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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ESPIRITUALIDADE, INTELIGÊNCIA ESSENCIAL AO SER HUMANO
DEUSILENE SILVA DE LEÃO
GOIÂNIA
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ESPIRITUALIDADE, INTELIGÊNCIA ESSENCIAL AO SER HUMANO
DEUSILENE SILVA DE LEÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciências da
Religião como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira
GOIÂNIA
2009
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L437e Leão, Deusilene Silva de.
Espiritualidade, inteligência essencial ao ser humano /
Deusilene Silva de Leão. – 2009.
118 f.
Dissertação (mestrado) Universidade Católica de Goiás,
Departamento de Filosofia e Teologia, 2009.
“Orientadora: Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira”.
1. Espiritualidade humana. 2. Inteligência espiritual. 3.
Racionalidade. 4. Holismo. 5. Cristianismo. I. Título.
CDU: 141.135(043.3)
Dedico esta pesquisa
ao Ruberval Ponce de Leão, meu pai, in memórian,
à Josefa Silva de Leão, minha mãe,
à Larissa Silva de Leão e Souza, minha filha.
Agradeço a Pontifícia Universidade Católica de Goiás, na pessoa do Magnífico
Reitor, Prof. Wolmir Therezio Amado, por oferecer-nos este Mestrado em Ciências
da Religião (MCR),
aos Professores do Programa do MCR por compartilharem seus conhecimentos com
zelo e presteza,
a minha orientadora, Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira, pelas orientações e ajustes
no texto,
a Profa. Dra Zilda Ribeiro por ter acompanhado grande parte do trabalho,
ao Dr. Marcelo Rezende Guimarães (Dom Irineu) por ter aceito o convite para
compor esta banca,
ao Barbosa Neto, Secretário do Turismo, por cooperar e contribuir para a minha
permanência no (MCR),
ao Márcio Maia por ter me ajudado muito neste processo,
à amiga Eloina Ávila por ser uma companheira de caminhada nesta busca pela
inteligência espiritual,
ao Prof. Marcos Moraes por ser um grande ajudador na reformulação e
compreensão do tema,
à minha irmã Dilene Leão por me ajudar operacionalmente na tecelagem do
trabalho,
a Keila Matos por ser uma das fiandeiras na construção deste trabalho,
a Universidade Internacional Holística da Paz por ser um canal aberto para novos
caminhos e visão de mundo, especialmente a Pierre Weil, in memoriam, por ter
inaugurado o movimento holístico no Brasil e com isso aberto possibilidades de uma
nova visão de mundo e uma educação para cultura de paz.
Recuperar a unidade perdida significa reconquistar a paz. Mas, desta vez, o inimigo
a derrotar não é estrangeiro. Ele mora dentro de nós. É a força que isola o homem
racional de suas emoções, intuições e seu próprio espírito.
(Pierre Weil)
Usar a inteligência espiritual implica forçar a imaginação humana. Significa
transformar nossa consciência. Significa descobrir em nós camadas mais profundas
do que as que usamos para viver. Exige encontrar algum fundamento no eu para o
sentido que transcenda o eu. Não será tarefa fácil para as pessoas.
(Danah Zohar)
A busca de sentido pelo homem é a principal motivação de sua vida e não uma
racionalização secundária de impulsos instintivos. Esse sentido é único e específico,
uma vez que tem de ser, ou só pode ser, tomado real por ele; só então o sentido
adquire a importância que satisfará sua vontade de sentido.
(Victor Frankl)
RESUMO
LEÃO, Deusilene Silva de. Espiritualidade, inteligência essencial ao ser humano.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Pontifícia Universidade Católica
de Goiás, Goiânia, 2009.
Propõe-se nesta pesquisa a fazer um estudo da espiritualidade humana como
inteligência. O intuito principal foi mostrar que o ser humano é dotado de uma
inteligência espiritual, isto é, que ele carrega dentro de si uma centelha divina capaz
de criar sentido e significado para a sua vida, e que disso emerge a necessidade de
esse ser humano ter uma nova visão de mundo. A dissertação está dividida em três
capítulos. O primeiro trata da contextualização do processo histórico pelo qual a
humanidade vem passando, apresentando, assim, a história sobre o paradigma da
racionalidade, assim como a passagem para o novo paradigma. O segundo expõe
como a espiritualidade é compreendida no paradigma tradicional e o novo paradigma,
bem como a urgência e relevância da espiritualidade como inteligência, destacando
sua premente atualidade. O terceiro apresenta uma correlação entre conceitos e
teorias apresentados nos capítulos antecedentes, utilizando como exemplo Jesus,
uma pessoa que tinha a inteligência espiritual como traço evidente de seu ser.
Palavras-chave: espiritualidade, inteligência espiritual, paradigma, holismo
ABSTRACT
LEÃO, Deusilene Silva de. Espiritualidade, an intelligence essential to the human
being. Dissertation (Master of Religion Science) Pontifical Catholic University of
Goiás, Goiânia, 2009.
It’s here proposed in this research a study of the human spirituality as intelligence.
The primary purpose was to show that the human being is endowed with a spiritual
understanding, that is, he carries within him a divine spark capable of making sense
and meaning to his life, and that from this emerges the need for that human being to
have a new vision of the world. The dissertation is divided into three chapters. The
first deals with the contextualization of the historical process by which humanity has
experienced, thus presenting a story about the paradigm of rationality and the
transition to the new paradigm. The second explains how spirituality is understood in
the traditional paradigm and the new paradigms, as well as the urgency and
importance of spirituality as intelligence, highlighting it’s urgency today. The third
shows a correlation between concepts and theories presented in previous chapters,
utilising Jesus as an example, a person who had the spiritual intelligence as an
evident trace in his being.
Key words: spirituality, spiritual intelligence, traditional paradigm, new paradigm,
holistic vision.
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................07
ABSTRACT....................................................................................................08
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11
2 CAPÍTULO I O NOVO PARADIGMA E A NOVA VISÃO DA
REALIDADE ................................................................................................ 14
2.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14
2.2 DO PARADIGMA TRADICIONAL AO NOVO PARADIGMA ........................ 14
2.3 O PARADIGMA DA RACIONALIDADE E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA .................................................................................................. 16
2.4 O PARADIGMA DA RACIONALIDADE E A VISÃO MECANICISTA
DE MUNDO .................................................................................................. 19
2.4.1 Biologia ......................................................................................................... 22
2.4.2 Medicina ....................................................................................................... 23
2.4.3 Psicologia ..................................................................................................... 23
2.4.4 Economia ..................................................................................................... 24
2.4.5 O Progresso Econômico e Tecnológico ....................................................... 24
2.4.6 A Física Quântica ......................................................................................... 27
2.5 O NOVO PARADIGMA E A VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO ..................... 28
2.5.1 Ecologia Profunda ........................................................................................ 31
2.6 O NOVO PARADIGMA E A TEORIA DA COMPLEXIDADE ........................ 33
2.7 O NOVO PARADIGMA E A VISÃO HOLÍSTICA DA REALIDADE ............... 36
2.7.1 As Contribuições do Paradigma Holístico para a Inteligência Espiritual ...... 40
2.7.1.1 Normose ou patologia da normalidade ......................................................... 41
2.7.1.2 Terapia inter-religiosa ................................................................................... 43
2.7.1.3 Transdisciplinaridade.................................................................................... 44
3 CAPÍTULO II ESPIRITUALIDADE: INTELIGÊNCIA COMO SENTIDO
E SIGNIFICADO DA VIDA ........................................................................... 47
3.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 47
3.2 LUGAR DA ESPIRITUALIDADE NO PARADIGMA TRADICIONAL............. 47
3.3 LUGAR DA ESPIRITUALIDADE NO NOVO PARADIGMA .......................... 50
3.4 INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL........................................................................53
3.4.1 O Significado de Inteligência ....................................................................... 54
3.4.2 O Significado de Espírito .............................................................................. 58
3.4.3 O Significado de Espiritualidade ................................................................... 60
3.5 PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL ......... 63
3.6 A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL PRESENTE NA PESSOA ........................ 70
3.7 A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL COMO SENTIDO DE VIDA ....................... 74
4 CAPÍTULO III JESUS COMO EXEMPLO DE UMA INTELIGÊNCIA
ESPIRITUAL PLENA ................................................................................... 77
4.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 77
4.2 RELIGIÃO COMO CONSEQUÊNCIA DA INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL ..... 77
4.2.1 Religião como Sentido para a Vida do Ser Humano .................................... 84
4.3 QUEM FOI JESUS DE NAZARÉ? ................................................................ 87
4.3.1 O Mundo Religioso na Época de Jesus........................................................ 89
4.3.1.1 A relação de Jesus com os fariseus ............................................................. 90
4.3.1.2 A relação de Jesus com as mulheres ........................................................... 92
4.3.2 Como Jesus Reage à “Normose” de sua Época .......................................... 94
4.4 JESUS DIANTE DE SI MESMO ................................................................... 98
4.5 JESUS DIANTE DOS OUTROS ................................................................. 100
4.6 JESUS DIANTE DO MUNDO ..................................................................... 104
5 CONCLUSÃO ............................................................................................ 108
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 115
11
1 INTRODUÇÃO
O ser humano tem vivido uma crise de sentido e de significados que lhe tem
causado um vazio interior. Em função desse vazio algumas questões m vindo à
tona, entre elas, sua própria espiritualidade. A espiritualidade tem sido um tema
recorrente nesta época de tanta busca por sentido e significado. Nas últimas três
décadas temos vivido uma grande crise mundial, uma crise complexa,
multidimensional, cujas facetas afetam aspectos como saúde, modo de vida, meio
ambiente e relações sociais, economia, tecnologia e política. No entanto, em meio a
esse vazio, a esta crise, sabemos que o ser humano é possuidor de uma grande
riqueza interior que pode conduzi-lo à gestão de sua consciência e a encontrar o
caminho de sua inteligência espiritual.
Esta dissertação é resultado de um projeto de pesquisa cujo objeto de estudo
é a espiritualidade humana como inteligência. Temos como assertiva que o ser
humano é dotado de uma inteligência espiritual e que diante disso emerge a
necessidade de uma nova visão de mundo para que o ser humano possa vivenciar
plenamente essa inteligência, uma vez que a espiritualidade está diretamente
associada à vida cotidiana do ser humano (Capra 1982).
Até o século XX, o quociente de inteligência intelectual (QI) era a única
medida definitiva da inteligência humana. Somente na década de 1990 ele foi
redimensionado pela descoberta do quociente de inteligência emocional (QE). E
esse QE seria um requisito básico para o bom uso do QI. Mais recentemente outros
pesquisadores passaram a defender a existência de um terceiro quociente: o
quociente espiritual (QS). Nossa premissa é a existência de uma inteligência
espiritual como parte desse terceiro quociente e que isso requer uma nova visão de
mundo, uma cosmologia completamente diferente da cosmologia moderna
relacionada com o paradigma tradicional, elaborada a partir de Newton, Copérnico,
Galileu e Descartes.
O método adotado para o desenvolvimento deste projeto foi pesquisa
bibliográfica, por intermédio do levantamento de investigação de autores que
discutem e defendem o tema da inteligência espiritual. Realizamos uma pesquisa
transdisciplinar pela própria exigência do tema, visto que ele não está acorrentado a
apenas um segmento do saber. A transdisciplinaridade transcende o enfoque
12
disciplinar e reata a ligação entre os ramos da ciência com os caminhos vivos da
espiritualidade, implicando a imprescindível interação entre todas as formas do
saber.
Estruturamos esta dissertação em três capítulos. No primeiro nos ocupamos
da fundamentação teórico, apresentando alguns conceitos fundamentais para que o
tema seja mais bem compreendido. Este capítulo trata da contextualização do
processo histórico pelo qual a humanidade vem passando, através do conhecimento
da história sobre o paradigma da racionalidade e a passagem para o novo
paradigma.
No segundo apresentamos o estado da questão, discorrendo o que os atuais
teóricos abordam sobre a inteligência espiritual e a emergente visão de mundo
embasada em um novo paradigma. Neste capítulo apresentamos como a
espiritualidade é compreendida no paradigma tradicional e o novo paradigma, bem
como a urgência e relevância da espiritualidade como inteligência, destacando sua
premente atualidade. A espiritualidade como forma de inteligência é uma das fontes
primordiais, embora não seja a única, de inspiração do novo. Ela está ligada à
complexidade do entendimento do ser humano. Ela é um dos componentes ligados
ao novo paradigma, à nova visão da realidade.
Percorridos os caminhos que nos levaram a conhecer como e onde se deu a
fragmentação do ser humano a partir do paradigma tardicional e do novo paradigma,
após termos compreendido que a espiritualidade é a vivência de uma inteligência
espiritual, bem como entendermos como é possível encontrar uma nova concepção
de pessoa em que a inteligência espiritual a torna uma pessoa integrada consigo
mesmo, com os outros e com o mundo, a partir dos paradigmas da complexidade,
das múltiplas inteligências e do paradigma holístico, fizemos algumas aproximações,
no terceiro capítulo, entre a vida de Jesus e suas atitudes entendidas como o
resultado de uma vida transcorrida em plena abertura e sintonia com aquilo que
alguns autores reconhecem e afirmam ser a inteligência espiritual.
No terceiro capítulo fizemos uma correlação entre conceitos e teorias por
meio do exemplo de Jesus uma pessoa que tinha a inteligência espiritual como
traço evidente de seu ser , esmiuçando sua vida, sua história, o mundo religioso de
sua época, a relação dele com os fariseus, com as mulheres, como ele reagia diante
da normose de seu tempo e diante de si mesmo, como ele se via diante dos outros,
como se dava a sua pedagogia do cuidado ante o mundo, assim como suas
13
propostas e missão perante o mundo. Utilizamos essa abordagem para apresentar
que é possível essa inteligência ser visualizada e compreendida em um ser humano
na contemporaneidade.
Na conclusão apresentamos o que a pesquisa pode contribuir com alguns
esclarecimentos sobre a espiritualidade como inteligência humana, fornecendo
algumas possíveis respostas aos problemas existenciais contemporâneos e
propondo a espiritualidade como ferramenta para uma disseminação de um ensino
transdisciplinar e includente que considera o ser humano em suas múltiplas
inteligências.
Desenvolver esta pesquisa foi uma trilha difícil a ser desbravada, pois se
tratou de investigar um tema novo, complexo e polêmico, consequentemente, um
tema que não oferecia muitas opções de material bibliográfico a ser consultado.
Nossa caminhada foi bastante exaustiva. Muitas vezes não sabíamos onde
encontrar respostas para as perguntas que originavam o próprio tema. Comparamos
todo este caminhar a um construtor de trilhas que vai fazendo seu próprio caminho,
a uma fiandeira que vai tecendo ponto a ponto até chegar à construção desejada ou
a um navegante que sonha e precisa descobrir novas terras.
Contudo estamos cientes da contribuição desta pesquisa tanto para a
sociedade em geral quanto para a comunidade acadêmica em particular. À primeira
contribuiremos com a proposta holística de visão de mundo e a afirmação da
inteligência espiritual como quociente de inteligência inerente ao ser humano.À
segunda contribuiremos com o diálogo interdisciplinar entre as ciências da religião,
bem como com a transdiciplinaridade requerida pelo próprio objeto de estudo deste
projeto de pesquisa: inteligência espiritual.
14
2 CAPÍTULO I O NOVO PARADIGMA E A NOVA VISÃO DA REALIDADE
2.1 INTRODUÇÃO
Estamos vivendo um momento na história da humanidade de verdadeiras
descobertas em todas as áreas do saber. Uma nova consciência está despertando
dos escombros de uma civilização que parece estar em declínio, mas que ao mesmo
tempo já percebe que se faz necessário mudar o curso do caminho.
Este capítulo apresentará a contextualização do processo histórico pelo qual a
humanidade vem passando para o conhecimento da história tanto do paradigma da
racionalidade quanto da passagem para o novo paradigma. Pretendemos com isso
encontrar embasamento para defendermos a ideia de uma espiritualidade humana
como inteligência. Tendo o conhecimento de toda a fragmentação pela qual o ser
humano vem passando em decorrência de uma visão mecanicista, consideramos
emergente a aparição de um novo paradigma, de uma nova visão de mundo que seja
mais sistêmica e includente.
2.2 DO PARADIGMA TRADICIONAL AO NOVO PARADIGMA
Para uma melhor compreensão da passagem do paradigma da racionalidade
para o novo paradigma, é necessário que conceituemos primeiramente o que é
paradigma. Paradigma, segundo Crema
1
1
Psicólogo e antropólogo do Colégio Internacional dos Terapeutas (CIT), analista transacional didata.
(1989, p.18), é um conjunto de crenças,
ponto de referência, ou modelo para uma conduta em determinada área que acaba
se tornando um método de direcionamento. Em outras palavras, paradigma para este
autor refere-se a modelo, padrão e exemplos compartilhados, significando um
esquema modelar para a descrição, explicação e compreensão da realidade. É muito
mais que uma teoria, pois implica em uma estrutura que gera teorias, produzindo
15
pensamentos e explicações e representando um sistema de aprender a aprender que
determina todo o processo futuro de aprendizagem.
Segundo Weil
2
Conforme Moraes
(1991, p.14), paradigma tem etimologia grega e significa
exemplo, modelo, padrão. Na filosofia platônica, era o mundo das ideias, protótipo do
mundo sensível em que se vive. Para este autor só recentemente é que paradigma
foi introduzido como conceito na ciência.
Na ótica de Kuhn (1970, p. 39), paradigma é uma realização científica de
grande envergadura, com base teórica e metodológica convincente e sedutora, que
passa a ser aceita pela maioria dos cientistas integrantes de uma comunidade. O
autor afirma que a força de um paradigma reside justamente no consenso de
determinada comunidade científica. A aquisição de um paradigma é sinal de
maturidade no desenvolvimento de qualquer campo conhecido.
Para Morin (1999, p. 28), um paradigma significa um tipo de relação muito
forte que pode ser de conjunção ou disjunção, que possui uma natureza lógica entre
um conjunto de conceitos-mestres. Para esse autor, esse tipo de relação dominadora
é que determinaria o curso de todas as teorias, de todos os discursos controlados
pelo paradigma.
3
2
Doutor em psicologia pela Universidade de Paris VII, criador da Fundação Cidade da Paz, um dos
pioneiros no mundo em psicologia transpessoal.
3
Graduada em agronomia, Mestre em tecnologia educacional e Doutora em educação.
(1997, p. 32), a compreensão do conceito de paradigma
com base em um enfoque relacional é o que mais lhe convence. Ela oferece uma
ideia mais completa da evolução do conhecimento científico que, além de crescer em
extensão, se modifica e se transforma mediante uma ruptura que ocorre na
passagem de uma teoria a outra.
Mediante o esclarecimento desses autores, chegamos ao entendimento de
que paradigma seria então um padrão, um modelo, uma competente compreensão
científica, um tipo de relação muito forte, uma completa evolução do conhecimento
científico que além de crescer também se modifica, se transforma mediante
confrontação da passagem de uma teoria para outra. Não se poderá dizer que há um
conceito mais completo que outro, mas que ambos se complementam e dão subsídio
para se começar a falar de novo paradigma por intermédio da descrição do que seria
o velho paradigma.
16
2.3 O PARADIGMA DA RACIONALIDADE E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA
A visão de mundo atuante hoje, bem como o sistema de valores que está na
base de nossa cultura, foram formulados nos séculos XVI e XVII. Entre 1500 e 1700,
houve uma drástica mudança tanto na maneira como as pessoas descreviam o
mundo quanto em todo o seu modo de pensar. Essa se tornou a base do paradigma
que dominou a nossa cultura nos últimos trezentos anos e que está agora
caminhando para uma nova mudança. É importante que compreendamos que na
história do mundo nem sempre se pensou assim de forma tão mecânica e racional, e
que toda a base desse chamado velho paradigma está respaldado na racionalidade,
termo que iremos definir mais à frente.
Capra (1982, p. 49) relata que, antes de 1500, a visão do mundo dominante na
Europa, assim como na maioria das outras civilizações, era orgânica. As pessoas
viviam em comunidades pequenas e coesas, e vivenciavam a natureza em termos de
relações orgânicas, caracterizadas pela interdependência dos fenômenos espirituais
e materiais e pela subordinação das necessidades individuais às comunidades. A
estrutura científica dessa visão de mundo orgânica se respaldava em duas
autoridades: Aristóteles e a Igreja. A ciência Medieval era muito diferente daquela
ciência contemporânea, na medida em que se baseava na razão e na fé, e cuja
principal finalidade era compreender o significado das coisas e não exercer predição
ou controle.
Capra (1982, p. 50) diz que os cientistas medievais consideravam importantes
as questões referentes a Deus, à alma humana e à ética. Essa perspectiva medieval
mudou de forma radical nos séculos XVI e XVII. A noção de um universo orgânico,
vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma
máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era
moderna. Esse desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolucionárias na
física e na astronomia, culminando dessa forma nas realizações de Copérnico,
Galileu e Newton. A ciência do século XVII teve como base um novo método de
investigação defendido de forma rigorosa por Francis Bacon. Por esses motivos
descritos os séculos XVI e XVII foram chamados de a idade da Revolução Científica.
Uma das consequências mais importantes da mudança de valores no final da
Idade Média foi a ascensão do capitalismo nos séculos XVI e XVII. O
17
desenvolvimento da mentalidade capitalista, de acordo com uma engenhosa tese de
Weber (2003, p. 67), esteve intimamente relacionado à ideia religiosa de uma
vocação ou chamado. Esse desenvolvimento surgiu com Martinho Lutero e a
Reforma em conjunto com a noção de uma obrigação moral de cumprimento do
dever por parte de cada indiduo nas atividades temporais. Essa ideia de uma
vocação temporal projetou o comportamento religioso no mundo secular.
A revolução científica, segundo Crema (1989, p. 20), foi iniciada com Nicolau
Copérnico, que se opôs à concepção geocêntrica de Ptolomeu e da Bíblia, aceita por
mais de mil anos. A concepção geocêntrica concebe a Terra como o centro do
Universo e o homem como figura central na criação de Deus. Depois de Copérnico, a
Terra deixou de ser o centro do universo para tornar-se meramente um dos muitos
planetas que circundavam um astro secundário de quinta categoria nas fronteiras da
galáxia, e do homem foi tirada sua honrosa posição de figura central da criação de
Deus. Copérnico estava consciente que sua teoria ofenderia profundamente a
consciência religiosa de seu tempo.
Conforme Capra (1982, p. 51), a verdadeira mudança foi provocada por
Galileu Galilei, famoso por ter descoberto as leis de queda dos corpos. Ele foi
considerado o fundador da Física moderna. Foi quem primeiro utilizou a combinação
do raciocínio teórico, observação experimental e rigorosa linguagem matemática.
Enquanto Galileu realizava engenhosos experimentos na Itália, Francis Bacon
descrevia explicitamente na Inglaterra o método empírico da ciência. Ele foi ilustre
contemporâneo de Galileu. Crema (1989, p. 30) relata que Bacon foi um filósofo e
político inglês criador do método empírico de investigação e primeiro formulador do
raciocínio indutivo, cuja metodologia parte da experimentação para se chegar a
conclusões científicas.
Para Bacon (2005, p. 10), o conhecimento científico tem por suprema
finalidade servir o homem e propiciar-lhe poder sobre a natureza, estabelecendo o
imperium hominis e enfatizando o aspecto prático segundo o princípio que “saber é
poder”. O projeto baconiano pretendia um verdadeiro e extraordinário progresso do
saber. Bacon clamava por uma reforma total do conhecimento humano.
Nosso método, contudo, é tão fácil de ser apresentado quanto difícil de
aplicar. Consiste no estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance
exato dos sentidos e rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente,
calcado muito de perto sobre aqueles, abrindo e promovendo, assim, a nova
e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias percepções
18
sensíveis. Foi, sem dúvida, o que também divisaram os que tanto
concederam à dialética. Tornaram também manifesta a necessidade de
escoras para o intelecto, pois colocaram sob suspeita o seu processo
natural e o seu movimento espontâneo. Mas tal remédio vinha tarde demais,
estando já as coisas perdidas e a mente ocupada pelos usos do convívio
cotidiano, pelas doutrinas viciosas e pela mais vã idolatria? Pois a dialética
com precauções tardias, como analisamos, e em nada modificando o
andamento das coisas, mais serviu para firmar os erros que descerrar a
verdade. Resta como única salvação reemprender-se inteiramente a cura da
mente. E, nessa via, não seja ela, desde o início, entregue a si mesma, mas
permanentemente regulada, como que por mecanismos (BACON, 2005, p.
27-8).
Conforme Capra (1982, p. 52), os termos em que Bacon defendeu esse novo
método empírico de investigação eram não só apaixonados, mas, em alguns
momentos, um pouco rancorosos. A natureza, na opinião dele, tinha de ser acossada
em seus descaminhos, obrigada a servir e ser escravizada. Ela deveria ser reduzida
à obediência, e os objetivos dos cientistas eram extrair da natureza, sob tortura,
todos os seus segredos. O antigo conceito de Terra como mãe nutriente foi
radicalmente transformada nos escritos de Bacon, desaparecendo por completo
quando a revolução científica tratou de substituir a concepção orgânica da natureza
pela metáfora do mundo como máquina. Essa mudança veio a ser o ponto mais
importante para o desenvolvimento da civilização ocidental, complementado por duas
grandiosas figuras do século XVII: Descartes e Newton.
René Descartes foi o filósofo e matemático francês considerado o fundador do
racionalismo moderno. Ele repensou a filosofia de sua época e desenvolveu um
corpo doutrinário segundo a célebre imagem da árvore do conhecimento, cujas raízes
são a metafísica, o tronco, a Física, e os ramos, as ciências derivadas como a
Medicina, a Mecânica e a Moral. Crema (1989, p. 31) relata que Descartes chega à
conclusão que duvidar significa pensar, então apresenta a assertiva “penso, logo
existo”. Dessa afirmativa vem o racionalismo que contagiou três séculos de cultura
ocidental. Com sua mente analítica, Descartes fracionou o ser humano em corpo e
alma, estabelecendo o dualismo na Filosofia.
Crema (1989, p. 32) diz que a mecanicista visão cartesiana, que caracterizou a
revolução científica, necessitou, entretanto, de um outro gênio para consolidar-se no
paradigma definitivo que modelaria a cosmovisão moderna, ou seja, a visão ou
concepção de mundo, bem como uma atitude perante ele.
Isaac Newton foi o fundador da mecânica clássica, nasceu no ano em que
faleceu Galileu e foi quem estabeleceu a grande síntese do método empírico-indutivo
19
de Bacon e do racional-dedutivo de Descartes, apresentando um sistema que
unificou a metodologia da experiência e da matematização. Foi matemático, físico,
astrônomo e teólogo inglês. Ele foi o homem que deu realidade ao sonho cartesiano,
pois o universo newtoniano era de fato um gigantesco sistema mecânico que
funcionava de acordo com leis matemáticas exatas. Newton apresentou em detalhes
sua teoria do mundo nos princípios matemáticos de Filosofia natural.
Capra (1982, p. 59) diz que Isaac Newton era uma personalidade muito
complexa, o que se deduz com a leitura de seus escritos científicos. Notabilizou-se
não só como cientista e matemático, mas também em várias fases de sua vida como
jurista, historiador e teólogo. Estava profundamente envolvido em pesquisas sobre o
oculto e o conhecimento esotérico. Via o mundo como um enigma e acreditava que
as chaves para sua compreensão podiam ser encontradas por meio dos
experimentos científicos e também das tradições esotéricas.
Com a física de Newton, o método empírico-indutivo de Bacon e o racional-
dedutivo de Descartes, diz Nicolescu (1999, p. 21), todo conhecimento, além do
científico, foi afastado para um abismo da subjetividade, tolerado no máximo como
ornamento ou rejeitado com desprezo como fantasma, ilusão, regressão, produto da
imaginação. A própria palavra espiritualidade tornou-se suspeita e seu uso foi
abandonado. Portanto, neste contexto, não havia espaços para se vivenciar essa
espiritualidade. A realidade dos fatos existentes exigia de todos uma postura mais
racional, longe da sensibilidade das emoções ou do espírito. Era impossível nestes
tempos se pensar em inteligência espiritual.
Toda essa contextualização histórica abre caminhos para a vivência de um
mundo racionalizado, mecanizado, não tendo, portanto, espaços para as emoções, o
espírito humano e a vivência de uma espiritualidade, como veremos a seguir.
2.4 O PARADIGMA DA RACIONALIDADE E A VISÃO MECANICISTA DE MUNDO
O paradigma mecanicista agrupa todos os paradigmas que aceitaram a visão
de mundo de Descartes, segundo qual o mundo natural é uma máquina carente de
espiritualidade e, portanto, deveria ser dominada pela inteligência humana e ser
colocada a seu serviço. Nessa visão mecanizada de mundo, a racionalidade é
20
evidenciada, não se fala de emoções, de espiritualidade ou mesmo de arte. Tudo que
vislumbrasse sensibilidade fugia dessa visão mecânica de controle.
Para Russel (1970, p. 89), a parte teórica da racionalidade consistirá em
basear nossas crenças em relação aos fatos e não aos desejos, preconceitos ou
tradições. O homem racional será aquele que se mostrar judicioso ou científico. Na
prática, a racionalidade poderá ser definida como o hábito de considerar todos os
nossos desejos relevantes, não apenas aquele que poderá ser o mais forte. Esse
autor continua seu relato dizendo que todo progresso sólido no mundo consiste de
um aumento de racionalidade, tanto prática como teórica. O ser humano é racional à
medida que sua inteligência orienta e controla seus desejos. A racionalidade controla
os atos, o ensino, a imprensa, a política e a religião. Para Russel (1970, p. 89), são
as grandes forças do mundo que estão atualmente do lado da irracionalidade. É à
inteligência cada vez mais divulgada que devemos recorrer para a solução dos males
de que sofre o mundo, segundo concepção do autor.
Baseado nessa racionalidade, nos séculos XVI e XVII, muda a noção de
universo, modificam-se a forma de ver o mundo, as pessoas e as coisas em geral.
Houve uma substituição da visão organicista, em que o universo era vivo e espiritual,
por uma noção de mundo mecanizado. O estudo da física e da astronomia tomou um
rumo matemático, diferente do que ocorreu no século XIII, quando a ciência estava
voltada para a compreensão e o significado das coisas, sem a tentativa de controlar e
dominar a natureza. Com essa visão mecanicista, passou-se a enfatizar na
racionalidade o concreto, o material, o palpável e o mensurável. Com isso acontece a
desqualificação da espiritualidade e se inverte os pontos de abordagem anteriores,
em que não se está mais preocupados em compreender, em pensar em uma
espiritualidade e no significado do que se está fazendo ou buscando.
De acordo com Capra (1982, p. 53), o próprio conhecimento científico está
baseado na filosofia cartesiana e na visão de mundo dela derivada. A crença
cartesiana na verdade científica é ainda hoje muito difundida e se reflete no
cientificismo que se tornou típico da cultura ocidental. O método de pensamento de
Descartes e sua concepção da natureza influenciaram todos os ramos da ciência
moderna e podem ser ainda hoje muito úteis. Segundo esse autor, só o serão se
suas limitações forem reconhecidas. A aceitação do ponto de vista cartesiano como
verdade absoluta e do método de Descartes como o único meio válido para se
chegar ao conhecimento desempenhou um importante papel na instauração do atual
21
desequilíbrio cultural. Capra (1982, p. 53) continua a dizer que a certeza cartesiana é
matemática em sua natureza essencial. Descartes acreditava que a chave para a
compreensão do universo era a sua estrutura matemática; para ele, ciência era
sinônimo de matemática.
O cogito cartesiano, como passou a ser chamado, fez que Descartes
privilegiasse a mente em relação à matéria e o levou à conclusão de que as duas
eram separadas e fundamentalmente diferentes. Ensinou o ser humano a conhecer a
ele próprio como ego isolado existente dentro do próprio corpo; levou esse mesmo
ser humano a atribuir um valor superior ao trabalho mental em detrimento do trabalho
manual; habilitou indústrias gigantescas a venderem produtos, especialmente para
mulheres, que proporcionava o corpo ideal; impediu os médicos de considerarem
seriamente a condição psicológica das doenças e os psicoterapeutas de lidarem com
o corpo de seus pacientes. Essa divisão penetrou profundamente no espírito humano
nos três séculos que se seguiram a Descartes, e ainda levará muito tempo para que
seja substituída por uma atitude diferente em face do problema da realidade.
Capra (1982, p. 62) relata que os séculos XVIII e XIX serviram-se da mecânica
newtoniana com enorme sucesso. A teoria newtoniana foi capaz de explicar o
movimento dos planetas, luas e cometas, nos mínimos detalhes, assim como o fluxo
das marés e vários outros fenômenos relacionados com a gravidade. O sistema
matemático do mundo elaborado por Newton estabeleceu-se rapidamente como a
teoria correta da realidade e gerou enorme entusiasmo entre cientistas e o público
leigo. A imagem do mundo como uma máquina perfeita, que tinha sido introduzida
por Descartes, era então considerada um fato comprovado. Newton deu continuidade
ao pensamento de Descartes, sendo considerado durante os últimos vinte anos de
sua vida Sir Isaac Newton. Reinou em Londres como o homem mais famoso do seu
tempo, sendo chamado de o grande sábio.
Para Nicolescu
4
4
Físico romeno, grande pesquisador da transdisciplinaridade e da física quântica.
(1999, p. 20-1), no plano espiritual, as consequências do
cientificismo também foram bem drásticas. Todo conhecimento, além do científico, foi
afastado para o abismo da subjetividade, onde nenhuma saída há para o
desenvolvimento de uma espiritualidade, tolerado no máximo como ornamento ou
rejeitado com desprezo como fantasma, ilusão, regressão, produto da imaginação.
22
A própria palavra espiritualidade tornou-se suspeita e seu uso foi praticamente
abandonado. Essa foi uma enorme consequência da objetividade instituída como
critério supremo da verdade. Ocorreu a transformação do sujeito em objeto. O ser
humano torna-se objeto da exploração do homem pelo homem.
Enquanto a nova física estava em desenvolvimento no século XX, a visão de
mundo cartesiana e os princípios da física newtoniana mantinham sua forte influência
sobre o pensamento científico ocidental, e ainda hoje muitos cientistas aderem ao
paradigma mecanicista, embora os próprios físicos o tenham superado.
Para melhor compreender o mecanicismo, citaremos como exemplo as
seguintes ciências como as mais influenciadas pela visão de mundo mecânica: a
biologia, a medicina, a psicologia e a economia. Muito embora todas as áreas do
saber, bem como a vida em sua totalidade, tenham sido muito influenciadas por essa
visão, deter-nos-emos apenas nessas, pela relação delas com o nosso objeto de
pesquisa. Falaremos também sobre o progresso econômico e tecnológico, a física
quântica, por entendermos que é a partir desta ciência que se dá uma possível
discussão sobre um novo paradigma, uma nova visão da realidade.
2.4.1 Biologia
A Biologia é uma área do saber em que, para Capra (1982, p. 62), a
concepção cartesiana dos organismos vivos era como se fossem máquinas,
constituídas de partes separadas. Essa é ainda a base da estrutura conceitual
dominante dessa ciência. A maioria dos biólogos não se preocupa com as limitações
da abordagem reducionista. Ela é compreensível.
O método cartesiano produziu progressos espetaculares em certas áreas e
continua gerando resultados excitantes. Capra (1982, p. 62) acredita que a situação
poderá mudar por intermédio da medicina.
23
2.4.2 Medicina
Conforme Capra (1982, p. 62), a medicina ocidental adotou a abordagem
reducionista da biologia moderna, aderindo à divisão cartesiana e negligenciando o
tratamento do paciente como uma pessoa total. Os médicos se acham hoje
incapazes de curar e de entender muitas das mais importantes doenças atuais. Há
um consenso crescente entre eles de que muito dos problemas com que nosso
sistema médico se defronta provém do modelo reducionista do organismo humano
em que esse sistema se baseia. Isso já é reconhecido por médicos, enfermeiros e
outros profissionais de saúde e muito claramente pelo público em geral. Já existe
uma pressão sobre os médicos para que ultrapassem as barreiras dos conceitos
mecanicistas da medicina contemporânea e desenvolva um enfoque mais amplo e
holístico da saúde.
2.4.3 Psicologia
Capra (1982, p. 156) diz que semelhante à biologia e à medicina, a psicologia
foi moldada pelo paradigma cartesiano. Os psicólogos adotaram a visão
mecanicista, a divisão entre corpo e mente. Duas escolas então surgem para dar
embasamento a novos estudos. Os estruturalistas estudaram a mente através da
introspecção e tentaram analisar a consciência em seus elementos básicos, ao
passo que a outra escola, os behavioristas, concentraram-se exclusivamente no
estudo do comportamento, e assim foram levados a ignorar ou negar a existência
pura e simples da mente. Ambas as escolas surgiram na época em que o
pensamento científico estava dominado pelo modelo newtoniano de realidade.
Ambas adotaram o modelo da física clássica, incorporando os conceitos básicos da
mecânica newtoniana em sua estrutura teórica.
24
2.4.4 Economia
Para Capra (1982, p. 186-7), a economia atual caracteriza-se pelo enfoque
reducionista e fragmentário típico da maioria das ciências sociais. De certo modo os
economistas não reconhecem que a economia é meramente um dos aspectos de
todo um contexto ecológico e social: um sistema vivo composto de seres humanos
em contínua interação e com seus recursos naturais, a maioria dos quais por seu
turno constituído de organismos vivos. A economia é definida como a disciplina que
se ocupa da produção, da distribuição e do consumo de riquezas. A economia de
todas as ciências sociais é a mais normativa e a mais claramente dependente de
valores. Seus modelos e suas teorias basear-se-ão num sistema de valores e numa
certa concepção da natureza humana.
Capra (1982, p. 187) afirma que o sistema de valores que se desenvolveu
durante os séculos XVI e XVII substituiu um conjunto coerente de valores e atitudes
medievais. Até o século XVI, os fenômenos puramente econômicos não existiam
isolados do contexto da vida. Durante a maior parte da história, o alimento, o
vestuário, a habitação e outros recursos básicos eram produzidos para valor de uso
e distribuídos no seio das tribos. O sistema nacional de mercados é um fenômeno
recente que surgiu na Inglaterra do século XVII e daí se propagou para o mundo
todo, resultando no interligado “mercado global” de hoje.
2.4.5 O Progresso Econômico e Tecnológico
Para Toffler
5
5
Escritor futurista norte-americano com doutorado em letras, leis e ciência.
(1994, p. 56), 25% da população da terra podem ser
encontrados nas sociedades industrializadas. Essas pessoas são produtos da
primeira metade do século XX, moldados pela mecanização e pela educação de
massa, criados com recordações do passado agrícola de seus próprios países. São,
na verdade, os homens do presente. Portanto, vale a pena compreender que essa
25
forma mecanizada de ver o mundo atingiu todas as áreas da vivência e do saber
humano.
Com isso não estamos querendo dizer ou afirmar que só houve prejuízos para
a humanidade. Isso não pode ser dito, porque o salto de desenvolvimento de
crescimento dado pelo ser humano nesses últimos trezentos anos é grandioso.
Entretanto, vale ressaltar o que disse Russel (1970, p. 87): que todo progresso é
carregado de uma gama muito grande de racionalismo.
Como relata Capra (1982, p. 187), a revolução científica passa a ser o valor
dominante de orientação secular e materialista, o que levou à produção de bens
supérfluos e de artigos de luxo e à mentalidade manipuladora da era industrial. Os
novos costumes e atividades resultaram na criação de novas instituições sociais e
políticas e deram origem a uma nova ocupação acadêmica: a teorização em torno de
um conjunto de atividades econômicas específicas, produção, distribuição, câmbio,
distribuição de empréstimos financeiros que subitamente adquiriram grande relevo e
passaram a exigir não apenas descrição e explicação, mas também racionalização.
Capra (1982, p. 209) diz que o crescimento econômico está diretamente
ligado ao crescimento tecnológico. Indivíduos e instituições são hipnotizados pela
maravilha da tecnologia moderna e passam a acreditar que para todo e qualquer
problema há uma solução tecnológica. Ao surgir um problema, seja de natureza
política, psicológica ou ecológica, a primeira busca para solucioná-lo é a criação de
uma nova tecnologia. Em um processo econômico muito atingido pela visão
mecânica de mundo, a natureza das grandes companhias é profundamente
desumana (Capra, 1982, p. 212). Competição, coerção e exploração constituem
aspectos essenciais de suas atividades, que são motivadas pelo desejo de
expansão ilimitada. As grandes companhias, assim que ultrapassam certa dimensão,
trabalham mais como máquinas do que como instituições humanas. Não existem leis
nacionais ou internacionais que enfrentem com eficácia essas corporações
gigantescas.
Ainda quanto ao progresso econômico, Capra (1982, p. 215) diz que a
economia mundial de hoje baseia-se em configurações ultrapassadas de poder,
estabelecendo estrutura de classe e distribuição desigual da riqueza nas economias
nacionais, assim como na exploração dos países do Terceiro Mundo pelas nações
ricas e industrializadas. Essas realidades sociais são ignoradas pelos economistas,
que tendem a evitar as questões morais e aceitam a atual distribuição da riqueza
26
como um dado imutável. Na maioria dos países ocidentais, a riqueza econômica
está altamente concentrada nas mãos de um pequeno número de pessoas que
pertence à classe empresarial.
Crema (1989, p. 34) diz que nessa visão mecanicista de mundo fragmentada
houve um excessivo crescimento tecnológico e que os seres humanos não
acompanharam esse mesmo crescimento como pessoa. Esse excessivo
crescimento tornou a vida, segundo Capra (1982, p. 226), física e mentalmente
doentia. Ar poluído, ruídos irritantes, congestionamento de tráfego, poluentes
químicos, riscos de radiação e muitas outras fontes de estresse físico e psicológico
passaram a fazer parte da vida da maioria das pessoas.
A ideia é que no futuro o pensamento econômico tornará essa nova ciência
profundamente humanista. Ela ocupar-se-á das aspirações e potencialidades
humanas, e as integrará ao ecossistema global. Essa abordagem será
transcendente. A natureza essencial da economia será simultaneamente científica e
espiritual.
Baseado nos relatos dos teóricos que pesquisamos para entender o velho
paradigma, não há lugar para compreensão do mundo de forma mais ampla, mais
includente. Cabe compreender que toda a sociedade ocidental foi construída sob
esse paradigma, que compartimentou o mundo e fragmentou o homem em uma
série de pedaços. Todas as ciências foram divididas fragmentadas em partes. A
própria física, a medicina, a religião e todas as áreas que formam a nossa história
foram divididas. Todo pragmatismo, o grande progresso desmedido, a fuga e o
desvinculamento dos valores humanos mais elevados, como a solidariedade e o
cooperativismo, o consumismo exagerado, a arrogância do poder e o consequente
desequilíbrio ecológico e psicológico do mundo moderno, tudo isso são resultados
de uma visão de mundo em que o ser humano é tratado como algo que funciona tal
qual uma máquina, fragmentado e separado de Deus.
Surge então uma nova ciência, nova em relação ao que ela postula, trazendo
esperanças para a humanidade e tentando mediante a própria ciência dizer que
precisaremos mudar o caminho, pegar uma estrada diferenciada, para se evitar o
caos na humanidade.
27
2.4.6 A Física Quântica
Para Capra (1982, p. 70), a nova concepção do universo que emergiu da
física moderna seria a teoria quântica ou teoria da relatividade. A ciência moderna
tomou consciência de que todas as teorias científicas são aproximações da
verdadeira natureza da realidade e de que cada teoria é válida em relação a uma
certa gama de fenômenos.
Conforme Crema (1989, p. 40), em 1918, Max Planck revolucionou a Física
com a sua teoria dos quanta. Afirmava que qualquer energia emitida por qualquer
corpo só poderia realizar-se de forma descontínua, através de múltiplos inteiros de
uma quantidade mínima por ele denominada quantum de energia. Era o início da
Mecânica Quântica, que substituiria a clássica de Newton. Albert Einstein, famoso
físico alemão, foi um dos primeiros a reconhecer o revolucionário valor da teoria de
Planck. Einstein deu icio à física moderna, que é relativista, atômica e quântica.
Com a chegada da física quântica se vislumbra a possibilidade de um novo
paradigma. A física quântica foi a grande precursora dessa chamada para o novo.
Ela estabelece o conceito do mundo como um todo unificado e inseparável; uma
complexa teia de relações em que todos os fenômenos são determinados por suas
conexões com a totalidade. Essa realidade descortinada pela nova física apresenta-
se viva e essencialmente dinâmica. Não há inércia, não há passividade nem
imutabilidade. Tudo vibra e se renova perpetuamente. Somente o que permanece é
a mudança. Mesmo com a nova descoberta de uma física quântica, Capra (1982, p.
118) afirma que o velho paradigma ainda está na base de quase todo o
conhecimento. Quase todas as ciências ainda hoje sofrem grandes influências ou
vivem sob total controle do velho paradigma.
No tópico seguinte faremos uma abordagem sobre o novo paradigma que se
descortina, para que possamos ter uma compreensão sobre a espiritualidade que
defenderemos como uma inteligência humana, capaz de ser identificada,
desenvolvida e com habilidade ser também aplicada no viver cotidiano.
O novo paradigma que está às portas seria uma nova visão de mundo.
Segundo Capra (1982, p. 259), ele traça parâmetros de mundo que permitem pensar
a natureza, a sociedade e a psique humana de maneira inteiramente diferente da
descrição mecânica. Como abordamos, essa visão mecanicista adota a ideia de que
28
o mundo natural é regido deterministicamente por leis matemáticas em
contraposição ao mundo humano, no qual há o livre arbítrio. A nova visão de mundo,
a visão sistêmica, propõe que na inter-relação entre homem e natureza eles estão
interligados. É o que veremos a seguir.
2.5 O NOVO PARADIGMA E A VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO
O pensamento sistêmico é uma forma de abordagem da realidade que surgiu
no século XX em contraposição ao pensamento reducionista-mecanicista herdado
dos filósofos da Revolução científica do século XVII, como Descartes, Bacon e
Newton. Essa abordagem tem como representantes cientistas, pesquisadores,
filósofos e intelectuais de vários campos que não negam a racionalidade científica,
mas defendem a transitação e integração entre várias disciplinas do conhecimento
ou ciências para a compreensão da realidade.
Segundo Luhman
6
Maturana e Varela
(1992, p. 34), a teoria de sistemas foi proposta em meados
de 1950 pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy. Foi uma reação contra o reducionismo
e uma tentativa para criar unificação científica. Luhman renova a teoria geral dos
sistemas com a introdução do conceito de autopoiese formulado por Maturana e
Varela, visando superar a tradicional antinomia. O que seria então autopoiese? Para
Luhman (1992, p. 34), poiesis é um termo grego que significa produção, logo,
autopoiese quer dizer autoprodução. A palavra surgiu pela primeira vez na literatura
internacional em 1974, num artigo publicado por Varela, Maturana e Uribe, para
definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos.
7
6
Doutor em direito, professor de sociologia, considerado um dos mais importantes sociólogos
alemães.
7
Biólogos e cientistas chilenos.
(1973, p. 27) defendem que os seres vivos estão em
constante processo de produção de si, em incessante engendramento de sua
própria estrutura. Eles restauram o criacionismo que o evolucionismo pretendia ter
eliminado da biologia. O criacionismo então ressurge, mas trata-se agora de um
criacionismo ateu, sem instância criadora: autocriação, autoposição, autopoiese.
29
Quando examinamos a noção de autopoiese tal como é formulada por Maturana e
Varela, verificamos que ela é uma função científica e não um conceito filosófico.
Para Capra (2002, p. 15-6), a teoria de sistemas é uma nova maneira de
pensar sobre a vida, em que inclui novas percepções, uma nova linguagem e novos
conceitos. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais.
Crema (1989, p. 68) diz que a concepção sistêmica consiste na abordagem de que
todos os fenômenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma
global; tudo é interdependente. A palavra sistema vem do grego systema, que
significa um conjunto de elementos interligados de um todo, coordenados entre si e
que funcionam como uma estrutura organizada. O universo é uma teia dinâmica de
eventos interconectados, em que cada partícula, de certo modo, consiste em todas
as demais partículas.
Para Capra (1982, p. 260), essa concepção sistêmica vê o mundo em termos
de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas
propriedades não podem ser reduzidas às unidades menores. Todo e qualquer
organismo, desde a menor bactéria até os seres humanos, passando pela
imensidade de variedades de plantas e animais, é uma totalidade integrada e,
portanto, um sistema vivo. Os mesmos aspectos de totalidade são exigidos dos
sistemas sociais como, por exemplo, o formigueiro, a colméia ou uma família
humana. O que se preserva nisso tudo não são árvores ou organismos individuais,
mas a teia complexa de relações entre eles. Essa é a visão que se precisa
compreender. Todos esses são exemplos de sistemas.
Capra (1982, p. 261) diz que todos esses sistemas naturais são totalidades
cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependência de suas
partes. Embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, a
natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. Para
compreendermos de fato essa concepção sistêmica, necessário se faz uma
diferenciação entre a visão mecanicista e a visão sistêmica. A primeira diferença
óbvia entre máquinas e organismos vivos é o fato de que as máquinas são
construídas, ao passo que os organismos crescem. Essa diferença fundamental
significa que a compreensão deverá ser orientada para processo.
As máquinas são construídas montando-se um número bem definido de
peças de forma precisa e previamente estabelecido. Os organismos, por outro lado,
mostram um elevado grau de flexibilidade e plasticidade internas. Para Capra (1982,
30
p. 263), a plasticidade e a flexibilidade internas dos sistemas vivos, cujo
funcionamento é controlado mais por relações dinâmicas do que por rígidas
estruturas mecânicas, dão origem a numerosas propriedades características que
podem ser vistas como aspectos diferentes do mesmo princípio dinâmico, o princípio
de auto-organização.
A concepção de auto-organização originou-se nos primeiros anos da
cibernética, quando os cientistas começaram a construir modelos matemáticos que
representavam a lógica inerente nas redes neurais. Um organismo vivo é um
sistema auto-organizador. Isso significa que sua ordem em estrutura e função não é
imposta pelo meio ambiente, mas estabelecida pelo próprio sistema. O que se
entende por cibernética? Conforme Capra (1982, p. 163), a palavra cibernética vem
do grego kybernetike, que significa piloto. O conceito da cibernética surgiu com o
matemático Norbert Wiener (1894-1964), que, na década de 1940, apresentou essa
nova ciência que visava à compreensão dos fenômenos naturais e artificiais por
meio do estudo dos processos de comunicação e controle nos seres vivos, nas
máquinas e nos processos sociais.
Capra (1982, p. 265) diz que as células dividem-se e constroem estruturas, e
os tecidos e órgãos substituem suas células em ciclos contínuos. Assim, o pâncreas
substitui a maioria de suas células de 24 em 24 horas; o revestimento do estômago
é substituído de três em três dias; nossos leucócitos são renovados em dez dias e
98% das proteínas do cérebro são refeitas em menos de um mês. Uma máquina irá
enguiçar se suas peças não funcionarem de forma predeterminada, com um
organismo é diferente. Seu funcionamento continuará num ambiente variável
mantendo-se em condições de operar e se regenerando através da cura. Com a
auto-organização a própria vida se encarrega de organizar a si mesma, pois as
partes se renovam o tempo todo. E tudo que faz parte de um sistema vivo se auto-
recupera, se auto-organiza. Capra usa a biologia humana para exemplificar a nova
concepção de vida.
Com a diferenciação entre máquinas e um ser vivo, valendo-se da visão
sistêmica de mundo, surge neste meio um novo conceito postulado por vários
teóricos de visão ecológica ou ecologia profunda.
31
2.5.1 Ecologia Profunda
Boff (2008, p. 25) diz que ecologia profunda é um novo paradigma que
também poderá ser denominado de visão ecológica. Proveniente do grego oikos
(“lar”), é o estudo do lar terra. O termo foi introduzido em 1866 pelo biólogo alemão
Ernst Haeckel, que o definiu como a ciência das relações entre os organismos e o
mundo externo circunvizinho. Para Boff (2008, p. 25), ecologia é o estudo da
interdependência e da interação entre os organismos vivos (animais e plantas) e o
seu meio ambiente (seres inorgânicos). A tese básica de uma visão ecológica seria a
seguinte: tudo se relaciona com tudo em todos os pontos. Esse autor definiria a
ecologia como a ciência e a arte das relações e dos seres relacionados em que
estão todos interligados.
Conforme Capra (2006, p. 46), a percepção ecológica profunda reconhece a
interdependência fundamental de todos os fenômenos, bem como o fato de que
somos dependentes de um processo em que indivíduos e sociedades estão
encaixados nos processos cíclicos da natureza. A percepção da ecologia profunda é
advinda da espiritualidade, e é por isso que a mudança de paradigmas requer uma
expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também
de nossos valores.
É necessário então pensar em um novo paradigma, uma nova visão da
realidade, em uma mudança fundamental de percepções e valores. É importante
analisar a concepção mecanicista de mundo e migrar para uma nova forma de ver
este mundo, as coisas e as pessoas, pois a profunda influência do pensamento
cartesiano-newtoniano se deu em todas as áreas da vida do mundo ocidental,
influenciando inclusive a percepção de mundo, a própria religiosidade, e também a
espiritualidade do ser humano ocidental.
Para Capra (2002, p. 14), a mudança real de visão que está ocorrendo no
mundo, na ciência e na sociedade é na verdade o desenvolvimento de uma nova
visão da realidade. Sobre isso ele afirma:
Explorei, em específico, as mudanças de paradigma na biologia, na
medicina, na psicologia e na economia. No decorrer desse processo,
percebi que todas essas disciplinas, de uma maneira ou de outra, lidam com
a vida com sistemas biológicos e sociais vivos e que, portanto, a ‘nova
física’ não era a ciência mais adequada para estabelecer um novo
32
paradigma e constituir a principal fonte das metáforas usadas nesses outros
campos. O paradigma da física tinha de ser substituído por uma estrutura
conceitual mais ampla, uma visão da realidade cujo centro fosse ocupado
pela própria vida. O Ponto de Mutação, a nova visão da realidade que
haveria enfim de substituir em diversas disciplinas a visão de mundo
mecanicista e cartesiana ainda não estava, de maneira alguma, plenamente
desenvolvida e estruturada. Dei a formulação científica o nome de ‘Visão
sistêmica da vida’, numa referência à tradição intelectual da teoria dos
sistemas; defendi também a ideia de que a escola filosófica da ‘ecologia
profunda’, que não separa os seres humanos da natureza e reconhece o
valor intrínseco de todos os seres vivos, poderia fornecer uma base
filosófica, e até mesmo espiritual, para o novo paradigma científico. Hoje em
dia, vinte anos depois, ainda esposo a mesma opinião (CAPRA, 2002, p.
14-5).
De tudo o que relatamos sobre a visão sistêmica, ou seja, o novo paradigma
surge uma questão: o que tem isso a ver com a espiritualidade? Há por acaso nessa
nova visão, nesse novo paradigma, lugar para esse componente do ser humano?
Capra (1982, p. 259) reafirma que a nova compreensão da vida é uma compreensão
sistêmica. O mais notável nessa nova visão é poder compreender os processos
vitais, é o surgimento de uma nova ordem, que é a base da criatividade da vida. Vida
é auto-organização. E onde a espiritualidade se encaixa nesse novo quadro?
A espiritualidade, segundo essa nova visão da realidade, está diretamente
ligada à vida cotidiana do ser humano, não está desassociada. Capra (1982, p. 265)
afirma que a experiência espiritual é uma experiência em que a mente e o corpo
estão vivos numa unidade. Essa experiência da unidade transcende não só a
separação entre mente e corpo, mas também a separação entre o eu e o mundo.
Estamos todos interligados, não vivemos em compartimentos estanques separados.
Essa separação é somente em nossa mente. Vivemos uma interdependência o
tempo todo de todas as coisas. Nessa nova realidade e por que não dizer nova
perspectiva , quando se olha à volta, percebe-se não se estar lançado em meio a
um caos, mas que se faz parte de uma ordem maior, uma grande sintonia da vida.
Nesse sentido, o corpo não morrerá, mas continuará perpetuamente vivo, pois a vida
continua.
Para melhor compreendermos esse novo paradigma, faz-se necessário que
entendamos alguns conceitos que, juntamente com a teoria de sistemas,
apareceram para solidificar e dar fundamentação a essa nova realidade, novos
conceitos como o paradigma da complexidade e paradigma holístico.
33
2.6 O NOVO PARADIGMA E A TEORIA DA COMPLEXIDADE
A teoria da complexidade surge com o avanço do conhecimento e com o
desafio que a globalidade coloca para o Século XXI. Complexidade é um termo
oriundo da Cibernética. Morin (1997, p. 23) propõe um pensamento que une e não
separa todos os aspectos no universo. Esse autor considera a incerteza e as
contradições como parte da condição humana, e sugere a solidariedade e a ética
como caminho para a realização dos seres e dos saberes.
Para Nicolescu (1994, p. 41), a complexidade nutre-se da explosão da
pesquisa disciplinar e, por sua vez, determina a aceleração da multiplicação das
disciplinas e que ela não demorou em mostrar sua onipotência. A complexidade se
mostra por toda parte, em todas as ciências, exatas ou humanas, rígidas ou
flexíveis. A biologia e a neurociência revelam a nós um rápido desenvolvimento, bem
como novas complexidades. O desenvolvimento também da complexidade é
espantoso nas artes, na arte abstrata que aparece ao mesmo tempo que a mecânica
quântica. Para se entender a ideia de complexidade, temos que vê-la em relação ao
que se consideram usualmente seus opostos. Poderemos formar vários pares:
simples-complexo, simplificação-complexificação, redução-conjunção, reducionismo-
holismo, parte-todo. A complexidade do mundo em que vivemos transparece nas
expressões que usamos: o mundo das artes, o mundo da política, o mundo da
ciência, o mundo acadêmico. Na verdade só existe um mundo. Todos os mundos
acima se entrelaçam num mesmo espaço-tempo em que vivemos. Essa grande
complexidade é de tudo que se junta montando uma rede como se estivéssemos
diante de uma grande teia da vida.
Morin (1997, p. 23) diz que o pensamento complexo e complementar é
contraditório e ambivalente, mas em constante transmutação. Assim também ocorre
em todos os setores da vida e do saber. É uma mudança consciente de atitude e de
comportamento. O ser humano traz em si um conjunto de características
antagônicas e bipolares. Ao mesmo tempo em que é sábio, é louco; prosaico e
poético, trabalhador e lúdico, empírico e imaginário. Vive de muitos jeitos e se
apresenta de várias maneiras. É unidade e diversidade; multiplicidade, pluralidade e
indissociabilidade; corpo, ideias e afetividade. É um homo complexus.
34
O homo complexus é responsável pelo processo de auto-eco-organização
que se constrói na partilha e solidariedade de um tipo de pensamento que liberta
porque é criativo, artístico, político, educacional, ético e espiritual. No pensamento
complexo, as contradições têm espaço de acolhimento sem preconceito, Nesse
pensamento, opostos, diferentes e complementares se ligam numa teia
multirreferencial que inclui a objetividade e a subjetividade, colocando-as no mesmo
patamar de possibilidades constantes.
Morin (1999, p. 16) relata que uma epistemologia da complexidade incorpora
não só aspectos e categorias da ciência, filosofia e das artes, como também os
diversos tipos de pensamentos, sejam eles míticos, mágicos, empíricos, racionais,
lógicos, numa rede relacional que faz emergir o sujeito no diálogo constante com o
objeto do conhecimento. Considera a comunicação entre as diversas áreas do saber
e compreende ordem, desordem e organização como fases necessárias de um
processo que culmina no auto-eco-organização de todos os sistemas vivos.
Morin (1997, p. 24) diz que o ser humano como ser ímpar, muito embora
apresente semelhanças étnicas e culturais, tem também caractesticas químicas,
sociais. Sua identidade pressupõe liberdade e autonomia. O homem e a mulher
tornam-se sujeitos a partir das dependências que alimentam como as da família, da
escola, da linguagem, da cultura e da sociedade. Somos seres políticos livres, e a
liberdade é uma emergência da pessoa que identifica necessidades e desejos,
elabora hipóteses e as sistematiza.
Para Morin (1997, p. 24), é importante refletir sobre as crises da humanidade,
a fim de participarmos das decisões sociais e políticas de nosso tempo como
cidadãos sociais, culturais e terrestres, resguardando o nosso direito e a nossa
capacidade de intervenção, transformação, emancipação e reconstrução.
Ao nascer, o ser humano não se depara com uma felicidade pronta e
acabada, mas ele próprio é responsável pela construção de sua felicidade. E se o
poeta diz que a felicidade é feita de alguns momentos, esse ser humano, nas várias
instâncias que cercam sua vida, deve prover essa busca. Essa busca dar-se-á
inclusive em campos mais complexos como o da espiritualidade humana, que aqui
estamos nominando-a como inteligência ou vislumbrando a possibilidade de ela ser
considerada pela ciência, ou melhor, pela psicologia, uma das inteligências
humanas. Tem-se consciência que existem alguns fenômenos que não se consegue
explicar. O próprio ser humano com toda sua complexidade é um deles, assim como
35
o universo, a vida e a morte, o amor e o ódio. O cosmos, o universo, a vida, as
coisas e as pessoas não puderam ser vistos ou estudados sem compreensão e
aceitação do todo.
Teria a complexidade sido criada por nossa cabeça ou se encontra na própria
natureza das coisas e dos seres? Nicolescu (1994, p. 46) afirma que o estudo dos
sistemas naturais nos dá uma resposta parcial. A complexidade das ciências é antes
de qualquer coisa a complexidade das equações e dos modelos. Ela é, portanto,
produto de nossa cabeça, que é complexa. Porém essa complexidade é a imagem
refletida, ela está na natureza das coisas. Alem disso a física e a cosmologia
quântica nos mostra que a complexidade do universo não é a complexidade de uma
lata de lixo, sem ordem alguma. Uma coerência atordoante reina na relação entre o
infinitamente pequeno e o infinitamente grande.
Para Morin (1999, p. 26), o pensamento complexo compreende o princípio da
incerteza tal como formulado por Werner Heisenberg, físico quântico e um dos
fundadores da mecânica quântica. Esse princípio tem sua base assentada na
falibilidade lógica, no surgimento da contradição e na indeterminabilidade da
verdade científica. O pensamento complexo é desprovido de fundamentos de
certezas absolutas e permeia os diversos aspectos do real. Viver no risco e na
incerteza é o grande desafio da condição humana. A vida humana é uma aventura,
uma viagem rumo ao incerto. Segundo Morin (1999, p. 26), todos somos
construtores de um futuro que é incerto.
A reforma do pensamento, em época de incerteza, pressupõe a consciência
reflexiva de si e de mundo para o exercício de uma auto-ética que é complexa e
entende o humano como um ser relacional que vive em comunidade. Assim, aceitar
o outro e compreendê-lo de forma amorosa é condição ontológica da existência
humana e implica mudança de atitude e perspectiva diante da vida humana.
Para Capra (1982, p. 297), entre os místicos ocidentais, aquele cujo
pensamento mais se aproxima da nova biologia sistêmica é Pierre Teilhard de
Chardin. Teilhard, além de sacerdote jesuíta, era também um eminente cientista, e
ofereceu importantes contribuições para a geologia e a paleontologia. Seu conceito
fundamental, que ele chamou de Lei da Complexidade e Consciência, enuncia que a
evolução se desenrola rumo a uma crescente complexidade, e que esse aumento de
complexidade é acompanhado por uma correspondente elevação do nível de
consciência, culminando na espiritualidade humana. Teilhard usa o termo
36
“consciência” com o sentido de percepção consciente, definindo-a como “o efeito
específico da complexidade organizada”, perfeitamente compatível com a concepção
sistêmica da mente. Sob a influência da física quântica e da teoria da complexidade,
surge uma nova visão, a visão holística clara e direta da realidade.
2.7 O NOVO PARADIGMA E A VISÃO HOLÍSTICA DA REALIDADE
Quando se fala de uma nova visão de mundo e da realidade em que a
ciência vem se juntar às grandes religiões para tentar compreender e explicar as
questões vitais do homem , anuncia-se um novo movimento chamado Holístico,
que vem da palavra grega holos, que significa “todo”. Weil (1991, p. 19-20) nos
relata que, em 1926, foi editado em Londres um livro escrito por um general sul-
africano, um dos primeiros partidários do movimento anti-apartheid, o filósofo Ian
Christian Smuts, com o título Holism and evolution. O assunto central desse livro
consiste numa tentativa de definição da natureza da evolução, das suas fases
principais e de um fator ou princípio subjacente a essa evolução e a todo o universo.
A palavra holística nesses últimos vinte anos tem penetrado
progressivamente no âmbito da filosofia, da teologia, da educação, da ecologia, da
psicologia, da economia e dos demais domínios do conhecimento humano. Ela
representa na realidade todo o movimento de mudança de sentido não somente da
ciência, mas de todo conhecimento humano. Essa nova visão holística do real tem
surgido sob influência das descobertas da física quântica e da psicologia
transpessoal. Essa visão holística foi, segundo Crema (1989, p. 15), postulada
desde 1980 pela psicóloga francesa Monique Thoening. Esse paradigma surge
como uma resposta à crise global da consciência humana, dividida e exilada.
O movimento holístico chega de forma sutil e corajosa para despertar a
consciência das pessoas, mostrando-lhes o subjugo em que vivem de forma tão
fragmentada. É uma corrente de compreensão mundial, na qual têm se envolvido
artistas, pesquisadores, cientistas, escritores, e instituições como universidades,
Igrejas, comunidades, entre outros, todos com um objetivo comum. É mister
questionarmos o modelo de mundo em que vivemos e reavaliarmos nossos valores.
37
O movimento holístico chega de forma includente e transformadora, pois suas
raízes estão na espiritualidade. Para Weil (1991, p. 35), isso ocorre porque tem um
caráter inefável, pois se situa num domínio que transcende a linguagem e o
raciocínio lógico. Sem essa vivência, a visão holística permanece meramente
intelectual. Existe um consenso entre as pessoas que passaram por essa vivência
de que ela seja algo transcendental. O movimento holístico não tem pretensões de
provar nada, mas de incluir tudo. Tudo faz parte de tudo. A parte é tão importante
quanto o todo. E o todo é tão importante quanto a parte, porque ambos são
inerentes um ao outro.
A abordagem holística tem sido um esteio de sustentação para essa nova
compreensão da vida, para essa percepção da crise em que vive o mundo. Muitas
são as formas como a concepção holística vem ajudando no desenvolvimento de
uma real espiritualidade. Essa manifestação tem se dado muito no campo científico
e acadêmico. Tem levantado cientistas doutores e mestres em quase todas as áreas
do saber para postular sobre esse novo modelo de ser, defendendo suas teses para
dizer à humanidade que poderemos ser mais felizes. Que poderemos ajudar tanto os
jovens de hoje como as futuras gerações a serem mais felizes.
Falar do movimento holístico é pensar numa nova práxis de vida, de
espiritualidade e, acima de tudo, de inteligência. Trata-se de uma visão inclusiva e
virtualmente terapêutica facultada pela abordagem holística e que se expressa como
uma grande síntese, na qual os opostos são reconciliados e integrados. Crema
(1989, p. 77) relata que as aplicações da abordagem holística estendem-se a todas
as esferas do saber e do atuar humano, desde a teoria do conhecimento à
educação, saúde, economia, administração, ecologia, política. Abrange a ontologia,
gnoseologia e epistemologia. Ontologia refere-se àquilo que sou; a gnoseologia
refere-se àquilo que sei; e a epistemologia é a teoria relativa a como sei. Para
Crema (1989, p. 79), existe uma firme convicção de que o paradigma holístico há de
prevalecer como irreversível onda, modelando a nova racionalidade e uma atitude
humana holocentrada na cosmovisão holística, indicando um caminho possível para
se viver melhor.
Estamos enfrentando uma combinação de mudanças paradigmáticas que
pode ser mais poderosa do que qualquer coisa que o mundo tenha visto antes. O
movimento holístico consiste em passar da realidade relativa do mundo concreto à
realidade absoluta do mundo de luz, e também integrar os dois mundos de tal modo
38
que o programa do todo se encontre em todas as partes. O movimento holístico
transcende toda fragmentação disciplinar e integra nele o novo paradigma
transdisciplinar.
Ser holístico não significa ser irreverente, revolucionário, mas significa, acima
de tudo, ter um novo olhar sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o cosmos onde
vivemos. Essa nova maneira de olhar nos leva à descoberta do ser, nos leva à
espiritualidade. Porém, só conseguiremos ser holísticos se a nossa inteligência
espiritual estiver no comando. É a espiritualidade que nos dará o nível necessário de
compreensão para praticarmos o holos, o todo. Crema (1989, p. 70) diz que
devemos usar a nossa inteligência espiritual para proteger a vida, o ambiente, o
planeta em que vivemos e sobretudo as nossas relações.
Para Crema (1989, p. 72), os conceitos de não-separatividade, de correlação,
de teia de interconexão cósmica, de um todo matéria-mente, de uma unidade
observador-objeto demonstram, categoricamente, que o homem faz parte da
dinâmica do Universo, podendo agir sobre esse Universo, além do acaso e da fria
causalidade. E todas essas evidências reforçam e dão nova vida ao que Jung (1999)
denominou de sincronicidade: simultaneidade, coincidência significativa. O que seria
sincronicidade?
A psicóloga Moacanin (1986, p. 55) nos relata que a sincronicidade é o mais
abstrato e enganoso dos conceitos de Jung. A autora diz que ele a descreve como
uma coincidência significativa de dois ou mais eventos, em que entra em jogo mais
do que a probabilidade do acaso. As conexões dos eventos não resultam do
princípio de causa e efeito, mas de algo chamado por Jung de princípio de conexão
não-causal. O fator crítico é a experiência significativa, subjetiva, pela qual passa a
pessoa: os eventos se conectam de forma significativa, eventos do mundo interior e
do exterior, o invisível e o tangível, a mente e o universo físico.
Para melhor compreendermos o que vem a ser sincronicidade, necessário se
faz que entendamos o princípio de causalidade. Crema (1995, p. 45) diz que a
sincronicidade considera a correspondência entre um acontecimento psíquico e uma
situação externa, que transcorre simultaneamente em uma unidade de eventos. No
momento comum da ocorrência dos fenômenos, o sujeito desvela um significado
captado na simultaneidade, transmutando o mero acaso em tocante sincronicidade.
O princípio da sincronicidade aponta para a sutil cumplicidade dos eventos que se
entrecruzam num momento da vivência, isentos de qualquer conexão causal.
39
Para Jung (1999, p. 84), os eventos sincronizados indicam uma harmonia
profunda entre todas as formas de existência. Tal harmonia, quando experienciada,
converte-se num acontecimento de tremenda força que promove ao indiduo uma
sensação que transcende o tempo e o espaço. Nesse contexto, homem e universo
encontram-se em indissolúvel diálogo e cumplicidade, respondendo-se mútua e
instantaneamente por meio de infindáveis eventos que se intercruzam. O todo
responde à indagação da pergunta que faz parte do Todo. De alguma forma somos
capazes de potencializar as mensagens cósmicas implícitas: o Universo não é
indiferente. Seria esse transcender ao tempo e ao espaço, essa perfeita forma de
viver a vida a observar os sinais e as formas de coincidências significativas, que
daríamos o nome de inteligência espiritual, ou melhor, esse transcender seria uma
das manifestações dessa inteligência.
Weil (1998, p. 73), principal mentor do movimento holístico no Brasil, diz que
a abordagem holística são ondas a procura do mar. Ele define a abordagem holística
da realidade como a tendência para se lançar pontes sobre todas as fronteiras e os
reducionismos humanos. Ele estabelece os seus dois distintos e complementares
fundamentos: a holologia e a holopráxis. Conforme Weil (1991, p. 35), a holologia
consiste no estudo teórico do antigo e do novo paradigma, das suas consequências
na vida humana. Ela se estende também à descrição da vivência holística,
permitindo, no momento oportuno, reconhecer as diferentes vivências como normais
para o nível evolutivo alcançado. Sua função é preparar o intelecto para aceitar a
vivência holística e cooperar para que ela aconteça. A holologia integra também o
estudo dos textos tradicionais e das pesquisas científicas. Já a holopráxis é o
conjunto dos métodos que levam à vivência holística ou transpessoal. A aplicação
da visão holística da holopráxis se dá em três âmbitos: na sociedade, na vida
cotidiana e na vida íntima. Enquanto a holologia refere-se ao aspecto do saber, a
holopráxis destina-se à dimensão do ser. É impossível ser holístico sem praticar uma
espiritualidade, sem acessar os níveis mais altos do estado de compreensão da
consciência.
Para Weil (1998, p. 76), a moderna psicologia transpessoal é uma ciência
holística, e recente em termos históricos. A psicologia transpessoal é a primeira
tentativa de integração das diferentes visões de ser humano em uma visão mais
ampla e abrangente. O termo transpessoal significa “além do pessoal” ou “além da
personalidade”. Utiliza-se esse termo porque a psicologia transpessoal ocupa-se de
40
capacidades humanas que estão além da esfera do ego. A psicologia transpessoal é
também a primeira corrente da psicologia a considerar expressamente que o ser
humano possui uma dimensão espiritual. A espiritualidade é um dos objetos de
estudo da psicologia transpessoal. Crema (1989, p. 73) afirma que a compreensão
da abordagem holística, portanto, requer a reflexão e o estudo dos seus
fundamentos teóricos e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da percepção e
abertura do espaço interior, que significa o seu essencial e transformador
testemunhar ontológico.
Caminharemos, segundo Crema (1989, p. 74) para uma compreensão
holoepistemológica. Nesse vasto campo, levando em conta a crise geral
contemporânea do saber, e em função da emergência do paradigma holístico, a
mais importante e audaciosa busca é a classificação e o desenvolvimento de uma
holocpistemologia que, juntamente com a epistemologia crítica, possa sustentar uma
evolução criativa do saber, comparável com a do ser. O que seria
holoepistemologia? Para Crema (1989, p. 80), epistemologia provém do grego
epistéme (ciência) e logos (razão, discurso). Pode significar razão ou discurso da
ciência, bem como princípio de unificação ou de ordem da ciência. A epistemologia
crítica é derivada da reflexão dos próprios cientistas sobre os caminhos e os
descaminhos da ciência.
É neste particular que a abordagem holística, fundamentada na visão
sistêmica de mundo, vem dar sustentação à busca de uma maior excelência no ser
humano, a sua espiritualidade, tratando de conceitos que nos ajudarão a reconhecer
as verdadeiras contribuições do paradigma holístico para a espiritualidade.
2.7.1 As Contribuições do Paradigma Holístico para a Inteligência Espiritual
O movimento holístico nasce da necessidade que se descortina diante dos
grandes problemas da atualidade, entre os principais, a fragmentação do ser
humano, ou seja, a dualidade em que vive esse ser, dividido em corpo e mente, sem
dar ou ter qualquer atenção ao seu espírito, elo essencial para o desenvolvimento de
uma espiritualidade, de uma vida mais humana. O holismo aponta para dentro do ser
humano e lhe mostra a maneira como, nessa totalidade que leva a conjuntos cada
41
vez mais perfeitos, podem ser encontrados o sentido profundo e o próprio rumo do
universo e também que as respostas estão todas dentro do próprio ser humano.
Os conceitos que iremos apresentar a seguir são todos oriundos do
movimento holístico e têm por objetivo contribuir na formação da personalidade das
pessoas, especialmente no que diz respeito ao processo ético, humano e espiritual.
Para o movimento holístico, o ponto mais alto da evolução é a personalidade, por ser
construída, segundo Weil (1991, p. 27), sobre as estruturas anteriores da matéria, da
vida e da mente em um movimento holístico do universo. Ela constitui um conjunto
que integra corpo e mente. É o holismo é o agente criador desse conjunto. A
qualidade de cada pessoa humana é única e absolutamente individual. Por isso no
quesito do holismo encontramos outras referências conceituadas para a
compreensão do todo, vejamos alguns deles.
2.7.1.1 Normose ou patologia da normalidade
Normose é um dos conceitos mais importantes gerados pelo movimento
holístico. O paradigma holístico implica na criação de conceitos que venham mudar
a nossa maneira de ver as coisas. Para Weil (2003, p. 22), a normose poderá ser
conceituada como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de
pensar ou de agir aprovados por consenso ou por uma maioria em determinada
sociedade, provocando sofrimento, doença e morte. Essas são as características de
um comportamento normótico. É algo patogênico e letal, executado sem que os seus
autores e atores tenham consciência de sua natureza patológica.
Como exemplo, Weil (2003, p. 23) cita a normose criada pela ditadura
masculina, que já dura quatro mil anos e caracteriza-se pela repressão do feminino,
preferência pela eficiência, condenação da afetividade e repressão do amor. Temos
as normoses específicas, as alimentares, as de culto ao corpo, as políticas, as
ideológicas e as bélicas. Temos também as normoses religiosas, tema capital
nesses tempos de fundamentalismo religioso. Religiões normóticas criam consensos
de massa, jogando povos contra povos em nome de Deus.
Para Weil (2003, p. 26), a característica comum a todas as formas de
normose é seu caráter inconsciente. Os seres humanos, por preguiça e comodismo,
42
reproduzem o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-
se à crítica. Por comodismo as pessoas seguem e repetem o que dizem os jornais.
Essa é uma maneira disfarçada de manipular as opiniões, mudar os sistemas de
valores e anunciar que eles são adotados pela maioria da população. Assim, toda
normose é uma forma de alienação, portanto, ela sempre facilitará a instalação de
regimes totalitários e de sistemas de dominação.
Weil (2003, p. 34) nos relata que tomar consciência da normose e de suas
causas constitui a verdadeira terapia para a crise contemporânea. Trata-se de
encontrar a liberdade. Seguir as normas cegamente é tornar-se escravo. Para
Leloup (2003, p. 183), a normose é um sofrimento como a neurose e como a
psicose. É ela que nos impede de sermos realmente nós mesmos. O consenso e a
conformidade impedem o encaminhamento do desejo no nosso interior.
Segundo Crema (2003, p. 191), em nossos livros convencionais de
pedagogia, de psicologia, de psiquiatria, de administração ou liderança, não consta a
maestria de um Buda e de um Cristo, dois ilustres representantes de uma
inteligência espiritual, do Oriente e do Ocidente respectivamente. As gerações de um
futuro mais íntegro e saudável custarão a acreditar que gerações e gerações de
médicos, de psicólogos, de psiquiatras e de outros cuidadores não estudaram os
mais eminentes representantes desses ofícios, os verdadeiros educadores da
humanidade. Por terem desenvolvido, além da razão, a plenitude do coração e da
consciência espiritual, dando testemunhos belos e paradigmáticos de amor e de
fraternidade, foram banidos das escolas, das universidades e da academia, que
apenas o reconhecem como gênios menores. Para o autor, o absurdo maior dessa
alienação normótica consiste em constatar que o imperativo óbvio para superarmos
esta megacrise pela qual passamos é justamente orientar o nosso ser pela
sabedoria do coração, espaço de onde emanam a ética e os valores perenes do
amor e da compaixão.
De acordo com Crema (2003, p. 192), uma vez que assimilemos esse
conceito e o seu alcance, nossa visão se abre. Essa denominação comporta-se
como um poderoso agente revelador, que facilita a tomada de consciência de
aspectos essenciais para a preservação da saúde individual e coletiva. Na
concepção holística, o normótico não usa, não conhece e muito menos procura
desenvolver sua inteligência espiritual. É impossível viver uma espiritualidade e, ao
mesmo tempo, consentir com as normoses existentes.
43
2.7.1.2 Terapia inter-religiosa
Falar sobre as terapias das religiões é um dos caminhos propostos pelo
paradigma holístico. Acredita-se que a primeira função das religiões seja cuidar dos
seres humanos, dos animais, da natureza, religando-os à sua fonte, ao princípio
criador. As religiões se concebem como ferramentas que estão a serviço do ser
humano. Assim, as religiões deveriam dialogar entre si sem entrar em questões
doutrinárias, ao contrário, deveriam se congregar naquilo que as aproxima e relevar
o que as diferencia. A proposta holística na terapia inter-religiosa é um verdadeiro
ecumenismo entre todas as tradições. Esse seria um diálogo para a paz no mundo.
A abordagem holística nos ensina que deveremos ter um profundo respeito por tudo
o que é considerado sagrado, visto que cada religião pode nos dizer alguma coisa
sobre a verdade. Então não se trata de possuir a verdade, mas de ser verdadeiro.
A concepção holística postula que cooperar com essa terapia, para as
religiões, é, em primeiro lugar, sair do fanatismo. Seria então necessário o
entendimento que todo o conhecimento sobre Deus vem sempre através de um ser
humano. Tudo o que sabemos do Absoluto é sempre através de um ser relativo, ou
melhor, através de um humano que encontrou ou disse encontrar uma verdade. Só
temos opiniões relativas sobre o Absoluto e dessas opiniões relativas. Fazemos um
Absoluto, ou seja, esse Absoluto vira verdade única e sem abertura para uma outra
qualquer. Nisso se encontra a fonte dos conflitos entre as religiões. O holismo
promove o diálogo entre todas as tradições espirituais e por meio desse diálogo
inter-religioso as integra umas às outras, dizendo que todas detêm a verdade, pois,
embora apresentem caminhos diferentes, são apenas diferentes. Cada uma
apresenta a verdade à sua maneira.
Quando se chega a uma investigação científica como, por exemplo, de onde
surgiram as religiões, constata-se que na sua origem há sempre um ser humano. E
esse ser humano tem um inconsciente pessoal, um inconsciente familiar e também
um inconsciente coletivo. Essa mensagem compartilhada pelo ser humano percorre
todos esses inconscientes, podendo receber influência e encerrar uma impressão de
cada um.
O paradigma holístico nos leva a questionar sobre as muitas verdades, a
incluir todas as verdades e a perguntar de onde vêm as palavras das escrituras,
44
palavras que são fonte de religiões. Deus será sempre aquilo que nos liberta e não o
que nos aprisiona. Para Leloup
8
Nicolescu (1999, p. 51) diz que a transdisciplinaridade, como o próprio prefixo
trans indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas,
através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a
compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do
(2003, p. 188), essa terapia inter-religiosa trata de
reconhecer a fonte infinita que está na origem de todas as religiões; de reconhecer
os limites dentro dos quais essa fonte infinita se instala. A ideia seria permanecer
nesta atitude de abertura, pois isso fará que se fique livre de toda forma de
fanatismo. A união entre as religiões não se faz a partir do que se conhece.
Crema (2003, p. 195) diz que é necessário enfatizar uma espiritualidade
transreligiosa como um instrumento de amor, cuidado e fraternidade, no respeito
consciente por todas as tradições, já que todas provêm da mesma fonte de água viva
do amor incondicional, incluindo-se aí uma espiritualidade agnóstica, livre de crenças,
de ritos e de instituições. Precisamos das tradições, desde que elas mantenham a
boa e sagrada função do religare. Espiritualidade é amor, é serviço em movimento.
As pessoas verdadeiramente espiritualizadas são aquelas que amam, que servem e
que se doam.
2.7.1.3 Transdisciplinaridade
A abordagem holística nos postula a buscar uma transdisciplinaridade, ou
seja, a não nos fecharmos em compartimentos estanques e separados do saber,
mas que essa construção do ser esteja interligada com todas as ciências e teorias
existentes. A transdisciplinaridade transcende o enfoque disciplinar e reata a ligação
entre os ramos da ciência com os caminhos vivos da espiritualidade, implicando a
imprescindível e já referida interação hemisférica. É necessário que entendamos o
significado do que vem a ser transdisciplinaridade, na medida em que se trata de um
conceito postulado pelo movimento holístico presente em todos os segmentos que
tratam do saber.
8
Padre ortodoxo, teólogo, filósofo e Doutor em Psicologia.
45
conhecimento. Para Nicolescu (1999, p. 53), a transdisciplinaridade se interessa pela
dinâmica gerada pela ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo. A
descoberta dessa dinâmica passa pelo conhecimento disciplinar. Embora a
transdisciplinaridade não seja uma nova disciplina, nem uma nova hiperdisciplina,
alimenta-se da pesquisa disciplinar, por sua vez, é iluminada de maneira nova e
fecunda pelo conhecimento transdisciplinar. Existem três pilares que dão significativa
fundamentação a transdisciplinaridade: os níveis de realidade, a lógica do terceiro
incluído e a complexidade.
Explicando os três pilares da transdisciplinaridade, Nicolescu (1999, p. 52)
nos diz que a visão da realidade seria uma evolução do conhecimento, sem jamais
poder chegar a uma não-contradição absoluta, implicando todos os níveis de
realidade: o conhecimento está aberto para sempre. Sobre o terceiro incluído, diz
que as palavras “três” e “trans”m a mesma raiz etimológica: três significa a
transgressão do dois, o que vai além do dois. A transdisciplinaridade é a transgressão
da dualidade que opõe os pares binários: sujeito/objeto, subjetividade/objetividade,
matéria/consciência, natureza/divino, simplicidade/complexidade, reducionismo/holismo,
diversidade/unidade. A complexidade do objeto transdisciplinar responde à
simplicidade infinita do sujeito transdisciplinar da mesma forma que a complexidade
de um único nível de realidade poderá significar a simplicidade harmoniosa de um
outro nível de realidade.
A disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo arco, o do
conhecimento. Nicolescu (1999, p. 62) relata que a finalidade da pluri e da
interdisciplinaridade sempre será a pesquisa disciplinar. Se a transdisciplinaridade é
tão frequentemente confundida com a inter e a pluridisciplinaridade, isso se deve a
fato de que as três ultrapassam as disciplinas. O caráter radicalmente distinto da
transdisciplinaridade é a compreensão do mundo presente no sentido de nossa vida
e em relação à nossa morte neste mundo que é de todos nós.
Crema (1989, p. 92) diz que a nova transdisciplinaridade só poderá ser
fundamentada nas melhores competências. Ela não poderá ser a façanha de um só
homem. Será necessário a constituição de organismos, de centros de pesquisa
transdisciplinar que reúnam especialistas de diferentes domínios e funcionem com
autonomia total em relação a todo poder econômico, político, religioso, financeiro,
ideológico ou administrativo.
46
A proposta de transdisciplinaridade reflete uma visão essencialmente
inclusiva. Não se trata, absolutamente, da simplista e irrealista negação da
especialidade, que continua tendo a sua validade relativa. Representa uma
convocação para a abertura e para a formação do novo profissional. A abordagem
holística, com toda a sua sutileza e seriedade, vem adentrando os diversos espaços
da sociedade, seja nos meios acadêmicos, na política, no meio empresarial, na
sociedade comum organizada. Com todos esses diversos atores, esse é um
movimento sem volta. A própria ciência encampa essa ideia, e sai à frente com
precursores de ideias tão revolucionárias como Fritjof Capra.
A exemplo da vivência oriental, o movimento holístico busca uma grande
similaridade com os conceitos vividos no oriente há milhares de anos. Uma das
características mais profundas da civilização oriental é a busca de uma realidade
interior, de uma espiritualidade de vida que reúna todas as coisas numa totalidade. A
abordagem holística considera esse exemplo e tenta trazê-lo a todos essa
compreensão de que o ser humano é algo infinito, com capacidades de desenvolver
uma centelha divina, desde que se reintegre consigo mesmo, com os outros, com o
mundo e com o cosmos. Isso é ser holístico, é ter uma espiritualidade que não
negue nem idolatre nada.
No capítulo seguinte, deteremos o nosso olhar no que seria de fato
inteligência espiritual. Para chegarmos a essa informação, descreveremos as
implicações do paradigma da racionalidade, um novo paradigma sobre a
espiritualidade e como ela é compreendida em cada um deles. O que se entende na
concepção dos teóricos pesquisados por inteligência espiritual? Qual é a sua
importância para a humanidade? Como ela se faz presente na pessoa, na saúde das
pessoas? O que dizem as últimas pesquisas sobre essa inteligência?
47
3 CAPÍTULO II ESPIRITUALIDADE: INTELIGÊNCIA COMO SENTIDO E
SIGNIFICADO DA VIDA
3.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo apresentar a urgência e a relevância de pensar
a espiritualidade como inteligência e enfatizar sua premente atualidade. A
espiritualidade como forma de inteligência seria uma das fontes primordiais, embora
não seja a única, de inspiração do novo. Ela estaria inclusa na complexidade de
entender o ser humano, seria um dos componentes ligado ao novo paradigma, faria
parte dessa nova visão da realidade.
Neste capítulo iremos abordar, como a espiritualidade é compreendida no
paradigma tradicional e no novo paradigma. Existe espaço para o desenvolvimento
da espiritualidade no velho paradigma tradicional? E no novo paradigma? Como a
espiritualidade é tratada? Existe espaço para lidarmos em quê com este componente
do ser humano?
3.2 LUGAR DA ESPIRITUALIDADE NO PARADIGMA TRADICIONAL
Zohar (1990, p. 23), em referência ao velho paradigma, diz que é difícil perder
os velhos hábitos intelectuais. As categorias newtonianas de tempo, espaço, matéria
e causalidade impregnaram tão profundamente na percepção das pessoas sobre a
realidade que emprestam sua cor, a todos os aspectos da forma de pensar sobre a
vida, que não é fácil imaginar um mundo no qual de uma hora para outra, haja uma
troca de realidades de maneira abrupta.
Zohar (2000, p. 23) afirma que o nascimento da ciência moderna foi precedido
e acompanhado pelo desenvolvimento do pensamento filosófico que deu origem ao
dualismo espírito/matéria. Esse pensamento veio à tona no século XVII com a
filosofia de René Descartes. Para essa filósofa a visão da natureza derivava de uma
divisão em dois grandes reinos separados e independentes: o da mente e o da
48
matéria. Esse pensamento acompanhava também a ideia de um Deus ditador, que lá
das alturas governa o mundo, impondo-lhe a lei divina. Se o mundo é visto há
aproximadamente trezentos anos de forma fragmentada, compartimentada, o que
poderemos dizer do ser humano e de sua religiosidade e sobretudo da sua
espiritualidade?
Zohar (2000, p. 37) diz que a era moderna é definida por coisas tais como
desmoronamento da família, da comunidade e da religião tradicional, perda ou falta
de heróis, e que está povoada por seres humanos jovens que tentam encontrar
nessas coisas sentido para suas vidas. É uma época em que não há indicadores
claros, regras claras, valores claros, nenhuma maneira clara de crescer, nenhuma
visão clara de responsabilidade. Segundo a concepção dessa autora, esse deserto
espiritual surgiu como produto de um mundo mecânico, profunda exarcebação do
intelecto humano.
Conforme Zohar (2000, p. 38), a cultura moderna é espiritualmente atrofiada, e
isso não ocorre somente no ocidente, mas também, cada vez mais frequentemente,
em países asiáticos. Por espiritualmente atrofiada essa autora quer dizer que se
perdeu o senso de valores fundamentais, os valores ligados à terra e às estações, às
horas que passam, aos instrumentos e rituais diários de nossa vida, ao corpo e às
suas mudanças, ao sexo, ao trabalho e seus frutos, às etapas da vida e à morte
como fim natural. Vive-se, usa-se e se vivencia apenas o imediato, o visível, e o
pragmático. Existe uma cegueira para osveis mais profundos de símbolo e sentido
em que estão inseridos os objetos, as atividades, um marco existencial mais amplo,
que seria vivenciar uma espiritualidade.
Para Zohar (2000, p. 43), o mundo mecânico de Descartes e de Newton gerou
na humanidade uma crise de sentido. E o que é o sentido? É o caminho que se deve
seguir na existência humana, o reconhecimento de um propósito de vida. Para a
autora o que dá a justa medida para essa ação na vida é o espírito, é a vivência de
uma espiritualidade que leve o ser humano a encontrar sentido e significado para sua
vida. Nos últimos duzentos ou trezentos anos, os horizontes foram limitados ao
meramente humano, e isso levou o ser humano a um auto-egotismo. Para Zohar um
egótico é mais do que um egoísta. Pessoas egoístas enxergam o próximo, mas na
maioria das vezes escolhem a si próprias nas tomadas de decisões requeridas por
variadas circunstâncias na vida. Egóticos sequer enxergam os outros, de tão
obcecados que são pela própria pessoa. Têm um sentimento exagerado da própria
49
personalidade, do próprio valor. Esse sentimento impede a pessoa de buscar um
sentido mais amplo para sua vida, ou seja, de buscar a vivência de uma
espiritualidade.
Para Capra (1982, p. 49), a noção de um universo orgânico vivo e espiritual foi
substituído pela noção de mundo como se fosse uma máquina, e essa máquina
tornou-se dominante na era moderna, trazendo consequências à vida do ser humano
e à sua espiritualidade. Capra (1982, p. 13) diz que nossa sociedade como um todo
se encontra numa crise análoga e singular, diferente de todas as crises que já
tivemos no passado. Poder-se-á ler acerca de suas numerosas manifestações todos
os dias nos jornais como, por exemplo, elevadas taxas de desemprego, crise
energética, crise na assistência à saúde, poluição, entre outros desastres ambientais,
onda crescente de violências e crimes, além de um número devastador de pobres
sem casa, sem teto, sem terra e com fome. Na concepção desse autor, tudo isso se
resume em uma só crise: uma crise de percepção.
Como diz Weil (1991, p. 18), quebramos a unidade do conhecimento e
distribuimos os pedaços entre os especialistas. Aos cientistas demos a natureza; aos
filosófos, a mente; aos artistas, o belo; aos teólogos, a alma. Não satisfeitos com
essa divisão, fragmentamos a própria ciência, espalhando-a pelos domínios da
matemática, da física, da química, da biologia, da medicina e de tantas outras
disciplinas. O mesmo ocorreu com a filosofia, a arte e a religião, cada um desses
ramos foram sendo subdivididos ao infinito.
De que forma se deu todo esse distanciamento da espiritualidade? Na visão
de Moraes (1997, p. 39), a técnica, ao servir de base para a Revolução Industrial,
aumentou o poder de manipulação do ser humano sobre a natureza. Pouco a pouco,
o divino desapareceu completamente da visão científica do mundo. O sagrado parece
não mais habitar em lugares antes habitados. E isso se tornou característico da
cultura em que vivemos. Para essa autora, esse fato acarretou também um pesado
ônus que provocou uma significativa perda para a raça humana em termos de
sensibilidade, estética, sentimentos e valores, ao direcionar atenção e importância
para tudo o que fosse mensurável e quantificável.
Para Moraes (1997, p. 43), esse método foi insensível a valores. Esseficit
de valores se enraizou em nossa cultura e levou todos a um processo de alienação e
a uma crise planetária de abrangência global. O ser humano alienou-se da natureza,
do trabalho, de si mesmo e dos outros. E essa alienação o deixou dividido no
50
conhecimento, dissociado em suas emoções e em seus afetos, com a mente técnica
e o coração vazio, um vazio de propósitos, de caminho a seguir, um vazio de
espiritualidade, ficando compartimentalizado no viver e se sentindo profundamente
infeliz.
Para Moraes (1997, p. 44), não se trata de mais uma análise pessimista do
mundo contemporâneo, mas apenas de uma visão de um ponto de partida de onde
devemos começar a procurar as novas saídas, as soluções geradoras de possíveis
transformações, uma vez que se faz necessário um forte processo de renovação da
humanidade. Falar em uma nova visão de mundo não significa desconsiderar
totalmente a visão anterior, mas, sim, compreender a importância da utilização das
ferramentas do paradigma emergente holístico nessa nova proposta de realidade de
vida. Contextualizando o que diz essa autora em relação à espiritualidade,
entendemos que ela esteja se referindo à capacidade inerente ao ser humano de
gerar sentidos e significados para sua vida. Portanto, que essa espiritualidade diz
respeito à vivência dessa capacidade, dessa inteligência.
3.3 LUGAR DA ESPIRITUALIDADE NO NOVO PARADIGMA
Como o novo paradigma vê a questão da espiritualidade? Existe lugar para
essa dimensão no mundo contemporâneo?
Nesta nova realidade a espiritualidade tem o seu lugar. No novo paradigma se
sai da racionalidade total e se caminha para o encontro de si mesmo se reintegrando
com o todo. A consciência dominante nesses momentos seria um reconhecimento
profundo da unidade do ser humano com todas as coisas, uma percepção de que se
pertence a um universo como um todo.
Na percepção de Capra (2002, p. 81), esse entendimento de unidade com o
mundo natural é plenamente confirmada pela nova concepção científica de vida. À
medida que compreendemos que a física e a química básicas são as próprias raízes
da vida, que o desenvolvimento da complexidade começou muito tempo antes da
formação das primeiras células vivas e que a vida evoluiu por bilhões de anos usando
sempre os mesmos padrões e processos, percebemos o quanto se está ligado à teia
da vida.
51
A visão sistêmica da vida vê o ser humano de forma integrada, e nesta nova
concepção há lugar para a espiritualidade, para os rituais, para se vivenciar os
símbolos, ritos e mitos. Capra (2002, p. 82) relata que, quando olhamos o mundo em
volta, a percepção é que não se está lançado em meio ao caos e à arbitrariedade,
mas que se faz parte de uma ordem maior, de uma grandiosa sinfonia da vida. Para
esse autor, cada molécula do corpo já fez parte de outros corpos, vivos ou não, e fará
parte de outros corpos no futuro. Nesse sentido o corpo não morrerá, mas continuará
perpetuamente vivo, pois a vida é um processo contínuo. A ideia de Capra é que
todos fazem parte do universo, pertencemos a este universo e nele estamos em
casa. Na visão de Capra, a percepção desse pertencer, desse fazer parte, dará um
profundo sentido à vida.
Conforme Zohar (2000, p. 24), há lugar para a espiritualidade no novo
paradigma. Essa autora defende a espiritualidade como uma inteligência humana e
afirma que o coeficiente de inteligência espiritual (QS) é uma capacidade interna,
inata, do cérebro e da psique humana, que extrai seus recursos mais profundos do
âmago do próprio universo. Segundo Zohar teremos que usar nosso QS inato para
abrir novos caminhos, descobrir novas manifestações de sentido, algo que possa nos
conduzir a partir de dentro, ideias inconcebíveis que não poderíamos ter tempos
atrás. Ela diz que a inteligência espiritual é a inteligência da alma. É a inteligência
com a qual se provê a cura e se torna um todo integral.
Para Moraes (1997, p. 70), no novo paradigma, existe uma compreensão do
mundo mais adequada à sobrevivência humana, que é este um dos fatores básicos e
essenciais para a harmonia do indivíduo, da sociedade e da natureza como um todo.
Essa nova visão nos leva a compreender o mundo físico como uma rede de relações,
de conexões, e não mais como uma entidade fragmentada, uma coleção de coisas
separadas. Se separarmos as partes, se as isolarmos do todo, estaremos eliminando
algumas delas na tentativa de delinear cada uma. Com essa compreensão mais
humanitária, acredita-se que exista lugar para a vivência de uma espiritualidade.
No novo paradigma iremos trabalhar uma dimensão além do individual, porque
a raiz da visão sistêmica é o estar interligada todas as coisas. Tudo está ligado a
tudo. Para Moraes (1997, p. 110), com o novo paradigma teremos uma educação
espiritual, e isso requer uma maior conscientização de fraternidade humana, uma
percepção de que não estamos sós e de que não podemos crescer isolados. A
evolução é e será sempre coletiva. Dependerão do crescimento individual e do
52
reconhecimento da necessidade de crescimento mútuo. Ela afirma que é uma ligação
espiritual que abrange sentimentos, conhecimento e sensibilidade. É abertura,
confiança, aceitação, um profundo encontro entre pessoas que buscam relações
humanas transformadoras, sem simulações nem fingimentos. É a compreensão de
que estamos neste planeta numa viagem compartilhada em busca do significado da
vida.
A espiritualidade que se quer vivenciar com o novo paradigma é aquela que
precisa ser compreendida e operacionalizada em uma educação global. Para Moraes
(1997, p. 110), seria uma espiritualidade de identificação com o planeta terra, suas
culturas, seu meio ambiente, os conflitos, as mudanças e a interdependência de
todas as coisas.
Conforme Moraes (1997, p. 111), esse novo paradigma permitirá ao indivíduo
desenvolver uma autoconsciência positiva e em harmonia com as forças do seu meio
ambiente, bem como ser capaz de dividir com os outros a beleza e a grandeza do
universo existente na humanidade como parte do planeta terra. Essa nova
concepção, segundo essa autora, terá como um dos principais objetivos ajudar a
construir sistemas de referência baseados em princípios humanitários, que permitam
aos indiduos identificar o que são a paz e a harmonia, nesta vida, através do
diálogo com seres humanos mais iluminados, que serão capazes de restaurar a paz
em nosso planeta.
Essa nova visão de mundo, segundo Moraes (1997, p. 111), é cheia de
esperança e implica em uma necessária e coerente mudança de valores que vai da
competição para a cooperação, da quantidade para a qualidade, da dominação para
a parceria, do consumismo para a conservação. Isso é espiritualidade em ação. Isso
é vivenciar uma nova forma de vida mais igualitária e sistêmica. Moraes contextualiza
a espiritualidade de forma mais ampla, abrangente e holística.
No próximo tópico deste capítulo iremos abordar qual o entendimento sobre a
inteligência espiritual, o que seria inteligência, qual o significado de espiritualidade, e
como compreendemos a concepção de espírito.
53
3.4 INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL
Inteligência espiritual é um componente muito novo, que emerge juntamente
com o novo paradigma. Aqui existe todo um propósito de se resgatar a espiritualidade
perdida ao longo de todos esses anos de visão mecânica de mundo, onde não havia
sequer espaço dentro da ciência para se discutir tais aspectos.
Para Zohar (2000, p. 24), inteligência espiritual seria uma terceira inteligência.
Por que terceira? Aqui Zohar não se detem em usar a teoria das múltiplas
inteligências de Gardner, mas compreende que a primeira seria a inteligência
intelectual, a segunda seria a emocional, e a terceira a inteligência espiritual. Que
seria aquela inteligência que coloca os atos e experiências do ser humano num
contexto mais amplo de sentido e de valor, tornando-os mais afetivos. Ter alto
quociente espiritual (QS) implica ser capaz de usar o espiritual para ter uma vida
mais rica e cheia de sentido, adequado senso de finalidade e direção pessoal. O QS
aumenta os horizontes e das pessoas e as torna mais criativas. É uma inteligência
que impulsiona. Seria através dela que, segundo Zohar, serão encontradas solucões
de problemas de sentido e valor. O QS está ligado à necessidade humana de ter
propósito na vida. Seria ele o componente que usamos para desenvolver valores
éticos e crenças que nortearão em toda vida.
Para Moraes (1997, p.175), a espiritualidade favorece a compreensão de que
estamos numa viagem individual, e, ao mesmo tempo coletiva. Somos levados por
ela a uma consciência de fraternidade e de solidariedade mais acentuada com os
outros seres vivos. Nela existe uma compreensão de que a nossa evolução é e será
sempre em conjunto com outros seres e que a harmonia, a paz e a felicidade tão
almejadas pelas pessoas dependem de uma mudança de mentalidade não apenas
individual, mas também coletiva.
Parece existir uma emergência por uma nova consciência espiritual na
humanidade. Segundo Moraes (1997, p. 176), isso decorre da necessidade de uma
nova visão de mundo, de uma cosmologia completamente diferente da cosmologia
moderna relacionada com o paradigma tradicional, elaborada a partir de Newton,
Copérnico, Galileu e Descartes.
De acordo com Moraes (1997, p. 176), alimentar a espiritualidade seria cuidar
do espaço interior, no qual todas as coisas se ligam e religam. A espiritualidade é
54
uma atitude que coloca a vida no seu centro, que celebra a vida, um modo de ser que
propicia a vida, sua expansão e sua defesa. Moraes (1997, p. 177) relata sobre uma
espiritualidade que compreende a inexistência de um único caminho para chegar até
Deus, de uma única verdade. Conforme esse autor, vários são os caminhos que
levam ao sagrado que existe dentro de cada um. Seria a práxis de uma
espiritualidade que não tem pátria, nem religião, mas que está presente em todas as
culturas, seja ela oriental, ocidental, andina, mulçumana, africana ou outra qualquer.
Essa autora não cita ou defende em seus escritos uma inteligência espiritual, mas o
que escreve nos dar respaldo para compreendermos que ela esteja falando sobre
inteligência espiritual.
3.4.1 O Significado de Inteligência
Iniciamos o século XX acreditando que o quociente de inteligência intelectual
(QI) era a única medida definitiva da inteligência humana. Somente na década de
1990 ele foi redimensionado pela descoberta do quociente de inteligência emocional
(QE). A inteligência emocional seria um requisito básico para o bom uso do quociente
de QI.
Goleman (1995, p. 47), em meados da década de 1990, popularizou pesquisas
realizadas por um grande número de neurocientistas e psicólogos, demonstrando que
a inteligência emocional, que chamamos de QE reveste-se também de igual
importância. O QE nos dá a percepção sobre os nossos sentimentos e os dos outros.
-nos empatia, compaixão, motivação e capacidade de reagir de forma honrosa à
dor e ao prazer. O QE, conforme observou esse autor, constitui requisito básico para
o emprego efetivo do QI.
A compreensão do significado de inteligência está ligada à sociedade e sua
cultura, onde cada um tem seu ideal de inteligência. Gardner (2001, p. 11) diz que os
antigos gregos valorizavam quem ostentava agilidade física, racionalidade e um
comportamento virtuoso. Os romanos focalizavam a coragem máscula. Os
seguidores do Islã apreciavam o soldado santo. Influenciados por Confúcio, os
chineses valorizavam tradicionalmente quem tinha dons para a poesia, a música, a
caligrafia, a arte de manejar o arco e o desenho. Hoje, na tribo Keres dos índios
55
Pueblo, quem tem consideração pelos outros é altamente respeitado e considerado
muito inteligente.
Nos últimos séculos, especialmente nas sociedades ocidentais, definiu-se um
ideal de pessoa inteligente. As dimensões desse ideal evoluem com o tempo e de
acordo com o cenário que vivemos. Para Gardner (2001, p. 14), em escolas
tradicionais, inteligente era quem dominava as línguas clássicas e a matemática,
particularmente a geometria. No cenário empresarial, inteligente era quem previa
oportunidades comerciais, assumia riscos calculados, construía uma organização,
mantendo as contas equilibradas e os acionistas satisfeitos. No início do século XX,
inteligente era a pessoa capaz de ser mandada para os confins de um império e
executar ordens com eficiência.
Conforme Gardner (1993, p. 21), numa visão tradicional a inteligência é
definida operacionalmente como a capacidade de responder o maior número de itens
de testes de inteligência. Ela é um atributo ou faculdade inata do indiduo. Para a
Teoria das Múltiplas inteligências, ela implica na capacidade de resolver problemas
ou elaborar produtos importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural.
Através das múltiplas inteligências, Gardner (2001, p.40) apresenta um
conceito reformulado para hoje, reforçando a ideia de que é muito remota a
possibilidade de os testes de inteligência serem abandonados, mas parte do princípio
de que a inteligência é importante por demais para ser deixada nas mãos daqueles
que a testam. Nos últimos cinquenta anos, nosso conhecimento sobre a mente e o
cérebro humano modificou-se fundamentalmente. Encontramo-nos então diante de
uma escolha difícil: conservar as visões tradicionais de inteligência e de como ela
deve ser mensurada ou conceber um modo diferente e melhor de conceituar o
intelecto humano. O autor adota esta última opção, apresentando provas de que os
seres humanos têm um leque de capacidades e potenciais, inteligências múltiplas,
que, tanto individualmente quanto em conjunto, podem ser usados de muitas formas
produtivas. Inteligências múltiplas podem ser mobilizadas na escola, em casa, no
trabalho ou na rua, isto é, nas várias instâncias da sociedade.
É possível que a grande tarefa para o novo milênio não seja apenas afirmar
novas ou várias inteligências e como usá-las adequadamente, mas seria necessário
ver como a inteligência e a ética podem trabalhar em conjunto e criar um mundo em
que grande variedade de pessoas queira viver, pois uma sociedade dirigida por gente
56
“inteligente” ainda pode destruir a si mesma ou ao resto do mundo, na concepção de
Gardner.
Gardner (2001, p. 70), em estudos recentes sobre as inteligências, mostrou
que a possibilidade de existência de uma inteligência espiritual é ainda um pouco
remota. Uma conotação de espiritualidade parece coerente com outras inteligências:
a capacidade de pensar sobre questões cósmicas e existenciais, desde nossa
existência e nosso papel no universo até a natureza da vida, da morte, da felicidade e
da tragédia. Na maioria das sociedades, os sistemas religiosos, míticos ou filosóficos
organizados lidam com essas questões, mas as pessoas podem também
desenvolver suas próprias estruturas existenciais ou espirituais. Esse mesmo autor
afirma que ainda não está pronto para proclamar uma oitava inteligência, está
disposto a aceitar a hipótese de que existe uma inclinação para refletir sobre
preocupações cósmicas ou existenciais importantes e que isso constitui uma
capacidade intelectual humana bem característica.
A inteligência intelectual ou racional é aquela que se usa para solucionar
problemas lógicos ou de grande importância. Psicólogos desenvolveram testes para
medí-la. Esses se tornaram os meios para classificar as pessoas em grau de
inteligência, conhecidos como o seu QI, que lhe indicaria às pessoas suas
habilidades, seus talentos. Quanto mais alto o QI, maior é a inteligência do indivíduo.
Zohar (2000, p. 55) diz que agora poderemos finalmente ter uma discussão
completa acerca da inteligência humana, e isso será possível através do QS. O QS
seria a inteligência com a qual poderemos colocar a vida em um contexto mais
amplo, mais gerador de sentido. A partir dessa inteligência se poderá avaliar se tal
caminho na vida faz mais sentido do que outro, ou seja, qual o sentido último e mais
profundo da existência humana. O QS seria a fundação, o alicerce para o
funcionamento eficiente tanto do QI como do QE e das demais múltiplas inteligências
defendidas por Gardner. Ela afirma que o QS é a nossa inteligência mais profunda, a
inteligência que extrai sentido, contextualiza e transforma, pois, ao contrário de
máquinas, seres humanos são conscientes. Temos consciência de nossa experiência
e consciência de que somos conscientes.
O QS permite que seres humanos sejam criativos, mudem as regras,
alterem situações. Permite-nos trabalhar com limites, participar do ‘jogo
infinito’. O QS dá-nos capacidade de escolher. Dá-nos senso moral, a
capacidade de temperar normas rígidas com compreensão e compaixão e
57
igual capacidade de saber quando a compaixão e a compreensão chegaram
a seus limites (ZOHAR, 2000, p. 19).
Segundo Zohar e Marshall (2000, p. 21), a inteligência espiritual (QS) não
mantém nenhuma conexão necessária com religião ou com uma religião específica,
muito embora até hoje para nós ocidentais a maior expressão da espiritualidade
enquanto (QS) é a religiosidade. A inteligência espiritual seria a inteligência profunda
da alma, a voz que ecoa de dentro.
O QS, da forma descrita aqui, é uma capacidade interna, inata, do cérebro e
da psique humana, extraindo seus recursos mais profundos do âmago do
próprio universo. É um instrumento desenvolvido ao longo de milhões de
anos que habilita o cérebro a descobrir e usar sentido na solução de
problemas (ZOHAR; MARSHALL, 2000, p. 23-4).
Emmos (2000, p. 3-5) defende que a inteligência espiritual trata de um
envolvimento existencial. Ele diz que essa inteligência é composta de três dimensões
básicas: dos conteúdos e sentidos, da afetividade e do desenvolvimento da
personalidade da pessoa ao longo da vida. Para ele espiritualidade é um construto
teórico de enorme riqueza e diversidade, que desafia definições fáceis e é de difícil
identificação nas pessoas. A inteligência espiritual, nessa mesma linha de raciocínio,
seria um conjunto de habilidades e competências que fazem parte do conhecimento
adaptativo que o ser humano tem da realidade que o cerca. A espiritualidade seria a
construção de uma base de conhecimentos e informações relacionados com o
sagrado. Seriam formas de informação sobre o transcendente e o divino.
Conforme Gardner (1993, p. 46), a inteligência espiritual será uma candidata
razoável para uma oitava inteligência em sua Teoria das Múltiplas Inteligências,
embora existam boas razões para considerá-la um amálgama, uma mistura ou liga da
inteligência interpessoal ou intrapessoal com um componente de valor acrescentado.
O que é espiritual depende imensamente dos valores culturais. Ao descrever as
inteligências, para esse autor, está-se lidando com capacidades que podem ser
mobilizadas pelos valores de uma cultura.
Para Gardner (2001, p. 71), o desafio de descrever as inteligências é registrar
um conceito de inteligência que reflita novas descobertas e compreensões e ainda
resista a um exame atento. Pode-se pensar na inteligência como uma fita elástica.
Durante muitos anos ninguém questionou efetivamente sua definição, e a fita parece
ter perdido sua elasticidade. Algumas das novas definições de inteligência esticaram
58
a fita e renovaram sua existência. Até agora, o termo inteligência limitou-se à
capacidade linguística e lógica. A definição de inteligência seria então a capacidade
humana de processar e de produzir informações. Mesmo com tantos estudos atuais
sobre inteligência, o conceito em si continua antigo.
É possível então na proposta do novo paradigma entender o que seria
inteligência de forma mais abrangente, mais holística, entendendo sobretudo sobre a
inteligência espiritual. Vivemos em uma época em que a ciência tem grande interesse
em discutir e considerar esse componente do ser humano tão complexo e suas
diversas inteligências, inclusive a espiritual. Conforme Zohar (2000, p. 11), grandes
cientistas, pesquisadores, professores já se debruçam em suas pesquisas e gastam
tempo para melhor entender a inteligência humana, voltados não somente para o
intelecto, mas para todos os aspectos da vida.
3.4.2 O Significado de Espírito
Para Oliveira (2001, p. 35), o entendimento de espírito não faz dualidade com
a matéria, ele é parte dela. A impressão deixada pelo Antigo Testamento era que a
espiritualidade era tão reconhecida que não precisava ser afirmada, ser comentada,
visto que era algo intrínseco, inerente ao ser humano . Espírito seria o próprio Deus.
O espírito é indicado como uma energia que sempre se move, realiza e produz algo.
O espírito é um elemento da vida. Aqui se entende que o ser humano carrega uma
centelha divina dentro de si, que ele é imagem e semelhança de Deus. Espírito é
elemento vital no ser humano, a fonte de toda energia. Para esse autor, o espírito
habita no ser humano, possui um trabalho regenerador com a atividade moral,
fortalecendo seus princípios.
E onde o Espírito se encaixa nesse novo quadro? Weill (1979, p. 18) diz que o
sentido original da palavra “espírito” no latim é spiritus que significa “sopro”; no grego
pneuma, ar; no hebraico ruach, e no sânscrito atman, essência da vida. O sentido
comum de todos esses termos indica um mesmo sentido original em muitas tradições
filosóficas e religiosas. Não somente no oriente, como também no ocidente, é o
“sopro da vida”. A partir dessa afirmativa de Weil, entendemos que seria então
59
possível através deste componente o espírito estar presente em todos os seres
humanos.
Conforme Boff (1997, p. 23-4), o espírito não é alguma coisa, mas um modo
de ser. O modo de ser da liberdade. Quem é portador do espírito singular e único é o
ser humano. Por isso, o ser humano é definido como um ser de liberdade e que, no
exercício da liberdade, constrói o seu ser através de suas decisões, plasmando a
existência. Para Boff essa visão mais originária do espírito como fonte onde todos
bebem como vida, como Deus, faz-nos entender a dimensão divina do ser humano,
portador desse mistério que é a própria vida, como aquele que não só recebe a vida,
mas cuida dela, expande-a e propaga-a.
Segundo Boff (2008, p. 215), por detrás da palavra espírito oculta-se uma
experiência originária que encontramos na arqueologia das grandes religiões e nos
primórdios do pensamento filosófico, seja ocidental, seja oriental. O espírito parte do
ser humano como uma totalidade vital. Espírito é o nome para dizer a energia e a
vitalidade de todas as manifestações humanas. Nesse sentido espírito não se opõe
ao corpo, e sim à morte. A grande oposição não é entre espírito e matéria, mas entre
vida e morte.
Weil (2002, p. 24) afirma que para se vivenciar uma espiritualidade seria
preciso entender como funciona o espírito humano. Não há como existir um sem o
outro. Em decorrência disso, esse autor conceitua espírito como uma energia sutil,
denominada de energia espiritual. Significa o princípio da vida, da consciência e do
pensamento, que existe em oposição à matéria. O termo está ligado aos valores e
princípios éticos. O Espírito seria então o diretor, a inteligência mais importante,
aquela inteligência que leva o ser humano ao desenvolvimento de uma
espiritualidade.
Para Weil (2002, p. 24), estar sintonizado com o espírito é perceber que uma
liderança sutil está em ação. Com essa liderança, o espírito mantém a realidade
unida. Seria a própria vivência da espiritualidade. O espírito é silencioso, por isso não
pode competir com as vozes contenciosas ouvidas da mente.
O espírito então seria essa realidade viva. Através dele é que se manifesta a
vivência da espiritualidade. Boff (1997, p. 26) relata que podemos dizer que o espírito
é essa energia, essa fonte de onde tudo brota. No nível humano o espírito é a
energia que chega ao seu momento consciente, reflexo e responsável. Segundo este
autor, espiritualidade seria internalizar essa dimensão e viver a partir dela. Seria
60
profundamente saudável e produz vida. Produz vida porque é animada,
continuamente, por essa realidade do espírito. E a palavra animada vem de anima,
que quer dizer. Assim queremos nossa espiritualidade, carregada de ânima e
vitalidade.
3.4.3 O Significado de Espiritualidade
Para Capra (1982, p. 259) a nova compreensão da vida é uma compreensão
sistêmica. Nisso, o interessante é poder compreender os processos vitais, o
surgimento de uma nova ordem, que é a base da criatividade da vida. Vida é auto-
organização, portanto no conceito de visão sistêmica, segundo Capra, há lugar para
o espírito humano, com capacidade e dimensão de desenvolver uma espiritualidade.
Para Gardner (2001, p. 73), a entrada no mundo da espiritualidade revela um
quadro muito mais complexo. Qualquer discussão sobre espírito é controverso nas
ciências e em todo o meio acadêmico. A linguagem, a música, o espaço, a natureza e
até a compreensão dos outros são comparativamente simples. Para a maioria das
pessoas, não há um reconhecimento do espírito como se reconhece a mente e o
corpo, e não se atribui o mesmo valor ontológico, de conhecimento de suas
propriedades, ao transcendental ou ao espiritual que atribuímos ao matemático e ao
musical.
Gardner (2001, p. 74) ressalta que mesmo quem não consegue se identificar
com um reino espiritual reconhece sua importância para a maioria dos seres
humanos. Presidentes preferem consultar astrólogos a historiadores ou médicos. Nas
prateleiras das livrarias, há mais livros sobre o espírito ou a alma do que sobre a
memória e a percepção.
Boff (2008, p. 216) diz que espiritualidade significa viver segundo o espírito, ao
sabor da dinâmica da vida. Trata-se de uma existência que se orienta na afirmação
da vida, de sua defesa e de sua promoção, vida tomada em sua integridade, seja em
sua exterioridade, como relação para com os outros, para com a sociedade e para
com a natureza, seja em sua interioridade, como diálogo com o eu profundo.
A espiritualidade, segundo essa nova visão da realidade, estaria diretamente
ligada à vida cotidiana do ser humano, seria geralmente compreendida como um
61
modo de ser que decorre de uma profunda experiência da realidade, chamada de
experiência mística, religiosa ou espiritual. A literatura das religiões no mundo inteiro
dá numerosas descrições dessa experiência, e todas essas religiões tendem a
concordar que se trata de uma experiência direta e não-intelectual da realidade,
dotada de algumas características fundamentais que independem totalmente dos
contextos históricos e culturais.
Capra (1982, p. 265) afirma que a experiência espiritual é uma experiência de
que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. Essa experiência da unidade
transcende não só a separação entre mente e corpo, mas também a separação entre
o eu e o mundo. Para Capra todos estão interligados. Para ele, o ser humano não
vive em compartimentos estanques separados. Essa separação é somente na mente.
Vive-se uma interdependência o tempo todo e com todas as coisas. Nessa nova
realidade, nessa nova perspectiva, o ser humano perceberá que ele não está lançado
em meio a um caos, mas que ele faz parte de uma ordem maior, uma grande sintonia
da vida. Nesse sentido, o corpo não morrerá, mas continuará perpetuamente vivo,
pois a vida continua.
Para Gardner (2001, p. 71), a espiritualidade reflete um desejo de saber sobre
experiências e entidades cósmicas que não são prontamente apreendidas num
sentido material, mas que, todavia, parecem importantes para os seres humanos. Ele
diz que se nós humanos podemos fazê-lo com o mundo da natureza, também
podemos nos relacionar com o mundo sobrenatural. Esse relacionamento com o
mundo sobrenatural de que Gardner falou seria um dos tipos de espiritualidade.
Outra forma de espiritualidade, para Gardner (2001, p. 72), é que dentro de algumas
comunidades, existe um consenso razoável sobre quem tem o know-how
(conhecimento); uns simplesmente têm mais facilidade do que outros para meditar,
entrar em transe, imaginar o transcendente ou estar em contato com os fenômenos
psíquicos, espirituais ou intelectuais. É possível atingir uma espiritualidade através de
um caminho tradicional, executando um conjunto de exercícios sugerido por um
padre, um místico ou um guru. O interesse espiritual leva uma pessoa a um encontro
com uma verdade mais profunda ou mais elevada. Para o autor, isso seria vivenciar,
viver uma espiritualidade.
Para Zohar (2000, p. 23), a espiritualidade não mantém nenhuma conexão
necessária com religião, pois numerosos humanistas e ateus possuem uma
espiritualidade muito alta. A religião convencional é um conjunto de regras e crenças
62
impostas às pessoas. Opera de cima para baixo, foi herdada por meio de sacerdotes,
profetas, livros sagrados ou absorvida através da família ou das tradições. Para
Zohar (2000), a espiritualidade na forma de inteligência é uma capacidade interna,
inata, do cérebro e da psique humana, que extrai seus recursos mais profundos do
âmago do próprio universo. É um instrumento desenvolvido ao longo de milhões de
anos que habilita o cérebro a descobrir e usar sentido na solução de problemas.
Para Gardner (2001, p. 75), algumas pessoas podem ser consideradas
espiritualizadas por causa do efeito que parecem causar nos outros, seja por suas
atividades, seja por sua existência. Gardner dá alguns exemplos de pessoas como
Madre Teresa, João Paulo XXIII. Figuras com forças espirituais levam os outros a
explorar questões cósmicas. Pessoas influenciadas por um indiduo espiritual
transmitem espiritualidade para os outros. Ele continua citando mais exemplos como
Buda, Cristo, Confúcio, que são tidos como atingidos com um nível de consciência,
uma ligação com o resto do mundo, visivelmente. Segundo esse autor essa é uma
perspectiva que motiva milhões de pessoas a viverem uma espiritualidade a exemplo
dessas figuras carismáticas.
Precisamos então de um conceito unificador que englobe as percepções de
Zohar e de Gardner, que até certo ponto se diferem. A percepção sobre
espiritualidade que mais se aproximaria de um pensamento holístico unificador é a
percepção de Boff (2008, p. 215), que diz que a espiritualidade representa um
verdadeiro projeto de vida da seguinte forma: viver a vida com ternura para com a
sua própria vida; afirmar a vida dos outros humanos, em especial daqueles cuja vida
é encurtada iniquamente; e apreciar a vida em todas as suas manifestações
cósmicas, desde o primeiro movimento da matéria subatômica que está cheia de
energia e de intencionalidade até as formas mais manifestas de vida vegetal e
animal. Essa seria uma forma de espiritualidade mais abrangente, que cabe dentro
da percepção do novo paradigma.
Boff (1997, p. 24) diz que a espiritualidade é um projeto que coloca a
centralidade da vida a partir daqueles que menos vida tem, os que estão mais
ameaçados em suas vidas e mais próximos estão da morte. Então, para esse autor,
além de se viver uma espiritualidade para si, vive-se também uma espiritualidade
para os outros, uma vez que todos em volta serão influenciados pelo modo de vida
que se vive. Em decorrência disso, toda espiritualidade tem a dimensão ética de
63
defender e expandir a vida, evocar e guardar a sua sacralidade, comprometendo-se a
defender todo o tipo de vida, porque tudo o que vive merece viver.
3.5 PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL
Zohar (2000, p. 25) nos diz que existem muitas provas científicas da existência
da inteligência espiritual em estudos neurológicos, psicológicos e antropológicos,
estudos sobre o pensamento humano e processos linguísticos. Temos conhecimento
que cientistas já realizaram pesquisa básica que comprova as fundações neurais do
QS no cérebro.
Uma abordagem sobre inteligência espiritual de muita relevância é a
percepção de Jung (2000, p. 26). Ele não chega a descrevê-la como uma
inteligência, mas dá respaldo para outros teóricos o fazerem, quando define espírito
do ângulo psicológico como aspecto dinâmico do inconsciente. Pode-se conceber o
inconsciente como algo semelhante à água parada, um lago passivo, mas também
tem um aspecto dinâmico, de movimento, age espontaneamente, por sua livre
vontade, por exemplo, compõe sonhos. Para esse autor, a composição de sonhos
enquanto se dorme é uma ação do espírito.
De acordo com Jung (2000, p. 29), o espírito contém um princípio psíquico
espontâneo de movimento e atividade; o espírito tem a qualidade de criar livremente
imagens para além da nossa percepção sensorial; há uma manipulação autônoma e
soberana dessas imagens. A tudo isso Jung chama de espírito ou dinamismo do
inconsciente. Para este autor, quanto maior for o estado de consciência e quanto
mais ela se desenvolve, mais nos apossamos de certos aspectos do espírito do
inconsciente, atraindo-o para a esfera subjetiva, podendo vivenciar, assim, uma
espiritualidade.
O inconsciente, na visão de Jung (2000, p. 32), tem uma função prospectiva,
transcendente, criativa, transformadora, religiosa e espiritual. Para esse autor, o
sentimento religioso seria essencial ao ser humano, constituiria uma função natural e
sua ausência deixaria a psique incompleta, comprometendo o seu equilíbrio. Ele
afirmava que todos os pacientes adultos (com mais de 35 anos) que o procuravam
tinham na raiz dos seus problemas uma questão religiosa, pois buscavam um
64
significado para sua presença neste mundo. A psicologia de Jung teria então como
objetivos não só a cura do sintoma e adaptação da personalidade, mas, sobretudo, a
transformação espiritual, a auto-realização e a experiência de plenitude do lado
transcendental da vida.
Jung (2000, p. 32), em suas pesquisas, mostrou que o desenvolvimento de
uma espiritualidade e o desenvolvimento psicológico fazem parte do mesmo
processo. Não existe, para ele, desenvolvimento psicológico sem o correspondente
desenvolvimento espiritual, e esses dois caminhos levam ao desenvolvimento do
sentido ético da vida.
Gardner (2001, p. 77), em suas pesquisas sobre a possibilidade de uma
inteligência espiritual, diz que, para lidar com essa importante esfera da vida, é mais
confortável falar de um potencial para refletir sobre questões cósmicas, que pode ser
motivado por dor, experiências estéticas, experiências pessoais fortes ou pela vida
numa comunidade em que destaquem o pensamento e as experiências espirituais. O
autor diz que precisa ser sincero e admitir que às vezes fique alarmado com a
perspectiva de ser confundido com fanáticos e charlatões que invocam a
espiritualidade como se fosse uma verdade dada ou conhecida, quando na verdade é
um fenômeno tremendamente complexo que exige uma análise cuidadosa e mais do
que um toque de humildade.
Conforme Gardner (2001, p. 78), mesmo tendo a compreensão da
complexidade da espiritualidade, ele diz que não vai se arriscar a eliminar
prematuramente um conjunto de aptidões humanas dignas de consideração no
âmbito de uma teoria de inteligências. Seria mais responsável extrair uma área mais
próxima espiritualmente das outras inteligências, e com a compreensão usada com a
inteligência naturalista verificar como se sai essa possível inteligência. O que
Gardner demonstra ter com sua posição é bastante prudência e bom senso diante
dessa realidade que tem sido bastante estudada e analisada por ele.
Conforme Morin (1997, p. 81), hoje, a neurociência deu um grande salto ao
descobrir que não há atividade intelectual, movimento da alma, delicadeza de
sentimento, que não há o menor sopro do espírito que não corresponda a interações
moleculares e que não dependa de uma química cerebral. Para esse autor,
devemos reconhecer a unidade cérebro-espírito, inseparáveis, de forma que
nenhuma operação do espírito escape a uma atividade local e geral do cérebro e
65
que é preciso abandonar a ideia de que um fenômeno psíquico independe de um
fenômeno biofísico. Para ele as duas coisas estão interligadas.
Morin (1997, p. 71) diz que o que afeta o espírito afeta o cérebro, e, através
do cérebro, o organismo inteiro. Cérebro e espírito estão atados num único nó,
impossível de ser desfeito, em volta do qual giram as visões do mundo, do homem e
do conhecimento.
Morin (1987, p. 74) esclarece que o espírito emerge do próprio
desenvolvimento cerebral. É continuamente gerado e regenerado pela atividade
cerebral que, por sua vez, é gerada e regenerada pela atividade de todo ser e na
qual o espírito desempenha o seu papel ativo e organizador de produzir uma
espiritualidade, o que seria o espírito em ação. Esse autor afirma que o espírito não
é nem uma emanação de um corpo nem um sopro que vem do alto, e sim a esfera
das atividades cerebrais onde os processos computantes assumem formas de
pensamento, linguagem, sentido e valor, e onde os fenômenos da consciência são
atualizados, produzindo assim uma vivência de valores, princípios de uma ética
natural, todos esses aspectos conduzindo a uma espiritualidade.
Segundo Morin (1987, p. 90), o espírito é uma atividade pensante, não uma
substância pensante que produz uma esfera espiritual. Daí a necessidade, para o
conhecimento, de considerar também as coisas do espírito, que, apesar de não
terem realidade material, não podem ser desligadas dos processos físicos,
biológicos e cerebrais. Morin, em suas pesquisas, desmistifica a ação do espírito,
retira o componente transcendental colocado por Zohar, Boff, Gardner, Jung e Weil.
Conforme a Muller
9
9
Doutora em Psicologia Transpessoal pela PUC do Rio Grande do Sul.
(2004, p. 83), as pesquisas que ela tem feito sobre o tema
afirmam que a busca da espiritualidade nos dia de hoje é mérito das exigências da
vida moderna, que, diante de tantas solicitações, termina distanciando o ser humano
de si mesmo. Mas ela reforça que a busca ao sagrado e seus rituais sempre
estiveram presentes também na vida do ser humano em diferentes épocas e
culturas. No presente o que se nota é um interesse da ciência em discutir os temas
espiritualidade e religiosidade, atitude até então não comum, já que a própria ciência
havia estabelecido um distanciamento para a discussão de temas dessa origem.
Essa aproximação, segundo Muller (2004, p. 83), é liderada pela física que, a partir
da mecânica quântica, traz um novo conceito de universo.
66
Segundo Muller (2004, p. 86), na área da psicologia também havia um
entendimento da espiritualidade como um comportamento primitivo, um estado
regressivo, uma sublimação da sexualidade ou fuga. Quem dá um novo tom a essa
questão é a psicologia analítica de Jung, que reintroduziu a espiritualidade como
aspecto integrante em todo ser humano.
Conforme Muller (2004, p. 88), a psicologia transpessoal, considerada a
quarta força da psicologia, dá ênfase à dimensão espiritual do individuo, que a vê
como uma finalidade do desenvolvimento humano. A psicologia transcendental
estabeleceu um mapeamento da psique mais abrangente, incluindo os vários níveis
de consciência. Essa compreensão incentiva o desenvolvimento progressivo e
evolutivo da consciência em direção aos estados superiores e transcendentes.
Ela tenta unir o conhecimento atual da ciência do Ocidente com a sabedoria
do Oriente. Na visão dessa autora, tanto a psicologia analítica de Jung como a
psicologia transpessoal consideram a experiência do Sagrado como intrinsecamente
terapêutica e integradora. Assim, a psicologia já vem colaborando no sentido de não
só para aproximar o indivíduo da espiritualidade, mas inserir a dimensão de
espiritualidade na visão de um ser humano integral.
Os autores citados falaram sobre o tema espiritualidade de forma subjetiva e
não muito concreta, pois se limitaram a falar aspectos do domínio de cada um. Jung
apresenta o espírito como o próprio inconsciente. Morin limita-se a falar somente no
espírito sem fazer uma abordagem mais profunda sobre a espiritualidade. Muller fala
na espiritualidade atribuindo-lhe aspectos da psicologia transpessoal. Gardner acha
muito complexo tratar neste momento da espiritualidade como inteligência, assim,
prefere falar de manifestações cósmicas. Zohar afirma e defende a inteligência
espiritual, apresentando diversas pesquisas sobre a sua existência.
Conforme Zohar (2000, p. 110), os cientistas descobriram que o ser humano
tem um “ponto de Deus” no cérebro, uma área nos lobos temporais que faz a pessoa
buscar um significado e valores para sua vida. Trata-se de uma área ligada à
experiência espiritual. Tudo que influencia a inteligência passa pelo cérebro e seus
prolongamentos neurais. Um tipo de organização neural permite ao ser humano
realizar pensamento racional, lógico. Dá a ele seu QI. Outro tipo permite realizar o
pensamento associativo, afetado por hábitos, reconhecedor de padrões, emotivo. É
o responsável pelo QE. Um terceiro tipo permite o pensamento criativo, capaz de
insight, formulador e revogador de regras. É o pensamento com que se formulam e
67
se transformam os tipos anteriores de pensamento. Esse tipo lhe dá o QS, conforme
(ZOHAR, 2000, p. 110).
Para Zohar (2000, p. 112), a grande questão que enfrentaremos nos próximos
anos é o forte paradigma do dominante QI. Como enxergar além do intelecto que
temos uma inteligência muito maior? Quais seriam então as principais pesquisas
apresentadas sobre a comprovação da existência dessa inteligência espiritual?
Em princípios da década de 1990, tivemos a pesquisa realizada pelo
neuropisicólogo Michael Persinger e, mais recente em 1997, pelo
neurologista Vilaynu Ramachandran e sua equipe na Universidade da
Califórnia, sobre a existência de um ‘ponto divino’ no cérebro humano. Esse
centro espiritual interno localiza-se entre conexões neurais nos lobos
temporais do cérebro. Em escaneamentos realizados com topografia de
emissão de pósitrons, essas áreas se iluminam em todos os casos em que
os pacientes de pesquisa participam da discussão de tópicos espirituais ou
religiosos (ZOHAR; MARSHALL, 2000, p. 26).
Segundo Zohar (2000, p. 28), esses assuntos variam conforme a cultura. Se
uma pessoa pesquisada fosse ocidental, respondia à menção da palavra “Deus” e
às histórias ligadas aos personagens das religiões ocidentais. Quando era colocado
um budista e outros orientais, a mesma condição acontecia nos exames, ou seja,
reagiam a símbolos que tinham sentido de sagrado para eles.
Zorhar e Mashall (200, p. 27) dizem que, quanto ao trabalho de Persinger, ele
concentrou-se em experiências criadas por estímulo artificial dos lobos temporais.
Em 1997, V.S. Ramachandran e seus colegas deram mais um passo, ao ligar o
aumento da atividade nos lobos temporais a experiências espirituais. Descobriram
os pesquisadores que, quando indivíduos são expostos a palavras ou tópicos de
conversas evocativamente religiosas ou espirituais, a atividade em seus lobos
temporais aumenta. Concluíram eles: talvez haja nos lobos temporais do ser
humano maquinaria neural especializada ligada à religião ou referente ao sagrado.
Esses pesquisadores, segundo Zohar e Marshall, chegam à conclusão de que é
possível existir no cérebro uma fiação permanente ligada à questão do fenômeno da
crença religiosa.
Para Zohar e Marshall (2000, p. 28), os lobos temporais estão estreitamente
ligados ao sistema límbico, o centro de emoções e memória do cérebro. Nesse
sistema, há duas partes importantes, a amídala, uma estrutura pequena em forma
de noz no centro da área límbica, e o hipocampo, que é essencial para registrar
experiência na memória. O trabalho de Persinger demonstrou que, quando esses
68
centros são estimulados, ocorre aumento de atividade nos lobos temporais. Mesmo
que a maioria das experiências espirituais dos lobos dure apenas alguns segundos,
eles podem produzir uma forte e duradoura influência emocional por toda a vida.
Neurobiólogos como Persinger e Ramachandran batizaram a área dos lobos
temporais no cérebro ligada à experiência religiosa ou espiritual como o “Ponto de
Deus”.
Zohar (2000, p.27) diz que o trabalho de Ramachadran (neurologista) foi o
primeiro a demonstrar que o Espírito está ativo em todas as pessoas. “O Ponto de
Deus” não dá a sustentação de prova da existência de Deus, mas assegura que o
cérebro evolui para fazer as perguntas essenciais para a vida, e causa essa
sensibilidade a sentido e a valores mais amplos para a vida. Não importando quem
seja, em que cultura esteja inserida, conclui-se que todos os seres humanos são
detentores dessa capacidade divina.
Para James (1987, p. 145), pessoas de vida espiritual profunda têm acesso
mais fácil ao conteúdo da mente inconsciente do que outras pessoas. Assim, a porta
para essa região estaria sempre escancarada, sempre aberta.
Zohar (2000, p. 113) relata sobre uma colega de Persinger, chamada Peggy
Ann Wright, que estudou no Lesley College, em Cambridge, Massachusetts. Essa
pesquisadora estuda sobre o aumento de atividades nos lobos temporais e as
chamadas experiências xamânicas. Essas experiências são viagens da alma a
esferas distantes de experiência, com o objetivo de comunicar-se com o espírito de
vivos e mortos e trazer conselhos sobre cura. O trabalho de Whight demonstrou
também que toques rítmicos de tambor, do tipo usado em uma enorme variedade de
rituais espirituais, excitam os lobos temporais e as áreas associadas ao sistema
límbico.
A segunda pesquisa apontada por Zohar e Marshall (2000, p. 27) fala do
trabalho do neurologista austríaco Woolf Singer, também na década de 1990. A
pesquisa foi sobre o problema da aglutinação, em que mostra que há um processo
neural no cérebro dedicado a unificar e conferir sentido a todas as nossas
experiências, um processo neural que literalmente as aglutina. A essa pesquisa se
responde então porque o ser humano tem a necessidade de contextualizar, de rever
a história e aglutinar os acontecimentos para deles tirar respostas para vida.
Até as pesquisas de Singer só existiam duas formas de organização neural do
cérebro. Uma delas são as conexões que constituem a base do QI, pensamento
69
serial lógico que permite ao cérebro que siga regras. A outra pesquisa era a
organização neural em rede. Essa constitui a base do QE, a inteligência ativada pela
emoção, reconhecedora de padrões, formadora de hábitos. Essa pesquisa de Singer
na unificação de oscilações neurais oferece a primeira luz no fundo do túnel de um
terceiro tipo de pensamento, um terceiro tipo de inteligência, que seria o
pensamento unitivo. E sendo uma terceira forma de pensar, poderíamos dizer que é
uma terceira maneira de inteligência.
Zohar e Marshall (2000, p. 27) apresentam que o terceiro trabalho de
pesquisa é de Terrance Deacon, neurologista, antropólogo e biólogo da
Universidade de Harvard, que publicou recentemente novos trabalhos sobre as
origens da linguagem humana. Demonstrou Deacon que a linguagem,
exclusivamente humana e simbólica, é uma atividade centralizada em sentido que
evoluiu juntamente com o rápido desenvolvimento dos lobos frontais do cérebro. É
importante perceber que todo o programa de pesquisa de Deacon sobre a evolução
da imaginação simbólica e seu consequente papel no cérebro e na evolução social é
que de fato dá sustentação à inteligência que Zohar e Marshall denominam de QS.
Para Zohar e Marshall (2000, p. 115), usa-se a inteligência espiritual para
desenvolver o cérebro humano. Utiliza-se o QS para ser mais criativo. Essa
inteligência é usada constantemente para lidar com os problemas existenciais,
problemas em que se sente em uma verdadeira armadilha. A inteligência espiritual
dá um sentido profundo às lutas da vida. Ela seria a bússola na borda. Na teoria do
caos, “borda” é a linha entre a ordem e o caos, entre se saber o que se quer fazer e
estar inteiramente perdidos. A inteligência espiritual seria o guia mestre na borda,
seria a consciência.
Questiona Zohar (2000, p. 114-5): será o “ponto de Deus” apenas um truque
neurológico feito conosco pela natureza? Por que a crença humana em Deus é de
alguma maneira útil à natureza ou à sociedade? Teriam rituais e símbolos surgidos,
poesia sido escrita, vidas dedicadas a causas, guerras travadas e catedrais
construídas durante milhares de anos apenas por causa de uma atividade elétrica
aberrante em algumas partes do corpo? Será que a conversão de São Paulo na
estrada de Damasco nada mais é do que efeito colateral de um ataque epilético?
Será o “ponto de Deus” um componente fundamental de nossa inteligência espiritual
mais vasta, e a atividade dos lobos temporais apenas a maneira de a natureza
permitir que o cérebro desempenhe um papel em nosso conhecimento mais
70
profundo de nós mesmos e no universo em volta? Esta hipótese, para Zohar de que
carregamos dentro de nós uma centelha divina é a mais provável.
Os diversos questionamentos feitos por Zohar levam a uma profunda reflexão
de que a descoberta do “ponto de Deus” no cérebro não desbanca as inúmeras
crenças e credibilidades em algo maior, mas que seria capaz de assegurar que esse
“ponto de Deus” no ser humano faz parte de sua inteligência espiritual mais vasta
com componentes dentro e também fora desse ser.
3.6 A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL PRESENTE NA PESSOA
A inteligência espiritual seria aquela inteligência que aumenta os horizontes
das pessoas, torna-as mais criativas e se manifesta em sua necessidade de
encontrar um significado para a vida. Para Zohar (2000, p. 35), a inteligência
espiritual se mantém presente na pessoa, quando se percebe que esta pessoa
busca um sentido para sua vida, ao fazer perguntas como: o que significa minha
vida? O que significa meu trabalho? Esta autora relata que duas das dez principais
causas de morte no mundo ocidental são o suídio e o alcolismo, e elas estão
relaciodas com esse tipo de crise de sentido. Pessoas que viveram em sociedades
mais antigas sequer teriam feito essas perguntas. Conforme Zohar (2000, p. 36), a
vida que levavam era culturalmente inserida em uma extrutura fixa. Tinham tradições
vivas, deuses vivos, comunidades vivas, códigos de moral operantes, problemas que
tinham limites conhecidos e metas fixas. Nos tempos modernos se perdeu aquilo
que alguns filósofos denominam de certezas na vida.
De acordo com Zohar (2000, p. 51), o trabalho de usar a inteligência espiritual
não é tarefa fácil, precisará de um grande esforço da pessoa. Usar a inteligência
espiritual implica em forçar a imaginação humana. Significa transformar sua
consciência, bem como descobrir no ser humano as camadas mais profundas do
que as que usamos usualmente para viver.
Uma inteligência espiritual desperta criará também na pessoa, segundo Zohar
(2000, p. 77), uma habilidade adicional de compreensão além da usual, uma
capacidade de apreender o contexto global em que tudo está interligado com tudo. A
essa capacidade de unificação das experiências Zohar chamou de pensamento
71
unitivo. Essa capacidade unitiva constitui um aspecto essencial da consciência,
capaz de unificar as experiências e dar respostas. Esse pensamento unitivo seria
fundamental para compreender a base neurológica do QS. Para Zohar (2000, p. 83),
a inteligência espiritual seria a capacidade de reformular ou recontextualizar nossa
experiência e, portanto, a capacidade de transformar a maneira como entendemos a
vida.
Essa inteligência também se faz presente na pessoa através de um
sentimento de transformação, ressurreição. Segundo Zohar (2000, p. 84), seria uma
dimensão vivencial de nossa inteligência espiritual. Não se trata apenas de um
estado da mente, mas de uma maneira de ser que transforma por completo nosso
entendimento e nossa vida.
Esse sentimento de transformação desperta a consciência e deixa as pessoas
mais conscientes sobre todas as atitudes e ações que precisam tomar no meio em
que vivem. Zohar (2000, p. 86) diz que a consciência é um processo transcendente.
Seria a consciência que põe a pessoa em contato com uma realidade muito mais
profunda e rica do que a mera conexão e vibração de umas poucas células
nervosas. Para essa autora a transcedência é o aspecto mais fundamental de
manifestação na pessoa de uma inteligência espiritual. Por transcedente teólogos e
numerosos indivíduos religiosos entendem geralmente algo que está além do mundo
físico. Zohar continua relatando que transcedente é o que leva o indivíduo para além
do momento presente, que o leva aos limites de conhecimento e experiência e põe
essa realidade em um contexto mais amplo. O transcedente dá o sabor, uma prova
do extraordinário, do infinito, que está dentro de cada pessoa.
Para Boff (2000, p. 31), a transcedência é fundamentalmente a capacidade de
romper todos os limites, superar e violar os interditos, projetar-se sempre num mais
além.
Zohar (2000, p. 87) afirma que seres humanos têm plena condição de
experimentar o infinito. Para Weil (2005, p. 15), infinito, através do prefixo in, seria a
negação de tudo o que é finito, é a afirmação categórica da impossibilidade
intrínseca da existência de toda e qualquer fronteira ou limite. Infinitude é, pois, a
qualidade do que não tem fim. Zohar então afirma que a capacidade de acessar e
usar a experiência de sentido e valor mais altos é a base daquilo que entendemos
por inteligência espiritual. Para Zohar, muitos gostariam de ter uma compreensão
científica dessa inteligência espiritual (QS). Porém, ela terá de ser uma
72
compreensão que não reduza a importância ou dissolva com palavras os próprios
aspectos da experiência que se faz sentir mais profundamente humanos. Terá que
ser a maior chave de comprovação de sua existência.
Para Zohar (2000, p. 87), a inteligência espiritual se faz presente na pessoa,
quando ela consegue e compreende que nunca está sozinho, que faz parte de uma
longa busca humana de sentido e de tradições, símbolos, associações, lugares
sagrados e imagens que deram expressão a essa procura. A pessoa espiritualmente
mais inteligente poderá ser ajudada de muitas maneiras, pela compaixão das
pessoas, por um padre, rabino, por um terapeuta ou conselheiro experiente, por se
viver próximo à natureza, por recorrer a uma interpretação pessoal de símbolos
religiosos ou por aquilo que para nós significa algo como a Cruz, a Estrela de Davi, o
Shema de Israel, a Árvore da Vida, uma estátua de Buda, a chama de uma vela,
recordando um poema ou cantando uma melodia.
A inteligência espiritual seria, conforme Zohar (2000, p. 233), o senso de
equilíbrio interior na pessoa. Essa inteligência seria capaz de iluminar o caminho
através daquilo que os místicos chamam de “olho do coração”. Para os místicos
medievais judeus e cristãos, o “olho do coração” era uma metáfora relativa à
intuição. Em algumas tradições, o olho direito representa a percepção ativa que seria
o sol, ao passo que o esquerdo representa a percepção pela lua, o passivo. Há
ainda um terceiro olho, que está no centro da testa de Shiva: “O terceiro olho
corresponde ao fogo. Reduz tudo a cinzas”. No budismo, é o olho que tudo vê de
Buda, que se senta à borda, entre a unidade e a multiplicidade, entre o vazio e o não
vazio, conforme entendimento dessa autora.
Para Zohar (2000, p. 297), um forte sinal da presença da inteligência espiritual
na pessoa seria o senso do sagrado em todos os objetos e eventos da vida diária, o
senso do sagrado no ato de fluir, o êxtase quase insuportável que se sente quando o
conhecimento aflora, o senso de júbilo quando se traz alguma coisa nova ao mundo,
o senso de profunda satisfação quando se vê justiça ser feita, o senso profundo de
paz quando se sabe que aquilo a quem se serve também serve a Deus.
Zohar (2000, p. 260), apresenta dez qualidades comuns às pessoas
espiritualmente inteligentes e que estão trabalhando para desenvolvê-las. Ela
reafirma que é necessário procurar mais o por que e as conexões entre as coisas,
trazer para a superfície as suposições que se faz sobre o sentido das coisas,
tornando-se mais reflexivos, assumindo responsabilidades, sendo mais honestos e
73
mais corajosos, tornando-se conscientes de onde se está, quais são as motivações
mais profundas. Identificando e eliminando obstáculos. Examinando as numerosas
possibilidades, comprometendo-se com um caminho e permanecendo conscientes
de que são muitos os caminhos.
As dez qualidades comuns às pessoas espiritualmente inteligentes, segundo
Zohar (2000, p. 264), são: praticam e estimulam o autoconhecimento profundo; são
conduzidas em suas vidas por valores humanos; têm capacidade de encarar e
utilizar a adversidade; são holistas; celebram a diversidade; têm independência;
perguntam sempre o porquê de algo; têm capacidade de colocar as coisas num
contexto mais amplo; têm espontaneidade; e têm compaixão pelas pessoas, Zohar
(2000, p. 224) afirma que o desenvolvimento da inteligência espiritual é possível e
necessário para qualquer pessoa, uma vez que a espiritualidade é uma
característica inerente ao ser humano. A ignorância gera crença mágica, mas a
inteligência espiritual gera um senso tão profundo de propósito que consegue, aos
olhos da racionalidade, acessar a dimensão do impossível e do milagroso.
Eis umas consequências na vida da pessoa, principalmente em sua saúde,
quando não está devidamente conectado com essa fonte de vida, que é sua
inteligência espiritual: a falta de sentido na vida causa em algumas pessoas doenças
de sentido. Alguns médicos e terapeutas profissionais, começam a encarar com
novos olhos essas doenças. Consideram estes aspectos como um grito do corpo e
da pessoa, pedindo atenção para alguma coisa em sua vida que se deixada a si
mesma resultará em dano irreversível, sofrimento físico, emocional e espiritual
duradouro até a morte. Para esta autora grande parte do sofrimento humano, e
mesmo de estados físicos crônicos, consiste em doenças de sentido. O câncer, as
doenças cardíacas, o mal de alzheimer e outros tipos de demência que podem ser
precedidas por depressão, fadiga, alcoolismo ou abuso de drogas seriam provas da
crise de falta de sentido levada às próprias células do corpo.
Capra (1982, p. 117) relata que, ao longo do tempo, a cura foi praticada por
curandeiros populares, guiados pela sabedoria tradicional, que concebia a doença
como distúrbio da pessoa, que envolvia seu corpo e sua mente. Uma pessoa
espiritualmente inteligente verá a saúde dessa forma. Capra (1982, p. 299) diz que
se está conduzindo a uma visão da realidade que se aproxima muito da visão dos
místicos e de numerosas culturas tradicionais, em que o conhecimento da mente e
do corpo humano e a prática de métodos de cura são partes integrantes da filosofia
74
natural e da disciplina espiritual. Para Capra (1982, p. 300), o Xamã é uma pessoa
capaz de ingressar à vontade num estado incomum de consciência, a fim de
estabelecer contato com o mundo dos espíritos no interesse e em benefício dos
membros da sua comunidade. O xamã é usualmente o líder religioso e político, além
de médico. É, portanto, uma figura muito poderosa e carismática. Nesse contexto,
Capra diz que não se disassociava a cura da vida espiritual e que a característica
predominante na concepção xamanística de doença é a crença de que os seres
humanos são partes integrantes de um sistema ordenado em que toda doença é
consequência de alguma desarmonia em relção à ordem cósmica.
Então Capra (1982, p.316-7) diz que a concepção sistêmica de saúde
baseia-se na concepção sistêmica de vida, e que o propósito principal da
espiritualidade é a vivência de uma inteligência espiritual. A relação saúde e doença
na pessoa seria levá-la a compreender que ser saudável significa estar em sincronia
consigo mesmo, físico e mentalmente, e também com o mundo circundante. Quando
uma pessoa não está em sincronia, o mais provável é que ocorra uma doença.
Boff (1999) diz que a doença espiritual é um estado no qual o homem está
fragmentado. A saúde espiritual é um estado de inteireza centrada, de unificação. A
inteireza da inteligência espiritual seria rejuntar, apanhar, reunir as nossas peças, e
onde perdemos a paz encont-la novamente, porque toda perda de paz resulta em
perda de energia e naturalmente na perda da saude. Quando esquecemos dessa
parte que em nós é produtora de paz, a sensação é de que estamos andando na
escuridão. O Eu profundo, que nos permite ter consciência sobre tudo, está conosco
como direito humano inato e como presente testemunha à medida que nossa vida se
desenvolve.
3.7 A INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL COMO SENTIDO DE VIDA
Se existe de fato uma inteligência espiritual, qual seria sua importância para a
vida, para o mundo e para as pessoas? Será que existe alguma contribuição para o
planeta o fato de alguém ser espiritualmente inteligente? Zohar (2000, p. 110) diz
que uma das maiores importâncias dessa inteligência é o sentido e o significado que
75
ela dá para a vida. Quem a detém saberá facilmente qual o caminho a seguir, qual o
caminho de sua vocação.
Para Zohar e Mashall (2000, p. 31), a cultura ocidental está saturada do
imediato, do material, da manipulação egoísta de coisas, experiências e pessoas. A
inteligência espiritual coletiva é baixa, vive-se em uma cultura espiritualmente
estúpida, caracterizada pelo materialismo, utilitarismo, egocentrismo míope, falta de
sentido e responsabilidades. Usam-se mal os relacionamentos e o meio ambiente,
sofre-se de uma pobreza de imaginação simbólica, negligenciam-se o sublime e o
sagrado que está em todos e no mundo. A importância dessa inteligência nesse
contexto seria a de reverter toda essa situação, levando ao ser humano a
capacidade de vivenciar uma sociedade mais humana, que valorize o ambiente, que
se torne inteligente ao ponto de saber qual o sentido de sua existência.
Zohar (2000) diz que a inteligência do espírito seria a capacidade de
encontrar um propósito para a própria vida e de lidar com os problemas existenciais
que surgem em momentos de fracasso, de rompimentos e de dor. O aparecimento
dessa inteligência vem reforçar a ideia de que somente um alto QI não dá nenhuma
garantia de sucesso para a vida.
Zohar (2000, p. 213) diz que ser espiritualmente inteligente é estar em contato
com a inteireza, é literalmente ter o senso da própria integridade. Quando separados
do centro, dessa integridade, em razão da fragmentação e da unilateralidade, a
sensação que se tem é que se está andando na escuridão. Entretanto, quando se
está de posse dessa inteligência espiriitual, ela se transforma na luz para indicar o
caminho a seguir. A luz interna da inteligência espiritual produz um efeito para a
vida. Para essa autora, a grande importância da inteligência espiritual seria conduzir
a própria vida, dar um norte, conduzir ao encontro do caminho a se seguir, ou seja, é
carregada de sentido e significado. Zohar (2000, p. 33) diz que vivenciar uma
inteligência espiritual seria estar em contato com um todo maior, mais profundo,
mais rico, que coloca em uma nova perspectiva uma limitada situação presente.
Implica o senso de que há alguma coisa além, algo mais, que confere sentido e valor
à situação em que se está agora.
Para Boff (2001, p. 13), o que importa, porém, é que mundialmente há uma
demanda por valores não materiais, por uma redefinição do ser humano como um
ser que busca um sentido plenificador e que está à procura de valores que inspirem
profundamente sua vida.
76
A inteligência espiritual carregada de sentidos também desponta como meio
unificador para a paz no mundo. Segundo Boff (2001, p. 18), hoje a singularidade de
nosso tempo reside no fato de que a espiritualidade vem sendo descoberta como
dimensão profunda do humano, como o momento necessário para o desabrochar
pleno de nossa individuação e como espaço da paz no meio dos conflitos e
desolações sociais e existenciais.
Conforme Gardner (2001, p. 88), um sentido muito forte da inteligência
espiritual que se poderia ressaltar seria a capacidade de se pensar sobre questões
cósmicas e existenciais. Desde nossa existência, é nosso papel no universo pensar
sobre a natureza da vida, da morte, da felicidade e da tragédia. Na maiaoria das
sociedades, os sistemas religiosos, míticos ou filosóficos organizados lidam com
essas questões, mas as pessoas também podem desenvolver suas próprias
estruturas existenciais ou espirituais singulares.
Zohar e Marshall (2000, p. 30-1) dizem que uma importância da inteligência
espiritual seria provavelmente levar um líder a ter um maior desejo de servir. Seria
aquela pessoa responsável por trazer visão e valores mais altos aos demais a lhes
mostrar como usá-los ou, em outras palavras, uma pessoa que inspira outras.
O QS está ligado à necessidade humana de ter propósitos e objetivos na vida.
Ele seria o responsável pelo significado da existência humana, uma questão
fundamental nesse início de milênio. Seria ele o componente que se usaria para
desenvolver valores éticos e crenças que vão nortear as ações no dia a dia.
Somente com o desenvolvimento dessa inteligência poder-se-á sonhar e lutar por
ideais, dando à vida o rumo e a forma que se desejam.
No capítulo seguinte, iremos abordar essa inteligência espiritual, caminhando
em busca da práxis dessa inteligência, através do estudo do fenômeno religioso e de
suas manifestações à luz de exemplos de vidas de pessoas que de fato viveram
segundo essa inteligência espiritual.
77
4 CAPÍTULO III JESUS COMO EXEMPLO DE UMA INTELIGÊNCIA
ESPIRITUAL PLENA
4.1 INTRODUÇÃO
Após percorrermos caminhos que nos levaram a entender como e onde se
deu a fragmentação do ser humano a partir do antigo e do novo paradigma e após
termos visto que a espiritualidade é a vivência de uma inteligência espiritual, com
alguns pesquisadores como Danah Zohar, Yan Mashall, Capra, Morin, Nicolescu,
Crema, Weil, Leloup, entendemos como é possível, a partir dos paradigmas da
complexidade, das múltiplas inteligências e do paradigma holístico, chegar-se a uma
nova concepção de pessoa, em que a inteligência espiritual é compreendida como
algo que torna a pessoa integrada consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
Agora cabe-nos buscar algumas aproximações entre a vida de Jesus e suas atitudes
entendidas como o resultado de uma vida transcorrida em plena abertura e sintonia
com aquilo que alguns autores reconhecem e afirmam ser a inteligência espiritual.
4.2 RELIGIÃO COMO CONSEQUÊNCIA DA INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL
Antes de nos aprofundarmos na vida de Jesus para buscarmos alguns traços
ou indicações de sua inteligência espiritual, faz-se necessário nos determos na
compreensão de um fenômeno que foi bastante marcante na sua vida e na vida de
muitas pessoas que como ele parecem ter vivido de acordo com esta dimensão que
alguns pesquisadores como Danah Zohar, Yam Mashall chamam de inteligência
espiritual. Queremos, portanto, falar do fenômeno religioso. Quando falamos em
Jesus, não podemos esquecer que ele era uma pessoa profundamente inserida na
história, na cultura e na religião de seu povo. Falar sobre o fenômeno religioso é
importante porque alguns estudiosos que têm se dedicado à inteligência espiritual
entendem a religião como um dos resultados ou consequências da inteligência
espiritual. De fato, se nós observarmos a importância que tem a religião na vida das
78
pessoas podemos perceber que se trata de uma experiência universal da
humanidade através da qual se tenta compreender o mistério que envolve o ser
humano. Suas repercussões estão presentes em toda a história da humanidade.
Como ressaltamos no primeiro capítulo, para alguns pesquisadores, a
espiritualidade segundo essa nova visão da realidade está diretamente ligada à vida
cotidiana do ser humano. Capra (1982, p. 265) afirma que a experiência espiritual é
uma experiência em que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. Essa
experiência da unidade transcende não só a separação entre mente e corpo, mas
também a separação entre o eu e o mundo. Para Morin (1997, p.46), o homo
complexus é responsável pelo processo de auto-eco-organização que se constrói na
partilha e solidariedade de um tipo de pensamento que liberta porque é criativo,
artístico, político, educacional, ético e espiritual. No pensamento complexo, as
contradições têm espaço de acolhimento sem preconceito. Opostos, diferentes e
complementares se ligam numa teia multirreferencial que inclui a objetividade e a
subjetividade, colocando-as no mesmo patamar de possibilidades constantes.
Para Idígoras (1983, p. 408), a religião é cheia de veneração e fascinação
diante da suprema instância da existência que nos supera e para a qual nos
sentimos atraídos. Nesse aspecto, a religião se enraíza nas fontes do ser e dá
sentido à sua caminhada sobre a terra, que é uma necessidade inerente ao ser
humano.
A religião seria então a manifestação ou uma das formas de manifestação da
inteligência espiritual. Zohar (2000, p. 24), defende a espiritualidade como uma
inteligência humana. Ele diz que o coeficiente de inteligência espiritual (QS) é uma
capacidade interna, inata, do cérebro e da psique humana, que extrai seus recursos
mais profundos do âmago do próprio universo e que permite ao ser humano abrir
novos caminhos, descobrir novas manifestações de sentido. E uma dessas
manifestações de sentido é a própria religião. Essa autora diz que a inteligência
espiritual é a inteligência da alma. É a inteligência com a qual se provê a cura e se
torna um todo íntegro.
A religião também se apropria de ser uma instituição estruturação, forças,
possibilidades às pessoas de encontrarem sentido para vida, de construírem um
caminho e até mesmo de identificarem avocação. Conforme Durkheim (1979, p. 54-
5), o fenômeno religioso seria uma espécie de especulação sobre tudo aquilo que
escapa à ciência e, geralmente, ao pensamento distinto. As religiões, diametralmente
79
opostas por seus dogmas, estão de acordo para reconhecer tacitamente que o
mundo, com tudo que contém e com tudo o que o cerca, é um mistério que pede
explicação. Portanto, ele as faz consistir essencialmente em uma crença na
onipotência de alguma coisa que supera a inteligência.
Para Durkheim (1979, p. 297), não existe sociedade conhecida sem religião,
também não existe sociedade, por mais grosseira que seja a sua organização, na
qual não se encontre todo um sistema de representações coletivas que se relacione
com a alma, com a sua origem, com seu destino.
Conforme Durkheim (1979, p. 38), é sabido que os primeiros sistemas de
representações que o homem produziu no mundo e de si mesmo são de origem
religiosa. Não há religião que o seja ao mesmo tempo cosmologia e especulação
do divino. A filosofia e as ciências nasceram da religião. Existe certo número de
noções essenciais que domina a nossa vida intelectual como, por exemplo, as
noções de tempo, espaço, gênero, número, causa, de substância e de personalidade,
que correspondem às propriedades universais das coisas. Durkheim (1979, p. 492-3)
relata sobre esta força que dá uma verdadeira estruturação de vida ao ser humano
da seguinte maneira:
Um deus não é unicamente uma autoridade de quem dependemos; é tambem
uma força sobre a qual se apóia a nossa força. O homem que obedeceu ao seu
deus e que, por essa razão, acredita -lo consigo, enfrenta o mundo com confiança
e com o sentimento de energia fortificada. A verdadeira função da religião não é nos
fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar às representações que
devemos à ciência, representações de outra origem e de outro caráter, mas nos
fazer agir, nos ajuda a viver. O fiel que comungou com o seu deus não é apenas
homem que vê verdades novas que o incrédulo ignora: é homem que pode mais. Ele
sente em si força maior para suportar as dificuldades da existência e para vencê-las.
Está como que elevado acima das misérias humanas, porque está elevado acima de
sua condição de homem; acredita-se salvo do mal, sob qualquer forma que conceba
o mal.
A inteligência espiritual, à luz do pensamento de Durkheim, é a capacidade de o
indivíduo se apropriar dessa experiência e transformar o seu modo de viver, de ver o
mundo, as coisas e a vida. É importante entender que a religião é produto de uma
busca do ser humano, de uma força que ele próprio carrega consigo que é sua
inteligência espiritual.
80
Na compreensão de Bourdieu (2003, p. 46), o aparecimento das grandes
religiões universais está associado à aparão e ao desenvolvimento da cidade. As
religiões só apareceram pela necessidade explícita do ser humano. Neste ponto a
religião funciona como princípio de estruturação que constrói a experiência e
consegue também submeter o sistema de disposições em relação ao mundo natural
e ao mundo social. A religião exerce um efeito de consagração, através de suas
sanções santificantes, porque inculca um sistema de práticas e representações.
Para Bourdieu (2003, p. 47), a religião é o princípio de uma estruturação que
constrói a experiência em termos lógicos, porém, em estado prático e num sistema
de questões indiscutíveis, através da consagração ou legitimação, submete o mundo
natural e social a uma transformação do ethos. O ethos seria o conjunto de valores e
normas que rege a vida de uma pessoa. Se a religião cumpre suas funções sociais,
além das funções primárias, conta-se com ela para a justificação de uma posição
social e de todas as propriedades que lhe são inerentes.
O pensamento de Bourdieu condiz com a ideia que a religião seria
consequência de uma inteligência espiritual na medida em que ele diz que as
religiões só apareceram pela necessidade explícita do ser humano, ou seja, elas
existem para suprir uma carência do ser humano. Isso vai de encontro com a
afirmação de Boff (2001, p. 66), quando ele diz que é grandioso quando a religião ou
determinado caminho espiritual consegue de fato canalizar a experiência espiritual e
o ser humano levar continuamente a beber da fonte, que poderemos chamar de
Deus. Trata-se do encontro com o sagrado, que poderemos chamar de Deus. Trata-
se então de uma religião que guarda sua funcionalidade verdadeira, que se enche de
reverência e, por isso, não manipula os sentimentos humanos, não aterroriza as
consciências, nem prende os professos na trama de seus dogmas. Entende tudo
como aceno ao mistério, como indicações sobre o inefável. Só se contenta quando
leva o ser humano a mergulhar nessa suprema realidade, e não quando o transforma
num devoto seguidor de suas doutrinas, ritos e preceitos morais.
Para Geertz (1989, p. 128), religião é um sistema de símbolos que atua para
estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos
homens mediante a formulação de conceitos de uma ordem de existência geral. A
religião, por constituir a centralidade da cultura, é um sistema simbólico. Os símbolos
sagrados sintetizam o ethos de um povo, o caráter e a qualidade de sua vida, seu
estilo e suas disposições morais e estéticos e sua visão de mundo. Se a inteligência
81
espiritual é a capacidade de a pessoa apropriar-se da experiência religiosa e
transformar seu modo de vida, o conceito de Geertz sobre o fenômeno religioso
também condiz com inteligência espiritual, visto que ele apresenta a religião como um
sistema de símbolos que sintetiza o ethos de um povo, burila o caráter, faz que essas
pessoas vivam de forma melhor, dando-lhe sentido e significados para continuar
vivendo.
Para Jung (1987, p. 7), a religião é uma das expressões mais antigas e
universais da alma humana, subentende-se que todo tipo de psicologia que se ocupa
da estrutura psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a
religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto
importante para grande número de indivíduos. Religião é como diz o vocábulo latino
religare uma curada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto
acertadamente chamou de “numinoso”. O numinoso constitui uma condição do sujeito
e é independente de sua vontade.
Para Otto (1985, p. 15), o sagrado possui uma dimensão que passa uma
qualidade absolutamente especial e se coloca fora de tudo aquilo que chamamos de
racional, constituindo, assim, algo inefável. Esse autor adota o termo latino numen,
que significa a força divina manifestada na ação pessoal. Para Otto (1985, p. 16), a
experiência com o sagrado só acontece no âmbito religioso. Quando Otto diz que o
elemento sagrado está presente em todas as religiões, ele parte do princípio da
experiência humana, porque o humano está presente em todas as religiões. Para
Leloup (2003, p. 185), tudo o que sabemos de Deus é sempre através de um ser
humano. Tudo o que sabemos do Absoluto é sempre através de um ser relativo.
Quando nos interrogamos, do ponto de vista mais científico, sobre a origem das
religiões, constatamos que, na origem, há sempre um ser humano. E que esse ser
humano tem um inconsciente pessoal e um inconsciente coletivo. Cada ato religioso
proporciona inúmeras experiências com o sagrado, que ninguém poderá conter ou
controlar. Para Otto (1985, p. 11), o elemento do qual falamos parece vivo em todas
as religiões. Ele constitui a parte mais íntima e, sem ele, a religião perderia as suas
características, porque é a partir do ser humano que se estabelece uma religião.
Eliade (1955, p. 170) diz que qualquer que seja o contexto histórico no qual
esteja imerso o homo religiosus este acredita sempre que existe uma realidade
absoluta, o sagrado, que transcende este mundo, mas que se manifesta nele e, por
isso mesmo, santifica-o e o faz real. Seus atos religiosos estão orientados a essa
82
realidade máxima que se manifesta nas hierofanias. O ser humano para Eliade só
conhece o sagrado porque ele se manifesta, mostra-se, como algo totalmente
diferente do que é profano. Por meio dessa experiência real com o sagrado é fácil
compreender que o homem religioso deseja profundamente participar dessa
realidade. O objetivo principal de Eliade não é comparar sistemas filosóficos, mas,
sim, respaldar-se mediante comportamentos existenciais. Para ele o sagrado é o real
por excelência. Aquele que conheceu os mistérios é aquele que sabe. A existência
humana só é possível por causa dessa comunicação permanente com o céu. E a
esta comunicação permanente com o céu citada por Eliade é possível que venha a
ser esta centelha divina carregada pelo ser humano, parte divina que o torna
acessível as coisas do céu. Conforme Jung (1987, p. 23),
A religião é como uma atitude do espírito humano, atitude de acordo com o
emprego originário do termo: religio, poderíamos qualificar a modo de uma
consideração e observação cuidadosas. Ao termo religião Jung se refere a uma
determinada profissão de fé religiosa. Toda fé religiosa se funda originalmente na
experiência do numinoso, na fidelidade, na fé na confiança em relação a uma
determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí
resulta. A experiência religiosa é algo de absoluto. Aquele que a tem, possui, qual
inestimável tesouro, algo que se converteu para ele numa fonte de vida, de sentido e
de beleza, conferindo um novo brilho ao mundo e à humanidade.
Jung (1987, p. 23) acreditava que a religião tinha grande valor prático por dar
às pessoas esperança e uma visão mais jubilosa da vida. A religião não era uma
ilusão, mas uma função natural que afeta a humanidade tanto quanto a vontade de
poder. Para este autor, uma visão religiosa da vida era essencial. Para Jung (1987, p.
23), viver uma espiritualidade é viver consciente com o mundo que o cerca,
colocando sentido e significado para a vida. Essa expressão de Jung nos reporta ao
segundo capítulo, quando Zohar (2000, p. 297) diz:
Um forte sinal da presença da inteligência espiritual na pessoa seria o senso
do sagrado em todos os objetos e eventos da vida diária, o senso do sagrado no ato
de fluir, o êxtase quase insuportável que se sente quando o conhecimento aflora, o
senso de júbilo quando se traz alguma coisa nova ao mundo, o senso de profunda
satisfação quando se vê a justiça ser feita, o senso profundo de paz quando se sabe
que aquilo a quem se serve também serve a Deus.
83
James (1987, p. 34) dizia ser melhor acreditar em Deus, já que isso, muitas
vezes, produziu bons resultados. Essa opinião era fruto de seu pragmatismo, que não
se preocupava com a verdade de uma crença, mas com seus efeitos sobre a vida. A
religião é a crença de que o mundo faz parte de um universo mais espiritual e tem por
finalidade alcançar a harmonia com ele.
Berger (1985, p.30) diz que a religião é um empreendimento humano pelo
qual se estabelece o sagrado. A religião é a cosmificação feita de forma sagrada. O
homem enfrenta o sagrado como uma realidade imensamente poderosa distinta dele.
Essa realidade coloca-se numa ordem dotada de significado. Religião vem de uma
palavra latina que significa ter cuidado. Conforme Boff (1999, p. 33), o oposto ao
cuidado é o descuido e o descaso. Cuidar é mais que uma atitude. Por isso abrange
mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de
ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo. O cuidado
é uma constituição ontológica sempre subjacente a tudo o que o ser humano
empreende, projeta e faz.
Baseado nesta constituição ontológica do cuidado em relação ao ser humano
e por ser finalidade das religiões, Boff (1999, p. 75) afirma que temos também uma
busca dentro de nossas igrejas, a do saber cuidar. Quando somos espirituais, quando
nossa inteligência espiritual está no comando, o senso de preservação de cuidado é
muito maior. Boff (1999, p. 75) afirma que hoje estamos a assistir uma humanidade
mais cuidadosa em preservar sua história, seus lugares públicos, suas praças.
Falamos aqui de uma comunidade sustentável, de termos um planeta sustentável
para viver. Por sustentável entende-se a sociedade que produz o suficiente para sua
sobrevivência e para os seres dos ecossistemas, tomando natureza somente o que
ela pode repor. Isso mostra um sentido de solidariedade generosa. Isso é viver uma
espiritualidade. Parece-nos que esta compreensão de Boff nos reporta a pensar que
a religião, que é carregada de sentidos para vida, justifica-se para cuidar dos fiéis que
a seguem e dos demais seres humanos que serão alcançados por cada uma delas.
Berger (1985, p. 30) afirma que a religião desempenhou uma parte estratégica
no empreendimento humano da construção do mundo. A religião representa o ponto
máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão dos seus próprios sentidos
sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do
84
ser. A religião é ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente
significativo.
A religião seria, independente da opinião de diversos teóricos, uma
manifestação de algo maior no humano, seria uma necessidade do culto, dos
símbolos, rituais, do estar junto e desenvolver uma comunicação coletiva, isso
independendo dos motivos que a levaram a ser criada. O mais importante é que ela
representa uma disposição, uma motivação humana impulsionada por algo maior.
Parece-nos então que o que Zohar e Mashall (2000) e Weil (2003) afirmaram, no
segundo capítulo, sobre o que viria a ser inteligência espiritual poderá ser comparado
com o que nos traz todos os teóricos anteriormente citados sobre o fenômeno
religioso. Portanto, se a inteligência espiritual é o que dizem conceitos trazidos a
agora, poderemos concluir que a experiência religiosa pode proporcionar ao ser
humano um novo modo de ser e estar no mundo, porque permite ao ser humano se
apropriar desta experiência e transformar sua consciência e seu modo de viver.
4.2.1 Religião como Sentido para a Vida do Ser Humano
A religião, por se tratar de um dos componentes chaves para a descoberta da
inteligência espiritual, uma vez que ela trata propriamente de aspectos carregados de
significados, lida com a principal contingência que o ser humano precisa enfrentar: a
morte. Além dessa grande contingência, a religião também em seu contexto tenta
compreender toda sorte de problemas que o ser humano carrega consigo. Jesus em
todo o seu contexto histórico foi um ser que soube enfrentar a maior contingência
imposta pela vida, que foi a sua própria morte e de algumas pessoas mais próximas
de si como do amigo Lázaro.
A religião criada a partir da necessidade do ser humano vem para oferecer
credibilidade e densidade à vida. Ela sempre será uma ferramenta de ajuda, um fator
que ajudará na construção da nomia. A religião será o princípio que irá fundamentar
as outras estruturas da sociedade. Religião como legitimadora só começa seu poder
de legitimar quando cria sentido e significado para o ser humano e relativiza o
absoluto. O ser humano, portador de uma inteligência espiritual, precisa de sentido
85
para viver, e a religião, neste caso, sente-se responsável por repassar ao ser humano
esta razão para viver, criada por ele mesmo.
Geertz (1978, p. 126) diz que falar de uma perspectiva religiosa é por
implicação falar de uma perspectiva entre outras. Uma perspectiva é um modo de
ver, no sentido mais amplo de ver como significado, discernir, apreender,
compreender, entender. Para Geertz (1978, p. 128), a perspectiva religiosa difere da
perspectiva do senso comum, porque se move para além das realidades da vida
cotidiana em direção a outras mais amplas. Ela difere da perspectiva científica pelo
fato de questionar as realidades da vida cotidiana. A perspectiva religiosa repousa
justamente nesse sentido do que é verdadeiramente real, e as atividades simbólicas
da religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo, intensificá-lo e, tanto
quanto possível, tor-lo inviolável pelas revelações discordantes da experiência
secular. Neste particular a experiência religiosa carregada de sentidos se difere das
demais perspectivas, porque ela traz ao ser humano a possibilidade de mudanças e
transformações de vida através da proposta que a sustenta. Neste contexto
entendemos que a religião, por ser carregada de sentidos, dá ao ser humano a
possibilidade de vivenciar uma inteligência espiritual.
Para Boff (1999, p. 88), existe hoje uma forma de espiritualidade diferenciada.
O ser humano expressa essa suprema realidade com mil nomes ou simplesmente
-lhe o nome de Deus. Sente que Ele arde em seu interior na forma de uma
presença que o acompanha e o ajuda a discernir o bem e o mal. O elã vital, eu
superior, o leva a crescer, a trabalhar, a enfrentar obstáculos, a alcançar seus
propósitos e a viver com esperança. Esse elã está no ser humano, mas é maior que
ele. Não está em seu poder manipulá-lo, criá-lo ou destruí-lo. Assim, a espiritualidade
dá origem às religiões, que expressam o encontro com Deus nos códigos das
diferentes culturas.
Sábios de todos os povos sempre pregaram sobre a existência de uma fonte
maior existente dentro do ser humano. Conforme Boff (1999, p. 88), a religião tem
vivenciado essa experiência, tem anunciado a seus fiéis e adeptos a necessidade de
acolher o espírito e cuidar desse mesmo espírito. Isso significa cuidar dos valores
que dão rumo à vida e das significações que geram esperança para além da morte.
Cuidar do espírito implica colocar compromissos éticos acima dos interesses
pessoais ou coletivos. Cuidar do espírito demanda alimentar a brasa interior da
86
contemplação e da oração para que nunca se apague. Significa cuidar da
espiritualidade, cuidar da inteligência primordial que herda o ser humano.
Para Crema (2003, p. 193), toda religião surge do amor em movimento, de
uma brisa fresca de consciência plena, quando o ser humano, tocado pelo numinoso,
aberto na dimensão noética de sua escuta, assume a função do construtor de pontes,
que interliga terra e céu e se faz mensageiro do Totalmente Outro. Crema (2003, p.
193) afirma que na sequência vem a instituição, que busca por ordem e estrutura a
esse processo vivo da mística. A fonte de todas as religiões é a experiência do
sagrado, que parte da necessidade do próprio humano e pela manifestação do
sagrado nas hierofanias, que, conforme Eliade (1955, p. 42), encerra maravilhas. É
essa experiência que traz o justo sentido para a existência das religiões. Para Crema
(2003, p. 193), é o sopro que não vemos, sutil e concreto. É o que nos permite estar
aqui. É o salário essencial que respiramos, ao qual devemos a existência. É este
encontro de respirações. É a inteligência espiritual em ação, produzindo uma
espiritualidade carregada de sentido e significado para a vida.
Compreendemos então a partir dos estudiosos pesquisados que a religião
nasce do desejo e da necessidade humana de lidar com as grandes contingências da
vida e sobretudo pelo fio que liga o ser humano a algo sagrado, pela centelha divina
que cada ser carrega dentro de si mesmo. Dessa maneira, seu justo papel, por ser
carregada de sentido, é trazer ao ser humano o verdadeiro sentido de viver e lutar
por dias melhores aqui e futuros. As religiões carregadas de sentido abrem ao ser
humano possibilidades para ele desenvolver, de forma mais coesa, livre e solta, sua
inteligência espiritual.
Se a religião é fornecedora de sentido, se ela integra as pessoas, se ela ajuda
as pessoas a se encontrarem consigo mesmas e com a fonte da plenitude (que na
maioria das religiões chama-se Deus), parece-nos que Jesus teria vivido esta
experiência profunda. Ao viver essa experiência, ele estava fazendo uso de sua
inteligência espiritual. Jesus de fato não via a religião como doutrina ou como normas
para serem legalmente seguidas. Antes de dar a sua vida, ele estava integrado à
vida. Ele viveu plenamente a sua vida: “Eu sou o pão da vida” (Jo 5,48). Viveu
integrado consigo mesmo, com a fonte da vida “Eu e o Pai somos um” (Jo17, 21)
e com os outros “Aquele que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo
6,37). Essas afirmações de Jesus nos levam a perceber como não só a religião é
87
uma consequência da inteligência espiritual, mas também sua função é promover às
pessoas a plenitude e o sentido da vida.
Percebe-se, portanto, que Jesus vive plenamente esta experiência profunda
que o torna uma pessoa equilibrada, coerente com suas escolhas, profundamente
humano e sabiamente aberto às possibilidades. Antes de aprofundarmos estas
atitudes de Jesus e apresentá-las como resultado de sua inteligência espiritual,
vejamos um pouco sobre a vida deste homem que mudou a história de parte da
humanidade.
4.3 QUEM FOI JESUS DE NAZARÉ?
Sobre sua vida e sua pessoa poderíamos dizer que não sabemos quase nada,
mesmo não considerando que sabemos bastante sobre sua pregação e sobre seu
ensino. Essa posição é válida na medida em que não sabemos nada sobre o
desenvolvimento de Jesus, de sua infância até o momento de sua aparição pública.
Nisso Jesus não se diferencia das demais personalidades do mundo antigo, pois o
que uma pessoa é não se mostra na sequência de diferentes estágios da vida, mas
em suas relações interpessoais. Uma pessoa só é o que é em suas relações
humanas. E a partir das relações humanas temos muito a dizer sobre quem era
Jesus, pois disso as fontes nos permitem saber.
Conforme Crompton
10
10
Historiador responsável pela biografia religiosa de 100 líderes espirituais que mudaram a história do
mundo. Escreveu também sobre os 100 líderes que mudaram a história do mundo.
(2004, p. 39), Jesus era judeu, nascido em Belém, na
Palestina, durante o reinado de César Augusto, o primeiro imperador romano.
Cresceu em Nazaré. Era filho de um carpinteiro chamado José e de sua esposa,
Maria. Jesus se tornou curandeiro e professor itinerante. Judeu, devoto e piedoso,
ensinou a fé judaica na qual fora criado, enfatizava a importância da paz, da
honestidade, da simplicidade, da tolerância e da humildade. Uma de suas
mensagens conhecidas, o Sermão da Montanha, resumia esses princípios, tornando-
se a base fundamental de uma nova fé. À medida que a notícia dos ensinamentos se
88
espalhava, também corriam histórias sobre sua habilidade de curar os doentes, dar
vistas aos cegos e até ressuscitar mortos.
Para Walker
11
Para Theissen
(1980, p. 3), Jesus cresceu em Nazaré da Galiléia, na
atmosfera simples de uma casa de carpinteiro. A Galiléia era fiel à religião e às
tradições hebraicas. A população vigorosa e altiva estava imbuída de intensa
esperança messiânica. Ali Jesus chegou à idade adulta, sem que tenhamos um
registro das experiências por ele vividas na sua infância e juventude. Foi batizado por
João Batista no Rio Jordão. Depois do seu batismo, Jesus começou a pregar,
ensinar, curar, ajudar as pessoas, obtendo grande número de seguidores. Reuniu ao
redor de si um grupo pequeno de companheiros, mas íntimos, os apóstolos, e um
outro maior de discípulos menos chegados. O Jesus da história vivera num país
específico, sob as condições humanas de espaço e tempo.
12
A inteligência espiritual de Jesus seria a qualidade da sua espiritualidade.
Espiritualidade neste caso se refere ao conjunto de valores e atitudes em relação a
tudo a seu redor. Não se trata apenas de religiosidade, trata-se também da área
e Merz (2002, p. 257), Jesus foi um carismático do qual
emanou um enorme poder de irradiação. Isso fascinou seguidores e irritou inimigos.
Theissen e Merz (2002, p. 258) afirmam que ele deve suas primeiras ações a João
Batista. Ele se deixou batizar por João Batista como pecador. De João Batista Jesus
assumiu imagens, temas e problemas em sua pregação, de forma que, entre ditos
considerados de Jesus, tenhamos alguns ditos desconhecidos de João.
O carisma que Jesus recebeu de João passou a seus discípulos. Ele os
envolveu em sua tarefa e em sua autoridade. A escolha de doze discípulos deveria
ter sido o início da restauração de Israel, não como uma monarquia messiânica, mas
como um poder popular representativo. Theissen e Merz (2002, p. 258) afirmam que
os doze escolhidos entre simples pescadores e camponeses que deveriam reger o
Israel unificado como um poder messiânico coletivo. Ele os enviou como
mensageiros do reinado de Deus e lhes deu regras ascéticas. Sua ascese
missionária tinha uma função distinta da ascese de protesto de João. Ela não tinha
como função recolher os apóstolos no deserto, mas enviá-los ao mundo para
anunciarem as boas novas às pessoas.
11
Cientista alemão evangélico, História da Igreja Cristã.
12
É professor de Novo Testamento na Universidade de Heidelberg, onde Annette Merz ensina
estudos neotestamentários. O livro foi traduzido do alemão por Milton Camargo e Paulo Nogueira, sob
a supervisão de Johan Konings.
89
econômica, social, de lazer, afeto, atitudes. Nada fica fora da prática da
espiritualidade. A espiritualidade de Jesus não se refere apenas à sua comunhão
com Deus, mas especialmente a sua comunhão com o próximo, à sua perfeita
integração com tudo e sobretudo seu equilíbrio. Jesus não fez a falsa distinção entre
espiritual e material; não desprezou um a favor do outro. O pão e a palavra são de
igual importância, cada um tem o seu lugar e a sua hora. Um não é superior ao outro.
A inteligência espiritual de Jesus é justamente o equilíbrio e a aceitação da vida como
ela é, e vivendo-a ao máximo.
4.3.1 O Mundo Religioso na Época de Jesus
Na época do nascimento de Jesus, as terras que circundavam o Mediterrâneo
estavam de posse de Roma, era o chamado Império Romano. Uma das
características principais era que nesse império se respeitavam as práticas religiosas
locais. Preservavam-se os costumes e as línguas antigas dos povos conquistados.
Este era então o caso da Palestina na época do nascimento de Jesus. O Cristianismo
não veio ocupar um vácuo, não se tratava de semear em solo virgem, muitas das
práticas usadas hoje no cristianismo são uma herança do contexto religioso em que
vivia o povo daquela época.
Walker (1980, p. 12) nos diz que certos fatores presentes no ambiente
intelectual em que se inseriu o cristianismo provêm das religiões antigas universais.
Todos criam na existência de um poder ou de poderes invisíveis, sobre-humanos e
eternos que controlavam o destino e deviam ser adorados ou aplacados por meio de
orações, atos rituais, ou sacrifícios. A terra naquela época era considerada o centro
do universo. O mundo era considerado habitação de inúmeros espíritos bons e
maus, que influíam em todas as facetas da vida humana e de alguma forma se
apossavam dos homens, passando a controlar suas ações para o bem ou para o
mal.
Segundo Walker (1980, p. 15), o Cristianismo tem suas bases no Judaísmo. A
esperança messiânica, que era nutrida tanto pelos fariseus como pelo povo em
geral, era fruto da forte consciência nacional e da fé em Deus. É natural que ao falar-
se no Judaísmo se dê atenção em primeiro lugar à Palestina, berço do Cristianismo.
90
Jesus cresceu em Nazaré da Galiléia, numa atmosfera simples de uma casa de
carpinteiro. Embora olhada com desprezo pelos judeus mais puros que habitavam a
Judéia, por causa das grandes misturas de raças que havia, a Galiléia era fiel à
religião e às tradições hebraicas. Walker (1980, p. 16) afirma que o mundo que
nasceu Jesus sofria influência específica do pensamento grego. As ideias helênicas
dominavam a inteligência do Império Romano, mas sua influência estendia-se tão
somente às camadas mais cultas da população. Neste contexto nasce e vive Jesus,
mas consciente do papel que deveria desempenhar naquele lugar com o mundo que
o cercava à época. Neste espaço e tempo Jesus desenvolve sua inteligência
espiritual com a prática de vida que viria a vivenciar com seu povo.
Mateos e Barreto
13
4.3.1.1 A relação de Jesus com os fariseus
(1999, p. 91) relatam que no ambiente tenso da Palestina
do século I, no meio da expectativa do libertador, existia aguda dominação
estrangeira e miséria reinante, quando surge a figura de João batista, que atrai
seguidores, anunciando a chegada iminente do Messias.
Para Boff (1994, p. 56) o mundo em que Jesus nasceu era de opressão,
desde 587 a.C. seu povo vivia alienado de forma política e histórica. Foram
dominados pela Babilônia, pelos Persas, pelo Egito, Assíria e Roma no ano 64. Em
Israel para uma pessoa de fé isso se constituía em um escândalo. Jesus então
encontra seu povo vivendo esta realidade, em que as pessoas se sentiam
abandonadas por Javé. Jesus então descobre que a Torá que devia ser caminho da
libertação da experiência de Deus, transformara-se numa norma rebuscada como,
por exemplo, quantos passos as pessoas poderiam dar no sábado. A tradição cristã
nasce neste contexto, com Jesus tomando a frente, confrontando os fariseus a
valorizarem mais a vida espiritual, a relação deles com Deus, ao invés de estarem
preocupados com todas as posturas que deveriam ter no sábado.
Para Boff (1994, p. 57), a aparição do cristianismo é produto de uma história.
Jesus não é um ser errático. Ele tinha uma pátria, um povo, uma mãe e parentes.
Jesus é criado de uma nova história e funda uma nova relação com Deus. Então
Jesus é produto de uma História.
13
São formados em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico e professores de exegese na
Espanha.
91
Na época em que Jesus nasceu, na Palestina, o mundo religioso era
comandado por um grupo chamado de fariseus. Eles eram responsáveis por manter
uma vigília constante para o cumprimento das leis e normas do templo, que eram as
leis que regiam as pessoas em seu cotidiano. Conforme Walker (1980, p. 29), os
fariseus não constituíam um partido político, embora dentre eles tenham surgido os
zelotes (ou homens de ação). Nunca chegaram a ser numerosos, mas contavam
com a admiração da maioria do povo. O judeu comum não dispunha da instrução
das minúcias da lei, nem do tempo disponível para tornar-se um fariseu. A atitude
dos membros desse grupo para com a massa do judaísmo era de desprezo. Os
fariseus representavam o desenvolvimento religioso judaico desde os tempos do
exílio. Sua ênfase principal era na observância da lei tal como interpretada pelas
tradições. Walker (1980, p. 30) afirma que se mantinham presos à crença na
existência de espíritos bons e maus, com uma doutrina dos anjos e de satanás
grandemente influenciada, ao que parece, por ideias persas. Representavam a
crença na ressurreição do corpo e em recompensas e castigos futuros, crença essa
que se havia desenvolvido grandemente nos dois séculos anteriores ao nascimento
de Cristo. Como ao povo em geral, eles se mantinham fiéis à esperança messiânica.
Os fariseus eram merecedores de grande respeito.
Para Walker (1980, p. 29), o farisaísmo tinha dois grandes defeitos. Primeiro
equacionava a religião com a mera observância de uma lei externa, mediante a qual
se conquistava uma recompensa; segundo, tiravam das promessas divinas aqueles
para quem era impossível a observância do padrão farisaico, por causa de seus
pecados, suas falhas e sua imperfeição na obediência à lei. Neste particular Jesus
se posicionou contra essa segregação religiosa, que, para ele, todos eram iguais.
Conforme Theissen e Merz (2002, p. 252), a relação de Jesus com os
fariseus é ambivalente, com grandes semelhanças nas convicções, indícios de
inimizades. Jesus partilhava de convicções básicas dos fariseus: a fé na
ressurreição (Mc 12, 18-27; Mt 12, 41), mesmo quando ela perdia importância diante
da expectativa do reino iminente. Como os fariseus, Jesus cria também em
demônios, também cria que desapareceriam com a vinda do reino. Mesmo Jesus
compartilhando com os fariseus de algumas crenças comuns, ele não ficava inerte
diante das situações de injustiças provocadas por este grupo. Vejamos o que nos diz
os autores Theissen e Merz (2002, p. 252) sobre a colisão entre Jesus e os fariseus:
92
Jesus entrou em rota de colisão com as regras práticas representadas pelos
fariseus: ele transgrediu o mandamento do sábado e de pureza. As
tradições dos pais não eram para ele nenhuma cadeia, ao contrário, foram
submetidas a críticas (Mc 7, 1). A obrigação de recolher o dízimo era
inválida, comparada com as exigências éticas de justiça, misericórdia e
verdade (Mt 23, 23). Em outras palavras: ele não partilhava as estratégias
de separação dos fariseus contra todos os estrangeiros baseada nos
mandamentos rituais. Diante de sua ideia defensiva de pureza, ele defendia
a ideia de uma pureza ofensiva: não é a impureza que contamina. É a
pureza. Por isso ele podia aproximar-se de enfermos impuros, podia comer
com pecadores, podia ter contato com estrangeiros e, Mc 7, 15, podia
relativizar na base a ideia de pureza. Ele incorporou uma pureza carismática
irradiante.
O posicionamento de Jesus em relação à normose de seu tempo era de fato
denunciar a mais terrível das patologias, a Normose, uma anomalia da sociedade
que Jesus, por deter uma inteligência espiritual respaldada na ética e no cuidado do
outro, confrontou-as. Seu propósito não era compactuar com uma normalidade de
rebanho, cega e alienada. Ele veio para, a partir de suas próprias palavras, realizar
uma tarefa única e intransferível, para fazer o benefício de uma diferença.
4.3.1.2 A relação de Jesus com as mulheres
Se as atitudes de Jesus eram o resultado de uma inteligência espiritual,
podemos observar que sua relação com as mulheres decorre desse equilíbrio e
dessa integração plena de seu ser que faz que ele estivesse à frente de seu tempo.
Naturalmente, sem ter intenção de violação de regras ou normas, extrapolava os
costumes da época, em que as mulheres, segundo as sagradas escrituras, tinham
um lugar que não era de destaque. Jesus nasceu em um mundo puramente para
homens, de supervalorização do sexo masculino, assim, neste contexto não existia
espaços para atuação de mulheres. Ele vem e quebra essa unidade de medida de
sua época e dá a justa valorização merecida às mulheres.
Conforme Theissen e Merz (2002, p. 244), Jesus era uma exceção na postura
favorável às mulheres entre seus contemporâneos judaicos. As mulheres, quando
aderiam ao anúncio, eram libertadas da lei judaica que as degradava. Existiam no
comportamento de Jesus tendências emancipatórias para a mulher. A ideia de
Jesus, na realidade, era que os dois gêneros tivessem a mesma qualidade de
oportunidades e vivessem em harmonia.
93
Para Theissen e Merz (2002, p. 244), as mulheres aparecem na tradição de
Jesus como destinatárias do anúncio de Jesus e, dessa forma, como sujeitos
religiosos responsáveis por si mesmos. A mensagem de Jesus dirige-se também às
mulheres economicamente mais pobres e socialmente desprezadas como, por
exemplo, as prostitutas. Em Mt 21, 31, ele promete a elas e aos cobradores de
impostos acesso ao reino de Deus. Em Lc 7, 36-50, Jesus permite a aproximação e
beijos de uma prostituta. Ele interpreta esses beijos como expressão do amor dela
por ele lhe garante o perdão de Deus.
Jesus curou muitas mulheres. Ele se apresenta a elas com um poder de
cura, o qual recupera a integridade corporal de mulheres e as insere na comunidade
dos que foram alcançados pelo Reino de Deus. O carisma milagreiro de Jesus faz
que elas não sejam objeto de sua ação, mas, antes, as envolve em um processo no
qual elas têm um papel ativo. Maria de Magdála, da Galiléia, da qual sete demônios
foram expulsos (Lc 8,2), seguiu Jesus até Jerusalém e, em um ramo da tradição, ela
aparece como a primeira testemunha da ressurreição (Jo 20,11; Mc 16,9). A mulher
curada no sábado (Lc 13,10-17) é qualificada por Jesus religiosamente como filha de
Abraão. Depois da sua cura, ela louva a Deus publicamente na sinagoga. A mulher
síro-fenícia, por causa de sua filha enferma, supera a resistência em relação a
Jesus, marcada por preconceito nacionalista (Mc 7, 24-30). A mulher com
hemorragia (Mc 5, 25-34), além de sua enfermidade, sofria marginalização social e
cúltica, que a fazia carregar sempre consigo sua impureza, uma forma acentuada de
separação que atingia todas as mulheres menstruadas. Ela rompe com o tabu do
toque, o que é tornado público por Jesus e interpretado como expressão de sua fé.
Conforme Theissen e Merz (2002, p. 247), Jesus fazia menção ao mundo
das mulheres, suas palavras tinham relação vital com as mulheres e eram muito
significativas. Na parábola da viúva, esta mulher luta insistentemente por seu direito
(Lc 18, 1-8), isso significa que uma mulher representa um comportamento adequado
de homens para fazer orações e preces diante de Deus. A parábola do fermento (Lc
13, 20) e a da moeda perdida (Lc 15, 8-10) apresentam a mulher e seu mundo como
imagem para a ação de Deus. Portanto, Jesus associou a si várias mulheres como
discípulas (Lc 8,2-3), fato inusitado para a época.
Boff (1999, p.170) afirma que Jesus cultivou um amor terno para com as
amigas Marta e Maria (Jo 11, 20-28; Lc 10,38-42). Fez da misericórdia a chave de
sua ética. É pela misericórdia que os seres humanos chegam ao Reino da vida; sem
94
a misericórdia não há salvação para ninguém (Mt 25, 36-41). A parábola do bom
samaritano, que mostra a compaixão do samaritano pelo caído na estrada (Lc 10,
30-37), e a do filho pródigo, acolhido e perdoado pelo pai (Lc 15, 11-32), são
expressões de uma espiritualidade do cuidado e de plena humanidade. Jesus teve
cuidado com a vida integral, a vida de homens e mulheres.
Boff (1999, p. 172) afirma que a espiritualidade de Jesus resulta em liberdade
e não em coerção ou intolerância. Esta é a percepção que tem a mulher samaritana
quando recebe as palavras do mestre (Jo 4, 1-30). Jesus apresenta a proposta de
espiritualidade de que não há local específico para adoração, nem em Samaria nem
em Jerusalém, ao contrário, mostra que a verdadeira espiritualidade não permitia o
preconceito mútuo entre samaritanos e judeus. Jesus não olha o fato de a mulher
ser samaritana, nem sua vida amorosa conturbada, Ele apenas enxerga nela a
possibilidade de ter uma experiência. Sua oferta ia muito além da água retirada do
poço, sua oferta era uma fonte a jorrar para a vida eterna. Apesar dos discípulos,
Jesus se aproxima com liberdade e pede água àquela mulher. Esta é a
espiritualidade de Jesus: permitir ao ser humano que seja verdadeiramente livre.
Conforme Boff (1999, p. 180), quem quer viver a verdadeira expressão da
espiritualidade apresentada por Jesus precisa de fato compreender a sua relação
com a liberdade. No encontro com a mulher adultera (Jo 8, 1-11) que vivia presa nos
grilhões do estigma da sociedade judaica e acorrentada pela marginalização
promovida pelos mesmos que dela se utilizavam quando sentiam desejo,
enclausurada no seu mundo próprio, Jesus convida os sem-pecados a atirarem a
primeira pedra. Ele promove a libertação daquela mulher, pois a coloca no mesmo
patamar daqueles que a acusaram. Jesus sabia que sua missão de vida, ou seja,
que o que tinha a fazer incluía homens e mulheres. E por saber de forma profunda
da grande desvalorização que a mulher sofria naquela comunidade local, ele, como
grande entendedor do espírito humano, soube acolher de forma diferenciada todas
as mulheres que viveram em sua proximidade. Essa atitude de Jesus em relação à
mulher, em que de sua parte não existiam qualquer preconceitos, faz-nos perceber
que Jesus exercia uma inteligência espiritual que era capaz de incluir e integrar a
todos, sem se importar com os costumes, as leis e as normas que desintegravam o
ser humano de sua época.
95
4.3.2 Como Jesus Reage à “Normose” de sua Época
Vimos como os fariseus estavam preocupados com a “normose”. Era mais
importante o sábado que a pessoa; a mulher adúltera deveria ser apedrejada, pois
esta é a lei; o cego não deveria ser curado, pois seus pais eram pecadores; a mulher
do fluxo de sangue não podia tocá-lo, pois era impura. O povo na época de Jesus
fazia experiências da “normose” apesar de serem extremamente “religiosos”,
voltados para seu Deus, para o qual cumpria todos os rituais. Entretanto, percebe-se
que não estavam em sintonia com a lei do amor, ou seja, aquela lei profunda que a
dimensão da experiência da inteligência espiritual fornece.
Para que entendamos melhor o conceito de normose, ele foi definido
anteriormente pelos estudiosos Crema (2003, p. 191), Leloup (2003, p. 183) e Weil
(2003, p. 23-9). Normose foi definida como o conjunto de normas, conceitos, valores,
estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por consenso em uma
determinada sociedade que provoca sofrimento, doença e morte. É algo patogênico
e letal. A normose seria uma normalidade doentia. Ela se distingue da normalidade
saudável como, por exemplo, levantar-se cedo e caminhar todos os dias, e da
normalidade neutra, que é almoçar todos os dias ao meio-dia. Em todos os tempos e
em todas as épocas, a humanidade viveu esse mal, deixando que suas normas,
seus conceitos e seus hábitos superassem sua ética respaldada no amor e na
compaixão.
Para Weil (2003, p. 21-2), quando todas as pessoas estão de acordo a
respeito de uma opinião ou a uma atitude e maneira de atuar, manifesta-se um
consenso, que ditará uma norma. Quando a norma é adotada por muitos, cria-se um
hábito. A maior parte de nossos costumes é resultado de normas que adotamos,
mais ou menos conscientes, mediante a imitação de nossos pais e educadores.
Essas normas deveriam ter a função de preservar nosso equilíbrio físico, emocional
ou mental, bem como a harmonia e a qualidade de vida. Weil (2003, p. 22) afirma
que há uma crença bastante enraizada segundo a qual tudo o que a maioria das
pessoas sente, acredita ou faz deve ser considerado normal. Por conseguinte deve
servir de guia para o comportamento geral, de roteiro para a educação. Nem todas
as normas são benevolentes. Algumas são geradoras de sofrimento e de
enfermidades, podendo conduzir à morte. Contudo, por serem dotadas de um
96
consenso social, as pessoas não se dão conta do seu caráter patogênico. Segundo
Weil (2003, p. 23):
Certos fatos e algumas descobertas recentes sobre as origens de
sofrimentos e doenças, na esfera individual ou social, como as guerras e a
violência, bem como na esfera ambiental, como a destruição de
ecossistemas, estão a contestar seriamente o conceito de normalidade
sustentado por consenso social. Surge uma denúncia lúcida de que certas
normas sociais, atuais ou anteriores, levam e levaram a sofrimentos físicos
e morais indivíduos, grupos e a comunidade global
.
Tudo indica que Jesus enfrentou uma sociedade normótica em sua época. O
consenso social que existia em relação a algumas leis era uma verdadeira violação
ao ser humano. Jesus com a sua inteligência espiritual se contrapôs à normose por
que era mais ético que moral. A compaixão era a raiz de sua ética. Ele se posicionou
contra a normose de seu tempo. Este exemplo de vida, a este posicionamento de
Jesus nos reporta a ressaltar que a atitude dele seria de total inteligência de seu
espírito.
Para Leloup (2003, p. 134), a primeira normose contra a qual Jesus começou
a lutar foi contra o discurso que pensa que as satisfações materiais dos seres
humanos podem resolver todos os seus problemas. O ser humano não vive apenas
de pão. Trata-se de lhe dar o pão com esta qualidade de amizade e de humanidade.
O ser humano não é apenas o homo economicus. A segunda normose contra a qual
Jesus se coloca é a do poder. Jesus foi tentado por Satanás: “Eu lhe dou todas as
nações e de todas elas você poderá fazer uma só, se você se inclinar diante de mim”
(Lc, 4, 5). Então, Jesus responde: “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele
prestarás culto” (Lc 4, 8). Nessa passagem, vê-se a tentação do poder político, que é
juntar todas as nações numa só; a uniformização, a redução de todas as diferenças
dentro do mesmo molde; colocar todo mundo numa espécie de grande exército, com
regras muito precisas. E assim, novamente, dizer o que é certo e o que é errado. E
aquele que conseguir dirigir o mundo dessa maneira será o mestre do mundo. Para
Leloup (2003, p. 135), Jesus renuncia ser um Messias político para dominar os seres
humanos. Assim, ele se conduz como o sal. Ele renuncia ao poder econômico, e ao
poder da magia. Jesus sai da normose ditada pela sociedade de sua época e busca
preservar a liberdade humana.
Conforme Mateos e Barreto (1999, p. 165), Jesus começa sua atividade
pública mostrando sua incompatibilidade com o templo oficial. Naquela cidadela de
97
regime judaico, com um grupo político religioso dominante, os fariseus, que
declararam sua qualidade de messias, propõe abertamente sua intenção e faz sua
denúncia, mais com ação do que com palavras. Escolhe uma ocasião em que a
cidade está cheia de peregrino; quer que sua atuação seja uma proclamação que
atinja todos os cantos do país. Conforme Mateos e Barreto (1999, p. 165),
simbolicamente, com a expulsão dos animais, Jesus anuncia seu propósito de
libertar o povo da exploração disfarçada de culto, denuncia o domínio do dinheiro e
acusa as autoridades religiosas de abusarem dos pobres com o comércio do
sagrado. Nesse contexto, ele dá a conhecer ao povo o verdadeiro caráter da
instituição religiosa, preparando-o a aceitar as mudanças que irá propor mais
adiante. Jesus acusa os dirigentes de terem desvirtuado a missão histórica do
templo em benefício de seus próprios interesses. A reação das autoridades é bem
típica; em vez de abandonar sua injustiça, opõem-se a Jesus. Aqui Jesus, com muita
coragem, confronta e estabelece sua disciplina, indo contra a normose estabelecida
naquela época.
Jesus combateu profundamente a normose do seu tempo, quando permitiu
aos discípulos que colhessem e comessem as espigas de milho no sábado, mesmo
com toda a imposição dos fariseus (Mt 12, 1-8); com a cura da mulher siro-fenícia
(Mc 7, 24-29); quando expulsa os mercadores do templo. Entendemos serem estas
atitudes as de uma pessoa em plena sintonia com sua inteligência espiritual (Mc 11,
15-19). O encontro na casa do fariseu com a mulher pecadora que lhe ungiu os pés
com suas próprias lágrimas (Lc 7, 36-50); a cura de uma mulher que tinha um fluxo
de sangue há doze anos, considerada impura pelos fariseus (Lc 8, 43-48); quando
Jesus censura os fariseus e os escribas, pelo motivo de não ter se lavado antes da
refeição (Lc 11, 37-54); o encontro com Zaqueu, o cobrador de impostos, quando ele
diz: “Zaqueu desce depressa porque hoje irei pousar em tua casa” (Lc 19, 2-10); o
encontro com a mulher adúltera, em que os fariseus a trouxeram para que Jesus
desse o seu veredito, em que ele fala a todos: “quem dentre vós estiver sem pecado
que lhe atire a primeira pedra” (Lc 8, 2-11).
Para Crema (2003, p. 50) não existiu outro líder que com apenas doze
colaboradores redefiniu toda a história de parte da humanidade. Jesus foi agente de
cura do corpo físico, limpou a pele de leprosos e abriu os olhos de cegos. Jesus
promoveu cura psíquica pela profunda e eficaz psicologia do perdão, pelas
parábolas sábias que resistem aos séculos e ainda mantêm o frescor original.
98
Promoveu também noética, ao ensinar a terapia da benção e da oração. Crema
(2003, p. 50) afirma que Jesus era agente de conexão com a essência da vida,
colocando-nos em contato com aquele que, na sua intimidade, ele chamava de
Paizinho. Tudo fazendo muitas vezes contrário da vontade daqueles que se diziam
senhores da lei, do templo e da vida de sua época.
A exemplo do que vimos no segundo capítulo, segundo Zohar (2000, p. 260),
a pessoa que vive em sintonia com a inteligência espiritual: reafirma que é
necessário procurar mais o porque e as conexões entre as coisas, trazer
para a superfície as suposições que se faz sobre o sentido das coisas,
tornando-se mais reflexivos, assumindo responsabilidades, sendo mais
honestos e mais corajosos, tornando-se conscientes de onde se esta, quais
são as motivações mais profundas. Identificando e eliminando obstáculos.
Examinando as numerosas possibilidades, comprometendo-se com um
caminho e permanecendo conscientes de que são muitos os caminhos.
Diante do exposto, entendemos melhor como Jesus parece ter vivido
profundamente a sintonia com a inteligência espiritual, pois ele estabelece uma
relação a si e ao mundo atitudes de equilíbrio, de abertura, de reconhecimento,
respeito e valorização.
4.4 JESUS DIANTE DE SI MESMO
Jesus, para todas as pessoas que o conheceram, foi um dos seres mais
confiantes que já viveram aqui na terra. Ele via a si mesmo como uma abertura vital
para as pessoas. A crença em si é uma grande qualidade interior, somente alguém
conectado com sua fonte, com sua essência, tem a verdadeira capacidade de saber
quem é, por que está aqui e o que veio fazer. Percebe-se então que Jesus era
detentor de uma poderosa inteligência espiritual, porque, à luz dos autores
pesquisados, quem utiliza sua inteligência espiritual é capaz, sem muito esforço, de
descobrir o sentido e significado de sua vida, sobretudo encontrando o caminho de
sua vocação. Alguém que tem muitas dúvidas sobre si mesmo não tem muita
sustentação, porque uma casa dividida não se sustenta. Jesus não tinha qualquer
ambivalência sobre quem ele era ou sobre o que deveria fazer. Ele soube se
apoderar do que acreditava ser, naturalmente o poder é assumido não concedido.
99
Para Boff (1997, p. 109), Jesus tem a sua grandeza singular, mas essa
grandeza não diminui a dos outros. Nela se soma e se insere. Aceitando isto,
teremos uma visão ecológica, cosmogênica, na qual incluímos o cosmos inteiro. Se
Jesus está dentro do cosmos, estará, muito mais, dentro do filo humano, dentro da
experiência da humanidade. O Reino de Deus dentro do ser humano, para Boff
(1997, p. 112), é o sonho de Jesus, não é o sonho cultural dos ocidentais ou dos que
vivem na bacia mediterrânea, é o sonho do Táo, o sonho do átomo, é o sonho do
Olorum. O ser humano busca o seu lugar perfeito.
Boff (1985, p. 40-1) afirma que Jesus não começou pregando a si mesmo,
nem se anunciou como filho de Deus. O que estava latente nas palavras, nos sinais
e nas atitudes de Jesus só ficou devidamente claro após sua ressurreição. Cristo
não começou pregando a si mesmo, mas o Reino de Deus, que significa a
realização de uma esperança, de superação de todas as alienações humanas, da
destruição de todo o mal, seja físico, seja moral, do pecado, do ódio, da divisão, da
dor e da morte. Jesus prega pela primeira vez na sinagoga da Galiléia palavras de
Isaías 61, 1: “O Espírito do Senhor Deus me enviou...” (Lc 4, 18). Com isso provou
que sabia quem ele era.
Para Boff (1985, p. 42), o reino de Deus que Jesus anuncia não é libertação
deste ou daquele mal, da opressão política dos romanos, das dificuldades
econômicas do povo. O Reino de Deus está dentro de nós (Lc 17, 21), em Jesus
anunciando o Reino de Deus presente dentro do ser humano. Isso nos reporta à
ideia da centelha divina que os estudiosos dizem existir no ser humano. Cientistas
citados no segundo capítulo comprovam através da ciência a existência de um
“ponto de Deus” dentro do cérebro. Para Boff (1985, p. 43), o Reino de Deus, ao
contrário do que muitos cristãos pensam, não significa algo de puramente espiritual
ou fora deste mundo. É a totalidade desse mundo material, espiritual e humano,
agora introduzido na ordem de Deus, ou seja, compreendemos que, para Boff, falar
do Reino de Deus dentro do ser humano seria o mesmo que Zohar fala, quando se
reporta ao “ponto de Deus” no cérebro.
O ‘ponto Deus’ é um módulo isolado nas redes neurais dos lobos temporais.
Tal como outros lobos isolados do cérebro, como a fala, o centro de ritmo,
ele confere uma capacidade especial, mas que precisa ser integrada.
Podemos “ver” Deus, mas não podemos trazê-lo para nossa vida. A
inteligência espiritual, em contraste, depende dos fenômenos integradores
100
de todo o cérebro, do eu, e toda a vida terá de ser integrada (ZOHAR, 2000,
p.132).
É impossível vivenciar ou manifestar uma espiritualidade sem acreditar em si
próprio, sem crer na energia que sai das profundezas do ser. Jones
14
14
É especializada em marketing de assistência médica. Nomeada intelectual de destaque no Texas. É
autora de diversos livros e disseminadora de uma vivência espiritual diferenciada.
(1996, p. 31)
afirma que Jesus era um dos seres mais confiantes que já passaram por este
mundo. Ele se chamava de o pão da vida (Jo 6, 48), a água da vida (Jo 7, 37). Ele
acreditava que seu papel também era o de nutrir os outros. Ele se chamava de a
videira (Jo 15, 1), o bom pastor (Jo 10, 11). Ele dizia que tinha vindo para mostrar o
caminho. Em outras palavras, ele acreditava em si profundamente. Segundo Jones
(1996, p. 98),
Jesus tinha uma impressionante capacidade de criar, o que ela acredita é
que parte da capacidade criativa de Jesus viesse de seu profundo
conhecimento da física da fé e de sua profunda consciência dos recursos
que Ele tinha. Jesus nunca apareceu numa nuvem de poeira cósmica. Ele
veio a este mundo através do corpo de um ser humano, que foi Maria
.
A inteligência espiritual seria aquela inteligência que consegue conduzir a
pessoa que a utiliza a um sentido muito forte de missão, de destino, de algo a
cumprir, um propósito de vida. O maior exemplo da tradição cristã foi Jesus. Jones
(1996, p. 103) diz que muito embora ele não tenha conhecido todos os detalhes de
sua viagem, Jesus tinha um sentido de destino sobre sua vida. Quando a
tempestade surgiu ameaçando sua nau, Ele dormia calmamente, sabendo não ser
seu momento de morrer. Para Zohar (2000, p. 35), a inteligência espiritual se
mantém presente na pessoa, quando se percebe que esta pessoa busca um sentido
para sua vida. A inteligência espiritual seria, conforme Zohar (2000, p. 233), o senso
de equilíbrio interior na pessoa. Esta inteligência seria capaz de iluminar o caminho
através daquilo que os místicos chamam de “olho do coração”. Para Moraes (1997,
p. 176), alimentar a espiritualidade seria, cuidar do espaço interior do ser humano,
no qual todas as coisas se ligam e religam. A espiritualidade é uma atitude que
coloca a vida no seu centro, que celebra a vida, um modo de ser que propicia a vida,
sua expansão e sua defesa.
101
4.5 JESUS DIANTE DOS OUTROS
Nós seres humanos temos uma grande necessidade de companhia. Parece-
nos que Jesus era sensível a esta necessidade, e ele procurava preencher esta
necessidade nas pessoas, mesmo quando estava partindo. Jesus sabia que
estabelecer uma relação única e particular com alguém ou com um grupo é um bem
precioso e caro, porque só poderá ser comprado com uma coisa que parece
escassa para os nossos dias: o tempo.
Para Leloup (1997, p. 115), uma das práticas da vida de Jesus era ser um
terapeuta da alma. Ele transformava as pessoas em seres capazes de perdão.
Perdoar é parar de identificar o outro com as consequências negativas de seus atos.
O ensinamento de Jesus, sua espiritualidade, é um convite a uma caminhada a ir
mais longe. Ele ensina o ser humano a orar. Orar não é recitar preces, mas entrar
em relação e em intimidade com a própria fonte do seu ser. Jesus ensinava que pela
prece o ser humano podia religar-se à sua fonte.
Leloup (1997, p. 114) afirma que Jesus como terapeuta cuidava dos doentes
com sua saliva. Jesus misturou sua saliva com a lama e a colocou sobre os olhos
dos cegos. Jesus tratou dos doentes com suas mãos, com sua saliva e também com
suas lágrimas. Entre os últimos conselhos que dá a seus discípulos, ensina-lhes
imporem as mãos nos doentes e também a mergulhá-los na água. Os ensinamentos
de Jesus são um convite à caminhada, a ir mais longe, a não se fechar no destino
da doença, no destino social. Jesus poderia ser considerado o mestre do cuidado.
Para Boff (1999, p. 33), o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento
de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação,
preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.
Podemos aqui então fazer um retorno ao segundo capítulo, quando Zohar
(2000, p. 45) relata algumas consequências na vida da pessoa, particularmente em
sua saúde, quando não está devidamente conectado com esta fonte de vida, que é
sua inteligência espiritual. Conforme Zohar (2000, p. 45),
A falta de sentido na vida causa algumas doenças de sentido, que alguns médicos e
terapeutas profissionais começam a encarar com novos olhos a doença. Considera
102
estes aspectos como um grito do corpo e da pessoa, pedindo atenção para alguma
coisa em sua vida que se deixada a si mesma resultará em dano irreversível ou
sofrimento físico, emocional e/ou espiritual duradouro até a morte. Grande parte do
sofrimento humano, e mesmo de estados físicos crônicos, consiste em doenças de
sentido. O câncer, as doenças cardíacas, o mal de alzheimer e outros tipos de
demência que podem ser precedidas por depressão, fadiga, alcoolismo ou abuso de
drogas, seriam provas da crise de falta de sentido que é levada às próprias células
do corpo.
Percebemos claramente que Jesus sabia disso e por isso se detinha em
cuidar das pessoas com zelo. Jesus tinha atitude e cuidava não somente do corpo
físico das pessoas, mas sobretudo lhes ensinava uma razão para viver consciente.
Capra (1982, p. 117) foi outro pesquisador que no segundo capítulo nos
ajudou a entender esse comportamento de Jesus se preocupar com a saúde das
pessoas. Ele relatou que, ao longo do tempo, a cura foi praticada por curandeiros
populares, guiados pela sabedoria tradicional, que concebiam a doença como
distúrbio da pessoa, em que envolvia seu corpo e sua mente. Uma pessoa
espiritualmente inteligente considera a saúde dessa forma. Capra (1982, p. 299)
afirma que:
Se está conduzindo a uma visão da realidade que se aproxima muito da
visão dos místicos e de numerosas culturas tradicionais, em que o conhecimento da
mente e do corpo humano e a prática de métodos de cura são partes integrantes da
filosofia natural e da disciplina espiritual. Neste contexto não se disassociava a cura
da vida espiritual e que a característica predominante na concepção xamanística de
doença é a crença de que os seres humanos são partes integrantes de um sistema
ordenado em que toda doença é consequência de alguma desarmonia em relação a
ordem cósmica.
Isso nos leva a crer é que Jesus, vivenciando intensamente sua inteligência
espiritual, entendia profundamente sobre esses aspectos, isto é, que a doença era
produto de um desequilíbrio na própria pessoa, de sua alma e seu espírito. E por
compreender grandemente o espírito das pessoas, Jesus se preocupava em
transformar não somente o físico impregnado pela dor física, mas também a alma e
especialmente a vontade das pessoas.
Conforme Leloup (1997, p. 116), Jesus é também um terapeuta espiritual.
Jesus mostrava-se terapeuta ao ensinar que pela prece o homem podia religar-se à
103
sua fonte. Sabe-se que muitos sofrimentos e doenças ocorrem porque o ser humano
se sente cortado da fonte de seu ser, mas, quando ele se religa a esta fonte, a cura
pode acontecer. Para Fiores e Goffi (1989, p. 621), o maior e único ensinamento que
Jesus deixou de modo irrefutável foi a exigência deste amor de cuidados em relação
às pessoas, para o qual não possuímos nenhum critério, mas que experimentamos
vitalmente como a força que nos torna abertos para uma vida de cuidados com
sentido e significados para se viver uma inteligência espiritual. Nesta vivência
amorosa, como em qualquer outro campo, Jesus aparece como libertador.
Conforme Price (1980, p. 9), a espiritualidade de Jesus estava ligada ao seu
cuidado para ensinar. Ele tornou o seu ensino um modelo para todas as épocas. Por
intermédio do ensino, Jesus mostrava seu profundo interesse pelas pessoas, um
tinha profundo desejo de servir, ele se interessava mais por pessoas do que por
credos, cerimônias, organizações ou equipamentos. Ele sempre amou a todos e se
interessava vivamente por seus problemas, além disso, e procurava fazer alguma
coisa para solucioná-los.
Price (1980, p. 15) afirma que a principal ocupação de Jesus foi o ensino.
Algumas vezes ele agiu como curador, outras vezes operou milagres,
frequentemente pregou, mas foi sempre um mestre. Ele não se pôs a ensinar porque
não tivesse outra coisa a fazer, mas porque Ele fez do ensino o agente principal da
sua vida. Ele ensinava em qualquer lugar e a qualquer hora, no templo, nas
sinagogas, no monte, nas praias, na estrada, junto ao poço, nas casas em reuniões
sociais, em público e em particular.
Seu cuidado com os outros foi tão forte que preparou um grupo de discípulos
que levasse avante seus ensinamentos. Sabia que um propósito só caminha se
envolvermos pessoas que queiram estar fazendo parte da construção deste
propósito. Sua maestria não provinha só de sua divindade, mas também de seus
estudos. Era altamente prático e organizado. Detinha uma grande compreensão
sobre a natureza humana. Price (1980, p. 41) destaca que o maior milagre da
história de Jesus foi a transformação que ele conseguiu operar em seus doze
dispulos. Fortalecidos pela espiritualidade de Jesus, por seu ensino, saíram a
transformar o mundo, e dez deles deram sua própria vida para levar avante aquela
missão de cuidado. Assim, iniciaram eles a obra da evangelização mundial. Segundo
esse autor, Jesus preparou a maior geração de mestres que o mundo já conheceu.
104
Para Crema (2003, p. 50), não existiu outro líder que com apenas doze
colaboradores redefiniu a história de parte da humanidade. Jesus foi agente de cura
do corpo físico, ao limpar a pele de leprosos e abrir os olhos de cegos; de cura
psíquica, pela profunda e eficaz psicologia do perdão, pelas parábolas sábias que
resistem aos séculos e ainda mantêm o frescor original; de cura noética, ao ensinar
a terapia da bênção e da oração, e, finalmente, agente de conexão com a essência
da vida, tudo fazendo, muitas vezes, contrário à vontade daqueles que se diziam
senhores da lei, do templo e da vida de sua época.
A prática da vida de Jesus condiz com seu próprio discurso, sua fala, sua vida
e sua história. Seu discurso era direto. Ele sempre partia do sofrimento humano, pois
quem está cego quer ver, quem está preso quer ser liberto. Então Jesus dizia a
todos que o reino de Deus significava libertação do ser humano de todas as suas
prisões. Os evangelhos mostram que Jesus liberta da fome, da doença, do perigo da
tempestade, manda os ventos pararem, liberta da morte. Sua espiritualidade partia
de uma vivência diária com seu Deus e na comunhão com as pessoas. Isso nos
remete novamente o conceito trazido por Zohar (2000, p. 114) sobre o “ponto Deus”
no cérebro. Jesus não somente traz claramente essa condição, mais vai além, pois
não basta simplesmente ter o “ponto Deus”, pois todos os seres humanos possuem,
é necessário, segundo Zohar (2000, p. 131), usar esta inteligência para trazer um
contexto e um sentido mais amplos que nos permitam ter uma vida mais rica e mais
cheia de sentido, adquirir senso de inteireza, finalidade e direção. Essas
características eram bem presentes na vida de Jesus, e isso nos leva a acreditar que
ele utilizava sua inteligência espiritual.
A base da espiritualidade de Jesus era o outro, o bem-estar de todos. Para
Jesus, não tinha como estar em profunda sintonia com o pai se o outro estivesse
sofrendo ao seu lado. Jesus soube compreender de forma real e visível o sofrimento
das pessoas, livrando-as, muitas vezes, das normoses de seu tempo.
4.6 JESUS DIANTE DO MUNDO
Jesus estabeleceu uma filosofia do cuidado, da valorização das coisas da
vida. Ele era um homem que comia, bebia, tinha amigos, valorizava a natureza e o
105
ambiente em que vivia. Pensava no mundo com a missão de trazer coisas novas.
Tinha um viver diferente respaldado na ética e em uma cultura de paz, em que seu
principal alvo era as pessoas, especialmente aquelas que precisavam de ajuda.
Conforme Boff (1999, p. 168), Jesus de Nazaré é uma das figuras religiosas que
mais encarna o modo de ser cuidado. Sempre revelou toda a sua humildade e
humanidade, cuidou das pessoas, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para
todos (Mt 5, 45; Lc 21, 18). Jesus mostrou cuidado especial com os pobres, os
famintos, os discriminados e os doentes. Enchia-se de compaixão e curava a muitos.
Jesus tornou-se um grande exemplo para boa parte da humanidade.
Conforme Swidler (1993, p. 51), ele é o parâmetro, a medida daquilo que significa
ser cristão. Seus seguidores confiam nele, que foi um judeu que viveu há dois mil
anos em Israel, com modelo de vida plena, sadia e santa, vida aberta para toda a
realidade e para a fonte da realidade. O padrão da vida de Jesus é tão claro em
relação ao sentido da vida que, frequentemente, seus discípulos recorriam a ele
para encontrar também esta segurança do significado da vida humana. Pedro disse
a Jesus certa feita que ele tinha as palavras de vida eterna (Jo 6, 67); quando Jesus
falava de si próprio dizendo: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca terá
fome” (Jo 6, 35). Foi este mesmo Jesus que enviou seus discípulos sem bolsa, nem
alforje, nem sandálias (Lc 10, 4) “Por isso vos digo: não vos preocupeis com a
vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o corpo, quanto ao que haveis de
vestir”. Jesus dava segurança, e precisava dela também para viver. Ele tinha um
cuidado essencial com o mundo. Onde pudesse alcançar oss dos discípulos,
para lá ele os estava enviando ao encontro das pessoas.
A vivência da inteligência espiritual de Jesus o levou a ter objetivos claros e
específicos. Para Price (1980, p. 45), os ideais são no mundo as forças impessoais
mais poderosas para a construção do caráter. Eles são como a carta, o mapa, os
guias para o curso da vida. Os ideais são as buscas pelas quais elevamos nossa
natureza a níveis mais altos. Por isso, Jesus buscou formar ideais altos, retos e
justos.
Segundo Betto (1999, p. 56), a pergunta que sempre se fazem nos
evangelhos a Jesus é bem distinta: Senhor, o que devo fazer? Porque sou cego e
quero enxergar, tenho a mão seca e quero trabalhar, sou manco e quero andar.
Minha filha está doente e quero vê-la curada. O que devo fazer para ter vida nesta
vida? A esses Jesus responde com seriedade e os cura. Traz vida a esta vida. A
106
espiritualidade de Jesus seria a de quem gera vida, sobretudo para aqueles que
estão ameaçados em sua vida, que é o dom maior de Deus. Para Betto (199, p. 56),
sem distinção de cor, credo raça, ele veio para toda a humanidade.
De acordo com Jones (1996, p. 29), Jesus conhecia sua missão perante o
mundo e não se desviou dela. Ele declarava que sua missão consistia
essencialmente em ensinar as pessoas sobre uma melhor forma de viver a vida. Ele
se via como mestre e curador. Para essa autora, esta era a espiritualidade de Jesus:
ele não construiu um templo nem uma sinagoga, não escreveu nem distribuiu livros,
nem mesmo curou todas as pessoas doentes do mundo, não foi aos cemitérios
ressuscitar a todos os mortos dos seusmulos, nem construiu lojas, sua missão
estava para além de tudo isso, era bem específica: ele dava sentido e significado à
vida das pessoas.
A vida pautada por uma inteligência espiritual fornece uma sensação de
destino, e acompanhado disto tem um plano. Estar atento aos resultados deste
plano significa não é somente se atentar aos resultados, mas a todo o caminhar, ou
seja, ao percurso para se chegar ao resultado. Jesus almejava uma vida nova que
fosse alicerçada nos pilares do amor, da tolerância, da humildade, da paciência, da
singeleza, do afeto não fingido. Ele demonstrava sua inteligência espiritual pela
preocupação que tinha com todas as pessoas, com o mundo em geral. Sua visão
era global, muito embora agisse constantemente no local em que vivia.
Jesus sempre abalou os alicerces da inteligência de todos aqueles que
cruzavam sua história, dos discípulos aos opositores, dos leprosos as prostitutas,
dos homens iletrados aos mestres da lei, enfim, de todos que ficavam intrigados com
sua perspicácia, rapidez de raciocínio, eloquência, amabilidade, delicadeza e
reações que demonstravam poder. Jesus foi um vivo exemplo de alguém que soube
viver de fato uma inteligência espiritual.
Betto (1994, p. 130) afirma que Jesus propõe uma espiritualidade do
cotidiano, participa de festividades como casamento, páscoa, pentecostes, entre
tantas outras. Contudo, não são essas atividades que regem sua vivência da
espiritualidade. Espiritualidade não é uma questão de momentos, mas de vida em
sua completude, de práxis de vida. Na proposta de Jesus, a vivência do
compromisso com sua mensagem deve ser no dia-a-dia. Esse aspecto é quase uma
consequência da urgência que devemos, porém, ressaltar que o cotidiano afirma o
107
ser humano em sua relação com o mundo, sobretudo com seu mundo significativo. É
no íntimo de nossas relações que manifestamos nossa espiritualidade.
Pela grandiosidade de sua espiritualidade, o objetivo do mestre era muito
mais ambicioso do que simplesmente fundar uma nova religião ou corrente de
pensamento. Sua meta maior era causar a mais impactante revolução humana, uma
revolução clandestina que começa pelo espírito humano.
Valendo-nos das reflexões aqui realizadas, baseadas em todos os estudiosos
pesquisados, chegamos à conclusão de que Jesus apresenta as características de
um ser espiritualmente inteligente.
Para Boff (2003, p. 187), Jesus foi um dos homens que conseguiu mover a
história e continua sendo sempre uma fonte de inspiração para os que têm coragem
de sonhar com um mundo mais humano. Ele passou pelo mundo fazendo o bem (Mc
7,37). Depois de libertar muita gente, pediu aos discípulos que não o colocassem em
evidência (Mt 12,16), porque ele se entendia como um simples servo de todos,
particularmente dos que mais sofrem (Is 42, 1-4; Mt 12, 19-20).
Como definimos no segundo capítulo, inteligência espiritual é, conforme
Zohar e Mashall (2000, p. 132),
Toda e qualquer manifestação do ser humano através do espírito que volta
para trazer o benefício de uma experiência carregada de sentido e que leva
a pessoa a observar todas as dimensões da vida. Entendemos que a
inteligência espiritual produz nas pessoas a visão do caminho a seguir,
torna-as mais criativas e se manifesta em sua necessidade de encontrar um
significado para a vida. A inteligência espiritual se mantém presente na
pessoa, quando se percebe que esta pessoa busca um sentido para sua
vida. Outra característica seria o senso de equilíbrio interior na pessoa, esta
inteligência seria capaz de iluminar o caminho. Um forte sinal da presença
da inteligência espiritual na pessoa seria o senso do sagrado em todos os
objetos e eventos da vida diária. A inteligência do espírito então seria a
capacidade de encontrar um propósito para a própria vida e de lidar com os
problemas existenciais que surgem em momentos de fracasso, de
rompimentos e de dor.
Para Gardner (2001, p. 88), um sentido muito forte da inteligência espiritual
que se poderia ressaltar seria a capacidade de pensar sobre questões cósmicas e
existenciais.
Parece-nos que, ao relacionarmos alguns traços da vida de Jesus, podemos
perceber algumas semelhanças com aquilo que os autores descritos nesta pesquisa
afirmam ser a inteligência espiritual. Assim, poderemos então concluir que Jesus,
tendo reconhecido a si mesmo com uma missão de vida, identificado o caminho de
108
sua vocação, se importado e vivido para os outros, com o mundo e tudo que existe
nele, ter vivido uma vida plena em plena conexão com sua fonte, foi alguém que
soube viver sua inteligência espiritual.
A inteligência espiritual de Jesus estava em seu modo de ser, viver, falar e
agir com as pessoas. Jesus mostrou em sua prática de vida que sempre deveria
fazer até o impossível para que os que choram fossem consolados, os pequenos
tivessem terra, para que a misericórdia fosse o critério primeiro e último das relações
sociais, que a ganância e a corrupção fossem vencidas pela pureza do coração e
que a construção da paz fosse assumida também como uma tarefa humana.
109
5 CONCLUSÃO
Concluímos este trabalho considerando que a inteligência tem uma função
importante na vida das pessoas e que o ser humano não detém apenas uma
inteligência, mas múltiplas inteligências. Assim, confirmamos nossa hipótese da
existência de uma inteligência espiritual com base em estudos de pesquisadores
especialistas nesse assunto.
De acordo com os autores estudados, percebemos que se fazia necessário
pesquisar o caminhar da humanidade ao longo da história para descobrirmos que a
fragmentação do ser humano o impossibilitou de perceber e utilizar esta inteligência
em função do paradigma dominante destes últimos trezentos anos, o paradigma da
racionalidade. Segundo este paradigma, o mundo natural era visto como uma
máquina carente de espiritualidade, portanto, deveria ser dominado pela inteligência
humana. Nesta visão mecanizada de mundo, a racionalidade é evidenciada,o se
fala de emoções, de espiritualidade ou mesmo de artes. Entretanto, é importante
que compreendamos que na história do mundo nem sempre se pensou assim de
forma tão mecânica e racional. Conforme os autores pesquisados, é possível
retomar a essência do ser humano, a sua inteligência espiritual.
Nesta pesquisa existem vários caminhos apontados a partir dos estudiosos
citados que indicam uma forma de vislumbrar esta inteligência no ser humano, a
inteligência essencial. O primeiro deles seria considerar a emergente chegada de um
novo paradigma, de uma visão sistêmica do mundo, uma vez que essa concepção
sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Estamos diante de
uma ecologia profunda que trata do ser, do ambiente e do cosmos como um todo. A
percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos
os fenômenos, bem como de que somos dependentes de um processo em que
indivíduos e sociedade estão interligados nos processoclicos da natureza. E essa
percepção da ecologia profunda é advinda da espiritualidade. Para esses
estudiosos, a espiritualidade na nova visão de mundo está diretamente ligada à vida
cotidiana do ser humano.
O novo paradigma nos aponta algumas teorias como a teoria da
complexidade, que, segundo alguns estudiosos citados no trabalho como Nicolescu,
110
Morin e Capra, seria um dos caminhos para uma melhor compreensão deste
componente do ser humano que estamos chamando de inteligência espiritual. A
complexidade se mostra por toda parte. A complexidade do mundo em que vivemos
transparece usualmente nas expressões que usamos como o mundo das artes, o
mundo da política, o mundo da ciência, o mundo acadêmico. Estes estudiosos
chegam a uma conclusão de que existe um só mundo. Todos os mundos acima se
entrelaçam num mesmo espaço-tempo em que vivemos. Essa grande complexidade
é de tudo que se junta montando uma rede como se estivéssemos diante de uma
grande teia da vida. A partir dessa abordagem fica mais fácil compreender o
caminho da inteligência espiritual.
Outro caminho postulado pelos estudiosos para a compreensão dessa nova
inteligência no humano é a visão holística da realidade. Esse movimento chega de
forma sutil e corajosa para o despertar de uma nova consciência nas pessoas.
Exatamente igual à teoria da complexidade, ele reafirma que o ser humano precisa
estar integrado consigo mesmo, que seu esrito deverá estar ligado ao corpo e à
mente. Somente o ser humano integrado consigo mesmo conseguirá ajudar a criar
um mundo novo de forma integrada para trabalhar a partir daí uma cultura de paz,
que é uma das principais bandeiras do movimento holístico. O movimento holístico é
uma corrente de compreensão mundial includente e transformadora, pois suas
raízes estão na espiritualidade. Os estudiosos e pesquisadores apresentados neste
trabalho afirmam que devemos usar nossa inteligência espiritual para proteger a
vida, o ambiente, o planeta em que vivemos e, sobretudo, a nossas relações.
Visualizamos que o paradigma holístico traz uma grande contribuição para a
inteligência espiritual porque ele nasce da necessidade que se apresenta diante dos
grandes problemas da atualidade, entre os principais, a fragmentação do ser
humano, a dualidade em que vive, dividido em corpo e mente sem dar qualquer
atenção ao seu espírito. O novo olhar holístico aponta para dentro do ser humano,
assim como para uma totalidade dentro desse humano, levando-o a um sentido mais
profundo.
Nossa pesquisa nos conduziu a entender a inteligência espiritual e quais seus
benefícios para o ser humano e o mundo em geral. Notamos então que se trata de
um componente muito novo, que emerge com o novo paradigma. A inteligência
espiritual equivale ao QS, que significa quociente espiritual, que está ligado à
necessidade humana de ter propósito na vida. Ele seria o componente que usamos
111
para desenvolver valores éticos e crenças que nortearão toda a nossa vida. É
importante que compreendamos que o significado de inteligência está muitas vezes
ligado à sociedade e à cultura. Numa visão tradicional de inteligência, ela é definida
operacionalmente como a capacidade que o ser humano tem para responder a um
maior número de testes. É considerada um atributo ou faculdade inata do indivíduo.
A conclusão a que chegamos através dos autores pesquisados é que a inteligência
espiritual transpõe a idéia da cultura, visto que é inerente ao humano. Isso fica mais
claro quando apresentamos a idéia de espírito, que, em todas as línguas e tradições
filosóficas e religiosas, significa essência da vida. O sentido comum de todos os
termos indica um mesmo sentido original porque o espírito é parte integrante de todo
ser humano. O espírito é essa realidade viva, através dele é que se manifesta a
vivência da espiritualidade.
Assim, a espiritualidade é a manifestação de uma inteligência humana,
porque o “mundo” espiritual é reconhecido pela maioria dos seres humanos,
comunidades, tradições religiosas e filosóficas. Essa espiritualidade que estamos
falando é uma experiência que se afirma na orientação da vida, de sua defesa e de
sua promoção. Esta espiritualidade está diretamente ligada à vida cotidiana do ser
humano. O interesse espiritual leva uma pessoa a um encontro com uma verdade
profunda. Isso seria vivenciar uma espiritualidade. Dessa forma, viver uma
espiritualidade representa um verdadeiro projeto de vida. Toda espiritualidade tem a
dimensão ética de defender e expandir a vida. Inteligência espiritual, portanto, é uma
capacidade inata e interna do cérebro e da psique humana que extrai seus recursos
mais profundos do âmago do universo. É um instrumento desenvolvido ao longo de
milhões de anos que habilita o cérebro a descobrir e a usar sentido na solução de
problemas. Há exemplos apresentados pelos próprios estudiosos pesquisados de
pessoas com essa inteligência como, Buda, Cristo, Confúcio, Gandhi, Madre Tereza
de Calcutá, Nelson Mandela, Martim Luther king entre outros.
Os autores pesquisados nos apontam muitas provas científicas da existência
da inteligência espiritual, alguns mais arrojados em suas afirmações, outros mais
tímidos em poder afirmar sua existência, mas que não descartam que ela exista e
admitem as pesquisas feitas recentemente por estudos neurológicos, psicológicos,
antropológicos e ainda estudos sobre o pensamento humano e processos
lingüísticos. Jung mostrou a partir de suas pesquisas que o desenvolvimento de uma
espiritualidade e o desenvolvimento psicológico fazem parte do mesmo processo, ou
112
seja, de uma inteligência humana. Gardner diz que a espiritualidade é uma verdade
tremendamente complexa que exige uma análise muito cuidadosa, logo, não a
descarta das possíveis múltiplas inteligências.
Alguns autores falaram sobre o tema espiritualidade de forma subjetiva e não
muito concreta, pois se limitaram a falar sobre aspectos do domínio de cada um.
Jung apresenta o espírito como o próprio inconsciente. Morin limita-se a falar
somente do espírito sem fazer uma abordagem mais profunda sobre a
espiritualidade. Muller fala da espiritualidade atribuindo-lhe aspectos da psicologia
transpessoal. Gardner acha muito complexo tratar neste momento da espiritualidade
como inteligência, dessa forma, prefere falar de manifestações cósmicas. Já Zohar e
Mashall afirmam e defendem diversas pesquisas sobre a existência de uma
inteligência espiritual.
Mediante pesquisas realizadas em nível mundial, conclui-se que os cientistas
descobriram que o ser humano tem um “ponto Deus” no cérebro, isto é, uma área
nos lobos temporais que faz a pessoa buscar um significado e valores para sua vida.
Trata-se de uma área ligada à experiência espiritual. Seria um terceiro tipo de
pensamento criativo que permite o insight formulador e revogador de regras. As
investigações nos levaram a notar que talvez haja nos lobos temporais do ser
humano uma maquinaria neural especializada ligada à religião, às coisas sagradas.
Estes pesquisadores chegam à conclusão de que é possível existir no cérebro uma
fiação permanente ligada à crença religiosa. A conclusão a que chegamos pelos
cientistas pesquisados é que o espírito está ativo em todas as pessoas, assim como
que o “ponto Deus” não tem nenhuma sustentação ou prova da existência de Deus,
mas garante que o cérebro evolui para fazer as perguntas essenciais para a vida,
não importando quem seja ou em que cultura a pessoa esteja inserida. Portanto,
todos os seres humanos são portadores dessa capacidade divina.
Outra pesquisa que também leva os cientistas a concluírem a existência de
uma inteligência espiritual é sobre o processo de aglutinação, em que mostra que há
um processo neural no cérebro dedicado a unificar e conferir sentido a todas as
nossas experiências. Por meio dessa pesquisa entende-se porque o ser humano
tem necessidade de contextualizar, de rever a história e aglutinar os acontecimentos
para deles tirar respostas para a vida.
Os cientistas apresentam uma terceira pesquisa sobre a origem da linguagem
humana, em que eles concluem que a linguagem humana e simbólica, é uma
113
atividade centralizada em sentido que evoluiu juntamente com os lobos temporais do
cérebro. Essa evolução da imaginação simbólica nos leva a considerar que daí
nasce à religião, isto é, como conseqüência da inteligência espiritual. A linguagem
da religião é puramente simbólica.
A partir então dos estudiosos pesquisados percebemos que a religião é um
dos resultados ou uma conseqüência da inteligência espiritual. Existe a partir dela
uma possibilidade de o indivíduo mudar o seu modo de viver, construir a experiência.
Ela surge a partir da necessidade do ser humano. É um sistema de símbolos que
atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nas pessoas. É uma das expressões mais antigas e universais da alma
humana. Possibilita o encontro com o numinoso e desempenha um grande papel
estratégico na construção do mundo. Trata-se de uma experiência universal da
humanidade, independente de cultura ou tradição filosófica, e a partir dela se tenta
compreender o mistério que envolve o ser humano. A religião é, então, uma das
formas de manifestação da inteligência espiritual, uma vez que ela também é uma
instituição que dá forças e novas possibilidades às pessoas de encontrar sentido e
significado para vida, de encontrar um propósito na vida . Não existe sociedade
conhecida sem religião. Também não existe sociedade, por mais grosseira que seja
sua organização, na qual não se encontre todo um sistema de representações
coletivas que se relacione com a alma, com a sua origem, com seu destino
(Durkheim).
Jesus foi um ser humano que viveu de forma integral sua inteligência
espiritual. O fenômeno religioso foi bastante marcante em sua vida. Jesus era um
homem religioso. Viveu plenamente esta experiência profunda que o tornou uma
pessoa equilibrada, coerente com suas escolhas e profundamente humano,
sabiamente aberto às possibilidades de encontrar o verdadeiro propósito de sua
vida. Jesus viveu na prática o que diríamos vir a ser uma inteligência espiritual,
quando entrou em rota de colisão com o grupo religioso e político mais poderoso de
sua época, os fariseus, combatendo a normose de sua época, por ter uma postura
favorável às mulheres, por deixar que os discípulos colhessem milho no sábado, por
curar quando não podia, por valorizar os menos favorecidos daquela sociedade
normótica.
Jesus conhecia-se a si mesmo, não tinha qualquer ambivalência sobre quem
ele era ou sobre o que deveria fazer. Jesus soube se apoderar do que acreditava
114
ser. Era um terapeuta da alma, cuidava dos doentes. Era um mestre do ensino, por
meio do qual mostrava um profundo interesse pelas pessoas, um desejo profundo
de servir. Jesus estabeleceu uma filosofia do cuidado, da valorização das coisas e
da vida. As marcas de uma inteligência espiritual foram tão fortes em sua vida que
ele, conforme os estudiosos pesquisados se tornou um grande exemplo para boa
parte da humanidade.
Ao relacionarmos nossa pesquisa com alguns traços da vida de Jesus,
percebemos algumas semelhanças com aquilo que os autores pesquisados afirmam
ser a inteligência espiritual. Assim, concluímos que por Jesus ter reconhecido a si
mesmo com uma missão de vida, ter indentificado o caminho de sua vocação, ter se
importado e vivido para os outros, com o mundo e tudo que existe nele, ter vivido
uma vida plena em plena conexão com sua fonte, foi alguém que soube desfrutar
de sua inteligência espiritual.
Concluímos com esta pesquisa que se usa a inteligência espiritual para
desenvolver o cérebro humano, pois é uma inteligência utilizada para lidar com os
problemas existencias, já que dá um sentido profundo às lutas da vida. Seria aquela
inteligência que aumenta o horizonte das pessoas, quando as pessoas buscam um
sentido para sua vida, que cria na pessoa uma habilidade adicional de compreensão
além da usual, uma capacidade de aprender sobre o contexto global, em que tudo
está interligado com tudo. Essa inteligência também se faz presente nas pessoas
quando elas estão atentas a um sentimento de transformação. Dessa forma, essa
inteligência espiritual seria o senso de equilíbrio interior na pessoa, que é capaz de
iluminar o caminho. Um forte sinal da presença dessa iteligência é o senso do
sagrado em todos os objetos e eventos da vida diária. É o êxtase quase insuportável
que se sente quando o conhecimento aflora, o senso de júbilo quando se traz
alguma coisa nova ao mundo, o senso de profunda satisfação quando se vê justiça
ser feita, senso profundo de paz quando se sabe qua aquilo a quem se serve
também serve a Deus.
À luz do que descreveram os estudiosos citados nesta pesquisa, a
inteligência espiritual, desde que despertada e utilizada em uma sociedade, muda a
vida e os parâmetros das pessoas que dela faz uso. Ser espiritualmente inteligente
é optar por fazer uma longa viagem de mudanças pelos caminhos da vida, o
caminho do propósito de vida, o caminho da vocação.
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Encerramos dizendo que o “ponto de Deus” no cérebro é um componente
fundamental de nossa inteligência espiritual mais vasta e que a atividade dos lobos
temporais é apenas a maneira de a natureza permitir que o cérebro desempenhe um
papel em nosso conhecimento mais profundo de nós mesmos e do universo em
volta. Diante disso, afirmamos que dentro de nós existe uma centelha divina, que
nos faz encontrar sentido e significado para a vida.
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