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Foto da Vila dos Remédios no ano de 1958. (acervo particular de Seu Zé Martins)
FERNANDO DE NORONHA
E OS VENTOS DA GUERRA FRIA
(A RELAÇÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS NOS ANOS DE JK)
GRAZIELLE RODRIGUES DO NASCIMENTO
Recife, 2009.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FERNANDO DE NORONHA E OS VENTOS DA GUERRA FRIA
(A RELAÇÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS NOS ANOS DE JK)
Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito para obtenção do título de
grau mestre em História Social do Programa de Pós-Graduação em
História sob orientação do Prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel.
GRAZIELLE RODRIGUES DO NASCIMENTO
Recife, 2009.
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Nascimento, Grazielle Rodrigues do
Fernando de Noronha e os Ventos da Guerra Fria (a relação entre
Brasil e Estados Unidos nos anos de JK) / Grazielle Rodrigues do
Nascimento. – Recife: O Autor, 2009.
163 folhas ; il., fotos, fig.; mapas
Dissertação (mestrado)
Universidade Federal de Pernambuco.
CFCH. História, 2009.
Inclui: bibliografia.
1.
História. 2. Fernando de Noronha, ilha PE). 3. Brasil X Estados
Unidos – Governo Juscelino Kubitschek. 4. Guerra Fria. I. Título.
981.34
981
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
BCFCH2010/07
FERNANDO DE NORONHA E OS VENTOS DA GUERRA FRIA
(A RELAÇÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS NOS ANOS DE JK)
GRAZIELLE RODRIGUES DO NASCIMENTO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Orientador: Profº Dr. Marc Jay Hoffnagel
________________________________________________
Examinador interno: Profª Dra. Maria do Socorro Abreu e Lima
________________________________________________
Examinador externo: Profª Dra. Marcília Gama da Silva
________________________________________________
Examinador interno (suplente): Profª Dra. Tanya Maria Pires Brandão
________________________________________________
Examinador externo (suplente): Prof Dr. Marcos Guedes
Recife, 2009.
Dedico este trabalho aos três grandes amores da minha vida:
João (im memoriam), Tida e Tatinha.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos que aqui estarão sendo registrados não conseguiriam alcançar a
importância de cada gente, objeto, situação, experiência e vivência sentidas e
desenvolvidas ao longo, não apenas desses dois anos de trabalho para a pós-graduação,
mas ao longo dos meus 10 anos de pesquisa sobre a história da Ilha de Fernando de
Noronha. Foram tantas alegrias, dores, decepções e espantos que correria o risco de deixar
escapar a oportunidade de eternizar o AGRADECIMENTO.
Mas vou começar os agradecimentos pelos “cinquentenários” da Ilha de Fernando
de Noronha. Pessoas que se dedicaram a erguer uma ilha de sonhos. Um paraíso. Mesmo
quando a repressão e a disciplina excessiva tentavam tornar essa ilha um assombro.
Agradeço a todos vocês por me permitir viver um tempo de Noronha, o qual é retratado
cheio de saudade. “Tenho razão de sentir saudade”, já nos diz Carlos Drummond de
Andrade. Preciso também agradecer a própria Ilha por ter sido a razão da minha escrita. A
razão pela qual eu a levo para o mundo e que me faz ter um amor inexplicável, com todos
os sentimentos que o amor proporciona: paixão, euforia, desatino, dores, decepções e
desilusões e que se não causassem não era amor.
Quero pedir o meu mais sincero obrigada ao Professor Dr. Marc Jay Hoffnagel por
ter aceitado a empreitada da orientação. Por ter tentado se inserir em um espaço insular que
se encontra distante do ‘continente’ e ter compreendido as lacunas historiográficas
pertinentes às histórias que se contam em Noronha. Aproveitando, agradeço a todos os
professores do Departamento de História que contribuíram na minha formação, enquanto
historiadora; desde o período da graduação até à conclusão do Mestrado: muitíssimo
obrigada. Meus profundos agradecimentos à banca de qualificação Profª Drª Suzana
Cavani e Prof. Carlos Miranda pela pré-leitura do trabalho realizado durante o exame de
qualificação que contribuiu consideravelmente para a formatação do trabalho que ora
concluo. Ao Arquivo Público, na figura do coordenador Pedro Moura, como também ao
Administrador-Geral do Distrito de Fernando de Noronha Romeu Baptista, ao Diretor de
Articulação Insular Gustavo Araújo e ao Diretor de Gestão Insular Reginaldo Valença por
terem apoiado essa pesquisa. Ao estimável Conselho Distrital que sempre esteve de
prontidão aos pedidos históricos, em especial à Conselheira Marilde Costa (minha tia
cinquentenária).
Gostaria de agradecer a todos os funcionários do Departamento de História, seja da
graduação ou da pós-graduação, aos do Arquivo Público (Cristina, Elza, Fred, Márcio e
Clodomir), da Administração de Fernando de Noronha (Elida dos Santos, Miriam Cazzetta,
Sandra Veríssimo, Adeilson, Verônica Modesto, Josivan Soares, Albaniza e Luiz Gonzaga)
e aos do Conselho Distrital (Gisela e Jô). Mas em especial à Rogéria (Graduação em
História), à Carmem e à Sandra Regina (da Pós-graduação História). À Riso, à Micheline,
à Claudia Silva e a Jerônimo Andrade da ADEFN pela atenção e respeito a minha condição
de pesquisadora na Ilha.
Não posso jamais deixar de dedicar todo o meu obrigada e sentimentos a duas
pessoas que foram fundamentais à existência do trabalho de pesquisa que desenvolvo, não
apenas ao período da guerra fria em Noronha, mas a toda história que envolve o
arquipélago de Fernando de Noronha: Marcília Gama e Hildo Leal da Rosa. Tenho esses
dois como base a minha formação intelectual e acadêmica. A práxis adquirida com vocês
me rendeu esse trabalho de mestrado, como também o grupo de pesquisa Noronha
Multifacetado. Esses dois guerreiros da história agora me ajudam a construir outras
Noronhas com Cristina Souza, Roberta Duarte e Allan Luna. Que brilhem e voem esses
multifacetados nas histórias da Ilha de Fernando de Noronha.
Agora é chegada a hora e a vez daqueles que junto comigo passaram por momentos
difíceis de perdas e dores, mas de muitas alegrias: a minha família, em especial ao meu pai
e a minha mãe. Que durante a vida tiveram como sonho ver os seus formados. Painho,
consegui! Muito obrigada, mainha pela paciência e dedicação com a gente em casa.
Aos meus amigos e amigas conhecidos ao longo do acaso e que sempre
acompanham os meus devaneios, também meu obrigada. É tanta gente que se apresentou
ao longo dessa caminhada. Mas não posso deixar de citar Maria Lana da Silva Monteiro
(achando pouco ainda adicionou) de Lacerda. Claudia Abreu, Edson Marques e Laine
Souza. Ainda tem Cibele e Fofuxo, Solange Maria e Andréia Bonfim. Gilmaria e Helen,
Chyara e Virginia (os conquistados no Mestrado). Pedrianne Dantas e Tácito Rolim
conquistas decorrentes do mundo virtual através da ferramenta do Cnpq.
E não posso deixar de mencionar, pois seria injusta, meu muitíssimo obrigada a
FACEPE e ao CNPq por terem disponibilizado recursos, através das bolsas cedidas no
tempo de graduação e pós-graduação (respectivamente), para que eu pudesse pesquisar e
estudar com tranquilidade as histórias que pairam no Arquipélago de Fernando de Noronha
num entrecruzar com a do restante do Brasil.
RESUMO:
O ano de 1956 foi singular para a Ilha de Fernando de Noronha. Inserida em um ambiente
de guerra fria, era instalada uma base militar norteamericana em seus arredores. Dividir
com o estrangeiro este espaço insular se mostrava como “uma afronta à soberania do
Brasil” para alguns. Os recortes de jornais possibilitam refletir sobre a convivência entre os
técnicos que operavam os mísseis teleguiados e os moradores da ilha, (re) significando os
tempos históricos em um movimento permanente, marcado por temporalidades e
delimitações espaciais. Esta convivência ora se apresentava conflitante, quando se percebe
uma dicotomia entre a necessidade dos recursos que a base oferecia à ilha (como
assistência à saúde e o transporte aéreo) e o sentimento antiamericano que pairava sobre
alguns militares; ora se apresentava conveniente, quando o dólar poderia render ganhos a
quem se aventurasse a ir trabalhar para o americano. Assim, Defesa, Segurança e
Soberania asseguravam a hegemonia americana dentro da América Latina, determinando
que o Atlântico fosse o espaço dos teleguiados. O governo dos Estados Unidos inseria o
Brasil em uma área de influência estratégica, cujas possibilidades de controle efetivo
constituíam o principal argumento da geopolítica de segurança. Esta presença americana
mudaria de certo o dia-a-dia de uma ilha em meio ao Oceano Atlântico, tornando-a um dos
palcos da Guerra Fria.
Palavras-chave: História da relação Brasil X Estados Unidos; Fernando de Noronha X
Guerra Fria.
ABSTRACT:
The year of 1956 was peculiar to Fernando de Noronha Island, in the state of Pernambuco,
North-east of Brazil. The island was inserted in Cold War atmosphere by the installation,
on its limit, of a North American military base. For some Brazilian representatives, sharing
the insular lands with the foreigners was understood as “an offense to the Brazilian
government sovereignty”. The newspapers bulletins, at that time, provided material to the
present reflection about the sociability between foreign technical staff - in order to operate
teleguided missiles - and the island natives. This is significant to understand and
reformulate information about that time in History of Brazil, which was in permanent
movement, signed for the aspects of temporality and spatial delimitation. The sociability is
presented as a conflict, when a dichotomy took place: the need of resources, offered to the
island natives by the military base (healthy assistance program and the air transportation
means) in opposition to the anti-American felling about military members presence and
influence. The same sociability was, then, convenient, when the American dollar made
possible the offering of wages to those available to work for the American army. In this
context, Brazilian and world defense, security and sovereignty were part of political
speech, suggested as essential element to the North American hegemony on South
America, determining the Atlantic Ocean as a teleguided missiles area. The United State
government, then, inserted Brazil as an area of strategic influence, which possibility of
effective control became the main argument for the geopolitical security. North American
presence changed History for this island, somewhere in Brazilian Atlantic Ocean Waters.
As a result, it became an important Cold War stage.
Key Words: Political relation Brazil-United States of America; Fernando de Noronha
Island; Cold War History.
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
ADEFN Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha
AID Airport Development Program
AFMTC Air Force Missile Test Center
APEJE Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BR Brasil
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina
CMMBEUA Comissão Mista Militar Brasil Estados Unidos
COPRONE Comissão Projeto Nordeste
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de Historia Contemporânea do Brasil
Washington DC Washington District of Columbia
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
EMFA Estado Maior das Forças Armadas
ESG Escola Superior de Guerra
EEUU O mesmo que EUA
EUA Estados Unidos
Eximbank Export-Import Bank
FAB Força Aérea Brasileira
FEB Força Expedicionária Brasileira
FMI Fundo Monetário Internacional
FN Fernando de Noronha
ICBM Míssil Balístico Intercontinental
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JK Juscelino Kubitschek
MILS Missile Impact System Center
OEA Organização dos Estados Americanos
ONU Organizações das Nações Unidas
OPA Operação Pan-Americana
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PANAIR Pan American World Airways
PCB Partido Comunista Brasileiro
PE Pernambuco
POT Posto de Observação de Teleguiados
PSD Partido Social Democrático
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
RCA Radio Corporation of America
TFFN Território Federal de Fernando de Noronha
TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
UDN União Democrática Nacional
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USA United States of America
USAF United States Air Force
USAID United States Agency for International Development
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 Vila dos Remédios, 1958. (Capa)
Ilustração 02 Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e Palácio de São
Miguel, 2008.
página 22
Ilustração 03 Pátio Nossa Senhora dos Remédios, 2008. página 23
Ilustração 04 Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios, 2008. página 23
Ilustração 05 Mapa do Arquipélago de Fernando de Noronha, 1946. página 27
Ilustração 06 Relação dos navios brasileiros afundados, 1942. página 33
Ilustração 07 Parte dos presos e dos funcionários da Administração do
Presídio, 1942.
página 36
Ilustração 08 Regimento de Artilharia Antiaérea em Fernando de
Noronha, 1942.
página 37
Ilustração 09 Ruínas dos depósitos de gasolina da Segunda Guerra Mundial,
2009.
página 40
Ilustração 10 Croqui aerofotogramétrico de Fernando de Noronha, 1957. página 41
Ilustração 11 Região destinada aos americanos durante a Segunda Guerra
Mundial, 1957.
página 42
Ilustração 12 Plano hidrográfico e topográfico de Fernando de Noronha,
1942.
página 47
Ilustração 13 Mapa das coordenadas do TIAR, 1984. página 60
Ilustração 14 Imagem do diretor da SSP do Rio de Janeiro, Amaury Kruel. página 87
Ilustração 15 Modelos de cartazes contendo forte propaganda contra-
comunista.
página 87
Ilustração 16 Mapa com as 12 bases que acompanhavam os mísseis
teleguiados, 1959.
página 89
Ilustração 17 Coronel Costa, General Lott, e JK na ilha de Fernando de
Noronha, 1957.
página 97
Ilustração 18 US Maury transportando material para a montagem da base,
1957.
página 101
Ilustração 19 Estrada que leva as instalações norte-americanas no Morro
Francês, 1960.
página 102
Ilustração 20 Quonset das instalações da base de teleguiados, 1959. página 104
Ilustração 21 Missile Impact System Center (MILS), 1959. página 106
Ilustração 22 Aliança para o Progresso, 1962. página 118
Ilustração 23 Jânio Quadros e Henrique Teixeira Lott, 1960. página 119
Ilustração 24 Ligas camponesas, 1960. página 121
Ilustração 25 Região das instalações da base americana, 1969. página 129
Ilustração 26 Instalações americanas, 1960. página 131
Ilustração 27 Cassino Americano, 1959. página 137
Ilustração 28 Vista da Vila dos Remédios, 1961. página 138
Ilustração 29 Relação dos americanos na ilha de Fernando de Noronha, 1957.
página 139
Ilustração 30 Basinha americana, 1958. página 143
Ilustração 31 Mapa disposição geográfica da ilha de Ascenção à Flórida,
1957.
página 145
Ilustração 32 Comissão Mista em visita à Ilha de Fernando de Noronha,
1959.
página 146
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1º
A Ilha de Fernando de Noronha: entre a Segunda Guerra e a
Guerra Fria.
21
CAPÍTULO 2º
Um Arquipélago Teleguiado: a relação Brasil e Estados Unidos
no Governo de Juscelino Kubistchek.
68
CAPÍTULO 3º
De Canaveral ao Arquipélago de Fernando: estrangeiros
passam deixando o progresso?
111
CONSIDERAÇÕES
151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES DE PESQUISA 155
14
INTRODUÇÃO:
Lemos para esquecer
e também lemos para não esquecer.
Escreve-se para esquecer,
e o efeito da escritura
é fazer com que os outros não esqueçam.
Escreve-se para lembrar,
e amanhã outros vão ler essa lembrança.
1
Em 1956, alguns jornais do Estado de Pernambuco publicavam em suas folhas a
notícia sobre a cessão da Ilha de Fernando de Noronha à instalação de uma base militar dos
Estados Unidos. Manchetes do tipo “VIGORARÁ PELO PRAZO DE CINCO ANOS
SUJEITO A PRORROGAÇÃO”
2
, eram trazidas pelo Diário de Pernambuco como título,
argumentando sobre a defesa do território brasileiro, bem como de todo o continente
americano. O governo do Brasil cedia ao dos Estados Unidos parte da Ilha de Fernando de
Noronha para construções, especialmente de natureza eletrônica, relacionadas com o
programa de desenvolvimento espacial. A função de Fernando de Noronha era de
acompanhar os experimentos de projéteis teleguiados lançados no Cabo Canaveral, na
Flórida (USA). Ainda conforme a matéria, o ajuste de cessão da ilha era “complemento dos
atos diplomáticos anteriormente assinados [antes de 1956], especialmente o Tratado
Interamericano de Assistência”.
3
Diante do quadro que configurava a ilha, grupos
pertencentes a uma esquerda antiamericana começava a desenhar um cenário de
inquietações e contestações a respeito dos “yankees”
4
em território brasileiro. Periódicos
como a Folha do Povo e a Folha da Manhã, que seguiam uma linha de esquerda,
apimentavam o argumento de que estava sendo violada a soberania brasileira ao ser
entregue a ilha ao “infamante acordo de cessão”
5
e que “constitui ato condenável sob todos
os aspectos”.
6
Por outro lado, outras manchetes destacavam a posse de um novo presidente
brasileiro, Juscelino Kubitschek, ressaltando a “cooperação amigável” que existia entre os
governos brasileiro e americano desde o tempo da Segunda Guerra. Estas informações
circulavam na sociedade pernambucana caracterizada pela Guerra Fria (1956-1960) em
1
SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias: intelectuais, arte e meio de comunicação. Trad. Rubia Prates
Goldoni e Sérgio Molin. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. pp. 26.
2
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957.
3
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957.
4
A expressão designava, originalmente, os habitantes dos estados do Norte dos Estados Unidos, durante a
Guerra de Secessão. Com o passar do tempo começou a ser utilizado para se referir aos estrangeiros de
nacionalização estadunidense. Dependendo do discurso construído e por quem o construa, esse termo pode
tender a uma conotação pejorativa, referindo-se aos Estados Unidos (americanos) como um invasor.
5
Folha da Manhã, 01 de março de 1957.
6
Folha do Povo, 03 de fevereiro de 1957.
15
confluência a um clima de esperança para o desenvolvimento do Brasil, sob o lema de 50
anos em 5, mas também configurava uma clara contradição ou jogo de forças opostas nos
discursos pró e contra a presença americana em Noronha, cujo estrangeiro era acusado de
propiciar uma política “a beira da guerra”
7
, como também, “de zelar pelas liberdades e pela
nossa soberania”.
8
Com base no que foi exposto, entender a Ilha de Fernando de Noronha como um
dos palcos da Guerra Fria, a destaca como uma das unidades nucleares de defesa na rota do
Atlântico, que garantia “o controle e o acesso aos céus e as terras do Brasil”
9
, estando
irremediavelmente inserida no contexto internacional da Guerra Fria, reforçada, portanto,
pela presença americana que toma a Ilha de Fernando de Noronha como imperativo de
defesa para essas rotas. A Segunda Guerra Mundial marca o início da passagem americana
no arquipélago de Fernando de Noronha que a retoma com o ajuste de cessão (de 1956),
cujos laços político-militar entre Brasil e Estados Unidos direcionavam à construção de um
discurso imbuído pelo temor de um terceiro conflito mundial, em que a salvaguarda da
soberania brasileira dependia da assistência americana na defesa desta ilha, como também
do monitoramento da costa nordeste brasileira.
A necessidade em investigar este período de Guerra Fria nos impulsiona a analisar
a trama que envolve as relações política e social entre americanos e brasileiros, cujo jogo
diplomático para que a cessão da ilha tivesse êxito, tornava-a ponto geoestratégico a
segurança internacional. A história da relação do Brasil com os Estados Unidos em que ora
a política externa brasileira se alinhava à política americana principalmente quando a
questão era a segurança das democracias na América Latina – ora era tida como uma forma
de barganha para o desenvolvimento brasileiro, como presenciamos nos governos de
Getúlio Vargas (1952-1954) e Juscelino Kubitschek (1956-1960), se encontra diretamente
ligada a esta funcionalidade estratégica de Fernando de Noronha cujo entendimento do
conceito Soberania se quando esta é tida enquanto “elemento essencial para a existência
do Estado e, com base em conceito jurídico tradicional, é o poder exercido por uma
entidade estatal que tem como característica a conjugação de autonomia e de
7
Diário de Pernambuco, 11 de fevereiro de 1956.
8
Jornal do Comércio, 29 de outubro de 1957.
9
VIEIRA, Pontes. Reorganização Administrativa e Desenvolvimento Planificado de Fernando de Noronha.
Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas.
serviço de documentação do DASP (seção de publicações). Departamento de Imprensa Nacional, RJ, 1958.
pp 18.
16
independência”
10
, cuja “fronteira política é a separação entre duas soberanias”, segundo
Jean Baptist Duroselle em sua obra Todo Império perecerá (2000).
A Ilha de Fernando de Noronha, em 1956, início da presença americana no período
da Guerra Fria, apresentava em torno de 1300 habitantes (segundo relatório da Escola
Superior de Guerra (ESG). As pessoas que ali se encontravam não tinham a ideia dos
embates que aconteciam no continente em torno da cessão da ilha aos Estados Unidos, haja
visto que os instrumentos para que a informação e a comunicação circulassem no
continente não conseguiam repercutir ou, quem sabe, alcançar, aquele espaço no Oceano
Atlântico. Os informes trazidos pelos jornais construíam dois grupos significativamente
distintos em ão e objetivos: os “nacionalistas” e os “entreguistas”. Jorge Ferreira (2003)
configura esse quadro entre: os chamados de “nacionalistas de esquerda”, que defendiam a
soberania pelos trabalhadores sem se envolver com a ideologia do anticomunismo; os
“nacionalistas direitistas”, a exemplo de Goés Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, simpáticos
ao nacionalismo, sem trégua ao comunismo e um terceiro grupo que formava a ala
“cosmopolita de direita”, radicalmente anticomunista, antitrabalhista e adversária do
nacionalismo. Estes últimos defendiam a abertura ao capital estrangeiro e o alinhamento
incondicional dos Estados Unidos.
11
O fio que costura o que acontecia em Noronha ao que
acontecia no “mundo fora”
12
, encontra-se nos argumentos em torno da segurança e
soberania nacionais e a defesa das águas do Atlântico e vai costurando o movimento da
política, e assim cria uma teia histórica com a relação Brasil X Estados Unidos, bem como
Estados Unidos X Noronha. O problema é: De que forma Noronha vai sendo introduzida
como um dos vértices para a salvaguarda do território brasileiro, contribuindo também para
a defesa do hemisfério? Por que ela entra como ‘moeda’ nos acordos militares?
10
OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. O conceito de soberania perante a globalização. In: revista CEJ,
Brasília, n. 32, p. 80-88, jan/mar, 2006.
11
FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Tempo da Experiência Democrática: da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964/ organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida
Neves Delgado. – Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2003. – (O Brasil Republicano; v3). pp. 320.
12
Expressão utilizada pelos que passaram pela Ilha, como também pelos que residem nela até hoje. Em 1944,
o capitão Rube Canabarro Lucas tentando ter uma idéia do isolamento vivido na Ilha de Fernando de
Noronha, percebia que os habitantes se referiam ao continente como “o mundo”. Em conversas sempre ouvia
esta expressão: “lá no mundo é assim; aqui não”, ou “quando voltar ao mundo” (Imbiriba; op. cit. pp. 37). Na
tese de doutorado, a antropóloga Janirza Cavalcante define duas categorias sociais em torno dos espaços
continental e insular: “os de fora” e o “homem insular fernandino”. Segundo ela, para “os de fora (os
continentais), o arquipélago ainda é um espaço à margem, proscrito, distanciado e imaginariamente
transgressor. (DA ROCHA LIMA, op. cit. pp. 57 - 59). Para Clarice Peixoto, os termos “aqui dentro” em
contraposição ao “lá fora”, datam do tempo do presídio, quando a expressão mais utilizada para tratar o
continente era “o mundo”. (PEIXOTO, Clarice Ehlers. Fernando de Noronha: ilha de sonho e de
assombração. Dissertação de mestrado em Antropologia social – Rio de Janeiro, 1983. pp. 44).
17
Essas perguntas encontram eco e respostas nos recortes dos jornais quando esses
constroem discursos em torno do americano. Enquanto o Diário de Pernambuco
apresentava tendência a uma posição pró-americana, inclusive sendo acusado pela Folha
do Povo de servir enquanto “boletim do consulado americano”
13
, a Folha do Povo deixava
claro o posicionamento frente não apenas à cessão do arquipélago aos EUA, mas também,
à presença americana no território brasileiro como um todo: “o perigo”.
14
O Jornal do
Commercio optava por uma posição dúbia que, às vezes, o confundia com a Folha da
Manhã. No entanto, nos quatro periódicos, a cessão do arquipélago rendia discussões
homéricas e que ultrapassava os limites desejados pela política internacional, que tudo
em torno da cessão era passível de servir como matéria de jornal, incluindo até a opinião
do “pacato morador” da Ilha de Fernando de Noronha sobre “a ida do americano”, algo
apenas realizado pelo Diário de Pernambuco (setembro de 1958), como se isso reforçasse o
discurso de que o americano era amigo, já que traria riqueza com o dólar.
A Ilha de Fernando de Noronha era tomada como parte de uma exposição de poder
cujo teor era a noção de territorialidade, fator que constrói a soberania de uma nação, ou
ainda, constrói a ideia de Nação. Segundo os teóricos do Direito Internacional, o que faz
uma nação soberana são três elementos: território, povo e governo. Neste sentido, tratar de
Noronha é um Estado de Direito que até pode adentrar num direito natural de ser lugar do
Brasil e dos brasileiros em que o Estado tem resguardado a sua soberania enquanto gestor
dessa territorialidade. “O Estado tem o direito de defender a sua integridade e
independência, de promover a sua conservação e prosperidade, (...) de se organizar como
melhor entender”
15
, mesmo antes de ser reconhecido. “A jurisdição dos Estados nos limites
do território nacional exerce-se igualmente sobre todos os habitantes, quer sejam nacionais
ou estrangeiros”.
16
E aí, para os nacionalistas, a presença dos militares americanos era
tomada como uma ameaça, por ferir a integridade (soberania) do Brasil, que se contrapõe
ao que o governador do Território Federal de Fernando de Noronha, na época, Major
Abelardo Mafra, achava como sendo apenas “um cumprimento à nova geopolítica de
segurança internacional”
17
contra a expansão do comunismo (da União Soviética) e a
13
Folha do Povo, quarta-feira, 08 de março de 1956.
14
Folha do Povo, 10 de novembro de 1957.
15
Carta da Organização dos Estados Americanos; Capítulo IV - Direitos e Deveres Fundamentais dos
Estados. Artigos 13 e 16. Grifos meus.
16
Carta da Organização dos Estados Americanos; Capítulo IV - Direitos e Deveres Fundamentais dos
Estados. Artigos 13 e 16.
17
Correio do Povo, 27 de junho de 1957.
18
proteção do nordeste brasileiro, caso acontecesse um terceiro conflito mundial. O que foi
realizado em Fernando de Noronha foi uma estrategia militar articulada entre duas nações
com propósitos muito bem definidos para a segurança de um centro hegemônico norte-
americano. Segurança esta que se apóia no principio elementar da defesa da soberania do
Estado, pois as fronteiras nacionais delimitam objetivamente o campo de ação das suas
outras atividades de segurança e definem, geograficamente, as suas responsabilidades e os
seus direitos inalienáveis, face aos interesses e objetivos nacionais dos outros Estados”.
18
Delimitado o campo de disputas de poder entre estrangeiros e brasileiros e, ainda,
percebido a necessidade por compreender os conceitos de territorialidade e soberania, eis
que a etapa seguinte era entender a ilha de Fernando de Noronha dentro da teia política
construída pela política externa brasileira com os Estados Unidos e a partir do prontuário
4071, que compõe o acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social de
Pernambuco (DOPS-PE), encontramos vários recortes de jornais tanto sobre a cessão da
Ilha de Fernando de Noronha ao governo dos Estados Unidos, como sobre a própria ilha
enquanto lugar de defesa e segurança. Dentro desse universo documental, o ano de 1956
era marcado pela posse de Juscelino Kubitschek, que assumia a presidência do Brasil, o
qual estava mergulhado numa instabilidade política e numa crise econômica
proporcionadas desde 1954, com o suicídio de Getulio Vargas proporcionara em 1954. As
falas trazidas nos recortes de jornais esboçavam a ideia de que cada periódico possuía em
torno da soberania brasileira e da cessão da ilha. Construíam um ambiente de disputas e
embates entre “nacionalistas” e “entreguistas”, permeado pelas afirmativas de que não
havia um país mais simpático ao povo norteamericano, que o Brasil”
19
, como também de
serem acusados de “entregar o solo pátrio”.
20
Essas notícias circulavam na sociedade
recifense
i
nserindo a ilha de Fernando de Noronha como moeda nessas disputas.
Neste contexto, o material documental e a literatura sobre essa presença estrangeira
versavam sob dois momentos da presença americana: Um primeiro, relacionado com a
Segunda Guerra Mundial, em que a Ilha fora utilizada como elo importante nas estrategias
de segurança e defesa das rotas do atlântico, como também do hemisfério e a salvaguarda
de parte da América Latina contra uma possível investida do Eixo; E um segundo
momento, interligado com o período pós-guerra (especificamente a Guerra fria), quando o
18
TAVARES, General A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército. Ministério da Guerra, 1958. pp 156.
19
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário 4071; JC, sábado, 11 de março de 1950.
20
Folha do Povo, 23 de abril de 1957.
19
arquipélago era utilizado para monitorar e rastrear mísseis lançados na Flórida (Cabo
Canaveral) materializando a relação Brasil X Estados Unidos depois da Segunda Guerra
Mundial. Porém, uma lacuna aparente sobre a história da Ilha entre os anos de 1946 a
1956: Será que as relações entre Brasil e EUA se deram apenas naqueles dois momentos de
instalação militar em Noronha para simplesmente atender a esses dois eventos? – que “o
evento em História não é algo dado que se oferece por inteiro, ou sem sua essência, mas é
uma intriga, um tecido que vai ser retramado e refeito pelo historiador”
21
, este período
necessita ser analisado. Mesmo porque os estudos da política exterior brasileira e da
situação estratégica da América do Sul no mundo ainda possuem uma posição marginal
nos debates acerca da história dessa relação e, daí que, por sugestão de Moniz Bandeira,
esses estudos históricos deveriam ser “leitura obrigatória de todo brasileiro”. Para tal
lacuna, a obra de Hans Magnus Enzensberger
22
foi utilizada para dar escopo ao trabalho,
sobretudo por tratar de guerra, entendendo a Ilha de Fernando de Noronha no ambiente de
uma guerra justificada nas vinculações entre os governos brasileiro e estadunidense, sob o
prisma da segurança do hemisfério.
O relatório elaborado por Gerson Moura
23
para o CPDOC ajudava a compreender o
período do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 a 1950), em que o alinhamento
brasileiro com o governo de Washington era visto enquanto “um destino brasileiro” que
pouco recebeu, da parte americana, contrapartidas da situação de fiel escudeiro. O temor de
uma terceira guerra entre o ocidente e o leste, fazia manter uma política de completo apoio
à política internacional dos Estados Unidos, como a melhor maneira de salvaguardar a
civilização ocidental (e claro, encontrava-se o Brasil alinhado à agenda de segurança norte-
americana). As ações de intervenção americana no Brasil, como em boa parte da latino-
América, cruzavam-se com uma tentativa norte-americana de manter relações econômicas
de caráter assistencialista, ocorridas desde o período da Segunda Guerra Mundial, a partir
dos inúmeros acordos militares assinados em 1944 e 1945, com a tentativa latino-
americana de criar condições ao seu desenvolvimento. Contudo, as contrapartidas exigidas
pelos Estados Unidos se refletiam na agenda de segurança proposta por esses, em que a
21
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A Arte de Inventar o Passado. Ensaios de Teoria da
História. Bauru, SP: Edusc, 2007. pp.63.
22
ENZENSBERGER, Hans Magnus. 1929- Guerra Civil; tradução Marcos Branda Lacerda e Sérgio
Flaskman – São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
23
MOURA, Gerson. O Alinhamento sem Recompensa: a política externa do governo Dutra – Rio de Janeiro:
Centro de Pesquisa e Documentação de Historia Contemporânea do Brasil; 1990 – CPDOC/ FGV.
20
Doutrina Monroe (da América para os americanos) constituía um elemento valioso para a
diplomacia americana manter sob controle a sua política assistencialista para o continente.
Para materializar esse contato da política externa brasileira com o governo dos
Estados Unidos, a obra de Ricardo Faria & Mônica Liz Miranda
24
ajudou a perceber como
os americanos aos poucos iam galgando a aliança com o Brasil, iniciada pelas ligações
com o comércio internacional, que era tida como uma via para neutralizar a Alemanha. Os
autores mostram um panorama internacional sobre o conflito mundial de 1945 e como o
Brasil se inseriu na disputa pela hegemonia ocidental entre os blocos capitalistas, Estados
Unidos e Alemanha, que tendem a direcionamentos totalmente distintos entre si e defendeu
a aliança Brasil-EUA não como uma pressão ao rompimento com a Alemanha, mas como
uma conveniência de mercado; aproximando-se de Moura na questão da legitimidade dada
com uma política alinhada ao pensamento e à política ‘americana’ para o pós-guerra e
diferindo-se de Skidmore quando trata do posicionamento de Getúlio Vargas frente ao
assistencialismo ‘norteamericano’, mostrando-nos a dubialidade do governo brasileiro nas
relações com os Estados Unidos.
Skidmore, como Jorge Ferreira & Lucilia de Almeida Delgado
25
, ajudou a
compreender o processo político interno no Brasil, caracterizado pelos “nacionalistas” e
“entreguistas” e tomado como característica fundamental ao direcionamento do vínculo
Brasil - Estados Unidos.
Com a obra de Conrad Wrzos (1960), pudemos extrair trechos de alguns discursos e
entrevistas realizadas por Juscelino Kubitschek, quando da sua viagem pelos Estados
Unidos e pela Europa, que, segundo o próprio presidente, esperava “atrair a atenção do
mundo inteiro para o Brasil, em especial, a atenção do mundo econômico”.
26
Terminada a
contagem de votos e sabendo que JK e Goulart eram os novos presidente e vice,
respectivamente, Juscelino aprontara-se para um viagem de negócios ao mundo do capital
estrangeiro com o intuito de fazer valer o seu lema 50 anos em 5.
No cenário brasileiro, as relações de poder iam desde à composição das pastas
ministeriais até à legalidade das eleições. Era a quebra de forças entre os grupos políticos
que compunham o cenário da legalidade (ou não) das eleições de 1955 (udenistas,
24
FARIA, Ricardo de Moura & MIRANDA, Mônica Liz. Da Guerra Fria à Nova Ordem Mundial São
Paulo. Contexto, 2003.
25
FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Tempo da Experiência Democrática: da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964/ organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida
Neves Delgado. – Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2003. – (O Brasil Republicano; v3).
26
WRZOS, Conrad. Juscelino Kubitschek: Estados Unidos – Europa. RJ. José Olympio, 1960.
21
pessebistas e comunistas). Noronha se insere nos discursos dos “entreguistas”, mas
principalmente dos “nacionalistas”, quando a cessão da ilha se tornava um indicativo de
atentado da soberania brasileira, fator de contrapartida brasileira ao desenvolvimento. Os
jornais Folha da Manhã, Folha do Povo, Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio
noticiavam os programas e as verbas destinadas pelo governo americano ao
desenvolvimento econômico e social brasileiros. Esses traziam, em suas notícias, muito
mais que um universo político: falavam de escolhas e incertezas.
Entretanto, as obras e autores trabalhados nesta narrativa relegam a participação da
Ilha de Fernando de Noronha ao esquecimento, algo que pretendemos descortinar, trazer a
luz das reflexões históricas. E para tanto, é necessário retornar ao período da Segunda
Guerra Mundial, especificamente o seu fim, para tratar o perfil dos entrosamentos
interamericanos e, daí, entender a instalação estadunidense no final da década de 1950 em
Fernando de Noronha. Neste sentido, percebe-se que não se produziu um Acordo oficial no
ano de 1956, mas sim um ajuste de acordos celebrados em anos anteriores, como em
1942 (Acordo Militar Brasil e Estados Unidos), 1947 (Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca) e em 1952 (Acordo Militar Brasil - Estados Unidos), que serviam
de pilares para Noronha se transformar em um “arquipélago teleguiado”, anos mais tarde.
Neste sentido, o primeiro capítulo intitulado, Fernando de Noronha: entre a
Segunda Guerra e a Guerra Fria, trata dos anos iniciais da Segunda Guerra Mundial e
do período pós-guerra, inserindo o leitor num contexto em que Noronha era tida enquanto
um teatro de operações de Guerra. Discorre sobre como os Estados Unidos vai utilizar da
posição geoestratégica da ilha na defesa do American Way of Life, que desenhava um
panorama político a partir da necessidade de assegurar o território brasileiro à manutenção
da política econômica norteamericana de “portas-abertas”. Depois, de como o governo
brasileiro, percebendo que a guerra poderia lhes garantir alguma “barganha” ao
desenvolvimento do país, aliou-se à política americana, cedendo à Ilha de Fernando de
Noronha dentro de uma geopolítica de segurança continental (e pró aliados).
O segundo capítulo, chamado Um Arquipélago Teleguiado: a relação Brasil e
Estados Unidos no governo de Juscelino Kubistchek, aborda como a eleição para
presidente do Brasil coincide com as negociações entre os embaixadores Macedo Soares e
Ellis Briggs para a cessão da Ilha de Fernando de Noronha aos Estados Unidos e, de como,
tomada como imperativo a “corrida espacial”, Fernando de Noronha se tornava um dos
palcos da Guerra Fria sob argumentos de ser um ponto estratégico para a contenção do
22
comunismo, a defesa do Atlântico e a salvaguarda da soberania brasileira, mesmo que para
isso as contrapartidas americanas lhe custassem “minerais estratégicos para a indústria de
guerra”.
27
No terceiro capítulo, intitulado De Canaveral ao Arquipélago de Fernando:
estrangeiros passam deixando o progresso?, apresentamos como os americanos se
instalam na Ilha de Fernando de Noronha, inseridos numa política externa com o Brasil de
alinhamento à defesa hemisférica (1958), mas que depois (re)significa-se a uma relação
conturbada por conta da ebulição social e política brasileira. A desaceleração da economia
e o insucesso de Juscelino Kubitscheck com o seu plano de metas, no final do mandato,
serão pontos cruciais na manutenção do elo do Brasil com os Estados Unidos,
principalmente após a revolução cubana na Ilha de Fidel Castro.
Todos esses argumentos encerram a Ilha de Fernando de Noronha na história da
relação do Brasil com os Estados Unidos, como fatores para a construção de
imperialismos, que ambos representavam na América da Sul e no mundo. E, assim,
compactuando da ideia do historiador Tácito Rolim, a cessão da Ilha de Fernando de
Noronha aos Estados Unidos se constituiu em um dos momentos mais interessante de
nossa história, “em que tudo parecia possível e factível”
28
de acontecer.
27
FARIA, Ricardo de Moura & MIRANDA, Mônica Liz. Da Guerra Fria à Nova Ordem Mundial São
Paulo: Contexto, 2003. pp. 62.
28
ROLIM, Tácito Thadeu Leite. “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a
ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Dissertação de mestrado em História Social
Ceará: Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2006. pp 164.
23
CAPÍTULO A ILHA DE FERNANDO DE NORONHA: ENTRE A SEGUNDA
GUERRA E A GUERRA FRIA.
War is peace
that is exactly what the Cold War became.
Nuclear bomber crews were on wartime alert,
and bombers and tanks stood at readiness,
for decades.
Aggressive submarines roamed the sea lanes of the world
and generations of young men
prepared their guns and missiles
for the battle that could come at any moment.
For the intelligence collectors
the Cold War was virtually indistinguishable from the real thing.
To the combatants
on both sides the Cold War was a constant
– if usually bloodless – battle.
For these warriors-in-waiting
the Cold War meant that a state of war became a fact of life.
The Cold War did not only deform lives,
it deformed whole societies,
as well as costing a fortune.
29
UMA ESMERALDA NO ATLÂNTICO:
O arquipélago de Fernando de Noronha sempre representou um ponto significativo
à ocupação do Brasil. Primeiro, por sua característica de ancoradouro e estuário natural e
por uma rica biodiversidade ecológica, que ofereceu aos navegadores que transitavam em
sua rota, importante apoio para a sobrevivência. Segundo, por ter representado um ponto
estratégico para os navios estrangeiros, com sua característica de porto natural a
ancoragem, para a invasão das terras recém conquistadas pelos portugueses: a Terra de
Santa Cruz.
30
Um exemplo disso é o período das “descobertas” portuguesas, cujos registros
29
Guerra é paz. É exatamente isto o que a Guerra Fria se tornou. Bombas nucleares surgiam como alerta de
guerra, e soldados e bombardeiros em prontidão, durante décadas. Agressivos submarinos vagavam pelas
rotas marítimas do mundo e gerações de jovens preparavam suas armas e mísseis para a batalha que poderia
acontecer a qualquer momento. Para os funcionários da inteligência de guerra, a Guerra Fria era virtualmente
indistinguível do real. Para os combatentes de ambos os lados, a Guerra Fria foi, ainda que usualmente menos
sangrenta, uma batalha. Para os guerreiros a postos, a Guerra Fria significava que o estado de guerra se
tornou um fato da vida. A Guerra Fria não deformou vidas, deformou sociedades, tanto quanto custou
fortunas. Definição dada pelo coronel John Hughes-Wilson sobre a Guerra Fria, vista pelo olhar de quem
esteve a frente do serviço de inteligência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
HUGHES-WILSON, John. A Brief History of the Cold War: the hidden truth about how close we came to
nuclear conflict. Carrol & Graf Publishers, New York, 2006. pp. 02. (tradução nossa).
30
Sobre a história da ilha de Fernando de Noronha entre os séculos XV e XIX ver: Beatriz de Lalor Imbiriba
História de Fernando de Noronha. Imprensa Industrial. Recife, 1951; Guilherme Auler Os Fortes de
Fernando de Noronha. In: Revista do Arquivo Público. semestre, Recife, 1946; Lisias Rodrigues
Fernando de Noronha. In: Revista do Instituto Arqueológico, histórico e geográfico de Pernambuco. Vol.
XXXVIII. Pernambuco, 1943; Duarte Leite Quem Descobriu a Ilha de Fernando de Noronha. IN: Revista do
Instituto Arqueológico, histórico e geográfico de Pernambuco Vol. XL. Pernambuco, 1945; Mário Melo O
24
a retratam como uma notável ilha no meio do mar”. Ali, se podiam “ancorar todos os
navios” para se abastecerem com as “águas doces e correntes, infinitas árvores e inúmeras
aves marítimas e terrestres”.
31
Por conta da sua particular posição no Atlântico Sul, foi
bastante disputada pelos holandeses e franceses, que chegaram para ali se estabelecerem
nos séculos XVI e XVII.
32
Esses últimos (os franceses) serviram de alerta à Capitania
Pernambucana e à Coroa Portuguesa quanto ao potencial geoestratégico apresentado pela
ilha. Resolveram, então, ocupá-la de tal forma que, a partir de 1737, era criado um dos
mais significativos exemplares de defesa da história das fortificações portuguesas no Brasil
A VILA DOS REMÉDIOS.
33
Ainda é possível observar a estrutura montada para esse
período em que datam a Fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios, a Igreja dedicada a
esta mesma Santa e o prédio da antiga Diretoria do Presídio, construções que faziam parte
do sistema prisional que durou cerca de duzentos e um anos, tomados como estrategias
para a ocupação do lugar e para a defesa da rota comercial entre o velho e o novo mundo.
É neste contexto que se desenvolveu a trajetória histórica e os elementos do imaginário
sobre o arquipélago de Fernando de Noronha, presentes em alguns estudos sobre a Ilha.
Ilustração 2 – Imagem projetada da Igreja dedicada a N. S. dos Remédios e do Palácio de São Miguel
(prédio em cor vermelha) - antiga Sede da Diretoria do Presídio - vistos da Fortaleza N. S. dos
Remédios, cujas edificações são a materialização de uma rigorosa estrategia a ocupação da Ilha no
período das “descobertas” portuguesas. Acervo particular Grazielle Rodrigues, Janeiro de 2008.
Arquipélgo de Fernando de Noronha. IN: Revista do Instituto Arqueológico, histórico e geográfico de
Pernambuco Vol. XVIII. Imprensa Industrial. Pernambuco, 1919; Francisco Pereira da Costa A ilha de
Fernando de Noronha. Pernambuco, 1887; Orlando Machado; Joaquim de Souza Leão; Campos de Aragão
Guardando o Céu nos Trópicos. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, volume 147, 1950; Amorim Neto
Fernando de Noronha. Editora A Noite. edição Rio de Janeiro, 1946. Sem contar os relatórios militares
que narram parte da história da Ilha de Fernando de Noronha.
31
COSTA, Francisco Pereira da. A Ilha de Fernando de Noronha. Pernambuco, 1887 ao relatar a narrativa
de Américo Vespúcio na 3ª viagem exploratória ao Brasil realizada em 1503. pp 19.
32
Relatório do Curso Superior de Guerra: o papel de Fernando de Noronha no quadro da segurança
nacional, ESG (Escola Superior de Guerra), 1960. pp 01.
33
COSTA, op cit. pp. 24.
25
Ilustração 3 – Imagem do conjunto arquitetônico que compunha parte do projeto urbanístico do
Século XVIII, como o Pátio dos Remédios (à esquerda) e o Armazém de Cereais (à direita) e que
agregam a Ilha de Fernando de Noronha o seu caráter militar. Acervo particular Grazielle Rodrigues,
Janeiro de 2008.
Ilustração 4 – Imagem interna da Fortaleza N. S. dos Remédios (1734) considerada símbolo da
hegemonia portuguesa a ocupação setecentista no Brasil, em que o Arquipélago de Fernando de
Noronha era parte dos planos para a defesa das rotas comerciais do Oceano Atlântico. Acervo
particular Grazielle Rodrigues, Janeiro de 2008.
Especialmente nesse trabalho, também como um desdobramento de sua história,
destacaremos o objeto da pesquisa, que agrega à Ilha a partir de 1956: o caráter militar,
bem como a ideia da utilização de Noronha, como unidade de operação e de manobras
militares no meio do Oceano Atlântico, como ponto estratégico de defesa dos interesses do
país, e também, reduto de defesa dos interesses de países aliados em águas internacionais
e, em função disso, a insurgência de discursos, como forma de manifestação de grupos
nacionalistas de direita, centro-direita e de esquerda em torno da salvaguarda da soberania
nacional brasileira.
Alguns documentos do século XIX, que relatam o cotidiano prisional do
arquipélago, chamavam a atenção do governo sobre a importância em conservá-la como
plano estratégico
em pleno Oceano Atlântico, “porque não somente serve de correção aos
26
facinorosos, como que é a chave do norte do Brasil”
34
para no caso de uma invasão por
nação inimiga. Perceber a posição geoestratégica que a Ilha de Fernando de Noronha
possuía dentro de um plano de defesa do Atlântico para o período que iremos investigar - a
Guerra Fria - engendra entender como discursos em torno da presença dos Estados Unidos
no cotidiano do Arquipélago eram construídos entre os anos de 1956 e 1962. Esta presença
estrangeira em solos insulares se articulava através de falas que garantiam ao hemisfério
ocidental a “solidariedade continental contra a estrategia soviética de penetração”
35
e a
“luta contra o comunismo e pela liberdade”
36
, inserindo a ilha como um dos palcos da
Guerra Fria.
Tida por alguns como um pedaço de paraíso”
37
, Fernando de Noronha comporia
um ambiente de guerra, em que brasileiros e norte-americanos conviviam sob a garantia de
que o hemisfério ocidental estaria livre de qualquer ameaça vinda por parte da URSS (no
caso do comunismo) e, assim, viria a “preservar a paz, como base para o estabelecimento
de um mundo melhor”.
38
Tal fato pode ser percebido na manutenção das relações entre os
governos de Washington e o de Juscelino Kubitschek, que no argumento do presidente
brasileiro em relação aos Estados Unidos, proferido na Casa Branca, propagava- se a ideia
de sermos “irmãos pela alma e amigos por tradição”
39
, aspecto reforçado pelo vice-
presidente norte-americano Nixon, que acentuava o vínculo entre os dois países: “a
devoção pelos princípios americanos”.
40
Portanto, tomando os aspectos ora esboçados, o século XX destinou ao arquipélago
a tarefa de servir em nome da defesa atlântica e, consequentemente, garantir a defesa de
todo o hemisfério Ocidental, já na Segunda Guerra Mundial, a favor dos Aliados, traço que
seria perpetuado no pós-guerra.
34
APEJE-PE; Arquivos Permanentes; série FN; volume 02; fl. 352; 18 de agosto de 1838.
35
APEJE-PE, Hemeroteca; Diário de Pernambuco; quinta-feira; 29 de março de 1956 SOLIDARIEDADE
CONTINENTAL.
36
Diário de Pernambuco; sexta-feira; 02 de março de 1956 ACIMA DA POLÍTICA, NO COMBATE DO
COMUNISMO - DECLARAÇÃO DE EINSENHOWER.
37
“Pedaço de Paraíso” como aponta a pesquisadora Pedrianne Dantas, ao trabalhar a Ilha de Fernando de
Noronha no período colonial. Ela fragmenta o mito do paraíso perdido como um “território privilegiado onde
as leis são abolidas e o tempo parece parar”. Algo desenhando por entre a idéia de paraíso e de penitência.
DANTAS, Pedrianne Barbosa de Souza. Embates e Conflitos na Construção do Paraíso: Um estudo sobre o
Arquipélago de Fernando de Noronha. Mestrado em Dinâmica do Espaço Habitado. Universidade Federal de
Alagoas, UFAL, 2005.
38
Jornal do Comércio, 11 de março de 1950. Segundo o ministro Raul Fernandes em discurso proferido num
jantar de recepção à comissão norte-americana reunidos no Rio de Janeiro para a Conferencia de
embaixadores da America.
39
Conrad Wrzos. No livro Juscelino Kubitschek: Estados Unidos Europa. Livraria José Olympio editora.
Rio de Janeiro, 1960: pp. 24.
40
Id. pp. 27.
27
Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) em
1942, a história de Fernando de Noronha direcionou-se em prol de um mundo livre dos
regimes totalitários que atormentavam às democracias da época. Este momento é objeto da
narrativa histórica aqui apresentada.
O INÍCIO DA GUERRA PARA O BRASIL:
Em longa e demorada exposição de motivos, o Ministro da Justiça brasileiro Vasco
T. Leitão Cunha, em 23 de dezembro de 1941, propôs ao governo transformar o
arquipélago de Fernando de Noronha em um Território Federal, por dois fatores: primeiro,
pelo afastamento do arquipélago em relação à costa brasileira. Segundo, pela posição
estratégica que a ilha oferecia, no caso de uma investida estrangeira, em utilizá-la nos
planos de invasão e defesa dentro das rotas marítimas e aéreas do Atlântico.
A situação internacional da guerra vivida pela Europa (Segunda Guerra Mundial)
demandava medidas pidas para a segurança brasileira. O Conselho de Segurança
Nacional, presidido pelo General Francisco José Pinto, reforçava ainda que além do
momento ser oportuno”, “o artigo 6º da Constituição de 10 de novembro permite a criação,
no interesse da defesa nacional, de Território Federais”.
41
Coube ao Ministério do Exército
brasileiro a sua administração que durou até o ano de 1981. Naquele período de Segunda
Guerra, o governo brasileiro instaurou um Destacamento Misto para ações de guerra em
conjunto com as três forças militares: Exército, Marinha e Aeronáutica, possibilitando
entender quão significativa era a ilha aos planos geoestratégicos para a segurança nacional
e defesa durante o conflito. Em uma passagem do livro de Beatriz Imbiriba (1951), ela
ressalta que a importância em instalar na ilha uma base naval ou aérea foi “uma imposição
da nossa defesa e uma providência que os acontecimentos [no caso de garantia à
territorialidade brasileira e à salvaguarda da soberania] estavam a exigir sem perda de
tempo”. O governo federal não podia adiar tal fato. Era o caso de fazer dela “uma poderosa
base da nossa defesa, antes que outros se estabelecessem”.
42
Base militar e defesa foram
tidas como dois dos ingredientes que marcariam a história da Ilha de Fernando de Noronha
com o momento de presença americana, em 1942. Especulava-se que, após o fim da
Segunda Guerra, no ano de 1946, a Força Aérea Brasileira (FAB) continuaria a concentrar
41
IMBIRIBA, Beatriz de Lalor. História de Fernando de Noronha. Imprensa Industrial. Recife, 1951 pp 75.
42
Id. pp. 39.
28
as suas atividades na ilha para o controle de vôos e serviços meteorológicos, já que a
funcionalidade dessa, apresentada durante o conflito, mostrava ser um lugar estratégico à
sua necessidade de guarnecer-se constantemente, acentuando a ideia de que a ilha era
considerada um “imperativo à defesa” a planos e estrategias no período s-guerra, como
também na geopolítica de Guerra Fria mais de uma década depois, em 1957, quando os
americanos ali iriam se estabelecer pela segunda vez .
Com base nisto, qual seria, então, a importância do Arquipélago de Fernando de
Noronha no ordenamento geopolítico internacional, tanto para o período da Segunda
Guerra como do pós-guerra? A construção do cenário entre brasileiros e norte-americanos
habitando Noronha se configurou com o deflagrar da Segunda Guerra Mundial no exato
momento em que o governo brasileiro percebeu a sua funcionalidade geoestratégica à
defesa e segurança, não apenas para o território nacional, mas para todo o Atlântico, e
resolveu fortalecê-la antes que outros o fizessem. Observamos pela cartografia estratégica
de guerra que os portos e aeródromos de Belém, Natal, Recife, Salvador, Vitória, Rio de
Janeiro, Santos, Paranaguá e Rio Grande do Sul, bem como as Ilhas de Fernando de
Noronha e Trindade, assumiram importância central às operações militares e à garantia de
que o tráfego marítimo costeiro das rotas oceânicas
43
se encontrava seguro das ameaças do
Eixo. Neste sentido, a imagem reproduzida abaixo, de um mapa retirado de relatórios
militares, nos permite observar a perspectiva geoestratégica desses lugares para o Oceano
Atlântico e, em especial, para o Arquipélago de Fernando de Noronha.
43
CARVALHO, Cel. Luiz Paulo Macedo. Posição estratégica do Brasil. In: Revista de assuntos militares e
estudos de problemas brasileiros. A defesa nacional ano LXX/713, mai/ jun 1984. Rio de Janeiro, pp
46.
29
Ilustração 5 – Mapa que trata a localização estratégica do Arquipélago de Fernando de Noronha cuja
idéia de segurança para as rotas do Atlântico se encontrava disposta em relatórios militares a planos
de defesa. Extraído do relatório do Major Mário Fernandes Imbiriba, governador do TFFN, em 29 de
agosto de 1946. APEJE-PE/Setor de impressos/Relatórios Militares.
Mas qual era o papel da Ilha de Fernando de Noronha no cenário internacional,
enquanto imperativo de defesa para essas rotas? Como a Segunda Guerra Mundial marcou
o início da presença militar norte-americana no Arquipélago de Fernando de Noronha?
Responderemos tais questões ao longo do capítulo.
A Segunda Guerra Mundial pode ser compreendida como um dos marcos iniciais
para a história da instalação americana de 1956, na qual, em plena Guerra Fria, uma ilha a
540 km de distância da capital pernambucana foi um dos seus palcos. O dia 07 de
30
dezembro de 1941 insere na história de Fernando de Noronha uma relação de concessões,
barganhas e acordos entre o Brasil e os Estados Unidos, que asseguravam a ambos os
países, o desenvolvimento e as hegemonias imperialistas na América Latina e no Mundo,
respectivamente. Voltar ao ano de 1941 é dissertar a respeito da suposta fragilidade,
argumento principal esboçado pelos Estados Unidos no que se refere à necessidade de
“defesa”: garantir a segurança ao hemisfério ocidental (inclui-se Brasil e demais Aliados).
O bombardeio patrocinado pelo Japão à maior base americana do Pacífico (Pearl Harbor)
era uma resposta tanto à sansão econômica imposta pelos Estados Unidos, como uma
demonstração de que, a qualquer momento este território poderia ser “invadido” e
surpreendido. Após este fato, o mundo não mais seria o mesmo. Tão pouco o seria a Ilha
de Fernando de Noronha, posta como um dos pontos importantes para que a ofensiva
patrocinada pelos Aliados (no caso, pelo lado americano) tivesse o apoio geoestratégico do
governo brasileiro.
Dados os fatos, quais elos uniriam uma história a outra? Onde a Ilha de Fernando
de Noronha começou a figurar no ambiente internacional de Segunda Guerra? Segundo o
historiador Frank MaCcann (1995), a ideia de que a “ponta nordeste do Brasil” fosse o
ponto do continente mais vulnerável à ataques aéreos em larga escalas ou a invasões,
tornava essa área indefesa e inacessível por terra às forças brasileiras concentradas no sul
e, ainda mais preocupante, apresentava-se inalcançável pelas aeronaves americanas
estacionadas no Caribe. Urgia, portanto, fazer-se defensável à aérea do continente, traçar
ações que visassem à eliminação de linhas aéreas controladas pelo Eixo na América Latina
(no caso com a CONDOR e a Linhas reas Transcontinentais Italianas - LATI),
conseguir bases estratégicas, como também estacionar tropas americanas no Nordeste
brasileiro.
44
Em consequência, medidas preventivas foram tomadas para a segurança do
espaço aéreo e marítimo do Atlântico, para dificultar e impedir a posse destes espaços no
caso de uma invasão por parte do inimigo, como acontecera no dia 03 de dezembro de
1941.
Um dia após o acontecido em Pearl Harbor, o delegado do DOPS de Pernambuco,
Fábio Correia, recebeu um telegrama originário da Ilha de Fernando de Noronha com a
informação de que, naqueles 03 de dezembro, sobrevoavam o arquipélago, “a grande altura
44
MACCANN, Frank D. A Aliança Brasil Estados Unidos, 1937 -1945. Trad. de Jayme Taddei e JoLívio
Dantas. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995. pp 175
31
aviões não identificados”.
45
E que ainda no dia 08 de dezembro “passou um avião caça
levando rumo sudoeste também não identificado”.
46
Ou seja, quatro dias antes do ataque,
aviões circulavam no espaço aéreo brasileiro, talvez com a missão de espionar bases
americanas em território nacional, que desde janeiro de 1941, Getúlio Vargas havia
concedido, em caráter secreto, a construção de uma dessas instalações no estado do Rio
Grande do Norte
47
, e em contrapartida Roosevelt lhe assegurava, (em 27 de agosto de
1941) o crédito de 20 milhões de dólares para a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional.
48
Outra hipótese seria a de serem, tais aviões, de origem americana, buscando
rastrear o território nacional para detectar ou colher informações precisas da geopolítica
brasileira que provassem a ligação do Brasil com os países do Eixo e que pudessem ser
usadas para pressionar o governo brasileiro a romper com esses países. Sendo assim, a
invasão do território nacional estava sendo feita pelos americanos e a violação do território
aéreo estava sendo feita também pelos Estados Unidos, que passaram a agir numa forte
pressão ao Brasil. A estrategia era lançar uma ameaça velada de que sua tecnologia era
superior. Portanto, o Brasil, caso desobedecesse, teria os Estados Unidos como inimigos.
Dadas as medidas mencionadas, fragmentou-se a ideia de que a Condor (alemã) e a
Lati (italiana), que faziam o transporte aéreo no Brasil, pudessem ser empregadas como
ferramentas em espionagem a favor do Eixo como eram acusadas nos discursos
americanos e de favorecer com informações o posicionamento dos navios aliados ao
torpedeamento no Atlântico Sul. Essas duas empresas estrangeiras mantinham contratos
com o governo brasileiro, cuja própria ilha era um dos reflexos comerciais entre o Brasil e
a Itália. Na ilha estava montada uma base de comunicação da Lati, empresa italiana
responsável por parte da comunicação entre Fernando de Noronha e o Brasil, bem como o
Brasil e a Europa.
Em consequência às considerações, surgem as seguintes perguntas: Que aviões
eram esses? Qual era o alvo a ser atingido? As respostas são permeadas de sigilo, que
45
Telegrama do comando da ilha de Fernando de Noronha ao Comando do IV Exército, 7
a
Região Militar
datado em 10 de dezembro de 1941.
46
Idem, 10 de dezembro de 1941.
47
BETHELL, Leslie & ROXBOROUGH, Ian (organizadores). Entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra
Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. pp 65.
48
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brasil, Argentina e Estados Unidos – conflitos e integração na
América do Sul (da tríplice aliança ao MERCOSUL 1870 - 2003) Rio de janeiro: Renavan: ed, 2003 pp
202.
32
estamos tratando de informações ultra secretas à segurança internacional.
49
No entanto,
imaginar o território brasileiro sendo “invadido” poderia, talvez, acarretar a imagem de que
o lugar não era tão seguro aos seus filhos. Esse fato ficaria na contramão da ideia de
segurança e defesa defendidas pelo Exército brasileiro, que se colocaria no papel de
“repelir um ataque previsto, de imediato, estabelecendo à segurança integral contra
qualquer tipo de ameaça”
50
que neste primeiro momento se relacionava ao espaço aéreo.
Estávamos expostos ao perigo eminente que poderia vir do ar e do mar. O mesmo céu, que
servia como cenário ao paraíso, cercado de belezas naturais, e o mar, que trazia águas
mornas e tons diferentes de verde adjetivando Fernando de Noronha, enquanto uma
esmeralda no Atlântico passaria a ser visto como território da insegurança.
Doze dias após o incidente na base americana de Pearl Harbor (19/12/1941), o
comandante da Região Militar em Recife, General Mascarenhas de Moraes, solicitou
informações, em forma de questionário, ao diretor do presídio de Fernando de Noronha
Coronel Nestor Veríssimo da Fonseca como uma das estrategias para o planejamento e
para a organização da ilha à defesa brasileira. Entre as informações obtidas pelo General
Mascarenhas, a que mais chamou a atenção foi a ausência de estrutura para a defesa da ilha
que, praticamente, encontrava-se abandonada em termos militares, restando edificações
ainda do tempo colonial e um pequeno destacamento policial militar que vigiava os
detentos comuns e os presos políticos ali confinados. Daí compreende-se as preocupações
do Ministro da Justiça Vasco Cunha e do Conselho de Segurança Nacional em torná-la
Território Federal. Para acomodar uma tropa com duas mil a duas mil e quinhentas
pessoas, precisariam reequipá-la e reestruturá-la para criar um cenário capaz de enfrentar a
guerra
51
, fornecendo condições de fortificar a segurança do Oceano Atlântico,
guarnecendo-a de tal forma que não seria necessário a ingerência de uma outra nação.
Assim, o próprio Exército brasileiro estaria resguardando o direito e a soberania do Brasil
49
Seguindo a necessidade do sigilo, são quatro os graus de sigilo: os Ultra-secretos, excepcional a segurança,
que tratam de planos e projetos de guerra ou científicos, negociações para Alianças Políticas e Militares.
Os Secretos, devido o grau de Segurança em que só as pessoas ligadas ao estudo ou manuseio, podem tomar
conhecimento, tais como os planos de Operações Militares, Planos de Operações Econômicos, etc. Os de
grau Confidencial, por não requererem alto grau de segurança, mas seu conhecimento por pessoa não
autorizada pode ser prejudicial a um indivíduo ou entidade, criando embaraço administrativo. E os
documentos de grau reservado, que são assuntos que não devam ser do conhecimento do Público em geral.
(CASTRO, 1998).
50
TAVARES, gen. A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Editora Biblioteca do
Exército. Ministério da Guerra, Rio de Janeiro, 1958. pp 18-19.
51
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário 4071 - a organização espacial e a burocratização do arquipélago de
Fernando de Noronha refletiam a estrutura militar que ali existia. A ilha deixa de ser uma ilha-prisão para
tornar-se uma ilha-quartel.
33
naquele espaço insular. Alojamentos, viveres, reservatórios e capacidade de abastecimento
d’água, hospital, paiol, material para desembarque, lugar para ancoragem e para o
desembarque de mantimentos e campo de aviação, entre outras coisas
52
, desenhavam a
estrutura bélica que ali seria montada, caracterizando o arquipélago como um ponto
importante na estrategia de defesa das rotas do Atlântico frente ao cenário internacional. A
preocupação estadunidense se apresentava com as deficiências de aterrissagem dos aviões
que sairiam da base aérea de Parnamiriam (no Rio Grande do Norte) e davam apoio às
tropas de combate, compostas pelas forças britânicas e soviéticas, que lutavam na África
do Norte contra as tropas Alemãs. Esse fato caracterizou a rota das comunicações aéreas
entre a América e a Europa através da África (a 2.600Km), como “corredor Natal-Dakar”,
que tinha por ponto de partida a base Potiguar. A Ilha de Fernando de Noronha, situada a
poucas centenas de quilômetros diante da projeção extremo-oriental do território brasileiro,
funcionava como importante ponto de apoio para a navegação aérea transatlântica e tinha
uma invejável posição estratégica para a defesa das rotas marítimas entre a costa norte e
sul do Brasil.
53
A metragem do campo de aviação de Fernando de Noronha, nesse
momento de inspeção, era de 900m por 50m, com “dificuldades”
54
para tal atrativo, de
acordo com o diretor do presídio, mas podendo ser “ampliada noutras direções”.
55
Os
americanos assim o fizeram, indo para e inserindo a Ilha de Fernando de Noronha como
um dos pontos vitais à defesa do Oceano Atlântico. Deu-se à ilha um caráter todo especial
devido à posição geoestratégica que a configurava naquele momento.
Com a entrada dos americanos na guerra, em dezembro de 1941, a situação
internacional se agravou. Tudo fazia prever que o Brasil seria também arrastado ao
conflito. Diante do contexto militar, percebendo a importância do Brasil dentro dessa
geopolítica de guerra, o governo brasileiro resolveu ocupar militarmente o arquipélago,
que a parte Nordeste era considerada uma das chaves de toda a comunicação e transporte
por via rea entre o Novo e o Velho mundo.
56
Reforçando a importância estratégica para
defesa e segurança do Atlântico e, ainda mais, prevendo a funcionalidade da ilha para tal, o
governo brasileiro se adiantou nas ações de ocupação militar na Ilha de Fernando de
52
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário nº 4071 - resposta a ordem de perguntas do tenente Laurenio ao
Comandante da 7ª região; 19 de dezembro de 1941.
53
De acordo com as informações obtidas no Relatório do Curso Superior de Guerra, ESG (Escola Superior
de Guerra), 1960.
54
Idem.
55
Ibdem.
56
ALVES, Vágner Camilo. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: história de um envolvimento forçado. Rio
de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002. pp 99
34
Noronha e baixou um decreto mandando que fosse instalada, a partir do mês de janeiro
de 1942, a “primeira bateria independente de obuzes [Orbuzes] 105 Krupp”
57
. No dia 25,
em plenas festividades natalinas, essa notícia circulou no Diário de Pernambuco. A
empresa Krupp, que trazia a marca no material bélico desta bateria, era uma indústria
alemã que entrara em concorrência com a americana United States Steel Co. no plano de
instalação da siderurgia no Brasil e cuja ajuda se fazia presente no país, desde o ano de
1939, na construção de parte do arsenal da Marinha instalado na Ilha de Cobras (Rio de
Janeiro).
58
O rompimento das relações comerciais entre o governo brasileiro e a Krupp, por
decisão militar a favor dos Aliados, forçava o Brasil a seguir uma orientação de defesa ao
lado dos estadunidenses, cujo teor se baseava na seguridade da Democracia, como aponta
Leslie Bethell (1996).
MaCcann (1995) e Moniz Bandeira (2007) concordam que os planos norte-
americanos para a América Latina, no caso o Brasil, eram de suprimir os instrumentos
alemães, pondo em negociação a instalação da siderurgia em território nacional. Na
verdade, a intenção do governo americano era que tivesse sucesso a sua política de
desgermanização, a qual ainda se mostrava lenta, devido à grande necessidade que
apresentava o transporte aéreo brasileiro.
59
O desenvolvimento da guerra, em finais de
1941, reduzia as possibilidades de manobras políticas por parte do governo de Vargas,
forçando-o a tomar uma definição diante da relação comercial que se tinha com os “nazi-
fasci”. Uma das ações era o rompimento do contrato que o Brasil possuía com a empresa
alemã Krupp.
60
Os Estados Unidos, assim, expulsava do continente os investimentos
alemães. A atitude tomada pelo governo brasileiro ao implantar a bateria independente em
Fernando de Noronha pode ser tomada como um posicionamento a esse respeito, na
medida em que a defesa se fazia sob a alegação de estarmos em combate às atividades dos
submarinos inimigos (do Eixo) no Atlântico Sul.
Alguns relatos sobre o momento dos torpedeamentos de navios brasileiros
(destacando que boa parte eram navios mercantes, como podemos ver na Ilustração 06 que
faz menção à parte dos navios atingidos) são retratados com “muita comoção”. O Major
Campos do Aragão, que servia na Ilha de Fernando de Noronha como comandante do
Grupo do Regimento de Artilharia Antiaérea (saído de São Paulo), relata-nos em seu
57
Diário de Pernambuco, 25 de dezembro de 1941.
58
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. pp 377.
59
MACCANN, pp 181.
60
MONIZ BANDEIRA pp 398.
35
livro Guardando o Céu dos Trópicos, que essas notícias vinham “através da voz
emocionada do speaker”
61
que narrava a “inconcebível” (...) “covardia dos sanguinários
comandantes de submersíveis”
62
contra “baços fazendo navegação de cabotagem”.
63
Não
era possível imaginar mais hediondo crime para o Major.
64
Já em outras comunidades
litorâneas como Trancoso e Porto Seguro, ambos na Bahia, a invasão de submarinos era
considerada “uma praga” que “espalhava pelas praias cadáveres de homens, mulheres e
crianças”.
65
As áreas do Nordeste brasileiro acima mencionadas eram consideradas
geoestratégicas para planos de invasão e de defesa.
Ilustração 6 - Relação que consta parte dos navios brasileiros supostamente torpedeados por
submarinos do Eixo (Alemães) na costa brasileira. SSP/DOPS-PE/ APEJE-PE; prontuário nº 29.444
Alemanha; 31 de agosto de 1942.
Alves (2002) destaca que o momento e localização dessas perdas sofridas pela
Marinha mercante brasileira “têm enorme sincronicidade”
66
com o padrão geral de
afundamentos ocorridos no hemisfério ocidental, o maior número de baixas acontecido nos
61
ARAGÃO, José de Campos. Guardando o Céu nos Trópicos. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
volume 147, 1950. pp. 64-65.
62
Idem.
63
Ibdem.
64
“trouxeram-nos a indignação e a exasperação do povo de todos os recantos do país” e que “o Governo e o
povo do Brasil estariam, a partir daquele momento, incondicionalmente ao lado de sua causa: combater e
extinguir da terra, regimes de vandalismo e terror”. Ibdem.
65
MOUTINHO, Augusto César Machado. O medo veio do mar: In: Nossa História. Ano 1/nº 11, setembro
de 2004. Editora Vera Cruz. pp. 38 e 39.
66
ALVES, pp. 169
36
mares mais ao sul do Caribe e América Central. De acordo com dados obtidos nesta obra,
as costas brasileiras responderam por mais de um terço das perdas hemisféricas no último
trimestre de 1942, caso se destaque o caráter secundário da região em termos de fluxo
naval. Alves também acrescenta que, durante todo o ano de 1942, nenhum submarino
alemão ou italiano foi destruído ao largo do litoral brasileiro.
67
Diante do quadro de afundamentos de navios brasileiros patrocinados por
submarinos, o governo americano pressionou um posicionamento do Brasil frente à ligação
que se tinha com a Alemanha. O recrudescimento da ofensiva contra navios mercantes
brasileiros acompanhou o rompimento das relações com os países do Eixo. Contudo, vale
ressaltar que a Alemanha não possuía razões reais para atacar o Brasil, ou o Brasil romper
laços com esse país. A relação comercial que se mantinha com o Eixo incomodava aos
dirigentes americanos, que queriam vê-los banido do território brasileiro e, quiçá da
América Latina, qualquer possibilidade de elo entre o Brasil e seu inimigo (no caso,
Alemanha) e concorrente comercial. Em outra obra de Moniz Bandeira (Brasil, Argentina
e Estados Unidos conflitos e integração na América do Sul, 2003), o autor aponta que
não por depender do mercado americano para escoar a produção cafeeira, principal
sustentáculo da economia brasileira, mas também pela posição estratégica do Brasil dentro
da geográfica do Atlântico Sul, Getúlio Vargas não poderia deixar de acompanhar aos
EUA.
68
O fato do afundamento de embarcações brasileiras era o argumento que faltava
para que alguns militares brasileiros, de vertente nacionalista, acentuassem ainda mais os
interesses norte-americanos para a tomada desta decisão e, em conjunto, brasileiros e
americanos, pressionavam Getúlio Vargas a decidir com o rompimento da neutralidade
brasileira frente ao conflito mundial. Leda Rivas (1988) aponta que o ataque à base de
Pearl Harbor, no Havaí, e a subsequente solidariedade do Brasil à nação norte-americana
fez cair por terra a relutância do governo de Vargas em ceder pontos-chaves de seu
território para instalações militares de Washington.
69
Esse evento, somado à presença
significativa de submarinos alemães rondando a costa nordestina, fazia com que as
relações comerciais de Vargas com a Alemanha se tornassem mais difíceis de serem
mantidas.
67
Idem pp. 169.
68
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brasil, Argentina e Estados Unidos – conflitos e integração na
América do Sul (da tríplice aliança ao MERCOSUL 1870 - 2003) – Rio de janeiro: Renavan: 2ª edição, 2003.
pp 202.
69
RIOS. Leda Maria Rivas Cerviños. O Diário de Pernambuco e a II Guerra Mundial: o conflito visto por
um jornal da província. 1º volume. Dissertação de mestrado em historia – Recife: UFPE, 1988. pp 232.
37
Por bons motivos, as autoridades brasileiras manobravam tanto com a Alemanha
quanto com os Estados Unidos, na expectativa de escolherem um curso de ação que as
colocasse no lado certo, pouco importando quem ganhasse a guerra.
70
Vargas declarou, em
21 de agosto, o rompimento legal com a Alemanha, e em 02 de setembro de 1942, guerra
aos países do Eixo. Assim, formalizou-se o trato que existia muito antes de romper com
a neutralidade brasileira diante da guerra.
MILITARES BRASILEIROS EM NORONHA:
Como consequência da instalação da Bateria Independente, do cenário de guerra
em favor da defesa hemisférica, o governo brasileiro, pelo decreto 4.102, de 09 de
fevereiro de 1942, transformou o Arquipélago de Fernando de Noronha em Território
Federal (TFFN). A sua missão era com a segurança e a defesa tanto do país como do
hemisfério ocidental, colocando Noronha como “ponto estratégico de real valor”
71
e
“sentinela avançada da segurança continental”.
72
Como podemos observar na imagem
abaixo foram removidos para o continente parte dos presos e do pessoal que trabalhavam
no presídio, além de o General Comandante da Região Militar, João Batista
Mascarenhas de Morais, determinar o início da ocupação da ilha pelas tropas do Exército.
70
MACCAN, op cit. pp 147.
71
IMBIRIBA, op cit pp. 50.
72
Jornal do Comércio, 09 de fevereiro de 1943.
38
Ilustração 7 – Imagem que revela parte do contingente prisional que havia na Ilha de Fernando de
Noronha cumprindo sentença da Justiça Pernambucana. Removidos para Recife, parte foi destinado
ao lugar de origem do delito cometido. Fundo SSP/DOPS/APEJE; prontuário nº 14.312.
Ao final de abril de 1942, partia do porto do Recife o primeiro comboio militar
brasileiro. Chegavam no dia 16 de maio, o Grupo Móvel de Artilharia de Costa e a
Bateria Independente de Orbuzes, acompanhadas dos efetivos do Grupo do
Regimento de Artilharia Antiaérea; da Secção de Sapatadores Mineiros e do Destacamento
de Transmissão; elementos do serviço de intendência; órgãos do serviço de saúde e oficiais
de engenharia, veterinária e auxiliares. Em 08 de julho, era a vez de desembarcar o
Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea, vindo de São Paulo.
39
Ilustração 8 – Registro da instalação do 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea em
Fernando de Noronha (1942), localizado no Alto da Quixaba, compondo, juntamente com o 30º e 31º
Batalhão de Caçadores, o 1º Grupo Móvel de Artilharia de Costa, o Grupo Independente de Artilharia
e a 1ª Bateria Independente de Obuses, os Grupos de Ofensiva de Guerra. Acervo Administração do
Distrito Estadual de Fernando de Noronha.
A construção da base aérea, que mais tarde seria ocupada pelas forças americanas,
começou no momento da chegada dessas primeiras tropas do Exército brasileiro. A Pan
American Airlines (PANAIR) do Brasil, ligada ao Airport Development Program (ADP),
foi a empresa responsável por esses trabalhos. Alguns historiadores, como Vagner Camilo
Alves e Frank MaCcann, apontam que os trabalhos de construção dos aeroportos e bases
realizados pela PANAIR vinham sendo executados muito antes de ser lançada a
autorização de Vargas para tal. MaCcann informa que seis meses antes do ataque dos
japoneses à base norte-americana e catorze meses antes de o Brasil entrar na guerra, os
aeroportos vinculados ao ADP eram parte do sistema de abastecimento dos Aliados e, até o
final da guerra, as aeronaves os utilizariam como apoio, especialmente os de Belém e
Natal.
73
Em Noronha, foi posta à disposição da PANAIR, em 13 de janeiro de 1943, uma
perfuratriz e operários especializados, cedidos ao destacamento do Exército, pela
Inspetoria Federal de Obras Contra Seca, a fim de abrir os poços na base e criar uma
estrutura ao seu funcionamento.
74
73
MACCANN, op cit. pp 192.
74
IMBIRIBA, op cit. pp. 48.
40
Sr. Martins
75
, um ex-combatente da FEB, residente em Fernando de Noronha,
registrou em seus relatos de memória alguns rastros da funcionalidade do arquipélago às
estrategias de guerra e de segurança nacional, assim como hemisférica. Nos testemunhos
trazidos por Sr. Zé Martins, os soldados que aportaram na Ilha e outros que foram enviados
à Itália “serviam em nome da pátria”, e a Ilha de Fernando de Noronha também funcionava
como uma espécie de “trampolim para a vitória” aliada.
76
Perceber a funcionalidade que a
Ilha de Fernando de Noronha tinha na estrategia político-militar para o Brasil e para os
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, criava um ambiente de tensão com os
estadunidenses, pois com o rompimento da relação com a Alemanha, o Brasil ficava
exposto tanto às determinações de segurança norte-americana, como às represálias vindas
por parte do seu antigo aliado. Em Noronha, o que se sabia era que o Brasil estava
enfrentando um inimigo alemão e que a Ilha era considerada área de segurança à defesa
contra esse. Para tanto, a preocupação, ora expressada no telegrama enviado ao delegado
do DOPS-PE, Fábio Correia, em dezembro de 1941, sobre o espaço aéreo, relatado no
início deste capítulo, pode ser tomada como um desses rastros.
O comprometimento brasileiro com a causa Aliada era grande. Além do apoio e
solidariedade política, o país comprometia-se, através de tratados e acordos, a fornecer
produtos estrategicamente imprescindíveis à indústria e mobilização militar norte-
americana. O Brasil, segundo Alves, “era um elo importante”.
77
Para termos uma ideia da
presença de militares estadunidenses em bases e aeroportos do Norte-Nordeste do Brasil,
doze meses antes do ataque de Pearl Harbor (janeiro de 1941), Vargas já havia autorizado
secretamente a construção da base aérea norte-americana em Parnamirim (Rio Grande do
75
Sr. José Martins, aos 04 anos de idade, chegou à ilha com seu pai, o Galo Branco, que a partir de 1921 ali
deveria cumprir pena de justiça. O menino cresceu num cotidiano de regras e trabalho. Adulto, trabalhou com
seu pai para a Companhia Francesa Aeropostale. Foi convocado a servir ao Exército na guerra mundial.
Ao lado dos aliados, nunca chegou a ir a combate. Terminada a guerra, retorna a Noronha e no avião que o
conduzia de Natal a Recife, conhecera Dona Dulce, por volta de 1949. Dona Dulce se dirigia a ilha a passeio:
“estava indo a casa do padrinho Alencar que era sargento do Exército quando me deparei com o Zé”. Falar
sobre este personagem noronhense é revisitar um tempo bélico e cheios de porquês, cuja reconstrução é
percebida nos relatos de memória a favor da história. O Sr. Martins faleceu em 06 de julho de 2008, aos
77 anos.
76
Campos do Aragão, em seu livro Guardando Céu nos Trópicos, relata-nos a ida de soldados a ilha de
Fernando de Noronha, para que fosse instalado o 2
o
batalhão antiaéreo. Esses, saídos da cidade de São Paulo
se concentravam num depósito da São Paulo Railway, em fileiras e mais fileiras organizadas de gente: e
rumavam para a Estação da Luz, onde as altas autoridades prestigiaram com presença a despedida.
Perfilados na plataforma principal, ouvíamos uma saudação do governo do estado... pouco depois, as
composições ferroviárias desenvolviam velocidade. Das janelas das classes podíamos ver, no fundo da
paisagem que se distanciava, as torres dos arranha-céus mergulhados nas nuvens que cobriam a cidade”
(Aragão 1950: pp.10)
77
ALVES, op. cit. pp. 170.
41
Norte), transformando-a em “trampolim da Vitória” a uma futura guerra contra a
Alemanha, na África do Norte
78
, quando da fase de rompimento com a Krupp. Antes
mesmo do rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e o Eixo, os portos de
Salvador e de Recife se encontravam à disposição do comandante da Frota dos Estados
Unidos, o Contra-Almirante Jonas Ingram. Em fins de abril de 1942, o presidente Vargas
deu ao comandante norte-americano, em caráter informal, o comando de forças aéreas e
navais brasileiras, fazendo dele o responsável pela defesa marítima brasileira.
79
Leda Rivas
(1988) acentua que antes de novembro de 1942, os norte-americanos já estavam circulando
por toda a cidade do Recife, “imprimindo suas marcas em determinados comportamentos e
transmitindo alguns de seus valores aos pernambucanos”.
80
À medida que as relações entre
o governo brasileiro e o norte-americano eram estreitadas, acordos eram instituídos com
fim único de “proteção ao Atlântico”, e a todo hemisfério. Desde esse tempo reuniões
ocorriam com esse destino, como a Reunião de Consulta que deliberava sobre a defesa
do continente (de acordo com a Resolução 39º), assim como a Conferência Interamericana
do México sobre os problemas da guerra e da paz (e a assinatura da Ata de Chapultepec em
fevereiro de 1945) e os Acordos Militares entre o Brasil e os Estados Unidos de 1942 e de
1944, que garantiam a livre utilização dos aeroportos e bases estratégicas americanas em
território brasileiro, sendo esses reforçados décadas mais tarde no governo de Juscelino
Kubitschek, para o ajuste de cessão à instalação da base de teleguiados, em 1956.
Caso possamos atentar ao cenário construído nesse período de conflito mundial
(1942), a presença dos Estados Unidos no arquipélago de Fernando de Noronha era
refletida por alguns como
um auxílio valioso por parte do poder aeronaval americano. E [era] qualquer
coisa que se impunha. A perda de Fernando de Noronha seria mal tremendo
para a causa dos Aliados. Significaria um descalabro para todas as rotas de
navegação do atlântico sul e central.
81
E era uma forma de garantir parte da segurança nas águas do Atlântico sul, garantindo a
segurança do próprio continente americano contra uma possível investida inimiga por parte
do Eixo. A Ilha de Fernando de Noronha foi fixada em um cenário que a destinava vigiar,
78
BETHELL & ROXBOROUGH, op. cit. pp 65.
79
Idem.
80
RIOS, op. cit. pp 253.
81
ARAGÃO, op. cit. pp. 123.
42
defender e guardar o Atlântico Sul. Mas, como os americanos compunham esse ambiente
insular?
MILITARES AMERICANOS EM NORONHA:
Em fevereiro de 1942, o governo dos Estados Unidos solicitou licença ao Brasil
para elevar o número dos seus contingentes no Nordeste. Iriam 300 homens para Belém,
300 para Natal, 150 para Recife e 150 para a Ilha de Fernando de Noronha, todos
completamente desarmados (pelo menos em tese). Esses técnicos, como Jefferson Caffery
(embaixador dos Estados Unidos no Brasil) chamava, desempenhariam as tarefas de
administração, comunicação, manutenção, fornecimento, cantina, meteorologia etc. O
governo dos Estados Unidos também pediu permissão para construir alojamentos,
depósitos subterrâneos (para um milhão de galões de gasolina em Belém e Natal, 500.000
no Amapá, Fortaleza, Recife e Fernando de Noronha), estender o comprimento da pista em
Fernando de Noronha e ali estacionar 50 oficiais.
82
O efetivo militar dos Estados Unidos desembarcava no Arquipélago de Fernando de
Noronha juntamente com o 30º Batalhão de Caçadores, no mês de junho de 1942 para
iniciar as obras da pista de pouso. Instalavam a Base Aeronaval Norte-Americana numa
área localizada entre a Baía do Sueste e a praia da Atalaia, na parte Sudeste da ilha.
82
MONIZ BANDEIRA, op. cit. pp 394.
Ilustração 9 - Imagem das ruínas dos depósitos subterrâneos utilizados pelo Exército norte-
americano que compunha as instalações EUA na Ilha de Fernando de Noronha, durante a
Segunda Guerra Mundial. Estes espaços eram reservados para um milhão de galões de gasolina.
Acervo particular Grazielle Rodrigues, Janeiro de 2008.
43
Ilustração 10 – Croqui aerofotogramétrico da Ilha de Fernando de Noronha retirado do livro de
Antônio Sá Barreto que serviu na Ilha, como Capitão, em janeiro de 1943, assumindo o comando da 2ª
Bateria do 1º grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea, no lugar do Major Campos de Aragão.
Apud LEMOS FILHO, Tem. Cel. Antônio Sá Barreto. Fernando de Noronha Sem Retoques. Rio de
Janeiro, 1957.
44
Ilustração 11 – Na área em destaque, localiza-se a região que era destinada aos americanos durante o
período da Segunda Guerra Mundial. Na Estrada Velha do Sueste, que corta parte dessa região, ainda
é possível ver algumas edificações e ruínas desse tempo. Apud LEMOS FILHO, Ten. Cel. Antônio
Barreto. Fernando de Noronha Sem Retoques. Rio de Janeiro, 1957.
Não era permitido o acesso de pessoas não autorizadas àquele espaço. Era “uma
outra Ilha, um outro tempo”.
83
Um tempo dos americanos. O dever desses era a construção
da pista de vôo que teria uma extensão de “2.300 metros retos”
84
para atender às tropas do
corredor Natal-Dakar, como também um meio facilitador ao patrulhamento das águas do
Atlântico. Instalados nos edifícios da Italcable, inicialmente, o ambiente construído para
suprir as necessidades destes estrangeiros, de longe não se assemelhava ao vivido pelos
demais brasileiros, fossem civis ou militares, comandante ou soldados. A exemplo do que
acontecia em Recife, em Fernando de Noronha “a preocupação das tropas não parecia ter
sido um cuidado muito especial do Exército brasileiro”.
85
O Major Campos do Aragão,
sobre ir jantar a convite de Mr. Wrigth, responsável pelas obras no aeroporto, nos relata
que
Respirava[se] um ambiente, ao meu ver, bem diferente de Fernando de Noronha.
Quando me despedi, trazia a convicção de que entre aqueles homens
privilegiados, cujos dólares compravam tudo, absolutamente tudo, não se temia
o fantasma oriundo da avitaminose (...) E pensei no soldado que, pela manhã,
me entristecera com dolorosa crise de inação das pernas (...) Era mais um
infeliz beribérico a registrar, entre os homens de minha bateria.
86
83
ROCHA LIMA, Janirza Cavalcante. Nas Águas do Arquipélago de Fernando de Noronha. Tese de
doutoramento em Ciências Sociais – São Paulo: PUC, 2000. pp. 157.
84
ARAGÃO op. cit. pp. 103.
85
RIOS, op. cit. PP. 261.
86
ARAGÃO, op. cit. pp. 104.
45
Um ambiente que versava entre a fartura de uns e a privação de outros, mas com um
objetivo em comum: a segurança das águas do Atlântico. Esse tipo de contraste entre
estrangeiros e brasileiros também será visto quando do período de instauração da base de
teleguiados em 1956.
No entanto, estes estrangeiros não estavam presentes à toa na ilha. Correspondiam a
acordos e tratados estabelecidos e firmados entre os governos de Roosevelt e de Vargas.
Como a 3
a
Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas
Americanas, ocorrida em 11 de janeiro de 1942, na cidade do Rio de Janeiro. Foi neste
encontro que os Estados Unidos conseguiram o rompimento dos países latino-americanos
com o Eixo e em contrapartida garantiram a compra, quase que exclusiva, de materiais
estratégicos para o desenvolvimento de equipamentos militares e o controle absoluto de
sua distribuição no continente nos anos seguintes. O Brasil era um dos grandes
fornecedores, sobretudo de borracha, de minérios de ferro, de diamantes industriais, do
manganês, da bauxita e da areia monazítica (da qual se extraía o urânio e o tório)
essenciais ao desenvolvimento da energia nuclear.
87
No acordo militar de maio de 1944 (Acordo Aéreo Militar Brasil - Estados Unidos)
a posição brasileira como “aliado fiel” na parceria com os EUA se acentuava ainda mais,
quando, em conjunto, era fixado um extenso sistema de segurança militar capaz de cobrir
várias regiões do globo. A contrapartida brasileira se encontrava no estabelecimento de dez
bases aéreas em território nacional, consideradas como estratégicas durante dez anos, tanto
em época de paz como de guerra. Encontravam-se presentes no Brasil 10 mil soldados
norte-americanos durante o conflito.
88
No ano seguinte, quando se assinava a Ata de
Chapultepec (Conferência Interamericana do México - 1945), deliberava sobre Assistência
Recíproca e Solidariedade Americana aos países latinos, inserindo o Brasil numa disputa
entre “regionalistas” e “globalistas” para as questões de Segurança Internacional que
correspondiam aos planos dos militares dos Estados Unidos para o pós-guerra (e aí, talvez,
a uma futura luta contra a União Soviética e o comunismo internacional, na visão de
Gerson Moura).
89
87
Alves, MaCcann e Leslie Bethell apontam que a posição brasileira no novo ordenamento geopolítico
internacional era uma imposição da política de defesa norte-americana ao hemisfério. Os Estados Unidos, no
entanto, forneciam equipamento militares decorrentes do programa Lend-Lease (empréstimo e
arrendamento), como forma de salvaguardar e garantir essa sua influência nos limites do atlântico, no caso,
da América Latina.
88
RIVAS. op cit. pp 320.
89
MOURA, Gerson. O Alinhamento Sem Recompensa: a política externa do governo Dutra – Rio de Janeiro:
Centro de Pesquisa e Documentação de Historia Contemporânea do Brasil; 1990 – CPDOC/ FGV. pp 11.
46
Assinados os acordos e tratados para a defesa hemisférica e instalação do sistema
defensivo para a Segunda Guerra, no dia 14 de abril de 1943, a Ilha de Fernando de
Noronha recebia a visita de oficiais norte-americanos, cuja missão era inspecionar as
instalações militares americanas e brasileiras que ali existiam, como um dos reflexos da
missão militar norte-americana de 1941. Os Generais americanos Robert. L. Walsh
(responsável pelo comando da Base Aérea de Natal que tinha como QG a cidade de
Recife) e J.S. Bragdon, o Coronel A.G. Viney e os Tenentes Coronéis H.C. Gee e M. K.
Moore, eram recebidos pelo comandante do TFFN, na época, o Coronel Ângelo Mendes de
Morais, que em um breve discurso, enaltecia a união que sempre ligou o Brasil aos Estados
Unidos e que “era então mais viva nessa empreitada de guerra onde os dois países numa
união sagrada defendiam a sua liberdade e a integridade de sua soberania”.
90
Novamente,
víamos a segurança como argumento maior do discurso para a defesa hemisférica,
constituindo Fernando de Noronha como “o ponto mais destacado” das atividades
militares, “ponto vital da defesa do continente americano”.
91
A criação do Território Federal de Fernando de Noronha nascia para reforçar a
soberania brasileira “de um modo mais nobre, na efervescência da guerra (...), cujo valor
militar de futuro se poderá dizer. “Após a guerra seremos o ponto obrigatório para as
rotas comerciais, marítimas e aéreas”
92
, afirmava o Capitão Nadir de Toledo Cabral,
Secretário Geral do TFFN. Parecia que o Capitão previa o futuro da Ilha de Fernando de
Noronha com o novo ordenamento geopolítico do pós-guerra: “um ponto estratégico para a
segurança do Atlântico, repousado num triângulo cujos vértices assentavam em mais duas
ilhas: a de Abrolhos e de Trindade”
93
, “reforçando a defesa militar do Nordeste”
94
,
“especialmente (...) com os projéteis teleguiados”.
95
É claro que isso aconteceria anos mais
tarde, redesenhando um outro ambiente bélico e reforçando a importância geoestratégica
da ilha para assuntos e planos de defesa.
Os norte-americanos estacionados na Ilha de Fernando de Noronha estavam ligados
às bases instaladas em Parnamirim-RN e em Recife. A “união sagrada” que ligava
brasileiros e norte-americanos na defesa intercontinental era a garantia da integridade da
90
IMBIRIBA op. cit. pp. 61
91
Diário de Pernambuco, 04 de maio de 1944.
92
Diário de Pernambuco, 04 de maio de 1944 - Capitão Nadir de Toledo Cabral, que na época ocupava o
cargo de secretário geral do governo do território de Fernando de Noronha, em 1944, prevendo o futuro da
Ilha nas esferas de um pós-guerra relatava a possível funcionalidade do dito espaço insular.
93
Jornal do Comércio, 23 de junho de 1956.
94
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957.
95
Jornal do Comércio, 28 de dezembro de 1956.
47
soberania territorial tanto ao Brasil como aos Estados Unidos contra às ditaduras
totalitárias européias, na visão norte-americana, e que eram capazes de ameaçar aos
regimes democráticos (capitalista) como o defendido pelos próprios Estados Unidos. Os
hábitos culturais trazidos pelos americanos alteraram de certo os costumes e o cotidiano
nessas duas capitais nordestinas, mas, por outro lado, deixavam esquecida a própria ilha.
INSEGURANÇA NO CÉU E NO MAR DO BRASIL:
A expectativa de guerra causava uma sensação de alerta constante na sociedade.
Em Fernando de Noronha ou fora de lá, a sensação era de que, a qualquer momento, o
inimigo poderia surpreender a todos. O imaginário rondava não apenas o céu e o mar, mas
pairava na sensação de insegurança de que um evento dessa natureza pudesse ocorrer. No
entanto, as exposições em torno da segurança e defesa, patrocinadas pelos governos
americano e brasileiro, não se alinhavam a essa realidade de guerra. E isto era tão
significativo que, mesmo sofrendo bombardeio (ataque), a Ilha de Fernando de Noronha se
encontrava distante do que acontecia em Recife, e isso se caracterizou pela ausência de
notícias nos jornais remetendo-se ao fato. Esse ataque era relatado por e entre os militares,
ficando ali, retido, que a ilha havia sofrido bombardeio de aviões inimigos. Essa
informação era dada em caráter secreto e não causaria espanto caso a ideia do American
way of life não tivesse tido tamanha repercussão e aceitação. O jogo estava sendo jogado e
a regra era: defesa e ataque.
Parece que o inimigo orienta os seus meios para um ataque a frente S [lê-se sul]
da Ilha.
Aviões inimigos sobrevoam a ilha e lançam bombas, visando de preferência as
regiões da Vila Getúlio Vargas, porto de Santo Antônio, os ambulatório, a usina,
oficinas e o quartel do 30º BC [lê-se Batalhão de Caçadores do Exército].
96
Relatou o Capitão Zenon da Silva (Comandante do Destacamento Independente de
Sapadores e Pontoneiros). Essa informação, colhida de um comunicado interno entre o
Comandante do Destacamento Misto, General Ângelo Mendes de Moraes e o comando da
Região Militar, no dia 07 de maio de 1943, não chegou à capital pernambucana. Não
constando comentário, notícia, reportagem, nota ou informativo algum sobre esse suposto
ataque à “sentinela avançada”. Tão próxima ao litoral nordestino e a 540 km da cidade de
96
APEJE-PE; DOPS-PE, prontuário nº 4071 - ordem de operações nº 1. 07 de maio de 1943.
48
Recife, levando-nos a questionar se fora real ou apenas um treinamento de guerra.
Concentrava-se ali, no entanto, um teatro de operações de guerra.
Imaginar toda essa movimentação bem próxima ao nosso litoral transformava o dia-
a-dia da cidade do Recife, bem como o desenvolvimento cultural a partir do contato com
estes militares estrangeiros norte-americanos, como também a própria ilha que se
militarizava sob a égide da defesa nacional e segurança. O entrar e sair constante de
americanos na capital pernambucana era visto com certo cuidado por parte das autoridades
policiais. Não era pelo fato de estarmos alinhados (juntos) contra o Eixo, que se daria o
direito de estrangeiros transitarem livremente pelas ruas do Recife. O fato era, inclusive,
contrário à ideia de que esses estrangeiros viviam numa eterna lua de mel com os
brasileiros. Pelo menos não por parte dos investigadores do DOPS de Pernambuco. A
soberania do Brasil tinha que ser salvaguardada a todo custo. Esse cuidado podia ser
observado nas pequenas e cotidianas resistências patrocinadas por estes investigadores,
quando, por exemplo, uma simples atividade fotográfica gerava inúmeros pedidos de
autorização do consulado americano ao Secretário de Segurança Pública de Pernambuco,
Etelvino Lins, que, a atividade fotográfica ou os pedidos de autorização, podiam ser
indicativos de atividades de espionagem. No entanto, mesmo com a atenção das
autoridades da DOPS, estas atividades se encontravam próximas do nosso dia-a-dia, seja
pelo Eixo, seja pelos norte-americanos. Como exemplos disto, tomamos a chegada de vinte
náufragos do vapor americano James Robertson, torpedeado por submarinos do Eixo ao
sair de Fortaleza (Ceará) para o Rio de Janeiro, na madrugada do dia 07 julho de 1943
97
, e
o desmonte de um aparato de espionagem a favor do Eixo, especificamente a serviço da
Alemanha, pelo serviço secreto americano. No material apreendido encontrava-se o mapa
(abaixo) detalhado de todo o Arquipélago de Fernando de Noronha com traçados dos
planos das fortificações que existiam pela ilha, o efetivo de tropas, localização de baterias,
estações de rádio, etc.
98
97
APEJE-PE; DOPS-PE; Prontuário nº 27.708 - Consulado Americano; cópia do oficio 260. Recife, 14 de
julho de 1943.
98
APEJE-PE; DOPS-PE; Prontuário nº 8121 - Aços Marathon. 1943.
49
Ilustração 12 - Plano hidrográfico e topográfico do arquipélago de Fernando de Noronha elaborado
por um germanófilo potiguar em 1942, por encomenda do cônsul alemão em Pernambuco, apreendido
pelo DOPS-PE e encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores e Justiça para embasar o
processo onde o epigrafado é acusado de traição à nação brasileira. Fundo: SSP/DOPS/PE prontuário
nº. 14. 312.
Esses dois eventos permitem perceber que as democracias na América Latina não
estavam livres da ameaça dos regimes totalitários que rondavam a Europa. Mostram
também que, a fala importada pelos norte-americanos que garantiam a segurança do
Atlântico se encontrava frágil diante da impossibilidade de proteger essas águas. Mesmo
montando um cinturão de defesa Atlântica com bases espalhadas pelo litoral nordestino, a
exemplo da base aérea de Parnamirim (RN) – um dos maiores e mais movimentados
aeródromos militar do mundo e da base na Ilha de Fernando de Noronha, visando à
segurança do território brasileiro, as águas do Atlântico ainda não se encontravam
devidamente protegidas.
Enquanto Recife e Natal se deixavam influenciar pela cultura dos Estados Unidos,
esses três eventos (o ataque contra a ilha, o ataque contra o vapor americano e o espião
Artur) podem ser tomados como espelhos de uma guerra que transformava sonhos em
realidades, e causavam insegurança e muitas incertezas para o amanhã. O “inimigo” estava
à solta e a qualquer minuto poderia nos surpreender pelo mar (com os submarinos), pelo ar
(com ataques aéreos) e também por terra (com os esquemas de vigilância que a
espionagem proporcionava). Era ilusão imaginar um cenário de guerra distante do
50
continente europeu, pois ela estava próxima de qualquer cidadão brasileiro. E o que restava
ao Brasil fazer? Alinhar-se a quem lhe garantia o futuro? No caso em questão, era o
solícito lado americano.
A GUERRA SE APROXIMA DO FINAL:
No mês de fevereiro de 1944, a base americana montada na Ilha de Fernando de
Noronha já se encontrava apta ao uso. No dia 16 de fevereiro, especificamente, entrava em
uso experimental, a nova rota aérea de Natal para a África (Dakar). Os C-47 do Exército,
utilizados para essa missão, em vez de voarem para Roberts Field, na Libéria, via
Ascensão, passariam a fazer a rota Natal - Fernando de Noronha, depois seguindo até
Dakar. Os C-47 chegariam a Fernando de Noronha, para pernoite e reabastecerem. No dia
seguinte, chegariam a Dakar com combustível ainda suficiente para mais três ou quatro
horas de vôo. A nova rota teve sucesso imediato com relação às condições de vôo. No
entanto, duas semanas após o seu início, era suspendida devido à dificuldade em manter
uma estrutura no que se refere ao fornecimento de gasolina na ilha e, sendo assim, a nova
rota não foi mais reiniciada durante o período da guerra.
99
A partir de outubro de 1944, os
norte-americanos começavam a retirar-se das bases, entregando as responsabilidades da
defesa do Atlântico Sul aos brasileiros.
100
No último dia de maio de 1945, o Atlântico Sul
não era mais considerado como área de combate. No final de julho, o fechamento das
instalações da marinha americana no Brasil estava praticamente completo. Durante as
últimas semanas de julho muitos postos foram fechados e uma grande quantidade de
equipamentos foi devolvida ao Exército americano que permaneceu na área após a partida
dessas forças.
101
Quando a guerra já sinalizava o seu final, especialmente com a vitória na batalha da
Normandia, em 1944, as potências aliadas se mostravam apreensivas com o futuro da
geopolítica internacional. Essa preocupação era acentuada quando em janeiro de 1945,
Churchill, Roosevelt e Stalin se reuniriam em Yalta. A ideia de como prevenir o mundo
para que não houvesse um novo conflito desenhava um ambiente de encontros
internacionais que discutiam, entre outras coisas, o gerenciamento de uma possível paz
99
SMITH, Clyde. Trampolim Para a Vitória. Editora universitária UFRN. Natal – RN, 1993. pp 153
100
RIOS. Leda Maria Rivas Cerviños. O Diário de Pernambuco e a II Guerra Mundial: o conflito visto por
um jornal da província. 1º volume. Dissertação de mestrado em História – Recife: UFPE, 1988. pp 314.
101
Ibidem, pp 187.
51
para os anos que seguiriam ao pós-guerra. Muitos dos tratados assinados tinham como
premissa acordos pré-existentes nos anos de conflito mundial. Os Estados Unidos viam a
possibilidade de alcançarem um patamar de destaque na fase de reconstrução do mundo
pós-guerra, principalmente por que, assim como a União Soviética, saiam considerados
como uma das duas potências mais poderosas, com o término da guerra.
Para que essa nova geopolítica internacional tivesse o direcionamento estabelecido
pelo governo de Washington DC, havia a necessidade de criar, como alicerces, tratados
internacionais, cujo objetivo principal era a segurança do hemisfério ocidental (composto
pelos EUA, Europa ocidental, Japão, Coréia do sul e América Latina). Para tanto, os
acordos e convênios estabelecidos desde a Segunda Guerra Mundial davam base de
sustentação ao discurso americano para a “paz emergente”.
Os Estados Unidos articulavam duas ações capazes de atender à nova conjuntura do
pós-Segunda Guerra: uma no plano econômico e outra que visava uma estrategia política
na ordem mundial de então. Na primeira, a recuperação do poder de compra dos países
europeus era imprescindível à sobrevivência do sistema econômico norte-americano. As
compras de alimento, matéria-prima e equipamentos tinham como fornecedores principais
os industriais e agricultores do país e, sob os moldes da política americana, a recuperação
europeia se acelerava. O historiador Fernando Ayerbe (2002), especialista no estudo acerca
da história da América Latina e da construção da hegemonia norte-americana na América
Latina do século XX, aponta que, num espaço de três anos, a Alemanha e a França
superavam os níveis de produção de antes da guerra. Em segundo plano, a estrategia norte-
americana cumpria aos tratados assinados entre os países alinhados com os Estados
Unidos, permitindo que a presença militar estadunidense nessas regiões fosse considerada
vital à segurança do mundo livre.
102
Carlos Martins Pereira e Souza, embaixador brasileiro em Washington DC, resumia
em uma de suas cartas-telegramas enviadas ao Ministério das Relações Exteriores, que
uma das intenções da política dos Estados Unidos para a América Latina era conseguir
consolidar uma frente anti-russa, capaz de eliminar os centros de propaganda anti-
americano, e organizar politicamente a defesa do hemisfério.
103
Tal tarefa caberia, não
102
AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo:
editora UNESP, 2002. pp 69
103
MOURA. pp. 46.
52
apenas às Forças Armadas dos Estados Unidos
104
, mas a todos os meios que servissem
enquanto expoentes da American Way of Life adotada como uma das estrategias à
aproximação dos países da América do Sul para a sua política de boa vizinhança,
especialmente com o Brasil.
105
Dificilmente algum país da América Latina iria conseguir
se manter neutro frente à tumultuada relação entre Estados Unidos e União Soviética. E o
Brasil não fugiria a regra. Mas, qual o interesse do governo de Washington com o Brasil, já
que a esse era destinava a alcunha de ser “fiel escudeiro” à política norte-americana para
com a América Latina? Primeiro, a posição privilegiada ao controle do Atlântico Sul,
principalmente nas suas ilhas oceânicas e o seu litoral nordestino. Depois, o seu extenso
território, que fazia fronteira com a maioria dos países sul-americanos. Por último, a sua
abundância em recursos naturais, principalmente os minerais, imprescindíveis ao
desenvolvimento da produção nuclear. Interessava, também, sua população local, que
representava um mercado de consumo potencialmente capaz de movimentar bilhões de
dólares.
106
O Brasil era ou não um aliado em potencial às pretensões americanas na
América Latina? Essa condição o inseria numa posição de país primário-exportador para
reforçar as economias latino-americanas, assegurar a estabilidade social e política a fim de
proteger o modelo econômico aos moldes dos Estados Unidos e também adquirir apoio
militar e político no continente ou fora dele. Dessa forma, os Estados Unidos, manipulando
a retórica do anticomunismo, mantiveram os países latino-americanos na esfera da
influência ocidental por meio de invasões, orquestrações de golpes, obstáculos à reforma
social e apoio técnico e político a regimes militares repressivos. Sean Purdy (2008) destaca
que, então, marca-se o início da Guerra Fria na América Latina. Principalmente, quando
nos fins dos anos de 1940, movimentos favoráveis a mudanças políticas e econômicas
surgiam em muitos países do continente e acabavam sendo refreados ou esmagados pelas
elites locais com a ajuda norte-americana.
107
104
Com a nova agenda de segurança, a redefinição do papel dos Estados Unidos na política internacional do
pós-guerra levava o Governo de Truman a repensar a política externa ‘americana’ com a nova ordem
internacional. Em 1947, com a lei de segurança nacional, as Forças Armadas se unificam num estado maior
conjunto subordinado a secretaria de defesa. As Forças Armadas e os serviços de inteligência adquirem uma
capacidade operativa que os transformam em instrumentos privilegiados da ação dos estados nos assuntos
internacionais. (idem pp. 80)
105
FARIA, Ricardo de moura & MIRANDA, Mônica Liz. Da Guerra Fria à Nova Ordem Mundial São
Paulo: Contexto, 2003. pp. 62.
106
Idem pp. 61
107
PURDY, Sean. O século Americano. In: KARNAL, Leandro. Historia dos Estados Unidos: das origens ao
século XX/ - Leandro Karnal ... [et al.]. 2.ed., 1ª impressão. – São Paulo: contexto, 2008. pp. 229.
53
Para que os planos mencionados surtissem efeito, mais de 10 acordos e convênios
de cooperação foram firmados entre os governos brasileiro e estadunidense, tendo respaldo
nas deliberações acertadas com o fim da Segunda Guerra. Entender toda essa trajetória da
diplomacia brasileira articulada ao governo dos Estados Unidos é uma tentativa de
compreender um ambiente com forte presença militar e o temor de um terceiro conflito
mundial, que fazia com que brasileiros e estrangeiros se voltassem para a prevenção de
seus territórios, garantindo a segurança, soberania e poder, tomados como um dos vieses
para que guerras fossem deflagradas.
108
O FIM DA GUERRA:
Terminada a guerra, ficava clara a importância geoestratégica do Brasil,
especificamente do Nordeste brasileiro, na manutenção de um sistema de defesa para o
Atlântico. Segundo alguns estrategistas militares (como o Coronel Luiz Paulo Macedo
Carvalho e o General Antônio de Souza Júnior) o “saliente do Nordeste” era visto como a
“ponta do Atlântico” para a segurança marítima das rotas de navegação do Atlântico ao
Pacífico (pelo sul das Américas) e do Atlântico ao Índico (passando pelo sul africano).
Neste sentido, e também fazendo parte deste sistema defensivo, Fernando de Noronha se
inseria na qualidade de porto. Conservava a sua função histórica de ser um lugar
estratégico à invasão e à defesa continentais. Um ponto militar juntamente como as bases
de Belém, Natal e Recife, conjugadas as de Dakar, Acra e Lagos na África Ocidental.
109
Contudo, o temor de que ocorresse um novo conflito era um dos fatores de preocupação à
garantia de segurança e de manutenção da paz para os anos vindouros. Urgia desenvolver
planos para que dentro de uma nova ordem mundial de pós-guerra, a paz fosse possível. E
aí, vale destacar que, os Estados Unidos, mostrando serem um dos mais interessados nessa
segurança, procuravam, a partir de acordos e tratados, tornar o seu pensamento e a sua
estrategia de defesa como única: hegemônica.
108
TELO, António José. Do Tratado de Tordesilhas à Guerra Fria: reflexões sobre o sistema mundial.
Blumenau: Ed da FURB, 1996. pp. 112 - Desde o período das grandes navegações observamos as guerras
desenvolverem o surgimento e desenvolvimentos de grandes nações que teriam uma participação especial no
cotidiano de Fernando de Noronha. Desde a assinatura do Tratado de Tordesilhas, a ilha não seria mais a
mesma. Fazendo parte das rotas comerciais, o novo mundo estava imbricado nas decisões européias. E as
guerras seriam evitadas e desencadeadas sob a ótica do poder. E que a mera existência de armas atômicas
alterava a maneira de pensar a guerra.
109
SOUZA JÚNIOR, Gen. Antônio de. O Brasil e a Terceira Guerra Mundial. Biblioteca do exercito, Rio de
Janeiro, 1959. pp 114.
54
Diante do quadro de defesa que, ao longo deste capítulo, apresenta-se como um dos
fios que teciam os discursos em torno da salvaguarda da Democracia, observamos a
liberdade do hemisfério ocidental contra as “ditaduras totalitárias”, sendo utilizada como
um recheio a mais nos discursos estadunidenses em longas e demoradas reuniões,
conferências e visitas entre as chancelarias de Washington DC nos países da América
Latina, como também, e mais especialmente, entre os países da Europa ocidental,
invertendo a ordem de debates, de interesses e de poder que caracterizavam o período.
A primeira característica nota-se ser ressignificada a ideia de ditadura em nome
desta democracia. Ao segundo, a permanente submissão de alguns países latinos a
economia norte-americana (como no caso do Brasil, observado durante o governo do
presidente Eurico Gaspar Dutra
110
e Café Filho), e a terceira em transformar a ideologia
soviética como uma “praga” para a humanidade, em que apenas a nação norte-americana
seria capaz de garantir a defesa e a segurança do chamado “mundo livre”.
111
Seguindo uma ordem cronológica para os eventos pós-Segunda Guerra, notamos
uma linha tênue, mas que levava o Brasil a mais de dez anos de pactos, tratados e acordos
de não agressão, de defesa e compromissos militares com os Estados Unidos. A troca de
interesse se subordinava à oportunidade de o Brasil alçar ganhos no seu desenvolvimento
econômico, principalmente com as siderurgias. As tentativas de democratizar e
nacionalizar o Brasil foram seguidas de insucessos, frustrações e comprometimentos.
Tomando esse último ponto, observamos a defesa e a segurança continuarem a construir
discursos em que o arquipélago de Fernando de Noronha tinha papel fundamental para que
a utilização da rota do Atlântico seguisse a agenda de segurança proposta pelos Estados
Unidos. Para entendermos qual a real posição de Noronha antes da Guerra Fria e como a
ilha compõe a política internacional adotada pelo governo brasileiro e norte-americano
sobre a defesa hemisférica, é necessário voltar ao tempo em que o arquipélago de Fernando
de Noronha era um Território Federal (1942), em uma tentativa de revisitar discursos
defensores da “salvaguarda da soberania nacional”.
112
110
VIZZENTINI, Paulo G. Fagundes. Do nacional-desenvolvimentismo à Política Externa Independente. In:
O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964/
organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2003. – (O Brasil Republicano; v3). pp 198.
111
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. pp 459.
112
Diário de Pernambuco, 04 de agosto de 1943.
55
O período que marca a entrada brasileira na Segunda Guerra Mundial ao lado dos
Aliados pode ser tomado como um dos marcos iniciais para os norte-americanos
expandirem a sua política de contenção às ideias germanófilas. Nessa assertiva, o Brasil
que havia destinado, desde antes o declarar de guerra ao Eixo, parte da sua região Norte
e Nordeste à instalação de bases americanas (a exemplo das bases no Ceará, Parnamirim-
Rio Grande do Norte e Ilha de Fernando de Noronha), se encontrava em posição de
importância significativa aos planos de contenção a esses regimes nessa época. Com o fim
do conflito, acordos eram assinados no México (Ata de Chapultepec -1945), no Rio de
Janeiro (Tratado Interamericano, ou Tratado do Rio - 1947) e no Chile (Tratado de Bogotá
- 1948) que encrudesciam a assistência e a proteção desses Estados do continente
americano, mas que tomavam uma outra direção: a contenção do comunismo e do
expansionismo da União Soviética, principalmente com a questão da Alemanha dividida.
Nesse cotidiano de guerra vivido “fora do mundo”
113
de Noronha, no caso no
Brasil, desenrolava-se uma política externa, gerenciada ainda pelo governo Vargas. Uma
política que na visão de Gerson Moura, era de uma “equidistância pragmática” em relação
às grandes potências européias, mas de um alinhamento progressivo com os Estados
Unidos.
114
O presidente Vargas procurava extrair benefícios econômicos, políticos e
militares com este alinhamento, resultando em financiamentos à instalação da usina
siderúrgica de Volta Redonda; à equipagem e à infra-estrutura para transportes e ao
reestruturamento das Forças Armadas.
115
Para entendermos a Ilha de Fernando de Noronha no período que antecede a guerra
fria, faz-se mister mergulharmos em um ambiente de reuniões de consulta, acordos
diplomáticos e a eleição no Brasil de 1945, em que sairia vitorioso o candidato Eurico
Gaspar Dutra. Era em um ambiente internacional como esse que víamos a Ilha de Fernando
113
O Capitão Rube Canabarro Lucas tentando ter uma idéia do isolamento que se sente na Ilha de Fernando
de Noronha, percebia que os habitantes se referiam ao continente como “o mundo”. Em todas as conversas
que teve sempre surgia esta expressão no meio de uma frase: “lá no mundo é assim; aqui não”, ou quando
voltar ao mundo” (Imbiriba; op. cit. pp. 37). Janirza Cavalcante define em sua tese duas categorias sociais:
“os de fora e o “homem insular fernandino”, na análise que se faz em torno dos espaços continental e
insular. Segundo ela, para “os de fora” (os continentais), o arquipélago ainda é um espaço à margem,
proscrito, distanciado e imaginariamente transgressor. (DA ROCHA LIMA, op. cit. pp. 57 - 59). Clarice
Peixoto se refere aos termos “aqui dentro” em contraposição ao “lá fora”. Segundo ela, esses termos datam
dos tempos do presídio, quando a expressão mais utilizada para tratar o continente era “o mundo”.
(PEIXOTO, Clarice Ehlers. Fernando de Noronha: ilha de sonho e de assombração. Dissertação de
mestrado em Antropologia Social – Rio de Janeiro, 1983. pp. 44).
114
MOURA, Gerson. O Alinhamento sem Recompensa: a política externa do governo Dutra Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de Historia Contemporânea do Brasil; 1990 CPDOC/
FGV.pp. 12.
115
Idem.
56
de Noronha, novamente, inserida nas discussões em torno da proteção das águas do
Atlântico, compondo a política internacional tratada pelos governos brasileiros e norte-
americano sobre a defesa hemisférica.
Desde Julho de 1944, os Estados Unidos articulavam seu desenvolvimento
econômico, no intuito de conquistar novos mercados e expandir oportunidades por meio de
investimentos estrangeiros sem restrições ao fluxo de capital e bens. A intenção era
manejar a economia internacional sob o estabelecimento de uma nova ordem econômica,
que insistisse na necessidade de recompor o comércio internacional mediante a quebra de
barreiras alfandegárias e à regulamentação do livre comércio.
116
Essa ideia foi defendida e
legitimada na Conferência de Bretton Woods, que ainda incentivou a criação de duas
instituições, capazes de fomentar essas determinações internacionais (atrelada aos
interesses norte-americanos), contribuindo, assim, na expansão do comércio e na liquidez
dos países mais desenvolvidos no plano das relações econômicas internacionais
117
: o FMI
(Fundo Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento). Os componentes do Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da
ONU decidiam os rumos que estes organismos tomariam.
Em fevereiro de 1945, na Conferencia de Yalta, Estados Unidos, Grã-Bretanha e
União Soviética, garantia-se o direito de vetar ou não as decisões pertinentes à segurança
mundial e, a partir daí, redefinir os rumos para uma disputa que descartasse o conflito
militar direto.
118
No entanto, é possível de ser observado que os primeiros focos para a
consolidação e a expansão de ideologias hegemônicas iriam ser divididos em e por dois
blocos. Leslie Bethel (1996) e Gerson Moura (1990) destacam que a visita feita pelo
Secretário de Estado americano Edward Stettinius Jr. (logo que terminada a Conferência)
ao presidente Vargas, servia como meio de pressionar o Brasil a assinar um contrato de
cinco a dez anos para o fornecimento de areias monazíticas aos Estados Unidos, matéria-
prima da qual se extraía o tório importante ao desenvolvimento da energia nuclear e à
consequente fabricação de bombas atômicas.
119
A ideia era articular o sistema
116
PURDY, op. cit. pp. 227.
117
MOURA, op. cit. pp. 05.
118
AYERBE, op. cit pp. 65.
119
Os lançamentos das bombas atômicas em Hiroxima e Nagasaki não foram tanto o último ato militar da
Segunda Guerra Mundial quanto a primeira operação da Guerra Fria diplomática com a Rússia. Qualquer que
seja a interpretação mais persuasiva, o uso de armas atômicas introduziria um novo elemento perigoso nas
relações internacionais do pós-guerra. Evidenciando que o poderio bélico que girava em torno do
desenvolvimento e uso da energia nuclear poderia resultar em uma nova forma de guerra, incentivando o
medo constante de quem iria primeiro apertar o botão. (Sean Purdy op. cit. pp. 220).
57
interamericano dentro das novas diretrizes internacionais, tanto no que dizia à segurança
como ao desenvolvimento da região. Esses acertos trariam ao Brasil, em 1956, sérios
problemas para Barbosa da Silva, ex-Ministro do Exterior no período da gestão de Café
Filho, e ao ex-presidente do Conselho Nacional de pesquisas, o diplomata Almirante
Álvaro Alberto, no que diz respeito à exportação de materiais atômicos.
120
A quase
impossível conciliação entre o desenvolvimento econômico e o protecionismo de Estado
estimulava a coexistência de uma política de portas abertas atendendo aos anseios da
delegação americana no México.
121
A conferência pode ser vista como um primeiro ato da
Guerra Fria, na medida em que os fundamentos a uma futura luta contra a União Soviética
e ao comunismo internacional estavam sendo consolidadas.
122
E neste sentido, o
posicionamento dos países latino-americanos diante dessa ordem internacional foi um dos
ingredientes fundamentais, que coincidiam com as eleições presidenciais na América do
Sul.
A nova geopolítica do pós-guerra imbricava com a política interna brasileira
quando a incerteza nas candidaturas para presidente se mostrava como uma inquietação
popular. As dúvidas quanto à permanência ou não de Getúlio Vargas na presidência, a sua
candidatura a reeleição, ou não, marcavam um novo compasso nas relações do Brasil com
os Estados Unidos. Mesmo com toda a movimentação e levantes promovidos pelos
membros que compunham o queremismo (constituinte com Getúlio), as eleições foram
marcadas e realizadas no dia 02 de dezembro de 1945: O PSD, com o General Eurico
Gaspar Dutra como candidato; A UDN, com Eduardo Gomes e o Partido Comunista
(recém saído da ilegalidade), com o engenheiro Yedo Fiuza.
Esse cenário era construído frente a uma posição enigmática adotada por Vargas,
com respeito a sua verdadeira atitude diante das eleições. Os grupos envolvidos nessa
ocasião cogitavam a ideia de que o ditador estava planejando um novo golpe aos moldes de
1937, ou, então, que estaria estudando uma nova era política baseada no apoio do
operariado militante.
123
Por outro lado, essas suspeitas ficaram mais graves depois que
Getúlio Vargas, por meio de decreto, antecipou as eleições estaduais e municipais para o
mesmo dia da presidencial. A crise era potencializada com a substituição da chefia da
120
Diário de Pernambuco, 19 de abril de 1956 APREENSIVA AS FORÇAS ARMADAS, EM FACE
DA VENDA DE MINÉRIOS ATÔMICOS.
121
MOURA, op cit. pp 11.
122
Idem.
123
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 1964). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. pp.
76.
58
polícia do Distrito Federal, a qual era ocupada por João Alberto e passou para Benjamin
Vargas, irmão de Vargas. Muito próximo do Ministro general Góis Monteiro, João Alberto
comunicou-lhe a decisão do presidente. Diante do fato, o ministro partia para a
mobilização de oficiais em prol do apoio a um golpe para depor Vargas. Era a primeira
tentativa militar de assumir a gerência brasileira. Dutra foi ao palácio, na tarde de 29 de
outubro para que Getúlio retirasse a nomeação de seu irmão ao cargo ou enfrentasse a
deposição pelo Exército. Vargas, subestimando Góis Monteiro, acabou sendo deposto do
cargo “não pelo poder da oposição civil, mas por decisão do Alto Comando do
Exército”.
124
A derrubada de Vargas fechava não apenas o fim de um regime autoritário, mas
também abria caminhos a uma aproximação ideológica sem precedentes entre os governos
dos Estados Unidos e do Brasil. Para Faria & Miranda (2003), o novo pacto oligárquico
que assumia o controle das agências governamentais não reconhecia a legitimidade das
demandas sociais populares, classificando as reivindicações sindicais e os programas
nacionalistas como uma ação comunista
125
, e o combate da expansão dessas ações
comunistas era tomado como um dos fatores para que a segurança do hemisfério ocidental
fosse assegurada.
José Linhares (presidente do Supremo Tribunal Federal) assumia interinamente a
Presidência da República, suspendendo interventores e prefeitos até o encerrar das
eleições. Dutra obteve 55% dos votos. Eduardo Gomes 35%, Yedo Fiuza, candidato do
PCB, 10%.
O primeiro ano do governo Dutra foi de “uma plena lua-de-mel”, no dizer de
Skidmore (1975). Essa tranquilidade política duraria até a conclusão do texto final da
constituição e com ele, o cenário político ficaria bem diferente.
126
À frente da presidência,
Dutra preconizava uma política de tendência liberal-econômica, em que se rejeitava uma
economia pelo controle estatal. Abria-se para a importação de bens manufaturados do
exterior, mesmo considerada como algo “perigoso” à política de expansão da capacidade
124
Idem, pp. 78.
125
FARIA, Ricardo de moura & MIRANDA, Mônica Liz. Da Guerra Fria à Nova Ordem Mundial São
Paulo: Contexto, 2003. pp. 64 – 65.
126
No entanto, como aponta Moniz Bandeira, as leis repressivas do Estado Novo, como a lei de segurança
nacional, a lei de greve e a lei de imprensa não foram revogadas. As liberdades políticas conquistadas em
1945 foram duramente restringidas dentro do ambiente democrático-representativo, com dura repressão
contra a classe trabalhadora sob pecha de combater o comunismo. MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto.
Brasil, Argentina e Estados Unidos conflitos e integração na América do Sul (da tríplice aliança ao
MERCOSUL 1870 - 2003) – Rio de janeiro: Renavan: 2ª edição, 2003. pp. 227.
59
industrial brasileira, pois estimulava uma desvalorização do cambio brasileiro para que a
capacidade de importação aumentasse. Dentro dessa estrategia cambista, os EUA aboliram
ao máximo o preço do café, resultando numa grande saída de capitais sem entradas
significativas. Entre os anos de 1946 e 1952 houve uma verdadeira “hemorragia de
divisas”, com saída líquida de 500 milhões de dólares. As reservas internacionais
acumuladas pelo Brasil durante a Segunda Guerra não permitiam, dentro das regras do
sistema monetário e comercial mundial, financiar os déficits na área de moedas
conversíveis, especialmente dólares. O problema era grave, porque a liberalização das
importações pelo Governo deixava um saldo negativo, obrigando-o a recorrer ao controle
de importados em 1948.
127
Nas relações traçadas com os Estados Unidos o governo do General Dutra só
obteve concessões minúsculas, muito mais voltados para uma retribuição ao alinhamento
brasileiro com a ideologia norte-americana, que para com a própria sobrevivência
brasileira frente à nova ordem mundial. Para Moura (1990) e Vizentini (2003), esse
alinhamento se configurava como um destino que, de resto, pouco recebeu em
contrapartida, alimentado na ideia de “lealdade [como] um dos melhores traços
característicos do povo brasileiro e do próprio Brasil, como nação”
128
, e que a solução para
o problema do desenvolvimento da América Latina “se reside (...) na “cristalização” de um
plano de empréstimos”.
129
A frustração em adquirir vantagens e ajuda do governo norte-americano para o
desenvolvimento brasileiro durante o governo Dutra marcava os porquês do retorno de
Vargas à presidência em 1952.
PACTOS CONTRA O COMUNISMO E PELA LIBERDADE
:
O TRATADO DE
1947 E O ACORDO MILITAR DE 1952.
As relações estabelecidas entre Washington e o Brasil de 1947 a 1952, partia da ideia
de assegurar as rotas aéreas e marítimas às nações consideradas livres da ameaça
comunista, inserindo a Ilha de Fernando de Noronha como um dos pontos estratégicos
127
VIZENTINI, pp.200.
128
Jornal do Comércio, 11 de março de 1950 - o embaixador norte-americano Edward G. Miller, em discurso
feito na conferencia de embaixadores interamericanos, realizada no Rio de Janeiro em 1950.
129
Idem.
60
nessa configuração espacial para a América do sul. Mesmo a ilha estando “guarnecida por
um simples pelotão de infantaria do Exército, com um oficial comandante, alguns
sargentos e cabos e uns trinta soldados”
130
, era inegável a importância estratégica do país e,
sobretudo, da região Nordeste. O saliente nordestino do Brasil, formando uma das paredes
do corredor atlântico entre a América e a África, representava, pois, uma área militar e
econômica, significativa à segurança comum dos Estados americanos, sobretudo na orla
atlântica.
131
Os termos os quais tratavam o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca) e o Acordo Militar de 1952
132
foram importantíssimos aos ajustes de segurança
propostos pelos estados membros da América, uma vez que a contribuição que prestaram à
defesa do continente a partir de bases estabelecidas em áreas estratégicas da região
nordestina brasileira possibilita-nos entender que seria impossível organizar um sistema
continental de segurança sem ter em conta a utilização não apenas dessa região, como
outras áreas vitais para os Estados Americanos. Inclusive porque as vulnerabilidades do
território reclamavam medidas de segurança que interessavam ao todo continental.
133
E
esta compreensão de segurança coletiva tinha respaldo no Art. 51 da Carta da ONU,
quando:
Nada (...) prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva
no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas,
até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a
manutenção da paz e da segurança internacionais.
134
Neste sentido, o Artigo 51 da Carta da ONU tinha como direcionamento os povos
americanos e não os governos signatários, como de costume se via. Em síntese, o TIAR
expressava o sentimento comum de inviolabilidade do patrimônio continental e objetivava,
sobretudo, a defesa mútua ante-agressão externa e atos de agressão interna ou de Estado
130
IMBIRIBA, Beatriz de Lalor. História de Fernando de Noronha. Imprensa Industrial. Recife, 1951.
131
TAVARES, Genral A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Editora
Biblioteca do Exército. Ministério da Guerra, Rio de Janeiro, 1958. pp 158.
132
Que se baseavam nos princípios da Carta das Nações Unidas de garantir a paz e a segurança continentais;
promover e consolidar a democracia; organizar a ação solidária em caso de agressão e promover, por meio da
ação cooperativa, o desenvolvimento econômico, social e cultural dos Estados membros, que no caso
americano, encontravam-se de comum acordo com os Estados Unidos.
133
Idem.
134
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS; CAPÍTULO VII - AÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS À PAZ,
RUPTURA DA PAZ E ATOS DE AGRESSÃO; ARTIGO 51. Cidade de São Francisco (EUA), 26 de junho
de 1945.
61
não-americano
135
, “animado pelo desejo de consolidar e fortalecer as relações de amizade e
boa vizinhança”.
136
De acordo com o texto final do TIAR, as partes contratantes reiteravam a vontade de
permanecerem unidas dentro de um sistema compatível aos propósitos estabelecidos pelas
Nações Unidas, em que reafirmava a existência de uma ferramenta e mecanismos relativos
à manutenção da paz e da segurança internacionais, como também renovando a adesão aos
princípios de solidariedade e cooperação interamericana, especialmente aos declarados na
Ata do México em 1945.
137
Versava entre “a obrigação de auxílio mútuo e de defesa
comum das Repúblicas Americanas” e “a vontade permanente de cooperação para realizar
os princípios e propósitos de uma política de paz”. Essa paz se fundamentava “na justiça e
na ordem moral”, no reconhecimento e na proteção internacionais “dos direitos e
liberdades da pessoa humana”, na “efetividade da democracia” e na realização
internacional da “justiça e da segurança”
138
, criando uma zona de segurança que abrangia
uma extensão territorial do Pólo Norte (entre os pontos a 74 graus de latitude norte e 10
graus de longitude oeste) até o Pólo Sul (entre os pontos a 30 graus de latitude sul e 90
graus de longitude oeste), disposto no mapa mundi, a seguir, para zona de Segurança do
TIAR.
135
CARVALHO, Coronel Luís Paulo Macedo. TIAR: nascimento, vida e morte. In: Revista A Defesa
Nacional, n 788, set-dez/2000.
136
Texto do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), feito na cidade do Rio de Janeiro, em
quatro textos, respectivamente nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e inglesa, 02 de setembro de
1947. pp 01.
137
Idem, pp. 01.
138
Ibidem, pp. 01.
62
Ilustração 13 - Mapa da defesa nacional, cujos limites determinavam os territórios para a segurança
do Hemisfério Ocidental, disposto no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca. Apud Revista
A Defesa Nacional – ano LXX/nº 713, mai/ jun – 1984, Rio de Janeiro.
É fato que tanto o TIAR como o Acordo de 1952, visavam fortalecer a solidariedade
continental de todo um conjunto americano. No entanto, a liderança norte-americana
dentro do conjunto de todo um sistema como esse, levava os Estados Unidos a declararem
o comunismo como assunto de segurança, desde à Conferência do México, em 1945. A
partir daí, tomava como pontos vitais a manutenção da “paz mundial” à instalação e
permanência de “numa cadeia de bases aero-navais norteamericanas com quatro elos
fundamentais: bases no Nordeste brasileiro, nas Ilhas Galápagos, no estreito de Magalhães
e na zona de Maldonado e laguna de Sauce”.
139
Encerrando a América do Sul nas
estrategias de contenção ao poderio soviético e por outro lado sendo um dos motivos de o
139
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
4314; Acordo Militar - Análise do Acordo Militar Brasil Estados
Unidos , pelo Deputado Federal Fernando Luiz Lobo Carneiro, Rio de Janeiro, 1952. pp.16
63
Congresso Brasileiro debater numa constante essa segurança e o andar da relação entre os
governos brasileiro e estadunidense.
Técnica e financeiramente, o Acordo Militar entre Brasil e Estados Unidos tinha
como “objetivo aumentar a produção de materiais básicos e estratégicos e de fornecer uns
aos outros materiais, produtos e serviços necessários à sua defesa comum”.
140
Era uma
estrategia que obrigava o Brasil a entregar aos Estados Unidos os materiais nobres, os
minerais estratégicos que tanto fazem falta ao parque americano”, como pontuava Luis
Lobo, Deputado Federal pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT-RJ) e que, segundo o
relator do acordo na Comissão de Segurança Nacional da Câmara, General Lima
Figueiredo, era um ponto “altamente lesivo aos interesses nacionais”.
141
Pelo tratado em
debate, o governo brasileiro comprometia-se a fornecer aos Estados Unidos produtos de
várias naturezas, sobretudo o tório, a shelita, o manganês e o ferro, que constituíam a base
da indústria de guerra.
142
Precisamos, contudo, lembrar que os Estados Unidos entravam
em concorrência com a União Soviética na tecnologia e desenvolvimento de experimentos
de longo alcance
143
e, portanto, o acordo legitimava o fornecimento “em termos pacíficos”
a este desenvolvimento.
A questão de matéria prima para fins nuclear fazia com que um grupo de oficiais do
Exército entendessem a assinatura do Acordo como “um grave perigo para a nossa
pátria”
144
, ou como o Deputado Federal pelo PSD, Osvaldo Orico se referia: “uma
mutilação da Soberania Nacional”. Criou-se, então, a Comissão Nacional Contra o Acordo
Militar, que tinha como objetivo esclarecer o conteúdo que os artigos e dispositivos
traziam com o intuito de “formar uma opinião blica capaz de impedir a sua ratificação
pelo Congresso Nacional”, já que “o acordo em questão é elo diplomático pelo qual
pretendem os belicistas arrastar o Brasil à participação na Guerra da Coreia, ou num
terceiro conflito mundial”.
145
Em 31 de janeiro de 1953, o General Felicíssimo Cardoso
reforçava a campanha pela rejeição do Acordo Militar convocando todos e “quaisquer
140
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
4314 - Análise do Acordo Militar Brasil Estados Unidos , pelo
Deputado Federal Fernando Luiz Lobo Carneiro, Rio de Janeiro, 1952. pp 30.
141
Idem pp 18.
142
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
4314 - Documentos parlamentares. pp 10.
143
SHELTON, William Roy. Largada para o Infinito: história do Cabo Canaveral. São Paulo: Fundo de
Cultura S.A., 1963. pp 41.
144
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
4314 carta expedida pelo presidente da Comissão Nacional contra
o Acordo Militar, General Edgar Buxbaum, no Rio de janeiro, em 10 de novembro de 1952.
145
Idem - boletim n
o
19 do Movimento dos Partidários da Paz. Rio de janeiro, 20 de dezembro de 1952.
64
cidadãos honestos e patriotas a ingressar na campanha”, capaz de fazer prevalecer “os
sagrados interesses da pátria”.
146
Com base nisso, a construção de um discurso em torno de resguardar a soberania
brasileira se atrelava à construção de um cidadão “honesto e patriota” e que dava um cunho
de “sagrado” à territorialidade brasileira, sem se dar conta que o poder se exercia por entre
as teias sociais, não sendo um privilégio adquirido ou conservado pela classe dominante ou
instituições governamentais. Essas relações sociais e de poder aprofundavam-se dentro
dessa teia como uma via de mão dupla, em que a ordem ia sendo gradativamente limitada e
estabelecida pela possibilidade de financiamentos e investimentos do capital estrangeiro no
país e, ao mesmo tempo, o Brasil seria ponto estratégico na complexa engenharia da
geopolítica do período de Guerra Fria, importante artifício para a observação da ordem, da
segurança continental e da defesa interna e externa do país, configurada na explicação do
contexto da Segunda Guerra e da Guerra Fria.
O texto do acordo foi o resultado de dois meses e meio de negociações realizadas
em “ambiente de cordialidade e compreensão”, segundo o Embaixador João Neves. Com
assessoria de conselheiros civis e militares, entre eles o General Góis Monteiro e o
Almirante Paulo Penedo, a cooperação disposta entre os governos do Brasil e dos Estados
Unidos não deveria se esgotar inteiramente no campo das Forças Armadas, mas sim,
estender-se por entre o campo econômico, uma vez que “a guerra moderna repousava sobre
a industrialização de materiais estratégicos”.
147
Assim, não constituía um novo acordo, mas
era um desenvolvimento de princípios estabelecidos em diversas reuniões e atos
interamericanos, como o TIAR, em 1947, e as resoluções da Conferência de Bogotá (1948)
e da IV Reunião de Consulta em Washington DC (1951).
A história mostra que tanto o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca quanto
o Acordo Militar de 1952 faziam parte das contrapartidas brasileiras na relação que se
tinha com os Estados Unidos para a defesa hemisférica e o combate ao comunismo. Ambos
eram fundamentais na legitimação de discursos de segurança e salvaguarda dos regimes
democráticos pelo mundo.
VARGAS, NA PRESIDÊNCIA, ESCREVE SEU TESTAMENTO:
146
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
7865 - Liga de Emancipação Nacional.
147
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n
o
4314 exposição de motivos do Ministro das Relações Exteriores
João Neves de Fontoura.
65
Passadas as eleições de 1952, Getúlio Vargas novamente se via na presidência do
Brasil. Ao assumi-la, encontrava um país bastante diferente daquele que ele deixara em
1945. Uma sociedade com uma estrutura de classes bastante definida e um duplo processo
de desenvolvimento industrial e urbano. Qual seria a estrategia adotada para desenvolver o
Brasil e avançar em bens de capital e em investimentos de infra-estrutura? Estes eram
alguns dos problemas que o afligiam, de modo a não perder o controle sobre o seu
desenvolvimento e não assustar as classes dirigentes.
148
Com tendência a uma política econômica nacional desenvolvimentista, Vargas
voltava a criar uma boa relação com os Estados Unidos, que se mostrava com certa ‘boa-
vontade’ a oferecer assistência técnica e empréstimos a longo prazo para o
desenvolvimento da economia brasileira. A exemplo do que aconteceu no ano de 1948,
cuja liberalização das importações pelo governo brasileiro deixava um saldo negativo,
obrigando-o a recorrer ao controle de importados, em dezembro de 1950, os dois países
encenavam um novo acordo para a organização da Comissão Mista Brasil - Estados
Unidos, cuja a meta era o desenvolvimento econômico brasileiro. Iniciados os trabalhos em
1951, um dos primeiros resultados obtidos dessa relação assistencialista foi a criação, em
1952, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). A comissão
estabelecia como objetivos do programa, investimentos capazes de aquecer o
desenvolvimento das áreas de transportes e energia e, para tal, recorria o Brasil aos
recursos liberados pelo EXIMBANK
149
e o BIRD (Bank for International Reconstruction
and Development), concebidos como suas principais fontes de investimentos privados para
o país, como também de parâmetros às políticas econômicas adotadas pelos investidores
estrangeiros.
Getúlio Vargas se via na contingência de retomar o projeto de desenvolvimento
industrial através da substituição de importações, incrementando a indústria de base. Nesse
sentido, a obtenção de capitais e tecnologia poderia ocorrer a partir da cooperação
econômica com o mundo capitalista, em especial com os Estados Unidos. Vargas
procurava “uma barganha nacionalista”, apoiando o governo americano no plano político-
148
MONIZ BANDEIRA, op. cit. pp 258.
149
O Eximbank (Export-Import Bank) foi criado em 1934, no Governo de Franklin D. Roosevelt, num
período marcadamente de mudanças para com a América Latina. Com um direcionamento político de ‘boa
vizinhança’, os Estados Unidos se mostravam menos impositivos nas decisões com seus vizinhos. A idéia
dessa instituição financeira era conceder empréstimos aos países da América Latina. Com o início da segunda
guerra, exerceram uma grande pressão política e econômica para que os países latino-americanos apoiassem
os aliados, seja rompendo relações diplomáticas com o Eixo, seja contribuindo com a ajuda econômica ao
fornecimento de produtos de alimento com preços controlados. (Ayerbe 2002: pp. 64)
66
estratégico da Guerra Fria em troca de ajuda ao desenvolvimento econômico brasileiro.
Esta política, ao mesmo tempo, fortaleceria a posição interna do governo, garantindo o
apoio de diferentes forças.
150
Se, por um lado, tais medidas tomadas por Getúlio modificavam positivamente as
relações do Brasil com as instituições financeiras internacionais, por outro lado, tal
cooperação aparentava uma submissão para os nacionalistas, principalmente, os de
tendência radical. O resultado era um conflito entre esses e os ‘entreguistas’, acusados por
submeter o território brasileiro ao capital estrangeiro, impressão acentuada quando o Brasil
assinou com o governo norte-americano o Acordo Militar de 1952. E, em linhas gerais, o
acordo permitia o uso do território brasileiro para fins bélicos, como o Arquipélago de
Fernando de Noronha, por exemplo, que era “dado de mão beijada, alienado, sem prévia
audiência do povo e do Congresso Nacional”
151
aos estrangeiros yankees, na opinião de
grupos de tendência comunistas, e ainda acentuava que esses estrangeiros eram os “mais
interessados em conhecer os segredos de nossa segurança nacional”
152
, através das
Comissões Mistas, sustentadas no monopólio do petróleo e nos acordos ao fornecimento de
minérios e materiais radioativos (urânio e rio) utilizados nas pesquisa nucleares,
seguindo a Resolução XIII da Conferência de Washington (1951) e o Artigo VIII do
Acordo Militar de 1952.
153
O Brasil, além de se comprometer com uma militarização intensiva e a arcar com as
despesas de manutenção dos militares e funcionários norte-americanos, teria que orientar
toda a sua economia em função dos planos de guerra elaborados pelos estrategistas
‘yankees’. “Maiores verbas para os gastos militares, menores dotações para atender aos
problemas nacionais e as necessidades do povo”
154
, eram o resultado das verbas destinadas
aos gastos militares para o deputado federal Fernando Luiz.
Como justificativa para o estreitamento entre o desenvolvimento brasileiro e os
investimentos estrangeiros, Thomas Skidmore (1975) aponta que o governo de Vargas
150
VIZZENTINI, Paulo G. Fagundes. Do Nacional-Desenvolvimentismo à Política Externa Independente.
In: O tempo da Experiência Democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964.
Organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2003. – (O Brasil Republicano; v3) pp. 203.
151
Folha do Povo, 23 de abril de 1957.
152
Idem.
153
APEJE-PE-; DOPS-PE; prontuário 4314 - Análise do Acordo Militar Brasil Estados Unidos , pelo
Deputado Federal Fernando Luiz Lobo Carneiro, Rio de Janeiro, 1952. pp 13-18 - Segundo informações
obtidas no relatório elaborado pelo deputado Fernando Luiz .
154
APEJE-PE-; DOPS-PE; prontuário 4314 - Análise do Acordo Militar Brasil Estados Unidos , pelo
Deputado Federal Fernando Luiz Lobo Carneiro, Rio de Janeiro, 1952. pp. 17.
67
“sucumbiu algumas vezes à tentação de rotular os estrangeiros como os vilões que haviam
obrigado o Brasil às medidas que, de ato, qualquer governo responsável teria que
adotar”
155
, criando uma relação dúbia entre esses investidores e os líderes governistas, que
advogavam a uma orientação socialista e definitivamente nacionalista, opondo-se às
políticas que os EUA tentavam propagar no campo do comércio internacional, como
aponta Moniz Bandeira (2007).
156
As contradições internas eram cada vez mais acentuadas e os resultados obtidos
com essa nova relação entre Brasil e Estados Unidos “atingiram um ponto grave a partir de
1953, com a eleição do republicano Eisenhower”.
157
Na tentativa de criar soluções para o
desenvolvimento brasileiro, Vargas acabava estimulando a um nacionalismo econômico de
cunho mais agressivo, em que as empresas de caráter público eram tomadas como base ao
desenvolvimento de uma política de investimentos. Surgem a Petrobrás e a Eletrobrás,
então, para compor esse cenário. De 1951 a 1953, as medidas tomadas por ele estavam
sendo contrabalançadas por medidas nacionalistas
158
que visavam regulamentar os
investimentos estrangeiros, proteger e expandir o setor da indústria nacional, bem como o
monopólio estatal do petróleo e da produção de energia elétrica.
159
Em dezembro de 1953, a crise no Governo de Getúlio Vargas se acentuava, bem
como a sua posição nacionalista frente à relação com os Estados Unidos. Em um discurso
ocorrido em Curitiba, além de denunciar as remessas de lucros excessivos pelas firmas
estrangeiras, Vargas atribuiu as dificuldades que o Brasil passava à “má dos
estrangeiros”
160
, tática tomada por ele para reaver a sua popularidade frente às dificuldades
que os picos inflacionários testemunhavam contra o desequilíbrio interno da economia.
Com a crise provocada pelos preços exorbitantes para a exportação do café, o que
acontecia entre brasileiros e americanos era uma acentuada troca de farpas. Além do que,
Vargas precisava disponibilizar tempo e energia para contornar a instabilidade política
imposta entre ele e os antigetulistas, que se encontravam nas forças armadas, e na UDN de
Carlos Lacerda. Jorge Ferreira (2003) relata que os ataques vinham tanto da UDN quanto
155
SKIDMORE, PP. 127.
156
Moniz Bandeira também aponta, que o próprio embaixador da Grã Bretanha, Neville Butler, percebia que
o Brasil, com Vargas, não seria um ‘dócil adepto’ dos planos econômicos e militares dos Estados Unidos
para a América Latina. (op. cit pp. 251.)
157
VIZZENTINE pp 203.
158
SKIDMORE op. cit. pp. 132.
159
MONIZ BANDEIRA op cit. pp 262.
160
SKIDMORE pp 157.
68
do PCB. Por mais que Getúlio procurasse acordos e pactos com os udenistas, estes, à
exceção de sua ala fisiológica, negavam-se a qualquer possibilidade de compromisso.
Os opositores vigiavam cada passo dado pelo governo de Getúlio com a pretensão
de encontrar argumentos suficientes a sua deposição. O alvo João Goulart caía imerso nas
acusações de atentar contra a segurança brasileira em prol de ideias ‘vermelhas’ instituídas
dentro do próprio governo, quando propôs o aumento do salário mínimo. Na tentativa de
contar com o apoio da classe trabalhadora, a estrategia tomada por Vargas se sustentava
em bases muito precárias e representava uma bil vantagem frente a uma oposição cada
vez mais fortalecida. O desenlace da crise política de agosto de 1954 foi o seu suicídio, que
desarmou os antigetulistas e privou-os de uma nítida vitória.
Todo esse panorama político, traçado a partir da necessidade de assegurar o
território brasileiro à manutenção da política econômica norte-americana de “portas-
abertas”, via de regra, esbarrava na necessidade de desenvolver os setores considerados
mais precários para a América Latina. No Brasil, especificamente, o subdesenvolvimento
que destacava o nordeste como uma “área pobre e castigada”, encontrava-se como um dos
alvos às pretensões comunistas (vindas por parte da União Soviética) em firmar acordos
comerciais e se fazerem presentes também no continente americano. Em passagem pelo
Brasil, o primeiro vice-presidente da União Soviética Anastas Mikoyan, considerado “o
vendedor número um da Rússia”
161
, deixava em alerta o Secretário de Estado americano
John Foster Dulles e o Primeiro Ministro Britânico Anthony Éden.
A diferença percebida entre o primeiro e o segundo momento dos americanos na
ilha, está na forma com que capitalistas ocidentais e comunistas construíam suas
hegemonias na nova ordem internacional orientada pelo advento da energia nuclear e da
tecnologia balística. Pelo menos para a história do arquipélago, parece que o destino de
Fernando de Noronha se encerraria na história militar de defesa e de segurança. No
entanto, articulava-se com tentativas de democratização brasileira, sendo essa de tendência
nacionalista e que tomava corpo e nome com Juscelino Kubitschek.
O que tentaremos dissertar no capítulo seguinte visa ao desenvolvimento
estabelecido por um plano de metas e um punhado de obras com a promessa de realizar,
em cinco anos, esse desenvolvimento que supunha-se levar cinquenta. A Ilha de Fernando
de Noronha iria configurar esse ambiente no auge das ameaças da guerra fria, cujo
desenvolvimento da tecnologia dos mísseis intercontinentais, tanto por parte dos norte-
161
Diário de Pernambuco, 19 de abril de 1956.
69
americanos como dos russos, apimentava, agora em outras bases, as relações entre o Brasil
e os Estados Unidos, dando um movimento diferente às negociações, então caracterizadas
e continuadas como barganha nacionalista. A cessão da ilha à marinha norte-americana é
apenas o mote para o ajuste desenvolvimentista do governo de Kubitschek.
70
CAPÍTULO - UM ARQUIPÉLAGO TELEGUIADO: a relação Brasil e Estados
Unidos no governo de Juscelino Kubitschek.
A defesa do que é nosso
só compete a nós mesmos.
Abrir mão de nossa soberania
sobre qualquer pedaço do território brasileiro,
seria relegarmos aquilo que os nossos antepassados,
com tanto sacrifício, nos legaram.
162
Com a morte de Getúlio Vargas, as relações entre os governos do Brasil e de
Washington encaminharam-se a um realinhamento à política americana no breve período
em que Café Filho assumiria a vaga de presidente da República. Passadas as eleições e o
ceticismo à política de assistência americana do governo juscelinista, a velha barganha
nacionalista retornaria ao cerne das discussões para o desenvolvimento, não apenas
brasileiro, mas de toda a América Latina. Considerada, neste momento, como uma área
com grandes problemas sociais e de desenvolvimento econômico, a América Latina e, em
especial, o Brasil, eram vistos como uma outra ilha distante das possibilidades que a
Europa oferecia ao capital norte-americano. A morte de Getúlio era considerada como uma
reação à campanha subterrânea, encabeçada por alguns grupos internacionais (como a
Standard Oil, a Royal Dutsch Shell e a Atlas-Dresser
163
), aliados a outros nacionais (dentro
da Forças Armadas e às classes tradicionais ligadas ao comércio de exportação e
importação) revoltados contra a proibição de remessas de lucros para o exterior, bem como
o monopólio estatal sobre o petróleo.
164
Com Getúlio morto, o vice-presidente João Café
Filho assumia a presidência da República. De acordo com os preceitos legais, regidos pela
Constituição de 1946, ele cumpriria a sua função até que fosse declarada nova eleição.
Dentro de um cenário perturbador provocado pelo suicídio de Vargas, a UDN procurava
aproveitar a quase inexpressiva participação do partido político (PSP – Partido Social
Progressista) do novo presidente para expandir consideravelmente a influência udenista na
162
Brigadeiro Rube Canabarro Lucas, que fora comandante das bases de Parnamirim-Natal e Fernando de
Noronha nos anos de 1945 a 1947, em entrevista a RádioPress em Porto Alegre (02.02.1957), a respeito da
concessão do Arquipélago de Fernando de Noronha à instalação da base americana em 1957.
163
Que ao contrário do que acontecia na Argentina cujas facilidades aos investimentos estrangeiros, as
remessas de lucros para o exterior e os contratos para a exploração do petróleo argentino, Vargas
regulamentava esses investimentos estrangeiros a fim de coibir as excessivas remessas de lucros para o
exterior. MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brasil, Argentina e Estados Unidos conflitos e integração na
América do Sul (da tríplice aliança ao MERCOSUL 1870 - 2003) – Rio de janeiro: Renavan: 2ª edição, 2003.
pp. 262.
164
Idem, pp. 262.
71
área política. Juscelino relata em suas memórias que, Café Filho, “confundindo os militares
udenistas com as Forças Armadas, deu apoio irrestrito a essa minoria. Acreditava-se que,
assim agindo, estaria assentando em bases sólidas o seu governo”.
165
A gestão Café Filho era caracterizada pela abertura econômica absoluta ao
capitalismo internacional e pelo retorno ao alinhamento automático em relação à
diplomacia americana, como víamos acontecer em 1946, com o governo de Eurico Gaspar
Dutra, quando o Brasil tendia a agir “quase como um servo enquanto o seu senhor discute
com o adversário”
166
(Mesmo não recebendo um centavo dos Estados Unidos durante os
cinco anos em que governara o Brasil). Na gestão Café Filho, o discurso em torno de
conseguir algo para o desenvolvimento econômico brasileiro nas relações com os Estados
Unidos era (re)significado em nome de ser, o Brasil, um país de tendência econômica
liberal e que adotaria a agenda de segurança e o desenvolvimento proposta a todo
hemisfério que, no nosso caso, seguia os passos do governo de Washington (A ‘barganha’
nacionalista do tempo de Getúlio, desaparecia em nome de um liberalismo econômico
extremado). Nessa perspectiva, a ideia de segurança nacional, associada à noção de
desenvolvimento recebeu sua forma acabada na Escola Superior de Guerra (ESG), tendo
como linhas gerais um desenvolvimento alcançado através da afirmação da segurança,
devido ao posicionamento do mundo livre liderado pelos Estados Unidos
167
, como também
ao papel de formar “uma elite capaz de elevar os níveis de representação política e
administrativa do país”, cuja “principal finalidade [era] estudar objetivamente os
problemas de Segurança Nacional”.
168
Os historiadores Thomas Skidmore (1975) e Silva & Carneiro (1983) compreendem
o suicídio de Vargas e a posse de JK como um período em que as altas patentes militares,
embora desconfiadas do novo estilo populista adotado por Juscelino Kubitscheck, não
estavam preparadas para dar o poder novamente aos getulistas, uma vez que, para aqueles,
Juscelino apresentava, em sua essência política, ser um seguidor do jeito de ser populista
de Getúlio, reforçando assim, o significado desse retorno para a UDN (liderada pelo
jornalista Calos Lacerda) como a permanência daquela Era. Por isso, esses dois grupos
165
SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Juscelino Kubitschek: 19º presidente do Brasil (1956
– 1961). Rio de Janeiro: Grupo de comunicação Três, 1983 (Coleção os Presidentes). pp. 47.
166
MONIZ BANDEIRA. pp. 433
167
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. In: o Brasil Republicano. Org. Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida
Neves Delgado. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. pp. 205.
168
Diário de Pernambuco, 24 de maio de 1956 - Para tanto, a ESG reunia militares e civis capazes de
proteger a soberania brasileira e, portanto, “o Brasil pode confiar com segurança” (professor Soares de Mello
em entrevista para o Diário).
72
políticos (militares e udenistas) estavam empenhados na necessidade de o candidato por
eles proposto à presidência da República obter a maioria absoluta dos votos do eleitorado
no país
169
, nem que para isso fosse necessário um caminho extralegal.
Acalmado o período de conspirações e contragolpes presenciados durante o mês de
novembro de 1955 (período posterior às eleições), Kubitschek e Goulart se esforçavam por
assegurar posições centristas e demonstrar que o temor de seus inimigos por um retorno ou
permanência do populismo da Era Vargas era sem fundamento:
Cada vez mais os agentes da desarmonia social, os inimigos da paz entre
brasileiros [iam] sendo reduzidos... Os elementos que respiram e se realizam
nos ambientes crispados das agitações estão sendo isolados cada vez mais pela
reação do bom senso e pela índole cristã.
170
Goulart, por outro lado, tratou de negar quaisquer ligações com os comunistas,
pecado de que sempre o acusavam. “E que estas inverdades contra o governo de JK, de ser
um governo aliado dos comunistas, era uma forma de desmoralizar a sua administração”.
171
Preocupação esta também explícita pelo presidente Eisenhower, já que esse não queria ver-
se aliado a uma gestão de ideologia contrária à do mundo livre. A “melhor resposta a
ditadura e a tirania soviética”
172
, na visão de Nixon, estava
na verdadeira democracia de um povo, trabalhando paulatinamente, porém,
com segurança pela consecução do aumento do poder aquisitivo de todos,
salários mais altos, uma economia sadia e cada vez mais perfeita.
173
E para se opor ao desejo que a União Soviética tinha de “estabelecer relações
comerciais com o Brasil”
174
era “preciso (...) não [se deixar] iludir pelas falsas promessas
soviéticas”
175
, ainda completava o Secretário de Estado norte-americano, mês depois, a
respeito do mundo livre promover uma ofensiva contra as táticas de penetração Russa,
principalmente, na América Latina. Diante dessas declarações, Juscelino tratou logo de
ponderar esses problemas, alegando que os planos e projetos propostos por ele e por seu
169
SILVA & CARNEIRO, op. cit. pp. 59.
170
Diário de Pernambuco, domingo, 18 de março de 1956 JUSCELINO: o povo brasileiro anseia por um
ambiente de paz e harmonia.
171
Diário de Pernambuco, 05 DE JUNHO DE 1956.
172
Diário de Pernambuco, sexta-feira, 03 de fevereiro de 1956 - Nixon em discurso proferido numa visita
feita ao Brasil quando se deu a Conferência Nacional dos Trabalhadores da Indústria.
173
Idem – Contribui o trabalhismo no Brasil para uma sólida economia nacional.
174
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 29 de março de 1956 OFENSIVAS CONTRA AS TÁTICAS DE
PENETRAÇÃO RUSSA.
175
Idem – SOLIDARIEDADE CONTINENTAL.
73
vice estavam diretamente ligados aos baixos níveis de vida da população, e que
“inverdades”
176
levantadas sobre o seu governo ser comunista “não era, pois uma questão
policial, de repressão. Suas raízes eram mais graves”.
177
Estavam alocadas na necessidade
“generalizada de banir a miséria do (...) país”.
178
Neste sentido, a ideia de vincular os comunistas a Kubitschek servia como um
recurso para acentuar a insegurança e desconfiança dos eleitores, principalmente entre a
classe média, contra a sua candidatura. Entretanto, pode-se perceber algum apoio, haja
visto que o vice-presidente eleito, João Goulart, construía a sua postura para tal. Membro
do PTB e com uma boa relação com os sindicatos brasileiros, esse perfil do comunismo
presente na presidência brasileira era divulgado e tomado como algo diabólico.
179
Contudo,
havia pressa em fazer com que a imagem de uma administração pautada no nacional-
desenvolvimentismo não fosse classificada como negativa, principalmente entre grupos das
Forças Armadas, “guardiã da integridade e soberania da democracia brasileira”.
180
Isso, se
pensarmos na inviabilidade de comunistas serem considerados patrióticos e nacionalistas,
para os grupos políticos brasileiros mais conservadores, que os construíam como traidores
da pátria e da constituição.
181
O PTB reafirmava sua natureza democrática e repudiava a
sugestão de que o endossamento da chapa Kubitschek-Goulart pelo PCB envolvesse
qualquer barganha política. Os poderes do estado de sítio foram exercidos discretamente,
com intermitente censura à imprensa, continuando até a posse deles em 31 de janeiro de
1956 e sendo abolido em 15 de fevereiro.
182
O resultado eleitoral indicava que quem quer que fosse eleito presidente em outubro
de 1955, enfrentaria um Congresso com a mesma complexidade política substancial
176
SILVA & CARNEIRO, op. cit. pp. 79.
177
Idem.
178
Diário de Pernambuco, 10 de janeiro de 1956 COMBATE A INFLAÇÃO E CRESCIMENTO
ACELERADO DA RIQUEZA NACIONAL.
179
NASCIMENTO, Grazielle Rodrigues do. Segurança Nacional e Guerra Fria na mídia impressa
pernambucana, no final dos anos de 1950. In: Anais do XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo:
ANPUH/UNISINOS, 2007. pp 02.
180
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 24 de maio de 1956 – A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA.
181
Marieta de Moraes Ferreira em seu livro, João Goulart: entre a memória e a história, tenta desconstruir e
indagar uma memória, construída de “forma depreciativa”, em torno da imagem que se fez de João Goulart.
Ela põe em discussão a falta de pesquisas que acabam favorecendo essa idéia e reforçando uma outra
memória vista como positiva e de sucesso que se fez em torno da personagem de JK, até então tido como
“um líder maior da história brasileira” e mbolo de uma era definida como “anos dourados”. Estas imagens
em torno de João Goulart reforçam o pouco interesse em pesquisá-lo, o que nos faz cair na armadilha de vê-
lo apenas como uma figura importante para a esquerda brasileira, não ressaltando a sua participação nas
decisões que levaram o Brasil a embarcar na órbita das relações internacionais, principalmente com os EUA.
182
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 15 de fevereiro de 1956.
74
daquele que Vargas havia enfrentado.
183
Quando a campanha começou, especulava-se em
torno das possibilidades que teria JK de unir os dois elementos da sua aliança: os chefes
políticos de bases rurais do PSD e os eleitores urbanos do PTB. Juscelino não poderia
apelar para os sentimentos nacionalistas do eleitorado urbano sem correr o risco de
provocar os militares antigetulistas, pois havia grande diferença entre a campanha imposta
por ele, com base na “aceleração da industrialização do Brasil”.
184
Kubistchek foi eleito pela maioria com uma percentagem total de votos em torno de
36%. No entanto, era significativamente menor do que a representatividade de Vargas, em
1950 (49%), ou a de Dutra, em 1945 (55%). Agora a questão girava em torno da legalidade
ou não desses eleitos assumirem ao cargo de presidente e vice. Carlos Lacerda apelava ao
golpe no intuito de que os novos presidente e vice não concretizassem a sua vitória
eleitoral, e incitava para quem tivesse “a força capaz de fazer algo em prol do patriotismo e
contra os comunistas”.
185
Mas nada adiantou: Logo terminadas as eleições, o novo
presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, saía em comitiva pelo mundo, dando início à
sua política desenvolvimentista.
JUSCELINO NA PRESIDÊNCIA:
Em 1956, o Diário de Pernambuco trazia em suas manchetes a posse de um novo
presidente brasileiro e a retomada da cooperação amigável”
186
que existia entre os
governos dos Estados Unidos e do Brasil. Construída na realidade da Guerra Fria, a nova
ordem mundial era vista como um dos indicativos para que se estabelecessem áreas de
influências econômicas na divisão feita pelos chamados “mundo livre e mundo soviético”
187
, dentro da América Latina, como se a América Latina fosse um grande bolo a ser
retalhado. Mais a frente, outras manchetes (como uma segunda notícia de escala
internacional) tinham como tema o comunismo, os seus efeitos pelo mundo e as medidas
tomadas pelos capitalistas para combatê-lo. Isso incomodava ao governo soviético que
183
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. pp.
183.
184
Idem pp. 185.
185
Ibidem.
186
Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1956.
187
Diário de Pernambuco, sexta-feira; 03 de fevereiro de 1956 - Expressões utilizadas pelo DP ao noticiar as
influências estadunidense e russa no mundo.
75
respondia acusando o governo de Washington de promover “as tensões mundiais”.
188
Estas
informações da Guerra Fria circulavam na sociedade pernambucana em confluência a um
clima de esperança para o desenvolvimento do Brasil com Juscelino Kubitschek na
presidência.
A tentativa de vincular a presença comunista com a figura do novo presidente eleito
ainda rondava os discursos udenistas e de alguns grupos dentro das Forças Armadas. Numa
entrevista concedida ao Diário de Pernambuco, em 08 de janeiro de 1956, Kubitschek
havia falado que “pessoalmente não tinha compromisso algum com os comunistas e não
tinha feito qualquer pacto com eles [durante] a campanha eleitoral”.
189
“O partido
comunista tinha já pouca força antes de ser posto fora da lei e que esta força [está]
declinando à medida que se desenvolve a economia do país”.
190
JK buscava tornar o governo limpo dessa influência como forma de garantir
segurança ao capital estadunidense nas relações econômicas com o governo brasileiro,
que havia o receio, por parte dos Estados Unidos, em viver sob o risco de uma aliança
soviética com o Brasil. Para JK, a relação partidária com os comunistas (no caso o PCB
brasileiro) poderia prejudicar os seus planos em escalas internacionais. Ele havia sinalizado
intenções (quando saiu em comitiva pela Europa e EUA) de abertura ao capital estrangeiro,
percebendo a possibilidade de adquirir investimentos para o Brasil, a partir do interesse
americano em “ocupar militarmente” a Ilha de Fernando de Noronha, tornando-a moeda às
barganhas possíveis ao Brasil numa negociação como esta (mesmo JK argumentando o
contrário).
A inquietação em torno das possibilidades postas ou pensadas para o Brasil seja
interna (acelerar o desenvolvimento econômico, implantando novas indústrias e siderurgias
e integrar a nacionalidade, construindo estradas e uma nova capital para o Brasil) ou
externa (com a Operação Pan-Americana (OPA) que visava à multilateralização das
relações interamericanas) era analisada não apenas pelos líderes mundiais, mas também
pelas forças políticas brasileiras, que se dividiam e se exprimiam por entre grupos das
Forças Armadas mais conservadoras, uma extrema esquerda, os intelectuais do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros e os liberais. Vivíamos entre o limite do comunismo e o do
capitalismo liberal, seguindo as diretrizes dadas por uma política que resultava da relação
188
Idem ACUSAÇÕES AOS ESTADOS UNIDOS/ NOVA CARTA DE BULGANIN AO PRESIDENTE
EISENHOWER.
189
Diário de Pernambuco, domingo; 08 de janeiro de 1956 – OS COMUNISTAS E O GOVERNO.
190
Idem.
76
conflitante entre russos e americanos. O mundo, até então na ordem da Guerra Fria
191
,
experimentava a geopolítica sinalizada na IV Reunião de Consulta (conferência de
Washington DC, 1951), em que algumas decisões visavam aos rumos políticos
assistencialista da latino-América para o seu desenvolvimento (como o programa do Ponto
IV) e o desenvolvimento, nos países aliados, de políticas de contenção ao comunismo.
O Ponto IV era “um programa de assistência técnica com escopo de auxiliar o
Brasil a ajudar-se a si mesmo”.
192
Era “um órgão permanente do departamento de Estado
norte-americano que [agia] em cada país que a ele [recorria] sob o título de United States
Operation Mission”.
193
E entender “o ajudar o Brasil a se ajudar”
194
, dada como explicativa
pelo professor e economista Vila Alvarez ao novo programa assistencialista, partia da ideia
da abertura de linhas de investimentos ao capital estrangeiro; cobertura cambial externa
para importar maquinarias nas indústrias que fossem montadas, e isenção fiscal a esses
investidores estrangeiros.
195
A ideia de o Brasil ser um “aliado fiel” ao governo de Washington estava fundada
na convicção de que “o fortalecimento econômico sob a liberdade pode ser conseguida
muito melhor quando as nações livres trabalham juntas visando ao benefício mútuo dos
seus povos”
196
em favor da segurança do hemisfério. Para o coordenador do programa,
John B. Hollister, fortalecer economicamente as nações livres podia ser entendido como
uma estrategia que garantia a liberdade dessas nações livres do comunismo. Nada mais
conveniente, então, que arregimentar a defesa em contrapartida a largos investimentos ao
Brasil.
Quando se dá o início do governo de Juscelino (1956) também é sinalizado o
retorno da “velha barganha nacionalista” através da OPA (Operação Pan-Americana). A
diplomacia brasileira voltava a ganhar ‘cores nacionalistas’ e o desenvolvimento brasileiro
voltava a readquirir sua importância estratégica, empolgando e mobilizando parte da
sociedade brasileira. A OPA objetivava atrair a atenção dos Estados Unidos para a
América Latina e obter maiores créditos nos marcos do sistema interamericano. Pretendia
191
Que era uma guerra também de caráter psicológico e que deixava o mundo em um alerta constante a
deflagração de um 3º conflito mundial.
192
Diário de Pernambuco, 26 de maio de 1956 SERIA INSTALADO NO RECIFE O ESCRITÓRIO DO
PONTO IV.
193
Idem – MAIOR ASSISTÊNCIA A ÁREA SUBDESENVOLVIDA DO PAÍS.
194
Ibdem - No dizer do economista Fernando Villa Alvarez.
195
NASCIMENTO, pp 03.
196
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 02 de fevereiro de 1956 Foi o que declarou no Rio de Janeiro o Sr.
John Hollister, Diretor do Ponto IV.
77
incrementar os investimentos nas regiões economicamente atrasadas do continente,
compensando a escassez de capital e promovendo a assistência técnica necessárias à
produtividade.
197
Juscelino imaginava um espetacular programa de desenvolvimento
econômico que minimizaria os problemas críticos da miséria humana, responsáveis pelo
fomento da inquietação política na América Latina. O governo Eisenhower pouco se
mostrou interessado pelo assunto.
198
Em discurso à nação e aos representantes
diplomáticos dos Estados americanos no Rio de Janeiro, em 1958, JK falava que a posição
brasileira quanto à Operação Pan-Americana era:
apenas colaborar, na medida de suas forças, para um entendimento geral e
efetivo entre os países irmãos do continente. Nada pleiteia para si,
isoladamente, nem haverá, nas gestões especificas da Operação iniciada,
cabimento para conversações bilaterais. Não há, nesta comunidade de nações
livres, pretensão a liderança que logre resultados fecundos e duradouros.
199
E de um modo geral, a possibilidade de o governo brasileiro combater os problemas sociais
mediante projetos de desenvolvimento econômico era uma tentativa de “eliminar a sua
grande chaga: o subdesenvolvimento”.
200
E “não se poderá prestar maior serviço ao ideal
pan-americano do que o de tentar”
201
, mesmo com recursos norte-americanos. Dentro de
todo esse panorama desenvolvimentista ora esboçado, a Ilha de Fernando de Noronha se
prestava a ser um instrumento para barganhar algo do lado americano. Como ela seria
agraciada pelas colaborações existentes entre brasileiros e norte-americanos? E a que
destino se prestava? São alguns dos questionamentos que rondam a funcionalidade e a
participação do arquipélago neste inicio de governo juscelinista.
Concretamente, não podemos dizer se houve ou não algum plano ao
desenvolvimento insular. A funcionalidade de Noronha era vista com base na defesa e
posse territoriais, que se direcionavam às rotas de defesa ao comércio marítimo do
atlântico, bem como à contenção da expansão comunista, e assim, garantir que as águas
que banhavam os litorais de lá (EUA) e de (Brasil) podiam ainda conceber
tranquilidade, encontrando-se longe da influência russa. Nesse ambiente internacional, a
política interna brasileira, que tinha como escopo o desenvolvimento industrial, criava um
197
VIZENTINI, pp. 205
198
PARKER, Phyllis R. 1964: o papel dos Estados Unidos no golpe de estado de 31 de março de 1964. trad.
Carlos Nayfeld. Civilização brasileira. Rio de Janeiro, 1977. pp 16
199
Discursos 1958: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1959 - RJ, 20 de junho de 1958. pp.
243.
200
Idem. pp. 243.
201
Ibidem.
78
ambiente favorável à capitalização de recursos do estrangeiro, especialmente vindo dos
Estados Unidos. Em nome da segurança hemisférica e a salvaguarda das democracias,
Brasil e Estados Unidos se lançavam numa nova ordem das relações internacionais, em que
os nacionalismos de ambas as nações se tornavam uma constante. Para Ayerbe (2002), as
posturas nacionalistas adotadas por alguns governos e movimentos era uma das
preocupações que o governo de Washington tinha quando se referia à América Latina, no
início da Guerra Fria. Esses acabavam adotando uma perspectiva “equidistante” da
influência dos EUA, que tomavam como base uma política de afirmação nacional. Em
caso de uma guerra com a União Soviética, poderiam sofrer um boicote por parte desses
governos, sindicatos e demais movimentos, em que a infiltração de ideias antiamericanas
poderia ser decisiva
202
, mas no caso do Brasil podia ser diferente. O posicionamento
adotado por Juscelino era demonstrado na cessão de Noronha aos americanos, que se
prestava ao argumento de “proteger o mundo livre contra ditaduras autoritárias que visam à
escravização da democracia”
203
, numa pretensão, talvez, de barganhar o desenvolvimento
do restante do país e a execução do programa de plano de metas prometidas durante a
campanha eleitoral.
JUSCELINO E O SEU NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO:
Terminada a Segunda Guerra, em agosto de 1945, o cenário político entre os anos
de 1946 a 1956 é marcado por dois projetos distintos: um liderado pelo grupo considerado
“nacionalistas” e outro pelos “entreguistas”. Estas adjetivações utilizadas por alguns
estudiosos caricaturavam os últimos sob a alegação de entregar partes do território
brasileiro ao capital estrangeiro. Para Vizentini (2003), por exemplo, esses dois grupos
marcavam um momento das políticas externa e interna do Brasil com disputas permeadas
de avanços e recuos sob o eixo da relação com os Estados Unidos. Ao primeiro grupo, o
ponto de interesse era a autonomia do país frente aos Estados Unidos, com o intuito de
impulsionar o desenvolvimento industrial, calcado na perspectiva de reformas sociais,
inspirados na CEPAL (comissão econômica para a América Latina da ONU) e na ISEB
(instituto superior de estudos brasileiros); e o segundo grupo, apoiado na filosofia e
202
AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo:
editora UNESP, 2002. pp. 81.
203
Diário de Pernambuco, 29 de março de 1956 – A RÚSSIA ENCORAJA O SURGIMENTO DOS
DITADORES.
79
ideologia da Escola Superior de Guerra (ESG), bem como no liberalismo econômico que
seguia alinhado com a agenda de segurança defendida pelos norte-americanos.
204
Ao contrário do que víamos acontecer no tempo de Dutra, como no pouco período
de Café filho, em que o desenvolvimento do Brasil seguia um alinhamento irrestrito” à
política norte-americana, com Juscelino Kubitschek, o desenvolvimento do Brasil se vestia
de um nacionalismo “que tende a colocá-lo entre os demais países do mundo em condições
de falar de igual para igual, sem nenhuma subserviência, sem nenhum receio, sem nenhum
sentimento de inferioridade”
205
, cujos planos e metas ao posicionamento do presidente,
frente às relações com os Estados Unidos e com a própria América Latina, era em sentido
multilateral.
Depois de passados os primeiros momentos de seu mandato (logo quando assumiu
a presidência) e acalmados os nervos de “Wall Street”, Juscelino garantia milhões de
dólares para o desenvolvimento brasileiro, como os “35 milhões fornecidos pelo
EXIMBANK”
206
na visita de Richard Nixon, ao Brasil em fevereiro de 1956.
E tome de inaugurar a usina de Januária, em Minas, em outubro, e o açude de
Araras, no Ceará, em novembro; tocar a Belém-Brasília e abençoar o DKW-
Vemag, o primeiro carro a sair de nossas fábricas com 50% de peças nacionais.
Precisava tocar o plano de metas e não podia perder tempo. Que viesse o capital
não importava de onde.
207
Em troca, precisava o presidente fazer algumas concessões ao governo de Washington,
como a revisão do acordo dos minerais radioativos e a Ilha de Fernando de Noronha para
experimentos balísticos. É desse tempo que aquela terra brasileira no Oceano Atlântico
voltava a ser um dos temas de discussão na política internacional. uma retomada dos
pontos considerados geoestratégico para o combate do comunismo. Fernando de Noronha
entra como um dos palcos da Guerra Fria, quando os Estados Unidos, em concorrência
com a União Soviética pela tecnologia de mísseis teleguiados pleiteia a ilha aos planos
militares de experiências com mísseis de alcance intercontinental (os chamados
teleguiados), desenhando um dos momentos mais críticos, tensos e conturbados da assim
204
VIZENTINI, op cit. pp. 197.
205
Discursos - 1958: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1959 - no Rio de Janeiro,
comemorações do dia do trabalho, 1º de maio de 1957. pp. 104.
206
Diário de Pernambuco, 04 de fevereiro de 1956 Necessidade de Capitais Estrangeiros sem o caráter de
Usura ou Filantropia.
207
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. edição Rio de Janeiro.
Record, 1998. pp 27.
80
chamada Guerra Fria, produto de negociações que tiveram como resultado liberação de
empréstimos, de material bélico, etc.
208
Contudo, precisamos lembrar que o Nordeste do Brasil era a área que mais carecia
de investimentos. Visto como uma zona esquecida, a necessidade de uma política social de
combate ao subdesenvolvimento fazia dos movimentos políticos e sociais focos de
subversão aos olhos do governo de Washington. Mesmo criando programas
assistencialistas, como o Ponto IV em 1950 e a Aliança para o Progresso em 1961, o
problema estava na intensificação do desenvolvimento da região e não na “mendicância”.
A OPA de JK representava, precisamente, um protesto contra a desigualdade de condições
econômicas na latino América, uma advertência pública e solene no tocante aos perigos
latentes no atual estado de subdesenvolvimento da América Latina. Se os Estados Unidos
não alterassem sua política, a América Latina poderia se aproximar dos países comunistas.
O nacionalismo desenvolvido no governo de Kubitschek tinha uma forte tendência ao
desenvolvimento, que não se encerrava numa “paixão fanática, grosseira, deformadora,
imoderada”
209
, mas num “nobre amor” ao país, “que inspira o desejo de defendê-lo, servi-lo
e honrá-lo”.
210
O nacionalismo que convém ao Brasil é o que tende a colocá-lo entre os demais
países do mundo em condições de falar de igual para igual, sem nenhuma
subserviência, sem nenhum receio, sem nenhum sentimento de inferioridade.
Não é nacionalismo o que nos conduz a estender a o e implorar ajuda. O
Brasil não precisa mendigar. Se solicita apoio e colaboração de fora, tem
também o que oferecer.
O nacionalismo não é arma política, mas um estado de alma elevado, um
sentimento igual ao que os filhos devem dedicar aos que lhes transmitiram a
vida.
211
Por isso, não necessitava “ir à cortina de ferro”
212
, pois preferia “o lado de cá”
213
para o
desenvolvimento, se referindo aos acordos de cooperação firmados com os Estados
Unidos.
208
ROLIM, Tácito Thadeu Leite. “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a
ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Dissertação de mestrado em História Social
Ceará: Universidade Federal do Ceará, 2006. pp 86 e 163.
209
Discursos - 1958: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1959 - sobre a situação política e
social do Brasil. pp. 104.
210
Idem.
211
Ibdem.
212
Diário de Pernambuco, sexta-feira, 06 de janeiro de 1956.
213
Idem.
81
A TÁTICA DE COMBATE AO COMUNISMO:
Os pactos contra o comunismo e pela liberdade nos termos do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) de 1947 e no Acordo Militar Brasil -
Estados Unidos de 1952 já garantiam o combate a essas ideias, bem como a expansão da
ofensiva russa na latino América. Lançado o anticomunismo como arma de
propaganda”
214
, jornais, revistas, noticiários, etc., serviam como ferramentas legitimadoras
de discursos pró e contra a essas idéias.
Em 12 de janeiro de 1956, o Diário de Pernambuco trazia a seguinte manchete:
“TRAVA-SE FORTE COMPETIÇÃO ENTRE OS OCIDENTAIS E OS
BOLCHEVISTAS”.
215
O assunto girava em torno da competição econômica entre URSS e
Estados Unidos em assistir os países considerados “economicamente atrasados”.
216
Diante
do fato trazido pelo jornal, também constava uma carta enviada à Assembleia Geral das
Nações Unidas, enaltecendo e classificando as nações que compunham com os Estados
Unidos, o bloco do mundo livre, como Estados da União. “E a derrota na competição
contra a URSS poderia ser tão desastrosa como a derrota na carreira armamentista”
217
,
concluía o jornal.
Os EUA [podiam] triunfar oferecendo mais ajuda do que os comunistas e
convencendo ao mesmo tempo aos países atrasados de que não devem se afastar
da comunidade das nações livres (...) os EUA não pensam competir com a URSS
oferecendo sempre mais ajuda do que ela, mas obtendo créditos no Congresso
para assistir os países pouco desenvolvidos.
218
E tornar o Brasil um membro pertencente aos Estados da União fazia com que
estadunidenses e brasileiros ocupassem um discurso homogêneo e que seguiam a política
de contenção às idéias de teor comunista para o mundo. Para tanto, era necessário fazer
crer que essas idéias deveriam ser postas em dúvida, fazendo com que o cidadão, dito de
bem, não encontrasse um lugar comum dentro dessa concepção política. Assim, tornaram-
na estranha socialmente e ideologicamente, a ponto de construir uma verdade com base no
modelo capitalista liberal de tendência norte-americana. Era importante, no combate à
214
Diário de Pernambuco, sexta-feira, 11 de maio de 1956.
215
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 12 de janeiro de 1956 MAIOR AJUDA NORTEAMERICANA
AOS PAÍSES ECONOMICAMENTE ATRASADOS.
216
Idem.
217
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 12 de janeiro de 1956 – DECLARAÇÃO ENVIADA PELOS
ESTADOS À ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS.
218
Idem.
82
expansão dessas ideias, chamarem de mundo livre todo aquele território de democracia e
liberdade protegidas pelos Estados Unidos, e de “inimigos potenciais sem restrição
moral”
219
aos que se enquadravam à ordem soviética, como alertado por Nixon em matéria
publicada em fevereiro de 1956, sobre a União Soviética:
É potencialmente tão perigosa e sob certos aspectos ainda mais perigosa do que
um ataque militar contra o mundo livre (...) a coisa se resume atualmente no fato
do maior perigo com que o mundo se defronta não ser a derrota numa guerra
militar, mas a derrota numa Guerra Fria. Uma Guerra Fria na qual inimigos
potenciais sem restrição moral usam táticas políticas, econômicas e
psicológica... um país que se torna um satélite econômico da Rússia se tornará
inevitavelmente também um satélite político e militar.
220
Indo na contramão do discurso soviético em “estabelecer relações comerciais com o
Brasil”.
221
Quase um mês depois, o mesmo jornal exibia outra matéria em que a narrativa
trazia o anúncio do desejo que a URSS tinha em firmar comércio, não apenas com o Brasil,
mas com os países latinos que se mostrassem interessados em tal ato. A visita do primeiro
vice-presidente do conselho de ministros da União Soviética, Mikoyan, considerado “o
vendedor número um” da Rússia, anunciava “um vasto programa de desenvolvimento das
trocas econômicas entre a união soviética e os diferentes países latino-americanos”.
222
O
plano em oferecer aos países da América Latina “equipamento de empresas inteiras com
material soviético e o fornecimento de auxílio técnico sob a forma de especialistas e de
técnicos, ao passo que as nações interessadas se comprometeriam com a troca das suas
experiências mútuas”
223
, punha em alerta as autoridades norte-americanas e britânicas,
“redobrando seus esforços para deter o imperialismo russo”.
224
Neste sentido, podemos perceber que o Diário de Pernambuco cumpria com a
função de contra-propaganda aos russos e a favor dos norte-americanos. Não sabemos se
intencional ou não, essa postura do periódico fazia com que a Folha da Manhã e a Folha do
Povo os acusassem de “pasquim verde” a favor dos interesses estadunidenses chegando até
a chamá-lo de “boletim do consulado americano”
225
, pondo em xeque a idoneidade da
219
Diário de Pernambuco, 22 de fevereiro de 1956 - NIXON EXPÕE O PERIGO DA OFENSIVA
ECONÔMICA SOVIÉTICA.
220
Diário de Pernambuco, 22 de fevereiro de 1956.
221
Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1956.
222
Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1956 - OFENSIVA SOVIÉTICA SOBRE OS MERCADOS
LATINOS-AMERICANOS
223
Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1956.
224
Diário de Pernambuco, quinta-feira, 02 de fevereiro de 1956 GRAVE DENUNCIA SOBRE A UNIÃO
SOVIÉTICA
225
Folha do Povo, 08 de março de 1956 – BOICOTEMOS O BOLETIM DO CONSULADO AMERICANO.
83
informação. A imagem dos Estados que compunham o suposto mundo livre era construída
sob as bandeiras de integridade e liberdade democrática, essenciais à manutenção da ideia
de soberania nacional. As entrelinhas dos discursos, porém, versam pela segurança do
hemisfério contra a pecha comunista como se houvesse limite entre ser livre e ser moral.
Desde o ano de 1948, os países americanos articulavam a criação de um organismo
permanente que desse conta das relações políticas estabelecidas entre os países de todo o
continente americano. As vésperas da IX Conferência Internacional dos Estados
Americanos, a hostilidade norte-americana ao comunismo na América Latina tornou-se
explícita, inclusive, na confecção da ata final da conferência.
226
A simples existência de
partidos políticos comunistas representava uma ameaça à segurança do hemisfério
ocidental. O Brasil, numa demonstração de fidelidade aos princípios norte-americanos de
defesa e, baseado no que havia sido estabelecido no Acordo militar de 1944 e no TIAR
sobre segurança, não teve nenhuma dificuldade em apoiar as resoluções contra o
comunismo internacional.
227
Ao estabelecerem a OEA (Organização dos Estados
Americanos), alguns governos latino-americanos imaginavam que este órgão conseguiria
criar um ambiente de diálogo mais fácil com os Estados Unidos, como também um lugar
possível de conferir maior poder de decisões aos latinos. Na realidade, o sistema
interamericano instituído em Bogotá constituía apenas um pedaço de um sistema de poder
mais vasto, que seguia o grande sistema de hegemonia americana. A obsessão com a
ameaça comunista levou a conferência a considerá-la um fator de agressão ao sistema
interamericano como um todo.
228
Tida a OEA por Vizentini (2003), como um
desdobramento do TIAR, ambos eram constituídos por elementos decisivos à compreensão
das relações dos Estados Unidos com a América Latina. Como organização regional, a
OEA institucionalizava a versão pan-americanista desenvolvida pela doutrina Monroe (da
América para os americanos)
229
e constituía um elemento valioso para a diplomacia
americana de manter sob controle a política do continente.
De acordo com o professor
Demetrio Boersner, estudioso das relações internacionais, o TIAR e a OEA se baseavam
em quatro princípios jurídicos fundamentais: a não intervenção; a igualdade jurídica dos
226
BETHELL, Leslie & ROXBOROUGH, Ian (organizadores). Entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra
Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. pp 49.
227
Idem, pp 102.
228
MOURA, Gerson. EUA e América Latina São Paulo: Contexto, 1990 – (Coleção Repensando a
História). pp.45.
229
A Doutrina Monroe foi enunciada pelo presidente dos Estados Unidos em dezembro de 1823. Afirmava
na época, a posição dos Estados Unidos contra o colonialismo europeu e desenvolvia o pensamento de
Thomas Jefferson, segundo o qual "a América é para os americanos”.
84
Estados; o arranjo pacífico das diferenças e a defesa coletiva contra agressões.
230
Nos dois
primeiros, a defesa da soberania dos Estados é equação sine qua non aos planos de
segurança nacional; os outros dois enfatizavam a cooperação entre eles, administrados
dentro do sistema, pela potência hegemônica americana.
Em 1952, a ofensiva contra o comunismo se acentua. E em plena Guerra Fria, o
governo de Washington reforçava a cooperação brasileira contra a URSS na assinatura do
Acordo Militar de 1952. O tópico dos artigos e correspondiam às questões para
essa defesa, lançando o país no bloco capitalista, sintonizado com a agenda de segurança
da ONU, bem como, americana. A luta comum do Brasil e dos Estados Unidos era “a luta
em favor da liberdade do mundo”
231
e que toma a democracia como “a grande arma de
luta”.
232
Com os acertos ocorridos internacionalmente contra a expansão comunista, a
cessão da Ilha de Fernando de Noronha era apenas um questão de tempo. Institucionalizada
a ocupação de Noronha pelo Exército norte-americano desde 1952 (no Acordo Militar
assinado entre o Brasil e os Estados Unidos), as missões militares promovidas pelo
governo dos Estados Unidos eram autorizadas com objetivo de ocupar um vazio de guerra
que o Exército brasileiro não teria condições de sanar. A alta tecnologia bélica utilizada
pelos norte-americanos e russos, caso uma guerra fosse declarada, era um imperativo para
que as missões relevantes de defesa do hemisfério fossem concretizadas
233
e o combate ao
comunismo “se manteve acima da política em sua luta pela liberdade”.
234
JK NO HALL DO EXTERIOR:
Terminadas as eleições, em janeiro de 1956, Juscelino, partia em comitiva para
viagem entre os Estados Unidos e a Europa. O objetivo desta, segundo ele próprio relatava
em suas memórias, “era entrar em entendimento com os poderosos grupos financeiros, de
230
BOERSNER, Demetrio. In: Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. AYERBE,
Luis Fernando. São Paulo: editora UNESP, 2002. pp. 82.
231
Diário de Pernambuco, 04 de fevereiro de 1956 – LUTA COMUM DO BRASIL E EEUU.
232
Idem PRECONIZA JUSCELINO UMA NOVA FASE DE ENTENDIMENTO ENTRE O BRASIL E
OS ESTADOS UNIDOS
233
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário 4.314 Análise do Acordo Militar Brasil Estados Unidos , pelo
deputado federal Fernando Luiz Lobo Carneiro, Rio de Janeiro, 1952. - De acordo com análise realizada pelo
deputado Fernando Luiz Lobo Carneiro. pp 15 – 16.
234
Diário de Pernambuco, sexta-feira, 02 de março de 1956 - ACIMA DA POLITICA, NO COMBATE AO
COMUNISMO.
85
forma a interessá-los em cooperar no plano de industrialização que pretendia executar no
Brasil”.
235
Atrair a atenção do mundo inteiro sobre o Brasil, em especial, a atenção do
mundo econômico (...)
Espero estabelecer bases de colaboração com os governos das Nações amigas,
objetivo principal de minha administração.
236
Os planos de desenvolvimento econômico traçados para o Brasil por Juscelino
Kubitschek não foram motivo de euforia e interesses nos círculos financeiros e comerciais
dos Estados Unidos, que estavam mais preocupados em obter resultados com o Plano
Marshall
237
para recuperar a Europa pós-guerra. Silva & Carneiro (1983) destacam que JK
ao retornar ao Brasil, empossado presidente da República, ficara sabendo, através dos
técnicos do Conselho do Desenvolvimento, que inúmeros projetos elaborados pela
Comissão Mista Brasil- Estados Unidos haviam sido engavetados pelas autoridades norte-
americanas
238
, provocando, no presidente, certo ressentimento pelo fato de os americanos
não terem desejado montar fábricas de automóveis no Brasil, como a General Motors e a
Ford e “alegaram não ter mercado para a indústria automobilística”.
239
Fato diferente
ocorria com as firmas européias, como a Wolkswagen, que viam nas vantagens que JK
estava oferecendo “um ar provocativo”.
240
O país queria que os Estados Unidos desse o
mesmo “carinho monetário” que enviara à Europa e se isso não acontecesse, outra medida
seria procurar outros parceiros. “Sei lá, até os russos”.
241
No encontro dos presidentes em comemoração ao 130
0
aniversário do Congresso
do Panamá, em 1956, o mal-estar havia se instalado entre Juscelino e o governo de
Washington. Quando JK foi convocado para o encontro, relutou em aceitar comparecer.
Além do descrédito nos americanos, havia que considerar problemas internos no país, em
que a formação do ministério levava a um jogo de disputas partidárias entre o PTB e PSD
235
SILVA & CARNEIRO, op. cit. pp. 81.
236
WRZOS, Conrad. Juscelino Kubitschek: Estados Unidos – Europa. Livraria José Olympio editora. Rio de
Janeiro, 1960. pp. 17 e 18.
237
DIAS JÚNIOR, José Augusto & ROUBICEK, Rafael. Guerra Fria, A Era do medo. ed. São Paulo,
Ática, 1999. pp 16 - O plano Marshall tem as suas origens na Doutrina Truman e a idéia era fortalecer os
países da Europa Ocidental, cuja economia estava abalada pela guerra, para que tivessem condições de
resistir a eventuais avanços soviéticos. Além disso, foi organizada em 1949 uma aliança militar com o
objetivo específico de proteger a Europa ocidental da ameaça comunistas, através da OTAN.
238
SILVA & CARNEIRO, pp. 106.
239
MONIZ BANDEIRA. op. cit. pp 515.
240
SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Juscelino Kubitschek: 19º presidente do Brasil (1956
– 1961). Coleção os Presidentes. Grupo de comunicação Três. Rio de Janeiro, 1983. pp. 81.
241
SANTOS, op. cit. pp 25.
86
por cargos a serem ocupados
242
e, por conta desses fatos, sua posição ainda não estava bem
segura após os primeiros seis meses de governo. Silva & Carneiro (1983) ainda destacam
que a relutância de JK em aceitar o convite para ir ao Panamá produziu, de imediato, a
liberação de um empréstimo de US$ 152 milhões, atendendo a três projetos da comissão
Mista Brasil Estados Unidos: “a barragem de Três Marias, o reequipamento das
ferrovias, e a dragagem e reaparelhamento dos portos brasileiros”.
243
O estranhamento entre JK e o governo dos Estados Unidos fora resolvido quando
em discurso percebia-se a primeira vitoria juscelinista na barganha com os norte-
americanos. Pronunciava que o governo do presidente Eisenhower “não faltou a nenhuma
das combinações feitas” e que as conversas em Key West e Panamá resultaram “em coisas
positivas ao governo”.
244
O ano passado entraram para o Brasil mais do que em qualquer ocasião, em
financiamentos, cerca de 355 milhões de dólares, quantia ainda o superada
em época alguma. Além disso, os investimentos realizados no Brasil por capitais
norte-americanos sobem a 323 milhões de dólares, que, somados com os
financiamentos, vão a quase 600 milhões de dólares, entrados no Brasil no ano
passado. Seria inútil negar a evidência os norte-americanos são os nossos
melhores clientes - e este porto de Santos envia mar afora para os portos dos
Estados Unidos da América produtos que se transforma em divisas
indispensáveis à nossa existência de país cheio de necessidades para seu
desenvolvimento.
245
As afirmações são verdadeiras. O historiador Tácito Rolim (2006), em sua dissertação de
mestrado, ainda acentua que nunca houve tanto investimento nos finais da década de 50 no
Brasil como no governo de JK. Não foi apenas dinheiro que os norte-americanos enviaram
ao Brasil. Material bélico (por exemplo, navios, submarinos e aviões) era fartamente
cedido às Forças Armadas brasileiras.
246
Talvez isso também fosse resultado da cessão
e/ou interesse americano pelo arquipélago de Fernando de Noronha, dando um caráter
geoestratégico na relação entre as duas nações. O governo dos Estados Unidos via essa
possibilidade como forma de conseguir deslanchar o desenvolvimento tecnológico dos
experimentos balísticos de longo alcance, mesmo porque, como aponta Tácito Rolim
242
Diário de Pernambuco, quarta feira, 11 de janeiro, 1956 – FORMAÇÃO DO MINISTÉRIO.
243
SILVA & CARNEIRO. pp. 106.
244
Discursos – 1957: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1958, pp 31.
245
Idem.
246
ROLIM, Tácito Thadeu Leite. “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a
ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Dissertação de mestrado em História Social
Ceará: Universidade Federal do Ceará, 2006. pp 94
87
o ocidente estava ciente de que se os russos conseguiram colocar aquele objeto
enorme lá no alto, muito certamente poderiam substituir o satélite por uma
bomba de hidrogênio e despachá-la (no mesmo foguete que lançou o satélite)
para qualquer cidade americana.
247
E neste sentido, Kubitschek não pretendia preservar a parceria entre o governo
dos Estados Unidos e o brasileiro, mas ainda fortalecê-las.
Primeiro porque a opinião pública brasileira exige dos governos democráticos
em meu país (...) a velha e sábia tradição, mantida desde a nossa independência,
de considerar-se o nosso destino solidário com o destino das Américas, cuja
liderança, há mais de um século, tem cabido a esta grande potência.
Em segundo lugar, impõe-se reforçar as nossas relações, culturais e econômicas
por motivos inspirados em nossa própria segurança, pois somos parte do
mundo livre permanentemente ameaçado pela expansão das forças
totalitárias.
248
A segurança é, ainda, argumento decisivo para a relação entre brasileiros e
estadunidenses, evocada através de termos e tratados diplomáticos, cujo teor se erigia na
luta contra o comunismo soviético. Numa demonstração de que o Brasil estava alinhado
com a política norte-americana no combate ao comunismo, era celebrado o ajuste-decreto
da Ilha de Fernando de Noronha aos Estados Unidos, confirmando que “a grande resposta”
ao estado das relações do Brasil com os Estados Unidos.
249
melhor do que qualquer discurso [era] a assinatura do acordo para o
estabelecimento da estação de teleguiados em Fernando de Noronha; não
palavras, aliás, que signifiquem mais do que um ato como esse, (...), que traduz
essa convicção.
250
JK discursava certo de que a “convicção”, bem como a “consciência de que
estamos identificados numa mesma causa, que é a de defender a paz no mundo e a
integridade dos povos que desejam continuar livres”
251
, estava atrelada no estreitamento
das relações com os Estados Unidos.
Assim, essa nova geopolítica da Guerra Fria tornava a Ilha de Fernando de Noronha
alvo dos interesses estadunidense para a América do Sul. A base de teleguiados em questão
247
Idem. pp. 87.
248
WRZOS, PP. 48 – Grifos meus.
249
Discursos - 1957: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1958 - na associação comercial de
Santos sobre café, relações internacionais, investimentos estrangeiros e outras questões de desenvolvimento
nacional. pp. 30.
250
Discursos - 1957: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1958 - na associação comercial de
Santos sobre café, relações internacionais, investimentos estrangeiros e outras questões de desenvolvimento
nacional. pp. 30.
251
Idem, pp. 31.
88
era apenas o espelho das articulações e movimentações cio-políticas empreendidas pela
política externa brasileira e norte-americana, que tinha como fatores: tratados
internacionais com escopo a paz mundial e a segurança hemisférica; uma política
internacional a serviço do desenvolvimento brasileiro, e outra política interna, a serviço de
um nacionalismo disfarçado como balcão de negócios ao desenvolvimento econômico e
industrial, que elegiam o arquipélago de Fernando de Noronha como um dos palcos para a
Guerra Fria.
O AJUSTE DE CESSÃO:
Inserida a Ilha de Fernando de Noronha em um cenário político, no qual a relação
do Brasil com os Estados Unidos se entrelaçava com a tentativa de democratização
brasileira, bem como o esforço do governo por elevá-lo ao quadro de país em
desenvolvimento, tanto dentro como fora do eixo América Latina, a abertura incondicional
ao capital estrangeiro, em parceria aos investimentos norte-americanos, criava laços de
dependências entre Brasil e Estados Unidos ao longo do processo econômico, adicionado,
entretanto, com políticas que visavam à contenção do comunismo, para que tais políticas
não se espalhassem pelo restante do hemisfério, especialmente depois que Cuba faz a sua
Revolução em 1959.
Nesse sentido, de acordo com o que coloca SILVA (2007), o governo brasileiro
recebe incentivos econômicos e políticos do governo americano, que visava o combate às
ideias consideradas “perigosas”, especialmente as de cunho comunista. É dessa época a
grande iniciativa do órgão policial do Rio de Janeiro, o DESP Departamento Especial de
Segurança Pública, na criação de uma campanha de combate ao comunismo em todo
território nacional,
A Campanha foi batizada de Bandeira Nacional de Combate ao Comunismo e sua
produção deveria ser encaminhada para todas as delegacias do país que
estivessem necessitando de reforço no combate às idéias e ao avanço do comunismo.
Os cartazes eram acompanhados de normas para a sua distribuição, a ser
efetuada pelas delegacias, às quais caberia repassá-los para as organizações de
direita, os segmentos mais conservadores da Igreja.
252
252
SILVA, Marcília Gama da. Informação, Repressão e Memória: a constrão do estado de excão no Brasil na
perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: 2007. 264 folhas. Tese de doutorado em História
Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História.
89
Ilustração 14 - Imagem do Diretor da SSP do Rio de Janeiro, Amaury Kruel, discutindo os termos dos
acordos entre as polícias, os recursos e a linguagem que deviam ser utilizados pela polícia para
promover a contrapropaganda do comunismo em todo o território nacional. Apud SILVA, Marcília
Gama da. Informação, Repressão e Memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do
DOPS-PE (1964-1985). Recife: 2007. 264 folhas. Tese (doutorado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História.
Ilustração 15 - Modelos de cartazes contendo forte propaganda contra- comunista. Fundo:
SSP/DOPS/APEJE Nº. 27.472 –B. Apud SILVA, Marcília Gama da. Informação, Repressão e Memória: a
construção do estado de excão no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). – Recife: 2007. 264
folhas. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História.
A presença da Ilha de Fernando de Noronha nas negociações econômicas, nessa
época, pode ser vista como um capítulo a parte entre as diplomacias dos dois países ora
citados, quando a ideia de a ilha ser tomada como um ponto geoestratégico no Oceano
Atlântico vem sendo construída ao longo deste trabalho. A condição histórica de Fernando
de Noronha, desde o período colonial do Brasil até a fase de presídio no século XIX,
alertava sobre a região nordeste do Brasil (conjuntamente com a ilha) fazer parte de planos
para a invasão e a defesa destes territórios. Para a Guerra Fria do final da década de 1950,
90
o entendimento pode ser claramente percebido como ferramenta para o monitoramento e a
contenção do comunismo e, além disso, como uma via para garantir-lhes as áreas de
influências e consequente hegemonia no Brasil e entre os países da América do Sul, ponto
de interesse maior dos Estados Unidos, frente à disputa com a União Soviética.
Noronha, aos olhos americanos, era tomada como um dos modelos visíveis ao
poderio militar, cujo desenvolvimento dos mísseis teleguiados servia como resposta a sua
concorrente Rússia, de que essa tecnologia também se encontrava como ponta de lança aos
planos militares estadunidenses. Em uma troca de notas entre o governo dos Estados
Unidos e o do Brasil concernente à construção de um posto de observação dos projéteis
teleguiado
253
, encerravam-se as ilha de Fernando de Noronha, Júpiter, Grande Bahama,
Eleutera, São Salvador, Mayaguana, Grande Turco, República Dominicana, Mayaguez,
Antigua, Santa Lúcia e Ascenção, num cinturão de segurança “que se [estendia] quase em
linha reta através das Bahamas até as pequenas Antilhas”
254
, parte setentrional do Oceano
Atlântico.
253
Folha da Manhã, 20 de dezembro de 1956.
254
SHELTON, William Roy. Largada para o Infinito: história do Cabo Canaveral. São Paulo: Fundo de
Cultura S.A., 1963. PP 31.
91
Ilustração16 - Mapa localizador das 12 bases que tinham como função acompanhar os mísseis
teleguiados do Cabo Canaveral a Ascensão, passando pelas ilhas de Júpiter, Grande Bahama,
Eleutera, São Salvador, Mayaguana, Grande Turco, República Dominicana, Mayaguez, Antigua,
Santa Lúcia (no Caribe) e Fernando de Noronha no Oceano Atlântico. Podemos observar a trajetória
dos mísseis teleguiados, alta tecnologia de guerra para o período de Guerra Fria. Fundo
SSP/DOPS/APEJE-PE; prontuário nº 4.071; Diário de Pernambuco, 31 de maio de 1959.
Era uma demonstração de que as águas do Atlântico se encontravam sob a suposta
soberania e controle do mundo livre, pelo menos em termos de propaganda.
Aquela fortaleza de rochas perdidas na imensidão do Atlântico, deixa sua apatia
de ilha do terror. Esqueceu seu passado de prisões e mortes e ingressa, a passos
largos na era dos foguetes e das armas nucleares como a presença mais viva do
Brasil na harmonia mundial dos povos livres.
255
Neste sentido, e diante da conjuntura em que fora assinado o ajuste para a
instalação da base de teletipos, em um recorte de jornal do ano de 1957, esclarecia-se sobre
os objetivos da presença de norte-americanos na Ilha de Fernando de Noronha e as
obrigações que havia tanto para brasileiros como estrangeiros. O embaixador brasileiro
Macedo de Soares acentuava que o ajuste para a cessão de Fernando de Noronha aos
Estados Unidos seguia atos diplomáticos acertados no tempo da Segunda Guerra (como o
acordo militar de 1944) como também cumpriam outros assinados, especialmente o
255
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957 – FERNANDO DE NORONHA: exemplo das boas relações
entre o Brasil e os Estados Unidos.
92
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e o Acordo Militar de 1952. Com o
ajuste, o “país estava se preparando para a eventualidade muito provável de um novo
conflito mundial, no qual o nordeste brasileiro apareceria como primeiro palco de luta”.
Considerando que “somos uma nação aliada (...) só nos resta este caminho (...)
prepararmos para a Guerra”
256
, talvez, isto engendrasse o destino manifesto da sociedade
brasileira em proteger o hemisfério ocidental, caso essa guerra acontecesse, além de
justificar o porquê de não ser levado ao Congresso Nacional brasileiro para apreciação.
Contudo, a possibilidade de o Brasil tirar alguma vantagem para o seu
desenvolvimento ia à contramão do discurso nacionalista, vez que grupos contrários à
presença estadunidense na economia brasileira (como observado no periódico comunista
Folha do Povo) acusavam o Ministro Macedo Soares de entreguista, adjetivando-o,
inclusive, de ser um “ministro teleguiado”
257
, que ao Brasil iriam ser auferidas
compensações defendidas pelo ministro apenas como a necessidade de aparelhar o Brasil.
A compensação que o Brasil está pedindo aos Estados Unidos, no plano
econômico e militar (...) não se [tratava] de barganha conforme os comunistas
procuram insinuar. Apenas o governo americano reconhece que necessidade
de aparelhar o Brasil para a guerra e notadamente o nordeste (...) Diante dessa
possibilidade, as autoridades brasileiras não podem ficar de braços cruzados.
258
Mesmo contestado pelo Deputado Federal pelo PSD Dagoberto Sales, o argumento
utilizado tanto pelo embaixador brasileiro como pelas partes contratantes americanas
estava calcado em um discurso de defesa hemisférica e na necessidade de “reforçar a
defesa militar do nordeste”.
259
A ideia ou o temor de uma guerra se encaixava em Noronha
quando ela era considerada como ponto estratégico na geopolítica internacional, específica
para a América do Sul, e para tanto, era preciso guarnecê-la contra possíveis ameaças que a
movimentação comunista pudesse provocar. A instalação de um posto de observação de
teleguiados era um reconhecimento originário dos próprios americanos, que [reconheciam]
“a importância adquirida, no plano internacional, pelo nordeste brasileiro”
260
e era tanta a
certeza que tinham os Estados Unidos de serem atendidos que, antes mesmo de ser
assinado o ajuste, havia estado na ilha um vaso de guerra e técnicos norte-americanos, cujo
objetivo era estudar e delimitar o local que seria escolhido para a instalação da base, de
256
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957 – declaração do ministro Macedo Soares - esclarecimentos.
257
Folha do Povo, 1º de março de 1957.
258
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957 – declaração do ministro Macedo Soares - compensações.
259
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1957.
260
Revista do Nordeste, 07 de setembro de 1958.
93
segundo noticia publicada na edição do dia 10 de fevereiro de 1957, pelo Jornal vespertino
Folha da Manhã, no mês de fevereiro de 1957.
261
Ainda, de acordo com a matéria, o Jornal afirmava que “a verdade”
262
em torno da
cessão da ilha aos americanos estava provada numa fotografia publicada pela Revista
Manchete e que era uma afronta à soberania brasileira. O fato grave, afirmava o vespertino
pernambucano: “estavam desafiando o Itamarati a desmentir o documento fotográfico”.
263
Sete dias antes, a Folha do Povo publicava o discurso do presidente do Movimento
Partidário da Paz, Abel Chermont, que afirmava ser um ato condenável sob todos os
aspectos”
264
à cessão. Para o movimento, o Brasil acabava comprando uma “briga
desnecessária”.
265
Acabava entrando em problemas queo lhes pertenciam, como os
conflitos que estavam ocorrendo no Oriente Próximo e Médio, “onde os imperialistas
ianques pretendem substituir os ingleses expulsos pelos árabes”
266
, atendendo a Doutrina
Eisenhower
267
de segurança norte-americana, uma aplicação da Doutrina Truman
268
,
definindo “o suposto direito de intervenção dos Estados Unidos na vida dos países árabes,
a pretexto de livrá-los da agressão comunista”
269
e a própria disputa entre Estados Unidos e
União Soviética, vez que “o acordo assinado [fazia] da extensa região de nosso país, zona
potencialmente beligerante e vincula quase que totalmente nossas atividades internacionais
à política externa de uma grande potência”
270
(no caso estadunidense), na opinião do
jornal. O argumento levantado por Macedo Soares sobre a iminência de um novo conflito
mundial era “falsa”, bem como de “o nordeste brasileiro [ser] o seu principal teatro de
261
Folha da Manhã, 10 de fevereiro de 1957.
262
Idem.
263
Idem.
264
Folha do Povo, 03 de fevereiro de 1957.
265
Folha do Povo, 03de fevereiro de 1957.
266
Segundo o jornal A VOZ OPERÁRIA; Nº 401; Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 1957, pp 01.
267
Elaborada em resposta à possibilidade de uma guerra generalizada, o presidente dos Estados Unidos
anunciava ao congresso norte-americano, em janeiro de 1957, novas medidas de contenção a ameaça da
União Soviética. A Doutrina Eisenhower garantia o uso das Forças Armadas, mediante pedido, em resposta à
agressão efetiva ou iminente aos Estados Unidos, principalmente após presenciar o conflito de Suez. Os
países que tomavam posições opostas ao comunismo receberiam ajuda, sob diversas formas. A ação militar
da Doutrina foi aplicada nas a crise do Líbano no ano seguinte, quando os Estados Unidos intervieram em
resposta a um pedido apresentado por estes.
268
DIAS JÚNIOR, op. cit. pp 14-16 - Em 1947, o presidente dos Estados Unidos Harry Truman pronunciava
ao congresso nacional um conjunto de práticas em escala mundial, cujo objetivo era a conteção do
expansionismo comunista. À época, na chamada Guerra Fria, assumia o compromisso de "defender o mundo
capitalista contra a ameaça socialista". Estava lançada a Doutrina Truman e que propagou para todo o mundo
o forte antagonismo entre os blocos capitalista e socialista e servindo de base para o surgimento do plano
Marshall.
269
Jornal A VOZ OPERÁRIA; Nº 401; Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 1957. pp 02
270
Folha do Povo, 03 de fevereiro de 1957.
94
operações”. Os fatos internacionais (...) desmentem-na”
271
, concluía a matéria. Sugeria,
ainda, que em resposta ao “infamante acordo de cessão”
272
, “todos os patriotas democratas
e nacionalistas”
273
deveriam redobrar de “agora por diante [...] enormemente luta contra
semelhante ultraje aos nossos foros de nação soberana”.
274
Dentro desse cenário político em que as acusações pró e contra os teleguiados
275
se mostravam “estranhamente antagônicas”
276
eram iniciadas as negociações em torno da
Ilha de Fernando de Noronha, baseando-se no artigo 1º, inciso 1º do Acordo de Assistência
Militar de 15 de março de 1952. O Ministro das Relações Exteriores brasileiro José Carlos
de Macedo Soares e o Embaixador norte-americano Elllis O. Briggs trocavam notas para o
ajuste da ilha, a 20 de janeiro de 1957.
277
No dia 13 de março, a fim de dar execução ao
ajuste, era assinado pelo presidente da República, Juscelino Kubitschek, sendo referendado
pelos três ministros militares (da marinha Antônio Álvares Câmara jr, da guerra Henrique
Teixeira Lott e da aeronáutica Henrique Fleiuss), em forma de decreto (nº 41.142) a cessão
da Ilha de Fernando de Noronha. Vista pelo Deputado Federal Dagoberto Sales (PSD) não
como um “posto avançado por excelência da nossa defesa [no caso do Brasil]”
278
, como
declarava o Deputado Federal Pontes Vieira, mas objeto para “defesa do território
estadunidense”.
279
Não sendo recepcionado pelo Congresso Nacional, os termos que regiam o decreto
deixava a cargo do Exército, provisoriamente, os estudos, planos e providências
decorrentes do ajuste, cabendo ao Estado Maior do Exército as relações com as autoridades
nacionais e norte-americanas. Criou-se, para tanto, uma comissão, a COPRONE (Comissão
do Projeto Nordeste), que tinha como função a fiscalização e o monitoramento da base por
parte do governo brasileiro.
280
Era o exemplo que o governo de Kubitschek andava de
“boas relações”
281
com os Estados Unidos.
271
Folha do Povo, 03 de fevereiro de 1957.
272
Folha do Povo, 1º de março de 1957.
273
Folha do Povo, 1º de março de 1957.
274
Folha do Povo, 1º de março de 1957.
275
Jornal do Comércio, 12 de fevereiro de 1957 – TELEGUIADOS: PRÓ E CONTRA.
276
Idem.
277
Oficio do dia 14 de janeiro de 1964, E.M-1-D-2.
278
VIEIRA, Pontes. Reorganização Administrativa e Desenvolvimento Planificado de Fernando de Noronha.
departamento administrativo do serviço publico e instituto brasileiro de ciências administrativas. serviço
de documentação do DASP (Seção de Publicações). Departamento de imprensa nacional, RJ, 1958. pp. 12
279
Jornal do Comércio, 12 de fevereiro de 1957 – LANÇAMENTO E INTERCEPTAÇÃO.
280
Ofício do dia 07 de agosto de 1963, enviado ao comando do IV Exército em Recife, pelo secretário de
planejamento e cooperação Major Gustavo de Moraes.
281
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957.
95
A guerra percebida em Noronha fazia com que desenvolvimento, tecnologia,
‘teleguiados’, segurança e combate ao comunismo, configurassem características de um
cenário imbricado em relações de poder capazes de dar movimento ao estreitamento entre
brasileiros e norte-americanos em Guerra Fria. A salvaguarda da soberania do território
brasileiro era um imperativo de segurança, é certo, mas também era uma ferramenta
preciosa para o governo juscelinista conseguir executar os planos de metas para o
prometido plano de desenvolvimento 50 anos em 05. Para isso, a velha barganha
nacionalista, presenciada durante o pouco tempo que Getúlio ocupara pela vez a
presidência, era reativada com o escopo de desenvolver o país, que a “defesa do
capitalismo brasileiro era matéria de segurança nacional”.
282
A BARGANHA BRASILEIRA NO AJUSTE DE CESSÃO:
A barganha nacionalista era o cerne das negociações de Juscelino Kubitschek para
o desenvolvimento brasileiro, cuja representatividade da burguesia cosmopolita do Brasil
seguia os princípios da “industrialização a qualquer preço”.
283
Para JK, a ligação partidária
com os comunistas poderia prejudicar esses interesses, como também os planos para atrair
capital estrangeiro, principalmente estadunidense. A concessão da Ilha de Fernando de
Noronha foi, então, interpretada como forma de o governo ‘barganhar’ algo ao
desenvolvimento. Foi a única vez que o presidente dedicou parte de suas atenções à Ilha de
Fernando de Noronha, apesar de ele pronunciar que tinha “um velho desejo de conhecer
aquele recanto para que todos soubessem da existência de um governo que tinha os olhos
voltados para o país sem discriminações territoriais, nem políticas”.
284
Brasileiros e estadunidenses divergiam sobre as contrapartidas exigidas:
desenvolvimento e segurança. Enquanto o primeiro queria que os Estados Unidos
aprovassem sensacional política e se comprometessem em levar adiante gigantesco
programa de assistência a longo prazo aos países da America latina, o segundo desejava
apenas discutir projetos específicos, cooperação cnica e a forma de ampliar a corrente de
282
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os Anos de JK: industrialização e modelo oligárquico de
desenvolvimento rural. In: O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-
militar de 1964/ organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro:
civilização Brasileira, 2003. – (O Brasil Republicano; v3). pp 164.
283
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2007. pp. 537.
284
Diário de Pernambuco, 27 de junho de 1957 – VISITA DE JK À BASE DE TELEGUIADOS.
96
investimentos privados para as zonas menos desenvolvidas, sem, contudo, estimular a
proposta da Operação Pan-Americana (OPA).
285
As tensas negociações entre Brasil e Estados Unidos, faziam surgir acusações por
parte de alguns grupos, considerados nacionalistas, de que o acordo de cessão da Ilha de
Fernando de Noronha aos militares dos EEUU “era uma barganha do governo brasileiro
para conseguir empréstimos do governo americano, através do Eximbank”
286
, e “todos os
projetos que se encontravam em estudo foram resolvidos e o que é melhor,
satisfatoriamente”
287
, pronunciava o embaixador brasileiro, Almirante Amaral Peixoto,
com endosso do Ministro Macedo Soares de “que o Brasil nunca pensou em fazer
barganha, tendo, os entendimentos mantidos com o Eximbank, sido iniciados antes que se
cogitasse da instalação do posto”.
288
A Folha do Povo, jornal de tendência comunista, destacava como FALSOS
ARGUMENTOS” a justificativa que vinha sendo dada pelo governo sobre o assunto da
cessão da ilha, posto que o ajuste “comprometia aos destinos do nosso povo e golpeia os
anseios generalizados dos brasileiros”.
289
Contudo, não podemos simplificar a ideia de que a Ilha de Fernando de Noronha se
tornava um dos palcos da Guerra Fria para se prestar apenas ao combate do comunismo.
Os interesses norte-americanos iam além dessas fronteiras. Os focos de preocupação
estadunidense encontravam eco na garantia por adquirir matéria-prima estratégica para o
desenvolvimento nuclear e, até, o aprimoramento das indústrias de consumo básicos nos
Estados Unidos, como o Petróleo.
“Por sua posição geográfica, o arquipélago de Fernando de Noronha [encontrava-
se] a 500 km a oeste da rota dos teleguiados norte-americanos, que, do Cabo Canaveral,
demanda o Atlântico Sul”.
290
“O planejamento da política de segurança de um país em
termos de seus fatores geográficos”
291
inseria a ilha na corrida espacial no
desenvolvimento da tecnologia de guerra com o lançamento dos mísseis intercontinentais,
285
Ibidem pp. 529.
286
Folha do Povo, 29 de maio de 1957 NÃO PERMITAMOS QUE O SOLO NACIONAL SE TORNE
NUMA BASE MILITAR NORTEAMERICANA.
287
Jornal do Comércio, 12 de fevereiro de 1957 – O ALMIRANTE AMARAL PEIXOTO REVELA
NOVAS MINÚNCIAS DO ACORDO SOBRE FERNANDO DE NORONHA.
288
Serviço de Informação do Ministério das Relações Exteriores –- declaração do Ministro Brasileiro José de
Macedo Soares, em 20 de janeiro de 1957.
289
Folha do Povo, 03 de fevereiro de 1957 O BRASIL NÃO PRECISA SER CAUDATÁRIO DE
NINGUÉM.
290
Diário de Pernambuco, 31 de maio de 1959.
291
SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política nacional: o poder executivo & geopolítica do Brasil.
3ª ed. – Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981 pp 165.
97
alcançando longas distâncias e quebrando, assim, com a barreira do tempo e do espaço em
termos de conquistas licas, proporcionando, uma segurança maior para o hemisfério.
Noronha passava a fazer parte de uma outra rota do atlântico: a rota dos teleguiados
americanos.
A cessão representava uma “brutal violação da soberania nacional e grave ameaça
para o povo brasileiro”
292
, constituindo-se, portanto, em um “monopólio ianque que quer
apoderar-se de nosso petróleo, acelerar a pilhagem de nossas riquezas e tornar ainda maior
a dependência econômica e política do Brasil”
293
, declarava o vespertino comunista, uma
vez que “promessas de empréstimos para a realização de planos elaborados com a
participação de especialistas brasileiros, atuou simultânea e sincronizadamente com as
negociações secretas para o acordo militar. De fato, empréstimos vultuosos (notadamente
norte-americanos) começaram a afluir em nossa direção
294
, e não foi apenas dinheiro que
os norte-americanos enviaram ao Brasil: Material bélico (por exemplo, armas,
equipamentos, tanques, navios, submarinos e aviões) era fartamente cedido às Forças
Armadas brasileiras, pois cabia ao Brasil representar o papel de escudeiro americano no
Atlântico Sul, o que demandou um “aumento das verbas para a remessa de armas e
equipamentos norte americanos para o Brasil, em vista das maiores obrigações de defesa
assumidas”. Obras de modernização da infra-estrutura do estado (e do Nordeste) têm início
com o afluxo de capitais devido, aparentemente, à cessão da ilha aos norte-americanos,
apesar do Itamarati negar a relação entre um e outro.
295
Sem sombra de dúvidas, o sucesso e o pioneirismo no desenvolvimento da
tecnologia de experimentos balísticos (os mísseis teleguiados) pela União Soviética, era
um dos motivos pelo qual os Estados Unidos reivindicam a Ilha de Fernando de Noronha
como medida de proteção e segurança intercontinental. Contudo, o ajuste para que a cessão
fosse concretizada seguia leis internacionais assinadas com o término da Segunda Guerra
Mundial, como o TIAR e o Acordo Militar de 1952. Tal legislação esta que assegurava a
“paz e a harmonia” no mundo. Seu teor versava entre a assistência e a defesa mútua dos
países que compunham o hemisfério ocidental, considerados regimes democráticos e,
portanto, teoricamente livres dos ideais comunistas.
292
Folha do Povo, 12 de fevereiro de 1957.
293
Folha do Povo, 12 de fevereiro de 1957.
294
ROLIM, op cit. pp. 92.
295
Idem.
98
JUSCELINO NA ROTA DOS TELEGUIADOS:
Em 1957, o presidente Juscelino Kubitschek desembarcava na Ilha de Fernando de
Noronha com a missão de vistoriar o andamento das instalações norte-americanas para a
base de teletipos. Em declarações, no palácio São Miguel, sede da administração do
governo militar (TFFN) da ilha, enaltecia a colaboração existente entre o Brasil e os
Estados Unidos para defesa do continente e destacava que, “com a construção do posto de
observação dos teleguiados (...) sentiu-se feliz em comprovar que jamais existiu, nem
existiria, nenhuma quebra na soberania da pátria pelos norte-americanos na Ilha”.
296
Resposta dada àqueles grupos, conhecidamente como nacionalistas que o denunciavam em
não seguir “a política de defesa e manutenção da paz baseada no entendimento e
cooperação com todos os povos, sem quaisquer discriminações de ordem ideológica”
297
,
como havia prometido em época de campanha eleitoral para a presidência. A cessão da
Ilha de Fernando de Noronha, na opinião do jornal operariado, atendia ao plano “de
concessões à política de guerra e colonialismo dos círculos dirigentes dos Estados
Unidos”.
298
Juscelino tinha a sua ida a Fernando de Noronha, não como um simples passeio de
presidente da República, mas como argumento de que o governo “tinha os olhos voltados
para o país”
299
, independente da parte que o cabia em territórios. Por outro lado, a Ilha de
Fernando de Noronha se encontrava distante dos grandes investimentos que o programa de
Juscelino tinha para o desenvolvimento do Brasil, cabendo aos militares que a governavam
essa preocupação, mesmo com os poucos recursos que lhes eram destinados. Araújo
Cavalcanti, um estrategista econômico, trazia que o Território de Fernando de Noronha,
por representar “um ponto estratégico de fundamental importância para a federação
brasileira”, sem falar nas possibilidades quanto “à pesca e o turismo”, encontrava-se na
contramão do desenvolvimento do restante do país.
300
Noronha veio à tona, nas exposições do presidente JK, quando o ajustamento da
base norte-americana significou a possibilidade de barganha. Enquanto as promessas de
296
Jornal do Comércio, 27 de junho de 1957.
297
Jornal A VOZ OPERÁRIA; Nº401; Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 1957. pp 04.
298
Jornal A VOZ OPERÁRIA; Nº401; Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 1957. pp 03.
299
Jornal do Comércio, 27 de junho de 1957.
300
CAVALCANTI, Araújo. In. Reorganização Administrativa e Desenvolvimento Planificado de Fernando
de Noronha. Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências
Administrativas. serviço de documentação do DASP (seção de publicações. Departamento de imprensa
nacional, RJ, 1958. pp. 10.
99
Juscelino, no continente, giravam em torno do “binômio estrada-energia”, e “das grandes
obras e projetos’’
301
, Noronha continuava funcionando a óleo diesel.
Ilustração 17 – Imagem do Coronel Francisco da Costa, governador do TFFN (a esquerda), o Ministro
da Guerra General Henrique Teixeira Lott (no centro) e o presidente Juscelino Kubitschek (a direita),
tirada no momento em que o Coronel governador de Fernando de Noronha apresentava os projeto à
instalação americana e a assinatura do ajuste-decreto pelo presidente brasileiro JK. Fundo
SSP/DOPS/APEJE-PE; prontuário nº 4.071; Recorte do Jornal do Comércio, 27 de junho de 1957.
Juscelino, Lott e Fleiuss desembarcaram em Fernando de Noronha, no dia 26 de
junho de 1957 em visita rápida de inspeção para a instalação da base norte-americana e a
assinatura do ajuste que, no caso, tinha caráter de decreto presidencial.
302
Observavam
detalhadamente as realizações norte-americanas para a construção da base. Assinado o
ajuste-decreto, em 13 de março de 1957, as obras realizadas pela empresa americana
Johnes-Tompkins, sob a fiscalização da marinha dos Estados Unidos, foram concluídas
em dezembro de 1958. Nelas, trabalharam cerca de 150 norte-americanos e 250 brasileiros.
Após a sua conclusão, o posto foi entregue à orientação da Força Aérea Norte-americana
(USAIF), subordinada ao comando Centro de provas de teleguiados, com Quartel General
301
Discursos – 1957: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1958. pp. 102 e 103.
302
Seguindo o que determinava a constituição brasileira de 1946, no artigo 87: Compete privativamente ao
Presidente da República: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos
para a sua fiel execução”. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL; Capítulo III; do
Poder Executivo; SEÇÃO II - Das Atribuições do Presidente da República. Rio de Janeiro, 18 de setembro de
1946; 125º da Independência e 58º da República.
100
em Patrick Fiel, na Flórida. A operação do posto ficou a cargo de técnicos da Pan-
American e da Radio Corporation of America (RCA). A construção foi supervisionada por
um alto oficial da marinha norte-americana, tendo, ainda, como oficial de ligação, um
Coronel da Força Aérea Brasileira.
Terminada a visita, JK deixava Noronha (depois de ter passado pouco mais de duas
horas) prometendo amparar a todos os habitantes da ilha”
303
e reafirmava o desejo de
conhecer de perto todos os problemas brasileiros, “não através de relatórios, mas
diretamente, no contato com seu povo e suas necessidades”.
304
A cessão da ilha aos
Estados Unidos significava “os mais firmes propósitos de cooperação, trabalho e
colaboração”.
305
E o acordo de cessão visava “exclusivamente, proteger o hemisfério”.
306
Iniciadas as obras na base norte-americana, a fisionomia da Ilha de Fernando de
Noronha estava sendo “transformada e transtornada” segundo matérias na Revista O
Cruzeiro e no Diário de Pernambuco, em 1958. Transformada, pois, “o homem insular
simples e pacato voltou a defrontar-se em grau aumentado com um mundo de instalações
complexas e ultra-modernas de telemetria, eletrônica, transmissão e recepção”.
307
Transtornada, “porque se converteu do dia para a noite numa base de observação de
projéteis teleguiados intercontinentais”.
308
Para os pacatos habitantes da ilha, “os
teleguiados têm se constituído na grande novidade”.
309
A presença americana mudou-lhes a feição.
MILITARES AMERICANOS NOVAMENTE EM NORONHA:
Assinado o decreto pelo presidente Juscelino Kubitschek, era a hora de iniciar com
as obras de instalação dos equipamentos eletrônicos e de todo o complexo que facilitaria a
vida do visitante americano, numa ilha privada da modernização vista nas metrópoles fora
dali. E parecia até que “todos desejam a vinda dos norte-americanos, com suas grandes
maquininhas, com o dólar fácil, comprando tudo, com os uniformes alvos e as gravatas
303
Diário de Pernambuco, 27 de junho de 1957 - VISITA DE JK A BASE DE TELEGUIADOS.
304
Idem.
305
Diário de Pernambuco, 27 de junho de 1957 IMPORTÂNCIA DE FERNANDO DE NORONHA NA
DEFESA DO CONTINENTE.
306
Diário de Pernambuco, 11 de setembro de 1957 FERNANDO DE NORONHA, UM DOS 11 POSTOS
DE CONTROLE DE FOGUETES INSTALADOS PELOS EE UNIDOS, DESDE A FLÓRIDA.
307
Revista O Cruzeiro, 20 de setembro de 1958.
308
Diário de Pernambuco, 15 abril de 1958.
309
Jornal do Comércio, 29 de janeiro de 1957.
101
pretas, os sorrisos alegres e os nomes que as revistas e o cinema popularizaram”.
310
Tudo
era produto da aparência, se melhor analisarmos quem eram esses “todos”. Pois a chegada
desses estrangeiros causava um misto de indignação e sucesso para o Brasil. Indignação
por parte dos grupos nacionalistas que acusavam o governo brasileiro de ter perdido a sua
hegemonia dentro de seu próprio território, a exemplo do que escrevia a Folha do Povo: “a
ida dos americanos era a tentativa de aprovação do entreguismo”.
311
E sucesso por parte de
membros do governo juscelinista por terem cumprido com os tratados militares, bem como
a garantia de acesso ao capital norte-americano e/ou modernização dos equipamentos
militares brasileiros, a exemplo do que se lia na Folha da Manhã: “a base faz parte da
extensão do plano estratégico norte-americano e por isso não devemos romper com os
compromissos assumidos com os EUA”.
312
Contudo, a contrapartida da cessão por parte do
governo de Washington “nunca aconteceu”.
313
Os americanos não deram as
compensações prometidas em troca da ilha (...) embora tenham montado a estação de
controle e dela estejam se utilizando”
314
, segundo informações obtidas do Conselho de
Segurança Nacional pelo Jornal do Commercio, e, ainda, acentuadas pelo correspondente
da Revista Nordeste quando esteve de visita à ilha, um ano após a matéria do Jornal do
Comércio, de que “nada foi feito” em termos das promessas de “auxílios militares (...)
prestados ao Brasil para reaparelhamento das ferrovias, reequipamento motorizado do
Exército, instalação de unidades navais para patrulhamento costeiro, base de caça a jato
interceptadores”
315
, tão pouco a “prometida Rede de Radar, composta de estações de longo
alcance em Natal, Recife, Fortaleza, etc.”.
316
Essas cobranças imbricavam-se com inúmeras queixas feitas por alguns
parlamentares do congresso norte-americano sobre o custo em se manter a base em
território brasileiro (que chegava na casa de milhões de dólares). “A má vontade nos países
latinos contra os Estados Unidos, tem origem na excessiva ajuda militar para fortalecer as
posições dos ditadores”
317
, apontava o senador estadunidense, Wayne Morse
318
,
310
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957 - FERNANDO DE NORONHA DO FUTURO.
311
Folha do Povo, 29 de maio de 1957.
312
Folha da Manhã, 22 de fevereiro de 1957.
313
Revista do Nordeste, 07 de setembro de 1958.
314
Jornal do Comércio, 24 de dezembro de 1957 ATÉ AGORA OS EE UU NÃO CUMPRIRAM SUA
PROMESSA.
315
Revista do Nordeste, 07 de setembro de 1958.
316
Idem.
317
Diário da Noite, 01 de julho de 1959 EEUU RECLAMAM ALTO PREÇO PAGO POR FERNANDO
DE NORONHA.
318
Senador do Partido Democrata pelo Estado de Oregon. Votou contra a Guerra do Vietnã no ano de 1964.
102
acompanhado pelo senador Frank Church
319
. A chancelaria brasileira nada respondeu.
Apenas publicou em nota que “a escolha do sítio não fora feita pelo Brasil, nem foi o
Brasil quem propôs negócio. A escolha fora feita pelas autoridades da defesa dos Estados
Unidos”. Se o Brasil estivesse recebendo algo em troca, “talvez não andássemos nós em
aperturas a negociar empréstimos e a brigar com o FMI”
320
, concluía figura dos círculos
diplomáticos brasileiros e que por uma questão de sigilo da fonte, não tinha o nome
divulgado pela reportagem do Diário de Pernambuco.
Porém, muito antes da tecnologia balística chegar à Ilha de Fernando de Noronha,
provocando transformações para a instalação da base, um vaso de guerra norte-americano e
técnicos em prospecção visitaram a ilha entre os meses de novembro e dezembro de 1956.
O objetivo dessa missão era escolher qual a área propícia para a realização das instalações.
Os técnicos americanos elegeram três pontos considerados de importância aos objetivos de
defesa: o Morro da Sapata (onde se achava um farol), o Morro Francês e a Ilha Rata (essa
última escolhida para instalação rápida dos estudos técnicos). Estiveram por um mês
realizando todos esses levantamentos, equipados com três destroyars, um navio transporte
e um couraçado que davam coberturas aos trabalhos. Esta imagem de Guerra aportando em
Noronha partia do Porto da cidade do Recife, conduzindo helicópteros e toda a
modernidade que Guerra Fria do final dos anos de 1950 proporcionava, especialmente,
com o desenvolvimento dos chamados teleguiados.
319
Senador do Partido Democrata pelo Estado de Idaho. Rotulado de antipatriota pelos conservadores, ele
devassou operações de espionagem, muitas delas ilegais, e abusos variados da CIA e demais órgãos da
espionagem, inclusive o FBI.
320
Diário de Pernambuco, 23 de junho de 1959.
103
Ilustração 18- Imagem do navio americano US Maury atracado no Armazém 06, Porto do recife, e que
teria ido a ilha de Fernando de Noronha, transportando materiais e helicópteros para as primeiras
instalações da base. Fundo SSP/DOPS-PE/APEJE-PE; prontuário nº 4.071, Jornal do Comércio de 29
de maio de 1957.
De Recife, o aeroporto militar sitiado no Ibura dava o suporte aos operários
especializados e aos engenheiros da United States Air Force (USAIF). Estradas eram
abertas, campo de pouso aumentado, radar, foguetes, tudo que era conhecido e
desconhecido, em matéria de armamento moderno ali estava sendo empregado. “A velha
ilha [perderia] sua calma e se [transformaria] num grande centro do progresso”.
321
Desembarcaram grande quantidade de material em helicópteros que
atravessaram os céus da ilha, baixando em clareiras, abertas na ponta da
sapata (morro do Farol, uma das extremidades da ilha de difícil acesso), Morro
321
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957.
104
do Francês e Ilha Rata. Ali, construíram acampamentos (...) Os habitantes
limitavam-se a observar os helicópteros que carregavam tudo.
322
E “no sopé do Pico”, no local mais conhecido pelos norte-americanos como Broadway,
erguiam-se as barracas e as instalações norte-americanas, modificando “a pacata paisagem
do Boldró, anteriormente ocupada pelo rebanho bovino que lá existia”.
323
Ilustração 19 –Imagem da estrada que dava acesso à Estação de Telemetria americana, no Morro
Francês, considerada área secreta, devido a tecnologia que lá existia. CEPEHC-FN; Acervo Artur
Valdevino de Souza, 1960.
A base era planejada, seguindo prévios estudos à sua construção. Espalhava-se por
entre onze edifícios: centro de comunicações internas; alojamentos, refeitório e cassino;
estação transmissora; estação receptora; posto meteorológico; estação de tratamento
d’água; sistema de localização de impactos dos mísseis; estação de produção de energia
elétrica; oficinas de reparação de viaturas e carpintarias; depósito d’água potável e
depósitos de gasolina e óleo. Ainda é possível ver o dormitório que era conferido aos iglus
e ao cassino.
324
Na época, havia um sigilo e um ar de mistério sobre adentrar nessas
instalações, o que contrastava com o que se via pela ilha em termos de urbanização.
322
Diário de Pernambuco, 27 de janeiro de 1957.
323
Diário de Pernambuco, 13 de outubro de 1957.
324
Oficio do presidente da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos (CMMBEU), 07 de junho de 1962.
105
O distanciamento de Noronha da realidade verificada na cidade do Recife dos anos
1950, por exemplo, leva-nos a pensar que o esquecimento imposto aos que residiam,
seja temporariamente (como no caso dos militares e funcionários públicos que
trabalhavam), seja permanentemente (aos que se encontravam no grupo da comunidade
local e que seguiam o ritmo militar) não se restringia ao simples acesso ao continente
brasileiro, mas à própria modernidade que era presenciada fora. O esquecimento não era
apenas de caráter social, mas também um esquecimento imposto pelos quartéis, mantendo
uma linha de vigiar. A base ‘americana’ pode ser tomada como o elemento de quebra dessa
ordem militar brasileira e que, mesmo assim, não rompeu com a estrutura do secreto. Uma
ruptura para se pensar na possibilidade de criar uma vila adequada à moradia e não mais
casas sem estrutura sanitária, como as narradas em relatório da Escola Superior de Guerra
(1960).
É preciso que saibamos que os militares brasileiros, administradores da Ilha de
Fernando de Noronha da época, insistiam que “somente uma bandeira tremulará em
qualquer ponto do arquipélago”. “O pavilhão brasileiro estará altivo, altaneiro,
demonstrando a soberania da terra”.
325
Também,
mais do que as armas de uma pequena guarnição do Exército e de um reduzido
destacamento da FAB, o espírito de patriotismo e renúncia de 1200 brasileiros
que habitam o arquipélago mantém no meio do atlântico uma parcela viva da
civilização brasileira e a presença efetiva da soberania nacional. E a nossa
bandeira continua tremulando sozinha, no mastro do velho Forte dos Remédios,
confortando o homem cordial que povoa as ilhas e lembrando aos que cruzam os
seus céus e os seus mares que ali existe um pedaço de Brasil.
326
Para mostrar que era absoluta a soberania brasileira no arquipélago de Fernando de
Noronha e desmentir as acusações levantadas pelos nacionalistas, principalmente os de
cunho comunista, de que Noronha é “base de lançamento e intercepção de foguetes
teleguiados”
327
, de caráter “profundamente antinacional”
328
, completava ainda a Folha do
Povo.
Todos esses documentos utilizados mostram o quanto se desprendeu dos governos
dos Estados Unidos e Brasileiro a cooperação militar na luta contra o comunismo, principal
325
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957.
326
Diário de Pernambuco, 31 de maio de 1959.
327
Jornal do Commercio, 12 de fevereiro de 1957 Deputado Federal Dagoberto Sales (PSD), em debate no
Congresso a respeito da cessão da Ilha de Fernando de Noronha.
328
Folha do Povo, 04 de agosto de 1957 SALVAR O NORDESTE DA OCUPAÇÃO MILITAR
NORTEAMETICANA.
106
alvo nos planos de defesa dos Estados Unidos. “Hemisfério Ocidental”, “Estados da União,
“Mundo Livre”, “países capitalistas ocidentais”, pouco importa a definição dada ao bloco
que compunha, juntamente com os Estados Unidos, uma oposição à União das Repúblicas
Socialistas Soviética. O ponto em questão é: o Brasil, juntamente aos demais países da
América Latina obedeciam à agenda de segurança proposta pelos norte-americanos. Ao
conceder bases ao Exército estadunidense em território nacional, materializavam ações,
tratados e decretos de assistência recíproca, arranhando a soberania nacional destes
territórios latinos, bem como a salvaguarda dela.
Ilustração 20 – Imagens dos Quonsets que compunham as instalações da base de teleguiados. Os
barracões em forma de iglus concentravam conforto e tecnologia. O ar condicionado, a máquina de
lavar roupas e de refrigerantes acompanham os técnicos, inclusive com filmes. Nesta área, apenas
americanos e houseboys podiam circular. APEJE-PE; hemeroteca; Diário da Noite, 22 de dezembro de
1959.
As obras de instalações da base norte-americana foram concluídas em dezembro de
1958. Orçadas em sete milhões de dólares, previa, inicialmente, construção em alvenaria, o
que não foi realizado. Os construtores optaram em abrigar homens e equipamentos em
barracas tipo Quonset (que são chamados, ahoje, pela população local de iglus – detalhe
na ilustração acima) por motivo de baratear o custo dessas construções. Sob os olhos do
comandante da base, tenente coronel Moody, cinco entidades trabalharam em conjunto
para erguer a estrutura norte-americana: USAIF, que ficou responsável pelo comando
militar; a USNAVY, pelo abastecimento e descarga do material proveniente dos Estados
Unidos; RCA Victor (Radio Corporation of America) responsável por todo sistema de
comunicação e a Pan American World Airways (PAA), a cargo da manutenção,
abastecimento e controle de todos os aviões chegados na ilha.
329
De todas as instalações
norte-americanas, a MILS era a que despertava maior curiosidade por ser a área
329
Diário de Pernambuco, 14 de abril de 1958 ALGUNS EQUIPAMENTOS ESTÃO SENDO
TESTADOS NO ARQUIPÉLAGO.
107
responsável por toda a tecnologia de telemetria e comunicação para rastrear os mísseis
lançados de Canaveral. Ali se concentrava a imagem do secreto, que aguçava o mistério
em torno da cessão da Ilha de Fernando de Noronha aos teleguiados.
O SEGREDO RONDA OS TELEGUIADOS (Top Secret):
A ideia do secreto era reforçada pelos jornais e revistas que circulavam no
continente. As informações trazidas nos editoriais, a respeito da presença estadunidense na
Ilha de Fernando de Noronha, causavam a impressão de que o Território Federal era
comandado pelo governo dos Estados Unidos e, assim, área de segurança militar da
marinha desses. O correspondente da Revista O Cruzeiro, Fernando Luiz Cascudo, em
visita à ilha, no ano de 1958, relatava o que havia presenciado após alguns dias de estada:
A impressão que no Recife se tem de que os americanos governam o Território,
se desvanece minutos após descermos no aeródromo militar. O governo da ilha
é efetivamente exercido pelo comandante da guarnição federal coronel José
Francisco da Costa. Ele tem autoridade para, inclusive, ordenar a saída de
qualquer americano que se comporte mal.
330
Talvez essas notícias, produzidas por alguns seguimentos da mídia, servissem de
estrategia a uma propaganda que objetivava desconstruir um ambiente de segredo
produzido por outros veículos de comunicação, de tendência esquerda comunista, cujos
discursos em torno da base eram permeados de sentimentalismo e patriotismo. E “de um
espaço cercado e fechado àqueles que não mantinham qualquer relação com o trabalho
desenvolvido, passou a ser lugar secreto, proibido, espaço e área dos americanos”.
331
A ideia de “secreto e mistério”
332
era construída no continente como a imagem de
uma base em que era vetada a entrada a qualquer brasileiro, em qualquer circunstância,
atentando contra a soberania brasileira que poderia não mais existir. O transporte de
material para “local desconhecido”
333
, bem como chegar “a paisana, certamente para
facilitar seus movimentos e evitar a curiosidade”
334
, aguçavam ainda mais os discursos
inflamados dos nacionalistas sobre o entreguismo do qual era acusado o governo brasileiro.
330
Revista O Cruzeiro, 20 de setembro de 1958.
331
DA ROCHA LIMA, Janirza Cavalcante. Nas Águas do Arquipélago de Fernando de Noronha. Tese de
doutoramento em ciências Sociais – São Paulo: PUC, 2000. pp 163-164.
332
Folha do Povo, 07 e 13 de junho de 1959 o jornal criava um ambiente de pânico e insegurança numa
tentativa de desestabilizar as ações com relação ao ajuste, levando os continentais, ferrenhas críticas a esse.
333
Jornal do Comércio, 12 de abril de 1957.
334
Jornal do Comércio, 12 de abril de 1957 – A CESSÃO DA ILHA DE FERNANDO DE NORONHA.
108
Reforçado no conceito de que o arquipélago constituía “um poderoso trampolim
estratégico do Pentágono de controle à rota de todos os engenhos disparados do Cabo
Canaveral”
335
, como também de outros pontos do globo, acentuando ainda mais “o
mistério que encontramos em torno dos chamados MILS”.
336
Ilustração 21 – Imagem da segurança em torno da área do Missile Impact System Center (MILS).
Note-se que a guarda estava sendo executada por um soldado brasileiro e que encontrava disposto no
Artigo 3º do Ajuste, cujas “referidas instalações ficarão sob comando de oficial brasileiro e na ilha de
Fernando de Noronha continuará a ser hasteado exclusivamente o pavilhão nacional brasileiro”.
APEJE-PE; hemeroteca; Diário da Noite, 01 de junho de 1959.
O MILS (Missile Impact System Center) era um grande barracão, cercado de tela
de arame e com guarda permanente. Era proibida a entrada, a não ser com ordem do
Ministério da Guerra do Brasil ou do Ministério da Defesa dos Estados Unidos. A
explicação para a proibição era que se tratava de uma série de engenhos eletrônicos, muitos
dos quais ainda em fase de experimentos, levando a Radio Corporation of America (RCA -
empresa responsável pelo setor de comunicações seja de rádio, telegrafia, telemetria ou
equipamentos eletrônicos) a usar de toda cautela para que os segredos de tecnologia não
335
Folha do Povo, 7-13 de junho de 1959 – notas de Cláudio Tavares, enviado especial.
336
Folha do Povo, 7-13 de junho de 1959 A PRÓPRIA SITUAÇÃO RECLAMA DÚVIDAS E
RESTRIÇÕES.
109
caíssem em mãos de concorrentes e estes conseguissem as patentes e as prioridades da
tecnologia. “Segredos de tecnologia” que também configuravam o plano do mistério e que
assinalavam a ilha como um laboratório a esses experimentos.
Contrariamente ao ambiente de sigilo (e mistério) que havia, tanto sobre a postura
norte-americana frente a esse espaço eletrônico na ilha, quanto sobre o produzido nos
jornais, o governador da ilha, Coronel Francisco da Costa (Coronel Costa) pensava que
“Esse ar de mistério pode realmente levar até mesmo a conclusões disparatas, como a
quase interdição da Ilha a pessoas estranhas e [daí] faz crescer a opinião de que a ilha seria
uma base militar americana”.
337
No entanto, havia todos os “indícios (...) de que a soberania brasileira no
arquipélago é um fato (...) e de que ali não existe uma base norte-americana de operações a
não ser de caráter técnico-científico”, completava o jornal com a entrevista realizada com o
Coronel Costa
338
enfraquecendo um argumento entreguista em torno do ajuste entre o
Brasil e os Estados Unidos.
O Diário de Pernambuco, também, produzia um discurso pró-americano, ao
publicar que não havia nada de sigiloso na base. “90% das instalações norte-americanas
não são sigilosas nem tem relação direta com as experiências de projeteis, a exemplo da
estação de meteorologia, que de extraordinário ela possui apenas a perfeição da
aparelhagem”,
339
contra-argumentando a idéia do top secret.
No mundo fora dos limites da Ilha de Fernando de Noronha, as discussões em torno
da instalação norte-americana eram uma constante. Adjetivavam o governo de JK de
“entreguista”, por permitir os “yankees” (no caso, os norte-americanos) tornarem a Ilha de
Fernando de Noronha base de uma potência estrangeira”
340
“acolhidos pela malta de
entreguistas de dentro e fora do governo”.
341
As dessemelhanças das falas em torno da
cessão vai desde às acusações calorosas dos “nacionalistas” até o discurso apaziguador dos
“entreguistas”.
342
Neste contexto, Vizentini (2003) explica que as fronteiras ideológicas
definidas pela ESG e no liberalismo econômico acentuavam os interesses econômicos em
337
Folha do Povo, 7-13 de junho de 1959.
338
Idem.
339
Diário de Pernambuco, 04 de agosto de 1959.
340
Folha do Povo, 12 de fevereiro de 1957 NENHUM SOLDADO AMERICANO EM NOSSO
TERRITORIO. NENHUMA BASE ESTRANGEIRA EM NOSSO SOLO!
341
Folha do Povo, 05 de janeiro de 1957 NOVO E PODEROSO ELO NA LUTA CONTRA A ENTREGA
DE FERNANDO DE NORONHA.
342
ROLIM, Tácito Thadeu Leite. “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a
ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Dissertação de mestrado em História Social – Ceará:
Universidade Federal do Ceará, 2006. pp 163.
110
conformidade com a agenda de segurança dos EUA durante a Guerra Fria. A tentativa de
autonomia buscada no cenário internacional por parte do Brasil, com a Operação Pan-
Americana (OPA) criada por Juscelino Kubitscheck, acabou sendo percebida por
Washington como algo inaceitável, especialmente depois da Revolução Cubana.
343
Contudo, talvez, essa noção do mistério, segredo e sigilo seja respondida na teoria
levantada pelo Diário da Noite, cuja informação era construída na ideia de que o posto de
Fernando de Noronha seria fechado, pois o Departamento de Defesa dos Estados Unidos
declarava que o alto custo para manter a base não era proporcional aos valores gastos com
equipamentos destinados a rastrear os experimentos balísticos.
344
Ou seja, “os motivos são
de ordem técnica e não político-militar”
345
, completava o Diário da Noite. Dos três
equipamentos básicos de controle (como o Timeng e o radar Telemétrico), apenas um
continuava funcionando: o MILS. “A operação para fechar o posto de Fernando de
Noronha começou um mês e até o momento as autoridades mantiveram sigilo em torno
do assunto”, concluía a matéria.
Em rigor, podemos concluir que Fernando de Noronha se tornava um dos palcos da
Guerra Fria quando ela era tomada enquanto poderosa base estratégica para a guerra “que
os norte-americanos [pretendiam] manter contra seus inimigos soviéticos. E que nosso país
[Brasil] está se prestando ao papel de trampolim”.
346
A posição geoestratégica que a ilha,
assim como o nordeste brasileiro, possuíam naquele tempo de guerra, era definido pelo
General Antonio de Souza Junior como um exemplo ilustrativo de importância
geoestratégica.
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a ilha maior, que lhe dá o nome [no caso,
Fernando de Noronha], constituía, de fato, excelente “posto avançado” da
defesa do nordeste brasileiro.
Em termos de guerra moderna, contudo, a importância de Fernando de Noronha
modificou-se profundamente. Afastada de 2600 a 3000 quilômetros da costa
africana, a ilha esta hoje dentro de um raio de ação dos engenhos-foguetes ou
mísseis balísticos de dio alcance, que sejam lançados de bases estabelecidas
desde a Libéria até a África Ocidental Francesa.
347
343
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. In: FERREIRA & DELGADO. O Tempo da Experiência Democrática:
da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964/ organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida
Neves Delgado. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. – (O Brasil Republicano; v3). pp. 197.
344
Diário da Noite, 03 de junho de 1959 – AMERICANOS SE PREPARAM PARA DEIXAR O POSTO DE
TELEGUIADOS DE NORONHA.
345
Diário da Noite, 03 de junho de 1959 – O EQUIPAMENTO.
346
Folha do Povo, 07-13 de junho de 1959.
347
SOUZA JÚNIOR, Gen. Antônio de. O Brasil e a Terceira Guerra Mundial. Biblioteca do Exército, Rio
de Janeiro, 1959. pp. 301 – 318.
111
A Ilha de Fernando de Noronha se enquadra, enquanto símbolo da soberania brasileira,
quando deixa de ser vista apenas como um lugar de “desterro” para servir enquanto lugar
“estratégico-militar do corredor oceânico Natal-Dakar, em face de possível disputa do
domínio de navegação marítima no atlântico pelos blocos em oposição [no caso, os
comunistas e os capitalistas] na atual conjuntura política mundial [de Guerra Fria]”,
emprestando a sua importância geoestratégica “na defesa e manutenção de nossas linhas
marítimas e de nossa costa”
348
, na opinião da Equipe E da Escola Superior de Guerra
(ESG). A instalação da base norte-americana era “um outro ponto que devia ser levado em
consideração”
349
, que “qualquer deslocamento de lançamento de teleguiados poderá dar
novo valor estratégico ao Arquipélago”
350
, continuava os apontamentos levantados pela
equipe da ESG no relatório militar produzido, cujo discurso era de quem não pretendia
deixá-la desguarnecida.
351
Isolamento, esquecimento, transgressão e disciplina; pilares que caracterizam o
cotidiano da Ilha de Fernando de Noronha desse tempo de Guerra Fria, podem ser tomados
como pilares da teia social que configurava a Noronha dos ‘anos dourados’. A vinda desses
americanos dava um novo sentido a esse cotidiano. Era o “milagre” americano que
mudaria a vida deles
352
para melhor. E isso significava dólar e trabalho.
O dia-a-dia dos que estavam vivendo o americano, deixando-se influenciar pelas
transformações que o estrangeiro provocava, em que “o dólar fácil, comprava tudo”
353
,
seguia a dois extremos de conflitos e conveniências nos quais o elemento ianque era
motivo de disputas. Contrariando alguns editoriais, não podemos afirmar que os Estados
Unidos “nada fez” pelo Brasil, pois a história mostra que o governo juscelinista conseguiu
contrapartidas significativas ao desenvolvimento do Brasil, como a construção de Brasília,
a expansão do porto de Santos, usinas e siderúrgicas, construção de rodovias e
melhoramento nas Forças Armadas e, por outro lado, altos índices de inflação. Contudo, a
Ilha de Fernando de Noronha sempre esteve distante dessas revolucionárias reformas
propostas pelo nacional-desenvolvimentismo de JK. As revoltas e a mudança política que
348
Relatório do Curso Superior de Guerra: O Papel de Fernando de Noronha no Quadro da Segurança
Nacional, ESG (Escola Superior de Guerra), 1960. pp 14.
349
Idem.
350
Ibidem.
351
Ibidem.
352
O recorte do Diário de Pernambuco, de 1957, traz entre outras coisas a fala de um pescador a respeito dos
americanos aportarem na ilha. Segundo ele, Noronha “não tem mais nada a dá. Até o nosso peixe dizem que
não presta mais, e o Recife não quer mais comprá-lo. um milagre poderia salvar esta ilha. Esse milagre
será a vinda do americano. O dinheiro vai correr solto e muita gente vai ter onde trabalhar”.
353
Diário de Pernambuco, 30 de janeiro de 1957.
112
se encaminharam ao seu governo não tiveram eco no cotidiano da ilha, como a vitória de
Jânio a presidência, em 1961, a ascensão de Jango a presidência em 1962 e a tomada do
poder pelos militares, em 1964.
Deste modo, qual o discurso vencedor? É uma das celeumas abertas diante das
múltiplas faces produzidas pelos debates oficiais em contrapartida a exemplos de leituras
que foram feitas do “americano” pelos ilhéus, que os tomavam como o “milagre” que
mudaria a vida dos que habitavam a ilha para melhor, pois “o dinheiro vai correr solto e
muita gente vai ter onde trabalhar”.
354
Nas diversas matérias de jornais que ora alertavam
contra a presença estrangeira, pelo “caráter profundamente antinacional o ajuste (...) pelos
belicistas yankees”
355
; ora tentando reproduzir o estrangeiro como aliado preocupado com
a segurança e soberania brasileira “em face dos princípios de solidariedade
interamericana”.
356
A trama social, econômica e afetiva que envolvia brasileiros e
estrangeiros dentro da Ilha de Fernando de Noronha estava distante das discussões da
diplomacia e dos debates contra ou a favor da cessão de Noronha.
Contudo, a Ilha de Fernando de Noronha se prestou ao papel de aliança a uma
relação conturbada entre o Brasil e os Estados Unidos, em que ambos os lados objetivavam
a garantia de seus interesses que passavam de um lado, pela manutenção do imperialismo
pelo mundo, garantido através dos acordos que legitimavam as áreas de influências, onde o
Brasil figurava como expoente; e de outro, como um recurso que garantiria o
desenvolvimento e a inserção definitiva do país no mundo capitalista.
354
Diário de Pernambuco, 27 de janeiro de 1957 - para um pescador entrevistado pelo jornalista Fernando
Luiz, do Diário de Pernambuco.
355
Folha do Povo, 04 de agosto de 1957.
356
Jornal do Comércio, 28 de dezembro de 1956 – MACEDO DE SOARES FALA SOBRE O ACORDO DE
FERNANDO DE NORONHA.
113
CAPÍTULO DE CANAVERAL AO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO:
ESTRANGEIROS PASSAM DEIXANDO O PROGRESSO?
Estas em vossa casa.
Este é o lugar dos americanos.
357
Nos dois capítulos anteriores, o arquipélago de Fernando de Noronha se inseria na
história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos pela funcionalidade estratégica à
defesa e à segurança intercontinental. Para tanto, os Estados Unidos o toma como um dos
imperativos à segurança continental das américas. A Segunda Guerra Mundial trouxe à
tona a importância de tal relação na geopolítica internacional do arquipélago na medida em
que Noronha “era uma importante base aeronaval do hemisfério sul”.
358
De fato, a
operacionalidade de guerra o tornava um ponto importante às rotas atlânticas, em que a
garantia deste território assegurava vigilância constante dentro, mas também, para o
próprio Oceano Atlântico. Por outro lado, o cenário político de combate ao expansionismo
comunista, no qual encontravam-se incluídos Brasil e Estados Unidos, acentuava a
preocupação desses com a ocupação militar do arquipélago. Com ela, materializavam-se os
compromissos de intervenção assumidos pelo Brasil junto aos Americanos.
Terminada a guerra, configurando-se o cenário pós-guerra, principalmente quando
o governo de Truman e o governo russo de Stalin direcionavam a disputa entre os blocos
capitalistas e comunistas, novamente o arquipélago de Fernando de Noronha se encontrava
em um novo sistema internacional (e de hegemonia americana
359
), só que dessa vez,
determinado pela chamada Guerra Fria.
360
Contudo, neste momento, a tecnologia
357
Diário de Pernambuco, domingo, 08 de janeiro de 1956 – Embaixador Túlio César Delgado, presidente do
conselho da OEA, em discurso de boas vindas, em Washington DC, ao presidente eleito Juscelino
Kubitschek, elogiando a contribuição do Brasil ao sistema interamericano de segurança.
358
VIEIRA, Pontes. Reorganização administrativa e desenvolvimento planificado de Fernando de Noronha.
Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas.
serviço de documentação do DASP (seção de publicações). Departamento de Imprensa Nacional, RJ, 1958.
pp 12.
359
TELO, António José. Do tratado de Tordesilhas à Guerra Fria: reflexões sobre o sistema mundial.
Blumenau: FURB, 1996. - O poder hegemônico dos EUA se baseia numa evidente concentração anormal de
força em todas as vertentes. Saídos da guerra com uma capacidade industrial superior ao do resto do mundo
reunido, com uma moeda e finanças que se tornavam a base do comércio mundial, com uma balança
comercial altamente positiva e como credor dos outros países envolvidos no conflito, o poder americano era
imenso. E este patamar qualitativo claramente superior dava aos EUA o monopólio das armas nucleares até
1960-1963. pp. 115.
360
DIAS JÚNIOR, José Augusto & ROUBICEK, Rafael. Guerra Fria, a era do medo.(Coleção História em
Movimento. edição, São Paulo: Ática, 1999. pp 07 - Fruto da bipolaridade que marcou a política
internacional no período s Segunda Guerra Mundial, manteve o mundo em estado de perigo iminente de
guerra mundial, pois tanto os EUA quanto a URSS, sobretudo o lado norte-americano, defendiam a idéia de
114
desenvolvida com as experiências balísticas por ambos os países, era o imperativo de
controle, e o arquipélago de Fernando de Noronha, considerado “um porta-aviões ancorado
em pleno Oceano Atlântico para controlar e garantir o acesso aos céus e às terras do
Brasil”
361
, novamente era tomado como pontos importantes à segurança do Atlântico,
especificamente do Atlântico Sul (zona abaixo da linha do Equador entre o leste da costa
da América do Sul e oeste da Costa Africana, se estendendo até o Continente Antártico,
incluindo as Ilhas Malvinas e atendendo ao que estava disposto no TIAR). Portanto,
comporia o desenvolvimento balístico intercontinental americano disputado com a União
Soviética, que sairá à frente. Quando se pensou em estabelecer uma estação para o
monitoramento e rastreio dos mísseis teleguiados em territorio brasileiro, apontada como
necessária para o planejamento de defesa interamericano, houve quem “supuzesse e
reclamassse”
362
que isso importava em abdicar parte da soberania brasileira, já que a
presença americana fazia supor ato de posse do território. A medida resultante do
estreitamento das vínculos entre Brasil e Estados Unidos vinculava-os a uma linearidade
política e de defesa que a própria geografia do arquipélago de Fernando de Noronha
engendrava.
363
No entanto, não pretendemos universalizar a opinião de que o arquipélago se
prestava apenas, e exclusivamente, enquanto defesa e segurança atlântica neste momento
de Guerra Fria. Não é essa a intenção aqui. Buscaremos apontar que o arquipélago se
colocava, enquanto um dos instrumentos, como contrapartida do desenvolvimento
desejado pelo governo brasileiro de Juscelino, que com a assinatura do “Tratado de
Fernando de Noronha”
364
, o Brasil receberia cem milhões de dólares em material para
reaparelhar suas Forças Armadas.
365
A disputa entre União Soviética e Estados Unidos
forçava aos países a se definirem como área de influência/cooperação por um dos dois
blocos hegemônicos. Nesse sentido, ambos passam a comungar dos mesmos discursos e
práticas, como forma de demarcar esse alinhamento a um e outro, como garantia de
que apenas a constante ameaça de um confronto nuclear e o conseqüente extermínio das partes em conflito
poderia garantir a paz mundial. Dentro dessa lógica, a paz seria impossível. Não foi travado um conflito
armado direto entre os dois Estados, mas o confronto ocorreu por meio da intimidação, de boicotes
econômicos, espionagem, propaganda, diplomacia.
361
VIEIRA. pp. 12.
362
Jornal do Comércio, 20 de julho de 1962.
363
TAVARES, General A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército. Ministério da Guerra, 1958. pp 163.
364
Fundação Getulio Vargas (FGV) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC). Dossiê Os Anos JK. Coordenação geral: Suely Braga da Silva. http://www.cpdoc.fgv.br.
365
Idem.
115
salvaguarda de soberanias, muitas vezes confundidas por entre os discursos de ingerência
político-econômico nos países a cada bloco alinhados, principalmente os considerados
subdesenvolvidos. Oficialmente, a América Latina se enquadra na via estadunidense. Fato
que não pode ser tomado literalmente, nem ser extensivo a todos os cidadãos,
internamente, posto que houvesse contradições, rejeições, críticas e desconfianças por
parte dos habitantes, que se opunham a qualquer tentativa de sujeição a outro e qualquer
povo. Até por que ainda existiam os simpatizantes do credo vermelho, mesmo com toda a
carga ideológica contrária a essa tendência sendo disseminada no território nacional pelo
governo. Configuram-se nesse nicho os adeptos do comunismo, que eram alvos de
perseguições por parte da polícia e do governo.
O que está sendo mostrado desde os capítulos iniciais desse trabalho, e que se
estende nesta última parte, é como o arquipélago de Fernando de Noronha se prestava
como argumento nas exposições pró e contra a presença dos americanos no cenário
brasileiro, enquanto instrumento de negociação (melhor dizendo, barganha) ao
desenvolvimento do país, tornando-se um dos palco da Guerra Fria pelo alinhamento à
política de defesa, segurança e desenvolvimento dos Estados Unidos para o restante do
Continente Americano, numa tendência ao pensamento da Doutrina Monroe: “América
para os americanos”; mas, específica para os americanos originário do United States of
America, tendo o comunismo como um dos seus piores inimigos (ou quem sabe obstáculos
a expansão norte-americana na economia da América latina). Neste cenário político-militar
da relação Brasil-Estados Unidos, o arquipélago de Fernando de Noronha continuava a ser
o lugar dos americanos.
O funcionamento da base de rastreio dos mísseis teleguiados norte-americanos na
Ilha de Fernando de Noronha deu-se em 1958. Iniciavam-se as atividades desenvolvidas
pelo efetivo de 90 americanos que se restringia a monitorar e coletar dados obtidos a partir
dos lançamentos realizados no centro de prova na Flórida - Cabo Canaveral. A história do
Cabo Canaveral marca o início das pesquisa científicas espaciais e do Programa Norte-
americano de Foguetes Intercontinentais, desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos
Estados Unidos, com atraso de 4 anos em relação aos russos. Não obstante, em pouco
tempo, os norte-americanos os superariam em níveis técnicos. De Canaveral, Flórida,
“partiria boa parte de tudo que estava sendo testado de uso militar e científico, nos Estados
116
Unidos”
366
, segundo o historiador Tácito Rolim. Os teleguiados cruzavam o Atlântico em
“velocidades fantásticas de alcance”.
367
Numa noite de novembro, o Atlas 15, um dos
exemplares militares americanos considerado o mais poderoso Míssil Balístico
Intercontinental (ICBM),
depois de contar 294 segundos, achava-se em plena trajetória para atingir o seu
alcance total. Depois de cerca de 28 minutos, sua ogiva voltou-se para a
superfície da terra, perto da ilha de Ascenção, no Atlântico Sul, a uma
velocidade de mais de 25.000 quilometros por hora. Quando finalmente atingiu
o oceano, achava-se a mais de 10.000 quilometros de Cabo Canaveral.
368
Atente-se que não foi apenas para fins militares que o Cabo Canaveral contribuira à
sociedade estadunidense. Com as pesquisas que estavam sendo realizadas, os Estados
Unidos ampliaram seus conhecimentos sobre a tecnologia de comunicação, “especialmente
com a construção de equipamentos miniaturizados. A fotografia espacial foi outro setor
consideravelmente beneficiado com a construção de máquinas gigantescas”.
369
Em fins de
1959, a maior parte dos foguetes norte-americanos da primeira geração (Matadores,
Snarks, Bomarcs, Redstone, Jupiter, Thors, Atlas, Polaris e Titans) podia considerar-se
aprovada, demonstrando que a exploração do espaço estava prosseguindo num ritmo que
apenas há três anos atrás teria sido julgada impossível. Em poucos anos, o Cabo Canaveral
“evoluira de uma modesta instalação para experiências com foguetes, no mais importante
porto espacial do mundo livre”
370
, abrindo caminho para a conquista do espaço, anos
depois, com o lançamento do homem à lua.
O Arquipélago de Fernando de Noronha, cercado por um mundo de tecnologia, era
um coadjuvante ao monitoramento dos mísseis americanos, sendo superado em 1959, pela
ilha (Britânica) de Ascenção. O MILS (Missile Impact System Center), que era velado no
segredo (como relatado no capítulo 2), era responsável pela tecnologia de comunicação
que a Radio Corporation of America (RCA Victor) vinha testando, e fazia parte do sistema
de programa de comunicação desenvolvida pelo Cabo Canaveral, em que era possível
projetar a milhares de quilometros da costa, o inimigo.
366
ROLIM, op cit. pp. 71.
367
Jornal do Comércio, 04 de dezembro de 1957 – O SNARK NORTE-AMERICANO.
368
SHELTON, William Roy. Largada para o infinito: história do Cabo Canaveral. São Paulo: Fundo de
Cultura S.A., 1963. pp. 58.
369
Idem, pp. 120.
370
Ibdem, pp. 127.
117
É certo que o “progresso” chegava à Ilha de Fernando de Noronha. Um progresso
ameaçador, posto que nenhuma das nações envolvidas cedesse seu espaço aéreo, terrestre e
marítimo para que outra nação fizesse operações experimentais de guerra. o foi á toa
que Cuba, mais tarde, foi “escolhida” pela Rússia para sediar uma base de lançamentos
contra os EUA, objeto, inclusive, de uma quase Guerra (com a crise dos mísseis, em
1962) para fazer ou servir ao mesmo papel de Noronha, beneficiando ao lado russo,
mantendo permanentemente mísseis voltados para interceptar os americanos. Na Ilha de
Fernando de Noronha
a base norte-americana realmente uma idéia exata do dinamismo da era dos
foguetes (...) a fisionomia verdejante da ilha se transforma a cada instante.
“Fernando de Noronha de outrora perdeu seu ar bucólico e os mumbebos que
cobrem os céus da ilha (...) tem de dividir os espaços com as hélices velozes dos
quadrimotores que chegam anunciando uma nova era.
371
Um mundo de tecnologia era relatado pelo Diário de Pernambuco. O clima de esperança
com o americano, que significava também “dolar e trabalho”
372
para o “pacato morador da
ilha”
373
, para o Brasil significava problemas na relação que teria com os Estados Unidos
nos anos finais do governo de JK. As obras da base foram concluídas em dezembro de
1958, e marcam também as tensões entre o governo de Juscelino Kubitscheck e a política
de Washington nas relações com o FMI.
O ano de 1959 começava, para o governo do presidente JK, com um país cercado
de problemas na área social e no desenvolvimento econômico. Perspiscaz orador, o
desenvolvimentismo que Juscelino adquiriu durante os dois primeiros anos do seu governo
não foram suficientes para reverter os rumos que a política econômica tomara para o
desenvolvimento do Brasil. A desacelaração da economia e do desenvolvimento faziam
desmoronar o sonho de desenvolver os 50 anos em 5, na mesma intensidade que faziam
crescer os índices de inflação. As remessas de lucros para o exterior eram um dos fatores
do déficit brasileiro. Moniz Bandeira (2007) aponta que mais de 10 bilhões de dólares
saiam do país e a relação que o Brasil de JK tinha com o FMI deixava a desejar.
Kubitschek ainda esperou por um empréstimo de 300 milhões de dólares que havia
371
Diário de Pernambuco, 15 de abril de 1958. Grifo meu.
372
Jornal do Comércio, 29 de janeiro de 1957.
373
Jornal do Comércio, 29 de janeiro de 1957.
118
pleiteado aos Estados Unidos e cuja liberação dependia do parecer do FMI. Contudo, a
influência americana nessa instituição fez atrapalhar essa concessão.
374
A oposição brasileira, na política interna, tornou-se mais agressiva e Kubitschek
ficou no centro dos ataques que partiam de todas as direções. “Por todos os cantos, o que
víamos era uma massa de descontentes”.
375
Os últimos dois anos da gestão de JK também
presenciavam o início da radicalização política no campo, potencializada pelas
observações dadas pelos estrangeiros (no caso, americanos) de que o nordeste brasileiro
tinha sido declarado “área de alta prioridade”
376
, “encarando a região como um importante
problema de segurança”.
377
As reinvindicações de terra e maiores salários para os
camponeses, segundo o historiador Thomas Skidmore (1975), eram os dois motivos
principais para o “despertar político das massas do campo”.
378
Dos poucos investimentos
que vinham para o Brasil, era a região nordeste que mais sofria por recebê-los. Segundo
Joseph Page (1972), em sua obra: 1964 - a revolução que nunca houve, vê-se que desde
1950 até a Revolução Cubana, o auxílio dos Estados Unidos ao Brasil constou de simples
assistência técnica, sob o programa do Ponto IV, e, ocasionalmente, de empréstimos para o
desenvolvimento. O nordeste brasileiro recebera uma “pequeníssima” parcela deste
“modesto esforço”
379
, uma das razões de ser, para que isso acontecesse, era que o nordeste
“era uma causa perdida e que não se deveria desperdiçar ajuda com aquela região”.
380
A Revolução Cubana foi determinante para a mudança de comportamento de
Washington frente a America Latina. As tensões (preocupações) de que a União Soviética
conseguisse se infiltrar no continente faziam da visita de Eisenhower, em fevereiro de
1960, uma jogada política para fortalecer os compromissos que o Brasil tinha com os
Estados Unidos no combate ao comunismo, e consequente retaguarda contra o regime de
Fidel Castro na América Latina. Para isso, era necessária a liberação de dólares destinados
a programas de assistência social. Em maio de 1960, foram liberados 47.700.000 milhões
de dólares à America do Sul e mais 500 milhões ao Fundo de Progresso Social
381
, criado
para o desenvolvimento latino e que tinha como supervisão a USAID (via o programa
374
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. pp. 541.
375
Idem.
376
PAGE, Joseph A. A revolução que nunca houve: o Nordeste do Brasil (1955-1964). Trad. Ariano
Suassuna. Rio de Janeiro: Record, 1972. pp. 154.
377
Idem, pp. 93.
378
SKIDMORE pp 227.
379
PAGE, pp 87.
380
Idem, pp 88 - Na opinião dos oficiais brasileiros que tinham acesso à Embaixada Americana.
381
MONIZ BANDEIRA, pp 545.
119
Aliança para o Progresso), cuja instituição entraria em desacordo com a SUDENE
382
,
contribuindo significativamente para a atmosfera de hostilidade que logo obscureceu as
relações entre os Estados Unidos e o Brasil no Nordeste, segundo Joseph Page (1972).
Antes de prosseguir com as reflexões, porém, faz-se mister destacar o seguinte: este
capítulo não tem a intenção de detalhar a atuação da USAID e da Aliança para o Progresso
(Alpro) no Brasil, posto que demandaria um novo trabalho para essas duas temáticas.
Mesmo tendo como resultado assertivas importantíssimas para o estudo da relação entre
Brasil X Estados Unidos, o que será dissertado é o fim do governo juscelinista e o término
do Ajuste de Cessão da Ilha de Fernando de Noronha aos Estados Unidos. No entanto,
podemos apontar, mesmo que superficialmente, que a partir de 1962, um ano depois de
assinado o programa Aliança para o Progresso (Alpro), em Punta del Este (agosto de
1961), a presença norte-americana no Nordeste tornou-se bastante significativa, justificada
na “instalação de uma grande missão da Agência Americana para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) no Recife.
383
A Aliança para o Progresso destendia milhões em
ajuda e assistência ao desenvolvimento da região nordestina desde o setor da educação (“3
BILHÕES DA ALIANÇA PARA A EDUCAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE”, JC-
02/12/1962), à construção e modernização de rodovias (“100 MILHÕES DE DÓLARES
DA ALIANÇA PARA AS RODOVIAS BRASILEIRAS”, JC-08/08/1962), incluindo a
construção de 8.500 casas populares no bairro Alto Jordão-Recife (“160 MILHÕES DE
DÓLARES PARA CASAS”, DP-30/08/1962). Foi o preço recebido em troca da cessão do
Território Nacional para as operações estratégicas bélicas dos EUA em sua política
armamentista na Guerra Fria, “excelente exemplo do princípio de autoajuda que sintetiza o
verdadeiro espírito da Aliança”
384
, relatava o coordenador da Alpro, o economista Teodoro
Moscoso.
382
Criada em 1959, tinha como objetivo, promover e coordenar o desenvolvimento da região Nordeste do
Brasil.
383
PAGE, pp 151.
384
Diário de Pernambuco, 30 de abril de 1962 – ALIANÇA E BID NO MESMO PLANO.
120
Ilustração 22 – Recortes de jornais contendo propaganda pró assistência norte-americana a partir das
verbas originárias da Alpro (Aliança para o Progresso). Fundo SSP/DOPS/APEJE prontuário nº 5387.
Diário de Pernambuco, 02 de dezembro de 1962 e Jornal do Comércio do dia 03 de outubro e 14 de
novembro de 1962.
O anúncio, nos finais de 1959, que os americanos abandonariam a Ilha de Fernando
de Noronha devido ao programa de tecnologia dos balísticos superar a necessidade da base
de rastreamento, não alteraria o auxílio militar norte-americano ao Brasil, como também
não alteraria o direcionamento adotado pelo governo brasileiro frente às decisões do
departamento de Estado Americano nos Fóruns Internacionais (ONU) e interamericanos
(OEA), mesmo que o Itamaraty estivesse restabelecendo o intercâmbio comercial com a
URSS.
385
O fechamento da base coincidia, portanto, com um panorama político de
desenvolvimento brasileiro assustador”, segundo Moniz Bandeira (2007) e Joseph Page
(1972). O clima político era tenso e a pressão para produzir resultados era uma
constante.
386
Além do mais, o inconformismo com a política desenvolvimentista do
governo juscelinista e a insatisfação das massas com a postura tomada pelo governo, com o
plano para conter a inflação e também com a questão rural, generalizava-se e polarizava as
oposições, tanto na esquerda, quanto na direita. As antigas rivalidades com JK eram
reativadas, com Otavio Mangabeira e Carlos Lacerda. A inflação que estava arruinando a
economia brasileira tornava imperativa uma ação rápida e decisiva nos projetos de ajuda.
385
MONIZ BANDEIRA pp 543.
386
PAGE, pp 153.
121
“A situação chegou a tal ponto que o vice-presidente João Goulart aconselhou JK a
entregar o poder às Forças Armas”
387
, assinala Moniz Bandeira (2007).
Ilustração 23 – Imagens da propaganda que circulou durante campanha de Jânio Quadros e Lott à
presidência da República. Ambos utilizavam a Democracia como slogans. CPDOC/FGV; Dossiê Os
Anos de JK.
Nas eleições para a escolha do sucessor de Juscelino, Henrique Teixeira Lott e
Jânio Quadros se apresentavam como os candidatos do nacionalismo brasileiro, carregados
de discursos contra os Estados Unidos. Lott contava com o apoio firme e decidido dos
trabalhistas e dos comunistas, que o apontavam como o símbolo do nacionalismo. Jânio
Quadros, sustentado pela oligarquia econômico-financeira e pelas correntes mais
reacionárias do país, “apelou para o prestígio da Revolução Cubana e o crescente fascínio
que ela exercia nas massas”.
388
A eleição não era apenas uma eleição para presidente “ela
se vestia de uma investidura de árbitro” frente ao impasse do desenvolvimento brasileiro
pela qual sofria a classe dominante.
Para enfatizar ainda mais a sua candidatura e ser tomado como o representante do
nacionalismo brasileiro, Jânio Quadros tomava o Ajuste de Cessão do arquipélago de
Fernando de Noronha aos americanos como um forte argumento contra o seu opositor (e já
Marechal) Henrique Teixeira Lott. Acusava-o de ter sido um dos responsáveis pela
“entrega” de Fernando de Noronha aos norte-americanos: que “dizem que não sou
nacionalista; mas não fui eu que entreguei Fernando de Noronha aos norte-
americanos
389
, apontava categoricamente Quadros.
387
MONIZ BANDEIRA, pp 545.
388
Idem, pp. 546.
389
MONIZ BANDEIRA, pp. 547.
122
Eleições realizadas em 03 de outubro de 1960, saía como vitorioso o candidato da
UDN, Jânio Quadros. A partir de então, observaremos uma relação que, aos olhos do
governo de Washington, era “duvidosa e conturbada”. Ao assumir a presidência, Jânio
recebia uma “pesada herança” do governo de JK: déficit no balanço de pagamentos de 410
milhões de dólares; dívida externa de 3,8 bilhões de dólares e inflação superior a trinta por
cento ao ano em 1959 e 1960 (o dobro da média anual).
390
Apregoou uma política externa
de “independência” ao “compasso de Washington”, como fim de barganhar com os
Estados Unidos. “Uma política menos pró-americana do que qualquer presidente brasileiro
desde à segunda guerra”.
391
Moniz Bandeira (2007) traz que mesmo contrariando a
orientação de Washington, Jânio Quadros reacende a discussão sobre a entrada da
República Popular da China na ONU e o reatamento das relações com a União Soviética
(embora tal fato nunca tivesse se concretizado).
392
Contudo, o momento não era um dos
mais favoráveis ao lançamento de uma política externa “independente” com o hemisfério
ocidental, vez que a Guerra Fria nas Caraíbas esquentara com o fiasco da invasão da Baía
dos Porcos (em Cuba), forçando o governo dos Estados Unidos a decidir-se pelo
isolamento cubano.
393
Este fato condicionara os norte-americanos a se voltarem aos
problemas nordestinos, posto que essa região, que se encontrava em uma ebulição político-
social, não viesse a tornar-se uma nova Cuba.
A reponsabilidade para que o programa assitencialista norte-americano obtivesse
sucesso ficava a cargo da USAIF. Significava, segundo Joseph Page (1972) “que eles
poderiam agora começar a combater diretamente a ameaça comunista identificada no
nordeste”, no meio rural.
394
Principalmente com a expansão e organização que Julião
estava proporcionando com as Ligas Camponesas. “As ligas mereciam uma atenção”.
395
Era um “atentado” às nações consideradas “democráticas” e à materialização da expansão
soviética no nordeste brasileiro, para alguns grupos comunistas. Vale lembrar que
Francisco Julião, quando Deputado Federal em 1957, era um dos que declaravam a cessão
da Ilha de Fernando de Noronha aos Estados Unidos uma “alienação miserável de um
pedaço do solo pátrio aos colonialistas norte-americanos, fazendo-lhes o jogo guerreiro”.
396
390
AYERBE, pp. 139.
391
SKIDMORE, pp. 245.
392
MONIZ BANDEIRA, pp. 557.
393
SKIDMORE, pp 245.
394
PAGE, pp 94.
395
PAGE, pp 66.
396
Folha do Povo, 24 de abril de 1957.
123
A frente da ligas camponesas, Julião iria proporcionar outras discussões, como a questão
da terra (Reforma Agrária).
Ilustração 24 – Imagem da comemoração do Sete de Setembro promovido pelas Ligas Camponesas na
cidade de Recife, em Set de 1960. Agência o Globo. CPDOC/FGV/Dossiê Os Anos de JK.
O caráter “nacionalista” da política externa de Jânio Quadros era identificado como
o antiamericanismo, principalmente no que se referia à Cuba e, também, quando a UDN,
através de Carlos Lacerda, o identificava como um populista de esquerda.
397
Após a
reunião em Punta Del Este, em que se firma o Programa Aliança para o Progresso, e
contrariando setores importantes dentro do país, “Guevara, em visita de cortesia a Jânio,
era condecorado com a Grã-Cruz do Cruzeiro”
398
(maior título concedido pelo governo
brasileiro), materializando a sua deposição. O titulo concedido a Che Guevara por Janio
era visto como um atentado à soberania brasileira, momento este em que se vivia o ápice
da instabilidade política de seu mandato. A renúncia de Janio Quadros levava ao poder o
vice João Goulart. Com isso, aumentava os receios quanto aos rumos do Brasil, vez que, na
ótica dos opositores da política desenvolvimentista (UDN, militares conservadores, e
Estados Unidos), o governo estava em mãos comunistas. “Essencialmente oportunista”
399
para a CIA, Goulart tentava se apoiar nos setores políticos e sindicais favoráveis às
mudanças estruturais. O desenrolar dos acontecimentos e da relação do Brasil com os
397
SKIDMORE, pp. 248.
398
Folha de São Paulo, Domingo, 20 de agosto de 1961.
399
AYERBE, pp 141.
124
Estados Unidos acarretou a sua deposição em 31 de março de 1964, encerrando o Brasil a
um realinhamento à política intervencionista norte-americana.
400
Diante desse panorama político em que o Brasil se via inserido, a base de rastreio
na Ilha de Fernando de Noronha era desativada. O ajuste de cessão se encerrava no dia 20
de janeiro de 1962, simbolizando uma outra dinâmica para a Guerra Fria, “marcada pelo
desenvolvimento de centros regionais autônomos, cujo peso relativo a essa transformação,
se encontrava no equilíbrio nuclear e na capacidade de se destruírem mutuamente várias
vezes”, como aponta Antônio Telo (1996).
401
É a partir de 1962 que a assistência
americana à América Latina se encontrava como a solução mais possível à contenção do
comunismo, especialmente, o de Fidel.
A SALVAGUARDA DA SOBERANIA BRASILEIRA:
Como podemos observar, o Brasil estava prestes a explodir frente à ebulição social
que o cenário político desenhava durante os anos de 1959 a 1962, influenciado pela relação
conturbada do Brasil com o FMI e com o governo norte-americano. “Um barril de
pólvora” em direção ao comunismo que, a qualquer minuto, poderia explodir. A região
nordeste, condensava as pré-condições favoráveis a um levante popular, uma vez que
detinham de péssimas estruturas cio-econômicas e altíssimo grau de miséria e
pobreza.
402
O acordo militar sobre o ajuste de cessão da Ilha de Fernando de Noronha se
encontrava em vigor. Fernando de Noronha, mais do que nunca, em 1959, era militarizada.
A revolução de 1959, na Ilha de Cuba, potencializava ainda mais a funcionalidade do
Arquipélago brasileiro. A base de teleguiados instalada em Noronha era um ponto
estratégico de vigilância permanente para as manobras bélicas cubanas, implantada pela
União Soviética, cujas ogivas estavam voltadas diretamente para a Flórida (Cabo
Canaveral) e Washington DC (capital estadunidense), caso os americanos tentassem
alguma invasão à Ilha de Cuba. Isso é comprovando quando, na noite do dia 17 de outubro
de 1962, “o U-2 flagra novos mísseis soviéticos em Cuba desta vez, são SS-5 de longo
400
AYERBE, op. cit. pp 140-143.
401
TELO, op. cit. pp 129.
402
O Diário de Pernambuco, em 30 de agosto de 2006, publicou em seu caderno DOCUMENTO, 16 páginas
sobre esse cenário político social vivido pela “região mais pobre do hemisfério”, como se refere o repórter
Vandeck Santiago (autor da matéria). Fala, também, a respeito do plano de Kennedy para desenvolver o
Nordeste.
125
alcance. Armas capazes de atingir praticamente qualquer ponto no território americano”.
403
Sean Purdy (2008) mostra que alguns documentos liberados agora pelo governo
americano, revelam que os líderes políticos e militares dos Estados Unidos, incluindo os
irmãos Kennedy, estavam realmente dispostos a iniciar um conflito nuclear. A guerra
não ocorreu porque EUA e URSS acabaram por negociar uma saída que definia, através de
um acordo entre o presidente americano John F. Kennedy e o presidente soviético Nikita
Krushev, a retirada dos mísseis de Cuba em troca de que os Estados Unidos não mais a
invadiriam.
404
“Dias depois [24 de outubro], os EUA decretam bloqueio naval a Cuba e,
em novembro, John Kennedy anuncia o fim da crise dos sseis em Cuba, pois as bases
soviéticas de lançamento de sseis eram fechadas”.
405
Na base americana instalada na
Ilha de Fernando de Noronha, o cenário de Guerra Fria servia como um ponto de alerta e
vigília ante a ameaça real de lançamento de mísseis contra a nação americana. Até que
fosse resolvido (ou apaziguado) o problema cubano, o argumento do combate ao
comunismo se intensificava.
Como havia narrado no capítulo dois, os pactos “contra o comunismo e pela
liberdade”
406
vinham sendo dispostos desde o ano de 1947, quando, no Rio de Janeiro, era
assinado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). Os anos de 1948
(Conferencia de Bogotá), 1949 (IV Reunião de Washington) e 1952 (Acordo Militar Brasil
- Estados Unidos), apenas garantiriam a legitimidade ao combate dessas ideias e, por
tabela, o controle da expansão da ofensiva russa na América Latina. A segurança desses
territórios fazia da relação Brasil - Estados Unidos alvo de preocupações por parte de
alguns militares brasileiros. Especificamente aqueles que se encontravam na ilha eram alvo
de críticas por parte dos nacionalistas, que ainda patrocinavam uma campanha contra a
presença norte-americana no arquipélago de Fernando de Noronha. Para esses a segurança
do território brasileiro estava ameaçada. Mas entendendo que a segurança do território
é o princípio elementar da defesa da soberania dos Estados, pois as fronteiras
nacionais delimitam, objetivamente, o campo de ação das suas outras atividades
de segurança e definem, geograficamente, as suas responsabilidades e os seus
403
Revista Veja na História, outubro de 1962 – CRISE DOS MISSÉIS.
404
PURDY, Sean. O século Americano. In: KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao
século XX/ - Leandro Karnal... [et al.]. 2. ed., 1ª impressão. – São Paulo: Contexto, 2008. pp. 240.
405
Folha de São Paulo, 14 de outubro de 1962.
406
Diário de Pernambuco; sexta-feira; 02 de março de 1956 ACIMA DA POLÍTICA, NO COMBATE DO
COMUNISMO - DECLARAÇÃO DE EINSENHOWER.
126
direitos inalienáveis, face aos interesses e objetivos nacionais dos outros
Estados
407
,
o arquipélago de Fernando de Noronha era um lugar de fronteira entre comunistas e
capitalistas na geopolítica da Guerra Fria, por estar a serviço da política norte-americana,
enquanto sentinela ao desenvolvimento da energia nuclear e da tecnologia de mísseis, tidos
como o que havia de mais avançado em termos de equipamento militar à defesa e à
segurança, não apenas do hemisfério ocidental mas, especificamente, dos Estados Unidos.
Era esse o motivo dos segredos velados na Ilha de Fernando de Noronha em torno dos
MILS. As contrapartidas adquiridas pelo Brasil nessa negociação é considerada pequena
em relação à importância que a ilha adquiria nesse tempo em que a sua posição
geoestratégica a colocava como ponto central a todo e qualquer movimento no centro do
Atlântico.
Toda a conjuntura política desenvolvida pelo governo juscelinista imbricava-se
com o cotidiano da ilha quando essa é tida como “um elo importante” no combate ao
comunismo.
408
Os discursos de combate a essa ameaça, fazia da soberania brasileira, bem
como a salvaguarda da democracia do mundo livre, temas constantes nas preocupações de
quem a dirigia.
Faz-se mister lembrarmos, então, um pouco da importância de Noronha na
geopolítica internacional: Vimos no primeiro capitulo que, desde a Segunda Guerra,
Fernando de Noronha era importante ponto de combate aos Aliados em plano de defesa do
Oceano Atlântico, particularmente a parte Sul. Terminada a guerra, e com a mudança no
sistema internacional, na qual o mundo observava se configurar a disputa entre EUA e
URSS, na “corrida espacial”, dava-se um outro significado à noção de guerra, cuja
tecnologia avançada com os mísseis intercontinentais (os teleguiados) davam um novo
sentido aos interesses estadunidenses pelo mundo. A importância geoestratégica do
arquipeálgo nos planos norte-americanos de segurança nacional era como “um estado de
prontidão organizado e [compreendia] todos os povos, todos os empreendimentos e todo o
governo”, como aponta o Brigadeiro Luiz Carlos.
409
407
TAVARES, op. cit. pp 157-158.
408
Diário de Pernambuco, sexta-feira, 02 de março de 1956 - ACIMA DA POLITICA, NO COMBATE AO
COMUNISMO.
409
ALIANDRO, Luiz Carlos. Segurança nacional e sociedade solidária. In: Revista A defesa nacional – ano
LXX/ n. 713, mai/ jun – 1984, pp. 27-41, Rio de Janeiro.
127
A segurança era o mote para assegurar a soberania dos Estados Membros que
compunham o hemisfério ocidental, juntamente com os Estados Unidos. A noção de
segurança e soberania se horizontalizava que não se percebe soberania sem o uso da
segurança, num sentido nacional, que a toma como “a garantia em grau variável,
proporcionada à nação, principalmente pelo Estado, por meio de ações políticas,
econômicas, psicossociais e militares para a conquista e a manutenção dos objetivos
nacionais permanentes do território.
410
De acordo com o que Liziane Paixão (2006)
considera sobre controle territorial, seja em espaços econômicos e/ou políticos, “o Estado
não esta subordinado, a nenhum outro, pois com base no Direito Internacional, todos os
Estados são considerados iguais”.
411
A “razão de Estado” não é imperativa em nome do
qual se pode ou deve-se infringir todas as outras regras. O regente (governador, presidente,
administrador) precisa exercer a sua soberania governando aos homens. Os Estados têm de
lutar uns contra os outros para assegurar a sua própria sobrevivência. Assim, a
funcionalidade dos Estados requer dois instrumentos políticos: a diplomacia e a polícia.
412
Contudo, precisamos assinalar que a soberania se verticaliza à noção de poder. Essa ideia
de construir um Estado com poderes absolutos em seu território faz com que a noção de
pertencimento a uma nacionalidade e identidade o defina como tal. É uma disputa de poder
lançada a mão das regras do mercado internacional, aqui narrado no capítulo anterior, da
década de 1950. Quando os Estados Unidos se posicionavam (através dos discursos de
segurança e defesa dos estados democráticos) os “salvaguardas”, a idéia do não
pertencimento fazia sinalizar uma interferência de o Brasil ser soberano nas decisões de
caráter internacional, que acordos econômicos estavam sendo assinados: Por que não
estreitar essas relações econômicas com a Rússia naquele momento de 1950? -
Conveniência de mercado, ou então, a oferta estadunidense saira melhor que a soviética.
Devemos lembrar ainda que, numa ótica da política brasileira, as opiniões comunistas não
eram bem aceitas pelas Forças Armadas, que se dividiam entre os herdeiros de Vargas, os
antigetulistas e os anticomunistas. Havia uma competição entre quem tinha mais poder na
geopolítica da Guerra Fria. Nessa relação de forças, o Brasil se encaixava entre os aliados
do “mundo livre”.
410
Idem. pp 31.
411
OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. O conceito de soberania perante a globalização. In: revista CEJ,
Brasília, n. 32, p. 80-88, jan/mar, 2006.
412
FOCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982); trad. Andréa Daher;
consultoria, Roberto Machado. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. pp. 83.
128
TELEGUIADOS E NORONHENSES: CONFLITOS E CONVENIÊNCIAS:
Transformada repentinamente numa base de observação de projéteis teleguiados
intercontinentais
413
(ICBM), o americano mudava a feição da ilha. Aos poucos Fernando
de Noronha ia se tornando a “11ª base do sistema de controle dos moderníssimos ‘missiles’
norte-americanos”
414
, cuja tecnologia produzida a partir dos testes com os mísseis
intercontinentais aproximava o arquipélago de Fernando de Noronha a um ambiente, cuja
disputa pela liderança na “corrida espacial”
415
, consolidava ainda mais a permanência da
divisão política internacional entre americanos e russos, tanto na liderança dessa
tecnologia, como na geopolítica internacional. Fernando de Noronha estava na mira da rota
de colisão da Guerra Fria, como alvo irreversível de uma possível guerra nuclear, assim
como as cidades nordestinas de Natal e Recife, ligadas militarmente à defesa do Oceano
Atlântico. Assim sendo, Noronha era observada por submarinos russos. O Diário de
Notícias, no dia 28 de maio de 1958, informava que os Estados Unidos haviam
“silenciado” frente à informação de “que submarinos russos estão fazendo espionagem no
Posto norte-americano que os Estados Unidos m na Ilha de Fernando de Noronha”
416
, e
que “há mais de um ano, submarinos observam a ilha. (...) avistados a olho nu, durante
mais de uma hora pelos próprios norte-americanos”.
417
“Moradores de Fernando de
Noronha, por outro lado, têm avistado submarinos e embarcações estranhas rondando à
pequena distância”
418
a ilha.
Por outro lado, esse movimento de submarinos era também observado ao largo da
parte Sul americana. O presidente da Argentina, Arturo Frondizi, anunciava que no dia 18
413
Diário de Pernambuco, 15 abril de 1958.
414
Diário de Pernambuco, 15 abril de 1958 - ENERGIA ARMAZENADA PELO SOL.
415
Desde a segunda metade dos anos 50, Os Estados Unidos e União Soviética estavam envolvidos em outra
competição além da corrida nuclear: a disputa pelo desenvolvimento da tecnologia de exploração espacial.
Os soviéticos se adiantavam e lançavam, em outubro de 1957, o Sputnik I, satélite artificial a ser colocado
em órbita da Terra. Menos de um mês depois, lançavam um segundo satélite, dessa vez transportando um ser
vivo (uma cadela). Os norte-americanos, considerados como uma das áreas estratégicas da Guerra Fria, em
1958, iniciava um vasto programa espacial, através da criação da NASA (National Aeronautics and Space
Administration), do Projeto Apolo. Mesmo com todos os esforços americano em superar os russos, foram
eles que em 1961 enviaram ao espaço um satélite ocupado pelo 1º ser humano (Iuri Gagarin) que permaneceu
108 minutos em órbita. Em 1969, como um dos resultados do Projeto Apolo, e para demonstrar o poder
americano neste cenário tecnológico, os EUA lançavam dois astronautas ao espaço. Só que dessa vez,
diferente dos russos, esses desciam a Lua. DIAS JÚNIOR, José Augusto & ROUBICEK, Rafael. Guerra
Fria, a era do medo. (Coleção História em Movimento). 2ª edição, São Paulo: Ática, 1999. pp 50.
416
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1958 ESPIONAGEM DOS RUSSOS EM TORNO
DE FERNANDO DE NORONHA.
417
Revista Nordeste, 07 de julho de 1958. – A TERCEIRA GUERRA PODERÁ VIR DO OCEANO
ATLÂNTICO.
418
Revista Nordeste, 07 de julho de 1958.
129
de maio de 1958, “a marinha argentina havia avistado um submarino e que lançara cargas
de profundidade contra o barco”
419
, intensificando a vigilância em toda a área do Atlântico
Sul.
Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha negaram que qualquer de seus submarinos
estivesse operando naquela região, presumindo que era um submarino russo.
(...) o Pentágono não faria qualquer comentário sobre a questão, considerada
um assunto de maior segredo
420
,
concluía a notícia do jornal do Rio de Janeiro. O governo brasileiro não mediu as
consequencias: havia uma ameaça real ao ceder parte de seu território aos Estados Unidos
em nome de um plano de governo e desenvolvimento, posto que o governo brasileiro fosse
o primeiro a violar os princípios de soberania de uma nação, ao expor seu povo e o
território - lembrando que a base dos requisitos para a soberania é o reconhecimento e
respeito ao povo, ao governo definido e ao território - sem ao menos ter seu consentimento
(por meio de possível plebiscito) em troca do dinheiro americano, através de assistência à
execução do lema 50 anos em 5.
O Diário de Pernambuco em 1956, poucos meses antes de ser assinada a cessão de
Fernando de Noronha, publicava em uma de suas matérias a eficácia dos norte-americanos
em conseguir “libertar uma nova fonte de energia química armazenada pelo sol nas
camadas aéreas superiores... capaz de conduzir [...] meios [...] para a propulsão de [...]
foguetes muito acima da atmosfera terrestre”
421
. A notícia dada provocava o alerta de que
novas tecnologias estariam sendo produzidas para a conflagação de um terceiro conflito em
contradição a um discurso de que tais medidas garantiriam a paz mundial. Contudo, não se
percebia que o caráter de propaganda militar ainda fazia parte da mostragem de poder de
que tanto estadunidenses quanto russos se utilizavam e que dava o caráter ideológico para a
Guerra Fria: o de uma guerra psicológica.
Alguns militares brasileiros ficavam atentos a todas essas transformações. O ano de
1958, que marca o início do funcionamento das instalações americanas na Ilha de Fernando
de Noronha, também é de troca do comando militar brasileiro. O major Abelardo de
Alvarenga Mafra (que governou a ilha entre 1955 1958) se apresentava nessa história
com atitude contraditória, algumas vezes: Ao mesmo tempo em que se indignava com a
419
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1958 ESPIONAGEM DOS RUSSOS EM TORNO
DE FERNANDO DE NORONHA.
420
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1958.
421
Diário de Pernambuco, quarta-feira, 28 de março de 1956 – Energia armazenada pelo Sol.
130
forma que esses estrangeiros chegavam ao Território, “como os donos da terra”
422
, o dever
de militar chamava-lhe a atenção. Mesmo vendo essa chegada como um cumprimento do
“plano estabelecido no acordo Brasil Estados Unidos de 1952” e que aos poucos “vai se
transformando numa base de importância vital para a defesa do continente”
423
, protestava
“contra o comportamento desses elementos [no caso os americanos] que reproduziam as
atitudes da equipe dirigente e por isso ameaçavam sua autoridade”
424
, como aponta Clarice
Peixoto (1983). Marcas no cotidiano dos reflexos de uma política de entrega praticada pelo
governo brasileiro, cujo manifesto do Major Mafra era a “força da palavra enquanto
narração”
425
, da sua luta em prol da soberania brasileira. Em documento encaminhado ao
comandante da Região Militar, temos uma clara demonstração do poder que as patentes
ali empregadas engendravam:
Esses elementos aqui chegaram como os donos da terra. Poucas informações
nos deram e as deram após pedidos em caráter oficial. Ficaram alojados no
destacamento da FAB. Estudaram e reservaram certas áreas, as quais localizei e
remeti um croqui...
Solicito vossa excelência, providências para que seja este governo e guarnição
melhor informados, a fim mesmo de haver uma maior coordenação de trabalhos
e estar a par do que se fará na ilha, possibilitando, também este comando
informar com segurança a essa região o que se passa.
426
Vigiar quem vigia. Uma proteção a mais à soberania brasileira, que influenciava a maneira
como a engenharia e a organização dos espaços em Fernando de Noronha eram conduzidas
em benefício do vigiamento dos que estavam no Território Federal.
Por outro lado, o seu sucessor no comando da guarnição de Fernando de Noronha
em 1959, Coronel José Francisco Costa, não fazia obstinação à presença estrangeira,
mesmo porque, em Noronha nada mudara para esse. “Continuava a ser hasteado
exclusivamente o pavilhão nacional brasileiro”
427
como vinha determinado no artigo do
ajuste, em resposta (ou confirmando) de que ali era território brasileiro, e iria, assim,
continuar sendo. A Área, como era chamado o espaço destinado à instalação do POT
422
PEIXOTO, Clarice Ehlers. Fernando de Noronha: ilha de sonho e de assombração. Dissertação
(Mestrado em Antropologia social). Rio de Janeiro, 1983.
423
Diário de Pernambuco, 14 de setembro de 1957 – DECLARAÇÕES DO GOVERNANDOR MAFRA.
424
PEIXOTO, op. cit. pp. 33.
425
GAGNEBIN Jeanne Marie. Lembrar, Esquecer, Escrever. 1ª Ed. – Editora 34: 2006. pp. 109.
426
Idem; parágrafos 5º e 6º do documento retirado da dissertação nas pp. 33 e 34.
427
Texto das notas brasileira e americana, referentes ao acordo entre o Brasil e Os Estado Unidos da América
para a construção, na ilha de Fernando de Noronha, de instalações, especialmente de natureza eletrônica,
relacionadas com o acompanhamento de projeteis teleguiados. Serviço de informação; Ministério das
Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 1957. pp. 04.
131
(Posto de Observação dos Teleguiados) na época (e que ainda pode ser observada nas falas
de quem viveu essa época), com exceção da telemetria (que se localizava no Morro
Francês), estava concentrada na região do Boldró, ao sul do Pico, chamada pelos norte-
americanos de “Broadway”.
428
Nome dado, talvez, por influência da geografia do lugar:
uma campina (um descampado) que deixava livre o campo de visão para o Oceano a quem
se encontrava nas instalações. A imagem a seguir proporciona perceber o campo de visão
que estes estrangeiros possuíam de toda a ilha e do Oceano. Da estação de telemetria (cuja
fotografia foi tirada) poderíamos ter uma visão total do POT instalado na região do Boldró
e destacado aqui em vermelho.
Ilustração 25 – Imagem da área destinada as instalações da base americana. CEPEHC-FN; acervo
Nemu Rodrigues Reis, 1969.
Na estação meteorológica se lançavam “balões-sonda”. É daí que, na fala de seu
Davi, projeta-se o lançamento de algum míssil:
Dava pra ver a manobra. Ele [o americano] solta ele [o teleguiado, no caso o
balão-sonda], s “tamo” com o motor tudo pronto, ele [o teleguiado, no
caso o balão-sonda] anda um bocado de quilômetro [...] quando ele chega aqui,
o navio impulsiona ele aqui pra cima de Noronha. quando ele tava perto
tantos minutos pra chegar em Noronha. Noronha recebia ele com
428
Diário de Pernambuco, 13 de outubro de 1957. (o significado da palavra Broadway: broad (adj.) = amplo,
largo; way (subst.) = caminho, via).
132
eletricidade. Trazia ele daqui. O que eu nunca perguntei, porque eu não
entendia de inglês muito, quase nada, e eles também nunca me disseram, daqui
pra onde era que ele [o teleguiado] tava fazendo um teste.
429
Apesar disso, as autoridades militares brasileiras são categóricas em seus discursos
de que a Ilha de Fernando de Noronha não fora destinada ao lançamento de míssil. Na
época, conforme o comunicado do Ministro Macedo, “Fernando de Noronha não se
destinava ao lançamento de projéteis. Tinha como único objetivo fornecer meios para
seguir e observar os que forem lançados com propósitos experimentais de Patrick Fiel na
Flórida”
430
e “que nada tem haver com os lançamentos bélicos ofensivos dos misseles”
431
,
reforçado, por outro lado, pelos representantes da PAA e RCA Victor na ilha, tempo
depois. Era imersa nessas exposições que a então frágil - e já violada - soberania do Brasil
era salvaguardada, apesar do Comandante da Ilha, Coronel Costa, afirmar categoricamente
que a nossa bandeira continua tremulando sozinha no mastro do velho Forte dos
Remédios”.
432
Nos 11 edifícios norte-americanos, “cercado com tela. Em cima da tela, alta
tensão de 3.200 volts, para ninguém entrar. Na frente uma guarita, com uma sentinela no
Exército. Era uma segurança”
433
(pelo menos contra os civis brasileiros, que não tinham
permissão para entrar na base). Existia de tudo necessário ao conforto dos estrangeiros. O
relato de Seu Chiquito, que chegara na Ilha de Fernando de Noronha no ano de 1958, nos
proporciona perceber a divisão de territórios. E mesmo o Brasil estar vivendo um dos seus
piores momentos da década de 1950 e, ainda, em delicada relação com os Estados Unidos,
os norte-americanos instalados em Noronha constituíam-se em área de Segurança
Internacional.
429
Entrevista concedida no dia 31 de julho de 2007; EPV 0801 e 0802; Entrevistado: Davi Alves Cordeiro
Seu Davi; Local: Residência de Seu Davi; Duração total/ aproximada: 1 hora e 40 minutos; n. de páginas
do depoimento transcrito: 26. Seu Davi tem a sua história na ilha juntamente com a sentença do pai. Preso
no ano de 1913, o Sr. Antônio Alves Cordeiro, foi enviado ao presídio para cumprir pena de homicídio. Seu
Davi é o homem mais antigo nascido em Fernando de Noronha. Com os seus 76 anos é guardião de uma
memória invejável sobre Noronha. Atualmente reside na ilha com a família.
430
Jornal do Comércio, 01 ago. 1957.
431
Diário de Pernambuco, 15 abr. 1958.
432
Diário de Pernambuco, 31 mai. 1959 – ABSOLUTA A SOBERANIA BRASILEIRA.
433
Entrevista concedida no dia 02 de agosto de 2007; EPV 0701 e 0702; Entrevistado: Francisco de
Oliveira – Seu Chiquito; Local: Residência de Seu Chiquito; Duração total/ aproximada: 1 hora e 40 minutos;
n. de páginas do depoimento transcrito: 24. Seu Chiquito aportou à ilha no dia 02 de março de 1958. Foi a
convite do irmão, que o levava a ir trabalhar “com os americanos”. Trabalhou como encanador, ofício que o
permitiu se aposentar pelo Território Federal de Fernando de Noronha. Casou-se com Dona Nice, nascida e
criada na ilha. Uma ilhoa, por assim dizer. Atualmente reside em Noronha, juntamente com sua família.
133
Ilustração 26 – Imagem da entrada das instalações americanas que compunha o POT e seus 11
edifícios. Neste espaço localizado na parte Sudoeste da ilha, destinava-se o alojamento e o rancho para
o lazer e as refeições. Arquivo CEPEHC-FN, acervo Artur Valdevino de Souza, 1960.
Algumas dessas ilhas eram Repúblicas Independentes e obter permissão para
montar estações de rastreio de mísseis demandava negociações detalhadas com diferentes
governos. “Os naturais dessas ilhas, em sua maior parte, nunca tinham ouvido falar de
mísseis e poderiam, portanto, entrar em pânico se vissem um deles riscando o céu ou
precipitando-se no oceano”
434
, coisa que percebemos não ter acontecido em Fernando de
Noronha, e que pode ser constatada nas falas de quem viveu esse período, como
comprovam os testemunhos de Seu Davi e Seu Chiquito. Com esses dois narradores,
podemos perceber que tinham, os insulares, uma noção da tecnologia que estaria passando
de Canaveral ao Arquipélago de Fernando. Ocorreu que a conclusão da base demandou
tempo. Depois de assinado o ajuste-decreto, noticiava-se que, em julho de 1957, a base
ficaria pronta: Algo que não acontecera. Até o final do ano de 1957, o que havia na Área
eram “11 galpões pré-fabricados de alumínio e um pequeno refeitório. Nenhum radar
instalado. Apenas o terminal oceânico do cabo submarino ligado diretamente ao Cabo
Canaveral na Flórida”.
435
A conclusão da base levou cerca de um ano para acontecer,
ficando pronta em dezembro de 1958.
436
434
SHELTON, op. cit. pp. 31.
435
Jornal do Comércio, 09 nov. 1957.
436
Diário da Noite, 30 jun. 1959 AMERICANOS SE PREPARAM PARA DEIXAR POSTO DE
TELEGUIADOS.
134
A presença dos Estados Unidos em solo insular brasileiro se apresentava
significativamente conveniente tanto para os militares brasileiros quanto para a população
local. Aos primeiros, era a garantia de “aliviar” “o orçamento do Ministério da Guerra (...)
assegurando a permanência do atual serviço de transporte aéreo norte-americano”
437
,
garantida na “viagem semanal de Globemaster
438
do Território para o “continente”, como
também a assistência à saúde e às instalações que seriam disputadas por entre as três forças
militares do Brasil, principalmente os equipamentos utilizados pela estação de
comunicação e de serviços meteorológicos (estação de telemetria). Para o segundo grupo,
habitantes da ilha, surgiam a possibilidade de ganhar dinheiro - no caso, o dólar - e ‘ficar
rico’. Seu Zé Lago aponta que “o pessoal [referindo-se a todos os que viviam em Noronha]
se servia do americano. Se servia do americano, que o americano era opulência, o
americano era o dinheiro, era o rico, e nós éramos os miseráveis”.
439
A ideia de que
poderiam alcançar certa riqueza com a circulação local do dollar, construída na imagem
estrangeira em Noronha, provocava aos que residiam na ilha, fossem funcionários a serviço
do Exército ou do Território Federal de Fernando de Noronha, a trocar o trabalho
promovido pelo comando brasileiro pelas atividades oferecidas na base dos yankees.
Afinal, “o ‘dollar’ significava bem-estar”.
440
que “era uma população insulada, pobre e
quase miserável, que no governo o único apoio às suas reivindicações, e porque não
dizer, do qual depende a sua própria sobrevivência”.
441
Isso acabava provocando certa
preocupação à administração militar brasileira, que via a sua mão-de-obra se direcionar a
outros espaços de trabalho e levava a tomar decisões para conter esse movimento
442
,
causando conflito entre os comandos militares brasileiro e americano existentes dentro da
ilha. Ou seja, a chegada do americano em Noronha era construída numa relação de
conveniência para os habitantes locais, e de conflito para os militares brasileiros que, neste
primeiro caso, interligava-se ao fator econômico trazido com o dólar, em oposição à
sensação de ver, dentro do Arquipélago, a soberania brasileira invadida.
437
OFÍCIO PRESIDENTE CMMBEU, 7 JUN. 1962.
438
OFÍCIO PRESIDENTE CMMBEU, 7 JUN. 1962.
439
Entrevista Seu Zé Lago.
440
NASCIMENTO, Grazielle Rodrigues do. De militar para militar: o dia-a-dia entre americanos e
brasileiros numa Noronha dos anos dourados.
Disponível em: http://sitemason.vanderbilt.edu/files/kwx9ja/Rodrigues%20Grazielle..doc. New Orleans:
BRASA IX/Tulane University, 2008. pp. 10.
441
Diário de Pernambuco, 23 jul. 1962.
442
NASCIMENTO (2008) pp. 10.
135
O Sr. Francisco Oliveira (Seu Chiquito), que foi parar em Fernando de Noronha
para trabalhar na base, conta em seus relatos que os norte-americanos “pagavam bem”,
mas apenas ganhava bem (“35 mirreis”) aquele que possuía um oficio/profissão.
O que era braçal ganhava quinze. Geralmente era a metade. Os funcionários do
Exército quando entravam de licença especial, iam trabalhar nos americanos,
que o seis meses [a licença]. Ai, quando terminavam a licença (...) não
voltavam para o emprego do Exército. Queria ficar no americano, que ganhava
mais. E o emprego público federal, que ganhava do Exército, era uma mixaria.
Ai foi obrigado o Major Mafra, empacar com os americanos que não podiam
pagar esse preço. E baixou o preço. Ai, baixou os salários dos funcionários [no
caso os trabalhadores da base] porque se não ele ia ficar sem nenhum
funcionário. O pessoal ia para o americano e não queria mais voltar pro
trabalhado dele, né?
443
Assim, os chamados ‘trabalhadores da base de teletipos’ não voltariam ao trabalho
do TFFN caso não fosse determinada uma ordem para tal. A disciplina imposta falava mais
alto pelo simples fato que os próprios americanos diminuíam o seu poder de barganhar a
mão-de-obra em favor da ‘paz’ insular. “Trinta e cinco ‘mirreis’” se tornavam em um
instrumento de poder cuja força não se encontrava entre as mãos militares, mas sim na
necessidade de sobrevivência. Essas relações de força aconteciam distante das
determinações impostas pelo Pentágono, como também pelas ligações diplomáticas entre
Brasil e Estados Unidos. Mesmo porque na visão de alguns moradores da Ilha de Fernando
de Noronha, “o dinheiro [ia] correr e muita gente [iria] ter onde trabalhar
444
com a
chegada dos estrangeiros.
Esses estrangeiros criavam uma nova categoria social dentro da Ilha: os
trabalhadores da base (chamados pelos norte-americanos de houseboy), desenvolvendo
atividades domésticas e técnicas, como “mecânica; torneiro; encanador; serviços gerais
cavando vala, assoprando boca de cano, roçando mato, como cozinheiro”.
445
Em que o
pagamento era o diferencial desses aos demais trabalhadores em Noronha, criando relações
de poder que os conferia enquanto diferentes e/ou superiores. O ambiente bélico e o temor
por um Conflito Mundial eram uma constante nas vidas desses que às vezes se viam
443
Entrevista Seu Chiquito.
444
Diário de Pernambuco, 27 jan. 1957.
445
Francisco Cazeca da Costa (Seu Chicô) - Entrevista concedida no dia 06 fev. 2008; EPV – 0703;
Entrevistado: Francisco Cazeca da Costa – Seu Chicô; Local: saguão do aeroporto de Fernando de Noronha;
Duração total/ aproximada: 36 minutos; n. de páginas do depoimento transcrito: 10. - Seu Chico da Horta
desembarcava em Fernando de Noronha no ano de 1952. Também um dos houseboy dos americanos, foi a
convite de um militar brasileiro para trabalhar para o Território Federal. É casado 49 anos com Dona
Olívia, que conhecera tempos depois da chegada. Atualmente, reside na ilha e tem um pequeno comércio
local.
136
“esquecidos pela provisão divina”
446
e acabavam se refugiando nos trabalhos que o
Território Federal de Fernando de Noronha lhes oferecia.
Janirza Cavalcante, em sua tese de doutorado, nos mostra que:
o tempo dos americanos era de muita fartura, em que eles costumavam distribuir
alimentos e roupas com a população civil. Por outro lado, de um espaço cercado
e fechado àqueles que não mantinham qualquer relação com o trabalho lá
desenvolvido, passou a ser lugar secreto, proibido, espaço e área dos
americanos.
447
Talvez, por conta de “ser lugar secreto, proibido, espaço e área dos americanos”
esse espaço social tenha provocado certo afastamento de parte da população não eleita a
trabalhar para estes estrangeiros. A dificuldade em se comunicar, por conta do idioma, a
patente distinta e diferente da brasileira, somadas ao reduto inacessível a muitos,
acentuaram ainda mais o sentimento de solidão experimentado pelos estrangeiros, que
tentavam saná-lo com as horas de lazer que lhes eram destinadas no cassino da base.
448
Também criavam uma suposta fronteira de segurança à própria soberania, bem ao longe no
Atlântico, na medida em que a política exterior brasileira era acusada de atentar contra a
soberania do Brasil com os inúmeros acordos, tratados, ações e ajustes ao governo dos
Estados Unidos como contrapartida para o desenvolvimento econômico.
O movimento social estabelecido entre brasileiros e estrangeiros não refletiam essas
relações, posto que, mesmo com as “rigorosas instruções”
449
impostas pelo Pentágono
como “de não se salientarem, nem de confraternizarem demais com os nativos”
450
, as
resistências existiam. Como a projeção de um filme:
Eles botaram uma tela muito grande ali em frente ao Clube do Pico [...] eu
vinha assistir filme. De noite, passavam aqueles filmes muito antigos, naquela
tela grande, aí eles não cobravam nada.
451
Todo mundo ia ali assistir ao filme, no Clube do Pico. Tinham dois cinemas,
tinha um (campal). Eu mesmo saia daqui ia mais ela, assistir filme ali. Todo
mundo, chegava lá, ficava lá, uma telona danada de grande.
452
446
Diário de Pernambuco, 25 jan. 1957.
447
ROCHA LIMA, op. cit. pp. 163-164.
448
NASCIMENTO , pp. 12
449
Revista O Cruzeiro, 01 jun. 1959.
450
Revista O Cruzeiro, 01 jun. 1959.
451
Entrevista: Seu Chiquito.
452
Entrevista: Seu Chicô.
137
“Mas dentro da estação rádio não entrava ninguém, nem o coronel, o governador da
ilha, entrava”
453
, destaca Seu Davi, dando os limites dessa soberania dentro de um
ambiente, com duas culturas distintas; noronhenses e teleguiados (no caso os norte-
americanos), que se entendiam enquanto parte de uma construção político-social, nessa teia
de poder que imbricava todos os que compunham os espaços sociais insulares.
No ambiente insular, a ida de trabalhadores à base seria um dos motivos para
conflitos entre brasileiros e americanos, vez que nem todos eram beneficiados pelo “dólar”
fácil que circulava com o “extraordinário” (um envelope com dinheiro semanal que era
pago por fora). No relatório da ESG (1960), o colaborador e estagiário da Equipe E,
Benedicto Pio da Silva, aponta que a diferença de pagamento entre um e outro era
alarmante. “Segundo informações do próprio governador, a situação se torna chocante,
pois enquanto a governadoria pode pagar somente Cr$ 150,00 por dia, os americanos
pagam Cr$ 560,00 por dia”.
454
Tal preocupação era também apresentada pelo Tenente
Coronel Jayme Augusto da Costa e Silva (Comandante da Guarnição de Fernando de
Noronha entre 1961 a 1970) que alertava sobre o vel salarial dos empregados brasileiros
na base americana ser “bem mais elevado que o equivalente do território”.
455
Além do que
se produzia um sentimento de inferioridade frente à “nação amiga”
456
, que convivia com
uma “falsa impressão da nossa capacidade administrativa”.
457
“Era o rico, cheio do
dinheiro, mandava em todo mundo, dava ordem, e o brasileiro ficava de crista baixa”, na
opinião de Seu Zé Lago.
458
E que patrocinava uma hostilidade interna. “A gente num podia
deixar de demonstrar que eles eram intrusos, entendeu? Era questão mesmo de
patriotismo”
459
, desenhando um cenário múltiplo e complexo de convivência e resistências
em nome do patriotismo. Duroselle (2000), neste sentido, aponta que “as relações com ele
[o estrangeiro] seriam originais. Isso é verdade: desde atitudes individuais, como o
casamento, às mais rotineiras, como o comércio, até atos de Estado”.
460
Contudo, pequenas
coisas poderiam servir como uma tática de o “invasor” querer ser tomado como autoridade
453
Entrevista: Seu Davi.
454
Relatório do Curso Superior de Guerra: o papel de Fernando de Noronha no quadro da segurança
nacional, ESG (Escola Superior de Guerra), 1960. Folha 07.
455
Relatório dos problemas administrativos do Arquipélago apresentado ao Excelentíssimo presidente da
República em reunião de governadores em maio de 1961, na cidade de João Pessoa. PP 15.
456
Relatório ESG, 1960. Folha 02.
457
Relatório ESG, 1960. Folha 02.
458
Entrevista: Seu Zé Lago.
459
Entrevista: Seu Zé Lago.
460
DUROSELLE, Jean Baptiste. todo imperio perecerá: teoria das relações internacionais; trad. de Anne Lize
Spaltemberg de S. Magalhães. Brasília: Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
2000. pp. 50-51.
138
maior dentro da ilha, que ao americano era oferecido “tudo para eles”, segundo Seu
Lago.
461
O brasileiro “num gostavam do americano. Era uma questão de brasilidade, de
patriotismo. A gente num aceitava o americano”.
462
Isso mexe um pouco com a questão de
territorialidade que, de acordo com Liziane Paixão (2000), é um dos limites dos Estados ao
exercício da soberania.
463
A possibilidade de compartilhar o mesmo espaço com o estrangeiro, que estava ali
em missão, fazia com que patentes entrassem em um jogo de demonstração de patriotismo,
para alguns e de sobrevivência a outros. Saber que “o americano tinha tudo oficialmente e
nada que não fosse oficial”
464
, leva-nos a perceber, através do olhar de um desses militares
patriótico que, no fundo, “era o despeito da nação pequena contra uma nação grande,
porque o sujeito via ‘O AMERICANO’”.
465
Como o “estrangeiro é um homem diferente e,
consequentemente, com comportamento estranho, até imprevisível”
466
, a relação de
superioridade versus inferioridade se mascarava como conveniente ao orçamento do
Território Federal.
461
Entrevista concedida no dia 06/05/2008; EPV 0806; Entrevistado: José Carlos Ferreira do Lago
Lago; Local: Residência de Seu Zé Lago; Duração total/ aproximada: 1 hora e 25 minutos; n. de páginas do
depoimento transcrito: 32. Seu Zé Lago chegou à ilha no ano de 1949. Sargento do Exército, era
responsável pelo Boletim da Guarnição. Os demais entrevistados do Projeto Vozes, como Seu Chiquito, Seu
Davi, Seu Odilon, etc. o relembram como “o Sargento que lutava pelos civis”. Seu Lago foi transferido
para o 14º RI (Regimento de Infantaria) em 1959, e nunca mais retornou a Fernando de Noronha.
462
Entrevista: Seu Zé Lago.
463
OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. O conceito de soberania perante a globalização. In: revista CEJ,
Brasília, n. 32, p. 80-88, jan. /mar, 2006.
464
Entrevista; Seu Zé Lago.
465
Entrevista: Seu Zé Lago.
466
DUROSELLE, pp 50.
139
Ilustração 27 – Imagem do cotidiano norte-americano, quando se dedicavam a hora de lazer no
Cassino dos Americanos. Espaço este que revela um pouco o conforto das instalações, cujo contraste
em tecnologia se refletia com a realidade de moradia entre o restante da população local (ilhoa).
Revista O Cruzeiro, 20 de setembro de 1958.
Dividir esses espaços levava a uma relação de hostilidade contra o americano visto
como “normalmente prepotente, de uma forma natural”.
467
A construção dos territórios da
Área e da Vila é o espelho das relações de força que existiam, numa divisão clara de
limites nas falas de quem viveu esse tempo. Uma era elaborada pela tecnologia, que
caracterizava os teleguiados enquanto progresso e riqueza. A outra era construída por uma
“arquitetura colonial do tempo do presídio”
468
, arcaica, que caracterizava a relação de
inferioridade entre “as provisórias habitações da vila americana”
469
e, “a começar pelo
comando que muito deixa a desejar”
470
, “às precárias instalações sanitárias da
população”
471
, em torno de 1.386 habitantes.
472
467
Entrevista: Seu Zé Lago.
468
Relatório ESG 1960 - habitação. pp. 04.
469
Relatório ESG 1960. pp. 14.
470
Relatório ESG, 1960. pp. 14.
471
Observações do Dr. Eduardo Demarchi Difini, Rio de Janeiro, 07 de junho de 1960. Colaborador da visita
da Equipe E (ESG) em 1960. pp. 04.
472
Relatório dos problemas administrativos do Arquipélago apresentados ao Excelentíssimo presidente da
República em reunião de governadores em maio de 1961, na cidade de João Pessoa. pp. 10.
140
Ilustração 28 – Imagem da Vila dos Remédios no ano de 1961, com todo o complexo arquitetônico e
urbanístico do período português, em que servia a manutenção do Presídio. Contraste com as
provisórias habitações norte-americanas que possuíam barracões com ar condicionado. Arquivo
CEPEHC-FN, acervo Izabel Azevedo Oliveira, 1961.
Mr. Joe P. Burris era um dos responsáveis do lugar. Project Manager da Jones-
Tompkins, aportou na Ilha (juntamente com 28 funcionários) quando as primeiras
instalações foram feitas com “barracões que possuem ar condicionado”
473
para depois
serem erguidos os 20 iglus. “Tudo é luxo nas instalações americanas”.
474
O comandante
responsável era o Tenente Coronel Reuben B. Moody que, juntamente com o Tenente Jack
Manning (Bureau of Docks and Yards Inspector) e o Sargento C. F. Cone, coordenava os
trabalhos com a instalação.
475
473
Diário da Noite, 22 dez. 1959.
474
Diário da Noite, 01 jun. 1959.
475
APEJE-PE; DOPS-PE; prontuário n. 4071 - Lista do pessoal americano a serviço do Projeto Nordeste, 19
nov. 1957.
141
Ilustração 29 – Lista do contingente norte-americano que foi trabalhar na construção da instalação da
base de rastreio em Fernando de Noronha. Um total de 78 americanos divididos entre técnicos civis e
militares. American Personal of Island of Fernando de Noronha. Fundo SSP/DOPS/ APEJE
Prontuário nº 4071. Recife, 19 de novembro de 1957.
A mão-de-obra local, insular, foi utilizada numa logística particular. Mas, é
necessário apontar que tanto os teleguiados (no caso os americanos) como os noronhenses
viveram períodos de riqueza e progresso. Mesmo que este progresso tivesse agraciado um
pequeno grupo que por lá habitava. Uma “ilha de sonhos”, mas também de “assombração”.
Diante das acusações de que em Fernando de Noronha a soberania brasileira teria
dado espaço às diretrizes militares dos norte-americanos instalados, o governador do
Território de Fernando de Noronha, Coronel José Francisco da Costa (que governou a ilha
de 1958 1961) organizava, em maio de 1959, uma recepção na ilha para 13 jornalistas. O
coronel Costa pretendia que os próprios correspondentes de 14 diferentes periódicos (entre
eles: Tadeu Rocha - DP; João Silveira - JC e Cláudio Tavares - FP) observassem e tirassem
suas conclusões a partir do que vissem referente à relação entre estrangeiros e brasileiros.
Ao retornar da visita, o Diário de Pernambuco noticiava em sua manchete: “ABSOLUTA
142
SOBERANIA BRASILEIRA NO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA”;
no Jornal do Commercio: “O NOSSO PAÍS CONTROLARÁ BASE DE FERNANDO DE
NORONHA: NENHUM PERIGO AO NORDESTE” e na Folha do Povo, que mesmo
publicando em sua manchete: “FERNANDO DE NORONHA, BASE DA GUERRA FRIA
DOS EEUU”, destacava que “Fernando de Noronha não é um território norte-
americano”.
476
Em finais de 1960, o Coronel Costa presenciava a retirada dos militares
americanos da base, restando apenas os técnicos da RCA e PAA (36, ao todo). “A Ilha de
Ascenção superava Fernando de Noronha”
477
, relatava o Diário de Pernambuco em
novembro de 1960. A renovação da cessão, conforme dispunha o artigo do ajuste, não
iria acontecer, tendo, portanto, o seu término em 20 de janeiro de 1962.
A passagem dos americanos na Ilha de Fernando de Noronha durante a instalação
da base de rastreio é cercada por permanências e rupturas: Permanência quando nos
referimos à relação que esses estrangeiros estabeleceram com o comando militar brasileiro
nos momentos iniciais da instalação que “reproduziam as atitudes da equipe dirigente e por
isso ameaçavam sua autoridade”
478
, bem como o alinhamento a uma política de
“dependência econômica” ao capital estrangeiro via Estados Unidos, que fazia do Brasil,
frente ao governo americano, não mais um aliado, mas sim um país que necessitava
“restaurar a ordem”
479
; e ruptura quando a passagem americana significava uma nova era
para Fernando de Noronha: inovação na engenharia com os Quonset, “o ar-condicionado,
as máquinas de lavar roupa e a coca-cola”.
480
Os Estados Unidos representavam o “milagre
do americano” com o dólar que chega; como também a chegada dos primeiros membros
que formavam o núcleo fundador da sociedade noronhense na atualidade.
Com os Estados Unidos, o TFFN viu aumentar em 30% (1956 1000hab. / 1961
1386hab.) a população insular, dando um outro significado ao ato de ir morar na ilha, que
não mais significava cumprimento de justiça, nem missão militar, mas algo que cercava a
busca por uma vida melhor, longe daquela experimentada no continente, especificamente,
no interior do nordeste (já que a origem desses era interiorana). A ilha se livrava do seu
estigma de cárcere e elevava-se ao posto vital para a segurança do Oceano Atlântico. Essa
idéia é percebida numa das falas de quem viveu esse período de Guerra Fria, instituído
476
Folha do povo, 10 jun. 1959.
477
Diário de Pernambuco, 23 nov. 1960 – MAIORES POSSIBILIDADES DE OBSERVAÇÃO.
478
PEIXOTO, op. cit. pp. 33
479
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. In: o Brasil Republicano. Org. Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida
Neves Delgado. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. pp. 215.
480
Revista O Cruzeiro, 01 jun. 1959.
143
como narrador de um passado que não quer cair no esquecimento. Esse narrador vai atrás
dos restos deixados por esse passado, segundo Jeanne Marie Gagnebin (2006).
Marcadamente, Seu Chiquito sentido à base de teleguiados em Noronha quando “aceita
que suas palavras levem adiante, como um revezamento, a história do outro”.
481
Esse outro
era o estrangeiro:
Seu Chiquito - aqui é uma base de guerra, é uma base de guerra. Isso aqui é
uma segurança para a guerra do Brasil. É um ponto avançado de guerra isso
aqui. Porque o nosso Brasil, graças a Deus, não tem guerra.
Grazielle – Graças a Deus.
Seu Chiquito Mas todo tempo que houver uma guerra, as Forças Armadas
ainda vai tomar conta disso aqui ainda. Agora eu espero que isto o aconteça
não.
482
Mas a memória se subleva denunciando que os detalhes, que no caso podemos perceber
enquanto “rastros da história”
483
, se transformaram em “narrações diversas”.
484
Ao tratar a
ilha como “um ponto avançado de guerra” Seu Chiquito, “reaparece” com a leitura que se
tinha a respeito da funcionalidade da Ilha. Ele reativa as lembranças da base norte-
americana na ilha “mesmo ao serem condenadas ao esquecimento”.
485
Neste sentido, “a
história é sempre, simultaneamente, narrativa e processo real que remete às dimensões
humanas da ação e da linguagem e, sobretudo da narração”.
486
“As palavras continuam
pensando”.
487
O TÉRMINO DO AJUSTE
O fim do ajuste coincidia com um panorama político brasileiro tumultuado e
conturbado nas relações com os Estados Unidos. Acusado pelo presidente americano John
F. Kennedy de adotar uma postura de “incompreensível”, Jânio Quadros era deposto do
cargo de presidente do Brasil em 25 de agosto de 1961. João Goulart recebia um “poder
emasculado”, segundo Moniz Bandeira (2007), cuja oposição militar era muito maior que a
experimentada por Juscelino em 1956.
481
GAGNEBIN Jeanne Marie. Lembrar, Esquecer, Escrever. 1ª ed. Editora 34: 2006. pp. 57.
482
Entrevista: Seu Chiquito.
483
GAGNEBIN pp. 44.
484
SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meio de comunicação. Trad. Rubia Prates
Goldoni e Sérgio Molin. – São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. pp. 34.
485
Idem, pp. 34 – 41.
486
GAGNEBIN, pp. 43.
487
SARLO, pp. 34.
144
A base de rastreio dos americanos na Ilha de Fernando de Noronha, portanto, não
fazia mais parte em discussões sobre a soberania brasileira, posto que agora as questões
girassem em torno dos comunistas no poder.
À medida que mais nos sentíamos ciosos dos nossos próprios interesses,
adotando uma política externa mais independente, deixando de considerar favas
contadas a nossa participação secundária e indireta em um bloco político e
militar, menos se falava no caso de Fernando de Noronha. Ninguém mais se
sentia com a audácia de repetir aquelas previsões estapafúrdias de que a ilha
não seria mais devolvida e de que houvera a alienação de uma parte do
território nacional.
488
Por outro lado, desde meados dos anos de 1959, alguns jornais noticiavam sobre o
fechamento da base. Pelo menos em termos militares. Mesmo o Diário da Noite, Jornal do
Comércio e o Diário de Pernambuco noticiando em suas edições (do dia 03 de julho de
1959, 04 de julho de 1959 e 04 de agosto de 1959, respectivamente) a informação de que a
base norte-americana estava sendo desmontada, e do “efetivo militar ter diminuído em
50%”
489
, “Fernando de Noronha não estava sendo abandonada pelos Estados Unidos”.
490
“Continuava a ser o posto 11 das experiências com projéteis balísticos
intercontinentais”
491
, segundo os responsáveis pelo comando da base da Força Aérea norte-
americana em Patrick Field (Coronel Robert Malloney) e do gerente/ sub-comandante da
base de Fernando de Noronha (Mr Newell). Na verdade, “o que acontecia era apenas uma
troca de equipamentos e de pessoal técnico para novo tipo de experiência. Como também a
substituição gradativa de técnicos norte-americano por cnicos brasileiros”
492
, completava
o representante yankee” e que cumpria, de certa forma, com o que constava o termo 5º do
ajuste-decreto de 1956.
493
Diante disso, a redução de pessoal técnico norte-americano na ilha, no ano de 1960,
não era novidade alguma. O que antes se concentrava em 90 estrangeiros (militares e
civis), agora se reduzia a 36 civis (apenas). Muito antes de se encerrar o prazo de cessão
(de cinco anos, podendo ser prorrogado para mais cinco) as instalações se apresentavam
488
Jornal do Comércio, 20 jul. 1962 - A DEVOLUÇÃO DA BASE E UMA CAMPANHA.
489
Diário de Pernambuco, 04 ago. 1959 – TROCA DE EQUIPAMENTOS.
490
Diário de Pernambuco, 04 ago. 1959 – USA NÃO VAI DEIXAR FERNANDO DE NORONHA.
491
Diário de Pernambuco, 04 ago. 1959 – USA NÃO VAI DEIXAR FERNANDO DE NORONHA.
492
Diário de Pernambuco, 04 ago. 1959.
493
Artigo - o governo dos Brasil e dos estados unidos da América concordam em que técnicos norte-
americanos sejam gradativamente substituídos por técnicos brasileiros, segundo condições a serem
estipuladas de comum acordo. DOPS/APEJE prontuário nº 4071.
145
quase que vazias “operadas por três a quatro empregados civis norte-americanos, da
PANAMERICA e diversos brasileiros”.
494
Quando a Panamerican foi embora, ficou aqui 5 americanos. Não foi embora
tudo de uma vez só, não. Ficou 5. Aí, por isso que tem o nome aqui: basinha
americana. Aqui onde tem o hotel de trânsito moravam 5 americanos. Aquela
estação rádio que tinha ali embaixo ainda tava funcionando. Foi a primeira que
começou a funcionar e a única que tava funcionando. Eles ainda tinham
interesse de renovar o contrato, voltar para Noronha. Mas o Governo Federal
não quis mais renovar o contrato. Porque ele alegou que eles estavam querendo
se apossar disso aqui. Porque isto aqui é um ponto estratégico de guerra. Para
comunicação, isso é o melhor do mundo, porque aqui o tem nenhuma
interferência. Você que tem uma estação de rádio amador que fala com a
NASA. Aquele major da aeronáutica que foi para lua, ele entrou em contato com
Sampaio, conversou com ele ali, bateu um papo com ele. É uma comunicação
limpa. Muito limpa. Não tem nenhuma interferência, por isso que os americanos
queriam.
495
Ilustração 30 – Imagem do posto de comunicação chamada de basinha americana, em que parte da
tecnologia de comunicação se encontrava sob o poder norte-americano. Revista O Cruzeiro, 20 de
setembro de 1958.
Nesse relato de memória, Seu Chiquito nos possibilita perceber a leitura que se
tinha sobre a utilização da ilha à base e aos americanos: “ponto estratégico de guerra”. Eis
o porquê de se pensar que “eles estavam querendo se apossar disso aqui”. A funcionalidade
estratégica da ilha para comunicação era um dos imperativos à permanência desses
americanos. Para tanto, o pedido do comandante de permanecer, na época, “quatro civis
494
Ofício do presidente da Comissão Militar Mista Brasil - Estados Unidos, 07 jun. 1962.
495
Entrevista: Seu Chiquito. Girfos meus.
146
norte-americanos, a fim de explorarem as instalações de hidrofones na ilha”
496
e o “serviço
de transporte aéreo norte-americano (...) na base de uma viagem semanal”
497
, também
podem ser tomados como um desses rastros. Por outro lado, O governo dos Estados Unidos
“Tinham interesse de renovar o contrato. Voltar para Noronha. Mas o governo federal não
quis mais renovar o contrato, porque ele alegou que eles estavam querendo se apossar
disso aqui”
498
, como nos relatou Seu Chiquito, um dos “trabalhadores da base”. O certo é
que a prorrogação do ajuste não aconteceu. Foi solicitada, apenas, uma autorização para a
permanência na ilha de alguns civis e instalações, renovada em 21 de janeiro de 1963. Eles
faziam funcionar a estação de telemetria da Panamerican. As instalações norte-americanas
na Ilha de Ascenção se apresentavam superiores às de Noronha, tanto em termos
militares como em eletrônica. A região se localizava mais ao centro do Oceano Atlântico e
dava uma maior liberdade para que os Estados Unidos pudessem realizar suas experiências
com as novas tecnologias de guerra sem, contudo, ficarem subjugados às ordens
brasileiras.
496
Oficio do Ministério da Guerra; Quartel General, IV Exército. Secretaria de Planejamento, Recife, 07 ago.
1963.
497
Ofício do Ministério da Guerra; Quartel General, IV Exército. Secretaria de Planejamento, Recife, 07 ago.
1963.
498
Entrevista: Seu Chiquito.
147
Ilustração 31 – Mapa com a disposição geográfica da ilha de Ascenção à Base de Patrick Field (Cabo
Canaveral) – Flórida, e que em linha reta, proporcionava uma maior eficácia ao lançamento e
monitoramento dos mísseis. Fundo SSP/DOPS/APEJE Jornal A VOZ OPERÁRIA: Nº401; Rio de
Janeiro, 26 de Janeiro de 1957.
Dois anos antes, porém, da base ser desativada em 22 de janeiro de 1959, a Ilha de
Fernando de Noronha recebia a visita da COPRONE (Comissão Projeto do Nordeste) que
foi criada pelo mesmo decreto que ajustava a cessão da ilha aos Estados Unidos (n. 41.142
de 13 de março de 1957). A Comissão era presidida pelo comando do IV Exército
499
, cujo
cargo estava sendo exercido pelo General Osvaldo Cordeiro de Farias e tinha como
objetivo “fiscalizar e coordenar as questões de caráter regional e a execução de todas as
medidas e providências necessárias ao cumprimento do ajuste-decreto”.
500
499
De acordo com o inciso do artigo - ainda contava com os comandantes do Distrito Naval e da 2ª
Zona Aérea, com sede na cidade de recife – Pernambuco.
500
Histórico da Comissão do Projeto do Nordeste (COPRONE). 07 ago. 1963.
148
Ilustração 32 – Imagem da Comissão Projeto Nordeste (COPRONE) quando em visita a Base de
Teleguiados na Ilha de Fernando de Noronha verificava a funcionalidade e importância das instalações
norte-americanas a segurança do território brasileiro. Fundo SSP/DOPS/APEJE prontuário nº 4071.
Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1959.
Durante a sua visita a Noronha, o General deixava registrado o objetivo da
Comissão: “inspecionar as benfeitorias da base e que serão assim visitadas por altas
patentes militares do Brasil”, como também dos Estados Unidos (como regia os termos da
COPRONE), além disso, que o Território Federal de Fernando de Noronha fazia parte de
um sistema continental de defesa, juntamente com o Brasil, “permitindo o funcionamento
em seu território de um simples Posto de Observação dos Projéteis Teleguiados (POT)”.
501
A simplicidade falada era uma resposta às acusações de que “em Noronha a soberania
brasileira estava sendo invadida”
502
, já que o dito muitas vezes se encontra no que não está
explícito no documento, fragmentado no discurso. Por outro lado, e como aponta Seu
Lago, “todo mundo vigiava” o americano e não seria diferente com a relação estabelecida
entre a COPRONE e os estrangeiros na ilha.
501
Jornal do Comércio, 23 jan. 1957.
502
Folha do Povo, 23 abr. 1957.
149
As visitas da Comissão, o desinteresse norte-americano com a Ilha de Fernando de
Noronha, militares brasileiros preocupados com o futuro da base de teletipos, inquietação
política social no “continente”, a Revolução Cubana e as consequências para o mundo do
alinhamento de Cuba com a União Soviética são algumas das características que vão
compor o panorama brasileiro na relação com os Estados Unidos. Daí, então, a
funcionalidade da Ilha de Fernando de Noronha dentro desse cenário.
O ano de 1962 apresentava uma região Nordeste em ebulição social causada pela
instabilidade política e os altos índices inflacionários que repercutiam na desaceleração da
economia e no desenvolvimento brasileiro. Com a eleição ocorrida em 1960, víamos
novamente se apresentar um Brasil (um país) com problemas sociais acentuados
(principalmente no campo), reivindicações do proletariado (principalmente nos sindicatos
de tendência comunista) e uma acentuada peleja brasileira frente aos investimentos vindos
por parte dos Estados Unidos. Joseph Page (1972) aponta que o Nordeste nesse período se
apresentava como uma região em que os Estados Unidos pouco desprendeu recursos ao seu
desenvolvimento e foi a revolução em Cuba que lhes serviu de alerta, vez que essa região
produzia verdadeiras “ilhas de sanidade”, como trata Henrique Alonso (2005). O
surgimento da Aliança para o Progresso
503
não foi suficiente para atender às reivindicações
dos movimentos sociais, tanto no campo como na região urbana, sendo, inclusive criticada
severamente por Fidel Castro, que achava o programa assistencialista do presidente
Kennedy “uma zombaria continental e consiste em oferecer aos latino-americanos uma
esmola (...) tem por fim manter o domínio colonial e imperialista sobre a América
Latina”.
504
Era um espelho dessas inquietações, a expansão e a importância que as Ligas
Camponesas, que iam adquirindo a partir de então, acusadas de serem veículos
catalisadores do comunismo e que, portanto, deveriam ser combatidas. “Os homens do
Pentágono [preparavam-se] para intervir nos países do continente para combater a revolta
503
A Aliança para o Progresso (Alpro) foi um programa do governo americano com o objetivo de promover
o desenvolvimento econômico mediante a colaboraçao financeira e técnica em toda a América Latina a fim
de não deixar aparecer um outro país com as características de Cuba. A sua origem remonta a uma proposta
oficial do Presidente Kennedy, em discurso pronunciado durante uma recepção na Casa Branca, em 13 de
março de 1961, para os embaixadores latinos-americanos. A proposta foi, depois, anunciada no Conselho
Interamericano Económico e Social (CIES) da OEA, em Punta del Este, em 1961. com execessão de Cuba,
os demais paises latinos aprovaram a execução da Alpro.
504
Folha de São Paulo, quarta-feira, 15 mar. 1961 - FIDEL ATACA O PLANO DE KENNEDY PARA AS
AMÉRICAS.
150
popular, que em alguns lugares, adquire a forma de luta guerrilheira”
505
, relatava um
jornal operário comunista, A Classe Operária (1962).
Enquanto, em Recife, viviam-se as inquietações sociais - na zona da Mata e na zona
urbana recifense - com o movimento operariado, na Ilha de Fernando de Noronha, a
preocupação era em torno de como adquirir (através do repasse firmado/estabelecido no
acordo) os equipamentos da base. No dia 20 de janeiro de 1962, o Major das Forças
Armadas norte-americanas, G. T. Perkins, e o representante do Departamento de Defesa do
governo dos Estados Unidos, Sr. Frank Winner assinavam, no IV Exército, 7ª Região
Militar em Recife, o término do ajuste de cessão, era acionada a Comissão Projeto do
Nordeste (COPRONE), que tinha como responsabilidade, neste momento, constituir uma
comissão militar para “o recebimento do acervo e as sugestões para a sua distribuição (...)
obedecidos os termos das instruções reguladoras das atividades da comissão”
506
(EME-31
jul. 57).
A função da Comissão Militar era receber as construções e as benfeitorias feitas na
Ilha pelos americanos, sendo essa chefiada pelo Comandante do IV Exército e tendo como
membros o Governador do Território que, na época, era o Coronel Jaime Augusto da Costa
e Silva. Inicia-se um breve período de negociações com a herança deixada pelo progresso.
Uma barganha entre as Forças Armas pelas instalações e equipamentos.
Seu Chiquito lembra que:
“quando os americanos foram embora, eles deixaram tudo funcionando. O
Exército passou o comando que era no palácio [de São Miguel] para essa sede
do IBAMA. Ali era uma estação rádio americana. o governador fez ali a sede
do governo”.
507
“A usina, deixaram dez motores com a usina. Deixava um caminhão com a
Aeronáutica, outro caminhão com o Exército, outras coisas com o Exército, e
deixaram e ficou aqueles ‘embrulho’ lá, jogado fora por ali, o Exército tomou
conta.
(...)
[O Exército] Ficou com a casa de força e a área da água, né?
ligou, em 62, o Xaréu [açude], que tava tudo pronto, ligou a água pra e
tinha água, foi fazendo encanação, essas coisas. E pegou o cassino em cima,
tomou conta. E o rancho
(...).
botou o sargento, funcionário, pra funcionar
só pra oficiais”
508
,
Completa Seu Davi.
505
A Classe Operária, Rio de Janeiro, 16 a 31 jul. 1962. n. 423. IANQUES PREPARAM 57.000
ANTIGUERRILHEIROS CONTRA A AMERICA LATINA.
506
Ofício do presidente da Comissão Militar Mista Brasil - Estados Unidos, 07 jun. 1962.
507
Entrevista: Seu Chiquito.
508
Entrevista: Seu Davi.
151
A saída dos americanos da Ilha de Fernando de Noronha pode ser observada como
uma mudança no “imperativo de defesa hemisférica” instituída pela segunda fase da
Guerra Fria, como trata o historiador Antônio Telo (1996), em que a URSS alcança os
EUA em termos de tecnologia nuclear e a nova fase cria e afirma subcentros regionais de
poder desde a China e a Índia, até o Brasil e o Irã.
509
O Major Richard Wier, comandante
da base de rastreio em 1962 ano do encerramento do ajuste-decreto nos possibilita
entender o que a ideia de guerra fazia entre e dentro dessa nova conjuntura de Guerra Fria
dos anos de 1960. O significado “arquipélago teleguiado”
510
não mais existia. A relação
social entre os que conviviam com esse elemento estrangeiro na ilha ficava cada vez menos
frequente, considerando-se a baixa no efetivo militar norte-americano. E “aos poucos a
sociedade brasileira absorve o nacionalismo, rejeitando aos velhos slogans histéricos”
511
,
publicava o Jornal do Commercio em seu editorial de 20 de julho de 1962.
Por se achar localizada no Atlântico, numa posição geográfica mais linear ao Cabo
Canaveral, e também em águas neutras, a ilha britânica de Ascenção assumia, para os
americanos, uma importância tática superior justificada pelo argumento de que “pode
constituir um triângulos de tiros com as de Cabo Canaveral e das Antilhas, formando um
conjunto de apenas três antenas capaz de substituir o polígono de doze e atender
perfeitamente ao serviço de telemetria de que necessitamos”
512
, relatava o Major Wier.
Era, também, o controle dos lançamentos de projéteis de maior alcance “que se dirijam ao
Oceano Índico e a outros pontos mais longínquos”. Com essa fala o major estadunidense
apontava a preocupação dos Estados Unidos com a segurança do Oceano Índico. Contudo,
o Major Richard Wier sabia da importância geoestratégica de Fernando de Noronha e
ponderou dizendo: “Fernando de Noronha conserva para as autoridades norte-americanas
grande valor [para um] sistema defensivo. Por isso, foi mantido ali o sistema MILS,
destinado a registrar a posição do foguete”.
513
A entrega do material e a sua utilização constituíam condição imperativa para a
manutenção e conservação do próprio TFFN, e aí, podem-se encontrar os reflexos do
progresso deixados por esses estrangeiros.
509
TELO, op. cit. pp. 128.
510
Folha do Povo, 07 e 13 jun. 1957.
511
Jornal do comércio, 20 jul. 1962 - A DEVOLUÇÃO DA BASE E UMA CAMPANHA.
512
Diário de Pernambuco, 12 mai. 1961 – AMERICANOS REDUZEM PESSOAL E EQUIPAMENTOS NA
BASE DE TELEGUIADOS DE FERNANDO DE NORONHA.
513
Diário de Pernambuco, 12 mai. 1961.
152
Portanto, a Ilha de Fernando de Noronha cumpriu com dois deveres: “não se
afastou de seus compromissos internacionais, notadamente, intercontinentais e cuidou da
defesa do Brasil”.
514
Base de Rastreio, Base para observação de Teleguiados, Posto de
Observação de Teleguiados, etc. pouco importa a nomenclatura, diante do fato de que o
Arquipélago de Fernando de Noronha presenciou como também participou ativamente, da
chamada Guerra Fria, materializada dentro de um sistema internacional em conformidade
com a hegemonia estadunidense frente ao restante do mundo. Participou ativamente da
corrida espacial e da quase esquizofrenia por segurança patrocinada com o constante alerta
de deflagração. Por outro lado, o arquipélago continuava (e continua) ainda distante das
decisões tomadas pelo governo, não cabendo a participação dos que a habitam, restanto a
esses obedecer e se adaptar ao novo que, no caso, era o estrangeiro.
Como a história é um processo em construção permanente, elaborada por sujeitos
individuais e coletivos, dinâmica complexa, que envolve ideologias, cultura, vida privada,
ações públicas, representações, imaginários, lutas, reações, resistências, valores,
instituições, entre múltiplas variáveis que constituem a complexa rede de inserção do
homem na vida em comunidade através do tempo
515
, este trabalho, que por hora se encerra,
não se esgota em possibilidades. Ficam aqui as brechas para outros olhares surgirem em
torno da história da Ilha de Fernando de Noronha percebendo que essa não é um mero
paraíso que serve de passagem (rota) nas águas do Oceano.
514
MINISTÉRIO DAS RELAÇOES EXTERIORES SERVIÇO DE INFORMAÇÃO - DECLARAÇÃO
DE MACEDO – 1957.
515
DELGADO, Lucilia de Almeida N. In: partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e
conflitos na democracia. - O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-
militar de 1964 / organização Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado. – Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003. – (O Brasil Republicano; v3), pp. 129.
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
No dia 31 de maio de 2009, os telejornais brasileiros noticiavam a queda de uma
aeronave comercial, um Airbus, que fazia o trajeto Rio de Janeiro Paris. O
desaparecimento da aeronave 477, da Companhia Air France, acontecera na região entre os
rochedos de São Pedro e São Paulo e o Arquipélago de Fernando de Noronha.
De imediato, o governo brasileiro deslocou a Marinha e a Aeronáutica para o local
do desaparecimento do Airbus da Air France. Era montada uma verdadeira operação
militar com navios, fragatas, aero-radares, sonares e efetivo militar ao arquipélago de
Fernando de Noronha. Toda uma logística montada para os primeiros procedimentos. Uma
estrutura para acomodar “250 pessoas”
516
, informava algum repórter. Os aviões de
propriedade da Aeronáutica (FAB), com seus radares, delimitavam em zonas, o local dos
primeiros destroços achados. Em 24 horas a ilha deixava de lado um cotidiano pacato,
turístico e paradisíaco e se transformava novamente em um “posto avançado”, mas “para
operação de resgate do Airbus”
517
, 53 anos depois de servir enquanto imperativo de
segurança hemisférica e 64 anos depois de ter servido como “um posto avançado para a
segunda guerra mundial”. A Ilha de Fernando de Noronha demonstra, na atualidade, a sua
característica mais acentuada que longe passa do turismo: a posição geoestratégica para
operações, seja de paz com o caso do Airbus na atualidade seja de guerra, como na
Segunda Guerra e Guerra Fria.
Essa funcionalidade inseria (e insere) a ilha como “um porta aviões em pleno
Oceano Atlântico
518
, em que (re)significa-se de acordo com a necessidade nacional e/ou
internacional.
O evento ocorrido com o Airbus no presente desprendeu do Brasil o mote para
mostrar a sua tecnologia militar com “equipes especializadas em busca”
519
e a estrutura
que, talvez, venha das várias concessões feitas com os Estados Unidos no pretérito. Há o
dever cívico de resgate das vítimas, acima das reflexões históricas, geográficas e
científicas. Caso contrário, tal reflexão seria desumana e inútil. No entanto, a
516
NETV 1ª edição – reportagem Carla Almeida.
517
Jornal da Globo – William Waack, 04 de junho de 2009.
518
VIEIRA, Pontes. Reorganização administrativa e desenvolvimento planificado de Fernando de Noronha.
Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas.
serviço de documentação do DASP (seção de publicações). Departamento de Imprensa Nacional, RJ, 1958.
pp. 12.
519
Editoria: Cidades, 01 de junho de 2009.
154
modernização das Forças Armadas de hoje está longe daquela verificada nos documentos
do tempo de Guerra Fria, em que a Guarnição de Fernando de Noronha não passava de
“200 soldados, com equipamentos militares velhos e antiquados e fuzis superados”
520
,
havendo “um completo abandono das características militares”.
521
O entrar e sair de aviões na pista de pouso e decolagem de Fernando de Noronha e
a movimentação de estrangeiros lembravam os americanos em 1956, movimentando a ilha
com a chegada da “grande novidade” daquela época, então quase um mistério para os
nativos, mas argumento de uma mudança irreversível no seu cotidiano e nas relações que
se estabelecem a partir de então: “os teleguiados”.
522
No pretérito, fora montada uma base com fins militares, e no presente os militares
montaram uma base com fins de resgate. É a garantia de servir enquanto ponto
geoestratégico que faz do arquipélago de Fernando de Noronha um ponto destacado nas
rotas do Oceano Atlântico, seja marítima ou aérea, assegurando que esse ponto de 26 km
quadrados não é um mero lugar de passagem.
Diante de dois fatos que entrelaçam os tempos históricos da Ilha de Fernando de
Noronha, e acreditando que “o historiador é sempre de um tempo”
523
,“ provar algo não se
constitui na parte mais importante e interessante de um trabalho histórico
524
, pois o tempo
histórico que rege Noronha é cercado de estranhamentos e de descobertas. Um tempo rico
em memórias e falas narrativas não contempladas totalmente.
Ao longo dos capítulos trabalhados narram-se uma história e uma memória de
Guerra Fria, de reflexos pelos quais a humanidade ainda sofre, como a ida do ser humano à
lua (ao espaço), a tecnologia rompendo a barreira da informação, a internet e os
armamentos de longo alcance que observamos serem reativados pelo mundo (a exemplo
dos lançamentos realizados pela Coréia do Norte nos dias 5 de abril e 25 de maio de 2009,
quando da realização de um teste nuclear).
525
A Ilha de Fernando de Noronha vai ser
tomada como um dos palcos para a Guerra Fria quando é posicionada nos planos de defesa
520
Revista Nordeste, 07 de julho de 1958.
521
Relatório do Curso Superior de Guerra: o papel de Fernando de Noronha no quadro da segurança
nacional, ESG (Escola Superior de Guerra), 1960. pp. 14.
522
Jornal do Comércio, 29 de janeiro de 1957.
523
RÉMOND, René. Por uma Historia Política. Coord. René Rémond; trad. Dora Rocha. Ed. Rio de
Janeiro: FGV, 2003. pp. 13
524
ROLIM, op. cit. pp. 182.
525
Ações pelas quais violou a resolução 1.718, de outubro de 2006, que condenavam um possível teste
nuclear, o que resultaria em sanções, caso fosse efetuado. A resolução tomada pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas (ONU) impõe um embargo total às exportações de armas do país asiático e amplia a
proibição das importações de armamento, além de permitir a inspeção de navios e de aviões suspeitos de
transportar armas de destruição em massa.
155
para o hemisfério Ocidental, construído pelos chamados Estados da União” pelo governo
norte-americano de Eisenhower, que previa a manutenção dos regimes democráticos nos
Estados a eles aliados. Uma área estratégica para o ataque e a defesa da ponta nordeste do
Brasil, do centro do Oceano Atlântico e sul das Américas.
Diante do exposto, a salvaguarda da soberania brasileira dependia das diretrizes
político-militares dos Estados Unidos para a América Latina, numa tentativa de livrá-la da
“ameaça” comunista, cuja ideia atentava contra a democracia do mundo livre, que no caso,
referia-se à Europa Ocidental, aos Estados Unidos e aos países latinos. Contudo, essas
idéias, no Brasil, teriam eco com as Ligas Camponesas a partir do ano de 1959. Serviam de
alerta, juntamente com a Revolução Cubana, para que o governo americano se voltasse
para as questões sociais brasileira. A Ilha de Fernando de Noronha desenhava o ponto
limite aos dois lados opostos do Atlântico, fronteira entre o mundo capitalista e socialista,
estrategicamente eleita num cenário tecnológico bélico e armamentista como ponto de
convergência e visualização que agregavam mar, ar e terra em áreas não mais
internacionais. Os acordos de 1947 (TIAR), 1952 (Acordo Militar Brasil - Estados Unidos)
e 1956 (Tratado Fernando de Noronha) garantiram isso em momentos diferentes.
Exposto isto e pensando a segurança do território enquanto princípio elementar da
defesa da soberania do Estados
526
, a História do arquipélago de Fernando de Noronha se
encerra numa história militar em que a garantia de pátria e da razão de ser brasileiro
atingia os brios de muitos: Perguntando ao Sr. do Lago, sub-oficial do Exército
aposentado, qual o sentido da brasilidade e de patriotismo ele respondeu:
Seu Lago Tudo. Tudo [enfático]. Porque eu, como soldado, entrei pro
Exército com 17 anos. Aquilo entranhou na minha alma, compreendeu como é?
E eu não entendia outra coisa que não fosse a palavra Brasil. O orgulho de ser
brasileiro eu tinha. E tenho. Mas eu tinha numa escala quase que absurda,
entendeu?
527
Assim como o historiador Tácito Rolim (2006), não busco a verdade na história.
Não quero mergulhar cegamente e incondicionalmente na direção desta. “Quero, a
exemplo de nosso planeta orbitar em torno dela, dada a sua influência para com o ofício do
526
TAVARES, op. cit. pp. 156.
527
Entrevista concedida em 06/05/2008; EPV0806; Entrevistado: José Carlos Ferreira do Lago Lago;
Local: Residência de Seu Lago; Duração total/ aproximada: 1 hora e 25 minutos; n. de páginas do
depoimento transcrito: 32.
156
historiador e ser sempre para ela que dirijamos nossas forças, energias e compromissos
com o fazer histórico”.
528
O tempo dos americanos se encontra esquecido pela Ilha. As estradas de pretas
pedras ainda têm por falar. Mas para (re)elaborar o passado, se faz necessário o exercício
de esquecer, percebendo os rastros deixados por este exercício.
529
Narrar - argumentar à
luz dos documentos, discursos, imagens, periódicos como se deu o fato histórico - provar a
construção da competência para a pesquisa, usar os documentos pesquisados na
fundamentação do seu argumento e todos os demais métodos e recursos fazem parte da
agonia que é enveredar pela escrita histórica.
O que podemos apontar é que essa historia não se esgota aqui. Ainda é possível vê-
la materializada nas ruínas dessa passagem americana, tanto na Segunda Guerra (com as
ruínas dos depósitos americanos e da bateria antiaérea) como na Guerra Fria (nos prédios
que antes serviram como complexo do P.O.T e hoje se encontram ameaçados de serem
demolidos em nome da preservação ambiental). Aqui, ficam as possibilidades de outras
reflexões a respeito da história de Fernando de Noronha, mas também possibilidades de
estudo da relação Brasil X Estados Unidos e a Guerra Fria, carentes de trabalhos e análises.
Agora, como o movimento das ondas, recuo para o mar com a certeza de
novamente desaguar em alguma outra praia de Fernando.
528
ROLIM, pp. 75
529
GAGNEBIN, pp. 105.
157
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- 03 jun.1959, Americanos se preparam para deixar o posto de teleguiados de Noronha; O
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- 30 jun.1959, Americanos se preparam para deixar postos de teleguiados. S.l., s.n.
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de Noronha.
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DIÁRIO DE PERNAMBUCO. ARQUIVO PÚBLICO JORDÃO EMERENCIANO
(APEJE-PE).
- 25 dez.1941. Recife, s.n.
- 04 ago.1943. Recife, s.n.
- 04 mai.1944. Recife, s.n.
- 06 jan.1956. Recife, s.n.
- 08 jan.1956. Os comunistas e o Governo. Recife, s.n.
- 10 jan.1956. O combate à inflação e o crescimento acelerado da riqueza nacional.
Recife. s.n.
- 11 jan.1956. Formação do Ministério. Recife. s.n.
- 12 jan.1956. Maior ajuda norte-americana aos países economicamente atrasados.
Recife. s.n.
- 12 jan.1956. Declaração enviada pelos estados à Assembléia Geral das nações Unidas.
Recife. s.n.
- 02 fev.1956. Ofensiva Soviética sobre os mercados latino-americanos. Recife. s.n.
- 02 fev.1956. Grave denúncia sobre a União Soviética. Recife. s.n.
- 03 fev.1956. Acusações aos Estados Unidos. Recife. s.n.
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- 03 fev. 1956. Nova Carta de Bulganin ao Presidente Eisenhower (Contribui o
trabalhismo no Brasil para uma sólida economia nacional.). Recife. s.n.
- 04 fev.1956. Luta comum do Brasil e EEUU. Recife. s.n.
- 04 fev.1956. Preconiza Juscelino uma nova fase de entendimento entre Brasil e Os
Estados Unidos (Necessidade de Capitais Estrangeiros sem o caráter de Usura ou
Filantropia.). Recife. s.n.
- 11 fev.1956. Recife, s.n.
- 15 fev.1956. Recife. s.n.
- 22 fev.1956. Nixon expõe o perigo da ofensiva econômica soviética. Recife. s.n.
- 02 mar.1956. Acima da política, no combate ao comunismo. Recife. s.n.
- 02 mar.1956. Declaração de Einsenhower. Recife. s.n.
- 18 mar.1956. JUSCELINO: o povo brasileiro anseia por um ambiente de paz e
harmonia. Recife. s.n.
- 29 mar.1956. Ofensivas contra as táticas de penetração russa. Recife. s.n.
- 29 mar.1956. Solidariedade Continental. Recife. s.n.
- 29 mar.1956. A Rússia encoraja o surgimento de ditadores. Recife. s.n.
- 19 abr.1956. Apreensiva as Forças Armadas, em face da venda de minérios atômicos.
Recife. s.n.
- 11 mai.1956. Recife. s.n.
- 24 mai.1956. A Escola Superior de Guerra. Recife. s.n.
- 26 mai. 1956, Seria instalado no Recife o escritório do Ponto IV. Recife. s.n.
- 26 mai. 1956, Maior assistência à área subdesenvolvida do país. Recife. s.n.
- 05 jun.1956, Recife. s.n.
- 22 jan.1957, Declaração do Ministro Macedo Soares - esclarecimentos. Recife. s.n.
- ROCHA, Tadeu, Recife, 25 jan.1957.
- LUIS, Fernando, Recife, 27 jan.1957.
- 30 jan.1957, FERNANDO DE NORONHA: exemplo das boas relações entre o Brasil e
os Estados Unidos. Recife. s.n.
- 30 jan.1957, Fernando de Noronha do futuro. Recife. s.n.
- 27 jun.1957, Visita de JK à base de teleguiados. Recife. s.n.
- 27 jun.1957, Importância de Fernando de Noronha na defesa do continente. Recife. s.n.
- 11 set.1957, Fernando de Noronha, um dos 11 postos de controle de foguetes instalados
pelos EE Unidos, desde a Flórida. Recife. s.n.
- 14 set.1957, Declarações do Governador Mafra. Recife. s.n.
- 13 out.1957, Recife. s.n..
- 14 abr.1958, Alguns equipamentos já estão sendo testados no Arquipélago. Recife. s.n.
- LUIS, Fernando. Recife, 15 abr.1958, Energia armazenada pelo sol.
- ROCHA, Tadeu, Recife, 31 mai. 1959, Absoluta soberania brasileira.
- 23 jul.1959, Recife. s.n.
- GUTEMBERG, LUIS, Recife, 04 ago.1959, Troca de equipamentos.
- 04 ago.1959, USA não vai deixar Fernando de Noronha. Recife. s.n
- 23 nov.1960, Maiores possibilidades de observação. Recife. s.n.
- 12 mai. 1961, Americanos reduzem pessoal e equipamentos na base de Teleguiados de - -
Fernando de Noronha. Recife. s.n.
- 30 abr.1962, ALIANÇA e BID no mesmo plano. Recife. s.n.
- 23 jul.1962. Recife. s.n.
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FOLHA DA MANHÃ. ARQUIVO PÚBLICO JORDÃO EMERENCIANO (APEJE-PE).
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FOLHA DE SÃO PAULO. ARQUIVO PÚBLICO JORDÃO EMERENCIANO (APEJE-
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Disponível em:
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Disponível em:
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Disponível em:
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FOLHA DO POVO. ARQUIVO PÚBLICO JORDÃO EMERENCIANO (APEJE-PE).
- 05 jan. 1957, Novo e poderoso elo na luta contra a entrega de Fernando de Noronha.
S.l., s.n.
- 03 fev. 1957, O Brasil não precisa ser caudatário de ninguém. S.l., s.n.
- 12 fev. 1957, Nenhum soldado americano em nosso território. Nenhuma base estrangeira
em nosso solo! S.l., s.n.
- 1º mar.1957. S.l., s.n.
- 08 mar. 1956 – Boicotemos o boletim do Consulado Americano. S.l., s.n.
- 23 abr. 1957. S.l., s.n.
- 24 abr. 1957. S.l., s.n.
- 29 mai.1957, Não permitamos que o solo nacional se torne numa Base Norte-americana.
S.l., s.n.
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restrições. .
- 10 jun.1959. S.l., s.n.
- TAVARES, Cláudio, Recife, 13 jun. 1959, A própria situação reclama dúvidas e
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JORNAL DO COMÉRCIO. ARQUIVO PÚBLICO JORDÃO EMERENCIANO (APEJE-
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PERNAMBUCO (Estado). PRONTUÁRIOS DOPS: N. 7.865 Convenção pela
Emancipação Nacional;
PERNAMBUCO (Estado). PRONTUÁRIOS DOPS-PE: N. 8.121 – Aços Maraton;
PERNAMBUCO (Estado). PRONTUÁRIOS DOPS-PE: N. 27.089 informações, ofícios,
jornais...;
PERNAMBUCO (Estado). PRONTUÁRIOS DOPS-PE: N. 27.706 embaixada do Brasil
na América do Norte;
PERNAMBUCO (Estado). PRONTUÁRIOS DOPS-PE: N. 27.708 Consulado
Americano.
CORDEIRO, Davi Alves (Seu Davi) - Entrevista concedida no dia 31 de julho de 2007;
EPV 0801 e 0802; Local: Residência de Seu Davi; Duração total/ aproximada: 1 hora e
40 minutos; Depoimento transcrito: 26 páginas. CENTRO DE PESQUISA HISTÓRICA E
CULTURAL DE FERNANDO DE NORONHA (CEPEHC-FN) – ARQUIVO DIGITAL
OLIVEIRA, Francisco (Seu Chiquito) - Entrevista concedida no dia 02 de agosto de 2007;
EPV – 0701 e 0702; Local: Residência de Seu Chiquito; Duração total/ aproximada: 1 hora
40 minutos; Depoimento transcrito: 24 páginas. CENTRO DE PESQUISA HISTÓRICA E
CULTURAL DE FERNANDO DE NORONHA (CEPEHC-FN) – ARQUIVO DIGITAL.
LAGO, Sargento José Carlos Ferreira (Lago) - Entrevista concedida no dia 06 de maio
de 2008; EPV 0806; Local: Residência de Seu Lago; Duração total/ aproximada: 1
hora e 25 minutos; Depoimento transcrito: 32 páginas. CENTRO DE PESQUISA
HISTÓRICA E CULTURAL DE FERNANDO DE NORONHA (CEPEHC-FN)
ARQUIVO DIGITAL.
Costa, Francisco Cazeca da (Seu Chicô) - Entrevista concedida no dia 06 de fevereiro de
2008; EPV 0703; Seu Chicô; Local: saguão do aeroporto de Fernando de Noronha;
Duração total/ aproximada: 36 minutos; Depoimento transcrito: 10 páginas. . CENTRO DE
PESQUISA HISTÓRICA E CULTURAL DE FERNANDO DE NORONHA (CEPEHC-
FN) – ARQUIVO DIGITAL.
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