resgatar o passado, a facilitadora foi pedindo para a gente viajar, voltar, realmente me lembrei do
primeiro módulo da formação em TC, onde eu tinha o sentimento de não saber o que ia rolar, o que ia
acontecer. Mas eu pensava muito assim. Como já vinha nesse processo de mergulho em mim mesma,
de querer mudar, aprender mais. Eu quero! O que vier nessa formação vou fazer, o que mandar faço, o
que disser vou. Eu quero ver o que vai me levar. Então embarquei realmente naquele ônibus, nesse
sentido de aproveitar o máximo. Sem medo do que o fogo queria queimar, como diz o texto de Ruben
Alves que o fogo é o responsável pelo processo de mudança. Lógico, tinha hora que me escondia dele,
do fogo, isso é natural! Foi muito bom, participar de todas as vivências realizadas no processo de
formação em TC. O resgate da criança está em mim, essa dinâmica até hoje fica no meu pensamento,
nunca vai sair da gente. Cada coisa que a gente viveu. Eu vi minha criança, vi como ela foi feliz. A
gente se descobriu, pelo menos, sei que fui uma criança feliz. Hoje eu posso trazer essa criança para
junto de mim de novo. É muito bom.
Acredito que ainda estou nesse processo de transformação permanente, de milho e pipoca,
concordo com a fala de Silvia colocada nessa roda. Tem hora que sou milho, tem hora que sou piruá,
tem hora que sou pipoca. Isso é muito legal, sempre digo que sou assim, um ser em transformação,
toda hora, como diz a Miriam Barreto, uma das facilitadoras do curso em TC que adoro. Perceber que
tenho esse direito de ser inacabada, de chorar, de dizer se eu não compreender algo hoje, mas amanhã
posso compreender. Porque eu era uma pessoa assim, ou melhor, eu não era eu sou, mas estou
melhorando, porque a gente não vira outra pessoa, eu sou a mesma Kalina, carrego as mesmas coisas
na minha bagagem, só que estou melhorada. Estou um pouco melhorada, venho tentando me melhorar
a cada dia mais.
Eu carregava duas coisas muito importantes dentro mim, carregava e carrego, mas tenho
tentado melhorar um pouquinho, que são os sentimentos de culpa e de controle muito grande das
coisas. Percebi e vivo trabalhando isso na minha vida hoje, é um grande diferencial para mim. Culpa
porque pela minha própria história familiar, achava que tinha sido inserida naquela família e não
merecia. Então tinha que fazer tudo para agradar, para dizerem assim: “Poxa, ela é boazinha, deixa ela
ficar”. Isso era uma conta muito grande para pagar. Refletia na minha vida inteira, como mãe e
mulher. Como mãe fazia tudo para minha filha, para ela poder me amar como mãe. Depois fui
entender que ela vai me amar do jeito que eu sou, com os defeitos que tenho. Pensava que a mãe que
eu queria ser ela iria rejeitar. Então fazia tudo, permitia tudo para ela me aceitar, depois eu fui
aprendendo. “Não é assim, não preciso aceitar tudo, para ser aceita”. Isso foi muito bom, porque às
vezes quando ainda me pego em uma situação querendo baixar a cabeça para ser aceita, me pergunto:
“Para que isso? Levanta a cabeça que você vai ser aceita, sim! Quem quiser aceitar você como é,
aceite, quem não quiser se afaste. Todo mundo tem direito de ir e vir”.
Não entendia como é que uma pessoa era assim, tão para baixo e depois tem um
sentimento de controle tão grande. Acho que a gente tem a história do contra-ponto, o meu contra-
ponto era isso. Queria controlar tudo, queria controlar o que as pessoas iam dizer o que iriam pensar,
para onde iam, porque eu achava que era certo. Na minha vida profissional isso foi o que mais mudou
depois da formação em TC. Venho tentando trabalhar, essa questão do controle. Achei que ser
enfermeira era deter o saber, chegar lá e vomitar, dizer é assim que tem que ser. É assim que você tem
que lidar com a sua higiene, com a sua saúde. É esse o remédio que você tem que tomar. Então não era
a toa que queria ser enfermeira. Era para controlar mesmo tudo, e tem que ser chefe, enfermeira tem
que ser chefe. Então, tinha que está tudo certinho, a prescrição é essa, tenho que seguir o protocolo e
você tem só que aceitar. As ações que eu coordenava eram verticalizadas, onde eu era a detentora do
saber e ordenava de cima para baixo. Ia dar uma palestra, chegava lá e “blá, blá, blá, blá.”..
“Terminou! Muito obrigadaÇ. Até mais. Um abraço”. Hoje eu me percebo Kalina parte da
comunidade, pessoa, não enfermeira. Pessoa que está ali para compartilhar com eles, aprendo também,
hoje me vejo parte, inserida num todo que é a Saúde da Família.
Quando cheguei à ESF eu era assim, a gente vai ter que trabalhar assim porque é o certo, a
portaria diz assim, esse paciente tem que chegar aqui, o usuário, esse é o dia e o momento. Foi ai
também a transformação, vi que a transformação foi chegando aos poucos. Hoje tenho um novo olhar,
nova forma de entender a dinâmica das pessoas, da unidade, dos meus colegas de trabalho. Sinto-me
muito melhor assim, sem ter que controlar os outros. Porque era um preço muito grande para mim,
queria controlar tudo, e saber por que fulana de tal não veio para consulta. Hoje fulana de tal chega
cinco meses sem vim para o pré-natal e consigo acolher, que bom que você veio hoje! O que você vem