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Abílio Afonso da Águeda
O fotógrafo Lambe-Lambe:
guardião da memória e cronista visual de uma comunidade
Rio de Janeiro
2008
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
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2
Abílio Afonso da Águeda
O fotógrafo Lambe-Lambe:
guardião da memória e cronista visual de uma comunidade
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora: Profª. Drª. Clarice Ehlers Peixoto
Rio de Janeiro
2008
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Abílio Afonso da Águeda
O fotógrafo Lambe-Lambe:
guardião da memória e cronista visual de uma comunidade
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Aprovado em 01 de setembro de 2008
Banca Examinadora:
__________________________________________
Profª. Drª. Clarice Ehlers Peixoto (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Etienne Samain
Universidade de Campinas
__________________________________________
Profª. Drª. Maria Josefina Gabriel Sant’Anna
Universidade Federal do Rio de Janeiro
__________________________________________
Profª. Drª. Myriam Moraes Lins de Barros
Universidade Federal do Rio de Janeiro
__________________________________________
Profª. Drª. Regina Abreu
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
__________________________________________
Prof. Dr. Valter Sinder (Suplente)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
Rio de Janeiro
2008
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos fotógrafos Lambe-Lambes.
5
AGRADECIMENTOS
A Nira Lima,
minha mulher, amiga e companheira,
pelo imenso apoio e cumplicidade em todos os momentos da minha vida.
A professora Clarice Ehlers Peixoto,
pela confiança inicial no anteprojeto de pesquisa,
pela orientação, pela imensa atenção e dedicação,
pela paciência, pelas críticas e pelos incentivos.
Meu grande respeito e admiração.
As professoras
Lygia Segala e Maria Josefina Gabriel Sant’Anna,
participantes da Banca de Qualificação,
pela inestimável ajuda e contribuição para este trabalho.
Aos professores
Etienne Samain, Myriam Moraes Lins de Barros e Regina Abreu,
referências intelectuais e acadêmicas fundamentais na elaboração desse trabalho,
pela disponibilidade e generosidade de participarem da Banca Examinadora.
Aos professores do PPCIS,
Clara Araújo, Luitgarde Cavalcanti ,
Márcia Contins, Maria Cláudia Coelho e Valter Sinder,
pelos ensinamentos e pelas sugestões dadas ao longo da elaboração da Tese.
Aos fotógrafos Lambe-Lambes
Bernardo Soares Lobo, Jorge Teodósio da Silva e Pedro Teodósio da Silva,
colaboradores fundamentais para a realização desse trabalho,
e grandes Mestres de um saber-fazer tradicional.
Foi uma grande honra partilhar as lembranças de suas vivências e experiências de vida.
6
RESUMO
ÁGUEDA, Abílio Afonso da. O fotógrafo Lambe-Lambe: guardião da memória e cronista
visual de uma comunidade. 2008. 267 f. Tese ( Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2008.
Trabalhando nas ruas, praças, parques e jardins públicos das cidades brasileiras ao longo de
todo o século XX, o fotógrafo Lambe-Lambe pode ser considerado um importante agente
responsável pela democratização e pela popularização do retrato fotográfico entre as classes
menos privilegiadas de nossa sociedade, produzindo uma documentação visual que preserva e
transmite a memória coletiva de grupos comunitários e familiares. Este trabalho analisa os
usos sociais das imagens produzidas por estes profissionais, e reflete sobre o papel social dos
fotógrafos Lambe-Lambes, representantes de uma prática profissional que foi registrada como
patrimônio cultural imaterial carioca. Nesse sentido, o enfoque de abordagem foi estruturado
sobre três vertentes: as inter-relações entre fotografia e memória, as possibilidades de
aproximações críticas e epistemológicas entre os retratos de família e as fotografias de
Lambe-Lambes, e a atuação do campo antropológico na definição de políticas públicas de
preservação e salvaguarda do patrimônio cultural.
Palavras-chave: fotógrafos lambe-lambes; fotografia; memória; patrimônio imaterial.
7
ABSTRACT
Working on the streets, squares, parks and public gardens of Brazilian cities throughout the
twentieth century, the photographer Lambe-Lambe can be considered an important agent
responsible for democratisation and popularization of portrait photography among the less
privileged classes of our society, producing a visual documentation that preserves and
transmits the collective memory of family and community groups. This work examines the
social uses of the images produced by these professionals, and reflects on the social role of
photographers Lambe-Lambes, representatives of a professional practice that was recorded as
intangible cultural heritage of the Rio de Janeiro city. In that sense, the focus of approach was
structured on three issues: the inter-relationship between photography and memory, the
possibilities of criticism and epistemological approaches between the portraits of family and
pictures of Lambe-Lambes, and the participation of the anthropological field in the definition
of public policies of preservation and safeguarding of cultural heritage.
Keywords: lambe-lambes photographers; photography, memory; intangible cultural heritage.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1 RELATOS, OLHARES E NARRATIVAS SOBRE O OUTRO:
REFLEXÕES TEÓRICAS E REFLEXOS NO CAMPO
METODOLÓGICO 18
1.1 O encontro etnográfico 19
1.2 O encanto fotográfico 32
1.3 O intangível no campo patrimonial 43
2 UM OLHAR SOBRE A TRAJETÓRIA
DE UMA PROFISSÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO 64
2.1 Origem do fotógrafo ambulante 65
2.2 O fotógrafo ambulante no Brasil: o Lambe-Lambe 74
2.2.1 Período áureo de um ofício 78
2.2.2 Período de dificuldades de um ofício 101
3 NARRATIVAS ORAIS E NARRATIVAS VISUAIS
EM TORNO DE UMA PRÁTICA CULTURAL 110
3.1 O fotógrafo Lambe-Lambe e a praça:
usos sociais do espaço público 111
3.1.1 O espaço como fator explicativo da decadência de um ofício 113
3.1.2 O espaço como fator explicativo da resistência de um ofício 126
3.2 A fotografia do Lambe-Lambe:
usos sociais das imagens produzidas no espaço público 133
3.2.1 Análise comparativa entre retratos de família
e fotografias de Lambe-Lambes 138
3.2.2 Acervos fotográficos familiares produzidos por Lambe-Lambes 165
4 UMA PRÁTICA PROFISSIONAL
INSERIDA NA NARRATIVA DO PATRIMÔNIO CULTURAL 182
4.1 A atuação do campo antropológico na emergência
das políticas de preservação do patrimônio intangível 184
4.2 O saber-fazer do fotógrafo Lambe-Lambe:
um patrimônio cultural imaterial que emerge do relato etnográfico
194
9
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 210
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 213
CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES 226
ANEXOS 233
10
INTRODUÇÃO
Trabalhando nas ruas, praças, parques e jardins públicos das cidades brasileiras ao
longo de todo o século XX, o fotógrafo Lambe-Lambe pode ser considerado um importante
agente responsável pela democratização e pela popularização do retrato fotográfico entre as
classes menos privilegiadas de nossa sociedade:
“... o retratismo de caráter mais popular teve no
lambe-lambe o seu maior aliado.” (Sevcenko (org.), 1998:467)
.
Registrando os micro-enredos da vida cotidiana nos espaços públicos das cidades, a
documentação fotográfica produzida pelo Lambe-Lambe, uma opção mais barata em relação
aos caros e sofisticados estúdios fotográficos, possibilitou a construção da auto-representação
e da auto-identificação imagética dos indivíduos retratados, transformando-se em um
estratégico lastro identitário que fornece o sentido de coesão e de integração de grupos
afetivos e/ou familiares. Estas imagens podem ser analisadas como importantes suportes
documentais de informação que preservam e transmitem a memória coletiva de diferentes
grupos sociais.
O fotógrafo Lambe-Lambe é um profissional que presta os seus serviços durante
décadas para a mesma comunidade, constituindo-se como uma importante testemunha da
interação social de diferentes grupos no espaço público, atuando socialmente como um elo de
ligação entre as diferentes gerações. O Lambe-Lambe pode ser definido como um guardião
da memória e cronista visual de uma determinada comunidade. Através das suas narrativas
orais (depoimentos e testemunhos orais) e das narrativas visuais (fotografias) é possível
identificar mudanças e permanências em diversos aspectos da vida social cotidiana,
permitindo com isso um mapeamento das transformações e das estabilidades que afetam as
tradições, os hábitos, os costumes, as representações sociais, as formas de sociabilidade, os
padrões de gosto e de comportamento, os padrões arquitetônicos e urbanísticos das cidades, e
os diferentes usos, ocupações e apropriações do espaço público por diferentes grupos sociais.
Em decorrência de uma série de dificuldades, causadas tanto pelos avanços
tecnológicos no campo fotográfico como pelas mudanças no contexto sócio-cultural,
atualmente os Lambe-Lambes são detentores de um saber-fazer em vias de extinção, pois as
novas gerações não querem manter a tradição familiar que sempre caracterizou este ofício.
A pesquisa sobre os fotógrafos Lambe-Lambes se alinha aos interesses teóricos e
metodológicos da Linha de Pesquisa Imagens e perspecitivas da subjetividade, preocupando-
se em refletir, principalmente, sobre a análise de duas fontes documentais de investigação:
histórias de vida e acervos iconográficos de um profissional e de um ofício pouco estudado no
11
cenário nacional. Através das narrativas orais (depoimentos) e das narrativas visuais
(fotografias) do fotógrafo Lambe-Lambe foi possível compreender melhor essa prática
cultural que hoje se encontra em vias de extinção, possibilitando também realizar uma
abordagem reflexiva sobre os usos sociais destas imagens produzidas nos espaços públicos de
nossas cidades.
Para auxiliar na compreensão crítica sobre o papel social do fotógrafo Lambe-Lambe e
sobre os usos sociais das fotografias produzidas nos espaços públicos e urbanos, priorizou-se
uma perspectiva de análise estruturada em vertentes teóricas e metodológicas que abordam a
utilização da documentação imagética em pesquisas sobre a vida social, onde a fotografia é
interpretada como fonte de estudo e como objeto de reflexão.
A definição do recorte espacial da pesquisa orientou um trabalho de campo que
registrou os depoimentos orais dos últimos fotógrafos Lambe-Lambes que ainda sobrevivem
nas praças do município do Rio de Janeiro (Largo do Machado e Jardim do Méier) e em
Niterói (Parque São João/Centro). Através da observação participante foi possível analisar os
diferentes níveis de intertextualidade entre as narrativas verbais e as narrativas visuais,
revelando convergências e divergências nas representações construídas por estas diferentes
formas narrativas. A fotografia também foi utilizada metodologicamente como uma
referência visual que estimula memórias e lembranças, participando ativamente no processo
de rememoração no trabalho de entrevistas.
Como analisou Quivy e Campenhoudt (1992) sobre o processo de investigação
científica no campo social, é de extrema importância a passagem da definição de um
objeto/tema de pesquisa para a delimitação de uma questão ou de um problema a ser abordado
conceitualmente e reflexivamente. Por isso, existe a necessidade de se estruturar e de se
definir, de maneira rigorosa, o trabalho exploratório de prospecção e de mapeamento
preliminar sobre o objeto de pesquisa e sobre o campo a ser pesquisado. Tais procedimentos
permitem estabelecer uma metodologia de trabalho condizente com a identificação do
problema/questão abordada a partir do objeto de pesquisa e de investigação.
Desta forma, é fundamental uma compreensão das diferentes dimensões e significados
das práticas, dos fatos, dos acontecimentos e dos fenômenos culturais estudados,
possibilitando com isso analisar as múltiplas subjetividades e representações que emergem da
interação entre os atores envolvidos nesses processos.
Na investigação dos fenômenos da vida coletiva, a determinação de um método de
trabalho é fundamental, no sentido de auxiliar a possibilidade de revelar alguns aspectos da
12
realidade social. Métodos e técnicas de investigação afetam diversas etapas de coleta,
tratamento e análise de dados.
No caso dos fotógrafos Lambe-Lambes, após a definição do objeto de investigação, e
a partir das questões e hipóteses centrais que permearam o projeto de pesquisa, surgiu a
necessidade de se precisar as estratégias operacionais e instrumentais que permitiram atingir
os objetivos esperados. Todos esses aspectos acabam por afetar e interferir tanto no campo
teórico como nas linhas metodológicas utilizadas na pesquisa etnográfica. Segundo Ruquoy
(1997), analisando as relações entre pesquisador e pesquisado em trabalhos que se utilizam de
entrevistas, diferentes fontes de investigação e de coleta de dados acabam por gerar diferentes
estratégias e reflexões no campo metodológico, pois, como abordou Quivy e Campenhoudt
(1992),
“A escolha, a elaboração e a organização dos processos de trabalho variam com cada
investigação específica.”
(Quivy e Campenhoudt, 1992:16)
Uma questão importante se concentrou na elaboração de um plano de análise das
entrevistas e das fotografias coletadas, onde através da definição de indicadores e conceitos
teóricos foi possível operacionalizar os dados recolhidos no trabalho de campo.
Nessa investigação realizada com os fotógrafos Lambe-Lambes, diversos depoimentos
e fotografias desses profissionais que foram reunidos durante o processo de pesquisa,
possibilitaram delinear uma coerência reflexiva entre o material coletado e os objetivos e
propostas do projeto etnográfico em questão.
Diferentes fontes de informação, como reportagens jornalísticas, revistas e uma
bibliografia específica sobre os fotógrafos Lambe-Lambes, forneceram importantes elementos
de análise, principalmente pela possibilidade da reprodução de trechos de depoimentos e de
fotografias produzidas por esses profissionais em diferentes tempos e espaços sociais.
Além disso, foram realizadas entrevistas e conversas informais com diversos
fotógrafos Lambe-Lambes que atuam décadas nas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói,
entre os anos de 2000 e de 2006
1
. A elaboração de um roteiro utilizado nas entrevistas com os
1
Fotógrafos Lambe-Lambes entrevistados:
Nome Ano de nascimento Local de atuação
Jorge Teodósio da Silva 1927 Largo do Machado (Rio de Janeiro)
Pedro Teodósio da Silva 1931 Largo do Machado (Rio de Janeiro)
Paulo Teodósio da Silva 1946 Largo do Machado (Rio de Janeiro)
Inácio Teodósio da Silva 1942 Largo do Machado (Rio de Janeiro)
Francisco Victor Cavalcanti 1940 Largo do Machado (Rio de Janeiro)
Bernardo Soares Lobo 1928 Jardim do Méier (Rio de Janeiro)
Manoel Medeiros de Souza 1944 Parque São João (Niterói)
Pedro da Silva Monteiro 1925 Parque São João (Niterói)
Sílvio Libério da Silveira 1949 Parque São João (Niterói)
Manoel Ageo Mendonça de Souza 1979 Parque São João (Niterói)
13
Lambe-Lambes já contatados para este trabalho foi desenvolvido dentro de uma perspectiva
que visava alcançar alguns objetivos específicos. As perguntas foram direcionadas com o
objetivo de detectar as transformações e mudanças no espaço público-urbano (arquitetura e
urbanismo) e nas formas de representações sociais (hábitos, costumes e sociabilidades),
permitindo uma reflexão crítica sobre os usos sociais do espaço público, através da análise das
diversas formas de apropriações e de ocupações territoriais, tanto pelos Lambe-Lambes como
por uma comunidade inserida em um determinado bairro. A ênfase estaria centrada na análise
do espaço público ocupado por esses profissionais. Através das entrevistas prospectivas, foi
possível elaborar uma abordagem comparativa da narrativa oral com a produção e os
diferentes usos sociais da documentação fotográfica produzida pelo lambe-lambe ao longo do
processo histórico, revelando paralelos, discordâncias e convergências entre a memória oral e
a memória visual de seus registros iconográficos.
Um material bastante importante e expressivo de análise é proveniente de um projeto
de pesquisa realizado pela socióloga Glória Amarante
2
, onde foram entrevistados nos anos de
2001/2002 quinze fotógrafos Lambe-Lambes
3
- inclusive uma representante feminina dessa
categoria profissional - que atuavam nos espaços públicos da cidade de Belo Horizonte
(Minas Gerais).
Também foram analisados dois acervos fotográficos familiares de retratos produzidos
por Lambe-Lambes, pertencentes à família Cozendey e ao fotógrafo Lambe-Lambe Pedro
Teodósio da Silva. Através de entrevistas realizadas com membros desses grupos familiares
2
Projeto História social de Belo Horizonte: um olhar dos fotógrafos lambe-lambes. Secretaria Municipal de
Cultura / CRAV - Centro de Referência Áudio-Visual. 2002.
3
Fotógrafos Lambe-Lambes entrevistados em Belo Horizonte
Nome Ano de nascimento Local de atuação
Dona Zita 1943 Parque Municipal
Sr. Camargo - Parque Municipal
Sr. Severino Pereira dos Santos - Parque Municipal
Sr. Wagner - Parque Municipal
Sr. Xavier 1940 Parque Municipal
Sr. Chico Manco 1952 Parque Municipal
Sr. Isaac Requejo Conde 1926 Parque Municipal
Senhor José Pinto 1938 Parque Municipal
Sr. Tavinho 1936 Parque Municipal
Sr. Augusto - Praça da Estação
Sr. João Lino 1955 Praça da Estação
Sr. José Marcos 1927 Praça da Estação
Sr. Pedro 1949 Praça da Estação
Sr. Wilson Piazza 1948 Praça da Rodoviária
Sr. João Gomes 1955 Praça Primeiro de Maio
14
foi possível identificar importantes informações sobre os usos sociais desta tipologia
fotográfica nos ambientes domésticos.
Portanto, o material reflexivo proveniente das narrativas orais (depoimentos) e das
narrativas visuais (fotografias) dos Lambe-Lambes, permitiu destacar alguns indicadores e
questões temáticas que se alinham aos objetivos desta pesquisa, elementos que foram de
extrema importância no trabalho de campo realizado. Podemos, de maneira bastante sintética,
ressaltar alguns dos elementos indicadores que se mostraram recorrentes nos depoimentos e
imagens analisadas, questões coerentes com as propostas desse projetos de pesquisa:
1) Mudanças e transformações no espaço social: a análise das narrativas orais e
visuais dos fotógrafos Lambe-Lambes permite que a vida de um bairro e de uma comunidade
possa ser interpretada através dos diversos espectros das redes de sociabilidades coletivas,
as suas permanências e, principalmente, as suas transformações no espaço e no tempo social.
2) O espaço público (praças, parques, largos e jardins) pode ser interpretado como
um suporte estratégico de memórias coletivas e elemento estruturante da própria construção
da identidade de diferentes grupos sociais.
3) O Lambe-Lambe e a comunidade: os depoimentos e as fotografias revelam o
intenso contato deste profissional com diferentes grupos sociais e com as diferentes gerações
de uma comunidade.
4) A estreita relação afetiva do Lambe-Lambe com o espaço público que ocupa.
5) O retrato fotográfico – uma negociação entre fotógrafos e fotografados - e a
construção de uma memória visual desejada, idealizada ou ideologizada.
A partir desses elementos indicadores detectados, foi possível identificar duas
vertentes de análise reflexiva que serão importantes para a elaboração do quadro teórico desta
pesquisa etnográfica, e que terão conseqüências no campo metodológico: os usos sociais do
espaço público e os usos sociais da fotografia.
Além das narrativas visuais e das narrativas orais analisadas, a partir de uma
proposta elaborada com base na pesquisa etnográfica aqui desenvolvida, em agosto de 2005 o
saber-fazer do ofício do fotógrafo Lambe-Lambe foi registrado como patrimônio cultural
imaterial do município do Rio de Janeiro, agregando com isso uma nova dimensão simbólica
a esta tradicional prática profissional. O patrimônio é interpretado neste trabalho como uma
forma narrativa construída socialmente, e que orienta a definição de fronteiras identitárias.
Partindo do estudo de caso do saber-fazer do fotógrafo Lambe-Lambe, o foco de análise
recaiu sobre a emergência das referências culturais intangíveis no discurso patrimonial,
questão alinhada a um contexto que amplia a participação do campo antropológico nas novas
15
configurações de políticas públicas de preservação e salvaguarda de bens culturais. Assim,
um aspecto que se destacou reflexivamente foram as implicações dessas questões na relação
entre agências públicas, pesquisadores e pesquisados envolvidos em estudos sobre práticas e
manifestações culturais com perspectivas de serem inventariadas e/ou registradas no conjunto
de bens patrimoniais.
Na medida em que esse trabalho analisa a prática cultural do fotógrafo Lambe-
Lambe a partir das narrativas orais (depoimentos) desses profissionais, das narrativas visuais
(fotografias) produzidas nos espaços públicos das cidades e da narrativa patrimonial, o
capítulo I se propõe a elaborar uma reflexão sobre aspectos teóricos e metodológicos no uso
de histórias de vida, de fotografias e da dimensão patrimonial como fontes de reflexão nas
ciências sociais.
Sendo assim, o capítulo 1.1 discute as múltiplas dimensões que permeiam o
encontro etnográfico e a inter-relação entre pesquisador e pesquisado, questões que afetam o
trabalho de campo e que definem especificidades próprias do processo de observação
participante. Autores como Clifford, Geertz, Silva, Ruquoy e Melucci foram utilizados para
elaborar uma análise sobre como as metodologias qualitativas afetam e geram relevantes
conseqüências no campos teórico, conceitual e ético de uma pesquisa etnográfica.
No capítulo 1.2, através de autores como Bourdieu, Ciavatta, Collier Jr., Dubois,
Essus, Freund, Guran, Henning, Kossoy, Koury, Moreira Leite, Lima e Carvalho, Peixoto,
Samain, Scherer e Simson, a discussão teórica e metodológica se torno da utilização dos
suportes imagéticos como instrumento de pesquisa nas ciências sociais. O documento visual
não é interpretado apenas como fonte de informação, mas também como objeto de estudo e de
reflexão. A fotografia é uma construção social, e uma análise crítica da memória visual desse
suporte de informação deve considerar os diferentes usos sociais e interesses envolvidos na
produção, circulação e recepção dos documentos imagéticos.
Através da interlocução de Abreu, Canclini, Fonseca, Gonçalves, Jeudy, Rendeiro,
Sant’Anna e Tamaso, no capítulo 1.3 foi elaborado um mapeamento do percurso histórico e
legislativo da emergência das referências imateriais e intangíveis no campo do patrimônio,
tanto no cenário nacional como internacional. A perspectiva de análise privilegiou as inter-
relações entre o conceito moderno de patrimônio nacional e a construção de uma memória
desejada ou idealizada.
O capítulo II traça um breve histórico do contexto social e cultural que abrigou a
origem do fotógrafo ambulante e o percurso de um profissional e de uma profissão ao longo
do tempo e do espaço social. Foi ressaltada nessa parte a relevância do papel social desse
16
tradicional ofício no cenário internacional, destacando também a importância dessa prática
cultural no cenário nacional.
As referências bibliográficas utilizadas nesse capítulo, como Jézéquel, Kossoy,
Mazza e Segala, abordaram de maneira específica o objeto de estudo dessa pesquisa, sendo
complementadas com diversas outras fontes de pesquisa, provenientes principalmente de
reportagens de jornais e de revistas, fornecendo importantes informações e referências sobre
um tema pouco abordado em trabalhos acadêmicos e pela historiografia do campo fotográfico.
No capítulo III do trabalho, as narrativas orais e histórias de vida dos fotógrafos
Lambe-Lambes, e as narrativas visuais das fotografias obtidas por esses profissionais, foram
utilizadas como fontes estratégicas de informação, na pretensão de se entender os múltiplos
aspectos envolvidos em torno dessa prática cultural que hoje se encontra em vias de extinção.
Os depoimentos dos atores envolvidos revelaram os diferentes usos sociais de uma
documentação imagética produzida nos espaços públicos das cidades brasileiras. Também
foram analisados depoimentos de antigos fregueses e usuários dos serviços prestados pelos
Lambe-Lambes e fotografias de seus acervos particulares/familiares.
As reflexões de Bauman, Burgess, Canclini, Claval, Da Mata, Foucault, Frúgoli,
Halbwachs, Harvey, Jeudy, Park e Peixoto comprovam como no capítulo 3.1 será de extrema
relevância a utilização de autores que discutem o caráter inter-relacional entre memória,
identidade (nas suas dimensões sociais, coletivas e/ou individuais), e espaço (nos seus
aspectos sociais, territoriais e/ou afetivos).
A partir desse quadro teórico poderemos ter uma base conceitual para analisar
comparativamente com os depoimentos e as observações empíricas realizadas no trabalho de
campo.
O retrato fotográfico, tipologia fotográfica produzida pelos Lambe-Lambes, será o
principal objeto de análise e de reflexão no capítulo 3.2 desse trabalho. A principal estratégia
de abordagem será estruturada por uma análise que realiza uma aproximação crítica e
epistemológica entre os retratos produzidos pelos Lambe-Lambes e os retratos de família. A
bibliografia aqui utilizada – como Allard, Barros e Strozenberg, Jonas, Journot, Moreira Leite,
Maresca, Odin, Peixoto e Simsom - será fundamentalmente composta por autores que se
preocupam com os interesses e ideologias que se conjugam com a produção e os usos sociais
de acervos imagéticos familiares e privados (tanto a fotografia, como por analogia, os filmes
de família).
O capítulo IV abordou a transformação do fotógrafo Lambe-Lambe em patrimônio
cultural no município do Rio de Janeiro, um projeto elaborado a parir da pesquisa etnográfica
17
desenvolvida no âmbito do doutoramento em Ciências Sociais no PPCIS/UERJ. A reflexão
desenvolvida nessa parte do trabalho recai sobre as potencialidades de trabalhos acadêmicos e
pesquisas etnográficas afetarem políticas públicas no campo da preservação, da valorização e
do reconhecimento de patrimônios culturais, destacando também a crescente participação do
campo antropológico nos projetos de salvaguarda do patrimônio intangível.
No capítulo 4.1, autores como Abreu, Arantes, Chagas e Gonçalves apontam para
o aumento de pesquisas e estudos no campo antropológico sobre os usos sociais do discurso
patrimonial e a sua influência no sentido de identidade e de identificação do indivíduo ao
coletivo. A atuação de antropólogos nas políticas públicas de preservação de práticas e
manifestações culturais intangíveis contribui epistemologicamente no desenvolvimento de
novos conceitos teóricos e metodológicos no campo do patrimônio. Tais questões são
articuladas reflexivamente no capítulo 4.2 ao se analisar o caso específico do registro do
fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio cultural carioca.
18
1 RELATOS, OLHARES E NARRATIVAS SOBRE O OUTRO:
REFLEXÕES TEÓRICAS E REFLEXOS NO CAMPO METODOLÓGICO
19
1.1 O encontro etnográfico
“Examinar dragões, não domesticá-los ou
abominá-los, nem afogá-los em barris de
teoria, é tudo em que consiste a
antropologia” (Geertz, 2001b:65)
Substituindo e ultrapassando uma antropologia realizada no interior dos gabinetes, a
metodologia da observação participante, principalmente a partir de Malinowski, foi
fundamental na afirmação da antropologia social e cultural no campo científico, colocando em
contato direto a identidade e as referências culturais do pesquisador com a alteridade que este
pretendia pesquisar e descrever, ou seja, o trabalho de campo propiciava o encontro entre dois
universos culturais diferentes.
A antropologia pós-moderna ampliou a discussão e a reflexão sobre diversas questões
éticas e epistemológicas que surgem de tais procedimentos metodológicos, principalmente em
relação à autoridade etnográfica, que sempre apareceu como um estratégico fator legitimador
na representação da alteridade em um projeto etnográfico.
Sob uma perspectiva de análise crítica da antropologia pós-moderna, o texto escrito
sobre a alteridade e sobre a representação do outro acaba, em muitos casos, refletindo as
relações de poder, de assimetrias e de desigualdades (políticas, ideológicas, de gênero, de
classe, de origem ou de status social e cultural) existentes entre o pesquisador/observador e o
pesquisado/observado. E por mais que seja inevitável que esta questão permeie o trabalho
etnográfico, ainda são poucos os antropólogos que
“...têm pensado em incorporar em seu projeto de conhecimento
etnográfico as próprias condições políticas determinantes desse
projeto.” (Silva, 2000:73).
Por uma série de fatores, na década de 60, tais questões e questionamentos sobre as
relações de poder entre pesquisador e pesquisados, e de como esses aspectos se
materializavam e se refletiam nos textos etnográficos, começam a dominar cada vez mais o
universo da produção acadêmica do campo antropológico.
Como foi abordado por Clifford (1998b), Geertz (2001a), Gonçalves (1996) e Silva
(2000), o contexto histórico de descolonização afeta de maneira marcante os grupos sociais
que tradicionalmente eram objetos de estudo no campo antropológico e etnográfico,
20
provocando com isso profundas mudanças nas relações políticas, econômicas e culturais entre
pesquisadores e grupos pesquisados, influenciando o surgimento de novas abordagens e de
diferentes possibilidades de leitura e de escritas sobre a representação da alteridade no projeto
etnográfico.
Os papéis e as categorias identitárias diferenciadas, que antes marcavam as relações
entre cientistas (observadores) e nativos (observados), situam-se agora em uma fronteira
divisória muito tênue, e em diversos casos os grupos tradicionalmente observados assumem o
papel de observadores:
“A entrada de povos antes colonizados ou proscritos (usando suas
próprias máscaras e falando suas próprias palavras) no palco da
economia global, da política de cúpula internacional e da cultura
mundial tornou cada vez mais difícil sustentar a afirmação de que ele
é uma tribuna para os não-ouvidos, um representante dos não-vistos,
um conhecedor dos mal-interpretados.” (Geertz, 2002:174)
Nesse contexto contemporâneo da pós-modernidade, o conceito de cultura, que
sempre norteou as propostas teóricas e metodológicas dos estudos antropológicos, começa a
ser analisado criticamente como um conceito rígido, fechado e limitativo para traduzir com
fidelidade as múltiplas formas de compreensão da experiência do outro.
A noção de cultura sempre esteve intimamente entrelaçada com o desenvolvimento do
conhecimento antropológico, embasando as reflexões sobre as vivências, as experiências e as
visões de mundo de diferentes fronteiras identitárias. Através da compreensão do fator
cultural poderíamos conhecer o outro e a alteridade, possibilitando uma análise crítica sobre
as diferenças e as diversidades existentes entre os grupos sociais.
Gonçalves (1996) e Geertz (1973) afirmam que, se para os antropólogos
evolucionistas do século XIX o conceito de cultura era orientado pelo seu caráter singular,
pois segundo essa perspectiva existiria apenas uma única cultura no universo humano, e a
diversidade era interpretada como um reflexo dos vários estágios de evolução e de
desenvolvimento cultural dos diferentes grupos sociais, entre os séculos XIX e XX esta
percepção se modifica, e na antropologia moderna a cultura começa a ser analisada como um
substantivo plural. A noção de cultura passa a incorporar e a considerar as particularidades e
as especificidades culturais humanas nas descrições etnográficas da alteridade. A corrente do
relativismo cultural surge no panorama epistemológico como um importante contraponto de
21
uma concepção universalista de cultura, valorizando as singularidades, variabilidades e as
subjetividades do indivíduo.
É no contexto dos anos sessenta que novos paradigmas irão consolidar as bases
teóricas da antropologia pós-moderna. A compressão do tempo e do espaço do mundo
contemporâneo, reflexo do desenvolvimento tecnológico, principalmente nos meios de
transporte e de comunicação, aproxima e dilui a distância e a separação entre fronteiras
geográficas e identitárias. A abrangência da circulação de informações re-significa tradições
em um ambiente multiculturalista, onde impera uma globalização crescente no campo
econômico, intensificando o movimentos migratórios e ampliando as lutas pelos direitos das
chamadas minorias (questões étnicas, religiosas, de classe, de gênero e de costumes).
Todos esses elementos estruturais que se fortalecem no ambiente contemporâneo
impossibilitam que se analise os conceitos de identidade e de cultura como referências
homogêneas, harmônicas, coerentes e fechadas em si mesmas. No fluxo de re-ordenamentos
identitários e de re-arranjos de memórias coletivas, o indivíduo se afirma na complexidade
plural da vida social construindo-se através da vontade, do desejo e do fortalecimento de suas
subjetividades. Como define Stuart Hall (2000), a sensação de pertencimento de indivíduos e
grupos no mundo pós-moderno se dilui através de uma pluralidade de pontos de força e de
influências identitárias e culturais, podendo-se desta forma perceber como as
“...sociedades da modernidade tardia (...) são caracterizadas pela
“diferença”; elas são atravessadas por diferentes divisões e
antagonismos sociais que produzem uma variedade de “posições de
sujeito” – isto é, identidades...” (Hall, 2000:17).
A ênfase no papel do indivíduo, e da criatividade e indeterminação que estão presentes
no entendimento crítico da cultura, levou ao reconhecimento do caráter ficcional do conceito
de cultura, questão que afeta e influencia a concepção e os modelos de etnografias. A cultura
deixa de ser percebida como um objeto, e passa a ser analisada criticamente como uma
invenção, uma construção e uma criação manufaturada socialmente. A cultura, segundo
Geertz (1973), não deve ser interpretada como padrões de comportamento (costumes, usos,
tradições e hábitos), mas como um conjunto de mecanismos de poder simbólico para controle
de comportamento (planos, receitas, regras e instruções), e o homem deve ser analisado como
um animal dependente desses mecanismos de controle social. Uma metodologia de análise da
natureza humana deve ser abordada de uma maneira interdisciplinar, integrando teorias e
22
conceitos de diferentes áreas e campos do conhecimento. Os aspectos e fatores biológicos,
psicológicos, sociológicos políticos e culturais devem ser analisados de maneira integrada, e
não de uma forma estratificada.
Na epígrafe de seu trabalho, Silva (2000) cita James Boon
4
, onde este afirma que
assim como as culturas são plurais e dinâmicas, e que se transformam com o tempo, o mesmo
ocorre com os métodos para investigá-las, pois esses métodos investigativos também são
produtos culturais que se modificam ao longo do tempo histórico e social.
Essas mudanças nos métodos investigativos afetam de maneira importante o próprio
texto etnográfico que é produzido para descrever as diferentes realidades culturais estudadas.
Tal questão demonstra que devemos ter a consciência de que o texto etnográfico não é uma
verdade única e definitiva, pois sempre existe a possibilidade de uma descrição e de um relato
etnográfico ser re-discutido e re-avaliado por diferentes perspectivas de análise.
As mudanças nas relações políticas, econômicas e culturais entre antropólogos e os
grupos pesquisados irão impor novos limites e diferentes objetivos no texto etnográfico da
pós-modernidade. As descrições e os relatos etnográficos não devem se estruturar como uma
análise fechada e conclusiva sobre o outro, mas sim, assumir o seu caráter provisório, parcial
e inventivo do conhecimento, abrindo espaço para o diálogo e a polifonia dos discursos que
surgem e se manifestam ao longo do processo de pesquisa.
Um trabalho que pretenda descrever o outro, deve abrigar as múltiplas dimensões
subjetivas envolvidas no contato entre identidades e alteridades, e o texto etnográfico deve
refletir tanto as representações que o antropólogo constrói sobre o grupo estudado, como as
representações deste grupo sobre o antropólogo e sobre a sua pesquisa, permitindo que as
vozes de observadores e observados participem do discurso etnográfico.
A realidade possui aspectos múltiplos, dinâmicos e contraditórios. A descrição da
realidade construída em um texto etnográfico deve ser entendida, na verdade, como uma
interpretação seletiva e um aspecto representativo desta realidade elaborado pelo antropólogo.
Devido à esta perspectiva de análise, é no contexto da pós-modernidade que os textos
etnográficos acabam por se transformar eles próprios em objetos de interpretação e de
reflexão por parte de meta-etnografias.
A análise crítica da relação entre a realidade e a representação da realidade nos textos
etnográficos, e o entendimento do processo de produção destas representações, são
4
Other tribes, other scribes. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
23
importantes fatores que ampliam o nosso entendimento sobre a complexidade envolvida na
passagem da experiência do trabalho de campo para o texto escrito.
Uma reflexão importante que a antropologia pós-moderna propõe é sobre uma análise
crítica da atuação do antropólogo no trabalho de campo, e de como o posicionamento do
pesquisador neste procedimento metodológico interfere no processo de elaboração do seu
projeto etnográfico. Porém, como afirma Silva (2000), existe um
“...descompasso entre a
enorme importância que os antropólogos atribuem à observação participante ou ao trabalho de
campo para a produção das representações sobre o outro e a pouca reflexão que fazemos desse
tema.” (Silva, 2000:24).
No trabalho de campo, o estreito contato entre as fronteiras identitárias
de pesquisador e de pesquisado envolve relações de poder, revelando as diferentes
subjetividades que estruturam vivências, experiências e visões de mundo de sujeitos e de
objetos de estudo. No processo de observação participante o pesquisador afeta e é afetado
pelo campo pesquisado, e esta interação demonstra a impossibilidade do antropólogo em
manter uma neutralidade e uma imparcialidade científicas que atinjam todas as dimensões do
trabalho de campo.
Apesar de todos os acasos, incertezas e imprevisibilidades que participam do percurso
do trabalho do campo, o projeto de pesquisa, com os seus questionários, objetivos e
pressupostos teóricos, acaba estruturando e direcionando o processo de observação
participante:
“O pesquisador (...) vem com um arcabouço do seu pensamento, e
buscando no discurso do outro aquelas coisas que se encaixam mais
ou menos no seu modelo estrutural de análise.” (Silva, 2000:54).
Na imersão do antropólogo no seu campo de estudo, o diário de campo e outros meios
de registros de informação (como gravadores, máquinas fotográficas ou filmadoras) permitem
que o pesquisador acumule suportes documentais de informação fixos e estáveis, que
fornecem um sentido de estabilidade frente às flutuações de memória e das interpretações
pessoais do antropólogo sobre o processo de trabalho de campo. Mas é o próprio
antropólogo, segundo o seu posicionamento no campo, que irá selecionar e recortar, dentro de
uma multiplicidade de possibilidades e de opções, as informações importantes e relevantes a
serem registradas, de tal forma que possam auxiliar na interpretação da realidade que pretende
descrever.
24
Relações de poder permeiam diferentes etapas do projeto de pesquisa que pretende
trabalhar com representações da alteridade. Assimetrias e desigualdades de poder afetam
desde o trabalho de campo até o processo da passagem da experiência do encontro etnográfico
para o texto final escrito. As representações sobre as realidades descritas em uma etnografia,
construindo visões e interpretações de mundo, influem de maneira decisiva em disputas de
interesses políticos e ideológicos que se travam nos diversos campos sociais. O poder do
discurso científico afeta e atua de forma marcante nas práticas políticas, sociais e culturais.
O antropólogo, no desenvolvimento de sua pesquisa e do seu relato etnográfico, irá
descrever a sua própria interpretação do universo pesquisado, influenciados por suas
experiências pessoais e por suas referências identitárias. O poder e a influência do
pesquisador se revela na sua inscrição no campo, na construção do objeto de estudo, nos
problemas e nas soluções encontradas, e nos limites e barreiras que formatam a sua pesquisa.
Geertz (2001a) aponta em seu texto importantes questões que permeiam o trabalho de
campo, principalmente sobre a relação e a tensão entre pesquisadores e pesquisados. Nos
relacionamentos entre antropólogos e os seus informantes, poderes desiguais e barreiras
culturais, sociais e econômicas, convivem com sentimentos que envolvem sinceridades,
honestidades, hipocrisias e ilusões.
O texto etnográfico é uma tradução da experiência de campo para a escrita, um
processo que sofre a ação de múltiplas subjetividades que escapam do controle do
pesquisador. Para neutralizar esta questão, a escrita etnográfica sempre recorreu à estratégia
de se afirmar através do poder da autoridade etnográfica do pesquisador, detentor da
neutralidade, da verdade e da objetividade científica. Porém, como indaga Clifford (1998a),
até que ponto a complexidade da experiência de um encontro cultural pode ser traduzida por
apenas um indivíduo?
“Como, exatamente, um encontro intercultural (...) atravessado por
relações de poder e propósitos pessoais, pode ser circunscrito a uma
versão adequada de um “outro mundo”, mais ou menos diferenciado,
composta por um autor individual? ” (Clifford, 1998a:21)
Nesse texto, o autor discute a formação e a desintegração da autoridade etnográfica na
antropologia social do século XX. O trabalho de campo, que afirmava a presença do
pesquisador no ambiente pesquisado, fornecia a autoridade necessária do antropólogo sobre a
etnografia produzida. A crise da autoridade etnográfica aparece como um reflexo imediato de
25
uma crise na questão da representação intercultural no mundo contemporâneo. Nesse contexto
histórico, que abriga uma rede de estreitos contatos interculturais e que dilui fronteiras
identitárias, o ocidente não é mais o único local da produção do saber antropológico, abrindo-
se espaço para uma polifonia nas produções etnográficas. Como assinala Clifford (1998b), o
surgimento do antropólogo nativo, e da produção antropológica nos chamados países em
desenvolvimento, provoca um descentramento das autoridades européia e americana no
campo antropológico, gerando novas vozes, novas autoridades e novas representações da
alteridade:
“Cada vez mais a etnografia vem se consolidando como uma
atividade acadêmico-profissional realizada inclusive por povos antes
considerados apenas “objetos” desse conhecimento. “Sujeitos” e
“objetos” da antropologia têm mudado de perfil em decorrência das
mudanças nas relações políticas, econômicas e culturais entre os
países que tradicionalmente “produziram” os primeiros e os
continentes que tradicionalmente “forneceram” os segundos.” (Silva,
2000:24)
Tudo isso gera propostas teóricas e novos métodos e procedimentos sistemáticos que
contribuem para uma representação pós-colonial dos grupos sociais, afetando a escrita
etnográfica e a questão da interpretação cultural.
A maior crítica pós-moderna seria a de que a escrita etnográfica, muito influenciada
pela busca da objetividade e da coerência do discurso científico como fator legitimador do
poder e da autoridade etnográfica, acaba por esvaziar a multiplicidade de sentidos das
experiências vivenciadas pelo pesquisador no campo, pois as subjetividades envolvidas no
processo de pesquisa empírica sempre foram consideradas como aspectos não-científicos, e
portanto interpretadas com não-relevantes pelo campo acadêmico:
“Como mostrou James Clifford, as referências ao trabalho de campo
nas etnografias, em geral, ficam restritas às introduções
metodológicas ou notas de rodapé...” (Silva, 2000:120)
Deixando de explorar as dimensões subjetivas que participam do encontro etnográfico,
e sem uma preocupação em abordar uma reflexão epistemológica sobre o próprio processo de
produção e de construção do texto etnográfico, a narrativa escrita sobre uma realidade que se
26
pretende descrever acaba se estruturando como um modelo ficcional ordenador, que não
privilegia as múltiplas dimensões e percepções da vivência e da experiência que transcendem
do diálogo do pesquisador com o outro.
A intertextualidade discursiva e a pluralidade de vozes e diálogos que são
incorporadas no relato etnográfico possibilitam neutralizar, em parte, a atuação de alguns
campos de força que atuam nas desigualdades e assimetrias de poder envolvidas na relação
entre pesquisados e pesquisadores, e que influem de forma marcante na construção da
representação do outro e da alteridade.
Geertz (2002) mostra em seu texto como, entre os séculos XIX e XX, o campo da
antropologia se formou no contexto histórico do Neo-Colonialismo, e de como muitos dos
trabalhos etnográficos deste período refletiam os confrontos culturais e as assimetrias de
poder que emergiam dos encontros entre identidades e alteridades. Tal questão aparece de
forma muito contundente na fala de Aílton Krenak, representante da nação indígena Krenak:
“... eu sempre fico com a desconfiança de que o motor desse estudo
ou pesquisa não é nenhuma paixão muito espiritual, é um esforço de
dominação, controle e manipulação. Existe uma recorrência na
história dos povos de conhecer para dominar.” (Silva, 1994:14)
Atualmente, no ambiente contemporâneo da pós-modernidade, que abriga choque,
contatos, misturas, fusões e mesclagens de fronteiras culturais e identitárias, um texto
etnográfico deve incorporar um diálogo entre as diferentes linhas societárias (etnias, religiões,
classes, gêneros e línguas) e gerar um discurso inteligível entre indivíduos e grupos com
diferentes interesses, visões, riquezas e poderes.
A etnografia realizada por Silva (2000) sobre religiões afro-brasileiras, faz uma
reflexão profunda sobre o trabalho de campo e sobre a produção do texto etnográfico,
demonstrando como as relações de poder podem afetar diversas instâncias e etapas de um
projeto que se propõe descrever e representar a alteridade:
“O “poder” de representar o outro através da escrita, que detém o
etnógrafo (“Ele vai escrever um livro sobre a minha casa”), lhe
permite obter muito mais informações do que as outras pessoas...”
(Silva, 2000:138)
27
Desenvolvendo um trabalho de meta-etnografia (meta-análise), Silva destaca que a
experiência do trabalho de campo e a passagem desse processo de vivência com a alteridade
para o texto escrito, são estágios do projeto etnográfico perpassados por questões
epistemológicas, éticas, morais e políticas, afetando e influenciando as inter-relações entre
pesquisadores e pesquisados.
Tendo feito na sua dissertação de mestrado uma pesquisa de campo com religiosos de
diversos terreiros, Silva se volta em sua tese de doutorado para uma auto-reflexão sobre os
mecanismos que influenciam a construção de um projeto etnográfico, entrevistando seus pares
acadêmicos e observando como os textos etnográficos são lidos pelos próprios grupos de
religiosos estudados:
“Debruçar-me sobre o procedimento metodológico por mim utilizado
nas pesquisas anteriores permitiu que eu percebesse, já com um certo
distanciamento, algumas dimensões da realização do meu próprio
trabalho de campo...” (Silva, 2000:19)
Como vimos, um projeto etnográfico deve se nortear pela preocupação em construir
um verdadeiro diálogo entre observadores e observados, ao mesmo tempo que deve
incorporar uma abordagem epistemológica sobre o próprio processo de construção do texto
etnográfico e do modelo representacional da alteridade. A forma como um projeto
etnográfico pode tentar minimizar as influências das desigualdades e assimetrias de poder
entre pesquisadores e pesquisados, e que muitas vezes se refletem de forma negativa no
trabalho de campo e na produção do texto acadêmico, seria a de contemplar e satisfazer tanto
os objetivos acadêmicos, como também os interesses e as expectativas do grupo estudado,
possibilitando assim
“...articular a necessidade do conhecimento antropológico com as dimensões
morais e éticas que nele atuam intimamente.” (Silva, 2000:139)
Uma importante e estratégica questão relacionada à dimensão do poder envolvido na
produção de um projeto etnográfico de representação do outro, e que aparece de maneira
marcante no trabalho realizado por Silva, diz respeito ao poder político e simbólico que um
trabalho acadêmico, científico e etnográfico tem de construir, de valorizar e de legitimar
tradições em um contexto sócio-cultural mais amplo.
Em uma parte de seu trabalho intitulada sugestivamente de
“Construindo textos, tecendo
tradições” (Silva, 2000:145),
o autor analisa de uma maneira específica o papel das etnografias
na legitimação de tradições. Segundo ele, os textos etnográficos são estratégicos suportes
28
documentais de informação que transmitem, preservam e constroem tradições, conferindo ao
projeto de pesquisa um importante poder legitimador de práticas, de manifestações e de
fenômenos culturais. Esta forma de poder que encontra-se estreitamente vinculada ao projeto
etnográfico, possui um amplo espectro de influência pois um projeto de pesquisa acadêmica
pode repercutir para além do ambiente científico, afetando políticas locais de transmissão e de
preservação do conhecimento. Fica claro desta forma, o enorme
“...poder dos etnógrafos e de
suas etnografias de construir e legitimar tradições...” (Silva, 2000:150).
Silva discute a influência das etnografias nas tradições religiosas afro-brasileiras,
onde os saberes, que são eminentemente transmitidos entre gerações através da oralidade,
podem ser sistematizados, preservados e legitimados através do texto escrito.
A produção de textos etnográficos, e o próprio interesse de pesquisadores sobre esse
campo religioso no cenário nacional, permitiu, graças ao aval e ao poder simbólico do meio
acadêmico, diminuir os níveis de discriminação e de estigma que sempre incidiram sobre
essas manifestações religiosas.
Os próprios terreiros identificaram nesse interesse acadêmico uma forma de
possibilitar a legitimação e a valorização social das religiões afro-brasileiras. Principalmente
a partir dos anos 30, formou-se uma espécie de aliança entre pesquisadores e religiosos, e que
favoreceu tanto aos interesses acadêmicos, facilitando a aceitação e a inserção de
antropólogos nos terreiros, como o capital simbólico de pesquisadores e de suas pesquisas
ajudou a reduzir o estigma discriminatório que afetava essas religiões e os seus praticantes
religiosos:
“Assim como o antropólogo ajuda a legitimar lideranças, as lideranças também podem
ajudar a legitimar os antropólogos...” (Silva, 2000:154)
A questão das relações de poder que orientam as possibilidades de um projeto
etnográfico de legitimar, de preservar e de valorizar tradições, e que foi abordado no trabalho
de Silva (2000), permeou de diversas maneiras a pesquisa que realizei para a elaboração da
minha dissertação de mestrado
5
no curso Memória Social e Documento, na Universidade do
Rio de Janeiro (UNIRIO). Entre os anos de 2000 e de 2002, através do trabalho de campo e
da metodologia da observação participante, foram realizadas entrevistas com os cinco
fotógrafos Lambe-Lambes que atuaram no Largo do Machado na segunda metade do século
XX.
O fotógrafo ambulante, popularmente conhecido como Lambe-Lambe, atuando nas
praças, parques e jardins públicos, acompanha o percurso histórico da sua cidade e a trajetória
5
Título da dissertação: O fotógrafo Lambe-Lambe no Largo do Machado: um olhar sobre memórias coletivas no
espaço urbano
29
da comunidade onde está inserido. Cronista visual e guardião da memória, assim como a sua
produção fotográfica, as suas lembranças e recordações constituem-se como importantes
suportes de informação documental que auxiliam na compreensão das diferentes articulações
entre memórias coletivas e fronteiras identitárias nos espaços públicos e urbanos da
modernidade.
Detentor de um tradicional saber-fazer em vias de extinção, neste início de milênio o
fotógrafo Lambe-Lambe convive com a iminência da perda de seu papel social, ultrapassado
por novas tecnologias no campo fotográfico, por transformações no contexto sócio-cultural, e
por mudanças no uso social dos espaços públicos nas grandes cidades. Para este grupo
profissional, por mais contraditório que possa parecer, o espaço (social, territorial e afetivo)
aparece ao mesmo tempo como fator explicativo da decadência e da resistência deste ofício.
O objetivo da minha dissertação foi o de explicitar a importância do fotógrafo Lambe-Lambe
como um observador privilegiado e uma testemunha estratégica que presencia as mudanças e
permanências na realidade social contemporânea. Através da memória oral e da história de
vida destes profissionais foi possível recuperar fragmentos e detalhes da vida social cotidiana,
e suas narrativas revelaram micro-enredos de grupos sociais que foram silenciados, excluídos,
ocultos e esquecidos por uma história oficial.
Mas, o meu interesse por esse tema surgiu bem antes, em 1997, por ocasião da
elaboração da monografia de final do curso de Museologia (UNIRIO). Nesse momento, a
ênfase no trabalho estava centrada na pesquisa histórica sobre este profissional e na
necessidade de uma ação museológica de preservação deste tradicional saber-fazer,
elaborando-se uma proposta em transformar este ofício em Patrimônio Cultural Imaterial no
cenário nacional. Porém, foi apenas no início do meu curso de mestrado que fiz as primeiras
entrevistas com esses profissionais, e pude então perceber como o meu interesse em criar
mecanismos oficiais de valorização desta tradição, que é transmitida oralmente através das
diferentes gerações, ajudou no meu processo de trabalho de campo.
Quando reflete sobre a metodologia da observação participante, Silva (2000) ressalta
que diferentes grupos pesquisados exigem diferentes formas de inserção e de aceitação do
pesquisador no campo estudado.
Fui aceito pelos fotógrafos Lambe-Lambes, após uma rejeição inicial
6
, ao me
apresentar como um pesquisador que conhecia profundamente o percurso histórico e a
6
Essa rejeição aparecia no momento em que eu me apresentava como um pesquisador que gostaria de entrevistá-
los. Inicialmente, quase todos se recusavam, alegando que anos pesquisadores e jornalistas os entrevistavam,
publicavam seu livros e suas reportagens jornalísticas, “ganhavam o seu dinheirinho” com essas publicações,
30
importância cultural dos fotógrafos ambulantes no cenário nacional e internacional, e explicar
que o meu trabalho seria importante para a elaboração de um projeto de transformação deste
tradicional saber-fazer em Patrimônio Cultural, possibilitando com este amparo público e
oficial a revitalização, a revalorização e o redimensionamento simbólico desta profissão e
deste profissional.
Se a consciência do poder das etnografias em legitimar tradições foi por mim utilizada
como uma estratégia de inserção no campo estudado, os Lambe-Lambes acabaram me
aceitando ao perceberem que a minha pesquisa traria benefícios materiais e simbólicos para
seu grupo profissional
7
. Sobre essa questão, Geertz (2001) observou que os informantes,
muitas vezes, criam expectativas em torno do trabalho do pesquisador, relacionando que o
interesse acadêmico possibilita uma chance de melhorias nas condições de vida e benefícios
para o grupo ou indivíduo estudado. Da mesma forma, Silva (2000) percebeu como este
poder legitimador de tradições das etnografias foi utilizado por pesquisadores e pesquisados
no campo das religiões afro-brasileiras:
“... a presença em terreiros de cientistas e intelectuais provenientes
das classes dominantes brancas foi imposta por estes, mas também foi
incentivada pelas comunidades religiosas como forma de divulgar
suas tradições, estabelecer alianças com as elites, desqualificar
inimigos e angariar legitimidade dentro do próprio campo religioso”.
(Silva, 2000:78)
Apesar desta relação entre tradição e projeto etnográfico ter sido um importante
elemento sustentador da minha aceitação e da minha inserção no campo estudado, questões
referentes a esse tema não foram abordadas no texto final da minha pesquisa de mestrado. A
enquanto que a profissão do Lambe-Lambe estava desaparecendo por falta de uma atenção e de uma valorização
por parte do Poder Público. A queixa era a de que as entrevistas dadas não traziam nenhum retorno ou benefício
para essa classe profissional.
7
Em fevereiro de 2004 finalizei o projeto com a proposta de transformar o tradicional saber-fazer do fotógrafo
Lambe-Lambe em Patrimônio Cultural Imaterial do município do Rio de Janeiro. A proposta de inscrição deste
ofício no Livro de Registro do Saberes, instituído pelo Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
(Decreto Municipal 23162, de 21/07/2003) foi efetivada pelo Decreto 25678, de 18/08/2005. Este caso
comprova um ponto defendido por Silva (2000:183), que mostra como o “retorno” das etnografias aos grupos
estudados pode acontecer de maneira indireta, como quando são usadas como parâmetros de análises de políticas
públicas. Para mim este projeto acabou se estruturando como uma obrigação e como um compromisso moral e
ético em relação aos Lambe-Lambes que entrevistei, pois como ressalta Becker (1992), “O observador
interagindo com aqueles que estuda em bases de longo prazo, acaba por conhecê-los como companheiros seres
humanos além de como objeto de pesquisa; portanto é difícil para ele evitar sentimentos de amizade, lealdade e
obrigação(...).” Becker, 1992:120)
31
reflexão sobre tal questão (ou sobre tal omissão) se enquadra de maneira adequada em um
aspecto característico dos textos etnográficos, e que Silva (2000) ressaltou em seu trabalho:
“O texto etnográfico possui, portanto, uma natureza especial, e deve
ser avaliada tanto em função das imagens que reflete, segundo óticas
próprias, como em função daqueles objetos aos quais ele dá as costas,
deixando fora do seu foco de representação.” (Silva, 2000:145)
Além de exemplificar como o poder e a autoridade do pesquisador se refletem no
projeto de representação da alteridade, os silêncios e as ocultações de vários aspectos do
processo de produção da minha dissertação, tanto do trabalho de campo como da passagem
dessa minha experiência de encontro etnográfico para o texto escrito, podem ser relacionados
com uma falta de sensibilidade pessoal em não valorizar certos elementos não-objetivos (e
portanto, equivocadamente considerados por mim como não-científicos) que surgiram no
processo de realização da minha pesquisa.
Fica claro, portanto, como um projeto de descrição e de representação da alteridade
pode ser afetado por relações de poder que permeiam o trabalho etnográfico, questões estas
que influem tanto no trabalho de campo como interferem na produção do texto escrito sobre a
experiência do encontro etnográfico. Cabe ao pesquisador utilizar estes elementos como um
rico material reflexivo, possibilitando estruturar uma abordagem de análise crítica sobre o seu
próprio projeto de pesquisa.
32
1.2 O encanto fotográfico
“O conhecimento das imagens, de sua
origem, suas leis é uma das chaves de
nosso tempo. (...) É o meio também de
julgar o passado com olhos novos e
pedir-lhe esclarecimentos condizentes
com nossas preocupações presentes,
refazendo uma vez mais a história à
nossa medida, como é o direito e
dever de cada geração.
Pierre Francastel”
(Kossoy, 2001:10)
O surgimento e o desenvolvimento do processo fotográfico ao longo do século XIX
provoca importantes mudanças e transformações nos mais diversos campos da vida humana.
A imagem fotográfica surge como um fenômeno que incorporava elementos de magia,
ciência, tecnologia e arte. Fixando imagens e congelando o instante no tempo, a fotografia
altera de maneira significativa a relação do homem com o mundo e consigo mesmo,
estimulando lembranças, rememorações, saudades e nostalgias, redimensionando a percepção
de passagem do tempo pelo homem.
Aparentemente a fotografia seria uma referência concreta do real, expressão da
verdade e espelho da realidade, sendo indiscutível a sua credibilidade e a fidelidade de sua
linguagem visual. A fotografia como reflexo da realidade, porém, não passa de um mito:
No
limite, não existe um documento-verdade.” (Le Goff, 1996:548)
. Fonte e objeto de estudo
multidisciplinar científico, as imagens fotográficas devem ser interpretadas como fragmentos
visuais que incorporam criações de verdades, silêncios, ocultações, esquecimentos e seleções.
A fotografia, enquanto suporte de criação de realidades e estruturada por uma
intencionalidade consciente e/ou inconsciente, deve ser interpretada como um monumento
(uma construção social, segundo o conceito de Le Goff), possibilitando que uma leitura crítica
efetive uma desconstrução que revele interesses, usos e manipulações políticas, ideológicas e
sociais. O documento fotográfico, percebido criticamente como um monumento, permite
desvendar o ausente, o oculto e o invisível de uma referência do visível, possibilitando
explicitar as subjetividades deste importante e estratégico suporte iconográfico de pesquisa.
33
A fotografia se estruturaria, assim, como um forte instrumento de divulgação de idéias
e valores, suas construções refletindo expressões simbólicas e ideológicas, reforçando uma
abordagem crítica do suporte fotográfico que explicite e demonstre que o
“... documento não é
inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem ...” (Le Goff, 1996:547)
.
A desconstrução e a re-interpretação do documento/monumento fotográfico torna-se
essencial para a compreenção de todos os signos e componentes simbólicos que estruturam o
discurso visual e explicam as finalidades da sua produção, pois as
“... diferentes ideologias, onde quer que atuem, sempre tiveram na
imagem fotográfica um poderoso instrumento para a veiculação de
idéias e da consequente formação e manipulação da opinião pública
...” (Kossoy, 1993:13)
.
É necessário avaliar os agentes produtores e os agentes receptores envolvidos no
processo fotográfico, assim como o ambiente sócio-cultural por onde o documento circulou.
A fotografia deve passar por um processo de contextualização histórica da sua produção,
possibilitando a comparação crítica com outras fontes documentais, sejam estas fotográficas,
iconográficas, escritas ou orais. A intencionalidade e a seletividade do
documento/monumento fotográfico orientam e explicam o seu repertório iconográfico e
temático, construindo visualmente representações individuais, coletivas e sociais, onde
“... determinadas opções técnicas e estéticas (...) em meio a uma
coleção de escolhas possíveis, contribuem para a transmissão de
certos significados que anulam todos os outros.” (Essus, 1993:28).
O ato fotográfico possibilita a construção de histórias e memórias. As múltiplas
possibilidades de abordagens e conexões entre a fotografia e a memória constituem um dos
principais vetores de estudo da imagem fotográfica, definindo a importância do uso do
documento visual no processo de registro e de transmissão do passado.
Com a democratização do registro fotográfico ao longo do século XX, a imagem passa
a ser um suporte predominante na estruturação de memórias coletivas e individuais. A vida
de grupos sociais/familiares e de indivíduos é fixada, registada e preservada através das
fotografias, que passam a predominar sobre os suportes escritos como livros de memória,
cartas e diários. No Brasil, o fotógrafo Lambe-Lambe será um dos principais responsáveis
34
por este processo de democratização ao acesso da auto-imagem de diversos grupos e
indivíduos.
A fotografia torna-se um importante suporte nos processos de rememoração,
lembrança e reconstrução de memórias, pois
“... a memória funciona através de imagens fixas,
como retratos.”(Moreira Leite, 1998:37)
, refletindo uma estreita associação/relação entre a
imagem e a memória. O documento fotográfico participa ativamente, assim, nos processos de
transmissão e de recuperação de costumes, hábitos e tradições. As imagens fotográficas,
“..que permitem associações e evocações produtivas de outras imagens armazenadas na memória.”
(Moreira Leite, 1998:39)
, participam na construção de memórias e de identidades sociais,
coletivas e individuais. Sob esta perspectiva, o documento fotográfico pode, então, ser
analisado como um estratégico
“... suporte imagético que, na maioria das vezes, vem orientando a
reconstrução e veiculação da nossa memória, seja como indivíduos ou
como participantes de diferentes grupos sociais.” (Simson, 1998:22)
Desta forma, e de uma maneira bastante resumida, a fotografia pode ser vista como um
documento/monumento que participa estrategicamente na construção de memórias. Os
diversos autores utilizados como suporte teórico e metodológico nesta monografia permitiram
aprofundar as reflexões sobre estas questões destacadas acima. Tais questões são importantes
referências que permeiam o uso social da fotografia na sociedade moderna e contemporânea,
e que devem ser analisadas criticamente em pesquisas e em estudos acadêmicos que se
utilizam de documentações imagéticas como suportes informacionais.
Scherer (1996), por exemplo, aborda o uso da fotografia como documento, fonte de
informação e objeto de estudo. Neste seu artigo, a autora aponta diversas linhas
metodológicas que procuram avaliar os dados históricos, sociais e culturais do artefato
fotográfico. A fotografia é um artefato técnico e cultural, um reflexo de um determinado
contexto histórico e social, possibilitando uma leitura que revela diversos níveis de
informação e amplas possibilidades de abordagens. A imagem, porém, não fixa a realidade,
mas sim uma réplica, modelada e codificada segundo padrões de uma representação
construída desta realidade. Por isto, um estudo crítico e reflexivo sobre as fotografias deve se
preocupar com a contextualização da produção, da circulação e da recepção destas imagens,
desvendando o significado e a densidade socio-cultural que emergem do discurso e da
35
narrativa visual. As imagens podem ser utilizadas com interesses e intenções que se alinham
à diferentes ideologias e visões de mundo.
A fotografia possibilita a problematização e a reflexão sobre importantes questões das
ciências sociais, como a representação da auto-imagem de um grupo (para si e/ou para
terceiros) e a representação do outro. O olhar fotográfico incorpora assim um caráter de
construção social. A auto-representação imagética de agentes sociais e a noção do outro e do
diferente passam por um processo de construção da noção de identidade em oposição ao
conceito de alteridade (a identidade se contrói a partir do outro/diferente).
Neste trabalho com fotografias dos Lambe-Lambes, o objetivo é refletir sobre as
construções de representações de grupos e indivíduos sobre si (auto-imagem e auto-
representação) e sobre o outro.
Segunda Scherer, a partir de velhas imagens podemos obter novos enfoques sobre
detalhes da vida social, propondo que uma metodologia para o uso da fotografia em
investigações sobre a vida social deve focar:
a) a análise das fotografias e a comparação com outras imagens.
b) o conhecimento da história da técnica fotográfica, que pode esclarecer escolhas,
limitações, padrões e convenções do discurso visual.
c) o estudo dos propósitos e das intenções do fotógrafo e dos fotografados, além da
análise crítica do ambiente e do contexto de produção, dos usos e da circulação das
imagens produzidas.
d) o estudo dos eventos, dos indivíduos e dos grupos fotografados, e identificação dos
atributos materiais e espaciais que aparecem retratados.
e) O cruzamento com outras fontes e referências históricas relacionadas (textos e outros
suportes documentais)
A cultura material, os adereços, os elementos do vestuário retratados e as convenções
de poses são indícios e sinais determinados simbólica e culturalmente.
A investigação dos usos de uma imagem deve considerar os diferentes objetivos e
intenções que explicam a produção de uma determinada documentação fotográfica. Guran
afirma, assim, que
“Cada tipo de fotografia deve ser analisado tendo em conta sua especificidade e
o contexto de sua produção” (Guran, 2000a:155).
O discurso visual pode ser usado para
divulgar idéias, ideologias, idealizações, visões de mundo, esteriótipos, preconceitos ou
etnocentrismos. A fotografia registra mudanças e permanências de comportamentos e de
hábitos culturais, auxiliando a compreensão da dinâmica de construção dos quadros de
representação social.
36
Existem amplas possibilidades no estudo da fotografia como fonte histórica de
informação. O suporte imagético é um importante documento primário que possibilita
desenvolver análises e hipóteses em diferentes linhas de pesquisa. Guran (2000 a) define que
a fotografia tanto pode ser usada para se obter informações como para demonstrar conclusões.
Neste texto, o autor aborda questões teóricas e práticas relacionadas à produção e à utilização
da fotografia nas pesquisas antropológicas. Em um trabalho científico que se utiliza da
fotografia como fonte, como instrumento e como objeto de pesquisa, as reflexões
desenvolvidas ao longo do processo são amparadas pela análise crítica das imagens,
desconstruindo possíveis construções que influenciam os processos de produção e de
circulação destes documentos imagéticos.
Kossoy (1993; 1998; 2000; 2001) busca decifrar uma realidade interior das imagens
fotográficas do passado. A fotografia é analisada como sendo um suporte material que
estrutura a criação de realidades e de representações, um enfoque que desmistifica o status de
testemunho imparcial e isento das imagens, dentro de uma visão que concebe a fotografia
como expressão da verdade e de uma pretensa objetividade e credibilidade. Sobre as imagens
fotográficas, Kossoy diz que
“...apesar de sua aparente credibilidade, nelas também ocorrem
omissões intencionais, acréscimos e manipulações de toda ordem.” (Kossoy, 2001:154).
Sob esta
perspectiva a imagem fotográfica possui uma forte natureza ficcional, constituindo-se como
um espaço propício para a construção de realidades, de ficções e de tramas ideológicas (visões
de mundo).
Porém, sem dúvida, a fotografia, congelando e conservando personagens, cenários e
eventos, preserva a memória visual de fragmentos do mundo, possibilitando que se perceba as
transformações, as estabilidades e os múltiplos aspectos do passado e da realidade social:
O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o
congelamento do gesto e da paisagem, e portanto a perpetuação de
um momento, em outras palavras, da memória: memória do indivíduo,
da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da
natureza.” (Kossoy, 2001:155)
O estudo de documentações fotográficas revela informações e traços indicativos do
mundo visível. As imagens registram fragmentos descontínuos do real, micro-aspectos do
mundo social que são selecionados e organizados segundo interesses ideológicos e estéticos.
O autor interpreta as imagens fotográficas como registros visuais que incorporam usos,
37
intenções e manipulações dirigidos ideologicamente por diferentes visões de mundo,
funcionando como veículos de produção e de reprodução de conceitos, preconceitos, idéias e
idealizações. Objeto de estudo interdisciplinar, a fotografia é assim uma importante fonte de
pesquisa, de investigação, de informação e de reconstituição da vida social. Enquanto
documento histórico, o suporte imagético permite múltiplas possibilidades de significações e
de interpretações.
Portanto, a imagem fotográfica congela no tempo e espaço um fragmento selecionado
do mundo visível e aparente, registrando fatos, acontecimentos e elementos materiais e
humanos. Porém, este registro imagético abriga ambiguidades, significados não-aparentes,
omissões, intenções, silêncios e construções. Por isso, a fotografia deve ser entendida
criticamente como parte de um processo de criação de realidades.
Através destes princípios teóricos, Kossoy estabelece que uma metodologia que
pretenda decifrar as especificidades deste documento iconográfico deve confrontar a
fotografia com o contexto histórico, social e cultural da sua produção, da sua circulação e das
diferentes recepções no tempo e no espaço social.
“Toda fotografia tem atrás de si uma
história.” (Kossoy, 2001:45)
Os repertórios culturais e os interesses sociais de uma época refletem visões de mundo
(de indivíduos ou de grupos), que por sua vez, orientam as construções de significados
simbólicos e de representações do discurso visual. A fotografia é inegavelmente testemunho,
mas também se constitui como espaço de criação de realidades. Kossoy distingue a existência
de uma primeira realidade (ou realidade interior) na imagem fotográfica, diferente da
realidade iconográfica registrada pela máquina fotográfica (o registro da aparência da
realidade, denominada pelo autor como segunda realidade ou realidade exterior).
Através de uma análise crítica do contexto de produção, de circulação, de apropriação
e de recepção do documento fotográfico, podemos compreender esta primeira realidade
(realidade interior), esclarecendo as construções de representações de uma segunda realidade
(realidade exterior) que é a que aparece registrada e fixada imageticamente. Deve-se
desmontar e desconstruir a imagem fotográfica para explicitar as criações de realidades e os
códigos visuais que se organizam na frente das lentes dos fotógrafos. Na trama fotográfica
deve-se desvendar mistérios e enigmas:
“O que por trás do olhar e da pose da personagem deste retrato?
O que existe nas fachadas das casas, naquela janela semicerrada,
naquele grupo de pedestres reunidos, no movimento da rua que vejo
38
nesta vista fotográfica, enfim, que escapa à minha compreensão? (...)
A fotografia esconde dentro de si uma trama, um mistério.” (Kossoy,
2000:57).
As fotografias devem ser percebidas como
“...imagens que a história oficial, ou grupos interessados, se
encarregam de atribuir um determinado significado, com o propósito
de criar realidades e verdades” (Kossoy, 1993:21)
A expressão cultural de diferentes grupos se explicita na fotografia, revelando hábitos,
costumes, paisagens, monumentos, ritos e fatos sociais. Kossoy exemplifica a aplicação desta
linha metodológica em algumas fotografias produzidas no cenário nacional ao longo do
século XIX.
No Rio de Janeiro, o fotógrafo Christiano Jr., retrata em seu estúdio escravos de
ganho, retira os retratados do ambiente e do contexto em que vivem, veiculando uma imagem
exótica sobre os trópicos. Tais imagens tinham como objetivo agradar o olhar de estrangeiros
europeus, que compravam estas fotografias como lembranças de suas viagens ao Brasil.
Um outro momento apontado pelo autor como exemplo da criação de realidades pela
fotografia é o uso das imagens do conflito de Canudos, manipuladas pelo governo e pelo
exército como propaganda do ideário republicano. A documentação fotográfica produzida
por Flávio de Barros exalta na sua narrativa visual os símbolos dos ideais de ordem, de
modernidade, de progresso e de força republicana contra os símbolos de atraso e de desordem
do mundo rural dos rebelados. Assim como Kossoy, Essus (1993) também analisa como as
fotografias de Flávio de Barros constroem uma determinada memória sobre o conflito de
Canudos, uma construção alinhada aos interesses políticos e ideológicos do exército e do
governo republicano. A autora demonstra como estas imagens recriam o evento segundo uma
organização de códigos e padrões visuais, demonstrando como os signos não-verbais
contribuem para estruturar uma representação e uma mensagem desejada. Novamente aqui
percebemos a fotografia como um recorte, uma seleção e uma escolha temporal-espacial de
uma realidade múltipla.
Em São Paulo, o fotógrafo Guilherme Gaensly exalta em suas imagens o progresso
paulista, as transformações urbanas e os novos hábitos da vida urbana de uma cidade, um
espaço de liberdade e de prosperidades em contraponto ao atraso colonial e imperial. Neste
39
caso a intenção era construir uma imagem de exportação para o mercado estrangeiro de um
país, com o objetivo de atrair mão-de-obra e investimento de países estrangeiros.
no século XX, um bom exemplo do uso da imagem fotográfica para criação de
realidades são aquelas produzidas por Augusto Malta, que durante décadas atuou como
fotógrafo oficial da cidade do Rio de Janeiro. Ciavatta (2002) analisa a função social
desempenhada por estas fotografias. Novamente, em oposição ao atraso colonial e imperial,
os ideais de civilização e progresso exaltados pelo governo republicano, e que remodelam
arquitetônica e urbanisticamente a cidade, são registrados detalhadamente por Malta.
Nestes exemplos, fica claro que o processo de construção de realidades em uma
imagem pode ser elaborado internamente (a auto-imagem para si e para o outro), como
também pode ser elaborado pelo olhar do outro/diferente.
Moreira Leite (1998) também afirma que uma metodologia de trabalho com
documentação fotográfica deve partir de uma visão crítica interna e externa sobre o suporte de
informação imagético. O objetivo é o de compreender o contexto da produção, da
distribuição, do consumo, da preservação e da transmissão das imagens fotográficas. A
autora reflete sobre os retratos de família, uma documentação imagética que reflete práticas
sociais que se estruturam no universo familiar. Os retratos de família possuem uma estreita
sintonia com as imagens produzidas pelos Lambe-Lambes. A partir destes retratos de grupos
familiares se explicita a possibilidade de conexão da fotografia com os mecanismos
conscientes/inconscientes de construção e de formação da auto-imagem de grupos sociais.
Os retratos de família são produzidos e apropriados por grupos de diversas origens
geográficas e de diferentes camadas sociais e econômicas. As imagens permitem a
conservação, a preservação e a transmissão de uma memória coletiva. Os álbuns de família se
constituem como fonte de saber familiar e um suporte que orienta as primeiras lições de
história para as novas gerações. Conforme destaca Peixoto
8
, as fotografias e os filmes de
família preservam a memória visual das práticas do grupo familiar, e as lembranças e
rememorações relacionadas a essas imagens reforçam o sentido de integração entre as
diferentes gerações.
Nos retratos de família, como também nas imagens produzidas pelos Lambe-Lambes,
encontramos dois níveis de registro fotográfico: as fotografias formais, registrando as datas,
8
Em um artigo a ser publicado - Filme (vídeo) de família: do registro familiar ao documento histórico - Clarice
Ehlers Peixoto analisa o vídeo que produziu a partir das lembranças de sua avó paterna sobre a sua participação
na Revolução Gaúcha de 1923 (Bebela e a Revolução gaúcha de 1923), rememorações que revelaram aspectos
não abordados pela historiografia oficial sobre a atuação feminina no evento revolucionário, e que demonstram
como a memória individual se estrutura em um contexto social, histórico e cultural mais amplo.
40
os ritos e as celebrações (como aniversários, casamentos e batizados), que reforçam a
dignidade do grupo familiar; e as fotografias informais, registrando o lazer e os instantes de
afetuosidade e de solidariedade. Novamente, nestas imagens podemos perceber a ênfase nos
momentos de harmonia, de alegria, de comemoração e de prazer constante, revelando, por sua
vez, os silêncios e esquecimentos dos conflitos e dos atritos pessoais no interior do grupo. O
álbum de fotografias acaba por refletir idealizações e desejos que são elaborados no interior
do grupo familiar, construindo uma narrativa visual que omite aspectos importantes para
compreensão da trajetória, dos valores, das visões-de-mundo e das representações que
permeiam um determinada família:
“O acesso às imagens descartadas do álbum de família pode ser
muito mais esclarecedor que os retratos na parede.” (Moreira Leite,
1998:39)
Simson (1998) também discute as possibilidades e limitações do uso da fotografia em
pesquisas sobre trajetórias históricas de grupos sociais. Segundo a autora, um grupo -
famíliar, étnico ou afetivo - funciona como um elemento mediador entre o indivíduo e a
sociedade. Diferentes grupos reagem de diferentes maneiras frente ao seu passado imagético.
A fotografia pode despertar sentimentos de aceitação, de valorização, de preservação ou de
negação do grupo ou do indivíduo.
O registro pela fotografia das imagens cotidianas revela manutenções e transformações
no uso do espaço urbano, nos hábitos, nos costumes e nas formas de sociabilidades e de
interação social. A imagem participa da dinâmica da construção e da re-construção de
memórias coletivas, permitindo uma re-leitura das personagens, das datas e dos locais
representativos da vida social cotidiana de um grupo ou de uma comunidade. A fotografia
possui um papel fundamental na questão da seleção do que deve ser preservado e transmitido.
O discurso visual é um trabalho seletivo de codificação de um sistema de signos culturais. O
suporte imagético se revela como um texto que funciona como eixo orientador na construção
de memórias de grupos e de indivíduos. Por isso, a importância da reflexão e da análise sobre
como diferentes grupos se utilizam da imagem como meio de registrar, preservar e transmitir
o seu passado. Uma análise crítica da produção e do consumo das imagens possibilita
entender o uso social das fotografias por diferentes grupos, auxiliando na compreensão da
trajetória e da lógica interna de funcionamento de memórias coletivas.
41
As fotografias dos Lambe-Lambes são exemplares para o estudo do processo de
construção da auto-representação de um grupo ou de um indivíduo. Esta construção da auto-
imagem está relacionada a fatores de coesão grupal e de delimitação de fronteiras identitárias.
Guran (2000 b) demonstra como as fotografias possuem um papel estratégico no
sentido de registrar, de preservar e de transmitir a memória das realizações de um grupo. A
imagem transforma-se em um importante lastro identitário para o grupo estudado pelo autor,
um parâmetro de identificação que pode ser considerado tão forte como a língua ou a religião.
A fotografia é um elemento que consolida o sentido de coesão deste grupo, e que participa
ativamente na construção da identidade coletiva dos Agudas do Benin.
As formas de circulação e de apropriação das imagens ampliam as redes de
sociabilidades e participam no processo construção de memórias coletivas familiares. A
construção da representação imagética gera um sentido de identidade de classe, definindo a
participação de um indivíduo em um sistema de codificação visual de padrões de gosto e de
comportamento. Gestos, indumentária, poses, atributos materiais e atributos espaciais são
elementos que estruturam o sentido de coesão de um grupo. Esta coesão ganha sentido no
consumo, na vivência e na aceitação de um universo de signos e de referências simbólicas.
Nos retratos que registram grupos (laços familiares, étnicos ou de afetividade) a
valorização do plano coletivo fornece uma idéia de união, de estabilidade, de manutenção e de
durabilidade das relações pessoais. Nas fotografias dos álbuns de família, as imagens
registram os padrões de representação de um determinado período. Através destas fotografias
que registram uma trajetória familiar, podemos detectar costumes, mudanças de hábitos e a
incorporação de novos padrões de gosto e de comportamento.
As fotografias dos Lambe-Lambes possibilitam uma abordagem reflexiva sobre a
dinâmica dos padrões e dos quadros de representação ao longo do tempo e do espaço social.
Suas fotos e as imagens dos álbuns de família retratam um desejo de construir uma
representação que se idealiza. Ao registrarem momentos de lazer, de diversão, de datas
comemorativas e de acontecimentos especiais, a ênfase do discurso visual destes retratos
posados se apóia na intenção de reforçar o sentido de coesão identitária do grupo. A
construção de representações nas imagens funciona como máscara social, revelando signos de
coesão, de distinção e de sucesso social do grupo retratado. Os atributos espaciais e materiais
dos retratados (objetos, vestuário) e as poses encenadas na narrativa visual se alinham para
fornecer e fortalecer o sentido da construção de uma representação pretendida.
Portanto, através das documentações fotográficas podemos investigar e compreender
elementos indiciários do cotidiano social, revelando detalhes que muitas vezes não são
42
percebidos por outras fontes de pesquisa e de informação. Diferentes agentes produtores de
imagens (como o Estado, a família ou a imprensa) utilizam-se da escrita, do discurso e da
narrativa visual para construções de memórias e de representações sociais e coletivas. A
fotografia contribui para imaginar e para fortalecer formas de identificação através da
construção da auto-imagem, seja de uma nação, de uma classe, de grupos ou de indivíduos.
Além de um importante suporte material de memórias coletivas, a fotografia também é, desta
forma, um estratégico artefato que fortalece as noções de auto-identificação e de
pertencimento à um determinado grupo social.
43
1.3 O intangível no campo patrimonial
“Num mundo globalizado, em
vertiginoso processo de mudança,
crescem as preocupações com o
patrimônio cultural imaterial ou
intangível” (Abreu, 2003:81)
O fotógrafo Lambe-Lambe foi o principal agente popularizador e democratizador do
acesso ao retrato fotográfico, tanto no cenário nacional, como no contexto internacional.
Através do Decreto Municipal 25678 (anexo 01), de agosto de 2005, o ofício dos
fotógrafos Lambe-Lambes foi reconhecido como um patrimônio cultural imaterial do
município do Rio de Janeiro. Tal iniciativa reflete a valorização histórica e social desta
profissão, abrindo perspectiva, inclusive, para um futuro reconhecimento deste saber-fazer no
âmbito do patrimônio nacional.
Pretendo analisar as diferentes perspectivas que envolvem os bens culturais e
patrimoniais com a preservação de uma memória desejada. Um breve mapeamento do
histórico legislativo sobre esse tema, no contexto nacional e no cenário internacional,
possibilitará compreender como a definição de patrimônio pode estar sujeita a interesses
ideológicos, afetando políticas públicas de preservação, e definindo identidades sociais,
coletivas e individuais. Na dinâmica cultural mutante e transformadora, a construção social
que define as referências do patrimônio cultural afeta o embate entre lembranças e
esquecimentos de uma nação, de um povo ou de uma comunidade local. O enfoque crítico
aqui elaborado propõe que toda a seleção de referências culturais é artificial, e marcada por
interesses e intenções de diferentes grupos sociais.
Uma questão que tem gerado importantes conseqüências teóricas e práticas no campo
de ação preservacionista, diz respeito à necessidade de valorização do patrimônio imaterial,
abrangendo as diversas referências culturais não-tangíveis, como festas, danças, músicas,
saberes, fazeres e manifestações lúdicas e artísticas. Se a tradição preservacionista, que focava
apenas as referências de ordem material (o patrimônio de pedra e cal), incidia em geral sobre
elementos de uma cultura oficial, erudita, nacional ou estatal, com o patrimônio imaterial
amplia-se a possibilidade de instituir políticas patrimoniais e preservacionistas de
manifestações de caráter popular e/ou marginalizadas, pois a valorização dos bens não-
materiais se fortalece em um momento que se caracteriza por uma maior democratização nas
estratégias de definições do que deve ser preservado, e onde além do Estado, diferentes
44
setores da sociedade, como as ONGs, as associações comunitárias e os movimentos sociais
também participam de maneira mais ativa nas decisões sobre o patrimônio cultural.
As reflexões sobre o patrimônio tangenciam as categorias de pensamento cultura e
tradição. Geertz (1978) interpreta a cultura como estruturas de significados que são
estabelecidos socialmente, definindo ideologias, hábitos, comportamentos, formas de
sociabilidades, costumes e padrões construídos da vida coletiva. As tradições culturais,
segundo Hobsbawn (1984), devem ser analisadas como construções históricas e sociais
permeadas por interesses e intenções que surgem dos embates constantes entre forças
renovadoras e forças preservacionistas.
Jeudy (1990) destaca que a última metade do século XX testemunhou uma crescente
ampliação do espectro de abrangência do conceito de patrimônio culturais e das políticas
culturais de preservação. Novas referências de bens materiais e, principalmente, a emergência
das preocupações de salvaguarda com a categoria imaterial do patrimônio, alteram as
configurações de ações preservacionistas, confrontando, como foi ressaltado por Hobsbawn
(1984), interesses conservadores e inovadores no ambiente cultural. Além disso as políticas
culturais de preservação do patrimônio participam da construção de memórias e das disputas
entre forças homogeneizadoras e forças que defendem o caráter heterogêneo das diversidades
culturais. O patrimônio é uma força simbólica que ordena sentidos e reflete modos de vida,
controlando as incertezas e imprecisões de memórias através de enquadramentos e
formatações ideológicas. O campo patrimonial é alvo de estratégias de apropriação e de
políticas e gestões culturais de preservação e de transmissão de tradições. Canclini (1997,
2000) também analisa o campo patrimonial através dos usos e apropriações sociais, e ressalta
a existência de tensões e conflitos nas políticas culturais e entre agências e agentes alinhados
em campos de forças conservadoras ou renovadoras. Políticas culturais tendem a refletir
modelos e padrões de hegemonias e dominações.
Segundo Oliven (2003), o sentido de patrimônio em inglês (heritage) nos remete à
heranças e valores de um passado que são transmitidos através de diferentes gerações e que
devem ser preservados e protegidos do risco da destruição e da perda. Passado e tradição são
construções sociais afirmadas e definidas através de recortes e seleções no tempo presente. O
patrimônio cultural se configura no mundo moderno ocidental como um conceito
estreitamente vinculado com a construção de memórias e identidades sociais e coletivas, um
campo que abriga várias possibilidades reflexivas sobre as fronteiras entre cultura popular e
erudita, e as implicações políticas, ideológicas e sociais refletidas nas práticas
preservacionistas e patrimoniais.
45
Inserido na tradição antropológica de analisar categorias de pensamento para
compreender um determinado grupo, Gonçalves (1996) interpreta o patrimônio como uma
categoria importante no pensamento moderno ocidental, refletindo sobre as limitações e
abrangências desse conceito em diferentes contextos históricos culturais e sociais. O
patrimônio é uma categoria de pensamento que aparece em diferentes tempos e espaços
sociais, sendo de estrema importância na vida social e mental do ser humano. O patrimônio
não é um conceito e um atributo que surge na sociedade moderna, aparecendo como uma
estratégica categoria de pensamento nas sociedades tradicionais.
Clifford (1985) ressalta a importância de se analisar a prática de colecionamento como
um conceito que estrutura a formação e a constituição de patrimônios, pois as coleções de
objetos materiais estão intrinsecamente ligadas à concepção moderna de patrimônio nas
sociedades ocidentais, porém existem sociedades em que o conceito de patrimônio não está
relacionado à ações colecionistas-acumulativas para formar e preservar um conjunto de bens.
Muitas vezes o processo de constituição do patrimônio se relaciona ao processo de
distribuição ou mesmo de destruição dos elementos materiais coletados, característica cultural
que aparece no Kula trobiandês (Malinowski, 1976) e nos Potlatch do Noroeste Americano
(Mauss, 1974). O conceito não-moderno de patrimônio tanto pode estar relacionado com o
sentido de propriedade de bens materiais (utilitários ou ritualísticos), como com uma
dimensão mágica e religiosa. Marcel Mauss denomina os bens de determinadas sociedades
não-modernas como fatos sociais totais, abrigando significados econômicos, morais,
religiosos, mágicos, políticos, jurídicos, estéticos, psicológicos e fisiológicos, e se
“constituem
de certo modo, extenções morais de seus proprietários” (Abreu; Chagas, 2003:23).
Portanto, sendo uma categoria de pensamento com diferentes sentidos e significados
em diferentes universos sócio-culturais, o estudo e a reflexão sobre questões em torno de
ações patrimoniais deve adequar o conceito de patrimônio ao tempo e ao espaço social
analisado, influindo epistemologicamente na concepção do pesquisador (observador) sobre o
patrimônio observado, que deve ser relativizado segundo a concepção do grupo estudado
(nativos/observados).
O conceito moderno de patrimônio divide-se atualmente em áreas e núcleos
terminológicos que refletem as categorias de pensamento da modernidade e os diferentes
campos de conhecimento (econômico, cultural, natural, genético etc.). Uma análise crítica
deve desnaturalizar as categorias de pensamento, pois são construções históricas datadas que
afetam nossas visões de mundo.
46
Segundo Abreu (2003c), após a Revolução Francesa, e com o início dos governos
nacionais-republicanos, o sentido de patrimônio migra para além do universo privado de bens,
incorporando também um conjunto de referências culturais da nação e de seus cidadãos que
deveriam ser preservados, em estreita sintonia com o sentido etmológico da palavra
“república” (res publica = coisa pública).
Os bens coletivos de uma nação edificações, obras de arte e ambientes naturais
acabam por incorporar significados relacionados aos lastros identitários nacionais, e o
patrimônio nacional passa a funcionar como um espelho que reflete os valores da nação e de
seus cidadãos, forjando e construindo uma identidade coletiva.
A ênfase pós-revolução francesa, e que perdurou até as primeiras décadas do século
XX, foi de uma noção de patrimônio nacional composto por bens históricos e artísticos. Com
a noção moderna de patrimônio surgem as instituições (museus, arquivos e bibliotecas) e
políticas públicas que definem e protegem os bens culturais que são selecionados como
representativos do discurso da nação. O campo do patrimônio nacional é formado com a
percepção de que a nação tem um passado que deve ser protegido e preservado contra as
forças do esquecimento. O patrimônio é interpretado como uma herança e um legado
nacional que deve ser transmitido para as novas gerações. Toda formação discursiva, segundo
Foucault (1996), abriga conteúdos simbólicos. Gonçalves (1996) interpreta o patrimônio
como uma narrativa, e no caso do patrimônio nacional essa narrrativa estrutura a própria
noção de identidade cultural construída por uma nação.
Segundo Sant’Anna (2003), arquiteta e coordenadora do Grupo de Trabalho do
Patrimônio Imaterial, criado pelo Ministério da Cultura em 1998, preservar e transmitir a
memória de personagens e fatos, reais ou mitificados, é uma prática encontrada em diversos
grupos sociais, e diferentes formas de narrativas e de representações dessa memória são
utilizadas como lastro identitário de indivíduos e como elemento agregador de coletividades,
garantindo um sentido de estabilidade e de coesão no interior do grupo. O caráter de
construção da memória é fruto de uma seleção reducionista e de um desejo de lembrança, e o
patrimônio cultural participa dessa narrativa de uma memória desejada. Abreu (2005)
também destaca que as políticas de patrimônio e processos de patrimonialização, tanto nos
tombamentos de bens materiais como no registro das referências intangíveis, envolvem
seleções e definições de conjuntos de bens culturais, elaborando construções discursivas que
privilegiam uns sobre os outros. Nesse sentido, as políticas de patrimônio se assemelham às
políticas de memórias, pois são processos seletivos que, no embate entre lembranças e
47
esquecimentos, definem escolhas que retratam interesses e valores de um determinado
momento histórico.
Rendeiro (2003) analisa as políticas públicas no campo de preservação em torno de
duas categorias conceituais de pensamento: memória e patrimônio. A articulação dos
conceitos de memória e patrimônio no campo da Ciências Sociais possibilita uma
problematização crítica com o próprio conceito de cultura, permitindo identificar novas
configurações, abrangências e formatações dessas categorias de pensamento na modernidade.
Fundamentada pelo pensamento de Canclini (1994) e de Jeudy (1990) sobre a inter-relação
entre patrimônio e memória, Tamaso (2005) destaca que o patrimônio cumpre a função social
de conectar simbolicamente as diferentes gerações e fornecer o sentido de identificação e de
coesão entre indivíduos e participantes de grupos e comunidades. A valorização de um
passado comum e dos vestígios materiais e imateriais coletivos gera um aumento do
sentimento de auto-estima e propicia um desenvolvimento econômico através de uma
crescente e cada vez mais atuante indústria do turismo cultural. Com isso, diferentes grupos
sociais são valorizados por suas práticas culturais, e passam a reivindicar o direito à
transformar as referências dos seus passados históricos e das suas memórias em patrimônios
oficialmente reconhecidos por políticas públicas de preservação. Amplia-se assim as
possibilidades nos estudos da memória como prática social de indivíduos, de grupos, de
famílias, de instituições e de nações - e aumenta o espectro de abrangência do conceito de
patrimônio genética, história, cultura, artes, práticas, saberes, fazeres, línguas, festas, rituais,
danças, lendas, mitos, músicas e bens materiais - abrigando tanto as referências materiais
como as intangíveis.
Ao longo dos séculos XIX e XX, no mundo moderno ocidental, a memória individual
e coletiva foi fortemente influenciada por memórias institucionais e institucionalizadas de
museus, arquivos e bibliotecas e pela visão histórica que as nações tinham de si mesmas. Os
monumentos patrimoniais históricos e artísticos nacionais representavam um olhar do tempo
presente para o passado que se deseja destacar, gerando políticas blicas preservacionistas
que se estruturavam unicamente nos preceitos de autenticidade e de permanência e
conservação.
Um dos primeiros exemplos de elaboração de uma legislação específica sobre o
conceito moderno-ocidental de preservação patrimonial aconteceu na França, com a Lei de 31
de dezembro de 1913, e que tornou-se, de certa forma, um padrão e paradigma legislativo,
influenciando grande parte dos instrumentos jurídicos-legais no campo patrimonial de
diversos países ocidentais.
48
Duas décadas depois, uma outra proposta importante para regulamentar mecanismos e
instrumentos de preservação de bens patrimoniais históricos e artísticos no mundo ocidental
surgiu em Atenas, na Grécia, em 1931, durante o IV Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna (CIAM), com a elaboração do documento que foi denominado Carta de Atenas. O
enfoque de preocupação incidia sobre a conservação e preservação de sítios históricos e de
obras artísticas e arquitetônicas relevantes para humanidade, protegendo os bens culturais
ameaçados pelo acelerado processo de modernização e urbanização global.
No Brasil, com a Revolução de 30 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, um novo
projeto político, social e econômico começou a ser implantado no país, e que buscava a sua
legitimação através de um discurso e de uma retórica de caráter nacionalista. Tradições
culturais, populares, étnicas e folclóricas foram apropriadas pelas classes dominantes com o
objetivo de gerar uma formatação de identidade nacional que se alinhava aos novos interesses
ideológicos desse período histórico. Sob a influência das propostas elaboradas pela Carta de
Atenas, e a partir de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade de 1936, no período do
Estado Novo o governo brasileiro instituiu através do Decreto Lei 25, de 30 de novembro
de 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), órgão responsável
pela preservação e conservação dos bens históricos, artísticos e culturais da nação. Segundo
Abreu
9
, a criação do SPHAN iniciou uma política de preservação do patrimônio que visava,
principalmente, defender os bens culturais da especulação imobiliária (no caso dos bens
arquitetônicos e urbanísticos), do comércio e do mercado de antiguidades (no caso dos bens
artísticos).
Abreu (2005) elaborou um panorama do percurso histórico das políticas de
preservação patrimonial no país para analisar as preocupações de salvaguarda dos bens
intangíveis, destacando inicialmente as diferenças entre o anteprojeto de Mario de Andrade de
1936 e o Decreto Lei nº 25 que criou o SPHAN em 1937. O anteprojeto de Mario de Andrade
tinha um cunho mais culturalista e antropológico do conceito de patrimônio e de bem cultural,
abrigando exemplos materiais e imateriais da cultura erudita e popular, uma questão que
será retomada e enfatizada na curta gestão de Aloízio Magalhães nos anos 1970. O Decreto
Lei 25 e a gestão do SPHAN iniciada com Rodrigo Mello Franco de Andrade, privilegiou
os exemplos patrimoniais tangíveis, com ênfase nas referências arquitetônicas e artísticas
representativas de visões de mundo do universo erudito e de grupos dominantes.
9
www.revistamuseu.com.br
49
Portanto, conforme análise semelhante feita por Oliven (2003), no Brasil a legislação
sobre patrimônio promovida na década de 1930 pelo governo de Getúlio Vargas, com
Gustavo Capanema a frente do Ministério da Educação e Cultura, deixou de fora algumas
preocupações constantes do ante-projeto de Mário de Andrade em relação a proteção de bens
culturais intagíveis, como os cantos, lendas, falares, magias, mitos e saberes tradicionais.
Privilegiou-se naquele momento histórico a proteção do chamado patrimônio de pedra e cal
(igrejas, fortificações militares, edificações e monumentos), bens claramente identificados
com a cultura européia e colonizadora.
Fica claro, segundo Simão (2003), que a noção de patrimônio está intimamente
associada às definições e delimitações legais e legislativas que orientam políticas públicas de
salvaguarda e preservação, e
“São as mediações e parcerias entre agentes e agências, nacionais e
internacionais, entre agências e universidades, entre Estado e
sociedade civil que configuram as novas redes do patrimônio”
(Simão, 2003:66).
No Brasil, a Lei 3924, de 26 de junho de 1961, foi um marco legislativo que inicia
um processo de lenta redefinição do campo patrimonial, incluindo as referências
arqueológicas e pré-históricas no conjunto de bens culturais do Patrimônio Nacional. A
legislação arqueológica de 1961 foi resultado da mobilização preservacionista do Museu
Nacional do Rio de Janeiro e do Museu de Etnologia da Universidade de São Paulo (USP)
com o SPHAN, com o objetivo de proteger os sambaquis, sítios arqueológicos da pré-história
do nosso país que estavam ameaçados de destruição pela especulação imobiliária e pela
exploração turística.
Tal iniciativa contribuiu com novas bases teóricas e instrumentos legais para lidar com
novas especificidades e concepções do conceito de patrimônio, pois o instrumento de
tombamento, baseado no sentido de congelamento e engessamento, que imperava na
legislação sobre o patrimônio material no Brasil não era adequada aos sítios arqueológicos, na
medida em que a produção de conhecimento nesses espaços acontece com a modificação do
aspecto físico desses locais pelas escavações.
No contexto internacional, uma outra referência documental importante no campo de
preservação patrimonial foi a Carta de Veneza, elaborada durante o II Congresso
Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos, realizado em Veneza no
50
ano de 1964. Focando principalmente nas criações arquitetônicas e nos sítios urbanos e
rurais, o congresso definiu um importante documento abordando novas perspectivas na
definição, conservação, restauração e documentação de bens patrimoniais.
Se em 1946 o SPHAN passava a ser designado Departamento do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (DPHAN), em 1970 é transformado em Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), e apesar de uma maior preocupação com as políticas voltadas
para o registro e preservação do patrimônio imaterial, ainda não incorpora o termo “cultura”
ao nome da instituição, permanecendo apenas os termos “histórico” e “artístico” do antigo
SPHAN.
Atuando ao longo de 70 anos no processo de patrimonialização da cultura nacional, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem participado ativamente
na definição do conjunto patrimonial e dos símbolos identitários da nação, contribuindo no
processo de monumentalização do Brasil através do conceito de patrimônio nacional. Nos
últimos anos podemos perceber a trajetória de re-orientação das idéias e dos ideais que
marcaram a criação do SPHAN em 1937 pelo Estado Novo. Como vimos, a elaboração por
Mário de Andrade do anteprojeto de criação do SPAHN previa a proteção ao patrimônio de
origem imaterial, definido como o conjunto de práticas, representações, técnicas e lugares,
referências que não foram contempladas nas práticas patrimoniais e preservacionistas nas
primeiras décadas da criação do SPHAN. A indicação de Mário de Andrade para a
elaboração do anteprojeto de criação do SPHAN em 1936 partiu de Carlos Drummond de
Andrade, seu chefe-de-gabinete no Ministério da Educação e Saúde Pública durante a gestão
do ministro Gustavo Capanema. O anteprojeto definia alguns importantes princípios teóricos
e metodológicos para a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural do Brasil. Se
naquele momento histórico a administração de Rodrigo Mello Franco de Andrade tinha como
prioridade a urgência na proteção ao patrimônio de pedra e cal, ameaçado por uma crescente
especulação imobiliária e pela degradação física desses bens materiais, atualmente o registro e
o acompanhamento da cultura brasileira pelo IPHAN enfoca uma memória nacional
caracterizada pela diversidade e pelo aspecto de pluralidade cultural, elementos tangíveis e
intangíveis que fundamentam e estruturam a construção do sentido de identidade do país.
Gonçalves (1996) analisa dois momentos históricos que elaboram duas narrativas de
políticas patrimoniais no Brasil, e que constroem através de bens culturais a representação de
uma memória e de uma identidade nacional. O primeiro período, de 1937 até 1979, é marcado
pelas propostas de ão desenvolvidas com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN) sob a direção de Rodrigo Mello Franco de Andrade. O segundo
51
período analisado é o da gestão de Aloísio Magalhães, de 1979 até 1983, um contexto que
abrigou grandes mudanças no campo patrimonial do país. A estratégica etnográfica de
Gonçalves foi analisar os discursos de Rodrigo Melo Franco de Andrade e de Aloízio
Magalhães.
Segundo Abreu (2005) a elaboração do conceito de objetificação cultural estrutura-se
como um importante aspecto do pensamento antropológico sobre patrimônio, questão que
aparece claramente no trabalho de antropologia interpretativa de Richard Handler (1985). A
coisificação de tradições nas sociedades modernas-nacionais permitiu a representação da
cultura através de bens materiais: edificações, paisagens e objetos resignificados em relação
aos seus contextos originais. James Clifford (1985) reflete sobre o patrimônio a partir do
conceito de prática de colecionamento, uma prática universal e que ocorre em todos os grupos
sociais (como no conceito de habitus
10
proposto por Bourdieu) e que explicita a necessidade
humana de classificar, ordenar e de hierarquizar o mundo ao seu redor. Através desse conceito
Gonçalves analisa as construções discursivas em torno do patrimônio histórico e artístico
nacional, definindo ideologicamente os bens culturais que deveriam ser ressaltados e
destacados para compor a coleção do acervo patrimonial da nação. O patrimônio apresenta-se
como um campo propício para a construção de valores que se transmitem.
Gonçalves, através do trabalho de Hayden White, aponta como a perspectiva de
linearidade da produção historiográfica moderna influencia as nações a valorizarem o seu
passado vivido ou imaginado. O patrimônio deve ser interpretado como uma estratégia
narrativa e uma modalidade discursiva sobre a nação através de vestígios culturais,
constituindo-se como uma representação materializada (objetificada) desse passado nacional
vivido, desejado, construído e exaltado, uma questão que permeia fortemente as idéias e
projetos de Rodrigo Melo Franco de Andrade à frente do SPHAN, e que se diferencia da
modalidade discursiva de nação e de patrimônio do período de gestão de Aloízio Magalhães,
cuja ênfase incidia na noção de explorar a diversidade cultural, priorizando uma interpretação
de caráter plural do conceito de cultura.
Fonseca (2000) destaca que foi com a criação em 1975 do Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC) pelo IPHAN que começam a ser discutidos novos critérios de
preservação e de políticas de salvaguarda do patrimônio, destacando-se a adoção do conceito
de referência cultural, reorientando as práticas preservacionistas que vinham sendo
10
Bourdieu (2003) define o conceito de habitus como estruturas estruturadas que funcionam como estruturas
estruturantes de práticas e representações reguladas e regulares, delineando uma ordem social e definindo
padrões de percepções e ações.
52
desenvolvidas a partir do Estado Novo em 1937. O termo referência cultural tem sua origem
epistemológica em trabalhos e pesquisas que se estruturam no conceito antropológico de
pluralidade e diversidade cultural. Inicia-se assim um processo que discute criticamente os
critérios e a legitimidade das decisões sobre a definição e delimitação das políticas públicas
de salvaguarda. Sob esta nova ótica, o patrimônio cultural brasileiro, para além do tradicional
patrimônio histórico e artístico, deveria abrigar não as referências culturais provenientes
dos grupos dominantes, mas também as manifestações populares e étnicas de grupos e
segmentos minoritários, marginalizados e/ou excluídos de nossa sociedade. O tombamento,
instrumento legal de proteção dos bens materiais, possuía um caráter de restrição e limitação
no uso e na posse, e não se adaptava às especificidades da dinâmica de produção, circulação e
consumo das referências imateriais, e principalmente não considera as relações dos aspectos
culturais com os contextos sócio-econômicos. Fonseca, que participou da criação do Centro
Nacional de Referência Cultural (CNRC), aponta para o risco de homogeneização cultural
provocada pela política patrimonial implantada no Brasil pelo SPHAN a partir de 1937,
norteada pelos critérios de excepcionalidade histórica e artística dos bens tombados, exemplos
geralmente provenientes da cultura erudita ou escolhidos por interesses de grupos dominantes.
Graças a esse contexto de mudanças foi possível retomar praticamente quatro décadas depois
as propostas do anteprojeto de Mário de Andrade que previa um conceito mais abrangente de
patrimônio cultural.
No cenário internacional, segundo Sant’Anna (2003), essas preocupações patrimoniais
e legislativas com os aspectos imateriais e processuais da cultura começam a ser enfocadas a
partir dos anos 1970 no mundo ocidental, e um evento marcante nesse sentido foi a
Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural promovida pela UNESCO
11
em 1972,
uma proposta aprovada por países em desenvolvimento (Terceiro Mundo) para a formação de
estudos e de formas de proteção das manifestações e práticas culturais de relevância cultural
para a humanidade. Em 1989 é aprovado o documento Salvaguarda da Cultura Tradicional e
Popular, prevendo a identificação, conservação, proteção e difusão de exemplos da cultura
popular. As práticas culturais registradas e inventariadas teriam apoio econômico e orientação
jurídica sobre os direitos desses fazeres e saberes, estimulando ainda a inserção dessas
práticas e conhecimentos em grades curriculares escolares através de uma vertente de
11
A criação da UNESCO no fim da Segunda Grande Guerra, um momento simbolicamente marcante das
conseqüências trágicas provocado pelo conflito entre nações e diferentes culturas, inicia um período em que se
elabora uma interpretação mais universalista da noção de patrimônio da humanidade, objetivando atingir uma
maior integração entre as nações e utilizando-se de uma política patrimonial que criasse um campo de diálogo,
de interação e de integração entre diferentes culturas nacionais e locais. (Abreu, 2003c)
53
proposta educativa, questão, porém, que poucos países adotaram nas suas ações patrimoniais e
preservacionistas.
Nos anos 1990 a UNESCO produz o documento Recomendações para a proteção e
salvaguarda de manifestações culturais tradicionais, propondo a proteção de conhecimentos
tradicionais transmitidos através de diferentes gerações, valorizando os processos do fazer e
não apenas os produtos materiais resultantes. A preservação de culturas tradicionais tornava-
se urgente em um período em que a globalização influenciava a mundialização de culturas e
gerava riscos de homogeneização cultural. Em um mercado de bens de consumo que afetam
formas de viver de grupos tradicionais, uma das preocupações com a preservação de culturas
tradicionais se relaciona com a proteção desses conhecimentos contra “saques” e “piratarias”
das indústrias capitalistas contemporânea, que se apropriam ilegalmente de saberes, fazeres,
técnicas e tecnologias tradicionais, sendo necessária a criação de novas regulamentações e
garantias legislativas que definam os direitos de patentes e de propriedades intelectuais de
grupos e comunidades detentoras de conhecimentos tradicionais.
A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, promovida pela
UNESCO em 17 de outubro de 2003 definiu o patrimônio cultural imaterial como
“as
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns
casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio
cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história,
gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana." (www.iphan.com.br)
O patrimônio imaterial abriga o conjunto de conhecimentos e de modos-de-vida
tradicionais, e Fonseca (2003) destaca que um dos focos das propostas de mudança
promovidas pela UNESCO no campo de políticas preservacionistas foi o realinhamento da
noção tradicional do conceito de patrimônio histórico e artístico no ocidente, muito
identificado com elementos da cultura das elites e das classes dominantes e vinculados à
tradição européias (caráter eurocentrista do patrimônio). Lowenthal (1998) afirma que se o
patrimônio material sempre privilegiou os exemplos da cultura erudita da elite social e dos
grandes heróis, datas históricas e monumentos da nação, o patrimônio intangível abriga
referências culturais das classes populares e de grupos excluídos e/ou marginalizados.
Principalmente no final do século XX, o fenômeno da globalização coloca em contato
diferentes fronteiras geográficas e identitárias, afetando relações sócio-culturais e gerando
54
novas possibilidades de inter-relacionamentos econômicos com a incorporação de novos
mercados e de novas mercadorias. É nesse contexto que acontece uma valorização simbólica
(e econômica) de bens, fazeres e saberes culturais tradicionais, envolvendo disputas e
conflitos em uma nova lógica mercadológica que objetiva o lucro financeiro. Valorizadas
muitas vezes pelos aspectos de exotismo e de raridade, as práticas culturais passam por um
processo de resignificação, tranformando-se em mercadorias, em bens de consumo e em
commodities (produtos):
“O planeta do multiculturalismo é o território da compra e venda das
culturas enquanto bens e produtos” (Abreu, www.revsitamuseu.com)
Segundo Abreu (www.revistamuseu.com.br), as atuais políticas de patrimônio
imaterial no contexto do multiculturalismo refletem as novas configurações de forças que se
alinham nos campos econômicos, políticos e sociais, e que interpretam as referências culturais
como produtos, mercadorias e moedas de troca. É quase uma ironia que práticas culturais de
grupos sociais desvalorizados pelo capitalismo rituais, lendas, mitos, técnicas e saberes e
fazeres e os produtos materiais dessas prática arte, receitas e medicamentos - acabem por
sofrer uma resignificação e uma valorização no contexto da modernidade contemporânea. O
patrimônio imaterial passa a ser valorizado por políticas preservacionistas e as práticas e
conhecimentos culturais adquirem capitais simbólicos que tranformam os bens patrimoniais
em bens com valor de mercado. As políticas de patrimônio devem também se preocupar em
instrumentalizar juridicamente as populações e comunidades detentoras desses saberes
específicos contra possíveis apropriações e explorações econômicas, um conflito que Abreu
(2005) exemplificou na relação entre a indústria farmacêutica e a medicina caseira.
No Brasil essa questão começa a se consolidar legislativamente com os artigos 215 e
216 da Constituição Federal de 1988 ao incluir as referências imateriais no conjunto de bens
culturais da nação, ampliando a noção e o conceito de patrimônio, abarcando os bens
materiais e imateriais e os elementos da cultura erudita das manifestações populares e locais.
A preservação deveria incidir sobre as coisas, os lugares e os objetos, mas também sobre as
práticas e manifestações coletivas que permeiam essas referências materiais.
O artigo 215 prevê a proteção das “
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e as de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”,
e em seus cinco incisos, o artigo
216 da Constituição do Brasil de 1988 (Brasil, 2003) define o patrimônio cultural brasileiro
como os
bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I) as formas de expressão,
II) os modos de criar, fazer e viver,
55
III) as criações científicas, artísticas e tecnológicas,
IV) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artísticos-culturais,
V) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.”
As políticas públicas no campo patrimonial desenvolvidas a partir da criação do
SPHAN pelo Decreto Lei 25, de 30 de novembro de 1937, privilegiaram basicamente a
tipologia das referências culturais citadas nos incisos IV e V do artigo 216, atuando
principalmente na limitação dos direitos individuais de propriedade e no conceito de
tombamento para a garantia da preservação.
A partir de 1988, a preocupação preservacionista com as formas de expressão e os
modos de criar, fazer e viver (incisos I e II) abre perspectivas para a criação de mecanismos
de proteção jurídica e legal de bens de caráter processuais que sofriam o risco de
desaparecimento, enquanto que em relação às criações científicas, artísticas e tecnológicas
(inciso III) a perspectiva era a de garantir o direito de propriedade intelectual e autoral dessas
manifestações.
Portanto, a ampliação do conceito de patrimônio cultural pela Constituição de 1988
acaba por afetar e ampliar o entendimento do conceito de preservação, gerando novas
metodologias de ações e de políticas públicas de preservação patrimonial.
Uma experiência no campo internacional, e que tem amplas possibilidades teóricas de
serem adaptadas a um programa de salvaguarda nacional do ofício do fotógrafo Lambe-
Lambe, foi o programa Tesouros humanos vivos, desenvolvido pela UNESCO a partir de
1993 com o objetivo de proteger e valorizar os mestres de ofícios tradicionais, garantindo
assim a transmissão desses saberes-fazeres para as novas gerações. A importância dos mestres
como fontes de um saber que sobrevive em um ambiente ameaçado pela possibilidade de
homogeneização cultural pode ser dimensionada no próprio documento da UNESCO:
“Em
sociedades tradicionais, quando morre um ancião toda uma biblioteca se queima e se perde para
sempre.” (UNESCO in Abreu, 2005:42).
A preocupação com a preservação dos mestres de
cultura re-atualiza a retórica da perda (termo de Gonçalves), que antes incidia sobre um
patrimônio de pedra e cal que resistia em um ambiente em que a especulação imobiliária
ameaçava edifícios e edificações históricas. Em um material de divulgação do Sistema de
Tesouros Humanos Vivos, apresentado na 142ª Reunião do Conselho Executivo em Paris no
ano de 1993, a UNESCO define o patrimônio imaterial como:
56
“o conjunto das manifestações culturais, tradicionais e populares, ou
seja, as criações coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas
sobre a tradição. Elas são transmitidas oral e gestualmente, e
modificada através do tempo por um processo de recriação coletiva.
Integram esta modalidade de patrimônio as línguas, as tradições
orais, os costumes, a música, a dança, os ritos, os festivais, a
medicina tradicional, as artes da mesa e o “saber-fazer” dos
artesanatos e das arquiteturas tradicionais.” (UNESCO, 1993 in:
ABREU, 2003b:82)
O campo do patrimônio se configura como um estratégico elemento identitário de
grupos sociais, e as preocupações da UNESCO objetivam priorizar a pluralidade e a
diversidade cultural, visando a consolidação do multiculturalismo como meio de garantir a
paz entre as nações. Segundo a UNESCO, através de um discurso baseado na retórica da
perda,
“a natureza efêmera do patrimônio imaterial o torna vulnerável.” (UNESCO, 1993 in:
ABREU, 2003b:82).
A UNESCO (1993) definiu vertentes de atuação de uma metodologia no trabalho de
proteção do patrimônio imaterial, incidindo no campo da coleta, do registro e do
arquivamento de dados, e criando mecanismos que garantam a proteção, a sobrevivência e a
transmissão das referências culturais para as novas gerações, aspectos que foram
desenvolvidos no programa Tesouro Humanos Vivos:
“É preferível assegurar que os detentores do patrimônio imaterial
continuem a adquirir conhecimento e “saber-fazer” e os transmitam
às novas gerações seguintes. Levando em conta estes objetivos, é
preciso inicialmente identificar estes detentores de “saber-fazer” e os
reconhecer oficialmente.” (Abreu, 2003b:83)
A metodologia de trabalho elaborada pela UNESCO com os denominados bens
culturais vivos foi em grande parte influenciada pelas políticas e instrumentos de preservação
que foram desenvolvidos nos países orientais, principalmente no Japão, onde a concepção de
patrimônio possuía uma maior abrangência para as questões intangíveis. As ações
preservacionistas de países orientais valorizavam as expressões e os processos de
conhecimentos tradicionais, priorizando a imaterialidade da cultura e não as referências
materiais. A primeira legislação sobre o patrimônio cultural no Japão, nos anos 1950,
57
destacava o apoio aos grupos e indivíduos que detinham o saber de tradições cênicas,
ritualísticas, plásticas e técnicas:
“De acordo com essa concepção, as pessoas que detêm o
conhecimento preservam e transmitem as tradições, tornam-se mais
importantes do que as coisas que as corporificam.” (Sant’Anna,
2003:49)
Segundo Chagas (2003), um bem cultural reflete vivências e experiências coletivas,
participando como elemento estruturante e estruturador de memórias, e constitui-se como uma
importante referência nos processos educativos e cognitivos. Segala (2004) reflete sobre as
possibilidades do processo educacional incorporar e inserir as referências patrimoniais e as
manifestações culturais tradicionais nas práticas e nas metodologias do sistema de educação,
pois o patrimônio destaca-se por possuir um potencial didático e educativo:
“...os seres humanos usam seus símbolos sobretudo para agir, e não
somente para se comunicar. O patrimônio é usado não apenas para
simbolizar, representar ou comunicar: é bom para agir. (...) Não
existe apenas para representar idéias e valores abstratos e para ser
contemplado. O patrimônio, de certo modo, constrói, forma as
pessoas.” (Abreu; Chagas, 2003:27)
Em 1994 a França institui o programa Tesouros Humanos Vivos, uma proposta da
UNESCO que foi implementada pelo governo francês sob a influência das ações de
preservação no mundo oriental, definindo instrumentos e políticas de apoio aos mestres de
ofícios tradicionais e aos processos de transmissão de saberes e fazeres para as novas gerações
de aprendizes. O caráter pedagógico e educativo desse programa garantiria a preservação de
tradições coletivas e familiares de ofícios e de atividades que são transmitidas e ensinadas
através da oralidade:
“De um lado os mestres de arte são herdeiros de antigas tradições
culturais; de outro, são criadores de novas técnicas e de novas obras
de arte. Mas, sobretudo,os mestres de arte são lugares de memória,
elementos de ligação entre o passado e o futuro.” (Abreu, 2003b:94)
58
Lody (2005)
12
e Tamaso (2005) destacam que a elaboração da Carta de Fortaleza,
apresentada em 1997 durante um seminário realizado na capital do Ceará pelo IPHAN, propôs
novas bases conceituais e metodológicas para a proteção e salvaguarda do patrimônio
imaterial no Brasil.
Um definitivo e inaugural marco legislativo na política de patrimônio intangível no
Brasil é o Decreto Lei 3551 (anexo 02), de 04 de agosto de 2000, que institui no cenário
nacional o registro de bens culturais de natureza imaterial do patrimônio cultural brasileiro,
criando o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). A definição das manifestações
culturais consideradas patrimônio imaterial nacional permite a criação de instrumentos que
possibilitam o registro e o acompanhamento das permanências e das mudanças nas práticas,
saberes e fazeres tradicionais, referências culturais que se caracterizam como processos
dinâmicos e mutantes ao longo do tempo. Diferente da ênfase que prevaleceu na política
preservacionista no campo do patrimônio material, embasada no princípio jurídico do
tombamento, no campo do patrimônio imaterial o registro e o acompanhamento das
manifestações culturais não se confunde com praticas preservacionistas que pretendem
congelar, engessar ou cristalizar tais referências:
“Diferente do instituto tradicional do tombamento, para o
denominado patrimônio material, o registro é outra e nova forma de
compreender o valor patrimonial.” (Lody, 2005:74)
Conforme análise de Certeau (1996), uma característica da legislação e da política do
patrimônio material, atuando basicamente com o instrumento jurídico do tombamento, é
impor limitações do direito privado de propriedade ou de posse do bem. No caso dos bens
imóveis o tombamento acarreta desapropriações e restrições no seu uso cotidiano, enquanto
que os bens móveis são muitas vezes incorporados aos acervos de museus (Tamaso, 2005).
De forma bastante diferenciada e democrática, as ações de salvaguarda e preservação
do patrimônio imaterial garantem a manutenção da relação entre as manifestações culturais e
os grupos e agentes produtores e mantenedores dessas práticas:
12
Foi através de um projeto de Raul Lody, formalizado através do Centro Nacional de Cultura Popular do
IPHAN, que o acarajé, típico exemplo da culinária da Bahia foi registrado no Inventário Nacional de Referências
Culturais: “Faz-se identidade pelo que se come, como se come e pela relação que entre a comida e os
múltiplos papeis sociais dos indivíduos.” (Lody, 2005:76). O registro incidiu tanto no “acarajé das baianas”
como nas “baianas do acarajé”, englobando nas práticas preservacionistas tanto o saber como o agente produtor
– o mestre - desse conhecimento tradicional.
59
“Há, contudo, um patrimônio que ainda não foi expropriado do grupo
que o produziu e lhe atribui valores, o patrimônio imaterial.”
(Tamaso, 2005:15)
No caso do patrimônio imaterial a proposta metodológica de ação preservacionista é o
registro das práticas e das manifestações culturais, visando inventariar e acompanhar a
dinâmica de mudanças e permanências que afetam esses saberes e fazeres tradicionais (Abreu
e Chagas, 2003). Não menos importante são os objetivos de instrumentalizar juridicamente as
comunidades e populações detentoras dos saberes tradicionais, garantindo os direitos sobre o
saber-fazer e evitando a exploração econômica de terceiros.
Além de criar o PNPI, a promulgação do Decreto 3551, de 04/08/2000, instituiu o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, com a criação de um selo distintivo oficial
do Ministério da Cultura que atesta o pertencimento do bem ao Patrimônio Cultural
Brasileiro.
Foram definidos quatro livros para o registro dos bens culturais de natureza imaterial:
1) Livro de Registro dos Saberes: modos de fazer, atividades, conhecimentos de técnicas e de
matérias primas que caracterizam manifestações culturais de um grupo ou de uma
localidade.
2) Livro das Celebrações: festas e rituais associados ciclos do calendário e que produzem
sentidos em um determinado espaço social.
3) Livro das Formas de Expressão: formas não-linguísticas de comunicação de grupos em
um território, como a literatura, a música, as artes plásticas, as artes cênicas e diferentes
manifestações lúdicas.
4)
Livro dos Lugares: espaços que abrigam práticas e atividades culturais coletivas que são
representativas para um determinado grupo.
Segundo Sant’Anna (2003) o conceito de registro de um patrimônio imaterial engloba
a identificação e a produção de conhecimento sobre o bem cultural, permitindo documentar
tecnicamente o histórico dessas manifestações e possibilitando a difusão e o acesso a essas
informações, preservando a memória e a trajetória de um patrimônio cultural no tempo e no
espaço social. Alguns bens culturais devem ser registrados como manifestações culturais
vivas, sendo monitoradas por técnicos para documentação e registro de suas mudanças, pois
como vimos o registro dos bens culturais não-tangíveis trabalha com um conceito de
preservação não-intervencionista, incidindo sobre processos culturais que possuem dinâmicas
próprias que podem incorporar transformações e atualizações ao longo do tempo, portanto,
60
bastante diferente da idéia de preservação permeada por perspectivas de garantir a
estabilidade artificial e a permanência imutável dos bens culturais.
Com a criação do registro de bens imateriais foi desenvolvido uma nova metodologia
de inventário, apresentada através da proposta nomeada de Inventário Nacional de
Referências Culturais (INRC), projeto adequado às especificidades dos bens de natureza
imaterial, desenvolvendo uma metodologia específica para lidar com as novas perspectivas do
conceito de preservação do patrimônio imaterial, definindo as etapas de pesquisa (documentos
oficiais e entrevistas), de identificação, de documentação (prevendo inclusive a utilização de
recursos áudio-visuais) e de registro de práticas e manifestações culturais. Como as ações
preservacionistas no campo do patrimônio intangível não estão relacionadas aos conceitos de
autenticidade e permanência que permeiam o campo do patrimônio material, o registro do
patrimônio imaterial permite a identificação e o inventariamento de manifestações culturais,
disponibilizando essas informações para toda a sociedade e permitindo a valorização desses
bens patrimoniais. A cada dez anos essas informações devem ser revistas e atualizadas,
fornecendo um histórico das mudanças ocorridas nas práticas culturais, pois os bens imateriais
são processos dinâmicos que incorporam transformações ao longo do tempo. O INRC é um
importante instrumento da política de preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro,
e atua também sobre as referências materiais, como as edificações, segmentos territoriais,
vilas, regiões geográficas ou bairros que estão associados aos usos e significações
relacionadas com práticas e manifestações culturais.
Fonseca (2003) também destaca como a emergência do conceito de imaterialidade
patrimonial e de preocupações de salvaguarda com o patrimônio intangível acabam por
redimensionar o conceito de preservação, tradicionalmente bastante relacionado com um
caráter de conservação de uma imutabilidade. Segundo Gonçalves (1996) a concepção de
perda ficou negativamente marcada pela visão de destruição e de finitude, e não com um
sentido positivo de recriação de renovação. No campo do patrimônio intangível o sentido de
preservação está ligado a um sentido de proteção em que a identificação e a documentação de
práticas culturais leva à promoção, à difusão e à revalorização simbólica e econômica,
ampliando as garantias de sobrevivência dessas manifestações. A preservação de práticas
culturais pressupõe um apoio oficial aos agentes produtores e uma política de divulgação,
estimulando e criando condições para manutenção e formação de públicos receptores dessas
manifestações, questão estratégica no caso do fotógrafo Lambe-Lambe, um profissional de
um ofício em busca de um público-consumidor.
61
O PNPI prevê a formação de parcerias entre organizações não-governamentais,
universidades e instituições públicas federais, estaduais e municipais, no sentido de promover
pesquisas e captação de recursos e financiamentos para políticas de registro, inventário
documentação, promoção e divulgação do patrimônio intangível. A preocupação principal é
de criar mecanismos para garantir a preservação e a valorização da diversidade cultural de
nosso país, divulgando nosso patrimônio entre os diversos segmentos sociais e culturais. As
políticas de patrimônio viabilizam a elaboração de ações que ampliam as possibilidades de
inclusão social e de inserção econômica de grupos e indivíduos produtores, detentores,
transmissores e atualizadores dos saberes tradicionais, gerando uma melhoria nas condições
de vida e na auto-estima das comunidades envolvidas nas manifestações culturais registradas.
O primeiro registro dessa categoria patrimonial foi o das paneleiras de Goiabeira,
município do Espírito Santo, no ano de 2002, uma tradição feminina e um fazer técnico de
origem indígena (Tupi-Guarani e Uma) de confecção de panelas de barro, utensílios utilizados
para fazer e servir a moqueca capixaba, um importante prato da tradição culinária regional.
Esse caso exemplifica como a preservação de um fazer encontra-se profundamente vinculada
com a preservação o espaço, ambiente e cenário onde a manifestação cultural ocorre, pois
com registro das paneleiras de Goiabeira foi possível garantir a preservação o local de onde
retiram a matéria-prima necessária para a confecção das panelas, no Vale do Mulembá, que
estava ameaçado pela especulação imobiliária e pela exploração industrial. Tal questão
demonstra que podemos analisar de maneira análoga a importância das funções e dos usos
sociais das praças públicas no caso de ações patrimoniais e preservacionistas do saber-fazer
dos fotógrafos Lambe-Lambes (conforma abordado no capítulo 3 dessa tese). A arte Kusiwa,
uma técnica de pintura corporal e arte gráfica do povo indígena Wajãpi do Amapá, registrado
no Livro de Registro das Formas de Expressão em 20 de dezembro de 2002. Em 2003 recebe
da UNESCO o título de Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. Em
2004 o samba-de-roda do Recôncavo baiano foi incluído no Livro de Registro de Formas de
Expressão como um processo e um saber de música e de dança, sendo elaborado um plano de
salvaguarda que previa o desenvolvimento de oficinas para o aprendizado pelas novas
gerações da técnica de confecção da viola-manchete, de origem portuguesa, cujo saber está
atualmente nas mãos dos últimos mestres ainda vivos, garantindo assim a sobrevivência e a
preservação dessa maestria tradicional. Isso mostra a importância, no caso do saber-fazer dos
fotógrafos ambulantes, da necessidade de se elaborar oficinas que ensinem a prática do ofício
62
e a própria confecção da tradicional máquina fotográfica Lambe-Lambe. Atualmente temos
quatorze registros de patrimônios imateriais cadastrados pelo IPHAN
13
.
Se os bens tangíveis possuem uma autonomia de existência em relação aos processos
que os produziram, pois são resíduos e resultados materiais de saberes e fazeres, os bens
intangíveis existem pela permanente e constante produção e atualização de práticas e
manifestações culturais.
Cecília Londres, conforme cita Abreu (www.revistamuseu.com.br), não interpreta o
patrimônio matéria e imaterial como conceitos opostos, mas sim complementares. De acordo
com a autora, qualquer prática social e cultural necessita, em um determinado momento, de
suportes materiais e físicos (corpo, instrumentos, indumentária), e tal prática gera em muitas
das vezes resíduos e produtos materiais. Da mesma forma, qualquer bem cultural material
possui uma dimensão imaterial e intangível que explica a sua origem e os significados, usos e
funções sociais implícitos e explícitos. Refletindo sobre a política de preservação do
patrimônio imaterial, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos (in Abreu) explica que a proteção,
conservação e preservação de bens materiais sempre atuou com a perspectiva da noção de
indissociabilidade entre manifestações culturais tangíveis e não tangíveis. O tombamento de
uma Igreja, por exmplo, pode garantir a preservação de procissões, romarias e festas que se
dão no seu entorno. Praças, igrejas, monumentos e edificações podem abrigar importantes
manifestações e práticas culturais, e a dimensão física e material pode muitas vezes ser mais
perecível do que a dimensão imaterial da prática cultural:
“Os bens materiais (...) chegam a
parecer mais vulneráveis que as manifestações imateriais” (Abreu, www.revsitamuseu.com)
Portanto, segundo essa perspectiva não se pode interpretar que tenha ocorrido uma
súbita emergência da noção de patrimônio imaterial ou uma amplitude maior da noção de
patrimônio histórico, artístico e cultural. A noção de patrimônio material sempre abrigou o
caráter intangível do bem cultural tangível, e a preservação das referências materiais em
13
Bens patrimoniais imateriais registrados pelo IPHAN (fonte: www.iphan.gov.br):
1. Ofício das Paneleiras de Goiabeiras
2. Kusiwa – Linguagem e Arte Gráfica Wajãpi
3. Círio de Nossa Senhora de Naza
4. Samba de Roda do Recôncavo Baiano
5. Modo de Fazer Viola-de-Cocho
6. Ofício das Baianas de Acarajé
7. Jongo no Sudeste
8. Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri
9. Feira de Caruaru
10. Frevo
11. Tambor de Crioula do Maranhão
12. Samba do Rio de Janeiro
13. Modo artesanal de fazer queijo de Minas
14.Capoeira
63
muitas vezes foi a garantia da sobrevivência de manifestações imateriais. No caso da
atividade exercida pelos fotógrafos Lambe-Lambes, tais questões podem reforçar a
importância de se analisar as mudanças ocorridas nas praças públicas das grandes cidades
como um fator que afetou a perspectiva de sobrevivência desse saber e fazer tradicional
(conforme será abordado no capítulo 3).
Assim, o patrimônio imaterial não deve ser interpretado simplesmente como uma
oposição ou contraposição ao patrimônio material. Na verdade podemos interpretar as
dimensões materiais e intangíveis do patrimônio como dois lados de uma mesma moeda,
como o corpo e a alma de uma referência cultural, pois todo bem material agrega referências
não materiais, e toda manifestação intangível utiliza-se em algum momento de suportes
materiais e físicos, sejam objetos, lugares ou pessoas:
“...os caracteres imateriais do bem cultural podem sê-lo se
contarem com um apoio material: vestimenta, instrumentos, música,
ornamentos, objetos, espaço físico, seres humanos etc.” (Tamaso:
2005:32)
É nítida, assim, a interpenetração entre os conceitos de patrimônio material e
imaterial:
“A comida é material, mas a culinária é imaterial. Como separar ambas?” (Oliven,
2003:79)
. Fonseca (2003) mostra que sob esta perspectiva da dualidade material e imaterial
do patrimônio, o discurso patrimonial pode ser analisado analogicamente com o pensamento
de Saussure (1996), que demonstra que a intagibilidade da comunicação precisa se utilizar de
suportes físicos – orais, escritos, gestuais - para exercer a sua função de transmitir uma
mensagem. Todo bem cultural é um signo, possuindo a dimensão material que atua como um
canal físico de comunicação, e agregando uma dimensão simbólica dos sentidos e valores
atribuídos.
Assim, para Fonseca, o termo intangível é considerado o que melhor define a categoria
imaterial de patrimônio, pois reflete o caráter transitório e fugaz das manifestações culturais
(como nos happenings e performances nas artes plásticas, que existem no aqui e agora), e
não simplesmente a sua falta de materialidade.
64
2 UM OLHAR SOBRE A TRAJETÓRIA DE UMA PROFISSÃO
NO TEMPO E NO ESPAÇO
65
2.1 Origem do fotógrafo ambulante
A origem dos fotógrafos ambulantes na Europa, conhecidos popularmente no Brasil
como Lambe-Lambes, está relacionada à descoberta, em 1853, de um novo processo
fotográfico: o ferrótipo, que em comparação com a daguerreotipia e com o colódio úmido,
facilitou e reduziu os custos dos procedimentos técnicos praticados neste período histórico.
Isto permitiu que a fotografia se tornasse accessível às classes populares, que até então não
tinham condição de custear os altos preços cobrados por um retrato nos caros e sofisticados
estúdios fotográficos:
“O ferrótipo, processo muito em voga no século passado, era utilizado
basicamente
pelos fotógrafos ambulantes.”
(Kossoy, 1980:39)
.
O uso de chapas de metal pelo ferrótipo, inquebráveis e que possibilitavam obter
diretamente imagens em positivo, permite os fotógrafos ambulantes trabalharem nos diversos
espaços públicos das cidades:
“O processo foi praticado por fotógrafos ambulantes nas praias, em
feiras e pelas ruas.” (Pavão, 1997:32)
Uma das primeiras referências sobre a atuação destes profissionais nos remete ao
aparecimento dos fotógrafos ambulantes nas festas e feiras populares européias, espaços onde
a fotografia revelava a grande amplitude dos usos e das funções sociais da imagem técnica.
Desde os seus primeiros processos desenvolvidos, a fotografia sempre participou das
tradicionais festas populares, transformando-se em uma atração mágica que também refletia o
avanço científico de uma época. Ao lado de cinematógrafos, dioramas e estereoscópios, o
retrato fotográfico produzido pelos fotógrafos ambulantes atraía a atenção do público destas
feiras.
Além da possibilidade da construção visual da auto-imagem de indivíduos das classes
populares, através dos retratos vendidos pelos fotógrafos ambulantes, as festas populares,
através de um grande acervo de imagens fotográficas expostas e colocadas à venda,
possibilitavam o contato visual do público com outros povos, culturas e territórios, bem como
a observação de cenas pornográficas ou humorísticas:
“A fotografia participava ativamente desta folia da festa e do público,
tornando-se atração para o visitante, integrando-se perfeitamente no
ambiente popular” (Jézéquel,1996:133)
66
A fotografia se consolida neste período histórico como uma importante forma de
preservar a imagem do homem e de seu tempo, questão que se reflete no aumento
significativo dos usuários dos serviços dos fotógrafos ambulantes. Aos poucos, esses
profissionais apropriam-se do espaço público e instalam os seus estúdios nas ruas, praças e
parques das cidades européias, uma dinâmica que aos poucos será reproduzida em todos os
continentes.
Figura 1: Os primeiros fotógrafos ambulantes começaram a trabalhar nas festas
e feiras populares
européias, um espaço propício para o consumo de fotografias, na época uma novidade tecnológica e
científica que se confundia com magia e diversão.
Figura 2: Das feiras e festas populares os fotógrafos ambulantes passam a ocupar as r
uas e praças
públicas, competindo com os caros estúdios fotográficos, uma opção de retrato mais barata e rápida.
67
Ao longo da segunda metade do século XIX e durante as duas primeiras décadas do
século XX, inovações tecnológicas afetam o trabalho destes profissionais, e aos poucos a
ferrotipia é substituída por diferentes processos técnicos.
As tradicionais câmeras fotográficas dos retratistas ambulantes, que funcionam ao
mesmo tempo como máquinas fotográficas e como mini-laboratórios de revelação de
negativos e de cópias positivas, acabam sendo adaptadas para trabalhar com negativos de
vidro, com negativos de gelatina ou com negativos de papel. Geralmente as laterais dessas
máquinas são utilizadas como espaços para expor exemplos da produção fotográfica realizada
por esses profissionais ambulantes.
Até a década de 1960, era muito comum encontrar pelas cidades da Europa e dos
Estados Unidos fotógrafos ambulantes com suas tradicionais máquinas com tripés, cadeiras e
telas de fundo.
Figuras 3 e 4: Imagens de fotógrafos ambulantes nos anos 50 na Espanha (Madrid), e nos anos 60 na Itália
(Roma). Atualmente é muito di
fícil encontrar profissionais que ainda utilizam as tradicionais máquinas do tipo
“caixão/caixote” na Europa e na América do Norte.
68
Apesar deste tradicional ofício estar praticamente extinto na América do Norte e na
Europa, fotógrafos ambulantes com suas máquinas do tipo caixão/caixote ainda podem ser
encontrados nos dias de hoje trabalhando em diversos países da América Latina, África,
Oriente Médio e Ásia.
Figura 5: Fotógrafo ambulante na Grécia, um dos poucos lugares da Europa onde ainda é possível
encontrar profissionais ambulantes que preservam um ofício tradicional.
69
Feitas de maneira artesanal, por vezes até pelo próprio fotógrafo ambulante, as
tradicionais máquinas fotográficas utilizadas por esses profissionais refletem no seu design
características visuais próprias, permitindo que se perceba na concepção estética das meras,
aspectos relacionados com identidades e referências culturais de diferentes povos e nações.
Figura 6, 7 e 8: Exemplos de fotógrafos ambulantes em cidades da América do Sul: Buenos Aires
(Argentina) nos anos 50, Lima (Perú) e Santiago (Chile) nos anos 90 .
Figura 9: Como em Cuba, por
toda a América Latina ainda encontramos os fotógrafos ambulantes que
transformam os espaços públicos em estúdios e laboratórios fotográficos.
70
Assim, por exemplo, na Índia poderemos encontrar na lateral da máquina fotográfica
ambulante, ao lado dos retratos fotográficos expostos, a pintura decorativa de uma flor de
lótus, símbolo tradicional da cultura indiana, um elemento estético que revela as
caracteristicas identitárias locais. nos países muçulmanos, a questão iconoclasta da cultura
religiosa islâmica, que proíbe a reprodução de imagens, pode ser analisada como um fator que
explica a não utilização das laterais das máquinas fotográficas como espaço destinado à
exposição do trabalho realizado pelos fotógrafos ambulantes desses países. Em alguns casos
podemos encontrar inscrições religiosas nas laterais das máquinas dos fotógrafos de origem
muçulmana, que como nas mesquitas e templos religiosos islâmicos, cumprem uma função
estética em um espaço onde as reproduções figurativas são proibidas.
Figura 10: Fotógrafo ambulante na Índia. Na lateral da sua máquina fotográfica, inscrições em hindu e a
pintura de uma flor de lótus fornecem referências identitárias do local de atuação desse profissional.
71
Figura 11: Fotógrafo ambulante de origem muçulmana na Nigéria. O panejamento da capa/capuz, que
protege o interior da máquina fotográfica da incidência da luz solar, assemelha-
se ao panejamento das
burkas, traje feminino característico da cultura islâmica. Neste século XXI, este profissional pode ser
encontrado nas principais cidades do continente africano.
Figura 12: Fotógrafo ambulante no Egito
72
Figura 13: Fotógrafo ambulante no Iraque mantém a tradição deste ofício no Oriente dio.
Como em todos os países islâmicos, a questão iconoclasta da cultura muçulmana explica o fato
do fotografo não expor os retratos que produz nas laterais da máquina fotográfica.
Figura 14: Inscrição religiosa na lateral da máquina utilizada por um fotógrafo ambulante, no
Afeganistão nos anos 90, revelando aspectos próprios desse ofício nos países muçulmanos.
73
Se no mundo ocidental a eminência da extinção do fotógrafo ambulante pode ser
explicada pela defasagem tecnológica dos procedimentos fotográficos desse tradicional ofício
frente às novas concorrências que surgem com o desenvolvimento tecnológico no campo
fotográfico, ou por mudanças no contexto sócio-cultural (questão que será aprofundada de
maneira mais reflexiva no capítulo 3.1), no mundo muçulmano, e mais especificamente no
Afeganistão, o fotógrafo ambulante foi proibido de atuar entre os anos de 1996 e 2002 por
questões religiosas, políticas e ideológicas. Foi nesse período que ascendeu o governo
fundamentalista Talibã, censurando jornais, revistas, rádios, televisões, grupos teatrais, grupos
musicais e proibindo a produção e o consumo de fotografias, afetando de maneira trágica o
trabalho de fotógrafos ambulantes. Foi apenas com a ocupação do Afeganistão pelas tropas
aliadas internacionais, lideradas pelo governo norte-americana, pondo fim ao governo Talibã,
que os fotógrafos ambulantes voltam às ruas das cidades afegãs, onde sobrevivem até os dias
de hoje, cumprindo um importante papel social para as comunidades locais.
Figura 15: Em 2002, com o fim do regime Talibã de
governo no Afeganistão, fotógrafos ambulantes
retornam às ruas das cidades sob garantia de soldados das tropas aliadas (no detalhe à esquerda da
fotografia).
74
2.2 O fotógrafo ambulante no Brasil: o Lambe-Lambe
No Brasil, os fotógrafos ambulantes surgem predominantemente no início do século
XX e passam a ser popularmente denominados como Lambe-Lambes. Este é um ofício que
ainda sobrevive no século XXI, e que demonstra pela sua trajetória histórica em nosso país
como esta profissão está intimamente relacionada com o percurso cultural de nossa sociedade.
Com o fim da escravidão em 1888, e a Proclamação da República no ano seguinte,
consolida-se no Brasil ao longo da última cada do século XIX uma nova estrutura política,
econômica e social, alterando a base agrária-escravocrata que caracterizava o Império.
No início do século XX, o trabalho livre e a imigração transformam de maneira
significativa as relações sócio-econômicas no país. O excedente de capital, proveniente do
desenvolvimento da economia cafeeira, aliado a uma política governamental de capitalização
interna, permitem investimentos que estimulam o crescimento industrial nos grandes centros,
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os setores médios, compostos
basicamente pelos profissionais liberais, pela classe operária e pelos trabalhadores ligados à
área de prestação de serviços, irão se fortalecer ao longo das primeiras décadas do século XX,
alterando significativamente a composição dos quadros sociais urbanos do país.
Todas estas transformações sócio-econômicas possibilitam a formação de um mercado
consumidor no Brasil que favorecia a atuação do fotógrafo ambulante. Este profissional
oferecia a possibilidade de acesso a fotografia às camadas da sociedade que não poderiam
pagar os altos preços dos sofisticados estúdios fotográficos, freqüentados em sua maioria pela
tradicional aristocracia rural e pela nova burguesia industrial que surgia e se fortalecia no
contexto histórico que caracterizava o início do século XX. O fotógrafo ambulante permite,
no cenário nacional, que o ato de ser fotografado não fique restrito à elite e aos grupos
dominantes, ampliando o seu acesso a outros setores menos privilegiados da população.
O fotógrafo Lambe-Lambe acompanha a trajetória histórica-social e as mudanças de
sua cidade, registrando na sua memória e no seu trabalho profissional transformações e
estabilidades nos hábitos e nos costumes de seus habitantes. Os usuários dos seus serviços
estão, na verdade, compondo um grande álbum de recordações e lembranças de sua cidade. O
trabalho do fotógrafo Lambe-Lambe influi de maneira significativa na questão da preservação
da história da comunidade em que está inserido, demonstrando como
“O fotógrafo de uma
cidadezinha do interior é quase tão importante quanto o prefeito, o pároco, ele é a memória da
cidade” (Jornal do Brasil, 14/10/79).
75
Ao longo desta pesquisa foram encontradas diversas versões sobre a origem do termo
Lambe-Lambe
14
, que aparece freqüentemente relacionado aos procedimentos envolvidos no
processo fotográfico de revelação de negativos e de cópias positivas. Dependendo da versão,
o fotógrafo lamberia com a língua tanto para acelerar os processos de revelação, de fixação
(devido ao cloreto de sódio que compõe quimicamente a saliva)
15
e de secagem
16
, como
também para identificar a textura do lado emulsionado com gelatina dos negativos
17
,
manipulados no escuro do interior das máquinas-caixão. Boris Kossoy, em um artigo contido
no catálogo da exposição O lambe-lambe hoje o fotógrafo de jardim, relaciona este termo
ao ferrótipo, procedimento fotográfico que possibilitou o aparecimento dos fotógrafos
ambulantes. A saliva aceleraria o processo de revelação e de fixação da imagem nas antigas
chapas de metal. Segundo outras versões, a saliva também poderia ser usada para dar brilho
ao positivo revelado
18
ou para simplesmente limpar as lentes de suas câmeras fotográficas
19
.
Uma outra versão, também proposta por Kossoy e talvez a explicação mais recorrente nos
depoimentos de antigos Lambe-Lambes, identifica a origem do termo ao período em que os
fotógrafos ambulantes utilizavam as chapas de vidro como negativos. A língua era passada
nas chapas de vidro para possibilitar a identificação do lado que estava emulsionado,
permitindo que se definisse a posição correta no interior da câmera para sensibilizar o
negativo. O lado mais áspero, e que “colasse” na língua (causando maior atrito), denunciava
a camada da emulsão, praticamente imperceptível a olho
20
:
“O termo, explica Boris Kossoy,
parece derivar-se do hábito de o fotógrafo lamber a placa de vidro para saber qual o lado da
emulsão.” (Sevcenko, 1998:467)
Apesar da existência de várias definições sobre o aparecimento deste termo, algumas
até contraditórias entre si, todos os relatos sobre a sua origem nos remetem a antigos
procedimentos técnicos que caracterizaram este ofício, hábitos profissionais relacionados ao
início da atividade dos Lambe-Lambes no país e que foram se perdendo ao longo das
gerações, alterados pela dinâmica cultural e pelo desenvolvimento técnico da fotografia
exercida nos lugares públicos:
14
Na língua inglesa o fotógrafo ambulante aparece relacionado ao termo street photographer (fotógrafo de rua),
e em diversos países da América Latina esse profissinal é conhecido como minuteiro, pelo fato de revelar as suas
fotografias em poucos minutos.
15
Fontes: O Globo de 04/03/88 e A Tribuna da Imprensa de 31/03/88
16
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/76
17
Fonte: O lambe-lambe hoje – o fotógrafo de jardim, 1980.
18
Fonte: Jornal do Brasil, 07/09/76
19
Fonte: Avillez, Martinez, Santiago e Silva, 1994
20
Fonte: Folha de São Paulo, 12/08/87.
76
“O lambe-lambe é o seguinte: nós tomamos o nome do lambe-lambe
pela antiguidade, porque eu sou antigo mas antes de mim tem outros
muito mais antigos, morreram.” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Sr. José Marcos da Praça da Estação / Belo Horizonte em
20/02/2002)
Uma outra versão muito curiosa relaciona o termo “Lambe-Lambe” ao fato dos
fotógrafos oferecerem brilhantina para pentear os cabelos dos clientes do sexo masculino,
deixando o fotografado com a aparência de possuir “cabelo lambido”
21
. O olhar leigo e
popular em relação ao hábito de se lavar as fotografias reveladas em baldes com água também
aparece como um fator explicativo do termo em alguns depoimentos analisados:
“...é o balde: quando você vai lavar a foto, que fica igual um
cachorro lambendo água, lavando a foto. Aí, eles olharam aquilo e
apelidaram de lambe-lambe, porque o balde, fica parecendo que você
está bebendo água com a mão, igual cachorro quando está bebendo
água, então a gente lavando a foto era igual. Por isso é que eles
colocaram como lambe-lambe.” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Senhor João Gomes da Praça Primeiro de Maio / Belo
Horizonte em 29/04/2002)
Franco (2004)
22
e Nunes (2004)
23
identificam que na região do Nordeste brasileiro os
termos ventania, mão-no-saco e bufete são utilizados para designar os fotógrafos de praça. O
termo ventania ironiza o fato do fotógrafo da praça atuar ao ar livre exposto às mudanças
climáticas nas condições do tempo, enfrentando sol, chuva e vento no seu exercício
profissional. os termos mão-no-saco e bufete se referem ao procedimento técnico
fotográfico que utiliza negativos de papel
24
, uma técnica muito utilizada pelos fotógrafos de
praça do Nordeste, que para produzir a imagem fotográfica precisam colocar a mão no interior
da máquina caixote através de um saco, lembrando com essa ação o movimento idêntico ao de
um soco dado no ar
25
(figura 10).
21
Fonte: Jornal do Brasil, 06/10/76
22
Monografia feita sobre os fotógrafos Lambe-Lambes de Belo Horizonte (MG)
23
Artigo feito sobre os fotógrafos Lambe-Lambes de Porto Alegre (RS)
24
Depois de mais de 150 anos da sua invenção, os fotógrafos de praça do Nordeste brasileiro garantem a
sobrevivência do calótipo, ou talbótico, técnica fotográfica desenvolvida no mesmo ano da daguerretotipia
(1839) e o primeiro processo que permitia a obtenção de uma cópia a partir de um negativo.
25
Site da internet: <http://ofoco.natalrn.net/Lambe.htm>, acesso em 08/05/2003.
77
Se nos dicionários o termo Lambe-Lambe é definido como fotógrafos ambulantes, o
profissional que atua nos lugares públicos se considera um
“artista que não deu certo”
(depoimento de um Lambe-Lambe publicado no jornal O Globo, 14/07/86),
apesar de muito
valorizado pelas classes populares ao longo da história. O termo Lambe-Lambe não é bem
aceito pela maioria dos profissionais da fotografia ambulante:
“Este nome tem que mudar. Quem lambia os negativos, dando
origem ao apelido, eram os velhos, quase todos portugueses. Hoje,
ninguém mais faz isso. Se alguém pergunta se sou lambe-lambe
respondo que sou apenas um fotógrafo.” (depoimento de um Lambe-
Lambe publicado no jornal O Globo, 14/07/86)
Muitos fotógrafos ambulantes não gostam da denominação popular que caracteriza
estes profissionais, considerando-a um termo depreciativo e pejorativo, quase que uma ofensa
à sua profissão. A resistência ao uso do termo Lambe-Lambe é muito grande, sendo a
denominação fotógrafo de jardim bastante utilizada no meio profissional destes fotógrafos :
“Sou um retratista de classe - diz orgulhoso. Um fotógrafo pra
ninguém botar defeito. saí em reportagem, até na televisão. Mas
não gosto muito não porque vocês dão logo o nome de lambe-lambe.
Eu sou fotógrafo de jardim, não sou lambe-lambe.” (depoimento de
um Lambe-Lambe publicado no jornal O Globo, 05/04/76)
Porém, com a crescente valorização da importância histórica e cultural desse
tradicional saber-fazer, e que será objeto de análise no capítulo 4, muitos fotógrafos que não
gostavam de serem chamados de Lambe-Lambes reavaliaram o significado do termo
característico que identifica esse profissional:
“Inclusive essa história de lambe-lambe, eu, na época de jovem,
assim [quando] comecei a trabalhar, eu não gostava desse termo de
“lambe-lambe” não. Eu odiava o termo “lambe-lambe”...Hoje é o
contrário, eu sinto orgulho. Faz parte da história, né?” (depoimento
do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Wagner do Parque Municipal /
Belo Horizonte em 09/04/2002)
78
2.2.1 Período áureo de um ofício
As primeiras referências escritas sobre o surgimento destes profissionais no Brasil
26
,
são os anúncios de uma empresa americana sediada em Nova York (L. Lascelle).
Publicados na revista Fon-Fon de 17 de maio de 1911, estes anúncios ofereciam
máquinas fotográficas que possibilitavam revelações instantâneas, ressaltando as vantagens
financeiras da profissão de fotógrafo ambulante (
“... podemos auxilial-o o accumular
dinheiro...”
)
e exaltando as diversas possibilidades de atuação deste profissional:
“Pode trabalhar onde e quando quizer.”
“Agradaria-lhe emprehender uma viagem, podendo combinar o
trabalho ao divertimento, hospedar-se nos melhores hotéis ...”
“Pode trabalhar nas feiras, logares de diversoes, esquinas de ruas
concorridas ...”
O processo fotográfico destas primeiras máquinas anunciadas no Brasil baseava-se no
ferrótipo
27
, permitindo gerar fotografias em diferentes formatos:
26
Fonte: FRÓES, L. (1978)
Figuras 16 e 17: Anúncios de câmeras para fotógrafos ambulantes publicados pela Revista Fon-Fon em 1911.
79
“... maravilhosa e nova machina photografica com a qual poderá
photografar e revelar instantâneamente seis diferentes retratos,
inclusive photo-botões, cartões postaes e quatro estylos de ferrotypos.
Todas as chapas são reveladas sem o uso de pellículas ou
negativos...”
A rapidez na obtenção das fotografias
( ... e em um minuto após a exposição, ficam
promptas para serem entregues aos seus fregueses.
), e a facilidade no manuseio
(“Instruções
simples acompanham a cada equipamento...”; “Não necessita experiencia. Cada aparelho é
acompanhado de instruções muito claras.”
), incentivou a grande procura por estas máquinas
fotográficas.
É interessante observar que os dizeres em destaque nesses anúncios do ano de 1911,
“GANHE $ 200 POR MEZ - E SEJA SEU PRÓPRIO PATRÃO” (figura 16) e “$ 400 POR
MEZ - TRABALHAE POR SUA CONTA” (figura 17), ressaltam o lucro financeiro dessa
profissão e a questão desse ofício ser um trabalho autônomo, referências que no final da
década de 1990 ainda aparecem com muita força no imaginário dos Lambe-Lambes,
conforme observou Segala (1999) no seu trabalho sobre os fotógrafos da cidade de Aparecida
do Norte (SP):
“Ser “dono do tempo de trabalho”, “largar de ter salário”, de
“ganhar miséria” são justificativas correntes para a escolha do
ofício...” (Segala, 1999:32)
Os primeiros fotógrafos ambulantes a atuar no Brasil eram em sua grande maioria
imigrantes, trazendo as máquinas fotográficas que usavam dos seus países de origem. A
profissão de fotógrafo ambulante se ajustava perfeitamente ao espírito aventureiro que
motivava a imigração para continentes e países distantes e desconhecidos. O Brasil, tanto
pelas condições sócio-econômicas do início do século, quanto pelo estímulo governamental
dado à imigração, atraía um enorme número de aventureiros em busca de um futuro melhor.
27
O interesse de reduzir os custos da fotografia gerou o desenvolvimento de duas variações técnicas de
processamento fotográfico: o ambrótipo em 1852, e o ferrótipo em 1853. Ambos os processos geram
diretamente imagens em positivo, e foram basicamente utilizados como técnicas mais baratas na obtenção de
retratos. No ambrótipo, bastante popular até 1880, uma chapa de vidro é posicionada sobre um tecido preto
(veludo), cartão preto ou verniz escuro, enquanto no ferrótipo, processo mais econômico e rápido, é usada uma
chapa de metal esmaltada de preto ou marrom escuro.
80
Nos anos 30, a política nacionalista e as reformas sociais e trabalhistas da Era Vargas
estimularam a migração interna e o êxodo rural no país. Sucedendo aos imigrantes, uma
geração de fotógrafos Lambe-Lambes brasileiros, principalmente migrantes nordestinos ao
longo dos anos 1940 e 1950, começou a substituir os primeiros fotógrafos ambulantes
estrangeiros que se estabeleceram no Rio de Janeiro.
O fotógrafo Lambe-Lambe é detentor de um saber-fazer que se preserva e se transmite
oralmente através das diferentes gerações:
“ Com o tempo vai se acabando tudo, a gente mesmo se
acaba, fica velho, vêm os filhos no lugar.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado no Jornal O
Globo, 05/07/80)
.
A forte tradição familiar do ofício é embasada por referências e elementos que se
utilizam da oralidade na sua transmissão através das gerações:
“ O meu tio trabalhava nisso. Ele foi um dos primeiros lambe-lambes
daqui da praça São João. Foi com ele que eu aprendi a manejar com
a câmera ” (Avillez, Martinez, Santiago & Silva, 1994:26)
“O meu sogro trabalhava aqui. Eu era rapazinho e ele me ensinou a
profissão. E fiquei.” (Wolff, 1990:607)
O Lambe-Lambe Sílvio Tavares Resende reforça a questão da tradição familiar e da
transmissão oral do ofício da fotografia ambulante. Aprendeu a profissão com um tio, que
trabalhava na mesma praça em que ainda atuava em 1993, a Serzedelo Corrêa, em
Copacabana :
“Comecei como ajudante do meu tio. Fui aprendendo tudo e quando ele se aposentou,
ocupei o seu lugar.” (O Globo, 1993)
Através da transmissão oral, o aprendizado desta profissão, se inicia com os ajudantes
dos fotógrafos, que, auxiliando nas atividades de montagem do equipamento e nas etapas do
processamento fotográfico, aos poucos são introduzidos nos segredos da arte da fotografia de
jardim. Estes ajudantes, são em sua maioria, menores de idade e possuem uma relação de
parentesco com os fotógrafos. Enquanto auxiliam as atividades dos lambe-lambes, estes
“discípulos” desfrutam dos ensinamentos do “mestre”, ajudando na formação dos futuros
profissionais e mantendo toda uma tradição familiar. Um exemplo da amplitude dessa relação
familiar de aprendizado profissional foi citada em reportagem jornalística de 1976, mostrando
que o Lambe-Lambe José Manuel dos Santos percorria as ruas e praças de Salvador
acompanhado de dois filhos, três sobrinhos e um cunhado.
28
O ofício dos fotógrafos artesãos
28
Fonte: Jornal do Brasil, 07/09/76.
81
é ensinado de maneira empírica e intuitiva. O fotógrafo Lambe-Lambe Jorge Luiz Gomes
Fraga estimulava os filhos a acompanharem o seu trabalho na praça da Matriz, em São João
do Meriti, muitas vezes deixando o seu filho de quatorze anos em seu lugar, comprovando que
o aprendizado e o aperfeiçoamento destes futuros profissionais eram feitos na prática, através
da experiência do dia-a-dia.
29
A melhor maneira de se dominar uma técnica é testá-la.” (O
Globo, 28/11/86).
A força da transmissão oral e familiar presente no ofício do Lambe-Lambe aparece de
maneira bastante marcante na família Teodósio da Silva, migrantes nordestinos que se
estabelecem profissionalmente no Rio de Janeiro:
“Este é o caso da família Teodósio da Silva de Alagoas, de Monteiro,
interior da Paraíba. O irmão mais velho da família, José, aos
sábados se deslocava da roça para a cidade e ficava observando os
retratistas (...) José aprendeu o ofício e veio para o Rio, trazendo
mais sete irmãos aos quais ensinou a profissão, que por sua vez
passaram o conhecimento aos filhos.” (Tribuna da Imprensa,
31/03/88).
Nos depoimentos orais dos irmãos Jorge, Pedro e Inácio Teodósio da Silva, membros
da tradicional família de fotógrafos Lambe-Lambes do interior da Paraíba que migram para o
Rio de Janeiro na década de 50 para atuar como fotógrafos Lambe-Lambes no Rio de Janeiro,
podemos comprovar a força da tradição familiar que caracteriza este ofício:
“Essa profissão eu comecei através de um irmão, que foi o primeiro
(...) Depois que ele aprendeu, eu aprendi, depois que eu aprendi, este
outro aprendeu, depois o outro. (...) Sei que a família toda aprendeu
isso...” (depoimento de Jorge em 07/04/2001)
.
“Eu comecei nesta profissão por motivo que um irmão mais velho (...)
na minha cidade, tendo a chance que ele sabia, aprendeu e passou
pra mim o segredo...” (depoimento de Pedro em 06/04/2001)
“... o Pedro foi o meu mestre (...) aprendi com o Pedro no Largo do
Machado e dali eu fui prosperando ...” (depoimento de Inácio em
25/01/2002)
29
Fonte: O Dia, 07/02/88.
82
Nas últimas décadas do século XX, tanto para as antigas como para as novas gerações,
a preservação da tradição familiar aparecia como um dos grandes alicerces da resistência
destes profissionais:
... João Ferreira, 16, um dos mais novos a exercer a atividade. Ele
começou há três anos, aprendeu com um irmão mais velho, ... de
quem ganhou o equipamento.”
... e está preparando o seu filho Erli, 17, para prosseguir o seu
trabalho.”
... apesar da dificuldade e da decadência do serviço não pretende
ver a sua arte extinta : filhos, e até netos, são treinados para o
ofício.”
(O Globo, 14/07/86)
O depoimento do Lambe-Lambe Wagner, filho de um fotógrafo que atuava no Parque
Municipal em Belo Horizonte, exemplifica a dimensão simbólica e afetiva da vivência das
diferentes gerações de uma mesma família em torno da transmissão de uma prática
profissional:
“Eu nasci aqui em Belo Horizonte mesmo. Estou com quarenta e nove
anos e a minha vida praticamente foi aqui no Parque, porque tenho
trinta e sete anos ininterruptos de profissão, e também, pode-se dizer
que eu “nasci” dentro de uma máquina fotográfica, não é? Porque
desde pequenininho, junto com o pai aí, trabalhando, aprendi a
profissão muito novo: aprendi com onze anos. E desde então, não
parei mais. Então, são trinta e sete anos ininterruptos. Ah, o pai me
trazia… Antes de eu entrar para a escola, o pai já me trazia para cá.
Desde pequenininho. Eu comecei como auxiliar, fui aprendendo,
sempre com aquela curiosidade, aquela vontade de aprender. Na
época, era máquina lambe-lambe; o dia em que eu dei altura naquela
máquina ali, o pai falou assim: “Bate uma chapa ali do Fulano”.
Bati. Daí em diante, estava no sangue: não tinha mais como parar
não. O dia em que deu altura na máquina lá, ele me ensinou o básico,
daí em diante eu descambei mesmo. Não teve como parar.”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Wagner do Parque
Municipal / Belo Horizonte em 09/04/2002)
83
Em 1993 no bairro de Copacabana, o fotógrafo ambulante José Faustino da Costa era
um exemplo que contrariava a questão do aprendizado do ofício dentro de uma tradição
familiar. Interessado pela profissão de fotógrafo, aprendeu o ofício fazendo amizade com um
Lambe-Lambe que atuava na praça Serzedelo Corrêa desde 1929
30
. No caso de Francisco
Víctor Cavalcanti
31
, que atuou como Lambe-Lambe até o fim dos anos 1990 no Largo do
Machado e hoje é pastor evangélico, o aprendizado e a iniciação profissional também não
aconteceu por força de uma tradição familiar. Nascido em 1926 na cidade de Itabaiana, no
interior do Estado da Paraíba, Francisco aprende a profissão de fotógrafo Lambe-Lambe
apenas quando chega ao Rio de Janeiro em 1946. Assim como aconteceu com José Faustino,
foi um amigo que trabalhava como fotógrafo na praça Serzedelo Correia, em Copacabana,
que ensinou os segredos deste ofício para Francisco.
Principalmente até os anos 1970, pela grande procura pelos serviços profissionais dos
fotógrafos Lambe-Lambes, era muito comum que esses empregassem ajudantes, e que em
muitas das vezes se transformavam em aprendizes e iniciantes na arte desse tradicional ofício.
“Cheguei a ter três ajudantes. Tinha um só pra lavar o retrato, cortar
e entregar, tinha um pra ajeitar gravata, paletó, essas coisas, e o
outro pra segurar o freguês, que era muitos fregueses que tinha.”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Sr. Augusto da Praça da
Estação / Belo Horizonte em 28/02/2002)
“O Zizi morava perto da minha casa, no bairro Pirajá. Então ele me
chamou pra ajudar aqui pra lavar retrato pra ele. eu vim, me
adaptei e gostei.(...) comecei a trabalhar no parque eu tinha dez anos
de idade, dez pra onze anos, não tinha completado onze anos ainda,
aprendi a mexer com fotografia com o Zizi, o falecido Zizi, e continuei
aqui no Parque e tal, Eu trabalhei de ajudante com ele… Eu trabalhei
muitos anos com ele. Até adquirir uma certa idade… Até aos 15 ou 16
anos, nessa faixa. E com ele eu aprendi a fazer as fotografias preto-e-
brancas. Eu lembro até qual foto, a primeira foto que eu bati, e onde
que eu bati a primeira foto aqui no Parque.” (depoimento do
fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Chico Manco do Parque Municipal /
Belo Horizonte em 12/03/2002)
30
Fonte: O Globo, 13/09/93.
31
Entrevistado em 05 de fevereiro de 2002.
84
Apesar da transmissão do ofício, no interior ou fora do grupo familiar, ocorrer
predominantemente entre indivíduos do sexo masculino, existem algumas referências sobre
mulheres que aprenderam e exerceram essa profissão, questão abordada pelo Lambe-Lambe
Bernardo Lobo que atua há mais de cinquenta anos no Jardim do Méier no Rio de Janeiro:
“Conheci três irmãs. Aqui no Rio, ali na Praça de Madureira, duas
irmãs, e a outra irmã trabalhava numa igreja em Inhaúma. A família
era toda de fotógrafos e elas aprenderam com os irmãos. (...) As
primeiras mulheres que eu vi foram elas.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Bernardo Soares Lobo em 12/07/2006)
No projeto da socióloga Glória Amarante desenvolvido com fotógrafos Lambe-
Lambes de Belo Horizonte, apareceram duas referências sobre a participação feminina no
ofício no Parque Municipal. Além de entrevistar um Lambe-Lambe que ensinou a prática
fotográfica para as suas filhas -
“...minhas filhas todas elas são fotógrafas, sabem trabalhar, mas
não trabalham, não exercem a função não.” (depoimento do Senhor Xavier em 22/03/2002)
- a
pesquisadora também localizou uma fotógrafa em atuação na praça que acaba por aprender o
ofício, após a separação do seu primeiro marido, durante a convivência marital
32
com um
Lambe-Lambe, assumindo definitivamente o ponto de trabalho depois da morte deste:
“...conheci um fotógrafo daqui e passei a conviver com ele, ele me
ajudando né, ele era separado da esposa… E passei a vir ajudar. Ele
até nem queria aceitar não, sabe? Falou que eu podia ficar em casa,
que ele cuidava de tudo, mas eu achei assim que era uma… uma
desconsideração, né, deixar que ele trate de cinco filhos sozinho?
Filhos que não eram dele? Passei a vir ajuda-lo, sabe? E numa época
como era o real lambe-lambe, eu lavava as fotos, cortava, secava,
entregava… Ainda ele fazia oito fotos, eu vendia duas. E aquelas duas
que eu vendia era uma “intera” boa pra mim. Mas ele decidiu me
ensinar, eu tive uma certa dificuldade em aprender; mas quando eu
aprendi, gostei né? (depoimento da fotógrafa Lambe-Lambe Dona
Zita do Parque Municipal / Belo Horizonte em 08/03/2002)
32
“pessoas não casadas, que demonstrem a convivência duradoura, pública e contínua, com o
objetivo de constituição de família, nos termos da lei civil;” In:
<http://www.ipib.org/download/conv_marital.pdf>, acesso em 1404/2008.
85
A cultura material relacionada à atividade do Lambe-Lambe caracteriza um importante
parâmetro na análise deste profissional, principalmente a máquina fotográfica apoiada sobre
um tripé que utilizam, conhecida como máquina-caixote ou máquina-caixão:
“A máquina me
completa.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro Teodósio da Silva em 16/08/2006) .
Se na sua origem a máquina fotográfica utilizada pelos fotógrafos ambulantes
utilizavam a técnica do ferrótipo (uma chapa de metal que produz imagens diretamente em
positivo), com o passar do tempo diferentes tecnologias fotográficas são incorporadas nas
rotinas profissionais dos Lambe-Lambes, refletindo nessas mudanças a própria evolução
tecnológica na trajetória histórica da fotografia. Na práticas profissionais dos Lambe-Lambes
ao longo do século XX o ferrótipo acaba sucesssivamente sendo substituído por técnicas
fotográficas que utilizam negativos de papel (remetendo à técnica do calótipo
33
), negativos de
vidro (remetendo à técnica do colódio seco
34
), e negativos em película de gelatina e em
rolos
35
.
Um dos primeiros nomes, relacionados à confecção de máquinas para fotógrafos
ambulantes no Brasil, é o de Francisco Bernardi (Kossoy, 1974), fabricante italiano de
equipamentos e acessórios fotográficos, que chega de Bolonha em 1913, fixando-se em São
Paulo e depois no Rio de Janeiro.
36
Após dois anos de pesquisa, desenvolve um caixote de
madeira em forma de cubo, com uma lente adaptada em uma de suas faces. No seu interior,
dois compartimentos funcionam como tanques para revelação e fixação das fotografias.
Acoplado à máquina-caixão um pano preto protege da luz do sol o interior da câmera
33
Em 1839, no mesmo ano do surgimento do daguerreótipo, técnica que marca a origem da fotografia, William
Henry Fox Talbot apresenta no Royal Institucion of Great Britain um processo fotográfico baseado no sistema de
negativo/positivo, denominado calótipo (ou talbótico), possibilitando que através de um negativo de papel fosse
possível gerar uma quantidade ilimitada de cópias positivas, ao contrário do daguerreótipo que produzia uma
única imagem em positivo.
34
Em outubro de 1847 o físico francês Claude Félix Abel Niépce de Saint-Victor, primo de Niéphore Niépce,
anuncia na Academia de Ciências Francesas um novo método no processo fotográfico em que usava chapas de
vidro revestidas de uma emulsão de nitrato de prata. Os primeiros negativos em vidro são utilizados em 1848. A
chapa de vidro era exposta ainda úmida e deveria ser revelada antes de secar, explicando a denominação deste
processo como “chapa úmida” (ou colódio úmido), pois os negativos deveriam ser sensibilizados, expostos,
revelados e fixados imediatamente enquanto estivessem ainda úmidos: O uso do colódio úmido para as chapas
e o papel albuminado para as pias se incumbiria de levar praticamente ao abandono dos processos
fotográficos anteriores do daguerreótipo e do negativo sobre papel.” (Kossoy, 1980:38). Na década de 1870
surge o colódio seco, processo fotográfico que utiliza chapas de vidro secas.
35
A partir das décadas de 1880/1890 os negativos em chapas de vidro foram gradativamente sendo substituídos
por emulsões à base de gelatina, que mantinham a sua alta sensibilidade mesmo depois de seca e que podiam ser
adaptadas em um suporte flexível, permitindo o surgimento dos filmes em rolo. Este novo filme iria tornar
possível o desenvolvimento de um novo tipo de câmera, simplificando o processo de produção fotográfica e
possibilitando o surgimento de fotógrafos amadores: em 1888 George Eastman lança a câmera Kodak,
inaugurando uma nova era na história da fotografia.
36
Fonte: Tribuna da Imprensa, 31/03/80.
86
fotográfica, permitindo que o fotógrafo manipule negativos e positivos na sua câmera
fotográfica e no seu mini-laboratório de revelação e ampliação. Além de vender estas
revolucionárias máquinas em território nacional, o próprio Francisco Bernadi, trabalhou como
fotógrafo nas praças e jardins públicos da cidade. No início de suas atividades, a maioria de
compradores de suas máquinas eram os imigrantes sírios, turcos, italianos e espanhóis, que
instalavam-se em locais públicos do Rio de Janeiro, ou percorriam as cidades do interior do
Brasil, fascinando seus habitantes com a possibilidade de serem fotografados. Vários destes
profissionais estabelecem-se nestas pequenas cidades , iniciando uma influência que explica a
grande quantidade de famílias que mantiveram viva a tradição deste ofício nas pequenas
cidades do interior.
Figura 18: Diagrama das máquinas utilizadas pelos fotógrafos Lambe-Lambes.
87
Portanto, a principal característica da máquina fotográfica Lambe-Lambe é funcionar
como câmera fotográfica e como um mini-laboratório de revelação de negativos e cópias
fotográficas positivas em seu interior:
“Essa máquina é uma coisa muito simples, não tem muito mistério
não, sabe? É um caixote, um pano preto ali, de um lado tem um
depósito de filme, do outro tem um depósito de papel, tem um
Figura 19: Diagrama do interior da máquina fotográfica utilizada pelo Lambe-Lambe.
88
tanquezinho por baixo da máquina assim, com o revelador, o fixador;
na frente do caixotinho é a lente, onde a gente aperta e bate a chapa
da pessoa, queima ali a fisionomia da pessoa no filme…”
(depoimento da fotógrafa Lambe-Lambe Dona Zita do Parque
Municipal / Belo Horizonte em 08/03/2002)
Por não possuirem o recurso de ampliação fotográfica, é o tamanho dos negativos
colocados nos chassis escamoteáveis das máquinas Lambe-Lambes que define os diferentes
formatos de retratos possíveis de serem produzidos. Após bater uma fotografia, o negativo é
banhado nos dois recipientes metálicos com líquidos de revelação e de fixação da imagem.
Um pequeno buraco aberto na parte superior da máquina-caixão transforma a mini-câmara
escura em câmera solar possibilitando obter as cópias positivas simplesmente por contato
direto com a luz solar entre o negativo e o papel fotográfico. Depois disso o papel fotográfico
passa novamente pelas banheiras de revelação e fixação, e a fotografia é entregue ao freguês
após um último banho em uma balde com água na parte externa da máquina.
Figura 20: detalhe de uma lente fotográfica objetiva fixada em um fole que se ajusta para definir o foco da imagem.
89
Figuras 21 até 26: visão lateral, traseira e superior
da posição do recipiente para líquidos de revelação e
fixação na máquina Lambe-
Lambe (figuras 21, 22 e 23) e visão das suas diversas partes e componentes:
banheiras e pinças de manipulação de negativos e cópias positivas.
Figuras 27 e 28: visão do interior da máquina Lambe-Lambe com a lente objetiva no centro e nas laterais os locais de
armazenamento do estoque de negativos e de papéis para cópias positivas (fechados na figura 27 e abertos na figura 28)
Figuras 29,
30 e 31: chassis escamoteáveis para negativos posicionados na frente das lentes objetivas no interior
de máquinas Lambe-
Lambes e detalhe de um chassi para utilização de negativos em rolos com guilhotina para
cortar no tamanho da fotografia desejada (figura 31)
90
Figuras 38, 39, e 40: prancha de revelação de cópias por contato direto entre negativo e papel positi
vo
através da luz solar no formato 3x4 cm (aberta e fechada respectivamente nas figuras 38 e 39)
Figuras 36 e 37: exemplos de obturadores / disparadores -
mecanismos que controlam o tempo de exposição
de luz em um negativo muita
s vezes adaptados em bombas de plástico que são acionadas manualmente no
tempo correto pelo conhecimento empírico do fotógrafo Lambe-Lambe
.
91
No Brasil existem diversos registros de profissionais que se dedicaram exclusivamente
à produção artesanal de máquinas fotográficas utilizadas pelos Lambe-Lambes
37
. Porém, é
bastante expressiva a quantidade de Lambe-Lambes que confeccionam e aperfeiçoam as suas
próprias máquinas, justificando assim a denominação de fotógrafos artesãos:
“O segredo está na máquina, quase sempre fabricada pelo próprio
retratista.” (Jornal do Brasil - 07/09/76)
“A minha máquina, que eu mesmo fiz há 14 anos, tem, além da
câmera propriamente dita, uma caixa para fazer as revelações, que
precisa de revelador e fixador.” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe José Faustino no jornal O Globo, 13/09/93)
“Mas essa máquina que esse moço trabalha com ela lá no Parque, fui
eu quem fez. A que meu irmão trabalhava com ela também, fui eu
quem fez. E outras máquinas que eu fiz e vendi pro interior, fotógrafo
do interior veio e me comprou. E fora máquinas que eu reformava
pra colegas; A lente a gente comprava.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe aposentado Senhor Isaac Requejo do Parque
Municipal em 30/01/2002)
37
SEGALA, Lygia. (org.). Fotógrafos de romaria: a memória do milagre e a lembrança da festa. Rio de Janeiro:
FUNARTE/CNFCP, 1999.
Figuras 41, 42, 43 e 44: a tradicional máquina do tipo caixote/caixão é a principal
referência da cultura material relacionada ao ofício dos fotógrafos Lambe-Lambes.
92
A câmera dos fotógrafos Lambe-Lambes acompanha a trajetória da carreira destes
profissionais, e muitas vezes são utilizadas ao longo de gerações, passadas de pai para filho na
forte tradição familiar que caracteriza o ofício. O caso do Lambe-Lambe Sílvio Tavares
Resende, que em 1993 atuava na Praça Serzedelo Corrêa, em Copacabana, exemplifica muito
bem esta tradição familiar, herdando a máquina fotográfica de um tio, o mestre que lhe
ensinou o ofício:
“A máquina que uso até hoje era dele e foi tão bem feita que não me
problemas.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Sílvio
Tavares Resende publicado no jornal O Globo, 13/09/93).
Geralmente pintadas e enfeitadas com cores fortes para atrair a atenção dos clientes,
nas suas laterais são fixadas amostras do trabalho do Lambe-Lambe, funcionando como
vitrines que através de mini-exposições divulgam a qualidade e o tipo de serviços oferecidos.
O mostruário nas laterais da máquina-caixão são compostos de fotos esquecidas pelos clientes
ou sobras de antigos trabalhos. Através destas mini-exposições, percebemos que atualmente o
retrato para documentos ainda é o tipo de serviço que garante o sustento do Lambe-Lambe,
compondo a maioria das fotografias expostas ao público atualmente.
Figura 45: As laterais das máquinas fotográficas dos Lambe-
Lambes são utilizadas para expor o
trabalho destes profissionais.
93
Acoplado à máquina-caixão um pano preto, por vezes substituído por um velho casaco
ou jaqueta, protege da luz do sol o interior da câmera fotográfica e permite que o fotógrafo
manipule e visualize o seu mini-laboratório de revelação. Outros elementos relacionados à
cultura material do ofício do Lambe-Lambe podem ser considerados rústicos, arcaicos e até
exóticos, se comparados aos modernos e sofisticados acessórios e equipamentos utilizados no
processamento fotográfico deste início de milênio. Nas praças das cidades as referências
materiais da atividade do Lambe-Lambe denunciam a presença destes profissionais, que
transformam os lugares públicos em laboratórios e estúdios fotográficos:
“Longe dos estúdios,
os lambe-lambes apropriavam-se do espaço público para fins privados ...” (Sevcenko (org.),
1998:467)
. Baldes com água auxiliam o processo de lavagem dos negativos e das fotografias
reveladas. Pente, espelho, terno e gravata são oferecidos aos fregueses, enquanto fogareiros à
álcool, improvisados em pequenas latas, são utilizados para acelerar o processo de secagem
dos negativos e positivos.
Quando não moram nas proximidades de seus locais de trabalho, os Lambe-Lambes
guardam no final do dia os seus equipamentos e acessórios nos fundos de lojas e
estabelecimentos comerciais das proximidades, na maioria das vezes por favor de seus
proprietários. Por estar mais de cinqüenta anos atuando no Jardim do Méier (RJ), através
de um acordo informal com funcionários da prefeitura o fotógrafo Bernardo Lobo utiliza um
depósito abaixo do coreto da praça guardar o seu equipamento. Soluções criativas são muito
Figuras 46, 47 e 48: Baldes com água (figuras 46 e 47) auxilia
m na lavagem final das cópias positivas. Uma
lata com álcool transforma-se em um fogareiro que ajuda no processo de secagem dos retratos (figura 48).
94
utilizadas para facilitar o transporte do material profissional, sendo muito comum encontrar
cadeiras para os fotografados que se transformam em pequenas carretas com rodas.
As recordações dos antigos Lambe-Lambes, dos tempos em que a sua profissão ainda
estava no auge, nos remete a um período em que os passeios nos jardins e praças ainda eram
os programas familiares preferidos da população:
“As famílias se arrumavam todas e vinham fazer retratos comigo”
(depoimento de um Lambe-Lambe publicado no jornal Estado de São
Paulo, 03/08/79).
As praças estavam sempre muito movimentadas, com famílias fazendo pic-nics e
crianças brincando nos balanços e escorregas. Casais de namorados contemplavam os
chafarizes, e as bandas de música nos coretos transformavam estes locais públicos em grandes
bailes ao ar livre.
Transformando os espaços públicos das cidades em estúdios fotográficos, o Lambe-
Lambe acumula as funções de fotógrafo, iluminador e técnico de laboratório. A luz do sol é
utilizada com criatividade e sensibilidade para substituir os refletores e rebatedores que não
possuem. Conforme o desejo da pessoa fotografada, suas fotos podem ter como fundo a
neutralidade dos painéis usados nos retratos para documentos, ou incorporar os elementos
arquitetônicos e urbanísticos existentes nas praças públicas e no entorno de onde atuam:
“Depois de fazer compras, a família resolveu dar um passeio pelo
Jardim da Luz, quando foi abordada por um fotógrafo. Ele os perfilou
diante da objetiva, tendo por fundo a herma de Garibaldi.” (Sevcenko
(org.), 1998:467)
Figuras 49 e 50: Registro fotográfico da produção dos retratos para documentos.
95
A relação da população do Rio de Janeiro com a fotografia nas praças públicas mudou
significativamente ao longo do século XX. A procura pelos fotógrafos ambulantes,
principalmente na primeira metade deste século, quando as câmeras portáteis de uso amador e
familiar ainda não eram significativamente acessíveis na sociedade brasileira, era marcada
pelo desejo do registro dos momentos de lazer e divertimento:
“Deslocando-se pelas praças e jardins das cidades, esses fotógrafos
despojados de um aparato sofisticado tinham como freguesia
preferencial as famílias de classe média e trabalhadores que se
serviam desses espaços de lazer.” (Sevcenko (org.), 1998:467).
O hábito da fotografia que o Lambe-Lambe possibilitava para uma grande parte das
classes populares estava relacionado eventos e datas festivas. A fotografia era a lembrança
mais forte e marcante para registrar os momentos de alegria e felicidade:
“Naquela época - lembra - o trabalho era muito e de qualidade com
gente fazendo até fila para tirar uma foto.(...) No carnaval, então,
nem se fala, fantasiados vinham até o centro da cidade e paravam por
aqui fazendo dezenas e dezenas de fotografias.” (depoimentos de
Lambe-Lambes publicados no jornal Estado de São Paulo, 03/08/79)
“Era carnaval, gente fantasiada. Fazia fila.. Hoje, no carnaval eu não
trabalho mais.(...) Namorado? Antigamente, eu tirava muito retrato
de namorado, sim. Vinha aqui, eu tirava e eles iam todos satisfeitos.
Hoje não tem muito não. Vejo passar muitos, mas eles não tiram mais
Figuras 51 e 52: Imagens que registram o momento do ato fotográfico nos nos retratos postais
96
retratos.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado em Wolff,
1990:607)
Muitas praças, nas grandes e médias cidades brasileiras, podem ser consideradas como
verdadeiras ilhas bucólicas, cercadas pelo caos urbano. O Lambe-Lambe compõe
harmonicamente este cenário, com seu ofício artesanal e quase pré-tecnológico. A relação do
fotógrafo ambulante com a comunidade e com a praça em que atua expressa bem a
importância deste personagem na história de sua cidade. Bastante popular, relaciona-se com
seus freqüentadores: os aposentados, as crianças com as mães e babás, e os funcionários das
redondezas nos seus horários de descanso.
A tradição oral e familiar, que caracteriza a transmissão de seu ofício, aparece
novamente, quando se analisa o papel do Lambe-Lambe, um observador privilegiado das
mudanças em razão do crescimento e do desenvolvimento das cidades. Esta experiência é
transmitida através da mesma herança familiar que preserva a profissão. A cidade que o
antigo Lambe-Lambe conheceu, permanece viva nas lembranças dos fotógrafos mais jovens,
através da oralidade e de velhas fotografias de um tempo que não conheceu. O fotógrafo
ambulante, trabalhando na mesma praça ao longo dos anos, torna-se testemunha das
mudanças que o tempo e o progresso impõem à cidade e seus habitantes:
Essa cidade mudou muito. Essa praça (...) Aquele viaduto ali, não
existia. Uma parte aqui era tudo barro. (...) Naquele chafariz ali, tirei
muito retrato. (...) Ele tava na praça da Bandeira, esse chafariz.
Depois, trouxeram pra cá.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado em Wolff, 1990:607)
No período áureo da profissão de Lambe-Lambe as praças, parque e largos públicos
das cidades brasileiras transformaram-se em palcos de disputa pela ocupação dos melhores
locais de atuação pelos fotógrafos, surgindo a necessidade de se disciplinar e regulamentar a
utilização desses espaços através de legislações municipais, que definiam o número máximo
de fotógrafos e a localização destes no espaço publico ocupado. A partir do cadastramento
dos fotógrafos autorizados, as licenças eram renovadas através do pagamento de taxas anuais,
e em muitos municípios, no caso da morte ou de aposentadoria de um profissional, priorizava-
se a transferência do ponto de atuação para os seus herdeiros:
“... como Manoel Mamed, que
herdou do pai o ponto.” (Jornal o Estado de São Paulo, de 03/08/1979)
. Porém, nas últimas
97
décadas do século XX em muitas cidades as prefeituras apenas renovavam as licenças
existentes
38
não fornecendo autorizações para a atuação de novos fotógrafos Lambe-Lambes:
“Aí hoje é o seguinte: nós estamos na praças, hoje trabalhando os
fotógrafos, mas hoje a maioria dos fotógrafos não estão mais nas
praças, exatamente por causa das mudanças de Prefeitura, e esse
lado ficou muito desprezado, eles não dão mais atenção. Às vezes, até
as licenças eles impedem de ser renovadas. E com isso, a gente está
largando essas artes de fotografia, certo? Trabalhando pouco né,
procurando outros ramos.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe
Senhor João Gomes da Praça Primeiro de Maio / Belo Horizonte em
29/04/2002)
Em Belo Horizonte também acabou revogada a transferência por herança dos pontos
de Lambe-Lambes aposentados ou falecidos:
“se morresse o homem, podia o filho dele ocupar o lugar. Se não
tivesse filho, a mulher podia ocupar o lugar, inclusive pôr um homem
para trabalhar no lugar dela, para a manutenção da família. (...).
Acabou agora, pouco tempo, [durou] muito tempo.” (depoimento
do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Camargo do Parque Municipal /
Belo Horizonte em 19/03/2002)
“Porque agora, antigamente ainda tinha o poder da herança, se
morria o marido, ficava pra mulher; agora, é outra lei. Agora
acabou.... tem uns quatro ou cinco anos. Por exemplo, a hora que
eu morrer, meus filhos, ninguém mais pode ficar, baixa.”
(depoimento da fotógrafa Lambe-Lambe Dona Zita do Parque
Municipal / Belo Horizonte em 08/03/2002)
Por conta dessas exigências legais, muitos Lambe-Lambes, principalmente no início
de suas carreiras, como ocorreu com Inácio Teodósio da Silva e Francisco Victor Cavalcante
no Largo do Machado, enfrentavam problemas trabalhando na ilegalidade pela falta de
licenciamento:
38
Jornal O Globo de 05/07/1980
98
“Eu comecei em 1961 à trabalhar, defendendo uns trocados
ilegalmente, eu não tinha licença, então era uma confusão eu com os
rapas, o rapa chegava e queria levar tudo ...” (depoimento de
Inácio em 25/01/2002)
“... o fotógrafo, o seu Elias, que morava aqui, me denunciou, porque
ele não queria que outro fotógrafo concorresse com ele. Então um
senhor que era fiscal da Guarda Municipal na época (...) ele foi
com muita educação (...) ele disse: “Você tirou uma fotografia
agora (...) então o senhor termina a sua fotografia, guarda a sua
máquina e o senhor procura tirar a sua licença”. (depoimento de
Francisco em 05/02/2002)
Devido à forte concorrência profissional, em muitas praças de diferentes cidades
foram estabelecidos rodízios semanais dos fotógrafos Lambe-Lambes entre os diferentes
locais de atuação. Em um artigo sobre os Lambe-Lambes que atuavam no Jardim da Luz, em
São Paulo, Persichetti (1981) registrou relatos sobre a prática de rodízio semanal entre os
pontos de localização pelos fotógrafos na praça. Franco (2004) aborda e documenta em sua
pesquisa o Decreto Municipal 59 da prefeitura de Belo Horizonte, de 29 de novembro de
1935, que regulamentou o licenciamento dos fotógrafos Lambe-Lambes e definiu um sistema
de rodízio semanal entre os melhores pontos do Parque Municipal:
“Era rotativo. Toda segunda-feira mudava. Um atrás do outro, até
todo mundo passar pelo bom… eu ocupava o ponto com a autorização
do parque, de acordo com a lei, do sistema de rodízio, toda a
segunda-feira trocando, e respeitando o ponto com limpeza, zelando
pelo gramado, zelando pelo bem-estar do trabalho, aquela coisa
toda.”(depoimento do Lambe-Lambe aposentado Sr. Severino Pereira
dos Santos do Parque Municipal / Belo Horizonte em 19/12/2001)
O grande número de fotógrafos que atuavam em um mesmo espaço público também
contribuía para a necessidade de se fazer um rodízio entre os profissionais, conforme relatado
pelo Lambe-Lambe Moacir da Costa Paz da Praça do Pacificador no município de Duque de
Caxias (RJ):
99
“No início dos anos 60, relembra ele, o número de lambe-lambes era
“tão grande que formávamos duas turmas de 30. Uma trabalhava
num dia, a outra no dia seguinte”.” (jornal O Estado de São Paulo,
em 03/08/79)
No município do Rio de Janeiro o órgão da prefeitura responsável pelo cadastramento,
regulamentação e licenciamento dos fotógrafos Lambe-Lambes é a Fundação Parques e
Jardins (antigo Departamento de Parques e Jardins). Diferente do que ocorre em outros
Estados, a prática do rodízio nos espaços públicos entre os Lambe-Lambes não foi verificada
de maneira muito recorrente na cidade do Rio de Janeiro:
“A praça Saens Peña, no coração da Tijuca, é uma das áreas de
maior concentração de lambe-lambes na cidade. São sete, todos com
ponto fixo, junto à parada dos ônibus ou às lojas de maior
movimento.” (Jornal O Globo de 14/07/1986)
Uma mudança do local de atuação de Pedro Teodósio da Silva no Largo do Machado,
por exemplo, aconteceu depois de três décadas ocupando o mesmo ponto por causa da
instalação no local de um quiosque para a venda de flores:
... até que anos depois ... eu saí ... fui obrigado a sair ... eu tive
que sair ...o quiosque ficou muito perto. Inclusive eu fiz um
requerimento para Fundação Parques e Jardins pedindo revisão, mas
não fui bem sucedido, senão teriam feito a revisão e eu ficaria no meu
lugar. Meu ponto seria lá! Devo ter ficado ali aproximadamente uns
trinta anos, até esse ano que chegou o quiosque ...” (depoimento de
Pedro em 10/12/2001)
100
Apesar da característica de atuarem em espaços públicos específicos, principalmente
nos grandes centros urbanos, muitos fotógrafos Lambe-Lambes assumem a característica de
itinerantes e ambulantes em períodos sazonais do calendário de eventos familiares, festivos e
cívicos, trabalhando nas proximidades de escolas no período de matrícula de alunos, perto de
repartições que emitem tulos eleitorais nos períodos próximos de eleições, nas festas de
religiosas ou folclóricas nas pequenas cidades e comunidades das cidades do interior, e em
batizados, noivados, casamentos e até velórios. Muito comum é o relato dos Lambe-Lambes
de serem muito solicitados para fotografar empregados e funcionários no cadastramento de
empresas, fábricas, indústrias, instituições militares e canteiros de obras, estaleiros e alguns
eram inclusive chamados para registrar presos no interior das instituições penitenciárias:
“Eu já´estive dentro do presídio da Frei Caneca pra fazer fichário
dos presos”. (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Manoel
Medeiros de Souza do Jardim São João / Niterói em 04/07/2000)
Resgatando a tradição de mobilidade que marcou o surgimento e a origem dos
primeiros fotógrafos ambulantes no século XIX, popularizando o acesso à fotografia fora do
estúdios sofisticados estúdios fotográficos, o Lambe-Lambe Senhor Wagner de Belo-
Figuras 53 e 54: licenças com autorizações municipais de 1962 e de 1996 determinando o Largo do Machado
como área de atuação do fotógrafo Lambe-
Lambe Pedro Teodósio da Silva. No verso da licença de 1962 está
registrado que
“... o fotógrafo é responsável por qualquer dano que por ventura venha se verificar no referido
local ocasionado pelo exercício de sua profissão...”.
101
Horizonte relembra no seu depoimento os períodos de itinerância pelas pequenas cidades
mineiras durante os períodos festivos e nas datas religiosas de Minas Gerais:
“Jubileu de Congonhas, Conceição do Serro, Água Suja, ia com meu
pai, acompanhava. Armava aquelas barracas e ficava lá dez, quinze
dias, e voltava “recheado”, ganhava dinheiro demais! Um tempo
maravilhoso. Onde entra também a figura do fotógrafo, aquela magia,
aquela auréola toda que o fotógrafo tinha, entendeu? Aquela parte
carismática: chegava um fotógrafo na cidade, era um espetáculo,
porque todo mundo queria ser fotografado, queria ver o fotógrafo, e
guardava o dinheirinho para quando tivesse o jubileu tirar as fotos…
Uma época áurea.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor
Wagner do Parque Municipal / Belo Horizonte em 09/04/2002)
2.2.2 Período de dificuldades de um ofício
A segunda metade do século XX irá caracterizar uma fase de grandes dificuldades no
campo de trabalho dos fotógrafos Lambe-Lambes. O surgimento e o desenvolvimento de
novas tecnologias fotográficas, além de importantes mudanças estruturais no contexto sócio-
econômico do cenário nacional, alteraram de maneira significativa a atuação desses
profissionais, ameaçando a sobrevivência deste ofício neste início de milênio:
“Nossa profissão
vai acabar aos poucos.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado no jornal O Globo, 13/09/93)
O Lambe-Lambe representa atualmente uma classe profissional anacrônica. A
discrepância tecnológica do processo fotográfico que envolve o seu ofício permite situá-los
em uma categoria quase que artesanal, verdadeiros artesãos de rostos, se compararmos os
seus procedimentos técnicos com a informatização e a digitalização que dominam o mercado
fotográfico neste século XXI. Nos locais onde encontramos o Lambe-Lambe em atuação, é
impossível não recordar de um Rio de Janeiro que existe na memória de sua população
mais antiga, uma cidade distante do barulho, da poluição e da violência urbana que o
progresso gerou.
Na verdade, a tecnologia que permeia a atividade profissional dos Lambe-Lambes
poderia ser considerada ultrapassada pelo grande desenvolvimento que ocorre no campo
fotográfico após a II Guerra Mundial. Na segunda metade do século XX, o acelerado
desenvolvimento no campo tecnológico e científico mundial revoluciona o mercado da
102
indústria do processamento fotográfico, que rapidamente incorpora as novas conquistas
eletrônicas, mecânicas e óticas.
No Rio de Janeiro, no inícío dos anos 50, o trabalho dos Lambe-Lambes foi afetado
pela concorrência de pequenos estúdios fotográficos. Estes pequenos estúdios transformaram-
se como uma opção economicamente mais acessível na concorrência com os sofisticados e
elegantes estúdios fotográficos, frequentados em sua maior parte pela elite social. A
proliferação destes pequenos estúdios na cidade, bastante utilizados pela classe média,
diminui a procura pelos retratos para documentos e pelas fotografias posadas (foto-postais)
nos Lambe-Lambes. Os fotógrafos Lambe-Lambe, porém, ainda ofereciam a vantagem de
fornecer as fotografias em poucos minutos (vinte minutos em média) e com preços mais
baixos, enquanto que nos estúdios era necessário aguardar o prazo de um a dois dias para a
entrega dos retratos.
No Brasil, os anos 60 são marcados pela crescente difusão no mercado fotográfico das
câmeras portáteis automáticas, tornando-se cada vez mais acessível a um grande número de
pessoas. Isto possibilitou, nos anos 70, que toda família pudesse adquirir a sua própria
máquina fotográfica. A imensa popularização das câmeras portáteis reduziu ainda mais a
procura pelos retratos postais (retratos posados / retratos descontraídos) dos Lambe-Lambes
nas praças, jardins e largos públicos da cidade:
“Com essa excessiva fabricação de máquinas, ninguém mais contrata
nossos serviços.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado no
jornal O Globo, 11/03/74)
“Hoje você compra uma Xereta, bate e pronto.” (depoimento de um
Lambe-Lambe publicado em Fróes, 1978:14)
“Todo mundo foi comprando a sua “maquininha” e fazendo os seus
retratos e mandando revelar seus filmes e por afora, diminuindo a
quase nada a nossa frequesia.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado no jornal O Estado de São Paulo, 03/08/79).
A principal reclamação dos fotógrafos Lambe-Lambes ao longo da década de 70 era o
grande número de turistas que possuiam as suas próprias câmeras fotográficas:
“A derrota do fotógrafo de rua foram essas máquinas vendidas a três
por dois, nas lojas. Quem sai para um passeio leva a sua. Não
103
necessita da gente.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado no
jornal O Globo, 11/03/74).
A sobrevivência dos Lambe-Lambes ficava cada vez mais restrita aos retratos para
documentos:
“Mas agora - explica - a gente não faz quase nada a não ser uns
retratos para documentos que ainda são o que nos garantem um
dinheirinho mais gordo no final do dia.” (depoimento de um Lambe-
Lambe publicado no jornal O Estado de São Paulo, 03/08/79)
“Hoje raramente aparece alguém que deseja posar, como
antigamente, usando a praça como cenário. O pessoal me procura
mais por causa dos documentos.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado no jornal O Globo, 05/06/88)
No início dos anos 70, começam a aparecer no mercado nacional as primeiras cabines
com máquinas automáticas, instaladas inicialmente em algumas poucas lojas de
departamentos e estabelecimentos comerciais das cidades (como a Mesbla, as Lojas
Brasileiras, as Lojas Americanas e a Slooper). No início dos anos 80, estas máquinas
automáticas irão se multiplicar, aperfeiçoando cada vez mais os seus recursos e a sua
qualidade técnica, possibilitando, inclusive, a obtenção de fotos coloridas em diversos
formatos. O pequeno tempo necessário para se revelar uma fotografia nestas cabines
automáticas, cerca de três a cinco minutos, acaba com a grande vantagem dos Lambe-Lambes
em relação aos estúdios fotográficos, que era a de entregar as fotografias em poucos minutos:
“Agora todo mundo corre para aquelas máquinas automáticas, que
tiram fotos coloridas com uma enorme rapidez. A época boa para ser
lambe-lambe passou. Agora quem tira fotos em nossas máquinas
faz mais por curiosidade.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado no jornal O Globo, 13/09/93)
A predominância das cabines automáticas no mercado fotográfico nacional substitui o
tradicional pregão olha o passarinho dos Lambe-Lambes pela frieza da frase não se mexe,
não pisca!, repetida mecanicamente pelos operadores destas máquinas. A praticidade das
cabines automáticas se insere perfeitamente no contexto, no ritmo e na velocidade das grandes
104
cidades urbanas, em perfeita sintonia com uma cultura de fast-foods, caixas eletrônicos de
bancos, e de serviços e produtos automatizados.
Como a tradicional máquina-caixote dos fotógrafos Lambe-Lambes não possibilita,
tecnicamente, que sejam revelados negativos e positivos coloridos, a necessidade de
sobrevivência profissional em um mercado que valoriza as fotografias coloridas obrigou o
Lambe-Lambe a recorrer a diversos artifícios, com o objetivo de conseguir superar as
limitações técnicas de seu equipamento fotográfico.
No Brasil, os Lambe-Lambes que ainda resistiam no final dos anos 1990 e no início do
século XXI nas praças blicas do Rio de Janeiro começam a utilizar máquinas do tipo
Polaroid adaptadas com lentes múltiplas, que possibilitam a obtenção, ao mesmo tempo, de
seis fotografias no formato 3x4 em uma única chapa.
Este serviço oferecido atende exclusivamente às necessidades de fotografias coloridas
para documentos neste formato. Estas máquinas Polaroids são exatamente as mesmas
Figura 55: A tradicional máquina-caixote (à esquerda) dos Lambe-
Lambes sobrevivem ao lado de
máquinas do tipo Polaroid (à direita), que possibilitam obter retratos coloridos.
105
utilizadas nesse período em lojas de materiais fotográficos, como a Deplá e a Fuji,
competindo com o serviço oferecido pelas cabines automáticas. Muitas das antigas máquinas-
caixão acabam sendo usadas apenas como forma de atrair a atenção dos possíveis fregueses,
posicionadas ao lado das modernas Polaroids. Em algumas praças de cidades brasileiras
atualmente, porém, os fotógrafos ambulantes utilizam as máquinas Polaroids, não sendo
mais possível encontrar as tradicionais máquinas-caixote, apesar dos altos custos do material
fotográfico utilizado pela máquina do tipo Polaroid:
“E eu substituí a máquina tripé pela Polaroid. Mas a Polaroid é
uma máquina muito dispendiosa, o filme é muito caro.” (depoimento
da fotógrafa Lambe-Lambe Dona Zita do Parque Municipal / Belo
Horizonte em 08/03/2002)
Sem abandonar a tradicional máquina fotográfica Lambe-Lambe. desde 2006 o
fotógrafo Lambe-Lambe Bernardo Soares Lobo, do Jardim do Méier no Rio de Janeiro, utiliza
uma máquina digital da Polaroid com impressora embutida para suprir a demanda e a procura
de retratos coloridos para documentos no formato 3x4, um equipamento que hoje também é
utilizado por lojas especializadas de fotografia.
106
Além do fotógrafo Lambe-Lambe, diversos grupos, agentes e atores sociais se
apropriam do espaço público e urbano com diferentes finalidades e objetivos, relacionados ao
lazer, ao trabalho, à sobrevivência, à habitação, e aos diversos hábitos e tradições de
sociabilidades da vida social urbana e cotidiana. Neste trabalho o fotógrafo Lambe-Lambe foi
definido como uma importante e estratégica testemunha dos processos de construção de
memórias sociais, coletivas e individuais, e dos mecanismos de regulações e de delimitações
de fronteiras identitárias.
As lembranças e as imagens produzidas pelos fotógrafos Lambe-Lambes ao longo do
século XX são importantes e estratégicos registros documentais, que podem em muito
contribuir para a compreensão de determinados aspectos da vida social cotidiana de nossas
cidades. Nesse sentido, a relevância deste tema pode ser pode ser justificada pelo fato do
fotógrafo Lambe-Lambe se constituir como um dos exemplos de trabalhos acadêmicos e
científicos sobre
“... casos onde inexistem levantamentos anteriores criteriosamente
conduzidos, onde nada ou quase nada tem sido pesquisado, onde
praticamente não existe bibliografia específica sobre o tema, quando
tudo está por fazer.” (Kossoy, 2001:57)
A escolha por este grupo profissional se definiu pela própria função social deste ofício,
que no espaço público registra fotograficamente um determinado espaço e tempo social. O
próprio olhar do fotógrafo Lambe-Lambe sobre a realidade social pode ser considerado como
um ponto referencial, epistemologicamente único e diferente sobre a vida cotidiana:
“A gente
Figuras 56 até 61: além da tradicional máquina Lambe-
Lambe (figura 56), no Jardim do Méier o
fotógrafo Bernardo Lobo utili
za uma moderna câmera digital com impressora embutida para obter
retratos coloridos para documentos.
107
enxerga de outra maneira que o leigo (...) ser fotógrafo é uma diferença de visão.” (depoimento de um
Lambe-Lambe in: Segala (org), 1999:31)
.
O fotógrafo Lambe-Lambe pode, então, ser valorizado como um importante elo entre a
cidade e o cidadão, um observador privilegiado da relação entre o espaço social e a
diversidade de grupos sociais que habitam o cenário urbano, um cronista visual dos processos
de construção da auto-imagem, da auto-representação e da auto-identificação imagética de
indivíduos e de grupos de indivíduos.
A resistência dos fotógrafos Lambe-Lambes nas praças públicas, perpetuam uma
tradição que sobrevive em um ambiente de grandes mudanças estruturais, sociais e culturais.
Uma profissão que ainda tenta se manter útil no moderno cenário das grandes cidades,
transformando-se em uma relíquia que resiste à força evolutiva, e destrutiva, da modernidade.
Diante de todas as dificuldades que os fotógrafos Lambe-Lambes enfrentam, as novas
gerações parecem desestimuladas em preservar a força da tradição familiar que sempre
caracterizou este saber-fazer. Em sua grande maioria, os profissionais que encontramos
Figura 34: O fotógrafo Lambe-
Lambe é um cronista visual e uma testemunha dos
processos de interação social que acontecem nos espaços públicos.
108
trabalhando nos espaços públicos das cidades pertencem às antigas gerações, e provavelmente
serão os últimos representantes deste tradiconal ofício que hoje se encontra em vias de
extinção:
“... mais alguns anos e nós seremos peça de museu.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado em Avillez; Martinez; Santiago & Silva, 1994:27)
Na década de 1960 era possível encontrar fotógrafos Lambe-Lambes em praticamente
todos os bairros do município do Rio de Janeiro, questão que se altera profundamente no final
da segunda metade do século XX.
Em 1988, segundo dados estatísticos do Departamento de Parques e Jardins
39
, do total
de 1027 praças do município do Rio de Janeiro, em apenas poucas dezenas destes espaços
existiam 54 fotógrafos Lambe-Lambes em atividade.
Um panorama sobre as décadas de 1970, 1980 e 1990 foi fornecido por pesquisas
realizadas em jornais, revistas e nas escassas referências bibliográficas sobre os fotógrafos
Lambe-Lambes, permitindo traçar a amplitude e a abrangência dos locais de atuação destes
profissionais na cidade do Rio de Janeiro, conforme podemos constatar através da tabela
abaixo:
Local de atuação do fotógrafo Lambe-Lambe Bairro
Bangú
Praça das Nações Bonsucesso
Praça Dr. Raul Boaventura Campo Grande
Largo da Carioca Centro
Passeio Público Centro
Praça da República (Campo de Santana) Centro
Praça Tiradentes Centro
Praça XV de Novembro Centro
Praça do Lido Copacabana
Praça Serzedelo Correia Copacabana
Praça Edmundo Bittencourt Copacabana (Bairro Peixoto)
Praça General Osório Ipanema
Praça Nossa Senhora da Paz Ipanema
Largo do Machado Largo do Machado
Praça Antero de Quental Leblon
Praça do Patriarca Madureira
Praça Montese Marechal Hermes
Praça XV de Novembro Marechal Hermes
Jardim do Méier Méier
Praça Marechal Maurício Cardoso Olaria
Avenida Ribeiro Dantas Padre Miguel
Praça Dom Romualdo Santa Cruz
Feira de São Cristóvão São Cristóvão
Quinta da Boa Vista São Cristóvão
39
Fonte: Tribuna da Imprensa, 31/03/88
109
Praça Saenz Peña Tijuca
Praça Sete de Setembro Vila Isabel
Praça Varnhagen Vila Isabel
O número de fotógrafos Lambe-Lambes em atuação no município do Rio de Janeiro
diminuiu de forma muito acelerada no final da década de 1990. Como exemplo deste fato
podemos citar o que ocorreu na Zona Sul da cidade. Em 1998 existiam quatro locais onde
ainda encontrávamos este profissional: no Largo do Machado, na praça Serzedelo Correia
(Copacabana), na praça General Osório (Ipanema) e na praça Antero de Quental (Leblon).
Apenas dois anos depois, no ano de 2000, os únicos Lambe-Lambes que ainda resistiam na
Zona Sul da cidade se encontravam no Largo do Machado.
Atualmente os fotógrafos Lambe-Lambes que ainda atuam com suas tradicionais
“máquinas-caixote” no município do Rio de Janeiro estão concentrados em apenas dois
espaços públicos do município: no Largo do Machado
40
e no Jardim do Méier
41
40
No Largo do Machado atuam os irmãos Jorge, Pedro e Paulo Teodósio da Silva
41
No Jardim do Méier atua o fotógrafo Bernardo Lobo
110
3 NARRATIVAS ORAIS E NARRATIVAS VISUAIS
EM TORNO DE UMA PRÁTICA CULTURAL
111
Nesta parte do trabalho, as narrativas orais e histórias de vida dos fotógrafos Lambe-
Lambes, e as narrativas visuais das fotografias obtidas por esses profissionais, serão utilizadas
como fontes estratégicas de informação, na pretensão de se entender os múltiplos aspectos
envolvidos em torno dessa prática cultural que hoje se encontra em vias de extinção.
No capítulo 3.1, a partir de um quadro teórico que reflete sobre os modos de vida no
ambiente urbano e o caráter inter-relacional entre memória, identidade (nas suas dimensões
sociais, coletivas e/ou individuais), e espaço (nos seus aspectos sociais, territoriais e/ou
afetivos), poderemos ter uma base conceitual para analisar os depoimentos e as observações
empíricas realizadas no trabalho de campo.
O retrato fotográfico, tipologia fotográfica produzida pelos Lambe-Lambes, será o
principal objeto de análise e de reflexão no capítulo 3.2 desse trabalho. A principal estratégia
de abordagem será estruturada por uma análise que realiza uma aproximação crítica e
epistemológica entre os retratos produzidos pelos Lambe-Lambes e os retratos de família. A
bibliografia aqui utilizada será fundamentalmente composta por autores que se preocupam
com os interesses e ideologias que se conjugam com a produção e os usos sociais de acervos
imagéticos familiares e privados (tanto fotografia, como por analogia, os filmes de família).
3.1 O fotógrafo Lambe-Lambe e a praça: usos sociais do espaço público
Em um texto de 1916, Park (1987) define a cidade como um produto da natureza
humana, ou seja, um corpo organizado de costumes, tradições, sentimentos e atitudes, uma
construção artificial que reflete um estado de espírito. Segundo o autor, várias abordagens
reflexivas foram estruturadas com o objetivo de compreender o funcionamento das
comunidades urbanas. Estudos geográficos e estudos ecológicos (Ecologia Humana)
desenvolveram diversos quadros teóricos e metodológicos no sentido de investigar a
organização de indivíduos, de grupos e de instituições no ambiente urbanos. Porém, como
destaca Park,
“... a cidade não é apenas uma unidade geográfica e ecológica; ao
mesmo tempo, é uma unidade econômica. A organização econômica
da cidade baseia-se na divisão do trabalho. A multiplicação de
ocupações e profissões dentro dos limites da população urbana é um
dos mais notáveis e menos entendidos aspectos da vida citadina
moderna.” (Park, 1987:27)
112
Sobre este aspecto, Park (1987:38) sugere um interessante roteiro investigativo sobre
grupos vocacionais, ofícios e profissões, formulando perguntas e hipóteses que serviriam de
base para uma pesquisa empírica nos ambientes urbanos. Segundo esta perspectiva apontada
pelo autor, um estudo reflexivo sobre o papel social do ofício dos fotógrafos Lambe-Lambes,
uma profissão pouco abordada e analisada em trabalhos acadêmicos e científicos, pode
contribuir para uma melhor entendimento de alguns aspectos organizacionais do espaço
urbano.
A Ecologia Humana percebe a cidade como um ambiente de grande competição entre
indivíduos e grupos, e um aspecto que exemplifica essa questão da concorrência e das
disputas urbanas é o plano profissional e econômico. Park (1987) afirma que a amplitude e a
divisão do trabalho está ligada à extensão do mercado existente, e certas atividades
econômicas e profissões que podem se desenvolver nas grandes cidades, chegando mesmo
a observar que
“...qualquer vocação, mesmo a de mendigo, tende a assumir o caráter de
profissão...” (Park, 1987:38)
. Hannerz (1980) também mostra como novos tipos sociais, e
principalmente, novas divisões profissionais surgem no ambiente urbano.
Diversas profissões e atividades, relacionadas a um período quase que pré-tecnológico,
e que ainda sobrevivem no moderno cenário das grandes cidades, nos remetem ao romantismo
das recordações do passado. Cada vez que cruzamos com o Lambe-Lambe, o burro-sem-
rabo, o homem do periquito que tira a sorte, e o amolador de facas, a força da tradição e da
história de nossa cidade invade a correria e a agitação do dia-a-dia, reforçando a saudade e a
lembrança de um tempo distante da poluição e da sociedade de consumo massificada.
Transformaram-se em relíquias que sobrevivem à chegada do século XXI.
Participam desta recordação do passado alguns sons e vozes, e que como ecos do
passado estimulam lembranças da memória da cidade. O funileiro, anunciando os seus
serviços, a música do amolador de facas e tesouras, e o ritmo dos baleiros com seus
instrumentos de percussão improvisados. Com seus carrinhos e tabuleiros, garrafeiros,
quitandeiros e baleiros gritam os seus jargões pessoais para atrair a atenção da frequesia. O
tradicional pregão olha o passarinho do Lambe-Lambe ainda pode ser ouvido nas praças e
largos públicos neste final de século, apesar da concorrência gerada pelo desenvolvimento
tecnológico da indústria fotográfica.
Os Lambe-Lambes, atuando nos lugares públicos da cidade, resgatam e cristalizam
uma imagem de um Rio de Janeiro antigo, uma cidade mais humana e tranqüila, distante da
violência e do caos urbano. Através da análise das profissões e dos profissionais que
oferecem seus serviços a uma determinada sociedade, podemos compreender o seu povo e a
113
sua cultura. Alguns destes ofícios e serviços profissionais oferecidos tornam-se ultrapassados,
atropelados pela dinâmica da cultura tecnológica que caracteriza o mundo atual. Antigos
profissionais das mais diversas áreas ainda sobrevivem nas ruas do Rio de Janeiro,
impregnando o presente com elementos do passado que ainda resistem através de suas
atividades. Enquanto os seus serviços ainda forem úteis à sociedade, mesmo restritos a
pequenas parcelas sociais e geográficas, a condição de existência destes profissionais estará
garantida. O Lambe-Lambe, o amolador de facas, o burro-sem-rabo e o homem-do-periquito
ainda habitam as ruas da cidade, personagens que funcionam como elos entre o passado e o
presente destes espaços públicos urbanos.
3.1.1 O espaço como fator explicativo da decadência de um ofício
“Mudou bastante. Tudo se
modificou. O local e tudo se
modificou.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Jorge Teodósio da
Silva)
Halbwachs (1979) relaciona os interesses da Escola de Chicago ao grande crescimento
urbano que atingia as cidades, transformando-as através de trabalhos empíricos em grandes
laboratórios de estudo da vida e da organização social que se estruturavam nesses espaços. A
preocupação estava centrada principalmente na questão da ocupação do território urbano,
permitindo uma análise reflexiva sobre o funcionamento espacial das cidades com a entrada
em cena de novos tipos sociais. Como afirma Hannerz (1980), a sociologia urbana se
desenvolve a partir da necessidade do entendimento de novas formas de interação social e
cultural que surgem no moderno ambiente urbano e industrial das grandes cidades.
Em um texto escrito em 1938, Wirth (1987) analisa o crescimento das cidades e o
surgimento de uma sociedade eminentemente urbana, afetando e alterando a vida social. A
cidade é um espaço ocupado por indivíduos heterogêneos, e o cientista social deve se
preocupar com as formas de ação e de organização social que se estruturam nesse espaço.
Hannerz (1980) refletindo sobre uma sociologia do espaço proposta pelo pensamento
da Ecologia Humana, diz que a cidade abriga uma grande variedade e diversidade de grupos
em um mesmo território geográfico, e a ordenação espacial no meio urbano deve ser
explicada pela competição entre indivíduos, grupos e instituições. Para a Ecologia Humana,
114
os conceitos de competição, de dominância, de simbiose e de sucessão são fatores
explicativos da coexistência e das concorrências nas metrópoles. Sob essa perspectiva de
análise, a competição por espaço é a grande força reguladora que opera no ambiente urbano,
possibilitando com o estudo da distribuição de grupos no espaço urbano uma melhor
compreensão de fenômenos comportamentais e culturais nas cidades. A crítica de Hannerz
sobre a Ecologia Humana está baseada no pressuposto de que as relações entre grupos e
indivíduos não são baseadas apenas em questões de disputas, competições e de
compartilhamento territorial. Apesar de uma tendência explicativa determinista e
funcionalista de aspectos sociais, a opção por utilizar aqui nesse capítulo autores alinhados
com a Escola de Chicago e com o pensamento da Ecologia Humana foi feita pela
aproximação e pela possibilidade de articular os pressupostos teóricos e metodológicos dessa
vertente de pensamento sociológico sobre os ambientes urbanos das cidades com questões do
campo da moderna antropologia social e cultural, e que se explicitam principalmente pelo
conceito plural de cultura, pelo rigor etnográfico e pela preocupação com a perspectiva das
visões de mundo do “outro”:
“Os pontos de contato entre o discurso dos antropólogos e dos
sociólogos da Escola de Chicago são justamente a tendência à
investigação sistemática, o uso da etnografia, dos diários de campo,
os estudos de caso e a relevância do chamado “ponto de vista dos
nativos” (antropologia) e “ponto de vista dos participante (na
sociologia)...”
42
Segundo Eufrásio (1999) a escola sociológica de Chicago foi um marco referencial
importante no desenvolvimento do campo da Sociologia Urbana, e a cidade passa a ser
interpretada como objeto de pesquisa e de reflexão. Nesse contexto a Ecologia Humana
consolidou estratégicas tradições metodológicas de pesquisa e teorias explicativas da estrutura
urbana, principalmente com os estudos de caso desenvolvidos por Park e Burgess nas décadas
de 1920 e 1930. A eficiência operacional de fatores explicativos ecológicos elucidam
diversos aspectos relacionados à divisão do trabalho e à competição e distribuição da
população no território, porém na dinâmica da estruturação urbana é importante considerar a
42
Ementa da disciplina Teoria Social III – Teorias da Cultura e da Cidade – ministrada por Márcia Contins e
Maria Josefina Gabriel Sant’Anna no PPCIS/UERJ em 2005.
115
influência das forças e dos processos sociais e econômicos, questões que não foram analisadas
pelas concepções da tradição sociológica da Ecologia Humana.
O trabalho com o fotógrafo Lambe-Lambe possibilita refletir sobre as relações sócio-
econômicas e as interações entre o espaço público e as diversas formas de usos, apropriações
e ocupações espaciais pelos diferentes agentes sociais. O enfoque de interesse está centrado
na compreensão da dinâmica das transformações no espaço das cidades, na medida em que
estas mudanças explicitam a mentalidade que estrutura e orienta a sociedade urbana. Os usos
sociais da cidade e as estratégias e táticas de ocupações cotidianas constroem e formatam as
culturas urbanas e as “culturas de rua”, re-inventando e re-organizando constantemente o
espaço público e a geografia urbana. O fotógrafo Lambe-Lambe é um observador privilegiado
dos processos de apropriação e do uso do espaço, e através de suas representações podemos
elaborar uma reflexão crítica sobre os processos de construção de memórias e os mecanismos
que regulam as fronteiras identitárias de grupos e indivíduos em um determinado espaço
urbano. Seus documentos fotográficos, possibilitando uma leitura crítica e diferenciada das
cidades e de seus habitantes, podem contribuir para ampliar as tradicionais fontes
documentais de pesquisa e estudo sobre o espaço urbano.
A apropriação e a organização material do espaço público são referências que refletem
as atividades, as práticas e as representações sociais e culturais de uma determinada
comunidade:
“A apropriação do espaço examina a maneira pela qual o espaço é
ocupado por objetos (casas, fábricas, ruas etc...), atividades (usos da
terra), indivíduos, classes e outros grupos sociais. A apropriação
sistematizada e institucionalizada pode envolver a produção de
formas territorialmente determinadas de solidariedade social.”
(Harvey, 1993: 202)
.
O espaço público abriga grupos sociais e institucionais que utilizam o território de
diversas formas e com diversas finalidades. Os diferentes grupos exercem diferentes
atividades no espaço público. A ocupação do território pode ser feita com interesses
relacionados ao lazer, ao trabalho, ao comércio ou à moradia.
A ordenação espacial reflete desta forma a lógica da dinâmica das representações
sociais e de seus valores e significados simbólicos, explicitando os diferentes usos, funções e
apropriações sociais dos espaços urbanos por diferentes grupos e comunidades, demonstrando
116
como
“...há espaços da rua que podem ser fechados ou apropriados por um grupo, categoria social
ou pessoas...” (Da Matta, 1984:11)
. Os fotógrafos Lambe-Lambes são um dos grupos sociais
que se instalaram nos espaços públicos com objetivos comerciais, transformando, ao longo do
século XX, as ruas, praças, parques e jardins da cidade em estúdios fotográficos, podendo-se
perceber a questão de que a
“...ocupação cotidiana de praças e largos para atividade de trabalho,
cujos melhores “pontos nos logradouros públicos - em torno de
equipamentos como chafarizes, trilhos, jardins ornamentais, etc... -
constituiam palco de disputas e conflitos.” (Frúgoli Jr, 1995:22)
.
As relações sociais, os hábitos e os costumes são re-estruturados no decorrer do
processo histórico. O testemunho do fotógrafo Lambe-Lambe e o olhar das suas fotografias
refletem a dinâmica transformadora e criativa da cultura urbana. O fotógrafo Lambe-Lambe
presenciou as mudanças nos fatores de sociabilidade e as transformações da mentalidade e do
comportamento social no espaço urbano
Refletindo sobre o espaço das cidades, Jeudy (1990) constata que
“...as praças e os
edifícios não formam apenas um cenário, a vida social se funde aos espaços onde se desenrola.”
(Jeudy, 1990: 107).
A praça, espaço nas cidades destinado à vida e à experiência coletiva e
social, e local onde se manifestam práticas e representações sociais, é o principal e o mais
tradicional espaço territorial ocupado pelo fotógrafo Lambe-Lambe, permitindo, com este
trabalho, uma maior reflexão sobre as mudanças no uso social destes espaços públicos no
decorrer do processo histórico, pois
“... a profissão passou pelos seus melhores momentos na
medida em que o uso das praças foi bastante intenso.” (Mazza, 1974: 5)
.
Simmel (1987), em um texto escrito originalmente em 1902, define a atitude blasé
como uma indiferença e uma impessoalidade que caracterizaria os indivíduos de uma
metrópole. Frente ao excesso de estímulos externos da vida moderna nas grandes cidades, a
postura blasé se constitui como um fenômeno psíquico que proporciona uma auto-defesa
mental do indivíduo, na medida em que a mente humana tem a capacidade de absorver e
processar uma quantidade limitada de estímulos.
Em contraste com o habitante do meio rural, o indivíduo que habita os grandes centros
urbanos se caracterizaria por uma maior reserva pessoal em relação aos demais citadinos e por
uma menor interação social:
117
“Como resultado dessa reserva, frequentemente nem sequer
conhecemos de vista aqueles que foram nossos vizinhos durante anos.
E é esta reserva que, aos olhos da gente da cidade pequena, nos faz
parecer frios e desalmados.” (Simmel, 1987:27)
A cidade moderna, segundo Park (1987) um laboratório de investigação do
comportamento coletivo e dos processos sociais, se caracteriza pela substituição das relações
diretas e primárias (contato face-a-face) por relações secundárias entre indivíduos. Percebe-
se, portanto, um enfraquecimento das relações íntimas e um caráter desintegrante da vida
urbana. As relações íntimas são substituídas por relações casuais e fortuitas, em um mosaico
de mundos e de diferentes modos de viver:
“Uma parcela bem grande das populações das cidades grandes, (...)
vivem em boa parte como as pessoas de algum grande hotel,
encontrando-se mas sem se conhecer uma às outras.” (Park: 1987,62)
Apoiado no pensamento de Simmel sobre a atitude blasé, Wirth (1987) também afirma
que a cidade se caracteriza mais por contatos secundários do que primários, e concluiu que o
urbanismo é uma forma de organização social marcada pelo enfraquecimento de laços
familiares, o desaparecimento da noção de vizinhança e a corrosão da sociabilidade social. A
superficialidade das relações urbanas leva Hannerz (1980) a apontar para uma característica
marcante dos espaços das grandes cidades:
“...people hardly know one another...” (Hannerz,
1980:25)
.
Atuando no campo reflexivo da Sociologia do Trabalho, Leite (1996) analisa os
surgimentos, transformações e desaparecimentos de atividades profissionais, econômicas e
produtivas, e ao longo do século XX, segundo Aued (1999), percebe-se um acelerado
processo de extinção de profissões e de profissionais provocado pela dinâmica transformadora
da vida social que afeta hábitos, costumes, atividades e modos de produção.
É inegável que o grande impacto do desenvolvimento tecnológico no campo
fotográfico, principalmente pelos avanços na segunda metade do século XX, repercutiu
negativamente no ofício dos fotógrafos Lambe-Lambes, gerando novas formas de
concorrência e diminuindo gradativamente o número de usuários que procuravam pelos seus
serviços profissionais. Novas tecnologias acarretam mudanças profundas em diferentes
campos profissionais -
“Todas as grandes descobertas técnicas são, sempre, origem de crises e
118
catástrofes. Os velhos ofícios desaparecem e surgem outros novos.”
(Freund, 1974)
e o saber-fazer
dos Lambe-Lambes também é afetado por novas formas de se registrar a visualidade do
mundo:
“A tecnologia foi a que mais desempregou gente. Agora é tudo
computador...a culpa do maior desemprego no Brasil foi a
tecnologia” (depoimento do fotoógrafo Lambe-Lambe Manoel
Medeiros de Souza do Jardim São João / Niterói (RJ) em 02/03/2005)
“A fotografia, para ganhar dinheiro, a profissional, está em
decadência. Porque a tecnologia está muito avançada, nós paramos
no tempo, nós não evoluímos e a própria informática está tomando o
nosso campo, todo mundo sabe fotografar hoje, então o fotógrafo
profissional está fadado ao fracasso, infelizmente... eu acredito que
essa fotografia, o fotógrafo profissional, ele vai acabar.” (depoimento
do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Wagner do Parque Municipal /
Belo Horizonte em 09/04/2002)
Nos relatos dos Lambe-Lambes podemos destacar como a popularização das câmeras
portáteis e, principalmente a proliferação das máquinas/cabines automáticas no cenário
nacional, afetaram de maneira trágica a procura por retratos postais e por retratos para
documentos:
“Logo começou a aparecer essas maquinazinhas simples, filme que
qualquer pessoa pode manuzear, qualquer pessoa sabe tirar
fotografia com as máquinas de hoje, né? Então isso foi tirando a
ênfase, aquela coisa da nossa profissão.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Francisco Victor Cavalcanti)
“... nós podemos ver o seguinte, até os turistas, até uns tempos atrás,
ninguém andava com uma maquininha na rua, todo mundo queria
tirar uma foto era no Lambe-Lambe mesmo, porque o aparelinho era
caro e as pessoas não tinham noção porque o aparelho era difícil (...)
o aparelho era difícil de mexer (...) começou à vir as concorrências
(...) foi gerando o afastamento da freguesia, então o povo, a freguesia
foi se afastando, foi se afastando, foi se afastando (...) as grandes
concorrências, porque os supermercados, as lojas, os postos de
gasolina começou a oferecer as fotos na hora (...) a gente ficava na
119
praça pra atender dois fregueses por dia, quatro fregueses, cinco
fregueses, isso não resolve o problema de uma família, não é?”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Inácio Teodósio da Silva)
O avanço tecnológico gera uma cultura de mercado que valoriza o consumo de
fotografias coloridas, impossíveis de serem obtidas através da tradicional máquina-caixão dos
fotógrafos Lambe-Lambes:
“Principalmente a fotografia colorida (...) porque quando surgiu a
fotografia colorida nós não nhamos condição de fazer foto
colorida.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe de Francisco
Victor Cavalcanti)
Porém, apenas o fator de defasagem tecnológica não é suficiente para explicar o
processo de dificuldades vivenciado pelo fotógrafo Lambe-Lambe nas últimas décadas do
século XX. Como foi visto no capítulo anterior, a utilização de máqinas Polaroids e digitais
pelos Lambe-Lambes foi uma tentativa, através da atualização técnológica, de conseguir
concorrer com as lojas e cabines fotográficas no campo dos retratos para documentos. Apesar
disso, o Lambe-Lambe não recuperou a freguesia perdida, demonstrando que deve haver uma
outra hipótese explicativa da decadência desse tradicional ofício.
Depoimentos dos fotógrafos Lambe-Lambes atestam que mudanças no
comportamento social, ao longo da segunda metade do século XX, foram responsáveis por re-
arranjos e re-articulações no uso social dos espaços públicos nas grandes cidades, alterando
hábitos, costumes e formas de lazer e de sociabilidade que se manifestavam nesses locais:
“Pra mim o lazer da praça acabou. Porque eu me lembro que os pais,
às tardezinhas, traziam os filhos, os meninos, as meninas prá brincar,
prá estar na praça. A praça era tranqüila, não tinha nenhum atropelo,
eles brincavam `a vontade. (...) Os meninos brincavam com areia,
brincavam de carrinho, brincavam de tricíclo, de bicicletinhas. O
povo conhecia, uns conheciam o outro. Hoje passa-se, atropela-se um
ao outro, ninguém sabe quem é ninguém (...) ninguém é nada para o
outro (...) tudo estranho agora ...” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Francisco Victor Cavalcanti)
120
Se Simmel, Park, Wirth e Hannerz analisam uma grande diferença comportamental
entre os habitantes do meio rural e do meio urbano (uma comparação feita sob a perspectiva
espacial), o fotógrafo Lambe-Lambe Francisco, ao longo dos cinqüenta anos de atividade no
Largo do Machado, percebe as mudanças no meio urbano pelo aspecto temporal no decorrer
da segunda metade do século XX:
“Eu morava numa vila, todo mundo me conhecia, me cumprimentava,
me dava atenção, trocávamos afetos. Hoje eu moro num edifício,
ninguém se conhece nem boa tarde nem boa dia. Moro trinta
anos no prédio e não conheço ninguém, não sei quem é quem. Na
praça aconteceu a mesmíssima coisa, fazendo uma comparação.”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Francisco Victor Cavalcanti)
O fotógrafo Lambe-Lambe Pedro da Silva Monteiro, que atua profissionalmente no
Jardim São João, em Niterói (RJ), também percebeu ao longo do tempo as sutis
transformações que incidiram sobre o espaço territorial e social, acarretando transformações
nos costumes locais:
“O que me recordo é que essa praça era bem diferente do que hoje é.
Era mais bem freqüentada. A praça São João era mais limpa e
bonita. As famílias vinham sempre à missa no horário da manhã, e
passeavam nos jardins, sentavam-se em bancos limpos, e as crianças
podiam brincar nos balanços sem serem perturbadas...e o chafariz
eram limpo. Eu me recordo que as senhoras estavam sempre bem
arrumadas, com seus vestidos domingueiros e acompanhadas dos
seus maridos de terno.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe
Pedro da Silva Monteiro)
Ao longo do tempo, o processo de desenvolvimento econômico altera uma série de valores,
hábitos e costumes. As estruturas econômicas e sociais passam desta maneira por
modificações, que por sua vez irão se refletir no grande dinamismo cultural que caracteriza a
sociedade contemporânea. Enquanto se processa o desenvolvimento dos grandes centros
urbanos, muitas de suas tradições vão sendo esquecidas e abandonadas, alterando-se hábitos e
costumes de sua população. Se no passado uma foto tirada no Lambe-Lambe da praça
marcava um momento especial, hoje em dia muitas pessoas sentem vergonha de se retratar
121
nestes espaços públicos, preferindo a maior privacidade que os estúdios, as lojas e as cabines
automáticas oferecem. A relação da população com os fotógrafos Lambe-Lambes nas praças,
largos e jardins da cidade, é analisada informalmente por estes profissionais, levando em
conta o comportamento social e psicológico dos habitantes do meio urbano:
... o progresso parece que inibiu as pessoas, apesar de aqui
pagarem mais barato que em um estúdio, parecem ter vergonha de
tirar uma foto em público.” (depoimento de um Lambe-Lambe
publicado no jornal O Diário de Notícias, 07/07/70)
Essa mudança de comportamento em relação ao hábito de se fotografar nas praças
aparece claramente nos depoimentos de duas representantes de diferentes gerações de uma
mesma família mãe e filha que utilizavam os serviços de fotógrafos Lambe-Lambes nas
primeiras décadas da segunda metade do século XX. Se para a mãe nos anos de 1950 e 1960 o
ritual fotográfico podia ser comparado a um evento festivo e especial
“Antigamente não tinha
esse negócio de vergonha não, tirar retrato na praça era uma distração, um divertimento”.
(depoimento de Maria Augusto Cozendey Pinto )
segundo a sua filha, a partir dos anos 1970, a
fotografia feita nos espaços públicos era motivo de constrangimento para ela e seus irmãos:
“Aí quando a gente começou a crescer a gente ficava com vergonha
de fotografar na praça, porque você fica fazendo aquela pose e todo
mundo olha. Depois que nós crescemos nós não quisemos mais tirar
retrato...aí parou-se de tirar no Lambe-Lambe.” (depoimento de
Laura Maria Cozendey Araújo)
Portanto, podemos identificar as mudanças nas formas de sociabilidade dos habitantes
das cidades como fatores que afetam os usos sociais destes espaços públicos, revelam
importantes e estratégicos aspectos explicativos da decadência do ofício do fotógrafo Lambe-
Lambe.
No cenário internacional a década de 1970 é marcada pelas dificuldades econômicas
geradas pelas crises do petróleo em 1973 e 1979, desestabilizando toda a economia mundial.
No Brasil, com o objetivo de neutralizar os efeitos desta crise, o governo promove ao longo
dos anos 80 políticas econômicas inflacionárias e recessivas, gerando graves desigualdades e
injustiças sociais, problemas que neste início do século XXI ainda não foram solucionados,
aumentando o nível de desemprego e de criminalidade:
122
“... a crescente onda de desemprego levou para as praças diversas
pessoas, que ali passam o dia e dormem, afastando as famílias que
costumavam utilizar os serviços dos fotógrafos ambulantes.” (Tribuna
da Imprensa, 31/03/88)
Modificações no contexto sócio-econômico foram responsáveis por uma profunda
mudança estrutural que afeta o papel social dos espaços públicos nas grandes cidades,
alterando hábitos, formas de sociabilidades e padrões de comportamento.
Nos depoimentos dos fotógrafos Lambe-Lambes, podemos perceber como as
dificuldades econômicas que o país enfrenta, principalmente a partir do final dos anos 70,
acabam gerando continuamente exclusões, marginalizações e graves desigualdades sociais.
Tal contexto se reflete em novas formas de apropriação das praças públicas, provocando um
re-ordenamento espacial com a entrada em cena de novos atores sociais:
“...aí também começou a ter um problema da vida financeira, desta
crise do país, né? (...) a mendicância fez a estadia deles lá.
Geraram o lar deles lá. começou a ficar difícil, o povo começou a
se afastar. Freguês, e mesmo o pessoal da praça mesmo, botaram as
crianças no carro e iam pra outro caminho (...) Porque? Por causa da
pertubação (...) violência (...) afastou ... a praça foi ficando um
deserto (...) a praça ficou esquisita, estranha ...” (depoimento
do
fotógrafo Lambe-Lambe
Inácio Teodósio da Silva)
“A respeito desta questão do lazer, já foi bem melhor, porque tinha
mais segurança, as crianças ficavam na praça brincando tranqüilas,
as pessoas de idade, eu lembro, os casais vinham se distrair, era um
lazer, como ainda hoje é, mas não é como antigamente, não tinha o
que tem hoje, não tinha a insegurança que tem hoje (...) antigamente
era tranqüilo, não tinha o que tem hoje ...” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Pedro Teodósio da Silva).
Os Lambe-Lambes do Rio de Janeiro sobrevivem nos anos 80 em uma cidade
invadida pela violência e a insegurança pública, frutos da desigualdade social que se agravou
com as dificuldades da economia nacional e a incapacidade política em resolver estes
problemas, afastando as pessoas das praças públicas:
“Tem gente que passou a ter medo de ficar
123
um minuto sentada na cadeira e acabar assaltada.” (depoimento de um Lambe-Lambe publicado no
jornal O Globo, 14/07/86).
Trabalhando há mais de 35 como Lambe-Lambe, o fotógrafo Sílvio Libério da Silveira
ressalta em sua fala como a sensação de falta de segurança no Jardim São João altera os usos
sociais desse tradicional espaço público de Niterói:
“Tem época que ela fica um pouco agitada, afasta um pouco o
pessoal daqui, quando ela fica numa situação crítica dos meninos
de rua, né...aí o povo é que fica afastado (...) A falta de segurança,
assalto...a cidade toda tem esse problema, isso é um problema
nacional, de vel nacional...” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Sílvio Libério da Silveira)
124
Com as mudanças ocorridas no contexto sócio-cultural, os usos do espaço público
passam a ter diferentes finalidades para os diferentes grupos sociais. A praça é cada vez mais
utilizada como espaço de estadia e de moradia provisória de uma crescente população carente,
e a sensação de insegurança gerada pela percepção de um aumento na criminalidade e da
violência urbana começa a alterar as formas de lazer nas cidades. Tal contexto aparece de
maneira bastante enfática no depoimento do Lambe-Lambe Manoel Medeiros de Souza sobre
a praça em que atua na cidade de Niterói:
“Muito mendigo e muita sujeira. Não é mendigo não, é vagabundo,
mais de cinqüenta. A maioria dorme também. (...) A coisa aqui
braba. Aqui eu já presenciei muito assalto...esses pivetes aí, que
metem a mão no bolso dos coroas, eu presenciei aqui...eu contei
mais de vinte, isso uns três anos atrás. Daquela turma,
mataram todos. Muitos pentearam o cabelo no meu espelho, tenho
Figuras 63, 64, 65 e 66: Podemos perceber através das narrativas orais dos fotógrafos Lambe-
Lambes, que as
desigualdades soci
ais em nosso país, gerando graves exclusões e marginalizações de diferentes grupos,
afetam as formas de sociabilidade e de lazer nos espaços públicos dos grandes centros urbanos, questões
exemplificadas nessas imagens do Largo do Machado em 2005.
125
retrato de uma porção deles aqui...mataram todos, foi mole não! Uma
pivetada, tudo de quatorze e doze anos.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Manoel Medeiros de Souza)
Os espaços públicos - ruas e praças - passam por um processo de degradação e geram
uma cultura urbana que privilegia o lazer nos espaços confinados, controlados e protegidos,
como os shoppings-centers e os condomínios fechados com suas infra-estruturas de serviços e
de divertimentos:
“... isso também mudou bastante. Até os anos 80 ficar na praça era
a mesma coisa que ficar numa noite de festa. Dava sete, oito, nove
horas da manhã, era babá, senhoras, madames com crianças, a praça
tava arrumadinha, balanços (...) as crianças com bicicletas, a
freqüência da praça era realmente muito gostosa (...) Mesmo que não
trabalhasse a gente queria de manhã cedinho, sete horas, estar na
praça (...) criaram muitos shoppings, muitos ambientes de muita
atração, e tirou das praças, então o pessoal não sente muita
necessidade de ir à praça, porque sai com criança e ele não vai na
praça, ele vai no shopping...” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Inácio Teodósio da Silva)
Figura 67: A imagem da área de brinquedos no Largo do Machado sem nenhuma criança
brincando, em uma manhã de sábado, pode ser vista como uma metáfora visual e simbólica das
mudanças e transformações no lazer, que segundo as representações dos fotógrafos Lambe-
Lambes,
afetaram este tradicional espaço público carioca.
126
Os medos urbanos e contemporâneos acabam alterando e re-ordenando o planejamento
espacial, influindo nos usos e nas apropriações destes espaços públicos das grandes cidades.
Amplia-se cada vez mais uma estrutura que privilegia e estimula a proliferação de
“...bairros
vigiados, espaços públicos com proteção cerrada e admissão controlada, guardas bem armados no
portão dos condomínios...” (Bauman, 1999: 55)
. O papel social da praça se transforma, e
conforme reflexão de Peixoto (1997), especificamente sobre a cidade do Rio de Janeiro, é nos
anos 80 que tal situação começa a predominar:
“Nos anos 1980, as praças e jardins do Rio ficaram abandonados por
longo tempo e pareciam até os campos de outrora, quando ainda
eram espaços de descarga de lixo. Segundo a representação local,
eles se tornaram lugares perigosos de delinqüência. Perdem seu
papel social de espaço de lazer dos moradores do bairro para se
tornar lugar de moradia dos mendigos e dos sem-teto. De fato, eles
continuam territórios de uso do tempo livre, houve simplesmente uma
troca do público freqüentador.”
(Peixoto, 1997:68)
Nos grandes centros urbanos, a relação da população com o espaço público se
modifica de maneira significativa ao longo das décadas de 80 e 90, afetando desta forma a
vida cotidiana e o papel dos fotógrafos de jardim enquanto prestadores de serviços. Sob esta
perspectiva, as dificuldades enfrentadas pelos fotógrafos Lambe-Lambes podem ser
problematizadas não só por questões relacionadas à defasagem técnica deste ofício, mas,
sobretudo, vinculada à modificação das formas de sociabilidade e de lazer nas ruas, praças,
parques e jardins públicos dos grandes centros urbanos.
3.1.2 O espaço como fator explicativo da resistência de um ofício
“Tô enraizado aqui mesmo, né?
Enraizado esse tempo todo
aqui!”(depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Pedro Teodósio da
Silva)
Burgess (1929) compara a comunidade urbana aos organismos biológicos, cujo
crescimento é marcado pela dinâmica de um processo de subdivisão, e pelo surgimento de
127
áreas especializadas nas cidades, enquanto Park (1987) observa que gostos e interesses
pessoais e econômicos tendem a classificar, organizar, distribuir e segregar os habitantes das
cidades. Os espaços ocupados das cidades adquirem as características da população e dos
grupos que os habitam, preservando sentimentos, tradições e histórias próprias e locais,
permitindo que o passado resista às mudanças provocadas pelas incertezas e instabilidades do
tempo presente:
“Dentro dessa vizinhança a continuidade dos processos históricos é de alguma
forma mantida.” (Park, 1987:30).
Guardião da memória e cronista visual de uma determinada comunidade, o fotógrafo
Lambe-Lambe, atuando ao longo de décadas em um mesmo espaço público e urbano, torna-se
uma importante testemunha que preserva e transmite as histórias e tradições locais,
contribuindo para o processo de estabilidade social de um determinado bairro. Essa questão
pode ser encontrada de uma maneira semelhante em Frúgoli Jr. (1995), quando o autor analisa
o espaço social e territorial do Largo da Concórdia, uma praça situada no bairro do Brás, na
cidade de São Paulo:
“Ainda é possível encontrar por um lambe-lambe, um dos últimos
fotógrafos ambulantes da cidade, profissão outrora muito praticada.
(...) Em torno dele reúnem-se os idosos e aposentados do bairro, em
cujas palavras aflora quase sempre a memória viva do antigo Brás e
da antiga São Paulo e cujas lembranças quase sempre ressaltam um
passado melhor, em contraposição a um presente mais difícil, hostil e
mais violento.” (Frúgoli Jr, 1995:39)
Foote Whyte (1973) demonstra através do estudo de gangues (as sociedades das
esquinas) a importância da reflexão sobre as ocupações e sobre as apropriações espaciais
pelos diferentes grupos que habitam o território geográfico urbano. Hannerz (1980) mostra
que o estudo de micro-ambientes urbanos que funcionam como locais de grande cumplicidade
identitárias, como os territórios das gangues de rua, os guetos, os bairros étnicos e outros
nichos isolados, revela como o espaço pode ser visto como um fator de estabilidade de um
indivíduo ou de um grupo social no interior de uma dinâmica transformadora da vida social.
De maneira semelhante, Halbwachs (1990) analisa como a memória se organiza e se
estrutura sobre os quadros sociais e também sobre os quadros espaciais. Memórias coletivas e
individuais realizam um trabalho de atribuição de sentidos, significados e valores simbólicos
ao espaço, e a partir disso o espaço transforma-se em um importante lastro e traço identitário,
128
constituindo-se como um estratégico fator de coesão e de referência existencial de um
determinado indivíduo ou grupo social. Tal questão pode ser fortalecida pelo pensamento de
Blumer (1984), que através da posição metodológica do Interacionismo Simbólico define o
ser humano como um organismo que responde de maneira ativa aos estímulos do ambiente,
atribuindo significados e sentidos interpretativos ao mundo e para si próprio.
Como vimos anteriormente, os depoimentos dos fotógrafos Lambe-Lambes
explicitaram o vínculo da mudança no papel social desse profissional com a modificação nos
usos sociais das ruas, praças, parques e jardins públicos dos grandes centros urbanos.
Paradoxalmente, porém, é o próprio espaço público ocupado pelos fotógrafos Lambe-Lambes
que se estrutura como fator explicativo da resistência e da sobrevivência desse profissional no
início do século XXI. Este enfoque justifica a possibilidade de um estudo mais profundo das
inter-relações entre as estratégias de ocupação do espaço social e as possibilidades de
resistência/sobrevivência de grupos sociais, fenômeno que, segundo Halbwachs (1990) ocorre
principalmente
“...com as atividades, profissões, e todas as formas de negócio um
pouco antiquadas, que não tem mais lugar nas sociedades modernas.
Sobrevivem em virtude da força do hábito, e desapareceriam, sem
dúvida, se não se agarrassem obstinadamente aos locais que lhes
eram, outrora, reservados.” (Halbwachs, 1990:138)
Nas cidades, o espaço urbano abriga diversos exemplos da resistência de hábitos locais
às transformações que ocorrem no tempo e no espaço social, demonstrando como a memória
coletiva de um grupo se apóia em imagens espaciais. Desta maneira, fica claro como os
lugares funcionam como suportes “estáveis” e “duradouros” para a construção e a transmissão
de memórias coletivas, pois
“...o trabalho da memória se utiliza, em alguns momentos, de objetos
concretos para o seu sustentáculo” (Santana; 2000:49).
As imagens espaciais são, portanto,
referências importantes na construção, na estabilidade e na transmissão de memórias
coletivas, demonstrando como
“Em algum momento o coletivo atribui ao seu espaço ocupado o seu
sentido. O constitui e o ocupa de forma que se identifique com ele, que se veja nele.” (Santana,
2000:50)
O espaço e o meio material urbano que nos cercam servem como elementos que
ajudam a evocação de lembranças, estruturando memórias coletivas e explicando a resistência
de grupos sociais frente às transformações e mudanças sociais:
129
“Um grupo (...) resiste com todas as forças de suas tradições (...)
procura e tenta, em parte, encontrar seu equilíbrio antigo sob novas
condições. Tenta se manter ou se adaptar a um quarteirão ou rua que
não são mais para ele ...” (Halbwachs, 1990:137)
É a profunda relação de afetividade que existe entre o fotógrafo Lambe-Lambe e o
espaço público que explica e justifica a sua resistência e a sua permanência nas praças da
cidade, apesar de todas as dificuldades enfrentadas nas últimas décadas:
“Eu adoro a praça. A praça é a minha vida. O dia em que não venho
na praça eu me sinto mal.” (depoimento de Bernardo Soares Lobo do
Jardim do Méier em 12/07/2006)
“Muitas vezes estou em casa, no dia de feriado, mas estou
satisfeito quando eu venho aqui na praça. Amanhece o dia, fico em
casa até às dez horas ou meio-dia, mas eu tenho que dar uma
chegadinha aqui à tardinha, pra ver a praça como ela está, pra
você ver como eu gosto da praça.” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Pedro Teodósio da Silva).
“... até hoje, há mais de cinqüenta anos, eu moro no Largo do
Machado. Pra mim é o melhor bairro do Rio de Janeiro. Ele me deu
assim como que um afeto, os seus moradores, a simplicidade do povo
do Largo do Machado. Eu me senti bem no Largo do Machado e me
sinto até hoje.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Francisco
Victor Cavalcanti)
Através dos depoimentos dos fotógrafos Lambe-Lambes percebemos claramente a
importância do espaço territorial e afetivo como elemento formador e formatador da
identidade desses indivíduos. No depoimento de uma representante feminina da categoria
profissional de fotógrafos Lambe-Lambes, o espaço público ocupado ao longo dos anos
transforma-se em uma metáfora maternal, que sustenta a vida e protege a existência e
sobrevivência dos últimos representantes de um tradicional saber-fazer:
O Parque é uma mãe.
E eu estou aí, usufruindo da maternidade do Parque, né?” (depoimento da fotógrafa Lambe-Lambe
Dona Zita do Parque Municipal / Belo Horizonte em 08/03/2002)
130
Isso demonstra como o espaço funciona como um estratégico e importante fator
estruturante da memória de um grupo profissional que está em vias de extinção, e que explica
a resistência desse profissional e dessa profissão neste início do terceiro milênio:
“Minha vida está junto a este bairro, Catete, e principalmente o
Largo do Machado, porque eu comecei aqui, eu comecei praticamente
a vida aqui. Cheguei aqui com 22 anos, hoje estou com 68. (...) Então,
eu sem isso aqui, eu não tô com nada !” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Pedro Teodósio da Silva)
Como percebemos no depoimento de Inácio, comparando-se a uma árvore enraizada
na praça pública, as características próprias que marcam a forma de ocupação espacial desses
profissionais, parece explicar o porquê da sobrevivência e da resistência deste tradicional
ofício:
“...a gente gera um círculo de amizades muito bom (...) a gente ocupa
um espaço (...) Nós criamos muita amizade (...) a gente fica muito
afetuoso, os amigos, aquele povo que conhece a gente. Eu tive
fregueses que tiraram fotos comigo durante anos (...) é muito difícil de
sair, a gente fica tão ligado, tão enraizado, tão amigo, tão conhecido.
E chega a idade, né? Chega uma idade que mesmo querendo se
mudar, pensando em se mudar, você não tem mais condição de deixar
o local (...) então a gente enraizado, enraizou ali, você sabe fazer
aquilo (...) tem o conhecimento, tem a amizade porque se você não
está trabalhando (...) chega um, chega outro pra lhe conformar, pra
conversar, distrair, então gerou uma raiz.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Inácio Teodósio da Silva)
Os irmãos Teodósio da Silva mantiveram a força da tradição familiar de transmissão
desta profissão, pois todos eles ensinaram aos seus filhos os segredos da fotografia Lambe-
Lambe. Porém, os representantes desta nova geração não têm o interesse em continuar
trabalhando como fotógrafos nas praças, largos e jardins públicos da cidade.
“... todos os três aprenderam mas não tiveram interesse em
continuar...” (depoimento de Jorge em 07/04/2001)
131
“Quando tavam na fase de adolescente eles tinham entusiasmo.
Quando passaram à adulto não se interessaram mais, porque
estudava, queria coisa pra lá, né? Não queria ficar nessa profissão
(...) O mais velho tem a profissão de fotógrafo, mas de Lambe-Lambe
não. É fotógrafo, mas de Lambe-Lambe não. (...) A geração nova não
se interessa mais pra aprender essa coisa ...” (depoimento de Pedro
em 06/04/2001)
“O meu filho até aprendeu, ele até trabalhou um tempo aqui, depois
ele desistiu, foi trabalhar em outra coisa. Ele não continuou não, mas
ele sabe, ele aprendeu a profissão.” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Sílvio Libório da Silveira do Jardim São João / Niterói (RJ)
em 28/09/2000)
O grau de desestímulo e de desilusão dos antigos fotógrafos Lambe-Lambes em
relação ao seu ofício torna-se aparente, inclusive, com as afirmações de que, apesar de terem
ensinado, não incentivam seus filhos à atuarem nesta profissão:
... mas eu que não quero (...) pelo que eu já passei ultimamente.
No começo não, isso aqui eu agradeço tudo à profissão, tudo o que eu
tenho, eu criei os filhos, construí esta casa aqui, tem mais duazinhas
aqui atrás, foram construídas com o dinheiro da praça.” (depoimento
de Inácio em 25/01/2002)
De uma maneira semelhante, Francisco , apesar de não ter tido filhos, e Manoel
também acreditam que não incentivariam um filho para trabalhar como fotógrafo Lambe-
Lambe nos dias de hoje:
“Se eu tivesse um filho eu não colocaria ele neste ramo, porque eu
não acho futuro. Porque é como uma planta que vai florescendo,
crescendo e depois que ela cresce, está formada, começa à murchar.
Então ela tem um futuro que parece-me para mim que não tem
prosperidade!” (depoimento de Francisco em 05/02/2002)
“Todos os meus três filhos trabalharam aqui...eu que ensinei...mas na
época dava movimento...se fosse hoje eu não ensinava.” (depoimento
do fotógrafo Lambe-Lambe Manoel Medeiros de Souza do Jardim São
João / Niterói (RJ) em 13/05/2001)
132
O Lambe-Lambe mais novo que foi entrevistado, hoje com 30 anos, aprendeu o ofício
com seu pai quando tinha 12 anos, e hoje é um dos poucos exemplos de representantes das
novas gerações de fotógrafos de jardim que ainda mantém a tradição familiar de transmissão
desse saber-fazer:
“Meu irmão não trabalha aqui. Meu irmão arrumou outra
“situação”. Meu outro irmão também. Agora ta eu e meu pai.”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Manoel Ageo Mendonça de
Souza do Jardim São João / Niterói (RJ) em 28/09/2000)
É ainda através do depoimento de um dos poucos jovens representantes dessa antiga
profissão ainda em atuação que podemos perceber como a relação afetiva também não se
consolidou nessas novas gerações de fotógrafos Lambe-Lambes, talvez pelo fato de terem
conhecido esses espaços públicos em um contexto diferente de seus pais e das gerações mais
velhas, eliminando assim um fator que poderia contribuir na resistência desses profissionais
nas praças públicas:
“Eu me considero fotógrafo, desde pequeno é o que eu sei fazer. (...)
mas eu não gosto dessa praça não. Não gosto não. (...) Eu não gosto
dessa praça não, eu odeio essa praça, odeio mesmo. (...) Você
coisa muito desagradável...prostituição, bandido, os cara fumando, os
cara roubando....então você isso e não pode fazer nada ...você fica
com uma mágoa por dentro...” (depoimento do fotógrafo Lambe-
Lambe Manoel Ageo Mendonça de Souza do Jardim São João /
Niterói (RJ) em 28/09/2000)
Portanto, com a mudança na relação de afetividade dos fotógrafos Lambe-Lambes das
novas gerações com os espaços públicos que ocupam (analisado aqui como um fator de
resistência profissional), e a perspectiva do fim da tradição familiar de transmissão do ofício,
tudo indica que os Lambe-Lambes que ainda atuam nas cidades brasileiras serão os últimos
representantes deste tradicional saber-fazer.
133
3.2 A fotografia do Lambe-Lambe: usos sociais das imagens produzidas no espaço
público
Nesta parte do trabalho, imagens produzidas pelos fotógrafos Lambe-Lambes serão
problematizadas sob a perspectiva de abordagens teóricas e metodológicas de autores que
refletem sobre o uso de documentações fotográficas em pesquisas sobre a realidade social. O
enfoque de análise será estruturado sobre duas vertentes: as inter-relações entre fotografia e
memórias coletivas e individuais, e as possibilidades de aproximações críticas e
epistemológicas entre os retratos de família e os documentos fotográficos produzidos pelos
Lambe-Lambes. Desta forma, como recurso metodológico de análise imagética, em alguns
momentos nesse capítulo retratos de grupos familiares, produzidos tanto por fotógrafos de
estúdios profissionais como pelos próprios membros e componentes da família registrada,
serão comparados com as fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes. As imagens
produzidas pelos fotógrafos Lambe-Lambes ao longo do século XX, assim como as suas
lembranças e recordações profissionais, são importantes e estratégicos registros documentais,
que podem em muito contribuir para a compreensão de determinados aspectos da vida social
cotidiana de nossas cidades.
Em relação à forma e ao conteúdo imagético, nos retratos fotográficos produzidos
pelos Lambe-Lambes, podemos identificar dois conjuntos tipológicos documentais distintos.
O primeiro conjunto tipológico é formado pelos retratos para documentos de
identificação do indivíduo, principalmente nos formatos 3x4cm e 2x2cm. Esse tipo de
fotografia surge como uma obrigação institucional (“eu tenho que tirar uma fotografia”), e
vincula-se ao controle disciplinar e à vigilância social que, conforme abordado por Basaglia
(1974) e Foucault (1996), caracterizam a sociedade moderna e contemporânea. Os retratos
para documentos de identificação pessoal, aparentemente áridos no sentido informacional,
podem revelar importantes elementos de reflexão sobre os usos sociais desse tipo de
fotografia. Surgida inicialmente com objetivos de controle social, esta tipologia de imagem
acaba por sofrer uma re-significação do seu uso social. Estas imagens mais baratas do que os
retratos tradicionais, circulando em cartas, bolsas e carteiras, acabam por ampliar as redes de
sociabilidade entre os membros de grupos afetivos e familiares.
134
A segunda tipologia fotográfica produzida pelos Lambe-Lambes, e que será alvo da
análise crítica nessa parte do trabalho, são os retratos postais. Também chamados retratos
posados ou descontraídos, este tipo de fotografia, nos formatos de 9x12cm e 6x9cm, constitui-
se como uma opção pessoal (“eu quero tirar uma fotografia”) que registra os momentos de
lazer e de prazer de indivíduos e grupos nos espaços públicos das cidades. A valorização da
imagem do indivíduo permite a construção de uma auto-representação desejada, e na ênfase
da dimensão do coletivo (reforçado por uma sintonia de poses, gestos e na indumentária) estas
imagens reforçam a noção de pertencimento entre os membros do grupo familiar ou afetivo.
Figura 68: Um exemplo de retrato fotográfico para documentos de identificação produzido por um
Lambe-
Lambe, uma imagem gerada inicialmente para exercer um controle social, mas com as trocas e
circulação entre os indivíduos, acaba ampliando
as redes de sociabilidade de grupos familiares e
afetivos.
135
Barros e Strozenberg (1992) definem a memória como um território privilegiado de
enraizamento de nossas identidades, abrigando a tênue fronteira entre a dimensão do pessoal e
do coletivo. O impacto do desenvolvimento técnico e tecnológico no campo fotográfico
também afeta a dinâmica de organização e de ordenação de memórias sociais, coletivas e
individuais. Assim como a memória, a fotografia pode ser compreendida pelo seu aspecto de
permitir que o passado possa ser constantemente (re)atualizado e (re)interpretado no tempo
presente. Sob esta perspectiva, tanto a memória como a fotografia podem ser interpretadas
como construções sociais que possuem aspectos bastante semelhantes.
Preservando e transmitindo a memória visual de pessoas, lugares e eventos, a
fotografia transforma-se em um estratégico agente detonador de lembranças e de
rememorações, um suporte material de informação que fornece um sentido de estabilidade
frente às flutuações da memória e às mudanças e desarticulações provocadas por
transformações no tempo e no espaço social.
Para além dos quadros sociais, como foi demonstrado por Halbwachs (1990), a
memória também se estrutura e se organiza através de suportes materiais estáveis e fixos, um
aspecto que foi bastante enfatizado por Bergson (1999). Assim, atributos espaciais (lugares) e
atributos materiais (objetos), como as fotografias, contribuem nas articulações e nas
definições de fronteiras identitárias, tornando-se referências e referenciais que fornecem um
sentido de estabilidade na dinâmica de funcionamento de memórias sociais, coletivas e
individuais.
Figura 69, 70, 71, 72 e 73: Os retratos postais feitos por Lambe-
Lambes, tanto de indivíduos (figuras 69 e 70)
como de grupos (figuras 71, 72 e 73), auxiliam na construção de uma representação visual desejada ou
idealizada.
136
Pollak (1989), Lovisolo (1989) e Jeudy (1990) são autores que mostram como a
memória se estrutura sobre uma base dialética que abriga uma disputa entre duas forças
distintas e contrárias: lembranças e esquecimentos. Segundo Kossoy (1998), a memória se
constitui através de um processo seletivo, reducionista e eliminatório, uma questão que
também caracteriza a produção dos registros fotográficos, e que revela a criação de realidades
e de representações.
Se as fronteitas delimitativas da memória se definem no embate e no confronto entre
lembranças e esquecimentos, a narrativa visual (e a memória visual) das fotografias também
se inscreve entre o visível/fotografado e os silêncios e ocultações da realidade social. Assim
como os esquecimentos da memória, o não-fotografado pode revelar importantes questões
reflexivas sobre indivíduos e grupos sociais.
Como foi analisado por Barros e Strozenberg (1992), em contraponto ao caráter
ficcional da pintura e da escultura, operações artísticas e interpretações visuais da realidade e
que abrigam representações e subjetividades do artista produtor, a fotografia é uma imagem
que surge em decorrência de uma operação técnica e mecânica. Com a fotografia, o registro
visual e a relação de visualidade entre o homem e a realidade passa a ser mediada pela
pretensa neutralidade de um aparelho mecânico, a máquina fotográfica, e o discurso visual
dessas imagens acaba sendo interpretado pelo aspecto de verdade, objetividade e
verossimilhança. Moreira Leite (1993), assim com Dubois (1999), demonstram que a
fotografia é um testemunho, um índice, um indício e uma referência da realidade aparente,
mas ela também é uma representação, uma construção, uma fabricação e uma ficção.
Desta forma, é importante que o pesquisador realize uma crítica externa do documento
fotográfico, em relação ao contexto de produção, de circulação, de recepção e de apropriações
das imagens analisadas, devendo com isso desvendar quais são as agências e os agentes
produtores e receptores envolvidos no processo. Ao mesmo tempo, o documento fotográfico
deve ser alvo de uma análise crítica interna, em relação à forma e ao conteúdo do discurso
imagético, onde os atributos materiais (objetos fotografados), os atributos espaciais (lugares
fotografados) e as poses, os gestos, as posturas e as atitudes dos indivíduos e grupos retratados
podem revelar desejos e interesses envolvidos em uma dinâmica de (auto)promoção, de
idealização e de construção ideológica na imagem fotográfica:
“As relações de posição, centralidade e planos em que são colocadas
as personagens na fotografia refletem condições sociais da vida do
137
grupo e as forças que presidem a organização das formas.”
(Moreira
Leite, 1993:109).
A fotografia abriga desejos e construções de sentidos e de significados, e através de
interesses e escolhas permite (re)criar e (re)interpretar o real através das imagens registradas.
Como definiu Bourdieu (1965), pensando nos diferentes usos sociais dos documentos
imagéticos no mundo moderno-contemporâneo, as fotografias refletem visualmente valores
ideológicos, idealizações, e sistemas estéticos e éticos de grupos sociais.
No campo antropológico e etnográfico, os documentos fotográficos ampliaram as
possibilidades de reflexão em pesquisas e em trabalhos de campo, permitindo gerar novas
dimensões de análise da descrição, da representação da alteridade e da auto-representação de
grupos para si e para os outros.
Na antropologia visual, a imagem redimensiona o olhar do pesquisador, porém o
dilema de como traduzir os códigos visuais para a linguagem escrita é uma questão que surge
no uso de uma metodologia de pesquisa que procura analisar a fotografia como fonte e como
objeto de estudo. Podemos relacionar comparativamente esta questão com o problema que se
apresenta ao antropólogo quando este deve relatar através do código escrito todas as
subjetividades que permeiam uma experiência e um encontro etnográfico.
No caso do trabalho reflexivo com fotografias, sempre a necessidade de utilização,
ou mesmo da criação, de um vocabulário específico e controlado que permita a interpretação
escrita de um discurso e de uma narrativa visual. A imagem fotográfica é uma representação
que deve ser decifrada e decodificada, e nesse sentido Carvalho (2003) propõe que a leitura
antropológica do documento fotográfico pode revelar uma rica gramática interna da imagem,
que abriga significados e sentidos polissêmicos. As reflexões no campo da antropologia
visual procuram aumentar o vel de compreensão sobre a complexidade dos processos de
produção e consumo das imagens fotográficas. Através da percepção de que as imagens são
condicionadas e submetidas por linhas de força que emanam do contexto histórico, social e
cultural, uma reflexão crítica dos significados e das significações que estruturam o discurso
imagético podem, inclusive, dar visibilidade ao não-fotografado.
No cenário nacional, a década de 80 é definida por Moreira Leite (1993) como um
período que abriga a consolidação, no meio acadêmico, de uma perspectiva de análise crítica
sobre o documento fotográfico, que deixa de ser uma mera ilustração do texto escrito, para
transforma-se em um estratégico objeto de pesquisa, de estudo e de reflexão, principalmente
138
em relação aos usos sociais desses suportes imagéticos por diferentes grupos, agentes e atores
sociais.
No trabalho sobre os fotógrafos Lambe-Lambes, a tipologia de imagem analisada será
o retrato fotográfico, um registro visual de pessoas e de grupos, e que se caracteriza
simbolicamente como um suporte material que possibilita a construção da (auto)representação
imagética dos indivíduos retratados, constituindo-se socialmente como um lastro que estrutura
memórias coletivas e define fronteiras identitárias.
3.2.1 Análise comparativa entre retratos de família e fotografias de Lambe-Lambes
Um importante procedimento metodológico de análise nesse trabalho se ampara em
realizar uma aproximação epistemológica e crítica das fotografias produzidas pelos Lambe-
Lambes com os retratos de família
43
, questão que será amparada por reflexões sócio-
antropológicas sobre registros imagéticos de grupos familiares.
Tanto as imagens produzidas pelos Lambe-Lambes, como os retratos de família,
possibilitam elaborar uma reflexão sobre os micro-enredos da vida social cotidiana, onde é
possível analisar hábitos e costumes de pequenos grupos locais, uma possibilidade de
abordagem que se diferencia das macro-análises da sociedade, onde o enfoque central se
baseia nos grandes fatos, nos grandes personagens, nos grandes acontecimentos e nas macro-
estruturas.
As fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes devem ser interpretadas como uma
construção social, cujos significados são elaborados pela negociação entre fotógrafo e
fotografado. Poses, gestos, posturas, atributos materiais (objetos retratados), atributos
espaciais (lugares fotografados), indumentária e arranjos estéticos são elementos que irão
auxiliar na construção de uma determinada memória visual desejada.
A imagem revelada em uma fotografia (uma imagem em positivo) surge dos diferentes
níveis de impressão da luz nos sais de prata que são emulsionados nos negativos fotográficos.
Barthes (1984) relacionou o retrato fotográfico à magia mítica e transformadora da Alquimia,
pois a imagem de pessoas é imortalizada pela mediação de um metal luxuoso e precioso a
prata - que se altera quimicamente pela ação da luz.
Na verdade, podemos pensar ludicamente os retratos produzidos pelos fotógrafos
Lambe-Lambes como sendo produtos resultantes de um processo inverso aos objetivos da
Alquimia. Se a Alquimia pretendia transformar materiais ordinários e comuns em metais
43
Os retratos de família utilizados na análise comparativa foram reproduzidos de Barros e Strozenberg (1992),
Moreira Leite (1993) e Riedl (2002).
139
nobres e preciosos, o retrato fotográfico registrado pelo Lambe-Lambe faz o inverso, pois tem
a capacidade de transformar seres e indivíduos ordinários em exemplos perpetuados de
dignidade, de nobreza e de valor social. O ato de posar para um retrato fotográfico coloca
cena um espetáculo para os olhos da sociedade:
“Quando a câmera está apontada, seja para um indivíduo ou um
grupo, parece haver convenções fotográficas que ofuscam as
diferenças individuais, étnicas e culturais: o desejo de posar do objeto
(...) de ser retratado vestido com as melhores roupas, especialmente
aquelas que são reveladoras de status; ou de incluir na fotografia
objetos que simbolizem status social ou que identifiquem o
acontecimento.” (Scherer, 1996:78)
Apesar de não tratar especificamente sobre a fotografia, através do trabalho de
Goffman (1975) é possível fazer uma série de aproximações epistemológicas sobre a
representação social do indivíduo com a questão da auto-representação imagética de grupos e
indivíduos nos retratos fotográficos.
Goffman aborda a questão, sintetizada no próprio título de seu trabalho, da
representação, da criação, da fabricação e do caráter ficcional do “eu”, construído na vida
social cotidiana. Através da fachada social, o indivíduo desempenha uma representação sobre
si (de maneira intencional ou inconsciente), utilizando-se de modelos e padrões sociais de
comportamento. A fachada social transmite os sinais de posição, do papel e do status do ator
social através da aparência, do vestuário, de atitudes, de expressões faciais e de gestos
corporais. O cenário, suporte material para o desempenho da fachada social, cria
ambientações que contribuem para transmitir com maior eficiência essa representação do “eu”
social.
Como na representação imagética de grupos e indivíduos através da fotografia,
existem três componentes significativos que possibilitam a construção da fachada social: o
ambiente (cenário), a aparência (visualidade estética) e a maneira (gestos e posturas).
A fotografia, mais do que um espelho de uma realidade, deve ser analisada
criticamente como um espelho de uma realidade que se deseja. O suporte imagético pode
abrigar, portanto, construções ideológicas como também construções de idealizações do grupo
ou de indivíduos.
140
Da mesma forma, a fachada social pode ser interpretada como uma representação
social e coletiva, moldada para se ajustar às expectativas e idealizações do indivíduo,
buscando uma compreensão e uma cumplicidade da sociedade, que funciona nesse caso como
um agente observador e receptor no processo de socialização da representação. Existe uma
tendência expressiva das representações em serem aceitas como sendo a realidade, porém,
fica claro que
“...uma representação apresenta uma concepção idealizada da situação...” (Goffman,
1975:41)
O ator social oferece aos seus observadores uma representação e uma impressão
marcada profundamente por um caráter idealizado e esperado socialmente. A representação
acaba por refletir e explicitar os valores oficiais e morais da sociedade:
“...quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu
desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores
oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que
o comportamento do indivíduo como um todo.” (Goffman, 1975:41)
Muitas vezes, como nas representações fotográficas, a representação construída pela
fachada social reflete um desejo idealizado e uma aspiração do indivíduo em pertencer e
ocupar uma posição social superior à sua. Em uma sociedade estratificada em classes, a
mobilidade e a ascensão social parecem, sob essa perspectiva, depender da representação de
desempenhos adequados:
“Talvez por causa da orientação ascendente encontrada nas
principais sociedades de hoje tendemos a supor que os esforços
expressivos numa representação necessariamente reivindicam para o
ator uma posição de classe superior à que, se assim não fosse, lhe
seria concedida.” (Goffman, 1975:42)
Os silêncios, as censuras, as omissões e as ocultações que participam de uma
representação visual e fotográfica também estão presentes na construção da fachada social:
“Um ator cuida de dissimular ou desprezar as atividades, fatos e
motivos incompatíveis com a versão idealizada de sua pessoa e de
suas realizações.” (Goffman, 1975:51)
141
Na negociação entre fotógrafo e fotografado, a narrativa visual das imagens
produzidas pelos Lambe-Lambes utilizam-se de arranjos estéticos e formais para construir
uma mensagem e um discurso desejado. Atributos espaciais e materiais também participam
da composição fotográfica para enfatizar visões de mundo, valores culturais e padrões de
gosto e de comportamento.
Se é possível detectar de uma maneira mais ampla a existência de diversos aspectos
comparativos entre a fotografia e a memória, no caso tipológico do retrato fotográfico essa
questão aparece de forma bastante enfática. Existem estreitas sintonias e semelhanças entre o
retrato fotográfico e a dinâmica social que define memórias coletivas e pessoais. Tanto a
memória como o retrato fotográfico podem ser interpretados como construções sociais que
reforçam o sentido identificação e de coesão e/ou de diferenciação entre grupos e indivíduos,
fortalecendo noções de pertencimento e/ou estranhamento, atuando como fatores de
integração entre os diferentes membros e as diferentes gerações de um mesmo grupo social.
A memória individual, assim como o retrato do indivíduo, podem ser definidos como
estratégicos fatores de identificação, e a memória coletiva, assim como o retrato de grupos,
podem ser interpretados como suportes que re-afirmam a cada momento o sentido de coesão e
de integração do indivíduo ao coletivo.
A imagem fotográfica estimula múltiplas lembranças, recordações e memórias, sendo
perceber, através de depoimentos dos indivíduos, como os componentes e membros dos
grupos familiares analisam e interpretam as imagens produzidas sobre o grupo, pois como
define Moreira Leite,
“Algumas pessoas não se lembram do que aconteceu, mas do retrato do que
aconteceu.” (Moreira Leite, 1993:18).
A autora se apóia em Bourdieu (1965) e Collier Jr
(1973), ao analisar o uso de fotografias como recurso catártico nos processos de entrevistas.
A imagem acaba por se constituir como um importante estímulo de lembranças nas narrativas
de histórias de vida, pois
“Os estudos sobre retratos de família obtiveram um material significativo
de entrevistas formuladas em torno de retratos.” (Moreira Leite, 1993:35).
Assim como ocorre com a dinâmica da memória nas narrativas orais, que se estrutura
na dialética entre lembranças e esquecimentos, o discurso visual das fotografias abriga
conteúdos manifestos e conteúdos latentes, e devemos interpretar tanto o dito, o visível, o
revelado, o aparente e o fotografado, como o não-dito, o oculto, o silêncio e o não-
fotografado. Se nos procedimentos técnicos de revelação fotográfica, a utilização de produtos
químicos torna visível as imagens latentes de negativos e de cópias em positivo, a “realidade
latente” dos documentos imagéticos, que se encontra oculta pela “realidade aparente”, só se
torna “visível” ao pesquisador quando “reveladas” por uma abordagem crítica dos processos
142
de construção visual. De maneira semelhante ao que ocorre com os retratos elaborados pelos
Lambe-Lambes, os retratos de família, organizados nos álbuns fotográficos, em porta-retratos
ou emoldurados nas paredes das residências, explicitam a harmonia, felicidade, coesão, norma
e estabilidade do grupo familiar, silenciando-se imageticamente em relação aos conflitos,
hostilidades, divisões, atritos, tristezas, desvios e desviantes do grupo fotografado:
“...o álbum, depurado dos desvios e aventuras singulares dos
membros divergentes, não somente dava uma imagem segura,
decente, normal da vida familiar tal como ela devia ser vivida e ser
reproduzida, mas também induzia ao ensinamento dos costumes que
fixaram o lugar da família”
(Jonas, 1996:110)
Jonas (1996) mostra a existência de regras, padrões e modelos estéticos e sociais que
definem o que pode e o que não se deve fotografar na vida familiar:
“Todo o poder opressor da
família é reprimido, sendo mesmo descartados dos álbuns de família as fotos de pais violentos,
cranças choronas e casais em litígio” (Moreira Leite, 1998:39).
Porém, uma leitura crítica destas
imagens pode revelar o invisível que está por trás do visível registrado nas fotografias:
“O
acesso as imagens descartadas do álbum de família pode ser muito mais esclarecedor que os retratos
na parede.”
(Moreira Leite, 1998:40).
O processo de construção da (auto)representação nos retratos de família tem como
objetivo afirmar integração e a continuidade do grupo doméstico e familiar, por isso nem
todos os momentos da vida familiar são registrados, demonstrando como essas imagens
sofrem recortes e escolhas segundo interesses e intencionalidades do grupo registrado:
“...as
cenas imortalizadas pelo nitrato são as de rituais associados à alegria.”
(Ferreira, 1996:118).
A busca dos álbuns de família é de uma normalidade afetiva, psíquica e social no
interior do grupo registrado:
“...a foto da família toda reunida, sorridente, exposta no porta-
retratos sobre o piano, não revela o quanto foi difícil promover o
encontro de todas aquelas pessoas (...) mas contém para eles uma
verdade incontestável. Porque não é das ausências, nem das brigas e
contradições que permeiam o seu cotidiano que ela deve falar, e sim
de um elo mais permanente e mais profundo (...) os laços de sangue e
afeto, os sentimentos de solidariedade e pertencimento que os une e a
143
partir dos quais se identificam, diante de si mesmos e dos outros,
como uma família feliz.”
(Barros e Strozenberg, 1992:22)
Figuras 74 e 75: Tanto os retratos de família (à esquerda) como os retratos tirados pelos Lambe-
Lambes
direita) silenciam-se sobre os conflitos e desarmonias dos grupos fotografados.
Figura 76, 77 e 78: Fotografias de Lambe-
Lambes demonstram que o registro dos momentos de harmonia e
confraternização reforçam os laços de integração entre os indivíduos e grupos retratados.
144
Refletindo de uma maneira mais ampla sobre os usos sociais das fotografias, Moreira
Leite (1993) analisa especificamente os retratos de família como sendo uma prática cultural e
social que possui uma importância estratégica para a legitimação, para a preservação e
transmissão da memória familiar.
A popularização e a democratização da fotografia, conforme foi analisado por Simson
(1998), possibilita a substituição dos livros de memórias, das cartas e dos diários pelos
registros imagéticos da vida familiar. Peixoto (2001), analisando a relação entre imagem e
memória, mostra como fotografia e filmes são agentes que ativam e evocam memórias,
condensando referências visuais que estimulam lembranças de personagens, histórias e de
situações de grupos familiares. Allard (1995) define o filme de família como uma prática
social, banal e cotidiana que possui uma função social similar aos retratos de família,
auxiliando a construção da memória coletiva do grupo através da preservação de momentos e
de lembranças, detendo as forças do esquecimento social. Desta forma, o filme de família
(assim como o retrato de família) torna-se um espaço institucional do grupo doméstico, e
como foi abordado por Odin (1995), assegura e reforça o sentido de integração do núcleo
familiar.
Registrando flagrantes do cotidiano e das cerimônias da vida social familiar
(nascimentos, aniversários, casamentos e festas religiosas ou profanas), estas imagens
congeladas ou em movimento preservam uma determinada memória coletiva. Festas e
comemorações são eventos cíclicos que re-afirmam a cada ano as formas de sociabilidade no
interior de um determinado grupo. Tanto esses eventos, como o registro imagético desses
eventos, possibilitam a transmissão de tradições e costumes através de diferentes gerações.
Figuras 79 e 80: No retrato de família (esquerda) e na imagen de um Lambe-
Lambes (direita) o registro de datas
comemorativas, como o carnaval e as festas juninas, reforça os laços afetivos e preserva os eventos e festividades
que marcam a vida coletiva dos membros de um grupo familiar ou afetivo.
145
Nos retratos de casamento percebemos que o discurso imagético contribui para a
legitimação da memória de um espetáculo social, que possui a importante função simbólica de
celebrar a união entre dois ramos familiares, um ritual que consolida a fundação de um novo
núcleo familiar.
Tais exemplos demonstram a importância do uso social da imagem no rito de
memorização e de integração entre as diferentes gerações. Comentários, histórias e
lembranças em torno das imagens produzidas auxiliam no processo de transmissão de uma
memória familiar desejada, imaginada ou idealizada.
Moreira Leite (1993) analisa um tipo específico de retratos de família: as fotografias
produzidas por grupos familiares de migrantes, e que possuem usos sociais específicos e
característicos. Nessas imagens, para além do desejo de ostentação pública de progresso e
prosperidade social, existe uma intenção de reforçar a integração da memória dos parentes
que ficaram nos seus locais de origem com a memória dos membros do grupo familiar que se
estabeleceram em outros espaços geográficos.
Uma questão que reforça o aspecto da fotografia como um poderoso suporte de
lembrança da vida coletiva e da memória familiar, pode ser verificado pelo hábito de se
incorporar nos registros imagéticos as reproduções fotográficas de entes ausentes e distantes
do núcleo familiar fotografado. Esses retratos fotográficos - emoldurados em móveis e
paredes, ou nas mãos das pessoas que se deixam fotografar - participam como atributos
Figuras 81
e 82: O registro de casamentos, como no exemplo de um retrato de família posicionado à
esquerda, certifica e comprova a celebração da união de dois ramos familiares.
146
materiais de importância significativa na pose e na cena construída, fornecendo um sentido de
presença na ausência, e comprovando a potencialidade da imagem como elemento de
identificação de indivíduos e como fator que reforça o sentido de união de um grupo.
Barros e Strozenberg (1992) mostram como as fotografias de famílias transitam entre
o ambiente privado e o universo público, tranformando-se socialmente em documentos
simbólicos de identidade e de identificação de indivíduos e grupos:
“... as fotografias de família são, talvez, o nosso mais precioso e
definitivo documento de identidade. Uma identidade que não está
contida em nosso próprio corpo ou em nossas vivências individuais,
mas que se inscreve nos laços que temos com um passado, com uma
origem, nas relações de sangue e afeto que nos unem a um universo
humano que nos transcende e nos situa como elos numa trama que
nos confere significado."
(Barros e Strozenberg, 1992:36)
Figuras 83 e 84: Emoldurados em paredes e em porta-retratos, ou nas mãos das pessoa
s fotografadas, os
retratos de membros ausentes participam, nas fotografias, da construção da memória visual do grupo
familiar, tanto nos retratos de família (esquerda) como nas imagens dos Lambe
-
Lambes (direita).
147
As imagens nos álbuns de família constroem uma (auto)representação que reforça,
para os membros do núcleo familiar, o sentido de integração, de pertencimento, de coesão
identitária e de fortalecimento dos laços afetivos no interior do grupo, ao mesmo tempo em
que esses registros estruturam visualmente uma construção imagética do sucesso, do
progresso e da prosperidade do grupo familiar. O retrato fotográfico torna-se fruto de um
ritual doméstico que reflete a necessidade de indivíduos e grupos de fixar, preservar,
reproduzir e transmitir as experiências vividas (ou mitificadas) para as futuras gerações.
Como foi dito por Moreira Leite (1993), o próprio termo “retrato” (re-trato),
demonstra como esta tipologia fotográfica pode ser analisada como uma construção ficcional,
onde a realidade é re-tratada, ou seja, passa por um novo tratamento através de uma
negociação entre fotógrafos e fotografados. No retrato, a pose, um termo que é definido como
uma postura estudada, artificial, não-natural e não-espontânea, revela toda a dinâmica de
fabricação e intencionalidade que estrutura o discurso e a narrativa imagética sobre uma
realidade que se deseja e que tem a pretensão de parecer autêntica e verdadeira. Barros e
Strozenberg (1992) demonstram a potencialidade da fotografia como forma de comunicação,
de propaganda e de publicidade, no sentido de que as narrativas visuais possibilitam a criação
de cotidianos virtuais imaginários, imaginados e desejados. Jonas (1996) demonstra como as
fotografias dos álbuns familiares podem, ao mesmo tempo, ser testemunhas (“verdades”) e
representações (“mentiras”) de uma realidade. Dentro desta perspectiva, os retratos de família
atuam em um nível de mediação entre a “realidade” e a “realidade que se deseja”, permitindo
a construção de representações que se alinham aos interesses e às visões de mundo dos
membros do grupo familiar.
Entre os séculos XIX e XX as classes dominantes se deixam fotografar nos caros e
sofisticados estúdios profissionais, criando um padrão de imagem nos retratos de família que
se alinha perfeitamente a uma ideologia burguesa de família, num ideário de sucesso e de
prosperidade social. Através dos fotógrafos Lambe-Lambes, nas praças públicas das cidades,
esse padrão discursivo e estético é assimilado e adaptado pelas classes populares e menos
privilegiadas. Moreira Leite (1993) observa algumas características específicas da produção
dos retratos de família nos caros e sofisticados estúdios fotográficos e da produção das
imagens nas praças públicas pelos Lambe-Lambes, em um período anterior à popularização e
à disseminação no mercado das câmeras fotográficas mais baratas.
Apesar de algumas diferenças técnicas e tecnológicas, estes dois tipos de produção de
imagens guardam semelhanças marcantes entre si, principalmente no desejo de representação
do indivíduo/grupo retratado, e na forma como estes tipos de fotografias foram afetados pela
148
grande difusão de câmeras fotográficas de uso pessoal e familiar (uso amador e não-
profissional), possibilitando que a produção de imagens no interior do grupo familiar fosse
gerada pelos próprios integrantes desse grupo, eliminando a intermediação de um fotógrafo
profissional na estruturação imagética do núcleo familiar:
“...a atenção dos retratados precisava ser despertada por um “vai
sair um passarinho” do fotógrafo. Este, em seus estúdios com
clarabóias (ou luz de magnésio, a partir de 1917), reproduziam,
através de telões e elementos móveis, a casa senhorial, tendo
equipamentos de apoio de cabeça e tronco. E, com menos recursos, o
lambe-lambe do Jardim da Luz, do Bosque da Saúde ou da vila
Galvão dava um fundo bucólico ao retrato. Mas, nos dois casos,
existe a disposição do ser retratado, da parte de um grupo inteiro de
pessoas que desejam aparecer reunidas, que vão ao estúdio, ao
jardim ou chamam o fotógrafo. Disposição que foi desaparecendo,
segundo testemunho de várias origens.” (Moreira Leite, 1993:75)
149
As imagens feitas pelos Lambe-Lambes revivem e re-atualizam em pleno século XXI
os retratos dos álbuns de família que registravam entre os séculos XIX e XX os momentos de
lazer e de descontração do grupo familiar e afetivo, fixando imageticamente os passeios nas
praças e os piqueniques nos jardins públicos.
Nas fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes, os espaços públicos praças,
parques, largos e jardins possuem uma dimensão espacial e simbólica nas narrativas visuais,
pois além de serem espaços lúdicos e bucólicos que recuperam um sentido de “natureza” e de
“paraíso perdido” no ambiente urbano. Conforme análise de Lima e Carvalho (1997), as
Figuras 89 e 90: Nesses registros, `a esquerda um retrato de família, e à direita uma fotografia de Lambe-
Lambe,
percebemos a importância social das praças, parques, largos e jardins públicos como espaço de lazer e de
manifestações de
formas de sociabilidade.
Figuras 85, 86, 87 e 88: As
sintonias e diferenças entre a produção de imagens nos cenários de estúdios
fotográficos profissionais (figuras 85 e 87) e nos bucólicos espaços públicos das cidades (figuras 86 e 88 podem
ser detectadas tanto nos registros individuais como nas fotografia
s de grupos.
150
praças estão relacionadas às cidades e seus habitantes (cidadãos), assim como os jardins das
residências nobres estão relacionados aos membros dos grupos familiares dominantes.
Influenciado por padrões estéticos arquitetônicos de palácios da nobreza européia, os jardins
residenciais são adotados pela burguesia emergente do século XIX como símbolos de
prestígio social.
É muito recorrente nos retratos fotográficos, o registro de grupos familiares nos jardins
e nos espaços externos das residências, um hábito e um ritual que acaba sendo transmitido das
classes dominantes para as classes menos privilegiadas, gerando imagens que objetivavam um
desejo de transmitir a idéia de prosperidade e de sucesso material do grupo fotografado.
As imagens produzidas pelos fotógrafos ambulantes sempre possibilitaram para as
classes populares, registrar imageticamente esse desejo de sucesso e de conquista social, pois
esses documentos visuais inseriam harmonicamente os indivíduos e grupos retratados no
ambiente de riqueza, de desenvolvimento e de prosperidade material do ambiente das cidades.
No Brasil, as imagens de praças e parques públicos, ambientações e cenários das
fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes, guardam semelhanças de composição estética e
formal com os retratos que registram os jardins e quintais das residências familiares.
Se os jardins residenciais possuem uma origem aristocrática e européia, no cenário
nacional essa influência surge a partir da transmigração da família real portuguesa em 1808, e
se consolida no período imperial. Segundo Peixoto (1997), é no período republicano que os
jardins residenciais tornam-se um verdadeiro símbolo de distinção de classe, de sucesso e de
ascensão social.
O fotógrafo Lambe-lambe possibilita que nos espaços públicos as classes populares
criem uma representação de inserção no sucesso, na prosperidade e na riqueza material das
cidades. Na narrativa visual e na representação imagética, as praças públicas se assemelham
ao papel social dos jardins privados das residências das elites, e que simbolicamente eram
interpretados como espaços indicadores e indicativos de status social de seus proprietários.
Tendo como freguesia principal as classes menos privilegiadas de nossa sociedade, os
fotógrafos Lambe-Lambes reproduziam em suas imagens um ambiente cênico de dignidade
para possibilitar que indivíduos e grupos, que por vezes moravam em humildes habitações,
pudessem ser registrados como as famílias mais abastadas em seus quintais e jardins
residenciais.
151
Se as imagens dos jardins e das fachadas das residências tornam-se símbolos
imagéticos de status e de progresso social do grupo familiar, as fotografias que registram os
automóveis inserem os membros de uma família no circuito de modernidade da realidade
social. O automóvel insere-se na imagem fotográfica como um elemento que aglutina os
membros do grupo que se deixa registrar imageticamente, fortalecendo a mensagem visual
que afirma a prosperidade e a união da família.
Figuras 91 e 92 : Tanto no registro das residências privadas esquerda em um retrato de família), como no
registro dos espaços públicos das cidades direita na fotografia de um Lambe-
Lambe), os grupos estão
inseridos imageticamente em um ambiente de riqueza e prosperidade material.
Figuras 93 e 94: O automóvel, símbolo de prosperidade e de modernidade, participa como um estratégico
atributo material no registro de grupos familiares, questão que pode ser observada
nos retratos de família
(esquerda) e nas imagens de Lambe
-
Lambes (direita)
152
Os atributos materiais nas fotografias das trajetórias de vida de indivíduos, como no
caso dos instrumentos musicais do meio erudito (no retrato de família da figura 67) e do
ambiente musical popular (no retrato feito por um Lambe-Lambe na figura 68), contribuem
para reforçar a construção de uma auto-imagem desejada.
Através de depoimentos orais de membros familiares fotografados, Barros e
Strozenberg (1992) revelam novas dimensões de análise da presença de objetos materiais nas
imagens fotográficas. As narrativas orais em torno da figura 95 revelaram que a pessoa
fotografada foi forçada a abandonar o desejo de ser músico profissional, optando por exercer
um ofício que lhe proporcionasse uma maior segurança e estabilidade financeira. Portanto,
nesta imagem o atributo material agrega uma dimensão simbólica que não se alinha a uma
simples construção de uma realidade que se deseja, mas sim, reforça e resgata imageticamente
os sonhos, as frustrações e as desilusões que permeiam a trajetória de vida de indivíduos e
grupos. Sob esta perspectiva as autoras demonstram como
“os retratos resgatam também a
lembrança dos projetos desfeitos e dos sonhos não realizados.” (Barros e Strozenberg, 1992: 75).
Figuras 95 e 96: Retratos de família (como na imagem à direita) e fotografias de Lambe-
Lambe (como no
exemplo à direita) demonstram que no registro do indivíduo os objetos d
e consumo, no caso instrumentos
musicais, ajudam na construção de uma auto
-
imagem desejada.
153
No registro de grupos, os elementos materiais, como no caso das bicicletas (figuras 69
e 70), participam simbolicamente da fotografia para fortalecer o sentido de coesão e de
afinidade entre as pessoas retratadas.
Cenários de fundo criam ambientações que materializam visualmente e ludicamente
desejos e anseios pessoais, tanto nos retratos de família como nas imagens produzidas pelos
Lambe-Lambes. Segundo Maresca (2000), nos retratos fotográficos com cenários e painéis
pintados (ou com fundo infinito), podemos detectar uma descontextualização das dimensões
espaciais e temporais dos indivíduos e grupos retratados, acarretando desta forma uma
neutralização e uma abstração do contexto histórico, social e cultural das imagens registradas.
Figuras 99 e 100: Painéis pintados, utilizados tanto por estúdios fotográficos profissionais (esquerda), como pelos
Lambe-Lambes (direi
ta) nos espaços públicos, criam ambientações cênicas nas construções de narrativas e
discursos visuais.
Figuras 97 e 98: No registro do coletivo, os atributos materiais as bicicletas
simbolizam a afinidade e a
coesão entre os indivíduos fotografados, ques
tão que aparece tanto no retrato de família (esquerda) como na
imagem feita pelo fotógrafo Lambe-Lambe (direita).
154
Nas imagens analisadas até o momento, foi possível perceber como diferentes
atributos materiais e atributos espaciais são muitas vezes utilizados na produção do discurso
visual como símbolos de status e de sucesso social. Nestas duas imagens seguintes os
atributos materiais (objetos) e os atributos espaciais retratados (lugares) possuem a dimensão
simbólica de pertencerem ao universo religioso, um importante fator de coesão entre os
membros destes grupos fotografados, romeiros na cidade de Pirapora (São Paulo).
Junto aos grupos retratados, os atributos espaciais (elementos arquitetônicos da Igreja:
escadaria e fachada) e os atributos materiais (as cruzes transportadas ao longo da romaria)
confirmam que a religiosidade é um lastro identitário marcante para estes romeiros. Na figura
101, as inscrições na cruz direita da imagem) enriquecem o potencial de informação desta
fotografia, fornecendo referências da trajetória dos romeiros e do período em que foi realizada
a romaria.
Fica nítido o caráter de testemunho religioso destas imagens, explicando as
motivações de sua produção, de suas apropriações e de sua circulação no tempo e no espaço
social. Segala (1999) aprofunda em seu livro uma reflexão sobre os usos sociais e sobre a
função religiosa das fotografias de Lambes-Lambes na cidade de Aparecida do Norte, em São
Paulo, um espaço de importância simbólica para os católicos e que abriga intensas
manifestações e festividades religiosas. A fotografia participa neste caso como elemento de
recordação da festa religiosa, e também como testemunho da e da religiosidade dos fiéis,
Figura 101 e 102: Atributos materiais e espaciais retratados, símbolos de um universo religioso, contribuem
para o fortalecimento do sentido de coesão e de auto-identificação destes grupos de romeiros.
155
incorporando a função de ex-voto
44
. A cena que remete à lembrança do milagre ou da graça
alcançada é (re)construída na frente das câmeras fotográficas dos Lambe-Lambes, como
comprova o depoimento de um romeiro que sobrevive após ser atingido por um raio durante
uma tempestade, e que traz as roupas que usava no momento do incidente - um atributo
material repleto de significados simbólicos - para participar do registro fotográfico:
“Quero
ver esse milagre no retrato. Trouxe as roupas esfarrapadas para fazer a foto e deixar depois nos pés
da santa, agradecido.” (Segala, 1999:7).
O testemunho de um fotógrafo Lambe-Lambe
comprova esse peculiar eixo de reflexão sobre os usos sociais da fotografia no espaço
religioso das romarias:
“,,,para guardar como recordação ou para deixar no pé da santa.” (Segala,
1999:31)
. Tais questões também aparecem de maneira muito marcante no ensaio fotográfico
realizado por Pedro Karp Vasques, publicado no livro Romaria de Canindé (1982), onde
podemos ver claramente refletida nas imagens da cidade de Canindé (Ceará) a importância do
fotógrafo Lambe-Lambe e da fotografia produzida nos espaços que abrigam romarias
religiosas de origem católica. No ambiente das romarias o fotógrafo Lambe-Lambe sempre
exerceu um importante papel social, e as imagens produzidas por esses profissionais acabam
por incorporar múltiplos sentidos e usos sociais, elaborando uma crônica visual que revela
“...a galeria das “gentes simples” de um Brasil devoto.” (Segala, 1999:33)
45
.
O estudo dos retratos de família também permite uma reflexão sobre as inter-relações
entre duas práticas sociais que são padronizadas culturalmente, e que atingem diferentes
camadas sociais de diferentes espaços geográficos: a fotografia e a instituição familiar. Da
mesma forma que os retratos de família, o filme de família, artefato da indústria cultural
contemporânea que é produzido e consumido no interior de um universo privado, e constitui-
se, para Journot (1995), como um documento que revela aspectos sócio-antropológicos sobre
o estatuto organizacional e representacional de grupos familiares.
Segundo Simson (1998), a família é um elemento mediador entre o indivíduo e a
sociedade, sendo fonte de educação, de lazer, de consumo cultural e de integração sociail.
Como define Bourdieu (1965), as fotografias de família constituem-se como uma tipologia de
44
Na tradição católica, o ex-voto é um objeto material que possui a força simbólica de lembrar e de agradecer os
milagres recebidos e os pedidos de ajuda espiritual alcançados. Diferentes peças e objetos votivos, tais como
roupas, muletas, radiografias, peças escultóricas, quadros, desenhos e fotografias, são oferecidos `a Igreja pelos
fiéis que tiveram suas promessas realizadas, e ficam expostos em espaços denominados de “Sala dos Milagres”
45
O fato do fotógrafo Lambe-Lambe registrar imageticamente a galeria das camadas populares e das classes
sociais menos privilegiadas, e que aparece de maneira clara em Segala (1999), oferece um importante
contraponto com um outro trabalho da mesma autora (1998), em que é possível identificar como na segunda
metade do século XIX os fotógrafos profissionais, muitas vezes em parceria editorial com o poder político,
contribuíram para o registro da galeria das elites e das personagens ilustres e notáveis de uma nação,
perpetuando uma memória oficial perpassada por interesses, ideologias e visões-de-mundo das classes
dominantes.
156
retrato que transforma o grupo familiar em objeto fotografado, e com a popularização das
câmeras de uso familiar, o grupo passa a ser sujeito e agente produtor do próprio registro
imagético. Nestas imagens podemos detectar semelhanças, regularidades e diferenças entre
famílias de diferentes classes e regiões geográficas, porém, em todas as fotografias existe um
desejo de expressar a (auto)identificação, a integração e o sentimento de unidade entre os
membros do grupo familiar, possibilitando o reconhecimento de padrões de relações e de
modelos de papéis sociais:
“O que é fotografado e o que o leitor da fotografia apreende, não são
propriamente os indivíduos em sua particularidade singular, mas os
papéis sociais, a noiva, a comungante, ou relações sociais como o tio
da América ou a tia que veio da aldeia, como colocou Bourdieu.”
(Moreira Leite, 1993:95).
Ferreira (2003) demonstra como nos retratos de família podemos detectar modelos de
identificação e padrões de arranjos hierárquicos, transmitindo significados e significações
estéticas que podem revelar e refletir padrões e modelos sociais do próprio conceito de
família. Assim, o olhar fotográfico possibilita o registro imagético de visões de mundo que
permeiam o funcionamento e a lógica interna do grupo familiar. Jonas (1996) percebeu que
mudanças sócio-culturais ao longo do percurso histórico afetam padrões e modelos familiares,
re-significando o papel social dos próprios álbuns que registram fotograficamente o grupo
familiar:
“Tentar descobrir como as famílias atuais afirmam o signo de sua
unidade e de sua integração, quando as cerimônias não acontecem
entre muitas delas, e tentar desvendar os valores que o álbum está
encarregado de transmitir no momento em que o ciclo familiar parece
se inscrever cada vez mais nos moldes da ruptura e da
recomposição...”
(Jonas, 1996:106)
É possível fazer uma comparação entre as mudanças nos padrões discursivos das
fotografias de família, e as transformações que afetam o próprio estatuto do modelo social de
família, principalmente sobre a questão da organização familiar e sobre o fenômeno da
“família moderna”. Na tradicional fotografia de família, que ainda é produzida no interior de
diversos grupos e comunidades, privilegiava-se o registro de cerimônias e de eventos
157
valorizados socialmente. Estas imagens preservavam e a transmitiam determinados valores e
patrimônios simbólicos para as novas gerações, pois a idéia de família se pautava mais nas
obrigações morais, jurídicas, religiosas e sociais.
Na família contemporânea, individualista, os valores e os laços afetivos tornam-se os
elementos estruturantes das relações familiares, e as obrigações sociais são cada vez mais
substituídas pelas livre-escolhas afetivas e individuais. Essa mudança de mentalidade no
universo familiar contemporâneo, segundo Jonas (1996), pode ser percebida nas mudanças
das narrativas visuais dos álbuns fotográficos domésticos, que privilegiam o registro do
vivido, do espontâneo e da afetividade, substituindo as imagens das cerimônias tradicionais,
interpretadas como simples encenações e obrigações morais.
Assim, e cada vez mais, fotografias de batismos são substituídas pelo registro do parto
da criança, e as imagens das festas de casamento aparecem de maneira mais recorrente nos
álbuns de família do que as fotografias da cerimônia civil e/ou religiosa.
Da mesma forma como podemos utilizar os retratos de família para refletir sobre a
noção de família, através das imagens de crianças podemos elaborar reflexões sobre a
construção dos modelos de infância em determinados tempos e espaços sociais.
A criança representa a personificação do elo de ligação entre a tradição e a renovação
familiar, e os brinquedos, bonecas e carrinhos são atributos materiais que quebram a seriedade
e a rigidez das poses encenadas. No discurso visual e na narrativa imagética, os brinquedos
atuam como atributos materiais que simbolizam e representam o próprio conceito de infância.
Figuras 103 e 104: Brinquedos são atributos materiais que participam da elaboração do discurso imagético nos registros
fotográficos de crianças, tanto nos retratos de família (esquerda) como nas imagens de fotógrafos Lambe-Lambes.
158
Porém, as imagens fotográficas podem revelar diferentes noções e idéias em torno da
criança e do conceito de infância, e a narrativa visual pode ser elaborada e articulada para
fortalecer uma visão-de-mundo diferente, onde a criança é representada como um pequeno
adulto em formação, herdeiro direto da linhagem familiar. Brinquedos não aparecem nessas
imagens, e a indumentária segue os mesmos padrões das roupas dos adultos, construindo
imageticamente uma ligação e uma continuidade direta entre duas gerações distintas.
Jonas (1996 e 1989) afirma que as fotografias de crianças constituem-se como um
fenômeno recente. Se na transição entre os séculos XIX e XX existiam poucos exemplos de
registros de crianças, explicado talvez pelo longo tempo de exposição para se obter uma
imagem, atualmente as fotografias de crianças predominam nos álbuns de família,
caracterizando-se como um fenômeno recente e contemporâneo.
Na comparação entre os clichês imagéticos das fotografias de crianças ao longo do
desenvolvimento histórico, social e cultural, podemos refletir sobre as mudanças que afetaram
o papel social das crianças na família.
Se em um primeiro momento histórico ela era representada na fotografia como
herdeira da continuidade da linhagem familiar, atualmente ela é valorizada imageticamente
Figura 105: O vestuário semelhante entre adultos e crianças, e a ausência de brinquedos no registro fotográfico,
são características visuais que reforçam o sentido de transmissão da linhagem familiar e inter-geracional.
159
pela sua individualidade e singularidade, registrando-se predominantemente o seu processo de
crescimento e amadurecimento, uma questão que aparece de maneira muito marcante nas
imagens produzidas pelos Lambe-Lambes, e também nos seus depoimentos.
Peixoto (2000) mostrou como os mais antigos freqüentadores das praças podem ser
considerados como os guardiões da memória local, acompanhando o crescimento e o
desenvolvimento de diferentes gerações de crianças. Da mesma forma, o fotógrafo Lambe-
Lambe, trabalhando durante décadas em um mesmo espaço público, atua socialmente como
um importante elo entre as diversas gerações que conviveram em um mesmo espaço público,
testemunhando a trajetória e o percurso de grupos familiares:
“Imagine que mensalmente, outros semestralmente, outros
anualmente, traziam a família toda, as crianças todas pra fotografar.
Havia pessoas que eu esperava aquele dia de aniversário, que eles
traziam pra eu fotografar as crianças. E começava no colo, começava
primeiro sentadinho em carrinho, e eu cheguei a fotografar até eles
ficarem jovens, adultos. Então eu creio que hoje, talvez os seus pais
ou os seus avós tenham esse legado, estas fotografias, por lembrança
do Lambe-Lambe, dos seus netos, bisnetos.” (depoimento do fotógrafo
Lambe-Lambe Francisco Victor Cavalcante)
“...aqueles fregueses mais antigos (...) eu comecei a tirar foto das
crianças deles novinho, quando eles estavam no carrinho.
Acompanhei até casar (...) Sempre tiravam fotos comigo (...) e aqueles
meninos, guardei fotos, tem fotos deles na máquina, cresceram (...) é
quase uma família (..) porque conversam com a gente, conselhos
(...) a gente tem uma grande relação de amizade com esse pessoal ...”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Inácio Teodósio da Silva)
Figuras 106 e 107: Esta tipologia de imagem, e que aparece nos retratos de família (esquerda) e nas fotografias
de Lambe-Lambes (direita), procura mostrar o senti
do de ligação entre as diferentes gerações de um mesmo
grupo.
160
Conforme foi visto acima, na análise comparativa entre os retratos de família e as
fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes foi possível constatar a ênfase no registro visual
de momentos de alegria e confraternização nessas imagens. Porém, uma tipologia imagética
que pode ser considerada uma exceção a esse padrão visual diz respeito ao registro
fotográfico de mortos (e da morte), um hábito familiar cuja origem se confunde com o próprio
surgimento da fotografia, e que no Brasil tem o seu declínio e desuso social a partir da
segunda metade do século XX.
Principalmente no caso de crianças e recém-nascidos, a fotografia de uma pessoa
morta era em muitas das vezes a primeira (e a última) chance se registrar imageticamente o
indivíduo. O retrato fotográfico se transformava, assim, em uma recordação que amenizava a
dor da perda de um ente familiar. Em vários casos, conforme foi abordado por Riedl (2002),
podemos observar que os mortos estão posicionados como que descansando ou dormindo.
Recursos de foto-pintura simulando olhos abertos e aparência saudável - ou encenações na
pose fotográfica também poderiam ser utilizados para criar a ilusão imagética de que o morto
fotografado estaria vivo no momento do registro fotográfico.
Tendo como base uma pesquisa quantitativa realizada em vinte e sete capitais de
Estados brasileiros entre 1997 e 1999, Koury (2001b) tenta compreender em seu artigo as
práticas e os costumes envolvidos na questão do luto no ambiente urbano e contemporâneo no
Brasil, e mais especificamente o hábito de se registrar fotograficamente o rito de passagem da
morte, que ocorre principalmente em famílias que seguem as tradições religiosas católicas. O
uso social da fotografia mortuária reflete convenções, representações e regras familiares,
religiosas, morais e cotidianas em torno da morte e do luto.
A prática da fotografia mortuária no Brasil tem uma grande diminuição na sua
produção a partir dos anos de 1950, caindo em desuso social com o surgimento dos
“santinhos”, cartões com mensagens e orações com a imagem da pessoa morta ainda em vida.
Principalmente nos centros urbanos, ao longo do final do século XX os retratos de família que
registram fotograficamente a morte de seus membros adquirem um sentido mórbido e
patológico, fortalecendo aos poucos uma rejeição social a esta tipologia de representação
imagética que ocorria no interior do grupo familial.
Durante várias décadas a fotografia mortuária foi uma importante forma de expressão
social no ambiente privado, constituindo-se como uma das vertentes temáticas dos retratos
dos álbuns de família, e que foram produzidos de maneira recorrente por fotógrafos Lambe-
Lambes até o início da década de 1970 (coincidentemente um período histórico que marca o
início da fase de decadência desse tradicional ofício).
161
Tal perspectiva aparece de maneira marcante no projeto desenvolvido pela socióloga
Glória Amarante, mapeando os depoimentos orais dos antigos Lambe-Lambes na cidade de
Belo Horizonte em 2002. Das quatorze entrevistas analisadas, em várias delas os fotógrafos
Lambe-Lambes, inclusive uma representante feminina do ofício, ressaltam a procura de seus
serviços profissionais para registrarem pessoas mortas, uma questão que, apesar da gravidade
e seriedade do contexto envolvido no ato fotográfico (ou talvez justamente por causa disso), é
tratado nos depoimentos, como uma forma de descontrair, de maneira bastante bem-
humorada:
“Já tirei diversas fotos de defunto. Foto de defunto é muito bom de
tirar, ué (...) Porque eles não dão trabalho: a gente fala pra eles ficar
quieto, e eles não saem do lugar não. [risos] fica quietinho. Tirei
na funerária, tirei em residência, já tirei em hospitais… tirei na
Santa Casa ali… Nossa, tirei em tanto lugar foto de defunto…Não,
hoje está difícil, o pessoal não está procurando mais não. Eu acho
que eles não tão gostando muito dos defuntos não…” (depoimento do
fotografo Lambe-Lambe Senhor Chico do Parque Municipal / Belo
Horizonte em 12/03/2002)
“Era chamado, nós tirávamos tanto no Pronto-Socorro tirávamos
muito, na Santa Casa tirávamos, na Medicina Legal tirávamos, até no
cemitério nos chamavam, ia enterrar a pessoa, tirava e levava para a
família. Na hora do velório, na hora do enterro, isso fazia muito. (...)
hoje, ninguém quer isso mais não. (depoimento do fotógrafos Lambe-
Lambe Senhor Camargo do Parque Municipal / Belo Horizonte em
19/03/2002)
“Já ajudei até a colocar o defunto no caixão lá, preparei ele para
tirar a foto… tirei no cemitério, na beira assim… na hora de
enterrar, na beira da cova, no velório, que o velório era feito em casa,
chamava, a gente ia e tirava, tirei em necrotério… Aonde você
pensar que tinha defunto, eu já tirei... hoje não. Hoje causa até
horror, né? A pessoa tirar retrato de defunto… Mas na época, olha
para você ver como é que são as coisas: hoje, isso causa até assim
um certo… Ah, um certo… como é que fala assim?… Uma
superstição, né? Falar assim: “Puxa vida, tirar um retrato da pessoa
morta e guardar uma lembrança da pessoa ali, no caixão ali…Mas
na época… Tudo tem o seu valor no devido tempo: na época, tinha.
162
Porque às vezes o coitado ali morreu, ele nunca foi fotografado na
vida dele. Então, a chance que ele teve foi naquela hora. E eu estava
lá, ué... Na década de 60, até na década de 70 ainda aparecia alguma
“vítima”, ainda.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor
Wagner do Parque Municipal / Belo Horizonte em 09/04/2002)
“Eu tirei foto de defunto já. E tiro também no Pronto-Socorro, a gente
vai tirar fotografias de pessoas que estão enfermas lá, que não
podem sair lá, e eles vêm convidar a gente para ir tirar
fotografias também de pessoas e tira de defuntos, também.”
(depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Senhor Xavier do Parque
Municipal / Belo Horizonte em 22/03/2002)
“Nossa, terrível. um mal-estar, né? E é uma foto que muita
preocupação pra gente. Porque a foto pode acontecer de queimar, de
dar um defeito, né? Normalmente acontece aqui e a gente pode
repetir. E o defunto? Não pode repetir a foto.” (depoimento da
fotógrafa Lambe-Lambe Dona Zita do Parque Municipal / Belo
Horizonte em 08/03/2002)
Riedl (2002) destaca que o registro da imagem dos mortos, inicialmente em pinturas,
esculturas e máscaras mortuárias, e posteriormente em fotografias, é uma prática universal
que pode ser detectada em diferentes tempos e espaços sociais. Tradicionalmente o registro
da morte e dos mortos reforçava os laços afetivos e os nculos sociais entre indivíduos do
grupo familiar e afetivo. Como em Bourdieu (1965), a vertente de análise utilizada por Riedl
se orienta por compreender o papel da fotografia através da perspectiva dos agentes
produtores e receptores das imagens através de uma consistente pesquisa etnográfica.
Demonstrando a importância da fotografia no processo de construção identitária e de
consolidação dos laços de sociabilidade, Riedl detecta a sobrevivência no século XXI da
prática do registro fotográfico de mortos em seus velórios e/ou sepultamentos na região do
Cariri, no Nordeste brasileiro, e que pode ser explicada pelo forte sentido de religiosidade e
pela intensa devoção aos mortos que caracteriza identitariamente esse espaço social que
testemunhou o surgimento do culto e veneração ao Padre Cícero. Segundo Riedl,
principalmente nas romarias do Nordeste, o luto se confunde com festa, e os rituais da morte
possuem uma dimensão festiva.
A fotografia feita por um Lambe-Lambe (figura 109) aqui utilizada na abordagem
comparativa com o retrato de um velório na residência de uma família burguesa da cidade de
163
Juazeiro do Norte na década de 1930/40 (figura 108), e que ilustra a capa do livro publicado
por Riedl, registra uma personagem folclórica de Juazeiro do Norte apoiando uma pessoa
morta em suas costas, um coveiro chamado de Ezequiel Coveiro, e que viveu na cidade nas
primeiras décadas do século XX. A imagem mostra o costume local de transportar defuntos
em tábuas de madeira (que também poderia acontecer em redes de dormir) quando a família
não possuía recursos monetários e financeiros para a compra de um caixão.
Nas informações visuais que surgem da análise comparativa entre os retratos
produzidos pelos Lambe-Lambes e os retratos de família que registram rituais de
sepultamento, podemos perceber a estreita relação dos fotógrafos de praça com um público
consumidor dessas imagens proveniente das classes populares. Em uma fotografia anônima
que registra em uma funerária uma série de caixões populares utilizados para o enterro de
crianças, Koury (2006) detecta na imagem uma
“...estética da pobreza na morte (...)” (Koury,
2006:66)
, aspecto visual que também transcende do retrato feito pelo Lambe-Lambe de um
ritual funerário onde, de maneira oposta da imagem de caixões analisada por Koury, a
pobreza se explicita visualmente pela ausência fotográfica (não-fotografado) do caixão, um
atributo material de grande importância simbólica nos ritos de morte.
A figura 108 demonstra como o Lambe-Lambe foi um importante agente
democratizador e popularizador do acesso ao retrato fotográfico. Nas referências
bibliográficas que abordam as diferentes etapas da evolução técnica e tecnológica da
fotografia, o caráter de difusão, de democratização e de popularização do retrato fotográfico é
recorrentemente relacionado a dois momentos históricos específicos: o surgimento dos
formatos carte de visite (9,5 x 6 cm) e carte cabinet (9,5 x 14 cm) na década de 1850, e o
desenvolvimento pela Kodak das câmeras portáteis de uso amador/familiar a partir da última
Figuras 108 e 109: no registro fot
ográfico de pessoas mortas podemos perceber o contraste material entre a
imagem de um velório esquerda) em uma residência de uma família burguesa da cidade de Juazeiro do Norte
(PE) e a fotografia feita por um Lambe-Lambe (à direita) de uma pessoa morta
carregada em cima de uma tábua,
uma informação visual que revela e denuncia os poucos recursos financeiros da família do defunto.
164
década do século XIX. É inegável que esses momentos testemunharam uma maior difusão
numérica e quantitativa dos retratos fotográficos, mas os termos “democratização” e
“popularização” não parecem muito precisos e corretos para definir essas duas etapas da
evolução técnica e dos usos sociais da fotografia. Foi apenas com o surgimento do fotógrafo
Lambe-Lambe que o acesso ao retrato fotográfico realmente se democratiza e se populariza,
pois, pelo barateamento do custo da fotografia, esse profissional possibilitou que as camadas
populares, que não podiam freqüentar os estúdios fotográficos ou comprar uma câmera
portátil, pudessem adquirir o seu auto-registro imagético.
Uma questão que pode se colocar para o pesquisador que trabalha com retratos de
família, e que é objeto de reflexão de Moreira Leite (1993) e de Maresca (1996), é a
possibilidade de que o corpus fotográfico estudado seja composto por imagens retiradas de
suas redes relacionais, fazendo com que a pesquisa seja realizada sobre instantâneos anônimos
e com poucas referências informacionais sobre o contexto de produção e recepção do
documento fotográfico, um problema que afeta também uma grande parte do material de
pesquisa sobre os retratos produzidos pelos fotógrafos Lambe-Lambes.
Moreira Leite propõe organizar as imagens pesquisadas em séries, e ressalta a
importância de se analisar os códigos escritos nas legendas dos álbuns fotográficos e nas
dedicatórias das fotografias, o que permite ampliar o nível informativo da documentação
imagética estudada.
Figuras 110 e 111: As legendas dedicatórias e comentários escritos, nos álbuns de retratos familiares
esquerda) e nas imagens fotográficas de Lambe-Lambes (à direita), fornecem referências q
ue podem
ampliar o conteúdo informacional desses documentos visuais.
165
A fotografia também deve ser confrontada criticamente com outras fontes documentais
de pesquisa, possibilitando, assim, reconstituir o contexto histórico, social e cultural que
envolveu o processo de produção e consumo da imagem.
Refletindo sobre a questão do anonimato que permeia diferentes tipos e corpus de
documentações fotográficas utilizadas em pesquisas sobre a realidade social, Maresca (2000)
demonstra que a inexistência de referências informacionais das imagens anônimas não são
obstáculos ou problemas espistemológicos para pesquisador. Nos retratos anônimos, o
particular e o individual cedem espaço para desvendar sentidos mais abrangentes, revelando
papéis, grupos e classes sociais. Mais do que pessoas em particular, o caráter de
impessoalidade desses retratos narra visualmente visões de mundo, comportamentos e
sentimentos humanos.
Uma análise comparativa entre imagens e narrativas orais pode superar possíveis
limitações informacionais de documentações fotográficas:
“Verificou-se, também, a insuficiência
da imagem fotográfica como documentação histórica, sem depoimentos verbais do fotografado e/ou
dos retratados, e descendentes ou de colecionadores.” (Moreira Leite, 1993:84).
Tal fato reforça a
questão de que uma metodologia de trabalho em torno das fotografias produzidas pelos
Lambe-Lambes deve necessariamente considerar a possibilidade de entrevistar tanto estes
fotógrafos, como os usuários de seus serviços profissionais, permitindo, com isso, desvendar
as múltiplas potencialidades informacionais deste tipo de retrato obtido nos espaços públicos
das cidades, fruto de um ofício que atualmente se encontra em vias de extinção.
3.2.2 Acervos fotográficos familiares produzidos por Lambe-Lambes
Um aspecto importante que se destaca da imagem fotográfica é a dimensão de
registrar as permanências temporais e as mudanças e transformações provocadas pela
passagem do tempo, e que podem ser detectadas pela análise comparativa das paisagens,
lugares e pessoas fotografadas. Nas fotografias feitas pelos Lambe-Lambes tais aspectos
podem ser percebidos tanto nos retratos para documentos como nas fotografias do tipo postal.
Figuras 112 e 113: na comparação entre os retratos para d
ocumentos de um indivíduo em diferentes momentos
de sua vida, as imagens registram a passagem do tempo através dos sinais físicos que marcam o processo de
crescimento, amadurecimento e envelhecimento do ser humano.
166
Essas questões aparecem de maneira marcante em dois acervos de fotografias
familiares utilizados nesse trabalho como fontes e objetos de reflexão.
O primeiro acervo fotográfico analisado pertence à família Cozendey, moradora de
Realengo, um tradicional bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Vários
membros da família Cozendey utilizavam recorrentemente os serviços prestados por um
fotógrafo Lambe-Lambe que atuava na praça local da região, denominada Praça dos Cadetes.
Aos longo das décadas de 1960 e 1970 as fotografias produzidas por esse fotógrafo Lambe-
Lambe registrou o crescimento e os momentos marcantes das novas gerações da família
Cozendey.
O segundo acervo fotográfico utilizado é da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro
Teodósio da Silva, que desde 1955 sempre atuou e morou nos arredores do Largo do
Machado. Portanto, essas imagens familiares feitas por Pedro possuem uma dupla dimensão
de sobreposição do agente produtor e do agente receptor dos retratos fotográficos analisados.
Nas imagens registradas fotograficamente podemos acompanhar visualmente o processo
migratório da família do Nordeste para o Rio de Janeiro nos anos 1950, e testemunhar o
crescimento de seus filhos e sobrinhos no Largo do Machado, local de moradia e espaço
público que ocupa profissionalmente há mais de cinquenta anos.
Os depoimentos orais de Pedro Teodósio da Silva, assim como os de Maria Augusto
Pinto Cozendey e da sua filha Laura Maria Cozendey Araújo, revelaram importantes aspectos
de análise sobre as imagens familiares analisadas. Pedro e Maria Augusto são os guardiões da
memória fotográfica de suas famílias. Como observou Ferreira (1996) em sua pesquisa
etnográfica sobre o papel dos retratos de família no universo da velhice, a fotografia constitui-
se como um patrimônio familiar transmitido de geração em geração através de guardiões e
guardiãs dessa memória, que são geralmente os membros mais idosos que herdaram a guarda
do acervo imagético do grupo familiar. Barros e Strozenberg (1992) apontam que nas
pesquisas e nos trabalhos sobre retratos de família um dos membros do grupo familiar assume
o papel de guardião do espólio patrimonial imagético do grupo, tornando-se um elemento
estratégico na preservação e na transmissão da memória familiar, e que exerce o papel social
de narrador privilegiado da trajetória de vida do grupo familial. Através das narrativas orais
sobre as fotografias da família podemos constatar que cada imagem está impregnada de
histórias e memórias da trajetória do grupo, e os registros imagéticos estimulam as narrativas
destas crônicas domésticas para as novas gerações, questão destacada em um depoimento
registrado no trabalho de Barros e Strozenberg (1992):
167
“Eu punha a caixa de retratos em cima da cama e ficava horas vendo
as fotografias, enquanto mamãe ia falando sobre elas. Justamente
como eu faço agora com meu neto, que me chama para mostrar o
álbum. Para ele, é um livro de histórias.” (Barros e Strozenberg,
1992:23)
O acervo fotográfico da família Cozendey se destacou pelo grande refinamento dos
recursos cênicos e estéticos utilizados pelo fotógrafo Lambe-Lambe que atuava, nos anos
1960 e 1970, na Praça dos Cadetes em Realengo:
“...sempre o mesmo Lambe-Lambe, no mesmo
fotógrafo, sempre o mesmo.” (depoimento de Laura Cozendey)
. Na análise estética das fotografias,
o piso de concreto do terreno da praça registrado nas imagens comprova que os retratos foram
produzidos em um espaço público, e não em um estúdio fotográfico, questão confirmada
pelos relatos orais sobre o contexto de produção das imagens abaixo:
“O Lambe-Lambe ficava nessa parte aqui da calçada, tinha umas
caixas d’água, então ele botava aquele painel nas paredes das caixas
d’água, das cisternas...ele botava nessa parte da caixa d’água porque
ela tinha calçada...o restante era terra...” (depoimento de Laura
Maria Cozendey Araújo)
“Ele pegava o muro da caixa d’água, aproveitava e encaixava o pano
pra servir de base” (depoimento de Maria Augusto Pinto
Cozendey)
Figuras 114, 115 e 116: os recursos nicos sofisticados banquetas e painéis de fundo
se assemelham
esteticamente aos utilizados nos sofisticados estúdios fotográficos. A calçada de cimento da praça comprova
visualmente que essas imagens foram produzidas em um espaço público.
168
Um aspecto que se destaca dessas imagens familiares é a dimensão da passagem do
tempo nos registros fotográficos de representantes do grupo infantil da família Cozendey,
produzidos pelo Lambe-Lambe na praça de Realengo. Geralmente os retratos eram feitos em
sintonia com o calendário de datas festivas e, principalmente em períodos próximos aos
aniversários dos fotografados:
“A gente tirava foto de ano em ano (...) porque eu faço aniversário
com meu irmão em vinte e oito de fevereiro, e minha irmã faz dia três
de março, então juntava os três e tirava a fotografia e ficava a
lembrança daquele ano...” (depoimento de
Laura Maria Cozendey
Araújo).
“A gente ia pra fazer essas fotos quando era marcante alguma data,
tipo aniversário, natal às vezes tirava, carnaval a gente tirava
também com aquelas fantasias...” (depoimento de Maria Augusto
Pinto Cozendey)
Portanto, essas fotografias refletem visualmente um ritual que marcava as etapas e
estágios da vida dos membros mais novos da família. O cuidado e a preocupação do
fotógrafo pela manutenção dos mesmos elementos cênicos e de um padrão de pose, postura e
posicionamento dos indivíduos retratados
“...o que é engraçado nas fotos...um detalhe que
realmente eu não prestava atenção...as fotos, as posições das pessoas são exatamente as mesmas.”
(depoimento de Laura Maria Cozendey Araújo)
- reforça visualmente a dimensão de percepção da
passagem do tempo, favorecendo a análise comparativa entre os diferentes momentos
temporais registrados fotograficamente. Através das narrativas orais de Maria Augusto e da
sua filha Laura, que aparece à esquerda nas figuras 119 e 120 com seus irmãos, percebemos
como a memória familiar reflete a participação do agente produtor (fotógrafo) e do agente
receptor (família) da fotografia na definição da pose imagética elaborada:
“...eu acho que todas as fotos que a gente tira eu sempre desse
lado, eu não sei porquê, Não me pergunte o porquê...eu acredito que
talvez seja o próprio fotógrafo que sugeria essas poses.” (depoimento
de Laura Maria Cozendey Araújo)
“O fotógrafo ajeitava, mas eu é que falava como queria a foto...”faz
assim”, “segura aqui”... e aí o fotógrafo concordava e batia. O que o
169
fotógrafo falava era “levanta o rosto!”, mais essa parte...agora da
pose em si, detalhes, ele deixava por conta da gente.” (depoimento de
Maria Augusto Cozendey Pinto)
No caso do acervo familiar do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro, a dimensão da
passagem do tempo aparece, em um primeiro momento, na mudança dos espaços
Figuras 117, 118, 119 e 120: na análise comparativa dos dois pares de fotografia, a manutenção dos
elem
entos cênicos e das poses e posições assumidas pelas crianças fotografadas reforça a noção das
transformações temporais dos indivíduos registrados nas imagens.
170
fotografados, marcando visualmente a migração da sua família, nos anos 1950, da cidade de
Monteiro, no Estado da Paraíba, para o Largo do Machado na cidade do Rio de Janeiro:
“Só a foto relembra. Veja bem o que é a fotografia. Eu tenho uma foto
da minha mãe quando eu comecei a profissão, isso em1948, tirada no
fundo do nosso sítio, nossa pequena propriedade, nossa pequena
fazendola. Quando eu vejo aquilo é uma grande recordação.”
(depoimento de Pedro em 16/08/2006)
“Quando foi em 1955 (...) vim para aqui e arranjei licença pra
trabalhar no Largo do Machado.”
(depoimento de Pedro em
16/08/2006)
A árvore próxima ao seu ponto de trabalho
- “Eu vi plantar ela, eu vi cavar o buraco.
Nessas alturas eu trabalhava mais pra um pouquinho (...) quando plantaram a árvore (...) essa
Figuras 121, 122, 123 e 124: mudanças nos atributos espaciais
paisagens e elementos arquitetônicos e
urbanísticos -
ao longo do tempo são registradas nas fotografias da família de Pedro na zona rural da
Paraíba (f
iguras acima) em contraponto com as imagens familiares produzidas no espaço urbano do Largo
do Machado no Rio de Janeiro (figuras abaixo).
171
que ta (...) então eu fui fazendo ponto ali porque ali dava sombra boa (...) ela foi crescendo, foi
crescendo (...) e cresceu e cresceu, e eu fiquei trabalhando ali muito tempo.” (depoimento de Pedro
em 10/12/2001)
é um atributo espacial que fornece o sentido de estabilidade, continuidade e
permanência na memória e nas narrativas visuais de Pedro. A partir dos anos 1960, as
imagens familiares por ele produzidas no Largo do Machado registram a passagem do tempo
através do crescimento de uma nova geração da família Teodósio da Silva nascida no Rio de
Janeiro, afirmando imageticamente o sucesso e a prosperidade de migrantes nordestinos que
se estabelecem na cidade grande, graças ao ofício de fotógrafo Lambe-Lambe.
Figuras 125 até 130: os registros imagéticos da passagem do tempo e do crescimento da família Teodósio da
Silva acontecem em torno da árvore que marca espacialmente o local de trabalho de Pedro no Largo do
Machado (figura 125).
172
Como vimos anteriormente, as legendas e dedicatórias, geralmente localizadas nos
versos dos documentos fotográficos, assim como o depoimento oral do fotógrafo, das pessoas
retratadas e/ou de seus descendentes, permitem elucidar importantes perspectivas e fatores
que emergem dos contextos de produção, de recepção e de circulação das imagens
fotográficas, e revelam aspectos específicos sobre a relação dos grupos envolvidos nesses
processos e, principalmente, desvendam novas dimensões dos usos familiares dos retratos
feitos por Lambe-Lambes. Nas imagens produzidos nos espaços públicos pelos fotógrafos
Lambe-Lambes, assim como nos retratos de família, o código escrito das legendas e
dedicatórias amplia o nível informacional do documento fotográfico em pesquisas e trabalhos
acadêmicos:
“...as legendas freqüentemente são indispensáveis, podendo até transformar o conteúdo
observado, ao mudar o foco e o em torno.” (Moreira Leite, 1993:78)
Os retratos fotográficos são importantes elementos de referência e emblemáticos
suportes materiais de organização da memória familiar, e as legendas, dedicatórias e
verbalizações, através de depoimentos orais, permitem identificar detalhes e sutilezas do
conteúdo visual das imagens (pessoas, datas, locais, temas e períodos retratados) e dos
contextos de guarda, preservação, conservação e contemplação das fotografias, revelando
inclusive situações e personagens não-fotografados.
Em um artigo que analisa as fotografias de uma família tradicional da oligarquia de
cafeicultores do município de Vassouras (Rio de Janeiro), no século XIX (Coleção Ribeiro
Avellar), Muaze (2006) mostra como os retratos e álbuns de família produzidos nos
sofisticados estúdios fotográficos foram utilizados socialmente como fontes de divulgação e
de difusão de uma imagem desejada das classes abastadas e senhoriais da elite imperial
brasileira, exaltando e afirmando visualmente a prosperidade econômica, o prestígio social e a
coesão desses grupos:
“A pose, a expressão facial, o vestuário, o fundo, os objetos e móveis
que compunham o cenário tudo era pensado para produzir uma
imagem condizente com os símbolos de classe com o qual o cliente
gostava de ser identificado.” (Muaze, 2006:80)
Com o aumento da circulação e da troca de retratos entre os membros familiares e os
grupos afetivos amplia-se o sentido de integração entre os indivíduos envolvidos nesse
processo, e as dedicatórias escritas nos documentos fotográficos tiveram um papel estratégico
para reforçar a função de coesão social das imagens:
173
“Parentes, amigos e compadres encomendavam fotografias e as
dedicavam, no verso, a entes queridos. Por aqui, inclusive, esse
hábito teve um papel importante: reforçar as reciprocidades
familiares e os laços de amizade entre a classe senhorial.” (Muaze,
2006:78)
Refletindo sobre os usos e as funções sociais da fotografia, Moreira Leite (1993)
interpreta o processo de circulação dos retratos fotográficos entre os membros do grupo
familiar e/ou afetivo como um fator que reforça o sentido de coesão e de integração entre os
indivíduos. A autora mostra como as (inter)relações sociais no interior do grupo são
reveladas através de acervos involuntários de memória como diários e fotografias
revelando detalhes e sutilezas que permeiam hábitos e costumes da vida cotidiana do universo
familiar, questões que podem ser detectadas também na análise das legendas e dedicatórias
escritas no documento fotográfico.
O argumento central aqui desenvolvido pretende destacar que nos retratos fotográficos
de Lambe-Lambes, as legendas exemplificam o caráter de instrumento de (auto)identificação
individual e coletiva do documento fotográfico, e as dedicatórias reforçam a função social
dessas imagens, participando da construção da noção de pertencimento de indivíduos ao
grupo afetivo e/ou familiar. As legendas e dedicatórias escritas no retrato fotográfico
fornecem novas dimensões de análise dos contextos de produção, de recepção e de circulação
das imagens.
Conceitualmente, as legendas podem ser definidas como informações de caráter
objetivo e descritivo de eventos, lugares, datas e pessoas relacionadas ao registro imagético
fotografado. A legenda atua como um suporte de memória do momento fotografado, e
geralmente é uma referência escrita pelo agente receptor da imagem para “si”.
174
As dedicatórias, por sua vez, são informações escritas para o “outro”, no sentido de
formalizar uma homenagem e transformar o documento fotográfico em uma lembrança e
recordação para terceiros, geralmente pertencentes ao grupo familiar e/ou afetivo. A
fotografia com dedicatória assume a característica de presente, de souvenir (que traz à tona
uma lembrança) e de dádiva. Lanna (2000) analisa o trabalho de Mauss (1974) e destaca que a
troca de dádivas é uma prática universal que permeia formas de sociabilidades, de
convivências e de vivências sociais. Segundo Mauss, a dádiva gera alianças em diferentes
campos sociais: político, religioso, jurídico e econômico. Portanto, o conceito de dádiva
abrange uma grande amplitude de manifestações, como em troca de presentes, em tributos,
em visitas ou em heranças:
“...as trocas são simultaneamente voluntárias e obrigatórias,
interessadas e desinteressadas, (...) mas também simultaneamente úteis e simbólicas” (Lanna,
2000:178)
. Nos retratos de Lambe-Lambe analisados, as dedicatórias, ao contrário das
legendas informativas e descritivas, são elaboradas através de um texto de caráter mais afetivo
e emotivo e que, muitas vezes, incorporam informações objetivas como datas, eventos e
nomes de referência:
“Aos / meus queridos / tios uma lem- / brança do meu segun- /
do aniversário.” (dedicatória da figura 134)
Figuras 131, 132 e 133: no verso das imagens do acervo fotográfico das famílias Teodósio da Silva (acima) e
Cozendey (abaixo), as legendas - “Meus 28 anos / 27-8-60 / Pedro”, “Roberto Théo / com 4 meses / (fou
r
months)” e “19 anos / 1950” - registram referências escritas de caráter informacional objetivo.
175
“Aos / meus queridos / vôvos / uma lembran- / ça da minha primeira
/ comunhão com um bei- / jo da neta / Laura Maria / 20-1-67”
(dedicatória da figura 135)
“Recordação / Aos padrinhos / e tios de Laura / Beatriz / e Artur /
Henrique. / Laura (4 anos) / Artur (6 anos) / 1972” (dedicatória da
figura 136)
Nas diferentes cópias fotográficas distribuídas entre os membros do grupo familiar ou
afetivo é muito comum que as dedicatórias nos retratos de crianças tenham sido escritas por
adultos e não pelos próprios retratados, como é o caso das fotografias de Laura Maria (figura
134) e de seus primos (figura 136), onde as dedicatórias foram escritas pelas mães das
Figuras 134, 135 e 136: dedicatórias para
os parentes no verso dos retratos fotográficos da família
Cozendey exemplificam a dimensão dessa tipologia de texto escrito, transformando as imagens que
circulam entre parentes e amigos em dádivas que registram momentos marcantes e fortalecem os laços de
sociabilidade no interior do grupo.
176
crianças retratadas:
“O hábito de se escrever a dedicatória como se fosse a criança escrevendo é
hábito da família.” (depoimento de Laura Maria Cozendey Araújo)
Na fotografia abaixo do acervo familiar do Lambe-Lambe Pedro, as referências
escritas no verso assemelham-se no conteúdo e na estética aos exercícios de caligrafia de uma
pessoa em fase de alfabetização. De maneira meramente especulativa, poderíamos imaginar
se foi a criança fotografada que teria escrito a dedicatória, repetindo uma prática incorporada
no seu grupo familiar, e mostrando que, assim como a fotografia, a elaboração de legendas e
dedicatórias nos retratos fotográficos também se constitui como um habitus (Bourdieu).
Uma questão importante que emerge na análise dos retratos fotográficos, e que se
revela através dos depoimentos orais dos agentes receptores das imagens, está relacionado ao
contexto de preservação, conservação e guarda das fotografias.
Ferreira (1996) relata em seu artigo uma pesquisa etnográfica realizada sobre mulheres
idosas em pensionatos e em ambientes familiares, refletindo sobre as memórias e sobre o
universo identitário da velhice. O principal foco de análise foi sobre a presença da fotografia
nos espaços ocupados pelos idosos, predominantemente os retratos de família, suportes
visuais e mediações simbólicas que participam da construção de significados, representações,
papéis e valores sociais que permeiam o grupo familiar. As fotografias expostas ao olhar dos
visitantes, em molduras nas paredes ou em porta-retratos, atuam simbolicamente como
emblemas sociais que definem papéis e representações sociais. Em contrapartida, no
ambiente doméstico várias fotografias permanecem escondidas do olhar de visitantes,
guardadas em gavetas ou armários. Muitas dessas fotografias mantidas no interior de
mobiliários domésticos são imagens que possuem uma dimensão mais emotiva para os seus
Figuras 13
7 e 138: no verso da fotografia as vogais escritas (“a, e, i, o, u”) permitem especular que a criança
fotografada exercita uma prática familiar de escrever dedicatórias e legendas nos retratos fotográficos.
177
guardiões, e o fato de estarem fora do alcance do olhar minimizam sentimentos de saudade,
nostalgia ou tristeza que podem aflorar a partir dessa memória visual.
Segundo Barros e Strozenberg (1992) as fotografias nos álbuns, nas molduras em
paredes, em porta-retratos, ou em gavetas, armários e caixas definem visibilidades e
invisibilidades que refletem os diferentes estatutos e valores dessas imagens nos espaços
domésticos. No ambiente privado, os retratos de família são selecionados segundo um critério
de maior ou menor exposição visual no interior das residências. Nos depoimentos registrados
pelas autoras, percebe-se que este processo envolve decisões sobre a memória familiar a ser
preservada e transmitida, refletindo a lógica das representações e das produções de sentido no
grupo familial. Deve-se observar, portanto, a dinâmica de circulação e de mobilidade espacial
das coleções de retratos de família, pois essas imagens podem circular entre os diferentes
membros do grupo com a mudança da guarda do patrimônio imagético familiar. Mortes e
separações podem ocasionar divisões e desmembramentos das coleções fotográficas, sendo
inclusive alvo de disputas nas partilhas e nos testamentos.
As imagens fotográficas da família Cozendey, todas em ótimo estado de conservação,
estavam guardadas, soltas, em caixas de papelão (típicas embalagens de camisas masculinas
reaproveitadas) dentro de um armário, e reunidas aparentemente sem nenhum critério de
ordenamento específico. Legendas e dedicatórias escritas para parentes já falecidos
comprovam o papel de Maria Augusto como herdeira e guardiã da memória fotográfica
familiar.
No caso do acervo fotográfico de Pedro Teodósio da Silva, além dos retratos
familiares, que estão cuidadosamente organizados em pastas e guardados em locais com boas
condições de conservação, são relativamente poucas as imagens produzidas ao longo de mais
de cinqüenta anos de trabalho como fotógrafo Lambe-Lambe que foram preservadas. Com
exceção de alguns retratos do tipo 3x4, e que da mesma forma que os retratos de família
foram fixados em suporte de papelão e protegidos por uma cobertura plástica, a maior parte
do trabalho fotográfico profissional de Pedro encontra-se exposta nas laterais de suas duas
máquinas do tipo caixote que ainda utiliza no Largo do Machado.
178
Como ocorre no ambiente doméstico familiar, o processo de seleção das fotografias
que serão vistas ou guardadas também se nas laterais da tradicional câmera fotográfica
utilizada pelos Lambe-Lambes. Nas praças, as escolhas da imagens expostas ao olhar público
são afetadas não por motivações técnicas e estéticas relativas ao serviço fotográfico
oferecido
“Ah, o mostruário também, isso tem uma técnica também! Você tem que colocar o
mostruário de acordo com o perfil de seu cliente, entendeu?” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe
Senhor Wagner do Parque Municipal / Belo Horizonte em 09/04/2002)
mas são influenciadas,
também, por critérios que envolvem sentimentos e subjetividades da trajetória profissional e
de vida dos fotógrafos Lambe-Lambes. No discurso visual elaborado nas laterais das
máquinas Lambe-Lambes podemos encontrar, recorrentemente, os retratos familiares do
fotógrafo dividindo espaço com as imagens produzidas profissionalmente.
46
46
Depois de anos pesquisando e convivendo com vários Lambe-Lambes ao longo do trabalho etnográfico, um
motivo de orgulho para mim aconteceu quando solicitei ser fotografado pelo Lambe-Lambe Jorge Teodósio da
Silva, no Largo do Machado. Após ser revelada a fotografia uma cópia foi imediatamente colocada na lateral da
sua máquina Lambe-Lambe. Passados alguns anos essa imagem ainda está exposta na sua câmera fotográfica e,
sempre que nos reencontramos, ele faz questão de mostrar que o retrato ainda está no mesmo lugar. Considero
isso uma honra, pois esse gesto simbólico reflete uma marcante relação de afetividade desenvolvida ao longo da
pesquisa, demonstrando como no encontro etnográfico as relações entre pesquisadores e pesquisados são
afetadas por subjetividades que escapam do controle e dos rigores mais ortodoxos e dos pressupostos teóricos e
metodológicos planejados, questões que influem de maneira marcante no percurso do projeto e no
desenvolvimento do texto etnográfico.
Figuras 139, 140, 141, 142 e 143: organizadas e
m pastas (acima) ou expostas nas laterais das tradicionais
máquinas fotográficas de jardim (abaixo), o acervo fotográfico preservado pelo Lambe-
Lambe Pedro Teodósio
da Silva registra momentos da sua vida familiar e profissional.
179
De uma maneira mais ampla, um grande obstáculo durante a pesquisa foi ocasionado
pelo fato dos fotógrafos Lambe-Lambes entrevistados não terem o hábito de guardar cópias
ou negativos das imagens fotográficas produzidas ao longo de suas trajetórias profissionais:
“Certamente foi esse o meu maior erro, não ter guardado, não ter conservado as fotografias.”
(depoimento de Pedro Teodósio da Silva em 16/08/2006).
As fotografias conservadas pelos fotógrafos Lambe-Lambes são geralmente as que
ficam expostas nas laterais de suas máquinas fotográficas, e que são renovadas e substituídas
por outras ao longo da trajetória de suas trajetórias profissionais:
“Olha, eu não tenho foto nenhuma assim… diferente, sabe? Tenho
não. Porque as fotos que sobram, eu vou colocando . As que
entregam, entregam, então inclusive esses dias eu fiz uma limpeza aí,
joguei um monte fora.” (depoimento da fotógrafa Lambe-Lambe
Dona Zita do Parque Municipal / Belo Horizonte em 08/03/2002)
Muitas vezes as imagens localizadas ao longo do processo de pesquisa encontravam-se
em péssimo estado de conservação, conforme podemos observar nas fotografias abaixo que
registram a imagem das laterais de algumas antigas máquinas fotográficas Lambe-Lambes:
180
Nos retratos fotográficos, a imagem e a visualidade participam como elementos
organizadores das narrativas de vida, estimulando lembranças de momentos biográficos e
familiares. O acervo fotográfico herdado pelas novas gerações, e as histórias e lembranças
evocadas por essas imagens, constroem enredos e narrativas sobre o percurso do grupo e
criam uma memória familiar que atua como lastro identitário e fator de coesão entre
indivíduos.
Assim como os retratos produzidos pelos Lambe-Lambes, os retratos de família
registram a memória do grupo e do universo familiar e afetivo, e constituem-se socialmente
como estratégicos elos entre diferentes membros e gerações de uma família. Estas imagens
possibilitam reforçar os laços de sociabilidade e o sentido de união, de integração e de
pertencimento de indivíduos ao grupo. Desta forma, os registros dos momentos de harmonia,
de felicidade e de sucesso da vida familiar, juntamente com os silêncios imagéticos sobre os
conflitos, os atritos e as desarmonias, contribuem para perpetuar e preservar o sentido de
estabilidade e de durabilidade das inter-relações entre os membros do grupo. Poses, gestos,
atributos materiais e espaciais participam da narrativa visual para elaborar a construção de
uma representação de distinção e de sucesso social do grupo familiar e de seus membros.
Indivíduos e grupos ocupam predominantemente o primeiro plano da imagem fotográfica, e
geralmente estão posicionados de uma maneira centralizada e simétrica, pois as pessoas
retratadas personificam simbolicamente o papel de atores principais, e não meros figurantes
ou atores coadjuvantes, no enredo da vida social cotidiana e doméstica.
Figuras 144 até 149: a precária preservação e conservação de muitas fotografias produzidas pelos Lambe-
Lambes
pode ser exemplificada pelas imagens das laterais de antiga
s máquinas caixotes fotografadas ao longo dessa pesquisa
etnográfica.
181
Através dos retratos de família podemos identificar e (re)conhecer diversos aspectos
do nosso próprio enredo cotidiano, pois estas imagens permitem criar fortes analogias com os
nossos universos familiares e com as nossas experiências e vivências pessoais. A
familiaridade, e o não-estranhamento do universo doméstico vem da nossa cumplicidade na
experiência de pertencimento a um determinado grupo familiar.
Porém, cabe ao pesquisador alcançar um estranhamento dessa perspectiva de
familiaridade, desnaturalizando o que, em princípio, achamos que conhecemos e entendemos,
uma postura necessária para se efetivar uma leitura crítica e uma desconstrução que decifre e
diferencie o real e o representacional da narrativa visual fotográfica.
Bourdieu (1965) demonstrou como a fotografia, aparentemente uma prática social e
cultural livre dos códigos de representação, na verdade reflete o triunfo dos códigos, das
representações e das convenções sociais, privilegiando alguns aspectos e omitindo
determinados ângulos da realidade e da vida cotidiana. Dessa forma, um estudo sobre a
prática fotográfica e sobre a significação social da imagem possibilita uma reflexão sobre
pensamentos, valores, comportamentos e experiências vividas ou mitificadas por indivíduos e
grupos sociais. Observando como grupos sócio-culturais reagem ao seu passado imagético
aceitando, valorizando ou negando podemos compreender diferentes perspectivas de
trajetórias individuais e coletivas na vida social cotidiana.
182
4 UMA PRÁTICA PROFISSIONAL INSERIDA
NA NARRATIVA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
183
A transformação do fotógrafo Lambe-Lambe em patrimônio cultural no município do
Rio de Janeiro, foi resultado de um projeto de preservação desta profissão elaborado no
âmbito da pesquisa etnográfica desenvolvida ao longo do doutoramento em Ciências Sociais
no PPCIS/UERJ. Portanto, nesta parte do trabalho, a análise será elaborada em torno da
reflexão sobre as potencialidades e possibilidades dos trabalhos acadêmicos e das pesquisas
etnográficas afetarem políticas públicas no campo da preservação, da valorização e do
reconhecimento de patrimônios culturais.
Como Silva (2000) demonstrou em seu trabalho sobre religiões afro-brasileiras (e
abordado no capítulo 1), os relatos e pesquisas etnográficas podem contribuir para fortalecer
interesses legitimadores de tradições e de práticas culturais marginalizadas e/ou
desvalorizadas em um determinado momento histórico e social. Com a emergência de
políticas públicas direcionadas para o caráter imaterial de práticas e manifestações culturais, o
campo antropológico participa de maneira mais intensa nos processos de investigação, de
documentação, de análise e de definição das fronteiras patrimoniais.
Museus, centros culturais e outros espaços expositivos têm atuado nas recentes
políticas patrimoniais como espaços estratégicos de democratização informacional e de
divulgação, valorização e legitimação de manifestações e práticas tradicionais. Neste
contexto, abordarei ainda nesse capítulo a exposição O fotógrafo Lambe-Lambe: guardião da
memória e cronista visual da sociedade, realizada em 2006, com base no trabalho etnográfico
aqui desenvolvido e elaborada em comemoração ao primeiro ano do Decreto Municipal
25678. Assim como a exposição, a organização de mesas redondas para discutir as políticas
de patrimônio imaterial constituíram importantes elementos divulgadores que potencializaram
as perspectivas de revitalização dessa tradicional prática cultural.
O conceito de patrimônio cultural será considerado aqui como uma narrativa e uma
formação discursiva (conceito de Foucault, 1996), e que aparecem igualmente de maneira
marcante em Veloso (1992) e Gonçalves (1996).
Nesse capítulo, a abordagem reflexiva tem como um dos eixos investigativos observar
e analisar como essas questões afetam os percursos teóricos e metodológicos que permeiam as
diversas etapas de um projeto de pesquisa que, por sua vez, procurou contribuir para
elaboração de uma ação pública de salvaguarda patrimonial.
184
4.1 A atuação do campo antropológico na emergência das políticas de preservação do
patrimônio intangível
“É na vida e no uso social do bem
cultural que reside o sentido da
preservação.” (Chagas, 2003:106)
Destacando os trabalhos de Arantes (1984) e de Gonçalves (1996), Abreu (2003)
detecta nos anos 1980 o crescimento dos estudos reflexivos sobre patrimônio no campo da
antropologia no Brasil, estruturando-se a visão crítica de um foco antropológico que percebe
os usos sociais do patrimônio como uma forma discursiva que participa da construção de
memórias e identidades, um contraponto sobre as questões patrimoniais que até então eram
problematizadas por historiadores e arquitetos, elaborando análises muitas vezes perpassadas
por direcionamentos e interesses ideológicos e políticos de caráter nacionalista. No mesmo
sentido, Tamaso (2005) elabora um mapeamento de trabalhos do campo antropológico sobre
questões teóricas e metodológicas relacionadas com aspectos conceituais que permeiam as
definições de patrimônio e as ões e políticas de salvaguarda. Se Gonçalves (1996) e Santos
(1992) analisam o patrimônio como uma forma de discurso e de narrativa sobre a nação,
Arantes (1984) e Fonseca (1994) abordam reflexivamente as ações, a práticas e as políticas de
preservação e salvaguarda no campo do patrimônio material. Em Arantes (2001), assim como
em Tamaso, o foco de reflexão recai sobre os agentes, grupos sociais e instituições públicas e
privadas que atuam no processo de definição e de delimitação do campo patrimonial.
Pensando no campo patrimônio imaterial Tamaso atualiza esses questionamentos e
reflete sobre o papel dos antropólogos na construção desse novo terreno de política
patrimonial de bens intangíveis:
“Os antropólogos, sobretudo, têm olhado para o patrimônio imaterial
como mais uma possibilidade no mercado de trabalho” (Tamaso,
2005:17)
Canclini (1994) define o patrimônio como um campo de conflito e disputa simbólica,
econômica e política entre o setor privado, o poder público e os grupos sociais organizados, e
a atuação - ou mediação do antropólogo no processo de definição do patrimônio imaterial
acontece nesse contexto. No trabalho de campo o antropólogo registra as suas observações
sobre o seu objeto de estudo para depois produzir um texto em que efetua uma análise dos
185
dados coletados. Conforme destaca Tamaso (2005), tais etapas correspondem à passagem do
registro etnográfico para o registro antropológico, e tal iniciativa pode ocorrer por decisão do
pesquisador, por solicitações de agências (públicas ou privadas) ou pelo próprio interesse dos
grupos detentores de práticas tradicionais. No campo patrimonial, o inventariamento e o
registro de bens culturais coloca o antropólogo frente a uma terceira tipologia de registro,
“...não mais antropológico, agora, mais do que nunca, político.” (Tamaso, 2005:26)
Tanto no cenário internacional (UNESCO) como no ambiente nacional (IPHAN) a
maior abrangência das fronteiras do campo patrimonial provocada pela emergência dos bens
de natureza imaterial incorporou pluralidades de expressões culturais e identidades sociais.
Mais significativo, porém, do que a peocupação de salvaguarda com essa nova categoria de
bens culturais, o que mais se destaca nesse contexto é uma nova perspectiva epistemológica
nas ações e políticas de preservação com a participação do campo antropológico no
inventariamento e registro das práticas e manifestações culturais intangíveis.
No cenário nacional as políticas blicas no campo do patrimônio estão cada vez mais
sendo norteadas por diferentes profissionais das ciências sociais, com a participação de
sociólogos e antropólogos na formulação de metodologias de pesquisa e na concepção de
ações e práticas preservacionistas. Tal contexto acontece no momento em que o próprio
conceito de patrimônio abriga uma ênfase na dimensão imaterial dos bens culturais. O
patrimônio imaterial se constitui como uma nova categoria de bem cultural que amplia a
abrangência do conceito de patrimônio na sociedade contemporânea, um período histórico
marcado pela globalização que afeta o campo econômico, político, social e cultural. Abreu
(2005) situa no final dos anos de 1990 a maior participação de antropólogos na política do
patrimônio intangível no cenário nacional, destacando a dupla dimensão de atuação de
antropólogos no campo do patrimônio, tanto no campo de reflexão crítica de contextos
culturais (relatos etnográficos) como no campo da intervenção em políticas e estratégias de
atuação na salvaguarda patrimonial.
O campo do patrimônio sempre foi predominantemente ocupado por arquitetos e
historiadores, em um período em que a ênfase preservacionista incidia sobre o patrimônio
material. Com a ênfase se voltando para as políticas e pesquisas sobre inventários e registros
do patrimônio imaterial, os antropólogos passam a definir critérios e formular metodologias
para lidar com o conceito de patrimônio intangível e com o registro de diferentes práticas
culturais
47
.
47
Abreu cita como reflexo desse contexto a criação em 2004 do Grupo de Trabalho de Patrimônio na
Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
186
Com a mudança no conceito antropológico de cultura, centrado na questão da
diversidade em detrimento de uma interpretação cultural de caráter evolucionista, amplia-se a
própria noção de patrimônio cultural para além dos bens históricos e artísticos, incluindo
também a imaterialidade das práticas, dos hábitos, dos costumes e das crenças sociais.
Multiplicidades e pluralidades culturais emergem inclusive no interior de contextos culturais
nacionais, e esse período se caracteriza pelo crescente interesse de pesquisadores em trabalhar
com a análise de narrativas orais e com manifestações culturais tradicionais, populares e
locais. Além do estudo de alteridades distantes, exemplos de culturas estranhas ao
pesquisador, cada vez mais os relatos etnográficos investigam alteridades próximas e culturas
urbanas pertencentes ao universo familiar do pesquisador.
Dentro desse contexto de valorização da diversidade cultural, categorias identitárias e
grupos culturais diversos índios, negros, mulheres, imigrantes, proletários ou burgueses
passam a defender a preservação de seus patrimônios específicos, um reflexo de um
movimento de objetificação da cultura, termo utilizado por Handler (1985), e os cientistas
sociais cada vez mais se transformam em mediadores desse processo que envolve diferentes
interesses e disputas entre variados segmentos, grupos e instituições da sociedade.
O inventariamento de bens imateriais em livros de registro acarreta transformações
epistemológicas e simbólicas importantes nos objetos de estudo de antropólogos,
resignificando as práticas e manifestações culturais em exemplos de bens do patrimônio
cultural.
Assim, o processo de inventário etnográfico realizado por antropólogos através dos
cadernos de campo e de registros em áudio, fotografias ou vídeos, incorporam novas
significações simbólicas quando os objetivos da pesquisa se voltam para ações de salvaguarda
patrimonial, de tal forma que Tamaso (2005) define em seu trabalho a categoria de
antropólogo inventariante para os casos em que os pesquisadores atuam especificamente no
levantamento etnográfico para fins de registro de práticas e manifestações como patrimônios
culturais.
Políticas de patrimônio refletem epistemologicamente as mudanças do conceito de
cultura no pensamento ocidental. Segundo Abreu e Chagas (2003) na perspectiva iluminista a
cultura estaria relacionada com valores ligados à erudição e aos ideais de progresso e
civilização. O conceito de patrimônio que emerge desse contexto histórico estava
profundamente vinculado aos bens culturais materiais representativos dos valores e das visões
de mundo dos grupos dominantes e da elite política e social.
187
Simão (2003) analisa as recentes ações e políticas de salvaguarda e preservação do
patrimônio imaterial, destacando os benefícios gerados para os grupos envolvidos no processo
de registro dessa tipologia de bem cultural
48
. As referências imateriais das práticas e
manifestações culturais geram novas formulações do conceito patrimônio, alinhado ao caráter
dinâmico e plural da noção antropológica de cultura.
Com base na noção antropológica de cultura, constrói-se um conceito de patrimônio
mais abrangente, incorporando as referências de práticas e manifestações culturais de
diferentes grupos, povos e comunidades locais. Na moderna concepção antropológica de
cultura a ênfase de análise incide nas práticas e nas relações sociais e simbólicas, onde o
caráter desmaterializado da noção de cultura amplia a passagem da antropologia física para
uma antropologia cultural, concepções que afetam e permeiam atualmente o campo
patrimonial, possibilitando uma maior atuação de cientistas sociais nas ações e políticas
preservacionistas. Estas passam a atuar não sobre o patrimônio de pedra e cal, como
igrejas, fortificações militares, edificações e conjuntos urbanos, mas também sobre as
manifestações imateriais ou intangíveis, principalmente os saberes tradicionais e as
expressões culturais locais, como festas, rituais, danças, lendas, mitos, técnicas e fazeres.
Em um artigo assinado pela jornalista Celina Côrtes na Revista de História da
Biblioteca Nacional, Cecília Londres, integrante do Conselho Consultivo do Patrimônio
Cultural do IPHAN, enfatiza que o sentido de preservação no campo do patrimônio imaterial
modos de produção de formas de expressão - não relaciona com uma noção de
engessamento da dinâmica envolvida nas manifestações culturais, mas sim, com a garantia de
acesso às diversidades de memórias que se elaboram no cenário nacional:
“A palavra de ordem é “diversidade”: diversidade cultural, mas
também diversidade natural ou biológica. Todavia, mais do que
salvá-la ou guardar seus fragmentos, trata-se de criar condições para
que ela se promova no porvir” (Abreu, 2003:42)
As propostas de registros de bens culturais intangíveis devem ser instruídas junto a
informações etnográficas, históricas, sociológicas e antropológicas que possibilitem
identificar e documentar os processos de produção, circulação e recepção das manifestações
48
Tais questões foram discutidas no fórum “A pesquisa antropológica e o futuro das populações com quem se
trabalha: uma reflexão crítica.”, que aconteceu durante a 24ª Reunião Brasileira de Antropologia, em junho de
2004 no Rio de Janeiro, um evento que abordou reflexivamente a atuação do campo antropológico nas novas
propostas teóricas e metodológicas sobre o inventário e registro de bens intangíveis no conjunto patrimonial
brasileiro.
188
culturais. O inventário e o registro dos bens imateriais fornecem dados relevantes que
auxiliam a definição de um plano de salvaguarda mais eficiente, e que envolvem diferentes
aspectos de ações,
“...desde a ajuda financeira a detentores de saberes específicos com vistas à sua
transmissão, até, por exemplo, a organização comunitária ou a facilitação de acesso a matérias
primas.” (www.iphan.gov.br/bens/P.%20Imaterial/imaterial.htm, acesso em 18/05/2005) .
O sentido de preservação de um bem cultural intangível deve estar vinculado à criação
de instrumentos e ferramentas que auxiliem uma continuidade das manifestações culturais de
um modo sustentável, garantindo assim a transmissão e reprodução desses saberes-fazeres.
Assim, o registro do ofício do fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio imaterial carioca
permitiu a valorização de uma dupla dimensão de referências culturais abrigadas nesse
tradicional saber-fazer, atuando tanto na dimensão dos vestígios materiais, que inclui os
equipamentos utilizados no processo da produção fotográfica (analisados no capítulo 2) e as
imagens que são produzidas (analisadas no capítulo 3), como na dimensão imaterial que
permeia um conhecimento e uma prática cultural que se manifesta nos espaços públicos das
cidades.
A ampliação do espectro de atuação das políticas de preservação patrimonial,
abrangendo não os bens materiais como também as referências de caráter imaterial, afeta o
perfil dos grupos e dos exemplos culturais que são definidos legislativamente como
patrimônio. Se no conceito tradicional de patrimônio material sempre predominou os
exemplos de manifestações culturais eruditas de grupos dominantes, no patrimônio imaterial
encontramos uma maior incidência de práticas de grupos dominados, excluídos, populares,
locais e regionais. O conceito de patrimônio imaterial se alinha aqui ao conceito de cultura
plural, respeitando a diversidade e a dinâmica de práticas tradicionais O registro de uma
manifestação tradicional como patrimônio agrega valores simbólicos e gera novas dimensões
e perspectivas econômicas, sociais e políticas ao bem cultural e ao grupo e/ou comunidade
que detém esse saber-fazer.
Abreu (2003c) aponta que a ênfase atual das políticas públicas preservacionistas em
relação aos bens imateriais levou ao reordenamento e reconfiguração epistemológica no
campo do patrimônio, orientando o surgimento de novos paradigmas teórico-metodológicos e
definindo novas propostas de pesquisas, políticas e ações culturais. Bourdieu (1989) aponta
para os diferentes campos sociais que abrigam tensões, conflitos e disputas de interesse,
questão que afeta também o campo patrimonial, perpassado por oposições entre o particular e
o universal, entre o público e o privado. Neste campo patrimonial, que define uma narrativa
sobre a nação, podemos detectar conflitos entre os diferentes agentes sociais para impor
189
visões e divisões de mundo, principalmente por se constituir como um campo que é definido
por processos de seleção e por critérios reducionistas de escolhas:
“No campo do patrimônio
cultural brasileiro, estão em jogo diferentes atores sociais, encarnando diferentes memórias, poderes,
preservação, resistências, esquecimentos e destruições.” (Chagas, 2003:106).
A importância do valor histórico e cultural do Lambe-Lambe é comprovada pela
forma de sua inserção em nossa cidade. A força da sua tradição transcende a condição de
mero prestador de serviço, pois o seu papel social nos remete a outras referências simbólicas,
justificando que se considere o fotógrafo Lambe-Lambe, e o seu ofício, como elemento que
auxilia a compreensão das transformações de nossa cidade, um observador privilegiado da
dinâmica cultural do município do Rio de Janeiro.
A questão da importância da preservação da memória e de nossa história fica explícita
na situação dos Lambe-Lambes. Sem nenhuma forma de incentivo cultural este profissional
está desaparecendo do município do Rio de Janeiro e também do cenário nacional:
“Aos
poucos persistentes, que ainda resistem com suas máquinas “caixão”, resta serem considerados
figuras de museu.” (Folha de São Paulo, 12/08/87)
No início dos anos 70, a categoria dos fotógrafos ambulantes já reivindicava um maior
apoio por parte do poder público para estimular o exercício deste ofício que, segundo os
próprios Lambe-Lambes, possui uma grande importância histórica, social e cultural:
“...
acham que a classe devia ter maiores proteções por ser uma das poucas coisas que nos resta do Rio
antigo.” (Diário de Notícias, 07/07/70)
Com a diminuição da demanda dos serviços do fotógrafo Lambe-Lambe o ofício passa
a ser interpretado pelas características culturais que transcendem de uma prática tradicional:
“... classe profissional, que apesar de já ter perdido a sua principal
finalidade, se está transformando numa das mais interessantes
atrações turísticas do Rio de Janeiro.(...) Da Zona Sul às cidades da
Baixada Fluminense, passando pela Zona Norte e o Centro da cidade,
essas figuras folclóricas continuam a povoar as praças do Rio de
Janeiro. Quando for até lá, procure apreciar o trabalho desses
artistas de rua.” (Estado de São Paulo, 03/08/79)
Alinhado ao pensamento teórico da Sociologia do Trabalho, a pesquisa de Franco
(2004) sobre a atuação dos fotógrafos Lambe-Lambes em Belo Horizonte (MG) destaca que
os conceitos de artístico e tradicional que aparecem recorrentemente relacionados a esse
ofício refletem, ao mesmo tempo que por vezes disfarçam e escamoteiam, as dificuldades
190
enfrentadas nas últimas décadas por esses profissionais. Nas diversas reportagens
jornalísticas sobre os fotógrafos Lambe-Lambes que foram analisadas nesse trabalho, todas
publicadas nas últimas três décadas do século XX, o foco de abordagem destaca
recorrentemente a resistência e sobrevivência de um ofício de tradição histórica e artística,
questões ressaltadas inclusive pelas manchetes de algumas matérias publicadas em jornais:
“"Lambe-lambe", sem mudar de imagem, mantém viva sua arte”
(Jornal O Globo de 14/07/1986)
“Em branco e preto, os lambe-lambes guardam a tradição”
(Jornal O Globo de 04/03/1988)
“Lambe-lambe, tradição que resiste na praça”
(Jornal O Globo de 13/09/1993)
Nos depoimentos orais dos Lambe-Lambes esses aspectos também surgem nas
rememorações e evocações das suas trajetórias de vida profissional, justificando
principalmente a permanência de um ofício nos espaços públicos da cidade em um momento
de crise e decadência econômica:
“A máquina Lambe-Lambe montada. Pode não tirar nada, pode
levar o dia todo sem tirar, mas eu monto ela...sabe porquê? Porque
isso agora é tradição. Isso é antiguidade...então ela ficou como
tradição.” (depoimento do fotógrafo Lambe-Lambe Manoel Medeiros
de Souza do Jardim São João / Niterói em 20/08/2000)
“A Lambe-Lambe...não creio que a Lambe-Lambe acabe não, porque
Lambe-Lambe é histórico. Vem gente aqui pra tirar foto preto-e-
branco.Eu creio que não acabe não, a foto Lambe-Lambe vai durar
muitos anos ainda. Porque aqui já virou tradição. Lambe-Lambe em
Niterói é na praça São João. Isso aqui mais de trinta anos. (...) A
tradição aqui na praça não faz a gente sair daqui.” (depoimento do
fotógrafo Lambe-Lambe Manoel Ageo Mendonça de Souza do Jardim
São João / Niterói em 05/09/2000)
Um exemplo do reconhecimento da importância cultural dos fotógrafos Lambe-
Lambes em nosso país foi a escolha da identidade visual gráfica da Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico do IPHAN nº 27, de 1998.
191
As imagens da capa e do interior da revista registram diversos detalhes de uma obra
em barro do artista popular Caboclo, do Alto do Moura (Pernambuco), pertencente ao
acervo da Casa do Pontal no Rio de Janeiro, e que representa um fotógrafo Lambe-Lambe em
atuação:
“A escolha de um desses fotógrafos para a capa desta Revista do
Patrimônio, portanto, é uma forma de reconhecimento do valor
simbólico de algumas figuras emblemáticas do patrimônio cultural
brasileiro, tão bem representadas por esta imagem: fotógrafos que
perambulam por nossas ruas e praças, nossas matas e sertões...”
(Turazzi, 1998:14)
A memória não é só o passado, é o passado inserido como forte referência no presente,
auxiliando o direcionamento do percurso para o futuro. A valorização e a preservação de
bens culturais embasam e estruturaram a nossa identidade cultural:
“É a preservação dos bens culturais a forma mais autêntica e
eloquente de transmissão das maneiras de agir, pensar e sentir das
gerações passadas às sociedades contemporâneas.” (Coelho,
1992:59)
A preservação da memória coletiva, construída e transmitida através dos valores e
bens culturais, transforma-se em um forte instrumento que define a identidade cultural de uma
nação e de seu povo:
Figuras 150 e 151: capa da Revista do IPHAN homenageando na arte gráfica o fotógrafo Lambe-Lambe.
192
“Não podemos entender a proteção ao bem cultural apenas como um
objeto de estudo para historiadores e cientistas, como matéria
necessária à sua erudição, mas como a preservação das raízes de
cada civilização.” (Coelho, 1992:36)
A ação preservacionista do patrimônio cultural trabalha com referências tangíveis
(materiais) e não-tangíveis (imateriais), e que incorporam significados intrínsecos e
extrínsecos na vida social cotidiana. Se na questão dos bens culturais tangíveis, a ação
preservacionistas desenvolve processos técnicos eficientes e bastante definidos, no trabalho
com os elementos culturais não-tangíveis a dificuldade se impõe pela sutileza destas
referências como, por exemplo, no caso da preservação do fazer e do saber.
A importância histórica e cultural do Lambe-Lambe na cidade do Rio de Janeiro
justifica a sua inclusão como parte integrante do patrimônio cultural carioca. A preservação
da profissão, do profissional e da sua técnica envolve elementos da cultura não-material
relacionados ao fazer e ao saber, transmitidos através de uma sólida tradição oral e familiar,
envolvendo referências da cultura material, tais como os equipamentos, acessórios e
instrumentos necessários ao exercício deste ofício.
O valor cultural do Lambe-Lambe deve ser analisado através da relação deste
profissional ambulante com a sociedade/comunidade. Além de todos os elementos intrínsecos
relacionados à preservação da cultura material e não-material do Lambe-Lambe, deve-se
ressaltar a existência de importantes valores simbólicos extrínsecos, revelados quando se
observa o papel social deste profissional e de sua profissão, valores estes que transcendem a
simples prestação de serviço para comunidade pois ele adquire um novo significado se
percebido como um cronista visual que registrou as mudanças de hábitos e de costumes da sua
cidade, permitindo assim interpretar o Lambe-Lambe como parte integrante do conjuntos de
nossos bens culturais, que conforme definição de Andrade (1987),
“São documentos de identidade da nação brasileira. A subsistência
deles é que comprova, melhor que qualquer outra coisa, nosso direito
de propriedade sobre o território que habitamos.” (Andrade,
1987:57)
193
Um bem cultural pode ser preservado se for valorizado pela sua comunidade, e a
sua valorização passa necessariamente pela pesquisa e pela divulgação de seu percurso
histórico, permitindo o (re)conhecimento do seu papel social pela comunidade. Este processo
deve ser estimulado e amparado por ações preservacionistas e políticas patrimoniais,
permitindo a plena identificação do conjunto de bens que formam o nosso patrimônio cultural:
“A compreensão do passado dos grupos é pois indispensável para o equilíbrio social do presente e
fator importante para o futuro.” (Coelho, 1992:26).
A valorização cultural e histórica do Lambe-
Lambe permite que novas perspectivas sejam criadas para este ofício, no intuito de garantir a
preservação das atividades deste profissional, pois
“Só depois que um objeto adquiriu sentido
mediante explicação, definição e captação de sua função chega a entrar culturalmente na vida.”
(Herskovits, 1963:44)
Tradição e inovação são forças que se contrapõem e se chocam no dinamismo do
ambiente cultural.
“... em todos os campos da atividade humana, poderemos constatar esta
dualidade: forças conservadoras e forças renovadoras.” (Coelho, 1992:29). Como vimos, n
o caso do
Lambe-Lambe o processo de preservação envolve referências não tangíveis, relacionadas ao
saber e fazer da profissão, e que são transmitidos ao longo das gerações através de uma forte
tradição oral e familiar. A preservação desta profissão possibilitará a revitalização do papel
social deste profissional permitindo neutralizar a ação das forças inovadoras e renovadoras
que incidem sobre as forças tradicionais e conservadoras, pois
“A maneira mais eficaz de
proteção e conservação desses valores culturais seevidentemente a sua integração na sociedade
contemporânea.” (Coelho, 1992:59).
A preservação deste saber-fazer e a revitalização do seu
papel na sociedade é a garantia da resistência e da sobrevivência do Lambe-Lambe na
dinâmica cultural, pois como afirma Coelho (1992):
“O patrimônio só estará realmente protegido de tantas ameaças que o
envolvem se estiver integrado na vida moderna, adaptado
judiciosamente às necessidades sociais contemporâneas. (...) É
necessário que se ofereça aos bens culturais uma vivência própria,
integrada nas necessidades e ideologias da vida presente.” (Coelho,
1992:60).
A preservação desta profissão, porém, transcende a questão da incorporação das suas
referências materiais no acervo de um museu ou instituição cultural. O mais importante é que
prática deste profissional seja garantida e preservada, possibilitando a continuidade da sua
atuação junto à comunidade. Amparada por ações preservacionistas e por políticas
194
patrimoniais, a valorização histórica, social e cultural deste ofício permitirá que novas
perspectivas sejam criadas para a preservação das atividades profissionais dos Lambe-Lambes
pois,
“... a reanimação do patrimônio cultural é a condição principal para a sua proteção,
conservação e, portanto, sua permanência no tempo e no espaço.” (Coelho, 1992:60). Além disso, a
revitalização desta atividade profissional possibilitaria a preservação das referências da
cultura não-material relacionadas ao fazer e ao saber, garantindo a sobrevivência desta
profissão ambulante e da técnica que permeia este ofício. Mais do que isso, estimularia a
continuidade da tradição oral e familiar que sempre caracterizou a transmissão deste ofício ao
longo das gerações.
A efetivação do fotógrafo Lambe-Lambe como um patrimônio cultural carioca
viabilizaria a criação de perspectivas para explorar a potencialidade de atração turística deste
profissional e desta profissão. A fotografia dos Lambe-Lambe, uma documentação imagética
que ainda é produzida nos espaços públicos de nossa cidade, pode então ser re-valorizada e
re-dimensionada simbolicamente pelo relevante lastro histórico e cultural de um saber-fazer
que resiste e sobrevive neste início de milênio. Os usuários do serviço oferecido pelos
Lambe-Lambes não estariam simplesmente comprando uma fotografia, mas adquirindo uma
história que está vinculada a esta tipologia específica de retrato fotográfico.
Desta forma, a ação preservacionista e a sua conseqüente divulgação poderiam
funcionar como fatores que estimulariam e atrairiam um maior número de pessoas para as
praças, parques, largos e jardins públicos de nosso município, estimulando as antigas e novas
gerações de fotógrafos Lambe-Lambes em manterem a forte tradição oral e familiar que
sempre caracterizou a transmissão deste saber-fazer.
4.2 O saber-fazer do fotógrafo Lambe-Lambe: um patrimônio cultural imaterial que
emerge do relato etnográfico
“...nós somos o enfeite do Parque
Municipal. Então, no meu
entendimento, o governo, esses
prefeitos, ao invés de acabar com os
fotógrafos lambe-lambes, eu achava
que eles tinham que tombá-los como
Patrimônio Histórico. (depoimento do
fotógrafo Lambe-Lambe Senhor
Xavier do Parque Municipal / Belo
Horizonte em 22/03/2002)
Um precedente sobre propostas no campo legislativo para a transformar o fotógrafo
Lambe-lambe em patrimônio cultural foi a Lei Ordinária 944 (anexo 03), publicada no
195
Diário Oficial do Distrito Federal em 24 de dezembro de 1995, que garantia no artigo a
preservação dos profissionais que trabalhassem com as tradicionais máquinas-caixote do tipo
foto-jardim, considerados como patrimônios culturais e artísticos de Brasília. O grande
benefício imediato para esses profissionais aparece no artigo 2º, isentando-os do pagamento
de taxas de ocupação e de atuação nos espaços públicos. Elaborada antes da inclusão
legislativa de referências do patrimônio imaterial, a Lei Ordinária 944 incide basicamente
na forma e não no conteúdo dessa prática cultural, pois especifica que
“os fotógrafos citados
neste artigo ficam obrigados a adaptar seus equipamentos modernos de fotografia às câmeras
caixotes tipo foto-jardim”.
49
O projeto de Lei 734, de 2003, complementou a Lei 944,
incluindo também a isenção de pagamento por parte dos Lambe-Lambes de taxas de rateio,
além da já existente isenção das taxas de ocupação do espaço público.
Foi somente com o Decreto Municipal 23162, de 21 de julho de 2003 (anexo 04),
que criou-se perspectivas legislativas para a definição e proteção dos bens patrimoniais
intangíveis no município do Rio de Janeiro, possibilitando a inserção do saber-fazer dos
fotógrafos Lambe-Lambes no conjunto de manifestações culturais da cidade.
Este Decreto criou quatro livros de registros de bens materiais:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos
e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Atividades e Celebrações, onde serão
inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho,
da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida
social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos as áreas
urbanas, as praças, os locais e demais espaços onde se concentram e
se reproduzem práticas culturais coletivas.
Em janeiro de 2004, a Banda de Ipanema, um tradicional bloco de rua carnavalesco
carioca, foi a primeira manifestação e prática cultural inscrita pelo município no Livro de
Registro das Atividades e Celebrações. O ofício dos fotógrafos Lambe-Lambes foi a segunda
manifestação cultural registrada no município, mas a primeira referência inscrita no Livro de
49
Uma referência vetada pelo Governador mas mantida pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
196
Registro dos Saberes, em agosto de 2005. Até o momento seis referências culturais foram
incluídas nos livros de registro dos bens patrimoniais imateriais da cidade do Rio de Janeiro: a
obra musical de Pixinguinha (no Livro de Registro de Formas de Expressão, em dezembro de
2005), o Beco das Garrafas (local onde surgiu o movimento musical da Bossa Nova, no Livro
de Registro dos Lugares, em outubro de 2005), o bloco carnavalesco Cordão da Bola Preta
(no Livro de Registro de Formas de Expressão, em fevereiro de 2007), o gênero musical da
Bossa Nova (no Livro de Registro de Formas de Expressão, em outubro de 2007), a torcida
futebolística do Flamengo (no Livro de Registro de Formas de Expressão, em dezembro de
2007) e as Escolas de Samba do Rio de Janeiro (no Livro de Registro das Atividades e
Celebrações, em janeiro de 2008). Portanto, passados três anos da publicação do Decreto
23162, o ofício do Lambe-Lambe ainda é a única prática cultural inscrita no Livro de Registro
dos Saberes do patrimônio imaterial da cidade.
No contexto de emergência do conceito de imaterialidade no campo patrimonial uma
questão importante diz respeito às possibilidades e às potencialidades dos relatos etnográficos
afetarem e influírem na elaboração de políticas públicas na área da preservação patrimonial.
Com isso diferentes interesses atuam no campo de pesquisa, afetando a relação entre
pesquisadores e pesquisados (conforme reflexão no capítulo 1.1).
Em 2004, elaborei um projeto justificando a necessidade da inscrição do ofício do
fotógrafo Lambe-Lambe no Livro de Registro dos Saberes, criado pelo Decreto Municipal do
Rio de Janeiro nº 23162, de 21 de julho de 2003, que instituiu o Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial
50
. Protocolado na Secretaria de Culturas esse projeto gerou o processo
12/000.385/2004 aprovado pelo Conselho Municipal de Cultura, dando origem ao Decreto
Municipal 25678, de 18 de agosto de 2005, formalizando o reconhecimento do ofício dos
fotógrafos Lambe-Lambes como um patrimônio cultural imaterial do município do Rio de
Janeiro
(anexos 05 e 06)
.
50
A pesquisa de campo desenvolvida ao longo do doutoramento me levou a retomar os contatos com os
fotógrafos Lambe-Lambes que conhecia desde o ano 2000. Percebi, então, que alguns deles já não praticavam
mais a profissão, decidindo assim redigir este projeto.
197
Em seu artigo, Tamaso (2005) indaga
“Qual contribuição os antropólogos podem dar aos
gestores das políticas e práticas de preservação dos patrimônios, mas, sobretudo, aos grupos que
estarão sendo inventariados e talvez registrados?” (Tamaso, 2005:33)
Creio que a resposta para essa pergunta esteja centrada na participação do antropólogo
não apenas no processo de inventário e registro, mas principalmente na sua atuação mais ativa
em uma etapa posterior de divulgação do bem patrimonial através de processos expositivos e
museológicos.
Podemos destacar quatro exposições sobre a temática dos fotógrafos Lambe-Lambes
realizadas em museus e centros culturais de diferentes estados brasileiros, e que atuaram
como estratégicos vetores de divulgação da trajetória histórica e do percurso desse
profissional no contexto sócio-cultural do país.
Em São Paulo, nos meses de maio e junho de 1980, o Museu Lasar Segall realizou a
exposição O lambe-lambe hoje: o fotógrafo de jardim, iniciativa inserida no projeto Ciclo de
exposições sobre a fotografia. O foco da exposição priorizava a documentação imagética
produzida por esses profissionais, e em pesquisas realizadas no museu foi possível localizar o
catálogo da exposição, que reproduz as fotografias expostas e com um texto assinado pelo
pesquisador Boris Kossoy sobre a origem e a trajetória dos fotógrafos Lambe-Lambes em
nosso país, uma importante referência informacional sobre um ofício pouco citado e
valorizado nas fontes bibliográficas sobre a história da fotografia.
Figuras 152 e 153: capa do Diário Oficial Municipal e reportagem do jornal O Globo
divulgando a
publicação do Decreto nº 25678.
198
Um outro evento expositivo aconteceu em Niterói (RJ), em setembro e outubro de
2000, organizado pela fotógrafa Ana Ferr no Espaço Cultural Deplá. Através de um ensaio
fotográfico realizado com os Lambe-Lambes que atuavam no Jardim São João, uma praça no
centro de Niterói e com grande tradição na fotografia de jardim, em Revelando o 3 x 4: um
sobrevivente na praça Ana Feer expõe fotografias que narram a rotina e os procedimentos
técnicos do trabalho desses profissionais. Embasada por uma pesquisa bibliográfica e por um
trabalho de observação empírica, a exposição revelou aspectos importantes da história desse
ofício, sendo inaugurada no momento que marca o início de uma redução drástica do número
de fotógrafos em atuação nesse espaço público de Niterói. Se no ano da realização dessa
exposição existiam seis fotógrafos Lambe-Lambes no Jardim São João, atualmente não é
possível encontrar nenhum profissional nesse espaço público.
Figura 154: catálogo da exposição no Museu Lasar Segall.
Figuras 155 e 156: reportagens do jornal O Fluminense, de 14/09/2000, sobre a exposição organizada pela
fotógrafa Ana Ferr sobre os Lambe-Lambes do Jardim São João (Niterói / RJ).
199
Em junho e julho de 2002, a socióloga Glória Amarante organizou na cidade de Belo
Horizonte um projeto de pesquisa e de exposição fotográfica sobre os Lambe-Lambes. A
exposição, denominada História Social de Belo Horizonte: o olhar dos fotógrafos lambe-
lambes, foi resultado de uma pesquisa realizada a partir de entrevistas com quinze fotógrafos
que nesse período atuavam em quatro espaços públicos da cidade: Parque Municipal, Praça da
Estação (Rui Barbosa), Praça da Rodoviária (Rio Branco) e Praça do Trabalhador (Primeiro
de Março)
51
. A exposição promoveu também de um ciclo de debates com pesquisadores de
diversos campos e com os próprios fotógrafos Lambe-Lambes
52
.
A quarta exposição aqui destacada, Retrato Popular, foi realizada no Ceará em 2005
pelo Memorial da Cultura Cearense, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
Ressaltando os aspectos culturais, históricos e técnicos desse tradicional ofício, a exposição
deu destaque para as imagens, equipamentos e materiais provenientes de um saber-fazer em
extinção também no Nordeste do país.
Um desdobramento direto do Decreto 25678 que transformou os fotógrafos Lambe-
Lambes em patrimônio cultural carioca foi a montagem da exposição O fotógrafo Lambe-
51
As transcrições das entrevistas realizadas estão disponíveis para pesquisadores na Secretaria Municipal de
Cultura da cidade de Belo Horizonte, no Centro de Referência Audiovisual (CRAV).
52
É importante ressaltar que a partir desse projeto de pesquisa e exposição foram discutidas na Câmera
Municipal as possibilidades de criar instrumentos legislativos para transformar o fotógrafo Lambe-lambe em
patrimônio cultural de Belo Horizonte, porém essa proposta acaba sendo retirada da pauta, conforme publicação
no Diário Oficial Municipal em 06 de março de 2003. Por questão de competência jurídica, o caso passou para a
análise do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico (da Secretaria de Cultura) e até o momento não elaborou
nenhum parecer definitivo sobre essa proposta.
Figura 157: material de divulgação da exposição realizada em Belo Horizonte.
200
Lambe: guardião da memória e cronista visual da sociedade, em agosto de 2006 no Centro
Cultural Laurinda Santos Lobo (anexo 07)
53
. A exposição se inseria como um importante
elemento de divulgação do decreto e do ofício transformado em patrimônio cultural, uma
questão de extrema importância para garantir a eficiência de políticas patrimoniais e
preservacionistas no campo dos bens culturais intangíveis, e que aparece de maneira bastante
clara no artigo 4º do Decreto Municipal nº 25678:
“Art. 4.º A Secretaria Municipal das Culturas, juntamente com a
Secretaria Municipal de Fazenda e Secretaria Municipal de Meio
Ambiente, através da Fundação Parques e Jardins, elaboração meios
para incentivar a permanência dessa atividade nas praças cariocas,
divulgar sua existência, assim como para a multiplicação do mero
dos fotógrafos ambulantes na cidade, preservando assim esse ofício.”
Portanto, a exposição tinha como objetivo possibilitar a materialização das propostas
tematizadas no artigo 4º do Decreto nº 25678, considerando o aspecto de divulgação como um
meio estratégico incentivar e garantir a preservação e estimular o renascimento do ofício na
cidade
54
. Nesse sentido, podemos perceber a importância do papel de museus e de centros
culturais nas metodologias de trabalho no campo do patrimônio imaterial, atuando como
vetores de comunicação e de informação que possibilitam e ampliam o diálogo entre os
detentores de práticas culturais e os diversos segmentos sociais, institucionais e grupos
comunitários de uma determinada sociedade, aspectos que são destacados por Abreu:
“O campo do patrimônio, tal como o campo dos museus é um
campo de representações e que, neste sentido, não se confundem com
a realidade onde se movem os agentes em suas práticas sociais. Não
temos como "proteger" a realidade, nem como "conter" seus
53
Curadoria: Milton Guran e Abílio Afonso da Águeda
Produção: Ana Durães e Joana Mazza
54
A montagem da exposição caracterizou-se como um período bastante específico do trabalho de campo no
processo de pesquisa realizado para a elaboração dessa tese de doutoramento, abrigando descobertas,
potencialidades, obstáculos e dificuldades que permearam diferentes etapas do trabalho etnográfico com os
fotógrafos Lambe-Lambes. A captação de equipamentos e acessórios utilizados pelos fotógrafos Lambe-Lambes
e a coleta de fotografias de seus acervos pessoais e familiares para serem expostos revelaram as precárias
condições de preservação desse material.
Ao longo da pesquisa para montagem da exposição também foi localizado um importante registro documental
fílmico sobre os fotógrafos Lambe-Lambes. Realizado em 1991/1992 pela TV Maxambomba, uma produtora de
vídeos comunitária da Baixada Fluminense, o vídeo Lambe-lambe, de 4:20 minutos, dirigido por Valter Filé e
Pedro Britto.
201
movimentos, seus embates, suas forças de vida. O que podemos fazer,
e talvez este seja um dos nossos maiores desafios, é criar mecanismos
de diálogo entre nós e entre os agentes sociais sobre cujas práticas
queremos decifrar e representar. Nesta direção, penso que um dos
papéis dos museus consiste em intensificar o diálogo com as
populações que são efetivamente os sujeitos das manifestações
culturais sobre as quais nos debruçamos. Quanto maior for este
diálogo, maior será a capacidade dos museus e dos órgãos do
patrimônio de acompanhar a infinita plasticidade dos movimentos da
vida social e cultural”. (Abreu, www.revistamuseu.com.br)
Alinhada a essa perspectiva do papel dos museus e centros culturais no campo de
políticas do patrimônio imaterial, foram elaboradas duas mesas redondas
55
com o objetivo de
se discutir e analisar as especificidades envolvidas na dimensão da intagibilidade dos bens
culturais, contando com a participação de profissionais do campo das ciências sociais,
principalmente antropólogos, e com representantes da Secretaria de Culturas da Prefeitura do
Município do Rio de Janeiro.
Já Tamaso (2005) aponta para as possibilidades no campo turístico, afirmando que
“Os
projetos de desenvolvimento, no caso dos bens culturais intangíveis, são projetos turísticos. Os bens
culturais não são obstáculos para esse tipo de desenvolvimento. São antes a sua razão de ser.”
(Tamaso, 2005:33)
, e ressalta que as diferentes cartas patrimoniais elaboradas pela UNESCO
sempre relacionaram as possibilidades e potencialidades dos patrimônios culturais na
fomentação e desenvolvimento econômico proporcionado por ações e políticas públicas no
campo turístico. Os patrimônios culturais se estruturam também como estratégicos
equipamentos da indústria e do mercado turístico. A questão da necessidade e importância da
difusão, da promoção e da divulgação do patrimônio cultural já estava prevista no Decreto
55
Primeira mesa redonda (24 de agosto de 2006)
Roberto da Matta (antropólogo)
Milton Guran (antropólogo e fotógrafo)
Abílio Afonso da Águeda (museólogo)
Segunda mesa redonda (14 de setembro de 2006)
André Zambelli (Arquiteto e Diretor Geral do Patrimônio Cultural da Secretaria das Culturas /
Prefeitura do Rio de Janeiro)
Raquel Jardim (ex- Diretora cultural do MAM, criadora do Centro Cultural Casa das Ruínas e
escritora)
Raul Lody (antropólogo, museólogo e proponente da inscrição do Acarejé como patrimônio
imaterial nacional)
202
3551 de 2000, principalmente como uma forma de reconhecimento que possibilitaria agregar
sentidos simbólicos e, inclusive, valores turísticos-econômicos ao bem patrimonial.
No processo de inventário patrimonial é importante analisar a relação entre o
antropólogo/pesquisador, as instituições envolvidas e os grupos detentores do bem cultural em
questão. Um aspecto que deve ser percebido é o impacto das políticas de salvaguarda e no
inventário dos grupos produtores das práticas e manifestações culturais registradas.
A participação mais atuante de antropólogos nos processos de inventário do
patrimônio imaterial tem reforçado discussões sobre aspectos éticos e de responsabilidade
social do papel desses profissionais como mediadores e interlocutores nos conflitos e nas
disputas de interesses que emergem de políticas de preservação. Um dos principais aspectos
de preocupação no campo antropológico recai sobre a análise crítica dos diferentes, e por
vezes, divergentes interesses que permeiam os processos de hierarquização e seleção das
manifestações culturais que devem ser inscritas como bens patrimoniais.
Simão (2003), amparada pelo trabalho de Latour (2000), alerta para o perigo de
elaboração de uma retórica engajada e proclamatória nos relatos e descrições etnográficas
para fins de registro e inventário de bens culturais, onde o pesquisador assume um papel de
mediador entre práticas e políticas culturais, uma perspectiva que Bourdieu (1990) interpreta
como um discurso que representa forças de interesse em um campo de disputa:
“Quanto mais sua retórica permanece forte, maior é o seu poder de
convencimento para agregar valores, recursos, equipamentos,
pessoas e financiamentos.” (Simão, 2003:63)
Baseada no pensamento de Ramos (1992), Tamaso (2005)
56
reflete sobre questões
éticas e metodológicas, e faz uma analogia entre o antropólogo inventariante nas políticas de
preservação patrimonial e o antropólogo envolvido na elaboração de laudos periciais em
processos judiciais litigiosos de territórios indígenas. Sob essa perspectiva, e demonstrando
as dificuldades que emanam nesse campo, Tamaso destaca que
“Ramos é enfática em afirmar
que não devemos nos iludir, pois “essa linguagem acadêmica, aparentemente neutra, não é sempre
inofensiva” (1992b, p.56)” (Tamaso, 2005:30).
Como alerta a autora, o antropólogo deve analisar
e refletir de maneira crítica sobre algumas categorias conceituais que emergem das novas
56
Cabe ressaltar que os diversos aspectos e parâmetros da análise feita por Tamaso (2005), em relação
ao papel do antropólogo nos processos de inventariamento e registro de bens culturais de natureza imaterial, se
baseiam especificamente no enquadramento dessas informações no Inventário Nacional de Referências Culturais
do IPHAN, instituído através do Decreto nº 3551 de 2000.
203
configurações do campo patrimonial, como inventário, registro e patrimônio imaterial, e,
principalmente, segundo Canclini (1994), com os usos sociais do patrimônio, direcionados
por interesses econômicos e políticos.
Atualmente percebo, criticamente, que a proposta de registro do ofício dos Lambe-
Lambes como patrimônio imaterial carioca foi elaborada em um tom nostálgico, permeada
por uma retórica da perda (conforme Gonçalves) que se alinhava a um congelamento do
saber-fazer dessa profissão ainda na etapa tecnológica das tradicionais máquinas do tipo
caixote, que produzem exclusivamente fotografias em preto e branco. Como acontece na
dinâmica de mudanças e atualizações das manifestações culturais, os fotógrafos de praça
também incorporam nas suas práticas novos elementos, recursos e tecnologias. Máquinas
instantâneas do tipo Polaroid e câmeras digitais são cada vez mais utilizadas pelos Lambe-
Lambes com o objetivo de suprir uma demanda de retratos para documentos coloridos. Ainda
assim, mesmo com toda a atualização tecnológica, os Lambe-Lambes não recuperaram a
clientela dos tempos áureos dessa profissão. O foco preservacionista nas tradicionais
máquinas Lambe-Lambes tinha como interesse destacar o trabalho manual envolvido no
processamento e na revelação da fotografia preto-e-branco, característica que desaparece na
automação e mecanização dos procedimentos de revelação instantânea nas máquinas digitais e
do tipo Polaroid.
Ao longo do processo de pesquisa e do trabalho de campo observei que os fotógrafos
Lambe-Lambes desconhecem, ou pouco sabem, sobre a origem e a trajetória histórica desse
ofício tanto no cenário nacional como no internacional. Nesse sentido, o convívio com os
Lambe-Lambes entrevistados permitiu que referências bibliográficas e dados etnográficos
servissem como fontes de informação eles e seus familiares.
A proposta teórica que amparava o anteprojeto de registro do ofício do fotógrafo
Lambe-Lambe como patrimônio cultural, e que também norteou as questões temáticas
abordadas na exposição, tinha como um dos objetivos instrumentalizar e informar os próprios
fotógrafos que detém esse saber-fazer e a comunidade onde trabalham sobre sua prática
profissional, sua história, bem como sobre a importância social e cultural da fotografia preto e
branco feita pelas máquinas tradicionais dos Lambe-Lambes .
Com isso seria possível agregar valores simbólicos ao produto desse ofício – os
documentos fotográficos – e ampliar o papel social desta profissão para além da característica
social de prestação de serviço, incorporando a dimensão cultural, de tal forma que a fotografia
preto e branco produzida pelo Lambe-Lambe traduza simbolicamente, para além da imagem
retratada, o percurso histórico de uma manifestação profissional.
204
Por isso, no anteprojeto de registro de patrimônio cultural e na exposição, a ênfase
temática recaiu sobre a tecnologia tradicional que possibilitava a obtenção dos retratos postais
em preto e branco, que, assim, teria maior possibilidade de tornar-se uma atração cultural e
turística que permitiria a revitalização (e resignificação simbólica) do papel social do
fotógrafo Lambe-Lambe.
Como ressalta Chagas (2003), em um momento histórico no qual vários grupos
exigem o seu direito de memória no mundo globalizado, o risco atual é o de banalização do
processo de patrimonialização, onde tudo é patrimônio, congelando artificialmente a dinâmica
própria da cultura
57
. No contexto municipal do Rio de Janeiro, as críticas à política de
patrimônio imaterial, tanto no meio acadêmico como no ambiente jornalístico (anexo 08:
crônica de Joaquim Ferreira dos Santos, no Jornal O Globo), recaem sobre um possível
processo de banalização e falta de rigor técnico dos critérios de definição dos bens culturais,
sujeitos inclusive ao jogo de interesses políticos e eleitorais.
58
A identificação e a proteção de bens culturais envolve relações de saberes artísticos,
históricos, antropológicos, etnológicos ou museológicos e de poderes e autoridades. Como
observa Fonseca (2000),
“É do lugar da hegemonia cultural que se constroem representações de
uma identidade nacional”
, interrogando-se a seguir sobre
“...quem teria legitimidade para decidir
quais são as referências mais significativas e o que deve ser preservado...” (2000:114).
O mapeamento das manifestações culturais nacionais têm envolvido diversos
profissionais e estudantes do campo da antropologia, possibilitando a elaboração de
importantes e estratégicos trabalhos etnográficos para embasar e justificar futuros registros de
manifestações culturais em programas nacionais e locais do patrimônio imaterial. Esses
relatos etnográficos fundamentam-se, assim, como importantes instrumentos que possibilitam
o registro de manifestações culturais. Abreu (2005) analisa a participação de antropólogos no
57
Uma referência ficcional que explora os excessos no campo patrimonial, onde tudo pode ser objeto de
preservação, aparece no filme Narradores de Javé, de 2003, dirigido por Eliane Caffé: “A pequena cidade de
Javé será submersa pelas águas de uma represa. Seus moradores não serão indenizados e não foram sequer
notificados porque não possuem registros nem documentos das terras. Inconformados, descobrem que o local
poderia ser preservado se tivesse um patrimônio histórico de valor comprovado em documento científico.
Decidem então escrever a história da cidade - mas poucos sabem ler e só um morador, o carteiro, sabe
escrever.Depois disso, o que se vê é uma tremenda confusão, pois todos procuram Antônio Biá, o "autor" da obra
de cunho histórico, para acrescentar algumas linhas e ter o seu nome citado.”
(fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Narradores_de_Jav%C3%A9, acessado em 28/03/2008)
58
Um projeto do deputado Flávio Bolsonaro (do Partido Progressista) propondo tornar a insígnia (caveira
perpassado por facas e armas de fogo) e o uniforme do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), unidade
policial celebrizada pelo filme Tropa de Elite, em patrimônio do Estado do Rio de Janeiro, é um exemplo recente
da polêmica em torno da profusão de propostas de registros de bens imateriais no campo patrimonial, elaboradas
sem os rigores teóricos e metodológicos necessários.
205
campo do patrimônio. Para a autora, é necessário que o pesquisador guarde uma postura
crítica, reflexiva e ética que deverá permear os critérios de seleção e de escolha das
manifestações culturais a receberem seus registros de certificação, evitando hierarquizações
por valores, gostos, idiossincrasias ou etnocentrismos culturais. Uma outra questão ética
apontada por Abreu é o dilema do pesquisador em lidar com a tentação de tentar certificar seu
próprio objeto de estudo, tendo em vista que além de contribuir para aumentar a auto-estima e
a auto-afirmação dos grupos detentores desse bem cultural, e por vezes garantir com isso a
sua sobrevivência, o processo de patrimonialização pode agregar um capital simbólico à
manifestação cultural registrada e ao próprio pesquisador e sua pesquisa.
A contribuição dos antropólogos no campo do patrimônio é cada vez mais abrangente,
tanto nas pesquisas de campo como na elaboração de ações e reflexões que envolvam as
interrelações entre os conceitos de cultura e patrimônio, categorias de pensamento que
abarcam diferentes concepções nativas e assumem uma diversidade de configurações e de
representações no tempo e no espaço. Esse entendimento deve predominar na elaboração de
políticas públicas patrimoniais e preservacionistas, e o patrimônio deve ser interpretado como
uma categoria que, mais do que ressaltar diferenças entre grupos, fornece pistas sobre auto-
consciências culturais e pode esclarecer
“...em que medida essa categoria é útil para entender
outras culturas? Em que medida permite entender o universo mental e social de outras populações?”
(Abreu; Chagas, 2003:28)
No contexto de reconfiguração do campo do patrimônio com a incorporação dos bens
de caráter imaterial, Fonseca (2003) indaga como as políticas públicas podem criar
instrumentos de preservação para manifestações culturais dinâmicas, evitando a cristalização
e o engesssamento de um processo sujeito a mudanças e transformações? E como evitar que
essa nova categoria de patrimônio se caracterize unicamente como exemplo de manifestações
culturais de grupos tradicionalmente excluídos ou dominados, acabando por constituir-se
como uma categoria alternativa e oposta (popular e/ou folclórica) aos tradiconais bens
históricos e artísticos de universos culturais provenientes das elites e das classes dominantes.
Ou seja, como evitar que as categorias de patrimônio acabem por reproduzir internamente as
divisões entre as classes sociais?
Um outro aspecto discutido no campo patrimonial recai sobre os critérios de definição
das políticas de salvaguarda e da seleção de bens culturais que devem (ou não) ser
identificados e registrados no conjunto do patrimônio cultural. Como definir as referências
culturais mais representativas para um determinado grupo, comunidade ou nação? Arantes
(2001) define a importância da participação dos diversos segmentos da sociedade nesse
206
processo. Para Tamaso (2005), a delimitação das referências patrimoniais abriga alianças,
estratégias, lutas e disputas entre diferentes interesses de diferentes grupos sociais para impor
o poder simbólico (Bourdieu, 1989) de definir memórias e histórias de um passado vivido ou
mitificado. A autora destaca que um critério mais objetivo na definição patrimonial, e que
tem orientado muitas decisões de inscrição e registro de bens culturais no cenário nacional e
internacional, é a iminência do risco de desaparecimento de uma determinada manifestação
cultural, o que justificaria a urgência em criar mecanismos para sua preservação.
O patrimônio cumpre o seu papel social quando os agentes produtores da prática
cultural e os agentes receptores se identificam e se reconhecem nas experiências e nas
vivências culturais. Acima dos interesses institucionais públicos ou privados, o maior
compromisso do antropólogo deve ser com o grupo que detém o saber-fazer que se deseja
incluir nas políticas de preservação e salvaguarda patrimonial (Tamaso, 2005).
Gonçalves (1996) define o patrimônio como uma categoria de pensamento que deve
ser analisada por uma perspectiva crítica etnográfica, devendo as propostas de salvaguarda
patrimonial respeitar as questões éticas no trabalho de campo e no processo de descrição da
alteridade. O instrumento de registro de um bem cultural intangível tem encontrado uma
referência de eficiência e rigor conceitual e metodológico nos procedimentos de descrições
etnográficas e interpretações culturais desenvolvidos pela antropologia. Portanto, é
importante que se analise criticamente a atuação e a autoridade dos agentes inventariantes no
registro de bens culturais sob a perspectiva epistemológica que permeia a experiência e a
vivência etnográfica entre pesquisadores e pesquisados, principalmente na relação entre
sujeitos e objetos do conhecimento e nos interesses e poderes que afetam as descrições
culturais de alteridades. Juntamente com esses aspectos, as relações de interesse e poder entre
pesquisadores (agentes) e instituições definidoras de políticas públicas de preservação
(agências) também são importantes parâmetros para se compreender criticamente as
limitações e abrangências de fronteiras no campo do patrimônio imaterial.
A redefinição e a ampliação do conceito de patrimônio e de bem cultural nas últimas
duas décadas, passando da materialidade ao intangível, permitiu uma ênfase de atuação
preservacionista que enfoca as diversidades culturais.
Além de ampliar o foco sobre o objeto cultural, incorporando as preocupações de
salvaguarda dos bens intangíveis, das manifestações e práticas de grupos até então excluídos
desse processo, foi importante também a preocupação com os sujeitos que emanam tais
referências culturais, tanto com a idéia de retorno e devolução dos resultados de pesquisa aos
207
indivíduos e grupos envolvidos, quanto com a inserção destes como co-agentes e parceiros
nas políticas preservacionistas.
A coleta de informações e a documentação de uma determinada prática ou
manifestação cultural permite a formulação de projetos mais eficientes de formas de incentivo
e apoio para a manutenção dessas atividades. O registro sistemático dos saberes e fazeres
potencializa, inclusive, a reprodução e a propagação dessas manifestações culturais no tempo
e no espaço social. Assim, as políticas de salvaguarda podem garantir a revitalização de
práticas tradicionais e permitir que se elaborem projetos de reorientação estratégica das
perspectivas de auto-sustentabilidade econômica, mercadológica e/ou turística dessas
manifestações. Fonseca (2000) analisa tais questões na experiência de inserir o saber da
tecelagem manual no Triângulo Mineiro no CNRC, e uma indagação que emergiu desse
processo, que também se aplica ao momento atual das atividades dos fotógrafos Lambe-
Lambes, foi o porquê da sobrevivência de uma manifestação cultural mesmo quando esta se
torna economicamente inviável e insustentável.
A noção de referência cultural não é apenas um conjunto de dados e de informações
documentadas, ela constitui a análise sobre as significações desses bens para os diferentes
grupos sociais:
“Orientar um trabalho de preservação a partir da noção de
referência cultural (...) significa buscar formas de se aproximar do
ponto-de-vista dos sujeitos diretamente envolvidos com a dinâmica de
produção, circulação e consumo dos bens culturais. Ou seja,
significa, em última instância, reconhecer-lhes o estatuto de legítimos
detentores não apenas de um saber-fazer, como também do destino de
sua própria cultura.” (Fonseca, 2000:118)
No Brasil, assim como no contexto internacional, as políticas de patrimônio
tradicionalmente refletiam em suas práticas hierarquias e elitismos nas definições e
delimitações dos bens representativos das nações. Como ressalta Lody (2005), a emergência
das preocupações preservacionistas com o patrimônio imaterial possibilitou priorizar em suas
ações um sentido de maior democratização de memórias, ampliando a abrangência de
reconhecimento patrimonial para práticas e manifestações culturais populares e étnicas, até
então ignoradas e desvalorizadas pelas políticas públicas de preservação. O Decreto Federal
3551 de 2000 e as regulamentações estaduais e municipais da legislação pertinente ao
208
patrimônio imaterial, como o Decreto Municipal do Rio de Janeiro nº 23162 de 2003,
possibilitaram a democratização também das formas e dos meios de elaboração de propostas
preservacionistas.
59
No caso específico do registro dos fotógrafos Lambe-Lambes como patrimônio
carioca, talvez pelo próprio fato do processo de registro não ser tão rigoroso como na
legislação federal através do INRC, as legislações estaduais e municipais têm um caráter mais
democrático e de maior representatividade nas propostas de salvaguarda patrimonial. Uma
proposta defendida pela UNESCO, e que foi analisada por Arantes (2001), destaca a
importância de que os próprios grupos detentores e criadores da práticas culturais se
transformem em agentes nas propostas de inventário e registro nas políticas de patrimônio,
ampliando as perspectivas de participação mais democrática e de uma maior
representatividade no campo cultural e patrimonial.
Simão (2003), assim como Lody (2005), destaca que as políticas de salvaguarda no
campo do patrimônio imaterial beneficiam memórias marginalizadas e práticas de
comunidades e grupos tradicionalmente desvalorizados. Nesse processo, destaca-se a atuação
de antropólogos como mediadores entre as políticas públicas de preservação do patrimônio
cultural e os grupos detentores de manifestações tradicionais. Pesquisadores contribuem para
definir procedimentos metodológicos tanto no trabalho de campo como nas etapas de
documentação, identificação e registro dessa nova categoria de bem patrimonial. Por ser um
terreno epistemológico recentemente explorado, o registro de bens intangíveis ainda apresenta
várias dúvidas e interrogações para os pesquisadores envolvidos. A dificuldade se impõe pelo
próprio caráter dinâmico do patrimônio imaterial que se deseja preservar, colocando em
questão a eficiência do registro como instrumento de salvaguarda. A dúvida é se o registro
patrimonial realmente garante a preservação de uma prática cultural ou se constitui apenas
como uma forma de documentação e identificação desse bem.
Sobre os fotógrafos Lambe-Lambes do município do Rio de Janeiro, apesar das
políticas de salvaguarda desenvolvidas para revitalizar esse ofício, a dinâmica cultural tem
atuado em uma perspectiva que parece determinar o fim dessa prática tradicional, um aspecto
que pode ser sintetizado ludicamente com o desabafo de Linda Lobo, criadora da Comunidade
Lambe-Lambe, eu tirei uma foto no site de relacionamento Orkut na internet
(www.orkut.com), e filha de Bernardo Soares Lobo, último fotógrafo Lambe-Lambe do
Jardim do Méier:
59
Em princípio, qualquer indivíduo ou instituição pode apresentar projetos propondo o registro de bens culturais
intangíveis.
209
“Tenho muito orgulho de ser sua filha, de ter sido criada para o bem
e com boa estrutura familiar.
Fico triste em viver em um território sem memória, o que hoje estão
chamando de patrimônio histórico, deveria ser valorizado em vida.
Quantas lembranças, quantas reportagens, quantas entrevistas,
quantas fotos, quantos out-doors, quantas propagandas e mídias
escritas e faladas que venho assistindo por todo este período...
Acho muito importante preservar a história da nossa cidade e é
através do patrimônio que a juventude conhece o nosso passado.
O lambe-Lambe é um patrimônio vivo da nossa história, que está
sendo esquecido por nossos governadores.
Assim mesmo pai, continue sua luta carregando o seu caixote, mesmo
sabendo que não tem nenhum retorno financeiro, pois o que importa é
este orgulho de lutar e continuar acreditando em dias melhores.
Te amamos muito e fico muito feliz em saber que ainda temos pessoas
interessadas em seu sorriso.”
210
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como principal objetivo elaborar uma análise sobre o papel social
do fotógrafo Lambe-Lambe e os usos sociais da fotografia produzida por estes profissionais
nos espaços públicos das cidades brasileiras.
Atuando ao longo de décadas em um mesmo local, o fotógrafo Lambe-Lambe
acompanha as mudanças e permanências que afetam a vida cotidiana, e através de seus
depoimentos foi possível detectar transformações nas formas de sociabilidade e nos padrões
de gosto e de comportamento social. Através das narrativas orais dos fotógrafos Lambe-
Lambes percebemos como a trajetória de suas vidas profissionais foi afetada pelos usos e
apropriações do espaço público por diferentes grupos e agentes sociais.
Por ser um observador privilegiado das transformações sociais em torno do espaço
público que ocupa profissionalmente, foi possível problematizar e relacionar as dificuldades
enfrentadas pelos Lambe-Lambes nas últimas décadas não apenas pela defasagem técnica e
tecnológica dos seus procedimentos fotográficos mas, principalmente, pelas mudanças nos
contextos sociais e culturais que afetaram os usos sociais dos espaços públicos das cidades.
A violência urbana e a sensação de insegurança nas grandes cidades, alteram o uso
social das praças, parques e largos públicos como espaços de lazer, influindo negativamente
na procura pelos serviços profissionais dos fotógrafos Lambe-lambes.
Porém, se o espaço pode ser interpretado como um fator explicativo da decadência dos
Lambe-Lambes, é igualmente ele que, de maneira aparentemente contraditória, aparece como
uma referência que explica a resistência e a sobrevivência deste tradicional ofício neste início
de século. Observamos que se trata de uma relação afetiva entre esses profissionais e os
espaços públicos que eles ocupam profissionalmente décadas, que explica a sua
permanência nas praças das cidades brasileiras.
As narrativas visuais dos fotógrafos Lambe-Lambes permitiram analisar os usos
sociais da fotografia produzida nas praças públicas, revelando aspectos característicos desta
tipologia fotográfica e desta prática profissional.
A fotografia foi interpretada como uma construção social, que incorpora no seu
discurso imagético desejos, intencionalidades, idealizações e ideologizações, permitindo,
assim, explorar reflexivamente as inter-conexões entre o retrato fotográfico e os processos
envolvidos na construção de memórias e na definição de identidades coletivas e individuais.
Tais questões possibilitaram a utilização de uma metodologia de análise que realizou uma
211
aproximação epistemológica entre os retratos de família, produzidos pelos próprios membros
da família (ou em estúdios fotográficos), e os retratos dos Lambe-Lambes.
A análise comparativa entre retratos de família e as imagens produzidas pelos Lambe-
Lambes foi um importante recurso metodológico para a compreensão dos diversos aspectos
envolvidos nos usos sociais deste tipo de imagem. Na fotografia, as poses, os gestos, as
posturas, os arranjos estéticos e os atributos espaciais e materiais registrados são elementos
fundamentais para a construção de uma memória visual desejada. Como definiu Bourdieu
(1965), a fotografia registra a realidade material através de uma construção estética, onde o
enquadramento de pessoas e cenários elabora uma teatralidade ficcional no discurso visual.
Segundo Peixoto (2001), preservar e transmitir um sentido de coesão de grupos, e
construir uma representação de prosperidade de indivíduos, são alguns dos significados que
emanam dos retratos de família, questões que também foram detectadas na análise dos usos
sociais das fotografias produzidas pelos Lambe-Lambes.
No retrato do indivíduo, o sujeito fotografado aparece predominantemente no centro
do quadro, no primeiro plano da imagem fotográfica, afirmando imageticamente que ele é o
ator principal, e não um mero coadjuvante no enredo da vida social. Essa imagem reflete a
construção do sentido de (auto)identificação do indivíduo, perpassada por idealizações e
demonstrações estéticas de sucesso, riqueza e prosperidade social. Como foi destacado por
Barros e Strozenberg (1992), essa tipologia de narrativa visual registra não apenas indivíduos,
mas também, padrões estéticos que refletem papéis sociais.
No retrato de grupos, os elementos cênicos e estéticos da imagem reforçam o sentido e
coesão, de integração, e a noção de pertencimento do indivíduo ao grupo fotografado. Por
isso, prioriza-se no registro imagético os momentos de harmonia e de felicidade, omitindo os
conflitos, desarmonias e tristezas vivenciados pelo grupo.
Abordando a utilização de recursos audiovisuais em metodologias de pesquisa,
Peixoto (1998) ressalta que a linguagem imagética amplia a percepção dos diferentes
significados que permeiam os fenômenos sociais e culturais. A fotografia foi aqui
interpretada como fonte e objeto de reflexão, sendo utilizada também como um estratégico
instrumento para descrever, comparar e apresentar os resultados da pesquisa etnográfica. Nas
Ciências Sociais, e mais especificamente no campo da Antropologia Visual, a fotografia é
instrumento (e dado) fundamental da etnografia, ampliando e fornecendo novas dimensões de
entendimento sobre as práticas e manifestações culturais estudadas. A análise da imagem não
é um ato passivo, mas uma atitude que gera sentidos e representações, por isso a necessidade
212
de uma leitura mais consistente da narrativa visual e dos contextos de produção, de circulação
e de recepção das fotografias, assim como dos agentes sociais envolvidos nesse processo.
Resultado de uma proposta elaborada ao longo desenvolvimento desse projeto de tese,
o registro do fotógrafo Lambe-Lambe como o patrimônio cultural imaterial carioca
redimensionou simbolicamente o papel social dessa prática profissional e, nesse processo, foi
possível estruturar uma reflexão sobre as potencialidades de trabalhos etnográficos afetarem
políticas públicas de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural.
Através de Abreu e Chagas (2003) foi possível identificar que a partir da emergência
das preocupações com o patrimônio intangível, ampliou-se o espectro de atuação do campo
antropológico na definição das fronteiras patrimoniais. Cada vez mais os antropólogos
participam de pesquisas e da elaboração de novos pressupostos teóricos e metodológicos
direcionados ao inventário e ao registro de bens culturais imateriais, e as pesquisas
etnográficas tornam-se importantes suportes informacionais que influenciam nas ações
públicas preservacionistas.
Esse novo cenário no campo patrimonial abriga novas dimensões éticas na relação
entre pesquisados e pesquisadores em estudos etnográficos de manifestações culturais que
possuem perspectivas de serem inventariadas e registradas como bens patrimoniais.
No caso específico dos fotógrafos Lambe-Lambes da cidade do Rio de Janeiro, a
transformação dessa prática cultural em patrimônio imaterial carioca, apesar de agregar
valores simbólicos, não tem garantido a sobrevivência econômica dessa tradicional atividade
profissional, mas possibilitou o inventário documental e o registro dos modos de fazer e de
saber desse ofício, preservando importante referências informacionais para as futuras
gerações.
Nesse sentido, acredito que as experiências e as reflexões desenvolvidas nesse trabalho
sobre os Lambe-Lambes cariocas podem contribuir para o desenvolvimento de futuras ações
no campo preservacionista, tanto em relação aos profissionais locais, como no que concerne
aos fotógrafos que ainda praticam esta profissão no Brasil afora. Mais do que isso, espero
estimular novas pesquisas e trabalhos sobre esta tradicional prática cultural que merece ser
reconhecida como patrimônio nacional.
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Figura 90: Fotografia do Lambe-Lambe Júlio Marfil Ruiz (São Paulo). Ano: s/d. Fonte: O
lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São Paulo: Museu Lasar Segall, 1980.
Figura 91: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família
.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
230
Figura 92: Fotografia de um Lambe-Lambe de Porto Alegre. s/d. Fonte: Jornal do Brasil, de
06/10/1976
Figura 93: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
Figura 94: Fotografia do Lambe-Lambe Miguel Peinado (São Paulo). Ano: s/d. Fonte:
O lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São Paulo: Museu Lasar Segall, 1980.
Figura 95: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
Figura 96: Fotografia de um Lambe-Lambe de São Paulo. s/d. Fonte: MAZZA, Márcio Lucas
Gimenez. Lambe-lambe em São Paulo. Trabalho de conclusão de curso. São Paulo: USP,
1974.
Figura 97: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
Figura 98: Fotografia do Lambe-Lambe Antonio Benedicto Martins (Pirapora/SP). Ano:
1978. Fonte: O lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São Paulo: Museu Lasar Segall,
1980.
Figura 99: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
Figura 100: Fonte: sítio da Internet
www.uol.com.br/folha/almanaque/doalbum_05ago01.shtml
Figura 101: Fotografia do Lambe-Lambe Pardal que retrata grupo de romeiros na cidade de
Pirapora (São Paulo). Ano: 1980. Fonte: O lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São
Paulo: Museu Lasar Segall, 1980.
Figura 102: Fotografia do Lambe-Lambe Pardal que retrata grupo de romeiros na cidade de
Pirapora (São Paulo). Ano: 1980. Fonte: O lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São
Paulo: Museu Lasar Segall, 1980.
Figura 103: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
Figura 104: Fotografia de um Lambe-Lambe de São Paulo. s/d. Fonte: MAZZA, Márcio
Lucas Gimenez. Lambe-lambe em São Paulo. Trabalho de conclusão de curso. São Paulo:
USP, 1974.
Figura 105: Fotografia de Lambe-Lambe (São Paulo). c.1930. Fonte: SEVCENKO, Nicolau
(org.). História da Vida Privada no Brasil . São Paulo: Companhia das Letras, 1988. V.3.
Figura 106: BARROS, Myriam Moraes Lins de; STROZENBERG, Ilana. Álbum de família
.
Rio de Janeiro: Comunicação Contemporânea, 1992.
231
Figura 107: Fotografia de um Lambe-Lambe de São Paulo. s/d. Fonte: MAZZA, Márcio
Lucas Gimenez. Lambe-lambe em São Paulo. Trabalho de conclusão de curso. São Paulo:
USP, 1974.
Figura 108: RIEDL, Titus. Últimas lembranças. Retratos da morte, no Cariri, região do
Nordeste brasileiro. Fortaleza/São Paulo: Secult/Annablume, 2002.
Figura 109: Fotografia de um Lambe-Lambe. s/d. Fonte: RIEDL, Titus. Últimas lembranças.
Retratos da morte, no Cariri, região do Nordeste brasileiro. Fortaleza/São Paulo:
Secult/Annablume, 2002.
Figura 110: HENNING, Michelle. The subject as object: photography and the human body.
In WELLS, Liz. Photography: a critical introduction. London: Routledge, 2000.
Figura 111: Fotografia de um Lambe-Lambe de São Paulo. s/d. Fonte: MAZZA, Márcio
Lucas Gimenez. Lambe-lambe em São Paulo. Trabalho de conclusão de curso. São Paulo:
USP, 1974.
Figura 112: Fonte: http://www.estanciabarrabonita.com.br/?page=historia
Figura 113: Fonte: http://www.estanciabarrabonita.com.br/?page=historia
Figuras 114 até 120: Acervo fotográfico da família Cozendey.
Figuras 121 até 130: Acervo fotográfico da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro
Teodósio da Silva.
Figura 131: Acervo fotográfico da família Cozendey.
Figura 132: Acervo fotográfico da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro Teodósio da
Silva.
Figura 133: Acervo fotográfico da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro Teodósio da
Silva.
Figuras 134 até 136: Acervo fotográfico da família Cozendey.
Figuras 137 e 138: Acervo fotográfico da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro
Teodósio da Silva.
Figuras 139 até 141 : Acervo fotográfico da família do fotógrafo Lambe-Lambe Pedro
Teodósio da Silva.
Figuras 142 e 143: Fotografias de Abílio Afonso da Águeda
Figuras 144 até 149: Fotografias de Abílio Afonso da Águeda
Figura 150 e 151: Fonte: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
. Rio de Janeiro:
IPHAN, 1998. nº 27.
232
Figura 152: Fonte: Diário Oficial do município do Rio de Janeiro, de 19 de agosto de 2005.
Figura 153: Fonte: Jornal O Globo, de 20 de agosto de 2005.
Figura 154: Fonte: O lambe-lambe hoje - o fotógrafo de jardim. São Paulo: Museu Lasar
Segall, 1980.
Figura 155: Fonte: Jornal O Fluminense, de 14 de setembro de 2000.
Figura 156: Fonte: Jornal O Fluminense, de 14 de setembro de 2000.
Figura 157: Fonte: folder da exposição História Social de Belo Horizonte: o olhar dos fotógrafos
lambe-lambes.
233
ANEXOS
Anexo 01: Decreto Municipal do Rio de Janeiro 25678, de 18 de agosto de 2005, que
declara o fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio cultural carioca. (p. 45)
Anexo 02: Decreto Lei Federal 3551, de 04 de agosto de 2000, criando o registro do
patrimônio cultural imaterial. (p. 58)
Anexo 03: Lei do Governamental do Distrito Federal 944, de 24 de dezembro de 1995. (p.
194)
Anexo 04: Decreto Municipal do Rio de Janeiro 23162, de 21 de julho de 2003, que cria o
registro de bens imateriais do patrimônio carioca. (p. 195)
Anexo 05: Diário Oficial com a publicação do Decreto Municipal do Rio de Janeiro nº 25678,
de 18 de agosto de 2005, que declara o fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio cultural
carioca. (p. 196)
Anexo 06: Reportagens jornalísticas sobre a publicação do Decreto Municipal do Rio de
Janeiro nº 25678. (p. 196)
Anexo 07: Material de divulgação e reportagens sobre a exposição O fotógrafo Lambe-
Lambe: cronista visual e guardião da memória da sociedade (p. 200)
Anexo 08: crônica de Joaquim Ferreira dos Santos sobre a banalização do conceito de
patrimônio cultural (Jornal O Globo, de 22 de outubro de 2007). (p. 204)
234
Anexo 01:
Decreto Municipal do Rio de Janeiro 25678, de 18 de agosto de 2005, que declara o
fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio cultural carioca.
235
DECRETO Nº 25678 DE 18 DE AGOSTO DE 2005.
Declara patrimônio cultural carioca o ofício de fotógrafo ambulante conhecido como
“lambe-lambe”.
O PREFEITO D CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais e,
considerando que a atividade de fotógrafo ambulante, popularmente conhecido como Lambe-
Lambe, testemunhou e documentou, para a posteridade, a imagem de inúmeros personagens,
conhecidos ou anônimos, da cidade e do país;
considerando que essa atividade se tornou referência cultural na paisagem urbana carioca;
considerando a necessidade de se preservar a memória da cultura carioca, através do registro de
seus bens de natureza intangível;
considerando o parecer do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro no
processo 12/000.385/2004,
236
DECRETA:
Art. 1.º Fica declarado Patrimônio Cultural Carioca o ofício de fotógrafo ambulante, popularmente
conhecido como LAMBE-LAMBE, nos termos do art. 4º Parágrafo 1º, do Decreto 23.162/03.
Art. 2.º O órgão executivo municipal de proteção do Patrimônio Cultural inscreverá o bem no Livro
de Registro dos Saberes.
Art. 3.º São declaradas de valor para o patrimônio cultural da cidade as atividades exercidas pelos
profissionais que atuam no Largo do Machado, na Praça Saens Pena, no Jardim do Méier e em
outras áreas que vierem a ser registradas pelo DGPC.
Art. 4.º A Secretaria Municipal das Culturas, juntamente com a Secretaria Municipal de Fazenda e
Secretaria Municipal de Meio Ambiente, através da Fundação Parques e Jardins, elaboração meios
para incentivar a permanência dessa atividade nas praças cariocas, divulgar sua existência, assim
como para a multiplicação do número dos fotógrafos ambulantes na cidade, preservando assim
esse ofício.
Art. 5.º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2005 – 441
o
ano de fundação da Cidade.
CESAR MAIA
Lambe-lambe, patrimônio carioca
Hoje, Dia do Fotógrafo e da Fotografia, a Prefeitura declarou
patrimônio cultural carioca o trabalho
dos fotógrafos ambulantes, popularmente conhecidos como “lambe-lambe”. Esses profissionais
são referências culturais e afetivas na paisagem urbana e ainda atuam no Jardim do Méier, Largo
do Machado, Praça Saens Peña e outras áreas. Conforme e decreto publicado hoje, esses
fotógrafos terão incentivo para desenvolver seu trabalho na cidade.
Ver decreto
237
238
Anexo 02:
Decreto Lei Federal 3551, de 04 de agosto de 2000, criando o registro do patrimônio
cultural imaterial.
239
DECRETO N
o
3.551, DE 4 DE AGOSTO DE 2000
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, e tendo em vista o disposto no art. 14 da Lei n
o
9.649, de 27 de maio de
1998,
D E C R E T A :
Art. 1
o
Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1
o
Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de
fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de
outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários,
praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais
coletivas.
§ 2
o
A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a
continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade
e a formação da sociedade brasileira.
§ 3
o
Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais
de natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se
enquadrem nos livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo.
Art. 2
o
São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro:
I - o Ministro de Estado da Cultura;
II - instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
IV - sociedades ou associações civis.
Art. 3
o
As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica,
serão dirigidas ao Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
- IPHAN, que as submeterá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 1
o
A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo IPHAN.
240
§ 2
o
A instrução constará de descrição pormenorizada do bem a ser registrado,
acompanhada da documentação correspondente, e deverá mencionar todos os
elementos que lhe sejam culturalmente relevantes.
§ 3
o
A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos do Ministério da
Cultura, pelas unidades do IPHAN ou por entidade, pública ou privada, que detenha
conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser
expedido pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 4
o
Ultimada a instrução, o IPHAN emitirá parecer acerca da proposta de registro e
enviará o processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, para deliberação.
§ 5
o
O parecer de que trata o parágrafo anterior será publicado no Diário Oficial da
União, para eventuais manifestações sobre o registro, que deverão ser apresentadas
ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural no prazo de até trinta dias, contados
da data de publicação do parecer.
Art. 4
o
O processo de registro, já instruído com as eventuais manifestações
apresentadas, será levado à decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Art. 5
o
Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural,
o bem será inscrito no livro correspondente e receberá o título de "Patrimônio Cultural
do Brasil".
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural determinar a
abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro, em atendimento ao disposto
nos termos do § 3
o
do art. 1
o
deste Decreto.
Art. 6
o
Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter
banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. 7
o
O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada
dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para
decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como
referência cultural de seu tempo.
Art. 8
o
Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política específica de inventário,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de noventa dias, as
bases para o desenvolvimento do Programa de que trata este artigo.
Art. 9
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Francisco Weffort
241
Anexo 03:
Lei do Governamental do Distrito Federal nº 944, de 24 de dezembro de 1995
242
LEI Nº 944, DE 24 DE OUTUBRO DE 1995
DODF DE 25.10.1995
DODF DE 08.12.1995
Dispõe sobre a preservação da
atividade dos fotógrafos que
trabalhem com as quinas caixotes
tipo “foto-jardim”, dentro dos limites
do Distrito Federal.
O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, faço saber que a Câmara Legislativa do Distrito Federal
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. Fica preservada a atividade dos fotógrafos que trabalhem dentro dos limites do Distrito
Federal, com as máquinas caixotes tipo “foto-jardim”, denominados "lambe-lambe", como patrimônio
cultural e artístico de Brasília.
Parágrafo único Os fotógrafos citados neste artigo ficam obrigados a adaptar seus equipamentos
modernos de fotografia às câmeras caixotes tipo “foto-jardim”. (Parágrafo mantido pela CLDF após
veto do Governador do DF – Publicado no DODF de 08.12.1995)
Art 2º Os fotógrafos "lambe-lambe" ficam isentos do pagamento de qualquer taxa de ocupação.
Art. 3º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 30 (trinta) dias.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 24 de dezembro de 1995.
107° da República e 36° de Brasília
CRISTOVAM BUARQUE
243
Anexo 04:
Decreto Municipal do Rio de Janeiro 23162, de 21 de julho de 2003, que cria o registro de
bens imateriais do patrimônio carioca.
244
DECRETO Nº 23162 DE 21 DE JULHO DE 2003
Institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio
cultural carioca e dá outras providências.
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais e,
considerando o Programa de Proteção e Valorização do Patrimônio Cultural e do Meio Ambiente
Urbano previsto no Plano Diretor, Lei Complementar n.º 16/92;
considerando a necessidade de proteger formas de expressão, modos de fazer e viver, criações
científicas, tecnológicas e artísticas, manifestações culturais e sociais que conferem identidade
cultural ao povo carioca;
considerando a necessidade de se preservar a memória coletiva da sociedade carioca;
DECRETA
Art. 1.º Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural carioca.
Art. 2.º Os Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituam o patrimônio cultural carioca
serão registrados da seguinte forma:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer
enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Atividades e Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas
da vida social;
245
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias,
musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos as áreas urbanas, as praças, os locais e
demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas.
a) Poderá ser reconhecida como sítio cultural carioca área de relevante interesse para o
patrimônio cultural da cidade, visando à implementação de política específica de inventário,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
§ 1.º Caberá ao Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural determinar a abertura de
outros livros de registro para a inscrição de bens culturais de natureza imaterial que constituam
patrimônio cultural carioca e não se enquadrem nos livros definidos neste artigo.
§ 2.º A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica
do bem e sua relevância local para a memória, a identidade cultural e a formação social carioca.
Art. 3.º São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro:
I - o Secretário Municipal das Culturas;
II - o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural ou seus Conselheiros;
III - o órgão executivo municipal do patrimônio cultural;
IV - as demais Secretarias Municipais ou órgãos da administração municipal;
V - as sociedades ou associações civis.
246
Art. 4.º As propostas para registro serão dirigidas ao órgão executivo municipal do patrimônio
cultural que, após análise técnica, as submeterá ao Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio
Cultural.
§ 1.º A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo órgão executivo do
patrimônio cultural.
§ 2.º A instrução constará de descrição pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da
documentação correspondente, e deverá mencionar todos os elementos que lhe sejam
culturalmente relevantes.
§ 3.º A instrução dos processos poderá, por solicitação do órgão executivo municipal de proteção
do patrimônio, ser complementada com informações de outras entidades, pública ou privada, que
detenham conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser expedido
pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural.
§ 4.º O parecer do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural será publicado no Diário
Oficial, para eventuais pronunciamentos da sociedade em geral sobre o registro, que deverão ser
apresentados ao Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural no prazo de até trinta
dias, contados da data de publicação do parecer.
Art. 4.º O processo de registro, já instruído com as eventuais manifestações apresentadas, será
levado à decisão do Chefe do Executivo.
§ 1.º Em caso de decisão favorável do Prefeito, o bem será inscrito
no livro correspondente e será classificado como "Patrimônio Cultural Carioca".
Art. 5.º À Secretaria Municipal das Culturas cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao órgão executivo municipal
do patrimônio cultural manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do
processo.
247
II - ampla divulgação e promoção.
Parágrafo único. A Secretaria Municipal das Culturas poderá propor a criação de outras formas de
incentivo para a manutenção dos bens registrados.
Art. 6.º O órgão executivo do patrimônio fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo
menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio
Cultural para decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio Cultural Carioca".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como referência cultural
de seu tempo.
Art. 7.º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 21 de julho de 2003 - 439º da Fundação da Cidade.
CESAR MAIA
Prefeito
248
Anexo 05:
Diário Oficial (capa e detalhe) com a publicação do Decreto Municipal do Rio de Janeiro
25678, de 18 de agosto de 2005, que declara o fotógrafo Lambe-Lambe como patrimônio
cultural carioca. (p. xx)
249
250
251
Anexo 06:
Reportagens jornalísticas sobre a publicação do Decreto Municipal do Rio de Janeiro
25678, de agosto de 2005.
252
Jornal O Globo, de 20 de agosto de 2005
Jornal O Globo, de 27 de agosto de 2005
253
Jornal O Dia, de 20 de agosto de 2005
254
Anexo 07:
Material de divulgação e reportagens sobre a exposição O fotógrafo Lambe-Lambe: cronista
visual e guardião da memória da sociedade.
255
Convite da exposição
256
Mapa Cultural da Prefeitura do Rio de Janeiro, de agosto de 2006
257
Jornal do Commercio, de 12 de agosto de 2006
258
Jornal do Brasil, de 26 de agosto de 2006
259
http:://espacophoto.blog.terra.com.br/
260
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2006/08/18/285328160.asp
261
262
http://tempestadecerebral1.blogspot.com/
2006/08/lambe-lambe-um-ano-como-patrimnio-do.html
263
http://fotosite.terra.com.br/novo_futuro/barme.php?http://
fotosite.terra.com.br/novo_futuro/ler_noticia.php?id=4728
264
http://www.overmundo.com.br/agenda/o-fotografo-lambe-lambe-guardiao-da-memoria
265
http://www.revistamuseu.com.br/noticias/
not.asp?id=9950&MES=/8/2006&max_por=10&max_ing=5
266
Anexo 08:
Crônica de Joaquim Ferreira dos Santos, do Jornal O Globo, sobre a banalização do conceito
de patrimônio cultural. (p. xx)
267
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