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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
DEHA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
RELEMBRAR O PASSADO, RECONHECER O PRESENTE:
A IDENTIDADE DO PONTAL DA BARRA
PELAS LEMBRANÇAS DOS MORADORES IDOSOS .
Vanessa Maria de Melo Gonçalves
Maceió
2009
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Vanessa Maria de Melo Gonçalves
RELEMBRAR O PASSADO, RECONHECER O PRESENTE:
A IDENTIDADE DO PONTAL DA BARRA
PELAS LEMBRANÇAS DOS MORADORES IDOSOS.
DEHA
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
DEHA
Vanessa Maria de Melo Gonçalves
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
RELEMBRAR O PASSADO, RECONHECER O PRESENTE:
A IDENTIDADE DO PONTAL DA BARRA
PELAS LEMBRANÇAS DOS MORADORES IDOSOS.
Orientadora: Profa. Dra. Josemary Omena Passos Ferrare
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Agradecimentos
À Deus, força que me tranqüiliza, ilumina e me mostra os caminhos certos a cada novo dia.
À minha família, pais e irmão, pela dedicação, incentivo e amor incondicional. Agradeço
por infinitas horas de paciência e todo o apoio para concretização deste trabalho. Aos meus
pais, torcida por estas conquista e meu irmão por toda descontração e alegria nas horas
mais estressantes.
Ao Daniel pelo amor, apoio e incentivo incomensurável em todas as horas e
principalmente pela paciência que muito me ajudaram no meu amadurecimento
profissional. Agradeço pelo companheirismo e dedicação em torno dessa nossa vitória.
À Professora Dra. Josemary Omena Passos Ferrare, minha orientadora, por toda a
colaboração, dedicação e paciência nas constantes conversa. Modelo de mestre, amiga, que
tanto me ensinou e estimulou com incentivos e palavras únicas nos momentos mais
decisivos deste trabalho. Muito Obrigada, Josy!
À Professora Clara Suassuna, com que explorei as trilhas da História Oral e que me
mostrou a sensibilidade e o respeito que devo ter com o outro. Compartilhar essa
experiência gerou um laço de amizade.
À todos os idosos pontalenses que abriram sua casa, seu coração e suas memórias. Meus
mais novos companheiros, muito obrigado!
Aos meus amigos do Grupo Relu-Representações do Lugar pelo apoio nas discussões e
reflexões desta minha dissertação.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Encontro
Procuro os que sabem de mim.
Os que disseram ter me ouvido falar.
Os que me encontram, quando me perco.
Em quantos poemas estou presente?
Em qual deles era verdade?
Perco-me um pouco todo dia,
Para me encontrar em tantos outros.
Não revelo, nem disfarço.
Apenas passo
.
Mas há
momentos em que me demoro.
(BRITO,2005)
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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RESUMO
O bairro enquanto lócus da vida social e das práticas simbólicas contribui para o
fortalecimento dos elos afetivos presentes na relação homem e lugar. Nesta perspectiva, tal
reflexão buscou contribuir para a apreensão da identidade, a partir das relações sociais e
simbólicas inerentes ao lugar, a qual o homem aparece como principal sujeito. Para tal
intento, essa investigação considerou como objeto de análise, o bairro do Pontal da Barra,
braço de terra entre a Lagoa Mundaú e o Oceano Atlântico, situa-se a sudoeste de Maceió,
no Complexo Estuarino Lagunar de Mundaú- Manguaba, situado na região de restinga da
capital alagoana. O referido bairro é posto como principal elemento para entender a
formação e caracterização dessa identidade considerando não só as peculiaridades físicas
de um bairro, mas também os valores impregnados no seu contexto citadino e
principalmente aqueles que se referem às relações simbólicas e históricas.
Convém afirmar, que toda apreciação realizada nesta pesquisa teve como aporte
metodológico a História Oral, por constituir uma ferramenta capaz de incentivar a
transmissões de valores através dos sentimentos e visões que o indivíduo absorve do
mundo. As reflexões foram direcionadas para as principais características e elementos que
atuaram/atuam na concepção e dinâmica do Pontal da Barra fomentadora da identidade e
ressaltada nos relatos e percepção dos sujeitos: o morador – considerando os idosos
residentes no local (por tratarem as experiências vividas como fonte de enriquecimento das
relações contemporâneas), a sua história e a sua vida social. Diante de toda análise
realizada expõem-se que a identidade do bairro, caracterizou-se tanto pela forte presença
dos elos afetivos, nas relações com a paisagem, quanto na produção do espaço social e
histórico mesmo com a inserção de novos significados e valores. Assim, a partir desse
“descortinar” as várias histórias de pontalenses, também foi possível demonstrar a forte
valoração desses moradores com o lugar, pois é introduzir-se no mundo do ser vizinho, do
ser amigo, do ser pontalense que se entendeu e identificou a essência de suas
singularidades e é claro, de sua identidade.
Esta dissertação expande os referenciais já existentes tanto no que se refere à história do
lugar, como a identificação de seus elementos singulares, apresentando ainda relevantes
informações acerca de quem vive, se relaciona e formar e pertence a este lugar.
Palavras chave: identidade, cotidiano, bairro.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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ABSTRACT
The neighborhood as a locus of social and symbolic practices contribute to the
strengthening of affective ties present in the man and place. According, this discussion
seek to contribute to the understanding of identity, from the social and symbolic inherent in
the place which the man appears as the main subject. For this purpose, this research found
to be analyzed, the neighborhood of Pontal da Barra, neck of land between the pond
Mundaú and the Atlantic Ocean, is located southwest of Maceió, in the Estuarine-Lagoon
Mundaú Manguaba, located in the sandy coastal capital of Alagoas. This neighborhood is
set as the main element for understanding the formation and characterization of identity
considering not only the physical peculiarities of a district, but also the values in context
impregnated city and especially those that refer to symbolic and historical relations.
It stated that all findings made in this study had the methodological contributions to oral
history, for being a tool to encourage the transmission of values through the feelings and
views the individual absorbs the world. The debates were directed to the key features and
elements that worked / work in the design and dynamics of Pontal da Barra improving the
identity and emphasized in the reports and the perception of individuals: the residents -
whereas the elderly residents at the site (by addressing the experiences as source of
enrichment of contemporary relationships), its history and its social life. Before any
analysis performed to expose the identity of the neighborhood was characterized by the
presence of strong affective ties, relations with the landscape, and in the production of
social space and history even with the inclusion of new meanings and values. So, from that
"uncover" the stories of several pontalenses, we could also demonstrate the strong opinion
of these people have with the place because it is introduced into the world of being
neighbor to be friend, be pontalense who understood and identified the essence of its
uniqueness and of course, your identity
This study expands the existing benchmarks both with regard to the history of the place,
and the identification of its natural elements, with still relevant information about who
lives, and relates to form and belong here.
Keywords: identity, daily, neighborhood.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................14
Considerações iniciais..........................................................................................................14
I- DE ALAGOAS AO BAIRRO DO PONTAL: AS GÊNESES.
1.1. Descortinando o processo histórico..................................................................19
1.2. A lagoa... O bairro e sua construção.................................................................29
1.3. As décadas de 1970 e 1980 e o impacto pela indústria....................................42
1.4. O Pontal da Barra no presente..........................................................................50
II- LUGAR, COTIDIANO E IDENTIDADE.
2.1. O lugar, conceitos e percepções....................................................................63
2.2. Identidade e territorialidade..........................................................................67
2.3. Identidade e dinâmicas da contemporaneidade............................................71
2.4. Bairro, Cotidiano, e construções...................................................................74
2.5. Rua, imperativo da história e do cotidiano...................................................78
III- HISTÓRIAS DE VIDA – MEMÓRIAS E NARRATIVAS
3.1. História oral e memória....................................................................................82
3.2. Passos marcados – Balanço de uma experiência..............................................90
3.2.1 A descrição do caminho- entrevistas e aplicações...................................92
3.3 Vozes da memória..............................................................................................97
3.3.1 D. Ione e Sr. Renato.................................................................................97
3.3.2 D. Sidneide.............................................................................................101
3.3.3 D. Marlene..............................................................................................107
3.3.4 D. Neirde................................................................................................112
3.3.5 Sr. Moacir...............................................................................................122
IV- A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO– “O PONTAL DA BARRA”
4.1 Espaço sentido e espaço vivido........................................................................133
4.2 Construções da história pelos espaços da memória..........................................150
4.3 Elos identitários do - “O Pontal da Barra”......................................................156
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................163
VI- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................169
VII- ANEXOS...............................................................................................................174
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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VIII- LISTA DE ILUSTRAÇÕES- FIGURAS
Figura 1- Brasão do governo holandês.............................................................................................2
Figura 2- Primeira imagem de Maceió. .............................................................................................. 2
Figura 3- Porto de Jaraguá. ................................................................................................................ 2
Figura 4- As primeiras habitações pontalenses. Emprego de materiais locais.. ................................. 2
Figura 5- O coqueiro emoldura a paisagem e faz parte do cotidiano cultural dos habitantes a partir
de seus usos. ....................................................................................................................................... 2
Figura 6- Cobertura vegetal presente no bairro, coqueiros. ............................................................... 2
Figura 7- A paisagem vista da praia. .................................................................................................. 2
Figura 8- Morador protegendo sua canoa com a palha do coqueiro.. ............................................... 2
Figura 9- A sinuosidade da principal avenida. ................................................................................... 2
Figura 10- A sinuosidade conforma a malha urbana do bairro.........................................................2
Figura 11- A locomoção também era feita a pé para outros bairro. ................................................... 2
Figura 12- A canoa como uma das principais formas de locomoção para bairros adjacentes. .......... 2
Figura 13- Produção de cloro, soda, hidrogênio, diocloretano e eteno, a Salgema, é o carro chefe do
Pólo Cloro-Àlcoolquímico alagoano. ................................................................................................. 2
Figura 14- Istalação da Salgema na restinga de Maceió. ................................................................... 2
Figura 15- Salgema propulsora do progresso instalada na área do Pontal da Barra.. ........................ 2
Figura 16- A vegetação do Pontal mudou de face.. ............................................................................ 2
Figura 17- Ocupação do solo do Pontal pela Salgema.. ..................................................................... 2
Figura 18- Revolta, medo de ser expulso de casa.... .......................................................................... 2
Figura 19 - Revolta em muros pontalenses. Graças à possível duplicação da Salgema.. ................... 2
Figura 20- Elemento paisagísticos a ser protegido.. ........................................................................... 2
Figura 21- Melhorias na infra-estrutura do bairro.. ............................................................................ 2
Figura 22- Mudança na reprodução do uso do solo.. ......................................................................... 2
Figura 23- A sinuosidade de seu traçado. .......................................................................................... 2
Figura 24- A principal rua onde se comercializa o filé.. .................................................................... 2
Figura 25- Av. Alípio Barbosa, onde o contexto citadino.................................................................2
Figura 26- Praça e Igreja de São Sebastião. ....................................................................................... 2
Figura 27- Belezas naturais únicas- o mar sob o olhar do pontalense ............................................. 2
Figura 28- A captação do pôr-do-sol da lagoa.. ................................................................................. 2
Figura 29- Paisagem marcante e singular. ......................................................................................... 2
Figura 30- Quintais privilegiados.. ..................................................................................................... 2
Figura 31- a configuração da residência evoca as paisagens mais singulares deste componente
natural. ................................................................................................................................................ 2
Figura 32- A evolução das residências pontalenses.. ......................................................................... 2
Figura 33- Os combros de outrora- moradia, lazer (foto esquerda) e sua atual situação- mudança na
paisagem, mas ainda continua sendo lócus de lazer e habitat.. .......................................................... 2
Figura 34-Os saberes e fazeres se conformam na calçada. ................................................................ 2
Figura 35- Ponto a ponto .................................................................................................................... 2
Figura 36- As práticas do saber fazer.. ............................................................................................... 2
Figura 37- Moradora tecendo o filé na calçada de casa.. .................................................................. 2
Figura 38- Falta infra-estrutura no bairro, do esgoto a céu aberto a acumulo de lixo. . .................... 2
Figura 39- A paisagem vista da Lagoa Mundaú.. ............................................................................... 2
Figura 40- A arte do filé- artesanato tão característico do local... ...................................................... 2
Figura 41- O cotidiano na lagoa se conforma nos elos afetivos que surgem a cada dia .................... 2
Figura 42- Senhora tecendo o filé. Arte do cotidiano... ..................................................................... 2
Figura 43- O filé de antes, características ultrapassaram as mudanças advindas do tempo. .............. 2
Figura 44- Os principais pontos do filé. ............................................. Erro! Indicador não definido.
Figura 45- A mágica da pesca, sustento e esperança.. ....................................................................... 2
Figura 46- Rede de pesca. Utensílio indispensável nesta arte de "saber fazer".. ............................... 2
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Figura 47- Canoa- instrumento de vida e arte. . ................................................................................. 2
Figura 48- A canoa e a rede. .............................................................................................................. 2
Figura 49- A canoa e a rede. .............................................................................................................. 2
Figura 50- A movimentação do bairro nos finais de semana.. ........................................................... 2
Figura 51- A simples vivências no contexto da rua e expressiva dinâmica do lugar. ........................ 2
Figura 52- A simples vivências no contexto da rua e expressiva dinâmica do lugar. ........................ 2
Figura 53- A lagoa como útero que nutre a vida, a alma de ser, viver e estar no bairro. ................... 2
Figura 54- A água é elemento essencial na vida de quem conforma o Pontal da Barra. .................... 2
Figura 55- Apresentação do fandango do Pontal- tradição, cultura e identidade. .............................. 2
Figura 56- 1- Grupo de fandango do Pontal; A baianas se apresentando nas noites enluaradas e a
quadrilha do bairro.. ........................................................................................................................... 2
Figura 57- Os “tocadores” do grupo de fandango do Pontal.. ............................................................ 2
Figura 58- Tramas do filé nas mãos da sabedoria. ............................................................................. 2
Figura 59- Mãos da sabedoria ............................................................................................................ 2
Figura 60- – A festa e procissão de São Sebastião. Devotos e oferendas.. ........................................ 2
Figura 61- A festa e procissão de São Sebastião. Devotos e oferendas também a São Pedro, protetor
dos pescadores.. .................................................................................................................................. 2
Figura 62- A banda se prepara para homenagear o São Sebastião.. ................................................... 2
Figura 63- A multidão espera pela passagem do Santo. ..................................................................... 2
Figura 64- Culto a amizade: banhos intermináveis na“Mãe” D’água- a Lagoa Mundaú. .................. 2
Figura 65- A rede que tece a trama da vida. ...................................................................................... 2
Figura 66- A criadora e a criatura. Artes de fazer.. ............................................................................ 2
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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LISTA DE MAPAS
MAPA 1 – Parcelamento das Capitanias Hereditárias.........................................................21
MAPA 2 – Mapas das lagoas- João Teixeira- cosmográfo do rei........................................24
MAPA 3 – Parte Sul do litoral de Pernambuco....................................................................25
MAPA 4 – Ocupação do núcleo urbano...............................................................................32
MAPA 5 – Evolução da ocupação do solo 1........................................................................34
MAPA 6Evolução da ocupação do solo 2........................................................................34
MAPA 7 – Evolução da ocupação do solo 3........................................................................34
MAPA 8 – Evolução da ocupação do solo 4........................................................................34
MAPA 9 – Pontal e suas delimitações ...............................................................................35
MAPA 10 – Localidades do Pontal.....................................................................................36
MAPA 11 – Polígono do tombamento................................................................................48
MAPA 12– Zonas de Preservação.......................................................................................49
MAPA 13 – Principais vias do bairro..................................................................................53
MAPA 14- A configuração das residências na avenida Alípio Barbosa.............................60
MAPA-15- Percursos urbanos no bairro............................................................................145
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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LISTA DE SIGLAS
Ed. – editor/edição
Fig.- figura
apud- referência indireta a uma obra não consultada.
p.- página
s/d- sem indicação de data.
CELMM – o Complexo Estuarino Lagunar de Mundaú- Manguaba
PLEC- Projeto de Levantamento Ecológico e Cultural da região das Lagoas Mundaú e
Manguaba
IZP- Instituto Zumbi dos Palmares
SEBRAE- Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Alagoas
SECULT- Secretaria do Estado da Cultura deAlagoas.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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INTRODUÇÃO
Considerações Iniciais
Reconhecer o bairro como elemento estruturante da cidade, onde as práticas sociais
e simbólicas são consideradas a essência da coletividade, é adentrar nas múltiplas relações
existentes entre o indivíduo e o lugar. A rede de relações presentes neste núcleo de
coletividade traduz as particularidades do contexto citadino e ao mesmo tempo descreve
com perfeição como se conformam o viver, o habitar, o relacionar-se e principalmente o
pensar.
Descrever e entender um bairro demanda não apenas obter a percepção das
peculiaridades existentes nas ações cotidianas, no ser morador, no ser visitante, mas
também, decifrar as linhas escritas pelo tempo que o presente insiste em se apropriar e no
qual se concretizam os desígnios para escrever as histórias, os costumes, os saberes que
ainda estão por vir. Ou melhor, descrevendo “qualquer objeto [bairro], evento, situação ou
experiência que um indivíduo, possa ver, ouvir, cheirar, sentir, intuir, conhecer,
compreender, e/ou até vivenciar é um tópico legítimo para uma investigação [...]”
(SEAMON apud CASTELLO, 2007, p.13).
Nesta perspectiva, reconhece-se ser possível, tão somente o olhar preciso sobre este
espaço habitado, no qual se constata a presença de uma série de interpretações, sensações e
principalmente significados que interferem na forma como o sujeito se relaciona com o
lugar e com os demais indivíduos. Decorrentemente, para o presente trabalho, evocou-se, o
conceito de lugar, nesta acepção aqui atribuída ao bairro, como fonte da reprodução da
vida, onde cada componente que o estrutura é marcado por definidos sentidos, funções e
valores (CARLOS, 1996).
Trabalhou-se com o entendimento de que na realidade do lugar, as relações sociais
que se espacializam no âmbito das vivências, influenciadas pela história, pela cultura e
pelos costumes instituem valores identitários a este espaço, que o tornam único. È
fundamental ressaltar que, esses valores identitários serão compreendidos como a
organização de particularidades sociais, espaciais e simbólicas presentes em um bairro. De
tal modo, à medida que o homem “[...] demarca o lugar com suas ações, com seu “ir e vir”
no uso, para a vida, [ele] se identifica com o espaço porque suas marcas seus traços o
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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transformam. Na convivência com o lugar, se produz [essa] identidade” (CARLOS, 1996,
p.91).
Entretanto, sobre as reflexões acerca da identidade, do modus vivendi e do
cotidiano, devem considerar também, as diversas mudanças trazidas pelo tempo,
sobretudo, pela contemporaneidade. Onde se reproduzem a cada dia novos processos que
são incorporados diretamente à relação homem - espaço atribuindo a essa relação novos
valores e novos significados. Com efeito, as transformações advindas de novas tecnologias,
admite que a dimensão do passado torne-se passível de ser trabalhada, objetivando assim,
salvaguardar a riqueza da identidade, da vida social que um determinado bairro detém.
Neste sentido, faz-se necessário abordar a dimensão da memória, pois assim as
experiências vividas tanto, individualmente quanto coletivamente, revelam as reais
especialidades do local e de seus habitantes. Segundo constata Carlos (1996), a memória e
o lugar são ligados pela teia da vida, pois conseguem aproximar os elementos inerentes ao
tempo, passado-presente, complementando-os, movendo-os, formando-os e contrapondo-
os. Com efeito, é através do ato de (re)lembrar os acontecimentos históricos e sociais que
se conserva a vivacidade do lugar, suas tradições, saberes e fazeres.
Em meio a essas considerações, o presente trabalho busca a captação e reflexão das
principais características e elementos que atuam na concepção e dinâmica das práticas
sociais e simbólicas de um bairro através dos registros mnemônicos retidos entre alguns
idosos do bairro. A questão central permeará
a análise do cotidiano, práticas sócio-
espaciais, através de relatos vivenciais, através das histórias de vida de seus habitantes,
pois, dessa forma acredita-se que haverá o aprofundamento da real simbologia do que é ser
morador, do que é freqüentar o bairro e efetivamente de qual a sua identidade.
Sob esta ótica, o bairro a ser estudado é o Pontal da Barra, situado na porção
sudoeste da cidade de Maceió- Alagoas. A escolha desta área se estabeleceu por possuir
inúmeras peculiaridades que divergem das demais localidades da cidade, como por
exemplo, seus saberes e fazeres (o artesanato e a pesca), suas paisagens naturais (pois é
banhada pelo Canal Calunga, por sua relação histórica com Maceió e, sobretudo, por
manter vivos os elos de afetividade e amizade tão escassos na sociedade contemporânea.
Cabe ressaltar, que os contatos constantes com o referido bairro durante toda a infância e
adolescência da pesquisadora, aguçaram ainda mais o interesse em desvendar essas
características tão intensas e marcantes deste núcleo urbano. É provável que essas
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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especialidades reunidas ao estudo de como se conforma a vida social disponibilizem fatos
e informações capazes de aclarar as questões relacionadas à identidade local.
Na busca em compreender os aspectos que envolvem a constituição da identidade
no Pontal da Barra, tornou-se relevante a discussão de como se apresentam as atividades
cotidianas relacionadas ao conceito de bairro. O estudo dos elementos formadores da sua
história, dos seus saberes e fazeres, enfim a identidade do “ser pontalense” aportou-se em
uma metodologia que trabalha com as histórias de vida através da narrativa, de forma
qualitativa e não quantitativa, escolheu-se, portanto a História Oral. Esse aporte
metodológico basear-se-á no relato dos idosos através de referenciais que, para eles
compõem o bairro do Pontal. Esta escolha possibilitará a análise de diversos aspectos
pertencentes às práticas sociais e espaciais, portanto, enfocando basicamente as questões
de espaço e tempo.
Como retorno à sociedade alagoana, o trabalho procura estimular o entendimento e
a construção da identidade do bairro do Pontal da Barra sob a ótica dos idosos, como ponto
fundamental para valorização dos saberes, fazeres e viveres, além de concretizar um
material sistematizado que venha a ser utilizado, posteriormente, por organismos que
instrumentalizem salvaguardar esses saberes e fazeres, e, sobretudo, como aporte a
potencializar a produção cultural e as características naturais.
Entende-se, assim, que a referida pesquisa é fundamental para metodologicamente
se concretizar o estudo da identidade do bairro ressaltando os valores intrínsecos existentes
na relação habitante - lugar, entendendo dessa forma como o homem se apropria do
espaço, conceituando-o e utilizando-o. Para tal intento, dividiu-se a investigação em quatro
capítulos, sob aspectos expostos a seguir.
O primeiro capítulo revela o descortinar do processo histórico da capital alagoana
ao bairro do Pontal da Barra. Como foram formadas essas aglomerações, sua ligação com
os veios hídricos que lhe margeiam e com questões de cunho social, econômico e
ambiental com a introdução da indústria de Salgema e sua possível duplicação na década
de 1970 e 1980. Em razão de tais compreensões, mostra o atual quadro social, econômico
deste núcleo urbano, além de contextualizá-lo de acordo com sua estrutura e significação.
O segundo capítulo aborda as questões e compreensões conceituais, essenciais ao
entendimento e assimilação do espaço habitado. Dele emergem as percepções e apreensões
acerca do conceito de Lugar, Identidade e Territorialidade, como também as interferências
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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trazidas pela contemporaneidade. Finaliza argumentando ainda, a abordagem conceitual de
bairro e cotidiano referenciada ao objetivo principal desta investigação.
No terceiro capítulo, a pesquisa procura esclarecer a opção metodológica
selecionada, suas principais características e abordagens, o procedimento de aplicação
(preparação do instrumental metodológico, coleta de dados, transcrição e análise) e as
questões relativas ao trabalho com a memória (conceitos, aplicação na História Oral etc.).
Ressalta-se ainda, o procedimento do instrumental metodológico, tanto na pesquisa piloto
quanto na fase final de aplicação. É neste capítulo, que foram relacionadas algumas das
histórias de vidas essenciais para substancializar esta dissertação.
Por fim, o quarto capítulo apresenta de forma parcial algumas das análises
originárias das histórias coletadas. São formulações concretizadas a partir de uma
apreciação inicial do material das entrevistas, passíveis ainda de serem complementadas.
Considerar o indivíduo como fonte do saber e de conhecimentos através de suas
práticas sociais, simbólicas e de seu cotidiano é objetivo crucial para os processos de
reconhecimento da identidade de um lugar. Acredita-se, contudo, que esta pesquisa abra
discussões e proporcione reflexões cabíveis de serem empregadas como valorização dos
saberes adquiridos pelo homem pontalense, enquanto ser social, através de suas trajetórias
de vida, contribuindo assim, para um melhor entendimento da identidade do bairro – O
Pontal da Barra.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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I. DE ALAGOAS AO BAIRRO DO PONTAL: AS GÊNESES.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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1.1. DESCORTINANDO O PROCESSO HISTÓRICO
Importava oferecer aos colonizadores tam decididas e evidentes vantagens, e
uma condição por tal fôrma excelente que, desagregando-os do torrão ou
desviando-os do chafariz do Oriente, os arrastasse a um empreendimento
aventurosos e eriçado de obstáculos. Com as doações hereditárias de vastas
províncias brasílicas e com o sistema de sesmarias gratuitas, que era o seu
indispensável complemento, atingia-se êsse desideratum (MÊREA apud
FERRARE, 2006, p.168).
A conquista por “terras” ainda inexploradas incentivada pelo desejo de expansão
geográfica foi fator determinante para difundir a descoberta de novos continentes, ou
melhor, de “outro mundo” comandado pela coroa portuguesa, como se pode acompanhar
no seguinte trecho descrito por Ferrare (2006, p.38):
[...] Às notícias desses novos mundos, aguçavam sobremaneira o “senso da
maravilha do mistério”, fortalecendo, em suma, a idéia de que do outro lado do
Oceano se acharia, se não o verdadeiro Paraíso Terreal, sem dúvida um símile
em tudo digno dele.
Ressalta-se ainda que Portugal ostentava uma ascendência político-religiosa e
conhecimentos de navegação inexistentes em outros países, porém a ambição e a
necessidade de manter-se como hegemonia econômica despertou a ocupação por terras que
detinham potencialidades comerciais. Assim, surgia a “consolidação” da descoberta de um
novo mundo, o Brasil. Este novo “achado” foi descrito bem mais tarde por Sebastião da
Rocha Pita como:
Brasil: vastíssima região, felicíssimo terreno cuja superfície tudo são frutos, em
cujo centro tudo são tesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas;
tributando os seus campos o mais útil alimento, os seus troncos os mais suave
bálsamo, e os seus mães o âmbar mais selecto; admirável o país, a todas as luzes
rico onde prodigamente e profusa a natureza se desentranha nas férteis
produções[...] Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem
madrugada mais bela aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios tão
dourados, nem reflexos nocturnos tão brilhantes[...] é enfim o Brasil terreal
paraíso descoberto
(apud FERRARE, 1996, p. 53).
Identifica-se, desta forma, que foram enviadas ao “terreal paraíso descoberto
(FERRARE, 2006, p.40) “expedições de reconhecimento e policiamento da costa”
20
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
(TAPAJÓS apud FERRARE 2006, p. 41), a qual se verifica que foram incitadas pelo
controle da extração do pau-brasil, artigo bastante cobiçado por estrangeiros.
Sabe-se que a ocupação portuguesa no litoral brasileiro estruturou-se inicialmente
através do interesse em garantir a afirmação dos caminhos com as Índias, e diminuir os
constantes ataques de estrangeiros, sobretudo os franceses, na emergente região
promissora. Deste modo, conforme destaca Ferrare (2006), foram oferecidos, pelo governo
de Portugal, incentivos para que seus conterrâneos desejassem investir no Brasil, não só na
extração de tesouros, mas também de desenvolvimentos das terras ainda inexploradas.
Destaca-se ainda, a situação financeira em que se encontrava Portugal, contribuiu
substancialmente para essa exploração de terras brasileiras, onde os novos tesouros iriam
suportar o lastro da riqueza portuguesa. Além disso, essa expansão da Nova Luzitânia teria
como estrutura toda a configuração social e políticas já existentes nas terras de Portugal.
A continuidade do reconhecimento das potencialidades naturais obrigou Portugal a
ações mais efetivas, a fim de minimizar as constantes investidas dos franceses no litoral do
Brasil. À medida que essas ações eram efetivadas, o governo português decidiu intervir
mais enfaticamente e garantir o controle do território, criando um sistema que iria
intensificar o desejo de garantir a ocupação deste “Paraíso Terreal” (FERRARE, 2006).
Para concretização deste novo desejo de exploração e colonização, foi criado pelo
rei D. João III, com o intuito de potencializar a “hegemonia do Atlântico Sul” (FERRARE,
2006, p.55), o Regime de Capitanias Hereditárias
1
, conforme mapa abaixo, sendo doada
como primeira parte de terra a Duarte Coelho, pessoa muito influente na coroa portuguesa,
a Capitania de Pernambuco, na qual dispunha de total responsabilidade e deveres dos
predicados existentes na região (rios, portos, minas, invasores, nativos, guerras entre
outros).
1
Sabe-se também que, o Sistema de Capitanias Hereditárias, visto como uma extensão do Senhorio
português ultramar, pretendia em termos objetivos, “aliviar ou auxiliar o monarca na tarefa da governação em
regiões ou em condições para que a Coroa não estava apta a atuar” (SALDANHA apud FERRARE, 2005,
p.60).
21
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
É necessário ressaltar que, esse regime só foi efetivado devido a necessidade de
proteção da longa costa desta terra conquistada, na qual o território foi dividido em 15
faixas destinadas a 12 donatários, com concessão formalizada através de Carta de Doação e
Fonte: ATLAS VINGBOONS ( Acervo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano) apud FERRARE, (2006, p.64).
Mapa 1: Capitanias Hereditárias- parcelamento de terras
22
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
de Foral
2
, nas quais descreviam todas as questões relacionadas à administração e utilização
da porção de terra cedida (FERRARE, 2006).
Convém lembrar que, esta área concedida a Duarte Coelho configurava uma das
mais promissoras da costa, tanto pelo fato de sua localização ser facilitadora na
comunicação com a Europa, quanto à grande presença de Pau-Brasil, que naquela época
rendia frutos à Coroa, e também por possuir muitos veios hídricos
3
presentes em todo
processo de colonização e que mais tarde se tornaram bastante significativos para o
povoamento (FERRARE, 2006).
A área outorgada detinha potencialidades consideráveis que rendiam lucros,
prestígio e riquezas a quem a explorava. Com a posse desta área, o então donatário, Duarte
Coelho, passou a administrar desde a ação de invasores estrangeiros na extração do pau-
brasil como o crescente interesse da Coroa nesta matéria-prima, além dos embates com os
índios nativos desta porção de terra.
Conforme ainda enfatiza Ferrare (2006), mesmo possuindo um grande
desenvolvimento econômico, a região de Olinda, administrada por Duarte Coelho, também
possuía terras inexploradas. Assim, é necessário afirmar que através das constantes lutas
com os índios provenientes da região, como os “Potiguaras, Tabajaras, Caetés”, (COSTA,
1983, p.110) foi possível comprovar a configuração e consolidamento das terras da parte
sul da Capitania de Pernambuco.
4
Com relação a alguns habitantes/nativos desta parte da capitania, os índios Cahetés,
fora atribuída à morte de Dom Pero Fernandes Sardinha (primeiro bispo do Brasil) e sua
tripulação, por volta da metade do séc. XVI. Diante da divulgação, deste incidente
claramente antropofágico, fora organizada uma represália tendo como gerenciador
Jeronymo de Albuquerque, o qual seria auxiliado por outro grupo de nativos denominados
Tabajaras. Essa ação de reparação possuía como principal objetivo a perseguição e
dizimação dos Caetés. A partir de tal contenção, o então donatário Duarte Coelho, passou a
se concentrar no povoamento tanto da porção norte quanto da sul, pois deste modo o
desenvolvimento da capitania estaria mantida.
2
“Verdadeiros substratos que institucionalizaram a conduta política administrativa portuguesa e
“gerenciaram” a constutividade das respectivas capitanias” (FERRARE, 2006, p. 63).
3
È notável a presença desses componentes hidrográficos durante todo o processo de colonização, pois
desempenhava papéis essenciais, como, de sobrevivência da população, fertilização, além de serem
definidores do abastecimento e suprimentos das proximidades locais.
4
Esta área (parte sul) viria, posteriormente, a configurar o atual Estado de Alagoas.
23
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
É bem verdade que nesta retaliação aos Caetés estava implícito o desejo de
exploração das terras ainda desconhecidas, o que potencializou ainda mais o povoamento,
“[...] tanto ao norte quanto ao sul de Olinda [...]” (FERRARE, 2006, p.179).
Abordá-se-a nesta pesquisa, a exploração da parte sul desta referida Capitania.
Afirma Diégues (2006), que o povoamento das terras de Alagoas iniciou-se no fim
do séc. XVI, sendo disseminado através do surgimento de três centros: Porto Calvo, ao
norte, tendo como colonizador Cristóvão Lins, Alagoas ou Alagoa do Sul e Alagoa do
Norte, no litoral prolongando-se pelo vale do Mundaú, sendo seu colonizador Diogo
Soares, e ainda Penedo, localizado ao sul no vale do São Francisco. Ressalta-se que
surgiram outros focos complementares a estes iniciais, como Atalaia, onde se determinou o
início da expansão no interior.
Acerca deste desenvolvimento, destacam-se outros pontos de povoamento que se
desenvolveram essenciais para formação do espaço alagoano, como: Santa Luzia do Norte,
São Miguel nas Alagoas; Camaragibe e São Sebastião e em Porto Calvo; Poxim, Traipú e
Penedo.
Convém citar que, a partir das atividades de Jeronymo de Albuquerque a expansão
desta porção referente às terras alagoanas foi efetivada, por conseguinte, através de
Cristóvão Lins, em Porto Calvo, onde foram fundados engenhos bastante significativos
para a história alagoana. Assim, quando são estabelecidas as comarcas através da expansão
econômica, somente parte desta sesmaria passou a estar inserida no território alagoano
(DIÉGUES, 2006).
Mediante ao incremento da nova economia da colônia- a cana-de açúcar- as terras
da parte sul passam a se desenvolver em torno dos engenhos.
[...] o açúcar se irmanou à própria história regional, nela se integrando de tal
forma que não é possível isolar uma da outra; completam-se a história política e
social e a história do açúcar. Estas muitas vezes explicam aquela; mostra-lhe a
evolução, quando não a determina; acentua-lhe os contornos
(DIÉGUES, 2006,
p.26.).
Conforme descreve o inventário Sebrae (2005), apesar dessa nova força de
exploração trazida pelos engenhos, a pecuária, a produção de outros produtos e a pesca
também estavam presentes, principalmente na população localizada junto a porções de
água. Conforme investigou Ferrare (2006), em alguns documentos há uma atenção
esmerada da Coroa Portuguesa em proteger as lagoas da pesca predatória, pois se
24
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
comprova a função de abastecimento e suprimento dos núcleos de povoações. Essa
potencialidade natural sempre esteve presente em todo o processo histórico dessas terras ao
sul, inclusive em demandar estratégias para fixação de assentamentos junto a áreas das
lagoas, ao identificar,
[...] De modo que, não vendo eles no presente melhor situação para si, se
esforcem por passar melhor, e para isto terão nas Alagoas ensejo mais favorável
do que em qualquer outro lugar do Brazil, tanto por causa das boas terras, como
porque a região é piscosa que além de terem peixe barato, o poderão exportar em
abundância, com o que muita gente pôde ganhar alimento. Em circulando
dinheiro, não é duvidoso que cada qual cuidará de tirar proveito da plantação,
creação de gado ou muido, ou da pesca [...] (WALBEECK;MOUCHERON apud
FERRARE, 2006, p.224)
Com efeito, a ligação de crescimento à produção de açúcar tornar-se-ia
determinante no processo de povoamento da região nas grandes lagoas, diz-se, na Alagoa
do Norte e Alagoa do Sul. Contudo é dado concreto que, a denominação de ambas as
Lagoas (Norte e Sul), já se fazia presente na cartografia portuguesa em meados do séc.
XVII, conforme constatou Ferrare (2006) em cartografia de 1640 (Descrição de Todo
Marítimo da Terra de Santa Cruz- Brazil)- elaborada pelo cosmográfo do rei, João Teixeira
(Ver Mapa 2).
Constata-se, ainda, em Ferrare (2006), que esses assentamentos às margens das
lagoas já eram apontados, tanto em 1616 como em 1666, “acompanhados de indicativos
iconográficos”, por serem presentes e interligados à economia até então predominante, o
Mapa 2: Descrição do marítimo de Santa Cruz, chamado vulgarmente de Brazil representação das
Lagoas. Fonte: Ferrare, (2006, p. 194a). Original: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Fac-simíle,
ANTT,2000,p.61-62
25
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
açúcar (Ver Mapa 3). Convém ressaltar, que
ainda existem algumas outras referências
iconográficas apresentadas pela autora
supracitada que ressaltam a alta significância
destes veios hídricos para a estrutura
econômica da época e, conseqüentemente, para
a sua prosperidade.
A partir desta prosperidade e dilatação
das propriedades agrícolas e/ou engenhos, que
se mantinham bem irrigados pela sua
localização e detinham uma produção
expressiva, houve a concretização de
assentamentos importantes para a história de
Alagoas, conforme se pode acompanhar no
texto a seguir:
Nas regiões das lagoas, as referências acerca dos
povoados existentes no início do século XVII atestam
que as fixações mais antigas encontram-se em Santa
Luzia do Norte (povoação 1608, elevada a vila em
1830), com nome de Nossa Senhora da luz da Vila Nova
de Santa Luzia e Marechal Deodoro, com fundação
reconhecida em 1611 como Alagoa do Sul.
(BRANDÃO apud SEBRAE, 2004- 2005, p. 41).
Consolida-se, assim, a designada Alagoa do Sul, a qual atualmente se conhece por
Marechal Deodoro, como propriedade de Diogo Soares que passou a estar sob os cuidados
de Henrique Carvalho.
O papel que coube a Diogo Soares na região de Madalena, foi em parte, o
mesmo que Cristóvão Lins coube no norte, isto é, o de repartir as terras, fundar
engenhos de açúcar, levantar vila, etc. [...] Na escritura Henrique de Carvalho, na
qualidade de procurador de Diogo Soares, diz que este “lhe dava poder para
repartir algumas terras pelos moradores [...]
(DIÉGUES, 2006, p.67).
Segundo ainda Diégues (2006), no fim do séc. XVI Alagoas já era povoada, mesmo
não sendo entendida como povoamento. Por volta de 1611, Henrique Carvalho doa uma
sesmaria a Manoel Antônio Duro, que tinha como limites o final da Pajuçara, indo até a
barra da lagoa Mundaú e se estendendo para o interior até o Rio Mundaú.
B
A
Mapa 3: Parte do litoral sul da Capitania de
Pernambuco. Mapa de João Teixeira Albernaz
, 1616. Fonte: Ferrare (2006, p.195). Original:
Biblioteca Municipal do Porto, 1999, p.76-80.
A- representa Alagoa do Sul, com matas
canas, B- Alagoa do Norte, com dous
engenho.
26
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Com relação à região da lagoa do Norte ou Mundaú, foram doadas a Miguel
Gonçalves Vieira, provedor da Fazenda Real, duas porções de terra, uma abrangia desde o
Rio Santo Antônio do Meirim até a enseada de Pajuçara, onde começava a de Manoel
Antônio Duro, pelos fundos englobava toda a lagoa do norte ou Mundaú
(CAVALCANTE, 1998). A responsabilidade com estas terras seria igual às de Cristovão
Lins e Diogo Soares: repartir as terras com os moradores da região, fundar vilas, além de
construir um engenho para produção de açúcar.
Com relação ao núcleo de Penedo, sua conformação se estruturou diferentemente
das demais, pois se consolidou a partir da defesa contra os saques feitos por estrangeiros
servindo como arraial fortificado, no qual era o ponto mais longe da sede da capitania,
além de limite desta, tendo como primeiro e principal donatário Duarte Coelho.
A evolução da ocupação portuguesa sofre um abalo quando em 1633 os holandeses
desembarcam em território alagoano. Em Alagoa do Sul (Marechal Deodoro) os habitantes
são atacados, as casas são queimadas e
saqueadas, destruindo parte do povoado.
Quando investem contra a povoação de Santa
Luzia do Norte os batavos encontram
resistência. (COSTA apud SEBRAE, 2004-
2005, p.41)
5
.
Convém destacar que durante o
domínio holandês nas terras alagoanas,
Ferrare (2006) enfatiza a constante presença
das águas e também da pesca para
sobrevivência e abastecimento da população,
quando se refere a uma descrição feita por
Gaspar de Barleus, do brasão de tal governo
(Ver Fig. 1) na qual utiliza a expressão: “O
gênero escamígero mergulha-se nas rédias de
Alagoas” (BARLEUS apud FERRARE, 2006,
p. 223). Opinião sobre esta fartura nas Alagoas, já era confirmada durante a ação de
5
A constância dessas lutas contra os holandeses refletiram principalmente na economia local, neste caso a
cana de açúcar, só podendo ser restabelecida quando restaurada a pátria, surgindo a partir daí surge uma nova
fase tanto para Alagoas quanto para Pernambuco.
Figura 1- Brasão do governo holandês. Fonte:
Ferrare(2006, p.223). Original:BARLEAUS,
1647/1980
27
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
promover o povoamento destas terras aos portugueses, citada em Grandezas do Brasil
descritas a seguir:
Brasil [...] tão abundancia de pescados excellentíssimos, de diferentes castas e
nomes, tanto marisco, cangrejos [caranguejos], que se colhem, e tomam, à custa
de pouco trabalho, tanto leite que se tira dos gados,[...] frutas maravilhosas
cultivadas com pouco trabalho, e outras sem nenhum que os campos e matas dão
deliberadamente, tanto legume de diversas castas, tanto mantimento de mandioca
e arroz, com outra infinidade de cousas [...] ( BRANDÃO apud FERRARE,
2006, p. 224)
Sob este intuito, o ambiente lagunar sempre foi marcante para o período de
colonização, pois servia tanto como base para os engenhos quanto para o desbravamento
dos territórios. Era através dos rios e lagoas que a colonização de Alagoas ia se
conformando. A consolidação da emancipação política de Alagoas, veio em 1817,
passando assim a se constituir província, tendo como presidente Francisco de Melo e
Póvoas (SEBRAE, 2004- 2005).
De fato, durante um longo período as lagoas exerciam uma função estratégica para
desbravamento das terras ainda inexploradas, bem como serviu como alavanca para o seu
desenvolvimento, pois eram fundamentais para escoar a produção.
Sabe-se que, através das características advindas de terras portuguesas, surge uma
demanda cada vez mais crescente em Maceió, tanto do comércio, serviços, quanto
transportes e infra-estrutura, principalmente pela sua importância, mesmo não sendo ainda
capital da província, posto ocupado pela Vila de Alagoas, atual Marechal Deodoro.
“[...] Ao alvorecer do século XIX o povoado tornara-se um empório comercial de certa
notoriedade. O ancoradouro criara o
comércio, e o comércio, dilatando o
povoado, operava o desenvolvimento
econômico e demográfico [...]” (COSTA,
1983, p.21).
A partir deste crescimento notório,
principalmente caracterizado pela
exportação do açúcar, Maceió é elevada à
vila em 1815, onde se consolidou assim, a
autonomia de sua Câmara e a construção da
cadeia, e o pelourinho que seriam
implantados no páteo da antiga capela de
São Gonçalo. (COSTA, 1981) (Ver Fig. 2.)
Figura 2- Primeira imagem de Maceió. Descrição
de Costa(1981, p.32): O povoado com sua antig
a
igreja que ficava no alto, no meio da falda monte,
dominado largo desgracioso, [...]. Fonte: Muse
u
da Imagem e do Som de Alagoas. Data:s/d
28
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Desta forma, a partir deste
grande progresso comercial, do
desenvolvimento do porto (Ver Fig. 3)
e das vantagens relativas aos seus
componentes naturais, ressalta-se que,
em 1839, a capital é transferida para
Maceió. Convém lembrar, que este
desenvolvimento realizou-se através da
implantação do engenho Massayó, por
volta do século XVIII.
Tal acontecimento foi explicitado
por Costa (1981, p.1): “nasceu espúria a cidade, no páteo de um engenho colonial, sem
ascendência conhecida e assentamento autorizado nas crônicas do período histórico da luta
pelo domínio gentio e conquista da terra”, caracterizando-se, assim como foco da origem
da cidade.
De forma geral, com essa mudança do centro administrativo detentor do
desenvolvimento para Maceió, a região da Lagoa Mundaú passou a ser ainda mais
valorizada, pois nesta época possuía três portos de fundamental importância local, a
Levada, o Trapiche da Barra e Bebedouro, que fazia a interligação aos portos de Marechal
Deodoro e Santa Luzia do Norte, com comércio de crustáceos, frutas e peixes (SEBRAE,
2004- 2005). Também é fato a importância que o ambiente lagunar exerceu na
consolidação da nova capital a servir como escoamento da produção.
Exatamente através dessa localização e ligação direta com as águas é que surge o
foco deste trabalho, o Pontal da Barra, bairro com traçado irregular, enquadrado entre a
lagoa e o mar, determinadores de sua configuração urbana, e seus componentes
paisagísticos. A lagoa tornou-se fator fundamental para a ocupação e abastecimento direto
do bairro, item a ser explorado a seguir.
Viver em ti é sempre flutuar, nas águas turvas lagoa morna, ante os murmúrios
lânguidos do mar, sob esse coqueiral que a tudo adorna.
Entre o mar e a lagoa tu
flutuas, ao léu das ondas e das águas mansas,
“Língua de terra”, clara à luz das
luas. E quente ao soldo céu que não alcanças. Foram os ventos vindos do
Nordeste, que te fizeram longa até a “barra”, onde o “Pontal”, furando a água,
investe [...]
(LIMA apud SEBRAE, 2004- 2005, p. 91).
Figura 3- Porto de Jaraguá. Fonte: Museu d
a
Imagem e do som de Alagoas. s/d
29
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
1.2 A LAGOA... O BAIRRO...E A SUA CONSTRUÇÃO.
A relação entre história, representação e lugar é fundamental para se pensar a
construção das identidades. As “sociedades se diferenciam pelo lugar, e sua
história se define pela relação com os limites que este lugar impõe” (COELHO
apud FERNANDES; GOMES, 1992, p.286
).
Procurar compreender um bairro através da história e das relações sócio-espaciais é
identificá-lo como “unidade viva” definida através das características advindas dos trajetos
cotidianos, das relações entre o homem e o meio. É lugar “onde se reproduz a vida”
(CARLOS, 1996, p.20), é, enfim entendê-lo, como cada porção da sua estrutura marcada e
definida por seus usos e significados.
É perceber,também, que este lugar adquire diferentes valores e novos conceitos
através da história, pelos sentidos que lhe são atribuídos e que nascem da sua relação direta
com o homem. Nessa perspectiva, percebe-se que este “espaço urbano deve ser entendido,
não apenas no seu objetivo da configuração das formas e imagens que saltam aos olhos dos
observadores, mas também, como resultado das relações sociais que refletem a sociedade
como o todo da sua essencialidade” (FERRARE, 2006, p.283).
Tal assertiva serve para afirmar a atitude defendida neste trabalho, de que a
compreensão de um lugar, supera as barreiras físicas e materiais e se constitui, sobretudo, a
apreensão da existencialidade do ser a partir das construções sociais, nas quais estão
inseridas as práticas culturais geradoras de símbolos, significados e costumes. Assim, a
ação de adentrar e perceber um lugar, um bairro, “equivale a uma forma de registro
materializado em suas pedras, formas e espaços, também imaterializados na forma de
viver, pensar, sonhar, crer e de se relacionar, transmitido sempre no modo de ser e estar
[...]” (FERRARE, 2006, p.289).
Com efeito, para este estudo escolheu-se apreender o bairro do Pontal da Barra, no
qual se considerará tanto o individual quanto o coletivo, como fator fundamental da relação
estabelecida entre moradores e o meio natural. Buscar-se-á analisar desde a forma de
organização espacial do bairro, até observar simples ações como relembrar o passado nas
conversas com os vizinhos, contar histórias, jogar cartas, pescar e não apenas a
funcionalidade desses modos e usos, mas também o simbolismo implícito nos seus modos
de saber e de fazer.
30
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Assim será buscado, por entender-se, segundo Certeau (1996), que a forma como se
organizam e distribuem as ações cotidianas, bem como a história, são determinantes na
formação do ser social e principalmente do espaço que o circunda. Refletindo acerca deste
pensamento, é possível compreender que as representações simbólicas, o cotidiano tornam-
se componentes indissociáveis na concepção e caracterização de um bairro, resultando em
pontos fundamentais para identificação de suas características formadoras e dos elementos
que as diferenciam das demais áreas da cidade.
Em virtude de todas estas pluralidades, o objeto em estudo, Pontal da Barra, detém
uma carga simbólica que mantém implícitos na sua constituição elementos/aspectos
marcantes, tais como a Lagoa Mundaú, seus habitantes, suas ruas onde o cotidiano flui
ancorado em seus saberes e fazeres, na pesca e no artesanato em linhas que estão
diretamente ligadas à identidade deste bairro. Toda essa potencialidade influi diretamente
na dinâmica urbana do local, na vivência dos moradores, sedimentando uma forte
identidade coletiva.
Neste bairro, a relação homem-espaço transpõe suas concepções originais e
transforma-se no compartilhamento das experiências advindas desta relação, basicamente
constituídas pelas relações de vizinhança que caracterizam este lugar.
Com efeito, observar como se constitui a história e o cotidiano do Pontal da Barra,
significa compreender e investigar não só as características físicas do local, mas ainda o
que este representa para a cidade, para seus usuários e principalmente para quem lá habita,
ao identificar,
Ruas tranqüilas, coqueiros e as margens da Lagoa Mundaú [que] servem de
moldura para um quadro que se vê há mais de cem anos. Rendeiras sentadas à
porta de suas casas, tecem com habilidade transmitida de geração em geração, a
tradicional renda do filé do nordeste- a mais importante manifestação do
artesanato alagoano. A sombra das árvores, sentados em suas canoas, pescadores
repetem um gesto que remonta à antiguidade. A ágil agulha vai em movimentos
rápidos e cadenciados compondo malha das redes de pesca, enquanto a prosa
corre solta. O bairro do Pontal da Barra é inédito. Tem vida própria,
independente, e características ímpares [...] (SALGEMA apud VIEIRA, 1997,
p.43).
O núcleo original do Pontal da Barra antecede à ascensão de Maceió como capital e
remonta a uma comunidade de pescadores representantes de uma só família que se
localizava entre o mar e a Lagoa Mundaú, na então conhecida Prainha, porção de terra
localiza ao sul de Maceió. “A memória oral dos moradores remonta a um tempo em que o
bairro era ‘terra de índio’, [...] formava uma só ‘aldeia’, no sentido de uma só família, de
31
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
casamentos consangüíneos, onde a solidariedade fazia parte das relações familiares [...]”
(VIEIRA, 1996, p.44). Este aspecto foi decisivo para a configuração social, econômica e
cultural do atual núcleo urbano.
Com relação às habitações, segundo
a descrição de alguns moradores para o
presente trabalho, na antiga localização do
Pontal da Barra, a exemplo das aldeias de
índio, as casas eram construídas com
materiais locais, como a palha de coqueiro e
a taipa (Ver fig. 4). As relações eram
basicamente entre uma só família, sendo
assim comprovada a forte característica que
marca este bairro, sendo ainda denominado
por muitos a “terra de índio”. Este tipo de
organização “favorecia o estreitamento de
relação entre os usuários, a ajuda mútua e
contribuía para consolidar a estrutura familiar monogâmica” (FERRARE, 2006, p.131).
Nessa antiga acomodação, ainda se encontravam a igreja de São Pedro e um cemitério que,
devido à fúria da natureza, foram desaparecendo com o avanço do mar.
O assentamento populacional é mesmo secular, segundo consta no Dossiê de
Tombamento do referido bairro, elaborado em 1987,
Em 1792, há quase duzentos anos, portanto, o Pontal já existia, dele fazendo
menção o vigário Manoel José Cabral, na Caderneta de desobriga da freguesia
do Norte, em cujo “Rol dos confessados”, relativo àquele ano, vem incluído
entre “os lugares de Maçayó” [...] (SECULT, 1987, p. 6, grifo nosso).
A partir daí, em 1871, já estava presente no bairro “légua e meia a sudoeste da
capital, (era) um agregado de 50 cabanas cobertas de palha e habitadas por pobres
pescadores” (ESPÍNDOLA apud SECULT, 1987, p.7). Passados vinte anos, esse número
duplicou passando para 100 habitações, segundo o Almanak do Estado de Alagoas, o que
incluía a capelinha de São Sebastião, iniciada a sua construção por volta de 1876
terminando quatro anos após em 1880, a partir das esmolas dos devotos, “toda pintadinha
de branco, com suas portas verdes voltadas para a lagoa, lamentavelmente demolida [...] e
substituída por outra de estilo moderno” . (SECULT, 1987, p. 6).
Figura 4- As primeiras habitações
p
ontalenses. Emprego de materiais locais.
Fonte: PLEC, 1977.
32
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
“Os primeiros moradores e possuidores das terras compreendidas do Trapiche da
Barra até o pontal da Barra ou Barra da lagoa foram: José Egipto de Jesus; Reginaldo
Correa de Mello, Bernardo Marinho de Oliveira, D. Rosa de tal e D. Theodora Maria de
Tal” (FONSECA apud SECULT, 1987, p.6).
Segundo consta no referido Dossiê, entre esses residentes mais antigos e posseiros
das terras do Pontal, além de José Egipto de Jesus e sua esposa Ismênia Maria,
encontravam-se Reginaldo Corrêa e sua mulher Maria do Nascimento e Ângelo Corrêa
casado com Rosa Guedes a quem Pedro Paulino da Fonseca faz alusão como “Rosa de tal”.
Desta forma, a cada dia essa pequena comunidade de pescadores travava uma
relação de sobrevivência, que acontecia principalmente com as atividades de pesca, e
também pela luta constante com a natureza pelo ambiente de moradia. Durante certo
período, de forma impiedosa a natureza fez esta comunidade ser obrigada a procurar outro
lugar para sua acomodação, neste caso, às margens da lagoa
6
.
Como a relação com esse componente natural era imprescindível para seus
moradores, além da pesca para sua sobrevivência, este grupo passou a se localizar na
porção mais ao leste do núcleo original, paralelo as margens da lagoa Mundaú,
desenvolvendo-se em direção a Maceió (Ver Mapa 4).
6
Sobre este incidente, uma das pessoas entrevistadas fez referências bastante elucidativas: [...] Menina, aqui
o pontal era lindo, lá na prainha. Tinha cemitério aqui no pontal, lá embaixo que o mar já comeu. Perto do
DETRAN, ali mesmo naquelas imediações. Agora só que, o mar já comeu né, avançou e o local ninguém
sabe mais [...] (Moradora do Pontal em entrevista à autora, 2008).
PONTAL DA BARRA
1ª OCUPAÇÃO – NÚCLEO
ANTIGO
Mapa 04- ocupação do núcleo urbano. Fonte:
Base cartográfica de Maceió
-
Prodetur, 1998.
2ª OCUPAÇÃO – NÚCLEO
ATUAL
PRAINHA
33
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Ainda conforme Vieira (1996, p.45), “No processo inicial de formação do
assentamento, sem dúvida, a atividade de pesca foi fator preponderante, condicionando
inclusive, a forma física do assentamento [...]”.
Destacam-se como pontos determinantes nesta mudança, a intervenção do governo
em alargar a barra da lagoa e a desapropriação do terreno para construção da Escola de
Aprendiz de Marinheiro, com sua implantação datada de 1954 (FERRARE, 1987).
Inicialmente, quando se consolida a nova ocupação, o parcelamento do solo e a
posse de terra vão sendo estruturados espontaneamente, ou seja, sem a interferência do
poder público. Esse acesso livre ao solo aconteceu sem conflitos, onde o direito da
propriedade foi adquirido de maneira informal. As atividades econômicas primitivas, a
pesca e o artesanato, permaneceram nesse novo assentamento e sempre foram as que
sustentaram a sobrevivência da população (VIEIRA, 1996).
Essa forma espontânea, livre de ocupação pode ser constatada segundo discursos de
alguns moradores e ainda mais explicativo nos mapas abaixo (Ver Mapas, 5, 6, 7 e 8) que
ressaltam essa evolução urbana, descritos no Projeto de Levantamento Ecológico Cultural
da Região das lagoas Mundaú e Manguaba (1977, p.147- 163),
Aqui quando foram chegando, era terreno da marinha, mas ninguém sabia. Por
exemplo, se eu fazia uma casa, eu fazia uma casa e um quintal, aí pronto: a gente
só fazia cercá, só isso, e aí a gente plantava, a gente fazia o que queria, era o
quintal da casa da gente e ninguém entrava.
Às vezes até mesmo sem cerca, mas já sabia que era da gente,
não tinha
problema.Antigamente, não tinha cercas, não, todo mundo passava pelo quintal
do outro.[...]Era a vida tão entrelaçada que não havia necessidade de muro, ou
cerca.
Entre a lagoa e o mar eram dunas e só areia. Areia e aquelas...salsa...aquelas
plantas né, de praia mesmo. E depois cada um ia plantando coqueiros, um
plantava coqueiro aqui, outro acolá. Futuramente eles foram obrigados a
demarcar essas terras, então quem tinha coqueiro nesse pedacinho ficou com
aquelas terras, quem tinha aqui, ficou com essas terras, daí formaram os
sítios[...].
34
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Mapa 5,6,7,8: Mapas de evolução da ocupação do solo em 4 etapas. Fonte: PLEC, 1977. Adaptação
Vanessa Gonçalves. Junho/09.
Igreja de São Pedro
Prainha
Cemitério
Cemitério
Igreja
Rua de terra
Marinha/UFAL
Igreja
Motonáutica
Rua de terra
Via sem
pavimentação
Marinha/UFAL
Igreja
Rua de terra
Via asfaltada
Motonáutica
Salgema
35
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Consolidado este novo núcleo urbano, o bairro do Pontal da Barra, braço de terra
entre a Lagoa Mundaú e o Oceano Atlântico, situa-se a sudoeste de Maceió, no Complexo
Estuarino Lagunar de Mundaú- Manguaba
7
. A restinga do Pontal da Barra tem sua
localização mais precisa entre o mar e o canal do Calunga que faz interligação com a
Lagoa Mundaú ou lagoa do Norte
8
, Lagoa Manguaba ou do Sul, antes de desembocar no
mar. Faz fronteira ao Norte com o bairro do Trapiche da Barra, a Leste com o Oceano
Atlântico, a Oeste e a Sul com o município de Marechal Deodoro (Ver Mapa 9).
A comunicação com os demais bairros de Maceió é feita através de vias atualmente
asfaltadas, a Avenida Assis Châteaubriant, e a Avenida Alípio Barbosa, a qual margeia a
Lagoa Mundaú. Sua interligação com o município de Marechal Deodoro é feita pela
rodovia AL-101 Sul (Ver Mapa 10).
7
Conhecido também como CELMM – o Complexo Estuarino Lagunar Mundaú- Manguaba- “é formada
pelas lagoas de mesmo nome, inúmeras ilhas, canais, e extensos manguezais. É o ambiente mais
representativo do litoral alagoano. A ação das marés permite a influência direta do mar até uma distância
significativa da linha da costa, estendendo-se até aproximadamente 25 Km continente adentro. As lagoas
foram constituídas pelo barramento da foz dos rios Mundaú e Paraíba do Meio, por deposição dos sedimento
marinhos e o conseqüente alagamento de seus leitos.[...] O CELMM está situado no nível da planície
litorânea e se encontra delimitado pelas encostas dos tabuleiros, estrutura sedimentar de formação de
barreiras[...]”( NORMANDE, 2000,p. 22).
8
“A Lagoa Mundaú tem cerca de 27 quilômetros quadrados e constitui o baixo curso da bacia hidrográfica
do rio Mundaú, que drena uma área de 4.126Km²” (NORMANDE, 2000, p. 22).
Mapa 9: Pontal da Barra e suas delimitações. Fonte:
www.sempla.maceio.al.gov.br. Acessado: 9 de abril de 2009.
36
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
OCEANO ATLÂNTICO
LAGOA MUNDAÚ
BRASKEM
NÚCLEO
URBANO
PRAINHA
Mapa 10: Principais localidades do Pontal da Barra
Fonte: Base cartográfica de Maceió- 1998.
Adaptação: Vanessa Gonçalves, 2009.
Av. Assis Chateaubriand
Localidades do Pontal da Barra: 1- Visão área Lagoa Mundaú.
Fonte: www.bairrosdemaceio.com.br; 2- Braskem e o cinturão
Verde. Fonte: www.bairrosdemaceio.com.br; 3- Lagoa Mundaú
e a pesca,.Fonte: Vanessa Gonçalves, Julho/08; 4- Ponte
Divaldo Suruagy. Fonte: www.bairrosdemaceio.com.br; 5- Av.
Alípio Barbosa; 6- Sede da Colônia de Pescadores; 7 – Igreja
de São Sebastião e Praça Caio Porto. Fonte Vanessa Gonçalves,
Julho 2008; 8- DETRAN.
Av. Alípio Barbosa
1
2
3
4
5
7
6
8
OCEANO ATLÂNTICO
AL-101 SUL
LAGOA
MUNDAÚ
37
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
O bairro é formado por um cordão
litorâneo arenoso com uma vegetação composta
por mangues e coqueirais. Convém observar que,
esta vasta faixa de coqueirais é um sinal marcante
e aparente da paisagem, tanto na orla lagunar
quanto na orla marítima, pois além de valorizá-las
e torná-las tão características, nutre uma relação
simbólica surgida desde os tempos de outrora.
(Ver Fig. 5,6 e 7)
Essa relação com o coqueiro é
aportada na necessidade de
sobrevivência e sustento quando
muitos moradores, desde os tempos de
outrora, utilizavam seus componentes
para obtenção de necessidades de
moradia, proteção e armazenamento,
como por exemplo, a palha (para
cobrir tanto as casas que eram
Figura 5- O coqueiro emoldura
a
p
aisagem e faz parte do cotidiano cultural
dos habitantes a partir de seus usos. Fonte:
Vanessa Gonçalves. Junho/07
Figura 6- Cobertura vegetal presente no bairro,
coqueiros, amendoeiras e etc. Fonte: Vaness
a
Gonçalves. Junho/09
Figura 7- A paisagem vista da praia. Fonte:
Vanessa Gonçalves. Junho/09
Figura 8- Morador protegendo sua canoa com a palh
a
do coqueiro. Fonte: PLEC, 1977.
38
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
construídas de taipas quanto aos abrigos dos barcos às margens da Lagoa Mundaú), o
tronco (na construção de canoas e dos próprios estaleiros) e o fruto (na culinária bem
característica).
Essa relação do coqueiro como elemento marcante da paisagem é colocado de
forma bem poética por Brandão (2001, p.50),quando diz,
Pelo verão, nas alvoradas sereníssimas, sob o ozônio azul do céu, a Lagoa do
Norte levanta alegre e enfeita-se e mira-se em seu espelho, a fim de esperar o
Sol. Os canais espiralando-se em curvas mil[...] Os coqueiros, de caule esguio
que, visto de longe, se vai afinando, até desaparecer, ficando apenas um feixe de
palmas, como um círculo, como uma gota de fucsina alcoolizada, suspensa no
espaço – inquieta, ondulante, longínqua[...].
Entretanto, ainda é possível encontrar uma massa de vegetação nos quintais junto à
lagoa e ao mar, compostas por cajueiros, pitangueiras, mangueiras e gramíneas, o que é
complementado pelo enquadramento da
paisagem lagunar que contorna toda a
silhueta do bairro conferindo-lhe uma
visualidade de paisagens únicas.
A sinuosidade da paisagem
também pode ser observada no padrão de
suas ruas, becos e vielas (Ver fig. 9 e 10).
É perceptível que o padrão urbano tenha
sido definido pela necessidade direta de
contato com a lagoa. Assim, o traçado
de suas ruas não obedece à linhas retas,
alinhadas comumente vistas no contexto
viário das cidades, mas acompanha a
sinuosidade da Lagoa Mundaú.
Esse traçado orgânico é
entremeado por sua história de ocupação
e ainda é marcado por praças, becos e
vielas, aos quais agregam valor
paisagístico ainda mais acentuado.
Figura 9- A sinuosidade da principal avenida. Fonte:
Vanessa Gonçalves. Junho/09
Figura 10- A sinuosidade conforma a malha urban
a
do bairro. Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/07
39
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Convém destacar que, durante muitos anos, o acesso ao Pontal da Barra era feito
pelo Trapiche da Barra em embarcações da Companhia de Navegação. Para chegar ao
Trapiche, os moradores tinham que ir ou a pé ou através de canoas (pelo lado do mar ou
pela margem da lagoa Mundaú) (Ver Fig.11,12), isto confirmava o quanto o local ficava
isolado do resto de Maceió.
Mediante a esta assertiva, é necessário observar a tônica de uma referência ao
bairro em jornal da cidade nos primórdios do século XX:
“Não era mais que um triste istmo, isolado do movimento da vida maceioense
[...] A beleza do coqueiral verdejante, a cantar ao sopro das brisas reinantes; o
sussurro rítmico das ondas do Atlântico; a vastidão azul do canal a retratar entre
o céu e a terra, não eram bem conhecidas do nosso público (JORNAL DE
ALAGOAS, 1929, p. 3).
Esse cenário é modificado quando é inaugurada a estrada ligando o Trapiche ao
Pontal, em 11 de junho de 1929, durante a administração de Dr. José Carneiro (BASTOS
apud SECULT, 1987). Essa estrada foi executada provisoriamente e por isso era feita de
barro, sendo em 1949, na administração de João Teixeira de Vasconcelos, refeita e
complementada com aterros e infra-estrutura adequada. Neste mesmo ano foi inaugurado o
Grupo Escolar “Silvestre Péricles”, primeira escola do local (SECULT, 1987).
Consta ainda no Dossiê de Tombamento do bairro, elaborado pela SECULT (1987),
que neste ano de 1954, como citado anteriormente, a Escola de Aprendizes de Marinheiros
de Alagoas foi implantada e teve como justificativa do governador da época, Arnon de
Mello, sua locação no Pontal da Barra para atender a necessidade de estudo dos filhos dos
Figura 11- A canoa como uma das principais
formas de locomoção para bairros adjacentes.
Fonte: Museu da Imagem e do som- MISA.s/d
Figura 12- A locomoção também era feita a pé
para outros bairros. Fonte: Museu da Image
m
e do Som.s/d
40
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
pescadores, entretanto os rapazes residentes daqui eram mandados para Recife e para o Rio
de Janeiro. Essas trocas ocasionaram influências nos costumes e padrões da área. Por
conseguinte, em 1972 a já extinta Escola de Marinheiros cedeu lugar a Universidade
Federal de Alagoas.
É bem verdade que com a introdução da Escola de Marinheiros
9
, e posteriormente a
instalação da Universidade Federal de Alagoas, novos costumes foram inseridos no
cotidiano de quem lá habitava. Aos poucos, a comunidade antes conceituada como
isolada
10
, passou a adquirir novos padrões de comportamento e de infra- estrutura urbana,
ou melhor, o que era apenas relações entre grupos da mesma família e/ou entre vizinhos
passa agora a uma diversificação que transforma os processos sócio-culturais e econômicos
existentes no bairro. Neste sentido, a pesca, antes principal atividade econômica local,
passa a ser substituída gradativamente pelo trabalho assalariado. Atualmente sendo
significativa para maioria das famílias pontalenses como um complemento para a renda
familiar (VIEIRA, 1996). Deste modo, as modificações presentes tanto nos processos
econômicos quanto nos sócio-culturais são transferidas lentamente para os componentes
naturais (lagoa Mundaú e dunas) presentes no Pontal da Barra.
Convém citar que, outro fator influente foi o advento do turismo (na década de
1970) devido ao fato de no local haver prevalência do artesanato, e por possuir
componentes naturais muito fortes (apelativos) ao lazer. Com a chegada do turismo as
relações passam a ultrapassar os limites do bairro e alcançar outras localidades, e o Pontal
passa a ser ponto obrigatório de visitação turística da cidade tanto pela riqueza de seu
artesanato quanto pelas paisagens e culinária.
Também na década 1970, houve um marco na história do Pontal da Barra - a
instalação da Salgema Indústrias Químicas S/A, produtora de soda cáustica a partir do sal-
gema, (Ver Fig. 13) considerada para muitos, um risco à vida
11
.
9
Hoje corresponde a porção de terra onde localiza-se o Detran-AL
10
Isolada – por ser caracterizada como uma pequena comunidade que se estabeleceu através do fortalecimento das
relações homem e meio (a sobrevivência era retirada da Lagoa e Canais), as relações eram consangüíneas, onde os laços
familiares são fortalecidos, além do esquecimento do poder local. A benfeitoria, como luz, as vias de acesso, água foram
chegar ao bairro com o advento da Escola de Aprendiz de Marinheiro e indústria Salgema.
11 Grande parte da população maceioense, sindicalistas, moradores do bairro, a comunidade universitária, ambientalistas,
jornalistas entre outros questionavam a presença desta indústria na restinga do Pontal, pois era iminente os riscos de
vazamento, incêndios, explosões de materiais como o eteno e principalmente a poluição da água. Segundo Vieira (1997),
a polêmica em torno dessa implantação repercutiu de forma tão significativa que foram criados protestos e até o
Movimento pela Vida, um movimento que visava a proteção dessa área.
41
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
A iniciativa desta
implantação, objetivada no governo
de Afrânio Lages, teve sua
concretização em 1976 no governo de
Divaldo Suruagy. Como se pode
observar na tônica descrita abaixo,
Em fevereiro de
1977 entrava em
operação a maior
indústria de
Alagoas, a Salgema Indústrias Químicas S.A., localizada na faixa de terra entre a
lagoa Mundaú e a orla marítima, com área total de ocupação de
aproximadamente 500.000 metros quadrados. A fábrica de cloro-soda teria
capacidade de produção de 220 mil toneladas de cloro e 250 mil toneladas de
soda cáustica por ano, em função da descoberta de uma grande mina de sal-gema
(IZP
12
, 2004, p.25).
A partir desta nova intervenção, as interferências no cotidiano e nos costumes
foram ainda mais acentuadas, o que influiu diretamente na vivência do morador com o
Pontal da Barra. Entretanto, é incontestável a forte relação familiar e de vizinhança que
permanece como característica marcante na essência de seus residentes. Este marco pode
ser mais bem descrito da seguinte forma:
A história da Salgema assemelha-se a um romance urbano, com todos os
ingredientes inerentes às boas tramas: de fatos singulares a registros corriqueiros,
passando pelos sempre afogueados bastidores do poder que incluem, desde sincera
paixão pela arte política à mais reles politicagem.[...] ( IZP, 2004, p.25).
A instalação dessa indústria suscitou diversos trabalhos como, por exemplo, o
PLEC- Projeto de Levantamento Ecológico e Cultural da região das Lagoas Mundaú
e Manguaba em 1977, que tinha como finalidade proteger a área de implantação
minimizando os prejuízos culturais e ecológicos que com certeza adviriam com a
implantação da mesma. Bem como, o próprio Dossiê de Tombamento do bairro, que
objetivava gerar o instrumental jurídico potencialmente possível de proteger e resguardar
tanto o patrimônio ecológico, paisagístico e cultural quanto o espaço construído. Destaca-
se ainda, que esse Dossiê de Tombamento resguardava tanto o bairro, a restinga do Pontal
da Barra, quanto à zona da lagoa Mundaú e seus canais adjacentes (SECULT, 1987).
12
Instituto Zumbi dos Palmares.
Figura 13- Produção de cloro, soda, hidrogênio,
diocloretano e eteno, a Salgema, é o carro chefe do
Pólo Cloro-Àlcoolquímico alagoano. Fonte: Museu d
a
Imagem e do Som. s/d
42
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
O posicionamento dos habitantes locais em seus discursos, tanto da década de 1980
quanto nos dias atuais, reflete como a instalação da indústria interferiu no cotidiano. Em
termos gerais, algumas declarações são enfáticas, impregnadas de frustração, e de certa
forma revolta, conforme registro que constam no PLEC:
[...] Na época antiga, o Pontal era muito mais lindo, porque essa lagoa não era
poluída, tinha a barra muito mais perto, então desaguava muito mais assim, e a
lagoa era muito azul, era igual ao mar... Agora, depois da fábrica despejar os
detritos da fábrica no Rio Mundaú, o Rio Mundaú deságua na lagoa
Mundaú, aí a poluição veio e acabou com tudo, acabou com a flora, com a
fauna, acabou com tudo da lagoa Mundaú, inclusive com a gente.[...]”(
discurso de um morador In: PLEC, 1977, p.202, grifo nosso ).
1.3 AS DÉCADAS DE 1970 - 1980 E O IMPACTO PELA INDÚSTRIA
A efetivação da implantação
da indústria Salgema foi objetivada
através de uma estratégia
desenvolvimentista que buscava
explorar recursos naturais para
complementar e fortalecer a produção
da indústria nacional (Ver Fig. 14).
Esta localização foi
determinada pela grande concentração de
matéria-prima presente na região, por
estar próximo do principal porto do estado, o porto de Jaraguá, além de proximidade das
águas para despejo dos efluentes líquidos. Na época, o cenário de Alagoas se encontrava
com sua produtividade econômica voltada para o açúcar, pois tal situação integrava o
estado ao projeto de desenvolvimento nacional
13
(VIEIRA, 1996).
13
Coerentemente, com a estratégia de desenvolvimento nacional, é dado prioridade à criação de infra-
estrutura produtiva, no caso da produção de insumos básicos, em detrimento das condições ambientais e de
segurança para os moradores da cidade (VIEIRA, 1996, p.24).
Figura 14- Instalação da Salgema na restinga de
Maceió. Fonte: Museu da Imagem e do Som de alagoas.
s/d
43
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
O estabelecimento da indústria
reservava ao estado o desejo de ser o
propulsor do progresso econômico do
país, tendo como principal discurso a
“modernização industrial”. Essa
instalação exigiu uma área relativa a
113ha, localizada no Pontal da Barra,
restinga de Maceió (Ver Fig.15).
Convém ressaltar, que a
definição da proferida locação se
apresentou junto à margem do Complexo Lagunar Mundaú - Manguaba, e também a áreas
residenciais onde há a prestação de serviços que agrega várias pessoas, como: hospitais,
escolas médicas, o Pronto socorro da cidade, estádios de futebol, entre outros. (FERRARE,
1996). O que pode ser admitido no parecer técnico divulgado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada na época, segundo o Dossiê de Tombamento do Bairro (1987):
A localização dessa fábrica apresenta graves inconvenientes derivados da
proximidade de áreas densamente povoadas, inclusive do centro da cidade, e da
vizinhança de ecossistemas de grande importância econômica e humana local,
como a Lagoa Mundaú. Além disso, o pequeno tamanho da restinga se soma as
inconveniências assinaladas, exigindo cuidados especiais na sua ocupação
original [...] As características das indústrias e da localização do Complexo
Cloroquímico de Alagoas levam a que devam ser adotadas rigorosas medidas de
controle ambiental e prevenção de acidentes.
É perceptível, que esta implantação só tenha atendido a demanda do governo e as
elites alagoanas, pois é fato que foram excluídos desse contexto os principais agentes do
espaço: os moradores do Pontal da Barra.
A tendência à concentração geográfica é uma das características da indústria
química, que na busca de uma economia de escala, procura instalar suas
atividades em áreas com infra-estrutura rodoviária, facilidades portuárias,
disponibilidade de água e energia e proximidade dos centros urbanos. Esta
concentração, formando complexos ou pólos, satisfaz aos requisitos de
racionalidade econômico-industrial, mas provoca invariavelmente uma série de
impactos ambientais (SZEKELY apud NORMANDE 2000).
Figura 15- Salgema propulsora do progresso instalad
a
na área do Pontal da Barra. Fonte: Museu da Image
m
e do Som. s/d.
44
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Deste modo, essa intervenção
brusca acarretou constantes
modificações nos processos de
reprodução do bairro do Pontal da
Barra, na sua economia local e
principalmente no meio natural, uma
das principais fontes de sobrevivência
14
. Esta mudança pode ser constatada
tanto no que diz respeito ao contexto
citadino, na qual a insegurança está
presente em cada porção do espaço, em cada morador, causado principalmente pelos riscos
de vazamento de material produzido pela indústria, quanto “na substituição do uso do solo,
que de vocação agrícola (coqueiral), passou a abrigar sede da indústria” (NORMANDE,
2000, p.24).
Na restinga do Pontal da Barra, a implantação da Salgema Indústria Química
S/A, hoje a Trikem, interrompeu o crescimento da cidade naquela direção. Esta
indústria é produtora de soda cáustica e cloro. Dentre as medidas necessárias
para o escoamento da produção foi necessária a expansão de rodovias
consolidando a AL – 101- Sul e o Dique Estrada na orla da lagoa Mundaú. Esta
medida gerou aterro de várias ilhas de manguezais e construções de pontes sobre
as ilhas e canais principalmente, do Calunga, e da Massagueira, aterrando e
estreitando, parte dos mesmos, para construção de suas cabeceiras (COELI,
LEMOS; RODRIGUES apud NORMANDE 2000 , p. 25).
A instalação da Salgema, hoje
Braskem, com relação à produção do
espaço do bairro, “[...] um dos mais
belos sítios potenciais para lazer e
turismo no conjunto do sítio urbano de
Maceió” (AB’SABER apud
NORMANDE, 2000, p.24), acarretou
uma estagnação do desenvolvimento
enquanto foco turístico, pois inibiu a
14
Os componentes naturais que caracterizam a fonte de renda do bairro (a lagoa Mundaú, dunas, coqueiros)
vêm sofrendo constantes modificações desde a implantação da indústria. Houve a redução das áreas verdes
da restinga, com o aterramento de grandes porções para a implantação da indústria, além da poluição da
lagoa que graças ao escoamento dos líquidos provenientes da indústria, não supre, como outrora, as
necessidades de sobrevivência da comunidade pesqueira.
Figura 16- O meio natural do Pontal mudou de face.
Fonte: PLEC, 1977.
Figura 17- Ocupação do solo do Pontal pel
a
Salgema. Fonte: www.googlerath.com.
45
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
capacidade de utilização das áreas potencialmente destinadas ao turismo e lazer. Nesta
perspectiva afirma um morador do bairro:
Minha opinião pessoal mesmo: nós, nós não crescemos, nós fomos proibidos de
crescer. Porque hoje se, não existisse a Salgema nós estávamos ligados ao centro,
com tudo de bom ou de ruim. Porque hoje seria ou edifício ou favela, não é?
Você tá me entendendo? Ligado ao pontal da barra, não é? Com tudo isso...”
A polêmica gerada em torno da implantação da indústria, na década de 1970,
cercava tanto os habitantes da cidade de Maceió quanto os moradores do Pontal, pois estes
foram obrigados a agregar ao seu cotidiano possíveis vazamentos, poluição do ar, da água
entre outros
15
, o que fica claro no depoimento o grau de decepção de uma moradora em seu
discurso:
[...] Essa aí, mudou foi muito. Desgraçou foi tudo, eu acho. A gente vive com
medo, com esse tal de Salgema aí. A gente vive com medo, porque a gente vê os
outros cantos né, a pessoa fica com medo. Um dia desses botaram um negócio no
alarme, porque quando alarmasse aqui, era porque tava fugindo o cloro. [...]
Este debate foi ainda mais intensificado quando, por volta da década de 1980, surge
a perspectiva de duplicação desta indústria. Para concretização desta meta, seria necessário
o deslocamento dos moradores do Pontal da Barra para outra localidade, neste caso o
bairro do Tabuleiro, o que ocasionou uma série de protestos e mobilizações (Fig. 18 e 19).
Assim, era latente o medo de não pertencer mais ao Pontal, de ter que abandonar a
sua terra, seus vizinhos, sua casa, a lagoa. É bom lembrar que, esta década trazia uma
economia em crise, que conforme Vieira (1996, p. 77), “em relação a conjutura econômica
15
Atualmente, esses problemas ainda são uma constante no bairro, a insegurança e o medo são características
marcantes de quem vive no Pontal.
Figura 19 - Revolta em muros pontalenses. Graças
à
possível duplicação da Salgema. Fonte: Vieira, 1996.
Figura 18- Revolta, medo de ser expulso de casa...
Fonte: Vieira, 1996.
46
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
e política, duas referências são marcantes para situar o momento quando se deu a
mobilização, [...] a Nova República e o esgotamento do modelo econômico”. Também
agravada pelos sucessivos planos de combate à inflação e o desejo de duplicação
assegurava ao governo uma possibilidade de desenvolvimento, pois todas as esperanças
estavam voltadas, “via industrialização, passando do desenvolvimento dependente para o
auto-sustentado” (VIEIRA, 1996, p. 77). Além disso, existia a expectativa de que esta
indústria se tornasse à redenção da economia de Alagoas, pois, o aproveitamento do álcool
na indústria sucro-alcooleira constituía assim o casamento perfeito das atividades
econômicas alagoanas (VIEIRA, 1996). Vale destacar, que esse ‘casamento’ foi
confirmado em alguns meios de comunicação:
ALAGOAS UM PÓLO DE DESENVOLVIMENTO: duplicação da Salgema e
manutenção do Pólo Cloroquímico de Alagoas, desde que não sejam duplicados
seus riscos, vai integrar a tradicional força produtiva do Estado, casando a
indústria sucroalcooleira com a indústria química, acabando com a crise do
açúcar que afeta profundamente a economia alagoana.[...] (GAZETA DE
ALAGOAS, 26.05.85).
Mesmo estando amparado pela Lei de n.4.448, de 28 de junho de 1983, que dispõe
sobre a fusão do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho de Preservação do
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Estado de Alagoas relata que, “os
monumentos naturais, sítios e
paisagens, inclusive agenciados pela
indústria humana, que possuam especial
atrativo, ou sirvam de HABITAT a
espécimes interessantes da flora e fauna
locais”; e [...] “os sítios arqueológicos e
os conjuntos urbanos, cidades, vilas e
povoações formadas com edificações
típicas ou representativas de
excepcional arquitetura ou, ainda,
ligadas a fatos históricos” (SECULT,
1987, p.15), são elementos suscetíveis de proteção e vigilância do Poder Público Estadual,
a tensão da possível duplicação ficava cada vez mais expressiva.
Figura 20- Elemento paisagísticos a ser protegido.
Fonte: Museu da Imagem e do Som,1980.
47
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Mediante a tal assertiva, foram organizadas diferentes frentes contrárias à
duplicação, inclusive com a união de vários movimentos sociais com os habitantes locais
o que, conseqüentemente, gerou diversos protestos em toda a cidade.
Afirma Vieira (1996) que, a partir dessas modificações, em meados de 1986 teve
significativo destaque um movimento que se denominava, “Movimento pela Vida” do qual
participaram a comunidade do bairro, jornalistas, sindicatos, professores e intelectuais que
iam de encontro às idéias de expansão da indústria. Esse movimento era bastante
diversificado, evidenciava-se nos jornais,em passeatas, em abaixo- assinados, entre outros
Em contrapartida, durante este debate o Diretor da Salgema na época, Roberto
Miragaya, cria como principal solução para a área, a instalação de um Cinturão Verde,
16
complexo de lazer destinado aos habitantes da cidade, como justificativa da
desapropriação. Entretanto, graças à força da comunidade do Pontal, sobretudo do seu
sentimento de “pertencer ao lugar”, de bairros adjacentes organizados junto a algumas
forças políticas e de movimentos ecológicos essa idéia não teve continuidade.
Na tentativa de proteger a área da possível intervenção/expansão surgiu a idéia da
proposta de Tombamento
17
, com vistas a proteger a fixação dos moradores no bairro, a
inalterabilidade dos recursos naturais e da paisagem da restinga, além da qualidade de vida
dos pontalenses. Para essa viabilização foi necessária a elaboração do Dossiê de
Tombamento que se constituiu, portanto, instrumento criado para impossibilitar a
ampliação dessa indústria e salvaguardar a área de uma maior degradação de seu meio
natural (como solo, água, ar, fauna e flora). Este Dossiê, que foi efetivado na administração
do governador Fernando Collor de Mello, destinava-se, também, a disciplinar o uso e
ocupação do solo relativo ao bairro.
Esse Dossiê de Tombamento concretizado no Decreto de N° 33.225, de 14 de
novembro de 1988, instituiu uma área que definia o bairro como uma ZPR – Zona de
Preservação Rigorosa, e seu entorno como ZPP- Zona de Preservação Paisagística
formando assim o Polígono de Tombamento. O tombamento abrangeu uma área contida
nos seguintes limites do Polígono de Tombamento, e define, (Ver Mapa 11)
16
Essa área foi instituída pelo Decreto de N° 32.510, de 06 de julho de 1987, no qual determina para área do
Cinturão Verde o equivalente a 103.11, 250 metros quadrados.
17
Tombamento é uma intervenção ordenadora concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de
exercício de direitos de utilização e de dispositivo gratuito, permanente e indelegável, destinada à
preservação, sob regime especial de cuidados, dos bens de valor histórico, arqueológico, artístico ou
paisagístico (MACHADO apud SECULT,1987).
48
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
[Seu limites] a partir da intersecção de uma paralela traçada no píer da Salgema,
afastada a 100 metros do mesmo, situado ao lado contrário ao centro de Maceió,
com um ponto situado a 100 metros da Av. Assis Chateaubriand, em direção ao
Oceano Atlântico (ponto 1), segue no sentido Noroeste (NO) até o ponto situado
a 100 metros da margem da lagoa Mundaú (ponto 2), segue daí, em direção
Sudoeste (SO) contando paralelamente 100 metros da Boca da Barra ( encontro
da lagoa com o Oceano Atlântico), (ponto3). Segue daí em direção Sudeste (SE)
sempre a 100m da orla marítima, definindo assim o (ponto 4), segue daí na
direção Nordeste (NE), contando sempre 100 metros da orla marítima até
encontrar o ponto 1, fechando assim, o Polígono de Tombamento.
Numa síntese geral, esta
implantação acarretou o crescimento
desta área, com melhorias na infra-
estrutura local, a ampliação de negócios
e a geração de empregos, o que
contribuiu para a transformação da
estrutura econômica do bairro.
Entretanto, constatou-se a degradação
do meio-ambiente, mudanças na
reprodução do espaço do bairro
implicando diretamente na realidade
socioeconômica da população local (Ver
Fig.21).
Assim, a partir do desejo de
desenvolvimento nacional a indústria se
instalou e modificou o espaço do
LAGOA MUNDAÚ
OCEANO ATLÂNTICO
2 3
4
ZPP
ZPP
ZP
R
Fonte: Base cartográfica de Maceió- 1998.
Adaptação: Vanessa Gonçalves, 2009.
ZPP-Zona de Preservação Paisagística
ZPR Zona de Preservação Rigorosa
Mapa 11: Polígono de Preservação
1
Figura 21- Melhorias na infra-estrutura do bairro.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
Figura 22- Mudança na reprodução do uso do solo.
Fonte: Plec, 1977).
49
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
“pontalense”. Contudo, apesar de todas essas transformações ocorridas na história, o bairro
continua sendo uma especificidade em costumes, cotidiano, e principalmente valores
culturais.
Valores estes que por prosseguirem, voltaram a ser alvo de ações preservacionistas
previstas pelo atual Código de Urbanismo e Edificações de Maceió – 2006 (Lei Municipal
Nº 5.593, de 08 de Fevereiro de 2007), que assim zoneou o Pontal da Barra como, ( Ver
Mapa 12)
Art. 63. A Zona Especial de Preservação Cultural 5 (ZEP-5 Pontal da Barra) é
constituída pelo núcleo de artesanato do bairro de Pontal da Barra, tendo sua
preservação direcionada à vocação de moradia, comercial, de lazer, de cultura e
de turismo.
Art. 64. A Zona Especial de Preservação Cultural 5 (ZEP-5 Pontal da Barra) é
constituída de um único Setor de Preservação Rigorosa 1 (SPR-1), abrangendo a
sua área o núcleo histórico de artesanato do Pontal da Barra, que mantém a
morfologia urbana e a tipologia de algumas edificações de interesse histórico e
arquitetônico[...]
Este Código de Urbanismo e Edificações de Maceió de 2006, também enfatiza o
Pontal da Barra como Zona de Interesse Ambiental e Paisagístico (ZIAP), e normatiza que
o uso, ocupação e parcelamento do solo não devem atender a fins urbanos, e divide o
bairro em duas Zonas – ZIAP-1, do Pontal da Barra e a ZIAP-2, do Cinturão Verde do
Pontal da Barra, caracterizando-as como uso de preservação rigorosa. É necessário atentar,
que esta mesma área também é considerada como UEP’s-Unidades Especiais de
Zona de Interesse Ambiental
e Paisagístico 1
Zona Residencial 7
Zona Especial de Preservação
Zona de Interesse Turístico
Zona de Interesse Ambiental
e Paisagístico 2
Mapa 12: Zonas de Preservação.
Fonte: Código de Urbanismo e Edificações de
Maceió-2006
50
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Preservação Cultural, nas quais determinam que, para as edificações que expressem a
arquitetura, a história do patrimônio cultural, deve ser adequado usos de edificação que
respeitem a integridade física e arquitetônica do imóvel. Para UEP’S, segundo Código de
Urbanismo e Edificações de Maceió – 2006 devem ser utilizados os mesmos padrões
“[...]os mesmos parâmetros urbanísticos da Zona Urbana ou Corredor Urbano em que se
situe [...]o impedimento de alteração dos parâmetros da edificação, de modo a manter
intacta a sua integridade física (Ver Mapa 12). Ainda constata-se que,
§ 3º. Consideram-se também Unidades Especiais de Preservação Cultural (UEPs)
os logradouros públicos que, pela importância da sua preservação cultural e/ou
paisagística, sejam assim declarados pelo Plano Diretor de Maceió, bem como
outros que, posteriormente, tenham reconhecida essa mesma importância pelo
Poder Executivo Municipal.
Deste modo, todas essas medidas são tomadas como ações que protegem o bairro
das inúmeras intervenções provenientes da modernização da indústria, assim como os
novos valores e novas tecnologias trazidas pela contemporaneidade.
1.4 O PONTAL DA BARRA NO PRESENTE.
O ambiente urbano apresenta-se como um aglomerado de signos: traços,
tamanhos, cores, texturas, cheiros, formas, ao mesmo tempo e paradoxalmente,
juntos e dispersos, visto que não há convenção que os organize. Um sistema
sígnico é tão mais complexo quanto mais difusa a definição de sua estrutura.
Assim sendo, o ambiente urbano é global e unitário, uma fala sem voz marcada
pela ausência de distinção dos elementos que caracterizam (FERRARA, 1999,
p.21).
A descrição deste ambiente urbano, aqui tratado como bairro, suscita uma
análise profunda da história e do espaço social, para assim compreendê-la como um
universo múltiplo de modos, usos, cenários e sentimentos
18
. Essas características fazem
parte da construção cultural e, sobretudo, social presente no espaço vivido, sentido e
praticado. É neste espaço de formas, cotidiano e costumes que a construção do lugar
conecta a dimensão política, econômica e social ao sentimento de pertencer implícitos em
seus habitantes, tornando - o único e dotado de traços próprios e característicos, pois como
18
Estes elementos estão baseados nas referências sociais e simbólicas impregnadas nos modos de saber e
fazer, nos encontros, nos sonhos, nas festas, no cotidiano, no sentar na calçada, no conversar com o vizinho,
enfim nos modos de viver e se relacionar, peças essenciais para a formação do lugar.
51
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
enfatizou Yázigi (2001), “cada lugar possui uma “personalidade”, sendo esta composta de
múltiplas identidades humanas e do mundo natural”.
Diante desta perspectiva, o bairro pode mesmo ser considerado uma “porção do
espaço” (CARLOS, 1996) onde os atores sociais impregnam suas raízes e onde cada
espaço, cada beco, cada pedra, cada objeto está dotado de sentido e significado.
É a partir deste processo de descrição dos conceitos e significados presentes em um
lugar que é conveniente observar, a idéia defendida por Gonçalves (1998), de entender o
bairro não apenas pelos aspectos físicos e estruturais, mas também, espacializados como
um lugar onde se estabelece a vida social, principalmente na visão dos habitantes deste
núcleo urbano.
No que concerne a discussão sobre o espaço, este deve ser considerado como um
conjunto indissociável de que participam de um lado, certo arranjo de objetos geográficos,
objetos naturais e objetos sociais, e de outro, a vida que o preenche e o anima, ou seja, a
sociedade em movimento (SANTOS, 1998).
De acordo com o exposto anteriormente, a história do Pontal da Barra sempre se
caracterizou por uma comunidade que a partir de lutas constantes com a natureza buscava
sua sobrevivência. Muitas foram as intervenções e transformações, entretanto as
características presentes no lugar são provenientes de uma história que, a partir de uma
comunidade pesqueira e “isolada”, transformou- se num bairro de periferia urbana onde as
relações simbólicas (elos afetivos, o sentimento de pertencer) existentes na comunidade
ultrapassaram as mudanças que marcaram este núcleo urbano desde sua origem.
Atualmente, de modo geral, a
configuração do núcleo urbano possui traçado
irregular, onde a principal avenida (Av. Alípio
Barbosa da Silva) acompanha a sinuosidade da
lagoa Mundaú, (Ver Fig. 23) o que foi
determinante para a definição física do lugar.
“Esta configuração propiciou, desde os
primórdios, uma íntima relação com o desenho
[do bairro] e permitiu excelentes visuais de
captação paisagística do lugar” (FERRARE,
1996, p. 94).
Traçado Av. Alípio
Barbosa
Sinuosidade do Canal
Calunga- Lagoa
Mundaú
Figura 23- A sinuosidade de seu traçado.
Fonte: www.googleearth.com
52
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Nesta avenida são presenciadas as relações mais marcantes do Pontal, pois é onde
se desenvolvem os modos de saber e fazer, ou seja, local onde são tecidas as tramas do
artesanato e sua comercialização, a elaboração das redes de pesca (tarrafas, gererés entre
outros), e onde se consolidam os vínculos de sociabilidade em conversas na calçada. É
ainda neste local, que o turismo acontece ancorado na comercialização do artesanato
tradicional.
A única avenida é na verdade uma rua estreita sempre movimentada, ocupada
por artesãos, pescadores, bares e restaurantes. Os becos também guardam um ar
romântico com a gente da cidade a jogar conversa fora enquanto tecem seus
trabalhos manuais, compondo o artesanato tradicional da cidade, entre eles, o
filé, o labirinto e as rendas, uma tradição passada de mãe para filha (BARBOSA;
ANJOS, 2006).
São nas ruas e calçadas do bairro que a dimensão das relações sociais, cultural e
simbólicas se concretiza. Nelas está estampada a dinâmica da vida dos moradores e da sua
relação com as demais localidades da cidade. (Ver Fig. 25)
As demais vias e becos foram construídos através dos caminhos abertos entre as
dunas e se localizam perpendicularmente à lagoa. Entretanto, com a chegada da indústria
na restinga do Pontal, houve a abertura de uma via essencial, a Av. Assis Chateaubriand,
essencial para o escoamento da produção industrial e que resultou num importante aspecto
para a materialização do turismo na região (Ver Mapa13).
Figura 24- A principal rua onde se comercializa o filé. Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
Figura 25- Av. Alípio Barbosa, onde o contexto citadino acontece. Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
Mapa 13: A s principais vias do bairro.
Fonte: Base cartográfica de Maceió- 1998. Adaptação:
Vanessa Gonçalves, 2009.
AV . ASSIS CHATEAUBRIANT
Principal Avenida de ligação com os demais
bairros
Av. Alípio Barbosa- A sinuosidade de seu traçado-
Becos abertos através da expansão do bairro
Loteamentos dunas– “contemporaneidade”
OCEANO ATLÂNTICO
LAGOA MUNDAÚ
LAGOA MUNDAÚ
54
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Na porção mais central localiza-se a principal
praça, a qual leva o nome do padroeiro e santo
protetor do bairro - São Sebastião, além da igreja,
principal local da manifestação católica no Pontal
da Barra (Ver Fig. 26).
Esta praça, nos tempos de outrora, servia
como uma divisão imaginária do então chamado
Pontal de Cima (área mais ao norte, em direção ao
centro de Maceió) e o Pontal de Baixo (área
próxima à prainha).
Na verdade, existem várias histórias acerca deste fato, algumas foram descritas por
moradores durante o Projeto de Levantamento Ecológico e Cultural da região das Lagoas
Mundaú e Manguaba (1977, p. 131) e contavam que:
Tinha uma família lá em cima e outra família aqui (Pontal de Baixo). Eles eram
assim: o povo que queria resolvê qualquer coisa ia naquela família.Todo lugar
existe líder, então essa família lá de cima era o tipo dos líderes, era que
organizava as festa[...] Todas as pessoas lá era tudo parente, como a gente aqui
em baixo[...] tinha uma família lá em cima que era a família dos Gomes, aqui era
dos Hildefonsos. Então era uma rivalidade constante. Não se falavam, agora, se
respeitavam [...] Era como uma tribo[...]
Essas duas família era assim, brigavam em cima com aqui em baixo, mas era
aquela briga respeitando um ao outro, sabe? era desses, que não entrasse um na
seara do outro. Em pescaria eles tinham aqueles lugares assim melhores, um
pescava em tal lugar, outro pescava em tal, num sabe?[...]
Com isso, alguns moradores asseguram que esta subdivisão físico-social nasceu da
força do poder financeiro que uma porção detinha sobre a outra; outros afirmam que
mesmo sendo partes integrantes de um único bairro, esta relação se efetivou graças às
rivalidades trazidas pelas primeiras ocupações, onde eram considerados verdadeiros
“pontalenses” aqueles que se localizavam próximos ao núcleo original de povoação,
enquanto os demais eram considerados apenas forasteiros (pois seriam famílias que
ocuparam o bairro após a mudança para o atual núcleo).
É bem verdade, que essa rivalidade influía também nas relações humanas, pois as
pessoas do Pontal de cima eram proibidas de relacionar-se com as do Pontal de baixo e
vice-versa. Esse sentimento de discórdia era agravado principalmente durante a época de
carnaval, com a criação de blocos de rua. Bastante acirrada era a rivalidade, tornando-se
Figura 26- Praça e Igreja de São Sebastião.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
55
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
persistente por muito tempo. Entretanto, do que chegou a ser uma desavença física e social,
atualmente restou apenas como
nomeclatura.
A captação das belezas
paisagísticas pode ser proporcionada por
diversos focos deste núcleo urbano (Ver
27, 28 e 29), pois além da lagoa Mundaú, a
vista para o mar, circundado pelas dunas, é
algo singular que torna o bairro sinônimo
de beleza única.
Antigamente avocada de lagoa do Norte, a lagoa Mundaú é enfatizada como
aspecto determinante na relação habitante-lugar, pois além de servir de transporte e meio
de sobrevivência serve de “[...] emolduramento natural do sítio [...]” (FERRARE, 1996,
p.94). As próprias edificações residenciais durante o passar dos anos foram evoluindo e
hoje dispõem de seus quintais voltados para a lagoa, o que proporciona a apreensão de
excelentes visuais deste componente natural (Ver Fig. 30 e 31). Como descreve um
morador:
E também é muito bonita quando você não confunde ela com as maldades das
pessoas, né. Você olha assim um pôr do sol, você fica sentado olhando, aquilo
também é um atrativo muito interessante, muito bonito pra quem entende né [...]
A lagoa pra mim ainda tem esse visual bonito, essa coisa assim mágica, né. É um
referencial ( Morador do Pontal).
Figura 28- A captação do pôr-do-sol da lagoa.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
Figura 29- Paisagem marcante e singular.
Fonte:Vanessa Gonçalves. Novembro/07
Figura 27- Belezas naturais únicas- o mar sob o
olhar do pontalense. Fonte: WWW.googleearth.com
56
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
A
Figura 31- Quintais privilegiados.
Fonte:Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
Figura 30- a configuração da residência evoc
a
as paisagens mais singulares deste
componente natural. Fonte:
WWW.google.com
Figura 32- A evolução das residências pontalenses. Fonte: Plec. 1977. Adaptação;Vanessa
Gonçalves. Novembro/07
57
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Além da lagoa, o Pontal da Barra ainda possui em sua configuração natural dunas e
uma vasta faixa de coqueiros, que formam uma cobertura que destaca e ressalta o conceito
visual do bairro. Esta vasta faixa de belezas naturais- dunas- constitui uma das referências
e também mais um atrativo para o turismo.
Essa porção de terra que margeia o mar recebe uma nomeclatura denominada pelos
moradores como “combros”. Desde os primórdios da origem do Pontal da Barra, até os
dias de hoje, é neste local onde se instalam pessoas menos abastadas e que também serve
de local de brincadeiras para as crianças em atividades cotidianas, como jogar bola, rolar
nas dunas, entre outros. Os combros, desde os tempos de outrora, são reconhecidos como
lócus de lazer, prática de costumes rotineiros.
Figura 33- Os combros de outrora- moradia, lazer (foto esquerda) e sua atual situação-
mudança na paisagem, mas ainda continua sendo lócus de lazer e habitat. Fonte: Plec, 1977;
Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
58
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
No Pontal da Barra a atividade
turística é fortalecida pelas “generosidades
da natureza” e transformou-se em principal
atividade econômica desse sítio urbano, com
passeios na lagoa Mundaú e a culinária
local, além da comercialização artesanato,
como por exemplo, a renascença
19
, o
labirinto
20
e principalmente do filé
21
.
Ressalta-se que este modo de saber-
fazer, executado predominantemente pelas
mulheres rendeiras do bairro – o filé -
presente há muitos anos no Pontal, torna
este lugar particular (Ver Fig. 34 e 35). Esta
característica do saber fazer filé já está
inserido no cotidiano local, onde os
próprios moradores são seus
confeccionadores e transformam suas casas
19
[Conhecida Também como] Renda Irlandesa surgiu na época do Renascimento e a partir daí passou a ter
essa denominação renascença [...] esta técnica denomina-se também Renda Inglesa[...] Liga-se essa
denominação, à renda flamenga, oriunda de Bruges, no século XVII, que chegando a Inglaterra difundiu-se
com o nome Ponto da Inglaterra, e foi introduzida no Brasil pelos ingleses, durante a exploração de minérios
e pedras preciosas.[...] No Brasil, esta modalidade foi perpassada através das religiosas estrangeiras, até
meados do século XX. Utiliza-se Lâce ou fitilho, trabalho manual previamente confeccionado pela própria
artesã ou por outra pessoa também habilidosa. Tratam-se de estreitas faixas, de aproximadamente meio
centímetro de largura, extraídas do tecido que vai ser trabalhado, preferencialmente cambraia ou linho fino
(BORBA, 2006, p.204).
20
Flores, frutas e folhas são motivos predominantes, mas também são usados motivos geométricos ( losangos
e quadrados). Os desenhos são de criação original das artesãs. As peças mais comuns são toalhas de mesas,
de altar, de mão, de bandeja e de banquete, colchas, lençóis de vira e fronhas, blusa e vestidos. As rendas e
bicos, em geral, são confeccionados, na maioria das vezes, sob encomenda. Não há preferência de cor. O
importante é a adequação da cor da linha ao tecido. O material utilizado é o tecido de algodão, comumente
linho, bramante, percal, cambraia e organza. Linha esterlina, agulha e grades de madeira, no tamanho da peça
que se vai confeccionar (BORBA, 2006, p.205).
21
Técnica de Renda de agulha, de herança européia provavelmente trazida pelas mulheres dos colonos
portugueses, transmitida pelos pescadores, aos africanos e índios aculturados. Inicialmente, precisa-se de um
trabalho básico semelhante à tecelagem de redes de pescar que pode ser feita pela artesã ou por outra essa
que esteja habilitada. Estas redes são feitas da mesma forma em todas as regiões praieiras do Brasil,
utilizando linha grossa e uma navete. Esse tipo de renda exige preenchimento da malha da rede já disposta,
nas grades de madeira, em posição firme bem estirada. A temática do filé engloba motivos florais da fauna e
flora brasileira e, ainda, motivos tropicais e geométricos. Compondo vários trabalhos, principalmente, toalhas
e caminhos de mesa (BORBA, 2006, p.207-208).
Essa forma de elaboração e materiais também se aplica ao Pontal da Barra onde são utilizadas linhas que
podem ser pretas, brancas e ainda coloridas e retratam desenhos florais, geométricos feitos em sua maiorias
pelas mulheres do bairro e remetem as redes de pesca, tão comumente encontradas no bairro.
Figura 34-Os saberes e fazeres se conformam
na calçada. Fonte:Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
Figura 35- Ponto a ponto. Fonte:Sebrae, 2005
59
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
em lojas para posterior comercialização. Assim, o
artesanato exerce papel vital para a cultura e
economia, pois, além de fortalecer a relações
entre as famílias, ao ser transferido de mãe para
filha, garante a sobrevivência de grande maioria
dos habitantes.
Constata-se que, todos esses elementos
são dominantes para a efetivação dos
significados existentes nas relações sócio-
culturais evidenciando-se nelas os conceitos que
fortalecem a relação dos moradores com o lugar
Outro aspecto determinante do bairro é a
forte relação de vizinhança, que é beneficiada
pelas relações de parentesco consangüíneas
mantidas desde os tempos primordiais do
bairro. Esse marcante relacionamento com o
vizinho é também afirmado pelo andar a pé,
onde a apreensão do contato com o outro
fortalece os valores e significados de ser
morador do bairro. O “ser” pontalense,
essencialmente assim descrito por Vieira
(2000, p.5) nos seguintes termos,
No sentido econômico cultural, ser pontalense significa estar ligado às tradições
do local, ou seja, à pesca ou artesanato, uma ligação que permanece - ressaltem-
se, mesmo quando seus moradores avançam no processo de integração no
mercado de trabalho urbano. Significa também participar da rede de relações
sociais, ser vizinho, ser amigo, ser parente dos outros moradores
.
Além disso, a disposição das casas simples, “construídas no alinhamento da calçada
e com portas e janelas para a rua, que predisem a uma interligação do espaço interior
com o exterior” (Ver mapa 14) (FERRARE, 1996, p.102) reforçam este forte
interelacionamento que está implícito no “modus vivendi” dos pontalenses.
Figura 37- As práticas do saber fazer.
Fonte:Vanessa Gonçalves. Junho/09.
Figura 36- Moradora tecendo o filé na calçad
a
de casa. Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
A CONFIGURAÇÃO DAS RESIDÊNCIAS OBEDECE AO TRAÇADO DAS RUAS.
Mapa 14: A disposição das casas obedecendo ao traçado. Fonte:
Base cartográfica de Maceió- 1998. Adaptação: Vanessa
Gonçalves, 2009.
60
61
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Quanto à estrutura urbana do Pontal da
Barra, apesar de ser um lugar turístico da
destinação de Maceió, atualmente é perceptível
diversos problemas de ordem social e de infra-
estrutura (saneamento básico, coleta de lixo
freqüente, entre outros) (Ver Fig. 38). O que
predomina é a falta de investimentos, pois mesmo
com a demanda do turismo não são empregados
recursos suficientes para atender essas limitações
existentes. Com relação ao traçado de sua malha
viária, este se mantém praticamente conservada
desde as décadas de 1970 e 1980.
De forma genérica, o Pontal da Barra é um
bairro homogêneo, devido às suas características
sócio-espaciais, a sua história e principalmente ao
seu “modus-vivendi”. É importante ressaltar, que
mesmo com interferências advindas da
contemporaneidade a permanência dessas
características são essenciais para formação do
espaço social e simbólico influindo na sensação
de pertinência àquele lugar (FERRARE, 1996). O
que faz parte da vida e do cotidiano resulta da
relação identitária definida pelos comportamentos,
práticas sociais e espaciais passando a ser essenciais na compreensão deste sentimento de
pertencimento a um lugar, conceitos que serão enfocados no capítulo a seguir.
Figura 38- Falta infra-estrutura no bairro,
do esgoto a céu aberto a acumulo de lixo.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09.
Figura 39- A paisagem vista da Lagoa Mundaú. Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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II. LUGAR, COTIDIANO E IDENTIDADE: UMA APROXIMAÇÃO DE
CONCEITOS
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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2.1. O LUGAR, CONCEITOS E PERCEPÇÕES.
[...] mesmo porque não há uma definição única com a qual definir lugar: lugar é
daqueles conceitos que, como ‘paixão’, têm sua definição prejudicada quando
posto em palavras (CASTELLO, 2007, p.2).
Na construção acerca da noção de lugar, se encontra a possibilidade de derivação de
seus conceitos, a partir dos enfoques a serem trabalhados. Essa conceituação é
multidisciplinar onde estão inseridos os fatores de ordem social, econômica e
necessariamente humana integrando-o e formando diferentes valores, que se transformam
em diferenças espaciais. Com efeito, “o lugar poderia ser visto ‘de fora’ através de um
acontecer histórico, e visto ‘de dentro’ o que implicaria a necessidade de redefinir seu
sentido” (CARLOS, 1996, p.19). Melhor dizendo, a noção de lugar estaria baseada em
dimensões múltiplas formando inter-relações de conteúdos geográficos, psicológicos,
antropológicos e filosóficos (CASTELLO, 2007). Entretanto, vale destacar que
[...] lugar significa muito mais que o sentido geográfico de localização. Não se
refere a objetos e atributos das localizações, mas a tipos de experiência e
envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e segurança (RELPH, apud
CASTELLO, 1998).
Buscando refletir sobre a essencialidade deste conceito, localiza-se em Carlos
(1996, p. 20), que o mesmo seria reconhecido como a “base da reprodução da vida” e
estaria diretamente relacionado às atividades sociais desempenhadas através da relação
habitante-lugar, onde as diversas transformações advindas do processo de desenvolvimento
das tecnologias, trazidas pela globalização, influem e redefinem essas relações. Diante
deste enfoque, a perspectiva é direcionada para o viver, o habitar, considerando o acontecer
histórico local que se efetiva através dos costumes, hábitos e cultura. Convém citar, que
estes processos advindos da globalização “não invalidam o fato de que o lugar aparece
como fragmento do espaço onde se podem apreender o mundo moderno, uma vez que o
mundial não suprime o local” (CARLOS, 1996, p.28).
Básica seria a prerrogativa de que o lugar é formado pelo “diálogo” das
características peculiares àquele local, vinculados às transformações advindas do mundo
globalizado. Segundo Santos (1998), cada lugar detém variáveis de tempos diferentes, no
qual, através da rejeição ou assimilação do novo, se consolida a distinção de cada espaço.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
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Convém lembrar, que devem considerar-se todos os fatores existentes, quais sejam,
o próprio espaço, a economia local, o cenário social e cultural. Portanto, “o que define o
lugar é, exatamente, uma teia de objetos e ações com causa e efeito, que formam um
contexto que atinge todas as variáveis já existentes, internas; e as novas que vão se
internalizar” (SANTOS, 1998, p. 97). O que é ratificado por Coelho (1992, p.286), quando
diz que “a distinção e o reconhecimento da diferença se materializam na especificidade do
lugar. Lugar que determina e define as fronteiras dos diversos modos de vida.”
Sob este entendimento, é possível dizer que cada lugar oferece ao homem
diferentes sensações e estímulos, que interferem no seu comportamento, na relação com o
outro, na forma de viver e conceituar o mundo. Segundo Certeau (1996), é a partir dos
sentidos dos lugares, que são criadas as relações humanas que se concretizam no plano do
vivido. Esse “lugar” vivido é marcado por elos afetivos provenientes dessas relações que
determinam as suas características próprias e influem na formação da identidade de cada
habitante, principalmente pela,
[...] natureza social da identidade, [...] [e] liga-se aos lugares habitados, marcados
pela presença, criados pela história fragmentária feita de resíduos e detritos, pela
acumulação dos tempos, marcados, remarcados, nomeados, natureza transformada
pela prática social, produto de uma capacidade criadora, acumulação cultural que
se inscreve no espaço e no tempo (CARLOS, 1996, p.30).
Desta forma, o conceito de lugar se transformaria a partir dos modos de
apropriação, nos costumes, na tradição e no cotidiano. Propriamente, no lugar das
vivências como aglomeração de suas crenças e de experiências constantes que se referem
principalmente ao afetivo. A valorização das relações de vizinhança que formam o lugar,
afirmam o sentimento de pertencimento e a liberdade do contato social (CARLOS, 1996).
No âmbito sócio-antropológico, Tuan (1983) entende que a concepção do lugar
deve ser parte do espaço onde o homem se sente protegido, onde acontecem às relações
afetivas, a experiência de viver
22
e de se relacionar. Ele afirma que a diferenciação entre
espaço e lugar seria que “o lugar é segurança e o espaço é liberdade: estamos ligados ao
primeiro e desejamos o segundo”, (TUAN, 1983, p. 3) e complementa dizendo que, “o
espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado” (TUAN,
1983, p. 151).
22
Neste contexto, para Tuan, emergem também as questões que incluem a experiência de viver, estar e a
forma como o homem transforma e se relaciona com a natureza, construindo nela seu lar.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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A partir deste enfoque, a particularidade deste conceito estaria fundamentada na
capacidade de instituir relações espaciais com relações humanas, onde são atribuídos
significados gravados por meio do uso. Neste sentido, a essência do “lugar” baseia-se na
interação das experiências do homem carregada de valores, equivalendo ao núcleo da
existência humana. Este núcleo se caracteriza pelo habitar, pelas relações simbólicas
impressas na apropriação e formas de utilização deste espaço (RELPH apud CASTELLO,
2007). É entender o mesmo como espaço imediato do cotidiano, onde são reproduzidos os
signos e valores de um grupo e/ou mesmo de um habitante. Portanto, baseia-se na tríade
criada por Carlos (1996) “habitante-identidade-lugar” e que é reforçada por Certeau
(1996) quando afirma que no lugar devem estar explícitas as relações humanas e sociais.
Entretanto, para ver, sentir, sobretudo, analisar o Pontal da Barra, considera-se necessário
perceber qual é a base da reprodução dos saberes, do trabalho, das relações sociais, de
cotidiano, enfim, como acontece a vida neste bairro.
De forma geral, os “lugares” entendidos na conceitualidade do termo, aqui
apresentados, surgem por meio das relações sociais impregnadas de significados próprios
que acontecem no plano das experiências vividas, sendo que a história e a cultura
determinam o “lugar” criando identidades e garantindo a construção das relações que
acontecem através da “apropriação do espaço como lugar da vida” (CERTEAU, 1996, p.
44). Só assim esses sentidos tornam-se compreensíveis e dotados de valor particular para
os habitantes que formam este lugar. Quanto a esses significados é importante ressaltar que
eles surgem através dos modos de saber e fazer, da forma como o homem se adapta ao
espaço, utilizando-o e transformando-o a cada dia (CERTEAU, 1996).
Desta maneira, o lugar se torna construção dos significados atribuídos pelas
relações entre o homem e o meio e absorve em si os acontecimentos da história impressos
na cultura tanto pelos sentidos quanto pela memória (CARLOS, 1996).
Nesta requisitação conceitual, convém lembrar o termo criado por Tuan (1980)
Topofilia – que significa os valores e sentimentos atribuídos ao espaço. Nesse contexto,
Topofilia não é considerada o sentimento de maior intensidade, mais sim aquele em que o
lugar torna-se símbolo à medida que é percebido. Para Tuan (1980), meio/espaço pode não
ser o principal motivo de Topofilia, entretanto ao agir fornece estímulos que despertem os
sentimentos e valores de um determinado local.
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Localiza-se, nesta abordagem, a alusão utilizada pelo autor com relação ao espaço
da praia, que por extensão pode equivaler à de cursos d’água como rios e lagoas, pois
remete aos sentidos e valores que um lugar desperta nos seres humanos
23
.
Afirma Tuan (1980), que a praia exerce uma atração sobre os humanos despertando
sentimentos contrários, como, segurança (pelas reentrâncias da praia) e aventura (através
da infinidade do horizonte que se abre para o mar), mas que remetem ao lar pelos símbolos
intrínsecos da existência humana
24
. Ela é identificada simbolicamente como um útero
capaz de sustentar as demasias advindas do cotidiano das grandes cidades, além de nutrir a
vida. A praia aludida por Tuan (1980) é descrita também como espaço, no qual o homem
passou a “dominar” e usufruir para conservação da sua própria sobrevivência. Destacando-
se a forma como se adaptaram e transformaram esse espaço para muitos entendidos como
lar. Diante de tal assertiva, no mundo atual, comunidades pesqueiras que se localizam junto
às praias, em sua generalidade, são grupos menos favorecidos que suportam esse modo de
viver sofrido (pelas constantes lutas pela sobrevivência), pela satisfação obtida através dos
costumes, dos modos de saber e fazer, enfim dos cotidianos densos e pacatos (TUAN,
1980).
Na verdade, a ligação com as águas, como afirma Schama (1996, p. 253) “[...]
equivale mergulhar numa grande corrente de mitos e lembranças, forte o bastante para nos
levar ao primeiro elemento aquático da nossa existência intra-uterina [...]”. Ou melhor, o
contato com formações de água desperta nos seres humanos a personificação mais
profunda de sua existência despertando relações de liberdade, de fertilidade, de
longevidade, onde a memória torna-se elo nas formações dos valores e significados
intrínsecos ao homem. O ritmo da vida se interliga aos cursos d' água que guardam os
mistérios do acontecer histórico.
A interpretação do bairro através desse acontecer histórico, do cotidiano, através
especialmente da memória, também pode ser lida como afirmações da identidade, e da
possibilidade de conhecimento dos modos de fazer e das relações sociais, pois, o lugar
possui um “espírito”, uma “personalidade”, havendo um sentido de “lugar” que se
manifesta pela apreciação visual ou estética e pelos sentidos a partir de uma longa
vivência. Os “lugares” são centros de valores, de sentimentos, de representações
23
Diante de tal reflexão conceitual destaca-se a semelhança com o Pontal da Barra.
24
Refere-se às oportunidades através dos tempos em comer, fixar-se em um lugar, reproduzir e aprender.
Nosso primeiro lar não foi talvez como um Éden, localizado perto de um lago ou do mar? (TUAN, 1980, p.
132)
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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simbólicas que interferem diretamente nas relações entre o homem e o meio (TUAN,
1983).
2.2. IDENTIDADE E TERRITORIALIDADE
O termo identidade tem sido bastante discutido e chega a causar polêmica quando
se trata de sua conceituação. “A noção de identidade expandiu-se à revelia de certos
cuidados reflexivos. Invadiu um tanto arrogante vários saberes e, como não poderia deixar
de ser, passou a refletir as limitações inerentes à indagações monodisciplinares”
(PORTELLA, 2001). Da mesma forma que “lugar”, o conceito de “identidade” pode ser
multidisciplinar, atingindo derivadas conotações que relacionem desde os conteúdos
psicológicos, históricos e até antropológicos.
De forma geral, os dicionários e enciclopédias denominam identidade como o
conjunto de características que diferenciam o indivíduo, se transformando a cada nova
mudança. Segundo Yázigi (2001), a construção de identidade concretiza a experiência de
vida, pois redefine e dá forma à existência do homem. Através dessa construção, a
identidade é formada através das relações entre as pessoas, lugares e objetos.
Nesta perspectiva, sobre o conceito de identidade pode-se explicitar que os
indivíduos são diferentes quando se fala de etnia e apresentam características únicas por
disposições da natureza. Através do ambiente existe o desenvolvimento de raças e
originando assim as diversas e distintas formas de viver e se relacionar. Todavia, o estudo
da identidade é preponderante para ressaltar os valores intrínsecos existentes na relação
habitante - lugar, entendendo dessa forma como o homem se apropria do espaço,
conceituando-o e utilizando-o.
Avaliar essas relações é buscar entender a própria condição do homem, pois
segundo Marx (1978), o homem é responsável pela construção do seu próprio eu, bem
como, o conhecimento dos objetos que estão a sua volta.
Neste sentido, o conhecimento de si e do que o cerca, diferenciando-o dos demais,
faz parte do seu processo de vivência, ou melhor, da sua relação com o espaço, onde estão
impregnados diversos significados e valores que geram assim, os elementos identitários.
Nesta perspectiva, a identidade é formada ao longo do tempo, e nunca é um
conceito acabado, estático, pelo contrário são processos conscientes e inconscientes das
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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características adquiridas na relação com o lugar (HALL, 2006). A identidade é apreendida
como o somatório das condições que envolvem o enriquecimento e o desenvolvimento de
um povo e suas origens. Assim, se torna fator preponderante para conceituar o que nós
conhecemos como nos transformamos e o que nos diferencia de todos os outros indivíduos.
Em síntese, pode-se mesmo afirmar, que a identidade de um povo é o resultado dos
elementos culturais que lhe são inerentes e que se desenvolve em virtude das tendências
comportamentais comuns ao grupo social dados em um determinado local
25
.
Segundo Pollak (1998), existem três elementos essenciais na formação da
identidade, são eles: a unidade física, onde prevaleceria o sentimento de pertencer ao lugar;
a continuidade do tempo, onde estão presentes as barreiras físicas e principalmente
psicológicas, além da unicidade do indivíduo a partir de suas características. Estes
componentes são os principais responsáveis pela construção da identidade seja ela do
indivíduo seja de um lugar (considerando a história, os costumes e as mudanças ocorridas
pelo tempo). Este autor assegura que há um diálogo consolidado entre identidade e a
memória, pois a segunda faria parte da construção da primeira.
Na verdade, a identidade e a memória estão sempre conectadas e são reforçadas de
forma recíproca. “Podemos portando dizer, que a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também
um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (POLLAK, 1998, p.5). Para Borba, as
singularidades de um povo são reveladas através da identidade e da memória, pois “a
identidade depende de suas características, do ambiente propício ao desenvolvimento de
sua criatividade; das condições culturais, sociais, históricas, físicas e geográficas da região
[...]” (BORBA, 2006, p.26). A importância da memória na afirmação das identidades é
reforçada na seguinte afirmação:
O sentido de identidade depende, em grande parte, da organização desses pedaços,
fragmentos de fatos e episódios separados. O passado assim, é descontínuo. A
consistência e o significado desse passado e da memória articulam-se à elaboração de
projetos que dão sentido e estabelecem continuidade entre esses diferentes momentos
e situações (VIEIRA apud VELHO, 2000).
25
FILHO, Agassiz de Almeida. Globalização e identidade cultural. São Paulo: Editorial Cone Sul Ltda,
1998.
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pelas lembranças dos moradores idosos.
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Este alcance do modus vivendi, da identidade na percepção dos que viveram
“diferentes momentos e situações”
26
sugerem inúmeras interpretações, mas que estão
embasadas essencialmente no processo de interação do homem com o lugar, seus
significados, história, sobretudo no cotidiano.
Também para Coelho (1992), os reflexos da história, das representações subjetivas
do cotidiano permeiam a construção das identidades, tornando o lugar único, com diversos
elementos (costumes, comportamentos, cotidiano, etc.) constituídos por valores individuais
e singulares. Torna-se, portanto, imprescindível pensar nesses elementos como
reafirmadores da identidade inserindo os mesmos nas dimensões espaço-tempo.
O passado e o presente juntos são os principais subsídios na concepção da
identidade, pois no passado estão a conformação da língua, dos hábitos, dos valores
étnicos, costumes, presentes na sociedade e, no presente/futuro, todos esses elementos se
tornam mutáveis, pois novos contextos são adicionados aos antigos e novas direções são
englobadas à forma de viver
27
.
Como há uma pluralidade nas abordagens acerca deste conceito, este trabalho
enfatizará a identidade do ponto de vista antropológico, que se constitui das características
existentes no espaço territorial (símbolos, costumes, cotidiano, ritos, mitos, religião) e que
o distinguem dos demais. Derivaria da interação entre o homem e espaço, no qual desperta
referências simbólicas de pertencimento ao lugar que fortalecem sua singularidade.
Deste modo, a identidade do bairro do Pontal buscará ser construída a partir das
experiências vividas, sentidas e memorizadas assim como, aparecerá nos costumes,
símbolos, ritos que se manifestam das mais diferentes configurações e sofrem adaptações
pelas mudanças trazidas pelos novos processos
28
. A identidade propõe a capacidade dos
indivíduos de interligarem mudança – com a tradição e o novo com o compartilhamento.
A identidade percebida, a partir da cultura, está explicitada por meio dos
comportamentos de cada porção do espaço, em cada indivíduo. Entre estes estão os:
aspectos religiosos, os saberes e fazeres, tradição e caracteres étnicos que são componentes
imperativos a uma real reunião social.
26
Aqui relacionados os idosos, pois detém uma trajetória de vida mais bem delineada, e podem ser feitas as
devidas comparações do passado relacionado ao presente.
27
Ibidem
28
Entre estes se destaca à globalização que segundo Stuart (2006), se refere àqueles processos, atuantes
numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo[...]
70
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Em geral, a busca pela identidade de um bairro significa encontrar o elo existente
entre as identidades espaciais e as sociais, analisadas através do cotidiano e das práticas
sociais. Basicamente é analisar o espaço herdado e os movimentos sociais. “A partir destes
elementos, penso que existem vários cotidianos e que em alguns deles há uma rotina de
estratégias de sobrevivências e resistências que criam identidades sociais” (COELHO,
1192, p.286).
A partir destas constatações, ressalta-se a associação existente entre identidade e
territorialidade. Segundo Ferrare (1993), nas discussões sobre territorialidade está implícita
a formação de identidade, pois esta é resultante da relação que o indivíduo mantém com o
meio, através de suas vivências, compartilhadas com os demais habitantes do território.
A territorialidade é percebida como processo que está embasado na relação do
homem com o meio, levando em conta as experiências vividas individualmente ou pelo
grupo em um determinado lugar e em tempos diferentes. É necessário considerar, segundo
Vieira (2000) que as mudanças advindas da contemporaneidade, forçam a importância de
que espaços sociais, cidades e /ou bairro possuem “histórias diferentes, vida coletiva
organizada de forma diferenciada, ou seja, sistemas de relação que os distingue de outros
bairros ou de outras cidades” (VIEIRA, 2000, p.3). Pois, como prossegue, constata-se,
A vida é tecida de relações e por isso a territorialidade pode ser definida como
um conjunto de relações emergentes de um sistema tridimensional - sociedade,
espaço, tempo - visando à maior autonomia possível, compatível com os recursos
do sistema(RAFFESTIN apud VIEIRA 2000, p.3).
Assim, como a identidade e a territorialidade são também sempre passíveis de
mudanças que são advindas do tempo, pode-se afirmar que a relação entre ambas é
mutável e subordinada aos fatores sociais e simbólicos provenientes da relação homem-
lugar.
Nesta discussão cabe ainda falar da noção de pedaço criada segundo reflexões de
Magnani (apud Castello, op. cit: 101) onde é ressaltado que o “pedaço” é o lugar dos
encontros, onde acontece o cotidiano, as práticas de lazer, “dessa forma o pedaço é ao
mesmo tempo resultado de práticas coletivas (entre as quais as de lazer) e condição para
seu exercício e fruição” (MAGNANI apud CASTELLO, 2007, p.101).
Assim é necessário entender que a identidade deve ser analisada pela prática do
viver, de relacionar-se com o outro, do habitar, considerando as mudanças advindas dos
novos processos e tecnologias, onde “[...] O lugar é um ponto do mundo onde se realizam
algumas das possibilidades deste último. O lugar é parte do mundo e desempenha um papel
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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em sua história [...]” (SANTOS, 1988, p.35), enfim é uma identidade vivenciada,
identidade social, nascida da relação do homem com seu território.
2.3. IDENTIDADE E DINÂMICAS DA CONTEMPORANEIDADE
Através das profundas transformações presentes no mundo, a partir da criação de
novas tecnologias, aperfeiçoamento da técnica e da globalização há uma tendência a
homogeneização dos saberes e do conhecimento, o que implica mudanças nos processos
produtivos, onde barreiras são quebradas e a relação espaço-tempo se altera de modo
inquestionável. Chega a ocorrer a fragmentação das etnias, do gênero, das paisagens
culturais, influindo de modo direto no conhecimento que o homem tem de si, do seu lugar
de moradia, convivência, dos seus costumes, transformando desta forma, o seu mundo
social (HALL, 2006).
Cabe desta forma, (re) pensar a identidade do lugar, pois é possível constatar a
influência e até ameaça de suas estruturas sócio-culturais e até econômicas geradas por
estas amplas relações (CARLOS, 1996). Entretanto, conseguem destacar-se nessas
mudanças estruturais, as pequenas comunidades que vêm romper com a tradicional
organização social e o sistema (re) produtivo tanto do espaço quanto das relações sócio-
econômicas, provocando assim o acréscimo proporcional de novos valores e costumes
(SEPLAN, 1985). Isso vem acontecendo desde o processo de industrialização e da
urbanização, onde segundo Lefebvre (1969), a sobrevivência do indivíduo e os modos de
vida, sobretudo das pequenas comunidades, deveriam permanecer interligados com as
condições de vida urbana, todavia o processo de migração para os centros detentores do
poder econômico, social e político, as transformações de valores e tradições geram em
alguns casos, a desvalorização e a descaracterização da organização tradicional.
É pertinente a reflexão feita por Carlos (1996) quando relata que o lugar
29
, através
dessas mudanças, se torna a articulação das particularidades locais com o mundial. As
transformações nos processos produtivos, a diminuição das fronteiras trazem novas formas
de entender e se relacionar com o meio. Onde através do mundial/global surgem novos
29
Convém ressaltar que aqui o lugar refere-se ao bairro do Pontal da Barra.
72
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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valores e significados que se adaptam aos já existentes seja na cidade, numa comunidade,
enfim, em um bairro.
Essa adaptação como forma de defesa para a sua própria resistência desempenham
um papel crucial para sua conservação. Também afirma Santos (1998), que os lugares
possuem variáveis “internas e externas”
30
, onde na organização da vida as variáveis
externas se internalizam incorporando-se ao cenário local, ele ainda constata que:
Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos,
isto é, “únicos”. Isto se deve à “especialização desenfreada dos elementos do
espaço – homens, firmas, instituições, meio ambiente”, a “dissociação sempre
crescente dos processos subprocessos necessários a uma maior acumulação de
capital, à multiplicação das ações que fazem do espaço um campo de forças
multidirecionais e multicomplexas, onde cada lugar é extremamente distinto do
outro, mas também claramente ligado a todos os demais [lugares] [...]
(SANTOS, 1988, p. 34, grifo do autor).
Em alguns casos, esses locais passam a ser freqüentados e muitas vezes sustentados
pela classe dominante e por turistas, que procuram algo peculiar, mas que ofereçam
qualquer coisa para suprir a insaciável sede por consumo. A partir dessa condição, como
considerar o “lugar” como singular?
Para Hall (2006), estas mudanças trazidas pela globalização
31
criam a chamada
“crise da identidade”, na qual se deslocam as estruturas norteadoras das práticas sócio-
culturais e econômicas, abalando as referências que o homem considerava base do meio
social, do meio vivido. Praticamente, estas alterações interferem nas relações de espaço e
tempo que estão ligados diretamente na forma como a identidade é localizada e
representada.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global, lugares e
imagens (...) mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas - de
tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”
(...) Isto gera a “homogeneização cultural” (HALL, 2006, p. 75-76).
A partir dessa homogeneização não significa que o global anula o local mas, sim,
que existe uma articulação entre estes componentes. Convém ressaltar que, ao mesmo
tempo, a globalização é tendenciosa para a homogeneização, pois ela também, permite que
30
“O interno é tudo o que, num momento dado, está presente em um lugar determinado. No interno, as
variáveis têm a mesma dimensão do lugar, as dimensões se superpõem determinadas pelo lugar. O interno é
aquilo que, num momento dado, aparece como local. [...] O externo é tudo isso cuja sede é fora do lugar e
tem escala da ação maior que o lugar, muito embora incida sobre ele” (SANTOS, 1998, p. 96).
31
A Globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala mundial, que atravessam fronteiras
nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo,
tornando o mundo, em realidade e experiência, mais interconectados (HALL, 2006, p.67).
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
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se destaquem as singularidades, enfim a diferença. Reconhece-se, portanto, que estes
fatores reforçam o local, mantendo a dinâmica própria destes processos, pois como já
discutido a identidade não é algo estático, está sendo adaptada a cada novo valor que é
criado na relação espaço-tempo. Afirma Carlos (1996, p. 17) que:
a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes níveis, no lugar
encontramos as mesmas determinações da totalidade sem com isso eliminar-se as
particularidades, pois cada sociedade produz seu espaço, determina os ritmos da
vida, os modos de apropriação expressando sua função social, seus projetos e
desejos
.
Entretanto, é possível observar que em muitos lugares a sede por desenvolvimento,
por modernização pode desencadear o desaparecimento do que lhe é mais característico e
singular. É conveniente citar, que a transformação de muitas “comunidades tradicionais”
em “comunidades turísticas” – aquelas que agregam costumes, saberes ao turismo -
tornaram-se frágeis, pois a inserção nesta nova fase trouxe conseqüências sociais e
ambientais irremediáveis, comprometendo a população residente, a identidade e o cultura
do lugar
32
.
No instante em que se deseja definir os contornos dessas mudanças, deve-se levar
em consideração a seguinte afirmação,
Andando pelas ruas, calçadas e becos, descobrindo seus segredos, seus cheiros,
entrando nas casas e lojas, observando os rostos das pessoas, suas atividades,
encontros e desencontros, é quando, enfim, se vivencia cada pedaço da cidade, e
pode-se afirmar com mais segurança o que lhe é adequado (COELHO; FONTES;
NEVES, 1986).
32
Como exemplo, pode-se citar o Pelourinho, “região tradicional de uso administrativo, residencial e
comercial de Salvador, reconhecida em 1985, como Patrimônio Cultural da Humanidade - UNESCO, que
passou por sucessivos processos de perda do valor imobiliário, acarretando uma acentuada (des) valorização
e (des) caracterização do seu espaço edificado.
É neste contexto de degradação dos edifícios que surge,
integrado a um Projeto Turístico para a cidade de Salvador, - O PROJETO DE RESTAURAÇÃO DO
PELOURINHO,obra patrocinada pelo Governo do Estado.
O Projeto transformou a área central do CHS
(trecho entre o Terreiro de Jesus e o Largo do Pelourinho) em local exclusivo para o lazer, turismo e
comércio adotando ainda como premissa a não permanência da população residente.
Estas obras causaram a
perda definitiva das antigas estruturas residenciais do centro da cidade e da leitura da estrutura urbana
colonial, pois o centro das quadras, antigos quintais das residências, foi unificado e, transformado em praças
de lazer, sobretudo para apresentação de shows. O “Novo” PELÔ está vazio de turistas e de moradores, e
sem ruídos do cotidiano baiano ‘genuíno’ ( ao menos nas áreas saneadas para “o turista vê”). O que se
percebe da ‘antiga’ autenticidade está nos becos que levam a partes não ‘restauradas’ e, na presença do ‘preto
velho’ que teve autorização para colocar o seu ponto de venda na rua que “turista passa”, pois,... o seu
comércio é muito peculiar.
Falta-lhe, também, odores e ritmos naturais de conversas risadas, ... orvalhos dos
arbustos, e “galos nos quintais” referências culturais que o Projeto lhe retirou” (FERRARE, 2007).
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pelas lembranças dos moradores idosos.
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É preciso reconhecer que a cultura também se torna parte indispensável nessa
interação, sobretudo, se por cultura se entende tudo o que advenha das crenças, da arte, dos
hábitos, dos costumes adquiridos pelo homem ao longo de sua evolução, enquanto
sociedade. Portanto, as mais diferentes e importantes formas de organização de uma
comunidade, seus costumes e tradições passadas para gerações atuais e futuras, é claro, a
partir de um modo de vida sedimentado.
Entende-se, pois, que é de vital importância considerar os aspectos subjetivos,
simbólicos e principalmente conceituais na compreensão do lugar, aqui atribuído ao bairro,
para a partir daí discutir os valores e significados inerentes e formadores da relação
homem- meio urbano.
2.4 BAIRRO, COTIDIANO E CONSTRUÇÕES
Para Certeau (1994), o bairro se define como uma porção do espaço na qual o
usuário tem domínio das práticas sociais nele desempenhadas, o equivalente a dizer que, é
onde ele se reconhece e mantém relações impregnadas de valores e significados efetivados
por meio das trocas simbólicas realizadas com o ambiente. Assim, o bairro pode ser
reconhecido como “lugar” onde se desenvolve o envolvimento social, na qual a vivência
com vizinhos se concretiza através da fixidez do habitat e da proximidade. Essas relações
possibilitam a compreensão de como se modela a vida cotidiana.
Efetivamente, de acordo com Carlos (1996), no bairro acontecem às relações
cotidianas mais estreitas, o jogar bola, conversar na calçada, as brincadeiras, onde
aparecem as significações delineadas por uma vivência mais acolhedora, por ser bastante
compartilhada com outros, em um ambiente comum, ou seja, é o pedaço da cidade
habitada pelo homem e que envolve o seu cotidiano, expresso pela forma como ele se
apropria e utiliza este espaço - a prática vivida. Como já afirmara Carlos (1996) é no lugar
onde o cotidiano acontece.
De certa forma, sob a ótica de Gonçalves (1988, p.18), o bairro seria “o espaço
social da cidade, território cujo limites reais e vividos foram se estruturando ao longo do
desenvolvimento da cidade”. Esse autor considera o bairro não como porção autônoma,
mas como lugar no qual se consolidam, através do contexto citadino, os elos afetivos de ser
vizinho, ser parente, ser amigo, que o determinam e o instituem. O valor que o bairro
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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detém está intimamente ligado aos elementos que o determinam e a intensidade de seu
significado e as relações simbólicas nele existentes.
No caminho mediante tal assertiva, convém ressaltar que ele não é um lugar
independente, desconecto do resto da cidade, na verdade ele só se concretiza por meio da
articulação com a cidade. Tanto a história do bairro quanto a da própria cidade são
pertencentes a um mesmo contexto social, entretanto cada bairro mantém impresso na sua
essência suas particularidades advindas dos processos entre o homem e o meio
culturalizado.
No âmbito do urbanismo, o estudo sobre bairros tem levantado conclusões
importantes como a que chegou Lefebvre (apud RAMOS, 2004, p.82), “sem bairros, assim
como sem ruas, pode haver aglomeração, tecido urbano, megalópoles. Mas não há cidade.
[...]” ,
[Ao bairro, corresponde, pois], “um equipamento mais ou menos suficiente e
completo. Não só um monumento (igreja), mas uma escola, uma agência dos
correios, uma zona comercial, etc. Um determinado bairro, desta forma, não é
por si só auto-suficiente. O equipamento depende de grupos funcionais mais
amplos, ativos à escala da cidade, da região, do país. A estrutura do bairro
depende estreitamente de outras estruturas mais vastas: municipalidades, poder
político, instituições.” [Porém, é ao nível do bairro que] “o espaço e o tempo dos
habitantes somam forma e sentido no espaço urbano.
Diante da cidade, os bairros são considerados as menores porções físicas que são
delimitadas de acordo com ações de cunho político e administrativo. Entretanto, é nele que
se reproduz a vida diária, cotidiana, sendo pertinente a comparação feita por Certeau
(1994) quando diz que a cidade é “poetizada” pelos atores sociais, onde estes (re) fabricam
a cidade e determinam o consumo do espaço, enquanto o bairro é o próprio objeto de
consumo, onde são estabelecidas as mais fortes relações e os mais fortes sentimentos.
Essas relações poderiam ser descritas como, conhecimento dos lugares, trajetos cotidianos
preferenciais e as relações de vizinhança, estando claro que a prática que existe no bairro
não aparece apenas como funcional, mas sim como simbólica.
Convém refletir, junto com Gonçalves (1988), que a noção de bairro não deve
dissociar-se dos padrões culturais, pois para uns o bairro é vivido como aldeia, onde as
relações são bastante próximas e no qual se organizam a identidade e os elos afetivos; e já
para outros, o bairro é local apenas de residência, onde se comprova a escassez das
relações simbólicas e subjetivas. Entretanto, para apreender o significado de um bairro
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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deve se considerar o cotidiano, os costumes explicitando-o como “lugar privilegiado de
vida e de expressão de convivialidade [...] O bairro define-se através do vivido e do agir
social consolidado [...]” (GONÇALVES, 1988, p.30).
Ponderado de outra forma, o bairro pode ser percebido como intermédio do espaço
público com o espaço privado (espaço familiar, a casa), sendo ele o centro das experiências
comuns, onde se articula o cotidiano e o indivíduo no processo de apropriação. “O bairro é
uma noção dinâmica, que vai progredindo mediante a repetição do engajamento do corpo
do usuário no espaço público até exercer uma apropriação” (CERTEAU, 1994, p.42).
Em meio a tantas considerações, é imprescindível avaliar os bairros sendo
influenciados pelo acontecer histórico (considerando, portanto, sua relação com a cidade),
pelo contexto citadino, e principalmente por suas singularidades que são transmitidos pelo
conhecimento de si, do outro, e variam diferenciando-se segundo o espaço social. Esse
grau de diferença presente no espaço social advém de como se organiza a vida e como são
tecidas as redes de relações políticas, físicas, sociais e, sobretudo simbólicas.
Essas relações entre espaço e a significação do bairro variam profundamente de um
meio social para outro: em determinados grupos, são determinados pelas relações de
vizinhança, que se organiza toda a vida; em outros pela inserção de diversos grupos
organizados local e socialmente; e ainda para outros, é a partir da introdução do núcleo
urbano num meio de qualidade, no qual as relações criadas são independentes da
proximidade, tal como expõe Gonçalves (1988). De fato, na realidade do bairro, o espaço
não detém apenas um emprego funcional, mas, sobretudo, simbólico. Assim, a
compreensão e significação de um bairro não podem ser dissociadas da cultura e sua
variabilidade, pois em cada local (bairro) existe uma lógica de vida social, uma história que
os tornam únicos perante os demais.
A atribuição de um significado ao bairro, a formação de uma imagem mental
forte, a construção da identidade do bairro na mente do indivíduo, a própria
bairrofilia, dependem de diversas circunstâncias, as quais estão compreendidas
nos meandros que percorrem os diversos aspectos da relação dialética objetivo-
subjetivo (SOUZA, 1989, p. 149).
Nesta perspectiva, o bairro visto enquanto espaço social é apresentado como local
onde se reconhecem relações de afetividade, onde existe a integração dos valores e
significados culturais entre esta parcela da população, conformando um “lugar” onde a
vida é expressa pelo cotidiano e pelas relações de parentesco, de vizinhança e de
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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pertencimento. Em suma, um lócus que conforma o lugar do vivido e do agir social
consolidados pela sua história.
Tais reflexões abrem os caminhos para discutir e pensar acerca da noção de
cotidiano, como se consolidam os hábitos, as práticas sociais. Retomando ainda Carlos
(1996), resgata-se o entendimento de que o cotidiano estaria expresso pelas maneiras de
ser, pelos elos afetivos, onde dialogam o local e o mundial. Este cotidiano, ainda, permite o
perceber e apreender o bairro pela simples práticas sociais e familiares que acontecem
todos os dias, reconhecendo ser nele que incidem as práticas espaciais e os signos: onde
aparecem os modos de apropriação e inter-relação do corpo com o espaço. A partir do
momento em que cada indivíduo se coloca num lugar permite-se o pensar, o viver, o
habitar enquanto tradução do cotidiano.
O cotidiano chegou a ser entendido, para Certeau (1994), como algo que nos
preenche intimamente, configurando o que é apresentado a cada dia, o que se partilha com
o outro, o peso do vivido. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa,
memória dos lugares de infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres
[...]” (CERTEAU, 1994, p.31). Esse plano do vivido e praticado, se comprova no sair de
casa e no andar pelas ruas, no conversar na calçada, definindo-se muitas vezes pelo acaso
dos encontros e desencontros, pois “o cotidiano implica, ao mesmo tempo, no repetitivo e
no criativo, na alienação e na desalienação, nas manutenções e nas possíveis
transformações” (RAMOS, 2004, p.86).
Refletindo acerca dessas considerações, e ainda retornando as reflexões expostas
por Carlos (1996), o cotidiano passa de simples inconscientes fluir de rotinas à essência do
imaginário simbólico onde emergem valores e significados necessários à produção da
humanidade do homem. “[...] há brechas no cotidiano que abrem espaço para o criativo e
para o virtual [...]” (CARLOS, 1996, p. 100). Este cotidiano é produzido assim como o
espaço urbano pelas relações de produção, onde a dimensão espacial da realidade social se
aloca diante da articulação sociedade-espaço, na medida em que a vida é consolidada.
Torna-se claro, então, que a dimensão preponderante é a do vivido
33
, do praticado,
que exerce importância nas relações simbólicas da interação do homem com o espaço e
33
Na dimensão do vivido estão impregnadas todas as emoções, boas e ruins, advindas dos eventos nos quais
tomamos parte, seja como agentes, seja como receptores. È a dimensão/espaço da nossa experiência no
mundo. Comporta as espacializações que nos fizeram felizes, ansiosos,tristes ou alegres, que nos trouxeram
recompensas e sofrimentos, que nos engrandeceram e nos castigaram. È onde nos como seres do mundo
tivemos experiências significativas (MALARD, 2006p. 30-31).
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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com os demais indivíduos. Sendo importante estar atento, as características marcantes no
bairro condicionadas por um cotidiano específico, fortemente marcado por referenciais
simbólicos e espaciais que influem diretamente no sentimento de pertencer.
2.5. RUA, IMPERATIVO DA HISTÓRIA E DO COTIDIANO
[...] a rua está para casa como o corredor [...] está para todos os cômodos
da casa brasileira tradicional [...] ( DA MATTA, 1997, p.56).
A análise e leitura da cidade devem ultrapassar as barreiras rígidas e materiais
apenas definidas por padrões funcionais e urbanísticos e alcançar a diversidade de
significados impregnados em seus elementos estruturadores, sejam eles, as ruas, as praças,
os bairros, o centro, as casas, os edifícios e os vazios urbanos. Cada elemento formador do
espaço habitado constantemente sofre modificações, são produzidos e, reproduzidos de
acordo com a interação com o homem, essencialmente determinadas por fatores culturais,
políticos, históricos e sociais (MAIA, 2007). Pois, de acordo com “a natureza de um
espaço [que se] determina os tipos de relacionamentos entre as pessoas, sendo, portanto, a
conformação urbana um dos fatores que caracteriza a forma e o tipo de uso que o espaço
adquire” (YAMADA, 2004, p.1).
Nesta leitura múltipla e metonímica da cidade, a rua também apresenta-se como
espaço de efetivação da vida cotidiana, ou melhor, “a rua, então, passa a ser, o grande
palco das sucessivas cenas e dramas, enfim, lócus das diversas representações da
sociedade” (CABRAL, 2005, p.2) e que se tornam base do acontecer social.
Com efeito, segundo Magnani (1993), através dos contrastes criados pela inserção
de novas tecnologias, pela heterogeneidade da vida contemporânea, a rua pode ser
percebida como apenas espaço de passagem, de circulação, e como define Carlos (1996,
p.87), “[...] na metrópole o caminho vira rua, depois se transforma em avenida, e nesse
ponto [...] a rua deixa de ser extensão da casa para se contrapor a ela”. Sob esta ótica a rua
é entendida,
[...] como um eixo classificatório e unidimensional (vias expressas, coletoras,
locais, binárias, etc.),”[..] Mas também, essa rua, rígida na função tradicional e
dominante - espaço destinado ao fluxo - às vezes se transforma e vira outras
coisas: vira casa, vira trajeto devoto em dia de procissão, local de protesto
em dia de passeata, de fruição em dia de festa, etc. Ás vezes é vitrine, outras
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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é palco, outras ainda lugar de trabalho ou ponto de encontro (MAGNANI,
1993, p.2, grifo nosso).
A multiplicidade dos significados existentes na rua desvendam a forma como o
homem se apropria do lugar, como ele o utiliza e o conceitua. Através dessa atribuição de
valores e características é que se destacam as diferanças e singularidades. Esse “lugar de
estar”, pode agregar diversos sentidos, pode ser lugar de passagem, de festas, lugar de
mercado, lugar de morar, de reivindicar, lugar de domínio, lugar de lazer, lugar de
encontro, enfim, a rua pode adotar os mais diversos significados dependendo de sua forma
de utilização e apropriação (CARLOS, 1996). Tal consideração, pode ainda ser confirmada
por Da Matta (1997), quando enfatiza que nenhum conceito sobre a rua deve ser estático e
absoluto, mas ao contrário, deve ser dinâmico, pois há muitos casos em que a rua é espaço
de liberdade, pertence ao povo, está sempre repleta de variados fluxos e movimentos, ou
ainda, pode tornar-se um lugar ‘fechado’, ou melhor, tornar-se a casa ou ponto de um
grupo que usufrui deste espaço.
A rua é lugar de encontros, representa todo o cotidiano do acontecer social. Há que
se entender que ela possui vida própria perante a cidade, pois revela os valores e
significados presentes na dimensão da vida (LEFEBVRE apud CARLOS, 1996). Assim,
considerar-se-á para esta abordagem a rua, como descreve Carlos (1996,p.91),
[...] enquanto nível de entendimento do cotidiano e da espacilaidade das relações
sociais coloca-se na perspectiva da constituição da sociedade urbana[...] baseado
na prática social na medida que expõe o vivido. Ela também se abre enquanto
palco e espetáculo em que se transforma o cotidiano abrindo uma infinidade de
perspectivas para a análise e entendimento da sociedade urbana[...]
Por se tratar de um elemento fundamental no plano do vivido, a rua revela os
modos de saber e viver que estão impregnados na particularidade da essência humana. Em
dicionários a palavra rua é considerada local de circulação urbana, qualquer logradouro
público ou regular que não seja a casa, entretanto segundo Carlos (1996) é na rua que se
encontram os fragmentos da vida, nela estando marcados os passos do cotidiano, o modus
vivendi, os encontros e os desencontros. “A rua se coloca como dimensão concreta da
espacialidade das relações sociais num determinado momento histórico, revelando gestos,
olhares e rostos, as pistas das diferenças sociais”(CARLOS, 1996, p 86).
É neste corredor da vida citadina que as formas de apropriação do espaço se
concretizam, configurando o relacionamento do homem com o lugar. Nela, o cotidiano tem
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“local” certo para acontecer, todos os dias, em cada passo, de acordo com a dinâmica das
práticas sociais geradas pelo processo histórico em curso. Nas palavras de Da Matta (apud,
FERRARE 1997, p.53), “é a rua que resgata a experiência da diversidade, possibilitando a
presença do forasteiro, o encontro entre desconhecidos, a troca entre diferentes, o
reconhecimento dos semelhantes, a multiplicidade de usos e olhares”.
Neste contexto de pluralidade de usos e significados, entender-se-á a rua como
lugar do vivido, relacionando-a ao lugar onde a sociabilidade de certa forma aparece mais
delimitada no espaço urbano, o bairro. Refletindo-se acerca da história de um bairro,
percebe-se, que a rua é elemento presente nas lutas sociais, nas festas locais, procissões,
quermesses, no caminhar para o trabalho, no saber e no fazer, onde se ouvem as notícias
reais e fictícias, enfim, é o componente que revela cada evento constituinte do lugar. Por
conseguinte, ela (rua) coloca-se na dimensão dos símbolos e significados de uma
comunidade. “Se abre enquanto palco e espetáculo” (CARLOS, 1996, p 91), e torna-se
lugar de passagem no qual a vida urbana se efetiva. Mas, também é espaço que
salvaguarda o cotidiano, porque o recria.
Mediante tais características marcantes, este elemento tão singular que compõe o
bairro, aqui é relacionado ao termo criado por Magnani (1993, p.5) como - “pedaço”, pois,
"o termo na realidade designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o
público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços
familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e
individualizadas impostas pela sociedade" (MAGNANI, 1993, p. 138), e ainda continua
afirmando que “é aí que se tece a trama do cotidiano: a vida do dia-a-dia, a prática da
devoção, o desfrute do lazer, a troca de informações e pequenos serviços, os inevitáveis
conflitos, a participação em atividades vicinais”.
Prosseguindo no empenho de melhor explicitar estas questões, faz-se pertinente
avançar a discussão acerca de como se apresentam a rede de relações e significados tão
peculiares ao Pontal da Barra. Para tal intento, buscou-se melhor compreensão das
interações entre indivíduo e lugar através de uma escolha metodológica que trabalha os
valores simbólicos de forma multifacetada, a qual abordar-se- á no capítulo a seguir.
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pelas lembranças dos moradores idosos.
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III. HISTÓRIAS DE VIDA – MEMÓRIAS E NARRATIVA
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3.1. HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA.
Antes de tudo, é preciso saber “ouvir contar”: apurar o ouvido reconhecer esses
fatos que muitas vezes podem passar despercebidos (ALBERTI, 2004, p.10).
O espaço habitado é construído a partir das infinitas relações entre o homem e o
meio, no qual a dinâmica da vida ultrapassa as estruturas físicas e funcionais. Neste plano
de determinações é onde a vida de homens, de mulheres, de idosos e de crianças se
concretiza e se estabelece. “O que trazem o que inventam, o que transformam está além de
qualquer possibilidade de determinação”(MONTENEGRO, 1992, p.9). Nestas relações
estão impregnadas uma diversidade de sensações, símbolos e sentidos que permitem que
essas duas esferas conectadas, permeiem assim a identidade do próprio homem, do que o
caracteriza, do que o forma, da sua capacidade como ser. “O ambiente urbano apresenta-se
como um aglomerado de signos: traços, cores, texturas, cheiros, formas, ao mesmo tempo e
paradoxalmente, juntos e dispersos, visto que não há convenção que os organize [...]”
(
FERRARA, 1999, p.21).
Entretanto, o universal e o particular, o geral e o específico se estabelecem nestas
relações como formas indissociáveis de percepção do real e do vivido, onde a formação
social de um lugar adquire sinais de universalidade. Emerge nesse processo o cotidiano,
“que mais e mais cerca a vida das cidades, e que se projeta como experiência da
modernidade” (MONTENEGRO, 1992, p.9).
Na busca pelo conhecimento deste cotidiano, expresso pelo plano do vivido e
sentido, destaca-se uma metodologia que trabalha os valores simbólicos construídos pelo
homem através dos registros da memória descritos e recuperados pela narrativa,
denominada História Oral. Essa metodologia não é somente uma prática pontual que
aborda a história através dos relatos da memória, mas uma maneira de resgatar os
elementos formadores da identidade, de socialização de seus saberes e experiências. Desta
forma esta idéia está associada às considerações estabelecidas por Silva (2006, p.186),
quando diz que, “[...] A história oral, é uma metodologia histórica que trabalha com
depoimentos orais, realizando entrevistas a partir das quais o historiador constrói suas
análises”.
Entendida como ferramenta de difusão da cultura, a história oral incentiva a
transmissão de valores, sentimentos e visões de mundo, na qual palavra compreender
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pelas lembranças dos moradores idosos.
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ganha variados significados. Entre estes os quais significa vivenciar o outro (seja um
bairro, uma rua, uma cidade ou até mesmo processo e lutas), as suas histórias, suas
emoções baseado numa memória que tenta reviver ações e fatos de outrora. Ela está
diretamente conectada as questões que envolvem a memória do homem tanto no campo
coletivo quanto no individual (SILVA, 2006).
A história oral, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação da História
Contemporânea do Brasil, começou a ser utilizada nos anos de 1950, nos Estados Unidos
onde era aplicada de forma bastante modesta para “coligir material para historiadores
futuros” (JOUTARD, 1995, p.45); e ainda no México e na Europa, onde estas pesquisas se
destacavam no registro de recordações de chefes revolucionários, bem como, para
reconstituir a cultura popular (JOUTARD, 1995). Sua difusão foi ainda afirmada pela
capacidade de interdisciplinaridade, a partir de onde ganhava cada vez mais adeptos;
historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos, arquitetos entre outros. Com o tempo,
a história oral passou de complementação, apenas, do material escrito, para uma história
que dá voz aos povos que ainda não tinham sido ouvidos (JOUTARD, 1995).
Sua introdução no cenário brasileiro se deu por volta da década de 1970, e teve
como principal enfoque a compreensão do passado relacionada e contraposta ao futuro.
Entretanto, só nos anos 90 houve uma participação expressiva nos estudos relacionados à
memória. Consolidando-se desta forma, com a criação da Associação Brasileira de História
Oral, em 1994, quando foram divulgados trabalhos e programas no cenário da história oral.
A partir daí, o caráter da pesquisa oral pôde ser vista como um sistema coerente e
aberto para construir e transmitir conhecimentos. Os relatos orais sobre o passado
englobam explicitamente experiências subjetivas (LAGO, 1996). Em razão disto, torna-se
necessária a análise de todos os aspectos relacionados à história, aos costumes e a
contextualização dos acontecimentos. Nessa contextualização descobre-se que a história
oral apresenta uma vivacidade por tratar de experiências de vida singulares impregnadas de
emoções, reações, observações dando um “tom especial” as pesquisas deste campo
metodológico (ALBERTI, 2004).
É fato que esta metodologia trata necessariamente das experiências no plano do
vivido relatados através de narrativas pelos atores sociais caracterizando-se pela coleta de
entrevistas (resultado do diálogo entre entrevistador e entrevistado) gerando interpretações
fundadas na relação do indivíduo com o objeto/lugar/acontecimento, ou seja, através das
narrativas buscar-se-á linhas de interpretação (FERREIRA; AMADO, 2005).
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
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O procedimento básico utilizado nessa metodologia é a aplicação de entrevistas
feitas a partir de um banco de dados
34
, roteiro guia, no qual o entrevistado é inquirido
sobre o assunto a ser pesquisado (procurando-se conhecer hábitos, costumes, história,
cotidiano), e em seguida são feitas as transcrições das mesmas, passando de “objetos
auditivos para objetos visuais” (PORTELLI, 1997, p.27). A análise deste banco de dados é
capaz de revelar características desde processos sociais, a valores e significados implícitos
na subjetividade das declarações. Posteriormente a esta etapa, objetos visuais são
analisados, comparados e/ou complementados a partir de fontes escritas, que variam desde
livros, dossiês, fotografias entre outros. “Trabalhar com História Oral consiste em gravar
entrevistas e editar depoimentos [...] Também é comum a utilização de fontes escritas,
como fornecedoras de informações” (FERREIRA; AMADO, 2005, p.11).
Mediante esta relação entre entrevistado e entrevistador, durante a investigação é
necessário ultrapassar as barreiras de mera coleta de dados e reforçar a capacidade que esse
método apresenta de análises e síntese, obrigando, desta maneira, o entrevistador
interrogar-se acerca das histórias de vida e comunicar-se com a história a qual está sendo
pesquisada. Como afirma Bosi (1994, p.414),
Imagine-se um arqueólogo querendo reconstituir, a partir de fragmentos
pequenos, um vaso antigo. É preciso, mais que cuidado e atenção com esses
cacos; é preciso compreender o sentido que o vaso tinha para o povo a quem
pertenceu. A que função servia na vida daquelas pessoas? Temos que penetrar
nas noções que as orientavam, fazer um reconhecimento de suas necessidades,
ouvir o que já não é audível. Então recomporemos o vaso e conhecermos se foi
doméstico, ritual, floral...
É importante destacar que, o fundamental na História Oral são os aspectos
qualitativos e não quantitativos pois, ao adentrar cuidadosamente nas questões lúdicas que
fazem parte da vivência e do cotidiano, como música, festas, os rituais de nascimento e
morte, tornam as narrativas mais ricas de informações e dados. Desse modo, o que é
relevante em trazer à tona as passagens vividas da memória é o fato de que este se torna
um processo ativo de significados e impressões, pois, “conceber o passado não é apenas
selá-lo sob determinado significado, construir para ele uma interpretação; conceber o
passado é também negociar e disputar significados e desencadear ações” (ALBERTI, 2004,
p.34).
34
Banco de dados aqui é entendido como questionário suporte com dados essenciais ( nome, profissão etc)
que será utilizado durante as entrevistas gravadas, ou melhor a história de vida contada pelos moradores
locais.
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Isto posto, reconhece-se que em muitos casos essa opção metodológica possibilita
adentrar no filme contínuo da vida de cada entrevistado, revivendo cada símbolo, cada
história, cada significado passado de sua trajetória. Cabe destacar o que relata Hallbwachs
(2006, p.86), que essa “história não é todo o passado e também tudo o que resta do
passado. Ou por assim dizer, ao lado dessa história há uma história viva, que se perpetua
ou se renova através do tempo[...]”. Na verdade, muitos a denominam como
“História/Memória Viva. Entretanto, convêm lembrar, que cada filme pode instituir cortes,
edições, mudanças e é através desses pedaços que entendemos o sentido efetivo de reviver
o passado, pois trabalhar com a memória é restabelecer o vivido. De certa forma, essas
diversas formas de apreensão do real ajudam a compreender o fascínio da história oral,
pois as repetições e detalhes que funcionam como partes marcantes de uma entrevista pode
ser esforço de refazer o percurso do que foi vivido (ALBERTI, 2004).
Convém lembrar que, a história oral proporciona mais do que conhecer o passado
historiograficamente. Ela produz conhecimento sobre os costumes, hábitos, linguagem,
fazeres, saberes e práxis cotidiana, este método não é apenas um relato da história de vida
de outros indivíduos, mas sim “é a reflexão teórico-metodológica em torno da construção
do conhecimento” (SILVA, 2006, p.187).
Dentro da história oral existem muitas possibilidades de pesquisa, pois é possível
ampliar o conhecimento acerca do objeto e/ou processos através do passado. Na verdade,
há um diálogo entre memória, história e tradição. Segundo Alberti (2004), entre os
principais enfoques de pesquisa destacam- se: História do cotidiano que trata da
reconstituição do cotidiano, dos signos e valores; História política refere-se aos grupos e
atores onde se destacam suas ações e estratégia; História de comunidades histórias
específicas de bairros, imigrantes, camponeses, além de auxiliar nas genealogias das
famílias; Histórias das instituições abordam histórias do estado, organismos públicos;
Biografias referem-se a (re) constituição de trajetórias de vidas; História de experiências
podem ser usadas como relatos de experiências de grupos ou pessoas, principalmente
incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas; Registros das tradições
culturais surgem através da história oral quando o entrevistado se lembra de canções,
lendas, provérbios; e ainda História de memórias são as representações do passado,
estudam a constituição e formalização das memórias que são continuamente negociadas;
essa construção da memória é importante, pois está atrelada a construção de identidades.
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pelas lembranças dos moradores idosos.
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Consoante a algumas reflexões sobre o aproveitamento da história oral, deve-se
ressaltar que a aplicação deste método desperta muitas discussões no que concerne à
veracidade do discurso oral e a pertinência de sua aplicabilidade. Muitos estudiosos
questionam a origem e o teor do ato de relembrar, por este estar baseado na subjetividade,
pois tratam de lembranças, sentimentos e significados, elementos que podem ser
facilmente modificados. De fato, segundo Bosi (1994, p. 416), “as versões alheias podem
interferir alterando e turvando uma impressão cristalina [...]” do que foi vivido e
presenciado. Discute-se ainda, que a história oral não tem a ver nem com o passado nem
com o presente, mas sim, com as inquietações da mente humana. Entretanto, essas histórias
da memória através dessas narrativas revelam, “[...] a capacidade dos seres humanos de
pensar simbolicamente seus problemas complexos. A vida real é cheia de contradições, e
os mitos nos dão meios de lidar com um mundo criado através de contradições [...]”
(CRUIKSHANK apud FERREIRA; AMADO, 2005, p.153). A essência dessa metodologia
é [...] “contribuir para uma história objetiva da subjetividade. Isso implica que o
pesquisador deve ter como objetivo, ir além das simples histórias do acontecimento,
interessando-se também pela história desse acontecimento até nossos dias” (ALBERTI,
2004, p.40).
Vale destacar que, segundo Alberti (2004), para a história oral cabe o modo de
pensar hermenêutico, o qual incide em se colocar no lugar do outro para compreendê-lo. A
palavra hermenêutica significa a arte de interpretar e sua relação com a história oral
designa-se pela categoria das vivências, enfim da História Viva. A própria postura
defendida na história oral é “genuinamente hermenêutica: o que fascina a entrevista é a
possibilidade de tornar a vivenciar as experiências do outro, [...] sabendo compreender as
expressões da vivência. Saber compreender significa realizar um trabalho de hermeneuta,
de interpretar” (ALBERTI, 2004, p.18-19).
Essas entrevistas trabalham, sobretudo, com a possibilidade de construção de
memórias. Nesta perspectiva, quando se trata de relatos de vida individual ou do grupo, a
memória é elemento essencial na aplicação da história oral, pois nos mostra como o
passado é construído e integrado a vida social e ao entendimento que o indivíduo tem de si.
Pois constata Montenegro (1992, p.20), que a memória coletiva ou individual, ao
reelaborar o real adquire uma dimensão centrada em uma construção imaginária e nos
efeitos que essa representação provoca social e individualmente.
87
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Propõe-se assim, nesta reelaboração do real, do acontecido, considerar os aspectos
míticos da memória nos quais está associada aos povos antigos da Grécia que a entendiam
como algo divino, onde a Mnemosyne, deusa da Grécia, filha de Urano e Gaia, se
denominava a personificação da memória. Essa deusa,
irmã de Cronos e de Okeanós, do tempo e do oceano, preside a função poética
que exige uma intervenção sobrenatural”É aquela que preserva o esquecimento e
conduz a preservação do passado do tempo antigo. A memória é capaz de
restaurar o tempo, ela configura “uma ponte entre o mundo dos vivos e o do
além, ao qual retorna tudo o que deixou à luz do sol (BOSI, 1994, p. 89).
Essa evocação torna-se fonte do presente ao reviver o passado através da memória.
Ela concedia aos poetas “o poder de voltar ao passado e de lembrá-lo para a coletividade,
[...] conferia a imortalidade aos mortais, pois quando o artista ou historiador registram em
suas obras a fisionomia [...] este nunca será esquecido (CHAUÍ, 2000, p. 130).
Mediante a esta evocação é conveniente lembrar, que esse “reviver o passado”
envolve diretamente a dimensão do que foi vivido e apreendido pelas experiências do
corpo e da mente. A memória torna-se pois, seleção e organização
35
daquilo que tem valor
e significado e é herdada através da individualidade de cada um considerando as
construções sociais inseridas em um contexto coletivo (ALBERTI, 2004).
Para Chauí (2000), o conceito de memória define-se pela evocação do passado,
melhor dizendo, deve-se trazer para o presente as experiências passadas, registrando-as
para que continue como lembrança. Esta lembrança designa-se por conservar o que não
retornará ao presente. A memória apreende como função, segundo essa autora, a retenção
de experiência ou conhecimento adquirido ao logo do acontecer histórico; é
reconhecimento do percebido, conhecido ou ainda experimentado; tem a capacidade de
evocar o passado a partir do presente. Dessa forma, por sua essencialidade para o plano do
vivido segundo Aristóteles (apud CHAUÍ, 2000, p. 130), “é da memória que os homens
derivam a experiência, pois as recordações repetidas da mesma produzem o efeito duma
única experiência”. Graças à funcionalidade da memória é que se pode descortinar as
experiência de toda a vida através do ato de lembrar, ela não é somente recordar, mas sim
“revela uma das formas fundamentais de nossa existência, que é a relação com o tempo, e
no tempo, com aquilo que está invisível, ausente e distante, isto é, o passado” (CHAUÍ,
2000, p. 130).
35
Cabe aqui a afirmação “a memória é um cabedal do infinito do qual só registramos um fragmento” (BOSI,
1994, p.39).
88
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Nesse entendimento, a memória do indivíduo está conectada às experiências
efetivadas em um contexto sócio-cultural através das lembranças, “na maior parte das
vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de
hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho é trabalho” (BOSI, 1994, p. 55)
e depende da interação com os demais sujeitos sociais, o relacionamento com a família,
com a Igreja, classe social, entre outros, tornando-se assim coletiva. De tal modo, que a
memória de um indivíduo está diretamente atrelada à memória coletiva da sociedade. Esta
memória coletiva atua e determina a formação das memórias individuais variando de
acordo com o espaço social que é vivido e praticado (HALLBWACHS, 2006). Diante de
tal conhecimento, é uma (re) construção do passado contraposta aos fatos do presente, um
passado que não se refere somente a um único indivíduo, no caso ao entrevistado, mas
aquele inserido num contexto social, cultural e político onde as representações advindas
desses processos intervêm nos valores e significados individuais (FERREIRA; AMADO,
2005). Como é constado por Bosi (1994, p. 47),
A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo
tempo, interfere no processo atual das representações. Pela memória o passado
não só vem à tona de águas presentes, misturando-se com percepções imediatas,
como também empurra, “desloca” essas últimas, ocupando o espaço todo da
consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda
e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.
Diante do exposto, como afirma Pollak (1992), a memória se constitui a partir de
alguns elementos marcantes, os acontecimentos, os personagens/pessoas e os lugares. Com
relação aos acontecimentos referem-se aos eventos vividos individualmente e aqueles que,
como denomina o próprio autor, "vividos por tabela". Esses acontecimentos nasceram por
experiência pessoal ou coletiva, na qual foram adquiridos significados que permeiam a
formação do eu. Já os personagens são aqueles sujeitos que fizeram parte da história,
indiretamente, mas que se transformaram em atores marcantes, devido suas ações,
necessariamente não pertencendo ao espaço-tempo da pessoa entrevistadas. Por último,
considera-se o lugar, que vinculado as lembranças pelos acontecimentos e processos
existentes da interação do homem com o espaço, permanecem ativos pelos significados
que lhe são inerentes.
89
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Convém salientar que, esta constituição da memória é um processo constante de
composição e conciliação da memória coletiva
36
e da memória individual
37
, pois defende
Hallbwachs (2006, p. 39), “[...] para que nossa memória se aproveite da memória dos
outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela
não tenha deixado de concordar com as memórias deles [...]”. Trabalhar com essa memória
coletiva é buscar desembaraçar
38
um pouco da história do sujeito que lembra, sobretudo, de
tudo o que o marcou e o conformou e que está sendo renovada a cada nova mudança e
acontecimento.
Com essas marcas estão descritas principalmente em eventos do passado, nas
variadas visões do tempo coletivo que se apóiam em tudo o que foi vivido, pois a memória
sempre está interligada a organização da vida social. Diante de tais reflexões, é importante
salientar o que ressalta Hallbwachs (2006, p. 79),
[...] nossa memória não se apóia na história apreendida, mas na história vivida.
Por história, devemos entender não uma sucessão cronológica de eventos e de
datas, mas tudo o que faz com que um período se distinga dos outros, do qual os
livros em geral nos apresentam apenas um quadro muito esquemático e
incompleto.
Esse “descortinar a história vivida”, tão importante na formação da memória, deve
ser entendida como um processo coletivo de interpretações de práticas e vivências vividas
e sentidas, com o intuito de salvaguardar os elos afetivos, o sentimento de pertencimento
principalmente presentes em lugares como aldeias, igrejas, famílias entre outros
(HALLBWACHS, 2006).
Diante de tais considerações, levar-se-á em conta o enfoque dado à memória
direcionando-a aos valores e significados presentes na concepção do ser pontalense, sob a
ótica dos idosos residentes no bairro. Pois, essas impressões gravadas e (re)construídas
pelo grupo social são essenciais e formam,
[...] um sistema que subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal. Se
por acaso esquecemos, não basta que outros testemunhem o que vivemos. É
preciso mais: é preciso estar sempre confrontando, comunicando e recebendo
impressões para que nossas lembranças ganhem consistência[...] (BOSI, 1994,
p.414).
36
“Contudo, a memória coletiva tira sua força e duração por ter base no conjunto de pessoas, são os
indivíduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo” (HALLBWACHS, 2006, p. 69).
37
[...]a memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda
segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros
ambientes” (HALLBWACHS, 2006, p. 69).
38
Essa palavra é entendida como “o descortinar” lembranças, alegrias, tristezas, fatos e/ou acontecimentos
inerentes a vida de quem lembra.
90
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Ressalta-se, então, que este recorte epistemológico foi efetivado pelo fato dos
idosos serem detentores da experiência da dinâmica real local e sabedoria mais bem
delineada acerca do bairro. Para discorrer de modo mais pormenorizado sobre tais
aspectos, serão descritos a seguir os principais enfoques do aporte metodológico, bem
como, cada passo da aplicação desta metodologia.
3.2. PASSOS MARCADOS – BALANÇO DE UMA EXPERIÊNCIA
De como tudo começa, de como nada finda, se transforma:/ das origens e das
histórias/ Há um enredo comprido, feito novelo que se desenrola, / em busca do
fio da meada a gênese e o acaso/ Há, sim, sob o lodo da Mundaú, debatendo-se
nas ondas do mar/ embaraçando-se nas tramas das rendas e redes/ várias
pequenas história a contar/ para fazer rir e gargalhar, chorar, esquecer/ histórias
de morrer e de viver/ histórias gentes e lugares/ enredos que são biografias e
destinos (IZP, 2004, p.06).
Entender as representações sociais, as formações espaciais e históricas e, sobretudo,
o cotidiano é um trabalho que exige um olhar atento e determinado para interpretar as
relações intrínsecas entre os moradores e o lugar. Essa relação do indivíduo com o
“objeto/lugar/acontecimento” (FERREIRA; AMADO, 2005) interfere diretamente nos
elementos formadores da identidade social, do “ser pontalense”, pois a cada vivência do
passado e do presente, essas representações se renovam e/ou completam produzindo,
assim, a essencialidade tanto do lugar quanto do próprio homem.
Diante deste ângulo de análise, a compreensão do Pontal da Barra, enquanto lócus
da vida social produziu, para esta pesquisa, uma análise que utilizou a memória, não
apenas como objetivo de fazer relembrar as experiências do passado, mas também como
captação e reflexão das principais características e elementos que atuam na concepção e
dinâmica das práticas sociais e simbólicas do bairro. Com efeito, a escolha da História Oral
como aporte metodológico baseou-se na necessidade de conhecer e aprofundar os
conhecimentos através de referenciais que compõem o cotidiano e as práticas espaciais
características do bairro sob a ótica dos moradores.
Conforme se percebe, para sedimentar tal práxis é necessário empreender uma
leitura multifacetada, para que cada registro oral caracterize a essência da realidade urbana
presente no local. Nesta perspectiva, este trabalho busca tratar das histórias do cotidiano,
como base foi focada nas experiências das histórias de vida. Através da coleta dos
91
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
depoimentos, se buscará reconhecer os elementos simbólicos inerentes à sua identidade
atribuída pela história e atividades cotidianas exercidas na comunidade. Tal procedimento
condiz com as considerações descritas por Lago (1996, p.23), quando afirma que
A história de vida (valendo-se da entrevista para obter o relato oral do
informante, com um mínimo de interferência do pesquisador) expressa a essência
da abordagem antropológica, no estar atento a outro, deixar-se envolver por ele,
calar a própria voz para escutar a dele, procurando desvendar sua visão de
mundo através dessa escuta e observações atentas. “É uma técnica que utiliza a
fala como instrumento de pesquisa”.
Existe a preocupação de não apenas apreender os elementos que estruturam a
identidade, mas também tornar a história desses entrevistados, em fortalecimento dessa
identidade e de espacialização dos seus saberes
39
, pois essas histórias foram produzidas a
partir da vida e práticas desenvolvidas no bairro, pois “é no local de moradia, nas
associações e agremiações recreativas, nas praças, esquinas e bares, na rua e na casa que
transcorre este vasto processo dinâmico de formação cultural, tornando o mundo mais
denso de significados nem fixos, nem finais, nem únicos (ZALUAR apud
MONTENEGRO, 1992, p.39).
Decorrendo de tamanho referencial, a articulação metodológica da História Oral
buscou avaliar os aspectos que influem na formação da identidade do local através de três
aspectos: os simbólicos, os sociais e os históricos. A estrutura simbólica abrange os
significados presentes nas relações de vizinhança, na forte ligação dos habitantes com o
elemento água, (Lagoa Mundaú e o mar) e nas significações implícitas na relação
habitante-lugar”
40
. Os aspectos sociais compreendem o cotidiano, as manifestações
festivas, religião, além do que concerne no bairro, neste caso, entendido como lugar das
vivências da vida social. Por fim, entre os aspectos históricos, ressaltam-se a formação do
espaço habitado, sua “evolução” e as interferências causadas pela implantação da indústria.
Com efeito, esse recorte analítico fundamenta-se com intuito de balisar e extrair os reais
significados e elementos da identidade na visão dos moradores, pois se reconhece desta
forma o estrato do viver no Pontal, do estar no Pontal e, sobretudo do ser pontalense.
Deve-se lembrar, que a aplicação da história oral de per si tem promovido inúmeras
reflexões que compreendem desde a arte de interpretar, a hermenêutica, até a construção de
39
O saber popular é desenvolvido com um sabor de narrativas de histórias, contadas em rodas de conversa,
onde todos têm um detalhe a acrescentar, remodelar (MONTENEGRO, 1992, p. 56).
40
Expressão muito utilizada por CARLOS (1996).
92
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
uma identidade de si e do que o cerca. Tal assertiva é comprovada quando se realizam
entrevistas com os residentes, neste caso específico os idosos locais, pois fica explícito a
transformação de lembranças, acontecimentos, fatos, períodos da vida em fontes de análise
e pesquisa que traduz a realidade do passado contraposta a do presente. Através da
essencialidade da vida de cada entrevistado, é possível constatar que “as lembranças que
ouvimos de pessoas idosas têm assento nas pedras da cidade presentes em nossos afetos, de
uma maneira bem mais estranha do que podemos imaginar” (BOSI, 1994, p. 443).
3.2.1 A DESCRIÇÃO DO CAMINHO- ENTREVISTAS E
APLICAÇÕES
Como ponto inicial deste trabalho, desenvolveu-se um estudo acerca do processo
histórico do bairro, bem como o de formação da própria cidade, através de dados textuais
coletados em instituições públicas, nos documentos textuais sobre a história de Alagoas,
além de trabalhos realizados como, por exemplo, o Dossiê de Tombamento do bairro, o
PLEC – Projeto de Levantamento Ecológico Cultural da Região das Lagoas Mundaú e
Manguaba, entre outros. Este eixo de investigação introduziu a reflexão acerca da história,
e essencialmente dos fatores sociais, econômicos do local, sempre com desígnio de
perceber as relações subjetivas (simbólicas e materiais), intrínsecas ao bairro.
Nesta perspectiva, o processo de compreensão da identidade, da vida social e dos
aspectos subjetivos
41
necessitou de uma metodologia presente no campo das ciências
sociais, que abordasse o conhecimento através de seus múltiplos significados advindo da
experiência de ouvir histórias e, sobretudo, interpretá-las. Assim, era possível entender e
explorar as questões relacionadas à formação do local e também os valores presentes nas
relações dos usuários com o próprio bairro.
Optou-se desta maneira, pela História Oral, um sistema metodológico coerente e
aberto, da História Oral, capaz de construir e transmitir conhecimentos aportados na
memória e que se destaca por trabalhar com as questões qualitativas e não quantitativas.
Vale ressaltar que, no contexto, adentrar cuidadosamente nas questões lúdicas que fazem
parte da vivência e do cotidiano, como música, festas, o ritual de nascimento e morte,
41
Neste caso refere-se a inserção do sujeito em um determinado lugar, suas vivências sociais, cotidiano
enfim as dinâmicas dos processos sociais e seus significados.
93
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
através da história oral as narrativas tornam-se ricas de informações e conhecimentos
representativos do espaço habitado. Desse modo, o que é relevante em trazer à tona as
passagens vividas pela memória é o fato de que este se torna um processo ativo de
significados e impressões.
Diante desta assertiva, foram estruturados todos os procedimentos necessários a
aplicação de tal metodologia, tais como:
estruturação do banco de dados, pesquisa piloto,
entrevistas, transcrição e finalmente a análise, para que fosse construída desta forma uma
visão mais real da dinâmica do espaço do Pontal da Barra. É válido observar, que a
essência da História Oral é trabalhar com os fatos e não como situações carentes e não
vinculadas da construção de uma identidade. Esta metodologia concede informações sobre
a história da sociedade, concentrando todas as características de um determinado grupo.
Ela permite reconstruir o cotidiano, através da história pessoal que se encontra entremeada
à história do lugar.
Consciente do alcance da metodologia considerou-se a sua aplicação no Pontal da
Barra, através dos caminhos da memória, tendo como personagem os idosos residentes do
bairro. Essa parcela da população detém uma memória social atual mais bem conceituada
com relação ao tempo, pois, conforme Bosi (1994, p. 60),
O velho não se contenta, em geral, de aguardar passivamente que as lembranças
o despertem, ele procura precisá-las, ele interroga outros velhos, compulsa seus
velhos papéis, suas antigas cartas e, principalmente, conta aquilo de que se
lembra quando não cuida de fixá-los por escrito. Em suma, o velho se interessa
pelo passado bem mais que o adulto, mas daí não se segue que esteja em
condições de evocar mais lembranças desse passado bem mais que o adulto [...].
Tal constatação faz consonância com o que suscita Alberti (2004, p.14) quando diz:
“Ouvindo-os falar temos a sensação de ouvir a história sendo contada em um contínuo,
temos a sensação que as descontinuidades são abolidas e recheadas com ingredientes
pessoais: emoções, reações, observações, relatos pitorescos”.
Trabalhar com os idosos é, sobretudo, entender como se dispõem os vínculos de
cada período da vida, como a infância, a adolescência, a maturidade, contrapostos aos
acontecimentos do presente, dos avanços e descobertas. Conforme explicita Montenegro
(1992, p.26), “a história dos velhos é objeto de fortalecimento da identidade cultural e de
socialização de suas experiências e do seu saber”. Este aporte conceitual também é ainda
confirmado por Bosi (1994, p. 60) quando menciona,
94
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Nelas [lembranças de idosos] é possível verificar uma história social bem
desenvolvida: eles [idosos] já atravessaram um determinado tipo de sociedade,
com características bem marcadas e conhecidas; eles já viveram quadros de
referência familiar e cultural igualmente reconhecíveis: enfim, sua memória atual
pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de
uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que, de algum modo, ainda está absorvida
na lutas e contradições de um presente que a solicita muito mais intensamente do
que uma pessoa de idade.
Deve-se ainda destacar, que a abordagem direcionada aos idosos é capaz de
adentrar nas reentrâncias da essencialidade da vida, dos fatos que a marcaram. É tê-los
como agentes sociais que desempenham a função social de lembrar, e diferente do adulto,
que entrelaçado com as tarefas relacionadas ao tempo presente, não se ocupa em recordar
as experiências do “antes”, nem mesmo em se entregar às delícias do passado. Sob a ótica
dos idosos fica latente a relevância simbólica da vivência no local (da infância à velhice), a
relação intensa com a Lagoa Mundaú (modos de vida e identidade), a cultura, a relação
homem x espaço, além dos reflexos do turismo atividade já agregada ao cotidiano.
Este alcance do modus vivendi da população através da memória de pessoas idosas
sugere inúmeras interpretações, mas que estão embasadas essencialmente nesse processo
de interação do homem com o lugar. Como entende o próprio Certeau (1994) essa
interação é o resultado de uma caminhada, da sucessão de passos numa calçada, pouco a
pouco significada pelo seu vínculo orgânico com a residência
42
. Entretanto, é necessário
atentar para os processos e transformações que o passado sofre, pois segundo Bosi (1994),
através dos preconceitos, das preferências impostas pela sociedade, os idosos podem
“modelar” o passado de acordo com o que foi apreendido pelos fatos e acontecimentos que
foram vividos, pelos sonhos não realizados.
Atenta a essas considerações, a estruturação do instrumental metodológico iniciou-
se pelo desenvolvimento de entrevistas que tinha como suporte a utilização de um banco de
dados, um roteiro guia que aborda o entrevistado sobre assuntos relacionados ao lugar, a
fatos e acontecimentos, ao cotidiano, aos hábitos, enfim à história de vida. O primeiro
plano de perguntas relacionava-se às informações essenciais como, nome, sexo, idade,
filiação, escolaridade e as demais a fatos da vivência, da infância, da religião, dos
costumes, festas, além dos saberes e fazeres
43
. Esta experiência se tornou essencial para a
42 Aqui entendida como o bairro do Pontal da Barra
43 O banco de dados pode ser consultado no Anexo 1
95
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
consolidação da pesquisa-piloto, aplicada, correspondentemente a uma pequena amostra
que contemplou a história de vida de alguns idosos locais.
De maneira geral, a aplicação da pesquisa piloto manteve o caráter semi- dirigido
44
e serviu para identificar alguns aspectos positivos e negativos do pré-teste ou banco de
dados inicial. Essa pequena amostra foi capaz de balizar algumas considerações que
faltavam para melhor formatação do roteiro final de entrevistas, além de fortalecer o
envolvimento da pesquisadora com o bairro e com seus moradores. Foi ainda realizado o
aperfeiçoamento e reformulação de algumas perguntas do banco de dados, e
posteriormente a aplicação desta nova fonte de pesquisa.
Com o intuito de avaliar os elementos formadores da identidade do Pontal da Barra,
foram inquiridos nove idosos, a maioria nascidos no próprio bairro e com vida social ativa.
A rede de entrevistados foi determinada de acordo com os seguintes critérios: pessoas
nascidas no bairro, e que tivessem vínculos de parentesco com fundadores do local ou até
mesmo morado ou conhecido o núcleo original; pessoas que estivessem na faixa etária de
60 a 80 anos; e por fim, pessoas que estivessem com as relações sociais e seus saberes e
fazeres, ativos. Nesta etapa de investigação realizou-se a abordagem dos moradores
presentes nas ruas sinuosas do bairro, nas praças, calçadas e nas margens do Canal Calunga
seguindo os aspectos acima citados, no qual era precedido por uma síntese da pesquisa.
No que concerne ao recorte numérico (entrevista com nove idosos), este se
embasou na premissa de que a história oral é um procedimento qualitativo e não
quantitativo, como já descrito anteriormente, e de que, quando se trata de relatos de vida,
há uma preocupação com a análise de cada lembrança, de cada fato e acontecimento a
partir da veracidade do ato de lembrar descrito pelo respondente. A importância das
narrativas para a história oral ultrapassa a simples e fria ação de documentação da história
representando a transmissão da história viva de cada época, já que se trata da realidade do
que a gerou. Nota-se também, que quando coletadas as últimas entrevistas, já era
comprovada e explícita a repetição de informações.
Em meio a tais constatações, apesar de seguir um roteiro pré-determinado, as
entrevistas foram desempenhadas com a preocupação e o respeito com a fala do narrador e
atento a “desvios e devaneios” relacionados ao ato de lembrar. Este procedimento serviu
para contextualizar e entender o real funcionamento do bairro e do cotidiano dos
44 É aquela entrevista que a partir de uma conversa aberta e coerente com o banco de dados, a relação entrevistador e
entrevistado pode esclarecer aquilo que seja interessante para ambos,sem dirigir passo a passo a testemunha nem deixá-la
livre reduzindo desta forma o papel do entrevistador (FERREIRA; AMADO, 2005).
96
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
entrevistados, isto porque os respondentes falaram com liberdade a respeito de sua vida,
infância, relações de trabalho e etc.
Sob esta compreensão, deve-se salientar que, tão importante quanto a coleta é a
transcrição dos dados coletados, pois é nesta etapa que se efetiva a reprodução real do
discurso com total fidelidade, de modo a respeitar vícios de linguagem, pontuação e até
mesmo erros gramaticais.
Ciente desta seriedade, as transcrições foram feitas pela própria pesquisadora e
imediatamente após a coleta das entrevistas. No intuito de torná-las legíveis foram ainda
adicionados alguns sinais de pontuação, indicando pausas, emoções, ritmos, gestos, ações
essenciais para interpretação das entrevistas. Estes atos são mais evidenciados quando os
narradores são membros do povo, pois descrevem novas formas de vocabulário, variações
de matizes, entonações, vícios de linguagem característicos do local no qual estão
inseridos.
Foram também adotadas certas medidas ancoradas num aporte bibliográfico acerca
desta metodologia, descritas a seguir: dúvidas, silêncio são assinalados por reticências;
Risos e descontração serão descritos com anotações, como por exemplo: (Risos); Serão
corrigidos no rodapé os erros gramaticais e vícios de linguagem; a entrevista será descrita
na íntegra com perguntas e respostas; e por fim, as pessoas citadas são descritas por suas
iniciais. Convém mencionar, que estas entrevistas foram gravadas em um único local e
anexadas junto ao trabalho final, para comprovação da veracidade desta pesquisa.
A valorização das características do local pelos moradores é uma forma de revelar,
com bastante clareza, o ambiente simbólico/psicológico, que emerge das inter-relações
advindas da vivência com outros moradores e com o próprio espaço.
Para interpretação não existem regras rígidas, mas sempre deve ser mantida a real
idéia defendida pelo narrador. No contexto desta pesquisa, a análise das entrevistas é passo
fundamental para a construção, ou melhor, para o entendimento da identidade do Pontal da
Barra, pois a história oral revela mais sobre significados e percepções do que propriamente
sobre eventos.
Em outras palavras, através da apreciação desses relatos orais foram concretizadas as
devidas conexões necessárias para entender e identificar as particularidades que compõem o
Pontal da Barra, além de rastrear como se formaram e apresentam os elos afetivos, espaciais
presentes na vida social.
97
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Obteve-se assim, através desses relatos orais uma fonte de conhecimento passível de
muitas interpretações, e que empregam a memória como traço de um saber individual, mas que
por estar inserido em uma vida coletiva traduz características presentes em todo o grupo social.
Como descreve a própria Bosi (1994, p.66) quando se trata da memória “fica o que significa”,
os diversos significados que revelam a identidade do bairro estão presentes em cada fragmento
de lembranças presentes nas entrevistas, que podem ser constatadas a seguir.
3.3 VOZES DA MEMÓRIA.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: YONE MARIA DE OLIVEIRA (Y.O.) IDADE: 78 ANOS
RENATO DE OLIVEIRA (R.O.) IDADE: 69 ANOS
PROFISSÃO: COMERCIANTE, RENDEIRA, COZINHEIRA E DONA NO REST
MARÉ / PESCADOR
FILIAÇÃO: BENEDITA DE SOUZA NUNES / EPIFÂNIO VALOZ NUNES
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIO
V.G. - A SENHORA NASCEU AQUI NO PONTAL?
Y.O. - Não! Nasci no Riacho Velho.
V.G. - QUANDO E POR QUE DECIDIU MORAR NO PONTAL DA BARRA?
Y.O. - (Risos) Porque a minha mãe, arrente
45
tudo pequeno, o meu pai já velho era
agricultor e ele você sabe né
46
mulé
47
, o coitado já velho, arrente tudo pequeno. Mamãe era
quem se aperriava
48
. aí disse: Eu vou procurar uma melhora pra mim, mais as minhas filha.
45
Arrente = a gente
46
né = não é?
47
Mulé = mulher
48
aperriava = preocupava-se
98
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Aí nos viemo
49
praqui
50
, eu fui crescendo. Depois a gente ia pras
51
proas do maçunim, tirar
maçunim pra vender, pá
52
comer, mais a minha mãe e os meus irmãos. Depois fui lavar
roupa de ganho, tudo isso já fiz!
V.G. - A INFÂNCIA DA SENHORA FOI NO PONTAL ? PODERIA ME CONTAR
UM POUCO.
Y.O. - (Risos) Hum ... Foi boa não. Foi nada, muitos problemas família né... minha filha.
V.G. - QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
Y.O. -Não tinha não. Nunca brinquei não, nunca fui de diversão, não. Eu nunca fui...
Minha mamãe e não deixava. Aí o povo diz, não se julga... é o jeito da pessoa.
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
Y.O. - Não, nunca tive.
V.G. - E AS PAQUERAS, ENCONTROS/ NAMOROS? QUAIS SEUS SONHOS
QUANDO JOVENS?
Y.O. - (Risos). Eu nem sei dizer isso agora. (Risos)
V.G. - COMPARANDO O PONTAL DE ONTEM COM O DE HOJE ALGO
MUDOU?
Y.O. - Eu vou ser sincera, não acho que melhorar nada não. Acho que tá
53
a mesma coisa.
V.G. - E A SENHORA SE SENTE PARTE DO PONTAL? SE VÊ UMA
POTALENSE?
Y.O. - Não! Eu morro em Riacho Velho! Perto de Marechal Deodoro. Riacho Velho
Agora tá outro! Quando... o fandango num foi, agora! ...É, Riacho que agora tá uma
cidade! Tem o cuble
54
que é da família dos Quintelas, Zé já morreu, tem agora o Dr. Jorge,
Dr. Paulo, mas os velhos já morreram. Tinha naquele natal nerá
55
? Nós fazia uma festa.
Tinha aqueles, os meninos do cuble, aí ia dançar, pra ganhar bola.
V.G. - QUAIS SÃO AS FESTIVIDADES/ DATAS MAIS COMEMORADAS AQUI
NO PONTAL?
R.O. - Aqui é festa mermo
56
... que toda vida sempre gostou aqui é de São Sebastião.
Janeiro. Fandango, já faz muitos anos... fandango é muito velho já, agora teve um tempo
sem... agora melhorou.
Y.O. - De São Sebastião. 20 de janeiro.
V.G. - EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL, PODERIA CONTAR
ALGUMA? LENDAS?
R.O. – Oia
57
quando a gente chegou aqui... existe, tudo já existe, na baixa ainda existe
aquela politicazinha de... de cima com o de baixo, ainda existe, agora quando a gente
49
viemo = viemos
50
praqui = para aqui
51
pras = para as
52
pá = para
53
Ta = está
54
Cuble = clube
55
Nera = não era?
56
Mermo = mesmo
99
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
chegou era mais cavernoso sabe? Imperialista com o comunista tinha um que o chefão era
o encarregado... Mas era assim na política. hoje mais... ainda tem aquele mesmo
carrancozinho, né?
Y.O. -Tem uma divisão, o povo de lá não se dá bem com os daqui. Da igreja pra cá é o de
cima e prá lá e o de baixo.
V.G. - E NA FESTA DE SÃO SEBASTIÃO O PONTAL NÃO SE UNE?
Y.O. - Não! Junta tudo.
V.G. - QUAL O ELEMENTO QUE A SENHORA LEMBRA DO PONTAL?
Y.O. - Oia, tem 77 anos que a gente mora aqui. Lembro daquela morte, que teve lá em
cima, acho que você não era nascida.
R.O. - Eu não acho nada.
V.G. - E EM TERMO DE PAISAGEM, O QUE LEMBRA O PONTAL?
R.O. - Primeiramente quando a gente chegamo
58
aqui era casa de palha, arrochada de
palha, o piso não era isso, era areia mermo e... as casa que tinha mais aqui era do finado
Cipriano depois o seu Jorge da padaria e alguma casa, alguma casa, mas o resto tudo era
casinha tipo mucambo mermo (Risos), em geral, daqui era sempre melhozinha porque
era... tapada de barro, nera? As melhozinha
59
, mas o resto lá pra banda de prainha era de
palha.
Y.O. -As casas de palha, eu gostava mais das casas de moradia de lá.
R.O. – Porque era mais tranqüilo. Tinha mais tranqüilidade, o pessoal tinha mais, quem
morava aqui já tinha aquele negócio de quem era melhor... (Risos)
V.G. - O QUE A LAGOA REPRESENTA PRA VOCÊS?
R.O. – Nossa água azul? Mudou muito, mudou, mudou, mudou ... eu deixe de pescar, mas
criei meus filhos tudinho da pesca, depois que eu fui pra... prefeitura, quando eu fui pra
prefeitura tinha 42 anos, Luis Correia que era vereador do... daquele tempo do, do Suruagy
que me butou
60
e butou ela. Sabe? Eu me aposentei e terei 35 anos de serviço... e o mas
sempre, o que ganhava não dava, o emprego não dava, o que ganhava não dava eu tinha
que me virar na pescaria. Me aposentei um, um, um salariozinho melhor, depois a FEMAC
foi extinta, e o pessoal que era da FEMAC foi pra guarda municipal, pra guarda municipal,
e na guarda municipal eu me aposentei.
V.G. - E O FILÉ, QUAL A HISTÓRIA ? A SENHORA FAZ O FILÉ?
Y.O. -Eu sei. Faço mais não, fazia muito... Agora faço só a rede. Conhece? Só a rede que
eu faço.
V.G. - QUAL A HISTÓRIA, COMO VEIO PRA CÁ, COMO FOI QUE SURGIU?
Y.O. - Já, já. Todo mundo fazia. Foi sim, minha irmã me ensinou, minhas irmãs me
ensinaram, eu fazer. Eu fazia colcha, era cheio fazer o filé. Era cheio.
V.G. - E HOJE?
57
Oia = Olha
58
Chegamo = chegamos
59
Melhozinha = Melhorzinha
60
Butou = colocou
100
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Y.O. - Hoje? Faço uma redinha assim, a pessoa dessa idade e... já tem aposentadoria dá pra
eu me virar. (Risos)
V.G. - E COMO SURGIU A DIVISÃO?
R.O. - É porque toda vida teve, porque tinha gente que vivia melhor de situação, né? Os
que tinha os melhor lugar, sempre um maior que o outro, um mais que o outro.
Y.O. - Porque a gente não nascemo
61
aqui e sempre acaba, não sabe? Ainda existe essa
divisão. Ainda hoje. Ainda existe.
V.G. - E COM A CHEGADA DO SALGEMA MUDOU ALGO?
Y.O. - Pra mim, pra nós não, mas alguém por aí...? (Risos) Ela agora riu. Antes dessa
SALGEMA, não tinha... Ninguém reclamava de pressão alta, depois, todo mundo tem.
R.O. – Melhora não. É muita política, quem tá... dela, só pode achar bom, né mermo? vai
dizer que ta ruim? Não? Ói
62
o principal dela não era pra ter festa, era ela comprar material
suficiente pra a população de Pontal da Barra toda, só as máscara pra proteger, ter gente
suficiente pá
63
, pá ensinar como é que... na hora. Teve reunião eu mermo num fui não,
porque já num posso, né? Mas tem gente que falou, disse que ela mermo não tem
condições, como que não tem condições? Como é que ele montou, sabia que é vazamento
de, de, de veneno de pior a pior? E porque disse que não pode? Agora fica assim pra nós...
V.G. - E COMO SE APRESENTA A RELIGIÃO DO PONTAL?
Y.O. - Meus pais tudo era católicos, minha família tudo é católica e morro sendo católica.
Eu não gosto, é de mim mesmo não gostar (igreja evangélica)... Na igreja São Sebastião.
Vixe
64
Maria, eu adoro São Sebastião. Eu chego lá dia de domingo, que vou pra missa, oh
que eu olho assim pra dentro que eu vejo ele lá, o santinho dele ...Ah meu Sebastião,
cuidai da minha saúde e da minha família.”
R.O. – Aqueles que são considerados da família do riacho, todos que fazem parte da nossa
Igreja de São Sebastião.
V.G. - SOBRE OS COSTUMES DE ANTIGAMENTE...
Y.O. - Oxe, meu pai fazia... Agente ia de pé
65
né, daqui da boca da caixa, prá o Riacho
Velho. Eu, a mamãe e ele e a Creuza, minha irmã, que morreu. Tinha uma velha que
criaram a mamãe. A mamãe dizia: Oi é pra ir pra casa da ladinha, pra darem a bença
66
a
Ladinha. Eu dizia logo: eu não vou, você vai! Ela dizia isso né, ninguém ia teimar com
ela... Como eu já sabia onde era a casa dela, quando eu chegava perto... Via aquela casa.
Daqui mermo daonde
67
eu tava marcava carreira, passava lá pela casa dela só pra não dá
bença, repara só. (Risos). A Creuza ia pra lá, aí e ela dizia assim: Oh Maria cadê a Ione?
A mamãe: Oia onde ela tá oia, passou na carreira. Ai ela fazia: mas ela é danada mermo né
Maria? Aí a mamãe: Aquela não tem quem aguente ela não, é assim mermo.
V.G. - SOBRE AS IDAS A OUTROS BAIRROS, COMO ELES FALAM MACEIÓ,
ANTIGAMENTE...
61
Nascemo = nascemos
62
Oi = Olhe
63
Pá = para
64
Vixe = virgem
65
De pé = andando
66
Bença = benção
67
Daonde = de onde
101
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Y.O. - De pé, a gente ia para o Trapiche, de pé. Pela berada
68
, maré cheia, com água por
aqui, a gente passava... A gente suspendia a roupa, botava aqui em cima. Às vezes a gente
tirava a roupa, (Risos) pra não molhar num é mulher! (Risos) A gente tirava quando
passava pela água, aí botava...
V.G. - SOBRE A FESTA DE SÃO SEBASTIÃO...
Y.O. - Era, era muito animado. Quando era meio dia, essa praça já tava cheia de gente pra
acompanhar a procissão de São Sebastião. O pessoal do centro, do Trapiche, do Prado.
Mas... também esse ano...
V.G. - VOCÊS TÊM FOTO ANTIGA DO PONTAL OU DE FESTAS?
R.O. - Não a gente nunca... não. Era tom bom, a procissão de São Sebastião era de canoa,
agente ia da boca da barra ia até o Trapiche. Era uma festissse
69
toda.
Y.O. – Quando era meio dia, essa praça já tava cheio de gente pra acompanhar a procissão,
o pessoá
70
do Centro, do Trapiche.
V.G. - COMO FOI A CHEGADA DO TURISMO?
Y.O. - Oi, já foi melhor... Dão dinheiro pra levar os turista pra ir na casa dela. Lá tem tudo.
Fica 4, 5, 6, carro na porta dela e os outros fica olhando.
R.O. - Cada uma, uma loja dessa que existe aquela políticazinha.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: SIDNEIDE SOUZA SANTOS (S.S.) IDADE: 73 ANOS
PROFISSÃO: COMERCIANTE, RENDEIRA, COZINHEIRA E DONA NO REST
MARÉ
FILIAÇÃO: BENEDITA DE SOUZA NUNES / EPIFÂNIO VALOZ NUNES
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ X ] NENHUM [ ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR
V.G. - A SENHORA TEM ALGUMA PROFISSÃO?
S.S. - Já fui comerciante, fiz artesanato. Tomei conta de restaurante do Maré. Passei 18
anos, trabalhando lá na cozinha, cozinhando. Mão na massa mesmo. Lutando mesmo.
Trabalhando de 7 da manhã as 2 da manhã do outro dia. Meus filhos hoje, tomam conta.
Vai passando de um pra outro.
V.G. - ONDE VOCÊ NASCEU?
68
Berada = borda, margem
69
Festisse = festança
70
Pessoá = pessoal
102
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
S.S. – Foi, nasci no Pontal.
V.G. - A SENHORA PEGOU O PONTAL AINDA NA PRAINHA?
S.S. - Peguei, só que não me lembro. Eu tinha sabe quantos anos? Eu tinha 4 anos, depois
de 4 anos eu fui pra, morar na cidade. Fui criada com a madrinha.
V.G. - O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
S.S. - Antigamente, que eu era pequena, eu não entendia nada né? Mas depois que eu vim
já casada, viúva, novamente pra eu morar aqui, aí Pontal sempre foi um bairrozinho pobre
né, nunca teve nada, nunca teve a SALGEMA, num tinha restaurante, num tinha estrada,
num tinha luz, num tinha água, num tinha nada. Eu era viúva e já não tinha. Veio melhorar
de um tempo pra cá. Depois que mais ou menos com uns que eu tinha 18 anos, quando eu
voltei que já tava viúva. Tava viúva com 18 anos, já. Eu fui criada lá na cidade. Depois
quando eu tava viúva, aí eu voltei. Vim pra cá, pra casa da minha mãe. Aí fiquei na casa da
minha mãe.
V.G. - QUAL FOI O BAIRRO QUE A SENHORA SE CRIOU?
S.S. - Oi, eu fiquei dois anos no Passo de Camaragibe, era... eu tinha mais ou menos, meus
4 ano quando eu fui pra lá. Nós voltamos de Passo do Camaragibe já tava com 8 anos.
Passei mais ou menos 4 anos lá. Aí quando voltamo, aí fomo morar lá na rua do Imperador.
Passamo um bucado
71
de tempo. Depois dali nos fomo pra Recife, pronto quando eu saí da
Rua do Imperador, eu já estava casada. Eu me casei lá. Me casei com 14 anos, não me
casei né, me casaram né? Com 14 anos eu era uma menina, num entedia nada. Pra mim
tudo era bacana, né!! ( risos) aí fomos pra..., aí fiquei viúva aí ela resolveu, minha
madrinha, resolveu ir pra Recife, passar um tempo. Aí nos fomo pra Recife, lá num
72
tava
73
muito bom pra mim, que eu já tinha um filho, tava com um filho. Eu tinha que ter
responsabilidade, dar atenção dento
74
de casa, o dinheiro que eu ganhava era muito pouco.
Ele era jornalista. E o dinheiro que ficou era uma pensãozinha, desse tamanho, pra mim.
Eu assumi. E a minha madrinha, o marido dela, que sempre foi muito exigente, muito ruim,
e que queria que eu desse tudo. E eu trabalhava né, e ela era costureira, e eu trabalhava
com ela fazendo bordado, costura essa coisa. Fora o serviço de casa que também ajudava
ela. Naquele tempo, ela não tinha empregada era eu e outra, nos tomava conta da casa.
Depois eu digo, hum eu vou me bora
75
.
V.G. - O QUE É SER PONTALENSE?
S.S. - Ah sou, de coração até morrer, até morrer, oxeee! O Pontal era muito bom menina,
não tinha doença, não tinha nada, depois chegou a SALGEMA e acabou o Pontal. Pra mim
foi a desgraça do Pontal foi essa SALGEMA. Uma que ela não faz nada pelo Pontal, né?
Quem é que vê benefício dela. Justamente né, e outra, que todo mundo diz que todo mundo
tá se acabando aí, do câncer, é ela que tá matando. Essa fumaça que a gente... E é só de
madrugada né? Quando dá aqueles apitos, aqueles alarmes, só é de madrugada, deixa a
gente atordoada.
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS?
71
Bucado = bocado
72
Num = não
73
Tava = estava
74
Dento = dentro
75
Bora = embora
103
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
S.S. - Oh, minha filha (risos), eu tenho 10 filhos, criei mais 3, fora os que chegaram em
casa e a gente ia tomando conta deles. Eu nem sei sabe. Nasceu aqui Sueli, nasceu a Diane.
Diane e Sueli são pontalista
76
mesmo.
V.G. - ELES RESIDEM NO BAIRRO?
S.S. - Não, só a Dione a Sueli tá morando no Trapiche.
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCENCIA NESTE BAIRRO? COMO
ERAM AS BRINCADEIRAS? E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
S.S. - Eu passei a minha infância na Rua do Imperador, foi. Eu cheguei lá... Quando eu
voltei é isso que tô
77
lhe dizendo, que era muito bom, aí todo sábado tinha dança, samba,
forró, oxee como eu dançava viu, como eu dançava! Eu não me lembro o nome dele...
Nem das meninas mais. Na casa do seu...seu... Não me lembro não. Aí todo sábado tinha
dança, tinha as paqueras né (risos), nas danças. Mas eu aqui no Pontal não namorei com
ninguém não, num sei, não namorei com ninguém. Aí já tava com meus 18 anos, já tinha
responsabilidade de filho, não.
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
S.S. - (risos) Ah, filha eu nem sei sabe, meu sonho, meu Jesus!!! Depois que eu vim pra cá,
depois eu já conhecia esse...o Américo, já conhecia ele. Que quando eu tava na casa da
minha madrinha, eu com os meus 10 anos, eu conheci ele. Ela, a mulher dele, ainda era
parenta do velho que me criou, seu Manoel. Ela era sobrinha dele, a esposa dele, que ele
morava com ela. Aí a gente ia muito na casa dele, a minha madrinha levava, porque ela
ensinava flores, flores de massa. Era muito trabalho! Muito instrumento, muito bem feito!
Ela trabalhava muito bem! Fazia aqueles pombinhos, fazia aqueles coraçãozinho, aquelas
coisas de aniversário, de casamento. Preparava uma mesa todinha de massa, de...de
maisena, maisena não, de goma. Era um trabalho muito bem feito. Hoje em dia não fazem
mais isso não. Então, a gente frequentava muito a casa dele, mas ele lá e eu cá. Era uma
menina com 8 anos. Aí, fui crescendo, fui ficando moça, e tudo, me casei. E ele também
viveu com ela pouco tempo. Teve o primeiro filho, esse primeiro filho, eu criei ele, mas
depois dele homem, ele foi embora. Foi embora pra o Rio Grande do Sul e não voltou mais
até hoje. Tá com mais de trinta anos que não tenho notícia dele. E...a minha infância foi
essa.
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS? PODERIA CONTAR SOBRE O
PONTAL DE ONTEM?
S.S. - As histórias que minha mãe contava, ela morava lá perto da gaveta, por ali, aonde a
Neu mora. Tinha umas casinhas e ela morava lá, e era viúva coitada, eu era pequenininha,
tinha meus quatro anos. Aí ela dizia que ficava costurando, fazendo o filé...
V.G. - JÁ ERA O FILÉ?
S.S. - Era o filé, ela costurou muito o filé. Até quando ela morreu. Filé mesmo, fazia
aquelas colcha enormes, pra dona Cordélia lá no Prado. E ela contava, pra gente, que
quando era de madrugada assim, todo ano, perto de natal, aí passava “o gritador”. Era “o
gritador”, pelo oitão
78
da casa gritando e carregava um morto nas costas. E ele gritava e
76
Pontalista = pontalense
77
Tô = estou
78
Oitão = pelo lado
104
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
minha mãe ficava aperriada
79
, pegava a gente e escondia a gente. Ela contava muito essa
história.
V.G. - E A SENHORA JÁ OUVIU O GRITADOR?
S.S. - Não, ouvi não!!!! ( risos)
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE? COMO É MORAR NO PONTAL DA
BARRA?
S.S. - Ah hoje, é bom né, porque é tranqüilo, não tem esse negócio de roubo, nem assalto.
É um bairro, ainda acho que é dos melhor, de Maceió. Eu acho... Porque eu mesmo durmo
com a minha casa, não tem essas coisa toda, não tem gradeado, não tem nada. E eu durmo
tranqüila. Às vezes minha menina sai, pernoita né, (risos) e eu durmo só. E graças a Deus
nunca vi nada, nem ninguém nunca entrou na minha casa. Quer dizer que é um bairro
tranqüilo né, de se morar. A gente pode botar a cadeira na porta, pra conversar e aí hoje
qual é o bairro que pode mais? Em canto nenhum, né? Por isso que eu não tenho vontade
de sair daqui, ás vezes as meninas diz: saia minha mãe, saia daqui. Eu não tenho vontade
por causa disso, as minhas filhas moram tudo aqui, né. Todas elas, quase todas né, porque
ainda tem umas três que moram lá fora.
V.G. - LÁ FORA E EM OUTRA CIDADE?
S.S. - Um mora em Rio Largo, tem um filho que também mora em Rio Largo. Aqui mora
um, ali mora outro, depois mora outro, depois mora um neto. Depois mora essa que veio
aqui. Depois é o restaurante da Sueli. E assim vai, todos os filhos. Só tem a vendinha lá da
frente... Essa lojinha é da Diane, a que nasceu aqui.
V.G. - QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
S.S. - São João, que tem negócio de brincadeira, de baiana, tem essas coisas, de chegança
né? Que é tudo lá na praça. Por aqui não tem nada minha filha, nada, nem uma pracinha,
nem nada,.. Ás vezes a noite eu tenho vontade de dar uma andadinha, mas como que não
tem nada. Chega aí no beco é uma escuridão danada, oxe faz medo. E no carnaval, o
carnaval daqui é uma comédia (risos) que é os homem tudo vestido de mulé (risos), é
doidice. Tem a festa de São Sebastião, é bom né, continua ainda. Embora que diminui
muito, sabe? Depois que tiraram a parte do porto, fizeram aquele terminal,.. diminuiu as
brincadeiras, tinha barzinho, tinha brincadeira, tinha tudo. Era uma festa muito boa.
Janeiro, dia 11 de janeiro, começa dia 9 e termina dia 20, dia de São Sebastião. Continua
todo ano, mesmo com pouca gente. Eu vou me arrastando, mas vou ver São Sebastião.
Embora que hoje dia não sou mais da igreja, sou evangélica. Deus me chamou, Jesus cristo
me chamou e agora sou evangélica.
V.G. - QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
S.S. - Lembro não.
V.G. - SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
S.S. - Não sei, eu sei que eu mesmo morava lá em cima. Minha mãe morava lá em cima.
Era o Alto da Floresta.
79
Aperriada = agoniada
105
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
V.G. - COMO É ESSA DIVISÃO?
S.S. - Minha filha, é o seguinte: quando começou era só aqui, na ruazinha aqui de cima,
somente. Depois foram crescendo, foi crescendo, foi crescendo, tá até perto da praia, que
sai lá na praça da igreja, aquele arruado
80
. O povo foi entrando né, muita gente que é de
fora, num é daqui. Agora né mais não, antes era uma rixa. É a mesma coisa com o
Trapiche, Trapiche ainda hoje, ainda tem rixa. Quando vem os caras lá do Trapiche, pra cá
é briga! É briga! Num deixa disso. Pontal é Pontal. Quer vir do Trapiche pra qui e querer
ser o dono do Pontal, num pode.(risos)
V.G. - QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
S.S. - Local? Aqui né! Só. É... Aqui, pois é, pra que vista melhor do que essa meu Deus!
Essa natureza, coisa linda! Me acordo bem cedo, quando eu olho, olho, essa natureza, meu
Deus! Jesus deu isso tudo pra gente né? É muito lindo!
V.G. - O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA
VOCÊ?
S.S. - Bem, representa muito né? Porque dá o sustento de todo mundo daqui. Porque antes,
todo mundo vivia da onde? Do massunim, minha mãe também. Minha mãe criou meus
irmãos, que eu não fui criada com ela. Criou meus irmãos, com que? Com o massunim,
com o siri, com o camarão. Tudo dava boa. E, antes todo mundo só vivia dessa lagoa.
Agora não, que chegou a SALGEMA né? Aí tem o comércio né? E tem outros, e tem o filé
né? Que antigamente só era o filé. Não existia outra coisa, só o filé pra todo mundo
trabalhar só no filé. Era...
V.G. - E HOJE COM O TURISTA?
S.S. - Agora chegou o turista né? Chegou o restaurante. Primeiro foi o meu né? (risos) é o
primeiro e já tem 40 anos! (risos) é 40 anos, o Maré tem! Depois, veio o Alípio, depois
veio o outro, depois veio o Renato e tem o restaurante né? E tem os artesanato.
V.G. - QUAL A HISTÓRIA DO FILÉ? O QUE ELE REPRESENTA PARA A
COMUNIDADE?
S.S. - Bem, surgiu como. Os homens pesca com a rede né, e tudo que eles tavam
81
fazendo
a rede, as mulhé
82
foi aprendendo, fez a rede. E da rede foram fazer... Botar num tear, e
fazer o filé. Agora, como eu num sei né? Muita gente ainda sabe, né! Ainda tem muita
gente com vontade de aprender e aprende, é... uma coisa bonita, oxeee. É porque as moças
de hoje em dia num querem tá mais sentada, com o tearzinho fazendo o filé... mas antes
não, era a vida da pessoa, era o filé. Não tinha outo
83
sustento, né? Mulé o filé e os homens
a pescaria.
V.G. - E A PESCA O QUE SIGNIFICA, COMO ELA SE APRESENTA HOJE?
S.S. - Sustenta. Mesmo falha, né? Como tá agora muito pouco escassa, o peixe. Mas é,
sustenta muita gente ainda, muita gente ainda nesse Pontal. É pescando...
V.G. - COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? POR QUE?
80
Arruado = rua pequena
81
Tavam = estavam
82
Mulhé = mulher
83
Outo = outro
106
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
S.S. - É porque, vizinho só tem os filhos, dos dois lados. Um do lado outro do outro...
(risos) mas meus vizinho e aqui todo mundo gosta de mim. E eu gosto de todo mundo. É,
porque pode perguntar: Conhece a Neide? Ah, a Neide do Maré? (risos) é, todo mundo,
Graças a Deus eu não tenho maquerência
84
aqui com ninguém, nunca tive. E num tenho.
Gosto de todo mundo. Todo mundo pra mim é bom. Dá, oxe dá tudo!
V.G. - EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE? COMO
SURGIU/ POR QUE E QUANDO? DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA
COMO SE APRESENTA O BAIRRO? A CHEGADA DO TURISMO HOUVE
ALGUMA MUDANÇA NO COTIDIANO DO BAIRRO?
S.S. - Bem, de noite não tem turista, não tem nada. Mas pelo dia, quando é temporada, é
muito bom! Tem muito movimento de turista por aqui. Os barcos sai cheio, eles vão
passear nos filés, e tem muito movimento.
V.G. - E ANTIGAMENTE QUAIS PEÇAS DE FILÉ SE FAZIAM MAIS?
S.S. - Colcha, muita colcha, muitos banquete. Hoje em dia tá mais escasso, né? É vestido, é
blusa. Blusa faz muito tempo, no meu tempo que eu tinha artesanato, o que era que eu
tinha, só blusa de filé, e colcha e toalha, muitos banquete. Hoje em dia não, que inventaram
muitos modelos.
V.G. - A SENHORA ACHA QUE INVENTARAM ISSO POR CAUSA DOS
TURISTAS?
S.S. - Não, acho que é por causa do tempo, que vai modificando, mudando. É o movimento
do tempo... Eu fazia uma blusinha pequenininha. Hoje em dia não, hoje em dia faz o que?
Um blusão de moda! Muito bonito!
V.G. - A SENHORA AINDA FAZ O FILÉ?
S.S. - Não, faço não minha filha. Se for pra fazer eu faço né? porque aí a gente não esquece
né? Nunca esquece!
V.G. - COMO A RELIGIÃO SE APRESENTA NO PONTAL? QUAIS SÃO ELAS?
S.S. – Ahhh! Religião minha filha, aqui é um pobrema
85
. Porque aqui, a católica, meu
Jesus, é muito fraca. Povo tudo é evangelhista
86
. Assembléia de Deus, tem essa outra de cá
e agora tem aqui a Universal. A Universal tá muito fraca, muito fraca. Mas é mais, o povo
é tudo evangelista. Tudo evangélico
V.G. - E POR QUE A RELIGIÃO CATÓLICA TÁ FRACA?
S.S. - Porque pouca gente na igreja. Quando eu freqüentava, tinha pouca gente. Eles tem
uma missa dia de quinta-feira e tem domingo. Domingo tem mais né. Dia, noite de quinta
feira não tem quase ninguém, é muito pouco, é muito fraco. Só mais na festa. Culto tem
toda noite, toda noite e dia de domingo é que tem primeiro horário bem cedo às 7hs e às 6
da noite.
V.G. - SOBRE O COSTUME DO POVO SENTADO NA PORTA...
84
Maquerência = nenhuma inimizade
85
Pobrema = problema
86
Evangelista = evangélico
107
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
S.S. - Acho que é por causa da pista, né? Depois fizero
87
a pista diminuiu. E o povo tem
medo né? De ficar sentado, por causa do movimento de carro. Muita gente entra aí bebo
né? É aí fica com medo da pessoa tá na porta. Mas a tardinha, a noitinha né? Depois de 9hs
minha filha, aqui parece que o mundo se acabou. Tem o restaurante, assim mermo não tem
esse movimento. Ahhh! quando é tempo de turista tem mais um movimento. Mas enquanto
isso quando dá 9h aí tá tudo fechado. Aí só é mais o Maré e o Peixarão.
V.G. - VOCÊ POSSUI FOTOGRAFIAS ANTIGAS DO LUGAR OU DAS FESTAS?
S.S. - Ah eu tenho. Tenho. Eu vou procurar... Não tenho de festa. Eu tenho, por exemplo,
eu tenho desse arruado, quando eu tinha artesanato. Tenho retrato do restaurante lá do
Maré, tenho retrato das minhas meninas, quando vendia artesanato. Agora dá praça não
tenho.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: MARLENE MARIA SANTANA DOS SANTOS (M.S.) IDADE: 68 ANOS
PROFISSÃO: RENDEIRA, DONA DE CASA
FILIAÇÃO: ALEXANDRE VIEIRA DE SANTANA / MARIA DE LOURDES
SANTANA
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR
V.G. - ONDE VOCÊ NASCEU?
M.S. - Nasci e me criei aqui.
V.G. -O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
M.S. - Eu acho bom né. Eu acho bom. Eu acho que num tem melhor do que esse!
V.G. -POR QUE?
M.S. - Porque aqui é um lugar carmo
88
. Ninguém vê tanta coisa como tá
89
agora
acontecendo aí, em Maceió nos outros canto, nesses bairro aí, ladrão por todo canto. Esse
lugar é sempre, um lugar carmo. Ninguém vê essa coisas. Eu indo pra qualquer um canto,
pra Maceió, pra qualquer um canto, eu deixo essa porta aberta só no trinco. Oxe encontro
do mesmo jeito.
87
Fizero = fizeram
88
Carmo = calmo
89
Tá = está
108
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
V.G. -O QUE É SER PONTALENSE?
M.S. - É, Pontal. (risos). De coração. É bom, muito bom, é bom né? Muito bom. Eu acho
que em outro canto eu acho que num me dou não. Num queria sair daqui, só saio daqui
pro cemitério. Mas eu sair pra morar em outros cantos, acho que num dava um lugar tão
bom quanto esse daqui.
V.G. -VOCÊ TEM FILHOS?
M.S. - Tenho. 5 filhos.
V.G. -ELES NASCERAM NO BAIRRO?
M.S. - Todos.
V.G. -COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCENCIA NESTE BAIRRO? COMO
ERAM AS BRINCADEIRAS?
M.S. - Boa, né
90
. Oia
91
, tinha brincadeira né, pra gente brincar, mas eu tinha um pai ruim
não dexava
92
a gente sair. Uma vez uma mocinha do pastoril pelejou pra gente dançar...
Ele nunca deixou, saía não. Dança na colônia, tempo de festa de São João né? São Pedro,
forró. Arrente
93
dançava escondido. Quando ele saia pra pescar, oia...bem assim era no
carnavá
94
, aquele quando o bloco vinha.... Agora não, cabousse
95
, que não tem mais isso
não.
V.G. -POR QUE?
M.S. - Eu num
96
achando que tem não, como antigamente não. O povo diz: ah porque é
tempo de veia
97
, foi o tempo das veia. Eu digo: não rapaz, né o tempo das veia não. É
porque eu acho que é o clima mesmo. Porque é antigamente, isso aqui era muito mais
animado. Eu achava.
V.G. -QUEM DIZ ISSO?
M.S. - Meus filhos. As meninas aí, de hoje em dia né? Mas eu, eu achava mais animado!
Chegava no tempo de São João aqui no Pontal Da Barra, São Pedro, a colônia ficava cheio,
cheio de gente pra dançar. Aquelas músicas do forró do Luiz Gonzaga, de antigamente.
Agora não, é música de tango, né? Como é, como é o nome? Do caminhão... Como é
daqueles carro de som? Sim, agora é tio
98
elétrico. No tempo de São João é trio elétrico. Eu
digo, minha gente! Num tem nem graça, minha gente! É tempo de São João é São João! É
música de forró! Ahhhh, acabousse aquele tempo, agora é das veia. Eu digo: é tá certo
bando de peste, vocês num vão ficá
99
veia, né não? Eu digo: eu tô dizendo que naquele
tempo pra mim é muito animado do que agora.
V.G. -VOCÊS SE ENCONTRAVAM EM ALGUM LUGAR?
90
Né = não é?
91
Oia = olha
92
Dexava = deixava
93
Arrente = a gente
94
Carvaná = carnaval
95
Cabousse = acabousse
96
Tô = estou
97
Veia = velha
98
Tio = trio
99
Ficá = ficar
109
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
M.S. - Não, a gente ia. Saia de casa e ia pra colônia, dançar. Lá em baixo na segunda praça
dos pescadores. Lá atrás um prédio grande.
V.G. -E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
M.S. - (Risos) Era bom nera
100
, porque num tinha luz. Num tinha luz, aqui não. Num tinha
luz não. Foi, uns ano aí atrás. Oia, quando eu tava na idade de uns 10, 12 anos num tinha
luz no Pontal da Barra. Ah, num tinha não.
V.G. -QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
M.S. - Pensava não, pensava nisso não. Não, eu queria me casar nera? Eu queria me casar
né. Ter filhos. Eu vou me casar um dia...
V.G. -PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
M.S. - Mulé
101
ônibus, só tinha assim de 7 hora. Tinha um de 7, um de 11, um de 6 hora.
Tinha mais sabe. Antes era assim, quando a gente ia pra Maceió a gente ia de pés
102
,
também naquele tempo num tinha assalto como tem hoje em dia, não. Muito diferente,
num tinha não. Eu, eu ia pra Maceió saia sozinha! Era pu
103
detrás, era pela berada
104
né. A
pista num tinha pista ainda. Aí, tava aquele areião, ainda tava fazendo a pista, mas num
tinha não, era direto. Aí, eu saía por aqui, dava...vige
105
eu ficava tão alegre quando
avistava uma pessoa. Meu Deus, ali tem um homem, graças a Deus que eu num vou
sozinha! Aí, saía quando chegava no Trapiche, apanhava o bonde. Também não tinha
ônibus o Trapiche, tinha não. Apanhava era bonde, apanhava o bonde e vinha simbora
106
.
Quando vinha era do mesmo jeito. Depois fizero
107
uma rodagem pra cá, é essa, é essa que
agora, que num é mais na berada. Que a berada comeu, aquela de antigamente. É essa que
a gente vai agora. Que tá perigosa agora se andar. Aí a gente ia, eu ia sozinha. Era um
areião, eu ia sozinha ...graças a Deus quando eu via uma pessoa. Quando eu via, vige meu
Deus do céu, quando eu me encontrava com um monte de vaca! Vige meu Deus, Jesus olha
pra li
108
! Que é que eu faço? Vige Maria! O que vou fazer? Ficava assim... Eu digo: é o
jeito ou elas me pegarem ou eu vou pegar elas (risos) se não eu tô aqui caminhe, mas do
que Deus ninguém! Aí o homem que vinha dizia: num pega não, passe vá simbora. E eu ia
pelo meio das vaca no maior do medo. Não, ia me embora. Eu dava graças a Deus quando
achava uma pessoa, quando às vezes tinha aqueles homem assim, vinha um, vinha dois.
Nem tinha medo. Hoje em dia se eu for pra Maceió sozinha e vi avistá
109
um homem, fico
me acabando de medo. Penso que é um assalto, va...vai me pegar! Naquele tempo num
tinha, ninguém via isso não, menina. Tá uma misera
110
!
V.G. -SOBRE O PONTAL DE HOJE?
100
Nera = não era?
101
Mulé = mulher
102
Ia de pés = ia a pé
103
Pu = por
104
Berada = margem, beira
105
Vige = Virgem
106
Simbora = embora
107
Fizero = fizeram
108
Pra li = para ali
109
Avistá = avistar
110
Misera = miséria
110
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
M.S. - Hoje em dia também tá muito bom né, tá muito ótimo! Fizero a rodagem , que num
tinha, que antigamente num tinha. A luz quem botou foi o Arnon de Mello. Botou luz,
água, também!
V.G. -A SENHORA PEGOU A FASE DO PONTAL LÁ NA PRAINHA?
M.S. - Peguei, peguei! Era alto, era muito grande. Tinha a prainha, e o cemitério lá no
final. Era ótimo. Mas depois, acabousse, foi tudo comprado. Compraram pra fazer esses
prédios, a SALGEMA, a SALGEMA não! Aí pronto, o Pontal ficou pequeno. Mas já veio
fazer isso, já agora! Depois de....mais antigamente não! Era muito grande o Pontal.
V.G. -COMO É MORAR NO PONTAL DA BARRA?
M.S. - É bom, eu tô gostando, porque é ônibus direto de instante, instante. Naquele tempo,
quando vinher
111
fazer, não tinha ônibus. Só tinha ônibus assim 7, de 11 perto de meio dia
e 6hs da noite. E agora não, é direto. Naquele tempo...
V.G. -QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
M.S. - Oia, as festas mais importantes que é quando eu vejo tempo de São João. Ali pro
alto, fazem festa. Eu fico lá da cama só escutando. É quem? Eu vou lá, eu vou me ocupar e
olhar porcaria, mulé. A de São Sebastião também, eu num tô achando mais bom não. Sei
lá, de antigamente era cada festa bonita mermo
112
, dez noite de festa. Agora é muito
simples. É 12, é 10 dia de festa, termina... se cai no dia 20 domingo, termina no domingo,
no dia 20. Janeiro! Agora que... antigamente era boa a festa. Era festa mermo, de
antigamente né! Mas agora, num
113
acho não.
V.G. -QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
M.S. - Tinha mulé, tinha até..., tinha música, tinha tanta coisa. Tinha telegrama, agora num
existe telegrama. Acabou tudo, acabou tudo, mudou tudo! Telegrama era... Alô, alô fulano,
seu... às vezes, seu namorado, seu fulano de tal tá esperando em tal canto. Ah, era assim
nera. Quando fazia ano: alô, alô seu fulano meus parabéns, aí cantava assim. Era muita
coisa, lhe ofereço essa música. Aí oferecia as música. Era bom mulé. Agora não, agora
num tem, num existe isso mais não, acabousse! Tem sim as festas, mais é mais na novena e
botam aqueles, aqueles negócios... Cumé
114
? Tinha barco, mas hoje em dia não tem mais
nada e fazer. Porque já fizeram casa, sabe, aí diminuiu tudo. Agora acabousse. Tem festa,
mas não era como antigamente não, animada. A procissão era muita gente menina! A
procissão, o santo vinha aqui, vinha gente muito longe ainda. Assim oí, de gente oí. Hoje
em dia não, caiu tudo.
V.G. -MAS AINDA TEM GENTE NA PROCISSÃO?
M.S. - Tem. Na festa tem. Tem mas num...tem festa, mas num é animada como
antigamente não. Entendeu? Num tinha luz, energia. Vinha a energia que botavam, as
gambiarras. Quando terminava a festa fazia uma falta, a gente olhava uma escuridão, na
praça! Ficava com tanta da pena, oia. Eita meu Deus oia, tão bom essas noites de festa.
Ahh, ficava uma escuridão, um esmo
115
danado! Quando a gente olhava um silêncio.
111
Vinher = vier
112
Mermo = mesmo
113
Num = não
114
Cumé = como é?
115
Esmo = escuro, breu
111
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Quando tinha festa não, a gente andava, passeava. Era bom mulé, gostei muito, do meu
tempo. Agora pra namorar no escuro... (risos) sem luz era bom também (risos)
V.G. -SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
M.S. - Não, não, não disso não. Não, não, não. Ela era... Ela num morava aqui, morava em
Marechal.
V.G. -O PAI DA SENHORA NASCEU AQUI?
M.S. - Barra Nova! Aí casou-se, morou aqui, pronto. Aí teve a família tudo aqui. Mas
mulé esse tempo, num vi não. Tinha essas coisas, mas num era aqui não. Era noutro canto,
nesses cantos, mas nunca vi aqui não. Tinha negócio do fogo corredor né? Ali pela chã,
mas por aqui nunca teve isso não.
V.G. -QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
M.S. - Mulé, nenhum. (silêncio)
V.G. -O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA
VOCÊ?
M.S. - Mulé, a lagoa? Ruim que tá viu. Num é a lagoa aqui? Muito ruim, porque
antigamente, a lagoa era boa. Num tinha... num faltava peixe pra nada. Mas hoje em dia...
Porque eles deram pra botar esse negócio de fábrica. Aí disse, que os peixes deserta, morre
tudinho. Antigamente num tinha esse negócio de botarem negócio pra matar não. A lagoa
nunca foi ruim, hoje em dia num presta, num dá peixe. Se for depender disso morre de
fome!
V.G. -QUAL É O SUSTENTO DA SENHORA?
M.S. - Não, eu vivo de aposentada.
V.G. -FAZ O FILÉ?
M.S. - Faço, nunca mais eu fiz não. Me abusei, vaiii...
V.G. -A SENHORA APRENDEU FILÉ COM QUEM?
M.S. - Com a minha mãe. Desde de 7 anos que faço. Fazia toalha, as toalhas, fazia... Mas
hoje em dia. Antes... 7 anos fazia, ela me ensinou.
V.G. -QUAL A HISTÓRIA DO FILÉ?
M.S. - Não, é muito velho. Não sei, não. Quando eu me entendi de gente minha mãe já
fazia. Já vivia disso.
V.G. -E ANTIGAMENTE QUAIS PEÇAS DE FILÉ SE FAZIAM MAIS?
M.S. - A gente fazia aquelas colcha, toalha. Hoje em dia, tem também. Hoje mais blusa,
paninho de bandeja, pano de... tanta qualidade de filé. Aquelas blusa, de peitinho, aquelas
blusas...
V.G. - O QUE ELE REPRESENTA PARA A COMUNIDADE?
M.S. - Ele tá representando, bom, né. Porque naquele tempo só era mais esses negócios do
filé, mas agora não. A gente faz bonito. Aí o povo vê gosta e compra. É tudo, é biquíni, é
tudo de filé, a gente faz e vende e é bonito.
112
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
V.G. - COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? POR QUE?
M.S. - É...é bom né. A gente se dá um com outro. A gente se dá né. Fala conversa.
V.G. - EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE?COMO
SURGIU/ POR QUE E QUANDO?
M.S. - Ahh, tem mais não! Não, num tem mais não aqui, já passou. Era porque o povo de
cá não se dava com os de lá. Quando se encontravam... acabou esse negócio, era
antigamente. Não tem, não. Hoje em dia é um lugar bom.
V.G. -DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA COMO SE APRESENTA O
BAIRRO?
M.S. - Essa aí, mudou foi muito. Desgraçou foi tudo, eu acho. A gente vive com medo,
com esse tal de SALGEMA aí. A gente vive com medo, porque a gente vê os outros cantos
né, a pessoa fica com medo. Um dia desses botaram um negócio no alarme, porque quando
alarmasse aqui, era porque tava fugindo o cloro. Oh mulé, fazendo medo nos outro. A
pessoa com medo, fizero a bicha
116
alarmar de madrugada. Eu fico em casa mermo. Vou
sair nada. A gente só via era os carros buzinando. Vige Maria! Ahh, fiquei aqui mermo,
todo mundo correu, quem teve carro saiu, foi pra cá. Eu fiquei aqui mermo. Depois
vinheram
117
dizer que foi não, foi um negociozinho que tinham endireitado. Oia a gente
vive com medo! Esse lugar aqui já depois dessa tragédia, eu hein. É complicado, né. O que
a gente vê nos outros canto, de vez em quando né, a gente pensa que aqui é do mesmo
jeito, né.
V.G. -A CHEGADA DO TURISMO HOUVE ALGUMA MUDANÇA NO
COTIDIANO DO BAIRRO?
M.S. - O turismo é bom, tá bom. É bom ,é . Tem tempo que tá ruim. Só vem passearem né,
não compram nada. Eu só vejo elas reclamarem. É, tudo depende, né?
V.G. -COMO A RELIGIÃO SE APRESENTA NO PONTAL? QUAIS SÃO ELAS?
M.S. - Tem é muita, aqui. Tá lotado, tá lotado de inseto. Eu sou católica (risos).
Antigamente, num tinha não viu, crente não. Ninguém num via um crente aqui no Pontal
da Barra. Num via não, só era católico. Num tô dizendo que a festa era uma beleza. Era
assim, desde a primeira noite, até o final cheia de gente. Que quando se acabava eu ficava
com pena! Num tinha crente, não. Parece era um inseto, que um não lasca, né? Oxente, tá
forte, tá forte, todo canto que for daqui pra baixo... Agora tem muito crente.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: NEIRDE VALOZ DOS SANTOS (N.S.) IDADE: 69 ANOS
116
Bicha = sirene
117
Vinheram = vieram
113
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
PROFISSÃO: FUNCIONÁRIA DO ESTADO APOSENTADA
FILIAÇÃO: ANTÔNIO ELEOTÉRIO DOS SANTOS / ANA VALOZ DOS SANTOS
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR – 4° SÉRIE NO GRUPO DO BAIRRO
( SILVESTRE PÉRICLES)
V.G. - ONDE VOCÊ NASCEU?
N.S. - Nasci aqui No Pontal. Eu peguei o Pontal, quando era na... Pra lá da prainha. E pra
lá da prainha, tinha uma casa muito boa, muito bonita e eu ia pra li
118
. Eu tinha mais ou
meno uns 10 ano. Eu ia pra casa de uma prima minha e lá a gente sempre fazia... No
começo eu fazia filé, né
119
? Eu era nova e fazia filé. Eu aprendi com 7 anos. Eu já fazia
filé! Aí, eu quando vim trabalhar eu já tava com uns 28 anos, mais ou menos. Quando eu
vim, pra trabalhar no estado. Quando eu comecei a trabalhar, né.
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES NASCERAM NO BAIRRO?
N.S. - Tenho 8 filhos. Quer dizer, teve uns que nasceram no Pontal, e outros nasceram na
maternidade e 4 nasceram na maternidade. Quatro aqui, com parteira. Antigamente num
tinha parteira né? Aí eu tive os 4 mais velhos e os outro nasceram na maternidade Santa
Mônica.
V.G. - ELES RESIDEM NO BAIRRO?
N.S. - Não, só mora o Ávila, a Carmem, só mora dois. Porque a Jori mora aqui, mas a Jori
tem muita coisa. (risos)
V.G. - O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
N.S. - O Pontal ele comé
120
... Na época, eu achava o Pontal melhor. Eu achava o Pontal
melhor, porque antigamente a gente era mais jovem, mas era tudo fácil. Hoje em dia, com
as vicitudes das coisas, eu acho tudo difícil. Antigamente a gente fazia o nosso filé, mas a
gente vestia, a gente calçava... O filé era bem vendido naquela época. Já era bem vendido!
Agora que, eu acho num
121
122
mais como aquele tempo, na minha infância. Eu digo
assim porque a venda depois que o filé se expandiu pelo meio mundo, porque hoje tá no
Brasil inteiro, né. Ela perdeu mais valor, eu acho! Porque antigamente, a gente vendia
filé... Era umas senhoras, elas vendiam a bordo. A bordo!
V.G. - QUEM FOI A PRIMEIRA PESSOA A FAZER O FILÉ?
N.S. - Não, num lembro quem foi a primeira pessoa que vendia. Era, tudo vendido a bordo,
no navio. Não, porque elas pegavam da gente né. Era comé... o povo comprava a gente,
levava, pagava depois que vendia. Aí, levavam por consignação. Levava pra bordo e lá elas
vendiam e quando chegava pagava a gente. E hoje em dia não, que cada um aluga um
ponto. Começou primeiro... a primeira pessoa que começou a abrir uma loja aqui no pontal
foi a Neide, do Maré. É prima da gente, ela. Família da gente, ela é prima da minha mãe,
ela é. A Neide! Depois foi a Liliu que já faleceu, depois foi a dona Laura, depois foi a
118
Pra li = para ali
119
Né = não é?
120
Comé = como é?
121
Num = não
122
Tá = está
114
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
Marinalva, a Lucinha que é ali na Mão de Ouro, a dona Marinete a mãe dela, aí foi
expandindo. Foi, o filé foi assim!
V.G. - O QUE É SER PONTALENSE?
N.S. - Fazer parte do Pontal é... Porque antigamente nera
123
, a pessoa não se considerava
pontalense não, sabe. Eu não sei. Porque o povo... porque aqui era um bairro né, depois
que passou Maceió. Tem muita gente que Maceió aqui é um bairro, que é Maceió, mas
aqui é Maceió né. Depois, passou. Antigamente, dizia: oia eu vou pra Maceió (risos)! Mas
a gente num tamo
124
em Maceió, né? Mas antigamente era assim. Hoje dizem vou pra
cidade! É, a cidade é ali, né. Eu acho que o povo né, que o povo acha que aqui num é
cidade né (risos). Acha que aqui , sabe o que é eles consideram acho aqui, assim como
antigamente o povo considerava quase como um interior né? Porque antigamente não tinha
estrada de rodagem, a gente ia pela bera
125
do canal, pela maré. Tudo botava o calçado na
mão e ia. Não tinha ônibus não, num tinha energia, aqui. Não tinha ônibus, tinha carro de
passeio que fretavam e era vários, porque num tinha estrada, era estrada de areia. Era uma
estrada de areia, eu mesmo... A praia era só dunas, combros que a gente chamava. Era só
dunas. A gente subia naquelas dunas, quando acabava a gente descia pelo outro lado, né?
Aí já caia no mar! Antigamente a gente já gostava. Eu era nova né, novinha, aí as meninas
não tinha aqueles biquíni, né. Teve um tempo que apareceu uns biquínis que era assim, tipo
uma calçolona e o bustiê, né. Antigamente não tinha, depois que foi né, aparecendo o
biquíni. Até as meninas antigamente tinham vergonha né, de usar pra aprecer a barriga né.
Aí, a gente vestia aquele biquíni grande, aí a gente ia pra praia, pra ponta da praia, lá no
final. Menina, aqui o Pontal era lindo, lá na prainha. Tinha cemitério aqui, aqui ainda tinha
cemitério. Tinha cemitério aqui no pontal, lá embaixo que o mar já comeu. Perto do
DETRAN, ali mesmo naquelas imediações. Agora só que, o mar já comeu né, avançou e o
local ninguém sabe mais. Aí, a gente ia pro cemitério e ainda era nova, tinha mais ou
menos 8 anos, mas eu ainda lembro. A minha mãe me levava, a gente quando era dia de
domingo, a gente ia passear na praia, aí a minha mãe levava a gente. A gente com os mais
velhos né, aí mostrava a gente. Agora aqueles mausoléus já tava tudo revirado, a praia já
tava comendo só tinha pedaço de muro, era... Eu não lembro de quem se enterrou lá, não
me lembro!
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NESTE BAIRRO?
N.S. - A minha infância aqui, ainda tenho saudade, viu. Não é como hoje. Hoje é muito
diferente. Eu já criei meus filhos tudo diferente. Minha infância ahhh, ainda hoje fico... Eu
me lembro da minha infância. Porque tem passado que é ruim, tem gente que não gosta
nem de falar, mas eu não. Eu sempre fico com o passado em volta!!!
V.G. - COMO ERAM AS BRINCADEIRAS?
N.S. - A gente brincava de... peraí deixo ver se ainda me lembro, antigamente a gente
cantava aquela: Eu vim do Tororó... Quer ver a outra que a gente também que a gente
brincava muito de la condessa. Você já ouviu falar? A Jori sabe... É a Jori lembra. Eu nem
lembro direito.
V.G. - E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
123
Nera = não era?
124
Tamo = estamos
125
Bera = borda, margem
115
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
N.S. - Aqui antigamente, não tinha energia, como eu te contei, né. Eu tinha mais ou meno
uns 12 pra 13 anos. Aí a gente, eu tive só 2 namorados, eu tive. Eu tive um que foi pra
marinha, ele foi para o Rio. Aí, ele mora em Vitória no Espírito Santo, ele mora com a
esposa e tem os filhos. Dois filhos ele tem. Aí depois eu acabei, aí eu namorei com 16
anos, comecei a namorar com o pai dos meus filhos. Aí me casei com 17! Foi, me casei
com 17!
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
N.S. - Oia, vou te dizer toda vida eu sonho em sair daqui. Ainda hoje, eu tento. Aí, porque
antigamente a gente... O Pontal não era assim. Porque aqui muita gente gosta de olha a
vida dos outros, e antigamente ninguém botava olho na vida de ninguém não! Cada um
vivia a sua vida, mas hoje em dia esse povinho, essa geração nova que tem outra criação,
né. Que num foi nem criado aqui, que o pai era rígido, era fogo viu. Era um pai diferente,
era um comé?... Ele num dava ousadia, num dava não, num dava mesmo! Era um pai
muito simples, por ser de ajudar os meninos a estudar em colégio particular, quando ele ia
de arrumar emprego, aí sempre deu uma boa vida né, pros meninos. Quer dizer, sempre
deu uma boa vida digamos, uma assim, melhor. Aí foi tempo... Sim mulé, sim os meus
sonhos... Eu sempre sonhei coisas grandes (risos), deixa eu te dizer: eu quando eu, meu pai
era pobre, mas num era pobre de marré de si, não (risos). Era uma pessoa assim, que
trabalhou no estado, na saúde. Uma pessoa, bem conceituada que tinha aqueles deputados
que tudo ia lá pra casa. O meu pai gostava daquele povo todo, trabalhava pra negócio de
política. Meu pai sempre foi assim. Aí, a gente sempre teve aqueles conhecimento, né,
aqueles conhecimento grande, aí a gente depois, o meu pai sempre a gente viveu bem, né.
Graças a Deus, na casa da minha mãe nunca faltava nada. Agora, depois que eu me casei,
eu me casei com uma pessoa muito pobre, que não era daqui do Pontal. Ele era do interior.
Ele era de Sertãozinho, interior né. Aí, ele veio trabalhar na casa de um pessoal que era
quase da minha família. Ele com 17 anos e ficou trabalhando nessa casa, assim eles tinham
uma mercearia, e ele ficou. Eles adotaram ele assim, como um filho né. Eles tinham muita
confiança. Era uma pessoa, era novo, mas era uma pessoa muito certa, não pegava nada de
ninguém, honesta era. Ele veio do interior, só que não sabia ler. Aí, eu foi o tempo que eu
comecei a gostar dele. Aí ele sem saber ler, sem saber ler. Aí o meu pai dizia bem assim:
eita Neirde vai ficar difícil pro Zé arranjar emprego. Eu dizia: não pai, eu mesmo com
minha leitura pouca, mas eu vou ensinar pelo menos, porque ele é analfabeto, pelo menos
pra ele tirar os documentos de alfabetizado pra poder trabalhar, tentar né. Aí o meu pai
chegou disse assim: é vamo ver. Aí eu ensinei o meio pra ele tirar o título de eleitor.
Depois ele tirou MOBRAL, ainda tem MOBRAL? Ele estudou, estudou, estudou. Aí foi
tempo de aparecer um trabalho nesse posto que era do município. Antigamente, era dos
pescadores, policlínica dos pescadores aí na praça. Era aí depois eles remodelaram sabe?
Aí foi pra ficou pro Estado. Então meu pai e o Dr. Élvio, já ouviu falar né? Dr. Élvio velho,
já faleceu, era médico daí, sendo dos pescadores. Aí o meu pai falou com ele com o Dr.
Élvio, aí ele disse: oia, fininho, o apelido do meu pai era Fininho, oia Fininho... o meu pai
fazia parte da colônia dos pescadores, meu pai foi tesoureiro, aí foi quando apareceu essa
vaga no posto, que não era esse posto né, como já lhe disse antigamente. Aí apareceu essa
vaga, aí o meu pai disse: ô Neirde, a gente já tinha casado já, a pouco tempo, eu tinha só o
meu mais velho e aquela outra mais velha. O resto, eu só tinha mesmo o George que já
nasceu aqui. Eu morei numa casa coberta de palha tapada de barro. Num tinha energia. Aí,
a gente moremo
126
que era uma casa que quando se vai, você num entra ali na rua pra ir pra
126
Moremo = moramos
116
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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praia, ali pra ir pra praia é aquela casa de esquina, de esquina que o rapaz tá fazendo um
primeiro andar, atrás assim uma quitinetizinha. Aquela casa ali, eu morei ali, agora sendo
que era tapada de barro, coberta de pau e num tinha energia. O meu pai puxou a energia da
casa dele que é aquela casa de esquina, quando você... Antes de você dobrar, é a casa do
meu pai. Do lado de lá, ainda num foi vendida não, quando o ônibus dobra aqui. Ali era do
meu pai, ainda num foi vendida não, que eu tenho um irmão que é doente e tá lá. A minha
irmã que toma conta dele. Sim aí, o meu pai disse: e aí Neirde o que é que tu quer? Tu quer
ficar com esse emprego ou quer dá pro seu marido, seu marido num sabe bem. Eu digo:
pai, eu vou, eu acho que vou deixar pra ele. Porque tenho certeza que ele vai, comé, já tá
assinando o nome, já tá... ele era muito inteligente viu, era muito inteligente. Aí ele disse:
ié? Então vou mandar o nome dele, vou mandar a documentação. Eu sei que mandou,
naquela época num era Brasília não, era Rio De Janeiro, Distrito Federal era no Rio De
Janeiro nera? Num era? Era no Rio. Brasília já foi depois né, que passou, né. Aí meu pai
mandou a documentação dele tudo, mas minha senhora quando veio foi um emprego
federal, pra ele. Um emprego federal. Aí a gente foi melhorando, aí a gente juntando
dinheiro, juntando dinheiro. Aí compremo
127
essa casa aqui, que era um chalé de taipa. Aí
a gente compremo, juntemo
128
um dinheirinho e compremo. Agora esse terreno todo né,
até o final. Aí a gente compremo e depois, quando ele passou seis meses sem receber o
dinheiro, quando ele recebeu, ainda me lembro como hoje, menina que tanto dinheiro, era
cruzeiro na época tanto dinheiro. Menina era cada monte assim tudo na borracha. Aí ele
disse: sabe o que a gente vai fazer Neirde, vai comprar tijolo e construir a casa né, que era
de taipa um chalezinho. Só que era bonzinho sabe, tinha energia, tinha água, tinha tudo né,
que lá não tinha. Lá era poço, cacimba que chamam né, cisterna né. Aí, a gente foi vivendo
nessa casa, e quando foi com 3 anos, mais de 3 anos que a gente tinha vindo pra qui, ele
faleceu. Foi, ele faleceu. Sim, aí ele ficou com o emprego federal, trabalhou na
FUNDEPES, trabalhou depois da FUNDEPES, ele passou pra Ministério da Fazenda.
Quando ele faleceu, ele já tava aposentado pelo Ministério da Fazenda ali. Aí pronto a
gente foi subindo né, aí eu já tive carro, já tive tanta coisa na minha vida (risos).
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
N.S. - Ainda tenho sonhos, sabe qual é? É de ir me bora
129
pra Salvador. Deixar o Pontal.
Eu gosto muito menina, de Salvador. Que a gente vai muito por causa da Jori né. Eu
sempre vou pra lá né. Aí, eu pra mim não dá mais não. O Pontal daqui pra lá só tem gente
estranha, minha filha. O povo que era do Pontal tudo morreu, só tem gente estranha! Tudo
mudado, uns do Trapiche, outros Ponta da Terra, outros Pajuçara, aqueles mais antigos.
V.G. - MAS MUITOS AINDA SE CONSIDERAM UMA SÓ FAMÍLIA?
N.S. - É se consideram família. Porque aqui no Pontal quase tudo que a gente vê é tudo
família. A família da minha mãe é enorme, do meu pai também.
V.G. - PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
N.S. - O Pontal de antigamente, lá na prainha tinha uma barca de fandango. Uma barca de
fandango, o fandango sempre existiu aqui no pontal, sempre existiu. Tinha umas baiana lá
em cima, também naquela época que eu era jovem né. Agora só que ficou dessas baianas,
só existe uma que dançava naquela época, era a Liu. A dona Maria já é de pouco tempo.
127
Compremo = compramos
128
Juntemo = juntamos
129
Bora = embora
117
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE?
N.S. - Hoje, morar no Pontal, eu num gosto muito não. Gosto não. Até minha filha, aquela
que ta lá né, que mora lá em Jatiúca. Num querem voltar pra qui
130
de jeito nenhum. A
filha que eu tenho também que mora na Serraria e meu filho que mora... Num gostam mais
daqui, de jeito nenhum. Ah, querem não, de jeito nenhum!
V.G. - COMO É MORAR NO PONTAL DA BARRA?
N.S. - Não, aqui é um lugar bom, porque gente se sente sempre tranquila, né. Eu fico aqui
sozinha, não tem pobrema
131
nenhum, tenho medo de nada. O povo viajam, e eu sempre
fico só. Graças a Deus, nunca aconteceu nada.
V.G. - QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
N.S. - De agora, é? Não né? Aqui, a festa mais forte que tinha aqui, era a festa de São
Sebastião, era antigamente. Antigamente, era uma festa muito boa, mesmo no tempo do
meu marido, do meu pai. Era o meu marido quem organizava, agora acabou. É em janeiro.
Ainda continua, mas fraquinha minha filha. Nunca, nunca como antigamente, nunca!
Antigamente era muito comé, animada, né. Antes tinha tudo, tinha leilão, tinha tudo, era
uma mesa enorme, toda qualidade de fruta. Era muita coisa, muita coisa. O povo vendia, o
povo arrematava né. Antigamente, todo interior tem, né. Hoje em dia, num tem isso não.
Isso era tradição daqui! Hoje em dia num tem. Eles botavam, pescador botavam uma
canoa cheia de peixe, aí eles colocavam numa canoa era peixe, camarão, tudo. Pessoal
ficava olhando, pescava assim e a canoa ficava ali e era muita coisa, antigamente. Hoje em
dia, ninguém vê mais isso não, acabousse a tradição!
V.G. - QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
N.S. - Não, eram as músicas da própria igreja.
V.G. - SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
N.S. - Sim, tinha. Mas acho que isso é lendas, né? Deixe te contar, um dia desses contei a
Jori. Uma senhora, ela morreu com mais de 100 anos, aqui no Pontal. Ela morava no
Roteiro, morava aqui não. Agora, só que ela morreu, já morreu velha, já. Porque ela veio
morar aqui, comé, porque a família dela nasceu aqui. Aí ela contava, que quando foi um
dia, ela veio de pés
132
do interior pra cá, aí vinham de pés. Aí ela disse que veio pra casa de
uma cumade
133
. Que antigamente, porque hoje em dia ainda tem os coqueiros, né? Ali no
DETRAN, né. Aonde tinha o sítio que era o sítio do compade
134
do seu Moisés. Eu não sei
se ele já faleceu e eles não moram, aqui não. Esse sítio era um casarão, tipo casa de
fazenda. Aí eles moravam lá. Aí depois a família foi morrendo né, foram morrendo, foram
subindo na vida e aí, se mudaram né, pra lá. Mais a casa ficou, uma casa bonita aquelas
paredes dobradas né. Num é como essas casas de hoje em dia não. Casa de antigamente era
aquelas paredes dobradas, com aqueles tijolos batidos, nera? Aquelas paredes grossa,
aquelas portas, aquelas molduras nera? Antigamente era assim lá embaixo. Era muito
bonito. Então era o sítio né, e não tinha energia, onde era o DETRAN hoje. Aí, ela... Eu
130
Pra qui – para aqui
131
Pobrema = problema
132
De pés = a pé
133
Cumade = comadre
134
Cumpade = compadre
118
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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digo, ela contou isso a gente. Ela, já morreu a muito tempo atrás. Mas eu era piveta, aí eu
me lembro. Ela contando que chegou na casa dessa cumade dela, lá no sítio, lá embaixo. Aí
ela disse que quando chegou lá, por volta de uma tardinha. Aí a cumade dela recebeu ela
muito bem. Aí disse bem assim: cumade, a senhora só vai embora amanhã. Ela disse: tá
certo cumade. Porque não dá pra senhora ir hoje mais. Aí, ela disse: tá certo cumade. Aí
ela disse que quando foi de noite, aí elas conversaram, conversaram e disse: oi, amanhã a
gente vai comer uma mocotozada, que esse pessoal antigamente, a dona da casa que era
amiga da mulé que chegou, da dona Maria. Vamo comer uma mocotozada, já está ali, já
pra preparar amanhã. Já cozinhei, porque o mocotó fica de um dia pra outro fica molinho,
no tacho. Antigamente tinha tacho de bronze, você num lembra não! Eu que lembro,
porque a avó do meu marido, ela tinha muitos tachos de bronze, tesoura de ouro. Ela
morava no Roteiro. Ela tinha muito tudo isso. Ela,era a família mais tradicional do
Roteiro, eram ricos. Tinham comé? Carro de boi, tinham tudo, sabe? Que eram dono da
que chamava antigamente POGOMONHA que é a destilaria, agora. Que ainda tem né, a
destilaria? Aí, foi do avô do meu marido. Sim, aí ela disse que quando foi de noite,
conversaram, conversaram, até certo alto, tem muita coisa pra conversar, né? Aí ela disse
que quando foi umas horas, aí a cumade dela disse: cumade a senhora quer dormir? Ela
disse: não cumade, depois eu me deito. Aí, ela disse: oi, eu vou botar esse colchão aqui, na
sala de jantar. E o tacho do mocotó ela botou em cima da mesa e botou uma toalha bem
branquinha, alvinha assim, por exemplo, a porta é a metade, né? Como aqui, né? E botou a
toalha e fechou, a porta. Então antigamente aqui, dizem o pessoal aqui, que tinha um tal de
gritador. Que não tinha... eu acho que isso é lenda, mas ela me contou que foi verdade, na
época. Então, antigamente tinha engenho, aqui o pontal num já foi engenho, num foi? Nem
sei, nem me lembro, a Jori que sabe. Aí disse, que antigamente tinha os escravos e os
donos da fazenda, eles num pegavam os escravos e não... num era? Num batia e tudo,
nera? Botava na senzala, nera? Pois é, aí disse que ela foi se deitar, aí ficou, até ela disse,
sem sono. Porque quando a gente quando vai pra casa dos outros, a gente fica sem sono
né? Uma coisa tão estranha né? Aí ela disse que ficou lá, deitada. Aí se enrolou com um
lençol branco, que ela deu. Mas, ela disse que o lençol era meio fininho assim, que via a
réstia, né. Aí, quando foi, ela ouviu um grito, isso foi de meia noite em diante, pra dá uma
hora da manhã. Aí, ela disse que ouviu aquele grito: alguém acode ele! Aí ela disse: oxente
meu Deus, o que tá acontecendo? Aí, ela disse que ficou com tanto medo, toda arrepiada.
Vixe
135
meu Deus, não acredito! Aí, ela disse que quando deu fé, outro grito mais perto.
Depois outro grito mais perto. Aí ela disse que viu, pela réstia do lençol, viu quando entrou
um negro com outro nas costas, todo cheio de chagas. Ela disse que o que tava nas costas
gemendo, gemendo. Aí ela disse que viu quando abriu a porta. Aí ela disse: vixe meu
Deus! Não podia se mexer. Aí ela disse que viu quando ele pegou o outro pegou, deixou o
doente no chão e pegou a bacia pura, quando acabá botou no chão despejou o caldo
mocotó. Ela disse que vendo tudo isso. A Dona Mariquinha, eu acho que não mente não.
Uma senhora daquela idade. Aí disse que despejou o caldo, porque o mocotó... E a dona da
casa no quarto né, e ela na sala de jantar, né. E ela dormiu na sala de jantar e o mocotó em
cima da mesa. Aí despejou aquele caldo, pegou a toalha que tava na coisa, enxugou o
homem e despejou o caldo de novo na panela. Ela disse que vendo isso tudo. Quando
acaba botou a toalha lá, na porta do mesmo jeito. E fechou a porta e ela disse que não sabe
como foi que fechou a porta. A porta amanheceu fechada. E ela disse que num dormiu. Aí
quando deu fé, já ouviu os gritos, já longe. O dia já tava perto de amanhecer, né. Aí ela
disse que ouviu os gritos, ouviu os gritos. E continuou a madorna. Ela disse que tava
135
Vixe = ave
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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tremendo de medo, né. Não podia se mexer. Aí ela disse que quando foi de manhã, aí a
dona da casa acordou e perguntou: e aí, como foi a sua noite? Dormiu bem? Aí ela disse:
cumade, você nem queira saber o que foi que eu vi ontem a noite. Aí contou a história pra
ela. Aí disse: o que cumade? Ah, eu nunca vi não, mas diz que o pessoal sempre vê, desse
jeito. Mas num ia fazer nada não. O povo sempre diz que aqui tem um gritador. Dizem
que é um gritador. Aí ela disse: comade, pelo amor de Deus, Deus me livre, cumade! Eu
vou me bora hoje, Deus me livre! O que eu vi ontem à noite, de madrugada. Aí ela: e como
foi? Aí ela contou, ela disse: oi esse mocotó eu num quero não! Mas, a toalha tava lá do
mesmo jeito que a mulé botou, num tinha nada sujo. O mocotó tava do mesmo jeito, agora
só que ela viu. Agora, ninguém sabe se passou na imaginação dela, né? Porque disse que
negócio de espírito de alma ninguém vê? Dizem que é dá imaginação, eu mermo
136
nunca
vi essas coisas. Nunca vi. Aí, menina a dona Maria ela sempre contava isso. Morreu com
mais de 100 anos. Ela sempre contava isso lá em casa, na casa do meu pai. Todo mundo
via, quando no Pontal não tinha energia, escutava né. Disse que ele vinha com o outro de lá
debaixo, ia lá pra cima e voltava, pra lá pra baixo. E eu vou lhe contar outra, a mãe da... a
sogra da Dilma, que a Dilma é da minha idade, a dona Mocinha chamava ela de mocinha.
Aí, ela era costureira e então a casa dela é ali nesse cercado. Que num tem esses artesanato
ali, que atrás tem um sítio, tem umas mangueiras, que entra no beco, ali. A dona Mocinha
morava com a irmã dela. A irmã dela era solteirona. E a dona Mocinha criou o Adalberto,
que era marido da Dilma, que já faleceu, também. Aí, criou ele. Sabe o que era que ela
fazia... A dona Mocinha, agora só que já tinha energia, meu Deus? Já tinha energia? Tinha
não, tinha energia não. De noite, ela ia pra porta da igreja Auxiliadora, que ali tinha uma
igreja, que tá só o terreno agora. Aí do lado da, comé? Depois do artesanato da Edite, num
tem o Ererê, pra lá. Era uma igreja, tá só...igreja da nossa senhora Auxiliadora. É, que era
negócio de... era negócio de que o povo pagava comé mulé? Negócio de sócio, sociedade!
Num tem na Ponta Grossa, do Pade
137
Cícero, né. pois é, era da Auxiliadora. Então, a dona
Mocinha, ela só me contava isso, ela morreu também. Ela fazia assim: quando era de
noite, ela ia mais a irmã dela pra, a dona Nina e sentava na calçada da igreja. É ali no
italiano, ali no píer, que tem artesanato, aí né. Ali era um beco e o povo puxava a canoa e
deixava. Quando chegava da pescaria e saía pelo aquele beco, ali. Então, disse quando foi
uma noite, tava ela e a irmã, sentada na calçada. Quando os pescador passava com os
peixe, ela pedia cigarro, pra fumar. Fumava que só uma caipora! Aí ela, pedia cigarro. Aí
quando foi a noite, aí disse que elas duas lá sentada, mais de meia noite. Aí, quando deu fé,
aí veio aquela procissão. Aquela procissão que, como é que chama de...? Comé mulé? É....
A noite fora de hora, como é que chama, penitência! Tudo com a vela na mão! Cantando:
Avé, Avé, Avé Maria! Cantando isso mermo! E ela duas oxe também, num sei se foi
imaginação delas né, ou foi que deu dali pra elas num tarem até tarde nas calçadas. Porque
antigamente não fazia medo, era tranqüilo. Mas mesmo assim, num era pra uma pessoa de
idade, tá a toa pra tá pedindo cigarro. Aí disse que quando deu fé. Ela viu a procissão, tudo
com a vela na mão. Aí disse,que quando foi se aproximando delas duas, aí ela disse bem
assim: qué
138
que a senhora tá fazendo aqui? Aí disse que: tome segure essa vela? Aí deu a
vela a ela e a procissão seguiu. Não, só elas. Elas duas não, só uma delas, a outra num viu
não, só a dona Nina. A dona nina não, a dona Otília. Aí disse que deu a vela, ela segurou.
Ela disse: agora a senhora vá dormir, viu. Uma pessoa com um véu na cabeça e uma vela
na mão, aí deu pra ela. Minha senhora, que ela aí foi pra casa. E ela pensando que era
procissão de penitência, que antigamente tinha, com os missionários. Aí, ela foi pra casa.
136
Mermo = mesmo
137
Pade = padre
138
Qué = o que é
120
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Menina, disse quando foi no outro dia, que ela se acordou. No outro dia não, no mesmo dia
né, que já era de madrugada. Que ela se olhou, um osso de canela humana. Não ela botou
junto da cama, num foi a vela que ela deu. Que a mulé deu a vela. Foi, mas disse que foi
verdade isso.
V.G. - QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
N.S. - Pode ser aqui, essa rua que eu moro. Ali também na praça, né? Que eu já morei, né?
Não assim, eu num morei ali, na minha infância, né? É, ali é bonzinho, eu gostava também.
V.G. - O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA
VOCÊ?
N.S. - A lagoa? Ah, a lagoa Mundaú representa muita coisa, pro pessoal achar, comé? As
beleza das ilhas. Sempre foi assim, sempre foi assim. Muito pescador, vive da pescar. Pra
mim é muito importante, eu gosto muito. Antigamente a gente ia muito pro Rios dos
Remédios. Já ouviu falar? No Rio dos Remédios? Tinha até uma igreja lá, a igreja dos
Remédios. A gente ia tomava banho, ia tirar massunim. A gente ia pra aquelas ilhas ali, pra
jibóia a gente passeava. Que negócio só de rico, né? A gente passeava por ali. Ah, eu
gosto.
V.G. - QUAL A HISTÓRIA DO FILÉ? QUAIS SÃO OS PONTOS DO FILÉ?
N.S. - É, hoje em dia ainda faço, né? Mulé, não sei como surgiu o filé. Se já veio da
antiguidade, né? A minha mãe nunca falou. Minha mãe morreu com 86 anos, mas nunca
falou. É, olho de pombo, é jasmim, é bom gosto, é ponto de arroz. Agora o filé de
antigamente, tinha um tecido. Era diferente dos pontos de agora. Era diferente, antigamente
a gente só fazia filé tingindo nas pontas. Agora não, que só fazem, como ali ó, você tá
vendo? Ali, num é tingindo nas pontas, né? Tá vendo ali? Ali, é como que é uma toalha, né
que ele tá fazendo. Ou é uma saia, sei lá. Não tá parecendo uma toalha. Apois
139
,
antigamente o filé era assim, era cheio. Muito filé que jovem tinha antigamente era toalha,
colcha, blusa, camisa de homem com gola. Hoje em dia, só é mais xale, encharpe. É
caminho de mesa, é jogo americano, tem toalha também, colcha pra vender.
V.G. - O QUE ELE REPRESENTA PARA A COMUNIDADE?
N.S. - Mulé, é uma fonte de renda, né? Pra comunidade, pras pessoas. Antes, era da pesca.
Porque antigamente, ainda existe, muita gente daqui do pontal, num sabem fazer o filé. E
nem querem aprender. Oi, viviam de que? De trabalho de casa, de limpeza de casa. Viviam
disso. Hoje em dia, quase todo mundo sabe fazer o filé. E é a fonte de renda, né?
V.G. - A CHEGADA DO TURISMO HOUVE ALGUMA MUDANÇA NO
COTIDIANO DO BAIRRO?
N.S. - Menina, esses turistas agora... Antigamente não, antigamente era muito bom. No
tempo do Sarney. Diferença porque no tempo do Sarney era cruzado, né? Aquele cruzado,
ah aquele, muita gente prosperou. Foi um tempo bom! Eu vou dizer, muita gente orou
muito de joelho. Mas depois que passou, pro real, né? O real, agora, né? aí, foi caindo,
caindo. Aí tá desse jeito. Num tem mais futuro não, isso daqui! Oia, num tem futuro não,
porque eu digo. Porque antigamente não tinha tanto turista, oh, comé? Tanta loja. E hoje
em dia... As lojas eram contadas, e hoje tudo se vê. Tem quer dizer, quase a merma coisa.
O que um tem outro faz. Não tem nada diferente! É isso, quer dizer, caiu! E outra, tem filé
139
Apois = pois
121
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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por todo canto aí, né? Em todo estado, né? Marechal, nas feiras. O daqui é melhorzinho, é
mais bem feito. Porque tem os pontalenses... O daqui é melhor! Porque inventam muita
coisa, né? Tem camiseta, tem a blusa, tem a blusa de manguinha japonês, tem a blusa de
manga. E antigamente tinha chapéu, agora num tem chapéu, de filé. Menina, eu fiz muito
chapéu de filé! Agora é trabalhoso. Barrar, porque a gente faz a roda e depois faz o tapume
e faz a copa. A copa não, é aba, é? A aba é o mais fácil, o pior é o redondo, o miolo, né? E
em volta a tira, né. E quando vira, ele na goma, já. Ele tem que tá na goma. Quando acaba
a gente arma a copa. Já fiz muito, muito, muito, quando era mais jovem! Fiz muito, muito!
V.G. - E A PESCA O QUE SIGNIFICA, COMO ELA SE APRESENTA HOJE?
N.S. - A pesca, cada dia que vai se passando, tá ficando pior. Ah, e como! Abriu a barra. A
barra abriu a onda, lá pra banda da Barra Nova, muito pra lá. Aquela barra, quando era
mais pra lá, porque o mar entra peixe né? Menina, antigamente era cada monte de peixe
que era isso. Na praia, pescaria era aquelas canoas cheia, virava. A gente ia muito pra
ponta da praia pra olhar a pesca. Hoje em dia num tem mais isso! Num
140
existe!
V.G. - DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA COMO SE APRESENTA O
BAIRRO?
N.S. - Influi na vida do povo né? Porque mudou a vida de muitos, né? Foi, agora só que a
vida do povo piorou. Antigamente, não tinha não, era tranqüilo... É, que a gente de vez em
quando teve... Eu tava deitava já e a minha filha veio me chamar pra gente ir correr, repare
mulher? É por isso que eu quero sair daqui! Porque isso aí uma bomba atômica! É por
causa disso! Antigamente era um ar puro, ninguém via ninguém doente! Hoje em dia é
tudo doente de câncer, demais aqui no pontal... Faz pra enganar o povo. E tem muita gente
que acredita, porque tão comendo ou ficando rico, entendeu?... Aí quando aquele alarme,
que... Na caldeira, tá contaminando, cloro. E o povo... Aí eles mandam o que, os
bombeiro... Um cala boca. Como nessa noite mesmo, foi todo mundo correndo, foi um
sufoco. Seu Jamir quase morre, um senhor quase morre. Porque...comé? Não, do produto...
seu Jamir, ele mora ali. Seu Jamir, é uma pessoa que faz hemodiálise, há 20 anos. Tem
problema de coração, tem tudo! E acordar, tomar um susto desse... E muita gente quase
morre. A dona Andrea, que mora ali embaixo. Aí é um cala boca, minha fia, que aqui
muita gente tá rico. Que aqui é curso e mais curso... pra fazer graça, mas em compensação,
não vale a pena. É a vida da pessoa que tá em risco. É a vida da pessoa. É isso que tenho
vontade de sair daqui. É por causa disso. Porque antigamente, menina, a gente num via o
povo tendo isso. Hoje, quase todo muito morrendo de câncer. É, quase todo mundo. Câncer
só não, muitas doenças nos ossos, é... Aparecendo.
V.G. - A SENHORA LEMBRA DA ÉPOCA DA DUPLICAÇÃO DA SALGEMA?
N.S. - Lembro, me lembro. Depois pra não ia incomodar. Não ia incomodar e ficou, disse
por não disse, pronto. E implantou ali, foi o Suruagy que fez essa bondade. Tem muita
gente que foi embora daqui. Aqui! Muita gente!
V.G. - COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? POR QUE?
N.S. - Não, agora como diz a história. Quase que não tenho vizinho eu me dou ou lá ou cá.
Às vezes eu converso muito com o Guilherme, que ele bota a cadeira de manhã aqui na
minha área, sabe? Aí ele vem com o tear e fica fazendo o filé dele. Aí eu vou lá e... Mas
isso é de manhã. É na porta, é. Muita gente fica na porta fazendo o filé.
140
Num = não
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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V.G. - EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE? COMO
SURGIU/ POR QUE E QUANDO?
N.S. - Ah, existe! O povo lá de cima, num gosta do povo daqui de baixo não. Surgiu na
antiguidade, eu não entendi! Porque a minha mãe contava que a família dela mesmo, sabe?
Eram intrigado, que a gente tinha dois bloco, um de lá de cima pra se encontrar com o de
baixo. E toda vez que eles saiam, na antiguidade, sabe? Aí toda vez quando vinha, que se
encontravam era briga. Os irmãos da minha mãe mermo, até eles... Porque um queria ser o
melhor que o outro. Assim, por exemplo, um bloco pra se encontrar com outro, cada um
quer ser o melhor, né? Era isso! Aí eram intrigado e sempre foram! Ainda existe, ainda
existe! Quando fazem as brincadeiras lá em cima, aí o povo daqui de baixo vão, mas
sempre botam falta, diz que não presta. Ainda existe, existe. Isso é antigo já, sempre houve
essa desfeita!
V.G. - A CHEGADA DO TURISMO HOUVE ALGUMA MUDANÇA NO
COTIDIANO DO BAIRRO?
N.S. - Mudou, mudou tudo da renda do povo que muita gente trabalha né? E nos
restaurantes, o povo daqui do Pontal, do próprio Pontal. Vizinhas do povo de lá, é tudo o
povo daqui. É mermo... Mudou, o movimentou... O que não tem.
V.G. - COMO A RELIGIÃO SE APRESENTA NO PONTAL? QUAIS SÃO ELAS?
N.S. - Aqui no Pontal é Assembléia, Adventista, Católica e a Universal. Que tem mais
gente é a Assembléia. Era católica, não, antigamente tinha a adventista. É muito antiga, a
adventista. Aí porque reformaram fizeram a igreja nova. Quer dizer primeiro é a católica
primeiro, depois é a Adventista.
V.G. - VOCÊ POSSUI FOTOGRAFIAS ANTIGAS DO LUGAR OU DAS FESTAS?
N.S. - Eu tenho não, foto antiga. É tenho, não. Mulé eu tinha foto antiga, mas essa foto eu
já bati tudo, tudo. Pois eu tinha um bocado de foto mas sumiu.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: MOACIR ANTÔNIO DOS SANTOS (M.S.) IDADE: 72 ANOS
PROFISSÃO: FUNC. PÚBLICO FEDERAL APOSENTADO
FILIAÇÃO: ANTÔNIA MARIA DOS SANTOS/ ANTÔNIO SABINO DOS SANTOS
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
[ X ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR
V.G. - ONDE VOCÊ NASCEU?
M.S. - Nasci aqui no Pontal. O Pontal Da Barra é uma história interessante, é ... Tinha o
final do Pontal da Barra que era quase independente do Pontal como um todo. Porque na
época lá, eu era muito garoto, quando lá tinha uma espécie de vila. Quando aqui no
Pontal... Era uma vila de pessoas que vieram, diziam que vieram através dos holandeses,
naquela época. Da chegada dos holandeses aqui, né. E então, eles fundaram lá no final
embaixo, eles fundaram uma pequena vila. Que era calçada, tinha aqueles calçamento
antigo e tudo mais. Enquanto o resto do Pontal era tudo uma espécie de vila de pescadores,
só pescadores. Num existia essas casa que você vê hoje, era tudo aquelas casas de palha,
pau a pique, é... de taipa fixada com barro e aquela coisa toda. E então, depois quando o
pontal foi crescendo mais um pouco, fazendo uma movimentação melhor, aquelas pessoas
que estavam naquela vila foram desaparecendo, por exemplo, morrendo né? Foi invadindo
é, tinha um cemitério. Tinha um cemitério ao lado dessa vila, né? Que também a praia
invadiu e tomou conta e acabou com o cemitério.
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
M.S. - Tenho. Todos nascidos aqui no pontal. Não, eu tenho o mais velho que mora ali, no
Vergel do Lago, só o mais velho. O restante moram aqui. Nasceram aqui, passaram a
infância aqui.
V.G. - O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
M.S. - Olha, o Pontal da Barra pra mim é tudo. É tudo mesmo! Porque eu digo a você com
sinceridade. Porque eu já morei em vários lugares. Foi, eu já viajei muito e morei em
vários lugares com a minha família. Morei em Penedo né
141
, morei no interior da Bahia
numa cidade chamada Gerimoá, ali perto onde passava na época, que dizia que lampião
passava por ali, né?. E morei durante 6 anos e morei em Penedo por mais 6 anos. Foram 12
anos que morei fora. É, voltei pra qui
142
, né? Voltei praqui e terminei aqui meu período de
trabalho e me aposentei e fiquei aqui. Nasci e me criei , fui em bora, saí também pra fora.
Fui pro estrangeiro na época também né. Eu fui soldado do exército, na época tinha um é....
Pra o canal Suez, naquela época de Egito e Israel, aquela coisa toda. Então, eu fui
convocado e fui. Passei 2 anos e pouco tempo depois, eu volto pra minha terra, pra minha
terrinha novamente né? E aqui eu permaneço até hoje.
V.G. - O QUE É SER PONTALENSE?
M.S. - É tudo, olhe, Pontal da Barra é o seguinte: você verifica o povo, o povo do Pontal.
Porque o Pontal da Barra, existe agora uma invasão né, tomaram. É muita de gente de fora
né? Aí, houve aquela descaracterização de pessoas que vieram de outros lugares. Vieram
de outros estados pra qui e tudo mais, através do artesanato eles ficaram... Aqui quando
começou o artesanato dava muito dinheiro né? Era diferente e tudo mais. E começaram a
introduzir outras coisas. Aí houve aquela mudança né?
V.G. - MESMO COM ESSAS MUDANÇAS/PESSOAS O SENHOR TROCARIA O
PONTAL POR OUTRO LUGAR?
141
Né = não é?
142
Pra qui = para aqui
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
M.S. - Por nada nesse mundo, sinceramente! Sabe por quê? Porque hoje você dorme de
portas abertas, ainda dorme de portas abertas. Tranqüilidade, você vê não tem um...
Policiamento não existe, não tem nada disso. Tranqüilo, tranqüilo! Onde você passa, você
não vê briga. Você pode ouvir assim alguma confusão, um negócio de pescador bebendo,
alguma coisa assim. Negócio de... É comum né? É natural né? Mas não essa briga assim!
Aqui nós mesmos somos nossos policiais, somos policiais. A polícia num faz... Somos uma
família!
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NESTE BAIRRO?
M.S. - Foi a minha infância toda aqui. É infância, adolescência, tudo. Só saí daqui depois
dos 18 anos, que fui, viajei que eu fui pro estrangeiro. A minha infância foi... Que eu me
lembro foi ótima! Porque era todo assim... Era mesma coisa, tudo era nivelado, sabe? Tudo
existia o ritmo, sabe? Algumas pessoas que se destacavam, algumas. Mas tudo era igual,
sabe? Financeiramente.
V.G. - COMO ERAM AS BRINCADEIRAS?
M.S. - As brincadeiras olhe, hoje num tem mais brincadeiras. Só tem fandango! Mas
naquela época, nós tínhamos, nós tínhamos o coco de roda, nós tínhamos as baianas, nós
tínhamos o fandango propriamente dito. Que hoje... É muito antigo. Olhe, o meu pai foi
fundador do fandango, foi o meu pai!
V.G. - E O SENHOR SABE O ANO QUE O FANDANGO FOI FUNDADO?
M.S. - Olhe, eu não sei o ano porque eu tinha mais ou menos uns 6 anos de idade pra 7,
naquela época. Já tô com 72 né? E ele já brincava, né? O fandango. Eles já brincavam, já
era aqui num povoadozinho aqui ao lado, que pertence hoje a Marechal Deodoro, que é
Barra Nova. É um povoadozinho pequeno. Eles ensaiavam e brincavam lá e brincavam
aqui. Agora eu não posso dizer a você se saiu, o fandango saiu daqui e foi pra lá, ou de lá
da Barra Nova e veio pra cá. Sabe, não tenho essa certeza, não sei dizer isso a você. Mas
foi assim, aí o meu pai foi o fundador juntos com outros colegas, né? Juntaram-se alguns e
fundaram junto com meu pai. Isaldino. E meu pai deixou pra ele, e meu pai que ensinou a
ele. Eu dançava, mas agora minha filha, agora mais não! (risos)
V.G. - E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
M.S. - Eram bons. Porque era... Quando eu era rapazinho, era muita... A gente pra chegar
numa casa, pra namorar uma moça era preciso ter uma cara de pau muito grande! (risos)
né, porque os pais daí, era aquela proteção tamanha, né? Que não deixava a gente chegar
perto. Muitas vezes a gente ficava conversando assim, mais de longe do que... Né? E o pai
e a mãe de lado, perto olhando né? E olhando e sempre dizendo... Porque naquela época
praticamente relógio num tinha, só quem tinha relógio eram pessoas que tinha mais
dinheiro. Aí, a pessoa olhava assim e pela lua, pelo sol ou pelo tempo dizia, mais ou menos
a hora, né? Oia, tá na hora pra dormir! E num tinha conversa não, a menina ia dormir e
pronto e o cara ia embora pra casa.
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
M.S. - Oi, eu sempre tive um sonho na vida, sempre tive um sonho, viajar! Sabe? Viajar,
viajar foi tanto que quando apareceu a primeira oportunidade, eu deixei tudo, deixei
família, deixei pai, deixei mãe, deixei tudo, deixei os amigos né? Botei aquela maletinha
antiga, que você não conhece, mas que é muito bom a gente recordar. É uma maletinha de
madeira, já visse? De madeira e a gente colocou assim ó, é um par de chinelos, um par de
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
sapato, uma sandália e duas peças de roupas, né? E jogou dentro dela e me larguei pelo
mundo a fora que... Nessa época, não tinha aqui, aqui não tinha transporte. A gente ia de
pé, ia pra cidade de pé
143
. Pra lá a gente pegava o bonde. O bonde vinha até o Trapiche da
Barra. Do Trapiche ele ia até a Sinimbú. Ali na praça Sinimbú hoje, ali de frente ao lado,
lado esquerdo onde hoje... Era a companhia dos trilhos, exatamente. E nós íamos pra
cidade de bonde e nós iámos andando né, daqui prá lá. Era uma coisa... E eu peguei a
minha maletinha e me larguei pelo mundo e fui embora. Fui embora. E fui pro quartel do
exército, do quartel aí me botaram num trem, me largaram pra Recife, né. E eu tô
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aí, sem
dinheiro certo? Sem dinheiro, porque eu fui escondido de casa,. Porque claro que meu pai e
minha mãe não queriam, né? Achavam que... Porque naquela época os pais tinham muito
cuidado. Num sei se mais autoridade ou mais cuidado. Num sei né? Porque hoje tá
145
assim, mais liberal. O camarada vai a hora que quer sem... Mas eu saí escondido de
madrugada, quem sabia era meu irmão mais velho. E eu fui embora. Que quando eles
souberam que eu tinha viajado, eu já tava no Recife. Aí eu segui viajem, andei pelo mundo
durante mais de 3 anos, mais de 3 nos e meio.
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
M.S. - Não! Eu menina, eu me sinto realizado! Apesar de não ser rico, não ter... Mas eu me
aposentei, serviço público federal, né. Tive essa oportunidade de passar 33 anos
trabalhando pro governo federal. É, criei meus filhos, né. Fiz o que eu não pude, o que
meus pais não pode fazer comigo, eu fiz pra eles né. Porque são duas assistentes sociais e
um professor de educação física. Tem uma que trabalha...é enfermeira. Todos eles se
formaram né. Todos eles se formaram. Só o único que não tem...não fez curso superior,
mas tá na dependência dele, se ele quiser fazer ele faz. Que é funcionário da prefeitura, e é
novo ainda né. E o mais novo que tem. Dá tempo de fazer. Mas o resto todos eles tem né!
V.G. - PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
M.S. - O Pontal antigamente era uma espécie de aldeia! Era, você tá me entendendo? Era
uma aldeia né. Porque era as casas eram quase todas uniformes, né. Eu volto a repetir,
aquelas casas cobertas de palha de coqueiro né.
V.G. - E AS FAMÍLIAS?
M.S. - Não, eram famílias assim... O negócio é o seguinte: a história da gente quando nós
éramos garotos, as nossas famílias, os nossos pais, quando num era parente era compadre.
E era assim. E tinha um tal de compadre de fogueira, eu num sei se você... Sabe não disse
né? Eu sei, São João e São Pedro né. Santo Antônio, São João e São Pedro e aqui existia
muitos folguedos né? E também as fogueiras e tudo mais aquilo era tudo original daqui
mesmo. O milho assado, aquela coisa todinha e tudo mais. E havia aquelas celebrações e
no final daquelas celebrações, antes da fogueira se apagar e todo. Aí, havia o convite né?
Você vai ser minha comadre. Entendeu? Mais aquilo era uma coisa séria, nera
146
de
brincadeira não, sabe? Você vai ser minha comadre. Você vai ser meu compadre. Era um
convite sério e pulava na fogueira, interessante né? Pra confirmar. Então, a fogueira
quando ela ia perdendo calor, aquele calor todo, aí passava o compadre de um lado a
compadre do outro ou comadre de um lado compadre do outro e pulavam a fogueira, com a
mão segurada na mão do outro né. E dizia, pronto aí... Aquilo ali ficaria mais seguro do
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De pé = a pé
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Tô = estou
145
Tá = está
146
Nera = não era
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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que fosse padrinho de um filho. Por isso que eu digo, quando não era parente era
compadre!
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE?
M.S. - Diferente! Diferente porque como eu disse a você, muita mistura né. Muita gente de
fora. Aí veio com os costumes, né? Outras regras, outros posicionamentos. E aquilo ali...
Porque você vê até no artesanato mesmo. Porque começou o Pontal com artesanato só
daqui do Pontal da Barra, com artesanato daqui. A bordo, eram as pessoas que saiam daqui
e vendiam a bordo. Já compravam das pessoas daqui, já comprava e iam revender lá, a
bordo. Depois começaram a abrir as lojinhas. Tinha uma mulher, uma mulher que abriu,
mas não conseguiu dá andamento. Não era daqui. Essa senhora vinha fazer negócio aqui e
voltava. Mas tem uma pessoa aqui, que ainda é viva, ainda hoje. Que começou as primeiras
lojinhas foi dela. A gente chamava Teka. Teka foi uma pessoa que assim que começou, deu
aquele pontapé inicial. Pra que isso aqui fosse formado artesanato, fosse um chamariz né,
pro artesanato, aquela coisa todinha. Que eu me lembre assim mesmo de mão cheia foi a
Teka.
V.G. - COMO É MORAR NO PONTAL DA BARRA?
M.S. - Bom, por mim mesmo, eu gosto muito de morar no Pontal. Eu num vou saí do
Pontal da Barra pra canto nenhum mais. Primeiro porque, não achei lugar melhor do que
esse. Mesmo eu tendo conhecido outros lugares, tenha morado em outros lugares, né. Eu
conheci outros países né, e conheci também outros estados, né. E morei também em outros
estados, como morei na própria Bahia. Olhe, eu vou contar uma coisa interessante pra
você, pra você vê a idéia de volta pra minha terra. Cheguei no Rio de Janeiro, muito jovem
né, 22 anos, um 21, 22 anos de idade né. Muito jovem, e o Rio de Janeiro não é como hoje
em dia está, né. Era muito bom, e tinha aquela abertura tremenda. Era muito bom, tinha
muito trabalho. E quando eu fui licenciado do exército, eu não pensei duas vezes, eu não
pensei. Olhe, foi oferecido pra mim, eu tinha o segundo grau. Eu era uma pessoa que tinha
o meu nível intelectual, na época era bom. E eu tive várias chances de emprego, lá né.
Oportunidades, negócio sério. Mas eu num pensei em outra coisa a não ser voltar pra aqui,
pro Pontal da Barra. Pra mim, sabe fazer, o que? Pescar, sim. Eu vinha louco pra chegar,
não queria outra coisa, a não ser, pescar.
V.G. - O QUE VOCÊ SENTE QUANDO ESTÁ PESCANDO?
M.S. - Olha, a gente sente uma sensação muito estranha! Muito bonito, você botar uma
rede, lançar uma rede, uma tarrafa e você vê o peixe vindo. Hoje não existe praticamente
mais isso. A lagoa tá muito poluída, muito poluída. Não, não, não a SALGEMA não influi
na lagoa. Por sinal, eu digo a você sinceridade, porque eu fui presidente da colônia de
pescadores durante 10 anos. Fui presidente de colônia de pesca, né. E eu trabalhei muito
junto aos pescadores e junto também a BRASKEM que a SALGEMA hoje, que era
SALGEMA antigamente. E, verifiquei que a SALGEMA não tem influência nenhum. O
problema daqui da lagoa, é a falta de governo. Falta de governo. Na época que eu tava na
colônia de pesca, que eu era presidente da colônia de pesca, eu lutei muito contra isso.
Porque o governo num se interessa pelo pescador, ele não quer saber. Pra ele, pro governo
o pescador não é nada. Agora só que o pescador é um trabalhador qualquer, como outro
qualquer. Pra você ter uma idéia, o pescador vai pescar, ele pega 10 quilos de peixe, olhe
você veja que o governo não botou nada na lagoa, num juntou nada na lagoa, num fez nada
na lagoa, mas o pescador vai e pesca. Tira na lagoa 10 quilos de peixe pra sustento de sua
família. Ele vende aqueles 10 quilos de peixe, vamos dizer assim, que ele apure naqueles
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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10 quilos de peixe 40 reais. O que é que ele vai fazer com aqueles 40 reais? Ela vai pra
bodega né, pra mercearia, ele vai comprar farinha, feijão, arroz, açúcar, o básico pra
comer, o fósforo né e uma garrafinha de cachaça. Porque o pescador não deixa né (risos).
Então, você verifique quanto é que ele deixou, quando ele comprou com aqueles 40 reais.
Ele comprou naquela bodega, porque quanto é que ele deixou pro governo? Não é? Porque
aquilo ali, toda mercadoria que é vendida o governo pega uma parte de imposto, correto?
Mas o governo não olha isso, não verifica isso, não vê. Essa lagoa tá secando, daqui a um
tempo, se não houver qualquer tipo de modificação vai virar um pântano, né. Porque se
continuar secando não tem mais a aquelas entradas e saídas, aquelas como é que chama?
Criatório né, natural do peixe. Quando aqueles pequenos peixes vão com medo dos
maiores pra ficarem ali, crescem mais né e voltam. Eles não tem mais condições pra isso. E
vão sumindo né, correto? Vai desaparecendo! É tanto que muitas qualidades de peixe que
existia na época da minha juventude, hoje não existem mais, foram extintas né.
V.G. - E A PESCA O QUE SIGNIFICA, COMO ELA SE APRESENTA HOJE?
M.S. - Olhe, até uns 10 anos passados, era muita coisa. Nós eram muito bem organizados.
Nós trabalhava com muito mais organização, também com muito apoio de fora, sabe? A
pesca era muito mais bem organizada, porque nós também tínhamos apoio de fora. Hoje,
acabou não existe mais isso! É difícil, até de analisar. Aqui é tudo dividido, o artesanato e a
pesca. Quando não dá mais pra pesca, o homem vai ser soldado de polícia (risos) e hoje a
mulher também, né?
V.G. - QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
M.S. - Festa de São Sebastião. É começa do dia primeiro a nove de janeiro. Às vezes, eles
mudam o calendário, não sei porque. Mas a festa é o dia primeiro ao dia 9 de janeiro. São
nove dias, cada dia é definido pra uma certa categoria, correto? Dia das crianças, dia dos
jovens, dia dos idosos, dia do pescador.
V.G. - QUEM ORGANIZA ESSA FESTA?
M.S. - A associação de bairro. Nós temos uma associação de bairro por sinal muito forte,
hoje. O presidente hoje é o Vavá. É um rapaz ali que se chama o Vavá. Hoje é o Vavá, mas
a nossa presidente hoje que deu todo o apoio é a Valéria. Ela agora passou a ser... Ela é
muito mais empreendedora. Ela tem aquele senso de empreendimento muito forte, sabe?
De resolver as coisas. Hoje, já temos aqui uma quadra esportiva né, que não tínhamos.
Quem construiu essa quadra foi a prefeitura em convênio com a Braskem. É útil, tem
jovens que.... Quando eles construiram não houve problema nenhum quanto ao problema
das dunas. Porque eles já tinham retirado a muito tempo. Eles já tinham mexido nas dunas
a muito tempo, né. Eram os combros. Eles num mexerem não. Em quase nada foi muito
alterado aquilo ali.
V.G. - SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
M.S. - História? É eu lembro... História assim em qual sentido? É, que meu pai contava ou
coisa assim. Interessante, eu lembro sim. É disse que, passou por meu pai né, eu não sei se
foi história dele, ou foi alguma coisa que ele inventou, eu num sei. Só sei que foi uma
história que ele contava a muito tempo pra gente. Foi, nessa época de trovoada de... Num
existia luz, não tinha nada. Veio chegar muito tempo depois. E o pescador pescava e
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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quanto mais trovoava mais chuva mais os pescadores pescavam. Porque o peixe chegava
assim, atordoado com a trovoada, o peixe chegava mais perto, né, mais junto. Isso o meu
pai foi pescar mais um companheiro dele, e encostaram a canoa na praia pra descansar um
pouco e disse que quando voltaram, viram aquela luz muito grande, muito forte. Chegaram
olharam pra canoa, aquela luz forte na polpa da canoa né, numa das extremidades que a
canoa tem né, a canoa tem a pola e tem a proa, na polpa da canoa, aí aquela luz assim,
muito forte e muito grande aí eles se assombravam, correram. Aí ficou essa história do
fogo corredor já ouviu essa história? O fogo corredor. Então, aí ele aparecia nos mangues,
no manguezal, dentro do mangue, ele aparecia. O pessoal conta muito isso, mas eu nunca
vi, não. Interessante, né? Interessante
V.G. - QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
M.S. - Não, eu lembro que a minha mãe dizia mais o meu pai, que quando as pessoas eram
enterradas e iam pro enterro, né? E naquela época o enterro era enterro de cachaçada, sabe?
A pessoa ia levava o defunto, e aquelas outras pessoas iam cantando e outras bebendo
cachaça. E uma das cantigas era assim: Ô Migué,Ô Migué; Ouve a voz de quem te
chama,Vem buscar aquela alma que a muito reclama. Meu pai contava assim, mas pai...
Porque cantava assim? É interessante que... Eles faziam o enterro, eles faziam como se
fosse uma espécie de brincadeira, né? De brincadeira, de como num tinha aquele
sentimento tão profundo. Então, é eu analisei da seguinte forma: porque eu tive em
algumas aldeias de índio no meu trabalho, que eu era obrigado de tá, né. Essas aldeias de
índios existem aqui em Alagoas, você sabe muito bem né? Existe em Palmeira dos Índios,
ali naquele município de Joaquim Gomes, e também no Colégio né. Eu vivi em algumas
aldeias e me lembrei, daqui do Pontal da Barra, entendeu? A diferença é nenhuma. É por
isso que quando eu fui pra a escola técnica na época né, me chamavam de índio (risos).
Porque a diferença é pouca, do índio pra nós aqui. Porque o índio é assim, o índio quando
morrem alguém e tudo mais, pra eles é uma festa. Em determinadas aldeias, eu fui vê uma
festa lá em uma aldeia e mataram, os índios matando porco, aquela coisa todinha. E porque
matou esse porco todinho? Não é porque morreu o pajé né e em comemoração. Que eles
iam fazer do modo deles, a cultura deles. É por isso que eu fiquei assim pensado aqui
também é uma... Eu associei né, associei. Um pouco diferente né, mais que lembra,foi.
V.G. - QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
M.S. - O lugar mais importante pra mim? Olhe, o lugar mais importante pra mim mesmo é
o meu quintal! Sabe por que? Porque hoje eu... Não dá pra lagoa, não. Mas eu fico
sentando ali, tranqüilo, debaixo de um pé de uma mangueira, olhando as plantas que eu
gosto de plantar. É gosto de plantar e planto, fica ali tudo bonitinho. Aquelas rosas
nascendo, né, aquela coisa assim. Eu não sei se é muito de... Hoje eu gosto muito do meu
quintal.
V.G. - O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA
VOCÊ?
M.S. - A lagoa? É também é muito bonita quando você não confunde ela com as maldades
das pessoas, né. Você olha assim um pôr do sol, você fica sentado olhando, aquilo também
é um atrativo muito interessante, muito bonito pra quem entende né? E participa disso com
tal, uma coisa assim bonita! Porque muita gente aí, chega na lagoa e joga um pacote de
lixo, outros fazendo qualquer tipo de besteira por aí. E aí isso, cada vez mais vai
degradando, vai degradando. E isso é uma coisa ruim. Então, a lagoa pra mim ainda tem
esse visual bonito, essa coisa assim mágica, né. É um referencial. Tanto que quando fui pra
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
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o exterior, quando estava aqui na colônia que eu viajei pra o exterior através de uma ONG,
pra que fosse representar a colônia de pesca em outras localidades diferentes. E eu fui
representando essa colônia daqui, quando me deram a idéia ali, nós tínhamos um terreno
muito bonito que dava pra lagoa e me deram a idéia de construir alguma coisa. A primeira
coisa que eu pensei em construir ali foi um mirante! Um mirante pra você vê... Você via de
lado do sul, e a frente dos manguezais muito importante, eu tentei construir ali o mirante.
Eu vim com essa idéia, e quando eu vim com essa idéia pra qui eu vim pra construir o
mirante. Mas aí, a gente quando é presidente da associação, a gente apenas administra né?
Não é? Outras idéias são mais válidas do que a nossa! Nessas discussões né, a assembléia
geral aprovou que fosse construído outra coisa, e foi construída outra coisa. Mas a minha
idéia era um mirante!
V.G. - O QUE FOI CONSTRUÍDO?
M.S. - Olha menina, foi construído um terminal interativo de pesca e turismo. Foi
construído ali. Mas depois, aí foi passando o tempo, foi passando... Aí a gente quando é
presidente da colônia é só um mandato ou dois né. Depois, muda pra outros. E na mudança
pra outros, aí a coisa desandou, né. E...
V.G. - COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? POR QUE?
M.S. - Olhe, eu acho que são boas, eu acho, olhe... (risos) num sei se a vizinhança... (risos)
tenho, tenho muitas amizades, tenho muitos amigos. É são amigos, a gente se sente tudo de
uma família só. A gente conversa, a gente às vezes bate um papo. As pessoas vem
procuram a gente pra conversar, por a gente ser mais idoso né, aquela coisa toda e tudo
mais. Tem uma maior... Dizem que a gente tem uma maior experiência da coisa. Eles vêm
às vezes, pedem um conselho pra gente conversar né, aconselhar sobre determinadas
coisas. O que é que vai fazer, o que é que pode fazer. E às vezes a pessoa me procura
também, quando eu tenho também alguma dúvida alguma coisa, que eu quero
esclarecimento melhor, eu também procuro algumas pessoas que podem me esclarecer
aquilo né. A gente tem sempre aquela amizade sempre! Não existe nenhuma
maquerência
147
por aqui, às vezes é falta de compreensão de alguns, uma ou outra pessoa
né.
V.G. - EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE? COMO
SURGIU/ POR QUE E QUANDO? O QUE ELE REPRESENTA PARA A
COMUNIDADE?
M.S. - Antigamente existia, hoje não existe mais! Agora interessante, que ainda existe
alguma coisa referente aquilo de antigamente. Foi quando eu comecei a contar a você e eu
acho que a gente desviou a coisa um pouquinho, que eu falei sobre a vila dos holandeses...
Num foi isso? E então, eles eram independente dali, eles dali só entravam quem eles
queriam e daqui essa vila foi crescendo mais, crescendo mais. E eles foram se acabando lá
um pouquinho e depois nós chegamos juntos e ficou todo mundo um. Agora só essa parte
daqui pra cá, a parte de lá era outras pessoas. Outras famílias, outras pessoas que não se
davam bem com as pessoas daqui. Aqui debaixo e lá de cima. Então, aí tinha uma linha
imaginária, ali naquela praça da igreja. Era, era... Ali era a divisão, dali pra lá, só ia quem
tinha negócio. Era tanto que quando aqui fazia um bloco carnavalesco, esse lado daqui, o
de lá fazia outro. Pra se juntar, eles chegavam... Era um sacrifício pra não haver briga, mas
era aquela briga... Às vezes um supapo, uma coisa assim. Era um sacrifício! Então, aquelas
147
Maquerência = inimizade, intriga
130
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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pessoas de lá não gostavam das pessoas daqui, e vice-versa, era assim... Era opinião,
aquelas coisa assim sabe? Aquelas coisas aquelas discussões tola, do dia-a-dia aquela
tolice. É tanto que nós quando éramos garotos, então, olhe repara só, garoto assim
adolescente, 12 a 13 anos de idade, que a gente não entendia muita coisa só tinha isso aqui,
esse grupo. Que foi na época quando eu vim. Quando eu vim pra esse grupo eu tinha 12
anos de idade. A gente estudava nessa época em escola pública. Silvestre Péricles, pra eu
fui o primeiro... Pra você ter uma idéia, eu fui o primeiro aluno daí que estudou a 3° série.
Porque não existia mais ninguém, além de terceira série, nenhum aluno. Primeira, segunda
série, terceira série não tinha ninguém! É tanto que não foi formado nenhuma classe de
quarta série. Porque não tinha aluno de quarta série. Sim, mais vamos voltar... Resultado é
que aquela divisão... É tanto quando nós vínhamos quando garotos, nós vínhamos juntar os
garotos de lá de cima com os garotos daqui de baixo e fazia... Pra se encontrar pra brigar.
Pra brigar no tapa! Sem ter nem pra que! Aquele negócio sem nada, sabe?! E aí brigava no
tapa, depois deixa disso, deixa pra lá, aí apartava e ia embora. Era tanto que se juntavam às
vezes aqueles mais acirrados do que o outro. Aí, acertava pra ir brigar na praia, pra brigar,
pra discutir... Pra sei lá, aquela coisa toda. Mas no fim de tudo, depois assim, eu tinha uns
14 pra 15 anos aproximadamente, a coisa já começou a mudar, sabe? Já começou o pessoal
de lá de cima a freqüentar muito mais aqui e aqui a freqüentar também lá, aquela coisa.
V.G. - E HOJE AINDA EXISTE?
M.S. - Não, não, não existe não! Mas olhe, ainda tem alguma coisinha. Mesmo muito
acobertada, sabe? Mas ainda tem aquele... É, o meu pai dizia um negócio assim
interessante, dizia: ainda tem o ranso! Sabe o que é ranso? É justamente! Então, ainda tem
aquelas pessoas que são de lá, sabe? Que ainda são filho daqueles pessoal antigo, que já
morreram e que ficam com aquelas coisas assim com que... Aquela coisa sabe? Mas, eu
acredito, eu acredito que ainda exista alguma coisa!
V.G. - DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA COMO SE APRESENTA O
BAIRRO?
M.S. - Você quer minha opinião, real? Sinceridade! Olha, o bairro ele mudou muito. O
aspecto dele financeiro até, sabe? Do ambiente de funcionamento foi mais, cresceu mais,
sabe? Houve aquela mudança de aldeia pra vila, entedeu? Aquela coisa que cresceu assim.
Mas eu digo uma coisa a você, minha opinião pessoal mesmo: nós, nós não crescemos, nós
fomos proibidos de crescer. Porque hoje se, não existisse a SALGEMA nós estávamos
ligados ao Centro, com tudo de bom ou de ruim. Porque hoje seria ou edifício ou favela,
não é? Você tá me entendendo? Ligado ao Pontal da Barra, não é? Com tudo isso... É a
extensão do Pontal. Então, nós não progredimos com isso, nós ficamos restritos aquilo. E
outra coisa Vanessa, com toda a minha sinceridade, com tudo aquilo que... Isso é uma
opinião minha, pessoal minha e talvez também a opinião... Uma opinião minha até assim
meia quadrada. Nós não progredimos, porque nós estamos montados em cima de uma
bomba não é? Porque nós não sabíamos aonde é que estamos mais, porque nós estamos
cercados. É, vem as tubulações, passam por aqui, de frente, depois desce a ponte Suruagy e
vai embora. E qualquer tipo de vazamento que existir, alguma coisa que existir, forte. E
essa fábrica né é química e pode acontecer, que Deus me livre, alguma coisa de muito
forte. Esse bairro é varrido do mapa. Quer dizer é uma opinião minha, é uma opinião
minha. Eu num quero nem entra assim no mérito de desaparecer. Mas, eles dão toda uma
dica de como... Sabe por quê? Tem aquela coisa assim de dizer, o alarme vamos treinar o
pessoal pra qualquer tipo de alarme correr pra qualquer canto. Nós não temos Vanessa, pra
onde correr se houver qualquer tipo de coisa! Na hora de correr, nós não temos pra onde.
131
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Aí, há ensaio, aqui há ensaios. É , de vez em quando há ensaios, porque tem aquele
pessoal, comé? Da lagoa viva, não é... da opel, uma coisa assim. Que por sinal até uma
senhora que é daqui ela faz, acompanha né, junto com associação dos moradores que a
BRASKEM dá muito apoio, estágio. E eles tem essa... Tem o treinamento e tal, e esse
treinamento o pessoal vai e tem aquele alarme e o pessoal vai corre todo mundo, pronto.
Mas menino corre pra onde? Num raio de 5 km, num diâmetro 5 km se houver um
vazamento forte ou uma explosão, ela atinge um diâmetro de 15 km. Então meu
pensamento é esse! Eu fui uns 3 ou 4 anos do conselho, é consultor né, é consultor? É
voluntário, num é gratificado num sabe? Daqui éramos 4. E nós discutíamos aquilo ali na
SALGEMA, era junto. Tinha muita gente inclusive pessoal do... era Secretário de saúde,
era Coronel do bombeiro, era num sei o que mais. Aí, também nós daqui. Nós éramos
conselheiros e nós ouvíamos aquilo ali. E quando nós víamos nos aprofundar mais alguma
coisa, porque eu sempre que vou a palestra eu vou saber. Não sei porque, Vanessa mas nós
éramos cort... Assim, tirados de tempo, como diz a história. Pra não se aprofundar mais
ainda. E aquilo ali, é a cabeça da gente fica mais focado pra aquela coisa. Porque que num
quiseram me responder isso. Você quando vai pra faculdade você quer um esclarecimento
sobre matéria. Eu quero sabe porque né? E aquele esclarecimento quando era esclarecido
era vago. É por isso que eu digo, eu num digo todo isso a todo mundo não sabe? Eu num
converso isso com todo mundo não, mas eu fico com isso aqui na minha cabeça. É por isso
que, teve aqui uns poucos dias um vazamento, num foi vazamento foi alarme falso. Tá
mais ou menos com uns 6 pra 8 meses. Aí, o pessoal passaram correndo pela minha porta
correndo, primeiro foi 7 horas da noite depois 6horas da manhã. Aí correram todo mundo,
saíram correndo aquela coisa todinha, minha gente correr pra onde? Se houver qualquer
coisa mais forte aí, morre todo mundo. E saiu aquele pessoal... E passou pela minha porta
um deficiente físico com cadeira de rodas, a pobrezinha da mulé quase que derrubava...
rapaz, tu vai morrer antes? Quer dizer isso é uma coisa... E foi um alarme falso, num sei o
que e papapá e aquela coisa eu num sei, eu num sei Vanessa se passou mal, porque eu
também eu num perguntei assim se alguém passou mal, porque eu num procurei saber,
nada não. Houve aquele alarme, depois aquilo até surgiu de gozação né, aquela coisa
todinha e tudo mais normal. Houve alguém que reclamou daquilo ali, aconteceu. Correr pra
onde né, porque nós temos o final ali, no final e chega ali. No final na ponta da praia, onde
fica o DETRAN por ali. Dali a gente num tem mais pra onde sair. Pra onde sair, né? Pra
frente é pior, vamos de encontro ao inimigo. Por isso que eu digo não há possibilidade
nenhuma da gente. Deus queira que nada disso aconteça! E eu acredito que num vai
acontecer, eu acredito né? Mas, que nós estamos nessa situação porque a SALGEMA nos
deixou. Porque se ela fosse instalada nem outro
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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IV. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO – “O PONTAL DA
BARRA
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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4.1 ESPAÇO SENTIDO E ESPAÇO VIVIDO
Andando pelas ruas, calçadas e becos, descobrindo seus segredos, seus cheiros,
entrando nas casas e lojas, observando os rostos das pessoas, suas atividades,
encontros e desencontros, é quando, enfim, se vivencia cada pedaço da cidade
[...] (COELHO; FONTES; NEVES, 1986).
Como extensão do processo vivido e sentido no Pontal, e aportada na metodologia
já mencionada, provém neste capítulo à compreensão de como os valores e significados da
vida social são compreendidos através do âmbito individual e coletivo dos moradores.
Assim como, os elos identitários e os elos afetivos que se estreitam e compõem a
ambiência do espaço habitado e influem na formação da identidade do bairro.
Este entendimento avigora o conceito de lugar, defendido neste trabalho, que o
entende enquanto lócus da vida social, onde são travadas relações afetivas, e servem de
reconhecimento do próprio homem e do ambiente ao qual está inserido. É neste lócus da
vida social, que a rede de significados é tecida “pela história que fundamenta a própria
identidade” (FERRARE, 2006, p. 323), pois “[é] no lugar que emerge a vida, [...] cada
sujeito se situa num espaço concreto e real onde se reconhece, ou se perde, usufrui ou
modifica, posto que o lugar tem usos e sentidos de si” (CARLOS, 1996, p.29). Sob esta
compreensão, também constata Ferrare (2006, p.320) que,
[...] No trâmite da convivência que [o morador] estabelece com o ambiente
circundante, desenvolve-se um sistema de valores regidos pelas próprias
experiências pessoais de uso cotidiano e fruições visuais que os espaços e formas
lhe transmitem[...].
A construção do modo de ser e viver interpretado através das falas dos narradores
subsidiou a percepção de referenciais fundamentais para a construção e compreensão da
identidade do bairro. Vale frisar que um lugar construído através da coletividade de
vivências como território onde estão presentes as “artes de fazer” e saber, melhor dizendo,
é considerado a casa de cada um. Local onde “a gente se sente em paz” (CERTEAU, 1994,
p. 203).
Nesta requisição conceitual, cabe levantar a discussão empreendida ainda por este
autor, no que diz respeito ao habitat- enquanto significante do lugar que abriga o corpo e a
vida. Diante de tal assertiva, entende-se que é neste local onde se retratam a ordem a
134
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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desordem, o visível e invisível, as harmonias e as discordâncias, os costumes e os hábitos,
sobretudo, tudo que estrutura a vida cotidiana. Este habitat, aqui entendido como o bairro
do Pontal, traduz a maneira de viver e sonhar mais íntima de seus moradores, pois é “neste
lugar próprio como perfume secreto, que [se] fala do tempo perdido, do tempo que jamais
voltará que fala também de outro tempo que ainda virá, um dia quem sabe”(CERTEAU,
1994, p. 204).
Nele constatam-se sem máscaras ou disfarces todos os ritmos que compõem o
cotidiano, todas as ambições e desejos de quem o constrói, além das múltiplas funções e
práticas inerentes a sua essência. A este ponto de discussões faz-se oportuno citar outro
trecho de reflexão de Certeau quando explicita,
Aqui [habitat/bairro] se repetem em número indefinido em suas minuciosas
variações as seqüências de gestos indispensáveis aos ritmos do agir cotidiano.[...]
Aqui os corpos [..] tem tempo para viver e sonhar [...] Aqui as pessoas se
estreitam, se abraçam e depois se separam. [...] Aqui a criança cresce e acumula
na memória mil fragmentos de saber e de discurso que, mais, tarde, determinarão
sua maneira de agir, de sofrer e de desejar
(1994, p.205-206).
Assim, é a partir dessa reflexão que a análise dos valores simbólicos revela os
significados e os valores impressos no Pontal da Barra. Reconhece-se o forte elo afetivo
com o lugar o que pode ser constatado nos discursos de moradores idosos abaixo,
O Pontal da Barra pra mim é tudo. É tudo mesmo! Porque eu digo a você com
sinceridade. [...] Eu já morei em vários lugares. [...] Eu já viajei muito e morei
em vários lugares com a minha família. [...] passei 2 anos, e pouco tempo depois,
eu volto pra minha terra, pra minha terrinha novamente né? E aqui eu permaneço
até hoje. [...]e eu tive várias chances de emprego, lá né. Oportunidades, negócio
sério, mas eu num pensei em outra coisa a não ser voltar pra aqui, pro Pontal da
Barra. Pra mim, sabe fazer, o que? Pescar. Sim, eu vinha louco pra chegar, não
queria outra coisa, a não ser, pescar. (grifo nosso) (Moradora do Pontal,
entrevistada pela pesquisadora)
[Pontalense] Ah sou, de coração até morrer, até morrer, oxe![...] É um bairro,
ainda acho que é dos melhor, de Maceió. [...]
quer dizer que é um bairro
tranqüilo né, de se morar. A gente pode botar a cadeira na porta, pra conversar e
aí hoje qual é o bairro que pode mais? Em canto nenhum, né ! Por isso que eu
não tenho vontade de sair daqui! (Moradora do Pontal, entrevistada pela
pesquisadora)
Sou, Pontal (risos), de coração. É bom, muito bom, é bom né,. Eu acho que em
outro canto [...] num me dou não. Num queria sair daqui, só saio daqui pro
cemitério. Mas eu sair pra morar em outros cantos, acho que num dava um lugar
tão bom quanto esse daqui. (Moradora do Pontal, entrevistada pela pesquisadora)
135
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Por assim dizer, nas palavras de
Vieira (2000, p.10), “Trata-se, portanto, de
um bairro “sui-generis”, um meio poético e
simbólico [...]. Segundo seus habitantes pode
ser descrito como lugar da tramas, das rendas,
do pescado, enfim lugar onde se desenrola a
vida e para muitos significa ‘tudo’.
Elemento fundamental para entender
o Pontal da Barra, o cotidiano, é marcado a
cada dia, pelas relações sociais, por suas artes
manuais majoritárias: a renda, o pescado.
Nesse cotidiano, a vida é escrita pela
tradição marcada pela trama das mãos, das
rendas, das redes (Ver Fig. 40).
É evidente, como tal ligação com as
tradições, substancialmente se solidificam a
beira da lagoa e principalmente nas calçadas,
local de constante permanência de
moradores, onde à tardinha as senhoras, se
debruçam sob o tear, fazendo o filé, as crianças
desfrutam de banhos na lagoa, os idosos
relembram o passado escrito nas ruas e
comentam sobre o transcorrer do presente
asseverando ser este bairro lugar de várias
memórias e histórias (Ver Fig. 41 e 42).
Entre as conversas na calçada ao
entardecer foi possível perceber que esta
“arte da conversa” também é uma forma de
se relacionar com os vizinhos e com o
próprio espaço. Nessas conversas
intermináveis, as bordadeiras, muitas já idosas,
carregam nas mãos, marcadas pelo tempo, a
Figura 40- A arte do filé- artesanato tão
característico do local. Fonte: Vaness
a
Gonçalves. Novembro/07.
Figura 41- O cotidiano na lagoa se conforma nos
elos afetivos que surgem a cada dia. Fonte:
Vanessa Gonçalves. Junho/09.
Figura 42- Senhora tecendo o filé. Arte do
cotidiano. Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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força de sua tradição surgida desde os tempos de outrora,(Ver Fig.43) tal como é afirmado
nas falas abaixo de alguns,
Bem, surgiu com os homens na pesca com a rede né, e tudo que eles tavam
fazendo a rede, as mulhé foi aprendendo [...] E da rede foram fazer... botar num
tear, e fazer o filé. Agora, [a época que surgiu] como eu num sei né. Muita gente
ainda sabe, né! Ainda tem muita gente com vontade de aprender e aprende. É.
uma coisa bonita, oxe![...] É a vida da pessoa, o filé. Não tinha outro sustento,
né. Mulé o filé e os homens a pescaria (Moradora do Pontal, entrevistada pela
pesquisadora)
Todo mundo fazia. Minha irmã me ensinou, minhas irmãs me ensinaram eu
fazer. Eu fazia colcha, era cheio fazer o filé. Era cheio. Hoje, Faço uma redinha
assim, a pessoa dessa idade já tem aposentadoria dá pra eu me virar. (risos) (
Moradora do Pontal, entrevistada pela pesquisadora)
Quando eu me entendi de gente minha mãe já fazia. Já vivia disso. [Aprendi]
Com a minha mãe. Desde de 7 anos que faço. Fazia toalha, as toalhas, fazia[...]
É, hoje em dia ainda faço, né? [o filé] Mulé, não sei como surgiu o filé. Se já
veio da antiguidade, né? A minha mãe nunca falou. Minha mãe morreu com 86
anos, mas nunca falou. É, olho de pombo, é jasmim, é bom gosto, é ponto de
arroz. Agora o filé de antigamente, tinha um tecido. Era diferente dos pontos de
agora. Era diferente, antigamente a gente só fazia filé tingindo nas pontas. Agora
não, que só fazem, como ali ó, você tá vendo? Ali, num é tingindo nas pontas,
né? Tá vendo ali? Ali, é como que é uma toalha, né que ele tá fazendo. Ou é uma
saia, sei lá. Não tá parecendo uma toalha. Apois, antigamente o filé era assim,
era cheio. Muito filé que jovem tinha antigamente era toalha, colcha, blusa,
camisa de homem com gola. Hoje em dia, só é mais xale, echarpe. É caminho de
mesa, é jogo americano, tem toalha também, colcha pra vender. (Moradora do
Pontal, entrevistada pela pesquisadora)
Ele tá representando, bom, né [relacionado ao filé]. Porque naquele tempo só era
mais esses negócios do filé, mas agora não. A gente faz bonito. Aí o povo vê
gosta e compra. É tudo, é biquíni, é tudo de filé, a gente faz e vende. E é
bonito.[...] Era, tudo vendido a bordo, no navio. Não, porque elas pegavam da
gente né. Era comé... O povo comprava a gente, levava, pagava depois que
vendia. Aí, levavam por consignação. Levava pra bordo e lá elas vendiam e
quando chegava pagava a gente. E hoje em dia não, que cada um aluga um
ponto. Começou primeiro... A primeira pessoa que começou a abrir uma loja
aqui no pontal foi a Neide, do maré. É prima da gente, ela. Família da gente, ela
é prima da minha mãe, ela é. A Neide! Depois foi a Liliu que já faleceu, depois
foi a dona Laura, depois foi a Marinalva, a Lucinha que é ali na mão de ouro, a
dona marinete a mãe dela, aí foi expandindo. Foi, o filé foi assim! (Moradora do
Pontal, entrevistada pela pesquisadora)
Figura 43- O filé de antes, características ultrapassaram as mudanças advindas do tempo. Fonte: Plec, 1977.
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pelas lembranças dos moradores idosos
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Fig 44. - Os pontos do filé- Ponto 1- Bom Gosto; Ponto 2- Cadeira; Ponto 3- Olho de pombo; Ponto 4- Cinzido; Ponto 5- Aranhão; ponto 6- Jasmin; Ponto 7-
Aranhão coberto; Ponto 8- Corrente. Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09
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Estas falas que narram sobre o filé, coletadas durante a pesquisa, só confirmam a
força da tradição desta arte de saber fazer, que já era mencionada em trabalhos da década
de 1970 (PLEC), como parte essencial do lócus da vida social. As ocorrências descritas no
PLEC reforçam e revelam a força simbólica que o filé representa para o bairro, além de
avigorar a reflexão que a partir da memória é possível extrair fatos, informações que
servem para resguardar o legado de uma cultura.
O filé já veio da pesca porque aqui é lugar do pescador [...] No filé a gente tem
primeiro que fazê a rede. Faz a rede com linha fina e a rede precisa de uma
agulha. Ela é comprida, com uma cavidade na ponta, a ponta é bem fininha.
Então a gente encha aquela agulha de linha, e vai fazendo a rede (PLEC, 1977,
p.213).
Quando eles começaram a fazê a malha a rede era bem fininha, era assim: elas
raspava o talo do coqueiro, que é uma coisa muito... uma espessura bem fina,[...]
Então, ela faziam com aquela agulha bem fininha e com linha fina mesmo.[...] A
rede tem que ter um molde sabe? é uma medida prá malha saí todas iguais. Então
a gente pega a agulha e enfia aqui e segura o talo, aí dá o laço, aí a malha ficou
certinha [...] Depois que faz a rede, por cima a gente sai tecendo, bordando, vai
desenhando de acordo com o que a gente sabe desenhá.[...] (PLEC, 1977, p.213).
Antigamente, gente tinturava. Na época não tinha a tinta Guarani, então, a gente
tintura em colorau, a palha da cebola, a bucha do coco, a Corpuna. A Corpuna é
uma tinta que os pescadores davam na tarrafa para não apodrecê rápido. È da
mata. Chama-se Corpuna e tem o Murici também. O Murici é um pau. A palha
da cebola era quando a gente queria fazê uma rede bege. A sala da praia dá i
lilás, o roxo, dá um roxo lindo[...] (PLEC, 1977, p.214).
Desde os tempos mais antigos até
os dias de hoje, cotidianamente ainda é
comum a prática do fazer filé, onde as
mulheres sentam em suas calçadas para
fazer a renda, enquanto os homens saem
para garantir o sustento de suas famílias
através da arte da pesca (Ver Fig. 45),
pois segundo eles: “essa [a lagoa] é a
nossa mãe impossível de ser
abandonada” (Morador do Pontal).
No jogar das tarrafas na lagoa Mundaú, estes homens imprimem sua esperança de garantir
seu passadio, como sempre fizeram:
Os pescadores gostam de se reunir às margens da lagoa Mundaú para contar seus
causos e reclamar da poluição que prejudica a pescaria. Enquanto suas esposas e
filhas se debruçam na confecção de toalhas, colchas, vestidos, blusas, tapetes,
Figura 44- A mágica da pesca, sustento e
esperança. Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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caminhos de mesa, saídas de praia, chapéus, entre outros artefatos típicos muito
apreciados pelos turistas [...](BARBOSA; ANJOS, 2006, p. 53)
Tal como o filé, a atividade pesqueira é a
“vida do lugar”, seus utensílios e modos de
pescaria
148
também sempre estiveram presentes na
história do bairro e na vida da população residente.
Por ser uma técnica secular transmitida de geração
em geração, e em sua maioria desempenhada pelo
sexo masculino, o ofício de ser pescador envolve
uma multiplicidade de conhecimentos, técnicas, e
principalmente sentimentos, pois segundo Lago
(1996, p.103),
A pesca artesanal ressalta
conhecimentos do mar[lagoa], do
tempo, das espécies de pescado e de
seu comportamento; controle do processo de produção [...] comercialização;
divisão do trabalho [...] dos camaradas de rede, dos ajudantes da praia (os
meninos que se iniciam na pescaria); o recrutamento informal dos camaradas
sem vínculos empregatícios e até laços de afetividade ( a parentela, a vizinhança,
o compadrio, a amizade) [...] Todos esses fatores contribuem para desenvolver
uma identidade (e, naturalmente, psicológica, individual) do pescador[...].
148
Deve-se ressaltar, a caiçara, tipo de aparelho de pesca fixo, feito de madeira de mangue.è formado por estacas fixas,
em número de 25 a 30 e distribuídas de froma retangular. [...]A canoa, são do tipo indígena, cavadas em troncos de
árvores. Normalmente conduzem dois pescadores e caracterizam-se por serem estreitas, compridas e bastante pesadas
[...]Curral, é um aparelho de pesca fixo, constituídos de Mourões fixados ao fundo. Este instrumento de pesca tem um
formato, em vista superior, similar ao de uma seta, com um longo tramado de ráquis de palma piaçaba, feita com cipó, o
qual é fixo a um correr de estacas de mangue[...] Gereré, aparelho de pesca móvel, formado por duas varas que se cruzam
e obtido um semi-círculo, extende-se sobre o mesmo uma rede de algodão com malhas de 8mm[...] Redes e acessórios
são feitos de tio de algodão, para sua melhor conservação[...] Tetéias, aparelho de pesca construído pelos próprios
pescadores locais, compostos de um arco de metal ou de madeira, onde se prende uma rede de malha não muito fina em
forma de saco e no sentido oposto, três cordas de nylon ou de fibra que convergem para um único cabo de mesmo
material, como uma bóia(geralmente: garrafas de plástico, pedaço de isopor ou madeira) presa sua extremidade. A isca
utilizada consiste em qualquer pedaço de carne ou peixe (PLEC,1997,p.591-595)
Figura 45- Rede de pesca. Utensílio
indispensável nesta arte de "saber
fazer". Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
Figura 46- Canoa- instrumento de vida e arte. Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Esses homens carregam consigo uma sabedoria capaz de distinguir cada vento, cada
sopro, cada lugar adequado de pescaria. Trazem o respeito e a solidariedade para cada
pescaria, prevêem a ventilação e dominam as técnicas adequadas a cada tipo de pesca. No
entanto estes saberes estão sendo comprometidos e muitas vezes esquecidos pela
degradação ambiental e introdução de novas técnicas de compra e venda do pescado,
Olha, a gente sente uma sensação muito estranha! Muito bonito, você botar uma
rede, lançar uma rede, uma tarrafa e você vê o peixe vindo. Hoje não existe
praticamente mais isso. A lagoa tá muito poluída, muito poluída. [...] Por sinal,
eu digo a você sinceridade, porque eu fui presidente da colônia de pescadores
durante 10 anos[...]E eu trabalhei muito junto aos pescadores e junto também a
Braskem que a Salgema hoje.[...] Pro governo o pescador não é nada. Agora só
que o pescador é um trabalhador qualquer, como outro qualquer. Pra você ter
uma idéia, o pescador vai pescar, ele pega 10 quilos de peixe, olhe você veja que
o governo não botou nada na lagoa, num juntou nada na lagoa, num fez nada na
lagoa, mas o pescador vai e pesca. Tira na lagoa 10 quilos de peixe pra sustento
de sua família. Ele vende aqueles 10 quilos de peixe, vamos dizer assim, que ele
apure naqueles 10 quilos de peixe 40 reais. O que é que ele vai fazer com aqueles
40 reais? Ela vai pra bodega né, pra mercearia, ele vai comprar farinha, feijão,
arroz, açúcar, o básico pra comer, o fósforo né e uma garrafinha de cachaça.
Porque o pescador não deixa né. (risos)[...] Essa lagoa tá secando, daqui a um
tempo, se não houver qualquer tipo de modificação vai virar um pântano, né.
Porque se continuar secando não tem mais a aquelas entradas e saídas, aquelas
como é que chama? Criatório né, natural do peixe. Quando aqueles pequenos
peixes vão com medo dos maiores pra ficarem ali, crescem mais né e voltam.
Eles não tem mais condições pra isso. E vão sumindo né, correto? Vai
desaparecendo! É tanto que muitas qualidades de peixe que existia na época da
minha juventude, hoje não existem mais, foram extintas né. (Morador do Pontal,
entrevistado pela pesquisadora)
A pesca, cada dia que vai se passando, tá ficando pior. Ah, e como! Abriu a
barra. A barra abriu a onda, lá pra banda da barra nova, muito pra lá. Aquela
barra, quando era mais pra lá, porque o mar entra peixe né? Menina, antigamente
era cada monte de peixe que era isso. Na praia, pescaria era aquelas canoas
cheia, virava. A gente ia muito pra ponta da praia pra olha a pesca. Hoje em dia
Figura 48- Artes do cotidiano. A canoa e a
rede.Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07
Figura 47- Artes do cotidiano. A canoa e a rede.
Fonte:www.googleerath.com.
141
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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num tem mais isso! Num existe, mais... (Moradora do Pontal, entrevistada pela
pesquisadora).
O Pontal é um ponto dos mais bonitos de Alagoas, ponto turístico não é? Tem
essa lagoa, tem o mar, só o por do sol dessa lagoa... é o mais lindo do mundo
não é? Na época antiga, o Pontal era muito mais lindo, porque essa lagoa não era
poluída, tinha a barra muito mais perto, então desaguava muito mais assim, e a
lagoa era muito azul, era igual ao mar... Agora, depois da fábrica despejar os
detritos da fábrica no Rio Mundaú, o Rio Mundaú deságua na lagoa Mundaú, aí
a poluição veio e acabou com tudo, acabou com a flora, com a fauna, acabou
com tudo da lagoa Mundaú, inclusive com a gente. Hoje o Pontal é o mais
restrito, a... o povo pesca, mas não é profissional é mais assim uma
complementação. (discurso de um morador In: PLEC, 1977).
Todas essas potencialidades influíram diretamente na dinâmica urbana do local, na
vivência dos moradores, sedimentando uma forte identidade coletiva. A partir deste
entendimento do lugar, e de como se apresentam os elos afetivos, é que o cotidiano vai se
conformando
Toda esta movimentação
rotineira, da pesca e do filé, se torna
ainda mais expressiva durante os finais
de semana quando usuários (moradores
de outros bairros e principalmente
turistas) visitam o local a procura de
lazer dos bares, da apreciação visual da
paisagem lagunar ou mesmo para
compras de artesanato. (Ver Fig.50).
Evidentemente, a chegada do turismo
interferiu na dinâmica do cotidiano principalmente no que diz respeito à economia, ”ou
seja, dito de outra forma, apesar das transformações de ordem econômica que vêm
ocorrendo no bairro, às atividades tradicionais - pesca e artesanato - ainda persistem, seja
como atividade de subsistência, seja de lazer, ou ambas, assim como persistem as relações
de vizinhança, de amizade, de parentesco” (VIEIRA, 2000, p.5).
É perceptível no Pontal da Barra que, mesmo com essas interferências advindas da
contemporaneidade, os “fixos”
149
(SANTOS, 1998), aqui entendidos como as
peculiaridades, a cultura e costumes de outrora, se adaptam e/ou são reafirmados a cada
149
A referência aos fixos, termo criado por Santos (1998), aqui é entendido como o sentimento tão alentado
de pertencimento ao bairro, os saberes e fazeres, os costumes e elos de afetividade criados no decorrer da
história. Esses “fixos” asseguram a própria identidade e a continuação das referências culturais, sociais e
simbólicos tão enraizados do lugar.
Figura 48- A movimentação do bairro nos finais de
semana. Fluxo, movimento e vida. Fonte: Vanessa
Gonçalves. Junho/09.
142
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
nova mudança. Quanto mais a vida social se mantém, mais são confirmadas as raízes
sócio-culturais. A carga simbólica, a história, a cultura desperta nos pontalenses valores e
significados latentes de identidade.
A vivência, os costumes, as relações de vizinhança, de compadrio, de amizade e o
contexto citadino do Pontal da Barra vêm se adequando às modificações do tempo, a
inserção de novos comportamentos,
contudo, na interação do pontalense
com o bairro, “existe muito mais do
que uma relação homem-espaço, existe
um componente de ordem espacial, a
que corresponde uma rede de relações
sociais” (VIEIRA, 2000, p.5).
No Pontal da Barra, o traçado
sinuoso de suas ruas parece reforçar a
espontaneidade de sua gente e a
simplicidade de seu contexto citadino.
Nessa diversidade de significados, a
rua aparece também como elemento
estruturador das vivências no bairro,
pois nela estão presentes as práticas
sociais e culturais tão marcantes do
bairro.
É na rua que a vida cotidiana
se reflete, passando de simples
elemento, rígido, urbanístico e material
para o estrato do ser pontalense. Tal
como afirma Carlos (1996), a rua neste
bairro (Av. Alípio Barbosa), é palco, expõe sobre a história, sobre a vida, é passagem, é
memória. Nela pulsa o ritmo da vida através dos emaranhados no movimento das festas,
procissões, conversas, saberes e fazeres.
Figura 49- A simples vivências no contexto da rua e
expressiva dinâmica do lugar.
Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07
Figura 50- A simples vivências no contexto da rua e
expressiva dinâmica do lugar.
Fonte: Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Neste “lugar”, que segue os contornos da lagoa Mundaú, a rua se transforma em
artéria, que pulsa o contexto citadino, onde se consolida o mundo das rendeiras, dos
pescadores, dos passantes, dos turistas, das crianças, dos idosos e refletindo-se assim, nas
relações de vizinhança, de afetividade entre eles, na inserção de novos costumes e nos
valores trazidos pelo mundo contemporâneo, enfim, o jeito de ser pontalense.
Este cenário é bem diferente da rua rígida, espaço apenas de movimento, onde
passantes circulam determinados apenas pelo tempo do deslocamento, ou mesmo olhando
vitrines. Nesse sentido, é na principal rua do Pontal que se associa um significado poético,
lúdico, onde as cores do artesanato emolduram o cotidiano e se misturam ao tecer das redes
de pesca, ao balançar das canoas, tornando-se assim, palco das atividades peculiares a esta
comunidade.
Com efeito, por constituir palco onde acontece a vida e o cotidiano, através dos
relatos dos idosos pontalenses, foi possível a construção de um mapa, no qual estão
configuradas, em linhas amplas, as mais significativas vivências e práticas, bem como,
elementos estruturantes, tanto naturais quanto simbólicos, que se conformam no Pontal da
Barra. Pois, é através do forte sentimento de pertencimento ao bairro que a emoção de
todas as falas foram traduzidas em uma imagem (mapa) onde se destaca o singular - ser,
estar e viver neste lugar.
Neste sentido, a leitura gráfica reúne imagens de espaços marcantes, saberes e
fazeres característicos do lugar, que se destacam em toda sinuosidade da Av. Alípio
Barbosa. Desta forma, recriar o “andar pelo bairro” sob a ótica dos idosos, despertando
tanto sensações quanto curiosidades, caracterizou-se em destacar principalmente as partes
mais significativas do lugar, como por exemplo, a lagoa, o fazer e comercializar filé, a
pesca na lagoa, a igreja, os elos de amizade, a colônia entre outros, ou melhor, partes
constituintes da identidade do bairro.
Trabalhar com essas construções gráficas, através de uma leitura significativa
baseada na coletividade, é estruturar as referências na constituição de um “elemento
gráfico de reconhecimento de espaços e instrumentos de sua compreensão e
transformação” (CABRAL, 1992, p. 277). Pois, ainda destaca esta autora,
Trata-se de um gesto de organização de símbolos em uma seqüência linear
coerente, compreensível através de marcas, registros ou da própria eleição de
determinados elementos naturais como referência dentro de trajetos afins. A
leitura pode dizer respeito a um ou mais sistemas de referências de um
determinado grupo humano[...], em suma, constituam-se esquemas básicos de
144
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
reconhecimento e de informação sobre o meio ambiente, a natureza, a cidade, etc
[...](CABRAL, 1992, p. 277).
Por conseguinte, conforme mapa 15, o desvendar, baseado nas falas dos idosos,
iniciou-se pelo embalo das texturas e cores que escondem os segredos prestes a serem
descobertos e que principalmente se conformam através da sinuosidade, principal
característica desta rua
150
. Observa-se que há um mistério caracterizado pelo jogo de
espaços de onde se pode ou não apreciar as paisagens da Lagoa Mundaú. Esse revelar e
esconder são compostos principalmente pelos becos que constituem grande parte da
avenida. Entre tais lacunas encontram-se ainda os bares e restaurantes, elementos
marcantes para a movimentação do bairro, principalmente durantes os fins de semana, pois
incidem diretamente no fluxo de pessoas que buscam as delícias da culinária local.
Durante a tarde, por várias vezes citadas, as conversas ficam intermináveis, a
calçada se transforma em um cenário de comadres e compadres, onde os elos afetivos são
concretizados pelas relações de vizinhança e amizade. E que ainda é rodeado pelo colorido
das tramas das rendas, sobretudo, do filé. Cada peça é confeccionada pelas pontalenses que
se apropriam das calçadas como extensão de sua casa e traçam com a delicadeza desse
saber os pontos do filé, são flores, correntes, cinzidos entre outros.
A Igreja de São Sebastião- fé, proteção e sagrado- está localizada no coração do
bairro, o que a torna elemento marcante na paisagem refletindo também toda a relação de
fé presente neste lugar. Em frente à igreja, destaca-se a praça que em tempos de festa do
santo é transformada em ponto de encontro de diversão e de tradição.
Deve-se mencionar ainda, a mãe que abraça que acalma e sustenta todos esses
elementos constituintes da identidade do bairro. Esta mãe emoldura, caracteriza e
conforma a paisagem, as práticas sociais, o cotidiano, enfim, a vida do Pontal da Barra. Os
quintais das casas voltam-se para esta lagoa: onde abrem-se a vida de cada família, onde se
conforma o pescar.A lagoa Mundaú completa a vida de quem tem impresso em sua alma a
identidade de ser pontalense.
150
Neste trabalho, faz-se um paralelo do elemento “rua” representando a Av. Alípio Barbosa.
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
Mapa 15- Percurso Urbanos.Fonte: Base cartográfica
de Maceió- 1998. Adaptação: Vanessa Gonçalves,
2009.
145
146
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Tal como a rua sinuosa que acompanha a lagoa, o bairro detém uma diversidade de
paisagens naturais (dunas, mar e principalmente a lagoa) que margeia as histórias dos
becos e ruelas e embala o COTIDIANO de quem tem impressos na alma a beleza do olhar,
a tranqüilidade dos sons, dos cheiros diferenciados da lagoa e do mar. Essa localização
privilegiada e direta com a água desperta valores de enraizamento a terra bem delineados
por Ivo (1979, p.105) em seu poema Ilhas Errantes quando descreve,
Nascido numa cidade situada entre o mar e a lagoa,[...] provenho pelo lado
materno, de criaturas habituadas a ouvir o barulho das ondas e afundar os pés na
terra viscosa da boca dos rios e nas dunas que andam como se fossem ciganos.
Embora chamados pelas vagas e requisitados pelo vento, esses meus ancestrais
quase nunca emigravam. Era como se o massapé, grudado aos seus pés e às suas
almas, os impedisse de partir, tornando-os cativos do horizonte azul e
peganhento. Em suas veias corria o sangue dos caetés decerto o sentimento de
que já estavam ali antes que a frota de Cabral tivesse sulcado o mar alagoano, na
aventura da Descoberta, aquentava, como um fogo escondido, a vocação da
permanência e a fidelidade da paisagem nativa, fimbrada de mangues e
coqueirais e de ilhas errantes, e tão consubstancial a suas vidas lentas como os
peixes, os camarões, caranguejos, goiamuns, ucas e o sururu sempre
encontradiços em suas mesas que eram dependências do oceano pródigo e das
lagunas amarelentas. [...]
Tal assertiva presta-se a aclarar, como água é o útero que nutre a vida no Pontal,
pois desperta a satisfação no contexto das finalidades da vida, expressa por valores e
significados marcados através do movimento da história e cultura advindas da relação dos
atores sociais com o lugar.
Essa relação é tão valorativa para seus residentes que suscita descrições bastante
expressivas e emocionadas, principalmente no que se refere à lagoa Mundaú.
Figura 51- A lagoa como útero que nutre a vida, a alma de ser, viver e estar no bairro.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09.
147
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Nas narrativas de vida, a lagoa aparece como lazer, alimento e sustento, como se pode
constatar a seguir,
Aqui né [A lagoa Mundaú]! Só. É... Aqui, pois é, pra que vista melhor do que
essa meu Deus! Essa natureza, coisa linda! Me acordo bem cedo, quando eu
olho, olho, essa natureza, meu Deus! Jesus deu isso tudo pra gente né. É muito
lindo![...] Representa muito né. Porque dá o sustento de todo mundo daqui.
Porque antes, todo mundo vivia da onde? Do massunim, minha mãe também.
Minha mãe criou meus irmãos, que eu não fui criada com ela. Criou meus
irmãos, com que? Com o massunim, com o siri, com o camarão [...]
(Moradora do Pontal, entrevistada pela pesquisadora).
Ah, a lagoa Mundaú representa muita coisa, pro pessoal achá, comé? As beleza
das ilhas. Sempre foi assim, sempre foi assim. Muito pescador, vive da pesca.
Pra mim é muito importante, eu gosto muito (Moradora do Pontal, entrevistada
pela pesquisadora).
Outro elemento marcante na
estrutura urbana e social do bairro é a
praça Dr. Caio Aguiar Porto, na qual se
localiza a Colônia de Pescadores e onde
são feitas as apresentações de grupos
folclóricos. Essas particularidades são
muito representativas, para o bairro,
pois há o envolvimento maciço de
moradores e que se apresentam com
freqüência tanto no bairro quanto em outros locais da cidade, entre eles estão, o coco,
151
a
quadrilha, as baianas
152
, e principalmente o fandango
153
(Ver Fig.55 e 56).
151
“[...] Originário de Angola e Congo, de onde descenderam a maioria dos escravos que se fixaram em
Alagoas. Contudo, há também estudiosos que também reconhecem nesta dança, inclusive na denominação,
vínculos com a forma de coletar e quebrar coco no Quilombo dos Palmares, onde sentados no chão e
Figura 52- A água é elemento essencial na vida de quem conforma o Pontal da Barra.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09.
Figura 53- Apresentação do fandango do Pontal-
tradição, cultura e identidade. Fonte: Vanessa
Gonçalves. Junho/09.
148
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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tentando quebrar o coco com pedras entoavam canções cadenciadas pela batida da pedras.[...]” ( PEDROSA
apud FERRARE, 2006,p.362).
152
“A dança das baianas também é um dos folguedos ligados ao folclore do açúcar, correspondendo a uma
derivação do Maracatu rural do sul de Pernambuco próprio dos redutos de negros escravos na lida açucareira.
Atualmente, as Baianas já incorporam elementos temáticos do Pastoril e do Coco”( FERRARE, 2006, p.362).
153
O Fandango constitui-se em um folguedo bastante similar à Chegança em alguns aspectos da temática a
que faz alusão, embora mantenha diferenças na representatividade cênica, por apresentar-se dissociado do
barco, e ainda por não abordar as lutas entre Mouros e Cristãos, conquanto assemelhe-se muito no traje de
“marujo” usado pelos integrantes. Também particulariza-se por não adotar uma lógica constitutiva de enredo
e assumir uma forma de apresentação mais avulsa. Segundo identificação dos folcloristas, “ o Fandango por
não assumir enredo ordenado, apresenta-se com a seguinte seqüência nem sempre seguida: apresentação do
grupo com música “ Somos Lisboa”; o romance da nau catarineta e o episódio da tempestade e morte do
gajeiro formado pelas cantigas ‘ Alerta ‘ o Tu Gajeiro Sobe’[...] Em algumas partes dos autos integra o
elenco a figura de um padre, portador da mensagem cristianizada ( FERRARE, 2006,p.365).
Figura 54- 1- Grupo de fandango do Pontal; A baianas se apresentando nas noites enluaradas e a
quadrilha do bairro.Fonte: Vanessa Gonçalves; Daniel Martiniano. Junho/09
.
1
3
2
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Esses grupos são o orgulho para muitos pontalenses, pois unem várias gerações e
transformam uma brincadeira num saber disseminado pelo tempo, como descreve Sr.
Moacir,
[Com relação à fundação do fandango] Olhe, eu não sei o ano porque eu tinha
mais ou menos uns 6 anos de idade pra 7, naquela época. Já tô com 72 né? E ele
já brincava, né? O fandango. Eles já brincavam, já era aqui num povoadozinho
aqui ao lado, que pertence hoje a Marechal Deodoro, que é barra nova. É um
povoadozinho pequeno. Eles ensaivam e brincavam lá e brincavam aqui. Agora
eu não posso dizer a você se saiu, o fandango saiu daqui e foi pra lá, ou de lá da
barra nova e veio pra cá. Sabe, não tenho essa certeza, não sei dizer isso a você.
Mas foi assim, aí o meu pai foi o fundador juntos com outros colegas, né?
Juntaram-se alguns e fundaram junto com meu pai, Isaldino. E meu pai deixou
pra ele, [e] que ensinou a ele. Eu dançava, mas agora minha filha, agora mais
não! ( risos)
A peculiar ocorrência do fandango
também aparece no discurso de Dona Neirde,
fortalecendo ainda mais a relevância dessa dança
folclórica para o contexto cultural do bairro,
conforme se verifica,
O Pontal de antigamente, lá na
prainha tinha uma barca de
fandango. Uma barca de
fandango, o fandango sempre
existiu aqui no Pontal, sempre
existiu. Tinha umas baiana
em cima, também naquela
época que eu era jovem né.
Agora só que ficou dessas
baianas, só existe uma que
dançava naquela época, era a
Liu.
Em um esforço de síntese, pode-se dizer
que o “lugar” pode ser entendido como diversas formas e porções que formam a cidade,
como a rua, a calçada, a lagoa, elementos estes que definem o bairro do Pontal da Barra. A
conceituação do bairro considerado aqui como “lugar” é determinada pela relação e
interpretação das relações afetivas e simbólicas com o espaço habitado, e como os
habitantes que se apropriam e utilizam esse lugar agregando-o referências pessoais e
coletivas, mas que também incorporam mudanças advindas da contemporaneidade, tal
como descreve D. Luci, moradora do bairro,
Figura 55- Os “tocadores do grupo de fandango
do Pontal. Fonte: Vanessa Gonçalves.
Junho/09.
150
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Pontal da Barra, bairro de tradição,
Com seus coqueiros, Seu povo sem ambição.
E as rendeiras, com seu filé falado
Brilham como estrelas. Nesse mundo encantado.
È o progresso culpado disso tudo
Os homens, os políticos, Falam
E o povo, Zé povinho fica mudo
Adeus pôr do sol e a lagoa Mundaú
As noite de lua cheia e o gostoso sururu.
E os pescadores?São os donos desta terra
São os doutores da lagoa que a riqueza encerra
Faz um apelo para todo humanidade
Que parem os ponteiros do relógio da saudade.
Adeus amor que eu vou partir
“É isto minha gente, que o progresso quer destruir”
4.2 CONSTRUÇÕES DA HISTÓRIA PELOS ESPAÇOS DA
MEMÓRIA
Não se pode perder, no deserto dos tempos, uma só gota da água irisada que,
nômades, passamos do côncavo de uma para outra mão. A história deve
reproduzir-se de geração em geração, gerar muitas outras, cujos fios se cruzem,
prolongando o original, puxados por outros dedos (BOSI, 1994, p. 90).
O encontro com as lembranças faz
reviver sentimentos que revelam as
experiências de um passado que constitui
a essência de quem o descreve. “[...]
Mesmo porque, muitas recordações que
incorporamos ao nosso passado:
simplesmente nos foram relatadas por
parentes e depois lembradas por nós”
(BOSI, 1994, p. 407)
Essa reflexão pode ser constatada
nas histórias/lendas existentes no Pontal da
Barra, como por exemplo, o fogo corredor,
o gritador, citadas pelo Sr. Moacir, Dona
Neirde, pela Dona Sidneide entre outros.
Essas memórias estão marcadas na história
de vida desses idosos, pois foram
Figura 56- Tramas do filé nas mãos da sabedoria.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Agosto/08
Figura 57- Mãos da sabedoria
Fonte: Vanessa Gonçalves. Agosto/08
151
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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narrativas não vividas mas incorporadas as suas lembranças por parentes, e/ou vizinhos,
recontadas a esses narradores diversas vezes em sua trajetória de vida.
Diante do exposto, quando se trabalha com as histórias de vida deve-se atentar para
lembranças que são “impostas”, ou melhor, naquelas não consideradas como originiais,
pois foram inspiradas nas conversas com os outros. Com o decorrer do tempo, elas passam
a ter uma história dentro da gente, acompanham nossa vida e são enriquecidas por
experiências e embates” (BOSI, 1994, p. 407).
Entretanto, muitos dos valores absorvidos por este meio de influência coletiva, são
imperativos na concepção e formação de valores individuais, e vive-versa. Acerca dessas
reflexões cabe considerar o que entende Portelli (1997, p. 33) quando diz:
Mas, o realmente importante é não ser a memória apenas um depositário passivo
de fatos, mas também um processo ativo de criações e significações. Assim, a
utilidade específica das fontes orais para o historiador
154
repousa não tanto em
suas habilidades de preservar o passado quanto nas muitas mudanças forjadas
pela memória. Estas modificações revelam o esforço dos narradores em buscar
sentido no passado e dar forma às suas vidas[...]
No Pontal da Barra, os laços de convivência e afetividade estão presentes em quase
todos os discursos, pois as relações presentes entre vizinhos e amigos são comparáveis às
relações de sangue, coforme comprova-se nos seguintes discursos:
A história da gente quando nós éramos garotos, a nossas famílias, os nossos pais,
quando num era parente era compadre. E era assim. E tinha um tal de compadre
de fogueira,eu num sei se você... Sabe não disso né? Eu sei, São João e São
Pedro né. Santo Antônio, São João E São Pedro e aqui existia muitos folguedos
né? E também as fogueiras e tudo mais aquilo era tudo original daqui mesmo. O
milho assado, aquela coisa todinha e tudo mais. E havia aquelas celebrações e no
final daquelas celebrações, antes da fogueira se apagar e todo. Aí, havia o
convite né? Você vai ser minha comadre. Entendeu? Mais aquilo era uma coisa
séria, nera de brincadeira não, sabe? Você vai ser minha comadre. Você vai ser
meu compadre. Era um convite sério e pulava na fogueira, interessante né? Pra
confirmar. Então, a fogueira quando ela ia perdendo calor, aquele calor todo, aí
passava o compadre de um lado a compadre do outro ou comadre de um lado
compadre do outro e pulavam a fogueira, com a mão segurada na mão do outro
né. E dizia, pronto aí... Aquilo ali ficaria mais seguro do que fosse padrinho de
um filho. Por isso que eu digo, quando não era parente era compadre!
( Moradora do Pontal, entrevistado pela pesquisadora)
[...]Tenho muitas amizades, tenho muitos amigos. É são amigos, a gente se sente
tudo de uma família só. A gente conversa, a gente às vezes bate um papo. As
pessoas vem procuram a gente pra conversar, por a gente ser mais idoso né,
aquela coisa toda e tudo mais. Tem uma maior... Dizem que a gente tem uma
maior experiência da coisa. Eles vêm às vezes, pedem um conselho pra gente
154
Historiador- aqui entendido como pesquisador
152
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
conversar né, aconselhar sobre determinadas coisas. O que é que vai fazer, o que
é que pode fazer. E às vezes a pessoa me procura também, quando eu tenho
também alguma dúvida alguma coisa, que eu quero esclarecimento melhor, eu
também procuro algumas pessoas que podem me esclarecer aquilo né. A gente
tem sempre aquela amizade sempre! Não existe nenhuma maquerência por aqui,
às vezes é falta de compreensão de alguns, uma ou outra pessoa né.[...] (
Morador do Pontal, entrevistado pela pesquisadora)
[...]É porque, vizinho só tem os filhos, dos dois lados. Um do lado outro do
outro... (risos) mas meus vizinho e aqui todo mundo gosta de mim. E eu gosto
de todo mundo. É, porque pode perguntar? Conhece a Neide? Ahh, a Neide do
Maré? (risos) é, todo mundo, graças a deus eu não tenho maquerência aqui
com ninguém, nunca tive. E num tenho. Gosto de todo mundo. Todo mundo pra
mim é bom. Dá, oxe dá tudo! ( Moradora do Pontal, entrevistada pela
pesquisadora)
O sentimento de pertencer a “uma única família” é bem mais forte quando os idosos
retratam as relações presentes no Pontal de Ontem, ou melhor, nos tempos de outrora, pois
acreditam que as diferenças sociais, psicológicas e a misturas de “povos”
155
que aparecem
atualmente no bairro desvalorizam a cultura e tradição nele existentes. O que é retratado
segundo algumas falas a seguir,
O Pontal não era assim. Porque aqui muita gente gosta de olhar a vida dos
outros, e antigamente ninguém botava olho na vida de ninguém não! Cada um
vivia a sua vida, mas hoje em dia esse povinho, essa geração nova que tem outra
criação, né. Que num foi nem criado aqui, que o pai era rígido, era fogo viu. Era
um pai diferente, era um comé?... Ele num dava ousadia, num dava não, num
dava mesmo!
O Pontal antigamente era uma espécie de aldeia! Era, você tá me entendendo?
Era uma aldeia né. Porque era as casas eram quase todas uniformes, né. Eu volto
a repetir, aquelas casas cobertas de palha de coqueiro né.
[Sobre o Pontal de hoje]
Diferente! Porque como eu disse a você, muita mistura
né. Muita gente de fora. Aí veio com os costumes, né? Outras regras, outros
posicionamentos. [...]
O povo foi entrando né, muita gente que é de fora, num é daqui. Agora né mais
não. Antes era, uma rixa. É a mesma coisa com o Trapiche, Trapiche ainda hoje,
ainda tem rixa. Quando vem os caras lá do Trapiche, pra cá é briga! É briga!
Num deixa disso. Pontal é Pontal. Quer vir do Trapiche pra qui e querer ser o
dono do Pontal, num pode. (Risos) (grifo nosso)
Para muitos idosos, as interferências de tais indivíduos influem na dinâmica sócio-
cultural do Pontal de hoje e principalmente nas relações simbólicas e afetivas que ainda
perduram. No viés de tal possibilidade, conforme Bosi (1994), isso acontece pois as
155
Os diferentes “povos” referem-se as pessoas sobrevindas de outras localidades , como por exemplo outros
bairros, outros municípios e até outros estados.
153
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
pessoas mais velhas sentem-se distantes das novas conformações sociais advindas do
mundo contemporâneo. São indíviduos com funções delimitadas, que lutam para dar
continuidade a sua trajetória como sujeito social. Dessa forma, os novos padrões de
comportamento, de relacionamento social trazidos por esses “intrusos” incidem nesta
paralela da população como desvalorização dos seus valores e saberes adquiridos através
do tempo. Pois é bem verdade, que “nesta época de informação, a busca da sabedoria perde
as forças, foi substituída pela opinião” (BOSI, 1994, p. 85).
Entretanto, eles sentem sua vida e sabedoria ganhar função quando encontram
potenciais interessados em desvendar seus conhecimentos. Neste contexto cabe salientar,
que em algumas tribos antigas, os idosos ocupam o posto de guardiões da maior riqueza da
sociedade, a tradição e sabedoria. Isso porque detêm a maturidade trazida por sua trajetória
de vida, consseguindo “ressucitar detalhes, discutir motivos, confrontar opiniões [...], pois
quando a sociedade esvazia seu tempo de experiências[...] a lembrança [ pelos idosos] se
converte em um sucedâneo da vida” (BOSI, 1994, p. 82).
A construção das histórias desses pontalenses através da memória evocou as
experiências vividas e sentidas, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, pois
refletem as ações cotidianas, os elos afetivos e a relação de cada habitante com os demais
indivíduos e, sobretudo, com o lugar. Esta estratificação do ser enquanto agente social
pôde ser verificada nas lembranças da infância e juventude, como festas, brincadeiras,
sonhos, etc., tais como mostram os relatos,
Sobre as festas,
Era, era muito animado. Quando era meio dia, essa praça já tava cheia de gente
pra acompanhar a procissão de São Sebastião.[ Apareciam] O pessoal do Centro,
do Trapiche, do Prado.[...]
São João, que tem negócio de brincadeira, de baiana, tem essas coisas, de
chegança né? Que é tudo lá na praça. [...]. E no carnaval, o carnaval daqui é uma
comédia (risos) que é os homem tudo vestido de mulé ( risos), é doidice. Tem a
festa de São Sebastião, é bom né, continua ainda. Embora que diminui muito,
sabe? Depois que tiraram a parte do porto, fizeram aquele terminal,..diminui as
brincadeiras, tinha barzinho, tinha brincadeira, tinha tudo. Era uma festa muito
boa. [A festa é comemorada] Janeiro, dia 11 de janeiro, começa dia 9 e termina
dia 20, dia de São Sebastião. Continua todo ano, mesmo com pouca gente. Eu
vou me arrastando, mas vou ver São Sebastião. Embora que hoje dia não sou
mais da igreja, sou evangélica. Deus me chamou, Jesus cristo me chamou e
agora sou evangélica.
Chegava no tempo de São João aqui no Pontal da Barra, São Pedro, a colônia
ficava cheio, cheio de gente pra dançar. Aquelas músicas do forró do Luiz
Gonzaga, de antigamente. Agora não, é música de tango, né. Como é, como é o
nome? Do caminhão... Como é daqueles carro de som? Sim, agora é tio elétrico.
154
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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No tempo de São João é trio elétrico. Eu digo, minha gente! Num tem nem
graça, minha gente! É tempo de São João É São João! É música de forró! Ahhhh,
acabousse aquele tempo, agora é das veia. Eu digo: é tá certo bando de peste,
vocês num vão ficá veia, né não. Eu digo: eu tô dizendo que naquele tempo pra
mim é muito animado do que agora.
Aqui, a festa mais forte que tinha aqui, era a festa de São Sebastião, era
antigamente. Antigamente, era uma festa muito boa, mesmo no tempo do meu
marido, do meu pai. Era o meu marido quem organizava, agora acabou. É em
janeiro. Ainda continua, mas fraquinha minha filha. Nunca, nunca como
antigamente, nunca! Antigamente era muito comé, animada, né. Antes tinha
tudo, tinha leilão, tinha tudo, era uma mesa enorme, toda qualidade de fruta. Era
muita coisa, muita coisa. O povo vendia, o povo arrematava né. Antigamente,
todo interior tem, né. Hoje em dia, num tem isso não. Isso era tradição daqui!
Hoje em dia num tem. Eles botavam, pescador botavam uma canoa cheia de
peixe, aí eles colocavam numa canoa era peixe, camarão, tudo. Pessoal ficava
olhando, pescava assim e a canoa ficava ali e era muita coisa, antigamente. [...]
Figura 58- – A festa e procissão de São Sebastião. Devotos e oferendas. Fonte: Vanessa Gonçalves.
Janeiro/09.
Figura 59- A festa e procissão de São Sebastião. Devotos e
oferendas também a São Pedro, protetor dos pescadores.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Janeiro/09.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Sobre as brincadeiras:
Boa, né. Oia, tinha brincadeira né, pra gente brincar, mas eu tinha um pai ruim
não dexava a gente sair. Uma vez uma mocinha do pastoril pelejou pra gente
dançar... Ele nunca deixou, saía não. Dança na colônia, tempo de festa de são
João né, São Pedro, forró. Arrente dançava escondido. Quando ele saia pra
pescar, oia...bem assim era no Carnavá, aquele quando o bloco vinha.... Agora
não, cabousse, que não tem mais isso.[ Pelo fato de hoje a festa está com pouco
público]
A gente brincava de... Peraí deixo ver se ainda me lembro..., antigamente a gente
cantava aquela... Eu vim do tororó. Quer ver a outra que a gente também que a
gente brincava muito de la condessa. Você já ouviu falar? Eu nem lembro
direito.
As brincadeiras olhe, hoje num tem mais brincadeiras. Só tem fandango! Mas
naquela época, nós tíamos o coco de roda, nós tíamos as baianas, nós tíamos o
fandango propriamente dito. Que hoje... É muito antigo. Olhe, o meu pai foi
fundador do fandango, foi o meu pai![...]
Nesta perspectiva, a forte impressão revivida pela memória guarda a significação
das práticas sociais, dos saberes e fazeres, dos costumes, enfim de como a vida se
conformou no passado contraposto aos valores e significados do presente, pois,
Para localizar uma lembrança não basta um fio de Ariadne; é preciso desenrolar
fios de meadas diversas, pois ela é o ponto de encontro de vários caminhos, é um
ponto complexo de convergência dos muitos planos do nosso passado.
(BOSI,
1994, p. 413)
Também, se conservam ligados a esses valores e significados os “sentimentos
topofílicos” descritos por Tuan (1980), pois são caracterizados particularmente neste
bairro, pela história revelada pelas lutas dos seus atores sociais em busca de sobrevivência,
seja pelos embates da natureza, seja pelas interferências do mundo contemporâneo, e que
Figura 61- A multidão espera pela passagem
do Santo. Fonte: Vanessa Gonçalves.
Janeiro/09
Figura 60- A banda se prepara para homenagear o
São Sebastião. Fonte: Vanessa Gonçalves.
Janeiro/09.
156
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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ainda imprimem significados presentes e marcados na identidade do lugar, principalmente
pela tradição e pelos elos afetivos presentes no seu contexto citadino.
4.3 OS ELOS IDENTITÁRIOS DO– “O PONTAL DA BARRA”
As lembranças do grupo doméstico persistem matizadas em cada um de seus
membros e constituem uma memória ao mesmo tempo una e diferenciada.
Trocando opiniões, dialogando sobre tudo, suas lembranças guardam vínculos
difíceis de separar. Os vínculos podem persistir mesmo quando se desagregou o
núcleo onde sua história teve origem. Esse enraizamento num solo comum
transcende o sentimento individual (BOSI, 1994, p.423).
O significado das lembranças expressas pelos relatos individuais e coletivos através
da memória, consolidam os laços afetivos que são capazes de conformar a identidade de
um lugar sob a ótica de quem o (re)conhece, (re)constrói, vivencia e conceitua - os
habitantes. Esta identidade apresenta- se embasada principalmente no,
[...] variado conjunto de relações sociais que nos permite compreender essas
várias vivências. [...] o espaço citadino deixa de ser o espaço tão somente das
ruas, das casas, da estação, da igreja matriz, da praça e passa a ser pensado e
compreendido como espaço singular onde a experiência social é gestada e
igualmente composta pelos trâmites da memória mediante o ato de lembrar e
esquecer (LACERDA apud FENELON, 2000, p. 202).
Acerca das dimensões essenciais a identidade do lugar, convém salientar, que a
cada narrativa coletada dos idosos pontalenses ficavam latentes os elos identitários
estabelecidos no decorrer da convivência com os demais moradores e, principalmente, na
interação com o lugar. Coloca-se pertinente a discussão do forte sentimento de
pertencimento, que é retratado por esses habitantes, entendendo-o como único, como sua
casa, ou melhor, este “ espaço [Pontal da Barra] é como ar que se respira. Sabemos que
sem ar morreremos, mas não vemos nem sentimos a atmosfera que nos nutre de força e
vida” (DA MATTA, 1997, p.29). A partir de tais reflexões, que retratam essa visão do
bairro como singular e essencial a vida, convém registrar a fala de alguns moradores:
Bom, por mim mesmo, eu gosto muito de morar no Pontal. Eu num vou saí do
Pontal da Barra pra canto nenhum mais. Primeiro porque, não achei lugar melhor
do que esse. Mesmo eu tendo conhecido outros lugares, tenha morado em outros
lugares, né. Eu conheci outros países né, e conheci também outros estados, né. E
157
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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morei também em outros estados, como morei na própria Bahia. ( Morador do
Pontal, entrevistado pela pesquisadora)
Ah hoje, é bom né, porque é tranqüilo, não tem esse negócio de roubo, nem
assalto. É um bairro, ainda acho que é dos melhor, de Maceió( Moradora do
Pontal, entrevistado pela pesquisadora, grifo nosso).
Pra mim é orgulho! Muito, muito orgulho ser pontalense porque é como já disse
bem antes um bairro igual não tem, pode ter igual, mas melhor do que esse não
tem então... ( Moradora do Pontal, entrevistado pela pesquisadora)
A partir de tais menções, é importante destacar que, somente uma memória
impregnada de múltiplas peculiaridades e significados podem conformar os elos
identitários mais significativos. É bem verdade que, trabalhar a memória relacionada a
identidade é, sobretudo no caso do Pontal, enfatizar as histórias pessoais e singulares que
são retratadas pela organização social, simbólica e histórica que caracterizam o lugar. Pois,
como enfatiza Pollak (1989, p. 11), “a reconstrução a posteriori da história da vida ordena
acontecimentos que balizaram uma existência[...]” e, “[...]através desse trabalho de
reconstrução de si mesmo, o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com
os outros”.
Diante de toda reflexão, que envolve a forma como a identidade é
concretizada em um lugar, decorre a discussão levantada por Tuan (1983, p 4-5) no
entendimento da ‘aura do lugar’, quando questiona, “de que maneira as pessoas atribuem
significado e organizam o espaço e o lugar?” É bem verdade, que tal questionamento está
relacionado aos referenciais que explicitem as relações sociais, históricas e afetivas que
conformam este lugar, e parece fazer “[...] tudo o que constitui o vivo do sujeito[...]” (DA
MATTA, 1997, p. 217). Conforme sintetizava Da Matta (1997, p. 217) em trecho que
também reflete sobre os hábitos, sob o seguinte foco:
[...]Ver o gelo frágil dos hábitos, o solo movediço dos partidos tomados onde se
incisam circulações sociais e costumeiras, onde se descobrem atalhos. Aceitar
como dignas de interesse, de análise e de registro aquelas práticas ordinárias
consideradas [para muitos] insignificantes. Aprender a olhar esses modos de
fazer, fugidios e modestos, que muitas vezes são o único lugar de inventividade
do sujeito[...].
Com efeito, constatou-se, que a partir da estratificação das lembranças dos idosos, o
bairro do Pontal é visto como lugar detentor de tradições gravadas nas pedras das histórias
individuais transformadas em memórias coletivas, onde o legado de saberes e fazeres, suas
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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amizades, seus sentimentos representam sua maior riqueza e estruturam sua identidade.
Através de seus conhecimentos, sua trajetória de vida, é possível ter “a consciência do
passado [que] é um elemento importante no amor pelo lugar [...] [do mesmo modo que] a
história é responsável pelo amor a terra natal” (TUAN, 1980, p.114-115).
Cabe ainda lembrar, que as preleções transcritas, nascidas a partir das lembranças
de sua infância, juventude e passagens da atual velhice, foram interpretadas como
discursos que mostram, não apenas os anseios, sonhos, devaneios e histórias pessoais, mas
também a densidade do viver em ‘família’, de fazer parte do cotidiano coletivo que
caracteriza as especificidades do espaço natural e habitado, que sobretudo, conformam a
essência da identidade desta parcela de moradores.
Verificou-se com clareza, que nas narrativas coletadas, é intensa a inter-relação
entre presente, passado e futuro, pois são, sobretudo, caracterizadas pela história, pelas
relações de pertencimento, os vínculos de amizade, enfim pela natureza social da
identidade, da forma com o espaço foi e vem sendo apropriado (CARLOS, 1996). Cabe
ainda avigorar, que neste mesmo estrato conceitual existe segundo Fernandes (2002, p.82),
A possibilidade de evocar imagens significativas vivenciadas no passado e de
relacioná-las com o que é vivenciado no tempo atual revela um processo de
ressignificação das vivências, tanto das passadas como das presentes e futuras,
ou seja, do que se viveu, do que se vive, do que se procura manter ou
experimentar futuramente.
Tais constatações relacionam-se com passagens da histórias coletadas do Sr. Elaide,
D. Magnólia, D. Sidneide e D. Lucy,
O Pontal da Barra é um dos bairros melhor que tem, de se morar aqui. [...].
Pessoal aqui é uma família. É só uma família. Pontal da Barra uma família[...] (
Morador do Pontal, entrevistado pela pesquisadora).
Não, eu nunca quis sair daqui! Quando eu me casei, o meu marido arrumou uma
casa, lá na Pajuçara. Eu disse: pra eu ir pra lá, não, você vá só, eu fico aqui
[...]A infância... ainda hoje aqui no Pontal da Barra a gente cria os filhos e os
netos com liberdade porque tem encontro de areia, tem praia, tem lagoa quer
dizer quando a pessoa tem dinheiro e quer com tudo, gasta com piscina e a nossa
piscina é natural[...]Esse, esse que eu moro. Aqui é. Aqui, porque aqui eu tenho
sossego. Aqui oia
156
... nessa casinha[...]que você tá vendo eu não troco meu
sossego por nada no mundo (Moradora do Pontal, entrevistado pela
pesquisadora).
156 Oia = Olha
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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[...] É uma benção (Risos). Aqui é uma boa... aqui é um pai e mãe da gente aqui,
na tem lugar melhor do que esse, hoje em dia... de fora é outra, você chega hoje
aqui é bom de mais rapaz. Pra você ter idéia, pra você comprar uma casa aqui no
Pontal, pra comprar uma casa aqui, vamo supor aqui na principal, você tem que
ter dinheiro, é sim... tem que ter dinheiro ( Moradora do Pontal, entrevistado
pela pesquisadora)
Ah sou, de coração até morrer, até morrer, oxeee![...]
Local? Aqui né! Só. É...
Aqui, pois é, pra que vista melhor do que essa meu Deus! Essa natureza, coisa
linda! Me acordo bem cedo, quando eu olho, olho, essa natureza, meu Deus!
Jesus deu isso tudo pra gente né? É muito lindo![...] (Moradora do Pontal,
entrevistado pela pesquisadora).
Toda interpretação dessas falas dos moradores, permitiu deixa´r evidenciar como a
identidade do bairro se estrutura (para esta parcela da população) como fruto de um
procedimento que inclui os diversos significados de viver, estar, morar no Pontal da Barra.
Essa identidade estaria calcada principalmente no plano do vivido, sentido e praticado,
como já apontados em capítulos anteriores, preponderantemente nos elos afetivos
(familiares), na relação simbólica e social com o espaço habitado, nos saberes e fazeres,
além de todo o contexto citadino. De onde se pode constatar que, esse viver, sentir, estar e
pertencer ao lugar é acima de tudo entregar-se a ele como parte indissociável de sua vida,
ou melhor, transforma-se em história, em identidade. Pois,
[...] o lugar é, em sua essência, produção humana, visto que se reproduz na
relação entre espaço e sociedade, o que significa criação, estabelecimento de
uma identidade entre comunidade e lugar, identidade essa que se dá por meio dá
apropriação para a vida. [...] Aí [neste lugar sentido e vivido] o homem se
reconhece porque aí vive (
CARLOS, 1996, p.116).
Desta forma então, a identidade do Pontal da Barra se materializa pela história
(desde sua implantação até a aglomeração atual), pelas formas de viver e de se relacionar
(com o lugar e os demais habitantes), no qual estão estruturadas diretamente nos elos
existentes entre as especificidades espaciais e sociais – as relações de vizinhança, o
sentimento de pertencer ao bairro, à pesca, ao filé, e manter a sua vital relação com a lagoa
Mundaú entre outros. E ainda ressaltam-se segundo Carlos (1996, p. 117) que essa
“natureza social de identidade, do sentimento de pertencer ou de formas de apropriação do
espaço que ela suscita, liga-se aos lugares habitados, marcados pela presença, criados pela
história feita pelos resíduos e detritos, pela acumulação do tempo.
É bem verdade, que essa identidade construída e reconstruída a cada nova mudança
relaciona-se intrinsecamente às vidas singulares (re)contadas que se expressa em cada
“pedaço”, em cada espaço em que estão principalmente embasadas, na relação tríade
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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defendida por Carlos(1996), habitante -identidade- lugar. Convém ainda lembrar, que é a
partir destas relações que a teia da vida no Pontal é tecida e torna este bairro único e tão
peculiar dos demais da cidade de Maceió.
Observa-se que, conformadas na relação com esse lugar de vivências, de
sentimentos e de ações, são exatamente solidificadas as características próprias que
formam a identidade do bairro e que ainda é reforçado por Da Matta quando respalda que,
O lugar ocupado por um grupo não é como um quadro- negro no qual se escreve
e depois se apaga números e figuras[...] o local recebeu a marca do grupo, e vice-
versa. Todas as ações do grupo podem ser traduzidas em termos espaciais, o
lugar por ele ocupado não é apenas a reunião de todos os termos. Cada aspecto,
cada detalhe tem um sentido que só é inteligível para os membros do grupo,
porque todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outros tantos
aspectos diferentes da estrutura e da vida de sua sociedade, pelo menos o que
nela havia de mais estável. È claro, novos fatos excepcionais também têm lugar
nesse contexto espacial [...]
Para estes idosos entrevistados, esse quadro- negro constante que não pode ser
apagado significa orgulho, vida, tradição, amizade, saber -fazeres, enfim, sua identidade.
Para eles, esses elos identitários são descritos no “[...]olhar a paisagem e saber tudo de cor,
porque diz respeito à vida e seu sentido, marcados, remarcados, nomeados, natureza
transformada pela prática social, produto de uma capacidade criadora, acumulação cultural
que se inscreve num espaço e tempo[...]”(CARLOS, 1996, p.117).
Muito mais do que apenas apontar quais as principais especificidades que compõem
o bairro, constatou-se que em todos os discursos estava presente uma convergência
significativa das práticas sociais, das relações sociais, dos elos afetivos com a lagoa, das
principais festas e folguedos, onde afloraram sentimentos que confirmam como se compõe
a identidade, portanto cabe destacar a seguinte afirmação: “O sujeito pertence ao lugar
como este a ele, pois a produção do lugar se liga indissociavelmente à produção da
vida”(CARLOS, 1996, p. 116). Algumas dessas vivências, práticas cotidianas e simbólicas
que consolidam esta identidade pontalense compõem, algumas imagens que elucidam o
agir social, tão peculiar ao bairro.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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De acordo com o que se evidenciou ao longo desta análise, as representações e
peculiaridades que se (re)encontram presentes no Pontal da Barra, concretizam o processo
relacionado à gênese da identidade, por representarem, sobretudo as experiências presentes
no cotidiano que se incorporam a forma de ser e viver do idoso pontalense.
Este agir social, que se difunde no contexto citadino e interliga-se a identidade, é
descrito de forma lúdica por Bosi (2003, p. 72-74), quando traduz o simples cair da noite
de um lugar desvendando os ritmos, sons e, especialmente a vivência em um bairro,
[...] A seqüência de movimentos na calçada segue ritmos que aceleram e se
abrandam em horas certas e vão se extinguindo devagar quando as janelas se
iluminam e as ruas se esvaziam. Depois, as janelas vão-se apagando e fechando,
menos alguma que resiste ainda, da qual escapa um som que finalmente
silencia[...] [o lugar detém] sua infância, juventude, velhice... as casas crescem
Figura 63- A rede que tece a trama da vida.
Fonte: Vanessa Gonçalves. Novembro/07
Figura 62- Culto a amizade: banhos intermináveis
na“Mãe” D’água- a Lagoa Mundaú.Fonte:
Vanessa Gonçalves.
N
ovembro/07
Figura 64- A criadora e a criatura. Artes de fazer. Fonte: Vanessa Gonçalves. Junho/09.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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do chão e vão mudando: canteiros, cercas, muros, escadas, cores novas, a terra
vermelha e depois o verde umbroso. Arbustos e depois árvores, calçadas,
esquinas... uma casa pintada de azul que irradia a luz da manhã, os terrenos
baldios, as ruas sem saída que terminam em praças ermas... o bairro acompanha
o ritmo da respiração e da vida dos seus moradores. Suas histórias se misturam e
nós começamos a enxergar nas ruas o que nunca viríamos, mas nos contaram [...]
Portanto, esse ritmo de respiração e de vida designada pela densidade das vivências,
dos elos afetivos e das práticas sociais expressas na história das ruas, calçadas, becos e
principalmente das pessoas é responsável pela construção da identidade e revela as
numerosas peculiaridades, que se adequam as mudanças do tempo. Identidade viva, sem
máscaras nem simulações, na qual o ritmo suave do viver e do habitar constroem os
valores e significados que traduzem a maneira de ser e sonhar de cada pontalense.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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V- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história é sem fim, está sempre se refazendo. O que hoje aparece como
resultado é também um processo; um resultado hoje é também um processo
amanhã vai tornar-se outra situação. O processo é o permanente devir. Somente
se pudéssemos parar a história é que teríamos um estado, uma situação
permanente (SANTOS, 1998, p. 50).
Em meio a tantas considerações, este trabalho explorou, sobretudo, um percurso de
reflexões e discussões que evidenciassem os elos existentes entre identidade social e
identidade espacial geradas pelas práticas vividas e sentidas pelo indivíduo pontalense no
seu bairro. Essas práticas decorrentes dos hábitos cotidianos, (como, andar nas calçadas,
jogar bola, conversas com os vizinhos,) do processo histórico e de ocupação, além da
memória coletiva são cenários que descrevem a reprodução do espaço social tal como
acontece na vida “real”.
No caso do Pontal da Barra, tal assertiva pôde ser comprovada pela forte presença
dos elos afetivos, nas relações com a paisagem, na produção do espaço social e histórico
mesmo com a inserção de novos significados e valores.
O descortinar de todo processo histórico mostrou a importância com que a história
interfere na tradição e na conformação da vida no bairro. É bem verdade, que tal assertiva
só foi comprovada quando se constatou, através das fontes orais, as características que o
marcavam e o diferenciavam.
157
Essas formas de conhecimento sejam orais e/ou escritas expõem que a identidade é
capaz de revelar à verdadeira “essência” do ambiente urbano, pois se trata de um conceito
que abrange múltiplos saberes e principalmente novos valores e significados, portanto não
sendo algo estagnado ou incompleto. A identidade expressa os valores simbólicos, a
tradição e a cultura presentes na relação entre o habitante e o lugar. Tornando-se assim,
essencial para entender o que nos caracteriza, conforma e diferencia dos demais
indivíduos.
157
O trabalho com fontes orais expõem através da subjetividade, quais são os elementos que estruturam e
caracterizam a identidade. Enquanto “forma de reflexão,” a oralidade constitui também o espaço essencial da
comunidade. Numa sociedade não existe comunicação sem oralidade, [...] A oralidade está em toda parte,
porque a conversação se insinua em todo lugar; ela organiza a família e a rua, o trabalho[...]”( CERTEAU,
2008, p336-337).
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Destaca-se então, que a identidade se constitui a partir dos elos existentes entre a
unidade física- bairro, o tempo- relacionado a memória- e principalmente o agir social. É
também o reflexo da história, e do cotidiano o que possibilita uma construção singular,
constituída de valores e significados únicos que diferenciam este local dos demais.
Ao designar um paralelo com o bairro em questão, nota-se que, o forte sentimento
de pertencimento ao Pontal da Barra desperta significações bastante valorativas no que diz
respeito ao entendimento que os moradores têm de si e do próprio bairro.
Essas reflexões são trabalhadas por Hallbwachs (2006), quando explicita que
existem casos onde a relação entre o sujeito e sua casa, sua rua, seu bairro, sua cidade e até
aos demais habitantes é muito marcante, pois, há uma verdadeira perpetuação do
espetáculo da vida. Assim, é neste contexto que a identidade se constitui e acontece.
Quando um grupo de pessoas mantém raízes profundas em um determinado lugar, mesmo
com as interferências advindas da contemporaneidade, os laços afetivos, os costumes, o
“pertencer” são elementos que resistem às forças que tendem a transformá-los. É fato que
essa resistência constitui a identidade, pois “[...] as pedras se deixam transportar, [mas] não
é muito fácil modificar as relações que se estabeleceram entre as pedras e os
homens”(HALLBWACHS, 2006, p. 163).
Por ter enfocado as lembranças de idosos durante o processo de pesquisa, esta forte
valoração revela-se bem acentuada, pois ao abordar a “coordenação” das memórias, a
identidade aparece como elo entre o passado e o presente. Essa construção resulta da
contraposição das referências e experiências vividas contrapostas aos valores e
experiências do presente.
Esse passado e presente tornaram-se subsídios essenciais para o entendimento da
identidade do Pontal da Barra, pois o tempo de outrora traz em suas entranhas todos os
valores, costumes e hábitos cotidianos já concretizados pela história, enquanto no tempo
presente são agregados novos valores, conceitos e significados.
É bem verdade que, na análise dos relatos de vida dos idosos identificou-se uma
memória voltada para ao convívio social, através da arte de fazer o filé, da pesca, do ser
vizinho, do ser amigo, pois, por desempenharem papéis de reafirmação do sujeito na
sociedade, traduzem assim, a essência de fazer parte dessa comunidade. A importância
desses saberes e fazeres que persistem ao tempo, reforçam as característica que distinguem
o Pontal da Barra dos demais bairros de Maceió, pois, “A distinção e o reconhecimento da
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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diferença se materializa na especificidade do lugar. Lugar que determina e define as
fronteiras dos diversos modos de vida” (COELHO, 1992, p.287).
Percebe-se, todavia que, o andar a pé pelas ruas do bairro, o conversar nas calçadas
ao entardecer, a arte dos saberes e fazeres locais, as belezas naturais da paisagem, que se
divide entre a lagoa e o mar, e ainda seus habitantes são parte desta identidade, que aparece
nas entranhas do ser pontalense e que traduz a essência do viver neste lugar. Para todas
estas peculiaridades apresentadas pelo bairro em foco, cabe a reflexão,
Para além da soleira da casa, portanto, não surge repentinamente o resto do
mundo. Entre uma e outro situa-se um espaço de mediação cujos símbolos,
normas e vivências permitem reconhecer as pessoas diferenciando-as, o que
termina por atribuir-lhes uma identidade que pouco tem a ver com a produzida
pela interpelação da sociedade mais ampla e suas instituições (MAGNANI apud
FERRARE, 1993).
Essa dimensão simbólica e social tão marcante e presente no local, ultrapassam os
aspectos físicos e estabelecem múltiplos sentimentos e valores, ou melhor, desvendam o
“invisível” da essência humana e clarificam a forma como se constrói o significado de ser
sujeito integrante desta localidade. Esses sentimentos unidos ao contexto citadino, aos
saberes e fazeres locais conferem ao bairro um caráter pessoal e subjetivo capaz de
formalizar uma interpretação que envolve múltiplas perspectivas.
Com efeito, tanto a aplicação quanto a análise do banco de dados, foram realizadas
no sentido de construir de maneira explícita as expectativas e compreensões, para que deste
modo, fosse enfatizada a real vivência do bairro sem disfarces e/ou máscaras. Para tal
intento, foi possível apontar e compreender quais os “elementos” essenciais na formação
da identidade do Pontal da Barra, sob a ótica dos idosos aí residentes. Descobriu-se assim,
que estes se caracterizam pelas relações sociais, simbólicas, relações de vivências e
experiências, de sentimentos e anseios, de vida e sonhos que se formalizam no lugar/ no
bairro. Tal assertiva é alentada por Vieira (1997, p.143) quando explicita que, “[...] o
espaço vivido, a relação do homem com seu meio e com outros moradores que
compartilham o mesmo território é sem dúvida um dos elementos mais importantes no
processo de formação de identidades em torno de um território[...].
Faz-se oportuno citar, que tais elementos estão concretizados nas falas de Sr.
Moacir, D. Sidneide e de D.Marlene quando especificam que mesmo morando em outros
lugares durante sua juventude, voltaram para “casa”- para o Pontal da Barra. Convém
destacar, que essas histórias ainda citam a importância dos trabalhos manuais- a pesca e o
166
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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filé, citados por D. Magnólia, D.Lucy e D.Sidneide, Sr. Renato e ainda Sr. Moacir, para a
configuração dessa identidade, pois fazem parte das práticas sociais e simbólicas
constituintes do agir social. Essa dimensão do vivido e sentido, é tão intensa e presente em
cada história de vida que se incorpora, instituindo desta forma, os elos identitários do
bairro em caráter definido e singular. Toda e qualquer tipo de reflexão e análise da
memória em função da identidade, sejam as brincadeiras da infância de D. Neirde, sejam
os contos de pesca do Sr. Moacir, sejam as comidas de D.Sidneide demonstraram que,
trabalhar com a lembrança dos idosos nesse “desvendar a identidade”, imanou elos mais
estruturados e significativos com o lugar pois,
[...] ao recordá-las [lembranças, histórias] na velhice, investirá[tudo] na sua arte
um carga de significação e de valor mais forte do que atribuída no tempo
ação[...] Na velhice, quando já não há mais lugar para aquele “fazer” [ tão
marcante de outrora], é o lembrar que passa a substituir e assimilar o fazer.
Lembrar agora é fazer[...] ( BOSI,1994, p.480)
No entanto, é conveniente destacar, que apesar de ser forte a relação com o lugar,
isto não é o único fator compositivo da identidade do Pontal. As peculiaridades locais
presentes no bairro, e tão supracitadas neste trabalho, como por exemplo, o ser vizinho, o
ser amigo, também se revelaram elementos constituintes dessa identidade.
Assim, é a partir desse “olhar de dentro” que se apresentam os reais e mais
valorativos significados e especificidades da identidade, pois foram esses idosos que
fizeram e fazem parte da história e concretização do cotidiano pontalense, além de se
tornaram agentes ativos na formação dos elos identitários.
Cabe ainda salientar que, “[...] é preciso não esquecer que o bairro não é uma
unidade isolada, mas parte de um complexo maior, a cidade, e isto tem uma significação
não só em nível de espaço físico, mas também em nível de relações do bairro com a
unidade que o engloba[...] (VIEIRA, 1997, p.144).
Enfatizando-se de outro modo, as peculiaridades do Pontal da Barra são ainda mais
valoradas e acentuadas quando se relacionam ao contexto geral da cidade. Isso acontece,
devido a toda a formação histórica desde os tempos de outrora até os dias de atuais.
Inicialmente considerada “ aldeia de índio” e formada por uma só família – onde ainda são
mantidas muitas dessas relações- até a formação social e econômica mais atual onde se
incluem a Braskem, a relação com o turismo e demais intervenções advindas da
contemporaneidade.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Vale descrever um conto a partir de tais afirmações, que se chama “ O Diabo no
Campanário” de Poe (apud VIEIRA, 1997, p.124) onde é discutida o processo de
valoração das práticas sociais e simbólica principalmente relacionadas com as questões de
espaço e tempo, e que segundo Viera (1997, p.124) é essencial destacar, pela originalidade
e pela semelhança com o Pontal,
Trata-se da história de uma pequena comunidade cujas unidades sociais eram
exatamente iguais e cuja forma, circular em sua disposição espacial, era idêntica
a de um grande relógio. Tal como a máquina perfeita de medir o tempo, então,
estava organizado esse burgo onde todos eram iguais e todos realizavam
sincronizadamente as mesmas coisas nos mesmos momentos. Não podia haver
maior paz, nem maior ausência de conflito e de tempo diferenciado. [...]Mas se
tudo corria assim, um dia um demônio entra no burgo e penetra seu campanário,
onde um grande relógio central comanda todas as atividades de todos os seus
habitantes. Tal diabo vindo de fora, adianta o grande relógio da comunidade e
faz com que as perspectivas de cada burguês tornem-se diferenciados.[...] O
burgo a viver[...] Foi-se o bom tempo que tudo transcorria sem conflitos e sem
humanidade [...]
A analogia do conto a história do Pontal da Barra, contextualiza as diversas
transformações consolidadas no lugar, e mostram que desta forma, “os moradores
desenvolveram uma perspectiva diferenciada do seu espaço” (VIEIRA, 1997, p.125).
Porém, convém lembrar que essas perspectivas serviram também para reafirmar os elos
que os personalizam e se reconhece como os mais significativos e originais.
Cabe ainda salientar que, para entender as histórias gravadas nas pedras da
memória, e sentimentos mais reais e especiais, tanto dos idosos como os de nós mesmos é
preciso,
[...]nos recolhermos, fechar os olhos, retroceder no tempo [contrapondo-o
sempre com o presente] o mais longe possível, até onde nosso pensamento
consiga se fixar em cenas ou pessoas cuja lembrança conservamos. Jamais
saímos do espaço.[...] ( HALLBWACHS, 2006 , p. 188).
Esse “recolher” eternizado pelo tempo caracteriza a valoração das vivências,
hábitos e elos criados durante o ser, estar e viver de cada sujeito constituinte da sociedade,
pois traduz o que há de mais significativo. A constituição da identidade do bairro
considerando a memória dos idosos constitui-se a partir de todas as relações que se
estabelecem em um lugar e,
[...]Não adianta me esforçar para apagar este círculo do meio local, para me ater
às sensações que tive ou às reflexões que outrora fiz. Sensações, reflexões e
quaisquer fatos, devem ser pontos num local onde já residi [ou ainda resida] ou
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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pelo qual passei nesse momento e continua existindo. Procuremos ir mais longe.
Quando tocamos na época em que já não conseguimos imaginar os lugares, nem
mesmo confusamente, chegamos também as regiões do passado que nossa
memória não atinge. Portanto, não é exato dizer que, para lembrar, é preciso que
nos transportemos em pensamento para fora do espaço, pois ao contrário é
justamente a imagem do espaço que, em função de sua estabilidade, nos dá a
ilusão de não mudar pelo tempo afora e encontrar o passado no presente – mas é
exatamente assim que podemos definir a memória e somente o espaço é estável o
bastante para durar sem envelhecer e sem perder nenhuma de suas partes (
HALLBWACHS, 2006, p. 188-189)
Desta forma, essa memória que por si só “não envelhece” pode traduzir a
identidade do bairro, tornando-se a revelação da face real do cotidiano, das amizades, do
elos de pertencimento que se localizam no Pontal. Assim, essa identidade do bairro é
constituída, desta forma e por fim, por elos que “ subsistem em virtude da força [simbólica,
social] adquirida[...]” (HALLBWACHS, 2006, p. 164), assim a partir de tais reflexões
demonstrou-se o processo de valoração dos moradores com o lugar, pois é preciso adentrar
no mundo submerso de sentimentos e valores que compõem a essência de ser pontalense e
assim desvendar ainda mais a identidade do - “O Pontal da Barra”, pois [...]Para
encontrar alguém ou alguma obra[algum lugar] é preciso sair aos encontros...
(LEFEBVRE apud CARLOS, 1996).
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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VII- ANEXOS
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA:______/______/______
NOME:___________________________________________________________IDADE:_____________________
PROFISSÃO:__________________________________________________________________________________
FILIAÇÃO:___________________________________________________________________________________
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: NENHUM ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO
ENSINO SUPERIOR
1. ONDE VOCÊ NASCEU?
2. *QUANDO E POR QUE DECIDIU MORAR NO PONTAL DA BARRA?
3. O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
4. O QUE É SER PONTALENSE?
5. VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
6. COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCENCIA NESTE BAIRRO?
7. COMO ERAM AS BRINCADEIRAS?
8. E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
9. QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
10. E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
11. PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
12. E SOBRE O PONTAL DE HOJE?
13. COMO É MORAR NO PONTAL DA BARRA?
14. QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO BAIRRO?
15. QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
16. SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL, PODERIA CONTAR
ALGUMA?
17. QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
18. O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA VOCÊ?
19. QUAL A HISTÓRIA DO FILÉ?
20. O QUE ELE REPRESENTA PARA A COMUNIDADE?
21. E A PESCA O QUE SIGNIFICA, COMO ELA SE APRESENTA HOJE?
22. COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? PQ?
23. EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE?COMO SURGIU/ PQ E QUANDO?
24. DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA COMO SE APRESENTA O BAIRRO?
25. A CHEGADA DO TURISMO HOUVE ALGUMA MUDANÇA NO COTIDIANO DO BAIRRO?
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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26. COMO A RELIGIÃO SE APRESENTA NO PONTAL? QUAIS SÃO ELAS?
27. VOCÊ POSSUI FOTOGRAFIAS ANTIGAS DO LUGAR OU DAS FESTAS?
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: LUCY DE JUAZEIRO PETRÚCIO (L.P.) IDADE: 48 ANOS
PROFISSÃO: APOSENTADA E ARTESÃ
FILIAÇÃO: PAULO JUAZEIRO / LÍGIA JUAZEIRO
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ X ] ENSINO SUPERIOR - Fiz quatro universidades. Eu fiz
matemática, filosofia, agropecuária e letras.
V.G. - VOCÊ NASCEU NO PONTAL?
L.P. - Nasci.
V.G. - QUANDO E POR QUE DECIDIU MORAR NO PONTAL DA BARRA?
L.P. - O QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
Pontal da Barra... como diz o meu Zé, é um bairro que tem opção, os coqueiros e um povo
que é luta. A economia é... as rendeiras e a pesca, né
158
? É a renda do filé e a pesca.
V.G. - O QUE É SER PONTALENSE?
L.P. - Eu me considero pontalense. Ser pontalense é como se fosse é... o primitivo daqui
do Pontal da Barra desse local tão bonito rodeado por um bocado de água e amedrontado
pela BRASKEM, né? Se não fosse... e a BRASKEM a gente vivia tranqüilo, depois que
pende aqui, tem muito esforço, tem muito desemprego a BRASKEN ajuda muito, ajuda
bastante, mas não é muito porque pelo temor que ela faz aqui, porque aqui ia ter hotéis ia
ter enfim... o bairro ia ficar lindo mas...
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
L.P. - Tenho, tenho. Moram. Nasceram aqui. Eu tenho três, aliás eu tenho cinco, porque
dois é de criação.
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCENCIA NESTE BAIRRO?
L.P. - Ah, foi ótima. A infância... ainda hoje aqui no Pontal da Barra a gente cria os filhos
e os netos com liberdade porque tem encontro de areia, tem praia, tem lagoa quer dizer
quando a pessoa tem dinheiro e quer com tudo, gasta com piscina e a nossa piscina é
natural.
V.G. - COMO ERAM AS BRINCADEIRAS?
158
Né = não é?
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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L.P. - Olhe, as brincadeiras, as brincadeiras que tinha no Pontal da Barra era a quadrilha
junina que era feita do palanque do pau a pique, a gente busca a madeira lá... e aqui os
homens faziam o palanque, sabe? E a gente dançava, e tinha uma brincadeira muito antiga
que era o acampamento cigano. Então a gente também fazia o acampamento cigano, hoje
ta diferente, porque hoje nos temos fandango, pastoril, baiana, inclusive eu sou responsável
pelas baianas.
V.G. - E A SENHORA DANÇA?
L.P. - Também. Todas as baianas são do fílé, o vestido é do filé, cada uma cuida do seu
vestido. É, sabe? Ah, sim, nós também temos também a chita como temos a roupa da chita
que é regional. E fizemos de filé porque é característica do bairro, né?
V.G. - E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
L.P. - Ah, os namoros e os encontros daquela época era o seguinte: se pegasse na mão já
estava comprometido. E por falta de informação, porque a gente não podia conversar sobre
sexo com os pais e as mães muita moças pensava que dando beijo já, já não era mais moça,
mas virgem, entendeu? Essas coisas, e... mas de qualquer maneira vou lhe dizer, de
qualquer maneira esses coqueiros, a noite de lua, tudo isso contribui porque quem mora
perto é... quem no país tropical é quente por natureza.
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
L.P. - Tinha. O meu sonho eu realizei porque eu fui professora, né? E depois eu cuidei da
minha família, dos meus netos... o que todo mundo, toda mulher sonha, né isso? E hoje a
gente continua...
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
L.P. - Olhe hoje os meus sonhos é ver todo o meu pessoal entregue a arte. Que eles fale...
os netos, os filhos, entende? E eu faço eu que posso.
V.G. - PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
L.P. - Posso. Antigamente o Pontal da Barra era lá no DETRAN, é na prainha. E só...
quando a marinha veio indenizou e nós viemos pra cá onde estamos hoje. Ainda, e o
cemitério, meu avó foi enterrado no cemitério aonde o mar já comeu. Era... Celso. E a
minha finada vó foi a segunda professora daqui da colônia de pescadores Z-2 Vieira Lima
é. Naquela época só tinha trinta casa todas de... pau a pique coberta de palha, quem tinha
casa coberta de telha era considera rico tá
159
, e as ruas não eram calçadas, não tinha
energia, não tinha água, água a gente comprava do vidro do remédio que vinha nas canoas
o pessoal trazia as julafas pra gente cozinhar. Agora se tomava banho com a água das
cacimbas e poço que cada porta tinha as cacimbas e a gente levava roupa e tomava banho,
mas pra cozinhar era água do vidro o remédio. Então, depois veio Silvestre Péricles que fez
um chafariz. Na rua... foi na Rua Senador Arno de Melo. É a principal, e... o Arnon de
Melo trouxe a energia, não trouxe a água, eles eram é... politicamente eles eram capaz de...
se matar os dois, sabe? Silvestre Péricles que hoje é o nome do grupo e... e o Arnon de
Melo que antigamente ali pro Barbosa era Rua Senador Arnon de Melo. E o Fernando
Collor, foi ele quem essa... a Assis Chateaubriant, foi ele quem fez, ele foi muito bom para
o Pontal, entendeu? Porque ele tombou. É, porque ele tombou o Pontal da Barra saiu, nós
temos no Diário Oficial. E... ele pode ter sido ruim para outras pessoas, mas pra gente, pra
159
Tá = está
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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nós não foi, ele não foi, não foi, ele não foi ruim, ele foi muito bom pra gente. Agora quem
foi muito ruim pra gente foi Divaldo Suruagy porque ele trouxe a BRASKEM pra cá. Ele
comprou não sei quantas vezes... ele vendeu não sei quantas ações. Divaldo Suruagy, meu
amigo de infância... e hoje eu não quero falar com ele de jeito nenhum.
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE?
L.P. - O Pontal de hoje o progresso... está acabando o Pontal de hoje porque antigamente...
O progresso são casas de andares antes que não tinha... antigamente se podia compra uma
casinha aqui, hoje em dia ninguém pode porque é oitenta mil, é cem mil porque o bairro é
turístico.
V.G. - COMO É QUE A SENHORA VÊ ESSE TURISMO?
L.P. - O turismo... não o turismo é muito bom porque ele é um meio de trabalho, de dá
trabalho a muita gente, apesar de que também tem muito ladrão, sabia? Roubam celular da
gente, roubam... os turistas, os turistas. E em contrapartida alguém daqui também de vez
em quando rouba deles.
V.G. - COMO É MORAR NO PONTAL DA BARRA?
L.P. - É calmo, né? Pra você ter idéia o carnaval não houve uma prisão. No São João não
houve uma prisão, porque aqui todo mundo é uma família, se bate em mim ai é uma aldeia
índio porque vem todo mundo, entendeu? É assim. Se por acaso houver um ladrão de fora
entrega a nós mulheres.
V.G. - QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
L.P. - Todas que tem na cidade o Pontal copia. Então tem dias dos pais, dias das mães...
carnaval....Fandango, mas não é... não é uma festa é um folclore que tem uma dança. Ah, a
de São Sebastião é em janeiro.
V.G. - QUAIS AS MÚSICAS MAIS CANTADAS NESTAS FESTIVIDADES?
L.P. - É interessante elas cantam uma música que quem fez fui eu, é uma paródia que diz:
Se for para fazer uma homenagem ao Santo São Sebastião... e também tem outra que diz
assim: oh vive cristo... essa não é minha não, essa é da igreja. Oh santo! livrai-nos da
guerra por Sebastião...
V.G. - SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
L.P. - Lenda? Aqui no Pontal da Barra nunca... eu nunca ouvi lenda, lenda. Não o povo diz
assim: ah porque é... como se diz... tem o bicho papão, tem, tem o cara que vira porco mas
nem era, as vezes era alguém no quintal namorando com a mulher dos outros...
V.G. - QUAL O LUGAR MAIS IMPORTANTE PARA VOCÊ NO PONTAL?
L.P. - Esse, esse que eu moro. Aqui é. Aqui, porque aqui eu tenho sossego. Aqui oia
160
...
nessa casinha, eu não moro aqui, não, mas nessa casinha que você ta vendo eu não troco
meu sossego por nada no mundo. Eu moro lá na Senador Arnon de Mello, perto do bar da
lona.
160
Oia = Olha
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Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
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V.G. - O QUE A LAGOA MUNDAÚ REPRESENTA PARA O BAIRRO/ PARA
VOCÊ?
L.P. - A lagoa meio de viva, só passa fome quem for preguiçoso. Agora ta bem melhor,
mas continua ainda sem encaminhamento. Do lado de lá, o povo sacode tudo lá e tudo mais
sabe? mas a o pessoal a... CEU ta fazendo um bom, um bom trabalho porque ta junto com
a IMA, com a ECOVELA e limpam a lagoa, entendeu? O meio ambiente ta bem.
V.G. - QUAL A HISTÓRIA DO FILÉ?
L.P. - Sei. Olhe como o filé surgiu não posso dizer, mas antigamente não existia nem
cordão, nem barbante, nem linha, nem tela, então o filé da rede, a rede que é a base do filé
é feito, era feito com o cipó tucrú, um tipo de cipó muito fino, então se fazia a rede com
aquele cipó e se enche com a linha de retrós número cinquenta, aquele miudinho, sabe? o
retrós naquela época tinha, então se enchia a rede de cipó tucrú com a linha número
cinquenta, hoje tem linha ane, cléa, não sei que... hoje tem... isso aqui é feito com a.... tá
vendo, então você vê é a base, era feito com o cipó, hoje é linha cléa, esse aqui é ponto
bom gosto. Isso, aqui eu faço, ninguém aperreia, entendeu?
V.G. - O QUE ELE REPRESENTA PARA A COMUNIDADE?
L.P. - Um... local de moradia calmo. Ele também... você veja o comércio tão grande que
outras pessoas estão entrando aqui também, terceiros, é que não são primitivos que estão
fazendo comércio, mas isso é besteira sabe por que? Porque dá pra todos, todo o local que
você pensar, tem filé no Pontal da Barra, no Francês, em Massagueira, em Marechal,
entendeu?
V.G. - E A PESCA O QUE SIGNIFICA, COMO ELA SE APRESENTA HOJE?
L.P. - A pesca é tipo de... comércio de emprego pra quem não tem cultura, não pode
estudar e até os que puderam estudar tão... aproveitando a pesca, elas vendem, eles
comem... entendeu? É assim...
V.G. - COMO É A SUA RELAÇÃO COM A VIZINHANÇA? POR QUE?
L.P. - Aqui eu amo todo mundo e todo muno me ama.
V.G. - EXISTE ALGUM TIPO DE DIVISÃO DA COMUNIDADE? COMO
SURGIU/ POR QUE E QUANDO?
L.P. - Existe. Foi... a associação. Aqui pra você ter uma idéia, aqui tem associação... eu
sou presidente da associação das rendeiras, tem a associação dos artesãos, tem a associação
é... tem a colônia Z-2, tem o centro social, você veja um bairro tão pequeno com quatro
associações, ai... cada um querendo ser melhor que o outro.
V.G. - MAS NÃO TINHA UMA HISTÓRIA DO PONTAL DE CIMA E O PONTAL
DE BAIXO?
L.P. - Tinha. Não. Porque no carnaval existia o bloco dos ciganos e o bloco dos pés de
patos, conhecidos como pés de patos, quando se encontravam a cerca que tivesse um
palmo não ficava inteira, era um dando no outro, vinham todos dois gritando...
V.G. - DESDE A IMPLANTAÇÃO DO SALGEMA COMO SE APRESENTA O
BAIRRO?
L.P. - Muito mais lixo do que antes, principalmente visto... Não positivo é como lhe falei,
os cursos... as cooperativas...
180
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
V.G. - A CHEGADA DO TURISMO HOUVE ALGUMA MUDANÇA NO
COTIDIANO DO BAIRRO?
L.P. - Sim. Quase todo dia tem turista. Só que é turista de pacote. Compram pouco. Não...
mudou o que? A esperança da gente de melhorar o comércio, sabe? entendeu?
V.G. - COMO A RELIGIÃO SE APRESENTA NO PONTAL? QUAIS SÃO ELAS?
L.P. - Ave Maria! É meio de vida. É. Porque atendendo hoje tem oito igrejas, cada pastor
tem a sua... A universal, ah sim, tem a adventista também, tem a universal, tem o reino de
Deus, tem Adventista, tem a Católica, tem macumba, tem outras.
V.G. - VOCÊ POSSUI FOTOGRAFIAS ANTIGAS DO LUGAR OU DAS FESTAS?
L.P. - Não, não tenho. Eu não tenho, é uma coisa que eu não tenho, naquela época não
existia.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: MAGNÓLIA MARIA DA CRUZ (M.C.) IDADE: 77 ANOS
PROFISSÃO: RENDEIRA
FILIAÇÃO: ALEXANDRE VIEIRA DE SANTANA / MARIA DE LOURDES
SANTANA
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR
V.G - ONDE VOCÊ NASCEU?
M.C. - Nasci! Nasci e me criei aqui, casei e tudo. Enviuvei aqui. E aqui eu vou morrer!
(Risos).
V.G. - A SENHORA CONHECEU O PONTAL QUANDO SE LOCALIZAVA NA
PRAINHA?
M.C. - Ora, Ora, o que eu mais andava era lá na prainha. De noite eu partia pra lá naqueles
escuroooo! Num fazia medo!
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
M.C. - Tive, 5. Todos nasceram aqui. Não, Só mora 3, e 2 em Maceió.
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA NESTE BAIRRO? COMO ERAM AS
BRINCADEIRAS?
181
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
M.C. - Ah, Foi muito boa! Ah, A gente ia pra fora busca... Aquelas, comé
161
o nome que
diz, bota aquelas corruchinha? Pra cortar...Pra pular corda, jogar peão, jogar marisco, casca
de marisco, pra jogar.
V.G. - A SENHORA PASSOU A ADOLESCENCIA AQUI NO PONTAL? O QUE É
SER PONTALENSE?
M.C. - Tudo, Tudo!
V.G. - E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
M.C. - (Risos) Ah!!! A minha filha, a minha adolescência era a dança, carnaval, tudo!
Tudo aqui! Era São João, era natal. Meu pai dizia: oia
162
, eu vou pescar. Saia uma pra ir
pras dança.
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS? O QUE É O BAIRRO PARA
VOCÊ?
M.C. - E eu me lembro mais de sonho! Não, eu nunca quis sair daqui! Quando eu me
casei, o meu marido arrumou uma casa, lá na Pajuçara . Eu disse: pra eu ir pra lá, não, você
vá só, eu fico aqui. Ele trabalhava em Jaraguá, nos navios descarregando, vou não, pra eu
ir sozinha, nunca fui. Daqui, não!
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
M.C. - Não, hoje não. Eu quero ficar aqui! Eu tenho tanta das sobrinha e irmã no Rio. Tia
venha pra qui
163
passa uns dias. Vou nada, Deus que me livre! E vai, esse ano já foi. Vou
não, mãe vamos de avião, quero nada, vá só. Me deixe aqui, no meu Lugar. Eu sou feliz
aqui!
V.G. - SABE-SE QUE EXISTEM MUITAS HISTÓRIAS SOBRE O PONTAL,
PODERIA CONTAR ALGUMA?
M.C. - Não, não.
V.G. - PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
M.C. - Antigamente, era... o Pontal era bom. Era poucas casa, mas não era assim como
hoje em dia, não. Tanta casa aí pro alto, isso não tinha, tudo era coqueiro. O Pontal da
Barra era bom. Muitos coqueiros. Era muito cultivado coqueiros. Hoje não tem, como diz a
história. Hoje em dia você vê é vandalismo. Por onde você passa é vandalismo. O Pontal
da Barra é um dos bairro melhor que tem, de se morar aqui. Por isso, porque aqui não tem.
Antigamente você dormia de porta aberta. Hoje em dia você não pode mais não. Pessoal
aqui é uma família. É só uma família. Pontal da Barra uma família. Mas, hoje em dia não é
mais, né? Porque você vê a cada dia que passa, gente estranha. Você não sabe dá onde
vem, pra onde vai. Você não sabe...
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE?
M.C. - É, hoje ta assim.
V.G. - QUAIS AS FETIVIDADES MAIS IMPORTANTES E COMEMORADAS NO
BAIRRO?
161
Comé = como é?
162
Oia = olha
163
Pra qui = para aqui
182
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
M.C. - São João e carnaval. E a de São Sebastião.
MESTRADO EM DINÂMICAS DO ESPAÇO HABITADO
ENTREVISTADORA: VANESSA MARIA DE MELO GONÇALVES (V.G)
LOCAL: PONTAL DA BARRA
BANCO DE DADOS
DATA DA ENTREVISTA: JULHO 2008
NOME: ELAIDE LESSA DE ANDRADE (E.A.) IDADE: 57 ANOS
PROFISSÃO: APOSENTADO, MOTORISTA, PESCADOR
FILIAÇÃO: JOSÉ ISIDÓRIO DE ANDRADE / IRACEMA LESSA DE ANDRADE
FORMAÇÃO EDUCACIONAL: [ ] NENHUM [ X ] ENSINO FUNDAMENTAL
[ ] ENSINO MÉDIO [ ] ENSINO SUPERIOR
V.G. - ONDE VOCÊ NASCEU?
E.A. - Nasci e me criei aqui.
V.G. - QUANDO E POR QUE DECIDIU MORAR NO PONTAL DA BARRA? O
QUE É O BAIRRO PARA VOCÊ?
E.A. - É tudo. É o um bairro pacato. Eu nasci e me criei aqui, vou falar mal do meu bairro?
Jamais, né
164
?
V.G. - O QUE É SER PONTALENSE?
E.A. - Pra mim é orgulho! Muito, muito orgulho ser pontalense porque é como já disse
bem antes um bairro igual não tem, pode ter igual, mas melhor do que esse não tem então...
V.G. - VOCÊ TEM FILHOS? ELES RESIDEM NO BAIRRO?
E.A. - Tenho dois. Nasceram aqui. Moram aqui todos os dois. Todos dois moram aqui.
V.G. - COMO FOI SUA INFÂNCIA E ADOLESCENCIA NESTE BAIRRO?
E.A. - Olhe, a minha infância no Pontal foi boa porque, graças a Deus todo mundo teve
saúde minha família também é uma família muito boa agora é só coragem. Na minha
infância no Pontal não foi muito boa, porque meu pai achou de fazer muito filho (Risos)
Então ai eu deixe o estudo, eu estudava... deixei de estudar pra trabalhar pra mim mesmo,
porque não tenho condições de... meu pai não tem condições de manter no... no colégio, eu
deixe de estudar pra pescar. Assim é a minha vida, ta entendendo? Ah sim, eu sempre
pescava desde pequeno minha filha.
V.G. - COMO ERAM AS BRINCADEIRAS?
E.A. - Na minha época, minha, na minha vida era mais jogar bola, na minha vida toda
época era só jogar bola mesmo na minha época porque de pequeno até dez anos eu era
164
Né = não é
183
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
preso em casa, meu pai não deixava eu sair, não... depois que agente morava lá, lá nas
dunas, quando passei morar... no lugar de rico, aqui como o pai dizia... era só jogar bola,
era só jogar bola, jogar bola e trabalhar... e manter meus vínculo de amizade.
V.G. - E OS ENCONTROS/ NAMOROS?
E.A. - Ah! É, é, eu sou sincero, eu não sou santo não. Eu namorei muito com várias
namoradas, porque a pessoa novo, novo! Então... como diz a história vez de ter duas ou
três namorada aqui mesmo... enganar uma outra e sair namorando com as outra, foi bom
demais, de amor foi bom demais, não tive, não tive do que reclamar.
V.G. - QUAIS SEUS SONHOS QUANDO JOVENS?
E.A. - Bom o meu sonho, o meu sonho é, é o que eu tenho hoje ter uma boa família, casa
própria, Graças a Deus tenho, que é... pá pro Elson, tenho duas casas alugada e tenho essa
própria aqui, a minha família é muito boa, a família é boa, tanto sogra como esposa meus
filhos, tudo pra mim..
V.G. - E HOJE COMO SÃO ESSES SONHOS?
E.A. - Tenho. Tenho meu sonho. Só um sonho só, um sonho pra dois, um sonho pra dois,
porque... ainda o meu sonho é da cada um, dos meu filho uma casa mas eu não quero ta
junto não, meu sonho é ta, você quer morar aonde? Em tal canto. Vou lhe dá uma casa lá.
Você que uma casa aonde? Tal... Vou lhe dá uma casa lá.
V.G. - MAS SERÁ QUE ELES VÃO QUERER SAIR DO PONTAL?
E.A. - Ói
165
, um praticamente já ta fora do Pontal. Um, um lá, ta pra lá, ta com uma mulher
muito boa, lá. Eu num tenho o que reclamar da noiva dele, ele tem a casa dele, mas ele
sempre vem aqui, ele vem hoje, pra aqui ... ele profissional ai ele cismou assim eu num
quero ir pra lá mais não. Ai eu disse pra ele, o qué
166
que você quer? Quero uma lan house.
Ai eu montei uma lan house pra ele, ai paguei um curso pra ele ser técnico de manutenção
de computador. Oia
167
pai, sabe duma coisa? Eu vou ficar pra lá mermo
168
. Que lá eu boto
a minha lan house e fico mexendo nos computadores, os computadores que tiver lá eu
conserto, então vou ficar pra lá. Mas meu sonho é ver tudo perto de mim, agora se eles
quiser, também se eles num quiser... porque eu digo a você, meu sonho é dá um uma casa
grande mesmo. Ói, a minha casa é de primeiro andar, ta vendo esse rapaz que chegou aqui?
Ele ta guardando a minha casa, mas eu num quero deixar. Agora eles são muito unido
meus dois filhos, unido mermo. Vige
169
Maria! Nunca brigaro
170
na vida. Mas eu num
quero deixar os dois não, pode ser que venha uma outra cunhada... mas eu quero deixar os
dois junto. Ai é meu sonho como eu disse a você, meu sonho é pra dois.
V.G. - PODERIA CONTAR SOBRE O PONTAL DE ONTEM?
E.A. - O Pontal da Barra era bom. Muitos coqueiros. Era muito cultivado coqueiros. Hoje
não tem, como diz a história. Hoje em dia você vê é vandalismo. Por onde você passa é
vandalismo. O Pontal da barra é um dos bairro melhor que tem, de se morar aqui. Por isso,
porque aqui não tem. Antigamente você dormia de porta aberta. Hoje em dia você não
165
Ói = olhe
166
Qué = o que é
167
Oia = Olha
168
Mermo = mesmo
169
Vige = Virgem
170
Brigaro = brigaram
184
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos.
.
pode mais não. Pessoal aqui é uma família. É só uma família. Pontal da Barra uma família.
Mas, hoje em dia não é mais, né? Porque você vê a cada dia que passa, gente estranha.
Você não sabe dá onde vem, pra onde vai. Você não sabe...
Ah, antigamente... Marinha, tinha a marinha do Brasil, que a marinha era ali e aqui como
diz a história, aqui era mais na, na luz do candeeiro, aqui, aqui ninguém tinha água
encanada, ninguém tinha, tinha só o chafariz com muita água, a gente jogava, jogava
chegava uma hora dessa e tinha que saí de... de tanto buscar água. Hoje em dia... era rico,
rico em tudo... campo de futebol, antigamente era na base do candeeiro, hoje em dia é luz,
água encanada demais aqui pá, pá estragar, que aqui a gente estragar água. Então... hoje em
dia é outro onde ta o pobre hoje em dia só ta o rico, é tem essa divisão, o pobre e agora o
rico, é. Casa de palha.
V.G. - E SOBRE O PONTAL DE HOJE? COMO É MORAR NO PONTAL DA
BARRA?
E.A. - É uma benção (Risos). Aqui é uma boa... aqui é um pai e mão da gente aqui, na tem
lugar melhor do que esse, hoje em dia... de fora é outra, você chega hoje aqui é bom de
mais rapaz. Pra você ter idéia, pra você comprar uma casa aqui no Pontal, pra comprar uma
casa aqui, vamo supor aqui na principal, você tem que ter dinheiro, é sim... tem que ter
dinheiro.
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
Fig. – As práticas cotidianas e a disposição do espaço de outrora. Cenas que foram citadas dos as histórias de vida, a comercialização do filé, o “fazer” filé na
calçada, a antiga rua do Pontal da Barra, Casas de taipa, simplicidade e rusticidade e o saber da pesca . Fonte: PLEC, 1980.
LEMBRANÇAS DE UM PASSADO MARCANTE...
185
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
LEMBRANÇAS DE UM PASSADO MARCANTE...
Fig. – As práticas cotidianas e a disposição do espaço de outrora. Cenas que foram citadas durante a coleta das histórias de vida. As reuniões entre amigos na praça
central de São Sebastião, rendeiras e a casas mais antigas. Fonte: PLEC, 1980.
186
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
Fonte: Base cartográfica de Maceió- Maplan- 1998. Adpatação:
GONÇALVES, 2009
Estrada de ligação entre os bairros
Trapiche e Pontal da Barra, bem como
ao município de Marechal Deodoro
Limite de bairro
187
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
MAPA DE RESTRIÇÕES LEGAIS E INSTITUCIONAIS
Fonte: Código de Edificações e Urbanismo
de Maceió, 2006.
188
Relembrar o passado, reconhecer o presente: a identidade do Pontal da Barra
pelas lembranças dos moradores idosos
.
53
MAPA DE ZONAS ESPECIAIS DE PRESERVAÇÃO
189
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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