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A cultura material relacionada à atividade do Lambe-Lambe caracteriza um importante
parâmetro na análise deste profissional, principalmente a máquina fotográfica apoiada sobre
um tripé que utilizam, conhecida como máquina-caixote ou máquina-caixão:
“A máquina me
completa.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro Teodósio da Silva em 16/08/2006) .
Se na sua origem a máquina fotográfica utilizada pelos fotógrafos ambulantes
utilizavam a técnica do ferrótipo (uma chapa de metal que produz imagens diretamente em
positivo), com o passar do tempo diferentes tecnologias fotográficas são incorporadas nas
rotinas profissionais dos Lambe-Lambes, refletindo nessas mudanças a própria evolução
tecnológica na trajetória histórica da fotografia. Na práticas profissionais dos Lambe-Lambes
ao longo do século XX o ferrótipo acaba sucesssivamente sendo substituído por técnicas
fotográficas que utilizam negativos de papel (remetendo à técnica do calótipo
33
), negativos de
vidro (remetendo à técnica do colódio seco
34
), e negativos em película de gelatina e em
rolos
35
.
Um dos primeiros nomes, relacionados à confecção de máquinas para fotógrafos
ambulantes no Brasil, é o de Francisco Bernardi (Kossoy, 1974), fabricante italiano de
equipamentos e acessórios fotográficos, que chega de Bolonha em 1913, fixando-se em São
Paulo e depois no Rio de Janeiro.
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Após dois anos de pesquisa, desenvolve um caixote de
madeira em forma de cubo, com uma lente adaptada em uma de suas faces. No seu interior,
dois compartimentos funcionam como tanques para revelação e fixação das fotografias.
Acoplado à máquina-caixão um pano preto protege da luz do sol o interior da câmera
33
Em 1839, no mesmo ano do surgimento do daguerreótipo, técnica que marca a origem da fotografia, William
Henry Fox Talbot apresenta no Royal Institucion of Great Britain um processo fotográfico baseado no sistema de
negativo/positivo, denominado calótipo (ou talbótico), possibilitando que através de um negativo de papel fosse
possível gerar uma quantidade ilimitada de cópias positivas, ao contrário do daguerreótipo que produzia uma
única imagem em positivo.
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Em outubro de 1847 o físico francês Claude Félix Abel Niépce de Saint-Victor, primo de Niéphore Niépce,
anuncia na Academia de Ciências Francesas um novo método no processo fotográfico em que usava chapas de
vidro revestidas de uma emulsão de nitrato de prata. Os primeiros negativos em vidro são utilizados em 1848. A
chapa de vidro era exposta ainda úmida e deveria ser revelada antes de secar, explicando a denominação deste
processo como “chapa úmida” (ou colódio úmido), pois os negativos deveriam ser sensibilizados, expostos,
revelados e fixados imediatamente enquanto estivessem ainda úmidos: ”O uso do colódio úmido para as chapas
e o papel albuminado para as cópias se incumbiria de levar praticamente ao abandono dos processos
fotográficos anteriores do daguerreótipo e do negativo sobre papel.” (Kossoy, 1980:38). Na década de 1870
surge o colódio seco, processo fotográfico que utiliza chapas de vidro secas.
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A partir das décadas de 1880/1890 os negativos em chapas de vidro foram gradativamente sendo substituídos
por emulsões à base de gelatina, que mantinham a sua alta sensibilidade mesmo depois de seca e que podiam ser
adaptadas em um suporte flexível, permitindo o surgimento dos filmes em rolo. Este novo filme iria tornar
possível o desenvolvimento de um novo tipo de câmera, simplificando o processo de produção fotográfica e
possibilitando o surgimento de fotógrafos amadores: em 1888 George Eastman lança a câmera Kodak,
inaugurando uma nova era na história da fotografia.
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Fonte: Tribuna da Imprensa, 31/03/80.