Download PDF
ads:
1
NILMAR BARCELOS
Sobre normas somáticas e hierarquias “raciais” na publicidade:
complexas narrativas de cor entre Belo Horizonte e Salvador
Salvador
2010
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
NILMAR BARCELOS
Sobre normas somáticas e hierarquias “raciais” na publicidade:
complexas narrativas de cor entre Belo Horizonte e Salvador
Pesquisa de dissertação apresentada ao
colegiado de pós-graduação do Centro de
Estudos Afro-orientais (Ceao) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
Área de concentração: Estudos étnicos e
africanos
Linha de pesquisa: Estudos étnicos
Orientador: Prof. Dr. Livio Sansone
Salvador
2010
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
ads:
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO (para além do “vítimas” ou “algozes”)
1 SANATÓRIO GERAL: “RAÇAS”, INCIVILIDADES E ANÚNCIOS
1.1 Os primórdios da publicidade no incivilizável paraíso tropical (XIX)
1.2 No sangue da moderna nação remediada a instituição publicitária (XX)
1.3 Vistosas cores no contemporâneo ofício publicitário: uma visão nativa (XXI)
2 CONSUMO GLOCAL: ICONES GLOBAIS, SENTIDOS LOCAIS
2.1 Tradição e modernidade: a tática ordinária como o cosmopolitismo do pobre
2.2 Identidades globalizadas, sentidos localizados
2.3 Nos ardis da genética popular: entre Salvador e Belo Horizonte
3 PUBLICIDADE E ESTÉTICA
3.1 Publicidade e propaganda: conexões entre o real e o nonsense
3.2 Enegrecendo escuros, embranquecendo os não tão claros
3.3 Publicidade: muito além do Sagatibaman
CONCLUSÃO
04
09
09
21
36
48
48
61
65
81
81
90
108
129
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
4
INTRODUÇÃO
Nilmar, em primeiro lugar agradeço
seu interesse pela agência. Irei pedir
permissão para que realize seu
trabalho, porém já lhe adianto que em
virtude dos contatos de sigilo com
nossos clientes creio que isto não será
possível. Como você sabe, os processos
de uma agência são muito dinâmicos e
envolvem praticamente toda a equipe
e, portanto, ficam expostos dentro da
agência (Vivian Laniado, Assessoria de
imprensa Africa propaganda).
Reflexão, evidência, fundamentação, gica e coerção são apenas alguns dos
múltiplos conceitos presentes na árdua tarefa de se desenvolver um trabalho no qual,
embora não ligado às áreas exatas ou biológicas, pressue-se densa pesquisa e
argumentação teórica e que, para além de uma mera evocação, faça jus ao status de
ciência. Mas, em alguns casos, não raros, a efetivação de determinados procedimentos
metodológicos propostos para dada pesquisa se faz valer na imposição de outro
conceito muito comum ao fazer científico: o poder. Se o pesquisador em questão o tem,
adentrará em áreas do conhecimento até então restritas aos reles mortais. Caso contrário,
o objeto de pesquisa em questão tornar-se-á inviável - desdobrando-se, inevitavelmente,
em novas perspectivas metodológicas do mesmo tema, mas, por conseqüência do jogo
de poderes, resultando num novo objeto de pesquisa.
Ao propor, no projeto germinal da presente pesquisa, uma etnografia da agência
de publicidade e propaganda Africa (tendo com principal objetivo elucidar as
complexidades existentes em tais produções e suas respectivas ligações no que diz
respeito às relações “raciais” na mídia), almejava compreender e interpretar um
contexto muitas vezes denunciado, tanto por parte dos letrados quanto do senso comum,
como racista. Melhor explicando, ainda na graduão em comunicação social, era muito
comum que ao unirmos as palavras negro e mídia se ouvissem frases prontas do tipo
“não negros na televisão” ou “os negros aparecem em papéis subalternos”. Eu
mesmo, por vezes, caia em tal ingenuidade. Obviamente que tais afirmações eram
verdades já ultrapassadas uma vez que estávamos no ano de 2007 e principalmente
devido à ascensão cada vez maior de pessoas pretas na classe média esses eram
representados, desde meados da cada de 1990, em número mais expressivo e através
de novos e positivos papéis.
Com os contratempos pautados em relação à proposta anterior de pesquisa e
as novas idéias que efervesciam, me deparei, por meio de uma reportagem televisiva,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
5
com o festival Profissionais do ano (da Globo). Tendo uma das maiores fontes de renda
na publicidade, a premiação surge em tal rede de televisão no ano de 1978 (por meio de
Yves Alves, então superintendente comercial de tal rede de tv, e dos publicitários
Itacaramby Leão e Nelson Gomes) como forma de incentivo e estímulo a todo o
maquinário responsável pelo funcionamento do comercial áudio-visual brasileiro. Com
mais de 30 edições compostas com peças publicitárias e propagandistas espalhadas nas
categorias regional (vídeos veiculados em pelo menos uma das emissoras da região
inscrita e criado por profissional estabelecido na mesma) e nacional (vídeos veiculados
em todas as emissoras da Globo espalhadas pelo Brasil), o Profissionais do ano ganha
notoriedade como objeto de pesquisa na medida em que se trata de um dos mais
significativos do gênero no país, além de reflexo importante no que diz respeito às
representações sociais ou “raciais” na mídia aqui produzida.
Embora categorias sociais como claros e escuros sejam extremamente
importantes nos estudos voltados para as formas de hierarquias “raciais” e comumente
usadas nas relações interpessoais entre as pessoas de diversas regiões brasileiras
(SODRÉ, 1999), ao tomarmos tal modelo bipolar como pressuposto analítico
incorremos no engodo da solidificação, por parte de diversos movimentos ideológicos
(como as organizações “negras” brasileiras de inspiração estadunidense ou, em sentido
mais simples, o chamado movimento negro), de um modelo fixo baseado no esquema
brancos versus “negros” ocultando, na última categoria, terminologias intermediárias
como moreno, mulato, pardo, caboclo, entre outros. Portanto, no desenrolar de tal
pesquisa primei, por julgar mais coerente, honesto e fecundo, por uma análise que
conservasse a soma dos aportes fenotípicos de cada indivíduo dentro de um continuum
cromático que vai do preto ao branco (assunto abordado na última parte do capítulo dois
e na segunda parte do capítulo três).
Obviamente que a linha de separação na classificação de alguém como preto, por
exemplo, ao invés de moreno escuro é extremamente nue assim como a classificação
de alguém como moreno claro ao invés de branco o é. O cabelo, por exemplo, é um
traço que pode definir socialmente a negritude (se for crespo) ou a
morenidade/branquitude de alguém (se for ondulado ou liso). Neste sentido, o que aqui
classifico como fenotipicamente preto está vinculado às pessoas escuríssimas, numa
linha cromática que vai do moreno escuro ao literalmente preto, e que possuam rasgos
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
6
como cabelos crespos e, em menor medida, lábios grossos, nariz largo e etc
1
. Tal
escolha metodológica se faz valer na medida em que no Brasil, para o censo oficial,
existem as categorias “raciais” branca, preta, amarela, parda e indígena, embora
diversos movimentos engajados tendam a unir auto-declarados pretos e pardos na
terminologia político-ideológica “negro”.
Na estimativa do último censo realizado no Brasil pelo Instituto brasileiro de
geografia e estatística (IBGE)
2
, do ano de 2000, a população recenseada do país gira
em torno de 169 milhões 799 mil e 170 habitantes (o quinto país mais populoso do
mundo), sendo o sudeste com a maior densidade populacional (42,65%), seguido
respectivamente do nordeste (28,14%), do sul (14,78%), do norte (07,60%) e do centro-
oeste (06,85%). Sobre a composição da população por “raça”, do número total de 169
milhões 872 mil e 856 pessoas recenseadas, 91 milhões 298 mil e 42 se declaram
brancos (53,74%); 65 milhões 318 mil e 92 pardos (38,45%); 10 milhões 554 mil e 336
pretos (06,21%); 761 mil e 583 amarelos (00,44%); 734 mil e 127 indígenas (00,43%)
e, por fim, 01 milhão 206 mil e 675 sem declaração (00,71%). Coube, tendo em vista
tais dados, uma análise das peças publicitárias de veiculação nacional e regional que
levasse em consideração tais estatísticas em consonância com o número de pretos com
real poder aquisitivo (assunto que trato principalmente na última parte do capítulo três e
também na concluo).
Assim, um material bruto de 269 vídeos finalistas das três edições em questão
(2006-2008) foi coletado e decupado a fim de se compreender quais eram os vídeos
necessariamente comerciais, ou seja, quais se tratavam de material estritamente
publicitário, e quais eram enquadrados no gênero propaganda (discussão conceitual que
pode ser vista na parte primeira do terceiro capítulo). Feita tal separação, o passo
seguinte foi eliminar do total de propagandas (30) e publicidades (239) os vídeos sem a
presença de atores ou modelos (compostos geralmente por animações, textos, entre
outros) a fim de se revelar a proporção real de peças publicitárias
3
sob análise contendo
modelos fenotipicamente pretos e quais os papéis desses em tais produções (discussão
inserida principalmente na última parte do terceiro capítulo).
1
Para melhor compreensão das variações cromáticas dentro da categoria black, ver LEE, Spike. Get on
the bus [Todos a bordo], 1996; Jungle fever [Febre da selva], 1991; entre outros.
2
Ver http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/demograficas.html, acessado no dia 28 de janeiro de
2010.
3
Uma vez que as propagandas estão em menor número e são movidas por engajamentos político-
ideológicos e não pela lógica meramente mercadológica vista nas peças comerciais, foi necesrio
estabelecer tal distinção a fim da obtenção de resultados menos deturpados em relação à presença de
pretos na publicidade áudio-visual aqui produzida.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
7
Complementarmente a isso, entrevisto nas cidades de Salvador e Belo Horizonte
24 pessoas
4
envolvidas em tal universo profissional - diretores de criação, diretores de
arte, redatores, designers e modelos fotográficos com experiência no campo da
publicidade - a fim de explicitar quais as similaridades e diferenças identitárias dos
pretos em questão, bem como as similaridades e diferenças estabelecidas em tais
fronteiras. Assim, por vezes me coloco em primeira pessoa, na condição de moreno,
como identificado até então em meu cotidiano na cidade de Belo Horizonte e, em cada
uma das capitais, busco refletir no âmbito do mundo da publicidade como funcionam os
mecanismos da negritude e suas peculiaridades regionais no que diz respeito tanto à
auto-declaração quanto à classificação “racial” do outro, ou seja, de mim mesmo
(assunto abordado principalmente na última seção do segundo capítulo).
Posteriormente, cinco peças publicitárias finalistas de tal premiação são
colocadas à disposição destes interlocutores a fim de que, entre outras coisas, produzam
sua própria narrativa de vida (nos elucidando seu histórico social e profissional,
revelando suas concepções sobre a idéia de “raça”, nos contando como se vêem em tais
produções, entre outras coisas) e opinem sobre tais vídeos comerciais
5
. Tais
depoimentos, posteriormente, foram utilizados nas entrevistas feitas com alguns
diretores de criação das peças finalistas em questão na tentativa de revelar em que
medida o discurso de um auto-declarado negro sobre uma peça publicitária com a
inserção de protagonista preto converge ou destoa da concepção do diretor de criação
finalista do Profissionais do ano (debate incluído na segunda e terceira partes do
capítulo três).
Anteriormente a esses procedimentos, fez-se necessário uma melhor reflexão
sobre a hisria da institucionalização publicitária no Brasil, suas diferenças regionais,
4
Os interlocutores eram escolhidos a partir da minha subjetividade do que é ser “preto”, ou seja, pessoas
fenotipicamente escuras e que traziam como características fenotípicas um conjunto de traços simbólicos:
cabelos crespos, lábios grossos, etc. No decorrer das entrevistas, busquei compreender a percepção dos
mesmos no que diz respeito à negritude e como esses se auto-classificavam “racialmente” (diferentemente
dos estudos que primam pela tentativa de construção da bipolaridade “racial”, aqui a forma nativa e
heterogênea de auto-classificação foi levada à sério), me classificavam e classificavam os atores inseridos
nos vídeos usados como amostra.
5
Os entrevistados não sabiam o conteúdo da entrevista, salvo a vaga informação que trataríamos de
aspectos relevantes ao universo publicitário. Após cerca de 40 minutos conversando sobre o histórico
social do entrevistado, bem como sua inserção no mundo publicitário e suas posteriores experiências
profissionais, iniciava uma discussão necessariamente ligada às relações “raciais” na mídia. Ao fim da
entrevista, uma mostra de cinco peças áudio-visuais, tanto nacionais quanto regionais, ficavam à
disposição para que o entrevistado opinasse sobre os aspectos técnicos (no que diz respeito à publicidade)
e sociais (entre outras coisas, instigava-os a pensar sobre os papéis desenvolvidos pelos fenotipicamente
escuros nas peças e até que ponto esses poderiam ser classificados estritamente como negros) contidos
nas mesmas.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
8
além de uma compreensão mais aprofundada do ofício dos publicitários, modelos
fotográficos e estudantes de publicidade em voga no que diz respeito às questões
técnicas de tal trabalho, ao histórico educacional destes profissionais, aos anseios e ao
poder determinante dos clientes envolvidos nestas campanhas, entre outras questões
(assuntos debatidos em todo o capítulo primeiro). Há, como veremos em tal amálgama
de poderes, um longo e complexo trajeto de discursos, jogos e mistérios ainda por se
traduzir (uma vez que as formas e conteúdos da identidade negra são relacionais e as
representações dos fenotipicamente pretos estão relacionadas mais aos critérios
econômicos que necessariamente aos critérios pessoais ou mesmo aos preconceitos
sociais), mas que jamais pode ser reduzido nos los “opressores” (fenotipicamente
brancos, descendentes de “europeus” e meramente racistas) e “oprimidos” (pretos,
“africanos” e simplesmente vitimizados).
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
9
1 SANATÓRIO GERAL: “RAÇAS, INCIVILIDADES E ANÚNCIOS
1.1 Os primórdios da publicidade no “incivilizável paraíso tropical” (XIX)
Algo le duele a la negra. Vino el
medico del pueblo recetro emplasto de
barro. Pelo del barro mas negro, que
le dieron a la negra sumo de maqui del
cerro. Y ya murió la negrita. Que pena
para el pobre negro (Milton
Nascimento, Casamiento negro).
Na compreensão contemporânea das representações “raciais” nos medias,
através do olhar, se nota a existência de certa ruptura no que diz respeito aos papéis de
subalternos dos quais os fenotipicamente pretos eram comumente alvos. Se dos
primórdios do fazer publicitário
6
, século XIX, até a institucionalização desse, em inícios
do século posterior, o papel do preto está ligado à inferioridade biológica e cultural,
atualmente este tem ganhado atributos valorativos e uma aparição mais expressiva - seja
nos programas da tv, nos filmes ou nos comerciais diversos. Do escravo ao consumidor
ordinário, da invisibilidade social ao forte aparecimento positivo nas mídias
contemporâneas, a história dos fenotipicamente pretos (escravidão, abolição e
liberdade) se atrela e mistura à história de um país, o Brasil, que de colonizado se torna
independente e parte ativa de um processo modernizante global.
Os fluxos pelo Atlântico nos remontam, certamente, a uma narrativa de
fascinantes viagens, desbravamentos, batalhas, conquistas, trocas, ganâncias, intrigas,
poder, imposições e, como o poderia não ser, muito derramamento de sangue. É em
tal contexto que, por motivos múltiplos, cria-se, no Brasil, complexas formas de normas
somáticas e hierarquias raciais ou, melhor dizendo, de cor em todo o território
nacional - principalmente após a abolição da escravatura, nos idos de 1888, onde os
agora libertos do Novo Mundo perdem o estatuto jurídico de escravos e ganham
estigmas sociais negativos devido à sua baixa classe social (perceptível, por parte dos
brancos, por meio da cor preta de suas peles).
6
Embora o conceito de publicidade esteja relacionado necessariamente ao mercado, ou seja, a
propagação comercial de determinado produto, até os dias atuais os profissionais de tal ofício tendem a
confundi-lo com a idéia de propaganda, que, no bom português, está vinculado à propagação de
engajamentos e partidarismos ideológicos. Ver SIMÕES, Cassiano Ferreira. A publicity e a publicidade
(para além da propaganda). In: Comunicação, mídia e consumo. São Paulo: ESPM, Vol. 3, N. 6, p. 179-
200, Mar. 2006.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
10
Tal fenômeno de demarcação sócio-econômica e, portanto, de cor vigorou em
todo o território nacional, uma vez que, como nos explica Alberto da Costa e Silva
(1994),
o comércio de braços humanos não aproximou apenas as praias que
ficavam frente a frente, mas estendeu sertão adentro o seu alinhavado,
uma vez que muitos dos escravos trazidos para o Brasil e que foram
trabalhar em Minas [Gerais] ou Goiás vieram de regiões do interior do
continente africano, das savanas e das bordas dos desertos (SILVA,
1994, p.21).
Mas o que corriqueiramente é apontado como racismo foi, ao que parece, uma rmula
criada pela elite econômica da época para melhor estratificar e delimitar o habitus
7
-
esta incorporação valorativa de dado banco simbólico, ou seja, um sistema orgânico no
qual o corpo socializado atua - dos grupos sociais então situados no país: exploradores
europeus, brancos, no topo da economia e pretos, anteriormente excluídos dos meios de
enriquecimento e bem-estar social por conta da escravidão, no fim dessa.
Necessário pontuar que o critério de cor como propulsor das formas de norma
somática aqui existentes só ganha força após a abolição, quando os pretos vão à luta por
um lugar ao sol, à grosso modo, dos brancos
8
. Tal processo propiciou a constituição de
uma ética patrimonialista entre o grupo então dominante, culminando no fortalecimento
de usos e costumes desse (pertencimento ou ethos). Aqui emergem formas de racialismo
e naturalização, na lógica de que é o outro o sempre primitivo, inferior e/ou exótico.
“Uma simples alteração fônica na primeira vogal faz com que a palavra [ethos] passe a
significar ‘caráter’, e daí parte Aristóteles para precisar o entendimento de ‘ética’, isto é,
da linguagem ordinária de preservação do grupo (...)” (SODRÉ, 1999, p.142). Há,
portanto, a construção social de um grupo branco bem definido, dito superior, com
posses e ideologicamente antagônico ao preto.
A partir de tal ação inicial de repulsa aos “invasores” (os pretos almejando
inserção social), se deu um processo de produção, desenvolvimento e solidificação do
que Thomas J. Csordas ([2002] 2008) classifica como “modos somáticos de atenção”,
ou seja, as “maneiras culturalmente elaboradas de estar atento a e com o corpo em
ambientes que incluem a presença corporificada de outros” (p.372). Em tal raciocínio, o
corpo (para além de mero objeto da mente) constitui um processo de compreensão ativa
7
Ver BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, [1989] 2009.
8
Havia, por certo, escravos que, após compra de suas próprias alforrias, investiam no único negócio em
que tinham acesso legal: a compra de escravos.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
11
da realidade: a corporeidade. Engajados no mundo, por exemplo, os corpos brancos
corporificados na experiência cultural da abolição passam por rechaçar, em diversos
âmbitos, os corpos pretos (em certa medida, imaginados como inimigos
9
e, portanto,
inferiorizados). Por meio da razão “inconsciente” (a corporeidade) agiriam aqueles
localizados no topo da cadeia econômica na tentativa de manutenção do status quo.
Conjugar a compreeno de Bourdieu do habitus como uma
orquestração não-auto-consciente de práticas com a noção de
Merleau-Ponty do pré-objetivo” sugere que a corporeidade não
precisa ser restrita à microanálise pessoal ou diádica geralmente
associada com a fenomenologia, mas também é relevante para as
coletividades sociais (...). É dentro desse processo que mudamos da
compreensão da percepção como um processo corporal para uma
noção de modos somáticos de atenção que podem ser identificados em
uma variedade de práticas culturais (...). Estar atento a uma sensação
corpórea não é estar atento ao corpo como um objeto isolado, mas
estar atento à situação do corpo no mundo (CSORDAS, 2008, p.370 -
372).
Delineando o processo anterior à destilação de uma norma somática degenerante
dos brancos em relação aos pretos e também propiciador de tal contexto de disputa entre
grupos, Letícia Reis (1996) explica que a escravidão existente na África, antes da
chegada dos portugueses, estava relacionada, geralmente, com os cativos de guerra, que
de alguma forma se incorporam ao grupo que os captura. Já com a chegada dos
europeus, essa se torna mercantil
10
, se criando, assim, o comércio mais lucrativo (e, tal
qual o açúcar e o petróleo, um dos principais ícones do primeiro estágio da
globalização
11
) da exploração colonial - o tráfico de seres humanos -, enriquecendo a
burguesia metropolitana. Lilia Schwarcz (1996) diz que cerca de 3,6 milhões de
escravos foram trazidos para o Brasil do século XVI
12
até meados do XIX, em um
processo que só terminaria quatro décadas as sua oficial suspensão no ano de 1850.
9
Como explica Umberto Eco (2007), na história da cultura ocidental existem dois problemas distintos em
relação aos conceitos de belo e feio: por um lado, tornar o inimigo feio e, por outro, tornar o socialmente
feio inimigo. No primeiro caso, exemplifica, os judeus vistos como inimigos pelos alemães são
historicamente representados como “feios”. No segundo caso, segundo o autor, os africanos vistos como
“feios” pelo viés ocidental são percebidos como inimigos. Ver ECO, Humberto. História da feiúra. Rio
de Janeiro: Record, 2007.
10
Talvez seja necessário e mais fecundo uma análise historiográfica que prime por pontuar também as
similaridades e simbioses no que diz respeito ao comercio de escravos entre europeus e africanos e o
apenas as dicotomias existentes entre os dois tipos de escravidão realizadas em questão.
11
Classificada por Livio Sansone como globalização tradicional em oposição à nova globalização, ou
seja, ao estágio de densa urbanização/industrialização emergido em torno da Segunda Guerra Mundial e
que vigora até os dias de hoje. Ver SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Salvador/Rio de
Janeiro: Edufba; Pallas, 2007.
12
Esses, trazidos pelos exploradores portugueses, viriam substituir a mão-de-obra indígena (que
representava um contingente de cerca de cinco milhões de pessoas) na agricultura, já que essa era
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
12
Na tentativa de inculcar novas idéias nas mentalidades dos homens aqui
presentes, foi necessário que o poder vigente institucionalizasse um simbolismo e um
ritual novos. As redes de ensino existentes no Brasil colônia eram controladas pelos
jesuítas e o ensino aqui aplicado se limitava ao básico. O estabelecimento de outras
instituições no país se deu com a chegada de d. João VI e toda a sua corte, em 1808,
com a intenção de centralizar o poder e reproduzir o antigo domínio colonial português.
O Museu Real, a Imprensa Régia, a Biblioteca, entre outros, serviam como mecanismos
essenciais para, além de transformar a colônia em sede provisória da monarquia
portuguesa - que estava fugida das tropas do general francês Junot -, produzir e
reproduzir a memória e cultura lusitana em terras brasileiras.
É em tal contexto que o primeiro classificado brasileiro, sobre imóveis, é
publicado no Gazeta do Rio de Janeiro em 1808, época em que tal corte portuguesa se
instala com cerca de noventa navios na então pequenina cidade de 60 mil habitantes e
dá o ponta pé inicial para a constituição da imprensa aqui instituída. No ano seguinte, no
único jornal então existente, veríamos classificados de pescaria e transporte urbano.
Eram os primórdios da publicidade aqui realizada, com enunciados que em pouco
tempo se tornariam ainda mais variados em tal periódico - moda, livros, bebidas,
móveis, aniversários, festas, teatros, entre outros, embora os mais corriqueiros fossem
os de ensino do francês e inglês. É do ano de 1809 o primeiro classificado sobre um
fugido preto, com dois cortes no rosto arredondado, por nome Mateus. A partir disso,
durante toda a restante escravatura se tornam coqueiros os classificados de escravos,
principalmente à venda, seja no Rio, São Paulo ou Pernambuco.
O campo da propaganda se estende, a partir de 1821, com o
aparecimento de um novo jornal carioca, o Diário do Rio de Janeiro,
que se apresenta como jornal de anúncios. No ano seguinte, a Gazeta
do Rio de Janeiro se transforma em Diário do Governo, e continua a
divulgar os classificados de então. De 1824 são O Espectador
brasileiro e o Almanaque dos negociantes, editados por Pierre
Plancher, cujos nomes dizem da sua destinação comercial. Enquanto
isso acontecia no Rio, lançava-se no Recife o Diário de Pernambuco,
o mais antigo jornal em circulação da América Latina. Seu primeiro
supostamente inadequada. Além dos portugueses, um novo fluxo de colonizadores brancos se instala no
nordeste brasileiro, com os holandeses no século XVII. em início do século posterior teríamos a forte
presença de italianos, espanhóis, alemães, austríacos, russos, sírio-libaneses, poloneses, romanos,
lituanos, ingleses, suíços, iugoslavos, franceses, húngaros, belgas, suecos, tchecos e judeus. No século
XX viriam os chineses, coreanos, vietnamitas e, claro, os japoneses. Ver MUNANGA, Kabengele.
Mestiçagem e experiências interculturais no Brasil. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor
de Sousa (orgs.). Negras Imagens. São Paulo: Edusp, 1996.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
13
número (7/11/1825) estampa uma introdução que é significativa:
Faltando nesta cidade assaz populosa um Diário de Anúncios, por
meio do qual se facilitassem as transações, e se comunicassem ao
público nocias, que a cada um em particular podem interessar...
(RAMOS, 1985, p.11-12)
São nas publicações cariocas O espectador brasileiro e Almanaque (protótipos
das atuais revistas de negócios), do francês Plancher, que se inicia, no ano de 1824 e
através da implementação de um sistema de anúncios classificados, o que Rodolfo Lima
Martense (1990, p.31) define como “geração espontânea de publicitários”.
Similarmente, no Recife havia o Diário de Pernambuco um diário repleto de anúncios
captados por sete “agências” espalhadas pela cidade pernambucana. Anteriormente a
isso, no ano de 1813, diversos jornais cariocas publicavam anúncios em francês, o
que, posteriormente, pela atmosfera romântica, tenha atraído literatos de renome para tal
ofício, como é o caso de Monteiro Lobato, em 1918, e o personagem Jeca Tatuzinho - o
caboclo subnutrido, feio, acometido de ancilostomose (parasita conhecido popularmente
como “amarelão”), de núcleo familiar idem, que ao tomar Biotônico Fontoura ganha
novo vigor e fisionomia.
Nos chamados navios negreiros, com destinação no Brasil, cerca de 20% dos
escravos morriam devido à alimentação e também às epidemias. Ao chegarem no
país, diz Schwarcz (1996), eram jogados em galpões para serem “maquiados” para os
leilões, ou seja, além de engordados, seus machucados eram devidamente tratados,
tinham seus dentes limpos, lustrados, a fim de serem vendidos mais caros (o preço era
definido por sexo, idade, especialização e condição física). Com o suposto fim do
tráfico de escravos o valor de tais sujeitos, que de uma forma ou outra conquistavam
algumas formas de individualidade, triplicara. O que, posteriormente, aprenderíamos
com os contemporâneos publicitários - a publicização de determinado produto, e seus
atrativos, é realizada para uma demanda de consumidores existente - passa a ser
constantemente feito só que tendo como objeto de anúncio comercial os escravos.
Para o Brasil vieram, sobretudo, dois grandes tipos de populações: os que na
literatura foram definidos como Congo, Angola e, posteriormente, Bantos (originários
do sudoeste e sudeste africano - das regiões atuais do Congo, Angola e Moçambique) e
os Mina, que posteriormente a Conferência de Berlim
13
em 1884/85 são definidos como
13
Visando organizar as formas de ocupação das potências coloniais em terras africanas, tal congresso,
proposto por Portugal, foi o marco histórico no que diz respeito às divisões geográficas que
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
14
Sudaneses (noroeste africano - Nigéria, Togo e Benin). Os primeiros vieram em maior
quantidade e, talvez por isso, foram os que mais influenciaram a cultura brasileira, seja
na sica, na culinária ou na língua. Se espalharam em quase todas as áreas litorâneas
do Brasil e também pelo interior, principalmente nos Estados de Minas Gerais e Gos.
Já os sudaneses, oriundos da África ocidental, vieram para o Brasil de meados do século
XVII até metade do século XIX, ocupando, principalmente, a região açucareira do
Pernambuco e Bahia. “São, entre outros, os iorubás ou nagôs (subdivididos em queto,
ijexá, egbá, etc.), os jejes (eué ou fon) e os fante-axantes. Entre os sudaneses, também
vieram algumas nações islamitas como os hauçás e mandingas” (SILVA; AMARAL,
1996, p.198).
Foi através das manifestações religiosas, da estética pessoal, da literatura, da
história, da sica e da cultura em geral que se deu a negociação dos escravizados em
tal sistema desigualitário, não se acomodando à mera colonização do regionalismo
lusitano e criando, portanto, novas formas identitárias (GIL, 2005). Esse processo teve
início com a chegada dos africanos traficados para o país, por volta do século XVI,
sendo que o artifício de apropriação da chamada cultura negra
14
como “caráter” da
identidade nacional brasileira
15
se deu em torno da década de 1930, através do elogio
incipiente da miscigenação e da nova concepção “racial” voltada ao culturalismo.
Anteriormente a isso, durante o culo XIX e início do XX, era o conceito biologizante
“racial”
16
que predominava na produção intelectual da época, fazendo perdurar no
imperativamente o respeitaram as diversas formas de divisões étnicas, familiares e culturais então
existentes em tal continente.
14
Até os anos de 1930 o termo “negro”, segundo a minuciosa pesquisa de Donald Pierson na Bahia em
fins dessa década, era um adjetivo mais depreciativo que “preto”, ganhando status político positivo e
posterior popularidade respectivamente com os primeiros etnógrafos da chamada cultura negra brasileira
(Manuel Querino, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Edson Carneiro e Gilberto Freyre) e as primeiras
organizações negras (principalmente a pioneira Frente Negra Brasileira, tamm nos idos de 1930).
Relativo às diferenças geracionais, “chamar a si mesmo de negro, preto, pardo ou escuro não depende
unicamente da cor, mas também da idade e, até certo ponto, do nível de instrão(SANSONE, 2007,
p.87). Ver SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Salvador/Rio de Janeiro: Edufba; Pallas, 2007.
15
Como veremos, “(...) a questão da identidade nacional aflorou principalmente em três grandes
conjunturas históricas: com a independência inserida no poder monárquico de 1822, lançou-se a semente
da nacionalidade a partir da reivindicação em relação à metrópole portuguesa; com a abolição do regime
escravo, em 1888, e o surgimento da República, em 1889; e com a revolução de 1930” (MUNANGA,
1996, p.181). Ver MUNANGA, Kabengele. Mestiçagem e experiências interculturais no Brasil. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa (orgs.). Negras Imagens. São Paulo: Edusp,
1996.
16
O geneticista Sérgio Pena (2005) afirma que desde Lineu (1707-1778) foram feitas as classificações
taxonômicas dos grupos humanos pelo viés da “raça”, sendo que a ótica geográfica de tal termo teve sua
origem com o antropólogo alemão Johan Friedrich Blumenbach, em 1795, que definia os nativos da
Europa, Oriente Médio, Norte da África e Índia como “caucasóidesuma vez que, para ele, o “tipo
humano perfeito era visto nas montanhas de Cáucaso, região da Geórgia, que o mesmo acreditava ser o
berço da humanidade. no século XIX, tal conceito passa a se basear primordialmente nas questões
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
15
“imaginário social
17
a idéia determinista dos pretos como seres naturalmente inferiores,
sem capacidade de reflexão, donos de uma produção cultural até então abominável.
Por meio do conceito de “raça”, introduzido na literatura mais especializada por
Georges Cuvier no início do culo XIX, os grupos humanos passam a serem vistos
como distintos, trazendo em si heranças físicas, contrapondo à idéia de responsabilidade
individual construída pelo Iluminismo do culo anterior. Era o ideal cientificista
reinante no Brasil, que, através do determinismo biológico, criava no imaginário social
a mestiçagem como algo totalmente prejudicial e degenerador para o progresso coletivo
civilizatório - imaginário esse que se choca com a população aqui reinante,
predominantemente composta de índios, pretos e mestiços. O conceito de naturalização,
segundo Schwarcz (1993), é agregado à concepção da diferença, na qual os aspectos
físicos e morais estariam rigidamente correlacionados, inseparáveis, seguramente
localizados na ciência determinista do século XIX. É certo que entre os modelos que
estudavam os comportamentos humanos os deterministas raciais foram um dos mais
populares no Brasil e no mundo.
Em 1826, com a idéia principal de substituir as forças hegemônicas reinantes no
país - sejam elas portuguesas ou francesas - é que surgem as primeiras escolas de
direito: uma sediada em Olinda, no ano de 1828 (que em 1854 se transferiria para
Recife), e outra em São Paulo, também em 1828. Esses novos juristas tinham como
missão criar um novo rumo para o país e mostrar que, de fato, esse se tornara
independente, que acabara de se desvincular do estatuto colonial. Não apenas novas
leis, mas uma nova mentalidade deveria ser proposta para o Brasil imperial, que, por
todos os cantos, buscava criar elites políticas e ideológicas. O país, neste sentido,
progride para uma maior burocratização, principalmente por meio das várias instituições
que se estabelecem à partir de então.
Outra coisa relevante do século XIX foi o surgimento das escolas de medicina -
representadas pela Faculdade de medicina da Bahia e pela Escola médica do Rio de
Janeiro. Enquanto os médicos da faculdade do Rio julgavam que as doenças tropicais -
como o mal de Chagas e a febre amarela - eram decorrentes do convívio das diferentes
“raçasque imigraram para o país, apontando para o saneamento dessas os programas
fenotípicas e morfogicas. Ver PENA, Sérgio D. J.. Razões para banir o conceito de raça da medicina
brasileira. In: História, Ciências, SaúdeManguinhos, v. 12, n. 1, p. 321-46, maio-agosto de 2005.
17
Bronislaw Baczko (1996) o caracteriza como a ferramenta reguladora das interações sociais e o
norteador da vida coletiva. Ver BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi.
Vol.5. Lisboa: 1996.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
16
higiênicos, os médicos baianos diziam que era o cruzamento de “raças” o grande
causador da criminalidade, da degeneração e da loucura. “Era a partir da miscigenação
que se previa a loucura, se entendia a criminalidade (...)” (SCHWARCZ, 1993, p.190).
Tal clima ambulatorial pôde ser percebido, 40 anos depois, na cidade do Rio, onde os
anúncios de remédios e suas estripulias mágicas se multiplicam virulentamente.
Contudo, tais academias só ganham o status de escola ou faculdade após a
aprovação, em 1832, do projeto de lei elaborado pela Sociedade de medicina, fundada
em 1829, com o objetivo de reformar os ensinos médicos vigentes à época. Assim,
como às academias de direito, os profissionais diplomados de medicina passam a fazer
parte de uma escala hierárquica repleta de regalias, em um contexto no qual se auto-
intitulavam os responsáveis pela transformação e progresso do país - mesmo que tais
cursos ainda caminhassem de forma lenta e capenga no Brasil, ganhando “caráter”
mais científico à partir de 1870.
Apesar das diferenças internas e das oscilações temáticas,
algumas características comuns a ambas se revelam. (...) Da
Bahia vêm, prioritariamente, os estudos sobre “medicina legal”
e, a partir dos anos [de 18]20, os ensaios sobre “alienação e
doenças mentais”. Do Rio de Janeiro, por outro lado, partem os
textos sobre “higiene pública”, os modelos de combate às
grandes epidemias que infectam a nação (SCHWARCZ, 1993,
p. 199).
No ano de 1838, com a fundação do primeiro Instituto histórico e geográfico do
Brasil (IHGB) - no Rio de Janeiro - e a emancipação política do país em relação a
Portugal, foi necessária a criação de identidade e memória próprias para a nação
brasileira, que agora deveria seguir o seu próprio destino. O IHGB tinha como missão
trabalhar na construção da identidade histórica do Brasil e de seus mitos fundacionais,
forjando um passado homogêneo e singular para o país, outrora marcado pelas fortes
disputas regionais. Cerca de 100 anos depois, Getúlio Vargas daria um golpe de Estado
e, a todo custo, tentaria implementar uma política integralista, tendo na figura do
mestiço, até então preterido, o ponto central de constituição daquilo que seria a moderna
não brasileira.
Renato Ortiz (1994) explica que é em meados do século 19 que três teorias
européias vêm à tona e geram grande influência na produção intelectual brasileira,
delimitando todo esse campo no que diz respeito à evolução histórica dos povos: o
positivismo de Comte, o darwinismo social e o evolucionismo de Spencer. Essas seriam
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
17
as principais ferramentas usadas na defesa da “superioridade natural” da imperialista
não européia em relação às outras. Neste sentido, ao assimilar tais teorias o Brasil
aceita sua condição de “inferioridade” e passa a planejar um futuro que repare tal
“atraso” e o possibilite se projetar como nação. “Se o evolucionismo torna possível a
compreensão mais geral das sociedades humanas, é necessário porém completá-lo com
outros argumentos que possibilitem o entendimento da especificidade social(ORTIZ,
1994, p.15). O argumento encontrado na época pelo pensamento brasileiro se volta para
as noções de “meio” e “raça”.
É invocada, assim, a hipótese poligenista, ligada à idéia das “raças humanas”
como uma diversidade especista, seja derivada de questões climáticas ou de
cruzamentos de espécies.
A versão poligenista permitiria, por outro lado, o fortalecimento
de uma interpretação biológica na alise dos comportamentos
humanos, que passam a ser crescentemente encarados como
resultado imediato de leis biológicas e naturais. Esse tipo de
viés foi encorajado sobretudo pelo nascimento simultâneo da
frenologia e da antropometria, teorias que passavam a
interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e
proporção do cérebro dos diferentes povos. Simultaneamente,
uma nova craniologia técnica, que incluía a medição do índice
cefálico (desenvolvida pelo antropólogo suíço Andrés Ratzius
em meados do século XIX), facilitou o desenvolvimento de
estudos quantitativos sobre as variedades do cérebro humano.
Recrudescia, portanto, uma linha de análise que cada vez mais
se afastava dos modelos humanistas, estabelecendo gidas
correlações entre conhecimento exterior e interior, entre a
superfície do corpo e a profundeza de seu espírito
(SCHWARCZ, 1993, p. 49).
Até meados do século XIX era a hipótese monogenista que prevalecia, ou seja, o mito
bíblico no qual os homens descendiam de um só tronco.
No mundo dos anúncios, os fabricantes de remédios estão entre os anunciantes
mais fortes, juntamente com os hotéis e as lojas. O primeiro cartaz publicitário (sobre o
lançamento da revista Semana ilustrada) é do ano de 1860 e aparece no Rio de Janeiro,
mesma época em que, no país, ululam panfletos, avulsos e bulas com rmulas de
“milagrosos” remédios, além de painéis pintados em madeira ou metal. Diferentemente
da publicidade de hoje em dia, mais argumentativa, em meados dessa década, em São
Paulo, os anúncios, de forma geral, não possuíam títulos e eram mais enumerativos,
apenas fazendo alusão ao produto em voga. Em 1875 é a vez, no Rio, dos primeiros
anúncios ilustrados no Mequetrefe e O mosquito tendência que segue até a República
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
18
de 1889 e o fim do século XIX. “(...) Herman Lima atribui uma grande importância ao
aparecimento de O Mercúrio, em 1898, primeiro como jornal trimestral, depois diário, e
que de início se destinava exclusivamente à propaganda comercial (...)”, que, impresso
em duas cores, foi o precursor da publicidade gráfica no país, tendo ilustradores como
Juliao Machado, Belmiro de Almeida, K. Lixto, entre outros.
A década de 1870 serviu de palco para fortes conflitos. Em 1871, foi proclamada
a Lei do ventre livre - que concedia liberdade aos filhos de escravos nascidos após essa
data -, processo no qual os imigrantes europeus se tornam os principais substitutos da
mão-de-obra escrava. Toda essa década foi marcada pelos movimentos positivo-
evolucionistas, no qual as teorias analíticas de “raça” fizeram morada para tentar
explicar as diferenças sociais aqui encontradas, considerando pretos, africanos, mestiços
e escravos como seres biologicamente inferiores. Mesmo havendo uma corrente de
unificação dos centros de ensino, como museus etnográficos, institutos históricos,
faculdades de direito e medicina, entre outros, pouco se produziu sobre a influência dos
modelos racialistas na produção cultural e científica desse período.
Durante todo o século XIX, o país é visto como uma espécie de paraíso natural
para os viajantes, que, no final do século, não se importavam somente com a flora ou
fauna aqui vistas, mas sim com a complexidade de “raças” e miscigenação que
contemplavam entre os habitantes nativos. A representação criada e as teorias
desenvolvidas pelas elites, entre os anos de 1870 a 1930, afirmam que os problemas
ocorridos no Brasil derivavam do fato de constituirmos um país mestiço - em 1890, a
população branca só predominava na região Sudeste, devido à imigração européia,
tendo no restante do país a predominância de cerca de 46% da população
fenotipicamente miscigenada (
SCHWARCZ, 1993
). O papel dos fenotipicamente pretos
nessa construção social não podia ser reconhecido positivamente devido ao fato de
estarem inseridos em um contexto extremamente racialista, que concebia o ideal de
um país grande, civilizado e forte através do milagre de um futuro branqueamento da
população.
No entanto, o Brasil passa a ter uma representação externa diferenciada
(principalmente após a independência em relação à Portugal, em 1822, por intermédio
de d. Pedro I) uma vez que era regido por um imperador ligado às tendências científicas
européias, sendo visto como uma civilização moderna, progressista, e não “selvagem”
como antes. Tal imagem veiculada tem forte contribuição dos jornais da época, como o
Província de São Paulo, criado no ano de 1875 pelas elites econômicas paulistas e que
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
19
mais tarde viria a se tornar O Estado de São Paulo. Outros contribuintes para a
formação desta visão são os romances naturalistas da época, nos quais os personagens
ilustrados o condicionados às máximas deterministas de Charles Darwin e Hebert
Spencer de forma deturpada (SCHWARCZ, 1993). Era a construção de um
cientificismo retórico difundido no senso comum como verdade absoluta, mesmo não
tendo um respaldo científico real.
“A história brasileira é, desta forma, apreendida em termos deterministas, clima
e raça explicando a natureza indolente do brasileiro, (...) o lirismo quente dos poetas da
terra, o nervosismo e a sexualidade desenfreada do mulato” (ORTIZ, 1994, p.16). A
independência do Brasil em relação à metrópole portuguesa é defendida justamente por
tais fatores, uma vez que o Brasil seria composto de uma “raça” e uma geografia
diferentes da européia. É somente no final dos anos de 1870 que ocorre uma discussão
mais independente no que diz respeito ao tema “racial” brasileiro, com o crescente
número de intelectuais ligados a diferentes grupos de pesquisa e divididos no que diz
respeito aos interesses profissionais. No entanto, o que se viam eram diferentes vies,
todas pessimistas, em relação à constituição de uma civilização no país.
Um artigo, publicado na Revista IHGB em 1884, classifica os fenotipicamente
pretos como “o estado mais baixo de civilização humana” e outro artigo, publicado
nessa mesma revista, em 1891, classifica esses como “incivilizáveis”. no caso
indígena, a visão era mais romântica, acreditando que a catequese era o suficiente para
transformar sua natureza bárbara e errante. Mas, em ambos os casos, era a visão social-
evolucionista que prevalecia. O branco era, assim, o elemento centralizador de tal
processo civilizatório. Outros institutos foram criados após o IHGB, como é o caso do
Instituto archeologico e geographico de Pernambuco (1862) e do Instituto histórico e
geographico de São Paulo (1894), trazendo basicamente as mesmas características do
seu precursor
(SCHWARCZ, 1993)
.
O darwinismo social, que, segundo Schwarcz, via a miscigenação com um olhar
ainda mais pessimista, que enaltecia a existência das “raças puras” e entendia a
mestiçagem como sinônimo de degeneração social e “racial”, dita a tendência
intelectual da época. Mesmo com o fim da escravidão, em 1888, o conceito de “raça”
ganha uma conotação político-social ao fortalecer a idéia das diferenças entre as pessoas
através de uma suposta hierarquia natural (biológica), pela qual o darwinismo social
julga as “raças” humanas como em constante evolução/aperfeiçoamento e não como
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
20
algo uno e culturalmente diverso. Justifica-se as diferenças e determina-se as
inferioridades através da “ciência”.
No caso brasileiro, a “sciencia” que chega ao país em finais do
século não é tanto uma ciência de tipo experimental, ou a
sociologia de Durkheim ou de Weber. O que aqui se consome
são modelos evolucionistas e social-Darwinistas originalmente
popularizados enquanto justificativas teóricas de práticas
imperialistas de dominação (SCHWARCZ, 1993, p. 30).
Assim, tal darwinismo era utilizado enquadrando o homem numa única linha evolutiva,
mas excluindo dessa possível evolução os fenotipicamente pretos e mestiços, tidos
como incivilizáveis.
Com conotações ideológicas e derivada do darwinismo social, surge a eugenia
(eu: boa; genus: geração) - termo criado pelo cientista, naturalista e estatístico britânico
Francis Galton, em 1883, inspirado no livro A origem das espécies de seu primo Charles
Darwin. Para Galton a capacidade humana não estava ligada à educação e sim à
hereditariedade, devendo evitar-se os casamentos inter-raciais” em prol do
“aprimoramento das populações” e de nascimentos desejáveis e controlados”, fazendo
com que, aos poucos, o termo evolução fosse substituído por degeneração, subvertendo,
assim, as idéias de Darwin
18
(Galton apud Schwarcz, 1993). Citando outro exemplo,
para Joseph Ernest Renan existiam três grandes raças – branca, amarela e negra –, sendo
que as duas últimas, juntamente com os miscigenados, teriam sua inferioridade na
medida em que eram “incivilizáveis” (Renan apud Schwarcz, 1993).
A hegemonia das idéias racialistas na elite intelectual brasileira predominou de
1888 (ano da Abolição e da publicação da obra-mestra História da literatura brasileira,
de lvio Romero) à 1914 (início da Primeira Guerra Mundial e auge da necessidade de
se criar um espírito nacionalista nas pessoas). O problemático é justamente o fato de
algumas teorias terem sido privilegiadas pelos intelectuais brasileiros em detrimento de
outras, uma vez que em fins do século XIX, período em que esses intelectuais
18
Cabe explicar que as práticas eugênicas estiveram presentes, embora com características relacionais e
muito específicas, na maioria dos países democráticos do continente europeu e americano (na Alemanha
nazista e nos Estados Unidos, por exemplo, tal depuração era praticada através de cirurgias esterilizadoras
e racismo eugênico). Estudando a vertente latino-americana do movimento eugênico, Nancy Stepan
(2005) esclarece que no caso específico do Brasil a eugenia foi o álibi usado na proposta de construção da
identidade nacional e, por isso, não se inspirou no hereditarianismo radical visto nos países anglo-saxões
ou nos Estados Unidos mas sim em políticas de saneamento e higiene pública (o neolamarckismo,
herdado por nós através da França, que apontava o meio como agente influenciador tanto da
hereditariedade quanto da reprodução). Ver STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e
nação na América Latina. Rio de Janeiro: Fio Cruz, 2005.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
21
brasileiros estão produzindo (ou reproduzindo) seus escritos racialistas baseados nas
idéias de Gobineau e Agassiz (datadas de meados do século XIX), tais idéias eram
criticadas e perdiam campo para os conceitos culturalistas de Franz Boas (em 1890) e
Gilberto Freyre (1930). Mas, por outro lado,
a elite intelectual brasileira, ao se orientar para a escolha de escritores
como Gobineau, Agassiz, Broca, Quatrefages, na verdade não está
passivamente consumindo teorias estrangeiras. Essas teorias o
demandadas a partir das necessidades internas brasileiras (...). O
dilema dos intelectuais do final do século é o de construir uma
identidade nacional (ORTIZ, 1994, p.30).
As teorias deterministas de meados do século XIX eram mais “adequadas” para
a formação de uma possível unidade nacional em fins do século XIX.
Da constatação da hibridação em Von Martius à afirmação darwinista
de [Silvio] Romero, para se chegar ao elogio à democracia racial com
Gilberto Freyre, percebe-se como é arraigado o argumento de que o
‘Brasil se define pela raça’” (SCHWARCZ, 1993, p. 247).
A idéia de equilíbrio encontrada na figura do mestiço para a construção da identidade
nacional forja-se de forma incipiente
19
em finais do século XIX, após a abolição e as
fortes transformações surgidas na sociedade brasileira - de economia escravocrata para
capitalista, de organização monárquica para republicana. E a publicidade, em meio a
tantas transformões sócio-econômicas, ganha novo status (agora profissional) em
inícios do século XX.
1.2 No sangue da moderna nação remediada a instituição publicitária (XX)
O início do século XX seria, então, o divisor de águas entre os então
classificados e os, agora, anúncios comerciais peças ilustradas em duas cores (verde e
azul, amarelo e vermelho, roxo e amarelo) por artistas famosos e textos escritos por
poetas. A revista paulistana Arara, de 1907, é um exemplo interessante: viva em cores,
desenhos chamativos, menor que um tablóide e anúncios, de página inteira, de empresas
como Antarctica, Loteria de São Paulo e Companhia paulista de seguros. Nas edões
de Cri-Cri (semanário de atualidades ligado à anunciantes nacionais) e Vida paulista
(edição semanal ilustrada dA notícia, com recursos mais locais), no ano seguinte, tais
19
Em tal época, a idéia na qual o mestiço é equivalente a figura mais instável, desequilibrada e deplorável
do mundo é extremamente forte e propagada por pensadores como Raimundo Nina Rodrigues e seus
adeptos.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
22
anúncios ganham posições mais fixas (como usado no marketing contemporâneo). Mas,
embora com grandes anúncios de vinhos, cigarros, corpetes, cabeleiras postiças, entre
outros produtos, os discretos classificados de remédio, em preto e branco, têm
quantitativo espo em tais publicações.
Tudo leva a crer que a frase "o Brasil é um vasto hospital”, quando foi
pronunciada, já estava caindo de velha. Um exemplar do almanaque O
Farol da Medicina, de 1909, mostra com os seus anúncios qual o
mercado das doenças em voga. O quadro tem de ser representativo,
pois a publicação saía mais de 20 anos, atingira 100.000
exemplares, e trazia na capa uma alegoria à Granado, indústria de
respeito como uma “grande máquina a vapor”. A sífilis vinha em
primeiro lugar, combatida por remédios variados, desde a Injeção
Anti-Blenorrágica até a Água Anti-Cancerosa, específico para
“cancros venéreos, especial cautério”. Seguiam-se os depuradores de
sangue, numerosos, os muitos elixires (...). Tudo devidamente
aprovado pela Inspetoria Geral de Higiene (RAMOS, 1985, p.22).
Para Rodolfo Lima Martensen (1990), talvez seja Julião Machado, em 1896, o
primeiro publicitário autodidata brasileiro e o precursor da criação integrada (ele mesmo
ilustrava e escrevia seus anúncios). Posteriormente, em 1910, um homem por nome José
Lyra ganha a fama de “homem-reclame” por viver exclusivamente de tal ofício, além de
atrair renomados ilustradores (Luis Peixoto, Vasco Lima, Arthur Lucas, K. Lixto) e
redatores (Emílio de Menezes, Olavo Bilac, Basílio Viana e Hermes Fontes) para o
ramo. No novo semanário ilustrado A lua, de São Paulo, observamos a mesma
tendência: seus dez primeiros números traziam, na capa, chamadas sobre o “homem-
reclame” José Lyra e seus anúncios, em verso, sobre os preparados Bromil e Saúde da
mulher, ambos da firma Daudt & Lagunilla.
Outra tendência foi a utilização de caricaturas de políticos famosos associados a
anúncios, dando o tom bem-humorado da época. Embora sem muitos investimentos e
desenvolvimentos de técnicas mais apuradas, havia uma vasta gama de talento na
publicidade aqui feita. Surge, em tal contexto, A eclética agência brasileira que
contribuiria fortemente para a racionalização burocrática da publicidade brasileira,
tornando-se um divisor de águas no que diz respeito ao campo mercadológico da
publicidade aqui produzida. Há, também, de se ressaltar que o ensino da publicidade no
país
(...) recebeu em 1926 uma contribuição histórica: instala-se no Brasil
o Departamento de Propaganda da General Motors. Foi esta entidade
que trouxe para toda a experiência do competitivo mercado
americano da propaganda. Veio com ela uma nova escola de
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
23
pensamento publicitário, usando expressões estranhas como layout,
copywriter, slogan, market-research, headline, caption e tantas outras.
A técnica da propaganda comercial, fartamente desenvolvida pelo
Tio Sam”, atingia finalmente o Brasil (MARTENSE, 1990, p.32).
No processo de institucionalização do fazer publicitário no país, a primeira firma
especializada em distribuir anúncios para os jornais, ou seja, uma real agência
publicitária, foi a Castaldi & Bennaton, dona da A eclética - instalada em São Paulo
entre os anos de 1913/14, num cenário no qual os jornais pouco exibiam conteúdos
publicitários em suas edões, bem como pouco sabiam sobre os métodos de venda em
voga no momento. Embora contendo alguns avanços no que diz respeito à visualização,
os anúncios que circulavam nos jornais de São Paulo e Rio de Janeiro da época não
sofrem grandes alterações e continuam com grande enfoque na indústria dos remédios.
as revistas, como no caso da carioca Eu sei tudo (1917), traziam anúncios sobre as
tendências da moda, produtos cosméticos, acessórios femininos e, de forma ainda
emergente, produtos alimencios ligados à Nestlé e Colgate-Palmolive ou eletrônicos à
Kodak ou GE.
É nesse campo que agências internacionais, como as norte-americanas J. Walter
Thompson (estabelecida em São Paulo) e N. W. Ayer & Son (Rio de Janeiro),
contribuem para a modernização das ancias brasileiras no que diz respeito
principalmente aos setores de marketing (então, responsabilidade da agência e não do
cliente, embora esse pagasse o serviço à parte), criação e planejamento. A importação
de material humano por parte das agências nacionais também foi um movimento que,
embora caro, foi muito utilizado na tentativa de profissionalização das mesmas. Em
alguns casos, diretores de arte novaiorquinos eram contratados por escritórios do Rio de
Janeiro no anseio de tal modernização.
Com a vinda dessas marcas, chegava ao Brasil a técnica norte-
americana de propaganda comercial. Vejamos, por exemplo, a
General Motors, que havia muito já vendia em nosso país os seus
automóveis e caminhões. Em 1926, tinha a GM um departamento de
propaganda com 5 funcionários. Em 1927, um ano particularmente
favorável às vendas, a divisão de publicidade foi-se ampliando e
chegou a contar com 34 pessoas (...). Essa equipe e uma orientação
profissional que seguia padrões internacionais, resultaram em
atividade sem dúvida inovadora (RAMOS, 1985, p.34-35).
A inserção de tal departamento foi o representativa na publicidade brasileira que
quando as primeiras ancias norte-americanas, a Ayer, e, em seguida, a Thompson, se
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
24
instalam no Brasil seus respectivos núcleos publicitários são formados justamente pelos
profissionais do departamento de publicidade da GM.
Embora no Rio de Janeiro constituísse a Inter-Americana, agência associada à
Foreing advertising por intermédio de Armando d’Almeida, era São Paulo o centro da
ebulição de tal profissão, principalmente com a abertura do escritório da N. W. Ayer
para atender o cliente internacional Ford - o que contribuiu, até fins da Segunda Guerra
Mundial (época em que a agência fecha suas filiais para dedicar-se somente ao mercado
doméstico), para a formação de publicitários brasileiros. Mas foi a J. Walter Thompson
a agência precursora que mais formou profissionais brasileiros em tal área, através de
um sistema de estágios ou cursos práticos nos quais os alunos de publicidade se tornam
verdadeiros talentos.
Mesmo com a existência de diversas agências publicitárias no Brasil, como A
eclética e Pettinati, Armando de Moraes Sarmento (1990) nos conta que no mercado
brasileiro da década de 1930, no qual jornais e revistas eram os principais veículos do
país, avisos como “esmola e propaganda aos sábados das 9:00 às 11:00 horas” eram
freentes nas entradas dos escririos e indústrias. A publicidade aqui feita, sem layout
e com ilustrações primárias, era, ainda, o que havia de mais antagônico se comparado ao
desenvolvimento de tal ofício na Europa (especialmente na Inglaterra, Alemanha e
França). É tal década o momento preponderante da efervescência de uma produção
intelectual que, em grande medida, busca dar forte base ao projeto nacionalista
brasileiro
20
.
Embora abalando profundamente a economia brasileira e, portanto, o fazer
publicitário, a grande crise de 1929 e as chamadas revoluções de 1930 e 1932 (com o
lema da integração nacional) contribuíram, juntamente com o movimento Modernista,
para a valorização dos produtos aqui feitos e que, anteriormente, eram vistos com
desdém. Em tal época, em São Paulo, a agência Ayer passa a comprar fotos em Nova
York para substituir a ilustração feita para os anúncios. “Na maioria, os modelos das
20
Como aponta o sociólogo e então Ministro das Relações Exteriores do país Fernando Henrique Cardoso
(1993), são, em linhas gerais, três os “livros que inventaram o Brasil”: Casa grande e senzala (1933),
Raízes do Brasil (1936) e, posteriormente, A formação do Brasil contemporâneo (1945). Os responsáveis
pela construção de tais pilares básicos de compreensão do país, desde então, são, respectivamente,
Gilberto Freyre (e seu elogio à miscigenação “racial”), Sérgio Buarque de Holanda (e sua crítica à cultura
patrimonialista portuguesa aqui enraizada) e Caio Prado Júnior (com sua análise marxiana da sociedade
brasileira de então). Cada um, à seu modo, buscava dar respostas plausíveis à complexa questão da nossa
identidade e da fascinante descoberta do ser nacional, ou seja, “essa paixão por uma interrogação contínua
sobre nossas origens, sobre o que somos, o que poderemos ser (...)(CARDOSO, 1993, p.34). Ver
CARDOSO, Fernando Henrique. Livros que inventaram o Brasil. In: Novos Estudos, número 37,
novembro de 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
25
fotografias que vinham eram mulheres bonitas, sem vida, mas quase todas louras. E
havia a necessidade óbvia de morenas” (RAMOS, 1985, p.43). Aqui, observamos a
centralização de uma estética hegemônica anglosaem detrimento, principalmente,
dos fenotipicamente mestiços (mais predominantes que os pretos).
Foi a carioca Rádio educadora a primeira estação regular do Brasil, isso nos idos
de 1927, surgindo, posteriormente, na década de 1930, a Rádio sociedade do Rio de
Janeiro
21
. Entre tais anos, outras emissoras lançam suas ondas em São Paulo e Recife.
Em tal início, a publicidade era escassa e feita com simples locuções. “Então, a partir de
1933, tudo rapidamente se transformou. Apareceram os spots, os programas associados
as marcas, afinal os jingles(RAMOS, 1985, p.45). Já as revistas especializadas em
publicidade tem início real nos anos de 1937, com a criação da revista Propaganda.
Além de uma imprensa especializada e de entidades profissionais, os
anos trinta viram nascer as nossas mais importantes agências.
Começando com a N.W. Ayer e a J. Walter Thompson, passando pela
Standard Propaganda e a McCann-Erickson (Armando de Moraes
Sarmento, em 1935, foi o primeiro brasileiro a dirigir um escritório de
agência americana), chegamos à fundação da Inter-Americana em
1938. Foram anos decisivos, sob os prismas de maturidade e
profissionalização. Isto redundava emvel técnico de propaganda
que se elevava e passava a estender-se (RAMOS, 1985, p.46).
Embora a mídia, de uma forma geral, permanecesse na era dos remédios, pequenas,
médias e grandes indústrias anunciam outros produtos, como cigarro, cerveja, lâmpada,
creme dental, automóvel, entre outros.
Traçando um mapa posterior do ofício publicitário e sua forte
modernização/profissionalização em fins da década de 1980 - na qual o Brasil era o
timo mercado no ranking mundial, com um volume de verba em torno de dois bilhões
de dólares, cerca de mil e 300 agências e 500 anunciantes regulares, num circuito
complementarizado por duas mil emissoras de rádio, 150 emissoras de tv, 500 salas de
cinema e 20 mil outdoors -, Augusto de Angelo (1990) explica que tal progresso foi
possível devido à chegada, em São Paulo no ano de 1929, da J. Walter Thompson. Com
a missão de prestar serviços à General motors, sua primeira conta no Brasil, tal agência
inicia um trabalho de implementação de técnicas e métodos com todos os profissionais
do então departamento de propaganda da mesma (num cenário com poucas agências
publicitárias e uma forte ênfase dos departamentos de propaganda dos grandes
21
em 1932, Roquette Pinto, fundador da dio Sociedade, emitiria suas primeiras e rudimentares
imagens televisivas do centro aos bairros cariocas.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
26
anunciantes, como General electric, Mesbla e os laboratórios farmacêuticos). Em tal
leva, jornais e revistas também se modernizam.
Muitas mudanças aconteceram na vida brasileira a partir de 1930.
Sucessivas revolões a de 30, vinda do sul, com Getúlio Vargas e
seguidores, a de São Paulo em 32, o golpe de 37, influíram na política,
na sociedade e na economia. Os reflexos no setor da propaganda
foram vários, alguns positivos, outros não. Muitas novas agências
surgiram, entre elas a Empresa Nacional de Propaganda (1930), a N.
W. Ayer (1931), a Standard (1933) e a McCann (1935). (...) A
propaganda estava ganhando corpo nessa fase de 30. Ganhou, até
mesmo, sua primeira coluna (Sylvio Behring, em O Globo). Assim
como ganhou a atenção do governo: dois decretos-leis, em 1934. Um,
de janeiro, dispõe sobre a propaganda ao ar livre no Distrito Federal;
outro, de junho, trata da concorrência desleal e capitula a propaganda
falsa como crime (ANGELO, 1990, p. 26).
Posteriormente, ancias nacionais e multinacionais (Standard, Norton, Inter-
Americana, Lintas, McCann-Erikson, Grant) aderem ao sistema de trainees devido à
necessidade de se formar o-de-obra para tal negócio. Outros empresários, buscando
evitar tal processo de formação profissional, passam a oferecer tentadoras propostas a
profissionais formados por outras agências, gerando, assim, uma grande inflação no
salário desses profissionais. Cinco agências funcionariam em São Paulo após a Primeira
Guerra Mundial: a mencionada A eclética, Pettinati, Edanée, e as de propriedade de
Valentin Haris e também de Pedro Didier e Antônio Vaudagnoti.
Um dos primeiros países a forjar uma legislação própria para o ofício da
publicidade, o Brasil, também cria, na mesma época, o Departamento de imprensa e
propaganda (Dip). É nessa mesma toada que surgem as primeiras associações não-
governamentais da classe, no ano de 1937, promovendo palestras e conferências sobre o
tema: no Rio de Janeiro, a Associação brasileira de propaganda (ABP) e, em São
Paulo, a Associação paulista de propaganda (APP). Tratando das diversas questões
metodológicas e mercadológicas do universo publicitário surge, em seguida e através de
profissionais do ramo, a revista Propaganda. Há, por certo, um movimento
modernizante e uma motivação grupal no que tange à institucionalização da profissão
publicitária, principalmente quando nos idos de 1949 é fundada a Associação brasileira
de agências de propaganda (Abap), estabelecendo normas-padrão similares à American
association of advertising agencies (AAAA).
De volta a Guerra Mundial, nos idos de 1939, ao mesmo tempo em que caem as
demandas dos anúncios publicitários, devido à crise comercial e a quase total
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
27
paralisação das importações, uma iniciativa cada vez maior por parte dos
publicitários de expandir tal horizonte profissional. Em geral, todos os profissionais
entrevistados pela revista Propaganda se mostram tranqüilos em relação ao futuro da
publicidade brasileira. O tema da guerra ganharia os anúncios, muitas vezes com sátiras
e caricaturas de líderes nazistas, soldados e etc. “‘Piralgina destrói qualquer dor’. Nesse
anúncio, o produto eram bombas, caindo sobre o alvo com a palavra ‘dor se
desintegrando(RAMOS, 1985, p.55). O slogan, a partir disso, ganha as publicidades
em jornais e em rádio, sendo um ótimo meio para divulgação das promoções do setor
lojista em todas as datas comemorativas.
Com o fim da guerra são as publicidades de imóveis que ganham terreno, numa
prática profissional cada vez mais centralizada no Rio de Janeiro e, principalmente, São
Paulo.
Os jornais davam pouco a medida dos grandes anunciantes. Ficavam
mais com Flor de Tié, Senegol, Fixbril e Loção Phenomeno, todos
para o cabelo. Com Fixodent, Hepacholan ou Eldofórmio. Com
imóveis, ofertas, com os velhos e “reputados produtos” já à base de
hormônios e vitaminas. Nas revistas estavam os cremes dentais e
sabonetes, os automóveis, as lâminas de barbear, os cigarros e os
lubrificantes que iam também para o rádio, engrossando um longo
cortejo de produtos. Foi o período áureo do jingle. De Coca-Cola,
Lever e Sonrisal, de Colgate, Melhoral e Glostora, de tantos e tantos
outros. José Scatena pode fundar, em 1948, a Rádio Gravações
Especializadas (RGE), nossa primeira organização de jingles e spots
(RAMOS, 1985, p.58).
Após meados de tal década a situação econômica do país se estabiliza, com um processo
de industrialização cada vez mais crescente, tendo no desenvolvimento da tv
estadunidense, principalmente, o nascimento de uma nova fase de tal ofício no Brasil. É,
assim, no fim dos anos de 1940 que se dá o surgimento da primeira emissora
tipicamente brasileira – tv Tupi.
Na década seguinte, após duas guerras mundiais (entre 1914 e 1945) e os
grandes conflitos de segregação “racial” nos Estados Unidos e África do Sul, o Comitê
executivo da Unesco, em sua 5ª Conferência Geral (realizada em Florença, Itália, em
maio e junho de 1950), escolhe o Brasil como campo de estudos dos elementos sociais,
políticos, econômicos, culturais e psicológicos que permeavam as relações entre “raças
e grupos étnicos, ou seja, uma tentativa de se compreender os motivos das tensões
“raciais” (problema que a Organização das nações unidas, criada no pós Segunda
Guerra Mundial, visava sanar) geradas mundo a fora e suas possíveis ligações com a
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
28
globalização de então (caracterizada pela densa urbanização e industrialização). Parte
dos resultados dessa pesquisa, nomeada Projeto Unesco, seria divulgada no periódico El
correo (da Onu), em 1952, sob o título Brasil, un vasto estúdio sobre las relaciones
raciales
22
. Como elucida Marcos Chor Maio,
na segunda metade dos anos 1940, a Unesco espelhava a perplexidade
e a ânsia de inteligibilidade por parte de intelectuais, comunidade
científica e dirigentes políticos dos fatores que levaram aos
resultados catastróficos da Guerra Mundial em nome da ra. Esse
quadro se tornou ainda mais dramático com a persistência do racismo
em diversas partes do mundo, o surgimento da Guerra Fria, o processo
de descolonização africana e asiática, e a perpetuação de grandes
desigualdades sociais em escala planetária (MAIO, 2007, p.12).
Foi o sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto quem, após a escolha do Brasil
como “o laboratório de estudos das relações raciais”, sugeriu ao então representante
brasileiro na Unesco, Paulo Estevão de Berrêdo Carneiro, um estudo que privilegiasse
as complexidades relativas às tensões “raciais” bem como os processos de transição
social aqui correntes: uma sociedade patriarcal, agrícola, que rumava para uma
conformação economia industrial e urbana.
No quadro da sociedade tradicional, agrária, que teria prevalecido até
os anos de 1930, o preconceito racial era difuso à medida que as
posições sociais de brancos e negros na estrutura sócio-econômica
eram o solidamente desiguais, que tornava dispenvel a utilização
de mecanismos discriminatórios (MAIO, 2007, p.19).
Tal projeto de pesquisa, delineado originalmente por Arthur Ramos (que assumira a
direção do Departamento de ciências sociais da Unesco em agosto de 1949, sendo
Paulo Carneiro uma das peças decisivas para a ascensão do mesmo à tal cargo),
transformaria não só as representações cienficas sobre as relações “raciais” no Brasil -
permitindo-nos pensar novas saídas para questões como o preconceito “racial” e
inserindo o país no cerne dos debates cienficos internacionais sobre o tema - como nos
proporcionaria vislumbrar uma inovadora prática de pesquisa social.
Em todas as comunidades estudadas (seja em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia
ou Amazonas), o ponto de convergência era que suas respectivas populações se sentiam
como parte integrante de uma classe social e o como de uma “raça” específica
embora, em alguns casos, as pessoas atribuíssem fatores positivos aos brancos e
22
Tal projeto, patrocinado pela Unesco e que, a princípio, versaria somente sobre a região do Estado da
Bahia expandiu-se para outras regiões, como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
29
negativos aos pretos (o que não alterava a relação cordial entre as “raças” nesses
lugares). Embora mais difícil para os fenotipicamente pretos alcançarem posições de
destaque profissional, alguns estariam ganhando espaço em elevados grupos da
sociedade (mesmo que a esmagadora maioria fosse fenotipicamente branca). Ou seja, as
posições mais inferiores, do ponto de vista social, econômico e cultural, eram
“destinadas” as pessoas “de cor”. Esses, nesse sentido, ascenderiam mais
dificultosamente por não terem uma estrutura histórica passada no que se refere à
educação e fortunas herdadas.
Como parte da mesma agenda anti-racista, a Unesco traz à tona, de forma
precursora em relação ao projeto, duas declarações sobre a questão “racial”. No
primeiro documento, intitulado I declaración sobre la raza
23
, feita na sede da
organização, em Paris, e publicada no mês de julho de 1950, temos as seguintes
conclusões: a humanidade é una e todos os homens procedem do mesmo tronco,
diferindo-se posteriormente por motivos evolutivos; as semelhanças entre os homens
o muito maiores que suas diferenças; “raça”, então, designa a freqüência genética
variável de população para população, não determinando nestas fatores como
superioridade ou inferioridade; assim, faz-se necessário substituir o conceito de “raça”
pela expressão “grupos étnicos”, uma vez que são os costumes e o a natureza que
separam os homens; jamais foi comprovado que a mestiçagem trouxesse efeitos
nefastos no que diz respeito aos caracteres morais e físicos do homem; enfim, “raça” é
mais um mito que um fenômeno biológico.
Na II declaración sobre la naturaleza de la raza y las diferencias raciales
24
,
também feita na cidade de Paris e publicada em junho de 1951, os principais pontos da
23
Declaração produzida pelos pesquisadores Ernest Beaglehole (Nova Zelândia), Juan Comas (México),
L. A. Costa Pinto (Brasil), E. Franklin Frazier (Estados Unidos da Arica), Morris Ginsberg (Reino
Unido), Humayun Kabir (Índia), Claude Lévi-Strauss (França), M. F. Ashley Montagu (Estados Unidos
da América).
24
Declaração produzida pelos pesquisadores R. A. M. Bergman (Instituto Real Tropical de Amsterdam),
Gunnar Dahlberg (diretor do Instituto do Estado de Genética Humana e de Biologia das Raças, da
universidade de Upsala), L. C. Dunn (Departamento de Zoologia da universidade de Columbia, New
York), J. B. S. Haldane (chefe do Departamento de Biometria da universidade College, Londres), M. F.
Ashley Montagu (chefe do Departamento de Antropologia da universidade Rutgers, New Brunswick), A.
E. Mourant (diretor do Blood Group Referente Laboratory, Lister Znstitute, Londres), Hans Nachtsheim
(diretor do Instituto de Genética da universidade de Freie, Berlin), Eugène Schreider (diretor adjunto do
Laboratório de Antropologia física da Escola de Estudos Superiores, Paris), Harry L. Shapiro (chefe do
Departamento de Antropologia do American Museum of Natural History, New York), J. C. Trevor
(professor da Faculdade de Arqueologia e Antropologia da universidade de Cambridge), V. Vallois
(professor do Museu de História Natural e diretor do Museu do Homem, Paris) e S. Zukerman (chefe do
Departamento de Anatomia da Escola de Medicina da universidade de Birmingham). O professor Th.
Dobzhansky (Departamento de Zoologia da universidade de Columbia) e o doutor Julian Huxley,
participaram da redação definitiva.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
30
primeira declaração são mantidos, agora com o aval de especialistas da área de biologia
e o somente pesquisadores das ciências sociais como a anterior. Nela, reafirma-se
que: as diversidades populacionais dizem respeito a aspectos geográficos, embora ainda
não se saiba como os diferentes grupos se separaram do tronco comum e diversificam-
se; as diferenças físicas entre os homens se devem a constituições hereditárias, a
adaptações ao meio ambiente no qual os homens vivem, etc.; embora exista a
transmissão hereditária de enfermidades ou deficiências mentais, ainda é pouco
conhecida à herança hereditária na vida psíquica de indivíduos “normais”; as diferenças
biológicas podem ocorrer em pessoas da mesma “raça” ou de “raças” diferentes.
Anteriormente à constituição de tais fatos e em conjunto com a universidade de
Columbia, o Governo da Bahia, por intermédio de Anísio Teixeira (então secretário de
Educação e saúde do governo Otavio Mangabeira), inicia projeto de uma densa
pesquisa
25
em diversos municípios interioranos no afã de modernizá-los nas esferas da
saúde, educação e administração pública, que tal Estado era composto de mais de
50% de analfabetos e cerca de 70% de sua população vivia em áreas rurais
(relativamente isoladas tanto da capital Salvador como do resto do Brasil)
26
. Era o
germe do Projeto Unesco, no qual Costa Pinto também teria grande importância na
formulação das diretrizes iniciais.
Retornando estritamente ao contexto da comunicação, em tal início de década,
exatamente no ano de 1950, enquanto o Brasil comemora a inauguração da primeira
emissora televisiva da América Latina, a tv Tupi, nos Estados Unidos a tv em cores
ganha autorização governamental para o seu livre funcionamento. Mas, de uma forma
ou de outra, o certo é que entrávamos numa fase de experimentação tecnológica, seja
produzindo programas ou comerciais em tal nova mídia que abarcaria todo o globo.
Nesse contexto, os locutores de voz aveludada parecem perder espaço, embora
momentâneo, para as demonstradoras: garotas-propaganda” que, num comercial
televisivo, alisam determinado produto enquanto uma voz em off anuncia suas
qualidades.
25
Iniciado em 1949 e intitulado Programa de Pesquisas Sociais da Bahia-Columbia University, contou
com o trabalho de intelectuais, como Charles Wagley e Thales de Azevedo (dirigentes do mesmo),
preocupados, em grande medida, com a forma na qual se daria a inserção urbana dos pretos e mestiços
recém libertos no país. Ver FARIAS, Edson. Tensões em um projeto civilizador baiano. In: PEREIRA,
Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil. Textos críticos. Salvador: Edufba, 2007.
26
Ver CARVALHO, Maria Rosário G. de. A Chapada Diamantina em três registros ou três tempos. In:
PEREIRA, Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil. Textos críticos. Salvador:
Edufba, 2007.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
31
Com a realização do Primeiro salão nacional de propaganda, no ano de 1950 no
Museu de arte de São Paulo (Masp), e um forte interesse por parte do público
participante, surge a necessidade da criação de uma cadeira voltada à “arte” publicitária
no já existente Instituto de arte contemporânea. Encarregado da elaboração de tal curso,
Rodolfo Lima Martensen conclui que para além de um curso de arte publicitária o
contexto era favorável para a constituição de uma faculdade em tal área o que, após
algumas pesquisas em cursos estabelecidos na França e na Inglaterra, dá origem, em
1951 e sob aprovação de Assis Chateaubriand, à primeira escola de publicidade
brasileira (abrigada no Masp e, quatro anos depois, nomeada juridicamente como
Escola de propaganda de São Paulo).
De 1952, época em que é lançado o primeiro curso e tendo como docentes
homens que conheciam à fundo tal campo, embora nem sempre tivessem didática, até
1968 tal escola (que no ano de1961 passa a se chamar Escola superior de propaganda
de São Paulo) foi a única responsável pelo ensino de tal profissão no país. Mas tal
sucesso deveu-se, também, ao incentivo ideológico e financeiro por parte dos
envolvidos. Os anunciantes, empreendedores que são, haviam compreendido que o
suporte “(...) à Escola de propaganda redundaria em melhores campanhas; os veículos
deram divulgação ilimitada (...) e os fornecedores não mediram esforços para suprir a
primeira escola de comunicação do Brasil” (MARTENSEN, 1990, p.34).
A publicidade é levada a sério tanto na tv quanto nos jornais e revistas, uma vez
que o princípio da competição se alia à oportunidade de mostrar a funcionalidade de um
produto para diversas pessoas. Eletrodomésticos se tornam populares e a criação da
Escola superior de propaganda, em São Paulo, é o indício de tal profissionalismo
publicitário. Ao que parece, é em tal visão mais empreendedora que São Paulo vira o
centro da publicidade brasileira. Outro fato que comprova isso é a criação da revista
Propaganda, que, lançada em 1956, como já dito, visa auxiliar o desenvolvimento
profissional de tal profissão.
E tivemos uma indústria automobilística. E tivemos uma prévia
indústria de auto-peças e acessórios. E o coração do publicitário se
alegrou com tantos e tão grandes clientes. Otimismo era a linguagem
da época. Houve o boom do faturamento das agências, houve o de
salários. Os veículos se esforçavam, iam de fato melhorando. A
televisão, que eram várias emissoras em São Paulo e Rio, subindo
de nível. O rádio se modificando, por força da competição da TV (...).
Carros, caminhões. Peruas, ou rurais, ou caminhonetes. E muitos
produtos mais, concorrência forte. O mercado florescia em São Paulo,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
32
os primeiros publicitários deixaram o Rio e vieram ao seu encontro
(RAMOS, 1985, p.69).
A publicidade feita em tal fase ganha outra cara, com novas linguagens e layouts mais
arrojados, embora os veículos especializados ainda primassem mais pelas questões
pragmáticas relativas às vendas do que com os processos criativos.
O tão sonhado Congresso brasileiro de propaganda é, assim, realizado, no ano
de 1957, propondo normas profissionais que até hoje estão em vigor, seja por meio de
lei ou decreto. “Entre muitos se destacaram o Código de ética dos profissionais da
propaganda; as Normas-Padrão para prestação de Serviços pelas Agências; o Instituto
Verificador de Circulação (IVC); o Conselho Nacional de Propaganda” (ANGELO,
1990, p.27-28). Outro fato importante em tal processo foi à criação da Associação
brasileira de anunciantes (Aba), no ano de 1959, formando, assim, o triangulo do
mecanismo de propulsão publicitária: anunciantes, veículos e agências.
Com mais deslocamentos dos profissionais do Rio de Janeiro para São Paulo e
um número maior de clientes importantes a serem atendidos, se inicia um processo de
valoração à criatividade publicitária, com a integração dos setores criativos nas
agências, com homens versáteis no trabalho com diversas mídias, pouca separação entre
os setores de redação e arte (agora conceituados como dupla de criação), além de uma
forte transformação tanto na forma como no conteúdo dos anúncios. Peças cada vez
mais subordinadas ao formato televisivo e às exigências de tal mídia. Havia, de fato,
uma forte influencia profissional das agências norte-americanas em tal ofício, mas,
agora, o mercado pertence às agências nacionais (as agências estrangeiras, que
possuíam cerca de 30% do mercado brasileiro na década passada, tinham menos de 10%
do mercado brasileiro nos anos de 1960).
Tal revolucionário processo na publicidade foi possível, também, graças à
chegada da indústria automobilística para o país nos idos de 1958. Mas a mudança da
capital federativa do Rio para Brasília não possibilitou uma maior pluralização
mercadológica do país: as diversas agências que migram, com escritórios completos,
para Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife terminam por fechar tais filiais que os
grandes clientes permanecem no eixo Rio-São Paulo. Outro aspecto interessante é a
fusão de algumas agências nacionais, geralmente menores, a fim de melhor se
prepararem para a forte concorrência. Por outro lado, agências internacionais, como a
famosa Leo Burnett, adquirem parte das agências brasileiras. Há, também, não a
manutenção como a expansão das house-agencies (agências internas) de empresas como
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
33
Philips, Arno e etc., além da oficialização do ensino superior de comunicação social. É
nesta época que atores do show business começam a serem usados em diversos
comerciais.
Nos anos de 1964 e 1967, no campo político, surgem mais duas declarações
acerca do tema “raça”, sendo a primeira redigida em Moscou e a segunda em Paris
ambas, juntamente com as suas antecedentes, seriam novamente publicadas no ano 1969
no dossiê Cuatro declaraciones sobre la cuestión racial (da Onu). Em Propuestas sobre
los aspectos biológicos de la custión racial
27
, é dito que embora todos os homens
tenham vindos de um tronco comum, os motivos que levaram a sua diversidade ainda
o controversos; as diferenças biológicas dos homens são determinadas por diferenças
de constituição hereditária e também pela ação do meio sobre o potencial genético
(interação entre genética e cultura); todos os progressos humanos, milênios, parecem
ser frutos culturais e o do patrimônio genético; as “raças” estariam em constante
transformação; através da cultura, o homem vem desenvolvendo mecanismos para a sua
adaptação genética; peculiaridades culturais o podem ser consideradas parte do
patrimônio getico.
no quarto documento do dossiê Declaración sobre la raza y los prejuicios
raciales
28
, os especialistas concordam que: o racismo é o principal obstáculo para o
27
Declaração produzida pelos pesquisadores Nigel Barnicot (Departamento de Antropologia da
universidade College, Londres), Jean Benoist, diretor do Departamento de Antropologia da universidade
de Montreal), Tadeusz Bielicki (Instituto de Antropologia da Academia de Ciências da Polônia,
Wroclaw), A. E. Boyo (chefe do Instituto Federal de Investigações sobre a Malária do Departamento de
Patologia e Hematologia da Escola de Medicina da Universidade de Lagos), V. V. Bunak (Instituto de
Etnografia da Academia de Ciências de Moscou), Carleton S. Coon (conservador do Museu da
universidade da Pensilvânia, Filadélfia), G. F. Debetz (Instituto de Etnografia da Academia de Ciências
de Moscou - presidente da reunião), Adelaida G. de Díaz Ungría (conservadora do Museu de Ciências
Naturais de Caracas), Santiago Genovés (Instituto de Investigações Históricas da Faculdade de Ciências
da Universidade do México vice-presidente da reunião), Robert Gessain (diretor do Centro de
Investigações Antropológicas do Museu do Homem em Paris), Jean Hiernaux (Laboratório de
Antropologia da Faculdade de Ciências da universidade de Paris; Instituto de Sociologia da universidade
livre de Bruxelas - diretor científico da reunião), Yaya Kane (diretor do Centro Nacional de Transfusão de
Sangue do Senegal, Dakar vice-presidente da reunião), Ramakhrishna Mukherjee (chefe do Serviço de
Investigação Sociológica do Instituto de Estatística da Índia, Calcutá – vice-presidente da reunião),
Bernard Rensch (Instituto de Zoologia da universidade de Westfalische Wilhelms, Múnster), Y. Y.
Roguinski (catedrático de antropologia na universidade de Moscou), Francisco M. Salzano (Instituto de
Ciências Naturais de Porto Alegre, Rio Grande do Sul), Alf Sommerfelt (Pró-Reitor honorário da
universidade de Oslo - vice-presidente da reunião), James N. Spuhler (Departamento de Antropologia da
universidade de Michigan, Ann Arbor vice-presidente da reunião), Hisashi Suzuki (Departamento de
Antropologia da Faculdade de Ciências da universidade de Tókio), J. A. Valsik (Departamento de
Antropologia e Genética da universidade J. A. Komensky, Bratislava), Joseph S. Weiner (Escola de
Medicina Tropical e de Higiene da universidade de Londres), W.P. Yakimov (Instituto de Antropologia
da universidade de Moscou).
28
Declaração produzida pelos pesquisadores Muddathir Abdel Rahim (universidade de Jartum, Sudão),
Georges Balandier (universidade de Paris), Celio de Oliveira Borja (universidade da Guanabara, Brasil),
Lloyd Braithwaite (universidade das Antilhas, Jamaica), Leonard Broom (universidade do Texas, Estados
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
34
reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos; as idéias racistas carecem de
base científica; todos os homens teriam vindos do mesmo tronco; o racismo busca
afirmar o status quo ao estabelecer que a diferença entre os homens são imutáveis;
desigualdades econômicas, sociais, educacionais, entre outras, são algumas das origens
do racismo. Em suma, tanto no periódico El correo como no dossanterior, referente
às declarações sobre “raça”, fica claro que as principais causas do racismo seriam as de
ordem econômica e social - embora os seus adeptos busquem justificar sua crença na
inferioridade alheia através da biologia.
Outros eventos e organizações, no mundo da publicidade profissional, viriam:
realizações do I Congresso latino-americano de propaganda (1961, São Paulo), do II
Congresso brasileiro de propaganda (1969, idem) e do III Congresso brasileiro de
propaganda (1978) e a aprovação, nesse, do Código de auto-regulamentação
publicitária (antes Comissão nacional de auto-regulamentação publicitária, o atual
Conselho, constituído no ano de 1980 sob a sigla Conar, é o órgão civil - constituído por
advogados, dicos, jornalistas, professores, engenheiros, entre outros - responsável
por fiscalizar as possíveis infrações cometidas tanto por anunciantes como por agências
tendo como base o respectivo Código) e, por fim, a fundação da Federação nacional
das agências de propaganda - Fenapro (1979).
A década de 1970 foi dividida entre os publicitários otimistas, ou seja, que viam
em tal era do por vir uma época de grande prosperidade para o campo publicidade e, por
outro lado, os profissionais que, de forma mais moderada, pensavam tal futuro tendo
como base os trilhos até o momento percorridos por tal ofício. Obviamente, o otimismo
visto em parte dos profissionais se fazia real na medida em que, em tais anos, houve
uma brusca extinção do analfabetismo entre os menores de 18 anos; uma elevada
produção de eletrodomésticos e automotivos; a construção de três usinas atômicas e da
malha rodoviária, que arrebanha o público interiorano; além do alargamento dos
receptores televisivos, com o advento da tv em cores, para o número de 13 milhões de
pessoas, ou seja, cerca de 70 milhões de espectadores
29
(RAMOS, 1985).
Unidos da América), G. F. Debetz (Instituto de Etnografia de Moscou), J. Djordjevic (universidade de
Belgrado), Decano Clarence Clyde Ferguson (universidade de Howard, Estados Unidos da América),
Dharam P. Ghai (universidade College, Quênia), Louis Guttman (universidade Hebréia, Israel), Jean
Hiernaux (universidade Livre de Bruxelas), A. Kloskowaska (universidade de Lodo, Polônia), Kéba
M’Baye (primeiro presidente do Tribunal Supremo, Senegal), John Rex (universidade de Durham, Reino
Unido), Mariano R. Solveira (universidade de Havana), Hishasi Suzuki (universidade de Tókio), Romila
Thapar (universidade de Delhi), C. H. Waddington (universidade de Edimburgo, Reino Unido).
29
Embora fuja aos objetivos da presente pesquisa, cabe uma reflexão sobre o papel jogado pela ditadura
em tal contexto.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
35
Em 1969, os investimentos publicitários atingiam, no Brasil, o volume
de 1 bilhão de cruzeiros. Naquele mesmo ano, quando o Anuário fez a
reportagem de que ora nos ocupamos, a estimativa era de que
chegaríamos ao fim dos 70 com pouco mais do duplo dos
investimentos em propaganda de então, digamos 2,5 bilhões. Posto
isso em dólares, ao câmbio da época, iríamos de cerca de 220 a mais
ou menos 500 milhões. E todos ficariam muito satisfeitos com o
crescimento do negócio. Qual foi, no entanto, a realidade? 1979
fechou, em termos de investimento publicitário, com a espantosa
quantia de 59 bilhões de cruzeiros (RAMOS, 1985, p.99).
Tal expansão se deve aos novos anunciantes e linhas de produtos surgidos em tal
época e sua veiculação publicitária, seja em jornais, revistas, outdoors, rádios ou tvs.
Nesse contexto, virada dos anos de 1970 para os 80, seis das dez maiores agências de
publicidade do país são de capital totalmente nacional (MPM, Alcântara Machado,
Salles/Interamericana, Norton, Denison e DPZ), embora as norte-americanas J. Walter
Thompson e McCann-Erickson são as que ainda mais arrecadam em relação às demais.
Das características de tal profissão aqui desenvolvida ressalta-se a rima, advinda da
cultura oral e que muito contribuiu para a produção de peças que, para além de fáceis de
memorizar, vão de encontro ao gosto popular.
Nos idos de 1976 já haviam 11 faculdades públicas de comunicação em diversos
lugares do Brasil, bem como 42 particulares, resumindo o boom do ensino da
comunicação social no país. No início dessa mesma década, as ações voltadas ao
marketing ganham espaço, num movimento no qual a então Escola superior de
propaganda de São Paulo torna-se Escola superior de propaganda e marketing
(ESPM). “A presença de um publicitário com mentalidade de marketing na alta direção
da empresa passou a ser fator desejável, pois não trazia métodos promocionais mais
atualizados como seria o elo ideal entre a empresa e suas agências de propaganda (...)”
(MARTENSEN, 1990, p.36). Dez anos depois, no ano de 1986, 15% dos cerca de 35
mil alunos matriculados em comunicação cursam habilitação na área da publicidade
(geralmente aptos para o setor de atendimento da agência, sendo exceções os ingressos
nos setores criação, mídia, pesquisa e estúdios de produção).
Como nos explica Hiran Castello Branco (1990), nas décadas de 1970 e 80 as
grandes responsáveis pela solidificação da publicidade brasileira, no que diz respeito às
áreas da tv e da mídia impressa no Brasil, foram, respectivamente, a rede de tv Globo
(pondo em prática o projeto de integração e segurança nacional do país proposto pelo
militares em voga no poder de 1964 a meados de 1980, tal emissora, por intermédio de
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
36
diversos subdios estatais para a importação de equipamentos de última geração através
de parcerias ilícitas com a empresa estadunidense Time Life - atual Time Warner -,
ganha notoriedade mundial
30
) e a editora Abril. Diferentemente, o circuito da
comunicação (formado por produtoras de filmes, estúdios fotográficos, gráficas e
empresas de fotolito) pouco influenciou em tal trajetória profissional até então, ou seja,
não teve papel direto e determinante para o bom andamento da instria publicitária e
seu funcionamento no que diz respeito à propagação de bens de consumo e serviços.
O nascimento das empresas brasileiras (que logo lideram o ranking local e são
vendidas para grupos internacionais) em tal ramo profissional se dá posteriormente a
vinda da agência estrangeira McCann-Erickson, através da iniciativa empreendedora de
profissionais que ali haviam trabalhado. Em tal contexto de propulsão industrial, surgem
agências tipicamente nacionais, como Talent, Guimarães e Grottera & Associados,
criando um dos mercados mais dinâmicos e criativos do mundo embora concentrado
principalmente na cidade de São Paulo. Em um breve tempo a publicidade ganharia
status de objeto de pesquisa científica, principalmente nas temáticas voltadas para a
representação social das chamadas minorias no que diz respeito especialmente aos
gays, as mulheres e, como no presente caso, aos fenotipicamente pretos.
1.3 Vistosas cores no contemporâneo ofício publicitário: uma visão nativa (XXI)
Fomos (e somos parte), é certo, atraídos pelas ambivalências desta “aldeia
global” caracterizada por Octavio Ianni. Trata-se de um terreno atrativo, porém viscoso,
de um panorama “(...) vasto e complexo todo moderno, modernizante, modernizado
([1926] 1995, p.93) no qual a comunicação, agora eletrônica, antes propulsora da
integração nacional por meio do romance e do jornal impresso, tem papel chave no que
diz respeito à transposição das diversidades sociais e desigualdades econômicas. Assim,
inúmeras produções culturais, como cinema, sica e literatura, invadem, sem nenhum
pudor, as peculiaridades contextuais das diferentes etnias e/ou nações, gerando, em
alguns casos, fortes rupturas ou fragmentações nestas. Mas se “(...) a mídia expressa
muito do que vai pelo mundo, na onda da integração e fragmentação, no âmbito das
diversidades e desigualdades, no jogo dos conflitos e das acomodações” (p.95),
podemos propor que, num contexto mais regional, o profissional publicitário é, em
algum sentido, não mero algoz maquiavélico, como querem alguns militantes negros,
30
Ver HARTOG, Simon. Beyond citizen Kane [Muito além do cidadão Kane], 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
37
mas um produtor sensível às transformações sociais e parte menor de um “intelectual
orgânico” formado por comunicólogos, cientistas sociais, cineastas e técnicos.
Os pretos protagonistas nos medias, não diferentemente do que como com os
brancos, o estilizados nas peças publicitárias. A indústria áudio-visual rebusca o real
e, assim, a publicidade potencializa crenças por ser um “poderoso meio de fabricação de
representações, imagens, formas, sons, ruídos, cores e movimento” (IANNI, 1995,
p.96). Como afirma o diretor de arte Carlos Filho, “mesmo o negro que aparece na
propaganda é um negro meio plástico, meio falso, entendeu? Porque quando você põe o
povo mesmo, de fato, causa certo choque. Aquilo é o povão e a galera assusta”.
Concordando, o diretor de criação Fábio Souza diz que um dos princípios fundamentais
do fazer industrial da publicidade é justamente a “brutalização da forma”, ou seja,
“estabelecer um clichê que seja de fácil acesso, identifivel”, o que termina por
determinar os padrões por meio da uniformização ou plano médio. Tratamos da nossa
extensão nervosa e o do nosso sistema nervoso propriamente dito, afinal, são técnicas
aplicadas por pessoas muito mais complexas que o desejado binarismo “bonzinhos”
versus “malvadões” e que estão inseridas em contextos múltiplos de forças hierárquicas.
A aldeia global do século XX é prenunciada pelos monopólios, trustes e cartéis
em fins do século XIX, traçando um panorama mundializado e que tem como seu
principal produto uma generalizada cultura da mundialização. Os novos objetos da
chamada cultura negra o ótimos exemplos dos “(...) elementos também díspares,
convergentes e contraditórios, antigos e renovados, novos e desconhecidos” (IANNI,
1995, p.98, 99) habituais e parte deste contexto no qual o então local é globalizado,
traduzido e re-localizado (portanto glocal) em diversos outros contextos. Talvez seja a
publicidade o maior ícone de tal dialética baseada na informatização (que da imprensa,
rádio, cinema, televisão, telefone, entre outros, deu origem aos satélites de
comunicação, televisão a cabo e etc., num sistema cada vez mais integrado e universal).
O publicitário, aqui, é um importante intelectual da aldeia global que domina os
meios indispensáveis para a veiculação mundial de uma gama de ícones, embora não
tenha o poder de prever os fins de tal movimento.
É como se o mundo todo, em sua organização e dinâmica, em suas
articulações, tensões e fragmentações, fosse continuamente, minuto a minuto,
descrito e interpretado, fotografado e divulgado, taquigrafado e codificado ou
representado e imaginado por uma coletividade de intelectuais especializados
em traduzir fatos, acontecimentos, crises, impasses, realizações, façanhas,
revoluções e guerras. (...) Esse é o contexto em que se a metamorfose da
mídia em um vasto, complexo e global intelectual orgânico. Um intelectual
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
38
orgânico das estruturas de poder prevalecentes em âmbito mundial,
traduzindo as imagens da realidade e as visões do mundo de blocos de poder,
composições de classe e grupos sociais que detêm os meios e modos de
organizar, influenciar, induzir ou dinamizar as estruturas de dominação
política e apropriação econômica prevalecentes na sociedade global. (...)
Hegemônica é toda imagem da realidade, toda visão de mundo, que expressa
os interesses dos que detêm os meios de mando, ou dominação e apropriação,
mas simultaneamente contempla, isto é, leva em conta os interesses de
setores sociais subordinados ou subalternos (IANNI, 1995, p.103-105).
Em tal conjuntura, se a língua inglesa é a vulgata da globalização, agora na voz
imperativa dos norte-americanos, mas propiciada pela expansão imperialista britânica
ainda em fins do século XIX, por outro lado tal idioma tem ganhado novas traduções
(uma forma de heterogeneidade do global) nos diversos contextos em que se assenta.
, por certo, uma apropriação s-colonial que muitos nos têm a revelar,
principalmente no que diz respeito às representações da “cultura negra” constituída no
Novo Mundo. “Nessa babel, atravessada pelas mais surpreendentes diversidades e
desigualdades, polarizada por movimentos de integração e fragmentação, todos se
entendem e desentendem principalmente em inglês” (IANNI, 1995, p.111).
Em tal aldeia global, a emergência dos fenotipicamente pretos na mídia
brasileira, datada no início da década de 1990, embora para alguns militantes da causa
em questão ainda muito tímida
31
, é vista por alguns como o fruto da luta do movimento
negro
32
aqui presente nos idos de 1978. As denúncias feitas por esse movimento - que
aponta para a inexistência de uma “democracia racial e para o fato de que os
fenotipicamente pretos são discriminados por sua cor e não apenas por sua condição
social - vêm ganhando certa repercussão na sociedade brasileira e nos meios de
comunicação, naquilo que J. B. Thompson (2002) classificou como “transformação da
visibilidade”.
Exemplos dos anos anteriores, como as minisséries sobre a Escrava Anastácia e
a posterior Mãe-de-santo - na rede de tv Manchete -, as discussões sobre a condição dos
pretos no Brasil - principalmente na tv Cultura - e a inserção de uma família de classe
média fenotipicamente preta em uma novela do “horário nobre” da maior rede de
televisão do país - a Rede Globo - nos revelam que, embora a situação cotidiana dos
pretos não tenha sido expressivamente alterada, o debate acerca do racismo foi
31
Joel Zito Araújo (2007) afirma que os afrodescendentes vêem na tv uma representação ainda
estereotipada e subalterna de seu grupo racial. O cineasta, através de pesquisas junto à Fundação Cultural
Palmares, explica que no ano de 2000 a indústria audiovisual (tv, cinema e publicidade) o conseguia
inserir mais de 10% de atores, apresentadores e jornalistas negros em seu quadro midiático. Ver
ARAÚJO, Joel Zito. Onde está o negro na tv pública?. Revista da Fundação Cultural Palmares, 2007.
32
Especificamente o Movimento Negro Unificado (MNU).
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
39
ampliado e visto de forma mais crítica pelos meios de comunicação, sendo que nos dias
atuais tal emergência preta tem se dado de forma cada vez mais enfática seja em filmes,
publicidades ou novelas (à título de exemplo, no ano de 2009 pelo menos uma
protagonista fenotipicamente preta desempenhando papel positivo em três das quatro
novelas inéditas da Globo
33
, além de diversos atores pretos em outros papéis centrais).
Mas tal emergência, para além de qualquer engajamento político, está
estritamente ligada ao fluxo econômico/mercadológico. No Brasil, o processo causador
da ampliação do horizonte dos fenotipicamente pretos, no que diz respeito à sua
inserção no quadro de consumo mundial e a considerável representação desses nos
medias, se deu com o término da ditadura militar, em meados da década de 1980,
quando 70% da população campestre vive nos meios urbanos. Mas, a família ou
grupo fenotipicamente preto que alcança tal patamar de consumidores ostentosos, na
ótica de Livio Sansone,
(...) se sente desconfortável com as construções tradicionais da
identidade negra como um fenômeno da classe baixa e com a
caracterização dos negros como indivíduos incapazes de consumir
mbolo de status ou que o fazem de maneira grosseira por causa de
sua “falta de modos” (SANSONE, 2000, p.97).
De acordo, a etnografia realizada por Ângela Figueiredo (2004) na cidade de
Salvador explica que os pretos com poder aquisitivo elevado são vistos como pessoas
“fora do lugar” sociologicamente construído para eles. Longe dos espaços do trabalho e
da família, quando querem usufruir de sua condição social elevada e consumir bens e
serviços considerados luxuosos estes seriam tratados com extrema desconfiança. “Ora,
basta haver alguma confusão ou mal-entendido para que sua posição econômica e social
seja irrelevante e a sua condição racial seja destacada (...)” (p.207). Além do mais, a
autora explica que desde 1930 as pesquisas são unânimes em afirmar que a mobilidade e
ascensão social dos fenotipicamente pretos no Brasil geralmente ocorrem através de
dependências e apadrinhamentos ligados a homens brancos. “A ascensão social dos
escuros como indivíduos é freente e fácil de verificar. Como grupo, no entanto, as
pessoas de cor m ascendendo mais dificultosamente” (AZEVEDO apud
FIGUEIREDO, 2004, p.207).
33
Na principal novela da emissora, veiculada no chamado “horário nobre” e intitulada Viver a vida, a
atriz Thaís Araújo interpreta a protagonista. Em duas outras os pais de protagonistas são de Camila
Pitanga (fenotipicamente mais mulata que preta, embora classificada por muitos como “negra”, na novela
Cama de gato) e Elida Muniz (na novela Malhação). Todos os papéis são relativos a pessoas pertencentes
às classes altas.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
40
Devido ao aumento do número de pretos na classe média, Peter Fry (2002)
afirma que, atualmente, estes vêm ganhando maior visibilidade e inserção na
publicidade, principalmente nas peças relativas à “nova economia” - como no caso das
empresas de cartão de crédito e telefônica
34
. O autor explica que a maioria dos produtos
voltados para as pessoas de cor são ligados às questões fenotípicas a fim de se produzir
beleza, criando a identidade negra pelo viés da aparência (uma forma de resquício
étnico, ou seja, uma identidade plástica, objetal, remetente à uma fictícia tradição
africana). Assim, a “democracia” dos bens de consumo é propagada na publicidade, na
qual os fenotipicamente pretos também se enxergam como consumidores comuns,
embora, muitas vezes, na prática, não existam condições legais para que a maior parte
destes efetivamente consumam - fato que não difere economicamente, em linhas gerais,
do grupo fenotipicamente branco.
Fry nos conta que no ano de 1970, no jornal Estado de São Paulo, contemplava
um outdoor no qual havia uma mulher branca sentada no so e, atrás dessa, uma
empregada preta segurando uma caixa de sabão em e os seguintes dizeres: “para
quem lava e para quem usa”. As 30 anos do fato, a imagem que julgava inconcebível
se repetia, de outra forma, no Estado do Rio de Janeiro em 2000. Segundo ele, era uma
propaganda de uma rede de supermercados na qual a consumidora branca aparece ao
lado do sorridente funcionário preto. Mesmo com todas estas reproduções de
estereótipos “raciais” ou classiais, uma vez que para bem ou mal se trata do eco de uma
realidade sócio-histórica, o autor afirma que é nos anos de 1990 o surgimento de uma
gama de cartazes contra-intuitivos
35
que, embora timidamente, mostram o
fenotipicamente preto sobre outra perspectiva mesmo não rompendo totalmente com
tais estereótipos.
É a partir de 1995 que se dá o surgimento de uma ruptura da representação
subalternizada do fenotipicamente preto na publicidade brasileira, como aponta Carmem
Sílvia Rial (1999), devido, segundo ela, também à pressão da milincia negra então
mais organizada e atenta a tal fato necessário pontuar que grande parte dos meus
interlocutores aponta as organizações negras não como transformadoras mas sim
fiscalizadoras do que tem ou não mudado na realidade dos pretos no país). Esses
ganham novos papéis em tais peças publicitárias, tradicionalmente ocupadas por
34
Em meados de 2009, sites de grandes empresas do ramo, como a Oi, Tim e Vivo, estampavam em sua
gina principal protagonistas fenotipicamente pretos e na condição de consumidores modernos.
35
Peças publicitárias que, através de novos conceitos ou padrões, conseguem produzir efeitos
deslocativos, sejam estes relativos à crenças ou preconceitos “raciais”/sociais.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
41
brancos. Mas, ainda assim, a autora diz que a grande maioria das peças publicitárias
coletadas em tal ano, veiculadas pela tv, trazem conotações preconceituosas,
representando tais como fisicamente mais fortes, sexualmente mais aflorados, sempre
cantando, dançando ou nos remetendo a algum valor corporal (o que pode ser positivo
ou negativo dependendo do contexto e da concepção de negritude do indivíduo ou
grupo em questão).
No mesmo fluxo, a partir do lançamento da revista Raça Brasil, em setembro de
1996, pesquisa realizada por Ângela Figueiredo (2002) aponta para a existência de um
crescente número de matérias jornalísticas sobre o mercado de produtos de beleza
voltados estritamente para a população preta. A título de exemplo, reproduzo aqui dois
trechos de manchetes analisadas pela autora e que nos remetem ao universo proposto de
pesquisa a publicidade. 1) “Empresas descobrem que faturamento não tem cor.
Começam a ser lançados produtos e campanhas publicitárias específicos para
consumidores negros” (O Globo, 11/09/96), 2) “Publicidade brasileira ganha mais cor
com o crescimento de consumo entre os negros. Bradesco, Parmalat e Boticário
segmentam anúncios para atingir público maior” (O Globo, 25/02/97).
A idéia inicial de vender a “imagem de um negro diferente”, proposta por um
dos dirigentes do periódico Raça Brasil, é facilmente notada nos anúncios publicitários
da edição especial de 10 anos da mesma
36
. Em tal, de setembro de 2007, contabilizei,
para a minha monografia de graduação, 17 publicidades sobre produtos de beleza e
salões “afro”, num total de 33 peças. Dos dez anúncios, nos quais havia a presença de
pretos, sete eram sobre salões que desenvolviam algum tipo de trabalho “étnico/afro”,
ou seja, era inviável a inserção de outro tipo de modelo que não este. Dos três anúncios
restantes, todos se tratavam de produtos para dar brilho ou alisar cabelos, o que Muniz
Sodré (1999) compreende como “lógica liberal-assimilacionista”, ou seja, a que
dissemina uma estética do padrão de beleza ocidental - ligada aos fenotipicamente
brancos, com nariz afilado, cabelos lisos e brilhantes - em detrimento da estética dos
fenotipicamente pretos, com traços grossos e cabelos crespos.
Todavia, embora não exista um caráter político explícito nas publicações da
Raça Brasil, a questão da estética entra agudamente como um fator positivo na medida
em que é um quesito importante no aumento da auto-estima dos pretos, como bem
exemplifica a leitora Tatiane de Amorim Ferreira, na sessão de cartas da edição
36
Ver BARCELOS, N. Raça, etnia, estética e política por uma compreensão não maniqueísta dos
antagonismos midiáticos. In: Revista três [...] pontos. Belo Horizonte: UFMG, v. 5, p. 91, 2009.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
42
comemorativa: “Gostaria de elogiá-los pela competência com a qual fazem a revista.
Por causa dela, sinto orgulho de ser negra, da minha cultura e da minha beleza (...)”.
Embora caia muitas vezes na reprodução de estereótipos “raciais” ou, em maior medida,
classiais, paradoxalmente a revista Raça Brasil contribui de forma positiva na
representação do fenotipicamente preto na medida em que mostra a existência palpável
de uma classe média formada também por pessoas fenotipicamente pretas e que têm
acesso a um consumo de qualidade elevada, tirando-as, assim, do posto de mera
estatística da exclusão.
Em minha pesquisa atual, tomei como objeto de estudo as peças áudio-visuais
finalistas de três edões do festival nacional de publicidade Profissionais do ano, da
Globo, uma vez que se trata de uma das maiores premiações do gênero no Brasil e
contempla agências e profissionais publicitários de todas as regiões do país. Juntamente
com isso, realizei 24 entrevistas, sendo 12 entrevistas com profissionais e estudantes
envolvidos em tal circuito publicitário (estudantes de publicidade, modelos fotográficos
e publicitários) em Salvador e 12 em Belo Horizonte (idem), a fim de compreender as
similaridades e diferenças não entre os mercados publicitários de uma e outra cidade
mas, posteriormente, também no que diz respeito às narrativas dos fenotipicamente
pretos que participam de tal processo em contextos diversos.
Partindo, assim, de uma visão nativa de tal ofício, podemos compreender tal
circuito publicitário, no século XXI, como um composto de agências publicitárias,
agências gráficas, produtoras de áudio e vídeo, estúdios fotográficos, agências de
modelos e, principalmente, anunciantes. De forma geral, uma agência de publicidade é
dividida entre os setores de atendimento, tráfego/art buyer, rtv, redação, arte, dia,
planejamento, pesquisa, entre outros (a depender, obviamente, da estrutura da mesma).
Ao contratar determinada agência para a realização de uma peça publicitária, o
anunciante negocia, primeiramente, com o atendimento, ou seja, o setor responvel por
compreender e colocar no papel as demandas do anunciante em relação ao produto ou
serviço a ser anunciado. Feito o dossiê do produto ou serviço em questão (prática
conhecida como briefing), inicia-se a elaboração da peça, passando, anteriormente, pelo
setor de tráfego (responsável pela junção das áreas de atendimento e criação, ou seja, o
que define qual dupla de criação desenvolvedeterminado trabalho publicitário) e art
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
43
buyer (responsável por contratar serviços de apóio técnico, como fotógrafos,
ilustradores, designers de setores gráficos mais específicos, entre outras coisas
37
).
O cargo de diretor de arte pertence ao responsável pela concepção “artística” de
uma peça publicitária. Abaixo, nesta hierarquia, m os seus subalternos: os técnicos
responsáveis (designers, layoutmen, arte-finalistas, etc.) por colocar em prática a
concepção inicial do diretor de arte, que, portanto, é o profissional responsável por
dirigir toda a produção visual de uma publicidade. Compondo, juntamente com esse, o
setor de criação de uma agência vem o redator, profissional responsável pela criação
dos textos publicitários (slogans, títulos, falas e etc.). Tal dupla de criação é, nesta
estrutura, coordenada pelo diretor de criação (uma evolução da publicidade moderna,
na qual um publicitário é promovido e torna-se responvel por coordenar toda a equipe
criativa de uma agência). Mas, como apontam todos os interlocutores entrevistados,
com o forte desenvolvimento tecnológico as funções dentro de uma agência de pequeno
ou médio porte foram se enxugando, diluindo, assim, a então bem definida estrutura
profissional hoje só encontrada nas agências de grande porte.
Neste sentido, o diretor de arte, que, anteriormente, tinha como função imaginar
ou conceber o layout de determinada peça publicitária (“Essa imagem ficará ali, o título
aqui, a mulher em cima do ar condicionado”), é, na comunicação integrada e suas fortes
contenções de despesas, um profissional mais versátil, que termina também por tratar
graficamente as imagens (função de designers, arte-finalistas, layout mens), produzir
textos (função do redator), entre outras coisas. Num anúncio gráfico para mídia
impressa ou web site, por exemplo, é ele quem a concepção da coisa e também a
executa. Quando demanda de uma peça eletrônica (tv, rádio e cinema), tal
profissional concebe a temática da peça, juntamente com o redator e o diretor de criação
(quem cria o conceito da peça publicitária em questão, escreve o roteiro, faz o
storyboard e coordena os demais profissionais), e, depois, vai para o set dirigir (“Mais
expressão”, “mais cor”, “mais tristeza”, “mais alegria”, “mais luz”). Quando se trata de
um set com maior porte, numa produção mais cara, também participam diretor de
fotografia e demais profissionais criativos.
para os redatores, o outro braço do setor criativo de uma agência, as
alterações profissionais parecem ter sido menores. As características básicas de um
redator continuam sendo a aguda informação de temas gerais e a prática da pesquisa
37
Em linhas gerais, papel também desenvolvido pelo setor de rtv, só que em serviços técnicos relativos às
peças áudio-visuais, como produtoras de vídeo, áudio e etc.).
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
44
mercadológica extensa para, em seguida, se desenvolver o texto da peça então
concebida. Mas no caso das agências de pequeno porte, são estes profissionais que vão ,
em muitos casos, de encontro ao cliente para a produção do briefing (detalhamento do
que quer o anunciante, os objetivos e os problemas que devem ser resolvidos,
expressões ou imagens que não devam conter no anúncio, entre outros - tarefa que
originalmente era bem definida e somente realizada pelo setor de atendimento). É com o
briefing em mãos que, no desenvolver da publicidade, atuam os setores mídia
(responsável pela escolha do melhor meio ou media para determinado anúncio: outdoor,
banner, áudio-visual, periódicos e etc.) e planejamento (mapeamento do mercado a fim
de se construir um plano de comunicação para melhor suprir os anseios do cliente à
curto, médio ou longo prazo).
No que diz respeito à área de planejamento, inclui-se o setor de marketing, no
qual as próprias empresas anunciantes e, às vezes, algumas agências publicitárias se
debruçam sobre as leis mercadológicas a fim de se estabelecer um melhor resultado em
relação às metas traçadas para a publicidade de determinado produto ou serviço. Neste
sentido, desde a posição de um produto em uma prateleira de supermercado até o sabor
desse em alguma cidade específica (devido a questões geográficas, cliticas ou
culturais) podem ser alterados por tal profissional com a finalidade de melhor atender
dado contexto e as especificidades do seu consumidor local. É assim que as grandes
agências publicitárias contemporâneas têm se transformado, para além disso, em
grandes empresas de marketing e planejamento comercial em geral. Já as empresas
publicitárias de menor porte parecem mais atreladas às pequenas contas (de clientes
menores), responsáveis, em linhas gerais, por trabalhos de menor expressão e
veiculados regionalmente em mídias menos significativas.
Outro pilar importantíssimo do atual circuito da comunicão, muitas vezes
preterido nas pesquisas sobre o tema, é o anunciante. Devido a uma vasta centralização
das grandes contas publicitárias no eixo Rio-São Paulo, tanto o ofício desenvolvido em
Belo Horizonte quanto em Salvador perdeu em modernidade tecnológica (habitual que
meus interlocutores taxassem o mercado publicitário dessas como “amador”)
38
. Como o
38
Mas como bem ressalta George Wilde, diretor de criação da Art&C (a maior agência do Rio Grande do
Norte), embora seja “fato que, hoje, o mercado nordestino, de forma geral, ainda não está no vel de
produções de um sul, de uma Thompson de Curitiba, por exemplo, que tem feito peças maravilhosas. Não
vou nem falar de São Paulo, que está em outro patamar. Então, assim, vamos pegar o mercado do sul; o
mercado do sudeste, não São Paulo, mas incluindo o Rio; o mercado do centro-oeste; principalmente
Brasília e Goiânia; norte, infelizmente, a gente não tem o desenvolvimento, ainda, de uma publicidade
madura; e o mercado do nordeste, que, sem dúvida alguma, faz milagre com a pouca verba que tem. Em
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
45
setor de marketing das grandes empresas estão instalados em suas matrizes no eixo Rio-
São Paulo, diversas falhas de comunicação entre produto/serviço/consumidor são
geradas, uma vez que a linguagem utilizada em tal produção não respeita os gostos e as
peculiaridades culturais (efeito notado principalmente na cidade de Salvador, onde a
estética contextual possui grande contraste em relação as imagens tratadas e veiculadas
nos grandes centros do fazer publicitário). Quem elucida é o diretor de arte Carlos
Filho:
O padrão conceitual do baiano é outro. Você pega metrópoles como
BH, São Paulo, estão muito mais próximos de um padrão
internacional. O cara de Nova York desembarcando em São Paulo o
sente nenhuma diferença: a mesma poluição, o crime organizado, os
aranhas-céu. É a extensão de Nova York. Um sujeito desses
desembarca em Salvador... Aqui é uma província. Agora, o modo de
vida daqui é extremamente singular e o publicitário precisa entender,
senão não se comunica. Pra entrar no mercado de publicidade, que é
difícil, principalmente pra mim e pros meus, eu comecei a explorar
sua periferia (seus fornecedores): as gráficas rápidas, serigrafias. E ai
fui aprendendo os processos que os publicitários sabem
teoricamente, pois nunca estiveram lá. O cara entra com 18 na
publicidade, sai com 22 e vai direto para uma agência porque o pai
conhece algm.
Como pontuado pelo designer gráfico Alex Bispo, depois de finalizada
determinada peça, os clientes sempre possuem alguma queixa ou alteração em vista.
“Pra mim, acho que o briefing, feito pelo pessoal do atendimento, deveria ser
acompanhado pelo designer da agência, porque a gente é quem cria. Sempre chegam
idéias muito loucas, que não dão pra pôr em prática por conta de orçamento”, diz. Tal
amadorismo se deve, principalmente, a uma visão de mercado crua, sem a assessoria de
um especialista em marketing, sucumbindo num campo profissional no qual o que mais
vale é a ótica do anunciante em relação ao mercado em detrimento da visão dos
profissionais em questão em relação a esse. “Enquanto o cliente não mudar a visão, a
publicidade vai fazer o que o cliente paga. Você pode fazer uma campanha linda, que
vai dar resultado, colocar um modelo negro e o cliente não aprovar”, explica o diretor
de arte Aurélio de Jesus.
termos de produção e verba, realmente o nordeste está atrás. Do ponto de vista criativo, não. Inclusive, se
vofor abrir a porta de várias agências de o Paulo o que você vai encontrar de gente que veio de
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia é uma enormidade. (...) Equipamentos, por exemplo,
aqui a gente tem três ou quatro produtoras com equipamentos de ponta. Gravam com HD 500, que é uma
câmera espetacular, e HD 200, que é o que se está usando muito com lentes específicas de cinema. Não
da mais pra diferenciar se foi feito em Natal, Recife, o Paulo, porque a qualidade dos diretores e
equipamentos que a gente tem aqui no Rio Grande do Norte faz com que a gente ganhe uma qualidade na
produção absurda”.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
46
Outro setor importante no circuito da comunicação é o das agências de modelos.
A cada nova peça visual ou vts produzidos por uma agência publicitária, as agências de
modelos são contactadas a fim de que haja uma escolha de casting, ou seja, de modelos
que melhor atendam às expectativas do briefing proposto. “Telefonam pra você, dizem
que vai ter o teste ou, se você foi selecionado por foto, que você vai fazer
determinada função em determinado trabalho”, me explica o modelo e estudante de
publicidade Alvaro Cabral. Mas tanto no contexto soteropolitano quanto no belo-
horizontino parece que, assim como no campo da publicidade, certo amadorismo.
Como nos relata o modelo Victor Lima:
Comecei a fazer passarela. Foi que apareceu a oportunidade
de ir pra São Paulo, fazer o Fashion Week. Eu fiz, aqui,
Iguatemi [festival de moda de um dos maiores shoppings de
Salvador] e Barra [idem]. O pessoal adorou, graças a deus, e
falaram “pô, vamos arriscar em São Paulo, ver como que é”.
Ai fui pra lá, adorei. A grana é bem maior, embora o custo de
vida seja alto também. Mas compensa por conta da grana. Lá,
querendo ou não, você é uma estrela. Aqui você rala como
qualquer um. Porque o pessoal tem aquela visão de que modelo
é artista, é estrela, e em Salvador não.
Todos os modelos entrevistados possuíam alguma queixa no que tange aos cachês
oferecidos, afirmando que os baixos salários tornavam-se ainda mais desprezíveis após
a subtração da parcela dada às respectivas agências nas quais estes estão ligados.
Para além do auxílio de grandes produtoras gráficas, de vídeo e áudio, que fazem
com que as agências de São Paulo e Rio de Janeiro se sobressaiam em acabamento
publicitário, há, em tal eixo cio-econômico, uma tentativa de compactação das
diferenças culturais a fim de se produzir peças publicitárias que circulem por todo o
território nacional sem maiores problemas comunicacionais. Por outro lado, as
publicidades produzidas em cidades como Belo Horizonte e Salvador possuem vínculo
mais regional, com contas geralmente voltadas para as áreas de varejo ou
governamental. Como bem conclui Fábio Ribeiro, nestes mercados, de forma geral, não
há um planejamento que visa a publicidade como um investimento auxiliar aos
negócios:
Posso dizer que certamente a história contada pelos funcionários de
uma agência não será a mesma história contada pelos empresários
nesses últimos anos. Todo mundo anunciando. Crise fora, corta
cabeça daqui e dali. Este assombro, esta eterna corda bamba. O fato
do nordeste, da Bahia, estar muito atrelado à comunicação blica,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
47
isso determina muito, né? O fato da gente não ter, principalmente no
mercado baiano, um produto pra comunicar, colocar na pasta do
cliente. É o volume do capital o que mais determina mesmo, porque
qualidade criativa e a feliz migração de talentos que sai daqui pra fora
são grandes. O que diferencia mais mesmo é o volume de capital.
Priorizei, até o momento, esmiuçar no que consiste o fazer publicitário, sua
história em consonância com a construção do Brasil e as suas diversas formas de se
pensar as “raças” que aqui se fizeram presentes, quais os setores formadores de tal
maquinário atual, quais as peculiaridades regionais da publicidade feita em Belo
Horizonte e Salvador, como se situam os protagonistas fenotipicamente pretos em tal
mercado e qual a visão destes acerca de tal campo profissional e de representação
simbólica. Prezo, em suma, por uma visão não maniqueísta em relação ao processo
comunicacional, contextualizando tal ofício e analisando-o atras das narrativas das
pessoas pretas que o fazem e, ao mesmo tempo, o consomem. Trata-se, como veremos
mais adiante, de um campo movediço que arrebata qualquer possibilidade de
polarizações ou sensos comuns, revelando, a cada passo, novos enigmas e
possibilidades de desencantamento.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
48
2 CONSUMO GLOCAL: ICONES GLOBAIS, SENTIDOS LOCAIS
2.1 Tradição e modernidade: a tática ordinária como o cosmopolitismo do pobre
Aqui somos mestiços mulatos, cafuzos,
pardos, tapuias, tupinamboclos,
americarataís, yorubárbaros. Somos o
que somos, inclassificáveis. Que preto,
que branco, que índio o quê? (Arnaldo
Antunes, Inclassificáveis).
Torna-se cada vez mais necessário uma compreensão global dos papéis
exercidos pela comunicação em países que, por diversos fatores, se encontram
culturalmente fragmentados. Segundo Jésus Matín-Barbero (1996), são dois os
paradigmas principais e opostos, embora ambos dentro de uma lógica de conhecimento
meramente instrumental, freqüentemente usados no campo de estudos da comunicação:
o praticismo (ligado ao instrumentalismo ou marketing) e o fundamentalismo (ligado ao
denuncismo ou paradigma ideologista, no qual o receptor é tido como mera vítima). Nos
últimos anos, o divórcio entre tais paradigmas seria o principal responsável pela divisão
do campo comunicacional, embora o que se observa é uma grande continuidade entre
ambos no que diz respeito à sua tendência mediacentrista ou tecnicista a lógica na
qual saber sobre comunicação é equivalente a entender como funcionam os aparatos
tecnológicos e técnicos de tal processo.
Cabe, então, esclarecer que, para além dos paradigmas e propostas norte-
americanas (na qual o funcionalismo, nos anos de 1960, chega à América Latina como
um estudo pragmático da comunicação e das inovações tecnológicas de tal campo), os
estudos da comunicação na América Latina estão mais próximos da teoria da
dependência (influenciada pelo marxismo e que possibilitou uma articulação de estudos
ligada às estruturas econômicas, as condições de propriedade dos meios e os processos
ideológicos desses). Tal corrente de inflncia marca este campo de estudos dos anos de
1960 aos 80, numa concepção meramente reprodutiva da cultura (essa resumida à idéia
de ideologia), na qual não haveria nenhuma especificidade histórica ou contextual nos
processos de comunicação, ou seja, um panorama unilateral e etnocêntrico de tal ofício.
Devido a tal influência reducionista, os estudos de comunicação na América
Latina perdem força nos anos de 1980, entrando em crise e sendo posteriormente
reformulados. Assim, em tal nova concepção 1) a comunicação passa a ser
compreendida como uma questão cultural e não apenas ideológica; 2) constituída de
indivíduos, atores, e não meramente de aparatos e estruturas; 3) devendo ser entendida
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
49
como um processo de produção e não somente reprodução. Em tal transição, a
transformação da sensibilidade, da percepção social e das sensibilidades sociais ganham
destaque analítico na tentativa de compreensão das transformações da experiência
social, da vida cotidiana, dos modos sensitivos e cognitivos, entre outras. Pues si hay
una clara acumulación de poder en el mundo hay también enormes processos de
descentralización de las decisiones, de los modos de intervención en esos procesos”
(MARTÍN-BARBERO, 1996, p.151).
No novo contexto de estudos, as indústrias culturais (pensadas agora não como
instrumento dócil a serviço da classe dominante, mas sim como uma rede complexa de
tecnologia transnacional na qual as práticas sociais são redesenhadas), bem como as
culturas populares (nas quais há uma tentativa recente que busca destruir a dicotomia
entre rural e urbano, apontando justamente para os processos de imbricação entre esses
ou mesmo de hibridação/mestiçagem), se tornam as grandes áreas de investigação
comunicacional, num novo espaço-tempo-mundo no qual (...) ruptura de la ciudad
en fragmentos de ciudades que se tocan, que tienes flujos comunes, pero que van, cada
vez más, distanciándose unos de otros” (MARTÍN-BARBERO, 1996, p.152).
O fator relacional ganha destaque como ferramenta analítica na medida em que
buscando compensar as desarticulações contextuais (o que é ser negro em Belo
Horizonte e em Salvador?) os medias tentam produzir um imaginário permeado por
imagens globais. “(...) Los médios están suministrando saberes sin los cuales los
ciudadanos hoy no se podrían mover en las ciudades. Así, los médios acaban siendo no
solo sustitutivos sino constitutivos de la nueva ciudadania (...)” (MARTÍN-BARBERO,
1996, p.152-153). Trata-se, à grosso modo, da brutalização da forma através do clichê
ou estereótipo. Além disso, os atores envolvidos em tal processo, agora, ganham novos
papéis, não mais reduzidos à idéia macro-histórica das classes sociais (sejam estas a
burguesia ou o proletariado) como os únicos atores produtivos ou, por outro lado, do
pobre jornalista ou publicitário submetido aos processos esmagadores e opressivos da
comunicação capitalista.
Comunicação, assim, é o então processo de o-dupla, ou seja, não termina na
transmissão senão só possui vida e sentido no vai-e-vem de tal encontro com a recepção
(paradigma da negociação). “Y por tanto, estudiar el consumo es estudiar no solo a los
indivíduos aislados en su casita frente a sur televisor - que es la visión que nos ha
planteado el conductismo de tipo funcionalista (...)” (MARTÍN-BARBERO, 1996,
p.153). Para além da reprodução dos ecos midiáticos a sociedade produz, muda e
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
50
reconstitui esses processos simbólicos (são diversos os usos, ou apropriações, sociais
desses). Aqui, diferentemente da Europa, a modernidade pode ser compreendida por
meio da oralidade (experiência cultural primária). Em tal processo de análise sócio-
cultural da mídia devemos levar em conta as peças de composição da publicidade
(estudantes, modelos, profissionais da publicidade, etc.) como indivíduos que
igualmente consomem publicidade, ou seja, ao mesmo tempo em que contribuem para o
processo de produção dessa são também os que a criticam e/ou a consomem.
Tal crítica à produção cultural já estava presente, nos anos de 1980, em A
invenção do cotidiano. Nela, Michel De Certeau ([1980] 1998) busca compreender os
densos aspectos que permeiam as noções de cultura e sociedade. O argumento principal
é que, para além de vítimas passivas, no consumo de produtos de massa uma ativa
criação anônima por parte dos consumidores. Aqui, o interesse maior não diz respeito
aos produtos culturais em si, mas as operações individuais realizadas pelos
consumidores, ou seja, a tática empregada por esses em detrimento do campo
estratégico no qual estão inseridos. Sendo assim, não importa se trata de cultura erudita
ou popular, uma vez que o objeto de interesse é, necessariamente, as criações anônimas
de tais produtos pelos usuários e que não podem ser capitalizadas pela indústria de
consumo.
Partindo das práticas culturais, o que vemos em tal argumentação é um apreço
pela maior compreensão dos usos individuais em detrimento de sondagens meramente
estatísticas sobre o consumo desses. Se preza, pois, pela forma de tais práticas
(inventividade artesanal) e não por seu material bruto (homogeneidade cultural). Este
processo, por parte dos consumidores, seria majoritário, embora geralmente oculto ou
visto meramente como formas de “resistências” em grande parte das pesquisas sobre o
tema. “(...) Artes de fazer não dirá outra coisa senão que ‘as astúcias de consumidores
compõem, no limite, a rede de uma antidisciplina [termo inspirado na obra Vigiar e
punir, de Michel Focault] que é o tema do livro’” (GIARD, 1998, p.17). Dedicado ao
homem ordinário, trata-se, em suma, dos aspectos relacionados às micro-resistências e,
por quê não?, microliberdades, nas quais o poder dominante é subvertido e operado
pelos consumidores em registros não previstos ou conhecidos pelo primeiro.
Se, por um lado, “da televisão ao jornal, da publicidade a todas as epifanias
mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista, mede toda a realidade por sua
capacidade de mostrar e transforma as comunicações em viagens do olhar” (CERTEAU,
1998, p.48), por outro, é por intermédio da leitura que se vislumbra os vestígios da
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
51
silenciosa produção por parte do consumidor. Assim, o binômio escritura-leitura é mais
elucidativo que o produção-consumo na medida em que melhor exprime uma tarefa que
diz respeito à invenção da memória ou cotidiano. Para além disso, é também necessário
compreender as relações de força que definem a liberdade de fazer das pessoas nas
diversas redes nas quais ocorrem tais negociações. “Trata-se de combates ou de jogos
entre o forte e o fraco, e das ‘ações’ que o fraco pode empreender” (p.97), embora
quanto mais forte e expansivo é o poder do estrategista menos campo de atuação terá o
indivíduo da tática.
Mas como percebe-se, dificilmente um profissional da comunicação terá
completa autonomia para empregar em tal produção seus anseios políticos. Se, por um
lado, alguns modelos fenotipicamente pretos, como Basilon Carvalho, tendem a
verbalizar sua insatisfação profissional desabafando frases maniqueístas contra o
mercado da estética (“É o tipo ‘loura burra, mas serve pra ser a modelo’. Não sei se os
publicitários desejam modelos inteligentes naquele contexto”), como se os profissionais
“negros” e letrados estivessem sendo boicotados das produções de peças publicitárias
para se evitar maiores choques ideológicos, por outro, quando conhecido à fundo tal
contexto comprovamos o forte efeito da “espiral do silêncio”
39
sob tais publicitários.
Nas palavras do designer Alex Bispo, em relação à inserção de pretos nos comerciais,
a maioria das vezes dá pra gente usar, mas se tem a foto de um negro a
galera pede até pra tirar: “porra, troca!”. Eu fiz um convite, certa vez,
prum pessoal que estava formando em pedagogia. Coloquei algumas
fotos de crianças negras na escola e eles pediram pra trocar. Mas
acontece o contrário também. Às vezes é um layout com crianças
loiras e eles falam: “não tem como colocar um negro?”. Mas é mais
comum pedirem pra tirar um negro que inserir um. O cliente tem
sempre razão, por mais que tenhamos nossas posições.
E tal razão é, como bem percebe o estudante de publicidade Francisco Silva, em geral,
baseada no nicho do mercado, afinal, este gira em torno do e para o lucro e uma vez que
“o negro consome, lógico que vai haver investimentos em relação a ele”.
Como nos ensina o diretor de arte Carlos Filho, o mercado da propaganda
depende, para além dos fornecedores técnicos (produtoras de vídeo e áudio, agências de
modelos e atores, entre outros), da demanda da empresa contratante, ou seja, muitas
vezes o cliente solicita o trabalho de uma agência de publicidade mas cheio de idéias e
39
Como propõe Elisabeth Noelle-Neumann, é necessário pontuar em que medida o medo do isolamento
social faz com que os indivíduos se abstenham de emitir opiniões e tomar decisões que não coincidam
com o status quo vigorante em certa burocracia institucional. Ver FILHO, Cvis de Barros. Impor o que
falar sobre (a hipótese da “espiral do silêncio”). In: Ética na comunicão. São Paulo: Summus, 2003.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
52
objetivos (muitas vezes equivocados) premeditados. Assim, a agência de publicidade,
que deveria trabalhar a concepção do comercial juntamente com o cliente, acaba por se
tornar apenas a executora de um trabalho sem o devido planejamento.
São muitas coisas envolvidas. E esse nível de profissionalismo não é o
mesmo que o da galera de São Paulo. Outra coisa: nós não temos
grandes clientes aqui [em Salvador]. Temos grandes empresas, mas
com seus departamentos de marketing em o Paulo – o que gera
erros absurdos, já que eles não conhecem nossa linguagem. Já as
empresas grandes locais não acham importante um planejamento de
marketing. Quando tem, não deixam o cara trabalhar, porque o
profissional de marketing é o cara que interfere no preço, na praça
(distribuição, logística), no produto (design da embalagem e, às vezes,
até no próprio sabor do produto). Eles não entendem a importância
desse profissional. E a agência de propaganda está na ponta desse ice
berg. Depois que o cara de marketing foi desrespeitado, o dono da
empresa contrata a agência, sem intermédio do cara do marketing, e,
leigamente, faz diversas exigências e a gente tem que fazer o que ele
quer. Você não tem autonomia na coisa. Claro que nesse processo
Layout e Propeg, agências de Salvador que estão no mesmo nível que
uma DM9 de São Paulo, possuem um poder de barganha maior com as
grandes empresas.
Mesmo não acreditando num racismo recorrente e consciente por parte dos
publicitários, o diretor de arte acredita que há a reprodução de um comportamento
tipicamente brasileiro na expressão “não sou racista”. “É aquela coisa do ‘não, não sou
racista, mas não e o preto não porque vai sujar o layout’. Às vezes não é nem o que
ele pensa mas o sistema no qual ele está envolvido”, explica. Do mesmo modo, a
inserção de um preto num comercial, em linhas gerais, se muito mais por uma
necessidade do cliente do que por uma posição ideológica do profissional de
comunicação. “Eu fiz uma peça pra Prefeitura de Lauro de Freitas e inseri uma mulher
negra. Por quê? Porque era uma prefeitura do PT, ativista, movimento negro... Você vai
agradar o cliente”.
Embora tecnicamente o preto seja mais difícil de ser trabalhado numa peça
áudio-visual, afinal, “com negro vopõe o canhão de luz e estoura no rosto. Tem que
maquiar, diminuir luz, colocar um fundo que contraste. Com as texturas mais escuras o
negro some”, para Carlos Filho a ausência desse nos comerciais se deve mais as
dificuldades de se trabalha-lo conceitualmente - embora assuma que a publicidade “é
tão prostituta que se sai uma pesquisa mercadológica, que é o olho [dessa], falando que
os maiores consumidores são os cachorros vira-lata” terminaria por fazer comerciais
para oses.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
53
Em comum acordo com esse, o também diretor de arte Jode Jesus afirma que
a autonomia de um profissional da área para inserir um modelo preto numa peça é
mínima ou quase nula. Segundo o mesmo, “o público é negro, a gente vai ter que
colocar. o é porque ‘ah, é bonitinho... vou colocar!’. É por uma necessidade de
mercado. Toda propaganda, antes de ser feita, passa por um processo de pesquisa”.
Estamos, então, na gica do desejo na qual o consumidor precisa se ver representado,
mesmo que de forma extremamente plástica, na publicidade para que haja identificação
com o produto. Enfatizando, parece-nos que a aparição dos pretos em um comercial
nada tem a ver, em linhas gerais, com a luta dos movimentos organizados e sim com a
constatação de um nicho consumidor fenotipicamente escuro, ou seja, o lampejo de que
há um número crescente e cada vez mais sólido de consumidores pretos pertencentes à
classe média brasileira. “O cara identifica que a maior parte do público dele é da classe
B, C, pardo, negro. Por isso ele coloca mais este perfil. É muito mais uma questão de
mercado”, conclui o diretor de arte.
Apesar de tal constatação, a forte acusação é enorme no que diz respeito a atual
suposta ausência de pretos nos comerciais. A tendência é, em linhas gerais, acreditar
que tal ausência destes nos medias ou a sua integração através de papéis subalternos é
por mera questão de falta de interesse dos profissionais da área ou mesmo racismo
deliberado por parte dos publicitários. As lógicas mercadológicas dificilmente são
levadas em conta em tal análise. Embora não acredite num racismo consciente e
compreenda que tal número esteja numa crescente, a bacharel em comunicação social
Haloá Sousa diz que, mesmo a publicidade sendo uma ferramenta eficaz no que diz
respeito à melhora da auto-estima dos fenotipicamente pretos, numa peça de cada dez
pessoas apenas um é negro. Vai estar ali porque tem que estar, senão chamarão a peça
de racista”. Na fala do designer Alex Bispo também percebemos o mesmo senso
comum: “(...) Essa mudança é muito maquiada. É um em um milhão. Pra mim deveria
ter mais negros. Mas a proporção, nas peças, é de dez pra um. (...) A publicidade
poderia trabalhar os dois lados, mostrando que, de certa forma, todo mundo é igual”.
Igualmente interessante é o depoimento do redator Caio Costa, que aponta os
próprios publicitários como causadores da não aparição dos fenotipicamente pretos nas
peças. Nos conta que, em sua época de faculdade, ao ter que produzir uma peça áudio-
visual de roupas masculinas para uma loja foi, em certo sentido, censurado ao querer
inserir um casal de modelos fenotipicamente pretos. “Fui discutir com meu colega, que
era o diretor de criação, é quem decide, e perguntei o que ele achava. Ele titubeou: ‘não
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
54
sei, um casal negro será que não vai ter rejeição?’”. Para o publicitário, mesmo que
houvessem inúmeras discussões sobre racismo e estética nas salas de aula não mudaria
o fato de que ao se inserir no mercado o profissional se adéqüe à estética hegemônica.
“Quando vai pro mercado, volta a ter aquele pensamento de utilizar e reproduzir o que
já está aí: pegar a pessoa branca, não importa o seguimento do anúncio. (...) Nos foi
imposto, desde criança, o modelo de Xuxa”.
Com a possibilidade de uma leitura aberta, plural, sem auxílio de “intérpretes
autorizados” ou detentores do saber”, o texto (“minha pele é a linguagem e a leitura é
toda sua”, brincava o publicitário Fábio Ribeiro) se torna uma poderosa arma cultural
contra a hegemonia do poder social. Em tal compreensão, a comunicação não pode estar
descolada do cultural e/ou do político, podendo ser compreendida como uma narrativa
dos diversos modos e espaços de reconhecimento social ao longo da história dos grupos
sociais. Caso contrário, “la relación sigue aatrapada entre una propuesta puramente
contenidista de la cultura, tema para los médios, y outra difusionista, de la
comunicación como mero instrumento de propagación cultural” (MARTÍN-BARBERO,
1996, p.157). O papel do indivíduo pertencente ao entre-lugar seria justamente o de
contribuir para que nenhuma forma cultural permana dentro dos conceitos de unidade
ou pureza, marcando, nesse sentido e em muitos casos, uma posição de vanguarda
(
SANTIAGO, 1978
).
A proposta de Silviano Santiago se baseia justamente no fato de que tais idéias
reducionistas têm, quase em essência, uma espécie de missão neocolonialista. Citando
Paul Valéry - “Nada há nada mais original, nada mais intrínseco a si que se alimentar
dos outros. É preciso, porém, digeri-los. O leão é feito de carneiros assimilados” - ou,
como no apêndice, Quarup Antonio Callado - “O jabuti que possuía uma casca
branca e mole deixou-se morder pela onça que o atacava. Morder tão fundo que a onça
ficou pregada no jabuti e acabou por morrer. Do crânio da oa o jabuti fez seu escudo
-, Santiago nos faz vislumbrar um tom coerente na tarefa de se analisar a cultura aqui
produzida (em certa medida se assemelhando a idéia do s-colonial, ou seja, uma nova
forma de se narrar o passado e interpretar o presente) sem a tentação de recair nas
antigas e incipientes teorias da extremidade.
Como aponta Gustavo Remedi (1997), uma das principais dificuldades no que
diz respeito às análises da produção estética e cultural latino-americana é justamente a
ausência de aproximação dessas em relação à dimensão espacial que as estrutura, legisla
e as da corpo. “Intelectuales, intereses, textos, teorias, símbolos, metáforas,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
55
sensibilidades, programas, nolo han sidodesterritorializados’, sino que parecen
haber ingresado a una zona inmaterial, tierra de nadie (...)” (p.97). Tal espacialização
(ou “campo da produção cultural”, como aponta Pierre Bourdieu) se faz necessária uma
vez que as então culturas urbanas, nacionais e continentais, em grande medida, tendem a
transformar-se em s-urbanas, pós-nacionais e pós-continentais, ou seja, com
característica global/transnacional. Chamamos principalmente a atenção para tal esforço
de compreensão daquilo que e em movimento os processos culturais, ou seja, a
estrutura, a mecânica e a dialética espacial.
Na produção de constituição dos Estados-nação na América Latina (a chamada
primeira modernização, dos anos de 1930 a 1950, na qual os moradores do campo são
chamados de cidadãos), por exemplo, é óbvio que a cultura das minorias sofre coerção -
não anulando, no entanto, seu poder de negociação ou tática. Exemplo contemporâneo
interessante se dá quando notamos a mundialização, via medias, de uma estética black
padrão para a maioria das chamadas culturas negras mundiais, embora em cada canto tal
padrão ganhe novas nuances contextuais. Neste sentido,
mirada desde la cultura planetaria, la nacional aparece provinciana y
cargada de lastres estatalistas. Mirada desde la diversidad de las
culturas locales, la nacional es identificada con la homogenizacn
centralista y el acartonamiento ritualista (...)
¿
Qué sentido guardan las
fronteras geográficas en un mundo en el que los satélites y las redes de
información pueden violar a cada minuto lo que entendíamos por
soberania? (MARTÍN-BARBERO, 1996, p.173).
A inventividade aqui colocada seria, na ótica de Angel Rama ([1982] 1986), um
processo de transculturação - conceito proposto no ano de 1940 por Fernando Ortiz -,
conotando uma forma de narrativa radical da tradição em substituição a idéia ingênua de
aculturação ou mesmo sincretismo (uma vez que este pode significar uma justaposição
de culturas, essas apenas vivendo em proximidade, ou uma síntese dessas, algo que
possui uma “natureza” híbrida), ou seja, a forma pela qual os latino-americanos (sejam
estes regionalistas ou vanguardistas) se apropriam da cultura colonial ou hegenica
para dar origem a algo novo, original. “Dentro de esta ‘plasticidad cultural’ tienen
especial relevancia los artistas que no se limitan a una composición sincrética por mera
suma de aportes de una y otra cultura (...)” (RAMA, 1986, p.31).
No Brasil, após os processos de abolição da escravidão percebemos uma
incipiente tentativa, talvez inconsciente, de re-criação da África pelos pretos presentes
no Novo Mundo. Assim, determinados objetos, ligados ao corpo e ao comportamento,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
56
foram escolhidos e comercializados na coisificação do erigir de tal cultura de grupo.
Aqui, já notamos claramente a força temporal do consumo como um aparato importante,
mas não único, da cidadania, uma vez que a exclusão sócio-econômica dos
fenotipicamente pretos era feita a partir da não-possibilidade de deleite esplêndido
desse. Mas, como aponta Livio Sansone, a história nos mostra que o trabalho não têm
sido o fator preponderante na construção da personalidade do preto brasileiro. Pelo
contrário, haveria “(...) uma história de influência tua e interdependência do
consumo ostentoso com as expressões culturais negras” (SANSONE, 2000, p.88).
O candomblé, por exemplo, se insere como carro-chefe em tal processo, que
foi um dos principais elementos politicamente usados para projetar a Bahia como um
dos Estados mais “africanos” da América
40
. Mas a idéia dominante até a década de 1970
era a de uma “cultura negra” como fenômeno de classe baixa, em um contexto no qual o
Brasil, que vinha de um intenso crescimento econômico, entra em recessão. Esse
processo de mudanças culmina com o fim da ditadura militar em meados de 1980 e uma
violenta mudança no cenário político da época, onde um número equivalente a 70% da
população que habitava o campo se inverte para os meios urbanos. Sansone (2000)
aponta tal cenário como o causador de uma ampliação nos horizontes do povo pobre e
fenotipicamente preto, que agora vislumbra a possibilidade de se inserir no quadro dos
consumidores mundiais.
Os objetos ligados à “tradição negra”, outrora vistos como cultura inferior, com
o novo contexto de consumo e a inversão da aura destes pela indústria, se tornam uma
mercadoria da “nova cultura negra”, que possuem seu sentido imerso na cultura
jovem e na indústria do lazer, da estética e da música seja através do cabelo (forma de
afirmação ou negação da negritude, através de adornos, penteados exóticos,
alisamentos, cortes ousados, tranças, entre outros, feito por meio do uso de produtos
caseiros ou atras de produtos importados), da linguagem corporal (que vai das formas
de saudação até o jeito de se caminhar de forma gingada, suingada) ou da moda (o
visual “afroinspirado em James Brown e The Jackson Five, além do uso de turbantes e
robes de estilo africano).
40
Milton Nascimento, em entrevista a Gilberto Gil, explica que o candombpraticado em Minas Gerais
está situado de forma hegemônica não no centro urbano, como é o caso de Salvador, mas nas fazendas, no
interior do Estado, e sem maiores vínculos com a igreja católica (diferentemente de Salvador, os adeptos
mineiros não entram nas igrejas). Ver http://www.youtube.com/watch?v=Jxx7GbC1-9Q, acessado no dia
08 de fevereiro de 2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
57
Tal juventude, na busca de querer transparecer uma negritude moderna, revela as
novas condições de mercantilização destas culturas, através do uso ostentoso do corpo
preto e da estetização da chamada cultura negra. Se, como aponta Livio Sansone, no
passado a Bahia exportava “objetos negros” ligados à “cultura tradicional afro-baiana”,
nos anos de 1950 é a vez dos produtos considerados “quase-tradicionais(como as
percussões e os ritmos). a partir dos anos de 1970 é a vez de outra leva de produtos
quase-tradicionais, como os terreiros de candomblé, a pintura popular e as escolas de
capoeira - que se expandem internacionalmente. Hoje em dia, em tal mercado
transnacional são exportados os “novos objetos tradicionais”. “O Olodum de fato
montou uma fábrica de carnaval uma sweat shop
41
que reúne e tinge tecidos da
Bolívia, transformando-os em objetos de moda afro (NUNES apud SANSONE, 2000,
p.102).
Aqui, a então existente oposição entre modernidade e tradição não possui
espaço ou sentido. “Não mais o passo da tradição à modernidade como se não
houvesse aspectos absolutamente contraditórios, mas sim formas de articulação entre
diversos processos de modernidade e tradão (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.44),
como as imbricações entre as culturas “arcaicas” (que celebram o passado sem nenhuma
ligação com o presente), “residuais” (passado vivo e presente em nossa formação
identitária, como vemos nas evocações à respeito da negritude) e/ou “emergentes”
(experimental, sempre almejando o por vir) das quais nos fala Raymond Williams apud
Martín-Barbero.
E todo esse acúmulo de fragmentações tem hoje indubitavelmente na
publicidade uma fonte importantíssima de estudo, dado que muito do
novo discurso da fragmentação passa pela publicidade, essa mesma
publicidade da qual durante anos nos dedicamos a fazer a crítica
ideológica. Pom, por mais que nos pese, hoje vamos descobrindo
que os publicitários o os cidadãos mais sensíveis às mudanças na
sociedade (...). Os valores de nossa sociedade, de alguma forma, estão
sendo refragmentados e rearticulados; não pela vontade dos
publicitários, mas porque a experiência social está mudando
profundamente, e os publicitários fazem sua parte, têm sua
iniciativa, e seu poder, embora um poder muito relativo e que consiste
menos em manipular, e mais em saber observar, descobrir o que está
se passando (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.48).
Estamos falando de uma modernidade reorganizada, formada por boa parte de
pessoas analfabetas que ingressam e se apropriam desta pela linguagem do rádio,
41
Termo que define uma fábrica ou loja em condições precárias, que recruta trabalhadores a salários
baixos para longas jornadas.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
58
cinema e televisão, ou seja, dominando e mantendo a cultura oral. Para além disso,
estamos falando de pessoas que, nos dias de hoje, já sabem o quão necessário é se ver e
se ler nos diversos meios comunicacionais. Cada vez mais a internet, através de
plataformas como Youtube e Orkut, tem propiciado aos excluídos uma auto-visibilidade
crua e realista. Trata-se de uma questão importantíssima que é a da auto-estima, como
desabafa o diretor de arte José de Jesus:
Rapaz, acho que mudaria isso daí, a questão do negro na publicidade.
Ia inserir com toda força o negro nas peças, velho. É bom ser visto.
Obama ganhar uma eleição nos Estados Unidos, não é ele que tá
ganhando a eleição. Você se vendo na pele do cara. Você se
vendo lá. É diferente. o é por “ah, o cara é negão, ganhou a
eleição!” e pronto. Você tá se vendo lá. A melhor coisa é isso daí:
você ver um cara que é seu semelhante, tem os mesmos traços que
você - porque s negros temos os traços bem parecidos -, lá. Assim
como eu acho importante você passar e ver um negro numa empena,
fazendo uma propaganda de um shopping. Que nem o Iguatemi fez
recentemente. Colocou uma empena de 18 metros lá na Tancredo
Neves com [a artista] Larissa Luz. Linda, velho. É bom, é gostoso. É a
questão da auto-estima. Muito importante. Muito legal você se ver.
Muito gostoso. Uma das coisas que eu mudaria, que eu brigaria, era
para isso. Estar inserindo. É por uma questão histórica. Isso mexe com
a cabeça das pessoas, isso mexe com a auto-estima das pessoas. É isso
que a gente precisa, hoje em dia. A gente precisa de coisas que mexam
a auto-estima das pessoas, a auto-estima do negro. A auto-estima foi
muito abalada durante esse tempo inteiro. Por causa de tantas coisas
que aconteceram com a gente durante tanto tempo. Acho que tem que
se fazer algo.
A chamada estética negra, que tem ganhado um padrão cada vez mais mundial
(através do black power estadunidense, dos dreadlocks jamaicanos, das roupas em estilo
africano traduzidas e reproduzidas com tecidos diversos em várias partes do globo, entre
outros elementos) devido aos processos transnacionais da comunicação, é um meio pelo
qual algumas mudanças políticas podem se fazer valerem. Para o modelo e estudante
Álvaro Cabral, quando se representado nos medias, seja em uma novela, propaganda
ou outdoor, “dá aquela coisa de ‘porra, que massa que ele [o preto] ali’. Me sinto,
vejo que minha cor cada vez mais tem predominância, pode ter predominância, nesses
meios que antes não eram explorados pela gente. E isso me deixa orgulhoso, cara, de
coração”. Em acordo com José de Jesus, o diretor de criação Fábio Ribeiro me explica o
quanto é importante a existência de revistas especializadas para a população
fenotipicamente preta:
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
59
A própria revista Raça, quando surgiu, teve muitas críticas, inclusive
de movimentos negros. “Ah, não é uma revista engajada”, “é a
Capricho [revista especializada em moda e comportamento
adolescente] das neguinhas”. Mas as neguinhas precisam da Capricho,
pô!, para aprenderem a trançar os cabelos, para saberem qual o
batonzinho que combina com o tom de pele delas, entendeu?
Todos os entrevistados, seja em Salvador ou Belo Horizonte, acreditam que por
meio da publicidade a auto-estima dos fenotipicamente pretos pode aumentar. No que
diz respeito à transformação do racismo pelo viés da publicidade apenas dois desses não
demonstram muita esperança. Se para o modelo Uelinton Oliveira a contribuição da
publicidade na luta contra o racismo é mínima, para Carlos Filho esta é nula. Como
elucida o jovem publicitário, “em relação ao racismo mesmo eu acho que não contribui
com nada, porque é o negro comunicando para o negro. A propaganda, coitada, tem
muito pouco a contribuir. Ela é um reflexo da sociedade”. Mas, pontuando, a diferença
em relação a essa é que no mundo do espetáculo o chamado “povãoquase nunca é
visto, justamente por não se enquadrar no quadro de consumidores efetivos e causar
asco e repulsa na cidade letrada. “Muitas vezes a publicidade baiana é vista como
inferior por o explorar a plasticidade hollywoodiana”, conclui.
Melhor explicando, nas propagandas de forma em geral o que vemos projetado
o brancos e pretos extremamente plásticos, robustos, esbeltos, olimpianos objetos
que o costumamos ver circulando entre o lixo, as roupas rasgadas, os suores e as
pessoas banguelas dos centros urbanos. Falamos, então, de uma comunicão que atua
tanto no extremo, uma vez que um de seus principais materiais é a potencialização da
forma, quanto na mediocridade, que termina por compactar e engessar estereótipos a
fim de se ter como resultado final um produto transnacional ou de fácil acesso a
qualquer consumidor. Mas, embora ainda não seja regra, alguns comerciais áudio-
visuais, produzidos principalmente em cidades pequenas ou em algumas capitais fora do
eixo sudeste, tem ejaculado aquilo que geralmente é denunciado ideologicamente como
“cosmética da fome”
42
.
É a positivação do que os europeus denominaram kitsch, assumindo, de uma vez
por todas, que somos de fato o continente das mestiçagens e não das ditas purezas e
42
Antônimo ao termo “estética da fome” cunhado pelo cineasta Glauber Rocha no ano de 1965 e que diz
respeito à denúncia social proposta pelo Cinema Novo ao abordar de forma crua, poética e reflexiva as
mazelas sociais do país de então, o novo termo, proposto pela pesquisadora e crítica de cinema Ivana
Bentes nos idos de 2001, nos fala de um contexto no qual a miséria é explorada como mero produto
industrial. Ver http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/leituras_gg_cinenovo.php
e
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT373958-1661,00.html, acessados no dia 01 de janeiro de
2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
60
autenticidades coloniais - embora seja necessário ressaltar que a exclusão cultural é uma
das partes ativas neste processo (na forma de deslegitimão no que diz respeito aos
modos populares). Mas o estudo da recepção não pode incorrer no erro de “(...) nos
afastar dos problemas nucleares que ligam a recepção com as estruturas e as condições
de produção (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.55). É bastante claro, assim, que se não
vítimas manipuladas também não existem produtores dignos de um troféu de santidade.
Há todo um conhecimento e um saber do receptor sem o qual a
produção não teria êxito. Portanto, temos que assumir toda essa
densidade, essa complexidade da produção, porque boa parte da
recepção está de alguma forma não programada, mas condicionada,
organizada, tocada, orientada pela produção, tanto em termos
econômicos com em termos estéticos, narrativos, semióticos. Não há
uma mão invisível que coordena a produção com a recepção. cada
vez mais investigação, mais saberes (MARTÍN-BARBERO, 1995,
p.56).
Há, também, em tal complexo processo, um grande empenho no qual um grupo
se forja como tal, através de traços estéticos característicos, e se mostra ao mundo, em
grande medida para também se ver neste no qual até então se situava mas a ele não
pertencia”. Podemos caracterizar tal movimentação, no Brasil, mais como uma forma de
resquícios étnicos
43
do que propriamente um fenômeno étnico em si, afinal, o que aqui
se tenta solidificar é uma identidade negra (ou identidade partilhada) com alguns apelos
que podem ou não almejarem alguma forma de essencialismo (classe; fenótipo; cultura;
origem e, em menor escala, raça em sua conotação biológica) e nada mais. Devido a
nossa constituição histórica, que é mestiça, o chegamos ao absurdo segregador
“racial” visto nos Estados Unidos e em alguns países europeus onde o inevitável da
mistura é, ainda, embotado.
É notório que a participação das pessoas na cidade, hoje, é exercida
cotidianamente no próprio ambiente doméstico, onde, por meio de modernas
parafernálias eletrônicas, não há fronteiras para a aspiração cosmopolita. “(...) Si la
televisión atrae es porque la calle expulsa, es de lo miedos que viven los medios”
(MARTÍN-BARBERO, 2001, p.134). Além disso, de acordo com as observações feitas
na cidade de Salvador, é visível que os ofícios voltados à arte e à estética são as
ferramentas ao alcance e empregadas pelos pobres em seu anseio cosmopolita. Melhor
43
Ou seja, identidades materializadas ou estilos étnicos que nada dizem respeito necessariamente a
complexa formação de grupos com organizações sócio-políticas específicas, fronteiras bem definidas e
valores culturais peculiares. Ver GOSSELAIN, Oliver P. Materializing Identities: An African Perspective.
Journal of Archaeological Method and Theory, Vol. 7, No. 3, 2000.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
61
explicando, pelo menos 1/4 dos entrevistados soteropolitanos possuíam alguma
trajetória profissional anterior no mundo das artes ou da cultura oral e, ao almejarem
inserção no ensino superior, remetiam tal sonho a algo voltado pro universo do lúdico.
Parece-me óbvio alguém que oriundo de família pobre e sem muitas perspectivas passe
a vislumbrar uma vida melhor através da arte mais espontânea e corporal (realidade
mais palpável para os periféricos) e não do “culto” estudo da medicina ou do direito
(iniciação profissional ainda, em grande medida, restrita às classes altas).
2.2 Identidades globalizadas, sentidos localizados
O advento da globalização, evento heurístico no qual tanto nação como
indivíduo são, em grande medida, embotados pela sociedade global, abalando
convicções e visões de mundo, é não apenas semelhante mas também parte de outras
quatro importantes rupturas epistemológicas: o descentramento da Terra, por Copérnico;
a refutação do criacionismo, em Darwin; Karl Marx e a constatação de que os homens
fazem a história pautados pelas condições que lhes são dadas; e a descoberta do
inconsciente humano, conforme Freud, desbancando a idéia iluminista de razão pura ou
absoluta (HALL, 2002). Temos, em tal emaranhada cadeia cultural, acesso ao então
outro, paradoxalmente tão distante e tão próximo, nos provocando medo, surpresa,
encantamento, insegurança e até mesmo, como já dito, asco.
É como se o até então geográfico ganhasse vida na revelação do obscuro, saindo
do posto de inanimado astronômico para ganhar caráter sócio-histórico. Embora o
germe de tal processo seja localizado na época das expanes coloniais, iniciadas no
culo XVI, e, em fins do século XIX, dos monopólios imperialistas, o que Livio
Sansone (2007) classifica como “globalização tradicional”, as metáforas sobre a
globalização parecem surgir no momento em que nos atinamos conscientemente para tal
fato, em torno da Segunda Guerra Mundial e a densa urbanização/industrialização
processadas até os dias de hoje, ou seja, na “nova globalizão”.
Para Octavio Ianni (1995), é que expressões como “aldeia global”
(comunidade mundial propiciada principalmente pela comunicação eletrônica, na qual a
informação se torna mercadoria à venda em escala global também evocada como
“mundo sem fronteiras”, shopping center global”, “Disneylândia universal”), “fábrica
global” (o prevalecer da economia global em relação às economias nacionais, dado com
a transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo sem fronteiras - principalmente
por meio da indústria cultural de consumo, que na reprodução ampliada do capital
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
62
desterritorializa e reterritorializa gentes, idéias e coisas), nave espacial (produto mais
bem acabado da razão iluminista, no qual o indivíduo se torna sujeito à sua própria
técnica e é cada vez mais levado das utopias modernas para a imprevisibilidade
característica da s-modernidade) e “torre de babel” (a extrema diversidade cultural
com que convivem as nações, tendo como ferramenta universal de comunicação e
compreensão o imponente idioma inglês) emergem, exprimindo tanto as conquistas e
dilemas da modernidade quanto às possibilidades e os impasses da chamada pós-
modernidade.
A razão parece incapaz de redimir, depois de tanta promessa. Mais que isso,
o castigo se revela maior que o pecado. A utopia da emancipação individual e
coletiva, nacional e mundial, parece estar sendo punida com a globalização
tecnocrática, instrumental, mercantil, consumista. A mesma razão que realiza
o desencantamento do mundo, de modo a emancipá-lo, aliena mais ou menos
inexoravelmente todo o mundo. (...) De metáfora em metáfora chega-se à
fantasia, que ajuda a reencantar o mundo, produzindo a utopia (IANNI, 1995,
p.22).
Modernidade tardia para uns, pós-modernidade para outros, tal movimento
histórico, localizado na nova globalização, tem como principais características a
descontinuidade, a fragmentação, a ruptura e o deslocamento, propiciando a formação
de identidades plurais. Estas seriam contraditórias, atuando tanto na cabeça de cada
indivíduo quanto dentro dos grupos políticos, não existindo uma identidade única na
qual todas as pessoas se identifiquem e se sintam representadas. A primeira concepção
identitária seria a do “sujeito do Iluminismo”, ligada à noção do homem como um ser
extremamente racional, centrado e unificado. Em seguida, a do “sujeito sociológico”, ou
seja, constituído das relações entre o seu eu real em diálogo constante com o mundo
externo no qual está inserido e as identidades existentes nesse. Desse, surge a concepção
de “sujeito pós-moderno”, formado por várias identidades assumidas conforme cada
momento contextual (HALL, 2002).
Tal modernidade é composta de um paradoxo: uma tendência à busca pela
autonomia nacional e, em contrapartida, um inevitável desejo à globalização este
emergindo como o principal causador do deslocamento dessas identidades culturais
nacionais e o responsável direto por diminuir a noção do homem em relação ao fator
espaço-tempo, que conecta coisas muito distantes em tempos muito curtos. Assim
sendo, as representações são constantemente modificadas que traduzem dentro de
determinado tempo e espaço simbólico o seu objeto. “A moldagem e a remoldagem de
relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
63
profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas” (HALL,
2002, p.71).
As “identidades partilhadas” surgem quando determinados indivíduos
compartilham (consomem) um mesmo bem cultural. As diferenças culturais, até então a
principal característica de definição da identidade, são engendradas globalmente e
homogeneizadas. Se pensa então no conflito ou complementaridade entre aquilo que é
global e local em relação ao seu impacto nas identidades, uma vez que devemos nos
atentar para os fatores de “resistência” ou, melhor dizendo, negociação. No Brasil, a
África evocada é não, como querem alguns, uma entidade substancial mas sim um
fenômeno genuinamente brasileiro derivado do sistema de relações “raciais” singular
que aqui se constituiu e solidificou principalmente através do Estado da Bahia – um dos
principais agentes de produção da “cultura negra” no Novo Mundo. Mas cabe ressalvar
que aquilo que é visto como algo partilhado diretamente com a África é, na verdade,
muito mais influenciado pela “cultura negra estadunidense”
44
dos idos de 1970 e que até
hoje se faz fortemente presente no mundo.
(...) Em termos dos fluxos globais de símbolos e artigos que compõem
a base da moderna cultura negra internacional, Salvador mantém uma
posição periférica. Em termos do fluxo e refluxo dos objetos culturais
pelos centros de produção e transmissão, Salvador situa-se na ponta
receptora, na imensa periferia do Atlântico Negro (SANSONE, 2007,
p.129).
São três os pontos de contratendência em tal processo: em primeiro lugar, existe
um paradoxo entre a homogeneizão cultural e ao mesmo tempo a fascinação e a
mercantilização do exótico, daquilo que é local, emergindo assim novas identidades
tanto globais como locais; a globalização não é igualmente distribuída em todas as
regiões do mundo, criando esferas de poder; e, por último, partindo do pressuposto de
que esta homogeneização é feita de forma desigual, é necessário pensar quais aspectos
culturais são mais afetados por ela, até porque existe uma relação mais influente de
poder do Ocidente em relação ao resto do globo (principalmente nas periferias), embora
44
Como elucida José Murilo de Carvalho, “o livro do historiador norte-americano Steven C. Topik,
recém-lançado com o tulo de ‘Comércio e Canhoneiras - Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios
(1889-97)’, mostra que falta um personagem importante nessa peça, os Estados Unidos da América do
Norte. O livro demonstra o importante papel desempenhado pelo governo e os empresários desse país na
sobrevivência da República”. Aqui, talvez, tenhamos o germe de tal influência estadunidense na produção
cultural dita negra no Brasil. Ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0111200909.htm
, acessado em
04 de novembro de 2009.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
64
cada vez mais culturas diversas migrem para países influentes criando uma pluralização
cultural no interior destes.
Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim,
o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas”
de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as
identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas
posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais,
mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou
trans-históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório.
Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que Robins chama de
Tradição”, tentando recuperar sua pureza anterior e recobrir as
unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Outras
aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da
política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que
elas sejam outra vez unitárias ou puras”; e essas, conseentemente,
gravitam ao redor daquilo que Robins (seguindo Homi Bhabha)
chama de Tradução” (HALL, 2002, p.87).
Se, de um lado, temos aqueles que o a favor da fusão cultural (hibridismo),
dando vazão a novas identidades, em contraponto, existem os que defendem a tradão e
a busca da reconstituição de identidades “puras”. Principalmente na cidade de Salvador,
é comum notar o forte entusiasmo com que grande parte dos entrevistados demonstram
por terem uma suposta identidade africana pura (relacionando negritude, para além do
fator fenotípico, a questões geográficas, culturais, ancestrais e até mesmo
determinismos genéticos), diferenciada dos outros brasileiros, quando de fato o que se
observa é uma apropriação de um resquício étnico e um discurso que mais se liga a uma
identidade partilhada que à algo de fato essencial ou primordial.
Mas nada há de puro, único ou substancial nos objetos da “cultura negra”. Após
a abolição da escravio e inseridos na modernidade do Novo Mundo, como
abordado, os fenotipicamente pretos se viram pressionados a criarem uma nova e
inteligível cultura para si, bem como uma “África” própria em um curto espo de
tempo. Assim, através de um processo de mercantilização, alguns objetos (ligados aos
costumes, ao corpo, ao comportamento) são escolhidos na busca da coisificação desta
nova “cultura negra” - é possível apontar, obviamente que em linhas gerais e como
exemplo, o carnaval no Rio de Janeiro, o candomblé na Bahia e, em menor medida, o
congado em Minas Gerais. É neste sentido que o consumo funciona como um marcador
étnico (certo que apenas da cultura material ou estilo étnico) bem como uma forma de
oposição à opressão, uma vez que, aqui, em certo sentido, os fenotipicamente pretos
foram privados desse. Como explica Livio Sansone,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
65
não admira que, a partir dos anos setenta, um número crescente de
afro-latinos, em sua maioria jovens, tenha começado a manifestar
abertamente sua insatisfação com esses constructos excessivamente
tradicionais da negritude. Seu interesse pela África é, muitas vezes,
menos manifesto do que sua curiosidade sobre outras culturas negras,
especificamente as dos Estados Unidos e, às vezes, da Jamaica. (...)
Ao longo de todo esse processo, a África forneceu um banco de
mbolos, do qual os objetos e traços culturais são retirados de
maneira criativa (SANSONE, 2007, p.26-27).
Agora, no transito global, os até então discriminados objetos da “cultura negra
tradicional” ganham novas conotações na indústria cultural. Tranças, dreads, linguagens
corporais e a moda estilizada “afro” são, nos dias atuais, facilmente identificadas em
todas as classes sociais brasileiras. Tais “objetos negros” se dividem hierarquicamente,
sendo que os produtos importados o mais valorizados que os produtos nacionais.
Enquanto o Brasil importa “objetos negros” e produtos culturais da América do Norte
com uma aura de modernidade, exporta para produtos e objetos com uma aura de
tradição ou africanidade. Tais canais de câmbio são desiguais na medida em que
raramente ocorrem trocas horizontais entre esses contextos (SANSONE, 2000). Embora
este banco de mbolos relativo à chamada cultura negra seja cada vez mais vasto é
refeito através de uma ótica “afro-americanaou “afro-caribenha”, no qual para se ter
acesso é necessário muito dinheiro. , para bem ou mal, manipulação e
mercantilização cultural e não uma representação contemporânea de alguma tradição
africana mais remota.
2.3 Nos ardis da genética popular: entre Salvador e Belo Horizonte
Passagem relativamente cara de Belo Horizonte para Salvador - em cerca de
uma hora , num sábado matutino, na “terra da alegria”. E uma alegria com certa
nostalgia instantânea das pessoas da cidade natal, num táxi do aeroporto para o Barra
(bairro central no qual passaria cerca de uma semana até me estabelecer em algum
“moquifo” qualquer no mesmo). Percepção que, embora na “negritude brasileira”
45
, me
ressoava mais num tom de mistura “racial” - fruto do meu daltonismo congênito?. “Um
preto num branco com sorriso amarelo banguelo”, diria o músico pernambucano
45
Diferentemente do Estado de Minas Gerais, com uma porcentagem de 07,80% de pessoas auto-
declaradas pretas, no Bahia um número equivalente a quase o dobro de tal percentual: 13,02% de auto-
declarados pretos em relação à população recenseada de tal região. Ver
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000
/tabela07.pdf, acessado no dia 23 de fevereiro de 2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
66
Lenine. E assim foi, no “Bahia de todos os santos”, na qual moraria cerca de um ano e
meio. Eu, do sudeste, da primeira capital moderna projetada no Brasil, e que nunca me
vira branco ou preto. Eu, até então moreno e que, após algumas rotas etílicas durante
algumas semanas, após alguns meses, passara a me perceber na possibilidade de um ser
“branco”, um ser “negro”. Eu, outrora eu: moreno. Eu, como na voz do poeta, uma
“etnia caduca”, uma “missa da miscigenação”.
Assim foi, na primeira capital brasileira
46
, a cidade que evoca África. Mas, de
forma geral, apesar de alguns apelos locais à negritude é certo que não temos, embora
também globais, percepções “raciaiscomo as construídas nos Estados Unidos (onde o
dualismo branco/negro é evidente e aquele com qualquer traço de ascendência preta,
mesmo que fenotipicamente claro, é visto e aceito como negro) ou África do Sul (onde
o sujeito na classificação intermediária, o mesto, é encaixado na categoria étnica
coloured e não visto ou aceito como negro). Se, por um lado, nos contextos apontados,
observamos, de forma geral, certa cumplicidade dos não-brancos, que, por uma questão
de solidariedade, se unificam na categoria black, ainda notamos focos de resistência da
identidade mestiça em diversas partes do mundo.
(...) Na província do Cabo Ocidental, onde a maioria da população é
composta de coloureds, estes votaram no Partido Nacionalista contra o
ANC nas primeiras eleições democráticas históricas desse país [África
do Sul]. Na interpretação de [Fernando Rosa] Ribeiro, essa rejeição do
ANC, por eles identificado como partido dos negros, é uma
reafirmação indireta da especificidade e da identidade coloured, uma
retomada do velho sistema de classificação tripartite que foi ameaçado
durante o apartheid, além de uma nova ênfase na aproximação com os
brancos (MUNANGA, 1996, p.185).
No Brasil, a regra do one-drop, ou seja, uma única gota de sangue “negroo
torna negro, nunca foi regra. Pelo contrário, primamos historicamente pelo viés
intercromático em tais relações “raciais”, ou seja, pela distinção baseada na marca e cor
da pele - que o se atém, necessariamente, a um preconceito de cunho “racial” e sim a
46
Patrimônio da humanidade e com um contingente populacional de cerca de 2,8 milhões de habitantes
(IBGE, 2000), a capital baiana, juntamente com o seu arredor metropolitano, foi historicamente vista
como a “Roma negra” por seus exploradores ou a “borda sul do Caribe” por seus analíticos, entre outras
coisas devido à forte vocação para o cultivo da cana-de-açúcar, o grande contingente de descendentes de
escravos no grosso de sua população (é bastante comum que nos discursos cotidianos se escute a
afirmação de que 80% da população baiana é constituída de negros) e o seu sistema religioso sincrético
(tal qual a musicalidade ali produzida) com forte vocação africana (o que, a princípio, revela um sistema
de relação “racial” central na produção da “África” no Brasil e, portanto, completamente diferente de uma
cidade relativamente nova como Belo Horizonte). Ver
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1028&id_pagina=1
,
acessado no dia 23 de fevereiro de 2010 e SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade, 2007.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
67
uma distinção de marca
47
(estereotipia). Diferentemente do que aponta Kabengele
Munanga, que ao falar do mesto decreta que esse jamais poderá ser reclassificado
como negro, salvo raras exceções, devido notadamente à escolha individual por
posicionamento ideológico” (p.186), a primeira questão que notei em minha pesquisa de
campo, em consonância com as narrativas “raciais” observadas historicamente no país,
foi o quão relacional é a percepção “racial” das pessoas em relação a si mesmas e em
relação aos outros - eu mesmo fui apontado por diversas pessoas em Salvador, entre
outras coisas, como negro.
“Rapaz, a primeira impressão que eu tenho é que você é negro, por conta dos
traços. Mas conversando mesmo pra saber. Pra mim não tem essa de meio termo. Ou
você é negro ou branco. Tem muita coisa além da cor da pele ou textura do cabelo”, me
explica o designer gráfico soteropolitano Alex Bispo. Até essa altura da entrevista, nada
havia dito a ele sobre o que eu pensava em relação a minha condição “racial”. Na fala
do interlocutor nota-se, embora evoque a bipolaridade “racial”, um discurso equilibrado
no que diz respeito às formas de racismo se, por um lado, era consciente do racismo
existente de muitos brancos em relação aos pretos, por outro me relata três histórias que
podem ser classificadas como formas de racismo às avessas.
A primeira diz respeito ao desfile do Dia da consciência negra, realizado em
todo 20 de novembro e promovido pelo mais antigo bloco “afro”-baiano Ilê Aiyê
(situado no Liberdade, bairro preponderantemente composto por pessoas
fenotipicamente pretas). Alex Bispo me conta que, certa vez, havia convidado um
amigo da cidade de Vitória da Conquista para o feito e que esse, ao ser avistado por um
preto, sofreu diversas agressões verbais pelo fato de ser branco e estar desfilando em tal
bloco.
Outro exemplo foi no carnaval, que eu já saí de Ilê umas três vezes.
Estávamos na Vitória [uma das ruas mais luxuosas de Salvador,
situado no abastado bairro Campo Grande] e tivemos problemas com
as cordas. Aí, uma diretora falou que estávamos tendo o problema
porque o “cordeiro” era um branco e não um negro. Falou isso no
microfone. O que fode a parada é isso, não há respeito. Porque é
negão fica naquela nóia de que negão se fode e branco se da
bem. Tem combate o tempo inteiro e eu acho que a coisa não é
resolvida desse jeito.
47
Ver NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem – sugestão de um
quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. In: Tanto preto
como branco: estudos de relações raciais.o Paulo: T. A. Queiroz, [1954] 1985.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
68
o terceiro caso surgiu de uma pergunta que havia feito sobre o caso de um jovem de
pele morena clara e cabelos encaracolados que, embora nascido e criado no bairro
Liberdade, filho de mãe loira e pai preto, teria sido diversas vezes preterido pelos
eventos do bloco Ilê por ser visto pelos dirigentes do mesmo como branco.
Rapaz, tive muitos anos dentro uns três anos lá. Namorei uma
menina que era sobrinha do Vovô, que, junto com Apolônio, foi um
dos fundadores do Ilê. Um cara branco não compra [a fantasia para
poder desfilar no bloco]. Eles não vendem. Mas se usar dentro do
bloco você sai no bloco.
Aqui estavam os motivos da descrença do designer quando perguntado se os
movimentos “negros” teriam papel importante na luta contra o racismo, respondendo
com um “mais ou menos, porque tem muita gente que está no movimento negro ou
nestas frentes e que é muito racista”. Sobre sua ppria condição racial, me explica que
o fato de se afirmar negro era devidoo somente a cor da pele, mas também a
consciência de ser negro, aos princípios, ao candomblé e ao fato de ter nascido e
crescido num bairro preponderantemente “negro”. Nota-se que sua concepção “racial”
está imersa em dois pilares principais: o fenótipo (que embora diga ser uma questão
secundária me classificara como negro a partir de tal critério) e a origem/geografia (ou
seja, morar num local que, em diversos sentidos, ressoava África para os nativos desse).
“É gueto mesmo e não tem como tirar isso, porque é da raiz mesmo, do convívio com a
galera. Não tem como crescer na Liberdade e não ser negro”, conclui.
Exemplo inverso ao que relatei é o caso de Carlos Filho
48
. Também morador do
Liberdade, o publicitário me foi apresentado posteriormente a uma entrevista que havia
feito com um estudante de publicidade por nome Heraldo Borges. Esse me relatava que
um de seus amigos, em suas próprias palavras “mestiço”, trazia consigo uma curiosa
história de vida: embora se declarasse negro, uma vez que nascera e crescera em um
bairro com população massivamente preta, vivia em constante deslocamento por não ser
aceito como tal. “Tenho um amigo da sua cor, com cabelo grande e encaracolado, que
mora na Liberdade. no Curuzu
49
ele não é visto como negro, embora se veja como
tal”, explica o estudante.
48
Tal entrevistado, por questões circunstanciais que terminaram por contribuir qualitativamente à
pesquisa, foi uma das exceções no que diz respeito aos critérios de seleção dos entrevistados (pessoas
fenotipicamente pretas, com cabelos crespos, entre outros). Posteriormente, nas entrevistas realizadas em
Belo Horizonte, outro publicitário mestiço foi entrevistado.
49
Ladeira mais famosa de tal bairro, onde se encontra a sede do bloco Ilê Aiyê.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
69
Aluno de publicidade e diretor de Arte de uma agência de médio porte localizada
num bairro de classe média alta da cidade, Carlos Filho revela, com certa acidez e
ironia, o contexto no qual está imerso: “Minha situação é fodida, porque na Pituba, onde
trabalho, eu sou preto. Estou sempre deslocado. É o moreno, ? O mesto se fode
na parada. Não tem cota, né?”. De classe sócio-econômica baixa e oriundo do sistema
de ensino público, após abandonar o curso de Belas Artes da Universidade Federal da
Bahia (UFBA) ingressou, por intermédio do programa federal de bolsas sócio-
econômicas Pro-Uni, no curso de publicidade em uma universidade particular. Filho de
mãe loira e pai preto, afirma que, mesmo inserido num bairro economicamente pobre e
periférico (“É um monte de casa, uma por cima da outra paradigma da arquitetura
moderna”, brinca), tem muito orgulho das pessoas que ali conhecera e pela cultura local
na qual está inserido, embora sofra com o que também denunciou ser uma forma de
racismo às avessas.
Eu me admito negro, mas eles [o Ilê] não me admitem. o é questão de ser
ou não negro. O que é ser isso, entendeu? Num país como o nosso não dá
mais pra discutir isso dessa maneira. É uma miscigenação da porra. Mesmo
lá, no Curuzu, que existem mais pessoas de cor escura, você percebe que não
são negros. Se chega um negro de pele africana, lá, vonota a diferença.
Tem um pesquisador de Moçambique, que fica envolvido com o pessoal do
Ilê, que, quando passa na rua, chama a atenção. Os próprios negros ficam
olhando: “oh, esse negão é negão mesmo”. Tem a palma da mão azulada,
meu amigo. Pretão. Até na África têm negros com tonalidades diferentes.
Mas é isso, minha origem é essa contradição toda.
Ao questionar como seria a minha situação “racial” no Liberdade, caso desejasse
desfilar no bloco, me alerta: “Ser da minha cor, lá, é ser branco. s somos brancos, lá.
Você não entra no Ilê”. O ex-músico profissional relata que, em certa feita, ao tentar dar
um curso de guitarra nas oficinas gratuitas criadas pelo bloco “afro”, foi censurado.
“Queria dar uma oficina de sica uma época, que eles dão cursos gratuitos, mas não
aceitaram porque diziam que guitarra era coisa de branco. É a mesma coisa quando
dizem que preto serve pra tocar tambor, né? Nunca ouviram Jimmy Hendrix”. Mas,
apesar de tais problemas sofridos, Carlos Filho compreende que, ainda assim, a beleza
“negra” cantada e muito afirmada em tal bloco tem uma forte importância no que diz
respeito à recuperação da auto-estima dos subalternizados socialmente e esteticamente.
“Lá, ser negão rastafari é mais bonito que em qualquer lugar do mundo. Esse cara, lá,
pega mulher. Os caras não vão te discriminar ao ponto de te darem pedrada: ‘sai daqui,
seu branco!’. Você não entra no Ilê, conclui.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
70
Como esclarece o geneticista Sérgio Pena, o homo sapiens sapiens, ou seja, o
homem anatomicamente moderno, é uma espécie jovem na terra. Três linhas de
pesquisa genética apontam seu surgimento, cerca de 150 mil anos atrás, na África
50
.
A maior diversidade genética encontrada neste continente em relação aos outros
revelaria que sendo a população mais antiga para conseguir tal amulo de
variabilidade. Acredita-se que uma migração da África para outro continente teria
ocorrido cerca de 90 mil anos atrás, o que levou a dizimação ou substituição de
populações arcaicas de homo sapiens, como os homens de neandertal (homo sapiens
neandertalenses). Nesse sentido, a rígida categoria “afro”, muito utilizada nos discursos
sobre negritude, torna-se, em certa medida, ineficaz uma vez que “por baixo da pele,
todos nós somos africanos” e as difereas morfológicas que vemos na aparência dos
humanos atuais são desenvolvimentos recentes, tendo ocorrido apenas nos últimos 50
mil a 40 mil anos” (PENA, 2005, p.324).
Apesar disso, a palavra “raça” tem sido constantemente usada no vocábulo
popular para denotar diversos sentidos, como morfológico (relação entre fenótipos -
devendo se ressaltar que traços físicos como a cor dos olhos ou a espessura dos lábios
o controlados por um pequeno número de diferentes genes, não tendo nenhuma
influência sob aspectos como inteligência, habilidades sociais/culturais, predisposição a
doenças, etc.), geográfico (relação entre as regiões de nascimento, como “raça” chinesa
ou africana) e biológico (relacionado a uma população geneticamente diferente, ou seja,
uma subespécie). Podemos observar algumas dessas nuances discursivas nas falas de
outros publicitários, modelos e estudantes de publicidade entrevistados primeiramente
em Salvador (BA) e, na seqüência, em Belo Horizonte (MG).
No caso do estudante de publicidade Heraldo Borges, notamos que há uma
grande ênfase no que tange às suas origens “raciais”, principalmente no sentido
morfológico:Só de me olhar no espelho me caracterizo como negro. Minha mãe
sempre disse que devíamos ter orgulho de ser negro, de se assumir. A raça não
diferencia ninguém de nada. Ser negro diz respeito a minha cor e minha educação.
Mas, em seguida, notamos uma mescla do conceito “racialempregado por esse, que
abarca, paradoxalmente e em menor medida, conotações geográficas e biológicas:
“Grandes publicitários criativos são baianos, como Duda [Mendonça] e Nisan
[Guanaes]. Parece que é algo natural mesmo, o povo baiano é criativo”.
50
Uma dessas, do geneticista italiano Cavalli-Sforza, deu origem ao livro Genes, povos e línguas. Ver
CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca. Genes, povos e línguas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
71
Embora também nascido em um bairro periférico de Salvador, o filho de
funcionários públicos pretos, declarado negro-afro, africano” (o que também revela
certo apego à ancestralidade) e fenotipicamente preto, afirma ter tido uma vida sem
maiores problemas econômicos, contrariando a vaga idéia na qual pretos em condição
de ascensão social tenderiam a se adequarem à ideologia do branqueamento. “Você, por
exemplo, é pardo. Meio índio, por conta dos olhos puxados. Branco você não é, não”,
me explica, ao perguntá-lo qual era sua concepção “racial” em relação a minha pessoa,
um pouco antes de relatar a história de seu amigo preterido pelo bloco “afro” do
Liberdade. Como nos ensina Heraldo Borges sobre o contexto soteropolitano, mesmo a
pessoa “não sendo tão negra” é preciso estar atento ao fato de que “o cabelo é um
marcador do ser negro, também”.
para José de Jesus, diretor de arte de uma agência de pequeno porte, o sentido
morfológico da “raça” é algo secundário se comparado ao geográfico. Também
fenotipicamente preto, me afirma que a cor da pele é uma questão de menor
imporncia, já que um sujeito mais claro ou mesmo branco poderia se considerar negro.
“Acho que tem tudo a ver com a origem, ? Se voltar atrás, o pai do meu pai deve
ter sido escravo, o pai do meu avô foi, com certeza, escravo. Eu moro na Liberdade.
Tem toda uma história”, diz, citando outros exemplos:
Em relação à [Barak] Obama, eu acho que ele nunca se declarou negro
pra o prejudicar a própria campanha. De repente ele chega com um
discurso de apartheid e não ganharia nem a eleição. Eu não acho que
ele não queira se ver como negro, não. Ele quer se ver como negro,
sim. E [Louis] Hamilton, que não estava disputando eleição nenhuma,
disse, no dia da vitória dele, “eu sou negão”. No dia eu estava na casa
da minha namorada e todo mundo torcendo pra Felipe Massa e eu
que nada, rapaz, esse negócio de brasileiro o”. Acho que na Copa
de 2002, o Brasil estava jogando com um time da África do Sul e esse
nunca tinha ganhado nada. Eu tava torcendo pra este time, velho.
Sobre a minha condição “racial”, me explica que pela cor da pele eu sou branco,
mas não um “branco 100%”, afinal, segundo o dito popular, eu teria o “pezinho na
senzala”. Mas ao fazer a objeção de que na minha cidade natal, Belo Horizonte, eu sou
classificado como moreno e dificilmente como branco ele insiste:
A partir do momento que vo chama um cara como você de moreno,
você dando espaço pra chamar um cara como eu de moreno,
também. Tipo moreno claro” e “moreno escuro”. É um escape pro
cara não se assumir negro. Tem que colocar cada qual no seu cada
qual. Ou é branco ou é negro e acabou. “Eu sou moreninho”, “eu sou
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
72
cor de jambo”. O pessoal fica falando várias denominações pra o
falar que é negro.
Percebemos, aqui, que a mítica da negritude é, para além de relacional e
subjetiva, muitas vezes imperativa. Enquanto entrevistava-o, esse apontava para uma
mulher (com tonalidade de pele equivalente a minha) que circulava pelo shopping e a
classificava como negra. O que em sua narrativa não era primário em tal classificação
identitária, o fenótipo, ganha ênfase:
Eu acho que as pessoas, aqui [em Salvador], o misturadas. Essa
menina mesmo, na sua frente, poderia dizer que é morena clara ou,
como eles dizem, moreninha. É negra! Por conta do cabelo, velho. O
cabelo é um marcador.
Mas ao perguntar se seria visto como negro caso tivesse o cabelo crespo, me responde:
“Não por conta do cabelo. Ela é mais escura que você, entendeu? Um pouco mais
escura, eu acho. Mas o cabelo faz parte do visual da pessoa. Claro que se você tivesse o
cabelo crespo seria negro, velho! O cabelo tem uma presença forte”. Ou seja: o que
alguns auto-declarados negros entendem por negritude, mesmo que um entendimento
capenga, em muitos casos se torna norma para todo e qualquer indivíduo.
Poderíamos acrescentar uma nova conotação ao termo “raça”, emergida em tal
depoimento: a pureza de um branco parece se der na mesma proporção em que esse
caminha na toada do enriquecimento financeiro ou status - expressados em símbolos
como roupagens, locais de sociabilidade, formas de comportamento, entre outras coisas.
“Do mesmo jeito como o negro tem aquela visão estereotipada o branco também tem.
Quando o negro chega, a galera diz ‘lá vem o ladrão, vem o muzenza’. O branco
quando chegaolha o filhinho de papai aí’”, elucida José de Jesus. Aqui, fica claro que a
negritude de um adepto é modulada em algumas rmulas e, por meio de tais, é, como
uma carapuça, imposta a alguns e repulsa de outros. Em tal contexto, minha morenidade
foi, muitas vezes, apagada pela concepção do ser ou não ser negro. Assim, em linhas
gerais, se uso uma peruca crespa sou negro, caso contrário sou branco. O que eu penso
parece pouco importar e de nada valer para alguns “detentores” da África no Brasil.
Posteriormente, pudemos constatar que para esse publicitário a conotação
biológica do termo “raça” também era aceitável. Ao mostrá-lo uma peça publicitária
relativa a uma marca de cachaça, na qual o protagonista preto era valorizado pelo
tamanho do pênis, me afirma que, embora não fosse a forma como gostaria de ver os
“negros” representados na mídia, afinal, estes possuíam outras qualidades, “mito não é,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
73
porque geneticamente falando as pessoas conferem e comprovam que é verdade”. A
narrativa de tal informante nos possibilita, assim, vislumbrar um intersecção “racial”
composta de quatro conotações do que é o poder ser negro ou o que é preponderante
para não o sê-lo: a origem (principal ponto e que deve remeter a alguma matriz
africana), o fenótipo ou a morfologia (que embora tenha negado, observa-se que
também tem papel primário na constituição de tal identidade), o determinismo genético
(existiriam algumas “qualidades” inatas nos negros) e, em menor medida, o status
social. Em tal ótica, se considerar negro não basta para ser negro.
Outro exemplo curioso, no que diz respeito às evocações genéticas ou
deterministas-raciais, é o do modelo fotográfico Victor Lima. De uma agência
soteropolitana que trabalha hegemonicamente com modelos fenotipicamente pretos, ao
ser indagado sobre a sua negritude, explica que embora muitas vezes rotulado como
pardo é negro devido à textura do cabelo. “Negro” é, também, o que me diz quando
pergunto sobre a minha condição “racial”, mas ressalvando que para a grande maioria
dos baianos eu seria visto como branco devido à tonalidade da pele, mais clara, e a
textura do cabelo, mais liso. Para além disso, o que realmente chamou atenção em tal
depoimento foi o forte apelo e associação da “raça” a certas habilidades inatas
supostamente próprias aos homens “negros”.
Nasci em Santo Amaro [da Purificação, Recôncavo Baiano], terra dos
orixás e essas coisas... Você tem aquele diferencial. Uma energia
diferente da outra. em o Paulo mesmo, a galera fala direto “você
chega e contagia a galera, você distrai, você ilumina”. É o baiano, né?
Pra mim, branco é branco, aquele branco mesmo, e negro é de moreno
em diante. Negro é a maior classe que a gente tem. A maior e a
melhor também. Não desfazendo dos brancos. Adoro meninas claras,
são maravilhosas, gente boa. Mas eu vejo assim: é a maior raça que
tem, porque, pra mim, vai do moreno claro ao negro, negro mesmo.
Como dizem aqui, “negro tifum”, aquele “negro azul”. Pra mim é tudo
uma raça só, é tudo negro. Não tem este negócio de pardo no meio...
Branco, pardo e negro”. Pra mim é branco claro mesmo e negro, que
é negão, que é aquela raça grandona que vai de moreno claro até a
negrada mesmo. Eu acho que negro tem genética de tudo, a começar
pela cor. Acho que é um clima diferente. É uma maneira de se
comunicar diferente, que eu acho mais fácil. Acho que tem diferencial
pra tudo: pra cor, pra ganhar massa, pra tomar sol, pra dança. Pra tudo
negro tem aquela diferença, às vezes pra mais às vezes pra menos
também. Vejo muitos clarinhos também, gente branca, dançando bem.
Mas negro tem esse negócio de energia, de chegar bem,
comunicação... Acho que o rosto, assim, convida você a conversar.
Acho o branco mais fechado. A depender, mas no primeiro momento
são bem fechados o pessoal.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
74
O que se nota em tal discurso, logo de início, é a conotação geográfica dada à
questão racial”, ou seja, o ter nascido em uma região baiana de forte presença cultural
“negra” o que conota também uma ligação estreita entre “raça” e cultura “afro”.
Sendo assim, desembocamos na questão da ancestralidade africana como algo essencial
e restrito à gente escura e de cabelo crespo. Mas diferentemente de alguns entrevistados,
em tal narrativa os fenotipicamente misturados são colocados no “panteão negro”, se
primando aqui mais pela coloração da pele do que necessariamente pela textura capilar.
É certo que, em tal lógica, os “negrosde pele mais clara estão em uma graduação
anterior aos de pele mais clara com cabelo crespo e que, obviamente, seguem de longe
os de pele escura e os de pele escura com cabelo crespo. Podemos afirmar que, aqui, há
uma hierarquia cromática vasta na qual, em tal visão, apenas os de pele branca com
cabelo liso não se enquadram nos quesitos da negritude. “Meu cabelo, pra mim, chegou
é o negro. Que a galera fica em dúvida da minha cor, se eu estou branco, se estou pardo,
se estou negro. Então, não tenho aquela negrada mesmo na cor da pele”, explica.
É no fluxo do, em alguma medida, racismo às avessas que, muitas vezes, o
fenotipicamente escuro é execrado quando se auto-afirma pardo, mestiço, mulato ou
moreno escuro e o fenotipicamente branco é rotulado pejorativamente, a priori, como
indivíduo de classe média, família branca, morador de condomínio fechado, entre outras
coisas termos usados, por exemplo, pelo publicitário José de Jesus ao se referir às
crianças brancas que apareciam em uma publicidade automotiva. Ao perguntar ao
publicitário Caio Costa, fenotipicamente preto, os motivos que o levaram a se
considerar pardo esse me afirma que ao ser recrutado pelo exército assim foi taxado. “É
aquela pessoa que está no meio termo, entre o branco e o negro. Estas grandes divies,
mulato, pardo, negro, são meio confusas na hora de dizer ‘ah, este aqui é mulato’,
‘aquele ali é pardo’”.
Mesmo afirmando não ter problema algum em ser visto como branco, preto ou
moreno, foi, obviamente, intrigante aceitá-lo como pardo. Era, em certo sentido, algo
paradoxal. Mas como duvidar da afirmação identitária de um interlocutor que tem mãe
preta e pai branco?
Pra mim somos todos negros, digo, de pardo pra negro. Mas como
existem as divisões, como o “moreno”, eu sigo esta onda. Um vez eu
falei que era moreno e a pessoa disse “fala logo que você é negão,
preto mesmo”. Eu disse “tá bom, se você quer que eu seja isso o
iremos discutir”. Esta parte racial eu mesmo o discuto muito. Se a
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
75
pessoa quer falar que eu sou negão, beleza, eu aceito numa boa. Só
quero que me respeitem.
Em acordo com grande parte dos interlocutores soteropolitanos, esse me explica
que em Salvador, como a maioria tem o tom da pele de pardo pra negro, quando uma
pessoa tem a pele mais clara classificam como branco. Mesmo você sendo levemente
negro, tendo o cabelo liso as pessoas tendem a classificá-lo como branco”. Aqui,
novamente, o quesito cabelo ganha força. Mas, diferentemente da narrativa anterior não
se ouve apelos “raciais”, geográficos ou biológicos. no que diz respeito ao fator
econômico, a classe é novamente atrelada ao fator cor. Na mesma peça publicitária
sobre carros, Caio Costa classifica os modelos brancos como “classe média alta”,
“ricos”, “cabelos bem tratados”, “pele bem tratada”.
Outro informante a ser aqui destacado é o publicitário Fábio Sousa. Diretor de
criação de uma das agências de maior renome em Salvador, o mesmo elucida que
embora se considere negro devido à cor da pele, aos princípios e a trajetória de vida,
nunca militou nos movimentos “negros” organizados justamente por abominar todo tipo
de secundarismo. “Meus princípios, mais do sonho, utópicos, anarquistas, condenam
qualquer forma de secundarismo. A liberdade do outro amplia a minha infinitamente e
vamos nessa”. No que diz respeito a como me classifica “racialmente”, explica, em tom
de humor: “É complicado, né? Fizeram aqueles testes de DNA, não sei se você lembra,
com o Neguinho da Beija-Flor
51
. É muito confuso, cara. Te classificaria como indiano.
O moreninho com a carinha de indiano”.
Mesmo num contexto no qual a tendência à inclusão do modelo da bipolaridade
seja relevante, parte dos entrevistados me classifica como “mestiço”, “moreno”,
“latino”. Quando isso o se dava, esses tendiam a aceitar a mistura como algo real,
mesmo defendendo ferrenhamente o modelo “negro versus “branco”. Segundo o
estudante de publicidade e modelo Álvaro Cabral, eu seria “moreno”. Sobre o fato de se
auto-declarar negro, afirma que é devido ao seu jeito de ser, falar, expressar e,
obviamente, ao tom de pele. “Eu leio a história africana, ?. Procuro me engajar sobre
o papel do negro. Negro é o que há, sabe? Eu tenho orgulho de ser. O jeito carismático
de ser, sabe? O carisma do negro, o sorriso”.
51
Sambista que, embora fenotipicamente preto, tem a maior parte da ascendência genética européia. Ver
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1650437-EI306,00.html, acessado no dia 01 de março de
2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
76
para a bacharel em comunicação social Haloá Sousa, eu teria um fenótipo
“latino”. Essa, ao explicar sua condição racial, diz que é negra porque seu pai é negro e
o pai de seu pai também era. Em suas palavras, ser negro é se originar da “raça negra”.
“Minha família toda por parte de mãe é do candomblé, entendeu? Tem outras coisas
também: tem branco, tem índio, tem português, tem tudo na minha família. Mas a
predominância é negra”, conclui. Na mesma linha, é como “mestiçoque me classifica
o modelo Basilon Carvalho. Para esse, embora exista a mistura genética o fenótipo de
alguns é determinante para que uma identidade seja solidificada. “Sou negro, não sei se
sou um mestiço. O fato de minha e ser caucasiana não quer dizer que eu seja um
mestiço. O fato de minha mãe ser branca não mudou o fato de eu ser negro”, explica,
logo após afirmar que o Brasil estava se formando em uma unidade de pessoas mestiças.
Neste mesmo sentido, se para o estudante de publicidade Francisco Silva, que,
como afirma, é negro por uma questão de cor e princípios (“Adoro minha cor. Negro,
pra mim, é tudo. Consciência negra. no bairro, por exemplo, várias bandas afro vão
lá, falam sobre o dia, sobre zumbi. Tem a caminhada, eu sempre participo”), sou visto
como “branco”, para o modelo Uelinton Oliveira eu sou “mestiço”, uma vez que teria
“traços que não parecem de um branco legítimo”, ou seja, “olhos arredondados e ao
mesmo tempo puxados, nariz um pouco largo, lábios um pouco grossos”. Assim, me
explica o entrevistado, não teria pra onde eu correr uma vez que sou fenotipicamente
“brasileiro”. na situação desse, afirma que ninguém o aceitaria caso se declarasse
“branco” em Salvador, assim como poucos me aceitariam como “negro” em tal
contexto. Para o interlocutor, a negritude é uma questão principalmente de
ancestralidade:
Nada é por acaso. Agora, de 2004 a 2005, eu tava no movimento
negro, mas eu percebi que todo movimento é igual. É igual porque
existe sempre aquela galera, não digo todos, que quer se promover à
custa dos outros. Então você entra deslumbrado, acreditando no ideal,
enquanto isso tem uma pessoa inflamando. Eu saí porque percebi que
estava sendo usado como massa de manobra prum certo líder se
projetar à minha custa e à custa da galera que estava comigo.
Aconteceu quando eu me toquei que no Brasil não existe raça pura. A
questão da mestiçagem, que eu tenho os meus pros e contras. Mas
meu fenótipo é de negro, você está observando que meu fenótipo é de
negro. Então, minha descendência maior acredito que seja africana.
Nunca fiz uma experiência com o meu DNA pra saber. Mas, meu
fenótipo é de negro e minha vivência, desde pequeno, foi no
candomblé. Com sete anos eu freqüentava terreiro de candomblé
com minha tia. Ela saiu e eu fiquei sem ir até os 23 anos. Não é que o
movimento negro teve o seu lado bom? Me fez enxergar a questão da
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
77
ancestralidade e isso fez com que eu fortificasse mais a minha
identidade. Mas tem uma mistura. Minha mãe é da sua cor e meu pai
que é mais da minha cor. O que me fez entrar neste rumo, que é mais
pra identidade negra, foi pela questão de estar dentro do movimento
anarquista, dentro do movimento punk, e não me enxergar, não me ver
ali.
Na medida em que, através do DNA e dos desenvolvimentos tecnológicos, as
relações entre os humanos e a natureza são refeitas, o significado das diferenças
“raciais” também o é na proporção em que determinado pado de identidade
historicamente reconhecido pode ser legitimado ou até mesmo refutado. nos idos de
1960, como nos explica Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio (2005), os
geneticistas Francisco M. Salzano e Newton Freire-Maia afirmavam o quão frutífero
poderia ser o Brasil no campo da genética, uma vez que o país era portador de uma
complexa gama de heterogeneidade em sua formação. Assim, entre 1960 e 70 se
realizaram, no país, diversos estudos com marcadores genéticos clássicos - como Rh,
Diego e proteínas séricas gamaglobulinas (Gm). Mas, aqui, a crítica em relação ao
conceito biológico de “raça”, como já exposto, se fazia presente desde a década de 1950
na elaboração das primeiras declarações sobre “raça” da Unesco.
As narrativas populares sobre genética, em interação com as históricas e sociais,
podem originar identidades de grupos sociais e nacionais, reconfigurando as relações
macro-sociais, históricas e políticas. No cerio atual, como é sabido, tal fonte de
conhecimento científico tem sido apropriada e, em grande parte dos casos, desvirtuada
por diversos grupos sociais (sejam esses europeus de extrema direita ou mesmo
militantes dos movimentos “negros” organizados) que almejam o seu “lugar ao sol”. Por
outro lado, fica claro que romper, puro e simplesmente, com o conceito de “raça” (papel
aqui desenvolvido pela genômica) é necessariamente se chocar com uma longa
trajetória histórica na qual um grupo dominanteutilizou-se do termo para se manter
no topo de uma hierarquia enquanto os “dominados” se utilizaram da mesma ferramenta
para “resistirem” a tal opressão.
O trabalho germinal Retrato molecular do Brasil, coordenado pelo geneticista
Sérgio Pena (2002), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um bom
exemplo de tal complexidade (embora eu o domine o tema e nem mesmo seja um
iniciado ao ponto de esclarecer aos leitores sobre o assunto, acho valido pincelar alguns
tópicos do mesmo). Tal pesquisa se deu nas regiões sudeste, norte, nordeste e sul do
país, abrangendo um total de 200 indivíduos da cor branca (247 para o DNA
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
78
mitocondrial)
52
. Visto que havia principalmente pessoas de classe média/média alta
enquadradas nesta categoria, foram acoplados amostras de DNA de trabalhadores rurais
do Vale do Jequitinhonha (rego, em linhas gerais, pobre situada no extremo norte de
Minas Gerais), também brancos. Cerca de 90% da patrilinhagem dos brancos brasileiros
era de origem européia e aproximadamente 60% das matrilinhagens de origem
ameríndia ou africana.
As respostas obtidas em tal trabalho (anti-racista, uma vez que não incita o ódio
ou o desprezo ao “outro” e anti-racialista, já que não propõe uma ideologia de
essencialismos raciais”) não traz nada de historicamente espantoso ou mirabolante,
uma vez que é sabido que, com poucas exceções (invasões temporias de franceses no
Rio de Janeiro e de holandeses em Pernambuco), até o início do século XIX vieram
portugueses para o país, que, na ausência de suas mulheres, iniciaram um processo de
miscigenação com as índias e africanas aqui presentes. Assim, nessa miscigenação entre
ameríndios, europeus e africanos, a contribuição genética européia se deu através do
homem e a ameríndia e africana através da mulher.
Quando observamos as narrativas coletadas em Belo Horizonte, notamos fortes
diferenças discursivas no que diz respeito ao universo da constituição da negritude.
Inaugurada no ano de 1897 (uma criança em relação à capital baiana) e influenciada
fortemente pelo positivismo, a primeira cidade brasileira moderna projetada do país
53
,
por intermédio do engenheiro Aarão Reis e, atualmente, com uma população estimada
em 2,41 milhões de pessoas (IBGE, 2000), o traz, na fala dos interlocutores
fenotipicamente pretos em questão, as mesmas conotações da “cultura negra”
soteropolitana. A princípio, pode-se afirmar que enquanto a áurea de Salvador nos
remete à uma negritude mais mítica, “tradicional” e ideológica, em Belo Horizonte esta
52
Como nos ensina Sergio Pena, os marcadores moleculares de linhagens genealógicas são o
cromossomo Y (para estabelecer linhagens paternas) e o DNA mitocondrial (linhagens maternas). Esses
marcadores são herdados somente através de um dos pais e não trocam genes com outros segmentos
genômicos (não se recombinam), ou seja, são transmitidos às gerações seguintes em blocos de genes (os
“haplótipos"). Os haplótipos permanecem inalterados em patrilinhagens ou matrilinhagens até o momento
em que ocorre a sua mutação, gerando “polimorfismos” nesses, que servem como marcadores de
linhagem. O estudo do haplótipo do cromossomo Y e do DNA mitocondrial o informação sobre a
origem de um único antepassado de cada qual, conhecido como “haplótipo fundador”. Mais de 90% do
cromossomo Y não sofre recombinações com o cromossomo X, ou seja, são passados de pai para filho,
por gerações e gerações. O DNA mitocondrial é dividido em duas regiões, sendo a maior delas (90% do
total) codificante e com taxa de mutação de cerca de cinco vezes maior do que na do DNA nuclear. A
segunda região é chamada de “alça D”, não é codificante e evolui 25 vezes mais rápido que o DNA
nuclear. Ver PENA, rgio D. J.. Retrato molecular do Brasil. In: PENA, Sérgio D. J. (Org). Homo
brasilis. Funpec: Ribeirão Preto, 2002.
53
Ver OLIVEIRA, Carlos A. A organização do espaço urbano no século XIX: significado e percepção do
espaço blico na nova Capital de Minas. In: II Congresso Internacional UFES/Université de Paris-
Est. Vitória: Programa de Pós-Graduação em História (PPGHis), 2009.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
79
parece mais liberal, progressista, primando pela manutenção de classificações “raciais”
vastas e, portanto, dentro de um continuum cromático.
Preponderantemente, todos os estudantes, modelos e publicitários entrevistados
em tal capital não imputavam, diferentemente do que observamos em Salvador, um
passado mítico ou ancestral ao fato de se classificarem negros. Pelo contrário, o motivo
principal para tal afirmação identitária remete necessariamente ao fenótipo: cor de
morena escura a preta, cabelo crespo e demais rasgos, numa morfologia da negritude
inspirada, contrapondo ao contexto soteropolitano, mais explicitamente no modelo
fenotípico e estistico (e não ideológico) estadunidense ou caribenho. Não há, portanto,
tentativas de re-africanização como as vistas em solo baiano. Enquanto Salvador se
inspira na ideologia política da negritude estadunidense (modelo bipolar e
segregacionista “racial”), Belo Horizonte apenas bebe do banco simbólico do estilo de
ser “negro” propagado pela cultura global e globalizante em questão.
Para o ex-modelo e, atualmente, booker (responsável direto pelo agenciamento
de modelos) Rodrigo Muchelas, ser negro diz respeito somente a cor e, como processo
de auto-estima, a um estilo conscientemente moderno e global advindo principalmente
da “cultura negra” estadunidense. Me explica, ao ser indagado, que eu sou moreno, mas
com origens negras. Tal narrativa de cor foi comumente observada nas outras
entrevistas feitas em Minas Gerais: em tal contexto o meio termo cromático da
morenidade foi preservado num rico alinhavado de cores, ou seja, não há o confronto ou
bipolaridade entre ou “negroou “branco”. Para a modelo Núbia França, sua negritude
é pautada unicamente pela cor tanto de sua pele como da sua falia por parte de pai
(por parte de mãe sua origem seria indígena). “[Você] seria um pardo, porque, pra mim,
o branco mesmo teria que ter os olhos claros e a pele bem mais clara que a sua, e você
tem um tom de pele mais amarelado”, conclui. Esta também foi a impressão do
estudante de publicidade Phillip Almeida, do publicitário Diego Guerhardt e dos demais
interlocutores belo-horizontinos, que, portanto, revelam uma negritude antagônica à
Salvador, ou seja, sem ideologias ou tentativas de essencialismos étnicos.
No entanto, para Kabengele Munanga (1996) o uso de categorias cio-culturais
como “acastanhado”, “agalegado”, “amarelo-queimado”, “avermelhado”, “branco-
pálido”, “bronzeado”, burro-quando-foge”, "canela”, “cabo-verde”, “café”,
“escurinho”, “jambo”, “marrom”, “meio-branca”, “meio-morena”, “meio-preta”,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
80
“moreninha’, “mulatinha”, “negra”, “sarará”, entre tantos outros tipos
54
, apenas reflete a
adesão dos brasileiros ao “mito da democracia racial” ou, mais especificamente, a
adesão desses à ideologia do “branqueamento” (p.186-187). Tal sistema de relações
“raciais” brando seria, nesta visão, um empecilho para o erigir de uma consciência e
política identitária dos oprimidos (já que, segundo ele, estaríamos tratando de um
sistema “racial” inteligente ao ponto de manter a estrutura racista sem grandes conflitos
abertos, produzindo uma falsa consciência nos “negros’ - quando esses, na verdade, têm
é uma fértil e ltipla consciência que se alimenta tanto da África mítica quanto da
negritude moderna e global), propondo, implicitamente, um molde de negritude
universal que na verdade é muito mais inspirado no black power estadunidense e/ou no
caribe jamaicano do que propriamente na África (tal dupla consciência é, de fato, rica e
muito vivaz em tal negritude “cosmopolita” e, portanto, não pode ser considerada um
desvio psicológico ou doença).
Mas, a quem cabe impor ou julgar a identidade do “outro”, principalmente
quando inseridos num mundo em constantes modificações, com relações cada vez mais
fragmentadas, no qual não um cais seguro onde o homem moderno se sinta bem
localizado em seu mundo social? O declínio das velhas identidades, responsáveis diretas
pela concepção do homem como um ser unificado e confortavelmente encaixado em seu
mundo social, vêm dando espo para a formação de novas identidades – gerando,
assim, o que Stuart Hall (2002) classifica como “crise de identidade”. As identificações
de etnia, gênero, “raça” e nacionalidade, tão importantes para a localização do indivíduo
num terreno seguro, vêm sofrendo profundas transformações estruturais desde o final do
culo XX, contribuindo diretamente para as transformações ocorridas nas sociedades
modernas e desbancando a inocente idéia do homem como um ser estritamente
integrado.
54
Na década de 1970, no Brasil, o etnógrafo Marvin Harris registrou mais de 500 rótulos “raciais” dos
quais os indivíduos lançavam mão, revelando que compartilhamos de um modelo “racial”, ainda hoje,
intercromático. Ver KOTTAK, Conrad Phillip. O legado baiano da universidade de Columbia. In:
PEREIRA, Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil. Textos críticos. Salvador:
Edufba, 2007.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
81
3 PUBLICIDADE E ESTÉTICA
3.1 Publicidade e propaganda: conexões entre o real e o nonsense
Respeitem meus cabelos, brancos.
Chegou a hora de falar, vamos ser
francos (...). Se eu quero pixaim,
deixa. Se eu quero enrolar, deixa. Se
eu quero colorir, deixa. Se eu quero
assanhar, deixa. Deixa, deixa a
madeixa balançar (Chico César,
Respeitem meus cabelos brancos).
Os processos de desenvolvimento do capitalismo e da racionalização são um
híbrido devido à simultaneidade original que os é característica, ou seja, no princípio de
um existia o outro e vice-versa (IANNI, 1995). Desde o mercado, passando pela
empresa, cidade e Estado, até o exercício intelectual é possível perceber um forte
movimento de burocratização através da calculabilidade, eficácia, produtividade e
lucratividade advindas com o moderno capitalismo europeu e que passam a co-
existirem, e às vezes modificarem e/ou predominarem, cada vez mais com as formas de
dominação tradicional e carismática na medida em que se expande para outras culturas
localizadas em diversos povos, ilhas e continentes.
Tendo como característica primordial a existência de uma contabilidade
racional, “existe capitalismo onde quer que se realize a satisfação de necessidades de
um grupo humano com caráter lucrativo e por meio de empresas, qualquer que seja a
necessidade de que se trate” (WEBER apud IANNI, 1995, p.115). Valores até então
peculiares do Ocidente tornam-se recorrentes no mundo oriental, mostrando que, em
geral, “todas as tribos, nações e nacionalidades do mundo foram alcançadas, envolvidas,
impregnadas, transformadas ou recriadas pelas relações, processos e estruturas de
organização da produção e da vida social mais característicos do capitalismo” (IANNI,
p.117).
Em tal jogo de relações, mediado ou normatizado principalmente pela
codificação jurídica (contratos formais relativos a direitos e premiações, prêmios e
punições no que diz respeito à livre negociação entre os cidadãos) e que se relaciona
com a tentativa civilizatória por parte do Ocidente em relação ao todo, notamos formas
culturais antes vistas como irracionais ou bárbaras em completa consonância com a
lógica racional da acumulação de capital. A tulo de ilustração, como nos ensina Peter
Geschiere sobre as imbricações entre magia e capitalismo no Camarões atual,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
82
qualquer que seja o termo usado [para a magia] - ekong, famla ou kupe
-, na base dessas representações está o vínculo estreito com os
altamente cobiçados bens de consumo, recém introduzidos pelo
mercado e que vão se tornando rapidamente os próprios mbolos da
vida “moderna” - refrigeradores, aparelhos de televisão, casas
suntuosas e acima de tudo carros (o onipresente Mercedes, e mais
recentemente o Pajero) (GESCHIERE, 2006, p.28).
Não , neste sentido, desencantamento total do mundo predominado pela forte
racionalização das relações. Pelo contrário, movimentações como essas nos levam a
propor um mundo que tem exalado formas de re-encantamento ou lampejos muito
intensos disso. Por diversas sociedades se pode relatar ricas gamas de simbiose entre
magia e capitalismo - sendo o aparato burocrático da publicidade um dos maiores ícones
de tal processo, uma vez que se constitui de um sistema racional instrumental ou tecno-
estrutural de manipulação do “mágicoem prol do capitalismo. Uma vez localizado no
sistema capitalista moderno, o que antes dizia mais respeito à forma de expressão
cultural ganha funções quantitativas e pragmáticas que “para que o capital possa
concretizar-se e desenvolver-se como lucratividade, torna-se necessário que o consumo
se efetive, intensifique e generalize” (IANNI, 1995, p.125). Objetificação e,
consequentemente, consumo hedonista crescem na toada de tal capitalismo.
De produto, meio ou instrumento, a tecnologia transforma-se em finalidade,
objetivo por excelência, numa surpreendente inversão de meios e fins. Essa é
a metamorfose provocada pela racionalização que configura um estágio
avançado do desencantamento do mundo, quando de repente o indivíduo e a
coletividade se vêm encerrados na gaiola de ferro que construíram, na qual
não deixaram nem porta nem janela, no empenho de levar a racionalização ao
extremo da perfeição (IANNI, 1995, p.132).
A indústria da publicidade é, então, um exemplo clássico de como as culturas
influenciam o capitalismo e não o contrário, criando um campo no qual simbioticamente
convivem produtos, valores, “magia” e preconceitos em consonância com as noções de
eficiência, criatividade e vendabilidade. Em tal processo global, a então mida
emergência dos pretos na mídia brasileira, e da chamada cultura negra, foi um
fenômeno situado nos anos de 1990
55
, tendo havido, nos dias de hoje, uma ampliação
deste fato nos filmes, nas novelas, nos programas de tv e nas publicidades em geral no
55
Até meados da década de 1980 os papéis desempenhados por pessoas fenotipicamente pretas na mídia
brasileira estavam atrelados a estereótipos subalternizantes. Além disso, antes de tal década o consumo
(hoje compreendido de forma menos apocalíptica, como um código simbólico ordenador da vida social,
marcador de status, delimitador identitário e princípio fundamental da cidadania) era visto meramente
como desejo de conforto material, satisfação psíquica e/ou forma de ostentação econômica. Ver
STROZENBERG, Ilana. O apelo da cor: percepções dos consumidores sobre as imagens da diferença
racial na propaganda brasileira. In: Comunicação, mídia e consumo. São Paulo: ESPM, 2005.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
83
Brasil enfatizando, mais uma vez, devido à demanda cada vez maior dos
fenotipicamente pretos que, cada vez mais, engrossam o percentual da classe média
brasileira
56
. Embora seja a televisão a responsável por resgatar o elo entre publicidade e
visibilidade, J. B. Thompson (2002) explica que ainda existem pontos importantes que
distinguem a nova publicidade” da “tradicional” (de co-presença). Mesmo sendo mais
ampla a visibilidade dada pela atual publicidade, muitos receptores se encontram
completamente fora do contexto do fato explicitado.
Com o desenvolvimento de novos meios de comunicação -
começando com a imprensa, mas incluindo também as mais recentes
formas de comunicação eletrônica - o fenômeno da publicidade se
separou da iia de conversação dialógica em espaços compartilhados
e ligou-se de forma cada vez mais crescente ao tipo de visibilidade
produzida e alcançada pela mídia (especialmente a televisão)
(THOMPSON, 2002, p.119).
Como nos explica Cassiano Ferreira Simões (2006), a corriqueira indistinção dos
termos publicidade (que pode se referir tanto à moderna idéia de “esfera pública
burguesa quanto à de livre-comércio entre detentores dos meios de produção e
consumidores, desdobrada da primeira e que possibilitou a formação de regras de
relacionamento entre os agora indivíduos) e propaganda (no bom português, propaganda
política ou ideológica) pode ser pautada tanto do ponto de vista lingüístico quanto
histórico. No nível léxico, compreende-se que por não haver uma palavra sinônima
referente ao termo advertise (que se refere à publicidade comercial, nosso objeto de
pesquisa em questão), países de nguas latinas como Brasil, Itália e França tendem a
simplesmente traduzi-lo literalmente com o referente publicity (publicidade), não
havendo, portanto, uma precisão conceitual que abrigue termos essenciais à
compreensão de distintas técnicas oriundas da comunicação organizacional. É aqui que,
no senso comum, propaganda vira “publicidade” e publicidade vira “propaganda”.
“Com as expressões advertise, publicity e propaganda, os povos anglo-saxões são
capazes de definir com precisão uma gama de significados maior do que nas línguas
latinas em geral” (SIMÕES, 2006, p.182).
56
Tal constatação se deu, principalmente, após pesquisa realizada pela Grottera Comunicações
(publicada no ano de 2007, em parceria com a revista Raça Brasil), na qual se constatou um bom
percentual de pretos com poder aquisitivo elevado (1,7 milhões de famílias pretas e pardas com renda
mensal em torno de dez salários mínimos). Ver Mídia - revolução no mercado brasileiro. In:
http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/102/artigo28375-3.asp, acessado em 06 de janeiro de 2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
84
Exemplo frutífero de uma original propaganda pode ser visto nas peças
encomendadas pelo atual governo brasileiro
57
, ligado ideologicamente ao Partido dos
trabalhadores (PT) e preocupado com as chamadas minorias ndios, “negros”, etc.). O
slogan “Brasil, um país de todos” revela a tentativa de propagação da idéia de uma
não que se importa com o bem-estar social de todos os seus “filhos”. Dentro da
mesma lógica, embora num ambiente micro, está a propaganda visual de uma vertente
baiana do programa federal Bolsa família – que para jovens com ensino fundamental
incompleto e que pretendem se profissionalizar/qualificar para o mercado. Nesta peça,
um dos modelos pretos entrevistados (Basilon Carvalho) aparece, com um capacete na
cabeça e uma ferramenta em punhos, sorrindo com a oportunidade concedida. Num dos
Estados brasileiros com o maior nível de desigualdade econômica, tal peça é finalizada
com a seguinte frase: “Oportunidades para quem mais precisa: agora a Bahia tem. O
governo faz, sua vida melhora”. Aqui, não se vende um produto e sim uma ideologia.
Das 88 peças finalistas da edição 28 (ano de 2006) do prêmio Profissionais do
Ano, da rede Globo, foram contabilizadas 13 estritamente propagandistas (14,8%)
sendo duas dessas compostas com atores fenotipicamente pretos (15,4% do total de
propagandas). Enquadradas na campanha norte-nordeste e produzidas para a empresa
de energia elétrica Coelba (Companhia de eletricidade do Estado da Bahia) pela agência
baiana Propeg, as peças em questão inserem, de forma centralizadora, protagonistas
pretos. Na primeira, vemos, num balcão de bar, quatro consumidores sentados (na
ordem, um casal de figurantes formado por um homem preto e uma mulher branca, o
protagonista preto, um espo vazio e outra figurante branca) e, nas cadeiras atrás, cerca
de outros quatros consumidores - dos quais outro figurante também é preto. Um homem
branco chega, no momento em que todos conversam e por trás do preto (que se encontra
só) enfia um canudo gigante no copo do mesmo e inicia a sucção da cerveja alheia.
Irritado, o homem se vira e, esbravejando, questiona tal atitude.
A terceira peça que compõe tal campanha, sendo a segunda propaganda (do total
que compõem os finalistas de tal edição do prêmio) a inserir modelos pretos, traz o
mesmo cenário: um bar, que agora a vítima do furto é uma mulher preta sentada no
mesmo lugar no balcão em que se encontrava o protagonista anterior. Na medida em
57
Como elucida George Wilde, diretor de crião da agência Art&C (RN) e principal responsável pelas
contas públicas da mesma, “eu trabalho principalmente com cliente público. Não adianta eu mostrar uma
pessoa que não tem cara de povo. Não adianta eu falar que aquela pessoa é atendida naquele posto de
saúde, mesmo de forma ilustrativa, se aquela pessoa não tem cara de gente que é atendida em posto de
saúde. Por outro lado, não adianta cair naquele clichê de que as pessoas populares precisam ser feias,
precisam não estar bem vestidas”.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
85
que o homem sorrateiro chega, insere o canudo no copo da protagonista e suga
determinada bebida da mesma, essa, também furiosa, se vira para a esquerda e inicia
uma discussão com o infrator. Após cada uma das duas pelejas relatadas, a propaganda
que simula o enquadramento de uma câmera escondida emite o seguinte off: “E com
gato de energia você não reage? Quem faz gato também rouba de você. Denuncie”.
Mesmo, como dito, tendo caráter mais ideológico, ou seja, dizendo respeito às
pedagogias voltadas para o cidadão, é interessante observar que das 13 peças em
questão quatro não possuem atores (seja porque são compostas somente por textos, por
animações e etc.), o que nos revela uma porcentagem final de 22,2% de propagandas
com protagonistas pretos desempenhando papéis de comuns consumidores.
Na edição 29 (ano de 2007), dum total de 90 peças áudio-visuais 12 foram
enquadradas no segmento propaganda (13%), contando com a aparição de pretos em
duas dessas (16,7%). Na categoria campanha sul, nas duas peças produzidas pela
agência catarinense One WG para o Besc (Banco estadual de Santa Catarina) temos a
inserção de coadjuvantes e figurantes pretos. Na primeira peça, um homem branco
extremamente afobado entra e sai de uma agência bancária, em um segundo, seguido da
narrativa em off “Seu banco anda cobrando ao ar que você respira? Abra sua conta
no Besc”. Um rápido corte e nos encontramos dentro de uma agência bancária do
anunciante em questão, com pessoas sorridentes e satisfeitas: um casal de idosos, o
homem branco e a mulher preta, negociando com um gerente branco; uma funcionária
branca que auxilia um jovem preto e, na seqüência, um figurante preto e uma senhora
coadjuvante branca.
na outra peça, os protagonistas o um cliente e um gerente, ambos brancos,
discutindo sobre as altas taxas bancárias. O off “Seu banco anda cobrando taxas de
mais? Abra sua conta no Bescsurge e com um novo corte de cena somos inseridos
novamente no interior de alguma confortável agência do banco catarinense, onde o
mesmo casal de idosos, branco e preta, conversam com uma atendente branca. O mesmo
figurante preto da peça anterior aparece, de costas, tendo como contexto a funcioria,
que, agora, auxilia uma senhora branca. A narrativa continua com a voz em off de um
homem falando sobre as vantagens do banco. A cena termina com um corte em uma
sorridente cliente preta sendo atendida por uma funcionária branca (ambas jovens) e o
restante da narrativa em off: Besc, catarinense de valor”. Novamente não é possível
identificar nenhuma forma de reprodução de estereótipos “raciaisnum enredo no qual
brancos, pretos, mestiços são representados como funcionários ou comuns
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
86
consumidores. Além disso, subtraindo quatro propagandas que o continham atores e
sim animações, a porcentagem inicial de 16,7% de propagandas com modelos
fenotipicamente pretos sobe para 25%.
Na última edição, do ano de 2008, de 90 apenas cinco eram peças de cunho
propagandista (5,5%), o que gera a marcante equação de 80% de propagandas
compostas por modelos pretos (retirando o único áudio-visual feito através de
animação, ou seja, sem atores, tal proporção sobe para 100%) e que, na verdade, se
resume a quatro vídeos. Novamente, nas duas peças da agência catarinense One WG
produzidas para a campanha do Besc (Banco estadual de Santa Catarina), enquadradas
na premiação como campanha sul, vemos a inserção de pretos tanto como coadjuvantes
quanto figurantes. Na primeira peça, seguindo os mesmos moldes da campanha
realizada por tal cliente no ano anterior, uma mulher preta aparece, como coadjuvante,
circulando em uma das agências do Besc. Já na segunda peça, enquanto os protagonistas
discutem sobre os juros, da porta da agência de um banco qualquer observamos um
casal de figurantes pretos saindo. Na seqüência, quando o corte da câmera é realizado e
nos vemos inseridos em uma agência do Besc, avistamos a mesma coadjuvante preta de
outrora.
Voltando a argumentação, propaganda pode ser aquela que hegemonicamente
propaga e vende ideologias (geralmente serviços e não necessariamente produtos) a fim
de se criar um imaginário social positivo para o poder vigente (peças que tem por
finalidade exaltar a eficiência do poder público, por exemplo, ou exaltar algum serviço
administrado pelo Estado - como vimos no caso do Besc), ou, por outro lado, a que tem
por finalidade denegrir a imagem dos adversários políticos (nas épocas eleitorais é
muito comum propagandas que primam mais pelo ataque aos adversários do que pela
exaltação à competência administrativa do cliente da vez). Mas não se atem ou é
praticada somente pelos poderes estatais, mas também por organizações não-
governamentais (como o Green Peace e a sua imperativa ideologia ambiental), partidos
políticos (como as disputas por poder vistas, de forma geral, em todos os anos eleitorais
no Brasil), programas beneficentes, entre outros, tendo como norte a propagação de
determinados valores ou ideologias supostamente de interesse dos cidadãos
58
.
58
Daí a necessidade de centrar tal análise nas peças publicitárias, uma vez que estas não se atêm às
ideologias políticas, como é o caso da inserção das ditas minorias (pretos, índios, entre outros) em
diversas peças encomendadas pelo governo brasileiro e demais órgãos públicos/políticos, e sim ao
planejamento mercadológico de produtos e serviços para os consumidores de forma geral. Trata-se, por
certo, de outra forma de ideologia, a do consumo, na qual as fenotipias parecem emergir nos medias de
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
87
Diferentemente da propaganda, mercado e publicidade estão enquadrados como
produtos da modernidade e são oriundos da separação ocorrida entre esfera pública (isso
porque se trata de algo impessoal no qual as liberdades individuais de atuação são
limitadas/reguladas nos prováveis limites que as separam da vida íntima do outro) e
privada (pessoal, sem interferências do poder público), gerando, assim, as distintas
noções de publicity e advertise. Nesta toada, o historicamente blico (em
contraposição ao poder centralizador instituído, ou seja, a monarquia) se torna estatal e
o privado se torna público e padronizado. É “(...) um tipo de contrato entre os novos
privados e uma nova categoria social, posteriormente denominada ‘consumidor’; fora
do âmbito do poder político mas por este autorizado e, mesmo, regulamentado” (p.195).
No entanto, mesmo com todos os esclarecimentos lingüísticos, é óbvio que nos
encontramos na impossibilidade paradoxal de separarmos tais conceitos (propaganda e
publicidade) de forma purista, uma vez que em um comercial ou reclame o que impera
é, em certo sentido, a ideologia do consumo de determinado anúncio de produto ou
serviço em detrimento de outros. Uma prática comercial, mas com resquícios
ideológicos típicos da propaganda,
somente em tempos recentes, com a chegada do século XX, os
espaços destinados aos anúncios vão deixar de ser “vendidos” por
corretores, e os reclames vão adquirir as características atuais de
publicidade (advertising), devido a um fenômeno econômico de
inversão em que a oferta dos produtos de indústria passa a ser maior
do que a sua demanda. (...) Como se sabe, a atividade comunicacional
orientada para a eficiência do marketing de produtos distribuídos em
grande escala tem sua origem nos países anglo-saxões, onde a língua
inglesa rapidamente identificou uma palavra para denominá-la. Os
países latinos somente incorporaram o modelo, fato que pode explicar
o desinteresse pela concepção de um termo adequado ao novo
fenômeno (SIMÕES, 2006, p.197, 198).
Tratando estritamente do mundo dos anúncios publicitários, a morte não existe,
como elucida Everardo Rocha (1990), dando lugar a produtos que são vistos como
sentimento. O cotidiano é floreado pela ideologia do ideal e, por isso, é “ilusório”,
mesmo buscando se manter através de referências de situações corriqueiras, comuns a
todos os que dele fazem parte
59
. No mais, a publicidade tem importância como objeto
acordo com o nível monetário do produto ou serviço em questão. Assim, produtos mais populares tendem
a serem ilustrados também com os fenótipos pretos já que, como abordado, esses foram, em grande
medida, historicamente subalternizados e distanciados das formas de consumo mais sofisticadas e mais
praticadas no Brasil pelas fenotipias brancas.
59
Como observamos nas propagandas analisadas, o uso do nonsense na materialização dos roteiros é um
recurso pouco utilizado em tal segmento (que prima mais pelas situações cotidianas dos cidadãos e os
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
88
analítico na medida em que também desenvolve diversas e importantes funções na
sociedade de modo geral, como aumento do consumo, informação, educação,
transformação de bitos, além, é claro, de retratar representações sociais (como ocorre
quando o consumidor faz uso de determinadas marcas de roupas ou automóveis a fim de
delimitar socialmente a qual grupo ou status faz parte) e sacralizar momentos
cotidianos.
O discurso publicitário fala sobre o mundo, sua ideologia é uma forma
básica de controle social, categoriza e ordena o universo. Hierarquiza
e classifica produtos e grupos sociais. Faz do consumo um projeto de
vida (ROCHA, 1990, p.26).
O produto publicitário, em si, é mero álibi para as significações latentes contidas
nele. Embora se possa resistir aos seus imperativos, nos tornamos sensíveis ao seu
indicativo. É o que Packard apud Baudrillard (2000) classificou como persuasão
clandestina”, ou seja, a adesão do sujeito ao consenso social (o que não podemos olhar
sob uma perspectiva determinista). Edgar Morin (1997) explica que, mesmo não
visando necessariamente o lucro, o sistema industrial e sua produção massificada têm
como finalidade e lógica própria o máximo consumo. Delineando melhor o assunto,
Everardo Rocha explica um fator preponderante para a compreensão de tal tema: a
diferenciação entre o consumo de um produto e o consumo de um anúncio deste
produto. Esse último seria algo em maior proporção, uma vez que se distribui
indistintamente - diferentemente do primeiro, que se restringe a quem tem dinheiro para
fazê-lo.
Rocha (1990) explica que o conceito de bricolagem desenvolvido por Lévi-
Strauss pode ser precisamente encaixado na forma como os anúncios publicitários são
produzidos: sobras e restos de diversas naturezas organizados e usados em determinada
tarefa na lógica de que tudo pode ser aproveivel.
É neste sentido que se estabelece uma proximidade lógica entre o
pensamento mítico e a publicidade. Ambos encontram na bricolagem
uma forma comum de operação intelectual. Um anúncio se caracteriza
como uma estória, uma narrativa, uma experiência. Sua expressão é a
de uma ideologia construída em cima de pequenos fatos do cotidiano
que relacionam um produto a uma forma de “bem-viver”, de prestígio
e status (...) A publicidade é um discurso de dupla localização. Fala
com a sociedade toda mas uma pequena parte desta mesma
sociedade a produz e sustenta (ROCHA, 1990, p.59).
serviços voltados a esses), embora seja comumente visto nas publicidades de forma em geral (compostas
por automóveis alados, monstros, animais híbridos de cachorro e peixe, seres mágicos, entre outros).
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
89
Continuando nos conceitos desenvolvidos por Lévi-Strauss, explica que a
publicidade se aproxima da idéia de totemismo na medida em que re-ordena algumas
contradições inerentes entre cultura e natureza (compreendendo essa como o domínio
do não-humano, da relação exploratória), transcendendo as mesmas. Torna o produto
vivo, gico, com identidade própria, maquiando a relação social de origem
exploratória do qual é fruto. A publicidade seria, então, a mediação entre o que o
antrologo classifica como “os domínios fundamentais do circuito econômico” (a
produção e o consumo), apaziguando os choques provenientes da relação exploratória
do primeiro domínio e criando uma identidade particular em cada produto,
possibilitando, assim, certa fluidez no seu consumo.
No domínio do consumo, o homem é “rei”, como diz a publicidade.
No domínio da produção é “escravo”, como diz Marx. Daí que o
discurso da publicidade é o de omitir sistematicamente os processos
objetivos de produção e a história social do produto. Através dela o
produto encontra o homem numa instância lúdica de um imaginário
gratificante. Neste lugar se ausenta a sociedade real e suas
contradições (ROCHA, 1990, p.66).
Assim, produtos até então genéricos ganham vida, valor, sentido e algumas
peculiaridades, por meio deste novo “totemismo” cotidiano conciliador da produção e
consumo. “(...) É através do nome que o produto se pessoaliza e passa a integrar uma
rede de relações composta de outros produtos. É quando adquire personalidade,
‘começa a viver’ enquanto objeto(Rocha, 1990, p.69). Neste sentido, a publicidade
tem como meta a fixação de um nome para cada produto na cabeça das pessoas,
diferenciando, assim, produtos até então iguais através da criação de uma
“personalidade” - o que diferenciará também a qual grupo social tal produto é voltado.
Em tal complexo contexto o publicitário exerce o papel de bricoleur e o sistema
publicitário o de “operador totêmico”, num processo que, no Brasil, se ao longo dos
tempos através da incorporação de novos consumidores e, portanto, a individualização
mercadológica desses.
Outra lógica adaptada do sistema mágico-totêmico pela publicidade é a
inexistência de tempo linear, ou seja, sempre é evocada a presença de valores
supostamente eternos, como o amor e a felicidade. É em tal sedução que se produz o
esquecimento da origem conflituosa e exploratória dos objetos produzidos em questão,
criando para esses uma suposta humanização dentro de um conjunto de relações sociais.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
90
“(...) Os anúncios nos falam de coisas para além das categorias de ‘verdade’ e ‘mentira’.
O plano no qual eles se colocam é outro. É, sem vida, um plano mágico onde o efeito
de ilusão é a regra do jogo” (Rocha, 1990, p.128). É o anúncio e não o consumo do
produto em si que media tal relação bipolar.
(...) No mito, o tempo cronológico está em suspensão. Uma de suas
características básicas é suprimir muito da distinção entre natureza e
cultura. Ao nível mítico, os homens se aproximam dos animais.
Falam, convivem e casam com eles (...) Apenas, para além das
fronteiras do anúncio, reside toda a dor. No seu espaço, inversamente,
a sempre presença do “gozo”, do prazer” da “magia”. não entram
a solidão, a exploração entre os homens, a doença, as minorias
oprimidas (...) (ROCHA, 1990. p.140).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Edgar Morin (1997) explica que a cultura
de massa “(...) constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes a vida
prática e a vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas”
(p.15). Um exemplo instigante de tal argumento pode ser visto no discurso do
presidente de uma das maiores empresas do ramo no Brasil (agência Africa), Nizan
Guanaes. Em entrevista
60
a Isto É On-line, no ano de 2002, se comprova os estudos
realizados por Everardo Rocha e a sua conclusão da funcionalidade da publicidade
como operador mágico-totêmico. Nela, Guanaes explica que, além de o nome Africa ter
a cara do Brasil, também nos remete a algo muito presente na publicidade: a magia e o
feitiço.
3.2 Enegrecendo escuros, embranquecendo os não tão claros
É, por certo, um processo rtil primar por uma análise da produção midiática
que vislumbre compreender, para além das representações midiáticas e das sinuosidades
do fazer publicitário, em que medida, num contato visual de qualquer esfera social, o
chamado negro se constitui e é constituído pelo homem fenotipicamente preto, em que
medida esse se constitui e é constituído pelo homem branco como negro e, por fim, em
que medida o branco se constitui e é constituído pelo fenotipicamente preto e auto-
declarado negro. Um pouco desta incursão analítica pode se fazer valer na minha
pesquisa de campo em Salvador, como já assinalado, onde da categoria moreno eu pude
me ver no trânsito entre o ser branco ou ser negro. Lá, devido principalmente ao
fortalecimento dos afro-blocos e demais grupos ligados à militância negra, além do
60
Do site http://www.terra.com.br/istoedinheiro/250/entrevista/entrevista_2.htm, acessado em 16 de maio
de 2007.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
91
grande contingente de africanos que ali se fizeram presentes e atuantes num tempo
passado, uma aura de negritude mais imperativa e vivaz
61
que em terras belo-
horizontinas.
Tomando como corpus empírico as peças áudio-visuais finalistas da premiação
Profissionais do ano
62
da rede Globo, que, iniciado em 1978 (curiosamente, o ano
inicial do Movimento negro unificado no país), se encontra na 32º edição sendo 25
finalistas por ano, nas categorias mercado (peça publicitária isolada de determinado
produto ou serviço), campanha (conjunto de peças de um mesmo produto ou serviço) e
institucional (comercial isolado ou conjunto de peças relativos à determinada causa,
idéia, instituição ou serviço de utilidade pública) e se consolida como uma das mais
importantes premiações do nero, dei início a um mapeamento do fazer publicitário
nas cidades de Belo Horizonte e Salvador. Na ótica dos interlocutores, ambas as capitais
caminham a passos de formiga se comparadas aos mercados do Rio de Janeiro e,
principalmente, São Paulo. Fora do eixo das grandes empresas e indústrias, com
orçamentos publicitários que buscam principalmente obter fortalecimento de suas
marcas, os mercados restantes parecem caminhar na toada da imperativa publicidade do
“Compre aqui! Cobrimos qualquer oferta!feita para o varejo.
Entre campanhas veiculadas regionalmente – sudeste-capitais
63
(Rio de Janeiro e
São Paulo), sudeste-interior (interiores de RJ e SP), leste-oeste (Distrito Federal,
Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins),
norte-nordeste (Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Ronnia, Roraima e Sergipe) e sul
(Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) - e nacionalmente (sejam peças isoladas
ou campanhas de circulação nacional), tal corpus exprime o que evoco como
publicidade brasileira. Compreender alguns dos mecanismos históricos e sócio-culturais
que permeiam as relações dos pretos com o universo da indústria cultural,
especificamente no que tange à representação desses nos anúncios finalistas de tal
61
Em linhas gerais, Salvador, juntamente com a cidade do Rio de Janeiro, é um lugar historicamente
central na construção de narrativas sobre negritude no Brasil.
62
Grandes foram as resistências institucionais para a realização de tal pesquisa. Ao ser contatada, a
emissora de televisão detentora tanto do material publicitário quanto dos direitos da premiação se mostrou
inflexível à liberação das peças propostas para a análise. Salvo ter conseguido-as no site da premiação,
embora em baixa qualidade visual, a pesquisa tornar-se-ia inviável.
63
Curiosamente os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, geograficamente pertencentes ao sudeste
brasileiro, foram enquadrados em outra categoria pelos organizadores de tal premiação. Tal fato pode
estar relacionado as diferenças técnicas e qualitativas de tais estados em relação a publicidade produzida
no eixo Rio-São Paulo.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
92
premiação, bem como os critérios de produção desses anúncios e os possíveis
resultantes disso, foi o meu interesse motriz
64
.
Neste sentido, todos os anúncios publicitários compostos por personagens
fenotipicamente escuros, numa linha cromática que vai do fenotipicamente moreno
escuro ao preto (portadores de rasgos físicos como cabelo crespo, bios grossos, entre
outros), foram analisados. Posteriormente, tais peças foram colocadas à disposição dos
auto-declarados negros (publicitários, modelos fotográficos e estudantes publicitários) a
fim de que, entre outras coisas, produzissem sua própria narrativa de vida (nos
elucidando seu histórico social e profissional, revelando suas concepções sobre a idéia
de “raça”, nos contando como e porquê se auto-declaram “racialmente” etc.) e
opinassem sobre algumas das peças em questão
65
.
Tal processo se deu, primeiramente, com a decupagem
66
das peças publicitárias
(aquelas sem vínculos ideológicos ou políticos, ou seja, as que não nos remetem à
categoria propaganda) finalistas das edições 28, 29 e 30 (2006–2008). De modo geral,
cataloguei no período em questão 269 peças publicitárias e propagandistas ligadas à
produtos, idéias ou serviços, sendo 50 dessas sem protagonistas, coadjuvantes ou
figurantes (em geral, compostas de textos ou animações) e 149 sem modelos pretos.
Tratando estritamente do universo publicitário, nosso objeto de pesquisa em questão, tal
empreendimento analítico contou com um número total de 239 peças publicitárias,
sendo 41 sem atores (o que reduz o número de peças publicitárias sob análise para 198),
54 compostas por protagonistas ou coadjuvantes pretos (papéis centrais, de destaque,
64
Em suma, busquei elucidar tal processo de produção através do método etnográfico. Neste processo,
além da análise quantitativa e qualitativa de tal corpus empírico, entrevistas semi-estruturadas com
publicitários, modelos fotográficos e estudantes pretos em Salvador (a primeira capital brasileira) e Belo
Horizonte (a primeira capital moderna projetada do Brasil) foram necessárias. Embora ambiciosa, creio
que tal pesquisa pode vislumbrar um fenômeno nacional no que diz respeito à nova representação dos
pretos no universo publicitário, uma vez que foram analisadas 1/10 de todo o material finalista do
Profissionais do Ano até sua edição de mero 30 (especificamente as três últimas edições, que somam
269 peças áudio-visuais), produzido por agências de diversas regiões do Brasil.
65
Os entrevistados o sabiam o conteúdo da entrevista, salvo a vaga informação que trataríamos de
aspectos relevantes ao universo publicitário. Após cerca de 40 minutos conversando sobre o histórico
social do entrevistado, bem como sua inserção no mundo publicitário e suas posteriores experiências
profissionais, iniciava uma discussão necessariamente ligada às relações “raciais” na mídia. Ao fim da
entrevista, uma mostra de cinco peças áudio-visuais, tanto nacionais como regionais, ficavam à
disposição para que o entrevistado opinasse tanto sobre os aspectos técnicos (no que diz respeito à
publicidade) como sobre os sociais (entre outras coisas, instigava-os a pensar sobre os papéis
desenvolvidos pelos fenotipicamente escuros nas peças e até que ponto esses poderiam ser classificados
estritamente como negros).
66
Priorizei levantar informações sobre as peças que compõem o material áudio-visual em questão: o título
da peça, o nome do cliente anunciante, o diretor de criação responsável por tal produção, a agência
publicitária responsável, o número de atores pretos participantes em cada vídeo, o papel desenvolvido por
esses em cada peça, etc.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
93
geralmente com falas) e apenas oito por figurantes pretos (papéis de composição do
enredo) entre as edões propostas. Do total das publicidades sob análise (as 198 peças
compostas por modelos), 31,31% continha atores pretos (hegemonicamente em papéis
centrais e positivos, principalmente na condição de consumidores efetivos).
Feita a decupagem de todo o material do Profissionais do ano e, após um ano e
meio de estadia em Salvador, compreendendo um pouco de como funcionam os
mecanismos contemporâneos das relações “raciais” em tal cidade, selecionei algumas
peças publicitárias que pudessem servir de apoio discursivo nas entrevistas que
realizaria com estudantes de publicidade, modelos fotográficos e profissionais
publicitários pretos em Salvador e, posteriormente, Belo Horizonte. Cinco foram as
peças publicitárias escolhidas como amostragem
67
em tais entrevistas, sendo o mesmo
material reutilizado nas entrevistas feitas em solo mineiro. O objetivo principal era
concluir quais os critérios contextuais para a classificação de determinada pessoa como
branca ou negra, por exemplo, e vislumbrar quais os motivos que levavam tais
estudantes e profissionais pretos a denunciarem algumas publicidades como racistas.
Após trocas de emails como o premiado diretor de criação Ruy Lindenberg e a
surpresa do pido e primeiro “sim”, o destino seguido foi o bairro Brooklin Paulista,
zona sul da cidade de São Paulo, onde se encontra uma das maiores agências de
publicidade do Brasil: a Leo Burnett
68
. Bem planejada, com três prédios de cinco
andares cada, e acolhendo o quase nulo verde que em tal região da cidade, fui
atendido pela singela Bruna (no subsolo do prédio) que, em seguida, me apresentaria a
Stella Crippa, a descendente de italianos do setor de tráfego/art buyer da agência
(encarregada por Lindenberg para me apresentar todo o restante da empresa). Era a
recompensa, a descoberta do paraíso, estar cercado de belas mulheres enquanto
realizava a pesquisa de campo. Até então, a impressão deixada por tal universo
publicitário em mim era a da existência de uma forte política da negação (como diz o
bordão popular: quem sabe do que é feito a lingüiça não a come).
67
Na ordem em que se deu a veiculação televisiva, as peças escolhidas foram 1) Pensando no futuro (da
agência Leo Burnett para a empresa Fiat – Minas Gerais), finalista na categoria campanha nacional 2006;
2) O que é Sagatiba? (F/Nazca / Sagatiba - São Paulo), finalista na categoria campanha sudeste-capitais
2006; 3) 78 anos (Varig / Publicis Brasil Rio de Janeiro), finalista na categoria mercado-sudeste 2006;
4) Experimenta (Escala / Lojas Renner - Rio Grande do Sul), finalista na categoria campanha sul 2007 e
5) Imitação (PG Motos / Art&C Comunicação - Rio Grande do Norte), finalista na categoria campanha
norte-nordeste 2008.
68
Instalado no Brasil no ano de 1975, o escritório independente da Leo Burnett conta, atualmente, com
um mero de 120 publicitários além de outros 13 funcionários distribuídos em diversas repartições dos
seus três prédios compostos de cinco andares cada.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
94
Até então, agências também de grande porte, como F/Nazca, Africa e Moma, ao
serem procuradas simplesmente recusaram qualquer tipo de contato mais direto (seja
uma visita de reconhecimento da agência ou entrevista com algum profissional da
mesma). Dessas, a primeira que tentei contato foi a agência Africa, por se auto-intitular
uma “agência de vanguarda”, por trabalhar com grandes clientes, por ser uma das
maiores do setor existentes no país e também por ser uma empresa que desde o nome
até o discurso do seu presidente nos remete a um continente africano selvagem, gico
e essencialista. Após email enviado à assessoria de impressa, representada por Vivian
Laniado, obteria a seguinte resposta (reproduzida na íntegra e sem edições):
Prezado Nilmar, em primeiro lugar agradeço seu interesse pela
agência. Irei pedir permissão para que realize seu trabalho, porém
lhe adianto que em virtude dos contratos de sigilo com nossos clientes,
creio que isto não será possível. Como vosabe, os processos em
uma agência são muito dinâmicos e envolvem praticamente toda a
equipe e, portanto ficam expostos dentro da agência. Assim que tiver
uma resposta entrarei em contato com você novamente.
Nunca receberia tal retorno.
E assim foi, também, na F/Nazca, na qual a assessora Maria Cacaia afirmou que
o diretor de criação responsável pela peça publicitária realizada para a empresa de
bebidas Sagatiba o poderia se pronunciar uma vez que tal cliente não mais estava no
quadro de anunciantes da mesma. “Não ficamos à vontade para falar sobre isso”,
justificava. Após meu email-resposta na tentativa de uma negociação recebi as últimas
curtas e grossas palavras: “Nilmar, este é um assunto fechado. o tenho possibilidades
de negociar. Espero que você compreenda”. Já no contato realizado com a agência
Moma, após a pronta resposta da assessora de imprensa (“Bom dia Nilmar, conversei
com o Rodolfo e o mesmo me perguntou qual é a peça e se a conversa pode ser via
telefone. No aguardo, Valdelene Schleh”) e um segundo email como resposta a mesma
eu, novamente, ficaria à espera de outra resposta que jamais aconteceu. Em suma,
omitindo sistematicamente tanto os processos objetivos da produção quanto a história
social da origem dos produtos em questão tais agências terminam por privar
informões de interesse do consumidor e coíbem reflexões férteis sobre o campo de
pesquisa em questão.
Assim, das cinco peças usadas como amostragem consegui realizar três
entrevistas com os seus respectivos diretores de criação. No primeiro caso, da Leo
Burnett e a campanha realizada para a empresa de automóveis Fiat (finalista na
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
95
categoria campanha nacional de 2006), tratei diretamente com Ruy Lindenberg -
responsável por tal conta há cerca de seis anos. Embora prestando serviços para clientes
de grande porte, como Gillete, Samsung, Emirates, Kellogg’s, Philip Morris Brasil e a
própria Fiat, houve uma maior transparência (contato direto com tal diretor, sem
intermédios de assessoria de imprensa) e verdadeira vontade de contribuir para uma
pesquisa que, para além de qualquer coisa, visa pensar a publicidade não para denegri-la
e sim contribuir para a expansão de novas possibilidades de reflexão sobre tal campo -
de grande influência na sociedade e, principalmente, reflexo da nossa vida em
coletividade.
A campanha em questão, intitulada Pensando no futuro, foi composta por quatro
peças publicitárias, cada uma contendo 30 segundos e veiculadas de forma isolada em
todo o Brasil através do horário comercial televisivo. Tal campanha, em comemoração
aos 30 anos da indústria automotiva Fiat no Brasil, visava, como proposta, não mostrar
a evolução dos carros desenvolvidos pela empresa (que, desde o modelo Fiat 147, cheio
de problemas e que possibilitava piadas populares como “Fiat: família italiana
atrapalhando o trânsito”, deixando resíduos extremamente negativos para a marca em
questão, obteve grandes evoluções e se tornou líder de vendas nos consecutivos sete
últimos anos), mas sim refletir as possibilidades, na ótica das crianças, do desejo futuro
para um mundo melhor e, assim, reforçar ainda mais sua marca no mercado nacional.
Nas palavras de Ruy Lindenberg, diretor de criação da mesma:
Ninguém pode imaginar melhor o futuro que uma criança, porque a
criança vai direto ao ponto, sem pudor nenhum. Então este foi o
conceito. A gente contratou um diretor. Ele fez uma pesquisa de mais
de, eu acho, 200 crianças. Filmou, testou, e a gente começou. A
gente tinha algumas falas, mas o ideal era entrar com a fala e começar
a tirar coisas da criança. Então, todos aqueles filmes (12, eu acho)
foram muito espontâneos.
Nas três primeiras peças da campanha em questão vemos, em cada uma, um
coadjuvante sentado em uma cadeira e “pensando no futuro”. Na seqüência das peças:
Bruno, seis anos, fenotipicamente branco, cabelos extremamente lisos, nariz afilado;
Julia, sete anos, fenotipicamente branca, cabelos ondulados, nariz arredondado; e Luísa,
sete anos, fenotipicamente morena, cabelos levemente ondulados, nariz arredondado e
olhos levemente puxados. Foi comum acordo para todos os entrevistados
soteropolitanos que as duas primeiras peças eram protagonizadas por crianças
fenotipicamente brancas. Mas nos discursos do redator Caio Costa (“São brancos, jeito
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
96
de classe média alta. Aparência de serem ricos”), do diretor de arte José de Jesus
(“Identifico logo este perfil: branco; classe média; os pais brancos, também; não estuda
em escola pública, com certeza, mas em escola particular e com ensino bom; e tipo
aquele morador de condomínio fechado”) e do modelo Uelinton Oliveira (“Branco
anglo-saxão. Branca da elite brasileira”) percebemos a ligação determinista em ter a
pele branca e, portanto, ser, pejorativamente, abastado.
A situação se torna mais complexa na medida em que a terceira criança,
fenotipicamente mestiça, entra em cena. Na visão do diretor de criação Fábio Souza, por
exemplo, essa seria negra “apesar da chapinha no cabelo”:
O fato de ela estar de chapinha, isso me parece uma agressão, porque
é uma criança. Dirigindo uma peça dessa eu jamais deixaria ela com
chapinha ou cabelo alisado. Deixaria ela com o cabelo natural,
enroladinho, dela, porque visivelmente se vê que usaram uma
máquina quente pra dar uma alisadinha no cabelo. Eu a classificaria
como negra. Ela tem traços aparentemente negróides. Não dá pra dizer
que é nórdica.
Compartilha da mesma visão o modelo Victor Lima, mostrando que, em certo sentido, a
tendência do enegrecimento dos mestiços por parte dos auto-declarados negros de
baseia não no conjunto fenotípico do indivíduo como um todo e sim em alguns rasgos
que remetam aos traços da gente preta africana (como o cabelo) ou, como no presente
caso, a formas de essencialismos:
Eu a considero como negra. Pode reparar: mesma idade que a de todos
os outros, mas no jeito de falar é mais pacata, mais tranqüila. É isso
que é o diferencial eu acho. Ela tem a auto-confiança dela, sabe
do que ela é capaz. Diferente. Você logo pelo início dela. Ela o
tem aquela vozinha de querer manjar um bebezinho. Mesma idade e
você já vê o diferencial. A cabeça dela está lá, mais consciente.
O curioso é que em alguns indivíduos entrevistados, como no caso de Fábio
Souza, percebemos que devido à tamanha fluidez no que diz respeito as minúcias do
fenótipo não há consenso claro na classificação “racial do outro. Eu, moreno mais
escuro que a criança mestiça em questão, fui visto pelo mesmo como indiano,
moreninho”, enquanto Luísa, por, na sua concepção, ter tido o cabelo alisado (o que não
me parece), foi taxada como “negra” - diferentemente da ótica de Victor Lima, para o
qual quem não for hegemonicamente branco é visto como da “raça negra”, ou seja, todo
aquele que possui qualquer mistura fenotípica se enquadra em tal critério de
“negritude”. Outro ponto interessante é a visão do diretor de arte José de Jesus, que me
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
97
vê como branco e, em seguida, declara Luísa, também fenotipicamente miscigenada
que levemente mais clara que eu, como “misturada”. As outras opiniões foram bastante
divergentes. Se para o designer Alex Bispo a terceira criança “é de origem oriental, mas
é branca”, opinião também compartilhada pelo redator Caio Costa, a tendência geral dos
entrevistados em Salvador foi vê-la como “mestiça”, “parda”, “latina” ou “morena”.
na última peça que compõe esta campanha, a estrela, a protagonista, é Sheila,
dez anos, fenotipicamente preta, cabelos crespos manipulados em formas de cachinhos,
nariz largo. “No futuro, se as mulheres criassem a Terra, a Terra ia ser rosa, assim, um
pouco de rosa, um pouco de vermelho, um pouco de cor de abóbora”, inicia a fala. Mas
o que poderia ser visto, supostamente sem maiores problemas, como uma representação
positiva de tal categoria social (os chamados negros) ganhou diversas outras conotações
de acordo com os contextos dos receptores em que as mesmas mensagens foram
expostas. Ainda tratando das percepções em Salvador, embora, como afirma o modelo
Uelinton Oliveira, tal peça seja importante não necessariamente para mudanças
estruturais na realidade social mas sim por ser um espelho do povo “negro” na televisão,
fato do qual os outros interlocutores concordam, houveram uma série de
problematizações apontadas por tais entrevistados.
O diretor de arte José de Jesus, por exemplo, afirma que Sheila teve pouco
tempo se comparado com as outras crianças. “Acho que o menino falou bem mais
tempo e bem mais coisas. (...) A fala dela é mais curtinha, né?”, quando, se medirmos
no cronômetro, conferimos que cada peça foi fechada em necessariamente 30 segundos.
, neste sentido, uma opinião estabelecida, armada, sem muitas reflexões, no que
tange à subalternização dos pretos na mídia. Outro exemplo interessante, neste sentido,
observamos na fala do publicitário Fábio Souza:
Pela roupinha dela você vê que não é um sotaque do asfalto. Tem uma
coisa estranha ali. E o fato dela tratar das cores, as cores que ela fala,
parece que alguém a induziu de fato. Claro que todas as crianças
tiveram um discurso induzido, mas sabe aquela coisa “os carros
vermelhos são mais vendidos pros negros porque querem se auto-
afirmar”? Aí colocam a menina pra dizer “ah, o mundo tinha que ser
desta cor”. Sei lá...
E, assim, a cada entrevista, foram surgindo novas observações. Para o designer
Alex Bispo, assim como para o modelo Basilon Carvalho, o fato de tal campanha
publicitária ter sido finalizada com uma criança preta pode demonstrar certa forma de
racismo. Para outros, como o modelo Álvaro Cabral (“Ela tem os traços mais fininhos,
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
98
percebe? Cabelinho mais cacheadinho (...). Padrão bonequinha: negra, cabelinho
cacheadinho, tracinho fininho...”) e o publicitário Carlos Filho (“O negro boca grande,
de olho esbugalhado, esse você não vê”), embora seja positiva tal inserção preta na
publicidade essa ainda é pautada pelo padrão da estética hegemônica, anglo-saxã. E,
finalizando, se para o redator Caio Costa o fato de em quatro peças aparecer uma
“autêntica negra” ser devido à “cota do politicamente correto”, para o estudante Heraldo
Borges o problema maior se encontra no fato de que enquanto as crianças brancas
tinham seis, sete anos, a “negra” possuía dez:
Talvez colocaram uma negra mais velha apontando que essa teria a
mentalidade de uma criança branca mais nova, aparentemente, mas
não acho que tenha sido esta perspectiva não. Faltou apenas um
cuidado semiótico maior na produção dessa peça.
Tal bateria de entrevistas na cidade de Salvador foi realizada em torno do mês de
novembro de 2008. Cerca de quase um ano depois, no mês de outubro de 2009, levaria
todo o material em questão para a cidade de São Paulo afim de, após tratar de assuntos
mais relacionados à técnica e ao mercado publicitário, propiciar (junto a Ruy
Lindenberg, diretor de criação da campanha Pensando no futuro) um debate mais
democrático, contextual e amplo sobre as problemáticas “raciais” que incidem no
cotidiano dos brasileiros. No que diz respeito, por exemplo, a emergência dos pretos na
mídia, explica que por ser a publicidade uma profissão ligada à moda eo à vanguarda
esta tem como prioridade a comunicação massiva por se tratar de um negócio
extremamente conservador (embora inove na estética e nas novas dias) e que
acompanha liberalmente a demanda de mercado.
Você é pago pra comunicar e não pra experimentar. Isso vai dar
naquela coisa de “por quê que existe pouco negro na propaganda? É
preconceito?”. Não, na verdade é o que vende. Se você pegar a 20
anos atrás, a participação social e econômica do negro era mais
limitada. A propaganda pode até ser preconceituosa, mas ela tem uma
coisa que, neste sentido, acho que é até triste: ela acompanha a
demanda. Por isso que eu digo que é triste. A gente pode até trabalhar
o ideal, uma campanha, mas no fundo é uma profissão conservadora.
Não tem jeito. Fazendo um paralelo da propaganda e da televisão: põe
o negro lá, mas põe o negro bacana. Por exemplo, o Lázaro Ramos.
Cara, ele é bom, mas, puta!, eu vejo este cara em tudo. Aí também
começa a me incomodar este tipo de coisa. Quer dizer, até que ponto a
gente inserindo o negro de fato? Ou seja, isso também me parece
também conservador. Me parece pouco. O preconceito que existe na
propaganda em relação ou ao negro ou ao gordo é um preconceito
social e a gente reflete isso.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
99
Interessante, nesta altura da pesquisa, era imaginar como, dependendo do
contexto, determinada pessoa pudesse ser classificada “racialmente” por outra e como
uma representação midiática produzida em um contexto x e veiculada em outros
contextos repercutia na vida das pessoas fenotipicamente pretas e que viviam do ofício
publicitário ou no entorno do circuito da comunicação. Sobre a questão, levantada por
um dos entrevistados, da suposta separação de cotas para “negros” em comerciais
televisivos, Lindenberg, que é fenotipicamente branco e de olhos claros, é categórico e
transparente:
Eu diria que é o critério que todo mundo faz na novela, no comercial...
Vamos fazer um casting. Aí se escolhe os brancos. Pô, mas só branco?
Por q branco? Então vamos botar um japonesinho. A colônia
japonesa é importante. Pô, vamos botar uma pessoa negra também.
Sendo absolutamente sincero, não existe a ideologia do “temos que
incluir” e nem o preconceito de “não coloca”. Porque eu acho que
temos que tomar cuidado com as duas coisas. Este negócio de colocar
porque é legal, pega bem, eu acho também um preconceito. (...) O que
acontece é que, geralmente, a criança de uma classe melhor ela tem os
dentes melhores, a pele melhor. Mas se você pega uma criança negra e
uma criança branca que tiveram acesso à saúde os dentes o lindos, a
pele é bonita. Tem uma vivacidade. (...) A propaganda é
preconceituosa. O preconceito é contra feio, contra gordo, contra o
sei o que... Que é o mesmo preconceito que tem a sociedade. A
aspiração, que a própria propaganda vende, é a de beleza, corpo
saudável, sucesso. Estes são os ícones. Então, realmente você não vai
colocar uma pessoa feia se você acha que tem uma pessoa bonita que
faz a mesma coisa. O feio geralmente é uma piada, uma coisa
engraçada. A propaganda é preconceituosa sim, mas não é contra o
negro.
Outro ponto abordado por um dos interlocutores em relação à campanha da Fiat
diz respeito à velha estória na qual os pretos, ao ascenderem socialmente, tendem a
comprar produtos extravagantes, chamativos, como forma inconsciente de auto-
afirmação isso porque a protagonista preta em questão fala sobre o desejo de um
mundo um pouco rosa”, “vermelhoe cor de abóbora”. Mas, se pensarmos na gica
de que no Brasil os carros mais produzidos são das cores prata ou preto e que, de forma
geral, os carros com cores mais chamativas são mais difíceis de serem vendidos,
podemos intuir que dificilmente um homem fenotipicamente preto, com poder
aquisitivo mediano, adquirirá um bem material que, no futuro, possa gerar um prejuízo
na hora da troca ou venda deste. “(...) As pessoas de camada mais pobre costumam
comprar carros de cores mais neutras porque é mais fácil vender, cai menos o preço, é
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
100
menos personalizado, ou seja, pra ele aquilo é um bem extremamente precioso”,
confirma o diretor de criação da peça.
No que diz respeito à afirmativa sobre o fato da menina preta possuir uma idade
mais avaada que as outras crianças, dando vazão, em certo sentido, para a crença da
existência de um retardamento inato dos fenotipicamente pretos em relação aos brancos,
é necessário que haja uma precaução hermenêutica para que descuidos ou acasos
semióticos não se tornem motivos para acusações tão graves de racismo como vêm
ocorrendo corriqueiramente no senso comum. Como alerta Lindenberg,
este negócio de se preocupar demais com uma visão muito específica
disso você começa a ver coisas, cria fantasmas. (...) Tenho que admitir
também que esta é uma área extremamente delicada. Eu sou brasileiro,
não gostaria de ser chamado de afro-americano ou germano-brasileiro.
A coisa vai se politizando tanto que qualquer coisa vira insulto. Negro
que pode, preto não pode. Fica uma politização o exagerada que, no
fundo, o que você acaba perdendo é a humanidade. O que significa
uma relação com a outra pessoa? É isso que tem que valer. (...) Ficou
tão ideológico que, nossa!, vira um vespeiro. Tem a cota do japonês,
tem a cota do negro. Mas se você não põe tem a reclamação que “olha
lá, estão discriminando”. Se e, tem a cota. A gente, de certa forma,
tem uma cota. Mas no fundo o que a gente queria eram crianças que
pudessem ter uma visão legal. (...) Eu acho que as conquistas tem que
se dar na sociedade. Porque na hora em que começa o negro a ter um
salário, a ter educação, ele é respeitado de verdade. Aí você vai ter
que colocar ele na propaganda, quer queira quer não, porque ele é
consumidor.
De volta a capital mineira no ano de 2009, para finalizar a pesquisa de campo,
iniciei os primeiros contatos tanto no universo da publicidade mineira quanto no da
moda, a fim de agendar possíveis entrevistas. Na cidade de Belo Horizonte as críticas
midiáticas dos interlocutores no que diz respeito tanto à identificação de
fenotipicamente pretos nas peças como a condição representada destes nos comerciais
parece ser feita com maior cautela. Embora sobre a questão do papel desempenhado
pela menina preta, por exemplo, o estudante de publicidade Phillip Almeida também
pontue sobre a diferença de idade entre as crianças protagonistas (“E a voz dela era de
menina mais nova. No começo eu pensei que mandaram ela dublar”) e o publicitário
Francisco Araújo revele certa insatisfação com tal representação de sua irmã de cor
(“Vo que ela está no final do comercial. Acho que o próprio texto dela é mais
pobre que dos outros”), por outro lado os interlocutores se mostram mais atentos tanto
aos contextos locais de produção dos comerciais quanto sobre a finalidade primeira
destes (business).
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
101
Em consonância com o diretor de criação da peça, Ruy Lindenberg, o redator
publicitário Alair Siqueira
69
, nos contextualiza sobre a produção de tal comercial:
Foi uma atitude inteligente de usar a criança, porque fala sobre o
futuro. É o pensamento de crianças. Eu acompanhei o making off desta
campanha. Deram um tempo pra criança e deixaram ela falando. “Fala
sobre o carro. Se vai soltar água, se vai ter cinema dentro”. E
deixaram os meninos falando livremente sobre as suas concepções
sobre o futuro. Um propaganda bacana, cativante e que pro público
funciona super bem. Eu o sou muito a favor de utilizar crianças em
comercial não, acho apelativo. Mas dentro desta proposta funcionou
bem, porque o público alvo não eram as crianças. Quando põe a
criança pra falar pra outra criança eu já acho uma covardia.
Primeiramente, é necessário pontuar que se em Salvador alguns dos
entrevistados tendem a ver a terceira protagonista, fenotipicamente mestiça, como
“brancaou “negra”, em Belo Horizonte foi consenso que a mesma, Luísa, é “mestiça”,
“índia”, “misturada”, “moreninha”. Também foi preponderante a classificação das duas
primeiras criaas como “brancas”, tendo como única exceção a modelo Núbia França,
pra quem a segunda protagonista (Julia, fenotipicamente branca e com nariz
arredondado) é mesta. Para tal modelo há, em certa medida, também um recorte de
gênero a ser observado: “Em relação à atuação deles eu acho que as meninas se saíram
bem melhor que o menino. O menino tinha sempre alguém explicando o que ele tinha
que fazer, ele não prestava atenção. Ficava olhando sempre pro lado. Mas,
diferentemente de Salvador, aqui não nenhuma ligação pejorativa entre ser branco e,
por isso, pertencer à uma opressiva elite econômica brasileira com descendência
européia ou norte-americana.
no caso da protagonista preta, podemos pontuar, a princípio, que Sheila não
aparece por último no comercial em questão, mas estrela, num papel positivo e como
protagonista, uma peça de veiculação nacional que faz parte da campanha Pensando no
futuro (composta de quatro vídeos, de 30 segundos cada, protagonizados por uma
criança em cada um e veiculados em épocas diversas). Inversamente ao que falam
alguns entrevistados em Salvador e Belo Horizonte, fosse um único vídeo, de dois
minutos, finalizado com uma protagonista preta, o seria possível identificar nenhuma
forma de racismo no passo em que a fala de Sheila vislumbra, politicamente, uma
quebra de poderes histórico dos homens em relação às mulheres e, tendo o mesmo
69
Como feito em Salvador, também considerei fértil inserir as concepções de um publicitário
fenotipicamente mestiço em tal discussão. Embora compreenda que socialmente é visto como mestiço, tal
publicitário acredita ter em torno de 70% de ascendência “negra”.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
102
tempo de atuação que as outras crianças, vira a cereja do bolo na medida em que é o
grand finale, o ápice, do vídeo.
No futuro, se as mulheres criassem a Terra, a Terra ia ser rosa, assim,
um pouco de rosa, um pouco de vermelho, um pouco de cor de
abóbora. E, também, a Terra ia ser melhor. Porque, como eu disse pra
você, eu acho que as mulheres são mais responsáveis.
Também em Belo Horizonte algumas questões relacionadas à estética da criança
preta, que por ninguém foi contestada como outra coisa senão “negra”, foram
apontadas. “Com o branquinho ali não tem uma preocupação tão grande assim.
Qualquer penteado ia ficar legalzinho. Mas a menininha já tiveram uma preocupação de
trabalhar o cabelo dela”, afirma Alair Siqueira - talvez nos remetendo à questão sócio-
econômica apontada por Ruy Lindenberg na qual maior probabilidade de uma
criança inserida em uma classe melhor se aparentar mais saudável tanto nos aspectos
físicos como estéticos. Mas na publicidade em geral, na qual a plasticidade é algo
preponderante, quando a emergência de alguém fenotipicamente preto bem
produzido, com os cabelos manipulados, o alarde da condenação é, ainda, muito alto.
No entanto, reflitamos sobre o veredicto pautado na experiência da modelo Érica Silva:
Achei ótima esta propaganda, porque sempre tem que ter um
pouquinho de todos pra lembrar que nós somos um só. Isso que eu
acho importante. Você liga uma tv e só negro de black power
amanhã você vai querer ser black power tamm. Mas você tem que
se achar bonito não só pelo que estão te dizendo, porque o é
qualquer tipo de cabelo que vai ficar legal em você. É meio que
forçado, sabe? Isso errado. Eu tenho que fazer uma propaganda da
Unimed de tranças. Todas as peças que eu fiz foram de black power.
No mais, se “descuidos semióticos” por parte dos produtores publicitários,
como, para além da diferença de idade entre as crianças, o “samba” (que na verdade é
um chorinho) utilizado como trilha sonora no vídeo da menina preta (como se isso fosse
indício da reprodução de algum estereótipo negativo e não a valorização da cultura
brasileira), apontado por interlocutores em ambas as cidades, também há muito de
descuido analítico em diversas observações por parte de vários destes receptores e que
visam não problematizar questões relevantes para tal campo mas, em muitos momentos,
condená-lo - a primeira peça, protagonizada pelo menino branco, também trazia como
trilha um chorinho e no vídeo da menina mestiça podemos ouvir um samba. Mesmo
assim, pontos de vista como o do criativo publicitário Diego Guerhardt nos mostram
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
103
que ainda é possível acreditar num mundo distante do simplista e constante embate
entre “algozes”, de um lado, e “vítimas”, do outro.
O cara que criou esta campanha criou uma política de cotas pras raças.
(...) Qual seria a proporção de negros com poder aquisitivo pra
comprar certos tipos de produtos? Eu acho que quando tem a cota é
mais ou menos idealizado por isso.
Destino seguinte: Natal, Rio Grande do Norte. Tratava-se de uma campanha
publicitária feita para a revendedora de motocicletas PG motos (intitulada Imitação, foi
finalista na categoria campanha norte-nordeste 2008) e que havia sido escolhida como
amostra para as entrevistas por ser uma publicidade estrelada por populares, feirantes
que embora fenotipicamente mestiços (uma mulher e dois homens, sendo apenas a
primeira dos três protagonistas classificada por mim como preta) pudessem ser vistos
em alguns contextos do Brasil, principalmente pelo visual calejado que indicava seus
estratos sociais, como “negros”. Como explica George Wilde, diretor de criação da
Art&C
70
e responsável por tal campanha,
(...) quando cheguei na casa era um cliente considerado de médio pra
pequeno. Era um cliente que anunciava, mas anunciava muito varejo.
E era um cliente que havia chegado aqui na agência pra vender uma
nova marca de motos, que é a Sundown uma moto que algumas
pessoas, num primeiro momento, falavam que era marca de protetor
solar; num segundo momento, que era uma bicicleta; e, talvez, num
terceiro momento, falavam que era uma motocicleta. Mas ele fez um
trabalho inicial muito voltado pro varejo e não houve um lançamento,
um trabalho de marca desta moto. Quando cheguei aqui, quando
percebi o cliente, vi que era um cliente potencial tanto no sentido
criativo como no sentido de retorno financeiro pra ele mesmo. Junto
com o planejamento e junto com o cliente a gente percebeu que
precisávamos fazer um trabalho de marca, posicionamento.
Sobre a mesma, vemos em cada uma das três peças um protagonista que, com o
microfone em mãos, tenta imitar o som de uma moto. No fim de cada peça o slogan
seguido da assinatura do cliente: “Muita gente tenta imitar, mas não consegue. PG
motos, revendedora exclusiva Sundown”. Tal campanha, que chegou a entrar no panteão
da Archive (revista internacional trimestral especializada em publicidade e que reúne em
70
Maior agência do Rio Grande do Norte e, conseqüentemente, uma das maiores do norte-nordeste, foi
criada no ano de 1999 e atualmente é composta por 16 funcionários que se dividem entre as contas
blicas e privadas. Tal solidificação profissional foi caracterizada principalmente no ano de 2007,
quando a Art&C faturou mais de 50 premiações nacionais e até internacionais: Árvore de ouro no prêmio
Abril (primeira agência do RN a conseguir tal feito); agência mais premiada (seis galos) no Festival
mundial de Gramado; agência e publicitário do ano (George Wilde) no regional Prêmio bárbaro; agência
com o maior número de peças publicadas na Meio&Mensagem especial; primeira agência do nordeste a
publicar peças na conceituada revista mundial Archive, entre outros.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
104
suas publicações as melhores peças do mundo), visava, segundo Wilde, criar uma
comunicação que desde a linguagem até a estética fosse de fácil identificação e
penetração em seu público alvo: pessoas de baixa renda que através de suaves
prestações pudessem adquirir tal objeto de desejo. Embora longo, segue o interessante
discurso do diretor de criação sobre a história da campanha em questão:
Quando você desperta o sorriso dentro de algum comercial você pode
estar certo que comentará aquilo com alguém. É igual piada. Eno
vamos fazer alguma coisa que seja bem humorada. Daí que veio o
conceito “muitos tentam imitar, mas poucos conseguem”. (...) A gente
teve uma reunião de pré-produção com a produtora Ginga filmes e eu
conversei com o diretor Paulo Suassuna e falei que a iia era a gente
chegar em locais muito movimentados, como praças, avenidas e feiras
e encontrar populares que se dispusessem a imitar moto. (...) A gente
definiu que iria usar uma câmera especial, que é uma câmera
pequenina chamada HD, que parece uma câmera caseira. (...) A gente
começou na Feira do Alecrim e agente não saiu da Feira do Alecrim.
Tem muitas pessoas interessantes naquele lugar. (...) Foram mais de
25 entrevistas. “Você tem um sonho?”. Isso com a câmera ligada, sem
microfone. Aí a pessoa falava “eu tenho”. “Qual o seu sonho?”. “Meu
sonho é ganhar uma casa”, é ter um carro”, “meu sonho é ter uma
barraca de feira melhor”. Segunda pergunta: “Se voganhasse uma
moto, isso ia ajudar no seu sonho?”. “Ah, sem duvida nenhuma”. A
terceira pergunta era fatal: “Olha, você não vai ganhar uma moto, mas
se voimitar uma moto agora você vai ganhar um cachê e você vai
ser conhecido mais que nesta feira aqui. Você vai ser conhecido em
toda a cidade. Todo mundo vai falar de você”. E mexe com outro
aspecto da pessoa, inerente, eu acho, ao ser humano que é ser
reconhecido. Auto-estima. (...) Elas imitavam moto, mas algumas
delas, no final, imitavam e “tá bom, tá bom, bom...”. Tem que ter o
grand finale: Ô mota doida!”. E a gente foi atrás destes trechos
com finais espetaculares, que era a cereja que faltava. Tivemos três
comerciais de 30 [segundos]. Não tem edição. São comerciais na
íntegra. Não tem ponto de corte, nem nada.
Como feito em São Paulo, também levei para a capital norte-grandense as
ponderações feitas pelos publicitários, estudantes e modelos pretos entrevistados nas
cidades de Salvador e Belo Horizonte em relação à campanha realizada para o cliente
PG motos. Pontualmente recebido e entre goles de algum suco gelado e gostoso que
havia sido preparado para tal momento, as diversas questões foram emergindo. A
primeira delas, e que diz respeito à “cosmética da fome
71
explorada em tal anúncio
comercial, foi pontuada pelo experiente diretor de criação publicitária Fábio Ribeiro
(“Isso tem uma coisa perversa, escrota. Utilizar a imagem da figura na forma mais
pejorativa possível. Um circo de horror. E foi mal feito, né? Mas deve ter tido uma
71
Ver nota de rodapé 38, inserida na página 55.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
105
repercussão boa e um custo baixíssimo”), pelo redator Caio Costa (“Acho uma peça
valida, engraçadinha. Mas é como esses programas popularescos que exploram a
miséria. Eu ficaria meio incomodado em produzir uma peça assim”), pelo modelo
Uelinton Oliveira (“Ele escolheu os tipos mais caídos pro do nordestino: cabeça chata, o
rosto com as marcas da correria, do sofrimento do dia-a-dia, a fim de que as pessoas
dêem risada à custa dessa galera”) e pelo diretor de arte Jo de Jesus (“Um pobre, um
negro, que ali pra fazer papel de palhaço. Entendeu? Por quê que não pegou uma
pessoa da classe média ou um branco?”).
Preponderantemente classificados por esses interlocutores soteropolitanos como
protagonistas “negros”, vemos que em tais críticas há, embora se tratando de um
universo no qual tais profissionais possuam grande conhecimento, muito de senso
comum opines sem fundamento introjetadas no imaginário de tais indivíduos como
verdade. O fato de, por exemplo, se tratar de um produto voltado para as classes baixas
(e por isso a produção de tal peça com populares) foi pontuado pelo designer Alex
Bispo: “Só tem negros. É mais voltada mesmo pra vendas, pra atingir um outro público,
com renda mais baixa”. No mais, percebemos afirmações que tendem a misturar “raça”
e “classe”, resultando numa fórmula na qual os fenotipicamente mestiços - como é, pelo
menos, o caso dos dois últimos protagonistas da campanha - são vistos como “negros”
na medida em que aparecem na mídia como representantes dos estratos mais pobres da
sociedade. Assim, ser feio e mal cuidado se atrela, juntamente com uma soma de
aportes físicos, à idéia de ser “negro”.
Não há, portanto, uma coerência analítica, por parte dos “inquisidores”, quando
o assunto é compreender, em determinados contextos, em que medida há ou não formas
de racismo nas representações midiáticas. Os meandros de tal processo vêm sendo
ignorados ou mesmo não problematizados de forma coerente, resultando em afirmações
imperativas que nada esclarecem sobre as relações “raciais” na mídia. No entanto, por
outro lado observamos que parte dos interlocutores entrevistados em Salvador possuem
menor fatalismo no que diz respeito à emergência dos pretos na publicidade brasileira.
Para os modelos Álvaro Cabral (que classifica os três protagonistas como “morenos”) e
Victor Lima (que classifica tais protagonistas como “negros”), talvez devido à
profissão, mais conectados aos processos globais, o lado cômico dos “personagens”
deve ser visto de forma mais positiva e não relacionado à questão do fenótipo. É como
elucida o diretor de criação George Wilde (fenotipicamente mestiço, lábios grossos e
cabelos crespos), após ouvir todas as declarações sobre a produção das peças:
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
106
Eu acho que a visão estrangeira em relação a tudo é um quase-
equívoco. O certo pra mim pode não ser o certo pra você e isso fica
ainda mais evidente quando o assunto se torna “negros”, brancos”,
preconceitoe o que for. Particularmente, eu acho que as pessoas que
conseguem enxergar preconceito nas situações são pessoas que já m
preconceito. Porque eu acho que à partir do momento que você
consegue ver preconceito num comercial que não buscou, de forma
alguma, colocar a diferença entre “branco” e “negro” (que era pra ser
um comercial que busca identificação com o povo norte-grandense,
nordestino, brasileiro), à partir do momento que você um
preconceito ali eu acho que tem um preconceito com você e você
precisa descobrir como é que ele está funcionando na sua cabeça. Será
que eu preciso sempre de um negro pra me fazer rir? Vamos pegar os
humoristas no Brasil. Quantos são negros? Eu vou lembrar de
Mussum, que infelizmente já morreu. Eu vou lembrar de Tião Macalé,
que infelizmente morreu. Eu vou lembrar daquele [Jorge] Lafon,
que infelizmente já morreu. Vamos pegar os dois principais programas
de humor que existem na televisão brasileira hoje em dia, que é o
CQC e o Pânico na tv. Quantos negros m nestes programas? Será
que a ausência dos negros nestes dois programas não deveria ser
questionada? Ou será que se tivesse um negro fazendo piada ali o
programa seria questionado? Meu fator motivador é que as pessoas
querem enxergar o que elas vêem no dia-a-dia. Por quê a gente o
pode identificar o povo brasileiro?
Em Belo Horizonte, com exceção do ex-modelo e atualmente booker Rodrigo
Muchelas, que classifica a primeira protagonista como “negra”, o segundo como
“branco queimado e o terceiro como “branco”, o restante dos interlocutores se
dividiram em, uma parte menor, classificar tais protagonistas como “negros” e, numa
parte maior, como “mestiços” ou “pardos”. No depoimento da modelo Érika Silva, por
exemplo, é visível a impossibilidade de se classificar globalmente o que é, de fato, ser
“negro”.
Eu, aqui, normalmente falaria moreno, mas hoje eu tenho muita
dúvida em relação à esta história de até que ponto a pessoa é morena
ou negra. Isso é tão complicado. Ela [a primeira protagonista] tem o
tom de pele mais escuro que o seu,como é que eu vou ficar falando
morena escura’?,
explica a modelo, para a qual eu sou, por mínimos detalhes relativos à gradação
cromática, “moreno”.
Sobre a representação dos classificados “negros” em tais vídeos, em nenhum
momento os publicitários, modelos ou estudantes de publicidade belo-horizontinos
assinalaram para algum aspecto racista contido em tais peças publicitárias. Pelo
contrário, tal comercial foi visto, unanimemente, como positivo tanto no que diz
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
107
respeito aos papéis desenvolvidos pelos identificados como “negros” quanto nos
desenvolvidos pelos “mestiços” ou pardos". Sobre a inserção da primeira protagonista,
na ótica de Muchelas “negra”, afirma o booker que tal peça comercial é positiva na
medida em que se trata de uma representação feita e localizada geograficamente:
“Bacana. Ela é muito regional, né? Acho que é uma expressão da galera de . Então
não acho que tem muito preconceitoo”. Já na concepção do publicitário Diego
Guerhardt (para o qual os três protagonistas são “negros”), por exemplo, o que devemos
atentar, para além do fator local já exposto, é para o público alvo de tal anunciante:
Eu o consigo ver como preconceito não. Eu acho que o que eles
estavam querendo atingir é uma classe mais baixa. Aí tem um tipo
de seleção que eu acho aceitável demais, até porque é uma peça de
custo baixíssimo. É uma empresa de moto local. Para você vender
uma moto prum motoboy você precisa inserir alguma coisa que faz
parte da vida dele, que está dentro do repertório dele. É do Rio Grande
do Norte, né? Imagino que muitas pessoas devem ter este tipo de
característica física, forma de agir... Deve ser bem por aí. Um
propaganda da Renner, feita para o Rio Grande do Sul, é
regionalizada. Ela não vai gerar identificação com as pessoas do Rio
Grande do Norte. São peças regionalizadas. Uma peça da Varig não é
regionalizada, aí eles pegam todas as características para falar do
Brasil. A potica de cotas é para direcionar, e ela é mercadológica.
É este o ponto que mais destoa das entrevistas feitas em tal capital em
comparação com as realizadas em solo baiano: a local da produção publicitária e o
público alvo dessa. Se em Salvador os interlocutores não pareciam atinar para o
contexto de produção das peças, o local de suas veiculações e, principalmente, o público
alvo pretendido pelas agências de publicidade em consonância com o anseio dos
clientes em questão, tendendo a, em geral, receber tais peças de forma mais pessimista
ou mesmo negativa, em Belo Horizonte vemos o inverso. “É coisa da cultura de lá. É o
cara que vo vai na praia e ele lá, te atendendo. Isso repele. A verdade i. A
publicidade é a terra do nunca”, afirma o estudante de publicidade Phillip Almeida (para
quem os protagonistas são “mestiços”). Como finaliza Alair Siqueira sobre a campanha
em questão, “é voltado prum público de baixa renda. (...) São os feirantes, o pessoal do
trabalho, que tá ali no dia-a-dia. De classe aquisitiva mais baixa. Pegou um público bem
referencial mesmo”.
A não-visibilidade de pretos em seguimentos econômicos com grande demanda
de consumidores pretos é, obviamente, algo que deve ser analisado e criticado nos dias
de hoje, já que se criou uma ruptura no que diz respeito aos grupos com poder aquisitivo
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
108
elevado e, além disso, há um mercado em expansão que usa e abusa da chamada cultura
negra. Mas tal empreendimento deve ser feito com cautela e propriedade já que estamos
trabalhando com um grupo movido necessariamente pela lógica do escoamento de
produção e capital. Além do mais, as pesquisas posteriores devem (como percebido por
mim e, de forma tímida, assinalado por alguns interlocutores) focar suas análises, no
que tange às fortes estereotipias e invisibilidades em torno do corpo preto,
principalmente nos anunciantes publicitários, ou seja, os que detêm um real poder em
relação a dado produto midiático final. Como finaliza Ruy Lindenberg,
todo filme que a gente vai fazer ou toda foto nos fazemos o casting,
ou seja, escolhemos quem nos vamos fotografar, filmar. E isso é
aprovado pelo cliente. Hoje, o negro na propaganda muito mais
inserido, natural. Eu já trabalhei em lugares deles botarem negro
porque era legal, porque era diferente pra caramba. Ou seja, isso eu
acho, tamm, um puta preconceito, porque você usando o cara
porque ele é estranho na propaganda. Uma coisa que me incomodou,
porque é um artifício em cima de uma categoria social. (...) peguei,
no passado, clientes que falavam “nem pensar”. Isso 20 anos atrás.
Hoje não. É um pouquinho do politicamente correto, né? “Ah, é legal
ter um negro”. Isso tamm me incomoda porque é um preconceito,
né?
O foco da análise, portanto, deve, de forma urgente, não mais vidrar o olhar na
criação fantasmagórica propiciada pelos vários discursos vitimistas de alguns grupos em
luta pela questão da inserção “negra” na sociedade de forma em geral mas primar por
uma hermenêutica que vislumbre os processos comunicacionais de forma mais espacial,
ou seja, que anseie conhecer tanto os diversos setores que compõe a indústria
publicitária quanto os anunciantes e consumidores desta. Como bem coloca Valéria
Brandini (2007), “se a economia rege a estrutura e as dinâmicas sociais desses grupos,
por que não convertê-la em reflexão antropológica em suas esferas mais representativas
[produção e consumo]”?
3.3 Publicidade: muito além do Sagatibaman
Atualmente uma palpável transformação da visibilidade em relação ao corpo
preto representado nos medias. Partindo do princípio no qual a publicidade é, também,
um reflexo dos nossos preconceitos sociais, cada vez mais as idéias de “belo” e “feio
72
72
Mas, como ressalva Umberto Eco, no mundo contemporâneo tais conceitos se tornam mais fluidos, e
até mesmo confusos, na medida em que a moda freak ou nonsense (como é o caso da
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
109
vêm sendo apropriadas neste meio de formas extremamente fluidas. Retomando o
conceito de contra-intuição proposto por Peter Fry, no qual a tentativa de ruptura
deliberada de antigos estereótipos, Francisco Leite (2008) explica que o principal efeito
deste é mensurado na medida em que os indivíduos anteriormente alvos de estereótipos
e preconceitos o representados como protagonistas. Mas cabe, aqui, uma nova
separação conceitual. Como vimos, se por um lado a propaganda pode ser considerada,
em sentido geral, contra-intuitiva na medida em que se trata de um universo onde a
ideologia política é o carro-chefe; por outro lado, no caso da publicidade, a contra-
intuição é, em linhas gerais, mais um produto derivado da mercadologia pela qual é
pautada tal universo profissional: a ideologia do consumo baseada na demanda.
Assim, a “contra-intuição” na publicidade, diferentemente da observada na
propaganda, pode ser compreendida como um reflexo da melhor distribuição de renda
entre os estratos sociais. Na medida em que os fenotipicamente pretos (antes
representados como meros objetos corpóreos, “dignos” de serem passivamente
consumidos pelos detentores do capital) engrossam a camada da classe média brasileira
o, na mesma toada, vistos e representados pela publicidade através de formas sociais
consideradas positivas
73
(a partir da constituão de um nicho de pretos com poder
aquisitivo real estes são proporcionalmente figurados nos mídias como consumidores,
uma vez que tais publicitários são remunerados pelas empresas para aproximarem
determinado anunciante ao seu público demandante). Perto dos anseios mercadológicos
dos anunciantes, como dito, o poder de barganha política dos publicitários é
praticamente nulo no que diz respeito à inserção de determinados fenótipos em tais
produções estritamente comerciais
74
.
bodymodification) vem sendo cada vez mais admirada e consumida pelas novas gerações como coisas
genuinamente belas. Ver ECO, Humberto. História da feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007.
73
Tomando por base a síntese dos indicadores sociais feitas pelo IBGE no ano de 2008, na qual cerca de
74% de pretos e pardos se encontram no estrato social dos 10% mais pobres do Brasil e apenas pouco
mais de 12% desses no estrato dos 1% mais ricos (sendo que 32 milhões de brasileiros ascenderam de
classe social entre os anos de 2003 e 2008), notamos coerência entre os fenótipos representados e
estereotipados na publicidade e a relação proporcional ao poder aquisitivo destes. Como abordado, há
em torno de 30% de peças áudio-visuais com pessoas fenotipicamente pretas representadas
preponderantemente como coadjuvantes ou protagonistas. Tal dado, para além de bom ou ruim, reflete
o no preconceito “racial mas sim nas formas de distribuição de renda do país e o seu reflexo midiático.
O numero de pretos tende a aumentar na toada em que esses alcançam os patamares de um real poder
aquisitivo, ou seja, na medida em que são vistos como público demandante de determinado produto (sem
excluir, aqui, os casos em que alguns anunciantes exigem das agências a não inclusão de pretos o
levando em consideração o objetivo motriz de tal profissão que é o bussines). Ver
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233
, acessado no
dia 05 de fevereiro de 2010.
74
Como observa o publicitário Washington Olivetto, "sempre foi difícil colocar personagens negros nas
campanhas. Os clientes não aprovavam. Hoje, eles pedem para incluir negros e existem vários
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
110
Na categoria campanha nacional do Profissionais do ano
75
, de 2006, foram
contabilizadas cinco peças publicitárias contendo modelos fenotipicamente pretos. Uma
delas é relativa à campanha abordada Pensando o futuro, da Fiat. Na segunda, feita
para a empresa Havaianas, o protagonista, famoso ator de televisão, toma ducha em um
clube e se prepara para pular na piscina. De uma distância média, quatro mulheres
sentadas, tomando sol, comentam sobre o mesmo, que, em seguida, perde a sunga na
água. No momento em que avista a peça íntima, uma das mulheres, fenotipicamente
branca e de cabelos claros, a rouba com um limpador de piscina. Ao sair correndo à
procura de algo para cobrir sua nudez, tapando o sexo e as nádegas com um par de
chinelos, passa pelas outras três mulheres. Uma dessas, também branca e de cabelos
claros, grita “olha uma barata”. Com medo, o ator em questão tapa os olhos e as
restantes, uma morena com cabelos lisos e a outra preta com cabelos cacheados, batem
palmas e riem enquanto o vêem despido. A peça é finalizada com o slogan “Havaianas,
todo mundo usa”.
Na última peça da campanha em questão, feita pela agência Almap-BBDO (SP)
para o cliente São Paulo Alpargatas (SP), enquanto o protagonista (outro famoso ator
de novelas) procura sua mulher nos provadores de uma loja de roupa, passando por
situações embaraçosas e constrangedoras na medida em que abre as portas e vai se
deparando com outras mulheres, vemos uma figurante preta, com cabelo estilo black
power, transitando pela loja como uma simples consumidora. No fim da publicidade a
assinatura “Havaianas, todo mundo usa”. Diferentemente das outras mulheres, que em
ambas as peças se pode notar um tom de sensualidade (as formas a mostra em trajes de
biquíni no primeiro comercial e no segundo em trajes íntimos), no caso das modelos
pretas não se observa nenhum apelo sexual.
No entanto, na campanha-sudeste notamos o inverso na publicidade feita pela
paulistana F / Nazca para o anunciante Sagatiba (SP). “O que é Sagatiba?”, interroga a
voz em off. Em seguida diversos estereótipos o utilizados, como fórmulas de non-
sense, numa espécie de charada. “Seria um funcionário público finlandês? Será que é
comerciais em que todos os atores são negros". Ver http://veja.abril.com.br/070201/p_066.html, acessado
no dia 05 de fevereiro de 2010.
75
No geral, foram contabilizadas 63 peças publicitárias finalistas do ano de 2006 contendo modelos - das
quais cinco representam o preto como figurante, sendo outras 13 como protagonistas ou coadjuvantes
(28,57% de peças com fenotipicamente pretos). Nas categorias nacional-institucional, mercado nacional,
campanha sudeste-interior, mercado sudeste-interior e mercado sul não foram relatadas inserções de
pretos. Para conferir as peças em questão, ver
http://comercial.redeglobo.com.br/ppa2006/finalistas/finalistas.php
, acessado no dia 20 de fevereiro de
2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
111
um monstro de filme japonês? Seria um deus inca?”, prossegue o narrador, enquanto se
desenrolam as cenas. Por fim, enquanto ocorre a última interrogação - “Ou seria um
elogio?- um homem preto, de black power, nu e com o pênis escondido por trás de
uma garrafa de cachaça surge numa sala e a mulher branca, sentada num sofá, também
despida mas com os seios tapados por uma almofada, decifra dissimuladamente o
enigma: Huum... que Sagatiba, hein?!”. Tal comercial foi o único que reflete o que
poderíamos chamar de preconceito “racial”, uma vez que naturaliza uma diferença
como algo inato e imutável às pessoas pretas. Procurado, o diretor de criação de tal
comercial não pode se manifestar sobre o mesmo. Ficamos com as palavras de Maria
Cacaia, assessora de comunicação da agência produtora de tal comercial:
Prezado Nilmar, a Sagatiba o é mais o nosso cliente. Todo o
trabalho feito para a marca pertence ao cliente e, portanto, o
ficamos a vontade para falar sobre isso (...). Este é um assunto
fechado. Não tenho possibilidades de negociar. Espero que você
compreenda.
Para do designer soteropolitano Alex Bispo tal peça exprime uma forma direta
de racismo, não remetendo a nada de positivo. “Essa daí foi foda, porque mostrou o cara
como se fosse um objeto sexual. Negão, pauo... Poderia ser mais sutil”, opinião da
qual o modelo e desse conterrâneo Basilon Carvalho compartilha, argumentando que em
tais representações o comum “é o dote da mulata, que tem sempre que estar semi-nua ou
nua na avenida ou do homem Sagatiba com o membro sexual avantajado”. Também
considerando tal peça como discriminatória o diretor de arte José de Jesus vai mais
longe ao afirmar que, no entanto, tal mito popular se trata de uma verdade científica:
É uma das coisas mais comuns que existe, né? Você associar a
questão do negro ao que é engraçado. Você associar a questão das
minorias ao que é engraçado. É o mesmo que colocar um gordo.
Estaria representando a parte engraçada do comercial. Um
homossexual estaria representando a parte engraçada, né? Tem a
questão da parte engraçada e tamm a questão da parte animal. A
partir do momento em que você fala do sexo você exclui o intelecto e
fala da parte animal do cara. tratando um cara como se fosse
objeto, como se fosse um animal irracional. Tem o órgão maior que o
de todo mundo. Na verdade, você exclui o intelecto do cara. O cara tá
ali, é importante. Por quê? Porque tem o membro grande. Que nada!
Isso é um absurdo Mito não é, porque geneticamente falando as
pessoas conferem e comprovam que é verdade. Mas não acho que
seria a melhor forma de inserir o negro na publicidade, não. Acho que
a gente tem outras qualidades que podem ser destacadas. Não é
através disso que a gente deve aparecer.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
112
No entanto, o restante dos interlocutores em Salvador, como também notado em
Belo Horizonte, compreendem que se de um lado tal peça pode representar uma
objetificação do corpo preto nos mídias, que historicamente também coisifica
sexualmente mulheres e homens de todas as cores, por outro lado esses entrevistados
compreendem que tal publicidade tem um importante aspecto positivo na medida em
que trabalha a auto-estima dos subalternizados – não podendo, portanto, ser vista
meramente pelo viés do preconceito “racial”. Como explica o diretor de criação Fábio
Souza, alguns mitos são usados como itens da auto-afirmação do “ser negro”.
Acho que o black is beautifull deve ter começado um pouco por aí,
esta coisa da erotização. Não é bem erotização. É outra coisa. É a
suposta virilidade do negro, da “cultura do pau grande”, o “tesão de
pau preto”, né? Supostamente parece que todas as mulheres do mundo
tem tesão em pau preto. Você os rappers americanos, que tem esta
cara meio de bandido bem sucedido. Os clipes deles com aquele
monte de jóias, um monte de mulheres em torno... Acho que tem uma
coisa de afirmação nisso aí. O negro, de alguma forma, se utiliza
disso.
É por este viés que entendemos um pouco melhor o porque José de Jesus afirma
que geneticamente os homens pretos têm, literalmente, um pênis de tamanho anormal. É
no sentido da auto-afirmação, embora com traços essencialistas, que também segue a
visão do modelo Victor Lima: “É um elogio, né? O pessoal falando Sagatibae
aparece negócio feio. Aí, quando chega o negão, a mulher elogiando (...). Pra você ter
idéia, até nisso tem o diferencial do negro, ? É um diferencial real”, justifica. Como
pontua o redator Caio Costa sobre a auto-afirmação do corpo preto, este comercial é
“positivo no sentido em que ele [o “negro”] está conseguindo espo” - questão também
ponderada pelo diretor de arte Carlos Filho. “No que diz respeito a idéia do ser bem
dotado, muitos negros não se ofenderiam”. em Belo Horizonte nenhum dos
entrevistados tendem a notar formas de racismo em tal peça ou dar conotações
essencialistas a mesma. Pelo contrário, tais interlocutores se mostram mais antenados e
contextualizados com um dos princípios básicos do fazer publicitário: o estereótipo e o
clichê.
Outros atores pretos protagonizam a peça 78 anos, inserida na categoria
mercado sudeste-capitais. Feita para a empresa de aviação Varig pela agência Publicis
Brasil (RJ), trata-se de uma publicidade institucional sobre os 78 anos da empresa aérea.
Visava reinserir tal marca, que passara por uma grande crise e retornara ao mercado
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
113
nacional após ser comprada por outra empresa do ramo. Nela, um avião sobrevoa
diversos lugares do mundo e uma voz em off narra, em primeira pessoa, todos os lugares
por onde havia passado e as diversas pessoas/culturas que havia entrado em contato. Se
trata de uma metáfora na qual uma aeronave conta sua história de vida. Nela, na medida
em que o avião percorre o seu trajeto de vôo, trabalhadores do campo e da rua,
empresários, crianças e pessoas em geral são retratadas acenando para o mesmo.
Tal peça publicitária também foi utilizada como amostra nas entrevistas
realizadas em Belo Horizonte e Minas Gerais, uma vez que a mesma trazia uma enorme
diversidade de fenótipos (brancos, pretos, mestiços e orientais). “A minha vida é uma
viagem, quantas coisas eu vi”, inicia a voz em off, enquanto um u carregado de
nuvens nos é apresentado e em seguida, numa praia, uma mulher acena para o avião da
Varig que próximo a essa sobrevoa. E na medida em que segue a narrativa as pessoas de
diversos lugares vão acenando para a aeronave, como na primeira cena da praia. É o
trabalhador do campo sul com sua típica roupa gaúcha, as crianças correndo pela rua, as
pessoas transitando pelo aeroporto, os diversos orientais em contato com ocidentais,
entre outras tantas representações.
Durante os dois minutos de vídeo, observamos, na ordem cronológica, a inserção
de diversas pessoas fenotipicamente pretas: um varredor de rua, uma criança
observando um globo geográfico, uma comissária de bordo, uma jovem viajante e, por
fim, um casal de executivos bem sucedido. “Não dizem que o u não tem fim? Te
afirmo, não tem”, conclui a voz em off seguida da assinatura Varig 78 anos. A gente
vai mais longe por você, pelo Brasil e por todos os brasileiros”. No que diz respeito a
uma suposta discriminação ao representar o preto como varredor de rua, o estudante de
publicidade Heraldo Borges atenta para o fato de que “embora tenha um gari negro,
colocaram um trabalhador do campo que era branco. O propaganda está falando do
Brasil e o Brasil é isso”. Tal peça é a que deixa mais claro, tanto nas imagens quanto no
texto, a lógica da demanda como nicho mercadológico da qual a publicidade é
“escrava”. “Pelo o que eu posso dizer, vimos muitos negros presentes. Tem a parte do
negro lavrador, a parte do negro lixeiro, gari, e tem a parte do negro chegando de
viagem, do negro comissário de bordo, que é muito difícil de ver”, detalha o modelo
Álvaro Cabral.
Em outras três peças da categoria campanha sul, feitas pela agência Escala (RS)
para o jornal Zero Hora (RS), há nova inserção de ator preto. Trata-se de uma
campanha bem humorada na qual Noronha, funcionário de uma empresa, a cada novo
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
114
dilema é auxiliado e, muitas vezes, salvo por um grupo de neurônios (representados na
publicidade por um grupo de atores dentro de um “cérebro”). O interessante é que
composto hegemonicamente por brancos tal vídeo os representa em diversas formas: o
de cabelos enrolados e volumosos, o magrinho, o obeso careca, etc. Em cada uma das
três peças os personagens (cerca de sete) o se revezando entre figurantes,
coadjuvantes/protagonistas. É na segunda peça da campanha que o ator preto sai da
figuração. Na cena, o chefe de Noronha chega e se mostra nervoso por ser o primeiro
dia de escola do filho. Na sequência, tal neurônio envia as informações precisas para o
funcionário, que logo diz “calma, chefe, o nervosismo dos pais é sentido pela criança”.
Todos os vídeos terminam com o seguinte slogan: “Assine o jornal que faz a diferença
em todos os lados da sua vida”.
Na campanha leste-oeste outras quatro peças trazem pretos em seu enredo. Na
primeira, que compõe a campanha Unimed solução empresa 3, vemos, rapidamente,
uma mulher preta que conversa com outros dois funcionários de uma empresa. Logo em
seguida, os protagonistas brancos (uma mulher de cabelos curtos e cacheados e um
homem calvo) dão seqüência ao roteiro. Na última peça, enquanto os protagonistas
brancos aparecem em primeiro plano e desenvolvem suas falas, avistamos um figurante
preto, de costas e com a cabeça raspada. Embora com atuões curtas, em ambos os
casos notamos que, novamente, a representação dos pretos em tais comerciais se dá de
forma positiva.
Na segunda campanha, intitulada Unimed solução empresa 4, nas duas primeiras
peças também observamos uma ligeira inserção de pretos. Na primeira, trata-se de um
estoquista de biblioteca, que na peça é coadjuvante, pelo qual a menina branca do caixa
é apaixonada. Na segunda peça, enquanto o narrador em off explica as vantagens de se
ter um seguro de saúde Unimed para o dono de uma loja, esse, por nome Clóvis,
enquanto segue o trajeto para o seu estabelecimento pára na mercearia de um homem
preto e toma um café. Já na última peça, que finaliza a campanha em questão, enquanto
o narrador fala sobre Augusto, o dono de uma copiadora, em segundo plano vemos duas
fileiras de máquinas fotocopiadoras, cada qual com cerca de cinco máquinas e seus
respectivos responsáveis (sendo três pretos, todos bem vestidos e no mesmo papel que
os outros figurantes).
Em mercado leste-oeste notamos que uma das peças é composta com uma
criança preta. Com melancólicas melodias de um piano, crianças brancas, pretas,
orientais, mestiças, entre outras, são focadas em suas expressões de choro, tudo em
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
115
câmera lenta. A peça publicitária, feita pela agência RBM & Associados (DF) para o
colégio Galois (DF), termina com os seguintes dizeres: “O vestibular tem sido duro com
você? Faz Galois que passa”. Na categoria campanha norte-nordeste também preto.
Intitulada Escolha, a primeira peça da campanha Unimed (RN) feita pela agência Base
propaganda (RN) traz, após a encenação na qual um vendedor convence o respectivo
cliente a adquirir um carro antigo e com diversos problemas, a narrativa em off “Agora
imagina isso com a sua saúde” seguida da imagem intercalada de três mulheres (sendo a
segunda uma preta com cabelos enrolados, vestida formalmente e com um sorriso
estampado) empunhando o cartão da empresa de saúde em questão.
E, finalizando a edição 28 de tal premiação, na categoria mercado norte-
nordeste, sobre a publicidade realizada pela agência Propeg (BA) para o cliente do setor
de imóveis e engenharia Santa Helena/RPH, também vemos a inserção de uma criança
preta abraçada a outras duas brancas em uma piscina e a voz em off que detalha todo o
conforto de um luxuoso prédio situado em um condomínio privado com vistas para o
litoral baiano.
Dos finalistas do ano de 2007
76
, na categoria nacional-institucional vemos, na
publicidade feita pela agência Talent (SP) para o cliente Banco Real (SP), a atuação de
Rosemary coordenadora de um projeto social de inclusão de jovens carentes através
da tecnologia. O enredo do comercial gira em torno de diversos empreendedores que
investem em projetos sustenveis. Tal peça, uma auto-propaganda do banco em questão
(assim como a que vimos para a empresa Varig), é enquadrada como publicidade
77
na
medida em que se trata de um acordo comercial entre privados. Nela, Rose representa
uma mulher bem resolvida financeiramente, determinada e politicamente engajada,
revelando que há, de fato, novas categorias sociais nas quais tanto pretos quanto
mulheres vêm sendo representados. Para além de contra-intuitiva, tal comercial
vislumbra os diversos nichos comercialmente viáveis de tal empresa
na categoria campanha nacional observamos a inserção de pretos em cinco
comerciais. Na campanha intitulada Copa do mundo, feita pela F / Nazca (SP) para o
anunciante de bebidas Skol (SP), nas três peças que a compõe observamos a inclusão de
76
No geral, foram contabilizadas 72 peças publicitárias finalistas do ano de 2007 contendo modelos - das
quais duas representam o preto como figurante, sendo outras 25 como protagonistas ou coadjuvantes
(37,5% de peças com fenotipicamente pretos). Curiosamente, apenas na categoria campanha norte-
nordeste o foram relatadas inserções de pretos. Para conferir as peças em questão, ver
http://comercial.redeglobo.com.br/ppa2007/finalistas/finalistas.php
, acessado no dia 20 de fevereiro de
2010.
77
Cabe, então, ressaltar que uma peça de cunho institucional é aquela que através da auto-propaganda ou
exaltação se si mesma busca comercializar marca, serviços e produtos para o seu público alvo.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
116
pessoas fenotipicamente pretas. Em cada vídeo vemos um estádio de futebol repleto de
torcedores, onde, a cada vídeo, um desses se vira para a câmera e em tom de ironia diz
respectiva frase. “Se o cara que inventou a trave bebesse Skol ela não seria assim”,
enquanto, durante um jogo normal, a câmera enquadra um gol da Argentina contra o
Brasil na primeira peça. “Seria assim...”, prossegue o torcedor, enquanto a câmera
mostra um jogo de futebol no qual na medida em que a seleção Argentina ataca as
traves brasileiras se movem impedindo o gol alheio. A cada vídeo vemos uma nova
hipótese sobre os efeitos proporcionados por tal bebida. O enredo é composto de
pessoas de diversos fenótipos e inclui jogadores brasileiros com a tonalidade de pele
branca, morena e preta.
As outras duas peças com atores pretos em tal categoria podem ser vistas na
campanha Você precisa ter mais contato com a natureza, feita pela Leo Burnett (SP)
para a campanha Fiat (Betim/MG). A cada vídeo algum funcionário de determinada
repartição enuncia em voz alta e em tom de exclamação determinado acontecimento
corriqueiro. Na primeira peça um jovem exclama “gente, olha o sol”. Todos os
profissionais de tal empresa são contagiados e vão até a janela observar, de forma
extasiada, o fato. Um homem preto, embora sem fala, traja roupa social e gravata e é
enquadrado olhando para a janela. “Olha este sol”, diz uma mulher. “Nossa, parece que
está ligado no 220”, indaga outro. Na segunda pa uma reunião é interrompida devido
a descoberta do nascimento de uma planta em um vaso com terra. Uma modelo preta é
filmada, com fones de ouvido, trabalhando em um computador. Ambas as peças,
composta de modelos diversos (oriental, mestiço e, hegemonicamente, brancos), são
finalizadas com o slogan “você precisa ter mais contato com a natureza” e a assinatura
em off Fiat, original adventure”.
Na mercado nacional, das três peças com pretos apenas uma insere este como
figurante. Trata-se da Pesadelo, feita pela agência Duda propaganda (SP) para o cliente
de bebidas Ambev. Nela, o lendário jogador argentino Diego Maradona acorda de um
pesadelo no qual se encontrava com a camisa da seleção brasileira e, juntamente com
outros jogadores, cantava o hino do país antes do início de um jogo. Lado-a-lado, os
atletas filmados são Ronaldo, Kaká e, em seguida, Maradona – que canta o hino
brasileiro em espanhol. Na seqüência, a câmera filma metade do rosto de um jogador
preto, com black power, e logo retorna o close no astro argentino (que prossegue
cantando a sica). Um corte e vemos Maradona suado, com uma regata da seleção
Argentina, despertando do sonho. “Ay, caramba, qué pesadelo! Creo qué estoy bebendo
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
117
mucho guaraná Anrtica”, exclama, enquanto o deo finaliza com o seguinte off: “Os
maiores craques do mundo um dia sonharam em jogar na nossa Seleção. Guaraná
Antártica e seleção brasileira, ninguém faz igual”.
Na peça da Skol intitulada Ah! O verão, feita pela paulistana F / Nazca, vemos
um enredo composto hegemonicamente por pessoas jovens em situações descontraídas
(como em praias, cachoeiras), bebendo cerveja e se divertindo. A voz em off segue toda
a narrativa do comercial:Ah! O verão... Dizem que é a estação da perdição. É porque é
no verão que você faz tudo aquilo que vai contar para os seu netos, bisnetos, tataranetos,
um dia”. Enquanto se desenrolam as cenas, um homem preto, de black power, é filmado
na praia e enquanto brinca com o amigo branco na fila do caixa de um supermercado
comprando cerveja. Outra preta, também no black power style, é vista de forma
descontraída empurrando a amiga branca dentro de um carrinho de compras repleto de
bebidas. Ambos protagonistas aparecem como consumidores comuns, representados
sem nenhuma diferença em relação aos outros. No final, todos os protagonistas
aparecem juntos, pulando, em uma praia. O homem preto ganha novo close, num
enquadramento no qual está abraçado à seis amigos brancos, enquanto ouvimos a
assinatura em off “Tá redondo? Yeah, yeah. Ah! O verão....
“O que faz você feliz?”, inicia a voz em off do artista Arnaldo Antunes na
publicidade do grupo Pão de açúcar (SP), finalista da campanha sudeste-capitais e feita
pela agência P.A. publicidade (SP). De forma poética, o narrador prossegue: “A lua? A
praia? O mar? Uma rua? Passear?”. Diversas cenas vão se intercalando
instantaneamente, com imagens de crianças brancas e orientais. “Um doce? Uma dança?
Um beijo ou goiabada com queijo? Afinal, o que faz você feliz?”, enquanto um homem
preto, de tranças, dança sorridente e, na parte esquerda da tela, a sobremesa nos é
apresentada imageticamente. Após a seqüência de outras tantas cenas com homens,
mulheres e crianças brancos, novamente vemos um preto, agora de idade avançada,
atrás de uma tela e sorrindo enquanto segura o chapéu de palha. Ou são os sonhos que
te fazem feliz?”, pergunta o narrador que, após outras cenas aleatórias, retorna a
pergunta inicial: “Agora, me diz, o que faz vo feliz?”. A segunda peça de tal
campanha segue a mesma linha lírica, sendo que, agora, pai e filha pretos aparecem
brincando num parque e, após outras cenas, uma jovem preta de black power aparece
deitada num gramado. As peças são finalizadas com a assinatura Pão de açúcar, lugar
de gente feliz”.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
118
no comercial feito pela agência Santa clara (SP) para o cliente Intelig telecom
(RJ), enquanto vemos protagonizar em uma sala de aula o professor Benevides, o
homem branco de fala demorada, avistamos um aluno preto em primeiro plano e se
destacando dos demais - hegemonicamente brancos, embora seja possível avistar outros
três alunos pretos em segundo plano junto desses. na categoria campanha sudeste-
interior, vemos três peças com modelos pretos produzidas pela agência Etco Ogilvy
(Ribeirão Preto/SP) para o cliente Magazine Luisa (Franca/SP). Nos comerciais de tal
campanha o roteiro é o mesmo: famílias que, em meio a transmissão de um jogo de
futebol, discutem entre si devido a falta de estrutura de suas respectivas casas. No fim
de cada cena a voz em off: “A sua casa sem estrutura para sediar a Copa? Vem pro
Magazine Luisa!”. Após as ofertas anunciadas de tal rede de lojas, as peças são
finalizadas com dois “garotos-propaganda” (sendo uma mulher preta e um homem
branco) acenando para os telespectadores e o slogan posterior “Vem ser feliz”.
Também observamos peças publicitárias com inserções de modelos pretos na
categoria mercado sudeste-interior. No comercial 40 anos da Unimed (Santos/SP), feita
pela agência Oceania comunicação (Santos/SP), vemos em um das cenas um homem
preto abraçado a outros dois brancos e caminhando, com sorriso no rosto, ao pôr do sol.
Outra peça do falado cliente Magazine Luisa e feito pela mesma agência de então
traz, diferentemente do comercial relatado, vários protagonistas pretos. Um homem
diz num megafone “chega de deixar a felicidade para o ano que vem”. Ao ecoar do som,
diversas pessoas saem às ruas e, no início da marcha, avistamos uma mulher preta
sorrindo. No engrossar de tal movimentação popular os personagens vão se reunindo
(além dos brancos, há, também, a inserção de um oriental) e, em certa altura da
caminhada, avistamos outra mulher preta junta a um homem e uma criança brancos em
uma das lojas do cliente em questão. Na mesma loja, um homem preto se encontra ao
lado de uma mulher branca que conversa com esse e sorri. No ápice da euforia
consumista uma mulher exclama, da sacada de um prédio, para a multidão: “Não dá pra
cantar mais baixo não?”. A protagonista preta, agora no meio da multidão e ao lado do
homem preto que se encontrava na loja, responde: “Vem ser feliz”.
Outras três peças com pretos compõem a categoria de finalistas campanha sul
inseridos centralmente nos vídeos do Lojas Renner (RS) produzidos pela agência Escala
(RS). “Mulher adora experimentar. Pode ser um vestido, um novo cabelo, um
creminho”, inicia a voz feminina em off. No enredo, mulheres brancas e mestiças
aparecem em cenas cotidianas (em casa, na rua, no carro) sempre enfocando a
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
119
cosmética e a estética pessoal. “Experimentar é ótimo pra pele e pro humor”, prossegue
a voz, que discorre sobre o universo feminino até o fim do comercial. Em certa altura do
mesmo, uma protagonista preta, bem vestida e de cabelos cacheados, é vista tirando
uma foto 3x4 de si mesma. Na cena seguinte a mesma já se encontra em um provador de
roupas da loja em questão, no papel de consumidora. “Experimente também um novo
jeito de comprar, na Renner”, enquanto as outras modelos também aparecem
experimentando acessórios na loja. A peça é finalizada com o slogan “Você tem seu
estilo, a Renner tem todos”.
Contextualizando tal produção publicitária, nos explica a diretora de criação da
mesma, Magali Moraes, que em fins de 2005, quando a agência Escala ganhara tal
conta, o serviço se tratava de uma oportunidade única para produzir uma campanha bem
sucedida no que diz respeito ao fortalecimento de tal marca nos novos mercados
brasileiros e, conseqüentemente, a solidificação do relacionamento profissional dessa
empresa com a agência de publicidade prestadora do serviço:
Superconhecida no Sul do Brasil, com forte ligação emocional com os
gaúchos, a Renner era uma ilustre desconhecida no mercado do
Nordeste e ainda não havia consolidado sua imagem de marca
em várias praças. Era preciso um filme que 1) apresentasse a loja em
praças virgens, 2) resignificasse a Renner em mercados recentes e 3)
reforçasse os laços em mercados maduros, atualizando o seu discurso.
(...) Nosso briefing era seguir trabalhando o conceito da loja que tem
todos os estilos, apresentar visualmente o espaço físico da Renner,
dimensionar sua linha de produtos e focar no público feminino, que é
o norte da Renner.
Sobre a identidade da nossa protagonista preta, nas falas de alguns interlocutores
novamente notamos o cabelo como um fator preponderante para que uma mulher
morena escuríssima, ou seja, uma não “autêntica negra”, seja considerada como
“negra”. “Ela tem o cabelo afro mas não é o negra não. por causa do cabelo diria
que é negona, né?”, afirma o estudante de publicidade Heraldo Borges. É nesta mesma
lógica que o diretor de arte Carlos Filho desenvolve sua linha de raciocínio, mas
atentando para o fato da plasticidade da qual a publicidade geralmente lança mão:
Esta é a negra de propaganda. É uma mestiça que tem caractesticas
de negro, que você pode usá-la pra representar um negro. Igual aquela
Thaís Araújo. E com maquilagem e luz a pele fica ainda mais clara.
Você não sabe definir direito porque você não encontra com um
objeto daquele na rua porque aquilo é um objeto. Tanta luz, tanta
maquilagem que você não sabe identificar que etnia é aquela. Isso é o
negro de propaganda, entendeu? É difícil achar um negro, negro
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
120
mesmo. É, geralmente, o mestiço que é quase negro, nunca o branco
quase mestiço. E é assim que o Brasil é representado.
na ótica do redator Caio Costa notamos, para além do critério capilar, novamente o
atrelamento entre “raça” e classe:
Essa certamente em Porto Alegre ou aqui em Salvador seria
considerada negra, pelo estilo do cabelo black power. Se alisasse o
cabelo daria uma bela disfarçada. Apesar de ser negra, tem o tom de
pele mais claro. Bem produzida, com o cabelo alisado, linha
executiva, passaria uma imagem de pessoa rica e, aqui em Salvador,
passaria por branca.
Em outros pontos de vista também retornamos à teoria na qual uma pessoa com
a tonalidade de pele morena ou morena clara é tida, dependendo do contexto ideológico,
como “negra” (como nos disse um dos interlocutores, é o mestiço que é quase negro,
nunca o branco quase mestiço”). O designer Alex Bispo nos dá o primeiro veredicto
sobre a protagonista mestiça que também estrela no comercial ao lado da preta e das
brancas: “Pra mim ela é negra, mas acho que deu uma alisada no cabelo. Não encaro
como negativo. É preciso que as pessoas tenham consciência do que são”. Sobre a
mesma modelo, a indecisão do diretor de criação bio Souza nos o prumo das
sinuosidades existentes na tarefa de se definir o outro. “Pensei que era uma negra
também”, se justifica.
Outra questão curiosa apontada pelos modelos Victor Lima e Basilon Carvalho,
além do publicitário Carlos Filho e da estudante Haloá Sousa, foi a questão da inserção
de um fenótipo escuro em um contexto onde a população é hegemonicamente branca.
“Bacana, mulher. uma negra. Apareceu umas seis mulheres: uma negra e cinco
mulheres mais claras. Quando é que poderia ser o contrário? Em que grife poderia
acontecer isso? Já teve uma negra, né?, cara. Difícil em Porto Alegre”, diz Victor Lima.
No entanto, na visão mais radical de Basilon Carvalho a supremacia” do caucasiano
em relação “ao indígena, ao negide, ao oriental, ao nordestino” nas peças publicitárias
é algo corrente. “Mas a propaganda mostrando que mudança? Um único negro onde
poderiam haver mais?”, protesta. Embora na segunda peça da campanha haja mais
pretos, é no mesmo raciocínio dos outros entrevistados que segue a bacharel em
comunicação social Haloá Sousa:
Acho que seria bem mais discrepante que em qualquer outro lugar do
Brasil. Não conheço tanto o Rio Grande do Sul, mas sei que a
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
121
população é bem branquinha, de olho claro. Vai e levanta um negro.
Aí que iria parecer, mesmo, “não, coloca um negro, bota ele aí”.
Na segunda peça da mesma campanha, vemos a mesma estrutura de roteiro e
enredo. Só que desta vez outra modelo preta aparece, de forma mais coadjuvante,
sorrindo e olhando roupas em uma loja Renner. Na medida em que se desenvolvem as
cenas, a protagonista preta da peça anterior aparece, com trajes elegantes, saindo de um
carro e se encaminhando para um jantar. na última peça, enquanto um homem preto,
bem vestido e de black power acompanha, em uma mesa, três mulheres conversando
sobre estética, ouvimos a narradora: “Não adianta, homens e mulheres são diferentes até
na hora de experimentar”. Na cena seguinte, três mulheres aparecem experimentando
roupas e se olhando no espelho incluindo nossa protagonista preta, que, na seqüência,
é vista saindo e entrando num provador de roupas enquanto o namorado a espera. Na
medida em que a voz em off enuncia o slogan da campanha (“Votem seu estilo, a
Renner tem todos”), o casal em questão sai da loja entre sorrisos e abraços.
Finalizando, ao ser indagada sobre a forte inserção de modelos fenotipicamente
pretos em uma peça feita no sul do país, preponderantemente mais branco, nos justifica
Magali Moraes apontando para as leis de oferta e demanda impostas em tal jogo
comercial, embora não negue a ainda existência de racismo por parte de alguns
anunciantes:
que estávamos apresentando/reapresentando a Renner, a escolha
das modelos foi importante para ilustrar com que tipo de mulher
estávamos falando: mulheres de todos os estilos, mas, acima de tudo,
mulheres bem-resolvidas. Isso é aspiracional dentro do universo
feminino. Tamm contemplamos mulheres negras, que geralmente
ocupam papéis secundários em propaganda e nas novelas. O Brasil
não é todo loiro e de olhos azuis. (...) A representação de nichos de
mercado os obriga a colocar mais negros nos comerciais. A Renner já
está mais evoluída, tem uma preocupação mais genuína de representar
as mulheres brasileiras, especialmente depois que entrou no Nordeste.
Digamos que ela aprendeu muito se espalhando pelo
Brasil, conhecendo as diferenças culturais. Então tem que ter negras,
mulatas, mestiças - mas ainda dentro de um padrão estético
publicitário, ou seja, o cabelo tem que ser legal, os traços bonitos, etc.
E também as orientais. Graças a Deus as loiras estão perdendo a
supremacia. Sem falar que as consumidoras negras cobram se não
aparecem, reclamam nas pesquisas, e isso cria uma consciência. Até
as modelos do SP Fashion Week reclamam se estão em menor número
nos desfiles. Acho maravilhoso. Mas a grande maioria dos
anunciantes, especialmente no Sul, coloca se é realmente
necessário. Infelizmente ainda tem preconceito.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
122
Na mercado sul, no comercial Meu esquema feito pela agência DCS (RS) para a
Calçados Azaléia (RS) uma mestiça com traços indígenas abre o vídeo. Num cenário
litorâneo, sob o pôr do sol e ao som da banda pernambucana Mundo livre S/A (música
honima ao título de tal peça), vemos, no fluxo, um casal de pretos se abraçando e
sorrindo (ela com os cabelos curtos, alisados, e ele com um corte baixo). Na seqüência,
uma mulher branca de cabelos claros tomando água de coco e outra preta de cabelos
cacheados andando na orla da praia. Na cena posterior, outra branca rodando em torno
de si na areia da praia e uma mulher preta se abanando à sombra. As novo corte com
duas mulheres brancas, outra mulher preta, de cabelos curtos, encostada em uma parede
de madeira e comendo fruta. E em tal clima de leveza outros fenótipos brancos e pretos
vão compondo as cenas seguintes. “Mulher brasileira, a grande inspiração da Azaléia”,
finaliza uma voz em off.
Outras duas peças finalistas da categoria campanha leste-oeste, feitas pela MPM
propaganda (MG) para o BH shopping (MG), trazem protagonistas pretos. Nos dois
comerciais em questão o roteiro é simples - casais de namorados dão depoimentos
intercalados sobre como se conheceram, o que cada um gostaria de ganhar no dia dos
namorados e etc. Na primeira peça, temos, na seqüência, um casal composto de homem
e mulher brancos, um de pretos e, por fim, um de mulher branca e homem mestiço. É o
casal preto que fecha, com um beijo, tal vídeo. Como nos contextualiza o booker
Rodrigo Muchelas, “é até de um amigo meu, de dia dos namorados. Tem até um casal
de negros, de brancos. Eu acho doido também. Acho que foi a primeira vez que um
shopping em Belo Horizonte fez um trabalho que inclui o negro”. Além das novas falas
incorporadas ao texto, a única mudança na segunda peça de tal campanha é a inclusão
de mais um casal fenotipicamente branco. No último comercial, o casal de pretos não
mais estrela e outro casal de brancos é inserido. Cada uma das peças é fechada com o
slogan “Para todas as histórias um só BH shopping”.
Fechamos tal edição com mais três peças com modelos fenotipicamente pretos.
A primeira se trata de um vídeo produzido pela RBM e associados (DF) para o colégio
Galois (DF) - finalista da categoria mercado leste-oeste. Na mesma linha melancólica
da peça analisada anteriormente para o mesmo cliente, também finalista de tal categoria,
agora temos no enredo jovens que choram devido ao processo do vestibular. Embora
com modelos preponderantemente brancos e alguns mestiços, contemplamos um jovem
preto, de tranças, e, fechando tal comercial, uma menina preta de cabelos cacheados. As
outras duas publicidades com pretos foram finalistas na categoria mercado norte-
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
123
nordeste. Na Pantufas, por exemplo, peça produzida pela Gruponove comunicação (PE)
para a Companhia brasileira de sandálias (PE), vemos um figurante preto sentado em
um ônibus e, posteriormente, uma mulher preta caminhando pela rua na medida em que
o protagonista branco segue seu roteiro com pantufas no pé.
no caso da peça feita pela Level comunicação (PE) para o anunciante Burger
King (PE), a narrativa em off dá o tom bem humorado do vídeo: “Crianças e adultos,
tubarões e faxineiras, ascensoristas, fãs e pop stars, coladores de outdoor, cantoras de
ópera (...). Chegou uma novidade que vai deixar todo mundo de boca aberta”.
Interessante pensar que na medida em que os personagens são enunciados pelo narrador,
e aparecem no vídeo, alguns estereótipos popularmente não muito habituais são
mantidos (como o caso da cantora de ópera obesa) enquanto outros, recorrentes no
cotidiano, ganham nova visibilidade (no lugar da faxineira preta, por exemplo, tão
habitual em nosso imaginário, vemos uma mestiça de cabelos lisos). O único
protagonista fenotipicamente preto é apresentado dentro de um ônibus e ostentando um
black power. “Você vai ficar de boca aberta com Burger King”, conclui o narrador.
Por fim, no ano de 2008
78
, na categoria nacional foram contabilizadas 63 peças
publicitárias, sendo 17 dessas compostas por pessoas fenotipicamente pretas. Na
categoria campanha nacional foram contabilizadas quatro peças com modelos pretos na
posição de coadjuvantes e protagonistas. Na primeira delas, da agência Almap-BBDO
(SP) para o anunciante Pepsi (SP), observamos a trajetória de um protagonista preto,
com sua lata de refrigerante em os, sendo tele-transportado através de uma máquina
de refrigerantes para diversas regiões do globo. Tal personagem entra em contato com
europeus, latino-americanos, asiáticos, entre outros. Ao chegar num país de língua
inglesa, observamos também uma figurante preta no papel de apresentadora de tele-
jornalismo. A peça finda quando o protagonista em questão se depara, após muitos mal
entendidos, com uma mulher clara, queimada de sol, e a segue pelo portal da Pepsi.
Novamente notamos várias fenotipias pretas sendo representadas nas peças da
Skol (SP). Produzida pela agência F / Nasca (SP), o roteiro nos apresenta uma reunião
de amigos em um bar, jogando sinuca e comentando sobre a nova namorada de um dos
78
No geral, foram contabilizadas 63 peças publicitárias finalistas do ano de 2008 contendo modelos - das
quais apenas uma representa o preto como figurante, sendo outras 16 como protagonistas ou coadjuvantes
(26,98% de peças com fenotipicamente pretos). Nas categorias nacional-institucional, campanha sudeste-
interior, mercado sudeste-interior, campanha sul, mercado sul e campanha leste-oeste não foram
relatadas inserções de pretos. Para conferir as peças em questão, ver
http://comercial.redeglobo.com.br/ppa2008/finalistas/finalistas.php
, acessado no dia 20 de fevereiro de
2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
124
amigos. “Ow, o Cacá vai trazer a namorada aí”, diz um homem branco e calvo. Outro
amigo, preto e de black power, responde “Diz que é linda, cara”. “Parou , mulher de
amigo meu pra mim é homem”, afirma outro enquanto é interrompido pela chegada do
casal. Enquanto ambos se aproximam do grupo de amigos, a imagem da mulher se
transforma em um homem grande e peludo, com peruca loira. As cenas bem
humoradas, a peça é finalizada com a assinatura “Skol, tá na roda tá redondo”.
Na segunda peça de tal campanha um enredo semelhante: quatro amigos que
conversam em uma sala de casa. O homem preto introduz o assunto (“Olha a geladeira
do cara”) enquanto o protagonista branco pega uma garrafa de cerva no freezer
customizado da empresa em questão. Outro amigo indaga sobre o fato de como a
mulher desse havia permitido que colocasse tal geladeira na sala. Após a explicação e
entre gargalhadas a peça finda com o mesmo slogan da anterior. na última peça,
quatro mulheres conversam, também em uma sala, enquanto vêem na TV uma matéria
sobre camundongos e seu baixo nível de atenção. “A experiência mostrou que os
camundongos, mesmo ao levarem o choque elétrico, retornam ao alimento. É que como
a recompensa é boa eles se esquecem da experiência ruim”. Em seguida, uma das
mulheres comenta (“Que bichinho estúpido, né?”) e a outras riem incluindo uma
preta, com longos cabelos enrolados e presos. Numa sala ao lado, em outro
apartamento, homens, um a um, levam choques ao abrirem uma geladeira para pegarem
cerveja. Novamente, como numa das peças analisadas da Fiat, há um recorte de gênero
a ser considerado.
Em mercado nacional, outras duas peças trazem pretos em seu casting. O
protagonista, sentado num bar, é presenteado com um drink. O garçom aponta os
responsáveis de tal agrado: indivíduos brancos, orientais e pretos (o homem de cabeça
raspada e a mulher com cabelos cacheados e volumosos), todos trajando roupas sociais.
“Foi amor ao primeiro click. Desde que Humberto conheceu o site HSBC investimentos
ele se apaixonou pelo mercado financeiro”, afirma o narrador da publicidade produzida
pela agência JWT Curitiba (PR) para o cliente HSBC (PR). A partir disso, todos os
investimentos feitos pelo protagonista são, antes, aprovados ou não por tais consultores
- que o acompanham em todas as suas situações cotidianas. “Acesse
hsbcinvestimento.com.br e encontre o investimento que mais combina com você.
Afinal, quando o dinheiro é seu o melhor especialista é você”, conclui a voz em off.
A segunda, feita pela F / Nazca (SP) para a empresa Claro (SP), se trata de um
plano especial de telefonia móvel voltado especialmente para as mães. Na primeira
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
125
cena, várias pessoas do sexo feminino circulam pela cidade e, em seguida, num
ambiente fechado, todas ostentam sua prole nos braços - incluindo uma mulher preta, de
black power. “Existe uma nação que é a maior no mundo. Bilhões de cidadãs, um
idioma. Amar é o único mandamento. Pra elas tudo gira em torno deles”, diz a voz
masculina em off. Em outra cena, em plano aberto, vemos diversas mães nas sacadas de
seus apartamentos em um mesmo prédio. A única a ganhar close é a preta de longos
cabelos cacheados. Diferentemente da visão histórica da “ama de leite”, tão criticada
contemporaneamente quando mulheres pretas aparecem cuidando de bebês, neste
comercial não vemos tal exclusivismo determinista. No fim da peça a assinatura:
“Claro. A vida na sua mão”.
Três peças da categoria campanha sudeste capitais também inserem atores
pretos, sendo que em uma delas o modelo em questão aparece como figurante. Todos os
vídeos fazem parte da campanha Limão.com.br (São Paulo/SP) feita pela agência
Lew’Lara TBWA (São Paulo/SP). Observamos em todas as peças uma multidão de
jovens caminhando pelas ruas e, de forma homogênea, fazendo intervenções urbanas. O
número de adeptos vai aumentando de acordo com a progressão da campanha assim,
do primeiro (com quatro atores) ao último vídeo (162) vemos uma multiplicação de
pessoas. Ora todos dançam na frente da vidraça de um restaurante, ora imitam um casal
se beijando, entre outras coisas. É na segunda peça que vemos um preto de black power
protagonizando com outras 14 pessoas de fenótipos diversos a cena. Na terceira peça
observamos um figurante preto que empurra um carrinho de lixo enquanto a turma
pratica o chamado flash mob
79
. Na última, correm pelo parque mascarados. Em tal
patota outros personagens pretos o vistos. O slogan da curiosa campanha do site de
variedades é “Limão.com.br, esprema o seu”.
Outras quatro peças da categoria mercado sudeste capitais representam pretos
como coadjuvantes/protagonistas. Na peça da agência Lew’Lara TBWA (São Paulo/SP)
para o anunciante Fruthos (São Paulo/SP), por exemplo, enquanto o personagem com
mega-fone anuncia as novas tendências da gastronomia, observamos, primeiramente,
uma mulher preta, com cabelo no estilo black power, comprando em um supermercado.
Na cena seguinte é a vez de um homem preto, de chapéu, ser representado em tal
comercial como consumidor. Também na publicidade da empresa de telefonia Oi (Rio
79
Performances coletivas em espaços públicos como formas de intervenção urbana. Ver
http://ultimosegundo.ig.com.br/paginas/cadernoi/materias/157001-157500/157374/157374_1.html,
acessado no dia 15 de fevereiro de 2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
126
de Janeiro/RJ) produzida pela NBS (Rio de Janeiro/RJ), notamos a presença de mais
dois pretos (um homem ostentando seu black power e uma mulher com seus volumosos
cabelos cacheados) como participantes do elenco principal de tal peça e em papéis
equivalentes aos demais (mestiços e preponderantemente brancos).
No comercial da Skol (São Paulo/SP) produzido pela F / Nazca (São Paulo/SP),
após a maior parte do vídeo remetendo a um contexto japonês e só composto por
orientais, vemos uma festa de sica eletrônica com rios personagens pretos (e seus
cabelos em black power style) espalhados pelo ambiente e dançando na companhia de
outros personagens. Tal peça, relativa a festa rave organizada por tal empresa, termina
com o seguinte slogan: “Os mestres do vinil estão chegando”. Já no último comercial de
tal categoria, intitulado São Pedro e feito pela agência DM9-DDB (São Paulo/SP) para
o anunciante Sundown (São Paulo/SP), vemos, na praia, outra coadjuvante preta, de
cabelos curtos e encaracolados. O vídeo é finalizado com o slogan Sundown,
patrocinador oficial do sol”.
Na mercado leste-oeste observamos mais duas peças com
protagonistas/coadjuvantes fenotipicamente pretos. A primeira, feita pela Tom
comunicação (MG) para o cliente S/A Estado de Minas (MG) traz no enredo homens e
mulheres que circulam no ambiente urbano portando objetos em formas de letras
gigantes. “A história é feita, diariamente, por pessoas como você e eu”, diz a voz em off.
Na medida em que prossegue o narrador, vemos diversos fenótipos em especial, um
jovem preto, de cabelos crespos e curtos, que circula em meio às outras pessoas; duas
crianças pretas, que brincam de mãos dadas com outras; outro preto, que joga basquete
com três homens brancos; uma jovem preta, de cabelos curtos, cacheados e presos; e,
finalizando, na assinatura da peça (“Cê leu a sua história hoje”), um homem preto,
trajando roupa social, que fecha a peça juntamente com outros três modelos brancos.
na outra, feita para a agência Bees publicidade (DF) para o cliente Iesb (DF), vemos
outros dois modelos pretos na posição de estudantes bem sucedidos.
Finalizando, outras duas peças (respectivamente nas categorias campanha norte-
nordeste e mercado norte-nordeste) fecham tal edição do Profissionais do ano 2008
com modelos pretos. A primeira delas se trata da analisada campanha da agência
Art&C (RN) para a revendedora de motos Sundown. “Fora muitas pesquisas até
chegarmos ao sabonete antibacteriano floral. Sua rmula elimina 99% das bactérias”,
inicia, na outra peça, o homem branco de jaleco - intitulada Laboratório, feita pela
agência Gruponove comunicação (Recife/PE) para o anunciante Instrias reunidas
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
127
Raymundo da fonte (Paulista/PE). O produto em voga, como já dito, é o sabonete
antibacteriano Floral. “Tudo isso foi pensando no seu abraço”, prossegue o chefe de
laboratório, enquanto, em outro ambiente, diversas pessoas aparecem se abraçando: a
menina bailarina e o cachorro; o casal branco e o filho recém nascido; os jogadores de
futebol pretos (um com cabelos curtos e outro com a cabeça raspada), os mexicanos,
entre outros. A peça é concluída com o slogan Use sabonete antibacteriano Floral e
abrace à vontade”.
Traduzindo em números, foram 198 peças publicitárias analisadas, sendo que em
62 a inserção de modelos pretos (31, 31%). Em apenas oito dessas observamos a
atuação desses somente como figurantes. De (em pequena medida) varredor de rua,
trabalhador do campo e Homem-Sagatiba à (em esmagadora maioria) comissário de
bordo, empresário e comum consumidor a presença do preto nas peças da três edições
do festival publicitário Profissionais do ano pode ser traduzida geograficamente da
seguinte maneira: 20% na categoria nacional-institucional, 46,66% na campanha
nacional, 23,80% na mercado nacional, 24% campanha sudeste capitais, 42,85% na
mercado sudeste capitais, 21,42% na campanha sudeste interior, 23,07% na mercado
sudeste interior, 54,54% na campanha sul, 06,66% na mercado sul, 53,84% na
campanha leste-oeste
80
, 36,36% na mercado leste-oeste, 11,11% na campanha norte-
nordeste e, por fim, 50% de peças publicitárias com pretos na categoria mercado norte-
nordeste.
Curioso em tais resultados, necesrio ressaltar, é o fato no qual regiões
fenotipicamente mais claras e muitas vezes tidas como segregadoras, como é o caso dos
Estados sul
81
do país, trazerem um elevado número de pretos em seus comerciais (como
os 54,54% de peças com pretos observados nas edições da campanha sul). Por outro
lado, nas edições da campanha norte-nordeste
82
o reduzido número total de 11,11%
80
É em tal região, predominantemente auto-declarada branca e formada pelo Distrito Federal, Goiás,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais e Espírito Santo (sendo os dois últimos
pertencentes a região sudeste, embora deslocados em tal premiação para esta categoria), que notamos o
maior equilíbrio e expressividade de peças com fenotipicamente pretos tanto na categoria campanha
leste-oeste quanto na categoria mercado leste-oeste. Ver
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000
/tabela07.pdf.
81
Constituída pelos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, segundo os mesmos dados
do IBGE (2000) há apenas a irrisória porcentagem de 3,74% de auto-declarados pretos.
82
Se na região norte observamos um mero baixo de pretos (4,96%) em relação aos auto-declarados
pardos (63,97%), na região nordeste este percentual é engrossado principalmente pela densidade
populacional do Estado da Bahia - com seus mais de 13 milhões de habitantes, sendo 13,02% desses auto-
declarados pretos -, chegando ao patamar mais expressivo de 7,70% de auto-declarados pretos em tal
região em relação aos 58,01% de pardos.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
128
de peças com pretos nos comerciais que compõem as edições de tal categoria. Outro
ponto interessante, e muitas vezes não levado em consideração, é a fortíssima presença
de pretos nas publicidades de veiculação nacional número que beira quase a metade
das peças de tal categoria contendo pretos (46,66%) nos comerciais mais sofisticados
produzidos para grandes empresas nacionais/multinacionais pelas mais importantes
empresas publicitárias do Brasil.
Em suma, nas três edições do Profissionais do ano (do ano de 2006 a 2008)
observamos um número expressivo de peças publicitárias (cerca de 1/3 de todos os
vídeos sob análise finalistas de tal festival) representando os fenotipicamente pretos
preponderantemente através de papéis socialmente vistos como positivos
(principalmente como comuns consumidores). Raramente a objetificação,
subalternização ou erotização desses em tais deos – as maiores críticas existentes
sobre a temática até então. Não relação necessariamente direta entre a densidade de
fenotipicamente pretos em certa região e o volume da representação desses nos mídias
ali veiculados. Assim, devemo-nos alertar para, primeiramente, o público demandante
em tais regiões e, em segundo lugar, quão globalmente conectadas essas regiões se
encontram ao ponto de verem como positivo o uso da estética “negra”. Creio que
assim chegaremos a uma equação mais verdadeira sobre os porquês da atual, expressiva
e positiva emergência preta nos medias, que, de modo geral, pouco nos remete às
formas de racismo deliberado tão evocadas por seus maiores críticos.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
129
CONCLUSÃO
Do incipiente fazer publicitário em terras brasilis (com o primeiro classificado
no primeiro jornal impresso do país, o Gazeta do Rio de Janeiro, do ano de 1808), por
meio da chegada da corte portuguesa e a instituição da imprensa, até a sua consolidação
e institucionalização em inícios do século seguinte (no qual, dos classificados,
chegamos aos anúncios comerciais, peças ilustradas em duas cores, no ano de 1907),
observamos forte concentração e desenvolvimento de tal prática profissional nos
mercados com maior giro de capital, caso do Rio de Janeiro e São Paulo - o que, em
algum sentido, faz com que tais mercados se aqueçam ao ponto de criarem um disparate
econômico e tecnológico em relação às outras regiões do país, principalmente com a
chegada das agências internacionais e grandes clientes em ambas as capitais.
Do primeiro classificado, sobre imóveis, aos, em seguida, relativos à pescaria,
transporte urbano e remédios, deparamos, no ano seguinte, com o primeiro classificado
sobre um escravo fugido. Aqui está o germe da representação preta nos medias e as
grandes problemáticas que nos deparamos nos dias atuais, uma vez que a partir disso se
torna corriqueiro os anúncios de escravos à venda em Estados como Pernambuco, São
Paulo e Rio de Janeiro, num campo publicitário ainda rudimentar e inicial mas em
expano pelo país através da constituição de vários jornais impressos em diversas
regiões do território nacional (num culo dominado por idéias deterministas “raciais” e
que, portanto, aponta pretos e mestiços como inciviliveis, inferiores e degenerados).
no século seguinte, em torno da década de 1930, o padrão estético da
publicidade aqui feita é moldado na medida em que, a fim de modernizar tal ofício,
alguns escritórios brasileiros abolem as ilustrações precárias de então e começam a
comprar fotos de bancos de imagens nova-iorquinos (os modelos contidos nas fotos em
questão eram hegemonicamente loiros, criando certo problema tanto para as agências,
na medida em que o publico demandante mestiço era maioria, quanto para o projeto de
integração nacional brasileiro, que já ensaiava de forma incipiente a mestiçagem como o
ícone identitário do país). Rádios, tvs e revistas especializadas consolidariam de vez tal
ofício, que ganha campo no ramo da educação (com a primeira escola superior voltada
para tal formação, em São Paulo, e a posterior expansão dos cursos de comunicação país
afora) e aval no da política (obtendo, através de investimentos estatais, grandes clientes
nas áreas de eletrodomésticos e automotivos). Em tal toada, vários profissionais se
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
130
deslocam do Rio de Janeiro para o mercado de São Paulo, o que consolida de vez a
hegemonia de tal capital neste campo.
Durante toda a história da publicidade comercial no Brasil uma confusão no
uso dos conceitos propaganda” e publicidade”, empregados sem distinção e
erroneamente pela maioria dos profissionais e demais envolvidos em tal área (o que
incorre em sérios problemas nos resultados das pesquisas feitas em tal campo).
Orientada para a eficiência do marketing, tal atividade comercial foi, logo em seu início,
bem definida pelos anglo-saxões através do termo advertise (publicidade comercial),
enquanto os países de ngua latina, por não possuírem um referente específico para tal
conceito, apenas o traduzem como publicity (publicidade). Assim, comerciais político-
ideológicos ou oficiais (leia-se, encomendados geralmente pelos poderes vigentes em
cada cidade, Estado ou país) o lançados no mesmo panteão das peças que ofertam
serviços e produtos entre privados, ou seja, empresas com capital privado (apenas
regulamentadas pelos órgãos de fiscalização pública, sendo sua única ideologia a do
consumo) que têm como público alvo os cidadãos/consumidores.
Sobre o campo profissional atual, na ótica dos interlocutores entrevistados, em
comparação a São Paulo os outros mercados são, embora muitas vezes com estúdios de
qualidade e equipamentos de ponta, amadores já que não possuem contas de grandes
clientes nacionais/multinacionais, se restringindo, de forma geral, a prestarem serviços
para contas pública e de varejo. Assim, se nas agências que prestam serviços para
grandes clientes privados há, obviamente, um maior retorno econômico para todos os
profissionais envolvidos (técnicos, publicitários, modelos, entre outros), nas agências
mais regionais, sem grandes contas e geralmente trabalhando para o setor de varejo, a
tendência é inversa. Mas embora a publicidade, como operador totêmico, apague tais
relações empregatícias exploratórias através do seu produto final, tal campo não pode
ser lido apenas pelo viés do paradigma da dependência, ou seja, no qual os receptores
o vistos como meras vítimas da ideologia dominante. Há, por certo, formas de
apropriação regionais de tais mensagens que precisam ser compreendidas para não
incorrermos em maniqueísmos.
A indústria publicitária é um campo no qual as culturas influenciam o
capitalismo. Nela, simbioticamente convivem criatividade, eficiência, preconceitos,
produtos, racionalidade, “magia” e mercadologia. Os publicitários, em tal contexto (o
circuito da comunicação ou produção cultural), revelam serem não peças decisivas no
resultado final do produto publicitário, mas sim uma parte menor, compositora de tal, ao
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
131
lado de comunilogos, técnicos de áudio, luz, som e vídeo, cineastas, cientistas sociais,
entre outros (expressando, sensivelmente, muito do que acontece no mundo e não
necessariamente criando tendências ou modas). Talvez, o único ponto inventivo da
mídia, neste ponto, seja a extrema plasticidade ou estilização dos modelos por ela
representados. Assim que a cultura “negra”, por meio da globalização, é apropriada por
diversos grupos, traduzida localmente e refletida em meios como a publicidade através
de formas estéticas ousadas e em consonância com as tendências globais.
O black power, por exemplo, a partir da emergência dos pretos nos medias nos
idos de 1990, se torna gradativamente um ícone “glocalizadoforte de tal representação
na publicidade brasileira e, por isso, também apropriado e traduzido pelos publicitários
em suas produções visuais - uma vez que se trata de um produto utilizado como forma
de identificação e também estímulo dos anunciantes no que diz respeito aos nichos
mercadológicos. Isso se deve ao fato de se tratar de um ícone com proporção global e,
portanto, usado como regra na mercantilização transnacional, ou seja, compactado de
forma a ser aceito sem maiores problemáticas pelas demandas mais regionalizadas
(menos conectadas aos processos de ordem mundializada).
Por falta de sensibilidade e pesquisa mercadológica, em geral, que muitos
deslizes estéticos ou mesmo invisibilizações ocorrem quando uma peça de veiculação
nacional não leva em consideração as demandas mais locais (sendo a área de marketing
o setor geralmente responsável por isso). Neste sentido, enquanto as agências de São
Paulo, devido às grandes contas publicitárias e o forte desenvolvimento tecnológico,
pensam tal ofício de forma geralmente globalizada, as agências fora do eixo mais rico
tendem a atender clientes de alcance mais localizado e, portanto, com pesquisas menos
aprofundadas sobre os diversos nichos existentes.
Como exposto em algumas pesquisas e comprovado pelos profissionais da área,
a inserção de pretos em comerciais no mundo contemporâneo segue a demanda de
mercado (são meras representações de determinado nicho econômico em tal transação
econômica). Os publicitários, em tal contexto mercadológico, pouco podem influenciar
na representação ou invisibilidade de tais fenótipos. No entanto, se percebe que mesmo
ao assumir tal lógica os entrevistados em Salvador tendem mais a corrente “denuncista”
relativa à ausência de pretos (alegando preconceito), enquanto os de Belo Horizonte
parecem mais contextualizados às artimanhas do fazer publicitário. Tal fato se deve aos
maiores apegos identitários dos interlocutores da primeira cidade, devido,
principalmente, a forte evocação histórica de uma África mítica produzida por estes.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
132
Diferentemente dessa, repleta de movimentos sócio-culturais que proclamam a
identidade "negra" (creio que em muito sentido devido ao fato do candomblé,
diferentemente do que ocorre em Minas Gerais, estar fortemente arraigado em sua
cultura urbana ou metropolitana), na capital mineira não há reflexo de identidades
"negras" arraigadas em questões como ancestralidade, candomb - carro-chefe
sincrético de tal processo – e “mãe” África - muito cantada nos “afro”-blocos de
Salvador e discursada entre os seus adeptos como formas de cultura "residual", ou seja,
na qual um passado, mesmo tico ou forjado, é apropriado na formação identitária
contemporânea dos “negros” de então.
A visibilidade social via medias para a elevação da auto-estima e, em segundo
lugar, o consumo como princípio básico para a cidadania atual, são outros pontos
importantes assinalados pelos interlocutores em ambas as cidades. O primeiro tópico
tem sido amplamente consolidado tanto na tv aberta quanto, de forma gradativa e
independente, em plataformas digitais como youtube, orkut e fotolog (cada vez mais
populares e de fácil acesso, propiciando formas de autogestão estética, ou seja, sem
intermédio direto dos dirigentes midiáticos). Já o segundo tópico tem se alterado
lentamente na toada em que a classe média vem engrossando e incorporando um
número expressivo de pretos. De modo preponderante, seja em Salvador ou Belo
Horizonte os interlocutores acreditam, de forma muito otimista, que por meio da
publicidade a auto-estima dos fenotipicamente pretos pode aumentar ao ponto de
transformar as bases do racismo.
Na modernidade atual, os pretos têm assumido identidades que mesclam
elementos passados e presentes. No caso soteropolitano, por exemplo, há, na formação
contemporânea do ser “negro”, imbricações de identidades "residuais" (que utilizam
muito do passado na construção do presente através das traduções) e até mesmo
"arcaicas" (que se prendem ou se pretendem ser identidades tradicionais ou ancestrais).
Principalmente na cidade de Salvador é comum notar o forte entusiasmo com que
grande parte dos entrevistados demonstra por terem uma identidade africana “pura”
(relacionando negritude, para além do fator fenotípico, às questões geográficas,
culturais, ancestrais e até mesmo essenciais), diferenciada dos outros brasileiros, quando
de fato o que se observa é uma apropriação de um resquício étnico e um discurso que
mais se liga às identidades partilhadas que a algo de fato primordial.
Em Salvador, o modelo bipolar “racial” é preponderante nos discursos do
entrevistados auto-declarados negros, em alguns casos chegando a formas reais de
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
133
preconceito social em relação ao grupo branco (visto como europeu em oposição ao
africano). Assim, na medida em que a identidade "negra" parece mais complexa
(percebida por critérios não meramente morfológicos, mas também geográficos e até
mesmo biológicos) e atuante no indivíduo, mais esse tende a se sentir juiz”, no debate
em questão, das identidades alheias na medida em que crê possuir os critérios para se
definir o outro, às vezes pejorativamente, como branco ou, em menor medida, mestiço
(categorias como moreno, índio, entre outras, ainda são comumente usadas por esses na
ausência de argumentos para se definir o outro em um dos dois pólos “raciais”).
A mítica da negritude é, em tal contexto, para além de relacional e subjetiva,
muitas vezes imperativa. Em tal juízo de valor a pureza de um branco parece se dar na
mesma proporção em que esse caminha na toada do enriquecimento financeiro ou status
social, apontando para a forte relação imbricada entre classe e “raça”. Em tal ótica, se
considerar negro não basta para ser negro. Em tal lógica, enquanto as pessoas de pele
mais clara e com cabelo crespo se encontram no estrato mais baixo de tal hierarquia
“racial” os de pele preta com cabelo crespo se encontram no topo dessa (e quanto mais
pobre mais verdadeiramente preto). Há uma hierarquia cromática intermediária vasta na
qual, em tal visão, apenas os de pele branca com cabelo liso não se enquadram nos
quesitos de tal negritude.
Em tal fluxo identitário que, muitas vezes, o fenotipicamente escuro é execrado
quando se auto-afirma pardo, mestiço, mulato ou moreno escuro e o fenotipicamente
branco é rotulado pejorativamente, a priori, como indivíduo de classe média, família
branca, morador de condomínio fechado. Enquanto a áurea de Salvador nos remete a
uma negritude mais mítica, tradicional e ideológica, em Belo Horizonte esta parece mais
liberal, progressista, primando pela manutenção de classificações “raciais” vastas e,
portanto, dentro de um continuum cromático no qual a morenidade tem maior espaço.
Preponderantemente, todos os estudantes, modelos e publicitários entrevistados em tal
capital não imputavam, diferentemente do que observamos em Salvador, um passado
mítico ou ancestral ao fato de se classificarem negros. Pelo contrário, o motivo principal
para tal afirmação identitária remete necessariamente ao fenótipo.
Neste sentido, Belo Horizonte aparenta apenas beber do banco simbólico do
estilo de ser “negropropagado pela cultura global e globalizante em questão. Em tal
cidade os interlocutores parecem mais antenados aos processos espaciais do fazer
publicitário enquanto na capital baiana esses tendem a perceber mais as condições das
minorias representadas, tendendo a ver e criar fórmulas muitas vezes fantasmagóricas
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
134
de “racismo” (na medida em que pretos e pardos são englobados na categoria negros”
há um engodo no qual tal suposta maioria “racial” é tida como não representada nas
publicidades áudio-visuais).
O número de pretos inseridos nas peças em questão (31,31%), em papéis, com
raras exceções, positivos, está, primeiro, em consonância com a demanda
mercadológica notada pelos anunciantes em questão (pautados na ética do lucro e não
na do politicamente correto) e, segundo, contemplando de forma generosa tais
protagonistas se levarmos em consideração à proporção de 06,21%
83
dos recenseados
auto-declarados pretos no país. Concluindo, partindo de tais dados se pode afirmar que
há uma hiper-representação dos pretos nas peças publicitárias aqui analisadas, fato que
pode estar atrelado à chamada estética global cada vez mais aceita pelos diversos grupos
sociais (principalmente os mais conectados aos movimentos globais, embora os locais
sejam cada vez mais “contaminados” em tal processo) como símbolo de modernidade e
requinte.
83
Do número total de recenseados por “raça” do último censo feito no Brasil, do ano de 2000. Ver
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000
/tabela07.pdf, acessado no dia 25 de fevereiro de 2010.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
135
BIBLIOGRAFIA
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, [1983]1989.
ANGELO, Augusto de. A longa jornada da institucionalização. In: BRANCO, Renato
Castelo; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Orgs.). História da
Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
APPIAH, Kwame Anthony. A invenção da África. In: Na casa de meu pai - a África na
filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, Cap. 1.
ARAÚJO, Joel Zito. Onde está o negro na tv pública?. In: Revista da Fundação
Cultural Palmares, 2007.
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Vol.5. Lisboa:
1996.
BARCELOS, Nilmar. A emergência do negro na mídia. Raça Brasil, uma experiência
étnica na revista brasileira. Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social,
do Departamento de Ciências da Comunicação do Centro Universitário de Belo
Horizonte Uni-BH, como requisito parcial para obtenção do tulo de bacharel em
Jornalismo. Belo Horizonte: 2007.
BARCELOS, N.. Raça, etnia, estética e política: por uma compreensão não maniqueísta
dos antagonismos midiáticos. In: Revista três [...] pontos. Belo Horizonte: UFMG, v.
5, p. 91, 2009.
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe e
STREIFF-FENART, Jocelyne. In: Teorias da Etnicidade. São Paulo: UNESP, 1997.
BAUDRILLARD, Jean. Significação da publicidade. In: LIMA, Luiz Costa (org).
Teoria da cultura de massa. o Paulo: Paz e Terra, 2000.
BAUMAN, Zigmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, [1925] 2005.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, [1989] 2009.
BRANCO, Hiran Castello. Os novos caminhos da propaganda. In: BRANCO, Renato
Castelo; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Orgs.). História da
Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
BRANCO, Renato Castelo. A evolução econômica do Brasil e a contribuição da
propaganda. In: BRANCO, Renato Castelo; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS,
Fernando (Orgs.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
BRANDINI, Valéria. Por uma etnografia das práticas de consumo. In: Comunicação,
mídia e consumo, vol. 4, n. 9, págs. 153-169. São Paulo: 2007.
CARDOSO, Fernando Henrique. Livros que inventaram o Brasil. In: Novos Estudos,
número 37, novembro de 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
136
CARVALHO, Maria Rosário G. de. A Chapada Diamantina em três registros ou três
tempos. In: PEREIRA, Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil.
Textos críticos. Salvador: Edufba, 2007.
CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca. Genes, povos e nguas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 3ª ed. Petrópolis: vozes, [1980]1998,
vol. 1.
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade. A escola Nina Rodrigues e a antropologia
no Brasil. Bragança Paulista: Edusf, 1998.
COSTA, Sérgio. A construção sociológica da raça no Brasil. In: Estudos Afro-
Asiáticos, Ano 24, N°1, págs. 35-61. Rio de Janeiro, 2002. Do site
http://www.scielo.br/pdf/eaa/v24n1/a03v24n1.pdf
, acessado no dia 19 de março de
2007.
CSORDAS, Thomas J. Modos somáticos de atenção. In: Corpo/ Significado/ Cura.
Rio Grande do Sul: UFRGS, [2002] 2008.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Etnicidade: da cultura residual mas irredutível. In:
Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1986.
DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil Brasil?. 11ªed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
ECO, Humberto. História da feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007.
FARIAS, Edson. Tensões em um projeto civilizador baiano. In: PEREIRA, Cláudio;
SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil. Textos críticos. Salvador: Edufba,
2007.
FÉLIX, João Batista de Jesus. Pequeno histórico do movimento negro contemporâneo.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa (orgs.). Negras Imagens.
Editora da Universidade de São Paulo – Edusp. São Paulo: 1996.
FIGUEIREDO, Ângela. Fora do jogo: a experiência dos negros na classe média
brasileira. In: Cadernos Pagu (23), julho-dezembro de 2004, págs. 199-228. Do site
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n23/n23a07.pdf
, acessado no dia 10 de março de 2007.
FIGUEIREDO, Ângela. Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada: identidade, consumo
e manipulação da aparência entre os negros brasileiros. In: XXVI reunião anual da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Anpocs.
Caxambu, outubro de 2002.
FILHO, Clóvis de Barros. Impor o que falar sobre (a hipótese da “espiral do silêncio”).
In: Ética na comunicação. São Paulo: Summus, 2003.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
137
FRY, Peter. Estética e Política: relações entre “raça”, publicidade e produção de beleza
no Brasil. In: GOLDENBERG, Mirian (org). Nu e Vestido. Dez antrologos revelam
a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002.
GEERTZ, Clifford. Como pensamos hoje: a caminho de uma etnografia do pensamento
moderno. In: O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1997, p. 220-248.
GEERTZ, Clifford. Primordial ties. In: HUTICHINSON, J. and SMITH, A. D (orgs.).
Ethnicity. Oxford: Oxford Univ. Press, [1963] 1996, p.40-45.
GESCHIERE, Peter. Feitiçaria e modernidade nos Camarões: alguns pensamentos sobre
uma estranha cumplicidade. Afro-Ásia, n° 34, p. 9-38. Salvador, 2006.
GIL, Gilberto. Diversidade cultural, identidade e resistência. In: Revista Palmares,
Ano 1, 1, agosto, 2005. Do site http://www.palmares.gov.br, acessado no dia 01 de
março de 2007.
GODELIER, Maurice. O conceito de tribo. Crise de um conceito ou crise dos
fundamentos empíricos da Antropologia. In: Horizontes da Antropologia. Lisboa:
Edições 70, pp.13-160.
GOSSELAIN, Oliver P. Materializing Identities: An African Perspective. In: Journal
of Archaeological Method and Theory, Vol. 7, No. 3, 2000.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
HALL, Stuart. Parte I – Controvérsias. In: Da diáspora: identidades e mediações
culturais, págs. 24 – 128. Belo Horizonte, Brasília: UFMG, UNESCO, 2003.
HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras e híbridos: palavras-chave da antropologia. In:
Mana. Vol. 3, N. 1, p.7-39, abril de 1997.
HIERNAUX, Jean et al. Cuatro declaraciones sobre la cuestión racial. Paris:
Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura, 1969.
IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
[1926]1995.
KOTTAK, Conrad Phillip. O legado baiano da universidade de Columbia. In:
PEREIRA, Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no Brasil. Textos
críticos. Salvador: Edufba, 2007.
MAIO, Marcos Chor. Modernidade e racismo. Costa Pinto e o projeto Unesco de
relações raciais. In: PEREIRA, Cláudio; SANSONE, Livio (orgs.). Projeto Unesco no
Brasil. Textos críticos. Salvador: Edufba, 2007.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
138
MARTENSEN, Rodolfo Lima. O ensino da propaganda no Brasil. In: BRANCO,
Renato Castelo; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Orgs.). História da
Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo:
Brasiliense, 1995.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Al sur de la modernidad - comunicación, globalización
y multiculturalidad. Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, University of
Pittsburgh, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Pré-textos conversaciones sobre la comunicación y sus
contextos. Cali: Universidad del Valle, 2ª ed., 1996.
MÉTRAUX, Alfred et al. Brasil, un vasto estudio sobre las relaciones raciales. In: El
Correo. Paris: Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la
Cultura, agosto – septiembre de 1952, págs. 06 – 15.
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
MUNANGA, Kabengele. Mestiçagem e experiências interculturais no Brasil. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa (orgs.). Negras Imagens.
São Paulo: Edusp, 1996.
NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem –
sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações
raciais no Brasil. In: Tanto preto como branco: estudos de relações raciais. São Paulo:
T. A. Queiroz, [1954] 1985.
OLIVEIRA, Carlos A. A organização do espaço urbano no século XIX: significado e
percepção do espo público na nova Capital de Minas. In: II Congresso Internacional
UFES/Université de Paris-Est. Vitória: Programa de Pós-Graduação em História
(PPGHis), 2009.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
PENA, Sérgio D. J.. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. In:
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 1, p. 321-46, maio-agosto de 2005.
PENA, Sérgio D. J.. Retrato molecular do Brasil. In: PENA, Sérgio D. J. (Org). Homo
brasilis. Funpec: Ribeirão Preto, 2002.
RAMA, Angel. Transculturación narrativa em América Latina. Montevideo:
Fundación Angel Rama, [1982]1986.
RAMOS, Alcida Rita. Nações dentro da nação um desencontro de ideologias. In:
Série Antropologia. Brasília, 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
139
RAMOS, Ricardo. Do reclame à comunicação. Pequena história da propaganda no
Brasil. São Paulo: Atual, 1985.
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
REIS, Letícia Vidor de Sousa. Negro em “terra de branco”: a reinvenção da identidade.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa (orgs.). Negras Imagens.
São Paulo: Edusp, 1996.
REMEDI, Gustavo. Ciudad letrada: Angel Rama y la espacialización del análisis
cultural. In: Angel Rama y los estúdios latinoamericanos. Pittsburgh: Instituto
Internacional de Literatura Iberoamericana, 1997.
RIAL, Carmem Sílvia. Japonês está para a tv assim como mulato para cerveja: imagens
da publicidade no Brasil. In: ECKERT, Cornelia; MONTE-MÓR, Patrícia (orgs.).
Imagens em foco. Novas perspectivas em antropologia. Editora da
Universidade/UFRGS. Porto Alegre: 1999.
ROCHA, Everardo. Magia e capitalismo. Um estudo antropológico da publicidade. 2ª
ed. Editora Brasiliense, São Paulo: 1990.
SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Salvador/Rio de Janeiro: Edufba; Pallas,
2007.
SANSONE, Livio. Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização,
globalização e a criação de culturas negras no Brasil. In: FAUSTO, Carlos (editor).
Mana: estudos de antropologia social. Vol. 6, número 1. Rio de Janeiro: Contra Capa,
abril de 2000.
SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso latino-americano. In: Uma literatura
nos trópicos - ensaios sobre dependência cultural. São Paulo: Perspectiva, 1978.
SANTOS, Joel Rufino dos. (2005), Culturas negras, civilização brasileira. In: Revista
Palmares, Ano 1, N° 1, agosto. Do site http://www.palmares.gov.br, acessado em 02 de
março de 2007.
SANTOS, Ricardo Ventura; MAIO, Marcos Chor. Antropologia, raça e os dilemas das
identidades na era da genômica. In: História, Ciências, Saúde. Manguinhos, v. 12, n. 2,
p. 447-68, maio-ago. 2005.
SARMENTO, Armando de Moraes. As agências estrangeiras trouxeram modernidade,
as nacionais aprenderam depressa. In: BRANCO, Renato Castelo; MARTENSEN,
Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Orgs.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo:
T. A. Queiroz, 1990.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças cientistas, instituições e questão
racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
140
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Ser peça, ser coisa: definições e especificidades da
escravidão no Brasil. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa
(orgs.). In: Negras Imagens. São Paulo: Edusp, 1996.
SEYFERTH, Giralda. Identidade nacional, diferenças regionais, integração étnica e a
questão imigratória. In: ZARUR, George de Cerqueira Leite (org). Região e nação na
América Latina. Brasília: Editora UNB, 2000.
SILVA, Alberto da Costa. (1994), O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX. In:
Estudos Avançados. Do site http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141994000200003&script=sci_arttext&tlng=pt, acessado no dia 13 de março de
2007.
SILVA, Vagner Gonçalves da; AMARAL, Rita de Cássia. Símbolos da herança
africana. Por que candomblé?. In: Negras Imagens. SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS,
Letícia Vidor de Sousa (orgs.). São Paulo: Edusp, 1996.
SIMÕES, Cassiano Ferreira. A publicity e a publicidade (para além da propaganda). In:
Comunicação, mídia e consumo. São Paulo: ESPM, Vol. 3, N. 6, p. 179-200, Mar.
2006.
SMITH, Anthony. Ethnie and nations in the modern era. In: The ethnic origins of
nations. Oxford: Blackwell Publishers, 1986.
SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1999.
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina.
Rio de Janeiro: Fio Cruz, 2005.
STOLCKE. Verena. Sexo está para gênero assim como raça para etnicidade?. In:
Estudos Afro-Asiáticos, (20): 101-119, junho de 1991.
STROZENBERG, Ilana. O apelo da cor: percepções dos consumidores sobre as
imagens da diferença racial na propaganda brasileira. In: Comunicação, mídia e
consumo. São Paulo: ESPM, 2005.
THOMPSON, J. B. dia e modernidade. Uma teoria social da mídia. Rio de Janeiro:
Vozes, 2002.
VILLAR, Diego. Uma abordagem crítica do conceito de “etnicidade” na obra de Fredrik
Barth. In: Mana, 10 (1), 2004, p. 165-192.
WEBER, Max. Relações comunitárias étnicas. In: Economia e sociedade. Vol. 1.
Brasília: Editora UNB, [1922] 1991, p. 267-277.
FILMOGRAFIA
HARTOG, Simon. Beyond citizen Kane [Muito além do cidadão Kane], 1993.
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
141
LEE, Spike. Get on the bus [Todos a bordo], 1996.
LEE, Spike. Jungle fever [Febre da selva], 1991.
SITIOGRAFIA
http://www.comercial.redeglobo.com.br/ppa2006/finalistas/finalistas.php
http://www.comercial.redeglobo.com.br/ppa2007/finalistas/finalistas.php
http://www.comercial.redeglobo.com.br/ppa2008/finalistas/finalistas.php
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_pop
ulacao/1940_2000/tabela07.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=102
8&id_pagina=1
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=12
33
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_pop
ulacao/1940_2000/tabela07.pdf
http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/demograficas.html
http://www.noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1650437-EI306,00.html
http://www.racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/102/artigo28375-3.asp
http://www.revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT373958-1661,00.html
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/250/entrevista/entrevista_2.htm
http://www.tropicalia.uol.com.br/site/internas/leituras_gg_cinenovo.php
http://www.ultimosegundo.ig.com.br/paginas/cadernoi/materias/157001-
157500/157374/157374_1.html
http://www.veja.abril.com.br/070201/p_066.html
http://www.youtube.com/watch?v=Jxx7GbC1-9Q
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0111200909.htm
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo