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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE DESPORTOS
Coordenadoria de Pós-Graduação em Educação Física
MARCELO BACKES NAVARRO STOTZ
RITMO & REBELDIA EM JOGO:
SÓ NA LUTA DA CAPOEIRA SE DANÇA?
Florianópolis
2010
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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
S888r Stotz, Marcelo Backes Navarro
Ritmo & rebeldia em jogo [dissertação]: só na
luta da capoeira se dança? / Marcelo Backes Navarro
Stotz; orientador, José Luiz Cirqueira Falcão. -
Florianópolis, SC, 2010.
162 p.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal
de Santa Catarina, Centro de Desportos. Programa de Pós-
Graduação em Educação Física.
Inclui referências
1. Educação física. 2. Capoeira. 3. Luta. 4.
Artes marciais. 5. Música. I. Falcão, Jose Luiz
Cirqueira. II.
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa
de Pós-Graduação em Educação Física. III. Título.
CDU 796
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Marcelo Backes Navarro Stotz
RITMO & REBELDIA EM JOGO:
SÓ NA LUTA DA CAPOEIRA SE DANÇA?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação Física.
Área de Concentração: Teoria e Prática
Pedagógica em Educação Física.
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Cirqueira
Falcão
Florianópolis
2010
AGRADECIMENTOS & DEDICATÓRIA
À força superior que as religiões chamam por nomes diversos;
A s mulheres, representadas por minha companheira Andréa e minha
mãe Dona Vidinha, sem as quais não teria chegado até aqui;
Aos educadores, presentes na memória de meu pai e corporificados
na pessoa do meu orientador e camarada mestre e Doutor Falcão, nos
confrades do Triplo-C e n@s funcionári@s, amig@s docentes e discentes
da Universidade Federal de Santa Catarina;
Aos malungos da capoeiragem, personificados pelo professor
Rudnei (in memória) e os mestres Cigano e Pop, que guiaram meus
primeiros passos na Capoeira e a todos os capoeiristas que já passaram
pelo Centro Cultural Camará Capoeira, companheir@s da minha eterna
aprendizagem no universo da arte luta brasileira;
A todas as crianças, imaginadas quando olho para meu filho Mathias
e redescubro a cada dia a missão da docência;
À CAPOEIRA, entidade misteriosa que a cada dia mais me
apaixona.
RESUMO
Este estudo tem por objetivo investigar se existem e quais são as lutas
praticadas ao som de músicas e apontar as semelhanças no campo das
gestualidades entre estas práticas e a capoeira. Por meio de uma pesquisa
bibliográfica e análises de imagens foram levantados elementos afins que
apontam para a existência de traços semelhantes entre algumas
manifestações combativas especialmente as geradas na diáspora africana
durante a escravidão (Ladja e Danmyé no Caribe e Moringue das Ilhas
Reunião) e a capoeira.
Palavras-chaves: Capoeira, Luta, Artes Marciais, Música.
ABSTRACT
This study aims to investigate whether there are and what are the
struggles committed to the sound of music and point out the similarities
in the field of gestures between these practices and capoeira. Through a
literature search and image analysis have been raised related elements
that point to the existence of similar traits among some militant
demonstrations especially those generated in the African diaspora during
slavery (Ladja and Danmyé the Caribbean and Moringue the Reunion
Island) and capoeira.
Key-words: Capoeira, Fight, Martial Arts, Music.
Sumário
Introdução .................................................................................. 11
O Problema ................................................................................ 16
Objetivo Geral ........................................................................... 16
Objetivos Específicos ................................................................ 16
Metodologia............................................................................... 17
CAPÍTULO I
O outro “lado negro” da história ............................................... 21
A procura das raízes da capoeira ................................................27
CAPÍTULO II
Desenvolvimento sócio-histórico das lutas ................................38
Trilhas sonoras guerreiras...........................................................53
CAPÍTULO III
África: berço da Humanidade... e das lutas................................71
Lutas africanas do Oceano Índico ............................................104
O êxodo marcial africano .........................................................116
Considerações Finais ................................................................138
Referências ...............................................................................144
Anexos ..................................................................................... 176
INTRODUÇÃO
Em alguns casos de fenômenos da cultura corporal existe a
tentativa por parte dos seus agentes de perpetuar um passado tido como
apropriado. A estratégia é comumente utilizada quando uma elite precisa
demonstrar sua superioridade e passa a reverenciar um passado histórico
devidamente recortado para criar a idéia de uma continuidade coerente
“através do recurso à invenção de cerimônias e símbolos que evocam
continuidade com um passado muitas vezes ideal ou mítico” (CASTRO,
2002, p. 11).
O arcabouço teórico que procura respaldar todo tipo de argumento
usado para atender a mentalidade capitalista se vale da “destruição do
passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa
experiência pessoal à das gerações passadas” (HOBSBAWM, 1995, p.
13). Daí surge mitos que, de tão repetidos passam a ser aceitos como se
fossem a verdade, havendo inclusive discursos acadêmicos baseados neles.
Instrumento formal da ideologia um mito é um
efeito social que pode entender-se como resultante
da convergência de determinações econômico-
político-ideológicas e psíquicas. Como produto
econômico político-ideológico, o mito é um
conjunto de representações que expressa e oculta
uma ordem de produção de bens de dominação e
doutrinação (SOUZA, 1983, p. 25).
O uso do mito como argumento é bastante visível nos
enfrentamentos ideológicos em contextos de disputas de poder, como nas
discussões sobre o maior (ou menor) grau de autenticidade deste ou
daquele estilo de capoeira. Como argumento costumeiro, os defensores
de diferentes correntes de pensamento sempre se referem à questão da
tradição. Porém, muitas vezes essas tradições são muito recentes, quando
não inventadas (HOBSBAWN, 1995) e a necessidade de justificar uma
“pureza” da tradição acontece
[...] quando a docência da capoeira passa a ser
estruturada sob o signo da mercadoria, expresso nas
ações concretas de duas escolas de capoeiras
baianos, que transformaram o conhecimento da
capoeira em propriedade. Dessa forma, atribui-se
uma relação de troca entre mercadorias que, nas
décadas de 1980 e 1990, viriam a se concretizar ob
a lógica do trabalho produtivo. Destaca-se, como
12
marco, desse processo, a atuação do Centro de
Cultura Física Regional (1936), que, sob forte
influência do pensamento positivista e da forma
taylorista de trabalho, materializou, nas relações
diretas, a fragmentação da capoeira. Esses marcos
se concretizam nos dias atuais, quando a capoeira
aparta-se do seu produtor, relegando-lhe papéis
secundários na sua construção. São as esferas da
sociedade civil onde a capoeira se insere, a gerência
na lógica dos interesses privados, em uma estrutura
que une a ideologia burguesa, o estado liberal e as
parcerias privadas de financiamento público
(ARAÚJO, 2006, p. 7).
Apesar das pressões da ideologia capitalista sobre a capoeira, ela
vem mantendo-se em eterna “metamorfose ambulante” onde “cada um é
cada um”, como dizia mestre Pastinha, um dos principais personagens
deste universo no Brasil. Adaptando esse dito, cada capoeirista representa
uma forma de expressão da capoeira. Portanto, há tantas capoeiras quanto
forem os milhões de corpos que as expressam, ou a expressaram no
passado, pois “em seu conjunto de gestos, a capoeira expressa de forma
explícita a “voz” do oprimido na sua relação com o opressor” (COLETIVO
DE AUTORES, 1992, p. 57).
A capoeira, um elemento marcante e representativo de um
fenômeno antropológico intrinsicamente ligado a diversos episódios da
história política e social do Brasil, ainda carece de estudos e consequentes
discussões sobre questões que, a partir de um olhar mais amplo, possam
ajudar no entendimento parcial de sua historicidade.
Segundo Brito a “capoeira não se explica por ela mesma, ela é
composta por entremeios e interfaces que necessitam de um diálogo
aprofundado sobre esses fatores e categorias que formam o seu arcabouço”
(BRITO, 2005, p. 5). O mesmo autor afirma ainda que “pensar o negro
brasileiro não pode estar desconectado do continente africano e devemos
nos remeter a África como o berço da humanidade (ibid, p. 15).
Para termos uma história brasileira ampla e justa
se necessita da imersão na história e na cultura
africana, visto que a sociedade brasileira resulta da
imensa participação de africanos e
afrodescendentes, transmitindo conhecimento
material e imaterial para a cultura brasileira. As
civilizações africanas realizaram um imenso acerto
cultural e tec-nológico que foi transmitido na pessoa
13
de escravizados para a cultura brasileira (CUNHA
JR, 2006, p. 86).
No entanto, alguns dos nossos cursos superiores em diferentes
áreas do conhecimento ainda demonstram a opção arbitrária e política de
educadores, docentes e lideranças políticas e econômicas em insistir na
manutenção de um silêncio sobre o passado dos diversos países africanos,
tão presente no cotidiano nacional, seja através das palavras faladas, da
cultura, das religiões, das instituições, da economia etc (FONSECA, 2004).
Diante deste quadro, é preciso estar atento que muitas pesquisas
são apenas “colagens” de outros textos, com rigor científico questionável,
e por vezes acabam por incorrer em erros comuns à literatura didática,
como se referir à África apenas a partir do tráfico, como se o continente
não tivesse uma história anterior à escravidão atlântica.
Para entender como a capoeira se apresenta nos dias atuais, faz-
se necessário recuar no tempo e investigar os traços simbólicos e culturais
africanos presentes em seu escopo. Um melhor entendimento dos
processos de miscigenação ocorridos ao longo da construção sociocultural
desta manifestação que “encerra em seus movimentos a luta de
emancipação dos negros no Brasil escravocrata” (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 57) pode contribuir para minimizar os efeitos de
uma aculturação gerada por sua expansão pelo mundo, que vem
promovendo a recodificação de sua simbologia cultural.
Uma vez que o conhecimento é fruto de um fluxo contínuo de
informações e passa por mudanças continuamente, é necessário trazer à
luz da ciência teorias, lendas e equívocos que continuam a povoar os
discursos de expressivo número de estudiosos e praticantes da capoeira
que visam apenas a valorização e afirmação convenientes de referências
simbólicas do processo civilizatório afro-brasileiro.
Seguindo esta tendência, muitos dos estudos acadêmicos sobre a
capoeira alegam falta de fontes confiáveis para justificar a elaboração de
textos com abordagens superficiais e partem da problematização da sua
relação orgânica com o movimento histórico que a fomentou, buscando
explicitar suas origens por meio apenas da análise repetitiva de
experiências pessoais, de eventos e personagens históricos decisivos para
tentar explicar o presente como ele se apresenta.
Ao mesmo tempo em que se abrem novas
academias, a cada dia cresce a literatura sobre a
capoeira. Já circulam várias revistas especializadas,
dezenas de teses acadêmicas têm sido escritas no
Brasil e no exterior sobre a capoeira e outros tantos
14
livros sobre o tema são publicados a cada ano. No
entanto, a história da capoeira, tal como ela é
contada nas academias, ou mesmo em muitos livros,
continua veiculando uma estranha mistura de mitos
e semi-verdades que se mostra muito reticente à
auto-correção (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p.
82).
Para mudar esta realidade, um maior aprofundamento das
pesquisas sobre diferentes elementos significativos que possam ter
participado no processo de construção e caracterização da capoeira deve
ir além da simples explanação de episódios ou de cenários constituídos
por agentes sociais específicos que permeiam a trajetória histórica da
capoeira. Esta temática já vem sendo bastante explorada em diversos
trabalhos consistentes disponibilizados para consulta sob diferentes meios
de divulgação.
Para não insistir numa abordagem repetitiva sobre o conjunto de
elementos comuns que tornam possível identificar a capoeira como prática
social determinada diferenciada de outras formas de lutas, ao estabelecer
um paralelo entre estas manifestações, optou-se por eleger a música como
fio condutor desta análise. A escolha se deu porque:
No caso da sociedade brasileira, a música popular
tem uma importância capital como instrumento de
dramatização da vida política, dos valores sociais,
dos papéis sexuais, do poder, dos infortúnios, da
morte e da doença, do amor, do ciúme, da vingança
e da indiferença, do trabalhador, da boemia e da
malandragem, da cidade e do campo. Importância
que, nas sociedades burguesas tradicionais, é
desempenhada pela literatura. Basta mencionar um
tema para encontrar uma canção popular que o
comentou – e o fez com inteligência e sofisticação,
pondo em foco e/ou relativizando algumas de suas
verdades (DA MATTA apud SÁ & MARCHI, 2003,
p. 50).
Da mesma maneira, entre outras formas de expressão da capoeira,
a música é um dos seus fatores identitários mais marcantes, atuando como
veículo mantenedor de uma tradição oral secular, apesar de atualmente
estar cada vez mais comum o uso de cantos apenas para a promoção de
grupos, os cultos a personalidade, ao poder pessoal etc.
Dentre as composições poéticas elaboradas pelos
negros africanos ou seus descendentes no Brasil e
15
vinculadas à prática da capoeira, temos as chulas,
corridos e ladainhas que, por certo, só foram assim
denominadas no contexto da expressão aludida,
sofrendo, atualmente, pequenas variações que se
evidenciam nos grupos e estilos distintos. Essas
formas poéticas identificadas, indubitavelmente,
serviram para preservar alguns traços culturais dos
mais distintos povos traficados, revivalizando, nos
dias atuais, não só os acontecimentos da vida
ancestral, quer em África quer no Brasil, como os
mitos e lendas, vocábulos, tradições e costumes dos
praticantes célebres da luta brasileira (ARAÚJO,
2002, p. 113).
Sem desconsiderar a “possibilidade das musicalidades das rodas
de capoeira(s) constituírem um capital simbólico, ou seja, em objeto de
prestígio e de disputa por posições de destaque neste espaço singular,
que é o universo cultural da capoeira” (CORTE REAL, 2006, p. 14) o
estudo ora apresentado não tem a pretensão de discutir tais melindres,
mas, dentre outras questões, problematizar afirmações do tipo “a capoeira
é a única luta no mundo a contemplar acompanhamento musical através
de instrumentos e cânticos” (ESTEVES, 2004, p. 43).
A asseveração de que “a capoeira é a única arte marcial que possui
a música, e ela é o fundamento principal” (SANTOS, 2009) é tão
recorrente no meio capoerístico que já faz parte “do inconsciente coletivo
do brasileiro, permitindo que mesmo em estudos acadêmicos rigorosos,
realmente inovadores em muitos aspectos” (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 84) possam aparecer citações que acabam reforçando a idéia,
como evidenciado na seguinte frase: “a capoeira é conhecida como única
luta no mundo em que seus lutadores se confrontam ao som de cânticos
executados pelos demais componentes” (FALCÃO, 1996, p. 108).
16
O Problema
Investigar a veracidade da afirmação comum entre capoeiristas e
simpatizantes de que a capoeira é a única luta no mundo praticada com
acompanhamento musical de instrumentos e cânticos, configurou-se na
constituição da problemática principal desta pesquisa, pois se constatou
que, apesar da facilidade de encontrar inúmeros registros contrários, a
idéia ainda persiste arraigada em parte do inconsciente coletivo, estando
entre as falácias
1
(por vezes, sofismas
2
) mais comuns divulgadas a respeito
da arte luta brasileira, podendo inclusive ser encontrada em trabalhos
científicos.
Objetivo Geral
Contribuir na desmistificação da afirmação, muitas vezes
defendida pelos próprios capoeiristas, de que a capoeira é a única luta
que se faz acompanhada de música, disfarçando-se assim em dança.
Objetivos Específicos
Investigar se existem e quais são as lutas praticadas ao som de
músicas e apontar as semelhanças no campo das gestualidades entre estas
práticas e a capoeira.
Apontar indícios da existência de lutas criadas pelo ser humano
que mantêm ligações com a dança e a música.
Analisar as reinterpretações de matrizes que alimentaram, em sua
dimensão cultural, as artes corporais usadas para resistir à escravidão,
em especial a capoeira no Brasil.
Analisar distorções e simplificações nos discursos elaborados
sobre a contribuição africana na formação da capoeira.
17
Metodologia
Esta investigação utilizou-se de procedimentos teórico-
metodológicos fundamentados na pesquisa bibliográfica e documental
com abordagem qualitativa (OLIVEIRA, 2002), por meio de fontes
primárias e secundárias (online, impressas e eletrônicas) como: livros,
revistas, periódicos, teses, dissertações, monografias, artigos científicos
publicados em bases eletrônicas de dados (Lilacs, Bireme, Scielo, Web
of Science, EBSCO, portal de periódicos da Capes, Google acadêmico
ou em CD-ROM), onde foram usados os descritores: “capoeira”, “artes
marciais”, “african martial arts”, “martial arts”, “artes marciales” para a
busca eletrônica e outras formas de registros documentais escritos em
portugues, espanhol e ingles vinculados a esta temática.
Para responder aos objetivos propostos e incrementar as análises,
além do uso de fontes bibliográficas convencionais, o presente estudo
recorreu à utilização de documentos em hipermídia - vídeos, sons,
hipertextos e figuras. Esse procedimento está sintonizado com as
transformações contemporâneas do ambiente científico que determinam
a necessidade de criar novos mecanismos de tratamento da informação
(LADNER, 1996), onde a internet vem tornando-se gradativamente a
mais importante ferramenta de pesquisa nas diversas áreas de informação
(CLAUSEN, 1997, p. 182).
A preservação e a transferência de informação por meio das novas
formas de registros presentes no universo das linguagens do cotidiano
moderno já se constituem numa extensão do pensamento humano,
[...] mudando também os recursos e formas de
produção científica em vista do aparecimento de
formatos documentários variados, fruto de
digitalização em meios eletrônicos. Além disso, os
processos de busca e uso da informação encontram
na virtualidade maior propensão à recuperação da
informação rápida e efetiva, principalmente na
intercomunicação entre os pares (colégios
invisíveis), como por exemplo, através do correio
eletrônico (email), listas de discussão, boletins
eletrônicos, vídeo-conferências, entre outros
(BLATTMANN & TRISTÃO, 1999).
Corroborando o dito popular de que “uma imagem vale por mil
palavras”, este estudo recorreu aos recursos áudios-visuais disponíveis
na rede mundial de computadores, ainda pouco utilizados para explicitar
18
uma dimensão investigativa sobre o desenvolvimento da capoeira. Para
compor este trabalho foram utilizados videos relacionados ao universo
das lutas que fazem parte de um acervo particular do autor, coletados por
meio da utilização de softwares
3
capazes de transformar fitas de VHS em
DVDs e gravar os videos extraídos do endereço eletrônico
www.youtube.com, um website
4
que permite que seus usuários carreguem
e compartilhem vídeos em formato digital.
Dentre outros materiais foram selecionados filmes de diversas
lutas africanas, afro-americanas, bem como documentários, trechos de
reportagens televisivas e outras referências significativas que podem
auxiliar no entendimento dos traços gestuais, simbólicos e ritualísticos
de muitas práticas inseridas na diáspora africana, obtidos pela busca em
endereços eletrônicos como o youtube
5
, usando os descritores citados
anteriormente. Tal ação é capaz de apresentar centenas de resultados sobre
uma infinidade de temas, inclusive excertos de conferências de várias
áreas científicas encontrados em sites como o Videolectures.net (http://
videolectures.net/).
A utilização desta variedade de recursos se tornou pertinente na
realização dessa pesquisa, pois somente por meio da diversidade é que
“valoriza-se a dimensão das múltiplas leituras da realidade” (FERREIRA,
2006, p. 37). Além de envolverem uma pesquisa sobre os assuntos
investigados, tais produções são “construções realizadas sob a influência
da sociedade em que se vive (e) se constituem em símbolos que expressam
a cultura e a consciência histórica dessa mesma sociedade” (CUNHA,
2002, p. 68).
Por meio destes recursos é possível obter virtualmente registros
fílmicos fidedignos de manifestações de culturas distantes que até bem
pouco tempo só podiam ser vistas ou conhecidas através de uma pesquisa
de campo in locus. Sendo que a maioria dos programas de pós-graduação
não conta com recursos para o custeio de viagens para um trabalho de
campo aprofundado, tal fato por si só já justifica a utilização de registros
multimidiáticos.
No entanto, apesar da maior facilidade de acesso e do crescente
aumento de informações nos meios de comunicação, é imprescindível
selecionar, com olhar crítico, o que estes mediadores transmitem para a
sociedade como real, pois toda essa gama de informações não pode deixar
de passar pelo crivo rigoroso da investigação científica, já que são
representações simbólicas sobre o mundo, construídas pelo homem
contemporâneo que “dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam,
19
carregam sentidos ocultos, que, construídos social ou historicamente, se
internalizam no inconsciente coletivo” (PESAVENTO, 2005, p. 41).
Cabe destacar que, ao analisar a especificidade da capoeira frente
a outras lutas no que tange ao uso da música em suas práticas, buscou-se
uma síntese entre o universal e o singular. Isto implica num esforço em
focar a discussão no movimento mais geral e evitar centrar em questões
muito particulares, evitando concentrar a análise das produções na relação
orgânica da capoeira com os fatos históricos cruciais que contribuíram
para o seu desenvolvimento e como eles se relacionam entre si, procurando
apresentar conhecimentos relacionados às lutas como manifestações
culturais, até agora pouco abordados nos trabalhos acadêmicos.
A experiência do autor como mestre de capoeira e estudioso de
diversas artes marciais foi determinante para elaborar a investigação da
capoeira como prática corporal, de acordo com o que o professor francês
Loïc Wacquant chama de “sociologia carnal”, uma sociologia do desejo
corporal, teoria difundida em sua obra Corpo e Alma: notas etnográficas
de um aprendiz de boxe (WACQUANT, 1996).
Por meio de uma “participação observante” que Wacquant propõe
como método ou técnica, buscou-se aproximar das três características
mais gerais do conhecimento como fato, descritas por Lefebvre (1991):
todo conhecimento começa pela prática, é social e tem sua especificidade
histórica.
Apesar de ser notório que “a aprendizagem, a pesquisa, a
interrogação fazem parte do ato educativo” (FREIRE, 1986 apud CORTE
REAL, 2006, p. 180), é fundamental manter-se atento às importantes
implicações metodológicas inerentes a este processo de inserção do
“estudioso-jogador” (SOARES, 1999, p. 18) no campo – no sentido
sociológico de Pierre Bourdieu – da capoeira, pois ao mesmo tempo em
que possibilita ao pesquisador uma visão interna da dinâmica que estuda,
“sem dúvida alguma, interfere nas posições que este assume quanto a
aspectos doutrinários da luta” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 83).
Na primeira parte do primeiro capítulo, intitulado “O outro ‘lado
negro’ da história”, se buscou apontar as dificuldades em se tratar
academicamente os assuntos relacionados aos povos e culturas não-
européias, em especial à herança cultural africana espalhada pelo mundo.
Os aspectos eurocêntricos e racistas presentes em algumas das obras de
muitos dos pensadores considerados clássicos ainda dificultam um diálogo
franco com outros saberes. Tais discursos, ao ignorar a pluralidade cultural
20
da humanidade, buscam respaldar a pretensa hegemonia dos centros
dominantes do capitalismo.
A segunda parte do primeiro capítulo destina-se a apontar
referências bibliográficas sobre a capoeira, mostrando a evolução das
pesquisas acadêmicas que abordam o tema. Como indica o título, “A
procura das raízes da capoeira”, também são destacadas algumas tentativas
de autores diversos em responder a pergunta formulada frequentemente
sobre a origem da capoeira, se é brasileira ou africana. A investigação
etimológica do termo capoeira foi utilizada para exemplificar as
dificuldades em responder à questão, que permanece sem consenso e indica
a necessidade de novos rumos.
O segundo capítulo aborda aspectos mais gerais das lutas,
sugerindo algumas possibilidades para suas classificações e/ou
categorizações, para em seguida elencar algumas práticas combativas que,
de diferentes maneiras e em maior ou menor graus, estão associadas à
música.
A África e os países que receberam os negros escravizados são
tratados no terceiro capítulo, onde são apontadas algumas lutas
desenvolvidas durante a diáspora africana no período escravagista,
buscando identificar se há ou não características semelhantes entre estas
práticas. Encerrando o trabalho são apresentadas as considerações
resultantes das pesquisas realizadas, as referências utilizadas e um
glossário com alguns termos específicos presentes na pesquisa.
Contrariando as normas científicas estabelecidas para citar vídeos
em trabalhos acadêmicos, optou-se que tais citações fossem numeradas e
estes números, precedidos da palavra “video”, colocados entre parênteses
logo em seguida ao texto a que se referem. Este procedimento foi adotado
para que as mesmas não fossem confundidas com as referências
bibliográficas. Assim, basta localizar o número nas referências ao final
do trabalho que ali constará o endereço eletrônico onde o vídeo foi obtido.
21
CAPÍTULO 1
01. O OUTRO “LADO NEGRO” DA HISTÓRIA
Nos últimos anos uma enorme diversidade de temáticas para
pesquisas realizadas por africanos e africanistas têm procurado desvendar
e explicar o “Continente Negro” (a Europa seria o “Continente Branco”?)
pelas mais diversificadas óticas, reunindo comprovações de fontes diversas
(arqueológicas, lingüísticas, tradição oral, históricas e antropológicas)
suficientes para reafirmar o protagonismo africano da evolução humana
desde os primeiros hominídeos até o Homo Sapiens Sapiens.
Estudar a África nos diversos campos do pensamento humano se
justifica por si só, pois além de ser o berço da humanidade a África é,
também, o das civilizações (FONSECA, 2004, p. 24). Foi ali que surgiram
a escrita egípcia e meroítica no atual Sudão; no vale do Rio Nilo há 18
mil anos atrás se deu a primeira revolução tecnológica, com o nascimento
da prática da agricultura; e a criação de gado também aparece em Lukenya
(atual Quênia) há 15 mil anos (apud NASCIMENTO, 1996, p. 42).
Desde o mais remoto ancestral do gênero Homo (o
Sahelantropo Chadense, hominídeo de 6 a 7 milhões
de anos, encontrado no Chade8), passando pela
própria aparição do gênero Homo (Homo Habilis,
de 2 a 5 milhões de anos) e o surgimento dos
primeiros Homo Sapiens Sapiens (Homo Sapiens
Idaltu: 160.000 a 200.000 anos), a história da
espécie humana se confunde com a própria história
da África, onde se originaram, também, as primeiras
civilizações do mundo. Cada novo descobrimento
da paleoantropologia ou da antropobiologia no
continente africano provoca novas ondas de
choques e embates entre os cientistas, pois tais
descobrimentos invalidam complexos esquemas
teóricos até então tidos como definitivos,
complicando ainda mais o quadro das interpretações
sobre a evolução humana (WEDDERBURN, 2005,
p. 136).
Apesar da tendência mundial da ciência em reconhecer “o
continente negro como o possível berço do gênero humano” (MAESTRI
FILHO, 1984, p. 9), pois “é ali que se encontram os mais antigos e variados
espécimes hominídeos fossilizados” (ibidem), as teorias ideológicas
eurocêntricas criaram falsificações históricas e até mitos que ainda servem
22
como fonte das várias imagens estereotipadas sobre o continente e os
africanos. Tais ideias procuram justificar como necessária a intervenção
do europeu para o progresso dos povos daquele continente.
O viajante e historiador grego Heródoto (século V a.C.) autor da
primeira obra conhecida como a mãe da história, já enfatizava as diferenças
entre os etíopes “de pele negra” com seus compatriotas: “(...) pensem só
que esta raça de negros, hoje nossos escravos e objeto de nosso desprezo,
é a própria raça a quem devemos nossas artes, ciências e até mesmo o uso
da palavra!” (NASCIMENTO, 1996, p. 43).
O preconceito racial e a mistificação da presença do “homem
branco” como benemérita e positiva para os povos africanos estão
presentes desde os primeiros intelectuais conhecidos pela humanidade,
passando por autores como Rudyard Kipling e Joseph Conrad, e perduram
até os modernos clichês próprios de filmes, desenhos animados e
quadrinhos contemporâneos como Tarzan e Indiana Jones.
Os preconceitos eurocêntricos de uma parte da elite intelectual
caucasiana não se restringem apenas aos africanos, mas se estendem a
todas as populações não européias, respaldando a ideia de hierarquização
entre os povos. Tendo em vista o exposto não há como discordar do
intelectual Edward Said quando este afirma que “há uma conexão explícita,
nesses escritores clássicos, entre suas doutrinas “filosóficas” e a teoria
racial, as justificações da escravidão e a defesa da exploração colonial”
(SAID, 1990, p. 25).
A política genocida do colonialismo sustentou suas teorias durante
séculos, apoiada em obras as mais diversas. A necessidade de justificar a
escravidão – que nas versões tradicionais da historiografia é naturalizada
por já existir em África – o tráfico negreiro e o fortalecimento da ideia de
atemporalidade da África criaram a concepção de que a cultura
desenvolvida no ocidente é a melhor para todos. A isso Claude Lévi-
Strauss denominou de etnocentrismo, e há muitos defensores desta
ideologia entre os grandes nomes do pensamento ocidental.
Um dos mais citados talvez seja o filósofo alemão Friedrich Hegel
que ainda na primeira metade do século XIX defendia que o continente
africano “não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento
ou desenvolvimento para mostrar” (HEGEL, 1999, pág. 88). Para Hegel
a África não tem “... interesse histórico próprio, senão o de que os homens
vivem ali na barbárie e no selvajismo, sem aportar nenhum ingrediente à
civilização” (HEGEL, 1946, p. 181).
23
Nem a cultura dos povos autóctones do antigo Egito sensibiliza
o pensador alemão, pois para ele aquele país “não pertence ao espírito
africano”. Ao referir-se à África negra escreve que ali [...] “não há nenhum
fim, nenhum Estado, que possa perseguir-se; não há nenhuma
subjetividade, senão somente uma série de sujeitos que se destróem”
(HEGEL, 1946, p. 184). O filósofo alemão acrescenta que:
a principal característica dos negros é que sua
consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer
objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas
quais o homem se encontraria com a própria
vontade, e onde ele teria uma ideia geral de sua
essência [...] O negro representa, como já foi dito o
homem natural, selvagem e indomável. Devemos
nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e
de tudo o que chamamos sentimento, para realmente
compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia do caráter
humano [...] A carência de valor dos homens chega
a ser inacreditável. A tirania não é considerada uma
injustiça, e comer carne humana é considerado algo
comum e permitido [...] Entre os negros, os
sentimentos morais são totalmente fracos – ou, para
ser mais exato inexistentes (HEGEL, 1999, pág. 83-
86).
Na segunda parte de A democracia na América, o francês Alexis
de Tocqueville, considerado um dos grandes autores clássicos da ciência
política, discute sobre “o futuro provável das três raças que habitam o
território dos Estados Unidos”, onde
[...] o primeiro em saber, em força, em felicidade,
é o homem branco, o europeu, o homem por
excelência; abaixo dele surgem o negro e o índio.
Essas duas raças infelizes não têm em comum nem
o nascimento, nem a fisionomia, nem a língua, nem
os costumes. Ocupam ambas uma posição
igualmente inferior no país onde vivem...
(TOCQUEVILLE, 1977, pág. 243-244).
Sobre os negros, Tocqueville discorre depreciativamente em sua
obra:
Pode-se tornar livre o negro, mas não seria possível
fazer com que não ficasse em posição de estrangeiro
perante o europeu. E isso ainda não é tudo: naquele
homem que nasceu na degradação, naquele
24
estrangeiro introduzido entre nós pela servidão,
apenas reconhecemos os traços gerais da condição
humana. O seu rosto parece-nos horrível, a sua
inteligência parece-nos limitada, os seus gostos são
vis, pouco nos falta para que o tomemos por um
ser intermediário entre o animal e o homem
(TOCQUEVILLE, 1977, pág. 262).
Max Weber, um dos autores mais influentes sobre a sociologia
contemporânea, na segunda parte da obra “Economia e sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva”, ao discutir de passagem a
ideia de “pertinência à raça” nos Estados Unidos, o autor afirma que,
somado ao “propalado cheiro de negro” (WEBER, 1991, pág. 272):
Além da aparência dos negros puros, que do ponto
de vista estético, é muito mais estranha do que a
dos índios e certamente constitui um fator de
aversão, sem dúvida contribui para esse fenômeno
a lembrança de os negros, em oposição aos índios,
terem sido um povo de escravos, isto é, um grupo
estamentalmente desqualificado (WEBER, 1991:
pág. 268).
O pensamento eurocêntrico, como não poderia deixar de ser,
ecoou fortemente nos territórios colonizados pelos europeus,
estabelecendo justificativas para a normalização do preconceito racial e
sua aceitação pelas sociedades coloniais nas Américas. Em nosso país a
questão racial foi ainda agravada pela “mistura” étnica onde, segundo o
professor Kabengele Munanga:
Na vasta reflexão dos filósofos das luzes sobre a
diferença racial e sobre o alheio, o mestiço é sempre
tratado como um ser ambivalente, visto ora como
o “mesmo”, ora como o “outro”. Além do mais, a
mestiçagem vai servir de pretexto para a discussão
sobre a unidade da espécie humana. Para Voltaire,
é uma anomalia, fruto da união escandalosa entre
duas raças de homens totalmente distintas. A
irredutibilidade das raças humanas não está apenas
na aparência exterior: “não podemos duvidar que
a estrutura interna de um negro não seja diferente
da de um branco, porque a rede mucosa é branca
entre uns e preta entre outros”. Os mulatos são uma
raça bastarda oriunda de um negro e uma branca
ou de um branco e uma negra (MUNANGA, 1999,
pág. 23).
25
Por meio de reflexões e conclusões ponderadas apoiadas em
pesquisas científicas, é preciso criar condições para o redimensionamento
teórico sobre as questões inerentes à construção política, intelectual e
histórica da sociedade brasileira, passando pelo entendimento das relações
sistêmicas maiores, pois o povo brasileiro é fruto de encontros e
desencontros de diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos.
Paradoxalmente somos um país que publiciza a
diversidade, mas não respeita a diferença. Talvez
porque ao mitificarmos a mestiçagem não tenhamos
conseguido ou não quisemos decodificar a
narrativa-mestra que conduziu as ideias centrais
acerca desse fenômeno. Brasil mestiço também quer
dizer, embora não o diga explicitamente, país que
tem o embranquecimento como medida para o
progresso; nação que procurou diluir todo o
conhecimento produzido pelos povos colonizados
para tratar com a maior deferência possível o
conhecimento oriundo das metrópoles coloniais;
sociedade que glamourizou o escravismo e o
conseqüente contato inter-racial, desconsiderando
sua gênese insofismável, marcada pela violência
sexual contra mulheres indígenas e negras (SILVA,
2005, p. 125).
Dentro deste contexto, sem adentrar em uma hierarquização na
importância das contribuições de outras etnias para a formação da nação
brasileira, mas buscando refletir sobre os significados de um passado que
é fundamental para entender o tempo presente, é preciso insistir em
algumas questões na tentativa de articular a reflexão teórica:
Se consciência é memória e futuro, quando e onde
está a memória africana, parte inalienável da
consciência brasileira? Onde e quando a história
da África, o desenvolvimento de suas culturas e
civilizações, as características, do seu povo, foram
ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando
há alguma referência ao africano ou negro, é no
sentido do afastamento e da alienação da identidade
negra. Tampouco na universidade brasileira o
mundo negro-africano tem acesso. O modelo
europeu ou norte-americano se repete, e as
populações afro-brasileiras são tangidas para longe
do chão universitário como gado leproso. Falar em
identidade negra numa universidade do país é o
26
mesmo que provocar todas as iras do inferno, e
constitui um difícil desafio aos raros universitários
afro-brasileiros (NASCIMENTO, 1978, p. 95).
As recentes ações afirmativas como a Lei das Cotas fazem parte
de um esforço maior que toda a sociedade deve apoiar em desconstruir o
processo de socialização racista, marcadamente eurocêntrico, onde seus
agentes “pautando-se numa abordagem biológica do social, afirmam a
inferioridade do negro” (REIS, 1997, p. 43) fortalecem o discurso de
uma parte retrógrada da historiografia oficial que nega “ao povo qualquer
participação profunda nas mudanças da sociedade” (CHIAVENATO,
1989, p. 5).
O trabalho aqui proposto trata de uma parte da cultura brasileira
que se apresenta fortemente impregnada de elementos africanos
desenvolvidos a partir da época da escravidão, pois investiga a capoeira
como fenômeno transnacional, fruto dos condicionantes sociais de
diferentes contextos e épocas. A esse respeito, nota-se que:
Aprofundar e divulgar o conhecimento sobre os
povos, as culturas e civilizações do continente
africano, antes, durante e depois da grande tragédia
dos tráficos negreiros transaariano, do mar
Vermelho, do oceano Índico (árabe-muçulmano) e
do oceano Atlântico (europeu), e sobre a
subseqüente colonização direta desse continente
pelo Ocidente a partir do século XIX, são tarefas
de grande envergadura (WEDDERBURN, 2005, p.
133-134).
Um passo importante nesta direção foi dado pelo atual governo
quando sancionou a lei 10639/03, hoje substituída pela Lei Federal Nº.
11.645/08, incluindo também a temática indígena, que tornou obrigatório
o ensino da História da África e dos afro-descendentes em escolas do
Ensino Fundamental e Médio (NATIVIDADE, 2006).
A partir da sanção desta lei a capoeira, por constituir-se “como
um arquivo de memória, um resgate do passado oprimido e uma forma de
promessa de libertação e emancipação” (TAVARES, 1984, p. 153), ganhou
mais espaço na sociedade, e no dia 15 de julho de 2008 recebeu o registro
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como
patrimônio cultural imaterial do Brasil, e já se apresenta como candidata
a patrimônio da humanidade pela Unesco (LUSSAC; TUBINO, 2009;
VASSALLO, 2009).
27
02. A PROCURA DAS RAÍZES DA CAPOEIRA
O longo processo de aceitação da capoeira pela sociedade teve
início na década de 1960 a partir de sua disseminação junto à comunidade
educacional institucionalizada. De lá para cá vem ocorrendo um aumento
crescente da produção científica que trata da capoeira como objeto de
estudo. São dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações
em periódicos, comunicações em congressos e de seminários, etc.
A produção científica que trata da capoeira como objeto de estudo
ocorre em diferentes campos do conhecimento e apresentam uma grande
diversidade de abordagens, principalmente nas áreas de História
(SALVADORI, 1990; SOARES, 1994 e 2001; PIRES, 1996 e 2001),
Sociologia (VIEIRA, 1990), Antropologia (REGO, 1968; REIS, 1993),
Educação Física (ABIB, 2004, BRUHNS, 1998; CASTRO JÚNIOR,
2002; FALCÃO, 1994 e 2004; SANTOS, 1990, 2002; SILVA, 2002) e,
mais recentemente, na Educação.
Curiosamente a primeira dissertação de mestrado abordando a
temática capoeira foi produzida em língua inglesa, por Eusébio Lobo da
Silva em 1980, no The Katherine Dunham School of Arts and Research
(K.D.S.A.R.), Estados Unidos da América, com o título “Cappoeira”,
sob a orientação de Katherine Dunham (SILVA, 1980). Quatro anos mais
tarde Júlio César Tavares apresentou ao Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília a primeira dissertação de mestrado abordando o
tema capoeira no Brasil, com o título “Dança da guerra: arquivo-arma
(TAVARES, 1984).
De acordo com a pesquisa desenvolvida pelo Núcleo da Rede
CEDES da Universidade Federal de Santa Catarina (FALCÃO et al, 2009)
sobre a produção científica stricto-sensu a respeito da capoeira nos
programas de pós-graduação do Brasil entre 1980 e 2006, uma parte
significativa dos estudos produzidos utiliza-se de uma abordagem
qualitativa de pesquisa, com enfoque nas Ciências Humanas e Sociais,
seguidos de trabalhos produzidos a partir de uma abordagem quantitativa,
com enfoque nas Ciências da Saúde. A maioria dos estudos é pautada na
matriz fenomenológico-hermenêutica, seguidos de estudos efetuados sob
o aporte da matriz empírico-analítica, com um número menor de trabalhos
pautados numa matriz histórico-dialética.
O acesso a tais pesquisas tem sido facilitado através da consulta
dos bancos de dados virtuais, como a plataforma LATTES do CNPq,
Portal da CAPES, o banco de teses da Universidade de São Paulo, a
28
biblioteca digital da UNICAMP, o Núcleo Brasileiro de Dissertações e
Teses da Universidade Federal de Uberlândia (NUTESES). A produção
científica sobre capoeira no exterior é também bastante significativa e
vem crescendo a cada ano. Uma rápida busca na Internet usando a
ferramenta do “Google” ou outra similar confirma tal fato.
As tecnologias emergentes aplicadas à informação e educação,
com base no armazenamento, recuperação e comunicação de informação
de modo mais amplo (LÉVY, 1993) têm alterado as limitações dos
processos comunicacionais e contribuído sobremaneira para a
flexibilidade, desterritorialização e rapidez do processo de informação
que beneficia docentes, discentes e pesquisadores, representando um
recurso vital de instrumentalização de pesquisa e renovação acadêmica,
criando outras possibilidades de acesso para a mediação tecnológica na
produção de cultura.
Esta nova realidade põe por terra antigos argumentos usados até
meados do século XX por muitos pesquisadores que afirmavam em seus
trabalhos que não seria possível estudar a escravidão no Brasil – e
conseqüentemente a gênese da capoeira – porque a maioria das fontes
documentais havia sido destruída:
É surpreendente o quanto este mito sobrevive entre
os praticantes de capoeira. Não queremos aqui negar
o fato de que Rui Barbosa mandou queimar
documentos referentes à escravidão no ministério
da fazenda, que chefiava durante o governo
provisório. Mas se tratava somente de documentos
de uma repartição, sobretudo das matrículas de
escravos criadas pela Lei do Ventre Livre (1871),
cuja destruição dificultaria qualquer exigência de
indenização por parte dos ex-proprietários de
escravos – o que Rui Barbosa temia (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 86).
Na década de 1960 um incêndio queimou a coleção de
manuscritos de posse da irmandade negra de Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito no Rio de Janeiro, reforçando a ideia da ausência de
documentos confiáveis para se realizar tais pesquisas. Na ausência de
documentos era comum recorrer aos poucos “manuais” que descrevem
os movimentos da luta brasileira, ou então à produção literária ficcional
brasileira para discorrer sobre a história da capoeira. Arthur Azevedo,
Raul Pompéia, Coelho Netto, Manuel Querino, Antônio Viana, dentre
outros, se ocuparam do tema, ora enaltecendo a capoeira, ora atacando
29
sua prática, como Machado de Assis em Balas de Estalo (14 de março de
1883), porém sem jamais questionar suas qualidades combativas (http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000189.pdf).
É possível citar ainda o livro “O Rio de Janeiro no Tempo dos
Vice-Reis” de Luiz Edmundo que registra um monólogo com o linguajar
típico do capoeira daquela época, numa curiosa passagem baseada na
figura do famoso Manduca da Praia (EDMUNDO, 2000). O Cortiço
(1890) de Aluísio de Azevedo tem capoeiristas como personagens e
descreve cenas de capoeira (AZEVEDO, 1986). Jorge Amado publicou
Bahia de Todos Os Santos: Guia das ruas E Mistérios da Cidade de
Salvador” (1944) onde há um capítulo intitulado “Capoeira Angola &
Capoeiristas” (AMADO, 1986, p. 342-345).
Mais recentemente, seguindo o caminho aberto pela estudiosa
americana Mary C. Karasch com sua obra “A Vida dos Escravos no Rio
de Janeiro - 1808-1850”, publicada em 1987, excelentes trabalhos têm
sido produzidos pelos pesquisadores contemporâneos usando outras fontes
não tradicionais, como notícias de jornais, folclore e cultura material
contemporânea, história da arte, tradições religiosas do século XX,
registros de enterros, teses médicas, registros notariais, correspondências,
petições de escravos, arquivos policiais da época de repressão à
capoeiragem, como os registros das prisões diárias, autos judiciais e outras
séries documentais.
Um dos pioneiros nesta linha de pesquisa foi Carlos Eugênio
Líbano Soares, doutor em História pela Unicamp, professor da
Universidade Federal da Bahia. Privilegiando a abordagem historiográfica
da capoeira carioca ligada à escravidão, Soares escreveu dois grandes
clássicos: “A Negregada Instituição: Os Capoeiras na Corte Imperial
(1850-1890) e “A Capoeira Escrava e Outras Tradições Rebeldes no Rio
de Janeiro” (1808-1850), seu trabalho de doutoramento em História
apresentado em 1998 à Universidade Estadual de Campinas.
Soares vasculhou arquivos em Portugal, Angola e no Brasil
buscando informações em documentos policiais, jornais e outras fontes
alternativas de informação e, ao revelar aspectos até então desconhecidos,
sua iniciativa de inserir o tema numa perspectiva histórica fez surgir uma
linha de estudo que vem conquistando cada vez mais adeptos.
Para investigar a história menos recente da capoeiragem baiana
Antônio Liberac Cardoso Simões Pires também reuniu informações de
documentos policiais, jornais e outras fontes alternativas de pesquisa.
Tais esforços culminaram no livro A Capoeira na Bahia de Todos os Santos
30
um estudo sobre cultura e classes trabalhadoras (1890-1937). O
entrecruzamento de fontes - primárias, secundárias, de jornais, registros
policiais etc. -, além da pertinente revisão bibliográfica, também foi o
caminho percorrido por Josivaldo Pires de Oliveira para escrever o
excelente trabalho intitulado No tempo dos valentes: os capoeiras na
cidade da Bahia.
Outro nome importante nas pesquisas sobre a capoeira é o de
André Luiz Lacé Lopes. Autor dos livros “A Volta do Mundo da Capoeira”
e “A Capoeiragem No Rio de Janeiro” (Primeiro Ensaio) importantes
obras fundamentadas em registros jornalísticos antigos, Lacé foi diretor
de Capoeira da Confederação Brasileira de Pugilismo, produziu e
apresentou, na Rádio Roquette Pinto (Rio, 1965 e 1974), o programa
“Volta do Mundo da Capoeira. Possui vasta documentação e registros
sobre a Capoeira, tendo escrito mais de duzentos artigos sobre o assunto.
O pesquisador Frede Abreu também tem publicações importantes
sobre o tema, assim como Letícia Vidor de Souza Reis, que publicou sua
dissertação de mestrado em Antropologia Social transformada no livro
“O Mundo de Pernas Para O Ar”. Vale destacar ainda as publicações de
Jair Moura, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e
discípulo de mestre Bimba, autor de “Mestre Bimba - A Crônica da
Capoeiragem”, “A Capoeiragem Carioca e as Suas Raízes”.
Os primeiros ficcionistas e outros autores que retrataram em suas
obras a participação ativa da capoeira no processo político e na vida social
do Brasil em diferentes períodos e sob diversos angulos, mormente não
se aprofundaram na questão da contribuição de elementos especificamente
africanos na origem da capoeira. Esta tarefa vem despertando mais
interesse nos pesquisadores mais contemporâneos e nas pessoas ligadas
diretamente com a prática da capoeira.
Sabedores que a Capoeira Angola e a Capoeira Regional fazem
parte de um mesmo universo cultural e estão impregnadas de conteúdo
histórico, cada vez mais os capoeiristas, principalmente fora do Brasil,
buscam conhecer todos os seus elementos para que possam desenvolver
sua prática de maneira consciente. Este crescente interesse tem estimulado
a produção de um grande número de trabalhos científicos dedicados ao
tema capoeira.
Muitos destes estudiosos que se dedicam a investigar a capoeira
se detêm de alguma forma - uns com maior profundidade, outros nem
tanto - a apreciar devidamente os limites e alcances no emprego do termo
capoeira”, sempre diversificado em suas representações e significados,
31
pois possui uma dimensão polissêmica e pode ser empregado para designar
realidades heterogêneas. E é a partir dessa incógnita que etimologistas,
historiadores e folcloristas voltam constantemente a polemizar sobre a
origem da capoeira.
O debate relacionado à questão etimológica é antigo e já foi
descrito pelo professor, folclorista e artista plástico Waldeloir Rego no
livro “Capoeira Angola – Ensaio Sócio-Etnográfico”, tido como uma obra
fundamental para o estudo da capoeira (REGO, 1968). Fonte de
informações preciosas e também de algumas afirmações polêmicas, seus
escritos aparecem na maioria dos textos relacionados à capoeira publicados
depois de 1968.
Segundo o antropólogo John Lewis (1992, p. 42-43), Rego
apresenta as definições do termo fundamentadas na etimologia portuguesa
ou na tupi-guarani e defende a tese de que a capoeira foi inventada nas
terras brasileiras, onde “por uma metonímia res pro persona, o nome da
coisa passou para a pessoa com ela relacionada” (REGO, 1968, p. 25).
Em sua obra Rego comenta diversas teorias, entre elas a ideia de
Antenor Nascentes que diz que a denominação da capoeira está ligada à
ave Uru (odontophorus capueira-spix), cujos movimentos de luta entre
os machos ciumentos se assemelham aos da capoeira (REGO, 1968, p.
24). Também registra a proposta de Brasil Gerson, historiador das ruas
do Rio de Janeiro, mais tarde acatada por Nascentes, de que o jogo nasceu
no mercado entre os escravos que chegavam com o cesto de aves na cabeça
e ali ficavam brincando de lutar, surgindo daí a capoeira (ibid, p. 25).
Nei Lopes transcreve o argumento final de Nascentes em seu
“Novo dicionário banto do Brasil”, mas acrescenta que segue a linha de
raciocínio estabelecida por Schneider (Dicionário Bantu do Brasil, 1993)
que defende que o étimo está na palavra kapwila do vocabulário umbundo,
que significa espancar, bofetada, tabefe etc (LOPES, 2003, p. 68).
Soares (2002, p. 165-169) destaca que, para o urbanista argentino
radicado no Brasil, Adolfo Morales de Los Rios Filho, no capítulo
intitulado “Os Capoeiras” de seu livro “O Rio de Janeiro Imperial” (1946),
o termo capoeira é a junção de uma raiz indígena, tupi-guarani (capo), e
outra portuguesa, do vernáculo luso (eira), “que se aplicava
costumeiramente a um grupo social determinado, de baixa extração”
(VIEIRA, 2006).
Anos depois de seus artigos publicados no Rio
Sportivo, Adolfo Morales arrematou sua tese na
obra sobre o Rio de Janeiro no período imperial,
32
de que “o cesto capoeira fora a origem do tipo social
de mesmo nome e que era fartamente utilizado pelos
escravos de ganho da cidade” (VIEIRA, 2006).
Novos pesquisadores vêm se debruçando sobre o tema, agora
tratando a investigação etimológica relacionada ao termo capoeira de
forma científica em diversas teses e dissertações. Entre estes estudiosos
está Paulo Coelho de Araújo que, no seu livro “Abordagens Sócio-
Antropológicas da Luta/Jogo da Capoeira”, dedica o segundo capítulo,
intitulado “Capoeira: um nome, uma origem, uma nova abordagem
teórica”, para apresentar suas apreciações sobre a questão.
No capítulo citado (ARAÚJO, 1997, p. 55-101) estão
relacionados estudiosos da língua portuguesa como Plínio Ayrosa, João
Lyra Filho, Valdemar de Oliveira, Raphael Bluteau, Macedo Soares, Clóvis
Moura, Ernani Silva Bruno, Thomas H. Holloway, Flávio dos Santos
Gomes, Luiz Sérgio Dias, Marcos Luiz Bretas, José Alípio Goulart, Inezil
Penna Marinho, Edison Carneiro, Nei Lopes, Jair Moura, Muniz Sodré,
Josefina Achaia e Luís Brisante, mas em sua análise, Araújo reconhece
que (...) “a não consensualidade entre os mesmos é a tônica dominante”
(ARAÚJO, 1997, p. 55).
Para o historiador carioca Carlos Eugênio Líbano Soares, já
citado, o fenômeno capoeira foi muito anterior à palavra, possivelmente
um vernáculo que não foi criado pelos africanos, mas pelos portugueses
já no ambiente urbano, a partir da experiência colonial. A tese está em
seu trabalho de doutoramento em História (Unicamp).
Segundo o autor, o termo capoeira como identificação grupal
não surgiu de seus praticantes, mas foi dado pela ordem policial,
aparecendo em documentação como “o jogo do capoeira”. Para comprovar
sua hipótese, Soares apresenta fontes pesquisadas em Angola e
principalmente no Arquivo Ultramarino de Lisboa, onde encontrou
evidências de escravos com atitudes iguais a descrição do capoeira, mas
não o termo capoeira.
A busca por informações fora do Brasil é uma tendência
contemporânea impulsionada ainda mais pela expansão da capoeira pelo
mundo afora. A globalização da capoeira fez com que surgisse, além dos
milhares de praticantes estrangeiros ávidos por informações confiáveis
sobre a capoeira, também pesquisadores estrangeiros interessados em
investigar as raízes da luta.
E novamente a questão do nome é um ponto que suscita polêmicas
acirradas com o surgimento de novas informações e teorias:
33
Na região Bantu de Angola, a palavra ka/pwe/re é
um verbo da língua Umbundu (Mbundu), cujo
significado é “bater as mãos”. Esta possibilidade,
levantada por Gerhard Kubik, ainda que não se
possa admitir como definitiva, merece ser
considerada, principalmente em razão de que parece
não haver dúvida sobre a origem angolana da
capoeira (KANDUS, GUTMANN & CASTILHO,
2006).
O pesquisador americano Thomas J. Nardi afirma que “kapwera
vem diretamente da língua Bantu de Angola, mas alega que o significado
correto é “que pretendem lutar” ou simplesmente “a luta”. A palavra estaria
registrada nos diários de missionários europeus informando que os
guerreiros de N’dongo (atual Angola) usavam “kapwera” para evitar a
captura pelos escravocratas portugueses. Segundo ele a luta existia em
Angola há 400 anos e apenas foi trazida ao Brasil durante o período
escravocrata.
Alguns grupos de capoeira, com maior incidência da vertente da
Capoeira Angola, têm incorporado tais afirmações como forma de
respaldar um discurso étnico sobre a formação da capoeira. No entanto, a
teoria de Nardi ainda carece de maiores comprovações e mais parece
estar ligada a um esforço de alguns segmentos do movimento negro norte
americano que:
No seu intuito de forjar uma identidade pan-
americana, têm interesse em minimizar a
contribuição da sociedade brasileira no
desenvolvimento da capoeira, assim como a
experiência específica da escravidão no Brasil,
fazendo dela apenas uma arte bantu praticada por
negros nas Américas (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 90).
Outras proposições para a origem banto do termo capoeira
surgidas em pesquisas realizadas no hemisfério norte também chamam a
atenção, como a palavra do umbundo kupwila que significa “se precipitar
para, para provocar a queda”, além das propostas pelo professor Daniel
Dawson e o Dr. K. Kia Bunseki Fu-Kiau (DESCH-OBI, 2008, p. 288).
Considerado um dos maiores “experts” em capoeira fora do
Brasil, Dawson aponta a possibilidade que o termo “capoeira” pode ser
uma derivação da palavra “kipura” do kikongo que no contexto cultural
do Congo é usada para designar um individuo cujas técnicas de luta ou
combate são baseadas ou desenvolvidas nos terrenos de lutas de galo.
34
O estudioso do Congo Dr. Fu-Kiau também acredita que o termo
capoeira pode ser uma deformação das palavras do kikongo “kipura/
kipula” (GCAL, 2009) que significam “agitar, saltar de um lugar pra outro,
lutar, combater”. Ambos os termos são usados para descrever movimentos
de um galo numa luta. Alguns pesquisadores estrangeiros acreditam que
essa suposta prática do Congo possa ter sido um dos antecessores da
capoeira. No site oficial de turismo da cidade de Salvador pode-se ler:
A Capoeira é uma territorialização da presença
negra ao Brasil, às regiões diversas, embora haja
uma certa polêmica entre estudiosos, admiradores
e jogadores de Capoeira quanto à sua real origem.
Alguns seguem a vertente que crê numa Capoeira
de raízes estritamente africanas – segundo o
professor Fu Kiau, a palavra Capoeira
possivelmente provenha de uma variação da raiz
lingüística Kikongo, na África, para o vocábulo
Kipula ou Kipura, que quer dizer, entre outras
coisas, ‘lutar’. Outros crêem numa Capoeira
estritamente brasileira – leia-se o seu nome de
possível origem indígena, por linhagem lingüística
Tupi: ‘Caápuera’ quer dizer ‘mato que foi cortado’,
‘mato ralo’. Há, ainda, aqueles que são partidários
de uma Capoeira de uma certa essência dupla, cuja
constituição afinca-se na África e no Brasil, ou seja,
poderá a arte de capoeirar ter inspiração africana
na Dança das Zebras, mas o seu real
desenvolvimento dá-se em território brasileiro
(SALTUR, 2009).
Os defensores das teorias relacionadas à raiz brasileira da capoeira
reforçam seus argumentos baseados na vernaculização do tupi-guarani
caá-puêra (caá = mato, puêra = que já foi) e apoiados em textos antigos:
No livro do padre José de Anchieta, “A Arte da
Gramática da Língua Mais Usada na Costa do
Brasil”, editado em 1595, há uma citação de que
“os índios tupi-guarani divertiam-se jogando
Capoeira”. Guilherme de Almeida, no livro Música
no Brasil, sustenta serem indígenas as raízes da
Capoeira. Martim Afonso de Souza, navegador
português, teria observado tribos jogando Capoeira
(SILVA, 2002, p.10).
Entre os que advogam a procedência nacional da luta “capoeira”
relacionando-a a origem do termo está Luiz Carlos Krummenauer Rocha,
35
autor de um texto publicado na revista “Mundo Capoeira”. No artigo ele
vai além e coloca que a capoeira teve origem dos movimentos da Maraná,
luta/dança indígena usada pelos índios da cultura potiguar no Brasil.
Segundo ele, Maraná tinha por objetivo avaliar a valentia de seus
guerreiros em tempos de paz, mas também era usada em confrontos com
os inimigos, quando aqueles índios brasileiros desferiam golpes mortais
com as mãos e os pés (ROCHA, 1999, p. 29).
Rocha afirma que os guerreiros potiguares testavam suas
habilidades guerreiras como forma de competição defrontando-se dois a
dois, no centro de uma roda, até que um derrubasse o outro, como os
demais batiam ritimadamente os pés e as mãos, criando um compasso
que invocava seus antepassados. Eram acompanhados por tambores
primitivos, chocalhos e grandes flautas de taquara, chamadas mambiras
(ROCHA, 1999, p. 29).
Coincidentemente, na mesma revista em que Rocha publicou seu
texto sobre a Maraná há outra citação sobre o termo em uma reportagem
não creditada sobre o mestre baiano Silvestre Vitório Ferreira, na época
com 52 anos: “um tio, Alfredo Cobrinha, com fama de desordeiro,
convidou-o para aprender Maraná, nome pelo qual a arte era conhecida
na época, segundo Silvestre” (MUNDO CAPOEIRA, 1999, p. 5).
O mesmo autor retorna ao tema em 2002 na revista “Praticando
Capoeira” onde afirma que o “N’Golo” levado pelos angolanos para
Palmares fundiu-se com a Maraná surgindo a Capoeira” (ROCHA, 2002,
p. 11). Porém, ainda que parte da historiografia da escravidão possa
respaldar tal teoria, é mister lembrar “da inexistência documental sobre a
prática da luta da capoeira nos Quilombos de Palmares” (ARAÚJO, 1997,
p. 200). É possível admitir que a Maraná, ou qualquer outra manifestação
indígena, tenha contribuído de alguma forma para o surgimento de um
determinado tipo de capoeira, mas de modo geral, certamente foi de
maneira infinitamente menor que a participação da cultura negra. Basta
“ouvir” capoeira.
De toda forma, essas novas teorias ainda não foram devidamente
comprovadas sob a luz da ciência. O que aparece com mais freqüência
nos textos dedicados à capoeira ainda é o que está consagrado pela tradição
oral dos capoeiristas, que defende que a palavra vem do tupi “kapu’era
e possui dois significados: mato roçado ou cortado, ou uma espécie de
cesto ou gaiola que serve para carregar animais e mantimentos. A partir
desse duplo sentido, etimologistas, historiadores e folcloristas continuam
polemizando sobre o berço da capoeira, se rural ou urbano.
36
A margem desta discussão, a grande maioria dos autores que
pesquisam sobre a capoeira concorda com a tese de que ela teria sido
desenvolvida no Brasil por diferentes etnias de negros africanos trazidos
pelos portugueses para o trabalho escravo na lavoura, na pecuária,
mineração e em atividades urbanas, a partir do início da colonização.
Apesar de não se poder afirmar a supremacia de
quaisquer dos grupos étnicos quanto aos elementos
de musicalidade e instrumentalidade rítmica, é
incontestável a sua progênie africana, mas que, no
Brasil, em virtude de conjunturas diversas inerentes
a cada período histórico brasileiro e, em decorrência
de processos aculturativos interétnicos, lhes foram
impostas alterações que em tese não as
desfiguraram (ARAÚJO, 2002, p. 109).
Como exposto acima, a questão relacionada à investigação
etimológica do termo capoeira já foi bastante explorada por diversos
autores, ainda que não se tenha chegado a uma conclusão definitiva. Esta
pesquisa se referiu à polêmica apenas como um argumento de que “a
busca das raízes africanas da capoeira não é simples, pois acreditamos
que diversas práticas ancestrais entraram em sua gênese, o que obriga a
um vasto levantamento etnográfico do mapa cultural africano” (SOARES,
2002, p. 144).
A questão etimológica pode servir como exemplo para que se
faça um esforço na busca por novas alternativas para analisar as possíveis
matrizes formadoras da capoeira. No caso específico desta pesquisa, o
caminho escolhido foi averiguar se existem e quais são as lutas que fazem
uso de acompanhamento musical em suas práticas para tentar traçar alguns
paralelos com a capoeira.
Neste sentido, o continente africano se apresenta como palco
profícuo para as investigações no campo das lutas relacionadas com a
música, em especial ao da capoeira. Há fortes indícios ligando diferentes
manifestações guerreiras do continente africano com a luta praticada no
Brasil (video 001).
É de fundamental importância que estes elementos sejam
investigados com maior rigor científico e destacados constantemente, sob
pena de serem diluídos por uma “globalização” cultural pautada na
manutenção da produção e reprodução de informações que podem levar
a discriminação racial nos sistemas formais e informais (como a capoeira)
de ensino brasileiro.
37
De acordo com a declaração final do I Congresso do Negro
Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1950
no Rio de Janeiro, é fundamental que se possa estimular o “estudo das
reminiscências africanas no país” como uma das formas de contribuir
com os “meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a
formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse
objetivo” (NASCIMENTO, 1968, p. 293).
38
CAPÍTULO II
01. DESENVOLVIMENTO SÓCIO-HISTÓRICO DAS
LUTAS
Lutar para sobreviver é inerente à vida e é anterior ao surgimento
da Humanidade. Desde as eras mais remotas, o ser humano nunca deixou
de aperfeiçoar movimentos específicos para conseguir êxito em um
combate.
A necessidade de superar a fragilidade de seus recursos biológicos
frente aos seus inimigos naturais exigiu do ser humano movimentos mais
eficazes para garantir o domínio e uso de espaço, para desenvolver
tecnologias de caça e pesca, por razões religiosas ou por razões lúdicas
(TRUSZ e NUNES, 2007, p. 181-182).
A belicosidade humana cresceu e se voltou contra seus iguais
depois que os primeiros seres humanos descobriram que podiam dominar
seus semelhantes através da dor e assim resolver questões relativas à
liderança, ao domínio espacial, ao controle da prole, afirmação de gênero,
entre outras questões. Desde então, nenhuma outra espécie tem se dedicado
tanto ao aprimoramento do ato de lutar quanto a raça humana.
O constante contato com situações de conflito corporal ocorridas
entre bandos, a luta pela sobrevivência e pela liberdade fez com que a
criatividade humana ampliasse as possibilidades do ato de lutar,
desenvolvendo situações específicas para a aplicação dos gestos de
combate.
Em todos os lugares do planeta as lutas em suas diferentes
manifestações foram sistematicamente estudadas, padronizadas, treinadas,
fazendo surgir complexos sistemas de defesa e ataque manifestados que
vêm sendo transmitidos de geração em geração em diferentes formas
organizadas para o combate, como artes marciais, jogos de luta, danças
guerreiras, métodos de defesa pessoal civil e militar ou na forma de
esportes de combate.
A esta forma de codificação dos sistemas de combate, Elias e
Dunning (1992) chamariam de processo de longa duração, cuja evolução
não foi planejada, à medida que:
[...] não constitui o resultado de ações intencionais
de qualquer indivíduo único ou grupo, mas antes,
o resultado inesperado do entrelaçar de ações
39
intencionais dos membros de vários grupos
interdependentes, ao longo de muitas gerações.
(ELIAS & DUNNING, 1992. p. 301).
Apesar das individualidades dos diversos sistemas de combate,
todos possuem aspectos que refletem conjunturas semelhantes, pois
promovem a formação de padrões de comportamento sedimentados em
princípios que os tornam úteis em qualquer momento e em qualquer
situação (MUSASHI, 1984). Porém, os “temperos locais” e a história de
cada um de seus povos criadores fizeram surgir sistemas de combates
impregnados de características únicas nas diferentes nações, decorrentes
de valores educacionais e grupais próprios de cada região e cultura, assim
como da organização social e política. Essa identidade local se explica
porque a utilização do corpo humano depende de um aprendizado que
consiste na cópia de padrões que fazem parte da herança cultural do grupo
a que o indivíduo pertence (LARAIA, 2006).
Os mesmos fatores que são determinantes para a produção das
diversas facetas do conhecimento humano também são vitais na construção
das lutas nacionais, que por sua vez, são condicionadas pela visão de
mundo do povo que as desenvolveram, com significados culturais apoiados
na historicidade e formação de uma determinada população. Essas
distinções, possuidoras de tradição e eficácia, denotam a forma “(...) como
os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-
se de seus corpos” (MAUSS, 1974, p. 211).
Cada luta possui lógica própria e tem sua própria dinâmica, cuja
base de sustentação encontra-se nas suas origens e nas características
morfológicas e culturais dos habitantes dos lugares onde foram
desenvolvidas. Em algumas ocasiões os gestos são de criação própria,
em outras, imitam animais e/ou instrumentos de trabalho, ou ainda
lutadores mais experientes.
Os aspectos mágico, estratégico, tático e técnico que se
manifestam na estrutura de cada uma das lutas se desenvolveram a partir
de condições específicas geradas nos respectivos contextos históricos,
econômicos, geográficos, políticos, psicológicos e sociais que interferiam
diretamente no cotidiano de seus praticantes, justificando as variedades
de estilos de lutas que podem habitar um mesmo país, pois:
Pretender que, em cada sociedade, existe uma
“estrutura básica de personalidade básica” dos
indivíduos é elaborar uma hipótese ousada: a de
que existe uma coerência entre todos os modelos
de comportamento, um núcleo que assegura a
40
unidade das instituições primárias, uma “unidade
cultural” suscetível de ser reconstruída de maneira
convincente, por meio de alguns traços que formam
o sistema (DUBAR, 2005, p. 47).
O impacto do ambiente natural também se reflete sobre a
organização humana das técnicas corporais desenvolvidas para serem
usadas em combate. É óbvio que os moradores dos topos de montanhas
cobertas de gelo certamente desenvolveram lutas diferenciadas de seus
vizinhos que vivem ao pé da mesma montanha ou a beira mar.
As condições geográficas afetam diretamente as escolhas de um
povo por determinadas técnicas ao invés de outras. Em um ambiente mais
frio seus habitantes eram forçados a usarem roupas mais pesadas o que
limitava a movimentação do corpo para desferir golpes traumáticos,
favorecendo o desenvolvimento de técnicas de agarramento.
O Jiu-Jitsu japonês seguiu esta tendência da luta corpo a corpo,
tendo grande desenvolvimento ao ser utilizado pela casta guerreira dos
samurais que lutavam munidos de armadura. Em contrapartida, o Karatê
surgiu justamente pela necessidade de “quebrar” o que estava por trás
desta armadura (apud FEDERAÇÃO PAULISTA DE KARATÊ, 2005).
Nas lutas chinesas também fica claro a interferência de fatores
geográficos, pois nas regiões montanhosas, ao norte, a prevalência era de
técnicas onde as pernas eram mais utilizadas, como que no sul, local com
mais rios, plantações de arroz, pântanos, as técnicas desenvolvidas
privilegiavam bases mais baixas para se ter equilíbrio, com poucos chutes
(mais baixos e rápidos) e pulos para não se perder o equilíbrio, então a
parte da arte mais aprimorada foi a de desferir socos.
Estes são apenas exemplos de como as lutas nacionais sempre
estiveram vinculadas ao “se-movimentar” do indivíduo concreto, inserido
num contexto cultural, com inerente necessidade de se movimentar na
busca da emancipação e da liberdade (KUNZ, 1994). São estas
características únicas que distinguem uma luta representativa da identidade
de um povo das demais, como a expressão corporal peculiar, métodos de
treinamento, filosofias e rituais específicos.
As diferentes práticas combativas nacionais foram perpetuadas
pela coletividade na vivência em comunidade, reunindo de forma
sistematizada as técnicas combativas de um determinado povo,
desenvolvidas e adaptadas às circunstâncias locais, imbuídas de memória
e significados próprios, transformando-se em expressões da cultura das
populações que lhes deram origem (DAOLIO, 1995).
41
Isso equivale dizer que uma diferenciação significativa entre as
diversas modalidades de lutas do ser humano está no sentido que orienta
as ações de uma determinada forma de combate: um lutador é alguém
que se movimenta orientado por objetivos e motivações. Ou seja, o sujeito
que luta usa o corpo como uma linguagem com significado próprio dentro
de uma situação específica, pois cada luta possui uma história própria e
está intrinsecamente integrada a outras instâncias da vida social da
população que lhe deu origem, como a religião, o lazer e o trabalho.
As lutas desenvolvidas para os campos de batalha, além do seu
uso para a defesa pessoal, também eram repetidas em outras situações,
como nas festas comemorativas por uma boa caça, nas disputas tribais ou
celebrando uma colheita farta, para encenarem um fato passado ou
homenagearem os deuses.
Utilizadas no treinamento e desenvolvimento de habilidades para
o uso em tempos de guerra, em muitas culturas as lutas, durante os períodos
de paz, também eram formas de se aproximar do divino, do sagrado.
Hebreus, gregos, romanos, bizantinos, árabes, chineses, dentre outros
povos, conservaram o treinamento para preparação militar através de suas
danças, seus pugilatos, evoluções, acrobacias, originando práticas locais
enraizadas em diferentes países.
Com o passar dos anos, a maioria das lutas sofreu mudanças em
sua estrutura de manifestação belicosa para se transformar em expressões
da cultura corporal, englobando, entre outras coisas, a defesa pessoal, o
exercício terapêutico, a expressão corporal, métodos próprios de
treinamento, um arcabouço ritualístico e filosófico particular.
Sobre este assunto, Green (2001) destaca que tal fato se deu,
principalmente, em decorrência do avanço técnico dos materiais bélicos
e devido às mudanças sociais e suas conseqüências que promoveram
determinações jurídicas voltadas para a normatização e controle das
condutas sociais dos indivíduos que praticavam tais lutas.
A título de curiosidade, apenas para ilustrar a enorme variedade
que há no meio dos sistemas de combate, segue rol de lutas que podem
ser encontradas em diversas fontes, como por exemplo, no livro Martial
Arts of the World: An Encyclopedia (GREEN, 2001).
As lutas mais conhecidas são as orientais, como as japonesas –
Aikidô, Karatê, Judô, Kendô, Ninjutsu, Sumô etc. (GREEN, 2001, p.
198); as chinesas, denominadas genericamente de Kung-Fu ou Wu-Shu,
com “mais de 400 estilos diferentes entre os quais se destacam o Tai-Chi-
Chuan, Pa-Kua Chang, Wing-Chun etc. (SANTOS, 2006, p. 5); as
42
coreanas - Hapkidô, Taekwondô, e suas antecessoras Taekkyon, Hwarang-
do, Bikak-sool, Sool-sool, Soo-bakki (MIELI, 1995, p. 59).
Ainda entre as lutas asiáticas, destacam-se as tailandesas - Muay
Thai, Krabi-krabong, Lerdrit, Chuparsp, Thaiplum, Kemier, Thaiyuth
(GREEN, 2001, p. 350); Bokator, Bandô, Banshay, Lethwei, Naban de
Mianmar; Pradal Serey do Cambodja, Angampora do Sri Lanka, Kateda,
tibetano, Vo Vi Nam e Qwan Ki Do, vietnamitas, Kuntao e Silat indonésios,
Bersilat da Malásia e o Kali (Arnis) filipino (GREEN, 2001, p. 538-550).
No Paquistão encontra-se o milenar Pehlwani (PEABODY, 2004); no
Uzbequistão a Kurashi, na Islândia a Glima (DEL’VECCHIO &
FRANCHINI, 2006, p. 100); na Rússia há o Sambo (GREEN, 2001, p.
507) e Systema (video 002).
Das ilhas do Pacífico se conhece as lutas usadas pelos guerreiros
nativos do Havaí, como uma forma de pugilato chamada mokomoko e
Lua (“a arte de quebrar ossos”) que era disfarçada na dança hula, além da
arte marcial contemporânea chamada Lima Lama; e na Nova Zelândia
existe a luta Mau, e Tewhatewha em Samoa (GREEN, 2001, p. 403-409).
Nos diversos momentos históricos do ocidente, também há
citações de atividades marciais. Os cavaleiros medievais podem ser
considerados equivalentes aos samurais japoneses e dedicavam boa parte
de suas vidas ao treinamento de lutas. Os famosos Cavaleiros da Távola
Redonda, os Cruzados, os Templários, os Cântaros, os Albigenses, os
Condottieri italianos e os Cavaleiros Teutônicos tinham uma enorme
perícia na utilização de “armas brancas” e desenvolveram diversos
métodos de combate corpo a corpo, como o Borzaghino dos cavaleiros
italianos e a associação inglesa do antigo pugilato ao Kick, uma antiga
técnica de combate corporal que usa os pés (TORRES, 2005).
Os plebeus europeus também desenvolviam suas técnicas de
defesa organizadas, como Savate (SOET, 1991, p. 47), Gouren na França,
a Galhofa em Portugal e o Backhold na Inglaterra (DEL’VECCHIO &
FRANCHINI, 2006, p.100); o Hopak ucraniano, a luta corsa
(WIKIPEDIA, 2010), o Bataireacht irlandês - usado nas brigas entre
gangues retratadas nas telas do cinema no filme indicado ao Oscar de
Martin Scorsese, “Gangues de Nova York” (2002) - que também era
conhecido como Uisce Beatha Bata Rince (Dança Irlandesa do Uísque),
para disfarçar sua essência como luta (DISCOVERY CHANNEL, 2009),
entre outras. A inda na Europa, a Península Ibérica foi o berço do Baratero,
a luta dos ciganos espanhóis (LORIEGA, 2005) e do Jogo do Pau
português (OLIVEIRA, 1972).
43
Na África, encontram-se o Laamb (GREEN, 2001, p. 05), Borey
e Dioula no Senegal; Kadjia em Benin (GREEN, 2001, p. 10); Nguni na,
África do Sul; Dambe e Igba Magba na Nigéria; Evala e Zvaha em Togo;
Abotri no Sudão; Bassula e Gabetula em Angola (ALONSO, 1997, p. 8);
Gwindulumutu no Congo; Tahteeb e Naboud no Egito (GREEN, 2001, p.
338); Re-Efi-Areh-Ehsee na Etiópia (SOET, 1991, p. 43), entre muitas
outras (GREEN, 2001, p. 05-11).
A diáspora forçada dos africanos para as Américas fez surgir
muitas lutas no Novo Mundo. Nos Estados Unidos surgiu o Jaillhouse
Rock (SOET, 1991, p. 61) com seus vários estilos como o Closing Gates,
52 Blocks, 42, Strato, PK, Mount Meg, Comstock, Gorilla, BarnYard
(CENTURY, 2001), além do Knocking and Kicking no sul do país
(GREEN, 2001, p. 10) e a Ram Fight.
Na América Central, a violência da escravidão também fez surgir
diversas lutas. Em Cuba, o Mani ou Bombosa; Chat’ou em Guadalupe;
Danmyé e Ladja na Martinica; a Susa no Suriname (GREEN, 2001, p.
10). Koko Makaku em Curaçao; Bénolè ou Bénolin além do Sové Vayan
ou Sovayan em Guadalupe; Pinge, no Haiti; Bangaran na Jamaica
(WIKIPEDIA, 2010). Descendo para o sul, os afro-descendentes criaram
a Broma venezuelana (GREEN, 2001, p. 10), Guazabara na Costa Rica
e a capoeira no Brasil.
O pequeno rol mencionado acima não inclui os sistemas híbridos
de defesa pessoal de criação mais recente e os métodos militares de
combate. A maioria são lutas milenares ou centenárias que passaram por
mudanças e se transformaram em expressões da cultura corporal com
diferentes significados.
Essa enorme diversidade das lutas torna difícil uma classificação
que contemple todas as tipologias no que se refere à suas filosofias e
práticas. Porém, no sentido de contribuir para uma melhor compreensão
das múltiplas abordagens que o tema lutas pode abranger, é possível
destacar alguns dos diferentes segmentos surgidos no interior deste
universo, como os aspectos históricos (cronologia e desenvolvimento),
definições (jogos de luta, danças guerreiras, artes marciais, esportes de
combate), classificações quanto à indumentária, espaço físico, forma de
graduação, métodos de treinamento, entre outros.
Um traço comum a todas essas formas de lutas é o combate
corporal. E é justamente neste aspecto em que se pode caracterizar as
diferentes formas de manifestação do ato de lutar do ser humano. O
dicionário Aurélio eletrônico (1999), entre outras acepções, define luta
44
como “antagonismo entre forças contrárias; conflito” e “qualquer tipo de
combate corpo a corpo”. De uma forma bastante ampla, nesta definição
se encaixa a maioria dos esportes conhecidos, como o Atletismo, Futebol
ou Basquete, por exemplo, onde um atleta ou uma equipe tenta superar
os demais adversários.
Já a definição apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(2001) é mais específica, indicando que as lutas são “disputas em que
o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s) com técnicas e estratégias de
desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado
espaço na combinação de ações de ataque e defesa” (p. 70).
A luta também pode ser entendida como “um jogo de oposição,
entre duas ou mais pessoas, no qual o alvo é o próprio adversário, existindo
a possibilidade de ataque a qualquer momento e simultaneamente”
(NAKAMOTO et al., 2004). Então, pode-se incluir aí as práticas com
implementos, como a esgrima olímpica, o Kendo japonês, e até o jogo da
queimada, onde duas equipes buscam eliminar seus adversários atingindo-
os com uma bola.
As lutas são embates de domínio que visam subjugar o adversário
por meio de técnicas de controle (Luta Livre), expulsão de uma
determinada área (Sumô), quedas (Judô), marcação de pontos (Karatê),
nocaute (Muay Thai) etc. Para estabelecer a submissão do adversário,
existem lutas armadas (Kendô), lutas que não incluem o treinamento de
qualquer arma (Boxe), mesmo que algumas treinem a defesa contra elas
(Jiu-Jitsu), e aquelas que desenvolvem práticas com e sem armas (Kali,
Wu-Shu).
Considerando a temporalidade, algumas lutas podem ser
classificadas como tradicionais, ou seja, lutas que mantém os traços
originais e vem sendo transmitidas de geração em geração da mesma
maneira (Tai-Chi-Chuan, Wu-Shu); outras são consideradas modernas,
por terem sido criadas mais recentemente, a partir das experiências dos
antigos mestres, mas adaptadas ao mundo atual (Aikido, Jiu-Jitsu
Brasileiro).
As lutas formadas a partir da união de vários estilos (Kajukenbo,
Kickboxing), bem como os sistemas militares contemporâneos de defesa
pessoal (Krav Magá, Kombato) e os conjuntos de técnicas utilizados nos
confrontos de “Vale Tudo” tem sido abordadas pela mídia por meio dos
princípios operacionais que conduzem suas ações (NAKAMOTO et al.,
apud DEL’VECCHIO & FRANCHINI, 2006, p. 105), como o ato de
agarrar (grappling) ou tocar (stricking). Tais classificações se tornaram
45
populares nos eventos televisionados de combate entre estilos diversos
de artes marciais, como o Ultimate Fighting e similares.
Os estilos “strikers” são baseados em golpes predominantemente
de impacto, como socos, chutes, joelhadas e cotoveladas (Karatê,
Kickboxing, Muai-Thay, Tae Kwon Do). Grapplings são os estilos
baseados predominantemente em chaves, quedas, imobilizações,
movimentos de arremesso, estrangulamentos, torções e as defesas contra
estas técnicas (Jiu-Jitsu, Judô, Luta Greco-Romana). Também existem
lutas mistas, que reúnem técnicas de bater e derrubar (Capoeira, Hapkido,
Ninjitsu, dentre outras).
Em relação ao ensino-aprendizagem, tradicionalmente as lutas
são consideradas suaves, quando o praticante tem mais liberdade para
usar sua criatividade e adaptar a luta para suas condições físicas e mentais,
ou duras, quando o praticante tem que se adaptar à luta. Nas lutas “duras”
é comum a prática de seqüências pré-programadas (katas, katys, hians
etc.) cuja execução é exigida nos exames de troca de graduação.
Apesar da sua obsolescência como forma de combate frente à
tecnologia moderna, muitas lutas que mantiveram suas tradições seculares
de buscar a superação interior do indivíduo por meio das práticas guerreiras
sobreviveram até os dias atuais, auxiliando o ser humano a melhorar sua
qualidade de vida, aliviando o estresse e a tensão. Além de excelentes
atividades corporais para manter a saúde, as lutas possuem ensinamentos
teóricos que, há centenas de anos, se refletem na maneira do indivíduo se
portar perante as diversas situações do cotidiano (ALMEIDA e
GUTIERREZ, 2008).
Quando os meios efetivos de aprendizado dos conjuntos de
práticas corporais que derivam de técnicas de guerra passam a ter enfoque
principal na formação do caratér do ser humano, uma luta passa a ser
entendida como arte marcial. O termo pode ser entendido como a
capacidade de se praticar e dominar os ensinamentos guerreiros com fins
próprios para a obtenção de resultados (MESQUITA, 2008). Como denota
o nome, isto é, marcial, ela ainda conserva suas origens na utilização
como legítima defesa, mas transcende o caráter belicoso da atividade e
alcança o status de arte ao desenvolver filosofias baseadas em preceitos
éticos, estéticos e morais para nortear suas práticas.
A palavra marcial vem do latim martiale e significa, entre outras
definições, próprio da guerra ou relativo a guerreiros. O termo deriva de
Marte (Ares para os gregos), deus da guerra no Panteão Romano, irmão
de Minerva, deusa da Sabedoria. Sob diferentes formas, aspectos e nomes
46
– como o deus Tezcatlipoca na América pré-colombiana e o deus indiano
Kartykeya, irmão do deus Ganesha, também símbolo da Sabedoria – o
mito dos deuses guerreiros simbolizava a guerra interior do Homem em
busca de sua reunificação consigo mesmo através do equilíbrio entre forças
opostas: Yin e Yang, o feminino e o masculino, o passivo e o ativo, o
certo e o errado (SEVERINO, 1988).
A expressão “artes marciais” tornou-se popular por meio dos
filmes de ação do cinema, sendo usada para se referir a todos os sistemas
de combate, não importando se de origem oriental ou ocidental, com ou
sem o uso de armas tradicionais. No oriente existem outros termos mais
adequados para a definição destas artes. Na China são chamadas de Wu
Shu, que significa literalmente arte da guerra: “Wu” - guerra e “Shu” –
arte, mas na antigüidade o Wu-Shu era chamado de “Quan Fa” (técnicas
de boxe). Outra maneira de designar as artes marciais chinesas são os
termos “Wu Gong” - trabalho marcial, ou “Kuo Shu” - arte nacional
(GREEN, 2001, p. 65-66).
O termo mais popular no Ocidente para as lutas chinesas é “Kung
Fu” (trabalho árduo) que surgiu no final do século passado e significa
literalmente “homem suado”. O termo foi usado pelos operários chineses
que trabalhavam nas estradas de ferro nos Estados Unidos e não sabiam
com traduzir a palavra Wu-Shu para os americanos (MELLO, 2008).
No Japão, as atitudes e comportamentos a serem seguidos por
um praticante de arte marcial são chamadas de Budô (um caminho
educacional através das lutas), designação em idioma japonês dada a todas
as técnicas de cavalaria, infantaria e manejo de armas em geral, sob o
ponto de vista filosófico (UESHIBA, 2008).
Na terra do sol nascente também existe o termo de Bushido, o
caminho ético e filosófico do guerreiro. Representa o código de honra
seguido pelos samurais
7
que, entre outras coisas, tratava da fidelidade
para com o senhor de quem recebiam ordens, do autodomínio e do
desapego à vida. Acredita-se que os preceitos tenham sido organizados
por Miyamoto Musashi, o maior dos espadachins japoneses
(YOSHIKAWA, 1999).
O invicto Musashi pautou a sua vida pelo Kenjutsu (a Arte da
Espada), um conjunto de regras baseadas no Zen, Xintoísmo e
Confucionismo, e ensinava que os samurais não deveriam ser somente os
melhores na espada e na palavra, mas aprender um pouco sobre todas as
outras artes. Reuniu seus conselhos no clássico “O Livro dos Cinco Anéis”
(1645) que, segundo as propagandas das livrarias que comercializam a
47
obra, são estudados até hoje como referência sobre estratégia para homens
de negócios e de marketing.
O exemplo do samurai Musashi demonstra claramente que no
Oriente as Artes marciais sempre estiveram relacionadas à cultura, filosofia
e principalmente à religiosidade, colocando-as como destaque social,
constituindo um conjunto de técnicas de aprendizado integradas a um
Universo muito maior de conhecimento desenvolvido no interior de
Escolas de Sabedoria ou Mosteiros.
O Ocidente também aliava a evolução espiritual ao
desenvolvimento de habilidades marciais, como na preparação dos
guerreiros espartanos e dos cavaleiros medievais, porém muitos
pensadores, filósofos e teólogos afirmavam que os combates físicos
deixavam a espiritualidade pobre. A religião ocidental afirmava que o
corpo deveria ser reprimido e somente o espírito valorizado.
A marcialidade ocidental apresenta diversas referências tais como
os poemas historicistas de Homero e a Eneida de Virgílio, os poemas de
Edda Nórdicos, os Nibelunaos Germânicos, o Kalevala da Epopéia
finlandesa, a canção de Orlando Furioso do italiano Ludovico Ariosto,
além de outras citações em documentos da idade medieval, iluminismo,
cultura barroca, idade antiga ocidental etc (TORRES, 2005).
No entanto, foi no Ocidente que as transformações sofridas pelas
artes marciais sistematicamente incorporadas à lógica esportiva fizeram
surgir os chamados “esportes de combate”. Tais modalidades, também
chamadas de “lutas de contato”, apresentam regras que impedem a
violência durante a prática, mas podem facilitar um distanciamento das
filosofias originais, substituídas pelas necessidades inerentes ao caráter
competitivo.
Para Norbert Elias (1992) o esporte equilibra as tensões do
confronto na luta, onde os participantes podem exercer uma violência
controlada por um conjunto de regras que possui interdependência com
códigos sociais de conduta. Esse conjunto de normas que evoluiu com a
crescente necessidade social de regularidade de conduta e sensibilização
à violência, ao diminuir as possibilidades de ferimentos físicos mais sérios,
canaliza o esporte como um meio de extravasar a violência e, ao mesmo
tempo, aumentar a civilidade.
Nas lutas esportivizadas, como as modalidades de luta corporal
que integram os Jogos Olímpicos (Esgrima, Boxe, Judo, Taekwondo, Luta
Greco-romana e Luta Livre), o praticante deixa de ser um artista
preocupado em trilhar um “caminho espiritual” como meio de adquirir
48
sabedoria, para assumir a postura de um atleta que busca alcançar um
fim, ou seja, a vitória. Para isso, os lutadores envolvidos em competições
de alto nível necessitam de um acompanhamento multidisciplinar,
reunindo profissionais de diversas áreas, como Psicologia, Medicina,
Nutrição, Estatística, Educação Física e Fisioterapia.
O Jiu-Jitsu brasileiro, Savate francês, Karatê japonês, entre outros
“esportes de luta”, também se enquadram nesta situação. Para vencer é
preciso estabelecer total dominância sobre seus oponentes. Contudo,
quando preservados os princípios filosóficos ainda é possível praticá-las
solidariamente, pois o companheiro de treinamentos é um instrumento
essencial para o aprimoramento pessoal.
O aumento do interesse por questões relacionadas às diversas
formas de lutas, constatado por Cox (1993) em estudo realizado nos
Estados Unidos da América, foi impulsionado pela mídia nos últimos 30
anos, sendo totalmente incorporado como parte da cultura popular
contemporânea, adquirindo um papel significativo na sociedade atual,
mas que nem sempre tem um contato adequado com as diferentes
modalidades das lutas.
A popularização dos confrontos de artes marciais impulsionou
ainda mais a estrutura industrial e de serviços interessada em aproveitar
tudo que o setor das lutas pode oferecer. Catapultadas por campanhas
publicitárias oferecendo produtos variados para a adequação dos corpos
aos modelos “ideais” propostos pela mídia, as academias de ginástica
ficaram lotadas de praticantes dos mais variados estilos de lutas.
Estimuladas pelo simbolismo próprio da era digital e sua virtualização no
cinema e jogos de video-game, a espetacularização e comercialização
como show no mercado global do entretenimento das modalidades de
luta de contato atingiu seu ápice nos eventos de Vale-Tudo, onde os
lutadores se enfrentam em suposta igualdade de condições utilizando-se
de técnicas de várias lutas, reunidas sob o nome de MMA (Mixed Martial
ArtsArtes Marciais Mistas).
Com o advento do culto ao corpo, entendido aqui “como um tipo
de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação
básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo possível do
padrão de beleza estabelecido” (CASTRO, 2001, p. 03) não demorou a
acontecer uma simbiose e logo surgiram dezenas de sistemas de fitness
com movimentos inspirados nas lutas mais conhecidas.
Recentemente, criaram-se manifestações corporais
que se apropriaram da estética de seus movimentos
49
para ganho de status no interior do universo da
cultura corporal de movimento e que
constantemente adquirem mais adeptos. Luzentes
exemplos são o “Tae Bo”, que oferece intenso
exercício, combinando rotinas próximas às artes
marciais orientais como o Kickboxing e o
Taekwondo. Outra manifestação semelhante é o
Body Combat”, uma aula aeróbia que combina
movimentos como golpes de punho, chutes,
joelhadas e deslocamentos derivados de várias
atividades consideradas de autodefesa e artes
marciais, como o Karatê, o Boxe, o Tai-chi-chuan
e Kick Boxing. Mas estas manifestações corporais
não se definem como tal por não possuírem os
valores históricos constitutivos e configuracionais
das artes marciais (PIMENTA, 2007, p. 2-3).
Em suas formas originais ou adaptadas, as lutas estão presentes
nas revistas especializadas, nas competições esportivas transmitidas pelas
redes de televisão, nos filmes de “ação”, nos vídeos com “ensinamentos”
de defesa pessoal, nos jogos de videogame, por meio da Internet, como
sistemas de ginástica, no ambiente escolar (como estratégia/conteúdo);
nas academias, nos clubes e nos condomínios (para a aquisição do domínio
técnico ou condicionamento físico); no esporte (na preparação orgânica
e funcional de atletas, organização e promoção de eventos, na preparação
técnica e tática); em cursos de extensão universitária; em projetos de
pesquisas em universidades e nas Federações (DEL’VECCHIO &
FRANCHINI, 2006, p. 101)
Além da busca pela qualidade de vida e saúde, a procura de
sistemas de defesa que ofereçam a sensação de segurança e autocontrole
tornou-se mais freqüente nos dias atuais, devido ao crescimento da
violência e da criminalidade urbana. A prática de lutas deixou de ser vista
como uma necessidade inerente apenas aos profissionais dos segmentos
da área da segurança, para tornar-se uma atividade bastante popular entre
mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos. No entanto, apesar das
técnicas desenvolvidas nas artes marciais tradicionais e nos esportes de
combate poderem ser aplicadas contra um agressor numa situação real de
confronto, tal aplicação não é o foco principal dessas atividades.
Nas artes marciais existem códigos de honra que sublimam o
respeito ao adversário. Nos esportes de luta prevalecem as regras definidas
para cada competição. Já nos sistemas de defesa pessoal, como o Krav
50
Magá israelense (video 003), o Kajukenbo dos EUA (video 004) e o
Kombato brasileiro (video 005), não há regras, pois estas modalidades de
luta têm como único objetivo sobreviver a uma situação real de risco.
Constantemente surgem novas formas de defesa própria adaptadas à
realidade atual. Criam-se, inclusive, novas armas marciais, a partir de
instrumentos utilizados no dia-a-dia, como é o caso do chaveiro cujo
método de utilização foi desenvolvido por T. Kubota a partir de antigas
técnicas chamadas Yawara (video 006) e o bastão retrátil ou telescópico
(video 007), desenvolvido por J. Imada (GREEN & SVINTH, 2003).
Quanto à defesa pessoal desarmada, multiplicam-se os cursos
baseados em técnicas testadas e aprovadas pelas principais forças de elite
do mundo, com o objetivo de sobreviver ao(s) inimigo(s) a qualquer custo.
Tais métodos reúnem técnicas práticas e eficientes de reação contra a
ação de um ou mais agressores, armados ou não, condicionamento
neuromotor, estudo e orientação sobre armas e suas características durante
o combate, o seu manuseio prático com ações de reflexo etc. O treinamento
voltado à defesa pessoal busca, cada vez mais, a objetividade e a
instantaneidade na reação pela avaliação da oportunidade
(LINCHTENSTEIN, 2006).
Como se vê, apesar de todas essas manifestações estarem ligadas
ao ato de lutar, cada uma delas possui características peculiares que as
distinguem das demais. Entre os praticantes é comum se dizer que toda
arte marcial em sua essência é uma luta, mas nem toda luta é uma arte
marcial. Da mesma forma, nem toda luta é um esporte de combate. O
mesmo raciocínio se aplica em relação aos sistemas de defesa pessoal,
aos métodos de combate empregados pelas forças militares e até mesmo
aos jogos e danças guerreiras.
O uso como defesa pessoal implícito na filosofia e prática das
artes marciais é o que as diferencia de outras lutas (sem o mesmo escopo
filosófico) onde o único objetivo é vencer um oponente. Para os esportes
de combate, ou as artes marciais que sofreram um processo de
esportivização, o mais importante é atacar, para marcar mais pontos e
vencer a competição. Já os métodos ou sistemas de defesa pessoal
enfatizam técnicas de contra ataque, motivadas pela necessidade de auto-
proteção. E os sistemas militares de combate visam eliminar
definitivamente um inimigo.
Ao lado das artes combativas passadas dos mestres aos discípulos
desde os tempos mais remotos da humanidade, ou das modernas técnicas
militares de combate, os jogos de luta e as danças guerreiras também
51
acompanharam a evolução do homem. É provável que algumas lutas
também possam ter percorrido o caminho inverso, assumindo
exclusivamente o caráter de coreografias bélicas, como é o caso do
Maculelê
8
brasileiro.
Os jogos de luta e as danças guerreiras caracterizam-se pelo
componente lúdico que envolve tais práticas, reunindo modalidades que
vão desde o cabo de guerra, a queda de braço, brincadeiras de lutas como
a do sapo (de cócoras) ou do saci (sobre uma perna só), até práticas mais
complexas como a capoeira. Normalmente são disputas corporais de
caráter lúdico, praticadas de forma amistosa, onde existe uma grande
preocupação com a integridade física do outro.
Todas as mudanças reverberadas nas diversas formas de expressão
do ato de lutar do ser humano refletem de alguma forma as transformações
ocorridas nas sociedades. Atualmente, por estarem sendo transformadas
em “mercadoria” pela cultura globalizada do espetáculo, muitas práticas
das lutas corporais acabam afastando-se de suas essências filosóficas ao
privilegiar valores que estão sintonizados com a lógica capitalista.
A espetacularização das lutas refletiu-se na transformação do seu
vocabulário ao ponto de as técnicas hoje utilizadas terem se distanciado
demasiado dos gestos técnicos originais. Se no passado uma técnica era
valorizada pelos seus resultados em combate real, hoje é pelo seu efeito
visual. Os aspectos visuais são tão marcantes para a sua divulgação que
uma parte significativa das artes marciais passou a ter como objetivo
responder ao anseio do espectador e a especificidades dos canais
midiáticos, e não à eficácia marcial.
O desvirtuamento dos propósitos básicos inerentes à prática das
lutas em suas diversas formas também acompanha “uma nova tendência
no discurso das mídias sobre a cultura corporal de movimento - o
‘confundimento’ ou ‘entrelaçamento’ entre os modelos de estética corporal
e o modelo do fitness (saúde/aptidão física)” (BETTI, 2004).
O avanço do capitalismo que promove a padronização e outras
lógicas mercantis para a circulação dos bens culturais na sociedade
contemporânea também vem ocasionando transformações radicais no
processo de ensino e aprendizagem das lutas em geral. Os novos “valores”
capitalistas associados às lutas resultam em um efeito colateral danoso
que se reflete, em primeira instância, no aumento da violência urbana
(video 008).
O atual processo de “globalização” que a tudo transforma em
“bem de consumo” é um fator de tensão nas práticas das lutas, como no
52
caso da capoeira, que passam a se apoiar na manutenção de paradigmas e
construções de ideias e conclusões equivocadas por parte da sociedade,
muitas vezes baseadas em mitos de purismo relacionados ao
sóciocentrismo. Tais ideias freqüentemente são usadas para garantir
reserva de mercado e a continuidade do processo de colonização, agora
gestado pela multimídia, que impõe modas tão instantâneas quanto
passageiras.
53
02. TRILHAS SONORAS GUERREIRAS
A proximidade das artes marciais com a música é um fato tão
antigo quanto a própria civilização. Esta parceria se apresenta de forma
mais marcante em algumas artes marciais que se aproximam das danças
rituais. Das trombetas de Jericó no Velho Testamento, passando pelos
tambores aborígenes, pelas gaitas de foles dos batalhões escoceses ou
pelas bandas militares e até as trilhas sonoras para as cenas de luta no
moderno cinema “de ação” hollywoodiano, a música sempre acompanhou
a história do ser humano e de suas artes corporais de combate.
Transmitidas de mestre a discípulo desde os tempos mais remotos
da humanidade, a definição como arte destas práticas combativas indica
um efeito colateral espontâneo: a transcendência da atividade utilitária
para o campo do estético, perpetuando a estruturação simbólica de uma
relação do indivíduo com o Universo. São Jorge dos católicos, Ogum dos
cultos africanos, Arjuna na Índia, Guessar no Tibete - entre todos os povos
encontra-se a figura do santo guerreiro (SEVERINO, 1988) e em seus
cultos às divindades guerreiras os devotos cantavam e dançavam imitando
os gestos usados nas batalhas.
Durante a trajetória de luta para arte os sistemas de combate
nacionais se aproximaram de outras expressões artísticas da comunidade,
como a literatura, a pintura, o teatro e, por meio da dança, com a música.
A música sempre teve uma importante função social e psicológica em
todas as sociedades humanas, e não seria diferente nos momentos de
conflito. Segundo Frith (1987) as funções sociais da música são sua
capacidade de criar identidades coletivas e singulares, administrar os
sentimentos e organizar o tempo, configurando-se num importante
elemento da condição humana.
As primeiras comunidades humanas possuíam danças que
retratavam vários momentos de seu cotidiano: sua religiosidade, seu
trabalho, seus encontros sociais e, é claro, também suas lutas. Daí a
simbiose direta entre luta e dança. É possível que tenha sido desses
momentos de transmissão de gestos de lutas que nasceram todas as artes
marciais. Sendo assim, a África foi o primeiro local na Terra onde foram
transmitidos sistemas organizados de técnicas de combate, às vezes
transformando o gesto marcial em dança (ou teria sido ao contrário?).
Em todos os continentes, a música acabou se incorporando em
diversas artes lutadoras, ora determinando o andamento dos combates ou
então para disfarçá-las em danças aparentemente inofensivas, cujo
54
treinamento era realizado sob a forma de coreografias bélicas ou como
exercícios musculares para o desenvolvimento da agilidade e da força,
apenas como diversão ou ainda durante cerimônias religiosas.
Ainda que o objetivo deste estudo seja o de apresentar elementos
concretos que problematizam a afirmação muito corrente entre praticantes
de capoeira de que se trata da única luta do mundo que faz uso da música
e o seu foco principal da análise esteja voltado para as lutas geradas a
partir de uma herança africana, é pertinente apresentar sinteticamente
outras lutas acompanhadas por música.
Assim, dentro do escopo de análise a que se propôs este trabalho,
buscou-se utilizar uma nova gama de técnicas inovadoras para a
investigação das lutas relacionadas com a música, como a pesquisa por
meio de vídeos postados no youtube. No site é possível ver algumas dessas
lutas em ação, o que acrescenta elementos interessantes à discussão da
afirmação de que a capoeira seria a única luta acompanhada por música.
O fator comum entre as manifestações belicosas arroladas a seguir
é a estratégia de perpetuar suas tradições marciais sob a forma de dança,
também utilizada para treinar os movimentos das lutas de maneira similar
as seqüências ou formas conhecidas como katas no karatê japonês, aos
punsee do taekwondô coreano ou aos katys (jiazii, no dialeto mandarim)
do kung-fu chinês.
A necessidade de ocultar o adestramento para a guerra fez com
que certas comunidades, que passaram por longos períodos sob repressão,
buscassem nas brechas da religião e do lúdico o espaço para transmitir
suas técnicas, às vezes, debaixo das vistas do opressor. Este é caso do
Kali, termo genérico com que são conhecidas as artes marciais das
Filipinas, no Ocidente (video 009). Durante séculos os filipinos tiveram
que enfrentar invasões constantes de diversas nações estrangeiras, além
das inúmeras batalhas travadas entre os habitantes rivais das ilhas vizinhas
(video 010).
Com a invasão dos espanhóis, um sentimento comum de repúdio
aos invasores europeus uniu os moradores do arquipélago. Os nativos,
proibidos de usar suas tradicionais armas de corte, começaram a utilizar
bastões com a mesma finalidade, acrescentando técnicas influenciadas
pelas observações dos treinos de esgrima dos espanhóis. Vem daí o nome
Eskrima” para definir as técnicas do Kali filipino, também conhecido
como Arnis (KHAMOUCH, 2007, p. 12).
Para preservarem suas técnicas de combate os filipinos escreviam
na língua tribal original (tagalog) nas paredes de suas moradias
55
(ALBUQUERQUE, 2005, p. 7) e criaram diversos exercícios que foram
disfarçados como danças (GREEN, 2001, p. 422). Era por meio destas
danças que os guerreiros filipinos transmitiam suas técnicas combativas
para as novas gerações (video 011).
Para preservar a sua tradição marcial, os
guerreiros filipinos viram-se obrigados a incorporar
suas técnicas de luta às danças tradicionais,
conhecidas como sayaw. Esta é provavelmente a
origem do nome Arnis, pois sabe-se que os
espanhóis utilizavam a expressão Arnes de Mano
para designar os adornos utilizados por atores
filipinos durante a apresentação de espetáculos que
continham movimentos de luta com armas. (PINTO,
2008, p. 13-14).
Além do Sayaw existe o Tinikling que é hoje a dança nacional
das Filipinas. O nome faz referência à ave local Tikling que evitava com
saltitos as armadilhas de bambu armadas por agricultores de arroz (video
012). Ao som de uma pequena orquestra, um casal de dançarinos executa
passos intricados, manuseando objetos tais como leques e sombrinhas
(video 013), ou equilibrando nas mãos xícaras com algum líquido,
enquanto movimentam os pés entre longos pares de bambus, batidos
ritimadamente uns contra os outros, às vezes cruzados perpendicularmente
(video 014), aumentando ainda mais a dificuldade na movimentação dos
dançarinos.
Os movimentos das pernas (footwork
9
)usados durante a dança
para evitar as batidas dos bambus na luta se transformavam em rasteiras,
bloqueios, joelhadas, chutes baixos etc. Os gestos sinuosos e giros de
pulso realizados na dança filipina para não deixar cair o líquido das xícaras
(video 015) ou para executar os maneios com outros objetos, quando em
combate transformavam-se em pancadas, torções e bloqueios poderosos.
Os mesmos movimentos também são empregados nas técnicas com as
diversas armas que fazem parte do arsenal filipino (video 016).
Na série televisiva “Mind Body & Kick Ass Moves” (August
Productions/ BBC, 2004) no episódio dedicado as lutas filipinas gravado
em Manila, o apresentador Chris Crudeli entrevista o grandmaster Ernesto
Presas que fala sobre as técnicas combativas que estão disfarçadas sob
uma aparentemente inofensiva dança com bastões acompanhada por violão
(video 017).
A dança apresentada no vídeo pelos discípulos do grandmaster,
por sinal, lembra um pouco o gestual do Maculelê brasileiro. O trabalho
56
de pernas (footwork) demonstrado pelo mestre é levemente parecido com
a ginga da capoeira. Nesta mesma entrevista Ernesto Presas também
comenta como seu amigo Bruce Lee incorporou passos de dança ao seu
sistema de luta Jeet Kune Do
10
.
Semelhante ao que autores como Areias (1983) afirmam que
acontecia nas senzalas brasileiras com a capoeira, algumas danças filipinas
continham movimentos de luta que eram assim transmitidos para depois
serem utilizados contra os invasores europeus sem que estes se dessem
conta do que estava acontecendo.
Em setembro de 1990 José Emiliano Alzona publicou um artigo
na revista americana Black Belt Magazine (Vol. 28, n. 09, p. 46-49 e 100-
101) intitulado “Kali vs. Capoeira: Distant Arts May Be Related” onde
são apontadas algumas similaridades entre as duas lutas, como o uso da
música, as semelhanças religiosas, o padrão triangular na movimentação
das pernas, a falta de formas e ainda o uso de lâminas nos pés, conhecido
pelo nome de rentjong na Indonésia e que foi associado aos capoeiristas
que lutavam com navalhas entre os dedos dos pés, ou com facas atadas
aos tornozelos reproduzindo movimentos semelhantes às esporas dos galos
de briga.
O artigo de Alzona sugere uma possível conexão entre a luta da
Indonésia com as africanas e a capoeira do Brasil. Este intercâmbio poderia
ter ocorrido durante o século XVI, a era dos conquistadores, sendo os
escravocratas portugueses o elo de ligação entre estes povos por meio do
tráfico de escravos, que não se limitava somente aos países da África,
mas também atingia os povos da Malásia.
No texto o autor afirma que os indonésios foram um dos grandes
povos navegadores do mundo, chegando à África a cerca de 2.000 anos
atrás. Como prova desta ascendência ele traz que a língua de Madagáscar
na África Oriental pertence à família indo-malaio. Também destaca o
fato de que kali foi influenciado pelo Aetas, uma tribo filipina com raízes
africanas. Cita ainda a coincidência de existir no período pré-hispânico
das Filipinas uma forma de dança chamada barimbaw e menciona que
mestre Acordeon, em seu livro Capoeira: A Brazilian Art Form (1986)
faz referência a um instrumento musical na ilha de Guam chamado
mbilimbau, que parece ser uma versão reduzida do berimbau.
Para Alzona há também semelhanças ao nível místico, pois muitos
praticantes dos dois estilos têm crenças religiosas formadas a partir de
um sincretismo do catolicismo com outras religiões, onde as forças naturais
não são nem boas nem más e podem ser usadas para determinados
57
propósitos. Em Kali esta ligação é feita por meio de um amuleto ou um
feitiço, chamado genericamente de anting-anting, que confere diferentes
tipos de habilidades, tais como permitir ver seu oponente se mover em
câmera lenta. Na capoeira, o contato com o invisível é feita através de
amuletos (patuás
11
) usados como dispositivos de proteção, capazes de
tornar o proprietário imune a tiros e facadas, mas essa habilidade pode
ter uma explicação mais natural nas habilidades acrobáticas de evasão do
capoeirista.
Além destas coincidências Alzona descreve outras semelhanças
entre as duas artes, sendo a mais óbvia o padrão básico de deslocamento
com os pés, onde tanto os capoeiristas quanto os lutadores de kali pisam
nos vértices de um triângulo imaginário. Outras artes marciais também
têm padrões de base triangular, como o estilo “Garça Branca” do Wu-Shu
chinês, porém a semelhança entre o trabalho de pernas nas bases do kali
e da capoeira não é apenas em relação ao espaço, mas também ao tempo,
pois o ritmo da contagem ao percorrer o triângulo é o mesmo em ambos
os casos.
Ambas as lutas são dirigidas pela música, porém com objetivos e
formas diferentes. Segundo Alzona a principal função da música em ambas
as artes parece ser a de incutir um fluxo contínuo na movimentação dos
lutadores, vencendo aquele que consegue quebrar o timing (tempo de
ação/reação) do seu oponente. O jogo da capoeira é comandado pelo
berimbau e demais instrumentos, como que kali é praticado ao som de
tambores ou sob o ritmo das batidas dos bastões, mas o ritmo é quase
idêntico nas duas (video 018).
Na capoeira, a música controla o jogo, enquanto que em kali o
baterista responde aos movimentos dos lutadores e altera o ritmo em
conformidade com o desenrolar da luta (video 019). A música na capoeira
visa proporcionar prazer e aliviar o stress; em kali, os tambores são usados
para incutir o espírito de luta e induzir a estados de transe propícios para
um combate frenético (ALZONA, 1990).
Uso semelhante da música como instigadora do ímpeto combativo
também se dá no esporte nacional da Tailândia. O Boxe Tailandês ou
Muay Thai é uma arte marcial que mantém tradições com mais de 2.000
anos de idade, como o uso do Waikhruu, uma dança ritual em que o lutador
homenageia seus professores, sua arte e as pessoas que a praticam (video
020). Os tailandeses utilizam um conjunto musical formado por clarinetes
de “Java” (pi), tambores (klong kaek, kong) e címbalos (shing) para
acompanhar as canções (sarama) usadas para instigar os competidores
58
em sua principal luta nacional e demais lutas tailandesas (GREEN, 2001,
p. 351). O uso de três tipos diferentes de instrumentos diretivos nas lutas
de Muay Thai lembra a organização dos berimbaus que acompanham o
jogo da capoeira (video 021).
Os países vizinhos da Tailândia também possuem formas de
pugilato semelhantes ao Muay Thai que também são praticados ao som
de uma orquestra específica, como o Bokator Pradal Serey do Camboja
(video 023) e o boxe birmanês chamado Lethwei (video 022) praticado
em Mianmar, sem o uso de luvas e utilizando golpes que são proibidos na
maioria das lutas de ringue, como cabeçadas e cotoveladas nas costas
(video 024).
Assim como o Kali filipino, o Muay Thai e a capoeira brasileira,
outra arte marcial que é praticada ao som de uma orquestra é o Silat, ou
Pencak Silat, que significa “lutar”, ou “lutar em defesa própria”. Acredita-
se que a luta encontrada na Indonésia e Malásia (video 025) tenha se
originado de ermitões religiosos da Índia, que teriam viajado e vivido na
região em tempos remotos e se desenvolvido como o resultado das muitas
guerras entre os vários reinos e tribos nativos das ilhas malaias (GREEN,
2001, p. 524–531).
As técnicas Silat se concentram na fluidez e na precisão do
movimento, tendo a surpresa como elemento-chave na eficácia da luta.
Trata-se de um sistema complexo que possui uma grande variedade de
movimentos ofensivos e defensivos baseados em diversos golpes de braço,
chutes, agarramentos, arremessos, movimentos com os pés e técnicas que
usam armas como facas, espadas, bastões longos e curtos (video 026).
A arte é composta por quatro aspectos principais: o aspecto mental
e espiritual, o aspecto da autodefesa, o aspecto esportivo e o aspecto
cultural e artístico. Sob esta vertente a arte do Silat se apresenta como
uma complexa dança ritual acompanhada por uma orquestra característica
(video 027).
Silat possui uma variada gama de estilos e se destaca pela rica
movimentação com o corpo próximo ao solo, semelhante ao “jogo de
chão” da Capoeira Angola
12
(video 028). Alguns estilos possuem técnicas
específicas para que um lutador sentado ou deitado no chão possa se
defender de um ou mais atacantes (video 029).
Além da luta agachada, Silat possui ainda outros golpes que
lembram a capoeira, como os movimentos conhecidos pelos capoeiristas
como a meia lua de compasso
13
, chapa de chão
14
, rasteiras
15
, negativas
16
(video 030). Tais semelhanças não passaram despercebidas em uma
59
reportagem sobre a capoeira veiculada pela revista francesa Karate
Bushido (FIGHTER, 1999, p. 24).
Não serão aprofundados aqui os estilos orientais tradicionais,
alguns propensos ao silêncio e meditação e outros aos gritos que liberam
uma energia poderosa. No Japão, por exemplo, no processo de formação
de um samurai, a partir dos 10 anos de idade, todas as noites eram
reservadas para a poesia e a música, quando o aprendiz se dedicava a
tocar a flauta de bambu japonesa (video 031). O Oriente conhece bem a
força da música no caminho de um guerreiro, usada nos momentos de
concentração ou em festas, estando presente em muitas práticas marciais
ligadas à filosofias como o Budismo e o Taoísmo.
São muitas as artes de combate que estiveram ligadas à religião,
como as práticas marciais do mosteiro Shaolin, que foram usadas pelos
chineses para resistir aos ataques e opressão de comunidades opositoras,
ou a Gatka, a arte marcial dos Sikhs e do povo do Punjab (Índia), que foi
utilizada pelo exército Sikh contra as forças mongóis (império que
dominava a Índia). Ainda hoje Gatka é um ensinamento do exercício
espiritual no Sikhismo e é praticada ao som de músicas sagradas. Utiliza
diversas armas básicas, como paus de um a três metros de comprimento
(Lathi), lanças (Barcha), punhal (Peshkarj); facas (Choori), espadas
(Tulwar e Khanda) e armas flexíveis, como chicotes e correntes (video
032).
Na Coréia o Taekkyun (t’aek’kyo¢n), arte que tem mais de dois
mil anos, também tem a aparência de uma dança quando acompanhada
com música (video 033). Em seus primórdios era praticado apenas pela
alta aristocracia, mas foi proibida quando os japoneses controlavam a
Coréia e por falta de interesse quase desapareceu depois que terminou a
ocupação japonesa, pois logo começou a Guerra Coreana, seguida pela
reforma do país quando muitas tradições foram abandonadas. Mas a partir
dos anos 1980 o Taekkyun ressurgiu (GREEN, 2001, p. 603-608).
A movimentação básica do Taekkyun parece uma ginga
17
invertida
(pumbalki), possui muitos pontapés semelhantes aos da capoeira, rasteiras
e até aús (movimento semelhante à “estrela” da ginática artística) e
inclusive tem algo parecido com uma “chamada de angola”
18
, um dos
rituais da Capoeira tradicional, também conhecido como “passagem”,
erroneamente interpretada como simples momentos de descanso durante
o jogo, mas que na verdade visa testar a malícia dos seus praticantes e
quebrar a dinâmica do jogo do adversário.
60
Na Oceania as técnicas de Au’upega, um estilo nativo de Samoa
de luta com clava e nifo (gancho), também são preservadas através de
danças tradicionais ligadas a uma cerimônia chamada “Manumalo” (video
034). Seus vizinhos das ilhas Fiji também usam do mesmo expediente
para manter vivas suas tradições guerreiras (video 035).
Os maoris da Nova Zelândia, guerreiros temidos e respeitados
em todo o mundo, se preparavam para a guerra com uma dança que tinha
por objetivo ensinar aos mais novos as técnicas de luta para serem usadas
em batalha (video 036), inculcar coragem nos guerreiros e aterrorizar os
inimigos (DEL MAR, 1924, p. 75). O ritual praticado desde a sociedade
maori pré-européia ainda é repetido nos dias atuais como forma de
preservar a união tribal dos nativos e como apresentação folclórica para
turistas (video 037).
A arte de combate do povo maori inclui técnicas baseadas no uso
da lança e nas formas de ataque com clavas (GREEN, 2001, p. 405).
Exemplos de lanças incluem o taiaha, o pouwhenua e o tewhatewha. As
clavas incluem o patu, o kotiate, o mero e o wahaika. Todo o armamento
maori é freqüentemente esculpido e enfeitado com penas, que servem
não só a um propósito decorativo, mas em combate também ajudam a
distrair o oponente. Atualmente tal armamento é presenteado a pessoas
que demonstraram grande coragem ou realização incomum em um campo
particular (DEL MAR, 1924, p. 150-158).
As técnicas de Lua, “a arte de quebrar ossos”, um sistema eficiente
de luta projetada para guerra praticada pelos nativos polinésios (video
038) também eram disfarçadas danças, sendo que algumas delas
atualmente ainda são executadas para entreter turistas em visita ao Havaí
(video 039). Também chamada de Kui’alua, Pa’Kui’alua, ou Kui’aholo,
hoje Lua é um esteio da cultura havaiana nativa (video 040).
Originalmente Lua era a arte marcial da família real havaiana, e
nas últimas décadas do século XX foi sistematizada por Olohe Solomon
Kaihewalu. Contém diferentes formas de luta (FITZGERALD, 1966, p.
18-23) como boxe (Mokomoko), pressão sobre pontos sensíveis (Kui),
vários tipos de luta agarrada (Hakoko), como Hakoko Noho (luta sentado)
e quebramento (Hakihaki). Também há muitas técnicas de armas exóticas
polinésias. As técnicas são chamadas de “ai” e um mestre é conhecido
como “olowe lua” (GREEN, 2001, p. 406-407). A tradição oral havaiana
fala que os seus seguidores do Rei Kameahmeah conseguiram unir as
ilhas havaianas usando as técnicas de Lua. Depois de matar um inimigo,
61
os guerreiros quebravam sistematicamente todos os ossos do cadáver para
poder embrulhá-lo como um pacote e levá-lo para sua aldeia
(KAIHEWALU, 2006).
Na Ópera de Pequim, considerada um tesouro nacional da China
há mais de 200 anos, a música é usada para envolver a platéia na trama
das apresentações (GREEN, 2001, p. 420). As performances combinam
movimentos estilizados, cantos, diálogos e mímica, acrobacias, lutas e
danças, acompanhadas por uma orquestra de músicos que tocam flautas,
instrumentos de percussão e vários instrumentos de cordas: o being jinghu
(com duas cordas e uma grande caixa de ressonância), o yueqin (quatro
cordas, com uma caixa redonda), anxian (de três cordas), a suona, gongos,
e outros (video 041).
Da mesma forma, o popular teatro Kabuki do Japão desenvolveu
técnicas de combate estilizado (Tachimawari) associadas às artes marciais,
como na encenação de um ataque do demônio (Funa Benkei), baseada no
uso da espada e da alabarda (naginata) das artes de combate do samurai.
Até mesmo o mais reservado e contido teatro do Japão, o antecessor
do Kabuki, foi influenciado pelas artes marciais. Em Kabuki o especialista
em combate (tateshi) é responsável pelas cenas específicas de batalha,
fazendo a combinação de vários movimentos acrobáticos, ou escolhendo
poses utilizadas para efeito dramático. Algumas das principais escolas
(Kita) de atores comparam a concentração e o estado mental do ator
às do artista marcial (GREEN, 2001, p. 420).
Na Rússia, a famosa dança dos cossacos reproduz movimentos
de uma luta que foi desenvolvida há cerca de mil anos. Nela se podem
ver movimentos muito semelhantes aos que são conhecidos na capoeira
como rasteiras, armadas
19
, parafusos
20
, martelos
21
e trocas de negativas
(video 042).
Há registros históricos das origens do Systema Russkovo Boevogo
Iskustvo que remontam a 948 a.C. quando já era usada para repelir os
invasores. Sua concepção se deu como resultado das habilidades e armas
variadas dos invasores, sendo baseado na adaptabilidade, instinto e
facilidade de aprender, não empregando exercícios coreografados ou
padrões fixos de movimento (STAMATO, 2009).
Quando os comunistas chegaram ao poder depois da Revolução
de outubro de 1917, a prática destas técnicas foi proibida. Somente a
elite das unidades de Missão de Alto Risco das Forças Especiais soviéticas
ou Spetsnaz (Voiska Spetsialnogo Naznacheniya) e a K.G.B. mantiveram
62
sua prática. Só com a queda da era comunista em 1991, que estas tradições
de combate se tornaram disponíveis ao Ocidente (VASILIEV, 2009).
Além da versão moderna de combate militar (Spetsnaz Systema)
o estilo antigo da luta continuou sendo passado através de gerações por
meio dos movimentos das danças dos cossacos, o que permitiu aos russos
praticarem suas habilidades de combate em uma atmosfera de diversão
em comunidade, com música e dança (video 043). As técnicas inusitadas
dessa luta e sua história foram investigadas por Roland Osborn no
programa de TV Go Warrior produzido pelo Discovery Channel, em
2004.
Semelhante ao que aconteceu com o Systema russo, a estratégia
de perpetuar as técnicas de luta por meio de danças folclóricas (video
044) também possibilitou ao ucraniano Volodymyr Pylat na década de
1980 revitalizar o Combat Hopak, a arte marcial de seu país baseada nas
tradições guerreiras dos cossacos. Juntamente com Myroslav Shukh,
especialista em dança folclórica ucraniana, ele criou a Escola Experimental
para o Estudo e Pesquisa da Cultura de Luta Ucraniana em 1985. Boyovyy
(combate) Hopak é praticada ao som de músicas tradicionais ucranianas
e tem movimentos muito parecidos com os da Capoeira Regional, como
a armada, meia luas, chapas giratórias
22
, rasteiras, além de aús e paradas
de mão (video 045).
No passado muitas lutas foram disfarçadas como danças para
poderem sobreviver. No presente parece estar acontecendo o caminho
inverso: muitas técnicas das chamadas artes marciais agora são praticadas
apenas como uma forma de fitness ou coreografias onde o aspecto estético
é mais importante que a eficiência ou eficácia marcial.
Influenciados pela indústria do videogame, pelas coreografias
marciais de Hollywood e, por que não, pela própria capoeira, foi criada
uma modalidade (made in U.S.A.) de competição, bem ao gosto do
american way of life”, chamada Musical Form’s, em que o atleta mostra
o controle de movimentos, acrobacias e habilidades com ou sem armas.
A música, normalmente tecno
23
, é usada como um instrumento de incentivo
e marcação do ritmo para a demonstração dos movimentos (video 046).
A modalidade tornou-se muito popular nos Estados Unidos, talvez
por imprimir uma maneira espetacularizada de apresentar os movimentos
característicos das artes marciais. A popularização dos “festivais de artes
marciais” se deu por meio da divulgação em vídeos no youtube, onde são
apresentadas coreografias complexas realizadas individualmente, em
duplas, trios ou grupos profissionais e amadores (video 047).
63
A internet acabou impulsionando a formação de uma legião de
praticantes da nova modalidade no mundo todo que postam com freqüência
vídeos no youtube demonstrando suas performances (video 048) que
misturam golpes das artes marciais, com destaque para a capoeira,
movimentos da ginástica artística e passos de break dance
24
.
Há a probabilidade do conhecimento mútuo e convivência da
capoeira com o break nas praças e guetos em Nova York, pois a dança de
rua se desenvolveu nos EUA nos mesmos anos que a capoeira chegou à
terra do Tio Sam com Jelon Viera e Loremil Machado. Porém os
breakers” mais antigos são categóricos ao afirmar que a inspiração para
muitos movimentos daqueles tempos eram copiados dos filmes de Kung
Fu, uma febre na época. Já, hoje em dia, é inegável a influência da capoeira
sobre os movimentos da “dança de rua”. E vice-versa.
Um dos elementos formadores do breakdance foi o Up Rockin,
uma curiosa dança com algumas características de luta. Lembra vagamente
a capoeira, mas usa mais as mãos do que os pés, com as pernas trabalhando
num padrão inverso ao da ginga (GREEN & SVINTH, 2003, p. 246). No
Up Rockin predominam os movimentos com os membros superiores, como
as pernas trabalham com trocas de bases num padrão semelhante às trocas
de bases do kali filipino (video 049).
Segundo os praticantes mais antigos de break, quando surgiu o
Up Rockin era um tipo de paródia das artes marciais surgida no Brooklyn,
praticada como uma forma de competição cujo objetivo era colocar o
oponente para fora de um espaço delimitado (uma roda?) sem o tocar.
Vence aquele que interpretar melhor a música e “humilhar” seu oponente
com sua criatividade ao executar os passos.
Os movimentos do Up Rockin simulam socos, machadadas,
marteladas dentro de uma estrutura de cinco tempos. É um dos estilos de
dança de rua criados em Nova York mais combativos e ritualísticos, que
apresenta fortes influências das artes marciais (chinesas), das danças
nativas da África e dos EUA e, mais recentemente, da capoeira.
Conhecido inicialmente como Brooklyn Rock, foi um estilo criado
entre 1967 e 1969 pelos dançarinos (Rockers) Rubber Band e Apache no
bairro do Brooklyn em Nova York (Estados Unidos). Rubber Band
desenvolveu a dança com o passo “Jerk” e Apache contribuiu com o
gestual das mãos, conhecido como “Burn”.
Muitas gangues aderiram ao estilo no início dos anos 1970 para
resolverem suas diferenças sem usar violência. Logo depois o Up Rocking
64
deixou de ter uma relação apenas com os membros de gangs e passou a
ser uma linguagem de dança que vários jovens aderiram.
A música é o guia não somente rítmico, mas também lírico para
executar os Burns e Jerks. Dois grupos de dançarinos se formam em linha,
sendo que cada indivíduo fica frente a frente. Essa formação é chamada
de “Apache Line” (VALDERRAMAS & HUNGER, 2007). No meio dos
anos 1970 a dança Up Rocking original desapareceu, porém deixou sua
herança com os B-Boys do bairro do Bronx que continuaram fazendo
seus passos.
No filme Rooftops de 1989, dirigido pelo americano Robert Wise,
aparecem algumas cenas de Up Rockin, que no filme é chamado de
“combate”. A estória gira em torno de um adolescente entusiasta da prática
que faz sua moradia nos telhados de um edifício abandonado e aprende
um pouco de capoeira (com Jelon Vieira interpretando a si próprio) para
proteger outros sem lar de um traficante que pretende estabelecer seu
“negócio” no local (video 050).
O filme demonstra que as aproximações entre capoeira e o break
não se restringem somente aos movimentos similares. Muito do “ritual”
usado nas “batalhas” da dança de rua aponta outros pontos comuns, como
o seu uso por populações marginalizadas como um “anti-stress”. Ambas
transitam entre o jogo e a dança e são um mosaico de influências variadas,
transformadas por condições locais, sociais e temporais específicas (video
051).
E break é uma luta? Não, mas é uma disputa. Em suas raízes está
o Jailhouse Rock, luta surgida nos EUA sob as mesmas condições que
contribuíram para o nascimento da capoeira no Brasil (CENTURY, 2001,
p. 78). Possivelmente o Jailhouse Rock é uma luta afro-americana de
origem banto, surgida entre os negros nas prisões dos EUA (GREEN &
SVINTH, 2003, p. 243).
Além do Jailhouse Rock existem nos Estados Unidos da América
referências de outras lutas também herdadas de práticas africanas, porém
a maioria delas já está extinta ou alteradas em suas essências. Uma delas,
conhecida como Jack, era um método de combate desenvolvido por
escravos no Mississippi cujos movimentos tinham nomes de animais
(cobra, rã, pato, etc.) e os grandes mestres eram chamados “tremblers
(vibradores). Outra era chamada de Trip N’ Flip, luta com alguns
movimentos parecidos com as quedas de quadril (golpes “ligados”) da
Capoeira Regional
25
, como o balão cinturado
26
, banda cruzada
27
, banda
de costas
28
, passa pé
29
, tesoura
30
, tesoura voadora
31
. Porém, é uma luta
65
semelhante ao wrestling, sem pancadas ou qualquer outra coisa que lembre
a capoeira.
Nos estados sulistas como na Georgia e na Carolina do Sul os
negros americanos praticavam o knocking and kicking (LEWIS, 1992, p.
20), também chamado de pushing and dancig (GREEN & SVINTH, 2003,
p. 129) ou yuna onse (DESCHI-OBI, 2008, p. 88), onde predominava o
uso de socos, pontapés e cabeçadas. Interessante notar a semelhança do
termo “yuna”, com a antiga grafia da palavra “iúna”, usada para denominar
um toque de berimbau e um jogo específico da Capoeira Regional.
Em notificação publicada no jornal South Carolina Gazette de
1733, o senhor Vander Dussen oferecia uma recompensa em dinheiro a
quem fornecesse notícias ou recapturasse seu escravo Thomas Butler,
conhecido na área como “the famous Pushing and Dancing Master”.
Certamente os seus “talentos” provocavam a atenção de plantadores, mas
não necessariamente a compreensão do que a dança estava representando.
Este artifício pode indicar uma tentativa de manter as habilidades de
combate tradicionais africanas disfarçadas numa dança (RATH, 2003, p.
86). No início do século XX a dança ainda era praticada por poucas
famílias que viviam nas ilhas do mar da Georgia, mas não há mais notícias
de sua existência na atualidade. A luta foi descrita há mais de 150 anos
atrás por um escravo fugitivo do Kentucky chamado Henry Bibb, que
afirmou que os cativos eram obrigados a lutarem entre si para divertir
seus patrões: “they grab each other by their ears, and jam their heads
together like sheep” (GREEN, 2001, p. 10). Talvez venha daí o termo
Ram Fight para descrever tais lutas.
Essas lutas surgiram com os primeiros negros escravizados
levados para os Estados Unidos. Em solo americano, os guerreiros
africanos que traziam consigo suas artes de combate, mantidas em segredo
por razões óbvias, passaram a praticar essas artes tradicionais de lutar em
extremo sigilo, porque se descobertas significavam a morte certa para
seus praticantes.
Abolida a escravidão nos EUA, os antigos estados escravocratas
começaram a utilizar o sistema penal (Black Codes
32
) para re-instituir o
trabalho forçado para os negros. Neste ambiente racista hostil os sistemas
marciais africanos que tinham sobrevivido ao horror da escravidão
entraram no sistema penal dos Estados Unidos através de ex-escravos,
onde evoluíram devido ao limite espacial e necessidades específicas.
Uma vez que os idiomas africanos tinham sidos esquecidos por
estarem proibidos há muito tempo, foram desenvolvidos novos nomes
66
regionais como referência a cada uma das artes que, transformadas em
vários estilos, refletiam as diferentes realidades específicas das instituições
penais onde eram praticadas (como San Quentin, Mount Meg, Comstock).
Também eram usados nomes de ruas (42), jogo de cartas (52 Blocks) ou
ainda metáforas ou trocadilhos (Closing Gates, Strato, PK, Gorilla,
BarnYard etc). Genericamente estes estilos de luta foram denominados
de Jailhouse Rock ou simplesmente JHR. Nas décadas de quarenta e
cinqüenta do século XX a luta foi chamada de “prison karate” pelos
agentes penitenciários (CENTURY, 2001, p. 78) e ganhou as ruas dos
guetos negros nos anos setenta (GREEN & SVINTH, 2003, p. 245).
O próprio termo Jailhouse Rock (casa da prisão de pedra) surgiu
nas prisões onde o escravo era mantido até ser vendido. Devido a sua
origem, a estratégia do pugilista de JHR é golpear com técnicas de alto
impacto e terminar então com um golpe de asfixia antes que o oponente
possa dar o alarme. As armas primárias são os cotovelos e joelhos, mas
também são usadas as mãos, a cabeça, alguns pontapés baixos, enfim, o
corpo inteiro para golpear (video 052).
A principal característica da arte é sua constante mudança, muito
enganosa e livre, o que aproxima sua prática com a dança (video 053).
Não há nenhuma técnica fixa, nenhum kata como no karate, somente
princípios comuns. Algumas das técnicas teriam sido desenvolvidas a
partir da situação de um preso com as mãos algemadas atrás da cabeça,
que passou a ser reconhecida como a postura típica de um lutador de
JHR.
Alguns sistemas não têm nenhum pontapé enquanto outros são
baseados em “Gangsta Locks” que são técnicas de imobilização. A postura
ofensiva e defensiva é chamada o “L”, sendo comparável à “armação”
usada em sambo
33
de combate. Algumas técnicas lembram vagamente o
Muay Thay, bem como o Pentjack Silat indonésio e o Wing Chun chinês.
O estilo 52 Blocks criado no Brooklin é descrito no livro “Street Kingdom:
Five Years Inside the Franklin Avenue Posse” do americano Douglas
Century, que afirma que algumas das estratégias de JHR foram usadas
por pugilistas profissionais como os campeões Floyd Patterson e Mike
Tyson, sendo que ambos haviam sido detentos juvenis antes de entrarem
para o boxe (GREEN & SVINTH, 2003, p. 139).
O lutador de JHR utiliza seus ambientes (por exemplo, as paredes
de uma cela) para sua vantagem e concentra muitas técnicas para se
defender contra ataques de armas brancas. Um exemplo deste estilo pode
ser visto na cena de luta no final do primeiro filme “Lethal Weapon
67
(GREEN & SVINTH, 2003, p. 243). Os atores também treinaram capoeira
e jiu-jitsu brasileiro para realizarem a cena (video 054).
Algumas das técnicas do JHR eram muito similares as usadas
pelos integrantes da cultura subterrânea parisiense no início dos anos
1900, chamados malin, coquin, vaurien ou simplesmente vagabond - do
antigo latim, vagativu = vadio (MISSE, 2002). Porém, um grupo de jovens
de classe baixa com conexões com o mundo dos criminosos chamado de
apaches, distinguia-se dos demais vadios e das gangues de rua francesas.
O termo se remetia a ferocidade daqueles índios numa batalha.
Originalmente, esse nome se referia a um revólver belga que tinha uma
lâmina sob o seu tambor e a coronha tinha o formato de um soco-inglês
34
,
sendo ambas as partes dobráveis (GREEN & SVINTH, 2003, p. 678).
O apache francês típico era caracterizado por um subproduto
interessante, a “dança apache”, algo um pouco semelhante ao tango, mas
com ações simuladas de violência urbana que continham técnicas de
combate do repertório particular do apache (video 055).
A dança apache era tão violenta que os participantes às vezes
morriam por fazer “movimentos” em momento impróprio. Em pouco
tempo atraiu a atenção da classe alta interessada em aprender técnicas
efetivas de combate de rua. Vários instrutores de Savate, a luta nacional
francesa, formularam contramedidas efetivas para enfrentar as habilidades
de combate usadas pelos lutadores apaches. Os savateurs aplicavam
técnicas defensivas e posturas utilizadas na luta com espadas misturadas
à luta de rua, fortemente impregnada das contribuições dos marinheiros
franceses que, por sua vez, viajavam muito à África.
No século XVIII a forma original do Savate, praticada sem regras,
pelos vadios parisienses era chamada de Combat de Rue, ou Danse de
Rue, ainda que não haja referências a um acompanhamento musical. Era
uma combinação dos tradicionais métodos de luta franceses (combate de
bengala, bastão e armas associadas, luta de rua parisiense) com ênfase na
luta real. Teve influências das lutas praticadas nas colônias francesas na
África e usava golpes com as palmas das mãos, cotovelos e joelhos,
cabeçadas e técnicas de arremessos (GREEN, 2001, p. 519-524).
Em Portugal, os apaches franceses tinham seu equivalente na
figura dos fadistas, personagens da marginalidade lisboeta do séc. XIX
que se destacavam pelo canto do fado e pela forma singular de luta,
caracterizada pelos golpes de agilidade corporal e a destreza com a
navalha. Os “artistas” costumavam ocultar a arma no interior dos
instrumentos musicais que usavam para interpretar uma forma popular
68
de canção com estrutura melódica muito simples, que foi arma de combate
e canção de revolta e era o espetáculo preferido do povo e da nobreza. O
fado, a guitarra e a navalha constituíam uma trindade adorada pelo lisboeta
(GUERRA, 2004, p. 11).
A maioria dos povos europeus desenvolveu algum sistema de
combate. Passados informalmente de pai para filho, muitas das antigas
lutas européias só foram apresentadas recentemente ao grande público.
O continente vivia em constantes guerras e saber lutar era uma necessidade
básica para a sobrevivência. Também entre os imigrantes do Velho Mundo
havia bons lutadores, que podem ter usado esse “talento especial” em
benefício próprio. No mundo escravagista colonial não faltaria “trabalho”
para alguém assim.
As lutas no Ocidente foram desenvolvidas para as situações de
conflito nos campos de batalha, mas sem dúvida tiveram seu refinamento,
e uso generalizado, nas entranhas da sociedade urbana. Com o surgimento
das grandes cidades e dos “tipos de rua” urbanos, o conflito entre as
classes sociais ficava evidente e, muitas (muitas) vezes, os grupos
chegavam às vias-de-fato. De um lado a necessidade de sobreviver nas
ruas e buscar alívio das dores de um cotidiano estressante; do outro, nos
salões dos ricos, a vontade de vencer a tudo e a todos.
Em todas as grandes cidades ocidentais no alvorecer do século
passado, os vagabundos representavam um elemento de contestação da
ordem legal vigente. A conduta desses freqüentadores do submundo
cosmopolita ocidental era considerada a antítese do comportamento de
um cavalheiro. Nos momentos de conflito, que não eram poucos, o
vagabundo queria era livrar a própria pele, muito mais do que salvar o
bom nome, já que isso ele não tinha.
Por causa da associação primitiva entre a vadiagem com o “mundo
do crime” e uma vez que os hábitos dos “vagabundos” eram naturalmente
anarquistas e subversivos, eles viviam em constante contravenção, sujeitos
as mais duras formas de repressão. Por freqüentarem um ambiente que
misturava festas, vícios, música, dança, prostituição, flertes e romances,
com pobreza, crimes, violência policial, disputas de todo tipo, etc., muitos
“vadios” tratavam de adestrar-se em técnicas de defesa pessoal para poder
transitar com mais segurança pelo submundo da boêmia.
Tal qual os lutadores de rua das metrópoles européias, o capoeira
da mesma época nas grandes cidades brasileiras enfatizava o uso de
cabeçadas, toda sorte de golpes sujos, chutes baixos, golpes de mão,
projeções e um sortimento de armas padrão e improvisadas. Outros traços
69
comuns revelam características semelhantes no arquétipo do “lutador de
rua” presente tanto nas ruas do Caribe, como na capital da França, nos
guetos americanos, na África, nas noitadas da Lapa e assim em diversos
outros países. Além das estórias parecidas (cafetinagem, trambiques e
outros aprontos) os “vagabundos” estavam relacionados com alguma
“trilha sonora” específica como o tango
35
, calipso
36
, samba
37
, etc.
Em todos esses lugares a “escola da vida” do (sub) mundo das
ruas se contrapunha completamente à educação nas “salas de armas” da
nobreza. O embate entre as classes sociais se mostra também nas armas
usadas por seus representantes. Em muitas sociedades possuir uma
determinada arma branca ainda é representativo de o indivíduo pertencer
a certa classe social. O manejo da espada, considerada uma arte elegante,
possui inúmeras publicações históricas. Por outro lado, não se encontra
facilmente literatura específica sobre a luta com faca, considerada arma
própria de marginais.
Os antigos autores dos manuais de esgrima faziam referência à
faca apenas como objeto de uso culinário, empregada em rixas de taberna.
No entanto, com o advento e aperfeiçoamento das armas de fogo nos
séculos XVIII e XIX, a espada perdeu rapidamente prestígio e utilidade,
enquanto a faca seguiu como a mais popular alternativa válida de uso
como arma pessoal, inclusive para a preparação militar.
Da mesma forma, enquanto a bengala fez parte da vestimenta
masculina, também esteve em alta como arma para a defesa pessoal. De
origem utilitária, usada como acessório pela burguesia do século XIX, a
bengala evoluiu de sua função primária para fins de auto-defesa em
diversas regiões do planeta. Associada aos idosos, bandidos e boêmios,
ainda assim era considerada aristocrática, em contraste com o cacete
plebeu, quando usada como arma especial de defesa ou agressão.
Em princípios do século XX, a bengala (koko makaku ou garoti)
era uma arma defensiva e para atividades culturais e de esporte em
Curaçao. Era utilizada no jogo de tambú que acontecia nos domingos, no
final da tarde. Dançado ao ritmo de canto, tambores e palmas dos
espectadores, se o perdedor sangrasse, os espectadores gritariam: “sanger
pa tambú” (sangue para o tambor) e este tinha que deixar um pouco de
sangue fluir na pele do tambor, feito de um barril de rum ou vinho (GREEN
& SVINTH, 2003, p. 143).
O jogo de tambú é um exemplo de como os rituais presentes em
alguns sistemas culturais de combate potencializavam práticas educativas
informais que serviam como arcabouços de perpetuação de uma
70
“linguagem” corporal, onde o corpo era apropriado como um depósito
do inconsciente coletivo deste ou daquele determinado grupo social.
Para se adaptarem a contextos adversos à dinamização de suas
práticas culturais, os grupos sociais marginalizados desenvolviam
coletivamente diversas estratégias para burlar a vigilância do opressor.
As ruas eram o espaço que reunia toda sorte de marginalizados e propiciava
muitas “trocas de experiências”, notadamente nas imediações dos cais
nos portos, territórios férteis para um intenso intercâmbio sobre as várias
técnicas de luta de diferentes lugares da terra.
Na prática contra um adversário real, os lutadores de rua se
expressavam marcialmente com técnicas consideradas “sujas” pela elite,
mas na informalidade, os “vagabundos” praticavam suas técnicas de luta
como um jogo entre amigos, uma terapia coletiva entre seus iguais, com
o aspecto lúdico bastante evidenciado. Os gestos então eram minimizados,
transformando assim a ação em representação, o que aproximava a prática
com a dança. Porém, muitas vezes até mesmo a brincadeira também
acabava em violência, primeiro entre os lutadores e depois com a polícia.
Ao término deste capítulo, as informações arroladas até o
momento já indicam um provável desfecho para a principal questão
proposta por este trabalho. No entanto, esta pesquisa vai além de apontar
outras lutas que, de alguma maneira, fazem uso da música em suas práticas.
A intenção deste estudo é, também, ao investigar a contribuição africana
na formação da capoeira, colaborar para a desconstrução das distorções e
simplificações elaboradas sobre a África.
71
CAPÍTULO III
01. ÁFRICA: BERÇO DA HUMANIDADE... E DAS
LUTAS
Há milhões de anos, surgiram em terras africanas os primeiros
seres humanos. A África, “palco exclusivo dos processos interligados de
hominização e de sapienização”, também é o único lugar do mundo em
que se pode encontrar “em perfeita seqüência geológica, e acompanhados
pelas indústrias líticas ou metalúrgicas correspondentes, todos os indícios
da evolução da nossa espécie” (WEDDERBURN, 2005, p. 135).
Quando os primeiros ancestrais hominídeos perceberam que
precisavam fazer frente a outros seres mais equipados fisicamente para a
luta diária pela sobrevivência, passaram a aumentar sua capacidade de
combate usando paus e pedras como extensões de seus corpos. Mas o
aproveitamento destas habilidades exigia uma preparação para diminuir
as chances de erro numa situação real. Esses “treinamentos” seriam as
primeiras formas de decodificação das técnicas de luta, ou seja, os sistemas
mais primitivos de “defesa pessoal” que surgiram na Terra.
Isso equivale a dizer que os sistemas de combate africanos são as
primeiras artes marciais na história da Humanidade. Assim, o Berço da
Humanidade também seria a semente inicial para todas as lutas. Não é
difícil imaginar nossos ancestrais – os primeiros “homo-sapiens” surgidos
na África – aperfeiçoando seu gesto no arremesso de uma vara de madeira
pontiaguda, no uso de uma pedra amolada, no manuseio de sua “clava”
pré-histórica, do arco e flecha e assim por diante.
Os gestos desenvolvidos para as situações de embate também
eram repetidos em outras situações, como nas festas comemorativas por
uma boa caça, ou celebrando uma colheita farta; para encenarem um fato
passado ou homenagearem seus deuses. A platéia empolgada poderia
acompanhar o desempenho teatral com um coro de gritos, batucar com as
mãos nos próprios corpos, em troncos de madeira etc, formando as
primeiras orquestras de acompanhamento das manifestações marciais.
Quem sabe se não foi batendo uma flecha na corda do arco de caça que
aconteceu a primeira roda de Capoeira do mundo...
As primeiras formas de sistemas de combate se espalharam por
todo o continente africano, gerando outras formas de luta influenciadas
pelas condições locais. Da mesma forma, a partir do continente africano
a humanidade, “progressivamente e por levas sucessivas, foi povoando o
72
planeta inteiro” (WEDDERBURN, 2005, p. 135-136). Os primeiros povos
guerreiros saíram da África levando consigo suas lutas que, com o passar
do tempo e diretamente impregnados com os “temperos” locais, vieram a
gerar as lutas nacionais, o que hoje conhecemos como artes marciais.
O desenvolvimento das lutas no continente africano foi um fator
básico para a sobrevivência daqueles povos, pois, se a “civilização”
apareceu ali inicialmente, logo a cobiça pelas riquezas das primeiras
sociedades organizadas, principalmente ao longo do rio Nilo e os impérios
de Axum e de Cartago, também fizeram surgir constantes guerras.
Com efeito, desde meados do primeiro milênio a.C.
até o período recente de dominação colonial pela
Europa Ocidental, a África tem sido o lugar do
mundo que sofreu as mais prolongadas e
devastadoras invasões de diferentes povos e
civilizações. Nesse período de 3.500 anos, proto-
europeus (“povos do mar,” gregos, romanos,
vândalos), semitas do Oriente Médio (hicsos,
assírios, persas, turco-otomanos, árabes), asiáticos
do sul (indonésios) e, finalmente, europeus
ocidentais (espanhóis, portugueses, franceses,
italianos, belgas, ingleses, holandeses,
dinamarqueses, suecos, alemães...) têm invadido,
conquistado e se apossado de praticamente todo o
continente, às vezes de maneira irreversível, como
foi o caso da África setentrional e de Madagáscar
(WEDDERBURN, 2005, p. 138).
Algumas das artes marciais mais antigas que se tem notícia
tiveram suas raízes nas técnicas de luta desenvolvidas no nordeste da
África, nas planícies do rio Nilo (FARAJI, 2003). No Egito foram
encontrados hieróglifos descrevendo um tipo de luta que lembra a moderna
técnica de boxe, datando de aproximadamente 4000 anos antes de Cristo.
Na necrópole de Beni Hassan existem gravuras datadas de 1850 a.C.
onde guerreiros executam posições e golpes ainda usados nos dias atuais
(DUARTE, 2000, p. 13).
A Bíblia (Isaias 37:9, Livro de Reis 19:9) menciona o faraó
Tarharka (ou Taharq), que regeu um império desde o Quênia até a borda
assíria, cujos soldados treinavam várias formas de artes marciais. Este
soberano tentou salvar os judeus dos assírios nos anos 600 A.C. e teria
escrito um livro sobre com se exercitar e se manter em forma.
73
Salim Faraji defende a origem africana de todas as artes marciais
em seu livro Montu Scholar: The Rebirth of Ancient Egyptian & Nubian
Martial Arts: The Ausar Form (2003). A obra trata da história e prática
de lutas africanas, particularmente as do Vale de Nilo, bem como as formas
mais contemporâneas de artes marciais surgidas com a diáspora africana,
como Danmyé na Martinica e a capoeira brasileira.
No artigo Nuba Wrestling: The African Origins of the Martial
Arts Revealed (1999) Nijel Binn, escultor, escritor e artista marcial afro
americano, afirma que as escritas mais antigas que se tem notícia sobre o
uso do arco e flecha como arma militar foram encontradas na Núbia
(Sudão). Também faz referência aos túmulos dos monarcas Baqet III, seu
filho Khety, e o filho deste Amenemhat, soberanos da 11ª e 12ª dinastias.
Separadas em quatro túmulos foram encontradas imagens desenhadas em
seqüência retratando centenas de pares de lutadores africanos executando
centenas de técnicas sofisticadas de várias formas de artes marciais que
eram usadas para fins militares já em 2800 a.C.
No artigo citado o autor comenta que ilustrações semelhantes
também são encontradas na tumba do príncipe Khemenhotep. As pinturas
mostram pares de guerreiros que utilizam técnicas pontapés e socos e
outros lutadores usando armas como bastões longos e curtos, arco e
flechas, lanças e punhais (BINN, 1999, p. 30).
Segundo Binn os gregos aprenderam técnicas de combate com
os nubianos, povos sudaneses da África que habitavam uma região
conhecida como “terra do arco” e, além de arqueiros, aquela casta de
guerreiros adestrava-se diariamente em várias formas de combate corpo
a corpo, com armas e desarmado. O mesmo autor se refere ao Templo de
Medinet-Abou (Alto Egito) construído por Ramsés III em 1190 a.C. onde
existe um baixo-relevo retratando uma competição onde os esgrimistas
utilizam equipamentos de proteção e competem diante de um júri.
Os egípcios confeccionavam facas e adagas de cobre para combate
desde 4500 anos a.C. e, por volta de 700 a.C., as facas egípcias já eram
de ferro. No templo de Medinet-Habu próximo a Luxor, também no Egito,
relevos que datam de aproximadamente 1190 a.C. mostram esgrimistas
competindo (LOHMANN & AVILA, 2006).
A moderna esgrima ocidental teria suas raízes no Egito, há cerca
de quatro séculos antes dos jogos olímpicos da Grécia antiga.
A arte egípcia, cheia de majestade e beleza, revela,
por meio de preciosos testemunhos, que a prática
dos exercícios físicos, muito antes do milagre grego,
74
ocupou importante lugar na brilhante civilização
que floresceu na terra dos faraós. A luta livre, o
boxe, a esgrima com bastão, disputando primazia
com a natação e o remo, foram, talvez, os desportos
de maior aceitação. Os romanos, mais tarde,
aperfeiçoaram muitos golpes egípcios e
estabeleceram regras de competição, criando assim
a luta greco-romana. O “catch”, forma espetacular
e moderna de competição, está cheio de elementos
da luta do antigo Egito (RAMOS, 1982, p. 17).
No artigo “The Martial Art Of The Pharaohs” publicado na revista
Black Belt Magazine a autora discorre sobre outra luta egípcia, chamada
Sebekkha, questionando se esta pode ser a mais antiga arte marcial do
mundo civilizado. Baseada em criaturas sagradas como o crocodilo e o
falcão, a luta possui milênios de história e era um modo dos altos
sacerdotes egípcios manterem a boa forma física (HALLANDER, 1988).
Nos fóruns de discussão sobre artes marciais africanas na internet
é possível ler sobre outras formas de sistemas marciais que os egípcios
praticavam, porém não existem estudos científicos ou registros confiáveis
sobre tais lutas. Há referências ainda sobre Kuta, a arte de boxear, praticada
pelos guarda-costas dos Faraós por ser considerada o modo mais eficiente
e efetivo para defender o rei. Resquícios desta luta teriam chegado aos
dias atuais e evoluído para uma “ciência de autodefesa” chamada Hikuta
divulgada em um site da internet (http://www.hikuta.net/).
Outra luta egípcia freqüentemente relacionada pelos internautas
era chamada Ahah, ou Mariama. As formas eram baseadas em animais
como a cobra, macaco e gato, comuns na cultura egípcia. Sua prática
incluía tanto a meditação espiritual como a fortificação do corpo, combate
de mãos vazias e com armas, e uma forma de “jogo” de chão, que eram
baseados na cobra, focalizando o controle de energia com ataques em
pontos de alta sensibilidade, como “a grande cobra que subjuga uma
pantera” (SHIELDS, 2009).
O Egito sempre foi pródigo em lutas e sua prática era
extremamente popular entre os egípcios antigos, a julgar pela freqüência
com que o esporte aparece na arte egípcia. Representações de vara de
combate e competições de wrestling (luta agarrada) muitas vezes aparecem
juntas, o que pode indicar que as mesmas pessoas que participaram em
ambos os eventos (CARROLL, 1988, p. 123).
A influência das artes combativas dos egípcios, notadamente a
esgrima de bastões e o wrestling, pode ser um indicativo da predileção
75
dos povos africanos pelos jogos de combate com estas características,
pois ambas são muito populares em todo continente (video 056) e responde
por nomes diversos entre os diferentes povos africanos.
Um dos povos que mais sofreu a influência egípcia foi os
moradores da antiga Núbia, a região situada no vale do rio Nilo que
atualmente é partilhada pelo Egito e o moderno Sudão, mas que na
antiguidade abrigava o que se pensa ser a mais antiga civilização negra
da África. O termo “nubiano” no Egito era usado em um sentido coletivo
para referir-se aos povos negros não-egípcios (CARROLL, 1988, p. 130).
Os nubianos se destacam por seus jogos guerreiros, que já foram
alvo da atenção do famoso fotojornalista George Rodger que em 1951
retratou lutadores das montanhas Nuba em fotos publicadas pela National
Geographic. Em uma delas o vencedor é carregado aos ombros do vencido
(video 057). Colaborador de revistas como Time e Life, Rodger inspirou
o trabalho da cineasta e de fotógrafa alemã Leni Riefenstahl no pós-guerra
que também voltou suas lentes para aqueles africanos (FARIS, 1993).
Semelhante à imagem fotografada por Rodger, na parede da tumba
de Tyanen, um oficial egípcio que morreu em 1410 a.C., há um desenho
que mostra lutadores marchando juntos, sendo que apenas All but one of
the men have Nubian physical characteristics.Apenasum dos homens não
tem características físicas nubianas,The contrast between the Nubian
wrestlers’ girth and the trim Egyptian, is prPerhaps the Nubians were a
detachment of wrestlers. com o último homem carregado por dois lutadores
(CARROLL, 1988, p. 122).
A luta ritual nubiana referida no parágrafo acima é semelhante à
Luta Livre (video 058), também praticada com propósitos sociais e
religiosos. A tradição desta forma de combate ritual se mantém popular a
centenas de anos e é parte seminal da cultura nubiana mantendo conexões
com ritos de fertilidade, adoração ancestral e convicções animistas.
Praticada há mais de três mil anos, é um das formas mais antigas de esporte
de luta e tem permanecido inalterado durante séculos (CARROLL, 1988,
p. 137).
Além do wrestling os nubianos praticam jogos de luta com varas
em eventos sociais que reúnem toda a comunidade com propósitos sociais
e religiosos, ligados a ritos de fertilidade, adoração ancestral e convicções
animistas. Um conselho de anciões decide quando e onde acontecerão os
encontros. Através destas competições os melhores lutadores alcançam
um status que os segue por toda vida.
76
A contenda pode ser entre dois lutadores individuais de aldeias
diferentes, ou entre duas aldeias, coletivamente. Todos os participantes
fazem suas orações antes de lutar, independentemente de serem cristãos,
muçulmanos ou seguidores de convicções espirituais africanas. Como
parte do ritual preparatório para as lutas, os homens dançam imitando
animais e desta maneira lançam seus desafios aos adversários (CARROLL,
1988, p. 133).
Para começar a partida, são formados círculos humanos e os
lutadores mais velhos iniciam o jogo. Durante as lutas de vara do povo
nuba, as meninas cantam continuamente, como elogiando um lutador,
comparando-o com um touro, um leopardo, um elefante ou um leão; e
chamando o outro competidor de covarde, desordeiro etc. Se acaso um
dos lutadores fica muito ferido, ele será compensado com uma reparação
simbólica, como uma vaca (in: NUBA SURVIVAL FOUNDATION,
2007).
Para minorar os efeitos dos golpes de vara os lutadores nubianos
amarram tiras de panos grossos ou mantas rasgadas ao redor do corpo.
Alguns contendores usam chapéus feitos de sementes e lama para proteção,
e são enfeitados com manteiga como indicação de grande riqueza. Segundo
o site da fundação “Nuba Survival”, uma das tribos nubianas que se
destacam na luta de vara é o povo Moro (video 059).
Muitas destas tradições da esgrima de varas são semelhantes com
as de outras lutas espalhadas pelo continente. A classe de guerreiro iorubá
da Nigéria e Benin (Ijala) tem seu sistema de luta com varas e bastões,
comparável às artes de luta das Filipinas (Arnis, Kali e Escrima). No
Senegal há um tradicional sistema de luta com varas e mãos nuas chamado
N’oboro. El Matreg é a luta geralmente praticada como entretenimento
na Argélia, onde dois jogadores lutam usando varas longas (MILLER,
2008).
Uma destas práticas que sobreviveram até os dias atuais foi o
Tahtib, ou Tahteeb, uma representação de uma luta onde os homens atacam
ou defendem-se com cajados nas mãos, conhecido como shoumas.
Originária dos nômades dos planaltos ao sul do Egito que tangiam seus
rebanhos com bastões, já existia nos tempos dos faraós, como testemunham
desenhos nas paredes dos antigos túmulos dos reis em Beni Hassan, que
mostram figuras praticando a arte (GREEN, 2001, p. 338).
Tahtib pode ser praticado como uma verdadeira arte marcial a pé
ou no dorso do cavalo; é praticado como uma dança combativa entre
homens; como dança solo mais social por homens; é dançado por mulheres
77
como uma versão mais atraente dos movimentos reais da luta. Durante a
dança Raks El Assaya (dança da bengala), a mulher apresenta toda a sua
habilidade, equilíbrio e charme. O estilo moderno de Tahtib, apresentado
em festivais e outras reuniões sociais, é muito distante da natureza
selvagem da luta. Altamente coreografado, combina os aspectos de
combate e o aspecto estético, assim como o conceito de jogo e a música
(video 060).
Atualmente para reforçarem a unidade dos aldeões, os membros
do Ikhwaan-al-Muslimeen (irmandade muçulmana) mantêm a tradição
de realizar em suas escolas religiosas esta dança masculina com música
própria que utiliza instrumentos musicais característicos como o tahvol
(baixo tambor) e oud (tubo estridente). Outro estilo usando uma vara
mais curta ou bengala é encontrado entre os beduínos e é chamado naboud
(GREEN, 2001, p. 562).
Nos sites referentes às ilhas São Tomé e Príncipe, um estado
insular localizado no Golfo da Guiné, há referências a um jogo com cacetes
chamado bligá (que significa brigar), um misto de dança e jogo lúdico,
em que a sofisticada gestualidade faz lembrar certas artes marciais
orientais. Porém todos os gestos são minimizados, transformando assim
a ação em representação. Resultado de uma síntese cultural secular entre
a Europa e a África, bligá foi um modo de escravos exercitarem uma arte
de autodefesa sem que as autoridades se apercebessem disso. Há quem
veja o bligá como um dos possíveis formadores da capoeira.
Outros povos africanos têm sistemas semelhantes de luta com
varas, provavelmente derivados da luta com espada. O componente ritual
dessas práticas também é muito forte, presente desde a preparação da
arma como no comportamento dos lutadores. Grande parte dessas práticas
de alguma forma está associada com a música, tanto na preparação para o
combate, como durante os confrontos e nas celebrações ao final deles
(GREEN, 2001, p. 4).
Os etíopes da etnia Surma praticam uma forma ritual de combate
com varas longas chamadas Donga. O nome da luta é uma referência ao
órgão genital masculino e também denomina a vara de 2 metros de
comprimento, usada como arma pelos jovens suris. A luta é a base para
uma complexa e competitiva estrutura social e outrora servia para incitar
a hostilidade coletiva antes de atacar uma tribo inimiga (video 061).
A luta dos suris já foi tema de três séries televisivas inglesas:
Tribe, realizada em 2008 (video 062), retornando em 2010 no Human
Planet, ambas do canal BBC, e em um episódio de Last Man Standing
78
(video 063) do Discovery Channel. Todos os programas revelam detalhes
desta tradição guerreira.
A luta é praticada exclusivamente por homens para demonstrar
masculinidade, para acertar diferenças pessoais ou ganhar uma esposa.
As regras são poucas, a principal é que não se pode matar o oponente.
Mas os combates são muito violentos e a prática é potencialmente letal,
pois a principal proteção usada é a pintura do corpo com desenhos
mágicos. Se uma fatalidade acidental acontece, são banidos o assassino e
a família dele da aldeia e perdem todas as propriedades (video 064).
Os campeões de povoados diferentes se enfrentam
individualmente numa luta no período que coincide com o final da colheita.
Durante a caminhada para o confronto com os rivais os homens vão
cantando canções de incitamento e provocações, ou que relatam a história
de grandes campeões do passado. Essas canções fazem parte da tradição
oral daqueles povos e estão intrinsecamente associadas à prática da luta.
Cerca de cinqüenta homens podem participar ao mesmo tempo
em cada torneio, todos os lutadores são extremamente qualificados e há
rigorosos códigos de conduta e de combate ritual. O campeão ao final do
torneio é carregado sobre os ombros dos outros lutadores e tem o direito
de escolher entre um grupo de mulheres jovens qual delas será sua esposa.
Seus feitos serão lembrados em canções entoadas por muitas gerações.
Prática semelhante ocorria no Congo com a luta chamada
Mousondi, que alguns pesquisadores acreditam que foi transplantada para
o Caribe (WARNER-LEWIS, 2003, p. 203) onde passou a ser conhecida
como Kalenda, dança de luta com vara que se encontra em quase todas as
ilhas das Antilhas (Haiti, St. Domingo, Porto Rico, Cuba, Trinidad,
Martinica, Guadalupe, Carriacou) onde freqüentemente leva o título de
calinda. A luta era acompanhada por três percussionistas que tocavam
dois tambores do Congo e um terceiro percutia uma tábua ou bambu com
baquetas (DESCH-OBI, 2008, p. 282).
As lutas africanas mantêm um forte vínculo com as tradições
tribais e é bastante comum a prática de técnicas combativas em forma de
jogo acompanhado por música, durante as festas tribais e nas cerimônias
que estão relacionadas com ritos de passagem das crianças para a fase
adulta. São eventos importantes para a comunidade e acontecem em datas
especiais, com muita festa, música e rituais. Os adolescentes africanos
começam a aprender desde cedo a função utilitária dessas tradições tribais,
desenvolvendo habilidades físicas e atitudes mentais necessárias para a
sobrevivência.
79
A atitude mental dos jovens nômades da cultura Fulani na Nigéria
é colocada a prova de maneira radical no ritual Sharo (Shadi ou Soro). O
ritual é realizado duas vezes por ano em um festival que tem a duração de
uma semana, durante a estação seca da Guiné e na festa muçulmana de
Id-el-Kabir. Ocasionalmente, o ritual pode também ser realizado durante
um casamento, na cerimônia de nomeação do filho primogênito de um
grande expoente sharo de renome, ou então como uma disputa entre
diferentes clãs ou ainda para homenagear um chefe (http://
www.onlinenigeria.com/festivals/).
A música também desempenha um papel importante no ritual
que apresenta um sistema complexo. Este teste de masculinidade e
resistência que se acredita ter originado entre os Fulani Jaful é praticado
como uma forma de iniciação dos jovens solteiros à idade adulta ou como
um esporte de equipe, onde os competidores golpeiam um ao outro no
tórax com varas. O objetivo da competição é permanecer sorrindo apesar
dos golpes (MORITZ, 2009, p. 23-25). Talvez este orgulho guerreiro possa
ter contribuído para que muitos africanos não se deixassem abater diante
dos suplícios da escravidão nas Américas.
Os festivais dos fulani atraem homens e mulheres de todas as
idades que se reúnem para assistir vários tipos de entretenimento como a
dança das donzelas, performances de conhecidos trovadores, mas estas
apresentações são apenas um prelúdio para o principal: a sessão de
flagelação. Quando o sharo está prestes a começar, dois rivais com
aproximadamente a mesma idade e tamanho vêm para o centro da roda
formada por espectadores e percussionistas. Eles são escoltados por lindas
garotas e acompanhados por uma animada bateria que entoam cantos de
elogios e recitam encantamentos. O ritmo da música proporcionado pela
bateria acelera os ânimos.
Os jovens realizam uma apresentação individual mostrando suas
habilidades no manejo da vara assumindo uma pose desafiadora. Quando
a excitação e a música estão no ponto mais alto, um dos desafiantes sai
brandindo uma vara flexível com cerca de meia polegada de espessura, e
atinge o concorrente, tirando sangue, mas a vítima permanece com uma
perna cruzada sobre a outra e os braços levantados segurando um pano
ou um espelho em que ele olha o adversário com aparente indiferença. A
vítima não se mexe, mostra indiferença à dor e ainda zomba de seu atacante
gritando por mais.
Os demais competidores atuam como árbitros e avaliam se os
golpes são fortes e se o fustigado suporta a dor sem pestanejar. Se ele é
80
capaz de conseguir isso, sua família e amigos vêm rodeá-lo com alegria,
oferecendo presentes e felicitações e a partir daí é considerado digno de
uma mulher. Depois é tratado com medicamentos à base de plantas que
curam as feridas rapidamente, deixando cicatrizes para todos verem a
prova de sua masculinidade (NDUKWE, 1996, p. 27-30).
Outro grande grupo de africanos que tem seus sistemas
organizados de artes guerreiras onde se destaca a luta com varas são os
povos Nguni da África do Sul, conhecidos genericamente como zulus.
Lingüisticamente e culturalmente, o Xhosa, Pondo e Thembu são Nguni
do sul, como o Zulu, Swazi e Ndebele são Nguni do norte.
Segundo pesquisas de Marié-Heleen Coetzee (2002) a história
mais recente da luta de vara desses povos está associada ao legendário rei
zulu Shaka, que viveu de 1787 a 1828. Durante seu reinado o império
zulu se transformou em um estado rigidamente organizado e com forte
poder militar. Todos os habitantes do sexo masculino dos 14 aos 60 anos
eram militares e obedeciam às ordens de generais (induma) que
comandavam regimentos (impi) diferenciados pelas cores dos escudos e
armados com o assegai, lança curta de ponta comprida e cortante nos
dois gumes, própria para o combate corpo a corpo.
Shaka Zulu organizou um exército que desprezava as próprias
baixas e não dava chance aos inimigos. Selecionou armas, estratégias e
táticas que haviam sido testadas em batalhas por grandes guerreiros que
o precederam, e introduziu o treinamento sistemático das habilidades
necessárias para a guerra. Entre estes treinamentos estava a prática da
luta de varas, que com o tempo se transformou em um jogo (Izinduku),
uma forma para os zulus se distinguirem como guerreiros e ganharem
respeito na comunidade.
Com o fim do império zulu, a luta de vara passou a funcionar
como uma expressão de etnicidade zulu, seguindo um código de conduta
onde não era permitido que se causasse danos sérios ao adversário. Servia
como um meio de solucionar disputas internas quando os combatentes
usavam os cabos de suas lanças, mas não a lâmina. As técnicas são
idênticas aquelas usadas pelos zulus na guerra tradicional, a única
diferença são as armas usadas.
Durante o regime do aparthaid
38
os zulus não podiam possuir
armas ou exibir armas tradicionais em público, o que incentivou o uso de
instrumentos como guarda-chuvas e bengalas como substitutos para o
izinduku tradicional. A luta de vara também foi utilizada para arregimentar
afiliados para o Inkatha (Partido da Liberdade Zulu). Muitos acreditam
81
que esta associação para ganho político afetou a arte negativamente,
chegando a ser considerada com desprezo por alguns que a viam apenas
como uma forma de violência.
Sob a forma de uma dança guerreira (video 065) os zulus
preservaram muitas técnicas combativas da luta de varas, usando as
canções que acompanhavam o jogo como parte da perpetuação do legado
cultural dos zulus (video 066). A luta de varas autêntica ainda acontece
em algumas de áreas rurais como uma tradição cultural, continuando a
agir como um processo de socialização, transmitindo as normas sociais
da comunidade na qual opera através das gerações (video 067).
O uso de bastões e varas de madeira como arma apareceu no
mundo no momento que o primeiro humanóide usou um pedaço de
madeira para defender-se ou para caçar. Desde então lanças, flechas,
porretes, bordões, cacetes, bordunas, bengalas, “grimas” e outras formas
de se machucar alguém com um pedaço de pau acompanham a história
de todas as culturas do planeta. Da mesma forma que armas surgiram de
um galho de árvore, outras nasceram de uma pedra amolada e foram se
transformando com o passar do tempo.
Na África uma arma que desperta curiosidade é a faca de pulso,
freqüentemente exibida como uma jóia, e que pode ser encontrada em
várias partes do continente africano, como no Quenia, Somália e Etiópia
(GREEN, 2001, p. 3). Na África Ocidental referem-se a ela como kwaraya,
no Egito os nubianos a chamam auau e é chamada zuar em outras áreas,
sendo mais conhecida pelo nome de Baura (IYI, 1989, p. 65).
Segundo a revista Black Belt Magazine (Vol. 27, n. 4, abr 1989,
p. 65-66) o jogo da baura é uma forma de arte marcial altamente
desenvolvida. Os mestres de combate com baura são considerados como
heróis pelos seus pupilos que se esforçam em copiar o estilo do lutador
mais popular. A música tradicional acompanha o jogo da baura. O
instrumento básico é o tambor, no qual os ritmos da luta tradicional são
tocados. Acompanhando a música estão canções individuais cantadas por
cada lutador, contando sua história e os nomes de seus ancestrais.
A baura é também parte do currículo para jovens adolescentes,
preparando-os para a guerra e combate pessoal. Quando os adolescentes
alcançam a puberdade, os jovens recebem o primeiro nível de segredos
de luta de suas famílias como parte de sua iniciação na masculinidade.
Os iniciados são levados para fora da aldeia e ensinados por seus “tios”
(homens mais velhos) que usam facas falsas de cipó trançado em volta
dos pulsos dos aprendizes para o treinamento.
82
Tradicionalmente, as competições com baura são realizadas
durante a estação seca, seguindo a colheita anual. Quando em combate, a
pulseira é empurrada sobre a parte mais baixa da mão para aplicar golpes,
sendo usada em conjunção com um pequeno escudo seguro pela outra
mão. Os chutes, freqüentemente combinados com as técnicas de baura e
geralmente dirigidos para a metade mais baixa da perna, são mais usados
para desequilibrar o oponente. Chutes altos são evitados devido ao risco
que apresentam para receber cortes feitos pelo adversário.
Qualquer golpe é legal, mas o alvo mais comum é a cabeça. Os
combatentes fecham a distância entre cada um usando movimentos
enganosos e rítmicos. Uma vez na linha de proximidade, os lutadores
usam manobras de armadilha, agarramento, chutes abaixo da linha da
cintura, imobilização das pernas e arremessos.
Embora as competições sejam certamente perigosas, as mortes
são raras devido ao treinamento altamente desenvolvido e habilidade dos
competidores. A competição é interrompida quando um lutador admite a
derrota, está sangrando em profusão, ou obviamente não pode continuar.
Um empate é freqüentemente declarado quando dois oponentes são
regularmente igualados.
Os juizes são ex-lutadores com muita experiência em assuntos
de jogos de baura. O lutador com o número mais alto de pontos ganhos é
declarado o campeão. Isto aumenta seu prestígio e posição na vida e
também lhe assegura que ele se casará dentro de uma boa família. Canções
de louvor serão cantadas sobre seus feitos e ele será comparado a um
búfalo, leopardo ou um leão. Seu estilo pessoal de luta também será
imitado pelos jovens (IYI, 1989, p. 65-66).
O arsenal africano inclui ainda muitas outras armas exóticas, cujo
treinamento e uso podem se aproximar do que no ocidente é chamado de
arte marcial. Entre os diversos armamentos usados pelos guerreiros
africanos as lutas com bastões e varas são as mais comuns, sendo
amplamente executadas na África Austral, Central, Ocidental e Oriental
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 45). Mas as lutas que são mais populares no
continente são aquelas praticadas sem nenhum tipo de armamento e que
estão se encaminhando para a esportivização por meio da sistematização
de regulamentos de competição e metodologias de treinamento (VIEIRA,
2004, p.10).
No Manuel de Lutte Africaine, os esportes de
combate estão classificados em quatro tipos: luta à
distância, luta a meia-distância, luta corpo-a-corpo
83
e lutas “au pagne” (em que é permitida a pegada
na vestimenta, uma espécie de bermuda feita de
tecido enrolado no corpo). Há uma variação muito
grande nas técnicas adotadas em cada modalidade
específica, mas percebe-se que há um significado
que aproxima diversas práticas de lutas africanas:
em geral estão associadas a aspectos culturais
importantes e não são apenas modalidades
esportivas, da forma como encaramos a maioria das
atividades físicas no ocidente (VIEIRA, 2003, p.
11).
Segundo Assunção (2005) as formas de wrestling são
especialmente importantes na África Ocidental, bem como em muitas
outras partes do continente, incluindo Angola e Moçambique. A luta
tradicional de pugilato (boxe) ainda é importante na atual Nigéria e
Camarões. Já a prática de lutas ou jogos que usam chutes e cabeçadas são
mais limitadas a alguns grupos da África Central, em Madagáscar e outras
ilhas do Oceano Índico, onde os escravos africanos foram introduzidos
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 45).
Os sistemas africanos de luta que enfatizam técnicas de wrestling
39
(grappling) são os mais populares entre os povos africanos (GREEN,
2001, p. 6-7). Toda aldeia tem seu próprio ringue e os lutadores se agrupam
de acordo com suas realizações. São empregadas várias técnicas e a música
desempenha um papel importante nestas ocasiões, onde os tambores são
os instrumentos principais (video 068).
Em países como a Tanzânia, Guiné, Mali, Costa do Marfim,
Somália, Senegal, Camarões, Uganda, Togo, Angola, Burkina Faso,
Quênia, Madagáscar, essas lutas assumem diferentes nomes como Magba,
praticada pelos igbos (DESCH-OBI, 2008, p. 68), Laamb dos povos wolof
do Senegal (GREEN, 2001, p. 11), gigdibo dos iorubás, entre outros
(DESCH-OBI, 2008, p. 82).
Da mesma forma que as lutas de varas, muitas dessas lutas servem
para propósitos diversos como, por exemplo, escolher entre vários
pretendentes aquele com quem uma moça irá se casar e resolver disputas
individuais ou entre aldeias. Assim é a luta tradicional do povo Kabye do
norte de Togo, Evala, usada em cerimônias como forma de iniciação para
os jovens que procuram renovar as relações com os antepassados e mostrar
a própria virilidade (video 069). As disputas de Evala acontecem no meio
do ano em um festival organizado na cidade de Kara reunindo vários
84
times de lutadores vindos de toda a África Ocidental. Os competidores
são animados por tambores e cantos (video 070).
Entre as lutas africanas de corpo a corpo (wrestling), talvez a
mais popular seja a Laamb (video 071), palavra do wolof que se traduz
por “luta” (DESCHI-OBI, 2008, p.82). A luta está presente em diversos
países africanos como Benin, Nigéria, Costa de Marfim, Togo, Gana,
Burkina, Mali.
De acordo com o site oficial da República do Senegal (in: http:/
/www.amadou.net/ho/wrest.html) Laamb é uma atividade tanto espiritual
como física. Cada luta dura apenas alguns minutos, mas é precedida por
horas de preparação física e espiritual, fanfarra e música. Há duas formas
de Laamb: uma permite aos lutadores golpear um ao outro com as mãos
nuas; a outra é mais acrobática, e não é permitido bater. Em ambos os
estilos o vencedor tem que conseguir bater os joelhos, ombros, ou as
costas do oponente na areia.
Os praticantes têm seus treinadores, são organizados em equipes
(muito semelhante ao Sumo do Japão) e viajam pelas aldeias para desafiar
novos lutadores. Normalmente são da etnia Wolof e Mandinga, povo de
religião predominantemente maometana, que vive na parte norte da África
ocidental, dos vales do Senegal e do Níger, eram originários da região da
atual República do Mali, na África, e foram guerreiros conquistadores,
tornados muçulmanos.
Conhecidos no Brasil como mandingas, eram povos totêmicos,
chamados pelos espanhóis de mandimença e masmol, maniinga (do radical
mani ou mali, o hipopótamo, + terminação nke, povo), tidos como
feiticeiros contumazes, daí o termo “mandinga” ser usado no Brasil
relacionado com mágica ou feitiçaria, como explica Artur Ramos em
“Culturas Negras no Novo Mundo” (RAMOS, 1979).
Entre os capoeiristas a palavra mandinga se refere aos ardis e
movimentos que um capoeira usa para testar o outro jogador. É sinônimo
de falsidade, malandragem e conhecimento. Também é a reza que se faz
para pedir proteção antes de iniciar um jogo. Certamente foi um elemento
essencial para que a Capoeira superasse os anos de repressão e se
transformasse no ícone de brasilidade pelo mundo afora.
Assim como a capoeira e a Ladja da Martinica, Laamb também
está ligada à música e práticas mágicas (LEYMARIE, 1999, p. 69). Os
lutadores se ocupam de vários rituais preparatórios para lutar.
Invariavelmente os treinamentos incluem uma reunião com o feiticeiro
local (marabou) para preparar o guerreiro, para protegê-lo contra espíritos
85
maus e a feitiçaria dos outros lutadores. Alguns enterram amuletos na
areia e recitam encantamentos mágicos.
O “marabou” faz adivinhações sobre o futuro do lutador e lhe dá
encantamentos especiais, conhecidos como “Gri-Gri” ou “Juju”, que são
usados junto com óleos especiais com supostos poderes mágicos. Todo
lutador usa amarrados nos braços, pernas e cintura, vários tipos de
amuletos, equivalentes ao patuá brasileiro e das mandingarias para “fechar
o corpo” dos capoeiras.
Cada lutador de Laamb tem seu próprio grupo de tocadores de
tambor e fala freqüentemente com eles. Na noite anterior às competições
os bateristas constroem tambores novos e dentro deles colocam proteções,
talismãs pessoais do lutador. Também passam a noite na casa do lutador
para que ele não faça sexo. Nenhum lutador ousa entrar no ringue sem o
seu “marabout” ou sem participar da cerimônia preparatória.
As lutas acontecem freqüentemente durante a noite ou à tarde no
centro das aldeias, os competidores comparecem vestidos com a tanga
tradicional (guimbe) dos lutadores africanos, constituída por “envolturas”
ao redor da cintura, providas pelas noivas ou parentes femininos. A
multidão se reúne ao redor de uma cova arenosa e todos cantam, dançam
e contam histórias de um passado glorioso embalados pela batida dos
tambores e a voz dos cantores (MENESES, 2009).
Os tambores anunciam a preparação mística (Baccou) que
antecede o começo da luta. A fala do griot
40
encoraja os lutadores
(LEYMARIE, 1999, p. 71), dando ritmo às danças e anunciando cada
competidor, que dança ao redor da arena para impressionar os adversários.
O ritmo é chamado Barambaye, e só os homens dançam para mostrar sua
força para os outros lutadores. As mulheres adultas dançam (Ndawrabine)
durante as lutas.
A competição entre os tocadores de tambor (sabar) que
representam cada um dos competidores (video 072) é quase tão importante
quanto a que acontece entre os lutadores. Os tocadores de tambor
pertencem à casta dos “griots”, homens que encarnam a cultura do seu
povo em si próprios, e que têm a tarefa de mostrar as contribuições de
cada grupo familiar para o progresso da sociedade, geração por geração.
Também chamado de Djeli, cada griot é um historiador, músico, dançarino
e artista que ensina crianças e adultos, e é freqüentemente um conselheiro
no tribunal real (HENRICH, 2001, p. 24 - 27).
Como o griot faz seu elogio, dançando o lutador chega mais perto
dos músicos com gestos rápidos e aos arrancos. Pedindo emprestada a
86
fala ao griot, o lutador canta sua força e invencibilidade recitando os
poemas de luta chamados “bakks”, um tipo de canto de improviso para
encorajar os atletas. A multidão aplaude a cada performance (LEYMARIE,
1999, p. 69). Os tocadores de tambor até 1980 eram exclusivamente
masculinos, pois há tabus contra mulheres tocando tambor. Porém, hoje
já existem algumas bateristas femininas no Senegal. Todos aprendem a
tocar tambor com os pais de maneira informal.
Atualmente Laamb está se tornando popular também nos EUA,
onde há uma grande comunidade imigrante senegalesa, porém estão se
incluindo elementos estrangeiros para ajustar o esporte aos gostos
ocidentais. As lutas são patrocinadas e são pagos prêmios em dinheiro
(GREEN, 2001, p. 11).
Os movimentos usados nas danças performáticas durante o ritual
que antecede as lutas (mbàppat) de Laamb (video 073) - quando os
competidores se apresentam para os espectadores ao som dos tambores e
cantorias – são considerados por alguns pesquisadores como um dos
principais elementos constitutivos do Danmyé no Caribe.
Muito semelhante à Laamb é o Borreh, também chamada de
Borey, a luta do povo mandiga da Gâmbia e do Senegal. Nas noites de
domingo na maior cidade de Gâmbia, Serekunda, acontece a reunião de
times de Borey representantes das várias tribos do país: Wolof, Mandika,
Jolu, Jova, etc. As lutas acontecem em arenas cobertas de areia, ao som
de tambores. Enquanto um lutador tenta trazer o adversário ao chão, os
músicos circulam entre os espectadores para coletar dinheiro. O vencedor
faz uma “dança de vitória” ao redor do ringue, sempre seguido do seu
grupo de músicos.
Além das técnicas de corpo-a-corpo utiliza chaves para quebrar
os ossos do oponente, além de pontapés, joelhadas, cabeçadas e
estrangulamentos (video 074), podendo apelar para outros expedientes
menos lícitos como arremessar areia ou cuspir nos olhos do adversário.
O mesmo artifício não é raro entre os capoeiras, especialmente no
“universo sem lei” das chamadas rodas de rua
41
, sendo famoso o caso do
capoeira Ciríaco que venceu o campeão de jiu-jitsu no Rio de Janeiro em
1909 usando este recurso (MOREIRA & FERREIRA, 2008, p. 6).
É sabido que a tendência natural durante uma luta entre dois
adversários é de um tentar segurar o outro, ou para bater, ou para apanhar
menos. Em ambas as situações, o conhecimento de técnicas apropriadas
de combate corpo a corpo, como projeções, imobilizações, chaves e
estrangulamentos, é decisivo para a vitória. Isto está mais que provado
87
pelo Jiu-Jitsu Brasileiro, luta praticada pela maioria dos vencedores de
centenas de confrontos de vale-tudo no mundo inteiro.
Também está claro que muito das técnicas de combate aprendidas
pelos africanos em sua terra natal vieram com eles durante a diáspora da
escravidão negra. Porém, aqueles primeiros guerreiros logo perceberam
que não era prudente atracar-se com seus opressores numa luta corpo a
corpo, uma vez que os brancos queriam justamente impedir-lhes a fuga,
restringir-lhes os movimentos, privá-los da sua liberdade para transformá-
los em escravos.
No caso do escravo, perseguido pelos capitães do mato (e mesmo
mais tarde, o malandro perseguido pela polícia), agarrar-se com um
adversário poderia garantir sua captura, pois os outros atacantes teriam
condições de abatê-lo, ou ao menos dominá-lo. Além das tradicionais
armas brancas, os escravocratas também tinham armas de fogo.
Certamente a estratégia mais coerente era não deixar-se agarrar, derrubar
os atacantes que acaso estivessem atrapalhando a rota de fuga e sumir.
Essa característica é comum a muitos sistemas organizados de combate
desenvolvidos pelos africanos na América durante os anos de escravidão.
Provavelmente o “feed back
42
dessas antigas formas de combates
agarrados, apesar de suas características corporais não terem sido
aproveitadas diretamente, tiveram influência na construção do gestual
das lutas desenvolvidas pelos africanos nas Américas. Conhecendo
técnicas de agarramento os escravos podiam criar ou adaptar novos golpes
que anulassem tais formas de lutar. E uma boa forma de treinar essas
técnicas para evitar ser agarrado era por meio das danças, que também
serviam para “ensinar” esses movimentos a outros lutadores, da uma forma
semelhante ao que acontecia com as danças pírricas gregas, ou ainda
como é feito com os katas do Karatê (GREEN, 2001, p. 3).
Tudo indica que, mais do que as lutas de wrestling africanas,
foram os rituais que acompanham essas lutas na África que mais
contribuíram para “organizar” as técnicas de combate selecionadas que,
somadas com a música, emprestou-lhes o aspecto de dança aos olhos dos
opressores. Isto fica bem evidente em relação à teoria da influência da
Laamb senegalesa na formação do Danmyé caribenho.
Diversas manifestações guerreiras africanas também parecem ter
contribuído na formação da capoeira. O fundador da associação Abadá
Capoeira
43
, mestre Camisa, após uma de suas viagens à África em 1989
para pesquisar as lutas daquele continente, declarou:
88
Cada nação africana tem uma forma de lutar: uns
usam armas, outros cotovelos, outros cabeça, outros
só mão, outro desequilíbrio. Camangula (boxe de
mão aberta), bassula (quedas), a capoeira tem um
pouco de todas elas. Na África estas lutas não se
misturavam por rivalidades tribais e diferenças
geográfica; no Brasil na época dos escravos é que
isto veio a acontecer e daí surgiu a cultura afro-
brasileira e com ela a capoeira (ALONSO, 1997,
p. 8).
A Camangula ou Kambangula é uma luta africana onde se usa
somente as mãos abertas para nocautear o adversário. É disputada dentro
de rodas formadas por outros lutadores, que batem palmas e cantam, porém
sem acompanhamento de instrumentos musicais. As lutas de pugilato
(stricking) parecem não ser tão comuns entre os povos africanos quanto
as de wrestling, mas são sempre muito intensas.
Muito antes de surgir nos EUA o “fenômeno cultural” retratado
no filme “Clube da Luta” (Fight Club) do diretor David Fincher, entre os
povos venda na África do Sul já existia uma tradição guerreira com mais
de três séculos de existência onde homens - desde crianças até os que já
passaram dos 60 anos - se enfrentam em uma competição selvagem
chamada Musangwe (video 075). Vendas do norte e do sul do país se
encontram uma vez por ano para enfrentarem uns aos outros em combates
muito violentos usando golpes desferidos com os punhos, cabeçadas,
cotoveladas, joelhadas e rasteiras (video 076).
Contrastando com a prática do Musangwe, que mais se aproxima
de um “vale-tudo”, os povos Ga-Damgbe da costa do ouro de Gana
desenvolveram uma complexa expressão científica do combate chamada
Abotri Tahuumo. A palavra Tahuumo significa literalmente ciência da
guerra. A arte é segmentada em diversas áreas de estudo, como luta
agarrada e de chão (Abotri), a arte de chutar (Intia Shimo), combate de
mãos vazias (Akwele Nomo), a arte das acrobacias (Adjemlekutu), combate
com lâminas (Kakla Nomo), combate com armas de arremesso
(OkplemiNomo), combate de vara (Tso Nomo do), entre outras (Mlindjee,
Mo Haa e Ataalai Gbamo) (DE-BORDES, 2007). Todos os treinamentos
são praticados com acompanhamento musical (video 077).
Hoje se sabe que existiram, e algumas ainda existem, outras
formas complexas de sistemas de combate africanos, com centenas de
anos de existência. Porém, poucas foram devidamente documentadas.
Entre as exceções podem-se citar as referências ao idioma kikongo onde
89
existe a palavra sanga, o mesmo que sanguar em Ndongo, para definir as
técnicas angolanas e congolesas de combate desarmado, o uso de varas e
outras armas, como também a habilidade para torção, pulo, e evasiva
para evitar setas ou os golpes de oponentes. Todas essas habilidades são
instruídas na forma de uma dança acompanhada por música. Os
especialistas em Sanga eram chamados imbare (kimbare ou quimbare)
freqüentemente tirados de populações de escravos e recrutados para
aprender a arte (WARNER-LEWIS, 2003, p. 205).
Sabe-se que os exércitos congolês e angolano eram
formados por guerreiros exímios na luta corporal.
Vários cronistas destacaram a habilidade com que
eles evitavam golpes, jogando o corpo para o lado
de maneira imprevisível e confundindo o adversário
(ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p. 64).
Segundo Richard Cullen Rath no artigo Drums and Power: Ways
of Creolizing Music in Coastal South Carolina and Georgia, 1730-1790,
de acordo com as anotações do pesquisador John Thornton, “exibições
públicas impressionaram não só os africanos, mas observadores
holandeses, italianos, portugueses e (que) uma delegação estatal congolesa
pasmou os observadores no Brasil com uma exibição de suas habilidades
em 1642” (RATH, 2003, p. 87).
Um artigo do pesquisador norte-americano John K.
Thornton sobre as tradições bélicas dos antigos
povos de Angola fala de uma misteriosa “dança de
guerra” dos povos do Reino do Congo, descrita pelo
monge capuchinho Cavazzi, na qual os guerreiros
aprendiam a se desviar de flechas e lanças do
inimigo (SOARES, 2002, p. 143).
Diversas lutas africanas chamam atenção por seu exotismo e o
caráter inusitado na aplicação de suas técnicas. O artigo de Ron Bruster
Testa: a brutally beautiful african martial art” publicado na revista
americana Inside Kung Fu (Vol. 9, n. 10, p.49-54) em 1982, descreve a
luta africana Riesy, que enfatiza técnicas em que a cabeça é a arma
principal. O termo africano significa simplesmente “cabeçada”, “cabeça
que luta” ou “luta de cabeça”, mas a arte se tornou mais conhecida como
Testa (cabeça), palavra italiana usada pelos povos etíopes para se referirem
a ela.
Também chamada Yangumi, a luta sobreviveu através da tradição
oral, pela prática entre membros de uma mesma família, que podia ser
desafiada por outra família, e na forma de um jogo acompanhado por
90
música. Quando praticado de forma amistosa, o estilo é freqüentemente
interpretado como uma dança devido à percussão estimulante que
acompanha o passo da “briga”, emprestando ritmo e intensidade aos
combatentes. Se os tambores silenciam, a partida é parada imediatamente.
O acompanhamento musical é usado estritamente na sua forma
de entretenimento, para desempenho em público onde muitas vezes a
exibição tem por objetivo obter dinheiro. Assim, escondida em sua forma
festiva, simulando uma dança ritual, Testa e outras lutas africanas
clandestinas podiam ser exibidas sem mostrar para o que verdadeiramente
foram criadas.
As características citadas no parágrafo acima remetem a algumas
semelhanças com a capoeira, e não param por aí. Um exemplo é um
exercício utilizado na preparação do lutador de Testa que é idêntico ao
movimento conhecido pelos capoeiristas como “pião de cabeça”
44
,
utilizado para fortalecer a musculatura do pescoço.
O pesquisador Líbano Soares ao comentar o uso da cabeçada
entre os cariocas no período compreendido entre os anos de 1808 e 1850
aponta a possibilidade de uma variante descritiva da capoeiragem, ainda
que muito rara, na expressão “jogando as cabeçadas” (SOARES, 2002,
p. 84). Segundo o historiador Soares, o pintor alemão Rugendas foi um
dos primeiros observadores a associar o golpe à capoeira, descrevendo-a
como uma dança de cabeçadas.
Golpe clássico da capoeira escrava, era usado
exaustivamente na cidade. Para cativos que não
podiam andar armados, sob pena de severos
castigos, a cabeçada era um recurso fácil para
intimidar adversários. Até forros e livres faziam uso
dela para afastar desafetos (SOARES, 2002, p. 75).
As primeiras referências à capoeira no Brasil também se referem
à “luta do bode”
45
e, coincidentemente, nos EUA havia a “Ram Fight”,
ambas lutas de africanos e pródigas nos golpes desferidos com a cabeça.
Como sempre havia algum escravo gravemente ferido nesses combates,
pois costumavam se chocarem cabeça com cabeça, havendo até mortes,
logo foram extintas. Sem dúvida a cabeçada é um golpe tão violento que
até mesmo nos atuais eventos de Mixed Martial Arts (vale-tudo) seu uso
está proibido.
Voltando ao artigo de Ron Bruster, o autor afirma que um
observador casual ao ver um praticante de Testa em combate real
dificilmente identifica isto como uma arte marcial africana. Ele pode
91
pensar que o lutador está “possuído” por algum espírito maligno ou sob o
efeito de alguma droga alucinógena poderosa.
A aparência selvagem se dá porque muitas das técnicas de Testa
foram desenvolvidas para uso em situações de combate extremamente
crítico. Como a ênfase principal sempre esteve na “sobrevivência”, não
era incomum ver um homem de Testa afundar os dentes na traquéia ou na
virilha de um oponente. Ou ainda cortar um dedo da mão ou do pé, desta
mesma maneira belicosa. Por isso, muitas táticas do lutador de Testa eram
rotuladas de “sujeira” ou “selvageria”.
Em seu artigo Bruster escreve que basicamente existem dois
estilos de Testa, ambos com a intenção tática de incapacitar o oponente
rapidamente e de maneira definitiva, conservando energia e tempo. Um
usa exclusivamente a cabeça para golpear. O outro é complementado
através de pontapés, bloqueios e outras técnicas, mas a ênfase também
está em golpear com a cabeça. Nesse estilo, os golpes com os pés são
embelezados com acrobacias extravagantes que dão para o adepto da luta
maior mobilidade.
Em Testa moderna, o objetivo é poder chutar de qualquer posição
como também saber quando empregar certos tipos de pontapés. Porém
estes pontapés especiais e acrobacias conduzirão inevitavelmente a um
ataque com a cabeça, sempre inesperado, oportuno, decisivo.
As técnicas de mão (“mãos serpenteando”) são complicadas,
sendo usadas para “negar” os golpes de um oponente ou técnicas de
agarramento, restringindo o movimento do adversário e ao mesmo tempo
preparando o alvo para um ataque de cabeça oportuno. O punho de Testa
também é usado como uma lâmina (estendendo a unha do polegar entre
os dedos indicador e mediano), ou para bater como um martelo
(BRUSTER, 1982, p. 49-54).
As técnicas de mãos também são destaque entre os povos haussas
da Nigéria que praticam uma modalidade bastante popular chamada
Dambe, uma luta tradicional semelhante ao boxe, porém os golpes são
aplicados somente por um dos punhos, enquanto a outra mão é usada
para bloquear os golpes recebidos e manter o equilíbrio (video 078).
A mão dominante do lutador que é usada para atacar é envolta
em um pedaço de pano chamado kara, sobre o qual é trançada uma corda
chamada zare. No passado este cordão amarrado ao redor do punho por
vezes era untado com óleo e cacos de vidro. Os lutadores podem atacar
em qualquer parte do corpo com o punho, cabeça ou os pés, porém os
golpes com as pernas são poucos (video 079).
92
A origem da luta Dambe remonta aos tempos coloniais, quando
os chamados bouchers lutavam para entreter os camponeses ricos no final
da estação da colheita. Dambe vem se profissionalizando ultimamente,
com partidas realizadas ao som dos tambores, em três assaltos de trinta
segundos cada, onde vários pugilistas, distribuídos em times, lutam várias
vezes no mesmo evento (POWE, 1994, p. 18-20)
Antes da luta começar os músicos fazem seus louvores para cada
representante de uma determinada região. Animado com a música, o
pugilista começa a tremer (tsuma) e com os braços estendidos, grita seus
próprios insultos e louvores (kirari), preparando-se mentalmente para o
combate. Os músicos também podem oferecer desafios (kiranye) em nome
dos pugilistas. A percussão é interrompida durante a luta, mas volta depois
em homenagem ao vencedor. Se os músicos assim o desejarem, são dados
presentes pelos espectadores ao vencedor, antes deste desfilar. Por sua
vez, depois de ser ridicularizado pelo kwarijo, uma espécie de palhaço,
às vezes o perdedor recebe quantias menores de dinheiro pelos
espectadores para “ajudar a curar suas feridas” (POWE, 1994, p. 19).
Em tempos remotos no Dambe eram usadas também técnicas de
agarramento (wrestling) chamadas Kokawa, que acabaram formando uma
luta dissociada do atual Dambe. Em Kokawa o ritmo de dois tambores -
kwairama e gunduwa - anima os lutadores que tentam arremessar um ao
outro ao chão. As lutas são realizadas em feiras onde “o público pode
oferecer notas e moedas, que são recolhidas pelo lutador vitorioso. Os
combates vão se sucedendo ao longo de toda a tarde, ao som de
instrumentos musicais” (VIEIRA, 2004, p. 11).
Os haussas têm ainda luta de varas, uma de luta de pontapés
chamada Kwambo e o Korokoro, uma luta ritual entrelaçada com a dança,
e também praticam uma outra forma de pugilato chamada shanci (video
080). Todas as práticas citadas acontecem ao som de tambores e cânticos
relacionados aos eventos e seus personagens.
No norte de Benim durante as festas rituais ligadas às celebrações
da colheita do inhame, é praticada uma modalidade de luta chamada Kadja,
praticada pelo povo bassantché ao som de tambores e flautas. Esta
manifestação guerreira é apontada pela pesquisadora Josy Michelon em
seu livro “Le Ladja – Origines et Pratiques” como uma provável origem
da Ladja na Martinica, um jogo corporal que guarda semelhanças com a
capoeira (VIEIRA, 2004, p. 11). A coincidência na sonoridade dos nomes
é, no mínimo, um indicativo desta possibilidade, porém a Kadja se
aproxima mais do wrestling do que de uma luta de pancadas, incorporando
93
um vasto leque de técnicas para ser usado quando um guerreiro perde
suas armas (GREEN, 2001, p. 10).
Outros pesquisadores indicam que a Ladja caribenha teria suas
origens em uma outra manifestação guerreira africana, o N’golo. Na língua
kikongo, falada em algumas regiões de Angola, a palavra n’golo significa
força ou poder, mas o termo também faz referência à zebra e a maneira
daquele animal lutar. Os gestos da zebra eram reproduzidos pelos jovens
dos grupos mucupes e mulondo, na região do atual sul de Angola, durante
as festas dos rituais de puberdade das moças, quando os homens se
enfrentavam no centro de um círculo formado por cantores e possíveis
combatentes, que animavam a competição (SOARES, 1999, p. 24).
Segundo o pesquisador americano Deschi-Obi, autor do livro
Fighting For Honor: the history of african martial art traditions in the
atlantic world, as lutas de N’golo eram precedidas por combates em que
os adversários se enfrentavam com golpes de mãos abertas, a kandeka
(que Neves e Sousa chamou de liveta). Em ambas as lutas, como lutadores
se revezaram individualmente no interior de um grande círculo, um círculo
exterior de membros da comunidade ajudava os competidores a manter
um ritmo constante batendo palmas e entoando canções de chamada e
resposta em que todos os presentes respondiam o coro (ASSUNÇÃO,
2005, p. 51-53).
Depois que a música tomava conta da multidão, um lutador
entrava no círculo e levantava as mãos abertas acima da cabeça, como
um desafio a todos os presentes. Outro lutador, geralmente aquele que se
sentia próximo ou acima do nível de habilidade do adversário, entrava no
círculo com passos dança e levantava as mãos abertas, palmas para frente,
aceitando o desafio (DESCHI OBI, 2008, p. 35).
Por meio da chamada “dança das zebras” os homens da tribo
buscavam provar a capacidade de poder cuidar bem da futura esposa. A
disputa acontecia durante o ritual de iniciação denominado mufico, efico
ou efundula, que marcava a passagem da moça para a condição de mulher,
geralmente entre os 12 e os 15 anos de idade. Os pretendentes aplicavam
cabeçadas e chutes apoiados com as mãos no chão, sendo que quem caísse
primeiro ou desistisse, perdia a luta, dando o direito ao campeão escolher
sua noiva sem pagar um dote ao futuro sogro (ASSUNÇÃO &
PEÇANHA, 2009, p. 62).
Além da Ladja da Martinica, existem outras manifestações
guerreiras que tem suas raízes atribuídas ao N‘Golo, como é o caso do
Mani ou Bombosa em Cuba (SOARES, 1999, p. 143) e o Moringue das
94
ilhas Reunião. O N’golo também é apontado por alguns capoeiras como
o antecessor direto da Capoeira Angola. No Brasil esta teoria tornou-se
popular a partir da década de 1960, depois que o pintor Albano Neves e
Sousa, vindo de Angola, em visita a academia de mestre Pastinha (1889-
1981) afirmou que tinha visto na África “uma dança semelhante ao tipo
de capoeira que o mestre baiano ensinava. Só que lá se chamava N’Golo
(ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p. 62).
As semelhanças entre os movimentos da capoeira e do N’golo
podem ser constatadas nas reproduções dos desenhos feitos no sul de
Angola por Neves e Souza nos anos 1950, retratando o N’golo (DESCHI
OBI, 2008, p. 219). No entanto, ainda que estas gravuras guardadas no
Arquivo Histórico de Angola ajudem a “confirmar as semelhanças com
os golpes da capoeira antiga” (SOARES, 2002, p.145), não há
comprovação científica da teoria do vínculo ancestral entre o N’golo e a
capoeira brasileira.
Vale lembrar que o encontro entre o velho mestre angoleiro e o
pintor Albano Neves e Sousa se dá em um período em que os intelectuais
no Brasil ainda estavam empenhados no projeto de elaboração de uma
identidade brasileira “autêntica”, apoiados no paradigma culturalista
característico da política fortemente nacionalista do governo Vargas e
que persistiu com seus sucessores.
Cria-se então um mito de origem, ou uma “fábula
das três raças” (Da Matta 1993), cristalizada na obra
de Gilberto Freyre, segundo a qual três elementos
(o negro africano, o português branco e o nativo
indígena) teriam se fundido harmoniosamente no
Brasil. A partir de uma perspectiva em que as
fronteiras entre raça e cultura não são tão claramente
delimitadas como se poderia supor (Martínez-
Echazábal 1998), o folclore – e mais
especificamente as festas e os jogos – passa a ser
considerado o lugar por excelência da cordialidade
que perpassa as relações entre os diferentes grupos
sociais e étnicos, celebrando a condição sincrética
da cultura e da raça brasileiras (Vilhena 1997).
Paralelamente, os estudos sobre o folclore que
marcam o período situado entre os anos 1930 e 1960
são orientados por uma política de resgate das
manifestações culturais populares (VASSALO,
2006, p. 71).
95
É neste ambiente - onde a mestiçagem é vista como uma
singularidade cultural capaz de criar uma solução unificadora da nação -
que os argumentos de Neves e Souza para a origem da capoeira também
convencem ao folclorista Câmara Cascudo, que passa a defender a ideia
de que “o N’golo é a capoeira” (CASCUDO, 1967 p. 185).
Depois de sua viagem ao Brasil e de seu encontro
com a capoeira, o pintor explicou a Cascudo, numa
longa carta, suas ideias sobre as origens dessa arte.
O folclorista potiguar encampou a teoria, tanto que
citou longos trechos da carta do pintor no seu livro
Folclore do Brasil (1967) e incorporou a explicação
no seu Dicionário de Folclore (1972, 3ª ed.).
Baseado nas informações fornecidas pelo amigo,
Cascudo deu mais detalhes sobre a dança da zebra
e sua trajetória até se transformar em capoeira.
Explicou que o n’golo seria típico entre os povos
pastores do sul de Angola. O ritual era precedido
por uma luta de mãos abertas, a liveta. O jovem
que ganhasse no n’golo teria o direito de escolher
sua noiva entre as meninas recém-iniciadas, sem
ter de pagar dote. Cascudo sugeriu que o n’golo
teria chegado ao Brasil através do porto de Benguela
(ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p. 66).
As ideias de Cascudo foram contestadas um ano após sua
publicação:
Em livro recente, Luís da Câmara Cascudo defende
a estranha tese que existe em Angola a nossa
Capoeira nas raízes formadoras e é, como supunha,
uma decorrência de cerimonial de iniciação, aspecto
que perdeu no Brasil. Lamentavelmente, o
raciocínio e documentação que passa a desenvolver,
para explicar sua proposição, não convencem,
devendo-se, portanto, tomar conhecimento da
referida tese, com bastante reserva, até que seu autor
a elucide com mais desenvoltura e rigorosa
documentação, dando o caráter científico que o
problema está a exigir (REGO, 1968, p. 32).
No já citado livro de Deschi-Obi, o autor afirma que hoje os ritos
de passagem
46
da puberdade (o efico feminino ou efundula e o ekwendje
masculino ou etanda) continuam a ser a principal ocasião para o engolo
(N’golo) e também em outros festivais quando lutadores conhecidos de
outras regiões estão visitando uma aldeia. No entanto, Assunção “com
96
todo o respeito devido ao importante trabalho de campo efetuado por
Desch-Obi” acredita que esta, como muitas outras conclusões, permanece
totalmente não comprovada, (ASSUNÇÃO, 2005, p. 53), confirmada
apenas pelas afirmações de Neves e Souza.
As gravuras da dança do N’golo de autoria de Neves e Souza e as
justificativas elaboradas por Cascudo tornaram-se argumentos que,
“repetidos e reproduzidos inúmeras vezes, viraram referência obrigatória
no meio. O N’Golo acabou por transformar-se num mito de origem, numa
‘tradição ancestral’” (ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p. 67-68),
principalmente entre os praticantes da Capoeira Angola.
Não se pode avaliar com precisão qual a influência do saber dito
erudito sobre as convicções de muitos capoeiristas mais antigos, mas é
de se supor que as informações prestadas por pessoas consideradas pela
sociedade mais “cultas”, como o pintor angolano e o folclorista brasileiro,
possam ter contribuído na formação de uma opinião de alguns praticantes
de capoeira quanto à questão das raízes da luta brasileira.
É mais provável que tais informações tenham sido usadas para
justificar o anseio de uma pretensa ancestralidade deste ou daquele grupo
de praticantes que até então não tinham nenhuma argumentação respaldada
por figuras de notório saber entre as elites.
A discussão prossegue entre detratores e defensores da teoria
proposta por Neves e Souza e posteriormente defendida por Cascudo,
que se baseou quase que exclusivamente nas informações fornecidas pelo
artista angolano para fazer sua descrição mais detalhada do N’golo
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 47).
São muitos os defensores da proposta de Câmara Cascudo, a
maioria deles representantes da Capoeira Angola. Entre eles está João
Oliveira dos Santos, o mestre João Grande, que vive atualmente em Nova
York, onde recebeu um título de doutor honoris causa em reconhecimento
pela riqueza de seu trabalho.
Em entrevista publicada na revista República (no. 30, abril de
1999) ao ser questionado sobre a ascendência da “dança das zebras” na
capoeira, mestre João Grande declara:
Quando eu fui com Pastinha para Dakar, em 1966,
vimos três meninos. Um tocava um balafo, e os
outros dois dançavam com um chocalho amarrado
no pé. Faziam todos os movimentos de capoeira.
Pastinha perguntou o que era aquilo, eles disseram
que era a dança deles (ZIGGIATTI, 1999, p. 8).
97
Em outra entrevista, publicada um ano antes na Revista Capoeira
(ano 1, número 3), mestre João Grande foi mais enfático e afirmou ao
entrevistador Adriano Chediak:
Eu vi a “Dança de N’angolo”, há 25 anos, em Dakar
e ela foi apresentada como dança típica do folclore
angolano, como uma arte dos negros angolanos.
Não posso dizer realmente se eles praticam
regularmente essa dança até hoje, naquela região.
Acredito queela deva ainda existir e ser praticada,
como dança, em povoados pequenos ou qualquer
outra parte mais tradicionalista de Angola
(CHEDIAK, 1998, p. 11).
Já o próprio mestre Pastinha, alguns anos depois de seu encontro
com Albano Neves e Souza, ao ser entrevistado por Roberto Freire para a
Revista Realidade (1967) é mais cuidadoso ao se referir ao N’golo: “tem
muita história sobre o começo da capoeira que ninguém sabe se é
verdadeira ou não. A do jogo da zebra é uma” (FREIRE, 1967, p. 79).
Mas, na mesma reportagem não deixa dúvidas de sua certeza na
ascendência africana da capoeira: “Já viajei bastante pelo Brasil, já fui
até na África. Em Angola, não, mas quero ir. Só para comparar capoeira
daqui e a de lá” (ibiden, p. 82).
Da mesma forma que existem defensores ferrenhos desta teoria,
há quem não identifique quaisquer semelhanças da capoeira com o N’golo:
Sobre a tão falada dança da zebra, o N’Golo: é de
origem Mucupe, do sul de Angola, e era comum
durante a Efundula (festa da puberdade).
Pessoalmente, presenciei uma destas apresentações,
quando morei em Angola como missionário. Nada
constatei de semelhante com a nossa capoeira
(ROCHA, 1999, p. 28).
Contraditoriamente, este mesmo autor, ao comentar em artigo
publicado em uma revista especializada em capoeira sobre as influências
indígenas nas raízes da luta brasileira, afirma que o “N’Golo levado pelos
angolanos para Palmares fundiu-se com a Maraná surgindo a Capoeira”
(ROCHA, 2002, p. 11). Sem discutir o mérito desta afirmação, sobre a
qual caberia um estudo mais pormenorizado, vale lembrar que, como já
foi citado anteriormente, não existe nenhuma comprovação documental
que permita “concluir que os integrantes do famoso quilombo tenham
praticado capoeira ou alguma outra forma de luta / jogo” (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 84).
98
Se, por um lado “foi através da tradição oral, nas histórias contadas
de boca em boca, que muito da história de resistência e luta dos
escravizados e explorados se manteve viva” (BRITO, 2005, p. 22), esta
mesma situação possibilitou que uma parte significativa dos fatos relativos
às teorias criadas sobre a origem da capoeira acabasse sendo contaminada
por opiniões e estórias contadas por pessoas que não presenciaram os
acontecimentos. Este parece ser o caso das alegações relativas ao
surgimento da capoeira no Quilombo de Palmares. E talvez da teoria do
“parentesco” da capoeira com o N’golo.
Cabe lembrar que ainda “não existe nenhum estudo rigoroso que
procure realmente mostrar semelhanças concretas entre a capoeira os
movimentos e o ritual do N’Golo, ou de qualquer outra manifestação
bantu” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 96). A breve declaração da
hipótese de Albano de Neves de Souza que acompanha suas ilustrações –
N’Golo, a Dança da Zebra, é possivelmente a origem da capoeira, a
dança de luta do Brasil” (ASSUNÇÃO, 2005, p. 47) - assim como a tese
defendida por Luís da Câmara Cascudo baseada em informações do artista
angolano, reproduzida muitas vezes sem maiores questionamentos, ainda
carece de pesquisas mais aprofundadas.
Para começar, não foi transmitido pelos mestres
africanos aos seus alunos brasileiros via tradição
oral. Aceitar literalmente o mito implica, além disso,
um tremendo anacronismo, ou seja: como pode uma
manifestação documentada apenas no século XX
ser “a origem” de uma capoeira que existe pelo
menos desde o início do século XIX? Pensar que o
N’Golo teria sobrevivido inalterado desde a época
do tráfico negreiro é ignorar as profundas mudanças
pelas quais passaram as sociedades do território
angolano nesse período (ASSUNÇÃO &
PEÇANHA, 2009, p. 67-68).
Como se vê, é preciso estar atento para não “ser dogmático na
gênese das coisas em que é constatada a presença africana; pelo contrário,
deve-se andar com cautela” (REGO, 1968, p. 31) para não incorrer em
falhas graves no uso de referências bibliográficas, pois muitas das
descrições divulgadas de artes africanas de combate consideradas
“tradicionais” no século XX são frutos de uma amálgama de informações
inconsistentes advindas de diferentes fontes e épocas distintas e, portanto,
não constituem dados seguros para análise dessas mesmas práticas em
períodos anteriores (ASSUNÇÃO, 2005, p. 46).
99
Para uma parte dos interessados em encontrar uma conexão da
capoeira com a África “a necessidade da legitimação pelas origens remotas
é tão grande que pode chegar até mesmo à manipulação das fontes e dos
fatos para que estes se conformem à visão linear e essencialista da história
da capoeira” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 85). Talvez isso se dê
com o propósito de reforçar o prestígio e a credibilidade deste ou daquele
estilo.
Ao colocar ênfase na ideia de que determinados grupos são de
uma “linhagem direta” com o passado, estes grupos procuram validar
que o conjunto de seus ensinamentos não foi alterado de alguma forma
ao ser transmitido através dos tempos, o que lhes conferiria um maior
grau de autenticidade ou tradição, abolindo “a complexidade das ações
humanas, atribuindo a elas a simplicidade de ‘essências’, suprimindo toda
dialética e qualquer procura que vá além do imediatamente visível”
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 8).
Essa “vontade de adequar a realidade e as fontes históricas a
modelos pré-estabelecidos não se limita ao discurso de mestres
capoeiristas, mas existe da mesma forma no mundo acadêmico” (ibid.), o
que acaba por fortalecer trabalhos onde são divulgadas evidências
incompletas que respaldam discursos onde as informações podem levar a
interpretações equivocadas.
Por exemplo, Albano Neves e Souza no seu livro “Da minha
África e do Brasil que eu vi” atribui uma das razões por creditar a origem
da capoeira ao N’Golo devido a presença de um instrumento similar ao
berimbau usado no jogo da capoeira entre os povos pastoris da
Swazilândia, na costa oriental da África, mas comenta que seu uso é
“tipicamente pastoril”, sem relacioná-lo diretamente com o N’Golo. No
entanto, tal informação aparece alterada no parágrafo transcrito abaixo:
O n’golo é um torneio constituído de três fases. A
primeira é a Liveta, luta de mão aberta, que, em
certos momentos, lembra as negaças da capoeira e
tem caráter eliminatório. A segunda é a C’hankula,
uma dança em que os velhos descrevem o
comportamento de seus touros prediletos, fazendo
com os braços a forma da cornadura daqueles. A
terceira é a luta propriamente dita, o n’golo, de
Benguela, também chamado de bássula em Luanda,
ao som do urucongo, o berimbau, hungu ou
m’bolumbumba, instrumento pastoril (ANJOS,
2003, p. 89-90).
100
Causa certa estranheza a descrição da terceira fase do N’golo no
texto acima, pois pelo que se sabe a capoeira é a única luta que está
diretamente associada ao uso do berimbau em seu acompanhamento
musical. Aqui novamente é ignorado o fato de que este instrumento nunca
foi associado ao N’golo ou qualquer outra luta na África (ASSUNÇÃO,
2005, p. 50). Tudo indica que é mais um exemplo de uma tentativa em
“projetar a capoeira do presente sobre as escassas fontes do passado,
procurando adequá-las às exigências atuais” (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 86).
Quanto à bassula, de acordo com relatos orais de capoeiristas
que estiveram em Angola, é uma luta tradicional acompanhada de palmas
e cantos, mas sem berimbau, praticada pelos pescadores da comunidade
da Ilha do Cabo em Luanda, desde tempos anteriores à chegada dos
portugueses na África. Os nativos, chamados de muxiluandas ou
axiluandas, trajando a saia multicolor tradicional, o dikombo, se enfrentam
na areia dos litorais de Angola, onde o risco de acidentes mais graves
diminui consideravelmente.
De acordo com o dicionário online de Língua Portuguesa da Porto
Editora (http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa-ao/bassula) a palavra
bassula (do quimbundo kubasula, «quebrar») se refere a “golpe que
provoca queda, em luta corpo a corpo; rasteira”. Porém, na carta que
enviou a Luis da Câmara Cascudo, Neves e Souza dá outro significado à
palavra. Ele afirma que “os piores bandidos de Benguela em geral são
muxilengues, que na cidade usam os passos do N’Golo como arma. Em
Luanda, esses passos, possivelmente trazidos do Sul, são chamados
Bassula” e interpreta a palavra Ba-ssula como “aqueles do sul”, sugerindo
que a luta teve origem entre o povo pastoril do sul (NEVES E SOUZA
apud ASSUNÇÃO, 2005, p. 50).
Contrariando Neves e Souza, quem presenciou a luta Bassula
mais recentemente afirma que ela possui características que estão distantes
da descrição conhecida do N’golo e também não apresentam semelhanças
com a capoeira como ela é conhecida atualmente, talvez apenas o seu
contexto social. Não utiliza golpes traumáticos, com exceção da cabeçada,
guardando maiores semelhanças em suas técnicas com o Judô ou outras
formas de luta corpo-a-corpo (wrestling). Apesar de existirem
imobilizações e luta no chão, o objetivo maior é derrubar, não imobilizar
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 55).
Assim como outras formas de lutas ou jogos de combate africanos
a Bassula pode até ter contribuído de alguma forma para a formação da
101
luta brasileira, mas tudo indica que a origem da Bassula seja muito recente.
Segundo Assunção (2005, p. 55) os pescadores axilundas são um grupo
étnico relativamente moderno, resultado da miscigenação entre Bakongos
e Mbundus (falantes de Kimbundu) que, por viverem ao longo da costa
foram expostos ao contato freqüente com pessoas de todo o mundo.
Há também fortes indícios da influência das artes marciais
asiáticas na Bassula contemporânea. Acreditar que a Bassula é um
ancestral da capoeira “só porque é ou foi praticada em Angola parece
satisfazer o estereótipo de uma comunicação estritamente unidimensional
dentro do Atlântico Negro, apenas da África para as Américas” (ibiden).
Portanto, ainda há mais perguntas do que respostas sobre as manifestações
guerreiras africanas que possam ter contribuído na formação da capoeira,
incluindo aí o N’golo.
Surpreende que hoje, em Angola, o N’golo seja
completamente desconhecido, assim como seu
papel como mito fundador da capoeira. Devido à
longa guerra civil que vitimou o país e todas as
transformações das últimas décadas, ninguém mais
dança, por exemplo, o N’golo de tchincuane (tanga
de couro), como foi retratado por Neves e Sousa
meio século atrás (ASSUNÇÃO & PEÇANHA,
2009, p. 68).
Esta situação se repete com outros tantos antepassados possíveis
para a capoeira, cujas referências se perderam durante a colonização da
África. Numa das raras exceções da existência de documentação sobre
manifestações guerreiras africanas, Artur Ramos em 1935 chamava a
atenção sobre a cufuinha da Lunda (RAMOS, 1935, p. 132), pois havia
registros dessa dança de combate simulado antes da integração do Estado
Central Africano Lunda ao Império Português.
A cufuinha foi descrita em seu aspecto pré-colonial por Henrique
de Carvalho, um expedicionário português enviado em uma missão
diplomática a África Central. Carvalho relata que a cufuinha acontecia
em várias ocasiões, porém não menciona nenhum pontapé, destacando o
uso de facas longas, o que sugere que a maioria das técnicas não era tão
semelhante à capoeira. No entanto, a ideia de uma ligação entre as duas
práticas convenceu ao pioneiro estudioso da capoeira Edison Carneiro,
que escreveu que considerou a cufuinha como a “origem remota da
capoeira” (ASSUNÇÃO, 2005, p. 53-54).
Certamente é mais prudente não afirmar categoricamente que a
capoeira – ou qualquer um dos seus “parentes” africanos, americanos e/
102
ou caribenhos – tenha se desenvolvido especificamente desta ou daquela
luta africana. Vale destacar que:
Os cronistas coloniais não forneceram descrições
pormenorizadas das técnicas nem dos rituais desses
antigos jogos de combate, o que torna impossível
qualquer tentativa de aproximá-los da capoeira
como hoje a conhecemos. Os significados culturais
desses rituais também mudaram ao longo dos
séculos, acompanhando a intensa transformação
socioeconômica e cultural por que passou a África
a partir do século XVII. Até as fronteiras étnicas
foram redesenhadas antes que se chegasse à
configuração atual. Assim, todas as manifestações
que porventura existem hoje em Angola são
expressões contemporâneas, e só têm relações
tênues com os jogos de combate do tempo do tráfico
negreiro (ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p. 65).
As novas pesquisas que vêm sendo divulgadas em trabalhos
acadêmicos forçaram uma mudança no discurso referente à origem da
capoeira, que passou a ser relacionada “com ‘várias manifestações
culturais incluindo a antiga prática do N’Golo (Moraes / GCAP, 1996, p.
37). Esta postura, mais elaborada sem dúvida, reflete as acirradas
discussões dos últimos anos em torno do tema” (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 90-91).
Ainda assim a atribuição da origem da capoeira ao N’Golo
permanece cristalizada nos discursos de expressivo número de estudiosos
e praticantes da capoeira, que também vêem outros possíveis ancestrais
da capoeira que estariam em Angola, como é o caso da bassula e de uma
dança chamada umudinhu praticada exclusivamente pelos quilenges ao
som de palmas e cantos. Esta dança foi testemunhada pelo etnógrafo
português Augusto Bastos no início do século XX (ASSUNÇÃO, 2005,
p. 53).
É certo que os jogos de combate e as lutas africanas tiveram papel
decisivo na formação da capoeira, “mas discordamos de que sua origem
possa ser menoscabada, simplificada como uma simples transladação”
(SOARES, 1999, p. 576). A desconcertante variedade de técnicas de lutas
na África, especialmente as formas pré-coloniais que são muito pouco
documentadas, dificulta as chances que apareçam provas concludentes
sobre a origem monogenética da capoeira (ASSUNÇÃO, 2005, p. 56).
103
Talvez o mais correto seja imaginar o N’golo e as
outras lutas e jogos de combate ainda existentes na
Angola contemporânea como primos mais ou
menos distantes da capoeira brasileira. Findo o
tráfico negreiro, as técnicas de combate corporal
que existiam dos dois lados do Atlântico teriam
evoluído em direções diversas, o que explicaria não
só suas semelhanças, mas também suas tremendas
diferenças (ASSUNÇÃO & PEÇANHA, 2009, p.
68).
Na busca das raízes africanas da capoeira também são
relacionadas outras danças rituais com características de luta como a
Cujuinha, a Uianga, a Cuissamba (ZULU, 1995, p. 2) e o Cungu: “os
negros da Angola quando vieram para a Bahia trouxeram uma dança
chamada cungu, em que se ensinava a brigar. Cungu com o tempo virou
mandinga e S. Bento (JOÃO DO RIO, 1987, p. 79).
A pouca documentação existente sobre as lutas primevas africanas
antes da invasão dos colonizadores europeus - sendo que às vezes tais
documentos refletem apenas um olhar preconceituoso sobre essas práticas
- tem contribuído para dificultar a desconstrução de um quadro até então
considerado praticamente definitivo por alguns estudiosos:
Sendo imprecisas as considerações sobre as diversas
expressividades corporais africanas no Brasil, desde
os seus primórdios e mesmo até a primeira metade
do século XX, creio serem insuficientes os registros
documentais acerca dos elementos das danças e das
músicas originárias do continente africano, que
permitam a realização de trabalhos precisos e
fundamentados cientificamente, essencialmente,
por toda a capacidade adaptativa e sincrética dos
contingentes populacionais traficados para o país
(ARAÚJO, 2002, p. 110).
No entanto, se no século passado as gravuras de Neves e Souza
reproduzindo figuras estáticas foram capazes de gerar muitas dúvidas e
uma ampla discussão devido às aparentes semelhanças no gestual da
capoeira com o N’golo, atualmente o enorme avanço das tecnologias de
informação e comunicação é capaz de dar um novo impulso às pesquisas,
pois com o advento da chamada “Era da Informação” já é possível buscar
imagens e textos sobre as lutas africanas, onde a música exerce um poder
hipnótico sobre os lutadores, criando um transe sobre eles e atraindo os
espectadores.
104
02. LUTAS AFRICANAS DO OCEANO ÍNDICO
No Oceano Índico são encontradas algumas manifestações
guerreiras africanas significativas para este estudo, onde “as mais
importantes nesta região são Mrengé (Comores), Morengy (Madagáscar),
e Moringue (Reunião). Como os nomes semelhantes sugerem, estes três
jogos de combate estão intimamente relacionados” (ASSUNÇÃO, 2005,
p. 54). Outra forma de pugilato chamada Nkodézaitsomal é praticada em
Ngazidja, na ilha de Grande Comore (FUMA, 2006, p. 3).
O Mrengé de Mayotte, praticado pelas classes trabalhadoras, é
fortemente enraizado nas tradições da ilha. Como o Moraingy do norte
de Madagáscar, os praticantes usam os punhos nus e lutam ao som de
dois ou três Ngoma, tambores que dão o ritmo da batalha. Os tambores
são acompanhados por um objeto transformado em instrumento de
percussão que produz um som metálico. O Ngoma é um tambor tradicional
feito no tronco de uma árvore, que pode ser tocado de pé ou no chão entre
pernas do percussionista. Nos Comores este instrumento é tocado por
homens, mulheres e crianças que por meio da música enviam mensagens
de encorajamento para apoiar os combatentes.
Assim como acontece em Reunião e Madagáscar, os lutadores e
o público fazem um círculo em torno dos bateristas. As ações preliminares
da batalha podem durar por vários minutos, período em que os músicos
aquecem a multidão com o ritmo binário da percussão. Os lutadores,
cruzando várias vezes o espaço circular e brandindo o punho para cima
ou horizontalmente, convidam um rival a surgir. Após um tempo, um
lutador acaba aceitando o desafio e a luta acontece sob o controle de um
ou dois árbitros para garantir condições justas e não descambar em uma
briga selvagem. Quando a violência é extrema e os lutadores não querem
parar, a platéia intervem para ajudar os árbitros e parar a luta.
Assim como outras formas de combate associadas ao uso de um
acompanhamento musical, o Mrengé despertou o interesse de alguns
estudiosos, como o professor Edward L. Powe. Referência constante nos
diversos trabalhos que investigam as lutas e jogos de combate resultantes
da diáspora africana no período escravista, Powe disponibilizou na internet
os textos de sua autoria que fazem parte de um conjunto de obras
denominado “Black Martial Arts Series”.
Em sua home page (The Black Languages, Arts, & Culture
Foundation - http://blacfoundation.org/) é possível encontrar um capítulo
do livro Combat Games of the African Indian Ocean (2001) dedicado ao
105
The Mrengé Combat Dance Tradition of Moheli” de onde foram extraídas
as informações que se seguem.
Ali pode se ler que a República Federal Islâmica de Comores é um
arquipélago eqüidistante das costas da África e Madagáscar, ligeiramente
acima da entrada norte do canal de Moçambique, constituído por quatro
ilhas principais (Grande Comore, Moheli, Andjouan e Mayotte) e
numerosas ilhas menores. A população é uma mistura de africanos, árabes,
malgaxes, melanésios e malaios unificados pelo islamismo, com costumes
e tradições comuns, falantes do shikomoro, língua banto, dialeto do suaíli.
Powe prossegue afirmando que a tradição dos jogos de combate
acompanhados por canções peculiares aparece em todo o arquipélago,
mas prospera com mais vigor a sudeste da Grande Comore, na ilha de
Moheli, nas aldeias de Fomboni, Ziroudani, Wanani e Nioumachoua, onde
se encontra uma tradição chamada mrengé ntsi (Mrengé) possivelmente
originada em Moçambique e difundida na diáspora africana para Comores.
Já era praticado desde tempos imemoriais, especialmente após a colheita
ou em outras celebrações, quando lutadores de todas as idades
participavam da luta para alcançar honra e prestígio ou apenas como
diversão.
Segundo Powe, o historiador local Salim Djabir afirma que há fortes
indícios de que Moheli teria sido povoada entre o século II e o século VI
por negros africanos, provavelmente de origem banto, vindos da bacia do
rio Congo e da costa da Guiné, que levaram para lá suas técnicas de
pecuária e pesca, organização social, agricultura, e também suas formas
de lutar. Djabir acredita que possivelmente Mrengé foi uma tradição bantu
trazida para Moheli pelos Washenzi (as pessoas “incultas”) e que desde
os primeiros tempos era considerada uma “dança dos escravos”, pois estes
eram os únicos que a praticavam.
Apesar de que a única ilha onde a tradição já não existe em plena
pujança seja na Grande Comore, Powe informa que há quem veja ali a
origem da arte, em um ritual de lutas (nkode za miorsyani ou nkode za
itsoni) que se constituía em organizar combates de acordo com peso e
idade entre os jovens de um bairro contra os de outro, chamado Shitso.
Aos poucos a prática foi se transformando no Mrengé, que dali migrou
para as outras ilhas. Ali a tradição enfraqueceu, mesmo com o esforço de
Buzini Naridjiduzé que em 1995 tentou reanimar a arte na Grande Comore,
onde também recebe o nome de Kwedé.
De acordo com as pesquisas de Powe, para os nativos Mrengé ou
Mrengé wantsi como também é conhecida, teve origem em Comoro
106
quando um rei de Fomboni, querendo ver quem era o mais forte de seus
súditos, selecionou um deles e disse a outro: “mrengé (leve-o)!” e seguiu
assim até que se sentiu suficientemente entretido.
Powe acredita que a origem da palavra usada para designar essa
tradição está ligada a diversos termos associados com o combate, pois a
palavra mrengé deriva do verbo urenga (ter) da língua shikomoro, mas é
usada com o significado de “levá-lo!”, no sentido de arrastar, tomar,
dominar, ou ainda mdenga, na língua ovambo do sudoeste da África que
quer dizer “bater-lhe”.
Em suas pesquisas Powe constatou que o combate envolve um
desafio ritual, o uso de amuletos e “medicamentos mágicos” e os lutadores
são mais conhecidos pelos seus apelidos. O combate é caracterizado
principalmente por socos (com o dedo médio saliente do punho, conhecido
como Ntsoma) e pontapés, mas cabeçadas também podem ocorrer. No
entanto, em alguns lugares (em Mayotte, por exemplo) o uso de golpes
com os pés é limitado ou inexistente.
O punho Ntsoma de Mrengé (bem como no Morengy em
Madagáscar e no Moringue na Reunião) é usado para perfurar e se
caracteriza por manter o dedo médio da mão acima dos demais dedos, de
tal forma que a ponta da unha do dedo médio se situe entre a primeira e a
segunda articulação dos dedos vizinhos, abrangendo a primeira articulação
do dedo médio com a articulação superior do polegar.
Por meio de entrevistas com praticantes mais experientes, Powe
verificou que, em tempos remotos, a orquestra que acompanhava a luta
era composta exclusivamente por tambores e uma flauta de três furos
(ndjumari), mas hoje seu uso foi abandonado. Atualmente são usados
com mais freqüência os seguintes instrumentos: dori, um tambor pequeno
apoiado em torno da cintura que é percutido com uma mão e uma vara
para produzir um som agudo; fuba, um tambor grande também batido
com uma mão e um pedaço de pau; shingangwa, um tambor médio
colocado no chão e percutido com duas varas; gadza, duas placas fechadas
de fibra com grãos dentro; e garando, um instrumento parecido com um
balde que é batido com varas de madeira. Alguns músicos têm inovado
incluindo outros instrumentos, como o kabosy, um instrumento de cordas
semelhante a um cavaquinho, e outros mais modernos introduzidos a partir
de França, como guitarras e até mesmo sintetizadores.
Em seu livro Powe descreve um evento acontecido no dia 13 de
outubro de 1999 na cidade de Nioumachoua e transcreve algumas canções
tradicionais utilizadas para animar as lutas de Mrénge. Algumas dessas
107
músicas possuem uma estrutura semelhante aos “corridos” cantados nas
rodas de capoeira, onde o refrão é cantado após cada verso de duas linhas.
Assim como na capoeira as canções têm diversas funções, como conservar
as tradições locais e perpetuar as estórias daquela população.
Muitas vezes os ânimos são alterados quando os cantores zombam
ou provocam alguém, por meio das “músicas do ridículo”, algo semelhante
às “cantigas de escárnio e de mal dizer” na capoeira (REGO, 1968, p.
235-240). Este mesmo uso das cantigas ocorre em outras práticas como
Dambe do norte da Nigéria, Ladjia da Martinica e Kalenda de Trinidad.
Uma possível razão para tais canções é fazer com que as emoções levem
a uma disposição apropriada para a luta.
Segundo Powe, as lutas são precedidas por danças em que os
lutadores desafiam seus opositores. Os adversários iniciam o confronto
ficando de cócoras no centro do círculo, frente a frente e então passam a
empregar várias técnicas e estratégias visando colocar o concorrente fora
de combate. Pode se bater o adversário em qualquer lugar, chutar, morder,
jogar areia, cuspir, vale tudo. Entre adultos é considerado normal alguns
subterfúgios como lançar areia nos olhos do adversário ou atacá-lo pelas
costas, mas é considerado desleal usar qualquer coisa além de seu corpo
para vencer.
O texto de Powe informa ainda que um lutador em desvantagem
pode parar a luta a qualquer momento, levantando os braços no ar e
mostrando as palmas das mãos, bem como indicar que está pronto para
continuar batendo palmas. Se alguém for ferido ou morto durante uma
competição, não há direito de recurso.
Depois de assistir alguns desses embates, Powe destaca o papel
dos lutadores mais velhos, respeitados pela comunidade e chamados de
fundi (professor), que atuam como árbitros. Quando as lutas descambam
para a violência gratuita, eles separaram os contendores armados com
longas varas. Também usam estas armas para afastar o público e fazer a
platéia respeitar o círculo reservado para “o campo de batalha”.
Powe conclui seu texto sobre a arte de combate das ilhas Comores
reafirmando que a tradição não é exclusiva de Comores, que ela existe
em diferentes formas em outros lugares como Madagáscar (Morengy),
Reunião (Moringue), Panamá (Congo), Martinica (Ladjia), Guadalupe
(Mayolé), Trinidad (Kalenda) e no Brasil.
Dentre as práticas citadas por Powe, chama atenção aquela
oriunda da Ilha Reunião, no Oceano Índico. Os habitantes desta ilha são,
na sua maioria, de origem afro-malgaxe. No momento da libertação
108
jurídica dos escravos em 20 de dezembro de 1848, setenta por cento da
população da ilha Reunião provinham de Madagáscar e da África, ainda
que a mestiçagem que se desenvolveu após a abolição da escravatura os
ligue também à Índia, China e França.
Na ilha Reunião é praticado o Moringue, luta que se utiliza de
movimentos extremamente semelhantes aos da capoeira, como aús,
armadas, chapas
47
e pisões
48
, rabos de arraia
49
, meia luas de frente
50
,
queixadas
51
, etc. Porém, não existe a ginga, a preparação para o golpe se
dá com um gestual mais próximo do nosso samba duro
52
ou do Batuque
53
,
com uma movimentação que lembra o Maculelê ou até mesmo o Frevo
54
(video 081).
A movimentação do Moringue também se parece muito com o
jogo de Samango (video 082), uma criação do mestre Canjiquinha, que
também criou um toque específico de berimbau para acompanhar o jogo
(CORTE REAL, 2006, p. 111). Quanto à ritualização do Moringue,
aparentemente lembra mais o Batuque ou a Punga
55
do Maranhão (video
083) do que uma roda de capoeira (video 084).
O historiador Sudel Fuma, especialista da parte africana da ilha
na Universidade da Reunião e membro do “Espace Afrique”, uma
associação que milita em prol da revalorização da África na ilha, é autor
de diversas obras relacionadas com o tema da escravidão. Entre elas está
o livro “Le Moring, art guerrier réunionnais: ses origines afro-malgaches
(1992). Em suas 54 páginas o autor discorre sobre a arte de luta ritual que
associa música, expressão corporal e a mágica simbólica herdada das
tradições de guerra e dos cultos afromalagasianos praticada em segredo
pelos escravos africanos levados principalmente de Moçambique e de
Madagáscar para a ilha Bourbon, no Oceano Índico (mais tarde chamada
de ilha de Reunião) e forçados a trabalhar nas explorações agrícolas a
partir do meio do século XVIII.
Alguns trechos da obra de Fuma que estão disponíveis na internet,
reproduzidos em diversos sites de associações de praticantes de Moringue,
serviram de fontes para as informações transcritas nesta pesquisa, bem
como uma palestra do mesmo autor no colóquio “Expériences et mémoire
: partager en français la diversité du monde” realizado em Bucarest, em
setembro de 2006, onde Sudel apresentou o trabalho intitulado “Le
Moring, art de combat afro-malgache: Une mémoire interculturelle de
l’esclavage dans les petites îles du sud-ouest de l’océan Indien
occidental”.
109
Segundo Fuma (1992), antes da proclamação oficial da abolição
da escravidão em 1848, o Moringue era considerado como o lazer
exclusivo dos Kaf (nome crioule dado aos negros da Reunião) e por isso
visto como uma atividade degradante para a sociedade colonial. Até 1848
somente os negros praticavam a luta, no meio das plantações de cana-de-
açucar e café, pois o ritual incomodava seus senhores. Nenhum branco e
nem sequer o creole (criolo) a praticavam.
A partir do início do século XX o Moringue adquiriu um caráter
mágico que atraiu também os “crioulos de cor” de origem africana e os
“pequenos brancos”. Toda a população passou a praticá-la como cultura
cafre” (pertencente ao crioule) por excelência, reagrupando músicas e
danças inicialmente ligadas à religião e à cultura dos marrons (escravos
que escapavam das plantações).
Até Primeira Guerra Mundial, as lutas de moringue eram a
principal atividade de lazer da Reunião e seus rituais de magia tinham um
papel importante então na vida da população, permitindo livrar
momentaneamente a mente do corpo torturado pelos problemas sociais
diários acumulados, servindo como um modo de transferência e expulsão
das pressões de uma ordem social traumática e rígida.
Em 1946, a Colônia francesa do Oceano Índico se tornou um
departamento ultramarino da França e o estilo de vida local passou a
sofrer mudanças profundas. O passado colonial e a escravidão foram
negados em uma surpreendente perda coletiva de memória, incluindo o
Moringue, substituído por outras atividades de lazer que não tinham a
mesma significação cultural. A dança-luta esteve proibida até os anos
1960 pelo governo francês, quase desapareceu no final dos anos 80 e
renasceu em grande parte graças a Jean René Dreinaza (campeão europeu
de Boxe-Francês) que trabalhou durante anos para o reconhecimento e o
desenvolvimento desta disciplina cultural, alegre e tradicional. Depois
de anos de busca minuciosa, em 1989 Dreinaza e outros pesquisadores,
como o historiador Sudel Fuma, conseguiram recuperar rastros das origens
do Moringue, especialmente em Madagáscar.
A descrição dos gestos, as passagens e rituais transmitidos de pai
para filho pela tradição oral, foram permitindo aos pesquisadores recuperar
algumas características das formas de expressão corporal dos ex-escravos.
Porém, a arte não renasceu com as suas formas idênticas aos tempos
coloniais, perdendo um pouco de sua autenticidade de origem e hoje é
mais similar à capoeira do Brasil do que ao Moringue tradicional de
Madagáscar ou Comores (FUMA, 2006, p. 7).
110
É possível que o sucesso da internacionalização da capoeira tenha
contribuído para a descaracterização do Moringue, porém esta influência
parece ter interferido também positivamente para o seu ressurgimento.
Talvez um passo importante nesse processo tenha se dado com a visita de
um pequeno grupo de mestres de capoeira à Ilha de Reunião em outubro
de 1984 para participar do Festival de Temoignages. Entre outros objetivos,
os promotores da viagem tinham a intenção de “revitalizar o Moringue,
muito semelhante à capoeira, agonizante em Reunião, mas praticado ainda
em várias ilhas da região, em Madagáscar (Moraingy e Ringa) e na África
continental” (LOPES, 1999, p. 81).
A partir do esforço de seus praticantes e com o apoio
governamental, o Moringue passou a ser tratado como esporte, cultura e
espetáculo de povo da ilha da Reunião, sendo reconhecido como esporte
pelo “Ministère de la Jeunesse et des Sports” em 13 de setembro de 1996,
quando criou-se a Federação Francesa de Moringue.
Como esporte de combate o Moringue se parece um pouco com
o Boxe Francês, porém os pontos são concedidos para o lutador que tem
sucesso em alcançar algumas partes do corpo do adversário com as pernas
e os pés (as mãos servem mais para proteger), sendo que o objetivo é
tocar (e não bater) sem ferir. Os alvos de contato são a cabeça, o tronco e
as pernas e os toques reais são obrigatórios para definir um vencedor. Um
árbitro central supervisiona tudo. Se acaso os dois moringueurs somarem
o mesmo número de pontos, o vencedor será aquele que mostrar melhor
talento musical fazendo uma demonstração rápida tocando um instrumento
de música (Doum Doum, Djembé, ou o Piker).
Os lutadores são separados de acordo com as categorias de peso
e idade. Se os lutadores são jovens, o ritmo é rápido, se forem de uma
idade mais avançada, o som torna-se mais surdo e mais lento. Nas
categorias júniores, seniores e veteranos, é fixado o tempo de luta em
oito minutos distribuídos em quatro períodos de dois minutos cada, com
uma pausa de um minuto entre os quatro períodos (o tempo das paradas é
deduzido). Para os “cadets”, é fixado o tempo em seis minutos distribuídos
em três períodos de dois minutos, com uma pausa de um minuto entre
cada período, como a luta dos “benjamins” tem a duração de quatro
períodos de um minuto, com uma pausa de um minuto entre os períodos.
Durante os intervalos o espectador pode assistir apresentações
que podem ser animados com Maloya, a música e dança tradicional da
ilha Reunião, cultura “dos pretos” da África e Madagáscar trazida junto
com os escravos que vieram para trabalhar nas plantações na época
111
colonial. A música é semelhante à utilizada para animar os combates de
Moringue. Caracteriza-se por uma alternação de palavras entre o solista e
o coro que prolongam a oração do cantor ou as respostas a ele. Foi proibida
até o começo dos anos 80, por causa de seu poder de “juntar as multidões”.
Além das vozes, os principais instrumentos do maloya são o roulèr, o
kayamb, o bobre e o pikèr.
O local onde acontecem as competições (l’enceinte) possui quatro
partes distintas: a) uma área circular de barro-batido chamada “le rond”,
reservada aos lutadores; b) uma área delimitada reservada aos músicos;
c) um espaço reservado aos “officials”; e d) duas zonas de espera para o
moringueurs. Algumas demonstrações de caráter esportivo podem
acontecer num ringue de boxe, em três “rounds” de um ou dois minutos.
Há ringues de Moringue espalhados por quase todas as
comunidades da ilha: “Coeur-saignant” no Porto, “la Barrage” na Saline,
“le Butor”, “la Petite-ne”, “les Lantaniés” em Saint-Denis, le quartier de
la Rivière de l’Est em Sainte-Rose, “La Mare” em Sainte-Marie, “Trois-
Mares” em Tampon, “la Ligne Paradis” em Saint-PielTe.
O Moringue esportivizado ainda busca seu espaço, mas não há
dúvidas que em sua forma popular de um jogo, já não corre mais o risco
de desaparecer. Em ambas as formas o combate é animado por um grupo
de músicos que cantam e batem tambores de procedência afro-malgache.
Le tambour” (o tambor) é um termo genérico que designa uma seção
constituída por cinco percussionistas onde um tambor principal dirige a
seção musical inteira, regulando o progresso da luta. Alma ressonante da
atividade, o tambor controla o combate fazendo as variações necessárias
para modular a intensidade da luta de acordo com fases técnicas precisas
e de acordo com a idade do moringuer.
A seção musical mais comum inclui três djembés: grave, médio e
agudo, que executam funções semelhantes ao trio de berimbaus da
orquestra da Capoeira Angola. Assim como o berimbau mais grave (gunga
ou berra boi) na capoeira, o último djembé, o de som mais alto, é o
instrumento principal que orienta os lutadores no caso de desrespeito das
regras técnicas (descontrole dos golpes, desproporções de força entre dois
lutadores, situações de risco etc), e na ausência de árbitro.
Os djembés alternam acompanhamentos, variações e solos; os
doums-doums (tambores horizontais de duas peles) mantêm a marcação
de um modo cíclico, sendo o couro batido com uma vara segura numa
das mãos, como a outra manipula um sino metálico; o pikèr completa o
112
acompanhamento: um pedaço de bambu é percutido com duas varas em
vários lugares, produzindo diferentes sons.
Em sua forma popular o combate acontece dentro de uma roda
formada pelos assistentes e existe todo um ritual antes da confrontação
para provar a superioridade de um time ou de um indivíduo sobre outro.
O ritual começa com uma festa regada a música e rum onde todos se
divertem e acertam as lutas. O rum dá coragem aos lutadores e excita os
partidários. Antes de lutar, os moringuers consultam um feiticeiro.
Numa primeira fase, cada um dos moringueurs tenta intimidar o
adversário executando alguns movimentos: saltos mortais, equilíbrios
invertidos e acrobacias. Depois é a vez do desafio, por meio de gritos de
guerra ou com o desafiante dando voltas ao redor da roda, falando sobre
si mesmo ou dos prováveis adversários. Quando um moringueur pára no
meio do círculo (la roulèt) designa seu adversário apontando o braço
direito em sua direção. Quem aceita o desafio levanta seu próprio braço
direito e “entra na roda”. Uma vez face a face, os dois moringueurs pegam
um pouco de terra com as mãos e a esfregam neles mesmos, nos flancos,
no estômago e no cabelo. As provocações se concretizam em choques
entre os moringueurses que, saltando para o alto, colidem tórax contra
tórax e a luta começa.
No princípio do século XX, os golpes de punhos eram permitidos,
mas hoje estão em desuso. Uma luta não estava limitada pelo tempo e
poderia durar como os adversários tivessem força para lutar, só terminando
quando um dos dois adversários imobilizasse o outro ou o obrigasse a
colocar os dois ombros em contato com o solo. O perdedor tinha que
gritar “tire” (“basta” ou “ajuda” em crioule) para que o outro o soltasse.
Hoje em dia, com a exceção do choque de tórax contra tórax (le coq), não
é permitido nenhum contato físico. É a agilidade dos lutadores com suas
acrobacias e senso de ritmo que faz o espetáculo. Várias associações e
clubes ensinam esta dança guerreira.
O Moringue tem diversas semelhanças com a capoeira. As
técnicas acrobáticas (golpes altos com os pés, saltos, tesouras, rasteiras,
paradas de mãos etc), a própria indumentária dos lutadores (torso e pés
nus, calças compridas brancas) e o uso de instrumentos de música para
dar ritmo às lutas (dois djambés, um piker e um doum-doum). Os combates
acontecem tradicionalmente no centro de um círculo formado pelos
participantes, como numa roda de capoeira.
O uso de apelidos também é uma tradição entre os moringuers.
Através da tradição oral e das cantorias durante o jogo, grandes lutadores
113
que marcaram a história da ilha como “Laurent le diable”, “Coco l’enfer”,
Henri la flèche”, “Cadine”, “Chou-fleur”, “La Marc Café” sobrevivem
na memória dos atuais praticantes.
Alguns dos pontapés circulares são aplicados com uma mão
apoiada no chão, não são permitidos socos ou agarrões e certos
movimentos são extremamente parecidos com os de capoeira (Kas kou
aú; Kaskou san tous – vôo do morcego; Kou d’talon – pisão; Kou d’pié la
Roulet – martelo; Kou d’pié Têt - martelo com a mão no chão; Kou d’pié
bou y rent – benção; Kou d’pié Sizo – ponteira; Talon Z’hirondel - meia-
lua-de-compasso; Zanbek Croc em Janbe - tipo de rasteira). Todos os
nomes dos golpes são exclusivamente no dialeto crioule. Os moringueurs
também usam calças compridas brancas, algo comparável ao abadá
56
brasileiro, chamadas mauresque.
Há indícios que as técnicas de pontapés do Moringue foram
emprestadas de outro esporte de Madagáscar chamado Diamanga, que
acontece ao som de instrumentos de percussão, que comandam o ritmo e
a situação do jogo. A arte de combate Diamanga também é chamada
Dakabé e foi praticada pelos negros nas plantações em Madagáscar. As
técnicas de pontapés lembram um pouco as lutas asiáticas, com chutes
altos e acrobáticos. Tudo indica ser uma das matrizes do Moringue, pois
muitas técnicas das duas artes são idênticas. Assim o “tsipak’akoho” -
planta dos pés que batem -, o “manitra de kopola ou miamboho” - corte
dos pés - ou o “ambadiha invertido” o “tokana de kapa – golpe com o
salto do sapato - ou o “dongomby” - projeção em direção do tórax do
adversário - são golpes semelhantes às técnicas do moringue.
Há indícios que o Moringue tenha sido praticado nas ilhas
Maurícias e Seychelles, mas hoje está desaparecido completamente
naqueles locais. Uma dança de guerra chamada “Tingue” que existia nas
Seychelles incorporava algumas técnicas de Moringue. O significado do
termo “tingue” se aproxima da palavra “ringa”, que significa luta ou
combate. Em shikomoro o termo ringa significa “movimento de tropeçar”
e é provável que seja do tronco banto, não tendo etimologia em malgaxe,
a língua de Madagáscar.
A palavra Ringa é usada em Madagáscar ocidental e do sul para
designar as lutas de wrestling, que em outras partes de Madagáscar
(especialmente no planalto), são denominadas “tolona”. Também é usada
como sinônimo para outra luta malagasiana, o morainguy. O termo
morainguy pertence ao idioma malagasiano e parece ser a origem da
palavra moringue. O morainguy é uma arte de combate malagasiana,
114
também chamada de Moraingue ou Moraingy, praticada preferencialmente
nas aldeias litorâneas e mais apreciada pela população rural. A luta foi
muito praticada nos dias de festa ou circuncisão em Madagáscar durante
o período de rei Andrianapoimerina no século XVI, quando as lutas eram
mortais, pois o vencedor no final das competições tinha direito a escolher
uma moça para passar a noite consigo.
Atualmente a luta tornou-se um tipo de jogo tradicional entre
membros de aldeias vizinhas, um evento alegre que reúne os aldeões nos
momentos de festa ou em rituais. Ao contrário do Moringue da Ilha
Reunião, os pugilistas de “morainguy” em Madagáscar usam somente os
membros superiores, não usam os pés e não se pode bater nos pontos
vitais. O Morainguy é praticado ao som de tambores, num ritmo rápido e
violento, dentro de um círculo formado pelos aldeões. O canto das moças
(katrehake) serve de incitamento à luta (video 085).
Depois de acabada a colheita, os jovens de diferentes localidades
se reúnem nos fins de semana para este tipo de esporte. A luta acontece
nas noites de lua cheia, dentro de um círculo formado pelos aldeões. Antes
do combate, há um período de preparação em que os lutadores dão voltas
ao redor do círculo formado no meio da praça central da aldeia. O objetivo
é levar o adversário a encostar a cabeça no solo, através de uma série de
técnicas cujos segredos são transmitidos de pai em filho. Um juiz é o
responsável de parar o combate se a luta começa a ficar muito violenta.
Geralmente não há vencedores nem vencidos, pois nos dias atuais o
moraingy tem mais um caráter festivo do que de uma verdadeira
competição.
Existem referências datadas de 1658 das variantes das diversas
lutas que vieram a se transformar nos jogos de combate como o Mrengué
de Mayotte e o Moringue da Reunião. Assim como a capoeira, foram
desenvolvidos por escravos de diferentes origens - de Comores, annosy,
betsimisaraka, sakalava, antandroy – que as praticavam à noite ou nos
finais de semana, enquanto o senhorio e o pessoal responsável pelo
monitoramento dos escravos estavam em repouso (FUMA, 2006).
Todas as expressões guerreiras citadas podem ter contribuído para
que o africano escravizado viesse a desenvolver suas lutas
clandestinamente nas Américas. Para muitos pesquisadores as lutas
praticadas em terras americanas que vieram marcar fortemente o contexto
cultural de cada nação seriam simplesmente uma variação dessas danças,
da fusão das lutas africanas e indígenas, e de mais algumas expressões
culturais desconhecidas.
115
Durante este processo, para resistir aos escravocratas e as
autoridades coloniais que se opunham a qualquer expressão de identidade
dos africanos e seus descendentes, os grupos sociais marginalizados pela
escravidão foram obrigados a desenvolver coletivamente diversas
estratégias para burlar a vigilância do opressor. Dispersos no território
americano, os povos africanos retiveram uma parte de sua cultura original
para desenvolver uma nova identidade que manifestava-se por intermédio
de todas as suas ações, seja por meio da arte, da dança, da culinária, da
filosofia ou da religião.
Para se adaptarem a contextos adversos à dinamização de suas
práticas culturais, as comunidades potencializaram práticas educativas
informais onde, por meio da música, o corpo era apropriado como um
depósito do inconsciente coletivo e arcabouço de perpetuação de uma
nova “linguagem” que seguindo o ritmo da música, atuava como um “canal
de conexão entre o sensível e o intagível” (CORTE REAL, 2006, p. 171).
116
03. O ÊXODO MARCIAL AFRICANO
As sociedades negras que se desenvolveram nas Américas durante
a escravidão africana se caracterizam por uma grande variabilidade cultural
e social, possuindo “inúmeras diferenças e semelhanças em suas
populações, em suas formas de organizações, de ocupações dos espaços
e outras” (AMANTINO, 2005, p. 1). As relações com o meio ambiente,
como a topografia e outras características físicas dos locais, os padrões
de exploração do território, as circunstâncias históricas de ocupação do
espaço, as formas de organização econômica, os modos de sociabilidade,
os costumes dos países colonizadores e até mesmo a língua falada no
país são diferenciais que vão interferir na construção de “novos saberes”
e determinar especificidades únicas a cada uma destas comunidades.
A extrema violência vivida durante o período escravagista
estimulou o surgimento de diversas estratégias coletivas que se tornaram
muito úteis em situações de confronto corporal contra o branco opressor.
A partir das tensões que os praticantes sofriam no seu cotidiano, foram
criadas artes que combinam jogo, música e dança a técnicas marciais,
sendo todas estas características manifestadas ao mesmo tempo, sem
assumir efetivamente nenhuma isoladamente.
Na luta pela edificação de espaços por onde a identidade cultural
fosse preservada, difundida e usada como instrumento de libertação,
surgiram diversas manifestações simbióticas que asseguravam aos negros
a conservação de memórias oriundas do contexto sócio-cultural de seus
ambientes de origem (TAVARES, 1984).
Durante os séculos de escravidão, a população negra nas Américas
só podia recorrer ao canto e a dança como diversão. Quando se reuniam
em torno de cultos religiosos e mágicos nos terreiros das senzalas, à sombra
das confrarias ou nos momentos de paz nos quilombos, por meio de
contadores e cantadores, os negros puderam resgatar a tradição oral
africana que traziam da memória e compartilhar uma infinidade de contos,
lendas, ditos, crenças, cânticos, etc.
Através dessas reuniões para cantar e dançar é que o negro, de
uma ou outra forma, manteve sua cultura, sua união, sua identidade. Para
as culturas negras, a dança não tem um sentido próprio, único: ela está
sempre ligada a um culto e à música e, assim, tem relação com a religião
e a arte.
Unindo diferentes técnicas corporais das antigas tradições e
seguindo o ritmo da música dos tambores, os africanos escravizados
117
criaram diversos métodos de luta disfarçados em danças, assim como a
capoeira no Brasil. Ainda que muitas destas formas de combate não tenham
conseguido sobreviver até os nossos dias, o professor Melville J.
Herskovitz da Universidade de Northwestem (Ilinois) já na primeira
metade do século XX informava ter visto jogos semelhantes à capoeira
em vários pontos do continente americano.
Desde a década de 1940, antropólogos como
Herskovits têm apontado para a existência de
“danças de combate” “semelhante ao jogo (da
capoeira)” “na África e em vários pontos da
América” (Almeida, 1942, p.155) – reflexões que
foram ignoradas durante 40 anos porque não cabiam
na ótica nacionalista da capoeira como “única”
forma de luta dos africanos nas Américas, inventada
no Brasil. Pelo contrário, como pesquisas dos
últimos anos têm mostrado, existiram e ainda
existem lutas / danças / jogos de escravos africanos
nas Américas, alguns dos quais continuam existindo
até hoje, embora tenham sofrido transformações
similares às da capoeira brasileira (VIEIRA &
ASSUNÇÃO, 1998, p. 95).
Todas essas lutas tinham na sua origem uma estratégia comum:
bater e correr. Sob o jugo da escravidão o negro nas Américas precisava
utilizar golpes que pudessem abrir um espaço para a fuga. Sempre
“empurrando” o adversário para longe, procurando sempre incapacitar
ou comprometer severamente a habilidade de lutar daqueles que
pretendiam lhe agarrar (feitores, capitães do mato, militares, delinqüentes,
desafetos em geral etc).
Os deslocamentos contínuos (que mais tarde se transmutaram
em passos de dança) contribuíam para evitar ser agarrado; os movimentos
circulares mantinham o(s) outro(s) adversário(s) afastado(s); as esquivas
eram essenciais para livrar-se dos agarrões e de ataques com chicotes,
facões, espadas e outras lâminas; o apoio das mãos “invertia o mundo” e
colocava o senhor aos pés do negro.
Em resposta ao novo ambiente, a união de diversos grupos
africanos fez surgir uma nova cultura, articulando elementos já tradicionais
de diferentes bagagens culturais, como a língua e a dança, onde a música
era um elemento importante para ajudar a aliviar as dores do espírito e
treinar o corpo sob o disfarce da dança. Sob este aspecto as lutas afro-
americanas serviam como um pólo de união de grupos diversos, da mesma
118
forma que outras manifestações culturais de origem africana (vodu,
candomblé, congo, etc.).
A maioria das lutas, danças guerreiras e jogos de combate de
raízes africanas têm em comum o uso do tambor como instrumento básico,
onde são tocados diferentes idiomas rítmicos que estabelecem uma ligação
entre os músicos, a platéia e os lutadores. Tal qual a capoeira,
acompanhando o ritmo dos instrumentos de percussão os praticantes
entoam cânticos que atuam como o “elo entre o presente e o passado e se
constituindo como cenário perene para a compreensão de um imaginário
ali representado” (MOREIRA & FERREIRA, 2008, p. 2) e “podem ser
examinados sob o ponto de vista lingüístico, folclórico, etnográfico e
sócio-histórico” (REGO, 1968, p. 126).
A música que estimula essas práticas é fortemente marcada pelo
ritmo sincopado, ou seja, pela presença de “uma alteração rítmica que
consiste no prolongamento do som de um tempo fraco num tempo forte”
(SODRÉ, 1988, p. 25). Segundo Sodré, o vazio rítmico entre a batida
forte e fraca incita o ouvinte a preencher este espaço com seu próprio
corpo, fazendo com que o corpo seja também instrumento da canção,
conduzindo a um diálogo entre um tempo real vivido e o cosmológico,
referenciado pelas tradições e ancestralidades (SODRÉ, ibid.).
Por meio da violência controlada e ritualizada as pessoas privadas
da liberdade e de suas raízes culturais buscavam (re) construir, mesmo
que momentaneamente, uma ordem social semelhante às sociedades
tradicionais africanas. Por meio dos rituais aqueles grupos buscavam
construir uma renovação da identidade perdida e acrescentar ao caráter
étnico o status de “africanos” em oposição à condição de escravos.
Além da raiz africana, as práticas coletivas como a festa, o jogo
e a luta estiveram associadas historicamente a busca por suprir a
necessidade humana de voltar a unir-se em torno do sagrado. Essas práticas
tinham no corpo o principal agente histórico das relações sociais, trazendo
em si mesmo todos os meios necessários aos processos de informação
cultural e revolucionária. Na polissemia do corpo, transformado num
suporte de signos, ele pode ser uma ferramenta para a revolução, para a
materialização do inconformismo social do ser humano, dos grupos, das
classes que, quando não conseguem acordos e entendimentos com o Poder
que controla toda a sociedade, expressa o desejo de mudança por meio da
luta, da revolução.
O corpo, principal eixo da existência africana durante os anos de
escravidão, passou a ser um dado da personalidade usado para resistir às
119
imposições do cotidiano, negando uma condição específica e supostamente
imutável (SALVADORI, 1990, p. 127), pois era por meio dele que se
fazia a mediação entre ser e mundo e, portanto, era seu único instrumento
para tentar reverter sua condição.
Na busca para se reintegrar e reconquistar sua cultura, o negro
escravizado percebeu que as práticas africanas reelaboradas no interior
da situação de degradação que normalmente caracteriza as relações do
sistema escravagista podiam servir como uma espécie de mecanismo
compensatório, como um espaço mítico capaz de criar meios para se
vivenciar uma nova interação social, tanto para o grupo, como entre este
e a sociedade envolvente (DAMATTA, 1998).
Marginalizado pela escravidão o negro buscou a renovação de
sua identidade por meio das práticas religiosas ou pelo adestramento para
as lutas. Segundo Tavares (1984) em sua dissertação “Dança da guerra:
arquivo arma”, o corpo negro era o receptáculo de um “saber-corporal”,
um recipiente das marcas de uma cultura ancestral que “nucleia um
conjunto de atitudes configuradas como estratégia, cuja finalidade é a
edificação de espaços por onde a identidade sócio- cultural seja
preservada” (TAVARES, 1984).
Combinando música e luta, diversão e ritual, se criou uma nova
forma de comunicação onde “a forma musical pode ser elaborada em
função de determinados movimentos de dança, assim como a dança pode
ser concebida como uma dimensão visual da forma musical” (SODRÉ,
1979, p. 23). O uso ritual da música gerou um novo papel social do corpo
nas comunidades negras, estabelecendo uma interação por meio do
movimento - visto não apenas como um simples deslocar-se no espaço,
mas sim como uma linguagem não verbalizada e, portanto, não dependente
de um idioma para a sua compreensão (WEIL & TOMPAKOW, 1986).
Semelhante ao que ocorreu com a capoeira no Brasil, onde “as
musicalidades aparecem como estratégia de organização dos seus rituais”
(CORTE REAL, 2006, p. 229), outras comunidades escravizadas
espalhadas pelo mundo também se beneficiaram da capacidade da música
em criar uma identidade coletiva e singular.
Além das afetações sentidas no plano corpóreo (vibrações),
cognitivo (reflexão) e afetivo (sentimentos e emoções), a música permite
uma reorganização da memória coletiva e singular, sendo capaz de gerar
um sentimento de apropriação como bem simbólico, pois “ao ‘possuir
uma música, fazemos dela parte de nossa própria identidade e a colocamos
dentro de nosso próprio sentido de ser” (FRITH, 1987, p. 9).
120
Para Araújo (2002, p. 110):
Incontestavelmente, foi o elemento negro africano
escravizado marcado profundamente nas suas
práticas sociais pela influência do ritmo,
evidenciando, quer nos seus espaços de origem,
quer nos países onde foi intenso o tráfico negreiro,
a imagem de grande dançarino, cujas coreografias
confirmaram toda a sua agilidade e destreza
corporal e toda a sua capacidade criativa, adaptativa
e de improvisação. Tais capacidades concorreram
para que os contigentes africanos preservassem, na
tentativa de supressão das suas manifestações
culturais pelo branco colonizador, tendências
integradoras e antiaculturativas, as quais vieram
possibilitar a sobrevivência de muitas das suas
manifestações ancestrais, exteriorizadas pela
diversidade das suas danças (Lyra Filho, 1974).
No tempo em que qualquer manifestação religiosa de matriz
africana era proibida no Brasil, a capoeira esteve muito ligada aos terreiros
e seus tambores. Os capoeiras enfrentavam a polícia que atacava as festas
de surpresa. Durante esta convivência simbiótica, muitas trocas culturais
podem ter acontecido, inclusive o aprimoramento do papel da música na
capoeira, inicialmente com os tambores e depois com o berimbau.
Há também quem diga que a ligação da capoeira com os tambores
vem de suas raízes indígenas ou que aconteceu durante a convivência
nos quilombos. Porém, diversos pesquisadores destacam que a tese da
formação da capoeira nos quilombos ainda carece de comprovação mais
elaborada. No entanto, em outras partes da América o processo simbiótico
entre nativos e africanos escravizados pode ter acontecido com uma maior
participação dos povos indígenas.
A existência de locais onde se escondiam os
indivíduos que fugiam deste sistema é uma situação
ubíqua em todo o continente e podem ser
identificados na documentação que trata tanto de
fugitivos indígenas como de negros. Dependendo
da região receberão denominações diferentes:
palenques na Colômbia, quilombos e mocambos
no Brasil, marrons no Haiti e nas ilhas do Caribe
francês, cumbes na Venezuela e outros. Todavia,
em todos foram localizados grupos que fugiram do
sistema econômico escravista e conseqüentemente,
mantiveram relações sociais com outros segmentos
121
das sociedades em um território que era o cerne da
disputa (AMANTINO, 2005, p.1).
O intercâmbio de técnicas de combate entre silvícolas nativos e
fugitivos africanos ocorreu comprovadamente na Costa Rica com a
Guazabara, luta desenvolvida por escravos fugitivos abrigados nas aldeias
dos povos indígenas Taino, habitantes da ilha de Boriken, atual Porto
Rico (GONZÁLEZ, 2009). Não se pode afirmar qual tribo africana
contribuiu mais para a Guazabara, mas provavelmente foram os da região
de Congo, como o Mandinga, Mende, Dahomey ou Yoruba, uma vez que
a comida, idioma e religião (Santeria) desses povos tiveram uma forte
influência sobre todas as ilhas caribenhas.
A palavra Taino literalmente se traduz como “o calmo”, mas
quando os espanhóis invadiram suas terras, os nativos desenvolveram
um método específico de combate que usa o macana (clava de guerra) e
o machete (facão) para lutar contra as espadas de Toledo. No final do
século XIX o invasor espanhol foi expulso de Boriken. Porém, o Taino
não foi extinto como indicado por muitos registros europeus. Os lutadores
Jibaro (povos da floresta, os montanheses pobres da ilha e a coluna
vertebral da cultura de Puerto Rico) aperfeiçoaram a Guazabara e aderiram
ao velho costume de resolver disputas locais por meio de desafios, ligando
as mãos ou pernas de um ao outro com uma corda para lutarem com
machete ao som dos tambores (http://www.guazabara.com/taino.htm).
O facão foi uma arma bastante utilizada pelas populações afro
descendentes nas Américas, uma vez que era o seu principal instrumento
de trabalho. Assim, por todo continente americano se encontram lutas
utilizando-se o machete ou bastões com a mesma função. Tais práticas
são praticadas nos países que foram antigas colônias de nações européias
como, por exemplo, no Haiti (video 086), na Colombia (video 087), na
Venezuela (video 088), entre outros.
A Venezuela fez parte das colônias espanholas durante 300 anos.
Foi neste tempo que o Garrote Larense foi criado, para lutar contra a
espada espanhola. Garrote significa “vara” e Larense é o local de origem.
É possível que existiam diversos estilos, mas este é o único conhecido na
atualidade. A arte venezuelana de lutar com bastão, facão e faca não é
muito conhecida mundialmente (video 089).
Possivelmente o Garrote Larense foi influenciado pelo Kali das
Filipinas, uma vez que, durante a ocupação espanhola das Filipinas (1521-
1898), o espanhol navegava extensivamente de colônia para colônia
fazendo um intercambio cultural entre os bens nativos de cada uma delas.
122
Porém, não usa ângulos como faz os estilos de luta com bastões filipinos;
é muito distinto em seu estilo e métodos, usando golpes e defesas
específicas (video 090). Também existe a possibilidade que os africanos
possam ter contribuído substancialmente para o desenvolvimento de
Garrote.
O princípio primário do Garrote, ao invés de bloquear, é se evadir
dos ataques (video 091) por meio de uma movimentação se aproxima um
pouco da ginga da capoeira e confere o aspecto de dança à luta. A
preservação da arte se deve em grande parte devido a sua prática em um
padrão preorganizado de dança religiosa que é apresentada no festival de
Tamanangue, em honra a Santo Antonio (DESCHI-OBI, 2008, p. 142).
Chama atenção no ritual executado durante os embates de Garrote
que acontecem no transcorrer do festival chamado La Batalla alguns
aspectos que remetem a outras formas de jogos e danças de combate de
raízes africanas. Por exemplo, na orquestra que acompanha a peleja dos
garroteros, tal qual acontece em outras práticas combativas, como na
Ladja e Danmyé da Martinica, ou na punga do Maranhão, também é
encontrado o tambor deitado no chão que é percutido pelo músico sentado
sobre ele (video 092)
Semelhante ao “passo a dois” da Capoeira Angola, onde um
jogador, depois de uma “chamada”, conduz com os braços abertos o outro
jogador que tenta desfazer este movimento, cuidando sempre para não
ser atingido de surpresa por um golpe inesperado, os jogadores de Garrote
também caminham de forma bastante similar, armas cruzadas, primeiro
de um lado, depois do outro e repentinamente passam ao combate. Também
a troca de garroteros lembra o “jogo de compra” da Capoeira Regional,
quando um terceiro jogador toma o lugar de um dos participantes da dupla
que está lutando (video 093).
Os movimentos de ataque, esquivas e bloqueios com bastões na
luta de Garrote são muito parecidos com os que aparecem no filme “Versos
e cacetes. O jogo do pau na cultura afro-fluminense” (Verses and Cudgels),
patrocinado pelo Projeto Capoeira Viva 2007, com direção e roteiro de
Matthias Röhrig Assunção e Hebe Mattos, com consultoria de Martha
Abreu (Laboratório de História Oral e Imagem – LABHOI, Universidade
Federal Fluminense-UFF).
O documentário de Assunção e Mattos focaliza a tradição de jogo
de combate com pau do vale do Paraíba e sua inserção na cultura afro-
fluminense. Além de servir para resolver conflitos e como forma de defesa
pessoal, o “jogo do pau” também era praticado sob a forma de uma
123
brincadeira amistosa, mas que atualmente em muitos locais só permanece
na lembrança de seus velhos praticantes.
Ainda que o “jogo do pau” carioca não fosse necessariamente
acompanhado por música, a sua prática sempre esteve associada aos bailes
de calango, onde dois ou mais cantadores, acompanhados de sanfona,
tambor e pandeiros, se desafiavam através de versos improvisados. Muitas
vezes estas festas terminavam em briga onde os homens se enfrentavam a
golpes de cacete ou rasteiras.
Os autores do documentário “Versos e cacetes” afirmam que a
memória do jogo do pau pode conduzir a novas pistas sobre a história da
capoeira. O raciocínio é coerente, pois se for feita uma comparação com
outras formas de jogos e danças de combate presentes no continente
americano, provavelmente pode se constatar que algumas lutas de pugilato
também se originaram de jogos de combate com varas ou bastões.
O exemplo mais claro desta associação das lutas de varas com os
jogos de combate desarmados se dá com um jogo combativo com varas,
proibido durante muitos anos na Martinica e no Haiti, nomeado como
Konba Baton, ou koujanlib ou ainda, em algumas regiões (St Esprit,
Vauclin, Trinidad) “ladja baton” (video 094). Praticado com ou sem
tambor, para dois ou para vários grupos de dois jogadores face a face,
como jogo era proibido bater na cabeça e abaixo dos joelhos, mas como
luta real podiam ser atingidas todas as partes do corpo e as lutas às vezes
iam até a morte.
Em alguns foruns de discussão sobre lutas na internet é possível
encontrar afirmações de que alguns anciões da ilha de Trinidad dizem
que todas as formas do Danmyé e Ladja vêm da Ladja baton, “o real
ladja é o ladja baton... este ladja, sem vara, não é ladja, é danmyé”.
Nas regiões de St. Joseph, Ducos, Schoelcher, Co Marie, também
na Martinica, um estilo semelhante ao Konba Baton foi usado na luta
contra o colonialismo. Era chamado de Konba Épi Zam e as bases posturais
e rítmicas, os gestos e os deslocamentos eram exatamente os mesmos que
os da “vara de konba”, porém eram usadas armas brancas como o sabre,
o facão, a faca, a navalha, substituindo a vara (http://
nubiennes.skyrock.com/148.html).
Assim como aconteceu no Brasil com a bengala “Petrópolis”, às
vezes esculpida e encastoada, fabricada na cidade fluminense de que
recebeu o nome, usada com porrete tanto pelos capoeiras nas maltas do
Rio de Janeiro, como pelos agentes de polícia carioca, em princípios do
século XX, a bengala estava na moda em diversos países. Na França ainda
124
hoje se pratica “La Canne Française”, esporte associado ao Savate onde
os lutadores estão armados de uma bengala. Alguns praticantes insinuam
em foruns de debate pela internet que o método francês de luta com
bengala é o mesmo que a Kalinda caribenha, só que praticado sem
acompanhamento musical e com um bastão rígido ao invés da vara flexível.
Em Guadalupe, no Caribe, a partir de uma luta com varas
desenvolveu-se uma forma ritualizada de dança marcial chamado de Sové
vayan e também de Mayolè, ou ainda Mayolet, ou ainda de Bénodin,
Bénolè ou Bénolin. É acompanhada por um ritmo característico de
tambores e canções tradicionais e guarda semelhanças com outras artes
nativas do Caribe de influência africana, que também se apresentam como
uma fusão da dança, acrobacia e luta de bastão ou vara (video 095).
Segundo a revista Destination Guadeloupe (n. 22, Mars Avril
Mai 2006) algumas concordâncias entre os textos históricos - mencionando
estas práticas desde 1781 - e testemunhos guardados pela tradição oral
levam a acreditar que esta dança poderia ter vindo do Congo. Várias tribos
africanas que foram traficadas para Guadalupe praticavam lutas com
bastões ou varas, como por exemplo, os Bambarases da sociedade de
N’Tomo, mas é impossível determinar com precisão o lugar ou as regiões
do continente africano donde viria a dança dos mayoleurs.
Esta luta permitiu a população servil se defender contra agressões
de todos os tipos. Para deter este fenômeno, o governo local proibiu o
porte de armas - e por extensão de varas - para pessoas de cor. Mas apesar
disto o Mayolè continuou sendo praticado pela população negra, em
segredo ou em público, de acordo com as circunstâncias. Com o tempo
transformou-se numa forma ritualizada de dança marcial, onde o
isolamento geográfico dos habitantes dos Grands-fonds, afastados do
centro de Guadalupe e das capitais comerciais e administrativas (Pointe-
à-Pitre e Basse-Terre), contribuiu para manter uma certa estabilidade dos
comportamentos culturais, reforçando a coesão social dos mayoleurs, o
que permitiu manter a tradição até nossos dias.
As lutas geralmente ocorrem de noite e no fim de semana, desde
o princípio do ano. Na ocasião de um duelo, é preparado um local grande
o bastante que permita abrigar os lutadores, músicos e espectadores. Os
espectadores, muitos dos quais são também lutadores, formam um círculo
ao redor dos dançarinos, acompanhando o ritmo característico dos
tambores (chamados ka) e os encorajam com palmas de mão e canções
tradicionais cantadas em criolo, dialeto muito usado no Caribe.
125
O Mayolè geralmente é acompanhado por dois músicos que tocam
o ka (tambor - tambouyé) e de um cantor (chantè ou comandè), que
desenvolve um tema em duas ou três orações curtas, onde os lutadores
que estão descansando servem como coro (répondè). O vocabulário
musical usado é relativamente sumário, mas é o suficiente para determinar
a violência dos ataques e o momento que culmina a luta.
As canções são semelhantes a outras formas de expressão achadas
em Guadalupe (gro-ka). As peças interpretadas pelos mayoleurs começam
com a introdução solene do cantor acompanhado pelos tambourinaires.
O ciclo das canções contém um verso e um coro, o commandè começa a
canção e o coro responde a chamada do cantor. As estrofes têm
comprimento variável, articuladas de uma maneira desigual. O ritmo é
reforçado pelas palmas dos assistentes e evolui para um acelerando que
marca o momento culminante da luta. A tradição ressalta em particular o
respeito às formas musicais, à improvisação e a variação das cantorias e
aos efeitos expressivos de cada interpretação.
O cantor figura ao primeiro plano, flanqueado dos dois lados
pelos tambourinaires, os tocadores de tambor. O tambourinaire que segura
o papel de solista (makè) é o responsável pela harmonia entre música e a
dança. Sentado em um banco minúsculo, ele bate um tambor pequeno de
som agudo, dirigindo o dançarino colocado primeiramente no círculo.
Seu acompanhante toca outro tambor mais volumoso (boula), montado
no próprio instrumento. A técnica instrumental consiste em tocar o tambor
fazendo de vez em quando um pouco de pressão na membrana do ka com
ajuda do salto de sapato. Este procedimento geralmente é chamado de
baï talon (colocar o salto do sapato) ou taloné. O domínio destas técnicas,
bem como da cantoria, confere a alguns artistas um renome inabalável.
Antes de começar a luta, cada mayoleur recita uma oração, para
se proteger de um golpe mortal que pode acontecer durante o combate.
Depois, um homem se afasta dos demais e se posiciona no meio do círculo.
Cumprimenta os músicos e começa a fazer evoluções. Sua dança provoca
a entrada de um outro lutador que passa a imitá-lo. Os homens se
aproximam, segurando verticalmente as varas, cruzando-as três vezes. A
luta começa com cortesia, mas logo fica violenta. O que entrou por último
é encarregado da ofensiva; depois disso, o defensor se tornará atacante e
vice-versa. Eles evoluem com agilidade apesar da idade avançada de
alguns. A duração de cada duelo é variável, depende da combatividade
dos protagonistas.
126
A dança do mayoleurs se compõe de três momentos básicos, que
podem acontecer simultaneamente: (1) la garde - a guarda - um passo de
dança que oscila entre o avançar e o recuar, algo semelhante ao gingar da
capoeira; (2) l’attaque - o ataque - movimentos cujo princípio é levar o
adversário a cometer uma falha e ser pego de surpresa. Um jogador pode
ser tocado várias vezes, mas o verdadeiro perdedor é o que se deixa
desarmar; (3) l’esquive - a esquiva – técnicas com as quais os diferentes
golpes de varas são evitados ou bloqueados pelos dançarinos, sem nunca
perderem o equilíbrio. Os deslocamentos são usados para evitar os golpes
do adversário e acontecem em perfeita sincronia com a música, usada
como forma de comunicação.
Graças a alguns sons, uma ligação é estabelecida entre o
tambourinaires e os dançarinos, que se deixam guiar pelos ritmos do
tambor nas suas evoluções e os incita a atacar ou recuar. Este idioma é
composto de celas rítmicas diferentes providas de significações precisas.
Na luta são usadas varas de 1m05cm a 1m10cm no máximo, feito de
tipos locais de madeira. Em Marie-Galante, três tamanhos são usados:
55, 70 e 90 cm no máximo. A vara é segura numa só mão (DESTINATION
GUADELOUPE, 2006).
Nos anos 50 os jogos de luta reuniam muitos peritos na região de
Grande-Terre e em Guadalupe. Escolas de mayoleurs se desenvolveram
notavelmente ao redor das regiões do Moule, de St François e d’Anse
Bertrand. No presente, há poucos adeptos e tornou-se uma prática quase
que exclusivamente masculina. No passado as mulheres participavam com
brio nos jogos de luta com varas, mas hoje em dia elas aparecem apenas
no papel de corista. Nos anos 70 as canções e danças dos mayoleurs
foram associadas ao movimento de identidade cultural, um fenômeno de
moda que permitiu a ocidentalização das músicas ancestrais, mas também
deu um novo fôlego à prática, que se fortaleceu ainda mais depois da
chegada da capoeira em Guadaloupe no início do século XXI.
A dança pode acontecer buscando um desses três objetivos: “le
chapô”, que consiste em tirar a arma do defensor; “le touché”, quando
buscam as laterais do corpo para bater; e “le bouké”, cujo objetivo é
capturar um buquê de flores mergulhadas em uma garrafa de rum no
meio da roda. Coincidentemente a capoeira tem um momento parecido
no “jogo do lenço” ou “apanhe a laranja no chão tico-tico”, onde dois
capoeiristas disputam o dinheiro arrecadado na roda de capoeira e colocado
no centro da roda. Através de movimentos lentos e precisos, cada jogador
tenta impedir que o outro o apanhe com a boca.
127
Outro processo bastante semelhante ao que acontece na capoeira
é a forma de ensino da arte dos mayoleurs que assim como outras tradições
orais, é transmitida para os discípulos pelo “maître” (mestre), título de
grande prestígio concedido pela comunidade e só adquirido ao termo de
anos longos de lutas vitoriosas. Os estudantes mais adiantados são
encarregados da iniciação dos aprendizes, num treinamento que dura
vários meses, ou até mesmo um ano ou mais. Uma parte fundamental
deste aprendizado é dominar todos os aspectos ritualísticos, que incluem
tocar os instrumentos musicais e conhecer uma grande variedade de
cantigas.
Assim como no Mayolé, a música desempenha um papel
fundamental em todas as práticas de origem africana desenvolvidas no
Caribe. Uma das muitas formas musicais mais populares é o Calypso,
resultado da colisão do africano com as culturas européias no Mundo
Novo. Devido à proibição de tambores durante a era de escravidão,
Calypso não manteve tão fortemente as tradições percussivas do uso de
tambores que sobreviveram em outros lugares - notavelmente no Brasil e
em Cuba.
No Calypso foi dada mais ênfase no lado melódico e lírico do
que ao elemento rítmico forte. Evoluiu de uma concatenação da balada
francesa e da música espanhola com instrumentos de corda, com Kalinda,
um tipo de canto iorubá de chamada-e-resposta usado como um
acompanhamento para as lutas de bastões caribenhos. O ritmo foi proibido
freqüentemente, como depois da abolição de escravidão em 1830, que
trouxe um Carnaval tumultuado e violento com gangues de lutadores de
vara (Kalinda) que competiam entre si e também com a polícia
(ASSUNÇÃO, 2005, p. 61).
A palavra Kalenda foi aplicada no Mundo Novo para várias
danças diferentes. Segundo o testemunho de haitianos mais velhos, calinda
era uma dança de vara também conhecida pelo nome de Mousondi
(COURLANDER, 1960, p. 133), luta de varas originária do Congo na
África (TAYLOR, 2005, p. 123).
O Caribe conta com numerosas danças de luta com bastões. Esta
tradição se encontra em todas as ilhas das Antilhas, onde freqüentemente
leva o título de Calinda, ou kalenda (Calinda, francês; Calenda, espanhol),
estilo de dança/luta de vara caribenha que lembra vagamente o Maculelê
do Brasil, porém mais voltada para os aspectos de combate (video 096).
O nome Kalinda designa uma forma de cantoria anterior ao
calypso, mas também é atribuído a diversas formas de combates com
128
bastões ou varas, praticadas no Caribe e que chegou aos Estados Unidos
através do porto da cidade de Nova Orleans. Assim eram chamados
também os grupos ou gangues de lutadores de vara que caminhavam pelas
ruas de Trinidad durante o Carnaval tocando tambor e cantando canções
de Calypso. Quando eles encontravam outra gangue, as brigas aconteciam
freqüentemente, por isso os europeus proibiram o uso de tambores. Mas
a tradição se espalhou em várias ilhas das Antilhas como o Haiti, St.
Domingue, Puerto-Rico, Cuba, Trinidad, Martinica, Guadalupe,
Carriacou.
Por volta de 1860 já havia competições onde homens, mulheres
e crianças se juntavam para cantar, dançar e se entreterem com as “brigas
de vara”. As regras do jogo eram poucas. Bater “debaixo do cinto” ou
golpear um jogador caído ou quando ele foi forçado a se ajoelhar, era
uma infração. Qualquer parte acima da cintura podia ser golpeada com o
bastão e não era um fato raro a morte de um dos lutadores quando atingido
na cabeça. No centro do ringue havia o “buraco de sangue”, um buraco
no chão com o propósito de ali escoar o sangue de um jogador que estivesse
com o crânio cortado.
Em cada aldeia havia um “ringue” onde os desafiadores visitantes
lutavam com os “reis” locais. Nestes quintais com nomes fantásticos como
“Jardim do Inferno”, “Portão de Pedágio”, “Atrás da Ponte”, “Jardim
Concreto”, “Jardim de Mafoombo”, se reuniam bandidos, lutadores,
prostitutas, tocadores de tambor, cantores e dançarinos. Cada jardim tinha
seu “Rei de Kalinda” que conduzia a faixa de um determinado grupo,
que desenvolvia seus próprios guerreiros, campeões e peritos. As
sangrentas brigas de vara eram como os duelos na Europa e América.
Com o passar do tempo os torneios se tornaram característicos dos feriados,
principalmente segunda-feira de Páscoa, primeiro de agosto e Dia de Natal.
Da mesma forma que o corte da madeira para se fazer um
berimbau envolve determinados preceitos, havia fórmulas secretas para
cortar a madeira e preparar uma vara para a Kalinda. Um método era
cortar uma vara quando “a lua era fraca” e a noite escura. A vara, que
media entre três e quatro pés de comprimento, era descascada e empurrada
no coração de um tronco de bananeira durante sete dias e sete noites.
Tirada de lá era coberta com sebo, e enterrada em um monte de adubo
onde “curava” durante quatorze dias. Era então escondida em um lugar
escuro durante mais sete dias antes que fosse considerada pronta para
uso. Lutadores de Kalinda ainda costumam dar para suas armas nomes
assustadores como “Domador”, “Gemendor”.
129
A dança/luta de vara caribenha Kalinda, apesar de ser mais voltada
para os aspectos de combate, nos dias de hoje sobrevive principalmente
como uma forma de luta coreografada que inclui canto e dança - uma
representação artística da luta real (video 097). Ela continua acontecendo
na ilha de Trinidad antes do Carnaval de cada ano, quando os lutadores
se apresentam com roupas coloridas como os moradores daquela região
entoam as canções de Kalinda, primeiramente chamadas de carisoes e
mais tarde de calipsos.
Os competidores são acompanhados por um chantwell (ou
shantwell), um cantador que elogia e encoraja sua própria equipe e
ridiculariza os outros lutadores que vão competir contra eles, num
procedimento comum não só na Capoeira, mas em diversas lutas e jogos
de combate de origem africana, tanto nas Américas, como na própria
África também, onde “ritmo, melodia e dança interagem em vários níveis”
(MARKS, 2003, p. 22).
Prática semelhante foi criada pelos descendentes de escravos das
colônias francesas do Caribe (GREEN, 2001, p. 563), especialmente em
duas comunidades de Carriacou (Mt. Desire e La Resource) na ilha de
Trinidad. Porém, a luta dançada com vara denominada Bois é uma arte de
contato total que pode ser mortal. Como na maioria das artes de raízes
africanas, a música é muito importante. Os “batonniers” são estimulados
por canções numa forma de música anterior ao calypso e pelo som de
instrumentos de percussão (video 098).
Existem referências a estas demonstrações musicais e
coreográficas de luta com varas pelo mundo todo, desde a baixa Califórnia
até o Brasil, pelos os mares do sul da Austrália e Ásia, África e Europa
(GREEN, 2001, p. 556-564). Porém, vale destacar que as “lutas-danças
que usavam esgrimas ou bastões de madeira como arma eram freqüentes
nas América, especialmente no Caribe, e os escravos reputados exímios
lutadores” (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998, p. 96).
Acredita-se que nos países do Caribe se concentre uma parcela
significativa de manifestações surgidas como uma herança marcial africana
para enfrentar a escravidão. Dentre eles, se destaca a ilha de Martinica,
onde o conjunto de artes de luta praticadas com ou sem armas recebe o
nome de Jés Djér. Talvez a mais conhecida seja a Ladja ou Laggia (ou
Laggya), também chamada de Laghia, ronpoin ou kokoyé, diferentes
formas que co-existem na tradição oral. Chamava-se também Ladja ao
praticante, um bon-vivant do submundo caribenho que corresponde um
pouco ao nosso malandro do início do século passado (video 099).
130
A Ladja sempre é acompanhada por cantos no dialeto nativo
crioulo e por instrumentos de percussão, como o tambor deitado onde o
músico senta-se em cima e bate nele entre as pernas, como alguém atrás
percute na madeira com duas baquetas. Da mesma forma que acontece
com os capoeiristas, para os praticantes de Ladja a música é indissociável
à prática, sem a qual ela simplesmente não existe (GREEN, 2001, p. 9).
(...) a semelhança com a capoeira é, de fato,
impressionante. Não só do ponto de vista técnico
da execução dos movimentos (verifica-se a
presença de movimentos como a armada, queixada,
meia-lua e diversos outros) como, o que é mais
importante, o fato de congregar aspectos lúdicos,
musicais (pratica-se ao som de atabaques) e de
combate corporal (VIEIRA & ASSUNÇÃO, 1998,
p. 95).
Em algumas regiões da América Central, o uso de golpes com os
pés em posição agachada ou usando as mãos para apoiar é chamado wolo.
Em outras regiões (Trinidad, Grande Escuro, Co-Marie, Vauclin, Correntes
de Arlets, Preachy, Schoelcher) se diz que wolo é a prática do Ladja na
água. Ladja usa também algumas projeções, algo próximo às quedas da
Capoeira Regional em que os jogadores encostam o quadril um no outro,
mas sem corpo a corpo prolongado.
A prática requer uma preparação longa e rigorosa do majò
(mestre), um domínio de elementos paranormais e sobrenaturais e a
observância de determinados procedimentos, como a ingestão de alimentos
específicos, banhos especiais, entre outras coisas que ajudam o praticante
a se tornar “um com o cosmos” (DIÈNE, 2001, p. 339). Essa ligação com
aspectos rituais, que alguns qualificam como “quimbois”, um equivalente
ao vodu haitiano, além do uso da música para se comunicar com as
divindades africanas, talvez explique porque a Ladja foi perseguida pela
igreja católica.
Um dos primeiros artigos sobre Ladja apareceu na revista Esquire
em 1939, escrito sob o pseudônimo de Kay Dunn por uma famosa
dançarina e coreógrafa Katherine Dunham (06/22/1910 - 05/21/2006),
pesquisadora e antropóloga afro-americana considerada uma das principais
influências na dança afro-americana. Dunham abriu caminho para as
danças negras na Broadway, além de influenciar futuros professores e
coreógrafos de jazz.
A Katherine Dunham Company, composta apenas por bailarinos
negros e especializada em temas exóticos, nas danças primitivas e
131
principalmente no folclore negro, permaneceu atuante até os anos 60,
coreografou e dançou em Hollywood, atuando tanto na área artística como
na educação. Em sua passagem pelo Brasil, Dunham foi pivô de um caso
de discriminação racial ao lhe ser negada hospedagem em um hotel na
capital de São Paulo. O fato teve tamanha repercussão que Afonso Arinos
de Melo Franco, “membro de uma das mais tradicionais famílias da elite
mineira, redigiu a lei de repúdio ao preconceito racial” (MAGGIE, 2008,
p. 899). Aos 82 anos Katherine Dunham fez uma greve de fome (por 47
dias) em protesto contra a política de deportações de imigrantes do Haiti.
Em sua viagem ao Caribe Dunham registrou em filme diversas
danças, entre elas a Ag’ya (Ladja) em 1936, onde pode se perceber algumas
semelhanças entre a Ladja e a capoeira (video 100). Um trecho do vídeo
mostra alguns movimentos muito parecidos com os que aparecem na cena
de Capoeira do filme Barravento (1961) de Glauber Rocha (video 101).
Mas são os movimentos que se parecem e nem tanto a prática em si, onde
a ginga e o berimbau são os elementos decisivos para marcar claramente
as diferenças entre ambas.
Outras cenas de Ag’ya que também fazem parte da Coleção
Katherine Dunham foram gravadas em 1947, no Teatro Studebaker em
Chicago, EUA, por Ann Barzel (video 102). Os participantes do combate
são Vanoye Aikens e Tommy Gómez. Mais uma vez fica visível a
similaridade dos movimentos com a Capoeira. Além deles, as histórias
semelhantes e a ritualização presente nas duas manifestações apontam
para uma provável origem comum africana (VIEIRA & ASSUNÇÃO,
1998, p. 95).
Na década de 1960 quando o pesquisador americano Alan Lomax
viajou o mundo inteiro para gravar os sons da raça humana, ele registrou
a música característica da Ladja no Caribe (vídeo 100). A música
acompanha os movimentos dos jogadores, acentuando a execução de
determinados golpes, de tal forma que o tempo e as batidas da música
sejam sincronizados com os golpes desferidos pelos lutadores (MARKS,
2003, p. 15).
Assim como na capoeira, a prática da Ladja pode acontecer em
três níveis: a diversão ou parada, um jogo mostrando golpes ou tocando,
mas sem percutir os mesmos; a dança que constitui um treinamento para
a luta, às vezes chamada de Danmyé, uma forma onde domina o ritmo, os
deslocamentos e a habilidade de se movimentar com graciosidade; e o
goumen” onde os golpes procuram o nocaute ou a morte.
132
As várias formas regionais de Ladja foram relacionadas à luta
africana Kadja (ou Kadjia) de Benin, uma forma ritualística praticada em
conjunto com cerimônias agrícolas, mas que enfatiza ações de agarrar e
derrubar (wrestling), em vez de golpes percutidos (GREEN, 2001, p. 10).
Considerada como uma herança marcial africana no Caribe, uma dança
guerreira de origem escrava, principalmente de congos e cabindas, é mais
provável que a Ladja tenha sua origem em partes diferentes da África
incluindo Benin e Zaire.
Existem variantes regionais do jogo, que refletem na sua
denominação. Assim, o estilo mais combativo da região sul é conhecido
como Ladja, como ao norte é denominada Danmyé (GREEN, 2001, p.
9), uma forma mais branda praticada pela comunidade negra da ilha de
Martinica. Danmyé é uma luta dançada, surgida de diversas artes de luta
africanas e presumivelmente inspirada pela cerimônia de iniciação de
N’golo”.
Alguns pesquisadores acreditam que os escravos do Senegal e
outros lugares em trânsito pela ilha de Gorée criaram uma arte de lutar
cuja fonte principal de inspiração seria o ritual que antecede a luta
senegalesa Laamb. Porém, não é possivel ser categórico nesta afirmação,
pois várias práticas culturais que existem na África também podem ser
apresentadas como origens do Danmyé que, somado às condições
históricas e sociais de vida na Martinica, lhe imprimiram sua identidade
específica (video 103).
Arrisca-se afirmar que Danmyé surgiu como uma conseqüência
de artes de luta africanas (mas não exclusivamente) trazidas para as
Antilhas de regiões situadas na Costa dos Escravos (de países como o
Togo, Gana, Benin, Guiné e Senegal) durante o tráfico de escravos. Em
1947 decretos governamentais proibiram a prática de Danmyé, mas graças
à contribuição do Balé de Le Martiniquais e suas competições
coreográficas a luta ressurgiu.
O aspecto de dança do Danmyé foi registrado por Katherine
Dunham na década de 1930 quando ela filmou trabalhadores do porto na
capital da Martinica dançando Danmyé (MARKS, 2003, p. 15). As
semelhanças entre os locais, os personagens e a ação pode levar a quem
vê as cenas sem saber onde foram filmadas a dizer que são estivadores
brasileiros dançando em algum porto como no Recife, Rio de Janeiro ou
Salvador (video 100).
Como luta Danmyé tem a característica distintiva de combinar
preensão com percussão. São incluídas, de um modo específico, formas
133
de agarrar (Kakan), de luta a meia distancia e de combate corpo a corpo,
além de outros elementos enxertados de outras artes marciais e jogos
esportivos de combate, como a luta-livre e o boxe. É provável que suas
próprias bases já continham esses mesmos princípios de luta, onde o
objetivo é derrubar o oponente pondo suas costas no chão (video 104).
A luta lembra um pouco a movimentação da Capoeira, existem
inclusive chutes semelhantes aqueles que os capoeiristas conhecem como
rasteiras, queixadas, armadas etc. Outra semelhança é quando, na fase
introdutória da disputa, os lutadores dançando determinam o espaço para
a luta (video 105). Este aspecto ritual da Danmyé muito se parece com a
“volta ao mundo” da Capoeira Angola e é chamado Kowi Lawon (corrida
circular, em crioulo), momento em que cada jogador vai para o centro do
círculo formado pelos espectadores, em sentido anti-horário, e dança em
direção aos percussionistas, criando um círculo invisível que representa
um espaço mágico onde qualquer pessoa que entrar naquela roda é seu
oponente (MARKS, 2003, p. 15).
Quando praticado sob a forma de esporte, um lutador pode ganhar
depois de aplicar um golpe julgado decisivo pelo árbitro, se somar uma
maior quantidade de pontos em uma luta de 2 minutos, erguendo seu
oponente fora do chão, ou imobilizando-o. Porém, todas os golpes devem
ser contidos e só podem ser dados caso o oponente se recusar a lutar.
Como já foi dito, alguns anciões em Trinidad dizem que todas as
formas do Danmyé e Ladja vêm da Ladja baton, “o ladja, sem vara, não
é ladja, é danmyé”. Outros dizem que os escravos e seus descendentes na
Martinica associaram o uso dos punhos, mãos, braços, pés, joelhos e
cabeça (Ladja) com luta agarrada e imobilização (Kakan) e daí surgiu o
Danmyé, que é uma forma mais branda da Ladja. Para outros a
diferenciação do nome é regional, sendo ladjia no sul, damié no norte
(GREEN, 2001, p. 9).
ALadja” ou “Laggia” (chamada pelos mais antigos de Ag’ya),
presumivelmente surgiu de artes de luta dos povos bantos vindos de regiões
do Benin e Zaire, como a Kadja e provavelmente teria sido inspirada pela
cerimônia de iniciação do “N’golo”. A criação de uma dança guerreira
em Cuba, chamada Mani ou Bombosa também é creditada aos povos
bantos da África Ocidental, como congos e cabindas, mais especificamente
da Serra Leoa (ASSUNÇÃO, 2005, p. 25).
Qualquer semelhança com a capoeira parece não ser mera
coincidência. Segundo o historiador Líbano Soares, eram os congos e
cabindas que também predominavam nas maltas cariocas, em número
134
desproporcional à sua presença no Rio de Janeiro. Isso aponta uma
possibilidade de que o Mani, a capoeira e a Ladja possam ter recebido
influências comuns de formas de luta documentadas na região da foz do
Rio Zaire e da costa ao Norte da África (SOARES, 2002, p. 143).
Supostamente extinto (há controvérsias quanto à sua existência
na atualidade) o Mani cubano surgiu no final do século XVIII entre os
escravos de plantações açucareiras o “baile de combate”, chamado pelos
cubanos de Mani, também conhecido como Bombosa. Bonito e perigoso
ao mesmo tempo, os golpes eram desferidos preferencialmente com as
mãos, mas cabeçadas, cotoveladas, varreduras e pontapés também podiam
ocorrer. Cheio de movimentos enganosos com o corpo, era acompanhado
por canções características em kikongo ou criole ao ritmo dos tambores
de yuka, um tipo de tambor do Congo ainda hoje utilizado na ilha (DESCH-
OBI, 2008, p.136).
Os espanhóis proprietários de escravos em Matanzas, província
produtora de açúcar a leste de Havana no século XIX, patrocinavam
festivais nos domingos, chamados conguerías, onde formavam times de
escravos lutadores de Mani para apostarem nos vencedores (MARKS,
2003, p. 16). Ao mesmo tempo, Mani também era utilizado nas revoltas.
Os praticantes eram chamados maniseros e utilizavam-se também de paus
e facas.
Há gravuras e escritas antigas que descrevem el Baile del Mani
como uma disputa pugilística entre dois homens que se movem no ritmo
dos tambores yuka. Ao som das canções dos “gallos”, solistas que
competiam entre si, um dançarino no meio de um círculo começava a
fazer movimentos que imitavam um combate e escolhia um “adversário”
para entrar na “roda”. O eleito entrava no círculo e, em harmonia com o
outro dançarino, ambos faziam movimentos entre a dança e a luta (LEÓN,
1974, p. 67).
Assim como a Ladja e Danmyé na Martinica, a música
acompanhava o desempenho dos lutadores, acentuando determinados
golpes, alguns semelhantes aos encontrados na capoeira, como a rasteira.
Em 1965 foram registrados em áudio alguns cantos e toques de tambores
com a ajuda de um antigo manisero, mas “nesta época, o gênero já havia,
há muito, se tornado obsoleto” (MARKS, 2003, p. 16).
Mas não se trata apenas da lagya da Martinica e do
mani cubano. Até mesmo na Venezuela temos
indícios de lutas marciais de origem africana
aparentadas com a capoeira. Muitas já fazem parte
135
do roteiro folclórico do Caribe, mas também foram
lidas por militantes negros norte-americanos, nos
anos 60, como legados da secular luta racial no
continente e, em menor medida, por intelectuais
brasileiros interessados em resgatar um passado
esquecido a partir de novos olhares (SOARES,
2002, p. 143).
Durante o período da escravidão na Venezuela foi desenvolvida
uma luta chamada Broma ou Bruma (“brincadeira” em espanhol), de
origem e influência africana. Atualmente seus praticantes se concentram
na cidade costeira de Curiepe e vem incorporando novas influências. O
estilo tradicional enfatizava o uso de pontapés, cabeçadas, e varreduras
(GREEN, 2001, p. 10). Sob a forma de uma dança guerreira guarda alguma
semelhança com a Capoeira, porém como luta pode se utilizar de armas
(faca, machete e bastões) e técnicas de combate encontradas na África
Central e do Oeste, como aquelas em que a cabeça é a arma principal.
Também são utilizadas quedas semelhantes à luta senegalesa Laamb e à
luta dos povos nubianos.
Um relato creditado a John Stedman descreve uma dança com
características de luta do Suriname nos anos 1770, praticada pelos escravos
trazidos do reino independente de Loango, situado nas margens do rio
Congo, que golpeavam um ao outro apenas com as pernas, nunca com as
mãos (TAYLOR, 2005, p. 225-226). Fala-se também da dança Susa
praticada pelos povos Saramaccan e Ndyuka no Suriname que teria alguns
movimentos semelhantes com a capoeira. Era acompanhada por tambores
e palmas e teria origem no século XVII a partir de uma luta africana
chamada Nsunsa (GREEN, 2001, p. 10).
Não só na Venezuela, como por todo o Caribe, em Cuba ou no
Brasil, onde quer que houvesse escravidão negra, nascia ali um conjunto
de técnicas de ataque e defesa entre os escravos que também servia como
um pólo de união de grupos diversos que, por meio da prática marcial
repartiam uma parte de sua cultura original para conservar sua identidade
de grupo. Ao (re)criar sua cultura nas Américas, o africano utilizou-se
desse “feed-back” que era guardado no corpo e transmitido através das
gerações para, misturado aos condicionantes locais, gerar uma nova
cultura.
No auge das plantações de cana de açúcar nos períodos coloniais
no continente americano, as heranças culturais africanas regadas pelo
sangue da escravidão nas Américas fizeram florescer diversas
manifestações de resistência não só física, mas também cultural, em que
136
a destreza e o vigor físico se aliavam a uma sofisticada corporalidade e
gestualidade para buscar na memória as matrizes da organização das
técnicas de luta apropriadas para reagir a escravidão.
Combinando música e luta, diversão e ritual, essas práticas
permitiam a renovação de uma identidade perdida, onde a magia dos
“jogos de luta” tinha um papel importante então na vida da população
escrava, permitindo livrar momentaneamente a mente do corpo torturado
pelos problemas sociais diários e trazendo em si mesmos os meios
necessários aos processos de informação cultural e revolucionária.
Essas técnicas de luta teriam evoluído para novas formas de
combate, pois boa parte dos conhecimentos que veio com os escravos no
bojo dos navios negreiros teve que ser adaptar a uma nova realidade,
violenta e covarde. Muitas delas seriam continuações modificadas das
lutas ritualizadas praticadas na África. Por exemplo, as técnicas de
combate agarrado, tipo Luta Livre, não tinham muita serventia, uma vez
que as situações de combate aconteciam pela necessidade do escravo
conseguir se desvencilhar de seus atacantes, e isso era impossível se ele
se agarrasse a um deles.
Os primeiros guerreiros africanos logo perceberam que não era
prudente atracar-se com seus opressores numa luta corpo a corpo, uma
vez que os escravagistas queriam impedir-lhes a fuga, restringir-lhes os
movimentos, privá-los da sua liberdade para transformá-los em escravos.
Então o mais coerente era não deixar-se agarrar, derrubar os atacantes
que acaso estivessem atrapalhando a rota de fuga e sumir, por isso as
lutas criadas pelos africanos durante a diáspora forçada para as Américas
nos anos de escravidão se desenvolveram com poucas técnicas de
imobilização ou luta no chão.
A estratégia mais comum da maioria dos sistemas organizados
de combate desenvolvidos pelos negros escravizados era derrubar e fugir.
Assim, foram descartadas algumas técnicas das lutas originais africanas
e privilegiados alguns princípios básicos, como a esquiva como início do
“revide”, a movimentação constante (ginga), os golpes predominantemente
circulares e rasteiros, a movimentação com o apoio das mãos, os saltos
para afastar-se rapidamente, etc.
Apesar da origem comum, da ligação com um plano mítico e da
transformação do corpo em arma, as especificidades de cada uma das
manifestações de resistência cultural geradas nas Américas a partir de
uma herança marcial africana parecem ter sido definidas, em parte, pela
utilização de determinados instrumentos musicais, por adotar ou não o
137
uso de armas, pelas formas e equipamentos usados para reprimir seus
praticantes, através do emprego de determinadas ferramentas de trabalho,
máquinas e outros utensílios com que o homem atuava sobre a natureza,
etc.
Tudo indica que os negros escravizados trazidos para as Américas,
em resposta a esse novo ambiente, criaram uma nova cultura como forma
de união de grupos diversos. Esse processo contribuiu para o
desenvolvimento de artes de combate que, interagindo em cima de
elementos tradicionais de diferentes bagagens culturais minimamente
articuláveis, como a língua e a dança, foram capazes de combinar música
e técnicas marciais, manifestando tais práticas como jogo, como luta e
como dança, sem assumir efetivamente nenhuma destas características
isoladamente, mas sendo todas ao mesmo tempo.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da origem da música estar ligada com a experiência
humana com o sagrado, em tempos de guerra também desempenhava
outras funções: como meio de comunicação e como uma arma psicológica.
Talvez isso explique porque que no Olimpo o deus Apolo acumulava os
departamentos da música e também da arte do arco e flecha. A peça
formada por uma haste flexível com as extremidades ligadas por uma
corda ou correia – compondo com a flecha uma arma de arremesso –
coincidentemente também pode ser utilizada como um instrumento
musical. Talvez o mais antigo do mundo.
Considerado o precursor da harpa, o arco musical é utilizado pelo
homem desde a Idade da Pedra Lascada, sendo que há evidências de que
já estava em uso por volta de 15.000 a.C. (SHAFFER, 1977, p. 7). Não é
difícil imaginar nossos ancestrais pré-históricos retornando de uma caçada
ou de uma batalha bem sucedida e “tirando um som” de seu arco,
transformando o instrumento marcial em musical (ou teria sido ao
contrário?) como seus companheiros dançavam para reproduzir os
movimentos usados na batalha. Teria sido esta a primeira roda de capoeira
do mundo?
Ainda hoje o arco musical desempenha um papel de destaque na
música tradicional da Oceania e de alguns povos da África, como os san,
os xosa e os zulus. Recentemente o instrumento ganhou fama mundial na
forma do berimbau que acompanha o jogo da capoeira. Até o final do
século XIX o berimbau era usado apenas por músicos de rua e pregoeiros
(vendedores ambulantes) para anunciar seus produtos, mas depois que
foi associado à roda de capoeira tornou-se emblemático que é considerado
essencial à prática da luta-jogo brasileira.
Berimbau e capoeira. Talvez a simbiose ideal da força ao ritmo,
o casamento mais perfeito entre a música e a luta. Mas não é o único. O
ufanismo de alguns escritores nacionalistas do passado, que continuam a
servir de referência inclusive em trabalhos recentes, apresentam a capoeira
como manifestação esportiva singular da nação brasileira, que não
encontra semelhante em nenhum lugar do mundo. Esta exclusividade teria
seu distintivo maior no uso da música para o acompanhamento da luta.
Um dos textos mais conhecidos é de autoria de Dias Gomes que
descreveu o capoeira como “um artista e um atleta, um jogador e um
poeta”. As belas palavras publicadas no encarte do LP Capoeira, Luta de
139
Bailarinos (Ed. Xauá, s.d., 1960 a 1968) que retratam a capoeira com
lirismo de rara beleza, vêm sendo repetidas à exaustão em diferentes mídias
como sites, livros, folders, vídeos e trabalhos acadêmicos, e perpetuando
o equívoco em afirmar a exclusividade da presença da música em sua
prática.
Ao contrário do que algumas pessoas acreditam e às vezes ainda
é propagado erroneamente, a capoeira não é a única luta cuja prática está
associada visceralmente com a música. Apesar de ser uma das mais
conhecidas, ela não é a única forma de luta que se beneficiou da aparência
de dança para enfrentar o afã de seus opressores.
Assim como acontece na capoeira e em outras manifestações
surgidas durante o período da escravidão negra, a música, a dança, o
teatro, estão ligados de forma visceral em muitas lutas que combinam os
aspectos de combate com o aspecto estético, assim como o conceito de
jogo e a música com propósitos sociais e religiosos, mantendo conexões
com ritos de fertilidade, adoração ancestral e convicções animistas. De
acordo com os resultados preliminares apontados neste trabalho, esta
situação não se restringe aos países da África, mas acontece em todos os
continentes.
No caso das pessoas privadas de suas raízes e marginalizadas
pela escravidão, elas buscaram a restauração de uma ordem social próxima
das sociedades tradicionais por meio da “ritualização” do conflito que,
segundo Líbano Soares (1999) era um dos aspectos mais importantes da
cultura construída pelas maltas de capoeiras na Corte no século XIX,
pois servia como uma espécie de espaço mítico que possibilitava uma
interação social.
A aproximação com um plano mítico possibilitou a criação de
uma atitude contestatória por parte dos escravos dentro do meio que os
oprimia. O escravo-lutador era por si só um emblema da contestação. Em
toda a história suas atitudes e estratégias para sobreviver de acordo com
seus próprios princípios geraram admiradores entusiasmados e inimigos
ferrenhos. Transformados em lutadores de “corpo fechado” eram a
personificação da ameaça física aos escravocratas.
Semelhante ao que aconteceu com a capoeira no Brasil, após o
fim da escravidão comunidades negras no Caribe e em algumas regiões
da África continuaram a aperfeiçoar as técnicas brutas oriundas das lutas
africanas, refinando seus gestos, passando a praticar suas lutas numa forma
de jogo amistoso, onde o acompanhamento musical sempre teve papel
fundamental. A aproximação com a dança era manifestada no intuito de
140
mostrar plasticidade nos movimentos utilizados durante essas práticas e
gerou uma atividade lúdica dentro da comunidade, mas que também era
muito útil nas situações de confronto corporal.
Em todas essas manifestações de luta com raízes africanas existem
semelhanças evidentes, sendo a mais notória o uso da música, não só
para comandar o andamento dos combates, mas também como forma de
comunicação para a transmissão do aprendizado marcial, sem a
necessidade da comunicação escrita. Acompanhando a música, como
forma de comunicação numa dimensão educativa, são interpretadas
canções contando histórias ancestrais, os feitos dos grandes campeões,
orientando os lutadores, etc.
A música também é, e sempre foi, um importante elemento para
ajudar a aliviar as dores do espírito e treinar o corpo. O uso da música
nestas diversas práticas era uma forma de preparar as pessoas para resistir
física e psicologicamente às diversas formas de violência. Por meio do
ritmo criado por instrumentos de percussão se desenvolve um eficaz senso
inato de coordenação e noção de tempo (timing) no praticante, bem como
deslocamentos funcionais para a esquiva e ataque precisos (como a ginga
da capoeira) que acabam escamoteando a verdadeira função dos
movimentos (GREEN, 2001, p. 4).
É bem possível que, por estes padrões de treinamento terem sido
vistos apenas como “danças de guerra” ao invés de exercícios marciais, a
associação da música com as práticas dos guerreiros africanos tenha sido
um dos principais fatores que permitiu que essas estratégias de resistência
marcial frente à escravidão lograssem êxito. O exemplo mais conhecido
atualmente é, sem dúvida, a capoeira, mas outras lutas com aspectos e
histórias semelhantes já começam a ser mais divulgadas, ao menos em
trabalhos acadêmicos.
Durante esta pesquisa verificou-se inclusive que algumas destas
práticas foram revitalizadas depois que a capoeira foi introduzida naqueles
países, quando o exemplo da luta brasileira estimulou a busca de suas
raízes autóctones. Talvez seja razoável creditar que o longo processo de
aceitação da capoeira no Brasil e sua posterior disseminação mundo afora
se deu, é claro, por sua riqueza de conteúdos - com destaque para a sua
musicalidade - mas também por fatores específicos que ocorreram em
nosso país e que não tiveram ocorrências semelhantes em outros lugares
onde havia práticas similares a capoeira.
De crime nacional a modismo internacional, uma prática associada
a malandros e vagabundos transmutou-se em uma atividade ligada a ações
141
sociais promovidas por educadores populares, passando inclusive de
“coisa do demônio” a ser utilizada como instrumento de evangelismo.
Essas transformações recentes da capoeira promoveram mudanças
significativas em seu interior, algumas positivas, outras nem tanto.
A necessidade de atender aos anseios da classe social dominante
visando, entre outras coisas, tornar-se uma fonte rentável para servir como
meio de subsistência aos seus praticantes, muitos deles inseridos nas rixas
de grupos articulados com uma visão esportivizada, acabou gerando a
desarticulação de sua simbologia metodológica revolucionária para colocá-
la a serviço do sistema.
O efeito mais visível da lógica perversa do sistema capitalista
que torna a capoeira em mero produto comercial foi a disputa por espaços
no mercado consumidor da capoeira. O desvirtuamento dos valores
intrínsecos à capoeira desenvolveu um perfil alienador na prática,
manifestado na apropriação de elementos de outras lutas já consagradas,
no uso de anabolizantes, em episódios de violência estimulados pelos
pseudo-mestres, entre outros.
Além do embate físico, a polêmica acirrada relacionada ao grau
de “purismo” deste ou daquele estilo ou grupo de capoeira também se
transformou numa disputa que só tem contribuído para dificultar a união
dos capoeiristas que, ao menosprezar a questão da pluralidade e da
diversidade das práticas da capoeira, acabam esquecendo os próprios
discursos em que afirmam que a capoeira é uma “luta libertária” e “livre
como o vento”.
Uma das questões mais recorrentes nas diferentes linhas de
capoeira é a constante menção aos conhecimentos históricos relativos ao
passado. Alguns fatos, convenientemente recortados, são apropriados
pelos capoeiristas e divulgados em relatos orais e escritos por mestres, ou
sobre eles, e também em músicas cantadas durante as rodas.
Sem diminuir a importância da contribuição da história oral, é
preciso estar atento quando a mitologia assume exclusivamente o papel
das fontes básicas para explicar a trajetória da capoeira, dando significados
diferentes aos momentos históricos para justificar determinados atos como,
por exemplo, a adoção de determinados recursos de ensino.
Uma vez que muitos mestres de capoeira não tiveram acesso à
educação formal, a maioria das vezes a interpretação histórica feita por
eles não se dá por meio de uma coleta de informações criteriosa,
obedecendo a critérios metodológicos científicos. Neste contexto, são
repassadas informações selecionadas de recortes específicos da História
142
do Brasil, como aquelas divulgadas pela ditadura de Getúlio Vargas,
quando o Estado Novo buscava obter a simpatia das minorias excluídas.
Dentre as ideias favoráveis ao regime ditatorial populista de
Getúlio Vargas, algumas transformadas em tradição pelos escritores da
Direção da Imprensa e Propaganda do Estado Novo, aparecem o mito da
escravidão “branda” em terras brasileiras e a exaltação da capoeira como
a luta “mestiça” capaz de refletir o patriotismo brasileiro em episódios
como o levante das tropas estrangeiras em 1828 no Rio de Janeiro e a
participação das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai.
O desenvolvimento do conhecimento científico e o uso de
tecnologias emergentes de informação - principalmente dos recursos da
internet - já permitem conhecer outras lutas que também fazem uso da
música, mesmo que de forma diferenciada ao que acontece com o jogo
da capoeira.
Ainda que a capoeira reúna características específicas que a
diferenciam de outras manifestações africanas que migraram para os países
onde houve a escravidão negra, como o protagonismo do berimbau em
relação aos tambores, caracterizado pela criação de toques como aquele
que funcionava como um sinal de alerta indicando a vinda das forças da
repressão, parece haver muito pouco espaço para dúvidas que existem
características semelhantes entre ela e outras lutas desenvolvidas nas
Américas ou nas ilhas do Oceano Índico por africanos e seus descendentes.
A relação da música com as lutas desenvolvidas durante a diáspora
africana nos anos da escravidão deixa evidente a influência decisiva do
“gens” africano. Além da musicalidade que atesta a ligação dessas lutas
com o continente africano, os rituais semelhantes e os componentes lúdicos
e ritualísticos similares presentes nestas práticas são fortes indicativos da
contribuição africana. Nas tradições africanas, principalmente entre os
povos chamados banto, a luta tem características de dança e como tal, é
acompanhada por algum tipo de música.
A partir da “memória marcial” resgatada pelos povos africanos
traficados, a construção do gestual dessas artes combativas também sofreu,
ainda que num grau menor, a influência de outras culturas. Inclusive a
européia, mesmo que indiretamente, pois era contra os colonizadores que
o escravo precisava lutar. O conflito permanente entre as classes -
opressores e oprimidos - foi determinante para o desenvolvimento dessas
lutas, pois a necessidade de desenvolver estratégias para ocultar as técnicas
de combate usadas para se defender de seus algozes foi decisiva para a
caracterização de cada uma delas.
143
Não é à toa que alguns sociólogos definem a sociologia como
um esporte de combate, onde a própria sociedade seria um espaço de
lutas entre os diferentes grupos sociais. Neste quadro, a questão das artes
marciais surge como uma ferramenta para as lutas sociais, pois seus
praticantes desenvolviam estratégias coletivas de resistência cultural e
de luta social em favor de seus interesses que tinham alguma coisa a ver
com ideia do mundo de seus criadores. Dentro deste contexto, as lutas
funcionavam como uma espécie de “espelho” dos movimentos sociais,
no sentido de cada grupo repassar às novas gerações filosofias próprias,
inscritas no corpo que luta, no corpo educado para se comportar de acordo
com a cosmovisão do mundo em que cada indivíduo vivia.
Ao longo deste trabalho de investigação sobre a relevância da
música na prática da capoeira, buscou-se dar uma pequena contribuição
para a pesquisa da dimensão educativa que envolve tais relações, visando
reforçar os aspectos e valores positivos relacionados a essas práticas frente
às pressões impostas pela mentalidade “globalizada” pelo capitalismo no
sentido de diminuir “o impacto dos seus modelos de consumo sobre as
visões de mundo dos agentes ligados a essas práticas culturais” (CORTE
REAL, 2006, p. 160).
Mais do que apresentar subsídios teóricos que respaldem sob
diferentes tipos de argumentos a aspiração de um “sentido objetivo” para
se estudar as aproximações da capoeira com outras lutas no contexto da
música, o presente trabalho busca acrescentar novos questionamentos para
futuras análises do fenômeno. A intenção é provocar outros trabalhos –
ou ao menos a discussão – sobre o tema que, ao que parece, até então tem
sido tratado apenas secundariamente ou de maneira muito restrita nos
trabalhos acadêmicos.
O esforço desta pesquisa ao relacionar algumas das lutas que são
praticadas com acompanhamento musical, é de contribuir para que a
capoeira, além de uma prática lúdica possa ser também cada vez mais
lúcida, fornecendo subsídios preliminares para que se questione a
afirmação de “não haver, no continente africano e nos outros países
influenciados pela raça negra, nada parecido com a capoeira” (SILVA,
2002, p. 11).
144
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video 103 - DÉMONSTRATION DANMYÉ TI-MANMAY À
MADIANA MARTINIQUE F.W.I in: VENIMEUX, 5 de fevereiro de
2010. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=cHKVF_nvSfc.
Acesso em: 04/01/2010.
175
video 104 -DAMYÉ LADJA MARTINIQUE SPORT DE COMBAT ET
TAMBOUR in: martiniquevibe, 6 de janeiro de 2008. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=kfFY7ouljDc. Acesso em: 02/01/2010.
video 105 - AN KOUT-TANBOU DANMIE in: Wanakera, 23 de março
de 2008. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=sujM5lPsoqc.
Acesso em: 02/01/2010.
176
GLOSSÁRIO
01 - FALÁCIA Argumento logicamente inconsistente, sem fundamento,
inválido ou falho na capacidade de provar eficazmente o que alega,
destinado à persuasão e que pode ter validade emocional, psicológica ou
emotiva, mas não validade lógica.
02 - SOFISMA (do grego antigo óüÕéóìá -áôïò, derivado de óïÕßîåóÑáé
“fazer raciocínios capciosos”) Em filosofia, é um raciocínio aparentemente
válido, mas inconclusivo, pois é contrário às próprias leis. É um conceito
que remete à ideia de falácia, sem ser necessariamente um sinônimo.
Atualmente, no uso freqüente e do senso comum, sofisma é qualquer
raciocínio caviloso ou falso, mas que se apresenta com coerência e que
tem por objetivo induzir outros indivíduos ao erro mediante ações de má-
fé.
03 - SOFTWARE Nome dado ao comportamento exibido por uma
seqüência de instruções quando executada em um computador ou máquina
semelhante.
04 - WEBSITE Site, sítio, websítio, sítio na web, ou sítio eletrônico é um
conjunto de páginas web, isto é, de hipertextos acessíveis geralmente
pelo protocolo HTTP na Internet.
05 - YOUTUBE Nome do site que permite que seus usuários carreguem
e compartilhem vídeos em formato digital.
06 - MANDUCA DA PRAIA Famoso capoeira carioca temido pela polícia
e até pelos próprios capoeiristas, teria vivido por volta de 1850. Era
capoeirista por conta própria, sem se ligar a nenhuma malta. Respondeu
a 27 processos por lesões corporais leves e graves, e não foi punido por
nenhum, devido a sua grande influência.
07 - SAMURAI Classe de guerreiros da aristocracia do Japão entre 1100
e 1867. Pelo fim da era Tokugawa, os samurais eram burocratas
aristocráticos ao serviço dos daimyo, com as suas espadas servindo para
fins cerimoniais.
177
08 - MACULELÊ Misto de dança e jogo de bastões (grimas) ou facões
com os quais os participantes desferem e aparam golpes ao final de cada
frase da música.
09 - FOOTWORK Literalmente “trabalho de pernas”, movimentos usados
nas trocas de bases nas lutas.
10 - JEET KUNE DO (Chinês: *bóbS• Cantonês: Jitkyùndou Pinyin:
Jiéquándào, lit. “O modo de se interceptar o punho”) Neo-sistema de
combate que é uma sintêse dos pensamentos do artista marcial e ator
Bruce Lee, que não se resume a uma técnica, mas essencialmente à uma
filosofia advinda principalmente da corrente Taoísta, com influências do
Zen Budismo, e de Krishnamurti.
11 - PATUÁ Amuleto protetor conhecido por sua fama de “fechar o corpo”
contra todo tipo de perigos físicos ou malefícios diabólicos, protegendo
quem o carrega de agressão física produzida por quaisquer instrumentos.
O mesmo que breve.
12 - CAPOEIRA ANGOLA Denominação comum ao estilo de capoeira
caracterizado por toques de berimbau, filosofia e rituais específicos na
prática do jogo, considerada por muitos a “Capoeira Mãe”. Tal
denominação teria surgido a partir da necessidade de se diferenciar a
capoeiragem (original ou primitiva) praticada por aqueles que não seguiam
a Luta Regional Baiana criada por mestre Bimba.
13 - MEIA LUA DE COMPASSO Golpe em que o capoeirista avança um
passo, ficando de costas para o oponente, flexiona esta perna, apóia as
duas mãos no chão e ergue a outra perna descrevendo um semicírculo no
ar, retornando à posição inicial.
14 - CHAPA DE CHÃO Movimento em que o capoeirista, de costas para
o adversário e com as duas mãos e um pé apoiados no chão, eleva a outra
perna flexionada e estende chutando o oponente com a planta do pé.
15 - RASTEIRA Movimento desequilibrante em que o capoeirista, apoiado
nas mãos (ou não), se agacha sobre uma perna, enquanto a outra, esticada,
descreve um semicírculo para frente, colocando o pé ou a perna entre as
178
de outra pessoa, e ao arrastá-la provocar-lhe a queda; calço, cambapé,
pernada, rabanada, passapé, travessa.
16 - NEGATIVA Posição defensiva em que o capoeirista tendo uma das
mãos apoiada no chão e a perna do mesmo lado estendida para frente,
senta-se agachado na outra perna e protege o rosto com a outra mão.
17 - GINGA Movimento do corpo de um lado para outro, ritmado, do
qual partem todos os golpes ofensivos ou defensivos da capoeira, e em
que o capoeirista, agitando-se sem deixar de manter a base de apoio, em
conjugação com as mãos, procura iludir e desnortear o adversário. É a
movimentação corporal basilar do capoeirista, que impede o confronto
direto entre os capoeiristas, fazendo com que a Capoeira deslize entre
uma zona intermediária e ambígua situada entre o lúdico e o combativo.
18 - CHAMADA DE ANGOLA Momento de ruptura do jogo de Angola,
quando um dos capoeiras “chama” o outro para o “passo a dois”; tem
como objetivo testar o conhecimento de seu oponente e ao mesmo tempo
é usada para reiniciar o jogo. Em qualquer chamada o angoleiro deve ir
ao pé do berimbau, fazer a saudação para atender a chamada. Existem
várias formas de chamar, as mais comuns são: de frente, agachado
(sapinho) e de costas.
19 - ARMADA Golpe contundente rodado em que o capoeirista faz um
giro com o corpo ereto, elevando uma perna para atingir o alvo com a
borda externa do pé.
20 - PARAFUSO Movimento em que o capoeirista dá uma armada e
simultaneamente chuta um martelo com a outra perna, caindo primeiro
com a perna que deu a armada e depois com a que deu o martelo.
21 - MARTELO Golpe traumatizante em que o indivíduo levanta a perna
flexionada estendendo e chutando o adversário com o dorso do pé, girando
o pé de apoio e o tronco para o lado que a perna levantada chuta.
22 - CHAPA GIRATÓRIA Golpe onde o capoeirista gira o tronco e, de
lado para o adversário, eleva uma perna flexionada e estende chutando o
oponente com a planta do pé.
179
23 - TECNO Nome utilizado para designar um estilo musical eletrônico
que surgiu em meados de 1980. Refere-se primariamente a um estilo em
particular criado nos EUA com influências alemãs e desenvolvido nos
arredores da cidade de Detroit, subsequentemente adotado por produtores
europeus. O termo techno é freqüentemente utilizado erroneamente para
descrever todas as formas de música eletrônica.
24 - BREAKDANCE Um dos elementos da cultura do Hip Hop. B-boying,
Popping e Locking, por convenção, chama-se todas essas danças de Break
Dance. Apesar de terem a mesma origem, são de lugares distintos e por
isso apresentam influências das mais variadas. A dança é inspirada nos
movimentos da guerra.
25 - CAPOEIRA REGIONAL Criação de Manuel dos Reis Machado, o
mestre Bimba, onde os movimentos são mais rápidos e houve a introdução
de golpes de outras lutas. Tem caráter desportivo e é praticada com método,
exercícios físicos, regras e campeonatos.
26 - BALÃO CINTURADO Movimento em que o capoeirista abaixa-se,
encaixa seu ombro na altura da cintura de seu camarada (que entrou numa
parada de mão começada por um aú) fazendo uma alavanca, ergue o corpo
arremessando-o para cima.
27 - BANDA CRUZADA Queda em que o capoeirista entra segurando a
perna do adversário com uma das mãos e o ombro com a outra, passando
uma rasteira por dentro da perna que está no chão.
28 - BANDA DE COSTAS O capoeirista entra no golpe do adversário,
abaixa e segura com uma das mãos a perna do oponente, e com a outra
empurra o peito, arremessando-o por cima de suas costas.
29 - PASSA PÉ Movimento semelhante ao da rasteira, aplicado de pé em
frente ao adversário.
30 - TESOURA Assim são chamadas as quedas aplicadas com ambas as
pernas envolvendo o corpo do adversário para em seguida torcer o quadril
e jogá-lo no chão.
180
31 - TESOURA VOADORA Qualquer tesoura onde o indivíduo salta
sobre seu oponente para aplicar o golpe.
32 - BLACK CODES Conjunto de leis usadas pelos antigos estados
escravocratas para re-instituir o trabalho forçado para os negros após a
abolição da escravidão nos EUA.
33 - SAMBO (em Russo: Càìáî) Arte marcial moderna originariamente
desenvolvida na União Soviética e reconhecida como esporte pela URSS
desde 1938. Sambo é um anagrama de “CAMîçàùèòà Áåç Oðóæèÿ”
(SAMozashchita Bez Oruzhiya), que em tradução livre pode significar
“autodefesa sem armas”. O praticante de Sambô é denominado samboca
ou sambista (do Russo ñàìáèñò - sambist).
34 - SOCO-INGLÊS Também chamada de soqueira é uma arma feita de
metal, com quatro orifícios para se encaixar aos dedos como anéis,
causando mais dano e ferimentos à vítima atingida pelo soco. O objeto
foi criado na Inglaterra, apesar de ser chamado de “coup de poing
american” na França, o que em português significa “golpe de punho
americano”.
35 - TANGO Tipo musical e uma dança a par. Tem forma musical binária
e compasso de dois por quatro. A coreografia é complexa e as habilidades
dos bailarinos são celebradas pelos aficionados.
36 - CALIPSO Genero musical caribenho.
37 - SAMBA Genero musical de onde deriva um tipo de dança de raízes
africanas, surgido no Brasil e tido como o ritmo nacional por excelência.
38 - APARTHAID Política estabelecida na África do Sul até 1991, baseada
no desenvolvimento separado das raças. Esse regime foi condenado por
todos os países membros da ONU, que votou, contra ele, um embargo
sobre as armas em 1977 e, a partir de 1985, sanções econômicas em
diversas ocasiões.
39 - WRESTLING Desporto onde dois oponentes lutam entre si pela
vitória usando apenas o próprio corpo. Semelhante à luta Greco-Romana
consiste em imobilizar o oponente, dando muita ênfase em levar o
181
adversário ao chão com quedas. De acordo com a Federação Internacional
de Estilos Associados de Wrestling (FILA), as quatro principais formas
de wrestling amador competitivo praticadas internacionalmente nos dias
de hoje são o Wrestling Greco-Romano, o FreeStyle wrestling, o Judo
wrestling e o Sambô wrestling. É esporte olímpico desde a criação dos
Jogos Olímpicos da era moderna, tendo somente falhado a edição de 1900.
40 - GRIOT Na tradição africana é a pessoa que encarna a cultura do seu
povo em si próprio. Esse artista profissional desempenhou um papel crucial
como historiador nas monarquias reinantes entre os séculos X e XX em
várias áreas da África. O costume teria surgido há muito tempo atrás,
numa aldeia Wolof em guerra com uma aldeia vizinha. Aquelas pessoas
decidiram escolher alguém para acompanhar os guerreiros nas batalhas,
para cantar elogios para eles, enaltecendo suas virtudes, para estimular a
confiança e a moral dos combatentes. Essa mesma pessoa voltaria para
casa para anunciar à aldeia o resultado da guerra, quem tinha morrido,
quem tinha sobrevivido, e o que cada um tinha feito. Em tempos de paz,
passou a ter a função de lembrar a comunidade toda grandeza de suas
tradições, e das realizações dos que vieram antes deles. Esses contadores
de histórias vivem hoje em muitos lugares da África ocidental, incluindo
Mali, Gâmbia, Guiné, e Senegal, e estão presentes entre os povos Mandê
ou Mandingas (Mandinka, Malinké, Bambara, etc.), Fulbe (Fula), Hausa,
Songhai, Tukulóor, Wolof, Serer, Mossi, Dagomba, árabes da Mauritânia
e muitos outros pequenos grupos. A palavra pode derivar da transliteração
para o francês “guiriot” da palavra portuguesa “criado”.
41 - RODA DE RUA Roda de capoeira que acontece tradicionalmente
em locais públicos, sem vínculo direto com grupos, academias ou
associações, onde não se usa uniformes e não há regras pré-estabelecidas,
imperando a ética da malandragem e ninguém sabe o que pode acontecer.
42 - FEED BACK Palavra em inglês que no português é usada com o
significado de retorno, resposta, crítica, análise crítica.
43 - ABADÁ CAPOEIRA A Associação Brasileira de Apoio e
Desenvolvimento da Arte - Capoeira, criada em 1988 por mestre Camisa,
é um dos maiores grupos de Capoeira do mundo. Tem representação em
mais de 25 países e em todos os Estados do Brasil.
182
44 - PIÃO DE CABEÇA Movimento em que o indivíduo apóia a cabeça
e as mãos no chão, abre as pernas, dá um impulso com as mãos tirando-as
do chão, girando de 360 graus.
45 - LUTA DO BODE Estranha luta praticada no Brasil colonial por
escravos que se parecia com uma briga de bodes, onde os dois contendores
usavam a cabeça para atacar e derrubar os adversários.
46 - RITO DE PASSAGEM Celebrações que marcam mudanças de status
de uma pessoa diante da sua comunidade. Existem em todas as sociedades
e servem para reafirmar os seus valores. O termo foi popularizado pelo
antropólogo alemão Arnold van Gennep no início do século XX para
caracterizar o conjunto de representações simbólicas que preparam a
criança para se tornar adulto, ou gama de desafios obrigatórios necessários
para o jovem integrar-se plenamente ao grupo a que pertence. Outras
teorias foram desenvolvidas por Mary Douglas e Victor Turner na década
de 1960. Essas cerimônias frequentemente eram ligadas ao derramamento
de sangue (pela procriação ou pela alimentação) e significavam a
integração daquela pessoa como membro produtivo da tribo,
simbolicamente misturando o seu próprio sangue ao sangue do seu clã.
Os ritos de passagem são realizados de diversas formas, dependendo da
situação celebrada; desde rituais místicos ou religiosos até assinatura de
papéis, representando a progressiva aceitação e participação do indivíduo
na sociedade na qual se insere, tendo tanto o cunho individual quanto o
coletivo. Todas essas cerimônias marcam pontos de desprendimento.
Velhas atitudes são abandonadas e novas devem ser aceitas.
47 - CHAPA Golpe traumatizante em que o capoeirista, de lado para o
adversário, eleva uma perna flexionada e estende chutando o abdômen
do oponente com a planta do pé.
48 - PISÃO Golpe traumatizante onde o capoeirista lança rapidamente a
perna que está atrás na ginga contra o adversário, atingido a região do
abdome com o calcanhar.
49 - RABO DE ARRAIA Golpe traumatizante em que o jogador gira o
corpo sobre a cabeça com o tronco baixo, em grande velocidade e levanta
uma das pernas em semicircunferência para atingir o adversário, no tronco
ou na cabeça, com o calcanhar. Meia-lua de compasso sem o apoio das
183
mãos no chão. Meia lua de compasso na Capoeira Angola. Movimento
em desuso, quando o capoeirista, depois de se abaixar para frente, apóia
as mãos nos dois pés do adversário, ou segurando em suas calças, lança o
próprio corpo contra o outro, com os pés na direção do rosto, caindo
sentado sobre ele.
50 - MEIA LUA DE FRENTE Golpe traumatizante em que o indivíduo,
na posição da ginga, ergue a perna que está atrás descrevendo um
semicírculo de fora para dentro no ar, retornando a posição inicial.
51 - QUEIXADA Golpe em que o capoeirista cruza uma perna por trás
da outra, ficando de lado para seu adversário, levantando a perna que
está na frente e, descrevendo um semicírculo no ar, retorna à posição
inicial.
52 - SAMBA DURO Samba só para homens onde soltam golpes tentando
derrubar os adversários.
53 - BATUQUE Designação comum a certas danças africanas e brasileiras
acompanhadas de cantigas e de instrumentos de percussão. Culto,
relacionado com o babaçuê, que incorpora ao ritual jejê-nagô elementos
rituais e entidades dos candomblés de caboclo, da pajelança, do catimbó
e da umbanda. Baile popular ao som de instrumentos de percussão;
batucada. Folguedo originário do ritual da procriação, praticada no
Recôncavo Baiano com sapateado e palmas, executado ao som de cantigas
acompanhadas de tambor, na forma de um jogo semelhante à capoeiragem,
que consistia numa disputa onde um negro ficava plantado dentro de uma
roda, enquanto que outro tentava projetá-lo ao solo com golpes de perna
ou projeções, também usando alguns golpes com os membros superiores.
54 - FREVO [Dev. de frever, por ferver.] Dança carnavalesca de rua e de
salão, essencialmente rítmica, em compasso binário e andamento mais
rápido que o da marchinha carioca, e na qual os dançarinos (passistas)
executam coreografia individual, improvisada e frenética. Desordem,
arrelia, barulho, rolo. Dança de rua e de salão, música de ritmo sincopado
e frenético, nascida depois que a polícia desbaratou as gangues de capoeira
de Pernambuco. O passo, que é a movimentação do frevo, é descendente
da capoeira.
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55 - PUNGA Tipo de samba de roda praticado em São Luis do Maranhão,
jogado por homens, cuja coreografia envolve meneios, umbigadas,
chamadas, tombos e choques. É acompanhado pelo som de tambores e
canto.
56 - ABADÁ [Do ior.] Camisolão folgado e comprido usado pelos nagôs,
similar ao traje nacional da Nigéria, usada pelos maometanos na África.
Os malês, negros muçulmanos que desembarcaram principalmente na
Bahia, trajavam-se nas orações e outros rituais de cunho religioso com
uma espécie de camisolão branco chamado abadá. Atualmente, a roupa
branca (calça e camisa) ou só a calça do capoeirista, também são chamados
de abadá.
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