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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Alianças Políticas em Pernambuco: A(s) Frente(s)
do Recife (1955-1964)
Taciana Mendonça Santos
Recife, 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Alianças Políticas em Pernambuco: A(s) Frente(s)
do Recife (1955-1964)
Dissertação de Mestrado apresentada por
Taciana Mendonça Santos ao Programa de
Pós-Graduação em História, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Pernambuco, como parte dos
requisitos obrigatórios à obtenção do título de
Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Torres
Montenegro.
Recife, 2008
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Santos, Taciana Mendonça
Alianças políticas em Pernambuco: a(s) frente(s) do
Recife (1955-1964) / Taciana Mendonça Santos .
Recife:
O Autor, 2009.
118 folhas: il., tab.
Dissertação (Mestrado)
Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2009.
Inclui: bibliografia.
1. História. 2. Disputas políticas Pernambuco
Recife. 3. Frente do Recife. 4. Eleições -
campanhas. 5.
Alianças políticas. I Título.
981.34
981
CDU (2.
ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2009/11
Resumo
Alianças Políticas em Pernambuco: A(s) Frente(s) do Recife (1955-1964)
A Frente do Recife é reconhecida no meio político e no meio acadêmico como uma
aliança interpartidária formada em 1955, por ocasião da realização de eleições
municipais no Recife, e que, ao longo das campanhas eleitorais que se seguiram,
alcançou sucessivas vitórias na disputa por cargos da administração pública estadual e
municipal. Considerada uma frente esquerdista, apresenta o PCB e o PSB como os
únicos partidos que a integraram em cada uma das campanhas ocorridas entre 1955 e
1963. Contudo, partidos como o PTB, a UDN, o PTN e mesmo a ala dissidente do PSD
formam o conjunto de legendas que, em momentos distintos, se apresentaram ao lado
daqueles anteriormente citados. No decorrer da presente dissertação, defende-se a idéia
de que, ao renegociar a participação de cada partido, aquela aliança passava por um
processo de reformulação, de modo que cada uma das suas composições pode ser
compreendida como uma aliança política específica.
Palavras chave: Frente do Recife, política, disputas eleitorais.
Abstract
Political alliances in Pernambuco: The “Frentes do Recife” (1955-1964)
The “Frente do Recife” is known inside the political and scholar champs as a alliance
made in 1955 by some city parties, on account of the municipal elections, and that,
during the political campaigns of that year, the alliance has reached successive victories
on the contest for places inside the state and municipal public administration. Seemed as
a left-winged alliance, proclaims the PCB and the PSB as the only political groups
inside the Frente do Recife for the campaigns during 1955 and 1963. However, groups
like PTB, UDN, PTN, and even the dissident wing of the PSD make a political
colligation which, at different moments, was side by side with the PCB and the PSB.
Along this paper, we aim to defend the thesis that the process of renegotiation of the
parties participation in the Frente do Recife has brought a process of political
reformulation, guiding us to a comprehension of specific configurations for each party
alliance.
Key words: Frente do Recife, politics, electoral contention
Agradecimentos
Desde de 1999, ano em que iniciei minha graduação no curso de história, venho
acumulando uma enorme vida de agradecimentos. Esse grande débito e o receio de
cometer alguma injustiça contribuem para que a escrita do presente texto se caracterize
como uma tarefa bastante árdua. Para a sua construção busquei me apropriar do
conceito de companheiro que me foi apresentado pelo bispo Xavier Maupeou. Em
entrevista concedida ao professor Antônio Montenegro, o referido religioso afirma que
companheiros são aqueles com quem dividimos experiências relevantes em nossas
vidas, e, como exemplo, cita o estivador/contrabandista com quem esteve preso por uma
noite e um dia. Passo então a agradecer a todos aqueles com quem estive presa ao longo
de parte do meu trajeto, como não poderia deixar de ser, nem todos serão nomeados,
mas também aos omissos dedico minha sincera gratidão.
Entre os amigos destaco o constante incentivo de Gláucia Moura, companheira
inseparável desde os primeiros momentos da graduação. Carol Cahú, Luiz Antônio
de Oliveira e Aluízio Medeiros, embora colegas de graduação, são preciosos amigos
conquistados após o ingresso no curso de mestrado. Ao longo do ano de 2004, tive o
imenso privilégio de dividir corredores empoeirados e insalubres (e também muitos
chocolates) com duas pessoas que muito me ensinaram, Emanuele Maupeou e Juliana
Rocha. Como estagiária do arquivo público contei sempre com o apoio irrestrito de
Girlaine Pimentel, Cíntia Sales e Emília Vasconcelos, as quais sempre me incentivaram
em todos os desafios que me dispus a enfrentar. Como colegas de grupo de pesquisa tive
oportunidade de compartilhar enriquecedores momentos com Viviane Antunes, Diogo
Cunha, Márcio Vilella e Pablo Porfírio, amigos queridos e leitores generosos os dois
últimos, na condição de colegas de mestrado, diversas vezes contribuíram diretamente
para a elaboração da presente dissertação. Durante muito tempo, Humberto Miranda,
Manuela Arruda e Lenivaldo Cavalcante figuraram como amigos dos meus amigos,
contudo, a convivência dos últimos tempos nos aproximou, contribuindo para o
florescimento de uma relação que independe da atuação de terceiros. Em Alexandro de
Jesus encontrei um fiel e constante incentivador, o mesmo podendo ser dito de Helen
Lopes e Douglas Moraes. De modo algum poderia deixar de dirigir um agradecimento
mais que especial a Flávio Neto, companheiro de muitas aventuras, e alguém que
nunca hesitou em me estender a mão fosse qual fosse a minha necessidade... meu
amigo, muito obrigada.
Aluna do curso noturno, durante os primeiros semestres da graduação tive
minha relação com a universidade restrita às vivências em sala de aula. A partir de
2002, por meio da obtenção de uma bolsa de manutenção acadêmica, passei a viver o
CFCH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) de maneira mais intensa. Como
bolsista da coordenação do curso de história tive o privilégio de trabalhar ao lado de
Fátima Paixão e do professor Luciano Cerqueira. Foi nesse período que passei a
desenvolver uma ilimitada admiração por Rogéria Feitosa e pela professora Virgínia
Almoêdo, exemplos como pessoas e como profissionais. É também desse período que
vem a enorme saudade de colocar café, açúcar e leite para a professora Alice Aguiar (in
memorian), a qual diariamente se reafirmava como filha de usineiro.
Em 2003 teve início uma relação difícil de descrever, de resumir, uma
convivência cotidiana através da qual me foram ofertadas diversas oportunidades. Nos
últimos cinco anos, a convite do professor Antonio Montenegro, passei a fazer parte do
seu grupo de pesquisa, fui desafiada a ser pesquisadora, escrever artigo, organizar
eventos acadêmicos, ter coragem suficiente para me inscrever na seleção do mestrado.
Aprendi a admirar a persistência do meu orientador em combater meus vários
momentos de hesitação, em me incentivar a lutar contra minhas deficiências teórico-
metodológicas. Levei incontáveis broncas, por muitas vezes recebi aquele indesejável
olhar sobre os óculos e fui acusada de estar sendo simplista. No conjunto, descobri a
importância de conviver com alguém que afirma desejar que suas crianças aprendam a
caminhar com as próprias pernas.
Durante a graduação contei com o constante incentivo das professoras Vera
Accioly, Patrícia Pinheiro e Ana Maria Barros, assim como do professor Carlos
Miranda. Ao longo do mestrado contei com a importante ajuda das professoras Suzana
Cavani, Socorro Ferraz e Tânya Brandão, bem como dos professores Flávio Teixeira e
Marc Hoffnagell. Além desses, três pessoas tiveram papel fundamental na minha
formação acadêmica. Na professora Regina Guimarães encontrei uma leitora exigente e
perspicaz, alguém que enxergava nos meus textos algo que eu era incapaz de ver. Em
suas aulas, durante o meu exame de qualificação, e também por ocasião da defesa deste
trabalho, críticas e incentivos caminharam lado-a-lado. o professor Severino Vicente
- também integrante das minhas bancas de qualificação e de defesa sempre esteve
disposto a me oferecer suas críticas, esclarecer minhas dúvidas, sugerir leituras,
emprestar seus livros. Uma atenção que poderia ser representada pela porta sempre
aberta, com a qual muitas vezes me deparei ao passar em frente a sua sala. Já o
professor Denis Bernardes, ofereceu importantes contribuições para a finalização da
presente dissertação.
Agradeço também a Luciane, Marta, Carmem, Sandra, dona Izabel e Marielly,
pessoas que muitas vezes me fizeram sorrir, facilitando a minha vida junto ao programa
de pós-graduação.
Meu agradecimento final é dedicado aos companheiros mais antigos: meus pais,
Thomas Fontes (in memorian) e Terezinha do Rêgo Barros, que sempre se esforçaram
em oferecer uma boa educação aos seus filhos; meus irmãos, Mônica, Byron, Noêmia e
Teresa, companheiros de uma vida; meu marido, Ricardo, que atravessou comigo
diversos desafios; e meus filhos, Letícia e Thomás, pequenos grandes companheiros que
sempre compreenderam o corre-corre em que levo meus dias.
Dedico a todos o meu sincero agradecimento.
Agradeço ainda, à Capes e ao Cnpq pelo financiamento da presente pesquisa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Sumário
Introdução .......................................................................................................................1
I - Construindo a Frente do Recife – Trajetória política e historiográfica..............10
1. O fazer contínuo das alianças - ...........................................................................14
2. Uma História sobre a Frente do Recife ..............................................................32
3. Roberto Aguiar – Um novo olhar........................................................................41
II –Edificando uma estrutura democrática – O universo das leis.............................48
1. Confrontos pelo Governo do Estado – “Antecedentes da Frente do Recife” ....56
2. A redemocratização municipal ...........................................................................64
3. O Movimento Popular Autonomista (MPA).......................................................70
4. A “Batalha da Prefeitura”....................................................................................75
III – A conquista do poder e os desafios da transição ...............................................79
1. O incrível causo dos gatos...................................................................................84
2. A “Batalha da Acumulação”................................................................................88
3. O poder (do) Judiciário........................................................................................97
Considerações Finais...................................................................................................101
Referências Bibliográficas..........................................................................................105
1
Introdução
Em setembro de 1946, com a sanção da Carta Constituinte do Brasil, o país
assistiu à regulamentação legal do que se poderia nomear de direitos políticos da
população. Tal documento estabelecia as normas que, em princípio, definiam as práticas
políticas institucionais vigentes dali por diante. As normas ali existentes perduraram até
o golpe civil-militar de 1964 de modo que, ao longo desse período, a disputa política
transcorreu de forma democrática, observando as normas constitucionais, já que a
conquista de variados cargos dos poderes executivo e legislativo das três esferas do
governo União, estados e municípios passou a ocorrer através da consulta popular,
por meio do sufrágio direto.
Assim sendo, os políticos que se estabeleceram no poder durante o Estado
Novo, bem como aqueles que lhes faziam oposição, passaram a se filiar aos recém
criados partidos nacionais visando às eleições que se aproximavam. Diante do exposto,
pode-se afirmar que o período compreendido entre a publicação da Carta Constituinte
de 1946 e o golpe civil-militar de 1964 pode ser considerado como a primeira grande
experiência democrática vivenciada pela população do Brasil
1
.
Com base nas regras estabelecidas em 1946 surgiram pequenos e grandes
partidos os quais, individualmente, ou através de alianças interpartidárias, passaram a
disputar os votos do eleitorado. Enquanto grandes partidos como o PSD (Partido Social
Democrata), e a UDN (União Democrática Nacional) apresentavam-se individualmente
ou coligados a pequenos partidos, outros, como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e
o PCB (Partido Comunista Brasileiro), a partir de um determinado momento, passaram
a compor o que ficou conhecido na historiografia como “frentes oposicionistas” ou
“frentes de esquerda”.
Uma breve incursão a livros que se dediquem a analisar as disputas eleitorais do
período colocará o leitor diante de diversas composições interpartidárias. Sob a forma
de alianças, frentes ou coligações
2
, as diversas representações partidárias se uniram com
o objetivo de conquistar os mais elevados cargos eletivos. Essas composições variaram
de acordo com a região e o período em que ocorreram, mas a união de diferentes
1
Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006.
2
No âmbito das ciências políticas busca-se construir uma clara distinção entre alianças, frentes e
coligações sem que, no entanto, haja um consenso quanto à caracterização específica de cada um desses
enlaces partidários. Ao longo do texto que se segue optei por ignorar as possíveis diferenciações, valendo-
me, na maior parte dos casos, da expressão aliança.
2
partidos em torno de uma mesma candidatura tornou-se um elemento comum no cenário
político nacional. Assim sendo, é válido afirmar que ao longo desse breve período
democrático o sistema pluripartidário então vigente teve na união interpartidária uma
constante.
Em Pernambuco, os grupos ligados ao PSD, sob a liderança de Agamenon
Magalhães, desde o Estado Novo vinham ocupando o governo do estado. Em 1955, o
PCB, o PSB e o PTB formaram uma aliança política com o intuito de concorrer às
eleições municipais que ocorreriam naquele ano. Forma-se então a Frente do Recife,
união na qual cada um dos partidos integrantes buscou condições para superar suas
próprias dificuldades. O PCB que desde a década de 1930 com a legenda Trabalhador,
Ocupa Teu Posto, gozava de uma boa penetração eleitoral no Recife e cidades vizinhas,
mas que, com base nas normas estabelecidas na Lei Agamenon, teve seu registro
eleitoral cassado (1947), conseguia assim participar ativamente de um pleito
democrático. O PSB partido político criado em julho de 1947 era um partido legalmente
constituído
3
, mas não detinha uma máquina eleitoral bem estruturada como a
desenvolvida pelos comunistas ao longo de anos
4
. o PTB, embora despontasse como
o terceiro maior partido do país, em Pernambuco não conseguia angariar o apoio do
operariado urbano, setor que tradicionalmente formava sua base eleitoral em outros
estados. Assim, com o objetivo de vencer um adversário comum, comunistas,
trabalhistas e socialistas passaram a lutar conjuntamente pelos votos dos eleitores de
Pernambuco e a combater as práticas políticas instituídas pelo PSD no estado.
5
3
A Esquerda Democrática (ED) partido político formado a partir de uma fração da UDN, em julho de
1947 passou a responder pelo nome de Partido Socialista Brasileiro. Esse grupo, ao lado do PCB, havia
apoiado a campanha de Pelópidas Silveira ao cargo de governador de Pernambuco (1947). De acordo com
Antônio Lavareda, a ED seria formada pela ala mais à esquerda da UDN. Alguns intelectuais de renome
como Gilberto Freyre, Mauro Mota, Osório Borba, José Otávio de Freitas e Murilo Costa Rego
participaram dessa agremiação política. Ver Pandolfi, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon
Magalhães. Recife: Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana, 1984, p.105. e Lavareda, Antônio.
A luta eleitoral com a redemocratização: as eleições nacionais de 1945 e o pleito estadual de 1947. In
Lavareda, Antônio e Sá, Constança (orgs.). Poder e Voto: luta política em Pernambuco. Recife,
Fundaj/Editora Massangana, 1986. p.35.
4
Referindo-se à campanha eleitoral suscitada pelo falecimento de Agamenon Magalhães (1952), Paulo
Cavalcanti, uma das lideranças comunistas, chega a afirmar que, naquele momento, o PSB era uma
legenda sem partido, enquanto o PC era um partido sem legenda. Ver Cavalcanti, Paulo. O Caso Eu
Conto Como o Caso Foi: da coluna Prestes à queda de Arraes. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978, p.265.
5
O PSD, com o apoio dos chefes políticos do agreste e sertão de Pernambuco, conquistava a maior parte
dos votos dessas regiões. Sob esses chefes políticos do interior do estado comumente recai a
nomenclatura de coronéis. Quanto a sua atuação e sua influência política nos diversos municípios do país
ver Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil (3ª.
Ed.). Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.
3
No decorrer das campanhas ocorridas entre 1955 e 1963, a Frente do Recife se
apresentaria sob formas diversas, se articulando com partidos e interesses
aparentemente bastante antagônicos. Ao longo de sua trajetória, à exceção da derrota
sofrida ao cargo de vice-prefeito nas eleições de 1963, a Frente do Recife conquistaria
todos os cargos executivos que viria a disputar
6
. Vale aqui uma ressalva no que tange a
realização de alianças com outros partidos, ou mesmo o apoio negociado com parcelas
dos mesmos. Ocorre que, a cada eleição, os partidos dominantes na Frente (PCB, PSB e
PTB) negociavam o apoio de outros partidos, seja integrando as Oposições Unidas
(1958), ou chegando a aliar-se com adversários históricos como eram considerados
diversos políticos do PSD.
Pode-se dizer que a existência de alianças com outros partidos dificulta o
estabelecimento de limites entre os partidos que compunham a Frente e aqueles que a
mesma teve como aliados momentâneos. Isso porque, no decorrer das cinco campanhas
realizadas nesse período, apenas o PCB e o PSB se apresentaram de forma constante. O
PTB, o qual também seria um dos partidos que integravam o núcleo central da referida
aliança, em algumas campanhas chegou a apoiar candidaturas adversárias àquelas
apresentadas pela Frente do Recife. Já a UDN, a ala dissidente do PSD e alguns
pequenos partidos como o PTN, figuram como partidos que se coligaram a Frente do
Recife, por ocasião de determinadas candidaturas, sem que, no entanto, fizessem parte
efetiva da mesma. Cientes de que, mesmo a manutenção da aliança existente entre o
PCB, o PSB e o PTB, dependia das negociações realizadas no período que antecedia
cada uma das campanhas eleitorais, pode-se aceitar a existência não de uma, mas de
diversas Frentes do Recife. De modo que a Frente do Recife que em 1958 coligou-se à
UDN formando as Oposições Unidas seria uma nova aliança, formulada com base na
Frente que em 1955 elegeu Pelópidas Silveira ao cargo de prefeito do Recife. Essa
compreensão, de certo modo, rompe com a idéia de continuidade, contudo, não ignora
as permanências existentes entre uma e outra formação.
No nosso entendimento, a análise das disputas existentes no interior de cada
Frente, assim como a formação de alianças com outros partidos são fundamentais para
que entendamos a atuação política das diversas Frentes do Recife. Sendo assim,
6
Vale ressaltar a nossa opção em nos determos sobre os pleitos realizados em âmbito estadual e
municipal, razão pela qual não mencionamos a eleição de Jânio Quadros ao cargo de presidente da
república como uma derrota da Frente do Recife. Quanto a essa questão Roberto Aguiar afirma que “foi
somente na eleição presidencial de 1960 e na de Prefeito em 1963 que a aliança entre comunistas e
socialistas obteve menos de 50% dos votos, no Recife”. Ver Aguiar, Roberto Oliveira de. Recife da
Frente ao Golpe: Ideologias políticas em Pernambuco. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1993.
4
optamos por centrar o foco de análise na construção de uma estrutura político-partidária
que se renovava a cada campanha, valendo-se para tanto das condições que lhes eram
oferecidas pelo sistema eleitoral então vigente. Nesse sentido, o entendimento sobre as
Frentes do Recife parte da assertiva básica de que, embora coligados, os partidos que as
compunham não renunciaram às suas práticas e aos seus projetos próprios. De modo
que as tensões existentes entre o todo e as partes se apresentavam de forma constante,
visto que cada uma dessas partes se constituía como uma representação política
independente.
Embora seja reconhecida como uma aliança em que predominavam as idéias e
projetos de esquerda, observa-se na Frente do Recife a existência, nem sempre pacífica,
de forças políticas antagônicas, até dentro de um mesmo partido. As lideranças do
próprio PCB nem sempre comungavam das mesmas avaliações e perspectivas políticas,
como ocorreu em 1958, por ocasião do lançamento da candidatura de Cid Sampaio ao
governo do estado.
Nos debates internos do Partido Comunista, David Capistrano da
Costa, seu dirigente máximo, defendia a tese de que se devia sair
imediatamente com o nome do industrial Cid Sampaio, deixando
trabalhistas e socialistas para trás. O importante, dizia, era a aliança
com a burguesia. Eu e Iran Pereira, em reuniões que se realizavam
com os comunistas, na redação da Folha do Povo, ao contrário,
reivindicávamos primeiro a consolidação da Frente Popular e de
esquerdas antes de marchar-se com a candidatura Cid.
7
A opção de David Capistrano seguia as orientações presentes na Declaração de
Março de 1958, documento no qual o PCB revia sua orientação quanto à convivência
com a burguesia nacional. O citado documento defendia a efetivação de uma
aproximação entre os integrantes do operariado e da burguesia na qual o combate ao
imperialismo norte-americano e a defesa do desenvolvimento econômico do país
deveriam atuar como elemento de aproximação
8
. Desse modo, a vitória do progresso
contra o atraso poderia ser vista como o primeiro passo para a revolução. Inspirado nas
decisões do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista Soviético) esse documento
encontrou opositores entre os integrantes dos diversos diretórios regionais do país,
assim como entre as lideranças nacionais.
7
Cavalcanti, Paulo. Op. Cit., p. 273.
8
Reis Filho, Daniel Aarão. A Revolução faltou ao encontro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
5
Além disso, o fragmento anteriormente citado revela que, de acordo com Paulo
Cavalcanti, ao defender “a tese de que se devia sair imediatamente com o nome do
industrial Cid Sampaio, deixando trabalhistas e socialistas para trás” David Capistrano
da Costa estaria privilegiando o sucesso do PCB, enquanto outros integrantes do partido
defendiam a consolidação da aliança com o PSB e o PTB.
Com base nessas e em outras disputas é possível afirmar que as batalhas pelo
poder ocorriam inicialmente no interior de cada partido e, posteriormente, de acordo
com os ajustes firmados, era consolidada a participação de cada partido junto à Frente
do Recife. Formada a aliança, seus integrantes passavam a definir as estratégias de
combate que viriam a ser adotadas ao longo da campanha sucessória em questão. Uma
tensão recorrente no que diz respeito às disputas internas era a indicação dos candidatos
aos cargos majoritários, privilégio comumente reivindicado por mais de uma das
legendas que se apresentavam conjuntamente.
Objetivando analisar alguns dos elementos pertinentes às disputas políticas aqui
descritas, optei por dividir o presente texto em capítulos que, embora se apresentem
como textos independentes, podem ser percebidos como complementares um ao outro.
Ao longo do primeiro capítulo, optei por descrever as negociações que antecederam
cada uma das campanhas ocorridas entre 1955 e 1963, e algumas das políticas
implementadas durante os mandatos majoritários conquistados por candidatos da Frente.
Ao fazê-lo, privilegiei como fonte documental os exemplares do Diário de Pernambuco
e do Jornal do Commercio, dois dos periódicos de maior circulação no estado aquela
época. Em seguida, passei a analisar a historiografia que, tomando por base as tabelas
eleitorais referentes à trajetória eleitoral da Frente do Recife
9
, construiu a tese de que o
sucesso daquela aliança partidária decorreria do comprometimento existente entre o
eleitorado do Recife e os partidos que se apresentavam como de esquerda. Desse modo,
as trajetórias eleitoral e historiográfica da Frente do Recife se apresentam de forma a
nos oferecer dois percursos. Enquanto a trajetória eleitoral coloca as disputas
vivenciadas a cada pleito, a incursão à historiografia remete a uma disputa de
9
Ao caracterizarmos as campanhas transcorridas entre 1955 e 1963 como “toda a trajetória eleitoral da
Frente do Recife” nos colocamos diante de duas armadilhas. Primeiro vale lembrar que entendendo a
Frente do Recife como uma composição dinâmica poderíamos afirmar que o que se apresenta na
historiografia como seus antecedentes pode ser compreendido como um momento de atuação da própria
Frente. Segundo, embora o citado enlace político tenha chegado ao fim com o golpe civil-militar de 1964,
o mesmo continua habitando os palanques eleitorais por ocasião das campanhas travadas em Pernambuco.
Daí o uso do termo “eleitoral” e não “político”, pois, no nosso entendimento, a trajetória política da
Frente do Recife ainda não teve fim.
6
significados na qual os sociólogos José Arlindo Soares e Roberto Oliveira de Aguiar
ganham grande destaque.
Em A Frente do Recife e o governo do Arraes, José Arlindo descreve a ascensão
das forças de esquerda desde a eleição municipal de 1955 até a tão desejada conquista
do governo do estado, em 1962. Essa última podendo ser percebida como decorrente da
penetração dos grupos que se opunham ao PSD, junto ao eleitorado das áreas mais
interioranas de Pernambuco. Desse modo, os partidos de esquerda que tradicionalmente
alcançavam o maior número de votos entre o eleitorado da capital, mas que comumente
eram derrotados pelos votos oriundos do agreste e do sertão, regiões em que o PSD
alcançava ampla maioria, passavam a, enfim, comemorar uma vitória em âmbito
estadual
10
.
Roberto Aguiar, ao longo de sua crítica aos defensores da existência de um
comprometimento ideológico entre a população do Recife e os partidos de esquerda,
atribui parte do sucesso eleitoral da Frente do Recife ao desenvolvimento de relações
clientelísticas e às dificuldades vivenciadas pelo PSD no Recife e cidades vizinhas.
Segundo o autor, o desenvolvimento das citadas relações clientelísticas favoreceria
políticos populistas, os quais, ao que nos parece, são percebidos como mais hábeis na
disputa direta pelo apoio do eleitorado.
Destaque-se ainda a importância que Aguiar atribuía a existência de alianças
entre os partido de esquerda e outros partidos. Nesse sentido, vale observar que
enquanto Luciana Jaccoud
11
atribui o sucesso da Frente do Recife à sua capacidade de
se aliar aos representantes dos movimentos sociais, Aguiar afirma que a aproximação
com a UDN e a ala dissidente do PSD teria sido fundamental para a conquista de
sucessivas vitórias. Desse modo, as vitórias de Pelópidas Silveira, e principalmente as
de Cid Sampaio e de Miguel Arraes, não poderiam ser entendidas como representativas
da ascensão da esquerda em Pernambuco.
No segundo capítulo, passei a estudar a formulação de leis democráticas e suas
implicações sobre as disputas políticas que se seguiram. Passagem em que se destaca a
elaboração do Ato Adicional nº 9, da Lei Agamenon e da Constituição Federal de 1946.
Conjuntos de leis que, entre outros aspectos, contemplaram as regras a serem adotadas
10
Observe-se que na campanha estadual de 1958 o industrial Cid Sampaio (UDN), com o apoio do PCB,
do PSB e do PTB, havia derrotado o candidato do PSD. Contudo, para José Arlindo Soares, a vitória de
Miguel Arraes (1962) como legítimo representante da Frente do Recife, marcaria a tão desejada conquista
do governo do Pernambuco.
11
Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco (1955-1968). Recife:
Editora Massangana, 1990.
7
no âmbito das disputas eleitorais. Associadas, essas leis compõem a legislação sobre a
qual foi construído o funcionamento do sistema político então vigente. Foi sob o
estabelecido no Ato Adicional 9 e na Lei Agamenon que ocorreu a eleição para a
Assembléia Constituinte (02/12/1945), bem como aquela em que Eurico Gaspar Dutra
foi eleito presidente da República (02/12/1945).
os pleitos eleitorais em que seriam escolhidos os governadores de estado,
ocorreram a partir de 1947, após a publicação da nova Carta Constituinte. Em
Pernambuco, por ocasião da disputa ao cargo de governador (1947), o PCB e a ED
formaram uma aliança em torno da candidatura de Pelópidas Silveira. Essa aliança pode
ser compreendida como um momento de aproximação entre o PCB e os demais grupos
de esquerda atuantes em Pernambuco. Aproximação que se tornou possível, nos
moldes de uma coligação, graças ao modelo pluripartidário instituído no novo período
democrático. Modelo que permitia a apresentação de uma mesma candidatura por mais
de um partido, desde que legitimamente reconhecidos.
Surge então uma nova lei, a qual foi alvo de grande repercussão entre os meios
políticos de Pernambuco. Em janeiro de 1955, o presidente Café Filho sancionou a lei
que concedia autonomia eleitoral à cidade do Recife. De acordo com a citada lei, a
partir daquele ano, o prefeito daquela capital passaria a ser escolhido através do voto
direto, e não mais pela indicação do governador do estado. A aprovação da autonomia
se apresenta como fruto do esforço de diferentes partidos, os quais teriam formado o
Movimento Popular Autonomista (MPA), com o objetivo de conseguir a aprovação da
referida lei, junto à Câmara Federal. Contudo, confirmada a existência da disputa
eleitoral para o cargo de prefeito, cada um dos partidos que compunham o MPA passou
a articular novas alianças em torno do pleito que se aproximava.
Vale salientar, que até um momento avançado da pesquisa sobre a Frente do
Recife, não tínhamos conhecimento da existência do movimento anteriormente citado.
Isto porque, inicialmente, privilegiamos em nossa pesquisa as atas da Câmara Municipal
do Recife e os exemplares do Diário de Pernambuco. E, apenas em um momento
posterior, por ocasião de incursões aos exemplares do Jornal do Commercio, tomamos
conhecimento da existência do referido movimento. Até aquele momento, as
informações que tínhamos acerca da lei de autonomia restringiam-se ao seu conteúdo e
à sua autoria direta, atribuída ao deputado Barros Carvalho, presidente do diretório
estadual do PTB. Tanto a documentação quanto a bibliografia com que trabalhávamos
não apresentavam informações sobre o Movimento Popular Autonomista, nem mesmo
8
sobre sua existência. Desse modo, a pesquisa no Jornal do Commercio, ao nos
possibilitar essa descoberta, ofereceu novos elementos de estudo. E, se até então,
acreditávamos que a sanção da lei de autonomia representava uma conquista do PTB,
posteriormente, a pesquisa possibilitou compreender que a referida lei nascera como
fruto de esforços pluripartidários, sendo possível, então, analisar as redes nas quais a
autonomia fora gestada.
A existência de um capítulo em que se privilegia a construção das leis que
regiam o processo democrático justifica-se pela necessidade de apreendermos a
existência de um conjunto legal que legitimava a união interpartidária. Condição que
tornou possível ao PCB, mesmo na ilegalidade, participar ativamente das disputas
democráticas. Do mesmo modo, ao legitimar a apresentação de uma mesma candidatura
por partidos políticos independentes, a legislação em questão possibilitou o surgimento
de uma relação na qual o um partido que ora se apresentava como aliado pudesse, no
pleito seguinte, figurar como principal adversário. Assim sendo, entende-se que na
tentativa de compreender a mobilidade da formação e dissolução de alianças, deve-se
contemplar a legislação eleitoral vigente no período, bem como suas repercussões junto
a cada campanha eleitoral.
Nos capítulos anteriormente descritos, a união entre políticos de diferentes
partidos é apresentada em torno de candidaturas eleitorais, ou ainda, com vistas à
aprovação de leis ou conjuntos de leis. No terceiro capítulo, optei por contemplar os
acordos e desacordos realizados durante um dos mandatos conquistados por um
representante da Frente do Recife (1956-1960). Escolha que, em certa medida, resultou
da existência de um conjunto documental no qual a formação de uma aliança entre
vereadores eleitos por diversos partidos se apresenta como uma estratégia adotada pelos
opositores de Pelópidas Silveira, com o objetivo de combater o seu modelo de gestão
democrática. No centro desse conflito forma-se uma grande disputa em torno de
legitimidades. Debates em que se questiona a legitimidade de mandatos conquistados
com o apoio do PCB; o direito de acumular cargos públicos; e a condição dos
vereadores enquanto únicos e legítimos representantes da população.
Ao longo do texto, tentamos destacar a aproximação entre o vice-prefeito do
Recife, João Vieira de Menezes, e os vereadores que faziam oposição à gestão de
Pelópidas. As medidas adotadas pelo vice-prefeito, o qual havia sido eleito por um dos
partidos que, naquele momento, compunham a Frente do Recife podem ser percebidas
como uma demonstração da fragilidade daquela aliança. No tocante à formação de
9
alianças, pode-se afirmar que a disputa de poder entre o prefeito (PSB) e o vice-prefeito
(PTB), a qual se estendeu por todo o mandato, de certo contribuiu para que, chegado o
momento de compor alianças em torno de uma nova campanha municipal, o PTB não
chegasse a um acordo com os demais integrantes da Frente do Recife.
Ao final do capítulo, apresentamos um tópico no qual se discute a importância
do poder judiciário junto às disputas políticas realizadas entre 1947 e 1963. Embora essa
discussão se apresente ao lado dos litígios judiciais ocorridos durante o mandato de
Pelópidas Silveira (1956-1960), vale lembrar que desde a eleição estadual de 1947,
ocorreram diversos episódios em que as disputas eleitorais cederam lugar aos litígios
jurídicos. Episódios como a tentativa de anulação da eleição de Barbosa Lima Sobrinho
ao cargo de governador (1947) e a “Batalha da Acumulação” revelam como, ao longo
do período democrático em questão, as disputas por cargos eletivos não se restringiam
às conquistas eleitorais. Fazia-se necessário contar com o reconhecimento, com a
legitimidade dos resultados verificados nas urnas. Assim sendo, a existência de disputas
cotidianas ocorridas ao longo de um determinado mandato, nos leva a afirmar que a
análise da trajetória política da Frente do Recife não pode se restringir aos resultados
presentes nas tabelas eleitorais, tão pouco às medidas implementadas ao longo de uma
determinada gestão.
Nesse sentido, destaca-se, mais uma vez, a importância da Constituição Federal,
que, ao estabelecer os deveres e atribuições dos poderes executivo, legislativo e
judiciário, aquele documento regulamentava as relações entre os representantes de cada
poder. De modo que, nos momentos de acirrada disputa entre representantes dos
poderes executivo e legislativo, esses buscavam se apropriar do estabelecido em lei para
então empreenderem esforços contra seus adversários. Cientes de que os adversários da
Frente do Recife, aproveitando-se da ilegalidade do PCB, questionavam a legitimidade
da referida aliança, pode-se afirmar que os embates pelo reconhecimento dos mandatos
conquistados por seus representantes devem ser compreendidos como elementos que
estiveram presentes ao longo de cada uma das composições daquela frente
oposicionista.
10
I - Construindo a Frente do Recife – Trajetória Política e Historiográfica
No decorrer da década de 1950, surgiram diversos movimentos que concorreram
no sentido de promover mudanças no quadro político e social do Nordeste e,
particularmente, de Pernambuco. As associações de bairro proliferaram-se pelos
subúrbios do Recife, se apresentando como uma ameaça às práticas políticas então
vigentes
12
. Com a fundação da SAPPP (Sociedade Agrícola dos Plantadores e
Pecuaristas de Pernambuco), o deputado Francisco Julião passou a reivindicar
mudanças sociais no campo, sendo responsável pela criação e manutenção de vários
núcleos das Ligas Camponesas. Com o apoio do governo federal, o economista Celso
Furtado elaborou o plano de criação da CODENO (Comissão para o Desenvolvimento
do Nordeste), posteriormente transformada na SUDENE (Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste)
13
. A coordenação desses e de outros grupos que visavam
ao desenvolvimento da região e à melhoria das condições de vida da população, via de
regra, cabia a pessoas que atuavam fora da esfera de poder do diretório estadual do
PSD, partido que desde o fim do Estado Novo mantinha o controle político do Estado.
Desse modo, é possível supor que a consolidação desses movimentos, assim como a
criação da SUDENE, contribuiu para que políticos adversários daquele partido
angariassem uma maior penetração política no estado, pois, se não marchavam lado-a-
lado, visavam à estruturação de novos quadros em oposição à máquina estatal que
parecia indiferente à realidade de exploração, desigualdade e miséria em que estava
mergulhada boa parte da população de Pernambuco.
Mesmo com pequena margem de votos, até 1954, o PSD, a cada campanha
vinha conseguindo assegurar suas vitórias nas disputas eleitorais. Com a formação de
entidades civis como a SAPPP e a Federação das Associações de Bairro do Estado de
12
Acompanhando a documentação produzida pela Câmara Municipal do Recife é possível observar como
a atuação de lideranças junto à população é vista com maus olhos pelos vereadores da cidade. As
desavenças em torno da existência dessas Associações obtiveram maior destaque durante o mandato de
Pelópidas da Silveira (1956-1960) frente à prefeitura. Ver Pontual, Virgínia. Uma cidade e dois prefeitos.
Narrativas do Recife nas décadas de 1930e 1950. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2001, p.p.134 -
148. Quanto à criação e manutenção das Associações de Bairro e suas possíveis inspirações ver Jaccoud,
Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco (1955- 1968). Recife: Editora
Massangana/FUNDAJ, 1990.
13
Em A Revolução que Nunca Houve, Joseph Page descreve parte da atuação política de Francisco Julião,
Celso Furtado e Miguel Arraes de Alencar, assim como a influência de cada um junto aos movimentos
reivindicatórios de mudanças sociais. Ao longo de sua narrativa constrói-se a idéia de que cada um deles
galgou seu espaço junto a um determinado domínio. A população do campo, o governo federal e a frente
urbana, respectivamente. Ver Page, Joseph A. A Revolução que Nunca Houve: O nordeste do Brasil
1955-1964. Tradução de Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: Editora Record, 1972.
11
Pernambuco foram criados espaços em que os problemas das camadas pobres eram
discutidos e, posteriormente, levados ao poder público. A historiografia nos mostra que,
em ambos os casos, os representantes do PSD viam nessas organizações uma ameaça à
manutenção do seu poder. Não faltam registros em que tais entidades são acusadas de
subversivas e antidemocráticas sem que, no entanto, seja discutido o objeto das suas
reivindicações. Nesse sentido, os discursos políticos da época revelam a existência de
duras críticas quanto à forma com que essas entidades eram conduzidas, sem que, em
contrapartida, se apresentem propostas viáveis para o combate dos males sociais que
afligiam a população. Ou melhor, tais alternativas chegavam a ser colocadas, mas não
de forma a satisfazer as demandas da população; pareciam atender exclusivamente aos
interesses daqueles que as defendiam, os quais, aparentemente, desejavam apenas
sufocar quaisquer propostas reformistas
14
.
No caso da SUDENE, o grande diferencial é que sua fundação foi obra do poder
público federal como resposta ao agravamento da miséria no nordeste do país. Embora
não possa ser percebida como um movimento social reformista, essa superintendência
também pode ser compreendida como uma ameaça à hegemonia do PSD já que passou a
intermediar parte dos acordos travados entre os estados e o governo federal
15
. Em A
Revolução que Nunca Houve, Joseph Page trata da insatisfação de alguns governadores
do nordeste quanto a essa intermediação. Em sua narrativa o autor cita casos em que tais
governadores firmaram contratos com a USAID sem a aprovação da SUDENE, fato que
a rigor não deveria ser possível, que cabia aquela superintendência intermediar as
relações entre as partes envolvidas. Se a existência de órgãos como a SUDENE não
pode ser percebida apenas como reflexo da sensibilidade do governo federal, no entanto
parece revelar como o trabalho de intelectuais como Celso Furtado e Josué de Castro, os
quais deram visibilidade à grave situação vivenciada por uma grande parcela da
população nordestina, em alguma medida vinha surtindo efeito.
O desejo de conquistar o poder e um modelo de democracia no qual as alianças,
coligações e frentes partidárias podiam ser feitas e desfeitas de acordo com as demandas
imediatas, tornou possível o congraçamento entre alguns dos partidos que se propunham
14
Ao longo do terceiro capítulo tentaremos demonstrar como, diante da proliferação de associações de
bairro e do apoio que o poder executivo oferecia às mesmas, parte dos vereadores da capital passaram a
defender a existência dessas associações sob sua própria liderança. No nosso entendimento, alternativas
como essas, em que defende-se a substituição das líderanças dos bairros por cabos eleitorais ligados a
determinados vereadores, em nenhum momento visam aos reclames da população, mas sim a neutralizar
qualquer tipo de oposição imposta aos grupos que ocupavam o poder.
15
Oliveira, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião. Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflito de
Classes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
12
a combater o PSD. Observe-se que, embora nosso interesse específico recaia sobre uma
aliança ocorrida em Pernambuco, não podemos ignorar que a composição entre partidos
tornou-se prática cotidiana na política nacional. No mais, vale ressaltar que a Frente do
Recife não pode ser entendida como um fenômeno ímpar, visto a existência de alianças
ditas reformistas em outros estados da federação.
Assim sendo, pequenos e grandes partidos políticos, diante do risco de sucumbir
à força das urnas, passaram a vislumbrar a possibilidade de união. Surgem assim
negociações entre as lideranças de diferentes partidos, chegando à efetivação de
alianças, algumas rápidas e fortuitas, outras mais duradouras e elaboradas. Com as
alianças, as denúncias quanto ao não cumprimento de acordos passam a integrar as
disputas políticas. Para a justificação da aliança era necessário um interesse comum,
uma possível afinidade ideológica ou programática que, ao longo da campanha, pudesse
ser apresentada aos eleitores. Isso porque, aqueles que se opunham à efetivação de
alianças interpartidárias não tardaram em adjetivá-las como interesseiras, tentando
mostrar que os grupos ali reunidos não apresentavam afinidades ideológicas, mas sim
um desejo desenfreado de conquistar o poder.
Em Pernambuco, embora haja na historiografia um consenso quanto à existência
de alianças entre partidos e grupos de oposição em período anterior a 1955, as eleições
ocorridas nesse ano são tidas como o marco da formação efetiva da Frente do Recife.
Em meio à grande repercussão suscitada pelo primeiro pleito presidencial realizado
após a morte de Getúlio Vargas, o PCB, o PSB e o PTB formaram uma frente com o
objetivo precípuo de demover do poder do estado aqueles que lá estavam desde o
Estado Novo. É possível afirmar que as negociações entre esses partidos ou, entre
alguns representantes dos mesmos, vinham se realizando numa crescente desde a
cassação do registro eleitoral do PCB (1947). No entanto, alguns acontecimentos são
apresentados como de grande importância para que essa comunhão de forças ocorresse
naquele momento. Podemos destacar a sanção da lei que concedia autonomia eleitoral
para o Recife, a nova postura programática do PCB que passou a defender a via eleitoral
como estratégia para a conquista do poder do Estado e a realização, no Recife, do
Congresso de Salvação do Nordeste.
A lei de autonomia do Recife
16
foi sancionada pelo presidente Café Filho em
janeiro de 1955, após ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. Com a assinatura da
16
Maiores informações sobre a lei de autonomia podem ser encontradas no segundo capítulo da presente
dissertação.
13
citada lei, a capital de Pernambuco passou a eleger seu prefeito através do voto direto, o
que não ocorria desde o fim do século XIX. Diante da realização de eleições em âmbito
municipal, os integrantes do PSD observaram o surgimento de uma grande ameaça à sua
hegemonia
17
. A partir daquele momento a grande concentração de votos que lhes eram
contrários, comumente alcançada na capital, não mais seria neutralizada pelos
resultados obtidos no interior do estado. Nas palavras de Dulce Pandolfi “a máquina
pessedista teria que se submeter a um teste eleitoral numa região eminentemente urbana
e de forte tradição oposicionista”
18
.
Em entrevista publicada na Folha do Povo, Luís Carlos Prestes, secretário geral
do PCB, afirmava textualmente a intenção do diretório central daquele partido em
privilegiar o sufrágio eleitoral como meio de combater o imperialismo e lutar pelo
desenvolvimento nacional. Desse modo, o diretório nacional, o qual havia oferecido
sistemática oposição a Getúlio Vargas durante seu segundo mandato frente à
presidência da República, passou a rever seu posicionamento e buscou formar uma
aliança com o PTB. De modo que, a essa época, “a costura de alianças com outras
forças adeptas do nacionalismo e justiça social”
19
já era um fato entre as bases do PCB.
Por outro lado, em Pernambuco, o agravamento dos problemas sociais e a
constante migração de desvalidos, oriundos do interior do estado e de outras regiões do
nordeste, ganharam grande destaque na imprensa. Anunciou-se, então, a realização, em
agosto de 1955, do Congresso de Salvação do Nordeste, encontro em que representantes
dos governos estaduais, assembléias legislativas, câmaras de vereadores e líderes
sindicais estariam reunidos com o objetivo de debater os graves problemas da região.
Segundo Soares, embora o Congresso tenha contado com a participação de líderes das
diferentes correntes políticas, os comunistas e os nacionalistas teriam mantido a
hegemonia nas reuniões, bem como nas resoluções finais do encontro. Afirma ainda,
que uma das finalidades do Congresso de Salvação do Nordeste era promover o
17
Nas eleições para o cargo de governador de Pernambuco, realizadas entre 1945 e 1954, verificou-se a
vitória dos candidatos filiados ao PSD, contudo, a maioria dos votos apurados na capital era concedida a
seus opositores. JoArlindo Soares afirma que a falta de popularidade de que dispunham os candidatos
desse partido devia-se, em grande parte, às políticas adotadas por seus representantes, os quais não seriam
sensíveis aos graves problemas vivenciados pela população daquela capital. De nossa parte, acreditamos
que faz-se necessária uma discussão que rompa com essa simplificação e nos leve a observar cada uma
das políticas desenvolvidas no período.
18
Pandolfi, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães. Op.Cit., p.175.
19
Silva, Fernando e Negro, Antonio Luigi. Trabalhadores, sindicatos e política, in Ferreira, Jorge e
Delgado, Lucília Neves. O Brasil Republicano vol.3 O Tempo da experiência democrática. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
14
fortalecimento político de comunistas e nacionalistas, os quais seriam reconhecidos
como os pioneiros na luta pela solução dos problemas da região.
Com a formação da Frente do Recife observamos o surgimento de um elemento
que manteve a capacidade de se reestruturar a cada novo combate. Não é o intuito dessa
dissertação avaliar se a Frente do Recife ganhou ou perdeu força ao longo de cada
campanha, pois nosso maior interesse repousa sobre a sua capacidade de manutenção e
reformulação. Visando analisar o desenvolvimento da Frente optamos por nos deter
inicialmente ao seu percurso político e às diversas construções acerca do mesmo. Assim
sendo, as disputas políticas e os debates historiográficos são apresentados como partes
integrantes da sua trajetória.
O fazer contínuo das Alianças
A formação de uma aliança entre partidos que se agrupavam em torno de idéias
nacionalistas parece refletir o resultado de um trabalho que vinha sendo desenvolvido há
bastante tempo
20
, e que culminou com a formação da Frente do Recife. Podemos
observar que, no período em questão, diversos partidos políticos, com programas
bastante diferentes e até mesmo conflitantes, têm em comum a defesa do nacionalismo
ou do nacional-desenvolvimentismo. Aparentemente, o grande desafio daquele
momento era promover o desenvolvimento econômico e social da região de forma
conjunta. Ou, em outras palavras, empreender políticas através das quais o
desenvolvimento econômico não tivesse por base o agravamento das condições de vida
dos trabalhadores pobres do campo e da cidade. Vale lembrar que, em Pernambuco,
desde o final do século XIX a substituição dos engenhos bangüês pelas usinas tornou o
açúcar mais competitivo no mercado, mas, em contrapartida, elevou os índices de
miséria no campo
21
.
20
Ao longo do segundo capítulo nos dedicaremos às campanhas estaduais ocorridas entre 1945 e 1954.
Tratando de tais campanhas buscaremos ressaltar que, embora a campanha de 1955 seja considerada
como o marco inicial da Frente do Recife, desde as eleições de 1947 existiu uma tentativa de promover
uma aliança entre algumas das agremiações que ofereciam oposição aos grupos políticos que se
aglutinavam em torno da legenda do PSD.
21
Ao incorporar as terras utilizadas para o plantio de culturas de subsistência, as usinas provocaram um
agravamento nas condições de sobrevivência dos plantadores de cana e de seus familiares. Sobre os altos
índices de miséria, desnutrição e mortalidade infantil em Pernambuco ver Teixeira, Flávio Weinstein.
O
Movimento e a Linha: presença do teatro do estudante e do gráfico amador no Recife (1946 1964).
Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007, Cap. I.
15
Com a efetivação de uma aliança entre o PCB, o PSB e o PTB (além de alguns
políticos da UDN), em torno de uma eleição em âmbito municipal, observa-se a
reconfiguração do cenário político local. Além da formação da Frente do Recife, as
eleições de 1955 presenciaram o afastamento entre o PSD e alguns dos “pequenos
partidos” que comumente lhe apoiavam nos pleitos estaduais. Os representantes desses
partidos tinham ciência de que não apresentavam condições de derrotar o forte PSD em
um pleito estadual, contudo, diante de uma eleição municipal, julgavam-se capazes de
concorrer ao cargo majoritário. Mais que isso, acreditavam que o Recife apresentava-se
como uma “cidade cruel” para os integrantes do PSD e aqueles que os apoiavam. Esse
cenário eleitoral resultava, em parte, dos problemas decorrentes da administração do
governador Cordeiro de Farias
22
, e a crise interna provocada pelo lançamento da
candidatura presidencial de Etelvino Lins. Entre os pequenos partidos, são lançadas as
candidaturas de Alcides Teixeira (PST) e Antonio Alves Pereira (PRT – PL), dois
políticos experientes e que com uma base eleitoral bem definida. Não contando com o
apoio de alguns dos seus tradicionais aliados, o PSD lança a candidatura de Paulo
Germano de Magalhães, o qual, embora se apresentasse como deputado federal, tinha
por principal bandeira de campanha a carreira política de seu pai, o ex-governador de
Pernambuco Agamenon Magalhães.
na Frente do Recife, após intensas negociações
23
, chega-se a um consenso
quanto à indicação do nome do engenheiro e professor universitário Pelópidas Silveira.
De acordo com Paulo Cavalcanti, desde a sua rápida passagem pela prefeitura, parte da
população do Recife, teria atribuído contornos míticos à figura de Pelópidas.
22
O mandato do general Osvaldo Cordeiro de Farias foi marcado por intensos debates quanto a algumas
das políticas então desenvolvidas. Na segunda metade do seu governo, as questões referentes à proposta
de mudanças no Código Tributário do estado passaram a fazer parte do cotidiano da população. Os
descontentamentos quanto a essa questão fez com que os representantes da indústria e do comércio
passassem a empreender manifestações públicas contra a majoração dos tributos, as quais, segundo os
mesmos, iam de encontro ao desenvolvimento econômico de Pernambuco.Ver Pandolfi, Op. Cit., p.175.
23
Acompanhando o Diário de Pernambuco, observamos que, assim que a eleição municipal foi
confirmada, passou-se a cogitar a candidatura de Pelópidas Silveira. Contudo, entre os partidos que
viriam a compôr a Frente, existiam outros candidatos interessados em pleitear o cargo. Entre esses
aparecem as figuras do engenheiro Lauro Borba e do líder do PTB de Pernambuco, deputado Barros
Carvalho. De modo que a confirmação de sua candidatura ocorreu depois de observadas as condições de
cada candidato para a disputa daquele pleito. Nesse ponto, a rápida passagem de Pelópidas pela prefeitura
por ocasião da passagem de José Domingues pela interventoria estadual e a sua surpreendente vitória, no
Recife, na disputa ao cargo de governador (1947), parecem ter influído de forma decisória na escolha do
candidato. Em 29 de março de 1955, antes da confirmação da candidatura de Pelópidas, o Diário de
Pernambuco oferece ao leitor um prognóstico das futuras eleições: “Admitem certos meios políticos que a
batalha da prefeitura será decidida entre o socialista Pelópidas Silveira e o pessedista dissidente Antônio
Pereira [...]”
16
E o imaginário do povo passou a fantasiar seus atos, muitos
fantasiosamente o vendo e juravam a pés juntos que o viram de
“macacão”, picareta em punho, ajudando nas obras de abertura de
avenidas e praças, quando não, bem cedinho, inspecionando os
serviços da prefeitura. Os desejos da população confundiam-se com a
realidade, dando-lhe contornos simpáticos, no mundo mágico que se
cria em torno das lideranças populares.
24
Se os comunistas e os socialistas não incentivavam o imaginário popular,
decerto, reconheciam no mesmo, o grande poder eleitoral de que dispunha aquele
candidato. A afirmação de que em seu primeiro mandato como prefeito teria ocorrido
uma grande empatia, entre Pelópidas e a maior parte da população do Recife, está
presente em vários autores, bem como na documentação. Mas devemos ter em mente
que, se por um lado, o reconhecimento popular de sua gestão lhe tornava um forte
candidato, por outro, contribuiu para que alguns dos seus adversários se mobilizassem
para inviabilizar sua candidatura. Nesse sentido, podemos tomar como exemplos a
realização de uma campanha que tenta promover a candidatura de Gilberto Freyre em
oposição à de Pelópidas
25
, assim como uma tentativa de impugnação da candidatura da
Frente do Recife. Vencidos estes obstáculos, Pelópidas Silveira vence as eleições com
grande margem de votos, como é possível avaliar através da tabela a seguir.
Resultado das eleições para prefeito do Recife – 1955
Candidato Legenda Nº de votos
Pelópidas Silveira PSB - PTB 81.499
Antônio Alves Pereira PRT – PL 23.322
Alcides Teixeira PST 11.028
Paulo Germano Magalhães PSP – PSD - PDC 6.049
Brancos 5.348
Nulos 2.018
Total 129.264
Fonte: Atas do TRE
O resultado da eleição para prefeito do Recife, além de demonstrar a grande
superioridade de votos alcançada pelo candidato da Frente do Recife, também revela a
capacidade dos pequenos partidos em se firmarem como partidos políticos
24
Cavalcanti. Op. Cit., p.252.
25
Através dos exemplares do Diário de Pernambuco, podemos observar, entre os meses de março e abril,
a formação de uma campanha em favor da candidatura de Gilberto Freyre, para o cargo de prefeito do
Recife. Diversas associações profissionais vêm a público manifestar o seu apoio ao sociólogo, caso ele
viesse a se candidatar. Essa candidatura, provavelmente, ocorreria sob a legenda da UDN, contudo,
mesmo com o forte apoio que lhe era manifesto, essa candidatura não se efetiva.
17
independentes. Outro elemento a ser observado é a ausência de um candidato sob a
legenda da UDN, segundo maior partido do estado. Em suas memórias, Paulo
Cavalcanti afirma que alguns integrantes da UDN teriam apoiado a candidatura de
Pelópidas, embora não houvesse o apoio oficial do partido. Podemos imaginar que, não
lançando candidato próprio, a UDN talvez já realizasse negociações com vistas a futuras
alianças com a Frente do Recife, fato que ocorreria nas eleições seguintes.
Por outro lado, o inexpressivo resultado alcançado por Paulo Germano de
Magalhães aponta para uma crise no partido que dominou Pernambuco por mais de duas
décadas. Ocorre que no decorrer do ano de 1955, em virtude da insubordinação do
diretório de Pernambuco frente à candidatura de Juscelino Kubitschek, a direção
nacional daquele partido tentou caçar o registro de sua representação estadual, medida
que foi abandonada depois que Etelvino Lins retirou sua candidatura ao cargo de
presidente da República. O citado episódio ganhou grande destaque nos periódicos que
circulavam pelo estado, os quais pouco mencionavam a candidatura de Paulo Germano,
nesse sentido, podemos imaginar que a postura adotada por Etelvino teria concorrido
para o enorme insucesso alcançado pelo PSD frente ao pleito municipal.
A campanha da Frente foi marcada pela promessa de uma gestão democrática,
onde se destacava o apoio à formação de associações de bairros. Durante sua gestão,
além de apoiar a formação e manutenção dessas entidades, Pelópidas promoveu
audiências públicas em que o próprio prefeito e parte de seu secretariado ouviam as
queixas e demandas da população
26
. Esse modelo de administração democrática causou
um grande conflito entre o prefeito e os vereadores do Recife, pois os vereadores
defendiam a idéia de que eles, e somente eles, seriam os legítimos representantes do
26
As audiências públicas ocorriam quinzenalmente, no Teatro Santa Isabel, na região central do Recife, e
também em outras localidades. Nelas os representantes dos moradores opinavam quanto à aplicação dos
recursos públicos, auxiliando o governo municipal a estabelecer prioridades na sua gestão. Essa prática de
consulta popular é tida como o embrião de programas como o “Orçamento Participativo” e “Prefeitura
nos Bairros” os quais foram adotados no Recife a partir do final da década de 1990, nas gestões de Jarbas
Vasconcelos e de João Paulo frente aquela prefeitura. Cabe aqui uma ressalva quanto à realização dessas
audiências. Diversos autores como Virgínia Pontual, Luciana Jaccoud e José Arlindo Soares se referem às
audiências públicas e ao apoio dado às associações de bairro como exemplos do caráter democrático
impresso ao governo de Pelópidas Silveira. Contudo, ao tratar das audiências, esses autores limitam seus
comentários à descrição oferecida por Paulo Cavalcanti, fato que não nos permite oferecer informações
mais detalhadas sobre a realização das mesmas. Embora não desejemos desmerecer o testemunho de
Paulo Cavalcanti ficamos ansiosos por trabalhos que se detenham sobre a documentação produzida no
decorrer dessas audiências, que, ao contrário do que ocorre com as associações de bairro, trata-se de
documentação pública e que, teoricamente, deve estar disponível à consulta. De nossa parte, fizemos uma
única tentativa de ter acesso a essa documentação. Diante do nosso fracasso e da necessidade de cumprir
outras metas esperamos que essa documentação em breve venha à luz para nos oferecer maiores detalhes
sobre essa temática. Ver Cavalcanti. Op. Cit. Cap. X.
18
povo, e que, ao apoiar lideranças populares, o prefeito estaria agindo de forma
antidemocrática.
Concomitante com os problemas vivenciados pela prefeitura existiam ainda as
disputas políticas de que era alvo o governo estadual. A partir do segundo semestre de
1956, começaram a eclodir diversos movimentos de trabalhadores, nos quais, a melhoria
dos salários aparecia como principal reivindicação. Trabalhadores da indústria têxtil,
dos transportes e da educação ameaçavam o governo com a possibilidade de decretação
de sucessivas greves. Além disso, crescia a insatisfação de industriais e comerciantes
em razão da elaboração de um novo código tributário estadual, o qual, acarretaria o
aumento de suas contribuições para com os cofres públicos. Como o aumento dos
impostos fatalmente refletiria uma majoração no preço dos produtos, as manifestações
contra o novo código tributário espalharam-se por outros setores.
Diante da insatisfação manifestada em atos públicos e na imprensa, o governo
afirmava que o aumento das alíquotas devia-se, em grande parte, ao crescimento das
despesas com o funcionalismo público. Entretanto, ao que parece, essa justificativa não
satisfez aos industriais e aos grandes comerciantes do estado, os quais se apresentavam
como os mais prejudicados pelo novo código tributário. Cid Sampaio, presidente da
Federação das Indústrias de Pernambuco destacou-se como um dos principais oponentes
do novo código tributário, fato que será lembrado por ocasião da escolha de candidatos
ao governo estadual, em 1958
27
.
Neste período, o governo do estado de Pernambuco era exercido pelo General
Oswaldo Cordeiro de Farias (PSD), que em face de uma série de medidas impopulares
passou a ser alvo de constantes críticas da imprensa, da classe política e do meio
empresarial. Miguel Arraes de Alencar era um dos líderes dos protestos na Assembléia,
fato que contribuiu para que recebesse o título de “Deputado do Ano”. Os industriais de
Pernambuco também se mostravam descontentes com a política econômica de Cordeiro
de Farias. Em 1957, a insatisfação com a implantação do novo Código Tributário levou
esses industriais a promoverem uma paralisação da cidade, um verdadeiro “lock out”.
As atividades do comércio formal e informal, a produção e os transportes, todos
suspenderam suas atividades. Tal manifestação recebeu amplo apoio das classes
27
Pandolfi, Dulce. Op. Cit., p.p. 179-180; Pandolfi, Dulce Chaves e Costa, Célia (orgs.). Projeto
Memória Viva: 14 depoimentos sobre a política pernambucana. Vol. I. Recife/ Rio de Janeiro,
Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco/ FGV, 2007, p.p. 197-218.
19
trabalhadoras, visto que 44 organizações de trabalhadores manifestaram solidariedade à
luta liderada pela classe patronal.
28
Como represália, o governo acusou os manifestantes de comunistas e realizou a
prisão de militantes e líderes sindicais. Em contrapartida, o Partido Comunista articulou
uma aliança com a burguesia industrial de Pernambuco com a expectativa de que no
futuro esta se tornasse mais democrática concordando em realizar mudanças graduais na
estrutura sócio-econômica do estado. As disputas em torno da implantação do novo
Código Tributário haviam se transformado em uma disputa político-eleitoral, passando
a figurar como o momento de aproximação entre os partidos de esquerda e os industriais
que se agrupavam em torno da legenda da UDN
29
.
No campo propriamente político, o PCB, o PSB e o PTB têm diante de si, em
1958, a eleição para o governo de Pernambuco. A maior concentração de votos desses
partidos concentrava-se na capital do estado, o agreste e o sertão eram áreas em que o
PSD mantinha uma forte atuação junto aos eleitores, tendo como principais adversários
os representantes da UDN. Visando derrotar um oponente em comum, UDN, partidos
de esquerda e alguns dissidentes do PSD formam as Oposições Unidas, aliança
pluripartidária responsável pela indicação de Cid Sampaio e Pelópidas Silveira como
candidatos a governador e vice-governador, respectivamente
30
.
Ao optar pela formação de uma aliança com a burguesia o diretório estadual do
PC estava seguindo as orientações da direção nacional, que, na Resolução de 1958,
defendia a união entre o operariado e os demais setores nacionalistas com vistas a
combater o imperialismo norte-americano
31
. Nesse documento, a formação de uma
Frente Única aparece como a alternativa historicamente mais viável
32
. Nesse sentido, o
fortalecimento da economia nacional desponta como um fator primordial para que
ocorram mudanças sociais no país. Segundo Daniel Aarão Reis, a conquista do
desenvolvimento econômico do país passava então a ser vista como o primeiro passo
para a revolução, de modo que as divergências ideológicas e as disputas de poder eram
postas de lado, momentaneamente, em prol de um objetivo comum
33
.
28
Soares. Op. Cit.
29
Idem.
30
Pandolfi. Op. Cit.
31
Por sua vez, a nova orientação política adotada pelo diretório central do PCB tinha como inspiração a
XX
a
reunião do PCUS, evento no qual o diretório internacional daquele partido revisou suas orientações
diante do cenário político mundial.
32
Ao longo do documento a história do desenvolvimento econômico, político e social do Brasil servem
de justificativa para as determinações presentes no texto.
33
Reis, Daniel Aarão. A Revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1989. p.p. 21-44.
20
As contradições entre o proletariado e a burguesia não desapareciam,
mas não exigiam uma solução imediata. O desenvolvimento
capitalista corresponderia ao interesses de todo o povo. A delicada
questão da hegemonia na Frente Única era deixada para o futuro
34
.
No decorrer de sua narrativa o autor descreve a existência de duras críticas
quanto à nova orientação do PCB. Entre as quais a questão da hegemonia é colocada
como o grande impedimento para a efetivação de uma aliança com a burguesia nacional,
de modo que a insatisfação frente à divisão do poder expunha as fraquezas dessa
aliança. Segundo o autor, outro item que causou grande repercussão quanto a Resolução
de 1958 aludia à defesa da conquista democrática em substituição à luta armada.
Os comunistas consideram que existe hoje em nosso país a
possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a
revolução antiimperialista e antifeudal. Nessas condições, esse
caminho é o que convém à classe operária e à toda nação. Como
representantes da classe operária e patriotas, os comunistas tanto
quanto deles dependa, tudo farão para transformar aquela
possibilidade em realidade. [...] O caminho pacífico significa a
atuação de todas as correntes antiimperialistas dentro da legalidade
democrática e constitucional, com a utilização de formas legais de
lutas e organização de massas. [...] O povo brasileiro pode resolver
pacificamente os seus problemas básicos com a acumulação, gradual
mas incessante, de reformas profundas e conseqüentes na estrutura
econômica e nas instituições políticas, chegando-se até a realização
completa das transformações radicais colocadas na ordem do dia pelo
próprio desenvolvimento econômico e social da nação.
35
Na sua íntegra, o documento defende a importância da construção de um
governo nacionalista e democrático, bem como o desenvolvimento econômico do país,
fatores imprescindíveis para que “o caminho pacífico da revolução brasileira” lograsse
pleno êxito. Em vários estados da federação eclodiram alianças de cunho nacionalista.
Em boa parte dos casos os setores nacionalistas do PTB, ou mesmo da UDN, aliaram-se
ao PCB.
Em Pernambuco, num primeiro momento, além de contar com a participação da
UDN e dos partidos que compunham a Frente (PCB, PSB e PTB), as Oposições Unidas
34
Idem, p.24.
35
Resolução de 1958 do PCB in Diversos autores. Em defesa do povo brasileiro. Documentos do PC do
Brasil de 1960 a 2000. São Paulo: Anita Garibaldi, 2000. p.p. 258-259.
21
contavam com o apoio da ala dissidente do próprio PSD
36
. Entretanto, em meados de
1957, ocorre uma reaproximação entre Etelvino Lins, líder da ala majoritária, e Jarbas
Maranhão, líder dos dissidentes daquele partido. Esta reaproximação irá possibilitar o
lançamento da candidatura de Jarbas Maranhão ao cargo de governador de Pernambuco.
Enquanto o Partido Comunista articulava a aliança com a UDN, o PSB
defendia a apresentação de um candidato mais identificado com as demandas populares.
Por outro lado, setores da UDN, temerosos quanto ao apoio dos partidos de esquerda,
receavam que a candidatura de Cid Sampaio assumisse um caráter exacerbadamente
“esquerdista”. Chegaram a cogitar sua substituição por um candidato de perfil mais
moderado. Possibilidade que acabou não se concretizando, talvez em virtude da pressão
feita pelo Partido Comunista
37
.
A propaganda das Oposições Unidas ocorria tanto no meio rural, quanto nas
cidades. Líderes sindicais atuavam junto ao operariado, com o intuito de convencer os
trabalhadores a votar em um representante das classes produtoras apoiado pela Frente
do Recife. Fato que, à primeira vista, aparentava uma certa contradição. Por outro lado,
se observa uma significativa penetração das forças de oposição no interior do estado,
talvez como reflexo da atuação das Ligas Camponesas e do Partido Comunista junto aos
trabalhadores rurais
38
. Ou ainda, em virtude da tentativa de estimular a criação de
associações comerciais em todas as cidades do interior, fato que vinha ocorrendo desde
1957, propiciando uma maior articulação da oposição nesses municípios
39
.
A campanha foi marcada por ataques mútuos. Enquanto Cid tentava “minar” a
máquina do PSD acusando-a de sucessivas más administrações, seus opositores o
acusavam de comunista ou de amigo destes. Cada ataque era rebatido com uma nova
acusação, como podemos observar nessa declaração de Cid Sampaio ao Diário de
Pernambuco: “[...] os ataques infamantes que hoje sofro, partem daqueles mesmos que
36
O manifesto-programa das Oposições Unidas, lançado em abril de 1958, conta com a assinatura de
Miguel Arraes de Alencar e de Barbosa Lima Sobrinho como representantes da ala dissidente do PSD.
Com a reunificação, em torno da campanha de Jarbas Maranhão, ambos desligam-se daquele partido.
Arraes, cunhado de Cid Sampaio, é apontado por Paulo Cavalcanti, Dulce Pandolfi e José Arlindo Soares
como um dos principais articuladores da campanha de Cid. Cavalcanti afirma que seu empenho na
campanha de Cid foi tão grande que ele teria negligenciado sua própria reeleição como deputado, fato ao
qual se deveria sua derrota nas urnas.
37
Vale lembrar que a formação dec alianças com a burguesia apresenta-se como uma orientação do
diretório internacional do partido comunista (PCUS). Orientação que ocasionou mudanças na postura
adotada pelos diversos diretórios regionais do partido, mas também causaram o surgimento de uma
grande disputa entre os que apoiavam e os que rejeitavam essa orientação. Ver Reis Filho, Op. Cit.
38
Pandolfi. Op. Cit.
39
Aguiar. Op. Cit.
22
em 1954 pixavam (sic) os muros da cidade apontando o senador Jarbas Maranhão como
membro de uma quadrilha de ladrões”
40
.
Em sua campanha ao governo do estado, as oposições adotaram como símbolo
um conjunto de setas que apontavam para o desenvolvimento, para a ordem e para o
crescimento econômico. Passa-se então à defesa da conquista do desenvolvimento
econômico e social, com base na industrialização. Assim como ocorrera na campanha
de 1955, o ideário nacionalista se faz presente ao longo da campanha. Tal presença é
incentivada pelo vice-presidente da República, João Goulart, o qual orienta as
lideranças estaduais do PTB a marcharem junto com as forças populares
41
. Em
contrapartida, reivindica o compromisso com “um programa de cunho nacionalista que
defenda a política social implementada por Getúlio Vargas”
42
. A afluência de discussões
quanto ao nacionalismo pode ser percebida até mesmo nas críticas dirigidas ao
candidato a vice-governador. Em matéria paga, publicada em 13 de julho de 1955, o
Diário de Pernambuco apresenta um texto no qual o suposto nacionalismo de Pelópidas
Silveira surge como alvo principal de seus opositores.
Na convenção do Partido Socialista, aquele famoso político
pernambucano, aguardava a sua vês de discursar, quando alguém
aproximou-se e perguntou-lhe baixinho:
- Qual é a marca de sua caneta?
- É Americana.
- Qual é a marca do seu automóvel?
- É Francês.
- Que linho é esse que o senhor está usando?
- É Irlandês.
- Qual a marca do seu relógio?
- É Suíço.
- Você vai discursar sobre o quê?
- Vou defender o NACIONALISMO. Por quê?
- Por nada.
43
40
Diário de Pernambuco, 6 de agosto de 1958. p. 3.
41
Embora o diretório estadual do PTB tivesse oferecido seu apoio à campanha de Cid Sampaio em troca
do apoio à candidatura de Barros Carvalho, a posição daquele partido era comumente questionada como
nos mostra o seguinte trecho de matéria publicada no dia 24 de julho daquele ano, pelo Diário de
Pernambuco: “E assim é que se volta a falar, com insistência, numa reviravolta espetacular do PTB que
estaria pronto a proceder uma revisão em sua linha política, simplesmente trocando de posições, haveria o
acordo o senhor Barros Carvalho continuaria candidato ao senado, mas em vez de apoiar o senhor Cid
Sampaio, passaria a apoiar o PSD [...]”. Diante dessa incerteza podemos imaginar que as orientações
advindas do diretório nacional daquele partido e, mais especificamente, de João Goulart podem ter
desempenhado um papel fundamental para que o PTB firmasse seu apoio junto às Oposições Unidas.
42
Pandolfi. Op. Cit., p. 187.
43
Diário de Pernambuco, 13 de julho de 1958.
23
Embora as eleições para governador e vice-governador ocorressem
separadamente, podemos imaginar que as críticas a Pelópidas também tinham como
alvo o candidato majoritário. No decorrer da campanha, com o intuito de desacreditar
quaisquer propostas apresentadas pelas Oposições Unidas, os correligionários de Jarbas
Maranhão utilizaram-se da presença de comunistas e anticomunistas entre aqueles que
apoiavam Cid Sampaio para colocar em xeque suas propostas de governo. A Liga
Eleitoral Católica, a exemplo do que havia feito na eleição de 1955, conclama a
população a votar em Jarbas Maranhão e a não votar em qualquer candidato apoiado
pelo PCB. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Antônio de Almeida, manifesta-se
contrário à eleição de Cid Sampaio e, através da imprensa, pede aos católicos que
dirijam seu apoio a Jarbas Maranhão
44
.
Resultado das eleições para o governo do estado de Pernambuco – 1958
Candidato Legenda Recife Interior Total
Cid Sampaio UDN - Frente 79,04% 51,32% 59,68%
Jarbas Maranhão PSD 20,96% 48,68% 40,32%
Fonte: Atas do TRE
Realizadas as eleições e apurados os votos, constata-se a vitória de Cid Sampaio.
Pela primeira vez naquele período democrático, Pernambuco teria um governador que
não integrava os quadros do PSD. Os números presentes na tabela anterior sugerem que,
com 79,04% dos votos alcançados na capital, o apoio dos partidos que formavam a
Frente do Recife tenha sido fundamental para a conquista do governo de Pernambuco.
os votos obtidos no interior do estado, demonstram o equilíbrio de forças existente
entre a UDN e o PSD nessa região
45
.
Encerrada a eleição estadual, começam a se agravar os desentendimentos entre
os políticos da Frente do Recife e os representantes da UDN. Com a posse de Cid
Sampaio e a nomeação do seu secretariado as desavenças então existentes parecem
chegar a seu ápice. A maior parte das secretarias foi destinada a nomes ligados às
classes produtoras, a única exceção foi a indicação de Miguel Arraes de Alencar como
44
Quanto a atuação dos bispos da Igreja Católica, nas disputas políticas travadas em Pernambuco ver:
Silva, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe. Recife: Editora da UFPE, 2007.
45
Nessas eleições, em alguns municípios onde, tradicionalmente, os candidatos do PSD saíam vitoriosos,
a vitória coube ao candidato da UDN. De acordo com Dulce Pandolfi, essa mudança ocorreu graças ao
apoio dos chefes políticos locais, os quais, em virtude das desavenças existentes dentro do PSD, teriam
abandonado aquele partido.
24
secretário da fazenda, cargo que havia ocupado no governo de Barbosa Lima
Sobrinho. De modo geral, em termos de composição dos quadros do governo, é possível
afirmar que ocorreu a substituição da máquina estatal pessedista por uma similar
udenista. Em razão dessa política, o afastamento entre Cid Sampaio e os integrantes da
Frente do Recife ocorreu numa crescente.
Apesar desses conflitos com a Frente, no decorrer da campanha municipal de
1959, o governador irá apoiar a candidatura de Miguel Arraes a prefeito do Recife. Tal
afirmativa tem por base uma série de matérias publicadas no Diário de Pernambuco em
que Cid Sampaio é acusado de estar infringindo a lei ao apoiar publicamente a
candidatura da Frente do Recife. No dia 15 de julho daquele ano, noticia-se que
Severino Albuquerque Lins, candidato a vereador, entrou com uma representação junto
ao TRE, solicitando que o governador fosse processado “com base em dispositivos
específicos da lei eleitoral”. Também o PSD solicitou ao TRE que recomendasse ao
governador a sua não participação nos comícios que vinham sendo realizados
46
.
Embora Miguel Arraes tenha vindo de uma derrota na tentativa de reeleger-se
deputado estadual, ao ser lançado candidato a prefeito seu nome alcança grande apoio
entre as fileiras do PCB e do PSB. Tanto é assim que as tentativas de Barros Carvalho
em conseguir o apoio desses para o lançamento de uma candidatura encabeçada por um
integrante do PTB, logo se vêem fracassadas. Descontente com a insistência de
comunistas e trabalhistas em lançar Arraes como candidato da Frente do Recife, o líder
do PTB em Pernambuco rompe com seus antigos aliados e passa a apoiar a candidatura
de Antônio Alves Pereira, concorrente que alcançara a segunda colocação no pleito
municipal de 1955. Coligado ao PRT, coube ao PTB indicar o postulante ao cargo de
vice-prefeito, o qual, como veremos a seguir, foi ocupado por Eládio de Barros
Carvalho, irmão do presidente regional daquele partido.
Enquanto a saída do PTB pode denotar o enfraquecimento da candidatura da
Frente do Recife, as manifestações de apoio por parte dos trabalhadores e da direção
nacional do PCB demonstram a combatividade daquela candidatura. Em 22 de julho de
1959 é publicado o Manifesto de Sindicalistas do Recife, documento no qual os
trabalhadores expressam seu apoio a Arraes e ao seu vice, Artur de Lima Cavalcanti.
46
A participação de Cid Sampaio preocupava aos partidos não apenas quanto ao resultado obtido na
eleição majoritária, mas também, ou principalmente, na influência que o apoio do governador poderia
surtir nos resultados das eleições proporcionais. Preocupados com o rumo das eleições municipais
diversos deputados federais, como Aderbal Jurema, Gileno di Carli e Armando Monteiro Filho, vieram ao
Recife com o intuito de fortalecer as legendas de seus partidos.
25
Avante! Avante trabalhadores! Pernambuco não pode parar! Os
recifenses não podem permitir que a recuperação de Pernambuco seja
prejudicada!
47
Tal convocação da população às urnas não ganhou grande repercussão na
imprensa se comparada à participação de Luís Carlos Prestes na campanha pela
sucessão municipal. Se por um lado a vinda do “Cavaleiro da Esperança” ao Recife
garantia a presença de um grande número de pessoas em seus comícios, por outro
agravava o clima de denúncias que cercava o cotidiano da campanha.
Transcorridas as eleições verificou-se a vitória de Miguel Arraes, assim como a
de Artur de Lima Cavalcanti, o qual teve como principal adversário Eládio de Barros
Carvalho, candidato do PTB. Observe-se que Sócrates Times de Carvalho, o qual
figurou como candidato do PSB ao mesmo cargo nas eleições de 1955, aparece nessa
eleição como candidato do PR, um dos pequenos partidos que compunham o universo
político de Pernambuco.
Resultado das eleições para prefeito do Recife – 1959
Candidato Legenda Nº de votos
Miguel Arraes de Alencar PSB – PST – Ala dissidente
do PSD
82.812
Antônio Alves Pereira PRT – PTB 57.331
Ernane Seve PR 6.285
Brancos 5.277
Nulos 6.824
Total 153.252
Fonte: Atas do TRE
47
Diário de Pernambuco, 22 de julho de 1959, p.9.
26
Resultado das eleições para vice-prefeito do recife – 1959
Candidato Legenda Nº de votos
Artur Lima Cavalcanti PST-PSB – Ala dissidente
do PSD
72.731
Eládio de Barros Carvalho PTB 44.930
Sócrates Times de
Carvalho
PR 10.665
Antonio Batista de Souza PL 8.817
Brancos 14.674
Nulos 6.712
Total 158.559
Fonte: Atas do TRE
Os números presentes na tabela eleitoral demonstram que Arraes obteve uma
significativa vantagem em relação ao segundo candidato mais votado. Contudo, se
compararmos esses resultados com os verificados na eleição municipal de 1955 é
possível perceber que naquela ocasião a diferença entre Pelópidas (o mais votado) e
Antônio Alves Pereira foi maior do que a existente nas eleições de 1959. O grande
número de votos alcançado por Pereira revela que alguns dos pequenos partidos vinham
tendo êxito em manter-se politicamente independentes, o que aumentava seu poder de
barganha e negociação
48
. Contando com o apoio do PTB, o qual recusou-se a apoiar
Arraes
49
, o PRT manteve a decisão de afastar-se do PSD, partido com o qual
tradicionalmente compunha alianças.
Após tomar posse, Arraes passou a desenvolver uma série de políticas voltadas à
população de baixa renda. Empreendeu várias obras que visavam dotar o Recife de
melhores condições de infra-estrutura
50
. Embora esse tipo de obras atendesse
principalmente às comunidades de baixa renda, é possível afirmar que contribuíram para
que Arraes conquistasse a simpatia de parte das camadas médias. Entre as obras
realizadas destacaríamos a ampliação da área servida por transportes coletivos, a
abertura e o alargamento de ruas e avenidas, e também a urbanização dos mocambos.
Assim como ocorrera com Pelópidas Silveira, a atuação de Miguel Arraes frente
à prefeitura do Recife possibilitou o crescimento de sua projeção entre os meios
48
Veremos que, principalmente em âmbito legislativo, conquistar o apoio dessas pequenas agremiações
políticas se mostrava como questão fundamental para a manutenção da governabilidade.
49
Em O caso eu conto como o caso foi, Paulo Cavalcanti afirma que o real motivo da recusa de Barros
Carvalho em apoiar a candidatura de Arraes seria a sua insistência em lançar o nome do seu irmão como
candidato a prefeito. Como vimos, ao aliar-se ao PRT, o líder petebista não alcançou êxito em seu intento,
contudo conseguiu lançar o nome de Eládio de Barros Carvalho ao cargo de vice-prefeito do Recife.
50
Coleção de Atas Encadernadas da Câmara Municipal do Recife.
27
políticos locais. Optando por dar continuidade ao modelo de gestão democrática
implementado pelo seu antecessor, bem como às obras e projetos que visavam o
ordenamento do espaço público daquela capital, o novo prefeito conquistou o apoio não
das camadas mais pobres da população como de significativas parcelas da classe
média urbana. No entanto, as obras viárias e urbanísticas desenvolvidas em seu governo
nem de longe podem ser tomadas como a marca da sua gestão. De certo, o projeto de
maior impacto daquela administração foi a criação do MCP Movimento de Cultura
Popular. Em seu estatuto, o mesmo é constituído como “[...] uma sociedade civil
brasileira, de finalidade educativa e cultural [...]”, e apresenta os seguintes objetivos:
1. Promover e incentivar, com ajuda de particulares e dos
poderes públicos, a educação de crianças e adultos;
2. Atender ao objetivo fundamental da educação que é o de
desenvolver plenamente todas as virtualidades do ser
humano, através da educação integral de base comunitária,
que assegure, também, de acordo com a Constituição, o
ensino religioso facultativo;
3. Proporcionar a elevação do nível cultural preparando-o para a
vida e para o trabalho;
4. Formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e
transmitir os múltiplos aspectos da cultura popular.
51
Embora se apresente como um instrumento de combate ao analfabetismo de
jovens e adultos e de incentivo às diversas formas de manifestações culturais, desde a
sua implantação, o MCP passou a ser alvo de duras críticas. Seus opositores afirmavam
que, na prática, se tratava de um projeto político (eleitoreiro) de cunho subversivo. E,
para endossar suas acusações, recorriam ao conteúdo da cartilha de alfabetização
utilizada nos planos de letramento do MCP. Tal cartilha, especialmente desenvolvida
para o MCP, entre outras coisas, ressaltava a importância da participação política da
população e o poder do trabalhador quando reunido em sindicatos. Os opositores de
Arraes, diante de um discurso e de uma prática do MCP que afirmava trabalhar para
elevar o nível de consciência política das camadas populares, afirmavam que o prefeito
utilizava uma roupagem aparentemente inofensiva - a de um programa de alfabetização
- para difundir idéias perturbadoras entre a população mais carente. No mais, a própria
tentativa de alfabetizar era tomada como uma manobra eleitoral, visto que o
analfabetismo figurava como um impedimento frente ao direito de voto. Na visão de
51
Estatuto do Movimento de Cultura Popular Art. 1.
28
seus opositores, mais que cidadãos o MCP estaria formando eleitores, os quais, depois
de alfabetizados, seriam responsáveis pelo fortalecimento político de Miguel Arraes e
de seus aliados.
52
Independentemente das críticas que lhe eram impostas, o então prefeito do
Recife passou a ganhar destaque pelas suas habilidades políticas. Sua perícia em
negociações, tanto com correligionários como com adversários políticos, é comumente
ressaltada entre seus biógrafos e também nas entrevistas de seus contemporâneos. Em
livros de memórias, como em entrevistas, políticos como Paulo Cavalcanti e Pelópidas
Silveira destacam essa característica de Arraes. Para Cavalcanti como para o próprio
Pelópidas, Arraes aliaria as qualidades de administrador público com uma habilidade
política ímpar, a qual o seu antecessor não dispunha.
Essa reconhecida habilidade política, associada à projeção advinda de sua gestão
frente à prefeitura, serve ainda como justificativa à indicação de Miguel Arraes como
candidato da Frente do Recife ao governo de Pernambuco em 1962. Observando os
resultados eleitorais alcançados nas campanhas anteriores se observa como Pelópidas
Silveira, em termos proporcionais, alcançou maior sucesso nas urnas do Recife do que o
próprio Arraes. No entanto, as campanhas eleitorais oferecem outros elementos de
análise além dos números.
Na eleição municipal de 1959, o apoio da ala dissidente do PSD se
apresentava de forma bastante significativa. Dessa maneira, nas eleições estaduais de
1962, este apoio se construía como fundamental para que, enfim, a Frente do Recife
assumisse efetivamente o governo de Pernambuco. Nesse sentido, a indicação de
Miguel Arraes de Alencar, ele próprio um dissidente do PSD
53
, além de levar em
consideração suas qualidades políticas, visava à manutenção daquele apoio. Efetivada a
aliança, o fazendeiro Paulo Pessoa Guerra (PSD) foi indicado como candidato ao cargo
de vice-governador. Assim sendo, com o apoio da ala dissidente do PSD, e também do
PSP, a Frente do Recife lança as candidaturas de Miguel Arraes e Paulo Guerra. Seu
principal adversário naquele pleito foi o industrial e líder udenista João Cleofas, o qual
52
Aguiar. Op. Cit. Capítulo I; Sobre a inserção do MCP no conjunto de movimentos educacionais
oriundos de movimentos reivindicatórios ver Teixeira, Wagner da Silva . História, historiografia e
educação no Brasil: uma análise dos movimentos de educação e cultura popular dos anos 1960. In:
Seminário Nacional de História da Historiografia, 2007, Mariana. Anais do Seminário Nacional de
História da Historiografia:. Ouro Preto : Ufop, 2007.
53
Antes de ingressar no PSB, partido no qual encerrou sua carreira política, Miguel Arraes foi filiado a
diversas agremiações políticas. Filiou-se ao PSD na segunda metade da década de 1940, tendo sido eleito
deputado estadual por aquele partido. Como filiado ao PSD ocupou ainda o cargo de Secretário de
Finanças do Estado de Pernambuco, durante o governo de Barbosa Lima Sobrinho.
29
concorria àquele cargo pela terceira ocasião. Por sua vez, o PSD lança o nome de
Armando Monteiro, empresário ligado aos interesses dos grandes proprietários de terra
de Pernambuco.
Resultado das eleições para governador de Pernambuco - 1962
Candidato Legenda Recife Interior Total
Miguel Arraes de
Alencar
Frente – PSP – Ala
dissidente do PSD
58,09% 43,46% 47,98%
João Cleofas UDN 34,20% 50,40% 45,47%
Armando Monteiro Fração min. do PSD 7,70% 6,14% 6,65%
Fonte: Atas do TRE
Realizada a apuração dos votos, Arraes é eleito com 47,98% do total dos votos
válidos. A pequena margem sobre o candidato udenista faz com que autores como José
Arlindo Soares e Roberto Aguiar concordem com a importância do apoio dos
dissidentes pessedistas para que o candidato da Frente fosse vitorioso. Após a
publicação dos resultados, João Cleofas passou a ser conhecido nos meios políticos
como “João Três Quedas”, em uma alusão às derrotas sofridas em 1950, 1954 e 1962. A
vitória também é alcançada na disputa pelo cargo de vice-governador, fato que levou
Paulo Guerra a ocupar aquele cargo até abril de 1964. E, com o golpe civil-militar e a
conseqüente deposição de Arraes, Paulo Guerra passou a governar o estado até 1967.
Com a ascensão de Arraes ao governo do estado de Pernambuco, os integrantes
da Frente do Recife enfim podem comemorar uma grande conquista em âmbito
estadual, pois, ao contrário do que ocorrera em 1958, o governador recém eleito fazia
parte de suas próprias hostes. Arraes e seu secretariado passaram então a desenvolver
políticas voltadas para as diversas regiões do estado. Se sua notoriedade enquanto
prefeito está em grande parte relacionada ao MCP, a questão dominante como
governador sea do trabalhador rural e a reforma agrária. Uma breve incursão aos
jornais da época é suficiente para que nos deparemos com uma série de notícias em que
esses temas despontam como palco de intensos debates.
Em 1963, diante de uma nova eleição municipal, o nome de Pelópidas Silveira
mais uma vez foi indicado para ser submetido à aprovação popular. Nesse pleito
eleitoral, a Frente do Recife pôde contar com o apoio de todos os partidos que a
constituíram em 1955 (PCB, PSB e PTB) e mais o PTN e o PST. Talvez, a grande
surpresa daquele pleito tenha sido a união do PDC e da UDN em torno da candidatura
30
de Lael Sampaio, irmão do ex-governador Cid Sampaio. Isso porque, desde a década de
1940, o PDC sob a liderança de Wandenkolk Wanderley figurava como um dos
pequenos partidos que orbitavam em torno dos candidatos do PSD. Ao que parece, a
cisão do PSD comprometeu não sua própria estrutura interna, mas também toda a
rede de pequenos partidos que, em muitos ocasiões, lhe dava apoio em âmbito
parlamentar.
Resultado das eleições para prefeito do Recife – 1963
Candidato Legenda Nº de votos
Pelópidas Silveira PSB – PTB – PTN -PST 93.623
Lael Feijó Sampaio PDC - UDN 85.874
Brancos 4.424
Nulos 5.223
Total 189.144
Fonte: Atas do TRE
Transcorrida a apuração dos resultados eleitorais, verifica-se que mais uma vez
Pelópidas saíra vitorioso. Contudo, como sua posse ocorreu em janeiro de 1964, e em
abril do mesmo ano o golpe civil-militar lhe impediria de permanecer no exercício do
seu cargo, sua terceira passagem como edil municipal seria mais rápida que a primeira,
na qual ocupou o cargo por um período de seis meses. Em abril de 1964, Pelópidas e
Arraes são destituídos dos cargos de prefeito e governador, respectivamente, e presos.
Junto à documentação da Câmara Municipal do Recife o que nos chama a
atenção quanto a essa passagem não são discussões acalouradas, decisões polêmicas, ou
a realização de obras de grande porte. Somos consumidos por uma ausência. Em uma
coleção inicialmente composta por 121 exemplares, formados pelo conjunto dos ofícios
recebidos por aquela Casa ao longo de 31 anos
54
, constatamos a ausência de um único
volume. Cada um dos tomos, encadernados de acordo com a data em que os ofícios
foram expedidos, compreende um universo de 3 ou 4 meses de documentos. Um
54
A citada coleção é composta pelos ofícios recebidos entre dezembro de 1947 e dezembro de 1978. A
ausência aqui aludida foi constatada durante o ano de 2004 e permanece até o presente momento.
Indagados quanto ao possível destino da documentação em questão os funcionários daquele arquivo
informaram que nada sabiam a esse respeito. Observe-se que tal documentação, segundo fomos
informados, encontrava-se acondicionada em caixas, sendo toda coleção encadernada na mesma ocasião.
Como cada exemplar tem sua numeração por ordem de expedição dos documentos ali contidos e um
número reservado para o volume desaparecido, podemos imaginar que após o processo de encadernação o
volume em questão ainda integrava da citada coleção. Se assim acreditarmos, a abdução do referido livro
teria se dado no intervalo compreendido entre os anos de 1979 e 2003.
31
pequeno espaço vazio em uma das prateleiras marca a lacuna existente na Coleção de
Ofícios Recebidos da Câmara Municipal do Recife, trata-se do livro contendo os ofícios
enviados àquela Casa durante os meses de abril a julho de 1964
55
.
Ao longo das campanhas aqui descritas, as diversas Frentes do Recife assistiram
a uma trajetória atrelada aos nomes de Pelópidas Silveira e Miguel Arraes de Alencar,
muito embora políticos como Paulo Cavalcanti, Gregório Bezerra, Antônio Bezerra
Baltar e Barros Carvalho tenham se destacado nos palanques e em algumas das disputas
eleitorais nas quais se lançaram. È interessante notar como ao longo das campanhas que
se sucederam os laços políticos de cada um desses candidatos interferiram na
composição de cada aliança. Observe-se, por exemplo, a existência de uma aproximação
entre a ala dissidente do PSD e os partidos de esquerda, nas ocasiões em que Miguel
Arraes figurava como candidato ao cargo majoritário pela Frente do Recife. o PTB
parecia se aproximar daqueles partidos nas ocasiões em que Pelópidas Silveira era
indicado como postulante a cargos majoritários.
Com o golpe, os integrantes da Frente do Recife passaram a conviver com a
perseguição. Muitos foram presos, alguns dos quais posteriormente optaram pelo exílio,
outros se retiraram em definitivo da política. Com a implantação de um novo regime
ditatorial e a extinção do sistema partidário então vigente chegou ao fim o período em
que, visando à conquista do poder, os partidos políticos instituíram Frentes, articularam
alianças entre partidos com diferentes perspectivas ideológicas.
Sobre as campanhas aqui descritas foi(ram) construída(s) a(s) história(s) da(s)
Frente(s) do Recife. Histórias e Memórias nas quais buscou-se atribuir significados a
cada pleito, a cada gestão, a cada gesto... sendo assim, ambas as trajetórias (política e
historiográfica) devem ser analisadas para que se operem deslocamentos que
possibilitem uma outra compreensão das disputas político-partidárias vivenciadas no
período estudado nessa dissertação.
55
Não temos a ingenuidade de imaginar que o sumiço de tal documentação represente um ato de
descuido daqueles que tem a obrigação de zelar pelo patrimônio público. Ao que parece, as linhas escritas
naquele livro foram intencionalmente apagadas deixando em nós um desejo de saber que dificilmente será
saciado.
32
Uma História sobre a Frente do Recife
A partir de 1979, diversos homens públicos que integraram o cenário político do
Brasil até a década anterior, mas que, com o golpe civil-militar passaram a viver no
exílio, voltaram a ser notícia na imprensa do Brasil. Estudando os jornais da época,
podemos observar diversas fotografias, que registram o momento em que políticos,
intelectuais e artistas voltam a pisar, pela primeira vez em muitos anos, em solo
brasileiro. A cada desembarque, festa nos aeroportos, familiares chorando, repatriados
sorrindo. Em Pernambuco, o mais glorioso retorno talvez tenha sido o daquele que,
sendo deposto do Palácio do Campo das Princesas
56
, regressava da Argélia após mais de
15 anos de exílio. Miguel Arraes de Alencar está de volta! Contudo, com seu retorno,
ressurgem as disputas políticas em torno da representatividade do seu nome. Assim que
retorna ao país, Miguel Arraes passa a vivenciar um confronto direto com o ex-
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola
57
, figura política de destaque no sul e
sudeste do país e que, assim como Arraes, fora beneficiado pela lei de anistia.
No cerne desse confronto estava o papel que cada um viria a desempenhar no
cenário político brasileiro a partir daquele momento. Leonel Brizola reclamava para si o
direito simbólico de despontar como líder natural dos partidos que se opunham ao
regime militar, demonstrando um certo incômodo em relação ao nome do ex-
governador de Pernambuco. Na tentativa de dissuadir Miguel Arraes da idéia de lhe
impor qualquer tipo de concorrência, Brizola vem a público e afirma que, na hipótese de
um enfrentamento, ele iria tornar públicas provas que comprovariam o fato de que,
durante sua estada em Argel, Arraes teria se tornado proprietário de campos
petrolíferos
58
. É justamente nesse período (final da década de 1970 e primeira metade
56
O Palácio do Campo das Princesas é a sede oficial do governo do estado de Pernambuco. Seu nome faz
alusão ao campo no qual se localiza, o qual, outrora, teve sua denominação de Campo da Honra alterada
para Campo das Princesas. Atualmente o local tem o nome de praça da República, contudo a
nomenclatura dada ao palácio do governo permaneceu inalterada.
57
Leonel Brizola, assim como Arraes, foi alvo da perseguição daqueles que tomaram a direção nacional
em 1964. Integrante do PTB gaúcho, durante seu mandato frente ao governo do Rio Grande do Sul, teria
despontado como um dos principais líderes esquerdistas do país. Um dos atos mais polêmicos do seu
governo teria sido a nacionalização de empresas norte-americanas de comunicação e energia. Ver
Ferreira, Jorge. Leonel Brizola, os nacional-revolucionários e a Frente de Mobilização Popular in
Ferreira, Jorge; Reis, Daniel Aarão (orgs.) Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
58
Essas acusações podem ser acompanhadas através do Diário de Pernambuco (dezembro de 1979). No
conjunto de matérias alusivas a essa temática, Brizola deixa transparecer a idéia de que Arraes teria
enriquecido de forma ilícita, nos anos em que esteve fora do Brasil. Adentrando aos exemplares referentes
ao ano de 1980 não encontramos nenhum novo dado concernente às provas que o ex-governador do Rio
33
da cada de 1980) que, em Pernambuco, são publicadas algumas pesquisas referentes
ao breve período democrático vivido entre 1945 e 1964. Muitos desses trabalhos surgem
sob a forma de dissertações e teses, algumas das quais publicadas posteriormente.
Durante seu mestrado em História, Flávio Brayner escreve (...) nóis istôra
dotô!,o qual, mais tarde, foi revisado e publicado sob o título de Partido Comunista em
Pernambuco
59
, no qual, entre outras coisas, trata da organização do PC em Pernambuco,
da sua relação com as Ligas Camponesas, das orientações vindas do PCUS e das
distinções entre um partido de massas e um partido de quadros. Descrevendo as posturas
adotadas pela direção do PC, o autor trata da opção pela formação de alianças e,
conseqüentemente, da formação da Frente do Recife.
Dulce Chaves Pandolfi, em Pernambuco de Agamenon Magalhães
60
, além de
descrever a vida pública desse político que por muitos anos conduziu o governo do
estado, nos oferece as glórias e derrotas vividas pelo PSD de Pernambuco e, ao fazê-lo,
afirma que os resultados conquistados por aquele partido podem ser compreendidos, em
parte, por meio de uma análise da atuação dos seus adversários. Destaque-se sua análisa
do processo de udenização vivenciado pelo PSD de Pernambuco sob o comando de
Etelvino Lins, bem como as primeiras derrotas eleitorais sofridas por aquele partido.
Além de trabalhos acadêmicos, são publicados dois livros de memórias que
possibilitam perceber como dois comunistas com atuações tão distintas registraram suas
lembranças do cotidiano político de Pernambuco
61
. Enquanto Paulo Cavalcanti aparece
na documentação como um dos representantes dos “comunistas ordeiros”, Gregório
Bezerra é comumente retratado como um homem a quem o povo deveria temer
62
.
Ambos integram o PC, e têm larga atuação no período em estudo.
Grande do Sul afirmava possuir. Sendo assim, paira a dúvida quanto a existência ou não de algum tipo de
documentação capaz de comprovar as denúncias que eram atribuídas a Miguel Arraes.
59
Brayner, Flávio. Partido Comunista em Pernambuco...Na apresentação do livro, o autor afirma que as
alterações ocorridas entre sua dissertação e o texto que agora vinha a público tinham por intuito principal
tornar sua narrativa acessível a um público menos restrito que o acadêmico, mantendo, em linhas gerais,
as idéias defendidas em sua dissertação. Contudo, como o texto da dissertação e o texto do livro se
apresentam de forma bastante distintas, ambos constam de nossas referências bibliográficas.
60
Pandolfi, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães; consolidação e crise de uma elite
política. – Prefácio de Manuel Corrêa de Andrade – Recife: Editora Massangana, 1984.
61
Cavalcanti, Paulo. O caso eu conto como o caso foi Da Coluna Prestes a Arraes. São Paulo: Alfa-
Omega, 1978. Bezerra, Gregório. Memórias: segunda parte 1946-1969. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1979.
62
Tomemos como exemplo matéria publicada pelo Diário de Pernambuco, em 9 de julho de 1959. Na
página 18 do seu primeiro caderno, sob o título de O brando e o perigoso, o citado periódico ofereceu a
seus leitores uma matéria da qual selecionamos o seguinte trecho: “Com exceção de um, os comunistas
pernambucanos são todos ordeiros e bons moços. Um apenas não o é, o Gregório. Tremei pernambucanos
com o Gregório. O próprio Marechal Lott recomenda muito cuidado com o Gregório”. Em boa parte dos
34
No início de seu livro, Cavalcanti faz uma espécie de elogio às suas próprias
memórias, não àquelas escritas, mas sim às que ele tem “gravadasdentro de si.
Descreve a importância das mesmas diante de uma historiografia oficial, que ignoraria
aspectos e atores que atuaram intensamente nos bastidores das lutas sociais ocorridas
em Pernambuco, no período aqui analisado. Segundo o autor, suas memórias, assim
como as de outros indivíduos que presenciaram o dia a dia dos embates políticos
daquele período, seriam um documento de grande importância para retirar das
sombras desse passado homens e coisas que, revividos, podem contribuir para uma
visão completa de uma realidade social de turbulências políticas, que o tempo e as
conveniências vão esbatendo até ameaçar destruí-la”.
Em um primeiro momento, Paulo Cavalcanti defende a importância de seu
testemunho para que haja um melhor entendimento dos acontecimentos, por parte
daqueles que se dedicaram a construir a história desse período. Posteriormente, o autor
passa a referir-se às suas memórias como se as mesmas estivessem inscritas e imutáveis.
Elementos congelados no tempo e no espaço aos quais ele teria acesso sempre que
assim o desejasse. Seria de fato possível, através de testemunhos ou relatos de
memória, “reviver o passado? Ao afirmar que“A forma de transformar esse
patrimônio de lutas populares[suas memórias] em lição de saber, é contá-lo sem
retoques, fora do escaninho dos subterfúgios como valioso e legítimo legado de uma
época” , o autor revela uma visão da história como algo acabado e não em constante
reconstrução.
Gregório Bezerra, ao longo dos dois volumes de suas memórias, opta por
descrever uma série de passagens da sua vida e relacioná-las à sua atuação política. No
primeiro volume dedica-se à sua infância e juventude. No segundo volume, Gregório
reconstrói sua atuação política como membro do PCB em municípios do interior de
Pernambuco e de outros estados revelando a importância da mesma para a penetração
das idéias comunistas junto àquela população. Em suas memórias, ao narrar suas
estratégias de fuga, suas inúmeras prisões e as diversas sessões de tortura a que foi
submetido, Gregório se constrói como um disciplinado soldado do partido comunista;
alguém que tem por ofício praticar e disseminar os princípios e normas do PC,
revelando que a atuação política em muito transcende às atividades realizadas por
aqueles que ocupam cargos públicos eletivos.
textos que corroboravam com a endemonização da figura de Gregório Bezerra, aludia-se ao processo em
que o mesmo fora acusado de incendiar um quartel militar do estado da Paraíba.
35
Assim sendo, as memórias de Paulo Cavalcanti e Gregório Bezerra são
analisadas nesse trabalho como reconstruções de acontecimentos e experiências
vivenciados por dois comunistas. Talvez uma das maiores contribuições dessas
memórias resida nas distintas atuações políticas de cada um. Seus relatos nos colocam
diante de duas posturas comunistas, dois diferentes arquétipos que podem ser
percebidos como representantes das diferentes formas de se abraçar uma ideologia
política. O primeiro, um funcionário público promotor de justiça relata sua atuação
junto aos dirigentes do PC e de outras agremiações políticas, enquanto Gregório o
qual comumente aparece nos meios de comunicação locais como o pior de todos os
comunistas enfatiza os diversos anos em que esteve preso, as torturas a que fora
submetido e, sobretudo, sua atuação junto à formação dos quadros do PC. Enquanto
Paulo Cavalcanti descreve os meandros dos acordos partidários e das políticas
desenvolvidas nos governos da Frente; Gregório Bezerra privilegia sua atuação junto à
população do interior de Pernambuco e de outros estados, bem como sua atuação em
cada uma das campanhas eleitorais.
Em O Caso Eu Conto Como o Caso Foi, Paulo Cavalcanti apresenta ao leitor
sua concepção quanto à Frente do Recife. Afirmando que a mesma teria suas origens na
eleição para a Assembléia Constituinte de 1933, momento no qual os “grupos de
esquerda”
63
teriam apoiado o PC, sob a legenda Trabalhador Ocupa Teu Posto, com o
intuito de eleger Cristiano Cordeiro a uma das cadeiras do legislativo federal. Afirma
ainda, que a Frente teria ganho corpo em campanhas não-eleitorais, como na jornada do
Petróleo é Nosso e no combate ao acordo militar firmado entre o Brasil e os Estados
Unidos
64
. Já as eleições estaduais de 1947, aparecem em sua narrativa como “o impulso
decisivo para a formação definitiva da ‘Frente do Recife’”
65
, marcando o momento em
que os grupos de oposição se deram conta do seu poder conjunto. Ao tratar da
candidatura de Pelópidas Silveira ao cargo de governador de Pernambuco, em 1947, o
autor afirma que “as velhas tendências de esquerda do Recife ressurgiam das cinzas do
‘Estado Novo’, com outras roupagens, mas com o mesmo sentido popular”
66
. Essa
afirmativa, assim como outras presentes em suas memórias, farão com que Roberto
63
No decorrer de sua narrativa, Paulo Cavalcanti, assim como José Arlindo Soares, descreve a
importância da atuação de indivíduos que simpatizavam com as bandeiras defendidas pelo PC, mas que,
no entanto, não integravam os quadros de nenhuma agremiação política. Esses indivíduos comumente
aparecem sob as expressões “grupos de esquerda” ou “esquerda independente”.
64
Cavalcanti, Paulo. Op. Cit., p.263.
65
Idem, p.263.
66
Idem, p.252
36
Aguiar inclua Paulo Cavalcanti entre aqueles que defendem o comprometimento
ideológico das camadas populares do Recife
67
.
Os trabalhos de Dulce Pandolfi, Flávio Brayner, Paulo Cavalcanti e Gregório
Bezerra, assim como os de Antônio Lavareda e Luciana Jaccoud
68
são fundamentais
para que possamos observar o desenvolvimento da Frente do Recife por perspectivas
variadas, seja inserido nas questões referentes às crises vivenciadas pelo PSD, ou junto
à formação dos quadros do PC de Pernambuco. Em livros de memórias, e sob a
cientificidade exigida pelos cursos de pós-graduação. Dentre tantos, um trabalho em
particular disperta o nosso interesse, pois tem como objeto central a Frente do Recife.
Defendido no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Pernambuco, A Frente do Recife e o Governo do Arraes
69
, de José Arlindo Soares,
surge como o primeiro trabalho no qual aquela aliança política ocupa o centro das
discussões.
Na apresentação do seu livro, Soares afirma ter por objetivo específico analisar a
natureza da Frente do Recife a qual define como uma “aliança político-partidária,
constituída em 1955, entre comunistas, socialistas e correntes de esquerda
independentes, com base em um programa de cunho democrático e nacionalista”
70
. Em
face do seu objeto é possível deduzir que, para o sociólogo, seria possível compreender
a Frente a medida em que se estuda as características que lhe seriam próprias. Em outros
termos, da trajetória da Frente do Recife seriam deduzidos os elementos próprios que
possibilitariam a sua compreensão.
Em sua definição da Frente do Recife, observamos a presença do que o autor
nomeia de correntes de esquerda independentes e a inexistência de qualquer menção a
participação do PTB. Em outras passagens do texto, nos depararemos com a atuação dos
católicos de esquerda, profissionais liberais, intelectuais e estudantes universitários, os
quais comporiam o que é denominado de esquerda independente. Já o PTB, embora se
apresente como um dos partidos políticos que integraram a Frente do Recife, merece
pouco destaque ao longo do texto. A presença desse partido está quase que restrita ao
tópico referente à formação daquela aliança, passagem em que a realização do
67
Aguiar, Roberto Oliveira de. Recife da Frente ao Golpe: ideologias de esquerda em Pernambuco.
Recife, Editora Universitária da UFPE, 1993.
68
Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco (1955-1968). Recife,
FUNDAJ/ Editora Massangana, 1990.
69
Soares, José Arlindo. A Frente do Recife e o Governo do Arraes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
70
Idem, p. 21.
37
Congresso de Salvação do Nordeste aparece como o momento de aproximação entre os
grupos de esquerda e a ala desenvolvimentista do PTB.
Para Soares, a compreensão dos embates políticos e das lutas sociais travadas no
Nordeste durante as décadas de 1950 e 1960, demonstram a influência desses
acontecimentos sobre a crise da Democracia Populista no Brasil
71
. Afirma ainda que
nesse período o Nordeste ganhou grande visibilidade, no Brasil e no exterior, em virtude
do “ímpeto com que as massas se lançaram na luta para atender às suas necessidades
mais imediatas e pela influência que isso poderia vir a ter sobre o próprio sistema
econômico do país”
72
. O comprometimento ideológico dessas “massas” com as idéias
defendidas pelos partidos de esquerda permeia toda a narrativa de José Arlindo Soares.
Tais massas seriam formadas, principalmente, pelo operariado urbano em expansão.
Vale lembrar que, nas décadas de 1940 e 1950, o Recife e municípios vizinhos
observaram um grande aumento do seu contingente populacional. O aumento da
população deveu-se, em parte, ao grande número de migrantes oriundos do interior do
estado e mesmo de outras áreas do nordeste
73
. Ao longo do primeiro capítulo de O
Movimento e a Linha
74
, Flávio Teixeira descreve o papel desempenhado pelo Recife
como centro de captação de migrantes, os quais, muitas vezes, saíam de suas áreas de
origem em virtude do processo de expansão da produção do açúcar, bem como do
agravamento das precárias condições de vida a que estavam submetidos. Boa parte
desses migrantes advinha da região da Zona-da-Mata, área na qual se concentravam as
atividades canavieiras. Com a incorporação ao cultivo da cana-de-açúcar das terras
destinadas à cultura de subsistência ocorreu um agravamento das condições de vida dos
trabalhadores rurais, os quais já dispunham de poucos recursos.
Por outro lado, a maioria desses trabalhadores, de modo geral, eram desprovidos
de habilidades técnicas ou qualificação profissional que lhes propiciasse o acesso a
71
A expressão Democracia Populista ou República Populista é comumente utilizada para nomear o
período democrático compreendido entre o final do governo ditatorial de Getúlio Vargas e o golpe civil-
militar de 1964. A utilização dessa nomenclatura pode ser observada principalmente em livros didáticos
do ensino fundamental e médio.
72
Idem, p.22.
73
Estudos realizados por órgãos internacionais afirmavam que era impossível um ser humano sobreviver
ingerindo a quantidade de calorias da qual comumente dispunha essa população. Os índices de
desnutrição e mortalidade infantil de algumas áreas do nordeste do Brasil estavam entre os piores do
mundo. Sobre os reflexos do processo de expansão da economia canavieira e sua conseqüente
proletarização ver: Andrade, Manuel Corrêa de. A Terra e o Homem do Nordeste. Recife: Editora da
UFPE, 2005; Page, Joseph. A Revolução que Nunca Houve. O Nordeste do Brasil 1955 / 1964. Trad.
Ariano Suassuna. Rio de Janeiro, Editora Record, 1980.
74
Teixeira, Flávio Weinstein. O Movimento e a Linha: Presença do Teatro do Estudante e d’O Gráfico
Amador no Recife (1946 – 1964). Recife, Editora Universitária da UFPE, 2007.
38
trabalhos bem remunerados. Na maior parte dos casos, viviam de “bicos” ou
subempregados. Algumas mulheres, quando não se dedicavam exclusivamente aos
afazeres domésticos, buscavam atividades como a produção e venda de quitutes,
serviços de lavadeira, corte e costura ou outras atividades relacionadas às prendas
domésticas, existindo ainda as que alcançavam o trabalho formal através dos balcões de
lojas e mercearias
75
.
Essa falta de habilidades frente à realidade do meio urbano contribuía para que
esses migrantes freqüentassem as páginas policiais dos jornais. O ócio e a embriaguez a
que se entregavam alguns desses desempregados faziam com que esses indivíduos
fossem tomados como desocupados e arruaceiros. a miséria levava a parte dessa
população a cometer furtos e assaltos, contribuindo para que muitas vezes fossem
discriminados por seus novos vizinhos
76
.
Em âmbito nacional, o Brasil assistia a um rápido processo de industrialização, o
qual levava um grande número de trabalhadores a migrar rumo às capitais e demais
cidades nas quais as indústrias surgiam como uma nova possibilidade de trabalho.
Assim como acontecia em Pernambuco, esses trabalhadores, muitas vezes, se
deparavam com um cenário bastante hostil. Além de esbarrar em questões como a falta
de habilidade para a realização de trabalhos fabris e os problemas advindos do
analfabetismo, esses migrantes corriam o risco de serem alvo do preconceito da
população urbana.
Para muitos intelectuais ou políticos, dirigentes empresariais e do
governo, a figura do trabalhador cidadão não era para ser encontrada
no migrante. Ao ressurgir na força do trabalho no lugar do imigrante,
o trabalhador de origem rural era visto com as mesmas carências
atribuídas ao antigo trabalhador escravo ou pobre. Assim, se o afro-
nativo-descendente havia sido “substituído” pelo imigrante na virada
do século XIX para o XX, de 1945 em diante a figura do sujeito sem
voz nem vez era reintroduzida em cena no papel do trabalhador
brasileiro.
77
75
De acordo com Joseph Page, uma parcela significativa dessa população feminina, diante da
impossibilidade de prover o seu sustento, foi levada ao caminho da prostituição. Page, Joseph. Op. Cit.
76
Tal afirmativa tem por base as informações contidas nas páginas policiais do Diário de Pernambuco
durante todo o ano de 1955. No decorrer daquele ano foram publicadas diversas matérias em que
indivíduos oriundos do interior são acusados de promover arruaças em virtude do seu estado de
embriaguez.
77
Silva, Fernando Teixeira da; Negro, Antonio Luigi. Trabalhadores, sindicatos e política (1945-1964) in
Ferreira, Jorge; Delgado, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano - Vol. 3. O tempo da
experiência democrática. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. p. 49.
39
Acompanhando os jornais do período, é possível observar a existência de
diversas matérias em que os problemas vivenciados pelo Recife são atribuídos à
presença de um grande número de migrantes oriundos do interior do Estado. O
incômodo causado pelo convívio com essa população suscitou a discussão quanto à
criação de políticas públicas que capazes de prender esses homens e mulheres ao
campo. Apesar da existência de muitos debates acerca da realização de obras contra as
secas e outras medidas capazes de atenuar as dificuldades vivenciadas pelos
trabalhadores rurais, pouco, ou quase nada, é feito em benefício dessa população.
Enquanto isso, o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), diante das inúmeras crises
vivenciadas pelo comércio açucareiro, presta assistência aos grandes senhores da cana-
de-açúcar.
Diante das disputas sociais vigentes em todo o país, Soares afirma que
Pernambuco é o epicentro no qual as contradições do “desenvolvimento desigual e
combinado do sistema capitalista” entram em evidência. Ao tratar do processo de
expansão da produção do açúcar afirma que “este processo se realiza pela simples
incorporação aos canaviais de terras cultivadas por foreiros, moradores e sitiantes”.
78
Ao fazê-lo, subestima a importância da substituição dos engenhos bangüês por usinas,
bem como o surgimento de uma nova classe, a dos fornecedores de cana.
No decorrer de seu texto, o autor defende a idéia de que a criação e consolidação
de uma frente oposicionista de esquerda em Pernambuco seria fruto do espírito
combativo da sua população e, de maneira especial, da sua capital. Soares afirma a
existência de um “sentimento oposicionista e antioligárquico da classe operária e
demais segmentos populares, manifestados nas eleições realizadas na região
metropolitana do Recife, durante o período pesquisado e que culmina com a
estruturação da Frente do Recife”.
79
Desse modo, os resultados presentes nas tabelas
eleitorais refletiriam a consciência do operariado urbano diante dos problemas sociais
vivenciados no período. O livro de José Arlindo Soares, posteriormente, seria tomado
como representativo de uma tendência apresentada também em autores como Paulo
Cavalcanti e Flávio Brayner, na qual o comprometimento ideológico da população é
colocado em evidência.
78
Soares. Op Cit., p. 22.
79
Idem, p. 27.
40
(...) esta obra representa uma tendência que foi sendo produzida na
época, e que foi reafirmada posteriormente, através de artigos e livros
de que as vitórias eleitorais desse período em que se constitui a
Frente do Recife, (1955 1964) decorriam de uma consciência, ou,
como é afirmado, de um sentimento da classe operária e demais
segmentos populares. Dessa maneira, Recife, e mesmo Pernambuco,
passavam a ser representados como um território em que uma parcela
da população era naturalmente de esquerda, engajada nas lutas contra
o capitalismo.
80
Autores como José Arlindo Soares defendem a idéia de que o comprometimento
ideológico vivenciado pela população do Recife seria responsável pelo sucesso de
movimentos políticos caracterizados pelas propostas de mudanças sociais, como ocorria
com a Frente do Recife. Os discursos sobre o espírito rebelde e aguerrido da população
de Pernambuco estão comumente presentes em obras dedicadas a analisar os vários
movimentos insurrecionais ocorridos no estado, em diferentes períodos históricos.
Autores que escreveram acerca de acontecimentos como a Restauração Pernambucana
(expulsão dos holandeses de Pernambuco), a Guerra dos Mascates, a Revolta de 1817
(consagrada na historiografia como Revolução dos Padres) e a Confederação do
Equador (1824), usualmente, recorriam ao espírito rebelde da população de Pernambuco
como um dos elementos fomentadores dessas disputas
81
. Esse espírito de luta e
resistência também está presente nas campanhas eleitorais mais recentes. Podemos
tomar como exemplo um trecho de discurso proferido por Miguel Arraes de Alencar,
durante um encontro de lideranças populares, em julho de 1998
82
.
Essa resistência de nossa gente, a resistência do nosso Estado é uma
bandeira permanente da sua história. Pernambuco sempre levantou a
voz contra as discriminações e é por isso que Pernambuco é
discriminado, como foi agora recentemente na recusa de recursos, tal
como no passado cortaram o território de Pernambuco, deceparam o
nosso Estado, tirando Alagoas, a Paraíba, a Comarca do São
Francisco, para nos castigar pela ousadia que sempre teve e tem a
nossa gente de não se dobrar aos poderosos.
83
80
Montenegro, Antonio Torres e Santos, Taciana Mendonça . Lutas Políticas em Pernambuco... A Frente
do Recife chega ao poder (1955-1964). In Ferreira, Jorge e Reis, Daniel Aarão. Nacionalismo e
reformismo radical (1945-1964). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.
81
Idem., p.455.
82
Esse discurso foi proferido no decorrer da campanha eleitoral em que Miguel Arraes de Alencar,
apresentando-se como candidato ao governo do estado de Pernambuco, foi derrotado por Jarbas
Vasconcelos. Auditório da Fesp, 9 de julho de 1998.
83
Encontro com lideranças populares, Auditório da Fesp, 09/07/1998.
41
Esse fragmento revela como não é apenas na historiografia e nos livros didáticos
que essa memória heróica do povo pernambucano” é atualizada. Poder-se-iam
multiplicar os exemplos que, à revelia da historiografia atual, procuram eternizar uma
memória de tradição revolucionária, de luta, de resistência, de bravura. Contudo,
embora tal construção seja compartilhada por um elevado número de autores existem
narrativas históricas que rompem com esse enquadramento. Em 1993 é lançado o livro
do sociólogo Roberto Oliveira Aguiar que rompe com a tese de que os resultados
eleitorais alcançados no Recife, após a organização da Frente do Recife, denotam que a
população da cidade é naturalmente de esquerda ou favorável às suas teses.
Roberto Aguiar – Um novo olhar
O sociólogo Roberto Oliveira de Aguiar dedicou parte de sua vida acadêmica ao
estudo das lutas políticas no estado de Pernambuco, tendo publicado diversos artigos
referentes a essa temática. Como professor do Programa de Pós-graduação em
Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco ministrou, entre outras, as
disciplinas Teoria Sociológica e Sociologia Política.
Durante o período de seu doutoramento na London School of Economics and
Political Science dedicou-se a combater a tese de que o sucesso eleitoral vivenciado
pelas esquerdas em Pernambuco estaria diretamente associado à singularidade política
desse estado e, em maior medida, da sua capital. Em 1993, sua tese foi publicada pela
editora da UFPE sob o título de Recife da Frente ao Golpe: Ideologias políticas em
Pernambuco. No decorrer do seu livro o autor tenta demonstrar a existência de uma
historiografia que, ao tratar das disputas políticas ocorridas em Pernambuco no período
compreendido entre 1945 e 1964, nos oferece a tese de que a chegada da Frente do
Recife ao poder municipal, e posteriormente ao estadual, seria fruto da crescente
consciência política das ditas “massas urbanas”.
Assim, ao contrário dos acontecimentos alhures no país, as classes
populares teriam conseguido se firmar como a força política
dominante em Pernambuco, primeiramente controlando a Prefeitura
42
do Recife e, posteriormente, o aparelho estatal de Pernambuco como
sustentam tanto Oliveira como Soares.
84
Para Roberto Aguiar, autores como José Arlindo Soares, Paulo Cavalcanti e
Manuel Corrêa de Andrade seriam representantes dessa tradição historiográfica.
Contrapondo-se a estes, Aguiar afirma que:
A principal tese aqui defendida é a de que os acontecimentos
políticos ocorridos em Pernambuco no período compreendido entre
1945 1964 particularmente aqueles que ocorreram a partir de
1955 não podem ser entendidos como expressão da unicidade da
vida política de Pernambuco naquele período. Sugerir-se-á também
que o chamado ‘avanço das massas’, basicamente, não foi um
movimento orientado contra a expansão do capitalismo no Brasil.
Pelo contrário, afirmar-se-á que aqueles movimentos políticos
ocorridos em Pernambuco a partir dos anos 50 expressaram o amplo
desejo generalizado por reformas sociais, sustentado por vários
setores da sociedade local, regional e nacional naquele período.
85
Ao estabelecer a tese central do seu trabalho o autor foi de encontro à antiga
construção de que o estado de Pernambuco teria em si um embrião revolucionário o
qual seria responsável pela produção de um cenário político ímpar, com características
inexistentes em outras regiões do país. Com isso, Aguiar não nega a existência de
características regionais próprias, mas enfatiza que Pernambuco comunga de fatores de
resistência e luta comuns também a outras regiões do Brasil. Desse modo o suposto
engajamento ideológico das camadas mais pobres da população urbana não poderia ser
tomado como elemento único e condicionante para a ascensão das esquerdas ao poder
em Pernambuco ou em Recife. Mais que comprometimento ideológico, essas “massas”
teriam como interesse primordial a conquista de reformas sociais que refletissem
diretamente a melhora na sua existência cotidiana. Acesso a oportunidades de emprego,
garantia de melhores salários e condições de trabalho, anseios legítimos e amplamente
difundidos nas campanhas eleitorais daquele período, em vários estados e cidades do
Brasil.
Em sua crítica a autores classificados como marxistas e estruturalistas, Aguiar
utiliza como apoio aos seus argumentos os resultados eleitorais alcançados entre 1947 e
1962. Tabelas utilizadas pelos autores supracitados para ilustrar o domínio das
84
Aguiar, Roberto Oliveira de. Recife da Frente ao Golpe: Ideologias políticas em Pernambuco. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1993, p.28.
85
Idem, p.29.
43
esquerdas nas campanhas eleitorais, desde a campanha municipal de 1955 até o golpe
civil-militar de 1964, para Aguiar, revelam a fragilidade das esquerdas e o crescente
poder da UDN no estado. Analisando os resultados das eleições realizadas entre 1955 e
1963
86
é possível observar que a grande superioridade de votos obtidos pela Frente do
Recife ocorre no ano de 1955, com a eleição de Pelópidas Silveira ao cargo de prefeito
do Recife. É possível notar, a partir de então, um decréscimo na margem de votos
existente entre os candidatos eleitos pela esquerda e seus oponentes. Esse decréscimo
em termos numéricos é visível não apenas nos resultados referentes à disputa da
prefeitura do Recife, mas também aqueles alusivos aos pleitos em que foram disputados
os cargos de governador e vice-governador de Pernambuco.
Ao tentar comprovar que, embora apresentassem uma sucessão de vitórias
eleitorais, os partidos de esquerda ao longo de cada campanha ocorrida entre 1955 e
1964, vinham atravessando um momento de declínio, Roberto Aguiar construiu tabelas
nas quais constata-se que a porcentagem dos votos conquistados por candidatos da
Frente do Recife se apresenta de forma decrescente.
Evolução dos resultados eleitorais para prefeito do Recife nos anos de
1955, 1959 e 1963.
Partidos/Coligações
1955 1959 1963
Frente do Recife 1 0,82 0,78
Opositor principal 1 2,00 2,51
Outros 1 0,29 -
Votos brancos 1 0,80 0,56
Votos nulos 1 2,75 1,76
Fonte: Tabela 4.6 In Aguiar, 1993.
86
Nos referimos aqui aos pleitos eleitorais referentes à disputa dos cargos de prefeito e vice-prefeito do
Recife, assim como aqueles referentes aos cargos de governador e vice-governador de Pernambuco.
44
Evolução dos resultados eleitorais para vice-prefeito do Recife nos anos de
1955, 1959 e 1963.
Partidos/Coligações
1955 1959 1963
Frente do Recife 1 0,84 0,75
Opositor principal 1 1,99 1,10
Outros 1 0,98 0,49
Votos brancos 1 0,52 0,34
Votos nulos 1 2,71 1,70
Fonte: Tabela 4.7 In Aguiar, 1993.
Com base nesses resultados eleitorais, o autor se opõe diretamente às
interpretações do também sociólogo, José Arlindo Soares, o qual afirma que o período
em questão seria marcado pelo crescente avanço das esquerdas que, além de
consolidarem sua atuação no Recife, teriam expandido sua área de atuação para outros
municípios. As esquerdas que, em um primeiro momento, teriam restringido sua atuação
ao Recife e cidades vizinhas passavam, pouco a pouco, a granjear os votos dos eleitores
de outras regiões, sem os quais não seria possível chegar à conquista do governo do
estado. Para tanto, a formação de alianças com grupos da burguesia industrial, como
aqueles representados pela UDN, teria sido fundamental. No entanto, segundo Aguiar,
ao construir sua análise acerca das disputas eleitorais em tela José Arlindo Soares não
teria apreendido:
[...] o verdadeiro conteúdo dos processos sociais que ocorriam por
trás da inegável tendência de se votar na oposição, manifestada pelo
eleitorado de Recife, durante o período.
87
Enquanto Soares defende o avanço das esquerdas por conta da penetração do
discurso reformista junto às camadas populares e demais setores da sociedade, o
começo do processo de industrialização do Nordeste, a crise econômica da cultura
algodoeira, a conseqüente queda do poder político dos “coronéis”, e a reestruturação da
economia açucareira são vistos por Aguiar como fatores importantes para a
compreensão do avanço eleitoral das esquerdas. Assim como a criação da SUDENE
(1959), que teria favorecido os setores mais dinâmicos da economia em detrimento dos
tradicionais grupos do interior. Tais mudanças na área econômica projetariam seus
reflexos sobre a área política. A transferência do poder econômico seria acompanhada
pela transferência do poder político.
87
Idem
,
p.95.
45
É a passagem do coronelismo para o populismo - e nunca a mudança
de um padrão de votação desvinculado ideologicamente para outro de
composição ideológica que marca a verdadeira transformação no
comportamento eleitoral de Pernambuco e do Recife, em fins dos
anos 50 e princípio dos anos 60.
88
Roberto Aguiar entende que o domínio eleitoral das esquerdas em Recife e em
Pernambuco não seria fruto da sua capacidade em conquistar novos eleitores, mas sim
da sua habilidade em formar alianças com os grupos que ascendiam política e
economicamente naquele período
89
. Nesse sentido, o autor dedica o primeiro capítulo
do seu livro a uma descrição da formação econômica do estado de Pernambuco,
contemplando a implantação e o desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar, bem
como as crises e transformações vivenciadas por produtores e trabalhadores rurais.
Apresenta também um breve histórico acerca da ocupação do agreste e do sertão do
estado, com o intuito de demonstrar como teriam surgido as oligarquias do gado e do
algodão, detentoras do poder político naquelas regiões.
Em seguida estabelece uma divisão social dos grupos políticos, na qual os
integrantes do PSD são apontados como representantes dos “coronéis” do agreste e do
sertão; a UDN estaria ligada aos setores mais dinâmicos da economia do estado
(usineiros e outros industriais); as “massas”, o operariado urbano do Recife e das
cidades vizinhas formaria a base eleitoral do PCB e PSB, liderados por intelectuais e
profissionais liberais. Embora o uso de termos como massas e coronéis esteja
acompanhado pela utilização de aspas, o que revelaria que Aguiar tem ressalvas ao mau
desses termos, o autor opta por não explicitar quais as suas restrições quanto à utilização
dos mesmos.
Discutindo questões como as posições ideológicas adotadas por cada grupo, as
demandas por reformas sociais, as políticas empreendidas pelos partidos de esquerda
quando esses chegavam ao poder e a resistência oferecida pelos representantes do PSD,
Roberto Aguiar institui o cenário e os atores que participam das disputas eleitorais
daquele período. E, dessa maneira, constrói sua interpretação dos fatores que teriam
88
Idem, p. 97
89
Observe-se que enquanto Roberto Aguiar afirma que o sucesso da Frente do Recife refletia sua
capacidade em se aliar ao que ele nomeia como setores economicamente mais dinâmicos da população,
Luciana Jaccoud, por sua vez, afirma que tal sucesso está relacionado à capacidade da Frente em se aliar
aos integrantes dos movimentos sociais que passaram a tomar parte no cenário político de Pernambuco a
partir da década de 1950. Em ambos os casos, nos deparamos com uma argumentação em que as questões
econômicas e os conflitos sociais são apresentados como elementos determinantes frente ao desenrolar
das disputas políticas. Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco
(1955 – 1968). Recife, FUNDAJ/ Editora Massangana, 1990.
46
tornado possíveis alijar o PSD de alguns dos principais cargos do governo de
Pernambuco.
Analisando o mesmo período histórico, Flávio Teixeira, ao tratar da oposição
existente entre as idéias defendidas por Roberto Aguiar e o que chama de “corrente
majoritária da historiografia política pernambucana”, afirma que:
Se os dados apresentados pelo autor [Roberto Aguiar] são
insofismáveis, seus argumentos nem tanto. Antes de tudo, convém
refletir sobre as razões que estão por trás da hegemonia que a
esquerda conquistou e manteve durante todo o período. Ou, por outra,
é preciso que bem se dimensione o porquê desse comportamento, o
seu tanto insubmisso que a cidade apresentava. Ou, ainda, em termos
mais genéricos, a que devemos atribuir a específica forma que a luta
política adquiriu no Recife?
90
Poder-se-ia então afirmar que, para Teixeira, a explicação apresentada por
Aguiar, embora repouse sobre dados numéricos incontestáveis, não traz em si uma série
de elementos necessários para a compreensão dos processos sociais e políticos
vivenciados durante o período. Tampouco invalidaria a importância de uma
compreensão acerca da específica forma adquirida pelas disputas políticas no Recife, a
qual, segundo o autor, estaria diretamente relacionada a três particularidades daquela
capital: a existência de um significativo número de trabalhadores urbanos, alguns dos
quais envolvidos com a “antiga tradição de luta política”; a questão da industrialização
nacional e a inserção do Nordeste no cenário que ora se apresentava; e a existência em
Pernambuco de uma forte tensão política em torno dos conflitos de terra.
Ao classificar os dados apresentados por Aguiar como insofismáveis Teixeira
afirma que a diminuição do percentual de votos conquistados por candidatos da Frente
do Recife apresenta-se de maneira inquestionável, contudo, defende a idéia de que a
complexidade em torno das disputas então apresentadas vai muito além da simples
análise de tabelas eleitorais. Vale lembrar que comumente as tabelas eleitorais são
compostas por três colunas distintas, a saber: candidato; legenda(s) a que este está
ligado; e número de votos conquistados. De modo que, buscando compreender a
dinâmica das transformações vivenciadas entre uma e outra eleição, deve-se
problematizar as relações existentes entre tais elementos. Assim sendo, a análise do
número de votos conquistados por um determinado candidato em diferentes pleitos
90
Teixeira, Flávio Weinstein. O movimento e a linha: presença do teatro do estudante e do gráfico
amador no Recife (1946 – 1964). Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007, p.49.
47
eleitorais, não pode negligenciar os partidos que, em momentos distintos, apoiaram a
sua candidatura.
48
II – Edificando uma estrutura democrática
O intervalo democrático transcorrido entre o final da ditadura estadonovista e o
golpe civil-militar de 1964 foi marcado por acirradas lutas políticas. Essas disputas
giravam em torno das eleições em que eram escolhidos os representantes dos poderes
executivo e legislativo das três esferas administrativas (municípios, estados e União).
Diante do estabelecimento de um regime democrático no qual a conquista de cargos
políticos resultava da escolha direta da população, os políticos do período se viram
diante da necessidade de conquistar o voto de uma significativa parcela do eleitorado.
A leitura da historiografia do período possibilita analisar como as disputas de
poder ocorridas em torno do processo democrático não se restringiam às eleições.
Estendiam-se à criação de uma legislação que regulamentasse o processo eleitoral,
como o Ato Adicional 9, a Lei Agamenon
91
e a Constituição Federal de 1946. Os
diversos grupos políticos que atuavam naquele período buscavam apoio junto à
imprensa, à Igreja e a variados órgãos classistas, para assim influenciar aqueles que
tinham o poder decisório quanto à criação de uma nova legislação eleitoral.
Dessa forma, compreender as tensões existentes em torno da construção de um
regime democrático possibilita vislumbrar alguns dos elementos que permeavam o
cotidiano das disputas políticas. Para tanto, estudaremos um momento político
consagrado na historiografia como o período da redemocratização pós Estado Novo,
tendo como objetivo principal analisar o desenvolvimento da legislação sob a qual
foram realizadas as eleições durante a vigência do regime democrático (1945-1964).
Iniciemos por 1945, ano marcado por acentuadas mudanças no quadro político nacional.
Momento em que é possível localizar a existência de uma série de discussões que se
prolongavam desde o estabelecimento de datas para a realização de futuras eleições até
91
Em 28 de fevereiro de 1945 é aprovada a lei Constitucional 9, também chamada de Ato Adicional,
na qual são definidos prazos para a fixação de datas para a realização das eleições para presidente da
República, governadores estaduais, Câmara Federal e Assembléias Legislativas. Além disso, estabelece o
sufrágio amplo e universal. Após a decretação da lei 9, Agamenon Magalhães, interventor de
Pernambuco desde 1937, transfere-se para o Ministério da Justiça, passando a conduzir as mudanças que
estavam por vir. Sua atuação junto à elaboração de um novo conjunto de regras eleitorais (decreto-lei
7.568) foi tão decisiva que tais regras passaram a ser conhecidas como Lei Agamenon. Os principais
elementos estabelecidos pela Lei Agamenon foram: a criação de partidos políticos nacionais, o
estabelecimento de uma justiça eleitoral autônoma, o alistamento simples e extenso, o voto secreto e a
apuração rápida ou imediata. Ver Lavareda, Antônio. A Luta Eleitoral com a Redemocratização: As
Eleições nacionais de 1945 e o Pleito Estadual de 1947. in Lavareda, Antonio e Sá, Constança. Poder e
Voto. Recife: Fundação Joaquim Nabuco Editora Massangana, 1986, p.p.27-28. Quanto ao
desenvolvimento de uma legislação eleitoral no Brasil ver Leal, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e
Voto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, Capítulo VI.
49
a criação de uma justiça eleitoral autônoma, composta por tribunais regionais que
responderiam pela legalidade dos registros eleitorais e demais assuntos relacionados ao
processo eleitoral e aos seus desdobramentos
92
. Em fevereiro daquele ano é promulgado
o Ato Adicional nº 9, o qual estabelece uma série de mudanças na realização das
disputas políticas. Composto por seis artigos, esse documento nova redação a 36
artigos e parágrafos da Constituição Federal então em vigor. Alguns dos principais
temas abordados nesse documento são:
Regulamentação da Intervenção Federal junto aos estados de acordo com a
conveniência e necessidade;
Proíbe a União, estados e municípios a criação de qualquer embaraço ao
exercício de cultos religiosos;
Estabelece a legislatura com duração de quatro anos;
Constitui o sufrágio direto e universal;
Institui a realização de eleições suplementares, quando da ocorrência de novas
vagas no legislativo;
Estabelece as atribuições do Conselho Federal;
Designa as atribuições do Conselho de Economia Nacional;
Assinala as competências do Presidente da República no exercício de suas
funções, bem como o mandato de seis anos para o referido cargo.
Por meio dessa nova legislação, foram estabelecidas as atribuições do executivo e
do legislativo federal, a substituição do presidente da República em casos de
afastamento, assim como a forma republicana e representativa de governo, o governo
presidencial e a manutenção dos direitos e garantias assegurados na Constituição.
Embora o documento em sua íntegra apresente-se como revelador de uma série de
mudanças, optamos por destacar o conteúdo do seu 4º artigo:
Dentro de noventa dias contados desta data serão fixadas em lei, na
forma do art. 180 da Constituição, as datas das eleições para o
92
Vale lembrar que a justiça eleitoral data de período anterior e que a nova legislação inaugurou a
autonomia da mesma, que a partir de então passou a atuar independentemente de outras esferas do poder
judiciário, através da criação dos tribunais eleitorais.
50
segundo período presidencial e Governadores dos Estados, assim
como das primeiras eleições para o Parlamento e as Assembléias
Legislativas. Considerar-se-ão eleitos e habilitados a exercer o
mandato, independentemente de outro reconhecimento, os cidadãos
diplomados pelos órgãos incumbidos de apurar a eleição. O
Presidente eleito tomará posse, trinta dias depois de lhe ser
comunicado o resultado da eleição, perante o órgão incumbido de
proclamá-lo. O Parlamento instalar-se-á sessenta dias após a sua
eleição.
93
Em 28 de maio daquele ano, transcorridos os 90 dias previstos no Artigo 4º do
Ato Adicional 9, foi sancionado o decreto-lei 7.586, também conhecido como Lei
Agamenon
94
. Dentre os diversos aspectos da legislação poder-se-ia destacar a criação
dos partidos nacionais
95
. Essa nova legislação defendia o estabelecimento de partidos
políticos com uma representação nacional e seu prolongamento pelos diversos estados
da federação. Ou seja, foi estabelecido um modelo pluripartidário no qual todo partido
que desejasse lançar candidaturas para uma eleição municipal ou estadual deveria ser
nacionalmente reconhecido, sendo ligado a um diretório nacional
96
. São criados então
pequens e grandes partidos, alguns das quais viriam a conquistar uma ampla base
eleitoral como é o caso do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), do PSD (Partido Social
Democrata) e da UDN (União Democrática Nacional).
Embora cada partido apresentasse um programa nacional a ser seguido pelos
diretórios estaduais, desde cedo foi possível observar a existência de conflitos de
interesses entre representantes de diferentes estados, bem como divergências entre o
diretório nacional e as lideranças locais. Um bom exemplo nos é oferecido por Victor
Nunes Leal ao tratar das regras previstas na lei 7.586 quanto à distribuição das cadeiras
parlamentares:
Quanto ao sistema de representação, foram adotados, para a eleição
de deputados federais e estaduais e de vereadores, dois turnos
93
Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, Art. 4º.
94
O empenho de Agamenon Magalhães na elaboração dessa nova legislação eleitoral fez com que, o
decreto-lei 7.586 fosse apelidado de Lei Agamenon. Ver Pandolfi. Op. Cit.
95
Segundo Maria do Carmo Campello de Souza, a crise da ditadura varguista impunha a criação de
partidos políticos. Diante da inviabilidade da manutenção do regime autoritário surgia a necessidade da
atuação política através dos partidos. Ver Sousa, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos
políticos no Brasil.- 3ª. Ed. - São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1990. p. 64.
96
De acordo com Victor Nunes Leal, a Lei Agamenon “regulou o alistamento, o processo eleitoral e a
organização dos partidos, procurando estimular, compulsoriamente, a criação destes em bases nacionais”.
Ver Leal, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. - 3ª. Ed.- Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1997. p.262.
51
simultâneos: cada partido elege tantos representantes quantos indicar
o quociente partidário, na ordem de votação dos candidatos inscritos
sob a mesma legenda, cabendo todas as cadeiras restantes à legenda
majoritária. [...] Verificou-se, aliás, um fenômeno curioso: as seções
estaduais de um mesmo partido defendiam ou censuravam a lei
conforme tivessem sido beneficiadas ou prejudicadas com o seu
sistema de atribuição das sobras...
97
Analisando a documentação, constata-se que essa incompatibilidade de
interesses por parte dos diversos diretórios de um mesmo partido se apresenta de forma
bastante presente nos meses que antecedem o lançamento de candidaturas. Em muitos
dos casos não um consenso quanto à realização de acordos entre os partidos. Os
problemas suscitados por esse tipo de desacordo se colocam de forma mais premente
quando ocorrem eleições simultâneas em que as coligações federais não correspondem
àquelas realizadas em âmbito estadual ou municipal.
Em Pernambuco, um bom exemplo das discordâncias existentes entre os
diretórios nacionais e estaduais de um mesmo partido pode ser observado por ocasião da
campanha sucessória de 1955. Momento no qual ocorreu uma grande disputa entre a
direção nacional do PSD e Etelvino Lins, líder do partido em Pernambuco. Enquanto a
direção nacional apoiava a candidatura de Juscelino Kubitschek, Etelvino buscava apoio
junto a outros partidos para lançar sua própria candidatura à presidência da república
98
.
Ao longo desse processo, Etelvino passou a defender a união das diversas agremiações
políticas atuantes em Pernambuco em torno de um único nome, o seu. Em seu projeto
de defesa da “união por Pernambuco”
99
passou a se aproximar dos representantes da
97
Idem, p.263.
98
No decorrer dos meses de abril e maio de 1955 a imprensa de Pernambuco oferece diariamente novas
informações referentes à formação de uma aliança entre diversos partidos do estado em torno da
candidatura de Etelvino Lins. No dia 8 de abril o Diário de Pernambuco, em sua primeira página anuncia
que “... o sr. Etelvino Lins reuniu a imprensa para fazer o primeiro pronunciamento oficial após o
lançamento de sua candidatura, pelas chamadas forças de união nacional, à presidência da República.
No dia 31 do mesmo mês, a primeira página daquele jornal oferece destaque à seguinte manchete:
Ultimatum aos pessedistas pernambucanos – Ou apóiam Juscelino ou serão expulsos do partido”.
Posteriormente, o diretório estadual é informado da possibilidade da cassação do seu registro eleitoral, em
virtude de sanção que viria a ser impetrada caso o mesmo se recusasse a apoiar a candidatura
Kubitscheck. Entre os demais diretórios estaduais, apenas o do Rio Grande do Sul se mostrava simpático
à candidatura de Etelvino Lins. Ao longo do terceiro capítulo do presente texto retomaremos essa
temática com o objetivo de analisar os desdobramentos da candidatura de Etelvino Lins ao cargo de
presidente da República.
99
Em 15 de abril daquele ano, o Diário de Pernambuco publica matéria intitulada: Solução para os
problemas ecomico-sociais de Pernambuco a candidatura de Etelvino Lins. Nessa e em outras
matérias, os defensores da candidatura presidencial de Etelvino Lins tentam convencer a população de
que a “unificação das correntes políticas do Estado em torno do nome do ex-governador de Pernambuco”
viria a dizimar os males que assolavam cotidianamente a população. Desse modo, a união entre antigos
52
UDN, segundo maior partido do estado e tradicionalmente o maior adversário do PSD.
Com essa aproximação, muitos dos seus correligionários passaram a acusá-lo de tentar
promover uma “udenização” do PSD, em troca do apoio daquele partido à sua
candidatura.
Mesmo diante de uma forte onda de oposição, a qual se espraiava desde o
âmbito local até a direção nacional do partido, Etelvino Lins tornou pública a sua
candidatura presidencial. E, em 8 de abril daquele ano, a imprensa de Pernambuco
noticiou seu primeiro pronunciamento oficial como candidato das chamadas “forças de
união nacional”. Diante de tal ato de insubordinação, a direção nacional do PSD tentou
demovê-lo do intento de se opor à candidatura de Juscelino Kubitschek. Diante da
recusa de Etelvino em retirar sua candidatura, o PSD, com base no modelo partidário de
representação nacional, ameaçou cassar o registro do diretório estadual de Pernambuco.
Enquanto em outras regiões do país a proposta da emenda de maioria absoluta, a adoção
de um modelo de cédula única de eleição, e a proposta de emenda parlamentarista
tomavam conta das discussões políticas, em Pernambuco, boa parte da atenção estava
voltada para o desfecho das altercações existentes entre as representações do PSD.
As atenções dos meios políticos pernambucanos estão voltadas,
agora, para os lances da luta que se desenvolve entre a secção
estadual e o Diretório Nacional do PSD, por haver a direção nacional
do partido resolvido aplicar penalidades ao snr. Etelvino Lins, que
teria divergido dos rumos políticos da agremiação[...]
100
Esse conflito de interesses entre lideranças sob a mesma legenda pode ser
utilizado para explicar a existência, em âmbito local, de alianças destoantes com o
cenário nacional. Nesse sentido atribui-se ao general Cordeiro de Farias
101
a afirmação
de que em Pernambuco, um Cleofista seria chamado a colaborar no governo
aludindo assim a oposição existente no país entre membros da UDN e do PSD, dois
adversários é colocada como representativa de um esforço em prol de melhores condições de vida para a
coletividade. Ao longo da tentativa de agrupar antigos adversários, Etelvino contou com o apoio do
general Cordeiro de Farias, o qual havia lhe sucedido na ocupação do cargo de governador de
Pernambuco. Em 4 de maio daquele ano o Diário de Pernambuco noticia que “o governador Cordeiro de
Farias convocou ontem, à noite, os representantes da imprensa para anunciar os novos entendimentos que
estão sendo mantidos com os diversos partidos políticos do Estado, visando uma unificação política em
torno da candidatura Etelvino Lins”.
100
Diário de Pernambuco, 29 de maio de 1955.
101
O general Osvaldo Cordeiro de Farias (PSD) ocupou o cargo de governador de Pernambuco entre os
anos de 1956 e 1959.
53
partidos que, em Pernambuco, cogitavam a possibilidade de formar uma aliança
102
. Se a
intenção dos redatores da lei que tornava obrigatória a criação dos partidos nacionais
era a criação de legendas políticas homogêneas, que em todo o país seguissem uma
mesma orientação, pode-se dizer que tal tentativa não alcançou grande êxito. Contudo,
se o objetivo maior era a criação de laços de subordinação entre as diversas
representações estaduais e a representação nacional de um mesmo partido, poder-se-ia
afirmar que o mesmo fora atingido, mesmo que parcialmente
103
.
Outra mudança prevista pela Lei Agamenon foi a criação de uma justiça
eleitoral autônoma, a qual teria por incumbência organizar e realizar as eleições,
proceder à apuração dos votos imediatamente após o término das eleições e diplomar os
candidatos eleitos. Cabia ainda à justiça eleitoral conceder o registro aos partidos e aos
seus respectivos candidatos. Tratando do processo de redemocratização, Antonio
Lavareda remete-se a Lei Agamenon para analisar as condições em que o PCB obteve a
concessão do seu registro eleitoral, assim como, as condições que possibilitaram sua
posterior cassação.
O artigo 114 da Lei Agamenon facultava ao TSE, nela regulado,
negar registro ou efetuar cancelamento do mesmo a qualquer partido
cujo programa conflitasse com os princípios democráticos ou com os
direitos fundamentais do homem, segundo a Constituição. O PC, que
viria a ser o principal atingido pelo dispositivo, em 1947, obteve em
setembro de 1945 a concessão do registro em termos provisórios e
somente após haver satisfeito inúmeras exigências de esclarecimento
quanto a pontos considerados pelo TSE ambíguos, eventualmente
anti-democráticos, do programa partidário. O relator do processo ao
emitir seu voto acentuou que o fazia favoravelmente ao registro
porque o PC do Brasil declarava ter abandonado o marxismo-
leninismo russo. Lembrava ainda o Ministro que a qualquer tempo
102
O termo “Cleofista” é aqui utilizado para identificar os partidários de João Cleofas (UDN) em
contraponto ao “governo” do PSD. Etelvino Lins, chefiando a ala majoritária do PSD, passa a ser acusado
pela ala dissidente do partido de promover uma “udenizaçãodo diretório estadual do PSD. Desse modo,
nas palavras de Cordeiro de farias, em Pernambuco, um membro da UDN poderia ser tomado como um
simpatizante do governo pessedista. Vale aqui ressaltar que, embora o litígio entre as direções do diretório
nacional e do diretório de Pernambuco tenha atingido seu ápice em 1955, as divergências entre eles
persistiram por quase todo o período democrático. Além dessa divergência, o PSD estadual vivia uma
grave disputa interna de poder desde a morte de Agamenon Magalhães.
103
O modelo de democracia pluripartidária estabelecido por meio da Constituição de 1988 segue aquele
apresentado na Lei Agamenon. Ver Melo, Carlos Ranulfo; Sáez, Manuel Alcântara. A democracia
brasileira: Balanços e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Editora Universitária da UFMG.
54
poderia o mesmo ter seu registro cancelado se a prática o viesse
corroborar suas declarações.
104
As regras estabelecidas pela nova legislação eleitoral seriam colocadas a prova
nas eleições para a Câmara Federal, as quais foram realizadas em dezembro de 1945.
Apurados os votos daquela eleição verifica-se que o PCB se constitui como o terceiro
maior partido político de Pernambuco, diferentemente do que ocorria na maior parte do
país, onde essa posição era ocupada pelo PTB. A tabela a seguir revela que, além do
PCB, o PDC (Partido Democrata Cristão) e o PR (Partido Republicano), representantes
dos “pequenos partidos”
105
alcançaram um número de votos superior ao obtido pelo
PTB, relegando a esse partido a sexta colocação naquela eleição. A denominação de
“pequenos partidos” pode induzir à idéia de que estes tiveram pouca importância dentro
do processo político que passava a se organizar. Todavia, não é esse o nosso
entendimento. Ao longo desse estudo é possível compreender como a posição adotada
pelos pequenos partidos foi fundamental em determinados momentos. Vale ainda
ressaltar que se individualmente estes partidos não apresentavam condições de
conquistar cargos majoritários, o mesmo não ocorria na disputa por cargos do
legislativo estadual e municipal
106
.
Os resultados presentes na tabela a seguir, referentes à eleição da Assembléia
Constituinte (02/12/1945), demonstram como o poder sobre a legislação eleitoral
favorecia a permanência do PSD na ocupação de cargos públicos.
104
Lavareda. Op. Cit., p.p. 28-29.
105
A expressão “pequenos partidos” é utilizada por autores como José Arlindo Soares, Roberto Oliveira
Aguiar e Flávio Brayner para referir-se a partidos como o PDC, PL, PRP, PRD, PR. Vale ressaltar, que ao
descrever as particularidades de cada um desses pequenos partidos, Antônio Lavareda inclui o PTB nessa
denominação. Ver Lavareda, Op. Cit. p.39.
106
Tomemos como exemplo as eleições municipais de 1955, ocasião em que o candidato da Frente do
Recife ao cargo de prefeito obteve mais de 68% do total de votos, enquanto a Câmara Municipal teve a
maior parte de suas 25 cadeiras destinadas a integrantes dos “pequenos partidos” os quais lhe faziam
oposição.
55
Resultado das Eleições para a Câmara Federal – Pernambuco 02-12-1945.
Partido Votos Recebidos % Número de Cadeiras
PSD 106.393 41,1 7 + 3 = 10
UDN 63.966 24,7 4
PCB 42.013 16,2 3
PDC 18.060 7,1 1
PR 14.747 5,7 1
PTB 6.280 2,4 -
PRP 3.973 1,5 -
PRD 3.400 1,3
-
TOTAL 258.832 100 19
Fonte: Atas do TRE
Observe-se que o acréscimo de três cadeiras ao resultado alcançado pelo PSD
ocorreu em virtude da distribuição das sobras dos votos conquistados por outros
partidos
107
. Esse aproveitamento de votos tornou-se possível graças às regras
estabelecidas pela Lei Agamenon
108
. O PSD, embora tenha recebido um total de 41,1%
dos votos, passou a ocupar mais de 50% das Cadeiras existentes na mara Federal,
assim sendo, pode-se afirmar que o disposto na lei interferira diretamente na
distribuição dos cargos.
Os candidatos então eleitos passaram a integrar a Assembléia Constituinte que,
em setembro de 1946, aprovou a nova Constituição Federal do Brasil. Além de instituir
as regras sob as quais ocorreriam as disputas eleitorais a partir da sua publicação, a
referida Carta Constituinte estabeleceu as atribuições a serem desempenhadas pelos
representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário, de cada uma das esferas
do governo. Ao fazê-lo, criou uma relação na qual, em muitos casos, os representantes
do executivo necessitavam da aprovação daqueles que dispunham de cargos
legislativos, assim como o contrário. Desse modo, no exercício do seu mandato, um
chefe do executivo que desejasse empreender uma reformulação no quadro funcional ou
uma redistribuição de verbas públicas teria, necessariamente, que contar com o apoio da
casa legislativa a que estivesse submetido. Do mesmo modo, a aprovação de uma nova
legislação por determinada casa legislativa adquiriria valor legal após a sanção do
chefe do executivo. Assim sendo, os dois poderes comungavam entre si de um
dispositivo legal conhecido como “poder de veto”.
107
Leal, Victor Nunes. Op. Cit., p. 263.
108
Brayner, Flávio. Partido Comunista em Pernambuco. Recife: Fundação Joaquim Nabuco Editora
Massangana, 1989, p.93.
56
Entre as suas atribuições como terceiro componente dessa relação, o poder
judiciário é apresentado na Constituição como aquele que, diante de impasse, teria a
obrigação de se pronunciar quanto às demandas defendidas pelos representantes do
executivo e do legislativo, oferecendo ganho de causa a uma das partes. Aparentemente,
essa divisão de poderes estabelecida pela Constituição, tinha por objetivo principal
evitar a concentração de poder característica aos governos ditatoriais. Com essa
iniciativa, buscava-se impedir que a administração dos municípios, estados, e mesmo da
federação, coubesse a um pequeno número de políticos. Diante de um país em que o
poder do Estado era assim dividido, a conquista de um significativo número de Cadeiras
junto às casas legislativas se apresentava como fundamental aos partidos que desejavam
o controle do governo. Assim sendo, poder-se-ia afirmar que uma campanha eleitoral
bem sucedida seria aquela em que um determinado partido, ou partidos coligados,
conquistassem êxito, tanto em âmbito executivo, quanto em âmbito legislativo.
Confrontos pelo Governo do Estado – “Antecedentes da Frente do Recife”
Mesmo com o fim do Estado Novo, o ex-presidente Getúlio Vargas se
apresentava como um político combativo e com uma forte rede de articulação pelos
diversos estados do país. Preocupado em combater o poder de Agamenon, aliado
político de Getúlio Vargas, o presidente Eurico Gaspar Dutra decide indicar José
Domingues ao cargo de Interventor Federal de Pernambuco (1946). Embora filiado ao
PSD, José Domingues assume uma postura não-partidária. Contudo, com a indicação
dos socialistas Pelópidas Silveira e Murilo Coutinho para assumir os cargos de prefeito
da capital e secretário de Viação e Obras, respectivamente, José Domingues desagrada
ao governo federal. Assim, após seis meses, e com a recusa do interventor em afastar os
socialistas de seus cargos, Dutra opta por substituí-lo pelo general Demerval Peixoto
109
.
Ao assumir o cargo, Demerval Peixoto busca apoio junto aos inimigos políticos do
PSD. Seu secretariado conta com a presença de elementos ligados à UDN, fato que
suscita grande insatisfação entre as lideranças estaduais do PSD. Diante da oposição
imposta pelo governo federal, e temendo ver seu partido deposto da direção do Estado,
109
Pandolfi. Op. Cit., p.118.
57
Agamenon Magalhães tenta reunir todo apoio possível em torno da disputa eleitoral de
1947.
Por ocasião das eleições estaduais de janeiro de 1947, segundo sufrágio
realizado sob a nova legislação eleitoral, o diretório estadual do PCB, aliado à Esquerda
Democrática (ED), lançou a candidatura do engenheiro Pelópidas Silveira ao cargo de
governador de Pernambuco. Naquele momento, a apresentação de uma única
candidatura por dois partidos distintos se apresentava como alternativa legítima, contra
a qual não existiam impedimentos legais. A partir daquele ano, em todo o território
nacional, a formação de alianças interpartidárias tornou-se uma prática comum por
ocasião das disputas eleitorais.
A aliança composta pelo PC e pela ED lançou a candidatura de Pelópidas ao
governo do estado, tendo como principais adversários Barbosa Lima Sobrinho (PSD) e
Neto Campelo Júnior (UDN). O primeiro respondia pela pasta do IAA (Instituto do
Açúcar e do Álcool), órgão de grande importância para a manutenção da
competitividade entre os derivados da cana-de-açúcar produzidos no nordeste e seus
concorrentes oriundos do interior paulista. No decorrer de sua campanha, Barbosa Lima
contou com o apoio de Agamenon Magalhães, líder do PSD de Pernambuco, e dos
grandes proprietários a ele ligados. o candidato Neto Campelo, pertencia a uma das
tradicionais famílias do interior de Pernambuco e tinha como área principal de
influência a zona-da-mata açucareira região em que a UDN investia seus maiores
esforços na tentativa de se contrapor ao domínio do PSD sobre o eleitorado residente no
agreste e no sertão do estado.
Autores como Virgínia Pontual e Dulce Pandolfi concordam quanto ao fato de
que a rápida, mas produtiva passagem de Pelópidas como prefeito do Recife teria
influído de forma direta para a indicação do seu nome como postulante ao cargo de
governador. Dessa forma, sua indicação teria sido motivada pelo grande apoio que
alcançara durante os seis meses em que ocupara o cargo de prefeito da capital. Entre as
principais medidas adotadas por Pelópidas durante sua rápida gestão, destacam-se a
adoção do regime de “Semana Inglesa”, entre os comerciários do Recife, e o
tabelamento do preço do pescado por ocasião da Semana Santa
110
. Esta última medida ia
110
Embora a passagem de Pelópidas Silveira pela prefeitura tenha durado apenas seis meses, as políticas
desenvolvidas por ele frente ao governo municipal seriam responsáveis pela popularização da sua imagem
junto a vários setores da população do Recife. Ao alargar e pavimentar parte da Avenida Conde da Boa
Vista, tabelar o preço do pescado durante a Semana Santa e implantar o regime de Semana Inglesa
(regime no qual os comerciários trabalham até às 14:00 horas do sábado, e não até às 18:00 como
58
de encontro a uma antiga prática, na qual os comerciantes de peixe aproveitando-se da
dieta imposta aos católicos pelo período da quaresma, majoravam o preço de seus
produtos. De acordo com Paulo Cavalcanti, a preocupação, manifestada por Pelópidas,
em relação ao abastecimento das famílias mais pobres teria tornado a figura do ex-
prefeito muito simpática a essa parcela da população.
Embora nunca tivesse se submetido a uma eleição
111
, o ex-prefeito do Recife foi
responsável por uma das grandes surpresas decorrentes da apuração dos votos.
Transcorrido o cômputo, verificou-se que, embora Pelópidas tenha sido superado por
seus principais oponentes, fôra o candidato que obteve o maior número de votos em
Recife. Anos mais tarde, por ocasião da eleição municipal de 1955, o resultado
alcançado por Pelópidas durante essa eleição será utilizado como argumento para o
lançamento de sua candidatura ao cargo de prefeito daquela capital.
Enquanto Barbosa Lima Sobrinho teve sua vantagem de votos restrita ao agreste
e sertão do estado (ocupando a terceira colocação no Recife e cidades vizinhas e a
segunda na Zona-da-Mata, área na qual o maior número de votos foi conquistado pelo
candidato da UDN) Pelópidas Silveira, embora tenha conquistado grande vantagem no
Recife e cidades vizinhas, atingiu o inexpressivo número de 4,1% do total de votos das
áreas mais interioranas de Pernambuco. Essa tabela pode ser tomada como
representativa da forte influência dos grandes latifundiários que apoiavam o PSD, bem
como das dificuldades vivenciadas pelos partidos de oposição no ímpeto de romper com
as práticas eleitorais vigentes nessas regiões
112
.
acontecia anteriormente) no comércio da cidade, Pelópidas teria beneficiado diversos setores da
população. Sua atuação durante essa rápida passagem pela prefeitura virá a ser citada em diversos
momentos de futuras campanhas eleitorais.
111
Vale ressaltar que a passagem de Pelópidas Silveira pela prefeitura do Recife ocorreu em decorrência
da indicação do seu nome pelo então interventor do estado, JoDomingues, já que o cargo de prefeito
não era ocupado através de eleições diretas. Cabendo ainda frisarmos que, em decorrência das leis do
Estado Novo, durante sua primeira passagem pelo executivo municipal Pelópidas não teve que se
relacionar com representantes do legislativo, visto que Getúlio Vargas havia aprovado a extinção das
câmaras municipais.
112
Leal, Victor Nunes. Op. Cit., Cap. I.
59
Resultado das Eleições para o Governo do Estado de Pernambuco – 19-01-1947
Candidatos Partidos Grande
Recife
Zona-da-
Mata
Agreste/Sertão % Total nº
absolutos
Barbosa
Lima
Sobrinho
PSD 15,6 35,8 52,4 37,81 91.985
Neto
Campelo
Júnior
UDN- PD 27,4 42,9 42,4 37,58 91.410
Pelópidas da
Silveira
PC - ED 56,7 21,2 4,1 24,00 58.155
Eurico Souza
Leão
--- 0,3 0,1 1,1 0,70 1.685
Fonte: Atas do TRE
Outra grande surpresa observada após a apuração foi a pequena margem
existente entre o total de votos alcançados pelo primeiro e segundo candidatos mais
votados. Com a inexpressiva margem de 575 votos (0,23%) Barbosa Lima Sobrinho foi
eleito o novo governador de Pernambuco. No entanto, diante dessa pequena margem e
sob as suspeitas de irregularidades na apuração, o candidato Neto Campelo passou a
pleitear a anulação da eleição. Teve início então uma disputa judicial que se estendeu
por vários meses, fato que levou o ex-secretário de Justiça, Amaro Gomes Pedrosa, a
assumir o governo do estado até que houvesse um pronunciamento definitivo da
justiça
113
. Já para o PC, se por um lado a grande soma de votos alcançada por Pelópidas
Silveira não se traduziu na conquista do cargo de governador, por outro lado, revelou
sua grande força eleitoral junto à população daquela capital.
Concomitantemente às eleições para o governo estadual, disputou-se a ocupação
das 55 vagas da Assembléia Legislativa de Pernambuco. A expectativa quanto aos
resultados que seriam alcançados nesse pleito devia-se, em grande parte, ao fato de que
os candidatos eleitos seriam responsáveis por legislar quanto à elaboração de uma nova
Constituição Estadual
114
.
113
Depois de um longo processo a justiça pronunciou-se a favor de Barbosa Lima Sobrinho, o qual tomou
posse da governança cerca de um ano após o prazo previsto. Antes de sua posse o governo do estado foi
exercido interinamente por Otávio Correia, então presidente da assembléia legislativa, a posse desse
ocorreu em virtude do estabelecido no artigo 2º das leis transitórias da Constituição Estadual o qual
estabelecia que “se após a promulgação da Constituição não houver sido diplomado o governador,
assumirá o governo do Estado o presidente da Assembléia Legislativa”.
114
Pandolfi, Op.cit.,125.
60
Resultado das Eleições para a Assembléia Legislativa de Pernambuco – 19-01-1947
Partido Nº de candidatos eleitos
PSD 23
Coligação Pernambucana (UDN - PDC – PL) 18
PCB 9
PR 3
PRP 1
PTB 1
TOTAL 55
Fonte: Atas do TRE
Ciente de que, caso a justiça demorasse a julgar o processo em que Neto
Campelo pleiteava a impugnação da eleição de Barbosa Lima, o comando do governo
do estado poderia recair sobre o presidente da Assembléia, o PSD buscou aproximar-se
do PCB com o intuito de garantir o apoio dos comunistas por ocasião da indicação do
presidente daquela Casa. Além disso, os representantes de ambos os partidos (PCB e
PSD) buscavam naquela aliança aparentemente inviável, a possibilidade de influir de
forma mais decisiva na elaboração da Constituição Estadual
115
. Por sua vez, com o
intuito de conseguir o maior número de deputados junto àquela Casa legislativa, a UDN
aliou-se ao Partido Democrata Cristão (PDC) e ao Partido Libertador (PL) formando a
Coligação Pernambucana.
As nove cadeiras conquistadas pelo PCB não lhes permitiam almejar grandes
conquistas, contudo se apresentavam como referência importante para a realização de
alianças, que nenhum partido havia conquistado a maioria absoluta dos candidatos
eleitos
116
. Dessa maneira, como nenhum dos partidos havia conquistado um número de
deputados suficiente para garantir, de forma isolada, a vitória nas votações da
Assembléia, a posição adotada pelos representantes do PCB poderia ter poder decisório
para a aprovação ou rejeição de quaisquer projetos de lei. Desse modo, os votos do PCB
teriam grande impacto sobre as disputas travadas entre o PSD e a Coligação
Pernambucana, maior opositora do PSD naquele momento.
No entanto, com a cassação do registro eleitoral do PCB, ainda em 1947, os
integrantes do partido tiveram seus mandatos cassados e passaram a atuar na
clandestinidade. Alguns optaram por ingressar em partidos políticos legalmente
reconhecimentos, fato que contribuiu para a consolidação de dois novos partidos sobre
115
Idem, p.126.
116
Ver tabela acima.
61
os quais recairão acusações de ligações com a ideologia comunista. A Esquerda
Democrática, partido formado a partir de uma cisão da UDN, em julho de 1947 se
constituiu como Partido Socialista Brasileiro. o PSP (Partido Social Progressista),
que até aquele período não tinha nenhuma representação em Pernambuco, por ocasião
das eleições municipais realizadas em outubro de 1947, elegeu nove vereadores,
tornando-se o partido com maior número de representantes no legislativo do Recife
117
.
Essa súbita representatividade ocorreu em virtude de uma manobra, adotada por alguns
comunistas e consagrada na historiografia sob o nome de “entrismo”. Tal manobra
consistia na filiação de membros do partido comunista, então na clandestinidade, em
outros partidos políticos, com o objetivo de obter o registro para suas candidaturas e,
dessa forma, habilitar-se para participar ativamente do processo democrático.
Comunistas de grande atuação em Pernambuco, como Paulo Cavalcanti, viram no
entrismo uma alternativa à sua perda de elegibilidade.
Por ocasião das eleições de 1950, primeira eleição majoritária após a cassação
do registro eleitoral do PC, os comunistas, diante das candidaturas de Agamenon
Magalhães (PSD) e João Cleofas (UDN), não realizaram alianças, optando por
recomendar aos seus eleitores a adoção do voto nulo. Em suas memórias, Paulo
Cavalcanti afirma que Agamenon Magalhães, ao saber da posição adotada pelo diretório
central do PCB, teria lhe dito, informalmente, que a posição adotada pelos comunistas
teria favorecido sua vitória naquele pleito. Podemos imaginar que os integrantes do PSB
e do PSP, bem como de outros partidos, não se viram em condições de lançar
candidatura própria, fazendo com que aquela disputa fosse restrita aos dois maiores
partidos de Pernambuco. Naquela eleição, na ausência de um candidato identificado
com as forças de esquerda, a maior parte do eleitorado do Recife votou em João
Cleofas. Já no interior do estado, o compito dos votos revelou a vitória do candidato do
PSD. Desse modo, assim como ocorrera nas eleições de 1947, os resultados obtidos no
agreste e no sertão do estado garantiram a vitória do candidato menos votado no Recife.
117
Vale ressaltar que os nove candidatos eleitos pelo PSP enfrentaram na mara Municipal do Recife,
no decorrer do ano de 1948, diversas discussões quanto a possível cassação dos seus mandatos. Para
tanto, seus opositores apoiavam-se no conhecimento de suas antigas ligações com o PC, na ilegalidade
daquele partido e de seus candidatos. Tal ilegalidade, segundo alguns, deveria estender-se aos candidatos
que, por razões oportunistas, ingressaram em legendas legitimamente reconhecidas. Além de contemplar
as discussões quanto à cassação de alguns dos seus colegas, os vereadores do Recife debatiam a forma de
substituição dos mesmos caso a cassação se confirmasse. Ver AT-02 Coleção de Atas Encadernadas da
Câmara Municipal do Recife. Sessões Ordinárias (janeiro a outubro de 1948).
62
Resultado das Eleições para o Governo do Estado – 1950
Candidato - Legenda Capital Interior Total
Agamenon Magalhães - PSD 39.467 157.413 196.880
João Cleofas - UDN 42.567 144.290 186.857
Fonte: Atas do TRE
Com a vitória de Agamenon, o PSD continuou detendo o controle do estado.
Contudo, em 1952, em pleno exercício do seu mandato, o governador veio a falecer.
Sua morte, associada à inexistência do cargo de vice-governador
118
, exigia aa realização
de uma nova eleição. Após intensas negociações, forma-se a Coligação Democrática
Pernambucana, da qual fazem parte o PSD, o PDC (Partido Democrata Cristão), o PSP
(Partido Social Progressista), a UDN e o PL (Partido Libertador). Coligados, esses
partidos optaram por apoiar a candidatura de Etelvino Lins para o cargo de governador
de Pernambuco
119
.
Diferentemente do que ocorrera na eleição anterior, o PCB, com o apoio do
PSB, lançou a candidatura de Osório Borba. O anúncio dessa candidatura ocorreu 20
dias antes da realização do pleito, fato que contribuiu para que a campanha assumisse
características de radicalização
120
. De um lado, o candidato considerado defensor dos
interesses dos grupos mais tradicionais, do outro, o candidato acusado de comunista,
ateu e defensor do divórcio. A campanha de Etelvino foi marcada por acusações de
ordem moral, com o explícito objetivo de denegrir a imagem do seu adversário. Para
tanto, teve o apoio da Liga Eleitoral Católica, a qual, por meio dos jornais, incitava os
católicos a se oporem ao candidato socialista. Contando com o apoio das maiores forças
políticas de Pernambuco (PSD e UDN), da Igreja, e da maior parte dos órgãos de
imprensa, Etelvino venceu com enorme vantagem.
118
O cargo de vice-governador de Pernambuco passou a existir por ocasião da eleição de 1958,
momento em que a disputa do citado cargo passou a constar na cédula eleitoral.
119
Observe-se que, pela primeira vez em Pernambuco, ocorre uma coligação entre o PSD e a UDN. Ao
longo do texto veremos que, anos mais tarde, Etelvino Lins será acusado pela ala dissidente do PSD de
estar promovendo a udenização daquele partido, fato que teria influído de forma decisiva na cisão
ocorrida dentro daquele que, à época, apresentava-se como a maior força política do estado.
120
Podemos imaginar que, contando com o apoio da UDN e ciente da posição adotada pelo PCB na
campanha anterior, Etelvino Lins e seus correligionários contavam com a possibilidade da inexistência de
adversários. Desse modo, a candidatura de Osório Borba se apresentava como uma ameaça ao que parecia
ser uma vitória certa do candidato da Coligação Pernambucana. Em um período em que as campanhas
eleitorais não dispunham da estrutura atualmente existente, em que a informação não circulava de forma
quase instantânea, os candidatos optaram pela radicalização do discurso. Aparentemente, as trocas de
acusações pareciam repercutir mais entre a população de que a apresentação de metas de governo.
63
Resultado das Eleições para o Governo do Estado de Pernambuco - 1952
Candidatos Capital Interior Total
Etelvino Lins – Coligação Pernambucana
(PSD, UDN, PSP, PDC e PL)
30.276 181.117 211.393
Osório Borba - PSB 36.316 21.084 57.400
Fonte: Atas do TRE
Na tabela acima se constata que, mesmo sob uma forte onda de acusações e com
pouco tempo de campanha (20 dias), o candidato Osório Borba obteve o maior mero
de votos na cidade do Recife. Resultados como esse reforçam, para autores como José
Arlindo Soares, a idéia de que uma boa parcela da população do Recife identificava-se
ideologicamente com os partidos de esquerda.
Em 1954, por ocasião de uma nova eleição para governador, o PSD e a UDN
desfazem a aliança firmada em 1952 e voltam a concorrer com candidatos próprios.
Dentro das hostes udenistas não parece ter existido grande oposição a uma nova
indicação de João Cleofas, o qual, assim como ocorrera em 1950, foi apresentado como
candidato da UDN. Após uma intensa negociação, o PSD, dividido entre aqueles que
apoiavam o ex-governador Etelvino Lins (ala majoritária) e os que seguiam a liderança
de Jarbas Maranhão (ala dissidente), decidiu lançar a candidatura do general Oswaldo
Cordeiro de Farias. O resultado das eleições, mais uma vez, demonstra a superioridade
conquistada pelo PSD no interior, e, ao mesmo tempo, as dificuldades que os
representantes daquele partido apresentavam em relação ao eleitorado do Recife.
Resultado das Eleições para o Governo do Estado de Pernambuco – 1954
Candidatos Recife Interior Total
Oswaldo Cordeiro de Farias - PSD 46.301 193.014 239.315
João Cleofas de Oliveira - UDN 53.030 151.666 204.696
Fonte: Atas do TRE
As sucessivas derrotas sofridas pelos candidatos pessedistas na capital do estado
servem de justificativa para a adoção da expressão “cidade cruel”, com a qual alguns
membros desse partido (entre os quais poderíamos destacar o próprio governador
Etelvino Lins) comumente se referiam ao Recife. A crueldade da capital, para com os
representantes do PSD, esteve presente em todos os pleitos estaduais, contudo, a falta de
votos entre os eleitores da capital era neutralizada pela grande vantagem numérica
conquistada no interior do estado. Desse modo, o elevado número de votos alcançado
64
no Recife por seus adversários, mostrava-se insuficiente para a efetiva conquista do
governo estadual. Esse quadro passaa sofrer mudanças a partir de 1955, quando os
eleitores do Recife passarão a eleger seu prefeito através do voto direto.
Diante dos resultados verificados nas quatro eleições para o governo de
Pernambuco ocorridas entre os anos de 1947 e 1954, constatam-se as sucessivas vitórias
do PSD. Contudo, é importante registrar que a diferença de votos entre os candidatos
vitoriosos e seus adversários, à exceção da eleição de 1952, não assinala uma grande
vantagem numérica. Mesmo na eleição de 1954, quando a diferença entre Cordeiro de
Farias e João Cleofas chegou a 34.619 votos, esse resultado não pode ser entendido
como uma grande vantagem, em razão do número total de votos válidos ter sido de
444.011 (vantagem inferior a 8% do total dos votos válidos). No entanto, não se deve
ignorar que nas três eleições em que o PSD e a UDN se enfrentaram a diferença de
votos em favor do PSD teve um acréscimo bastante significativo (1947 575 votos;
1950 – 10.023 votos; 1954 34.619 votos). Esses resultados são importantes, sobretudo
para a análise da criação das Oposições Unidas (1958), pois sem dúvida contribuíram
para que os líderes da UDN em Pernambuco optassem por se aliar a outros partidos com
o objetivo de derrotar seu maior adversário, o PSD.
A análise das mesmas tabelas eleitorais revela que, desde a eleição de 1947, os
partidos que concorriam ao governo estadual passavam a formar alianças. Esse fato
foi possível graças à legislação eleitoral que permitia o registro de um candidato por
um ou mais partidos, desde que legítimos. Assim sendo, pode-se afirmar que a
composição de alianças interpartidárias em torno de uma candidatura tornou-se uma
alternativa legalmente reconhecida dentro do regime democrático então instituído. Uma
opção diante da existência de fortes adversários e da impossibilidade de conquistar
cargos eletivos isoladamente. Uma alternativa que passou a fazer parte do cotidiano de
grandes e pequenos partidos.
A redemocratização municipal
Certa manhã de sexta-feira do ano de 2006, durante uma aula de História do
Nordeste, um colega apresentava um trabalho no qual expunha sua compreensão acerca
das agitações políticas ocorridas em Pernambuco durante os anos de 1945 e 1964. Ao
longo de sua exposição chegou a mencionar como o termo “revolução” aparece de
forma recorrente na historiografia referente a essa temática. Em seguida, passou a citar
65
as diversas eleições ocorridas no período, e a analisar o resultado obtido em cada uma
delas. Entre eleições federais e estaduais emerge repentinamente uma eleição
municipal... sem explicações... sem problematizações... a disputa ao cargo de prefeito do
Recife simplesmente acontece. E nesse momento eis que surge em sua apresentação a
Frente do Recife. Para nosso estranhamento, esta aliança resultaria de maneira quase
natural, provocando o fim do monopólio do PSD sobre os cargos executivos no Estado.
Narrando as sucessivas eleições este colega sequer se apercebeu que após várias
campanhas estaduais e federais, abruptamente, aparecia na história política de
Pernambuco uma eleição para prefeito da sua capital. Diante do meu gesto de erguer a
mão e indagar que importância ele atribuía à lei de autonomia para o sucesso da Frente
do Recife recebi a seguinte resposta: “Infelizmente, eu não conheço essa lei”.
Nesse momento passei a rememorar alguns dos temas presentes nas Atas da
Câmara Municipal do Recife e nos exemplares do Diário de Pernambuco.
Repentinamente, sucediam-se os pedidos de perdão de débitos junto ao legislativo
municipal; funcionários solicitavam a contagem do seu de tempo de serviço com vistas
ao pedido de aposentadoria; eram encaminhadas consultas ao Instituto Histórico de
Pernambuco quanto à nomenclatura a ser atribuída a novos logradouros públicos; a
população mobilizava-se na tentativa de impedir o loteamento do Sítio da Trindade; a
tragédia da Rua Nova causava grande comoção entre a população
121
; o alagamento do
horto zôo-botânico; e as discussões acerca da sucessão municipal associada ao debate
sobre a lei de autonomia. Fecha-se um arquivo e imediatamente abre-se o seguinte:
Candidatura de Juscelino Kubitscheck e formação de um movimento de oposição àquele
candidato; proposta de encampação da Pernambuco Tramways, concessionária
responsável pelos serviços de luz, gás e transporte; formação de comitivas para a
solenidade de inauguração da hidrelétrica de Paulo Afonso, um marco para o
desenvolvimento regional; discussões quanto à criação da primeira refinaria de petróleo
do nordeste e, finalmente, Restabalecida a Autonomia do Recife.
A sanção da lei que concedia autonomia ao Recife não pode ser utilizada como
única forma de compreensão dos embates políticos que se seguiram. No entanto, assim
como as narrativas históricas baseadas no que era nomeado como o “caráter
revolucionário” da população de Pernambuco e nas mudanças políticas como
decorrentes das alterações no campo econômico, estudar as implicações e
121
Episódio em que parte do casario da Rua Nova, uma das principais vias do bairro de Santo Antônio, no
centro do Recife, desabou após um incêndio.
66
desdobramentos da referida lei ajuda a formular uma melhor compreensão acerca das
disputas políticas ocorridas na cada de 1950. Desse modo, ao estudarmos a formação
da Frente do Recife, optamos por também considerar como objeto de análise a sanção
da referida lei. Ao fazê-lo, consideramos tal lei como parte integrante dos dispositivos
legais que compuseram a base do sistema democrático que teve seu fim com o golpe
civil-militar de 1964.
O processo de redemocratização iniciado em 1945, ou melhor, a formulação de
leis que estabeleciam as disputas democráticas, se estendeu por diversos anos. Tal
afirmativa se opõe à idéia de que, com a publicação da Carta Constituinte de 1946, o
sistema eleitoral do país teria assistido ao encerramento do processo de
redemocratização. Como exemplo da necessidade de aperfeiçoamento do regime
democrático observe-se a redação dos artigos 18 e 19 dessa mesma Constituição.
A Constituição Federal estabelecia o sufrágio direto como meio legalmente
reconhecido para a conquista dos cargos de presidente da república e de governadores
de estado. Contudo, vedava aos eleitores de capitais de estado ou território, bem como
de cidades consideradas de interesse estratégico, o direito de eleger seus prefeitos
através do voto direto. Dessa forma, a conquista da autonomia eleitoral de cada uma
dessas cidades pode ser percebida como uma mudança bastante significativa dos
mecanismos legais e políticos então vigentes. Portanto, passaremos a analisar algumas
das questões suscitadas a partir da sanção da lei que concedeu autonomia à cidade do
Recife, sem, no entanto, abandonar o entendimento de que tais questões estão inseridas
em um universo que abrange todo o território nacional.
Em 4 de janeiro de 1955, o Diário de Pernambuco noticia em sua primeira
página um ato do então presidente Café Filho. Para nossa surpresa
122
, as implicações
decorrentes do referido ato presidencial estão presentes em três matérias daquela mesma
página.Trata-se de assunto que ganhará enorme repercussão na cidade do Recife nos
meses subseqüentes. As matérias, não assinadas, vêm acompanhadas de duas entrevistas
nas quais o então prefeito do Recife, José do Rego Maciel, e o presidente da Câmara de
Vereadores, Antônio Moury Fernandes, apresentam os seus respectivos
posicionamentos em relação à notícia que acabavam de receber. Trata-se de questão de
seu interesse direto visto sua íntima relação com o futuro da administração daquele
município.
122
Tal surpresa é fruto da presença de uma mesma temática, em três matérias de primeira página, em um
mesmo exemplar, o que não vimos com grande freqüência no decorrer das nossas pesquisas.
67
Enfim o presidente Café Filho sancionou a lei que restabelece a
autonomia do Recife. Recuperou, assim, a terceira cidade o direito de
escolha do chefe do seu executivo, que lhe haviam negado os
constituintes de 1946, como, de resto, o fizeram também com várias
cidades, já devolvidas ao seu auto-governo [sic], como resultado de
fortes movimentos de opinião pública.
123
Com a sanção da lei de autonomia, os políticos de Pernambuco vêem surgir um
novo campo de disputas eleitorais – o cargo de prefeito da capital. Surge entre os
partidos a necessidade de se articular no sentido de empreender uma primeira campanha
em âmbito municipal; começam as discussões e disputas em torno da autonomia.
Discute-se a data de realização do pleito, indagando-se se as eleições municipais
deveriam ocorrer em outubro, paralelamente às eleições federais, ou em data que se
julgasse mais conveniente. A Câmara dos vereadores, por meio do seu presidente,
requer para si o direito de aprovar ou não os registros dos possíveis candidatos a
prefeito
124
sob a alegação de que estaria agindo no intuito de proteger a população da
cidade.
Os vereadores passam a discutir a data da eleição municipal, propondo que a
mesma ocorra em junho daquele ano, contudo, o TRE estabelece que as eleições para
prefeito e vice-prefeito ocorram em 3 de outubro, paralelamente às eleições
presidenciais. Questões decididas nacionalmente, como a existência de uma cédula
única de votação e a aprovação da emenda de maioria absoluta, são amplamente
discutidas na Câmara Municipal do Recife. Constam em atas da Câmara o envio de
correspondência oficial ao Congresso Nacional, apoiando ou desaprovando algum
projeto em tramitação. O envio desse tipo de correspondência, em nome da Câmara
Municipal do Recife, dependia da aprovação em plenário, ou seja, a redação da carta era
levada à sessão, onde, após a leitura, transcorria a votação, devendo ser aprovada pela
maioria dos vereadores.
Nos primeiros dias do mês de janeiro, o Diário de Pernambuco publica uma
série de matérias nas quais a concessão da autonomia ao Recife não é apontada como
uma conquista democrática, mas sim um “desserviço à cidade” que, naquele momento,
estaria sendo administrada por “homens dignos de sua confiança”. De acordo com o
conjunto dessas matérias, os comunistas seriam os grandes favorecidos com a sanção da
123
Diário de Pernambuco, 4 de janeiro de 1955.
124
Tarefa que, como vimos anteriormente, cabia exclusivamente ao Tribunal Regional Eleitoral.
68
nova lei. A eleição direta ao cargo de prefeito aparece como um perigo eminente, uma
oportunidade para que os comunistas, que vêm ganhando espaço a cada eleição,
finalmente cheguem ao poder.
Os opositores da lei de autonomia parecem encarar a nova lei como uma
oportunidade para que os grupos de esquerda finalmente cheguem ao poder. Em
diversas matérias publicadas no Diário de Pernambuco, faz-se menção ao avanço
comunista que vinha sendo vivenciado nas últimas eleições. Esse medo do avanço
comunista apoiava-se na grande penetração eleitoral conquistada pelo PCB, PSB e PSP,
no Recife e em cidades vizinhas.
Até aquele momento, os prefeitos das capitais eram políticos que desfrutavam da
confiança dos governadores estaduais. Podemos supor que tais prefeitos se mantinham
sob o apadrinhamento dos governadores mesmo quando migravam para cargos
legislativos, nos quais eram eleitos pelo voto direto. Ao estabelecer a realização de
eleições municipais, o governo federal estaria rompendo com essa prática de
apadrinhamento. Desse modo, o prefeito da capital poderia tornar-se um adversário dos
interesses defendidos pelo governo do estado. Enquanto a prefeitura funcionava como
uma extensão do governo estadual, a aplicação dos recursos municipais estaria atrelada
aos interesses do estado e não necessariamente do município. Assim sendo, com a
autonomia, os governadores teriam perdido sua influência sobre as políticas públicas
financiadas com esses recursos.
Quanto às disputas eleitorais, a lei que concedia autonomia ao Recife parece
oferecer uma nova perspectiva aos comunistas, tendo alguns deles abandonado a
postura revolucionária e vislumbrado a possibilidade da conquista do poder pela via
democrática. É válido salientar que em âmbito nacional o PCB passa por uma mudança
nesse sentido. Em vários estados do país, há uma tendência para a formação de alianças
objetivando-se a vitória através das urnas. O ideário nacional-desenvolvimentista e a
oposição ao capital internacional, principalmente o norte-americano, contribuíram para
uma aproximação entre comunistas e trabalhistas. Em suma, buscando a conquista de
um interesse comum, alguns partidos políticos optaram por formar alianças contra
aqueles que defendiam o desenvolvimento nacional com base no capital estrangeiro
125
.
No Recife, com a realização de eleições em âmbito municipal, comunistas e
socialistas têm diante de si a oportunidade de chegar ao poder executivo. Enquanto isso,
125
Reis, Op. Cit.
69
partidos como o PSD e a UDN passam a repensar suas estratégias diante do novo
quadro político. Nesse sentido, segundo Dulce Chaves Pandolfi, por ocasião da
campanha municipal de 1955 e diante da necessidade de seduzir o eleitorado urbano, o
PSD não obteve êxito na sua tentativa de angariar o apoio de pequenos partidos em
torno do nome de Paulo Germano de Magalhães
126
. Dessa forma, se por um lado a
esquerda tinha necessidade de se unir a partir de um programa comum, por outro, os
grupos ditos de direita (e mais especificamente o PSD), em virtude das disputas internas
presenciou o fracasso de uma possível aliança interpartidária.
Embora a autonomia tenha sido um fator preponderante para que o PSD passasse
a dedicar maiores esforços à conquista do crescente eleitorado urbano, não podemos
afirmar que tenha sido o único. Acompanhando o crescimento demográfico do Recife e
a migração de famílias pobres, oriundas do interior, podemos supor que o significativo
aumento do número de eleitores do Recife e cidades vizinhas, mais cedo ou mais tarde
levaria o PSD a repensar suas estratégias frente à população daquela capital.
127
Nesse sentido, a autonomia política da cidade do Recife produziu mudanças nas
relações existentes entre os diversos partidos políticos, bem como na postura desses
para com a sociedade em geral. O partido majoritário em Pernambuco (PSD), que
ocupava o governo estadual a mais de vinte anos, concentrava suas atividades políticas
e, conseqüentemente, sua penetração eleitoral, nas regiões do interior, negligenciando
um eleitorado urbano em plena expansão
128
. Mas em razão da autonomia, os políticos
do PSD se viram diante de um novo cenário, no qual o apoio dos grandes latifundiários
do agreste e do sertão não era suficiente para garantir-lhes a permanência no poder.
Sentindo que a eleição do prefeito do Recife lhe poderá trazer
estrondosa derrota, está agora o governador [Etelvino] Lins,
namorando, como diria Gregório [Bezerra], a unidade do PSD
.
129
Líderes pessedistas passaram a empreender esforços no sentido de conquistar os
eleitores da capital. Essa mudança de foco, por parte dos pessedistas, ocasionou um
confronto direto entre os integrantes do PSD e as forças de esquerda. As relações entre
esses dois grupos, que já não eram amistosas, tornaram-se ainda mais acirradas. A
126
Segundo a autora, houve uma tentativa de angariar o apoio de políticos de outras agremiações, em
torno da campanha de Paulo Germano de Magalhães, filho de Agamenon Magalhães, com o fracasso
dessa tentativa, o então líder pessedista, Etelvino Lins, teria acusado diversos políticos de traição.
127
Teixeira, Op. Cit. Cap. I.
128
Pandolfi. Op. Cit.
129
Diário de Pernambuco, 6 de janeiro de 1955.
70
hegemonia do eleitorado urbano, por parte das esquerdas, e a conquista desse mesmo
eleitorado, por parte do PSD, fez crescer o número de acusações trocadas entre ambas
as partes.
É dentro desse cenário que a Frente do Recife, formada pelo PCB (na
clandestinidade), PSB e PTB, lança a candidatura do engenheiro Pelópidas Silveira, ao
cargo de prefeito do Recife
130
. Muitas são as questões levantadas a respeito da eleição
municipal. Debates que vão desde a data de realização do pleito à existência de uma
cédula oficial de votação. Um dos pontos que suscitaram intensos debates aludia à
emenda de “maioria absoluta”, de autoria do senador Novais Filho. Nesta emenda,
ficava estabelecido que um candidato seria considerado eleito caso atingisse número
de votos superior a 50% do total.
Por outro lado, diante da constatação de que a realização de uma eleição
municipal era algo consumado, a imprensa passa a noticiar os desdobramentos que essa
mudança acarretaria no quadro político do estado. Durante os primeiros meses de 1955,
são veiculadas inúmeras notícias alusivas a essa questão e ao perigo que era possível se
vislumbrar. Com o anúncio da candidatura de Pelópidas Silveira, e possivelmente
motivados pela lembrança do grande número de votos que esse candidato havia
conquistado no Grande Recife durante a campanha para o governo do Estado (1947),
seus opositores passam a promover uma campanha a favor de uma possível candidatura
do sociólogo Gilberto Freyre (ex-integrante da Esquerda Democrática). Diversas
associações e entidades de classe manifestam seu apoio ao sociólogo, caso o mesmo
decida tornar-se candidato. Busca-se construir a imagem de Freyre como “um homem
ligado a todas as lutas da inteligência e da liberdade”. Nas matérias publicadas no
Diário de Pernambuco uma tentativa de projetar a possível candidatura do
sociólogo, em oposição à de Pelópidas; Freyre, sim, seria “um homem a altura do povo
recifense”, propagandeava esse jornal.
O Movimento Popular Autonomista (MPA)
Como afirmamos anteriormente, acreditamos que com a lei de autonomia cria-se
um novo campo de disputas eleitorais - a prefeitura - no entanto, temos ciência de que
os embates entre os grupos então envolvidos existiam. A própria lei pode ser
compreendida como produto desses embates, visto que fora proposta e aprovada para
130
Pandolfi. Op. Cit.
71
atender aos interesses de determinado(s) grupo(s). Nesse sentido passamos a nos
indagar a quem interessaria a criação desse novo campo de disputas. Vale lembrar que o
processo de concessão de elegibilidade aos prefeitos de capitais ocorreu em âmbito
nacional, entretanto, cada município conquistou sua autonomia em momentos distintos
e com base em um determinado projeto de lei, o que torna possível analisar as disputas
existentes entre os grupos políticos locais, no decorrer desse processo.
131
Nos primeiros dias do mês de janeiro, são publicadas diversas matérias no
Diário de Pernambuco nas quais a concessão da autonomia ao Recife não é apontada
como uma conquista, mas sim um “desserviço à cidade” que, até aquele momento,
estaria sendo administrada por “homens dignos de sua confiança”. De acordo com o
conjunto dessas matérias, os comunistas seriam os grandes favorecidos com a sanção da
nova lei. A eleição direta ao cargo de prefeito é apresentada como uma ameaça
eminente, uma oportunidade para que os comunistas, que vêm ganhando espaço a cada
eleição, finalmente cheguem ao poder.
Embora seja veiculado na imprensa e, em especial, no Diário de Pernambuco,
que a autonomia pode ser recebida como uma legítima conquista das hostes
vermelhas”, parece legítimo afirmar que os comunistas não foram os responsáveis
diretos pela conquista da autonomia
132
. Isso porque o Movimento Popular Autonomista
era formado pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), pela UDN (União Democrática
Nacional) e pela ala dissidente do PSD. Ou seja, os maiores opositores da ala
majoritária do PSD, com exceção do PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Aparentemente, essa aliança visava à conquista da prefeitura como um primeiro
passo para dar fim ao monopólio político do grupo chefiado pelo governador Etelvino
Lins, sucessor político de Agamenon Magalhães. Contudo, a partir de 3 de janeiro de
132
No decorrer de nossas pesquisas não tivemos êxito em localizar textos dedicados a analisar o processo
que concedeu autonomia às capitais de estados e territórios do Brasil. Mesmo em autores como Victor
Nunes Leal, os quais enfatizaram o papel do município dentro da estrutura política nacional, essa temática
não se faz presente. Sequer entidades que privilegiam o poder municipal, como é o caso da Associação
Brasileira Municipalista, demonstram, em seus espaços de diálogo e divulgação, um interesse pela
compreensão do ciatado processo. Uma outra questão a ser colocada é a natureza da autonomia então
conquistada, pois, no nosso entendimento, a Carta Constituinte de 1946, tratando dos deveres de
municípios, estados e federação, alude à autonomia política, à autonomia financeira e à autonomia
administrativa. Embora se apresentem de forma imbricada vale nos questionarmos quanto ao significado
e amplitude de cada um desses conceitos.
132
Embora o Movimento Popular Autonomista tenha liderado a campanha pela autonomia junto ao
legislativo federal e à presidência da República, é possível imaginar que os comunistas tenham atuado na
defesa da autonomia junto à população, assim como na conquista de apoio junto aos políticos locais. No
entanto, não dispomos de registros documentais que confirmem essa possível atuação.
72
1955, vencida a primeira batalha, os interesses individuais e partidários passaram a
atuar na desagregação do Movimento Popular Autonomista.
Com a concessão da autonomia ao município do Recife, o chamado
Movimento Popular Autonomista entrou em crise. Isto porque os
diversos próceres dirigentes e que são muitos – começaram a
articular candidaturas sem antes ser estabelecido um plano de ação
conjunta. E surgiram candidatos vários “cada um com tipo próprio
e indumentária especiais” – como diria o ex-governador Barbosa
Lima Sobrinho. De cada facção rebentava um nome.
133
Os partidos que haviam se unido com o objetivo de derrotar o PSD passaram
então a se afastar gradativamente. Esse afastamento comumente girava em torno das
possíveis candidaturas apresentadas por cada um dos partidos. E, embora tenham
ocorrido várias tentativas de conciliação, a disputa entre os representantes de cada
partido parece ter entrado em um processo irreversível de acirramento.
O PTB, fatalmente, será o primeiro partido a retirar-se do Movimento
Popular Autonomista. E tudo por causa da Prefeitura. O deputado
Barros Carvalho, considerando-se o pai da criança”, entende que o
candidato a prefeito deve sair dos quadros do trabalhismo local.
Nome: o do presidente do Diretório Estadual do PTB. Com o que não
concorda o snr. Jarbas Maranhão. O senador eleito, numa conferência
realizada em dias da semana passada, à qual compareceu os “bigs” da
MPA, quando ouviu o snr. Barros Carvalho falar em renúncia,
levantou-se, empertigou-se e gritou: - Ah! estou farto de
renúncias!
134
A união manifestada no Congresso Nacional, órgão em que a lei de autonomia
foi proposta e aprovada, deu lugar a desavenças e rompimentos. Aprovada a lei e
desfeito o Movimento Popular Autonomista, cada um dos partidos que o integraram
passou a se articular em torno da possibilidade do lançamento de candidaturas próprias.
Contudo, diante das dificuldades que se apresentavam e ansiosas por uma conquista
eleitoral, pouco a pouco, algumas dessas lideranças partidárias passaram a concentrar
seus esforços junto à tentativa de concretizar novas alianças.
No tocante à formação dessas novas alianças, um caso em particular chama a
nossa atenção. Trata-se das diversas posições adotadas pelo diretório estadual do PTB.
133
Jornal do Commercio, 14 de janeiro de 1955, p.3
134
Jornal do Commercio, 15 de janeiro de 1955, p.3.
73
Como vimos anteriormente, nos meses que antecederam o lançamento de candidaturas
para o pleito municipal de 1955, os trabalhistas insistiram na indicação de Barros
Carvalho como candidato natural à prefeitura. Isso porque, como autor do projeto de lei
que tornou possível a eleição municipal, Barros Carvalho teria o direito de gozar dos
privilégios de “pai da criança”, segundo noticiava o Jornal do Commercio. Com a
recusa da ala dissidente do PSD em aceitar sua indicação, os trabalhistas passaram a
contar apenas com o apoio da UDN.
O snr. Jarbas Maranhão, que pretende ser o “leader” oposicionista do
Estado e não por menos, manobrou no sentido da apresentação do
nome do engenheiro Antônio Baltar, embora às claras parecesse jogar
apenas com o do snr. Antônio Pereira, o candidato a deputado federal
mais votado no Recife. Informado dos passos do senador eleito, o
presidente do PTB local tratou de arregimentar o seu partido para a
grande luta para a posse da Prefeitura da Capital. E uma coisa parece
ter ficado definitivamente certa: o candidato será o próprio candidato
Barros Carvalho, com o apôio dos trabalhistas e, possivelmente, de
todo o udenismo recifense.
135
Observe-se que no fragmento de matéria supracitado afirma-se que a ala
dissidente do PSD, por meio do seu líder, o senador Jarbas Maranhão, cogitou a
possibilidade de unir forças ao PSB, partido ao qual o engenheiro Antônio Baltar era
filiado e ao PRT, partido liderado por Antônio Alves Pereira. o PTB, o qual via
inviabilizada a formação de uma aliança com os dissidentes do PSD, tem a candidatura
de Barros Carvalho apresentada como “definitivamente certa”. Entretanto, no dia
seguinte, quando o Jornal do Commercio tornou público o novo posicionamento do
líder trabalhista, a população do Recife acompanhou uma reviravolta nas composições
de alianças que eram vislumbradas até então.
E agora podemos informar que o snr. Barros Carvalho, convencido da
inutilidade do MPA, está inclinado a firmar um pacto com o general
Cordeiro de Farias, sendo o snr. Oswaldo Aranha o mais interessado
no rápido estabelecimento dessa aliança para a batalha pela posse da
Prefeitura do Recife.
136
Ao cogitar a realização de uma aliança com o governador eleito, Cordeiro de
Farias, os trabalhistas aparentemente romperam com a tentativa de combater a ala
135
Jornal do Commercio, 14 de janeiro de 1955, p.3.
136
Jornal do Commercio, 15 de janeiro de 1955, p.3.
74
majoritária do PSD, assim como com a intransigência em relação à candidatura de
Barros Carvalho. No entanto, essa união entre trabalhistas e pessedistas não chegou a se
tornar efetiva. Após as tentativas de aliança anteriormente citadas, o PTB irá compor a
Frente do Recife ao lado do PCB e do PSB. De acordo com José Arlindo Soares, a
realização do Congresso de Salvação do Nordeste
137
pode ser tomada como o momento
de aproximação entre trabalhistas, comunistas e socialistas. Desse modo, o quadro de
alianças para as eleições municipais passa a ser definitivamente estabelecido em junho
daquele ano, mês em que foi realizado o citado congresso.
Acompanhando as notícias referentes à campanha presidencial de 1955,
observamos que a indefinição apresentada pelo diretório estadual do PTB está presente
também em âmbito nacional. Tal afirmativa toma como base o posicionamento adotado
pelos líderes daquele partido por ocasião da indicação de candidatos ao cargo de
presidente da República. Ocorre que o PTB teve sua convenção nacional protelada até o
limite possível, deixando em aberto a possibilidade de aliar-se ou não às forças que
tentavam combater a candidatura de Juscelino Kubitscheck.
Decidindo realizar a sua convenção nacional a 19 de abril, o PTB
ainda continua a desafiar a argúcia dos intérpretes da política
sucessória; e, sobretudo, a manter os dois campos opostos da política
nacional presos ao sortilégio da votação trabalhista.
138
Nesse episódio, ao evitar o compromisso com um e outro lado, o PTB passou a ser
cobiçado por ambos fazendo com que fosse apelidado de a Marta Rocha da campanha
sucessória
139
. Vale lembrar que, no que tange à campanha municipal de 1955, embora
se afirme que com a realização do Congresso de Salvação do Nordeste tenha se
efetivado a aliança entre o PTB, PSB e PCB, a união entre esses partidos será
acordada em definitivo em setembro daquele ano, por ocasião da convenção estadual do
PTB.
137
O Congresso de Salvação do Nordeste teve início em 3 de junho de 1955, no Clube Português do
Recife. Durante uma semana, foram discutidas políticas de combate às secas e diversas ações no sentido
de desenvolver a região. Ao final do Congresso foi elaborada a Carta de Salvação do Nordeste,
documento que serviria de alicerce à criação da SUDENE.
138
Diário de Pernambuco, 15 de março de 1955, p.4.
139
Expressão cunhada por Rui Ramos em uma análise acerca da posição do PTB quanto à disputa para o
cargo de presidente da República (1955). Sobre a atuação política do PTB e sua aproximação com o PCB
ver Ferreira, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005 e Neves, Lucília de Almeira. Trabalhismo, Nacionalismo e
Desenvolvimentismo: um projeto para o Brasil. In Ferreira, Jorge. O populismo e sua história: debate e
crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
75
A “Batalha da Prefeitura”
em 4 de janeiro, um dia após a assinatura da lei de autonomia, discute-se no
meio político e na imprensa a sucessão de José do Rego Maciel, pois, além de prefeito
nomeado do Recife, Maciel era deputado federal eleito. Ou seja, em 20 de janeiro, data
de sua posse como deputado, teria que renunciar ao cargo de prefeito. Com isso,
começam as discussões visando-se a estabelecer quem deveria ocupar a prefeitura
durante os 11 meses seguintes.
Com a sanção da lei de autonomia, somando-se à renúncia do então prefeito e a
inexistência do cargo de vice-prefeito
140
ocorre uma verdadeira batalha na qual o centro
da disputa é a indicação do político que deverá ocupar a prefeitura do Recife enquanto
não ocorrem a eleição e a posse do prefeito a ser eleito. Passa a haver um debate entre
os representantes do governo estadual e do legislativo municipal no intuito de indicar o
futuro prefeito. O general Cordeiro de Farias, governador recém eleito, e Antônio
Moury Fernandes, presidente da Câmara Municipal, passam a manifestar publicamente
sua divergência quanto à sucessão de José do Rêgo Maciel. Dessa forma, os
representantes do governo estadual passam a enfrentar o legislativo municipal na
disputa pela indicação do novo prefeito.
A esta altura, o Recife já é uma cidade autônoma: o governador não
pode, sem cometer crime de responsabilidade, nomear outro prefeito.
E não existe vice-prefeito, cabe, por conseguinte ao presidente da
Câmara, assumir o lugar. Pelo artigo 69, inciso 4 da Constituição do
Estado, será crime de responsabilidade qualquer interferência na
autonomia do município. Ora, a nomeação de outro prefeito para
substituir o snr. José Maciel, seria precisamente um atentado contra a
autonomia do Recife, conseguida afinal após tantas lutas.
141
Essa declaração de Antônio Moury Fernandes, à imprensa, apóia-se na lei, e
dessa forma reafirma a idéia de que qualquer ato do governador Cordeiro de Farias
142
,
que fosse de encontro à efetivação do seu mandato, como prefeito, estaria ferindo um
direito legal adquirido. Note-se que em suas palavras está implícita a idéia de que
qualquer oposição à sua posse não seria um ato contra ele, mas sim contra o Recife.
140
O cargo de vice-prefeito da cidade do Recife foi criado nas eleições de 1955.
141
Jornal do Commercio, 5 de janeiro de 1955.
142
Naquele momento o general Cordeiro de Farias apresentava-se como governador eleito de
Pernambuco, já que ainda não havia tomado posse. Contudo, acompanhando as matérias alusivas à
Batalha da Prefeitura, podemos afirmar que ao utilizar o termo ‘governador’ Antônio Moury Fernandes
refere-se a Cordeiro de Farias e não a Etelvino Lins, governador do estado naquele momento.
76
Mais que isso, ao defender como legal e legítima a sua posse como prefeito, em
determinados momentos torna público o discurso de que tal defesa é desprovida de
qualquer interesse pessoal. Estaria apenas defendendo a legitimidade das atribuições do
cargo de presidente da Câmara Municipal que, naquele momento, era ocupado por ele,
ou seja:
De qualquer maneira, acrescentou o snr. Antônio Moury Fernandes,
mesmo que o governador do Estado nomeie um substituto[para o]
snr. José Maciel, essa nomeação não terá nenhum valor pois a
Câmara de Vereadores se recusará a dar posse à pessoa nomeada.
Não vai nisso o menor interesse pessoal, apenas não podemos
consentir que seja ferida a autonomia do Recife. Ao mesmo tempo,
assim que seja conhecida a renúncia do atual prefeito, reunir-se-ão os
vereadores, imediatamente, para dar posse ao presidente da Câmara
que, no caso, serei eu.
143
Em contrapartida, o governador eleito, Cordeiro de Farias, afirma que a lei de
autonomia passará a ter validade a partir da realização das eleições diretas, cabendo
ainda ao governo estadual indicar um substituto para o cargo de prefeito. E, em 23 de
janeiro, antes mesmo de tomar posse como governador, o general Cordeiro de Farias
anuncia o nome de Djair Brindeiro como futuro prefeito do Recife. A partir desse
anúncio, a legitimidade da sucessão passa a ser discutida diariamente, tanto na imprensa
quanto nas sessões parlamentares. No dia 28 daquele mesmo mês, o Diário de
Pernambuco publica a seguinte notícia:
O presidente da Câmara de Vereadores, sr. Antônio Moury
Fernandes, assumiu ontem a prefeitura do Recife. Essa investidura foi
deliberada numa reunião verificada, horas antes, entre os srs. Etelvino
Lins, Cordeiro de Farias e os representantes daquele órgão
legislativo.
144
Essa decisão noticiada na imprensa parece revelar a interferência de Etelvino
Lins, líder da ala majoritária do PSD, junto ao governador Cordeiro de Farias. Note-se
que a disputa em torno da sucessão municipal pode ser vista como uma batalha interna
do PSD, que tanto o presidente da Câmara quanto o governador faziam parte de seus
quadros. A interferência de Etelvino Lins tinha como objetivo principal evitar um
aprofundamento das disputas dentro do partido que, desde 1952, com a morte de
143
Jornal do Commercio, 05 de janeiro de 1955.
144
Diário de Pernambuco, 28 de janeiro de 1955.
77
Agamenon Magalhães, passava por um período de forte divisão interna
145
. Do mesmo
modo, seria válido supor que ao tentar solucionar a crise em torno da sucessão
municipal, encerrando um confronto direto entre duas lideranças de destaque no partido,
Etelvino procura garantir a unidade interna do PSD com vistas ao lançamento de sua
candidatura à presidente da República. Nesse período, estabelece alianças com
integrantes da UDN, com o intuito de combater o diretório nacional pessedista que
exigia seu apoio à candidatura de Juscelino Kubitschek.
Com o acordo para a posse de Moury Fernandes como prefeito do Recife, para
um mandato de aproximadamente onze meses, somos levados a imaginar que seria esse
o desfecho do que passou a ser chamado de “a batalha da prefeitura”
146
. No entanto,
surgem dois novos adversários políticos, ambos com o objetivo de demover Moury
Fernandes do cargo recém conquistado. O primeiro deles, o vereador Rui Alves,
estabelecerá sua disputa no âmbito legislativo, projetando-se como um forte concorrente
na eleição da nova Mesa Diretora da Câmara dos Vereadores. Ocorre que em fevereiro
de 1955, assim que a Câmara retomasse seu expediente, após o recesso de fim e início
de ano, os vereadores deveriam eleger seu novo presidente, seus secretários e os
componentes de cada comissão legislativa. Vale lembrar que a nomeação de Moury
Fernandes para prefeitura resulta do cargo que ocupa como presidente da Câmara
Municipal. Em face da nova eleição para a Mesa Diretora, o presidente a ser eleito,
legalmente se tornaria o novo prefeito. Conquistado o cargo de prefeito, Moury
Fernandes passa então a redirecionar seus esforços para a articulação de sua reeleição
como presidente da Câmara Municipal do Recife.
...
começam a trabalhar os vereadores recifenses para a renovação da
Mesa do deliberativo da cidade, de cujo resultado dependerá a
permanência do sr. Moury Fernandes no Palácio da rua da Aurora.
147
145
De acordo com Antônio Lavareda, Etelvino Lins teria como objetivo central de sua gestão diante do
PSD, promover a estruturação do Diretório Estadual do Partido. No entanto, as alianças com membros da
UDN e o surgimento de desavenças entre Etelvino Lins e chefes políticos do interior do estado nos levam
a questionar a afirmativa de Antônio Lavareda. Ao descrever a gestão de Etelvino Lins, Dulce Pandolfi
narra o enfrentamento ocorrido em virtude da nomeação para cargos públicos de correligionários da
UDN. Essas nomeações iriam de encontro às práticas políticas até então vigentes na região.
146
Vale lembrar que Antonio Moury Fernandes foi empossado como prefeito do Recife, para um mandato
que se estenderia até a pose do prefeito que viria a ser eleito em outubro de 1955. De modo que seu
mandato seria estimado em onze meses, já que a posse do novo prefeito deveria ocorrer nos primeiros
dias do mês de janeiro de 1956.
147
Diário de Pernambuco, 2 de fevereiro de 1955.
78
Enquanto isso, a questão da sucessão municipal ganhava uma enorme dimensão
junto à opinião pública, repercutindo negativamente sobre os políticos locais os quais
eram acusados de não se dedicar a solucionar os problemas vivenciados pela população,
mas sim destinar seus esforços à “politicagem, uma suja e abjeta politicagem”
148
.
Talvez, essa repercussão junto aos meios de comunicação tenha contribuído para que o
governador Cordeiro de Farias voltasse a se pronunciar quanto à escolha de um novo
prefeito. Desse modo, ao mesmo tempo em que eram divulgados os resultados da
eleição ocorrida entre os vereadores, tornava-se pública a nova decisão do governador.
Mas quando se anunciavam os resultados do pleito, conhecia-se
também a atitude do general, nomeando o jornalista Jorge Abrantes
para responder pelo expediente da prefeitura, e para titular efetivo o
sr. Djair Brindeiro
Em um único dia o Recife conhece os nomes de três prefeitos. Por um lado, o
vereador Rui Alves, eleito presidente da Câmara Municipal, é apontado como o novo
prefeito, ao mesmo tempo em que, por motivos desconhecidos, o governador optou por
dividir as atribuições da prefeitura entre Jorge Abrantes e Djair Brindeiro. Enquanto o
vereador Rui Alves, como chefe do legislativo, providencia sua própria posse, Djair
Brindeiro faz com que a batalha pelo executivo municipal passe a ocorrer no âmbito do
judiciário. Serão os representantes da justiça que irão dar um fim a essa questão,
decidindo a quem caberia o direito de indicar o prefeito. Assim, após o pronunciamento
dos representantes do poder judiciário, em 8 de março de 1955, o Diário de
Pernambuco oferece aos seus leitores a seguinte manchete: “Djair venceu a ‘Batalha
da Prefeitura’”.
A existência de um acirrado debate entre o executivo estadual e o legislativo
municipal acerca da sucessão de José do Rego Maciel, revela que, diante da criação de
novas regras para a ocupação de um cargo da administração pública, surgiam diversas
interpretações acerca da aplicação do que ora passava a ser estabelecido.
148
O jornalista Aníbal Fernandes, em sua coluna no Diário de Pernambuco, acusava os políticos locais de
negligenciar as verdadeiras demandas do Recife em prol dos seus interesses pessoais.
79
III – Desafios da conquista
Transcorrida a eleição municipal (03/10/1955) e verificada a vitória de Pelópidas
Silveira, a maioria dos vereadores - eleitos na mesma ocasião - passou a manifestar sua
insatisfação diante das propostas apresentadas pelo prefeito no decorrer de sua
campanha. Através das atas da Câmara Municipal do Recife, referentes ao segundo
mandato de Pelópidas Silveira (1956-1959), bem como das notícias veiculadas no
Diário de Pernambuco e no Jornal do Commercio, pode-se verificar a existência de um
grande conflito entre os representantes do executivo e do legislativo municipal. Trata-
se, nas palavras de Virgínia Pontual, das “querelas político-administrativas entre o
Prefeito e a Câmara Municipal”. Tais querelas giravam em torno da ameaça que o
modelo de gestão defendido pelo novo prefeito parecia representar aos olhos da maior
parte dos vereadores do Recife. Em um período marcado pela fragilidade da
representação partidária
149
, o Recife se viu envolto em uma nova crise de representação
política.
Acompanhando as atas da Câmara Municipal, observa-se que, desde 1947, quase
diariamente, eram encaminhados pelos vereadores pedidos de calçamento de ruas,
terraplenagem, instalação de chafarizes, bicos de iluminação pública, e outras pequenas
intervenções no espaço público. Observa-se ainda que cada vereador, comumente,
restringia os seus pedidos a uma determinada área da cidade, o que nos leva a acreditar
que esse recorte espacial representava a região em que o mesmo concentrava sua
atuação política. Essa prática contribuía para que cada vereador fosse reconhecido como
representante de determinado(s) bairro(s), visto que, teoricamente, estaria sempre
comprometido em defender os interesses da população daquela localidade. A
consolidação desse tipo de reconhecimento, decerto, representava a conquista de um
significativo número de votos, por ocasião de cada eleição.
Ao apoiar a criação e a manutenção de entidades civis que encaminhassem as
demandas da população diretamente à prefeitura, a administração de Pelópidas passou a
representar uma ameaça à representatividade exercida pelos vereadores. Insatisfeitos
com o modelo de gestão defendido pelo prefeito, 20 dos 25 vereadores assinaram um
documento no qual se comprometiam a opor sistemática oposição àquela administração
municipal. Passada a disputa eleitoral, a população do Recife passou a assistir a uma
149
Mainwaring, Scott. Sistemas Partidários: O Caso do Brasil. Rio de Janeiro, FGV/ Editora Mercado
Aberto, 2000.
80
disputa de representatividade. Ao mesmo tempo em que os vereadores reclamavam para
si o seu reconhecimento como legítimos representantes da população, questionavam a
legitimidade de Pelópidas enquanto prefeito, que o mesmo havia sido eleito com o
apoio do PCB.
Enquanto Pelópidas havia conquistado a preferência de um total de 81.499
eleitores, a soma dos votos alcançados pelos candidatos a vereador apresentados pelo
PTB e pelo PSB, partidos que compunham a Frente do Recife, equivale a 12.528. Assim
sendo, comparando o número de votos alcançado por Pelópidas Silveira e o número de
votos alcançados pelos candidatos a vereador pela Frente do Recife observa-se a
existência de uma diferença de aproximadamente 70.000 votos. Aceitando a hipótese de
que todos os eleitores que votaram em um candidato a vereador indicado pela Frente do
Recife também votaram em Pelópidas poder-se-ia afirmar que entre aqueles que
apoiaram a eleição daquele prefeito havia cerca de 70.000 eleitores que optaram por
conceder seus votos a vereadores apresentados por outras legendas partidárias.
Resultado das eleições para a Câmara Municipal do Recife - 1955
Partido Votação por legenda Nº de vereadores eleitos
PTB 16.204 4
PRT 15.121 3
PL 13.994 3
PR 13.398 3
PDC 11.951 3
UDN 11.289 3
PSP 6.761 2
PSB 6.124 1
PST 5.559 1
PSD 5.153 1
PRP 4.309 1
Brancos 5.982 -
Nulos 1.928 -
Total de votos 129.264 -
Fonte: Atas do TRE
Essa falta de apoio, por parte do eleitorado, aos candidatos a vereador
apresentados pela Frente do Recife, parece ter ocasionado surpresa entre o meio político
local. Isso porque, desde 1947, os partidos de esquerda vinham demonstrando grande
penetração junto ao eleitorado da capital. E, embora a historiografia privilegie os
números referentes às disputas a cargos majoritários, pode-se afirmar que, em âmbito
legislativo, os partidos de esquerda também apresentavam significativas conquistas.
81
Como exemplo, tomemos os resultados verificados em 1947, durante a eleição em que
foram escolhidos os ocupantes das 25 cadeiras do legislativo municipal
150
.
Resultado das eleições para a Câmara Municipal do Recife - 1947
Partidos Votação por legenda Nº de vereadores eleitos
PSP 13.177 12
PSD 9.539 5
UDN 8.826 4
PL 5.152 2
PDC 4.115 2
PTB Abaixo do coeficiente eleitoral -
PSB Abaixo do coeficiente eleitoral -
Fonte: Atas do TRE
Observando os resultados apresentados na tabela anterior, verifica-se que o PTB
e o PSB não conseguiram atingir o coeficiente eleitoral, fato que impossibilitou seu
acesso a uma das cadeiras em disputa. No entanto, o PSP, partido que até a cassação do
registro eleitoral do PCB não dispunha de representação em Pernambuco, conseguiu
conquistar um total de 12 das 25 vagas então existentes
151
. Ocorre que, na sua maioria, o
PSP era composto por ex-integrantes do PCB que encontraram no “entrismo” uma
alternativa à ilegalidade
152
. Observe-se ainda que, desde o início dos seus mandatos, os
vereadores eleitos pelo PSP eram reconhecidos por seus colegas como comunistas, fato
que suscitou uma forte oposição à sua condição de candidatos legitimamente eleitos.
Assim sendo, compreendendo a vitória do PSP como uma demonstração de força do
PCB, pode-se entender a surpresa ocasionada em virtude dos resultados alcançados em
1955.
Em entrevista concedida a Eliane Moury Fernandes, ao narrar as dificuldades
ocasionadas pela falta de apoio junto a Câmara, Pelópidas Silveira chegou a afirmar que
a Frente do Recife parecia existir apenas no que se referia aos pleitos majoritários.
Segundo Pelópidas, a população, no momento de escolher os candidatos a vereador,
optava por beneficiar o político que tivesse oferecido qualquer facilidade a um dos seus
150
Vale lembrar que, em função do modelo de governo instituído por Getúlio Vargas durante o Estado
Novo, a Câmara Municipal do Recife, assim como diversas outras casas legislativas, naquele momento,
não apresentava representantes legais.
151
Entre os doze candidatos eleitos pelo PSP, destaque-se a eleição de Júlia Santiago, primeira mulher a
conquistar um assento junto ao legislativo municipal. Ver AT 01 Atas das sessões extraordinárias de
15/12/1947 a 28/01/1948
152
Como afirmado anteriormente, após a cassação do registro eleitoral do PCB, alguns dos políticos que
integravam aquele partido, com o objetivo de obter o registro de suas candidaturas, passaram a se filiar a
outros partidos políticos. A essa manobra deu-se o nome de entrismo.
82
parentes, amigos, ou pessoa próxima. As palavras do ex-prefeito nos levaram a refletir
sobre a idéia defendida por Scott Mainwaring, segundo a qual, no período em questão, o
eleitor, ao decidir o destino do seu voto, privilegiaria a figura do candidato e não a do
partido pelo qual sua candidatura era apresentada.
153
De acordo com Mainwaring, a existência dessa falta de identificação entre os
eleitores e os partidos políticos decorreria de dois fatores essenciais. O primeiro deles
seria a inexistência ou a falta de apresentação - de programas bem definidos, por parte
de alguns partidos. Fato que dificultaria ao eleitor definir de forma clara quais os
interesses defendidos por cada legenda. O segundo elemento está relacionado a uma
questão que, ainda nos dias de hoje, se apresenta como um desafio à manutenção de um
sistema político pluripartidário. Trata-se da migração de um partido para outro,
realizada por um grande número de políticos. Mudanças de partido que podem ocorrer a
cada candidatura, mas também durante o curso de um mandato. Desse modo, um
candidato eleito por um determinado partido, no decorrer de seu mandato pode migrar
para outro, dificultando ao eleitor reconhecê-lo como representante de uma determinada
legenda partidária.
Voltando ao dissídio existente entre o prefeito e a maioria dos vereadores, pode-
se afirmar que, caso a Frente do Recife tivesse logrado maior êxito na conquista de
cargos legislativos, esse embate poderia apresentar proporções mais modestas. No
entanto, não cabe aqui uma maior reflexão quanto às possibilidades do “se isso” ou “se
aquilo”. Em vez disso, é importante termos em mente que o apoio oferecido às
associações de bairro não era o único elemento que ia de encontro à representatividade
até então exercida pelos vereadores. A realização quinzenal de audiências públicas -
reuniões em que qualquer cidadão poderia levar seu pleito diretamente ao prefeito ou a
um de seus representantes também pode ser entendida como um dos componentes
dessa discórdia.
As informações referentes às audiências públicas, comumente, são extraídas das
memórias de Paulo Cavalcanti, tomemos como exceção o anúncio de sua realização em
alguns dos jornais da época, onde eram divulgados os horários e locais da verificação
das citadas audiências. Quanto ao seu formato, acatando as informações oferecidas por
Cavalcanti, pode-se afirmar que o poder público era representado pelo prefeito e por
parte do seu secretariado. No entanto, nem sempre a presença do chefe do executivo
153
Mainwaring. Op. Cit.
83
municipal era possível, fato que não impedia que as demandas da população fossem
encaminhadas ao secretariado municipal. As reivindicações da população podiam ser
apresentadas em nome de uma coletividade – moradores de um determinado logradouro,
reunidos ou não em associações de bairro; grupos de trabalhadores; etc. –, ou
individualmente. Depois de apresentadas, as demandas da população eram levadas ao
público presente, o qual se manifestava quanto à ordem de prioridades e, nos casos em
que não existia um consenso, cabia ao poder público arbitrar quanto à ordem das
solicitações a serem atendidas, bem como levar à população a impossibilidade técnica
ou de recursos financeiros - de empreender algumas das obras solicitadas.
Quanto às associações de bairro, podemos destacar dois trabalhos os quais
oferecem abordagens bastante diversas sobre a atuação das mesmas. Tomemos como
ponto de partida o livro de Luciana de Barros Jaccoud
154
, fruto de pesquisa de mestrado
e no qual, em meio aos movimentos sociais atuantes em Pernambuco, a autora dedica
parte de sua narrativa à criação e desenvolvimento das associações de bairro. Tratando
de seu entusiasmo criador, afirma que as associações surgidas no Recife ao longo da
segunda metade da década de 1950 seriam inspiradas no modelo de associações
desenvolvido pelo PCB, e também nas Sociedades de Amigos dos Bairros (SABs),
entidades existentes na capital do estado de o Paulo, nas quais moradores de uma
mesma área reuniam-se com o objetivo de pleitear melhorias para a localidade em que
residiam. De modo que, reunidos em uma associação, os moradores adquiriam maior
força reivindicatória junto aos representantes do poder público. Ao longo do seu texto,
as associações de bairro e outros movimentos sociais são apresentados como
importantes instrumentos de participação política da população e como elementos
legítimos de representação popular.
no livro de Virgínia Pontual, o apoio às associações de bairro é analisado a
partir de uma abordagem bastante diversa. Em sua análise, a autora chama a atenção dos
leitores para o papel das associações de bairro como elementos disciplinadores da
atuação política da população. Influenciada pelas idéias de Michel Foucault quanto ao
controle da sociedade, Virgínia Pontual ressalta as vantagens advindas do agrupamento
da população em torno de unidades representativas. Vale ressaltar que, embora aponte o
caráter disciplinador das associações de bairro, a autora não vai de encontro ao seu
caráter reivindicatório.
154
Jaccoud, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco (1955 – 1968).
Recife: Editora Massangana, 1990.
84
As associações de bairros, além de representarem e mobilizarem a
população residente nos bairros, apresentavam outra positividade: a
do disciplinamento dos mais carentes e menos cultos da sociedade.
Daí a necessidade de um estatuto elaborado pelo governo municipal,
cujas funções seriam uniformizar, normalizar e disciplinar a
operacionalização das mesmas associações.
155
Assim sendo, independentemente das outras características apresentadas pelas
associações de bairro, as autoras anteriormente citadas, destacam a questão da
representatividade. Foi contra a legitimidade do modelo de representação popular
apoiado por Pelópidas, por meio das associações de bairro e das audiências públicas,
que os vereadores do Recife se mobilizaram.
Os vereadores chegaram a propor que as associações de bairro funcionassem sob
a sua supervisão, sob a alegação de que, de acordo com o regime democrático em vigor,
os ocupantes da câmara municipal seriam os legítimos representantes da população do
Recife. Segundo essa proposta, o vereador que tivesse sua área de atuação em
determinado bairro teria o direito de indicar o líder, ou líderes, das associações ali
existentes. Ao que parece, diante da indesejada existência de tais associações, os
vereadores passaram a conceber uma fórmula através da qual pudessem tirar proveito
das mesmas. Tal afirmativa baseia-se no entendimento segundo o qual, caso a proposta
conduzida pelos vereadores viesse a ser aceita, os líderes dessas associações perderiam
a característica de representantes indicados pela população e passariam a atuar como
“cabos eleitorais” dos vereadores que lhes houvesse indicado. Ocorre que, mesmo
diante da forte pressão exercida pelos vereadores, tal proposta não logrou êxito. Tendo a
legitimidade do seu poder de representação ameaçada pelo modelo de gestão
democrática instituído por Pelópidas Silveira, os vereadores passaram a empreender
uma disputa na qual a legitimidade do prefeito passou a ser cotidianamente questionada.
O incrível causo dos gatos
Narrando algumas das disputas ocorridas no decorrer da administração de
Pelópidas Silveira, Paulo Cavalcanti descreve a oposição existente entre o prefeito e a
155
Pontual, Virgínia. Uma Cidade e Dois Prefeitos. Narrativas do Recife nas décadas de 1930 a 1950.
Recife: Editora Universitária da UFPE, 2001. p. 203.
85
maioria dos vereadores do Recife. Como dito anteriormente, assim que fora anunciado o
resultado da eleição municipal de 1955, vinte dos vinte e cinco vereadores eleitos, sob a
liderança de Sérgio Godoy (PSD), assinaram um documento no qual se comprometiam
a impor oposição sistemática ao governo de Pelópidas Silveira
156
. Procurado para se
posicionar acerca dessa possível oposição, o prefeito recém eleito se pronunciou da
seguinte maneira: Fui apoiado por dois partidos que elegeram apenas 5 vereadores.
Estou certo, porém, que os representantes de outras bancadas não se colocarão em
oposição sistemática [...]
157
.
Entretanto, ao longo do mês de novembro, antes mesmo da posse dos candidatos
eleitos, intensificou-se a campanha dos vereadores contra o prefeito. O vereador
Wandenkolk Wanderley (PDC), o qual já havia tentado impugnar a concessão do
registro eleitoral à candidatura de Pelópidas, voltou a recorrer à justiça. Nessa ocasião, o
seu objetivo era impedir a realização da posse do prefeito recém eleito, pleito no qual
não logrou êxito. Seu argumento, mais uma vez, era de que, embora filiado ao PSB,
Pelópidas seria um político comprometido com os interesses do PCB, fato que, segundo
Wandenkolk, comprometia a legitimidade do seu mandato.
Transcorridas as posses dos candidatos eleitos prefeito, vice-prefeito e
vereadores -, as denúncias contra o prefeito, que até então eram divulgadas na imprensa,
passaram também a integrar as discussões parlamentares. A tribuna da Câmara
Municipal do Recife passou a ser o local de onde eram dirigidos acirrados ataques à
criação das associações de bairro e à administração de Pelópidas. Diante de um
ambiente hostil ao prefeito, Antônio Bezerra Baltar, único vereador eleito pelo PSB e
amigo pessoal de Pelópidas, em diversas ocasiões, tentou promover a conciliação entre
os representantes do executivo e do legislativo municipal. Contando com o apoio de
apenas cinco vereadores, o prefeito convivia com uma ameaça efetiva à governabilidade
da sua administração. Diante da necessidade de conquistar a adesão de outros
vereadores, os representantes da Frente do Recife passaram a promover encontros entre
o prefeito e alguns dos políticos que dispunham de assento na câmara municipal
158
.
156
Os resultados daquela eleição foram divulgados em 21 de outubro e, no dia seguinte, o Diário de
Pernambuco oferecia aos seus leitores matéria sobre a existência, entre os integrantes da câmara, de
uma campanha contra a administração de Pelópidas Silveira. Diário de Pernambuco, 22 de Outubro de
1955, p.16.
157
Diário de Pernambuco, 1 de Novembro de 1955, p.3.
158
Contando com o apoio de apenas 20% dos vereadores eleitos, o executivo convivia com a constante
ameaça de ter as medidas e obras defendidas por aquela gestão comprometidas pelo veto da câmara
municipal.
86
Esses encontros, comumente, ocorriam sob o formato de pequenas reuniões
informais, realizadas na casa de um dos vereadores eleitos pela Frente. Contudo, a
realização dessas reuniões, assim como sua motivação política, diversas vezes chegou
ao conhecimento de alguns dos legisladores que apresentavam um posicionamento mais
hostil em relação ao prefeito. Nessas ocasiões, o plenário da Câmara servia de cenário a
acirradas altercações, em que a troca de críticas e insultos tomava o lugar da ‘ordem do
dia’
159
. Comumente, cada novo embate era seguido pela votação e aprovação, no
plenário daquela Casa, de atos de repúdio ao prefeito. A disputa pelo poder político
passou então a se apresentar sob a forma de desavenças cotidianas. E, para a
manutenção das mesmas, qualquer ato do prefeito poderia ser utilizado contra ele na
tentativa de comprometer sua imagem junto à opinião pública.
Episódio emblemático ocorreu nas proximidades da Semana Santa de 1956,
cerca de dois meses após a posse de Pelópidas. Semanas antes do feriado pascal, o
plenário da Câmara Municipal do Recife serviu de palco a realização de discussões
sobre “boatos quanto a falta de peixes por ocasião da Semana Santa”
160
. Rumores que
também podem ser localizados em diversas matérias publicadas pelo Jornal do
Commercio e Diário de Pernambuco. O que inicialmente era apresentado como boato,
especulação, gradativamente transformava-se em acusação direta ao prefeito, o qual,
segundo seus acusadores, estaria, propositadamente, em virtude de seu ateísmo
comunista
161
, negligenciando a tradição cristã da qual comungava a maior parte da
população do Recife. Entre os vereadores daquela capital, passa então a existir uma
tentativa de convencer a população de que a escassez do peixe seria fruto da
premeditação dos comunistas. Um ato que se tornara possível porque essa mesma
população, ao destinar o seu voto ao candidato da Frente do Recife, teria possibilitado a
ascensão dos comunistas ao poder.
159
O protocolo das sessões parlamentares estabelece que, iniciada a sessão e verificado o número de
vereadores presentes, segue-se com a leitura da ‘ordem do dia’, arrolamento no qual devem ser listados os
temas tratados durante cada sessão, assim como a ordem dos oradores inscritos para aquela sessão.
160
Cabe aqui uma observação. Muitos temas polêmicos eram levados à discussão na mara Municipal
em virtude dos boatos que estariam ocasionando pela cidade. Aparentemente, a recorrência aos supostos
boatos tinha por intuito evitar a elaboração de uma acusação direta e, conseqüentemente, um confronto
direto com o acusado. Dessa forma, os boatos, bem como as notícias veiculadas na imprensa, aparecem
como matéria de grande interesse por parte dos vereadores. Observe-se também que os problemas quanto
ao abastecimento de pescado por ocasião da Semana Santa eram bastante comuns. Ocorre que, entre os
comerciantes locais, existia a prática de, deliberadamente, diminuir os estoques e promover uma grande
elevação dos preços. Tanto é assim, que ainda em 1946, por ocasião de sua rápida passagem pela
prefeitura, Pelópidas tentou combater essa prática através do tabelamento dos preços do pescado.
161
Ressalte-se que, embora seja constantemente nomeado por seus adversários como comunista,
Pelópidas Silveira jamais apresentou-se como defensor dessa ideologia.
87
Ciente das acusações que lhe vinham sendo impostas, e da falta de pescado nas
feiras e mercados públicos, Pelópidas, após analisar as alternativas viáveis, empreendeu
uma medida no esforço de abastecer o comércio popular com os peixes que àquele
momento vinham sendo reivindicados. Assim, nos dias que antecederam a Páscoa,
Pelópidas fez chegar ao porto do Recife 30 toneladas de peixes, de espécies variadas, as
quais havia importado do arquipélago de Fernando de Noronha. Enquanto parte desse
produto seria destinada a atender à demanda dos mercados e feiras livres da cidade, um
outro montante seria distribuído gratuitamente entre hospitais públicos, instituições
militares, escolas e asilos.
Com a divulgação de tais providências, pode-se imaginar que aquela questão
chegaria ao seu fim, no entanto, diante do esforço do prefeito de contentar os reclames
populares, os vereadores não se deram por derrotados. Enquanto Antonio Bezerra
Baltar, inscrevia-se como orador e defendia as providências tomadas pela prefeitura,
seus colegas desferiam novos golpes contra Pelópidas. Passada a Páscoa, os peixes
importados de Fernando de Noronha continuavam a povoar as manchetes dos periódicos
locais.
Surgem então novos rumores contra o prefeito, os quais informavam que a
cidade estaria atravessando um grande ‘surto’ de intoxicação alimentar, em virtude da
ingestão dos peixes distribuídos pelo prefeito. Na Câmara, essa temática passou a ser
discutida quase que diariamente. Tanto nas sessões ordinárias, quanto nas
extraordinárias, alternaram-se acusações e elogios ao prefeito. Consta em ata o
recebimento de diversos ofícios nos quais diretores de escolas, oficiais militares e
administradores de hospitais, com o objetivo de isentar Pelópidas das acusações que o
mesmo vinha sofrendo, informavam o recebimento e a distribuição do referido peixe.
Ao longo dessas cartas, informa-se que o pescado em questão teria sido ingerido por
alunos, soldados, funcionários e pacientes, sem que fosse observado nenhum mal em
decorrência do referido consumo.
Objetivando encerrar as discussões quanto à existência ou não desse suposto
‘surto’ de intoxicação alimentar, a prefeitura resolveu contratar uma junta médica para
que fosse atestada a qualidade dos peixes distribuídos à população. Para a realização de
um exame comprobatório, foram selecionados três gatos sadios, aos quais foram
oferecidas 200 gramas de vísceras provenientes de um único peixe. Após a ingestão do
pescado, os gatos foram isolados em local apropriado e mantidos sob observação, sem
que lhes fosse oferecida qualquer tipo de alimentação complementar. Transcorridas 24
88
horas após o isolamento, e constatando-se que os gatos não foram acometidos de
nenhum mal em virtude da ingestão dos peixes, Pelópidas Silveira foi inocentado das
acusações que lhes vinham sendo imputadas
162
. Observe-se que, na documentação
produzida pela câmara municipal, o processo ao qual acabamos de narrar é descrito sob
um forte discurso de cientificidade. Encerradas as discussões quanto à qualidade dos
peixes, observamos o fim de um episódio em que a reputação de um prefeito foi
restabelecida graças a “três gatos sadios”.
O episódio ao qual acabamos de narrar ilustra a animosidade existente entre os
representantes dos poderes executivo e legislativo municipais. Embora essa hostilidade
não possa ser vista como incomum, o tom difamatório assumido durante esse episódio
desperta o nosso interesse para as diversas táticas adotadas pelos vereadores no intuito
de minar o governo de Pelópidas. No decorrer de nossas pesquisas, pudemos perceber
que as ações nesse sentido se estendiam desde a elaboração de uma série de acusações
nas quais destacava-se o desrespeito de Pelópidas para com os problemas da população,
à constante imposição de vetos aos projetos defendidos pelo prefeito. Em contrapartida,
observamos que, além de apoiar as associações de bairro, Pelópidas passou a combater
o grande número de “perdão de débitos” e “concessão de auxílios” conseguidos junto à
Câmara Municipal
163
, fato que atiçou ainda mais a ira de seus opositores.
A Batalha da Acumulação
Acompanhando as notícias veiculadas no Jornal do Commercio e no Diário de
Pernambuco, observamos que, assim que foram divulgados os resultados da campanha
eleitoral de 1958, o nome de Pelópidas Silveira esteve envolto em mais um episódio
162
O problema de abastecimento de peixe, por ocasião da Semana Santa, era bastante comum no Recife,
pois, com o objetivo de majorar o preço do pescado, os comerciantes tiravam os peixes das suas bancas e,
às vésperas da Páscoa, faziam com que os mesmos reaparecessem com um custo bastante elevado.
Quanto às denúncias contra o prefeito e a formação de uma junta científica para a elucidação do suposto
surto de intoxicação alimentar ver AT 46 (Coleção de Atas Encadernadas da mara Municipal do
Recife).
163
Acompanhando a Coleção de Atas Encadernadas da Câmara Municipal do Recife observamos que o
“perdão de débito” e a “concessão de auxílio” se apresentavam de forma bastante recorrente e variada.
Tais pedidos eram levados pela população a algum dos componentes daquela Casa, o qual encaminhava o
mesmo à votação, de modo que, concedido o pleito, o interessado se via em débito para com o vereador
que encaminhara sua demanda. O perdão de débito para com a fazenda municipal comumente referia-se a
dívidas provenientes de impostos prediais, tanto de edifícios públicos como privados. os auxílios, em
sua maioria, eram concedidos a agremiações carnavalescas, solenidades de formatura, para a compra de
próteses e cadeiras de rodas que seriam doadas a pessoas que alegavam não ter condições de adquiri-las.
No entanto, também constam em ata, pedidos incomuns como “financiamento de viagem cultural a
Europa” e “construção de geringonça voadora”. Em quaisquer dos casos, a aprovação desses pedidos
resultava em diminuição do erário municipal.
89
polêmico. Tanto nos citados periódicos como nas atas da Câmara Municipal do Recife,
o litígio em questão nos é apresentado sob o título de “A Batalha da Acumulação”.
Como vimos anteriormente, por ocasião das eleições estaduais de 1958, a Frente do
Recife uniu-se à UDN formando as Oposições Unidas, coligação através da qual foram
lançados os nomes de Cid Sampaio (UDN) e Pelópidas Silveira (PSB) aos cargos de
governador e vice-governador respectivamente, assim como os de Barros Carvalho
(PTB) e Antônio Bezerra Baltar (PSB) como postulantes ao senado e à suplência do
mesmo
164
. Diante de tal composição, pode-se afirmar que um dos fatores determinantes
para a indicação do candidato a vice-governador foi a grande popularidade demonstrada
por Pelópidas entre o eleitorado da capital
165
.
Apurados os votos e verificando-se a vitória dos quatro candidatos anteriormente
mencionados, a ocupação do cargo de prefeito do Recife passou a figurar como um
empecilho para a posse do vice-governador recém eleito. Observe-se que, até aquela
ocasião, diante de um impedimento do governador, o presidente da Assembléia
Legislativa passaria a responder, temporariamente, pelo governo do estado, pois assim
estabelecia a Constituição Estadual de 1947. O cargo de vice-governador de
Pernambuco foi instituído no ano de 1957, de modo que Pelópidas Silveira, tendo sido
eleito democraticamente, seria o primeiro político a ocupar o referido cargo. Contudo,
diante da constatação de que, se empossado, Pelópidas exerceria os dois cargos, passou-
se a discutir a legalidade da ocupação concomitante de dois cargos eletivos do poder
executivo.
Entretanto, antes de nos determos aos diversos lances do processo que se
desenrolaria a seguir, vale observar sua suposta motivação. Para tanto, voltemos à
sucessão municipal de 1955, pois os resultados alcançados naquele pleito são
fundamentais para a compreensão dos episódios que se seguiram. Observando a tabela
referente à disputa ao cargo de vice-prefeito do Recife verifica-se que os partidos que
naquele momento compunham a Frente do Recife (PCB, PSB e PTB) não chegaram a
um consenso quanto à indicação de um único candidato. Assim sendo, o PSB lançou a
candidatura de Sócrates Times de Carvalho, enquanto o PTB, com o apoio do PCB e do
164
Por ocasião do pleito em voga, o cargo de suplente de senador era disputado através do voto direto,
constando o mesmo da cédula de votação, diferentemente do que ocorre atualmente, quando as vagas da
suplência são acordadas dentro das instituições partidárias.
165
Vale lembrar que naquela ocasião Pelópidas ocupava o cargo de prefeito do Recife, o qual havia
conquistado por meio da obtenção de 68% do total dos votos válidos verificados na eleição municipal de
1955.
90
PTN
166
, lançou o nome de João Vieira de Menezes. Desse modo, a Frente do Recife
lançou a candidatura de um candidato ao cargo de prefeito e dois ao cargo de vice-
prefeito. Isso foi possível porque as eleições para os dois cargos (prefeito e vice-
prefeito) ocorriam separadamente, de modo que um eleitor poderia votar em candidatos
de legendas e propostas distintas. Com a apuração dos votos, foi constatada a vitória de
João Vieira de Menezes sobre Sócrates Times de Carvalho e os demais candidatos.
Resultado das Eleições para Vice-Prefeito do Recife - 1955
Candidatos a vice-prefeito Partidos Votos (nº absolutos)
João Vieira de Menezes PTN – PTB 42.043
Sócrates Times de Carvalho PSB 27.746
Clóvis Correia de O. Andrade PR 18.335
Ilo Lins e Silva PST 8.833
Antônio Luiz da Silva PDC 3.949
Martiniano Fernandes PSD 3.404
Votos Brancos - 22.936
Votos nulos - 2.018
Fonte: Atas do TRE
A posse dos candidatos eleitos ocorreu em janeiro do ano seguinte e, após alguns
meses de mandato (em junho de 1956), Pelópidas Silveira, na qualidade de professor
universitário, licenciou-se do cargo de prefeito para participar de uma banca de
concurso público, na Faculdade de Arquitetura de São Paulo. Com o seu afastamento,
João Vieira de Menezes (PTB), como vice-prefeito do Recife, assumiu temporariamente
a edilidade. Em sua rápida passagem pela prefeitura, Vieira de Menezes tomou uma
série de medidas que iam de encontro às resoluções até então empreendidas por
Pelópidas. Ao que nos parece, o mais polêmico desses atos foi a recontratação de
diversos funcionários públicos municipais, os quais haviam sido exonerados por
Pelópidas sob a alegação de que os mesmos haviam sido contratados nos últimos dias da
gestão de Djair Brindeiro, o qual havia ocupado a prefeitura entre os meses de março e
dezembro de 1955. Os atos de Vieira de Menezes contaram com o apoio de boa parte
166
Observe-se que, o PTN figura como um dos partidos que apoiaram uma das candidaturas a vice-
prefeito apresentada pela Frente do Recife. No entanto, essa legenda não consta da tabela em que são
apresentadas as candidaturas ao cargo de prefeito. Assim sendo, fica a seguinte questão: poderíamos
considerar o PTN como um dos partidos que compunham a Frente do Recife em 1955? Ou seu apoio à
candidatura de João Vieira de Menezes não representa necessariamente a sua participação efetiva no
interior daquela aliança?
91
dos vereadores do Recife aqueles que ofereciam oposição sistemática a Pelópidas – os
quais chegaram a aprovar “votos de aplauso” em homenagem ao vice-prefeito.
Diante da conduta de Vieira de Menezes e da sua aproximação com o grupo de
vereadores que tentava comprometer a governabilidade da gestão de Pelópidas, o
secretariado municipal optou por apresentar um pedido coletivo de demissão, o qual foi
imediatamente acatado pelo novo prefeito. De acordo com Pelópidas
167
, o recebimento
de alguns telegramas noticiando o ocorrido fez com que ele abandonasse o concurso e
regressasse apressadamente para o Recife. Em suas palavras, tais telegramas noticiavam
que, na sua ausência, Vieira de Menezes “pintou o diabo em cinco dias”.
Desembarcando no Recife, Pelópidas reassumiu de imediato o seu cargo, readmitiu os
secretários municipais e passou a desfazer as medidas autorizadas durante a sua
ausência. A partir desse episódio, o prefeito do Recife teria ficado ciente da ameaça que
um afastamento, mesmo que temporário, representaria para o sucesso e a continuidade
das políticas defendidas por sua gestão.
De acordo com Virgínia Pontual, a lembrança da rápida passagem de Vieira de
Menezes pela prefeitura do Recife foi um fator crucial nas decisões que viriam a ser
tomadas por Pelópidas, no decorrer da “Batalha da Acumulação”. Assim sendo,
transcorridos mais de dois anos após seu breve afastamento, Pelópidas Silveira tinha
diante de si dois grandes desafios: o sucesso na tentativa de acumulação dos cargos
(prefeito do Recife e vice-governador de Pernambuco); a eleição de um sucessor
comprometido com a continuidade das políticas iniciadas em seu governo.
Retornando aos lances próprios da “Batalha da Acumulação” vale afirmar que
tal litígio teve início logo que foram anunciados os resultados da apuração da eleição
estadual de 1958. Verificados os resultados, constatou-se que, mais uma vez, o
eleitorado havia manifestado seu apoio a Pelópidas Silveira. Assim que divulgada a
vitória do então prefeito da capital, passou-se a discutir a legitimidade da acumulação
dos cargos de vice-governador de Pernambuco e prefeito do Recife. Paralelamente a
essas discussões, surgiam indagações quanto à possibilidade de Pelópidas abdicar do
exercício de um dos cargos. E, se assim o fizesse, de qual deles abriria mão? As
especulações quanto a essa temática passaram a ganhar corpo na imprensa e em ambas
as casas legislativas Câmara Municipal do Recife e Assembléia Legislativa do Estado
167
Dados de entrevista concedida a Eliane Moury Fernandes. Acervo CEDOC/FUNDAJ
92
de Pernambuco. Ciente disso, Pelópidas Silveira solicitou a Assembléia Legislativa que
tornasse pública sua posição:
PELÓPIDAS SILVEIRA, brasileiro, casado, engenheiro civil e
professor universitário, presentemente exercendo o cargo eletivo de
Prefeito do Município do Recife, vem, na qualidade de vice-
governador do Estado, eleito e diplomado, mas ainda não empossado,
expor e solicitar a V. Exc. e a essa egrégia Assembléia Legislativa, o
seguinte.
I O signatário se candidatou, no ano de 1958, ao cargo eletivo de
vice-governador de Estado, pelas legendas das Oposições Unidas e
do Partido Trabalhista Brasileiro, sendo eleito e, afinal, diplomado
pelo [...] Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Agora, e no dia
31 do mês de janeiro corrente, deverá tomar posse do cargo em
apreço, perante essa egrégia Assembléia.
II Por motivos ora de natureza política, ora de interesse jurídico,
têm havido debates, tanto no plenário dessa Assembléia e da Câmara
Municipal do Recife como, e sobretudo, na imprensa desta cidade e
de todo o País, em torno da legitimidade da acumulação dos cargos
de Prefeito do Recife, que o signatário vem exercendo, por delegação
direta do povo, e de Vice-governador do Estado, para o qual foi
eleito, também diretamente. Sendo assim, é de toda a conveniência
que essa egrégia Assembléia Legislativa, órgão a quem compete, por
imposição constitucional, dar posse aos eleitos, se pronuncie
oficialmente sobre a matéria, deixando bem clara a legitimidade da
acumulação em tela.
168
Um dos alegados “motivos de natureza política” era a movimentação existente
entre parte dos vereadores do Recife, os quais chegaram a enviar correspondência a
Assembléia Legislativa na qual expressavam sua expectativa quanto às deliberações que
cercavam a posse do vice-governador eleito. Em carta oficial datada de 13 de janeiro de
1959, 12 dos representantes municipais dirigiam-se ao legislativo estadual,
argumentando sobre a ilegalidade da acumulação de cargos públicos. Para tanto, se
apoiavam na Constituição Estadual de Pernambuco, ou, mais precisamente, no artigo 65
da mesma, o qual havia sido instituído pelo decreto legislativo de número 2 (dois), de
21 de maio de 1957, com a redação seguinte: “É vedado ao governador e ao vice-
governador exercerem outra função pública, ou cargo de administração de qualquer
empresa comercial ou industrial”
169
. De acordo com os vereadores, o artigo
anteriormente citado não deixava dúvidas quanto à ilegalidade da acumulação de cargos
168
Correspondência de Pelópidas Silveira a Assembléia Legislativa de Pernambuco, datada de 15 de
janeiro de 1959, fl.1. Mandado de Segurança nº 49.272, anexos, masso 3.
169
Diário Oficial do Estado de Pernambuco, 22 de maio de 1957.
93
públicos que ora vinha sendo pleiteada. Assim sendo, ao longo do documento enviado a
Assembléia, os vereadores tornavam pública a sua intenção de tomar as devidas
providências contra o prefeito, caso o mesmo insistisse na desobediência legal. Trata-se
de uma ameaça de cassação ao mandato do cargo de prefeito do Recife, na qual os
vereadores afirmavam não aceitar argumentações baseadas em qualquer corrente
jurídica que tentasse interpretar o exposto no artigo 65 da Constituição Estadual de
forma a atribuir legitimidade à acumulação em discussão.
Esta Câmara Municipal não vai ceder espaço para interpretações de ordem
doutrinária e especulações jurídicas, mesmo porque tal atividade não se
compadece propriamente com a natureza deste órgão de comportamento
essencialmente legislativo e jamais interpretativo.
170
Afirmavam ainda, que os vereadores, tanto quanto os deputados estaduais,
tinham o direito, e também a obrigação, de tomar posição contrária àquele ato que
intencionava ferir a lei maior do estado. Por sua vez, o pleiteante da acumulação, por
meio do advogado Pelágio Silveira, passou a afirmar que a posição adotada pelos
vereadores deveria ser entendida como um exame apressado e sumário do inciso
constitucional número 2, o qual, “nem de leve veda ao vice-governador o exercício de
cargo executivo, desde que eletivo”. Assim sendo, vemos que a estratégia inicialmente
adotada pela defesa de Pelópidas, consistia em descaracterizar os cargos eletivos
enquanto funções blicas, ao menos no que tange à sua acepção no referido artigo
constitucional. Tal estratégia pode ser observada no conteúdo do documento que se
segue, no qual, como veremos, uma tentativa de promover uma clara distinção entre
a função pública e o cargo público conquistado através da disputa eleitoral.
Onde pretenderá chegar a Constituição do nosso Estado, quando veda
ao vice-governador o exercício da função pública, ou de cargo de
administração de qualquer empresa comercial ou industrial?
Evidentemente, a finalidade foi a de impedir que o ocupante de tão
elevada categoria, o substituto do Governador do Estado, pudesse
usar dessa condição para tirar vantagens de natureza pessoal, tanto no
que se refere ao exercício de emprego público, como no pertinente a
uma rápida e privilegiada solução dos negócios da empresa comercial
ou industrial de que fosse administrador.[...]
Daí se conclui que o legislador constitucional, quando usou a
expressão função pública, o fez no sentido estrito, para abranger,
170
Correspondência dirigida à Assembléia Legislativa de Pernambuco em 13 de janeiro de 1959. Grifo do
original.
94
precisamente, aquelas funções inerentes à atividade do funcionário
público.
O cargo eletivo é, antes de tudo, uma categoria política, que não se
pode, absolutamente, confundir com a do funcionário público, e,
tanto é assim, que os ocupantes dos cargos eletivos, em qualquer dos
poderes da República, não gozam de nenhum dos direitos ou
vantagens dos funcionários públicos em geral, não contribuem para
os Institutos de Previdência, não têm direito às isenções
constitucionalmente asseguradas aos servidores públicos, não
percebem gratificações pelos serviços extraordinários prestados.
[...] Mutatos, mutantis, o Vice-governador do Estado e o Prefeito do
Recife não são funcionários públicos, pelo menos na acepção adotada
pelo referido dispositivo constitucional.
171
Os dois documentos anteriormente citados parecem revelar as estratégias
adotadas por cada uma das partes envolvidas, mas também nos remetem a outras
questões. Se observarmos as datas de emissão de cada uma das cartas, veremos que a
correspondência redigida pelo prefeito foi escrita no dia subseqüente à assinada pelos
vereadores. Como a primeira fora remetida a Assembléia Legislativa, sem cópia para o
prefeito, podemos imaginar a celeridade com que as notícias circulavam de uma Casa a
outra, na tentativa de oferecer pronta resposta às críticas e acusações que permearam o
litígio em questão.
Chegado o dia previsto para a posse de Cid Sampaio e Pelópidas Silveira
172
, a
Assembléia Legislativa, órgão incumbido de empossar os recém eleitos, informou a
impossibilidade de investir o então vice-governador eleito caso ele não apresentasse
documento comprobatório da renúncia ao cargo que ocupava até aquele momento – o de
prefeito do Recife. Observando que seus argumentos não haviam sido acatados e que a
legitimidade da acumulação continuava a ser questionada, Pelópidas Silveira acionou o
Tribunal de Justiça de Pernambuco requerendo que o judiciário julgasse improcedente
aquela exigência. Através de mandado de segurança, o signatário conseguiu um ato
suspensivo, garantindo assim a expectativa do cargo até o pronunciamento do judiciário.
Em contrapartida, diante da existência de um litígio judicial, João Vieira de Menezes
solicitou ao Tribunal de Justiça o direito de figurar como assistente no processo em
questão. Para tanto, argumentou que, na condição de vice-prefeito do Recife, se
apresentava como parte interessada no andamento do processo. Ocorre então fato
causador de grande repercussão. O desembargador Evandro Muniz Netto, presidente
171
Correspondência enviada à Assembléia Legislativa de Pernambuco em 14 de janeiro de 1959. Grifos
do original.
172
A posse do governador e do vice-governador deveria ocorrer em 31 de janeiro de 1959, contudo, em
virtude da Batalha da Acumulação, a posse de Cid Sampaio só ocorreu em março daquele ano.
95
daquele tribunal e relator do citado mandado de segurança, não acatou o pedido de
Vieira de Menezes como o promoveu a litisconsorte passivo
173
. Notificado da decisão
do magistrado, Pelópidas Silveira impetrou um mandado de segurança contra o citado
desembargador. Observe-se que o litígio iniciado em janeiro de 1959 vinha se
arrastando a alguns meses. Em 3 de julho daquele mesmo ano, ciente de que sua
participação no processo havia retardado ainda mais o andamento do mesmo, Vieira de
Menezes apresentou uma petição na qual abria mão de usufruir a condição de
litisconsorte.
Ainda no mês de março, o Tribunal de Justiça, por três votos a nove havia
resolvido que Pelópidas não poderia acumular os dois cargos para os quais havia sido
eleito. Com o pronunciamento da sentença, Pelágio Silveira recorreu ao Supremo
Tribunal Federal para evitar que Pelópidas fosse forçado a abrir mão de um dos
cargos
174
. Em sua argumentação, Pelágio Silveira passou a se deter sobre os diversos
casos que abriam precedentes para a acumulação em questão, como exemplo, podemos
citar as passagens de Barbosa Lima Sobrinho e Etelvino Lins pelo governo de
Pernambuco enquanto ocupavam cargos legislativos. Após a derrota junto ao Tribunal
de Justiça de Pernambuco, passou-se a pleitear que, enquanto Pelópidas estivesse no
exercício do cargo de prefeito pudesse gozar da titularidade do cargo de vice-
governador. Ou seja, enquanto fosse prefeito do Recife, Pelópidas não poderia, sob
qualquer pretexto, assumir efetivamente o governo do estado, o qual, na ausência do seu
titular, seria transmitido ao presidente da Assembléia Legislativa.
Contudo, nem mesmo sob essas condições, o litígio chegava ao seu fim. Os
meses se passavam enquanto Vieira de Menezes e aqueles vereadores que o apoiavam
observavam sua falta de sucesso na tentativa de forçar a renúncia de Pelópidas, ou
ainda, de cassar o mandato do prefeito. Chegam as eleições municipais de 1959 e a
Frente do Recife triunfa em sua tentativa de eleger o novo prefeito da capital. Com a
vitória de Arraes e a proximidade da sua posse, Pelópidas Silveira dirige-se ao Supremo
Tribunal Federal abrindo mão do mandado de segurança por ele impetrado. Solicita
ainda, no mesmo documento, que aquele egrégio tribunal providencie para que tal
notícia chegue a Assembléia Legislativa para que, devidamente informados, os
173
O litisconsórcio é caracterizado como uma situação em que mais de uma parte num dos los da
relação processual. Sendo promovido a litisconsorte passivo, João Vieira de Menezes, na qualidade de
vice-prefeito do Recife, passa a figurar como pessoa diretamente envolvida no processo. Ver Cunha,
Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito (4ªEdição). São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
174
A defesa de Pelópidas Silveira junto ao Supremo Tribunal Federal era composta por Pelágio Silveira,
Luiz Pandolfi, Nehemias Gueiros e Evandro Gueiros Leite.
96
deputados tomem as devidas medidas para que, enfim, seja realizada sua cerimônia de
posse como vice-governador de Pernambuco. Observe-se que, antes de ser empossado
como vice-governador, Pelópidas transmitiu o cargo de prefeito ao presidente da
Câmara Municipal, já que, de acordo com o próprio Pelópidas, Vieira de Menezes
recusou-se a assumir o cargo em questão no mesmo dia em que teria que transmiti-lo a
Miguel Arraes
175
.
Com o fim da Batalha da Acumulação parte da população de Pernambuco
passou a comemorar o seu novo vice-governador. E, em janeiro de 1960, ainda era
possível presenciar as festividades em homenagem a Pelópidas
176
. Para que tenhamos
uma idéia da repercussão alcançada por esse episódio vale citarmos a lista dos “dez
acontecimentos mais importantes em Pernambuco” no ano de 1959. Trata-se de
arrolamento anualmente publicado pelo Diário de Pernambuco no qual destaca-se os
assuntos que teriam ganho maior notoriedade entre a população do estado. O documento
publicado em 1 de janeiro de 1960 apresenta a Batalha da Acumulação como o
acontecimento de maior destaque do ano de 1959
177
, sendo superado apenas pelo
lançamento da Operação Nordeste
178
e pelo julgamento do padre Hosana de Siqueira e
Silva, o qual vinha sendo acusado do assassinato de dom Francisco Expedito Lopes,
bispo de Garanhuns
179
.
Diante das várias disputas às quais acabamos de narrar, e cientes dos muitos
acordos realizados entre seus adversários, podemos afirmar que a segunda passagem de
Pelópidas Silveira frente à prefeitura do Recife foi marcada pela contestação da sua
legitimidade e pela formação de alianças entre seus opositores. União entre vereadores
de diversos partidos, os quais, em episódios distintos, contaram com o apoio do vice-
prefeito, João Vieira de Menezes e de parte do legislativo estadual, com o objetivo de
comprometer a administração de Pelópidas.
175
Pelópidas transmitiu o cargo de prefeito em solenidade marcada para as 10:00 horas do dia 10 de
dezembro de 1959 e, no início da tarde do mesmo dia, o cargo foi retransmitido a Miguel Arraes.
176
Em 5 de janeiro de 1960, o Diário de Pernambuco oferece aos leitores matéria alusiva a tais
homenagens: “Sindicatos operários, associações de bairro, entidades estudantis promoverão [...] uma
significativa homenagem ao engenheiro Pelópidas Silveira, em regozijo por sua recente posse no cargo de
vice-governador”.
177
A lista completa se apresenta da seguinte forma: 1.Lançamento da Openo [Operação Nordeste]; 2.
Julgamento do padre Hosana de Siqueira e Silva; 3. Batalha da Acumulação; 4. Ligas Camponesas; 5.
Congresso Nacional dos Municípios; 6. Eleições Municipais; 7. A volta dos “vassourados”; 8. Defesa das
praias de Olinda; 9. A greve dos portuários; 10. Campanha da industrialização
178
As discussões quanto ao lançamento da Openo incluíam a criação da SUDENE, a qual foi estabelecida
pelo presidente Juscelino Kubitschek em 15 de dezembro de 1959. Sobre os resultados da Operação
Nordeste ver Furtado, Celso. A
Operação Nordeste. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,
1959.
179
Brito, Taiza. A Confissão do Padre Hosana. Recife; Edições Bagaço, 1998.
97
O Poder (do) Judiciário
O episódio que acabamos de narrar revela a existência de uma grande disputa
política entre representantes dos poderes legislativo e executivo. Litígio, no qual o
desfecho fora arbitrado por decisão do poder judiciário. Acompanhando as eleições
ocorridas em Pernambuco, nesse período em estudo, se percebe como foi comum a
atuação do poder judiciário em momentos de acirrada disputa política. Essa freqüente
recorrência à justiça, em alguns casos, parece refletir os embates quanto à interpretação
e apropriação acerca da legislação eleitoral recém criada
180
. Tal afirmativa é válida para
questões como a “Batalha da Prefeitura” nas quais o litígio girava em torno das diversas
interpretações criadas quanto ao cumprimento da nova lei.
Por ocasião de impasses quanto ao resultado da apuração das urnas e suspeitas
sobre a lisura das eleições, o judiciário era acionado para julgar as denúncias e deliberar
quanto à idoneidade ou não do pleito em questão. Podemos tomar como exemplo as
eleições estaduais de 1947, quando Barbosa Lima Sobrinho (PSD) derrotou o candidato
da UDN, Neto Campelo Júnior, por uma vantagem de 0,23% dos votos válidos. Nessa
ocasião, o candidato derrotado entrou com recurso alegando a existência de fraude no
processo eleitoral. Em virtude disso, a posse de Barbosa Lima Sobrinho ocorreu um
ano após a data inicialmente prevista, depois que a justiça pronunciou-se em definitivo.
Outra questão na qual recorria-se ao judiciário com freqüência aludia à
concessão de registros eleitorais. Vale lembrar que tal concessão dependia, inicialmente,
da inclusão do candidato em partido político reconhecido, em seguida, o registro da sua
candidatura deveria ser aprovado pelo Tribunal Regional Eleitoral. A partir de julho de
1947, com a cassação do registro eleitoral do partido comunista e de seus
representantes, ocorreram diversas tentativas de impugnar candidaturas sob a alegação
de que o candidato em questão seria um defensor da ideologia comunista
181
. Nas
eleições de 1955, antecipando-se à existência de uma tentativa de impugnação do seu
registro eleitoral, Pelópidas Silveira fez chegar aos meios de comunicação a informação
180
Ao tratarmos de uma nova legislação não nos referimos unicamente à lei de autonomia, mas também à
Constituição de 1946, à Lei Agamenon Magalhães e a um universo de códigos e leis criados no intuito de
regulamentar a ocupação de cargos eletivos no país. De modo que, para entendermos os processos
vivenciados nesse período, é fundamental termos em mente os impactos ocasionados pelo processo de
redemocratização ocorrido após o fim do Estado Novo.
181
A migração de comunistas para outras legendas, com o intuito de obter a legalidade de suas
candidaturas ficou consagrada pelo nome de ‘entrismo’. Ver Soares, José Arlindo. Op.Cit.
98
de que, caso isso viesse a ocorrer, ele estaria preparado para enfrentar as acusações que
lhe seriam impostas.
Contra a possível hipótese de que poderá ter seu registro eleitoral
prejudicado pelo Tribunal Regional Eleitoral, está convenientemente
documentado o candidato para destruir qualquer insinuação de que
professa o credo comunista. Farta documentação se encontra em
mãos do engenheiro Pelópidas Silveira, mediante a qual s.s. fará cair
por terra, pulverizado, qualquer recurso tendente a obstar sua
inscrição como candidato. [...] Sobre todos esses fatos, dispõe o
engenheiro Pelópidas Silveira de abundante e convincente
documentação, da qual lançará mão ao candidatar-se, como
apuramos, ao cargo de prefeito da Capital pernambucana, a cuja
população prestou relevantes serviços quando na Interventoria do snr.
José Domingues esteve à frente dos negócios municipais.
182
Estando ciente de que o candidato socialista se munira de documentação para
defender-se do título de comunista e das conseqüências advindas do mesmo, o vereador
Wandenkolk Wanderley, líder do diretório estadual do PDC (Partido Democrata
Cristão), com base na Lei Agamenon, e sob a alegação de que Pelópidas seria um
comunista infiltrado nas hostes socialistas, insistiu na tentativa de impedir o registro da
candidatura da Frente do Recife ao cargo de prefeito. Para tanto, teria utilizado como
prova um bilhete que, teoricamente, tornaria irrefutável a ligação daquele candidato
com os ideais comunistas. O pequeno texto datilografado e supostamente assinado por
Pelópidas, seria destinado ao deputado Clodomir Moraes com a seguinte redação:
“Clodomir. Continuo firme no ponto de vista ideológico. Conveniente incriminar Ivan.
Pelópidas Silveira.”
183
No entanto, mesmo diante da insistência de seus adversários, a justiça eleitoral
julgou improcedentes as acusações que objetivavam impedir a candidatura de Pelópidas.
Em entrevista ao Diário de Pernambuco, o juiz Severino Correia, após conceder o
registro eleitoral à candidatura de Pelópidas, declara:
Entretanto, de mérito, não é de se aceitar a pecha de comunista
assacada ao engenheiro Pelópidas Silveira, por isso que dos autos
nada ficou provado a respeito. A não ser suspeitas, presunções e
acusações vagas, nada mais existe sobre o assunto. Aliás, o
182
Jornal do Commercio, 14 de janeiro de 1955, p.3.
183
Sobre a tentativa de impugnação do candidato da Frente do Recife ver Cavalcanti. Op. Cit., p.254.
99
registrando é um homem de bem, por todos aclamado, e em dia com
os graves problemas sociais do Brasil, e que, em 1946, à frente da
prefeitura do Recife, fez ótima administração. Além disso, a
indicação do seu nome é feita pelo Partido Socialista Brasileiro, que é
um dos partidos integrados na democracia brasileira, agremiação de
idéias próprias e definidas, e que, jamais, iria admitir em suas fileiras,
como candidato, um comunista fichado. Nestas condições concedo o
registro ao senhor Pelópidas Silveira e mando que sejam feitas as
devidas anotações, bem assim as comunicações necessárias ao
Tribunal Regional Eleitoral, nos termos da lei.
184
No citado documento, o juiz Severino Correia, respondendo pela 2
a
. zona
eleitoral, afirma que, embora existisse uma forte onda de denúncias contra o engenheiro
Pelópidas Silveira, nada ficou provado que desabonasse ou tornasse ilegal o registro da
sua candidatura. Contudo, o que mais chama nossa atenção é que o referido magistrado,
ao defender sua decisão, não se limita à apontar a ausência de provas contra o
registrando, mas tece elogios à passagem do mesmo pelo executivo municipal (1946),
bem como enaltece seu comprometimento com os problemas sociais do país.
Desse modo, poder-se-ia afirmar que, ao justificar sua decisão, o juiz poderia ter
se limitado à falta de provas quanto à suposta ilegalidade da candidatura de Pelópidas.
No entanto, o magistrado foi além, e apoiou-se no reconhecimento do candidato do PSB
como um homem comprometido com os problemas sociais, e na legitimidade do seu
partido. Mais que uma simples absolvição, seu pronunciamento se mostra como uma
elogiosa defesa do acusado
185
. Analisando a repercussão ocasionada diante da
existência de uma frente oposicionista, a qual, sabidamente, contava com o apoio do
PCB, pode-se imaginar o quão era importante para a manutenção da Frente do Recife a
escolha de um político tido como moderado, que se apresentava como um funcionário
público de carreira e que dispunha de bons antecedentes políticos.
Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o reconhecimento das virtudes pessoais
de Pelópidas, aliado à legitimidade do PTB e do PSB, visava minimizar a polêmica
quanto à participação do PCB, então na ilegalidade, junto ao processo eleitoral. A
concessão do registro eleitoral da candidatura de Pelópidas pode ser compreendida
como o momento em que a Frente do Recife obteve sua primeira conquista quanto ao
reconhecimento da legitimidade de uma aliança pluripartidária que, sabidamente,
184
Diário de Pernambuco, 9 de Setembro de 1955.
185
Em suas memórias, Paulo Cavalcanti, que se apresenta como um dos articuladores da campanha de
Pelópidas, afirma que, anunciada a concessão do registro eleitoral, ele, Pelópidas e outros integrantes da
Frente do Recife teriam desfilado pelo centro da cidade, como se aquela fosse a verdadeira conquista da
prefeitura. Cavalcanti, Op. Cit., p.254.
100
contava com a participação do PCB. Diante dos sucessivos questionamentos quanto à
sua legalidade, pode-se afirmar que, para os integrantes da Frente do Recife, a disputa
democrática não se restringia à conquista do apoio do eleitorado, estendendo-se à
obtenção do seu reconhecimento enquanto aliança política legítima.
101
Considerações Finais
A maioria dos autores citados ao longo dessa dissertação conceitua a Frente do
Recife como uma aliança pluripartidária composta pelo PCB, pelo PSB e pelo PTB e
que, ao longo de sua trajetória, teria se aliado a outros partidos com o objetivo de se
fortalecer politicamente. No entanto, ao descrever a atuação da Frente do Recife,
comumente, destaca-se a predominância do PCB, ou da união PCB/PSB, relegando ao
PTB um papel secundário. Nesse sentido, ignora-se o fato de que, embora reconhecido
como um dos partidos que compunha a referida aliança, o PTB chegou a apoiar
candidatos que se apresentavam como adversários da Frente (1959).
Na narrativa de autores como Flávio Brayner, os termos PCB e Frente do Recife
são apresentados quase como sinônimos. Ou melhor, a Frente do Recife seria a forma
sob a qual o PCB teria reconquistado a legitimidade que havia perdido em virtude da
cassação do seu registro eleitoral. José Arlindo Soares, embora ressalte a importância
do Congresso de Salvação do Nordeste e da aproximação com o PTB para que a
formação de uma frente esquerdista em Pernambuco finalmente se realizasse, restringe a
importância dos trabalhistas a esse momento de formação inicial. Por sua vez, Roberto
Aguiar, ao analisar os resultados eleitorais verificados após cada campanha, ressalta a
importância do apoio de outros partidos para que os candidatos apresentados pela Frente
lograssem êxito nos pleitos eleitorais aos quais se submetiam.
Em comum, esses autores apresentam um entendimento da Frente do Recife no
qual se destaca sua continuidade, de forma que, desde a sua formação até o
estabelecimento de um novo período ditatorial, os partidos ali representados teriam
atuado para a sua constante manutenção. Nesse sentido, as disputas de poder em torno
da indicação de candidatos e a negociação quanto à formação de alianças com outros
partidos são apresentadas como ajustes necessários para a manutenção da mesma. No
entanto, analisando as tensões verificadas no período que antecedia cada pleito eleitoral,
percebe-se que, a cada campanha, eram realizados novos acordos, estabelecidas novas
composições.
Mesmo a união entre o PCB e o PSB, embora se apresente de forma constante,
era renegociada por ocasião de cada disputa. Surge então a necessidade de percebermos
que, embora coligados, cada partido defendia seus próprios interesses, obedecia a suas
próprias lideranças, de modo que ao analisar a Frente do Recife não devemos ignorar a
sua composição diversa. Poder-se-ia então afirmar que, ao longo do período
102
democrático aqui descrito, existiram diversas Frentes do Recife. Sob a mesma
denominação foram compostas diversas alianças, integradas por variados partidos e que
tiveram na participação do PCB e do PSB um elemento comum.
Para romper com a continuidade/unidade atribuída à Frente do Recife foi
necessário observar como a mesma foi construída, e sob quais motivações. Observa-se
então que a idéia da Frente do Recife como manutenção de uma mesma aliança não foi
construída pela historiografia, mas sim em âmbito eleitoral. Nesse sentido, as conquistas
alcançadas por ocasião de cada eleição, assim como as políticas empreendidas ao longo
de cada mandato, passaram a compor uma trajetória na qual se destaca o sucesso
eleitoral e o compromisso com a defesa dos interesses da população.
Posteriormente, essa construção eleitoral passou a ser consolidada em uma
historiografia na qual o sucesso da Frente do Recife é apresentado como um reflexo
direto da penetração dos partidos de esquerda junto ao eleitorado de Pernambuco. Tese
que passou a ser desenvolvida a partir de 1979, ano marcado pela aprovação da lei de
anistia; pela grande repercussão em torno do regresso ao Brasil de diversos artistas,
intelectuais e políticos, os quais retornavam do exílio; e pelas discussões quanto à
construção de um novo sistema político pluripartidário.
Acompanhando os jornais do período observamos a existência de diversas
matérias em que políticos como Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião e
Miguel Arraes tornavam públicas suas posições quanto ao projeto de reformulação
partidária. Vale ressaltar que a Lei de Anistia (lei 6.683) data do dia 28 de agosto de
1979, o que implica afirmar que alguns políticos, assim que retornaram do exílio,
passaram a assumir um papel de destaque frente às disputas políticas que ora se
apresentavam.
Enquanto políticos como Roberto Freyre, concediam entrevistas nas quais
afirmavam, categoricamente, que o projeto de reformulação partidária não seria
aprovado pelo Congresso
186
, outros viajavam pelo país em busca de apoio para seus
futuros partidos. Diante da possibilidade de reformulação do sistema partidário pode-se
observar a existência de uma tentativa, por parte de algumas lideranças políticas, de
186
No dia 3 de novembro de 1979, o Diário de Pernambuco ofereceu aos seus leitores uma entrevista de
página inteira na qual Roberto Freyre afirmava não acreditar que o projeto de reformulação partidária
fosse aprovado pelo Congresso Nacional. Segundo ele os representantes do MDB e da Arena com assento
junto aquela Casa legislativa estariam passando por um período de discussões que, ao seu ver, levaria ao
malogro do citado projeto. Ao que nos parece, por trás das tensões referentes a esse projeto, imperava o
temor quanto à divisão do poder político-eleitoral e à construção de uma nova democracia.
103
agrupar em torno de si, políticos capazes de trazer consigo o apoio de um número
significativo de correligionários.
Por parte do MDB, existe uma tentativa de consolidação de um partido único de
oposição. O empenho nesse sentido pode ser particularmente percebido nas tentativas de
dissuadir Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, em organizar uma nova
legenda a qual seria composta, entre outros elementos, por antigos integrantes do extinto
PTB, partido do qual era um dos maiores líderes nacionais por ocasião do golpe de
1964. Sobre essa temática, o Diário de Pernambuco divulga uma matéria intitulada
Deputados vão a Brizola, na qual destaca o encontro de Leonel Brizola com alguns
deputados, liderados por Pedro Simon, com o objetivo de convencê-lo a abandonar a
reestruturação do PTB e ingressar no “partido único das oposições”, o PMDB. Ao
mesmo tempo em que tais personagens voltavam a povoar as colunas e manchetes
reservadas às discussões políticas, em âmbito universitário passaram a surgir os
primeiros trabalhos alusivos às suas respectivas trajetórias políticas.
Desde então, a breve experiência democrática vivenciada entre as décadas de
1940 e 1960 passou a receber a atenção de inúmeros estudiosos. E, em meio às questões
que passaram a ser discutidas, passou-se a questionar o papel dos partidos de esquerda
junto ao cenário político nacional. Em coleção recentemente publicada, seus
organizadores chamam a atenção do leitor para o importante papel exercido pelas
‘forças e lideranças políticas animadas e inspiradas pela perspectiva da igualdade’, ao
longo do período democrático compreendido entre 1947 e 1964.
Os últimos anos da década de 1970, início da redemocratização do
país, e os anos seguintes, até os dias de hoje, têm assistido a um
inédito florescimento dos estudos sobre as esquerdas. Embora
freqüentemente derrotadas nos campos dos confrontos sociais e
políticos sobretudo seus programas e propostas mais radicais - , as
esquerdas, sua trajetória, pensamento e ação tiveram impacto
reconhecidamente decisivo na história das instituições, da sociedade e
das idéias do Brasil republicano.
187
No decorrer da presente dissertação, a formação de uma frente esquerdista é
apresentada como uma alternativa ao PCB, partido que desde a cassação do seu registro
eleitoral sobrevivia na ilegalidade. Do mesmo modo, o PSB, ao contar com o apoio de
187
Ferreira, Jorge; Reis Filho, Daniel Aarão. Apresentação. In Ferreira, Jorge; Reis Filho, Daniel Aarão
(orgs.). Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964). As Esquerdas no Brasil. vol. 2. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2007.
104
outros partidos em torno da candidatura de políticos que se apresentavam sob a sua
legenda, vislumbrou uma possibilidade de se fortalecer politicamente. O PTB, embora
não alcançasse êxito na tentativa de promover a indicação de candidatos majoritários,
passou a receber maior apoio do eleitorado quanto à conquista de cargos eletivos.
Observe-se que aquele partido, enquanto esteve coligado aos partidos de esquerda,
observou o crescimento de sua representação parlamentar.
a ala dissidente do PSD, ao figurar como aliada da Frente do Recife, além da
conquista de algumas cadeiras em âmbito legislativo, teve a oportunidade de eleger o
vice-governador do estado (1963). Por sua vez, alguns dos considerados “pequenos
partidos” enxergavam na aliança com as esquerdas uma forma de manter-se ao lado de
uma forte representação partidária. Em suma, buscamos salientar que, embora
coligados, cada um desses partidos atuava de forma independente, e que, a cada eleição,
existia uma nova negociação em torno da apresentação conjunta de candidaturas.
Momento no qual eram avaliadas as vantagens que poderiam advir dessa possível união.
105
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