos de percepção ativa. Sugerem
as autoras, por conta disso, diferenças interessantes acerca do funciona-
mento dos verbos analisados: as formas de visão passiva quase sempre
iniciam turnos de fala, ao passo que as formas de percepção ativa, por
sua vez, alternam-se principiando ora turnos ora atos de fala espanhola.
Vejamos um exemplo:
(55) R: Al millón. Hay revistas, eeh, también,
???
Ch: Mira, normalmente, semanalmente, las cuatro
revistas del corazón, lãs que yo considero revistas
del corazón, eeh, además bastante diferentes entre
si, tienene unaa_una venta de 2.000.000 de ejem-
plares, semanales. (MC1)
182
As formas analisadas por Cuenca e Marín (2000) têm se conver-
tido em conectores a partir de um processo de gramaticalização relacio-
182
―Ch: Tiramos_ Pronto é a primeira, às vezes chega ao milhão de exemplares.
R: Ao milhão. Há revistas, heein, também???
Ch: Olha, normalmente, semanalmente, as quatro revistas do coração, as que eu considero
revistas do coração, eeh, além disso bastante diferentes entre si, tem umaa_uma venda de
2.000.000 de exemplares, semanais. (MC1)Ch: Tiramos_ Pronto es la primera, a veces llega al
millón de ejemplares‖.
| 187
nado à subjetivização e uma pragmatização do significado é derivada da
forma fonte (verbo de percepção visual). Dentre os valores dos itens
descritos por Cuenca e Marín (2000, p. 232-233), destacam-se: (i) dis-
tribuição do turno, sobretudo quando interrompe outro F, objetivando-se
manter o turno ou se recuperando um turno anteriormente perdido; (ii)
troca de interlocutor; (iii) oposição a um argumento que outro F está
defendendo; (iv) troca de tópico ou introdução de um tópico novo ou um
subtema. Nesses casos, o F abranda ou até mesmo interrompe o fluxo de
conversação e solicita mudança, quer de emissor, de receptor, de orien-
tação argumentativa ou de tópico.
Dominguez e Álvarez (2005) descrevem os usos de três grupos de
marcadores da interação: ¿ves? é classificado como MD apelativo e
interrogativo simultaneamente; os marcadores mira [tu]/ mire [usted] e
mirá [vos] são tidos como orientadores da atenção do O sobre um as-
pecto do texto; e, por fim, imaginate, figúrate são considerados marca-
dores derivados de verbos de imaginação, que podem ser parafraseados
por o sea, entre outros.
No primeiro grupo, ¿ves? serve para verificar a compreensão do
O acerca do argumento proferido pelo F. Nesse contexto, conforme as
autoras, o F expõe um tópico polêmico e, para reforçar sua tese, introduz
o MD seguido de explicação, normalmente um exemplo, a exposição de
um caso, ou a apresentação da causa ou conseqüência da tese apresenta-
da pelo F. Observe um exemplo:
(56) inv.: ¿te hubiera gustado que te dieran...
quizá más afecto?
hab.: Que me dieran más amor porque ¿tú sabes
qué?... nosotras por lo general somos muy se-
cas...¿ves?
inv.: Mjm.
hab.: ... este... cuando yo me fui con C. [su espo-
so], a me daba pena con C. que... yo decirle
papi a él, a me daba pena... (2:26)
(DOMÍNGUEZ; ÁLVAREZ, 2005, p. 10)
183
183
―inv.: tu gostarias que te dessem... talvez mais afeto?
hab.: Que me dessem mais amor porque, tu sabes o quê?... nós geralmente somos muito se-
cas...vês?
inv.: Mjm.
hab.: ... assim... quando eu fui com o C. [seu marido], me dava pena com o C. que... dizer papai
para ele, me dava pena... (2:26)‖ (DOMÍNGUEZ; ÁLVAREZ, 2005, p. 10).
188 |
No segundo grupo, no qual se inclui mira, os marcadores cha-
mam a atenção do O sobre um aspecto do texto, o ponto central que o F
deseja ressaltar, normalmente de forma catafórica.
(57) inv.: Pero te gusta reclamar tus dere-
chos.
hab.: Sí, mis derechos... mire... estos días que hu-
bo una broma de... del ventiocho... de los sucesos
del ven... del año pasado... (6:101)
(DOMÍNGUEZ; ÁLVAREZ, 2005, p. 11).
184
A partir dos exemplos, Domínguez e Álvarez (2005) mostram
que os MDs funcionam como orientadores da atenção do interlocutor
por meio do qual o F atribui importância ao segmento seguinte.
Galué (2002) apresenta a caracterização do uso dos MDs mi-
ra/mire amplamente empregados na conversação. Conforme a autora,
trata-se de formas gramaticalizadas que funcionam como MDs perdendo
nesta função seu significado primário e atuam especialmente na interpe-
lação do receptor e na chamada de sua atenção.
Dentre os valores do MD apelativo mira, que serve para chamar a
atenção do O, descritos por Galué (2002), destacam-se: (i) atenua a for-
ça ilocutória dos enunciados interrogativos; (ii) expressa afinidade e
cortesia para introduzir um enunciado com tom ameaçador; (iii) anuncia
enlace continuativo; e (iv) apresenta valor continuativo. Vejamos, na
seqüência, alguns exemplos desses contextos e respectivos valores dos
MDs.
Geralmente introduzem enunciados declarativos, diretivos e inter-
rogativos. No exemplo ―Mira ¿y donde estás buscando trabajo ahorita?‖,
o F interpela o O e reduz a força ilocutória que caracteriza esses enunci-
ados, como estratégia de cortesia para mostrar certa proximidade, fami-
liaridade e afinidade com o O.
Em outros contextos, pode introduzir enunciados não afetivos,
que refletem uma posição de distanciamento, mesmo aborrecido, do F
para o O. Vejamos um exemplo:
(58) D: y yo sin sentir/ ni moléstia /ni arreche-
ra/ ni nada/ conteste: Mire↑/ señora Mariana/ y
además sin miedo/ ¿okey?/ sin miedo a la figura
de autoridad/ porque de verdad que yo no tenía
184
―inv.: Mas, sim, tu gosta de reclamar teus direitos.
hab.: Sim, meus direitos... olhe... estes dias que houve uma brincadeira de... do vinte e oito...
dos acontecimentos do ver... do ano passado... (6:101)‖ (DOMÍNGUEZ; ÁLVAREZ, 2005, p.
11).
| 189
esos problemas com la mamá de Eduardo/ yo le
dije/ Mire señora Mariana/ no me venga a decir
que em algún momento a usted lê importo o lê do-
lió lo que estaba pasando/ (GALUÉ, 2002, p.
37).
185
Nesse exemplo, o MD mire imprime ao enunciado um tom arro-
gante, ameaçador e reflete o distanciamento entre os interlocutores.
Galué (2002) aponta que, no corpus, o emprego mais freqüente
do MD ocorre como uma estratégia do interlocutor para manter o inter-
câmbio verbal e tratar de subtrair o turno do F. Observe o exemplo:
(59) H2: bueno/ ¿y qué hizo Chávez?/
Y2: más nada↓ /PEOR/ la Constituyente era um
engano [hacia los ingnorantes]
H3:[no era un engano]
Y3: /porque qué era lo que trataba [de decirle al
pueblo]§
H3: [pero/ mira↑/ ven aca]
Y4: §yo no voté porque Chávez me estaba ofreci-
endo a mi uma constituyente/
186
Em (59), o F apropria-se do turno de Y, chamando sua atenção.
Além disso, mira aparece reforçado por outra forma apelativa ven acá
com a qual o F procura, de maneira enfática, captar a atenção do O e
levá-lo a aderir a sua opinião. Nesse sentido, adquire um valor modal
considerado relevante, e catafórico porque remete a algo que se vai dizer
na continuidade do enunciado.
Esse valor modal pode se diluir e passa a ser empregado apenas
como uma espécie de apoio para principiar a conversação, ou ainda em
posição intermediária, para continuá-la:
(60) D: Ah ... total que/ bueno/ mira →/ a raiz
de eso me empece a sentir mejor/ me empece a
sentir muchísimo mejor (GALUÉ, 2002, p. 37).
187
185
―D: e eu sem sentir / nem moléstia /nem fúria/ nem nada/ lhe respondi: Olhe↑/ senhora
Mariana/ e, além disso, sem medo / certo?/ sem medo da figura de autoridade/ porque de
verdade eu não teria esses problemas com a mamãe do Eduardo/ eu lhe disse/ Olhe senhora
Mariana/ não me venha dizer que em algum momento não lhe importou ou doeu o que estava
acontecendo/‖ (GALUÉ, 2002, p. 37).
186
―H2: bom/ e o que fez o Chávez?/
Y2: mais nada↓ /PIOR/ a Assembléia Constituinte era um engano [para os ignorantes]
H3:[não era um engano]
Y3: /porque que era o que tratava [de falar ao povo
H3: [mas/ olha↑/ vem aqui]
Y4: §eu não votei porque o Chávez estava me oferecendo uma constituinte /
190 |
(61) A: pero ¿qué le puedes tu pedir ... que ...
Mira/ yo de política no sino lo que medio leo
en el periódico y /de verdad/ que a veces parece
que solamente leo los titulares.
188
O exemplo (61) tem valor continuativo; serve de enlace para abs-
trair novamente a conversação e coocorre com pausa a fim de dar tempo
para o F pensar.
Por fim, o último valor do MD mira, descrito por Galué (2002), é
replicativo, ou seja, desacordo com o ponto de vista expresso pelo inter-
locutor:
(62) C1: Yo nunca había tenido uma pelazón de
bola tan grande como la que tengo ahoritas§
Y1: §por eso
C2: entonces/ vamos a darle un chance/pues
Y2: [esa pelazón es por culpa de Chávez]
C3: [mira/ tú me vas a perdonar]
Y4: la que tú tienes es culpa de Chávez
C3: no/ la que yo tengo no es culpa de Chávez
/no/ todo el mundo está pelando
189
A situação econômica de C1 não está mais tão difícil quanto an-
tes. Y1 expõe que a culpa deriva do governo, porém C manifesta desa-
cordo frente a esta opinião.
4.5.3 O MD italiano ‘guarda’
Waltereit (2002)
190
examinou o desenvolvimento de guarda na
fala italiana e identificou uma variedade de funções e contextos favore-
cedores desse MD.
187
―D: Ah ... total que/ bom/ olha →/ devido a isso talvez comece a me sentir melhor/ comece
a me sentir muitíssimo melhor (GALUÉ, 2002, p. 37)‖.
188
―A: mas o que tu podes pedir-lhe... que ... Olha/ eu de política não sei nada além do que leio
no jornal e /na verdade/ às vezes parece que leio somente os títulos‖.
189
―C1: Nunca tivera tão duro como estou agorinha. §
Y1: §por isso
C2: então/ vamos dar uma chance/pois
Y2: [essa dureza é culpa do Chávez]
C3: [olha/ tu vais me perdoar]
Y4: a que tu tens é culpa do Chávez
C3: não/ a que tenho não é culpa do Chávez /não/ todo mundo está duro‖.
190
O autor encontrou 336 ocorrências do MD guarda no corpus eletrônico Lessico di frequenza
dell‟italiano parlato (corpus LIP), organizado por Tullio de Mauro et al. (1993). Este corpus
contém gêneros variados como conversação telefônica, conversação ―multi-party‖, monólogos,
| 191
Primeiramente, guarda emerge naqueles contextos em que o F
revela certa dúvida quanto à declaração do O. Waltereit (2002) chama a
atenção também para o fato de o MD estar associado a um significado
adversativo e ocorrer em posição inicial do turno, conforme se evidencia
em (63):
(63) Turn-initial DM after transition-relevance
place
B: ah hai visto ali poveretto è morto co
l‘avevano ammazzato
A: tu dici?
B: ma secondo me si
A: madonna
B: <?> l‘hanno ammazzato era ricchissimo qual-
cuno l‘avrá fatto fuori
A: guarda che soffriva di cuore _ eh? (LIP, MB9
apud WALTEREIT, 2002, p. 990)
191
.
Nesse exemplo, A continua o tópico em discussão, mas introduz
um novo aspecto (um ―subtópico‖) para chamar a atenção de B. Além
disso, guarda tem nuance adversativa: A parece não acreditar na versão
de homicídio e insiste sobre uma morte natural.
Outro contexto em que guarda ocorre em início de turno eviden-
cia que, numa conversação, alguém pretende tomar o turno e o faz com
o auxílio de guarda, interrompendo os demais envolvidos a fim de cha-
mar-lhes a atenção para seu comentário. Para Waltereit (2002), a emer-
gência do MD guarda se deu primeiramente nesse contexto e, posteri-
ormente, se espraiou para outros. A interrupção trata-se de estratégia na
prática conversacional. Vejamos um exemplo:
(64) Turn-initial at nontransition-relevance
place
B: prendi una stecchetta di legno e la fai con la
stecchetta di legno e con gli adesivi
A: si‘rio con la stecchetta di legno cerco
etc. Para mais informações, acesse: <http://languageserver.uni-
graz.at/badip/badip/20_corpusLip.php>.
191
―Turn-initial DM after transition-relevance place
B: ah viste (ali) coitadinho morreu assim o mataram
A: tu dizes?
B: mas pra mim sim‘
A: nossa senhora
B: <?> mataram-no era riquíssimo alguém o botou pra fora de circulação
A: olha que ele sofria do coração _ eh?‖ (LIP, MB9 apud WALTEREIT, 2002, p. 990).
192 |
C: guarda è più semplice a colori quattro quattro
<?> due chiodini e <?> basta # velocissimo rapido
A: <???>
B: oppure la gente li mette sopra una poltrona so-
pra un tavolo sopra (LIP, MA2 apud
WALTEREIT, 2002, p. 991)
192
.
Na posição medial, o F emprega guarda para introduzir um no-
vo tópico.
(65) I: ciao tesoro
C: chi è?
I: chi sara‘ mai?
C: Graziella
I: tesoro mio
C: allora cara che numero ti dò?
I: ottantaquattro
C: ottantaquattro guarda cara anch‘io guarda ho
tanta ogliohoi ogliohoi voglio andare a letto (LIP,
FE6 apud WALTEREIT, 2002, p. 991-992)
193
.
Esse trecho foi extraído de um programa de rádio no qual os ou-
vintes (o falante I) podem ligar diretamente e escolher um número (neste
caso, ―84‖) para uma espécie de loteria. I (Graziella) começa a conversa
em tom de confidência, imitando um pouco o próprio moderador, que
falou com os participantes anteriores da mesma forma. O moderador C,
em seguida, introduz um novo tópico (alega cansaço) com guarda.
Na posição final, guarda revela que o F encontra-se numa situa-
ção embaraçosa e deseja sair o mais rapidamente dela.
192
―Turn-initial at nontransition-relevance place
B: pegue um raminho de madeira e faça-a (a construa) com o raminho de madeira e com os
adesivos (fitas adesivas ou materiais específicos citados anteriormente)
A: sim (malvado?) com o raminho de madeira procuro
C: olha é mais simples a cores quatro quatro <?> dois preguinhos e <?> deu# muito rápido
A: <???>
B: ou a gente o coloca sobre uma poltrona sobre uma mesa sobre‖ (LIP, MA2 apud
WALTEREIT, 2002, p. 991).
193
―I: oi tesouro
C: quem é?
I: quem poderia ser?
C: Graziella
I: meu tesouro
C: então querida que número te dou?
I: oitenta e quatro
C: oitenta e quatro olha querida eu também olha tenho tanta (ogliohoi ogliohoi) quero ir pra
cama‖ (LIP, FE6 apud WALTEREIT, 2002, p. 991-992).
| 193
(66) B: che che butta?
H: butta carciofi
B: non lo so se butta
H: butta carciofi
B: signora nessuno lei ci ha un‘antagonista di
dell‘altro sesso
H: eh no ma ho sbagliato ho sbagliato radio guar-
da
B: ha sbagliato radio che voleva chiamare la Raf-
fai (LIP, FE15 apud WALTEREIT, 2002, p.
990)
194
.
Por fim, há contextos em que guarda ocorre sozinho (phatic mar-
ker) no enunciado veiculando certa surpresa, admiração por parte do F.
Observe o exemplo:
(67) A: proporrei l‘antipastino di mare bellino
B: ah _ ah
A: con cozze
B: ah _ ah
A: eh eccetera eccetera
B: guarda
A: un bell‘antipastino di maré (LIP, FE9 apud
WALTEREIT, 2002).
195
Além desse uso, guarda é freqüente nos contextos em que intro-
duz discurso reportado.
(68) A: chiamarti al cellulare
B: ma no lo sai che non ci son problemi no lo so
non capisco e a XYZ gli ho detto comunque XYZ
guarda c‘ho questo problema qua gli ho pure det-
to guarda probabilmente ci conviene partire do-
mani mattina.
194
―B: o que o que coloca?
H: coloca alcachofras
B: não sei se coloca
H: coloca alcachofras
B: senhora nenhuma a senhora tem um interlocutor do outro sexo
H: eh não mas errei errei a rádio olha
B: errou a rádio que queria ligar para a Raffai‖ (LIP, FE15 apud WALTEREIT, 2002, p. 990).
195
―A: proporia o antepasto de mar lindinho
B: ah_ah
A: com marisco
B: ah_ah
A: eh etcetera etcetera
B: olha
A: um belo antepasto de mar‖ (LIP, FE9 apud WALTEREIT, 2002).
194 |
A: mh (LIP, MB49 apud WALTEREIT, 2002, p.
992)
196
.
Guarda também pode ocorrer como mero fenômeno de hesitação:
insere-se entre um artigo e um nome correspondente (una pubblicazio-
ne).
(69) A: ma io no _ non mi piace pero‘ no _ no
no preferirei fare una guarda pubblicazione pura
delle lettere
B: pura delle lettere così?
A: _ che però _ cioè con un cappello in cui spi-
eghiamo ecco nonostante _ si è si è parlato di pa-
cifismo (apud WALTEREIT, 2002, p. 993)
197
.
Waltereit (2002) supõe que a chave para o desenvolvimento do
MD guarda reside no seu uso imperativo, quando introduz um enuncia-
do que propositadamente interrompe a fala de alguém numa conversa-
ção. No corpus investigado pelo autor, há um exemplo desse contexto:
(70) B: come trovare il subagente?
A: che domande che fai?
D: ah pure il subagente vuole pure insomma gente
troppo bella questa questa la devi segnare troppo
A: guarda guarda che aspetto che c‘ha
D: e scusate il disturbo [ridono] troppo bello è tut-
to troppo bello (WALTEREIT, 2002, p. 995)
198
.
Nesse contexto, a interrupção de A é provavelmente tentativa de
proteger B de uma situação constrangedora. Nesse caso, trata-se apenas
de um verbo no imperativo, não um MD.
196
―A: te ligar ao celular
B: mas não sabes que não tem problema não sei não entendo e pra XYZ lhe disse de qualquer
maneira XYZ olha tenho esse problema aqui lhe disse ainda olha provavelmente nos convém
partir amanhã de manhã‖ (LIP, MB49 apud WALTEREIT, 2002, p. 992).
197
―A: mas eu não _ não gosto mas não _ não não preferiria fazer uma olha publicação pura
das cartas
B: pura das cartas assim?
A: sim_ que porém_ quer dizer com uma introdução na qual expliquemos isto sim é sim é
falado de pacifismo‖ (apud WALTEREIT, 2002, p. 993).
198
―B: como se encontra o sub agente?
A: que pergunta que fazes?
D: ah também se o sub agente quer também se no final das contas gente muito bonita isto isto
deve indicar muito
A: olha olha que aspecto que tem
D: e nos desculpe o incômodo [riem] muito lindo é tudo muito lindo‖ (WALTEREIT, 2002, p.
995).
| 195
Por outro lado, a razão porque Waltereit (2002) supõe que os con-
textos de interrupção, tal como o exemplo anterior, são tão importantes
para o recrutamento de guarda como um MD é que esse imperativo
constitui importante ferramenta na conversação. Habilita o F a interrom-
per outro F em posse do turno ao invés de aguardar o próximo lugar
relevante de transição.
Há, portanto, conforme Waltereit (2002), uma mudança semânti-
ca. O que inicialmente era apenas uma implicatura conversacional torna-
se um significado convencionalizado. Fundamenta em Traugott e König
(1991) o movimento de mudança semântica de guarda, o qual envolve,
portanto, convencionalização de implicaturas conversacionais. Em de-
terminados contextos, guarda não pode mais ser analisado como verbo,
mas como MD.
A alteração semântica conduzida do imperativo para MD é o re-
sultado de um trabalho conjunto de falantes e ouvintes: falantes empre-
gam o imperativo ilegitimamente em situações em que afirmam ter algo
muito importante a dizer (sem, no entanto, ter um objeto para os ouvin-
tes olharem). Fazem isso porque o imperativo ―olha!‖ presta-se à solu-
ção de um problema que ocorre com freqüência na comunicação. Isto
em si não promove uma mudança semântica. A mudança é efetivada
corretamente por ouvintes que compreendem que o F esexagerando e,
por essa mesma razão, substituem o velho significado imperativo, que
percebem não ser a intenção do F, pelo novo significado do MD
(WALTEREIT, 2002).
Waltereit (2002) argumenta que é mais plausível que guarda em
posição de início de turno constitui a primeira função do MD que emer-
giu a partir do imperativo, porque é o resultado da reanálise desse impe-
rativo. Uma vez que a reanálise tenha sido recrutada, guarda, por sua
vez, é arrebanhado para a classe de MDs. Assume a função de ―Ouça-
me, tenho algo importante a dizer‖. Nesta fase inicial, é, no entanto,
pouco provável que tenha todo o espectro funcional de que dispõe
hoje. Mais avanços devem ter acontecido para que tenha atingido a vari-
edade funcional atual.
196 |
4.5.4 Os MDs catalães „a veure‟ e‟ miri‟
Marín Jordà (2003)
199
investigou MDs derivados dos verbos de
percepção auditiva escoltar (ouvir) e visual veure (ver) e mirar (olhar).
Trata-se de verbos que deixam de significar percepção física para veicu-
lar, como MD
200
, percepção intelectual e emocional e que compartilham
características morfossintáticas, semânticas e discursivas. Dentre as
características, salienta:
- Derivam de formas imperativas ou se referem ao
imperativo.
- Conseqüentemente, têm um caráter conativo bá-
sico que os vincula ao receptor.
- Expressam um valor conversacional (fático) re-
lacionado ao desenvolvimento da conversação e
são, portanto, formas típicas da língua oral.
- Morfossintaticamente, apresentam caráter pa-
rentético, se situam freqüentemente na periferia da
oração, o verbo perdeu total ou parcialmente o ca-
ráter predicativo e está total ou parcialmente fixo
morfologicamente (MARÍN JORDÀ, 2003, p.
277, tradução nossa).
Os MDs miri, escolti, a veure e aviam/viam desempenham função
pragmático-discursiva dupla. De um lado, têm papel estrutural como
organizadores do discurso e, de outro, são indicadores das relações que
se estabelecem entre os interlocutores.
A primeira função pragmático-discursiva dos MDs miri, escolti, a
veure e aviam/viam é marcar a reorganização na progressão discursiva.
Essa reorientação afeta principalmente dois níveis: a distribuição do
turno de fala e o desenvolvimento do tema. Há maior proporção de MDs
utilizados na função geral de distribuição do turno de fala do que de
desenvolvimento do tema, segundo a autora.
199
O corpus investigado por Marín Jordà (2003) provém de quatro debates televisivos político-
eleitorais feitos, em catalão, durante as eleições autônomas de 1992 e 1995 e as eleições gerais
de 1993 e 1996, totalizando 7 horas e 5 minutos de gravação. A autora, além da análise qualita-
tiva dos MDs, procedeu a uma análise quantitativa complementar.
200
As seguintes formas de MDs foram identificadas pela autora no corpus pesquisado: a)
Formas derivadas do verbo veure: ―a veure‖, ―avere‖, ―aviam‖, ―veiam‖ e ―viam‖; b) Formas
derivadas do verbo mirar: ―mira‖, ―miri‖, ―miri‘m‖, ―mireu‖ e ―mirin‖; c) Formas procedentes
do verbo escoltar: ―escolta‖, ―escolta‘m‖, ―escolti‖, ―escolti‘m‖, ―escolteu‖ e ―escoltin‖.
| 197
Vejamos os valores específicos que podem assumir os MDs estu-
dados no que diz respeito à distribuição do turno:
a) no debate, o papel de distribuir o tempo do turno dos partici-
pantes é feito pelo moderador. Vejamos o exemplo:
(71) <C Trias> [(Però podré acabar?)]
<C Rahola> [( (¿zzzz?) )] [Parlen tots alhora i no
s‘entén el que diuen]
<C Moderadora> A veure, senyor_ [(El senyor
Trias de Bes)].
<C. Trias> [(És que no puc acabar)]
<C Moderadora>...deu segons més a causa de les
interrupcions que ha tingut [(a l‘hora:_ quan par-
lava)] [EG96, 1:11:31]
b) luta para manter o próprio turno:
(72) <C Trias> Sí. E:ls socialistes i els conver-
gents coincideixen amb un eslògan e:n aquesta
última trama final de la campanya, en la recta fi-
nal, que és aturar (<pronúncia emfàtica>) com si-
gui el PP. Bé, el PP no un programa anticatalà
[(ni antiautonomista (<pronúncia emfàtica antica-
talà antiautonomista>). Escolti, se_ escolti, em
deixa_ em deixa acabar? Jo li he escolt_ vol que
l‘hi ensenye?. Avere, un moment, miri [ha tret un
programa del PP i l‘ensenya], l‘ocult (<pronúncia
emfàtica>), eh:, és lo que vostès s‘emporten a
Suïssa, això si que és ocult, això és un programa)]
<C Serra> [(Té una actuació, el seu programa no
el sabem. No..., programa...
no, no si el _ no el programa no ens l‘ha ensenyat
mai, lo que tenen és
actuacions. Aquest_ aquest és l‘ocult o és el de
veritat?)] [EG96, 1:09:53]
c) luta para apoderar-se do turno alheio:
(73) <C Moderadora> [(Senyora Rahola, sen-
yora Rahola, sisplau)].
<C Rahola> …I el GAL va existir, eh?
<C Serra> ...que_ i li recomano que llegeixi
l‘article pòstum de la darrera víctima d‘ETA.
[(Llegeixi‘s l‘article que havia escrit, abans de que
el mateixin, Paco Tomás y Valiente)].
198 |
<C Trias> [( (¿zzzz?) manipulador)].
<C Rahola>[(Txxxs! Home, no! Escolti, miri)],
…no sigui_ per favor_ que:_com pot arribar a ser
tan frívol? Home! No jugui amb això, carall. Ja he
llegit Tomás y Valiente, [(ja l‘he llegit)]. [EG96,
1:35:25]
Para essas subfunções de distribuição do turno, Marin Jordá
(2003) verificou que o protagonismo absoluto é do MD a veure, que se
especializa de maneira clara na distribuição de intervenções. No extremo
oposto, miri praticamente não altera o turno de fala. Aviam é utilizado
muito pouco para distribuição do turno. Escolti destaca-se tanto na fun-
ção de manutenção do próprio turno como na de luta para apoderar-se
do turno alheio.
A respeito do tema do discurso, a função organizacional que os
MDs realizam pode concretizar-se em uma ou mais possibilidades agru-
padas em dois blocos: (i) introdução, progressão ou mudança do tema,
com caráter mais neutro associadas ao temas; (ii) introdução de um ar-
gumento ou contra-argumento, com inserção de mais argumentação.
Vejamos os exemplos de cada uma delas.
a) introdução do tema:
(74) <C Moderador> Senyor Milián.
<C Milián> Aviam: nosaltres en aquest tema es-
tem fent un plantejament crec que bastant novedós
i nou (¿zzzz?) per la política del Partit Popular. Es
basa en dos principis fo_ bàsics: primer, el fet de
que assumim completament l‘administració única,
proposta per Fraga Iribarne en el seu dia, i que
després el congrés últim del partit va assolir i, en
conseqüència, això una aplicació immediata en
una sèrie d‘efectes directes sobre el gasto [‗o pro-
nunciada ‗o‘] i les transferències i el finançament;
i segon, nosaltres no volem renunciar a lo que es
va fer, jo crec que molt ben fet per part del Partit
Popular i el Partit Socialista, i que va ser arribar a
un eh a un acord autonòmic amb un principi de
cooperació que comportaria una sèrie de condi-
cions que s‘haurien d‘aplicar. [EG93, 0:30:36]
b) progressão do tema:
(75) <C Rahola> [(Sí, el senyor Serra)], mm,
mm. Sí, el senyor Serra diu que han untat l‘estat
del benestar. Jo, més aviat, diria que Déu n‘hi do
| 199
la feina que an fet per desballestar i per desmuntar
l‘estat del benestar. Miri, escolti‘m, enyor Serra,
vostès tenen un frau absolutament descontrolat,
primer punt. Que, per cert, jo recordo una frase
del senyor Leguina que deia que hi havia mesures
diferents de combatre els fraus segons les zones.
Això ho va dir el senyor Leguina, que em sembla
que és del seu partit, però, en tot cas, sobretot hi
ha un frau enorme (<pronúncia emfàtica>) en el
que són els grans processos especulatius, les grans
fortunes, i, en canvi, són capaços d‘arribar amb la
lupa al pobre aturat que està fent la seva, la seva
―d‘aixons‖ de renda. El frau, primer, per tant,
l‘estat del benestar, per aquesta banda, se‘ls esca-
pa per totes bandes. Segona, duplicitat (<pronún-
cia emfàtica>) d‘administracions. Vostès que: van
fer i van muntar allò del ―capara todos‖ i que
sort que els hi va anar malament en la LOHAPA.
Miri, desgraciadament, va ser el senyor Tomás y
Valiente, i m‘agradaria recordar-lo avui aquí, els
qui els hi va aturar en el Tribunal Constitucional
la LOHAPA, que déu n‘hi do, llavors, van_ han
mantingut un seguit de duplicitat
d‘administracions que són una autèntica sènia
econòmica. Quantes administracions pateix, per
exemple, Catalunya, cada ciutadà de Catalunya?
[EG96, 0:21:33]
c) mudança do tema:
(76) <C Trias> [...] En aquest país, hi han tres
milions i mig d‘ad_ d‘aturats, tenim el record
d‘atur d‘Europa, i vostès, eh:, eh:, han contribuït,
positivament (<pronúncia emfàtica>), a aquesta
creació d‘atur. Vostè sap (<pronúncia emfàtica>)
que en aquests moments, durant aquest debat
(<pronúncia emfàtica>), mentres dura, una hora o
cent minuts, no sé quant dura, possiblement hi
hauran cent vint (<pronúncia emfàtica>) treballa-
dors més a l‘atur? Durant aquest debat hi hauran
cent vint treballadors més a l‘atur. Vostès han
aixecat el dèficit públic de forma que en aquests
moments ens és difícil (<pronúncia emfàtica>)
arribar a les condicions de Ma:stricht. Miri, els
únics (<pronúncia emfàtica>) que podem garantir
200 |
l‘estat de les pensions, que els pensionistes esti-
guin tranquils, som els homes i les dones del Partit
Popular. Perquè, aplicant una política absoluta-
ment diferent, una política econòmica sanejada
(<pronúncia emfàtica econòmica sanejada>) po-
drem fer créixer (<pronúncia emfàtica fer
créixer>) el país, i creixent (pronúncia emfàtica>)
es crea ocupació, i creant ocupació es pot mante-
nir l‘estat del benestar. D‘altra manera, d‘altra
manera és impossible. I hem d‘acabar amb na co-
sa, també, senyor Serra, que vostè dirà que és pin-
tura negra. No és intura negra, hem d‘acabar
(<pronúncia emfàtica hem acabar>) amb la (cor-
rupció (<pronúncia emfàtica>) que augmenta)]
[EG96, 0:10:18]
d) introdução de um argumento:
(77) <C Espasa> [(No, no, no, si em sembla bé
que hi hagi l‘AVE. No critico l‘AVE, critico la
oportunitat)] del primer trajecte a fer. Home, si a
Madrid hi ha quatre millons d‘habitants i a Barce-
lona n‘hi ha quatre, és evident que la connexió
primera amb alta velocitat era Madrid-Barcelona,
[(això:, això cau pel propi pes)].
<C Borrell> [(Si vol parlem d‘aquest tema)], si
vol parlem d‘aquest tema monogràficament. La
millor explicació que hi ha sobre aquest tema l‘ha
donat un català, diguent que_ Miri, parli amb
qualsevol enginyer ferroviari, amb qualsevol ex-
pert en transport, i li dirà que a l‘any vuitanta-sis,
vuitanta-set, vuitanta-vuit la inversió ferroviària
prioritària a Espanya era Despeñaperros, cent vint
per cent d‘ocupació, tots els ports del sud passant
per un coll de botella, no hi havia cap dubte que el
tren que es tenia que fer era el Madrid-Sevilla.
[(Com fer-lo?)]. [EG93, 0:13:44]
e) introdução de contra-argumento:
(78) <C Moderadora> Hi havia... tothom havia
demanat una: una altra intervenció. Jo que els
pregaria que ara fos una intervenció d‘un minut,
en qualsevol cas, perquè si no, no ens donarà
temps a tractar tot el que volem tractar. Angel Co-
| 201
lom (ha)via estat el primer que havia demanat la
paraula.
<C Colom> Sí, només per precisar. El candidat
senyor Pujol ha parlat, sempre ens acostumats a
dir que Catalunya va bé, que va millor. Escolti‟m,
expliqui‘ls, si us plau, als pagesos del sector lleter
de tot Catalunya com està anant... o als pagesos
del sector de la fruita seca o, fins i tot, vagi al Pe-
nedès, que segur que ja ha anat, i expliqui: als a
tot el secto:r vitivinícola com estan les coses ac-
tualment. O als pescadors, o expliqui-ho també... a
aquests set-cents cinquanta mil ciutadans que, se-
gons un estudi recent, viuen, que viuen a Catalun-
ya, que cobren a l‘any menys de cinc-centes mil
pessetes d‘ingressos, és el límit que la Comunitat
Europea considera de pobresa relativa, més d‘um
dotze per cent de la població. [EA92, 0:42:03]
Entre essas possibilidades, foi estabelecida uma gradação que
parte de uma subfunção com caráter mais neutro, como a de introdução
do tema, até outra mais subjetiva, como a contra-argumentação.
Os dados mostram que a freqüência de ocorrência de miri, escolti,
a veure e aviam/viam na função geral de desenvolvimento do tema é
muito relevante. Entre as subfunções, os resultados apontaram que a
contra-argumentação exerce papel bastante relevante nesse contexto de
debate político.
A segunda função pragmático-discursiva identificada pela autora
para os MDs é a de indicadores de relações de poder estabelecidas entre
os participantes do debate eleitoral. Essa função está intimamente rela-
cionada à polidez, já que os MDs caracterizam-se por introduzir atos que
fundamentalmente ameaçam a imagem do interlocutor e mostram tam-
bém as relações de poder que se estabelecem entre os participantes do
debate. Segundo a autora, quanto à polidez, os MDs derivados de verbos
de percepção introduzem principalmente atos que ameaçam a imagem
positiva do O, atos ameaçadores da imagem negativa do O e atos neu-
tros.
Os eventos de descortesia podem ser agrupados também num
gradiente que parte de atos de menor a maior descortesia, os quais se
manifestam por meio de: discórdia, interrupção, refutação, réplica, críti-
ca, acusação, insulto, injúria e sarcasmo.
Observe o exemplo a seguir em que miri introduz uma crítica:
202 |
(79) <C Serra> En el senyo:r Molins li diré que
ells volen ser la clau, però no saben (<pronúncia
emfàtica però saben>) quina porta volen obrir, la
del poder del PP, ja ho donen per fet. Miri, eh:,
senyor Molins, quan es negocia rendir (<pronún-
cia emfàtica>) sense lluitar, el preu que és l‘únic
que estan pensant, quin seria el preu del suport, es
negocia a la baixa. I:, en el senyor Trias, a aquesta
dreta que pot guanyar i que hem d‘evitar (<èmfasi
sil·làbic>) que guanyi el dia 3, li dic: com que no
passarà res si vostè guanya? Com que no passarà
res? (<pronúncia emfàtica Com res>) Com no pot
passar res si vostès posarien [(al govern persones
com )] [EG96, 1:50:11]
Constatou-se que, quantitativamente, a maioria dos MDs investi-
gados é empregada para introduzir atos ameaçadores da imagem positi-
va do O. Nesse sentido, no gradiente de subfunções de descortesia agru-
pado por Marin Jordá (2003), os atos de crítica, acusação e refutação
respectivamente são os atos ameaçadores da imagem positiva do O que
os MDs analisados mais freqüentemente introduzem. As críticas são
introduzidas principalmente por miri e aviam.
Dentre os atos ameaçadores da imagem negativa do O, situam-se
a ordem e a exortação. Trata-se de atos que ameaçam a imagem negativa
do O, como sugestões, lembretes, repreensões, ordens e desafios, os
quais foram dispostos num gradiente de menor a maior imposição. Ob-
serve um exemplo em que miri introduz uma ordem para o interlocutor:
(80) <C Espasa> Digui‘m o no, desapareix o
no? [(Desapareix la nacional dos com a nacio-
nal?)]
<C Borrell> [(No:, no desapareix la nacional
dos)]. No:, naturalment que no
desapareix. I miri, agafi un mapa (¿zzzz?) i ho
mirarà.
<C Espasa> com pot ser que no desapareixi si
s‘està construint una autopista.
[EG93, 0:21:48]
Para a função de exortação, foi encontrado somente um contex-
to em que o MD a veure ocorre no corpus investigado. Vejamos:
(81) <C Sandoval> [(hi ha una mala gestió,
home)] hi ha una mala gestió, [(no ens emparem
sempre en el tema del finançament)]
| 203
<C Pujol> [(i que: els comunistes no volien vo-
tar)]. Però perdo:ni
<C Moderadora> A veure, un moment, senyora
Sandoval, deixi que acabi i
[(després podrà parlar)]
<C Pujol> [(segueix sent un pressup_ un finança-
ment)] no prou bo. [EA92,
1:33:29]
Os resultados apontam que, em menor proporção do que os atos
ameaçadores da imagem positiva, os MDs são empregados para introdu-
zir atos ameaçadores da imagem negativa do O. Escolti e miri destacam-
se como MDs mais utilizados na introdução de ordens.
Por fim, os MDs introdutores de atos neutros do ponto de vista da
descortesia, os quais não comprometem a imagem do interlocutor, são
aqueles que não exigem quaisquer ações atenuadoras e são empregados
pelo F para organizar seu próprio discurso. Também se inserem naque-
les contextos em que o F apresenta uma justificativa diante de uma críti-
ca recebida, como exemplificado a seguir:
(82) <C Serra> ...única força política que està
en contra de tots els demés en e:l hemicicle par-
lamentari (<pronúncia emfàtica, gairebé cridant
És parlamentari>). I ara quan vostè ha dit, eh:, la
culpa la tenen...perquè tenen una escletxa oberta a
la negociació, [(torna a utilitzar (<pronúncia
emfàtica>) )] [parla algú més però no se sap qui és
ni s‘entén el que diu], el terrorisme en_ em_ en
benefici seu. Miri, [(estem en el Pacte d‘Ajuria
Enea)],
<C Moderadora> [(Senyor Serra)]_
<C Serra> ...el Pacte de Madrid i no negociarem
mai (<pronúncia emfàtica no mai>) perquè estem
vigilats per ells (<assenyala la resta de partici-
pants amb el dit>) mentre no deixin de matar, i
això ho farem tots (<pronúncia emfàtica això
tots>) els demòcrates que estem en el Pacte
d‘Ajuria Enea i de Madrid. [EG96, 1:36:40]
Ou quando se pretende enaltecer um parceiro do ato conversacio-
nal ou até mesmo aqueles que não estão presentes (como os eleitores,
por exemplo). Dentre os atos enaltecedores, destacam-se: elogios, felici-
tações e reconhecimentos. Observe o exemplo:
(83) <C Moderador> D‘acord. Senyor Borrell.
204 |
<C Borrell> Miri:, el tema de la corresponsabilitat
fiscal, si alguna possibilitat té de tirar endavant, és
gràcies als socialistes catalans, no s‘arribarà a bon
port si no és gràcies a nosaltres, gràcies als dipu-
tats socialistes de Catalunya, i gràcies al planteja-
ment polític que hem fet, fem i farem els socialis-
tes de Catalunya. Es pot cridar tot el que vostès
vulguin, es pot dir el concert basc, a l‘hora de la
veritat, qui es mulla, qui és capaç de crear un con-
sens territorial amb el conjunt de les comunitats
autònomes, som nosaltres. [EG93, 0:34:27]
Os MDs introdutores de atos neutros não ocorrem muito freqüen-
temente, mas os que se destacam nessa função são aviam e a veure.
4.5.5 Os MDs galegos „olla‟ e „mira‟
Dominguez Portela (2008)
201
observou que olla e mira sofreram
alteração categorial e migraram de verbo a MD em galego. A fim de
contribuir para definição do funcionamento dos MDs, procedeu à análise
contrastiva de olla e mira em três línguas: português
202
, galego e espa-
nhol. Embora não apresentem a mesma importância de uso no galego,
olla, como MD, desenvolve-se também no português (olha), enquanto
mira, por sua vez, ocorre somente no espanhol. Os dados analisados
pela autora revelaram que mira é muito mais produtivo em galego do
que o MD olla.
Foi delimitada uma série de aspectos semânticos e sintáticos por
Dominguez Portela (2008) que podem contribuir para definir o funcio-
namento dos MDs olla e mira em galego, os quais a autora passa a apre-
sentar.
201
A fonte de investigação de Dominguez Portela (2008) para os MDs em galego é proveniente
do corpus Tesouro Informático da Lingua Galega (TILG), disponível em:
<http://www4.usc.es/TILG/>. Os dados de análise dos MDs do português de Portugal foram
extraídos do Corpus Oral Português Fundamental do Centro de Lingüística da Universidade
de Lisboa. Por fim, os dados dos MDs em espanhol derivam dos artigos de Martín Zorraquino
e Portolés (1999) e Gallardo Paúls e Marín Jordá (2005).
202
Neste trabalho, Dominguez Portela (2008) faz referência à pesquisa de Rost (2005), mas a
adota apenas como fonte bibliográfica. Na sua análise, considerou exclusivamente o Corpus
Oral Português Fundamental do Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, coordenado
por Maria Fernanda Bacelar do Nascimento (1987). A análise de Dominguez Portela, portanto,
contrasta somente o uso do MD olha do português de Portugal com o galego olla.
| 205
Quanto ao estilo de língua, olla e mira são MDs próprios de con-
textos coloquiais, tendo em vista que também foram escassos os regis-
tros desses MD empregados em estilo formal.
No plano do significado, Dominguez Portela (2008) mostra que a
escolha de olla ou mira responde à necessidade de o F captar a atenção
do O basicamente em dois níveis: sobre o receptor ou sobre a informa-
ção, os quais apresentam diferentes subvalores, a saber:
- começar nova conversação para informar sobre algo que
considera relevante: Olla, cretino Amado: rematou a Asamblea‖
(Méndez Ferrín, 1980, p. 28 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
Também ocorre com bastante freqüência introduzindo pergunta:
E olla unha cousa, ¿ese Don Erno teu castígate tamén cando bafordas
mal?‖ (CABANA, 1996, p. 73 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008)
ou advertência, conselho ou aviso:
(84) Olla, Garela, millor será que cales e que
non me fagas falar (BLANCO AMOR, 1974, p.
27 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
(85) ─¿Vedes alguén? ─Non, seguide ─Mira
que avisedes, poñen multa de quinientas pesetas
(TORRES, 1971, p. 106 apud DOMINGUEZ
PORTELA, 2008).
- responder pergunta de outro:
(86) ¿Que por qué falo deste xeito... cando
pertence á gramática non a un libro de «pasá-lo
tempo»? Pois olla, fun a Madrí onde fan os
presidentes que as sobriñas e os parentes, sen
poñer nada de si, poidan amosa-los dentes
(BARXA IGLESIAS, 1984, p. 11 apud
DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
- ou buscar atuação consecutiva no receptor, que domina a
função apelativa no discurso: ―¡Non, co fol non que espallas a borralla...
olla como espallas a cinza que voa emporcallando todo!‖ (DÍAZ
FERNÁNDEZ, 1985, p.87 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
Domínguez Portela (2008) justifica que, por isso, sua função
neste nível chega próximo a dos organizadores do discurso, ou seja, não
só modalizam o que se diz, mas também o hierarquizam dentro da
conversa.
206 |
Por outro lado, quando o focalizado é a informação, a chamada
de atenção é sobre o dado em si mesmo. Pode-se querer destacá-lo por
diferentes razões, para:
- reafirmar a intensidade, grau ou importância da mensagem que
se acaba de dar:
(87) Olla o bonito que es (LEDO ANDIÓN,
1985, p. 95 apud DOMINGUEZ PORTELA,
2008).
(88) Mira que hai xente pesada, machuca que
machuca co tema (TORRES, 1971, p. 23 apud
DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
- transmitir espanto ou surpresa negativa ou positiva, segundo
o contexto que produz uma informação no receptor: estupefação.
Vejamos os exemplos:
(89) Olla o que di este télex (CID CABIDO,
1988, p. 125 apud DOMINGUEZ PORTELA,
2008).
(90) Pero mira, eu cando lle meu irmán) vin
o paraguas, no baile, co paraguas, no baile, co
paraguas colgado por atrás, mira, aquelo, aquelo,
aquel... (REGUEIRA FERNÁNDEZ, 1989, p. 31
apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
- diminuir a dramaticidade ou suavizar o incômodo que pode
produzir o que se vai dizer ao emissor e/ou ao receptor, pelo fato de a
nova informação se opor à opinião do outro ou por que não é esperada:
Olla, non sei. O Xacinto di que non fixeron ningún mal
(RODRÍGUEZ TRONCOSO, 1996, p. 57 apud DOMINGUEZ
PORTELA, 2008).
- focalizar a informação por ser o dado final, a conclusão de uma
exposição: Olla: tes razón cando dis que eu soio nascín pra traballar‖
(CATOIRA, 1977, p. 51 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
- ou destacar a explicação ou argumentação para guiar a
comprensão do receptor, que o emissor considera que o exposto não
está claro:¿Non se louvaban de porterme e seren meus parentes? E olla
que a min pouco me estraña que non quixesen escoitar o que ti lles
pedías‖ (CABANA, 1996, p. 163 apud DOMINGUEZ PORTELA,
2008).
| 207
Dentre os subvalores apontados por Domínguez Portela (2008),
os resultados revelaram que olla como MD de surpresa é mais
recorrente. Por fim, outro aspecto que chama a atenção na investigação
da autora é a incapacidade de mira aparecer como construção negativa,
como no exemplo a seguir:
(91) ¿Cómo che farei entender o que pasa?...
Mira: os pais de Manoliño deben moitos cartos
(Moure Mariño, 1971, 35).
*¿Cómo che farei entender o que pasa?... Non
mira: os pais de Manoliño deben moitos cartos.
4.6 Fechando o capítulo
Nesta seção, caracterizamos de modo geral os MDs, segundo di-
ferentes bases teóricas e procedimentos metodológicos. Em resumo, os
estudos evidenciam o princípio da conectividade dos MDs, bem como
os aspectos pragmáticos envolvidos nas práticas discursivas. Destaca-
mos principalmente a abordagem de Schiffrin (1987, 2003), embora a
própria autora reconheça sua perspectiva como ―simples‖ e ―modesta‖,
visto que, de modo abrangente, consegue dar conta de um número de
elementos heterogêneos do ponto de vista gramatical, mas que constitu-
em uma classe funcional com papel comunicativo importante, especial-
mente porque lida com a linguagem oral. É nesse rol de elementos hete-
rogêneos, como vimos, que podemos inserir, na abordagem de Schiffrin
(1987, 2003), os MDs olha e .
Na seqüência, vimos que o cotejo das diferentes abordagens apre-
sentadas permitiu extrair aspectos convergentes e divergentes das análi-
ses dos MDs com vistas a verificar qual enfoque (ou quais) mais se ajus-
ta à caracterização dos MDs olha e . Na tentativa de compor um fio
condutor comum às abordagens apresentadas, nesta tese, adotamos a
definição de Marcuschi (1989) e Görski, Rost e Dal Mago (2004): MDs
são elementos lingüísticos, lexicalizados ou não-lexicalizados, variáveis
e multifuncionais. ―Amarram o texto não enquanto estrutura verbal
cognitiva, mas também como estrutura de interação interpessoal‖
(URBANO, 1993, p. 85). Podem, portanto, articular diferentes valores:
―tanto de caráter textual estabelecendo elos coesivos entre partes do
texto, como interpessoal, mantendo a interação F/O e auxiliando no
planejamento da fala.‖
208 |
Em seguida, descrevemos, segundo a literatura, as características
formais e funcionais dos MDs. Em termos de traços gerais, vimos os
apontados pela GTI como pertinentes à descrição de olha e . Como se
observou, as categorias que derivam MDs apresentam uma lista bastante
extensa e diversificada, o que tem gerado, muitas vezes, dificuldade
conceitual, uma vez que mais elementos a serem inseridos e os crité-
rios nem sempre são homogêneos. Por outro lado, os autores convergem
também em relação ao fato de que, embora os MDs possam ser sintati-
camente descartáveis, são discursivamente importantes. Quanto à cons-
tituição formal, verifica-se que a maioria dos MDs constam de uma
palavra, normalmente breve, ou de várias (compostos ou oracionais).
Quanto aos aspectos fonético-fonológicos e morfossintáticos, a-
creditamos, com base em Scherre et al. (2000), que todos os usos o
motivados e que alguns desses fatores possam também se correlacionar
com as formas de expressão de cada um dos itens em análise nesta tese.
Além disso, a depender da forma e da categoria de origem do MD, este
pode ser tanto átono como tônico. No caso deste último, pode situar-se
acercado de pausas ou possuir curva entonacional própria.
A posição inicial, muitas vezes invocada como uma característica
básica dos MDs (cf. SCHIFFRIN, 1987; FRASER, 1999; RISSO;
SILVA; URBANO, 1996, 2006), o é uma característica permanente
visto que dependerá do contexto que tomamos para análise. Assim, dada
a complexidade de fatores envolvidos na conversação, o recorte frasal
como postulado pela tradição gramatical dificilmente conta de dados
pragmático-textuais. Portanto, em se tratando da identificação da unida-
de de análise para descrição dos MDs olha e , elegemos uma porção
textual-discursiva ampla centrada no tópico discursivo.
Posteriormente, restringindo o campo de atuação desses itens, i-
dentificamos formas e funções dos MDs derivados de verbo de percep-
ção visual com base em estudos em cinco línguas românicas. Em resu-
mo, o levantamento de particularidades morfossintáticas e fonético-
fonológicas dos itens permitiu identificar algumas semelhanças nas
línguas como a fixação em P2 do imperativo; em algumas, a redução
fonética; o predomínio da posição inicial; e, no caso das formas irregula-
res (vois e ver), a conservação de traços de sua origem verbal (preen-
chimento do pronome sujeito e permanência do sufixo s).
A apuração da origem dos verbos de percepção visual, com base
no levantamento bibliográfico realizado, evidencia o desgaste semântico
do item lexical (percepção física > ação mental). Decorre desse signifi-
cado abstrato os usos como MD no levantamento de estudos das cinco
línguas românicas.
209 |
5
METODOLOGIA
Neste capítulo, passamos a descrever as etapas metodológicas da
pesquisa: a primeira, caracterizada como uma abordagem basicamente
funcionalista, contempla o mapeamento da multifuncionalidade dos
MDs olha e , envolvendo ainda a identificação do(s) domínio(s) fun-
cional(is) em que as formas convivem como camadas de um mesmo
domínio; e na segunda, de cunho variacionista, dispensamos um trata-
mento estatístico aos dados com vistas a descrever os contextos de uso
de cada uma das formas supostamente em competição. Após a descrição
das etapas metodológicas, caracterizamos o corpus sincrônico e o dia-
crônico do qual extraímos os dados para análise, definimos os instru-
mentos de coleta e o Programa estatístico empregado no tratamento dos
dados. Por fim, elencamos os grupos de condicionadores lingüísticos e
extralingüísticos controlados na amostra sincrônica.
5.1 Etapas metodológicas da pesquisa
Como antecipamos, a tese é desenvolvida em duas etapas: a etapa
funcionalista da análise seguirá a seguinte direção: a) levantamento dos
dados no corpus sincrônico e mapeamento da multifuncionalidade dos
itens; b) verificação, num recuo gradativo no tempo, em que medida as
funções detectadas no uso atual também aparecem numa perspectiva
diacrônica; c) busca de indícios de etapas de um processo de mudança
funcional de cada um dos itens, tentando identificar o(s) contexto(s) de
uso de olha e como MDs. Para essa busca diacrônica, parte-se do
pressuposto de que, em seu funcionamento atual, os diferentes padrões
de uso carregam parte da história semântica dos itens. Nesse sentido, a
identificação dos múltiplos usos recentes auxilia no diagnóstico da his-
tória inicial do material analisado
203
. Por fim, d) identificação do(s)
domínio(s) funcional(is) em que os itens competem para representar o
203
Conforme lembra Faraco (2005), o estudo do presente para iluminar o passado e a volta ao
passado para iluminar o presente são vias que se complementam no estudo de fenômenos de
variação e mudança.
210 |
domínio. O foco aqui é a trajetória de mudança de cada um dos itens sob
análise, tentando captar o gradiente, mesmo que sutil, das mudanças
semântico-pragmáticas; e a identificação de etapas de coexistência das
formas num mesmo domínio funcional.
Na perspectiva funcionalista, nos ancoramos nas seguintes pre-
missas, com base em Bybee, Perkins e Pagliuca (1994) e Bybee (2003):
(i) mais importante do que analisar os itens isoladamente, é estudar os
diferentes usos como se fossem conexões em cadeia, um dando origem a
outro; (ii) a análise dos itens em diferentes contextos, captando mudan-
ças em curso ainda sutis, pode iluminar mecanismos de mudança que
originam novas categorias gramaticais; e (iii) a emergência de padrões
gramaticais pode ser captada a partir da freqüência de uso em diferentes
contextos discursivos (cf. GÖRSKI, 2006).
Na etapa variacionista, nos deteremos na análise sincrônica,
quantificando as ocorrências e identificando os fatores condicionadores
dos usos variáveis, quando detectarmos que os itens funcionam como
variantes de uma variável lingüística (em termos funcionalistas: como
camadas de um mesmo domínio funcional). O foco aqui é a competição
entre as formas para codificar um mesmo significado/função em um
mesmo contexto discursivo. Nessa etapa, poderemos agrupar as diferen-
tes funções, bem como outras variáveis independentes cujos fatores
estejam distribuídos num contínuo, amalgamando fatores de modo a
operacionalizar com mais eficiência o pacote estatístico para análise da
variável em estudo.
No tratamento analítico de nossos dados, levamos em conta que
se trata de multifuncionalidade de itens lexicais em processo de mudan-
ça (léxico > gramática), e que a conjugação das duas possibilidades
metodológicas só vai enriquecer a descrição do funcionamento dos itens
olha e .
Para a primeira etapa, examinaremos tanto o corpus sincrônico
como o diacrônico (descritos a seguir), com vistas a delinear a possível
trajetória dos usos de olha e numa perspectiva de mudança por gra-
maticalização. Para a segunda etapa, nos valeremos prioritariamente do
corpus sincrônico, fazendo análise em tempo aparente. Não lançaremos
mão dos dados diacrônicos nesse momento, pois as ocorrências dos itens
sob análise foram relativamente escassas para receberem um tratamento
estatístico variacionista na amostra escrita.
| 211
5.2 Corpus
5.2.1 Corpus sincrônico: o banco de dados do Projeto VARSUL
O VARSUL
204
foi implementado por quatro instituições do Sul
do Brasil: inicialmente UFRGS, UFSC e UFPR, e, posteriormente, em
1994, houve a inserção da PUCRS. Uma das metas do grupo de pesqui-
sa é a descrição da variedade lingüística urbana do português falado na
Região Sul para comparação com resultados de outras regiões brasilei-
ras. Para isso, conta com entrevistas gravadas de acordo com a metodo-
logia sociolingüística, com informantes nativos de doze cidades, estrati-
ficados igualmente por etnia, idade, sexo e escolaridade. O modelo de
entrevistas sociolingüísticas adotado pelo projeto é o de Labov ([1972]
2008, 1981) e visa a diminuir o paradoxo do observador
205
.
As entrevistas, colhidas entre 1990 e 1996, estão transcritas em
três linhas segundo um sistema próprio do Projeto VARSUL. Na primei-
ra linha, foi registrada a sintaxe real da fala do informante, considerando
hesitações e interrupções; na segunda, foram assinaladas as pausas e os
aspectos fonéticos variáveis; por fim, na terceira linha, foi efetivada a
classificação morfossintática bem como a marcação de aspectos prosó-
dicos relevantes.
Para efetivarmos a investigação sincrônica, são utilizadas três
amostras, totalizando 140 entrevistas do banco de dados VARSUL,
conforme descritas a seguir.
A primeira amostra de dados de fala de informantes (doravante
amostra 1F) é composta por 24 entrevistas de quatro localidades do
estado de Santa Catarina: Florianópolis (colonização açoriana), Blume-
nau (colonização alemã), Chapecó (colonização italiana) e Lages (nú-
cleo descendente de gaúchos: caminho dos tropeiros RS SP). Objeti-
vamos, com a análise dessa amostra, descrever o funcionamento dos
itens olha e , verificar se as formas se encontram em variação e em
que domínio(s) isso ocorre.
204
Para mais detalhamento acerca da constituição do VARSUL, consulte Vandresen (2005),
Bisol (2005) e Costa (2005) ou o site do Projeto em <www.cce.ufsc.br/~varsul/>.
205
O paradoxo do observador decorre do método em que a fala, nas narrativas orais, especial-
mente as entrevistas sociolingüísticas, é coletada. Labov ([1972] 2008, p. 244-245) recomenda
que se rompam os constrangimentos da situação de entrevista e se permita que o mínimo de
atenção seja dado ao monitoramento da fala. Assim, tenta-se reduzir ao mínimo o efeito da
observação sistemática do lingüista de campo.
212 |
As entrevistas de cada uma das cidades catarinenses estão estrati-
ficadas igualmente por idade (A = 25 a 49 anos; B = mais de 50 anos),
gênero/sexo (M = masculino; F = feminino) e escolaridade (P = primá-
ria; G = ginasial; C = colegial)
206
, perfazendo 96 informantes, conforme
quadro 7 a seguir:
Localidades
Blumenau
Chapecó
Florianópolis
Lages
Escolaridade
P
G
C
P
G
C
P
G
C
P
G
C
Idade
Gênero
A
M
F
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
B
M
F
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
Total
parcial
M
F
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
Total
24
24
24
24
Total de 96 informantes
QUADRO 7 - DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA 1F POR CIDADE
FONTE: A autora (2009)
A segunda amostra desta pesquisa (doravante amostra 2F) se
compõe somente de entrevistas dos informantes de Florianópolis, des-
cendentes de açorianos, visto que, após a primeira fase de coleta de
dados do Projeto do VARSUL, findada em 1996, foram inseridas novas
entrevistas
207
, ampliando a faixa de idade (C = 07 a 14 anos
208
; J = 15 a
24 anos; A = 25 a 49 anos; B = mais de 50 anos) e a de escolaridade (P
= primária; G = ginasial; C = colegial; U = universitária), totalizando 44
informantes, conforme quadro 8, a seguir:
206
De acordo Knies e Costa (1996), escolaridade primária envolve de 4 a 5 anos de instrução;
ginasial, de 8 a 9 anos de escolaridade; e colegial de 10 a 11 anos de escolarização.
207
―O banco foi acrescido de outras amostras referentes às localidades de Ribeirão da Ilha
(Florianópolis, colonização açoriana) em 1996, São José do Norte/RS (colonização açoriana)
em 2000, e Barra da Lagoa (Florianópolis, colonização açoriana) em 2001, entre outras.
(BRESCANCINI, 2002, p. 20).
208
É importante registrar o seguinte: no projeto de tese, apresentado na banca de qualificação
em junho de 2008, prevíamos a análise da amostra da faixa de 7-14 anos, coletada no período
de 2000 a 2002, pelas pesquisadoras Márluce Coan, Adriana Gibbon, Maria Alice Tavares e
Mariléia Reis, a partir dos moldes delineados pelo Projeto VARSUL (COAN, 2003). No
entanto, no rastreamento dos MDs nas entrevistas dessa faixa etária, infelizmente não houve
produção de nenhum dos itens. Quanto à faixa etária dos jovens e ao grupo dos universitários,
essa expansão do banco está sendo feita nas três capitais do Sul, mas não nas cidades do interi-
or dos respectivos estados.
| 213
Escolaridade
P
G
C
U
Idade /
Sexo
M
F
M
F
M
F
M
F
J
2 2
2 2
2 2
- -
A
2 2
2 2
2 2
2 2
B
2 2
2 2
2 2
2 2
Total parcial
6 6
6 6
6 6
4 4
Total
12
12
12
8
Total de 44 informantes
QUADRO 8 - DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA 2F
FONTE: A autora (2009)
Essa coleta adicional do VARSUL em Florianópolis permite que
se proceda a uma análise do funcionamento dos MDs em tempo aparen-
te, pois, ao se incluir a faixa etária de 15-24 anos, pode-se verificar se
indícios de mudança em progresso no uso de olha e . Conforme Paiva
e Duarte (2003), sob a perspectiva laboviana, cada geração reflete um
estágio de língua, com os grupos etários mais jovens introduzindo novas
alternantes que, gradativamente, substituirão aquelas que caracterizam o
desempenho lingüístico dos falantes das faixas etárias mais avançadas.
Por outro lado, sob a perspectiva funcionalista, a distribuição em tempo
aparente pode ser indício de ―gramaticalização em andamento‖ (cf.
ANDROUSTOPOULOS, 1999 apud GÖRSKI; TAVARES, a ser publi-
cado)
209
.
Além da variável faixa etária, a coleta adicional do VARSUL em
Florianópolis também visou contemplar a ampliação dos níveis de esco-
laridade dos entrevistados. É de conhecimento comum que, na medida
em que aumento na escolarização, existirão mudanças na escrita e na
fala das pessoas, ampliando-se o uso de formas de prestígio. Como a
tradição gramatical e os manuais de oratória tendem a estigmatizar o uso
de MDs em geral, tratando-os como ―vícios de linguagem‖ e formas
vazias e retardatárias do discurso, pode ocorrer diminuição na freqüên-
cia dos MDs, proporcional ao aumento da escolarização. É o que aponta
Freitag (2007b, p. 31):
A motivação para o uso destas estruturas é fun-
cional, porém [seu uso é] estigmatizad[o]. A ori-
gem do estigma que recai sobre os marcadores
discursivos começa na escola. Por o serem
209
Voltaremos a essa discussão quando tratarmos da variável idade no capítulo 7.
214 |
normatizados, em aulas de língua portuguesa, os
marcadores discursivos costumam ser alvo de re-
púdio, por parte dos professores ou até mesmo pe-
la instituição.
Por fim, utilizamos, também do Projeto VARSUL, uma amostra
complementar constituída pelas entrevistas de Curitiba (doravante amos-
tra 3F). Em face da natureza do objeto em estudo, que, num determinado
ponto do seu processo de mudança funcional envolve o modo verbal
imperativo e as formas pronominais de P2, pretende-se verificar se o uso
dos MDs é sensível a fatores de natureza geográfica, notadamente pelo
fato de se saber que, nos dados de Curitiba, não nenhuma ocorrência
do pronome tu (cf. MENON; LOREGIAN-PENKAL, 2002;
LOREGIAN-PENKAL, 2004). A estratificação social dessa amostra
complementar pode ser visualizada no quadro 9. Nessa fase, será feita
análise comparativa entre os dados das quatro cidades catarinenses e de
Curitiba.
Escolaridade
P
G
C
Idade \ Sexo
M F
M. F
M F
A
2 2
2 2
2 2
B
2 2
2 2
2 2
Total Parcial
4 4
4 4
4 4
Total
8
8
8
Total de 24 informantes
QUADRO 9 - DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA 3F
FONTE: A autora (2009)
| 215
5.2.2 Corpus diacrônico: peças teatrais escritas por catarinenses nos
séculos XIX a XX
Em se tratando da investigação de MDs, Waltereit (2002) destaca
que a pesquisa diacrônica por vezes tende a ser negligenciada devido à
alta recorrência dessas formas na fala e à dificuldade de registro e coleta
de dados orais dos séculos anteriores. Resta-nos a opção de recorrer à
escrita, pois se objetiva coletar vestígios dos contextos em que as formas
verbais imperativas olha e migram de categoria e passam a ser em-
pregadas como MDs, bem como se espera, ao incorporar dados de dife-
rentes épocas, verificar indícios do desenvolvimento conjunto e indivi-
dual das formas sob análise, considerando a mudança semântico-
pragmática e categorial por que passaram esses itens.
Em francês, a análise diacrônica empreendida por Dostie em tex-
tos literários revelou que regarde, conforme exemplo (91), aparece no
século XVII, o que significa que já devia estar em uso, na fala, no século
XVI. Também atesta, nos exemplos (92) e (93), a presença, no século
XVII, de regardez coocorrendo com regarde. Esses empregos, ressalta a
autora, também se mantêm na atualidade no francês de Quebec. Veja-
mos os exemplos:
(91) Prends y esgard, et entends leurs propos:
Tu ne veis oncq‘ si differents suppostz,
Approche toy pour de plus pres le veoir,
Regarde bien: je te fais assçavoir,
Que ce mordant, que l‘on oyt si fort bruyre,
De corps, et biens veult son prochain destruire.
Ce grand criart, qui tant la gueulle tort,
Pour le grand gaing tient du riche le tort.
(C. Marot, 1496-1544, Oeuvres poétiques, 2 apud
DOSTIE, 2004, p. 118)
210
.
(92) Je demanderay à parler à Alerio, et le tue-
ray sans faillir luy presentant quelque lettre, puis
210
Leve isso em consideração e ouça os propósitos deles:
Você nunca vê tão diferentes cúmplices.
Aproxime-se para mais de perto vê-los,
Olhe bem, eu te faço saber,
Que esse bandido, que se ouve tão fortemente gritar,
De corpo e bens quer seu próximo destruir.
Esse grande berrador, que tanto a garganta retorce,
Para seu grande proveito, provoca do rico o prejuízo‖.
216 |
tascheray de sortir de chez luy, car j‘en suis une
fois dehors, je ne craindray pas seulement le dia-
ble, ayant le roy pour suport, qui me tirera des ma-
ins des juges. Or parce qu‘il me semble que je fe-
rois mon coup plus seurement si j‘avois un com-
pagnon qui amusast. Alerio à quelque chose pen-
dant que je m‘efforcerois de le frapper, et qui
m‘aydast aussi à resister à ses gents qui possible
se jetteront dessus moy, je te demande si tu veux
estre de la partie. Regarde, tu auras la moitié du
gain.
Comme j‘eus ouy ces propos je fus plusieurs fois
em deliberation de teur ce traiste qui attentoit si
librement sur ma vie, mais la crainte d‘estre trou-
vé em cet acte, et d‘estre mené em prison, ou
j‘eusse este reconneu, fit que je n‘obeïs pas à ce
desir de vengeance [...] (C. Sorel, 1627. O pastor
extravagante apud DOSTIE, 2004, p. 118)
211
.
(93) Vous ne serez jamais digne d‘entrer au
temple d‘Astree, si vous n‘avez gardé la fidelité à
vostre maistresse. J‘ay long-temps escouté vostre
dispute, mais je n‘y entendray rien si vous ne
m‘aprenez vostre histoire, et ne me contez chacun
vos raisons. Regardez, ne voulez vous pas suivre
les loix pastorales, et prende un berger pour arbi-
tre de vostre differend sans aller despencer vostre
argent avec les praticiens de ce pays? Ainsi Sil-
vandre jugea le procez intervenu entre Laonice et
Tyreis, et Leonide celuy de Celidee, de Thamyre
et de Calidon, et celuy d‘Adraste et de Doris; et
Diane celuy de Phillis et de Silvandre. [...] (C. So-
rel, 1627, O pastor extravagante apud DOSTIE,
2004, p. 118)
212
.
211
―Eu pedirei para falar com Alerio e o matarei sem falha, mostrando-lhe alguma carta, depois
me apressarei em sair da casa dele, pois, uma vez estando fora, temerei somente o diabo, tendo
o apoio do rei, que me tirará das mãos dos juízes. Ora, porque me parece que eu daria meu
golpe mais certeiramente se eu tivesse um companheiro que distraísse Alerio com alguma
coisa, enquanto eu me esforçaria em golpeá-lo, que me ajudaria também a resistir às pessoas
que possivelmente se lançassem sobre mim, eu te pergunto se você quer fazer parte. Olha, você
ficará com a metade do pagamento.
Tendo ouvido essa proposta, fui várias vezes com a deliberação de matar esse traidor que
atentava tão livremente contra minha vida, mas o receio de ser descoberto nesse ato e de ser
levado à prisão ou de ser reconhecido, decidi não obedecer a esse desejo de vingança [...]‖.
212
―O senhor jamais será digno de entrar no templo de Astree, se o senhor não se mantiver fiel
à sua senhora. Por muito tempo escutei as discussões de vocês, mas não saberei compreender
| 217
Labov (1982, 1994) reconhece as dificuldades envolvidas na tare-
fa de levantamento de registros escritos de épocas passadas:
[...] os dados, que são ricos em tantos sentidos,
são pobres em outros. Documentos históricos so-
brevivem por acaso, não por um desígnio inten-
cional, e a seleção que está disponível é o produto
de uma série imprevisível de acidentes históricos.
As formas lingüísticas em tais documentos são
freqüentemente distintas das vernaculares dos es-
critores, refletindo, ao contrário, esforços para
capturar um dialeto normativo que nunca foi lín-
gua nativa de ninguém. Como resultado, muitos
documentos são totalmente afetados com os efei-
tos de hiper-correção, mistura de dialetos e erros
de escribas (LABOV, 1994, p. 11)
213
.
Na tentativa de minimizar essa dificuldade e, portanto, ―[...] fazer
o melhor uso de maus dados‖ (LABOV, 1994, p. 11), trabalhamos com
uma amostra diacrônica constituída por peças (manuscritas e edita-
das/publicadas) de autores catarinenses dos séculos XIX e XX, que a-
presentem, na medida do possível, linguagem próxima à fala da época,
embora reconheçamos que não se trata de dados abundantes e que al-
guns aspectos interacionais não serão evidenciados devido às restrições
impostas na transferência da modalidade oral para a escrita.
Por fim, a amostra (doravante amostra 4E) se constitui de 7 peças
teatrais de autores catarinenses
214
do século XIX
215
e 10 do século XX,
se vocês não me explicarem a história de vocês e não me contarem cada um as suas razões.
Olhem, não querem vocês seguir as leis pastorais e tomar um pastor como árbitro da querela de
vocês sem gastar dinheiro com os práticos deste país? Assim Silvandre julgou o processo
interposto entre Laonice e Tyrcis, o de Leonide e Celidee, o de Thamyre e Calidon, o de Adras-
te e Doris; e o de Diane e Phillis [...].‖
213
―But the data that are rich in so many ways are impoverished in others. Historical docu-
ments survive by chance, not by design, and the selection that is available is the product of an
unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often
distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative
dialect that never was any speaker‘s native language. As a result, many documents are riddled
with the effects of hipercorreção, dialect misture, and scribal error. […]‖ (Tradução para o
português de BERLINK, 2007, p. 11-12).
214
A maior parte dos textos foi cedida pela Prof
a
Dr
a
Izete Lehmkhul Coelho (UFSC), coorde-
nadora do projeto em andamento ―Banco de dados diacrônicos de Santa Catarina‖, vinculado
ao Projeto VARSUL na UFSC. Colaboram na coleta das peças de teatro, doutorandos, à época
(Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott e Marco Antônio Martins) do curso de Pós-Graduação
em Lingüística e graduandos do curso de Letras da UFSC. A maioria dos textos coletados para
o projeto foi gentilmente cedida pela Profª Vera Collaço (UDESC), pela Profª. Zilma Nunes
(UFSC) e pelo escritor e diretor de teatro Antonio Cunha. Também realizamos levantamento de
218 |
totalizando 17 textos
216
. No quadro 10, a seguir, encontra-se a distribui-
ção das peças teatrais de autores catarinenses investigadas.
algumas peças na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina e na Biblioteca Universitária
da UDESC.
215
No Anexo A, apresentamos breves informações sobre a biografia dos autores consultados.
216
Controlamos, além da data/do culo de publicação das peças, o ano de nascimento dos
autores catarinenses investigados. É importante alertar que o ―Banco de dados diacrônicos de
Santa Catarina‖ ainda não dispõe de peças de teatro de autores catarinenses representativas de
cada uma das décadas dos séculos XIX e XX. Portanto, para representatividade do século e do
autor, embora o Banco disponha de mais peças do mesmo autor, localizamos apenas 17 textos
de 17 autores catarinenses diferentes. Nossa intenção aqui é tomar um texto de cada autor para
mostrar o comportamento dos MDs e se algum uso está mais centrado em um autor ou outro.
| 219
QUADRO 10 - DISTRIBUIÇÃO DAS PEÇAS TEATRAIS, SEGUNDO O
ANO DE NASCIMENTO DOS AUTORES E O ANO DE
PUBLICAÇÃO DAS OBRAS (AMOSTRA 4E)
FONTE: A autora (2009)
217
Como algumas peças de teatro apresentam número de páginas mais extenso, para que
houvesse certo equilíbrio entre os textos, procedemos à captação do fenômeno numa extensão
entre 20 a 40 páginas.
Séculos
Ano nasci-
mento
autor
Autor
Peça teatral
Ano
publicação
Formato
do texto
nº de pági-
nas
217
XIX
1829
CARVALHO,
Álvaro Augusto de.
Raimundo
1868
edit./publ.
152
1835
DUTRA, Antero
dos Reis.
Brinquedos de
cupido (Misce-
llanea)
1898
edit./publ.
33
1841
COUTINHO, José
C. de Lacerda.
A casa para
alugar
1867
edit./publ.
26
1853
LIVRAMENTO,
Arthur Cavalcanti
do.
Os ciúmes do
capitão
1880
edit./publ.
30
1855
PIRES, Horácio
Nunes.
O idiota
1890
edit./publ.
35
1857
SÃO THIAGO,
Joaquim.
A engeitada
1930
edit./publ.
36
1894
JUVENAL, Ilde-
fonso.
A filha do
operário
1942
edit./publ.
47
XX
1922
BRANDÃO, Arnal-
do Silveira.
A taverna do
gato branco
1954
edit./publ.
37
1939
AMORIM, Mauro
Júlio.
O dia do javali
1983
manus-
crito
94
1943
BORELLI, Romário
José.
O contestado
1972
edit./publ.
127
1944
SOUSA, Augusto
Nilton de.
Stradivarius
1993
manus-
crito
64
?
SILVA JÚNIOR,
José Darci.
Em tua ho-
menagem ou
não
1984
edit./publ.
20
1950
ROSA, Ademir.
Os lobos
1992
edit./publ.
31
1959
NASCIMENTO,
Iberê do.
Metacor
1983
edit./publ.
24
1961
CUNHA, Antonio.
As quatro
estações
1998
edit./publ.
41
1962
BRÜGGEMANN,
Fábio.
Prenome:
Fausto
1993
edit./publ.
29
1963
PAULA, Néri
Gonçalves de.
Uma longa
história de
amor
1999
edit./publ.
24
220 |
O quadro 11, a seguir, contém, resumidamente, o conjunto de
amostras analisadas:
Amostras
Dados sincrônicos
Dados diacrônicos
Amostra 1F
VARSUL/SC (Florianó-
polis
218
, Lages, Blume-
nau e Chapecó)
Amostra 2F
VARSUL/capital (Flori-
anópolis, com ampliação
da faixa etária e da esco-
laridade)
Amostra 3F
VARSUL/PR (Curitiba)
Amostra 4E
Peças teatrais de auto-
res catarinenses (sécu-
lo XIX a XX)
QUADRO 11 - SÍNTESE DA AMOSTRA PANCRÔNICA
FONTE: A autora (2009)
É importante notar que essa divisão nas amostras tem apenas ca-
ráter metodológico. Os dados da amostra sincrônica foram codificados
em conjunto, e nas rodadas estatísticas é que foram efetuados os recor-
tes, conforme o interesse da pesquisadora e as hipóteses testadas ao
longo da tese.
5.3 Coleta de dados
Os instrumentos através dos quais foram obtidos os dados das en-
trevistas das amostras 1F a 3F são os Programas Editor e Interpretador
VARSUL
219
elaborados pela Engesis Engenharia Ltda. de Porto Alegre.
Esse Programa faz buscas nas entrevistas armazenadas e seleciona au-
tomaticamente as ocorrências e eventuais contextos que o pesquisador
solicitar através de comandos específicos. O Programa realiza a busca
218
Lembramos que a coleta de dados de MDs olha e em Florianópolis e em Curitiba foi
feita em Rost (2002). Nesta tese, ampliamos a coleta na capital catarinense, inserindo a faixa de
escolaridade universitária e coletamos dados nas outras três cidades catarinenses. Também
revisitamos todos os contextos analisados em Rost (2002) nos dados de Florianópolis e Curiti-
ba, bem como testamos outros grupos de fatores como será visto mais detalhadamente no
capítulo 7.
219
Para mais informações sobre os Programas Editor e Interpretador VARSUL, consulte Knies
(2005).
| 221
de palavras (ou seqüências de palavras) em um arquivo determinado. Ao
finalizar a procura, fornece o número total de ocorrências e lista os nú-
meros das linhas em que se encontram os registros. O resultado são
arquivos em formato de .TXT, .WTX e .TEX.
Além da localização dos contextos por meio do Programa e em-
bora as entrevistas do VARSUL disponham de informações de caráter
fonético-fonológico no registro das transcrições, especialmente na se-
gunda linha, procedemos à audição das fitas cassetes para precisarmos a
efetiva realização formal dos itens olha e produzida pelos informan-
tes
220
.
Os dados da pesquisa diacrônica foram coletados por meio da lei-
tura atenta dos textos teatrais escritos por catarinenses, a fim de se reco-
lher e anotar os contextos de atuação de olha e como MDs.
5.4 Tratamento dos dados
Localizadas as ocorrências das três amostras do VARSUL, os da-
dos são codificados, conforme os grupos de fatores lingüísticos e soci-
ais, e submetidos ao modelo logístico de análise multivariacional
VARBRUL 2S (PINTZUK, 1988; SANKOFF, 1988; NARO, 1992).
Trata-se de um Programa estatístico de análise probabilística utilizado
em pesquisas sociolingüísticas para aplicação em regras variáveis. Tal
sistema é utilizado para medir efeitos de variáveis independentes sobre a
variável dependente. A combinação de dados lingüísticos e sociais for-
nece a freqüência, o percentual de ocorrência e o peso relativo (doravan-
te PR) associado a cada fator atuante na escolha de uma ou de outra
forma.
A análise sincrônica recebeu um tratamento refinado, com cálcu-
lo probabilístico de PR para caracterizar os contextos de uso das formas
e verificar a atuação de fatores extralingüísticos.
220
Trechos transcritos por transcritores diferentes, ou até pelos mesmos transcritores em mo-
mentos diferentes, podem ter notações distintas.
222 |
5.5 A variável dependente e as variáveis independentes
Como antecipamos na seção 5.1, após identificarmos o domí-
nio funcional em que as formas convivem como camadas de um mesmo
domínio (ou variantes de uma mesma variável), daremos um tratamento
estatístico aos dados a fim de descrever os contextos de uso de cada
uma das formas supostamente em competição. Passemos, então, à ope-
racionalização da variável dependente e das variáveis independentes
221
da pesquisa.
5.5.1 Variável dependente
Uma variável lingüística implica a existência de formas lingüísti-
cas variantes, isto é, formas distintas que se equivalem semanticamente
em um mesmo contexto (cf. LABOV, 1978). Em outros termos, um
domínio funcional pode conter diferentes camadas (formais ou funcio-
nais) que coexistem na codificação daquele domínio
222
.
A variável dependente desta pesquisa é constituída pelas varian-
tes olha e , em seu funcionamento como MDs. Como cada um desses
itens recobre diferentes formas de codificação, ou seja, outras realiza-
ções com alterações de natureza morfossintática ou fonético-fonológica,
num primeiro momento da análise sincrônica foram controladas separa-
damente todas as formas de realização de cada variante. Nesse ponto,
pode-se dizer que cada um desses itens (olha e ) constitui também
uma variável. Essa análise de caráter mais micro forneceu pistas para
se traçar o percurso formal dos itens, captando processos de redução
fonética, por exemplo.
Na literatura específica sobre o assunto, Risso, Silva e Urbano
(1996) consideram que as formas dos MDs são mais ou menos fixas,
com alguns registros de variações fonéticas e morfológicas, como olha ~
olhe. Por outro lado, Urbano (1999) afirma que o uso de uma ou outra
221
Vale observar que a terminologia ―variável (in)dependente‖, de uso típico nos estudos
variacionistas, é usada, nesta tese, também para designar os diferentes contextos a serem
controlados na etapa mais funcionalista da pesquisa.
222
Os estudos de Schiffrin (1987, 2003) também tentam conciliar duas metodologias. Uma que
adota o aparato teórico-metodológico da Sociolingüística para dar conta do uso e distribuição
dos MDs no discurso. Outra que se insere numa visão de discurso ampla, não apenas como
unidade de fala, mas como um fenômeno que recobre a interação social.
| 223
forma não tem qualquer motivação a não ser um uso acidental. Como se
pode observar, as eventuais alterações na forma do MD não passam de
simples registro nesses estudos. A nosso ver, porém, tais alterações são
bastante significativas, especialmente no que diz respeito a delinear a
trajetória de mudança dos itens.
Como mencionado, embora as entrevistas do VARSUL dispo-
nham de informações de caráter fonético-fonológico no registro das
transcrições, especialmente na segunda linha, procedemos à audição das
fitas cassetes para precisarmos, na medida do possível, a efetiva realiza-
ção formal dos itens olha e produzida pelos informantes. Em Rost
(2002), já foram encontradas formas alternantes.
Além disso, nossa expectativa, baseando-nos nos resultados de
Rost (2002), Scherre (2005, 2008) e Scherre et al. (2007), é de que as
formas dos MDs derivadas do modo IND sejam mais recorrentes, consi-
derando-se que esse modo esteja tomando lugar do SUBJ. Ademais,
conforme Basílio (apud URBANO, 1999), uma das características do
item ao assumir funções discursivas é não estar sujeito à flexão número-
pessoal e/ou modo-temporal. Associada a essa afirmação temos a idéia
de que formas estruturalmente menos marcadas tendem a ser mais fre-
qüentes. Assim, a hipótese quanto à realização formal dos itens é de que
predominarão as formas olha e .
Quanto à redução fonética de olha, pode ser evidência de que este
MD esteja mais avançado no processo de mudança, devido à erosão, isto
é, a perda de substância fonética em função da rapidez na pronúncia
(HEINE, 2003; HEINE; KUTEVA, 2007, p. 34).
5.5.2 Variáveis independentes
A metodologia variacionista parte do pressuposto de que alter-
nâncias de uso são influenciadas por fatores lingüísticos e sociais, o que
nos permite depreender e avaliar o que condiciona a escolha das varian-
tes. Necessita-se, portanto, verificar quais motivações lingüísti-
cas/discursivas e sociais desencadeiam e/ou condicionam a variação
entre as formas e identificar quais variáveis independentes, ajudam a
delinear a configuração contextual de atuação de cada item
O levantamento das variáveis foi feito, inicialmente, com base em
Rost (2002), considerando-se os fatores que se mostraram relevantes
naquela pesquisa. Concordamos com Camacho (2003, p. 64) que
224 |
seria altamente positivo para o progresso da ciên-
cia da linguagem o esgotamento de todas as pos-
sibilidades de análise na explicação do fenômeno
lingüístico [...] e esgotadas as possibilidades,
submeter a própria análise a uma avaliação crite-
riosa sem assumir posições metodológicas aprio-
rísticas, que servem apenas para acirrar ainda mais
um certo clima de competição.
Também foram acrescidos outros fatores, levantados principal-
mente no rastreamento de dados bibliográficos sobre MDs em PB e nas
línguas românicas disponíveis, que testaremos como favorecedores ou
não do uso de olha e . A seguir, apresentamos as variáveis indepen-
dentes consideradas, assim distribuídas: (i) variáveis lingüísti-
cas/discursivas e (ii) variáveis extralingüísticas.
5.5.2.1 Variáveis lingüísticas/discursivas e extralingüísticas
Decorre do princípio empírico da restrição de Weinreich, Labov e
Herzog ([1968] 2006) a investigação das variáveis lingüísti-
cas/discursivas que atuam no uso de um MD em vez de outro, ou seja, a
verificação do que condiciona a mudança ou o que outorga possíveis
condições para que a mudança ocorra.
De modo mais específico, os fatores de natureza estilística e dis-
cursiva nos auxiliarão a buscar evidências da existência, nos termos de
Hopper (1991), de tendência à especialização entre as formas ou à gene-
ralização de uso de uma delas, quando uma das camadas se sobrepõe às
demais. Em outras palavras, nos termos de Labov (1969 [2003]), se
regularidade entre as concorrentes, com tendência à eliminação da(s)
variante(s) em competição com a forma eventualmente vencedora.
Pelo levantamento das particularidades morfossintáticas e fonéti-
co-fonológicas dos MDs, pretendemos testar o princípio da decategori-
zação postulado por Hopper (1991, p. 22).
No quadro 12, a seguir, apresentamos as sete variáveis lingüísti-
cas/discursivas e cinco variáveis extralingüísticas testadas nas três a-
mostras de fala, resumidamente subdivididas em grupos de fatores, que
serão devidamente descritos e analisados no capítulo 7.
| 225
VARIÁVEIS
LINGÜÍSTICAS/DISCURSIVAS
VARIÁVEIS EXTRALINGÜÍSTICAS
1. Apresentação formal:
1. Gênero/sexo:
- para olha, as formas simples olha ~ ['ja] ~
olhe ~ ['j] ~ ['] e as formas compostas
olha lá ~ olhe lá ~ olha só ~ olhe só ~ mas
olha ~ mas olhe ~ pois olha;
- para , as formas simples veja ~ vejas ~
vês ~ vê e as formas compostas veja bem ~
vê bem ~ veja só ~ vê só ~ vê lá.
- masculino;
- feminino.
2. Contexto de atuação discursiva:
2. Idade:
- de advertência; - adversativo; - interjetivo;
- de atenuação;
- de prefaciação; - de parentetização; -
exemplificativo;
- de opinião; - causal; - concessivo.
- em Florianópolis 15 a 24 anos; 25 a 49
anos; e acima de 50 anos;
- nas demais cidades 25 a 49 anos; e
acima de 50 anos.
3. Seqüência discursiva (tipo de texto):
3. Escolaridade:
- Seqüência discursiva narrativa;
- Seqüência discursiva descritiva;
- Seqüência discursiva dissertativa;
- Seqüência discursiva injuntiva.
- em Florianópolis primária, ginasial,
colegial e universitária;
- nas demais cidades primária, ginasial e
colegial.
4. Presença/ausência de pronome ou
vocativo junto ao MD:
4. Cidade:
- presença de tu junto ao MD ou no contexto
próximo;
- presença de você junto ao MD ou no
contexto próximo;
- presença de vocativo junto ao MD ou no
contexto próximo;
- ausência de pronome ou de vocativo junto
ao MD ou no contexto próximo.
- Blumenau;
- Chapecó;
- Florianópolis;
- Lages;
- Curitiba.
5. Relação sintática com a estrutura
oracional:
5. Informante:
- MD sintaticamente dependente
- MD sintaticamente independente
- 48 informantes de Florianópolis;
- 24 informantes de Blumenau;
- 24 informantes de Chapecó;
- 24 informantes de Lages;
- 24 informantes de Curitiba.
6. Posição dos MDs no tópico
- abertura/introdução de tópico; - continuidade/encaminhamento de tópico;
- retomada de tópico; - fecho/finalização de tópico.
7. Traço prosódico: pausa:
- MD com apenas pausa anterior; - MD com apenas pausa posterior;
- MD entre pausas; - MD sem pausa.
QUADRO 12 - DISTRIBUIÇÃO DAS VARIÁVEIS CONTROLADAS NAS
AMOSTRAS 1F, 2F E 3F PARA A ESCOLHA DE OLHA E
FONTE: A autora (2009)
226 |
Num primeiro momento, todos esses fatores foram considerados.
Depois, à medida que as rodadas estatísticas eram realizadas, deixamos
de lado da análise variacionista os fatores com comportamento categóri-
co, conforme detalhado no capítulo 7.
| 227
6
MDS OLHA E : FORMAS E FUNÇÕES
A finalidade deste capítulo é efetuar o cumprimento da etapa fun-
cionalista da análise descrita na seção 4.1 e assim também atingir parte
de nosso objetivo geral de mapear, numa abordagem pancrônica, o com-
portamento dos MDs olha e .
A organização do capítulo segue a seguinte ordem: a seção 6.1,
destinada à descrição da multifuncionalidade dos MDs, se subdivide na
análise diacrônica e na análise sincrônica do comportamento discursivo
de olha e . As subseções de cada análise, por sua vez, contemplam,
primeiramente, os aspectos formais dos MDs e, depois, os aspectos fun-
cionais.
6.1 A multifuncionalidade de olha e
É importante destacar que, em termos metodológicos, partimos,
primeiramente, do levantamento dos dados de fala no corpus sincrônico
e do mapeamento da multifuncionalidade dos itens para então verificar-
mos, num recuo gradativo no tempo, em que medida as funções detecta-
das no uso atual também aparecem numa perspectiva diacrônica. No
entanto, com vistas a assegurar certa perspectiva unidirecional da traje-
tória, organizamos o texto a partir da análise diacrônica para, na seqüên-
cia, procedermos à descrição sincrônica da multifuncionalidade de olha
e .
Com base na ampla literatura investigada sobre os MDs deriva-
dos de verbo de percepção, notadamente nas pesquisas que investigaram
diferentes amostras em PB, como Castilho (1989), Marcuschi (1989),
Silva e Macedo (1996), Risso, Silva e Urbano (1996), Martelotta, Votre
e Cezario (1996), Urbano (1999), Risso (1999), Travaglia (2002) e Rost
(2002), entre outras, bem como nos trabalhos de diversas línguas româ-
nicas (cf. PONS BORDERÍA, 1998, 2001; CUENCA; MARIN, 2000;
GALUÉ, 2002; DOMÍNGUEZ; ALVAREZ, 2005; DOSTIE, 2004;
WALTEREIT, 2002; MARIN JORDÁ, 2003; DOMÍNGUEZ
PORTELA, 2008, entre outros), efetuamos nossa proposta de descrição
228 |
de cada contexto de atuação discursiva de olha e na amostra sincrô-
nica.
É importante alertar que, para caracterizar cada contexto, consi-
deramos certa porção de texto do falante/personagem na qual se eviden-
cia a atuação de olha e auxiliando na veiculação de diferentes signifi-
cados semântico-pragmáticos, como advertência, conselho, surpresa,
descontentamento, atenuação, opinião, causa, exemplificação, entre
outros. Assim, embora a conversação seja desenvolvida com base na
troca de turno, que pode englobar porções de texto maiores ou menores,
assumimos uma unidade de análise centrada na veiculação de um signi-
ficado semântico-pragmático proeminente.
Nesses contextos, consideramos que o MD, derivado de imperati-
vo inicialmente claramente intersubjetivo, pode ser subjetivizado, em
decorrência da manifestação de um significado pragmático em contextos
menos claramente intersubjetivos (cf. TRAUGOTT, 1999) e auxiliar na
introdução, no desenvolvimento ou no fechamento desses diferentes
significados semântico-pragmáticos.
Feitas esses considerações, sintetizamos e distribuímos, no qua-
dro 13, a seguir, os valores semântico-pragmáticos atestados pelos auto-
res, os quais procuramos aplicar aos contextos em que olha e se
manifestam e organizá-los num suposto gradiente de expansão de signi-
ficado baseado em graus de envolvimento entre F e O, com incremento
gradual de expressividade do F, que direciona sua atenção não só para o
interlocutor mas também para partes do texto. Como se verifica no qua-
dro 13, para a descrição detalhada de cada contexto, revisitamos princi-
palmente as pesquisas empreendidas por Castilho (1989), Marcuschi
(1989), Silva e Macedo (1996), Risso, Silva e Urbano (1996), Martelot-
ta, Votre e Cezario (1996), Urbano (1999), Risso (1999), Travaglia
(1999) e Rost (2002). Também incorporamos outros valores semântico-
pragmáticos dos MDs localizados nas pesquisas de cinco línguas româ-
nicas (PONS BORDERÍA, 1998, 2001; CUENCA; MARIN, 2000;
GALUÉ, 2002; DOMÍNGUEZ; ALVAREZ, 2005; DOSTIE, 1998;
WALTEREIT, 2002; MARIN JORDÁ, 2003; DOMÍNGUEZ
PORTELA, 2008).
Salientamos que os rótulos macrofunção articuladora basicamen-
te interacional e macrofunção articuladora basicamente textual com
que identificamos os dois grupos de contextos não são conceitualmente
excludentes, apenas realçam mais uma das funções. o estamos afir-
mando que os MDs olha e estão desempenhando funções textuais, e
sim que, em alguns contextos de uso, apresentam traços relacionais que,
| 229
com a freqüência de uso, podem vir a incorporar características de tais
contextos e se regularizar em determinadas funções textuais.
Propriedade de chamada da atenção do ouvinte
Macrofunção articuladora predominante-
mente interacional
Macrofunção articuladora predominantemente
textual
Contextos de atuação discursiva
Contextos de atuação discursiva
De advertência (PONS BORDERÍA, 1998;
ROST, 2002; WALTEREIT, 2002;
DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008)
Exemplificativo (ROST, 2002; DOSTIE, 2004;
DOMINGUEZ; ÁLVAREZ, 2005)
Adversativo (WALTEREIT, 2002)
De opinião
De atenuação (CASTILHO, 1989; SILVA;
MACEDO, 1989; ROST, 2002;
DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008)
Causal (ROST, 2002; MARÍN JORDÁ, 2003;
DOSTIE, 2004; DOMINGUEZ; ÁLVAREZ,
2005; DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008)
Interjetivo (ROST, 2002; WALTEREIT,
2002; DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008)
De prefaciação (SCHIFFRIN, 1987;
RISSO, 1999, 2006; ROST, 2002,
DOSTIE, 2004)
Concessivo (TRAVAGLIA, 2002; ROST, 2002)
De parentetização (JUBRAN, 2006)
QUADRO 13 - A MULTIFUNCIONALIDADE DE OLHA E
FONTE: A autora (2009)
Ressalte-se, novamente, que a delimitação dos contextos delinea-
dos no quadro 13 nem sempre é clara e freqüentemente nos deparamos
com sobreposições e interpretações ambíguas. Isso, no entanto, não é
um empecilho para a análise. Vale lembrar que a perspectiva funciona-
lista prevê o continuum funcional dos itens. Em termos metodológicos,
porém, a gradiência acaba sendo discretizada, mas de modo escalar e
não binário (MARTELOTTA, 1998; URBANO, 1999; GÖRSKI, 2006).
Conforme propõem Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991, p. 217),
a passagem de um domínio a outro para evidenciar os possíveis cami-
nhos dos itens lexicais em processo de gramaticalização pode se dar por
metáfora (motivações cognitivas) mas principalmente, no caso dos MDs
em estudo, por metonímia (motivações comunicativas), situação em que
atuam mecanismos pragmáticos denominados ―inferência por pressão de
informatividade‖ ou convencionalização de implicaturas conversacio-
nais. Para Traugott (2002), no caso dos MDs, as mudanças decorrem
principalmente da ampliação polissêmica dos itens nas práticas comuni-
cativas devido à constante negociação de significados entre F e O. Em
230 |
outras palavras, é uma polissemia pragmática, decorrente de inferências
sugeridas, que emerge nas práticas comunicativas.
6.1.1 Análise diacrônica do comportamento (multi)funcional de olha e
Como se viu no capítulo 4, os MDs são amplamente pesquisados
em estudos sincrônicos em diversas línguas, inclusive no PB. A maioria
dos autores
223
reconhece que a realização de uma investigação diacrôni-
ca
224
permite aventar de modo mais consistente o comportamento sin-
crônico desse tipo de fenômeno discursivo. Porém, porque os MDs têm
amplo uso na fala, o registro e a coleta de dados orais de séculos anterio-
res é praticamente inexistente (WALTEREIT, 2002). Embora cientes da
dificuldade de encontrar evidências históricas dos MDs sob análise,
recorremos a peças de teatro escritas por autores catarinenses nos sécu-
los XIX a XX a fim identificar os contextos em que MDs, derivados de
verbo de percepção visual (olhar e ver)
225
, eram usados e quais fun-
ções codificam e de que forma as codificam. Recuamos até o século
XIX apenas, pois, como alertamos no capítulo 1, nosso corpus apresenta
limitações porque, em Santa Catarina, a imprensa foi introduzida pelo
Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o jornal ―O Catharinense‖
somente no segundo semestre de 1831. Não obstante, trata-se de uma
amostra relativamente estendida no tempo que incorpora dados de dife-
rentes épocas, cuja análise vai permitir verificar indícios do desenvolvi-
mento conjunto e individual das formas em estudo, sob a ótica da mu-
dança semântico-pragmática e categorial por que passaram.
223
Por exemplo, Pons Bordería (1998), Waltereit (2002), Waltereit e Detges (2007), entre
outros.
224
Para citar outro exemplo, além do francês investigado por Dostie (2004), o trabalho de
Fortes (2008) verificou a maneira como são tratadas as propriedades atualmente consideradas
―textuais‖ e ―pragmáticas‖, que permitem a aproximação entre as antigas preposições, conjun-
ções e interjeições latinas e o atual conceito de MDs nos textos de Donato (séc. IV d.C.) nas
seções De coniunctione, De praepositione e De interiectione, contidos na sua Ars maior e
Prisciano (séc. VI d.C.) - nos livros XIV, parte do XV e XVI, de suas Institutiones grammati-
cae.
225
É importante destacar que Carvalho (2006), ao verificar os usos de ver em sentenças com-
plexas em dados do período arcaico do português (mais especificamente, no século XV), não
localizou realizações de ver como marcador conversacional. Justifica a autora que isso se deu
porque tais usos são próprios de textos falados e as únicas fontes disponíveis para análise de
material diacrônico são os textos escritos.
| 231
Ao todo, considerando-se o ano de nascimento do autor e o ano
de publicação das peças, foram investigados 17 textos teatrais (7 do
século XIX e 10 do século XX), os quais caracterizamos como amostra
4E (cf. quadro 10). Dada a natureza discursiva do objeto sob análise,
nossa hipótese é de que a observação retrospectiva, ao longo de dois
séculos (tempo real), do comportamento de olha e nos fornecerá
indícios para sustentar a hipótese de gramaticalização em andamento,
mais do que a de mudança em andamento
226
. Nesse caso, esperamos
encontrar evidências de que os itens se distribuem num continuum fun-
cional que envolve: (i) usos mais concretos em direção aos mais abstra-
tos, via funções ideacional/proposicional, interpessoal/interacional e
textual; e (ii) graus de envolvimento do F e do O, que se refletem nos
componentes subjetivo e intersubjetivo. Nesse percurso de mudança,
pretendemos identificar também os domínios funcionais em que olha e
possam coexistir como camadas/variantes.
Antes de procedermos à análise dos contextos discursivos dos
MDs localizados na amostra 4E, abrimos uma subseção dedicada aos
aspectos formais dos MDs.
6.1.1.1 Aspectos formais dos MDs olha e nos séculos XIX e XX
A tabela 1, a seguir, apresenta o total de formas gerais (finitas e
não finitas) dos verbos de percepção visual (olhar e ver) foram levan-
tadas todas as ocorrências sem nos restringirmos, nesse momento, ao
contexto de ato de fala manipulativo típico de P2 e de MDs olha e
(e variações) encontrados em cada peça analisada. Isso se fez necessário
porque permite atestar a aplicabilidade do princípio da estratificação de
Hopper (1991), uma vez que, como se verá, usos dos verbos olhar e ver
e as diferentes acepções empregadas coocorrem com os usos dos MDs
derivados desses verbos.
Como alertamos no capítulo 5, controlamos, além do ano de nas-
cimento dos autores catarinenses investigados, o ano/século de publica-
ção das peças teatrais. Nossa intenção aqui foi verificar se, ao considerar
ora o ano de nascimento do autor, ora o de publicação da peça teatral, há
alguma diferença na distribuição dos MDs. Também desejamos consta-
226
Por gramaticalização em andamento estamos entendendo o processo de mudança de cada
um dos itens. Por mudança em andamento estamos nos referindo à possibilidade de substitu-
ição de um item/variante por outro.
232 |
tar se algum uso estaria mais centrado em um autor ou outro. Para me-
lhor visualização e possibilidade de comparação, foram registrados, na
mesma tabela, o ano de nascimento do autor e o ano de publicação da
obra.
| 233
TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DE FORMAS
VERBAIS E MDS DERIVADOS DE OLHAR E VER NAS
PEÇAS, SEGUNDO O ANO DE NASCIMENTO DO
AUTOR E O DE PUBLICAÇÃO DA OBRA
FONTE: A autora (2009)
227
Em duas peças o coincidência de século entre as datas de nascimento do autor e de
publicação da obra: duas peças (A engeitada e A filha do operário) migraram do século XIX
para o XX.
Séculos
Peça teatral
Ano nasc.
autor/ano
public.
Formas verbais
finitas e não finitas
MDs
Dados
totais
olhar
ver
olha
XIX
Raimundo
1829/1868
11
3
5
-
19
Brinquedos
de cupido
(Miscellanea)
1835/1898
5
12
1
-
18
A casa para
alugar
1841/1867
2
22
6
3
33
Os ciúmes do
capitão
1853/1880
2
15
4
-
20
O idiota
1855/1890
11
8
2
1
23
A engeitada
1857/1930
227
2
39
5
1
47
A filha do
operário
1894/1942
5
19
6
-
30
Total parci-
al
38
118
29
5
190
XX
A taverna do
gato branco
1922/1954
2
24
1
-
27
O dia do
javali
1939/1983
12
25
6
2
45
O contestado
1943/1972
4
35
3
-
42
Em tua
homenagem
ou não
?/1984
3
10
-
2
15
Stradivarius
1944/1993
-
5
3
-
8
Os lobos
1950/1992
6
17
4
2
29
Metacor
1959/1983
2
5
1
1
9
As quatro
estações
1961/1998
13
21
1
-
35
Prenome:
Fausto
1962/1993
5
31
-
3
39
Uma longa
história de
amor
1963/1999
4
11
3
-
18
Total parcial
51
184
22
10
267
Total geral
89
302
51
15
457
234 |
Preliminarmente, é importante atentar que a data da escritura da
peça nem sempre coincide com a data de sua publicação e, além disso,
conforme se destacou no quadro 10, há duas peças a que tivemos acesso
que se encontram sob a forma manuscrita, mas se acha registrado na
capa do texto o ano, provavelmente, da sua conclusão.Também não
localizamos peças representativas publicadas na década de 70 do século
XIX, tampouco da primeira e segunda décadas do século XX. Ressalta-
se que, a partir da década de 80 do século XX, maior incremento de
peças de autores nascidos em Santa Catarina.
Observe-se que discrepância entre as datas: a cronologia das
publicações não coincide com a cronologia do nascimento dos autores.
Veja-se, por exemplo: A casa para alugar foi publicada praticamente
junto de Raimundo, no entanto, o autor desta nasceu na década de 20 e o
daquela na década de 40 do século XIX; Brinquedos de cupido foi a
última peça publicada no século XIX, mas seu autor nasceu na década
de 30. Como a tabela 1 apenas registra o número de ocorrências e os
itens estão contemplados na maioria dos espaços, vamos comentar os
resultados a partir do ano de nascimento do autor.
Evidentemente, mais ocorrências de formas verbais do que de
MDs em ambos os séculos. Analisando-se apenas os resultados relativos
às formas verbais, as derivadas de olhar ocorrem menos freqüentemente
do que as de ver nos dois séculos. Considerando-se o ano de nascimento
dos autores, os resultados distribuem-se da seguinte forma: autores nas-
cidos no século XIX apresentaram 38 (24 %) ocorrências de olhar e 118
(76 %) de ver; aqueles escritores nascidos no século XX fizeram uso
ao todo de 51 (22 %) dados de olhar e 184 (78 %) de ver mantendo-se
proporcionalmente a mesma distribuição percentual. Isso se talvez
porque, na leitura atenta da amostra 4E, detectamos que olhar freqüen-
temente apresenta sentido dêitico locativo de fitar os olhos em, mirar.
Vejamos o seguinte exemplo:
(94) JOAO ANDRÉ - de - o ser dono é o
menos; tem chelpa pra comprar meia-dúzia de
barcas, mas isso... é o menos: calquer gandulo
com dinheiro tem barco, a coisa é outra. Olhem,
Vossas Mercês, é um rapazola, hein!... Pois sim, é
o Sor capitão Raimundo pra carreira de Lisboa e. .
. da índia se for preciso; sabe, a conta do sol como
o defunto cornógrafo-mor do Reino, o velho Pir-
nentel (Raimundo, Álvaro Augusto de Carvalho,
1868).
| 235
Também foram raros os contextos em que as formas verbais deri-
vadas de olhar se revestiram de certo grau de abstratização e expandi-
ram seu sentido de base para expressar, por exemplo, uma espécie de
advertência cuidado com. Observe o exemplo:
(95) ENGRÁCIA - está em que a comadre
gasta as patacas: sustentar quanto súcio aí vem
dessas terras d'além mar! Como se não houvesse
pobres na terra. Onde é que se viu uma mulher de
juizo tal fazer?... E que gente?!... marinheiros de
saco de botija! A taverna do meu homem é mais
decente... Jesus! que gritaria!... eu me benzo, cre-
do... Estão a emborrachar-se. Hei de contar tudo
às vizinhas. Não é embalde que falam da comadre,
e... até dizem... más línguas,s línguas!... dizem
que o Raimundo é filha dela.
CHICO - A sinhá Úrsula é mãe do capitão do bar-
co?
ENGRÁCIA - dando-lhe um coque - Não te metas
onde não és chamado... olha que corto-te a língua
(Raimundo, Álvaro Augusto de Carvalho, 1868).
Ver, por sua vez, apresenta, além do sentido concreto de percep-
ção, matizes variados e mais abstratos como saber, perceber com a ra-
zão, e depois, compreender, conforme Castilho (1997), ou notar, perce-
ber com a mente, ter visão, compreender, ver com os olhos do espírito,
julgar, determinar, segundo Votre (1997, 1999, 2001). Os resultados
deste autor apontaram que ver tende a desviar-se do sentido de percep-
ção corporal e a coocorrer com o sentido de percepção mental. Surpre-
endentemente, ver se revelou, em seus dados, com acepção ampla na
fase arcaica do que no português contemporâneo. A conclusão do autor
decorre da testagem da trajetória de abstratização de ver, para a fase
arcaica, e proposta para o português atual: avistar > encontrar > visitar >
sentir > perceber > conhecer. Em contrapartida, o autor observou que
ver, no corpus do português contemporâneo analisado por ele, não ocor-
re com todos os significados, limitando-se mais à percepção corporal do
que à mental. O autor ressalta ainda que não se deve descartar para o
português contemporâneo sentidos correspondentes aos do português
arcaico evidenciados em sua investigação.
Na amostra 4E, localizamos alguns dados de contextos específi-
cos de P2, conforme a trajetória de ver, descrita por Votre (1997, 1999,
2001). Vejamos os exemplos:
- avistar:
236 |
(96) DALTON Olhe, aqui estão todos os ob-
jetos e roupas que ela usava. (Larga tudo no cen-
tro da cena). Vestidos, clacinhas, soutiens, sapa-
tos... Hummm! Ela ficava tão bem com esses sou-
tiens, a caixa de maquiagem, um estojo de jóias e
bijouterias... (Pausa) Ela tinha o péssimo costume
de dormir abraçda com este ursinho, eu detesto
esse urso. Eu trouxe até a agenda que ela usava,
veja, apesar de estar em branco, tem o nome dela
gravado aqui na capa, algumas revistas, as predi-
letas [...] (Em tua homenagem ou não, José Darci
da Silva Júnior, 1984, p. 24).
- perceber/conhecer:
(97) Gardina Aí é que tá! São os pregado da
bondade que fica mais cheio de risco neste mundo
de marcadez. Jesuis Cristo não era santo? Era inté
Deus e veja o que fizero co‘Ele! (O contestado,
Romário José Borelli, 1972, p. 62).
(98) MARCELLINO - É outro caso, não menos
sério. Alfredo e Bibiano amam Adelaide; esta ama
a Alfredo.
OLIVEIRA - É claro. São irmãos.
MARCELLINO - Sim, mas é por isso mesmo.
Amam-se e rivalidade. Ignoram o parentesco e
há ciumes. tu o meu embaraço.
OLIVEIRA - Deixe-os commigo que ensinarei a
esses patifes (Brinquedos de Cupido, Antero dos
Reis Dutra, 1898, p. 128).
Comentamos, a seguir, somente os usos de MDs que ocorreram
nas peças. São 66 ocorrências em que predomina o MD olha (olha = 51;
= 15). É interessante notar que a diferença proporcional entre os dois
itens se altera significativamente de um século para o outro: enquanto no
século XIX seis vezes mais olha do que (29 e 5 ocorrências, res-
pectivamente), no século XX duas vezes mais olha do que (22 e
10 ocorrências, respectivamente), ou seja, o uso de como MD vai
ganhando espaço, possivelmente expandindo seus contextos de uso para
aqueles que eram ocupados por olha. No entanto, vale observar também
que, enquanto em apenas duas peças não se verificou nenhuma ocorrên-
cia do MD olha (isso no século XX), em nove peças não houve registro
de (em ambos os séculos).
| 237
Na tabela 2, visualizam-se as formas derivadas de atos de fala
manipulativo que codificam os MDs. Consideramos o século de nasci-
mento do autor da peça teatral.
TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO DAS FORMAS DOS MDS POR SÉCULO DE
NASCIMENTO DO AUTOR DAS PEÇAS TEATRAIS
FONTE: A autora (2009)
Essa distribuição de formas apresenta particularidades interessan-
tes. Vamos nos debruçar, primeiramente, sobre o MD olha: as ocorrên-
Século
Peça teatral
veja
olha
olhe
vamos
ver
vejamos
vejam
olhem
XIX
Raimundo
4
1
Brinquedos de
cupido (Mis-
cellanea)
1
A casa para
alugar
2
4
1
2
Os ciúmes do
capitão
1
3
O idiota
1
2
A engeitada
4
1
1
A filha do
operário
3
2
1
Total parcial
1
-
16
12
1
3
-
1
XX
A taverna do
gato branco
1
O dia do
javali
5
1
2
O contestado
3
Stradivarius
3
Em tua ho-
menagem ou
não
2
Os lobos
2
4
Metacor
1
1
As quatro
estações
1
Prenome:
Fausto
3
Uma longa
história de
amor
3
Total parcial
-
7
17
5
2
-
1
-
Total geral
1
7
33
17
3
3
1
1
238 |
cias do século XIX se concentram em duas formas de P2 (olha = 16
dados e olhe = 12 dados), com apenas 1 ocorrência de olhem. No século
XX, também concentração em P2, porém a proporção da forma deri-
vada do IND é aproximadamente três vezes maior que a do SUBJ (olha
= 17 dados e olhe = 5 dados). Esse resultado pode ser indício de que: (i)
esse MD se encontra formalmente fixado em P2; (ii) pode haver ves-
tígios da forma verbal associada aos pronomes tu e você. Essa última
hipótese, no entanto, entra em conflito com os resultados apresentados
por Coelho e Görski (a ser publicado) em trabalho sobre a variação no
uso dos pronomes tu e você como formas de tratamento em Santa Cata-
rina, em que analisam seis peças teatrais
228
. Elas constataram que os
autores nascidos no século XIX usam com bastante freqüência a forma
de tratamento tu e os nascidos no século XX usam quase com exclusivi-
dade a forma você, conforme se observa no gráfico a seguir, que eviden-
cia distribuição complementar nos usos desses pronomes.
GRÁFICO 1 - FORMAS DE TRATAMENTO TU E VOCÊ EM PEÇAS DE
TEATRO DE AUTORES CATARINENSES
FONTE: COELHO e GÖRSKI (a ser publicado)
Pode-se inferir desses resultados que a forma olha vai se fixando
independentemente do pronome de P2 usado, no caso, na fala dos per-
sonagens.
228
Duas dessas peças coincidem com as por nós analisadas: Raimundo, de Álvaro Augusto de
Carvalho, e Os lobos, de Ademir Rosa.
| 239
Consideremos, agora, o MD : conforme a tabela 2, as ocorrên-
cias do século XIX se concentram na forma vejamos (3 dados), com
mais 1 ocorrência de vamos ver e outra de . no século XX, a inci-
dência maior é da forma veja (7 dados), com 2 dados de vamos ver e 1
de vejam.
Olhando comparativamente os MDs, ainda na tabela 2, percebe-
se que: (i) maior diversificação de formas de realização do MD
(cinco formas) do que de olha (3 formas); (ii) as formas de P2 predomi-
nam em ambos os séculos; (iii) P4 se realiza com o MD . Essas
informações estão rearranjadas na tabela seguinte.
TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DAS FORMAS DE
MDS NOS SÉCULOS XIX E XX
Forma dos MDs
Séc.
XIX
Séc.
XX
Total
P2 (, veja, olhe, olha)
29
29
58
P4 (vejamos, vamos ver)
04
02
06
P5 (vejam, olhem)
01
01
02
Total geral
34
36
66
FONTE: A autora (2009)
Observe alguns exemplos extraídos das peças de teatro em que os
MDs ocorrem em P4 e P5 (vocês), respectivamente:
(99) BALBINO (alvoroçado) Uma intriga!
Oh! Meu caro senhor! Conte-nos isso!... estou
adivinhando o que vai dizer... É interessantíssimo!
ANDRÉ parte) Quem seeste estúrdio? (al-
to) Ah! Está já adivinhando? Tem muita penetra-
ção! Pois vejamos... que eu vou dizer...
BALBINO (perturbado) É... é... eu sei lá...
ANDRÉ Pois eu ainda menos... Ora tem... (A
casa para alugar, José C. de Lacerda Couti-
nho,1867).
(100) DOMINGOS (levantando a cabeça)
Estou aqui costurando, mas, estou ouvindo toda
essa história de vocês dois... Tudo isso é muito
bonito... O que eu quero ver é cumprir, ali no du-
ro...
Olhem: quando eu era rapaz, em menos de uma
semana fiz dez promessas destas, e até hoje graças
240 |
a Deus ainda sou solteiro... (A filha do operário,
Ildefonso Juvenal, 1942).
Focalizando, agora, apenas os contextos de P2, temos a seguinte
distribuição formal por século:
TABELA 4 - DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS FORMAIS DE P2 DOS
MDS NOS SÉCULOS XIX E XX
MD
MD olha
Séculos
veja
olha
olhe
XIX
1
-
16
12
XX
-
7
17
5
Total parcial
1
7
33
17
Total geral
8
50
FONTE: A autora (2009)
Fica nítido que: (i) enquanto o MD olha se fixa em P2 desde o
século XIX, o MD começa a se fixar em P2 no século XX; (ii) en-
quanto para olha a forma derivada do SUBJ para P2 (olhe) vai recuando
no século XX em favor da forma derivada do IND (olha), para , é a
forma derivada do SUBJ (veja) que ganha espaço no século XX. Te-
mos, pois, que as formas dos MDs predominantes no século XX são
olha (derivada do IND) e veja (derivada do SUBJ). Voltando ao gráfico
1 para correlacionar o resultado da tabela 4 para as formas dos MDs em
P2 com aquele dos pronomes de P2, podemos pensar que o MD ainda
guarda vestígios de sua forma verbal, ao passo que o MD olha se mostra
mais distanciado.
Vejamos alguns exemplos em que os MDs investigados ocorrem
em contexto de P2 na amostra 4E:
(101) JOÃO ANDRÉ - atrapalhado - Ora... ora...
é é é peta (à parte, batendo na boca). Oh! diabo!
MARIA - atalhando o pai que quer falar - Agra-
deço por mim, e por meu pai, todos os cuidados
que conosco teve durante a viagem: Deus o re-
compense e o faça muito feliz (toma o copo e leva
à boca, toca de leve e entrega. D. Manoel impaci-
ente bate com a bengala).
JOÃO ANDRÉ - enternecido - Oh!... que palavri-
nhas!... é dum homem emborrachar-se de gosto.
Com um milheiro de dia... Tenho um turtor nas
goelas!... Olhe, Sora D. fidalga, pra agradar-lhe
| 241
servia até de madre pra um cabrestante!... Viva a
Sora D. Fidalga! e viva! (Maria sorri, D. Manoel
toma-lhe o braço e sai com mau humor; Raimun-
do chega à porta do fundo) (Raimundo, Álvaro
Augusto de Carvalho, 1868).
(102) IDIOTA - Não pense tanto assim, eu me
atrapalho. Como pode pensar tanto, ter tantas dú-
vidas?
FAUSTO - Talvez porque eu não me chame Idio-
ta. Infelizmente me chamo, não sei por quanto
tempo neste drama, Fausto. Sabe o que significa
Fausto, Idiota? Quer dizer, veja , Idiota, feliz.
No fundo, ser feliz e ser idiota dá quase no mesmo
(Prenome: Fausto, Fábio Brüggemann, 1993, p.
61).
Feitas as considerações relativas às formas e à freqüência de uso
dos MDs, na seqüência, nosso interesse incide na descrição detalhada do
comportamento funcional exibido por olha e na amostra 4E.
6.1.1.2 Aspectos funcionais dos MDs olha e nos séculos XIX e XX
Nesta subseção, vamos dirigir nossa atenção aos contextos de a-
tuação discursiva (cf. quadro 13) em que se encontram os MDs. Como
destacamos no capítulo 2, em nosso ponto de partida da trajetória de
mudança semântico-pragmática dos MDs, estamos considerando que
olha e conservam parte do significado original do verbo de percepção
visual, uma vez que há um comando explícito do F para o O direcionan-
do o olhar/visão deste último, mas que, a depender do contexto, vai
enfraquecendo a força do ato de fala manipulativo. Nesse caso, nas o-
corrências da amostra 4E, altera-se o alvo de referência do campo visual
(situações objetivas) para o da ação mental (situações (inter)subjetivas),
isto é, as ocorrências passam a funcionar de maneiras diferentes a de-
pender do contexto, nos quais se aumentam ou diminuem os graus
de envolvimento entre F e O.
No rastreamento dos dados diacrônicos, localizamos raras ocor-
rências dos itens em contextos ambíguos, cujo uso pode ser interpretado
tanto como verbo pleno em P2 no imperativo ou como MD. Observe-
mos um exemplo:
242 |
(103) Menino 01: Ainda bem que falta mais
um . (Escreve) Acabei !
Menino 02 : Eu também !...
Menino 01: Sabe que esse negócio de escrever
com duas canetas rende mesmo.
Olha, se não fosse isso, nós ficávamos aqui até de
noite!
Menino 02: E agora... A gente faz o quê ?
Esperamos aqui ou levamos lá ? ... (Uma longa
história de amor, Neri Gonçalves de Paula, 1999,
p. 156).
No exemplo (103), o F parece usar olha como verbo pleno no
imperativo tendo como complemento um objeto direto (Olha as duas
canetas), que, no caso, solicita ao O que ―preste atenção em X que ele
pode ver com seus olhos‖. Adicionalmente, olha parece também reves-
tir-se de sentido mais abstrato e revelar certa surpresa com relação ao
relatado/exposto, o que caracterizamos, conforme se verá adiante, como
contexto interjetivo. Contextos de ambigüidade e/ou sobreposição de
funções são previstos e esperados nos processos de mudança.
A tabela 5 exibe a distribuição dos MDs derivados de P2 nos di-
ferentes contextos de atuação discursiva em que eles aparecem nas peças
teatrais examinadas.
| 243
TABELA 5 - DISTRIBUIÇÃO DOS MDS OLHA E POR PEÇA,
SEGUNDO O CONTEXTO DE ATUAÇÃO DISCURSIVA
229
FONTE: A autora (2009)
229
Os números à direita, em itálico, nas colunas dos contextos discursivos de advertência,
interjetivo, causal e de opinião correspondem às 8 ocorrências do MD vê.
Contextos de atuação discursiva
Séc.
Peça teatral
De advertência
Advversativo
De advertência>
interjetivo
De atenuação
De atenuação >
Interjetivo
Interjetivo
Exemplificativo
Opinião
Causal
XIX
Raimundo
2
1
1
1
Brinquedos de
cupido
1
A casa para
alugar
5
1
Os ciúmes do
capitão
4
O idiota
1
1
1
A engeitada
3
1
1
A filha do
operário
3
1
1
Total parcial
17 1
1 -
1 -
2 -
1 -
4 -
1 -
- -
1 -
XX
A taverna do
gato branco
1
O dia do javali
5
1
O contestado
3
Stradivarius
1
1
1
Em tua home-
nagem ou não
- 2
Os lobos
4
- 2
Metacor
1
As quatro
estações
1
Prenome:
Fausto
- 2
1
Uma longa
história de
amor
2
1
Total parcial
16 -
- -
1 -
3 -
- -
2 4
- -
- 1
- 2
Total geral
33 1
1 -
2 -
5 -
1 -
6 4
1 -
- 1
1 2
244 |
A ordenação dos contextos discursivos, da esquerda para a direita
na parte superior da tabela, sugere um suposto continuum entre os dife-
rentes usos. Nossa suposição é que a partir de um contexto inerente-
mente interacional de ato de fala imperativo mediante uso dos verbos
plenos olhar e ver dirigidos deonticamente ao interlocutor, uso que con-
sideramos mais concreto , os itens vão incorporando traços de subjeti-
vidade advindos do envolvimento maior do F que expressa suas atitudes
avaliativas seja em relação ao comportamento do interlocutor, ao seu
próprio comportamento, seja em relação a situações relatadas ou a de-
terminadas porções textuais. A modalidade envolvida vai se deslocando
do submodo deôntico, com enfraquecimento do ato de fala manipulati-
vo, para o epistêmico, centrado nas crenças e opiniões do F (suas suges-
tões, advertências, atenuações, etc). Nos termos de Traugott, vai aconte-
cendo a subjetivização crescente nos usos, via polissemia pragmática
(essa expansão provavelmente não ocorre numa linearidade cronológica
fixa, mas os usos podem se expandir em mais de uma direção num
mesmo momento). Nesse sentido, ainda numa função interacional, os
MDs vão deslocando o foco do O para o F. Nesse processo de subjetivi-
zação, os itens acabam adquirindo também certos traços de natureza
textual, como a ocorrência em posições relacionais. Assim, as funções
interpessoal e textual podem acabar se entrecruzando. É o que ocorre
nos contextos exemplificativo, de opinião e causal, nos termos em que
os caracterizamos, conforme passamos a apresentar mais detalhadamen-
te a seguir.
Observando a tabela 5, notamos que 33 em 58 dados (cerca de
60%) caracterizam-se como contexto de advertência, situação
predominante nos dois séculos. Os demais dados se pulverizam com
poucas manifestações em diferentes contextos. A primeira ocorrência
que localizamos do MD olha na amostra 4E dá-se justamente nesse
contexto, na peça A casa para alugar, de José C. de Lacerda Coutinho,
nascido em 1841, a primeira a ser publicada, em 1867. Essa ocorrência
nos faz projetar a hipótese de que este MD devia estar em uso nesse
contexto no século anterior, ou mesmo antes. Também o MD foi
localizado em contexto de advertência, mas houve apenas um dado em
uma peça do final do século XIX, em 1890. Vejamos ambos os exem-
plos em que olha e atuam em contexto de advertência:
(104) JULIETA E se ele nunca mudar de opi-
nião?
PAULO de mudar... de mudar de opini-
ão...
| 245
JULIETA Olha, Paulo; queres saber o que eu
faria em teu lugar?
PAULO Vejamos...
JULIETA Apresentar-lhe-ia simplesmente a
mulher, que julguei digna de meu amor e do meu
nome... (A casa para alugar, José C. de Lacerda
Coutinho, 1867, p. 55).
(105) ELVIRA (Descendo pela esquerda.)
Perfeitamente. Mas previna-o de que não saio hoje
de casa. Quero rir-me à custa desse tolo e fazê-lo
andar aqui numa roda viva.
MACÁRIO (Fechando a carta.) Vê lá... o rapaz
é rico e não é para desprezar...
ELVIRA Deixe-o por minha conta. Esperarei
ocasião oportuna para aparecer-lhe. O papai não
se admire do que fizer!
MACÁRIO (Endereçando a carta.) Toma cui-
dado, menina... Às vezes a gente pensa uma coisa
e ela é outra... Não vá o chumbo virar por cima da
cortiça... (O idiota, Horácio Nunes Pires, 1890, p.
222).
Pons Bordería (1998), Rost (2002), Waltereit (2002) e Domín-
guez Portela (2008) caracterizam esse tipo de contexto como uma espé-
cie de alerta, conselho ou aviso direcionado ao interlocutor. A nosso ver,
essas ocorrências de olha e constituem o início da trajetória de mu-
dança semântico-pragmática dos itens, visto que o ato de fala manipula-
tivo começa a se enfraquecer, embora indexando claramente o O. Nas
ocorrências acima, ao usar os MDs olha e no início de sua fala, os
personagens/falantes pretendem explicitamente direcionar a advertência
para o interlocutor em função de suas ações realizadas ou pretendidas.
Nesse sentido, mesmo em se tratando de contexto de diálogo entre per-
sonagens da peça teatral, conseguimos detectar que os itens assinalam
maior grau de orientação da interação (cf. SILVA, 1999; RISSO;
SILVA; URBANO, 2006), isto é, ocorrem com orientação mais nítida
por parte do F em direção ao O, o que atesta a proeminência da função
interpessoal (basicamente orientado para o O). Também podemos ob-
servar não só a intersubjetividade inerente do contexto de P2 (ato de fala
manipulativo), mas também certa manifestação avaliativa do persona-
gem/falante (subjetividade) (cf. TRAUGOTT; DASHER, 2002;
TRAUGOTT, a ser publicado). É exemplo dessa avaliação subjetiva do
F a seqüência de turnos de (105), na qual o personagem Macário ratifica
246 |
a caracterização desse contexto com o uso de outra advertência à inter-
locutora: ―Toma cuidado, menina...‖.
No conjunto de peças do século XX, embora não tenhamos loca-
lizado dados de , olha também aparece em contextos de advertência.
É o que se verifica a seguir:
(106) l - (insurgindo-se) Tas falando sério
mesmo? Agora sou eu que não acredito. Isso não
tem cabimento. Disem (sic) que tu faz teatro a
(sic) tanto tempo e ainda sai com uma dessa,
francamente... olha aqui seu paspalho, quem tem
que dar a receita é o médico, o farmacêutico, o
dentista, ao teatro está reservado o
compromisso do testamento de muitas andanças.
Da nossa, da minha pelo menos. O teatro cumpre
a função de espantar o fantasma da mediocridade
da vida (pausa). Confesso que faltou uma
sacanagem/ uma cena mais ousada [...] (Os lobos,
Ademir Rosa, 1992).
Novamente, olha, em contexto revestido de valor semântico-
pragmático de advertência, marca a orientação da interação, claramente
indexando a atenção de O à fala do personagem/falante, como em (106)
olha aqui seu paspalho‖. Nesse contexto, olha aponta um processo
metonímico no qual traços do contexto de advertência parecem ser
assimilados pelos itens.
Na seqüência do trajeto que projetamos como de expansão se-
mântico-pragmática dos MDs, encontramos, na amostra de peças teatrais
do século XIX, apenas um dado do MD olha em contexto adversativo e
nenhum nas peças teatrais do século XX. Também não foram localiza-
das ocorrências de nesse tipo de contexto em nenhum dos séculos
investigados. Vejamos a única ocorrência identificada na obra de Álvaro
A. de Carvalho:
(107) JOÃO ANDRÉ E tu gostas dela?
RAIMUNDO Eu?... amo-a, amo-a como louco!
Tu nunca amaste, André, e por isso não podes a-
valiar o que se passa em mim.
JOÃO ANDRÉ Alto lá! menas (sic) essa! Eu
tive amores; olha; andei maluco pela Zeferina,
que vendia fruita no Rocio, em Lisboa; era uma
mulher do tamanho do mastro da gata... (Raimun-
do, Álvaro A. de Carvalho, 1868, p. 38).
| 247
Como descrito por Waltereit (2002), nesse tipo de contexto, F ex-
pressa um pensamento que contrasta com o manifesto por O, ou seja, O
infere algo a partir da declaração de F e produz, na seqüência, uma afir-
mação. Ao retomar o turno, F expõe uma resposta contrária à expectati-
va de O. Trata-se de um contexto em que uma dada declaração opõe os
parceiros conversacionais. Assim, em (107), em termos semântico-
pragmáticos, constatamos claramente um contraste no diálogo entre os
personagens João André e Raimundo. Concomitantemente, olha ocorre
como elemento que mantém um forte grau de orientação da interação de
F (no caso, o personagem João André) em direção a O (Raimundo) (cf.
SILVA, 1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2006), o que continua a
atestar a evidência da função interpessoal. Nesse contexto, o MD é um
item que marca não a intersubjetividade do contexto de P2 (ato de
fala manipulativo, agora mais mitigado), mas também certa manifesta-
ção avaliativa do personagem/falante (subjetividade) (cf. TRAUGOTT;
DASHER, 2002; TRAUGOTT, a ser publicado) quando este manifesta
seu descontentamento frente à declaração de O.
A meio caminho entre os contextos de advertência e interjetivo,
encontramos duas ocorrências de olha, uma em cada século, com sobre-
posição de significados. É o que se verifica no dado a seguir:
(108) PAULO (forçando para se livrar) Lar-
gue-me, com mil demônios! lhe disse que o
fui eu!
O CABO (segurando-o sempre) Olhe, assim a-
grava a situação!...
COMENDADOR (admirado) Paulo! (A casa
para alugar, José C. de Lacerda Coutinho, 1867).
A nosso ver, o exemplo (108), extraído de uma peça escrita no
século XIX, parece se caracterizar tanto por advertência como por inter-
jetivo. Por um lado, porque olha inicia o contexto em que o personagem
Cabo pode estar advertindo o personagem Paulo com relação à sua ati-
tude de tentar se livrar da prisão. Por outro, porque olha início ao
contexto que pode se caracterizar como certa surpresa do Cabo frente à
declaração de inocência do preso. Esse exemplo que envolve a sobrepo-
sição de contextos pode caracterizar a emergência do mecanismo de
mudança semântica por metonímia, ou seja, da transferência de signifi-
cados por contigüidade contextual.
248 |
Seguindo nosso mapeamento dos contextos predominantemente
interacionais e retomando a análise das peças do século XIX, olha e
parecem se expandir polissemicamente em outras situações comunicati-
vas e também sofrer alterações nos graus de orientação da interação
((inter)subjetividade). É o caso das ocorrências do MD olha que locali-
zamos em contextos de atenuação em peças do século XIX e XX. Por
outro lado, não foram encontradas ocorrências do MD nesses contex-
tos em nenhum dos séculos da amostra 4E. Por essa razão, hipotetiza-
mos que o contexto de atenuação pode vir a ser um caso de uso exclusi-
vo do MD olha, portanto um contexto de restrição a . Observe o e-
xemplo a seguir:
(109) D. MANOEL - Sim, tens razão: o cão que
nos lambe a mão também nos tem amizade, e nós
o acariciamos; mas nem o cão se eleva a nós, e
nem nós baixamos ao cão.
MARIA - tristemente - Meu bom pai, não seja
mau! Como pode fazer tal comparação?!
D. MANOEL - Olha, Maria, perdoo-te porque és
mulher, e... és criança. Lembra-te porém sempre
de quem descendes: somos de raça que pode que-
brar, mas não dobrar; e fica sabendo que proíbo-te
toda e qualquer familiaridade com rendeiros, ma-
rinheiros e mercadores. São vilões, que, quando
têm algumas patacas, esquecem a origem e miram
alto. Sinto-me sufocado no meio desta gente, e
permita Deus que o vento mude a ver se me vejo
livre desta... (Raimundo, Álvaro Augusto de Car-
valho, 1868).
Os contextos de atenuação foram igualmente identificados em
dados de pesquisas de diferentes amostras sincrônicas, como Castilho
(1989), Silva e Macedo (1989), Rost (2002) e Domínguez Portela
(2008). Nesse contexto, o MD parece amenizar e controlar, por anteci-
pação, possíveis reações negativas do O a respeito do que será expresso,
ou seja, F se descompromete com uma afirmação que poderia vir a ser
inferida negativamente por O. No diálogo entre pai e filha, conforme
exemplo (109), o pai faz uma declaração que estampa na filha um des-
contentamento. A fim de atenuar sua declaração, o pai, ao retomar o
turno, inicia-o com o MD olha. Nesse contexto, o MD ainda assinala
forte orientação por parte de F em direção ao O (cf. SILVA, 1999;
RISSO; SILVA; URBANO, 2006; TRAUGOTT; DASHER, 2002;
TRAUGOTT, a ser publicado). Além disso, olha também marca a mani-
| 249
festação da avaliação subjetiva do F na medida em que imprime certo
abrandamento quanto à declaração anteriormente expressa. Nesse senti-
do, em termos direcionais, verifica-se o destaque da função interpessoal
com forte componente de subjetividade.
Nas peças de teatro do século XX também foi possível identificar
o MD olha em contexto de atenuação. Vejamos um exemplo na peça O
dia do javali:
(110) VITOR Era que me faltava! Bem, eu
não duvido de mais nada. Depois que até o velho
e misterioso charme da morte foi substituído por
uma repartição cheia de siglas, e com falhas de
todas as repartições, eu realmente não duvido de
mais nada. Eu continuo achando, cada vez
mais, que devia ter escrito sobre isso. Devia ter
pelo menos tentado.
HOMEM Olhe, para seu franco, eu acho que
não seria um assunto interessante. Eu acho que a
morte já virou a mais comum das rotinas (O dia
do javali, Mauro Júlio Amorim, 1983, p. 28).
Numa situação intermediária entre os contextos de atenuação e
interjetivo, encontramos um dado do MD olha no século XIX:
(111) ELVIRA O tolo do Pato, e digo em
boa fé, será bicho do mato, mas home é que não é!
MACÁRIO Mas olha, rapariga, e presta-me a-
tenção, embora seja espiga, o Pato é um partidão!
[...] O rapaz é bonito, delicado e tem dinheiro.
Tem o sestro de fugir das mulheres, mas tu tens a
faca e o queijo na mão para curá-lo em meia dúzia
de lições ...(Sentando-se à esquerda da mesa.)
Vou responder... (O idiota, Horácio Nunes Pires,
1890, p. 221).
Os MDs olha e ocorreram de modo um pouco mais recorrente
(6 dados de olha, distribuídos ao longo dos dois séculos, e 4 de vê, con-
centrados no final do século XX) em contexto interjetivo da amostra 4E.
Observemos alguns exemplos:
(112) Petronilha (á parte). Mão! Já meo pai
principia no choro!..
Silvério. A isso é que se chama deixar correr o
pranto, meo amigo. Olhe, que deve ter chorado
muito! (Os ciúmes do capitão, Arthur Cavalcanti
do Livramento, 1880, p. 48).
250 |
(113) MEFISTO Por favor, vou ficar com pena
de você e não teremos drama. Não percebeu ainda
que não solução para isto? Não podemos pen-
sar em nada mais amplo, mais coletivo. Meu pro-
blema é eu com você, nada mais.
FAUSTO quero entender. Mas também não
quero, veja ! Isso tudo é muito antigo. Se eu
quero entender, volto ao velho Fautso e vou ven-
der minha alma. Se eu não quero saber nada, por-
que estou no tempo certo da história, não dra-
ma. Devolva os ingressos e as pessoas voltam pa-
ra suas casas sem muito o que pensar. Se bem que
estão acostumadas. Ah, eu confuso! (Preno-
me: Fausto, Fábio Brüggemann, 1993, p.56).
Trata-se de contexto também identificado em amostras sincrôni-
cas diversas (ROST, 2002; WALTEREIT, 2002; DOMÍNGUEZ
PORTELA, 2008). F, ao relatar ou expor algo, emprega olha ou para
introduzir um trecho que revela surpresa ou decepção com relação ao
relatado/exposto. É o que é dito no contexto e a entonação de F que
podem produzir uma inferência para O. Nos exemplos (112) e (113), em
termos direcionais, verifica-se ainda a forte presença da função interpes-
soal e a orientação por parte do F em direção ao O (cf. SILVA, 1999;
RISSO; SILVA; URBANO, 2006; TRAUGOTT; DASHER, 2002;
TRAUGOTT, a ser publicado). No entanto, a depender da entonação de
F, O infere outra informação positiva ou negativa que manifesta a
avaliação de F sobre o que é dito (subjetividade) (cf. TRAUGOTT;
DASHER, 2002; TRAUGOTT, a ser publicado).
Nos contextos seguintes, a função textual começa timidamente a
despontar, compartilhando terreno com a interpessoal. Curiosamente,
nas peças investigadas, identificamos a ocorrência de apenas um dado
de três contextos que consideramos com valor mais subjetivo e com
traços de relacional/textual. Em dois desses contextos ocorre o MD olha
e em um, o MD . Vejamos, na seqüência, a caracterização e o exem-
plo de cada um desses contextos.
Na peça O idiota, o MD olha parece ocorrer em contexto exem-
plificativo. Observe a ocorrência de olha na peça de Horácio Nunes
Pires:
(114) ELVIRA (Sentando-se no sofá.) Ter me-
do de mulheres... Este homem é...
| 251
MACÁRIO (Descendo.) É rico, menina, é rico...
Lembra-te disto.
ELVIRA Mas é estúpido!
MACÁRIO Menina, quem tem dinheiro nunca é
estúpido, nem ignorante, nem feio e nem idiota.
Olha o Ambrósio. Pensas tu que se o Ambrósio ti-
vesse um par de contos de réis, haviam de chamá-
lo maluco, como o chamam agora? Estás engana-
da. Todos o considerariam como o homem de
mais juízo deste mundo e classificariam de filoso-
fia a sua maluquice! (Indo à esquerda alta.) Am-
brósio! Oh! Ambrósio!
AMBRÓSIO (Dentro.) Já vou, patrão.
MACÁRIO (Descendo.) Olha conheci um ba-
rão tapado como uma porta. O animal, - animal é
o termo, não abria a boca que não disesse um
chorrilho de asneiras... mas era podre de rico...
(Indo à esquerda alta.) Oh! Ambrósio! Ambrósio!
AMBRÓSIO (Dentro.) vou, patrão! (O idio-
ta, Horácio Nunes Pires, 1890, p. 223).
Esse tipo de contexto também foi identificado nas pesquisas sin-
crônicas de Rost (2002), Dostie (2004) e Dominguez e Álvarez (2005).
Trata-se de contexto em que o F emprega olha, antes de apresentar uma
seqüência que visa reforçar com exemplos o que está sendo dito. Consi-
deramos que, no contexto exemplificativo, o grau de orientação do F em
direção ao O começa a se tornar mais frágil. No exemplo (114), o perso-
nagem Macário usa o MD olha no início de um trecho em que ele pre-
tender dar um exemplo de pessoa ―tapada como uma porta‖. Nesse caso,
o componente intersubjetivo começa a diminuir e o componente subjeti-
vo vai ganhando mais proeminência espraiando-se no texto, tendo em
vista que o item visa a auxiliar na organização do texto de F. Dessa feita,
a função interpessoal (que indexa a atenção de O) e a textual (que auxi-
lia na organização do texto de F) começam a se entrecruzar. Ressalte-se
que ainda é bastante sutil a marca da função textual e que estamos li-
dando com noções gradientes.
Somente na amostra de peças relativas ao século XX é que temos
ocorrência de um dado do MD veja em contexto de opinião. Trata-se
de contexto em que o personagem Fausto faz uma avaliação e emite sua
opinião sobre outro personagem da narrativa (O Idiota). O exemplo
(115) ilustra este contexto:
(115) IDIOTA
252 |
Não pense tanto assim, eu me atrapalho. Como
pode pensar tanto, ter tantas dúvidas?
FAUSTO
Talvez porque eu não me chame Idiota. Infeliz-
mente me chamo, não sei por quanto tempo neste
drama, Fausto. Sabe o que significa Fausto, Idio-
ta? Quer dizer, veja só, Idiota, feliz. No fundo, ser
feliz e ser idiota quase no mesmo (Prenome:
Fausto, Fábio Brüggemann, 1993, p. 61).
Consideramos que o dado (115) envolve a atuação das funções
interacional e textual: a primeira, porque o personagem Fausto ainda
indexa a atenção do O para si (intersubjetividade inerente); a segunda,
porque o MD se localiza em posição relacional marcando a cren-
ça/opinião do F (subjetividade).
Na seqüência de nosso continuum de uso dos MDs rumo a fun-
ções mais textuais, temos ocorrência de um dado do MD mas olha em
contexto causal na peça A filha do operário do século XIX. É o que se
verifica em (116):
(116) FELIPE Afinal, que novidades trouxe-
ram vocês? Como correram as manifestações des-
ta manhã? O pessoal levou a efeito o comício na
Praça do Municipal?
ROQUE Como não?! Foi um sucesso! Mas o-
lha: acabou em pau... A polícia interviu e choveu
chanfalho e pata de cavalos...
FELIPE A polícia garantiu que manteria a or-
dem!...
QUINCAS Garantiu, mas, foi nas nossas cos-
tas... (A filha do operário, Ildefonso Juvenal,
1942, p. 51).
Trata-se de contexto identificado em amostras sincrônicas
(ROST, 2002; MARÍN JORDÁ, 2003; DOSTIE, 2004; DOMINGUEZ;
ÁLVAREZ, 2005; DOMÍNGUEZ PORTELA, 2008). Constitui a sinali-
zação de uma espécie de conexão entre dois segmentos um dos quais
encerra a causa
230
que acarreta a conseqüência/efeito, explicação ou
conclusão contida no outro. Nesse trecho, o personagem Felipe questio-
na Roque sobre as manifestações na Praça Municipal e, como resposta,
o segundo manifesta duas informações para o O: (i) a primeira se refere
230
Com base em Paiva (1991, p. 08), empregamos o termo causa em sentido amplo, recobrindo
outros significados como razão, explicação, justificativa.
| 253
ao sucesso do feito; a outra, reporta à explicação de que o resultado, por
outro lado, tenha sido negativo e a polícia, por sua vez, teve de intervir.
O personagem Roque introduz sua explicação com o auxílio do MD em
―[...] mas olha acabou em pau‖. Como se percebe, o MD coocorre com o
conector mas. Note-se que o fato de mas ser tipicamente adversativo não
obscurece a relação de causalidade, porque introduz a explicação solici-
tada, o que parece reforçar o valor relacional do MD, isto é, o compo-
nente subjetivo se torna fortemente atuante, no sentido que o F procura
organizar seu próprio texto, e o intersubjetivo vai perdendo espaço.
Também no dado a seguir, extraído de peça do século XX, inter-
pretamos que o MD veja bem se insere em contexto de causalidade, uma
vez que o personagem apresenta uma série de explicações sobre a arte
de representar.
(117) l - Você não tem netos meu filho, mas veja
bem. Quantos papéis nós dois ―vivemos‖ aqui
neste meio tempo, isso sem ter que ficar fazendo
laboratório... senão seria mais um grito parado
no ar‖ (dá o grito emotivo). Agora o difícil prá
mim mesmo, é quando estas luzes se apagam e
tudo volta a ficar igual, tudo volta a mesmice. O
prazer da vida de um artista de teatro é representar
a doce alegria alienante de um papel, seja ele um
professor, carteiro/militar, um padre, enfim,
qualquer outro ser humano comum (cúmplice).
Fica complicado quando a gente precisa ser nós
mesmos (Os lobos, Ademir Rosa, 1992).
***
As ocorrências diacrônicas analisadas reforçam a existência dos
processos de subjetivização (significados de conteúdo > significados
procedurais) e apontam indícios de gramaticalização de olha e . Como
se viu, a distribuição em continuum entre os diferentes usos dos itens
permite verificar a atuação das funções interpessoal/interacional e textu-
al nos variados contextos de uso dos MDs. Das práticas comunicativas
exemplificadas na amostra 4E, emergiram polissemias pragmáticas, que
sinalizam, em graus variáveis, o envolvimento de F em direção a O.
Constatamos que, ao longo do processo de mudança semântico-
pragmática dos itens, manutenção da herança de traços verbais (que
se reflete no componente inerentemente intersubjetivo) bem como in-
cremento de um significado vinculado à atitude do F a respeito do que é
dito (que reflete o componente subjetivo) e mida atuação no âmbito
textual.
254 |
6.1.2 Análise sincrônica do comportamento (multi)funcional dos MDs
olha e
Conforme vimos na seção anterior, embora tenham ocorrido rein-
terpretações contextuais que captam a expansão de caráter semântico-
pragmático, olha e ainda retêm, nos diferentes usos mapeados, vestí-
gios de seu significado-fonte. Como veremos a seguir, essa manutenção
(reduzida) da força dêitica, com enfraquecimento do comando imperati-
vo do F sobre o O, ainda persiste nos dados de fala atuais, podendo ser
interpretada como propriedade intrínseca desses itens que, de acordo
com nossa análise, se encontram em estágios incipientes de gramaticali-
zação, e atesta a aplicabilidade do princípio da persistência de Hopper
(1991).
Reforçando a análise empreendida na seção anterior, reafirmamos
que, se os usos se ampliam polissemicamente nas situações comunicati-
vas devido à constante negociação de significados entre F e O, necessi-
tamos captar os graus de envolvimento dos interlocutores durante a
interação, sugeridos por Urbano (1999, p. 198) e Risso, Silva e Urbano
(2006) (cf. detalhados no capítulo 3). O que, no entendimento de Trau-
gott e Dasher (2002) e Traugott (a ser publicado), passa a ser entendido
como mecanismo da subjetivização, na medida em que os significados
vão ganhando expressão do envolvimento do F em termos de suas cren-
ças e atitudes avaliativas (subjetividade) e enfraquecimento do ato de
fala manipulativo (intersubjetividade).
Feitas essas considerações, antes de procedermos à análise dos
contextos discursivos dos MDs na amostra sincrônica (detalhada no
capítulo 5), abrimos uma subseção dedicada aos aspectos formais dos
itens.
6.1.2.1 Aspectos formais dos MDs olha e
Nesta etapa de análise sincrônica, nos deteremos somente nas
formas derivadas de atos de fala manipulativo que codificam os MDs
em contextos de P2. Assim, no levantamento dos contextos em que
ocorrem, foram localizadas 709 ocorrências dos MDs (e variações) nas
quatro cidades do VARSUL/SC (amostra 1F com 24 informantes por
cidade) e 225 dados na capital catarinense (amostra 2F com 44 infor-
| 255
mantes). Já em Curitiba (amostra 3F com 24 informantes) foram en-
contradas 252 ocorrências, assim distribuídas, conforme tabela 6.
TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO DAS FORMAS DOS MDS POR
AMOSTRA
Formas do MD
Amostra
Cidade
Olha
RESULTADO
GERAL
Apl.
%
Apl.
%
Total
%
1F
Blumenau
146
90
17
10
163
23
Chapecó
145
83
29
17
174
24
Florianópolis1
112
78
32
22
144
20
Lages
175
77
53
23
228
32
Total
578
82
131
18
709
100
2F
Florianópolis2
183
81
42
19
225
100
3F
Curitiba
99
39
153
61
252
100
FONTE: A autora (2009)
A distribuição de formas, na tabela acima, apresenta algumas pe-
culiaridades em termos de amostras consideradas, as quais passamos a
detalhar. A maior parte das ocorrências da amostra 1F é do MD olha
(82%) e a menor do MD (18%). No que tange ao uso dos MDs, se-
gundo a amostra 2F que envolve apenas dados da capital catarinense
, localizamos o total de 225 ocorrências, cujos resultados também con-
firmam o predomínio de olha sobre . Todavia, embora o total de MDs
localizados na amostra 3F seja superior à freqüência de uso de cada
cidade catarinense, os informantes curitibanos vetam a hipótese de mai-
or freqüência de emprego do MD de olha.
Individualmente, destacamos dos resultados da amostra 1F a ci-
dade de Blumenau que apresentou 90% de dados de olha e 10% de .
Embora os resultados apontem o maior emprego de olha em relação a
, três cidades (Chapecó, Florianópolis e Lages) detêm o dobro (ou
quase o dobro) de uso do MD em comparação a Blumenau, onde o
emprego deste item foi menor. Esses resultados evidenciam que o MD
olha é de uso predominante em Santa Catarina, ao passo que o MD
se mais intensamente em Curitiba/PR. Nossa hipótese aqui é que
possa haver alguma interferência de natureza geográfica, notadamente
pelo fato de se saber que, nos dados de Curitiba, não nenhuma ocor-
rência do pronome tu (cf. MENON; LOREGIAN-PENKAL, 2002;
256 |
LOREGIAN-PENKAL, 2004). Voltaremos a essa questão na análise
variacionista.
Comparando esses resultados com os obtidos na análise diacrôni-
ca, constatamos que, em Santa Catarina, a tendência verificada nas pe-
ças teatrais (conforme tabela 4, 86% de olha 50/58 e 14% de
8/58) se mantém.
Apresentamos, aqui, apenas os tipos (types) dos MDs representa-
dos como olha e vê. O detalhamento das formas variáveis de cada MD
(tokens), bem como da freqüência de cada forma, será feito no capítulo
seguinte, quando realizarmos a análise variacionista.
6.1.2.2 Aspectos funcionais dos MDs olha e
Nesta subseção, vamos nos ater aos contextos de atuação discur-
siva em que se encontram olha e na amostra sincrônica, levando-se
em consideração os aspectos direcionais de mudança semântico-
pragmática por que passam, notadamente a reconstrução da atuação das
funções interpessoal/interacional e textual e dos graus de envolvimento
do F e do O, que se refletem nos componentes subjetivo e intersubjetivo.
Procuramos, além da categorização de cada contexto esboçada
segundo a literatura levantada, também, sempre que possível
231
, apre-
sentar dados da amostra sincrônica.
O ponto de partida do suposto continuum entre os diferentes usos
são os contextos inerentemente interacionais, em decorrência do ato de
fala manipulativo e da retenção de vestígios de seu significado-fonte,
que, a nosso ver, são mais concretos, conforme justificativa apresentada
na análise diacrônica.
No levantamento dos dados sincrônicos, identificamos algumas
ocorrências dos itens em contextos ambíguos, cujo uso pode ser inter-
pretado tanto como verbo pleno em P2 no imperativo ou como MD. De
acordo com Hopper e Traugott (1993), contextos de ambigüidade e/ou
231
Alertamos o leitor mais uma vez que, conforme levantamento nas amostras, em alguns
contextos os MDs não são variantes. É preciso verificar se se trata de especialização por
generalização ou por especificação de uso (cf. HOPPER, 1991; TAVARES, 1999), ou sim-
plesmente de distribuição complementar, portanto sem variação no sentido laboviano. A
intenção primeira aqui é um mapeamento da multifuncionalidade dos itens para posterior
tratamento variacionista. Nesse sentido, o leitor constatará que, na caracterização de alguns
contextos de atuação discursiva, exemplos de apenas um dos MDs. Porém, naqueles con-
textos em que os resultados percentuais e probabilísticos de fato confirmam a variação, proje-
tamos exemplos de ambos os itens.
| 257
sobreposição de funçõeso previstos e esperados nos processos de
mudança. Observemos um exemplo de cada item:
(118) E: E seu Arthur, assim, em relação a
problemas aqui em Blumenau, vocês são atingidos
pela enchente, quando chove muito?
F: Olha, a nossa casa aqui não é atingida porque
ela deve estar mais ou menos na cota dezenove e
[as maiores enchentes] a maior enchente, que se
tem conhecimento aqui, parece que atingiu
dezesseis metros e meio. E nós estamos aqui, pelo
menos, na cota dezenove 9 "o prédio"), né? (BLU
15)
(119) E: Como é que é, como é que consegue
conciliar assim do voce é vendedora, né? como é
que consegue conciliar, assim, tu tens quatro
filhos pra cuidar, né? e mais o trabalho de casa e
mais o trabalho de fora. Como é que consegue?
F: Olha, [não é] não é bem fácil, né? porque, veja
bem, quatro filhos mais o de casa, né? eu acho,
assim, que é bem <dificultoso>, sabe? pra mim.
Tanto que eu tenho tudo eu tenho horário, sabe?
pra tudo eu tenho horário, né? Então de manhã eu
tenho que ficar em casa porque, né? tem que lavar
roupa tem que fazer almoço, né? até [mandar]
mandar todo mundo pra escola. Então, geralmente
eu saio [depois da] de tarde, né? depois que eu
acabo o serviço, né? Então foi esse meio que eu
achei pra mim ter [o meu] o meu dinheiro, o meu
ganho, né? pra ajudar em casa, foi esse. (LGS 02)
No exemplo (118), o F parece usar olha como verbo pleno no
imperativo tendo como complemento um objeto direto (Olha a nossa
casa), que, no caso, solicita a atenção do O para ―prestar atenção em X
que ele pode ver com seus olhos‖. Em contrapartida, olha parece tam-
bém ser usado como MD e revestir-se de sentido mais abstrato e anteci-
par a veiculação de certo contraste entre as declarações dos parceiros
conversacionais, o que caracterizamos, como contexto adversativo. Nes-
se caso, o entrevistador produz uma declaração a respeito das enchentes
em Blumenau. O F, por sua vez, ao retomar o turno no qual será exposta
uma declaração que se opõe à expectativa do entrevistador, o faz intro-
duzindo-o pelo MD olha.
258 |
No dado (119), pode-se interpretar a expressão composta veja
bem de duas formas: (i) como verbo pleno no imperativo tendo como
complemento um objeto direto que, no caso, solicita ao O que ―preste
atenção em X que ele pode ver com seus olhos‖, no caso Veja bem os
quatro filhos‖; (ii) como MD que veicula sentido mais abstrato e sinali-
za uma espécie de conexão entre dois segmentos um dos quais encerra a
explicação de como a entrevistada consegue ―conciliar trabalho, casa e
filhos‖. Nesse caso, veja bem acompanhado de porque introduz a expli-
cação apresentada pela entrevistada. Caracterizamos, conforme se verá
adiante, esse contexto como causal.
A tabela 7 exibe a distribuição dos MDs derivados de P2 nos di-
ferentes contextos de atuação discursiva em que eles aparecem nas a-
mostras examinadas. Os contextos estão verticalmente arranjados na
tabela de acordo com a ordenação proposta no quadro 13.
| 259
TABELA 7 - DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DOS MDS OLHA E
POR AMOSTRA, SEGUNDO O CONTEXTO DE
ATUAÇÃO DISCURSIVA
232
AMOSTRAS
1F
2F
3F
Contextos de atua-
ção
Discursiva
BLU
CHP
FLP1
LGS
RESULTA
DO
GERAL
FLP2
CTB
olha
olha
olha
olha
olha
olha
olha
De
adver-
tência
16
0
16
1
30
0
43
1
105
2
57
1
40
6
Adver-
sativo
20
0
14
0
11
0
6
0
51
0
15
0
1
1
De
atenua-
ção
19
0
19
0
12
0
14
0
64
0
20
0
7
0
Interje-
tivo
8
0
12
0
8
2
16
9
44
11
10
2
7
10
De
prefa-
ciação
5
1
7
0
8
0
14
1
34
2
13
0
2
0
De
paren-
tetiza-
ção
0
1
-
-
2
7
6
7
8
15
2
10
2
9
Exem-
plifi-
cativo
20
3
26
6
17
6
16
5
79
20
26
7
10
57
De
opinião
37
0
29
0
20
1
22
1
108
2
34
1
19
20
Causal
20
12
21
22
4
16
38
29
83
79
6
21
9
50
Conces-
sivo
1
0
1
0
-
-
-
-
2
0
-
-
2
0
Total
146
17
145
29
112
32
175
53
578
131
183
42
99
153
Total
geral
163
174
144
228
709
225
252
FONTE: A autora (2009)
Dez tipos de contextos de atuação discursiva foram identificados
nos dados sincrônicos (três mais do que nas peças: de prefaciação, de
232
Alertamos que a distribuição ordenada dos contextos na tabela não significa que um con-
texto tenha sido necessariamente derivado do anterior. Não encontramos evidências diacrôni-
cas suficientes para atestar, com certa segurança, um percurso. Ou seja, a trajetória de expansão
prevista não implica que todos os MDs tenham passado por todas as etapas. Trata-se, apenas,
de distribuição provável, com base no critério da subjetivização crescente.
260 |
parentização e concessivo). Observando a tabela 7 e considerando o
resultado geral da amostra 1F, notamos que 107 em 709 dados totais
(15%) se caracterizam como contexto de advertência. Já na amostra 2F,
58 ocorrências em 225 dados totais (26%), ao passo que, na amostra 3F,
são 46 dados do total de 252 ocorrências (18%). Comparando com os
resultados diacrônicos, percebemos diferença significativa em termos
percentuais: nas peças cerca de 60% dos dados se encontram em
contextos de advertência. Isso significa que aquelas ocorrências
esporádicas de MDs nos demais contextos nas peças se intensificaram
de modo significativo nos dados de fala atuais, além de os MDs se
expandirem para novos contextos, especialmente o de prefaciação.
Conforme a leitura de diferentes autores (PONS BORDERÍA;
1998; ROST, 2002; WALTEREIT, 2002; DOMÍNGUEZ PORTELA,
2008) que analisaram corpora diversos, para caracterizar os contextos de
advertência, consideramos que o F produz uma espécie de alerta, conse-
lho ou aviso direcionado ao interlocutor. Em termos de graus de envol-
vimento de F e O, observa-se a orientação mais nítida por parte do F em
direção ao O (intersubjetividade). Vejamos as seguintes ocorrências:
(120) E: E era mais sadio me parece, né?
F: Era mais sadio porque você dançava, você se
divertia, né? Naquela época, a gente não via falar
em droga, não via falar em AIDS, né? não via fa-
lar em camisinha, né? E hoje em dia não, hoje em
dia [você já tem que] se o jovem vai sair, você já
tem que alertar, né? Eu tenho a minha filha com
dezessete anos, eu tenho que alertar o perigo, né?
"Olha, se te oferecerem [um] uma bebida, um es-
tranho, você não né? você [não] não tome. Se ofe-
recerem um cigarro, não pegue, né? Até um per-
fume que dêem pra cheirar, né? não pode, tudo é
perigoso, né? Se alguém te oferecer uma carona,
tu não podes, né?" E naquela época não, todo
mundo era amigo, né? todo mundo se conhecia,
né? Era mais fácil pra gente conservar assim e ter
amigo, porque tu sabias o que que era amigo, né?
né? (LGS 17)
(121) E: [Conta] um pouco porque eu não co-
nheço nada, eu tenho muita curiosidade porque [é]
tem o aeroporto, tem a praça, [muita coisa]
F: [Doutor Serafim,] esse é filho do falecido Er-
nesto Bertaso, né? [esse] [esse foi] ele foi coloni-
| 261
zador daqui. [Então ele vendia] o meu pai ia ven-
der terras pra ele, né? Ele tinha terras por toda
parte aqui, colônias, e o pai ia fazer as vendas pra
ele. E era uma gente assim muito boa, gente que
tinha. E ele tinha três filhos: o Doutor Serafim,
o Doutor Jaime [e a Dona] e a Dona Elza. Vive só
a Dona Elza hoje, os outros morreram, ele mor-
reu, a Dona Zenaide morreu, com cento e seis a-
nos, a esposa do seu Bertaso. É, agora esse ali, en-
tão, [o Doutor Serafim que é] o Doutor, como é o
nome dele, que é filho do Doutor Serafim. Ai,
meu Deus! , como a gente esquece Ivan Berta-
so, casado com a Eliane que é uma senhora, a Eli-
ane Silvestre. Só esses ali, [<el>] eles têm duas fi-
lhas, mas não moram mais aqui não. o sei onde
estão morando. Ele foi um grande colonizador da-
qui, comprava terras depois vendia, e o pai fazia
as vendas pra ele, até pro Quilombo, Xaxim,
pra Mondaí, Pinhalzinho, por tudo o pai ia ven-
der as terras. (CHP 21)
No exemplo (120), o informante reproduz sua própria fala dirigi-
da a uma terceira pessoa fora do diálogo. O MD olha introduz o contex-
to de discurso reportado no qual é feita uma censura acerca das ações
realizadas ou pretendidas pela terceira pessoa. Observe que, antes da
reprodução do trecho de discurso reportado, a expressão ―[...] eu tenho
que alertar o perigo, né?‖ ratifica a caracterização do significado semân-
tico-pragmático de advertência desse trecho no qual olha se insere. No
exemplo (121), se insere em um contexto em que o F adverte sobre o
conteúdo de seu próprio enunciado que pode se constituir como um
possível ato ameaçador de sua face porque esquece o nome de uma pes-
soa conhecida. No trecho que introduz (―, como a gente esquece‖),
o F emprega a expressão ―a gente‖, que indexa o F ao O, e assim visa
neutralizar as ameaças potenciais à sua face.
Como se nessas ocorrências, a veiculação do significado
semântico-pragmático de advertência ao mesmo tempo em que os itens
assinalam alto grau de orientação por parte do F em direção a O (cf.
SILVA, 1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2006), o que atesta a proe-
minência da função interpessoal (basicamente orientado para o O).
Também podemos observar não os graus de envolvimento do F e do
O, refletidos na intersubjetividade inerente do contexto de P2, via ato de
fala manipulativo, mas também certa manifestação avaliativa do F (sub-
262 |
jetividade) (cf. TRAUGOTT; DASHER, 2002; TRAUGOTT, a ser pu-
blicado) na medida que o F produz um alerta, conselho, aviso.
Na seqüência do mapeamento que projetamos como de expansão
semântico-pragmática de olha e e observando a tabela 7, segundo
resultado geral da amostra 1F, notamos que 51 em 709 dados totais (7%)
se caracterizam como contexto adversativo. na amostra 2F, 15
ocorrências em 225 dados totais (7%), ao passo que, na amostra 3F, são
somente 2 dados do total de 252 ocorrências (0,79%). Na análise
diacrônica, foi encontrada uma única ocorrência de MD nesse tipo de
contexto.
Segundo a descrição de Waltereit (2002), assumida por nós nesta
tese, no contexto adversativo, consideramos que F expressa um pensa-
mento que contrasta com o manifesto por O, ou seja, O infere algo a
partir da sugestão de F e produz, na seqüência, uma afirmação. Ao re-
tomar o turno, F, ao expor resposta contrária à expectativa de O, o faz
introduzindo-a por um MD. Trata-se de um contexto em que dada decla-
ração opõe os parceiros conversacionais e, no que tange aos graus de
envolvimento de F e O, a orientação começa a se tornar um pouco en-
fraquecida por parte do F em direção ao O. Observe as seguintes ocor-
rências:
(122) E: [São] são mais comportados que a mãe
então?
F: Mais que a mãe, não. [...]
E: O pai não era levado?
F: Olha, a sogra diz que era. (falando rindo) Mas
eu não sei se era mesmo, mas ela disse que ele era
muito de O meu, como eu falei, o de onze anos, o
("o Jones"), ele puxou muito o pai, em teimosia,
[em] em tudo assim. [A] [a <mane>] a maneira de
ser, sabe? Que ele é assim, quando ele não quer as
coisas, ele não quer mesmo, né? E, isso ali: "Eu
não quero e não faço!" E diz que ele era assim,
porque ele tinha problema duma vista, até hoje
tem, né? porque tem uma vista curta, ele tem
uma que enxerga mesmo, né? (BLU 02)
(123) F: Aquele tempo que eu era solteira ainda
acho que nem tinha esse Operário aí.
E: Não tinha ainda? Claro que tinha [porque meu
pai acho que é mais velho que você.]
F: [Não, que veja bem], eu casei com dezoito a-
nos. Então estou com trinta e nove, vou fazer qua-
| 263
renta casei novinha. Acho que nem tinha, nem e-
xistia acho. Sei lá. (CTB 08)
No exemplo (122), após a pergunta direta do entrevistador sobre
o comportamento do pai do entrevistado na infância, o F apresenta res-
posta contrária à afirmação expressa pelo entrevistador e a introduz
fazendo uso do MD olha. Em (123), na insistência do entrevistador
quanto à sua oposição à declaração do informante, veja bem inicia um
contexto em que o F também persiste na declaração oposta à afirmada
pelo entrevistador. Assim, em ambos os dados, em termos semântico-
pragmáticos, constatamos claramente um contraste no diálogo entre os
parceiros conversacionais. Concomitantemente, olha e ocorrem
como elementos que mantêm a orientação da interação de F em direção
a O, embora um pouco enfraquecida (cf. SILVA, 1999; RISSO; SILVA;
URBANO, 2006), o que continua a atestar a evidência da função inter-
pessoal (basicamente orientado para o O). Nesse contexto, o MD é um
item que marca não a intersubjetividade inerente do contexto de P2
(ato de fala manipulativo), mas também a manifestação avaliativa do F
(subjetividade) (cf. TRAUGOTT; DASHER, 2002; TRAUGOTT, a ser
publicado) quando este manifesta seu embate frente à declaração do O.
Seguindo o mapeamento dos contextos de nossa amostra, olha
233
ocorre em contexto de atenuação. Retornando à tabela 7, considerando o
resultado geral da amostra 1F, temos 64 ocorrências em 709 dados totais
(pouco mais de 9%) que se caracterizam como contexto de atenuação.
Esse percentual é semelhante à amostra 2F (20 ocorrências em 225
dados totais, aproximadamente 9%), ao passo que, na amostra 3F, o
somente 7 dados do total de 252 ocorrências (aproximadamente 3%).
Nas peças foram encontradas 5 ocorrências de MDs nesse tipo de
contexto (8%), mantendo-se, pois, proporção semelhante nos dados de
fala de Santa Catarina.
Esse contexto foi descrito a partir de pesquisas de diferentes a-
mostras sincrônicas, como Castilho (1989), Silva e Macedo (1989), Rost
(2002) e Domínguez Portela (2008), conforme já mencionado. Para
caracterizá-lo, consideramos que o MD se insere num trecho em que o F
parece amenizar e controlar, por antecipação, possíveis reações negati-
vas do O a respeito do que foi sugerido, ou seja, F se descompromete
233
No rastreamento da amostra sincrônica, não localizamos exemplos de atuando em con-
texto de atenuação. Nesse sentido, como o leitor verá adiante, esse contexto foi descartado da
análise variacionista, por se definir, na amostra analisada, uma distribuição complementar (ou
especialização de uso) do MD olha, já que não se encontra em alternância com .
264 |
com uma afirmação que poderia vir a ser inferida negativamente por O.
Nesse sentido, sinalização de avaliações subjetivas do F, mas ainda
envolvimento com o interlocutor (intersubjetividade). Por exemplo,
após uma pergunta aberta
234
em que o F é convidado a expor sua opini-
ão, o MD inicia uma resposta que aparentemente tenta amenizar e con-
trolar, por antecipação, possíveis reações negativas do entrevistador a
respeito do que será expresso, ou se descompromete antecipadamente de
uma afirmação comprometedora. No que diz respeito aos graus de en-
volvimento entre os parceiros conversacionais, a orientação por parte do
F em direção ao O parece que vai cada vez mais se atenuando e a subje-
tividade vai ganhando ainda mais espaço. Vejamos o seguinte exemplo:
(124) E: É, e o que é que o senhor gosta mais de
ver na televisão?
F: Olha, quer dizer, tem muitos homens que não
gostam, mas aquilo que eu gosto de ver, por e-
xemplo, essas novelas de como eu, quer dizer, que
não perdia nenhum o Pantanal. (CHP 14)
Em (124), o informante (masculino, mais de 50 anos), ao ser
questionado acerca de seus gostos televisivos, parece evidenciar certa
insegurança em afirmar, para a entrevistadora, que gosta de assistir no-
velas, uma vez que, como ele mesmo diz, a maioria dos homens é ou
deveria ser avesso a este tipo de programa televisivo. A fim de atenuar
sua declaração frente à entrevistadora, inicia a resposta com o MD olha.
Outro aspecto que caracteriza bastante os contextos de atenuação diz
respeito às pausas, uma vez que, ao procedermos à audição das fitas,
identificamos a tendência de o F geralmente, nesse contexto, produzir
pausas longas após o MD.
Como acentuamos, nesse contexto, o MD ainda assinala de
modo mais enfraquecido a orientação por parte de F em direção a O mas
também se observa a manifestação da avaliação subjetiva do F na medi-
da em que imprime certo abrandamento quanto à declaração a ser ex-
pressa.
O próximo tipo de contexto no qual evidenciamos os MDs ocor-
rendo em nossa amostra se em contexto interjetivo. Observando a
234
Segundo Risso (2006, p. 475-476), ―perguntas abertas geralmente são encabeçadas por
pronomes e advérbios interrogativos (o quê?, quais?, como?, quando?, por que?, quanto?),
marcadores de tematização (e quanto a...? e em relação a...?), ou expressões solicitadoras de
opinião (o que acha de?, na sua opinião...?, no seu ponto de vista...?), que, em princípio,
propiciam, como resposta, desenvolvimentos tópicos e posicionamentos que vão além de
respostas lacônicas, ou de simples afirmação ou negação.‖
| 265
tabela 7, os resultados para o contexto interjetivo distribuem-se da
seguinte forma: segundo resultado geral da amostra 1F, 55
ocorrências em 709 dados totais (aproximadamente 8%); conforme a
amostra 2F, notamos 12 ocorrências em 225 dados totais (pouco mais de
5%); e, por fim, considerando as ocorrências da amostra 3F, temos 17
dados do total de 252 ocorrências (aproximadamente 7%). Na análise
das peças teatrais, foram encontrados 10 dados nesse tipo de contexto,
equivalentes a 17% daquelas ocorrências. Ou seja, foi nas peças que o
uso dos MDs se mostrou mais recorrente nesse contexto de atuação
discursiva.
Trata-se de contexto delineado nas pesquisas sincrônicas de Rost
(2002), Waltereit (2002) e Domínguez Portela (2008), conforme refe-
rido. Para caracterizar esse contexto, consideramos que F primeiramente
expõe/relata/opina sobre um fato marcante de sua vida e, no final da
exposição/do relato/da opinião, os itens introduzem um trecho que se
caracteriza por veicular surpresa ou decepção com relação ao que foi
relatado/exposto/opinado em trecho anterior pelo próprio F. Em termos
de graus de envolvimento de F e O, a orientação por parte do F em dire-
ção ao O parece que vai cada vez mais se abrandando e a subjetividade
também ganha espaço, marcada inclusive com exteriorização de senti-
mentos/atitudes, expressividade do F. Ou seja, mais envolvimento do F
consigo mesmo e menor com o O. Atente-se aos exemplos a seguir:
(125) F: [...] E ela, faz oito anos que ela foi
amputada a perna, né? tem problema de pressão,
tal, mas, né? está viva, né? Então é uma graça que
[a gente] que a gente agradece sempre no grupo,
né? E dtambém tem outro caso, sobre o marido
dela também, que é o meu cunhado, e o filho dela.
[Eles] eles eram alcoólatras. . Meu cunhado, ele
era alcoólatra vinte anos. Então a gente já não
sabia mais como salvar ele, sabe? A gente rezava,
a gente fazia oração na casa dele e ele chamando
nome pra nós. Mas nunca deixamos de rezar. Uma
vez ele estava no quarto e nós rezando na cozi-
nha e ele [dizia] mandando que s fôssemos em-
bora. E nós sempre rezando e fazendo corrente de
oração pra ele e para o filho, sabe? que os dois e-
ram alcoólatras. [E] e a gente fazia oração e pedia
pra que Deus iluminasse, que um dia a gente con-
seguisse, assim, alguma coisa, porque ensinava
um remédio, ensinava um remédio caseiro, tudo a
gente fazia e não <consi> conseguia que eles pa-
rassem de tomar. Então a gente sempre rezava
266 |
muito, né? e pedia pra que Deus um dia abrisse a
mente da gente, a gente aprendesse alguma coisa,
assim, que ajudasse eles, né? pra salvar, né? salvar
[aquela] aquela pessoa, aquela família. E olha, faz
três anos, fez três anos, está fazendo três anos a-
gora, foi no dia de finados que ele parou de tomar.
[A gente conseguiu] a gente conseguiu que ele Ele
machucou um [e] e daí ele se entregou, sabe?
ele se entregou, né? [a gente <co>] a gente conse-
guiu levar no hospital e marcar, né? [e] e esperar o
internamento numa clínica (vozes) E marcamos
daí [um] [um] um internamento pra ele, né? e foi
feito o tratamento e hoje, graças a Deus, ele é um
homem sóbrio, né? há três anos ele é um homem
sóbrio. Então é uma graça também que a gente
conseguiu em grupo, né? em oração. (LGS 17)
(126) F: [...] Aí, dali uma semana que ele foi
na igreja, que ele voltou na igreja já, como diz o
ditado, né? com Jesus. E ele foi fazer uma visita
para um pastor lá, você não conhece mas o nome
é a Curva da Morte, é a que vai é lá onde sai lá pra
ir pra Campo Belo, sabe? para o Rio Grande,
<pe>] é pego [essa] [essa] essa Curva da Morte.
[E] e ele foi fazer uma visita lá na casa, que o pas-
tor foi chamado pra fazer uma visita. Chamaram o
pastor, daí o pastor convidou ele e ele foi lá. E e-
les chegaram lá, o pastor estava <fa> <fa> orando
pela pessoa e tudo, ele foi batizado pelo Espírito
Santo [lá na] [na] na casa da pessoa. Tu viste
[no] [ele] ele Jesus, né? Você , ele foi batizado
lá, ele não tinha sido nem batizado na água, mas
ele foi batizado pelo Espírito Santo. [("Faladun-
gas")] ("faladungas") assim diferente, sabe? Eu
acho que você sabe assim o que é que uma pes-
soa batizada pelo Espírito Santo, né? (LGS 13)
Nas ocorrências (125) e (126), os informantes narram situações
vivenciadas por terceiros que, de alguma forma, lhes causam perplexi-
dade. Em (125), pelo fato de o cunhado deixar de beber após vinte anos
e, em (126), porque o filho, que jamais tinha sido batizado, o foi por um
pastor. Tudo o que é dito pelo F e a sua entonação podem provocar uma
inferência por parte do O, no caso ou uma surpresa ou uma decepção.
Em termos direcionais, verifica-se o destaque da função interpessoal na
| 267
orientação por parte de F em direção a O Além disso, a depender da
entonação de F, O infere outra informação positiva ou negativa que
manifesta a avaliação de F sobre o que é dito.
A meio caminho entre os contextos de advertência e interjetivo,
encontramos ocorrências de olha com sobreposição de significados que
podemos considerar como advertência/interjetivo.
É o que se verifica no dado a seguir:
(127) F: [...] Uma vez [vinha a] veio pra cá uma,
casou com um sobrinho meu, ela é do litoral, ela
morava em Tubarão, e ela veio no verão. eu
disse: "Olha, vai te preparando. Que bom que vo-
veio no verão, porque se fosse no inverno você
não ia aguentar." Diz ela: "Mas porquê?" Eu disse
que: "Sim, precisa roupa de lã, precisa, né? [as] os
<eslaques> não podem ser de Inclusive meias, tem
que ser meia "Ah, mas não é possível!. E ela não
acreditava. E quando chegou [no] [no] no inverno
mesmo, ela se apavorou, ela nunca imaginava que
a gente precisava [de um] de um lençol térmico
pra poder dormir numa cama quente. [...] (LGS
21)
A nosso ver, o contexto que o MD olha introduz, apresentado no
exemplo (127), parece se caracterizar tanto por advertência como por
interjetivo. Por um lado, porque, ao se olhar a ―porção de texto‖ menor
Olha, vai te preparando‖ parece claramente caracterizar um conselho
direcionado ao O. Se tomarmos a ―porção de texto‖ ampla da seqüência
do discurso reportado e fizermos a releitura como Olha, que bom que
você veio no verão, porque se fosse no inverno você não ia aguentar‖,
a manifestação no contexto de certa alegria/surpresa com relação à
chegada antecipada do O. Esse exemplo que envolve a sobreposição de
contextos pode caracterizar a emergência do mecanismo de mudança
semântica por metonímia, ou seja, da transferência de significados por
contigüidade contextual, uma vez que estamos prevendo, no continuum
de mudança que envolve os MDs, que os contextos de advertência (de-
correntes da acepção do verbo pleno relativa a cuidado com) podem
estar derivando os contextos interjetivos.
Conforme a tabela 7, considerando o resultado geral da amostra
1F, notamos que 36 em 709 dados totais (pouco mais de 5%) dos MDs
olha e se caracterizam como contexto de prefaciação. Já na amostra
268 |
2F, 13 ocorrências em 225 dados totais (aproximadamente 6%), ao
passo que, na amostra 3F, são apenas 2 dados do total de 252
ocorrências (menos de 1%). Nas peças, não foi identificada nenhuma
ocorrência de MD nesse tipo de contexto.
Segundo descrito por Schiffrin (1987), Risso (1999, 2006), Rost
(2002) e Dostie (2004), consideramos, na caracterização desse contexto,
que o F produz certo retardamento do tópico da pergunta aberta pelo
entrevistador. Nesse sentido, os itens ocorrem no início de contextos em
que a resposta solicitada pelo entrevistador é inferida ou apresentada
mais tardiamente. Quanto aos graus de envolvimento de F e O, o MD
indexa a intersubjetividade (o F responde a pergunta do seu parceiro
conversacional) mas ganha espaço a subjetividade, uma vez que o F
procura retardar o tópico requerido. Observe os dados na seqüência:
(128) E: E o que que vocês comiam?
F: Olha, eu [pra] depois que [<me <co>] comecei
crescer como gente, olha, na casa do meu pai nun-
ca faltou nada. Jardim, o pai [tinha] sempre foi
bem, nós sempre tínhamos porco, galinha. Ele ti-
nha até as [caixas] caixas de abelha sempre.
[<Bo> s não] [pra] depois que me conheci co-
mo gente, que comecei crescer fome não passa-
mos nunca porque o pai foi que teve sorte, depois
que foi morar lá muita foi bem, né? (CHP 01)
(129) E: [Como] como é que era a [<juvent>]
como é que o senhor [a] assim, a juventude de
agora, com a juventude de sua época ]
F: [Mais fácil] a juventude de agora. Você , eu
quando ganhei o meu primeiro par de sapato, nós
éramos de família humilde, (risos I) eu tinha ca-
torze aninhos de idade. Hoje a criança nasce
[com] com sapato no pé. Eu sou franco, não tenho
vergonha, [eu acho que o] eu gosto de ser puro. O
meu primeiro par de sapatos, tinha catorze anos de
idade. eu dava valor, quando era o Natal ou a
Páscoa, dava valor porque a gente ganhava um
chocolatezinho. Hoje a criança come chocolate
[todo] todo o dia. Então [o] era mais barra pesada
antigamente. [<Antiga>] hoje se o guri numa Dis-
coteca ou num baile, se ele não tem carro, ele não
vai, ou moto. Meu tempo ia de bicicleta. Eu viaja-
va vinte quilômetros pra ir num baile, de bicicleta.
E era o automóvel da época, [era um] quem tinha
| 269
uma bicicleta [era] há cinquenta, quarenta anos
atrás vamos supor, [um] um automóvel era uma
bicicleta. Então eu acho que hoje se torna mais fá-
cil [pra quem] pra quem trabalha está mais fácil
hoje. [Bem mais fácil.] (BLU 16)
Observe que, em (128) e (129), o informante retarda a resposta à
pergunta do entrevistador. No exemplo (128), o MD olha introduz a
resposta que, no início, parece bastante confusa. Não o atendimento
explícito da pergunta do entrevistador, antes o F faz questão de ressaltar
que, ―na casa do meu pai‖, nunca faltara nada, inclusive comida, pois a
família criava porcos, galinhas e abelhas. Assim, o entrevistador infere
pela resposta sugerida do F que a família (do F) consumia os derivados
(carnes, ovos e mel) dessa criação. No exemplo (129), o MD introduz
o comentário que retarda a resposta do entrevistado. Embora pareça que
o informante, num primeiro momento, vai atender diretamente a pergun-
ta do entrevistador, num segundo momento, insere um relato de fatos de
sua infância que retarda a resposta solicitada sobre a comparação entre a
juventude do passado e a atual. Ao final de sua exposição, o trecho em
destaque mostra o momento em que o informante retoma o tópico solici-
tado pelo entrevistador.
Em termos direcionais, verifica-se ainda a presença da função in-
terpessoal na orientação por parte de F em direção a O. Concomitante-
mente, também se observa que O necessita inferir ou aguardar pela res-
posta do F, visto que se insere num contexto em que fica latente a mani-
festação da avaliação de F sobre o que é dito (subjetividade).
Na seqüência do mapeamento que projetamos como de expansão
semântico-pragmática de olha e e observando a tabela 7, segundo
resultado geral da amostra 1F, notamos que 23 em 709 dados totais
(pouco mais de 3%) se caracterizam como contexto de parentetização.
na amostra 2F, 12 ocorrências em 225 dados totais (pouco mais de
5%), ao passo que, na amostra 3F, são 11 dados do total de 252
ocorrências (pouco mais de 4%). Na amostra diacrônica nenhum dado
desse tipo foi encontrado.
Para caracterização desse tipo de contexto, tomamos a definição
de parentetização de Jubran (2009, p. 297):
[...] os parênteses são reconhecidos como inser-
ções, em um pico discursivo, de segmentos com
constituição formal variada (SNs, frases simples,
frases complexas, pares adjacentes), que o são
atinentes ao tópico no qual se encaixam, na medi-
270 |
da em que não integram o conjunto de referentes
pelos quais se procede a construção tópica. Nesse
sentido, a particularidade da parentetização é a de
provocar um desvio do pico, que é momentane-
amente interrompido, voltando à cena assim que
se fecharem os parênteses.
Quanto ao graus de envolvimento de F e O, a orientação por parte
do F em direção ao O, nos trechos parentéticos, parece que vai cada vez
mais se atenuando e a subjetividade também ganha mais evidência. Ve-
rificamos, na amostra investigada, os seguintes exemplos:
(130) E: Móveis [usados?]
F: [Móveis] usados, ele tinha vendido tudo, tudo,
sabe? De roupa pra cima, de enxoval que eu tinha
feito pra cima, tudo coisinha boa que eu tinha, né?
custei tanto pra ter. Pois olha, pra te encurtar o
"causo" como diz o outro eu não tinha nada, nada,
nada. Eu tinha um pouco de roupa, (vozes) assim,
negócio pequeno, né? (vozes) Estava na casa de
uma senhora, amiga dele, né? uma vizinha nos-
sa, estava tudo no muro as minhas coisas, assim
tudo (ruídos) estragado, sabe? Então [eu perdi] eu
perdi tudo, tudo, tudo, o que eu tinha, (vozes) né?
trabalhado e perdi tudo, né? Daí, daí aqui que eu
comecei a trabalhar de novo, né? e comecei a lu-
tar, a minha vida nunca foi muito parada, sabe?
sempre foi bastante difícil. (LGS 02)
(131) E: E é bastante procurado aqui [esse] [es-
se] a sua escola? Bastante alunos agora?
F: É procurada, em parte. Esse ano não está. Bom,
estão chegando, né? Esse ano está meio fraco.
Mas temos uma base de duzentos alunos. É fraco,
porque eu tive, nesta escola, nessa aqui, perto
de quinhentos. Agora também dizem que a maré
não está pra peixe, né? não estava pra peixe, pode
ser que agora esteja, então a gente tem esperança.
Mas [vai indo] tem professoras, tudo, né? Vamos
ver como é que fica. Precisa ter alguma coisa pra
fazer. Dizem que o ser humano (toss) é feliz,
veja bem, isso é importante pra você e pra todo
mundo, o ser humano é feliz, quando tem al-
guma coisa para fazer, eu digo, procurar uma ocu-
pação , [é] alguma coisa para fazer, alguém a
| 271
quem amar, tanto pode ser uma pessoa, como |
pode ser os filhos,| como pode ser uma causa, né?
Alguém, alguma coisa, algo a amar [é] e algo a
esperar. Esperança. Então a gente tem que ter al-
guma coisa para fazer e alguma coisa para se de-
dicar, né? É o que estou fazendo. Enquanto desço
o caminho rápido da vida, ora rindo, ora choran-
do, às vezes rindo e chorando ao mesmo tempo. O
que era a outra coisa? (CTB 24)
Em (130) e (131), olha e veja inserem-se num enunciado parenté-
tico em que o F encaixa um comentário que não integra diretamente a
articulação tópica sugerida pelo entrevistador. O trecho destacado na
ocorrência (131) marca a interrupção do comentário sobre a felicidade
do ser humano.
Nesses dados, mantém-se de modo tímido a função interpessoal,
em termos de orientação por parte de F em direção a O, que começa a
perder evidência, marcada principalmente pelos contextos em que se
observa a maior manifestação da avaliação de F sobre o que é dito.
Nos contextos seguintes, a função textual começa timidamente a
despontar, compartilhando terreno com a interpessoal. Vejamos, na
seqüência, a caracterização e o exemplo de cada um desses contextos.
Conforme a tabela 7, os MDs olha e ocorrem em contexto e-
xemplificativo. Os resultados para esse tipos de contexto se distribuem
da seguinte forma: segundo resultado geral da amostra 1F, há ocorrência
de 99 em 709 dados totais (aproximadamente 14%); conforme a amostra
2F, notamos 33 ocorrências em 225 dados totais (próximo a 15%); e,
por fim, considerando as ocorrências da amostra 3F, temos 67 dados do
total de 252 ocorrências (aproximadamente 27%). Na amostra
diacrônica analisada foi encontrado apenas um dado de MD nesse tipo
de contexto.
Segundo o levantamento nas pesquisas de Rost (2002), Dostie
(2004) e Dominguez e Álvarez (2005), conforme mencionado, consi-
deramos, na caracterização desse tipo de contexto, que o F visa mostrar
com exemplos o que foi dito por ele ou o que foi questionado pelo en-
trevistador. Olha ou ocorrem no início dessa seqüência de exemplos.
Segundo Dostie (2004), o MD também pode ser parafraseado pela ex-
pressão Tomemos (como exemplo) o caso X. Quanto aos graus de
envolvimento de F e O, o MD indexa a intersubjetividade mais fragil-
mente porque ocorre no meio do enunciado e passa a ganhar maior es-
272 |
paço a subjetividade, uma vez que o F trabalha cognitivamente seu tex-
to, inserindo exemplos ilustrativos acerca daquilo que é apresentado.
Nas amostras investigadas, localizamos as seguintes ocorrências desse
tipo de contexto:
(132) F: [...] Ah, isso ele fazia muito de abrir a
porteira, por exemplo, abrir não, pendurar a por-
teira. Tinha [uma] uma tucaneira, a gente chama
de tucaneira, é taquara que [<s>] né? taquara bem
em frente ao portão, [ele] ele amarrava o portão
em cima da tucaneira, empurrava em cima e o
gado entrava, comia as alfaces, o repolho, comia
todo Ai! isso que ele fez umas cinco vezes, ele
conta. Ele disse que ele ainda fez <des> e o pai e
ele nunca descobriu. um dia [o meu] o pai dele
ficou com raiva, o meu avô ficou com raiva e cor-
tou a tucaneira fora com portão e tudo junto, que-
brou o portão olha, assim essas brincadeiras assim
de, por exemplo, trocar o cavalo por boi, né? Os
caras chegavam no bar e pra de noite assim jogar
[um] um truco, né? que é o jogo deles, então eles
tiravam os cavalos, soltavam e amarravam os
bois, então era tudo escuro naquela época, não ti-
nha energia, né? Os caras sentavam [no] na sela
quando iam pegar [era o] tinha galho e ficavam
assustados, diziam que era o diabo e não sei o quê.
Ah, ele conta muito, meu pai foi muito travesso.
(BLU 17)
(133) E: Na sua opinião, o que que deveria ser
feito pelos governantes, por nossos representan-
tes?
F: Sei lá, acho que tem que entrar [um] uma pes-
soa [que] que faça alguma coisa, né? [uma <ref>}
mudar a reforma agrária, ou acabar com muitas
mordomias, né? que é o que tem nesse país. E,
sei lá, tem que ser um presidente que tome inicia-
tiva de fazer alguma coisa, né? Porque do jeito
que está, entra um, sai outro, fica sempre na mes-
ma coisa, né? cada vez é pior. Tem que acabar
com muito roubo, roubos, né? ou Por exemplo,
agora, tu vês, [essa] esse escândalo da previdência
é uma vergonha, né? Os caras roubam tudo e
ninguém faz nada pra eles, né? Tem que acabar
com esse tipo de coisa, né? Deputado ganhar um
| 273
pouco menos, né? e fazer mais alguma coisa pro
povo, né? porque não fazem nada. (CHP 02)
Em (132) e (133), os falantes expõem, ao longo de uma seqüência
narrativa e outra dissertativa, respectivamente, exemplos de brincadeiras
e de acontecimentos graves que abalaram a opinião pública. Olha ou
ocorrem junto a esses contextos exemplificativos, os quais podem ser
ratificados pela expressão ―por exemplo‖, antes ou depois do MD.
Como se em (132) e (133), a veiculação do significado se-
ntico-pragmático de exemplificação ao mesmo tempo em que os itens
assinalam orientação menos nítida (no exemplo (132)) por parte de F em
direção a O (cf. SILVA, 1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2006), e
mais atenção à organização textual. Por outro lado, no exemplo (133), o
pronome ―tu‖ junto ao MD parece ainda apontar a indexação do F ao O,
o que configura a intersubjetividade inerente do contexto de P2, via ato
de fala manipulativo, embora de modo mais tênue, e ocorre manifesta-
ção de expressão subjetiva do F na medida em que articula coesivamen-
te o seu texto.
Dando continuidade ao mapeamento dos contextos de uso dos
MDs em nossa amostra e observando a tabela 7, notamos que as
ocorrências que se caracterizam como contexto de opinião ficam em
torno de 15% nas três amostras investigadas. Se considerarmos somente
o resultado geral da amostra 1F, temos 110 dados de 709 totais; se
levarmos em conta a amostra 2F, identificamos 35 em 225 dados totais,
ao passo que, ao focarmos a amostra 3F, são 39 dados do total de 252
ocorrências. Considerando o resultado geral da amostra 1F de Santa
Catarina, esse tipo de contexto tem distribuição equivalente ao contexto
de advertência. nas peças teatrais foi encontrado apenas um dado de
MD nesse tipo de contexto. Essa é uma diferença bastante significativa
entre as amostras escrita (diacrônica) e falada (sincrônica).
Para caracterizar esse contexto, consideramos que, após uma wh-
question, o F inicia sua exposição opinativa sobre um assun-
to/fato/pessoa com olha e . Nesse contexto, os itens podem ser nome-
ados MDs prefaciadores de opinião, nos termos de Rosa (1992). Além
disso, no contexto da opinião do F, após olha e , freqüentemente evi-
dencia-se a coocorrência de outros MDs, como (eu) acho (que)
(FREITAG, 2003), o que, a nosso ver, reforça o contexto de opinião
descrito. É importante também observar o que diz Espíndola (1998, p.
152-3 apud FREITAG, 2003, p. 38:
274 |
[...] acho (que) introduz uma opinião que não é
pessoal, mas coletiva [...] algumas opiniões são
subjetivas (relativas à marca lingüística eu), po-
rém somente na aparência. Essas opiniões repre-
sentam o senso comum, são princípios políticos,
morais, religiosos que norteiam determinados
grupos sociais. O locutor os incorpora fazendo-os
parecerem seus. [...] em outras situações, o (eu)
acho(que) marca a presença de uma informação
compartilhada. É uma proposição geral, aceita pe-
lo senso comum.
Em termos de graus de envolvimento de F e O, o MD indexa a in-
tersubjetividade mais tenuamente e ganha mais espaço a subjetividade,
uma vez que o F trabalha claramente sua avaliação subjetiva.Vejamos os
exemplos:
(134) E: E E o que a senhora acha da língua i-
taliana? A senhora acha assim que ele [o] [o] a
prefeitura faz alguma coisa pra que essa língua
permaneça viva aqui em Chapecó? O que a senho-
ra acha? Acha bonita a [língua?]
F: [Olha,] [eu acho] é, pra quem entende bem, ela
é bonita, né? quem fala bem e quem ouve ela, as-
sim, no caso, né? por exemplo, se tu falares bem,
que eu te entendo, né? então eu acho que duas
pessoas que se entendem bem, acho que vale a
pena, né? É bonito. [<Co>] porque eu acho que a
mesma coisa das pessoas que falam uma outra
língua também, né? e é importante, né? no caso se
falar mais línguas Mas aqui bem assim, pra te di-
zer a verdade, eu não sei mesmo [o que que eles]
o que que eles estão fazendo com a língua italiana,
né? acho que não fazem muita coisa, não. (CHP
09)
(135) E: Eu não lembro não
F: É, mas passou, tem uma cidade ali que é total-
mente mística, então ali tem ramificações do can-
domblé, tipo macumbaria, Seicho noyê, essas par-
tes orientais aí, coisas assim, que eu acredito, em
termos espirituais, que é uma das coisas que per-
turba, atrapalha o próprio segmento, ou seja, onde
é que ela vai estar instalada? ela está instalado no
centro do país e onde? no lado do nosso governo.
| 275
Não sei se você lembra tempos atrás, aquelas
pessoas que saíram, no tempo do Collor, como por
exemplo, o Ibsen Pinheiro, Genibaldo Corrêa, a-
queles políticos que foram ("lesados") eram todas
pessoas que eram chefe de cabeça nesses centros
de macumbas e candomblé, certo? [<Ti>] [ti-
nham] tinham relações com Xangô, com Ogum,
com Oxalá, tudo coisa de <macumbaria>. Agora
veja bem, essas são as pessoas que governam o
nosso país. O que que pode acontecer num país
desse quando temos pessoas com esse intuito e
com esse objetivo e com esse conhecimento e com
essa trajetória de vida? tínhamos que esperar o
que está acontecendo. Então quer dizer, é um país
que não está totalmente hoje, cem por cento está
ainda nas mãos de Deus. [Então a] é um país que
está sofrendo exatamente porquê? por causa da
sua própria idolatria, ou seja, se tivéssemos uma
nação que servisse totalmente a Deus, o é? na
sua totalidade eu tenho certeza que nós teríamos
país bem melhor. (LGS 11)
Em (134), o F emprega o MD olha no início do contexto em que
expõe a sua opinião sobre a língua italiana. Também nesse contexto
verifica-se o uso do MD de opinião (eu) acho (que), o que ratifica a
nossa caracterização. No exemplo (135), veja bem insere-se num con-
texto em que o entrevistado expõe sua opinião acerca do perfil das auto-
ridades políticas brasileiras.
É latente que os exemplos (134) e (135) veiculam o significado
semântico-pragmático de opinião ao mesmo tempo em que os itens assi-
nalam orientação mais tênue por parte de F em direção a O (cf. SILVA,
1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2006), e fazem ressaltar a manifesta-
ção de avaliação subjetiva do F na medida em que articula coesivamente
o seu texto.
O próximo tipo de contexto no qual evidenciamos os MDs ocor-
rendo em nossa amostra se em contexto causal. Retornando à tabela
7, temos a seguinte distribuição: segundo resultado geral da amostra 1F,
notamos que 162 em 709 dados (quase 23%); na amostra 2F, 27
ocorrências em 225 dados (12%); por fim, na amostra 3F, são 59 dados
de 252 ocorrências (pouco mais de 23%). Esse contexto é o que se
mostra mais recorrente nos dados de fala sincrônicos. Na amostra
276 |
diacrônica foram encontradas três ocorrências de MDs nesse tipo de
contexto.
Conforme as pesquisas, referidas, de Rost (2002), Marín Jordá
(2003), Dostie (2004), Dominguez e Álvarez (2005) e Domínguez Por-
tela (2008), para caracterização desse contexto, consideramos que olha
ou sinaliza uma espécie de conexão entre dois segmentos um dos
quais encerra a causa que acarreta a conseqüência/efeito, explicação ou
conclusão contida no outro. Nesse contexto, os MDs normalmente coo-
correm com conectores, como porque, mas, aí, e, então, ou a outros
MDs, como RADs viu?, né?, tá?, certo?, sabe?, entende?, ou ainda
junto a elementos reforçadores, como bem, , aqui, . Em termos de
graus de envolvimento de F e O, o MD indexa a intersubjetividade mais
fracamente, localizando-se no meio ou no final do enunciado e acentua-
se claramente sua avaliação subjetiva, como mostram os exemplos a
seguir:
(136) F: [...]Tem gente que faz colchão com a
da ovelha. que ela tem, gico, a gente tosa a
ovelha, porque [no inverno ela] no verão ela é to-
sada, por causa do calor demais ela não pode En-
tão, tosa a ovelha, a é lavada, depois ela é seca
[no] [no] a gente pendura ela [no] nos arames [de]
[de] [de] esses arames farpados, como eles cha-
mam, porque eles tem as farpas, elas secam ali,
depois de secas elas são abertas inteirinhas. Tem
gente que abre com <megadaime>, parece que e-
les chamam, que são feitos com pregos, então bate
um no outro assim, a vai <abrin> Mas o bom
mesmo é abrir a lã, sabe? ir abrindo ela manual-
mente. Eu fazendo aqui como se estivesse apare-
cendo ali, né, Lúcia? Mas eu estou te mostrando.
Então, daí são confeccionados colchões, [são
<confecci>] são confeccionados cobertores, né?
pra enfrentar o frio dessa terra aqui. Porque olha,
é frio mesmo no inverno. Pode ver a lareira, ainda
não foi Ainda tem o vestígio do inverno porque
não foi lavada ainda. (LGS 21)
(137) E: E como é que ele se tornou pastor assim
teve que estudar?
F: [Aí] ele foi aquele dia, ele foi e se encon-
trou se, né? Ele veio de mudadinho, mudadi-
nho, mudou. [naquela] [daquela] [daquele] daque-
le dia em diante ele mudou, ele já chegou muda-
| 277
do. Viu como é que é? [Ele <che>] ele chegou de
Oh! Ele não lia a Bíblia. Você sabe que essa
gente nova assim, eles não gostam muito assim
Oh! Ele gostava [de] de baile, carnaval, não tinha
um carnaval que ele não fizesse uma fantasia. [E-
le] ele desfilava na escola de samba, sabe? Não ti-
nha um carnaval que ele não fizesse uma fantasia.
Eu tenho até hoje as fantasias dele ali. E ele vol-
tou de mudado, mudado. Ele fumava, não fu-
mou mais. Daquele dia em diante ele não fumou
mais. [Ele não foi mais] ele não entrou nem num
bar mais. Verdade. Eu fiquei Agora você vê, né? a
gente Por isso que eu digo: "Deus, o que ele tem
pra gente, pra vida da gente, pra pessoa eu acho
que, né?" eu acho que ele escolhe decerto a pesso-
a, né? A pessoa é escolhida, por Deus, né? Esse
foi escolhido, porque : ele chegou de lá, aquele
dia mesmo ele não deitava sem se ajoelhar [na]
assim na beira da cama dele, orar, ler a Bíblia. E
ao meio dia assim no almoço e tudo, às vezes os
pais precisam <tava> estar dizendo ore ou, né? fa-
ça uma oração. Nunca mais ele deixou isso aí, o-
rar [na hora da] antes [de] do almoço, quando sen-
ta na mesa. E ter a Bíblia, isso ele fazia, né? dire-
to. Não precisou mais falar nada pra ele fazer. E
também dali em diante ele nunca mais deixou as-
sim Era direto [da] [na] para o trabalho e do traba-
lho pra casa e da casa pra igreja. E a vida [dele é
<i>] dele agora é essa. Ele vai para o trabalho faz
tudo no trabalho dele, chega em casa, o dia que
não tem que não tenha assim oração ou culto
na igreja, né? Mas se tiver, ele está lá. A vida dele
é essa, só cuida da igreja que ele dirige e essa pes-
soa, né? [que] ele é muito de chamar, eles cha-
mam muito, né? os pastores todos, né? Se tem
uma pessoa que está doente ou que está assim
por exemplo [com] com problema assim de, né?
Tem pessoas que você sabe como é que, né? es-
tão, têm problemas assim. E eles vão na casa
dele e chamam ele, se ele não está no trabalho ou
qualquer coisa, ele vai, pode ser de noite, pode ser
de madrugada, pode ser a hora que for, ele vai.
(LGS 13)
278 |
Em (136), o F expõe a causa por que devem ser confeccionados
cobertores e colchões de lã, ou seja, porque o inverno é rigoroso; em
(137), porque razão o filho ―foi escolhido‖ para se tornar pastor. Porque
olha e porque vê introduzem o contexto com valor causal.
Como se verifica, os exemplos (136) e (137) veiculam o signifi-
cado semântico-pragmático de causa ao mesmo tempo em que os itens
assinalam orientação bastante enfraquecida por parte de F em direção a
O. Parecem, dessa forma, apontar menos intensamente a indexação dos
interlocutores e, de forma mais proeminente, aspectos textuais.
Finalizando nosso mapeamento que projetamos como de expan-
são semântico-pragmática de olha e e observando a tabela 7, segundo
resultado geral da amostra 1F, notamos que somente 2 ocorrências da
expressão e olhe em 709 dados totais se caracterizam como
pertencente ao contexto concessivo. na amostra 2F, não houve
ocorrência de dado do total de 225 e, na amostra 3F, também foram
apenas 2 dados do total de 252 ocorrências (pouco mais de 4%) de
contexto concessivo. Na amostra diacrônica não foi encontrada
nenhuma ocorrência.
Conforme os estudos de Rost (2002) e Travaglia (2003), para ca-
racterizar esse contexto, consideramos que o F emprega a expressão e
olhe lá (cristalizada pelo uso) como uma espécie de limite de concessão.
Nesse contexto, adotando a posição de Traugott, julgamos que o olha
parece atuar como operador argumentativo, uma vez ―[...] que põe em
dúvida o argumento que o falante apresentou como válido‖
(TRAVAGLIA, 2003, p. 134).
Essa construção normalmente atua no fechamento do turno de-
senvolvido pelo F, devolvendo-o ao entrevistador. Em termos de graus
de envolvimento de F e O, o item indexa a intersubjetividade sutilmente,
uma vez que se aloca no final do enunciado. Por outro lado, acentua
claramente a avaliação subjetiva do F, como mostra o exemplo a seguir
extraído de nossa amostra:
(138) E: É e esse pessoal que, por exemplo, que
mora nessas casas são quase todo mundo de fora,
né?
F: É, |a maioria são gente| que veio aí [do] do nor-
tão aí, né? que acabou a mão de obra, o maquiná-
rio entrou lá, os bóias frias, então, eles vieram pra
cidade grande tentar a sorte, não tinham onde mo-
rar foram invadindo as áreas aí. E hoje [cinqüenta]
cinqüenta por cento de Curitiba é invadido. E hoje
pra você achar um curitibano nato aqui é, no caso
| 279
daqui, você acha ("um ou outro") e olhe . (CTB
07 L. 202)
235
Em (138), o entrevistado, ao falar da ocupação das casas por pes-
soas que migraram do interior, afirma, ao final, a quase inexistência,
segundo ele, de um ―curitibano nato‖, o que pode ser inferido como uma
dúvida pela expressão e olhe . Observa-se, assim, a veiculação do
significado semântico-pragmático de dúvida ao mesmo tempo em que
também faz ressaltar a manifestação avaliação subjetiva do F na medida
que articula coesiva e argumentativamente o seu texto.
***
A partir do mapeamento sincrônico em dados de fala, estamos
postulando que olha e convivem como camadas do donio da cha-
mada da atenção do ouvinte e competem em oito dos dez contextos de
atuação discursiva mapeados. Apenas dois são de uso exclusivo do MD
olha (de atenuação e concessivo). Nesse caso, podemos interpretar esses
contextos, pelo menos nas amostras analisadas, como de restrição ao uso
de .
Além do domínio funcional em que as formas convivem como
camadas de um mesmo domínio, os MDs olha e compõem o elenco
de mecanismos envolvidos na organização textual-interativa
236
dos
textos de língua falada e podem cumprir, em graus variáveis, a macro-
função articuladora predominantemente interacional ou macrofunção
articuladora predominantemente relacional/textual. É possível distribu-
ir os contextos em que os MDs olha e ocorrem segundo essas duas
macrofunções
237
, assim definidas:
a) macrofunção articuladora predominantemente
interacional: o componente basicamente ‗orienta-
235
Trata-se novamente de contexto de uso exclusivo de olha, ou seja, não foi localizada varia-
ção entre os itens nesse tipo de contexto.
236
Conforme a seção 4.1.3.
237
Efetuamos essa discretização binária para efeitos metodológicos da pesquisa de cunho
variacionista (adiante apresentada), que prevêem o menor mero possível de fatores em cada
variável, tendo em vista possíveis generalizações, mas admitimos que, no efetivo funcionamen-
to dos itens, seja um tanto arbitrário considerar essas macrofunções separadamente, uma vez
que (i) ―os fatores interacionais são inerentes à expressão lingüística, devido à introjeção
natural da atividade discursiva no produto verbal de um ato comunicativo (JUBRAN, 2006, p.
29); e que (ii) esses contextos/macrofunções são distribuídos num continuum com sobreposi-
ções e situações de ambigüidade, cuja distinção decorre da identificação das características
mais salientes, que os limites são fluidos, graças à instabilidade das configurações discursi-
vas.
280 |
do para o ouvinte‘ caracteriza um maior grau de
intersubjetividade, com uma sinalização clara da
interação face a face e de um maior envolvimento
dos parceiros conversacionais; e
b) macrofunção articuladora predominantemente
relacional/textual: o componente basicamente o-
rientado para o falante/texto‘ caracteriza um maior
grau de subjetividade, com atuação em contextos
que relacionam operações como argumentação,
causalidade, exemplificação, entre outras, ajudan-
do a organizar a atitude do falante diante do pró-
prio texto (adaptado de GÖRSKI, 2006, p.8, 10).
Essas macrofunções, na medida do possível, estão distribuídas
num gradiente de diferentes contextos de atuação discursiva, partindo
de usos mais concretos dos MDs a mais abstratos, via funções ideacio-
nal/proposicional, interpessoal/interacional e textual e de usos mais
interativos entre F/O (intersubjetividade) até um emprego com menor
grau de orientação F/O (subjetividade).
Ao adotarmos o conceito de gramaticalização desenvolvido por
Traugott, ganha proeminência o contexto pragmático em que itens gra-
maticais podem desenvolver novas funções gramaticais (não necessari-
amente mais gramaticais). Julgamos que os MDs, resultantes da mudan-
ça categorial verbo > MD e semântico-pragmática, podem ser incluídos
no rol de itens que passam pelo processo de gramaticalização.
Os exemplos de diferentes contextos de atuação discursiva de o-
lha e atestam o papel da pressão contextual para a emergência de
novos usos e a pragmatização do significado, conforme evocado por
Traugott (1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002) e Traugott e König
(1991). Assim, vimos que enunciados imperativos, inerentemente inter-
subjetivos, podem vir a ser subjetivizados no curso da mudança de sig-
nificados de conteúdo, baseados na estrutura argumental, para significa-
dos procedurais pragmáticos no nível discursivo.
Foi constatada também associação entre a trajetória de mudança,
especialmente a pragmático-semântica, e as funções da linguagem.
| 281
7 VARIAÇÃO NO DOMÍNIO FUNCIONAL DA CHAMADA
DA ATENÇÃO DO OUVINTE
Após identificarmos o domínio funcional da chamada da atenção
do ouvinte no qual os MDs competem, isto é, que funcionam como vari-
antes de uma variável lingüística (em termos funcionalistas: como ca-
madas de um mesmo domínio funcional), a finalidade deste capítulo é
continuar a investigação do comportamento de olha e e, neste mo-
mento, efetuar o cumprimento da etapa variacionista da análise em uma
amostra sincrônica de dados (conforme capítulo 5). Para levar a cabo
esta tarefa, codificamos as ocorrências e identificamos os prováveis
fatores condicionadores do uso variável dos itens. Na seqüência, dispen-
samos um tratamento quantitativo aos dados submetendo-os ao pacote
estatístico VARBRUL 2S (PINTZUK, 1988) com vistas a identificar os
contextos de uso preferencial e variável das formas supostamente em
competição.
Devido ao número maior de ocorrências de olha em relação a
nas amostras, elegemos a primeira variante como ―aplicação da regra‖ e
realizamos rodadas binárias opondo ambos os MDs.
Feitas essas considerações iniciais, dividimos este capítulo em
três seções principais: na seção 7.1, apresentamos a descrição das diver-
sas rodadas realizadas e os grupos de fatores considerados relevantes em
cada uma delas; na seqüência, na seção 7.2, passamos à caracterização
dos grupos de fatores, às suas respectivas hipóteses, bem como à análise
e discussão dos resultados; por fim, na seção 7.3, tecemos conclusões
parciais acerca do comportamento de olha e e os caminhos que per-
correm com base nos condicionadores lingüísticos e sociais da aborda-
gem sincrônica.
7.1 As rodadas estatísticas
Considerando as três amostras utilizadas, procedemos, inicial-
mente, a três rodadas estatísticas separadas. Nesse sentido, o Programa
criou o arquivo de células e nos forneceu a distribuição das percentagens
282 |
associadas a cada MD. Conforme se evidenciou na tabela 6 (cf. seção
anterior), a maior parte das ocorrências das amostras 1F (Santa Catarina)
e 2F (Florianópolis) é do MD olha e a menor do MD . Todavia, na
amostra 3F (Curitiba), a maior freqüência é do MD . Também foi
possível identificar os percentuais relativos a cada fator, bem como a
discriminação dos condicionadores de comportamento categórico (knoc-
kout) em cada amostra
238
. Quanto aos fatores que se mostraram categó-
ricos, foram adotados três procedimentos: (i) os dados dos fatores cate-
góricos concernentes ao contexto de atuação discursiva foram excluídos
da análise variacionista, por deixarem de atender ao requisito de ―mes-
mo contexto‖ que caracteriza uma variável lingüística; (ii) os fatores
categóricos das demais variáveis independentes ou (a) foram amalgama-
dos, quando possível, ou (b) foram desconsiderados apenas no escopo
daquele grupo, sem que os dados tenham sido excluídos da rodada esta-
tística. A adoção desses procedimentos metodológicos vai se refletir em
alterações no total de dados em algumas instâncias das amostras. Aler-
tamos, pois, o leitor para o seguinte: nem sempre os números das tabelas
apresentadas ao longo da análise irão coincidir; os fatores categóricos
foram desconsiderados nas rodadas probabilísticas, mas os resultados
foram preservados na seção das variáveis independentes porque serão
discutidos numa análise mais qualitativa.
Procedeu-se, então, à utilização do Programa Ivarb, que, além do
PR, fornece a ordem de relevância de cada grupo de fatores significativo
e descarta os não significativos. Vejamos o quadro 14:
238
A ocorrência de uma das variantes foi categórica nos seguintes grupos de fatores: contexto
de atuação discursiva (amostra 1F: adversativo, de atenuação e concessivo; amostra 2F:
adversativo, de atenuação e de prefaciação; amostra 3F: de atenuação, de prefaciação e con-
cessivo inexistentes para o MD vê); e presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD
(o pronome tu é inexistente em Curitiba assim como vocativo junto a ). Também a variável
informante (125 informantes) foi excluída das rodadas probabilísticas e seus resultados percen-
tuais serão contemplados na discussão dos condicionadores sociais. Cabe destacar ainda que
tínhamos a previsão de testar a variável discurso (não)reportado, no entanto, como o fator
discurso reportado se mostrou inexistente para em todas as amostras, esta variável foi
desconsiderada na análise variacionista.
| 283
Ordem
de
significância
estatística
AMOSTRAS
1F
Santa Catarina
2F
Florianópolis
3F
Curitiba
Relação sintática com a
estrutura oracional
Relação sintática
com a estrutura
oracional
Presença/ausência de
pronome/vocativo junto
ao MD
Presença/ausência de
pronome/vocativo junto
ao MD
Idade
Relação sintática com a
estrutura oracional
Contexto de atuação
discursiva
Pausa
Cidade
Seqüência discursiva
(tipo textual)
Pausa
Posição dos MDs
Gênero/sexo
QUADRO 14 - GRUPOS DE FATORES ESTATISTICAMENTE
SIGNIFICATIVOS PARA O USO DE OLHA POR
AMOSTRA
FONTE: A autora (2009)
Como se observa, na primeira rodada da amostra 1F, o sistema
selecionou, entre fatores lingüísticos e extralingüísticos, sete grupos.
Apenas uma variável lingüística (seqüência discursiva) não se mostrou
significativa e duas sociais (idade e escolaridade). Em contrapartida, na
rodada da amostra 2F, o Programa elegeu apenas uma variável lingüísti-
ca e outra social. Já para a amostra 3F, o sistema selecionou quatro vari-
áveis lingüísticas mas nenhuma das sociais.
Após as três rodadas iniciais, procedemos à efetivação de outra
rodada da amostra 1F, dessa vez com amálgama dos contextos de atua-
ção discursiva distribuídos em duas macrofunções (macrofunção articu-
ladora predominantemente interacional e macrofunção articuladora
predominantemente textual). Esperávamos que, ao reunir os contextos,
houvesse nova reordenação e/ou seleção dos grupos de fatores mais
significativos. No entanto, ao reuni-las, o Programa estatístico selecio-
nou, no lugar de 7 grupos, somente 6, descartando o fator social gêne-
ro/sexo. Também os grupos pausa e posição dos MDs foram seleciona-
dos, mas reordenados em e lugar, respectivamente. Nenhum outro
fator lingüístico ou social, além dos expressos no quadro 14, foi consi-
derado estatisticamente relevante pelo Programa.
284 |
Realizamos ainda mais quatro rodadas por cidade de Santa Cata-
rina (desmembrando a amostra 1F) cujo intuito foi averiguar se o com-
portamento dos MDs em cada localidade catarinense sofre alguma inter-
ferência de natureza geográfica e/ou étnica.
Vejamos os grupos de fatores considerados significativos nas ro-
dadas individuais e a sua ordem de relevância por cidade catarinense:
Ordem
de
significância
estatística
CIDADES
Blumenau
Chapecó
Florianópolis
Lages
Relação
sintática
com a
estrutura
oracional
Relação
sintática
com a
estrutura
oracional
Presença/ausência de
pronome/vocativo junto
ao MD
Relação sintática com a
estrutura oracional
Gênero/sexo
Seqüência
discursiva
(tipo
textual)
Gênero/sexo
Presença/ausência de
pronome/vocativo junto
ao MD
Contexto de
atuação
discursiva
Pausa
Seqüência discursiva
(tipo textual)
Seqüência discursiva
(tipo textual)
QUADRO 15 - GRUPOS DE FATORES ESTATISTICAMENTE
SIGNIFICATIVOS PARA O USO DE OLHA POR CIDADE
DA AMOSTRA 1F
FONTE: A autora (2009)
Como se observa, nas rodadas individuais por cidade, o Programa
selecionou, no máximo, três grupos de fatores. Em se tratando os MDs
de um fenômeno discursivo, chama-nos a atenção, no quadro 15, o fato
de fatores de natureza sintática (relação sintática com a estrutura ora-
cional e presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD) terem
sido primeiro grupo selecionado como mais significativo nas quatro
cidades. Suscita nossa atenção também o fato de o grupo de fatores de
natureza discursiva (seqüência discursiva) passar a ser relevante em três
das quatro cidades, quando, na rodada geral do estado não foi seleciona-
do pelo Programa estatístico. Voltaremos a essa discussão adiante.
| 285
7.2 Análise sincrônica dos MDs olha e
Olha e revelaram comportamento variável em diferentes con-
textos, conforme apresentado no capítulo de análise funcionalista. Como
estamos lidando com três amostras de fala, delimitadas em razão de
particularidades geográficas, além de socioculturais, julgamos pertinen-
te, num primeiro momento, apresentar os resultados estatísticos para a
variável cidade, testada na amostra 1F, que recobre o estado de Santa
Catarina, a qual foi selecionada como estatisticamente relevante pelo
Programa na rodada geral dessa amostra. A partir de então, organizare-
mos os resultados nas tabelas para as demais variáveis, lingüísticas e
sociais, considerando também essa distribuição da amostra 1F.
Na seqüência, passamos ao detalhamento dos aspectos formais de
cada um dos MDs, para, a partir daí, procedermos à caracterização dos
grupos de fatores controlados selecionados ou não pelo Programa
estatístico de forma hierarquizada, considerando-se os diferentes ní-
veis lingüísticos/discursivos e extralingüísticos. Por fim, segue-se à
caracterização um exemplo das variantes em contexto de fala, as suas
respectivas hipóteses, bem como a análise e discussão dos resultados
percentuais e/ou probabilísticos à luz dos pressupostos teóricos apresen-
tados nos capítulos 3 e 4.
7.2.1 Cidade
a) Caracterização e hipóteses
Análises variacionistas de fenômenos discursivos que controla-
ram a variável cidade têm apresentado resultados significativos. Na
região Sul, Martins (2003, p. 54) constatou que o uso variável de bom e
bem é sensível a diferenças geográficas, seja em relação à freqüência de
uso das formas (Curitiba mostrou a maior produtividade desses MDs e
Florianópolis, a menor), seja em relação à utilização preferencial de uma
das formas (em Blumenau/SC e Porto Alegre/RS há forte tendência para
o uso de bom, em oposição a Pato Branco/PR e São Borja/RS, onde
predomina bem). Rost (2002, p.117), por sua vez, analisando amostras
das capitais da Região Sul, verificou que Curitiba e Porto Alegre são as
cidades em que o uso de olha e veja apresenta mais polaridade, com a
escolha da primeira variante pela capital gaúcha e da segunda pela para-
286 |
naense. Por outro lado, a capital catarinense mostra a menor produtivi-
dade desses itens, mas preferencial para olha.
Como as cidades que compõem o banco de dados VARSUL/SC
são caracterizadas por diferentes etnias, esperamos encontrar alguma
correlação relevante entre esse fator cultural e o uso dos MDs olha e vê.
Nesse sentido, ao controlarmos a região/etnia, pretendemos averiguar se
algum indício de transição social de um MD para outro no estado
catarinense, isto é, interessa-nos investigar o princípio empírico da tran-
sição, proposto por Weinreich, Labov e Herzog ([1968] 2006), tendo em
vista que Santa Catarina se configura como um estado identificado co-
mo área de transição lingüística (ALTENHOFEN, 2002)
239
.
Conforme detalhado no capítulo 5, as quatro cidades catarinenses
controladas são: Florianópolis (colonização açoriana), Blumenau (colo-
nização alemã), Chapecó (colonização italiana) e Lages (colonização
gaúcha: caminho dos tropeiros: RS  SP).
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel cidade mostrou-se significativa pelo Programa, como o quarto grupo
mais expressivo. Vejamos, então, os resultados gerais para a variável
cidade na tabela 8
240
:
239
Altenhofen (2002, p. 134) apresenta um conjunto de hipóteses acerca da delimitação de
áreas lingüísticas na região Sul do Brasil: ―1) área de transição (Leque Catarinense, postulado
por KOCH, 2000); 2) corredor central de projeção paranaense; 3) corredor oeste de projeção
riograndense; 4) corredor leste de projeção riograndense (feixe riograndense, na interpretação
de KOCH, 2000); 5) zona lateral açoriano-catarinense; 6) zona lateral do Paraná do norte (feixe
paranaense, na interpretação de KOCH, 2000); 7) zona lateral da fronteira sul-rio-grandense; e
8) áreas bilíngües de português de contato‖.
240
Esta tabela registra 592 dados, excluídas as 117 ocorrências de contextos de atuação
discursiva categóricos na amostra 1F. Considerando-se todos os dados, a distribuição é a
seguinte: Chapecó (145/174 = 83%), Blumenau (146/163 = 89%), Lages (175/228 = 77%) e
Florianópolis (112/144 = 78%).
| 287
TABELA 8 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL CIDADE SOBRE O USO DE
OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRA 1F)
Amostra 1F
Cidade
Apl/total
%
PR
Chapecó
111/140
79
0,77
Blumenau
106/123
86
0,54
Lages
155/208
75
0,48
Florianópolis
89/121
74
0,20
Total
461/592
78
Input: .97 Sig.: .046
4º selecionado
FONTE: A autora (2009)
Em termos de distribuição geral dos dados, Lages é a cidade que
apresenta o maior número de contextos concernentes ao domínio fun-
cional de chamada da atenção do ouvinte (208 dados), ao passo que
Florianópolis é a que contém o menor número (121 dados). A informa-
ção mais relevante, contudo, é a que contrasta Chapecó e Florianópolis:
enquanto a cidade de colonização italiana, localizada no extremo oeste
do Estado, é a que mais favorece o uso de olha (0,77), a cidade litorânea
de colonização açoriana é a que mais inibe esse MD (0,20), favorecen-
do, portanto, o item . Blumenau, embora apresente o maior percen-
tual para olha, em termos probabilísticos apresenta um comportamento
relativamente neutro, assim como Lages, ambas com PR próximo a 0,5.
Pode-se concluir desse quadro que o estado de Santa Catarina, represen-
tado por essas quatro cidades, apresenta um comportamento heterogêneo
em relação ao uso dos MDs olha e , o que justifica a decisão de se
considerar, além da amostra 1F, também o detalhamento por cidade, nas
tabelas subseqüentes
241
.
Em se tratando da investigação do princípio empírico da transi-
ção (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG ([1968] 2006), isto é, como
as mudanças o difundidas na comunidade de fala, como elas se mo-
vem de uma comunidade a outra e, por fim, como a mudança é transmi-
tida de uma geração a outra, observamos que, em relação à distribuição
de etnias nas amostras de Santa Catarina investigadas, a preferência pelo
uso de olha pode ser delineada da seguinte forma: italianos > alemães >
241
A título de comparação com as demais capitais da Região Sul: em Curitiba, foram encontra-
dos 61% de dados de e 39% de olha na amostra VARSUL; já em Porto Alegre, o percentual
se inverteu: 86% de olha e 14% de (ROST, 2002), distribuição similar à encontrada em
Blumenau.
288 |
gaúchos/paulistas > açorianos. O quanto esse uso diferenciado dos MDs
se deve à localização geográfica ou à configuração étnica de cada loca-
lidade é uma questão que permanece em aberto. Retomaremos a discus-
são sobre a variável região (incluindo a cidade de Curitiba) especialmen-
te ao discutirmos os resultados para as variáveis apresentação formal do
MD e presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD. Por ora,
deixamos o registro de que a escolha do MD olha ou tem motivação
extralingüística de natureza regional/étnica.
7.2.2 Apresentação formal do MD
a) Caracterização e hipóteses
Os MDs derivados de verbos de percepção visual apresentam al-
terações formais na sua realização, seja de ordem fonética
242
, seja tam-
bém de caráter morfológico
243
. Tomamos emprestada a caracterização
da apresentação formal dos itens de Rost (2002), conforme descrita a
seguir.
As alternativas fonéticas para olha indicam que este MD passa
por um processo de mudança constituindo-se de duas para uma sílaba, a
saber: ['a] ~ ['ja] ~ ['j] ~ [']. Quanto às alterações morfológicas,
identificamos as formas correspondentes à P2 derivadas do IND olha
(tu) e do SUBJ olhe (você). para , encontramos as formas, também
decorrentes de P2, derivadas do modo SUBJ vejas (tu) ~ veja (você) e as
do IND vês (tu) ~ (tu/você).
Estruturamos, pois, esta variável
244
da seguinte forma:
242
Mais uma vez esclarecemos que, para captar com relativa segurança as alterações fonéticas
e as pausas circundantes aos MDs, realizamos a audição cuidadosa de todas as fitas concernen-
tes às amostras do VARSUL analisadas, com o propósito de controlar, na medida do possível,
as reais formas com que os MDs tendem a se fixar em suas trajetórias de mudança.
243
Marín Jordá (2003) também controlou alterações de ordem morfológica e fonética nos MDs
em catalão: a) Formas derivadas do verbo veure: ―a veure‖, ―avere‖, ―aviam‖, ―veiam‖ e
―viam‖; b) Formas derivadas do verbo mirar: ―mira‖, ―miri‖, ―miri‘m‖, ―mireu‖ e ―mirin‖.
Constatou que as formas que mais se fixaram morfologicamente são as de P4 para veure (avi-
am e a veure) e as de P2 para mirar (miri). Em termos fonéticos, segundo a autora, apenas
sofrem redução os MDs derivados de veure, por exemplo, aviam que é uma forma reduzida de
a + veiam/vejam. Miri não apresentou qualquer redução.
244
Note-se que se trata, nesse caso, de formas alternantes de realização dos MDs olha e .
Obviamente, esses fatores não farão parte da análise probabilística que opõe os dois MDs, pois
dizem respeito a cada um deles tomado como referência. As hipóteses contemplam, pois,
cada um dos MDs, isoladamente.
| 289
- para olha, as formas simples: olha ~ ['ja] ~ olhe ~ ['j] ~ [']; e
as formas compostas: olha ~ olhe ~ olha ~ olhe só ~ mas olha ~
mas olhe ~ pois olha;
- para , as formas simples: veja ~ vejas ~ vês ~ vê; e as formas
compostas: veja bem ~ vê bem ~ veja só ~ vê só ~ vê lá.
Observemos alguns exemplos de realizações dos MDs que cor-
respondem a este grupo de fatores:
(139) E: E sobre [a] a Oktoberfest, você costuma
freqüentar essa festa?
F: Olha, os primeiros anos [freqüentamos] fre-
qüentei mas depois não fui mais. (BLU 01)
(140) E: Sei. E o que que você acha [da <edu->]
da educação em si, você acha que está melhoran-
do ou está piorando?
F: Olhe, educação eu acho que está piorando, tá?
Porque hoje os professores, parece que eles não
que eles não se dediquem, né? mas eles não m
estímulo pra se dedicar, tá? aos alunos. [Tanto]
tanto na Faculdade, eu sei que é assim quanto
qualquer colégio estadual (latidos) ahã. Que os
professores não têm mais estímulo, né? pra se es-
forçar, pra ensinar o aluno, pra transmitir. Porque
falar, [é] mostrar a matéria é uma coisa e transmi-
tir a matéria é completamente diferente. Então, os
professores não, eles não têm mais estímulo devi-
do ao nosso governo, né? O professor hoje quando
devia ser o ("funcionário") bem, muito bem (lati-
dos) remunerado, né? quando não é. Infelizmente
isso é Brasil, né? Brasil. (CTB 11 L. 162)
(141) E: Ah! sem dúvida. Ah! eu acho super le-
gal essa cultura, toda cultura gauchesca assim é
F: Ela é trabalhosa, sabe? então hoje é um esporte
muito caro, porque tu vejas bem um animal bom
hoje, um animal bom hoje pra você ter você tem
que ter uns cuidados especiais, muito caro o trato,
muito caro o animal, pra tu comprares um animal
bom hoje você paga em torno, às vezes, de dois,
três mil reais um animal, depois vem carro, vem
caminhão, vem montaria, vem o traje, tudo você
tira do bolso, ninguém te dá, então é tudo com a
gente, você vai porque você gosta, porque senão a
gente não participava, né? (LGS 19)
290 |
(142) F: É importante dialogar [não] [na hora de]
na hora de brigar se for pra brigar então, conversar
e dar um conselho, é muito melhor porque a cri-
ança é o seguinte, se der um conselho ela fica até
com vergonha, se brigar ele fica sem vergonha.
É, bah! Eh! Lá em casa é assim.
E: Como muda, né? [A educação,] né? [de uma]
[de uma é, geração] pra outra?
F: [[Muda]] [muda.] É, [e] e eles sabem tudo, até
música em inglês eles sabem, tu vês, dessa
idade, pequenos como são, eles sabem [até mú-
sica em] (LGS 12)
(143) E: O senhor lembra de alguma coisa, tal-
vez que o seu pai contava assim, sobre os jagun-
ços?
F: [...] Então isso são coisas contadas pelo nosso
antepassado, fazem parte da história [dessa] não
tanto dessa região de Lages, mas de Campos No-
vos, Caçador, ou Canoinhas, aquele lado lá. Então
essa guerra, [essa] [essa] [essa <re>] que houve
do jagunço foi [nessa] [nesses] nesses lugares aí,
né? Então, [é] [é uma] é uma coisa [que] que a-
conteceu [na] naquela época então, contado pelos
tios, né? [do] como que eu te disse, ele foi policial
[na] [na] [na] na época. É, um dos fatos que eu
posso te falar é que o meu pai, ele [viajou daqui
pra] viajava daqui para Santo Amaro, Palhoça,
com a carroça, buscando açúcar, buscando rapa-
dura, buscando as coisas. Você , [em] meu pai
nasceu em mil novecentos e dez, ele era novo na-
quela época, por volta de mil novecentos e vinte e
oito, por aí. Ele viajava daqui com uma carroça,
puxava tração animal, né? lá [pra] pra Santo Ama-
ro, pra Palhoça. (LGS 24)
Quanto às alternativas morfológicas, nossa hipótese para esta va-
riável é a de que os MDs se fixem mais intensamente como olha e ,
decorrentes do uso verbal derivado do presente do IND, considerando-se
que esse modo estaria tomando o lugar do SUBJ (cf. PIMPÃO, 1999)
245
.
245
Pimpão (1999) investigou, numa amostra de dados do Projeto VARSUL, o tratamento
variável entre o presente do modo subjuntivo e o presente do modo indicativo sob uma aborda-
gem discursivo-pragmática. A investigação do comportamento variável do modo subjuntivo
| 291
Também porque, conforme Scherre (2005, 2008) e Scherre et al. (2007),
na região Sul, predomina o imperativo sincronicamente associado ao
IND (deixa/recebe/abre/dá/diz/vai) nos contextos de fala. Mais especifi-
camente, a pesquisa de Bonfá, Pinto e Luiz (1997 apud SCHERRE et
al., 2007) atestou que, em Florianópolis, onde predomina o uso do pro-
nome tu, vige o imperativo verdadeiro
246
(100%); porém, em Lages,
onde prevalece o uso do pronome você, predomina o uso do imperativo
supletivo (79%). Em se tratando de MDs derivados de imperativo, os
resultados de Rost (2002) corroboram a tendência atestada por Scherre
(2005) e Scherre et al. (2007) de o imperativo estar associado ao IND
em dados de fala.
Adicionalmente, nossa expectativa para as formas oriundas do
SUBJ (olhe e veja) é de que sejam mais recorrentes em Curitiba e Lages
do que nas outras localidades investigadas, em virtude da história do
sistema pronominal da cidade paranaense e da catarinense. Curitiba tem
predomínio absoluto de uso de vo para designar P2 (cf. ABREU,
1987; RAMOS, 1989 apud MENON, 2002, p. 153-154; LOREGIAN,
1996; LOREGIAN-PENKAL, 2004, por exemplo), e em Lages, que se
encontra em crescente alternância de tu e você (cf. MENON;
LOREGIAN-PENKAL, 2002), a segunda variante é mais freqüente. Nos
numa perspectiva de gramática emergente coloca em relevo o continuum tempo-modalidade
como o principal condicionante do uso do modo verbal. Os traços de futuridade e de incerteza,
identificados no nível sintático-semântico, preservam o uso do modo subjuntivo. os traços
de atemporalidade e de incerteza, localizados no nível semântico-pragmático, bem como os
traços de pressuposição, no nível discursivo-pragmático, inibem o emprego do subjuntivo. Esse
comportamento escalar do modo subjuntivo apresenta duas constantes: em primeiro, o subjun-
tivo mostra-se atuante sob o traço de futuridade do nível sintático-semântico, e não sob o traço
de incerteza, conforme prevê a gramática normativa. Em segundo, a ausência do traço de
futuridade, atrelada ao domínio semântico-discursivo-pragmático, mostra-se o contexto prefe-
rencial para o emprego do modo indicativo.
246
Scherre et al. (2007) diferenciam, segundo autores de orientação gerativa (RIVERO, 1994),
o imperativo verdadeiro (em português: olha, abre, faz) do imperativo supletivo (em portu-
guês: olhe, abra, faça). Trancrevemos as palavras dos autores: ―Registra a literatura gramatical
que construções como olha, abre, faz, em enunciados sintáticos diretivos sem sujeito superfici-
al (Olha pra mim!; Abre a porta!; Faz o doce!), são formas próprias do imperativo. Neste
sentido, o português remonta ao latim, cujo imperativo apresentava morfologia distinta do
modo IND, sendo exclusivo de orações afirmativas. Registra ainda a história que as formas
imperativas singulares em latim eram usadas para a referência à P2 em contexto de menos
formalidade. Formas imperativas plurais latinas, por sua vez, eram usadas com interlocutor
singular em situação formal ou com interlocutores plurais em contexto discursivo neutro ou
não-marcado. Para a expressão de atos diretivos afirmativos singulares com marca discursiva
de respeito ou para atos diretivos negativos, também sem sujeito superficial, eram utilizadas
formas do modo SUBJ, denominadas de formas supletivas pela tradição gramatical européia e
de formas surrogates por estudiosos de orientação gerativa (cf.: ELIA 1974:238-239;
FARACO 1986, 1996; RIVERO 1994; RIVERO & TERZI 1995; MATEUS et al., 2003:254-
256; 451-460)‖.
292 |
moldes da gramática normativa, o imperativo, nesse caso, dar-se-ia as-
sociado à forma verbal de P3 do SUBJ. Julgamos, pois, que os MDs
possam ainda carregar vestígios de sua origem verbal.
Quanto às alternativas fonéticas, nossa hipótese fundamenta-se no
mecanismo da erosão (redução fonética), descrito por Heine (2003),
Heine e Kuteva (2007, p. 34) e presente na maioria dos itens em proces-
so de gramaticalização. Ao projetarmos que o MD olha passa por um
processo de mudança constituindo-se de duas para uma sílaba ['a] >
['ja] > ['j] > ['], estamos postulando que haverá maior tendência à
redução dessa variante em comparação a . Todavia, julgamos que a
realização da semivocalização
247
(['ja] e ['j]) também será menos
freqüente uma vez que é vista como uma forma estigmatizada típica de
falantes das variedades do português de classe social baixa, com pouca
escolaridade e residentes na zona rural.
b) Resultados e discussão
Vamos apresentar, primeiramente, a tabela com a distribuição das
diferentes formas de realização do MD olha e tecer considerações sobre
esse marcador. A seguir, apresentamos a tabela com a distribuição das
formas variáveis do MD , com as respectivas considerações. Posteri-
ormente, discutimos os resultados evidenciados à luz dos pressupostos
teóricos e de trabalhos desenvolvidos sobre o uso de MDs, principal-
mente no PB.
Esses resultados foram obtidos numa primeira rodada geral de
cada uma das três amostras.
247
Mendonça (1936 apud SPINA, 1987) atribui a variação da lateral palatal nas variedades do
português à interferência do falar das populações luso-africanas das ilhas de Cabo-Verde, São
Tomé, Príncipe e Ano Bom. Por outro lado, Melo (1981, p. 58-59 apud SOARES, 2002) e
Silva Neto (1986, p. 134 apud SOARES, 2002) apontam a expressiva ocorrência da semivoca-
lização da lateral palatal no português das localidades do interior do Brasil, principalmente no
Nordeste, devido à influência da ngua tupi. Cagliari (1974 apud SOARES, 2002), por sua
vez, argumenta que a realização da semivocalização é vista como uma forma estigmatizada
típica de falantes das variedades do português de classe social baixa, com pouca escolaridade e
residentes na zona rural. Tal constatação é corroborada por Aguilera (1988 apud SOARES,
2002) nas regiões predominantemente rurais do estado do Paraná. Em contrapartida, Oliveira
(1983 apud SOARES, 2002) identifica o uso esporádico da semivocalização por falantes de
grupos favorecidos economicamente em Belo Horizonte.
| 293
TABELA 9 - DISTRIBUIÇÃO DAS FORMAS DE REALIZAÇÃO DO MD
OLHA POR CIDADE (AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
248
FORMA SIMPLES
FORMA COMPOSTA
olha
['ja]
['j]
[']
olhe
olha
olhe
pois
olha
mas
olha
mas
olhe
olha
olhe
Total
BLU
125
7
6
1
2
5
146
CHA
114
10
7
7
2
2
3
145
FPL1
83
10
2
5
6
3
2
1
112
LAG
114
10
18
5
10
12
6
175
Total 1F
436
37
33
18
18
2
0
14
17
0
2
1
578
Total 2F
144
10
3
13
6
4
2
1
183
Total 3F
47
4
5
11
22
2
1
2
5
99
FONTE: A autora (2009)
Quanto aos resultados gerais do MD olha, localizamos a seguinte
distribuição nas três amostras, destacando inicialmente as formas indica-
tivas simples e compostas: (i) na amostra 1F, do total de 578 ocorrên-
cias, 436 (75%) são relativas à forma simples olha, o que é bastante
significativo, enquanto as formas compostas dessa variante indicativa
correspondem a 35 ocorrências (6%); (ii) na amostra 2F, do total de 183
ocorrências, 144 (79%) são da forma indicativa simples e somente 6
(3%) da forma composta; (iii) na amostra 3F, do total de 99 dados, 47
dados (47%) são da forma simples e 3 (3%) da composta.
Se projetarmos que os casos de semivocalização e de redução fo-
nética de olha nas três amostras decorrem da forma do IND
249
, o percen-
tual de realização do MD olha por meio de formas derivadas do modo
IND chega a 97%, 96% e 71% dos dados, respectivamente. Por outro
lado, as formas simples e compostas desse MD derivadas do SUBJ cor-
respondem a somente 3%, 4% e 29%, respectivamente, do total de ocor-
rências dessa variante. O que chama a atenção aqui é o percentual de
248
Optou-se por conciliar, em uma única tabela, os resultados obtidos para cada amostra, não
em busca de um modo mais econômico de apresentação dos resultados, mas também de
melhor visualização comparativa, especialmente em relação às cidades. Levou-se em conside-
ração primeiramente a rodada estatística geral da amostra 1F. Cabe ressaltar também que a
amostra 2F, identificada como FLP2, encontra-se em separado das demais, porque dispõe da
inserção de informantes da faixa etária de 15-24 anos e universitários, ou seja, mais infor-
mantes do que nas outras cidades investigadas. Esse tipo de arranjo na tabela, reunindo as três
amostras e com detalhamento da amostra 1F, semantido em todas as tabelas daqui para
frente.
249
Estamos fazendo uma projeção hipotética mas que consideramos plausível, que não foi
encontrada nenhuma forma de [‗ji] ou [‗je], que pudesse ser identificada como um caso de
semivocalização de olhe. No entanto, não fica descartada a possibilidade de olhe > ['j] > ['].
294 |
29% de formas derivadas do SUBJ do MD olha em Curitiba, contra-
pondo-se ao baixíssimo percentual obtido nas cidades catarinenses.
Quanto à redução fonética de olha, ao se observar a escala cres-
cente em direção à maior redução (['ja] > ['j] > [']), nota-se que,
enquanto a amostra 1F segue a mesma linha em termos de diminuição
do número de ocorrências (37 > 33 >18), as amostras 2F e 3F, particu-
larmente esta última, invertem a distribuição da forma mais reduzida
(10 > 3 > 13 e 4 > 5 > 11, respectivamente). É também interessante
comparar os resultados da distribuição das formas reduzidas nas amos-
tras de FLP1 e FLP2: o aumento na produção da forma ['] nesta última
deu-se em virtude da inserção, nessa amostra, de informantes da faixa
etária jovem e de nível universitário (que são os fatores que diferenciam
as amostras de FLP1 e FLP2).
Conforme Bybee (2003), a freqüência de uso em elementos que
estão sofrendo gramaticalização leva à redução fonológica, pois palavras
que são freqüentemente repetidas no mesmo discurso tendem mais a
serem encurtadas do que elementos de baixa freqüência. Contudo, se
considerarmos a distribuição das formas derivadas do IND em uma
escala de redução fonética que vai de olha até ['] (com a devida ressal-
va da nota 249), vamos perceber que é justamente na amostra que apre-
senta menor número de ocorrências do MD olha derivado do IND a
amostra 3F de Curitiba que vamos encontrar a maior incidência de
redução fonética monossilábica, o que é um fato curioso e, nesse caso,
parece desabonar a idéia de Bybee (2003) de que é a freqüência que
apressa a mudança.
Consideremos agora os casos de semivocalização (['ja] > ['j]).
Tínhamos, por hipótese, que essas formas de redução seriam pouco
freqüentes em razão do estigma que costuma cercá-las. Ainda atentando
para a tabela 9, tomando comparativamente os números das três primei-
ras colunas, podemos notar que, proporcionalmente, a cidade que apre-
senta maior recorrência de formas semivocalizadas é Lages (28/142
=25%), seguida por Curitiba (9/56 = 16%). A cidade que menos vocali-
za é Blumenau (13/138 = 9%). O número de ocorrências dessas formas
não é tão baixo como prevíamos. No entanto, fica em aberto a questão
do possível estigma associado a esses usos, pois não realizamos nenhum
teste de atitude.
A tabela a seguir apresenta as formas de realização do MD .
| 295
TABELA 10 - DISTRIBUIÇÃO DAS FORMAS DE REALIZAÇÃO DO MD
POR CIDADE (AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
vê bem
vê só
vê lá
vês
veja
veja bem
veja só
TOTAL
BLU
13
4
17
CHA
12
1
1
7
8
29
FPL1
26
2
1
1
2
32
LAG
32
5
11
5
53
Total 1F
83
1
2
2
13
23
7
131
2F
34
2
1
3
2
42
3F
95
1
37
15
5
153
FONTE: A autora (2009)
Quanto aos resultados gerais do MD , consideremos a seguinte
distribuição para as formas derivadas do IND: (i) na amostra 1F, do total
de 131 ocorrências, 85 (65%) são da forma simples (vê, vês) enquanto 3
(2%) correspondem à forma composta; (ii) na amostra 2F, dos 42 dados,
35 (83%) o formas simples, enquanto que as formas compostas cor-
respondem a 2 ocorrências (5%); e (iii) na amostra 3F, do total de 153
dados, 95 (62%) são da forma simples e 1 somente da forma composta.
No que tange às formas derivadas do SUBJ dessa variante, desta-
cam-se os seguintes resultados nas três amostras: (i) na amostra 1F, do
total de 131 ocorrências, 13 (10%) são da forma simples, enquanto que
30 (21%) correspondem à forma composta; (ii) na amostra 2F, dos 42
dados, 3 (7%) o formas simples, enquanto que as formas compostas
correspondem a 2 ocorrências (5%); e (iii) na amostra 3F, do total de
153 dados, 37 (24%) são da forma simples e 20 (13%) da forma com-
posta. Reunindo as formas simples e compostas, a distribuição percentu-
al das formas derivadas de SUBJ nas três amostras é a seguinte: 33% na
amostra 1F, 35% na 2F e 37% na 3F.
Comparando-se os resultados gerais apresentados nas tabelas 9 e
10, observa-se que a nossa hipótese quanto à tendência dos itens fixarem
suas formas como olha e , decorrente do uso verbal derivado do pre-
sente do IND, se confirma. Semelhantemente, nas rodadas individuais
por cidade de Santa Catarina e em Curitiba, os resultados gerais apon-
tam o uso mais intenso das formas derivadas do IND. Uma ressalva:
quanto ao MD olha, Curitiba é a cidade que menos apresenta ocorrên-
cias da forma simples olha (47% do total desse MD); nas demais cida-
des, o percentual de olha oscila entre 65% (Lages) e 85% (Blumenau).
Quanto ao MD , Chapecó é a cidade com menor incidência da forma
simples vê(s) (45% do total desse MD); nas demais cidades, o percentu-
al de vê(s) varia entre 60% (Lages) e 84% (Florianópolis1).
296 |
Em resumo, em termos mais polarizados verificamos que: a) em
Blumenau, olha é a forma que apresenta maior freqüência de uso (125
ocorrências), menor complexidade estrutural (considerando-se as marcas
flexionais: 144 dados da forma indicativa e 2 somente da subjuntiva); b)
em Lages, mais redução fonética
250
dessa variante (23 ocorrências);
c) em Curitiba, menor freqüência de olha, a complexidade estrutural
opõe olha/olhe a veja/vê (não ocorre vês) ficando ainda uma diferença
devido à constituição fonética dos pares, permanece a redução fonética
para olha e as realizações derivadas do SUBJ para esta variante ocorrem
de modo mais intenso (29 = 29%) em Curitiba do que nas quatro cidades
catarinenses investigadas.
Outro destaque: considerando os dois MDs olha e e os resul-
tados das amostras 1F e 3F, enquanto os catarinenses elegem o MD olha
(578 = 82%) em detrimento de (131 = 18%), os curitibanos preferem
o MD (153 = 61%) a olha (99 = 39%).
Os resultados evidenciam que os MDs provenientes de verbos no
imperativo estão sujeitos à fixação em termos de flexão número-pessoal
e modo-temporal (BASÍLIO, 1992, p. 86 apud URBANO, 1999, p. 215;
RISSO; SILVA; URBANO (1996, p. 39). Essa afirmação vai ao encon-
tro do argumento de Pusch (2006), segundo o qual o imperativo, porque
apresenta menor variação morfológica, presta-se mais a derivar MDs do
que outras formas verbais mais ricas morfologicamente.
7.2.3 Variáveis lingüísticas/discursivas
Subjacente ao princípio empírico da restrição de Weinreich, La-
bov e Herzog ([1968] 2006) encontra-se a investigação das variáveis
lingüísticas que condicionam o uso de um MD em vez de outro, isto é, a
verificação do que condiciona a mudança ou o que concede possíveis
condições para que a mudança ocorra. Nessa direção, pretendemos veri-
ficar se o uso variável do fenômeno discursivo em estudo é sensível a
condicionadores lingüísticos/discursivos.
250
Destaca-se, conforme Rost (2002), que a oposição olha e olhe é menos saliente do que entre
veja e vê; a alteração fonética de veja (com ditongação, por exemplo) o é esperada em
português e uma redução de parece ser impossível. Temos, assim, restrições fonéticas
atuando em eventuais reduções formais.
| 297
7.2.3.1 Contexto de atuação discursiva
a) Caracterização e hipóteses
Diferentes pesquisadores
251
, analisando minuciosamente amostras
diversas, têm apontado uma série de contextos discursivos em que certos
MDs ocorrem, conforme descrito e exemplificado no capítulo 6. Veja-
mos, portanto, as hipóteses relativas ao comportamento dos MDs em
relação a este grupo de fatores. Embora Guerra (2007) tenha constatado,
em termos gerais, que variados MDs de base verbal
252
exercem majori-
tariamente funções predominantemente interacionais, nossa hipótese se
fundamenta no fato de que uma análise refinada dos MDs olha e vai
mostrar usos diferenciados desses itens
253
.
Em termos gerais, nossa expectativa é que os MDs sejam favore-
cidos por contextos em que está predominantemente em cena a função
interpessoal/interacional devido ao resquício de ato de fala imperativo e
à intensidade dos graus de envolvimento do F e do O, considerando-se
que este teria sido o primeiro movimento de expansão semântica com
ganho pragmático-discursivo. Por outro lado, esperamos também que os
contextos caracterizados pela presença de traços da função textual sejam
menos recorrentes, devido ao caráter mais abstrato associado a esses
contextos e aos traços de subjetividade decorrentes do envolvimento
maior do F que expressa suas atitudes avaliativas seja em relação ao
comportamento do interlocutor, ao seu próprio comportamento, seja em
relação a situações relatadas ou a determinadas porções textuais, con-
forme apresentado no capítulo 3. Nesse processo de subjetivização, os
itens acabam adquirindo também certos traços de natureza textual, como
a ocorrência em certas posições relacionais.
Em termos específicos de cada MD, com base nos resultados de
Rost (2002), nossa expectativa era que o item olha fosse favorecido por
251
Por exemplo, Castilho (1989), Marcuschi (1989), Macedo e Silva (1996), Martelotta (1996),
Risso, Silva e Urbano (1996) Travaglia (2003), entre outros.
252
Guerra (2007, p. 79, grifo nosso) cita como exemplo os MDs entendeu, olha, sabe?, viu.
253
Dominguez Portela (2008), analisando dados de fala coletados a partir da década de 70,
constatou que, no galego, há maior freqüência de uso nos valores do MD olla relativos à cha-
mada da atenção sobre o receptor para adverti-lo (como o contexto caracterizado para os MDs
olha e no PB) ou para começar nova intervenção para informá-lo sobre algo que considera
relevante. Por exemplo: Olla, cretino Amado: rematou a Asamblea‖ (MÉNDEZ FERRÍN,
1980, p. 28 apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008). Quando a chamada da atenção recai sobre
a informação, é mais freqüente o uso nos contextos em que o MD reafirma a intensidade, o
grau ou a importância da mensagem que se acaba de dar, como em O meu menino, olha,
desde que almoçei (sic) ainda não o vi mais‖ (BACELAR DO NASCIMENTO, 1987, p. 244
apud DOMINGUEZ PORTELA, 2008).
298 |
contextos de advertência, interjeição, atenuação e prefaciação, por
apresentarem mais características de interpessoalidade, e serem contex-
tos em que se supõe captar o movimento mais básico de expansão de um
significado semântico para um significado pragmático. Em contraparti-
da, esperávamos que os contextos de atuação exemplificação e causali-
dade fossem mais recorrentes para , devido ao caráter menos interpes-
soal e mais subjetivo associado a tais contextos. Como já vimos no capí-
tulo anterior, principalmente na informação da nota 235, os contextos de
atenuação e prefaciação realmente se mostraram categóricos para o uso
de olha, o que contempla nossa hipótese para esse MD. Por outro lado,
o contexto concessivo, previsto inicialmente como espaço hipotético
para , também se mostrou categórico para olha.
b) Resultados e discussão
Conforme o quadro 15, a variável contexto de atuação discursiva
foi o terceiro grupo selecionado pelo Programa de análise estatística em
ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F. No entanto, ressal-
te-se que, nas rodadas estatísticas por cidade, esse grupo foi selecionado
como relevante para olha apenas para a cidade de Blumenau, tendo sido
o terceiro grupo mais significativo na rodada. Todavia, nas rodadas das
amostras 2F e 3F, essa variável não se revelou estatisticamente relevan-
te
254
. Vejamos, então, os resultados gerais para os contextos de atuação
discursiva por amostra na tabela 11
255
:
254
Conforme o cap. 5, mantemos e testamos os grupos de fatores significativos na pesquisa de
Rost (2002), mas também inserimos outras variáveis lingüísticas e sociais, levantadas princi-
palmente em bibliografias do PB disponíveis sobre MDs. Acreditamos que essa nova configu-
ração de fatores tenha atuado na recodificação dos dados e a variável contexto de atuação
discursiva acabou sendo, agora, rearranjada em outra posição em termos de significância
estatística.
255
Nas tabelas, mantemos as colunas para PR somente quando o Programa estatístico selecio-
nou aquela variável como significativa. Nos demais casos, mantemos as colunas somente até o
percentual. Ainda, especialmente nesta tabela, mantemos os fatores com resultado percentual
categórico (e, por isso, sem PR correspondente), para efeito de visualização geral do compor-
tamento dos MDs em todos os contextos de atuação discursiva identificados nas amostras
analisadas.
| 299
TABELA 11 INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL CONTEXTO DE ATUAÇÃO
DISCURSIVA SOBRE O USO DE OLHA EM RELAÇÃO A
(AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Em termos gerais, os resultados percentuais categóricos (100%) e
os resultados em PR para a amostra 1F (coluna GERAL da amostra 1F)
corroboram nossas expectativas de que os contextos que apresentam um
significado mais pragmático, isto é, que envolvem o aspecto intersubje-
tivo voltado para o jogo F/O (componente ―orientado para o O‖), são
altamente significativos na escolha de olha. Assim é que os contextos
adversativo e de atenuação (categóricos) e o de advertência (0,95) se
mostram como os típicos para o uso desse MD. Por outro lado, olha é
fortemente inibido pelo contexto causal (0,22), seguido dos contextos de
parentetização (0,26) embora este se apresente com poucos dados (23
Amostra 1F
Contextos
de atuação
discursiva
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
De advertência
16/16
16/17
94
16/17
94
30/30
100
43/44
98
De opinião
37/37
29/29
100
29/29
100
20/21
95
22/23
96
De prefaciação
5/6
7/7
100
7/7
100
8/8
100
14/15
93
Interjetivo
8/8
12/12
100
12/12
100
8/10
80
16/25
64
Exemplificativo
20/23
26/32
81
26/32
81
17/23
74
16/21
76
De parentet.
0/1
-
-
-
-
2/9
22
6/13
46
Causal
20/32
21/43
49
21/43
49
4/20
20
38/67
57
Adversativo
20/20
14/14
100
14/14
100
11/11
100
6/6
100
De atenuação
19/19
19/19
100
19/19
100
12/12
100
14/14
100
Concessivo
1/1
1/1
100
1/1
100
-
-
-
-
Total
146/163
145/174
83
145/174
83
112/144
78
175/228
77
Input: .97 Sig.: .033
3º selecionado
Não seleciona-
do
Não
seleciona-
do
Não selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
De advertência
105/107
98
0,95
57/58
98
40/46
87
De opinião
108/110
98
0,57
34/35
97
19/39
49
De prefaciação
34/36
94
0,45
13/13
100
2/2
100
Interjetivo
44/55
80
0,36
10/12
83
7/17
41
Exemplificativo
79/99
80
0,28
26/33
79
10/67
15
De parentet.
8/23
35
0,26
2/12
17
2/11
18
Causal
83/162
51
0,22
6/27
22
9/59
15
Adversativo
51/51
100
-
15/15
100
1/2
50
De atenuação
64/64
100
-
20/20
100
7/7
100
Concessivo
2/2
100
-
-
-
2/2
100
Total
578/709
82
183/225
81
99/252
39
Input: .97 Sig.:.048
3° selecionado
Não seleciona-
do
Não selecionado
300 |
ocorrências) e exemplificativo (0,28). Para a amostra 2F, os resultados
em percentual ratificam os encontrados na amostra 1F: olha é mais fre-
qüente nos contextos de advertência (98%) e opinião (97%), seguido de
interjetivo (83%) e exemplificativo (79%). Esses resultados também
evidenciam nossa hipótese de que funções com matizes mais textuais,
que envolvem o aspecto subjetivo (componente ―orientado para o F‖),
seriam mais favorecedoras para e inibidoras de olha.
Como destacamos na seção 7.1, realizamos amálgama dos con-
textos de atuação discursiva distribuindo-os em duas macrofunções.
Constatamos que a maior parte das ocorrências do MD olha se em
contextos em que predomina a macrofunção articuladora predominan-
temente interacional (advertência/ adversativo/ atenuação/ interjetivo/
prefaciação/ parentetização), com um PR de 0,72
256
, ao passo que é
favorecido pelos contextos em que atua a macrofunção articuladora
predominantemente textual (exemplificativo/ opinião/ causal/ concessi-
vo), com PR de 0,64, ratificando nossa hipótese.
Nas rodadas por cidade, destacamos os seguintes resultados: con-
trastivamente em relação à rodada geral, em Blumenau, os contextos de
exemplificação (0,92) e prefaciação (0,81) condicionam favoravelmente
o uso do MD olha. Curiosamente, mostraram-se significativos um con-
texto mais característico da macrofunção discursiva articuladora textual
e outro da interacional. Por outro lado, nessa localidade, olha é forte-
mente inibido pelo contexto causal (0,11), ratificando os resultados da
amostra 1F. Esses resultados, alguns deles destoantes do resultado geral
da amostra 1F comentados acima, apontam para o fato de que os MDs
em questão não se encontram num mesmo estágio de funcionamento em
todas as cidades examinadas o que já foi evidenciado quanto ao uso de
um ou outro MD, conforme resultados da tabela 1. A flutuação encon-
trada nos contextos de atuação discursiva pode ser interpretada como
indício de que os MDs se encontram ainda em processo de expansão
polissêmica pragmática.
Outro resultado que merece reflexão é o seguinte: em Santa Cata-
rina, enquanto Lages e Florianópolis são as cidades que exibem o maior
número de contextos de variação dos MDs (Lages com sete em dez
contextos, Florianópolis1 com cinco), Blumenau e Chapecó são os dois
municípios catarinenses que, além de apresentarem o menor número de
256
A distribuição no uso de olha em relação a segundo a variável macrofunção apresentou
os seguintes resultados: 192 dados de olha (87%) em 222 encontram-se distribuídos na macro-
função articuladora basicamente interacional e 269 em 370 (76%), na macrofunção articula-
dora basicamente textual. Observação: o total de dados aqui é de 592, pois foram desconside-
rados os contextos categóricos (117 ocorrências).
| 301
ocorrências de (10% e 17%, respectivamente), são também onde se
observa menos contextos de variação, apenas três: causal e exemplifica-
tivo em ambas as cidades, e prefaciação e advertência em Blumenau e
Chapecó, respectivamente. Curitiba (amostra 3F) apresenta comporta-
mento variável semelhante ao de Lages: os MDs também operam varia-
velmente em sete dos dez contextos de atuação discursiva descritos.
Esses resultados podem significar ou que o MD ainda pode ter sua
freqüência de uso aumentada e conseqüentemente expandida para outros
contextos, ou que o MD olha já se fixou solidamente como o único MD
da maioria dos contextos que constituem o domínio funcional da cha-
mada da atenção do ouvinte.
Antes de passarmos para a apresentação da próxima variável,
convém registrarmos ainda algumas reflexões acerca dos contextos de
atuação discursiva. No decorrer da análise, foram surgindo algumas
questões, tais como: (i) o contexto que é mais recorrente é o que permite
o uso de ambos os MDs, e o contexto menos freqüente o que favorece o
uso de um deles? (ii) é possível detectar, diacronicamente, a emergência
de algum uso, e se está entrando em contextos típicos de olha, ou
vice-versa? (iii) pode-se dizer que o contexto de aparecimento (quase)
categórico de um MD é um contexto de especialização de uso?
Voltamos a examinar os dados em busca de respostas a essas
questões. Para facilitar a análise comparativa, rearranjamos os resultados
pancrônicos relativos à variável contexto de atuação discursiva, dispon-
do-os por ordem de freqüência de uso a partir dos dados sincrônicos.
302 |
TABELA 12 - DISTRIBUIÇÃO PANCRÔNICA DOS MDS OLHA E DE
ACORDO COM OS CONTEXTOS DE ATUAÇÃO
DISCURSIVA EM AMOSTRAS DE FALA E DE ESCRITA
Dados de fala
Dados de escrita
Amostras
Século XIX
Século XX
MDs
olha
olha
olha
Contextos
Freq. %
Freq. %
TOTAL
Ocor.
Ocor.
Ocor.
Ocor.
Causal
83 51
79 49
162
1
-
-
2
De opinião
108 98
2 2
110
-
-
-
1
De advertência
105 98
2 2
107
17
1
16
-
Exemplificativo
79 80
20 20
99
1
-
-
-
De atenuação
64 100
- -
64
2
-
3
-
Interjetivo
44 80
11 20
55
5
257
-
4
4
Adversativo
51 100
- -
51
1
-
-
-
De prefaciação
34 94
2 6
36
-
-
-
-
De parentet.
8 35
15 65
23
-
-
-
-
Concessivo
2 100
- -
2
-
-
-
-
Total
578
82
131
18
709
27
1
23
7
FONTE: A autora (2009)
Com base nos resultados da tabela 12, vamos tentar responder as
indagações postas acima. Em relação à recorrência dos contextos, nota-
mos que, sincronicamente, o contexto mais freqüente, que é o causal, é
também o que mais propicia o uso variável dos MDs, com distribuição
percentual equilibrada entre os dois itens; diacronicamente, apesar da
escassez de dados, também ocorrem os dois MDs, olha, no século XIX e
, no século XX. Essa correlação entre recorrência e variação, todavia,
não se mantém: os contextos de opinião e de advertência, que são, res-
pectivamente, o segundo e o terceiro mais freqüentes, concentram 98%
das ocorrências dos MDs no item olha; diacronicamente, o contexto de
advertência é o que detém o maior número de ocorrências dos MDs (34
dados), também concentrados quase que categoricamente em olha.
Mais dois contextos merecem reparo: o interjetivo, que das 55 ocorrên-
cias sincrônicas apresenta 80% de olha e 20% de , e das 13 ocorrên-
257
Nos dados diacrônicos, o contexto interjetivo reúne, no século XIX, também 1 dado de
advertência/interjetivo e 1 dado de atenuação/interjetivo.
| 303
cias diacrônicas (o segundo contexto mais recorrente nas peças) apre-
senta 69% de olha e 31% de ; e o de parentetização, identificado
apenas nos dados de fala, que, com um número reduzido de ocorrências
(apenas 23) detém a maior taxa de (65%). Por outro lado, o contexto
menos recorrente de todos, o concessivo, apresenta 2 dados de olha.
Verifica-se, pois, que os dois contextos que apresentam maior variação
entre os MDs são o causal (o mais recorrente) e o de parentetização (um
dos menos recorrentes). Desse modo, a resposta à indagação (i) acima é
parcialmente afirmativa.
A segunda questão colocada diz respeito à possibilidade de captar
os contextos de entrada dos MDs. Quanto à emergência dos MDs em
estudo, no século XIX olha aparecia em seis diferentes contextos
(predominando largamente em contextos de advertência), mantendo-se,
no século XX, em quatro deles (prioritariamente em contextos de adver-
tência). A única ocorrência de , no século XIX, também se em
contexto de advertência; no século XX é que se detectam os primei-
ros usos de em contextos causal, de opinião e interjetivo. À exceção
do contexto de opinião, que vai se caracterizar nos dados de fala como
quase categórico para olha, os demais vão se manter como campo fértil
de variação entre os dois MDs, tal como assinalado. Em relação aos
contextos diacronicamente mais típicos de olha de advertência e inter-
jetivo , o que se percebe é que o primeiro se mantém nas amostras sin-
crônicas de fala como reduto de olha; no entanto, o contexto interjetivo,
que nas peças escritas no século XX era compartilhado pelos dois
MDs, continua sincronicamente como terreno de variação, embora com
predomínio de olha.
A terceira indagação aborda a questão da especialização de uso.
O que se coloca em discussão é o seguinte: os contextos de atuação
discursiva categóricos de olha, como o de atenuação e o adversativo,
que eram exclusivos desse MD nas amostras escritas, podem ser in-
terpretados como casos de especialização de uso, ou devem ser vistos
como contextos de restrição à entrada de , que podem vir a se abrir
para esse MD em sua expansão gradativa de uso? Observe-se que o
percentual de ocorrências de em relação a olha vem aumentando: no
século XIX era de 3,5%, no século XX de 23%; e nos dados de fala
atuais cai um pouco para 18%. Da mesma forma, os contextos de apare-
cimento de vêm se expandindo: no século XIX era um contexto, no
século XX três contextos, e nos dados de fala atuais sete contextos.
Arriscamos uma hipótese interpretativa para o quadro acima es-
boçado: a previsão de que pode vir a ocupar também o lugar do MD
olha pode se concretizar em se tratando do contexto concessivo, uma
304 |
vez que projetamos um continuum de mudança semântico-pragmática
dos significados menos para os mais abstratos associados a ambos os
MDs. No caso do concessivo, por exemplo, há veiculação do significado
de dúvida ao mesmo tempo em que assinala a manifestação da avaliação
subjetiva do F e o MD auxiliaria na articulação coesiva e argumentativa
do texto, ou seja, entra em campo a função mais textual (basicamente
orientada para o F). Contudo, para os contextos de atenuação e adversa-
tivo, a hipótese mais provável é de que se trate de contextos de restrição
ao uso de , uma vez que associamos esses contextos à veiculação de
significados semântico-pragmáticos mais concretos, visto que assinalam
alto grau de orientação por parte do F em direção ao O, com proeminên-
cia da função interpessoal.
| 305
7.2.3.2 Seqüência discursiva
Os MDs olha e ocorrem em seqüências discursivas (de tipos
de texto) constitutivas do gênero
258
entrevista sociolingüística
259
.
Marcuschi (2008, p. 154-155) define-as como ―[...] uma espécie
de construção teórica (em geral uma seqüência subjacente aos textos)
definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo)‖. Conforme o autor,
essas categorias são limitadas e sem tendência a aumentar. Acresce-se a
esse conceito a caracterização do tipo textual como ―um modo de intera-
ção, uma maneira de interlocução, segundo perspectivas adotadas pelo
produtor do texto [...]‖ (TRAVAGLIA, 2009, p. 2633).
A materialização dos tipos de texto em situações reais de comu-
nicação caracteriza os gêneros do discurso. Em um mesmo texto pode
haver uma ou várias seqüências discursivas, mas, nesse caso, uma delas
predominará em função do objetivo principal do gênero. Isso significa
que determinadas seqüências são mais freqüentes em um determinado
gênero, todavia inexistem fora dele. Portanto, constituem ―[...] os gêne-
ros conforme regras específicas, podendo conjugar-se, cruzar-se ou
fundir-se ou intercambiar-se‖ (cf. TRAVAGLIA, 2009, p. 2633)
260
.
258
Como Marcuschi (2008, p. 154), não discutiremos se a expressão pertinente é ―gênero
textual‖, ―gênero discursivo‖ ou ―gênero do discurso‖. Adotamos a posição de que todas essas
expressões podem ser intercambiáveis, exceto naqueles contextos em que se objetiva, mais
explicitamente, identificar algum fenômeno específico. Gênero textual refere os textos mate-
rializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos
definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realiza-
dos na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas‖.
259
Paradis (1995, p. 115-116 apud TAVARES, 2003, p. 118) não considera as entrevistas
sociolingüísticas como um gênero existente em uma comunidade de fala. Todavia, tal como
Schiffrin (1996, p. 53), acreditamos que ―as identidades que emergem durante tais interações
não são menos situadas e os contextos não são menos dinâmicos e emergentes que aqueles
que surgem durante outras atividades humanas‖ (TAVARES, 2003, p. 118). Nesse sentido,
Back et al. (2007) exemplificam que, assim como, na esfera jornalística, emergem neros
como a notícia e a crônica, por exemplo; na esfera comercial, tem-se cartas e memorandos; na
esfera acadêmica, os artigos, as teses e também as entrevistas sociolingüísticas, as quais
procuram se aproximar ―[...] das produções lingüísticas encontradas nas situações de comuni-
cação naturais embora não se igualem‖ (TAVARES, 2003, p. 118). Para mais informações
acerca da composição metodológica da entrevista sociolingüística, consultar Labov ([1972]
2008).
260
Travaglia ([2003]/2007 e 2009) propõe o termo tipelemento para designar quatro categorias
de textos de natureza distinta: o tipo, o gênero, a espécie e o subtipo. Para mais informações
sobre a caracterização dessas categorias, consulte Travaglia (2009). Nesta seção, tomamos
306 |
Dentre as categorias
261
identificadas como tipos, interessa-nos
nesta análise aquela concernente aos tipos narrativo, descritivo, disserta-
tivo, injuntivo, conforme descrito por Travaglia ([2003]/2007). Preten-
demos verificar se correlação entre o uso dos MDs olha e e as
seqüências discursivas (tipo de texto)
262
presentes na entrevista socio-
lingüística.
Entende-se por seqüência discursiva narrativa um trecho consti-
tuído por relatos verbais (predominantemente) de fatos, acontecimentos
ocorridos no passado e que podem se prolongar por um determinado
tempo não estaticidade , em que aparecem ambientes e pessoas.
Objetiva-se ―contar, dizer os fatos, os acontecimentos, entendidos estes
como os episódios, a ação em sua ocorrência‖ (TRAVAGLIA,
[2003]/2007, p. 60). Nesse sentido, nas entrevistas sociolingüísticas,
identificamos marcas lingüísticas na pergunta do entrevistador, como
quando você era criança, lembra uma ocasião, que histórias vocês ou-
viam, conta um fato, dentre outras, que desencadeiam esse tipo de se-
qüência discursiva.
Vejamos, então, dois exemplos de seqüências narrativas nas a-
mostras investigadas:
(144) E: E [tem] teve, assim, algum aluno assim
que marcou mais a sua vida assim como professo-
ra?
F: Teve, teve um aluno que marcou muito. Muito
inteligente, muito querido. Aquele eu nunca es-
queci dele. Quer dizer, a gente queria bem todos,
né? mas aquele marcou porque ele era um aluno
inteligente demais. Olha, e a gente falava uma
coisa, ele já na frente, ele respondia tudo direiti-
nho. Era a coisa mais linda do mundo! E tudo que
emprestada sua caracterização de tipos de texto para definir as seqüências em que os MDs
estão inseridos nas entrevistas sociolingüísticas e peças de teatro.
261
Oito categorias de texto foram identificadas como tipo por Travaglia (2009): a primeira
abarca o texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo; a segunda compreende o texto
argumentativo ―stricto sensu‖ e argumentativo não-stricto sensu; a terceira envolve o texto
preditivo e não preditivo; a quarta abrange o texto do mundo comentado e do mundo narrado; a
quinta categoria inclui o texto lírico, épico/narrativo e dramático; a sexta compreende o texto
humorístico e não-humorístico; a sétima envolve o texto literário e não literário; e, por fim, a
última categoria abarca o texto factual e ficcional.
262
Travaglia (1991) investigou o funcionamento textual-discursivo do verbo no PB e constatou
que o emprego de determinados tipos de verbos e situações por eles indicadas e das formas e
categorias verbais é altamente regulado pelos quatro tipos de texto (descrição, dissertação,
injunção e narração). Também os conectores e tipos de relações entre cláusulas têm mostrado
correlação com a categoria tipo de texto.
| 307
eu mandava fazer ele fazia, tudo bem feito. Uma
pena que [ele não <esta>] esse não estudou, né?
Ele ficou só no quarto ano que eu fiz. (LGS 14)
(145) E: E quanto à escola [na] na sua época,
como é que era a escola?
F: Bom, eu não gostava de estudar.
E: Não?
F: Eu não gostava. Colava bastante, passei de ano
[de] tanto colar! Mas a gente levava tudo na brin-
cadeira, sabe? Tinha um professor ou outro, eu me
lembro que tinha um professor de Inglês, aquele
era terrível, sabe? Mas os outros, aprendeu, a-
prendeu, não aprendeu, tudo bem, sabe? então Eu
passei de ano porque era obrigada, né? Depois era
feio também você ficar repetindo ano, né?
E: Mas nunca ninguém pegou você colando? [Ou
já] ou aconteceu?
F: Olha, eu nem me lembro mais, já faz tanto
tempo, mas deve ter acontecido porque sempre
ocorre, né? Por mais que você se cuide, sempre
Mas é que tem muitos professores que fazem de
conta que [não] não vêem e passa, né?
E: E qual matéria assim que você gostava mais?
(CTB 19)
Caracterizamos os dados (144) e (145) como seqüências narrati-
vas porque, além de a pergunta do entrevistador apresentar marcas lin-
güísticas que desencadeiam esse tipo de seqüência discursiva, como
―[...] que marcou a sua vida?‖, ―na sua época [...]‖, observa-se que o
trecho produzido como resposta pelo informante está marcado princi-
palmente pelo relato de um episódio de sua vida, bem como por verbos
no passado, pelo envolvimento de participantes e por um circunstancial
de lugar onde se desenrolou o evento narrado. Como se observa, os
MDs olha e estão inseridos nessas seqüências narrativas.
Constitui-se como seqüência discursiva descritiva o trecho que se
caracteriza ―[...] por trazer a localização do objeto de descrição (não
obrigatoriamente), características (cores, formas, dimensões, texturas,
modos de ser, etc.) e/ou componentes ou partes do objeto descrito‖
(TRAVAGLIA, [2003]/2007, p. 43). Na entrevista sociolingüística, o
informante, muitas vezes, vale-se da descrição para completar, para
ensinar, para classificar, para explicar um fato/procedimento, caracteri-
308 |
zar um objeto, uma pessoa ou um lugar. São expostos pormenores do
objeto de descrição por meio de intensificadores, adjetivos e tempos
verbais para veicular não somente informações referenciais, mas tam-
bém avaliativas. Destaca-se, porém, conforme o autor, caso as caracte-
rísticas ou propriedades de um objeto sejam apresentadas como tese,
premissas, proposições, estas mudam seu caráter ilocutoriamente descri-
tivo para assumir um papel dissertativo. Acreditamos que as seguintes
marcas lingüísticas podem estar presentes na pergunta do entrevistador e
desencadear esse tipo de seqüência discursiva: como é, como se faz tal
coisa, como você/ele era, entre outras.
Nos dois trechos a seguir, extraídos das amostras investigadas,
olha e se inserem em seqüências descritivas:
(146) E: E assim [e as] e as festas de vocês do tá,
a gente está falando de comida, né? E os pratos tí-
picos assim, [e] e nas festas assim de vocês, em
casa, Natal, Páscoa, como é que é isso?
F: Olha, [na] de Natal, o famoso peru, isso não
falta, ? não falta. Mas [a <min>] a minha mãe
faz a galinha ao molho pardo, essa não falta, a ga-
linha ao molho pardo, uma galinha assada depen-
de, por exemplo, dos parentes que vêm, às vezes a
gente combina [de] de vir os irmãos. [Vem um]
tem um em Florianópolis, tem uma em Curitiba,
né? tem os irmãos do meu pai. Então quando o
Natal, assim vai todo mundo pra casa, então é
feito [muito] muitos pratos tipo, por exemplo, en-
tra muito prato italiano, que é o meu pai que faz,
né? Meu pai [é] é um expert em carnes, então ele
faz, por exemplo, tatu. É um negócio [que ele] que
ele vai buscar aonde tiver pra fazer, porque é uma
carne deliciosa o tatu, o leitão, né? o peru, essa
galinha ao molho pardo, que é o prato da minha
mãe, com aipim, maionese. Que mais que tem?
Ah, sempre tem uma lasanha, né? e salada, salada
em geral, alface, isso aí tem aos montes. (BLU 17)
(147) E: E pelo jeito tu também [eras fogo, né?]
F: [Tu . É.] É, eu era fogo, é. mas era. O meu
irmão também era assim, igual a [mim. É, ele me]
acompanhava. (FLP 18 L. 1235)
Nas ocorrências (146) e (147), no que refere aos traços lingüísti-
cos, verifica-se duas estruturas simples; na primeira, o informante des-
creve os pratos servidos durante a festa de Natal; e na segunda, faz a
| 309
descrição de si próprio e do irmão.
Seqüência discursiva dissertativa é o trecho em que o informante
fundamenta suas opiniões ou defende seu ponto de vista acerca de um
determinado tema/idéia. Nesse tipo de seqüência, objetiva-se ―[...] o
refletir, o explicar, o avaliar, o conceituar, expor idéias para dar a co-
nhecer, para fazer saber [...]‖ (TRAVAGLIA, [2003]/2007, p. 60). A
partir dessa caracterização, procuramos, nas entrevistas sociolingüísti-
cas, identificar também marcas lingüísticas na pergunta do entrevistador
que fossem desencadeadoras desse tipo de seqüência e localizamos es-
truturas como o que tu/você acha, o que pensa dessa situação, qual a
sua opinião, dentre outras.
Vejamos, então, duas ocorrências em que olha e se inserem
em seqüências dissertativas nas amostras investigadas:
(148) E: É, fica difícil. Falando em URV [Uni-
dade Real de Valor], você está acompanhando es-
sa mudança da moeda. Qual a sua opinião sobre
isso?
F: Olha, a minha opinião sobre essa URV, isso
é mais [uma] [um] vamos supor, vamos dizer, a
URV [foi] [foi feita] foi chamada de URV pra
enganar o brasileiro mais uma vez. pela sigla
dela diz tudo: unidos roubamos você realmente
e agora vem o Real ali, não sei. Então a gente es-
pera pra ver como é que fica esse negócio [do] do
Real ali porque essa URV ali Isso aí foi inven-
tado pra tirar o dinheiro [do] da classe operária
porque classe operária é [que] que sofre com isso.
Tu vais no mercado, hoje é um preço, tu vais a-
manhã no mesmo supermercado que está au-
mentando quarenta e poucos por cento acima [da]
do permitido. (BLU 12)
(149) E: Porque a gente está fazendo esta entre-
vista [com] com várias pessoas em vário bairros,
né? e o pessoal que fala mesmo que antigamente,
né? [por] <me> por <ma> menos que a gente es-
tudasse, mas a escola era muito mais forte [era
mais] puxava mais [pela] pela [cabeça da criança]
e tal, né? Valia bem mais até do que
F: [Ah! Puxava sim.] Valia bem mais a pena estu-
dar, né? Agora não vale a pena mais. Você manda
a criança pra escola, chega lá, a professora não
310 |
vem, né? Uma hora a professora não vem dar au-
la, outra hora tem reunião, né? outra hora por falta
de material, outra hora que não sei o quê e assim
vai indo, né? E as crianças passam <m> | maior
parte do tempo| deles em casa sem estudo, né?
Você , então não adianta você batalhar, você so-
frer pra você dar estudo pros teus filhos, né? Você
faz de tudo pra dar uma coisa que você não pode.
Você tira <daonde> você não tem porque você
não vê um futuro mais tarde, né? (CTB 08)
O dado (148) se caracteriza por apresentar o ponto de vista do in-
formante sobre determinado assunto, no caso a opinião sobre a URV. O
contexto (149), por sua vez, expõe a avaliação do informante sobre o
ensino nas escolas à época de realização da entrevista.
A seqüência discursiva injuntiva está representada por uma ação
a ser feita. Visa-se ―dizer a ação requerida, desejada, dizer o que e/ou
como fazer e assim incitar o alocutário à realização da situação
(TRAVAGLIA, [2003]/2007, p. 60)
263
. Nos trechos das entrevistas so-
ciolingüísticas, consideramos como seqüência injuntiva os fragmentos
de texto em que o informante, além de chamar a atenção para o que é
dito como o faz em todas as outras seqüências discursivas , incita o
interlocutor a praticar uma ação que se requer, ou se determina que seja
feita.
Vejamos, nas amostras investigadas, os contextos em que os MDs
olha e ocorrem em seqüências injuntivas:
(150) F: [...] Uma noite de lua cheia, a coisa
mais linda. E a água subindo, sabe? Quando bateu
seis horas na igreja, entrou o primeiro filete de
água dentro da minha casa. Isso foi [em] em julho.
Era justamente o segundo filho meu, ia fazer uma
festa, isso foi uma quinta feira e sábado ia ser a
festa de aniversário dele. E um vizinho á noite, ele
disse: "Olha, vizinha, nós estamos levantando os
móveis todos porque vai ter água." E eu disse: "Eu
não acredito porque aqui que nunca chegou água,
é com treze metros e não vai dar treze metros."
263
Travaglia (2009) apresenta as seguintes variedades ou subtipos de injuntivo: ordem, pedido,
súplica, conselho, prescrição e optação. Propõe também alguns traços que auxiliam na distin-
ção desses subtipos.
| 311
Ele disse: "Olha! estão anunciando treze metros."
[...] (BLU 09)
(151) E: E, você fora dos estofados e dos tape-
tes, assim, essas coisas, colchão assim, você en-
tende também? Se você vir um: "Ah! [isso] isso
presta, esse !"
F: É, mais ou menos, isso aí eu não me ligo muito,
não me ligo muito pra não acarretar muito pra
minha vida. Você sabe que eu moro ali, né? e d
se eu começar a entender muito, daí isso vai e a-
carreta pra mim, então eu prefiro ficar assim:
"Não, não entendo!" Veja bem, não adianta dei-
xar colchão |pra mim ver|, que eu não sei, das-
sim, então, eu dou uma de vivaldino, daí, né? en-
tão não entendo. (CTB 24)
Nos trechos (150) e (151), olha e veja bem inserem-se em se-
qüências injuntivas porque indiretamente instigam o interlocutor a prati-
car (ou não) uma ação. Em (150), o vizinho indiretamente sugere que a
vizinha também levante os móveis de sua residência. No exemplo (151),
o informante recomenda que não seja praticada a ação pretendida por
seus interlocutores, no caso, a de deixar o colchão para que ele arrume.
O controle dessa variável tem se revelado significativo em várias
pesquisas que tratam de variação e mudança de fenômenos discursivos
(TAVARES, 1999, 2003; ROST, 2002; FREITAG, 2003; MARTINS,
2003, entre outras), e que tomam como amostra corpora sociolingüísti-
cos. Em termos de tendência de uso de MDs específicos nos variados
gêneros, Silva e Macedo (1989, p. 14) constataram que ―nenhum dos
marcadores se restringe a um gênero, mas [...] cada um ocorria com
maior freqüência em determinado tipo.‖ Em contrapartida, outras pes-
quisas também sobre itens discursivos (DAL MAGO, 2001; VALLE,
2001) constataram pouca influência dessa variável na preferência pelos
itens em variação
264
.
É importante frisar que, ao se optar por trabalhar com entrevista
sociolingüística, decide-se, na maioria dos casos, por trabalhar com
análise estatística. Porém, decorre disso um problema analítico se iso-
larmos os dados e tentarmos fazer generalizações, visto que cada ocor-
rência de uma variável vem inserida em um enunciado e em um contex-
264
Cremos que esses diferentes resultados podem se dever à falta de um critério metodológico
efetivo, que leve em conta aspectos de natureza funcional na segmentação do gênero, além da
própria complexidade que envolve a conceituação de gênero.
312 |
to social, que poderia abarcar uma gama de fatores que influenciam a
escolha do F, ou seja, várias forças simultâneas atuando em diversas
direções e isolá-las pode fazer com que façamos generalizações inváli-
das (GUY, 1998, p. 27-28).
Além disso, deve-se considerar também que as variáveis discur-
sivas em geral (dentre as quais se inclui a seqüência discursiva) cos-
tumam influenciar um tipo de mudança que Heine, Claudi e Hünneme-
yer (1991) chamam de reinterpretação induzida pelo contexto. A recor-
rência de uma forma/função em um determinado contexto faz com que
acabe assimilando traços predominantes no contexto. Assim, uma forma
recorrente em uma seqüência dissertativa pode assimilar traços modais
de (des)comprometimento; é o que acontece com alguns MDs, como,
por exemplo, bom, bem, olha e ah (RISSO, 1999), quer dizer (DAL
MAGO, 2001), olha e veja (ROST, 2002), acho que e parece que
(FREITAG, 2003), bom e bem (MARTINS, 2003), e também com os
seqüenciadores retroativo-propulsores e, , daí, então (TAVARES,
1999, 2003).
Ademais, o que pode estar em jogo entre o uso dos MDs olha e
e as seqüências discursivas é a hipótese da harmonia proposta por
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994)
265
. Dessa forma, nossa expectativa é
testar se, de fato, a harmonia se naqueles trechos de ocorrência da
seqüência dissertativa, por exemplo, no qual o F expõe sua opinião, o
que pode levar ao maior emprego do MD tendo em vista a história do
verbo, que entra no PB com sentidos mais abstratos relativos à per-
cepção mental (cf. CASTILHO, 1997; VOTRE, 1999, 2001), ao passo
que o MD olha, inicialmente com um uso mais concreto, sofre reanálise
em contextos em que apresenta variação com , e assume significados
mais abstratos, como é o caso de alguns trechos argumentativos.
265
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994, p. 215), como evidência da hipótese da harmonia, testaram
o modal should e constataram que o aparecimento deste verbo na oração subordinada é moti-
vado por certa harmonia entre a força modal da oração principal e a da subordinada. Acreditam
os autores também que um elemento modal pode ser generalizado para outra cláusula subordi-
nada até mesmo quando não parece ser modalmente harmônico. Em ―It is essential that on this
point the churches should learn from each other‖ e ―I suggested that they should put (a)roud
each carriage door a piece of beading‖, should expressa necessidade ou impõe uma obrigação.
Os atores baseiam-se em Coates (1983), o qual diz que o modal pode ser extraído do contexto e
ainda assim permanecerá um sentido de fraca obrigação. nos contextos ―Is it legitimate that
they should seek to further that aim by democratic and constitucional means?‖ e ―It was inevit-
able that Peter Ustinov should join exclusive four star club by writing, producing, directing and
starring in one film.‖, should, inserido na cláusula subordinada, não contém significado explíci-
to de fraca obrigação e, por isso, é descrito como esvaziado de conteúdo semântico. No entan-
to, os adjetivos expressos na oração principal são compatíveis semanticamente com should,
permitindo leitura harmônica de fraca obrigação.
| 313
Em síntese, aplicaremos às seqüências discursivas em que os
MDs olha e ocorrem duas hipóteses funcionalistas: a primeira diz
respeito à reinterpretação induzida pelo contexto (cf. HEINE; CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991) e a segunda refere-se à harmonia (cf. BYBEE;
PERKINS; PAGLIUCA,1994).
b) Resultados e discussão
A variável seqüência discursiva não foi significativa na rodada
estatística geral da amostra 1F. No entanto, nas rodadas por cidade cata-
rinense, esse grupo foi selecionado como estatisticamente relevante para
olha em Chapecó, Florianópolis e Lages. Na rodada 2F, essa variável
também não se mostrou significativa, porém, em Curitiba (amostra 3F),
foi o quarto grupo estatisticamente mais expressivo. Como se vê, tal
como constatado por Travaglia (1991) para os verbos e conectores em
certa amostra do PB, o uso dos MDs olha e também mostra forte
correlação com a categoria tipo de texto (seqüência discursiva).
Vejamos os resultados gerais para seqüências discursivas por
amostra na tabela 13
266
:
266
Enfatizamos, mais uma vez, que, daqui para frente, as tabelas vão registrar apenas os resul-
tados concernentes aos contextos de atuação discursiva em que atuam ambos os MDs em, pelo
menos, uma das cidades. Isso porque, no domínio da chamada da atenção do ouvinte, confor-
me apontado, alguns contextos, nas diferentes cidades, se mostraram como espaço de
presença categórica de olha, nas amostras analisadas. Devemos, então, considerar a hipótese de
que a exclusão dessas ocorrências desta etapa da análise pode, em certos momentos, ter obscu-
recido a relação de alguns fatores com o uso dos MDs. É importante que tenhamos isso em
vista ao analisar os resultados das tabelas a seguir. Nosso foco não é, no caso desta seção,
analisar todos os dados à luz das seqüências discursivas, mas averiguar a sua interferência
sobre a escolha dos MDs.
314 |
TABELA 13 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL SEQÜÊNCIA DISCURSIVA
SOBRE O USO DE OLHA EM RELAÇÃO A
(AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Embora essa variável não tenha sido selecionada pelo Programa
estatístico na rodada geral da amostras 1F e nem na 2F, os percentuais
referentes a essas amostras apontam que os tipos de seqüência discursi-
va que mais propiciam o aparecimento do MD olha são as injuntivas
(96%, 91%, respectivamente), seguidas das dissertativas (82%, 83%,
respectivamente). Na amostra 3F, essa tendência se confirma parcial-
mente: olhando-se para os resultados em PR, as seqüências injuntivas
267
Cabe uma observação importante aqui: em Blumenau, as seqüências injuntivas só aparecem
em alguns contextos de atuação discursiva categóricos, a saber, adversativo, interjetivo, adver-
tência e concessivo. Como esses contextos foram excluídos da análise variacionista, não apare-
ceu nenhum dado deste fator. A informação relevante é que as seqüências injuntivas se
realizam com olha.
268
Assim como em Blumenau, em Lages as seqüências injuntivas também se mostram espaço
categórico para olha. Porém, diferentemente de Blumenau, elas estão presentes em contextos
de atuação discursiva que apresentam uso variável dos MDs, por isso aparecem na tabela, para
efeito comparativo.
Amostra 1F
Seq.
disc.
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
Injunt.
-
0
267
7/8
88
0,94
4/7
57
0,14
37/37
100
268
-
Dissert.
10/12
83
6/20
30
0,01
23/29
79
0,80
50/63
79
0,48
Descr.
16/19
84
30/39
77
0,79
8/17
47
0,47
31/49
63
0,51
Narrat.
19/30
63
20/25
80
0,86
16/30
53
0,30
37/59
63
0,51
Total
45/61
74
63/92
68
51/83
61
155/208
74
Não
selecionado
Input: 1.00
Sig.: .043
2º selecionado
Input: .69
Sig.: .050
3º selecionado
Input: .86
Sig.: .023
3º selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP 2
CTB
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
Injunt.
85/89
96
49/54
91
25/30
83
0,90
Dissert.
156/191
82
40/48
83
29/94
31
0,45
Descr.
109/148
74
15/27
56
9/53
17
0,27
Narrat.
111/164
68
31/48
65
25/64
39
0,51
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Não
selecionado
Não
selecionado
Input: .21
Sig.: .039
4º selecionado
| 315
(0,90) são altamente favorecedoras do MD olha em Curitiba; as seqüên-
cias narrativas e dissertativas apresentam PR de 0,51 e 0,45, respecti-
vamente, apontando para um contexto típico de variação entre os MDs;
as seqüências descritivas se mostram como inibidoras (0,27) do uso
de olha, favorecendo, portanto o MD . Observe-se, porém, que, na
amostra 3F, o percentual de olha em seqüências dissertativas cai drasti-
camente em relação à amostra 1F de Santa Catarina: da casa dos 80
pontos para a casa dos 30 pontos percentuais.
Vejamos o comportamento dos tipos de seqüência discursiva por
cidades catarinenses. Em três, Chapecó, Florianópolis1 e Lages, essa
variável foi selecionada como estatisticamente relevante. Em Chapecó, o
item olha revela-se privilegiado em seqüências injuntivas (0,94), segui-
das de narrativas (0,86) e descritivas (0,79). Em Florianópolis1, o MD
olha é fortemente condicionado por seqüências dissertativas (0,80),
sendo inibido nas demais, especialmente nas injuntivas (0,14), com a
ressalva de que neste fator dados escassos. Verifica-se, pois, um fun-
cionamento que contrasta de maneira acentuada essas duas cidades em
relação a essa variável independente. em Lages, olha apresenta-se
com comportamento categórico nas seqüências injuntivas e em compe-
tição em três tipos de seqüência com : descritiva e narrativa com 0,51
cada e dissertativa com 0,48 de PR. Esse contraste pode ter sido respon-
sável pelo fato dessa variável não ter sido selecionada na rodada geral de
Santa Catarina (amostra 1F), pois esses dados, quando reunidos, acabam
neutralizando as diferenças.
Por fim, olhemos agora para os resultados percentuais da cidade
de Blumenau: o MD olha é categórico nas seqüências injuntivas, segui-
do das seqüências descritivas (84%), dissertativas (83%) e narrativas
(63%).
Em síntese, o MD olha é categórico nas seqüências injuntivas em
Blumenau e Lages, e fortemente condicionado por esse tipo de seqüên-
cia em Chapecó e Curitiba, mas em FLP1, é fortemente inibido. na
amostra 2F, com a inserção de jovens e universitários na amostra de
Florianópolis2, o percentual de seqüências injuntivas associadas a olha
volta a crescer consideravelmente (veja-se também que o número de
ocorrências dessa seqüência aumenta de 7 em FLP1 para 54 em FLP2).
Pode-se deduzir daí que a discrepância verificada em FLP1 pode ter sido
ocasional e devido à escassez de dados. Assim, firma-se a seqüência
injuntiva como típica para o MD olha. Em relação aos demais tipos de
seqüência não um comportamento claramente definido quanto a sua
influência sobre o uso de um ou de outro MD.
316 |
Procurando-se uma explicação para esses resultados, pode-se a-
ventar que o comportamento de olha na cidade de Florianópolis (FLP1)
provavelmente possa ser analisado como um caso de reinterpretação
induzida pelo contexto (cf. HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991),
uma vez que olha é condicionado pelo fator seqüências dissertativas
nessa cidade. Nesse caso, o MD estaria assumindo traços do caráter
mais subjetivo/cognitivo desse tipo de seqüência que exige mais esforço
do O especialmente em relação que vai ser dito no texto. Conforme
Travaglia ([2003]/2007, p. 60), nas seqüências dissertativas, o objetivo
do F é buscar o refletir, o explicar, o avaliar, o expor idéias, etc., isto é,
tarefas mais subjetivas, uma vez que o informante expõe suas opiniões e
pontos de vista sobre temas polêmicos, embaraçosos, mais delicados.
Postulamos que este tipo de seqüência pode estar atuando na promoção
do MD olha em direção a funções mais textuais para auxiliar na articu-
lação desse tipo de informação mais subjetiva.
Nas demais cidades, encontramos resultados que corroboram a
hipótese da harmonia (cf. BYBEE; PERKINS; PAGLIUCA,1994), ten-
do em vista que o MD olha se daria em contextos menos abstratos ine-
rentes às seqüências injuntivas e, em grau menor, narrativas e descriti-
vas (especialmente em Chapecó). O MD , em algumas localidades,
associa-se mais a seqüências dissertativas, seguindo a sua trajetória de
expansão relacionada a significados mais abstratos, atendendo parcial-
mente a nossa expectativa.
Outro aspecto que deve ser levado em conta diz respeito à nature-
za da entrevista sociolingüística. Por exemplo, na condução da entrevis-
ta, se o entrevistador elabora uma pergunta na qual usa formas verbais
como , acha, pensa, isso naturalmente incita a opinião, e o entrevista-
do tende a iniciar ou dar seqüência a uma resposta empregando , o que
pode corroborar com a hipótese da harmonia como sugerimos anterior-
mente, isto é, o MD assume traços do significado do contexto remetendo
a uma chamada da atenção para prestar atenção na opinião do F.
Em contrapartida, se o entrevistador, na formulação da sua per-
gunta, emprega, por exemplo, as formas verbais lembra, conta, isso
incita o entrevistado a narrar fatos ocorridos e, ao fazer isso, o F pode
também necessitar relatar um conselho, uma solicitação, ou uma deter-
minação para seu interlocutor. Nesse contexto, naturalmente menos
abstrato, as seqüências narrativas e injuntivas são mais freqüentes e o
uso do MD olha também ocorrerá de modo mais recorrente, visto sua
origem associada a contextos mais concretos. Também se o entrevista-
dor emprega na pergunta formas verbais derivadas de ser (é, era), isso
desencadearia contextos mais descritivos, o que pode também fazer com
| 317
que o uso de olha seja mais freqüente tendo em vista sua história semân-
tica associada a contextos mais concretos e a habilidade de descrição
também relacionar-se a esse tipo de contexto.
318 |
7.2.3.3 Presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD
a) Caracterização e hipóteses
Como vimos assinalando ao longo da tese, em diversas línguas,
verbos de percepção visual associados a P2 em enunciados de comando
na forma imperativa tendem a derivar MDs. Em português, o imperati-
vo, formado a partir do presente do IND e do presente do SUBJ, o
possui sujeito expresso, apenas marca de desinência número-pessoal e
modo-temporal. Tendência confirmada pelos estudos de Scherre (2005,
2008) e Scherre et al. (2007) para dados de fala e de escrita.
A rica diversidade na alternância dos pronomes de P2 no PB foi
sintetizada por Scherre et al. (2007, p. 201-203, grifos dos autores) em,
pelo menos, cinco subsistemas
269
que se aplicam ao SUBJ. Interessa-nos
especialmente os subsistemas 1, 2, 3 e 5, transcritos a seguir:
O subsistema 1 exibe uso exclusivo do pronome
você, que, como se sabe, historicamente não apre-
sentava desinência específica para suas respecti-
vas formas verbais por ser derivado de uma forma
nominal, usada como segunda pessoa indireta [...],
e sincronicamente apresenta forma verbal em neu-
tralização com a de terceira pessoa singular ele/ela
(Você deixa eu pensar? Ele/Ela deixa eu pensar?).
Este subsistema é encontrado no estado de Minas
Gerais região Sudeste; em toda a região Centro-
Oeste, exceto o Distrito Federal; em praticamente
todo o Estado do Paraná região Sul; e na cidade
de Salvador, estado da Bahia região Nordeste.
O subsistema 2, com uso predominante do pro-
nome tu com baixa concordância (mais de 50%
de tu e menos de 10% de concordância: Tu deixa
eu pensar?), é encontrado na região Sul. No Esta-
do do Rio Grande do Sul, Porto Alegre apresenta
93% de tu, com 7% de concordância; São Borja,
94% de tu, com 5% de concordância; Panambi,
93% de tu, com 3% de concordância; e Flores da
Cunha, 83% de tu, com 2% de concordância. Em
Santa Catarina, Chapecó exibe 51% de uso de tu
269
Encontra-se no Anexo B a íntegra do quadro sistematizado por Scherre (2007).
| 319
com apenas 0,8% de concordância (LOREGIAN-
PENKAL, 2004, p.133,167).
O subsistema 3, com uso predominante do pro-
nome tu com mais concordância (Tu deixa eu
pensar? Tu deixas eu pensar? Tu deixasse ele ir?),
é encontrado nas regiões Sul, Norte e Nordeste,
embora não conheçamos números precisos para
todas as três regiões. Para a região Sul, Estado de
Santa Catarina, o trabalho de Loregian-Penkal
(2004, p.167) apresenta as cidades de Ribeirão da
Ilha (96% de tu, com 60% de concordância), Flo-
rianópolis (76% de tu, com 43%de concordância)
[...]
O subsistema 5 exibe alternância dos pronomes
você/tu ou você/tu com concordância com o
pronome tu em grau mais variado (Tu deixa eu
pensar? Tu deixas eu pensar? Tu deixou ele ir? Tu
deixasse ele ir) e pode ser encontrado na região
Sul e na região Nordeste, embora também não co-
nheçamos números precisos para as duas regiões.
Na região Sul, o trabalho de Loregian-Penkal
(2004, p.167) arrola as cidades de Blumenau
(27% de tu, com 38% de concordância) e de La-
ges (15% de tu, com 14% de concordância), do in-
terior de Santa Catarina. [...]
Embora a tendência seja pela ausência de pronome junto ao impe-
rativo, o pronome tu explícito no contexto, como verificado na fala de
Recife (JESUS, 2006, p.80 apud SCHERRE et al., 2007), ou sem você
explícito, como observado no contexto na fala de Campo Grande
(LIMA, 2005, p.82 apud SCHERRE et al., 2007), favorece o apareci-
mento da forma imperativa derivada do IND. Em contrapartida, você
explícito no contexto próximo (JESUS, 2006, p.80; LIMA, 2005, p.82
apud SCHERRE et al., 2007) realça o aparecimento da forma imperati-
va derivada do SUBJ. Assim, a variação no sistema pronominal em
relação a P2 poderia estar desencadeando uma mudança no sistema do
imperativo.
Por outro lado, Duarte (1993, 1995) aponta, no PB, o progressivo
desaparecimento do sujeito nulo, decorrente da reorganização do siste-
ma pronominal, ocasionado pelo uso do pronome ―você‖, passando a ser
usado como P2, ao lado de tu e depois como exclusivo, na maioria das
320 |
regiões do país, provocando a neutralização dessas formas
270
. Assim,
pode estar ocorrendo crescente mudança do PB, principalmente no que
se refere ao parâmetro prodrop, isto é, está-se deixando de ocultar o
sujeito. Mostra a autora, ainda, que o PB está cada vez mais simplifi-
cando sua morfologia verbal, preenchendo, por isso, a casa do sujeito
com mais freqüência, principalmente em P2 e P3. Isso reflete ―[n]o en-
fraquecimento do sistema de flexões verbais decorrente da entrada do
você que se combina com verbo de terceira pessoa instala[ndo] na língua
gradativamente uma tendência ao preenchimento do sujeito‖ (DUARTE,
1995; LOREGIAN-PENKAL, 2004 apud COELHO; GÖRSKI, no pre-
lo).
Em sua atuação como MDs típicos, olha e não ocorrem junto a
pronomes por já terem perdido seus traços categoriais de verbo (cf. capí-
tulo 2). Assim, o tratamento zero em Curitiba (cf. ABREU, 1987;
RAMOS, 1989 apud MENON, 2002, p. 153-154) pode estar favorecen-
do o aparecimento das formas olha e . No entanto, postulamos que,
em contextos de transição, podem coocorrer mais frequentemente com
pronomes correspondentes a P2 (tu ou você). Nesse sentido, nossa ex-
pectativa é que, quando você explícito para o tratamento de P2, seja
no contexto próximo ou junto ao MD, maior tendência de ocorrência
das formas do MD derivadas do SUBJ (olhe, veja e vejas), ao passo que,
quando tu explícito, as formas do MD derivadas do IND estariam
favorecidas (JESUS, 2006, p.80; LIMA, 2005, p.82 apud SCHERRE et
al., 2007).
Individualmente, nossa hipótese também é que estará mais su-
jeito a aparecer antecedido de pronome (tu/você) do que olha, tendo em
vista sua constituição formal. Como o MD aparentemente está mais
preso à oração (cf. GUERRA, 2007), pois ainda retém indícios de sua
natureza verbal, acreditamos que olha estaria mais avançado em seu
processo de mudança. Esse grupo de fatores nos permitirá, portanto,
evidenciar prováveis correlações entre o funcionamento dos MDs e os
sistemas pronominal e imperativo do PB em relação à P2.
Além de as formas pronominais de P2 ocorrerem mais raramente
junto aos MDs, acreditamos que estes podem também estar acompanha-
dos mas menos intensamente de vocativo, que se identifica sintati-
camente como sujeito, mas não se integra à oração. Foi o que observou
Donguez Portela (2008) na investigação sobre o MD olla, do galego
falado. No exemplo: Olla, Garela, millor será que cales e que non me
270
Ressalve-se que vários estudos têm mostrado que o tu se encontra em pleno uso em diversas
regiões do país. Não vamos, porém, entrar nessa discussão aqui.
| 321
fagas falar (BLANCO AMOR, 1974, p. 27 apud DOMÍNGUEZ
PORTELA, 2008), ao ocorrer junto a vocativo, o MD marca a explícita
referência ao receptor, o que reforça a idéia de olla servir como meio de
captar a sua atenção para distintas finalidades.
Vejamos os exemplos de nossas amostras em que os MDs ocor-
rem ou não junto a pronomes de P2 e vocativo:
(152) E: E Curitiba, o que que você acha [tá]
tem crescido bastante a quantidade de crianças de
rua?
F: É, isso [é, não é] não é questão de crescer den-
tro de Curitiba, vem de fora pra Curitiba, né? isso
[é] [é] vem de fora pra Curitiba, porque você veja
bem uma coisa: [sai um] a pessoa vem do norte
pra porque não tem serviço, traz sete, oito
filhos. Chega aqui o coitado não sabe o que fazer,
vai trabalhar de pedreiro; os filhos, |as mulher| vai
trabalhar de empregada e eles ficam na rua. Então,
ali está começando a surgir um marginal. (CTB
07 L.257)
(153) E: Stress?
F: É stress, né? que estavam falando. esse ne-
gócio aí e a pessoa sai, pega ônibus lotado, né? fi-
ca <nervo> [já sai preocupada] [com a] né? [com
a] com a família em casa. Um dia tem [assim] às
vezes tem dia que tem as coisas em casa, tem dia
que não tem ou sai preocupada com tudo aquilo,
né? Vo, quanta preocupação de uma mãe, de
um pai de família, né? Tanta coisa que tem, né?
(CTB 08 L.189)
(154) E: Que bom que você tinha acabado de
construir a casa, né?
F: Tinha. Ia ser muito difícil. Apesar que a gente
teve ajuda, né? A firma, o Medeiros, eu morei no-
ve meses com a mãe, quer dizer, supermercado,
isso tudo a mãe ajudou a gente. O nosso salário
era livre pra isso. Só pra casa, pagar o pedreiro e o
material. Mas mesmo assim foi muito difícil.
tu vê, tem muita coisa pra acabar, né? Isso aí, com
o tempo vai [E] [e] [e o] os objetivos que eu que-
ria também Porque eu sou uma pessoa assim que
eu acho que eu me considero uma pessoa com
muita sorte. Tudo que eu boto na minha cabeça eu
322 |
consigo. Porque, tu , em relação ao Jair, o que
eu batalhei! Nesse tempo todo foram nove anos.
Esperando, pra conseguir ele, né? Mas consegui.
Depois, o meu sonho era conseguir [e] fazer a ci-
rurgia no meu seio. Tu , estava caro. Eu não ti-
nha dinheiro nenhum, porque eu tinha recém aca-
bado de fazer a casa. (FLP 20 L.625-36)
(155) F: Aqui em Lages eu acho que morte não
chegou acontecer, mas teve [um] um pai que a-
grediu, né? [um] um filho, inclusive, que agrediu
o pai, né? Eu [não] não lembro bem direito com o
que que foi, mas teve um acontecimento, assim,
bem forte, né? [E] e [pelo] por ser mesmo, né? o
ano da família, né? foi da fraternidade , eu acho,
[que] que está acontecendo bastante mesmo, né?
[Porque teve] não teve caso aqui, mas teve caso
que a gente viu, agora pouco tempo, né? em
Porto Alegre, aqui, né? um pai, assim, assassinou
a família, né? Teve outro de numa outra cidade
também, que assassinou a família inteirinha, né?
mãe, pai, avós e irmã, né? Isso é uma coisa que ai!
me dói muito quando [eu] eu nem gosto de ouvir
este tipo de coisa, sabe? pra ser sincera. [Eu não]
não me entra assim na cabeça, como um ser hu-
mano tem coragem de fazer um tipo de coisa des-
sa, sabe? Que nem esse agora de Porto Alegre eu
nem sabia eu que participei bem, esse outro eu
não vi, esse outro eu vi bem, né? pela televisão.
E: Esse de Porto Alegre é muito [conhecido.]
F: [É.] O caso assim, né? você , por dinheiro,
né? tudo por dinheiro, né? Assassinar os pais, as-
sim, porque eles não queriam deixar uma he-
rança pra ele, né? disseram que [não iam] não iam
deixar herança pra ele, né? Tu vês, pelo jeito era
uma esbanjadora, acho que vivia com o dinhei-
ro do pai e da mãe, né? Tinha uma cara de bem
marginal, o cara. (LGS 02)
(156) F: [...] Aí, ele pegou e disse assim: "É, não
tem mulher não. [Quando eu ficar bom] eu quan-
do eu ficar bom, eu vou me embora." eu pe-
guei, olhei pra ele e disse: "Olha, João, eu vou te
dizer uma coisa: se tu, algum dia, quiseres ir ver
teus filhos, tu podes ir, mas [pra morar mais den-
| 323
tro de casa] pra viver mais dentro de casa, eu
não te quero mais. Aí passou se. [...] (FLP 03)
Em suma, com base na literatura levantada acerca da formação do
imperativo e da alternância dos pronomes de P2 no PB, estruturamos
esta variável da seguinte forma:
- presença de tu junto ao MD ou no contexto próximo;
- presença de você junto ao MD ou no contexto próximo;
- presença de vocativo junto ao MD ou no contexto próximo;
- ausência de pronome ou de vocativo junto ao MD ou no contex-
to próximo.
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel presença/ausência de pronome/vocativo se mostrou o segundo grupo
estatisticamente significativo. Nas rodadas estatísticas por cidade catari-
nense, esse grupo foi selecionado como relevante para olha em Floria-
nópolis e Lages. Na rodada 2F, essa variável não se revelou estatistica-
mente relevante, porém, para a amostra 3F, foi o primeiro grupo estatis-
ticamente mais expressivo. Vejamos, então, os resultados gerais para
este grupo de fatores por amostra na tabela 14:
324 |
TABELA 14 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL PRESENÇA/AUSÊNCIA
DE PRONOME/VOCATIVO JUNTO AO MD SOBRE O
USO DE OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRAS 1F,
2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Em termos gerais, para a amostra 1F, os resultados em PR ratifi-
cam as nossas hipóteses: olha é favorecido em contextos de ausência de
pronome/vocativo (0,66) e em presença de vocativo (0,65) e desfavore-
cido em contextos em que presença de pronome tu (0,25) ou você
(0,12) junto a esta variante. Os percentuais seguem a mesma direção.
Para a amostra 3F, os resultados em PR também confirmam a
nossa hipótese: olha é favorecido pela ausência de pronome/vocativo
(0,94) e desfavorecido pela presença de você (0,17).
Quanto ao comportamento da presença/ausência de pronome jun-
to ao MD por cidades catarinenses, destacamos, primeiramente, Floria-
nopolis1 e Lages, para as quais essa variável se mostrou estatisticamente
significativa: (i) em ambas, o item olha revela-se privilegiado em con-
textos de ausência de pronome/vocativo (0,83 e 0,68, respectivamente),
Amostra 1F
Pron./
Voc.
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
aus.
45/49
92
51/53
96
48/54
89
0,83
114/119
96
0,68
voc.
3/3
100
4/4
100
0/1
0
-
9/9
100
-
tu
0/4
0
6/22
27
3/26
12
0,04
9/25
36
0,33
você
0/8
0
2/13
15
0/2
0
-
23/55
42
0,22
Total
48/64
75
63/92
68
51/83
61
155/208
75
Não
selecionado
Não
selecionado
Input: .69
Sig.: .050
1º selecionado
Input: .86
Sig.: .023
2º selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
aus.
376/393
96
0,66
103/114
90
78/88
89
0,94
voc.
19/20
95
0,65
9/10
90
2/2
100
-
tu
32/92
35
0,25
16/44
36
-
-
-
você
34/87
39
0,12
7/9
78
8/151
5
0,17
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
36
Input: .97
Sig.: .048
2º selecionad
Não selecionado
Input: .21
Sig.: .039
1º selecionado
| 325
o que atesta nossa hipótese; é desfavorecido junto ao pronome tu (0,04 e
0,33, respectivamente); e revela-se categórico junto a vocativo; (ii) em
Florianópolis1, olha não ocorre (categórico) junto ao pronome vo,
enquanto que, em Lages, é inibido (0,22).
Vejamos os resultados percentuais de Blumenau e Chapecó: (i) o
MD olha é categórico junto a vocativo, seguido da ausência de prono-
me/vocativo (92% e 96%, respectivamente); (ii) essa variante é menos
freqüente junto aos pronomes tu e você (15% e 27%, respectivamente)
em Chapecó e inexistente junto aos pronomes em Blumenau.
A maioria dos resultados em PR e em percentual evidenciados
para o MD olha nas rodadas 1F e 2F ratifica a tendência apontada por
Scherre (2005, 2008) e Scherre et al. (2007) para não preenchimento de
sujeito expresso nas formas do imperativo. Contudo, ao se considerar
ambos os MDs, cerca de 30% (179 de 592) dos dados da amostra 1F são
com presença de pronome, o que consideramos um percentual relativa-
mente alto em se tratando de item discursivo derivado de imperativo. É
nessa direção que também vão os resultados da amostra 2F, que revela-
ram que, ao se inserirem os dados de jovens e universitários florianopo-
litanos, há, comparativamente a Florianópolis1, aumento no percentual
de preenchimento da casa do sujeito com o pronome tu (de 12 a 44%) e
você (de 0 a 9%) (cf. DUARTE, 1993, 1995).
Na cidade de Curitiba, nossa hipótese quanto a essa variável se
confirmou, e não há registro de tu junto ao MD ou no contexto próximo,
o que comprova os resultados de Scherre et al. (2007) e Loregian-
Penkal (2004) para P2. O MD se concentra junto ao pronome você
(0,83), enquanto olha se mais intensamente com ausência de prono-
me/vocativo, o que ratifica o tratamento zero em Curitiba (cf. ABREU,
1987; RAMOS, 1989 apud MENON, 2002, p. 153-154).
Um cruzamento (Crosstab) entre a variável presença/ausência de
pronome/vocativo junto ao MD e as formas dos MDs mostrou o seguin-
te resultado:
326 |
TABELA 15 - CRUZAMENTO ENTRE A VARIÁVEL
PRESENÇA/AUSÊNCIA DE PRONOME VOCATIVO JUNTO
AO MD E AS FORMAS DOS MDS (AMOSTRA 1F)
Formas de olha
Formas de
olha
['ja]
['j]
[']
olhe
vês
veja
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Apl/ %
Total
ausência
399/85
25/68
23/70
10/56
14/74
7/8
0
10/23
488
tu
30/6
6/16
3/9
5/28
1/5
50/58
2/100
8/19
105
você
25/5
5/13
6/18
1/5
2/10
29/34
0
24/56
92
vocativo
17/4
1/3
1/3
2/11
2/10
0
0
1/2
24
Total
471/100
37/100
33/100
18/100
19/100
86/100
2/100
43/100
709
FONTE: A autora (2009)
A tabela 15 apresenta todas as ocorrências de cada um dos MDs.
Ao se comparar as formas dos MDs derivadas do IND
271
e a variável
presença/ausência de pronome/vocativo, verifica-se que as formas de
olha ocorrem mais freqüentemente com ausência de pronome/vocativo
junto ao MD (457/559= 82%)
272
ao passo que as formas de se mos-
tram mais cercadas por pronome/vocativo (81/88 = 92%).
A mesma tendência se verifica com as formas dos MDs derivadas
de SUBJ: olhe ocorre mais com ausência de pronome/vocativo junto ao
MD (14/19 = 74%), enquanto veja é mais freqüente com presença de
pronome/vocativo (33/43 = 77%), principalmente junto a você (24 ocor-
rências).
Uma indagação se coloca aqui: as formas derivadas de IND apa-
recem mais com tu e as do SUBJ com você? Resolvemos extrair da tabe-
la 15 apenas os números correspondentes à realização dos MDs junto
aos pronomes, totalizando 180 dados
273
para responder a essa questão.
271
Estamos considerando como derivadas do IND para o MD olha as formas olha mais as
ocorrências de semivocalização e de redução fonética.
272
Estamos reunindo alguns valores da tabela.
273
Dessa vez foram deixadas de lado as formas ['j] e ['] por não se ter certeza se derivam do
IND ou do SUBJ.
| 327
TABELA 16 - DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DAS FORMAS DOS
MDS OLHA E DERIVADAS DE IND E SUBJ
ACOMPANHADAS DOS PRONOMES TU E VOCÊ
(AMOSTRA 1F)
IND
SUBJ
olha ~ ['ja]
olhe
veja
Total
tu
36 54%
50 63%
1 33%
8 25%
95
você
30 46%
29 37%
2 67%
24 75%
85
Total
66
79
3
32
180
FONTE: A autora (2009)
Algumas constatações:
- as formas derivadas de IND aparecem mais com tu e as do
SUBJ com você; no entanto, o percentual de você olha e você é rela-
tivamente alto;
- tu aparece mais junto do MD (e veja) (58/95 = 61%) do
que com o MD olha (olha/['ja] e olhe) (37/95 = 39%);
- você aparece mais junto do MD (53/85 = 62%) do que com
o MD olha (32/85 = 38%).
Esses resultados corroboram, portanto, nossa expectativa de que
quando você explícito para o tratamento de P2, seja no contexto pró-
ximo ou junto ao MD, maior tendência de ocorrência das formas do
MD derivadas do SUBJ (olhe, veja), ao passo que, quando tu explíci-
to, as formas do MD derivadas do indicativo estariam favorecidas
(JESUS, 2006, p.80; LIMA, 2005, p.82 apud SCHERRE et al., 2007).
Vemos, aqui, mais vestígios morfossintáticos da categoria verbal de
origem dos MDs.
Merecem atenção, ainda, as ocorrências de redução fonética de
olha acompanhadas de pronomes, que foram excluídas da tabela acima:
são 9 dados de ['j] (6 com você e 3 com tu) e 6 dados de ['] (1 com
você e 5 com tu). É interessante observar, nesse caso, que as 15 ocorrên-
cias de formas reduzidas com pronomes se distribuem equilibradamente
entre os pronomes tu e você. Como encontramos ambos os pronomes
acompanhados de MDs derivados do IND e do SUBJ, não temos evi-
dências morfossintáticas para decidir se as formas ['j] e ['] são redu-
ções de olha ou de olhe (uma dúvida que já levantamos anteriormente).
328 |
7.2.3.4 Relação sintática com a estrutura oracional
a) Caracterização e hipóteses
Temos mostrado, ao longo da tese, que pesquisas diversas apon-
tam resultados díspares quanto ao estatuto dos MDs na estrutura oracio-
nal. Marcuschi (1989, p. 299), por exemplo, afirma que os MDs são
elementos discursivamente dependentes, pois assumem funções voltadas
para o ato comunicativo, portanto permeiam a estrutura oracional e, de
certa forma, integrando-a sintaticamente. A independência sintática, no
entendimento do autor, consiste no fato de os MDs serem descartáveis
sem prejuízo da construção sintagmática em si, pois estruturalmente não
estão integrados como constituintes essenciais.
Igualmente, como apontamos no capítulo 4, Schiffrin (1987),
Fraser (1999), Risso, Silva e Urbano (1996), entre outros autores, verifi-
caram que predomina entre os MDs a independência sintática sobre as
manifestações de dependência com a estrutura oracional. Também os
autores convergem em relação ao fato de que, embora os MDs possam
ser sintaticamente descartáveis, são discursivamente importantes.
Diante de tais considerações, para esta variável, adotamos dois
fatores:
- MD sintaticamente dependente:
(157) F: É, danado o homem. Mas eu gostava
dele. Digo que sim. (risos) E outro professor tam-
bém que me deixou saudade, afinal eu gostava de
todos, né? mas [esse] esse era pela severidade que
se aproveitava mesmo, a dureza do homem. Olha
que passei pedaços. Todas nós passamos pedaços
muito difíceis. (CTB 24 L.625)
(158) F: [...] Às vezes a gente começa a se re-
cordar como é que era o Bairro antigamente, né? e
se a gente pega uma foto que a gente tem sem-
pre guardada aí de recordação [e vê] e olha hoje, a
pessoa vai dizer, diz: "Não, mas isso aqui não é a
rua São Pedro, não pode ser", porque cresceu tan-
to, um monte de prédio saiu. Tu vejas bem, nós
aqui hoje no nosso bairro a gente tem de tudo.
[Tudo o que a gente] A gente não precisa se des-
locar daqui pra ir na cidade [pra <fa>] pra com-
| 329
prar, por exemplo, um remédio, a gente tem a
farmácia se Até vídeo locadora nós temos aqui
no nosso bairro! Se eu quiser, tenho vídeo locado-
ra, dá uma quadra aqui de casa. Tem banco, tem o
Bradesco, tem BESC; tem loja de material de
construção. A gente, quer dizer, a gente tem de
tudo aqui no nosso bairro [...] (CHP 10)
- MD sintaticamente independente:
(159) E: E ele tem bastante funcionários? ou [a]
F: Olhe, ele tem, me parece que são quatro fun-
cionários, tá? Porque é uma empresa nova, que
não faz um ano e meio que está no mercado.
(CTB 11 L.409)
(160) E: Na sua região [tinha] havia costumes de
acomodar as pessoas que chegavam à noite, por
exemplo, assim viajando?
F: Sim. Eu lembro uma vez que chegou um cara,
ele chegou de a cavalo, né? [Ele disse que ele vi-
nha] era do Rio Grande, agora não lembro se era
Nonoai. Fica daquelas bandas pra lá. Então ele
disse que vinha de e [ele estava] ia pra Xaxim,
pra aqueles lados, né? Então ele precisava dum
pouso. (latidos de cão) Vês, a gente confiou, deu
pouso. Era gente boa, [<d>] né? hospedou. (CHP
04)
Em (157), consideramos que o MD está em contexto sintatica-
mente dependente porque ocorre ―amarrado‖ ao elemento seqüenciador
―que‖ numa construção subordinada. De igual modo ocorre em (158),
em que o MD encontra-se no interior de um tópico e observam-se tam-
bém mais marcas de dependência sintática (presença de pronome junto
ao MD, marca de flexão número-pessoal e modo-temporal). em
(159), o MD ocorre logo após uma yes-no question e, por isso, acredi-
tamos que olha constitui-se como elemento apenas discursivamente
dependente. Em (160), o MD ocorre na finalização do tópico desenvol-
vido pelo entrevistado, mas, ao que parece, dispõe de menor integração
sintática. Sua função é chamar a atenção para uma informação mais
específica que integra, em um nível amplo, um contexto de causalidade.
Com base em Schiffrin (1987), Marcuschi (1989), Risso, Silva e
Urbano (1996) e Rost (2002), acreditamos que, de maneira geral, os
330 |
itens olha e sejam mais recorrentes em contextos sintaticamente in-
dependentes.
De forma mais específica, a expectativa é que olha esteja perden-
do mais seu estatuto verbal e assumindo valores mais pragmáticos, sen-
do mais propício em contextos sintaticamente independentes. Já o item
, devido a sua composição como unidade estruturalmente mais marca-
da retenção de indícios de sua natureza verbal , deve estar mais preso
a seus traços verbais, tendendo a ocorrer, mais do que olha, em contex-
tos sintaticamente dependentes.
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel relação sintática se mostrou o primeiro grupo estatisticamente signi-
ficativo. Nas rodadas estatísticas por cidade catarinense, esse grupo foi o
primeiro selecionado como relevante para olha em três localidades:
Blumenau, Chapecó e Lages. Na rodada 2F, essa variável também se
revelou estatisticamente relevante, sendo o primeiro grupo selecionado,
embora na rodada individual de Florianópolis não tenha se mostrado
estatisticamente significativo. Igualmente aos resultados das três cidades
de Santa Catarina, na amostra 3F, a variável relação sintática foi o se-
gundo grupo mais expressivo.
Vejamos, então, os resultados gerais para este grupo de fatores
por amostra na tabela 17:
| 331
TABELA 17 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL RELAÇÃO SINTÁTICA
COM A ESTRUTURA ORACIONAL SOBRE O USO DE
OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Nas três amostras, os resultados em PR evidenciam que o MD o-
lha é favorecido por contextos sintaticamente independentes (0,74, 0,90
e 0,85 respectivamente) e desfavorecido pelos sintaticamente dependen-
tes (0,05, 0,02 e 0,31, respectivamente), conforme o esperado, o que
ratifica, no caso de olha, os resultados encontrados para outros MDs por
Schiffrin (1987, 2003), Marcuschi (1989), Risso, Silva e Urbano (1996,
1999), entre outros. se focarmos o MD , a leitura é que o contexto
de dependência sintática condiciona fortemente esse MD nas três amos-
tras. Temos assim distribuição complementar: olha tende a aparecer em
contexto sintaticamente independente e tende a aparecer em contexto
sintaticamente dependente. Esse resultado corrobora o anterior, que
mostrou a atuação do pronome/vocativo junto ao MD.
Nas rodadas individuais por cidade, os resultados em PR e em
percentual também ratificam os resultados gerais das três amostras.
Considerando esses resultados, reafirmamos que o MD olha
constitui-se como elemento discursivamente dependente, uma vez que
assume funções voltadas para o ato comunicativo e se firma claramente
Amostra 1F
Relação
sintática
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
Indep.
41/44
93
0,94
57/58
98
0,99
51/55
93
141/146
97
0,77
Dep.
4/17
24
0,01
6/34
18
0,02
0/28
0
14/62
23
0,06
Total
45/61
74
63/92
68
51/83
61
155/208
75
Input: .97
Sig.: .033
1º selecionado
Input: 1.00
Sig.: .043
1º selecionado
Não
selecionado
Input: .86
Sig.: .023
1º selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
PR
Indep.
424/437
97
0,74
133/137
97
0,90
68/76
89
0,85
Dep.
37/155
24
0,05
2/40
5
0,02
20/165
12
0,31
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Input: .97
Sig.: .048
1º selecionado
Input: .93
Sig.: .001
1º selecionado
Input: .21
Sig.: .039
2º selecionado
332 |
como sinalizador pragmático do monitoramento local do texto falado e
das relações interlocutivas (cf. RISSO, 1999). Nesse caso, o que confere
ao elemento o estatuto de MD é a ―sinalização das relações interpesso-
ais‖, mas se encontra fortemente ancorado textual e pragmaticamente
(cf. SCHIFFRIN, 1987, 2003; FRASER, 1999; RISSO; SILVA;
URBANO, 1996, 1999).
Consoante o princípio da decategorização de Hopper (1991),
formas em processo de gramaticalização, ao assumirem uma nova fun-
ção, perdem ou neutralizam traços das categorias mais lexicais, tenden-
do a assumir peculiaridades morfossintáticas da categoria-alvo. Nesse
caso, a fixação de olha em contextos sintaticamente independentes pode
nos fazer projetar a hipótese de que esta variante encontra-se em estágio
inicial de gramaticalização: está perdendo traços da categoria verbal e
assumindo traços mais nítidos da categoria MD.
333 |
7.2.3.5 Posição dos MDs
a) Caracterização e hipóteses
Marcuschi (1989), Silva e Macedo (1989, p. 39), Risso (1999),
Urbano (1999) e Rost (2002) identificaram três tipos de posição em que
os MDs ocorrem no contexto discursivo: inicial, medial e final.
Esta variável posição, de feição mais sintática, parece estar inti-
mamente relacionada à articulação tópica da conversação, de caráter
mais discursivo. Por isso, embora a conversação seja desenvolvida com
base na troca de turno, assumimos uma unidade de análise não restrita
somente ao turno visto que são observáveis segmentos amplos do que o
turno, centrados num tópico semântico-discursivo proeminente. Desse
modo, organizamos as seguintes possibilidades de posição para os MDs:
(i) introdução/abertura de tópico:
(157) E: Tá, e há trinta anos qua a senhora mo-
ra aqui, como que era? Conta pra gente essa evo-
lução, então, de Chapecó!
F: Olha, eu acho que a evolução [de] [de] de
Chapecó dáse aos bons prefeitos que a gente sem-
pre teve, né? ("Então estou dizendo") porque eu
acho quando [os] os administradores são bons, o
povo também [ele] ele pode contribuir, né? porque
[se] se ele faz uma rua, se ele faz um asfalto, se
ele faz uma ponte, eu acho que todo mundo deve
cuidar, deve ajudar esse prefeito, porque não é
o prefeito o dono da cidade, é o povo em geral,
né? Então acho que o povo de Chapecó nesse pon-
to eles tem assim um pouco de cultura, né? [pra]
pra cuidar das coisas. Porque Chapecó está gran-
de, né? Chapecó está evoluindo muito. E, então eu
("vi") desde a época que eu vim pra mas ainda
("se foram") de trinta anos pra cá, sem o bairro,
São Cristóvão tinha catorze casas, hoje tu vês,
é um bairro maior da cidade, né? então acho que
nesse ponto se deve à boa administração, né?
(CHP 07)
(158) E: Totalmente? Então quando você diz
que é um estado de espírito, mas estado de espírito
é uma coisa tua, tá? e como que funciona esse
teu eu com o resto do mundo?
334 |
F: Veja bem, se sentir amado de fora pra dentro,
sabe? uma outra pessoa gostar de você, tipo ho-
mem mulher é um lance, mas se você se sentir
amado por uma coletividade, se sentir bem, sabe?
se sentir bem, você chegar num lugar e ter várias
pessoas, nenhuma delas te conhece você se sente
como?
(ii) interior/continuidade de tópico:
(159) E: Então você é o primeiro chapecoense
da família, não é?
F: É, eu sou o primeiro chapecoense aqui da famí-
lia, da família Zanotelli, que veio morar em Cha-
pecó em mil novecentos e cinquenta e olha, se
não me engano, cinquenta e oito, não me recordo
bem, se pedir pro pai, ele sabe me dizer direiti-
nho. Eles foram uns dos primeiros moradores
[que] que entraram aqui em Chapecó, né? Então,
quer dizer, eu fui o primeiro barriga verde que
nasceu na família [do] do Seu Balduíno aí, fui eu,
depois, daí, tem a minha mana. Inclusive tem o
meu mano, de vez em quando ele mexe comigo.
Ele me diz assim, diz: " Esse aqui [não] não
pra dar bola, que esse aqui é barriga verde, s
somos tudo gaúcho." Mesmo quando eles se en-
contram assim numa roda de amigos deles, [que]
[que são] que sabem que são tudo do Rio Grande,
então ele fala isso, diz ele: "Esse aí não pra dar
bola, esse é barriga verde, nós somos tudo gaú-
cho. E, [ele diz assim] diz ele: "Somos tudo bo-
ta amarela, porque somos de Erexim." (CHP 10)
(160) E: Aquelas chácaras?
F: É, chácaras grandes, cheias de frutas. Então a
gente pulava o muro, ia lá, ou pedia. vinha o
cachorro, a gente saía, mas não havia assim essas
coisas assim [de] tu , de briga, o cidadão vir gri-
tar, não. Eles deixavam às vezes, outras vezes,
como não era época, ele não deixava a gente tirar,
então são essas coisas. (FLP 13 L.402)
(iii) fechamento/finalização de tópico:
(161) E: Bom, a senhora é muito simpática.
| 335
F: Eu até tive uma vizinha que ela veio de São
Paulo, ela também veio conversar comigo: ",
mas eu tinha uma impressão bem diferente desse
povo. [Um povo como] eu assim, né? [de] de fora,
comenta que o povo de Blumenau é muito fecha-
do, mas eu não estou vendo, não, eu estou achan-
do [que] que você, assim, é até muito conversadei-
ra." Eu disse: "Pois é, eu não sei, eu acho que [não
é assim, né?] [.]
E: [.] [Bem diferente.]
F: Assim Mas mesmo assim, [a gente] eu acho
que é assim, a gente sente um pouco assim, por-
que quando que a gente chega em outra cidade, a
gente é bem recebida, também, né? Aqui você
já fica meio assim, chega: "Ah, é um turista!" Mas
não sei se é em consequência [da] [da] da nossa
festa aqui da Oktoberfest, que vem Nossa, né?
vem aqueles Chegam a destruir a cidade. Olha, é
triste. É triste ver depois que já acabou a festa
como a nossa cidade ficou destruída. (BLU 09)
(162) E: Na sua região [tinha] havia costumes de
acomodar as pessoas que chegavam à noite, por
exemplo, assim viajando?
F: Sim. Eu lembro uma vez que chegou um cara,
ele chegou de a cavalo, né? [Ele disse que ele vi-
nha] era do Rio Grande, agora não lembro se era
Nonoai. Fica daquelas bandas pra lá. Então ele
disse que vinha de e [ele estava] ia pra Xaxim,
pra aqueles lados, né? Então ele precisava dum
pouso. (latidos de cão) Vês, a gente confiou, deu
pouso. Era gente boa, [<d>] né? hospedou. (CHP
04)
Com base nos resultados de Marcuschi (1989), Silva e Macedo
(1989), Risso (1999), Urbano (1999) e Rost (2002), nossa expectativa é
que, de modo geral, olha, como MD que apresenta menos marcas núme-
ro-pessoal e modo-temporal, tende a progressivamente, de forma mais
acelerada, ocorrer à esquerda, isto é, em posição de introdução de tópi-
co. Por outro lado, , MD com mais marcas de sua herança categorial,
como sujeito preenchido, deve atuar na organização mais local do texto
falado e, por isso, ser mais posicionado no interior dos tópicos.
Na pesquisa de Marín Jordà (2003), os MDs aviam, a veure e mi-
ri, do catalão falado, ocorrem mais intensamente na posição inicial e, de
336 |
modo incipiente, na posição medial na oração. Também, Domínguez
Portela (2008) atestou a posição inicial como majoritária (80%) para
registros dos MDs derivados de verbo de percepção visual no galego.
Pretendemos observar, portanto, se a posição dos MDs evidencia
sua fixação, uma vez que uma das hipóteses adotadas gira em torno da
premissa de que a posição pode influenciar no surgimento de novos usos
dos itens e de que a fixação de uma posição pode levar à gramaticaliza-
ção do item, conforme Heine e Reh: a variabilidade sintática diminui à
medida que mais gramaticalizada se torna uma unidade lingüística: ―[...]
quanto mais uma unidade lingüística sofre gramaticalização, [...] mais
sua variabilidade decresce, isto é, sua posição se torna fixa na oração;
[...]‖
274
(HEINE; REH, 1984, p. 67 apud HEINE, CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991, p. 15, tradução nossa). É premissa também de
Bybee, Perkins e Pagliuca (1994, p.7), que postulam que o decréscimo
na liberdade da posição sintática é um indício de que os itens passam
pelo processo de gramaticalização.
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel posição dos MDs no tópico se mostrou o sexto grupo estatisticamen-
te significativo. Todavia, na rodada da amostra 2F, 3F, bem como nas
rodadas estatísticas por cidade catarinense, esse grupo não foi seleciona-
do como estatisticamente relevante na seleção das variantes. Vejamos,
então, os resultados gerais para este grupo de fatores por amostra na
tabela 18:
274
―[...] the more grammaticalization processes a given linguistic unit undergoes, [...] the more
its syntactic variability decreases, that is, the more its position within the clause becomes fixed;
[…].‖
337 |
TABELA 18 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL POSIÇÃO DOS MDS SOBRE
O USO DE OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRAS 1F, 2F
E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Os resultados gerais da amostra 1F apontam que olha inclina-se
(0,77 de PR) em direção à posição de abertura/introdução de tópico, o
que vai ao encontro de nossas expectativas e aos resultados de Silva e
Macedo (1989), Risso (1999), Rost (2002), bem como de Schiffrin
(2003), por exemplo, para MDs de diversas naturezas. Em contrapartida,
o uso desse MD é inibido em posição de fecho/finalização de tópico
(0,25). Por fim, o item apresenta um peso relativamente neutro (0,47)
em posição interior/continuidade de tópico. Esse resultado ressalta a
posição de interior/continuidade como um terreno de competição entre
os dois MDs.
Para a amostra 2F, os resultados percentuais revelam que, ao se
inserirem dados dos florianopolitanos jovens e universitários, o uso de
olha é mais freqüente na posição de abertura/introdução de tópico
(97%), seguida da de interior/continuidade de tópico (76%) e fe-
cho/finalização de tópico (58%). Acreditamos que esse resultado possa
ser correlacionado com o contexto de atuação discursiva causal, que
prevê usos dos MDs em contextos em que veiculam um espécie de con-
Amostra 1F
Posição
dos MDs
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
Intr./abert.
12/14
86
13/14
93
16/17
94
33/34
97
Inter./cont.
21/30
70
40/58
69
26/45
58
97/138
70
Fech./final.
12/17
71
10/20
50
9/21
43
25/36
69
Total
45/61
74
63/92
68
51/83
62
155/208
75
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
o
selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
Intr./abert.
130/135
96
0,77
30/31
97
12/20
60
Inter./cont.
255/342
75
0,47
84/110
76
54/163
33
Fech./final.
76/115
66
0,25
21/36
58
22/58
38
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Input: .97
Sig.: .048
6º selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
338 |
clusão de uma série de argumentos, relatos ou descrições apresentadas
pelo F.
Os resultados percentuais das rodadas estatísticas por cidade ates-
tam em sua maioria os apontados na rodada geral das amostras 1F e 2F.
Chama a atenção o resultado percentual da cidade de Chapecó em posi-
ção de fecho/finalização de tópico onde olha disputa espaço com .
Quanto à amostra 3F, os resultados para olha também se mostra-
ram relativamente semelhantes aos das amostras 1F e 2F no que diz
respeito à posição de introdução/abertura de tópico (60%). Por fim, este
MD manifesta-se menos freqüentemente nas posições interi-
or/continuidade e fecho/finalização de tópico, com percentuais de 33%
e 38%, respectivamente.
Os resultados provenientes das três amostras indicam que o MD
olha aparentemente se constitui como elemento de tomada de turno
entre os participantes do ato comunicativo, principalmente após pergun-
tas abertas e fechadas, mas também ocorre como elementos de seqüen-
ciamento do tópico, no interior de turnos, ou como elemento de inter-
rupção de tópico para tomada de turno, conforme atestou Waltereit
(2002) no uso do MD italiano guarda.
Além disso, a fixação da posição abertura/introdução como o lu-
gar de realização de olha leva-nos a considerar mais uma vez essa vari-
ante como a mais adiantada no processo de mudança, atestando-se assim
a afirmação de Heine e Reh (1984, p. 64) que ―quanto mais uma unidade
lingüística se gramaticaliza, mais sua variabilidade sintática decresce,
isto é, mais sua posição na oração torna-se fixa‖. , em termos de
freqüência, apresenta-se mais sujeito à variabilidade posicional (posi-
ções de interior/continuidade e fecho/finalização de tópico).
Por fim, realizamos um cruzamento entre as variáveis contexto de
atuação discursiva e posição dos MDs, considerando todas as ocorrên-
cias da amostra 1F, que estão distribuídas na tabela a seguir.
| 339
TABELA 19 - DISTRIBUIÇÃO DO CRUZAMENTO ENTRE AS
VARIÁVEIS CONTEXTO DE ATUAÇÃO DISCURSIVA E
POSIÇÃO DO MD (AMOSTRA 1F)
FONTE: A autora (2009)
Constatações:
- a posição dos MDs não é fixa: distribuem-se prioritariamente
no interior de um tópico semântico-discursivo (391 = 55%), seguido da
posição de abertura (186 = 26%) e de finalização (132 = 19%). Essa
direção é mantida para olha, mas para finalização antecede abertura
de tópico em termos preferenciais de posição do MD;
- não uma coocorrência sistemática entre os contextos de atu-
ação discursiva e as posições ocupadas pelos MDs. No entanto, é possí-
vel perceber certa tendência geral: nos contextos de natureza mais inte-
racional, os MDs se distribuem predominantemente no início e no inte-
rior do tópico; nos contextos com matizes mais textuais, os MDs se
situam mais no interior do tópico;
- a posição de abertura do tópico é quase que categórica para o-
lha (181/186 = 97%), com predomínio do contexto de opinião; as posi-
ções de finalização e de continuidade do tópico são os lugares mais
propícios ao uso variável dos MDs (70% e 78%, respectivamente, de
olha nessas posições);
- o contexto causal é o espaço privilegiado para a disputa entre
os MDs para dar continuidade ou fechamento ao tópico discursivo.
Esse resultado ajuda a corroborar a hipótese de que o MD olha
esteja adentrando em terrenos mais abstratos que envolvem a veiculação
abertura
continuidade
finalização
Total
olha vê
olha vê
olha vê
De advertência
6 -
85 2
16 -
107
Adversativo
22 -
21 -
8 -
51
De atenuação
29 -
27 -
8 -
64
Interjetivo
5 1
25 5
14 5
55
De prefaciação
18 1
13 1
3 -
36
De parentet.
1 -
6 10
1 5
23
Exemplificativo
25 1
47 13
7 6
99
De opinião
70 -
31 2
7 -
110
Causal
5 2
48 54
29 23
161
Concessivo
- -
1 -
- -
2
Total
181 5
304 87
93 39
709
340 |
da manifestação da avaliação subjetiva do F e, nesse caso, o MD auxilia-
ria na articulação coesiva e argumentativa do texto, ou seja, começa a
entrar em campo a função mais textual (basicamente orientada para o F
e para o próprio texto).
7.2.3.6 Traço prosódico: pausa
a) Caracterização e hipóteses
A demarcação prosódica pode ser uma variável relevante na iden-
tificação do contexto de uso dos MDs. Tem se comportado de modo
bastante recorrente em relação a certas unidades estudadas (cf.
RISSO; SILVA; URBANO, 1999, 2006; DAL MAGO, 2001; VALLE,
2001), capaz de auxiliar na caracterização dos contextos de atuação
discursiva que tais unidades desempenham.
No catalão, majoritariamente (84,9%), os MDs derivados de ver-
bo de percepção analisados por Marín Jordà (2003) estão entre pausas.
Em entrevistas do Projeto NURC/Brasil, Risso, Silva e Urbano (1999,
2006) observaram na identificação dos traços definidores dos MDs a
manifestação de 68,9% dos contextos com manifestação prosódica de-
marcativa. Semelhantemente, Dal Mago (2001, p. 98) identificou, para o
item quer dizer, a predominância de algum tipo de pausa nos contextos
de uso desse item. Todavia, Valle (2001) verificou que os RADs sabe?,
não tem? e entende? são muito mais recorrentes nos contextos sem pau-
sas, perfazendo a maioria das ocorrências. Rost (2002), por sua vez,
atestou que olha é privilegiado em ambiente entre pausas e não se
realiza nesse tipo de contexto.
Dividimos esse grupo em três fatores, que permitem observar a
presença ou ausência de pausa antes ou depois dos itens olha e . Ve-
jamos, portanto, alguns exemplos de MDs em contextos com manifesta-
ção de pausa nas amostras investigadas:
MD com apenas pausa anterior
275
:
(163) E: Bastante luta?
275
A fim de identificarmos as pausas, adotamos a seguinte simbologia: a pausa breve será
marcada com ―,‖ (vírgula) e a longa será identificada por ―...‖ (reticências) antes ou após o
item. Em caso de ausência de pausa, esta não terá marcação de quaisquer sinais nos trechos
transcritos, segundo orientação de Knies e Costa (1996). Também, conforme alertamos no
capítulo 5, com o intuito de captar com relativa segurança as pausas circundantes aos MDs,
realizamos a audição cuidadosa de todas as fitas concernentes às amostras do VARSUL anali-
sadas.
| 341
F: Bastante luta, olha que, com onze anos de ca-
sada, eu [já] já estou meio cansada de lutar. A
gente nem pode dizer isso, né? porque Deus me
livre! Eu acho assim que a gente não pode sosse-
gar, né? não pode nem dizer uma coisa dessas, a
gente nunca deve cansar. Acho assim que [sempre
tem] sempre tem uma luz, sabe? sempre tem [u-
ma] uma saída, sabe? Eu acho assim que por todos
os problemas que eu passei, por todas as difi-
culdades que eu passei, eu acho assim que se
fosse outra pessoa, [não] não teria a cabeça que eu
tenho, sabe? Mas eu acho que essas coisas até a-
contecem porque essas coisas sempre que aconte-
ceram comigo, essas coisas assim: dificuldade,
[de] de ganhar e perder e atrapalhos assim da vida,
né? eu acho assim que essas coisas sempre servi-
ram pra mim crescer, sabe? (LGS 02)
MD com apenas pausa posterior:
(164) E: E que, que, como é que a senhora sente
assim a cidade de Curitiba, a senhora gosta daqui?
F: Gosto, gosto, sempre gostei. Apesar que eu es-
tava achando [<a>] agora Curitiba muito suja.
E: Suja?
F: Suja. Curitiba é um cartão postal, é muito boni-
ta, e agora está muito suja. Está suja e relaxada,
mas isto acho que o culpado mesmo é o governo
|pelo falta| de verba. Porque você veja... eu acho,
eu sempre pego uma casa [<d>] de uma família,
eu faço uma comparação com o governo. Se numa
casa não boa admininstração, então [as] as coi-
sas não vão bem. E assim é o governo, se não tem
[<a>] administração boa o país não pode ir bem,
[né?] (CTB 22 L.1171)
(165) E: Como é que é, como é que consegue
conciliar assim do Você é vendedora, né? como é
que consegue conciliar, assim, tu tens quatro fi-
lhos pra cuidar, né? e mais o trabalho de casa e
mais o trabalho de fora. Como é que consegue?
F: Olha, [não é] não é bem fácil, né? porque veja
bem, quatro filhos mais o de casa, né? eu acho,
assim, que é bem <dificultoso>, sabe? pra mim.
Tanto que eu tenho tudo eu tenho horário, sabe?
342 |
pra tudo eu tenho horário, né? Então de manhã eu
tenho que ficar em casa porque, né? tem que lavar
roupa tem que fazer almoço, né? até [mandar]
mandar todo mundo pra escola. Então, geralmente
eu saio [depois da] de tarde, né? depois que eu a-
cabo o serviço, né? Então foi esse meio que eu
achei pra mim ter [o meu] o meu dinheiro, o meu
ganho, né? pra ajudar em casa, foi esse. Porque se
eu arrumo um serviço no comércio ou um outro
tipo de serviço aí, com o grau de estudo que eu te-
nho, eu vou ganhar pouco, né? pra mim pagar
uma empregada, não dá, se eu for tirar pra sair o
dia todo de casa, eu tenho que colocar uma em-
pregada porque daí não vou dar conta, as crianças
são pequenas, tem que ter alguém pra atender, né?
[...] (LGS 02)
MD entre pausas:
(166) F: [...] Quer dizer, então a classe média
pensa ainda um pouco isso, uma Igreja desse tipo,
né? A filha cresceu então tem que casar, aí vai lá e
faz um curso de noivo, ou então tem que batizar,
vai e faz um curso de sacramento, é um pouco es-
sa Igreja clientelista, Igreja de freguesia. Mas nas
comunidades mais pobres, da periferia, o pes-
soal assume mais essa prática e eles se entreaju-
dam, por exemplo, num grupo de família, tem
alguém que não tem emprego, o que que o pessoal
faz, quem trabalha em determinado local, numa
loja, numa fábrica, assim por diante, se informa,
[se tem] de repente acha uma vaga lá, vem e co-
munica: "Olha, na firma onde eu trabalho tem
uma vaga." Quer dizer, o pessoal vai se ajudando,
eles vão assumindo junto os seus problemas e eles
vão se entreajudando, assim a coisa vai se tornan-
do mais fácil. Porque a partir da estrutura do esta-
do, [do] [do] do governo federal, ajuda nem sem-
pre é grande, né? [o] o trabalhar às vezes trabalha,
e pelo seu trabalho não consegue nem sobreviver,
nem dar condições mínimas necessárias pra famí-
lia. [...] (LGS 03)
MD sem pausa:
| 343
(161) E: Porque naquela novela eles tinham ver-
gonha isso [<pe>] I Tinha que ter alguma coisa,
né?
F: [O] [o] [o] o Dedé então fez a Tieta. Mas pare-
cia bem aquele vestidão degotado, aquela pose,
mas olhe eu ri tanto, tanto.
E: E desse o Zacarias estava gravado ainda, ou
não. (CTB 20)
Conforme as pesquisas levantadas, a expectativa é de que, no ge-
ral, os itens olha e ocorram em contextos com pausa, que compar-
tilham algumas características dos RADs. Em termos específicos, espe-
ramos que olha, devido à sua característica mais interativa, apareça mais
cercado de pausa do que .
Além disso, o aparecimento de MD entre pausas revela menor
grau de integração sintática, ou seja, mais avanço no processo de grama-
ticalização do item olha, por exemplo, ao passo que a ausência de pausa
revela maior integração, isto é, menos progresso, como é o caso de al-
guns contextos de ocorrência do item .
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel pausa se mostrou o quinto grupo estatisticamente significativo. Nas
rodadas estatísticas por cidade catarinense, esse grupo foi selecionado
como relevante para olha apenas em Chapecó, como o terceiro grupo
estatisticamente significante. Na rodada 2F, essa variável não se revelou
estatisticamente significativa, mas, na rodada da amostra amostra 3F, foi
considerada o terceiro grupo mais expressivo pelo Programa.
Vejamos, então, os resultados gerais para este grupo de fatores
por amostra na tabela 20:
344 |
TABELA 20 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL PAUSA SOBRE O USO DE
OLHA EM RELAÇÃO A VÊ (AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
Fonte: A autora (2009)
Conforme a tabela, do total de ocorrências analisadas na amostra
1F, olha aparece entre pausas (0,83), seguido de pausa posterior (0,71)
e pausa anterior (0,68), mas é inibido por contextos sem pausa (0,36).
No que tange à amostra 2F, os resultados percentuais apontam que o
MD olha apresenta freqüência relativamente alta nos quatro contextos
de presença ou ausência de pausa descritos. Na rodada da amostra 3F, os
resultados em PR assinalam que olha é favorecido nos contextos de
pausa anterior (0,94) e desfavorecido nos contextos entre pausas e de
pausa posterior. Observe que o fator sem pausa apresenta comporta-
mento quase neutro para realização de ambos os MDs na capital parana-
ense.
Amostra 1F
Pausa
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
Ap/ T
%
PR
Ap/ T
%
Ap/T
%
ant. e
post.
5/5
100
2/3
67
0,01
4/5
80
42/44
95
post.
13/18
72
10/12
83
0,82
13/17
76
45/58
78
ant.
1/1
100
1/1
100
-
2/4
50
1/1
100
sem
pausa
26/37
70
49/75
65
0,53
32/57
56
67/105
64
Total
39/61
64
62/92
67
51/83
61
154/208
74
Não
selecionado
Input: 1.00
Sig.: .043
3º selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
ant. e
post.
62/66
94
0,83
10/11
91
3/8
38
0,09
post.
109/134
81
0,71
34/40
85
8/49
16
0,14
ant.
7/9
78
0,68
11/13
85
25/30
83
0,94
sem
pausa
283/383
74
0,36
80/113
71
52/154
34
0,54
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Input: .97
Sig.: .048
5º selecionado
Não
selecionado
Input: .21
Sig.: .039
3º selecionado
FONTE: A autora (2009)
| 345
Vejamos a rodada da cidade de Chapecó que forneceu resultados
em PR. O MD olha é favorecido em contexto pausa posterior (0,82) e
inibido nos contextos entre pausas (0,01). Observa-se também que os
dois MDs competem por espaço nos contextos sem pausa. Em termos
percentuais, os resultados das rodadas por cidade catarinense ratificam
os encontrados nas amostras 1F e 2F.
Esses resultados identificados para essa variável confirmam os
anteriormente encontrados para a variável relação sintática com a estru-
tura oracional, uma vez que olha encontra-se mais em contextos sintati-
camente independentes. Dessa forma, nossa hipótese geral se atesta e vai
ao encontro dos resultados das pesquisas de Risso, Silva e Urbano
(1996) e de Schiffrin (2003) que também apontam alta freqüência de
MDs de naturezas variadas acompanhados de pausa, o que ratifica a
hipótese de que esta variante encontra-se em estágio inicial de mudança
rumo à gramaticalização, mais do que a segunda.
346 |
7.2.4 Variáveis extralingüísticas
O princípio empírico da restrição, postulado por Weinreich, La-
bov e Herzog ([1968] 2006), remete à relevância da investigação das
variáveis extralingüísticas que favorecem ou não o uso de um MD no
lugar de outro, ou seja, a verificação do que condiciona a mudança ou o
que confere possíveis condições para que a mudança ocorra.
Por meio da análise da atuação de fatores extralingüísticos sobre
o uso variável dos MDs, pretendemos verificar se o fenômeno discursi-
vo em estudo é sensível a condicionadores sociais (gênero/sexo, idade,
escolaridade
276
). Valemo-nos, para sustentar as hipóteses formuladas, de
resultados de trabalhos desenvolvidos sobre o uso de MDs, princi-
palmente no PB.
7.2.4.1 Gênero/sexo
a) Caracterização e hipóteses
Estudos variacionistas têm demonstrado que mulheres e homens
apresentam comportamento distinto no uso de determinadas formas nos
diversos segmentos da sociedade. Mulheres tendem a mostrar maior
preferência pelas variantes lingüísticas mais prestigiadas socialmente
(PAIVA; DUARTE, 2003).
Vejamos os resultados de alguns estudos sobre o uso de MDs.
Silva e Macedo (1989, p.15), por exemplo, analisando a amostra Censo
do Rio de Janeiro, tinham como hipótese que as mulheres tenderiam a se
apoiar no maior emprego de MDs em geral devido a, em nossa socieda-
de patriarcal, se mostrarem mais polidas ao se comunicarem
277
. No caso
276
Conforme previsto no capítulo 5, testamos a variável escolaridade, dividida em três níveis
(primário, ginasial e colegial) nas amostras 1F e 3F e quatro níveis na 2F (com a inserção dos
universitários), tendo em vista que estudos variacionistas m apontado efeitos interessantes
dessa variável sobre o uso de formas discursivas variantes no PB. Citam-se, por exemplo, as
pesquisas provenientes de amostras do VARSUL, como a de Martins (2003, p. 57) e Görski e
Freitag (2006). No entanto, a exemplo dos resultados encontrados por Silva e Macedo (1989),
esse grupo não se revelou interferente no uso dos MDs por nós investigados, uma vez que não
foi selecionado como significativo pelo Programa estatístico e, por isso, não será apresentado e
comentado aqui. No apêndice A, pode ser visualizada a tabela com os resultados percentuais
das três amostras investigadas.
277
Esse argumento é, porém, questionado por Coulthard (1991), para quem a necessidade de
ser polido lingüisticamente depende fundamentalmente das relações face a face.
| 347
específico dos marcadores iniciadores de respostas, como olha, bom, e
ah, tal expectativa foi confirmada pelas autoras, pois as mulheres tende-
ram ao maior emprego de MDs iniciadores (p.40). quanto aos RADs,
como sabe?, entendeu?, né?, não houve diferença no emprego desses
itens por sexo. O mesmo se verificou em amostras do
VARSUL/Florianópolis, embora Valle (2001) tenha atestado que há
formas de uso preferencial pelos homens não tem? e entende? e
pelas mulheres sabe?.
O estudo de Rost (2002, p.120) evidenciou que as mulheres usam
um pouco mais os marcadores olha e do que os homens. Quanto à
escolha das variantes, as informantes tenderam ao emprego de olha em
oposição aos informantes masculinos que optaram pelo uso de .
Saindo do âmbito do PB, vamos ver que alguns estudos também
têm mostrado resultados que focalizam a freqüência de uso dos marca-
dores por gênero. Dubois e Crouch (1975 apud MACAULAY, 2002, p.
294), ao estudar o uso de tag questions durante as seções de discussão
após a apresentação de trabalhos em workshops, constataram que ho-
mens usaram-nas de modo mais intenso do que as mulheres. Inversa-
mente, Holmes (1984, 1995 apud MACAULAY, 2002, p. 294), servin-
do-se de uma amostra de fala de homens e mulheres da Nova Zelândia,
localizou mais uso de tag questions por mulheres do que por homens.
Cameron et al. (1989 apud MACAULAY, 2002, p. 295), por sua vez,
encontraram resultado semelhante a Dubois e Crouch (1975), segundo o
qual homens empregam o dobro de tag questions em relação às mulhe-
res.
Erman (1993 apud MACAULAY, 2002, p. 295, grifo nosso), a-
nalisando dados de fala de 22 informantes do corpus London-Lund,
demonstrou que ―expressões pragmáticas‖, derivadas de verbos como
you know, you see e I mean, são mais empregadas pelos homens do que
pelas mulheres e também dispõem de funções discursivas distintas para
ambos os sexos. Enquanto os homens preferem empregá-las como me-
canismos para testar a atenção do interlocutor, as mulheres usam-nas
para conectar argumentos consecutivos.
Com base especialmente nos estudos de Silva e Macedo (1989) e
Rost (2002), continuamos sustentando a hipótese geral de que as mulhe-
res fazem maior uso dos MDs olha e do que os homens. Especifica-
mente em relação às variantes, acreditamos que as mulheres usem mais
o item olha e que os homens usem mais o . Qual a justificativa para
essas hipóteses? Não temos uma razão clara para fundamentar nossas
expectativas. Acreditamos que não haja prestígio social envolvido no
uso desses MDs. Também tendemos a concordar com Coulthard (1991)
348 |
quanto ao fato de que a necessidade de ser polido não é determinada
pelo gênero/sexo, mas depende das relações que se estabelecem face a
face. É provável que haja interferência de alguma outra variável, especi-
almente de cunho estilístico-discursivo.
Os fatores controlados na variável ‗sexo/gênero‘ desta tese são:
(i) masculino;
(ii) feminino.
b) Resultados e discussão
Em ordem de relevância, na rodada geral da amostra 1F, a variá-
vel gênero/sexo foi o sétimo grupo selecionado pelo Programa. No en-
tanto, ressalte-se que, nas rodadas estatísticas por cidade, esse grupo foi
selecionado como o segundo relevante para olha em duas localidades:
Blumenau e Florianópolis1. Todavia, nas rodadas das amostras 2F e 3F,
essa variável não se revelou estatisticamente relevante. Vejamos, então,
os resultados gerais para a variável gênero/sexo na tabela 21:
| 349
TABELA 21 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL GÊNERO/SEXO SOBRE O
USO DE OLHA EM RELAÇÃO A
(AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Conforme os resultados da rodada geral da amostra 1F, as mulhe-
res tendem favoravelmente ao emprego do MD olha (0,60), em oposição
aos homens que elegem o MD (0,62). No estado catarinense, essa
tendência é corroborada de forma bastante acentuada em Blumenau, que
polariza os resultados (PR de 0,93 para uso de olha pelas mulheres e
0,93 para o uso de pelos homens) e, em Florianópolis1, além da dife-
rença percentual significativa verificada também em Chapecó. Já Lages
apresenta leve inversão nesse quadro (em termos de freqüência, os ho-
mens apresentam diferença de 6 pontos percentuais a mais do que as
mulheres para o uso de olha). Curiosamente, em Florianópolis2, com a
entrada de jovens e universitários, a variável gênero perde a significân-
cia estatística constatada em Florianópolis1, neutralizando-se a diferença
entre homens e mulheres quanto ao uso desses MDs. Já no estado para-
naense, embora as mulheres continuem preferindo olha e os homens vê,
o percentual de uso de olha só chega a 40%. Ou seja, Curitiba é a única
Amostra 1F
Sexo
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
F
27/30
90
0,93
49/65
77
31/46
67
0,70
85/118
72
M
18/31
58
0,07
13/27
48
20/37
54
0,26
70/90
78
Total
45/61
74
62/92
68
51/83
61
155/208
75
Input: .97
Sig.: .033
2º selecionado
Não
selecionado
Input: .69
Sig.: .050
2º selecionado
Não
selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP 2
CTB
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
Ap/T
%
F
268/335
80
0,60
62/80
77
68/169
40
M
193/257
75
0,38
73/97
75
20/72
28
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Input: .97
Sig.: .048
7º selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
350 |
cidade das amostras analisadas onde o MD lidera, em ambos os gêne-
ros, no papel de codificar o domínio da chamada da atenção do ouvinte.
Esses resultados ratificam, parcialmente, os apontados por Silva e
Macedo (1989) e Rost (2002). Olhando para as colunas do total de da-
dos de cada amostra, verificamos que, de fato, as mulheres usam mais
MDs do que os homens, à exceção de Florianópolis2. Constatamos,
também, que as mulheres empregam mais olha enquanto os homens
preferem , à exceção de Lages. Por fim, observamos ainda que, na
cidade de Curitiba, o MD mais empregado por homens e mulheres, nes-
sa ordem, é vê.
Alguns trabalhos na área da sociolingüística (cf. PAIVA;
DUARTE, 2003) mostram que as mulheres são mais suscetíveis à ino-
vação lingüística, principalmente em relação às variantes de prestígio.
Inversamente, conforme Trudgill (1979), a inovação parte dos informan-
tes masculinos quando a mudança ocorre em direção oposta às da norma
de prestígio. Na maioria dos trabalhos sociolingüísticos relatados por
Macaulay (2002), cujos resultados foram anteriormente apresentados, os
homens usam mais certos marcadores do que as mulheres. No nosso
estudo, assim como no de Silva e Macedo (1989) sobre os marcadores
iniciadores de respostas, se verifica o inverso. Conforme salienta-
mos, não parece haver avaliação valorativa, seja de estigma seja de pres-
tígio, para nenhum dos MDs. No entanto, um estudo sobre avaliação
social desses itens ainda precisaria ser realizado, tarefa que deixamos
para uma pesquisa posterior.
Um cuidado especial deve ser tomado, no caso do fenômeno que
estamos analisando, visto que a mudança mais evidente é funcional, no
sentido que uma mesma forma vai ampliando suas possibilidades de
funcionamento discursivo. Em se tratando de variação, os condiciona-
mentos verificados poderiam ser relacionados à mudança se tivéssemos
indícios de mudança em progresso a partir dos resultados da variável
idade. Na seção seguinte voltaremos a essa questão.
| 351
7.2.4.2 Idade
a) Caracterização e hipóteses
A variável idade tem se mostrado relevante em alguns estudos
acerca do uso de MDs. Esse fato é bastante significativo, tanto no âmbi-
to dos estudos variacionistas como na esfera dos estudos sobre gramati-
calização.
Na perspectiva laboviana de mudança, as diferenças lingüísticas
entre gerações podem espelhar desenvolvimentos diacrônicos, quando
outros fatores se mantêm constantes (cf. PAIVA; DUARTE, 2003, p.
14). Além disso, como o comportamento lingüístico de cada geração
reflete um estágio de língua, os grupos etários mais jovens podem intro-
duzir novas alternantes que, gradativamente, substituirão aquelas que
caracterizam o desempenho lingüístico dos falantes de faixas etárias
mais avançadas; trata-se, nesse caso, de mudança geracional quando
certa variante passa a ser valorizada por alguns indivíduos e, gradativa-
mente, passa a exercer efeito sobre toda a comunidade (cf. LABOV,
1994). Ainda, se o comportamento dos indivíduos é estável durante toda
a sua vida e a comunidade se mantém também estável, não há variação a
analisar e tem-se estabilidade; se os falantes mudam seu comportamento
lingüístico durante suas vidas geralmente por influência do mercado
de trabalho , mas a comunidade como um todo permanece a mesma, o
padrão pode ser caracterizado como gradação etária. Entretanto, ressal-
ve-se que as diferenças de efeito associadas às faixas etárias não podem
ser tomadas como indicadores indiscutíveis e conclusivos de mudança
em curso. Assim, é importante perceber se estamos diante de uma mu-
dança que acontece caracteristicamente numa dada faixa etária, ou se
estamos diante de uma mudança em progresso que perpassa as diferen-
tes faixas etárias e se estabelece na gramática da língua.
Na ótica funcionalista, a distribuição em tempo aparente pode in-
dicar ―gramaticalização em andamento‖ (cf. ANDROUSTOPOULOS,
1999, apud GÖRSKI; TAVARES, a ser publicado). Dessa maneira, o
fato de um item lingüístico não ser freqüente em faixas etárias mais
velhas, mas passar a sê-lo entre as faixas etárias mais jovens pode signi-
ficar que o processo de gramaticalização está avançando (cf. GÖRSKI;
FREITAG, 2006).
Estudos de variação no discurso revelam comportamento distinto
em termos de idade. Dubois (1993 apud MACAULAY, 2002, p. 296),
por exemplo, examinando cuidadosamente ―extension particles‖, consta-
352 |
tou que os mais jovens usam-nas mais freqüentemente do que os mais
velhos. Vincent (1993 apud MACAULAY, 2002, p. 296), por sua vez,
investigou as partículas de exemplificação, como par exemple, comme,
genre, disons, etc., e encontrou freqüências semelhantes às de Dubois,
mas o decréscimo não se mostrou significativo e gradual ao longo do
tempo. Os resultados da pesquisa de Macaulay (1991, 1995 apud
MACAULAY, 2002, p. 298) a respeito de MDs e tags de finalização
mostram que adolescentes empregam menos you know que os adultos
investigados.
No que se refere ao uso variável dos MDs, Silva e Macedo (1989,
p. 15) tinham como hipótese geral que quanto menor fosse a faixa etária,
maior seria a utilização de marcadores. No caso específico dos marca-
dores iniciadores de respostas e dos RADs, porém, os resultados reve-
laram que a idade não se mostrou uma variável interferente.
Diferentemente, nas amostras do VARSUL, Martins (2003, p.
52), controlando duas faixas etárias, constatou que, na região Sul, os
informantes mais velhos fazem mais uso dos marcadores bom e bem do
que os mais novos; e, no que se refere aos itens individualmente, os
mais novos tendem mais ao uso de bom, enquanto os mais velhos favo-
recem o uso de bem. Valle (2001, p. 152) também encontrou evidências
favoráveis à hipótese geral de Silva e Macedo (1989), pois, na amostra
analisada de Florianópolis, com o controle de três faixas etárias, os itens
sabe?, entende? e não tem? são majoritariamente utilizados pelos in-
formantes mais jovens, diminuindo proporcionalmente ao aumento da
idade. Inserindo na análise dos RADs também o marcador tá?, Görski e
Freitag (2006, p. 36) mostram que um comportamento polarizado na
distribuição de tá? (usado preferencialmente pelos mais velhos) e de
não tem? (usado predominantemente pelos mais jovens), enquanto sa-
be? e entende? se distribuem numa linha ascendente mais regular, com
uso crescente à medida que a idade diminui. Os resultados de Rost
(2002, p. 120) para olha e veja, considerando apenas duas faixas etárias
(25 a 49, e acima de 50 anos), também mostraram que a faixa de menos
idade utiliza com mais freqüência esses MDs; e quanto à escolha da
variante, os mais velhos preferem olha e os de idade mais baixa optam
preferencialmente por vê.
Dada a natureza discursiva do objeto sob análise, que transita pe-
las funções interpessoal e textual, e considerando os resultados mencio-
nados, esperamos que haja distribuição crescente de freqüência de uso
de ambos os MDs à medida que a faixa etária diminua, de modo que os
jovens utilizarão mais esses MDs que os adultos, que, por sua vez, farão
| 353
mais uso desses itens que os mais velhos. Teríamos a distribuição de
freqüência assim delineada: jovens > faixa intermediária > mais velhos.
Quanto ao uso preferencial por uma ou outra forma, acreditamos
que a faixa etária mais baixa (15 a 24 anos), bem como a faixa mais
velha (acima de 50 anos), tenderão ao emprego de olha, enquanto a
faixa de 25 a 49 anos vai privilegiar o item . Embora não haja avalia-
ção social aparente associada a esses MDs, não descartamos a possibili-
dade de haver alguma relação com o fator ―mercado de trabalho‖.
Nesse sentido, como se disse, estamos aventando a hipótese de
Labov (1994) de que é possível captar as diversas etapas de um processo
de mudança através de uma escala em tempo aparente obtida por meio
de um estudo com falantes de idades diferentes, denominado gradação
etária.
Naro (1992, p. 82) prevê a hipótese de que o F, de fato, mude sua
língua no decorrer dos anos devido a pressões sociais
278
. Todavia, no
caso dos MDs que analisamos, o informante não opta entre uma forma
estigmatizada ou não-estigmatizada, mas, provavelmente, por uma for-
ma menos marcada ou mais marcada, ou, ainda, por uma forma com
traços mais, ou menos, interativos.
Os fatores controlados na variável ‗idade‘ desta tese são:
(i) em Florianópolis 15 a 24 anos; 25 a 49 anos; acima de 50
anos;
(ii) nas demais cidades 25 a 49 anos; e acima de 50 anos.
b) Resultados e discussão
Na rodada geral da amostra 1F, a variável idade não se mostrou
significativa pelo Programa, tampouco nas rodadas estatísticas por cida-
de e nem na rodada da amostra 3F. Todavia, na rodada da amostra 2F,
essa variável se revelou o segundo grupo estatisticamente relevante.
Vejamos, então, os resultados gerais para a variável idade na tabela 22:
278
Naro (1992, p. 82) apresenta duas posições teóricas subjacentes à mudança lingüística. A
primeira postula que o processo de aquisição da linguagem se encerra mais ou menos no
começo da puberdade e que a partir desse momento a língua do indivíduo fica essencialmente
estável. E a segunda frontalmente contradiz a primeira, pois comprova que o falante muda sua
língua no decorrer dos anos devido a pressões sociais. Conclui-se, segundo Naro, que o falante
modifica sua língua no decorrer dos anos enquanto que a hipótese clássica pretende a estabili-
dade da língua depois da puberdade.
354 |
TABELA 22 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL IDADE SOBRE O USO DE
OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
FONTE: A autora (2009)
Consideremos, inicialmente, a hipótese relativa à freqüência de
uso dos MDs por faixa etária. Observando os resultados dispostos nas
colunas do total de cada amostra e comparando inicialmente as faixas de
25 a 49 e de mais de 50 anos, notamos que é, na primeira faixa, que se
concentra o maior número de ocorrências de MDs à exceção de Flori-
anópolis , conforme nossa expectativa. Focalizando a amostra 2F, veri-
ficamos que é justamente entre os mais velhos que há maior uso de MDs
(89/177 = 50%) e entre os mais jovens que há menor emprego (37/177 =
21%), invertendo-se o resultado face a nossa hipótese inicial. A capital
catarinense se particulariza, pois, em relação ao comportamento dos
informantes, por faixa etária, em relação ao uso dos MDs olha e ,
evidenciando a seguinte escala em termos de maior a menor freqüência
de uso: mais velhos > faixa intermediária > jovens.
Olhando agora para cada um dos MDs, na rodada geral da amos-
tra 1F, resultados percentuais apontam que olha apresenta freqüência
relativamente alta entre os informantes das duas faixas etárias (80% para
os informantes com idade superior a 50 anos e 76% para os informantes
de 25 a 49 anos). A diferença entre as faixas, nas cidades da amostra 1F,
vai se mostrar em Blumenau e em Florianópolis1, invertendo-se os re-
Amostra 1F
Idade
BLU
CHP
FLP1
LGS
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
Ap/T
%
J
-
-
-
-
-
-
-
-
A
14/24
58
24/35
69
36/48
75
75/96
78
B
31/37
84
39/57
68
15/35
43
80/112
71
Total
45/61
74
63/92
68
51/83
61
155/208
75
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Ap/T
%
Ap/T
%
PR
Ap/T
%
J
-
-
33/37
89
0,99
-
-
A
217/271
80
72/89
81
0,39
37/90
41
B
244/321
76
30/51
59
0,09
51/151
34
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Não
selecionado
Input: .93
Sig.: .001
2º selecionado
Não
selecionado
| 355
sultados nessas duas cidades: em Blumenau são os da faixa intermediá-
ria que usam mais olha e em Florianópolis1 são os mais velhos que
privilegiam esse MD.
Os resultados que mais chamam atenção são os concernentes à
amostra 2F, quando se incluíram os dados de jovens florianopolitanos e
de universitários. Em termos probabilísticos, é na faixa de 25 a 49 anos
que se concentra o maior uso do MD na capital catarinense, enquanto
que o MD olha é altamente favorecido entre os informantes da faixa
etária jovem (0,99 de PR) e fortemente inibido na faixa intermediária
(0,09), conforme nossa expectativa. Esses resultados reforçam a hipóte-
se de Traugott (2002) e Traugott e Dasher (2005) de que muitas mudan-
ças são iniciadas pelos adultos jovens, principalmente transmitidas pela
força da autoridade educacional, jurídica, política ou religiosa, não pelas
crianças, devido à falta de maturidade para compreender complexas
inferências envolvidas e funções discursivas da estrutura textual. A jus-
tificativa para essa hipótese recai no fato de que a inovação e mudança
não ocorrem primeiramente no processo de aquisição ou percepção de
uma nova língua, mas são motivadas por escolhas ao longo das práticas
discursivas e sociais de interação entre F e O. Essa posição dos autores é
corroborada pelo fato de não termos encontrado nenhuma ocorrência
dos MDs olha e nas entrevistas das crianças.
Na rodada da amostra 3F, os resultados percentuais indicam a
menor freqüência de uso do MD olha entre os informantes das duas
faixas etárias, ou seja, a preferência dos informantes curitibanos é pelo
emprego do MD , como se afirmou anteriormente. Ao se comparar
as duas faixas etárias de informantes, aqueles com 25 a 49 anos apresen-
tam menos freqüência de uso desta variante (34%) do que os da faixa
etária mais velha (41%).
A partir dos resultados da amostra 2F, duas considerações gerais
podem ser feitas: (i) sob a ótica sociolingüística, ao se observar os resul-
tados quanto ao emprego do MD , pode estar ocorrendo entre os fa-
lantes florianopolitanos o que se denomina gradação etária, isto é, os
falantes mudam seu comportamento lingüístico durante suas vidas
geralmente por influência do mercado de trabalho , mas a comunidade
como um todo permanece a mesma, isto é, mostra preferência pela pri-
meira variante; (ii) sob a ótica funcionalista, estamos aventando que a
distribuição em tempo aparente pode estar indicando ―gramaticalização
em andamento‖ (cf. ANDROUSTOPOULOS, 1999, apud GÖRSKI;
TAVARES, a ser publicado). Dessa maneira, os resultados apontam que
o aumento da freqüência de olha na faixa etária mais jovem (15 a 24
356 |
anos) pode significar que o processo de gramaticalização desse MD está
avançando.
Arriscamos a hipótese de que os itens, ao longo do tempo, vão as-
sumindo funções de caráter mais textual e/ou se especializando em con-
textos particulares. Nesse sentido, o uso de uma forma não exclui a ou-
tra, mas cada uma delas vai, gradativamente, atuando em contextos cada
vez mais delimitados. Em suma, não teríamos o uso generalizado de um
item em detrimento do outro, mas uma espécie de divisão de tarefas.
Conforme verificado na análise da variável contexto de atuação discur-
siva, parece ocorrer, em alguns contextos, ―especialização por especifi-
cação‖, em que cada camada/variante vai adquirindo significados espe-
cíficos e/ou passa a preponderar em contextos sociolingüísticos distin-
tos, podendo vir a acarretar o fim da competição (cf. GÖRSKI;
TAVARES, a ser publicado). Assim, a exemplo do que ponderamos
quanto à variável sexo, também no que se refere à idade cogitamos a
possibilidade de haver interferência de outras variáveis lingüísti-
cas/discursivas, especialmente as de natureza discursiva, como o ―con-
texto de atuação‖ ou a ―seqüência discursiva (tipo textual)‖.
Ademais, vale destacar que nem todo indício de mudança em cur-
so detectado pela distribuição dos resultados em função da faixa etária é
reflexo somente do fator idade na amostra em estudo. É preciso atentar
para a possibilidade de atuação simultânea de outras forças. Nessa dire-
ção argumenta Freitag (2005, p. 110): ―Somente observação de um fe-
nômeno em tempo aparente não permite identificar se trata-se de uma
mudança em progresso ou não‖. Assim, a autora destaca os riscos que
se corre em falsas interpretações de processos de variação e mudança ao
se considerar apenas a faixa etária como representação cronológica da
vida do indivíduo. Para justificar sua afirmação, reporta-se ao trabalho
de Eckert (1997) segundo o qual, ao se considerar o tempo refletido na
idade cronológica dos indivíduos, pode-se levar ao erro de interpretação
entre mudança em tempo aparente de fato e gradação etária.
Isso porque, de acordo com Eckert (1997), o com-
portamento lingüístico de todos os indivíduos mu-
da no decorrer de sua vida. E as mudanças lingüís-
ticas individuais não são exclusivamente decor-
rentes de mudanças lingüísticas históricas. São
mudanças decorrentes da história do indivíduo.
Nascemos, crescemos, nos tornamos adultos, en-
velhecemos. A cada etapa do ciclo vital, mudan-
ças de ordem biológica e social ocorrem e refle-
tem também na sua língua, é o que Eckert deno-
mina de curso da vida lingüística. A aquisição da
| 357
língua, a entrada na escola, a aplicação da rede de
relações sociais, a entrada e a saída do mercado de
trabalho são fatores que se refletem diretamente
nas faixas etárias. Logo, a faixa etária não pode
ser encarada como um fator simples. Ao contrário,
é extremamente complexo, e é preciso muita aten-
ção ao interpretar os resultados de um fenômeno
de mudança em função das faixas etárias
(FREITAG, 2005, p. 111).
358 |
7.2.4.3 Informante
a) Caracterização e hipóteses
O controle do indivíduo, em trabalhos variacionistas com dados
do VARSUL, tem sido feito com resultados bastante significativos,
como se em Menon e Loregian-Penkal (2002, p. 171-173)
279
, por
exemplo. O controle de cada indivíduo
280
permite verificar se se trata de
um caso de variação na comunidade ou de variação individual.
No âmbito dos MDs, também têm sido encontrados resultados in-
teressantes (cf. DAL MAGO, 2001; VALLE, 2001; MARTINS, 2003,
entre outros). Dal Mago (2009) observou que quer dizer não apresenta
uso generalizado nas 24 entrevistas rastreadas por cidade, verificando
que menos de 50% dos informantes empregaram essa expressão. De
forma geral, a autora conclui que os informantes optavam pelo uso ex-
clusivo de quer dizer ou de vamos dizer.
Comportamento semelhante foi observado por Valle (2001, p.
147-148). A autora atestou que a escolha por um ou outro RAD parece
ser condicionada de modo incipiente por padrões sociais, relacionando-
se mais a atitudes individuais dos informantes:
[...] os entrevistados geralmente são fiéis ao uso
de uma determinada forma de RAD e a escolha
por uma, praticamente, faz cessar o uso das outras
aquele informante que utiliza muito sabe? é
pouco produtivo com não tem? e entende?. Esta
escolha por um dos itens em decréscimo dos ou-
tros é mais nítida entre os jovens.
Os resultados de Rost (2002) mostram que a maior parte dos in-
divíduos das três capitais da Região Sul apresentou comportamento
variável no uso dos MDs: 62% dos entrevistados utilizaram ambas as
formas e 38% optaram pelo uso exclusivo de uma delas.
279
Dentre os informantes que têm uso variável de tu e você em Lages e Florianópolis, Menon e
Loregian-Penkal (2002, p. 171-173) verificaram que, na capital catarinense, indivíduos mais
jovens favorecem o uso de você, em oposição aos mais velhos que preferem o uso de tu; na
cidade de Lages, a distribuição dos informantes é bastante aleatória quanto ao emprego de
ambos os pronomes: os informantes se encontram distribuídos entre um quase desfavorecimen-
to até a quase aplicação categórica da regra.
280
Como temos mais de uma centena de informantes e o pacote estatístico VARBRUL 2S
(PINTZUK, 1988) apresenta limitações quanto a número de fatores, um cuidado especial foi
tomado na codificação dos dados e nas rodadas estatísticas.
| 359
Nossa expectativa é que a distribuição diferenciada encontrada
por Rost (2002) nas três capitais da Região Sul será encontrada também
em Chapecó, Blumenau e Lages. Isso nos leva a crer que alguns dos
entrevistados podem ser fiéis a determinada forma e essa preferência
pode fazer cessar, ou minimizar, o uso de outra. Em síntese: nossa hipó-
tese é de que temos situações de variação na comunidade, porém com
casos individuais de preferência estilística.
b) Resultados e discussão
O comportamento de cada informante quanto ao uso dos MDs
pode ser visualizado na tabela 21, no apêndice B. Resumidamente,
reproduzimos alguns resultados significativos a seguir, mas antecipamos
que, de modo geral, o domínio da chamada da atenção do ouvinte codi-
ficado nesta tese pelos MDs olha e encontra terreno variável entre os
informantes catarinenses e entre as localidades de Santa Catarina. É o
passamos a apresentar mais detalhadamente observando cada amostra.
Na amostra 1F, do total de 96 informantes investigados, apenas
10 entrevistados não produziram nenhuma das formas dos MDs investi-
gados. Dos 86 restantes, 49 (57%) empregaram de modo variável ambos
os MDs, o que consideramos um resultado expressivo que indica a
competição dos MDs pelo domínio da chamada da atenção do ouvinte
na comunidade de Santa Catarina.
Quanto aos informantes que apresentaram uso categórico dos
MDs, 34 (39%) entrevistados fizeram uso somente de olha e três (3%)
informantes somente de . Em síntese, Blumenau foi a localidade que
menos apresentou informantes (8) que variam o uso dos MDs em estu-
do. Em contrapartida, nas demais cidades catarinenses, mais da metade
dos informantes (Chapecó com 13 informantes = 54%, Florianópolis e
Lages com 14 informantes cada = 58%) produziram de modo variável os
dois MDs. Esses resultados por cidade catarinense nos levam a postular
também a variação no uso dos MDs por indivíduo, a qual pode ser deli-
neada da seguinte forma, a partir de maior incidência de variação: Flori-
anópolis/Lages > Chapecó > Blumenau.
Entre os jovens e os universitários da amostra 2F (20 informantes
adicionais), 5 não produziram nenhum MD, 7 mostraram uso categórico
de olha e um de ; portanto, houve variação individual em 35% desses
informantes.
Em se tratando da amostra 3F, todos os 24 entrevistados empre-
garam ou uma ou outra forma dos MDs. Também foi a amostra em que
360 |
menos informantes apresentaram comportamento categórico no uso do
MD olha (5 entrevistados) ao passo que somente três empregaram ape-
nas . Dentre os 16 informantes (67%) que variaram o uso de ambos os
MDs, dez apresentam uso mais freqüente de olha, e sete elegem .
Nesse caso, embora na capital paranaense se sobreponha em termos
de freqüência a olha, nota-se que os resultados por informante corrobo-
ram os apresentados nas cidades catarinenses, ou seja, olha é o MD
preferencial entre os informantes das três amostras analisadas, o que
corrobora a hipótese de que seja o MD mais avançado no processo de
mudança.
7.3 Fechando o capítulo
Dedicamos esta seção à retomada breve dos principais resultados
obtidos no que tange às motivações que condicionam o uso de olha e
nas amostras sincrônicas. A análise variacionista foi conduzida no senti-
do de tentar responder às seguintes questões da pesquisa: ―Que variá-
veis lingüísticas/discursivas e sociais condicionam o uso dos itens olha
e ?‖ Relacionadas a essa, também tínhamos formulado as seguintes
questões: O uso dos MDs olha e é sensível a fatores de natureza
geográfica?‖ Ainda: ―Os MDs olha e se apresentam num quadro de
variação estável ou é possível caracterizá-los como mudança em tempo
aparente e/ou tempo real?‖ Por fim: ―Que correlações se pode estabele-
cer entre o funcionamento dos MDs olha e e os sistemas pronominal
e modo-temporal do PB em relação à P2?‖. Como essas questões estão
correlacionadas, vamos sintetizar os resultados também de modo relati-
vamente integrado. Começamos pelo aspecto formal das variantes, de-
pois passamos aos fatores de natureza discursiva, morfossintática e, por
fim, aos extralingüísticos:
- quanto à apresentação formal, os resultados evidenciam que os
MDs provenientes de verbos no imperativo estão sujeitos à fixação em
termos de flexão número-pessoal e modo-temporal: enquanto o MD
olha tende a se fixar na forma olha, derivada do indicativo, o MD é
bastante recorrente também na forma veja, derivada do SUBJ,
especialmente na amostra de Curitiba;
- considerando-se as macrofunções articuladoras, a basicamente
interacional favorece o MD olha e a basicamente textual favorece o
MD ;
| 361
- sobre os contextos de atuação discursiva: os contextos adversa-
tivo, de atenuação e concessivo se mostraram categóricos para olha e o
contexto de advertência quase categórico; o contexto causal, além de se
mostrar o mais recorrente, foi o que se revelou, em termos de freqüên-
cia, como o ambiente mais propício à variação entre os MDs, embora
probabilisticamente tenha se mostrado como forte condicionador de ;
os contextos interjetivo, exemplificativo e de parentetização, em termos
gerais, também se mostraram favorecedores de ;
- sobre as seqüências discursivas: em termos gerais, as injuntivas
favorecem largamente o MD olha; as dissertativas também condicio-
nam esse MD em Florianópolis; as narrativas e descritivas, por sua vez,
apresentam um comportamento oscilante entre as cidades, ora favore-
cendo um MD ora outro, ora mostrando-se neutras, mas, no geral, estão
mais associadas a ;
- sobre a presença/ausência de pronome/vocativo junto ao MD: o
MD tende a coocorrer com os pronomes você e tu e o MD olha com
ausência de pronome e com vocativo;
- sobre a relação sintática com a estrutura oracional: o MD olha
é mais recorrente em contextos sintaticamente independentes e menos
presente nos sintaticamente dependentes, o que configura situação de
distribuição complementar entre os MDs;
- sobre a posição dos MDs: olha é bastante favorecido na intro-
dução/abertura de tópico discursivo, aparece mais no fe-
cho/finalização e ambos disputam mais intensamente a posição interme-
diária do tópico; em suma, ambos os MDs podem aparecer nas três posi-
ções;
- sobre a pausa: a maioria dos MDs aparece sem pausa, contexto
que se revela o privilegiado para o MD (em Santa Catarina); o se-
gundo ambiente, em termos de freqüência, é o de pausa posterior, favo-
recedor de olha em Santa Catarina e de em Curitiba; em suma: em
Santa Catarina, olha ocorre mais freqüentemente em contexto entre
pausas; já em Curitiba, pausa posterior inibe surgimento desse MD;
- sobre a cidade: na amostra 1F (SC), Chapecó cidade de colo-
nização italiana, localizada no extremo oeste catarinense é a cidade
que apresenta maior probabilidade de ocorrência de MD olha, Floria-
nópolis cidade litorânea de colonização açoriana se revela o espaço
probabilisticamente preferencial para o MD ; Blumenau e Lages são
campos neutros; e Curitiba (amostra 3F) é o lugar que apresenta maior
freqüência de uso do MD ;
- sobre o gênero: as mulheres usam preferencialmente o MD olha
e os homens , especialmente em Santa Catarina;
362 |
- sobre a idade: em Florianópolis, a faixa etária dos jovens tende
fortemente ao uso do MD olha e a faixa intermediária tende ao uso de
; e os mais velhos, embora em termos percentuais também usem bas-
tante olha, o PR associado desfavorece esse MD.
Esses resultados apontam para o fato de que o domínio da cha-
mada da atenção do ouvinte codificado pelos MDs olha e encontra
terreno variável entre os informantes catarinenses.
| 363
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste momento, apresentamos a síntese retrospectiva de cada ca-
pítulo desta tese, retomamos os principais objetivos, questões e hipóte-
ses mostrando em que medida foram atendidos, respondidas e atestadas,
respectivamente, propomos algumas generalizações, expomos o que
consideramos serem as principais contribuições desta pesquisa, bem
como algumas limitações do trabalho, e apontamos possíveis desdobra-
mentos para estudos futuros.
A partir da associação dos postulados do Funcionalismo Lingüís-
tico, especialmente no que concerne à gramaticalização, e da Teoria da
Variação e Mudança, objetivou-se mapear, numa abordagem pancrôni-
ca, o comportamento das formas olha e (e suas variações), com base
em amostras sincrônicas do Banco VARSUL/SC e também em uma
amostra diacrônica, representada por 17 textos de peças teatrais escritas
nos séculos XIX e XX por escritores catarinenses.
Para atingir este objetivo geral, inicialmente, foi necessário con-
textualizar nosso objeto de estudo e seus diferentes contextos de uso em
dados do português falado e escrito. Partimos de estudos anteriores que
investigaram a mudança semântico-pragmática dos verbos de percepção
olhar e ver e delineamos hipoteticamente a origem e potencialidade
semântico-pragmática de cada elemento, desde sua base verbal como
item lexical pleno, realizado via ato de fala manipulativo, até seu com-
portamento como MD, situação em que apresenta um enfraquecimento
da força imperativa prototípica, estando mais associado a sentidos abs-
tratos e pragmáticos.
Na seqüência, foi apresentado o enquadramento teórico-
metodológico norteador desta pesquisa. Na seção destinada ao Funcio-
nalismo Lingüístico, nos ativemos à discussão de algumas definições,
princípios, trajetórias e motivações para a mudança semântico-
pragmática e categorial que está atrelada à gramaticalização, principal-
mente no que tange aos aspectos cognitivos e comunicativos envolvidos
na mudança com ênfase nos aspectos pragmáticos. Por tal razão, identi-
ficamos os estágios de mudança dos MDs, teoricamente associados às
364 |
funções da linguagem ideacional, textual e interpessoal, e discutimos a
pertinência de abordá-los como um fenômeno de gramaticalização.
Sob a ótica funcionalista, adotando a noção de gramaticalização
desenvolvida por Traugott devido ao relevo dado ao contexto pragmá-
tico e à consideração de que itens gramaticais podem desenvolver novas
funções gramaticais (não necessariamente mais gramaticais) , defen-
demos que enunciados imperativos, inerentemente intersubjetivos, po-
dem vir a ser subjetivizados. Nesse sentido, ganha ênfase nesta tese a
premissa de que, além de forças de natureza cognitiva, também for-
ças de natureza comunicativa/pragmática motivando a mudança nesse
caso, o componente metonímico do modelo proposto por Heine, Claudi
e Hünnemeyer (1991) parece explicar satisfatoriamente o processo de
expansão de significados em cadeias contínuas, por meio de reinterpre-
tação induzida pelo contexto, via implicatura conversacional. Assumi-
mos, pois, que existe forte correlação entre subjetivização e gramatica-
lização.
Na perspectiva da gramaticalização, consideramos ainda, com ba-
se em Heine e Kuteva (2007), que tanto ocorrem perdas no que diz
respeito a desgaste semântico e à redução fonética, por exemplo como
ganhos, especialmente pragmáticos, na emergência de novos significa-
dos gramaticais. Ademais, nos valemos do postulado de Bybee (2003)
de que a alta freqüência de uso, por levar à ritualização das for-
mas/funções, pode ser vista como um indício de gramaticalização. E
lançamos mão dos princípios postulados por Hopper (1991) para expli-
car os processos de mudança dos itens olha e , uma vez que tais prin-
cípios contemplam estágios iniciais de gramaticalização, que é o que
acreditamos estar ocorrendo com os MDs investigados.
Ainda numa abordagem funcionalista, defendemos, com base em
trabalhos de Traugott, a pertinência da associação entre a trajetória de
mudança, especialmente a pragmático-semântica, e as funções da lin-
guagem. Entendemos que itens lexicais podem vir a desenvolver polis-
semias pragmáticas (por inferências sugeridas no contexto) e, posteri-
ormente, semânticas, com conseqüentes reanálises categoriais, tanto no
domínio interpessoal (com componente orientado para o O e/ou para o
F) como no domínio textual. Nesse caso, não apenas o caráter contextu-
al da situação interlocutiva é relevante, mas principalmente a presença
de expressões lingüísticas que indexam a (inter)subjetividade e a desco-
berta de como eles emergem.
Com base na abordagem teórica acima sintetizada, acreditamos
ter respondido a primeira questão que se colocou nesta pesquisa, a saber:
―É possível descrever e explicar a emergência e o funcionamento de
| 365
MDs de base verbal sob a ótica da gramaticalização?‖ Julgamos ter
apresentado argumentos de natureza teórica, baseados em evidências
empíricas, que abonam a hipótese de que os MDs sob análise podem ser
tratados como instância da gramaticalização, tanto no que se refere à
mudança semântico-pragmática, como à mudança categorial.
Na seção destinada à perspectiva da Teoria da Variação e Mu-
dança, apresentamos, em linhas gerais, os pressupostos básicos e a ope-
racionalização metodológica da abordagem sociolingüística quantitativa,
e vislumbramos a possibilidade de se incluir os MDs na abrangência da
variável lingüística‖ (no sentido laboviano do termo), bem como a
pertinência de se recuar períodos de tempos distantes mesmo quando o
acesso ao texto falado torna-se quase inviável (atentamos para a restri-
ção de que dados escritos sofrem interferência da norma e dificilmente
registram a língua em uso efetivamente, além de praticamente não ofe-
recerem informações estilísticas e sociais). Consideramos o método de
captar a mudança em tempo aparente (eixo sincrônico) e em tempo real
(eixo diacrônico), combinando-os numa abordagem pancrônica. Nesse
sentido, foi apontada a relevância do princípio do uniformitarismo (as
forças que atuam hoje sobre os fenômenos lingüísticos o as mesmas
que atuavam no passado).
Ainda na abordagem sociolingüística, demos destaque aos cinco
problemas que, segundo Weinreich, Labov e Herzog ([1968] 2006),
devem estar presentes numa investigação lingüística: restrição, transi-
ção, encaixamento, avaliação e implementação, procurando relacioná-
los ao fenômeno pesquisado nesta tese.
Na terceira seção dedicada também ao enquadramento teórico,
propusemos uma abordagem integrada para o tratamento do fenômeno
investigado: o sociofuncionalismo, considerando os aspectos convergen-
tes das duas perspectivas teóricas acima referidas. Nesse sentido, bus-
camos responder outra questão de pesquisa: ―É possível tratar os itens
olha e como camadas/variantes dentro de um domínio funcional?‖.
Para isso, apoiando-nos em Naro e Braga (2000) e Görski e Tavares (a
ser publicado) que propõem o afrouxamento da noção de mesmo signi-
ficado referencial, considerando a função/significação, vimos a possibi-
lidade do tratamento variável de formas que compartilham mesmas fun-
ções discursivas. Nesse sentido foi possível tratar os itens olha e
como variantes de uma variável lingüística, alternantes num mesmo
contexto discursivo o da chamada da atenção do ouvinte , embora
cientes da possibilidade de existência de contextos específicos de uso de
uma ou de outra forma caso de contextos de restrição ou de eventual
366 |
especialização de certos usos , o que não invalidou o tratamento varia-
cionista para as ocorrências que se mostraram intercambiáveis.
Nosso próximo propósito foi proceder à investigação acerca da
definição, da forma e da função dos MDs segundo diferentes amostras e
perspectivas teóricas. O exame da literatura disponível permitiu identifi-
car que consenso entre os pesquisadores quanto ao fato de que os
MDs ―são expressões que relacionam segmentos discursivos‖
(SCHIFFRIN, 1987; FRASER, 1999, p.193). Foi possível observar
também que, em cinco línguas românicas, verbos de percepção associa-
dos à P2 em enunciados de comando na forma imperativa migram de
categoria e atuam como MDs, situação semelhante à por nós identifica-
da nas amostras investigadas, quando funcionam como elementos de
chamamento da atenção do O para aspectos do contexto e/ou do texto do
F. Assim, além da base comum, verificou-se, a partir do levantamento
da literatura, que os MDs compartilham uma gama de contextos de atu-
ação, desempenhando funções ora mais interativas, ora mais textuais.
Tal revisão da literatura deu suporte para a identificação e caracterização
dos diferentes contextos de atuação discursiva dos MDs e de outras
variáveis investigadas.
Estabelecida a perspectiva teórica, objetivamos descrever as eta-
pas metodológicas da pesquisa: a primeira, caracterizada como uma
abordagem basicamente funcionalista e a segunda como de cunho varia-
cionista. Após, definimos os instrumentos de coleta de dados e o Pro-
grama estatístico empregado no tratamento dos dados. Por fim, elenca-
mos os grupos de condicionadores lingüísticos e extralingüísticos con-
trolados nas amostras sincrônica e diacrônica.
Uma vez definidas as etapas metodológicas, passamos à concreti-
zação da análise funcionalista que contemplou, primeiramente, o mape-
amento do comportamento diacrônico dos MDs em dados de escrita
(peças de teatro escritas por escritores catarinenses) e, posteriormente, o
sincrônico em dados de fala (Projeto VARSUL). Nas duas amostras
investigadas, as ocorrências de diferentes contextos de atuação discursi-
va de olha e analisadas atestaram o papel da pressão contextual para
a emergência de novos usos e a pragmatização do significado, conforme
evocado por Traugott (1982, 1989, 1995, 1999, 2001, 2002) e Traugott e
König (1991). Vimos que enunciados imperativos, inerentemente inter-
subjetivos, podem vir a ser subjetivizados no curso da mudança de sig-
nificados de conteúdo, baseados na estrutura argumental, para significa-
dos procedurais pragmáticos no nível discursivo. Acreditamos, assim,
ter evidenciado a associação entre a trajetória de mudança, especialmen-
te a pragmático-semântica, e as funções da linguagem.
| 367
Após a concretização da análise funcional, adentramos na análise
do comportamento dos MDs segundo a perspectiva variacionista. Para
isso, dispensamos um tratamento estatístico aos dados com vistas a des-
crever os contextos de uso de cada uma das formas supostamente em
competição e partimos em busca de respostas para a seguinte questão:
―Que variáveis lingüísticas/discursivas e sociais condicionam o uso dos
itens olha e ?‖
Quanto à significância estatística das variáveis testadas, em Santa
Catarina (amostra 1F) foram relevantes os seguintes grupos de fatores,
nessa ordem: relação sintática com a estrutura oracional; presen-
ça/ausência de pronome/vocativo junto ao MD; contexto de atuação
discursiva; cidade (o que aponta que o uso dos MDs olha e é sensí-
vel a fatores de natureza geográfica); pausa; posição dos MDs; gêne-
ro/sexo. Nas rodadas estatísticas por cidade, houve alteração nesse qua-
dro, sendo as principais delas: a seleção da variável seqüência discursi-
va em quatro cidades (Chapecó, Florianópolis, Lages e Curitiba) e a
seleção da variável idade com a entrada em cena dos jovens em Floria-
nópolis (amostra 2F).
O que podemos dizer a respeito da aplicação dos princípios empí-
ricos formulados por Weinreich, Labov e Herzog ([1968] 2006)? Que
generalizações podemos extrair dos resultados da análise variacionista?
Inicialmente, cumpre lembrar que, dada a natureza da entrevista
sociolingüística e o tipo de tratamento estatístico dispensado aos dados,
temos de ter cautela ao tentarmos fazer generalizações, visto que cada
ocorrência de uma variável vem inserida em um enunciado e em um
contexto social, que abarcam uma gama de fatores que influenciam a
escolha do F, ou seja, várias forças simultâneas atuando em diversas
direções e isolá-las pode fazer com que façamos generalizações inváli-
das (GUY, 1998, p. 27-28).
Isso posto, vejamos como se verifica o princípio da restrição nos
dados analisados. Estão reunidos, nos três parágrafos abaixo, os princi-
pais resultados das rodadas estatísticas que testaram os diferentes condi-
cionadores.
Quanto aos fatores formais: (i) tendência à fixação dos MDs
na forma derivada do indicativo (olha e ), porém o MD se mantém
de modo bastante recorrente também no SUBJ (veja) e é o MD que ten-
de a coocorrer com os pronomes (você e tu) e a se manifestar em contex-
tos sintaticamente dependentes, contrastando com olha, que tende a se
realizar desvinculado de pronome e em contextos sintaticamente inde-
pendentes; (ii) em termos de posição, enquanto o MD olha é favorecido
na abertura de tópico discursivo, é priorizado na finalização, mas
368 |
ambos compartilham de modo bastante variável a posição intermediária
que dá continuidade ao tópico.
Quanto aos fatores discursivos: (i) o MD olha prepondera larga-
mente nos contextos adversativo, de atenuação, concessivo (nesses três
de modo categórico) e de advertência, ao passo que é favorecido nos
contextos interjetivo, exemplificativo e de parentetização, enquanto o
contexto causal se revela como o principal campo de batalha das vari-
antes; (ii) em relação às seqüências discursivas, a evidência mais clara é
que olha tende a ocorrer nas injuntivas (em Florianópolis também nas
dissertativas), está, em geral, mais associado às seqüências narra-
tivas e descritivas, embora essas se mostrem bastante relativamente
indefinidas quanto aos MDs nas diferentes cidades; (iii) no que concerne
à pausa: embora a maioria dos MDs ocorra desacompanhada de pausa,
verifica-se que, em Santa Catarina, os contextos entre pausas estão mais
correlacionados a olha; em Curitiba, pausa posterior inibe a ocorrên-
cia desse MD.
Quanto aos fatores extralingüísticos: (i) em relação à cidade, o-
lha encontra o maior campo de atuação em Chapecó, ao passo que é
mais característico de Curitiba e, no âmbito do estado catarinense, é
mais usado em Florianópolis, enquanto ambos disputam terreno em
Blumenau e Lages; (ii) no que tange ao gênero/sexo, olha é, em termos
gerais, o MD preferido pelas mulheres e pelos homens; (iii) por fim,
quanto à idade, em Florianópolis, olha é favorecido pelos jovens e
tende a ocorrer na fala de informantes de 25 a 49 anos.
Um aspecto que podemos considerar nesse momento, tendo em
vista uma possível generalização, é a existência de ―motivações em
competição‖ atuando sobre os usos de olha e vê. Quanto aos condicio-
nadores, temos: (i) de um lado, fatores discursivos, fortemente atrelados
à mudança semântico-pragmática dos itens; (ii) de outro, fatores mor-
fossintáticos, associados a diferenças geográficas, com reflexos na mu-
dança categorial dos itens; e (iii) por fim, fatores sociais, correlaciona-
dos à variação/mudança, seja no âmbito variacionista, seja no funciona-
lista voltado à gramaticalização. Quanto às motivações mais gerais,
temos: (i) reflexos dos princípios da iconicidade e da economia sobre a
forma de realização dos itens forma plena e foneticamente reduzida,
por exemplo; (ii) reflexos da hipótese da harmonia (cf. BYBEE;
PERKINS; PAGLIUCA, 1994) consonância entre as características
discursivas de uma seqüência e as características do item, especialmente
as ligadas à sua origem e da reinterpretação induzida pelo contexto
(cf. HEINE, CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991) assimilação de tra-
ços predominantes no contexto pela recorrência de uma forma/função
| 369
naquele determinado contexto , especialmente sobre os contextos de
atuação dos itens e as seqüências discursivas nas quais os MDs se ma-
nifestam.
Para continuarmos a responder às indagações feitas, é preciso re-
tomarmos outras questões da tese: ―O uso dos MDs olha e é sensível
a fatores de natureza geográfica?‖ Vimos, ao longo do trabalho, que: (i)
quanto à freqüência de uso da variável as ocorrências do domínio
funcional de chamada da atenção do ouvinte se distribuem, em SC,
entre 144 (Florianópolis) e 228 (Lages), sendo mais freqüentes em Curi-
tiba com 252 ocorrências; (ii) quanto ao MD preferencial Curitiba e
Florianópolis propiciam mais o MD enquanto Chapecó favorece
olha; (iii) quanto à(s) forma(s) de cada MD Curitiba é a cidade que
mais usa as formas derivadas do SUBJ, seguida de Lages; e Blumenau,
seguida de Florianópolis, é a localidade que mais usa as formas deriva-
das do indicativo. Esses resultados indicam que a resposta à questão
levantada acima é afirmativa, embora não se verifiquem tendências
totalmente claras, nem em relação à região nem em relação à etnia. Do
ponto de vista do princípio empírico da transição, pouco se tem a dizer
em termos de localização espacial das variantes, embora exista associa-
ção entre o fator geográfico e a configuração morfossintática do fenô-
meno, conforme salientado a seguir.
Quanto à questão: Que correlações se pode estabelecer entre o
funcionamento dos MDs olha e e os sistemas pronominal e modo-
temporal do PB em relação à P2?‖, percebemos que (i) diacronicamente,
enquanto para olha a forma derivada do SUBJ para P2 (olhe) vai recu-
ando no século XX em favor da forma derivada do indicativo (olha),
para , é a forma derivada do SUBJ (veja) que ganha espaço no século
XX; (ii) sincronicamente, o pronome você tende a coocorrer com as
formas do MD derivadas do SUBJ (predominantemente com veja), ao
passo que o pronome tu favorece as formas do MD derivadas do indica-
tivo. Isso mostra (i) a presença de vestígios morfossintáticos da catego-
ria verbal de origem dos MDs; (ii) uma correlação entre o comporta-
mento morfossintático e o fator geográfico acima referido: é em Curiti-
ba, seguida de Lages, que mais encontram as formas derivadas de SUBJ;
e também é nessas duas cidades que se encontra a maior incidência de
uso do pronome você esse uso é categórico em Curitiba (cf.
LOREGIAN-PENKAL, 2004). Esses traços de natureza morfossintática
que os MDs ainda carregam, especialmente , justificam o fato de as
variáveis dessa natureza terem sido selecionadas nas primeiras posições
nas rodadas estatísticas, que se procurou verificar os condicionadores
de uso de uma variante ou de outra. Encontramos aqui evidências de
370 |
atuação do princípio do encaixamento lingüístico, no sentido de reten-
ção de marcas morfossintáticas da origem verbal.
No que tange à questão: ―Os MDs olha e veja se apresentam num
quadro de variação estável ou é possível caracterizá-los como mudança
em tempo aparente e/ou tempo real?‖, os resultados da amostra 2F, que
apontam os jovens na liderança do uso do MD olha, e com um compor-
tamento mais próximo dos mais velhos em contraste com a faixa inter-
mediária, que privilegia o MD , podem estar sugerindo uma situação
de gradação etária, isto é, os falantes mudam seu comportamento lin-
güístico durante suas vidas, mas a comunidade como um todo permane-
ce a mesma, manifestando primazia pela variante olha. Deve ser consi-
derado o fato de que não foi encontrada nenhuma ocorrência desses
MDs na fala das crianças; portanto não se pode, ainda, fazer a projeção
de que olha estaria se generalizando em detrimento de . Do ponto de
vista diacrônico, não se pode falar, a partir das amostras escritas anali-
sadas, que um MD esteja substituindo o outro, e sim que expandiu
seu uso naqueles contextos. Em relação à mudança, não dispomos, pois,
de evidências empíricas suficientes para falar em mudança geracional,
atrelando-a ao princípio da transição.
Na ótica funcionalista, a distribuição em tempo aparente pode ser
interpretada como um caso de ―gramaticalização em andamento‖ (cf.
ANDROUSTOPOULOS, 1999, apud GÖRSKI; TAVARES, a ser pu-
blicado), especialmente se a fala dos jovens apresentar um pico de mu-
dança (cf. LABOV, 2001). Assim, o fato de um item lingüístico não ser
freqüente em faixas etárias mais velhas, mas passar a sê-lo entre as fai-
xas etárias mais jovens pode significar que o processo de gramaticaliza-
ção está avançando (cf. GÖRSKI; FREITAG, 2006).
Outra questão que emerge aqui e que se mostrou recorrente ao
longo da tese diz respeito ao seguinte: existe tendência a algum tipo de
especialização de uso das formas? Considerando-se que a especializa-
ção, seja por generalização, seja por especificação (cf. HOPPER, 1991;
TAVARES, 1999), é uma maneira de solucionar a variação, e que al-
guns contextos de atuação discursiva se mostram categóricos para um
dos MDs desde o século XIX, é muito difícil supor que se trate, nesse
caso, de especialização de uso. Parece-nos que a interpretação mais
plausível é a de que certos contextos restringem, talvez dada a sua pró-
pria natureza, o uso de determinado MD (por conflitos entre resquícios
de origem do MD e características semântico-pragmáticas do contexto),
impedindo, ou pelo menos dificultando, a variação nesses casos. Por
outro lado, verifica-se certa tendência de uso do MD olha em contextos
de caráter mais interacional e o MD em contextos com matizes mais
| 371
textuais aí, sim, se delineando um caso de possível especialização de
uso, porém ainda não efetivada.
Os resultados estatísticos apontaram indícios do desenvolvimento
individual e conjunto dos MDs sob análise. A partir do traço comum de
percepção que os caracteriza, vimos que olha, como forma mais recor-
rente nas amostras investigadas, é também o MD mais avançado no
processo de mudança em função dos seguintes fatores, entre outros: (i) o
MD olha aparece em seis diferentes contextos de atuação discursiva
no século XIX, ao passo que se manifesta em três contextos no sécu-
lo XX, apenas, com um número bastante reduzido de ocorrências; (ii)
sincronicamente, um uso mais generalizado de olha do que de ,
sendo que alguns contextos são categóricos para olha; (iii) olha retém o
menor vestígio de herança verbal em comparação a vê.
Qual é o balanço final? Destacamos, a seguir, o que consideramos
como as principais contribuições desta tese, bem como algumas limita-
ções, e elencamos possíveis desdobramentos.
Entre as contribuições, pontuamos:
- a descrição pormenorizada do comportamento dos MDs olha e
no português falado e escrito no Brasil, conjugando a abordagem
teórico-metodológica integrada do Funcionalismo Lingüístico e da Teo-
ria da Variação e Mudança Lingüística;
- o tratamento variacionista dispensado a uma variável de nature-
za discursiva;
- a inserção de MDs de base verbal sob o escopo de fenômenos
em gramaticalização;
- as hipóteses interpretativas acerca do comportamento funcional
dos itens, com base numa noção de gramaticalização que enfatiza aspec-
tos semântico-pragmáticos envolvidos no processo de mudança;
- a sistematização de estudos realizados sobre MDs da mesma na-
tureza dos desta pesquisa em outras línguas românicas, mostrando que
se trata de um fenômeno com comportamento similar entre essas n-
guas.
Entre as limitações que atribuímos em parte ao fator tempo ,
destacamos:
- a não realização de cruzamentos entre certas variáveis, como
por exemplo, contextos de atuação discursiva e seqüências discursivas
com idade, de modo a captar nuanças mais sutis do funcionamento dos
MDs;
- o pouco aprofundamento de discussões sobre certas noções a-
cionadas na tese como, por exemplo, a (inter)subjetivização, especial-
mente aplicada aos MDs analisados, tendo em vista tratar-se de proposta
372 |
teórica um tanto polêmica que tem reflexos na trajetória de mudança que
envolve as funções ideacional, interpessoal e textual, bem como na con-
cepção de gramaticalização.
Por fim, porque acreditamos não ter esgotado as possibilidades de
análise do fenômeno, alguns pontos merecem ainda atenção, porém
ficam como sugestões para trabalhos futuros:
- ampliação do corpus, utilizando como amostra as outras cidades
que compõem o Banco de Dados VARSUL que não entraram nesta
pesquisa tampouco em Rost (2002), para verificar se as diferenças regi-
onais já apontadas por nós se mantêm ou tomam outros rumos;
- pesquisa sobre valoração social atribuída aos MDs, para ver se
há ou não estigma associado ao uso dos itens, por meio da realização de
testes de atitude, contemplando desse modo o princípio da avaliação;
- identificação de outras formas concorrentes dentro do domínio
funcional de chamada da atenção do ouvinte, conforme já realizado por
alguns pesquisadores no português, com o objetivo de confirmar, am-
pliar ou mesmo refinar a descrição das atuações dessa formas;
- realização de análise comparativa entre o PB e o PE a fim de
verificar diferenças e semelhanças no uso dos MDs olha e .
| 373
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| 395
A
NEXO A Breve biografia dos autores das peças teatrais
consultadas
396 |
Séculos
Autor
Peça teatral
Biografia
XIX
AUGUSTO DE CARVALHO,
Álvaro.
Raimundo
Nascido em 1829, em Desterro. Foi um
dramaturgo brasileiro. Escreveu várias
peças teatrais, que o consagraram como o
primeiro dramaturgo catarinense. Dentre
suas peças encenadas no Desterro, estão
O Pescador Pedro Martelli e Uma Moça
de Juízo. O Teatro Álvaro de Carvalho é
denominado em comemoração a seu
nome. É patrono de uma das cadeiras da
Academia Catarinense de Letras. Faleceu
em Buenos Aires, em 1865.
DUTRA, Antero dos Reis.
Brinquedos de
cupido (Miscella-
nea)
Nascido em 1835, em Desterro (Ribeirão
da Ilha). Foi um poeta brasileiro. Filho de
Marcelino Antonio Dutra. Com 15 anos,
foi para o Rio de Janeiro, onde passou a
viver como empregado do comércio e
gratuitamente, nas horas vagas, fez os
estudos de humanidades. Casou-se com
Januária Maria da Conceição, que, nos
versos do poeta, era tratada por Josina.
Porém, o casamento não durou muito,
pois a esposa faleceria sem lhe deixar
descendência. É patrono de uma das 40
cadeiras da Academia Catarinense de
Letras. Faleceu em 7 de abril de 1911.
COUTINHO, José C. de Lacerda.
A casa para alugar
Nascido em 1841, natural de Desterro.
Em 1868, formou-se em Medicina e
voltou à terra natal e se envolveu com
política partidária. Depois, transferiu-se
para o Rio de Janeiro, onde se dedicou
principalmente ao magistério e à literatura
e subsidiariamente à medicina e à política.
Embora tenha passado grande parte de
sua vida no Rio de Janeiro, Lacerda
Coutinho, jamais se desprendeu de sua
terra natal, pois os jornais freqüentemente
publicavam suas poesias, muitas delas
inspiradas nos motivos e costumes
catarinenses. Foi, incontestavelmente, o
poeta mais representativo do período
romântico em Santa Catarina. Faleceu no
Rio de Janeiro, em 1900.
LIVRAMENTO, Arthur Cavalcanti
do.
Os ciúmes do
capitão
Nascido em 1853.
| 397
NUNES PIRES, Horácio.
O idiota
Nascido em 1855, no Rio de Janeiro.
Quatro anos depois, mudou-se com a
família para Lages, SC. Ali fez o curso
primário, dirigido por seu pai. Quando
completou 11 anos, sua família se
transferiu para Florianópolis. Entre os
doze e treze anos, escreveu seu primeiro
poema. Em 28/02/1877, foi nomeado 2º
Oficial da Secretaria da Província. Fora
Diretor da contabilidade do Tesdouro do
Estado. Ingressou no magistério em
1883, e partir daí, dedicou-se, quase por
completo, à educação. Chegou ao cargo
de Diretor Literário das escolas da Capital,
diretor da Escola Normal, Diretor da
Instrução Pública, por 20 anos, e Inspetor
Geral de Ensino. Faleceu em sua
residência em 20/05/1919, à rua Bocaiú-
va 25, em Florianópolis, SC.
398 |
SÃO THIAGO, Joaquim.
A engeitada
Nascido em 1857, natural de Desterro
(Florianópolis). Eram seus pais Peregrino
Servita de S.Thiago, funcionário da
Fazenda, natural do Rio Grande do Sul, e
de. Maria Augusta de S.Thiago, natural
da cidade de Laguna, SC. Seu pai,
empregado público, parcamente remune-
rado, não pode como chefe de numerosa
família proporcionar-lhe recursos para
adquirir mais ampla instrução que a
primária. Assim, aos quatorze anos de
idade, forçado a abandonar os estudos
secundários que mal iniciava, veio com
seus pais para a cidade, tentando mais
tarde continuar seus estudos na Corte, a
convite de seu irmão Polydoro que
mantinha ali um pequeno curso de
preparatórios, fundado por iniciativa
própria, a fim de prover as suas despesas
de estudante pobre. Vivendo sob o
domínio de duas forças inflexíveis: o
amor ao estudo e o gosto pela solidão,
aceitou de bom grado, o provimento no
magistério público, na qualidade de
professor de uma escola modesta na
freguesia de Sahy (1880-1881). Da sua
passagem pelo magistério ficaram traços
indeléveis. Na República a administração
estadual conferiu-lhe a gratificação de
mérito, como reconhecimento aos
inestimáveis serviços que prestou à causa
do ensino. Pertenceu ao Partido Republi-
cano, de cujo primeiro diretório fez parte
como secretário. Deputado à Constituinte
Estadual, teve o mandato renovado na
legislatura de 1894-1896, mantendo-se
coerente sempre com as suas idéias.
Como escritor que foi, deixou páginas de
intensa emotividade na literatura dramáti-
ca, para a qual se voltava a sua predileção.
Escreveu os seguintes dramas: Vicentina,
A órfã e Enjeitada; apenas fez publicar o
primeiro, em restrita edição; conservando-
se os outros dois inéditos, embora
conhecidos do nosso meio social que
deles assistiu algumas representações.
Além desses dramas, escreveu também
as suas Pequenas Lições de Moral Cristã,
publicadas em 1924. Faleceu em São
Francisco do Sul em 1916.
| 399
JUVENAL, Ildefonso.
A filha do operário
Nascido em 1894, natural de Florianópo-
lis. Foi aprendiz marinheiro, quando
começou a colaborar em um pequeno
jornal escolar O Marujo, criado pelos
1os.Tenentes Apio Couto e Lucas
Alexandre Boiteux. Tendo tido baixa
assentou praça na Polícia Militar do
Estado, aonde chegou a Sargento.
Tirando o curso de Farmácia, foi aprovei-
tado na mesma corporação como
Farmacêutico e, com o posto de Alferes,
por nomeação alcançada pelo Dr. José
Arthur Boiteux, então Secretário do
Interior e Justiça do governo do Estado.
Cultivando a literatura publicou na
imprensa e em livros vários trabalhos,
como: Televos, prosa, 1919, Livraria
Cysne, Fpolis; Contos singelos, 1914;
Páginas simples, 1916, Tipografia do
Povo, Fpolis; Paraná-Santa Catarina
Questão de Limites, 1916, Fpolis; Painéis,
prosa, verso e teatro. 1915, Fpolis, Oficina
Gráfica Fênix; Natal de Jesus, poesia,
1920.
400 |
XX
AMORIM, Mauro Júlio.
O dia do javali
Nascido em 1939, natural Florianópolis.
Começou a escrever aos 14 anos, para as
edições dominicais do jornal A Gazeta,
de Maria Iná Vaz, normalmente
comentando espetáculos musicais, no
então único teatro de Florianópolis o
Álvaro de Carvalho - do qual mais tarde
acabou diretor. Durante cerca de quinze
anos, foi redator de O Estado, tendo
começado ainda na era da linotipo,
mantendo colunas fixas e durante muito
tempo uma página inteira também aos
domingos. Em 1976, comprou briga feia
com o então governador do Estado, fez as
malas e foi procurar emprego no Rio de
Janeiro, onde viveu vários anos e onde
acabou editor-chefe do jornal do MEC,
também escrevendo e apresentando
programas culturais e educativos para
rádio e televisão. De lá, algum tempo
depois, estagiou na BBC de Londres, na
RTF 1 de Paris, na RAI de Roma e na
RTE de Madri, principalmente nos
campos do rádio e televisão educativos.
Para o teatro, outra paixão, tem vários
textos, alguns já encenados; e para a
televisão, uma mini-série de 31 capítulos
sobre Anita Garibaldi, que considera seu
melhor trabalho, e cuja pesquisas o
levaram até a sede da maçonaria italiana,
em Milão. Hoje, vive novamente na Ilha,
que considera um dos mais belos lugares
do Planeta, mas não sabe até quando.
BORELLI, Romário José.
O contestado
Nascido em 1943, natural de Porto
União. É dramaturgo, musicista, historia-
dor. Formado em História em 1975, pela
USP, Borelli é pesquisador e tem em seu
nome as peças O Contestado, Olhos e
Ouvidos, Aventura do Fujão na
Viagem de Cabral e O Muro. Borelli
também é professor, conferencista e
animador cultural.
SILVA JÚNIOR, José Darci.
Em tua homena-
gem ou não
Natural de Blumenau, autor de nove
textos teatrais e dirigiu 22 peças. Foi
professor de teatro da Fundação Cultural
de Curitiba e dirigiu a programação do
Teatro Universitário daquela cidade
paranaense.
| 401
QUADRO 16 - BREVE BIOGRAFIA DOS AUTORES DAS PEÇAS
TEATRAIS CONSULTADAS
FONTES: PAULA (1999); GRUPO DE POETAS LIVRES (2009);
MARTENDAL (2008); TERRITÓRIO ANTROPOFÁGICO (2009)
ROSA, Ademir.
Os lobos
Nascido em 1950, natural de XXXX.
Intitula-se um petista de carteirinha,
jogador de futebol de garganta, sociólogo
de profissão e ator de corpo e alma.
Escreveu seis peças para teatro e atuou
em 25, encenou 6 filmes, um vídeo e um
programa para TV. Inaugurou cada
uniforme do time de futebol do Unidos
do Campeche, embora não jogasse
aquilo tudo.
NASCIMENTO, Iberê do.
Metacor
Nascido em 1959, natural de Itajaí.
Vencedor do II Concurso Estadual de
Dramaturgia, 1982, categoria adulta,
organizado pela Fundação Catarinense de
Cultura.
CUNHA, Antonio.
As quatro estações
Nascido em 1961, natural de Dramaturgo
e diretor de teatro.
BRÜGGEMANN, Fábio.
Prenome: Fausto
Nascido em 1962, natural de Lages. Aos
vinte anos, em 1982, entendi que Lages
era apenas um retrato na parede e parti
para o Desterro, aqui nesta Ilha onde vivo
até hoje.
PAULA, Néri Gonçalves de.
Uma longa história
de amor
Nascido em 1963, natural de Xanxerê
Oeste catarinense. Iniciou sua carreira
teatral em 1978 no grupo Teatral Excelsi-
or de Xanxerê. Depois, teve passagem
por grupos teatrais de Itajaí/SC e Curiti-
ba/PR. Autor, diretor e professor de teatro.
402 |
| 403
A
NEXO B Visão comparativa e de conjunto das formas do
imperativo no português brasileiro falado
QUADRO 17 - VISÃO COMPARATIVA E DE CONJUNTO DAS FORMAS
DO IMPERATIVO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
FALADO
FONTE: adaptado de SCHERRE et al. (2007, p. 202)
404 |
| 405
APÊNDICE
A Influência da variável escolaridade sobre o
uso de olha em relação a (Amostras 1F, 2F e 3F)
TABELA 23 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL ESCOLARIDADE SOBRE O
USO DE OLHA EM RELAÇÃO A (AMOSTRAS 1F, 2F E
3F)
FONTE: A autora (2009)
Amostra 1F
Escolaridade
BLU
CHA
FLP1
LGS
Apl./total
%
Apl./total
%
Apl./total
%
Apl./total
%
Primário
13/19
68
18/23
78
15/29
52
50/63
79
Ginasial
9/13
69
37/56
66
21/26
81
48/61
79
Colegial
23/29
79
8/13
62
15/28
54
57/84
68
Universitário
-
-
-
-
-
-
-
-
Total
45/61
74
63/92
68
51/83
61
155/208
75
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
Amostra 1F
Amostra 2F
Amostra 3F
RESULTADO
GERAL
FLP2
CTB
Apl./total
%
Apl./total
%
Apl./total
%
Primário
163/202
81
48/62
77
39/114
34
Ginasial
165/206
80
39/47
83
35/89
39
Colegial
133/184
72
29/41
71
14/38
37
Universitário
-
-
21/27
78
-
-
Total
461/592
78
135/177
76
88/241
37
Não
selecionado
Não
selecionado
Não
selecionado
406 |
| 407
A
PÊNDICE B Influência da variável informante sobre o
uso de olha em relação a vê (Amostras 1F, 2F e 3F)
TABELA 24 - INFLUÊNCIA DA VARIÁVEL INFORMANTE SOBRE O
USO DE OLHA EM RELAÇÃO A
(AMOSTRAS 1F, 2F E 3F)
408 |
FONTE: A autora (2009)
281
Lembramos que a identificação mais detalhada dos informantes encontra-se no capítulo 5.
Informante
BLU
CHP
FLP 1 e 2
LGS
CTB
Apl/total
%
Apl/total.
%
Apl/total
%
Apl./total
%
Apl/total
%
1 FPA
281
21/21
100
5/6
83
4/7
57
8/8
100
8/11
73
2 FPA
20/23
87
19/21
90
5/6
83
9/18
50
32/55
58
3 MPA
3/3
100
1/2
50
6/9
67
6/7
86
6/10
60
4 MPA
11/11
100
2/3
67
4/6
67
8/10
80
13/13
100
5 FPB
3/3
100
6/6
100
2/2
100
1/1
100
1/6
17
6 FPB
-
-
6/6
100
6/6
100
4/4
100
11/19
58
7 MPB
6/6
100
4/5
80
9/9
100
23/23
100
1/1
100
8 MPB
3/7
43
-
-
7/12
58
-
-
3/4
75
9 FGA
6/6
100
14/15
93
0/1
0
2/3
67
12/16
75
10 FGA
7/7
100
12/12
100
-
-
3/3
100
20/27
74
11 MGA
5/6
83
8/8
100
4/4
100
3/4
75
6/20
30
12 MGA
5/5
100
9/19
47
-
-
9/10
90
8/8
100
13 FGB
2/2
100
21/23
91
13/14
93
4/7
57
2/6
33
14 FGB
1/1
100
4/9
44
9/10
90
10/12
83
8/15
53
15 MGB
1/2
50
-
-
7/8
87
18/18
100
0/1
0
16 MGB
2/4
50
12/13
92
7/8
87
3/8
37
3/4
75
17 FCA
10/11
91
12/12
100
1/4
25
30/44
68
8/12
67
18 FCA
3/3
100
1/3
33
8/11
73
-
-
2/6
33
19 MCA
7/9
78
2/2
100
6/6
100
5/7
71
1/1
100
20 MCA
4/4
100
3/3
100
0/4
0
6/7
86
1/3
33
21 FCB
7/7
100
1/2
50
2/3
67
22/25
88
0/1
0
22 FCB
8/8
100
0/1
0
4/5
80
-
-
2/6
33
23 MCB
7/10
70
-
-
5/5
100
-
-
10/10
100
24 MCB
4/4
100
2/3
67
4/5
80
1/9
11
0/2
0
25 FPJ
-
-
-
-
1/1
100
-
-
-
-
26 FPJ
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
27 FGJ
-
-
-
-
5/6
83
-
-
-
-
28 FGJ
-
-
-
-
3/3
100
-
-
-
-
29 FCJ
-
-
-
-
0/2
0
-
-
-
-
30 FCJ
-
-
-
-
12/13
92
-
-
-
-
31 MPJ
-
-
-
-
2/2
100
-
-
-
-
32 MPJ
-
-
-
-
13/13
100
-
-
-
-
33 MGJ
-
-
-
-
3/3
100
-
-
-
-
34 MGJ
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
35 MCJ
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
36 MCJ
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
37 FUA
-
-
-
-
3/3
100
-
-
-
-
38 FUA
-
-
-
-
8/9
89
-
-
-
-
39 FUB
-
-
-
-
5/5
100
-
-
-
-
40 FUB
-
-
-
-
5/6
83
-
-
-
-
41 MUA
-
-
-
-
3/3
100
-
-
-
-
42 MUA
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
43 MUB
-
-
-
-
6/9
67
-
-
-
-
44 MUB
-
-
-
-
2/3
67
-
-
-
-
Total
146/163
90
144/174
83
183/225
81
175/228
77
99/252
39
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