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baixo”, tendo sido ouvida por José, irmão do acusado, que dormia no quarto ao lado e para
demonstrar estar acordado tossiu e escarrou.
Nessa mesma noite Maria Lourença, dando pela falta de sua filha Maria Theodora,
saiu a sua procura na casa dos vizinhos e não a encontrou. Três dias depois, a referida carta
chegou às mãos da mãe da menor e ela apresentou-a ao subdelegado, o qual iniciou as
diligências e logo depois foi instaurada uma queixa
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. A carta foi anexada ao processo e
constava como uma das provas do defloramento da menor.
Assim como no caso de Theodora, em outros processos de crimes de rapto, estupro e
defloramento, os envolvidos, através de seus testemunhos, emitiam suas opiniões sobre o
caso. Dessa forma, as vítimas e os réus, em seus depoimentos, estavam interessados em
estabelecer uma verdade sobre o ocorrido. Cada um, a sua maneira, tenta comprovar ser a
pessoa com a razão para receber a proteção da Justiça. Por isso, na análise dos casos, teremos
acesso a várias versões de um acontecimento e isso torna as discussões dos historiadores bem
ricas.
Por meio desses processos, a principal fonte deste trabalho, podemos estudar os
segmentos populares, os quais deixaram poucos registros nas fontes ditas oficiais, ou então,
estavam mal representados nessas. Desde a década de 1980 um número considerável de teses,
dissertações e livros,
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produzidos no Brasil, trabalharam com fontes judiciais. Algumas obras
tinham como o cerne de discussão “se seria possível ali encontrar ‘a voz’ de grupos excluídos,
ou apenas mais um discurso do poder, com o qual só seria possível fazer uma história do
poder judiciário.”
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Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife. Uflacher, Augusto - Promotor Público da Comarca de Santo
Ângelo na Província do Rio Grande do Sul. Livro do Promotor Público. B. L. Garnier – Livreiro Editor, RJ,
1880, pg 53. Esse livro tinha a finalidade de informar, acreditamos, a estudantes do curso jurídico e a
profissionais da área, termos técnicos e os procedimentos legais para a formação de processos e julgamentos.
“Uma Queixa seria a exposição do facto criminoso que o ofendido, seu pae ou mãe, tutor ou curador, sendo
menor, senhor ou cônjuge, faz em Juízo, pedindo a punição do delinqüente, proseguindo na accusação até final
sentença”.
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Esteves, Martha de Abreu. Meninas perdidas – Os populares e o cotidiano do amor do Rio de Janeiro da
Belle Époque, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989; Caulfield, Sueann. Em defesa da honra – moralidade,
modernidade e nação no Rio de Janeiro (1919 – 1940), Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2000; Chalhoub,
Sidney. Trabalho, Lar e Botequim – O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque, São
Paulo, Brasiliense, 1986. SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. Pretas de honra: trabalho, cotidiano e
representações de vendeiras e criadas no Recife do século XIX (1840-1870). Dissertação de Mestrado, Recife:
UFPE, 2004. Franco, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4ª edição, Fundação
Editora da UNESP, São Paulo, 1997. Lara, Silvia Hunold. & Mendonça, Joseli Maria Nunes Mendonça. Direitos
e Justiças no Brasil: ensaios de História Social. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006
4
Bretas, Marcos Luiz. As Empadas do Confeiteiro Imaginário: A pesquisa nos arquivos da justiça criminal e
a história da violência no Rio de Janeiro. Revista Acervo, Rio de Janeiro, vol. 15, nº1, p-7, jan-jun, 2002.