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EDILSON WANDERLEI PEDROSO JÚNIOR
ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SEBERI-RS
Rio Grande
2009
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Universidade Federal do Rio Grande
Instituto de Ciências Humanas e da Informação
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Edilson Wanderlei Pedroso Júnior
ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SEBERI-RS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande, como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre em
Geografia.
Área de Concentração
Análise Urbano-Regional
Orientador
Prof. Dr. César Augusto Avila Martins
Rio Grande-RS
2009
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FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
Dr. César Augusto Avila Martins
Dr. Solismar Fraga Martins
Dr. Carlos José Espíndola
Universidade Federal do Rio Grande-FURG
Universidade Federal do Rio Grande-FURG
Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC
i
SUMÁRIO
SUMÁRIO ..................................................................................................... i
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................... iii
LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS ..........................................
vi
LISTA DE SIGLAS ........................................................................................ viii
RESUMO ...................................................................................................... ix
ABSTRACT ................................................................................................... x
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 01
1.1
1.2
1.3
.
1.4
1.5
1.6
CAPÍTULO 1 - O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ................
UMA LEITURA GEOGRÁFICA DA HISTÓRIA .............................................
OS AGENTES E OS OBJETOS TÉCNICOS ................................................
OS AGENTES SOCIAIS E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO
TERRITÓRIO ................................................................................................
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A TÉCNICA ............................................
OBJETIVOS ..................................................................................................
METODOLOGIA ...........................................................................................
07
07
09
11
13
16
18
.
2.1
.
2.2
CAPÍTULO 2 - CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA OCUPAÇÃO DA
REGIÃO FISIOGRÁFICA DO ALTO URUGUAI ..........................................
A INFLUÊNCIA DO MEIO NATURAL NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO
DA REGIÃO FISIOGRÁFICA DO ALTO URUGUAI .....................................
O PROCESSO DE OCUPAÇÃO EFETIVA DAS TERRAS ..........................
24
24
33
.
3.1
.
3.1.1
.
3.1.2
.
3.1.3
3.2
.
3.2.1
.
3.2.2
3.2.3
CAPÍTULO 3 - DUAS FASES DE DEPENDÊNCIA DE PALMEIRA DAS
MISSÕES (de 1879 à 1925 e de 1925 à 1948) ............................................
1ª FASE (1879-1925): “A TERRA É DE TODOS; A TERRA É DE
NINGUÉM” ....................................................................................................
Situação da ocupação territorial do Alto Uruguai a partir dos relatos
do explorador Maximiliano Beschoren .....................................................
A revolução de 1893 e o início da ocupação da zona florestal de
Palmeira das Missões .................................................................................
A Revolução de 1923 e sua interferência nos fluxos migratórios ..........
2ª FASE (1925-1948): A INTENSIFICAÇÃO DOS FLUXOS
MIGRATÓRIOS APÓS A REVOLUÇÃO DE 1923 ........................................
A retomada dos fluxos migratórios em Palmeira após 1925 e a
atuação da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira ..................
A importância da atividade madeireira .....................................................
A formação da zona pioneira com intrusos e colonos ............................
43
44
44
53
66
71
71
78
87
ii
.
4.1
.
4.2
CAPÍTULO 4 - 3ª FASE (1948-1959): O DESENVOLVIMENTO DO
GRUPO ZANCHET E O MOVIMENTO EMANCIPATÓRIO .........................
OS SINAIS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E AS INDÚSTRIAS
NATURAIS DO DISTRITO DE SEBERI ........................................................
A COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE SEBERI .......................................
97
97
126
.
5.1
CAPÍTULO 5 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO
POSTERIOR À OBTENÇÃO DA EMANCIPAÇÃO .....................................
ALGUNS DADOS SOBRE SEBERI APÓS A EMANCIPAÇÃO ....................
138
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................
160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................
163
ANEXOS .......................................................................................................
167
iii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Áreas de mata e zonas de povoamento do Rio Grande do Sul .......................
25
Figura 2: Vias férreas do Rio Grande do Sul e datas de início de suas operações ........
29
Figura 3: Parte de um mapa publicado na Revista Brasileira de Geografia no ano de
1947 mostrando os sentidos de deslocamentos populacionais no Brasil. Destaque
para o noroeste gaúcho e oeste catarinense ...................................................................
.
.
30.
Figura 4: Localização do município de Seberi e de alguns outros municípios que
também já tiveram áreas pertencentes ao município de Palmeira das Missões e
relação dos nomes dos municípios e das respectivas datas de emancipação ................
.
.
32
Figura 5: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1916 .........................
36
Figura 6: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1918 .........................
37
Figura 7: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1925 .........................
39
Figura 8: Agrupamento de municípios do Rio Grande do Sul de acordo com os anos
em que obtiveram sua emancipação política ...................................................................
42
Figura 9: Desenho ilustrativo de um monjolo ..................................................................
51
Figura 10: Mapa elaborado por Maximiliano Beschoren datado de 1886. No detalhe, a
porção norte do município de Palmeira-RS. A linha vermelha indica o caminho
percorrido por Beschoren entre Palmeira e o rio Uruguai. Este caminho foi
denominado de “Picada de Exploração” e chegava ao “Passo da Boa Esperança”. A
linha verde mostra o limite entre a zona de campos naturais e a zona de mata
fechada, além da provável localização do Rincão da Fortaleza ......................................
.
.
.
.
.
55
Figura 11: Parte de um mapa elaborado pela Diretoria de Terras e Colonização, com
data de 1916. Como este mapa definia a borda da zona florestal, demarcamos sobre o
mesmo a área aproximada que ficou sob a jurisdição da Comissão de Terras e
Colonização de Palmeira, criada no ano de 1917, com o polígono na cor azul ..............
.
.
58
Figura 12: Transporte de madeira pelo rio Uruguai (fotografia sem data definida) .........
60
Figura 13: Transporte de madeira pelo rio Uruguai (fotografia sem data definida) .........
61
Figura 14: Telegrama enviado pelo eng. Frederico Westphalen ao Diretor de Terras
em Porto Alegre no ano de 1920 .....................................................................................
61
Figura 15: Telegrama enviado pelo eng. Frederico Westphalen ao Diretor de Terras
em Porto Alegre no ano de 1920 .....................................................................................
62
Figura 16: Informações populacionais do município de Palmeira e de seus distritos no
Recenseamento do Brasil realizado no ano de 1920 .......................................................
65
Figura 17: Fotografia da construção de uma casa de banhos no povoado de Iraí, no
ano de 1926 .....................................................................................................................
73
Figura 18: Mapa elaborado pela Diretoria de Terras e Colonização indicando os
distritos, sedes de distritos e lotes coloniais da porção de terras localizada na zona
florestal do município de Palmeira das Missões, além de grandes áreas de posse e
seus requerentes. A linha amarela mostra os limites da área emancipada de Seberi no
ano de 1959. A linha branca mostra os limites atuais (ao norte e ao sudeste de Seberi
os limites não sofreram alterações, por isso parte das linhas amarelas mostram limites
ainda em vigor). Mapa sem data definida, mas pode-se afirmar que foi elaborado em
.
.
.
.
.
.
.
iv
data posterior ao ano de 1944 pela identificação de topônimos que passaram a vigorar
após esta data ..................................................................................................................
.
76
Figura 19: Carta-compromisso autorizando a explotação de madeira - janeiro de 1943
82
Figura 20: Autorização concedida pela Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen,
no ano de 1941, para derrubada de mato branco ............................................................
83
Figura 21: Recibo de pagamento do serviço de fornecimento de energia elétrica em
Frederico Westphalen, no ano de 1942 ...........................................................................
84
Figura 22: Recibo de pagamento do serviço de fornecimento de energia elétrica em
Iraí, no ano de 1931 .........................................................................................................
85
Figura 23: Recibos de fornecedores de combustíveis para Palmeira das Missões e
seus distritos. Casas comerciais localizadas em Panambi (A), Palmeira das Missões
(B) e Iraí (C e D) ...............................................................................................................
.
86
Figura 24: Requerimento de um lote colonial no distrito de Fortaleza. Sem data
definida .............................................................................................................................
88
Figura 25: Licença concedida para uso das terras de um lote rural mediante
compromisso de regularização posterior de sua situação - fevereiro de 1941 ................
92
Figura 26: Bilhete de encaminhamento de um colono interessado em terras de um
lote rural definido pelo Inspetor local como abandonado .................................................
93
Figura 27: Fotografias do povoado de Seberi no ano de 1950, obtidas do alto da torre
da igreja católica. A: Direção NO-SE; B: Direção N-S; C: Direção NE-SO; D: Direção
SE-NO ..............................................................................................................................
.
96
Figura 28: Informações fornecidas à Comissão Pró-Emancipação de Seberi sobre a
usina hidroelétrica do grupo Zanchet, em 5 de abril de 1958 ..........................................
101
Figura 29: A e B: O responsável pela construção da usina hidroelétrica do grupo
Zanchet, Sr. Lourenço Nardin (no ano de 1947, aproximadamente), durante a fase de
obras. C e D: Usina em funcionamento a partir do ano de 1948 .....................................
.
103
Figura 30: A e B: Evolução da construção do moinho do grupo Zanchet & Cia Ltda
entre os anos de 1950 e 1955. C: Casa de comércio do grupo Zanchet integrada ao
moinho e ao silo de grãos-1957 .......................................................................................
.
104
Figura 31: A: Extração de madeiras das matas de Seberi-sem data; B: Serraria e
marcenaria do Grupo Zanchet-1957; C: Caminhões carregados de madeira em frente
à casa comercial do Grupo Zanchet em Seberi-1957 ......................................................
.
.
106
Figura 32: Frota de caminhões da Viação Férrea do Rio Grande do Sul no distrito de
Seberi, vindos da estação de Santa Bárbara-RS .............................................................
107
Figura 33: Histórico das atividades da “Granja Santa Terezinha”, administrada por
Marcelo Zanchet ...............................................................................................................
112
Figura 34: A e B: Colheita de trigo na Granja Zilmar, no distrito de Seberi, no ano de
1957. C e D: Criação de suínos da Granja Zilmar de Luiz Júlio Gemelli-1957 ................
113
Figura 35: A: “Gasosaria” de Zanoni Hemielewski (ano aproximado da fotografia:
1957); B: Revenda das bebidas da Brahma (cerveja e refrigerante), de Zanoni
Hemielewski e Sobrinhos, no ano de 1966 ......................................................................
.
117
Figura 36: Fotografias do povoado de Seberi no ano de 1957 tiradas do alto do moi-
nho Zanchet. A: Direção N-S; B: Direção NE-SO; C: Direção E-O; D: Direção SE-NO ..
126
Figura 37: Circular, datada de 30 de setembro de 1957, informando a criação da
Comissão Pró-Emancipação de Seberi ...........................................................................
128
v
Figura 38: População do distrito de Seberi e de parte dos distritos de Erval Seco e
Rodeio Bonito. Dados fornecidos pelo IBGE à Comissão Pró-Emancipação de Seberi.
132
Figura 39: Correspondência emitida à Comissão Pró-Emancipação de Seberi por
Paulo Pflueger (responsável pela empresa colonizadora Mayer), em abril de 1958,
informando a entrega de um mapa da área urbana e sub-urbana da Vila de Erval Seco
.
133
Figura 40: Fotografias da sede do distrito de Erval Seco no ano de 1957. A: Moinho
colonial; B: Casa comercial; C: Cooperativa dos agricultores de Erval Seco ..................
134
Figura 41: Resultado final do plebiscito, realizado em 30 de novembro de 1958, sobre
a emancipação de Seberi e parte dos distritos de Erval Seco e Rodeio Bonito ..............
137
Figura 42: Fotografias da Agroindústria de Doces e Conservas Kinkas Ltda .................
152
Figura 43: Fotografias indicando o investimento em uma agroindústria para produção
de suco de uva (fotos superiores); indústria de erva-mate no município de Seberi ........
156
Figura 44: Fotografias de edificações do distrito de Seberi no ano de 1957 e a situa-
ção destas mesmas edificações no ano de 2008 ............................................................
157
Figura 45: Fotografias da usina de geração de energia e barragem da CRELUZ no
município de Seberi em janeiro de 2008 ..........................................................................
158
vi
LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS
Quadro 1: Cronologia da alteração dos topônimos dos atuais municípios de
Palmeira das Missões e Seberi a partir de 1874 .....................................................
03
Tabela 1: Informações populacionais do município de Palmeira e de seus
distritos no Recenseamento do Brasil realizado no ano de 1920 ............................
64
Tabela 2: Relação de concessionários de lotes coloniais e informações comple-
mentares, elaborada pela Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen. Sem
data do levantamento dos dados .............................................................................
.
.
91-92
Tabela 3: Dados populacionais do RS, Palmeira das Missões e Seberi .................
94
Tabela 4: População de fato, por sexo e situação do domicílio, segundo os muni-
cípios e distritos .......................................................................................................
95
Quadro 2: Cronologia do grupo Zanchet .................................................................
98-99
Quadro 3: Principais indústrias de Palmeira das Missões e seus ramos de
atividade, em 1955 ...................................................................................................
114
Quadro 4: Lista das indústrias existentes no distrito de Seberi e principal matéria-
prima encontrada no distrito, baseado no documento fornecido pelo IBGE, em 28
de março de 1958, à Comissão Central Pró-Emancipação de Seberi .....................
.
115
Quadro 5: Firmas comerciais e industriais existentes no distrito de Seberi de
acordo com dados fornecidos pela exatoria estadual no ano de 1958 ....................
122-125
Quadro 6: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por sexo e
total da população, a partir de 1960 até 2007 ..........................................................
139
Gráfico 1: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por sexo e
total da população, a partir de 1960 até 2007 ..........................................................
139
Quadro 7: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por
situação do domicílio, a partir de 1970 até 2007 .....................................................
140
Gráfico 2: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por
situação do domicílio, a partir de 1970 até 2007 .....................................................
141
Tabela 5: População recenseada, por grupos de idade, no município de Seberi
nos anos de 2000 e 2007 .........................................................................................
143
Gráfico 3: População recenseada, por grupos de idade, em Seberi no Censo
Demo-gráfico 2000 ...................................................................................................
144
Gráfico 4: População recenseada, por grupos de idade, em Seberi na Contagem
da População 2007 ..................................................................................................
144
Tabela 6 - Área plantada ou destinada à colheita, área colhida, quantidade
produzida, rendimento médio e valor da produção dos principais produtos das
lavouras tempo-rárias e permanentes, em ordem decrescente de área colhida,
segundo os Municípios Rio Grande do Sul – 2006 ..................................................
.
.
145
Quadro 8: Informações sobre indústrias existentes no município de Seberi em
2009 .........................................................................................................................
148
Tabela 7: Áreas dos imóveis rurais do município de Seberi nos anos de 1960,
1970 e 1985 .............................................................................................................
153
vii
Tabela 8: Estabelecimentos por grupo de área total. Dados do Censo Agrope-
cuário 1995-1996 para o município de Seberi .........................................................
154
Tabela 9 - Uso de força de tração animal e/ou mecânica utilizada pelos estabele-
cimentos, por tipo, segundo UF, Mesorregião, e Município – 2006 .........................
155
viii
LISTA DE SIGLAS
CAFW – Colégio Agrícola de Frederico Westphalen
CEDOPH – Centro de Documentação e Pesquisas Históricas do Alto Uruguai
CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica
Cia Ltda – Companhia Limitada
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CRELUZ – Cooperativa de Distribuição de Energia
EAD – Ensino à Distância
FURG – Universidade Federal do Rio Grande
ha – hectare
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PEIES – Programa de Ingresso ao Ensino Superior
PR – Paraná
RS – Rio Grande do Sul
SA – Sociedade Anônima
UAB – Universidade Aberta do Brasil
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UNOPAR – Universidade do Norte do Paraná
UPF – Universidade de Passo Fundo
URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
VFRGS – Viação Férrea do Rio Grande do Sul
RESUMO
Neste estudo buscamos analisar alguns fatores que consideramos importan-
tes para a formação do município de Seberi-RS. Partimos do pressuposto de que
Seberi foi uma área de ocupação tardia dentro do estado do Rio Grande do Sul e,
assim, buscamos compreender os motivos que acabaram transformando a porção
norte do município de Palmeira das Missões em uma das últimas grandes reservas
de terras disponíveis para os projetos de colonização do estado gaúcho. Buscou-se
compreender os motivos que proporcionaram a valorização deste espaço, atraindo,
assim, grupos de imigrantes de outras regiões do estado e a importante atuação do
Estado através da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira. E que, num
período aproximado de 30 anos, tranformaram o então sertão de Palmeira em uma
das áreas de maior densidade demográfica do Rio Grande do Sul. Esta dinâmica
popula-cional acabou favorecendo a economia local e influenciando a formação de
grupos de pessoas atuantes em cada uma das sedes distritais. Para que pudés-
semos compreender a formação do município de Seberi, resgatamos aspectos his-
tóricos importantes sobre os agentes/atores que, ao se organizarem, visualizaram a
possibilidade de buscar maior autonomia para o desenvolvimento de suas atividades
econômicas através da emancipação do distrito de Seberi do município sede, Pal-
meira das Missões.
Palavras-chaves: valorização do espaço; colonização; Seberi
ABSTRACT
In this study we analyzed some factors that we consider important for the
formation of a city called Seberi-RS. We started from the estimative that Seberi was
an area of delayed occupation inside Rio Grande do Sul State, through this way, we
tried to understand the reasons that turned the portion north of the city Palmeira das
Missões into one of the last available land reserves for the settling project of the
State. We looked for understanding the reasons that had provided the valuation of
this space, attracting groups of immigrants from other regions of the state and the
important performance of the State through the Land Commission and Settling of
Palmeira. Who, during a period about 30 years, had transformed the hinterland
Palmeira in one of the areas of bigger demographic density of Rio Grande do Sul.
This dynamics population finished favoring the local economy and influencing the
formation of groups of people operating in each one of the headquarters districts. For
us to understand the formation of Seberi, we rescue important historical aspects on
the agents/actors who, organizing themselves, had visualized the possibility to
search a greater autonomy for the development of its economic activities through the
emancipation of the Seberi district of the headquarter city, Palmeiras das Missões.
Word-keys: valuation of the space; settling; Seberi
1
Introdução
As relações de poder econômico e político no estado do Rio Grande do Sul
sempre estiveram muito próximas uma da outra e ajudaram a construir uma iden-
tidade política e cultural peculiar. A imagem do gaúcho pilchado e montado em seu
cavalo é um dos símbolos que representa esta identidade. Entretanto, quando a
história de parcela significativa das pessoas que chegaram para colonizar este esta-
do (como os imigrantes italianos e alemães) é analisada de forma mais detalhada,
constatamos que eles não passavam o dia em cima de cavalos galopando pelas co-
xilhas, e que o boi nem sempre significou uma mercadoria, mas parte das fer-
ramentas de trabalho. Considerando que quase metade do estado era tomada por
uma mata densa (muito diferente da imagem das grandes pastagens da Campanha
associadas ao estado) que não oferecia as melhores condições naturais para caval-
gadas. Esses novos habitantes ficaram conhecidos como colonos e foram condu-
zidos a ocupar as áreas ainda não ocupadas oficialmente: as zonas de mata. Porém,
a imagem do colono não é associada à figura tradicional do gaúcho e somente é
lembrada em festejos étnicos.
Sem as melhores condições naturais para a prática da pecuária, quando do
momento de sua chegada, passaram estes colonos a sobreviver da agricultura e da
extração de madeira e erva-mate. É importante destacar que, para desenvolver
estas novas áreas, as vias de comunicação foram fundamentais para o sucesso dos
projetos coloniais. As linhas férreas se constituíram em importante ferramenta de
penetração dos colonos nas zonas de mata e de impulso das atividades econômicas
coloniais.
Com a intensificação da colonização na região fisiográfica Alto Uruguai, for-
maram-se, nas décadas de 40, 50 e 60 do século XX, pequenas indústrias que utili-
zavam como matérias-primas principais os produtos agrícolas e extrativistas, deno-
minadas por Castro (1977) de “indústrias naturais”. Com base na bibliografia consul-
tada podemos afirmar que, em grande número dos casos, essas pequenas indús-
trias foram implantadas por comerciantes que haviam acumulado capital através da
comercialização de produtos agrícolas das áreas coloniais e de fornecimento de
produtos essenciais para a sobrevivência e manutenção dos colonos agricultores.
2
A implantação dessas pequenas indústrias foi possível através do “saber-
fazer” dos imigrantes europeus e de seus descendentes, além do aproveitamento
de oportunidades econômicas da época que favoreceram e importação dos equipa-
mentos necessários. Como no Brasil as indústrias de equipamentos industriais ainda
não estavam bem desenvolvidas, parte dos equipamentos era importada da Europa
(Itália, Inglaterra e Alemanha, principalmente) e dos Estados Unidos.
Estes investimentos impulsionaram o desenvolvimento econômico/industrial
do estado e contribuiram para a consolidação da imagem do colono empreendedor.
No mesmo período onde percebemos um desenvolvimento técnico mais acelerado e
a efetiva ocupação das áreas de mata do Alto Uruguai (na região norte e noroeste
do Rio Grande do Sul) por colonos, ocorreram duas grandes guerras mundiais
(1914-1917 e 1935-1945) que acabaram influenciando e impulsionando o desen-
volvimento das pequenas indústrias dessa área juntamente com o restante das
indústrias nacionais que passaram a ter a responsabilidade de abastecimento do
mercado interno e, em alguns casos, até mesmo do mercado externo.
Concomitantemente ao desenvolvimento da “economia colonial”, a crise da
pecuária gaúcha marcava o enfraquecimento dos grandes pecuaristas. O prestígio
desta atividade ficou marcado na identidade do gaúcho, mas perdeu grande parte de
seu poder dentro da política. Em seu lugar, pessoas com sobrenomes italianos e
alemães passam a se destacar, e com elas, a imagem de um estado industrializado
e no caminho de um desenvolvimento ainda maior.
É dentro deste contexto que realizamos nossa investigação sobre a formação
do município de Seberi. Suas terras se localizam dentro da área denominada de
novas colônias e se caracterizam pela atração de migrantes de outras áreas colo-
niais do Rio Grande do Sul, formando uma zona de colonização mista, ou seja, não
apresenta uma homogeneidade étnica como nas áreas das chamadas antigas colô-
nias onde se destacam os imigrantes alemães e italianos.
O município de Seberi, antes de sua emancipação, era um dos distritos do
município de Palmeira das Missões e é mencionado na história local como uma das
portas de entrada dos colonos na Colônia Guarita (na área da antiga colônia Guarita
encontramos, hoje, trinta municípios que, juntos, formam a região fisiográfica do
Médio Alto Uruguai), fundada em 1917 pelo governo do estado do Rio Grande do
Sul. Esta característica deu origem a uma de suas primeiras denominações conhe-
3
cidas: “Boca da Picada”. Essa denominação foi logo substituída pelo topônimo For-
taleza sobre o qual conseguimos mostrar que, apesar do povoado e do principal rio
do distrito serem conhecidos pelo mesmo topônimo, a origem destes topônimos é
distinta.
Acrescentemos o fato de que o topônimo Seberi passou a ser utilizado so-
mente a partir do ano de 1944 uma vez que seu topônimo anterior (Fortaleza) era
utilizado na identificação de outra área. De acordo com depoimento de Sadi Missel
(in: Prefeitura Municipal de Seberi, 1986:13) “as instruções do Conselho Regional de
Geografia determinavam que na escolha dos novos nomes se desse preferência aos
nomes de origem tupi-guarani, por essa razão nosso distrito e a vila passaram a se
chamar Seberi, que na língua tupi-guarani era o antigo nome do Rio Guarita”. Com o
propósito de facilitar a leitura deste trabalho apresentamos, no quadro 1, as modifi-
cações da toponímia da área do atual município de Seberi e também modificações
da toponímia que identificava o atual município de Palmeira das Missões.
Quadro 1: Cronologia da alteração dos topônimos dos atuais municípios de Palmeira
das Missões e Seberi a partir de 1874.
Ano Alteração de topônimos Fonte
1874
Em 06 de maio de 1874 é criado o município de Santo Antônio da
Palmeira com áreas de Passo Fundo e Cruz Alta.
Soares (2005,
P.132)
1879
O topônimo Rincão da Fortaleza é mencionado nos relatos de
Maximiliano Beschoren para definir uma área que, atualmente, faz parte
do município de Seberi.
Beschoren (1989,
p.88, 99)
-
O local onde hoje está situada a sede do município de Seberi é
conhecida, informalmente, pela denominação de Boca da Picada entre
os anos de 1917 até 1930, aproximadamente. Esta denominação foi
dada pela localização do acesso à picada (caminho no meio do mato)
que dava acesso ao povoado de Iraí.
Battistella (1969)
Reátegui (1988)
1918
É criado o Distrito de Fortaleza, no município de Santo Antônio da
Palmeira pelo ato municipal nº 165. Soares (2005)
1944
Através do Decreto-Lei nº 720 de 29 de dezembro de 1944, seguindo
uma determinação do IBGE, vários topônimos do estado do RS são
alterados, entre estes estão: Palmeira é alterado para Palmeira das
Missões; Fortaleza é alterado para Seberi e o rio Fortaleza passa a ser
denominado como rio Ogaratin.
Diário oficial do
Estado do RS de
30 de dezembro
de 1944.
1959
Através da lei nº 3.696, de 30 de janeiro de 1958 fica criado o município
de Seberi.
Reátegui (1988,
p.94)
ORGANIZAÇÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
4
O distrito de Seberi é emancipado no ano de 1959 com uma economia basea-
da na agricultura (com destaque ao cultivo de trigo e suínos) e na exploração de
madeira. Essa base econômica foi suficiente para dar origem a pequenas indústrias
naturais que, naquele momento histórico, impulsionaram a economia local e indica-
vam um futuro promissor. Este mesmo processo ocorreu simultaneamente nos muni-
cípios e distritos próximos à Seberi.
Porém, para que Seberi obtivesse sua emancipação foi necessário um con-
junto específico de condições mínimas que permitiram sua separação da área ter-
ritorial de Palmeira das Missões. A formação de um grupo econômico que investiu
recursos no ainda distrito de Seberi é percebido em nosso trabalho como sendo a
pedra fundamental que levou os comerciantes, agricultores, industriais e profissio-
nais liberais a visualizar a possibilidade de obter maior desenvolvimento como uma
área autônoma, ou seja, como um novo município. Levamos em consideração o
momento de intenso desenvolvimento do parque industrial brasileiro e do bom mo-
mento da economia do pós-guerra. A necessidade de auto-abastecimento propiciou
que pequenas indústrias surgissem espalhadas pelo estado do Rio Grande do Sul.
Isto só foi possível devido ao isolamento proporcionado pela precariedade dos meios
de transporte e pela existência de um mercado consumidor satisfatório, originado da
distribuição de terras em lotes coloniais de aproximadamente 25 ha por família, o
que aumentou, significativamente, a densidade populacional das áreas coloniais.
Devido aos diferentes fatores analisados que influenciaram no processo de
ocupação da área do atual município de Seberi e que tiveram períodos de duração
específicos, optamos em dividir nossa análise sobre a formação do município de
Seberi em fases. Identificamos 3 fases distintas onde processos econômicos, políti-
cos e demográficos foram agrupados desde o marco inicial de nossa pesquisa
(1879) até o fim de nosso recorte temporal (1959) onde é criado, efetivamente, o
município de Seberi. Mas, antes de entrar realmente na análise dessas 3 fases,
realizamos uma discussão sobre nosso referencial teórico metodológico e tecemos
algumas considerações sobre a região fisiográfica do Alto Uruguai. Portanto, nosso
trabalho ficou assim distribuído:
No Capítulo 1 apresentamos nosso referencial teórico-metodológico
que justifica o caminho adotado durante o processo de pesquisa, análise/in-
terpretação, e síntese do tema estudado. A opção de apresentar o referencial
5
teórico metodológico no início do trabalho é o de informar ao leitor a pers-
pectiva pela qual vizualizamos a problemática do estudo. Para o leitor mais
familiarizado com o referencial teórico da geografia, a leitura deste capítulo
pode ser um tanto quanto cansativa. Porém, consideramos a possibilidade de
pessoas não familiarizadas com os conceitos e categorias de análise da
geografia virem a ler este trabalho, o que torna este capítulo importante para
a melhor compreensão da pesquisa desenvolvida.
No Capítulo 2 buscamos, através da revisão bibliográfica de autores
consagrados, os fatores que influenciaram para que a região fisiográfica do
Alto Uruguai se tornasse a última área do estado do Rio Grande do Sul a ser
oficialmente colonizada. E, posteriormente, os fatores que influenciaram na
valorização desta área, pela atuação do Estado gaúcho através da implan-
tação de infra-estruturas de transporte e do controle da distribuição e/ou
comercialização das terras públicas.
No Capítulo 3 mostramos as características das duas primeiras fases
da dinâmica da formação do município de Seberi. Na primeira fase, que com-
preende o período entre os anos de 1879 e 1925, a área do atual município
de Seberi possuía poucos habitantes, proporcionando o abrigo de bandidos e
refugiados políticos das revoluções ocorridas nos anos de 1893 e 1923. Na
segunda fase, que compreende o período entre os anos de 1925 e 1948, des-
taca-se a atuação da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira e do
chefe desta comissão (o engenheiro Frederico Westphalen) como grandes
responsáveis pela intensificação dos fluxos migratórios para a zona colonial
de Palmeira das Missões. A unificação de duas fases dentro de um único
capítulo deve-se ao motivo de que nestas duas primeiras fases, o distrito de
Seberi era totalmente dependente de Palmeira das Missões, o que começa a
ser modificado na terceira fase.
No Capítulo 4 destacamos o aumento da dinâmica econômica da zona
colonial de Palmeira das Missões, destacando o surgimento das indústrias
naturais e o processo de modernização da agricultura no distrito de Seberi. O
surgimento do grupo Zanchet e os importantes investimentos feitos por este
grupo no distrito proporcionam melhorias na vida dos habitantes deste distrito
e fortalecem os fluxos comerciais através do desenvolvimento das atividades
6
econômicas do grupo. A partir deste surto de desenvolvimento e influenciados
pela recente emancipação de Frederico Westphalen, foi organizada uma co-
missão com o objetivo de buscar a emancipação e maior autonomia nos
rumos do distrito.
No Capítulo 5 apresentamos dados sobre a situação atual do municí-
pio, modificações na estrutura fundiária e nas caracaterísticas da distribuição
da população. Também apresentamos a relação atualizada das indústrias de
Seberi, além de um breve demonstrativo sobre a situação atual de algumas
das principais edificações de Seberi fotografadas no ano de 1957, para a
elaboração do relatório para o processo de emancipação.
É importante esclarecer que na bibliografia consultada e em alguns documen-
tos antigos encontrados no processo de pesquisa mostram a presença de indígenas
nas matas do Alto Uruguai, entretanto, por necessidade de delimitação de um
recorte temático não abordaremos a questão indígena no Alto Uruguai devido a
grande complexidade do tema e por acreditarmos que este tema mereça uma
atenção especial devido as suas características peculiares.
7
CAPÍTULO 1
O REFERENCIAL TRICO-METODOLÓGICO
1.1 UMA LEITURA GEOGFICA DA HISTÓRIA
A compreensão da realidade social atual passa, obrigatoriamente, pelo enten-
dimento do passado que propiciou sua formação. Ao mesmo tempo em que, no pre-
sente, sofremos a ação condicionante do passado, é, também, no presente que arti-
culamos formas de condicionar o futuro. Ou seja, o presente é, ao mesmo tempo,
condicionado (pelo passado) e condicionador (do futuro). Essa relação contínua en-
tre as heranças do passado, as permissões do presente e as possibilidades do futu-
ro se realizam no espaço geográfico. Como a Geografia tem como objeto de estudo
o espaço de atuação do homem, “parte-se do entendimento da geografia humana
como ciência social que tem por objeto o processo universal de apropriação do es-
paço natural e de construção de um espaço social pelas diferentes sociedades ao
longo da história” (MORAES, 2005, p.41).
Dessa forma, a compreensão das ações e materializações do passado se
constitui como elemento básico e essencial da interpretação das atividades huma-
nas no presente, pois entendemos que nossa realidade atual é condicionada por he-
ranças históricas. Essas heranças são apreendidas dentro da Ciência Geográfica
como um conjunto de normas sociais e de objetos técnicos que são formados dentro
de um contexto histórico e social. À Geografia caberia a tarefa de analisar e interpre-
tar o contexto que leva a criação dessas normas e objetos, que leva à materialização
das relações entre o homem e seu meio e entre o homem e seus semelhantes.
O uso dos objetos através do tempo mostra histórias suces-
sivas desenroladas no lugar e fora dele. Cada objeto é utilizado
segundo equações de força originadas em diferentes escalas, mas
que se realizam num lugar, onde vão mudando ao longo do tempo.
Assim, a maneira como a unidade entre tempo e espaço vai dando-
se, ao longo do tempo, pode ser entendida através da história das
técnicas: uma história geral, uma história local. A epistemologia da
8
geografia deve levar isso em conta. A técnica nos ajuda a histori-
cizar, isto é, a considerar o espaço como fenômeno histórico a
geografizar, isto é, a produzir uma geografia como ciência histórica.
(SANTOS, 1997, p.40)
Uma das formas apontadas por Milton Santos (1997) para a análise do es-
paço é analisá-lo como portador de um sistema de objetos e de um sistema de
ações.
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações,
não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a
história se . No começo era a natureza selvagem, formada por
objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por
objetos fabricados, objetos cnicos, mecanizados e, depois, ciberné-
ticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como
uma máquina. (SANTOS, 1997, p.51)
Com a finalidade de realizar uma descrição e, conseqüentemente, uma expli-
cação mais próxima possível da realidade, deve-se buscar dados e informações em
diversas fontes (relatos de história oral, documentos pessoais, documentos públicos,
fotografias, jornais, outras pesquisas já realizadas,...) e realizar um confronto entre
estas informações a fim de eliminar contradições. O pesquisador também deve ter
conhecimento do momento histórico existente nas escalas superiores (estadual, na-
cional, continental, mundial) que possam trazer alguma influência ao recorte defini-
do. Dessa maneira é possível a elaboração de teses que devem constantemente ser
questionadas. As teses válidas irão originar uma ntese que também deve passar
por um questionamento a partir do surgimento de novas informações (até então des-
conhecidas) ou da consideração de novas perspectivas de análise.
Quando compreendemos que cada momento histórico está imerso em um
contexto social (legitimado por um discurso hegemônico) entendemos a importância
de reconhecer os agentes dominantes e suas intencionalidades a fim de minimizar
qualquer abuso de poder do agente dominante que possa vir a prejudicar ao todo
social.
Os discursos geográficos [...] variam por lugar, variam por sociedade,
mas principalmente pela época em que foram gerados. São cons-
truções engendradas dentro de mentalidades vigentes, isto é, dentro
de formas de pensar historicamente determinadas, com epistemés
próprias que conformam não apenas os paradigmas da reflexão mas
a própria sensibilidade humana. (MORAES, 2005:23)
9
1.2 OS AGENTES
1
E OS OBJETOS TÉCNICOS
“As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais
o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS,
1997, p.25). Se não fizéssemos uso de técnicas, provavelmente nossa relação com
a Natureza seria semelhante à dos animais primitivos adaptados a tipos específicos
de ambientes. Não seríamos capazes de realizar modificações no ambiente natural
com o propósito de criar “facilidades” sem o desenvolvimento de técnicas especí-
ficas a esta finalidade.
Sem dúvida, o espaço é formado de objetos; mas não são os
objetos que determinam os objetos. É o espaço que determina os
objetos: o espaço visto como um conjunto de objetos organizados
segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma lógica.
Essa lógica de instalação das coisas e da realização das ações se
confunde com a lógica da história, à qual o espaço assegura a
continuidade. (SANTOS, 1997, p.34)
Somente a existência de um objeto técnico não modifica nada. Alguém
precisa utilizar esse objeto, dar uma finalidade a ele. Esse alguém é o homem em
suas diversas escalas de ação (o pequeno agricultor, o grande latifundiário, o enge-
nheiro agrícola, o secretário da agricultura, o ministro da agricultura, a empresa
multinacional do setor agropecuário,...). A existência dos objetos técnicos nos for-
nece possibilidades de ação, ao mesmo tempo em que confere um conteúdo dife-
rencial a quem os utiliza.
É o emprego diferenciado dos objetos que reforça o caráter das desigualda-
des do espaço geográfico. Se nos tempos pré-históricos era a configuração do am-
biente que dava origem as diferentes formas do homem se relacionar com o meio,
na análise da micro-escala os homens somente se diferenciavam por sua condição
etária e sexual (homem, mulher, criança, jovem, adulto). Atualmente, a escala global
nos fornece uma aparente igualdade das condições de existência através da simul-
taneidade de objetos técnicos como celulares e computadores que nos fornecem
informações em tempo real. Entretanto, na análise da micro-escala, constatamos a
existência de profundas desigualdades nas condições de vida entre os indivíduos,
independentemente do sexo ou da idade.
Toda sociedade para se reproduzir cria formas, mais ou menos
duráveis, na superfície terrestre, dsua condição de processo uni-
1
Em nosso trabalho consideraremos os termos “agentes” e “atores” como sinônimos e que podem ser associados
à instituições, grupos ou pessoas que se relacionam socialmente.
10
versal. Formas que obedecem a um dado ordenamento sociopolítico
do grupo que as constrói, que respondem funcionalmente a uma so-
ciabilidade vigente a qual regula também o uso do espaço e dos re-
cursos nele contidos, definindo os seus modos próprios de apropri-
ação da natureza. Daí o caráter pleno e exclusivo de processo so-
cial, comandado pelas ões e decisões emanadas do movimento
das sociedades. Tais formas que expressam uma quantidade de
valor (trabalho morto) incorporado ao solo substantivam na paisa-
gem (congelam em certo sentido) relações sociais específicas. A
vivência social do espaço cria rugosidades que duram mais que es-
tímulos e objetivos que lhes deram origem. Tal característica funda-
menta a condição de processo mediador, que retroage na interação
com outros processos. Tem-se, assim, um espaço produzido herda-
do (formas pretéritas, estoques de valor concentrados pontualmente
na superfície da Terra) que sobredetermina continuamente o uso dos
lugares, abrindo possibilidades analíticas para uma dimensão geo-
gráfica na interpretação da história humana. (MORAES, 2005, p.41)
Deve-se frisar que por trás de todo objeto técnico é necessário haver um
agente criador e um agente utilizador desses objetos (não eliminando a possibilidade
do agente ser criador de objetos que atendam, única e exclusivamente, suas pró-
prias finalidades).
Ao instar a restauração da importância dos atores e do com-
portamento no pensamento econômico regional, não estou sugerindo
o abandono da atenção ao contexto. A tradição da economia política
sempre insistiu na importância do comportamento e do contexto.
Minha queixa é que o primeiro foi suprimido tanto na geografia eco-
nômica recente quanto na economia regional, com consideráveis
prejuízos para o poder de explicação. (MARKUSEN; 2005, p.58)
A cada novo conjunto de objetos técnicos, abrem-se novas possibilidades de
atuação do homem sobre o meio. É esse caráter do poder transformador dos objetos
que acentua o conteúdo diferencial do espaço socialmente construído, uma vez que
a disseminação das técnicas não ocorre simultaneamente ao momento de sua cria-
ção e nem sempre eles possuem um caráter universal de aplicação.
O espaço é formado de objetos técnicos. O espaço do trabalho
contém técnicas que nele permanecem como autorizações para fazer
isto ou aquilo, desta ou daquela forma, neste ou naquele ritmo, se-
gundo esta ou outra sucessão. Tudo isso é tempo. O espaço distân-
cia é tamm modulado pelas técnicas que comandam a tipologia e
a funcionalidade dos deslocamentos. O trabalho supõe o lugar, a dis-
ncia supõe a extensão; o processo produtivo direto é adequado ao
lugar, a circulação é adequada à extensão. Essas duas manifesta-
ções do espaço geográfico unem-se, assim, através dessas duas
manifestações no uso do tempo. (SANTOS, 1997, p.45)
11
1.3 OS AGENTES SOCIAIS E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO
A capacidade diferencial dos agentes em utilizar um conjunto de objetos
técnicos existentes proporciona uma valorização diferenciada dos lugares junto à
uma capacidade singular de gerar formas-conteúdo que acentuam desigualdades
espaciais e conferem uma valorização “artificial” desse espaço.
Do mesmo modo que qualquer processo social, a valorização do
espaço também se transforma historicamente, nesse sentido em que
é também um processo histórico. Suas manifestações concretas
ocorrem guiadas por determinões gerais do modo de produção em
que estão contidas. A temporalidade submete a espacialidade, e o
processo universal de valorização do espaço torna-se, em si, denso
de particularizações temporais e espaciais. (MORAES, 2005, p.43)
[...] a valorização do espaço pode ser apreendida como processo
historicamente identificado de formação de um território. Este envol-
ve a relação de uma sociedade específica com um espaço localiza-
do, num intercâmbio connuo que humaniza essa localidade, mate-
rializando as formas de sociabilidade reinante numa paisagem e
numa estrutura territorial. (MORAES, 2005, p.44)
Percebe-se que o território só tem existência concreta pela capacidade do
homem de destinar uma função social ao solo e a tudo que nele se relaciona. Essa
característica é acentuada, ainda mais, com a consolidação do modo de produção
capitalista como modo de produção dominante.
O terririo seria, ao mesmo tempo que chão/terra-matéria,
lugar de atuação das diferentes classes sociais e do Estado, que
opera no sentido de respaldar a produção e a reprodução do capital.
O território é, assim, o espaço concreto das relações sociais. Os
homens, diferenciados em classes sociais, estão sempre construindo
sua história, que é, ao mesmo tempo, a história do trabalho produtivo
e a história do território. (RÜCKERT, 1997, p.34)
A dinâmica social impõe, a cada instante, novas formas ao espaço. Estas
novas formas são cristalizações de momentos específicos e indicam os agentes
modeladores do espaço. As formas materiais servem para indicar a territorialização
dos agentes. Cada agente possui escalas diferenciadas de atuação (local, regional,
nacional,...) e as materializações espaciais trazem consigo estas informações e
delimitam o território de atuação de cada um dos agentes considerados.
[...] esse conceito [território] é impossível de ser formulado sem o
recurso a um grupo social que ocupa e explora aquele espaço, o
território nesse sentido inexistindo enquanto realidade apenas
natural. Tal conceito traz, assim, duas vantagens: impede qualquer
retorno às concepções naturalistas (que tanto marcaram a geografia
tradicional) e aponta para uma visão social do objeto geográfico,
posto, não mais como lugar (a paisagem ou a superfície da Terra),
12
mas diretamente como a relação sociedade-espaço em si. E mais,
equacionando como entidade movente – formação – resgata também
a unidade dialética entre forma e processo, vital para a ótica
geográfica que se busca. (MORAES, 2005, p.45)
A valorização diferencial do espaço (tornado território) é possível de ser anali-
sada através de uma perspectiva do desenvolvimento de objetos que ampliam a
capacidade humana de intervenção no meio. São os objetos criados para a explo-
ração dos conteúdos, espacialmente localizados, que permitem aos agentes sua
territorialização. Sem a compreensão desses dois elementos (os agentes e os ob-
jetos técnicos) a análise territorial será deficiente e não oferecerá respostas satis-
fatórias.
No começo da história do homem, a configuração territorial é
simplesmente o conjunto dos complexos naturais. À medida que a
história vai fazendo-se, a configuração territorial é dada pelas obras
dos homens: estradas, plantações, casas, depósitos, portos, fábricas,
cidades, etc; verdadeiras próteses. Cria-se uma configuração territo-
rial que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e
tende a uma negação da natureza natural, substituindo-a por uma
natureza inteiramente humanizada. (SANTOS, 1997, p.51)
[...] a formação territorial articula uma dialética entre a construção
material e a construção simbólica do espaço, que unifica num mesmo
movimento processos econômicos, políticos e culturais. O território
material é referência para formas de consciência e representação,
cujos discursos retroagem no processo de produção material do es-
paço, com o imaginário territorial comandando a apropriação e explo-
ração dos lugares. O território é, concomitantemente, uma cons-
trução militar (um resultado da conquista espacial, que tem que ser
reiterada sempre que contestada) e uma construção política (como
área de exercício de um poder soberano), mas tamm uma cons-
trução econômica (como suporte de estruturas e atividades produ-
tivas como um mercado) e uma construção jurídica (que tem de ser
legitimada em fóruns adequados de relacionamento internacional), e
ainda uma construção ideológica (que fundamenta uma identidade
social de base espacial e uma psicologia coletiva). (MORAES, 2005,
p.59)
A história da evolução humana é uma história da utilização e evolução dos
objetos técnicos. Diferentes objetos criados e adequados para configurações espa-
ciais específicas originaram diferentes sociedades por todo o mundo, extremamente
diferenciadas em suas relações sociais. Essas diferentes sociedades concebem
formas únicas de se relacionar espacialmente.
A formação territorial é, do ponto de vista espacial, um proces-
so cumulativo que articula os resultados de formas de sociabilidade
não necessariamente connuas e sincrônicas; as intervenções e
construções anteriores aparecendo ante um novo ciclo de povoa-
mento como parte da herança espacial local, perfilando-se ao lado
13
das características do meio natural como elementos de qualificação
dos diferentes espaços.
Contudo, a apropriação de espaços e sua colocação na órbita
de uma dada dominação política, que o qualifica como seu patrimô-
nio, obedece sempre à lógica societária vigente, permitindo a identifi-
cação de padrões (historicamente delineados) de objetivação deste
processo. (MORAES, 2005, p.54)
Aceitando que a sociedade se transforma, cada vez mais, em um todo desi-
gual sob diversos enfoques, podemos compreender a valorização diferenciada do
espaço ao longo do tempo e de acordo com os conteúdos técnicos disponíveis. A
percepção da função de um objeto técnico não é fácil de ser medida. Constatamos
apenas que em algumas sociedades há uma pida assimilação desses objetos,
enquanto em outras, a resistência em introduzir novos objetos, que irão interferir nas
formas de relação social, é muito grande. De acordo com Moraes (2005:45) “na
historicidade plena dos processos singulares brota a possibilidade de indicar os
agentes do processo, os sujeitos concretos da produção do espaço”.
Os usos do solo, os estabelecimentos humanos, as formas de
ocupação e as hierarquias entre os lugares expressam os resultados
das lutas, hegemonias, violências, enfim, são resultados de atos
políticos. A produção do espaço agora sendo vista como processo
teleológico, isto é, sustentado em projetos e guiado por concepções
de atores sociais específicos. Logo, a construção dos territórios
envolvendo representações, discursos, consciências e articulações
práticas. Nesse quadro, o discurso geopolítico, por exemplo, aparece
como a fundamentação dos desígnios de um dos atores mais
poderosos nesse jogo: o Estado. Um ator que ao emergir na cena
histórica tende a monopolizar as ações básicas do processo de
formação territorial. (MORAES, 2005, p.46)
1.4 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A TÉCNICA
As discussões a respeito da técnica dentro da ciência geográfica são muito
freqüentes, principalmente sob a forma de redes técnicas. Seus impactos, dinâmi-
cas, qualidades e problemas são assuntos muito estudados atualmente. Entretanto,
é necessária uma atenção muito grande do pesquisador para não esquecer que sem
os agentes sociais, a técnica e suas manifestações não existiriam.
[...] as regras que governam a vida econômica e social são feitas
pelo homem e não estabelecidas por certa gica capitalista inexo-
vel. Sim, são elaboradas no contexto de culturas, instituões e
crises cíclicas historicamente desenvolvidas. Não obstante, são for-
muladas por seres humanos em contextos organizacionais onde
14
abundam criatividade, coragem e covardia, luta pela sobrevivência,
malícia e enganos. (MARKUSEN; 2005, p.59)
A função essencial da existência das técnicas é a de suprir alguma neces-
sidade humana:
O que a cnica vem a ser, nos casos decisivos, não é uma imitação
ou um modelo natural (se bem que um vago análogo possa se en-
contrar realizado na natureza por acaso); é algo que, em relação à
natureza, é ‘arbitrário’. A técnica cria ‘o que a natureza está na im-
possibilidade de realizar’. Uma roda em torno de um eixo, uma carne
cozida, um piano, signos escritos, a transformação de um movimento
de rotação em movimento linear alternado ou a transformação inver-
sa, assim como uma rede de pescador, são ‘criações absolutas’.
(CASTORIADIS; 1987, p.245)
Nesse sentido, podemos perceber que habitamos um mundo que a cada dia
se torna mais tecnificado e que seria impossível a sobrevivência dos seres huma-
nos, atualmente, sem a utilização de seu conhecimento técnico e de seus objetos
técnicos. Marcuse (1999, p.74) expressa muito bem a dupla face da técnica ao
afirmar que “a técnica por si só pode promover tanto o autoritarismo quanto a liber-
dade, tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento quanto a abolição do
trabalho árduo”. Markusen (2005, p.60) afirma que “a tecnologia não é uma força
desincorporada. É produto de ações concertadas das empresas, governos e indi-
duos, e as decisões que cada uma destas partes tomam constituem elementos
muito importantes em toda a história”.
Sem dúvida, a técnica é um elemento importante de explicação
da sociedade e dos lugares, mas, sozinha, a técnica não explica na-
da. Apenas o valor relativo é o valor. E o valor relativoé identifica-
do no interior de um sistema da realidade, e de um sistema de refe-
rências elaborados para entendê-la, isto é, para arrancar os fatos
isolados da sua solidão e seu mutismo. (SANTOS, 1997, p.38)
Podemos pensar, então, que o grande problema da humanidade não é o
desenvolvimento técnico e, sim, o uso a que se destina esse desenvolvimento. Os
problemas sociais não podem ser percebidos como problemas dos avanços técni-
cos, mas da apropriação e da aplicação indevida desses conhecimentos aplicados
ao exercício do poder para suprir necessidades individuais e não coletivas. No
momento atual, o poder tecnológico está intimamente relacionado ao poder eco-
nômico e, conseqüentemente, ao poder político. É a busca constante da humani-
dade pelo poder que impulsiona o desenvolvimento do conhecimento técnico.
A técnica é também utilizada para a demarcação da territorialidade dos
agentes. O espaço, então, torna-se portador de múltiplas territorialidades. Quanto
15
mais avançado o mundo se torna, mais complexas se tornam as relações sociais e,
conseqüentemente, suas territorialidades, que podem se mesclar, se excluir, se
limitar, se combinar,...
Espaço e território não podem ser entendidos da mesma forma. O território
está contido no espaço; é uma delimitação de uma porção do espaço.
O território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma
produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as
relações que envolve, se inscreve num campo de poder. [...] Qual-
quer projeto no espaço que é expresso por uma representação
revela a imagem desejada de um território, de um local de relações.
(RAFFESTIN; 1993, p.144)
Nesse sentido, as redes técnicas (sejam elas de comunicação ou de trans-
porte) podem tanto aproximar lugares quanto isolá-los; podem tanto integrar quanto
desintegrar territórios. Sua finalidade atende a determinados segmentos da socie-
dade. A rede pode tanto alavancar o desenvolvimento quanto impedi-lo; pode acen-
tuar desigualdades sócio-espaciais quanto diminuí-las, pois, como nos diz Casto-
riadis (1987, p.251), “o próprio conjunto técnico é privado de sentido, técnico ou
qualquer que seja, se o separarmos do conjunto econômico e social”.
[...] a rede transforma a relação com o tempo e com o espaço, uma
vez que a velocidade de transporte de informação, a conexão, é
imediata. Pode-se, então, dizer-se que a rede é vista como um ope-
rador espaço-temporal (ela elimina as lentidões e tempos de espera
de informação, de transacção, que levantavam problema há bem
pouco tempo). Mas não é tudo, ela é também o hierárquica, ciber-
nética (a interacção é aí fortemente sublinhada), flexível, ela liga
campos heterogéneos, não dependendo as entradas dos actores na
rede de uma situação preestabelecida, mas simplesmente da sua
acção no momento presente. (SFEZ, 2002, p.74)
As redes técnicas potencializam a ação de agentes poderosos, mas também
criam possibilidades de integração e de fortalecimento de grupos sociais excluídos,
e que buscam unir esforços com outros grupos que estejam passando por algum
tipo de opressão.
[...] o poder constrói malhas nas superfícies do sistema territorial para
delimitar campos operatórios. Esses sistemas de malhas não são
únicos; existem diferentes tipos, de acordo com a própria natureza
das ações consideradas. Observações análogas, senão idênticas,
poderiam ser feitas para os nós e as redes. Ainda uma vez, a axio-
tica do poder em matéria territorial não é uma demarcação de
uma outra axiomática geométrica, mas um prolongamento que deve
contar com a heterogeneidade das condições reais nas quais se
manifesta.
Não se trata de uma axiomática fechada, bem ao contrário, e
ainda mais porque os atores têm comportamentos que resultam das
16
probabilidades. Enfim, também porque todo axioma é sustentado por
uma psicossociologia e uma ideologia. Toda axiomática é histórica, e
para atingir o seu significado é preciso construir, ou reconstruir, o
contexto sócio-histórico no qual se originou e do qual procede.
(RAFFESTIN, 1993, p.149)
As novas tecnologias criam possibilidades de ação, e são os agentes sociais,
em diversas escalas de atuação (Estado, grandes empresas, pequenas empresas,
indivíduos, entre outros), que irão optar entre as possibilidades disponibilizadas.
Cada agente buscará suprir as suas necessidades imediatas e, dependendo do grau
de conhecimento das possibilidades disponibilizadas, saberá aproveitar ao máximo o
potencial das novas tecnologias.
1.5 OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é o de analisar uma série de dados históricos sob o
enfoque da geografia com o propósito de fornecer uma interpretação possível (den-
tro do grande leque de possibilidades possíveis de explicações da realidade) sobre a
dinâmica que leva a formação do município de Seberi dentro do recorte temporal
que abrange o período compreendido entre os anos de 1879 e 1959. Nossa intenção
foi a de identificar os principais agentes e os processos que levaram, inicialmente, a
formação do distrito de Fortaleza e, posteriormente, a emancipação do município de
Seberi, que estabeleceu como sua sede o antigo povoado de Fortaleza.
No processo de elaboração do projeto de pesquisa, algumas inquietações
foram fundamentais no processo de problematização do tema a ser estudado. Uma
dessas inquietações foi o processo de formação e consolidação de líderes locais
que coordenaram o processo emancipatório. Outra nos remete as relações de poder
e controle territorial no período anterior a sua emancipação. Como ocorre a fixão
do colono? Quem ordena o uso das terras, o colono ou o Estado? Qual o contexto
da formação das pequenas indústrias? Que tipo de relações existiam entre os pe-
quenos colonos, os grandes proprietários fundiários, os comerciantes locais e os
proprietários de pequenas indústrias? Dentro do contexto sócio-econômico-espacial
das escalas nacional e estadual, o que podemos destacar de interessante na escala
local? Quais as conseqüências da Revolução de 1923 na área de estudo?
Para responder a essas dúvidas, elegemos alguns conceitos norteadores
para nosso trabalho: valorização do espaço e formação territorial (MORAES,
17
2005), e sistema de objetos e sistema de ações (SANTOS, 1997). A forma como
estes conceitos seo utilizados na operacionalização deste projeto está descrita na
metodologia.
Considerando que o espaço geográfico é dinâmico e está constantemente em
transformação, um de nossos objetivos foi a elaboração de uma periodização mar-
cando as principais rupturas sócio-espaciais da dinâmica territorial local. Para este
estudo, consideramos como rupturas momentos que demarcam mudanças da for-
mação sócio-econômica-espacial do recorte proposto. Na consolidação do município
de Seberi, identificamos 3 fases importantes que, de alguma maneira, interferiram na
dinâmica dos processos que levam até a fase de sua emancipação. Descreveremos
brevemente as três fases e seus marcos delimitadores, lembrando que alguns dos
assuntos, fatos e pessoas mencionadas serão melhor analisados em seus respec-
tivos capítulos:
Fase (1879-1925) esta fase inicia com os relatos de Maximiliano Bes-
choren indicando a fixação de algumas pessoas no chamado Rincão da Fortaleza e
a inexistência de moradores dentro da zona florestal de Palmeira
2
. Essa fase se
estende até o período da Revolução de 1923. Inicialmente, havíamos definido o ano
de 1917 como marco final desta fase, sendo que esta data marca o início dos traba-
lhos da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira, mas, devido ao início da
Revolução de 1923, os trabalhos desta Comissão ficaram paralizados. Somente com
o término da revolução, por volta do ano de 1925, é que os trabalhos da Comissão
de Terras de Palmeira ganharam novo impulso.
Fase (1925-1948) inicia com a retomada dos projetos de colonização
para a zona florestal de Palmeira, destacando-se a importância das águas termo-
minerais de Iraí que influenciaram na formação do município, de mesmo nome, no
ano de 1933. Entretanto, os processos que levam a formação deste munipio não
podem ser aplicados no estudo de Seberi. No estudo da formação de Seberi, Iraí
teve importância por ter atraído investimentos em infra-estrutura para a zona flo-
restal de Palmeira, favorecendo, indiretamente, o desenvolvimento de Seberi e de
outros povoados de Palmeira. Após a Revolução de 1923, migrantes de diversas
etnias (alemães, italianos, poloneses, russos, açorianos, luso-brasileiros, ...) com
2
Com a incorporão da zona florestal de Palmeira aos projetos de colonização do estado, a zona florestal se
transformou na zona colonial de Palmeira das Missões.
18
origem em outras regiões do estado (Guaporé, Ijuí, Taquari, Alfredo Chaves, Casca,
Panambi, ...) alteraram a dinâmica sócio-econômica da zona colonial de Palmeira.
Após o ano de 1945 formou-se, no então distrito de Seberi, a Sociedade Zanchet-
Gemelli, para a exploração econômica de madeira, da agricultura e do comércio. No
ano de 1948 este grupo inaugurou sua ppria usina hidroelétrica, vendendo o ex-
cedente energético (o que não era aproveitado em seus empreendimentos) para a
Vila de Seberi e seus habitantes. Esta usina trouxe alterações na dinâmica de inves-
timentos no distrito, por isso, o início das operações desta usina marcam a ruptura
entre a segunda e a terceira fase do estudo da dinâmica da formação territorial de
Seberi.
3ª Fase (1948-1959)a inauguração da usina hidroelétrica do grupo Zanchet
proporcionou, aos habitantes da Vila de Seberi, a oportunidade de terem energia
elétrica em suas residências e casas comerciais, melhorando a qualidade de vida de
seus moradores. Com a disponiblidade de energia elétrica, abriu-se a possibilidade
de utilizar este recurso para fins econômicos, melhorando e/ou oferecendo serviços
que necessitavam de eletricidade. O grupo Zanchet construiu o maior moinho de
Seberi, aproveitando o recurso energético que eles mesmos produziam. No ano de
1954 o distrito vizinho de Frederico Westphalen obteve sua emancipação, dando
origem a um novo município. Como o distrito de Seberi também crescia, acompa-
nhado o ritmo dos investimentos econômicos, as lideranças locais uniram esforços e
buscaram sua emancipação política, obtida no ano de 1959.
1.6 METODOLOGIA
Na totalidade dos objetos e das ações existentes no espaço geográfico somos
chamados a definir critérios que nos permitam fornecer explicações possíveis da
realidade social, pois, dentro das ciências humanas, não há como falar em explica-
ções exatas ou definitivas. E dentro do campo disciplinar da Geografia, existem di-
versos “olhares” para um mesmo objeto de estudo.
Utilizamos um grande número de dados históricos com o objetivo de fornecer
uma análise geográfica dos acontecimentos que proporcionaram a formação do
município de Seberi. Dessa forma, constatamos a necessidade de compor uma teia
19
de fundamentos teóricos que sustentem a posição assumida: ver a geografia huma-
na, em si, como uma modalidade de história.
Parte-se de uma tradão epistemológica que concebe a tota-
lidadeo como um macroobjeto – uma representação exaustiva
que engloba o conhecimento de todo o existente mas fundamen-
talmente como um recurso de método: um modo associativo de pen-
sar o real, que busca relações e conexões entre os fenômenos anali-
sados. Quando se entende que esta visão totalizadora opera por su-
cessivos trânsitos entre níveis abstratos e concretos de reflexão e
análise em outras palavras, através de um connuo fluxo entre a
universalidade e a singularidade contida nos objetos tratados – pode-
se tomar o estabelecimento dessas relações e conexões como uma
ação particularizadora, visão que fundamenta a possibilidade de
abordagens histórico-dialéticas em ciências humanas. Nestas, a his-
toricidade não é dissociada do ser, mas vista como caminho único de
sua apreensão enquanto parte movente (e enquanto movimento
passível de ser apreendida) do real. (MORAES, 2005, p.39)
A escolha dos recortes analíticos mais apropriados depende do tema a ser
estudado. No caso deste trabalho, foi proposta uma análise da dinâmica da forma-
ção territorial do município de Seberi-RS). Para sua operacionalização e elaboração
de explicações possíveis (sem a pretensão de serem definitivas), a análise da dinâ-
mica econômica e da dinâmica política são consideradas fundamentais. Para Mo-
raes (2005, p.40) “cada mediação particularizadora, em sua explicitação empírica e
teórica, permite a abertura de uma discussão específica e relativamente autônoma”,
entretanto, consideramos que a consolidação do poder político de determinados
agentes pode ser explicado através do entendimento da dinâmica econômica e,
também, que o sucesso econômico de determinados grupos em relação a outros
pode ser explicado através dos projetos políticos de incentivo de determinadas ati-
vidades econômicas. Por isso, a análise da dinâmica política foi feita paralelamente
à análise da dinâmica econômica.
Definidos os recortes, buscamos as informações necessárias e iniciar o
processo de descrição e explicação dessas informações. Para Santos (1997, p.16):
Descrição e explicação são inseparáveis. O que deve estar no alicer-
ce da descrição é a vontade de explicação, que supõe a existência
prévia de um sistema. Quando este faz falta, o que resulta em cada
vez são peças isoladas, distanciando-nos do ideal de coerência
próprio a um dado ramo do saber e do objeto de pertinência indis-
pensável.
Com o propósito de compreender a dinâmica territorial que leva à formação
do município de Seberi, buscamos analisar os relatos históricos presentes em
20
Beschoren (1989), Battistella (1969), Soares (2005), Oliveira (1974) e Grassi (1996),
além dos depoimentos de antigos moradores de Seberi organizados em Reátegui
(1988). Nesses relatos e depoimentos, buscamos perceber as especificidades polí-
ticas e econômicas desta área. Para compreender o contexto dos processos gerais
que interferiram na dinâmica local, destacamos como leitura básica as obras de
Waibel (1949 e 1979), Bernardes (1997), Roche (1969), Zarth (1997), Brum (1988),
Rückert (1997 e 2003), Félix (1996) e Pesavento (1983 e 2002), que apresentam
estudos históricos e geográficos sobre o Rio Grande do Sul, e as obras de Castro
(1971 e 1977) e Furtado (2005) que nos forneceram os subsídios sobre o contexto
da evolução da economia brasileira.
Além da leitura dessas obras, buscamos dados que atestassem a ocorrência
de determinados processos territoriais. Entre os dados buscados destacamos:
recenseamentos populacionais, correspondências relacionadas à Comissão de
Terras de Palmeira, mapas antigos da área estudada, fotografias antigas e diversos
documentos antigos (correspondências, notas fiscais, contratos, balancetes, ...). Na
Prefeitura Municipal de Seberi tivemos acesso aos documentos do processo
emancipatório, com um levantamento minucioso sobre aspectos da Vila de Seberi
no final da década de 50 do século XX.
Através da análise de todo o material pesquisado, optou-se por dividir a histó-
ria do município nas três fases citadas, priorizando, em cada uma das fases, os prin-
cipais acontecimentos e agentes desencadeadores e, assim, analisar as particulari-
dades de suas ações.
Ou seja, foi necessário perceber a complexidade de agentes e de interesses
que concorreram para que ocorra a valorização do espaço em cada uma das fases
estabelecidas. Moraes (2005, p.46) afirma que “sem captar o jogo político que o
objetivava, e as determinações político-culturais que o enredam, não se consegue
entender em profundidade um processo concreto de valorização do espaço. O
território, nesse sentido, expressa combates e antagonismos entre interesses e
projetos sociais”.
Valorização do espaço e formação territorial, dois níveis de
abordagem de um mesmo processo. De um lado, as determinações
genéricas, fornecendo os macroindicadores que delimitam grandes
períodos e iluminando suas lógicas estruturais de funcionamento. De
outro, a malha fina do desenrolar das conjunturas, permitindo identi-
ficar vontades e posicionamentos individualizados, interesses espe-
21
cíficos, enfim, movimentos singulares. Tem-se, assim, dois planos de
análise e reflexão, em cuja união se desenha o projeto de uma Geo-
grafia interpretativa, social e histórica. (MORAES, 2005, p.47)
A valorização do espaço” pode ser avaliada através das políticas vigentes e
dos objetos técnicos disponíveis em um determinado tempo e lugar (o nível técnico
visto como indicador da potencialidade de intervenção no espaço) e a “formação
territorial” pode ser analisada através das relações de poder dos agentes locais,
onde o poder econômico aparece como um dos indicadores de maior ou menor
poder dos agentes comum que o poder econômico se materialize no espaço de
diversas maneiras: um monumento, um nome de rua/praça, um edifício,...). Por isso,
para compreender os processos de valorização do espaço da zona florestal de
Palmeira das Missões (onde está localizado nosso objeto de estudo) buscamos
subsídios na historiografia regional e, para compreender os processos de formação
territorial (na escala regional) buscamos diversos tipos de dados espeficos, além
da análise dos depoimentos e relatos encontrados no decorrer da pesquisa.
Entendemos que a análise dos objetos técnicos enquanto materializações de
relações dos agentes territorializados e o entendimento do contexto (interno/externo)
político, econômico, sócio-cultural, que levam os indivíduos a se fixarem nesta
determinada porção do espaço geográfico tenha sido um bom caminho para a
análise do tema proposto.
Trata-se, portanto, não mais de descrever e caracterizar um território,
tomando-o como um acidente geográfico da superfície da Terra, mas
de captar uma articulação de processos sociais que resultaram em
intervenções humanas nos lugares e na criação de materialidades e
ordenamentos no espaço terrestre. A análise sincrônica de tais pro-
cessos num mesmo âmbito espacial que envolve as dimensões
econômica, política e cultural da vida social permite o resgate da
história de como se conformaram os atuais territórios existentes no
mundo contemponeo. Tem-se, assim, o território como produto
explicável pelo processo de sua formação, abrindo-se portanto para
a ótica de conceber a geografia como uma história territorial.
(MORAES, 2005, p.53)
Para buscar as informações necessárias para a concretização deste estudo,
contamos com diversos tipos e fontes de dados. Entre os dados realmente utilizados
em nosso estudo apresentamos:
Fotografias antigas de moradores de Seberi (desde meados da década de 40
até meados da década de 60);
22
Documentos particulares diversos (correspondências, notas fiscais, certidões
e escrituras de terras,...) obtidos no Museu Municipal de Frederico
Westphalen e com moradores do município de Seberi;
Mapas antigos existentes no CEDOPH-URI, na Prefeitura Municipal de Sebe-
ri, no Museu Municipal de Frederico Westphalen e no livro sobre os relatos de
Maximiliano Beschoren;
Documentos do processo de emancipação existentes na Prefeitura Municipal
de Seberi contendo diversos tipos de informação sobre a economia, a popula-
ção, a infra-estrutura, os aspectos urbanos e os aspectos culturais da Vila de
Seberi, além de importante levantamento fotográfico;
Revisão bibliográfica de obras que apresentavam assuntos de interesse sobre
o tema abordado (principalmente as obras que analisam a questão da coloni-
zação do Rio Grande do Sul e de seu arranjo político);
Recenseamentos nacionais dos anos de 1872 e 1920, recenseamentos do
IBGE (agrícola, industrial e populacional) das décadas de 40, 50 e 60 e publi-
cações do IBGE (Enciclopédia dos Munipios Brasileiros-1959 e Revista
Brasileira de Geografia);
Relatos orais de antigos moradores de Seberi (entrevistas feitas na década
de 80 para o “Projeto Raízes” que resultou na publicação de um livro
3
) e
realização de novas entrevistas.
Entre os dados levantados, três deles merecem um destaque especial:
1. Um mapa (planta geral) na escala 1:50.000 indicando a divisão da zona
colonial de Palmeira das Missões em lotes, seções e distritos, além de indicar
as sedes dos povoados e áreas de posses de terras com o nome dos bene-
ficiados e o tamanho das propriedades concedidas. Neste mapa, fica eviden-
ciada a linha que demarca a transição da área de campos naturais da zona
florestal pela dicitomia entre grande propriedade e pequena propriedade rural.
O trabalho de digitalização de um mapa que mede, originalmente, 2,20m de
3
O Projeto Raízes foi um trabalho de resgate da memória de fatos ocorridos no município através da busca de,
principalmente, depoimentos de pessoas que acompanharam fatos importantes da história do munipio. O con-
junto de entrevistas e a compilação de outros dados resultou na publicação de um livro, patrocinado pela prefei-
tura municipal de Seberi em meados da década de 80, intitulado Seberi: 109 anos de história”. Tivemos acesso
às entrevistas originais (já em formato digital) na Secretaria de Educação e nos foi fornecida uma cópia com
todas as entrevistas completas.
23
altura por 1,60 de largura gerou mais de 60 fragmentos de arquivos digitais
que foram cuidadosamente montados como um grande quebra-cabeça. Este
mapa não possui a informação do ano em que foi elaboado, mas é possível
afirmar que é posterior ao ano de 1944 devido a presença do topônimo Seberi
(que substituiu, neste mesmo ano, o topônimo Fortaleza, por determinação do
IBGE).
2. Arquivos de áudio com entrevistas feitas em meados da década de 80 junto a
moradores idosos do município. A tarefa de ouvir mais de 15 horas de entre-
vistas foi muito desgastante devido a qualidade em foram gravadas algu-
mas das entrevistas, mas, ao mesmo tempo, foram muito esclarecedores
alguns dos depoimentos analisados.
3. Documentos do processo emancipatório de Seberi. Um levantamento minu-
cioso sobre diversos aspectos sócio-econômico-culturais da então Vila de
Seberi foi realizado com o propósito de justificar a viabilidade de criação de
um novo município. Complementando os dados documentais, também há um
considerável levantamento fotográfico relacionado à área emancipada.
24
CAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO FISIOGRÁFICA
DO ALTO URUGUAI
2.1 A INFLUÊNCIA DO MEIO NATURAL NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA
REGIÃO FISIOGRÁFICA DO ALTO URUGUAI
A ocupação do território sul-riograndense pelos colonizadores luso-brasileiros
e os, assim denominados, colonos europeus (principalmente quando se referem aos
imigrantes alemães, italianos e eslavos
4
) não ocorre de forma homogênea, nem no
tempo e nem no espaço. A existência de dois grandes tipos de formações vegetais
naturais no Rio Grande do Sul vai influenciar diretamente na territorialização dos
diversos agentes e estes, diferencialmente territorializados, irão se materializar no
espaço geográfico em formações sócio-econômicas diferenciadas. “A vegetação do
sul do Brasil consiste de dois tipos principais: as densas matas sempre verdes que,
excluindo as araucárias, são compostas de árvores tropicais de folhas laminares, e
campos limpos, que fisionomicamente se assemelham às estepes das zonas tem-
peradas” (WAIBEL, 1949, p.162) (Figura 1, p.25).
As diferentes formações sociais, então constituídas, darão origem a diferentes
formas de exploração econômica desse espaço natural herdado e socialmente modi-
ficado a partir do momento em que passa a ser ocupado pelo colonizador “branco”.
De acordo com Waibel (1949, p.165) “a mata e o campo são dois mundos inteira-
mente diferentes no sul do Brasil. São diferentes quanto às condições naturais, tanto
quanto às econômicas, sociais e raciais.” Essa diferenciação entre dois espaços pró-
ximos é possível de ser compreendida pela valorização diferencial do espaço em
um determinado tempo histórico.
4
Apesar do perigo da generalização, entendemos como povos eslavos todos os imigrantes russos, poloneses,
ucranianos e lituanos.
25
De acordo com Bernardes (1997, p.83):
[...] as principais zonas florestais são bem identificadas pelas áreas
dias de propriedades inferiores a 45 hectares e, mesmo, esbo-
çam-se alguns casos em que as mesmas não se afastam muito de
50-60 hectares. Isto vem confirmar nossa assertiva de que em pou-
cas reges do Brasil se pode surpreender, sob vários pontos de vis-
ta, um contraste tão nítido entre duas modalidades de povoamento.
Figura 1: Áreas de mata e zonas de povoamento do Rio Grande do Sul
FONTE: BERNARDES, Nilo. Bases geográficas do povoamento do Estado do Rio Grande do
Sul. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1997.
Ao analisarmos o contexto da economia nacional (transformação da terra em
mercadoria e o aumento do fluxo de mercadorias entre as diferentes regiões brasi-
leiras) e os meios técnicos do último quartel do culo XIX, como a implantação de
importantes ramais ferrovrios, podemos compreender a grande valorização das
26
áreas de campo em relação às áreas de mata. A aquele momento, a produção
pecuária ainda conferia um grande destaque a economia gaúcha e, conseqüente-
mente, uma forte influência na formação dos representantes políticos regionais
(intendentes e vereadores) e estaduais (presidentes do estado e deputados esta-
duais). Além disso, as dificuldades de escoamento da produção e a precariedade de
equipamentos e conhecimentos técnicos inviabilizavam a ptica de uma agricultura
de escala comercial no Rio Grande do Sul. De acordo com Bernardes (1997, p.65):
Até a terceira década do século XIX, as numerosas cidades e
povoações que se originaram no Rio Grande do Sul situavam-se to-
das em campo aberto ou, quando muito, na borda da mata. As gran-
des áreas de terras florestais eram, sem nenhuma força de expres-
são, regiões anecunicas. [...]
Contudo, nessa época já se dera início ao desbravamento das
matas e um novo ciclo povoador se desencadeava. Mas os heróis da
nova arrancada não são mais os audazes paulistas e lagunistas, os
ilhéus bisonhos ou os soldados portugueses, mineiros ou fluminen-
ses. O povoamento luso-brasileiro esmoreceu na fímbria da mata,
até onde ia o espaço livre para rodar o laço ou atirar as boleadeiras.
Daí para diante se necessitava de quem manejasse o machado, para
abrir as clareiras, e a enxada, para cultivar entre os troncos abatidos.
Os colonizadores luso-brasileiros não tinham interesse em explorar economi-
camente as áreas de mata. Não que eles desconsiderassem a importância da
atividade agrícola, pois:
nas terras de campo fazia-se também uma rudimentar agricultura [...]
principalmente nas regiões em que os capões e manchas de mata
eram raros senão ausentes. Mas nunca foi, essa, uma atividade que
os moradores dos campos julgassem compatível com sua dignidade
de homens livres, cujo gosto era cavalgar e pelejar. (BERNARDES,
1997, p.64).
A preferência dos luso-brasileiros em ocupar as áreas de campos tem como
resultado evidente a formação de verdadeiros “desertos demográficos” nas áreas de
matas do Rio Grande do Sul, o que causava preocupações fronteiriças aos
governantes pela possibilidade de que os argentinos passassem a requerer essas
áreas para seu domínio. Este cenário começa a ser modificado através da fixão
de colonos europeus nestas áreas.
A partir do ano de 1824 chegam os primeiros grupos de colonos alemães, que
irão se instalar em áreas pximas e/ou de fácil acesso à Porto Alegre (hoje, essas
áreas correspondem aos atuais municípios de Novo Hamburgo, São Leopoldo,
27
Estrela, entre outros)
5
. Após o ano de 1876, o os italianos que se destacam atra-
vés de grande fluxo migratório direcionado ao Rio Grande do Sul. Como as áreas de
vales estavam ocupadas pelos alemães, os italianos foram direcionados a ocupar
as encostas da serra gaúcha (de formação basáltica e que compõem a Serra Geral,
depositada sobre a Bacia Sedimentar do Paraná). Entretanto, a Serra Gaúcha per-
manece como uma espécie de barreira natural que dificulta o acesso dos colonos
europeus às áreas de planalto existentes na Serra Geral, principalmente pela preca-
riedade dos meios de transporte e comunicação neste período que não conseguiam
transpor o relevo acidentado e os cursos d’água com suas carroças. “O que mais
surpreende o europeu, quando toma contato com o continente americano, é a imen-
sidão do espaço e a dificuldade das comunicações” (ROCHE, 1969, p.55). Porém,
estas dificuldades não impediram que os luso-brasileiros ocupassem as áreas de
campos naturais existentes nas áreas mais planas da Serra Geral existentes na
região do Alto Uruguai.
O colonizador luso-brasileiro já se tinha assenhorado das áreas
campestres de Passo Fundo, Soledade, Cruz Alta, Palmeira das
Missões e Santo Ângelo, aí multiplicando suas fazendas desde 1825.
Tôda a área de campos repartia-se nas imensas sesmarias de cria-
ção de gado, enquanto as zonas florestais, apenas na sua periferia,
eram instaladas pequenas roças de produtos de subsistência ou
penetradas para a extração da erva-mate. Realmente, as áreas flo-
restais pemaneciam à margem da valorização econômica que se
esboça na região com as primeiras ocupações (IBGE, 1964, p.303).
Entretanto, no fim do século XIX, com a Revolução Federalista de 1893 agi-
tando o cenário político gcho, as áreas de matas da região do Alto Uruguai não
permaneceram totalmente desabitadas pelos luso-brasileiros
6
:
[...] a mata densa, ao contrário dos pampas da campanha, constituía-
se em local de fácil refúgio até para a fuga pelo Rio Uruguai, o que
terminou fazendo da região, no Império e na Reblica Velha, sobre-
tudo de Palmeira das Missões, um reduto de grande concentração de
bandidos e marginais, responsável pelo alto grau de violência que
acompanhou a hisria deste município. Sua posição geográfica ex-
plica-nos a base econômica e também a diferenciação de compor-
tamento político em relação ao resto do estado e, sobretudo, a dife-
5
Pode-se dizer que até 1870 a Alemanha, enquanto país (ou Estado-Nação), ainda não existia. Era apenas um
aglomerado de feudos, cuja única ligação entre eles residia em alguns traços culturais comuns. Inexistia
qualquer unidade econômica ou política. O início do que se pode chamar de integração alemã coma a se
formar no decorrer do século XIX, concluindo-se em 1870, com a unificação nacional.
6
A Revolução Federalista de 1893 foi marcada por uma disputa belicosa pelo poder entre os dois partidos exis-
tentes no Rio Grande do Sul: os Republicanos (chimangos), que representavam a situação e o apoio ao
governo republicano federal; e os Federalistas (maragatos), que eram contrários às políticas impostas por
Floriano Peixoto como presidente do país e queriam implementar um governo parlamentar no estado gaúcho.
28
rença entre dois municípios próximos e origirios da mesma forma-
ção: Cruz Alta e Palmeira. O primeiro, juntamente com Passo Fundo,
formado por tropeiros paulistas e paranaenses e voltado para a cria-
ção de gado, enquanto Palmeira, de formação heteronea, com
bandidagem oculta na mata. (FÉLIX, 1987, p.84)
Esse isolamento proporcionado pelo relevo e pela vegetação, aliado ao
desconhecimento de recursos naturais de grande valor econômico e à sensação de
insegurança pela presença da “bandidagem oculta na mata”, fez da rego do Alto
Uruguai a última grande reserva de terras do Rio Grande do Sul. Porém, a existência
de espécies vegetais que ofereciam madeiras de boa qualidade e de considerável
valor econômico atraía o interesse de colonos e de luso-brasileiros que já
exploravam este recurso em outras áreas. Além disto, as terras das áreas de mata
eram conhecidas, entre os colonos de origem européia, como terras de grande
aptidão para a agricultra. A grande dificuldade era, realmente, o escoamento da
produção.
Só, posteriormente, quando as melhores condições viárias,
com a construção da ferrovia (1890-1910), permitiram o transporte da
madeira foi que a extração e a serragem do pinho entrou na vida
econômica da região.
Êsse povoamento, no entanto, permaneceu extremamente dis-
perso e rarefeito até fins do século passado. Foi, sem dúvida, o novo
ciclo povoador desencadeado com o movimento colonizador da últi-
ma década do culo XIX, o responsável pela integração econômica
da região do Planalto Médio e Alto Uruguai. (IBGE, 1964, p.304).
As linhas férreas que atingiram o Alto Uruguai no início do século XX foram
um fator de grande importância no sentido de atrair imigrantes para esta área
7
.
Havia dois ramais que praticamente demarcavam os limites a leste e a oeste da
região do Alto Uruguai e que se encontravam em Cruz Alta. De Cruz Alta, um dos
ramais seguia para Ijuí, Santo Ângelo e Santa Rosa, enquanto o outro ramal seguia
para Passo Fundo, Erechim e ligava o Rio Grande do Sul a Santa Catarina e São
Paulo (figura 2, p.29).
Com uma maior facilidade proporcionada pelas linhas férreas em escoar a
produção agrícola e adquirir mantimentos, equipamentos, máquinas e todo o tipo de
produtos necessários, a ocupação do Alto Uruguai ocorre através de uma migração
7
“A ampliação do povoamento, por estrangeiros, para o planalto, foi possível pela amplião da rede fer-
roviária gaúcha (1895), integrando as cidades de Santa Maria, de Cruz Alta, de Passo Fundo e de Marcelino
Ramos. Nesse último município, a rede gaúcha liga-se a rede nacional pela Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande” (SILVEIRA, 2003, p.188)
29
espontânea (figura 3, p.30), diferentemente da migração orientada realizada nos
períodos do Império e início da República.
Foi, sem dúvida, a construção da estrada de ferro São Paulo-
Rio Grande (atual Viação Férrea Federal do Rio Grande do Sul), o
elemento impulsionador do povoamento das áreas florestais do Alto
Jacuí e do Alto Uruguai, atraindo empresas particulares de coloni-
zação.
Realmente, a possibilidade de estabelecer relações mais rá-
pidas e fáceis tanto com Pôrto Alegre e a área da Campanha, de um
lado, como com São Paulo de outro, naquela rota já secular de liga-
ção entre o extremo sul e o estado bandeirante, foi fator de relevân-
cia para que a região se tornasse foco de atração de novas correntes
imigratórias (IBGE, 1964, p.304).
Figura 2: Vias rreas do Rio Grande do Sul e datas de icio de suas operações.
FONTE: Roche, 1969, p.64
Além disso, a dinâmica territorial, coordenada pela Comissão de Terras e
Colonização de Palmeira, transformou um “deserto demográfico” em uma das re-
ges de maior densidade populacional do Rio Grande do Sul (como conseqüência
30
direta da política de formação de pequenas propriedades coloniais)
8
. Entretanto, a
maior ou menor proximidade dos ramais ferroviários fez com que as terras do Alto
Uruguai obtivessem uma rentabilidade diferencial para sua produção agropecuária.
Figura 3: Parte de um mapa publicado na Revista Brasileira de Geografia no ano de
1947 mostrando os sentidos de deslocamentos populacionais no Brasil. Destaque
para o noroeste gcho e oeste catarinense.
FONTE: Neiva, 1947, p.98
De acordo com Roche (1969, p.66):
Ainda hoje, a estrada de ferro é um fator de atividade e pros-
peridade para os estabelecimentos agrícolas que serve. Com efeito,
mais nos afastamos dela, mais a produção baixa em volume e valor.
Basta comparar ao município de Santa Rosa, testa de linha, os de
Três Passos e Palmeira que lhe ficam a uma distância de 40 a 60
quilômetros.
Santa Rosa, o menos extenso dos três municípios, é o que tem
maior superfície cultivada. A de Três Passos conta apenas o têrço
dela, e a de Palmeira, o quinto, sendo o valor de sua produção agrí-
cola muito mais baixo, quer em números absolutos, quer em propor-
ção (respectivamente 32% e 15%). Graças à estrada de ferro, o hec-
tare de terra rende 4 vêzes mais em Santa Rosa do que em Três
Passos, e 10 vêzes mais do que em Palmeira.
Por interferir positivamente na rentabilidade da terra, a proximidade de uma
linha férrea também influenciava no valor da terra. “Em Ijuí, o valor das terras dobrou
no ano em que se seguiu à inauguração da ferrovia. [...], em Santa Rosa as vendas
8
No Capítulo 3 faremos uma análise mais aprofundada sobre a crião e a função da Comissão de Terras e Colo-
nização de Palmeira e analisaremos a sua influência na formão do munipio de Seberi.
31
de terras acompanhavam o progresso da construção da Estrada de Ferro Santo Ân-
gelo-Giruá: entre 1934 e 1936, passaram de 87.292 para 543.934 mil-réis, alcança-
ram mais do sêxtuplo em três anos” (ROCHE, 1969, p.63).
Podemos afirmar, então, que a existência de um grande número de pequenos
municípios na rego fisiográfica do Alto Uruguai, pode ser considerada como uma
conseqüência direta da territorialidade formada nesta rego. Destacamos que,
atualmente, as áreas de matas que antes se localizavam ao norte do munipio de
Palmeira das Missões hoje fazem parte de um grande número de municípios que
passaram e reivindicar emancipação política a partir do ano de 1933
9
, e entre estes
novos municípios formados está o objeto de estudo proposto: o munipio de Seberi,
conforme podemos visualizar na figura 4 (p.32). Deve-se ressaltar que a figura mos-
tra os limites atuais do município de Seberi, e não os limites definidos no momento
de sua emancipação política, obtida no ano de 1959. Os distritos de Erval Seco e
Rodeio Bonito obtiveram sua emancipação no ano de 1963, diminuindo os limites
territoriais do município de Seberi. No ano de 1989, Seberi perdeu mais uma parte
de seu território municipal com a emancipação de Pinhal e, em 1997, com a eman-
cipação de Cristal do Sul.
9
Ano em que se emancipa o munipio de Iraí, que se analisado detalhadamente no Capítulo III.
32
Figura 4: Localização do município de Seberi e de alguns outros munipios que
tamm tiveram áreas pertencentes ao município de Palmeira das Missões e
relação dos nomes dos municípios e das respectivas datas de emancipação.
FONTE: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. ADAPTÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
33
2.2 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO EFETIVA DAS TERRAS
A ocupação das áreas de campo do Alto Uruguai não se efetivou com a mes-
ma intensidade como ocorreu, posteriormente, a ocupação dos lotes coloniais nas
áreas de mata
10
. Mas a Lei de Terras de 1850 e o aumento de fluxos migratórios
planejados pelo governo imperial acentuaram uma série de arbitrariedades na cor-
rida por legitimar as propriedades em situação irregular que garantiram a posse de
grandes extensões de terras a muitos luso-brasileiros.
Neste período (por volta do ano de 1874), um engenheiro agrimensor chama-
do Maximiliano Beschoren se dirigia para a região do Alto Uruguai a fim de realizar
uma série de levantamentos topográficos junto com outro colega, também enge-
nheiro (o único nome encontrado deste outro engenheiro foi Schmitt)
11
. Em sua
jornada até o Alto Uruguai, partindo de Santa Cruz do Sul, muitos dias de viagem
seriam necessários para vencer o percurso. Ao pararem para pernoitar em um lugar
situado entre Santa Cruz do Sul e Soledade, Beschoren descreveu a situação em
que se encontravam muitos proprietários de terras deste período:
Na casa de João Castelhano encontramos, por acaso, o Juiz
Comissário de Passo Fundo, o escrivão e um agrimensor alemão,
Curt V. Reutter, que também trabalhava sob a responsabilidade do
Engenheiro Schmitt.
Essa Comissão de Medições estava aqui há algumas semanas,
para legalizar diversas propriedades e cujo trabalho pretendiam con-
cluir dentro de dois dias. [...]
Schmitt, anos, trabalha no grande município de Passo Fun-
do, com o respectivo Juiz Comissário (Juiz das Medições), nas lega-
lizações das terras. Havia tantas solicitações para demarcações de
propriedades que um agrimensor não dava vencimento. Como
Schmitt tinha que ir para o Alto Uruguai, iniciar igual tarefa, decidi, de
antemão, ficar no município de Passo Fundo, executar as medições,
e depois seguir também para a região do Alto Uruguai.
(BESCHOREN, 1989, p.24)
Beschoren descreve um grave problema estrutural que impedia o
cumprimento da Lei de Terras de 1850 (colocada realmente em execução a partir de
1864, conforme relato de Beschoren, 1989, p.25) se efetivasse: a necessidade de
10
“O lote rural (‘colônia’) recebido pelo imigrante colono variou de tamanho: até 1851, era de 77 hectares; de
1851 a 1889, foi de 48,4 hectares; e, de 1889 em diante, passou a ser de 25 hectares.” (BRUM, 1988. p.27)
11
Maximiliano Beschoren (1847-1887) foi um engenheiro agrimensor alemão que se dirigiu ao Rio Grande do
Sul com a finalidade de conseguir trabalho e algumas “aventuras” exploratórias (como ele mesmo descreve no
início de seus relatos, que deram origem ao livro). Chegou ao Brasil no ano de 1869 e em 1874 recebeu uma
proposta onde ele deveria seguir para a rego do Alto Uruguai com o propósito de realizar alguns levanta-
mentos topográficos. Ele acabou falecendo no ano de 1887, aos 40 anos de idade, durante a realização de al-
guns levantamentos topográficos nas proximidades de Nonoai.
34
registrar as posses de terras. Como os proprietários de terras conseguiriam registrar
suas terras se não havia agrimensores em número necessário para a tarefa? É im-
portante ressaltar que Beschoren era um agrimensor e que estava vivendo aquele
momento. Isso nos permite dizer que esta era a percepção de um problema que ele
estava vivenciando em seu dia-a-dia. Em seus relatos ele tece o seguinte comen-
tário:
A lei determina que os que adquiriram terras doadas, terão que
mandar medi-las com a finalidade de receber o título legal de “Pro-
prietários”.
Do mesmo modo também deverão agir os POSSEIROS que se
estabelecerem ao caso em terras do governo. Na execução da legali-
zação das propriedades dos posseiros, será medido o terreno culti-
vado e mais tanto em florestas. A legislão de terras tem a finalida-
de de motivar a legalização e a divisão das propriedades particula-
res, das terras do governo (terras devolutas). [...]
Esta lei não foi bem aceita pela maioria, porém foi uma neces-
sidade absoluta. A execução encontrou grande dificuldade, nãona
oposição dos grandes proprierios, “os barões”, e no povo, mas tam-
bém pela grande falta de homens tecnicamente capacitados. [...]
O Presidente da Província tinha o direito de prorrogar a legali-
zação da moratória: o prazo era apenas de seis meses. Essa pror-
rogação foi efetuada até 1884. Nesse ano, ele autorgava a última
moratória de seis meses, com o esclarecimento de que aquele que
durante esse período não requeresse a legalização de sua proprie-
dade, teria o direito de posse apenas das terras efetivamente culti-
vadas. As não aproveitadas caberiam ao governo. (BESCHOREN,
1989, p.25).
Sobre o mesmo problema das posses de terras de campo e da especulação
econômica dessas terras durante o peodo imperial, também destacamos os co-
mentários de Félix e Bernardes, respectivamente:
As origens das propriedades privadas no município [de Cruz
Alta] são provenientes de duas fontes: concessões outorgadas pelos
presidentes da província ou por doações provisórias despachadas
pelos comandantes de armas. Posteriormente, as concessões provi-
sórias foram devidamente legalizadas por lei especial, passando a
incorporar o patrimônio dos que haviam recebido doações de ses-
marias. Os requerimentos eram feitos, às vezes, pelo interessado em
outros nomes de familiares, de sorte que o estancieiro depois recon-
quistava os direitos de terceiros, por algumas patacas, dando origem
aos latifúndios. (FÉLIX, 1987, p.87)
A lei de 1.850, que tendia a regular o direito de particulares
permitindo-lhes a compra de terras que até então ocupassem ou
sobre as quais tivessem direito de ‘posse’, abriu as comportas da
especulação, em prejuízo dos bisonhos colonos. Muitos particulares
registravam glebas como se fossem de sua ‘posse’ ou ocupação e,
35
antes mesmo de receberem o título definitivo, retalhavam-nas e
vendiam-nas em lotes coloniais. (BERNARDES, 1997, p.71)
Foram somente as áreas de mata que “sobraram” sob o controle do Estado
para a divisão em lotes coloniais dentro dos projetos da Diretoria de Terras e Colo-
nização que viriam a ser ocupadas, predominantemente, por descendentes de ita-
lianos, alemães e eslavos que migraram das áreas de antigas colônias em busca de
terras férteis e baratas. Essas terras eram também chamadas de terras devolutas.
Entretanto, “nas áreas de colonização do estado não foram raros os casos de luso-
brasileiros que procuravam obter um lote para nele estabelecer seus lares, tornando-
se pequenos lavradores” (BERNARDES, 1997, p.82). Nas áreas denominadas de
“colônias velhas” muitas propriedades apresentavam solos esgotados devido a utili-
zação de técnicas inadequadas e, também, não havia mais terras próximas que pu-
dessem ser ocupadas, além do fato das famílias possuírem um grande número de
filhos que precisavam de novas terras para continuar a trabalhar.
O que interessa notar é que nas zonas de campo, especial-
mente as da Campanha, Depressão Central, Serras do Sudeste e
Litoral, o excedente populacional, via de regra, transforma-se no
proletariado urbano.
Mas os descendentes dos colonos mantêm-se de preferência
colonos. Quando não é mais possível economicamente a subdivisão
da propriedade nas regiões mais antigas, passam eles a constituir
nova vanguarda do povoamento e se deslocam para as zonas pio-
neiras distantes. (BERNARDES, 1997, p.96)
A pressão demográfica nas colônias velhas torna-se a cada dia mais evidente
em fins do século XIX. Então, diante da demanda por novas terras, aliada à neces-
sidade de ocupação das terras fronteiriças com a Argentina, o goveno gaúcho criou
a Colônia Guarani no ano de 1891. Essa colônia era dividida em dois cleos (Co-
mandaí e Uruguai) na região noroeste do Rio Grande do Sul, as margens do Rio
Uruguai, conforme descrição de Nilo Bernardes (1950, p.33). Entretanto, devido à
precariedade das vias de comunicação deste período (a estrada de ferro mais p-
xima se localizava em Cruz Alta, a mais de 270 km de distância), e a “disposição
retangular do sistema de propriedades” que não favorecia a fixação dos colonos,
pois não levava em consideração as condições do relevo (como o acesso aos cur-
sos d’água, a declividade do terreno, ...) essas primeiras colônias instaladas no Alto
Uruguai não corresponderam as expectativas de desenvolvimento imaginadas por
seus planejadores.
36
A chegada da ferrovia em Ijuí (1911) e em Santo Ângelo (1915) forneceu as
condições mínimas de comunicação para que as colônias do noroeste do Rio Gran-
de do Sul se desenvolvessem e obtivessem êxito econômico, além de motivar a
criação da Colônia Santa Rosa (1915). Ao mesmo tempo, na porção leste do Alto
Uruguai, a Colônia Erechim (fundada em 1908) recebe os trilhos da ferrovia no ano
de 1910, que atravessam o rio Uruguai e atingem o estado de Santa Catarina. Este
se encontra conectado, pelos ramais ferroviários, ao estado de São Paulo.
Nas figuras 5, 6 e 7 (páginas 36, 37 e 39, respectivamente) percebemos a
distribuição dos ramais ferrovrios e o projeto de um traçado paralelo ao rio
Uruguai, conectando todas as colônias do Alto Uruguai. A existência de ramais
ferroviários (ou proximidade a eles) era tão importante no início do século XX a
ponto de ser destacado nos anúncios de colônias a venda a proximidade deles.
Zarth (1997, p.83) expressou o seguinte comentário sobre um destes anúncios:
Nota-se no anúncio a importância da ferrovia, sem a qual a
produção teria dificuldades de escoamento. Nesse particular, fica
evidente que a colonização e a agricultura desenvolvida nesses nú-
cleos eram estreitamente veiculadas ao mercado de alimentos do
país. Outros anúncios de colônias sempre destacavam a localização
em relação à ferrovia São Paulo-Rio Grande, principalmente as do
município de Passo Fundo, por onde a ferrovia passava [...].
Figura 5: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1916.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen. ADAPTAÇÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
37
De acordo com a figura 5 (p.36), as áreas de mata de Palmeira das Missões
ainda não haviam sido utilizadas/ocupadas nos projetos da Diretoria de Terras e
Colonização do Norte, conforme a indicação de “Colônia a fundar” assinalada no
mapa, confirmando a condição de ocupação tardia por parte da colonização plane-
jada pelo estado. Esta ocupação vem a acontecer a partir de 1917 com a criação
da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira e a nomeação do engenheiro
Frederico Westphalen para a coordenação desta Comissão, ou seja, 417 anos após
o descobrimento do Brasil e 180 anos após o início colonização oficial do Rio Gran-
de do Sul, iniciada a partir do munipio de Rio Grande.
Figura 6: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1918.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen. ADAPTAÇÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
Nas figuras 5 e 6 também estão assinalados alguns caminhos a serem cons-
truídos que permitiriam o trânsito de animais e carroças. Estes caminhos foram tra-
çados, principalmente, no sentido norte-sul, conectando a zona florestal aos termi-
nais ferroviários. A existência de fontes de águas termais foi um atrativo a mais para
que fosse dado início ao planejamento de uma ligação entre Palmeira das Missões e
38
Iraí que indicava, inclusive, a construção de um ramal ferroviário partindo de Iraí com
destino à Passo Fundo
12
.
No relatório da Secretaria das Obras Públicas de 1918, Carlos
Torres Gonçalves expõe em linhas gerais o planejamento dessa obra
de interiorização de recursos humanos levada a efeito com tanta sa-
bedoria nos primórdios do século XX no Rio Grande do Sul. Uma de
suas metas fundamentais era a criação de povoados coloniais conve-
nientemente distribuídos, que pudessem cumprir a contento seu pa-
pel de centros coletores e distribuidores de mercadorias próprias e
de importação, bem como de núcleos elaboradores de pequenas
indústrias de necessidades locais. Ponderava a necessidade de não
serem muito afastados uns dos outros, “tomando os particulares a
iniciativa de fundá-los arbitrariamente, quando as administrações não
o fazem”. Sua implantação devia corresponder a convennciaslti-
plas, sanitárias, esticas, econômicas. Os projetos começavam pelo
estudo prévio do relevo do terreno.
Convenientemente escolhidos os locais e metodicamente ins-
talados os núcleos urbanos, seriam eles gérmens de cidades futuras.
Prevendo seu desenvolvimento, reservavam-se grandes áreas junto
dos mesmos. (SOARES, 2004, p.253)
A partir da análise da figura 7 percebemos que a construção de rodovias co-
meça a ser mais privilegiada quando comparada com os projetos de ramais ferroviá-
rios então elaborados. O que nos permite fazer esta afirmação é o aumento da den-
sidade de projetos de rodovias e a baixa evolução da implantação dos ramais fer-
roviários. Esta mudança que privilegia o transporte rodoviário é compreensível em
virtude dos menores custos de implantação das estradas e das facilidades de
capilarização das rodovias. Além disso, a melhoria dos veículos (com destaque para
os caminhões), permitiu um aumento na eficiência do transporte de mercadorias.
A rodovia que ligou a sede do município de Palmeira das Missões até as
fontes de água mineral de Iraí, passando pelos distritos de Fortaleza e Barril, teve
sua construção iniciada no ano de 1918 e foi inaugurada no ano de 1928 por Getúlio
Vargas, presidente do estado do Rio Grande do Sul nesta data. No mapa datado do
ano de 1925 (figura 7) estão demostrados os trechos concluídos (linhas contínuas
na cor preta) e os que ainda estavam em contrução (linha contínua na cor vermelha)
entre a sede de Palmeira e Iraí. Esta rodovia é, atualmente, um dos principais aces-
sos do Rio Grande do Sul ao oeste catarinense e ao oeste paranaense, onde é pos-
sível encontrar muitas famílias de migrantes com proveniencia do estado do Rio
Grande do Sul.
12
No Capítulo III detalharemos ocorreu a descoberta dessas fontes.
39
Figura 7: Parte do mapa das áreas coloniais do Rio Grande do Sul. Elaborado pela
Diretoria de Terras e Colonização/Secretaria das Obras Públicas-1925.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen. ADAPTAÇÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
A distância entre as colônias fundadas na faixa florestal, pertencente ao mu-
nicípio de Palmeira das Missões, foi um fator determinante para que esta área se
tornasse a última grande reserva de terras do Rio Grande do Sul. Somente a aber-
tura de estradas e a demarcação de lotes e sedes de povoados não foram suficien-
tes para impulsionar a ocupação das terras. Nilo Bernardes descreve de forma re-
sumida (porém muito clara) a importância dos povoados e algumas das dificuldades
enfrentadas pelos colonizadores na ocupação do interior da mata, ressaltando a
importância das “sedes das colônias” como ponto de referência e de suporte à eco-
nomia colonial:
Com o centro de expansão nas chamadas ‘sedes’ das colônias,
origem de muitas cidades atuais, os povoadores iam penetrando pe-
las ‘picadas’ e ocupando seus lotes. O progresso do povoamento
acompanhava o progresso das demarcações, que só terminavam
onde terminava a mata. [...] Havendo necessidade constante de vias
para o transporte dos produtos coloniais, desenvolveu-se então uma
rede numerosa de caminhos vicinais e estradas de rodagem. Na sua
origem, geralmente planejada pelo agente colonizador, esses cami-
nhos nada têm de comum com aqueles trilhos, indecisos como um
rio divagante, que originaram as estradas nos campos. Quase sem-
pre são elas um dos limites comuns às propriedades que servem. As
condições econômicas exigiram, posteriormente, uma rede rodoviária
mais importante nas regiões coloniais, sendo numerosas as vilas que
surgiram nos cruzamentos.
40
A existência de numerosos povoados nas zonas agrícolas real-
ça os contrastes com as zonas pastoris. Muitas vezes estes povoa-
dos tornam-se mais importantes e assumem a categoria de vila ou de
cidade. Neste caso surge então um distrito ou um município. E pela
rede dos distritos e munipios pode-se acompanhar a intensidade do
povoamento nas zonas florestais. Enquanto as unidades administra-
tivas das zonas de campo se tornaram estáveis, muitos decênios,
as zonas de mata, enquanto se vai processando o povoamento, es-
tão em connua cissiparidade. (BERNARDES, 1997, p.93 e 99)
Além das observões feitas sobre a ocupação diferenciada do campo e da
mata, Leo Waibel faz uma distinção entre as duas formas, por ele encontradas, de
concentração dos colonos nas áreas de matas, que são: o “povoamento rural dis-
perso” e os “povoados aglomerados”. Analisando de forma mais detalhada sua ex-
plicação, é possível extrair que dos povoados aglomerados” surgiram muitas de
nossas atuais cidades, a partir do momento em que foram sendo incorporadas
novas funções a estes espaços.
Por toda parte nas terras de mata do sul do Brasil temos ‘po-
voamento rural disperso’. As propriedades, entretanto, não o espa-
lhadas irregularmente, como acontece no Middle West dos Estados
Unidos, mas são dispostas ao longo de certas linhas. Estas linhas
são as picadas, abertas pelos pioneiros na mata original e que logo
desde o princípio serviram como linhas de comunicação e estradas.
Nas zonas serranas de colonização antiga, as linhas coloniais se-
guem normalmente os fundos dos vales fluviais e de cada lado delas
estão alinhados os lotes dos colonos, a distância de algumas cente-
nas de metros. Algumas linhas coloniais têm 10 ou 20 quilômetros de
extensão e centenas de lotes se distribuem ao longo delas. Esses
lotes são estreitos ao longo da estrada e do rio, mas se estendem
numa longa faixa retangular para o fundo, muitas vezes até o divisor
de águas.
Os ‘povoados aglomerados’ estão localizados a distâncias de 8
ou 10 quilômetros, geralmente em cruzamentos de estradas. As ca-
sas se distribuem em volta de uma igreja e um cemitério, a escola e
uma ou duas lojas e bares. freqüentemente um moinho, um fer-
reiro ou um fabricante de rodas. Em outras palavras, esses núcleos
aglomerados são centros culturais, sociais e comerciais, muito carac-
terísticos das áreas coloniais, são inteiramente desconhecidos nas
regiões habitadas por luso-brasileiros e ocupados pelo sistema de
latifúndios. (WAIBEL, 1949, p.197)
Em muitos dos pequenos municípios existentes no Alto Uruguai poderíamos
tentar estabelecer uma diferenciação entre o tipo de povoamento (rural disperso ou
aglomerado) relacionando a direção predominante do fluxo migratório (lotes rurais
ou sedes de distritos) com o período em que ocorrem esses fluxos. Ou seja,
identificar se o interesse desses imigrantes é o de se estabelecerem nos lotes rurais
e sobreviver da agricultura ou, de se estabelecer nas sedes distritais e obter rendas
41
a partir do comércio, prestação de serviços ou alguma outra função relacionada a
um modo de vida mais urbano. Assim, podemos fazer uma análise qualitativa (em
função do local onde esses imigrantes se estabelecem) e não quantitativa
(número de imigrantes que se estabelece em uma determinada área).
Talvez a explicação para a criação de vários desses pequenos municípios
possa ser dada pela concentração de novos agentes economicamente mais ativos
(comerciantes, artesãos, industriais, médicos, advogados,...) nas sedes dos distritos.
Ao reivindicarem maior autonomia para exercerem suas atividades, passam a
contestar a dominação política de agentes que não possuem identificação com os
colonos e os problemas que atingiam esses grupos sociais.
Nas áreas que eram outrora florestais, encontramos hoje em dia uma
população de pequenos agricultores brancos, que juntamente com
suas esposas e filhos têm lavrado a terra e estabelecido lares de tipo
europeu. Nos campos vizinhos vive o fazendeiro, de origem luso-
brasileira, que cria bovinos e cavalos em grandes propriedades e tem
como empregados negros e mulatos, descendentes de antigos es-
cravos. Com freqüência, conservam um modo de vida quase me-
dieval, de tipo feudal e aristocrático; consideram o colono laborioso
como inferior, e são arrogantes e presunçosos nos seus contatos
com ele. (WAIBEL, 1949, p.165)
Na figura 8 (p.42) observa-se a grande quantidade de municípios no norte do
estado que obtiveram emancipação política após o ano de 1955. Esta é uma das
conseqüências mais evidentes decorrentes da forma de ocupação ocorrida nas
áreas florestais do norte do estado gaúcho a partir do início do século XX.
Diante da formação de um mero considerável de municípios formados a
partir do território de um único município (Palmeira das Missões), em um espaço de
tempo inderior à 50 anos e sob um contexto de processos gerais semelhantes,
busca-se, a partir de agora, as especificidades que levam a formação do território do
município de Seberi.
42
Figura 8: Agrupamento de municípios do Rio Grande do Sul de acordo com os anos
em que obtiveram sua emancipação política.
FONTE: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
43
CAPÍTULO 3
DUAS FASES DE DEPENDÊNCIA DE PALMEIRA DAS MISSÕES
(de 1879 à 1925 e de 1925 à 1948)
A porção territorial que hoje constitui o município de Seberi pertenceu ao
município de Palmeira das Missões ao ano de 1959, quando obteve sua emanci-
pação. Entretanto, desde o final da década de 40 e início de 50, o então distrito de
Seberi apresentava indícios de maior autonomia em relação à sede (assunto que
abordaremos no capítulo 4). Entre os anos de 1879 e 1948, porém, este distrito de-
pendia da sede para realizar diversas atividades, desde a aquisição de produtos de
primeira necessidade como sal, ferramentas, tecidos, passando pela comercializa-
ção de seus produtos, que poderiam ser a erva-mate, excedentes agrícolas, mel,
carnes de caça, ou, até mesmo a busca de serviços de saúde pedidos de registro de
terras, pagamento de impostos, registros civis,...
Porém, entre os anos de 1878 e 1948, é possível identificar duas fases com
dinâmicas distintas no distrito de Seberi. A primeira fase (que compreende o peodo
entre os anos de 1879 e 1925) marcada pelos conflitos bélicos das revoluções de
1893 e 1923, e pela pequena presença de população existente na zona florestal de
Palmeira das Missões.
No ano de 1917 foi fundada a Colônia Guarita, última colônia blica oficial
formada no estado do Rio Grande do Sul, com a finalidade de incrementar a densi-
dade populacional através da migração de colonos das áreas das antigas zonas
coloniais do estado. Diante da situação de tensão política existente no início da dé-
cada de 20, resultando na eclosão da Revolução de 23, os trabalhos de colonização
iniciados em 1917 foram praticamente paralisados e muitos dos colonos que haviam
ali chegado, sofreram diante da falta de assistência do estado (que se ocupava com
os confrontos contra os revoltosos) e com os constantes assaltos realizados pelos
grupos de chimangos e maragatos.
44
A segunda fase (compreendendo o peodo entre os anos de 1925 e 1948)
tem início a partir da retomada dos trabalhos da Comissão de Terras e Colonização
de Palmeira, após término dos conflitos da Revolução de 23, e se estende até a
inauguração da usina hidroelétrica do grupo Zanchet, ocorrida no ano de 1948.
O grande diferencial entre as duas fases analisadas está na atuação de deter-
minados agentes sobre a porção territorial que deu origem ao município de Seberi.
Na primeira fase destacava-se a atuação coronelística dos líderes políticos de Pal-
meira das Missões que tinham interesse nos ervais nativos da zona florestal. Na
segunda fase o controle das terras da zona florestal passa para as mãos do Estado,
através da sua Comissão de Terras e Colonização. Apesar de ainda exercerem
alguma interferência, os coronéis de Palmeira possuiam uma capacidade muito
reduzida de intervir no processo de colonização chefiado pelo governo do estado.
Assim, justificamos a análise dos acontecimentos históricos que resultaram, poste-
riormente, na formação do município de Seberi.
3.1 1ª FASE (1879-1925): “A TERRA É DE TODOS; A TERRA É DE NINGUÉM
13
3.1.1 Situação da ocupação territorial do Alto Uruguai a partir dos relatos do
explorador Maximiliano Beschoren
Acredita-se que o engenheiro agrimensor e explorador Maximiliano Bescho-
ren tenha atravessado toda a área de matas no norte do Rio Grande do Sul. Em
seus relatos menciona sua passagem pelos municípios de Santa Cruz do Sul, Lagoa
Vermelha, Soledade, Passo Fundo, Nonoai, Palmeira das Missões e região missio-
neira, o que nos leva a fazer esta suposição. Por muitos anos ele percorreu campos
e matas, executando seu trabalho como agrimensor, e fazendo observações a res-
peito de recursos naturais, condições climáticas, vegetação, relevo e caracterizando
o meio social através da descrição das relações sociais e do uso da terra.
13
LIRA, José Paes da. Profecia (ou Testamento da Ira). Recife: RecBeat, 2001. 1 disco compacto: digital. Mú-
sica integrante do álbum intitulado Cordel do Fogo Encantado. Com este título, tentamos expressar a situação
das terras florestadas ao norte do município de Palmeira das Missões antes da crião da Comissão de Terras e
Colonização de Palmeira. Os matos nativos de erva-mate foram considerados, por algum tempo, como sendo
de domínio público. Ao mesmo tempo, muitos luso-brasileiros passaram a reivindicar e controlar vastas áreas
deste território, mesmo sem possuirem, em alguns casos, os registros de propriedade legal das terras.
45
Ao permanecer certo tempo no povoado de Palmeira das Missões (na época,
conhecido como Vilinha), Beschoren (1989, p.78) teceu o seguinte comentário em
meados de fevereiro do ano de 1879:
Agora estou quase naturalizado e desejo e espero ainda por
muito tempo ser um morador provisório da região.
O lugar não é o que eu supunha ser e daria para viver muito
bem aqui, se não fosse a constante competição partidária, com as
conseqüências intrigas e rixas, de tal modo, que viver em paz é qua-
se impossível. Quem quiser tranqüilidade terá que tapar os ouvidos,
para não escutar, vendar os olhos para não enxergar.
o passou despercebido pelo agrimensor o clima de tensão política existen-
te em Palmeira que, mais tarde, ganhará contornos de maior violência através da
Revolução de 1893 entre republicanos (chimangos) e maragatos (liberais). As diver-
gências políticas neste munipio eram tão acentuadas que até mesmo a localização
das residências na cidade refletia o posicionamento político de seus habitantes:
Os primeiros habitantes escolheram a maior das coxilhas próxi-
mas e aí contruíram os ranchos a uma distância bem grande das
águas do afluente do rio da Várzea, situado a leste, e do afluente do
rio Guarita, a oeste. [...]
Alguns povoadores mais tarde começaram a construir numa
coxilha vizinha, pouco mais baixa, e separada por um vale, da primei-
ra coxilha. Assim, surgiram duas cidades, fortemente divididas, não
pelo vale, mas pelas opiniões políticas dominantes. [...] uma
das partes é exclusivamente habitada por liberais, enquanto a outra é
por conservadores. Os liberais possuem a Vila Nova, situada na co-
xilha alta, logo avistada pelos viajantes. Os conservadores estão
localizados na Vila Velha. [...] o número de habitantes da Vila está
em torno de 400 a 500 e os de todo o município, em 9.000 pessoas.
(BESCHOREN,1989, p.84-85)
O número de habitantes apresentado por Beschoren, em seus relatos, é um
pouco maior do que o obtido no recenseamento realizado no ano de 1872 pelo go-
verno imperial, que recenseou 7.160 almas (conforme terminologia utilizada pelo
órgão recenseador da época
14
). Também é interessante observar o predomínio de
brasileiros (7.000) em relação ao número de estrangeiros (160), indicando que a
“colonização européiaexpressão utilizada por Leo Waibel ainda não havia sido
direcionada para esta região. Entre os recenseados, 1553 (ou aproximadamente
21% da população total) declararam serem caboclos. Chamamos a atenção para
esta informação uma vez que os caboclos serão os principais responsáveis por
14
A formação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ocorreu através do Decreto nº 218 de ja-
neiro de 1938, com a unificação do Conselho Nacional de Estatística e do Conselho Nacional de Geografia.
Ou seja, o primeiro recensamento geral do Brasil coordenado pelo IBGE foi realizado em 1940.
46
começar a inserir a zona florestal ao circuito da economia municipal, fornecendo
mel, caças (carne e peles) e seus excedentes agrícolas. Além disso, os caboclos
eram uma reserva de mão-de-obra utilizada em atividades sazonais, como na colhei-
ta da erva-mate.
Nas matas ao norte do munipio de Palmeira das Missões ainda habitavam
populações indígenas nômades. Esses indígenas teriam sua origem em outras re-
ges do Brasil, mas foi na mata fechada do Alto Uruguai que essa população obteve
refúgio. Eram, em sua grande maioria, índios caingangues (também conhecidos
como “coroados” devido ao corte de cabelo característico que utilizavam e que lem-
brava uma coroa). De acordo com estudos feitos por Soares (2004, p.56) “os cain-
gangues não figuravam entre os primeiros habitantes do Rio Grande do Sul. Só apa-
receram em nossas matas da margem esquerda do Uruguai no alvorecer do século
XVIII, quando os lagunistas e paulistas de São Vicente desceram com suas entradas
em nosso território”. Em um mapa da Diretoria de Terras e Colonização, com data de
1924 é mencionada a existência de 12 toldos
15
indígenas (10 toldos de índios coroa-
dos e 2 de índios guaranis) em todo o Rio Grande do Sul, que agrupavam uma po-
pulação total de 2.600 indígenas. No mapa estão assinaladas as localizações des-
ses toldos, que ocupam as áreas setentrionais do estado. Os toldos Guarita e No-
noai agruparam os índios que habitavam a zona florestal de Palmeira das Missões.
Do ponto de vista da propriedade legal das terras, a região do Alto Uruguai
era a última grande reserva de terras de donio do estado, uma vez que os indí-
genas não possuíam documentos de propriedade legal da terra. Mesmo que lhe fos-
sem dadas grandes propriedades de terras, logo buscariam outras que oferecessem
melhores condições de caça e outros recursos necessários para sua sobrevivência,
ou, simplesmente, para evitar a proximidade dos colonizadores. Dessa maneira, a
população indígena era vista como um entrave para o bom andamento dos projetos
de colonização do estado. Aceitando o fato de que o nomadismo era o principal pro-
blema oriundo dos povos indígenas (uma vez que se tornava impossível saber a
localização exata desses povos), o governo precisava encontrar uma forma de fixar
essa população nômade e delimitar áreas que pertenceriam legalmente aos índios.
15
Toldo: Aldeamento de índios de grau mediano de aculturamento. In: HOUAISS, Dicionário Eletrônico da
Língua Portuguesa. Versão 2.0a. Editora Objetiva, 2007.
47
A forma encontrada para fixar o índio à terra foi catequizando-os e ensinando-os a
cultivar o solo. Foi assim que se originaram os aldeamentos ou toldos indígenas.
O Governo da Proncia tomou medidas para a instrução dos
ingenas. Iniciou-se a catequese, e para esse fim foram enviados
três missionários italianos, acompanhados por vários operios, tra-
zendo roupas, sementes e utenlios para a lavoura.
Os selvagens mostravam-se altamente hostis em relação aos
primeiros colonos, tentando impedí-los de se assentarem nas terras,
ao passo que eram pacíficos com os missionários que os
catequizavam. [...]
Os selvagens dedicavam-se à caça e um pouco à lavoura,
mesmo de modo primitivo e com critérios limitados. Não foi difícil
para os missionários fixá-los à colônia e acostumá-los à vida se-
dentária.
Enquanto a maior parte submetia-se às ordens dos religiosos,
outros preferiram a liberdade, emigrando para a Província do Pa-
raná
16
, onde, com suas caçadas, exploraram as imensas florestas
entre o rio Uruguai e o Paraná.
Foi assim que no início de 1850, fundou-se o Aldeamento de
Nonoai, o ponto de encontro dos selvagens que povoavam as re-
giões próximas. As poucas tribos restantes, espalhadas no Distrito,
foram domiciliadas e formaram pequenos Toldos. (BESCHOREN,
1989, p.43)
A questão da fixação dos povos indígenas em áreas delimitadas era de impor-
tância fundamental para o projeto de demarcação, ocupação e valorização das ter-
ras da zona florestal com colonos europeus e os excedentes populacionais que esta-
vam se formando na área das antigas colônias como, por exemplo, Caxias, Alfredo
Chaves, Guaporé, Silveira Martins, São Leopoldo, Estrela, entre outras.
No último quartel do século XIX as últimas áreas de campo e as matas de er-
vais nativos foram sendo apossadas por luso-brasileiros de São Paulo, chegando,
principalmente, pelos municípios de Cruz Alta e Passo Fundo, onde já não havia
áreas maiores de terras disponíveis.
Explicam os antigos moradores que os campos de Fortaleza, hoje
Seberi, desde o século passado, foram sendo ocupados por luso-
paulistas, os quais, desinteressando-se de São Paulo, vieram tentar
a fortuna na lida do campo. [...]. Na ria, aqueles paulistas eram
chamados “biribas. Entre os mais conhecidos estavam os Galvão,
Pôncio, Pires de Lima, Moura, Felício, João Rodrigues da Silva,
Domingos Padilha de Camargo, Venâncio Pires de Lima e Annio
Conceição da Cunha, vulgo “Mico, apelido que passou ao Lajeado
16
Corresponde, hoje, a parte do oeste catarinense. Essa porção territorial do oeste catarinense fez parte da cha-
mada região do Contestado, disputada por muitos anos entre os estados do Paraná e Santa Catarina, resolven-
do-se a disputa em favor do estado catarinense no ano de 1916.
48
do Mico, porque, à beira deste, tinha mandado fazer roças. Todos
foram se apossando de vastas áreas de campo, marcando as divisas
a dedo, como era de praxe nos velhos tempos. mais tarde, aos
poucos, passaram a requerer títulos de posse. A posse dos Pôncio,
por exemplo, nas imediações da sede atual, tinha 16 milhões de
metros quadrados. O mais antigo proprietário local, Vicente Annio
de Oliveira, instalou-se nela com título expedido pelo Marechal
Hermes da Fonseca, Presidente da Reblica de 1910 a 1914.
(BATTISTELLA, 1969, p.12)
A base da economia do munipio de Palmeira das Missões estava assenta-
da, quase que exclusivamente, sobre dois produtos principais: a erva-mate e a pro-
dução pecuária. A agricultura praticada servia basicamente para a subsistência. Esta
afirmação é quase um consenso em toda a bibliografia consultada e em relatos da
época. Porém, devemos observar que em todas as propriedades era necessário
haver a elaboração de, pelo menos, um produto comercializável. Assim, o agricultor
conseguiria obter produtos elaborados fora dos limites de sua propriedade como
tecidos, sal, ferramentas de trabalho e outros alimentos. Citaríamos como exemplo
as plantações de cana-de-açúcar e os produtos dela derivados como o açúcar, a
rapadura e a aguardente, onde uma fração da produção era separada para o con-
sumo familiar, sendo o restante comercializado ou trocado por outros produtos.
Entretanto, em suas observações sobre o típico riograndense (luso-brasileiro
que exerce a atividade pecuária) ele constatou a baixa aptidão para a prática da
agricultura e expõe uma previsão imbuída de um posicionamento determinista:
A cultura do solo está muito atrasada, porque o riograndense
não é para este tipo de atividade. Ele prefere dedicar-se à criação de
gado e a produção de erva-mate. A agricultura é explorada em nível
suficiente para os gastos da casa. [...]
Pelo fato da Província do Rio Grande sempre se dedicar so-
mente a criação de gado, houve um atraso em relação à agricultura.
Devido à expansão da colonização, aos poucos se valorizou o solo,
fazendo-se notar também o desenvolvimento da indústria, como
conseqüência natural por determinadas culturas. criando gado,
nunca teremos indústrias. O nosso campeiro, “verdadeiro rei da
coxilha, nunca será um industrial. (BESCHOREN, 1989, p.28)
Esta falta de uma aptidão do luso-brasileiro pela ptica da agricultura é justifi-
cada pelo histórico de bons rendimentos e pelo reconhecimento social e político pro-
porcionados pela atividade pecuária. Por isso se criou uma certa resistência por par-
te da classe pecuarista em experimentar outras atividades além da pecuária.
Outro fator desmotivador para que os pecuaristas de Palmeira das Missões se
tornassem agricultores estava na precariedade dos meios de comunicação da época
49
que ocasionavam um isolamento do município. Isto inviabilizava a introdução de la-
vouras comerciais com capacidade de competir com os agricultores das áreas das
colônias velhas. Uma descrição da forma como esses de luso-brasileiros chegavam
a esta região e da situação sócio-econômica dos mesmos, foi feita por Beschoren
(1989, p.86-87) em sua passagem pela borda na mata do Alto Uruguai:
Os campos como pequenas linetas vão penetrando na serra.
São campos primorosos e preferidos pelos compradores de São
Paulo e Paraná. Como os campos pertencem aos melhores da re-
gião alta, também as matas do Uruguai e seus afluentes oferecem o
melhor solo, o terreno mais fértil para as lavouras. As florestas erva-
teiras são as mais ricas das Missões.
No entanto, a população é pobre, pobre junto aos recursos
que não se esgotam. O município está muito distante dos grandes
centros comerciais, isolado e abandonado no lonnquo noroeste da
Província.
A facilidade em se obter posses de terras aliada a necessidade de baixos
investimentos para a exploração da erva-mate e das criações pecuárias contribuíram
para que estes produtos se destacassem na economia local neste momento. Além
desses dois produtos, poderíamos destacar outro recurso importante: as reservas de
madeiras nobres existentes na zona florestal
17
. Entretanto, se o escoamento da
erva-mate e a obtenção de produtos de primeira necessidade já eram um grande
desafio aos habitantes dessa região, como imaginar o transporte de toras de
madeira vindas do meio da mata?! A madeira cortada, neste período, era utilizada
unicamente para suprir as necessidades locais. o havia serrarias e o
beneficiamento era feito de forma artesanal
18
. O único meio de transporte possível
era realizado no lombo de mulas ou puxado por juntas de bois. Produtos de grande
peso, perecíveis ou muito frágeis dificultavam a viagem. Em compensação, o gado
era transportado ainda vivo para seus mercados consumidores, enquanto a erva-
17
De acordo com Soares (2005, p.42) eram encontradas as seguintes espécies de madeiras de lei: angico (Pipta-
denia rigida), cedro (Cedrela fissilis), diversas espécies de canelas (gêneros Ocotea, Nectandra, Cryptocarya),
guajuvira (Patagonula americana), cabriúva (Myricarpus frondosus), grápia (Apuleia leiocarpa), louro (Cor-
dia hypoleuca), ipês diversos (Tabebuia ssp), canjerana (Cabralea glaberrima multijuga), camba (Moquínia
polymorpha), guatambu, pessegueiro-do-mato (Prunus subcoriacca), alecrim, cambuim, guamirim.
18
Battistella (1969, p.221) assim relatou as dificuldades de contrução da primeira capela do povoado de Osvaldo
Cruz: “Sendo a vida religiosa a preocupação mais sentida nas comunidades cristãs em formão, os pioneiros,
como alhures, trataram logo de construir sua igrejinha. Mas como fazer, si não havia engenhos de serra? As
madeiras foram serradas a poder de braços, em estaleiros, e aplainadas à mão, com infinita pacncia. Os tra-
balhos, iniciados em 1922, sofreram os contratempos da revolução, e a capela só poude ser concluída em Julho
de 1924”. Dessa forma, somos levados a imaginar que não haviam locais específicos para beneficiamento de
madeira no entorno do povoado, pelo menos até o ano de 1922.
50
mate era um produto de baixo peso e de grande tolerância aos “solavancos” das
mulas.
Todos os transportes terrestres eram efetuados ou por mula ou
carrêtas de duas rodas, puxadas por vários pares de bois. O vagar e
a pouca capacidade desses meios constituíam óbices à expedição
dos produtos. Mulas e carretas seguiam caminhos temporários – pois
não havia estrada alguma e transpunham os rios a vau (ROCHE,
1969, p.31)
Deve-se ressaltar que a folha da erva-mate não era comercializada sem an-
tes passar pelo beneficiamento. Para a conservação adequada da folha era neces-
sário secá-la. Beschoren (1989:20) descreve o processo de fabricação de erva-mate
através do sistema do Carijo
19
. Ele detalha o cuidado com a melhor época para se
cortar e/ou colher as folhas de mate; a forma de reunir essas folhas para secagem; o
melhor tipo de madeira a ser utilizado no carijo (“a madeira utilizada para o fogo é de
muita importância para determinar a qualidade e o gosto do produto. [...] Dá-se
preferência à Guabiroba, Goamirim, Araçá e Sassafrás.”); e o grande cuidado com o
manejo do fogo na fase final de secagem das folhas para evitar que todo o carijo se
perca num inndio. Conforme o seu relato, o ato de “matear” (termo utilizado por
Beschoren que remete ao ato de sorver o chimarrão) já era uma característica
marcante da cultura do riograndense:
O prazer de matear” é comum no Sul do Brasil, principalmente na
região montanhosa, na campanha e nos estados espanhóis. A influ-
ência da bebida é bastante salutar. Atua principalmente na digestão
sendo propícia nas regiões onde a carne é o alimento principal. [...]
O gosto da bebida é amargo. É servida num porongo (cuia), ge-
ralmente enfeitado com guarnões prateadas, por meio de um tubo
de prata (bomba) em cuja extremidade inferior fica uma peneira. [...]
A primeira coisa que se oferece, em qualquer casa, seja rica ou
pobre, é o mate chimarrão. Durante o agradável “chupar (de outra
forma não se pode caracterizar), o mate é como um “cachimbo da
Paz”, passa por toda a roda enquanto as pessoas conversam. A arte
de matear é um ótimo meio de passar o tempo. (BESCHOREN,
1989, p.21)
19
O “Carijo” é um tipo de construção onde a erva-mate colhida é pendurada sob o calor de uma fogueira contro-
lada para a secagem das folhas da erva-mate. Esta construção possui uma cobertura (geralmente de folhas de
palmeira) e assemelha-se, conforme relato de Beschoren, a um alpendre. Outro sistema de secagem da folha é
o do “Barbaquá”. Neste sistema não há o contato direto da fumaça da fogueira com as folhas de erva-mate, o
que dá origem a um produto de sabor mais puro. Porém, por exigir equipamentos específicos e a edificação de
um galpão para esta atividade, não era viável para a maioria dos ervateiros e exigia uma estrutura logística
(entre o local da colheita e o do beneficiamento) mais complexa. (Tipos e aspectos do Brasil: ervateiros. In:
Revista Brasileira de Geografia, Ano V, nº 1, p.129, Conselho Nacional de Geografia, Rio de Janeiro, 1943).
51
Depois de secas, as folhas da erva-mate podiam ser transportadas. Parte
dessas folhas ainda poderia passar por mais um processo de beneficiamento antes
de serem exportadas. Este outro processo se caracteriza pela trituração da folha que
era feita no monjolo, um tipo de “máquina brasileira que não é encontrada nas
colônias alemãs (BESCHOREN, 1989, p.26). O “monjolo” é um equipamento cujo
movimento é semelhante ao do pilão. É movimentado através da força da água que,
ao encher uma gamela” em uma extremidade, movimentava um pilão na outra ex-
tremidade. A figura 9 apresenta uma das formas mais comuns de um monjolo, que
poderia sofrer algumas adaptações conforme o produto a ser moído e/ou triturado.
Era utilizado, principalmente, para a obtenção de farinha de milho e para a trituração
da folha da erva-mate.
Figura 9: Desenho ilustrativo de um monjolo.
FONTE: <http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/4modos/sd-monjolo.html>
A produção ervateira tinha uma grande importância para os cofres municipais
devido ao fato de que os tributos originados de sua comercialização eram recolhidos
pelos municípios.
A erva-mate, ao lado da pecuária, foi um dos principais produ-
tos da região serrana durante o século XIX. Particularmente, o mate
52
tinha especial importância por ser a principal fonte de recursos das
câmaras municipais, através do tributo que incidia sobre a exporta-
ção do produto. Embora o gado fosse o principal produto regional, o
tributo sobre sua exportação para outras províncias ou para o exte-
rior era arrecadado pelo governo provincial. (ZARTH, 1997, p.56)
As matas nativas de erva-mate chegavam a ser consideradas como sendo de
domínio público, permitindo, assim, que pequenos agricultores, pudessem explorar
este recurso e evitando que essas áreas passassem para o donio de posseiros. A
Lei de Terras de 1850 transformou a terra em mercadoria, ocasionando uma corrida
pela regularização de vastas áreas de ervais nativos a posseiros que possuíam algu-
ma influência dentro do governo imperial. Os interesses do governo imperial e dos
municípios sobre o uso da terra começaram a entrar em conflito. De acordo com
Zarth (1997, p.65-68):
Era corrente o confronto entre o poder municipal e o imperial no
processo de privatização das terras. A execução da Lei de Terras era
responsabilidade do governo imperial através da presidência da pro-
víncia, que se encarregava de nomear os juízes-comissários para
atuarem nos municípios. No caso das terras de ervais, as câmaras,
por uma questão política e devido à importância do mate na receita
municipal, procuravam manter o controle e normalmente defendiam
os ervateiros. [...]
Por outro lado, a disputa de terras não se limitava a uma dis-
cussão entre o poder local e as insncias superiores do poder. Nu-
ma época em que o caciquismo político era muito forte no Rio Gran-
de do Sul, as lutas de terra passavam também pela luta no seio da
própria oligarquia local, dessa forma saindo parcialmente do terreno
de simples batalha entre grupos sociais diferentes.
Uma das conseqüências deste embate foi a expulo de contingentes popu-
lacionais das áreas de ervais nativos. Estas pessoas se tranformaram nos agrega-
dos das grandes fazendas, buscaram algum outro tipo de ocupação ou migraram em
busca de terras ainda livres, ou seja, se deslocaram para a zona florestal e abriram
roçados no meio das mata a fim de evitar conflitos com os pecuaristas. De acordo
com Battistella (1969, p.13), “o gado de campo vivia solto, e os posseiros, para ter o
direito de cobrar danos, deviam, por lei municipal, fazer as plantações meia légua
longe dos campos considerados zonas de criação”.
Entretanto, a produção pecuária (principalmente de mulas que eram utilizadas
no transporte de carga), o outro pilar da economia de Palmeira das Missões no fim
do século XIX e início do XX, já estava perdendo parte de seu mercado consumidor.
A implantação de um novo meio de transporte de carga no estado de São Paulo,
utilizado para o escoamento da produção cafeeira, fez com as exportações de mulas
53
do Rio Grande do Sul para São Paulo fossem negativamente afetadas. Por muito
tempo as mulas foram o principal meio de transporte de carga utilizado no Brasil,
porém, os trilhos das ferrovias foram, paulatinamente, substituindo os caminhos
traçados pelos tropeiros e suas tropas de mulas.
O movimento na Estrada Reiúna, que atravessa a Vila, é bem
intenso
20
. Nos meses de veo, a vida torna-se bem animada. O
núme-ro de cavalos e mulas enviados ao Paraná e São Paulo, por
essa es-trada, tem diminuído. No ano de 1867, exportaram 15.168
cabeças aumentando em 1871 para 35.000. Entretanto, mais tarde a
remessa diminuiu para 10.000 cabeças. Quanto aos motivos dessa
enorme re-dução de animais, disse-me o coletor:
– “Em São Paulo estão construindo muitas ferrovias e por isso
as pessoas não precisam mais tantos cavalos e mulas”.
(BESCHOREN, 1989, p.46)
3.1.2 A revolução de 1893 e o início da ocupação da zona florestal de Palmei-
ra das Missões
No ano de 1893 teve início o conflito armado entre dois grupos políticos do
Rio Grande do Sul: os chimangos (republicanos conservadores), e os maragatos
(liberais). Alguns anos mais tarde, mais precisamente no ano de 1923, estes dois
grupos voltam a se enfrentar, mas os motivos já não são os mesmos que motivaram
o primeiro conflito.
A Revolução de 1893 rebelou-se contra este estado das coi-
sas. Foi esta a razão ideológica dessa heróica revolução de 1893,
que não se pode confundir com a de 1923, [...].
Basta observar que a Revolução Federalista de 1893, iniciou-
se com Gumercindo Saraiva, invadindo o Rio Grande do Sul, partin-
do do Uruguai e com Gumercindo terminou quando ele foi atingido
por uma bala traiçoeira em Cruz Alta, no ano de 1894.
Esta Revolução tinha por chefe supremo Gaspar Silveira
Martins, contra lio de Castilhos, ao passo que a de 1923, contava,
de um lado, com Assis Brasil e, do outro, Borges de Medeiros, visan-
do tirá-lo do governo, enquanto a Revolução ideológica de 1893 não
tinha como objetivo apeiar a quem a quem quer que fosse do poder,
mas apenas exigir que esse fosse exercido com justiça e liberdade,
velha e surrada bandeira dos maragatos. (GRASSI, 1996, p.86)
E é por conta deste primeiro momento de embates entre chimangos e mara-
gatos que a zona florestal de Palmeira se torna mais “movimentada”. A busca de
20
A Vila citada era a Vila de Nonoai, enquanto a Estrada Reiúna ligava Passo Funda à, então, Província do Para-
ná, atual estado de Santa Catarina.
54
refúgio para os rebeldes maragatos e suas famílias obrigou alguns grupos a embre-
nharem-se mata adentro e a formar verdadeiros povoados florestais.
A revolução de 93, como de resto em todo o Rio Grande, dei-
xou profundos ressentimentos entre federalistas e republicanos na
Vila da Palmeira. Mas aqui para agravar tinha acontecido a hecatom-
be do Boi Preto, com a degola de mais de 350 maragatos a mando
de Firmino de Paula, assim como nessa ocasião muitos palmeiren-
ses tiveram que emigrar para terras lonnquas deixando familiares
passando necessidades, da mesma maneira outros conheceram a
dor do luto, das perseguições, da humilhão e dos campos despo-
voados. Eis por que mesmo a refrega cessada, os ódios e malque-
renças permaneceram latentes nos anos que se seguiram entre os
dois partidos oponentes. (OLIVEIRA, 1974, p.35)
E foi justamente a um grupo de maragatos cruzaltenses e de moradores do
Rincão da Fortaleza, atual Seberi, que haviam se embrenhado na mata em busca de
refúgio, que se atribui a descoberta de um dos principais motivadores da futura ocu-
pação da zona florestal de Palmeira das Missões: as águas termo-minerais de Iraí
21
.
Moradores antigos de Fortaleza e Prado contaram-me que des-
de os tempos da revolução de 1893 era conhecido o “Sítio dos Gal-
vão”, velha vivenda da qual ainda hoje restam vestígios, entre laran-
jais, à margem esquerda da barra do Rio da Várzea. O Gorno ha-
via mandado certo engenheiro abrir um pique, em linha mais ou me-
nos reta, desde o Fundo da Fortaleza” [atual município de Seberi]
até ali, talvez para fins militares. Por aquele pique mais tarde pas-
savam os Galvão, a saber, o velho Galvão de Souza Bueno e seus
filhos Domingos, Marcelino e Donarte, vindos do Rincão da Fortale-
za, entre Seberi atual e Jabuticaba, para fundar o mencionado sítio,
que, por isso, se chamou dos Galvão. (BATTISTELLA, 1969, p.15)
Talvez o “certo engenheiro(como foi mencionado por Battistella) tenha sido
Maximiliano Beschoren, pelo fato de ter sido ele o responsável pela abertura do pri-
meiro pique (caminho aberto na mata) ligando o Rincão da Fortaleza às margens do
Rio Uruguai (ver figura 10). No estudo realizado por Grassi (1996, p.104)
encontramos afirmação semelhante à de Battistella:
O dito “Sítio dos Galvão”, inicialmente era muito mais do que
uma simples moradia improvisada. Tratava-se de um acantonamen-
to, quase paramilitar, de revolucionários à espera de nova organi-
zação para, eventualmente, prosseguir em outras incursões semi-
bélicas ou, então, aguardar o comando de “parar e dispersar”. O líder
do contingente, Domingos Galvão, era por demais conhecido como
revolucionário maragato, envolvido, sempre que pudesse, em esca-
ramuças ou aventuras refregas.
21
“A denominação de Arroio do Mel provém da existência de inúmeras colméias, que forneciam mais um ali-
mento à parca mesa dos caçadores: inicialmente, o nome era Barreiro do Mel. Mais tarde recorreu-se ao idio-
ma nativo, resultando daí o nome de Iraí águas do mel por sugestão do Dr. Tôrres Gonçalves”. (IBGE,
1959-a, p.278)
55
Figura 10: Mapa elaborado por Maximiliano Beschoren datado de 1886. No detalhe, a porção norte do município de Palmeira-RS. A linha vermelha indica o caminho percorrido por Beschoren entre
Palmeira e o rio Uruguai. Este caminho foi denominado de “Picada de Exploração” e chegava ao “Passo da Boa Esperança”. A linha verde mostra o limite entre a zona de campos naturais e a zona de
mata fechada, além da provável localização do Rincão da Fortaleza.
FONTE: Beschoren, 1989 (mapa em anexo). Adaptação: Edilson W. Pedroso Jr.
56
Esse fato é tão importante para o desenvolvimento de colonização das matas
de Palmeira que Battistella (1969, p.14) chega a afirmar que “não se compreenderá
plenamente a presença dos primeiros colonizadores de nossa terra sem que se co-
nheça a história das águas medicinais de Iraí”.
Poderíamos dizer que Iraí foi a “menina dos olhos” do projeto de colonização
elaborado pela Diretoria de Terras e Colonização do Norte (através da Comissão de
Terras e Colonização de Palmeira sob a chefia do engenheiro Frederico Westpha-
len) para a zona florestal de Palmeira das Missões. Mesmo com a descoberta das
fontes de águas termais, a criação da Comissão de Terras de Palmeira ocorrereu
no ano de 1917, o que não significa que alguns grupos de bravos aventureiros não
tenham se organizado em caravanas e, em alguns dias de viagem pela estreita
picada ligando o Rincão da Fortaleza às Águas do Mel, atingissem a fonte de águas
milagrosas.
[...] pela madrugada de um dia qualquer desse mês naquele longín-
quo ano (mês de janeiro de 1914), esse grupo de palmeirenses no
lombo do cavalo e em busca de tratamento, deixava a vila da Pal-
meira em direção ao arroio do Mel em pleno sertão do Rio Uruguai.
Nas primeiras vinte e quatro horas de viagem os caravaneiros, um
atrás do outro, foram até a Boca da Picada do Mel, hoje Seberi, local
em que morava Domingos Galvão, e pernoitaram. No outro dia
cedo tomaram à direita já em pleno sertão. Não havendo nem estra-
da nem caminhos definidos a viagem se tornava difícil; mas, mesmo
assim, os viajantes passaram onde nos dias atuais é Frederico
Westphalen e, no fim desse dia, foram dar às margens do rio da
Várzea no lugar em que Osório Martins era morador bem no ponto
em que o rio Braga faz a sua barra. pernoitaram para na madru-
gada seguinte poder atravessar o rio Várzea, o que foi feito através
de canoas. (OLIVEIRA, 1974, p.42)
Percebendo a necessidade de intervir no ordenamento da ocupação e explo-
ração da zona florestal de Palmeira, o governo do estado criou, no mês de março do
ano de 1917, a Comissão de Terras e Colonização de Palmeira com a seguinte fina-
lidade:
A Comissão de Terras e Colonização de Palmeira constituía-se
num órgão estatal que tinha como função discriminar, demarcar e
efetivar a colonização das terras públicas do município de Palmeira
das Missões, bem como solucionar processos de legitimação de pos-
se das terras que se achavam no donio privado. (JACOMELLI,
2004, p.24)
Sob a responsabilidade de Frederico Westphalen estava o ordenamento ter-
ritorial de uma vasta porção de terras florestais definidas e delimitadas (em um pri-
57
meiro momento) pelo Rio Inhacorá (a oeste), rio Uruguai (ao norte), linha férrea de
Passo Fundo (a leste) e ao sul, era a borda da floresta que definia o limite. Dentro
desses limites, esta porção de terras ainda foi dividida em duas grandes regiões, fi-
cando o rio da Vázea como divisor (figura 11, p.58). Dentro da Comissão de Terras
de Palmeira foram criadas duas Inspetorias de Terras: a Inspetoria de Palmeira
(que, em 1928 foi transferida para o distrito de Barril distrito este que, neste mes-
mo ano, teve sua denominação modificada para Frederico Westphalen) e a Inspeto-
ria de Nonoai (que ora está vinculada à Comissão de Palmeira, ora à Comissão de
Passo Fundo). A criação da Comissão de Terras de Palmeira trouxe profundas alte-
rações na dinâmica cio-econômica de Palmeira das Missões, interferindo, inclusi-
ve, nas relações de poder até então existentes e centradas nos coronéis pecuaristas
e ervateiros.
Ao estudar as ações da Comissão de Terras no âmbito admi-
nistrativo e em relação aos agentes de ocupação-desocupação,
observa-se que a estrutura organizacional não fugiu à regra de cen-
tralização do poder vigente no estado, refletindo no local a prática do
clientelismo. Nos trâmites em torno da terra e suas correlações, os
funcionários do Estado agiam como novos coronéis, com a função de
efetivar pequenas mudanças mantendo a ordem estabelecida e a
legitimidade do Estado. (JACOMELLI, 2004, p.50)
A respeito do planejamento feito para a sede da sede de Iraí, alguns mapas já
apresentados no capítulo 2 (figuras 5, 6 e 7, das págs. 36, 37 e 39, respectivamente)
mostram a intenção de se construir um ramal ferroviário que partiria de Iraí, ligando-
se a Passo Fundo, além da proximidade de outro ramal que ligaria o Borja à Tor-
res, cujo traçado acompanhava os limites fronteiriços entre o Rio Grande do Sul e o
estado de Santa Catarina, acompanhando, também, o curso do Rio Uruguai. Além
destes mapas, a bibliografia regional consultada é unânime em destacar o meticu-
loso trabalho de planejamento feito para Ir. Nas obras de Grassi (1996, p.188) e
Sponchiado (2005, p.292) encontramos a mesmo uma planta do planejamento
urbano elaborado para a sede de Iraí, já contendo, inclusive, a denominação de
ruas. Sponchiado (2005) fez um aprofundado estudo sobre a influência do positivis-
mo na colonização do norte do estado do Rio Grande do Sul, e, sobre a escolha dos
nomes das ruas de Iraí ele afirma que “no caso de Iraí, Torres Gonçalves teve espe-
cial cuidado na escolha dos nomes. Quando se tratou de organizar a futura estação
balnear, preocupou-se em fazer ‘intervir as condições estéticas na escolha dos no-
58
mes das avenidas, ruas e praças’. Para o engenheiro, havia certos prinpios que
deviam nortear a escolha”. (SPONCHIADO, 2005, p.290)
Figura 11: Parte de um mapa elaborado pela Diretoria de Terras e Colonização, com
data de 1916. Como este mapa definia a borda da zona florestal, demarcamos sobre o
mesmo a área aproximada que ficou sob a jurisdição da Comissão de Terras e Coloni-
zação de Palmeira, criada no ano de 1917, com o polígono na cor azul.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen. ADAPTAÇÃO: Edilson W. Pedroso Jr.
Mesmo não tendo sido executado grande parte dos projetos feitos (o que in-
clui o ramal ferroviário), muitos recursos foram investidos na sede de Iraí, propor-
cionando que este fosse o primeiro distrito a conseguir sua emancipação política no
ano de 1933. “Pelo Decreto nº. 5 368, de 1º de agôsto de 1933, Iraí era desmembra-
do de Palmeira, constituindo-se em município, sendo nomeado Intendente o Dr. Vi-
cente de Paula Dutra, que assumiu o cargo a 13 de agôsto de 1933. O urbanista
59
engenheiro Saturnino de Brito
22
dirigiu os trabalhos do desenvolvimento da cidade”.
(IBGE, 1959-a, p.278)
Sobre o financiamento para este grande empreendimento planejado para a
sede de Iraí, Jacomelli (2004, p.45) afirma que:
No projeto de colonização apresentado por Torres Gonçalves
ao diretor das Obras Públicas do Estado em 1917, constavam o
autogerenciamento da construção da linha férrea até Iraí e a orga-
nização do balneário do local a partir da dinâmica da colonização.
Neste, propunha como garantia para a obtenção de empréstimo refe-
rente à construção da linha férrea os lucros do comércio das terras
entre os rios Uruguai, Passo Fundo, Guarita e orla de mato, totali-
zando 550 mil hectares de terra. Subtraindo-se desse total os 50 mil
hectares referentes a posses legitimadas e por legitimar e mais 200
mil hectares relativos às reservas florestais, restariam 300 mil hec-
tares para garantir o financiamento. Divididos em 25 ha, estes dariam
12 mil lotes, correspondendo ao primeiro grupo de lotes a serem de-
marcados na nova colônia de Iraí.
Os grandes investimentos planejados se justificam pelo fato de que a estas
fontes eram atribuídas propriedades terapêuticas e curativas para diversos males.
Isto rendeu à Iraí a fama de possuir águas curativas e milagrosas. Além de possuir
este importante atrativo, o fato de estar situada às margens do Rio Uruguai propor-
cionava uma via de transporte alternativa ao transporte rodoviário. Isso justifica que
o início da exploração madeireira se iniciasse em Iraí, às margens do Rio Uruguai, e
não na borda entre o campo e a mata, mais pxima a cidade de Palmeira das Mis-
sões. Além de proporcionar um acesso por via fluvial, o rio Uruguai (e seus afluen-
tes) viabilizou o início da exploração madeireira em larga escala no município de
Palmeira das Missões. As madeiras eram levadas para os mercados consumidores
da Argentina, principalmente para o município de Santo Tomé. Além de ter o trans-
porte facilitado pelo rio (figuras 12 e 13, nas págs. 60 e 61 respectivamente), os
madeireiros também encontravam melhores preços pagos pelas toras de madeira
(Battistella, 1969, p.59).
22
Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (1864-1929). Era engenheiro civil por formação, mas, é considerado
como o primeiro engenheiro sanitarisa brasileiro. Seguidor das idéias positivistas, realizou projetos de urba-
nismo para aproximadamente 40 cidades brasileiras, entre os anos de 1896 quando realizou o projeto de sane-
amento e melhoramentos para o Novo Arrabalde em Vitória, capital do Espírito Santo, até o ano de 1929,
quando morreu no Rio Grande do Sul, elaborando um trabalho de saneamento para Pelotas. O alcance de suas
idéias foi muito grande, tendo influenciado, através de seus tratados técnicos, até mesmo engenheiros da Eu-
ropa e Estados Unidos. De acordo com Sponchiado (2005, p.303), o eng. Saturnino de Brito entregou os
projetos de água e esgoto de Iraí em maio de 1924, ou seja, cinco anos antes de sua morte ocorrida no
munipio de Pelotas-RS.
60
Mas, de que forma o desenvolvimento de Iraí influenciou no desenvolvimento
de Seberi?
Por estar situado no limite entre a zona florestal e a zona de campos na-
turais, a área onde hoje está assentada a sede do município de Seberi já contava
com algumas pessoas que habitavam e se concentravam neste local, o que incluía a
existência de alguma atividade de comércio de produtos básicos (principalmente sal,
tecidos e ferragens).
Os primeiros comerciantes na zona de campo, precisamente no
chamado Rincão da Fortaleza, foram Domingos Galvão Bueno e Dul-
ce Chaves. Em 1918 chegou de Ijuí Antônio Marino Zanatto, estabe-
lecendo casa de comércio. [...] Com a chegada de Annio Zanatto,
homem esperto e empreendedor, o lugar principiou a despertar para
o progresso e a ter nome. Não tardaram a chegar de Tapera, 1918,
Ricieri Pértile, e de Ijuí, 1919 e 1920, numerosos colonizadores, entre
os quais devem ser lembrados Ciotti, Bonadiman, Caponi, Linsbinski,
Markoski, Carlinski, Cecowicz. Conheci quase todos eles. (BATTIS-
TELLA, 1969, p.13) [grifo nosso]
Figura 12: Transporte de madeira pelo rio Uruguai (fotografia sem data definida).
FONTE: Grassi (1996:182).
61
Figura 13: Transporte de madeira pelo rio Uruguai (fotografia sem data definida).
FONTE: Soares (2005, p.45)
O Sr. Antônio Marino Zanatto era o responsável pelo fornecimento de manti-
mentos para as equipes de trabalho que estavam trabalhando na melhoria da estra-
da de acesso à Iraí. Sua casa comercial se tornou uma importante referência aos
viajantes que cruzavam esta área com destino à Iraí, uma vez que o “Seu Zanatto”
estava sempre atualizado sobre a as condições da estrada.
Sobre a atividade econômica exercida por Ricieri Pértile, encontramos o se-
guinte texto de um telegrama emitido no ano de 1920 (figura 14) que comprova ser
ele um dos pioneiros no beneficiamento de madeira no então distrito de Fortaleza:
Figura 14: Telegrama enviado pelo eng. Frederico Westphalen ao Diretor de Terras em
Porto Alegre no ano de 1920.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen.
62
Além das vantagens logísticas desta área, a existência de uma picada
aberta até as fontes de Iraí fez com que a Inspetoria de Terras de Palmeira insta-
lasse no Rincão da Fortaleza seu posto avançado. Este posto avançado tinha a
finalidade de proporcionar suporte aos trabalhadores encarregados de aumentar a
largura da picada, ao ponto de permitir, no nimo, o trânsito de carroças, uma vez
que até aquele momento, somente filas de pessoas, cavalos e mulas conseguiam
cruzar a picada.
Em fevereiro de 1918 foi criado o distrito de Fortaleza, enorme,
eis que tinha como divisas os rios Uruguai, Várzea, Braga, Fortaleza
e Guarita. A medição feita pela Inspetoria de Terras de Palmeira,
dividiu-o em oito seções, às quais se faz referência ainda hoje nas
escrituras de terra. [...] Em outubro de 1918 começou a abertura da
picada para construção da estrada rumo às Águas do Mel. Por isso
passou a chamar-se Boca da Picada. Era a denominação mais em
uso quando aqui cheguei em 1932. Depois foi designado simples-
mente como Fortaleza, e bem mais tarde tomou o nome oficial de
Seberi, têrmo guarani que significa Rio Guarita. (BATTISTELLA,
1969, p.12-13)
Discordamos de Battistella quando este afirma que somente depois de 1932 o
povoado passou a ser conhecido pelo topônimo de Fortaleza. Em telegrama enviado
no ano de 1920 por Frederico Westphalen a seu superior, em Porto Alegre, ele já
menciona o topônimo (figura 15).
Figura 15: Telegrama enviado pelo eng. Frederico Westphalen ao Diretor de Terras em
Porto Alegre no ano de 1920.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen.
Porém, até hoje não há um consenso sobre a explicação da origem deste
topônimo. Em nossa pesquisa, encontramos nos relatos de Beschoren a explicação
para a atribuição deste topônimo ao rio que hoje define os limites entre os
municípios de Seberi e Erval Seco.
Até pouco tempo pensou-se que o rio Fortaleza afluía direta-
mente até o Uruguai, porém, numa excursão de pesquisa constatei
que não. É o seguinte: para cima da foz do rio Guarita, no Uruguai,
63
encontra-se a foz de um afluente, erguendo-se um íngreme rochedo.
Os primeiros que desceram o rio Uruguai, vindos de Nonoai, deno-
minaram esse rochedo de “Fortaleza”, e o afluente de “rio Pardo”.
Considerando a largura de sua foz, esse afluente parecia vir de mais
longe.
O nome “Fortaleza” foi aceito por uma comissão de engenhei-
ros que sob a direção do primeiro-tenente Jo Maria, explorou a
região em 1858, e o afluente rio Pardoé a foz do “rio Fortaleza”,
constando no mapa oficial da Proncia “rio Fortaleza”, na sua foz
denominado de “rio Pardo”. (BESCHOREN 1989, p.86)
De acordo com seus relatos, houve um equívoco sobre a confluência de al-
guns rios. Na realidade é o rio Fortaleza que deságua no rio Guarita, e não o rio Par-
do. Sabe-se, hoje, que a afirmação de Beschoren estava correta. Entretanto, segun-
do os relatos de Beschoren, o mesmo descreve algumas características do Rincão
da Fortaleza, e atribuí a origem do topônimo deste lugar a uma outra explicação:
Entre o rio Fortaleza e a “serra
23
do rio da Várzea, acham-se
os campos do “Rincão da Fortaleza”. Os primeiros habitantes que se
estabeleceram nesses campos, sentiram a necessidade de se res-
guardar dos constantes ataques dos índios, cercando suas casas
com paliçadas. Daí surgiu o nome de “Rincão da Fortaleza. (BES-
CHOREN, 1989, p.88)
Num primeiro momento, estes relatos podem parecer contraditórios. Entre-
tanto, analisando-os melhor, percebe-se que apesar dos topônimos serem idênticos,
a origem dos mesmos tem gêneses diferenciadas. O nome do povoado não está
relacionado ao nome do rio neste momento, e nem o do rio ao povoado. apenas
a coincidência dos topônimos, mas que se referem a objetos diferentes.
No início deste capítulo mostramos que Beschoren estimou que que
população de Palmeira das Missões era de aproximadamente 9 mil pessoas no ano
de 1879 (pximo do valor do recenseamento feito em 1872). Nos dados do
recenseamento geral de 1920, realizado pelo governo federal, a população de
Palmeira passa dos 45 mil habitantes (Tabela 1). Destes, 899 tem origem
estrangeira e representam aproximadamente 2% da população do muncípio. A
proporção estadual é de aproximadamente 6,9% estrangeiros para um total de
2.182.714 habitantes no estado, sendo, entre estes, 151.025 estrangeiros. Levando
em consideração que uma grande área territorial de Palmeira foi destinada aos
23
Pequena observação sobre o significado do termo “serra” para Maximiliano Beschoren: “SERRA são mon-
tanhas, que na região baixa subentende-se tamm como sub-elevação. [...] Na região alta, entende-se sob o
termo ‘serra’, o alongamento de florestas, extensas ou estreitas, ao lado de um rio, cujo terreno pode ser bem
plano, embora isso não ocorra, pois no mínimo a sub-elevação para o rio é mais ou menos íngreme.” (BES-
CHOREN,1989, p.89)
64
projetos coloniais, a proporção de estrangeiros pode ser considerada baixa quando
comparada com a proporção estadual.
Analisando os dados populacionais por distrito, constatamos que o distrito de
Nonoai é o que apresenta o maior número de estrangeiros (347), seguido pelo
distrito de Fortaleza (158). Esses dados se tornam ainda mais interessantes quando
levamos em consideração que o distrito de Palmeira, apesar de apresentar uma
população total maior do que a dos distritos de Fortaleza e Nonoai juntas, possui
apenas 117 estrangeiros. Além disso, ainda há um grande número de habitantes de
nacionalidade ignorada no distrito de Nonoai (354).
Tabela 1: Informações populacionais do município de Palmeira e de seus distritos no
Recenseamento do Brasil realizado no ano de 1920.
BRASILEIROS ESTRANGEIROS
NACIONALIDADE
IGNORADA
MUNICÍPIOS
DISTRITOS
Homens
Mulheres
Total Homens
Mulheres
Total Homens Mulheres
Total
Palmeira 6.461 6.404 12.865
83
(11)
34
(2)
117
(13)
4 3 7
Campo Novo 2.553 2.345 4.898
30
(2)
11
41
(2)
--- --- ---
Nonohay 2.990 2.913 5.903
188
(127)
159
(114)
347
(241) 203 151 354
New-
Wurttemberg (ou
Ramada) 1.350 1.262 2.612
51
(31)
30
(9)
81
(40)
--- --- ---
Alto Uruguay 919 824 1.743
39
(2) 26
65
(2) --- --- ---
Guarita 3.014 2.776 5.790
13
(4)
3
(1)
16
(5) 1 --- 1
Herval Secco 1.177 1.165 2.342
6
(2)
3
(1)
9
(3) --- --- ---
Fortaleza 2.564 2.389 4.953
102
(10)
56
(5)
158
(15)
3 1 4
Palmeira
Serrinha 2.135 1.937 4.072
40
(1)
25
65
(1)
--- --- ---
TOTAL 23.163 22.015 45.178
552
(190)
347
(132)
899
(322) 211 155 366
FONTE: Recenseamento do Brazil - 1920 - Censo Demográfico.
Nota: Os números que estão entre parêntesis representam a totalidade de estrangeiros que
adotaram a nacionaidade brasileira.
Concluindo nossa análise sobre o recenseamento do ano de 1920,
encontramos a quantificação dos estrangeiros de acordo com o país de origem para
o município de Palmeira (figura 16).
65
Figura 16: Informações populacionais do município de Palmeira e de seus distritos no
Recenseamento do Brasil realizado no ano de 1920.
FONTE: Recenseamento do Brazil - 1920 - Censo Demográfico.
66
Constatamos que o maior número de estrangeiros possui origem italiana
(357), seguido por alemães (188), argentinos (101), russos (66), poloneses (50) e
uruguaios (31), entre outros (106). Estes dados têm uma relativa coerência quando
consideramos que os grupos populacionais de origem italiana e alemã foram os
mais volumosos a ingressar no estado.
Porém, a partir do ano de 1923, estes estrangeiros e os nacionais que habita-
vam esta área, presenciaram e/ou sofreram com as atrocidades cometidas na cha-
mada Revolução de 1923.
3.1.3 A Revolução de 1923 e sua interferência nos fluxos migratórios
Neste momento, não pretendemos expor detalhadamente o que foi a Revo-
lução de 1923 devido, principalmente, ao complicado jogo político que estava em
curso no período desta revolução
24
. Destacaremos os reflexos desta revolução que
interferiu nos fluxos migratórios para o Alto Uruguai e no desenvolvimento dos colo-
nos instalados em sua zona florestal. Entretanto, em linhas gerais, podemos afir-
mar que a Revolução de 1923 foi um conflito armado ocorrido no Rio Grande do Sul,
no ano de 1923, envolvendo em campos opostos (novamente), chimangos e mara-
gatos. Originou-se do descontentamento dos maragatos com a política fiscal imposta
pelo governo federal e do clima de instabilidade política e econômica que se instalou
após mais uma reeleição de Borges de Medeiros pelo Partido Republicano Riogran-
dense (PRR) para a presidência do estado.
Palmeira das Missões foi palco de conflitos e perseguições políticas que são,
até hoje, utilizados como exemplos das atrocidades cometidas por chimangos e ma-
ragatos em suas diputas pelo controle político do estado gaúcho. A arregimentação
de homens dispostos a sacrificar suas vidas, em nome de uma causa política, esta-
va sob responsabilidade de grandes proprietários de terras, que utilizavam de seu
poder e prestígio econômico na agregação de homens dispostos a se alistarem em
seus batalhões de “voluntários”. Entretanto, o município de Palmeira das Missões
24
Para entender melhor a dinâmica da Revolução de 23 na escala estadual e nacional (e não local, como
iremos destacar em nosso estudo) estudamos os trabalhos de: ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as
oposições & a revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981. - PESAVENTO, Sandra Jatahy.
História do Rio Grande do Sul. 9ª edição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2002. - LIX, Loiva Otero.
Coronelismo, borgismo e cooptação política. edição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1996. - AXT,
Gunter. Coronelismo indomável: o sistema de relações de poder. In: BOEIRA, N.; GOLIN, T
(coordenadores). República Velha (1889-1930). Volume 3. Tomo 1. Passo Fundo: Méritos, 2007
67
apresentou um conjunto de especificidades do arranjo político local que resultaram
em disputas dentro do partido governista, favorecendo o fortalecimento do partido de
oposição. De acordo com Félix (1996, p.119)
Na maioria dos municípios serranos foi relativamente fácil a insta-
lação e consolidação do castilhismo na fase da instalão da Repú-
blica, quando a política praticada foi a se substituir as lideranças lo-
cais identificadas com os monarquistas, ou, então, a da cooptação
política dos coronéis do município, integrando-os ao partido, e dan-
do-lhes a idéia (que variou de grau) de participação no poder. Em
geral esse processo foi mais fácil quando era menor o número de
coronéis, isto é, quando já havia de forma clara o predonio de um
coronel no município. No caso de Palmeira deu-se o contrário. Ali a
luta coronelista sempre foi maior. A extensão territorial do município
e a diversificação de produção econômica (sobretudo erva-mate e
pecuária, além das diferentes culturas como o feijão, o milho, a man-
dioca e a batata, nas áreas coloniais) facilitaram também a prolifera-
ção de lideranças distritais que disputavam entre si o prestígio ao
nível municipal. Havia momentos de relativo consenso na aceitação
de um ou de outro nome para a intendência, o conselho, a presidên-
cia do diretório político local, etc., mas a regra foi uma intensa dispu-
ta de nomes nas prévias para a escolha dos candidatos.
o era somente o poder político local que estava em disputa, mas, princi-
palmente, o prestigio pessoal desses líderes diante de seus protegidos. O coronel
não podia perder uma disputa, mesmo que fosse para um correligionário. Uma
derrota poderia ser encarada como um sinal de enfraquecimento de seu prestígio
social.
Além das disputas internas do PRR palmeirense havia, ainda, a presença de
lideranças maragatas que gozavam de certa simpatia das pessoas contrárias à polí-
tica coronelística praticada. Esse clima constante de disputa do poder local foi divi-
dido em fases, por Félix (1996, p.117), conforme oscilava o poder político em Pal-
meira das Missões.
Podemos perceber nitidamente na história local, de mais ou menos
1890 a 1937, ciclos que acompanharam as etapas do processo co-
ronelístico. Houve um primeiro momento, correspondente ao período
de 1889 a 1904, caracterizado por uma luta política intensa no muni-
cípio; dissensões dentro do PRR, devido a disputas internas entre os
coronéis e oposições maragatas. Num segundo momento, aproxima-
damente de 1905 a 1915, houve uma relativa estabilização na vida
política, produto da “ação reguladora” do general Firmino Paula que
interviera no município em 1904; da administração de lio Pereira
Santos (1904-1911), escolhido por Castilhos, pouco antes de morrer;
e da cooptação política dos coronéis que se conseguira. Num ter-
ceiro momento, mais ou menos de 1915 a 1923, se reiniciaram as
dissenções internas na luta potica e, essencialmente, aumentaram
os relatos da existência da política coronelística, que se avolumava
68
até a explosão da Revolução de 1923. Finalmente, o período de
1923-1937, em que Palmeira é o “feudo” do Coronel Vazulmiro Dutra,
com o beneplácito dos governos estaduais (Borges de Medeiros,
Getúlio Vargas e Flores da Cunha).
Diante deste constante enfrentamento entre os coronéis pelo poder local, os
eventos ocorridos nos anos de 1893 e 1923 ganharam, no município de Palmeira
das Missões, doses de exagero no enfrentamento físico entre republicanos e fede-
ralistas (ou, respectivamente, chimangos e maragatos). Um cronista da história pal-
meirense, ao relatar a situação do município durante a Revolução de 1923, aparenta
certo descaso com seu passado ao afirmar que no peodo anterior a 1923 a cidade
era uma “pacata vila”, sendo a Revolução de 1923 a reponsável por alterar essa
situação.
A partir da revolução federalista de 23, até 1925, a pacata vila
da Palmeira se tornou um verdadeiro acampamento militar. Res-
salte-se que durante esse período, mais precisamente em 1924,
quando Prestes se levantou em rebelião, convulsionando a região
missioneira e se dirigindo posteriormente a este grande município
onde se deu o sangrento Combate da Ramada – para depois passar
em direção ao norte do país, que de fato aconteceu, esta cidade se
tornou nessa ocasião, num abrir e fechar de olhos, num centro de
operações licas de amplitude nacional, com cerca de 10 mil mili-
tares, acampados em seu perímetro urbano e arredores, pertencen-
tes a muitas corporações da Brigada e Exército de outros pontos do
Rio Grande e, também, de vários Estados da Federação. (OLIVEIRA,
1974, p.71) [grifo nosso]
na zona florestal, onde começavam a se concentrar os grupos de migran-
tes vindos de outras áreas coloniais, o clima de insegurança trouxe prejuízos aos
projetos coloniais, conforme constatamos nos relatos de Battistella (1969) e Oliveira
(1974).
Realmente o povoamento de vários núcleos coloniais havia
começado há anos: S. José, 1920; Taquarassú, Oswaldo Cruz e
Vista Alegre, 1921; S. Paulo, 1924; Palmitinho e Pardo, 1925; Boa
Vista, 1926, com a chegada dos primeiros colonos das terras velhas.
Mas, todos eles sofreram as conseências da revolução de 1923,
estagnando-se e reiniciando a marcha do seu desenvolvimento
mais tarde, por volta de 1927, com a vinda de novas levas de coloni-
zadores, os quais, porém, de início toparam com as maiores
dificuldades, ... (BATTISTELLA, 1969, p.45)
Todavia é de bom alvitre lembrar, também, que essa coloniza-
ção além de ter sido tardia no tempo na época que recém se ini-
ciava e logicamente dava seus primeiros passos com o surgimento
dos movimentos revolucionários, a partir de 1923, mais ela se tornou
demorada. Destarte, em plena década de vinte deste século, Palmei-
ra ainda possuía terras virgens e sertões inóspitos. E com esses mo-
vimentos sediciosos o território palmeirense se tornou um fácil escon-
69
derijo dentro do Rio Grande; onde os fugitivos políticos, bandidos e
outros desajustados sociais se homiziavam. Talvez esteja aí parte da
explicação da fama que tinha Palmeira num passado não muito
distante. (OLIVEIRA, 1974, p.18)
Entretanto, é difícil apontar os verdadeiros responsáveis pelos atos de violên-
cia cometidos na zona florestal. Alguns autores pesquisados (Félix, 1996; Soares,
2005; Reátegui, 1988) apontam que muitas pessoas residentes na zona florestal
simpatizavam com a causa maragata, o que nos leva a imaginar que os maragatos
não atacariam seus simpatizantes
25
. Porém, os chimangos representavam o poder
do Estado e, neste momento, o que buscavam era a restauração da ordem (mesmo
que pelo uso da violência). Assim, deveriam evitar ataques aos colonos que não
estavam envolvidos diretamente nos conflitos. A explicação que consideramos como
a mais viável para a elucidação da origem destes ataques foi dada por Battistella
(1969, p.25):
Parece certo, entretanto, por tudo quanto li e ouvi, que os sa-
ques, roubos e banditismos o partiam em geral dos contingentes
realmente revolucionários, comandados por chefes qualificados; nem
das forças governistas empenhadas em dominar a revolução. As de-
sordens derivavam de grupos isolados de aproveitadores, verdadei-
ras matilhas de ladrões e salteadores que usando da confusão, se
apresentavam ora cá, ora lá, como maragatos ou como governistas,
amedrontando os tímidos e desarmados colonos, extorquindo-lhes o
que tiham e levando tudo, sem e nem piedade.
Outra hipótese é a de que alguns comandantes de batalhões autorizassem
seus homens a efetuar saques como forma de recompesá-los pelos combates trava-
dos. Assim era mais fácil engrossar os contingentes de “voluntários” que lutavam
sem saberem, exatamente, os verdadeiros motivos do conflito. Sem ter a quem re-
correr, restava aos colonos a resignação e a tentativa de inventar formas para pro-
teger alguns bens de valor ou de grande necessidade.
Não havia sossego nem de dia e nem de noite. Para salvar
alguma coisa era preciso encaixotá-la, escon-la ou enterrá-la no
mato. Os homens que ousassem discutir, opor-se ou defender o que
era seu, horas depois deviam fugir apressadamente, conservando-se
25
“O ambiente convulsionado continuou, já como um prmbulo para a preparão da Revolução de 23. O
fundamental é termos presente a força do coronelismo em Palmeira, produto do atraso geral em que vivia o
munipio somado a uma grande extensão territorial que dificultava medidas efetivas para supe-lo. Tal atraso
histórico permitiu que se desenvolvessem em redutos isolados identificados em geral com distritos longe da
sede focos de poder dos coronéis que, ao se reunirem na sede, disputavam o poder. Por outro lado, temos a
evidência de um poder estadual forte, consciente da necessidade de manter um dos maiores munipios do
estado (em extensão territorial) sob controle do PRR, quando exatamente proliferavam não só o donio
dos potentados locais mas tamm o da
oposição maragata, sede do líder federalista Leonel Rocha, possuidor
de forte contingente eleitoral entre os marginalizados do poder oficial, os pequenos lavradores, chacareiros e
ervateiros”. (FÉLIX, 1996, p.125)
70
no mato semanas e meses. Por isso corria a anedota de que o Gene-
ral Taquara e o Coronel Cipó tinham muita gente ao seu mando. O
medo converteu-se em terror quando se tornaram públicas certas
atrocidades e assassinatos ocorridos com pessoas conhecidas.
(BATTISTELLA, 1969, p.26)
Mesmo que já estivessem informados da existência dos combates em Palmei-
ra, algumas pessoas tentavam manter algumas atividades necessárias à manuten-
ção de seu modo de vida. Se dentro dos limites de suas propriedades os colonos já
sofriam com ataques da bandidagem, quando se viam na necessidade de se deslo-
carem a fim de comercializarem sua produção ou adquirir produtos básicos, o risco
de serem atacados era ainda maior.
Fomos buscar mantimentos e estavam brigando na revolução e
não deixavam passar. Ficamos um mês na estrada. Eram os chiman-
gos contra os maragatos. Era ‘coisa braba’. Se nós passássemos
morreríamos também.
Uma vez, eu já estava com o filho nos braços e fomos a Pal-
meira buscar sortimentos. Os chimangos nos atacaram e apontaram
as armas para não seguirmos. Um deles chegou até a carroça e pe-
diu para comprar sal. Meu marido deu o sal. Em troca nos oferece-
ram uma manta de carne de rês. Muita gente passava com a carroça
carregada e não cediam a eles. tiravam tudo. Foi o que se passou
com a finada Emília Johan. (depoimento de Emilia Kopeski Santana
in REÁTEGUI, 1988, p.43)
Diante da exposição desta pequena amostra de fatos que eram rotineiros na
zona florestal de Palmeira pode-se perceber os motivos que levaram muitos colonos
migrantes a buscar outras áreas para se estabelecerem. No livro organizado por
Reátegui (Seberi: 109 anos de história, publicado no ano de 1988)
26
constam muitos
relatos de pessoas que vivenciaram este período e foram, em alguns casos, vítimas
desses ataques. Nesses relatos, os entrevistados recordaram histórias que se pas-
saram com vizinhos, amigos, ou, que haviam se passado em outros locais mais
afastados, mas seus fatos se espalhavam pela zona colonial. Em um desses relatos
o Sr. Osvaldo Sabino fala sobre a origem da padroeira do município, que possui o
sugestivo nome de Nossa Senhora Rainha da Paz: “me consta que foi o Zanatto,
devido à Revolução. A gente dele foi saqueada e perderam tudo, então, pedindo a
26
O livro citado foi elaborado a partir de entrevistas feitas para o Projeto Raízes executado por um grupo de
professores do munipio de Seberi. O Projeto Raízes foi um trabalho de resgate da memória de fatos ocor-
ridos no munipio através da busca de depoimentos de pessoas que acompanharam fatos importantes da his-
tória do munipio. O conjunto de entrevistas e a compilação de outros dados resultou na publicação de um
livro, financiado pela prefeitura municipal de Seberi no final da década de 80, intitulado “Seberi: 109 anos de
história”. Tivemos acesso às entrevistas originais (já convertidos para arquivos em formato de áudio digital) na
Secretaria de Educação e nos foi fornecida uma cópia com todas as entrevistas completas para que pussemos
esclarecer algumas dúvidas sobre possíveis equívocos cometidos no momento da trancrição dessas entrevistas.
71
paz para a Fortaleza ele fez a promessa e foi juntando dinheiro para comprar a
imagem” (depoimento de Osvaldo Sabino Silva in REÁTEGUI, 1988, p.33). Através
da fé dos colonos buscava-se algo que o distrito de Fortaleza não conhecia: a paz!
3.2 FASE (1925-1948): A INTENSIFICÃO DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS
AS A REVOLUÇÃO DE 1923
3.2.1 A retomada dos fluxos migratórios em Palmeira após 1925 e a atuação
da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira.
A partir do ano de 1925 um clima de paz voltou a vigorar em Palmeira. Mas
essa tranquilidade não podia ser considerada muito estável. O que se conseguiu,
realmente, foi uma maior união do PRR no município de Palmeira das Missões em
relação ao período anterior à revolução. Entretanto, em sua zona florestal, ainda
resistiam alguns grupos de maragatos. Félix (1996, p.121) explica o fator de coesão
política do PRR em Palmeira:
[...] é importante termos presente que a legitimão do PRR, que ali
ocorreu, fez-se à força, sem lastro de aceitação social maior, o que
nos explica por que Palmeira teve sempre, ao longo de grande parte
da República Velha, uma oposição política mais tenaz (ao lado de
uma forte atuação coronelística), muito embora o PRR venha a ter,
depois de 1923, a liderança de um coronel saído de seus quadros no
município, e, portanto, com aceitação local: a do coronel Vazulmiro
Dutra.
A qualquer momento novas lutas entre governistas e oposição poderiam ter
início, então, duas formas distintas para apaziguar os ânimos dos revoltosos entram
em cena: primeiramente, o poder coercitivo do aparelho militar do Estado, Brigada
Militar e seus Corpos Auxiliares, comandados pelo coronel que se destacou na Re-
volução de 1923: Vazulmiro Dutra
27
. E a segunda forma de atuação do Estado para
acalmar a tensão política local, foi através do clientelismo exercido por Frederico
Westphalen como chefe da Comissão de Terras e Colonização. Por terem origem
semelhante (ambas emanam do PRR), estas duas formas de atuação podiam ser
27
Em algumas bibiografias consultadas (Jacomelli, 2004; Sponchiado, 2005; e Taglietti, 2006) o nome deste
coronel é descrito como Valzumiro, em outras bibliografias (Soares, 2005; Félix, 1996; e Reátegui, 1988) é
apresentado com outra grafia: Vazulmiro. Optamos pela segunda opção, levando em consideração que um dos
autores estudados (Soares) conheceu e conviveu com Vazulmiro.
72
consideradas complementares no território palmeirense. Onde uma não obtinha
sucesso, a outra entrava em cena:
Existia na Fortaleza naquela época (período pós-revolução)
outros maragatos que não se entregaram. Maragatos aporriados que
viviam nas margens do rio da Várzea, do Lajeado do Pôncio e que
não deram trégua aos republicanos apesar da revolução já estar aca-
bada. Era prefeito de Palmeira o saudoso Dr. Frederico Westphalen,
homem bem intencionado que também foi chefe da Colonização da
cidade que hoje tem o seu nome. Ele queria realmente que a paz
voltasse. Mas o Cel.Vazulmiro mandava gente, não para acomodar
os fortalezenses. Mandava para corrigí-los, o que não estava dando
certo. Os homens não aceitavam. Mandaram o Cap. Vicentino Perei-
ra que nem conseguiu falar com os maragatos. Ele foi com cinenta
homens e teve que abandonar a Fortaleza. Os líderes dos maragatos
eram: Felício Bueno, JoPedroso, Deocleciano de Oliveira, Pedro
Lemes de Camargo, Domingos Galvão. o Dr. Frederico Westpha-
len falou com o meu pai, José Pedro Rodrigues, o Juca Lau. Meu pai
foi homem que serviu o Partido Republicano, contra os maragatos,
mas não era obcecado pela luta, não era fanático. Então ele foi esco-
lhido em 1924 para sub-prefeito e adotou o seguinte sistema: não
intimava ninguém a comparecer. Ele e um companheiro encilhavam
um cavalo e iam até a casa dos maragatos. Iam sem medo. O pri-
meiro que visitou foi o Pedro Domingos e consegui doutri-lo. No-
meou-o Inspetor. Depois passou a visitar o Felicião, e assim foi
conquistando a todos, até que a paz voltou. (depoimento de Altivo
José Rodrigues in REÁTEGUI, 1988, p.35)
Destacamos também, no início desta fase, a atenção dispensada ao desen-
volvimento do Balneário Iraí. O eng. Carlos Torres Gonçalves, que ocupou por mui-
tos anos (1909 à 1928, de acordo com Sponchiado, 2005) o cargo ximo da Dire-
toria de Terras e Colonização (órgão intermediário entre as Comissões de Terras e
Colonização e a Secretaria das Obras Públicas) visitou a área onde se localizavam
as fontes sulfurosas antes mesmo de criar a Comissão de Terras e Colonização de
Palmeira. Traçou, para esta área, um planejamento minucioso das infra-estruturas
necessárias ao aproveitamento racional das fontes. Neste planejamento constava,
inclusive, uma explicação de que os vultosos investimentos valorizariam os lotes
coloniais, garantindo um retorno financeiro ao Estado.
No projeto de colonização apresentado por Torres Gonçalves
ao diretor das Obras Públicas do Estado em 1917, constavam o
autogerenciamento da construção da linha férrea até Iraí e a orga-
nização do balneário do local a partir da dinâmica da colonização.
Neste, propunha como garantia para a obtenção de empréstimo re-
ferente à construção da linha férrea os lucros do comércio das terras
entre os rios Uruguai, Passo Fundo, Guarita e orla de mato, totalizan-
do 550 mil hectares de terra. Subtraindo-se desse total os 50 mil hec-
tares referentes a posses legitimadas e por legitimar e mais 200 mil
hectares relativos às reservas florestais, restariam 300 mil hectares
73
para garantir o financiamento. Divididos em 25 ha, estes dariam 12
mil lotes, correspondendo ao primeiro grupo de lotes a serem de-
marcados na nova colônia de Iraí. (JACOMELLI, 2004, p.45)
A figura 17, do ano de 1926, nos mostra um exemplo dos investimentos feitos
neste balneário e do interesse em desenvolvê-lo em um peodo em que se retoma-
vam os trabalhos de colonização da zona florestal de Palmeira das Missões (lem-
brando que durante a Revolução de 23 os trabalhos de colonização em Palmeira
das Missões foram paralisados).
Figura 17: Fotografia da construção de uma casa de banhos no povoado de Iraí, no
ano de 1926.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
A inflncia positivista no projeto elaborado por Carlos Torres Gonçalves é
inegável. De acordo com Taglietti (2006, p.108):
Iraí constituiu-se na primeira “cidade” criada a partir de um planeja-
mento medico, de cunho positivista, no Rio Grande do Sul, chegan-
do a ter um serviço de água e esgoto. As estratégias para se criar um
ambiente planejado e organizado, preocupando-se com os mais va-
riados detalhes, tinham como princípio tornar o local um espaço de
bem-estar, que despertasse o desejo nas pessoas de se beneficia-
74
rem das condições naturais que a natureza oferecia e contribuir para
o desenvolvimento local e regional.
A execução do projeto elaborado por Carlos Torres Gonçalves ficou sob a
responsabilidade do engenheiro Frederico Westphalen, através de sua nomeação
como chefe da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira, criada no ano de
1917. Para Taglietti (2006, p.104) “a instalação da Comissão de Terras e Coloniza-
ção em Palmeira foi fruto do contexto que o Rio Grande do Sul apresentava nas pri-
meiras décadas do século XX, com um aumento vertiginoso da população das zonas
coloniais”. Jacomelli (2004) descreve muito bem a forma como atuava o eng. Frede-
rico Westpahlen ao gerir cargos subordinados à Comissão (fiscais, inspetores, agri-
mensores, desenhistas, guardas florestais, ...), conceder privilégios e distribuir lotes
coloniais na zona florestal de Palmeira:
Em torno da terra, do contrabando, da exploração clandestina
dos recursos vegetais, como a madeira e a erva-mate, dos cargos
públicos, desenvolveram-se relões de poder pautadas pelo pater-
nalismo e pelo clientelismo e sob a direção de Frederico Westphalen.
Concomitantemente, tendo o mesmo núcleo de atenção, as divergên-
cias políticas evidenciavam-se em manifestações de contestação. Na
ocasião, tecendo redes de micropoderes, a Comissão de Terras con-
duziu e desenvolveu a colonização na Grande Palmeira tendo como
referencial prático de observação, controle e organização do espaço
o processo de ocupação/desocupação. (JACOMELLI, 2004, p.19)
Controlar o acesso e a permanência na terra, aplicar os recur-
sos e as leis eram condições básicas no desenvolvimento dos traba-
lhos das comissões. Assim, tendo presente a área de abrangência e
a necessidade do controle da região, recomendava-se aos chefes
das comissões que procedessem à subdivisão das regiões coloniais
em seções de lotes. Para cada subdivisão era prevista a escolha de
um inspetor, cuja função era fazer a “ponte” entre o diretor da colônia
e moradores da seção, o que, no estudo, corresponde a poderes pa-
ralelos subordinados à Comissão de Terras e Colonização. Além das
tarefas pertinentes ao cargo, os inspetores eram agraciados com
benefícios, como a dispensa da prestação dos seis dias de serviço
na abertura de estradas. (JACOMELLI, 2004, p.66)
Antes de iniciar os trabalhos de melhoria do Balneário de Iraí, foi necessária a
melhoria das condições de acesso viário através da floresta.
Um dos primeiros trabalhos chefiados pelo engenheiro Frede-
rico Westphalen, chefe da Comissão de Terras de Palmeira, foi a
construção de uma estrada que ligaria Fortaleza (atual Seberi) às
Águas do Mel (Iraí). Para a construção dessa estrada, foi utilizada a
o-de-obra de migrantes que estavam interessados em se fixar na
região e de caboclos já fixados que pretendiam regularizar suas
posses em troca de serviços. (TAGLIETTI, 2006, p.145)
75
Além de facilitar o acesso à Ir, a construção das estradas visavam a regu-
larização fundiária através do trabalho de demarcação dos lotes coloniais que, de-
vido a ausência do Estado, estavam sendo invadidas por intrusos
28
. Essa ausência
do Estado na zona florestal de Palmeira, antes do ano de 1917, é manifestada pela
“preocupação com a legitimação das terras intrusadas e a necessidade de regula-
rizar aquelas ainda pendentes, pois se fazia necessário esclarecer onde começavam
as terras devolutas, para que não ocorresse o apossamento de terras particulares,
como ocorrera em outras regiões do estado” (Taglietti, 2006, p.106), ou seja, o pró-
prio Estado desconhecia a situação (ocupado/desocupado) de seu território.
Como grande parte desses intrusos era composta por caboclos (afirmação
esta baseada na leitura das obras de Rückert (1997), Zarth (1997), Soares (2004),
Jacomelli (2004) e Taglietti (2006)), é importante fazer uma observação a respeito
deste tipo social existente em praticamente todo o território nacional. Nesse sentido,
estamos de acordo com o posicionamento de Furtado (2005, p.126) sobre a origem
dos caboclos e da agricultura rudimentar por eles praticada:
Tem-se repetido comumente no Brasil que a causa dessa agricultura
rudimentar está no “caboclo”, quando o caboclo é simplesmente uma
criação da economia de subsistência. Mesmo que dispusesse de téc-
nicas agrícolas muito mais avançadas, o homem da economia de
subsistência teria que abandoná-las, pois o produto de seu trabalho
não teria valor econômico. A involução das técnicas de produção e
da forma de organização do trabalho com o tempo transformariam
esse homem em “caboclo”.
Em nosso trabalho de pesquisa identificamos que, em uma área situada entre
a zona florestal e a zona de campos naturais (numa espécie de zona de transição),
posses com áreas de tamanho superior ao dos lotes coloniais foram concedidas a
luso-brasileiros (Figura 18). Dentro do território do município de Seberi emancipado
no ano de 1959 encontramos posses com áreas entre 1.724.312m² (concedida a
Francisco Machado Frazão) e 84.587.330m² (concedida a Silvestre da Silva Gular-
te). A menor posse citada tem área sete vezes superior à de um lote colonial de 25
hectares (aproximadamente) e a maior corresponde a mais de 320 lotes coloniais.
O processo de ocupação da região não seguiu um modelo-
pado. [...] a intrusão por lavradores nacionais ou caboclos foi de-
terminante, pom houve a ocupação pelas chamadas “posses”, co-
28
De acordo com Taglietti (2006, p.104) “intrusos seriam indiduos nacionais ou estrangeiros que, sem medo
de serem reprimidos, abandonavam colônias antigas e superpovoadas e apossavam-se de terras desocupadas.
Faziam isso tanto para conseguir um direito de posse que lhes permitisse ficar com a terra, como por hábito
adquirido de uma vida nômade”.
76
Figura 18: Mapa elaborado pela Diretoria de Terras e Colonização indicando os distritos, sedes de distritos e lotes coloniais da porção de terras localizada na zona florestal do município de Palmeira das Missões, além de
grandes áreas de posse e seus requerentes. A linha amarela mostra os limites da área emancipada de Seberi no ano de 1959. A linha branca mostra os limites atuais (ao norte e ao sudeste de Seberi os limites não sofreram
alterações, por isso parte das linhas amarelas mostram limites ainda em vigor). Mapa sem data definida, mas pode-se afirmar que foi elaborado em data posterior ao ano de 1944 pela identificação de topônimos que
passaram a vigorar após esta data.
FONTE: CEDOPH-URI. Adaptação: Edilson W. Pedroso Jr.
77
mo garantia a lei. A maioria daqueles que se beneficiaram da vanta-
gem que a lei lhes concedia caracterizava-se como brasileiro e bem
instruído. Como modelo-pado para a jurisdição da terra, somente
se levou em conta a efetiva atuação da Comissão de Terras. Várias
extensões de terra garantidas pelas posses foram, aos poucos, frag-
mentando-se em pequenos lotes para a comercialização com os
imigrantes. (TAGLIETTI, 2006, p.125)
Dessa forma percebemos a importância da Comissão de Terras na regulariza-
ção de terras da zona florestal de Palmeira das Missões e a forma pela qual Frederi-
co Westpahlen reforçava seu prestígio. Porém, atuação de Frederico Westphalen
como chefe da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira durou somente até o
ano de 1928, quando foi transferido para a Comissão de Terras de Passo Fundo.
Antes de ser transferido, ainda inaugurou a estrada ligando Palmeira das Missões à
Iraí no mês de fevereiro de 1928, com a presença do então presidente do Estado,
Getúlio Vargas, percorrendo a nova via (Jacomelli, 2003, p.48). Sua atuação a frente
dos trabalhos de colonização em Palmeira foi muito marcante na história local, che-
gando, em alguns momentos, a não ser possível separar o que era reconhecimento
profissional ou pessoal. Essa afirmação está embasa no relato de Oliveira (1974,
p.17) em que o mesmo demostra essa confuo em diferenciar o profissional que
seguia normas institucionais e a postura pessoal de Frederico Westphalen:
Não obstante essa região da antiga Palmeira ser constituída de
férteis terras, como bem comprova hoje a grande produção agrícola
do Alto-Médio Uruguai, ela foi a última zona fisiográfica do nosso
Estado a ser colonizada. No entanto, em 1917 começava a funcionar
na Vila da Palmeira a Inspetoria de Terras e Colonização sob a che-
fia do engº. Frederico Westphalen; consequentemente se dava início
a colonização dos sertões deste município
29
. Começaram, então a
partir dessa data, as levas de imigrantes lentamente a povoar os dis-
tantes rines das úberes terras que margeiam o Rio Uruguai e seus
afluentes. Frize-se que da ação do dr. Frederico Westphalen a fixa-
ção dos colonos alemães, italianos e poloneses, neste solo foi feita
de uma maneira racional; com o que se evitou nesta região os quis-
tos raciais, tão prejudiciais a qualquer desenvolvimento. (OLIVEIRA,
1974, p.17) [grifo nosso]
29
Com o propósito de diminuir confusões de nomenclaturas, consideraremos, em nosso estudo, que as Comis-
sões de Terras e Colonização tinham as mesmas funções das Inspetorias de Terras e Colonização. A diferença
entre as duas está nos períodos de atuação. “A partir de abril de 1938, as Comissões de Terras e Colonização
passaram a se chamar de Inspetorias de Terras’. No mesmo ano, foram criadas no estado cinco inspetorias.
Para atuar no Médio Alto Uruguai, foi instalada a Inspetoria de Terras do Norte em Palmeira das Missões,
depois transferida para Frederico Westphalen; do Nordeste, em Erechim; do Centro, em Passo Fundo do Oes-
te, em Torres; do Noroeste, em Santa Rosa”. (TAGLIETTI, 2006, p.147)
78
No entanto, uma das mais significativas homenagens prestadas ao eng. Fre-
derico Westphalen por seu trabalho em Palmeira das Missões foi feita através da
denominação, ao povoado antes denominado de Barril, com o seu nome
30
.
A homenagem que lhe foi prestada, através da denominão
dada ao município em que trabalhou, teve origem no governo muni-
cipal de Valzumiro Dutra (1928-1930), em 15 de novembro de 1928,
com o ato n.30, que criava o 13º Distrito, com o nome de Frederico
Westphalen, passando o povoado de Barril à categoria de “vila”.
(JACOMELLI, 2003, p.48)
No período em que permaneceu na chefia da Comissão de Palmeira, Frede-
rico Westphalen realizou importantes trabalhos como a abertura de estradas, plane-
jamento da localização de povoados, e estabeleceu diretrizes para que a divisão e a
distribuição dos lotes coloniais se desse de maneira racional, com o propósito de
evitar a concentração étnica e a dilapidação dos recursos naturais, principalmente
pela explotação da madeira.
3.2.2 A importância da atividade madeireira
Com o início da chegada dos colonos, após o ano de 1917, a mata (e as ár-
vores de madeiras nobres nela existentes) representava um obstáculo à produção
agrícola colonial. Talvez pela falta de condições adequadas para a extração da ma-
deira e seu beneficiamento o uso da queimada para abertura de roças foi uma prá-
tica muito comum nesta área.
[...] tudo era mata espessa, forrada de denso tapete de folhagem
sêca, samambaias, grimpas, taquarais. Os povoadores, à medida
que chegavam, foram ocupando as terras aqui, e acolá. Para plan-
tar era necessário derrubar o mato. Aos golpes do machado a selva
milenária foi caindo, aí, para nunca mais levantar! Clareiras rasga-
vam-se no meio do deserto verde! E depois veio a queima. Assim
faziam todos, nem se podia pensar doutra maneira. O mato era tanto
que ninguém se dava o menor cuidado, não se tomava a menor pre-
caução; nem acêros, nem vigilância, nem cooperação de vizinhos
que não havia. [...]
O fogo, entretanto, lambia o das árvores, tostava-lhes a
casca e elas acabavam secando, morrendo, tombando. De roças de
poucos hectares partia o inndio não raro, queimando muitos al-
30
Sobre a origem do topônimo Barril citamos Sponchiado (1989, p.26): “A denominação advém de um barril,
recipiente colocado na nascente do Lageado Perau, no setor norte da atual cidade, para facilitar o aproveita-
mento da água pelos transeuntes e montarias que passavam pela estrada que conduzia para as ‘Águas do Mel.
Isto teria acontecido em 1919. O ‘Barril’ marcou o lugar e emprestou o nome à futura povoação que se
iniciava.”
79
queires e colônias inteiras. Dezenas e centenas de árvores nobres,
tão antigas como a floresta, reduziam-se a tições acesos. Patrimônio
que hoje valeria fortuna incalculável! Restos de cedros, louros, ca-
briúvas, enegrecidos e fumegantes, eram empurrados de novo ao fo-
go, a fim de se consumirem de uma vez, para não estorvar a lavoura.
Não se sabia o que fazer dêles! (BATTISTELLA, 1969, p.61)
Lembramos, também, que no estado do Rio Grande do Sul a madeira era
menos valorizada do que nos pses vizinhos (Uruguai e Argentina), justificando o
baixo interesse por este recurso pelos colonos. Nas serrarias que começaram a se
instalar na zona colonial de Palmeira, e que passaram a aproveitar este recurso,
eram beneficiadas, principalmente, madeiras que não podiam ser exportadas
através dos rios pelo fato de não flutuarem (motivo este que inviabilizava o seu
transporte).
O maior coeficiente desta imponente riqueza era representada pelo
cedro, seguindo-se na ordem de procura, o louro, a cambriúva e o
ipê e depois o anjico, a guajuvira, a canela guaicá, a caljerana, a ca-
roba, a grápia amarela, o açoita-cavalo, o guatambú. A exportação
por via fluvial pelo Rio Uruguai e seus afluentes, em tempos de
cheia, limitava-se às madeiras flutuantes, cedro em maior quantida-
de, e semi-flutuantes, como o louro e a cambriúva. O demais era in-
dustrializado nos engenhos, à medida que êstes foram aparecendo,
para consumo interno ou exportação por via terrestre. (BATTIS-
TELLA, 1969, p.58)
Essa exportação de madeiras foi possível devido à presença de rios que
favoreciam este tipo de atividade próxima as suas margens. Alguns afluentes do rio
Uruguai permitiam que toras de madeira fossem deslocadas do interior da zona flo-
restal, a algumas dezenas de quilômetros do rio Uruguai.
A exploração da madeira no Médio Alto Uruguai teve início mui-
to antes do movimento migratório de descendentes de italianos e
alemães para essa região. De acordo com depoimento de Arlindo
Bassi, seu sogro, Orncio de Paula Costa, que se instalara às mar-
gens do rio da rzea (atual município de Rodeio Bonito), contava
que, por volta de 1930, era grande o volume de balsas que des-
ciam para Santo Tomé (Argentina).
[...] Ortêncio foi um dos que trabalharam nessa atividade, desde a
derrubada da mata à condução das toras para a Argentina, num
processo que durava até sessenta dias entre ida e volta.
(TAGLIETTI, 2006, p.161)
Aliás, é a presença de uma rede hidrográfica favorável à exportação da ma-
deira um dos principais diferenciadores da atividade madeireira entre municípios pró-
ximos que se aproveitavam da proximidade de ramais ferroviários para exportar a
80
madeira já beneficiada, principalmente para centros consumidores do sudeste bra-
sileiro.
A indústria da madeira atuou em grande escala nos municípios
de Passo Fundo, Carazinho, Sarandi, e o que chama a atenção é
que isso ocorreu as já existirem leis que procuravam coibir essa
devastação, pois estamos nos referindo às primeiras décadas do sé-
culo XX. Porém, que se ressaltar que o grande impulsionador da
indústria madeireira foi a ferrovia, além de outras facilidades que a
região do Planalto oferecia.
a região do Médio Alto Uruguai e a do Alto Uruguai foram
privilegiadas com o rio Uruguai e alguns de seus afluentes para o
escoamento de madeiras. (TAGLIETTI, 2006, p.165)
Entre os engenhos de madeira que se instalaram no distrito de Fortaleza com
a finalidade de aproveitar este recurso, destacamos a instalação da serraria da fa-
lia Gemelli. O depoimento de um dos filhos do fundador desta serraria segue o
mesmo raciocínio da citação anterior de Battistella:
No ano de 1927 meu pai vindo de Passo Fundo, construiu uma
serraria na Boca da Picada e começou a fazer casas para os empre-
gados. Só havia mata virgem. Passou a derrubar o pinhal. [...]
Junto ao trabalho da serraria nós tirávamos madeira para levar
pelo Uruguai e rio da Várzea para a Argentina [...]. A madeira era
cedro, pinho e louro. No Brasil não valorizavam a madeira. Derruba-
vam para fazer roça. A serraria era tocada por uma máquina a car-
vão. na serraria nós tínhamos uma cantina e vendíamos alguma
coisa para os moradores das redondezas. Naquela época os Zanchet
vieram de Guapo e nós fizemos a sociedade “Serraria Gemelli
Zanchet”, em 1946. (depoimento de Annio Carlos Gemelli in
REÁTEGUI, 1988, p.29)
Essa serraria, de acordo com o mesmo Antônio Carlos Gemelli, era movimen-
tada por uma locomóvel (máquina a vapor ou de motor a explosão montada sobre
rodas, adaptável à necessidade de mudanças de localização). Dessa forma, a falta
de energia elétrica, para movimentar o maquinário, era minimizada. Essa informação
está presente na gravação de sua entrevista, mas foi suprimida no processo de edi-
ção do livro publicado. Percebe-se, também, que a atividade econômica dessa famí-
lia não ficou restrita apenas à serraria. A atividade comercial também fazia parte do
cotidiano familiar. Aliás, é o pequeno comerciante (o vendista ou o bodegueiro) o
maior responvel pela comercialização da produção agrícola colonial. Em seu ramo
de atividade, era necessário manter contato freqüente com viajantes e fornecedores,
que lhe informavam as demandas e os valores pagos pelos produtos em centros
81
maiores. Taglietti (2006, p.118) comenta, com muita propriedade, a atuação dos
comerciantes na zona colonial:
Embora a produção agrícola tenha sido a tônica da ocupação
regional, devemos levar em conta as demais atividades econômicas
que se processaram nesse contexto colonial, ou seja, atividades que
se atrelavam para o pleno funcionamento do mundo rural que estava
em formação. Aliado a este entendimento destacamos as atividades
dos comerciantes e as artesanais. [...]
O comerciante tornou-se uma referência para o produtor rural,
pois era ele que, na maioria das vezes, orientava o colono e influen-
ciava até mesmo na produção colonial ao aconselhá-lo a produzir ou
a plantar determinado produto que tinha demanda de venda.
Na obra de Battistella (1969, p.60) encontramos a descrição de como se dava
a explotação da madeira nas matas do entorno de Seberi:
O procedimento comum do madeireiro era o seguinte: escolhi-
do o setor da floresta, rico de madeiras exportáveis, requeria licença
do Serviço Florestal ou da Inspetoria. Se as terras eram do Estado,
pagava o preço ao Estado; se tinham ocupantes o negócio era trata-
do com êstes e o preço pago ao Serviço Florestal ou à Inspetoria,
creditando-se a importância ao ocupante como prestação da terra e
entregando-se-lhe recibo. O proprietário vendia a quem e como qui-
sesse. Para um e para outro, entretanto, era bom negócio, pois per-
mitia pagar a terra com facilidade e arranjar dinheiro que de outra
maneira, então, era difícil.
No Museu Municipal de Frederico Westphalen encontramos uma carta-com-
promisso, com data de janeiro de 1943 (figura 19), de um madeireiro que ilustra exa-
tamente o processo descrito acima por Battistella. Esta carta apresenta detalhes das
espécies que serão aproveitadas, valores a serem recolhidos para impostos, com-
pensações de reflorestamento e penalidades passíveis em caso de descumprimento
do acordo. a figura 20 mostra o controle exercido sobre os proprietários/ocupan-
tes dos lotes coloniais “Uma das grandes preocupações relativas às áreas que es-
tavam sendo colonizadas foi a questão das florestas. O serviço de proteção florestal
estava sob o comando da Comissão de Terras e Colonização. O desmatamento fa-
zia-se necessário, mas o que não podia ocorrer era a devastação dos matos” (TA-
GLIETTI, 2006, p.161).
Sobre a instalação da serraria da família Gemelli, ela é importante, em nosso
estudo, porque marca a chegada de membros importantes na criação do grupo Zan-
chet-Gemelli (formado no ano de 1946). O êxito das atividades econômicas desen-
volvidas por este grupo afetou diretamente o desenvolvimento e crescimento da Vila
de Seberi com destaque para a produção e distribuição de energia hidroelétrica para
82
esta vila após o ano de 1948. Sabe-se que em Iraí já se produzia energia elétrica
pelo menos desde o ano de 1931 e na Vila de Frederico Westphalen desde o ano de
1942, conforme recibos de pagamento desses serviços (figuras 21 e 22, p.84 e 85,
respectivamente). De acordo com Soares (2005, p.195), Palmeira das Missões
passou a contar com o fornecimento de energia elétrica a partir do ano de 1919.
Figura 19: Carta-compromisso autorizando a explotação de madeira - janeiro de 1943.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
83
Figura 20: Autorização concedida pela Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen,
no ano de 1941, para derrubada de mato branco.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
84
Essa dinâmica comercial em torno dos trabalhos de colonização e das novas
atividades realizadas na zona florestal de Palmeira (como a exploração da madeira e
a agricultura colonial) nos fornecem as características essenciais da formação de
uma zona pioneira, conforme descrição de Waibel (1979, p.280):
A expressão pioneiro é originária da terminologia militar e significa
“escoteiro”, “batedor”. Nos Estados Unidos, entretanto, esta palavra
foi empregada num sentido econômico, referindo-se ao homem que é
o primeiro a penetrar na mata, ajudando a torná-la acessível à civili-
zação, e que com isso promove o deslocamento da frontier sertão a
dentro. [...] E, enquanto a fronteira como limite político representa
uma linha nitidamente demarcada, a fronteira no sentido econômico
é uma zona, mais ou menos larga, que se intercala entre a mata
virgem e a região civilizada. A esta zona damos o nome de zona
pioneira.
Figura 21: Recibo de pagamento do serviço de fornecimento de energia elétrica em
Frederico Westphalen, no ano de 1942.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
85
Figura 22: Recibo de pagamento do serviço de fornecimento de energia elétrica em
Iraí, no ano de 1931.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
Em Palmeira das Missões, Ir e em Frederico Westphalen a energia era pro-
duzida através de geradores elétricos alimentados por combustíveis derivados do
petróleo (querosene, gasolina e diesel). Dessa forma, havia uma demanda por forne-
cedores e/ou representantes de combustíveis, diversificando a economia regional.
Na figura 23 há quatro recibos vinculados ao fornecimento de combustíveis entre os
anos de 1930 e 1931. Destes, constatamos que outras atividades e/ou serviços são
oferecidos em três dos quatro estabelecimentos comerciais representados (figura
23: A, B e D). Uma das notas (23-C) foi emitida por um representante comercial de
dois produtos específicos (querosene Aurora e gasolina Energina) da Anglo Mexican
Petroleum Ltda.
86
Figura 23: Recibos de fornecedores de combustíveis para Palmeira das Missões e
seus distritos. Casas comerciais localizadas em Panambi (A), Palmeira das Missões
(B) e Iraí (C e D).
A
B
C
D
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
87
3.2.3 A formão da zona pioneira com intrusos e colonos
Abordando, especificamente, a formação de zonas pioneiras coloniais no Rio
Grande do Sul, Waibel descreve as atividades que transformam a paisagem da zona
florestal e também caracteriza o tipo social responsável pela expansão das fronteiras
econômicas no estado:
[...] o foi um produto valorizado de exportação que levou à expan-
são da agricultura e ao povoamento das matas até então intactas,
mas apenas a produção de gêneros de consumo para abastecer o
mercado interno. Além disso, o pioneiro não era o latifundiário luso-
brasileiro, mas o imigrante europeu, que explorava a sua pequena
propriedade com o auxílio apenas do trabalho de sua família. (WAI-
BEL, 1979, p.292)
Pela análise de um requerimento de lote do distrito de Fortaleza (figura 24)
percebe-se que apenas parte das afirmações de Waibel pode ser aplicada em nosso
estudo, pois esta área é caracterizada como sendo de colonização mista e, por isto,
não é ocupada exclusivamente por colonos europeus. A figura 24 também mostra o
uso do solo na zona colonial de Palmeira quando descreve como se dao apro-
veitamento do lote e quais são os possíveis mercados consumidores da produção
agrícola.
Nas entrevistas feitas para o Projeto Raízes alguns dos entrevistados relata-
ram ter se deslocado para as colônias do distrito de Fortaleza em grupos. Era co-
mum que uma família viesse sozinha inicialmente e, depois de comprovada a quali-
dade e/ou a fertilidade das terras, avisasse parentes e amigos para que também
viessem. Quando o grupo chegava, procurava logo terras pximas aos amigos que
chegaram primeiramente. Por este motivo, mesmo que se evitasse a concentração
étnica, era muito comum que grupos de uma mesma região do estado, se aglome-
rassem nas proximidades de seus amigos. Como exemplo, temos a concentração de
descendentes de italianos no povoado de Oswaldo Cruz
31
, entre os atuais municí-
pios de Seberi e Frederico Westphalen, e de poloneses na Linha Pinhal, em Seberi,
com base nos relatos do Projeto Raízes e no relato do neto de Francisco Hemie-
31
“Remonta ao mês de Maio de 1919 a chegada dos primeiros pioneiros: Domingos Trezzi, Joaquim e Daniel
Ortigara de Nova Roma; Arthur Milani e João Garrafa, de Bento Gonçalves; seguidos, em 1920, de Domingos
Cadoná e João Tamanini; em 1921 de Pedro Trezzi, Santo Pazuch, Jacó Bortolotti e João Meneguzzi, todos de
Nova Roma; Tomaz Girardi, de Ijuí e Ângelo Dallanora, de Palmeira. Em 1922, tamm de Nova Roma, che-
garam Agostinho Trezzi e Giácomo Tamanini, e, sucessivamente, tempos depois, de várias procedências,
José
Pazuch, Henrique Canzi, Alberto Bonadiman, José Fortunato, Eugênio Natali, José Trentinaglia, Sétimo
Peruzzato, Luiz Turchetto, João Bonadiman, Romano Zanatta e outros” (BATTISTELLA, 1969, p.221).
88
lewski (que possui o mesmo nome) sobre a migração da sua família e de vizinhos do
distrito de São Luiz da Casca, município de Guaporé, para Palmeira:
No início do ano de 1926, o seu vizinho Tomas Koproski, veio à Pal-
meira e comprou terras em Fortaleza, na Linha Chico Domingos. No
retorno a Casca, ele contou as notícias e gabou muito as terras. De
tanto elogio e da fertilidade das terras, o Francisco Hemielewski e o
José Kalinoski, também vieram à Palmeira e compraram as terras em
Fortaleza, na Linha Pinhal. [...] Os dois eram amigos do peito, um
confiava muito no outro
32
.
Figura 24: Requerimento de um lote colonial no distrito de Fortaleza. Sem data.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
32
Esse relato faz parte de um estudo (não publicado) sobre a família Hemielewski elaborado por Francisco
Agostinho Hemielewski no ano de 2002. O primeiro nome de Francisco é igual ao de seu avô, que migrou
para o Brasil, vindo de uma região então pertencente à Rússia e que hoje faz parte do território polonês.
89
Também foram encontramos evidências da migração de descendentes de
açorianos para o Distrito de Fortaleza logo no início dos projetos de colonização des-
ta área. Detectamos que alguns desses migrantes saíram de áreas pximas ao rio
Taquari que, atualmente, correspondem aos municípios de Taquari e Triunfo. Em
Seberi esses migrantes ficaram conhecidos como “taquarianos”, devido a sua ori-
gem. Alguns deles teriam vindo para lutar na Revolução de 1923 e acabaram se
estabelecendo em lotes coloniais.
Podemos dizer que a colonização polonesa e “taquariana” começou
por volta de 1915. [...]. Os taquarianos eram gente vinda da margem
do rio Taquari. As famílias Queiroz, Martins, Padoan, Reis, Rocha,
Anlico são todos taquarianos. [...]. Eles vinham também de Triunfo,
lutando na revolução. (depoimento de Altivo José Rodrigues in
REÁTEGUI, 1988, p.34)
Uma maneira simples, que utilizamos, para identificar a origem étnica dos
grupos sociais foi a observação da grafia dos sobrenomes. Entre os descendentes
de alemães, italianos e eslavos encontramos padrões gráficos que podem ser facil-
mente identificados. Entretanto, quando este método foi utilizado com o propósito de
diferenciar os biribas dos açorianos, não obtivemos o mesmo êxito. Sendo assim,
precisamos admitir que este é um dos nossos limitantes de investigação neste mo-
mento. Por isso consideraremos esses dois grupos como um só, sob a denominação
de luso-brasileiros, unicamente pela dificuldade em diferenciá-los em nossa área de
estudo. Sabemos, porém, que os açorianos possuem maior afinidade com a prática
da agricultura em relação aos biribas. Conseguimos uma relação de nomes de con-
cessionários de lotes coloniais, existente na seção Fortaleza, onde constatamos o
predomínio de luso-brasileiros e de considerável índice de abandono de lotes -
quase 50%. Estas informações estão presentes na tabela 2.
A presença de italianos e de seus descendentes no povoado de Oswaldo
Cruz merece destaque por um fato relacionado ao topônimo escolhido para este
povoado no ano de 1928, comentado por Battistella (1969, p.80):
Oswaldo Cruz Antes se chamou “Trezzi” por considerão à famí-
lia Agostinho Trezzi, ou “Tamanini”, por causa da família Giácomo
Tamanini. Por volta de 1928 Agostinho Trezzi propôs e foi apoiado o
nome de Vila Mussolini, homenagem da colônia italiana ao Duce da
Itália Benito Mussolini, que, então, gozava da mais justa e alta fama
mundial. Quando em 1944 o Brasil entrou em guerra contra as potên-
cias do Eixo, Alemanha-Itália-Japão, o lugar, por razões de ordem
política, tomou o nome de Oswaldo Cruz, celebridade médica brasi-
leira.
90
Tabela 2: Relão de concessionários de lotes coloniais e informações complementares, elaborada pela Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen. Sem data do levantamento dos dados.
(continua)
CONCESSIONÁRIOS CARACTERÍSTICO DO LÓTE
NOMES Nacionalidade
Idade
Estado
civil
de
pessoas da
família
DATA DA
CONCESO
SECÇÃO
NOME DO
DISTRITO MUNICIPIO
Área em
DOCUMENTOS APRESENTADOS OBSERVÕES
Alexandre Queiroz Brasil. - - - 29/03/1931
4 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Joaquim Candido da Silva Brasil. 57 casado 4 21/02/1936
5 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Titulo de
eleitor (Nasc. no Brasil)
Feliciano Pires de Lima Brasil. 46 casado 7 01/09/1924
7 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Josepha Pereira de Melo Brasil. - - - 01/09/1924
8 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Agenor Ribeiros Santos Brasil. 37 casado 9 04/04/1925
54 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Antonio Pedro Pereira Brasil. 39 casado 9 05/06/1926
56 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de casamento; certidão de
nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Querino Pastorio Brasil. 53 solteiro 13 18/09/1927
57 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nasc. dos filhos (Idem, idem.)
Francisco dos Santos Brasil. 41 casado 5 15/09/1925
58 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de casamento (Idem, idem.)
Marcelino dos Santos Brasil. 61 casado 10 15/09/1925
60 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nasc. dos filhos (Idem, idem.)
Francisco da Silva - - - - 30/11/1926
61 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Juvenal Nascimento - - - - 09/02/1935
62 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Sadi Missel Brasil. 35 casado 5 09/02/1935
63 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Certidão
de casamento; Certificado de reservista. (Nasc. no Brasil)
Antonio Miranda Brasil. 66 casado 11 21/12/1938
72 Fortal. Fortaleza Palmeira 125.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Anastacio de Lima Brasil. - - - 02/09/1927
74 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos e
Certidão de casamento (Nasc. no Brasil)
Gaudencio de Souza Brasil. 33 casado 6 10/01/1926
83 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de casamento e de nascimento
dos filhos. (Nasc. no Brasil)
Aparicio Machado Brasil. 35 solteiro 4 10/06/1925
114 Fortal. Fortaleza Palmeira 260.000 Caderneta de reservista
Luciano de Souza - - - - 10/01/1926
138 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
José Sverino Machado Brasil. 54 casado 10 11/03/1940
143 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Guerino Girardi Brasil. 22 casado 2 01/09/1938
171 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de casamento (Idem, idem.)
Josepha Maria Rosa Brasil. 59 viuva 3 22/11/1938
172 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento de 2 filhos (Nasc. no Brasil)
Heitor Lemes da Silva - - - - 01/08/1925
173 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Henrique de Jesus - - - - 24/02/1926
174 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Luis Jesus de Oliveira - - - - 17/06/1926
177 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Sebastião Caetano Brito - - - - 31/10/1927
179 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Amadeu Antonio de Brito - - - - 31/10/1927
180 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Florentino de Souza Brasil. 39 solteiro 5 16/12/1938
181 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
José Antunes de Brito - - - - 13/11/1928
182 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Serafim dos Santos - - - - Requerido 184 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
João Antonio de Moura - - - - 13/04/1926
189 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Juvencio Antonio Camargo - - - - 15/09/1924
193 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
(Idem, idem.)
Pedro Alves Fontoura Brasil. 33 solteiro 6 01/09/1927
198 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Libando Bento Carvalho - - - - 28/08/1935
202 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Estefanio Cador - - - - 01/01/1918
7 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Delcantão Baptista Italiano 61 casado 14 05/06/1925
17 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidões de nascimento dos filhos;
Certidão de casamento e Salvo conduto (Nasc. no Brasil)
Vicente Andreatto - - - - 10/01/1926
30 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Alfredo Garcia dos Anjos Brasil. 20 solteiro - 28/02/1940
36 Fortal. Fortaleza Palmeira 162.000 Certidão de nascimento (Nasc. no Brasil)
Manoel Justino da Rosa - - - - 31/05/1933
38 Fortal. Fortaleza Palmeira 184.300 -
Lóte abandonado
Manoel Rodrigues Freitas Brasil. 56 casado 11 31/03/1933
46 Fortal. Fortaleza Palmeira 198.000 Certidões de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Adelino Vieira da Silva Brasil. 44 casado 12 17/09/1932
48 Fortal. Fortaleza Palmeira 229.000
Certidões de nascimento dos filhos e título
de eleitor (Idem, idem.)
Carlos Vieira da Silva Brasil. - - - 16/08/1932
52 Fortal. Fortaleza Palmeira 203.400 -
Lóte abandonado
Marcolino de Souza - - - - 23/03/1940
54 Fortal. Fortaleza Palmeira 210.000 -
Lóte abandonado
91
Tabela 2: Relão de concessionários de lotes coloniais e informações complementares, elaborada pela Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen. Sem data do levantamento dos dados.
(conclusão)
CONCESSIONÁRIOS CARACTERÍSTICO DO LÓTE
NOMES Nacionalidade
Idade
Estado
civil
de
pessoas da
família
DATA DA
CONCESO
SECÇÃO
NOME DO
DISTRITO MUNICIPIO
Área em
DOCUMENTOS APRESENTADOS OBSERVÕES
Jardelino de Souza - - - - 11/09/1937
55 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Angelo Carlos Louvis Brasil. 36 casado 10 17/12/1938
57 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidões de nascimento dos filhos;
Certidão de casamento (Nasc. no Brasil)
João Matias - - - - 31/03/1933
59 Fortal. Fortaleza Palmeira 219.200 -
(Nasc. no Brasil)
aband.
Severo Manoel dos Santos - - - 31/10/1922
60 Fortal. Fortaleza Palmeira 191.200 -
(Nasc. no Brasil)
aband.
Licino José Andrade Brasil. 40 casado 7 28/02/1933
62 Fortal. Fortaleza Palmeira 85.700 Certidão de nascimento dos filhos
(Nasc. no Brasil)
Maria Pereira da Luz - - - - 22/05/1933
62-A 2ª Fortal. Fortaleza Palmeira 85.700 -
(Nasc. no Brasil)
aband.
João Ferreira Gomes Brasil. 49 casado 10 20/12/1932
64 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Angelina Blascwik Brasil. 31 casado 7 17/12/1938
68 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Certidão
de casamento (Nasc. no Brasil)
Luiz Cocco Brasil. 25 solteiro 2 03/04/1940
70 Fortal. Fortaleza Palmeira 225.600
Caderneta de reservista; Certidão de
nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
João Cocco Brasil. 32 solteiro 8 29/11/1939
76 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Caderneta de reservista; Certidão de
nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Leopoldo José de Souza Brasil. 35 casado 7 20/03/1940
77 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Certidão
de casamento (Nasc. no Brasil)
Cantidio de Souza Brasil. 42 casado 10 22/05/1932
78 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Salvo
conduto (Nasc. no Brasil)
Arsenio Pinheiro - - - - 20/03/1933
80 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Luiz Barbosa e Francisco
Cavalheiro - - - - 03/11/1938
81 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Aurelio Pereira Duarte - - - - 28/02/1933
88 Fortal. Fortaleza Palmeira 190.000 -
Lóte abandonado
Eleuterio Telipin Brasil. 33 casado 7 07/04/1938
90 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Certidão
de casamento (Nasc. no Brasil)
Domenido Dalmedico Brasil. 53 casado 10 09/08/1934
92 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de nascimento dos filhos; Certidão
de casamento (Nasc. no Brasil)
Ambrosio Ignacio Oliveira - - - - 23/03/1938
95 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 -
Lóte abandonado
Maximo Buzatto Brasil. 23 casado 4 05/05/1938
96 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000 Certidão de nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
Julio Buzatto Brasil. - - - 31/05/1932
100 Fortal. Fortaleza Palmeira 200.000 Não tem
Lóte abandonado
Julio Milani Brasil. - - - 31/12/1927
107-A
Fortal. Fortaleza Palmeira 270.000 Não tem
Lóte abandonado
Misseslau Blasquevis Polonês 34 casado 7 05/05/1938
114-A
Fortal. Fortaleza Palmeira 326.000
Registro de Extrangeiro; Certidão de
nascimento dos filhos
(Filhos nasc. no
Brasil)
José Pelisan Italiano 63 viuvo 11 09/01/1939
115 Fortal. Fortaleza Palmeira 250.000
Certidão de casamento; certidão de
nascimento dos filhos (Nasc. no Brasil)
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen.
92
Devido à grande extensão de áreas a serem controladas por um mero de
funcionários inferior ao necessário para tal tarefa, aliado ao constante fluxo de novos
colonos recém chegados e aos acertos “de boca” (onde os funcionários responsá-
veis orientavam verbalmente os procedimentos que os colonos deveriam seguir para
regularizar sua situação) entre funcionários da Comissão e colonos, acredita-se que
ocorriam alguns problemas na forma de controle sobre a distribuição de terras. Co-
mo exemplo desses acertos verbais encontramos dois bilhetes (figuras 25 e 26)
endereçados à Inspetoria de Terras de Frederico Westphalen, órgão subordinado à
Comissão de Terras e Colonização.
Figura 25: Licença concedida para uso das terras de um lote rural mediante
compromisso de regularização posterior de sua situação - fevereiro de 1941.
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
Como já mencionado no início deste sub-capítulo, era comum a escolha de
moradores das seções coloniais para exercerem a função de Inspetores Coloniais,
com a função estabelecerem comunicações com os chefes das inspetorias de terras
e assim manter certo controle no processo de uso e ocupação do lotes coloniais.
Sendo assim, a figura 26, além de demostrar um acerto verbal, também ilustra uma
das tarefas incumbidas aos inspetores.
Taglietti (2006, p.122) comenta que nas décadas de 30 e 40 do século XX a
região do Médio Alto Uruguai foi rapidamente ocupada. Um indicador desse pro-
cesso é o trecho de um Relatório de Serviços (apud TAGLIETTI, 2006, p.122) que
deveria ser executado a partir do ano de 1940 pela Inspetoria de Terras e Coloni-
93
zação de Frederico Westphalen: “Seja feita separadamente por munipio, um levan-
tamento sobre as plantas das áreas que seriam transformadas em lotes, locais onde
existiam ou poderiam vir a existir estradas e a legalização de futuros centros urba-
nos, escolas e tudo mais que interessasse ao assunto”.
Figura 26: Bilhete de encaminhamento de um colono interessado em terras de um lote
rural definido pelo Inspetor local como abandonado.
[Transcrição]
Fortaleza dia 9 de Novembro de
1943
Ilmo Snr Israel Farapo
Machado.
Aqui vai o snr Andre Filipiaki a
fins de requerer o lote nº 127 da
3ª seção tem uma casa no lote e
um galpão não mora ninguem
na casa e um potreiro
e mais ou
menos 2 alqueires de mato e
mais ou menos 3 alqueires de
terra cultivada
Manuel F. Poncio
Inspetor
FONTE: Museu Municipal de Frederico Westphalen
A análise dos dados dos censos populacionais realizados nas décadas de 20,
40, 50 e 60 comprova que entre as décadas de 40 e 50 houve uma intensificação
dos fluxos migratórios em direção ao distrito de Fortaleza (tabela 3). Os dados do
ano de 1960 também indicam um crescimento populacional, entretanto, a área que
em 40 e 50 abrangia somente o distrito de Fortaleza, em 1960 passa a contemplar,
também, áreas dos distritos de Rodeio Bonito e Erval Seco que passaram a fazer
parte do município de Seberi, como conseqüência do processo emancipatório inicia-
do no ano de 1957 e finalizado no ano de 1959.
A tabela 4 apresenta dados populacionais do município de Palmeira e de seus
distritos. Sabendo que o território do município é dividido em terras de campo e de
matas (zona florestal), e que esta característica influenciou na dicotomia pequena
propriedade e grande propriedade, podemos entender porque alguns distritos pos-
suem uma quantidade de população quase igual a do distrito-sede. Os distritos de
Erval Seco e Seberi possuíam terras de posse e lotes coloniais. os distritos de
94
Frederico Westphalen e Três Passos eram formados exclusivamente por lotes colo-
niais. Dessa forma, a densidade populacional dos distritos era diretamente afetada
pela maneira como estava distribuída a terra. No ano de 1944, o distrito de Três
Passos consegue sua emancipação com áreas de outros distritos a ele anexadas
(Alto Uruguai, Redenção, Santo Augusto e Santa Terezinha). Por este motivo, no
censo populacional de 1950 o munipio de Palmeira das Missões apresenta popu-
lação inferior em relação à década de 40.
Tabela 3: Dados populacionais do RS, Palmeira das Missões e Seberi
RIO GRANDE DO SUL
PALMEIRA DAS
MISSÕES
SEBERI
Ano homens mulheres total homens
mulheres
total homens
mulheres
total
1920* 1.103.986 1.078.727 2.182.713 23.163 22.015 45.178 2.564 2.389 4.953
1940* 1.664.058 1.656.631 3.320.689 54.850 52.540 107.390 2.759 2.684 5.443
1950** 2.081.249 2.083.572 4.164.821 43.128 41.767 84.895 5.252 5.262 10.514
1960***
2.631.532 2.649.369 5.280.901 28.458 27.354 55.812 10.559 9.703 20.262
FONTE: Censos Populacionais dos anos de 1920, 1940, 1950 e 1960. ORGANIZAÇÃO: Edilson
W. Pedroso Jr.
Notas:
* Nos dados censitários de 1920 e 1940 aparece o topônimo Fortaleza, e não Seberi. Seberi era dis-
trito de Palmeira das Missões.
** Pela primeira vez aparece o topônimo Seberi que continua sendo distrito de Palmeira das Missões.
*** O distrito de Seberi se emancipa acrescentando áreas dos distritos de Erval Seco e Rodeio Bo-
nito. Em 1963 esses dois distritos se separaram de Seberi e formaram dois munipios mantendo os
mesmos topônimos.
Neste mesmo ano, por determinação do IBGE, muitos topônimos brasileiros
foram alterados com o propósito de evitar problemas decorrentes do fato de duas ou
mais localidades serem identificadas com o mesmo topônimo. Sendo assim, o dis-
trito de Fortaleza recebeu o nome de Seberi
33
; o município de Palmeira foi modifica-
do para Palmeira das Missões; e o rio Fortaleza recebeu a nomeclatura de Oga-
ratim. Os topônimos Seberi e Palmeira das Missões forma aceitos pela população,
entretanto, o rio é, até hoje, conhecido pelo topônimo Fortaleza, sendo que até mes-
mo alguns mapas hidrográficos do estado do Rio Grande do Sul identificam o rio
pela nomenclatura antiga, desconsiderando o nome Ogaratim.
33
“As instruções do Conselho Regional de Geografia determinavam que na escolha dos novos nomes se desse
preferência aos nomes de origem tupi-guarani, por essa razão nosso distrito e a vila passaram a se chamar
Seberi, que na língua tupi-guarani era o antigo nome do rio Guarita” (depoimento de Sadi Missel in REÁ-
TEGUI, 1988, p.13).
95
Tabela 4: População de fato, por sexo e situação do domilio, segundo os municípios
e distritos no ano de 1940.
PESSOAS PRESENTES EM DOMICILIOS SITUADOS NOS
QUADROS INDICADOS
TOTAIS
Quadro urbano
Quadro
suburbano Quadro rural
MUNICÍPIOS
E DISTRITOS
Total Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
Homens Mulheres
PALMEIRA 107 390 54 850 52 540 2 294 2 272 906 1 050 51 650 49 218
Palmeira
18 419 9 237 9 182 735 724 366 517 8 136 7 941
Alto Uruguai
6 463 3 396 3 067 88 95 30 21 3 278 2 951
Campo Novo
7 717 3 941 3 776 144 127 27 31 3 770 3 618
Erval Sêco
3 800 1 965 1 835 43 45 54 57 1 868 1 733
Fortaleza 5 443 2 759 2 684 221 207 126 122 2 412 2 355
Frederico
Westphalen
16 665 8 411 8 254 470 421 118 119 7 823 7 714
Liberdade
4 840 2 584 2 256 73 95 33 35 2 478 2 126
Redenção
13 109 6 551 6 558 39 53 17 17 6 495 6 488
Santa
Teresinha
11 107 5 841 5 266 138 140 9 10 5 694 5 116
Santo
Augusto
5 150 2 635 2 515 143 133 19 23 2 473 2 359
Tesouras
6 336 3 255 3 081 57 59 42 40 3 156 2 982
Três Passos
8 341 4 275 4 066 143 173 65 58 4 067 3 835
FONTE: IBGE, Recenseamento Geral do Brasil-1940, Série Regional: Parte XX - Rio Grande do
Sul-Tomo 1. Censo Demográfico - População e Habitação. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1950.
Ao analisar os motivos que levam a fragmentação do território de Palmeira
das Missões, principalmente a partir da década de 50, em um considerável número
de munipios com pequenas áreas territorias, estamos de acordo com a afirmação
de Taglietti (2006, p.124) de que “a migração é fenômeno determinante para a
constituição desses municípios e das formas como se desmembraram de Palmeira.
A terra é o fator convergente [...]”. Ou seja, a migração e a territorialização de
agricultores em pequenas propriedades rurais no município de Palmeira das
Missões é diretamente proporcional ao crescimento vegetaivo nas regiões das
antigas colônias (tornando insustentável a pemanência de parte deste contingente
96
populacional nestas áreas) e ao oferecimento de lotes coloniais em sua zona
florestal.
A figura 27 apresenta quatro fotografias da Vila de Seberi no ano de 1950
onde podemos observar a serraria do grupo Zanchet (ao fundo da fotografia 27-A), a
estrada de ligação entre Palmeira das Missões e Iraí atravessando a Vila de Seberi
(figura 27-B), a praça (figura 27-C) e uma das primeiras casas de alvenaria da vila
(figura 27-D). A figura 27-B chama a atenção pelo fato de um poste de eletricidade
também estar servindo de ponto para amarrar cavalos.
Figura 27: Fotografias do povoado de Seberi no ano de 1950, obtidas do alto da torre
da igreja calica. A: Direção NO-SE; B: Dirão N-S; C: Direção NE-SO; D: Direção
SE-NO.
A
B
C
D
FONTE: Acervo pessoal de Rosinha Bertinatto
97
CAPÍTULO 4
3ª FASE (1948-1959): O DESENVOLVIMENTO DO
GRUPO ZANCHET E O MOVIMENTO EMANCIPATÓRIO
4.1 OS SINAIS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E AS INDÚSTRIAS
NATURAIS DO DISTRITO DE SEBERI
No ano de 1947 formou-se, na então Vila de Seberi, o que consideramos,
neste estudo, um grupo econômico
34
, sob a razão social de “GEMELLI, ZANCHET &
Cia Ltda”. Como algumas alterações/modificações ocorreram na estrutura deste gru-
po (incluindo a transformação de Companhia Limitada para Sociedade Anônima)
optaremos por denominá-los, simplesmente, como grupo Zanchet. Este grupo foi
constituído, inicialmente, por quinze pessoas, onde quatro destes tinham sobrenome
Zanchet e seis faziam parte da família Gemelli. Os outros cinco componentes perten-
ciam a diferentes famílias. O quadro 2 apresenta a relação dos fundadores deste
grupo e um breve resumo cronológico de alguns acontecimentos e alterações ocor-
ridas dentro do mesmo (desde a formação da sociedade na então Vila de Seberi, no
ano de 1947, até um momento em que se menciona o grande êxito econômico atin-
gido, conforme ata de reunião do ano de 1972) e que foram relatados em documen-
tos aos quais tivemos acesso. Nesta cronologia consta, inclusive, a transferência da
matriz instalada inicialmente em Seberi para o município de Francisco Beltrão no
estado do Paraná, no ano de 1967.
No capítulo anterior vimos que a família Gemelli chegou ao então distrito de
Fortaleza no ano de 1927, vindo de Passo Fundo, e instalou uma serraria e uma ca-
sa comercial no povoado. A família Zanchet, fundadora da sociedade junto com a fa-
lia Gemelli, migra do município de Guaporé para o distrito de Fortaleza (denomi-
34
O grupo econômico é definido como o conjunto de empresas que, ainda quando juridicamente independentes
entre si, estão inteligadas, seja por relações contratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos especí-
ficos e, principalmente, do capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercem o controle efetivo sobre
este conjunto de empresas” (GONÇALVES, 1991, p.494)
98
nado de Seberi somente após o ano de 1944) na década de 40, já com o propósito
de formar o grupo econômico. É provável que alguns membros desta família tenham
visitado o distrito diversas vezes para analisar a viabilidade técnica e econômica de
seus projetos. Uma cláusula do contrato de constituição deste grupo deixa evidente
a intenção de atuar em diversos ramos de atividades econômicas:
- A sociedade tem por fim a exploração de Indústria e Comércio
em Geral, como seja, INDÚSTRIA: a instalação da Usina Elétrica,
Moinho de Cereais, Frigorífico, Serraria e beneficiamento de madei-
ras, Olaria, Curtume, etc. COMÉRCIO: de Mercadorias em geral,
Cereais e outros produtos agrícolas, Importação e Exportação, Co-
missão, Consignão e conta própria, Despachos e redespachos,
Representações, bem como a exploração de atividades complemen-
tares ao serviço conexos de Corcio e tudo quanto possa convir no
campo da atividade comercial.
35
Quadro 2: Cronologia do grupo Zanchet.
(continua)
Ano Acontecimento Fonte
1947
Formação de uma sociedade comercial e industrial por cotas de
responsabilidade limitada sob a razão social de "GEMELLI,
ZANCHET & Cia. Ltda." com capital social de dois milhões de
cruzeiros (Cr$2.000.000,00). Firmaram este contrato as seguintes
pessoas com as respectivas contribuições: Pedro Gemelli
(Cr$140.000,00), Romano Zanchet (Cr$320.000,00), Lourenço
Albino Nardin (Cr$175.000,00), Marcelo Zanchet (Cr$290.000,00),
Armando Bottan (Cr$70.000,00), Albino Zanchet (Cr$200.000,00),
Genuíno Bertinato (Cr$125.000,00), Luiz Julio Gemelli
(Cr$70.000,00), Adelino Zanchet (Cr$125.000,00), Paulo Danuzio
Gemelli (Cr$70.000,00), Antonio Spiler (Cr$175.000,00), Salvador
Guilherme Gemelli (Cr$70.000,00), Constante Luiz Gemelli
(Cr$70.000,00), Antonio Carlos Gemelli (Cr$70.000,00) e Guerino
Bottan (Cr$30.000,00). Composição da diretoria: Presidente de
honra-Pedro Gemelli; Diretor comercial-Romano Zanchet; Diretor
gerente-Marcelo Zanchet.
Contrato de constituão
de sociedade por cotas
de responsabilidade
limitada, arquivado na
junta comercial do
estado do Rio Grande
do Sul em 26 de agosto
de 1947, sob o número
48033.
1948
Alteração do contrato da firma. Antônio Spiler retirou-se da
sociedade e Frederico Piccinin foi admitido como novo sócio.
Houve um aumento das cotas como forma de compensar a
diferença existente entre a saída de Antônio Spiler e a admissão
de Frederico Piccinin. Nova composição e cotas: Pedro Gemelli
(Cr$150.000,00), Romano Zanchet (Cr$330.000,00), Lourenço
Albino Nardin (Cr$195.000,00), Marcelo Zanchet (Cr$305.000,00),
Armando Bottan (Cr$75.000,00), Albino Zanchet (Cr$210.000,00),
Genuíno Bertinato (Cr$135.000,00), Luiz Júlio Gemelli
(Cr$80.000,00), Adelino Zanchet (Cr$135.000,00), Paulo Danúzio
Gemelli (Cr$75.000,00), Salvador G. Gemelli (Cr$75.000,00),
Constante Luiz Gemelli (Cr$75.000,00), Antonio C. Gemelli
(Cr$75.000,00), Guerino Bottan (Cr$35.000,00) e Frederico
Piccinin (Cr$50.000,00).
Alteração do contrato
social da firma,
arquivado na junta
comercial em 19 de
julho de 1949.
35
Contrato de Constituição da Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, junho de 1947. Fonte:
Acervo pessoal de Ione Nardin.
99
Quadro 2: Cronologia do grupo Zanchet.
(conclusão)
1950
Alteração do contrato da firma. Retiraram-se da sociedade: Pedro
Gemelli, Luiz Julio Gemelli, Constante Luiz Gemelli, Salvador
Guilherme Gemelli, Antonio Carlos Gemelli, Paulo Danuzio
Gemelli, Armando Bottan e Guerino Bottan. Nova composição e
cotas: Romano Zanchet (Cr$490.000,00), Marcelo Zanchet
(Cr$440.000,00), Albino Zanchet (Cr$300.000,00), Lourenço A.
Nardin (Cr$300.000,00), Genuíno Bertinatto (Cr$200.000,00),
Adelino Zanchet (Cr$200.000,00), Frederico Piccinin
(Cr$70.000,00). Alteração da razão social para: Zanchet &
Cia.Ltda.
Alteração do contrato
social da firma,
arquivado na junta
comercial em 1º de
julho de 1950.
1954
Participações financeiras: Ações do Frigorífico Santo Antônio S.A.
de FW (Cr$390.000,00), Ações do Comércio e Rep.União Oeste
Ltda (Cr$30.000,00)
Balanço Geral do ano
de 1954.
.
1955
Participações financeiras: Ações do Frigorífico Santo Antônio S.A.
de FW (Cr$390.000,00), Ações do Comércio e Rep.União Oeste
Ltda (Cr$30.000,00), Ações da Metalúrgica Wallig S.A.
(CR$35.000,00), Ações da Cia.Industrial de Adubos (Cr$3.000,00)
Balanço Geral do ano
de 1955.
1956
Alteração do contrato social. Criação da filial em Francisco Beltrão-
PR.
Alteração do contrato
social da firma, em 14
de junho de 1956.
1959
Alteração da razão social da sociedade para Zanchet S/A.
Indústria, Comércio e Exportação e distribuição de ações conforme
valor das contribuições financeiras dos sócios (cotas). Marcelo
Zanchet deixa o cargo de diretor comercial, pelo motivo de ter sido
eleito prefeito do município de Seberi, e Edylio Zanchet assume o
cargo. O cargo de diretor presidente ficou com Romano Zanchet.
Circular 02/59 da
Zanchet S/A.
1960
Aumento do capital social do grupo, de 10 milhões de cruzeiros
para 20 milhões de cruzeiros. Parte dos recursos necessários é
proveniente do próprio fundo de reserva (60%) e o restante foi
arrecadado através da subscrição de novas ações. Foi destinado o
montante de 5 milhões de cruzeiros para investimentos na filial de
Francisco Beltrão-PR.
Ata nº 2 - Assembléia
geral extraordinária da
firma Zanchet S/A
Indústria Comércio e
Exportação - Seberi
(RS) - Realizada em 20
de outubro de 1960.
1964
Aumento do capital social, em virtude de reajuste monetário,
constando remessa de recursos para uma filial do grupo em
Curitiba.
.
Ata nº 3 - Assembléia
geral extraordinária
realizada em 14 de
outubro de 1964.
1965
O segundo item da pauta de discussões da reunião aventa sobre a
possibilidade de transferência da matriz do grupo de Seberi para
Francisco Beltrão, mas, o aprofundamento do assunto ficou para
ser discutido em reuniões futuras.
Ata nº 6 - Assembléia
geral extraordinária
realizada em 06 de
setembro de 1965.
1966
Formalização, pela diretoria, da proposta de transferência da
matriz de Seberi para Francisco Beltrão e apresentação de parecer
favorável do conselho fiscal.
.
Ata da 7ª Assembléia
geral extraordinária
realizada em 5 de
setembro de 1966
1972
Na ata da 9ª reunião extraordinária é ressaltado o êxito econômico
pelo qual o grupo passou nos últimos anos.
Ata da 9ª Assembléia
geral extraordinária
realizada em 30 de
julho de 1972.
FONTE: Documentos do acervo pessoal de Ione Nardin.
Apesar de esta sociedade ter sido firmada no ano de 1947, foi somente a par-
tir do ano de 1948 que sua atuação ganha destaque quando da inauguração de sua
própria usina de geração de energia, capaz de abastecer todos os empreendimentos
100
do grupo e ainda produzir um excedente comercializável. Esta usina foi construída
no rio Fortaleza (Ogaratim) e foi uma das primeiras usinas hidroelétricas instaladas
no município de Palmeira das Missões. A sede do município e alguns distritos (co-
mo, por exemplo, o de Frederico Westphalen) produziam energia através de motores
movidos a combustível fóssil. O diferencial entre os geradores hidroelétricos e os
geradores de motores a combustível está no baixo custo de manutenção para a mo-
vimentação desses. No sistema a motor, era comum que o abastecimento de ener-
gia fosse interrompido a partir de determinado horário da noite, como forma de eco-
nomizar os gastos com combustíveis, enquanto no sistema hidroelétrico a produção
era contínua, pelo aproveitamento da força natural das águas do rio Fortaleza.
As pessoas que vinham para eram atraídas pela cidade, pois aqui
havia luz. Lá em Frederico Westphalen tinha um motor movido a
óleo. Era muito caro. O frigorífico tinha uma caldeira a vapor. A nossa
luz era elétrica-hidráulica, mais barata, por isso Seberi cresceu ligei-
ro. [...]. A turbina para as máquinas da firma veio de Taquara, mas
era importada da Alemanha. O gerador era Bromberg. Os Zanchet
colocaram luz em todas as casas. tiraram quando veio a CEEE.
(depoimento de Lourenço Albino Nardin in REÁTEGUI, 1988, p.30)
No balanço geral de 1954 o lucro obtido com a geração e distribuição de
energia foi de Cr$110.198,50 e, entre as diversas fontes de renda do grupo, repre-
sentou a quarta maior fonte de renda. No ano de 1955, com o monopólio da distri-
buição de energia da CEEE, o grupo perdeu esta importante fonte de renda e que
não consta na relação das fontes de renda da sociedade. O comércio de madeira se
torna a atividade mais rentável em 1955, atrás do comércio de farinha de trigo, prin-
cipal atividade do ano de 1954.
A intervenção do estado gcho na geração e distribuição de energia, através
da criação de uma estatal (a CEEE), teve início a partir da década de 40 do século
XX com a finalidade de melhorar a infra-estrutura de energia do estado e, assim,
dinamizar o desenvolvimento das indústrias nele instaladas. Conforme trabalho de
Ueda (in BOEIRA 2007, p.182) “os conflitos entre os proprietários (das empresas de
geração de energia) e o estado eram imensos”. De acordo com a mesma autora, em
janeiro de 1943 foi criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica com o propósito
de realizar estudos do potencial hidulico do estado em função da falta de combus-
tíveis (como conseqüência da Segunda Guerra Mundial) empregados na geração de
energia que afetava a expansão das indústrias gaúchas. A partir de 1952 a CEEE foi
transformada em autarquia e várias usinas foram construídas a partir desta década,
101
além de ocorrer a encampação de usinas particulares e de redes de transmissão.
Um documento fornecido por Zanchet & Cia Ltda (figura 28) no ano de 1958 informa
que a CEEE encampou a rede urbana do grupo em novembro de 1955, mas permitiu
que a usina continuasse sendo utilizada para o abastecimento dos empreendimen-
tos do grupo e para algumas residências de sócios do mesmo. Assim, o estado inter-
fere nas relações comerciais estabelecidas pelo grupo Zanchet através do forneci-
mento de energia elétrica aos moradores do distrito de Seberi. Neste mesmo docu-
mento, é possível observar as principais atividades econômicas exercidas pelo gru-
po e exibidas em uma coluna, localizada na lateral esquerda deste.
Figura 28: Informações fornecidas à Comiso Pró-Emancipão de Seberi sobre a
usina hidroelétrica do grupo Zanchet, em 5 de abril de 1958.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
102
Para Müller (1993, p.372), a situação da infra-estrutura de energia e das rodo-
vias do estado, entre os anos 30 e 60, era um problema que deveria ser encarado
com grande urgência pelo Estado como forma de impulsionar os grupos industriais
que estavam se destacando no cenário econômico do Rio Grande do Sul.
Ao ver da fração industrial e de algumas autoridades governa-
mentais, o problema do RS – problema que converte esse Estado em
sócio menor da industrialização que ocorre no país é um problema
de energia elétrica. Assim, a luta da fração modernizante da classe
dominante gaúcha, e também dos governos, será transporte, com
ênfase cada vez maior no rodoviário, e, principalmente, energia elé-
trica. Nisso, residia a saída das dificuldades postas pela realidade,
através do entendimento do interesses desta fração e dos governos,
cujo resultado deveria ser a continuação do desenvolvimento orgâni-
co sul-rio-grandense. (MÜLLER, 1993, p.372)
A construção da usina particular do grupo Zanchet ficou sob a responsabili-
dade de Lourenço Nardin, que também era um dos sócios do grupo. Ele foi o res-
ponsável pela construção da usina ocorrida entre os anos de 1947 e 1948 e se tor-
nou o encarregado por sua manutenção até meados da década de 70, quando,
então, abandonou a sociedade. Antes de se transferir para Seberi, Lourenço Nardin
residiu no município de Guaporé-RS sendo convidado, por membros da família Zan-
chet, a migrar para Seberi já com a incumbência de construir a usina e fazer parte
da sociedade que se firmou no ano de 1947. Na figura 29-A, o mesmo está em fren-
te da barraca na qual dormiu muitas noites durante este trabalho. Como este local
ficava distante mais de 6 quilômetros da atual cidade de Seberi, e com estradas de
difícil acesso, não era possível realizar o deslocamento diário para o pernoite. A
figura 29-B mostra a coleta de dados sobre o volume de água represada para rea-
lizar os cálculos do potencial hidroelétrico. Relacionado a isto, é importante ressaltar
que o Sr. Lourenço Nardin não possuía nenhum tipo de formação técnica sobre me-
cânica ou elétrica. De acordo com correspondências trocadas entre ele e a empresa
H.Wirz & Cia, os engenheiros desta lhe repassavam as fórmulas matemáticas para o
cálculo da vazão e do potencial hidráulico
36
. Esses dados eram importantes para a
36
Turbinas Wirz De acordo com informações da Enciclopédia dos Munipios Brasileiros (IBGE, 1959)
sobre o munipio de Estrela, a indústria H. Wirz & Cia foi inaugurada próximo ao período da proclamação da
Repú-blica no Brasil (1889) com as atividades de fundição e fabricação de turbinas hidráulicas e acessórios. No
cadas-tro industrial da FIERGS de 1994 constam algumas informações diferentes, como segue: Razão social:
Turbinas Hidráulicas Wirz Ltda; Ano de fundão: 1936; Endereço: rua Joaquim Nabuco, 97; Funcionários
emprega-dos: 69; Produtos: comporta de represa – condensador – conduto forçado – moinho de bola – peça em
ferro fundido peça para turbina polia prensa regulador automático para turbinas tanque metálico. No
103
escolha dos equipamentos a serem adquiridos, o que não poderia ser feito sem a
utilização das fórmulas repassadas. Na figura 29-C é possível visualizar a sala de
máquinas da usina já em operação, enquanto na figura 29-D temos uma visão da
barragem (localizada a mais de 900 metros da sala de máquinas) onde um canal
desvia parte do volume de água.
Figura 29: A e B: O responsável pela construção da usina hidroelétrica do grupo
Zanchet, Sr. Loureo Nardin (no ano de 1947, aproximadamente), durante a fase de
obras. C e D: Usina em funcionamento a partir do ano de 1948.
A
B
C
D
FONTE: Acervo pessoal de Ione Nardin
A construção desta usina permitiu que o grupo ampliasse e diversificasse
suas atividades industriais (uma vez que conseguiam obter energia elétrica com bai-
xo custo) junto com a utilização de alguns de seus próprios produtos como tijolos e
madeiras. Ampliaram a serraria de onde podiam aproveitar a madeira beneficiada
para a sua ppria fábrica de móveis, onde fabricavam os móveis de escritório, aber-
ano de 1996 a razão social da empresa é alterada para Bee Indústria e Comércio de Equipamentos Ltda., e a sede
da empresa foi transferida para o estado do Paraná. No ano de 2008 o grupo MECAMIDI (de origem francesa)
incorporou a Bee Indústria e Comércio de Equipamentos Ltda., mantendo a indústria de motores, turbinas
hidráulicas, peças e acesrios no município de Estrela e alterando o nome da empresa para Mecamidi Wirz
Indústria e Comércio de Equipamentos Ltda.
104
turas, esquadrias e outros móveis necessários ao grupo. Da olaria sram os tijolos
do moinho que começou a ser construído no início da década de 50 e que em 1955
já estava em funcionamento. Nas figuras 30-A, B e C, podemos observar algumas
etapas da construção do moinho.
Figura 30: A e B: Evolução da construção do moinho do grupo Zanchet & Cia Ltda
entre os anos de 1950 e 1955. C: Casa de comércio do grupo Zanchet integrada ao
moinho e ao silo de grãos-1957.
A
B
C
FONTE: Acervo pessoal de Rosinha Bertinatto
105
A exploração da madeira foi uma das principais atividades econômicas desen-
volvidas pelo grupo através da serraria, beneficiamento de madeiras e marcenaria.
Foi a atividade madeireira que fez com que o grupo expandisse suas atividades a
o munipio de Francisco Beltrão, no estado do Paraná, onde foi aberta uma filial
que tinha, como atividade principal, a exploração de madeira, além de atividades
comerciais. Neste munipio também era comercializada parte da farinha de trigo
processada em Seberi, expandindo seu mercado consumidor. Assim como Seberi, o
município de Francisco Beltrão se constituía em área de colonização recente, tendo
obtido sua emancipação no ano de 1951. A madeira de Francisco Beltrão era ser-
rada no pprio munipio, mas, para receber maior beneficiamento, era enviada
para Seberi por caminhão. A figura 31 mostra uma seqüência de fotos relacionadas
com a exploração madeireira do grupo Zanchet.
Na década de 50, no distrito de Seberi, o grupo passou a investir na lavoura
comercial de trigo para a produção de farinha de trigo e, na mesma propriedade on-
de plantavam trigo, também plantavam milho para produção de farinha de milho e
para alimentar os suínos existentes em suas granjas. Suínos estes que eram abati-
dos em seu próprio matadouro localizado na sede do distrito (próximo à serraria) ou
comercializados ainda vivos para serem abatidos em Frederico Westphalen (no fri-
gorífico Santo Antônio) ou em Rio Grande (no frigorífico Swift), conforme depoimento
do Sr. Lourenço Nardin (in REÁTEGUI, 1988, p.30):
na Boca da Picada havia um posto de compra de porcos: a Swift
de Rio Grande. Era um frigorífico. Aqui tinha o Sr. Batistela, que era
o comprador registrado. A colônia fornecia de seus chiqueirões e os
animais eram transportados de caminhão até Santa Bárbara. De
Santa Bárbara iam para Rio Grande de trem.
A ligação entre o distrito de Seberi e a estação férrea de Santa Bárbara era
realmente feita através de caminhões pertencentes à VFRGS como podemos visua-
lizar na figura 32. Também constatamos, através de consulta à Enciclopédia dos
Munipios Brasileiros, volume 34 (IBGE, 1959-b, p.129), que o frigorífico Swift
(Companhia Swift do Brasil SA) produzia banha de porco refinada no município de
Rio Grande-RS, o que nos fornece o embasamento do depoimento de Lourenço
Nardin. É importante destacar que apesar da grande distância existente entre o dis-
trito de Seberi e o município de Rio Grande (aproximadamente 700 quilômetros) e
das condições de transporte existentes na década de 50 (modais rodoferroviários
106
com as rodovias sem qualquer tipo de pavimentação), o transporte de carga viva
fosse economicamente viável.
Figura 31: A: Extração de madeiras das matas de Seberi-sem data; B: Serraria e
marcenaria do Grupo Zanchet-1957; C: Caminhões carregados de madeira em frente à
casa comercial do Grupo Zanchet em Seberi-1957.
A
B
C
FONTE: A: Acervo pessoal de Lurdes Tamanini Hemielewski; B: Acervo pessoal de Rosinha
Bertinatto; C: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação).
Porém, há alguns questionamentos que não conseguimos responder em nos-
sas pesquisas e que consideramos que mereçam um estudo específico: por que os
suínos eram transportados de Seberi até Rio Grande se no município de Frederico
Westphalen (distante 15 km da sede do distrito de Seberi) havia um frigorífico capaz
de receber esses suínos? Será que o frigorífico Santo Antônio não tinha condições
107
de abater todos os suínos ofertados? Ou havia uma grande demanda por banha refi-
nada que justificasse tal deslocamento? De acordo com a Enciclopédia dos Municí-
pios Brasileiros, volume 33 (IBGE, 1959-a, p.213), ao abordar a produção de suínos
no município de Frederico Westphalen “a produção suína é quase toda consumida
pelo frigorífico Santo Antônio, para industrialização e este estabelecimento se cons-
titui na principal indústria e fonte de renda municipal.
Figura 32: Frota de caminhões da Vião Férrea do Rio Grande do Sul no distrito de
Seberi, vindos da estação de Santa Bárbara-RS.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
O grupo Zanchet também possuía cotas de ações deste frigorífico (rever qua-
dro 2, nos anos de 1954 e 1955). Além disso, entre os anos de 1954 e 1955,
Marcelo Zanchet exerceu o cargo de diretor administrativo do mesmo. De acordo
com Battistella (1969, p.171), o frigorífico foi fundado no ano de 1941 como uma
cooperativa de banha e produtos suínos, mas, por falta de condições financeiras,
teve de ficar paralisado até que alguns empreendedores vindos de Porto Alegre
transformaram a cooperativa em uma sociedade anônima e trouxeram outros
equipamentos.
Por volta de 1941, Vernio Cerutti, com a cooperação de João
Reis e outros, percebendo a importância da indústria da banha, e de-
sejando incrementar o interesse da colônia pela suinocultura, promo-
veu a fundação de uma cooperativa de banha e produtos suínos.
108
Valendo-se do seu prestígio, conseguiu reunir os elementos indis-
pensáveis para enfrentar o problema. Mas, após o sucesso inicial, o
empreendimento teve de ficar paralisado por falta de meios, res-
surgindo em 1943, quando elementos de Pôrto Alegre, como Tran-
qüilo Damo, José Zamprogna e José Zambenedetti, propuseram e foi
aceito transformar a cooperativa em Frigorífico Santo Annio Ltda.,
transferindo para o maquinário de uma indústria da Linha 11 de
Guaporé. Para diretor administrativo da construção do prédio e das
instalações foi nomeado João Pinto que, após dois anos, [...], passou
o cargo a João M. Reis, o qual nele se manteve desde 1946 a 1950.
Seguiram-se sucessivamente no cargo Leopoldo Friedrich, 1950;
João Muniz Reis, 1951 a 1953; Joviniano Zambenedetti, 1953; Am-
pélio Damo, 1953; Marcelo Zanchet, 1954 a 1955; Ampélio Damo,
1955 a 1969. (BATTISTELLA, 1969, p.171)
A partir destas modificações, o frigorífico Santo Antônio obteve grande cres-
cimento, a tal ponto de figurar entre os maiores frigoríficos do estado como podemos
observar pela afirmação de Battistella (1969, p.174):
Tal é a magnitude e a importância dêste frigorífico que, em 1967 se
classificou em segundo lugar entre os 52 existentes no Estado, com
124.338 suínos abatidos, enquanto o Frigorífico Ideal S/A de Serafina
Corrêa coube o primeiro lugar com 133.143 abates e ao Frigorífico
Borella de Marau o terceiro com 113.453.
É possível afirmar que entre os fatores que favoreceram o surgimento de uma
quantidade considerável de indústrias naturais no distrito de Seberi e em toda a zo-
na colonial de Palmeira das Missões foi a produção agrícola e a existência de recur-
sos naturais (como a madeira e a erva-mate) da zona colonial. Em nosso processo
de pesquisa, obtivemos relatos de antigos moradores sobre a existência de peque-
nos moinhos movidos por rodas d’água e atafonas (um tipo de moinho para elabo-
ração de farinha de mandioca) no interior do atual município de Seberi. Em alguns
desses depoimentos, tomados de maneira informal, mencionava-se apenas a
expressão “engenho” que poderia servir para o beneficiamento de trigo, milho, erva-
mate, cana-de-açúcar ou outro produto agrícola. Para essas pessoas, já de idade
avançada, o engenho era algum tipo de máquina de beneficiamento, que poderia até
mesmo servir para o beneficiamento de madeira. Como a escala de produção des-
ses engenhos era muito pequena (não muito superior às necessidades da própria
família), não houve registros oficiais destas construções. Porém, a partir da década
de 50, a implantação de novas técnicas e equipamentos na agricultura do município
de Palmeira das Missões e do distrito de Seberi, aumentou a produção agcola e
justificou o investimento em indústrias de beneficiamento de maior escala.
109
De acordo com Rückert (2003, p.42) a produção de trigo em moldes capita-
listas vem a ser assumida a partir, principalmente, da década de 50, pela fração de
classe capitalista representada pelos comerciantes-industrialistas e com o apoio do
Estado. Especificamente sobre Palmeira das Missões, é possível afirmar que:
Em 1951, entrou em funcionamento a primeira lavoura mecanizada;
daí, lentamente, na base de duas a mais em cada ano, foram se
desenvolvendo com recursos próprios até 1955, quando já se con-
tavam em número superior a uma dezena. Nesse ano foi instalada na
cidade uma agência do Banco do Brasil, que passou a financiar aos
agricultores o cultivo do trigo, [...]. Antes da mecanização da lavoura,
já a agricultura ocupava o primeiro lugar na economia do município e
a produção total anual de trigo atingia mais de 200 mil sacos, alcan-
çando, atualmente, 700 mil. Também a mandioca, milho e feijão-soja
tiveram a sua produção aumentada, pois os plantadores de trigo têm
se dedicado ao cultivo dêsses produtos. Dos centros consumidores
dos produtos agrícolas do município conta-se a Capital do estado em
70% e mais os seguintes municípios: Cruz Alta, Ijuí, Carazinho, Capi-
tal Paulista e Distrito Federal. (IBGE, 1959-b, p.13-14)
Como mencionado na citação acima, antes mesmo do processo de mecaniza-
ção da agricultura ter início, a cultura de trigo já se destacava junto com a produção
de outros produtos agrícolas. Dessa forma, podemos afirmar que foi através da pe-
quena produção mercantil que a zona colonial de Palmeira das Missões começa a
se destacar economicamente. Os agricultores que passaram a ocupar os lotes colo-
niais necessitavam de alguns produtos, tais como, sal, ferramentas de trabalho
(facão, enxada, machado, serra, ...) e tecidos. Para isso era necessária a produção
de algum excedente comercializável. Nem sempre o agricultor possuía dinheiro
(papel-moeda) em mãos, mas sua produção poderia ser aceita como pagamento
dos bens de que necessitava. Diante destas necessidades básicas dos colonos sur-
giram as primeiras bodegas que propiciaram ao pequeno produtor rural o saciamen-
to de suas necessidades e, ao mesmo tempo, a comercialização sua produção.
Instalei minha casa no meio do mato. A estradinha para chegar até
fui eu mesmo que abri. [...]. Fiz um pique de mais ou menos quinhen-
tos metros para poder puxar a madeira e fazer um paiol. Morei dois
anos neste dito paiol e, então, fiz uma casinha de madeira. Comecei
a derrubar mato para fazer roça de feijão, milho, trigo. A lavoura
era feita à o. Depois fui plantando batata, abóbora e criava lei-
o para o gasto. Todas as espécies de frutas: parreiras, laranjei-
ras, bergamoteiras que também foram plantadas por nós. As mudas
e sementes vinham de Santa Bárbara quando os motoristas da em-
presa da viação férrea traziam de caminhão numa frota que pertencia
à VFRGS. Fui capataz da granja de abacateiros dos irmãos Raitter,
Ferdinando e Leopoldo, por 12 anos. Aí ganhava um pouco para sus-
tentar a família. Vinha a cavalo fazer compras em Seberi na casa
110
do pai do Getúlio Schmidt, o Seu” Roberto. Ali tinha de tudo, pre-
go, farinha, arame, sal, tecidos, querosene. Pagava com o que
ganhava na granja e às vezes com a safra. (depoimento de Silvino
de Mello in REÁTEGUI, 1988, p.36). [grifo nosso]
Apesar da aproximação do nível de subsistência, o agricultor visava sempre a
produção de um excedente comercializável. Dessa forma ele poderia melhorar as
condições de vida de sua família, melhorar sua residência e adquirir os produtos que
não podiam ser produzidos no interior de sua propriedade.
uma diferença qualitativa entre os colonos que se instalam nos lotes colo-
niais entre 1920 e 1940, e alguns colonos que adquirem lotes coloniais no período
pós-1940. O primeiro grupo de colonos, onde se destacam os nacionais, tinha na
pequena produção agrícola, a base de seu sustento. Sua produção era diversificada,
com baixo emprego de equipamentos de produção e utilização de mão-de-obra
familiar na grande maioria das propriedades, mas, sempre buscava a produção de
excedentes comercializáveis para a obtenção de outros produtos nas vendas, bode-
gas, casas de secos e molhados. O segundo grupo, que se destaca no período pós-
década de 40, pratica uma agricultura mais sintonizada com as necessidades de
mercado, empregando novas técnicas e ferramentas com o propósito de melhorar
seus índices produtivos. Percebiam a agricultura como uma maneira de ascender
economicamente e não apenas manter/sustentar a família.
A partir da década de 40 o segundo grupo de produtores rurais começa a pro-
curar terras no distrito de Seberi ou em áreas pximas. Concomitantemente com a
chegada desses novos colonos, muitos agricultores nacionais abandonam seus lotes
e passam a migrar para o oeste catarinense, onde ainda restavam áreas de menor
pressão demográfica. Esse abandono de lotes é demonstrado na tabela 2, já apre-
sentado no capítulo 3 (págs. 91 e 92) e é atribuído à pressão econômica exercida
pela busca de terras por colonos das antigas colônias, em virtude do crescimento
demográfico e da inexistência de terras disponíveis nestas áreas que também se
mostravam escassas em algumas das novas colônias como, Santa Rosa, Ijuí, Ere-
chim, Passo Fundo e Panambi. O processo migratório das áreas de antigas colônias
para as novas colônias atingiu tamanha intensidade que recebeu a denominação de
“enxamagem” por Jean Roche (1969-a, p.319) que relacionou a intensa mobilidade
dos colonos com a mobilidade das abelhas.
111
Especificamente sobre o distrito de Seberi e os processos de modernização
da agricultura, destacamos a figura 33 que mostra um histórico de atividades de
uma lavoura mecanizada implantada no distrito, exemplificando as mudanças que se
operavam pelo processo de modernização da agricultura. É possível observar que o
responsável pela administração da propriedade mencionada na figura 33 (ou
“granja”, conforme expressão empregada no documento) está vinculado ao grupo
Zanchet, confirmando a idéia anterior de interligação das atividades produtivas deste
grupo. Declaração semelhante foi fornecida pelo Sr. Luiz Júlio Gemelli sobre a pro-
dução da Granja Zilmar Ltda, uma das maiores produtoras de trigo no distrito de
Seberi. A Granja Zilmar iniciou suas atividades neste distrito no ano de 1953 e a
Granja Santa Terezinha no ano seguinte, sendo que ambas utilizavam maquinário
agrícola extraindo de suas propriedades o mesmo tipo de produção agropecuária
(trigo, milho, soja e suínos). Nas figuras 34-A e B visualizamos o maquinário utilizado
na colheita de trigo da Granja Zilmar.
De acordo com a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959-b,
p.14), o Sr. Luiz Gemelli cultivou 600 ha de trigo no ano de 1955, figurando entre os
maiores plantadores deste cereal no munipio de Palmeira das Missões. Sua pro-
dução de trigo era comprada pelo grupo Zanchet para a produção de farinha de trigo
no moinho do grupo que, desde o ano de 1950, não possuía mais nenhum membro
da família Gemelli em seu quadro de associados.
Nas figuras 34-C e D, visualizamos as criações de suínos desta mesma gran-
ja que, além da comercialização da carne, também eram importantes para a produ-
ção de banha. Neste sentido, é importante ressaltar que a banha foi um produto mui-
to utilizado no Brasil para o preparo e conservação de alimentos, pois ainda não
eram utilizados óleos vegetais. Roche (1969, p.183) chegou a chamar a banha como
o “ouro branco” para os colonos alemães do sul do Brasil. Com o passar do tempo, a
banha foi perdendo seu mercado para o óleo de soja. As plantações de soja come-
çaram a se destacar ainda na década de 40, principalmente no município de Santa
Rosa-RS. No distrito de Seberi as primeiras plantações datam de meados da década
de 50, o que coloca o distrito entre os pioneiros desta cultura agrícola no Brasil. De
acordo com Brum (1988), as culturas de soja e trigo foram fundamentais no proces-
so de modernização da agricultura no Rio Grande do Sul.
112
Figura 33: Histórico das atividades da “Granja Santa Terezinha”, administrada por
Marcelo Zanchet.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
113
Ainda sobre as informações contidas na Enciclopédia dos Munipios Brasilei-
ros, a criação de bovinos no município de Palmeira das Missões estava voltada para
o abastecimento interno do município, enquanto a produção de suínos já buscava
atender a mercados externos. A justificativa apresentada era de que o município não
possuía pastagens de boa qualidade para a criação de bovinos.
A pecuária do município tem na suinocultura uma das suas principais
fontes de renda. No entanto, os bovinos são criados mais para aten-
der às necessidades locais, no que tange ao abastecimento de carne
verde
37
, leite e animais para o trabalho, do que propriamente com o
fito pecuarista propriamente dito. Esse fato se justifica pelas pés-
simas qualidades das pastagens, onde predomina a “barda-de-bode”.
(IBGE, 1959-b, p.14)
Figura 34: A e B: Colheita de trigo na Granja Zilmar, no distrito de Seberi, no ano de
1957. C e D: Criação de suínos da Granja Zilmar de Luiz Júlio Gemelli-1957.
A
B
C
D
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
Os produtos primários e a existência de um mercado consumidor local influ-
enciaram fortemente na instalação de indústrias naturais nas zonas coloniais e, tam-
37
A expreso “carne verde” se refere à carne que não passa por beneficiamento industrial. É a carne comumente
comercializada in natura nos açougues e casas de carne.
114
bém, no distrito de Seberi. Entre as 14 maiores indústrias de Palmeira das Missões
citadas na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 3 delas estavam localizadas no
distrito de Seberi, e todas realizavam algum tipo de beneficiamento em matérias-
primas existentes no município. No quadro 3 estão listadas estas indústrias (as
indústrias grifadas estavam localizadas no distrito de Seberi) e, novamente, os
sobrenomes Gemelli e Zanchet são destacados.
A relação de dependência existente entre as matérias-primas produzidas e/ou
encontradas em Palmeira das Missões (erva-mate, madeira, trigo e suínos) e as in-
dústrias citadas pelo IBGE é evidente. Nenhuma das indústrias mencionadas depen-
de de matéria-prima externa, porém, alguns insumos (principalmente combustíveis e
óleos lubrificantes) são buscados em outras regiões do estado, do Brasil ou em
outros pses.
Quadro 3: Principais indústrias de Palmeira das Missões e seus ramos de atividade,
em 1955.
Indústrias Ramos de atividade
Eduardo A. S. Forte Erva-mate
Felipe Willibaldo Stefens Tábuas
Constante Luiz Gemelli Tábuas
José Posini Tábuas
Knorr & Cia. Ltda. Ripas e tábuas
Lorenzoni & Cia. Ltda. Tábuas
Adilno Pereira Melo Pranchas e tábuas
Ricardo Dequi Tábuas
Zanchet & Cia Ltda. Pranchas e tábuas
Indústria Palmeirense do Mate Ltda. Farinha de trigo e erva-mate
Zanchet & Cia Ltda. Farinha de trigo
Frigorífico Palmeira Ltda. Banha de porco
Serafim de Moura Reis Neto Erva-mate
Turíbio Nery da Veiga Erva-mate
FONTE: IBGE (1959-b, p.14)
No ano de 1958 o IBGE forneceu à Comissão Pró-Emancipação de Seberi
uma relação de 28 indústrias encontradas no distrito de Seberi (quadro 4). Entre as
principais matérias-primas utilizadas por estas indústrias encontramos: o barro, a
madeira, a cana-de-açúcar, e os cereais (com destaque para o milho e o trigo). As
matérias-primas das duas fábricas de calçados (o couro, a cola e as solas dos sapa-
tos) eram trazidas de outras regiões do estado e os sapateiros apenas montavam o
calçado de acordo com as necessidades e as medidas de seus clientes. Entre as in-
dústrias listadas na tabela 6 destacamos a gasosaria do Sr. Zanoni Hemielewski,
115
pois, a análise da evolução desta instria nos fornece alguns elementos impor-
tantes para a compreensão da forma como Seberi vai se inserindo na rede de co-
mércio regional/nacional.
Quadro 4: Lista das indústrias existentes no distrito de Seberi e principal matéria-
prima encontrada no distrito, baseado no documento fornecido pelo IBGE, em 28 de
março de 1958, à Comissão Central Pró-Emancipação de Seberi.
Razão Social Indústrias Matéria-prima existente no local
Albino Anselmo Sauer Fábrica de mausoléos ----------
Alexandre Bonadiman Serraria de madeira madeira
Alcides Wilsen Serraria de madeira madeira
Antônio Baldin Olaria barro/argila
Armando Argenta brica de aguardente cana-de-açúcar
Balestrin & Polesso Moinho trigo-milho-arroz
Braga e Pereira brica de aguardente cana-de-açúcar
Braga e Pereira Serraria de madeira madeira
Carlos Trehnepohl Serraria de madeira madeira
Edgar Wolf Marcenaria madeira
Egídio F. Maglia Serraria de madeira madeira
Ernani & João Schimdt Serraria de madeira madeira
Francisco Sidloski Moinho trigo-milho-arroz
Frederico Daroldi Serraria de madeira madeira
Hermes e Felício Fábrica de calçados ----------
João Sminko Fábrica de móveis de madeira madeira
Lucas & Queiroz Padaria farinha de trigo
Miguel Koproski Fábrica de calçados ----------
Olaria Santo Antônio Olaria barro/argila
Oscar Rening Olaria barro/argila
Osvaldo Sabino da Silva
Fábrica de aguardente cana-de-açúcar
Osvaldo Schneider Serraria de madeira madeira
Osvino Schneider Moinho trigo-milho-arroz(descascar)
Rosalino Cadore Fábrica de calçados ----------
Zanchet & Cia Ltda Fábrica de móveis de madeira madeira
Zanchet & Cia Ltda Olaria barro/argila
Zanchet & Cia Ltda Moinho de trigo trigo-milho-arroz(descascar)
Zanoni Hemielewski Fábrica de gazoza água potável
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação). Adaptação e
organização: Edilson W. Pedroso Jr.
O surgimento desta gasosaria está relacionado à chegada, no distrito de
Seberi, de um imigrante de origem polonesa que já havia residido no município de
Ijuí-RS, o Sr. Miguel Wodzick. A data de sua chegada não é definida, mas alguns
indícios nos permitem afirmar que foi anterior à década de 40 do século XX. Sobre a
escolha do local onde foi instalada a gasosaria, o depoimento do Sr. Avelino Padoan
(in REÁTEGUI, 1984, p.37) é bem elucidativo:
[...] veio um polonês de Ijuí, ficou nosso vizinho. Disse que era ‘gaso-
seiro’ em Ijuí. Só não sabia fazer cerveja. Então foi olhar um lugar ali
116
em abaixo do Getúlio Schmidt. Achou uma vertente com água muito
limpa e colocou uma ‘gasosaria’ ali. Logo em seguida o Roberto
Schmidt abriu um ‘bolicho lá. Onde é o centro agora, não havia
nada. Tudo deserto ainda.
Este polonês formou uma sociedade com um grupo de irmãos da família
Hemielewski no ano de 1948 e, no ano de 1950, vendeu a parte da sociedade que
possuía aos irmãos Hemielewski. No ano de 1956 a sociedade é desfeita e apenas o
Sr. Zanoni Hemielewski assume a responsabilidade de tocar adiante a gasosaria. A
partir do início da década de 50, os irmãos Hemielewski haviam investido em maqui-
nário moderno para a gasosaria. Isto só foi possível porque o grupo Zanchet fornecia
a energia elétrica necessária para o funcionamento destas máquinas. Porém, uma
das máquinas adquiridas nunca chegou a entrar em funcionamento por possuir
voltagem diferente da fornecida em Seberi, gerando prejuízo aos irmãos. Outra
máquina, utilizada para lavar garrafas, era tão eficiente que entrava em funcio-
namento por alguns dias em cada mês. Sua capacidade de lavar garrafas era muito
maior do que o volume de bebidas comercializado pela gasosaria. Outra máquina de
grande importância para os negócios da gasosaria era a máquina de gelo. Junto
com a bebida fornecida, principalmente, para festividades, bailes e reuniões familia-
res, também era necessário o fornecimento de gelo.
O refrigerante conhecido como “Laranjinha” era o principal produto da gaso-
saria do Sr. Zanoni Hemielewski que também chegou a iniciar a fabricação de cer-
veja. Como a cerveja não teve grande aceitação, continuou apenas com a fabrica-
ção de refrigerantes e se tornou um distribuidor da cerveja Brahma, fabricada no
município de Passo Fundo. No início da década de 60 a gasosaria Hemielewski
encerrou a produção de refrigerantes atendendo às imposições da cervejaria
Brahma (figura 35). A Brahma também possuía uma linha de refrigerantes, e para
que o Sr. Zanoni continuasse sendo um distribuidor da cerveja precisava, também,
distribuir os refrigerantes da Brahma. Ele não poderia distribuir somente a cerveja e
continuar concorrendo com a linha de refrigerantes da Brahma.
É preciso levar em consideração que a atividade de representar comercial-
mente as grandes marcas de bebida do centro do ps (como a Brahma e a Antárc-
tica) proporcionava um retorno financeiro satisfatório e maior estabilidade comercial
pelo motivo de estar representando uma marca de grande aceitação no mercado
(enquanto na condição de proprietário de uma pequena gasosaria, era necessário
117
concorrer com empresas que estavam ganhando cada vez mais o gosto dos consu-
midores), além do fato de que esta atividade assegurava um grande destaque na
economia local. Deve-se destacar que a Brahma (paulista), assim como a Antárctica
(carioca) adotaram pticas agressivas de expansão de seus produtos através da
aquisição de marcas das fábricas regionais e forçaram as cervejarias tradicionais do
Rio Grande do Sul a encerrar sua produção.
Figura 35: A: Gasosaria de Zanoni Hemielewski (ano aproximado da fotografia: 1957);
B: Distribuidora das bebidas da Brahma (cerveja e refrigerante), de Zanoni He-
mielewski e Sobrinhos, no ano de 1966.
A
B
FONTE: A: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação); B: Acervo
pessoal de Lurdes Tamanini Hemielewski.
De acordo com Pesavento (1983, p.136), o Rio Grande do Sul possuía, no
ano de 1913, 134 cervejarias espalhadas pelo estado sendo que as maiores se
localizavam pximas à Porto Alegre ou nos municípios de Rio Grande e Pelotas.
Como estratégia de manutenção de algumas cervejarias, formou-se, na década de
20, a cervejaria Continental através da união das cervejarias Bopp & Irmãos, Bernar-
do Sassen & Filho, e H. Ritter, formando a maior cervejaria do estado. No ano de
1946 a Brahma incorporou a cervejaria Continental. Outro caso ilustrativo se deu no
município de Getúlio Vargas onde havia, desde 1953, a Maltaria da Serra Ltda que,
no ano de 1957 passou a fabricar a cerveja Serramalte. Em 1980 a Serramalte foi
incorporada pela Antárctica. No ano de 2000 as marcas Brahma e a Antárctica se
fundem formando a AmBev (Companhia de Bebidas das Américas).
Atualmente, o setor de bebidas-cervejas no Brasil tem uma alta taxa de con-
centração do capital, hoje representado pela AmBev, que é proprietária de marcas
118
nacionais e internacionais de cerveja e de refrigerantes. Entre as cervejas nacionais
temos a Brahma, Antárctica, Skol, Bohemia, Original, Serramalte, Polar, Caracu,
Stella Artois e Kronembier. Como marcas internacionais citamos Belle-Vue (belga),
Hoegaarden (belga), Leffe Blonde (belga), Família Franziskaner (alemã), Löwenbräu
(alemã), Spaten (alemã), Patricia (uruguaia), Norteña (uruguaia), Pilsen (uruguaia),
Quilmes Cristal (argentina), Labatt Blue (canadense) e Beck's (alemã) além das
linhas de refrigerantes Pepsi, Sukita, Soda Antárctica, Teem, Guaraná Antárctica e
H2OH! e outras bebidas como Gatorade, Lipton Ice Tea e Fratelli Vitta
38
. No ano de
2008 a Companhia de Bebidas das Américas AmBev foi classificada no setor de
bens de consumo e é apontada como a maior empresa deste setor em volume de
vendas e a sexta maior empresa quando considerados todos os outros setores.
AmBev Brasil Bebidas Ltda está classificada na 1colocação somente do setor de
bens de consumo considerando o volume de vendas e na posição 126 quando
considerados todos os outros setores
39
. Ambas o controladas por investidores
belgas. Essas informações demonstram a importância econômica das indústrias de
cerveja no Brasil.
Sobre o início do processo de industrialização no Rio Grande do Sul, desta-
camos que desde meados do século XIX o Rio Grande do Sul foi o responsável por
fornecer aos estados do sudeste uma variedade de produtos (cereais, vinho,
banha,...) para alimentar a população urbana que aumentava nestes estados em
decorrência do processo de concentração industrial que se dava, principalmente,
nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A dificuldade de transporte desses pro-
dutos até os mercados consumidores, foi um grande problema que impedia uma
maior inserção dos produtos gaúchos nos mercados do sudeste. Entretanto, a partir
do momento em que alguns estados (principalmente São Paulo) se industrializam e
iniciam a produção de alguns produtos antes fornecidos pelas indústrias gchas,
passam a disputar mercados consumidores de forma competitiva. Porém, neste mo-
mento, a distância e a precariedade dos meios de transporte no interior, tornaram-se
uma barreira de proteção às indústrias gchas. Castro (1971, p.126) demonstra
38
Informação obtida através do site da AmBev acessado em julho de 2009 e disponível em:
<http://www.ambev.com.br>
39
Informações sobre as maiores empresas por vendas em 2008 obtidas através do site do Portal Exame (Maiores
& Melhores) acessado em julho de 2009 e disponível em: <http://mm.portalexame.abril.com.br>
119
muito bem como os problemas de transporte no interior do estado acabaram prote-
gendo as pequenas instrias artesanais pulverizadas em seu território.
A ameaça constitda pelo poder competitivo das demais regiões era
neste caso muito inferior. Ao invés de ter contra si custos de trans-
porte, eles são agora uma barreira em favor dos estabelecimentos da
região. Outros fatores ainda favorecem as indústrias regionais nota-
damente, certas facilidades derivadas da comercialização in loco e
da adaptação ao gosto regional.
Na obra de Furtado (1999), é possível destacar que o desenvolvimento das
indústrias brasileiras foi diretamente influenciado por crises mundiais (como a e a
Guerra Mundial) e pelas flutuações de mbio da moeda brasileira que ora favo-
receu a importação de bens de produção, ora favoreceu as exportações de produtos
agrícolas, permitindo a acumulação de divisas. Dessa maneira, as crises mundiais
favoreciam uma constante substituição das importações. Durante o período da
Guerra Mundial a moeda brasileira passou por um processo de grande valorização
cambial. Isso incentivava a importação de equipamentos industriais, mas também,
favorecia a importação de bens de consumo. A solução encontrada pelo governo
brasileiro foi à implantação de um controle seletivo de importações que aplicava uma
tributação alta para bens de consumo.
[...] a conseqüência prática da política cambial destinada a combater
a alta de preços foi uma redução relativa das importações de
manufaturas acabadas de consumo, em benefício da de bens de
capital e de matérias-primas. O setor industrial era assim favorecido
duplamente: por um lado, porque a possibilidade de concorrência
externa se reduzia ao nimo através do controle das importações;
por outro, porque as matérias-primas e os equipamentos podiam ser
adquiridos a preços relativamente baixos. (FURTADO, 2005, p.226)
A existência de grande número de pequenas propriedades coloniais nas mãos
de imigrantes europeus (e seus descendentes) que produziam uma variada gama de
produtos agrícolas e a existência de demanda por alimentos nos centros urbanos do
sul e sudeste que se industrializavam, favoreceu o surgimento, no Rio Grande do
Sul, de muitas instrias naturais espalhadas pelo interior do estado. A maioria des-
sas pequenas indústrias buscava apenas o atendimento de uma demanda local ou
regional, aproveitando-se de uma precária proteção fornecida pela carência de
meios de transporte eficientes, o que minimizava o impacto da concorrência externa.
Voltadas para o atendimento de mercado regional, as indústrias
gaúchas de substituição de importações tentavam desenvolver uma
estrutura de oferta compatível com um mercado relativamente amplo
e inatendido. Não podendo obviamente manter o passo com a região
120
central em seu acelerado processo de diversificação, buscavam, não
obstante, reproduzir em miniatura e com muitas falhas a estrutura
industrial que ali vinha sendo montada. Tal propósito contribuía para
dispersar recursos e multiplicar posições de controle monopolístico
do mercado. Dada a insuficiência crônica da oferta, tudo era permi-
tido: escalas de produção normalmente insatisfatórias, processos
técnicos ultrapassados, formas arcaicas de comercialização, proprie-
dade em regra familiar, notoriamente “fechadaetc. As próprias defi-
ciências da infraestrutura regional de serviços básicos eram pouco
sentidas. (CASTRO, 1971, p.127)
É importante lembrar que o projeto de industrialização nacional proposto por
Vargas (no período posterior à 1930) privilegiou o estado de o Paulo como palco
da concentração industrial e da consolidação de uma burguesia urbano-industrial.
Em sua proposta de integração nacional, o papel destinado ao Rio Grande do Sul,
de acordo com Pesavento (2002, p.106-107), seria o de fornecer produtos de sub-
sistência para um mercado consumidor nacional. Dessa maneira, o tipo de indústria
possível de surgir nesse momento deveria estar quase que diretamente relacionada
com a produção agropecuária (trigo, milho, suínos, mandioca) ou aos recursos natu-
rais locais (madeira e erva-mate). No contexto mundial, o início da segunda guerra
mundial proporcionou um aumento da circulação de diversos produtos gaúchos pelo
interior do país.
Ainda que, durante os primeiros quinze anos do período pós-
30, tenha havido uma visualização clara das questões econômicas
sul-riograndenses, inclusive no que respeita aos transportes produ-
tivos e energia elétrica para o parque fabril, a principal questão da
economia-política gaúcha aparece claramente delineada a partir de
meados da década de 50. Até o final de segunda guerra mundial, o
surto econômico por que passou o país e o RS graças ao bloqueio
sofrido no comércio internacional durante quase todo o período
permitiu que se encaminhassem as questões que se punham na órbi-
ta das forças de produção gaúchas. (MÜLLER, 1993, p.360)
Diante deste cenário foi possível o surgimento de diversos pontos dinâmicos,
do ponto de vista econômico, através dos fluxos locais/regionais de produtos agro-
pecuários, que propiciaram o surgimento e o fortalecimento de grupos de comer-
ciantes e industriais. Dessa forma é possível compreender e justificar a formação de
grupos industriais nas áreas coloniais do Rio Grande do Sul e, especificamente, na
área que deu origem ao município de Seberi.
Em sua passagem pelo interior do estado, no final da década de 40, Nilo
Bernardes retratou a grande dinâmica existente em algumas cidades de origem
colonial e destacou um fator importante dessa dinâmica que ressalta ainda mais o
121
contraste existente entre o tipo de colonização das áreas de campos naturais e das
áreas de matas: a influência da densidade populacional das zonas coloniais.
Na sua maior parte, as cidades, bem como muitas vilas, das
regiões coloniais originaram-se de núcleos planejados pelos demar-
cadores das terras. Mas a circulação intensa entre as ‘linhas’ de
lotes, o intercâmbio comercial que naturalmente floresce em uma
região de povoamento denso, a necessidade de um local em que se
façam os contatos sociais e, ainda mais, a capela exigida pelo espí-
rito religioso dos colonos, protestantes ou católicos, são os principais
fatores que determinam a formação dos numerosos povoados na
zona colonial. Normalmente um colono pode ir, a , ao povoado
próximo e voltar, quer numa manhã quer numa tarde. Ora, essas
condições não existem nas zonas pastoris, da auncia normal de
pequenos povoados no espaço entre as grandes cidades, muito
distanciadas umas das outras. Tais povoados, quando existem, cor-
respondem, como assinalamos, a estações das ferrovias que cortam
estas regiões em vários sentidos. (BERNARDES, 1997, p.99)
Bernardes também mencionou, de forma simplificada, um processo que ocor-
reu quase que de forma homogênea em todos os distritos e cidades das zonas colo-
niais quando afirma que “ao lado da atividade comercial, quase todas estas vilas e
cidades desenvolvem um artesanato e uma indústria variada, para atender às ne-
cessidades dos colonos.” (BERNARDES, 1997, p.99)
Para ckert (2003, p.42), o comerciante das áreas coloniais possuía uma
capacidade diferenciada para acumular capital, o que o transformou no único
elemento, dentro das áreas coloniais, capaz de investir no desenvolvimento das
indústrias naturais. A maneira pela qual este autor descreve relação entre colono e
comerciante e, como este comerciante capitalizado passa a diversificar seus
investimentos, pode ser facilmente observada nas antigas áreas coloniais.
Nas colônias do Rio Grande do Sul sejam públicas ou privadas,
tanto nas antigas do início do século passado nas proximidades da
capital do Estado quanto nas da serra (planalto) do final do século
passado o camponês colono sempre é subordinado ao capital, seja
das companhias de colonização, seja dos comerciantes presentes
em todas as conias. O comerciante encontra-se presente entre os
colonos desde o início de qualquer conia atuando como fornecedor
dos produtos que o colono necessita (tecidos, enxada, sal, etc.) e
comprando-lhe a produção a preços baixos. Ele se torna logo o finan-
ciador do colono, através da venda a fiado, adiantando o valor do
produto a ser entregue após a safra. Através dos comerciantes, os
colonos ligam-se ao exterior, já que aqueles vendem seu produto
para fora. De origem camponesa, localizados em pontos estratégicos
(as chamadas encruzilhadas ou as esquinas) os comerciantes reú-
nem melhores condições que os demais para negociar, rompendo
com isso, o relativo isolamento em que vivem os colonos.
(RÜCKERT, 2003, p.42)
122
Essa informação ganha importância quando analisamos que as pessoas mais
atuantes no processo de emancipação de Seberi residiam na área urbana e tinham
como atividade econômica principal o comércio, a indústria e, também, as profissões
liberais. Porém, o surgimento e a sustentação destes comerciantes e industriais
estavam diretamente associados à produção agrícola colonial. Esta é uma carac-
terística evidenciada através da constatação da importância dos agricultores pelo
duplo papel que desenvolviam enquanto fornecedores (de produtos agcolas) e
consumidores nas casas de comércio. Analisando a relação de firmas comerciais do
então distrito de Seberi (quadro 5) podemos observar a grande quantidade de
armazéns, casas comerciais, e fazendas de secos e molhados existentes no distrito.
Quadro 5: Firmas comerciais e industriais existentes no distrito de Seberi de acordo
com dados fornecidos pela exatoria estadual no ano de 1958
continua
Nome do contribuinte Local Espécie de negócio
Antonio Carlos Gemelli Séde Acessórios p/automóveis
Fabris, Wodzik & Cia. Ltda Séde Açougue-Secos e molhados
Ermindo Bronzatti Séde Alfaiataria
Antônio Colognese Séde Alfaiataria
Lauro Araujo Laj.Pinhal Armazém
Ilário Sprandell Barra Pinhal Armazém
Bertulino Alves de Borba Laj.Mico Armazem
Luiz Blanco Alves Linha Weiss Armazem e Produtos
Adolfo Hemielewski Séde Artefatos de couro
Silvino de Melo Lagoa Grande Atafona
Antônio José de Borba Interior Atafona
Severino Capuani de Bar
Guinther Heringer Filho Séde Bar
Armando Bottan Séde Bar
Júlio Simões da Costa Séde Bar
Paulo Borges Pereira Séde Bar
Péricles Campos Missel Séde Bar
José Milani Sobrinho Séde Bar e churrascaria
Guilherme Argenta & Filho Séde Bar, restaurante e churrascaria
Zanoni Hemielewski Séde Bebidas
João Zminko Séde Carpintaria
Ricieri Pertile & Filhos Séde Carpintaria e Serraria
Romualdo Freitas Laj.Mico Casa Comercial
Romano Markoski Séde Casa Comercial
João Markoski Sobrinho Séde Casa Comercial
Laura Pereira de Freitas Laj.Mico Casa Comercial
Alvaro Galvão Bueno Galvões Casa Comercial
Estevan Kozel Laj.Pôncio Comércio
Pedro Moreira de Almeida Lg.Galvão Comércio e Varejo
123
Quadro 5
: Firmas comerciais e industriais existentes no distrito de Seberi de acordo
com dados fornecidos pela exatoria estadual no ano de 1958
continua
Ulmerindo Queiroz Séde Comércio em Geral
Érico Caxam Lª Caxam Comércio em Geral
Malachias Sabino as Silva Séde Comércio em Geral
Braga & Sobrinho séde Comércio em Geral
Luiz E. Gemelli Séde Comércio em Geral
João Pereira Duarte Laj.Bonito Comércio em P.Escala
João Czarnobai Laj.Meio Comércio em P.Escala
Jesus Mendes de Camargo Braga Comércio em P.Escala
Carlos Grahl e Filho Interior Compra de Produtos
Dorval Carlos da Costa Séde Compra de Produtos
Dal Nolin & Cia. Ltda Séde Compra de trigo
Rosalvino Inácio dos Santos Laj.Pinhal Compra e venda de Produt.
Giacomo Menegat Séde Compra e venda de Produt. e Transporte
Frigoficos Nacionais Sul-
Brasileiros Séde Compras de suínos
Brasil Rodrigues dos Santos Séde Concertos de Calçados
Bruno Schneider Séde Confecções e louças
Drogaria São Luiz Séde Drogaria
Boaventura L. Pereira Séde Fábr. Aguardente
Martin Nabaro Silva Interior Fábr. Aguardente
Eurico Pokulat Interior Fábr. Aguardente
João Markoski Sobrinho Interior Fábr. Aguardente
Ermelindo Pinto Martins Interior Fábr. Aguardente
Oswaldo Sabino da Silva Interior Fábr. Aguardente
Cezar de Namen Eng.Queimado Fábr. Aguardente
Antonio Padoan Séde Fábr. Aguardente
Balduíno F. Maglis Séde Fábrica de Parquet
Afonso Gomes Pedroso Séde Farmácia
Hospital N.S.das Graças Séde Farmácia
João Martins de Borba Laj.Mico Fazend.Secos e Mol.
Pery Elisbão dos Reis Séde Fazend.Secos e Mol.
Armando Oswaldo Kerber Séde Fazend.Secos e Mol.
Olavo Vilanova Bastos Séde Fazend.Secos e Mol.
Wenceslau R. Schmidt Séde Fazend.Secos e Mol.
Mateus da Rocha e Silva Séde Fazend.Secos e Mol.
Arlindo Lasch e Cia. Séde Fazend.Secos e Mol.
Avelino Beltramin Séde Fazend.Secos e Mol.
Henrique Rittebusch Séde Fazend.Secos e Mol.
Adão Elói Martins Interior Fazend.Secos e Mol.
Nicanor da Silva Bueno Lagoa Grande Fazend.Secos e Mol.
Leopoldo Bruno Sauressig Séde Fazend.Secos e Mol.
Fioravante Pereira Cesar Braga Fazend.Secos e Mol.
Artur Sotili Séde Fazend.Secos e Mol.
Irmãos Markoski Séde Fazend.Secos e Mol.
Edgar Wolf Séde Ferraria
José Adrião Dalla Nora de Ferraria
Ervino Wolf Séde Fotógrafo
Oswaldo Schaffazik de Funilaria
124
Quadro 5: Firmas comerciais e industriais existentes no distrito de Seber
i de acordo
com dados fornecidos pela exatoria estadual no ano de 1958
continua
Irmãos Raiter Mundo Novo Granja de Abacates
Ramão Cañellas Sobrinho Séde Hotel
Oswaldo Schaffaczick Séde Hotel
Güinter Heringer Séde Lapidaria
Gustavo Heringer Sobrinho Séde Lapidaria
Albino Anselmo Sauer Séde Lapidaria
Axel Evaldo Tornquist Séde Livraria
Marcenaria Reunida Ltda Séde Marcenaria
Zanchet & Cia. Ltda Séde Moinho
Balestrin & Bolesso Interior Moinho colonial
Oswaldo Schneider Séde Moinho-Compra Produt.
Automecânica Seberiense Ltda Séde Oficina Mecânica
Irmãos Gemelli Séde Oficina Mecânica
Ewaldo Elsembach Séde Oficina Mecânica
Arno Elsenbach Séde Oficina Mecânica
Paulo Danúbio Gemelli Séde Oficina Mecânica
Antônio Baldin Osw.Cruz Olaria
Oscar Ronning Interior Olaria
José Karpinski Séde Olaria
Oracy Polidorio Pereira Séde Olaria
Nilo Fábris Lagoa Grande Olaria-Secos e molhados
Otávio Dalla Valle Séde Ouriversaria
Arno Arnildo Weidle Séde Padaria-Casa Comercial
Lucas & Queiroz Séde Padaria-Secos e molhados
Cereais Santa Rosa Ltda. Séde Posto de compra
Benedito Hamerski Séde Rádios
Otávio Dalla Valle Séde Relojoaria
Francisco Czarnobai Séde Representação tecidos
Rosalino Cadore de Sapataria
Felício & Hermes Séde Sapataria
Miguel Koproski Séde Sapataria
Deoclides de Vargas Reis Lag.Mico Secos e Molhados
Harry S. Tornquist Séde Secos e Molhados
Andréa Filipiaki Séde Secos e Molhados
Vv. Barros e Filhos Osw.Cruz Secos e Molhados
Adão Rodrigues do Rocha Séde Secos e Molhados
Achiles Tamanini Lag.Bonito Secos e Molhados
Pedro Felício Bueno Sobrinho Lagoa Grande Secos e Molhados
Roberto Schmidt Séde Secos e Molhados
Emílio Wieczoreck Mundo Novo Secos e Molhados
Amaro Francisco Martins São José Secos e Molhados
Onório Bottene Séde Secos e Molhados
João Biesek Interior Secos e Molhados
Ladislau Ubinski Séde Secos e Molhados
Natal Markoski Sobrinho Interior Secos e Molhados
Geraldo da Silva Pereira Interior Secos e Molhados
Herculano Vieira Séde Secos e Molhados
Balduíno Maglis Séde Secos e Molhados
125
Quadro 5
: Firmas comerciais e industriais existentes no distrito de Seberi de acordo
com dados fornecidos pela exatoria estadual no ano de 1958
conclusão
Antônio Lisbinski Lag.Tesoura Secos e Molhados
João Ubinski Segundo Mundo Novo Secos e Molhados
Roberto Babinski Braga Secos e Molhados
Nelson André Spada Séde Secos e Molhados
Izidoro Studzinski Interior Secos e Molhados
Micena Sales de Souza Interior Secos e Molhados
Francisco Klieczez Botucatú Secos e Molhados
Dionísio Francisco Chionha Laj.Bonito Secos e Molhados
Henrique Brizola da Silva Lagoa Grande Secos e Molhados
João Carvalho Laj.Mico Secos e Molhados
José Ortiezeck Secção Secos e Molhados
Analísio Bossoni Séde Selaria
Armando Argenta Séde Selaria
Avelino Padoan Séde Selaria
Carlos Trennepohll de Serraria
Pedro Gemelli Séde Serraria
Frederico Darold Séde Serraria
Oswino Schneider Séde Serraria
Jerônimo Vitório Girardello Interior Serraria
Pantaleão Lemos de Camargo Interior Serraria
Schmidt & Agustini Laj.ncio Serraria
Braga & Pereira Laj.Mico Serraria
Raiter & Mello Ltda Lagoa Grande Serraria
Maglia & Cia.Ltda. Séde Serraria
Alexandre Bonadiman & Cia. Lagoa Grande Serraria
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
A figura 36 mostra uma seqüência de fotos da área urbana do distrito de
Seberi no ano de 1957, tiradas do telhado do moinho do grupo Zanchet. Analisando
estas fotografias, e considerando declarações de moradores da atual cidade de
Seberi, podemos afirmar que a evolução da ocupação urbana da sede se consolidou
ao longo da estrada que ligava Palmeira das Missões à Ir, característica essa que
permanece até os dias atuais. Porém, em meados da década de 70 foi inaugurada a
nova ligação entre Palmeira das Missões e Iraí, a BR-386, que, em seu novo traça-
do, contorna a área urbana. O traçado anterior foi tranformado em duas avenidas, a
Av. Fortaleza e a Av. General Flores da Cunha, sendo esta última a principal
avenida da cidade.
126
Figura 36: Fotografias do povoado de Seberi no ano de 1957 tiradas do alto do
moinho Zanchet. A: Dirão N-S; B: Direção NE-SO; C: Direção E-O; D: Direção
SE-NO.
A
B
C
D
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
4.2 A COMISSÃO PRÓ-EMANCIPAÇÃO DE SEBERI
No dia 18 de setembro do ano de 1957 foi formada a Comissão Central Pró-
Emancipação de Seberi, em reunião pública realizada em salão (local destinado à
realização de festas e bailes) na sede do distrito, de propriedade do Sr. Guinther
Heringer. Também participaram desta reunião moradores dos distritos de Erval Seco
e Rodeio Bonito que demonstraram interesse no assunto. De acordo com depoi-
mento de Serafim Graciano Trentin (in REÁTEGUI, 1988, p.95) “quando iniciou o
movimento emancipatório, fazia dois anos que me encontrava aqui com minha famí-
lia. A idéia da emancipação empolgou a maioria dos habitantes, exceção feita a
algumas autoridades subordinadas ao município de Palmeira das Missões”. A for-
mação desta Comissão era necessária para a viabilização da proposta de emanci-
pação recebendo as seguintes atribuições: formação de subcomissões nos distritos
de Erval Seco e Rodeio Bonito; realização de reuniões de mobilização e discussão
127
da causa levantada; representar os interesses do movimento junto ao governo do
estado com o propósito de dar os encaminhamentos necessários ao processo de
emancipação; realizar levantamento de dados e estudo de viabilidade para a criação
do novo munipio.
A figura 37 mostra a composição da comissão formada. Na reunião para for-
mação desta, o Padre Augusto Kolek foi escolhido como presidente de honra, po-
rém, alegando motivos de força maior, solicitou que seu nome fosse excluído. Mas,
somente pelo fato do padre do distrito apoiar o movimento emancipacionista, já de-
monstrava a força com que surgia a mobilização, pois, como manifestado por Waibel
(1949, p.214) “muito importante para qualquer colônia é a personalidade do padre.
Ele dever ser um verdadeiro chefe em todos os assuntos que se referem à colônia”.
Na análise da documentação levantada para o processo de emancipação, o
Sr. Cyrio Campani (médico do distrito de Seberi) assinou a maior parte dos docu-
mentos, porém, nos peodos em que permaneceu afastado dos trabalhos da Comis-
são, foi representado por Marcelo Zanchet, o vice-presidente.
O fator de maior relevência na análise da comissão criada é que, entre os 25
membros citados, nenhum deles possui a atividade agcola como fonte principal de
renda. Em uma área onde 90% da população residente (abrangendo os distritos a
serem emancipadados) têm moradia fixa na zona rural e extraem renda, principal-
mente, de atividades rurais, foram escolhidos para compor a Comissão: um líder reli-
gioso, comerciantes, profissionais liberais, prestadores de serviços e industriais. En-
tre os comerciantes do distrito que faziam parte da Comissão estão: Antônio Gemelli
(comércio de peças para automóveis), Arlindo Lasch (fazendas, secos e molhados),
Axel Evaldo Tornquist (escritório comercial), Luiz Miotto (farmácia), Fidêncio Fabris e
Antonio Wodzik (sociedade em: ferragem, miudezas, fazendas, secos e molhados),
Francisco Czarnobai (representação dos tecidos Renner), José Alves de Souza (se-
cos e molhados), Oswaldo Schaffazick (hotel e comércio de artefatos de latão),
Romano Markoski (miudezas, fazendas, secos e molhados).
Além dos comerciantes, também compunham a Comissão um médico (Cyrio
Campani), um escrivão distrital (Peri Missel), um dentista (Walter Geller), um agri-
mensor (Dionísio Lucas) e um líder religioso (padre Augusto Kolek). o foi possível
identificar a atividade exercida por todos os membros da Comissão, mas sabemos
que alguns outros membros faziam parte de associações comerciais e industriais
128
(como Lourenço Nardin, Marcelo Zanchet e Romano Zanchet, que faziam parte do
grupo Zanchet).
Figura 37: Circular, datada de 30 de setembro de 1957, informando a criação da
Comissão Pró-Emancipão de Seberi.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
129
Outro dado que demonstra a influência dos agentes urbanos é o fato de que
os dois primeiros prefeitos eleitos do município de Seberi possuíam o sobrenome
Zanchet e pertenciam ao grupo econômico da família. Marcelo Zanchet, um dos
membros mais atuantes do grupo Zanchet, foi prefeito de Seberi entre os anos de
1959 e 1964. Túlio Luiz Zanchet, filho de Romano Zanchet (outro membro destacado
do grupo) e sobrinho de Marcelo Zanchet, era bacharel em Direito, administrou o
município de Seberi entre os anos de 1964 e 1969. Acreditamos que estas informa-
ções demonstrem a importância da família Zanchet no processo de emancipação do
município e, indiretamente, a influência das atividades econômicas e industriais
como alavancadores do movimento emancipacionista. De acordo com Ione Nardin,
“os Zanchet” foram os pais de Seberi, e quando estes se mudaram para Francisco
Beltrão, Seberi teria se tornado um órfão
40
.
Dessa forma, podemos afirmar que o movimento emancipacionista teve ori-
gem a partir do fortalecimento de agentes urbanos, que despontaram como líderes
locais através do prestígio social que adquiriram ao se destacarem no contexto eco-
nômico no qual estavam inseridos. A elaboração de um discurso de que o distrito
necessitava de maior autonomia para continuar a crescer era defendido amesmo
nos sermões das missas do padre Augusto Kolek, presidente de honra da Comissão
Pró-Emancipação. Além disso, municípios vizinhos (como Frederico Westphalen)
incentivavam a busca pela emancipação do distrito.
O povo começou a fazer a Palmeira algumas reivindicações que
achava que tinha direito, e Palmeira não queria conceder. Foi que
surgiu o movimento. Frederico Westphalen venceu a emancipação
antes de nós e nos deu força neste sentido. A cúpula da administra-
ção de Palmeira Executivo e Legislativo veio para nos fazer
desistir do intento e tentar nos convencer. Mandou construir um tre-
cho do calçamento. Mas nós já estávamos com a idéia em andamen-
to. Queríamos a nossa independência. Naquela época todos os
recursos eram difíceis, inclusive a comunicação entre as pessoas.
[...] Os frederiquenses e outros municípios nos deram apoio e incen-
tivaram-nos a ir adiante até conseguirmos o plebiscito. Palmeira não
queria nos liberar por motivos econômicos e políticos [...]. Indireta-
mente quem ajudou muito foi o Pe. Augusto Kolek. Ele participava
das reuniões e dava idéias. No interior ele fazia campanhas pelo
SIM. (depoimento de Jerônimo Hemielewski in REÁTEGUI, 1988,
p.98)
40
Declaração feita em março de 2007 enquanto ela nos mostrava diversos documentos de seu pai (Lourenço
Albino Nardin) que também fazia parte do grupo Zanchet em Seberi.
130
Do depoimento acima podemos extrair a informação de que Palmeira das
Missões tentava intimidar e persuadir o movimento emancipacionista a abandonar a
idéia de separação e evitar nava fragmentação de seu território. No ano de 1944
havia se emancipado o município de Três Passos, subtraindo grande extensão de
terras de Palmeira das Missões. No ano de 1954 ocorrem novos desmembramentos
que deram origem aos municípios de Panambi e Frederico Westphalen. No intento
de dissuadí-los da idéia, os dirigentes de Palmeira das Missões procuravam os
líderes das comissões emancipadoras e tentavam convencê-los a desistir da eman-
cipação através da concessão de benefícios aos distritos. Conforme relato de
Battistella (1969, p.116) (um dos membros da comissão de Frederico Westphalen):
[...] o Dr. Pompílio Gomes, então prefeito [de Palmeira das Missões],
pôsto a par de nosso movimento, resolveu pleitear um encontro com
nossa Comissão Emancipadora. O Dr. Ênnio [médico em Frederico
Westphalen e presidente da comissão emancipadora] neste interim,
solicitara licença de quarenta dias, ausentando-se e deixando-me na
presidência. O Dr. Pompílio e seus assessores foram recebidos na
Canônica. Por meio de tentadoras concessões ao distrito procuraram
nos induzir a abandonar o movimento. Confesso para a verdade his-
tórica ter tido momentos de hesitação, tal que eles partiram certos de
ter ganho a jogada. No dia seguinte encontrei na rua o João Frances-
catto, ardoroso partidário da emancipação. Falou-me da ansiedade
existente no seio do povo pela presença dos emissários de Palmeira.
Disse-me da convicção popular de que se deveria prosseguir a cam-
panha a todo pano aa vitória final, porque, se se perdesse esta
oportunidade, outra não surgiria tão logo. Semelhante breve palestra
tirou-me todas as dúvidas e afastou minhas vacilações.
No mesmo ano em que Seberi buscava emancipar-se de Palmeira das Mis-
sões, o distrito de Chapada também realizava o mesmo movimento. Isto significa
que Palmeira das Missões perdeu, num período de 15 anos (de 1944 à 1959), mais
da metade de sua extensão territorial com a formação de novos municípios. Todos
os munipios formados estavam localizados na chamada zona colonial e haviam
atingido o auge da ocupação de áreas a poucas décadas atrás desabitadas. A
dinâmica econômica dos povoados havia atingido maturidade suficiente para que se
destacassem, internamente, grupos capazes de fornecer a coesão política neces-
sária ao surgimento de novos municípios. Os dirigentes políticos de Palmeira das
Missões não conseguiam atender às novas necessidades dos povoados da zona
colonial e, por isso, não eram mais capazes de manter sob seu domínio distritos que
se desenvolviam de forma, praticamente, autônoma. A intervenção do poder muni-
cipal se preocupava, basicamente, apenas com a arrecadação de impostos de seus
131
distritos. Battistella (1969, p.114) assim relata a tensão existente no distrito de Fre-
derico Westphalen em momento pximo ao da emancipação:
[...] o movimento lavrava em surdina e a amea de inndio se alas-
trava. Êste era o estado de ânimo que, em connua efervescência,
alimentada pela omissão de não poucas administrações, desatentas
aos nossos problemas, e pela intuão de que na emancipação en-
contraríamos o remédio para nossas aflições e o caminho certo para
o nosso porvir, acabou levando o movimento à sua eclosão.
Tensão semelhante se formava a cada novo grupo emacipacionista que sur-
gia, pois Palmeira das Missões sabia que perderia área territorial, população e
arrecadação de tributos. Porém, se apenas a área do distrito de Seberi viesse a
buscar a emancipação, o objetivo não teria sido alcançado pela quantidade insufi-
ciente de habitantes e de arrecadação de tributos do distrito. De acordo com cor-
respondências trocadas entre a Comissão e o deputado estadual Romeu Scheibe,
este fez quatro questionamentos no sentido de dar viabilidade ao processo:
1 – Já tem as credenciais da Assembléia?
2 – A área a ser emancipada possuí população superior a 12 mil habitantes?
3 – Tem renda superior a Cr$1.500.000,00?
4 – Afinal, o que é que lhes falta para marchar à frente o movimento?
Todas as perguntas foram respondidas de maneira positiva, sendo que a res-
posta da quarta pergunta mencionava e agradecia a valoroza ajuda e orientação do
deputado. Como podemos observar na figura 38, somente o distrito de Seberi não
atingiria o número de 12 mil habitantes necessários para reivindicar a emancipação.
Os dados fornecidos pelo IBGE, para o ano de 1950, acusam um total de 10.514
habitantes somente neste distrito. Por isso a união de frações territoriais de outros
distritos foi necessária, o que forneceu um total de 15.823 habitantes. Os dados do
Censo Demográfico de 1960 (um ano após a obtenção da emancipação) apontam
um total de 20.382 habitantes para o município de Seberi.
O distrito de Erval Seco era um importante produtor de erva-mate e possuia a
única área de colonização particular dentro do município de Palmeira das Missões, o
que criou uma fragmentação social bem marcada entre ervateiros e colonos. Os
ervateiros eram favoveis a manutenção da subordinação à Palmeira, enquanto os
132
Figura 38: Populão do distrito de Seberi e de parte dos distritos de Erval Seco e
Rodeio Bonito. Dados fornecidos pelo IBGE à Comissão Pró-Emancipação de Seberi.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
colonos (em sua grande maioria de origem alemã-protestante) estavam mais propí-
cios a apoiar a emancipação junto com o distrito de Seberi.
Fomos a Erval Seco com o prof. Vital. Havia poucos carros aqui e ele
nos levou. Quando chegamos a Erval Seco, a polícia nos atacou e
não queria nos liberar. dissemos: ‘nós viemos aqui a procura de
uma empregada’. [...] A população de Erval Seco tinha que nos
apoiar também. [...] Em Erval Seco, o pessoal falava alemão, na-
quele tempo quase ninguém falava português. Eu servia de intérpre-
te. A gente visitava todos os lugares aqui por perto, casa por casa e,
às vezes, eram marcadas reuniões. O pessoal comparecia. (depoi-
mento de Irene Miotto in REÁTEGUI, 1988, p.97)
133
A colonização particular em Erval Seco foi feita pela empresa colonizadora de
Hermann Mayer (como atesta a figura 39), a mesma que fundou a colônia de Neu
rttemberg (atual município de Panambi-RS). Os lotes coloniais de Erval Seco
foram ocupados por teuto-brasileiros provenientes das antigas colônias e da colônia
Panambi, além de alemães que fugiram da Alemanha antes do início da Segunda
Guerra Mundial. A influência alemã na sede do distrito de Erval Seco era visível atra-
vés da influência no estilo arquitetônico das construções e das atividades econômi-
cas exercidas (comércio, cooperativa de agricultores e moinho) como fica demos-
trado através da figura 40.
Muitos dos teuto-brasileiros residentes no distrito de Seberi são provenientes
de Panambi que trouxeram consigo o culto à Igreja Evangélica de Confissão Lute-
rana. De acordo com depoimento de Evaldo Elsenbach (in REÁTEGUI, 1988, p.104)
esta igreja “foi trazida para Seberi pelos Senhores Gustavo e Guinter Heringer nas
quais uniram-se em comunidade as famílias de Carlos Heringer, Arlindo Lasch,
Osvaldo Schaffazick e Leopoldo Sauressig. A maioria veio de Santa Cruz ou de
Panambi, em lombo de burros ou em carroças”.
Figura 39: Correspondência emitida à Comissão Pró-Emancipação de Seberi por
Paulo Pflueger (responsável pela empresa colonizadora Mayer), em abril de 1958,
informando a entrega de um mapa da área urbana e sub-urbana da Vila de Erval Seco.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
134
Analisando a proporcionalidade entre as etnias da área a ser emanciapada,
chega-se a conclusão de que o projeto de estabelecer uma colonização de tipo mis-
ta foi bem sucedida. Porém, ao detalhar a análise encontramos áreas de concen-
tração de determinadas etnias em uma ou outra localidade, como por exemplo, os
alemães em Erval Seco. Na localidade denominada de Linha Pinhal, distrito de Se-
beri, há uma concentração de poloneses (de acordo com estudo realizado por Fran-
cisco Hemielewski em 2001 sobre a história de sua família e de declarações de mo-
radores de Seberi). Os ítalo-brasileiros, como já abordamos no capítulo 3, se con-
centraram nas proximidades da localidade de Osvaldo Cruz.
Figura 40: Fotografias da sede do distrito de Erval Seco no ano de 1957. A: Moinho
colonial; B: Casa comercial; C: Cooperativa dos agricultores de Erval Seco.
A
B
C
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
135
O padre Augusto Kolek forneceu a seguinte declaração sobre a formação
étnica da população da área a ser emanciapa (declaração esta que consta nos autos
do processo de emancipação):
Atesto em fé de meu cargo que, consultando os dados esta-
tísticos existentes no arquivo paroquial referentes À população de
Seberi, inclusíveis as áreas territoriais de Herval Seco e Rodeio Boni-
to, bem como as seguras informações que possuo, resulta que, sob o
ponte de vista étnico, as populões aqui existentes acham-se assim
distribuídas:
½ - Ítalo-Teuto Brasileiros, divididos em partes iguais.
½ - Luso-Eslavo Brasileiros, divididos 70% e 30%, respectiva-
mente.
41
Como forma de garantir o apoio da população de Erval Seco à causa eman-
cipacionista, a Comissão Pró-Emancipação de Seberi prometeu isentar a Coopera-
tiva dos Agricultores de Erval Seco do pagamento de impostos municipais se Seberi
obtivesse sua emancipação. Esta promessa foi registrada em um documento que foi
devidamente assinada pelo presidente da Comissão, o Dr. Cyrio Campani, e demais
membros, o que demonstra a necessidade de estabelecer arranjos políticos como
contrapartida pelo engajamento ao movimento emancipacionista.
No dia 30 de novembro de 1958 realizou-se o plebiscito para se saber, real-
mente, qual era o posicionamento da população da área afetada, sobre a eman-
cipação de Seberi. Foram distribuídas 18 urnas dentro da área do futuro município,
abrangendo os 3 distritos afetados (distrito de Seberi: 12 urnas; parte do distrito de
Rodeio Bonito: 1 urna; parte do distrito de Erval Seco: 5 urnas).
No distrito de Seberi, de um total de 2.149 eleitores inscritos, foram conta-
bilizados 1.682 votos favoráveis e apenas 15 contrários à proposta de emancipação.
Houve uma abstenção de 416 eleitores e 36 votos nulos, brancos ou anulados.
Em parte do distrito de Rodeio Bonito, atingiu-se a marca de 164 votos favo-
ráveis, dentro de um total de 227 eleitores inscritos. Houve 8 eleitores contrários e
seis abstenções, além de 49 votos nulos, brancos ou anulados.
E, em parte do distrito de Erval Seco, houve um total 497 votantes favoráveis
e 50 contrários à emancipação. Houve uma abstenção de 339 eleitores, além de 35
votos nulos, brancos ou anulados. Mesmo com todos os acertos que foram firmados,
41
“Composição étnica da populão da área emanciapada de Seberi, elaborado pelo padre Augusto Kolek.
In: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação).
136
foi o distrito de Erval Seco que apresentou o maior número de votos contrários à
emancipação. Porém, esse número não atingiu nem 6% do total de eleitores inscri-
tos que chegavam a 921.
A figura 41, de um documento anexado ao processo de emancipação, mostra
detalhadamente o resultado do plebiscito sobre a proposta de emancipação de Se-
beri, de onde extraímos os dados que acabamos de apresentar.
Através da Lei 3.696, de 30 de janeiro de 1958, Leonel Brizola (então Go-
vernador do Estado do Rio Grande do Sul) criou o município de Seberi. A figura 18
(na página 76) mostra os limites da área do município emancipado no ano de 1959,
e a área, no ano 2000, definida pelo IBGE em virtude da realização do Censo Demo-
gráfico realizado neste mesmo ano.
137
Figura 41: Resultado final do plebiscito, realizado em 30 de novembro de 1958, sobre
a emancipação de Seberi e parte dos distritos de Erval Seco e Rodeio Bonito.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação)
138
CAPÍTULO 5
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO POSTERIOR À OBTENÇÃO
DA EMANCIPAÇÃO
ALGUNS DADOS SOBRE SEBERI AS A EMANCIPAÇÃO
De acordo com os dados do IBGE referentes à Contagem da População
2007, o município de Seberi apresenta uma população residente composta 10.870
indivíduos. Este mero representa, praticamente, a metade da população contabi-
lizada no Recenceamento Geral da População realizado em 1960 (no primeiro re-
cenceamento em que Seberi aparece como munipio). Devemos levar em conside-
ração que Seberi perdeu partes de sua área territorial original com a emancipação
dos munipios de Erval Seco (1963), Rodeio Bonito (1963), Boa Vista das Missões
(1992) e Cristal do Sul (1995). A emancipação de Erval Seco e Rodeio Bonito depois
de apenas quatro anos após terem se emancipado de Palmeira das Missões como
partes integrantes do novo município de Seberi levanta a hipótese de que possa ter
havido algum acordo entre os membros da Comissão Emancipacionista de Seberi e
alguns grupos de pessoas das respectivas áreas de Erval Seco e Rodeio Bonito.
Entretanto, analisando os dados populacionais de forma mais detalhada,
observamos algumas peculiaridades do município de Seberi. O quadro 6 (ilustrado
pelo gfico 1) mostra uma perda gradual de população no município, excetuando-se
os dados do ano de 1980 onde houve um pequeno aumento da população em
comparação com os dados de 1970. No relatório do processo de emancipação foi
constatado que na área de Seberi emancipada em 1959, residiam 15.823 indivíduos,
demonstrando que os dados referentes ao ano de 1960 indicam um aumento da
população superior à 25%. O ápice populacional atingido na década de 60 indica a
completa ocupação dos lotes coloniais do município, pois, os dados dos anos se-
guintes indicam uma diminuição do número de habitantes em Seberi.
139
Quadro 6: Evolução dos dados populacionais do munipio de Seberi, por sexo e total
da população, a partir de 1960 até 2007.
Ano Descrição Total
Homens 10610
Mulheres 9772
1960
TOTAL 20382
Homens 7254
Mulheres 7072
1970
TOTAL 14326
Homens 7864
Mulheres 7631
1980
TOTAL 15495
Homens 6876
Mulheres 6656
1991
TOTAL 13532
Homens 5656
Mulheres 5693
2000
TOTAL 11349
Homens 5342
Mulheres 5528
2007
TOTAL 10870
FONTE: Censos demográficos do IBGE (1960, 1970, 1980, 1991 e 2000) e Contagem da Popula-
ção (2007).
Gráfico 1: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por sexo e total
da população, a partir de 1960 até 2007.
196
0
196
0
1
9
60
1
97
0
1
97
0
19
7
0
1980
198
0
19
80
1991
1
991
1
99
1
2
0
00
2000
20
0
0
20
0
7
2
007
20
0
7
0
5000
10000
15000
20000
25000
Homens Mulheres TOTAL
FONTE: Censos demográficos do IBGE (1960, 1970, 1980, 1991 e 2000) e Contagem da Popula-
ção (2007).
140
Analisando os dados de evolução da população de Seberi pela situação do
domicílio (rural ou urbano), a partir do ano de 1970, percebemos uma contínua per-
da de população rural e um contínuo acréscimo da população urbana
42
. Estes dados
podem ser visualizados no quadro 7 e no gfico 2. Também percebemos que no
ano de 1970, quase 75% da população residia na área rural do município. Somente
no ano de 2007 a população urbana do município supera o total da população rural
com uma pequena margem de diferença.
Quadro 7: Evolução dos dados populacionais do município de Seberi, por situação do
domicílio, a partir de 1970 até 2007.
Ano Descrição Total
Urbano 2251
Rural 12075
1970
TOTAL 14326
Urbano 3956
Rural 11539
1980
TOTAL 15495
Urbano 4357
Rural 9175
1991
TOTAL 13532
Urbano 5432
Rural 5917
2000
TOTAL 11349
Urbano 5657
Rural 5213
2007
TOTAL 10870
FONTE: Censos demográficos do IBGE (1970, 1980, 1991 e 2000) e Contagem da População
(2007).
Para tentar explicar estas modificações na estrutura da população de Seberi,
existem alguns fatores (internos e externos) que irão variar ao longo do tempo e que
influenciram, em alguns casos, a migração de grupos específicos de população.
Especificaremos, agora, alguns desses fatores internos e externos:
Fatores internos:
Migração campo-cidade: atraiu, principalmente, grupos de pequenos agricultores
que buscavam, na cidade, trabalho assalariado. Este tipo de migração deu origem à
algumas das “vilas” do munipio, onde a história da origem de seus habitantes mos-
42
Os dados disponibilizados pelo IBGE, em seu site, sobre os dados do Recenseamento Geral da Populão de
1960 não contemplou a situação do domilio. Por este motivo as informões sobre a população rural e urbana
de Seberi no ano de 1960 não estão presentes nos dados analisados e apresentados.
141
tra muitas semelhanças. Atualmente, destaca-se o fluxo migratório das mulheres da
zona rural para a cidade. Estas mulheres buscam a carreira do magistério através
dos cursos de licenciatura oferecidos em universidades próximas (como a URI de
Frederico Westphalen, a UPF em Palmeira das Missões) ou no próprio município
(cursos de EAD como os oferecidos pela UNOPAR e a UAB). Após a conclusão dos
cursos, algumas mulheres continuam residindo na cidade enquanto outras voltam a
morar no interior devido à possibilidade de lecionar nas escolas de ensino básico do
município espalhadas pela área rural.
Gráfico 2: Evolução dos dados populacionais do munipio de Seberi, por situação do
domicílio, a partir de 1970 até 2007.
1
970
1
97
0
197
0
198
0
1
98
0
1
98
0
199
1
19
91
1
991
200
0
20
00
2
0
00
2
0
07
2007
2
007
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
Urbano Rural TOTAL
FONTE: Censos demográficos do IBGE (1970, 1980, 1991 e 2000) e Contagem da População
(2007).
Diminuição da taxa de natalidade: Não possuímos dados estatísticos específicos
para o munipio de Seberi, porém, em nossas pesquisas de campo, era comum
ouvirmos relatos a respeito do grande número de filhos que as mulheres tinham nas
décadas de 40 e 50 em Seberi. As fotos de família demonstravam isso através do
número de crianças presentes nas fotografias. Além disso, a diminuição do número
de filhos por família é algo já comprovado pelos dados e publicações do IBGE, e de
pesquisadores do tema.
142
Fatores externos
Migração para municípios industriais: destacam-se, principalmente, os fluxos migra-
tórios para os municípios de Novo Hamburgo, Sapiranga e Parobé (onde se loca-
lizam as indústrias calçadistas) e para a região metropolitana (em busca de empre-
gos no setor da construção civil). Neste tipo de migração destacam-se os grupos de
jovens que migraram com seus pais da zona rural para a cidade e que, devido às
poucas possibilidades de emprego existentes, se vêem forçados a buscar empregos
em outras cidades. Normalmente esses jovens já possuem algum parente ou amigo
que tenha migrado e, por isso, buscam nesta referência uma esperança de buscar
emprego em outras cidades. Em alguns casos, há jovens que migram da zona rural
de Seberi buscando emprego nas cidades à pouco mencionadas. Quando não atin-
gem o objetivo almejado, retornam para novamente auxiliar seus pais nas atividades
da pequena propriedade rural.
Migração para frentes pioneiras ou fronteiras agrícolas: neste grupo estão inseridas
pessoas que migram buscando o aproveitamento de uma oportunidade de incre-
mentar suas atividades econômicas e pessoas que buscam apenas a garantia de
um trabalho assalariado. Podemos citar o exemplo da família Zanchet que transferiu
suas atividades de Seberi para o munipio de Francisco Beltrão, onde a dinâmica
econômica era maior e favorecia uma das principais atividades do grupo: o comércio
de madeira. Também existem diversos casos de pessoas que sairam de Seberi e se
instalaram em municípios do estado do Mato Grosso, como Sorriso, Primavera do
Leste, Água Boa, Querência, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, entre outros. Todos
os anos, próximo ao período do Natal, o município de Seberi é “invadido” por carros
com placas de várias cidades do Mato Grosso. São os migrantes bem sucedidos
que voltam para festejar o Natal com os familiares que ficaram em Seberi.
Migração em busca de cursos universitários: apesar existirem cursos universitários
nas cidades de Frederico Westphalen e Palmeira das Missões, que permitem aos
estudantes de Seberi o deslocamento drio entre a universidade e suas casas,
muitos estudantes buscam universidades federais já sabendo que dificilmente
retornarão a residir em Seberi devido as baixas possibilidades de crescimento
profissional. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) destaca-se pela quan-
tidade de estudantes seberienses que buscam, anualmente, ingressar em seus
cursos universitários ou cursos preparatórios para o vestibular. A UFSM também
143
disponibiliza uma forma alternativa de ingresso ao ensino superior (o PEIES
43
)
aplicando provas ao final de cada um dos anos do ensino médio. Em Seberi as
provas são aplicadas no único estabelecimento de ensino do município que fornece
o ensino dio: o Instituto Estadual de Educação Madre Tereza. Este pode ser um
dos motivos que aproximam os estudantes do ensino dio de Seberi a buscar um
curso superior na cidade de Santa Maria.
Os movimentos migratórios em Seberi atingem, de maneira mais expressiva,
os grupos mais jovens da população. Isso pode ser constatado pela análise da po-
pulação por grupos de idade. A tabela 5 apresenta os dados do total da população
divididos por grupos de idade para os anos de 2000 e 2007. Os gráficos 3 e 4 ilus-
tram de maneira mais clara os dados apresentados na tabela 5. Pode-se perceber
que os grupos de população acima de 50 anos aumentaram, enquanto os grupos de
20 à 29 e de 40 à 49 mantiveram-se estáveis. os grupos de 0 (zero) à 19 anos e
de 30 à 39 anos tiveram seus meros reduzidos. Podemos afirmar, então, que
Seberi está se tornando um município de idosos.
Tabela 5: Populão recenseada, por grupos de idade, no município de Seberi nos
anos de 2000 e 2007.
Grupos de idade 2000 2007
0 a 4 anos 930 686
5 a 9 anos 1 002 838
10 a 19 anos 2 256 1 871
20 a 29 anos 1 546 1 593
30 a 39 anos 1 630 1 388
40 a 49 anos 1 562 1 577
50 a 59 anos 1 071 1 333
60 anos ou mais 1 352 1 584
FONTE: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Contagem da População 2007.
Do ponto de vista econômico, o município de Seberi apresenta o setor pri-
mário (produção agropecuária) como a base de sua economia, com destaque para
as lavouras de soja que ocupam a maior parte das terras cultivadas, pouco à frente
43
O PEIES (Programa de Ingresso ao Ensino Superior) foi criado no ano de 1995 e passou a abranger o muni-
pio de Seberi a partir do ano de 1997. Nesta modalidade alternativa de ingresso ao ensino superioro oferecidas
20% das vagas de todos os cursos disponibilizados pela UFSM.
144
das lavouras de milho, como demonstra a tabela 6. O trigo também ocupa uma área
considerável, o que o situa na terceira colocação de áreas plantadas. Apesar de não
apresentar uma grande área cultivada, o fumo é uma importante cultura, principal-
mente para os pequenos agricultores que possuem terras em áreas com declivida-
des que não possibilitam o uso de maquinário agcola.
Gráfico 3: População recenseada, por grupos de idade, em Seberi no Censo Demo-
gráfico 2000.
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59 anos
60 anos ou mais
0 500 1 000 1 500 2 000 2 500
FONTE: IBGE, Censo Demográfico 2000.
Gráfico 4: Populão recenseada, por grupos de idade, em Seberi na Contagem da
População 2007.
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59 anos
60 anos ou mais
0 500 1000 1500 2000 2500
FONTE: IBGE, Contagem da População 2007.
145
Tabela 6 - Área plantada ou destinada à colheita, área colhida, quantidade produzida,
rendimento médio e valor da produção dos principais produtos das lavouras tempo-
rárias e permanentes, em ordem decrescente de área colhida, segundo os Municípios
Rio Grande do Sul2006.
Municípios e principais
produtos das lavouras
temporárias e
permanentes
Área plantada ou
destinada à
colheita (ha)
Área
colhida
(ha)
Quantidade
produzida (t)
Rendimento
médio
(kg/ha)
Valor
(1 000 R$)
Seberi 27 644 27 642 ... ... 32 028
Lavouras Temporárias 27 092 27 092 ... ... 29 927
Lavouras Permanentes
552 550 ... ... 2 101
Soja (em grão) 11 000 11 000 25 245 2 295 9 204
Milho (em grão) 10 000 10 000 34 000 3 400 7 473
Trigo (em grão) 2 500 2 500 1 575 630 654
Feijão (em grão) 1 000 1 000 1 048 1 048 906
Aveia (em grão) 750 750 1 125 1 500 281
Mandioca (2) 500 500 11 200 22 400 6 929
Fumo (em folha) 480 480 830 1 729 2 447
Erva-mate (folha verde) 393 391 3 910 10 000 972
Arroz (em casca) 330 330 1 370 4 151 712
Cana-de-açúcar (2) 300 300 9 900 33 000 788
Girassol (em grão) 130 130 234 1 800 94
Laranja 75 75 1 350 18 000 456
Amendoim (em casca) 25 25 30 1 200 45
Cebola 25 25 125 5 000 70
Banana 24 24 192 8 000 119
Tangerina 20 20 425 21 250 159
Uva 17 17 204 12 000 188
Batata-doce 14 14 210 15 000 120
Batata-inglesa 14 14 62 4 428 35
Melancia 8 8 200 25 000 61
Alho 7 7 28 4 000 50
Pêssego 6 6 48 8 000 43
Abacate 4 4 71 17 750 36
Ervilha (em grão) 4 4 28 7 000 18
Figo 3 3 12 4 000 11
Pera 3 3 55 18 333 41
Tomate 3 3 45 15 000 36
Caqui 2 2 35 17 500 26
Limão 2 2 43 21 500 16
Melão 2 2 14 7 000 4
Goiaba 1 1 31 31 000 26
Mamão 1 1 6 6 000 3
Noz (fruto seco) 1 1 5 5 000 5
FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Agropecuária, Produção Agrícola Muni-
cipal 2006.
146
A especialização produtiva do setor agropecuário que se estabelece em algu-
mas áreas do território brasileiro não está bem caracterizada no município de Seberi.
Apesar da soja se destacar pela grande extensão de terras que ocupa, outras cultu-
ras e atividades são importantes para o setor agrícola municipal apesar de não ocu-
parem grandes extensões de terra. Alguns produtos visam apenas o atendimento à
uma demanda local, como pode ser o caso do arroz, batata-doce, batata-inglesa e
frutas.
É importante destacar que o desempenho da agricultura do município afeta
diretamente a setor de comércio. Os trabalhadores rurais representam significativa
parcela dos clientes do setor comercial e de serviços de Seberi As lojas de vestuá-
rio, móveis, eletrodomésticos e supermercados, se caracterizam por pertencerem à
moradores do pprio município e que, em muitos casos, possuem como funcio-
nários os próprios membros da família. No município de Seberi não possui lojas das
grandes redes de comércio de reconhecimento estadual e/ou nacional.
No munipio de Frederico Westphalen podem ser encontradas lojas de mó-
veis e etetrodomésticos pertencentes às grandes redes nacionais e/ou estaduais
(Colombo, Quero-Quero, Eletrolar, Magazine Luiza e Becker), porém, com relação
aos supermercados, nem mesmo o município de Frederico Westphalen conseguiu
atrair um nome de reconhecimento estadual ou nacional.
O munipio de Palmeira das Missões é referência para o setor agropecuário
de Seberi, principalmente pelo comércio de máquinas e implementos agrícolas, co-
mércio de adubos e defensivos, comercialização de cereais e por possuir uma uni-
dade da Nestlé, inaugurada no ano de 2008, responsável por receber a produção
leiteira de agricultores dos municípios pximos à Palmeira das Missões.
Os municípios de Frederico Westphalen e Palmeira das Missões também
atraem os seberienses por outro motivo: as universidades. Em Frederico Westphalen
há um campus da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
(URI) que possui sua sede administrativa em Erechim e um campus avançado da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) inaugurado menos de 5 anos, no
mesmo local onde sediava, há mais tempo, o Colégio Agcola de Frederico West-
phalen (CAFW) que fornece um curso técnico na área agrícola. Palmeira das Mis-
sões possui um campus da Universidade de Passo Fundo (UPF). O fluxo de estu-
147
dantes universitários para esses munipios é drio através do fretamento de ônibus
por parte desses estudantes.
Os habitantes de Seberi também se deslocam diariamente ao munipio de
Passo Fundo buscando os serviços de saúde que este município disponibiliza. Os
serviços de ortopedia e hemodiálise são os mais requisitados por quem se desloca
de Seberi até Passo Fundo. Exames de alta complexidade também estão na lista
dos serviços buscados.
Além da agricultura e do setor de servos, outro setor de grande importância
para a economia do município são os servidores públicos. O funcionalismo público é
um fator que assegura, ao comércio local, um fluxo mínimo de dinheiro no município.
A garantia de um salário mensal e do 1salário no final do ano, possibilitam condi-
ções facilitadas de pagamento no comércio local aos funcionários públicos, princi-
palmente aos “bons pagadores”. Dentro deste grupo se destacam, em quantidade,
os professores e o funcionalismo público municipal.
Porém, muitos agricultores de Seberi ainda preferem fazer suas compras no
comércio local pelo motivo de conhecerem o proprietário da loja e por poderem
negociar prazos e formas diferenciadas de pagamento, normalmente relacionadas
com os períodos de colheita e venda das safras agrícolas. Entretanto, quando o
desempenho da agricultura não é bom (por quebras de safra ou valores pagos abai-
xo dos custos de produção), o comércio local sente os reflexos. Ou seja, o comércio
local serve como indicador do desempenho agcola. Em algumas famílias residen-
tes na zona rural também podem existir um dos membros da família com uma renda
fixa, como a aposentadoria rural, o salário da esposa que leciona na escola da loca-
lidade ou o salário de algum dos filhos que trabalha no comércio da cidade.
Além da produção agropecuária propriamente dita, algumas famílias têm in-
vestido em agroindústrias como forma de agregar valor à sua produção. Este tipo de
indústria remete a questão já levantada no capítulo 4 sobre a origem das indústrias
naturais (novamente surgem indústrias ligadas à produção primária do município).
Algumas das indústrias hoje existentes em Seberi estão ligadas ao setor de em-
butidos e frigoríficos, laticínios, erva-mate, e conservas de frutas e legumes. O qua-
dro 8 apresenta uma relação de indústrias hoje existentes no município.
148
Quadro 8: Informações sobre indústrias existentes no município de Seberi em 2009.
continua
CNPJ
TÍTULO DO
ESTABELECIMENTO
(NOME DE
FANTASIA)
NOME EMPRESARIAL
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DA
ATIVIDADE ECONÔMICA
PRINCIPAL
CÓDIGO E DESCRIÇÃO DAS
ATIVIDADES ECONÔMICAS
SECUNDÁRIAS
CÓDIGO E
DESCRIÇÃO DA
NATUREZA
JURÍDICA
08.493.399/
0001-00
***** BAUER & BAUER LTDA
- Fabricação de produtos de
carne
- Comércio varejista de carnes - açougues
Sociedade Empresaria
Limitada
07.059.351/
0001-17 *****
ROGERIO A .
CONSANTER
- Preparação de subprodutos do
abate Não informada
Empresario
(individual)
06.555.073/
0001-26
ERVA MATE NATIVA
MGM LUIZ VALMOR DE SOUZA
- Fabricação de produtos para
infusão (chá, mate, etc.)
Não informada
Empresario
(individual)
03.555.951/
0001-15
*****
ERVA MATE
SEBERIENSE LTDA
- Comércio varejista de produtos
alimentícios em geral ou
especializado em produtos
alimentícios não especificados
anteriormente
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
09.665.861/
0001-63
*****
ERVA MATE ALTO
URUGUAI LTDA
- Fabricação de produtos para
infusão (chá, mate, etc.)
- Comércio varejista de produtos alimen-
tícios em geral ou especializado em
produtos alimentícios não especificados
anteriormente
Sociedade Empresaria
Limitada
03.771.713/
0001-47 *****
MARLI CARVALHO DA
SILVA
- Fabricação de produtos para
infusão (chá, mate, etc.)
Não informada
Empresario
(individual)
05.928.428/
0001-12 *****
J.A.P.CAMARA & CIA
LTDA
- Moagem e fabricação de
produtos de origem vegetal não
especificados anteriormente
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
07.210.713/
0001-29
*****
INDUSTRIA DE ERVA-
MATE PROVINCIA LTDA
- Fabricação de produtos para
infusão (chá, mate, etc.)
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
149
Quadro 8: Informações sobre indústrias existentes no município de Seberi em 2009.
continua
05.490.835/
0001-90
*****
LATICINIO SEBERI LTDA
- Fabricação de laticínios
- Comércio atacadista de leite e laticínios
- Comércio atacadista de carnes bovinas
e suínas e derivados
- Comércio atacadista de carnes e
derivados de outros animais
- Comércio atacadista de produtos
alimentícios em geral
- Transporte rodoviário de carga, exceto
produtos perigosos e mudanças, inter-
municipal, interestadual e internacional
Sociedade Empresaria
Limitada
03.834.521/
0001-32
DOCES E
CONSERVAS KINKAS
INDUSTRIA DE DOCES E
CONSERVAS KINKAS
LTDA
- Fabricação de conservas de
legumes e outros vegetais, exceto
palmito
- Fabricação de conservas de palmito
Sociedade Empresaria
Limitada
04.072.848/
0001-87
GIONGO PAPEIS
GIONGO COMERCIO E
INDUSTRIA DE PAPEIS
LTDA
- Comércio atacadista de
produtos de higiene pessoal
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
05.781.057/
0001-99 ***** ANGELO V. ALBARELLO - Frigorífico - abate de bovinos
- Fabricação de produtos de carne
- Preparação de subprodutos do abate
Empresario
(individual)
04.829.105/
0001-09
INDUSTRIA DE
BATERIAS TECNOBAT
LISIANI C. DE OLIVEIRA
RIBAS
- Fabricação de baterias e
acumuladores para veículos
automotores
Não informada
Empresario
(individual)
08.882.806/
0001-62
PLANTA SUL
INSUMOS AGRICOLAS
PLANTA SUL INSUMOS
AGRICOLAS LTDA
- Comércio varejista de outros
produtos não especificados
anteriormente
- Comércio varejista de materiais de
construção em geral
- Representantes comerciais e agentes do
comércio de matérias-primas agrícolas e
animais vivos
- Comércio atacadista de sementes,
flores, plantas e gramas
- Serviços de agronomia e de consultoria
às atividades agrícolas e pecuárias
- Comércio atacadista de produtos
alimentícios em geral
- Atividades de pós-colheita
Sociedade Empresaria
Limitada
150
Quadro 8: Informações sobre indústrias existentes no município de Seberi em 2009.
continua
04.063.227/
0001-37
PRE MOLDADOS
SEBERI
ARTEFATOS DE
CONCRETO BIASIBETTI
LTDA - ME
- Comércio varejista de materiais
de construção não especificados
anteriormente
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
05.054.608/
0001-12
BONFANTI TELHAS
TELHAS DE CONCRETO
COLORIDAS BONFANTI
LTDA
- Fabricação de outros artefatos
e produtos de concreto, cimento,
fibrocimento, gesso e materiais
semelhantes
- Fabricação de artefatos de cimento para
uso na construção
Sociedade Empresaria
Limitada
10.900.712/
0001-10
URIEL CONFECCOES
AL GIUSTI CONFECCOES
LTDA - ME
- Confecção de peças de
vestuário, exceto roupas íntimas
e as confeccionadas sob medida
- Confecção, sob medida, de peças do
vestuário, exceto roupas íntimas
- Comércio varejista de artigos do
vestuário e acessórios
- Comércio atacadista de artigos do ves-
tuário e acessórios, exceto profissionais e
de segurança
- Comercio varejista de artigos de cama,
mesa e banho
- Outros serviços de acabamento em fios,
tecidos, artefatos têxteis e peças do
vestuário
- Comércio varejista de outros artigos de
uso pessoal e doméstico não especifica-
dos anteriormente
Sociedade Empresaria
Limitada
91.008.805/
0001-37 *****
FERRAGENS SANTO
IGNACIO LTDA - ME
- Fabricação de esquadrias de
metal Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
07.363.412/
0001-35
*****
CONSORCIO
INTERMUNICIPAL DE
GESTAO DE RESIDUOS
SOLIDOS - CIGRES
- Atividades de associações de
defesa de direitos sociais
- Atividades de organizações associativas
ligadas à cultura e à arte
- Atividades associativas não
especificadas anteriormente
Outras Formas de
Associação
02.598.319/
0001-96
*****
ANTONIO MARCOS DA
SILVA-PECAS
- Comércio a varejo de peças e
acessórios usados para veículos
automotores
- Comércio a varejo de peças e aces-
sórios novos para veículos automotores
Empresario
(individual)
151
Quadro 8: Informações sobre indústrias existentes no município de Seberi em 2009.
conclusão
91.226.134/
0001-80 *****
CLAUDINO VARGAS
ANTUNES
- Fabricação de estruturas pré-
moldadas de concreto armado,
em série e sob encomenda
Não informada
Empresario
(individual)
00.372.327/
0001-94 *****
CONFECCOES QUEDA
D'AGUA LTDA ME
- Confecção de peças de
vestuário, exceto roupas íntimas
e as confeccionadas sob medida
- Facção de peças do vestuário, exceto
roupas íntimas
Sociedade Empresaria
Limitada
02.040.953/
0001-09 MOVEIS LANG GUIDO ILARIO LANG
- Fabricação de móveis com
predominância de madeira Não informada
Empresario
(individual)
91.381.616/
0001-05
*****
OLARIA BALDIN LTDA-ME
- Fabricação de artefatos de
cerâmica e barro cozido para uso
na construção, exceto azulejos e
pisos
Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
92.607.688/
0001-90 *****
SERRALHERIA METAL
FORTE LTDA ME
- Fabricação de esquadrias de
metal Não informada
Sociedade Empresaria
Limitada
FONTE: Site da Receita Federal – Emissão de Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral
<http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp>
152
Em visita à duas dessas indústrias obtivemos algumas informações interes-
santes: No Laticínio Seberi fomos informados que esta instria opera em seu limite
produtivo e que consegue inserir seus produtos na rede de supermercados Wall
Mart existente no Rio Grande do Sul. Porém, uma das funcionárias informou que
não há uma intenção de aumentar a produção, pois isto exigiria algumas alterações
em seu registro, aumentando a carga tributária. É justamente pelo seu pequeno ta-
manho que eles conseguem obter uma carga tributária menor e assim competir com
marcas mais fortes no mercado. Na agroindústria de conservas Kinkas constatamos
a instabilidade gerada pelas mudanças políticas no governo do estado. Esta agroin-
dústria surgiu durante o governo de Olívio Dutra-PT (1999-2003) devido à criação de
políticas de incentivo e fomento deste tipo de atividade. Os produtos Kinkas chega-
ram a receber uma premiação na Expointer de Esteio para suas conservas no ano
2000 ou 2001. Entretanto, durante a gestão de Germano Rigotto-PMDB (2003-2007)
os incentivos criados no governo anterior foram sendo retirados, forçando a indústria
de doces e conservas Kinkas a funcionar com baixa capacidade produtiva, utilizando
apenas a força de trabalho familiar. Na melhor fase desta indústria, foram emprega-
dos em torno de 15 funcionários. Na figura 42 observamos parte das instalações
onde são preparadas as conservas e uma placa de divulgação dos investimentos do
governo do estado no projeto da agroindústria Kinkas.
Figura 42: Fotografias da Agroindústria de Doces e Conservas Kinkas Ltda.
FONTE: Fotos fornecidas por César A. A. Martins
Com relação à estrutura fundiária, obtivemos dados relativos aos anos de
1960, 1970 e 1985 que nos mostram um aumento no número de estabelecimentos
com menos de 1 hectare até 20 hectares (tabela 7). o número de estabeleci-
mentos entre 20 e 100 hectares sofreu uma diminuição. O número de estabeleci-
153
mentos entre 100 e 500 hectares manteve-se o mesmo entre os anos de 1970 e
1985, com pequenas alterações nas áreas ocupadas por estes estabelecimentos.
os dados de propriedade entre 500 e 1.000 hectares indicam um aumento do núme-
ro de estabelecimentos de 1 para 3, entre os anos de 1970 e 1985.
Tabela 7: Áreas dos imóveis rurais do município de Seberi nos anos de 1960, 1970 e
1985.
1960 1970 1985
Grupos de área
Estabeleci.
Área (ha)
Estabeleci.
Área (ha)
Estabeleci.
Área (ha)
Menos de 1 ha
1 0 20 10 24 11
De 1 a 2 ha
10 17 51 63 69 90
De 2 a 5 ha
221 696 261 800 329 1 047
De 5 a 10 ha
603 3 839 366 2 363 629 4 278
De 10 a 20 ha
995 12 806 584 7 542 649 8 627
De 20 a 50 ha
783 20 921 451 12 246 341 9 302
De 50 a 100 ha
126 7 604 66 3 903 40 2 537
De 100 a 200 ha
36 4 470 16 2 090 16 2 104
De 200 a 500 ha
10 2 754 3 980 3 884
De 500 a 1 000 ha
2 1 240 1 600 3 2 160
De 1 000 a 2 500 ha
- - - - - -
De 2 500 a 5 000 ha
- - - - - -
Totais
2 787 54 347 1 819 30 597 2103 31 044
FONTE: IBGE, Censos Agropecuários 1960, 1970, 1985.
O aumento do número de propriedades com menos de 1 hectare até 20
hectares pode indicar o fracionamento das áreas originais devido ao processo de
partilha de heranças. No censo de 1996 as classes de tamanho das propriedades
estão organizadas com menor nível de detalhamento (tabela 8) e não trazem a
informação da área total ocupada pelos estabelecimentos de cada grupo de classe.
Agrupando os dados da tabela 7 para o mesmo formato de agrupamento da tabela
8, constatamos que nos três primeiros grupos de classe por área dos estabelecimen-
tos (compreendendo as propriedades com até 200 ha), o número total de estabeleci-
154
mentos diminuiu no período de 1995-96 em comparação com os dados de 1985,
enquanto o número de estabelecimentos acima de acima de 200 ha manteve-se
inalterado. Este fato pode ser explicado pela formação dos municípios de Boa Vista
das Missões (1992) e Cristal do Sul (1995) que subtrairam áreas que antes perten-
ciam ao município de Seberi.
Tabela 8: Estabelecimentos por grupo de área total. Dados do Censo Agropecuário
1995-1996 para o munipio de Seberi
Município
Menos
de 10
10 a
menos
de 100
100 a
menos
200
200 a
menos
de 500
500 a
menos
de 2000
2000 e
mais
Sem
declaração
Seberi
727 878 11 3 3 - -
FONTE: IBGE, Censos Agropecuários 1995-96.
Através da observação de campo constatamos que as maiores propriedades
do município, em área contínua, se localizam nas áreas planas ou de baixas declivi-
dades. Nestas áreas se concentram as plantações de soja, milho e trigo, pois permi-
tem a utilização de maquinário agcola como tratores e colheitadeiras. as áreas
de declividade mais acentuada, que não possibilitam a utilização de maquinário agrí-
cola, pertencem, predominantemente, à pequenos agricultores. São nestas áreas
onde encontramos as plantações de fumo, mandioca, cana-de-açúcar, uva, amen-
doim e batata, cultivos estes já mencionados na tabela 6. A declividade das terras é
um fator de grande influência no tamanho dos estabelecimentos rurais devido às
limitações impostas quanto à utilização de maquinário. Um forte indicador desta afir-
mação são os dados sobre o uso da força de tração animal e mecânica presentes
no Censo Agropecuário 2006 e disponibilizados pelo IBGE. Com base nesses da-
dos, organizamos a tabela 9 que nos mostra que o uso da força de tração mecânica
é a mais utilizada no estado e na mesorrego do Noroeste Rio-grandense (onde Se-
beri está inserido), porém, em Seberi a força de tração animal é mais utilizada do
que a força mecânica ou a combinação da força animal e mecânica.
Uma atividade industrial ligada ao setor extrativista do munipio e que mere-
ce ser destacada são as pequenas indústrias ervateiras. Foram identificadas 6
indústrias ervateiras em Seberi que está inserida em uma área tradicionalmente
produtora de erva-mate, possuindo áreas com pés de erva-mate centenários. De
acordo com informações fornecidas pelo IBGE sobre a Produção Agcola Municipal
155
no ano de 2006, Seberi ocupa a 12ª colocação entre os maiores produtores de erva-
mate do estado e a 22ª colocação entre os maiores produtores do país. Acredita-se
que parte da produção de erva-mate seja vendida para abastecer indústrias erva-
teiras de fora do município uma vez que as indústrias ali existentes o de pequeno
porte e abastecem apenas o comércio local. A figura 43 apresenta a fotografia de
uma das ervateiras e, também, o investimento feito em uma agroindústria que irá
fabricar suco de uva, aproveitando a produção local.
Tabela 9 - Uso de força de tração animal e/ou mecânica utilizada pelos estabelecimen-
tos, por tipo, segundo UF, Mesorregião, e Município - 2006
Uso de força de tração animal e/ou menica utilizada
pelos estabelecimentos
Tipo
UF, Mesorregião,
Microrregião e Município
Total de
estabele-
cimentos
Total
Animal Mecânica Animal e menica
Rio Grande do Sul 441 466 371 525 122 552 160 753 88 221
Noroeste Rio-grandense
185 699 167 363 42 478 86 603 38 282
Seberi 1 455 1 351 627 256 468
FONTE: Censo Agropecuário 2006.
Por tudo que foi mostrado sobre a situação atual do município, percebe-se
que esta área foi perdendo, ao longo dos anos, o dinamismo econômico demons-
trado na década de 50. A maioria das edificações fotografadas no levantamento
realizado no ano de 1957 para compor o processo de emancipação e que sinaliza-
vam a prosperidade econômica do distrito ainda estão presentes no município,
indicando, a estagnação que se seguiu nos anos posteriores à emancipação. A
figura 44 mostra 3 dessas edificações registradas no ano de 1957 e a situação des-
tas mesmas edificações no ano de 2008. No local onde se localizava a casa comer-
cial do grupo Zanchet hoje encontramos uma floricultura. No local do Hotel Fortale-
za, importante referência para os viajantes, hoje é utilizado como salão de beleza
(térreo) e como escritório de advocacia (piso superior). O bar e churrascaria de Gui-
lherme Argenta, ponto de encontro de agricultores que vinham até a vila, deu lugar a
pequenos estabelecimentos comerciais (sorveteria, conserto de equipamentos de
rádio e televisão, loja de roupas), além de ganhar um novo pavimento utilizado como
residência dos atuais proprietários do edifício. Esta ampliação da edificação implicou
na descaracterização da fachada original.
156
Figura 43: Fotografias indicando o investimento em uma agroindústria para produção
de suco de uva (fotos superiores); indústria de erva-mate no munipio de Seberi.
FONTE: Fotos fornecidas por César A. A. Martins
O moinho que pertencia ao grupo Zanchet, hoje é propriedade da família
Bertinatto que reside em Seberi. Parte dos equipamentos foi substituída por máqui-
nas mais modernas. No moinho, porém, ainda é produzida farinha, que, por sua
baixa qualidade, é enviada ao estado do Paraná para ser utilizada na fabricação de
cola escolar. Da serraria e da marcenaria não sobraram nada mais do que fotogra-
fias, devido à deterioração da madeira destas edificações. Algumas máquinas da
serraria e da marcenaria foram enviadas ao munipio de Francisco Beltrão quando
o grupo mudou a sede da matriz e concentrou suas atividades, relacionadas à ativi-
dade madeireira, neste munipio. O restante das máquinas foi vendida a outras ser-
rarias e marcenarias de Seberi e de municípios vizinhos.
157
Figura 44: Fotografias de edificações do distrito de Seberi no ano de 1957 e a situão
destas mesmas edificões no ano de 2008.
FONTE: Prefeitura Municipal de Seberi (Relatório do processo de emancipação); Acervo
pessoal de Rosinha Bertinatto; Fotos do autor (2008).
A antiga usina hidroelétrica do grupo Zanchet foi vendida, em meados da
década de 90, à uma Cooperativa de Distribuição de Energia (CRELUZ). Após ter
sido reformada, entrou novamente em funcionamento no ano de 1999 como a pri-
meira usina de geração de energia da CRELUZ. Esta cooperativa surgiu no ano de
1966 com a finalidade de facilitar ao produtor rural o acesso à energia elétrica atra-
vés da construção de redes de distribuição de energia. Sua sede está localizada no
município de Pinhal-RS sendo que a atuação desta cooperativa atinge um total de
158
36 munipios no norte do estado
44
. Atualmente a CRELUZ possui 5 usinas de ge-
ração de energia em funcionamento, uma em processo de construção, e está elabo-
rando projetos para mais 3 unidades de geração de energia. Os equipamentos da
antiga usina do grupo Zanchet estão em exposição no município de Taquaruçu do
Sul-RS onde a CRELUZ possui outra usina de geração de energia. A figura 45
apresenta uma seqüência de 4 fotografias mostrando a usina hidroelétrica do grupo
Zanchet que a CRELUZ adquiriu e modernizou. A barragem recebeu um reforço na
estrutura antiga e equipamentos para monitoramento da vazão enquanto a casa de
máquinas foi totalmente reformada.
Figura 45: Fotografias da usina de geração de energia e barragem da CRELUZ no
município de Seberi em janeiro de 2008.
FONTE: Fotos do autor (2008).
44
Entre os anos de 1976 e 1997 a CRELUZ tamm atuou no segmento de lojas de móveis e eletrodomésticos,
formando uma pequena rede de lojas na região do médio-alto uruguai. A partir de 1997 abandonou o segmento
de lojas e passou a se dedicar exclusivamente à projetos de geração e distribuição de energia elétrica.
159
Até mesmo a área do município que, na data de sua emancipação, era de
aproximadamente 600 km², já está reduzida praticamente à metade da área inicial.
Entre os moradores que acompanharam o período da emancipação e os primeiros
anos do município, há um certo consenso de que as décadas de 50 e 60 foram os
períodos áureos de Seberi. A falta de perspectivas de desenvolvimento da cidade na
atualidade é muito diferente do otimismo demonstrado na documentação levantada
para o relatório do processo de emancipação. O dinamismo econômico demonstrado
nas décadas de 50 e 60 foi possível devido à precariedade dos meios de trans-
porte que protegiam esta área da concorrência de produtos externos. Com a gradual
melhoria da infra-estrutura de transporte e comunicação, produtos de melhor quali-
dade e com preços competitivos acabaram com as iniciativas de industrialização
locais. A mudança da matriz do grupo Zanchet que sai de Seberi para Francisco
Beltrão é emblemática. O município paranaense passou a oferecer maiores possibi-
lidades de crescimento ao grupo do que as possibilidades encontradas em Seberi. O
grupo apresentava um ritmo de crescimento maior do que o apresentado pelo muni-
pio que eles ajudaram a criar, por isso sua mudança era inevitável.
160
Considerações Finais
Constatamos que a região fisiográfica do Alto Uruguai foi a última área do
estado do Rio Grande do Sul a ser, efetivamente, colonizada. A presença de uma
zona florestal no norte do estado delimitou a colonização luso-brasileira ao limite
entre as áreas de campos naturais e a zona florestal. Somente com o aumento da
pressão demográfica das áreas das antigas colônias, junto com a diminuição da
fertilidade dos solos destas áreas, criaram-se condições mínimas para que que os
descendentes das antigas áreas coloniais buscassem novas áreas para colonizar.
Porém, a precariedade dos meios de transporte no final do século XIX e início
do culo XX, aliado ao tenso momento de disputa política entre chimangos e mara-
gatos, foram fatores que atrasaram a execução dos projetos de colonização na por-
ção norte do município de Palmeira das Missões. Somente após o fim da Revolução
de 1923 é que se retomaram, com maior vigor, os trabalhos de colonização. Entre as
principais atividades econômicas desenvolvidas em Palmeira das Missões até o pri-
meiro quartel do século XX, estavam a extração da erva-mate e a criação de bovinos
e muares. Do ponto de vista político, esta área era dominada pelo poder coronelís-
tico de representantes dos setores pecuarista e ervateiro. A atuação destes coronéis
era sentida, principalmente, pelas áreas de campos naturais até os seus limites com
a zona florestal. Assim, a floresta se tornou um refúgio para bandidos e perseguidos
políticos (pelo menos até o final da Revolução de 23).
A criação da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira no ano de 1917
visava ordenar a ocupação da zona florestal de Palmeira e diminuir a pressão por
novas áreas agícolas decorrente do crescimento demográfico, mas, foi somente
após o ano de 1925 que os trabalhos da Comissão realmente se intensificaram. A
inauguração da estrada ligando Palmeira das Missões até as águas termo-minerais
de Iraí, em 1928, foi de fundamental importância para a melhoria dos transportes e
comunicação da última área colonial criada pelo Estado do Rio Grande do Sul. A
nova colônia foi criada para receber migrantes de qualquer origem, caracterizando-
se pela ocupação através da migração voluntária, diferentemente do que ocorreu
nas áreas das antigas colônias. Os lotes colonias do distrito de Fortaleza chegaram
a concentrar colonos de uma mesma etnia (poloneses, italianos, luso-brasileiros),
161
porém, não chegaram a alterar a proposta inicial de formação de uma área de
colonização mista. Acreditamos que muitos colonos também tenham sido atraídos
pela possibilidade de construção, por parte do Estado, de um ramal ferroviário que
seguiria, paralelamente, o curso do rio Uruguai, ligando as cidades de São Borja à
Torres, passando próximo aos atuais municípios de Seberi e Frederico Westphalen.
Esse traçado ferroviário esteve presente nos “Schemas de Viaçãoprojetados pela
Diretoria de Terras e Colonização que buscava proporcionar as condições de infra-
estrutura necessárias para o desenvolvimento das áreas coloniais. Constatamos que
as colônias servidas por ramais ferroviários, como Ijuí, Santa Rosa e Erechim, se
desenvolveram rapidamente suas indústrias naturais e a agricultura mecanizada. A
facilidade de escoar a produção agrícola/industrial e de acessar os insumos
necessários são fatores importantes a serem considerados.
Uma das possibilidades consideradas para que os ramais ferroviários plane-
jados para a área colonial de Palmeira das Missões não fossem implantados foi o
desenvolvimento do transporte rodoviário. A flexibilidade e os baixos custos de
implantação deste tipo de transporte quando comparado com as ferrovias pode ter
motivado a substituição dos projetos ferroviários por projetos rodoviários. Porém, as
péssimas condições das estradas por conta da lama e dos buracos prejudicavam a
qualidade deste tipo de transporte. Além de prejudicar o transporte da produção
agropecuária, o transporte de madeira (outro importante recurso existente na zona
colonial de Palmeira das Missões) também foi prejudicado. Pelas dificuldades em
explorar este recurso, muitas árvores existentes nos lotes coloniais foram queimadas
com a finalidade de “limpar as terras” e, através de suas cinzas, aumentar a produti-
vidade das lavouras. O melhor aproveitamento da madeira ocorreu em áreas próxi-
mas a cursos d’água que atingissem o rio Uruguai, por onde as toras podiam ser
transportadas para serem comercializadas nas cidades argentinas. As primeiras
serrarias instaladas em Seberi buscavam atender as necessidades locais sendo que
somente com a melhoria dos transportes rodoviários a indústria da madeira ganha o
impulso necessário para atingir outros mercados consumidores.
A melhoria das condições de transporte rodoviário e o aumento dos fluxos
comerciais atraiu comerciantes, industriais e profissionais liberais para os povoados
que surgiam no interior da zona colonial de Palmeira das Missões. Este novo grupo
de migrantes se instalou, preferencialmente, nas sedes dos povoados coloniais,
162
dinamizando os fluxos comerciais locais. Assim, as sedes dos povoados cresceram
e ganharam características urbanas. Este crescimento dos povoados tornou a zona
colonial economicamente independente da sede municipal. No distrito de Seberi o
grupo Zanchet se destaca pela diversidade de atividades econômicas desenvolvidas
desde as atividades agrícolas, extrativas, industriais e comerciais. O investimento na
construção de uma usina hidroelétrica foi um fator emblemático da capacidade
empreendedora deste grupo.
No processo de emancipação de Seberi desencadeado a partir de 1957 a
atuação de pessoas ligadas direta ou indiretamente ao grupo foi constatada pelo
cruzamento de informações comerciais e de sócios do grupo com as relações dos
membros mais atuantes da Comissão Pró-Emancipação de Seberi. Outro fator que
atesta a liderança exercida pelo grupo Zanchet foi a escolha dos dois primeiros pre-
feitos da cidade. Além dos laços familiares, Marcelo Zanchet (prefeito de Seberi
entre os anos de 1959 e 1964) e Túlio Luiz Zanchet (prefeito eleito entre os anos de
1964 e 1969) eram sócios do grupo Zanchet.
Os interesses comerciais levaram a família Zanchet transferir a maior parte de
seus investimentos para o estado do Paraná no final da década de 60. Algumas ati-
vidades ainda foram mantidas no município, porém, com a transferência da matriz
de Seberi para Francisco Beltrão o centro dos investimentos foi modificado. Com o
passar do tempo as atividades mantidas em Seberi foram sendo extintas.
Os dados recentes demostram a estagnação do município, principalmente
pela perda de população, com destaque para a perda de jovens e o envelhecimento
dos que permanecem. Além disso, de acordo com os dados populacionais do IBGE,
somente no ano de 2007 a quantidade de população urbana ultrapassou a popula-
ção rural. Isto demonstra a importância do setor rural para a economia do município.
Porém, os dados da produção agropecuária demostram a inexistência de um produ-
to diferenciado capaz de dinamizar a economia local. Apesar do destaque proporcio-
nado pela produção de erva-mate, a possibilidade de agregar valor a este produto é
muito limitada. A produtividade atingida na principal cultura agrícola (a soja) é muito
inferior à produtividade obtida nos municípios do centro-oeste brasileiro e em outros
municípios do Rio Grande do Sul e do Paraná. A presença de algumas agroindús-
trias reforça a importância do setor agrícola sem, contudo, assegurar qualquer
destaque a este setor produtivo.
163
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ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho 1850-1920. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 1997.
ANEXOS
ANEXO Nº1
CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPON-
SABILIDADE LIMITADA
Os abaixo firmados por Pedro Gemelli, vvo Romano Zanchet, Lourenço
Albino Nardin, Marcelo Zanchet, Armando Bottan, Albino Zanchet, Genuíno Berti-
nato, Luiz Julio Gemelli, Adelino Zanchet, Paulo Danuzio Gemelli, Annio Spiler,
Salvador Guilherme Gemelli, casados e Constante Luiz Gemelli, Antônio Carlos
Gemelli, e Guerino Bottan, solteiros, maiores, todos brasileiros, comerciantes, resi-
dentes neste município de Palmeira das Missões, Estado do Rio grande do Sul, pelo
presente instrumento de constituição de firma, têm justo e contratado entre si, uma
sociedade Industrial e Comercial por quotas de responsabilidades limitadas, regen-
do-se pela lei que for aplicada e pelas Clausulas seguintes:
Fica adotada a razão social de GEMELLI, ZANCHET & Cia. Ltda.
O capital social é da importância de DOIS MILHÕES DE CRUZEIROS
(Cr.$2.000.000,00) já integralizado, tendo entrado para a formação do mesmo como
segue:
O sócio Pedro Gemelli, com cento e quarenta mil cruzeiros (Cr.$140.000,00)
Romano Zanchet, com trezentos e vinte mil cruzeiros (Cr.$320.000,00) Lourenço
Albino Nardin, com cento e setenta e cinco mil cruzeiros (Cr. $175.000,00) Marcelo
Zanchet, com duzentos e noventa mil cruzeiros (Cr.$290.000,00) Armando Bottan,
com setenta mil cruzeiros (CR.$70.000,00) Albino Zanchet, com duzentos mil cru-
zeiros (Cr.$200.000,00) Genuíno Bertinato, com cento e vinte cinco mil cruzeiros
(Cr.$125.000,00) Salvador Guilherme Gemelli, com setenta mil cruzeiros
(Cr.$70.000,00) Luiz Julio Gemelli, com setenta mil cruzeiros (Cr.$70.000,00)
Adelino Zanchet, com cento e vinte e cinco mil cruzeiros (Cr. $125.000,00) Paulo
Danuzio Gemelli, com setenta mil cruzeiros (Cr.$70.000,00) Antônio Spiler, com
cento e setenta e cinco mil cruzeiros (Cr.$175.000,00) Constante Luiz Gemelli, com
cem setenta mil cruzeiros (Cr.$70.000,00) Antônio Carlos Gemelli, com setenta mil
cruzeiros (Cr.$70.000,00) e Guerino Bottan, com trinta mil cruzeiros (Cr.$30.000,00)
perfazendo um total de DOIS MILHÕES DE CRUZEIROS (Cr.$2.000.000,00)
A sociedade tem por fim a exploração da Indústria e Comércio em Geral, co-
mo seja, INDÚSTRIA: a instalação de Uzina Elétrica, Moinho de Cereais, Frigorífico,
Serraria e beneficiamento de madeiras, Olaria, Curtume, etc. COMÉRCIO: de mer-
cadorias em geral, Cereais e outros produtos agrícolas, Importação e Exportação,
Comissão, Consignação e conta própria, Despachos e redespachos, Representa-
ções, bem como a exploração de atividades complementares ao serviço conexos do
Comércio e tudo quanto possa convir no campo da atividade comercial.
A sociedade terá sua Sede nesta Vila Seberi, distrito do Município de Pal-
meira das Missões, Estado do Rio Grande do Sul, onde também terá sua adminis-
tração; e, foro jurídico na Comarca da Cidade de Palmeira das Missões, podendo, no
entanto criar filiais e representações onda mais lhe convir, ditar-lhes normas a se-
guir, bem como extinguir-lhas quando não mais convier a sociedade.
O prazo de duração da sociedade será de DEZ ANOS (10) a contar da as-
sinatura do presente contrato, considerando-se este prazo automaticamente pror-
rogado, por iguais períodos, se nenhum dos sócios manifestar-se em contrário.
O sócio que desejar retirar-se da sociedade deverá dar aviso pvio, aos de-
mais, por escrito, com antecedência mínima de NOVENTA DIAS (90) hipótese em
que seus haveres serão apurados e pagos na conformidade com a Cláusula 19ª.
(Décima nona)
A sociedade tem um presidente de Honra: O sócio Snr. Pedro Gemelli.
A administração da sociedade, será composta de um Diretor Comercial, o
Sócio Snr. Romano Zanchet, um Diretor Gerente, o sócio Snr. Marcelo Zanchet os
quase indistintamente representarão a sociedade em Juízo ou fora dele, inclusive
assinar contratos, escrituras de compra e venda, procurações, podendo praticar todo
os atos de administração, movimentar, requerer, zelar e salvaguardar tudo o que for
de interesse da firma, podendo para isso o diretor Comercial Snr. Romano Zanchet,
assinar Gemelli, Zanchet & Cia. Ltda, e o sócio diretor Gerente Snr. Marcelo Zan-
chet, também assinar Gemelli, Zanchet & Cia. Ltda, e aqueles atos que excepcional-
mente, criarem relações jurídicas, como sejam na compra de imóveis, maquinários
que ultrapasse o valor de Cinqüenta Mil Cruzeiros (Cr.$50.000,00) devendo os só-
cios Constante Luiz Gemelli ou Armando Bottan, juntamente com os diretores, afir-
marem compromissos decorrentes destes últimos.
A gerencia técnica da parte interna do moinho, será exercida pelo sócio Snr
Lourenço Albino Nardin e a parte interna da oficina mecânica seexercida pelo só-
cio Snr Luiz Julio Gemelli e aos demais sócios serão dados os encargos com a deli-
beração dos diretores da mesma e assim como o ordenado será resolvido pelos
mesmos. Todos os sócios serão obrigados a zelar pela boa conservação dos bens
da firma e o sócio que não cumprir fielmente suas obrigações, será excluído do ser-
vo e deixará de receber o ordenado fixado por mês: receberá somente os lucros no
fim de cada balanço que será efetuado em 361 de dezembro de cada ano. Cada
sócio tem o direito de retirar mensalmente o ordenado fixado por mês e além disso,
nos casos imprevistos será auxiliado do necessário, acrescendo juro de oito por cen-
to (8%) ao ano, importância esta que será levada a debito de sua conta corrente.
Nenhum dos sócios poderá dar carta de fiança ou emprestar dinheiro em no-
me da firma, salvo em seu nome pprio, contanto que não venha a prejudicar o
nome da firma.
10ª
Os sócios que prejudicarem a sociedade, por fraude, serão excluídos como
sócios e terão uma multa de VINTE (20%) por cento sobre suas quotas, além de
indenizarem integralmente os prejuízos constatados.
11ª
Os lucros e prejuízos de cada balanço anual, procedido em 31 de Dezembro
serão repartidos em proporção a quota de cada sócio.
12ª
A criação de fundo de reserva se objeto de deliberação da Sociedade,
quando esta julgar oportuno.
13ª
Dos lucros verificados cada ano, será dado uma depreciação de DEZ (10) por
cento, sobre os prédios, móveis e maquinários.
14ª
A parte social de cada sócio, é individual e só poderá ser transferida mediante
o expresso consentimento da sociedade, ficando reservado aos sócio o direito de
preferência em igualdade de preço e condições.
15ª.
É licito aos sócios, fazerem empréstimos de capital á sociedade, a prazo fixo,
nunca inferior á um ano (1). Para as contas de empréstimos dos sócios, serão com-
putados os juros de OITO (8) por cento ao ano, contados nas contas correntes cre-
doras dos mesmos.
16ª
A dissolução da sociedade, só poderá ocorrer pela expiração do período esti-
pulado para a sua duração ou por resolução da maioria absoluta do capital, num e
noutro caso, deliberado a forma de seu procedimento pela Assembléia Geral dos
Sócios.
17ª
Os casos omissos obedecerão às normas previstas para sociedades de tal
gênero, constante do decreto 3.708 de 10 de Janeiro de 1919 e demais leis regu-
ladoras da matéria, que lhe sucederem, como si de cada um delas se fizesse espe-
cial menção.
18ª
A responsabilidade dos sócios é, na forma da legislação vigente, limitada á
importância total do capital social.
19ª
No caso de morte, inabilitação ou interdição legal de qualquer dos sócios, a
sociedade não será dissolvida. Ela continuará entre os demais, podendo nela ingres-
sar os herdeiros ou sucessores do sócio falecido ou impossibilitado, se assim o de-
sejarem e nisso convier os remanescentes.
A apuração do quantum a ser atribuído ao sócio afastado será determinado
em proporção ao último balanço geral, se entre este e o afastamento, interdição ou
inabilitação, não houverem decorrido mais de SEIS (6)meses. Em caso contrário,
será levantado balanço especialmente para este fim.
O respectivo pagamento será atendido em VINTE (20) prestações mensais,
sucessivas, de igual valores, sem juros, caso as possibilidades da sociedade não
permitam a liquidação dentro de prazo mais curto.
E por acharem todos os contratantes, conforme com as estipulações contidas
nas presentes cláusulas, contratuais, em perfeita harmonia quanto ao seu conteúdo,
assinam este instrumento e demais vias em presença das testemunhas também
abaixo assinadas.
[OBS: o documento original apresenta 17 assinaturas que complementam o contra-
to]
ANEXO Nº2
LEI N° 3.696, DE 30 de Janeiro de 1958
Cria o município de SEBERI
Leonel Brizola, Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Faço saber em cumprimento ao disposto nos artigos 87, inciso II e, 88 inciso I, da
Constituição do Estado, que a Assembléia Legislativa Decretou e eu sanciono e promulgo
a Lei seguinte:
Art.1° - É criado o Município de Seberi, com sede na localidade do mesmo nome,
constituido de território do Município de Palmeira das Missões.
Art. - O Território do Município tem as seguintes confrontações:
Ao Norte: Começa na confluência do Rio Guarita com o Rio Ogaratin (ex-Fortaleza),
pelo qual sobe até encontrar o limite Norte no lote N° 200 da 4° secção fortaleza, segue por
estes limites e pelos lotes N°s 205, 203, 201, 199, 198, 196, 194, 192, 190, 188, 186, 183,
178, 176, 174, 173, 171, 169, 167, 165, 163, 161, 159, e 156, até encontrar a estrada do
DAER, Seberi-Osvaldo Cruz, segue por esta em direção Sul do lote N° 84 da secção
fortaleza, continuando por este limite até a nascente do Lageado Bonito pelo qual desce até
confluir com o Lageado Mico segue por este, águas abaixo, até desaguar no Arroio Ourives
(ex- Braga), descendo por suas águas até confluir com o rio da Varzea, sobe por este até a
foz do lageado Pinhal; A Leste Começa na confluência do rio da Várzea com lageado
Pinhal, pelo qual sobe, até confluir com o lageado das Pedras, seguindo por este águas
acima, até sua nascente, (na divisa dos lotes N°s 218, 217 e 191, ao ângulo Noroeste) na
divisa dos lotes N°s 191 e 218, segue por esta divisa, rumo geral oeste, até o fim, de onde
continua no mesmo rumo pelo limite entre os lotes s 218, 216 e 191, até o ângulo
noroeste do lote N° 217, de onde segue rumo ao sul, pela divisa deste lote e dos de s (
213, 211, 209,207, e 206 descendo por este lageado 216 e 215) até o limite do lageado que
limita pelo sul os lotes s 213, 211, 209, 207 e 206, descendo por este lageado, até
desaguar do lageado Ourives, sobe por este, até confluir com o lageado Napoleão, pelo qual
continua subindo até sua nascente, pximo a estrada do DAER, Seberi-Palmeira das
Missões, seguindo por esta estrada rumo geral sul, até o ponto mias próximo da nascente
do lageado Mathias Bem; Ao Sul Começa na estrada do DAER, Seberi-Palmeira das
Missões no ponto mais pximo da nascente do lageado Mathias Bem, descendo por este
até confluir com o rio Ogaratin, pelo qual segue, águas a baixo até a foz do lageado Virapipó
(ex-lageado Grande), sobe por este, até confluir na margem direita do lageado Grão de
Milho, seguindo por este águas a cima, até a sua nascente, de onde continua por linha seca
e reta, rumo norte até um caminho viscinal que conduz ao rio Oragatin, segue por este
viscinal, rumo geral oeste até o entroncamento da estrada Palmeira - Erval Seco com o
ramal que segue para o Nilo Fabris, daí por linha seca e reta, atinge a nascente do lageado
Pavão, pelo qual desce até confluir com o lageado Frasão, seguindo por este águas abaixo,
até sua foz no rio guarita. Ao Oeste Divide a propriedade de Cincinato Jose de Azevedo, e
sucessores de Balbino Pereira dos Santos, até encontrar um marco, deste segue, por linha
seca direção noroeste, até encontrar uma cabeceira de lageado Poli que divide propriedade
de Viúva Senhorinha Sesar, e sucessores de Manuel Poli Prestes, por este abaixo, até a
confluência com o lageado Pavão, por este abaixo, formando o lageado Frasão, até a
confluência com uma sanga que divide passo de Policarpo J. Prestes, por esta acima, até
encontrar uma linha que divide a mesma posse, por esta, rumo geral Norte-Sul dividindo
posse de João Alberto Borba na parte oeste, seguindo mais ou menos na mesma direção,
por uma linha imaginária, até encontrar o marco n° 70 da Secção Erval Seco da parte oeste
do mesmo, deste por uma linha seca, até a cabeceira do lageado das Galinhas, por este
abaixo, até a confluência do mesmo com o rio Guarita, por este abaixo, até o ponto de
partida.
ANEXO Nº3
Localização das edificações fotografadas no ano de 1957 para a ela-
boração do relatório do processo emancipatório
FONTE: Software de visualização de imagens de satálite Google Earth. Adaptação: Edilson W.
Pedroso Jr.
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