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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MISSÃO ADVENTISTA ENTRE OS KARAJÁ DE SANTA IZABEL DO
MORRO: 1980 a 2000
JOSÉ JUSTINO PORTO
GOIÂNIA
2009
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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MISSÃO ADVENTISTA ENTRE OS KARAJÁ DE SANTA IZABEL DO
MORRO: 1980 a 2000
JOSÉ JUSTINO PORTO
Dissertação de Mestrado apresentada para
obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás sob orientação da Professora Dra. Irene
Dias de Oliveira.
GOIÂNIA
2009
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P853m Porto, José Justino.
Missão adventista entre os karajá de Santa Izabel do
Morro : 1980 a 2000 / José Justino Porto. 2009.
103 f. : il.
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade Católica
de Goiás, Departamento de Filosofia e Teologia, 2009.
“Orientação da Professora Dra. Irene Dias de Oliveira”.
1. Índio karajá adventista missão Santa Izabel do
Morro (TO) 1980/2000. 2. Aculturação. 3. Missão
Adventista processo cultural índio karajá. I. Título.
CDU: 286.3:266:316.73(811.7)(043.3)
39
3
Agradeço primeiramente a toda energia
cósmica que flui sobre os seres da
natureza.
Agradeço aos meus colegas de trabalho,
meus colegas de mestrado, a nossa
orientadora que persistiu na eficácia deste
estudo.
Agradeço também a minha esposa e aos
meus filhos que estão sempre do meu lado
apoiando nos momentos de dificuldade.
Muito obrigado por tudo!
4
Dedico este estudo aos colaboradores e
orientadores que influenciaram diretamente
na coleta de dados e na pesquisa sobre a
cultura do povo Karajá e qual a influência da
Missão Adventista no período entre 1980 a
2000.
5
“O evangelho e as culturas representam
projetos complementares de vida, de ordens
distintas. Ambos estes apostam na
continuidade da vida coletiva e em sua
emancipação das contingências da fatalidade
da sorte, do determinismo biológico e da
arbitrariedade do mais forte. O evangelho,
porém, precisa das mediações culturais. Sem
expressão cultural, o evangelho não tem
nenhuma relevância e nenhum significado para
a humanidade”.
Paulo Suess
6
ABREVIATURAS E SIGLAS
ADRA Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais
CAB Colégio Adventista Brasileiro
CEBRAP Centro Brasileiro de Análise Planejamento
CPB Casa Publicadora Brasileira
DAS Divisão Sul Americana
DIA Divisão Inter Americana
DISEI Distrito Sanitário Especial Indígena do Araguaia
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
IAE Instituto Adventista de Ensino
IASD Igreja Adventista do Sétimo Dia
IASP Igreja Adventista de São Paulo
PNA - Parque Nacional do Araguaia
RA Revista Adventista
SIL Summer Institute of Linguistics
SPI Serviço de Proteção aos Índios
UNASP Centro Universitário Adventista de São Paulo
USB União Sul Brasileira
UnSMA Unidade de Saúde e Meio Ambiente
7
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................... 9
ABSTRACT .................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11
CAPÍTULO 1. HISTÓRICO DOS KARAJÁ................................................................... 16
1.1 Os Filhos das Águas ...................................................................................... 18
1.2 Localização Geográfica dos Karajá ............................................................... 18
1.3 O contato dos Karajá com Povos Indígenas ................................................ 20
1.4 Os Karajá Meridionais .................................................................................... 21
1.5 Procedência e Contatos com os Índios Karajá ............................................ 24
1.6 Os Karajá, os Tapirapé e os Kaiapó .............................................................. 24
1.7 Os Karajá e Os Jav ..................................................................................... 28
CAPÍTULO 2. O CICLO DA VIDA DOS KARAJÁ ....................................................... 29
2.1 Os Homens e as Mulheres Karajá ................................................................. 31
2.2 A Aldeia Karajá ................................................................................................ 32
2.3 Arte e Cultura Material .................................................................................... 33
2.4 Cosmologia, Mitos e Ritos ............................................................................. 34
2.4.1 Hetohoky: O Grande Mito e o Grande Rito ................................................ 36
2.4.2 Os Grupos Rituais ...................................................................................... 37
CATULO 3. OS ADVENTISTAS E SEU PROJETO MISSIONÁRIO ......................... 39
3.1 A Origem do Adventismo ............................................................................... 40
3.2 Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) ........................................................ 42
3.2.1 Igreja Adventista do Sétimo Dia - Base Doutrinária .................................. 45
3.3 O Projeto Missionário Adventista .................................................................. 46
3.3.1 Representação e Memória do Discurso Missionário ................................. 47
3.4 A Chegada dos Adventistas no Brasil .......................................................... 48
3.4.1 Os Precursores do Adventismo Missionário no Brasil .............................. 50
3.5 A Educação Adventista Missionária ............................................................. 54
CAPÍTULO 4. A MISSÃO ADVENTISTA ENTRE OS KARAJÁ DE SANTA IZABEL
DO MORRO ................................................................................................................. 55
4.1 A Missão Adventista e seu Movimento ......................................................... 57
4.2 As Primeiras Tentativas de Conversão ......................................................... 58
8
4.3 A Missão Adventista em Santa Isabel do Morro entre 1940 a 1970 ............ 64
4.4 O Grande Desafio da Missão Adventista nos anos de 1980 e 1990 ........... 63
CAPÍTULO 5. A PROBLEMÁTICA CONVIVÊNCIA DA MISSÃO ADVENTISTA
FRENTE À CULTURA KARAJÁ ENTRE 1980 A 2000 ............................................... 66
5.1 Receptividade Karajá frente à Missão Adventista nos Últimos Anos ........ 67
5.2 Como os Karajá Entendiam a Missão Adventista ........................................ 70
5.3 Dificuldades na Conversão da Cultura Karajá para a Ordem Adventista ... 71
5.4 Impactos da Evangelização Missionária ....................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 81
ANEXOS ....................................................................................................................... 89
9
RESUMO
PORTO, José Justino, Missão Adventistas entre os Karajá de Santa Izabel do Morro:
1980 a 2000. Dissertação (mestrado em Ciências da Religião) Pontifícia
Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.
O presente estudo teve por objetivo compreender a intervenção dos missionários
adventistas na comunidade Karajá localizada na aldeia de Santa Izabel do Morro no
Município de Lagoa da Confusão (TO). No ambiente em que os missionários
estiveram eles relataram grandes impactos sobre a cultura dos Karajá e cuja difusão
se estende sobre a cultura nacional. Trata-se de um estudo bibliográfico acerca dos
povos do Araguaia e as tentativas missionárias dos adventistas entre as
comunidades karajá nos períodos de 1980 a 2000. Pesquisaram-se livros, teses,
dissertações, artigos e diversas publicações acerca das ações históricas entre os
povos indígenas e sua cultura Karajá na região do rio Araguaia. O resultado do
estudo mostra que os adventistas enfrentaram desafios para o processo de
evangelização entre os Karajá. Esses tiveram que lidar com a visão cosmológica da
comunidade e com a intensificação da presença dos missionários católicos,
protestantes, pentecostais e presbiterianos, instalados em Santa Izabel do Morro, o
que tornou ainda mais complexa a tentativa missionária da IASD (Igreja Adventista
do Sétimo Dia). A missão adventista, assim como outras missões religiosas, tiveram
sua receptividade não conclusiva e frustrante entre esse povo que vive às margens
do Rio Araguaia.
Palavras-chave: Missão, Adventista, Índios Karajá, Rio Araguaia, Aculturação e
Preservação Cultural.
10
ABSTRACT
PORTO, José Justino. Adventists Missions Among Karaja Communities at Santa
Izabel Hill: 1980 to 2000. Thesis (Master's Degree in Sciences of Religion). Pontifical
Catholic University of Goiás. Goiânia. 2009.
This study is aimed to understand the role of Adventist missionaries at the Karajá
communities located in the region of Santa Izabel, in the city of Lagoa da Confusão
(TO). They reported major impacts on the culture Karajá in the environment in which
these missionaries were, which nowadays expands to national culture. The Adventist
Mission, like other religious missions, had non-conclusive and frustrating receptivities
among the people living the banks of the Araguaia River. This is a bibliographic study
about Araguaia people and the Adventists missionaries attempts among the Karajá
communities between the periods 1980 to 2000. It was researched books, thesis,
dissertations, articles and various publications about the historical actions among
indigenous peoples and their Karajá cultures from the Araguaia region. The result of
study shows that Adventists have faced challenges to the process of evangelization
among Karajá. They had to deal with the cosmological views of the community and
the intensification of the presence of Catholic and Protestant missionaries, these
Pentecostals and Presbyterians, installed in Santa Izabel Hill, making even more
complex the missionary attempt of IASD (Seventh Day Adventist Church).
Key-works: Adventist mission, Karajá Indians, River Araguaia, Aculturation and
Cultural Preservation.
11
INTRODUÇÃO
(Fonte: Artesanato Karajá, FUNASA, 1994).
“O referencial da missão não é a casa própria,
mas a gratuidade da hospedagem na casa dos
outros e a experiência pascal no caminho. Trata-
se de uma migração social, ideológica e cultural a
meio caminho entre um êxodo consentido e uma
expulsão sofrida”.
Paulo Suess
1
Os Karajá se mostram nas relações históricas, culturais e políticas entre
índios e missionários cristãos que registraram os acontecimentos de suas vidas e a
uma interpretação da origem de seus povos. A importância da preservação cultural
opõe-se a um processo de aculturação iniciada de forma mais acentuada a partir de
1927 através da missão adventista.
1
SUESS, Paulo. Evangelizar a partir dos projetos históricos dos outros. Paulus, o Paulo, 1995. Ensaios de
missiologia. Suess realiza em seu estudo que reflete o processo evangelizador baseado na evangelização
histórica dos outros. No que se baseia a relação entre Evangelho e culturas de categorias de inculturação aos
pobres aos outros, o autor implica dizer que os povos que sofreram com as expansões coloniais, não se
identificaram com estes, mas mantêm sua alteridade e identidade própria. Aponta que o processo evangelizador
estabelece que a irmandade em Cristo fortaleça a identidade a alteridade cultural dos povos, grupos sociais e
indivíduos, e ao mesmo tempo visa destruir a assimetria social e a fraternidade.
12
A religião e a interferência de suas doutrinas históricas nas mais diversas
culturas dispuseram aos olhos da evolução, diversas transformações e
conseqüências que resultaram em muitas colonizações, conflitos e guerras, disputas
econômicas e poderes.
O objetivo do estudo é pesquisar e coletar dados referentes aos povos
karajá e as missões evangelistas estabelecidas pelos adventistas. A religião enfrenta
um grande desafio que é transmitir sua palavra, sua mensagem e razão aos povos
que vivem suas culturas constituídas por tradições e conhecimentos ainda não
pesquisados. O que torna imprescindível desvendar são as relações estabelecidas
entre os índios e os missionários adventistas e entender as características das
interferências culturais que se constituem. A pesquisa se insere dentro da temática
da expansão dos movimentos protestantes na América do Sul na segunda metade
do século XX.
O estudo visa essas relações com a delimitação do tema proposto
apresentando uma abordagem histórica sócio-cultural que subsidia a influência dos
adventistas nas missões ocorridas na aldeia de Santa Izabel no estado do Tocantins
entre os índios Karajá.
Segundo Prestes Filho, os adventistas se expandiram na América Latina
ainda no século XIX e tiveram um olhar muito característico para os povos
indígenas. Em alguns países como o Peru, os adventistas em suas missões
obtiveram uma aceitação em suas relações com as comunidades indígenas; pois os
adventistas em suas leituras buscam resgatar a essência da igreja primitiva cristã.
Tendem ao paternalismo e são prestativos para com os povos que os recepcionam.
Contudo, em algumas comunidades indígenas, esses missionários
sofreram a rejeição de sua doutrina religiosa, como os povos Karajá da Aldeia de
Santa Izabel do Morro no Estado do Tocantins Brasil.
Tal fato nos mobiliza investigar, entender, conhecer nas ações coletivas
dos povos Karajá que sentiram com a expansão do processo de aculturação, como
também a interferência missionária que ocorre desde a colonização européia no
Século XVI. Com essas comunidades não poderia ter sido diferente, e a tentativa de
conversão adventista parte dos reflexos que esses Karajá foram expostos, ou seja; a
indiferença aos princípios adventistas.
13
O discurso religioso se manifesta sob uma lógica „civilizatória‟ e
„expansionista‟, visto por Prestes Filho
2
(2007) como discurso representativo de
várias tendências políticas e ideológicas nos países por onde atua.
Observa-se que Ubirajara (2007) em sua linha de pensamento expõe
diversas denominações de matrizes protestantes que mantêm contato com os povos
indígenas apenas a partir da segunda metade do século XIX, associada às grandes
mudanças sócio-econômicas que caracterizaram o período, com destaque para a
forte imigração. Nota-se que existem diversos estudos sobre as missões evangélicas
entre povos indígenas, e ainda no campo da Antropologia.
Para destacar a ação dos protestantes, cabe observar ainda, que as
missões cristãs entre povos indígenas fossem vistas por diversos antropólogos,
dentre estes está Paula Montero do Centro Brasileiro de Análise Planejamento
(CEBRAP). Prestes Filho (2007) faz diversas considerações do estudo da
antropóloga que resultaram na publicação de uma obra de referência para a
discussão sobre missões através do conceito de mediação cultural, que abre
caminho para o espaço social e simbólico das relações entre missionários e índios
nos momentos determinados em que o esforço de generalização se impõe.
O objetivo do estudo é identificar as razões que levaram à frustrações
missionárias adventistas nas comunidades Karajá. É específico examinar e entender
para conhecer sua cultura e sua cosmologia, identificar o processo cultural dessa
comunidade, fazer um levantamento histórico-geográfico da região, relatar a origem
de seus mitos e crenças, seus escritos, suas edificações, casas e objetos dos
karajá. Cabe ao estudo descrever quem foram os adventistas, seus precursores, sua
religião, seus métodos, e a base do processo missionário que expandiu gerando
assim um chamado „controle social‟, e ainda, apontar o que realmente implica a
conversão dita como verdade pelos adventistas.
2
Ubirajara Filho (2007), realizou uma tese que demonstra a ação missionária dos adventistas na primeira
metade do século XX, com o modelo de missão adventista desenvolvido no Peru a partir de 1910 entre os
Aymara da região do Lago Titicaca que obteve sucesso e eficiência em suas variadas recepções.. Segundo o
próprio Ubirajara a existência de uma religiosidade marcadamente profética na região, o aleluia (órgão de
divulgação adventista), é um importante fator para a análise da conversão ao adventismo. Por fim a tese de
Prestes Filho (2007) aborda o projeto missionário adventista na região do Rio Araguaia a partir de 1927, através
das publicações adventistas revelam as expectativas de que ocorressem batismos entre os Karajá, apesar das
dificuldades para se alcançar esse objetivo. De qualquer maneira, a missão do Araguaia serviu para divulgação
de uma imagem filantrópica da igreja, que estaria interessada na “pregação do evangelho” e na “civilização” do
índio brasileiro.
14
Propõe-se desenvolver então a pergunta-chave para o estudo: a luta pela
sobrevivência dos Karajá de Santa Izabel e a Interferência da Missão Adventista
entre 1980 a 2000 gerou uma mudança significativa na cultura dessa comunidade?
Para buscar essa resposta houve necessidade que se realizasse uma
pesquisa de campo nas Aldeias de Santa Isabel do Morro e Fontoura que foram
além do conhecimento básico adquirido nas instituições e nas próprias experiências
de pesquisas anteriores entre os Karajá de Aruanã. É relevante considerar todos os
caminhos que os adventistas percorreram em seu processo de missão, que
desbravaram com outras religiões, seus argumentos e justificativas para a “salvação
em Cristo”. Houve necessidade de interagir com as comunidades e conhecer de
perto o modo de vida dos Karajá na Ilha do Bananal, observar os seus costumes e
suas tradições e quais aspectos são relevantes para a receptividade de um
pesquisador na aldeia indígena.
Limitou-se a pesquisa em estudos publicados, independente do ano de
publicação, visto que o tema tem sido objeto de estudo em diferentes épocas e por
diversas áreas do conhecimento. Considera-se este estudo como descritivo
qualitativo extraído de pesquisa bibliográfica, de artigos científicos em periódicos,
banco de dados virtuais, livros, teses, dissertações e outras publicações pelos
descritores: Missão Adventista, Índios Karajá, Rio Araguaia, Preservação Cultural e
a Civilização entre povos.
O estudo está dividido em capítulos. No primeiro capítulo abordou-se a
questão da cultura da comunidade Karajá, buscando conhecer a vida deste povo, no
contexto das relações humanas, numa abordagem de perspectiva da compreensão
da vida dos Karajá.
Num segundo momento buscou-se evidenciar, de maneira sucinta e breve,
o mito Karajá e sua religião, numa trajetória histórica e constituída. O terceiro
capítulo tratou dos adventistas em questão, conhecendo a própria igreja, o projeto
missionário, suas representações, memória do discurso adventista e sua chegada
no Brasil.
No quarto capítulo foram abordadas considerações à Missão Adventista
entre os Karajá de Santa Izabel do Morro: 1980 a 2000, síntese da delimitação
temática do estudo que focou o desenvolvimento missionário e as realizações dentro
das comunidades indígenas, sua intervenção cultural frente à evangelização e os
15
resultados da missão adventista na Aldeia de Santa Izabel do Morro nas margens do
Rio Araguaia. O quinto e último capítulo foi dedicado ao processo missionário
adventista e suas manifestações junto às comunidades, considerando sua formação
política, sua administração, seus cargos e títulos, seu ambiente organizacional, suas
vantagens pecuniárias e seu fascínio de poder.
16
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DOS KARA
(Fonte: Características do Artesanato Karajá, FUNASA, 1994).
“Apesar da longa convivência com a sociedade
nacional, os Karajá preservam muitos de seus
costumes tradicionais como a língua nativa, as
bonecas de cerâmica, pescarias familiares, rituais,
cestaria e pinturas corporais como os
característicos dois círculos na face”.
Lima Filho
Partindo do exame cuidadoso e aprofundado de fontes históricas e
etnográficas, este capítulo tem como base um histórico dos Karajá influenciado por
experiências e relatos desse povo. Ao examinar os registros encontrados da história
dos índios Karajá, faz-se necessário entender a trajetória e as práticas cotidianas em
seus aldeamentos.
O estudo é enriquecido pela análise de episódios e seus envolvimentos
com as culturas externas que relataram, analisaram, e registraram informações
importantíssimas para o desenvolvimento deste estudo.
17
Cabe-nos primeiramente constituir um posicionamento quanto à pesquisa
antropológica dos índios Karajá, e estabelecer um contato direto com essa
comunidade, no qual possa identificar os fatores que levaram a Missão Adventista a
essas comunidades e qual sua influência para este povo.
Os índios Karajá habitam extensa região do vale do rio Araguaia, nos
estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso, com maior número de aldeias
localizadas na Ilha do Bananal, considerada a maior ilha fluvial do mundo.
Os Karajá são considerados como pertencente ao tronco lingüístico Macro-
Jê. As boas condições de navegabilidade do rio Araguaia facilitaram, no
final do século XVII e início do século seguinte, o contato com segmentos
da sociedade não indígena: jesuítas e bandeirantes. O contato se acentua
em meados do século XIX com a abertura de uma linha de navegação a
vapor no rio Araguaia pelo general Couto de Magalhães que funcionou por
quase vinte anos (RIBEIRO 1996, p.92 apud BARUZZI, 2002 p.01).
Baruzzi (2002) refere-se à visita de Baldus (1948) aos Karajá da aldeia de
Santa Izabel do Morro, na ilha do Bananal, em 1935, com o seguinte comentário:
Eram os mais lindos dos numerosos índios que, até então, eu tinha visto em
diversas partes da América do Sul. Não muitos homens, mas também
várias mulheres eram relativamente altas, unindo isso a uma esbelteza rara
entre tribos deste continente (BALDUS, 1948 apud BARUZZI, 2002 p. 01).
O mesmo autor refere-se, ainda, à nova visita que fez à aldeia em 1947,
reiterando as impressões da visita anterior e apontando para uma população de 140
indivíduos, o que indicava acentuada população.
Em Abril de 1969, atendendo solicitação da FUNAI um grupo médico da
Escola Paulista de Medicina (EPM), atual Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP), foi à aldeia de Santa Izabel do Morro, na ilha do Bananal, para por em
funcionamento o Hospital do Índio, ali existente. Era um hospital de 30 leitos,
construído alguns anos, que ainda não fora aberto para internações, embora, por
vezes, fosse prestado atendimento ambulatorial. O hospital fora, originalmente,
destinado ao atendimento dos Karajá, mas o propósito da FUNAI era que viesse a
atender, também, outros povos indígenas de regiões mais próximas, como os
Tapirapé, do rio do mesmo nome, e os Gorotire e Kubenkrankéng do sul do Pará
(BARUZZI, 2002).
O presente trabalho traz algumas considerações que podem ser
comparados entre dados populacionais dos índios Karajá, das aldeias de Santa
18
Isabel do Morro e Fontoura, correspondentes aos anos de 1969 e 2002, tendo por
base os dados constantes das fichas médicas, para aquele ano, e os fornecidos pela
FUNASA/DISEI-Araguaia para o corrente ano.
Optou-se por incluir dados sobre a cultura e o modo de vida dos Karajá
examinados em 1969 em vista os comentários de Baldus (1948), Lima Filho (1994),
Baruzzi (2002), Prestes Filho (2007) e outros que vão contribuir com o
desenvolvimento da pesquisa.
1.1 Os Filhos das Águas
Nos estudos de Lima Filho (1994) karajá não é a autodenominação
original. O nome desse povo, na própria língua, é Iny, ou seja, “nós”, temos origem
Tupi e seu significado se aproxima de “macaco grande”.
As primeiras fontes datadas dos séculos XVI e XVII, embora incertas,
apresentavam as grafias “Caraiaúnas” e “Carajaúna”. Ehrenreinch (1948), em 1888,
propusera a grafia “Carajahí”.
Krause (1940-1943) em 1908 desfez a confusão de nomes e consagrou a
grafia Karajá. Esses autores serviram de base para que Lima Filho pudesse
descrever a história do povo e as suas características culturais.
Lima Filho (1994) afirmou que a família Karajá é pertencente ao tronco
lingüístico Macro-Jê e que se divide em três línguas: Karajá, Javaé e Xambioá. Cada
uma delas tem formas diferenciadas de falar de acordo com o sexo do falante.
1.2 Localização Geográfica dos karajá
Segundo Lima Filho (1994) os Karajá têm o Rio Araguaia como um eixo
de referência mitológica e social. O território desse grupo é demarcado em uma
extensa faixa do vale do Rio Araguaia aa maior ilha fluvial do mundo, a Ilha do
Bananal que mede cerca de dois milhões de hectares, inclusive.
19
Figura 1 - Mapa da localização das comunidades Karajá.
Fonte: Prestes Filho, 2007.
As 29 aldeias estão próximas aos lagos e afluentes do Rio Araguaia e do
Rio Javaé, e também no interior da Ilha do Bananal. Cada aldeia estabelece um
território específico de pesca, caça, práticas de seus rituais e demarca internamente
espaços culturais conhecidos por todo o grupo.
Isso mostra a grande mobilidade do grupo Karajá que apresenta como
uma de suas feições culturais a exploração dos recursos alimentares do Rio
Araguaia. Nas maiores aldeias as famílias têm, ainda hoje, o costume de acampar
nos melhores pontos de pesca de peixes e de tartarugas, onde, no passado, faziam
aldeias temporárias, até mesmo com a realização de festas, na época da estiagem
do Araguaia.
20
1.3 O contato dos karajá com outros Povos Indígenas
Os estudos históricos informam que os Karajás estiveram em disputa com
outros povos indígenas, como os Kayapós, os Tapirapés, os Xerentes, os Avá-
Canoeiro e, esporadicamente, com os Bororos e os Apinayés, no intuito de
salvaguardar seu território. Como resultado desse contato houve a troca de práticas
culturais entre os Karajá, os Tapirapés e os Xikrins (Kaiapós).
De acordo com os textos históricos duas frentes de contato. A primeira
representada pelas missões jesuíticas da Província do Pará assinalou a presença do
Padre Tomé Ribeiro, em 1658, que se encontrou com os Karajá do baixo Araguaia,
provavelmente os Xambioás (Karajás do Norte, como preferem ser chamado). A
segunda frente de contato está relacionada às bandeiras paulistas que se dirigiam
para o Centro-Oeste e Norte do Brasil, como a expedição de Antônio Pires de
Campos, que, possivelmente, ocorrera entre os anos de 1718 e 1746.
A partir dessas, várias outras expedições visitaram os Karajá, ao longo
dos anos, e estes foram obrigados a manter um contato constante com a nossa
sociedade. Suas aldeias foram alvos fáceis de frentes religiosas, planos
governamentais, visitas de presidentes da República como Getúlio Vargas (1940) e
Juscelino Kubistchek (1960) e também da construção de um luxuoso hotel de
turismo. Estiveram no local os etnógrafos Fritz Krause (1908) e William Lipinkind
(1998); jovens pesquisadores; jornalistas; escritores como José Mauro Vasconcelos,
na década de 1960; e os governadores Henrique Santillo (1988), de Goiás, e
Siqueira Campos (1989), de Tocantins. Esses visitantes, em geral, retornavam às
suas cidades com objetos culturais, como artefatos plumários, remos e as
características bonecas de barro feitas pelas mulheres.
Para descrever a idéia dos Karajá. Esses estudiosos relataram o
comportamento das comunidades indígenas no alto do Rio Araguaia, as atividades
das aldeias, e buscaram identificar as moradias que existiam no entorno das aldeias
entre pequenos grupos e famílias que ali habitavam.
Observações como essas evidenciam a importância da Antropologia para
entender a vida dos povos Karajá. Esses estudos anteriores possibilitaram encontrar
evidências das suas atividades e de seus costumes. Observou-se que, através dos
21
restos arqueológicos, muitos dados já foram resgatados durante toda a história
brasileira.
Dentre os autores que estudaram a origem dos Karajá está Fritz Krause,
em 1902, que realizou um histórico da formação dos grupos Karajá. Foi o primeiro
quem se utilizou dessa divisão “hordas meridionais e setentrionais”. O critério
utilizado por Krause para assim designá-los foi a existência de pequeno grupo de
moradores das aldeias “meridionais” ao sul da Ilha do Bananal de 1782 (KRAUSE,
1902, p.78 apud LIMA FILHO, 1994).
A divisão proposta por (KRAUSE, 1902 apud LIMA FILHO, 1994) é assim
apresentada:
- Os Karajá meridionais, ao sul da Ilha do Bananal;
- Os de seu trecho médio, ou seja, os que estão entre as barras dos rios
das Mortes e Tapirapé;
- Os Karajá “setentrional” que vivem ao norte na barra do rio Araguaia
próximo a Santana do Araguaia.
1.4 Os Karajá Meridionais
São os diversos grupos locais atualmente estabelecidos próximos aos
municípios e povoados de Aruanã, Cocalinho, São José dos Bandeirantes e Luiz
Alves. Todos estão localizados ao sul da Ilha do Bananal. Esses são os mais
recentes estabelecimentos dos Karajá. Passaram a viver diferentemente na região a
partir de 1870. Sua população é formada basicamente por Karajá desgarrados das
aldeias da Ilha do Bananal, principalmente os da aldeia de Santa Izabel do Morro
(LIMA FILHO, 1994).
Segundo Toral (1992 apud LIMA FILHO, 1994) são freqüentes entre eles
diversas famílias de Javaé. Essas famílias parecem ter sido atraídas pela
perspectiva de um comércio com as cidades de Salinas (MT) e Goiás (GO), então
capital da província. Estavam à procura de objetos de metal, fumo e álcool,
eventualmente pilhavam roças dos “tori” (sociedade nacional). A chegada das
aldeias ao sul da Ilha do Bananal aconteceu após 1870, aponta Fritz Krause.
22
Em 1908 foi feito o primeiro recenseamento nas aldeias e corporações. Os
dados e registros são anteriores. Krause (1908) presenciou o que chamou de
“marcha para o sul”.
Esse acontecimento teve início na segunda metade do século XIX, de
forma gradativa, cujo objetivo era um contato mais próximo com os benefícios que a
sociedade nacional poderia oferecer, também visava o crescimento vegetativo da
região (LIMA FILHO, 2007). Estudos realizados por Lima Filho (1994) relatam a
importância histórica da região:
Foram muitos viajantes que estiveram em Leopoldina, e puderam ver o rio
Araguaia pela primeira vez, registraram a sensação de reverência diante da
beleza da paisagem. Alvin Nathan Allen foi testemunho dessa beleza no
período de sua chegada que coincidiu com a seca, quando as águas
estavam baixas formando bancos de areia. Leopoldina era uma vila que foi
muito importante no período imperial, principalmente quando o General
Couto de Magalhães idealizou seus projetos de navegação pelos rios do
Centro Oeste. O Rio Araguaia é importante pelas suas características
hidrográficas e pelo seu papel no processo de ocupação do território. Sua
nascente está localizada na Serra do Kaiapó na fronteira de Goiás com
Mato Grosso, numa altitude de 850m.Sua extensão é de aproximadamente
2500 Km, sendo que parte do trecho é acidentado devido à presença de
rochas. Há uma divisão para a trajetória do Alto Araguaia, Médio Araguaia e
o Baixo Araguaia. O primeiro vai da nascente até a cidade de Registro do
Araguaia. Desta cidade até Santa Izabel do Araguaia é a área Média, com
cerca de 1500 Km, onde se encontra a Ilha do Bananal, o Baixo Araguaia é
o trecho após a cidade de Conceição do Araguaia até a Pedra de Amolar
desaguando no Tocantins (LIMA FILHO, 1994 p.19-20).
Os Karajá chamam o rio Araguaia de “Berohoky” grande rio que é o
principal referencial que delineia o espaço sociocosmológico desse grupo indígena
(LIMA FILHO, 1994. p, 19).
O Araguaia foi sempre uma via de comunicação entre os Estados de
Goiás e Mato Grosso e as regiões Sul e Sudeste, situadas ao sul da Amazônia
.grupos indígenas locais estiveram expostos a um contato de certa forma contínuo e
variado. Ataques de expedições escravagistas paulistas percorreram a região do
Araguaia-Tocantins, atingindo diversos grupos.
A partir da segunda metade do século XIX, o governo da Província de
Goiás, com o objetivo de criar pontos de apoio que possibilitassem a navegação e
colonização do Araguaia, criou uma série de guarnições militares, os “presídios”. A
idéia das autoridades era a pacificação ou a intimidação dos grupos considerados
23
hostis, como os Xavantes, os Kaiapó, os Karajá e Canoeiros, que impediam a
exploração do Centro-Oeste (TORAL, 2002 p. 9 apud LIMA FILHO, 1994).
Na foz do Rio Vermelho, foi criado em 1849 o presídio de Leopoldina.
Destruído pelos Karajá em 1853. Foi reconstruído em 1855 (Magalhães, 1957 p. 92).
Este local foi escolhido por Couto de Magalhães, presidente da província de Goiás
para sediar projeto de sua autoria que visava o desenvolvimento de uma
comunicação rápida e barata entre a sua região, Goiás, com o Atlântico e os
mercados nacionais e internacionais. Para isso, precisaria ser feito um trabalho de
“civilização” dos povos indígenas do Araguaia, pois serviriam como trabalhadores e
agentes ativos de ocupação do interior do Brasil Central (LIMA FILHO, 1994).
Outro presídio criado nesse período foi o de Santa Izabel, importante por
sua posição geográfica (dentro dos territórios Karajá, próximo ao Rio das Mortes,
principal área Xavante). Esse presídio deu origem, no culo XX, ao povoado de
São lix do Araguaia. Nas proximidades desse povoado, no final da década de
1920, foi estabelecido o primeiro posto indígena do SPI (Serviço de Proteção ao
Índio) na região da Ilha do Bananal.
Mesmo com esse projeto incerto, surgiram pequenas cidades às margens
do rio. Porém, em virtude das dificuldades insuperáveis para a navegação, o projeto
de Couto Magalhães foi abandonado e em 1900, pondo fim à Empresa de
Navegação e Vapor do Rio Araguaia. Deixa de existir na região um projeto
econômico de grande porte. Os barcos ingleses, utilizados nessa tentativa, foram
abandonados no Porto de Leopoldina, sendo gradativamente soterrados na areia
(LIMA FILHO, 1994).
Nas últimas décadas do séc. XIX deu-se o maior movimento de famílias ao
sul. Foi também o período em que o governo das províncias de Goiás e de Mato
Grosso incentivou a implantação de um grande número de famílias na tentativa de
com isso fomentar a navegação regular no Rio Araguaia. O SPI (Serviço de
Proteção ao Índio) em 1920 funda o PI (Posto Indígena) Karajá do Sul em
Leopoldina, atual Aruanã, que mais tarde, em 1950 aproximadamente, foi desativado
para a construção do Colégio Santa Izabel, na Ilha do Bananal, para crianças
Kaiapó, Tapirapé e Karajá (LIMA FILHO, 1994).
A decadência e o fim da navegação regular nos núcleos regionais levaram
à estagnação econômica da região. Entretanto, com a instalação de núcleos goianos
24
e mato-grossenses a partir da metade do século passado, a área habitada pelos
Karajá ampliou-se em direção aos novos habitantes do Vale do rio Araguaia, ao
invés de restringir-se à Ilha do Bananal. Isso contribuiu muito para que ocorresse um
êxodo rumo ao interior de Mato Grosso dos grupos Xavantes que antes habitavam o
vale do rio das Mortes até à confluência do rio Garças (TORAL, 1992 p.28 apud
LIMA FILHO, 1994).
1.5 Procedência e Contatos com os índios Karajá
Lima Filho (1994) aponta a existência de duas frentes de contato da
sociedade com os Karajá. A primeira foi feita pelos jesuítas da então província do
Pará. Em 1658 o padre Tomé Ribeiro comandou a primeira expedição que chegou
aos Karajá do Baixo Araguaia. Em 1671 o padre Gonçalves de Veras acompanhado
do Irmão Sebastião Teixeira registrou o encontro que a sua expedição teve no
sertão com os Karajá.
Afirma o autor que todos os Karajá vieram do norte. O movimento deles na
superfície da terra em que vivem, desde que miticamente saiu das profundezas do
rio Araguaia, é descrito como continuamente orientado para o “alto”, “idòò-ó”, isto é;
para o sul, para o alto do rio Araguaia. A outra frente de contato está relacionadas
com a movimentação das Entradas e Bandeiras, principalmente as Bandeiras
paulistas rumo ao centro-oeste do Brasil. Bartolomeu Bueno da Silva (o filho), em
1722, chegou a terras goianas, nas minas do rio Vermelho, em 1725. No ano
seguinte fundou o arraial de Sant‟Ana, hoje Cidade de Goiás (TORAL, 1992, p. 31).
1.6 Os Karajá, os Tapirapé e os Kaiapó
As penetrações do séc. XVI e início do séc. XVII, especialmente as
expedições escravagistas realizadas entre 1607 e 1615 (André Fernandes, Martim
Rodrigues e Belchior Carneiro), com destino à confluência dos rios Araguaia e
Tocantins, marcaram o início da mudança do panorama etnográfico da região.
Os grupos mais atingidos por essa invasão foram os Bilreiros e os
Apoatiaras, designações dos ascendentes dos atuais Kaiapó, que começaram a
25
empreender um movimento rumo ao nordeste, talvez para escapar dos paulistas que
vinham do sul. Passaram a abandonar o interflúvio do médio Tocantins e Araguaia e
vão, progressivamente, em direção ao extremo norte Tocantinense refugiando-se
sob a confluência dos dois rios, e contatando com os Karajá do norte, o então grupo
remanescente na região. Esse processo levou os grupos de Kaiapó a atingir também
à região do baixo Tocantins.
Acredita-se que a partir dessa época os atuais Tapirapé, habitantes dessa
região, iniciaram uma marcha para o sul, fugindo aos ataques Kaiapó e percorrendo
as matas marginais do Araguaia. Durante esse processo de migração ao longo do
rio, os Tapirapé alternaram relações cordiais e conflituosas com os Karajá do norte.
Em 1775 alguns grupos de Tapirapé viviam na ponta da Ilha do Bananal, o que
significa uns 300 km em um século. Mantinham relações cordiais com os Javaé de
Wariwar, que incluíam visitas ao comércio regular, intercâmbio de canções e rituais,
como o ixê, que os atuais Javaé da ponta norte da Ilha dizem ter aprendido desse
povo Tupi.
Segundo Vidal (1977) a parte principal dos Tapirapé, no entanto, achava-
se refugiada no interior das matas da margem esquerda do rio Araguaia. Por volta
da segunda metade do séc. XIX, os Tapirapé foram expulsos da Ilha pelos javaé
aliados dos Karajá, numa série de episódios bem lembrados pelos Karajá e
recolhidos por Danahue em 1980. Dessa época, ate 1950 suas relações com os
Karajá foram de sucessivas traições e escaramuças que custaram muitas vidas.
Durante quase três séculos os Tapirapé viveram em fuga dos Kaiapó e
mantinham relações pacíficas com os Karajá e Javaé. Baldus afirma que os
Tapirapé têm alguns traços semelhantes ao Kaiapó, “mas não tantos como revelam
o parentesco cultural com os Karajá” (BALDUS, 1970 p. 63).
A fuga dos Kaiapó parece ter se encerrado em 1947, quando o último
grande ataque sofrido por parte dos Metytire empurrou-os definitivamente para as
margens do rio Araguaia onde se estabeleceram os contatos definitivos com a
população regional e posteriormente com o Serviço de Proteção ao Índio.
A partir dessa data cessam definitivamente os conflitos entre os Tapirapé,
Karajá e Javaé. Os grupos retornam seus intercâmbio secular, casando-se entre si,
se tratando com xamãs vizinhos etc. Os Tapirapé capturados casaram-se com os
Karajá, de maneira que em quase todas as aldeias encontram-se seus
26
descendentes, membros das mais antigas famílias e prestigiadas parentelas de
Santa Izabel (como Maloare), Fontoura (Wajurema e Ijetura), São Domingos
(Kobryra), etc (BALDUS, 1970).
Quanto aos Kaiapó, os Goroti Kumrenh, depois de atingirem o topo do
“triangulo do Tocantins” e a região do rio Araguaia, cruzaram para as matas das
margens paraenses entre 1820 e 1850 (Verswijver, 1985 p. 24). Ao que tudo indica,
a vanguarda dos demais Kaiapó era os atuais Kaioapó Xikrin. Esse grupo
provavelmente cruzou o rio Araguaia antes dos demais Kaiapó, em data anterior a
1800 (idem, 29-30), ainda que em estreito contato com os Karajá do norte, antes de
seu estabelecimento no Pará.
Os Xikrin da aldeia Kokoreke e os Karajá do norte visitavam-se. Através
desse último, aprenderam a cantar e representar o “Aruanã”, um ritual
Karajá. Os Xikrin até hoje fazem o “Aruanã Karajá”. Muitos representantes
dessa aldeia saberiam falar o Karajá. Havia um comércio considerável entre
os dois grupos e os Karajá repassavam principalmente bens de origem
“civilizada”. Para os Xikrin, a natureza desses contatos e dessa relação com
os Karajá colocava-os na categoria de parentes, “ombikwa” (VIDAL, 1977 p.
49).
A cordialidade das relações faz supor que fosse compreendida como uma
comunidade das quais haviam sido inauguradas alguns séculos antes a que nos
referimos acima. Vidal concorda com essa interpretação, ao dizer que os elementos
de cultura material Karajá adquiridos pelos Xikrin foram adquiridos “em épocas mais
remotas” (idem, p. 50). À medida que os Xikrin foram se dirigindo para o oeste os
contatos foram diminuindo até interromperem de todo, provavelmente antes do final
do século XIX (BALDUS, 1970).
As expedições escravagistas feitas a partir do início do séc. XIX, com a
fundação de Carolina (MA), e que se prolongam pelas primeiras décadas seguintes,
faz com que os demais Kaiapó apressassem sua migração para as terras paraenses
iniciando o deslocamento que termina com a travessia do Araguaia (VERSWIJVER,
1985 p. 24 apud BALDUS, 1970).
Não se possui informação da relação dos Karajá com essa segunda leva
de migrantes Kaiapó da sua instalação no Pará, os Kaiapó se dividiram em dois
grupos principais: os Irã-amarãnhre e os Gorotire (VERSWIJVER, 1985 p. 25 apud
BALDUS, 1970).
27
Os Karajá do norte e os Javaé mantiveram relações de início ,hostis e
depois, pacificas. Isso deu-se após ter sido contatados pelos missionários
dominicanos, instalados no recente município de Conceição do Araguaia a partir de
1897, até sua extinção como grupo (NIMUENDAJÚ apud BALDUS, 1970 p. 63).
Chega-se à segunda metade do século vinte e os Karajá, Karajá do norte e
os Javaé são grupos que resistiram ao avanço dos estabelecimentos ao
longo das margens do rio Araguaia. O desenvolvimento se apresenta a eles
nas mais diversas formas e procedimentos como pôr exemplo, nas vestes
adquiridas e nas investiduras rumo às fazendas. Outra grande sedução pós-
anos cinqüenta para os Karajá é o álcool. Mas, nem toda a bebida integra
ao dia-a-dia ribeirinho, que chegou com as expedições escravagistas ainda
no século XVII, e permanece com ribeirinhos, fazendeiros e turistas. E
assim, de protetores da natureza, passaram a ser vilãos do meio ambiente,
por venderem tartarugas e animais silvestres, provocam na sociedade certo
desconforto. Exposto ao contato, como seu rio sagrado, os Karajá, apesar
dos maus tratos da malária, tuberculose, subnutrição, armadilha
governamental e abandono, como se tudo fosse contra eles, sobrevivem
culturalmente transformando descasos, marginalidade preconceitos e
indiferenças em festas com a do “Hetohoky” (LIMA FILHO, 1994 p. 29)
O Distrito Sanitário Especial Indígena do Araguaia (DISEI) compreende
uma população de 2.877 índios, pertencentes às etnias Karajá, Tapirapé, Tapuia e
Avá-Canoeiro. Os Karajá formam a etnia mais numerosa, com 2230 indivíduos, ou
seja; 77,5% da população, dos quais 1031 (49%) habitam as aldeias de Santa Isabel
do Morro e Fontoura.
Dados populacionais históricos, referentes à aldeia de Santa Isabel do
Morro, apontam para uma população de 140 em 1947 (Baldus, 1948), passando
para 304 em 1969, segundo dados da EPM, para 401 em 1990 (Lima Filho, 1994) e
543 em 2002, segundo dados do DISEI-Araguaia. O crescimento médio anual da
população desta aldeia teria sido de 3,6% entre 1947 e 1969, de 1,3% entre 1969 e
1990 e de 2,6% entre 2002 e 1990. Durante o período analisado neste estudo, 1980-
2000, a população da aldeia de Santa Isabel cresceu 1,8%, em média, ao ano. No
tocante à aldeia de Fontoura, os dados disponíveis se referem aos anos de 1969
(EPM) e 2002 (DISEI-Araguaia), com 167 e 488 habitantes, respectivamente, sendo
de 3,3% o crescimento médio anual de sua população. O crescimento médio, das
duas aldeias em conjunto, no período de 1969 a 2002, foi de 2,5% ao ano.
Sendo assim, é necessário entender a origem do povo em questão,
respeitando sua cultura, seus costumes, sua religião e acima de tudo o valor a vida
humana.
28
1.7 Os Karajá e Os Jav
“Inyboho” nós todos (um só povo)
Em data anterior a 1500, parte considerável dessa população Karajá do
baixo Araguaia dirigiu-se progressivamente para o sul da Ilha do Bananal. Desligou-
se dos demais, e estabeleceu-se no médio curso, no meio da ilha. Passou a se
relacionar pacificamente com uma série de tribos de referências míticas como os
Kalatina, Hyte, Horucwere. A esse primeiro grupo secessionista, ascendente dos
atuais Javaé, segue-se pouco tempo depois, uma segunda leva, a dos Were que
migrou para a região do alto Xingu. Dizem que são os atuais Javaé.
De qualquer forma, essas últimas tribos retiram-se das margens do rio
Araguaia com destino ao leste, interior da Ilha. A população Karajá termina por
concentrar-se na região central da Ilha do Bananal. Em todo caso, as relações entre
os Karajá e os Javaé, tornaram-se pacíficas até bem antes de 1775, quando iniciou
o primeiro registro de visitas entre grupos (BALDUS, 1970 p. 54).
Todos os Karajá mantinham contatos com uma série de grupos. Isso
talvez explique como os Karajá compartilham uma série de traços que Galvão (1979)
considera distintos dos grupos da área cultural do Xingu como: “cerâmica de forma
circular, fundo chato, bordas extrovertidas, etc.” (GALVÃO, 1979 p. 217).
Acrescentaria, ainda, a luta ijesu Karajá e Javaé, semelhante ao “Huka-
huka” xinguano, desconhecida de grupos Kaiapó ou Akwem. Esse contato direto
com grupos xinguanos não deve ultrapassar o c. XVIII, período em que os grupos
que fazem a “ponte” foram exterminados ou se afastaram em função das
penetrações escravagistas e/ou mineradoras. Não registros nem dados históricos
que confirmem encontros entre os Tapirapé, o grupo que ocuparia áreas próximas,
compreendidas pelo rio que leva o nome da tribo, no séc. XVIII (BALDUS, 1970 p.
54).
Faz-se necessário ressaltar a cultura desse povo a fim de identificar as
suas singularidades.
29
CAPÍTULO 2
O CICLO DA VIDA DOS KARA
Malocas Karajá da Ilha de Santa Izabel do Morro (FUNASA, 1994).
“A ocupação dessa ilha por representantes dessas
sociedades indígenas data de pelo menos 400
anos onde diversas fronteiras econômicas levaram
esses índios a uma situação social e cultural
bastante crítica”.
Ney José Brito Maciel
Os estudos de Lima Filho (1994) apontam o fator histórico como
referencial dos processos de formação das aldeias e grupos locais de qualquer
comunidade indígena que esteja agrupado. O Parque Nacional do Araguaia (PNA),
unidade de conservação sob a administração do Governo Federal que, a princípio,
ocuparia toda a ilha, tem o papel de agir nas ações políticas, sociais e econômicas
dos processos de interação e conflito destas sociedades indígenas com a população
nacional envolvente, e de ambas com o meio natural que as envolve (MACIEL,
2002).
O nascimento de uma criança entre os Karajá é marcado socialmente pela
regra da tecnonímia, isto é, os pais deixam de ser chamados pelos nomes
próprios e passam a ser conhecido como o pai ou a mãe de fulano. No caso
do homem, quando se torna pai passa para uma outra categoria. O homem
é tido como o responsável pela fecundação, sendo necessário copular
várias vezes para, de forma gradual, formar a criança no ventre da mãe,
considerada apenas como receptora. Após o nascimento, o recém-nascido
é lavado com água morna e pintado com urucum (LIMA FILHO, 1994).
30
Sabe-se que os costumes e as tradições marcam a identidade de um
povo. Nessa cultura a criança fica a maior parte do tempo com a mãe e os avós. E
as diferenças entre gêneros ganham proporção quando a criança “o menino” chega
à idade entre sete a oito anos e tem o seu lábio inferior perfurado com osso de
guariba, conforme relata Lima:
Depois, ao alcançar a faixa entre 10 e 12 anos de idade, o menino passa
por uma grande festa de iniciação masculina denominada Hetohoky ou
Casa Grande. Ele é pintado com o preto azulado do jenipapo e fica
confinado durante sete dias numa casa ritual chamada Casa Grande. Os
cabelos são cortados e ele é chamado de jyre ou ariranha (LIMA FILHO,
1994).
Observa-se que as tradições Karajá são passadas por gerações e
gerações, em sua estética simbólica. Ainda nos estudos de Lima Filho (1994) o autor
afirma que a moça na época da primeira menstruação, passa a ser vigiada pela avó
materna e fica isolada. Ao aparecer em público, quando está bem ornada com
pinturas corporais e enfeites plumários, para dançar com os Aruanãs, é muito
observada principalmente pelos jovens solteiros da aldeia.
O casamento ideal é aquele arranjado pelas avós dos nubentes,
preferencialmente da mesma aldeia, quando os jovens estão aptos a ter relações
sexuais. Porém, o casamento mais comum é a simples ida do rapaz para a casa da
moça, o que pode ser antecipado se algum parente masculino, da parte dela,
surpreende algum encontro do casal às escondidas. O homem, uma vez casado,
passa a morar na casa da mãe da esposa, seguindo a regra matrilocal (LIMA FILHO,
1994). Observa-se que se a família se torna numerosa, o casal faz uma casa
própria, anexa àquela de onde saiu, caracterizando, espacialmente, a família
extensa. Assim, a mulher mais velha assume papel central na unidade doméstica,
enquanto o homem com a idade, vai perdendo o prestígio político na praça dos
homens, mas se tornando, em compensação, referência de poder espiritual,
normalmente exercendo atividades xamanísticas.
No enterro karajá, o morto é colocado com seus pertences numa esteira,
no fundo de uma vala; tudo é coberto por varas, lembrando uma casa, na frente da
qual se coloca uma espécie de pequeno mastro de madeira enfeitado. Outrora se
fazia também o enterro secundário. Tal enterro consistia em exumar o corpo e
31
colocar os ossos numa vasilha de cerâmica, especialmente preparada pelas
parentas do morto (LIMA FILHO, 1994).
2.1 Os Homens e as Mulheres Karajá
Nos estudos de Lima Filho (1994) os Karajá estabelecem uma grande
divisão social entre os gêneros, definido socialmente o papel dos homens e das
mulheres, previstos nos mitos. Aos homens cabem a defesa do território, a abertura
das roças, as pescarias familiares ou coletivas, as construções das casas de
moradia, as discussões políticas formalizadas na Casa de Aruanã ou praça dos
homens, a negociação com a sociedade nacional e a condução das principais
atividades rituais. Isso porque os homens equivalem simbolicamente à importante
categoria dos mortos.
Segundo Lima Filho (1994) as mulheres são responsáveis pela educação
dos filhos até a idade da iniciação, para os meninos, e permanentemente pela
educação das meninas. São incumbidas dos afazeres domésticos: cozinhar, colher
produtos da roça, cuidar do casamento dos filhos (normalmente gerenciado pelas
avós); confeccionar as bonecas de cerâmica, que se tornaram importante renda
familiar fomentada pelo contato e ainda pintar e ornamentar as crianças, as moças e
os homens para os rituais do grupo. Nessas ocasiões elas são as responsáveis pelo
preparo dos alimentos das principais festas e pela memória afetiva da aldeia, que é
expressa por meio de choros ritualísticos, em especial quando alguém fica doente
ou morre.
Ainda Lima Filho (1994) em seu estudo mostra que os Karajá preferem a
monogamia ao divórcio, pois esse é censurado pelo grupo. Outra definição por Lima
Filho (1994) é que:
A infidelidade do homem casado se torna pública, os parentes masculinos
da mulher abandonada batem no homem infrator perante toda a aldeia,
numa grande ação dramática. Isso pode tomar proporções maiores com o
acirramento de ânimos entre os grupos domésticos envolvidos, resultando
inclusive em queima da casa da família do marido infrator. As mulheres de
vida sexual pública, quando se casam e têm suas unidades domésticas
próprias, deixam de ser reprovadas pela comunidade, que a constituição
da família é um referencial importante para a cultura Karajá (LIMA FILHO,
1994).
32
Essas preocupações com os laços familiares constituem para a
comunidade indígena um diferencial das ações coletivas e esses assumem tais
responsabilidades com orgulho de suas famílias.
2.2 A Aldeia Karajá
Lima Filho (1994) desenvolve um estudo aprofundado sobre as aldeias
Karajá, e especialmente a aldeia de Santa Izabel do Morro. Em seus relatos ele
descreve:
A aldeia é a unidade básica de organização social e política. O poder de
decisão é exercido por membros masculinos das famílias extensas, e eles
discutem suas posições na Casa de Aruanã. Não é raro haver rivalidades
entre facções de grupos masculinos em disputa pelo poder político da aldeia
(LIMA FILHO, 1994).
Segundo Lima Filho (1994) cabe ao homem eleito „capitão‟ da aldeia ser
responsáveis pelos assuntos políticos com os agentes externos. Ou seja, a
interferência da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) ou mesmo universidades,
ONGS, Governos Estaduais e outros.
Os Karajá têm, ainda, uma intrigante chefia que, no passado, parecia
acumular duas funções: a ritual e a social. Uma criança, do sexo masculino
ou feminino, era escolhida pelo chefe ritual, entre aquelas a ele ligadas por
linha paterna, para ser educada como seu sucessor (LIMA FILHO, 1994).
A hierarquia do povo Karajá é bem definida por sua linhagem de sangue
passada de geração a geração.
Tanto o chefe ritual quanto a criança escolhida ainda hoje recebem as
mesmas denominações indígenas de ióló e deridu, que simbolicamente está
relacionado ao urubu-rei (LIMA FILHO, 1994).
As divergências políticas entre aldeias são também comuns, mas a
solidariedade entre elas, motivada no passado pelas guerras, contra outras etnias e
pela reivindicação de demarcação das terras e de desocupação de seu espaço na
Ilha do Bananal, é reforçada pelos rituais que incentivam e celebram o encontro
entre as aldeias (LIMA FILHO, 1994).
33
Alimentação habitual da comunidade é retirada da ictiofauna (zoologia
aquática) do Rio Araguaia e dos lagos. Os Karajá alimentam-se também de
alguns mamíferos. Demonstram especial predileção pela captura de araras,
jaburus e colhereiros, dos quais retiram penas para enfeites. As roças são
feitas, nas matas de galeria, com a prática da coivara. Os registros
etnográficos e históricos citam o cultivo do milho, da mandioca, da batata,
da banana, da melancia, do cará, do amendoim e do feijão. Esses produtos
se reduzem hoje ao milho, à banana, à mandioca e à melancia. Aproveitam
também os frutos do cerrado, como o oiti e o pequi, e colhem o mel silvestre
(LIMA FILHO, 1994).
2.3 Arte e Cultura Material
Segundo Lima Filho (1994) na cultura material Karajá há técnicas de
construção de casas de cerâmica, de tecelagem de algodão e de adornos plumários.
Fabricam-se artefatos diversos usando materiais, como palha, madeira, mineral,
concha, cabaça, córtex de árvores.
A pintura corporal é significativa para o grupo. Na puberdade, os jovens
de ambos os sexos submetem-se à aplicação do omarura. Trata-se de dois círculos
tatuados nas faces, usando a tinta do jenipapo misturada com a fuligem do carvão.
Após sangrar a face com dente de peixe-cachorra, aplica-se a tinta. Hoje, devido ao
preconceito existente na população das cidades ribeirinhas, como São Félix do
Araguaia, os jovens apenas desenham os dois círculos, em seus rostos, na época
dos rituais.
A pintura no corpo das mulheres processa-se de maneira diferente à dos
homens, ou seja; de acordo com as categorias de idade, e é utilizado o sumo do
jenipapo, a fuligem de carvão e o urucum. Alguns dos padrões mais comuns são as
listas e faixas pretas nas pernas e nos braços. Nas mãos, nos pés e nas faces, é
desenhado um pequeno número de padrões representativos da natureza, de modo
especial, da fauna (FENELON
3
, 1968 apud LIMA FILHO, 1994). A cestaria, feita
tanto pelos homens como pelas mulheres, apresenta motivos trançados com o
aspecto de gregas, a exemplo do corpo dos animais (TAVEIRA, 1982 apud LIMA
FILHO, 1994).
3
FÉNELON (1968) apud (LIMA FILHO, 1994) aponta descrições simbólicas dos karajá e seus significados, o
fascínio pela natureza e sua fauna que transmite ao povo karajá sua evolução e a tradição de seu povo,
passadas por gerações e gerações durante a história do Rio Araguaia.
34
Essas afirmações partem dos estudos de Manuel Ferreira Filho que tenta
assimilar os aspectos culturais Karajá. Apresenta Taveira que os define como
semelhantes.
Os traços dessa cultura milenar. A arte cerâmica é exclusiva das
mulheres, apresentando os mais variados tipos e motivos, desde utensílios
domésticos, como potes e pratos, até bonecas com temas mitológicos, da vida
cotidiana, da fauna e dos rituais.
As bonecas Karajá são motivos de grande interesse dos turistas que
visitam estas aldeias, de modo especial nas temporadas de praias do Rio Araguaia
tornaram-se mais um meio de subsistência do grupo. Atualmente, apenas o
subgrupo Karajá fabrica estas bonecas. Essas figuras de cerâmica tiveram no
passado e ainda têm uma função lúdica para as crianças, mas também é
instrumento de socialização da menina, conforme estudou Fénelon (1968) apud
Lima Filho (1994). Tais figuras são modeladas para dramatizações de
acontecimentos da vida cotidiana. O contato imprimiu modificações quanto ao
tamanho (tornaram-se maiores) e ao material utilizado, tinturas químicas.
Entretanto, os motivos figurativos e os padrões decorativos são mantidos
pelas ceramistas mais novas, que inclusive ressaltam figuras dos mitos e dos ritos.
Comumente, podem-se encontrar as bonecas Karajá em lojas de artesanato ou nos
museus brasileiros e estrangeiros. Em Aruanã existe um Centro Cultural na estrada
da aldeia, onde as famílias vendem artesanatos, como bonecas, colares, brincos e
artefatos de madeira. A plumária é muito elaborada, tendo uma relação direta com
os rituais. Com a dificuldade de captura de araras, ave de grande interesse para os
Karajá, esta arte tem sido reduzida na sua variedade, permanecendo apenas alguns
enfeites, como o lori lori e o aheto, muito usados no ritual de iniciação dos meninos
(LIMA FILHO, 1994).
2.4 Cosmologia, Mitos e Ritos
Segundo o mito de origem dos Karajá, eles moravam numa aldeia, no fundo
do rio, onde viviam e formavam a comunidade dos Berahatxi Mahãdu, ou
povo do fundo das águas. Satisfeitos e gordos, habitavam um espaço
restrito e frio. Interessado em conhecer a superfície, um jovem Karajá
encontrou uma passagem insysedena, lugar da mãe da gente (TORAL,
1992 apud LIMA FILHO 2006), na Ilha do Bananal.
35
De acordo com Lima Filho (2006) fascinado pelas praias e riquezas do
Araguaia e pela existência de muito espaço para correr e morar, o jovem reuniu
outros Karajá e subiram até a superfície. Tempos depois, encontraram a morte e as
doenças. Ainda Lima Filho (2006) estes tentaram voltar, mas a passagem estava
fechada e guardada por uma grande cobra, por ordem de Koboi, chefe do povo do
fundo das águas. Resolveram então se espalhar pelo Araguaia, rio acima e rio
abaixo, e juntamente com Kynyxiwe, o herói mitológico que viveu entre eles,
conheceram os peixes e muitas coisas boas do Araguaia. Depois de muitas
peripécias, o herói casou-se com uma moça Karajá e foi morar na aldeia do céu,
cujo povo, os Biu Mahãdu, ensinou os Karajá a fazer roças (LIMA FILHO, 2006).
Existe uma correspondência simbólica entre a distribuição vertical dos
referidos povos místicos e as atuais aldeias Karajá ao longo do vale do Rio
Araguaia. Os Xambioá são os Iraru Mahãdu, o Povo de Baixo, ao norte do Araguaia.
Os Karajá da ponta sul da ilha e os de Aruanã são alguns dos representantes do
Povo de Cima, ou Ibóó Mahãdu, e os Javaé, segundo alguns autores, são o Povo do
Meio ou Itua Mahãdu (PETESCH, 1993; RODRIGUES, 1993 apud LIMA FILHO,
2006).
Essa distribuição das aldeias Karajá, ao longo do Araguaia, tem
correspondência com a organização das casas numa única aldeia, como Santa
Izabel, por exemplo, em que formam duas linhas retas paralelas. Imaginando-se
estas duas retas paralelas de casas cortadas por duas transversais com distâncias
simétricas, formam-se três segmentos: as casas de cima (rio acima), as do meio e
as de baixo (LIMA FILHO, 2006).
No ritual de iniciação masculina, conhecendo como Hetohoky ou Casa
Grande, os homens também estão divididos em homens de cima, homens
de baixo e homens do meio. Na disposição espacial das casas rituais,
igualmente tem-se a casa pequena (rio abaixo), a casa grande (rio acima) e
a Casa de Aruanã, que fica sempre no meio dessas. Portanto, a localização
das aldeias Karajá tem uma razão de ser nesse ou naquele local com
relação ao Araguaia, assim como a disposição das casas de moradia, dos
cemitérios, das casas rituais, segundo um simbolismo próprio da cultura
karajá (PETESCH, 1993; RODRIGUES, 1993 apud LIMA FILHO, 2006).
Os mitos abordam temas muito variados, como o extermínio e o recomeço
dos Karajá; a origem da agricultura, da chuva, do sol e da lua; o mito de origem dos
Aruanãs; as mulheres guerreiras; a origem de homem branco, entre muitos outros.
Normalmente, esses mitos estão associados a rituais e a temas sociais, como o
36
papel dos gêneros, o casamento, o xamanismo, o poder político, as doenças, a
morte, o parentesco, as plantações, as pescarias e o contato com os não-índios. Os
Karajá têm dois grandes rituais como referências: o Hetohoky e a Festa de Aruanã,
os quais apresentam ciclos anuais, baseando-se nas subidas e descida do Rio
Araguaia. Entre outros pequenos ritos, podem ser citadas a pescaria coletiva de
timbó, a festa do mel e a festa do peixe (LIMA FILHO, 2006).
2.4.1 Hetohoky: O Grande Mito e o Grande Rito
É indiscutível a Beleza do rio Araguaia na Ilha do Bananal, sobretudo no
período das cheias de Novembro a Março, onde a vida esta mais próxima de nos. O
rio de cores duplas devido ao contraste do Araguaia de águas amareladas com o rio
das Mortes de águas esverdeadas que misturadas mais a frente dão um tom de
guaraná. O Hetohoky, como as demais festas Karajá, esta relacionada com os
worysy, os que morreram nas Aldeias existentes nos cemitérios. Os mortos estão
sempre presentes no cotidiano dos Karajá: nas pescarias, na caça, na roça, na
dança, na cura e nas guerras. Os Worysy são representados pelas ações, cantos e
danças dos homens.
Segundo Lima Filho, quando os Karajá morrem, não vão para o céu. A
morte é uma volta para o mundo da aldeia de baixo, que existe debaixo de cada
cemitério Karajá, a exceção é apenas para os diu hàri, os xamã do céu, que, por
serem poderosos e especiais, fazem uma viagem cósmica rumo a aldeia do céu. Ao
morrer um Karajá passa por um processo que o torna Worysy. Depois de cinco dias,
a mãe e o pai preparam uma refeição para levar ao cemitério. Filho (1994) faz
algumas considerações destes rituais:
Um dos hàri controla a viagem que o morto faz. Ele desce o Araguaia até
Belém, acompanhado pelos Worysy, procura pela “mãe” e os parentes.
bebe água quente. Nessa viagem ele demora de dois a cinco dias. No
percurso de volta, já quase vivo novamente, para a aldeia dos mortos, o hàri
o e diz para a família do morto - Aoma Iraruki Ratxireri (Ainda esta
embaixo). O morto, acompanhado pelos Worysy sobe o rio Araguaia em
busca de água fria. Nesse lugar ele encontra um hàri da aldeia dos mortos e
pede para ser jogado na água fria O hàri morto na água fria, esse se torna
novamente vivo. Nessa transformação Krolahi - um grande sapo - chupa os
olhos dos mortos. Essa é a grande diferença entre os Worysy e os vivos. Os
olhos dos Worysy são corroídos, pequenos, e por isso eles andam sempre
cabisbaixos e comem com as mãos para traz (LIMA FILHO, 1994 p.153).
37
2.4.2 Os Grupos Rituais
A organização dos homens em três grupos rituais ocorre no Hetohoky.
O grupo do Mahádu (Homens do meio) não se faz presente em outros ritos, como a
Festa do Mel e do Peixe, ao contrario dos Ibòò (Homens de Cima) e dos Iraru
(Homens de Baixo).
Segundo Lima Filho (1994), estes grupos possuem tendência de
supervalorização pelos Karajá dos Ibòò (Homens de Cima), e estão presentes nas
atividades sociais, nas ocasiões das táticas de guerras e caçadas. O nível simbólico
parece estar relacionado com as categorias grandes em oposição a pequeno, tantas
vezes presentes no Hetohoky, e que, os Homens de Cima, podem ser identificados
como povo do céu/chuva, os Biu Mahadu, nitidamente o nível smico Karajá mais
valorizado (LIMA FILHO, 1994).
Lima Filho (1994) faz uma analise criteriosa acerca dos costumes
ritualísticos:
Observando a disposição das árvores rituais do Hetohoky, percebe-se que
existe um processo de crescimento em altura das árvores rituais saindo da
Casa Pequena em direção a Casa Grande. Os Iraru, Homens de Baixo,
ficam na Casa Pequena, enquanto os Ibòò, Homens de Cima, ficam na
Casa Grande. Os Mahadu se organizam de frente a primeira árvore ritual
depois da Casa Grande, materializando as palavras de Maluare sobre a
proximidade dos Mahadu com os Ibòò (LIMA FILHO, 1994 p. 155).
Todas as atividades do Hetohoky ficam centradas na Casa Grande. É
nessa casa ritual que os meninos iniciados, os jyre, ficam em confinamento durante
sete dias. É na Casa Grande que acontece a brincadeira de flechas com o veadinho
e com a rodinha de cera de abelhas. É na Casa Grande que os jyre têm os cabelos
cortados e os corpos pintados.
É nesta mesma casa que os parentes brotyre dos jyre também cortam os
cabelos e pintam seus corpos para acompanhar os meninos iniciados. E finalmente
é na Casa Grande que avo grande (dos Worysy) Itabieheky começa e termina a sua
danca ritual pelo espaço das casas rituais pedindo caca e jogando pedaços de paus
por cima do corredor de palhas.
Um outro fato demonstra com clareza a posição hierarquicamente superior
dos Ibòò. Quando os homens vão caçar ou pescar, existe uma divisão de alimentos
38
e a parte superior da caça e do peixe é entregue aos Ibòò e a parte inferior aos Iraru,
é fato que se repete no Hetohoky, quando é feita a distribuição ritual do produto das
caçadas e da pescadas rituais durante os sete dias de confinamento dos Jyre.
A melhor parte do pirarucu, por exemplo, da cabeça até a metade da
barriga, é entregue aos Ibòò, o resto, a “barrigada”, como dizem os Karajá, e a parte
mais gordurosa e o rabo, fica com os Iraru. Segundo Lima Filho, a razão do privilégio
é que eles os Ibòò mandam em todos os Karajá (LIMA FILHO, 1994, p. 157-158).
Dentre estes valores hierárquicos existentes entre os Karajá, é notório
observar que a migração externa entre os esses praticamente inexiste, mas a
migração interna ocorre com relativa freqüência com o grupo familiar deixando uma
aldeia para ingressar em outra devido a desentendimentos e conflitos causados pelo
alcoolismo, ou por outras causas (LIMA FILHO, 1994).
Evidências de que as populações indígenas do Brasil vêm crescendo a
partir das últimas décadas do século XX, contrariando as previsões de
declínio apontadas nos anos cinqüenta, têm sido apresentadas em
trabalhos recentes (GOMES 1991, MELATTI 1999).
Como era de se esperar, este crescimento tende a apresentar taxas
diferentes dadas às condições de vida peculiares a cada grupo indígena. A migração
interna pode explicar o crescimento populacional desigual das duas aldeias, Santa
Isabel do Morro e Fontoura, observado entre 1969 a 2002.
Após essas considerações acerca da cultura desse povo, torna-se
igualmente necessário conhecer um pouco a história da IASD, assim como seus
objetivos junto à comunidade Karajá.
39
CAPITÚLO 3
OS ADVENTISTAS E SEU PROJETO MISSIONÁRIO
William
Miller líder do movimento da Igreja Adventista do
Sétimo Dia (IASD) iniciada em 1863.
“A história das selvas e dos selvagens dissipou-se
entre a população mestiça dispersa que, com seu
trabalho, transformou recursos naturais em signos
do „progressoeconômico, terminando esquecida e
marginalizada. Uma de suas maiores riquezas, no
entanto, é a que vem aflorando em regiões de
extrema pobreza, onde outrora exuberava a
fartura: a crescente valorização do passado como
fonte de referências para a configuração de novas
identidades fenômeno contemporâneo ancorado
na reapropriação do patrimônio simbólico
proveniente da memória social sobre antigas
populações nativas”.
Izabel Missagia de Mattos
Nos textos de Paula Montero da obra “Deus na Aldeia” a autora enfatiza
que ao colocar o missionário no foco da observação, os estudos avançam no
processo de apreensão do significado do seu papel na vida indígena.
Junto aos aldeamentos indígenas, o desenvolvimento missionário parte
desde o processo de colonização até os dias atuais, buscando interferir, subsidiar,
comunicar, civilizar e evangelizar os povos indígenas. Ao diferenciar a construção da
40
regra de seu uso, a análise dos jogos de linguagem permite discernir os objetos
“reais” dos objetos tornados normas e estes últimos retêm apenas algumas
propriedades do objeto real. É a partir dessa perspectiva que interpretamos alguns
dos referentes que apareciam nos jogos de comunicação de grupos indígenas e
missionários, os rituais como a missa, os ritos xamânicos, funerais que emergem
como padrão, isto é; construtos de referência para a constituição de identidades
significativas em torno das potencialidades da força mágica, das relações com a
sobrenatureza, do controle da violência e da morte etc.
Montero (2006) afirma:
Finalmente, colocar nosso foco no trabalho de mediação nos obriga a
enfrentar teoricamente a questão do poder implícito no trabalho de
produção cultural subjacente à ão missionária. Temos como ponto de
partida que o processo histórico de produção de alteridades indígenas por
parte dos missionários, ainda que se reconheça sua dimensão político-
ideológica, não pode ser reduzida a uma ferramenta pura e simples da
dominação colonial (MONTERO, 2006 p. 33).
Paula Montero expressa suas fortes e conclusivas considerações sobre a
missão e faz um alerta aos futuros estudiosos para que não se perca o respeito às
tradições indígenas”. Esse respeito cabe ao missionário de qualquer religião que
opta pela conversão, pois, esclarece que as configurações culturais resultantes das
relações de mediação entre índios e missionários devam ser consideradas em sua
dimensão propriamente antropológica (em suas expressões culturais), faz parte do
processo de produção de significados, sua autenticidade e respeito às tradições que
os antecedem.
3.1 A origem do Adventismo
Para uma exposição geral sobre o adventismo Timm (1998) afirma que é
importante uma análise de suas raízes teológicas, sobretudo no contexto do século
XIX. O protestantismo estadunidense desse período era herdeiro da Reforma do
século XVI, mas o adventismo está mais ligado ao anabatismo que aos princípios
reformistas de Martinho Lutero ou João Calvino. Enquanto estes mantiveram
crenças como o batismo infantil e ao patrocínio estatal da igreja, aqueles rejeitaram
ambas as doutrinas. Em vez disso, pregavam que o batismo deveria estar separado.
Geralmente, os anabatistas rejeitavam a formulação de credos, e pregavam uma
41
restauração dos ideais da igreja primitiva do Novo Testamento. Esse retorno à igreja
primitiva reafirmava uma representação desta como pura e submissa à influência de
Cristo.
No adventismo sempre existiram interpretações da Bíblia apoiadas em
gráficos, diagramas, comparações extensas entre textos bíblicos e mensagens que
apelavam mais a uma convicção racional. Assim, “conhecer a verdade”, entre os
adventistas, significa que a pessoa deve possuir uma compreensão intelectual das
doutrinas.
Alberto Timm em “O Santuário e as três mensagens Angelicais: Fatores
Interpretativos no desenvolvimento das Doutrinas Adventistas” de 1999 foi uma obra
que marcou a influência adventista nas comunidades caracterizou-se que a partir
desse cenário religioso, torna-se mais compreensível à influência de um movimento
milenarista, iniciado por William Miller (1782-1849), um leigo batista, que de certa
maneira ilustra o perfil de um movimento milenatista, que ficou conhecido como
milerita. Movimentos que interpretavam o “milênio” sempre existiram na irradiação
cristã, e se referem à crença num reino vindouro de Cristo, reino este que deve durar
mil anos, entendido literalmente ou simbolicamente.
Uma curiosidade que denomina o adventista citado por Timm (1999), é a
influência de Ellen White (1827-1915) nascida em Gorham Maine nos Estados
Unidos e, sem dúvida, foi a maior influência sobre o movimento adventista. Na
época de sua morte, sua produção literária totalizava cem mil ginas, incluindo
cartas, diários, artigos para periódicos, folhetos e livros. Em dezembro de 1844,
ainda solteira, teria recebido sua primeira “visão”, sendo gradualmente aceita como
uma “profetisa” entre os adventistas sabatistas.
As “visões” de Ellen ajudaram a compreender seu papel de liderança na
formação da mentalidade adventista do sétimo dia. Seus escritos são hoje
preservados no Patrimônio Literário Ellen G. White, localizado na sede mundial da
IASD, em Maryland, USA.
Os estudos sobre seus escritos são em sua maioria produções de
escritores adventistas. No entanto, foram levantadas críticas à produção de White e
também discussões sobre a autoridade de suas idéias na IASD. Por exemplo, Walter
Rea, crítico da obra de White, fez acusações de que seus escritos são plágios de
outras obras importantes do século XIX. Outro autor que teceu crítica a White é
42
Ronald Numbers, com seus estudos que tratam da produção da autora sobre a
saúde e a alimentação. Por sua vez, pesquisadores adventistas procuraram rebater
tais críticas à inspiração profética de White em obras, como a de Ilerbert Douglass,
Leonard Brand e Don S. MacMahon (TIMM, 1999).
Paulatinamente, as doutrinas adventistas se configuraram. Escritos
denominacionais defendem que essas doutrinas se formaram a partir de um
exaustivo exame da Bíblia, sendo depois confirmadas pelo dom profético, afirma
Alberto Timm.
3.2 Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD)
A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) é uma igreja de origem
estadunidense organizada oficialmente em 1863. Liderado por William Miller,
fazendeiro batista norte-americano, que pregou a volta de Cristo em 1844 e o fim do
mundo. Após sua organização, a IASD desenvolveu uma intensa ação proselitista. A
doutrina da IASD, que se justifica como a igreja verdadeira e remanescente do
tempo do fim, considera fundamental a expansão mundial como imperativo
(HOSOKAWA
4
, 2008).
Elder Hosokawa descreve que em 1831 o fazendeiro batista William Miller,
residente no interior do estado de Nova Iorque, começou a pregar a respeito da sua
grande descoberta. Elder Enfatiza que as diversas profecias bíblicas apontavam,
segundo seus estudos, o ano de 1843 como o “da volta de Cristo a Terra”. Durante
vários anos sua pregação agitou as pequenas igrejas da região em que residia. Em
1839 ele conheceu Joshua Himes, pastor de uma grande igreja de Boston, que se
empolgou com a mensagem de Miller.
A partir daí o movimento se expandiu com o apoio de publicações. Miller e
outros pregadores adventistas, como passaram a ser denominado o seguidor de
Miller, o chamados a pregar em igrejas de expressão em grandes cidades do
nordeste dos Estados Unidos (HOSOKAWA, 2008). Elder expõe que a aproximação
da data começou a dar força ao movimento. Para Miller, apesar de a Bíblia afirmar
que ninguém sabia o dia e a hora da volta de Cristo, ela mesma indicava o ano de
4
Elder Hosokawa (2008) em sua obra coloca aqui sua definição sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia,
interpreta fatos que ligam à imigração japonesa para o Brasil, em seu processo evangelizador e predominante de
uma igreja protestante conhecida e influenciada em maior número de países pelo mundo.
43
1843, segundo ele, em pelo menos 15 passagens diferentes. Como o calendário
judaico era diferente do ocidental, Miller previa que entre março de 1843 e março de
1844 o fim do mundo se concretizaria.
Tal fenômeno o ocorreu e o movimento adventista sofreu uma perda
significativa de seus seguidores, com o afastamento expressivo de pessoas. Miller
(ELDER HOSOKAWA, 2008) iniciou em abril de 1844 o movimento adventista com
um personagem até então obscuro no movimento, chamado Samuel Snow que
elaborou uma explicação para aquilo que foi considerado um tempo maior para a
manifestação gloriosa de Cristo (HOSOKAWA, 2008).
Em primeiro lugar, a partir da parábola das dez virgens, relatadas no
Evangelho segundo Mateus, seria predito um tempo de tardança para separar os
fiéis dos infiéis. Em segundo lugar, ele associou uma das profecias usadas para
demonstrar a volta de Cristo em 1843 ao ritual judaico do Dia da Expiação. Como
essa festa religiosa estava ligada ao calendário religioso, então baseada na
cronologia da seita judaica do caraítas, eles concluíram que o Dia da Expiação de
1844 ocorreria em 22 de outubro (HOSOKAWA, 2008).
Houve uma grande agitação no meio adventista tão logo essas idéias
foram difundidas. Elas rapidamente foram aceitas, de modo que os adventistas
aguardaram o advento para o dia de 22 de outubro de 1844, o que não ocorreu,
ficando conhecido como o Grande Desapontamento.
No entanto, mesmo esse novo fracasso não destruiu o movimento,
embora o tenha fragmentado profundamente (DICK, 1986 apud HOSOKAWA, 2008).
A mensagem de Miller foi bem recebida por uma parcela expressiva de
estadunidenses, embora seja difícil precisar se chegou a pelo menos de mais um
centena de milhar. Elder faz algumas considerações sobre a origem dos seguidores
de Miller:
Além do grande fervor de Miller e seus seguidores (os milleritas) as razões
econômicas não podem ser negligenciadas. Entre 1837 e 1844 os Estados
Unidos passaram por longo período de recessão econômica. Nessa ocasião
houve declínio do otimismo do país quanto ao seu sucesso como nação.
Alguns grandes empreendimentos fracassaram, levando à desilusão. É
importante ressaltar que a população era majoritariamente rural e formada
por pequenos proprietários que compunham o perfil dos conversos ao
Adventismo. O fator religioso é muito expressivo. A região na qual o
Adventismo nasceu foi Nova Iorque, conhecida como burned district, em
44
função da grande quantidade de movimentos religiosos que ali surgiram no
século XIX. (SCHÜNEMANN 2002 apud HOSOKAWA, 2008 p. 104).
Essas afirmações explicitam que as igrejas não somente a IASD
fundamentam-se nos Estados Unidos como forma de repressão as idéias então
estabelecidas entre a sociedade, a maioria da grande Nova York veio de uma
tendência das formações coletivas acerca dos movimentos que se estabeleciam e
dos abalos sociais que estas encontravam.
Atualmente, segundo dados da IASD, ela seria o grupo religioso cristão de
origem protestante presente em maior número de países no mundo (YOST 1990
apud HOSOKAWA, 2008). Apesar de a Igreja Adventista ter cerca de 16 milhões de
membros, a distribuição se de forma bastante desigual, estando seus fiéis
concentrados na América Latina, sul da África e em algumas regiões do Extremo
Oriente, como Filipinas, Coréia e Indonésia. Em um estudo conduzido por
Schünemann (2007) apud Hosokawa (2008) sobre a expansão do Adventismo, foi
possível constatar a importância do fenômeno migratório tanto no desenvolvimento
inicial como na manutenção de taxas elevadas de crescimento ao longo de todo o
século XX.
Segundo Elder Hosokawa (2008), no Brasil, o estabelecimento da IASD
ocorreu inicialmente nas colônias de imigrantes alemães presentes no centro-sul e,
depois, através do grande fluxo de imigrantes para o Estado de São Paulo. Essa
tendência é substituída na década de 1960 pela conversão de populações rurais que
migram para os grandes centros urbanos do país, inicialmente Rio de Janeiro e São
Paulo; e, a partir de 1980, em todas as grandes capitais estaduais que passam a
receber grandes fluxos migratórios.
Um dos fenômenos sociais mais significativos no Brasil atualmente diz
respeito à expansão evangélica, através das ações missionárias cuja referência
teológica principal é a matriz evangélico-fundamentalista de origem anglo-saxão
(FERNANDES, 1980 apud MONTERO, 2006).
Para entender as missões realizadas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia,
é necessário entender os fatores históricos dessa organização. A IASD possui em
seu nome duas marcas do movimento: suas ênfases escatológicas, apresentando o
fim da história por meio da segunda vinda de Jesus a Terra, e a guarda do sétimo
dia da semana, como repouso instituído por Deus. A ênfase escatológica tem
45
mantido sua singularidade, não por ser a única a manter a crença nas profecias
bíblicas, mas essencialmente porque tem toda sua estrutura ideológica centrada
num ideal profético. Em 2005 os números oficiais da igreja apontavam para cerca de
14 milhões de membros batizados no mundo (TIMM, 1998).
Segundo Alberto Timm que estudou e relatou sobre a Igreja Adventista, o
autor afirma que existem diversas formas de classificação dos grupos cristãos. O
historiador Elder Hosokawa (apud por Timm, 1998) discute as classificações usadas
para a IASD, mostrando que estudos realizados por católicos, protestantes históricos
e pentecostais se referem aos adventistas como seita.
Geralmente os adventistas são estudados entre os Mórmons e as
Testemunhas de Jeová, o que demonstra ser o critério de classificação mais ligado
ao período em que estes grupos surgiram, isto é, na segunda metade do século XIX,
do que por atividades teológicas entre si. Apesar dessa caracterização como seita,
algumas igrejas como a Luterana, aceitam a IASD como uma igreja evangélica
ligada ao protestantismo norte-americano (TIMM, 1998).
Essa discussão no campo religioso sobre a classificação dos adventistas
como evangélicos deve-se a algumas de suas peculiaridades doutrinárias, como a
guarda do sábado. Além disso, a doutrina adventista ensina ser este um movimento
religioso peculiar, representando um remanescente que deve anunciar a volta de
Jesus a Terra e a guarda dos dez mandamentos, tal como expressos no texto bíblico
de Êxodo, capítulo 20.
3.2.1 Igreja Adventista do Sétimo Dia - Base Doutrinária
As principais doutrinas do adventismo do sétimo dia foram definidas entre
1844 e 1850 e nos anos seguintes, procurou-se criar um sentido ordenado e racional
para essas doutrinas, de modo que demonstrassem a coerência do movimento e
sua ligação com as profecias bíblicas.
Alberto Timm (1999) afirma que a forma de manutenção de uma tradição
deveria remeter a fatos fundadores, como a sua ligação com o movimento milerita e
a idéia de “restauração das verdades que teriam sido esquecidas no cristianismo”.
Destacando-se os seguintes aspectos que constituíam a “verdade presente”, a
segunda vinda de Cristo, de forma pessoal, visível e pré-milenária; o julgamento dos
46
justos a partir de 22 de outubro de 1844, com base em registros encontrados no céu;
a imortalidade da alma e a destruição dos ímpios; a perpetuidade dos dez
mandamentos, incluindo a guarda do sábado e a manutenção moderna do dom
profético na pessoa dos escritos de Ellen G. White.
É importante ressaltar que Timm (1999) faz descrição e análise das
doutrinas adventistas como recurso de uma ação social rigorosamente racional,
isenta de perturbações afetivas. Esse modelo dificilmente seria encontrado na
realidade, pois os elementos racionais e irracionais estão sempre misturados.
Para compreender comparativamente a ação real como o desvio do tipo
de sua inteligibilidade, cabe observar que as características presentes neste estudo
fazem parte de um tipo ideal adventista, mas não significa que na realidade todo
adventista se enquadra dentro desse esquema.
3.3 O Projeto Missionário Adventista
O projeto missionário adventista não poderia trabalhar de forma diferente,
mas, algumas distorções que abriga em suas comunidades religiosas poderiam
decidir enviar alguns dos seus membros para um território de missão.
Como foi apresentado por Alberto Timm, a partir do século XIX,
missionários adventistas partiram dos Estados Unidos e depois da Europa para
diferentes regiões do planeta. Inicialmente, os adventistas acreditavam que sua
mensagem era destinada aos herdeiros do milerismo. E em seguida, ampliaram o
alcance de sua mensagem, pregando aos protestantes. Sua pregação enfatiza os
aspectos distintivos da igreja, por isso a necessidade de esclarecer suas posições
até mesmo a outras igrejas de matriz protestantes, como batistas, metodistas e
presbiterianos.
Missão é o envio de uma comunidade para o descobrimento e a construção
do Reino. O reino se revela em Jesus Cristo no caminho. Como a vida
militar não se define a partir do quartel, mas do combate que garante ou
restabelece a paz, assim também a vida missionária não se define a partir
de um toque de recolher para uma Igreja ou casa paroquial, mas a partir de
um grito de largada para a construção de um mundo novo (SUESS
5
, 1995,
p. 05).
5
Paulo Suss. Evangelizar a partir dos projetos históricos dos outros. Ensaios de missiologia. Nessa obra o autor
enfatiza as intervenções missionárias e suas diferenças, classifica e aponta o que os tornam importantes no
47
Os adventistas ampliaram mais uma vez o alcance de sua mensagem,
pregando aos católicos também. O passo seguinte seria evangelizar populações não
cristãs, pois as dificuldades encontradas neste processo eram muito relevantes.
No começo do século XX surgem muitos relatos de diferentes regiões do mundo,
com informações sobre a atividade missionária entre não cristãos. No entanto traçar
os primórdios desse trabalho se torna difícil a partir dos relatos, pois os missionários
adventistas não faziam distinção entre conversões de não cristãos e cristãos (TIMM,
1999).
Provavelmente a Índia foi o primeiro lugar do mundo onde um não cristão
foi batizado por um missionário adventista. Isso ocorreu em torno de 1895. No
continente africano, o primeiro batismo ocorreu em 1899, e no Japão em 1890. Em
Sumatra, um muçulmano foi batizado em 1900. Em 1920, 103 países tinham
presença nas missões adventistas (TIMM, 1999).
3.3.1 Representação e Memória do Discurso Missionário
O principal veículo de divulgação das missões adventistas era a Advent
Review and Sabath Herald, ou simplesmente Review and Herald, publicada nos
Estados Unidos. Os missionários eram orientados a escrever sobre o avanço da
mensagem em terras distantes, com uso até mesmo de fotografias. Muitos desses
escritos se tornaram livros, que posteriormente foram publicados pelas editoras
adventistas.
Vale ressaltar que essas publicações foram influenciadas pelo
pensamento de Ellen White a respeito da educação que buscava a sintonia das
propostas reformistas com a educação dos seus escritos.
Ellen White é apresentada nos textos de Prestes Filho quando o autor
afirma a importância de uma elevada educação como conhecimento experimental do
plano de salvação que implica diretamente nos discursos adventistas por meio da
sincera diligência do estudo das escrituras. Essa educação renovará o
entendimento e transformará o caráter, restaurando a imagem de Deus na alma
(WHITE apud PRESTES FILHO, 2007 p. 57).
processo histórico de civilização nas comunidades indígenas. Conceitua a missão e seu significado, dentro de
um aspecto que não obedece aos primórdios do cristianismo, como portadores da paz, despojados do poder,
sem ouro e sem bastão, prudentes como as serpentes e simples como as pombas.
48
O discurso transmite a importância da comunidade e traduz a
responsabilidade dos valores éticos. Said apud Timm (1999) afirma que existem
ainda muitos relatos nos Estados Unidos, arquivados, que apontam para os
processos missionários nas comunidades por todo o mundo e principalmente no
Brasil entre os povos amazonenses.
Para Said, “[...] é preciso esclarecer sobre o discurso cultural e o
intercâmbio no interior de uma cultura o que costuma circular não é
„verdade‟, mas representação”. Dessa forma não cabe aqui buscar
“verdades” nos relatos missionários, mas entender a natureza, a construção
e as conseqüências das representações elaboradas. O caso paradigmático
do adventismo envolve as atividades de Fernando e Ana Stahl, que
trabalharam no Peru, entre os Aymara e Quéchua, entre 1911 e 1921, e
entre alguns povos da Amazônia Peruana, como os Kampa, entre 1931 e
1939. De acordo com o historiador Floyd Greenleaf, entre as historias
missionárias, poucas atraíram tanta atenção quanto o trabalho dos Stahl.
Outro caso que marcou a década de 1910 foi a morte do pastor Ovid Elbert
Davis, na Guiana Britânica, perto do Monte Roraima. Seus relatos falavam
sobre um grande número de índios que estavam ansiosos pela presença de
um missionário (TIMM, 1999).
Observa-se que esses relatos produziam uma rie de representações
sobre os povos alcançados e sobre a própria missão da Igreja Adventista. O trabalho
de Edward Said possui uma análise que pode ser aplicada a diferentes contextos,
incluindo a formação de representações de missionários anglo-americanos sobre o
“outro” a ser alcançado pelo evangelho.
Estes relatos apresentados por Alberto Timm (1999) podem ajudar a
compreender como os adventistas se espalharam por todas as partes do mundo, e
como eles obtinham sucesso em suas ações missionárias, utilizando-se de um
processo metodológico, cuja análise comparativa parte de diferentes contextos,
resultando no transparecer do significado adventista.
3.4 A Chegada dos Adventistas no Brasil
Para investigar a chegada dos adventistas no Brasil foi necessário estudar
os primeiros indícios “curiosos” dessa mensagem, que estimularam milhares de
pessoas pelo mundo, que através de seus textos e escritos propagados,
possibilitaram um grande desempenho coletivo.
49
Michelson Borges (2008) narra uma história em seu artigo “A Chegada do
Adventismo ao Brasil”. Aponta fatos que possibilitam disseminar o passado histórico
do adventismo em terras brasileiras. Michelson descreve que quando corria o ano de
1884, um jovem alemão conhecido como Borchardt residente em Brusque, Santa
Catarina, envolve-se em uma briga, ferindo gravemente seu oponente. Com medo
da polícia, resolve fugir em direção ao Porto de Itajaí. chegando, embarca
clandestinamente em um navio que rumava para a Alemanha. Numa das escalas,
acaba conhecendo dois missionários adventistas que lhe perguntam se conhece
algum protestante no Brasil. Meio desconfiado, Borchardt responde que seu
padrasto, Carlos Dreefke, é luterano. Os missionários pedem-lhe o endereço de
Dreefke, deixando claro que o único interesse deles é enviar literatura religiosa para
o Brasil (BORGES, 2008).
De acordo com as palavras de Borges (2008), meses depois, um pacote
contendo revistas adventistas em alemão chega à Colônia de Brusque, endereçado
a Carlos Dreefke e com selo de Battle Creek, Estados Unidos. A encomenda é
aberta na casa comercial de Davi Hort, um típico casarão colonial de dois
pavimentos, distante oito quilômetros do atual centro de Brusque. Dreefke, ainda
meio desconfiado, toma para si uma das revistas, com inscrição de capa A Voz da
Verdade”, e distribui as outras nove para seus amigos que ali estavam.
O tempo foi passando, e algumas famílias curiosas demonstraram
interesse por aquelas publicações, encantadas pela segunda vinda de Cristo com
mensagens de paz, prosperidade, vida saudável e na importância de se reservar o
sábado para atividades de cunho religioso. Continuaram a pedir mais literatura,
usando o nome do Senhor Dreefke que, com medo de que algum dia lhe mandasse
a conta de todas as revistas, acabou cancelando os pedidos futuros.
A frustração foi geral. Quem poderia assumir agora a responsabilidade
pelas revistas? Um polonês de nome Chikiwidowski chegou a se
responsabilizar pelos pedidos, mas seu entusiasmo durou pouco. Foi então
que uma terceira pessoa entrou na história: Frederich Dressler.
Michelson Borges (2008) afirma que as revistas como a Hausfreund e
Amigos do Lar” chegaram e, com elas, alguns livros. Entre eles, um muito especial: o
Comentário Sobre o Livro de Daniel, de Uriah Smith. Após a leitura desse livro,
Guilherme Belz se tornaria anos mais tarde o primeiro no Brasil a reconhecer o
50
sábado como dia de descanso, através da literatura adventista. Essas referências
adventistas afirmam que em certas ocasiões, enquanto Dressler caminhava pelas
ruas em busca de compradores, os folhetos caíam-lhe das mãos trêmulas. Como
não havia muito papel espalhado pelo chão naquela época, as pessoas, curiosas,
apanhavam os folhetos e os liam. Sem saber, Dressler prestou grande contribuição
à causa adventista que ensaiava seus primeiros passos em terras brasileiras.
Nas colocações mais ousadas Borges (2008) define: “como folhas de
outono, alcançando famílias e corações nos quais a semente do evangelho
começava a germinar”. A Sociedade Internacional de Tratados dos Estados Unidos
enviou centenas de dólares em literatura, que Dressler transformou em cachaça. Na
venda de Davi Hort, Dressler trocava as revistas e folhetos por bebida. O Sr. Davi as
usava como papel de embrulho. E foi dessa forma que a mensagem adventista
conseguiu se espalhar mais e mais.
3.4.1 Os Precursores do Adventismo Missionário no Brasil
De acordo com as fontes de Michelson Borges (2008), Guilherme Belz foi
o primeiro converso em terras brasileiras. Nascido em uma família luterana,
Guilherme tinha por hábito ler a Bíblia, mas algo o intrigava: Se apenas o sábado é
mencionado nas Escrituras, por que guardamos o domingo?” Sua mãe Luise e o
pastor de sua igreja desconversavam e, por isso, a resposta teve de aguardar
muitos anos.
O comentário sobre o Livro de Daniel, de Uriah Smith, também estava
escrito em alemão. Ao tentar pegá-lo da estante, Guilherme derrubou-o no chão. O
livro se abriu justamente no capítulo intitulado “O Papado Muda o Dia de Repouso”.
Este título fez Belz recordar sua juventude na Alemanha. Como estava com pressa,
Guilherme despediu-se de Carl levando emprestado o livro segurando-o como se
houvesse descoberto um tesouro precioso. Chegando em casa, ele investigou o
assunto do sábado mais a fundo, comparando o conteúdo do livro com a sua Bíblia.
Segundo Borges (2008), finalmente, Belz convenceu-se da santidade do
sábado. Guilherme tinha então 54 anos e tornava-se, assim, o primeiro a
reconhecer, no Brasil, o sábado como dia do Senhor, graças à literatura adventista.
Os Belz não demoraram a espalhar sua nova crença pela região. Pouco tempo
depois, algumas famílias já se reuniam para estudar a Bíblia e orar.
51
Em maio de 1893, por designação da Associação Geral da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, o missionário Albert B. Stauffer chegou ao Brasil.
Juntamente com outros missionários, Stauffer espalhou a literatura adventista em
Indaiatuba, Rio Claro, Piracicaba e outras localidades. Assim como descreve
Michelson Borges (2008 p. 03) os primeiros interessados na mensagem adventista”.
Em São Paulo foram surgindo e o mesmo aconteceu no Estado do Espírito Santo”,
onde Stauffer espalhou vários livros do chamado “O Grande Conflito”.
Os adventistas nessa mesma região observavam o sábado e criam na
volta de Jesus mesmo estando totalmente alheios à existência dos irmãos de Santa
Catarina que, já há alguns anos, professavam a mesma fé.
Nas afirmações das fontes adventistas em agosto de 1894, chegou ao
Brasil outro missionário adventista: William Henry Thurston. Acompanhado da
esposa Florence, Thurston veio dos Estados Unidos com a missão de estabelecer
um entreposto de livros denominacionais no Rio de Janeiro, para atender aos
missionários no Brasil, como descreve Borges (2008):
Com eles vieram duas grandes caixas de livros e revistas impressos em
inglês, alemão e pouca coisa em espanhol. Na época, o havia nada
publicado em português, pois a Casa Publicadora Brasileira só iniciaria suas
atividades a partir de 1900. Para chegar ao seu destino, muitos impressos
eram despachados nos navios oceânicos, outros nos barcos fluviais a vapor
(ou mesmo a remo), outros ainda em carros de boi, em lombo de burro e, às
vezes, em alguns lugares, nas costas dos missionários (BORGES, 2008 p.
04).
Em relatos mencionados por Prestes Filho (2007) aponta que Guilherme
Stein
6
Júnior filho de imigrantes germânicos, foi o primeiro a ser batizado em
território brasileiro em Piracicaba no ano de 1895.
Prestes relata que a partir de então, envolveu-se ativamente no
desenvolvimento da igreja, como diretor da primeira escola adventista em Curitiba, e
um dos mais profícuos redatores da editora adventista brasileira. Apesar de ter
cursado somente a escola primária, produziu vasta obra sobre temas variados,
ligados à doutrina adventista: profecias, a guarda do sábado, entre outros. No
entanto, o tema que mais difere do que era produzido pelos adventistas da época é
a obra “O Tupi”, publicada em 1934 (PRESTES FILHO, 2007).
6
Guilherme Stein era filho de imigrantes germânicos, e foi o primeiro a ser batizado em território brasileiro, em
Piracicaba (SP), no ano de 1895. Apesar de ter apenas o curso primário foi diretor da primeira escola adventista
em Curitiba, e redator da editora adventista.
52
Algumas das considerações de Stein apud Prestes Filho (2007) apontam
que a grande parte do produto desta publicação se destina ao serviço de instrução
dos índios”. Neste livro o autor desenvolve a tese de que houve uma involução e não
uma evolução na história dos povos indígenas. Quando se trata da chegada dos
adventistas, logo se tem em mente a chegada missionária no Brasil que se estende
desde a colonização, e por sinais dos registros históricos que resultaram nas ações
coletivas dos envolvidos.
Assim, convém uma rápida análise do momento histórico em que surgiram
as primeiras escolas adventistas no Brasil, ou seja, o final do século XIX,
ressaltando, sobretudo, o cenário educacional do País à época, donde se perceberá
alguma peculiaridade histórico-formativa da educação adventista no País, tendente a
influenciar o seu desenvolvimento posterior. Na realidade, o que se pretende
inicialmente é identificar o núcleo do “complexo socioeconômico-político-cultural”
brasileiro ao final do século XIX. Para tanto, consideram-se os seguintes fatos
básicos admitidos pela historiografia de modo geral: primeiro, a instabilidade político-
institucional (SILVA, 2001).
Nos anos iniciais do adventismo, Prestes Filho (2007) relata que a
formação da igreja adventista era formada apenas por um grupo étnico e religioso
que predominou na Nova Inglaterra: brancos anglo-saxões e protestantes. Desta
forma, o ensinamento da “porta fechada” permitia inicialmente que apenas brancos
anglo-saxões e adventistas teriam condições de salvação naquele período. Quando
houve uma mudança em relação a esse pensamento, os adventistas começaram
suas pregações a diversos outros grupos étnicos, e decidiram levar sua mensagem
a outros continentes.
Segundo Borges (2008) o primeiro pastor adventista chega ao Brasil no
final de 1894, num território de 15.500.000 quilômetros quadrados, somente dez
homens se dedicavam à proclamação da fé adventista, oralmente ou por escrito. Um
deles era o Pastor Westphal
7
, os outros eram os colportores-missionários. Mas, em
apenas cinco anos, os vinte já eram duzentos.
7
Em fevereiro de 1895 o Pastor Westphal desembarcou no Rio de Janeiro, onde o esperavam o casal Thurston e
o colportor A. B. Stauffer. Acompanhado por Stauffer, o Pastor Westphal seguiu primeiro para o interior de São
Paulo, para batizar os primeiros conversos naquele Estado. Guilherme Stein Jr. foi o primeiro adventista
brasileiro a ser batizado, numa manhã de abril do ano de 1895. Seu batismo foi realizado no rio Piracicaba, que
na língua indígena significa colheita de peixes. Stein Jr. desempenhou papel importante na Obra Adventista do
Brasil como missionário, evangelista, professor, administrador, redator e editor (BORGES, 2008 p. 04).
53
De acordo com as fontes adventistas apresentadas por Michelson Borges,
o navio Magdalena que trouxe o casal Thurston ao Brasil levou o Pastor Frank Henry
Westphal para a Argentina. Eram poucos os primeiros representantes da Igreja
Adventista no continente sul-americano, na época. Neste mesmo ano, em 1894 o
missionário Albert Bachmeyer chegou ao Estado de Santa Catarina. Grande foi sua
alegria quando, ao oferecer seus livros a uma família em Brusque, descobriu que
havia adventistas ali. Imediatamente, transmitiu a boa notícia a Thurston que, por
sua vez, escreveu informando o Pastor Westphal, na Argentina.
Essas fontes estabelecem então que Westphal foi o primeiro ministro
adventista enviado para servir na América do Sul. Ordenado ao ministério em 1883,
em Michigan, dedicou-se à missão urbana de Milwaukee e lecionou História no
Departamento Alemão do Union College. Em 1894 foi chamado para servir no
continente sul-americano (BORGES, 2008).
De acordo com Borges (2008), o Pr. Westphal chega a Brusque no dia 30
de maio de 1895, e encontra os primeiros grupos de conversos ao adventismo no
Brasil. Emocionados, os novos conversos ouviram pela primeira vez a pregação de
um ministro adventista. Em oito de junho de 1895, foi realizado o primeiro batismo
de oito pessoas no rio Itajaí-Mirim, uns cinco ou seis quilômetros acima da Vila de
Brusque. Três dias depois, o Pastor Westphal realizou o segundo batismo em
Gaspar Alto.
Essas descrições são características da rapidez com que as conversões
adventistas ocorreram, Borges (2008 p. 04) afirma que em apenas um dia: mais 14
pessoas foram batizadas”. Com esse grupo de conversos catarinenses foi
organizada a primeira congregação adventista do sétimo dia no Brasil, tendo como
primeiro-ancião Augusto Olm e diácono, Guilherme Belz (no ano seguinte, 1896, foi
construído o primeiro templo em Gaspar Alto).
Outras datas são citadas por Michelson sobre os primeiros batismos
realizados no Brasil foi o fato de 14 de dezembro de 1895, realizando o primeiro
batismo adventista no Estado do Espírito Santo. Na ocasião, 23 pessoas foram
batizadas, tornando-se membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Poucos anos depois, grupos de conversos adventistas realizavam a
Escola Sabatina em Campos dos Quevedos e Taquari (RS), Brusque e Joinville
54
(SC), Curitiba (PR), Rio Claro e Indaiatuba (SP), Santa Maria (ES) e Teófilo Otoni
(MG).
Michelson Borges (2008): O árduo trabalho dos missionários pioneiros
prosperava, e mais e mais pessoas eram salvas para o Reino de Deus”. Daquele
humilde início, com algumas dezenas de conversos espalhados aqui e ali, hoje a
Igreja Adventista do Sétimo Dia pode louvar a Deus pelo seu rápido crescimento.
Dos dez milhões de membros que a igreja tem no planeta, mais de um milhão estão
no Brasil, o que o torna o país com a maior presença adventista no mundo.
Nossa missão hoje não é menos importante que a iniciada pelos
pioneiros, com esforço e muita dedicação” Guilherme Belz apud Borges (2008).
Entre as palavras de Guilherme Belz em seu „deslumbre‟ com as ações
adventistas: Prepararam o caminho e espalharam a semente da verdade”. “Cabe a
nós terminar a colheita para Cristo voltar e encerrar nossa peregrinação”.
“Maranata”! (BELZ apud BORGES, 2008 p. 04).
3.5 A Educação Adventista Missionária
No ano de 1996 o sistema educacional adventista comemorou um século
de atividades no Brasil. A data serviu para despertar o interesse na história do
adventismo no País, suscitando da parte de alguns o levantamento das informações
básicas a respeito de sua origem e desenvolvimento inicial. Encontrando-se, pois,
nessa fase embrionária, factual, a história da educação adventista no Brasil ainda
está por ser escrita, afirmam suas fontes, sobretudo no que diz respeito a uma visão
crítica de sua evolução e seu relacionamento com a história mais ampla, do País, e
sua educação é fato e necessidade (SILVA
8
, 2001).
Marcos Silva (2001) faz uma pesquisa percentual no Brasil, evidenciando
que os números abrangem um total de 500 escolas de ensino fundamental e 86 de
ensino médio. Atendem a cerca de 120 mil alunos, assumindo, assim, alguma
representatividade na ecologia das instituições educacionais, apresentando formas
8
Marcos Silva (2001). Faz algumas considerações dos processos pedagógicos do sistema adventista e é
professor da Faculdade Adventista da Bahia, publica artigos em periódicos sobre os processos metodológicos e
críticos do sistema da IASD.
55
educacionais, como a educação adventista pode ter contribuído para a educação
brasileira como um todo.
No entanto, esse objetivo só pode ser alcançado partindo-se de uma
perspectiva histórica ampla, que possa delinear ao menos um esboço sugestivo das
fases de evolução e constituição desse sistema educacional e que procure
estabelecer as correlações desse processo com a história da educação no País.
É importante ressaltar que não temos notícias e muito menos publicações
adventistas diferentes pedagogicamente sobre a historia das mais diversas etnias
indígenas no Brasil. Nas escolas adventistas, apesar das muitas missões em áreas
indígenas na América do Sul, os conteúdos são os mesmos aplicados em escolas
públicas e privadas.
Torna-se necessário explanar a atuação da missão adventista junto à
cultura Karajá de Santa Izabel do Morro.
56
CAPÍTULO 4
A MISSÃO ADVENTISTA ENTRE OS KARAJÁ DE SANTA IZABEL
DO MORRO
Mulher Karajá característica da cultura e da civilização
os símbolos cósmico em sua pintura (FUNASA, 1994).
“As exigências de uma formulação da gramática
Karajá dentro de uma teoria moderna de
lingüística salientam a necessidade de uma
extensão da teoria transformacional na parte
referente aos problemas, muito evidenciados em
línguas indígenas. Não são satisfatoriamente
solucionados em gramáticas elaboradas de acordo
com nenhuma das teorias atuais”.
David Lee Fortune
A missão adventista estabelece diferenças culturais e bate de frente com
a alteridade karajá. Cabe ao estudo a partir de agora, trabalhar o objetivo que se
estabelece entre as missões realizadas pelos adventistas na aldeia Karajá.
Prestes Filho (2007) caracteriza que a necessidade do desenvolvimento
acadêmico, coloca em vista o objetivo principal, que é estar numa crescente
comunhão com Deus, ou seja, entender os princípios da evangelização nas
57
comunidades. Prestes traz em sua obra intitulada “O Indigenismo e a Mensagem do
Segundo Advento: Missionários Adventistas e Povos Indígenas na Primeira Metade
do Século XX” em sua Tese de Doutorado na Universidade de São Paulo no ano de
2007, textos estes que contribuem diretamente com a pesquisa.
4.1 A Missão Adventista e seu Movimento
As afirmações das missões adventistas transcorreram nas concepções de
mundo, consideradas como verdades universais e transmitidas por diversas
linguagens que habitam nas raízes da evangelização. Os adventistas recobram sua
história através de uma cronologia que a classifica segundo dois critérios de
codificação: a apreensão progressiva das “verdades fundamentais”, por pastores e
leigos orientados por “missão” divinamente inspirada nos “testemunhos” da
“mensageira da Igreja Remanescente e pelas várias etapas de crescimento da
“obra”, a expansão do movimento de um pequeno grupo à forma de organização
centralizada de que hoje dispõem.
Segundo Oliveira Filho (2004) esses dois critérios de classificação
emergem na representação dos teólogos adventistas através de duas categorias:
A de missão e a de comissionamento, entendendo-se por missão o caráter
sagrado do contato com o divino, aspecto antecipador da ordem social em
relação à qual se dará toda a legitimação simbólica dos procedimentos
práticos rituais, desde que “requer um relacionamento pessoal para e com
Jesus Cristo que deve ser estrito e inviolável”. A confirmação de tal missão
exige, igualmente, a confirmação “de certos poderes de autoridade para o
desempenho e plenitude desses deveres específicos, principalmente a
autoridade para falar e agir como representante de Cristo”, o que vem a ser
a comissão (OLIVEIRA FILHO, 2004 p.157).
A “história” desse privilégio como histórica à parte prende-se à própria
origem simbólica do movimento, uma parcialidade do mito cristão. A emergência da
missão comissionada em que se constitui o adventismo como forma de associação
ocorre no contexto dos movimentos messiânicos do século XIX originados nos
Estados Unidos, movimentos “messiânicos milenaristas”. A característica básica
desses movimentos era o seu inconformismo com as associações religiosas já
estabelecidas em Igrejas, tais como a Metodista, a Episcopal, a Presbiteriana e,
58
principalmente, a Católica, d Henri Desroche assinalar-lhes algumas
características gerais:
a) Reivindicavam certa primazia de iluminação interior e do Espírito Santo,
predominando não apenas sobre a tradição, mas também sobre as próprias
escrituras;
b) Pregam que a Revelação não poderia estar terminada e que, portanto,
uma nova era, a era do Espírito, reclamava novos profetas e os forneceria;
c) Propunha finalmente, realizar a Igreja como um mundo dentro do
mundo, e suas recusas de relações com os poderes estabelecidos tinham por
corolários a obrigação, para a sua Igreja, de se transformar mais ou menos numa
autarquia econômica-política.
Originam-se inúmeras comunidades rurais messiânicas que, com a
industrialização dos Estados Unidos tendem a desaparecer paulatinamente, muitas
delas, entretanto, aumentam o número de seus adeptos, como os Mórmons.
4.2 As primeiras tentativas de Conversão
As primeiras tentativas de conversão dos Karajá às margens do Araguaia
simbolizam categoricamente o que os poucos atores desse processo evangelizador
buscavam em terras goianas. Prestes Filho (2007) relatou que nenhum adventista
tentou teorizar um pouco mais profundamente a situação do indígena brasileiro,
talvez por esta razão houvesse algum fracasso no processo de evangelização.
Nos textos de Prestes Filho (2007), por volta de 1915 a 1920, ainda não
havia uma igreja adventista no Estado de Goiás, embora existissem interessados,
curiosos e ansiosos. O primeiro batismo ocorre em 1924 na cidade de Pires do Rio
no estado de Goiás com duas pessoas que conheceram a mensagem adventista por
meio da revista Atalaia.
Passou-se um determinado tempo, e os líderes adventistas manifestavam
o interesse em formar um grupo de crentes no Centro-Oeste brasileiro, o que
estimulou o presidente da Divisão Sul Americana, Oliver Montgomery, a realizar uma
viagem de reconhecimento a Mato Grosso, em 1918.
59
Esses, acompanhados ainda por um tesoureiro da Divisão, viajaram de
Buenos Aires a Corumbá e, em dois anos pelo Rio Amazonas, descreveram
algumas populações que poderiam ser alvos das pregações adventistas.
Montgomery que fez parte dessa expedição relatou a presença de diferentes povos
indígenas em todos os percursos por onde passavam. Prestes Filho
9
(2007) afirma
que estes escritos faziam parte do diário de viagens publicada em 1961, intitulado
Pioneirismo na América do Sul pelos próprios desbravadores missionários.
Ubirajara Filho afirma que, em 1924, a União Sul Brasileira recebeu de
Goiás um pedido para que um pastor fosse realizar um batismo. O missionário
chamado, Carlos Heinrich, único na região e voluntário, não recebia salário da igreja
e vivia como obreiro. Médico nascido na Alemanha decidiu vir por conta própria em
prol das missões. Dizem que pretendia iniciar um trabalho missionário entre índios
do interior de São Paulo.
A partir de então, buscou-se um meio de angariar fundos para o início de
uma missão em Goiás. Não havia um projeto definido para o local da missão, pois,
somente a viagem do missionário que fosse escolhido definiria a área apropriada. O
meio para se obter dinheiro foi definido pela Divisão à obra entre os índios de Goiás.
Nasce então entre os diligentes das escolas adventistas A sociedades dos
Missionários Voluntários. Eram organizadas para que os jovens desenvolvessem
diversos tipos de atividades missionárias. Um dos alvos era estimular nos jovens a
responsabilidade pelas missões, ajudando com ofertas que pudessem mantê-las.
Prestes Filho (2007) descreve que as revistas adventistas apelaram para
que os MVs contribuíssem na evangelização de áreas ainda não alcançadas pela
civilização.
No ano de 1926 o pastor Alvin Nathan Allen foi chamado para ser
professor de Bíblia e Preparo Pastoral no CAB. Seu propósito, segundo Prestes
Filho (2007), era viver uma trajetória por missões entre povos indígenas, mas não
deixando de lado o aspecto financeiro. Esse era seu desafio para assumir tal tarefa.
9
Prestes Filho (2007), relata que no diário publicado sobre as viagens de Heinrich consta que ele nasceu na
Alemanha, em Hannover, em 1886 e faleceu em Uruaçu GO em 21 de agosto de 1962. Formou-se em
Medicina, e depois fez Teologia em Frindensau, numa instituição adventista. Em 1912 veio para o Brasil, e se
casou no mesmo ano. Em 1914 foi convocado pelo governo alemão a retornar à Europa para atender os feridos
da guerra. Em 1919 retornou a São Paulo. Mesmo trabalhando como médico, pregava a mensagem adventista.
Em 1924, decidiu dedicar-se à difusão do adventismo no estado de Goiás, levando sua esposa e três filhos,
Heinrich, portanto, é um dos pioneiros do adventismo no Centro-Oeste.
60
Alvin Nathan Allen nasceu de uma família adventista em 1880. De acordo
com as fontes, ele estudou nos colégios adventistas de Battle Creek e Union.
Casou-se com Luella Emily Goodrich em 1901 e teve seis filhos, sendo que dois
deles não alcançaram a vida adulta. Allen, mesmo casado, foi para Honduras, onde
os pais de Luella já atuavam como missionários.
Prestes (2007) descreve que Allen lecionou e dirigiu reuniões
evangelísticas até o ano de 1907. Allen trabalhou no Peru e teve um grande
interesse pela pregação entre índios. Trabalhou um tempo com o missionário
Fernando Stahl. As histórias de missões entre povos indígenas alimentaram em
Allen a expectativa de trabalhar com os “aborígenes”, pois esses se sentiam
agradados pela pregação do evangelho com rapidez e conformidade. Dentre os
índios daquela região Prestes Filho (2007) destaca os Aymara e Quechua, e
também os Pemom. Allen muito interessado pelo proselitismo entre indígenas
correspondia-se com a sede mundial da Igreja e revelou seu interesse pelos índios.
Allen indica Fernando Stahl para dedicar-se ao trabalho entre os índios.
Ambos estiveram em Platéria, uma curiosa citação apresentada por Ubirajara:
As correspondências de Allen mostram que seu trabalho se concentrava em
Lima no Peru, mas, periodicamente, visitava Platéria, onde estava Fernando
Stahl. Informações sobre a missão eram passadas para a liderança
adventista em Takoma Park. Alguns anos depois Allen trabalha em Cuba e
depois retorna para os Estados Unidos, em 1918. Um outro pastor chamado
Spicer mostra que conhecia bem os relatos missionários sobre os índios e
também trabalhou nas missões. Fernando Stahl em sua expansão estava
nas Cordilheiras dos Andes e Allen insistiu em pedir permissão para
trabalhar entre os índios da América do Sul. A carta que foi enviada ao líder
da IASD, pastor Daniells, que estava em Takoma Park, afirmava estar
preparado para realizar seu projeto missionário.
Alven Nathan Allen estava ciente de suas afirmações, alegando aos
líderes da IASD que estava gastando tempo demais estudando doenças tropicais e
as características dos povos indígenas, fora a questão dos recursos financeiros para
manter tal demanda.
Allen apud Prestes Filho (2007) usou vários argumentos para mostrar a
necessidade de alcançar os índios da Guiana Inglesa. Escreveu ainda que teria
sucesso se houvesse um apoio maior da própria IASD, atendendo as comunidades
em questões de saúde, pregação do evangelho, formação de escolas e qualidade de
vida para os índios.
61
Entendia-se que o sucesso das missões entre os índios poderia vir de
suas limitações conquistadas, como no exemplo de Aymara e Quéchua que
aceitaram de bom agrado a pregação adventista. Não se levava em conta que
haveria então peculiaridades individuais e coletivas nos povos indígenas que
poderiam influenciar na aceitação ou rejeição da mensagem de um missionário
(PRESTES FILHO, 2007).
Alvin Nathan enviou diversas cartas em persistência para ir à América do
Sul, ele ofereceu alternativas, como morar um tempo em Gergetown ou Caracas,
para alcançar os índios que “pedem” por missionários, até justificativas da própria
Bíblia Allen usou para defender sua ida para estas terras.
Até que em 6 de novembro de 1919 surge uma resposta de Takoma Park,
mas Allen acabou trabalhando no México, nos Estados Unidos e sempre buscando
influências dos povos indígenas, até que chegou ao Brasil munido de vários
conceitos sobre como seria um trabalho missionário pioneiro (PRESTES FILHO,
2007).
Diante de tal interesse pelos povos indígenas, a própria comissão da
União Sul Brasileira propôs a Allen a tarefa de iniciar uma missão em Goiás,
gerando uma grande expectativa para ele, pois conhecia os índios do Peru, e os
grandes relatos de batismos em massa alcançaram também o Brasil. O
entendimento maior dessa viagem vem das páginas datilografas, com informações
reunidas entre 1927 e 1930, como forma de sistematizar as informações, para
aproveitá-las na publicação de artigos sobre a missão.
Conforme o diário de Alvin Nathan Allen, se em 28 de Agosto de 1928
alguns Karajá estavam limpando o terreno de Piedade, hoje São Felix do Araguaia,
organizando a missão que na verdade foi a primeira tentativa de conversão junto ao
grupo. O mesmo Allen, cinco anos depois as margens do Rio Araguaia, admitiu que
os Karajá estavam perfeitamente satisfeitos com a vida que levavam durante esse
período. Não ocorreu entre eles a “busca ansiosa” pela mensagem adventista, como
ocorreu em outras missões no Peru e na Guiana.
Naturalmente, isso era uma decepção para Allen, que desde a saída do
Peru, desejava trabalhar entre os povos indígenas. A falta de interesse dos Karajá
se explica, para Allen, pela falta de conhecimento deles, os Karajá, pois eles não
sentiriam a necessidade de algo que não teriam e o conheciam. Assim seria o
62
coração de todo ser humano que não conhece Deus (Diário de ALLEN, p.140 aput
PRESTES FILHO, 2007 p. 309).
4.3 A Missão Adventista em Santa Isabel do Morro entre 1940 a 1970
Entre os anos de 1940 e 1950 a IASD se fez presente junto aos karajá de
Santa Izabel do Morro e Fontoura. Houve publicações de alguns pastores sobre a
presença da IASD entre os karajá das quais podemos destacar Guilherme Stein
Júnior, pioneiro nas publicações da IASD no Brasil citado anteriormente, Ruy
Carlos Vieira que pesquisou sobre a obra de Guilherme Stein, publicando-a em
1995.
Fernandes Filho, neto de Guilherme Stein, afirma em entrevista, que seu
pai esteve com o pastor Alvin Allen, pois foram encontradas em sua casa fotos
tiradas pelo pastor Allen. Nessa mesma oportunidade, Stein teria tido um encontro
com Marechal Rondon buscando informações sobre os índios do Araguaia.
Segundo Toral (1992), em 1951, presidindo a Missão Goiano-Mineira, o
pastor Rutz convenceu a liderança da Divisão Sul Americana a adquirir uma lancha
médica para dar início a um trabalho assistencial aos índios do Araguaia. A lancha
“Pioneira” cujo piloto era o enfermeiro adventista Lahyr Martins Montebello, teve sua
atuação limitada ao braço esquerdo do rio Araguaia. Lahyr trabalhou a1955. Em
30 de outubro de 1956, foi inaugurada a lancha “Pioneira ll”, para substituir a
primeira já desgastada.
Sua atuação começava por Aruanã (GO) se estendendo até Araguacema,
estava sob a responsabilidade dos Pastores Moisés Negri e Arnaldo Rutz,
com mais seis adventistas (CAMACHO, Pedro. A Trip Down Brazil´s [1954]
James wihite Library, Andrews University, Box Chilson apud TORAL, 2002).
Percebe-se que a interação entre os pastores estava sendo correspondida
num dever missionário, num desejo de conquistar e convencer os povos do
Araguaia. Os missionários estavam determinados a trabalhar em prol das
comunidades e intervir diretamente na cultura Karajá. Foi então que a partir de 1956,
com autorização do cacique Pereira, foi enviado para a aldeia de Fontoura o casal
Isaac e Joaquina Ferreira. Pereira foi simpático aos adventistas, porém nunca quis
ser batizado.
63
Tem uma nova perspectiva missionária da IASD entre os índios do
Araguaia. Entre as décadas de 1950 e 1960, a antropóloga Maria Heloisa Fenelon
Costa realizou pesquisas em Santa Isabel do Morro e Fontoura, e fez alguns
comentários sobre a relação dos karajá com os tori (brancos), destacando o caso
dos missionários adventistas:
Os karajá, ao pedirem uma educação da maneira civilizada para as
gerações mais novas, não levam em conta a ética e os costumes
“civilizados”, que não valorizam, mas atribuem grande importância às
vantagens de ordem prática que podem lhes proporcionar uma aceitação, e
mesmo adoção, dos nossos modos de agir [...] Nas várias conversas que
entretivemos com os índios de Santa Isabel, não nos pareceu que os
nossos conceitos de natureza ética e ou religiosas lhes tivessem imprimido
senão traços superficiais (COSTA, 1978).
No começo dos anos 1960, a lancha “Pioneira ll” foi praticamente
abandonada. Lahyr já não estava mais no Araguaia. Assim a União Sul Brasileira e a
Missão Brasil-Central (antiga Goiano-Mineira), compraram a lancha “Pioneira lll”,
Alvino e Maria Xavier eram os novos enfermeiros e comandantes.
Com acomodações modernas, incluindo aposentos confortáveis com
suítes, amplo salão para cultos, salas para consultórios médico e odontológico;
também havia uma pequena farmácia (PINHEIRO apud PRESTES FILHO, 2007).
Guilherme Stein apud Camargo (1998) esclarece que sua metodologia era
a comparação cuidadosa das línguas e tradição dos povos, procurando evidenciar
sua tese monogenista, a origem comum das línguas. Seu intuito mostra a origem do
homem a partir da matriz única criada por Deus.
4.4 O Grande Desafio da Missão Adventista nos anos de 1980 e 1990.
“Todos os viajantes do Araguaia fazem
menção a diversos rituais e símbolos nas
aldeias Karajá, mas não esclarecem o rico
universo cosmológico por trás dessas
manifestações”.
Prestes Filho
64
O trabalho missionário de Alvino ficou conhecido pelos militares da Base
Aérea de Santa Izabel do Morro na década de 70 (base que foi desativada no início
dos anos 90). Fora construída pelo governo militar brasileiro ditatorial com o objetivo
de combater os guerrilheiros que atuaram neste período na região dos Estados de
Goiás e Tocantins. Durante o governo pós 1964, a região do Araguaia recebeu
atenção do governo militar. De 1964 até 1970, principalmente período em que
esteve no Araguaia o presidente Arthur da Costa e Silva que, após visitar a lancha
“Pioneira lll”, destinou verbas consideráveis através da LBA (Legião Brasileira de
Assistência) para custear despesas com combustível, alimentação e remédios.
Essas medidas vieram impulsionar o trabalho assistencial adventista (PRESTES
FILHO, 2007).
Em 1970 chegou à aldeia de Fontoura o casal Calebi e Abigail Pinho.
Vieram substituir Isaac e Joaquina Fonseca. Com seis filhos, dos quais cinco foram
para um internato adventista, o casal Calebi estava no Hospital Adventista do
Pênfigo no Mato Grosso do Sul. Em Fontoura permaneceram por sete anos.
Por mais de seis anos, os Karajá receberam visitas de vários adventistas.
Abigail fez curso de especialização em tuberculose e malária. Também auxiliava na
escola para aprender português, e também na pequena farmácia da aldeia. Havia
um armazém e um pequeno trator na aldeia.
O Pastor Calebi começou a realizar cultos diários pela manhã. Depois de
mais de quatro anos em Fontoura, o interesse de alguns índios cresceu, e foi
realizado o primeiro batismo. Entre os primeiros a serem batizados estava Paulo
Kiraji, um karajá. Durante o período que esteve em Fontoura, o pastor Calebi
batizou mais de 70 índios. Antonio Tewahura, segundo Abigail Pinho, foi entre os
Karajá batizados o mais forte apoio para a missão. O que aprendia nos cultos
repassava para os outros índios. Sua família era de Santa Isabel. Antonio viajava de
bicicleta até a sua aldeia para levar a mensagem adventista. Esses relatos foram
colhidos na entrevista realizada com Abigail Pinho, em Julho de 2002 (PRESTES
FILHO 2007, p.320).
A Missão adventista motivou denúncias, apresentadas em jornais que
diziam, entre outras coisas, que a missão desestimula a prática do ritual indígena
Aruanã o qual, segundo os antropólogos, é à base da estrutura social e política
65
daqueles silvícolas(PRESTES FILHO, 2007, p. 321). Denúncias de racismo entre
os índios, gerada pelas regras alimentares adventistas, também foram questionadas.
Notam-se as dificuldades e barreiras para os missionários da IASD, em
terras grandes com grande complexo social onde as divergências aconteciam de
forma gradativa. As terras habitadas em caráter permanente eram utilizadas em
atividades produtivas, imprescindíveis à preservação ambiental e necessária à
reprodução física e cultural da comunidade indígena (TORAL, 1992 p.16).
Refletidas questões começam a transcorrer no desfecho histórico da IASD
que começa a compreender que as terras, ora ocupadas pela missão, passam a ser
área indígena e essas lhes o negadas. A identificação e delimitação da tribo
indígena de Fontoura e de Santa Izabel do Morro foi respaldada pela grande
quantidade de provas da antiguidade e da atualidade da presença indígena no local.
Toral (1992) aponta que, da mesma forma, a utilização contemporânea da
região em função de suas atividades de subsistência, principalmente de excursões
de pesca e coleta, constitui-se fato público e notório na região. A presença indígena
no local, é bom frisar esse ponto, além de antiga, é intensa atualmente. Além da
densa toponímia Karajá para a região, que identifica cada pequeno trecho da área
com significado religioso e histórico, também a toponímia brasileira marca a
presença Karajá na área. Em todos os mapas existentes, o imenso lago, cuja
microbacia compõe a presente comunidade, aparece com o mesmo nome, também
regionalmente consagrado: Fontoura (TORAL, 1992 p.17).
Constata-se por último que o relacionamento dos Karajá com os
missionários adventistas foi um choque cultural e simbólico.
66
CAPÍTULO 5
A PROBLEMÁTICA CONVIVÊNCIA DA MISSÃO ADVENTISTA
FRENTE À CULTURA KARAJÁ ENTRE 1980 A 2000
Karajá e a interferência cultural
do homem branco em sua comunidade (FUNASA, 1994).
Há ordem no céu, e Deus se compraz com os
esforços de seu povo para procurar levar avante
sua obra na Terra com um sistema de ordem. Vi
que deve haver ordem na igreja de Deus e que se
necessita de sistema para levar, adiante, com
êxito, a última mensagem de misericórdia ao
mundo.
Ellen White
Durante sua presença no Vale do Araguaia, os adventistas se viram diante
de um grande desafio que foi tentar convencer os índios, em especial os “Karajá”,
em seu processo conversão, transmitidos por suas bases educacionais doutrinárias
e ações comunitárias, assegurando o sábado para o rito religioso e o domingo para
o descanso. Ubirajara Filho (2000) contribuiu significativamente para desenvolver
esse estudo, que nos levou a apontar tamanhos fatos ocorridos durante a
evangelização em Santa Izabel do Morro. O autor descreve que estes viajantes não
67
buscaram se aprofundar e esclarecer o universo da sociocosmologia karajá, e se
frustraram ao desenvolver seus projetos. Helena Moreira Schiel, em sua dissertação,
faz um recente balanço das obras de investigação etnográfica sobre os Karajá,
desenvolvendo um modelo estrutural triádico que seria operante como princípio
classificatório do desenvolvimento Karajá.
Os relatos karajá descrevem duas rupturas cosmológicas responsáveis
por dar ao universo o início do “povo das águas” com três patamares cósmicos
sobrepostos: o mundo do fundo das águas, o mundo terrestre e o mundo as chuvas.
Segundo Toral (1992) os Karajá distinguem-se no decorrer do processo
de ocupação de suas terras, com dois tipos de personagens: o primeiro é o
ocupante pioneiro, o posseiro, com o qual tem boas relações; o outro é os que estão
vindo da cidade grande, os fazendeiros do sudeste que geralmente compra a posse
do primeiro e procura proibir o acesso do índio à área.
André Toral (1992) em sua tese sobre a sociedade Karajá relata que no
Relatório Fundiário, até a década de 1960, conviviam na região índios e sertanejos.
A partir de então, o governo do Mato Grosso colocou a venda grande extensões de
terras, ignorando a existência de índios e sertanejos. A essa política, associam-se os
latifúndios e a entrada de grandes grupos econômicos no Estado, tendo início uma
nova etapa na história da região, marcada por intensos conflitos fundiários.
5.1 Receptividade Karajá frente à Missão Adventista nos últimos anos
O foco da receptividade Karajá frente aos missionários adventistas foi
frustrante para seus representantes. Cabe ressaltar que, durante este estudo, não
foram consideradas as características cosmológicas desses índios pelos
missionários da IASD, fator este que influenciou diretamente na tentativa de
conversão entre os povos de Santa Izabel do Morro.
Na realidade essa problemática se estende ao identificar o núcleo do
“complexo sociocultural e religioso” da comunidade Karajá e entender os aspectos
de aceitação desses povos.
Assim, convém ainda uma rápida análise do momento histórico em que
surgiram as primeiras escolas adventistas no Brasil, entre o final do século XIX,
68
ressaltando, sobretudo, o cenário educacional do País à época, donde se perceberá
alguma peculiaridade histórico-formativa da educação adventista no País, tendente a
influenciar o desenvolvimento posterior de suas atividades e consequentemente
entre as comunidades indígenas (SILVA, 2001).
Segundo Prestes-Filho (2007) a formação do Governo Militar pós 1964
estimulou a luta armada, e uma das áreas que passou a ser vigiada pelos militares
foi justamente o Araguaia, que um movimento de guerrilha despontava na região
de Marabá, no Pará. Essa conotação enfraquece o advento na região, quando cita
que o exército monitorava detalhadamente a ação de agências externas no
Araguaia, em todo seu curso. De acordo com André Toral apud Prestes-Filho (2007
p.321): O imperativo estratégico no acirramento da luta contra as guerrilhas de
esquerda na região fez com que os adventistas em Fontoura enfrentassem uma
hostilidade cada vez maior por parte da Funai”.
A marca para o desapontamento dos representantes da IASD se define
quando uma equipe da FUNAI concluiu um relatório acusando a missão de racismo
e desrespeito à cultura Karajá. Em maio de 1977, segundo Prestes-Filho (2007),
lideranças Karajá, apoiadas pela FUNAI, expulsaram o casal Calebi Pinho da aldeia.
Foram atuar em outras igrejas em Goiás, ainda às margens do rio Araguaia, mas
sem contato com os Karajá.
Quando a missão saiu da região do rio Araguaia, a igreja de Fontoura
ficou sob a responsabilidade de Antônio Tewahura que fez um curso para obreiro
bíblico. Prestes-Filho (2007) identifica essa ação como uma espécie de curso
intensivo das doutrinas adventistas. Descreve ainda que este homem mantém
constante relação com os adventistas em dias atuais, inclusive em visitas a o
Paulo.
A problemática convivência da missão adventista frente à cultura karajá
entre 1980 a 2000 se estabelece apenas como valor de transição temporária dos
adventistas, que após a expulsão do Pastor Calebi, intensificaram seus projetos e
suas propostas entre as comunidades indígenas ainda mais.
Prestes-Filho (2007) detalha em sua tese as relações adventistas com os
povos Karajá quando cita a presença de um karajá que estabeleceu fortes relações
com a IASD chamado João Weheriá. Nascido em Fontoura, segundo Filho, este foi
encontrado no livro de Paulo Pinheiro que afirma que este Karajá foi estudar no
69
IASP (Igreja Adventista de São Paulo). Exemplos como esse gera uma nova
reflexão importante acerca da interferência adventista que se vira fragilizada após a
retirada das aldeias.
Prestes-Filho (2007) relata que um pastor chamado Homero Reis
procurou restabelecer os contatos com a FUNAI e apresentou um plano que João
Weheriá ficaria numa lancha realizando um trabalho assistencial no Rio Araguaia. A
administração da FUNAI concordou com o plano, e João voltou a trabalhar com os
Karajá, pouco mais de três anos após ter concluído o curso de Teologia.
Em seu primeiro ano como missionário, foram batizados vinte cinco
índios. Em julho de 1993, João Weheriá foi ordenado pastor adventista. Foi o único
caso na IASD brasileira. Prestes-Filho (2007) acha importante ressaltar que em
junho de 2006, foi realizada a formatura de Waxiaki Karajá, que concluiu o curso de
Pedagogia no Unasp (Centro Universitário Adventista de São Paulo). Ela realizou o
ensino médio em um internato adventista de Goiás, tornando-se a primeira Karajá a
concluir o curso de Pedagogia em uma instituição adventista.
Tais fatos contribuíram para que os adventistas fossem mais aceitos em
suas comunidades, apesar de que os grandes investimentos da IASD nas aldeias
Karajá resultaram em termos de batismos ainda pequenos. Apesar de o casal Calebi
ter realizado mais de cento e cinqüenta batismos em Fontoura, estes deixaram de
participar dos cultos, mesmo que conduzidos por representantes Karajá.
Toral (apud PRESTES-FIIHO, 2007) escreveu em 2002 que apesar dos
investimentos de tempo e dinheiro da IASD, não existe uma igreja adventista Karajá
em Fontoura. Mesmo com o proselitismo adventista, Fontoura é uma das mais
conservadoras aldeias sob o ponto de vista religioso, realizando anualmente seus
grandes conjuntos cerimoniais. Em comparações realizadas em Santa Izabel do
Morro, nos últimos trinta anos, cerca de duzentos batismos, mas atualmente é
reduzido o número dos que freqüentam a igreja.
Esclarece Prestes-Filho (2007):
Como pode ser verificado nos períodos anteriores, uma grande
dificuldade para qualquer denominação cristã formar uma igreja entre o
povo Karajá. Apesar do contato histórico com a sociedade nacional, sua
visão de mundo (ethus) ainda se mantém ligada aos seus valores
tradicionais (PRESTES-FILHO, 2007 p. 323).
70
Outro exemplo que Filho (2007) apresenta é a Missão Batista e o Summer
Institute of Linguistics (SIL) que trabalharam em Macaúba por um tempo, mas não
conseguiram formar uma igreja indígena dentro da aldeia.
5.2 Como os Karajá entendiam a Missão Adventista
A analogia da interpretação divina para os Karajá segundo Toral (apud
Prestes-Filho, 2007), funcionava da seguinte maneira: as cosmologias cristãs e
Karajá referem-se Kanysiwe como sendo “Satanás”, e Ijanaotu como sendo “Jesus
Cristo”.
Mas, observa-se que o nome Ijanaotu designa uma rie de seres
mitológicos que defendem valores tidos como corretos.
Prestes-Filho (2007) faz citação de Toral:
Embora evidentemente a caracterização dos personagens envolvidos não
se encaixe nos modelos, é interessante ver como o comportamento do herói
cultural (Kanysiwe) foi criminalizado pelos valores adventistas incorporados
pelos Karajá. Nunca vi Ijanaotu ou Kanysiwe comparados com personagens
cristãos em nenhuma aldeia à exceção de São Domingos e Fontoura, onde
houve atuação adventista entre 1935 e 1977 (PRESTES-FILHO, 2007 p.
236).
Neste contexto, nota-se que as tradições eram banhadas de contradições,
Prestes-Filho (2007) apresenta algumas considerações de Ruben César Fernandes,
que fez um estudo sobre as missões nas novas tribos. O autor relata que no período
de Calebi, houve grandes investimentos da Igreja, além de um proselitismo mais
intenso, contribuindo para a realização dos diversos batismos mencionados.
Contudo após a expulsão dos missionários, os Karajá deixaram de se declarar
adventista.
O entendimento indígena era de grande valia social, no que tange os
valores de troca, aceitação e ou conformismo. A missão adventista ou sequer
protestante ficou de lado aos olhos Karajá. Ruben César Fernandes outro autor
citado por Prestes-Filho (2007) ao analisar agências missionárias protestantes, diz
que no Brasil, comparados às massas urbanas em expansão, os índios oferecem
um baixo rendimento no trabalho de evangelização.
71
A diferença cultural coloca problemas graves de comunicação, o tamanho
e a fragmentação dos grupos impõem limites reduzem ao mínimo o índice de
multiplicação. “Esse é o caso das tentativas de missionamento entre os karajá
(PRESTES-FILHO 2007 p.324).
5.3 Dificuldades na Conversão da Cultura Karajá para a Ordem Adventista
Segundo Prestes-Filho (2007) outras iniciativas surgiram entre os
adventistas durante a década de 1990. A ADRA (Agência Adventista de
Desenvolvimento e Recursos Assistenciais), da União Central da IASD, passou a
desenvolver projetos para algumas aldeias karajá. Segundo Filho a agência
construiu quatro Centros de Desenvolvimento na Ilha do Bananal. Os centros
possuem instalações construídas com o apoio da ADRA Italiana e do Governo da
Irlanda do Norte.
Segundo os próprios líderes adventistas, esses projetos foram idealizados
para oferecer aos índios orientação e assistência à saúde, saneamento básico,
orientações sobre comércio, cursos para o abandono de álcool, cursos de costura e
agricultura, além de botes para o transporte em casos de emergência.
Prestes-Filho (2007) relata que a ADRA forneceu equipamento e
sementes para incentivo à agricultura, em todas as aldeias, somando-se a isso o
estímulo à criação de abelhas e galinhas. Em parceria com a FUNASA (Fundação
Nacional de Saúde) foram construídos 170 banheiros com caixas d‟água. As aldeias
onde esses projetos se realizaram foram Wataú, JK, Santa Isabel, Fontoura, São
Domingos e Macaúba. Ainda com recursos da Irlanda do Norte, foi construído um
Centro Cultural Indígena, em São Félix do Araguaia, que serve como uma
cooperativa para a venda de artesanato.
A Religião e história encontram-se reunidos num mesmo território,
segundo Toral (1992). Palco de sua história, seu território apresenta-se como um
somatório de referenciais físicos, testemunhos de acontecimentos que vão desde
sua gênese mítica até episódios mais recentes. No território reivindicado, finalmente,
reproduz-se boa parte da história dessas famílias e em particular, e da etnia, em
geral. Em resumo, a comunidade de Fontoura, ora proposta, é plena de significado
histórico e religioso.
72
Essa importância não se restringe aos Karajá de Fontoura. É extensiva
aos Karajá de São Domingos e, principalmente, de Santa Izabel. De uma forma
geral aos grupos locais do médio Araguaia.
Os povos indígenas transmitem conhecimento de forma singular de geração
a geração; pois sua cultura e visão de mundo são transmitidas
coletivamente (MORAES, 2007 p. 02).
As ações adventistas junto aos povos Karajá, citadas anteriormente,
fortalecem a presença deles na região, não na primeira metade do século vinte,
como também, em períodos mais recentes. Esses novos projetos e representações
articulam-se ao passado da missão.
Os adventistas nesse período sofrem a interferência de outras instituições
evangélicas como a Igreja Universal do Reino de Deus de Edir Macedo, a Igreja do
missionário Davi Miranda “Deus é Amor”. Estão presentes nas aldeias diariamente,
através dos meios de comunicação, rádio e televisão, os programas religiosos dos
pastores RR Soares, Silas Malafaia da “Assembléia de Deus” que batem de frente
com os adventistas na tentativa missionária.
E mesmo assim, observa-se que os adventistas, enquanto colaboradores
da civilização, atuam de forma educativa entre os povos.
5.4 Impactos da Evangelização Missionária
Ubirajara relata que os impactos da evangelização missionária foram
vistos de forma negativa por muitos estudiosos durante certo tempo e, ao contrário
de muitos depreciadores, a evangelização aos poucos se adentrou nas
comunidades indígenas de forma solidária e paternalista.
Ubirajara Filho (2007) afirma que as diferentes sociedades indígenas que
os missionários adventistas procuravam converter eram muitas vezes apresentadas
a partir de uma tradução das diferenças culturais, com vistas a torná-las
significativas socialmente ao grupo.
O missionário sonhava em chegar ao rio Araguaia e iniciar o trabalho de
evangelização junto aos índios Karajás. O peregrino processava os elementos que
73
seriam de critério norteador para tudo o que lhes eram apresentados como novo”.
(PRESTES FILHO, 2007 p. 329).
As fontes adventistas alegam que no final de 1994 a Missão Brasil
Central, já denominada Associação Brasil Central, assumiu o Estado de Goiás,
ficando o Distrito Federal e o estado do Tocantins para a recém-formada Associação
Planalto Central, com sede em Brasília. Essas medidas são reflexos do projeto
missionário na estrutura administrativa da IASD.
Ao fortalecer a religião e a organização social do povo Karajá, vista por
Prestes-Filho mostra que a ligação dos vivos com seus ancestrais masculinos são
bastante respeitados, e é essa relação que determina a formação de grupos em
rituais e o lugar do indivíduo no cosmos. Os impactos da evangelização interferem
também na planta tradicional das aldeias Karajá e na divisão social do espaço
feminino nas casas, no espaço masculino, na casa dos homens ou na casa dos
ijasò, ijasò heto, localizada nas costas da aldeia, entre essas e o cerrado.
A realização do cerimonial, bem como de outros aspectos da sua vida
religiosa, faz com que os Karajá sejam vistos como conservadores em termos
culturais e os observadores de missão tendem a conservar sua tradição local. Sua
vigência atesta a visão de mundo tradicional, apesar da antiguidade do contato, da
impressão de pobreza aparente e da maioria dos homens Karajá falarem o
português.
Moraes
10
(2007) afirma que sem a base física da religião a comunidade se
sentiria ameaçada. O território percorrido pelos xamãs de Fontoura em suas
andanças, buscando idealmente o alimento e a proteção para a comunidade,
corresponde aos campos e matas, aos lagos e sangradouros. É que estão seus
aliados e conhecidos; é que eles obtêm seu conhecimento para toda a região
mesmo que esse não faça parte.
10
Geni Moraes (2007) é docente da Universidade de Santo Amaro UNISA e também da Universidade
Bandeirante de o Paulo UNIBAN, ela defenda a causalidade da interferência docente nas comunidades
indígenas e a interpretação da educação universitária dos índios karajá, onde o objeto de estudo foi a Tribo
Cacique Fontoura no Estado de Goiás, mais precisamente a beira do Rio Araguaia em 2007 no “X Simpósio
Internacional - Processo Civilizador”, a autora cita exemplos da importância missionária, descreve a forma
expositiva dos adventistas quando se trata de educação escolar e acadêmica, relata sobre as dificuldades
encontradas entre os estudantes indígenas e a visão dos interesses individuais de cada um. Esclarece ainda que
os adventistas não possuam tanto interesse sobre a visão destes povos que ali tende ao crescimento
populacional.
74
Os impactos elucidam a questão evangelista e o processo missionário na
vida desses karajá, dentro de um aspecto social, voltado para as comunidades
indígenas, os adventistas elucidam as causas de empobrecimento social,
econômico, físico e espiritual.
Suess (1995) afirma:
Assistimos, no mundo de hoje, a uma roleta sem parar, a um rodízio total.
Tudo parece fugaz, relativo, descartável. O que antigamente aconteceu em
séculos, hoje presencia em poucos anos. Às vezes não sabemos se somos
nós que nos movimentamos ou se é a terra por baixo dos nossos pés que
se move como uma esteira de cooper ou escada rolante. Os que agora
freqüentam a Assembléia de Deus, em sua grande maioria, são ex-
católicos. Amanhã talvez, os encontraremos no terreiro de Candomblé. Os
referenciais perdem rapidamente sua importância, e os explicadores únicos
seu significado (SUESS, 1995 p. 07).
Prestes-Filho em suas considerações mais importantes relata que nos
documentos adventistas que tratam de missões há uma representação homogênea
dos povos indígenas. Esses eram apresentados como se estivessem pedindo
“ansiosamente” pela presença de missionários, pois seriam carentes de “civilização”.
A elaboração do discurso religioso adventista durante as primeiras
décadas do século XX respondeu a uma lógica “civilizatória” e “expansionista”,
manifestação de um discurso representativo de várias tendências políticas e
ideológicas nos países onde atuou que buscavam articular o povo indígena à
dinâmica econômica nacional. Segundo os adventistas, o processo evangelizador
está no estímulo do processo de conversão entre os mais jovens da comunidade
Karajá.
Apologéticos, os adventistas entre os períodos de 1980 até o presente
momento assumem diversas contradições no trabalho entre os índios. Afirmações
estas de Prestes-Filho (2007) que apresenta os estudos de Pinheiro no período que
Pr. Calebe esteve entre os Karajá. Utilizou grandes investimentos da Igreja para
realizar um proselitismo mais intenso, contribuindo assim para a realização dos
diversos batismos já mencionados.
Mas, com a expulsão dos missionários adventistas da Aldeia de Santa
Izabel, os karajá deixaram de se declarar adventistas nesse período. Os impactos da
75
realização missionária foram insignificantes aos olhos dos adventistas que tinham
muito interesse no alto controle religioso e social dessas comunidades.
Diferentes textos produzidos pelos missionários da IASD sobre povos
indígenas da América do Sul foram vistos e analisados. Prestes-Filho (2007) assume
uma característica importante quando cita as cartas, os livros de memórias, as
biografias, os artigos em revistas, as imagens e muitos outros recursos e
referenciais.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O interesse karajá pelo processo civilizatório.
O estudo, o conhecimento e a formação (FUNASA, 1994).
O contato dos Karajá com os não indígenas tem acontecido através de um
processo de intermediação cultural. Os constantes confrontos revelam diversas
formas de agressões físicas e culturais ao povo Karajá. Existe uma luta muito
grande dos Karajá para a afirmação de seu povo, no que se refere a seu patrimônio
físico e cultural. na cultura karajá a arte, a dança, as vestes e sua tradição
milenar. no karajá a visão cósmica e seus grupos rituais. o valor do caçador,
do pescador, da mulher e do pajé karajá para o ensinamento do seu povo.
No âmbito de sua cultura encontra-se o mito, elemento fundamental para a
manutenção da cultura e autonomia de um povo. Desse modo, através do mito, os
Karajá lutam para preservar sua história, sua língua, ritual e tradições culturais. O
mito é utilizado na educação das crianças, dos jovens, preparando-os para a vida,
fazendo-lhes entender e respeitar suas principais entidades sagradas como o
Aruanã.
A intervenção do projeto missionário nessas comunidades mostra uma
história banhada de lutas, derrotas e frustrações.
Os adventistas em sua peregrinação tentaram e relutaram para convencer
os karajá de suas verdades evangelizadoras, através de seus projetos, relatos e
escritos.
77
Entre os adventistas, a recepção favorável dos índios foi interpretada
como indício de que Deus, em sua providência, estava guiando esse povo para que
saísse de sua “escuridão espiritual”. As histórias de sonhos e visões entre os índios
faziam sentido para os adventistas.
A literatura missionária acabou reinterpretando os relatos, criando mitos
que perduram. Os escritos de missionários, tanto nas revistas e livros como nas
cartas e diários, produziram um conjunto de representações que estimularam
petencostais, neopetencostais entre outros religiosos a se dedicarem a esse tipo de
atividade, considerada missionária por excelência.
O principal caso de missão indígena adventista no Brasil recebeu maior
espaço nesta pesquisa. O missionário escolhido foi Alvin Nathan Allen que,
conforme ficou esclarecido ao longo do texto, havia participado do início da missão
entre os Aymara no Peru, e conhecia muitos bem os relatos sobre os Davis Indians
(publicações adventistas nos Estados Unidos). Estava, dessa maneira, envolvido
com as representações que existiam sobre os povos indígenas. Ele possuía, a partir
de sua experiência de vida, expectativas sobre o possível sucesso de um projeto
missionário entre índios do Brasil.
A missão estabelecida em Piedade deveria alcançar principalmente os
karajá. O principal elo de Piedade com a “civilização” era Leopoldina. Desde a
primeira viagem de Allen ao Araguaia, havia expectativas de conversões e do
interesse dos índios pela presença adventista. No entanto, os registros de Allen
revelaram a indiferença dos karajá em relação ao proselitismo adventista.
Em termos religiosos, conforme o estudo antropológico sobre a
cosmologia karajá percebe-se que esse grupo é bastante tradicional em suas
práticas e rituais, o que representou uma barreira para qualquer tentativa de
missionamento.
Os karajá sempre estiveram em contato amistoso com os missionários,
mas não tomaram efetivamente a decisão de se unirem formalmente aos valores da
missão.
Outro ponto refere-se ao assistencialismo da missão adventista que no
contexto do Araguaia se mostrou muito frágil diante das demandas. A necessidade
de substituição dos missionários, a demora para a chegada de outros, de certa
forma desacreditavam as comunidades enfraquecendo a missão.
78
De qualquer modo, o projeto de missão indígena no Araguaia respondeu
aos interesses da Igreja na divulgação de uma imagem positiva nos centros
urbanos. O empenho para a realização da missão entre os índios pode ser em parte
explicado por essa visibilidade que a igreja poderia alcançar. No contexto brasileiro
que valorizava os discursos de integração nacional, o projeto “civilizador” adventista
atingiria seu objetivo de colaboração com os interesses da sociedade.
A missão conduzida por Allen no Araguaia, entre 1928 a 1934, teve um
alcance pequeno se comparado à influência católica no Baixo Araguaia, por
exemplo. A partir de 1934, as atividades missionárias adventistas no Araguaia
estagnaram. Porém, consolidou-se na literatura adventista brasileira, através de um
conjunto de representações sobre o Araguaia e os karajá, que se reproduziram por
vários anos. Essas imagens estimularam a retomada da missão nos anos 1950, com
os primeiros batismos e nos anos 1970, na aldeia Karajá de Fontoura.
Pode-se observar ainda, por meio de pesquisas em campo feitas por esse
trabalho, que cerca de 70 índios karajá foram batizados pelo pastor adventista
Calebe Pinho, segundo dados contidos nas publicações da igreja. Calebe e sua
esposa foram expulsos da comunidade pelos líderes karajás influenciados pelas
instituições locais e pela FUNAI.
A análise específica de cada caso de missão aqui apresentado demonstra
aspectos comuns no que se refere às representações sobre povos indígenas,
sobretudo quando se trata da idéia de associar os índios a um estado “selvagem”,
que deveria ser superado pela presença da “civilização”. Na primeira metade do
século, os relatos sobre missões entre índios possuíam significativa visibilidade nas
publicações da igreja.
Nas missões adventistas entre povos indígenas, não era comum
missionários permanecerem muitos anos no trabalho entre índios. Diferentemente
de missionários de outras igrejas, principalmente a católica, que permaneciam
muitos anos entre índios. Os adventistas geralmente dedicavam pouco tempo a essa
atividade, gerando uma alta rotatividade dos missionários. Os casais Stahl e Cott
são exceções. Allen possuía objetivos semelhantes ao procurar estabelecer uma
missão no Araguaia, mas seu período na região foi de poucos anos.
É importante destacar que o discurso religioso articula novas
representações sobre velhos temas. Isso quer dizer que muitas das representações
79
sobre os povos indígenas, construídas nas primeiras décadas do século, reverteram
até os anos recentes. Para todos os casos missionários analisados nesta pesquisa,
existem atualmente novos projetos, que buscam uma rearticulação da memória
missionária, para manutenção do ideal da igreja, de pregação da mensagem para o
“tempo do fim”.
Considera-se que no período de 1980 a 2000 houve uma crescente
permanência de protestantes nessas comunidades, enviados por instituições e
igrejas para trabalharem dentro de um caráter religioso e permanente, utilizando-se
das atividades produtivas, imprescindíveis à preservação ambiental e necessárias à
reprodução física e cultural da comunidade indígena. Houve um aumento da
população indígena e a introdução elementos culturais através dos meios de
comunicação.
A identificação e delimitação de suas terras foram facilitadas pela grande
quantidade de provas da antiguidade e da atualidade da presença indígena no local.
Da mesma forma, a utilização contemporânea da região em função de suas
atividades de subsistência, principalmente de excursões de pesca e coleta, constitui-
se fato público e notório.
A presença indígena no local é bom frisar esse ponto, além de antiga, é
intensa atualmente. A densa toponímia Karajá para a região que identifica cada
pequeno trecho da área com significado religioso e histórico, como também a
toponímia brasileira marca a presença Karajá na área. Em todos os mapas
existentes, há uma imensa ilha (Ilha do Bananal), que marca a presença das aldeias.
Os karajá atualmente se sentem motivados com seu cotidiano. Continuam
com suas festas como o hotohoky e o Aruanã. Seu rio sagrado, o Araguaia, é fonte
de seu sustento. Contam com o apoio da FUNAI para a manutenção de suas
escolas bilíngües e para agricultura e pecuária de subsistência. Quanto à saúde, a
FUNASA conta com um posto de saúde em São Felix do Araguaia para atender
as comunidades indígenas da Ilha do Bananal. Outro aspecto importante é com
relação aos direitos dos indígenas acima de 65 anos. Quase todos aposentam e
passam a manter parte de suas famílias com a aposentadoria e incentivos sociais
dos governos municipal, estadual e federal como bolsa família e transferência de
renda.
80
Quanto à Igreja Adventista do Sétimo Dia, essa tem hoje uma atuação
discreta em Santa Izabel do Morro e Fontoura. Conta com um pequeno grupo de
freqüentadores, porém, assíduos. Os cultos são realizados pelo pastor João Karajá,
citado nesse trabalho, em capitulo anterior, na pequena Igreja em Santa Izabel do
Morro.
81
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89
ANEXOS
90
Figura 1 Mapa da localização das comunidades Karajá as margens do Rio
Araguaia, 2009.
Figura 2 - Região dos principais projetos missionários adventistas entre povos
indígenas na primeira metade do século XX (PRESTES-FILHO, 2007).
91
Figura 3 Willian Miller precursor do movimento adventista no século XIX
(PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 4 James e Ellen White (PRESTES-FILHO, 2007).
92
Figura 5 Joshep Bates (PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 6 Missão Adventista no Araguaia, fotos tiradas por Alvin Nathan Allen do
alto da Escola Adventista em Santo Amaro (PRESTES-FILHO, 2007).
93
Figura 7 Sede da União Sul Brasileira da IASD, na capital de São Paulo.
(PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 8 - Leopoldina, às margens do Araguaia em 1927, foto de Alvin Allen.
(PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 9 - Chefe Karajá de Monteira e Alvin Allen. Imagem publicada pela Revista
Mensal, em março de 1928. (PRESTES-FILHO, 2007).
94
Figura 10 - Alvin Allen e crianças karajá. Imagem publicada pela Revista Mensal, em
março de 1928. (PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 11 - Meninas karajá. Foto de Alvin Allen (PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 12 Aruanãs. Foto de Alvin Allen (PRESTES-FILHO, 2007).
95
Figura 13 Alvin Allen em Leopoldina (PRESTES-FILHO, 2007).
Figura 14 Pequena índia filha de um casal Karajá da aldeia de Santa Izabel Morro.
Fonte: (FUNASA, 1994).
96
Figura 15 Anciã Karajá recebendo cuidados de agentes de saúde.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 15 Mulher Karajá cuidando de seu filho de 2 anos.
Fonte: (FUNASA, 1994).
97
Figura 16 Crianças ajudando pai na pesca.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 17 Aldeia de Santa Izabel Morro.
Fonte: (FUNASA, 1994).
98
Figura 18 Aruanãs reúne grupo ritual para cerimônias na aldeia.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 19 Boneca feita de cerâmica com a pintura feminina dos Karajá.
Fonte: (FUNASA, 1994).
99
Figura 20 Chocalho, instrumento musical utilizado em rituais Karajá.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 21 Colar de sementes, bijuteria Karajá.
Fonte: (FUNASA, 1994).
100
Figura 22 Chapéu feito de palha, cipó e penas, bijuteria Karajá vendida nas feiras
da comunidade. Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 23 Cesta usada como utensílio doméstico Karajá.
Fonte: (FUNASA, 1994).
101
Figura 24 Cesta para frutas e verduras.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 25 Jogo de cestas trabalhadas.
Fonte: (FUNASA, 1994).
102
Figura 26 Cestas para sementes e pequenos frutos.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 27 Bolsa para caça e pesca.
Fonte: (FUNASA, 1994).
103
Figura 28 Cesta para frutas e verduras.
Fonte: (FUNASA, 1994).
Figura 29 Aldeia de Santa Izabel Morro.
Fonte: (FUNASA, 1994).
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