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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Adriana Kei Ohashi Sato
Imaginário e Design: Resignificação do Jogo Eletrônico por
meio da Linguagem Expressiva
São Paulo
2007
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Adriana Kei Ohashi Sato
Imaginário e Design: Resignificação do Jogo Eletrônico por
meio da Linguagem Expressiva
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de mestre
no Curso de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação, Arte e História da
Cultura da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Professor Orientador: Dr. Paulo Roberto Monteiro de Araujo
São Paulo
2007
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S253i
Sato, Adriana Kei Ohashi
Imaginário e design: resignificação do jogo eletrônico por
meio da linguagem expressiva / Adriana Kei Ohashi Sato–
São Paulo, 2007.
183 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2007.
Orientação: prof. Dr. Paulo Roberto Monteiro de Araujo.
Bibliografia: f. 176-183.
1. Cultura. 2. Imaginário. 3. Resignificação. 4. Design.
5. Videogame. 6. MMORP. 7. Ambiente Virtual I. Título.
CDD 306.01
Adriana Kei Ohashi Sato
Design e Imaginário: Re-significação do Jogo Eletrônico por
meio da Linguagem Expressiva
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de mestre
no Curso de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação, Arte e História da
Cultura da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Aprovado em __/__/ 2007
BANCA EXAMINADORA
______________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Monteiro de Araujo
______________________________
Prof. Dr. Marcos Risoli
______________________________
Profa. Dra. Mônica Cristina Moura
Ao meu amor, companheiro de todos
os momentos, por seu carinho, e
paciência; e aos meus pais por seu
apoio e constante presença em minha
vida.
6
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Roberto M. de Araújo por sua conduta, sua
dedicação, seu incentivo e orientações ao longo do processo de aprendizagem
e escritura desta pesquisa.
À todos os professores do programa de Mestrado pelos debates e aulas que
muito me motivaram a prosseguir com a atividade acadêmica.
Aos amigos Alexandre Santaella Braga, Henrique Sobral, Paulo Antonio Costa
e Sérgio Nesteriuk Gallo por nossas conversas e articulação de pensamentos.
À profª. Dra. Mônica Cristina Moura por sua disposição e contribuição neste
trabalho.
Ao Edson Brandi que muito contribuiu com sua disposição para o debate sobre
jogo de MMORPG.
7
“Como crianças, todos nós vivemos em um
mundo de imaginação, de fantasia; e para
alguns de nós, esse mundo do faz-de-conta
continua na vida adulta.”
(Jim Henson)
8
RESUMO
A presente pesquisa procura analisar o design como objeto gerador de
respostas às expectativas do usuário (jogador) a partir do imaginário coletivo.
Por sua vez, este imaginário, tem a sua origem em um determinado contexto
sócio-cultural. Considerando o homem como um ser simbólico, este busca o
sentido para sua existência por meio da atribuição de significados aos objetos.
Tais significados são interpretados pela sociedade criando seus valores,
comportamentos e referenciais culturais. Ao longo deste trabalho são
apresentados conceitos fundamentais sobre o design e sua presença no
contexto sócio-cultural, sendo o design, a linguagem que interpreta e
resignifica, a partir do imaginário coletivo, um jogo eletrônico.
Palavras-chave: Cultura. Design. Imaginário. Resignificado. Ambiente virtual.
Mídia digital. MMORPG. Videogame.
9
ABSTRACT
This work intends to analyze design as the object that generates answers to the
user's (gamer's) expectations based on the collective imaginarium. In turn, this
imaginarium originates in a specific social-cultural context. Considering men as
symbolic beings, they look for the reason of their existence by attribuing
meaning to objects. Those meanings are interpreted by society, creating values,
behaviors and cultural references. This work presents fundamental concepts
about design and its presence in the social-cultural context, being design the
language that interprets and re-signify the electronic game based on the
collective imaginarium.
Keywords: Culture. Design. Imaginarium. Resignify. Virtual atmosphere. Digital
media. MMORPG, Videogame.
10
LISTA DE FIGURAS
Fig. (1) –
Apontador de lápis, Raymond Lowe, 1993
......................................................41
Fig. (2) –
Projeto de automóvel Nº 8, Norman Bell Geddes
...........................................41
Fig. (3) –
Capa de livro Memphis, The New International Style, 1981
..........................43
Fig. (4) –
Estante Carlton para Memphis, Ettore Sottssas, 1981
...................................43
Fig. (5) –
Koi Morph, Julia Boettcher, 2004
...................................................................... 45
Fig. (6) –
Koi, tennis, 2007
.................................................................................................45
Fig. (7) –
Typography in the Sky, Lisa Rienermann, 2004
............................................. 47
Fig. (8) –
Billys´s got Robot Legs, Noan Toram, 2007
.................................................... 48
Fig. (9) –
Stolen Jewels, Mike e Maaike, 2007
................................................................ 49
Fig. (10) –
Donkey Kong, 1981
........................................................................................105
Fig. (11) –
Myst, 1993
.......................................................................................................108
Fig. (12) –
Cenário de Myst, 1993
...................................................................................110
Fig. (13) –
Link em The Legend of Zelda: The Wind Waker, 2003
..............................111
Fig. (14) –
Interface gráfica em The Legend of Zelda: The Wind Waker, 2003
......... 112
Fig. (15) –
The Legend of Zelda: Twilight Princess, 2006
. ........................................... 113
Fig. (16) –
Um dos labirintos de C.R.U.S.H
...................................................................118
Fig. (17) –
Exemplo de vista 2D em C.R.U.S.H
.............................................................119
Fig. (18) –
Exemplo de vista 3D em C.R.U.S.H
.............................................................119
Fig. (19) –
Exemplo de nave (crusader) em EVE
.......................................................... 153
Fig. (20) –
Lista de implantes na personagem
............................................................... 154
Fig. (21) –
Interface com mapa e rota de viagem espacial
........................................... 155
11
Fig. (22) –
Constelações e localização de impérios
......................................................156
Fig. (23) –
Avatar da personagem Ammasanni
.............................................................157
Fig. (24) –
Painel demonstrativo das camadas de uma nave
...................................... 159
Fig (25) –
Concept art de nave para EVE
(características de uma lula marinha).
........................................................................160
Fig. (26) –
Concept art de nave para EVE
(características de um gafanhoto).
................................................................................ 161
Fig. (27a) –
Nave de EVE (formato de um casco de besouro).
....................................161
Fig. (27b) –
Nave de EVE (formato de um casco de besouro).
....................................161
Fig. (28) – Interface de contrato .........................................................................................163
Fig. (29) –
Detalhe de Interface de controle da nave
.................................................... 168
Fig. (30) –
Plataforma de pouso do EVE
........................................................................170
12
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................13
1. Prelúdio: do Imaginário ao Jogo por meio da Linguagem Design.................19
1.1. Sociedade e Imaginação:
A Construção do Imaginário..............................................................................21
1.2. Design, Cultura e Resignificação:
Abertura para a Construção da Subjetividade...................................................29
1.3. O Jogo no Contexto Sócio-Cultural e seu Caráter Lúdico..........................51
2. A Linguagem Digital: Ambientes Virtuais e Suas Características..................64
2.1. Tecnologia e Mídia Digital...........................................................................67
2.2. Hipermídia...................................................................................................72
2.3. Hipermídia e Design...................................................................................80
2.3.1 Interface.........................................................................................83
2.3.2 Interação........................................................................................88
2.3.3. Imersão.........................................................................................93
3. O Universo do Jogo Eletrônico......................................................................97
3.1. Jogo Eletrônico:
Videogame e Seus Ambientes Interativos e Imersivos......................................98
3.2. Mecânica de Jogo e Jogabilidade: O Gameplay......................................121
4. Eve In Deep................................…………………………………..................129
4.1. RPG e MMORPG: Características Significativas……….…......................131
4.2. EVE Online: um Estudo de Caso..............................................................142
4.2.1. A história de EVE........................................................................143
4.2.2. Analisando os Elementos e Aspectos do Jogo...........................152
Considerações Finais......................................................................................172
Bibliografia.......................................................................................................176
13
Introdução:
A presente dissertação tem como perspectiva epistemológica a história da
cultura. Deste modo, as análises desenvolvidas aqui partem das relações
sócio-culturais, bem como do horizonte simbólico, onde ocorrem as referidas
relações. No universo sócio-cultural, o homem interpreta os diversos símbolos
que tal universo lhe oferece, resultando em um imaginário que agrega tanto o
indivíduo como a coletividade.
Foi no contexto da imaginação como resultado das interpretações humanas do
seu universo simbólico que buscamos o nosso arcabouço conceitual para
desenvolver a nossa pesquisa sobre o design. Eis o motivo de considerarmos o
design não apenas como resultado da técnica, mas também, como expressão
da interpretação das imagens criadas no contexto das relações sócio-culturais
ao longo da história da cultura.
Além disto, o design incorpora valores estéticos e funcionais, e desenvolve-se
tendo em vista as necessidades do usuário, contemplando tendências, se
renovando frente às questões de ordem cultural, econômica, social e
tecnológica. O design ganha forma através de um objeto, elaborado por um
sujeito (designer) para outro (usuário). O design é analisado nesta dissertação
como expressão interpretativa do designer das relações sócio-culturais. No
entanto, o nosso foco maior é no processo de resignificação que o designer
propõe ao elaborar novos projetos de design através de jogos. São esses jogos
que expressam as raízes culturais que ancoram as interpretações do designer
14
como sujeito que cria novos designs. A nossa dissertação pretende mostrar
como o jogo é resultado de uma interpretação feita pelo designer da sua
cultura, e que ao fazê-la a resignifica por meio de propostas simbólicas no
objeto, isto é, no próprio jogo.
Atualmente, uma maior consciência que o design está em constante diálogo
com seu meio, ou seja, ele estabelece, através do objeto, uma codificação e
decodificação com o usuário (sujeito: em sua individualidade), com um grupo
de usuários ou ainda, entre eles. Assim como no universo da arte, existe uma
especial necessidade de o indivíduo elaborar formas significativas para os
objetos criados esteticamente, acontece o mesmo no campo do design. Nesta
dissertação, nós também abordamos o design em seus aspectos expressivos
na contemporaneidade mais precisamente, apontando sua fluidez nos meios
de comunicação, associados à tecnologia e ao ambiente virtual. Esta nova
configuração do design aponta para o conceito de hibridização das mídias,
resultando no design de hipermídia. Neste novo ambiente virtual, a
comunicação se estabelece com novas possibilidades de interação, por meio
da percepção e interpretação verbal, visual, sonora, textual e tátil.
O jogo no contexto sócio-cultural apresenta-se como elemento da cultura
humana. Desta maneira, o jogo, como objeto de design, é formalizado a partir
da interpretação dos elementos simbólicos e expressivos existentes no seio
sócio-cultural. A escolha da fundamentação acerca do jogo inserido neste
contexto sócio-cultural por meio de Johan Huizinga deu-se em virtude de ser,
Huizinga, um dos primeiros autores a estabelecer esta relação em seu livro
15
Homo Ludens (1938). Huizinga é um dos autores mais relevantes neste
trabalho, pois é o pensador que norteará a idéia de jogo na cultura. Foi a partir
de Huizinga que outros autores no campo das ciências humanas e do design
desenvolveram com mais profundidade tal concepção. Podemos citar, no caso,
Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método, Roger Caillois com Man, Play
and Games, Katie Salem e Eric Zimmermann em Rules of Play, dentre outros.
Aqui também é importante constatar universo, sendo utilizado como exemplo
da cultura, do comportamento e do relacionamento ao longo da existência
humana. Este universo é diretamente ligado ao campo do design visto que é
por meio do designer que o jogo como objeto pode ser proposto e projetado.
Assim, não como separar o design de seu caráter interdisciplinar como
aponta Gustavo Amarante Bomfim em seu artigo Fundamentos de uma Teoria
Transdisciplinar do Design: morfologia dos objetos de uso e sistemas de
comunicação.
Para elaborar uma investigação acadêmica entre a relação do imaginário e o
design, aplicados no jogo de MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-
Playing Game), é relevante a compreensão desse contexto histórico sócio-
cultural, seus sistemas simbólicos e principalmente, seus significados para uma
determinada sociedade e as resignificações propostas pelo designer.
Importante também é o entendimento de questões semânticas, de significação
e de valorização simbólica dos objetos. Aliás, o entendimento da valorização
simbólica se intensifica na contemporaneidade, ganhando importância no
interior da vida sócio-cultural. Estes conceitos podem ser observados no estudo
de caso, analisando o MMORPG: Eve-Online.
16
A escolha MMORPG ocorreu pela razão de que, diferentemente do RPG de
mesa, ele oferece ao usuário (jogador), uma determinada estrutura imaginária,
que é pré-estabelecida pelo designer cuja origem se encontra na coletividade,
compreendida como forma social de expressão cultural. Da importância da
coletividade para o design, pois ela é a base de sustentação dos processos
imaginários para a construção da linguagem expressiva. Por outro lado, apesar
da importância da coletividade, o design tem também um caráter subjetivo, pois
sua construção de linguagem é proposta por um sujeito (designer) que
interpreta o imaginário coletivo, re-elaborando-o sob a forma de objeto (jogo)
para um usuário.
O MMORPG permite o desenvolvimento das experiências particulares de cada
jogador, por meio de suas escolhas pessoais dentro dos limites do jogo
(regras). Também propicia experiências através da interação com outros
jogadores (participação coletiva). Estas experiências vivenciadas pelos
jogadores resultam num aprendizado particular e coletivo. Este aprendizado
por sua vez, possibilita novas realizações dentro do jogo, sendo uma
característica importante em jogos de RPG. A partir das metáforas dos objetos,
no jogo de MMORPG produz-se uma ligação que permite a troca de
experiências entre duas pessoas ou entre grupos distintos. Sob este aspecto,
cabe então ao designer, atender a fatores sócio-culturais como, por exemplo, a
experiência individual, a troca, a interação. Desta forma, pretende-se investigar
o design como gerador de uma resposta às expectativas do usuário (jogador) a
partir do imaginário coletivo. Por sua vez, este imaginário, tem a sua origem na
cultura de uma determinada sociedade e no seu modo de ser. Ao longo da
17
pesquisa serão apresentados conceitos fundamentais sobre o design e sua
presença na cultura contemporânea.
No primeiro capítulo, uma abordagem do contexto sócio-cultural busca
compreender as relações sócio-culturais com o indivíduo e sua percepção da
mesma. Pretende-se estabelecer o vínculo do indivíduo (sujeito) com a
sociedade, seus valores e seus pares. A partir destes vínculos, um
aprofundamento sobre as relações e produções de símbolos e significados da
cultura na sociedade e a formação e compreensão do imaginário coletivo e da
resignificação. Também, serão abordados os conceitos de jogo de forma mais
ampla, pelo viés da filosofia, sociologia e antropologia. A pesquisa dará, ainda
neste capítulo, um enfoque à relação do design contemporâneo com o
imaginário e sua interpretação do mesmo, na apresentação de um objeto (jogo)
como resultado desta interpretação.
No segundo capítulo serão analisadas as características da linguagem das
mídias digitais interativas e os ambientes virtuais. Esta análise estará focada na
hipermídia e seus elementos mais significativos como a interface, a interação e
a imersão, bem como suas características.
No terceiro capítulo, o estudo será focado nas definições de jogos eletrônicos
(videogames) e suas características de hipermídia e suas especificidades.
Ainda, será apresentado o conceito de gameplay sob o ponto-de-vista do
jogador e sob o ponto-de-vista do designer.
18
O último capítulo (quatro) desta pesquisa apresentará os conceitos dos
gêneros MMORPG (e do RPG), pois se trata do gênero do jogo escolhido como
objeto de estudo. Neste capítulo, serão apontadas as características do jogo
Eve-Online, desenvolvendo uma análise deste MMORPG, a fim de demonstrar
as articulações e considerações realizadas nos capítulos anteriores.
Nas considerações finais, serão apontados os conceitos mais pertinentes neste
trabalho e suas implicações no objeto analisado, o jogo eletrônico MMORPG.
A relevância desta pesquisa está calcada na necessidade de conscientizar o
designer em relação a resignificação do imaginário, por meio do jogo. Deste
modo, a presente pesquisa desenvolve uma análise conceitual sobre o
designer como agente de produção cultural (elaboração de games), a partir de
suas escolhas (subjetivas) dentro de contextos e parâmetros sócio-culturais
(coletivos). A importância acadêmica e social do nosso trabalho está então, em
se contrapor à idéia tradicional do designer que se limita à elaboração técnica
de objetos para os usuários; deixando de lado o contexto sócio-cultural e o
imaginário coletivo. Também é relevante apontar a interdisciplinaridade contida
na construção deste imaginário bem como na construção do pensamento
reflexivo e da interpretação dos objetos no contexto do indivíduo e do próprio
designer em sua atividade projetual e seu resultado neste caso, o jogo.
19
1
Prelúdio: do Imaginário ao
Jogo por meio da Linguagem do Design
20
1. Prelúdio: do Imaginário ao Jogo por meio da Linguagem do
Design
Este capítulo tem como objetivo analisar os conceitos acerca do contexto
sócio-cultural para verificar as determinações relacionais entre a identidade
individual, o imaginário coletivo e o design como linguagem expressiva. O
designer resignifica objetos que ele cria, como por exemplo, o jogo.
O design está diretamente ligado ao imaginário coletivo. Segundo Denise
Portinari,
[...] podemos entender o trabalho do Design como uma atividade de
criação e recriação da própria resignificação, efetuada através das
“coisas”. Nesse sentido podemos dizer que o imaginário não só
“permeia” a atividade do designer, em todos os níveis, mas que,
mais radicalmente, o imaginário constitui a própria matéria que é
trabalhada por essa atividade: a sua matéria-prima”. (PORTINARI,
1999, p. 97).
Portinari nos mostra como o imaginário está intrínseco ao design, pois sem
este, não haveria possibilidade de se oferecer respostas projetuais aos
usuários. Ou seja, é a partir do imaginário que o designer constrói suas
respostas às expectativas do sujeito, seus anseios e necessidades. Pois é
neste imaginário onde se encontra a fonte para a identificação, reconhecimento
e interpretação do usuário em relação aos objetos que estão à sua volta e dão
sentido à sua existência.
É relevante apontar que o conceito de jogo, é compreendido sob diversas
manifestações, seja analisado pela área das ciências humanas, seja analisado
pela comunicação ou pela psicologia. Na antropologia, o jogo é apontado como
21
a representação de aspectos e comportamentos estabelecidos e identificados
na coletividade. na psicologia, como expressão decorrente de uma
interpretação do indivíduo. Além destas perspectivas, podemos compreender o
jogo como uma estilização da vida, das atitudes, do comportamento e dos
valores de uma determinada sociedade. Eis o motivo de o jogo estar presente
nas sociedades, sejam elas antigas ou contemporâneas.
1.1. Sociedade e Imaginação: A Construção do Imaginário
Em uma determinada sociedade é possível identificar a existência de uma
imaginação coletiva e a formação do imaginário a partir do contexto sócio-
cultural dessa sociedade. É nesse contexto sócio-cultural que se estabelecem
o sistema simbólico e seus significados, passando por interpretações e
transformações de acordo com as mudanças dessa sociedade. A seguir,
verificamos como esses significados emergem e suas contribuições para a
construção do imaginário coletivo.
Peter Burke, pesquisador contemporâneo da história da cultura, baseando-se
na teoria de De Certeau, compreende a sociedade como um agente
reformulador de significados:
[...] as pessoas comuns faziam seleções a partir de um repertório, criando
novas combinações entre o que selecionavam e, igualmente importante,
colocando em novos contextos aquilo de que haviam se apropriado (BURKE,
2005, p. 103).
Burke mostra que ao longo da história cultural, as pessoas sempre buscaram
uma individualização e significados próprios a partir do contexto em que viviam.
22
Estes significados, ao serem absorvidos ou incorporados pela sociedade,
expressando-se por meio das atitudes, dos comportamentos coletivos e dos
valores dos indivíduos. Esses novos significados geravam contribuições
representacionais se tornavam elementos de referência cultural a uma
determinada sociedade e, conseqüentemente, signos para essa mesma
sociedade.
Dando prosseguimento ao pensamento de Burke, Roland Barthes (2006) nos
mostra que o signo é compreendido como uma representação simbólica que
pode ser verbal, gráfica, material ou gestual. Portanto, verificamos que cada
sociedade possui seus signos cujos significados, ao longo de suas associações
feitas pelos indivíduos, foram aprendidos e incorporados. Ainda, segundo
Barthes (2003, p.46), “a consciência simbólica implica na imaginação de
profundidade” que se encontra nas linguagens expressivas como, por exemplo,
nas artes. Tal consciência gera um significado que pode ser extraído de uma
interioridade (no caso, do sujeito que está a propor um significado) ou da
história de uma sociedade. Barthes ainda afirma que esta consciência
simbólica “é a recusa da forma; no signo, é o significado que interessa” (Ibid, p.
46).
Isto ocorre porque o signo, antes de ser compreendido nada representa ao
indivíduo. O signo passa a simbolizar algo a partir do momento em que ele
possui um significado compreendido pelo sujeito. Por isso, a forma no signo
possui validade quando vem associada a um conteúdo (significado).
23
É por meio de Ernst Cassirer que podemos analisar com maior amplitude estas
propriedades do signo:
[...] o signo possui uma significação ideal que, como tal, persiste. Ele
não é, como a simples sensação dada, algo particular e único,
representando, ao invés, uma totalidade, um conjunto de conteúdos
possíveis, e é em face de cada um deles que ele representa, portanto,
uma primeira universalidade (CASSIRER, 2001, p.36)
Esta significação está diretamente ligada a uma expressão cultural que permite
uma determinada interpretação.
Sendo assim, podemos dizer que cada
sociedade, de acordo com seus valores e referenciais, produz signos distintos
que podem ser interpretados de maneiras diferentes nas diversas sociedades.
O signo, além de ser uma extensão do indivíduo, participa de suas relações
sociais como elo de comunicação e expressão. Isto é, o indivíduo se apropria
de um signo por meio de um objeto para projetar sua imagem individual à
sociedade.
Hans-Georg Gadamer, filósofo contemporâneo, também discorre acerca das
propriedades do signo. Ele aponta que
[...] a existência do signo não possui consistência se não em algo
outro, que enquanto coisa-signo é ao mesmo tempo algo por si
mesmo, possuindo seu próprio significado, um significado diferente
do que tem enquanto signo. Nesse caso afirma-se que o signo
recebe seu significado em sua relação com um sujeito receptor do
signo [...] (GADAMER, 2004, p. 534)
Gadamer pretende nos mostrar que o signo estabelecido por uma designação,
separadamente do sujeito, tem uma função indicativa; indica algo a alguém que
possa ser identificável. Porém, a despeito de sua indicação representativa,
passa a ter outro significado conforme a interpretação do sujeito. Ao utilizar o
24
termo signo-coisa, o pensador está se referindo ao signo por si, antes da
interpretação deste, pelo indivíduo. O signo é na verdade, distinto de seu
significado, conforme o indivíduo que compreende seu conteúdo. Este
conteúdo é o significado que pode variar conforme as possibilidades
interpretativas do signo.
Por meio de Giulio Carlo Argan, encontramos um pensamento que exemplifica
o conceito apresentado por Gadamer de uma maneira mais evidente:
Não é possível pensar o objeto separadamente do sujeito: o sujeito é
o sujeito porque coloca a realidade como outra e distinta de si, o
objeto é objeto apenas porque é assumido e pensado pelo próprio
sujeito (ARGAN, 1998, p. 252)
Segundo Argan, o objeto por meio de seu signo é compreendido e utilizado
pelo sujeito quando seu significado passa a fazer sentido para o sujeito. O
objeto torna-se objeto porque se relaciona com o sujeito. Do contrário,
permanece coisa destituída de compreensão, ou seja, permanece o signo-
coisa definido por Gadamer cuja interpretação do significado não ocorreu e
portanto não pertence ao universo simbólico do sujeito.
Gustavo Amarante Bomfim, pesquisador em design, também possui uma idéia
sobre a relação do objeto com o sujeito, em um determinado contexto:
[...] o objeto, entendido como “coisa”, “fato”, “representação”,
“conceito`” “pensamento” etc., existe dentro dos limites de nossas
experiências, de nosso conhecimento e de nossas linguagens.
Assim, as características de um objeto são, na verdade, as
interpretações subjetivas que dele fazemos. (BOMFIM, 1997, p. 37)
25
Ao afirmarem que o objeto somente existe porque tem um significado para o
sujeito (indivíduo), verificamos que o homem necessita constantemente dar
sentido às suas realizações e desejos que lhe conferem uma identidade e
dignidades humanas. Daí o objeto aparecer como um resultado da
compreensão do homem acerca de suas necessidades e desejos. Seguindo
por este princípio, encontramos nos estudos de Paulo Roberto M. de Araujo
acerca de Charles Taylor, a seguinte afirmação:
A interpretação de si mesmo, possibilita aos agentes se voltar para a
construção da identidade que aparece como aquilo que está em jogo
em termos interpretativos. Em outras palavras, é no jogo das
diversas interpretações que se constrói a identidade (ARAUJO,
2004, p. 24)
Araujo refere-se à relação da linguagem como meio expressivo do indivíduo.
Este indivíduo tem a necessidade de interpretar-se para desenvolver formas de
linguagem com as quais poderá se expressar no espaço público e criar
referências identitárias para si. O autor faz esta análise acerca da
interpretação a partir das teses de Charles Taylor, referentes ao homem como
um animal que interpreta a si mesmo. Deste modo, o trinômio: entendimento -
sentimento significação, resulta na ação humana. Assim, complementa
Araújo (2004, p.23), “agindo, o indivíduo procura articular formas significativas
para expressar valores”. Tais valores fazem parte da base cultural da
sociedade. Verificamos, portanto, que estes valores devem ser condizentes
com as referências significativas para a sociedade, da qual o indivíduo
participa.
[...] para uma expressão se tornar compreensível é preciso que os
outros participem de seu sentido, e para que isso aconteça, os
indivíduos m de reconhecer tal expressão, a princípio, naquilo que
26
foi expresso por meio de elementos lingüísticos ou signos comuns a
todos (Ibid, p. 27).
Notamos que para Araujo, os signos de uma sociedade são constituídos a
partir de uma escolha e manifestação individual inicial, passando por uma auto-
interpretação do indivíduo e sua expressão na sociedade. Por outro lado, a
expressão é também interpretada e compreendida pela sociedade
(coletividade)., que a torna simbólica e comum à todos aqueles que fazem
parte de uma mesma comunidade. Deste modo, podemos compreender mais
claramente que o objeto citado por Argan e por Bomfim, não poderia existir se
não fosse o resultado interpretativo do próprio homem que lhe significado
tanto particular como coletivamente.
Outro pensador como o filósofo alemão Cassirer aponta a relevância de se
compreender o ser humano como um ser simbólico. Ele ressalta, para isso, que
o sistema simbólico é uma característica particular do homem. Segundo o
filósofo, é esse sistema que opera na transformação do conjunto da vida
humana, ou seja, esse sistema simbólico é o responsável pela linguagem da
imaginação poética e pela linguagem emocional, inerentes às sociedades.
[...] O homem não pode fugir à sua própria realização. Não pode
senão adotar as condições de sua própria vida. Não estando mais
num universo meramente físico, o homem vive em um universo
simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse
universo. Todo o progresso humano em pensamento e experiência é
refinado por essa rede e a fortalece. O homem não pode mais
confrontar-se com a realidade imediatamente; não pode vê-la, por
assim dizer, frente à frente. A realidade física parece recuar em
proporção ao avanço da atividade simbólica do homem. (CASSIRER,
2005, p.50)
Verificamos nesta afirmação de Cassirer que o ser humano passa a
compreender sua própria realidade a partir dos elementos simbólicos
27
estabelecidos por ele. Isto é, o homem é um animal simbólico que busca dar
significado às coisas, tornando-as reais. Conseqüentemente, compreendemos
que Cassirer nos aponta um sistema de pensamento relacional que é exclusivo
ao ser humano. Este sistema diz respeito, especificamente, à elaboração pelo
homem de formas simbólicas.
Erwin Panofsky, segue seu raciocínio a partir da idéia de Cassirer e suas
formas simbólicas ressaltando que:
O homem é, na verdade, o único animal que deixa registros atrás de
si, pois é o único animal cujos produtos “chamam à mente” uma idéia
que se distingue da existência material destes. Outros animais
empregam signos e idéiam estruturas, mas usam signos sem
“perceber a relação de significação” e idéiam estruturas sem
perceber a relação de construção. (PANOFSKY, 2002, p. 23).
Verificamos que estabelecer uma significação ao seu signo é um sistema
relacional onde a idéia é distinta da expressão deste signo. A idéia torna-se,
portanto, um símbolo ao ser interpretado pelo ser humano. Panofsky está a
considerar que somente o homem é capaz de interpretar signos distinguindo-se
dos demais animais por estabelecer uma relação construtiva com a
significação. Isto é, somente para o homem o signo possui um significado
interpretado e compreendido que resulta em um valor simbólico.
Para melhor compreender este conceito, retomamos Cassirer:
É inegável que o pensamento simbólico e o comportamento
simbólico estão entre os traços mais característicos da vida humana,
e que todo o progresso da cultura humana está baseado nessas
condições (CASSIRER, 2005, p.51).
28
Apesar de a experiência humana ser individual, o indivíduo participa de uma
coletividade social, gerando formas de compreensão também coletivas no que
se refere aos aspectos culturais e históricos. O autor associa esse sistema de
transformação à linguagem da imaginação poética e à linguagem emocional.
Segundo Cassirer, o homem é um ser
1
simbólico e não somente racional, pois
a razão não compreende a vida cultural humana em toda sua extensão e
somente faz sentido quando imbuída de valores de uma linguagem expressiva.
Podemos, sob estes pontos apresentados, considerar que o imaginário
2
coletivo se origina a partir das referências num dado contexto sócio-cultural, em
uma determinada época. O imaginário é resultante da expressão, interpretação
e significação individual e coletiva. Este imaginário pode permanecer e
sobreviver aos períodos ao longo da história da sociedade e pode também,
modificar-se, transformar-se, conforme as mudanças ocasionadas nessa
sociedade.
Após os pensamentos e considerações apresentados até o momento,
analisaremos o design e sua participação na cultura onde poderemos verificar
a característica subjetiva do design, ao resultar na resignificação da
interpretação do designer do imaginário coletivo.
1
Cassirer utiliza a expressão animal simbólico.
2
Embora os autores citados não trabalhem com a definição de imaginário, o que se pretende
neste capítulo é estabelecer uma fundamentação para o imaginário a partir dos conceitos
abordados, com a finalidade de compreender o ponto de partida para a interpretação de um
contexto sócio-cultural pelo sujeito e a re-significação deste por meio de objetos propostos pelo
design.
29
1.2. Design, Cultura e Resignificação: A Abertura para a Construção da
Subjetividade
Pierre Lévy, um estudioso do ciberspaço, traz uma definição abrangente da
cultura de uma sociedade. O autor aponta que
Uma cultura é bem, pois, uma rede de correspondência entre
sistemas simbólicos, à condição de se acrescentar que uma tal rede
constitui a dimensão do sentido dos seres humanos que atualizam
essa cultura. Os coletivos humanos secretam, reparam, adaptam e
transformam constantemente os sistemas simbólicos que lhes
permite fazer sentido e, pois, viver (LÉVY, 2000, p. 22)
Esta relação que Lévy estabelece entre a cultura e os sistemas simbólicos
corroboram com as considerações de Cassirer a respeito do ser humano e sua
sociedade. Para compreender-se como um indivíduo pertencente a uma
determinada sociedade, este indivíduo necessita estabelecer nculos
compreensivos de seus símbolos com seu meio. Assim, os sistemas simbólicos
delimitam ou, esboçam contornos da cultura de uma sociedade. Somente com
um sistema simbólico comum, compreensível a todos, os indivíduos
reconhecer-se-ão indivíduos de uma mesma sociedade e poderão interagir e
estabelecer relações entre si.
O design encontra-se dentro da cultura de uma sociedade, acompanhando-a
em suas transformações. Desta forma, muito se discute atualmente, o design
como linguagem que estabelece nculos entre os indivíduos e entre o
indivíduo e o objeto, resultando em uma produção cultural. Esta linguagem
possui uma faceta sintática e outra, semântica. Portanto, o design como
linguagem é embasado na estruturação e na significação. Esta significação
30
está diretamente ligada a uma expressão cultural que permite uma
interpretação determinada para um objeto, de acordo com os valores da
sociedade.
Sendo o design uma linguagem, encontramos na definição da designer Ana
Luisa Escorel a seguinte afirmação:
Como toda linguagem, o design possui, basicamente, duas
possibilidades de articulação: uma que se realiza no sentido
horizontal e que tem propriedades combinatórias, outra que se
realiza no sentido vertical, em profundidade, e que tem propriedades
associativas. As relações combinatórias determinam os aspectos
formais do produto; as relações associativas, seus aspectos
simbólicos. O significado do produto, como um todo, resulta na soma
desses dois aspectos ou eixos de significação (ESCOREL, 2002,
p. 64)
O que a autora está a analisar é o fato de que o design se constrói a partir de
articulações de informações objetivas (técnicas, materiais, produtivas, culturais)
gerando uma idéia que passará a ter valor simbólico quando possuir um
entendimento por parte do sujeito (consumidor/usuário), gerando um
significado específico. Neste caso, o sujeito busca, por meio da linguagem dos
objetos de design, sua própria linguagem e assim, sua expressão individual. O
design mantém-se em constante diálogo com seu meio, ou seja, estabelece,
por meio do objeto, uma codificação e decodificação com outro sujeito
(usuário), com um grupo social ou ainda, permite essa codificação entre eles.
Podemos considerar o design, portanto, uma linguagem fundada na
significação.
Gillo Dorfles (2002, p. 52) explica que “[...] quase todos os objetos industriais
[...] têm em si algumas qualidades formais que simbolizam suas ‘funções’”, ou
31
seja, “elementos semânticos aptos a torná-los mais facilmente identificáveis”.
Desta maneira, o design como linguagem tem a propriedade significativa de
contribuir com a satisfação emocional desse indivíduo ao transmitir emoções,
por meio dos elementos semânticos. São estes elementos semânticos do
objeto utilizado pelo indivíduo que estarão sendo interpretados por este
indivíduo e representarão parte de sua identidade diante de uma determinada
comunidade.
Nota-se que o design é formalizado por meio de um objeto, a partir de um
sujeito (designer) que fará essa interpretação de seu contexto, apresentando-o
para o outro sujeito (usuário). Este usuário, por sua vez, fará sua própria
interpretação do objeto, resultando em uma comunicação e, portanto em
linguagem.
Araujo nos mostra que a linguagem do ser humano se manifesta como uma
linguagem expressiva.
A linguagem, ao expressar significados elaborados pelas práticas
humanas, faz com que o indivíduo agindo no espaço público ocupe-
se da sua constante maturação construtiva no que se refere às
novas articulações de sentido (ARAUJO, 2004, p. 24)
De acordo com o filósofo, o indivíduo encontra na linguagem expressiva a
forma de reconhecer-se e ser reconhecido como indivíduo perante a sociedade
na qual está inserido. Isto é, é por meio dessa linguagem que sua existência
passa a fazer sentido para si. Mais adiante, em suas colocações, ele afirma:
32
[...] para uma expressão se tornar compreensível é preciso que os
outros participem do seu sentido, e para que isso aconteça os
indivíduos m de reconhecer tal expressão, a princípio, naquilo que
foi expresso por meio de elementos lingüísticos ou signos comuns a
todos (Ibid, pág. 27).
Deste modo, ao estendermos esta idéia ao âmbito do design, verificamos que
este, assim como na lingüística, faz-se compreender porque é apresentado a
um determinado grupo de indivíduos que possuem as mesmas referências
simbólicas. Ou seja, estes indivíduos compartilham do mesmo significado para
determinados signos num dado contexto.
Bomfim apresenta uma definição acerca do design a partir de um consenso
entre várias definições, indo ao encontro de uma idéia da fundamentação do
design como linguagem expressiva:
Design é uma atividade, uma práxis que participa da configuração de
objetos, sejam eles bidimensionais, tridimensionais ou virtuais. Em
outras palavras, o designer dá forma (conforma) algo que antes
existia apenas no mundo das idéias, dos desejos, das necessidades;
ou trans-forma algo existente, incorporando novos valores,
tecnologias etc. [...]. O importante é considerar que o designer
configura artefatos, levando em consideração aspectos de natureza
produtiva, social, utilitária, cultural, política, ideológica etc. Esses
aspectos formam uma complexa trama de variáveis
interdependentes que medeiam a configuração dos objetos e
permitem diferentes interpretações sobre ela (BOMFIM, 2001, p. 25).
Além das questões sintáticas do objeto, adequadas ao processo tecnológico
vigente, não se deve desvincular as associações de valores agregados ao
objeto configurados pelo design, frutos de um reflexo sócio-cultural. Esta
interpretação à qual Bomfim se refere está justamente ligada à questão
cultural, à percepção do indivíduo dentro da sociedade e sua relação com o
objeto. Este objeto é também um elemento utilizado para uma projeção ou
identidade do sujeito nesse contexto sócio-cultural. O design em si é uma
33
linguagem que expressa aspectos interpretados nesse contexto sócio-cultural.
Não é à toa que Bomfim coloca o campo do design como um campo
interdisciplinar e, dadas as considerações das relações sócio-culturais e a
relação expressiva do objeto com o sujeito, o design também necessita da
transdisciplinaridade em seu campo.
[...] é possível afirmar que uma Teoria do Design não terá mais
campo fixo de conhecimentos, seja ele linear-vertical (disciplinar), ou
linear-horizontal (interdisciplinar), isto é, uma teoria do design é
instável. (BOMFIM, 1997, p. 29)
Para Bomfim, nessa instabilidade do design é que se configura a
transdiciplinaridade. Isto ocorre, pois, o design como campo de estudo e
prática, muitas vezes recorre a outros campos do conhecimento. Eis o motivo
de o designer transitar nesses campos a fim de compreender questões acerca
das mudanças, do comportamento, das necessidades e dos desejos do
indivíduo para o qual ele projeta. Desta forma o designer vai coletando
informações, refletindo, ampliando sua percepção, sua compreensão e
conseqüentemente seu repertório e sua experiência acerca do seu contexto
sócio-cultural.
Segundo Argan (1998, p. 252), “[...] é o design que promove uma coisa ao grau
de objeto e coloca o objeto como perfectível, ou seja, participante do finalismo
da existência humana”. Podemos entender que Argan refere-se à coisa como
algo que permanecerá neste estado enquanto não se encontrar no contexto de
utilização e interpretação do ser humano. Desta forma, é pertinente ao design
dar sentido ao objeto, estabelecendo-lhe um significado, transformando este
34
objeto em uma extensão do homem por participar de sua vida. Pode-se dizer,
então que, assim como o símbolo, o design é designador.
Rafael Cardoso Denis (1998, p.33) afirma que “[...] os objetos podem
adquirir significados a partir da intencionalidade humana.” É preciso
compreender que uma das atribuições do design é a de estabelecer uma
relação entre o objeto e o indivíduo. Verificamos, que o design tem sua origem
na coletividade, sendo esta a base de sustentação dos processos imaginários
para a construção da linguagem expressiva. Por outro lado, o design tem um
caráter subjetivo, pois sua construção de linguagem é proposta por um sujeito
(designer) que interpreta o imaginário coletivo, resignificando-o sob a forma de
objeto. Este objeto é o resultado dos processos imaginativos e interpretativos
individuais do designer acerca da coletividade do meio no qual ele vive. Daí a
subjetividade apresentada na caracterização do design.
Podemos considerar que resignificar é dar um novo significado ao objeto
alterando o conceito, a percepção ou interpretação original. Esta resignificação
está diretamente associada à capacidade (e necessidade) do ser humano em
constatar a mudança contextual à sua volta, refletindo e rearticulando tais
mudanças culturais, de valores, de costumes, de tecnologias e de relações
sociais. Resignificar é tornar coerente o objeto para o sujeito, sob um novo
ponto-de-vista, transformando-o para contexto vigente, sempre que esse
contexto modifica-se.
35
De acordo com Roland Barthes (2006) a significação possui o caráter de
função-signo em que, a partir de um signo constituído, este pode ser re-
funcionalizado pela sociedade, por meio de um processo de reunião do
significante (materialidade do objeto) e o significado (conteúdo semântico, isto
é, valor social atribuído ao objeto pelo sujeito).
Na medida em que se quer que o objeto corresponda a uma função,
deve-se considerar essa função como inerente à vida social moderna
e inevitavelmente correlata a todas as demais funções; devem-se
levar em conta as condições de consumo, isto é, a possibilidade de
inserção daquele objeto no contexto da economia da sociedade. [...]
Assim o objeto nasce, ao mesmo tempo, como objeto específico,
correspondente a uma função particular, e como objeto relacionado
ao conjunto dinâmico das funções. Também o aspecto que
chamamos simbólico das funções sociais é, e vimos isso, uma
necessidade prática, para que a sociedade crie seus símbolos na
medida em que eles concretamente sirvam a ela. (ARGAN, p.128,
2001).
A exemplo de Cassirer, apresentado anteriormente, Argan nos mostra que
devemos considerar que as diversas funções dos objetos são antes de tudo,
uma necessidade humana. Tal necessidade não reflete somente as questões
de natureza racional, para o uso prático do objeto, mas também, e em escala
igual ou maior, os conjuntos de funções atribuídos ao objeto são respostas a
anseios subjetivos dos indivíduos, isto é, podem expressar seus sonhos, ideais,
fantasias e emoções. Podemos considerar então que o discurso do indivíduo
baseia-se na capacidade deste em representar e relacionar seu mundo
racional e objetivo por meio de símbolos.
Retornando ao pensamento de Denis, este nos mostra que o projeto de um
designer resulta da expressão de sua percepção, escolhas e interpretação da
cultura vigente em seu ambiente social e material.
36
Ao realizar o ato de projetar, o indivíduo que o faz não somente
projeta uma forma ou um objeto mas necessariamente se projeta
naquela forma ou naquele objeto. Quero dizer com isto, muito
simplesmente, que a coisa projetada reflete a visão do mundo, a
consciência do projetista e, portanto, da sociedade e da cultura às
quais o projetista pertence. está a questão chave da cultura
material. Toda sociedade projeta (investe) na sua cultura material os
seus anseios ideológicos e/ou espirituais, e se aceitarmos essa
premissa, logo é possível conhecer uma cultura pelo menos em
parte através do legado de objetos e artefatos que ela produz ou
produziu. (DENIS, 1998, p.37)
Nota-se que a cultura material é resultado e ao mesmo tempo fonte para o
designer buscar sua identificação na sociedade na qual está inserido e,
conseqüentemente, encontra uma maneira de expressar-se individualmente, a
partir da coletividade. Isto ocorre também com o indivíduo que utiliza ou
consome o objeto projetado pelo designer. Este objeto é um elemento
identitário deste indivíduo diante de sua comunidade. Se considerarmos que
em uma sociedade contemporânea de consumo, é contínua a procura pela
individualidade, compreendemos que o mérito do design está especificamente
em poder propor a funcionalidade nos dois aspectos: atribuir valor (semântica),
que será percebido e reconhecido individualmente por aquele que o está
consumindo, sem deixar de atender às questões práticas de uso (sintaxe) de
cada objeto projetado.
Jean Baudrillard, também possui um pensamento semelhante a Denis, ao se
referir ao consumo e conseqüentemente à cultura material. Segundo ele, a
cultura material definida por Denis se constitui por meio da vida cotidiana.
Baudrillard define a vida cotidiana como o “lugar de consumo”. Para o
pensador, este cotidiano “[...] não é apenas a soma dos fatos e gestos diários,
a dimensão da banalidade e da repetição; é um sistema de interpretação”
(BAUDRILLARD, 2003, p. 25). É na vida cotidiana que o indivíduo se depara
37
com os objetos os quais irá interpretar, compreender, utilizar e por fim,
consumir.
Por meio dos objetos, tanto o sujeito que o propôs (designer/projetista) quanto
o sujeito que o utiliza ou consome, de certa maneira, caracterizam sua
individualidade. O primeiro (designer), expressa sua subjetividade ao fazer
suas escolhas individuais dos aspectos referenciais e simbólicos encontrados
em sua cultura para projetar o objeto. O segundo (usuário), expressa sua
subjetividade ao realizar a escolha específica por aquele objeto proposto pelo
primeiro sujeito a fim de atribuir a si, um significado e, consequentemente,
simbolizar algo sobre si (individualmente) na coletividade.
Baudrillard cita um exemplo em que estabelece a relação simbólica e
expressiva do indivíduo com os objetos que fazem parte de seu ambiente.
A configuração do mobiliário é uma imagem fiel das estruturas
familiares e sociais de uma época [...]. Cada cômodo possui um
emprego estrito que corresponde às diversas funções da lula
familiar e ainda remete à uma concepção do indivíduo[...]. Neste
espaço privado, cada móvel, cada modo por sua vez interioriza
sua função e reveste-lhe a dignidade simbólica: complementando a
casa inteira a integração das relações pessoais no grupo semi-
fechado da família (BAUDRILLARD, 2002, p. 22).
Compreendemos com esta afirmação a necessidade constante do ser humano
comunicar sua imagem por meio dos objetos de seu entorno, escolhendo-os
não somente por sua função de uso, mas em particular, por sua representação
simbólica perante a sociedade na qual o indivíduo está inserido.
Especificamente, o indivíduo sente-se parte dessa sociedade quando consegue
transmitir seus valores e é compreendido e/ou aceito pela mesma.
38
[...] funcional não se qualifica de modo algum aquilo que se adapta a
um fim, mas aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema: a
funcionalidade é a faculdade de se integrar em um conjunto. Para o
objeto, é a possibilidade de ultrapassar precisamente sua função
para uma função segunda, de se tornar elemento de jogo, de
combinação, de cálculo, em um sistema universal de signos. (Ibid,
p.70)
Conforme o pensador deve-se compreender que os objetos, a despeito de sua
função intrínseca para o qual foram produzidos, necessitam possuir uma
segunda função (signo) a fim de serem incorporados ao cotidiano do homem.
Esta segunda função assume caráter primordial para que se estabeleça uma
sistemática de uso e linguagem da sociedade.
Para Baudrillard (2002), todo objeto possui duas funções: a de ser utilizado e a
de ser possuído. Tal idéia aponta para o que Denis denomina como uma
cultura material na sociedade contemporânea. A função do objeto associado ao
seu uso prático, está diretamente ligada à necessidade racional e objetiva do
ser humano. No entanto, é na função de ser uma posse que reside o valor
simbólico do objeto. Denis (1998) refere-se à cultura material como uma
necessidade do indivíduo para identificar-se e relacionar-se em seu cotidiano.
Possuir, portanto, é uma necessidade identificadora e reconhecedora do
indivíduo em sua unicidade na coletividade. Não é à toa que se estabeleceu
uma sociedade de consumo a partir da possibilidade gerada pela indústria,
pois, com uma maior oferta e variedade de objetos (artefatos), o ser humano
pôde, por meio da posse (consumo) dos objetos, expressar-se de forma mais
ampla. Verificamos que o objeto, como posse, está associado à manifestação
subjetiva e coletiva do indivíduo.
39
Relembrando um pouco a história do design, verificamos que a relação cultural,
subjetiva, expressiva e imaginativa do design, esteve presente em diversos
momentos na história das sociedades. Isto é, o imaginário coletivo esteve e
está associado ao universo do design.
Embora a Revolução Industrial tenha ocorrido em meados do século XVIII, foi
no século XX em que o homem explorou todas as suas possibilidades na
produção industrial. Para o design, o início do século XX foi também o início de
um novo pensar, pautado na necessidade de adequação ao processo fabril das
fábricas e nos materiais de fabricação. Somados a esses fatores, o
crescimento das sociedades metropolitanas requereu um desenvolvimento
tecnológico e o advento máquina como promessa de futuro. Havia nesse
momento uma necessidade de investimento nessa produção industrial e como
conseqüência, no produto produzido em série, que atendesse os anseios dessa
sociedade dita industrial. Neste período, era premissa do bom design”, a
função atrelada aos aspectos funcionais (função prática e conseqüentemente a
funcionalidade) e à racionalidade, visando os processos de fabricação vigentes,
a otimização e a standartização. A Deutscher Werkbund
3
(1907), a Escola
Bauhaus (1919 -1933) e a Hochschule für Gestaltung (1953 -1968) - HfG
Escola Superior da Forma em Ulm - foram os pilares do design funcional.
Atrelado à produção seriada e ao desenvolvimento de materiais mais
adequados para a indústria, o ideal do design na primeira metade do século XX
3
Deutscher Werkbund constitui-se como uma associação alemã de designers, artistas,
arquitetos, artesãos que no início do século XX passaram a realizar projetos aliando arte e
técnica com a finalidade de buscar uma maior adequação aos processos industriais. A DW
pode ser considerada o início do proto-funcionalismo no design moderno.
40
era a objetividade. O design buscava atender às necessidades práticas do
indivíduo e fomentar uma demanda maior de consumo. Desta maneira, Pedro
Luiz P. Souza (2001, p.22) afirma que “[...] a beleza de um objeto depende de
sua utilidade e eficiência ou seja, de sua adequação à função a que se
destina” ao dar a definição de funcionalismo moderno. Esta função, na
concepção modernista do design, refere-se somente ao uso prático do objeto,
sem considerar as questões semânticas, simbólicas ou subjetivas do objeto.
Seguindo este raciocínio, Bernhard Bürdek observa: “[...] aparentemente a
simbologia não existia na tradição do funcionalismo” (BUDERK, 2002, p.223).
O objetivo do design estava em exaltar as funções práticas no produto,
chegando ao formalismo estético da função preceder a forma, sendo esta, uma
conseqüência natural da função.
Tomando um rumo diferente dos pilares racionais funcionalistas da Alemanha,
os EUA, a partir da década de 1930, buscaram um caminho para o design
trazendo nos projetos seu contexto cultural e o gosto popular. O styling norte-
americano estabeleceu valores aos produtos através da aparência dos objetos.
Inspirados no ideal e nos valores norte-americanos - the american way of life,
os produtos do cotidiano como eletrodomésticos passaram a apresentar
características que expressavam a promessa norte-americana de futuro e
desenvolvimento. Estes produtos apresentavam uma estética baseada nas
formas aerodinâmicas (streamlining). O conceito da aerodinâmica era utilizado
pela engenharia e aplicado aos meios de transportes com a finalidade de
quebrar a resistência do ar e aumentar a velocidade. No entanto, nos produtos
41
eletrodomésticos e de uso no dia-a-dia, remetiam à uma sensação de
progresso e tecnologia Desta forma, o conceito de streamlining podia ser visto
em praticamente todos os objetos ordinário, que não dependiam de uma forma
aoerodinâmica para seu melhor desempenho, como o exemplo na figura 1 que
lembra uma turbina de propulsão de um avião e na figura 2, um projeto para
automóvel.
Fig. 1. Apontador de lápis, Fig. 2. Projeto de automóvel Nº 8,
Raymond Loewy, 1933. Norman Bel Geddes.
Os produtos deveriam parecer bons ainda que suas formas em nada
melhorassem seu desempenho prático. Esta estratégia foi adotada como parte
de um programa político-econômico norte-americano após a quebra da Bolsa
de Nova Iorque. Teve o propósito de aumentar o consumo, ocasionando o
reaquecimento da economia interna e otimismo na sociedade. Mesmo após o
re-estabelecimento do equilíbrio econômico, os EUAs mantiveram esta
estratégia. O styling havia consagrando-se no gosto do blico: tornou-se o
símbolo norte americano que expressava a sociedade, seus valores e crenças.
42
Esta forte associação da importância estética do design, em detrimento das
questões prático-funcionais, foi a primeira abordagem do design como
linguagem expressiva e subjetiva no século XX.
A partir de meados da década de 1960, o funcionalismo no design passou
também a ser questionado e criticado na Europa. No exacerbado racionalismo
e na funcionalidade trazidos pelo design até então, não mais se enquadrava
nos valores da sociedade ocidental. O consumo em massa de produtos,
apontou para o design um novo
caminho e um novo desejo de seus usuários:
as próprias escolhas, o gosto particular e a necessidade de personalização.
A diferenciação e variação dos objetos de design bem como as questões
estéticas e emocionais se fizeram necessárias nesse novo ambiente de
consumo. Peter Dormer afirma que “[...] é o consumismo, muito mais do que o
desenvolvimento da indústria pesada, que dá aos designers, oportunidades
´criativas`” (DORMER, 1995, p. 31). Para Dormer é a necessidade de “ser
diferente” do ser humano que impulsiona no designer, a busca de variedade,
diferenciações e particularização nos projetos. Além disso, considerando o
consumismo e a concorrência das indústrias e oferta de muitos produtos
semelhantes, o designer precisa apresentar soluções criativas, inovadoras e
distintas. Esta idéia reforça a proposta do design como uma linguagem
expressiva de modo a tornar o objeto identificável, representativo ao sujeito,
tornando este sujeito único. Como resposta a essas novas propostas para o
campo do design, surgiu o grupo Memphis, na Itália no início da década de
1980.
43
Fig. 3. Capa de livro Memphis Fig. 4. Estante Carlton para Memphis,
The New Internacional Style, 1981 Ettore Sottsass, 1981
Para os designers italianos associados ao Memphis e outros estúdios, o campo
do design precisava buscar irreverência e mesmo obsolescência ao invés do
formalismo estético e o rigor racional (figs. 3 e 4). Afinal, os objetos são
projetados para os sujeitos e esses sujeitos têm necessidades e desejos
distintos. Assim como sua forma de se posicionarem perante a sociedade na
qual vivem, também é distinta e individual.
Com esta nova abertura para a concepção do design, nos deparamos com o
que consideramos design contemporâneo. Ou seja, nada mais de regras ou
normas, não mais a premissa do “bom design” e sim, o design focado no
indivíduo. Dormer (1955, p. 137) revela que é
[...] o conceito de propriedade individual que caracteriza o
consumismo e o design. A propriedade tornou-se um valor e um fim
em si mesma. Em termos consumistas, é extraordinariamente
44
importante poder se manusear, tocar, acariciar e contemplar
qualquer coisa que seja nossa.
Desta maneira o objeto, além de ser uma extensão do indivíduo, participa de
suas relações sociais como elo de comunicação e expressão. Isto é, o
indivíduo se apropria de um signo por meio do objeto para projetar sua imagem
à sociedade. Sobretudo nesta sociedade contemporânea, onde a
individualidade é tão almejada, os objetos voltados para os indivíduos possuem
a responsabilidade de atenderem a uma função simbólica.
Donald A. Norman colabora com esta análise ao descrever as características
que o “bom design” de fato deve apresentar. Segundo ele, o “bom design”
então, deve ser aquele que traz aspectos emocionais aos usuários. Isto ocorre
porque, “[...] emoção é uma parte da vida necessária, afetando como você
sente, como você se comporta e como você pensa” (NORMAN, 2005. p. 10).
Norman denomina o design emocional como o design adequado ao indivíduo
por lidar não somente com os aspectos práticos de uso, funcionais mas
igualmente com os aspectos emocionais. Estes aspectos emocionais é que
permitem ao indivíduo (usuário) estabelecer um vínculo maior com o objeto,
fazendo com que suas escolhas dos objetos sejam específicas para contribuir
com sua identidade na sociedade na qual está inserido.
Outro pesquisador em design, Bernd Lobäch (2001, p. 64) contribui com o
pensamento de com a seguinte afirmação “a função simbólica dos produtos é
determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso”.
Para ele, o caráter simbólico dos produtos pode ser comparado ao aspecto
45
emocional que Norman defende nos objetos. Lobäch afirma que essa função
simbólica está diretamente associada aos aspectos estéticos do objeto, mas
depende também, da capacidade de associação a experiências passadas e
repertório que o indivíduo possui.
Estes pensamentos nos levam novamente às idéias e afirmações de Cassirer
quando este diz que o ser humano é um ser simbólico. Retomamos também a
concepção do design como uma linguagem expressiva, resultante da
interpretação de um designer do imaginário coletivo da sociedade na qual vive.
O designer resignifica sua compreensão do imaginário coletivo por meio de
objetos. Esta resignificação dá-se por meio de interpretação visual e/ou
conceitual. Podemos constatar esta idéia nos exemplos a seguir:
Fig. 5. Koi Morph, Julia Boettcher, 2004. Fig. 6 Koi, tênis, 2007.
46
Apresentamos neste exemplo uma proposta de design de tênis (fig. 6) para o
Koi Club, fundando por Yoske Nishiumi, na Alemanha, a partir dos estudos de
Julia Boettcher (fig. 5). Este exemplo mostra que o objeto de design teve como
referência o Koi (carpa), peixe muito tradicional na cultura japonesa. A
designer, ao projetar para o dono do clube (de origem nipo-alemã), escolheu
como referência um elemento popular da cultura japonesa. Este tênis (2007) foi
desenvolvido para a marca Tiger Fabre, que fabricou produtos para os DJs e
músicos que se apresentam no Koi Club.
47
Fig. 7. Typography in the Sky, Lisa Rienermann, 2004.
Neste exemplo (fig. 7) verificamos o olhar subjetivo da designer de tipos Lisa
Rienermann. Esta subjetividade vem da percepção e interpretação da designer
ao buscar nas construções urbanas e no céu os ângulos que definissem a
forma de seus tipos/letras (as construções urbanas como o contorno e o u
como conteúdo).
48
Fig. 8. Billys´s got Robot Legs, Noan Toram, 2007.
Este projeto (fig. 8) de Noan Toram implica pesquisa tecnológica, em especial a
robótica. Trata-se de um projeto especulativo sobre a possibilidade no futuro,
destes membros artificiais serem utilizados por crianças, podendo desenvolver
sua vida cotidiana. Vemos uma referência a uma coluna vertebral (que
também nos lembra um réptil como uma cobra) como o suporte para substituir
a perna, possibilitando articular e obter movimentos variados a fim de facilitar o
usuário em sua locomoção. A robótica fez e faz parte do imaginário das
sociedades industriais, sendo sempre uma matéria de constante pesquisa
tecnológica tanto pela comunidade científica quanto pela indústria. Da mesma
maneira, as formas e soluções encontradas na natureza, estão servindo de
referências e inspiração para este projeto.
49
Fig. 9. Stolen Jewels, Mike e Maaike, 2007.
Este outro exemplo de projeto do escritório de design Mike e Maaike (fig. 9)
consistiu em uma resignificação de fotografias de jóias verdadeiras, fabricadas
com metais nobres e pedras preciosas, extremamente detalhadas. As
fotografias foram manipuladas em softwares e o resultado desta manipulação
nos mostra os pixels
4
ampliados, fornecendo uma leitura completamente
diferente das imagens originais. Estas novas leituras ou novas imagens foram
então transformadas em novas jóias, impressas em couro.
No design contemporâneo observamos então, que não há mais uma única
maneira de se solucionar os projetos. Não uma fórmula única ou mesmo
regras e normas para atender a todos os consumidores com uma resposta.
Estes consumidores são acima de tudo usuários e assim, possuem
4
Pixel é a menor unidade de representação visual de uma imagem.
50
características e necessidades diferentes. Os projetos de design vigentes
devem atender a tais características particulares a cada usuário ou grupo de
usuários. Deste modo, segundo Rita Maria de Souza Couto e Alfredo Jéferson
de Oliveira,
O design deve ser entendido não apenas como uma atividade de dar
formas a objetos mas como um tecido que enreda o designer, o
usuário, o desejo, a forma o modo de ser e estar no mundo de cada
um de nós (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p. 9).
É importante ainda considerar a relação da contemporaneidade com o design.
O que esta contemporaneidade nos mostra é o fato de que, a partir das críticas
feitas ao funcionalismo e racionalismo do design moderno (solução universal),
não somente uma única resposta para um problema do design. o há,
portanto, um único modo de representação e este pode ser interpretado de
diversas maneiras por usuários distintos. Isso é uma característica do pós-
modernismo que se estabeleceu quase que mundialmente a partir da década
de 1980. Os objetos pós-modernos apresentam uma proposta estética e
conceitual que permite significados diferentes conforme sua compreensão e
utilização. Por exemplo, uma cadeira pode ser adquirida por sua função
primária, de utilização – assento para descanso. No entanto, esta mesma
cadeira, pode também ser um objeto constituído de significado particular ao
usuário e ser utilizada como objeto decorativo ou de desejo para o indivíduo
que a adquiriu, sem atender, necessariamente sua função prática de uso.
Segundo Rick Poynor (2003, p.12) “o objeto pós-moderno problematiza o
significado, oferece múltiplos pontos de acesso e está mais aberto possível à
interpretação.” Sem dúvida, as citações, colagens de referências do passado, o
51
gosto popular, a convergência de dias e as novas tecnologias existentes no
pós-modernismo
5
e no desconstrutivismo
6
(contemporaneidade) influenciam as
novas propostas de design tanto quanto influenciam o cotidiano do homem em
suas tarefas e atribuições diárias.
Por fim, neste capítulo, apresentaremos o conceito de jogo como elemento
cultural da sociedade. Desta maneira, verificaremos que o jogo também se
manifesta e se constitui a partir do imaginário coletivo, das ações, atitudes e
características de uma sociedade.
1.3. O Jogo no Contexto Sócio-Cultural e seu Caráter Lúdico
7
Johan Huizinga (2004) define o ser humano não somente como Homo Sapiens
mas essencialmente como Homo Ludens. Sob esta óptica, ele aponta que as
atividades lúdicas permeiam a vida do indivíduo, desde seu nascimento. “Os
animais brincam tal como os homens” – afirma o autor. O caráter lúdico -
5
De acordo com Poynor (2003), o pós-modernismo caracteriza-se por: fim da tradição de
mudança e ruptura; prática da apropriação e citação de obras do passado; ausência de
fronteira entre a alta cultura” e a cultura de massa; ceticismo em relação aos valores
modernos; mistura de gêneros e o anti-racionalismo. Reflete também o uso massivo da
mídias e da tecnologia e suas convergências, apontando para novas experiências.
6
Segundo Maria Antonieta J. de O. Borba (2007) Desconstrutivismo refere-se ao método
de análise inicialmente aplicado à crítica literária, desenvolvido nos anos 60 pelo filósofo
Jacques Derrida. Este método consistia-se de uma análise ou seja, de uma desconstrução
da lógica da metafísica ocidental, A desconstrução demonstrou que o conteúdo de um
trabalho criativo está sujeito a interpretações diferentes e assim, o seu conteúdo é
ambíguo.
7
Ver: SATO, Adriana Kei Ohashi. Design de Jogo: imaginário, cultura e significação. In: SILVA,
Jofre (org.) Design, Arte e Tecnologia Espaço de Trocas. São Paulo: Universidade Anhembi
Morumbi / Edições Rosari / PUC Rio, 2006.
52
originalmente do latim ludus, - refere-se primordialmente à busca da diversão e
prazer no jogar /brincar. Huizinga prossegue com esta idéia:
Desde encontramos aqui um aspecto muito importante: mesmo
em suas formas mais simples, o jogo é mais que um fenômeno
fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da
atividade puramente sica ou biológica. É uma função significante,
isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa
“em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e
confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. [...] o
simples fato de o jogo encerrar um sentido, implica a presença de
um elemento não material em sua própria essência. (Ibid, p. 4 e 5)
Sendo assim, compreendemos que o jogo e a brincadeira
8
são aspectos
inerentes à sociedade. Tanto o jogo quanto a brincadeira o elementos
criados para algum fim inicialmente, mas devem apresentar-se de forma
natural, nas práticas e atitudes de todos os seres vivos. Assim, podemos
encontrar a sensação do prazer na imersão do sujeito em uma brincadeira ou
em um jogo. Ele associa a tensão, a alegria e o divertimento ao jogo: “[...] é
nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a
própria essência e característica primordial do jogo” (HUIZINGA, 2004, p. 5).
Ao jogar o indivíduo promove ações que tornam a experiência de jogo cada vez
mais intensa e única. O indivíduo, dentro dos limites do jogo (regras) pode
estabelecer seu objetivo ou seguir à risca o objetivo determinado pela regra.
Com isto, ele busca superar desafios e assim, imergir no universo do jogo. Esta
satisfação obtida a cada aprendizado e superação de um desafio, ocasionando
8
É importante ressaltar que em muitas línguas jogar e brincar são representados por um único
termo, sem distinção; como no alemão spielen, e no inglês to play, por exemplo. Desta
maneira, jogar e brincar estão diretamente relacionados em muitos contextos sócio-culturais.
53
diversão e prazer antes de qualquer outro fator, é que determina o aspecto
lúdico no jogo.
Conforme Huizinga, jogo pode ser compreendido como:
[...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos
e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras
livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de
um fim em si mesmo, acompanhado de tensão e de alegria e de uma
consciência de ser diferente da “vida quotidiana” (Ibid, p. 33)
Verificamos, portanto que, para Huizinga, o jogo é sempre constituído de
situações e elementos imaginários e distintos do cotidiano, possuindo
finalidades diferentes das atividades ordinárias da vida, organizada dentro de
parâmetros sociais aparentemente rígidos. O jogo, além de não possuir as
mesmas finalidades da vida cotidiana, também se caracteriza como um ato
espontâneo. Por sua vez, o jogar está associado ao querer do jogador,
implicando em sensação de prazer e diversão
.
Roger Caillois (2001, p. 6) complementa este ponto-de-vista ao afirmar que um
jogo não pode ser uma obrigação ou uma ordem a ser cumprida, pois o jogador
entrega-se à espontaneidade para o jogo e para o seu prazer, cada vez,
completamente livre para escolher, retirar-se, silenciar, meditar, isolar-se ou
desenvolver uma atividade criativa. Em efeito, jogar é essencialmente uma
ocupação distinta, cuidadosamente isolada do resto da vida, e geralmente
ocupada por limites precisos de tempo e lugar “. Caillois afirma que o indivíduo
joga somente e quando ele deseja; o que difere das atividades do cotidiano da
vida em que o indivíduo tem obrigações e responsabilidade das quais não pode
54
se eximir. É no jogo que existe a possibilidade de o indivíduo determinar as
limitações de tempo e espaço conforme sua vontade. Tanto para Huizinga
como para Caillois, o jogo se difere da vida ordinária, sendo artificial” mesmo
quando representa aspectos ou fragmentos da vida. Porém, Caillois (2001, p.
10) acrescenta um dado novo à sua definição de jogo: a simulação ou o “faz-
de-conta”. Diferentemente da vida cotidiana, para o antropólogo, o jogo pode
ser uma “segunda realidade” ou uma “livre irrealidade”.
Um outro pensador, como Gadamer (2004, p. 154), amplia o conceito de jogo
ao afirmar que “para quem joga, o jogo não é uma questão ria, e que é por
isso mesmo que se joga. [...] O jogar possui uma referência essencial própria
para com o que é sério”. O filósofo nos mostra que a seriedade no jogo é
própria deste, diferente da vida cotidiana. “Aquele que joga, sabe por si mesmo
que o jogo não é nada mais que um jogo e que se encontra num mundo
determinado pela seriedade dos fins”, isto é, o jogo possui finalidade e
propósito diferentes da vida ordinária. O jogador tem consciência disso, pois,
no jogo, ele realiza ações e assume um caráter distinto de si como indivíduo na
vida cotidiana.
Antes, a obra de arte ganha seu verdadeiro ser ao se tornar uma
experiência que transforma aquele que a experimenta. O sujeito da
experiência da arte, o que fica e permanece, não é a subjetividade
de quem a experimenta, mas a própria obra de arte. É justamente
esse o ponto em que o modo de ser do jogo se torna significativo,
pois o jogo tem uma natureza própria, independente da consciência
daqueles que jogam (Ibid, p. 155).
Ao realizar a comparação da consciência estética na obra de arte ao jogo,
Gadamer indica que assim como na arte, a experiência oferecida no jogo
55
(única) é que o torna um objeto (jogo) subjetivo. Neste caso, ao referir-se à
consciência do jogador, esta pode ser diferente dos aspectos morais, sociais,
culturais ; enfim das ações propostas em uma situação de jogo. Ainda assim, o
jogo poderá ser jogado por este indivíduo, pois, no jogo, o indivíduo assume as
características específicas e inerentes àquele jogo. O pensamento de
Gadamer vai ao encontro do conceito de Huizinga, para ambos, o jogo é parte
da natureza do ser humano.
Antes, deveríamos dizer que também o homem joga. Também o seu
jogar é um processo natural, e o sentido de seu jogar, justamente por
ser natureza e na medida em que é natureza, é um representar-se a
si mesmo. (GADAMER, 2004, p. 158)
Gadamer nos esclarece acerca dessa natureza humana do jogo mostrando que
este, em certa medida, trata-se de uma representação do ser humano. O jogo
possui traços intrínsecos ao homem mas apresenta-se como uma
representação que pode aproximar-se de uma metáfora porém, distinta da vida
ordinária. Daí a ponderação de Huizinga em relação ao ser humano como um
homem lúdico. Antes da postura racional, o indivíduo se cerca de atividades
lúdicas ao longo de sua vida. Seja por meio de pequenas brincadeiras e
momentos de descontração, seja por meio de jogos e representações.
Walter Benjamin por sua vez, aponta que a representação em uma brincadeira,
sempre busca a novidade, diferentemente das atividades da vida. Para
Benjamin, representar aspectos reais é diferente de imitar a realidade
9
:
9
A realidade neste caso, refere-se à vida cotidiana.
56
A essência da representação, como da brincadeira, não é “fazer
como se”, mas “fazer sempre de novo”, é a transformação em hábito
de uma experiência devastadora. [...] É da brincadeira que nasce o
hábito, e mesmo em sua forma mais rígida o hábito conserva até o
fim alguns resíduos da brincadeira (BENJAMIN, 1996, p. 253).
Este conceito pode ser encontrado no exemplo de Daniil Elkonin que narra um
fato ocorrido com suas duas filhas, ainda crianças:
Num certo domingo, tive de ficar sozinho com as minhas duas filhas
em casa. Ambas estavam em idade pré-escolar e freqüentavam um
jardim-da-infância. [...] Líamos, desenhávamos, fazíamos
travessuras. Divertíamo-nos muito e aprontávamos até a hora do
almoço. Preparei-lhes o tradicional mingau de sêmola, que elas
não suportavam. Negaram-se redondamente a comê-lo e nem
quiseram sentar-se à mesa.
Como eu não desejava estragar-lhes o humor, obrigando-as a
comer, propus brincarmos de jardim-de-infância”. Aceitaram a idéia
com gosto. Vesti um guarda-pó branco e transformei-me em
educadora; elas puseram seus pequenos aventais para se
converterem em educandas. Começamos a brincar, repetindo o que
se faz nos jardins-de-infância: desenhamos; depois, fingindo que
punham seus agasalhos, passeamos, dando voltas ao redor da sala;
lemos; e por fim, chegou a hora do almoço. Uma das meninas
assumiu as funções de empregada e pôs a mesa. Eu. No meu papel
de educadora, ofereci-lhes o mesmo mingau. Sem o menor protesto,
mostrando-se até satisfeitas, comeram até ver o fundo dos pratos e
ainda pediram mais. Toda a sua conduta denotava um esforço para
parecer educandas exemplares, sublinhando com sua atitude que
me tinham por educadora”, aceitando sem reclamar cada palavra
minha e tratando-me com grande respeito. As relações entre filhas e
pai transformaram-se em relações entre educandas e educadora, e
as relações das irmãs, em relações entre educandas. As ações
lúdicas eram sumamente abreviadas e sintetizadas: o jogo durou
meia hora no total (ELKONIN, 1998, p. 1 e 2).
Neste cenário narrado por Elkonin, podemos compreender a singularidade do
jogo na representação das crianças: valores, preferências e vontades do
indivíduo se modificam quando estão inseridos no ambiente de jogo. O sujeito
representa seu papel de acordo com o que julga o mais adequado para isso,
contrariando, em determinados momentos ou situações suas atitudes quando
assumidas na vida real. Com isto podemos notar que o jogo, em seu caráter
lúdico, possibilita a exploração de novos limites, percepções e desejos. E,
57
contemplado com o fator de livre escolha e arbítrio, o indivíduo envereda-se por
experiências novas.
Gadamer também aborda o caráter lúdico presente no jogo:
É evidente que a peculiar leveza e alívio que caracterizam o
comportamento lúdico repousam no caráter especial de que se
revestem as tarefas do jogo, e surge do êxito de sua solução. Pode-
se dizer que o êxito de uma tarefa “representa-a”. [...] É porque
jogar é sempre um representar que o jogo humano pode encontrar
na própria representação a tarefa do jogo. (GADAMER, 2004, p. 162)
De acordo com Gadamer, o fator lúdico está nas ações dentro do jogo que,
importam muito mais do que o fim do jogo. A representação no jogo é
reconhecida como a própria tarefa do jogo, ou seja, o objetivo deste. O prazer e
a diversão estão em representar (jogar verdadeiramente) no jogo e não
exatamente no que representar. Este o que (representar), ocasionalmente,
poderia nem ser agradável ao indivíduo, caso fosse esta sua atribuição na vida
cotidiana como uma atividade profissional, por exemplo. Essa atribuição vem
acompanhada de outros fatores tais como implicâncias legais, morais, políticas,
econômicas e sociais; aspectos que no jogo, podem ser resignificados ou
alterados conforme o desejo ou necessidade do indivíduo. Verificamos que
estes fatores dizem respeito as relações sócio-culturais, isto é, são elementos
existentes no mundo físico (real) que são transportados e estilizados no jogo.
Por meio de Huizinga compreendemos melhor como o jogo se estabelece a
partir das relações sócio-culturais, sendo parte do contexto vigente ou
abrangendo-o. O jogo pode ser compreendido como um elemento cultural,
acompanhando a sociedade em seus valores, percepções e anseios, sendo ele
58
mesmo, um resultado das projeções e expressões da sociedade. O jogo
possui significado porque estabelece uma comunicação direta com a
sociedade, por meio da imaginação de uma determinada realidade,
experimentada e vivenciada por esta mesma sociedade. Verificamos este
pensamento a seguir:
[...] Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado
existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a
desde as mais distantes origens até a fase de civilização que agora
nos encontramos. Em toda a parte encontramos presente o jogo,
como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da vida
“comum”. Podemos deixar de lado o problema de saber se até agora
a ciência conseguiu reduzir esta qualidade a fatores quantitativos. De
qualquer modo, o que importa é justamente aquela qualidade que é
característica da forma de vida a que chamamos “jogo”. O objeto de
nosso estudo é o jogo como forma específica de atividade, como
“forma significante”, como função social. Se verificarmos que o jogo
se baseia na manipulação de certas imagens, numa certa
“imaginação” da realidade (ou seja, a transformação desta em
imagens), nossa preocupação fundamental será, então, captar o
valor e o significado dessas imagens e dessa “imaginação”.
Observaremos a ação destas no próprio jogo, procurando assim
compreendê-lo como fator cultural da vida ( HUIZINGA, 2004, p. 6 e
7).
Para Huizinga, o jogo se concretiza a partir do momento em que se observa a
seguinte ordem:
Realidade Imaginação Imagem Jogo
O filósofo nos mostra uma lógica de compreensão dos processos imaginativos
para o jogo, tendo como início, a própria realidade ou vida cotidiana.
59
Elkonin (1998), apresenta uma variante desse processo em seus estudos
sobre a psicologia do jogo. Ele aponta observações de Vigotski
10
e de
Leóntiev
11
a respeito da teoria do jogo. Tanto para Vigotski quanto para
Leóntiev é condição fundamental a questão da “situação fictícia”, direcionando
seus estudos para “situação fictícia-assimilação das relações sociais”. Elkonin
estabelece que o conteúdo principal do jogo é o próprio ser humano, suas
atividades e relações humanas na sociedade. O esquema a seguir, demonstra
sinteticamente este pensamento:
Relações Sociais Plano Ideal (ficção) Assimilação das Relações Sociais
+Ação Jogo
Elkonin é mais específico do que Huizinga ao considerar o plano das idéias
como ficção para o processo que levará a existência de jogo no contexto sócio-
cultural.
Marshall McLuhan (2006) aponta o jogo como modelo de dramatização coletiva
antes de ser a dramatização particular da vida interior, configurando-se como
um meio de comunicação inter-pessoal; sendo extensões da vida interior do
homem. Uma possível síntese desta idéia poderia ser representada da
seguinte maneira:
10
Vigotski redigiu carta a D. Elkonin em abril de 1933. Ver em ELKONIN, Daniil. Psicologia do
Jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
11
Dirigia um grupo de pesquisa de colaboradores e discípulos de Vigotski. Conheceu D.
Elkonin após a morte de Vigotski passando discutir idéias e hipóteses por meio de cartas.
60
Vida Psicológica Individual Manifestação Coletiva (Dramatização)
Extensão da Vida Interior Jogo
Desta forma temos aqui três princípios que originam a condição de existência
de jogo. McLuhan define o jogo como um modelo extensivo da vida interior
(mundo interior). Por sua vez, essa estrutura individual encontra-se na
coletividade. Esta abordagem acerca do jogo converge com as posições
teóricas tanto de Huizinga quanto de Elkonin, pois para ambos, ficção ou
imaginação, são decorrentes de relações sociais e culturais que são
transportadas para um plano ideal.
Ampliando as teorias apresentadas pelo viés dos três teóricos, encontramos
em Rules of Play, escrito por Katie Salen e Eric Zimmerman a seguinte idéia: o
“jogo reflete os valores da sociedade na qual eles são jogados porque eles são
parte da estrutura dessa sociedade” (SALEN e ZIMMERMAN, 2006, p.75). O
jogo é colocado pelos pesquisadores como uma das representações culturais
de uma determinada sociedade.
Salen e Zimmerman afirmam que para um jogo ser significativo, é preciso que
haja interação entre os jogadores e o sistema do jogo, assim como é
necessária a interação com o contexto onde o jogo é jogado. Temos aqui um
fato novo: o elemento de interação
12
. Jogo pressupõe interação do usuário com
o objeto (o próprio jogo) e, além disso, permite a interação entre usuários em
seu(s) ambiente(s). Seja ela entre o objeto e o sujeito, seja ela entre os sujeitos
12
O conceito de interação será melhor fundamentado no capítulo 3 desta pesquisa.
61
(usuários). Certamente esta interação possibilita o caráter lúdico e imersivo
13
atribuído ao jogo.
Além disso, o jogo possui uma característica importante: escolhas. Ao jogar, o
usuário é sempre levado a fazer escolhas. Estas escolhas, são subjetivas pois,
tratam-se de escolhas particulares de cada sujeito (usuário). Cada usuário
poderá fazer uma determinada escolha de acordo com sua maneira de
interpretação dos elementos simbólicos do jogo, sua atribuição individual de
significado e importância para aquele momento ou contexto no jogo.
Os autores dão seguimento a seu pensamento compreendendo que “design é
o processo através do qual o designer cria um contexto para ser enfrentado por
um participante, de onde o significado emerge” (SALEN & ZIMMERMAN, 2004
p. 41). Verifica-se que o jogo, a partir deste contexto proposto pelo designer,
passa a ter um significado para o usuário. O designer atua como fomentador da
cultura por meio da leitura e da interpretação do imaginário coletivo. Nesta
interpretação, o usuário inicia sua própria interpretação. Para esta
interpretação, Salen e Zimmerman (2004) consideram quatro conceitos
interligados que citamos abaixo:
- um signo representa algo além do que a si mesmo;
- signos são interpretados;
- significado existe quando um signo é interpretado;
13
O conceito de imersão será abordado no capítulo 3 desta pesquisa.
62
- o contexto molda a interpretação.
Como apontam os autores, no jogo o signo, por um lado, sempre denota uma
ação e um resultado, e por outro lado, denota os elementos do mundo dos
jogos. Esta segunda representação está ligada às questões semânticas e às
associações que particularizam o jogo em um determinado contexto. Estes
signos fazem referência ao mundo real e recebem seu valor simbólico ou
significado por meio das articulações e relações entre os signos existentes no
jogo. É partir da interpretação do design de um dado imaginário coletivo que
este será re-significado no jogo, transformando-se em signo.
Os signos, dentro do jogo devem ser interpretados pelos usuários e seus
significados são decorrentes desta interpretação. Isto é, por meio do usuário o
signo passa a ter um valor simbólico. Conseqüentemente, este significado ou
valor passa a existir somente porque houve a interpretação pelo usuário.
Porém, é preciso ressaltar que esta interpretação dos signos pelo usuário é
resultado do imaginário que o usuário traz eu sua subjetividade, ocasionando
diferentes interpretações por diferentes usuários.
O usuário aquilo que conhece. Quando não o reconhecimento direto do
objeto, o usuário busca em suas lembranças o objeto mais próximo daquela
representação proposta, articulando novas associações; trazendo uma nova
interpretação do signo. É a partir do contexto sócio-cultural do qual o usuário
participa ou o qual conhece, que ele fará determinada associação que permitirá
63
a interpretação dos elementos do jogo. É assim que o usuário estabelece e
atribui o caráter simbólico aos elementos do jogo.
Retornando a Cassirer, este afirma que “um símbolo humano genuíno não é
caracterizado por sua uniformidade, mas por sua versatilidade. Não é rígido e
inflexível, e sim móvel” (CASSIRER, 2005, p. 65). Isto significa que o símbolo
pode ser compreendido sob aspectos distintos, a depender do contexto sócio-
cultural onde está inserido e dos referenciais individuais daquele que o significa
(sujeito) ou interpreta. Para o filósofo, a linguagem simbólica ou o pensamento
simbólico está diretamente ligado ao pensamento relacional. Ele complementa
esta idéia baseando-se no conceito de Herder a respeito do reflexo:
O reflexo ou pensamento reflexivo, é a capacidade que o homem
tem de distinguir, dentre toda a massa indiscriminada da corrente de
fenômenos sensuais flutuantes, certos elementos fixos para poder
isolá-los e concentrar sua atenção neles. (Ibid, p. 70).
Com este pensamento, verifica-se que a compreensão de um objeto (jogo) pelo
usuário está relacionada à capacidade deste em identificar, relacionar e re-
significar
por meio do objeto (jogo), elementos e códigos de seu contexto sócio-
cultural.
Compreendemos que o jogo é resultado da interpretação de um sujeito
(designer) que a codifica a partir de sua compreensão da coletividade. O jogo,
por sua vez, passa a ter significado para outro sujeito (usuário) quando passa a
ser interpretado por este outro sujeito. Este sujeito representa-se a si (auto-
representação) no universo do jogo. Neste universo ele pode distanciar-se das
obrigatoriedades, regras, responsabilidades e atribuições da vida ordinária e
64
realizar suas escolhas de acordo com seus desejos. No contexto do jogo, suas
ações, escolhas e postura podem (e geralmente são) distintas de sua vida
cotidiana. No entanto vale ressaltar que mesmo essas ações, escolhas e
postura do indivíduo no jogo, foram imaginadas a partir das referências,
costumes e conhecimento de seu contexto sócio cultural.
Neste capítulo analisamos e articulamos ao mesmo tempo as idéias e
conceitos com a finalidade de se estabelecer uma fundamentação para a
formação do imaginário coletivo. Além disto, abordamos o jogo como elemento
inerente à cultura em que, o design pode ser compreendido como uma
linguagem expressiva, o qual participa do contexto sócio-cultural, que interpreta
o imaginário coletivo e o resignifica por meio de um objeto (jogo).
Veremos no capítulo 2, uma abordagem acerca da tecnologia digital, sua
linguagem, suas características particulares e o design de ambientes virtuais
contemporâneos.
65
2
A Linguagem Digital: Ambientes Virtuais
e suas Características
2. A Linguagem Digital: Ambientes Virtuais e suas
Características
66
Este capítulo traz uma apresentação das principais características da
linguagem digital e seus ambientes, enfatizando o conceito da hipermídia. A
hipermídia é apresentada como o principal ambiente digital, pois possui a
característica de uma nova linguagem por meio da hibridização. Também serão
analisadas as características mais relevantes e pertinentes à hipermídia como
a interface, a interação (ou interatividade) e a imersão.
2.1. Tecnologia e Mídia Digital
Inicialmente analisaremos as características da tecnologia e mídias digitais.
Esta análise é relevante porque as mudanças e inovações tecnológicas
influenciam, interferem e modificam o comportamento e a percepção dos
indivíduos de uma determinada sociedade. Na contemporaneidade, a era da
mídia digital e dos ambientes virtuais, o design também se modifica ao estar
associado a essa tecnologia, bem como utilizá-la para oferecer novas soluções
e respostas aos usuários.
Para Mônica Moura, em sua tese “Design de Hipermídia” (2003, p. 105) o
design é (também) tecnologia. A pesquisadora afirma que um aspecto muito
recorrente nas definições do design é o da tecnologia ser e estar implícita a
este universo e, por isso, muitas vezes este campo é definido assim: design é
tecnologia”. Moura nos esclarece que o design não é somente a tecnologia,
mas faz-se a partir dela. Isto ocorre, pois o campo do design, em suas variadas
formas de oferecer respostas aos usuários, está constantemente
67
acompanhando as mudanças e possibilidades tecnológicas. É por meio da
tecnologia, além dos processos imaginativos e interpretativos do designer, que
o objeto de design estabelece um vínculo com o indivíduo (usuário).
A tecnologia está diretamente associada ao design porque é ela que permite
suporte para a realização de projetos em design. Quando uma nova tecnologia
emerge, surge com ela novas possibilidades de aplicações, comunicação e no
caso das mídias digitais, uma nova linguagem. A esta linguagem, podemos
associar a cultura digital. Esta cultura digital, assim como a cultura
contemporânea, possui características peculiares, em especial a do hibridismo.
A cultura digital também aborda as questões do pós-modernismo citados no
capítulo anterior como as citações, colagens, subjetividade e resignificações.
Consideramos então que, tanto a tecnologia contemporânea quanto a estética
contemporânea são híbridas.
Isto ocorre devido a globalização atingir boa parte dos países, a troca de
elementos culturais com maior amplitude e rapidez devido aos meios de
comunicação digitais, sem fio, a informação simultânea e em tempo real.
Somado a isso, devemos considerar a grande variação de repertório no
imaginário coletivo e individual. Todos estes aspectos resultam no hibridismo
estético e cultural, incluindo-se o design contemporâneo. Lev Manovich em seu
artigo Image Future define esse hibridismo estético:
Esta estética existe em variações infinitas mas sua lógica é a
mesma: justaposição de línguas visuais previamente distintas de
diferentes mídias dentro da mesma seqüência e, freqüentemente,
dentro do mesmo quadro. Os elementos desenhados à mão, cortes
fotográficos, vídeo, tipo, elementos 3D não são colocados
simplesmente ao lado de cada um mas entrelaçados juntos. A
68
linguagem visual resultante é híbrida. Pode também ser chamada de
metalinguagem enquanto combina as linguagens do design,
tipografia, animação, animação 3D de computador, a pintura, e o
cinema (MANOVICH, 2006)
De acordo com Manovich, esta estética torna-se híbrida pelos elementos
combinatórios que se encontram na cultura, resultantes também, tanto dos
repertórios coletivos como das tecnologias existentes. A tecnologia digital
possibilitou a geração de novas formas de obtenção e manipulação de
imagens, de textos, de som e música e de movimentos dos elementos visuais.
Além disso, devem ser considerados os múltiplos meios de comunicação como
o cinema, a animação, as representações nas telas como a pintura, os
desenhos, a fotografia.
Todos estes elementos são utilizados como formas de representação e/ou
simulação de algo. A partir dos seis aspectos a seguir Manovich (2001) vai
traçar a delimitação do que ele considera uma nova mídia e suas linguagens:
- Representação simulação: refere-se às tecnologias de tela, isto é, trata-se
da representação em telas (analógicas ou digitais) como a pintura, a tela da
televisão, filmes. O autor define como tela, toda superfície retangular que
enquadra o mundo virtual, mas que existe no mundo físico;
- Representação controle: neste item, Manovich faz uma oposição entre a
imagem como representação e de um universo ilusório ficcional e a imagem
como uma simulação de um painel de controle, ou seja, a imagem como
interface;
69
- Representação ação: distingue a oposição entre as tecnologias utilizadas
para criar ilusões e as tecnologias para habilitar ações, permitindo que o
observador ou interator manipule a realidade por meio das representações
(instrumentos de imagens);
- Representação comunicação: oposição entre as tecnologias de
representação tais como filmes, áudio, videotape e as tecnologias de
comunicação em tempo real. Nesta categoria, a representação está associada
às telecomunicações como o telégrafo, o telefone, a televisão. Manovich refere-
se à comunicação de pessoa a pessoa, sem que esta resulte em algum objeto;
- Ilusionismo visual simulação: representação e simulação ou o ilusionismo
como são utilizados nas telas. O ilusionismo está associado à combinação de
técnicas tradicionais que possibilitarão a criação de um visual semelhante à
realidade. A simulação está associada aos diversos métodos do computador
para modelar outros aspectos da realidade na aparência visual, interferindo na
forma, no ângulo, no movimento;
- Representação – informação: refere-se à dois objetivos a imersão do
usuário no universo imaginário e fictício e possibilitar o usuário um acesso à
informação constante dentro da mídia digital.
Estas características apresentadas por Manovich, trazem como base estrutural
a questão da representação, da ilusão e da simulação Ou seja, de um
ambiente não real (virtual), mas que capta e traz elementos encontrados no
70
mundo ordinário (físico). Da necessidade de tratar-se de representação de
algo e não do objeto em si dentro do imaginário coletivo; da ilusão de se poder
observar e modificar algo e da simulação de situações, objetos e ações
existentes na vida cotidiana.
Nas décadas de 1980 e 1990, a tecnologia avançou originando novas mídias
além do cinema, da fotografia, do rádio, do vídeo e da TV. Observamos a
internet popularizando-se e com ela, novas maneiras de interação,
comunicação e disposição, troca e disseminação de informação. Além da
internet, as multimídias e a hipermídia. Estas mídias mudaram e continuam
mudando a maneira dos indivíduos relacionarem-se com a tecnologia
contemporânea (digital) por meio das propostas de design e também da arte.
As mídias digitais favoreceram muitos caminhos com focos diferentes onde a
percepção e a cognição dos indivíduos (usuários) podem ser amplamente
exploradas. Isto ocorre porque a partir do advento computador e depois de
suas redes e da internet, as informações puderam ser armazenadas e
disseminadas com maior rapidez e simultaneidade e a um grupo muito amplo
de pessoas de locais distintos. Além disso, o meio digital possibilitou a
manipulação das informações, interferências, acréscimos e colaborações. Um
dos maiores exemplos deste caso é o wikipedia, um site informativo com um
formato de enciclopédia, onde as informações são resultantes da participação e
da colaboração das pessoas que navegam o site. No wikipedia, as
contribuições propostas por um interator, afetam outros interatores ou leitores
71
posteriores porque as contribuições por meio de novas informações e/ou
alterações são acumulativas.
Steven Johnson, um estudioso do ciberespaço, colabora com a definição da
característica de conteúdo modificável nas mídias digitais ao afirmar que
A possibilidade de alterar o conteúdo de um documento de
experimentar com diferentes formulações, rearranjar as coisas,
recortar e colar é talvez a característica definidora do computador
digital, o que o distingue de seus predecessores mecânicos
(JOHNSON, 2001, p. 153).
Johnson quer dizer com isso que a mídia digital possibilitou uma resposta e
participação do indivíduo nas informações que eram veiculadas. As demais
mídias, até então, eram estáticas e não havia possibilidade de uma ação
participativa ou resposta por parte do expectador. Com a possibilidade de
manipulação e alterações dos elementos na mídia, o percurso e escolhas para
o indivíduo, ampliou-se e sua participação tornou-se efetiva, podendo
apresentar novas combinações dos elementos, novas interpretações e pontos-
de-vista diante de alguma proposta formulada nas mídias digitais.
2.2. Hipermídia
A adoção cada vez maior da tecnologia na vida ordinária do homem,
proporcionou ao sujeito novas formas de perceber o seu entorno e relacionar-
se com ele e, conseqüentemente, com a sociedade. “As revoluções
tecnológicas, pelas quais o homem vem passando, intensificam e criam novas
necessidades” como afirma Vera Lúcia Nojima (1999, p. 13). No presente
72
momento as mídias ganham um novo contexto e aplicação. Esta convergência
acabou por resultar na hipermídia, isto é, numa extensão além de uma única
mídia. As mídias o mais exploradas separadamente, porém em consonância
com a finalidade de proporcionar ao indivíduo novas formas de interação, por
meio das diversas interfaces que resultam em uma maior imersão.
Moura, ao longo de sua tese, aponta quatro autores de grande importância na
definição do campo da hipermídia: Gui Bonsiepe, Arlindo Machado, Pierre Lévy
e Julio Plaza e, a partir deles, faz uma síntese acerca do conceito de
hipermídia. Temos assim, a exposição de Moura sobre a definição de
hipermídia:
[...] a hipermídia diz respeito à hibridização de linguagens, à
coexistência de formas permutacionais e interativas, que se
estabelecem a partir de um hipertexto que apresenta nós de
informações em rede, conectadas por vínculos ou links, também
denominados hyperlinks.
A hipermídia é um conjunto que compreende o hipertexto e
apresenta imagens estáticas e dinâmicas, sons (músicas, trilhas,
ruídos, sinais de advertências), animações, filmes. Enfim, é um
campo em que se estabelece inter-relação entre elementos
resultantes de linguagens distintas. Estes, por sua vez, passam a ser
associados em uma fronteira fluída de sua linguagem referencial e
assumem características que determinam uma nova e outra
linguagem (MOURA, 2003, p. 143).
Considerando tal definição, verificamos que a hipermídia abrange as diferentes
mídias em um contexto, onde elas se convergem e interagem, além do
hipertexto
14
. Este, por sua vez, denota um texto composto por blocos de textos,
14
Para alguns autores, hipertexto e hipermídia são mídias digitais distintas. Neste trabalho,
estamos utilizando o conceito de hipertexto como uma das características existentes na
hipermídia, conforme Moura nos aponta. Contribuindo com este conceito, encontramos em
George P. Landow, a seguinte afirmação: “Eu não faço distinção entre hipertexto e hipermídia.
73
podendo ser organizado de diferentes maneiras, de forma não linear. A
hipermídia também proporciona ao usuário, uma nova maneira de interagir, ou
seja, agir em resposta aos estímulos proporcionados por essa convergência
midiática. A hipermídia, desta maneira, oferece ao usuário (que neste contexto
torna-se interator
15
) uma nova experiência de interface e interatividade.
Segundo Moura, o interator é sempre convidado à participação, pois são suas
escolhas dentro do ambiente da hipermídia que farão com que ele navegue e
possa realizar ações e caminhos. Ao fazer essas escolhas e traçar seu próprio
caminho, o interator realiza descobertas, reflexões, aprendizado e,
conseqüentemente, gera conhecimento. Deste modo, Moura faz uma
consideração acerca desta idéia:
Podemos dizer que a hipermídia envolve e facilita a relação homem
e computador, a relação com grupos e pessoas distantes fisicamente
e a relação entre linguagens em um processo permanentemente de
intersemiose e hibridização.
Estas relações são pautadas por uma interface e por um sistema
não-linear de produção, de armazenamento, de consultas e de
interferências realizadas por meio de conexões associativas
apresentadas em uma estrutura combinatória que permite selecionar
escolhas em um repertório de alternativas (Ibid, p. 148).
Para a pesquisadora, a hipermídia aproxima e facilita os processos de
interação do homem com o meio digital porque permite o acesso a conteúdos e
informações sem a necessidade da presença física do indivíduo. Por meio da
Hipertexto denota um meio de informação o qual conecta informação verbal e não verbal”
(LANDOW, 1992, p. 4).
15
Mônica Moura define interator como “o receptor e usuário que nas novas mídias, na
hipermídia, assumo um novo papel: aquele que age e interage, participando ativamente do
processo de comunicação e de informação, e não apenas recebe informações ou utiliza um
produto” (MOURA, 2003, p. 143).
74
hipermídia, o interator pode relacionar-se com outros interatores, compartilhar
conteúdos, explorar os ambientes virtuais e promover ações. É na hipermídia
também que esses interatores têm a possibilidade de explorarem novas
linguagens e conseqüentemente, estarem presentes no processo de
hibridização. Moura compreende a hipermídia como hibridização de
linguagens, pois ao se unificar as diferentes formas de linguagem (imagética
não verbal, sonora, verbal, textual), obtém-se algo novo, algo brido não mais
linear ou com um único foco. Hibridização neste caso associa-se ao resultado
da convergência das diferentes mídias, resultando em um objeto/produto
híbrido, misturado. Deste modo, a hibridização de mídias refere-se às mídias
anteriormente distintas que se combinam a fim de gerar uma nova estrutura. A
hipermídia é um sistema de meios de comunicação, cada qual com sua
linguagem própria, gerando uma nova forma de expressão, ou seja, uma
linguagem híbrida.
Verificamos que a hipermídia permite a inter-relação do interator com as
diferentes mídias convergentes neste ambiente fazendo com que ele possa
obter respostas diferentes a cada escolha feita. Diante de respostas diferentes,
o interator passa a perceber e a interpretar diferentes aspectos dessas
linguagens que resultam no imaginário coletivo e no individual.
Steven Johnson apresenta uma idéia que vai ao encontro da definição de
hipermídia apresentada por Moura. Para Johnson (2001, p. 156), “o espaço-
informação é a grande realização simbólica de nosso tempo”. O autor quer nos
mostrar com isso que as mídias digitais, por onde transitam informações
75
textuais, visuais e sonoras também permitem aos indivíduos novas leituras por
meio de combinações, sobreposições e resignificação. A hipermídia pode ser
considerada um destes espaços (talvez o mais relevante), a possibilitar a(s)
interpretação(ões) dessa linguagem simbólica. É deste modo que percebemos
uma formação de um novo imaginário coletivo e individual.
Johnson segue com sua explanação afirmando que
Todas as formas simbólicas importantes contemplam o conflito entre
a subjetividade privada e a comunidade mais ampla que a emoldura,
quer essa avaliação esteja na superfície da obra ou oculta em algum
lugar entre seus pressupostos subjacentes (JOHNSON, 200, p. 160).
O imaginário coletivo aborda as questões associativas e cognitivas mais gerais,
onde tanto o interator quanto o projetista (ou designer) desse ambiente
identificam e reconhecem os elementos dispostos, bem como alguns de seus
resultados combinatórios. Já o imaginário individual surge a partir da
possibilidade de leitura, interpretação e resignificação particulares dos
elementos, composições, sobreposições e inter-relações do ambiente
hipermidiático. Desta maneira, podemos considerar que o que Johnson
denomina como obra, é qualquer objeto em uma determinada sociedade que
possa ser interpretado e significado na coletividade. Além da significação
coletiva, ocorre também, uma significação individual por meio das
particularidades do objeto e sua relação com o indivíduo. O diálogo entre as
mídias dentro da hipermídia, torna-se único a partir da interpretação vinda da
experiência do interator que age, responde e interage de forma singular,
conforme sua exploração e escolhas neste ambiente.
76
Outra definição das características da hipermídia é apontada por Vicente
Gosciola (2003, p. 28). O autor afirma que a hipermídia “[..] organiza e
relaciona determinado número de conteúdos com outros conteúdos. Esta
constante inter-relação de conteúdos é uma das principais características da
hipermídia. No ambiente hipermidiático, as imagens, os textos, os sons,
animações estão constantemente sendo combinados sem uma linearidade,
apresentando resultados distintos, conforme a exploração, escolhas e ações do
interator. O autor segue com a seguinte consideração:
Sendo o texto e o som unidimensionais, as linhas ou polígonos
meios bidimensionais, as superfícies ou sólidos tridimensionais, a
hipermídia e o hipertexto o meios de comunicação
multidimensionais porque incluem o tempo das animações, dos
vídeos e dos saltos entre os conteúdos proporcionados por seus
links
16
(Ibid, p. 28)
Na hipermídia, o deo não é mais somente um vídeo, ele possui outra
finalidade a de sobreposição e colagem, interferindo em outras mídias. O
som, por exemplo, não está mais vinculado somente à um tipo de linguagem
visual, podendo permear as imagens, as fotografias, as projeções do vídeo, os
textos e a fala. As mídias existentes na hipermídia também se inter-relacionam
e convergem: a fotografia, o desenho, a escrita (textos e hipertextos), o vídeo,
a animação, as texturas visuais e sonoras. A hipermídia propõe um
entrelaçamento de linguagens, proporcionando um diálogo único entre elas,
uma conexão ou ainda, uma inter-relação. Analogamente, no hipertexto, um
texto se compõe, recompõe e se sobrepõe a outros textos. Complementando
esta idéia, Moura define hipermídia como
16
Neste contexto, entende-se por link toda forma de conexão de uma mídia que dará acesso a
outra mídia ou um bloco de informação que acessa outro bloco de informação.
77
[...] um conjunto que compreende o hipertexto e apresenta imagens
estáticas e dinâmicas, sons (músicas, trilhas, ruídos, sinais de
advertência), animações, filmes. Enfim, é um campo em que se
estabelece a inter-relação entre elementos resultantes de linguagens
distintas, Estes, por sua vez, passam a ser associados em uma
fronteira fluída de sua linguagem referencial e assumem
características que determinam uma nova e outra linguagem
(MOURA, 2003, p. 143).
Esta nova e outra linguagem apontada por Moura é a linguagem que se
configura pela hibridização, justamente pelos aspectos particulares que as
mídias e elementos dentro da hipermídia apresentam. Separadamente, estas
mídias possuem uma linguagem específica associada ao cinema, ao deo, à
TV, às animações, à fotografia, à literatura, à fala e à música. Neste novo
conjunto, tornam-se uma composição (ou sobreposição) cuja associação
permite variadas interpretações e significados. Isto ocorre porque na
hipermídia, as mídias o elementos de algo mais abrangente e
necessariamente precisam relacionar-se umas com as outras. A partir da
hipermídia é possível obter-se informações e reestruturá-las para serem
apresentadas sob uma nova leitura.
No entanto, conforme Moura, essas informações textuais, visuais, gráficas e
sonoras são organizadas em ilhas e por sua vez, cada uma das ilhas é
chamada de nó ou quadro. São estes nós que permitem escolhas de percursos
e navegação do interator, ampliando as possibilidades combinatórias e
conseqüentemente, a interpretação dessa linguagem hipermidiática. Para o
interator, os significados variam conforme suas referências e, evidentemente,
sua interpretação. Pelo fato da hipermídia não possuir uma estrutura linear, o
interator trabalha com a possibilidade de diversos pontos-de-vistas e enfoques
a cada escolha em sua navegação ou exploração.
78
Para melhor explicar estes aspectos, tomamos uma afirmação de Gosciola :
Hipermídia é o conjunto de meios que permitem acesso simultâneo a
textos, imagens e sons de modo interativo e não-linear,
possibilitando fazer links entre elementos de mídia, controlar a
própria navegação e, a extrair textos, imagens e sons cuja
seqüência constituirá uma versão pessoal desenvolvida pelo usuário
(GOSCIOLA, 2003, p. 34)
Essa possibilidade de se fazer links entre os elementos de mídia e a versão
pessoal do usuário ao qual Gosciola refere-se, está diretamente ligada ao
aspecto da ação, simulação, interface, representação, interação, acesso à
informação e imersão.
Considerando esses aspectos da hipermídia, podemos dizer que a hipermídia
caracteriza-se por todo projeto digital onde confluência de outras mídias,
informações, imagens, sons, textos, animações que não permanecem
estáticos, modificando-se à medida que há interação com um usuário (interator)
por meio das interfaces (telas, dispositivos visuais, sonoros e táteis)
ocasionando imersão ao interator. Assim, sites, jogos eletrônicos e outros
produtos com tais características podem ser tratados como ambientes
hipermidiáticos.
2.3. Hipermídia e Design
Após a compreensão dos principais conceitos da hipermídia, verificamos que
esta não está dissociada do design como atividade projetual. Afinal, o design
79
de hipermídia trata da concepção de um projeto que aborde as características
apresentadas. O designer, ao projetar uma hipermídia, deverá estar atento
às possibilidades inúmeras que a hipermídia oferece como respostas ou
soluções a um ou mais usuários.
Ao longo do processo de projeto, o designer deverá estabelecer uma
linguagem simbólica dentro da hipermídia, explorando suas variantes tais como
imagens, textos, sons, movimentos e indicando caminhos e ações. Como
afirma Wilton Azevedo, designer e pesquisador, em seu artigo Hiperdesign:
uma cultura do acesso, a hipermídia proporciona acessibilidade ao interator,
por meio das soluções propostas pelo design dentro deste ambiente. Azevedo
denomina como hiperdesign esta possibilidade do campo do design quando
este atua no campo da hipermídia.
O hiperdesign vai além dos conceitos ortodoxos de forma, função e
otimização, incorporando, sim, o movimento, a interatividade, a
imagem-corpo. o há mais a idéia de "solidão dos códigos": os
sistemas de linguagem que, em seu berço sintático, são arbitrários
como fonte agora são determinados pelo fato de nenhum código
sobreviver sozinho na era da Hipermídia (AZEVEDO, s/d).
O autor nos mostra que o design de hipermídia não se configura somente por
meio das características modernas do design (analógicas/físicas). Estas
características, inicialmente foram propostas apenas para as relações
bidimensionais (texto e imagem) da comunicação visual (como no design
gráfico impresso) e às características do design de produtos (objetos
tridimensionais). Com o avanço da tecnologia e o aparecimento do meio digital
passa a surgir também o movimento, o som, a possibilidade de interação
ampliada com a convergência de diversas mídias em um único ambiente: a
80
hipermídia. Deste modo, assim como da convergência das mídias, surgiu a
hipermídia, o design também se amplia neste contexto, caracterizando-se por
um hiperdesign. Isto é, o design que vai além das características originais em
sua concepção como atividade projetual, abordando uma série de outros
aspectos para estabelecer uma comunicação e interação com o
usuário/interator. Compreendemos melhor esta idéia por meio de Moura,
o design de hipermídia diz respeito ao desenvolvimento de projetos
para a solução de um problema e a sugestão de uma prática
comunicativa em rede, através dos sistemas digitais e interativos, e
se estabelece a partir dos elementos e dados projetuais (fatores
culturais, formais, funcionais, metodológicos e simbólicos)
associados aos princípios e características da hipermídia (MOURA,
2003, p. 158 e 159).
Segundo a pesquisadora, o design de hipermídia traz as mesmas
características projetuais de qualquer outro projeto de design, além de
compreender os processos sistêmicos digitais e interativos, particulares à
hipermídia. No caso do design de hipermídia, o designer precisa estar atento a
uma comunicação em rede, considerando a participação eventual de não
somente um, mas diversos usuários simultaneamente. O designer deve ainda,
considerar o universo referencial dos usuários para desenvolver uma relação
de signos que se configurarão como uma linguagem simbólica passível de
interpretação e compreensão dos interatores.
As interferências e modificações ocasionadas por um usuário podem ou não
afetar o ambiente hipermídiático para outros usuários, a depender da proposta
do projeto. Os percursos escolhidos pelos interatores são distintos, pois não
linearidade na trajetória de exploração.
81
O hibridismo também é uma característica marcante no design de uma
hipermídia. Não somente pelo caráter da hipermídia com sua hibridização de
elementos e mídias, mas também, pelo campo do design contemporâneo.
Como vimos no capítulo anterior, o design contemporâneo, com suas
características pós-modernas, apresenta-se como uma composição de
referências variadas. Uma colagem de fragmentos estéticos e conceituais. Na
hipermídia, este campo do design vai se fundir aos múltiplos elementos
hipermidiáticos. Moura nos esclarece este aspecto particular da hibridização do
design na hipermídia:
Imagens pictóricas, fotográficas, videográficas, desenhos,
ilustrações, grafismos, animações em 2D e 3D, sons diversos
(ruídos, trilhas, locuções, sons para ambientação), textos,
hipertextos, poesias, frases soltas, narrativas, jogos, telas
sobrepostas, justapostas, concêntricas propõem uma nova e
dinâmica diagramação, diversas tipografias e caligrafias, ruídos e
interferências dos próprios sistemas ou programas constituem uma
nova paisagem, convivem na mesma interface, associam-se,
fundem-se em uma nova estética, em uma nova poética (MOURA,
2003, p. 189).
Todos estes elementos encontrados na hipermídia promovem uma linguagem
nova e expressiva. É expressiva porque traz diferentes referências e signos,
fundindo-os, sobrepondo-os, compondo-os e transformando todos eles. Um
signo interfere em outro, soma-se a outro. O design de hipermídia possui um
caráter subjetivo porque é decorrente dos processos imaginativos e criativos do
designer que essa miscigenação de elementos, estruturas e mbolos. Moura
denomina essa linguagem expressiva e subjetiva específica no design de
hipermídia como uma nova poética.
82
Para que essa convergência de elementos e conceitos possa ocorrer, veremos
a seguir, dois elementos primordiais na concepção da hipermídia, a interface e
a interação.
2.3.1. Interface
duas distinções relevantes dentro da concepção projetual de uma
hipermídia: a interface e a interação. Embora estes elementos estejam
próximos, são distintos e complementares entre si, dentro de um projeto de
design.
Interface diz respeito ao elemento que intermedia o observador, usuário ou
interator com a mídia. É por meio da interface que o usuário ou interator pode
interferir em uma mídia (ou objeto) e interagir com ela. Esta definição é melhor
compreendida com a afirmação de Moura:
A interface é a área em que coisas diversas interagem, é o meio de
interação do usuário com um programa ou sistema operacional que
emprega recursos gráficos (ícones e janelas) na edição de
documentos, na utilização de programas, dispositivos e outros
elementos. Sendo os principais dispositivos de entrada o mouse, o
joystick, o teclado de computador (MOURA, 2003, p. 215).
Verificamos que a interface diz respeito à comunicação do interator com o
ambiente digital. Ela integra o indivíduo à informação e conteúdo do meio
virtual no qual ele iinteragir. Esta integração do interator com o ambiente é
83
feita por meio dos elementos encontrados no ambiente digital tais como:
imagens, sons, animações, vídeos, textos e dispositivos (físicos e virtuais).
Johnson complementando a afirmação de Moura, no uma indicação acerca
de sua definição de interface ou, como ele denomina, cultura da interface:
[...] a definição que se estende por todo Cultura de Interface,
pressupõe que a interface é na realidade todo o mundo imaginário
de alavancas, canos, caldeiras, insetos e pessoas conectados –
amarrados entre si pelas regras que governam esse pequeno mundo
(JOHNSON, 2001, p. 5).
Compreendemos por meio de Johnson que a interface está associada à
conexão. É um elemento de elo, de ligação que permite o trânsito do interator
no ambiente. Esta conexão abrange todos os tipos de elementos que fazem
parte de um determinado ambiente ou situação do mundo imaginário citado
pelo autor e, igualmente abrange as regras específicas determinadas neste
ambiente. A conexão de todos estes elementos é a integração da qual Moura
se refere.
Esta integração é parte do trabalho de um designer. Ao pensar na interface em
um projeto digital, o designer deve estar atento a três fatores, conforme nos
mostra Gui Bonsiepe (1997), designer e pesquisador. São eles:
1. O interator: é preciso levar em consideração as necessidades e as
possibilidades cognitivas do interator para a realização de tarefas e ações.
84
Ao propor os elementos interpretativos para o ambiente, o designer precisa
verificar a existência de um mínimo de familiaridade desses elementos e
símbolos com o interator, de acordo com seu contexto sócio-cultural. Caso
contrário, o interator não compreenderá o sistema simbólico existente no
ambiente de interação e possivelmente suas ações serão frustradas ou
aleatórias.
2. As ações ou tarefas: as ações do usuário devem ser previstas,
contempladas e possíveis de serem realizadas. Isto é, a interface deve
possibilitar e facilitar a interação.
3. Ferramentas: São os dispositivos e elementos propostos como ferramentas
interativas, dispostas no ambiente que devem possibilitar ao interator, realizar
as ações desejadas de forma eficiente. Estas ferramentas são importantes e
devem ser funcionais ao interator para que a experiência com a ação não seja
frustrante.
Os fatores apontados por Bonsiepe nos mostram que a interface permite ao
interator a integração com o ambiente tanto na comunicação por meio dos
sistemas simbólicos e seus signos como no uso de ferramentas para realizar
escolhas e ações efetivas.
É também relevante compreender e dispor de maneira adequada, todos esses
elementos e dispositivos da interface, em um projeto digital ou ambiente virtual.
Em caso de mídias digitais, a questão visual e sonora são aspectos muito
85
importantes, pois o sentido da visão (textos, imagens, animação) é responsável
por um terço do contato do usuário/interator com a mídia. Outro um terço desse
contato se faz por meio do som (música, texturas sonoras, ruídos).
Assim, a interface trabalha os aspectos visuais e sonoros que indicam
caminhos, opções e pontos de interação entre o usuário e o ambiente digital. A
última terça parte de interface, refere-se ao contato físico do usuário/interator
com a mídia. Neste caso, os dispositivos de acesso como botões, controles,
microfones e outros componentes para as operações e interferências por meio
de contato físico que acionam elementos e provocam modificações na mídia,
disponíveis ao interator.
Além dessas indicações, a interface tem o objetivo de proporcionar ao usuário
a experiência visual e sonora que caracteriza o conteúdo das informações
dessa mídia. No entanto, é preciso considerar o interator e seu contexto sócio-
cultural ao se pensar no design de uma interface. Esta questão é relevante,
pois diferenças culturais, repertório e variedade conceitual podem comprometer
a interpretação e o processo identitário do interator. Verificamos este fato na
afirmação de Johnson a seguir:
Mas a idéia de múltiplas interfaces cada uma com a própria lógica,
os próprios estatutos – também vai de encontro à tendência do
design de interface como conhecemos. Até agora, a consistência foi
o princípio diretor da interface gráfica contemporânea. [...] Pois é
regra básica de todo design de interface que a previsibilidade
importa tanto quanto a clareza. Pode-se ter a metáfora visual mais
poderosa do mundo, mas se ela não parecer a mesma diante de
uma aplicação para outra, se o usuário tiver de reaprender a
linguagem da interface a cada novo projeto, o poder dessa metáfora
original estará gravemente comprometido (JOHNSON, 2001, p. 165).
86
Johnson nos alerta para o cuidado nas propostas de múltiplas interfaces que,
em suas variações e características independentes, podem promover falta de
reconhecimento e identificação do objeto pelo interator. O autor reforça que é
necessário se estabelecer vínculos significativos por meio dos elementos
simbólicos propostos nas diversas interfaces de um mesmo objeto, formando
uma linguagem coerente e integrada. A clareza ao qual Johnson se refere, está
associada à capacidade de interpretação e reconhecimento por parte do
interator. A partir do momento em que esta clareza não ocorrer, o signo
existente na interface perde seu significado para o interator e
conseqüentemente, seu teor simbólico. Quando isto acontece, o interator
precisa aprender o significado deste novo signo e estabelecer novamente uma
associação ao objeto. Desta maneira, o objeto vai distanciando-se do interator,
perdendo sua comunicação e expressão para este indivíduo.
A interface deve sempre estar em consonância com as necessidades do
interator, com seus sistemas simbólicos e ser acessível de maneira eficiente
por meio dos dispositivos de interação.
2.3.2. Interação
87
Não como desvincular a interação da tecnologia e a relação homem-
computador. Os ambientes virtuais propõem cada vez mais, a interatividade a
fim de fazer com o que o usuário tenha uma experiência única e positiva neste
ambiente. A interatividade é uma das características mais procuradas e
trabalhadas nos objetos produzidos para o ser humano. É de grande relevância
que o usuário possa encontrar respostas no momento em que está
manipulando, conhecendo, observando, experimentando um objeto.
Carolyn Handler Miller (2004) faz uma constatação interessante. Ela diz que há
apenas duas maneiras de se relacionar com algo. A primeira maneira é por
meio da interação. A segunda, por meio da passividade. Miller quer dizer com
isso que o acesso á informação, conteúdos e conhecimento, podem ocorrer por
meio de uma atividade sem interatividade como a leitura de um livro, assistir a
uma sessão de cinema, assistir a TV. Nestas atividades não interação de
fato porque somente o leitor ou expectador está relacionando-se com o objeto.
Não a ão-reação, tão comum na interatividade. A autora explica que em
ambientes ou produtos interativos, o indivíduo é um participante. Ele pode
manipular, explorar, alterar e influenciar de diversas maneiras. Miller ressalta
que a própria palavra interatividade indica ação (atividade) e seu prefixo,
inter, significa entre. Portanto, interatividade pode ser compreendida como
atividade ou ação entre dois ou mais objetos ou indivíduos.
Após esta breve explanação sobre a etimologia da palavra interatividade,
seguimos com uma definição mais abrangente de interatividade a partir de
Mark Stephen Meadows. Este define interatividade como “[...] um contínuo
88
crescimento na participação. É um conduto da comunicação bidirecional. É a
resposta a uma resposta” (MEADOWS, 2002, p. 36). Compreendemos que a
interatividade refere-se a uma comunicação entre dois ou mais objetos e/ou
indivíduos. Na interatividade sempre é estabelecida uma comunicação e
quanto maior esta comunicação, mais intensas e constantes serão as
respostas dadas pelos interatores. Onde interação, há comunicação, pois
esta segunda é resultado da primeira. Meadows trata a interatividade como um
relacionamento porque para ele, a interatividade promove uma troca, um
diálogo entre os pares, tal qual em um relacionamento.
Complementado o conceito de interatividade de Meadows, encontramos em
Moura (2003, p. 199) uma definição para interatividade quando afirma que esta
“diz respeito à ação mútua que é exercida entre duas ou mais pessoas, duas
ou mais coisas, estabelecendo reciprocidade”. De acordo com Moura, a
interatividade estabelece uma ação-reação, isto é, uma resposta mediante uma
ação realizada por uma pessoa ou coisa. A interatividade promove uma troca,
um diálogo onde pessoas e/ou sistemas (coisas) se relacionam.
Para Meadows (2002), é possível estabelecer três princípios de interatividade.
Ele descreve os princípios como guias para se pensar na interatividade de um
produto digital, neste caso, a hipermídia. São eles:
1. Princípio de entrada e saída: este princípio diz que a entrada da informação
deve sempre criar uma saída e vice-versa. pois “[...] é a habilidade do ciclo da
interatividade de adicionar informação que define a qualidade da interação”
89
(MEADOWS, 2002, P. 39). O autor ressalta que o tempo de tempo de resposta
entre a entrada e a saída da informação deve ser pequeno. Outro aspecto
relevante é a habilidade de controlar a entrada. A entrada de uma informação
deve facilitar mais entradas, mediante as respostas para estas informações.
Desta maneira, a linha entre o estímulo e a resposta é pequena. Quanto menor
for esta linha entre estímulo e resposta, maior é a imersão. Este princípio pode
estar relacionado a qualquer tipo de informação no modelo ação-reação. Um
diálogo em chat, um desafio tipo quebra-cabeça, questionário, trivia, uma
movimentação point-click
17
etc.
2. Princípio de interior e exterior: neste princípio, Meadows refere-se ao
relacionamento do mundo interior com o mundo exterior do interator. Trata-se
do diálogo estabelecido entre esses dois mundos. O mundo interior abrange a
fantasia, a imaginação, os elementos metafóricos e o significado. São os
aspectos simbólicos que o interator interpreta e compreende de acordo com
seu repertório e referencias. o mundo exterior, está associado ao nível de
experiências do interator por meio como seu aprendizado empírico ou
experimental.
Este princípio trata da relação do sujeito com o objeto da interatividade. Neste
princípio podemos verificar a interpretação e identificação do interator com o
ambiente e seus signos. Caso o ambiente não seja o mínimo familiar e o
17
A movimentação por point click ocorre principalmente em jogos eletrônicos, para
movimentação do personagem no cenário. Aciona-se o cursor com o botão esquerdo do mouse
sobre o personagem e depois a mesma ação sobre o ponto no cenário para onde se deseja
movimentar o personagem.
90
interator não reconhecer alguns elementos, não haverá um sistema simbólico e
esse ambiente não terá sentido para o interator.
3. Princípio do sistema aberto e do sistema fechado: neste princípio, Meadows
aponta que quanto mais utilizado, melhor ele ficará. Ele explica que embora
sistemas fechados sejam mais previsíveis e fáceis de serem projetados, são
também aborrecedores. O homem interage muito melhor em um sistema aberto
porque lida com a expectativa, a curiosidade, o inesperado e a surpresa.
Segundo Meadows (2002), os sistemas abertos são mais complicados e menos
previsíveis, porém muito mais interessantes do que os sistemas fechados.
Estes três princípios apontados por Meadows, podem nortear o projeto de
interação em uma hipermídia. O designer deve estar atento às esses
princípios para propor uma combinação entre eles, superando a expectativa do
interator e levando-o à imersão.
Sendo assim, as idéias de Jennifer Preece, Yvonne Rogers e Helen Sharp
sobre as características da interatividade visadas pelo designer,
complementam-se com as colocações de Meadows sobre os princípios de
interatividade. As autoras afirmam que produtos interativos são aqueles “fáceis
de aprender, eficazes no uso, que proporcionem ao usuário uma experiência
agradável” (PREECE, ROGERS, SHARP, 2005, p. 24). Isto é, produtos
interativos visam sempre sua forma e seu conteúdo, voltados ao usuário, pois
são propostos especificamente para um grupo de usuários, visando suas
necessidades, dificuldades, intenções, mediante uma resposta. Essa resposta
91
é que ocasiona a interação. Para elas a interação proposta pelo campo do
design “significa criar experiências que melhorem e estendam a maneira como
as pessoas trabalham, se comunicam e interagem” (Ibid., p. 28). O designer
deve refletir sobre as possibilidades interativas em seu projeto e considerar as
possibilidades de respostas aos estímulos empregados pelo objeto. Um projeto
de design de interação, também pode (e deve) oferecer ao interator, escolhas
cujas respostas permitirão outras escolhas, sendo o interator, livre para
desenvolver sua trajetória.
Podemos compreender a hipermídia como um um produto de design. Assim,
dizemos que na hipermídia a interatividade é um fator sempre presente, pois é
o meio pelo qual o interator atua e exerce mudanças, alterações e
transformações neste ambiente. De acordo com Mônica Moura
Na hipermídia, a interatividade refere-se ao caráter aberto dos
sistemas que os usuários podem acessar, estabelecer relações e
interferir nos documentos, registrando opiniões, transformando a
informação, dando vida ao processo de construção do conhecimento
(MOURA, 2003, P. 199).
Verificamos que na hipermídia, o processo de produção do conhecimento é
amplo por permitir ao interator que este estabeleça uma ordem própria na
hierarquia de informações, articule conteúdos à suas idéias, responda,
participe. É por este motivo que Moura entende a hipermídia como um sistema
aberto, onde a interatividade possibilita as ações e escolhas do interator. Ao
explorar o ambiente da hipermídia, o interator está aprendendo, fazendo novas
associações, relacionando.
92
Retomamos deste modo, os princípios de interatividade apresentados por
Meadows. Quanto mais o interator explorar, maior será seu aprendizado e
maior sua possibilidade e capacidade de ação e escolhas neste ambiente. Será
maior também, sua interação com outros indivíduos que se encontram no
ambiente. Quanto maior a interação, maior a imersão do interator nesse meio
virtual.
2.3.3. Imersão
Imersão é o objetivo das mídias digitais interativas. Embora pareça algo óbvio,
a imersão nem sempre é alcançada nessas mídias. Ela é decorrente do grau
de interatividade que a mídia, neste caso a hipermídia, apresenta. A imersão
na hipermídia está associada aos sistemas simbólicos construídos neste
ambiente, pois é da identificação e imaginação do interator com esse ambiente
que fará com quem ele tenha uma experiência agradável e deseje permanecer
ou ampliar esta experiência.
Compreendemos melhor estas idéias por meio de Arlindo Machado (2007)
quando ele afirma que a imersão ocorre com o processo de subjetivação nos
meios digitais. Esta subjetivação está associada ao processo de interpretação
e compreensão do interator com o ambiente digital. Ao interpretar, o interator
reconhece e identifica, ou associa os elementos apresentados na mídia ao seu
imaginário. Ele pode dar significado a estes elementos ou ainda, resignificá-los
93
conforme seu sistema simbólico. Machado, explica com mais propriedade essa
definição de imersão:
O termo foi introduzido recentemente na área das pesquisas para
desenvolver projetos de realidade virtual e se refere ao modo
peculiar como o sujeito “entra” ou “mergulha” dentro das imagens e
sons virtuais gerados pelo computador [...] (MACHADO, 2007, p.
163).
Podemos considerar que a imersão é a propriedade que, a partir da interação
que o ambiente virtual promove, faz com que o sujeito (interator) se integre a
esse ambiente. O interator passa a participar efetivamente deste ambiente.
Esta participação difere de interator a interator, pois cada um fará sua própria
exploração e interpretação do ambiente. Daí o fato de ser peculiar o modo de
como o interator imerge. Ao imergir, ele entra em um mundo virtual onde
possibilidades o infinitas, distintas do mundo “real” (ordinário). No ambiente
virtual, as restrições são diferentes do mundo cotidiano pois se trata do mundo
imaginário. Por exemplo, no mundo cotidiano, sabemos ser impossível o
homem flutuar ou caminhar no ar, no entanto, isso é uma ação possível no
mundo virtual. O sistema de exploração desses ambientes digitais pode
permitir ações que contrariem a física do mundo cotidiano.
A imersão trata da fantasia, a fuga da realidade para um mundo virtual
(realidade virtual), podendo parecer até mais real que a própria realidade do
mundo cotidiano. Vemos esta situação em uma afirmação de Janet Horowitz
Murray de seu livro Hamlet no Holodeck, a seguir:
A experiência de se transferir a um lugar fictício muito elaborado é
um prazer em si mesmo, independentemente do conteúdo da
94
fantasia. Esta experiência é o que denominaremos imersão
(MURRAY, 1999, p. 111).
A autora está se referindo ao encantamento que essa experiência causa no
interator, quando ele adentra o mundo fictício (da fantasia) e experimenta algo
diferente daquilo que ele conhece em seu mundo cotidiano. Murray (1999)
utiliza um exemplo com muita clareza para expressar sua idéia sobre imersão.
Ela diz que a experiência da imersão é semelhante à situação de um mergulho
na água. Ao submergir, o indivíduo entra em contato com um ambiente
diferente do ar no qual estava. A água oferece um novo contexto a esse
indivíduo, uma experiência distinta da experiência no ar. Murray complementa
explicando que ao mudar de ambiente, do ar para a água, esses ambientes são
tão distintos que requerem toda a atenção do indivíduo e centralizam seus
sentidos. Estes sentidos podem ser o da visão, da audição, do tato, enfim, de
toda a percepção.
A percepção do interator nesses ambientes virtuais modifica-se por ele estar
atento a algo diferente de seu cotidiano. Soma-se a isso, a possibilidade de
realizar ações e escolhas que ele jamais poderia realizar em seu mundo real.
O fato de o interator permanecer neste ambiente escolhendo sua trajetória,
tendo novas experiências é que resulta em seu processo imersivo. Esta
imersão pode se aprofundar, na medida em que o interator realiza mais
descobertas e ações, aguça sua curiosidade e imaginação e torna-se mais
participativo dentro do ambiente.
A hipermídia é um dos ambientes mais imersivos justamente por trazer infinitas
possibilidades ao interator, porém, segundo Machado (2007), o ambiente mais
95
avançado no processo imersivo que existe na atualidade é a cave ou caverna.
Trata-se de um ambiente formalizado como uma caverna a fim de se isolar o
sujeito de seu ambiente cotidiano ou seu mundo “real”. As imagens da
realidade virtual nesta caverna abrangem todo seu entorno (360º) preenchendo
todo o campo visual do sujeito, conforme explica o autor.
Sendo assim, o que não se (do mundo cotidiano) é porque não se encontra
na tela do mundo virtual. E se não se encontra lá, não existe. Neste caso, o
mundo virtual é a realidade do sujeito no momento em que ele se encontra na
caverna. Compreendemos melhor este conceito com uma explanação de
Machado:
A primeira idéia de caverna é o isolamento, a separação de um
dentro e um fora, um virtual e um atual, que definem a dicotomia da
aparência e da essência. Habitualmente, isso que chamamos de
“realidade virtual” é uma espécie de simulação computadorizada do
espelho de Alice
18
: do lado de fica o “mundo real”, mas, quando
se atravessa o espelho, pode-se entrar temporariamente num
universo imaginário, onde acontecem coisas não necessariamente
permitidas do lado de cá (MACHADO, 2007, p. 188).
Para Machado, a aparência está relacionada ao que se pode ver, mas a
essência relaciona-se à percepção e compreensão. Essência, neste caso é
aquilo que o se vê fisicamente, mas está presente sob a forma de metáforas
e mbolos e possuem um significado específico para o sujeito. Estas
metáforas e símbolos transmitem uma mensagem a qual o sujeito acaba
resignificando. Sendo assim, o sujeito confere aos símbolos e à própria
alegoria, uma interpretação e significados próprios. Isto ocorre porque ao se
deparar com esses elementos, ele o fez por uma trajetória também individual,
18
Machado, ao citar Alice, está se referindo à personagem de Lewis Carrol.
96
não necessariamente seguindo a ordem ou seqüência imaginada pelo autor
desse projeto de realidade virtual. É por esta razão que Machado compara a
realidade virtual ao espelho de Alice. O espelho leva o sujeito ao mundo da
imaginação e da subjetividade, separando-o do mundo cotidiano, por um
determinado tempo. No mundo do espelho (realidade virtual), o sujeito está
livre de suas postura assumida no mundo cotidiano, podendo tomar decisões e
agir de forma completamente distinta de sua vida cotidiana.
Os conceitos apresentados neste capítulo estarão presentes no capítulo
seguinte, pois se tratam de conceitos pertinentes às características
encontradas no jogo eletrônico. Esses conceitos serão analisados sob o ponto-
de-vista do jogo e suas particularidades. No próximo capítulo, consideraremos
que o jogo eletrônico, sendo uma mídia digital interativa onde convergência
de elementos, é também uma hipermídia.
97
3
O Universo do Jogo Eletrônico
98
3. O Universo do Jogo Eletrônico
Neste capítulo serão abordados os conceitos para a compreensão da estrutura
de um jogo. Mostraremos o jogo como um sistema de hipermídia, ressaltando
suas particularidades; a interação e a imersão no jogo bem como a importância
da interface no jogo. Como elementos principais de um jogo podemos citar as
regras, os desafios, o objetivo, os jogadores (participantes), o contexto onde o
jogo é jogado, os limites do jogo e, principalmente o gameplay ou o sistema
que possibilita o “jogar” em si.
3.1. Jogo Eletrônico: O Videogame e seus Ambientes Interativos e
Imersivos
Como foi visto no capítulo 1, o jogo está intrínseco na sociedade e sua cultura.
O jogo se caracteriza a partir do imaginário coletivo e estiliza a vida cotidiana
em muitos aspectos. Esta estilização pode ocorrer na representação de uma
situação ou ações do homem encontradas em seu dia-a-dia, nos fatos
históricos ou nos seus relacionamentos. Pode ainda, referir-se à imaginação, à
fantasia e às aspirações do ser humano. Para se determinar a existência do
jogo é preciso também considerar o desafio proposto pelo jogo, seu objetivo,
suas regras, os jogadores e, a diversão. O objetivo maior do jogo é a busca da
diversão e do lazer (que conseqüentemente ocasiona a imersão), sendo o jogo
um objeto lúdico. Estas características são pertinentes a qualquer jogo, seja ele
analógico ou eletrônico.
99
Neste contexto, tomaremos como jogo eletrônico o videogame. Os videogames
são jogos digitais que receberam esta denominação por se tratarem de jogos
jogados (além do suporte para hardware) por meio de um dispositivo de
varreduras como os monitores ou TVs. Segundo Manovich (2001), as imagens
na tela de um monitor ou TV podem ser atualizadas em tempo real.
Compreende-se por videogame todo jogo eletrônico jogado no computador, em
consoles ou em arcades
19
. Essas três divisões são decorrentes do suporte
onde o jogo é jogado.
Encontramos na dissertação de Sergio Nesteriuk, “A Narrativa do jogo na
hipermídia: a interatividade como possibilidade comunicacional”, de 2002, uma
explicação objetiva quanto a esta informação:
A distinção se em função do suporte utilizado: os jogos para
console ocorrem em um monitor de televisão a partir de um console
próprio (como Atari ou Playstation, por exemplo); os jogos para
computadores são jogos que ocorrem no monitor do computador a
partir de seu próprio hardware (como PC ou Mac); e os jogos para
arcades também chamados equivocadamente por alguns de
fliperamas – que são grandes máquinas integradas (console-monitor)
dispostas em lugares públicos (NESTERIUK, 2002, p. 78)
Verificamos que esta diferenciação de suportes está associada à questão de
hardwares ou sistema de informatização do jogo e basicamente os suportes se
distinguem pelas características de processamento e limitações técnicas.
Jogos de console ou de computador em geral são mais complexos devido a
essa estrutura de hardware, mas também devido ao local e tempo de jogo para
19
Erroneamente, os arcades são chamados de fliperama. Isso ocorre porque estes jogos ficam
disponíveis em casas comerciais de diversão que, inicialmente, possuíam os jogos de pinball,
acionados por flipers. Daí o nome fliperama que se estendeu aos locais onde estes jogos eram
encontrados. Atualmente, nos “fliperamas” ou casas de diversão eletrônica, encontram-se os
arcades e os pinballs analógicos.
100
o jogador. Os jogos para arcade, geralmente o jogos de ão, com repostas
rápidas e muito dinâmicas. São jogos também com tempo de duração muito
inferior aos videogames de computador ou consoles para possibilitar aos
jogadores, chegarem ao seu final em uma rodada, no tempo em que estiverem
em centros de laser eletrônico. As máquinas de arcade, em sua grande
maioria, se encontram em locais públicos de diversão eletrônica. Estando em
casa, o jogador dispõe de um tempo maior para o jogo, diferentemente do
tempo empregado em um jogo de arcade.
Jesper Juul, em seu livro Half-Real: Video Games between Real Rules and
Fictional Worlds nos apresenta uma primeira definição e delimitação dos video
games. Segundo ele,
[...] video games são duas coisas diferentes ao mesmo tempo:
videogames são reais quando eles consistem em regras reais com
jogadores que de fato interagem e quando no ganhar ou perder um
jogo é um evento real. No entanto, ao ganhar um jogo matando um
dragão, o dragão não é um dragão real, mas um ficcional. Jogar um
video game é, portanto, interagir com regras reais enquanto se
imagina um mundo fictício, e um video game é um conjunto de
regras tanto quanto é um mundo fictício (JUUL, 2005, p. 1).
Verificamos por meio da afirmação de Juul que os videogames se situam no
limiar de dois “mundos”, o da imaginação e fantasia (fictício) e o do cotidiano
(real). É no mundo da imaginação, isto é, a partir do imaginário que o designer
estabelece um sistema simbólico, elementos ficcionais e suas referências para
contextualizar o jogo. Já, no mundo cotidiano, ele irá buscar os limites para
este contexto fictício onde o jogo ocorre. Neste caso, entendemos por limites,
as regras e objetivos do jogo.
101
O autor nos mostra que os videogames transitam por esses dois mundos e
dependem de ambos para existir. Isto porque é do mundo da imaginação, que
surgem os elementos fantásticos que vão tornar o videogame atrativo e em
parte, imersivo. Ao jogar, o homem não busca sua própria realidade vivida no
dia-a-dia; ele busca por algo inusitado, uma nova experiência para sua
diversão. Porém, embora em um mundo de ficção como o do videogame,
sempre a necessidade de elementos identificáveis aos jogadores, pois sem a
mínima familiaridade com o ambiente e seus elementos, o jogo não fará
sentido algum para o jogador, tornando-se desinteressante. Daí um motivo de
as regras de um jogo serem embasadas no mundo cotidiano do jogador. As
regras indicam limitações, caminhos, opções, elementos de interação e
objetivos ao jogador. Elas orientam o sujeito em sua trajetória pelo ambiente
fictício e indicam condutas. Formam, em conjunto com os elementos do jogo, o
sistema do jogo.
O videogame caracteriza-se por ser um sistema. Podemos considerá-lo assim
porque tal qual em um sistema, seus componentes (objetos) estão inter-
relacionados e se integram. Estes componentes do jogo atuam em conjunto e
não isoladamente. De acordo com Tracy Fullerton, Christopher Swain e Steven
Hoffman em seu livro Game Design Workshop, os objetos do jogo são a base
construtiva de um sistema. Os autores afirmam que
Sistemas podem ser pensados como um grupo peças inter-
relacionadas, denominadas objetos que podem ser físicos, abstratos
ou ambos, dependendo da natureza do sistema (FULLERTON,
SWAIN e HOFFMAN, 2004, p. 108).
102
Para os autores, estes objetos do jogo estão diretamente associados à
natureza do sistema. Desta forma, a característica do sistema, também define
as características dos objetos, seu comportamento e suas inter-relações.
Fullerton, Swain e Hoffman compreendem os objetos como cenários,
personagens, peças individuais do jogo, conceito dentro do jogo, os próprios
jogadores e suas representações no jogo (avatares
20
). Todos esses objetos
estão presentes no mundo virtual do jogo a fim de estabelecerem um
significado para o jogador e são organizados por meio das regras do jogo.
Podemos considerar que o sistema de jogo é também, um sistema de
hipermídia. O videogame também possui uma convergência de elementos e
mídias. Ele aborda aspectos visuais, sonoros, textuais, diversos dispositivos de
interação, possibilidades ao jogador e escolhas, assim como uma hipermídia.
Porém, os videogames até o início da década de 1980, não possuíam tantos
elementos e atributos interativos, por isso, não ofereciam um fator muito
imersivo para o jogador. Verificamos que os jogos eletrônicos constituíam-se
basicamente de uma série de ões repetitivas. Os jogos não possuíam
exatamente um objetivo final a ser alcançado pelo jogador e após algumas
jogadas, o jogador se entediava. Sua única ação era controlar as poucas
movimentações dentro do jogo e responder rapidamente a uma ação do jogo.
Isto ocorria porque os jogos eletrônicos eram em sua maioria, jogos de tiro que
exigiam mais destreza do jogador e habilidade com os controles do que
estratégia e reflexão. Também, permitiam pouca ou nenhuma exploração do
20
No jogo digital, um avatar é a representação gráfica do jogador.
103
ambiente virtual. A única tarefa ou desafio do jogador era acionar os
dispositivos para atirar e fazer pontuação. Foi a partir da introdução de um
contexto mais significativo ao jogo que essa relação entre jogador e jogo se
modificou.
Chris Kohler (2005), pesquisador de games, nos mostra que Shigeru
Miyamoto
21
, encontrou um novo conceito para os videogames. Ele afirma que o
amor pela exploração e fascinação pelo novo, por meio de descobertas
inesperadas de Miyamoto o levaram a conceber os jogos de maneira
diferenciada. Segundo Kholer
Este tipo de exploração e descoberta tornou-se um aspecto definitivo
dos jogos de Miyamoto uma vez que o hardware se tornou poderoso
o suficiente para trazer o mundo de sua imaginação para a vida.
Mas seu talento para os designs de personagem e seu amor pelas
histórias épicas, são os fatores que tornaram seu primeiro jogo um
sucesso (KOHLER, 2005, p. 36).
O autor nos mostra com esta afirmação que Miyamoto percebeu que o fator de
motivação e imersão do videogame estava na contextualização do mundo
imaginário e fantástico que o ambiente virtual poderia oferecer ao jogador. A
tecnologia possibilitou a construção deste mundo virtual do jogo, com todos os
elementos necessários para aproximar o interator de sua própria imaginação,
sonhos e fantasias. Deste modo, o game designer introduziu ao mundo virtual
(o jogo) um contexto mais “real” por meio de alguns personagens e uma
história. Ou seja, Miyamoto inseriu ao sistema de jogo, um sistema simbólico
21
Shigeru Miyamoto, atual gerente geral da Nintendo Co. Ltd. é um dos mais renomados game
designers do mundo. Dentre seus projetos, além da série The Legend of Zelda, podemos citar
Donkey Kong, a série completa de Mario, Yoshi, Kirby, Star Fox e muitos outros videogames.
104
que permitia além da interação no ambiente virtual, uma identificação do
jogador com os signos e significados neste contexto do jogo.
Para seu primeiro videogame (Donkey Kong) que também foi o primeiro a
apresentar este sistema simbólico, Miyamoto concebeu um personagem que
não possuía nada de primoroso ou especial. Jumper Man, depois chamado de
Mario, era um personagem sem grandes atributos ou perfil de herói. o era
bonito, não era fisicamente bem constituído, era apenas um sujeito comum, de
bigodes. No entanto, este sujeito comum, derrota um gorila que, por sua vez,
também não era especial, nem completamente mau. O jogo leva o nome do
oponente de Mario, o gorila. De acordo com Kohler (2005), Miyamoto queria
que o título do jogo bem como o nome do personagem indicasse o gorila como
uma criatura teimosa, cabeçuda. O designer encontrou o termo Donkey. O
termo Kong, veio da associação que os japoneses fazem ao gorila gigante,
personagem de King Kong, o filme de 1933.
Podemos considerar que em todos os momentos do projeto deste jogo, o
designer esteve fazendo uma leitura do imaginário coletivo, referenciais e
valores culturais de sua sociedade para resignificá-los no jogo. Somados a
estes fatores, estão a própria imaginação de Miyamoto e sua habilidade para
criar uma história para todos estes elementos resignificados, dando-lhes um
contexto próprio para o jogo. Continuamos com este pensamento ao
verificarmos este contexto do jogo.
105
Em Donkey Kong (fig. 10), Mario precisa resgatar sua namorada que foi
raptada pelo gorila que leva o nome do título do jogo. O gorila vai dificultar esse
resgate atirando uma série de obstáculos (barris) para Mario superar. A
estrutura do jogo é bem simples, considerando a tecnologia disponível no início
da década de 1980. Porém, pela primeira vez, além de um cenário, foi
introduzido um contexto composto de uma história, personagens e uma
recompensa a quem finalizasse o jogo.
Fig. 10. Donkey Kong, 1981.
O jogadores controlava o personagem Mario que ao chegar no topo da
construção, enfrentava o gorila e finalmente salvava sua namorada. Sua
recompensa era um beijo agradecido e apaixonado.
106
O fato de Mario ser uma “pessoa” comum aproximava os jogadores desse
mundo virtual porque muitos se identificavam com o personagem. Ainda mais
quando este personagem superava suas dificuldades em prol de sua amada e
tinha um final feliz, ao lado dela. Este conceito do amor romântico, que supera
tudo e todos é algo almejado pelos indivíduos em sua vida cotidiana.
Após esta percepção e inovação de Shigeru Miyamoto, os videogames
passaram cada vez mais a apresentarem estes elementos que colaboram com
a interação e imersão do jogador no ambiente virtual, constituindo-se de um
sistema hipermidiático. Neste sistema de hipermídia os mbolos, os
significados, os elementos visuais, sonoros, textuais, os dispositivos de entrada
e saída, as respostas, as ações, as escolhas e decisões, fazem parte de um
contexto maior onde o interator se encontra – o jogo.
No caso do jogo, o interator (jogador), realmente necessita de uma interação
com o ambiente e seus elementos. Isto ocorre porque uma característica do
jogo ser um jogo é que este possibilita respostas e ações mediante uma
proposta, questionamento ou desafio do próprio jogo. Ao abordar
características da hipermídia, Nesteriuk nos aponta que
O usuário-navegador pode então se tornar autor, ou co-autor da
obra, pois além de explorar o conteúdo pré-estabelecido por meio de
novas ligações, pode ainda criar essas estruturas (NESTERIUK,
2002, p. 42).
Esta possibilidade oferecida pela hipermídia é também parte da estrutura de
jogo onde ocorre, obrigatoriamente, a interação do jogador com os elementos
do jogo. É nesta interação que se constrói a narrativa do jogo. Isto é, o jogador
107
é o sujeito que participa do contexto, podendo alterá-lo conforme suas ações e
escolhas. Machado nos uma idéia mais clara a respeito dessa narrativa no
jogo:
Não por acaso, as narrativas construídas para computador tendem
mais para a forma aberta do jogo (em que uma certa intervenção
ativa do usuário é não apenas desejável, mas até mesmo exigida) do
que a seqüência irreversível dos acontecimentos, que marca a
experiência narrativa mais convencional conhecida na literatura e no
cinema (MACHADO, 2007, p. 212).
Machado se refere a uma narrativa aberta porque no videogame, as
experiências interativas são muito maiores possibilitando múltiplas escolhas
exploratórias e decisões do jogador. Nestas explorações, o jogador pode
retornar a certos ambientes, desfazer ações ou refazê-las, escolher diferentes
elementos “jogáveis” e trocá-los, escolher locais onde explorar e realizar ações
etc. Todas estas possibilidades caracterizam uma narrativa aberta, onde não
existe uma trajetória única pré-determinada.
Um dos jogos pioneiros a utilizar estes conceitos em um ambiente virtual após
os MUDs
22
, foi Myst
23
. Em Myst (fig. 11) o jogador explora a ilha em busca de
pistas e solucionando quebra-cabeças e desafios a fim de encontrar e resgatar
Atrus, um escriba, além de soltar seus dois filhos que se encontram
22
MUD – Multi-User Dungeon são jogos eletrônicos somente textuais onde os jogadores
interagem, por meio da narrativa que vai se criando a partir das ações interação entre os
jogadores. Os MUDs se originaram no final da década de 1970 e combinam elementos
clássicos de RPG (período medieval, masmorras e seres fantásticos) com um chat para o
diálogo dos jogadores. Segundo Murray (1999), os MUDs doa década de 1990,
possibilitavam que os jogadores criassem suas próprias masmorras por intermédio de uma
programação simples. A narrativa e os acontecimentos eram determinados somente dos textos
produzidos pelos jogadores e sua imaginação.
23
Myst foi criado em 1993 pelos irmãos Robyn e Rand Miller, para a Cyan Inc.. Uma das
maiores referências no gênero adventure game para computador, foi também um dos primeiros
jogos a utilizar o CD-Rom como mídia.
108
aprisionados. Atrus escreveu livros mágicos que podem se conectar a outros
mundos, estando seus filhos, aprisionados nestes livros. Ao mesmo tempo em
que o jogador faz suas explorações e realiza metas no jogo, ele vai
aprendendo a história de Atrus e o motivo de seu desaparecimento.
Segundo Manovich (2001, p. 244), “no Myst, o jogador se movimenta pelos
mundos literalmente com um passo de cada vez”. Trata-se de um jogo lento,
ocasionando mais introspecção e reflexão do jogador. Neste jogo, a interação
do jogador com os cenários e os elementos contidos neles é de extrema
importância, pois o das escolhas do jogador, suas soluções e respostas aos
enigmas e desafios que o jogo vai possibilitando avançar e chegar ao objetivo
final: encontrar Atrus.
Fig. 11. Myst, 1993.
Machado, ao analisar Myst faz uma afirmação importante, que caracteriza o
video game como uma hipermídia.
109
A principal diferença entre a situação narrativa colocada por Myst e
aquelas praticadas em outras modalidades dramatúrgicas reside no
fato de não existir uma única maneira de fazer evoluir os
acontecimentos. Cada visitante ou jogador passa por caminhos
distintos, resolve de formas diferentes os mistérios e experimenta de
modo personalizado os fatos da história. Alguns poderão encontrar
um caminho mais curto para chegar ao “final”, outros também
chegarão lá, mas depois de seguir percursos mais tortuosos e se
perder nos diversos labirintos do jogo. Alguns lugares serão visitados
apenas por uns, mas não por outros interatores. Não há um percurso
único, definido, que se possa considerar o caminho correto de
chegar ao “fim”. Todos os caminhos são legítimos, mesmo que não
levem a lugar algum, até porque nesse tipo de dramaturgia o prazer
encontra-se menos em resolver uma intriga e chegar à catarse final
do que experimentar as mil possibilidades de desenvolvimento
(MACHADO, 2007, p. 213).
Machado quer nos mostrar com essa análise que embora haja um objetivo
final, não é este o único interesse do jogador. Para ele (jogador), a exploração
de possibilidades no jogo torna-se o fator mais interessante na medida em que,
em suas explorações pelos quatro mundos distintos e diferentes, o jogador se
depara com novos desafios, pistas que podem ser verdadeiras ou falsas e
conhece um pouco mais da história dos personagens e suas personalidades.
Ao mesmo tempo, o jogador se depara com um conjunto de cenários (fig. 12) e
paisagens muito detalhados, “realistas”, misteriosos. o cenários onde ele
precisa procurar por elementos escondidos que serão úteis em outros
ambientes e decifrar enigmas diferentes. O fato de o jogador poder retomar a
narrativa sob vários aspectos e realizar escolhas no decorrer do jogo que o
levam aos vários “finais” diferentes; além das imagens que prendem a atenção
do jogador, tornam Myst um mundo virtual muito imersivo.
110
Fig. 12. Cenário de Myst, 1993.
Myst nos apresenta elementos do imaginário coletivo resignificados por seus
autores como, por exemplo, os mundos fictícios, os mistérios e os poderes da
magia que são temas muito recorrentes na literatura. No entanto, possui
também aspectos muito próximos ao mundo cotidiano do homem. A relação de
disputa e cobiça entre os irmãos Sirrus e Achenar (filhos de Atrus) é um fator
muito comum ao longo da história da cultura e das sociedades. Os cenários,
embora fantasiosos, possuem características próximas aos cenários de
florestas e montanhas do mundo “real”. Verificamos que o jogo, por mais que
tenha elementos do imaginário e da imaginação, também traz aspectos do
cotidiano e da cultura de uma determinada sociedade fazendo com que o
jogador identifique-se com a narrativa e possibilite a interação.
Embora Myst apresente essa narrativa aberta, sendo um dos pioneiros neste
gênero, toda essa narrativa é construída a partir dos cenários do jogo. Não
um personagem “jogável”, pois os personagens existentes são elementos
sobre os quais o jogador toma decisões e/ou obtém informações para seguir
sua exploração. Por possuir os cenários como os ambientes interativos, o
111
sistema point click foi implementado em Myst. Na ausência de um personagem,
o jogador utilizava o cursor do mouse na tela, visível sob o símbolo de uma
mão, para realizar suas ações e comandos, selecionando um objeto e
acionando o botão do mouse e/ou arrastá-lo para interagir com este objeto ou
verificar a existência de objetos interativos no cenário.
Diferentemente de Myst, na série The Legend of Zelda
24
podemos ver uma
narrativa fortemente vinculada a um roteiro onde o jogador, interage e realiza
suas ões por meio de um personagem o Link (fig. 13). Este personagem
torna-se o elemento central no decorrer do jogo, pois o jogador assume o papel
de Link e passa interagir no ambiente virtual por meio do personagem.
Fig. 13. Link em The Legend of Zelda: The Wind Waker, 2003.
Nesta série, os primeiros jogos não possuíam gráficos realistas e privilegiavam
o traço e as cores vibrantes, com imagens mais próximas a desenhos vetoriais.
24
The Legend of Zelda é uma série de videogames criada por Shigeru Miyamoto, para a
Nintendo. O primeiro video game da série foi lançado em 1986 no Japão e em 1987 nos EUA
e Europa. Atualmente contando com mais de dez títulos produzidos para diversos consoles da
Nintendo como NES (Nintendo Entertainment System), Super NES, Game Boy, Nintendo 64,
Game Cube e Wii.
112
Ainda assim, essas imagens não distanciavam o jogador de seu imaginário e
imersão no jogo. Podemos verificar algumas características citadas aqui na
figura 14. A interface gráfica, simples, sem muitos detalhes é coerente com
essa linguagem visual dos elementos do jogo, indicando somente as
informações relevantes ao jogador, sem que atrapalhem a visibilidade do jogo.
Fig. 14. Interface gráfica em The Legend of Zelda: The Wind Waker, 2003.
Por outro lado, com os avanços tecnológicos, o tratamento da imagem e os
recursos utilizados no cinema e nas animações, nos legaram as imagens 3D
25
,
muito realistas. Os jogos mais recentes da série também foram desenvolvidos
com esta tecnologia e tendência cultural que se tornou um atrativo maior a
muitos jogadores, como mostra um exemplo na figura 15.
25
3D refere-se à uma imagem em tridimensional, isto é, o recurso da ilusão do volume é
trabalhado na imagem. Analogamente, 2D refere-se a toda imagem bidimensional,
representada em um único plano.
113
Fig. 15. The Legend of Zelda: Twilight Princess, 2006.
Os jogos desta série oferecem outros elementos que fazem com que o mundo
virtual se aproxime do mundo “real” do jogador. Compreendemos melhor esta
idéia com o questionamento de Miyamoto quanto ao realismo. Ele, descreve a
imagem de uma mão, com todos os detalhes, no entanto, ao se fechar para
segurar uma garrafa, os dedos passam diretamente através da garrafa. Neste
caso, o designer pondera que é muito melhor tornar a finalização das ações
dos objetos do jogo críveis do que preocupar-se com tantos detalhes.
O designer ressalta que o realismo no jogo está justamente na apresentação
de situações, ações e objetos que, por mais fantasiosos ou imaginários eles
possam ser, ainda sejam coerentes com aquilo que o homem conhece de sua
vida cotidiana e de seus aspectos. Não é o detalhe, a verossimilhança, a
tentativa de reprodução de características físicas dos objetos do mundo ”real”
que promovem a verdade” no jogo. É necessário que as coisas que ocorrem
no jogo, façam sentido ao jogador e possam ser associadas às experiências
anteriores ou ao repertório, ou ao conhecimento formal ou empírico deste
jogador. Este fato também está vinculado ao processo imersivo do jogo.
114
Para Steven L. Kent (2005, p. 353), The Legend of Zelda é o videogame mais
brilhante do game designer Shigeru Miyamoto. O autor afirma que o jogo
“combinou um bem arquitetado conto-de-fadas com uma mecânica de jogo
perfeitamente bem construída”. Kent chama este jogo de conto-de-fadas, pois
se trata de um jogo que se passa no mundo de Hyrule e Link, um bom rapaz de
coração puro precisa salvar a princesa Zelda que foi raptada por um inimigo
chamado Ganon. Os habitantes de Hyrule são todos baseados nas figuras de
elfos
26
, criaturas com poderes mágicos e muita sabedoria.
Na história, Link, antes de resgatar a princesa, precisa encontrar partes de uma
lápide mágica chamada Triforce, três peças mágicas onde cada uma possui
um significado, sendo estes a coragem, força e a sabedoria, enfatizando ainda
mais o lado heróico na história. Todo o roteiro deste videogame trabalha com
os elementos fantásticos do mundo dos contos-de-fadas, ressaltando a
dicotomia do bem e do mal, a vitória do bem sobre o mal e as questões éticas e
morais, tal qual ocorre nos contos-de-fadas. Novamente, verificamos a
resignificação de elementos do imaginário coletivo no jogo.
The Legend of Zelda foi também um dos primeiros jogos que possibilitou uma
movimentação do personagem pelo cenário para diversos pontos e não
somente para frente e para trás. Este jogo também trouxe uma inovação ao
apresentar uma janela para textos em sua interface. As janelas de textos
26
Os elfos são criaturas da mitologia nórdica, muito recorrentes na literatura medieval européia
e descritos por diversos autores de romance e ficção, sendo o mais popular deles, John Ronald
Reuel Tolkien, escritor britânico.
115
traziam diálogos entre os personagens do jogo e informações para o jogador,
em determinados pontos das áreas jogáveis.
O som nestes jogos é tratado com o devido cuidado e traz associações
importantes aos momentos do jogo. A série possui uma música tema de base.
Em cada um dos jogos, esse tema é utilizado com variações. As músicas nos
jogos são caracterizadas de acordo com cada cenário, assim, mudando de
cenário, a música também é alterada. Além dessas músicas, os jogos contam
com os ruídos e efeitos sonoros que indicam uma ação realizada ou um diálogo
entre os personagens. Este diálogo, no entanto, não exprimem palavras
inteligíveis, mas apenas indicam a fala de um personagem. O diálogo em si,
compreensível para a interação no jogo, ocorre somente nas caixas de textos
que aparecem na interface do jogo.
Ao contrário de Myst, todos os jogos desta série possuem apenas uma
possibilidade de final. Ainda assim, isto não torna o jogo linear ou
desinteressante. A estrutura do jogo se baseia em um grande mapa onde,
conforme o jogador completa uma missão, áreas deste mapa são abertas.
Conforme as missões são realizadas, mais áreas são liberadas tornando o jogo
mais complexo por haver mais ambientes a serem explorados, enigmas,
desafios e elementos a serem obtidos. Ao completar uma determinada
quantidade de missões (desafio), o jogador segue para outra área podendo
retornar aos locais anteriores para realizar novas ações solicitadas em etapas
posteriores sempre que desejar.
116
Em toda a série, o a necessidade de se realizar todas as tarefas dos
jogos, podendo estes, serem finalizados com aproximadamente pouco mais de
50% das missões. Porém, quanto mais se resolve os desafios, mais detalhes
da história são exibidos ao jogador. Além disso, há missões e objetos dos jogos
não obrigatórios que auxiliam o jogador a chegar a seu objetivo final, sendo
interessantes ao jogador poder realizá-las. Diante destas características, The
Legend of Zelda também possui um sistema de narrativa aberto, ao permitir
escolhas ao jogador.
É evidente que estes elementos e estruturas não são encontrados em todos os
jogos eletrônicos. Alguns, por conta de seu sistema de jogo (ou gênero), não
possibilitam tanta flexibilidade de ações, explorações ou trajetórias. Trazem
outros aspectos hipermidiáticos como a não linearidade dentro de um mapa ou
estágio do jogo; requerem ações e decisões do jogador e conforme elas, o jogo
responde de maneira diferenciada e particular àquele jogador, naquela
determinada situação. Um bom exemplo dessas diferenças pode ser vista no
videogame C.R.U.S.H.
27
.
Este é um jogo de quebra-cabeça onde o jogador deve recolher as esferas
brilhantes (azuis e vermelhas) ao longo da trajetória dos mapas. Somando uma
determinada pontuação com estas esferas, uma saída é aberta no labirinto por
onde o jogador deve sair e avançar nas fases ao mudar de mapa. O jogo
possui um tutorial relativamente complexo para jogos de quebra-cabeça, pois
27
C.R.U.S.H. é um jogo publicado pela SEGA, no final de 2006, para o console portátil da
Sony, o PSP.
117
cada ação exige um comando diferente, utilizando todos os botões de controle
do console.
A história de C.R.U.S.H. traz um personagem (que aparece na tela do jogo,
com o qual o jogador realiza as ações dentro do ambiente virtual) insone que
busca solucionar seu problema. Para isso, ele encontra um cientista que afirma
ter a máquina que controlará seus sonhos e o fará dormir. Todos os mapas do
jogo são os sonhos do personagem que ele precisa superar. Neste jogo (fig.
16), os cenários possuem aspectos fantasiosos, um mundo irreal dos sonhos
formando labirintos a serem enfrentados pelo jogador.
O ambiente de sonhos e insônia é também obtido por meio do som do jogo. A
música é composta por uma mistura de jazz com ruídos, vozes que remetem à
idéia de perturbação (que pode ser do sonho ou causado pela fadiga da
insônia). Os efeitos sonoros indicam ões no jogo. Existe um dispositivo
sonoro para uma ação realizada; e outro que indica uma tentativa de ação
frustrada, impossível de ser realizada naquela determinada posição em que o
jogador se encontra. também um efeito sonoro que indica um objeto
recolhido e sua pontuação, como por exemplo, a captura de uma esfera
pontos. O design de som foi projetado também foi projetado de forma a
conectar o jogador ao mundo virtual de C.R.U.S.H..
118
Fig. 16. Um dos labirintos de C.R.U.S.H..
Conforme o jogador vai caminhando pelo labirinto, ele deve recolher as esferas
(indicadas pelos círculos azuis na fig. 16). Ao escolher sua trajetória, o jogador
se depara com obstáculos que podem ser ultrapassados com um salto ou com
ajuda de objetos que ele encontra no caminho podendo movê-los. Estes
objetos podem servir de apoio para saltar o obstáculo ou acionarem alavancas
que abrirão uma porta ou um suporte para levar o personagem a outro nível do
labirinto. O conceito parece simples para um quebra-cabeça. No entanto, o
jogo possui características que interferem nessas ações. Algumas ações são
possíveis somente mudando o posicionamento e enfoque da câmera, bem
como a escolha da vista 2D, substituindo a vista 3D e vice-versa (figs. 17 e 18).
Após um determinado conjunto de ações e pontuação por meio das estrelas, o
jogador encontra uma saída daquele labirinto, passando para outro estágio.
119
Fig. 17. Exemplo de vista 2D em C.R.U.S.H.
Fig. 18. Exemplo de vista 3D em C.R.U.S.H.
Em cada movimento, ao de deparar com um obstáculo, o jogador deve tomar
uma decisão e realizar uma ação diferente, dependendo da natureza dos
obstáculos. Em alguns casos, somente mudando a posição da câmera e
alterando seu enfoque é que o jogador pode verificar as possibilidades de
ação.
120
C.R.U.S.H. não possui um roteiro complexo como The Legend of Zelda.
Tampouco possui um personagem carismático e repleto de valores morais
como Link. Sequer apresenta cenários realistas e belos como Myst. Apesar
disso, C.R.U.S.H. possibilita um alto grau de interatividade ao jogador por meio
de seus inúmeros comandos e ações. Permite escolhas, tentativas, e
experiências diferentes em cada labirinto. Conforme o jogador completa um
desafio, ele aprende a solucionar desafios semelhantes, ao se deparar com
outros obstáculos. Embora o jogador não possa voltar ao mapa anterior sem
retornar à interface principal do jogo, ele poderá traçar seu próprio caminho
para recolher as esferas e marcar a pontuação necessária. Também poderá
encontrar soluções diferentes para os obstáculos.
A idéia de labirinto leva o jogador a sentir-se perdido, causando ansiedade para
encontrar uma saída. Como um pesadelo, muito mais que o sonho bom. Na
vida cotidiana, o homem também enfrenta esses problemas do limiar do sonho
e da realidade, da sensação de estranheza e perda de orientação por noites
mal dormidas ou insônia. São aspectos resignificados pelo designer neste jogo,
por meio de seu roteiro e elementos visuais e sonoros. Todos estes aspectos
contribuem para este videogame ser uma hipermídia muito imersiva.
Após estabelecermos uma relação entre jogo eletrônico e as características da
hipermídia, além dos aspectos interativos, narrativos, sua história e seus
elementos visuais e sonoros, é relevante compreendermos a estrutura de jogo,
isto é, aquilo que torna o jogo “jogável” - o game play.
121
3.2. Mecânica de Jogo e Jogabilidade: O Gameplay
Jogar implica em uma participação do jogador por meio de escolhas e ações.
Deste modo, o jogo se difere de outras mídias como cinema, a TV e a literatura
porque necessariamente, precisa da participação efetiva do interator. No jogo,
o sujeito não é meramente um espectador, pois é por meio de sua participação
efetiva que o jogar ocorre. Porém, como foi apontado anteriormente neste
capítulo, o jogo precisa fazer sentido para o jogador. A grande e relevante
diferença entre jogo e outras hipermídias é que no jogo, o interator (jogador),
obrigatoriamente necessita compreender as regras e desafios propostos para
estabelecer uma estratégia e realizar suas ações. Diferentemente da
aleatoriedade que uma exploração pode oferecer em uma hipermídia
experimental. Os elementos de um jogo precisam ter um determinado
significado de modo a satisfazer o jogador e levá-lo a desejar permanecer no
ambiente do jogo e explorá-lo. Corroborando com este raciocínio, encontramos
em Salen e Zimmerman a seguinte definição:
Uma jogada significativa em um jogo surge do relacionamento entre
a ação do jogador e o resultado do sistema; é o processo pelo qual o
jogador realiza a ação dentro do sistema projetado de um jogo e o
sistema responde à ão. O significado de uma ação em um jogo
reside no relacionamento entre a ação e o resultado (SALEN e
ZIMMERMAN, 2004, p. 34).
Os autores apontam que a interação diz respeito à ação e/ou realização do
usuário no jogo. Esta jogada significativa define-se como a atividade ou
ocupação voluntária do jogador, executada dentro de certos limites fixados de
tempo e lugar, que gera um resultado no jogo. Este resultado é a resposta ao
jogador para que ele possa, a partir disto, realizar novas ações e escolhas. É
122
importante ressaltar que o relacionamento entre a ão e o resultado no jogo,
ocorre de acordo com as regras aceitas livremente pelo jogador visando sua
diversão e imersão.
As regras podem parecer um elemento contraditório nos jogos, pois se o
interator joga para se divertir, esta diversão deveria ser livre e não permeada
por restrições das regras. No entanto, são as regras que especificam as
possibilidades dentro do jogo. De acordo com Juul (2005, p. 19), “as regras de
um jogo acrescentam significado e permitem ações, estabelecendo diferenças
entre jogadas em potencial e acontecimentos”. O autor nos mostra que as
regras são importantes para indicar ao jogador o que ele deve ou pode fazer
em determinadas situações do jogo. Indicam também, quais as possibilidades
de escolhas a serem realizadas, quais estratégias o jogador poderá adotar e
especificar cada ação para cada momento ou evento ocorrido neste mundo
virtual. As regras estabelecem os momentos e tipos de interação do jogador
com o jogo e/ou com outros jogadores e determinam o objetivo do jogo, bem
como seus desafios. Complementando esta idéia, retomamos o pensamento de
Salen e Zimmerman:
A jogada significativa ocorre quando os relacionamentos entre ações
e resultados em um jogo, são ambos dicerníveis e integrados em um
contexto maior do jogo. Criar uma jogada significativa é o objetivo
bem sucedido do design de game (SALEN e ZIMMERMAN, 2004, p.
34).
Verificamos que o significado no jogo é decorrente da interpretação e da
compreensão dos elementos e contexto do jogo pelo jogador. Somente se
houver essa interpretação e compreensão do jogador, o jogo será jogado de
123
fato. Desta forma, cabe ao game designer oferecer signos e conceitos cujos
significados façam parte do imaginário do jogador ou de seu repertório sócio-
cultural.
Além destes aspectos, o designer também deve estar atento ao gameplay
28
do
jogo. Richard Rouse III nos aponta o principal foco do game designer em
relação à mecânica do jogo:
O game design, determina quais escolhas o jogador será capaz de
fazer dentro do mundo do jogo e quais ramificações essas escolhas
irão ter no resto do jogo. O game design determina qual o critério de
vitória ou derrota o jogo deve ter, como o usuário será capaz de
controlar o jogo, quais informações o jogo deverá passar para ele (o
usuário), assim como estabelecer o quão difícil o jogo será. Em
suma, o game design determina cada detalhe de como o gameplay
funcionará (ROUSE, 2001, p. 18).
O gameplay trata-se de uma estrutura para a jogabilidade emergir, sendo esta
um elemento projetual no sistema de jogo o qual o designer precisa
compreender e estruturar. Em sua atividade projetual, o designer deve
inicialmente estabelecer a mecânica do jogo, isto é, todas as regras e todas as
possbilidades e níveis de interação.
Neste contexto, a jogabilidade é a habilidade/capacidade empregada para se
possibilitar o jogar, sob o foco do jogador. Ao promover a ação, o jogador está
interagindo com o jogo. Podemos consideramos que a interação no jogo é a
ação no momento do contato do jogador com a interface, tendo como foco a
usabilidade do jogo. Rouse complementa esta idéia ao afirmar que:
28
Não há uma tradução única para o termo gameplay no Brasil. Estaremos associando
gameplay à mecânica de jogo, sob o foco do designer e, jogabilidade sob o ponto-de-vista do
jogador.
124
Um gameplay de um jogo é o grau e a natureza da interatividade que
o jogo inclui, como o jogador é capaz de interagir com o mundo do
jogo e como este mundo do jogo reage às escolhas que o jogador
realiza (ROUSE, 2001, p. 18).
Notamos que o gameplay está diretamente relacionado ao sistema interativo
proposto pelo jogo em seus níveis e variações e na resposta do jogo ao
jogador. Desta forma, o grau de interação dentro de um jogo poderá variar
conforme o nível de mediação ou transformação do usuário no ambiente do
jogo.
Retomando o conceito de Huizinga (ver capítulo 1) de que o jogo é uma
atividade lúdica, o jogador, ao jogar, procura a diversão. O gameplay também
está diretamente relacionado à diversão proporcionada pelo jogo. Encontramos
em Juul um questionamento sobre a relação da diversão proporcionada pelos
videogames e seu gameplay:
Por que os videogames são divertidos? Uma idéia indica que o fator
de qualidade de suma importância é seu gameplay, a pura
interatividade do jogo. Em outras palavras, a qualidade de um jogo
depende de suas regras, no jogo-como-regras em vez de no jogo-
como-ficção (JUUL, 2005, p. 19).
O autor nos mostra que é o gameplay que possibilita a interatividade no jogo.
Este gameplay, ele associa à mecânica do jogo baseada em regras e não no
caráter ficcional do jogo. Isto ocorre porque, apesar dos elementos ficcionais
como história, narrativa, personagens, cenários, interfaces, som, textos, enfim,
todo o contexto para o mundo virtual do jogo só se integram e permitem a
interação do jogador por meio das regras. Deste modo, o que faz com que o
jogo seja divertido e jogável é o estabelecimento de regras adequadas a todo o
ambiente do jogo.
125
É por meio de Rouse que podemos estender este pensamento acerca do
gameplay e o mundo virtual da ficção no jogo:
O gameplay não inclui como o mundo do jogo é representado
graficamente ou qual tecnologia de jogo é utilizada para realizar
aquele mundo. Nem inclui o cenário ou a história daquele mundo do
jogo. Estas considerações de estética e de conteúdo são elementos
que os jogos de computador podem compartilhar com outra mídia.
Eles (os elementos)
29
certamente não são o que diferenciam jogos
dessas outras mídias (ROUSE, 2001, p. 18).
Verificamos que assim como Juul, Rouse também não considera que o sistema
simbólico do jogo, seus elementos, conteúdos, linguagem visual, textual e
sonora não condicionam o gameplay. Para Juul, o gameplay está diretamente
vinculado às regras do jogo; para Rouse, está associado à todas as
possibilidades de interação do jogador com os elementos e regras do jogo, em
seus diferentes níveis. No entanto, para ambos o gameplay é o resultado de
um projeto de design diferenciado que torna o jogo único e divertido.
Compreendemos que um sistema de videogame é constituído de elementos
tais como os objetos do jogo, personagens, cenários, sons, textos, imagens,
animações e enredo. Estes elementos configuram um sistema simbólico que
dará significado ao jogador. No entanto, todos estes elementos se integram
por meio do gameplay que promove a interatividade dos objetos entre si, dos
objetos com o jogador e, em alguns casos, de jogadores com outros jogadores.
Essa interatividade é estabelecida pelas regras que vão possibilitar as ações,
29
O conteúdo dos parênteses foi um acréscimo da autora desta dissertação para uma maior
clareza da citação.
126
decisões e estratégias do jogador a fim de superar os desafios, no mundo
virtual do videogame.
No próximo capítulo, veremos a definição de RPG e de MMORPG devido à
escolha de um jogo deste gênero para estudo de caso. Foi definido o
videogame Eve-Online que será analisado sob a perspectiva dos conceitos e
teorias apresentados ao longo dos capítulos 1, 2 e 3.
127
4
EVE in Deep
128
4. EVE in Deep
Neste capítulo serão apresentados os conceitos de RPG e MMORPG com o
objetivo de analisar a estrutura destes gêneros de jogos, sob o ponto-de-vista
de sua possibilidade de interpretação, representação, construção narrativa,
interação e resignificação do imaginário coletivo e individual. Deste modo, não
haverá uma abordagem histórica destes gêneros. Entretanto, cabe ressaltar os
war games de H. G. Wells, deram abertura para os RPGs que se tornaram
famosos com a publicação de “Senhor dos Anéis”, de J.J. Tolkien, na década
de 1960. O mundo fantástico e místico descrito por Tolkien ofereceu aos RPGs
uma possibilidade muito maior de imaginação que os war games. Isto se
explica devido ao imaginário coletivo que se construiu a partir de Senhor dos
Anéis onde o heroísmo, as virtudes, os valores morais e a honra foram
exaltados. Tais aspectos não deixaram nunca de fazer parte das aspirações e
sonhos a serem conquistados pelo homem em sua vida cotidiana. Somados a
esses valores, encontramos na história de Tolkien, seres com capacidades,
poderes e conhecimentos não encontrados na vida ordinária. Assim, os RPGs
passaram a englobar este universo de grandes e poderosos heróis com suas
criaturas fantásticas. O primeiro RPG que trouxe uma concepção próxima ao
mundo imaginado por Tolkien foi Dungeons & Dragons
30
, em 1973. A partir
deste RPG, outros surgiram com os mais diferentes temas, tendo como
elemento comum a todos os jogos a estrutura de um mundo de fantasia,
elementos o existentes no mundo cotidiano e a possibilidade de uma
narrativa aberta, construída a partir da interação dos jogadores.
30
Ver em http://www.wizards.com/default.asp?x=dnd/whatisdnd
129
Os conceitos sobre o gênero RPG serão utilizados, assim como toda a
articulação de pensamento dos capítulos anteriores, para analisarmos um jogo
de MMORPG, o Eve-Online. Neste estudo de caso, serão abordados os
sistemas simbólicos deste jogo e suas representações, bem como sua
estrutura aberta, hipermidiática que oferece inúmeras possibilidades de
escolhas, decisões e trajetórias ao jogador. Também será analisada a
possibilidade de interpretação dos significados dos elementos do jogo, em seu
contexto, buscando associações referenciais com o mundo cotidiano do
jogador. Assim, verificaremos que o designer, ao projetar o jogo, também
precisa interpretar o imaginário coletivo da sociedade na qual vive para
oferecer ao jogador um mundo virtual (jogo), onde essa interpretação do
designer será novamente interpretada e resignificada pelo jogador.
4. 1. O RPG e o MMORPG: Características Significativas
Role-Playing Game ou mais comumente conhecido como RPG é um jogo de
representação e/ou interpretação de personagem. Este jogo baseia-se em um
livro de regras com descrições do tema, personagens, as limitações e
possibilidades do jogo. É jogado verbalmente, utilizando somente as leituras
descritivas de determinados acontecimentos ou cenários e imaginado em todos
os seus outros aspectos, pelos jogadores. O RPG é um jogo que depende
essencialmente da imaginação dos jogadores e sua capacidade de realizar
associações e articulações entre os elementos de seu mundo imaginário.
130
Regina de Fátima F. de Andrade Bolzan, em sua Tese “O Aprendizado na
Internet utilizando Estratégias de Roleplaying Game”, defendida em 2003,
afirma que
Roleplaying Game significa “Jogo de Representação de Papéis”,
onde jogadores assumem uma outra identidade para dentro de uma
trama e um cenário definidos pelo jogo para completarem sua busca
ou aventura (BOLZAN, 2003, p. 141).
Para a pesquisadora, o(s) jogador(es) assumem outra identidade e por isso
estão representando um outro indivíduo que não a si próprio. No entanto, se
estão a representar outras personalidades, outros indivíduos (sejam eles seres
fantásticos ou humanos), a necessidade de interpretar o papel deste
personagem para poder representá-lo no ambiente proposto pelo jogo. O
jogador precisa interpretar o personagem para compreender sua dimensão e
traços de sua personalidade, caracterizando-o em seus aspectos morais, éticos
e identitários. Isto é, o jogador delimita as atitudes e postura do personagem,
ao interpretá-lo. Deste modo, sua representação se tornará crível e coerente ao
longo da trama que se desenrolará no cenário do jogo.
Encontramos uma definição acerca das características do RPG no artigo de
Patrícia B. Scherer Bassani e Rosemari Lorenz Martins, “Produção de jogos
interativos: um espaço de construção hipertextual coletiva”. Segundo as
autoras
No RPG, cada jogador “interpreta” um personagem, herói ou
protagonista e, conforme o jogo se desenvolve, as suas ões,
através do personagem, vão fluindo e acabam por ditar o andamento
da história e os rumos que ele seguirá. Para iniciar o jogo e se situar,
(localização espaço temporal), os personagens de cada jogador,
existe a função do mestre de jogo, a pessoa que irá também fazer a
parte dos outros personagens que farão parte da história, com os
131
quais os personagens dos outros jogadores irão interagir, seja
pedindo informações, subornando, seduzindo, interrogando, fazendo
parcerias ou simplesmente entrando em combate (BASSANI e
MARTINS, 2002, p. 2).
Compreendemos com estas características descritas pelas autoras que, a partir
da interpretação de um personagem, a narrativa no RPG é construída, de
acordo com as escolhas, decisões e ações destes personagens. Embora um
determinado jogo de RPG possa ter seus personagens fixos, com certas
características pré-determinadas, quando jogado por diferentes indivíduos,
resultam em diferentes construções narrativas.
Isto ocorre porque a interpretação e, conseqüentemente a representação de
um personagem no jogo, são realizadas por indivíduos distintos entre si, ainda
que pertencentes a um mesmo contexto sócio-cultural. Estes indivíduos podem
possuir valores ético-morais e até alguns referenciais próximos. No entanto,
possuem percepções, sentimentos, experiências e repertórios únicos e
individuais. Deste modo, a interpretação de alguma coisa, acontecimento ou
pensamento que um indivíduo realiza, é, na maioria das vezes, distinta da
interpretação de outro indivíduo acerca do mesmo objeto ou situação. Por isso,
a decisão ou ação de um indivíduo diante de uma situação, pode ser
completamente diferente da decisão ou ação de outro indivíduo em relação a
uma situação semelhante.
No entanto, todos estes aspectos do personagem, são submetidos às regras e
condução de outro jogador, conhecido como um mestre (Game Master,
abreviadamente GM). No RPG, é papel do GM a descrição dos cenários e
132
orientações gerais quanto aos acontecimentos, indicações, informações e
arbitragem. Sua arbitragem é baseada nas regras específicas do jogo. É
também o GM quem fornece as descrições de situações e cenários, diante das
quais, os jogadores descrevem suas ões e escolhas. O mestre é o único
jogador do grupo que o desenvolve um personagem. Segundo Steve
Jackson (1994), O mestre atua somente como um comandante do jogo dando
um direcionamento ao jogo, conforme as atuações dos outros jogadores e faz o
papel de personagens não jogáveis (NPC
31
). Estes personagens são aqueles
que não são representados por jogadores, mas podem dar informações, dicas,
vender itens, fazer alianças, batalhar etc.
Tanto a imaginação dos jogadores quanto a condução do RPG são limitados
ou especificados pelas regras do jogo e pelo tema adotado pelos jogadores,
isto é, o cenário descrito pelo GM irá determinar as possibilidades de tipos de
personagens. Contribuindo com este pensamento, encontramos em Bolzan, a
seguinte afirmação:
O jogador interpreta um personagem que pode ou não ser criado por
ele mesmo, assim como pode ser um personagem pronto disponível
pelo próprio livro de regras e cenários, assim como pode ser um
personagem com referências históricas ou baseado em
personalidades da mídia e que se encontram facilmente para serem
copiados pela Internet. A criação de um personagem deve ser feita
dentro de dois parâmetros: 1. Sistema de Regras que limitam os
tipos e níveis das capacidades de um personagem e 2. Cenário
que limita os tipos de personagens possíveis (BOLZAN, 2003, p.
142).
Conforme a explicação da pesquisadora, o personagem a ser escolhido ou
criado pelo jogador, deve ser coerente com os limites do jogo, definido pelas
regras e pelo ambiente (cenário) onde acontecerá o desenrolar da narrativa.
31
NPC é a sigla para Non Player Character.
133
Verificamos a necessidade de existir regras mesmo no RPG, que se trata de
um jogo onde praticamente todas as ações e decisões são imaginadas pelos
jogadores, dentro de seu contexto. Desta forma, as regras, como foi apontado
no capítulo 3 desta dissertação, são inerentes à condição de jogo. São as
regras que limitam as ações e total liberdade do jogador, entretanto, também
são as regras que fornecem recursos aos jogadores, possibilitando que eles
tomem decisões embasadas em uma estratégia e não na aleatoriedade
(tentativa e erro). As regras dão estrutura ao jogo porque trazem um conjunto
de indicações sobre as permissões e impossibilidades para cada situação,
objeto e personagem do jogo. Sob este ponto-de-vista, as regras contribuem
para que o contexto onde o jogo é jogado, bem como todos os elementos do
jogo façam sentido ao jogador.
Jesper Juul nos mostra que o mundo da ficção, apresentados pelos jogos, são
também imaginados pelos jogadores. Podemos tomar como exemplo deste
mundo ficcional o universo do RPG. Ou autor revela que
Jogos projetam mundos fictícios por meio de uma variedade de
significados diferentes, mas os mundos ficcionais são imaginados
pelo jogador e o jogador completa cada lacuna aberta no mundo
fictício. Muitos jogos também apresentam mundos fictícios onde é
opcional ao jogador imaginar, e alguns apresentam mundos que são
contraditórios e incoerentes (JUUL, 2005, p. 121).
Ao compararmos esta afirmação de Juul com um jogo de RPG, podemos
considerar que embora o mundo imaginário do RPG seja completamente
ficcional, os jogadores trazem parte de suas experiências, valores,
conhecimento de sua vida cotidiana para o universo do jogo. As lacunas as
quais o autor se refere, são exatamente os “espaços” e elementos que o
134
imaginados pelo jogador, complementando o mundo imaginário ou dando um
significado maior a ele. Evidentemente, para o jogador deve estar claro que o
jogo não está reproduzindo ou simulando a vida cotidiana, mas as ações do
jogador são decididas conforme a compreensão e o sistema simbólico de
resignificação de todo o ambiente de fantasia do jogo. O jogador somente
consegue passar por este processo se ele encontra no jogo, aspectos com os
quais se familiariza de alguma forma. Ou seja, o mundo do jogo, mesmo
fictício, precisa fazer sentido e ser coerente para quem está jogando.
De acordo com o pesquisador John Hughes, em seu artigo Therapy is Fantasy:
Roleplaying, Healing and the Construction of Symbolic Order, faz algumas
considerações importantes para o nosso entendimento acerca do universo do
jogo de RPG. Para ele os jogadores usam sua imaginação para criar uma
personalidade, uma ideologia e um conjunto de interesses e objetivos para seu
personagem.
Jogos de Representação criam sistemas culturais como seu
passatempo mundos da imaginação formados pelos participantes,
dadas as restrições de seus conhecimentos e da estrutura,
fornecidas pelas regras. Tal criação trabalha em todos os níveis
cultura material (arquitetura, moda etc), ideologia (políticas, teorias
do poder, construções de gêneros) e temas culturais (qual religião,
como a magia opera, a natureza do bom e do mau, teorias do
destino, ontologia e epistemologia). RPGs de fantasia possuem
estrutura social, normas, valores e uma gama de artefatos culturais
que são tão reais quanto tais construções poderiam ser – isto é, eles
são reais para aqueles que participam dele. Cada grupo de
jogadores interpreta, define e transforma elementos dentro de sua
sociedade. Seu mundo do jogo é uma transformação do banal, de
realidades compartilhadas. Ele permanece como uma caricatura da
vida social, uma reflexão simplificada e exagerada da realidade
banal (HUGHES, 1988).
135
Verificamos que Hughes estabelece uma relação dos processos imaginativos
do jogador que o faz levar as experiências e percepções do mundo cotidiano
(real) ao universo fantástico do jogo. É por meio dessas experiências
individuais e de percepção acerca de seu entorno, de seu contexto-sócio
cultural que o jogador constrói seu mundo imaginário no RPG. Ao mesmo
tempo em que ele interpreta e representa um personagem, ele também
significa as representações dos elementos do jogo de acordo com
determinados aspectos que ele conhece ou associa da vida cotidiana. Em seu
mundo fictício, ele constrói um mundo “real”. Esta realidade trata-se da
realidade enquanto contexto de jogo. No jogo se estabelece um novo sistema
de valores morais, éticos, significados e cultura que fazem sentido para as
decisões, ações, escolhas e articulações realizadas pelo personagem
interpretado pelo jogador.
Queremos mostrar com isto que, embora seja uma representação que ocorre
no jogo, este ambiente é construído e estruturado com aspectos que este
jogador conhece do contexto sócio-cultural de sua vida cotidiana. Porém, é
importante ressaltar que o jogador o está interpretando a si mesmo no jogo.
Ele está interpretando um personagem que ele construiu a partir de todos os
fatores identificados em seu contexto sócio-cultural (cotidiano) e que sejam
coerentes com as possibilidades de caracterização do personagem no
ambiente do jogo.
Além destas questões interpretativas, a narrativa também é construída a partir
da interação dos personagens no jogo. As decisões e ações tomadas por cada
personagem diante de um desafio, promovem resultados diferentes. Este fator,
136
altera e interfere no desenrolar da trama do jogo de RPG. A narrativa em um
RPG se constrói somente com a colaboração de todos os jogadores, no
decorrer do jogo.
A construção narrativa é um dos elementos mais importantes no RPG, pois ela
não é pré-determinada. Depende da interação dos jogadores, de sua
compreensão e interpretação das situações oferecidas pelo jogo e das
decisões e respostas de todos os jogadores. Ao tratarem do sistema de
narrativa de RPGs, Salen e Zimmerman afirmam que
Os significados que surgem de um sistema surgem dos
relacionamentos individuais entre elementos, tanto quanto os
modelos mais globais que surgem através de muitos conjuntos de
relacionamentos menores (SALEN e ZIMMERMAN, 2004, p. 404).
Os autores querem nos mostrar com este pensamento que a narrativa em um
RPG faz parte de um sistema integrado, em conjunto com outros elementos do
jogo. Desta maneira, conforme todos estes elementos se relacionam,
principalmente os jogadores, este sistema se altera. Este é o motivo da
narrativa no RPG ser aberta. Ela vai sendo construída e modificada conforme
as interações entre os jogadores e suas possibilidades conduzidas pelas regras
do jogo. Em narrativas assim, não uma única possibilidade de final ou
mesmo roteiro para a história que vai se formando. Os jogadores são todos co-
autores de um novo roteiro a cada novo jogo realizado.
Mostramos que os RPGs são jogos que, embora possuam regras, o
estruturas com uma narrativa aberta onde os desafios e decisões interferem
em todo o jogo e conseqüentemente, nos jogadores. Esta estrutura narrativa
137
torna-se muito maior em jogos onde possibilidade de mais jogadores
interagindo, estabelecendo uma maior socialização no jogo, com mais
elementos e um mundo fictício maior como os MMORPGs.
Um Massively Multiplayer Online Role-Playing Game (MMORPG), caracteriza-
se por ser um jogo com os conceitos fundamentais de um RPG porém, com
uma possibilidade infinitamente mais ampla de interpretações, narrativa,
elementos e jogadores.
Miller afirma que os MMOs (jogos massivos para múltiplos jogadores,
disponibilizados por acesso online na internet) possuem uma série de
características que os diferem de outros jogos, mesmo os outros jogos online.
A autora afirma que
[...] eles são jogados simultaneamente por milhares de pessoas e as
interações entre as pessoas são significativamente parte da
experiência. Eles são dispostos para se alastrarem por paisagens
fictícias que geralmente incluem ltiplos e complexos mundos,
todos eles podendo ser povoados. Estes mundos do jogo também
universos persistentes, significando que as histórias continuam
mesmo quando o jogador se desconecta, assim como no mundo real
as coisas continuam a acontecer mesmo quando vamos dormir
(MILLER, 2004, p. 226).
Verificamos que este universo dos jogos massivos é construído com a
participação dos jogadores, suas interações, mas possuem também um
sistema de manutenção dos fatos e acontecimentos no jogo mesmo sem a
interação dos jogadores em determinados momentos ou locais. Deste modo,
nem sempre a participação dos jogadores é necessária para haver alterações
nestes mundos ficcionais, diferentemente dos videogames em que toda
mudança no jogo depende da ação de um ou mais jogadores. Outro fator
138
relevante em MMOs é a experiência individual dos jogadores. Esta experiência
ocorre quando eles interagem com outros jogadores ou com elementos do
jogo. Neste tipo de jogo, a experiência do jogador contribui para que ele possa
ampliar suas ões e possibilidades dentro do jogo. Quanto mais ele jogar,
mais ganhará experiência, isto é, mais aprenderá e poderá tomar decisões e
ações visando um resultando mais significativo ou mais positivo.
O MMO ainda possui um universo virtual extenso, onde diversos mundos ou
cenários se conectam, oferecendo uma amplitude de locais, missões, desafios
e itens aos jogadores. Deste modo, a interação entre os jogadores e os objetos
do jogo são mais diversificadas, a interação e o relacionamento entre jogadores
é importante para a realização de ações e desafios em equipe, além de este
ambiente oferecer uma maior gama de desafios e trajetórias exploratórias.
Diante de todos estes fatores, a narrativa de um MMORPG é também mais
aberta que em outros jogos, oferecendo múltiplas possibilidades de construção
e jamais possuindo um fim.
Especificamente no MMORPG, encontramos todos estes elementos e
características do MMO somados às características do RPG. R.V.Kelly 2, um
pesquisador de realidade virtual e desenvolvimento de ensino à distância, nos
dá uma idéia das características do MMORPG a seguir:
Entrar em um MMORPG é como entrar em um universo separado
com suas próprias regras físicas e sociológicas. É um universo
reconhecível. Você não pode andar através das paredes, por
exemplo. E você não cai para cima quando vo dorme. Mas
também ele também é um universo completamente diferente. Se
uma pedra cai sobre sua cabeça, você não sente dor. E se você
lança um encantamento sobre você mesmo, você pode voar, ou
respirar sob a água, ou atirar relâmpagos da ponta de seus dedos.
139
Portanto, MMORPGs são simultaneamente idênticos ao mundo real
e completamente diferentes dele. (KELLY, 2004, p. 24).
Este pensamento de Kelly nos indica que embora o universo virtual do
MMORPG apresente características e possibilidades o encontradas ou
possíveis no mundo cotidiano, ainda assim ele possui a lógica e a consciência
do mundo “real”. O universo do MMORPG se assemelha ao mundo cotidiano
porque é imaginado a partir do contexto sócio-cultural do homem. Desta forma,
este ambiente virtual mantém um grau de realidade que torna os eventos,
objetos e cenários compreensíveis e perfeitamente aceitáveis quando um
jogador se depara com eles. O MMORPG apresenta aquilo que o homem
deseja em sua vida cotidiana, mas o pode obter por questões físicas,
biológicas, anatômicas, temporais ou sociológicas.
Os MMORPGs permitem uma individualização e particularização ao jogador
que não é encontrada em outros jogos. Muitos dos MMORPGs possibilitam ao
jogador personalizar seu personagem, tornando-o singular com as
características e detalhes unicamente determinados pelo jogador. Assim, o
jogador pode conferir ao personagem um perfil que ele não poderia ter ou
encontrar em seu mundo cotidiano.
Criar um personagem completamente único, conforme o desejo e a imaginação
de um indivíduo é um aspecto muito relevante do MMORPG. A personalidade
que o jogador conferir ao personagem interpretado por ele, também será a
partir de sua imaginação, sendo distinto daquilo que o jogador é em seu dia-a-
dia na vida cotidiana. Interpretar seu personagem é o momento em que o
indivíduo imerge ao mundo de uma outra realidade (a virtual) e passa a
140
vivenciar as experiências únicas que o jogo oferece, sem ter as
responsabilidades, preocupações ou frustrações da vida cotidiana. Ao
contrário, no universo do jogo ele pode realizar muitas conquistas com maior
velocidade ou amplitudes do que em seu mundo “real”.
141
4.2. EVE Online: um Estudo de Caso
Lançado em maio de 2003, EVE Online é um MMORPG que utiliza uma
tecnologia proprietária desenvolvida sobre a plataforma DirectX 9 pela CCP
32
,
uma empresa situada na Islândia. Possui apenas um único servidor
33
para
todos os jogadores de diversos países. Diferentemente da grande maioria dos
jogos do mesmo gênero RPG ou dos RPGs eletrônicos
34
, EVE não é concebido
com a temática mais recorrente neste gênero. Enquanto a grande parte dos
jogos de RPG utiliza como referência a mitologia nórdica ou o tradicional
contexto medieval iniciado nos RPGs de mesa, EVE traz a ficção científica e
futurista (Sci-fi). Por se tratar de um MMORPG, este jogo não possui um final
sendo suas atualizações implementadas em formato de crônicas. A cada
crônica (atuam como expansões do jogo) mais locais, elementos e informações
são disponibilizados aos jogadores para a construção da narrativa no jogo.
4.2.1. A História de EVE
Para contextualizar o MMORPG, foi desenvolvido um roteiro inicial, com uma
história sobre o surgimento do mundo de EVE. O jogo é ambientado no
universo espacial assim como a grande maioria das histórias de ficção
32
Crowd Control Production.
33
Sistema para uma rede de computadores, no caso, múltiplos usuários que podem estar
presentes no mesmo sistema, concomitantemente. Este jogo de MMORPG especificamente,
possui uma rede extensa, internacional, permitindo acesso simultâneo de diversos usuários de
países e regiões distintos.
34
Mais conhecidos como CRPG Computer Role-Playing Game, são videogames projetados
para um jogador, não tendo a característica de um massivo para ltiplos jogadores e
tampouco é disponibilizado online
142
científica, mais precisamente em um conjunto de estrelas longe do habitat
humano, a Terra. Com a evolução da tecnologia na Terra, viagens espaciais
cada vez mais distantes foram ficando mais freqüentes. Em uma dessas
viagens, os seres humanos conseguiram chegar a um local, a uma dimensão
totalmente nova nunca vista antes, por meio de um buraco espacial. Esse
buraco foi batizado de EVE, sendo na verdade um portal que permitia a
transição entre esse novo sistema solar denominado New Eden, e a Terra.
New Eden foi colonizado rapidamente e os seres humanos expandiram-se
furiosamente em todas as direções, explorando este novo universo. No
decorrer deste processo, algo inesperado foi acontecendo, o portal EVE entrou
em um gradativo colapso apocalíptico e conseqüentemente, o sistema solar
New Eden, ainda muito dependente da Terra (denominada “velho mundo” na
história) foi arruinado. Milhares de colônias foram isoladas e abandonadas.
Por séculos os seres humanos sobreviventes sofreram as conseqüências de
sua ganância e exploração inúmeras vezes, beirando a extinção. Muitos
sucumbiram e somente cinco colônias sobreviveram e prosperaram. Por terem
sidos privados do contato com o Velho Mundo, cada colônia desenvolveu-se
separadamente, seguindo a teoria da evolução. Deste modo, os indivíduos de
cada colônia, desenvolveram aspectos e características diferentes ao longo
desta evolução.
Estas colônias acabaram tornando-se os principais impérios que juntos,
mantém o equilíbrio no mundo de EVE. Por muito tempo, os cinco impérios
lutaram juntos lado a lado, contra as dificuldades do mundo de EVE, contra as
143
dificuldades de um mundo pós-guerra elegendo a paz sempre em primeiro
lugar. Recentemente com os avanços tecnológicos e novas descobertas, bem
como o aumento gradativo de viagens espaciais e o número cada vez maior de
viajantes, esta paz vem sendo abalada.
Estes impérios são conhecidos como: Império Amarr, a Federação Gallente, o
Estado Caldari, a República Minmatar e o Império Jovian, somados a mais
algumas poucas facções e estados independentes.
Amarr: a maior etnia do império corresponde a 40% dos sistemas estelares. A
autoridade deste império é inquestionável e absoluta, porém sua maneira
arcaica e burocrática de governar torna difícil o exercício das ordens sobre seu
povo. O Imperador, bem como seus subordinados, possuem uma grande
longevidade (aproximadamente 500 anos), graças a um chip implantando em
seus organismos. Esta longevidade faz com que estes indivíduos se tornem um
símbolo de divindade real aos olhos dos Amarrians. Logo após o colapso de
EVE, os fervorosos religiosos Amarrians começaram a se expandir pelas
proximidades vizinhas e a cada nação conquistada, eles a escravizam sendo
esta uma prática justificada por sua religião.
Minmatar: constituem uma etnia determinada e independente. Seu planeta
natal é um paraíso natural mesmo com os séculos de abuso e exploração dos
recursos naturais, sua beleza continua praticamente intacta. Os Minmatars
prezam a vida mais do que tudo e mesmo vivendo em famílias, preferem se
identificar como clãs ou tribos. São os mais numerosos dentro do mundo de
144
EVE, porém são divididos em várias facções, sendo que um terço vive em um
regime de escravidão dentro do império Amarr; um quinto reside dentro da
federação Gallente fazendo com que exista uma relação forte com os
Gallenteans e os Amarrians. Um vasto número de Minmatars age como piratas,
contrabandistas e camelôs, indo contra as leis e políticas do EVE.
Gallente: os Gallenteans constituem um grupo de liberalistas e defensores do
mundo livre. Descendentes diretos dos Tau Ceti, os Gallenteans continuam
sendo grandes crentes na força de vontade e nos direitos humanos. No mundo
de EVE, os Gallenteans são muito conhecidos como os reis do entretenimento.
Possuem uma produção em massa de tudo que se relacione à luxúria, gerando
assim muito dinheiro para sua população dentro do universo de EVE.
Caldari: Um estado construído em uma corporação capitalista. Caldari é
mantido por suas pequenas corporações que dividem o estado entre elas (as
corporações), controlando e reinando sobre todos os aspectos da sociedade.
Cada corporação é formada por milhares de micro-empresas, variando de
companhias industriais a empresas de advocacia. Embora isso às
companhias poderes ditatoriais, elas são justas, tratando cada habitante com
dignidade. A competição assídua entre as empresas e as corporações
assegura um ambiente social e que beneficia a todos.
Jovian: A etnia mais elusiva e misteriosa de todo o mundo de EVE. Constituem
apenas uma pequena fração de seus vizinhos, porém sua superioridade
tecnológica faz com que esta etnia possua um grande poder. Embora sejam
145
descendentes diretos dos humanos, os Jovians se parecem muito com as
outras etnias, mesmo não pertencendo a nenhuma delas a não ser a sua
própria. Eles compreendem a engenharia genética como um caminho para
resolver os problemas de mutação, devido à evolução natural da raça humana.
Com o passar dos anos, os Jovians experimentaram todos os tipos de
mutações genéticas possíveis pela tecnologia e por este motivo seus poderes
foram crescendo. Estes experimentos fizeram com que cada vez mais eles
parecessem com mutações bizarras, física e mentalmente.
Por viverem em um sistema solar e possuírem tecnologias avançadas os
habitantes do mundo de EVE deslocam-se basicamente por meio de naves.
Estas naves possuem funções específicas como, por exemplo, ser adequada à
mineração ou então ser uma nave de batalha com velocidade de ataque. Logo
no início do jogo EVE, o usuário receberá uma nave básica conhecida como
Rookie Ship, no entanto, essa nave serve apenas para o início do jogo sendo
uma das primeiras tarefas do jogador, trocá-la por uma outra nave. As naves
encontradas em EVE são:
Shuttles: as menores naves dentro do mundo de EVE. Podem ser utilizadas
por qualquer jogador, possuem pouco espaço de carga porém são
relativamente rápidas, além de possuir um baixo custo. São normalmente
utilizadas para longas viagens.
146
Frigates: Muito parecidas com as shuttles, com a diferença de que podem ser
utilizadas com outros propósitos além de viagens como, por exemplo
embarcações.
BattleShips: Possuem um armamento muito pesado, capaz de causar um
grande dano a seus adversários. É uma nave muito respeitada dentro do
mundo de EVE.
BattleCruiser: É uma embarcação projetada a ajudar seus aliados dentro do
campo de batalha. É uma nave intermediária entre o os Battlhe Ships e os
Cruisers, pois ela não tem a capacidade para ser equipada com um armamento
tão pesado quanto o de uma Battle Ship, porém seu poder de fogo é maior que
o de um Cruiser.
Recon Ships: Esses cruzadores são especializados em operações de
reconhecimento e também nas guerras eletrônicas, além de possuir uma alta
resistência a ataques.
Exhummers: Essas naves possuem uma ótima defesa e foram criadas com o
propósito de mineração em zonas de alto risco. Essa é a nave mais eficiente
que existe dentro do mundo EVE para essa tarefa.
Transport Ships: Possuem um grande espaço para carregamentos bem como
uma alta tecnologia para transporte de materiais valiosos.
147
DreadNoughts: Essas naves causam o maior dano de todo o mundo EVE,
porém esse grande dano é causado em outras Naves grandes e/ou em
instalações estacionárias.
Destroyers: Possuem um grande armamento, porém seu poder de fogo é
inferior ao de um Cruiser.
Interceptors: Rápidos como um raio, extremamente leves e de fácil pilotagem.
Logistics: Naves de suporte, projetadas para assistência em campo em
grandes batalhas.
Covert Ops: São naves com ótimos ataques furtivos, porém com pouca
defesa. Foi designada especialmente para operações clandestinas.
Minining Barges: Outra nave especializada em mineração, no entanto mais
utilizada para acumular o minério.
Assault Ships: São desenhadas especialmente para combates, principalmente
pelo fato delas serem muito resistentes.
Heavy Assault Ships: São bem próximas às Assault Ships, porém muito mais
poderosas, com mais armamento e com um poder de fogo mais propício para
derrotar naves mais pesadas.
148
Freighters: São naves enormes, capazes de carregar outras naves. Porém
seu poder de defesa e sua velocidade são extremamente baixos.
Titans: a maior nave de todo o universo presente no EVE. É conhecida como o
pai do vôo e seu armamento é enorme, além de ter o poder de definir o
resultado de uma batalha muito rapidamente. Porém sua construção é
extremamente lenta e cara. No caso dessa nave é necessário se ter uma
aliança com organizações poderosas envolvidas para a construção da mesma.
Carriers: Essas bases voadoras possuem uma altíssima defesa. É capaz de
levar cerca de 10 Fighters dentro de si.
Interdictors: Essas naves são projetadas para puxar outras embarcações fora
do transportador. o bem velozes, superando a velocidade de um Destroyer
comum.
Industrial Ship: Construída para transportar uma vasta quantidade de carga.
Cruisers: É uma das naves mais comuns dentro do EVE. Geralmente é a
primeira nave comprada pelos jogadores que desejam possuir algum poder de
fogo, porém essa nave não deve ser subestimada, pois ela é extremamente
equilibrada e balanceada.
Command Ship: o derivadas dos Battle Cruisers e designadas para ajudar
seus aliados no campo de batalha.
149
Habilidades disponíveis em EVE
Gunnery: O núcleo das artes de combate. Serão aprendidas lições de como se
usar as armas.
Corporation Management: Irá aprender a gerenciar as operações de uma
forma delicada e ao mesmo tempo, firme.
Drones: O jogador aprenderá as eficientes operações dos Drones.
Electronics: Habilidades pertencentes à gerência de sistemas eletrônicos de
algum tipo de embarcação.
Engineering: Habilidades pertencentes à gerencia de sistemas de hardwares
dentro das embarcações.
Industry: O jogador aprenderá as habilidades referentes ao uso eficiente de
facilidades manufaturadas e refinaria.
Leader Ship: Serão ensinadas lições de como manter uma coordenação
eficiente sobre os pilotos que estarão sobre o controle do jogador.
Learning: Esta habilidade ajudará o jogador a construir um rebro super
inteligente dentro do jogo com um vasto conhecimento sobre o mundo de EVE.
150
Mechanic: Habilidades pertencentes à gerência de sistemas mecânicos de
algum tipo de embarcação.
Missiles: Habilidades pertencentes ao uso eficiente de míssieis.
Navigation: Serão ensinadas formas de o jogador se guiar pelo espaço de
maneira rápida e eficiente.
Science: Habilidades e conhecimento sobre os campos científicos.
Social: Serão ensinadas regras e condutas pertencentes ao contexto social.
Spaceship Command: Técnicas e habilidades para se comandar naves de
grandes portes.
Trade: Conhecimento necessário para se construir um império comercial.
151
4.2.2. Analisando os Elementos e Aspectos do Jogo
Verificamos que a história do jogo traz muitas referências do contexto sócio-
cultural do mundo cotidiano do homem e de sua história das civilizações. Sua
estrutura social bem como o comportamento dos habitantes tais como a
ganância, a conquista de territórios, a exploração de recursos naturais sem
planejamento e o desenvolvimento das comunidades baseados na tecnologia e
pesquisas científicas genéticas, reflete valores, costumes e anseios, existentes
ao longo da história social.
Podemos fazer uma comparação análoga dos valores sócio-culturais da etnia
Gallente, por exemplo, a um pensamento de Charles Taylor ao se referir ao
conceito moderno de dignidade presente no contexto de muitas sociedades
contemporâneas:
[...] temos a noção moderna de dignidade, que hoje possui um
sentido universalista e igualitário. Daí falamos em <<dignidade dos
seres humanos>> ou dignidade de cidadão. Baseia-se na premissa
de que é comum a todas as pessoas (TAYLOR, 1994, p. 47).
Para o pensador, a dignidade é a busca da igualdade entre as pessoas, que
estas sejam reconhecidas individualmente por outrem por meio de suas
respectivas identidades; não sendo menosprezadas ou desconsideradas pela
sociedade na qual vivem. Os Gallentes do jogo possuem estes valores
resignificados no contexto sócio-cultural do jogo. Seus perfis de
comportamentos e atitudes descritos na história de EVE, indicam que tais perfis
foram considerados pelos criadores do jogo ao conceberem a estrutura social e
política dos impérios e seus indivíduos.
152
Somados aos aspectos sócio-culturais e históricos do mundo cotidiano (real),
EVE ainda aborda o tema da ficção científica, muito recorrente na literatura e
no cinema (figs. 19). É provável que os game designers deste jogo, buscaram
tais referências em histórias ficcionais famosas que apresentavam o espaço
como conquista do homem e suas naves que desafiavam as leis da física e da
engenharia mecânica. Além disso e/ou descobertas de mundos com seres
fantásticos tais como 2001 Uma Odisséia no Espaço que se tornou notória
por meio do filme de Stanley Kubrick, em 1968; a trilogia de Guerra nas
Estrelas, dirigida por George Lucas; seriados de TV da década de 1980
(Galactica e Jornada nas Estrelas dentre outros).
Fig. 19. Exemplo de nave (crusader) em EVE.
153
Um exemplo onde podemos verificar esta referência do cinema de ficção
científica está nos implantes cerebrais (fig. 20) existentes no jogo. Inúmeros
filmes abordaram estas questões. Os implantes nos filmes tinham várias
funções: aprimorarem a performance (física ou mental) do indivíduo
implantado; servirem de rastreadores ou identificadores; substituirem membros
ou órgãos do corpo do indivíduo.
Fig. 20. Lista de implantes na personagem.
154
Embora EVE tenha sido desenvolvido por game designers islandeses que
possuem em sua cultura muitas características e costumes específicos, tais
elementos encontrados no jogo, fazem parte do imaginário de muitas
sociedades por sua popularização. A tecnologia e conquista espacial sempre
foram conquistas almejadas pelo homem. Podemos citar como exemplo, a
Guerra Fria, ocorrida entre Os EUA e a antiga União Soviética. Uma guerra por
disputa de superação tecnológica e conquista do espaço (que culminou com a
chegada do homem à Lua). Ou ainda, as imagens, fotografias e ilustrações do
espaço e suas constelações muito divulgadas pela NASA e observatórios,
habitam o imaginário dos fãs de ficção científica, de cientistas e pesquisadores.
Encontramos nas interfaces do jogo (figs. 21 e 22), estas representações
resignificadas para o contexto de um universo espacial fictício.
Fig. 21. Interface com mapa e rota de viagem espacial.
155
Fig. 22. Constelações e localização de impérios.
Outro elemento reconhecível no contexto da ficção científica do jogo é a
clonagem. Diante das pesquisas genéticas de clonagem do mundo ordinário,
podemos ver estes experimentos resignificados em EVE. No universo virtual do
jogo, o clone não é exatamente uma cópia de um indivíduo, mas pode tornar-se
um. Isto ocorre porque cada personagem pode possuir um clone que varia de
capacidade e detalhes. Ao morrer no jogo, o personagem não retorna à vida ou
simplesmente perde pontuação de experiência e desenvolvimento no jogo
como na grande parte dos MMORPGs. Este personagem falece
verdadeiramente. Possuindo um clone, após sua morte, ele poderá transferir
156
seu conhecimento, aprendizado e habilidades ao clone. No entanto, por
existirem clones de veis diferentes, quanto mais conhecimento e habilidades,
mais potente deve ser o clone adquirido. Desta maneira, o clone passa a
representar o personagem assumindo suas características e funções.
EVE permite muitas escolhas desde seu início. O jogador pode construir
personagens dentre as cinco etnias que constituem os impérios. Pode
determinar a profissão de seu personagem, realizando assim um desejo que
dificilmente ele realizaria em seu mundo cotidiano. Ele pode tornar-se um
importante militar ou um comerciante de sucesso, por exemplo. No universo do
jogo, o jogador pode conquistar a fama, o poder e realizar atos heróicos em um
período de tempo muito diferente ao do mundo “real”. O personagem é
representado graficamente por meio de um avatar que pode ser modelado pelo
jogador. No entanto, este avatar é somente um retrato do rosto do personagem
e tem a função de estabelecer algumas características de perfil, de acordo com
a escolha inicial de sua etnia, como podemos ver na figura 23 a seguir.
Fig. 23. Avatar da personagem Ammasanni.
157
Como já foi apontado neste capítulo, o jogador interpreta um personagem tanto
no RPG quanto no MMORPG. Murray cita um exemplo sobre os bailes de
máscaras renascentistas que contribui com a compreensão deste caráter
interpretativo. A autora afirma que
A scara estabelece o limite da realidade de imersão, e indica que
estamos interpretando um papel e não atuando com nossa
identidade real (MURRAY, 1999, p. 126).
Ao utilizar uma máscara, o indivíduo pode esconder-se e não relevar sua
verdadeira identidade. Na verdade, o intuito da máscara é este. A máscara vela
a identidade do sujeito sem deixar transparecer suas expressões faciais. Ela
confere ao sujeito a possibilidade de demonstrar outras características ou
identidade de uma nova persona (pessoa/ personalidade) imaginada por ele.
No baile, o indivíduo imerge em uma nova persona por meio da máscara.
Assume temporariamente esta personalidade, podendo agir de modo
completamente distinto de si mesmo. O mesmo ocorre com o jogador ao
interpretar um personagem. A representação do personagem por meio do
avatar tem o mesmo atributo da máscara. Este é o motivo de ser um mundo
fictício (imaginado) onde o jogador realiza ações e tem comportamentos muito
distintos de sua vida cotidiana.
Todas as possibilidades de movimentação e ações são realizadas a partir da
espaçonave comandada por este personagem criado. Assim, o verdadeiro
personagem do jogo é a espaçonave. A nave é composta por três camadas
(fig. 24) básicas onde o usuário pode interferir. A primeira camada interna
apresenta os painéis de comando. A camada intermediária de defesa do
158
usuário possui a estrutura de proteção da nave e seus equipamentos.
Finalmente, na camada externa – de ataque do usuário – localizam-se as
armas para ataque ou combate. Em sua evolução no jogo, o usuário tem opção
de compra de diferentes modelos de espaçonave, para utilizá-las em situações
específicas, conforme sua necessidade ou intenção, podendo agregar
equipamentos.
Fig. 24. Painel demonstrativo das camadas de uma nave.
Para Salen e Zimmerman (2004) o design faz com que os elementos do jogo
tornem-se explicitamente significativos, a partir do ambiente proposto.
Podemos compreender esta colocação dos autores quando o designer, ao
projetar o jogo, promove a experiência do usuário, por meio de interação deste
usuário com os elementos do jogo. Conseqüentemente, estes elementos
passam a ter uma função e um significado específicos conforme a
159
experimentação e o aprendizado do jogador neste ambiente. O aprendizado do
jogador ocorre por meio de um processo contínuo, conforme sua experiência
prática ao longo do tempo, da mesma maneira como ocorre na vida real do ser
humano. Podemos identificar na interface com as camadas da nave da figura
24 que os símbolos dispostos, embora representem objetos e informações de
um mundo tecnológico e científico, possuem características reconhecíveis e
associáveis às suas funções pelos jogadores. A camada de proteção da nave,
por exemplo, podemos ver uma imagem de escudo semelhante aos utilizados
por cavaleiros medievais.
As naves de EVE possuem uma estrutura básica de acordo com suas
propriedades de uso mas podem ser construídas ou complementadas pelos
jogadores. Muitas trazem algumas características orgânicas. Estas
características podem ser vistas em referências como a anatomia de animais e
as formas sinuosas e arredondadas encontradas em elementos da natureza,
reconhecidos e possíveis de se identificar pelo indivíduo em seu mundo
cotidiano. Podemos reconhecer estas características nas figuras 25, 26, 27a e
27b a seguir:
Fig. 25: Concept art de nave para EVE (características de uma lula marinha).
160
Fig. 26. Concept art de nave para EVE
(características de um gafanhoto).
Fig 27a. Nave de EVE (formato de um casco de besouro).
Fig. 27b. Nave de EVE (formato de um caso de besouro).
161
Notamos que o concept art
35
para jogos em geral, busca o contexto do mundo
real e seus elementos como referências. A exemplo do pensamento de
Huizinga (2004), verificamos a adoção de referências do mundo real,
classificada como imaginação, ou seja, verificamos o designer codificando um
elemento conhecido de seu cotidiano em um elemento que passa a fazer parte
do imaginário coletivo. Os exemplos aqui mostrados de concepção das formas
das naves (insetos e animais marinhos) também são recorrentes em outros
ambientes e narrativas de ficção científica. O homem busca as formas
encontradas na natureza e em seu entorno para comporem ao seu mundo da
imaginação.
Assim como as naves, é possível produzir praticamente tudo existente dentro
do mundo de EVE, desde naves, peças para as naves, armas ou então objetos
para serem vendidos, conseguindo dessa forma arrecadar dinheiro, dentro do
jogo. Lembrando que, o EVE possui uma complexa economia totalmente
gerada pelos jogadores (fig. 28). Para a produção dos artefatos existe um item
indispensável e necessário para viabilizar o mesmo. Trata-se dos BPOs (Blue
Print Original). Os BPOs contém todas as informações necessárias para se
construir o objeto desejado, assim como a quantidade de minério necessária, o
tempo preciso de produção e quantas unidades são capazes de serem
produzidas em apenas um único ciclo. Os minérios que podemos comparar ao
ouro são obtidos pelos jogadores que trabalham como mineradores.
35
Em projeto de jogos, é comum o uso do termo concept art ou somente concept para os
estudos e esboços de cenários, personagens, objetos e outros elementos visuais para o jogo.
162
Fig. 28. Interface de contrato.
Conforme se verifica no jogo, sua estrutura econômica se assemelha muito
com o ambiente capitalista do mundo cotidiano. As corporações do jogo
equivalem às corporações e empresas deste mundo “real” onde entram em
disputas e concorrências visando seu crescimento e lucros. Novamente
encontramos características do mundo cotidiano resignificados para o contexto
do jogo. Esta concorrência acirrada entre as empresas capitalistas está
presente em quase todas as nações do mundo (“real”) globalizado.
Para que o personagem possa se aprimorar e alcançar assim suas
expectativas e objetivos desejados, a estrutura de EVE oferece também
habilidades a serem aprendidas pelos personagens, conforme sua estratégia e
escolha de profissão. Quanto mais o personagem treina suas habilidades,
estas aumentam exponencialmente, podendo levar em alguns casos, semanas
163
(contadas em tempo real, de acordo com o mundo cotidiano, externo ao jogo)
para que o personagem possa subir de nível.
No EVE existe a possibilidade de trabalho e assim manter uma renda para
empreender dentro do jogo. Os trabalhadores ficam geralmente dentro das
corporações onde os indivíduos são selecionados por suas funções. A medida
que o personagem suas tarefas, suas habilidades aumentam, porém
aumentam apenas dentro de sua respectiva área de trabalho. As habilidades,
que seguem o lema de “conhecimento é poder”, são umas das características
mais importantes para o crescimento de um personagem no jogo. Estas
habilidades podem ser escolhidas conforme as necessidades e profissão do
personagem, não sendo impostas ou restritas a cada etnia ou profissão. Este
processo perdura até o momento em que essas corporações partem para uma
missão com seu grupo de trabalhadores, cada qual de uma área profissional.
Cada personagem deve exercer sua função na qual se especializou. Um
minerador será um bom minerador e nunca poderá ser um bom lutador.
As corporações são formadas por um grupo de personagens com o mesmo
objetivo. Participar de uma corporação é a maneira mais fácil e eficiente de
socialização do jogo. As corporações são como famílias onde os membros
desenvolvem uma atividade de cooperação e de ensino-aprendizado mútuos.
Também é o local onde os personagens interagem socialmente, podendo
estabelecer conversas por meio do sistema de chat do jogo.
164
De acordo com Salen e Zimmerman (2004, p. 462), esta socialização entre
jogadores é muito importante. “Um jogo significativo pode ser estruturado como
um fenômeno social”. Para o jogador, socializar em jogos como EVE trazem
benefícios e contribui para o crescimento no jogo. Muitos dos desafios e tarefas
a serem superados, só são possíveis quando realizados em equipe. Somente
dentro das corporações o personagem terá acesso a inúmeros recursos que
dificilmente conseguirá sozinho. Além disto, pertencer a um grupo faz com que
o indivíduo seja identificado e reconhecido por seus pares. O mesmo ocorre na
vida cotidiana entre amigos, familiares e colegas de trabalho.
Atualmente, existem milhares de corporações, cada uma com suas próprias
características, qualidades, defeitos, pontos fortes e pontos fracos. Um fato
interessante a ser citado é a possibilidade de guerras entre as corporações.
Para se iniciar uma guerra entre corporações é preciso pagar uma taxa inicial
assim como uma taxa diária e um das possibilidades mais geradas por essa
guerra é a possibilidade dos jogadores das corporações rivais, se atacarem
sem sofrer as punições dos policiais. Por outro lado existem as alianças, um
grupo de corporações que se unem com o mesmo propósito e ideal,
fortalecendo assim seu império. É possível acontecer também uma guerra
envolvendo alianças e corporações, assim, quando uma aliança entra em
guerra todas as corporações presentes dentro desta, também estarão em
estado de guerra. As alianças são as entidades mais poderosas dentro do jogo,
além de possuir um forte vínculo com a política. As corporações, presentes ou
não na aliança, sofrem grandes ameaças em comum. Esta ameaça, conhecida
como Hangar Raiders, é formada por jogadores que invadem as corporações,
165
estando ela presente em alguma aliança ou não, e rouba-lhe informações vitais
enfraquecendo assim toda a estrutura da corporação.
O jogador tem a possibilidade de estabelecer sua estratégia e realizar escolhas
e caminhos, interagindo com os elementos propostos no jogo. Por meio destas
decisões o usuário constrói, aos poucos, sua história e participação no
"universo" proposto pelo jogo. É importante ressaltar que o jogador, no
contexto deste jogo está a interpretar e representar o papel de um
personagem. Huizinga nos oferece um pensamento de forma a complementar
esta idéia. Segundo o autor
A função do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos
interessam, pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos
fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa ou a
representação de alguma coisa. Estas duas funções podem também
por vezes confundir-se, de tal modo que o jogo passe a “representar”
uma luta, ou, então, se torne uma luta para a melhor representação
de alguma coisa (HUIZINGA, 2004, p. 16 e 17).
Compreendemos a partir desta afirmação, que o jogador, ao representar seu
personagem está em busca da superação dos desafios propostos pelo jogo.
Isto é o jogador, no papel do personagem está a lutar por suas conquistas e
objetivos neste contexto específico. Entretanto é preciso considerar que nesta
representação, o jogador antes, precisou compreender os significados dos
desafios e traçar os objetivos (do personagem) a serem alcançados. E,
necessariamente, resignificá-los para a interação de seu personagem com este
universo virtual. Portanto, o jogador, por meio da interpretação de seu
personagem, assume valores que podem ser diferentes dos seus na vida
cotidiana. Valores estes, dentro de um sistema simbólico e significados
166
próprios do jogo. O personagem age e decide conforme uma nova e específica
personalidade construída pelo jogador, distinta da personalidade e atitudes do
jogador em seu mundo ordinário. No jogo, o jogador vivencia e experimenta a
realidade do mundo do personagem, isto é, o mundo fantástico do jogo.
Podemos então, considerar que o jogador, ao assumir a personalidade do
personagem, passa a ser o próprio personagem enquanto estiver no contexto
do jogo. Este fato oferece uma experiência muito imersiva ao jogador, a partir
que ele passa a interpretar seu personagem.
O tutorial do jogo é bem extenso. Porém, foi projetado pelos game designers
de forma que o jogador tenha uma experiência agradável e possa imergir no
ambiente do jogo por meio da interação proposta no próprio tutorial. Assim, o
tutorial apresenta-se como uma fase experimental e de exploração dos
aspectos principais do jogo por meio do gameplay, das interfaces gráficas e
sonoras, das missões, regras principais e estratégias iniciais para a construção
das características do personagem (comandante e nave). Após receber estas
instruções, o usuário depara-se com o universo de EVE onde pode fazer suas
escolhas e traçar aos poucos, seu destino dentro do jogo.
Os comandos do jogo são realizados por meio dos dispositivos do computador:
mouse e teclado. três possibilidades de movimentação da nave. Por point
click ao se selecionar um destino para a nave com o cursor, esta
automaticamente vira na direção do destino determinado. Outra maneira de
movimentar a nave para um destino desejado é por meio do painel de controle,
167
na interface. Este painel (fig. 30) possui símbolos distintos que indicam cada
tipo de ação que o jogador deseje para deslocar sua nave. A terceira forma de
movimentar a nave é por meio de outra interface que permite programar o
destino da nave, escolhendo a localização dentre uma lista de locais possíveis
daquele ponto onde a nave se encontra.
Fig. 29. Detalhe de interface de controle da nave.
As interfaces visuais de EVE foram concebidas de acordo acompanharem a
temática do jogo. Possuem muitos controles para comandos e informações. O
jogador pode escolher minimizá-los para uma melhor visibilidade da tela ou
arrastá-los com o cursor do mouse. Todos os comandos de ações e itens
possuem símbolos que os identificam, tornando a busca por um determinado
168
item ou comando, mais dinâmica. A tipografia nos revela um alinhamento com
as características futurísticas do contexto do jogo, priorizando as fontes
geométricas e sem detalhamentos que nos remete ao universo tecnológico e
digital.
A câmera em EVE permite somente a visualização dos cenários como se o
jogador fosse um observador. Em todas as telas de navegação, o jogador pode
ver sua nave. No entanto, ele poderá movimentar esta câmera mudando seu
ângulo de visão ou utilizando o zoom para aproximar ou afastar a imagem na
tela.
Analisando os cenários e objetos de EVE, verificamos que o jogo possui um
padrão gráfico visivelmente superior ao dos MMOs de hoje, com cálculos de
luzes e sombras geradas em tempo real, inúmeros detalhes minuciosos
presentes em cada nave espacial. A concepção gráfica possui também um
sistema de gerador de partículas para enfatizar as explosões, colisões e tiros
de armas. As construções de EVE, desde naves até plataformas de pouso,
complexos, artefatos e armas seguem a mesma concepção visual, sofrendo
influências de filmes de ficção científica como Guerra nas Estrelas, Jornada
nas Estrelas, Blade Runner etc. (fig. 30).
169
Fig. 30. Plataforma de pouso do EVE.
O design de som também recebe atenção importante. Assim como no cinema
de ficção científica, contrariando as leis da física, onde o som não se propaga
no vácuo, EVE traz os efeitos sonoros para este ambiente.
A música do EVE tende a ir do minimalismo até o épico dependendo do
momento no jogo. Durante as viagens pelo espaço de EVE a música, quase
imperceptível, tem função de auxiliar a imersão do jogador dentro do universo
do jogo. durante os momentos de batalhas, a emoção é tomada por conta
das músicas épicas para ambientar a movimentação e ações com mais
dinamismo. Sonoramente, as músicas tendem a utilizar instrumentos e ruídos
sintetizados devido o conceito futurista do jogo, mesmo quando elas possuem
170
uma tendência clássica, os instrumentos reais como violino, cellos, trombone,
dão lugar aos instrumentos virtuais. Já os inúmeros efeitos sonoros são
basicamente utilizados de uma maneira muito similar aos outros jogos do
gênero, ou seja, em clique de botões, passos, tiros etc.
Neste capítulo, fizemos uma análise do MMORPG EVE-Online sob o ponto-de-
vista da linguagem do design que se manifesta como expressão do designer
que se encontra em um determinado contexto sócio-cultural. O imaginário
coletivo deste contexto é interpretado pelo designer que o resignifica por meio
de um projeto de design. Os conceitos e pensamentos dos capítulos anteriores
foram identificados e associados aos elementos projetuais do jogo, bem como
a interação do jogador com outros jogadores, estabelecendo redes sociais e a
interação com o mundo da imaginação e da ficção de EVE. Nesta interação, o
jogador está interpretando um personagem, podendo realizar um papel
completamente distinto de sua vida cotidiana. Esta compreensão de seu
personagem no contexto do jogo ocasiona a participação mais efetiva do
jogador que pode construir sua própria história em EVE. Deste modo, ele
imerge e vivencia o jogo em todas as suas possibilidades.
171
Considerações Finais
172
Considerações Finais
Ao longo desta dissertação pudemos conhecer e compreender por meio de
Ernst Cassirer as relações do sistema simbólico que se formam a partir de um
determinado contexto sócio-cultural e se tornam significativos para a
construção do imaginário coletivo e individual. Verificamos que o homem
estabelece por meio de um processo identitário os signos de seu imaginário.
Estes signos possuem significados distintos conforme a interpretação de cada
indivíduo em seu contexto sócio-cultural.
No entanto, segundo Paulo Roberto M. de Araújo este indivíduo tem antes a
necessidade de reconhecer-se diante de sua comunidade e fazer-se
reconhecido por meio de seu eu (self) individual. Esta identidade permite ao
homem expressar-se por meio da linguagem expressiva e simbólica. A partir
desta identidade é que o indivíduo pode relacionar-se com os objetos
atribuindo-lhes seus significados particulares. Deste modo podemos
compreender que o homem necessita das representações simbólicas para dar
significado à sua própria existência. É por meio destas representações
simbólicas significativas que ele constrói sua cultura e suas referências.
Encontramos por meio de Johan Huizinga um pensamento que nos revela que
o jogo em suas diversas formas de manifestações sempre esteve presente na
cultura da sociedade. Ele se apresenta por meio de uma representação de
aspectos e comportamentos estabelecidos e identificados na coletividade.
Também se caracteriza como expressão decorrente de uma interpretação do
173
indivíduo. Desta maneira compreendemos o jogo como uma representação da
vida, das atitudes, do comportamento e dos valores de uma sociedade. No
entanto, os jogos se diferenciam do contexto da vida cotidiana e podem ser
considerados elementos lúdicos. Estas idéias encontram lastro no pensamento
de Huizinga, Danill Elkonin, Hans-Georg Gadamer e Marshall McLuhan que
abordam o jogo como um elemento cultural sempre presente nas sociedades.
A partir dos significados existentes em uma determinada sociedade, o designer
pode interpretá-los para então, propor uma resignificação deste sistema
simbólico. Esta resignificação ocorre por meio do projeto de design.
Compreendemos que o design se trata de uma linguagem expressiva porque
envolve os processos construtivos do imaginário e confere relações subjetivas
e emocionais aos objetos. O designer estabelecerá novos significados em seus
projetos e estes, por sua vez, serão interpretados e resignificados pelo sujeito
(consumidor, usuário, interator).
A partir da compreensão do design como uma linguagem expressiva,
estudamos suas características na contemporaneidade onde se desenvolveram
novas propostas de ambientes considerados ambientes virtuais. Verificamos
por meio de Mônica Moura, Arlindo Machado e Lev Manovich que estes
ambientes são construídos a partir da convergência de diferentes dias e
elementos, encontrados anteriormente em campos distintos como o do cinema,
da animação, da TV, da literatura, da fotografia dentre outros. Este novo
ambiente, denominado hipermídia, leva o sujeito (agora interator e não mais
somente um expectador ou usuário) a um mundo virtual onde ele pode interagir
com os elementos do ambiente e com outros indivíduos, levando-o a um
174
estado imersivo. Esta convergência de mídias possibilita ao interator uma nova
experiência com uma infinidade de trajetórias a serem exploradas onde os
elementos tais como imagens estáticas e dinâmicas, animações, sons, música,
textos e hipertextos, podem ser recompostos, sobrepostos e interpretados de
diferentes maneiras, conforme a percepção do interator. Estas interações o
possíveis por meio das interfaces propostas no sistema da hipermídia.
Pudemos verificar que os jogos eletrônicos, de acordo com suas características
podem ser considerados sistemas hipermidiáticos onde é proposto ao
interator/jogador um ambiente interativo que possibilita uma narrativa aberta ao
realizar as ações e obter respostas que o levam à novas ões e desafios.
Ainda, compreendemos os jogos eletrônicos como um ambiente que possui um
sistema de regras que determinam as possibilidades e limitações dos
jogadores. As regras permitem e norteiam as interações no jogo.
Ao final deste trabalho, verificamos que alguns gêneros de jogos (RPG e
MMORPG) propõem ao jogador um universo distinto do seu mundo cotidiano
onde ele pode vivenciar uma outra realidade (virtual) e interpretar um
personagem, representando por meio dele, valores, atitudes, comportamentos
e personalidade diferentes de si próprio. Nestes jogos, o jogador ao interpretar
um personagem, assume a identidade do personagem e assim, imerge na
experiência oferecida pelo mundo imaginário do jogo.
175
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