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transita por esses dois planos. Dada a natureza do nosso objeto, contudo,
os aspectos pragmáticos acabam ganhando maior relevo.
Para se entender a atuação de aspectos pragmáticos e semânticos
ao longo do processo de mudança lingüística por gramaticalização,
Traugott (1988, 1989 e a ser publicado), Traugott e König (1991), Hei-
ne, Claudi e Hünemeyer (1991), Traugott e Dasher (2005) trazem à
cena as três funções da linguagem
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: ideacional
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, textual e interpessoal,
nos termos de Halliday e Hasan (1976)
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. Essa é uma abordagem teórica
que também nos interessa mais diretamente, pois a classificação triparti-
da de Halliday e Hasan, revisitada pelos estudiosos da gramaticalização,
é fundamental para a discussão acerca da multifuncionalidade dos MDs.
Apresentamos, brevemente, duas propostas em torno das funções da
linguagem.
Traugott (1982, 1989) demonstra, ao estudar o desenvolvimento
de itens lexicais em clíticos, partículas, auxiliares, advérbios, conectivos
e MDs, que os significados de uma palavra ou expressão seguem a ten-
dência que pode ser verificada no seguinte contínuo: Proposicional >
((Textual) > (Expressivo))
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, mas não inversamente. De acordo com esse
cline, significados com conteúdo proposicional podem ganhar signifi-
cados textuais (concernentes à coesão, por exemplo), expressivos (pres-
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O fato de que essas três funções podem ser veiculadas por qualquer elemento lingüístico e se
manifestam simultaneamente não impede que, em alguns contextos, uma delas acabe predomi-
nando e seja mais proeminente do que as outras. A partir do momento em que ocorre uma
mudança no contexto no qual o item se insere, pode haver também uma mudança na relação
entre as três funções da linguagem, sendo que aquela que era mais evidente no primeiro con-
texto, pode vir a ser coadjuvante no segundo, enquanto uma das outras duas toma o lugar de
destaque. Nesse sentido, as funções mesclam-se, entrecruzam-se o tempo todo, obtendo-se de
suas combinações os mais diferentes efeitos.
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Encontram-se, na literatura, outras denominações para essa função, como proposicional,
referencial, representativa, cognitiva, descritiva, experiencial (GÖRSKI; ROST; DAL
MAGO, 2004, p. 39).
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O modelo de Michael Halliday vem sendo elaborado há mais de trinta anos. Inicialmente
uma teoria sistêmico-funcional, depois revista e ampliada, com proposição de uma base para-
digmática e, afinal, completada com a teoria das metafunções. Halliday interpretou o sistema
lingüístico como um conjunto de possibilidades de escolhas relacionadas a um dado tipo de
constituinte, de caráter sintagmático, a que estão ligadas três funções: a ideacional, a interpes-
soal e a textual. Em linhas gerais, a função ideacional envolve a negociação do tema discuti-
do/referido, mostrando a relação de experiência do falante com o mundo real e o mundo inter-
no de sua consciência, enfim, auxilia a organização do que o falante pretende dizer, marcando a
relação texto/falante, enquanto que a interpessoal envolve a administração de turnos conversa-
cionais e a manutenção dos papéis e atitudes do falante e ouvinte ao longo da interação. Já a
função textual refere-se a como os falantes constroem suas mensagens, organizam seu discurso
de modo a ajustá-los facilmente ao evento comunicativo (NEVES, 1997).
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Observe-se que as funções proposicional e expressiva equivalem, respectivamente, à idea-
cional e à interpessoal de Halliday e Hasan.