A essência da representação, como da brincadeira, não é “fazer
como se”, mas “fazer sempre de novo”, é a transformação em hábito
de uma experiência devastadora. [...] É da brincadeira que nasce o
hábito, e mesmo em sua forma mais rígida o hábito conserva até o
fim alguns resíduos da brincadeira (BENJAMIN, 1996, p. 253).
Este conceito pode ser encontrado no exemplo de Daniil Elkonin que narra um
fato ocorrido com suas duas filhas, ainda crianças:
Num certo domingo, tive de ficar sozinho com as minhas duas filhas
em casa. Ambas estavam em idade pré-escolar e freqüentavam um
jardim-da-infância. [...] Líamos, desenhávamos, fazíamos
travessuras. Divertíamo-nos muito e aprontávamos até a hora do
almoço. Preparei-lhes o tradicional mingau de sêmola, que elas já
não suportavam. Negaram-se redondamente a comê-lo e nem
quiseram sentar-se à mesa.
Como eu não desejava estragar-lhes o humor, obrigando-as a
comer, propus brincarmos de “jardim-de-infância”. Aceitaram a idéia
com gosto. Vesti um guarda-pó branco e transformei-me em
educadora; elas puseram seus pequenos aventais para se
converterem em educandas. Começamos a brincar, repetindo o que
se faz nos jardins-de-infância: desenhamos; depois, fingindo que
punham seus agasalhos, passeamos, dando voltas ao redor da sala;
lemos; e por fim, chegou a hora do almoço. Uma das meninas
assumiu as funções de empregada e pôs a mesa. Eu. No meu papel
de educadora, ofereci-lhes o mesmo mingau. Sem o menor protesto,
mostrando-se até satisfeitas, comeram até ver o fundo dos pratos e
ainda pediram mais. Toda a sua conduta denotava um esforço para
parecer educandas exemplares, sublinhando com sua atitude que
me tinham por “educadora”, aceitando sem reclamar cada palavra
minha e tratando-me com grande respeito. As relações entre filhas e
pai transformaram-se em relações entre educandas e educadora, e
as relações das irmãs, em relações entre educandas. As ações
lúdicas eram sumamente abreviadas e sintetizadas: o jogo durou
meia hora no total (ELKONIN, 1998, p. 1 e 2).
Neste cenário narrado por Elkonin, podemos compreender a singularidade do
jogo na representação das crianças: valores, preferências e vontades do
indivíduo se modificam quando estão inseridos no ambiente de jogo. O sujeito
representa seu papel de acordo com o que julga o mais adequado para isso,
contrariando, em determinados momentos ou situações suas atitudes quando
assumidas na vida real. Com isto podemos notar que o jogo, em seu caráter
lúdico, possibilita a exploração de novos limites, percepções e desejos. E,