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BRUNO ROSAS MANGUEIRA
CONCEPÇÕES ESTILÍSTICAS DE HÉLIO DELMIRO:
VIOLÃO E GUITARRA NA MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Instituto de
Artes da Universidade Estadual de
Campinas para a obtenção do título de
Mestre em Música, sob a orientação do
Prof. Dr. Marcos Siqueira Cavalcante.
CAMPINAS
2006
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iii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP
Bibliotecário: Helena Joana Flipsen – CRB-8ª / 5283
Mangueira, Bruno Rosas.
M314c Concepções estilísticas de Hélio Delmiro : violão e
guitarra na música instrumental brasileira / Bruno Rosas
Mangueira. -- Campinas, SP : [s.n.], 2006.
Orientador: Marcos Siqueira Cavalcante.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes.
1. Delmiro, Hélio. 2. Improvisação (Música). 3. Violão.
4. Música para guitarra (Jazz). 5. Música instrumental.
I. Cavalcante, Marcos Siqueira. II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Artes. III. Título.
Título em inglês: Hélio Delmiro’s stylistic concepts applied to the guitar
as played in the context of Brazilian Contemporary Instrumental Music.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Improvisation (Music), Guitar, Guitar
Music (Jazz), Instrumental music.
Área de concentração:
Titulação: Mestre em Música.
Banca examinadora: Marcos Siqueira Cavalcante, Ricardo Goldemberg,
Luiz Otávio Rendeiro Corrêa Braga.
Data da defesa: 24-02-2006.
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IV
~~
Instituto de Artes
Comissão de Pós-Graduação
Defesa de Dissertação de Mestrado em Música, apresentada pelo
Mestrando Bruno Rosas Mangueira
- RA 980731, como parte dos requisitos para a obtenção
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Para Bento, Márcia, Míriam,
Cora, Misinha, Maria e Carlos
vi
AGRADECIMENTOS
A Marcos Cavalcante, pelo incentivo, confiança e colaboração. A Ricardo
Goldemberg, pela crítica altamente construtiva e atenção dispensada a este e outros projetos. A
Rafael dos Santos, pelos apontamentos enriquecedores. Ao amigo e mentor Arno “Bebeto” von
Buettner, pelas inspiradoras intervenções e cumplicidade musical. Aos colegas Budi Garcia, Júlio
Caliman e Marcelo Modesto, pelas conversas, gravações e informações valiosas. Aos músicos
Toninho Horta, Chico Lessa, Marcos Souza, Helder Samara, Roberto Peres, Fernando Baeta e
Marco Antônio Grijó, pela motivação artística. A Cristina Álvares Beskow, Rafael Fanti, Rodrigo
Rosas, Alexandre Merçon, Dico Amorim, Regina, Joana e Felipe Rebuzzi, Lúcia Perini, Tarso
Ramos, Lívia Atauri Miranda, Carlos José e Inês, Luciano Ramos, Wayner Tristão, Euclydes
Fernandes, Jolino e Mara Moraes, pelo apoio e carinho em momentos de dificuldade. Aos amigos
Carol Gama, Jonny, Sidney Ferraz, Betinho Alencar, Ully Costa, Rubinho Antunes e José
Manoel Scabello. Aos professores Célio Paula da Costa, Elias Borges e Alberto Trindade. A
Hélio Delmiro, pela qualidade da matéria-prima deste trabalho.
vii
RESUMO
No período compreendido entre o final da década de 1960 e estes primeiros anos do
século XXI, configurou-se, na produção fonográfica brasileira, um gênero de música instrumental
com características próprias, em que a cultura do país é permeada pela estética do jazz norte-
americano, sendo esperado do músico executante um elevado nível de proficiência e domínio das
técnicas de improvisação. O presente trabalho concentra-se na obra de um dos protagonistas
desse cenário, o guitarrista e violonista Hélio Delmiro, buscando examinar alguns dos elementos
de inventividade musical constituintes de seu estilo, o que, acredita-se, poderá vir a contribuir
para uma sistematização da aplicabilidade de tais recursos nesse tipo de arte, com ênfase nos
instrumentos de sua especialidade. Para tanto, partindo-se do material resultante da pesquisa de
iniciação científica O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, foi feita uma comparação
contextualizada de aspectos formais e estruturais presentes em sua obra gravada, seja por meio de
composições, improvisos ou (re)harmonizações, com procedimentos já sistematizados por
estudiosos da música popular. Essa observação demonstrou que Delmiro sintetiza suas
influências estilísticas de maneira peculiar e consistente, sendo um importante personagem no
processo de consolidação da linguagem da “música instrumental brasileira”, e assumindo uma
posição referencial com relação ao papel do violão e da guitarra nesse contexto.
Palavras-chave: Delmiro, Hélio; Improvisação (Música); Violão; Música para guitarra (Jazz);
Música instrumental
viii
ABSTRACT
During the period of time between the late sixties and the first years of the 21
st
century, the Brazilian phonographic production witnessed the configuration of a genre of
instrumental music that proved to have its own characteristics; while containing the Brazilian
culture, it is nevertheless permeated by the aesthetics of American Jazz, creating an expectation
towards the performing artists of an elevated level of proficiency and the mastering of Jazz
improvisational techniques. The genre is called here the “Brazilian Contemporary Instrumental
Music”. This paper concentrates on the work of one of the most important protagonists of this
genre, the guitarist Hélio Delmiro. We seek to examine some of the elements of Delmiro’s
musical creativity and style, hoping this work will contribute to create a systematization and
develop means to its applicability, with an emphasis on Delmiro’s specialty. In order to realize
this research, we departed from the findings of a previous one, developed during our
undergraduate years, called “Hélio Delmiro’s Improvisational Style”. This paper presents a
contextualized comparison of structural and formal aspects of Delmiro’s recorded work, which
includes compositions, improvisations, and reharmonizations. Those aspects have been
previously systematized by scholars interested in “popular music”, we applied some of those to
the study of Delmiro’s music. The realization that Delmiro makes use of different sources of
material to develop his music demonstrated that he synthesizes his stylistic influences in a
personal and consistent way, thereby becoming a very important protagonist regarding the
process of consolidation of the “language” of the Brazilian Contemporary Instrumental Music,
taking a very important position as a reference on the role and importance of the guitar in that
context.
Keywords: Improvisation (Music), Guitar, Guitar Music (Jazz), Instrumental music
ix
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................................... 1
Primeira Parte: Vida e obra
CAPÍTULO I – Formação ......................................................................................................... 6
1.1 Os bailes ..................................................................................................................... 6
1.2 Os estudos .................................................................................................................. 7
1.3 O “samba-jazz” .......................................................................................................... 9
1.4 Referências musicais .................................................................................................. 11
1.4.1 Baden Powell ............................................................................................ 11
1.4.2 Wes Montgomery ..................................................................................... 12
1.4.3 Victor Assis Brasil .................................................................................... 13
CAPÍTULO II – Carreira .......................................................................................................... 15
2.1 Discografia ................................................................................................................. 18
Segunda Parte: Análises
CAPÍTULO III – Aspectos formais, instrumentação e repertório ......................................... 23
3.1 Forma e instrumentação ............................................................................................. 23
3.1.1 O guitarrista .............................................................................................. 24
3.1.2 O violonista ............................................................................................... 25
3.1.2.1 Violão solo .................................................................................... 26
3.1.2.2 Duos .............................................................................................. 26
3.1.2.3 Último desejo ................................................................................. 27
3.2 Repertório .................................................................................................................. 28
x
CAPÍTULO IV – Aspectos rítmicos .......................................................................................... 32
4.1 Variedade rítmica ....................................................................................................... 32
4.2 Deslocamento métrico ............................................................................................... 36
4.3 Quiálteras ................................................................................................................... 42
CAPÍTULO V – Aspectos melódicos ....................................................................................... 45
5.1 Escalas pentatônicas ................................................................................................... 45
5.2 Padrões melódicos ..................................................................................................... 49
5.2.1 Quartas (justas) ......................................................................................... 49
5.2.2 Trítonos ..................................................................................................... 54
5.3 Uso de apojaturas ...................................................................................................... 56
5.3.1 Aproximação à 5
a
justa do acorde dominante .......................................... 56
5.3.2 Aproximação à fundamental em acordes menores ................................... 58
5.3.3 Uso seqüencial de apojaturas .................................................................... 60
5.4 Melodias em oitavas .................................................................................................. 61
5.5 “Double stops” .......................................................................................................... 62
CAPÍTULO VI – Aspectos harmônicos .................................................................................... 64
6.1 Acordes de empréstimo modal ................................................................................... 65
6.2 Modulação para a dominante maior ........................................................................... 66
6.3 Acorde da “região da mediante” – IIIMaj7 ................................................................ 67
6.4 Ciclos de terças maiores ............................................................................................. 69
6.5 Modulação para o homônimo do relativo maior ........................................................ 76
Conclusão .................................................................................................................................... 79
Referências .................................................................................................................................. 84
Bibliografia .................................................................................................................................. 86
1
INTRODUÇÃO
Num período entre as décadas de 1960 e 70, a música popular brasileira passou por
importantes transformações. Após os anos da bossa nova, quando predominaram formações e
arranjos de influência jazzística, a canção brasileira incorporou elementos de outras vertentes
musicais, como o rock e o baião, fazendo uso de equipamentos eletrônicos e assumindo um
formato estético que se convencionou chamar “MPB”, o qual se estenderia até os dias atuais,
sofrendo algumas modificações e voltando a se aproximar das formações mais acústicas. O
surgimento de novas tecnologias contribuiu para o desenvolvimento da indústria fonográfica e
dos meios de comunicação, acompanhados por uma expansão do mercado de entretenimento, o
que levou a uma exigência pela profissionalização do artista brasileiro. Paralelamente, o músico
popular também passou por um processo de aperfeiçoamento, impulsionado, entre outras coisas,
pelo trabalho de educadores da área do jazz, que sistematizaram esta linguagem através do estudo
2
da harmonia e da improvisação, o que beneficiou e se refletiu no trabalho de instrumentistas
brasileiros envolvidos com a música instrumental.
Hélio Delmiro foi um dos músicos mais atuantes em shows e gravações durante essa
época. Destacou-se como “sideman”, acompanhando a maioria dos principais artistas do gênero,
como Elis Regina, Milton Nascimento, Tom Jobim e Chico Buarque, além de alguns nomes da
música internacional, como a cantora Sarah Vaughan. Também participou ativamente do cenário
da música instrumental do país, trabalhando ao lado de músicos como Victor Assis Brasil, Luizão
Maia, Márcio Montarroyos, Antônio Adolfo e Nico Assumpção, entre outros. Além disso, possui
discografia própria, tendo gravado sete álbuns, dois dos quais em parceria com pianistas – um
com César Camargo Mariano, outro com Clare Fischer –, nos quais está registrado seu trabalho
como solista e compositor.
A formação de Delmiro inclui estudos da técnica violonística clássica, o que se reflete
em sua particularidade de tocar apenas com as mãos, dispensando o uso de palhetas, prática
comum à maioria dos guitarristas, e em algumas de suas composições para violão solo, de caráter
polifônico. Sua maneira de tocar sugere influências de diferentes estilos, como choro, baião,
samba, blues e jazz, em especial o bebop, onde a linguagem da improvisação tem papel essencial.
Apesar da importância desse músico, um dos mais influentes de sua geração, ainda
não há publicações consistentes sobre sua obra e/ou suas concepções musicais. Nesse sentido,
durante o curso de graduação em música popular da Universidade Estadual de Campinas, foi
realizada pesquisa de iniciação científica intitulada O estilo de improvisação de Hélio Delmiro,
financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp. Nela, foram
realizados levantamento biográfico, entrevista com o músico, transcrição e codificação de seis
solos improvisados do instrumentista registrados em discos (
Tabela 1), sistematização de alguns
procedimentos recorrentes nos improvisos e elaboração de sugestões de exercícios de fraseado,
com diferentes possibilidades de digitação no braço do violão ou da guitarra.
3
Tabela 1
:
Transcrições da pesquisa de I.C. O estilo de improvisação de Hélio Delmiro
Composição Autor(es) Álbum Gravadora, ano
Pro Zeca
Victor Assis Brasil
“Emotiva”
EMI-Odeon, 1980
No rancho fundo
Ary Barroso e
Lamartine Babo
“Samambaia”
(com César Camargo Mariano)
EMI-Odeon, 1981
Espada de fogo
Hélio Delmiro
“Romã”
Line Records, 1991
Novo tempo
Hélio Delmiro
“Romã”
Line Records, 1991
Último desejo
Noel Rosa
“Vivanoel” vol. 2
(Ivan Lins)
Velas, 1997
Dois por quatro
Hélio Delmiro
“Symbiosis”
(com Clare Fischer)
Clare Fischer, 1999
A partir dos resultados alcançados na referida pesquisa, vislumbrou-se a necessidade
de continuidade do trabalho inicial. Primeiramente, através de uma contextualização do sujeito
Hélio Delmiro com relação ao momento histórico e o ambiente sócio-cultural em que sua obra
está inserida, no intuito de apontar fatores que possam ter norteado sua vida e sua carreira. Por
outro lado, almejou-se aprofundar as investigações sobre os elementos musicais em pontos
específicos, que permitissem a decodificação de algumas de suas concepções criativas,
intencionando-se identificar peculiaridades de seu estilo. Para isso, estendeu-se a abordagem,
inicialmente restrita à questão da improvisação, também a aspectos composicionais e
interpretativos.
Por trás dessa busca por características particulares de Delmiro, encontrava-se o
objetivo intrínseco da pesquisa e sistematização de elementos estéticos e estilísticos próprios da
chamada “música instrumental brasileira”, gênero do qual Hélio vem a ser uma figura-chave,
notadamente pelo seu desenvolvimento e difusão através do violão e da guitarra elétrica. Esta
4
maneira de tocar e compor que utiliza elementos musicais característicos da cultura popular
brasileira vem sendo realizada nas últimas quatro décadas, tendo sofrido constantes modificações
ao longo desse período, mas mantendo sempre uma estreita ligação com o jazz, tanto pelo uso de
sua linguagem melódico-harmônica quanto pelo caráter inventivo da improvisação.
O contexto musical a que pertence a obra de Hélio Delmiro – umjazz brasileiro’ –
lida com uma conjuntura melódico-harmônica de características estabelecidas ao longo do século
XX. As relações escala/acorde na harmonia tonal fazem parte de uma série de conhecimentos de
natureza elementar para o músico popular que não serão aqui abordados. O objetivo deste
trabalho não é descrever cada técnica e/ou aplicação dos vários recursos improvisatório-
composicionais na música de Hélio, mas propiciar uma exposição comparada de alguns dos
elementos constituintes de sua arte com outros que compõem o vocabulário melódico jazzístico e
da música popular do Brasil, evidenciando características de seu estilo, influências e
idiomatismos do violão e/ou da guitarra elétrica. Deste modo, os apontamentos aqui presentes
pressupõem uma noção de práticas em uso na música popular.
Espera-se que esta pesquisa esteja contribuindo para o preenchimento de uma lacuna
existente na produção escrita que ressalte os aspectos específicos de nossa música popular e, em
especial, de sua vertente instrumental, ainda bastante escassa e incipiente. É contraditório que um
país de tamanha riqueza musical seja tão carente de trabalhos voltados para o assunto. Assim
sendo, estudos nesta direção virão a dar suporte teórico ao ensino da improvisação e da harmonia
com um enfoque fortemente caracterizado com a cultura de nosso país, tornando possível a
estudantes e profissionais o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da prática musical.
Primeira Parte: Vida e obra
6
CAPÍTULO I – Formação
1.1 Os bailes
Hélio Delmiro de Souza nasceu no Rio de Janeiro, em 20 de maio de 1947. Seu
interesse pela música começou ao dedilhar, por curiosidade, um velho cavaquinho com apenas
uma corda encontrado por seu irmão Juca num trem da Central do Brasil.
1
Posteriormente,
iniciou-se ao violão através de seu outro irmão, Carlos Delmiro, que também ministrava aulas
particulares do instrumento. E foi com o acompanhamento de um dos alunos de Carlos que
“Helinho” começou a explorar a criação instantânea de melodias sobre acordes pré-determinados:
1
Informação verbal obtida em conversa com o músico Hélio Delmiro em Brasília, 30 de julho de 2001.
7
... tocando com um aluno do meu irmão, (...) eu ficava na varanda, (...) sentado,
lá na escada... e ele ficava fazendo as harmonias de Menina feia, (...) Garota de
Ipanema, Corcovado... e eu ia tateando, ali, aquelas notas, aonde o meu
entendimento alcançava.
2
Em 1961, aos quatorze anos de idade, Delmiro começou a atuar profissionalmente
como músico em conjuntos de baile. Em sua opinião, a grande vantagem dos bailes era o fato de
não haver a “obrigação de se acertar”.
3
Segundo ele, as pessoas que dançam têm como referência
o contrabaixo e a bateria, responsáveis pela marcação dos tempos do compasso, ficando os
demais instrumentos com maior liberdade para criar. Hélio, então, “brincava” de improvisar
durante as músicas, experimentando recursos que utilizaria ao longo de sua carreira, como o uso
de oitavas e o seu característico assovio em uníssono com a guitarra.
4
Nos bailes da década de 60
tocavam-se sambas-canções, bossa nova e jazz, estilos que permitem a exploração de complexas
estruturas melódico-harmônicas. Provavelmente, isso também tenha possibilitado que o
guitarrista tivesse seu repertório consideravelmente ampliado e aprofundasse seus conhecimentos
práticos sobre improvisação. Além disso, nessas ocasiões, muitas vezes não há interrupção entre
uma e outra composição, o que exige dos músicos certo domínio, mesmo que intuitivo, de
elementos formais como turnarounds
5
e finalizações.
1.2 Os estudos
Paralelamente, Delmiro se aprofundava nos estudos de seu instrumento. Inicialmente,
praticou de maneira autodidata, guiando-se por gravações de outros músicos, com especial
predileção pelo violonista Baden Powell.
2
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 24-25.
3
Informação verbal obtida em conversa com Hélio Delmiro em Brasília, em 30 de julho de 2001.
4
Idem.
5
O termo “turnaround” foi ‘internacionalizado’ e se refere àquele tipo de progressão harmônica utilizada
normalmente para o retorno ao início do tema. Tem um sentido parecido com o da expressão “dar meia volta”, que
parece ser mesmo o que a harmonia faz nesse retorno, e é comum que seja uma extensão da cadência perfeita para a
tônica – III-VI-II-V-I.
8
Eu não estudava com metrônomo. Meu metrônomo era o disco do Baden. Eu
botava o disco do Baden, copiava uma coisa dele, em dezesseis rotações – nas
“vitrolinhas”, antigamente tinha: “dezesseis rotações” –, daí, copiava aquilo
lentinho, depois, botava lá em “trinta e três” e tentava “chegar junto”. Enquanto
eu não chegasse junto, não estava bom...
6
Posteriormente, Delmiro passou a orientar-se com o professor Jodacil Damasceno
(1929), que o introduziu aos estudos da técnica violonística clássica. Jodacil foi aluno de Antonio
Rebelo, discípulo do uruguaio Isaías Savio, e estudou também com Oscar Cáceres. Trabalhou
como solista na Rádio MEC e gravou a série integral dos prelúdios e canções para violão de
Heitor Villa-Lobos. Sua principal atividade foi a formação de violonistas, muitos dos quais
profissionais de êxito. Lecionou, a convite de Turíbio Santos, em conservatórios da França, e foi
responsável pela criação do primeiro curso de bacharelado em violão do Brasil, na Faculdade de
Música Augusta Souza França, em 1972. Trabalhou na instituição até 1982, quando passou a
lecionar na Universidade Federal de Uberlândia, onde se aposentou em 1999.
Hélio desenvolveu um toque violonístico e guitarrístico pessoal. Enquanto a grande
maioria dos guitarristas de música popular se utiliza de palhetas, ele toca apenas com as mãos,
unindo o apuro técnico obtido através de autores como Abel Carlevaro, Mauro Juliane, Mateu
Carcassi e Emilio Pujol
7
e a liberdade inerente à linguagem improvisacional. Durante seu
exercício diário, o músico diz estudar essencialmente técnica, o que, para ele, condiciona um
instrumentista a pôr em prática suas idéias musicais. Para ele, “o fator mais importante para inibir
a criatividade é a falta de preparo técnico”.
8
... eu estudei com o professor Jodacil Damasceno muito pouco, mas o suficiente
para disciplinar isso, entendeu? Para eu me organizar no estudo, para tornar o
estudo objetivo (...) Então, eu dividi meu estudo em compartimentos: escala,
arpejos, ligados e, depois, “afins” (risos) (...) que seria o quê? Qualquer coisa
que você faça: “tirar” música, trabalhar em cima de uma dificuldade em uma
determinada música, criar os próprios exercícios – eu tenho vários...
9
6
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 33-34.
7
Ibid., p. 27.
8
Ibid., p. 25.
9
Ibid., p. 27-28.
9
Hélio atribui grande parte de seu aprendizado como improvisador ao hábito de ouvir
música. Apesar da importância atribuída por músicos e estudiosos à prática da transcrição, para
ele, possuidor de uma apurada percepção musical, não seria necessário “tirar” as frases para
incorporar as idéias musicais intrínsecas às mesmas, mas o fato de ouvi-las já tornaria isso
possível. Segundo o violonista, seu estudo técnico vem sempre precedido da audição:
Liga o teu som e fica ouvindo, chora de ouvir, entendeu? Fica arrepiado, curte...
Depois, tu ‘apaga’ o teu som e vai à luta! Amanhã, você liga de novo. Faz isso
todo dia; daqui a pouco, quando você menos esperar, você já começa a
compreender aquilo que você está ouvindo.
10
Delmiro diz praticar sempre ao violão, “o verdadeiro instrumento”, dando ênfase ao
correto posicionamento da mão esquerda. Outro aspecto importante de sua técnica é o fato de
manter sempre relaxada a musculatura que não é utilizada enquanto toca. Professores e
fisioterapeutas recomendam a prática através do menor esforço possível como forma de evitar
problemas de lesão por esforço repetitivo, muito comuns em instrumentistas, do que Hélio afirma
nunca ter sofrido.
1.3 O “samba-jazz”
No início dos anos 60, o Rio de Janeiro vivia um importante momento no cenário
musical: o surgimento da Bossa Nova. Paralelamente à canção, a música instrumental também
enveredava por novos caminhos melódico-harmônicos, tendo como referência o jazz norte-
americano, mais especificamente o bebop. A improvisação começava a ganhar espaço e os
instrumentistas buscavam expandir seu vocabulário através do aprimoramento técnico. A partir
do material harmônico então renovado, os músicos tinham à sua disposição uma espécie de
“laboratório” no qual poderiam desenvolver suas habilidades improvisacionais. Em seu livro
10
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 34.
10
Chega de saudade, Rui Castro descreve o ambiente onde se desenvolvia essa nova maneira de
tocar:
...na rua Duvivier, em Copacabana, numa travessa sem saída que Sérgio Porto
batizara anos antes como Beco das Garrafadas. O nome foi rapidamente
simplificado para Beco das Garrafas, muito mais nobre, mas continuou se
referindo ao irritante hábito dos moradores de seus edifícios de alvejar com
garrafas vazias os freqüentadores das boates lá embaixo. (...) Em 1961, de dentro
do Beco para fora, essas boates eram, pela ordem, o Little Club, o Baccara, o
Bottle’s (sic!) Bar e o Ma Griffe. Dos quatro, só o Ma Griffe se dedicava
primordialmente à prostituição, embora também contivesse um piano que, no
passado recente, chegara a estar a cargo de Newton Mendonça. As outras três
apresentavam simplesmente a melhor música que se podia ouvir ao sul da baía
de Guanabara. Duas delas, o Little Club e o Bottle’s (sic!), eram dos mesmos
proprietários, os italianos Giovanni e Alberico Campana, sempre dispostos a
patrocinar jovens talentos, desde que eles mantivessem suas casas cheias.(...) Por
volta de 1960, ele [o pianista Sérgio Mendes] começou a comandar as canjas de
jazz e Bossa Nova nas tardes de domingo no Little Club, que serviram de
iniciação para centenas de adolescentes cariocas e muitos músicos amadores. As
canjas eram um bom negócio para todo mundo. Os garotos entravam de graça e
apinhavam o lugar, mas pagavam pelos cuba-libres que consumiam. Os músicos
profissionais também tocavam de graça, mas a bebida, nesse caso, era mais ou
menos liberada e eles podiam tocar o que realmente gostavam, fora do seu
trabalho quadrado nas gafieiras, nos conjuntos de dança das boates ou nas
orquestras da TV Tupi ou da TV Rio. (...) o Beco das Garrafas (...) esteve para a
Bossa Nova assim como o Minton’s Playhouse, o clube da rua 118, no Harlem,
em Nova York, esteve para o be-bop (sic!) no começo dos anos 40.
11
Hélio Delmiro foi um desses garotos que viram circular pelo Little Club e,
posteriormente, também pelo Bottles Bar, os principais nomes da música instrumental carioca da
época. Esses músicos, que se conheciam “de lugares tão díspares quanto a banda do quartel de
Realengo ou a orquestra do Teatro Municipal”,
12
viriam a se tornar os expoentes do novo estilo
que estava sendo criado, “que o crítico de jazz Robert Celerier, do jornal Correio da Manhã,
chamou de hard Bossa Nova”,
13
outros de “música popular moderna”,
14
mas que ficou conhecido
como “
samba-jazz”:
11
Rui CASTRO, Chega de saudade, p. 285-287.
12
IDEM, A onda que se ergueu no mar, p. 219.
13
IDEM, Chega de saudade, p. 287.
14
IDEM, A onda que se ergueu no mar, p. 218.
11
...uma fusion que vinha sendo cozinhada desde fim dos anos 50, nas microboates
do Beco das Garrafas, em Copacabana, e que, com as liberdades conquistadas
pela Bossa Nova (da qual parecia ser uma viril linha auxiliar), pudera finalmente
aflorar. (...) base forte de samba, ataques em uníssono de trompete, trombone e
sax tenor, improvisações à hard bop, harmonias impressionistas, charme de
gafieira – (...) a (...) Bossa Nova (...) lhe fornecia pelo menos metade dos temas
(os outros eram os originais dos seus próprios músicos).
15
1.4 Referências musicais
Diferentemente do que comumente ocorre na formação de guitarristas de um modo
geral, grande parte das referências jazzísticas de Hélio é formada por músicos de outros
instrumentos. No campo da improvisação, sua referência são os instrumentistas de sopros: John
Coltrane, Charlie Parker, Cannonball Adderley, Miles Davis, Paul Gonçalves, Art Farmer, J. J.
Johnson e Frank Rossolino.
16
No do acompanhamento, o arranjador Henry Mancini e os pianistas
Bill Evans, Oscar Peterson, Winton Kelly, Cedar Walton, McCoy Tyner e Herbie Hancock.
17
Quando perguntado a respeito das referências mais diretamente relacionadas a seu
instrumento, Delmiro é econômico: “o único guitarrista que me influenciou foi Wes
Montgomery, e o violonista foi o Baden Powell.”
18
1.4.1 Baden Powell
Baden Powell era um dos instrumentistas que participavam daquelas jam sessions no
“Beco das Garrafas”. A admiração de Delmiro pelo violonista já existia desde o início de seus
estudos, quando se guiava por gravações de Baden:
15
Rui CASTRO, A onda que se ergueu no mar, p. 218.
16
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 32.
17
Ibid., p. 39.
18
Ibid., p. 36.
12
...pegava um disco do Baden Powell, por exemplo, e ficava comparando. Aí, eu
tirava uma ou outra coisa do Baden – podia ser um outro, mas quem me atraía,
mesmo, era o Baden, né? Pra que? Para eu avaliar, tecnicamente, como eu
estava, porque eu estudava técnica sozinho e não sabia, não tinha orientação.
19
Baden Powell (1937-2000) foi um dos mais emblemáticos representantes do violão
brasileiro. Iniciou-se na música popular aos oito anos de idade, mas também estudou violão
clássico durante muitos anos. Assim como Hélio, tornou-se profissional prematuramente, indo
trabalhar aos quinze anos de idade na Rádio Nacional. Na década de 50, passou a interessar-se
mais pelo jazz. Projetou-se como compositor em parceria com os letristas Billy Blanco, Vinicius
de Moraes e Paulo César Pinheiro. Seu estilo caracterizou-se por incorporar elementos
virtuosísticos da técnica clássica às nuances rítmico-harmônicas da música popular brasileira. A
partir dos anos 60, tornou-se muito conhecido na Europa, principalmente na França e Alemanha,
países onde residiu e gravou vários discos.
No CD “Symbiosis”,
20
em parceria com o pianista norte-americano Clare Fischer,
Hélio prestou sua homenagem ao mestre gravando a composição P’ro Baden, de sua autoria. Há
também uma foto no encarte do CD, tirada durante uma jam session no apartamento de Delmiro,
no Rio de Janeiro, da qual Baden Powell participou juntamente com o duo.
1.4.2 Wes Montgomery
Como os grandes improvisadores, Hélio Delmiro teve no jazz sua maior referência,
em particular, no músico Wes Montgomery (1925-1968), que considera “o Pelé da guitarra”:
21
...ele era americano, mas ele tinha uma linguagem muito “latina” – aí, eu entendi
porque é que o (Roberto) Menescal achou que o que eu tocava parecia um pouco
com ele: por causa desse lado latino, né? A forma de tocar, a articulação. Mas o
tocar, em si... aí eu falei: “Pô, é impossível tocar como esse cara.” Ninguém
19
Rui CASTRO, A onda que se ergueu no mar, p. 29.
20
Clare Fischer, 1999.
21
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 28.
13
toca, ninguém tocou, ninguém jamais tocará como Wes Montgomery. Foi o
maior músico do planeta.
22
Essa preferência torna-se curiosa quando observado o fato de Hélio dizer não gostar
da maneira como tocam os guitarristas de um modo geral,
23
talvez por causa de uma sonoridade
carregada pelo uso intenso de idiomatismos do instrumento. Interessante também é notar que
tanto Delmiro quanto Montgomery optaram pelo toque da mão direita livre, sem o uso de
palhetas, sendo que Wes utilizava apenas o polegar.
1.4.3 Victor Assis Brasil
Ainda entre os músicos que freqüentavam as reuniões no “Beco”, estava o
saxofonista e clarinetista Paulo Moura, professor de um outro músico que também viria a se
apresentar naquele lugar poucos anos mais tarde: Victor Assis Brasil (1945-1981).
No sítio da Rede Internet dedicado à vida e obra de Assis Brasil, o jornalista e crítico
de jazz do Jornal do Brasil José Domingos Raffaelli fornece algumas informações sobre o início
de sua carreira:
Freqüentou o famoso Beco das Garrafas, tocando, dando “canjas” e participando
das jam sessions dominicais do “Little CIub”, onde conheceu músicos de
renome entre nós. Também se apresentou em inúmeros shows de estudantes em
auditórios de colégios cariocas. Na década de 60 era prática comum a realização
de jam sessions em festas familiares e Victor participou de um sem número
(sic!) delas, que foram importantes no seu desenvolvimento de improvisador.
24
Em 1965, Victor Assis Brasil tocou na inauguração do “Clube de Jazz e Bossa”,
aonde viria a se apresentaria constantemente e conheceria o maestro e pianista austríaco Friedrich
Gulda, a convite de quem participaria, em 1966, do “Concurso Internacional de Viena”, evento
do qual Gulda era patrocinador. Victor obteve o 3
o
lugar na categoria de saxofonistas e, no
22
Ibid., p. 37.
23
Informação verbal obtida em conversa com Hélio Delmiro em Brasília, em 30 de julho de 2001.
24
José Domingos RAFFAELLI, Victor Assis Brasil, http://assisbrasil.org/vitorbio.html, p. 4.
14
mesmo ano, foi considerado o melhor solista do “Fest Jazz Berlin”, o que lhe rendeu uma bolsa
de estudos na Berklee College of Music, que utilizaria em 1969. Em seu retorno ao Brasil, ainda
no ano de 1966, conheceu Hélio Delmiro, numa das “freqüentes reuniões de jazz que se faziam
nos dias de folga das boates da zona sul”.
25
O guitarrista foi então convidado a integrar o
conjunto de Victor, com o qual gravaria, dois anos mais tarde, o segundo LP do saxofonista,
“Trajeto” (Equipe, 1968), projetando-se profissionalmente através de um trabalho instrumental
de caráter jazzístico.
Victor Assis Brasil parece ter sido uma presença importante na carreira de Hélio
Delmiro. Apesar da pouca diferença de idade entre os dois (Victor nasceu em 1945 e Hélio, em
47), o tecladista Marcos Borelli refere-se a Delmiro como sendo de “uma nova geração de
instrumentistas brasileiros” para cuja formação Assis Brasil teria contribuído,
26
o que parece
sugerir um papel de referência e liderança de Assis Brasil sobre seus contemporâneos. Apesar de
sua morte precoce, aos 35 anos, Victor deixou uma discografia de oito álbuns, gravados entre
1966 e 1980.
25
Segundo biografia cedida por Hélio Delmiro para a pesquisa de Iniciação Científica O estilo de improvisação de
Hélio Delmiro (Bruno Rosas MANGUEIRA).
26
Marcos BORELLI, Victor Assis Brasil, http://assisbrasil.org/vitorbio.html, p. 3. Além de Hélio Delmiro, Borelli
cita os também saxofonistas Mauro Senise e Nivaldo Ornelas e os trompetistas Cláudio Roditi e Márcio Montarroyos
como músicos que tiveram Victor Assis Brasil como referência.
15
CAPÍTULO II – Carreira
Em 1965, Hélio Delmiro integrou o quarteto que deu origem ao grupo “Fórmula 7”,
do qual também faziam parte o baterista Claudio Caribé, que acompanhava “Renato e seus Blue
Caps”, o baixista Luizão Maia, até então desconhecido, o tecladista Helio Celso, além de um
guitarrista de base e dois trompetistas, sendo um deles Márcio Montarroyos. Tratava-se de um
som calcado no soul norte-americano, influenciado pelo “Herp Alpert Tijuana Brass”. O conjunto
esteve presente nas TVs Rio e Record de São Paulo, no programa “Rio Jovem Guarda”,
comandado por Roberto Carlos.
No ano seguinte, Hélio juntou-se ao grupo de Victor Assis Brasil. Nesse período,
trabalhou com o pianista Luiz Eça, integrante do “Tamba Trio” e, em 1967, passou a fazer parte
do “Conjunto 3D”, do pianista Antônio Adolfo, também composto pelo contrabaixista Gusmão, o
baterista Nelsinho, a cantora Beth Carvalho e Eduardo Conde.
16
A convite do amigo Luizão Maia, em 1972, passou a integrar o grupo de Elis Regina,
acompanhando-a durante três anos em apresentações pelo Brasil, Japão, América Latina e
Europa. Entre outros álbuns da cantora, participou dos LPs “Elis e Tom” (Philips, 1974), gravado
em Los Angeles, e “Elis, essa mulher” (Warner Bros., 1979), que Delmiro considera um marco
de sua maturidade artística.
1
Hélio Delmiro foi um dos músicos mais ativos do país em shows e gravações nas
décadas de 1970, 80 e 90, trabalhando com artistas de diversas vertentes. No campo da chamada
“MPB”, atuou ao lado de intérpretes como Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Nelson Gonçalves,
Maria Creuza, Gal Costa, Nana Caymmi, Zizi Possi, Fátima Guedes, Simone e Joana, e
compositores como Milton Nascimento, Chico Buarque, Ivan Lins, Edu Lobo, Tito Madi, Marcos
Valle, João Donato, Sérgio Ricardo, João Bosco, Djavan e Beto Guedes. Acompanhou também
importantes artistas do samba, como Martinho da Vila, Beth Carvalho, D. Ivone Lara, João
Nogueira e Marlene, a Escola de Samba Império Serrano, além de estar presente em toda a
discografia de Clara Nunes, tendo sido o disco “Esperança” dedicado a ele pela cantora, com
menção na contracapa, por dez anos de trabalho juntos.
Hélio atuou ainda como produtor. Em 1975, produziu os discos “Claridade”, de
Clara Nunes, recorde de vendas na carreira da cantora, e “Vem Quem Tem”, de João Nogueira,
ambos pela EMI-Odeon. De 1989 a 91, produziu e apresentou o programa “Jazz Entre Amigos”,
pela Rádio Record do Rio de Janeiro. No mesmo ano, implantou e dirigiu a gravadora Line
Records, produzindo uma série de títulos. Em 2000, foi responsável pela produção do CD de João
Donato, em Brasília.
No cenário internacional, participou da gravação de dois álbuns da cantora Sarah
Vaughan, “O Som Brasileiro de Sarah Vaughan” (1977) e “Exclusivamente Brasil” (BMG,
1979). Participou também de uma faixa do LP “Sleeping Gypsy” (Warner Bros., 1977), do “pop
star” Michael Franks, gravando ao lado de Wilton Felder, Larry Carlton, João Palma, João
Donato, Ray Armando e Michael Brecker. Realizou ainda trabalhos com a cantora Liza Ono e o
saxofonista argentino Gato Barbieri.
Mas foi no contexto da música instrumental que Hélio Delmiro obteve maior
projeção. Participou, em 1978, do “1
o
Festival de Jazz Montreux SP”, em duo com o pianista
1
Informação verbal obtida em aula no “30
o
Festival de Inverno de Campos do Jordão”, em julho de 1999.
17
Luiz Eça e integrando o “Trio de guitarras”, ao lado de Larry Couryel e Phillip Caterine,
performance que o colocou no ranking da revista Down Beat, entre os cinco maiores guitarristas
do mundo.
2
Dois anos mais tarde, voltou para a segunda edição do festival, lançando seu primeiro
LP, “Emotiva” (EMI-Odeon, 1980), e apresentando-se em duo com o guitarrista Joe Pass. Em
1982, esteve no “Jazz Fest Berlin” em apresentação solo. Em 85, participou com seu conjunto do
primeiro “Free Jazz Festival”. No ano seguinte, juntamente com César Camargo Mariano e
Paulo Moura, apresentou-se no “Festival de Jazz da Espanha”. Em 1991, apresentou, na Sala
Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro, o show “Helio Delmiro in concert”, cuja gravação ao vivo
resultou em seu primeiro CD, “Romã” (Line Records), lançado no ano seguinte. Também em
1992, excursionou pelo Brasil numa série de seis shows com o contrabaixista John Patitucci, o
pianista Joe Calderazzo e o baterista Carlos Bala. Em 1996, realizou uma semana de shows na
casa carioca Mistura Fina, juntamente com o compositor e violonista Carlos Althier “Guinga”,
evento considerado pelo jornal “O Globo” o “melhor show instrumental do ano”.
3
No ano
seguinte, uma nova semana de apresentações, desta vez tendo como convidado o guitarrista
Heitor TP, que, assim como Guinga, reconhece em Delmiro uma de suas maiores influências. Em
Nova York, participou e dirigiu o show “Tributo a Elis Regina”, em 1998. No mesmo ano,
apresentou-se com o saxofonista Sadao Watanabe no Teatro Municipal de Niterói e participou do
projeto “Chorando Alto”, no SESC Pompéia (SP), homenageando Jacob do Bandolim e tendo
como convidado o pianista e arranjador Clare Fischer. Também em duo com Fischer, apresentou-
se, no ano seguinte, na casa de shows The Jazz Bakery, na Califórnia, onde gravariam o CD
“Symbiosis” (Clare Fischer, 1999), na casa de Clare. O lançamento no Brasil ocorreu em 2000,
com shows em São Paulo (Sesc Pompéia), Rio de Janeiro (Mistura Fina), e Brasília (Teatro Villa-
Lobos), seguindo-se uma turnê de Delmiro em apresentações solo numa série de dezessete
concertos por várias cidades brasileiras. Em 2001, retornou à Califórnia, onde participaria de um
programa de rádio transmitido ao vivo para 70 emissoras norte-americanas e realizaria uma série
de seis apresentações no The Jazz Bakery, ao lado de Clare Fischer, obtendo elogios do crítico de
jazz Don Heckman, do jornal “Los Angeles Times”.
4
2
Informação extraída de biografia cedida por Hélio Delmiro para a pesquisa de Iniciação Científica O estilo de
improvisação de Hélio Delmiro (Bruno Rosas MANGUEIRA).
3
Idem.
4
“Delmiro, though not being especially, well known in this country, has been active since the late ‘60s in Brazil,
recording with everyone from Sarah Vaughan and Elis Regina to Michael Franks and Charlie Haden. Matching a
sensitive single line touch with rich harmonic clusters and a subtly driving, samba tinged sense of rhythm, he was
18
A partir da década de 1990, novas gerações de estudantes de música puderam tomar
conhecimento do trabalho de Hélio Delmiro também por meio de cursos e festivais em diversas
cidades brasileiras. O instrumentista ministrou aulas de guitarra e violão nas edições XVI e XVII
do “Curso Internacional de verão da Escola de Musica de Brasília (CIVEBRA)”,
respectivamente nos anos de 1994 e 95. Também neste ano, participou, como Professor
Concertista, do “Seminário Latino-americano de Violão”, ocorrido durante o “26
o
Festival de
Inverno de Campos do Jordão”, retornando à 30
a
edição do evento em 1999, como professor de
guitarra e violão. Em 2000, apresentou-se no “Projeto Música na Igreja”, durante o “Festival de
Inverno de Itabira”. No ano seguinte, ministrou oficina de violão no “4º Festival de Verão de
Pedro Leopoldo”. Em 2005, realizou workshop e show de lançamento do CD “Compassos” na
mostra/festival “Brasil Instrumental”, promovida pelo Conservatório Dramático e Musical Dr.
Carlos de Campos, de Tatuí (SP).
2.1 Discografia
Até o presente momento, a discografia de Hélio Delmiro é composta por sete álbuns:
os LPs “Emotiva”, “Samambaia” (em parceria com o pianista César Camargo Mariano) e
“Chama”, e os CDs “Romã”, “Symbiosis” (em parceria com Clare Fischer), “Violão Urbano” e
“Compassos”. Os dois primeiros discos foram relançados em CD pela EMI em 2003, na série
Odeon 100ANOS”. Nas páginas seguintes encontra-se uma listagem cronológica de sua obra,
incluindo detalhes quanto às gravadoras, ano de lançamento, músicos participantes e repertório.
equally articulate with the twists and turns of the blues.” (Don HECKMAN, Los Angeles Times. Los Angeles,
1.3.2001. Weekend.)
19
Discografia de Hélio Delmiro
EMOTIVA [EMI-Odeon, 1980]
(Relançado em CD em 2003 pela EMI Remasters)
Músicos: HÉLIO DELMIRO, violão e guitarra; LUIZ AVELLAR, piano; JOTA MORAES,
vibrafone; PAULO RUSSO, contrabaixo; PASCOAL MEIRELLES, bateria; DANILO
CAYMMI, flauta
Músicas:
1. Marceneiro Paulo (Hélio Delmiro)
2. Esperando (Hélio Delmiro)
3. Epistrophy (Thelonious Monk – Kenny Clarke)
4. Body and Soul (Eyton – Green – Heyman – Sour)
5. Pro Zeca (Victor Assis Brasil)
6. Emotiva n
o
1 (Hélio Delmiro)
7. Tarde (Milton Nascimento)
8. Waltzin’ (Victor Assis Brasil)
SAMAMBAIA (com CÉSAR CAMARGO MARIANO) [EMI-Odeon, 1981]
(Relançado em CD em 2003 pela EMI, na série Odeon 100ANOS)
Músicos: CÉSAR CAMARGO MARIANO, piano elétrico; HÉLIO DELMIRO, violão e guitarra
Músicas
:
1. Samambaia (César Camargo Mariano)
2. Carinhoso (Pixinguinha – João de Barro)
3. Emotiva n
o
4 (Hélio Delmiro)
4. Curumim (César Camargo Mariano)
5. Das Cordas (Hélio Delmiro)
6. Milagre dos Peixes (Milton Nascimento – Fernando Brant)
7. Choratta (César Camargo Mariano)
8. No Rancho Fundo (Ary Barroso – Lamartine Babo)
9. Ninhos (Hélio Delmiro)
10. Maria Rita (César Camargo Mariano) [piano solo]
20
CHAMA [Som da Gente, 1984]
Músicos: HÉLIO DELMIRO, violão e guitarra; FERNANDO MARTINS, piano yamaha acústico
e cp-70; MARINHO BOFFA, teclado yamaha dx 7 e prophet 5; BOB WYATT, bateria e
percussão; NICO ASSUMPÇÃO, baixo acústico, elétrico e fretless; TÉO DA CUÍCA, percussão;
ADRIANA PRISTA, flautim
Alberto Shimelli: concepção harmônica em Mulher Rendeira
Músicas:
1. Folha morta (Ary Barroso)
2. Cerrado (Hélio Delmiro)
3. Ad infinito (Hélio Delmiro)
4. Emotiva n
o
3 (Hélio Delmiro)
5. Mulher rendeira (Zé do Norte)
6. Quarto minguante (Renata Montanari – Wanda Stefânia)
7. Tua (Hélio Delmiro)
8. Chama (Hélio Delmiro)
ROMÃ – HÉLIO DELMIRO IN CONCERT [Line Records, 1991]
Músicos: HÉLIO DELMIRO, guitarra e violão; RIQUE PANTOJA, teclado; NICO
ASSUMPÇÃO, contrabaixo; CARLOS BALA, bateria
Músicas:
1. Espada de Fogo (Hélio Delmiro)
2. Ad Infinito (Hélio Delmiro)
3. Inaiá (Rique Pantoja)
4. Paz no Coração, (Hélio Delmiro)
5. Caravan (J. Tizol – I. Mills – D. Ellington)
6. Romã (Rique Pantoja)
7. Novo Tempo (Hélio Delmiro)
8. Só Saudade (Newton Mendonça – Tom Jobim)
9. Autumn Leaves (Joseph Kozma – Jacques Prevert – Johnny Mercer)
10. Carrousel (Hélio Delmiro)
SYMBIOSIS [Clare Fischer, 1999]
Músicos: CLARE FISCHER, piano elétrico; HÉLIO DELMIRO, violão
Músicas:
1. My old flame (A. Johnston – S. Coslow)
2. Melina do Rio (Clare Fischer)
3. P’ro Baden (Hélio Delmiro)
4. Lago’s (Hélio Delmiro)
5. Blues in F (Clare Fischer)
21
6. Dois por quatro (Hélio Delmiro)
7. Carrousel (Hélio Delmiro)
8. Pensativa (Clare Fischer)
9. Donna, my love (Clare Fischer)
10. Esperando (Hélio Delmiro)
11. Amor em paz (A. C. .Jobim)
12. Autumn leaves (J. Kosma)
13. Samba de uma nota só (A. C. Jobim)
VIOLÃO URBANO [Calaboca, 2002]
Músico: HÉLIO DELMIRO, violões
Músicas:
1. Violão urbano (Hélio Delmiro)
2. Cacá e Bié (Hélio Delmiro)
3. Bolero (Hélio Delmiro)
4. Serôdia (Hélio Delmiro)
5. Rio Doce (Hélio Delmiro)
6. Catarse (Hélio Delmiro)
7. Desafeto (Hélio Delmiro)
8. Emotiva n
o
1 (Hélio Delmiro)
9. 87 - Boca do mato (Hélio Delmiro)
10. Lago’s (Hélio Delmiro)
11. Lágrima azul (Hélio Delmiro)
12. Íntima (Hélio Delmiro)
COMPASSOS [Deckdisc, 2004]
Músicos: HÉLIO DELMIRO, guitarra; BRUNO CARDOZO, teclado; JORGE HELDER,
contrabaixo; JURIM MOREIRA, bateria
Músicas
1. My favorite things (Richard Rodgers – Oscar Hammesrtein II)
2. Alabastro (Hélio Delmiro)
3. Witchcraft (Carolyn Leigh – Cy Coleman)
4. Ponteio (Edu Lobo – Capinam)
5. Esperando (Hélio Delmiro)
6. Espada de fogo (Hélio Delmiro)
7. ‘Round midnight (Cootie Williams – Bernie Hanighen – Thelonious Monk)
8. TP (Hélio Delmiro) – Fusion
9. O morro não tem vez (Antonio Carlos Jobim – Vinícius de Moraes)
10. Itapê (Bruno Cardozo)
11. Compassos (Hélio Delmiro)
12. Ilusão à toa (Johnny Alf)
Segunda Parte: Análises
23
CAPÍTULO III – Aspectos formais, instrumentação e repertório
3.1 Forma e instrumentação
A discografia de Hélio Delmiro pode ser dividida de acordo com os dois instrumentos
de sua especialidade: o violão e a guitarra elétrica. O primeiro traz consigo a familiaridade do
artista com a música brasileira, fruto de experiências vivenciadas desde o ambiente familiar até
trabalhos com alguns dos mais representativos artistas do país. A segunda está ligada à influência
do jazz e, conseqüentemente, à improvisação, igualmente decisiva e fundamental em seu estilo.
Esses dois universos dialogam e se complementam na música de Hélio – e talvez resida aí sua
essência –, fazendo-se mais presente ora um, ora outro, de acordo com o contexto musical.
24
3.1.1 O guitarrista
Assim como Victor Assis Brasil e Luiz Eça, contemporâneos seus que seguiram
caminhos musicais similares, Delmiro teve no jazz uma forte referência para suas concepções
musicais. Em seus álbuns, praticamente todas as faixas que gravou como guitarrista têm como
base uma estética estabelecida pelo bebop nos anos 1950, e explorada também na década seguinte
pelos músicos do hard bop:
pequenas formações, onde as composições são expostas através de
um modelo formal estruturalmente simples –
tema/improviso(s)/tema, podendo haver ainda
alguma introdução, ponte e/ou finalização – e a improvisação tem papel preponderante. Na maior
parte das vezes, o músico opta por uma sonoridade “limpa”, valorizando as propriedades
acústicas do instrumento. Quando utiliza algum outro recurso, normalmente são efeitos “leves”,
como flanger ou chorus.
O repertório gravado com essa faceta ‘guitarrística’ do músico segue a mesma
tendência da música instrumental brasileira de um modo geral:
standards jazzísticos, versões
instrumentais de canções conhecidas da
música popular brasileira, composições instrumentais,
neste caso particularmente, de autores ligados ao artista, e músicas
próprias.
1
Nesses registros,
encontram-se formações que vão do duo ao hepteto, passando pelo quarteto, quinteto e sexteto,
não havendo, porém, gravações em trio. Em todas elas, assim como o fizera seu ídolo Wes
Montgomery em grade parte de sua carreira, Delmiro utilizou a
guitarra como instrumento
predominantemente melódico, sempre acompanhado pela seção rítmica, composta basicamente
por piano/teclado, contrabaixo e bateria. Seus álbuns seguem a tendência jazzística do registro
ao vivo”. Mesmo quando concebidos em estúdio, como é o caso da maioria deles, a impressão
que se tem é de que o quarteto básico foi gravado simultaneamente, havendo espaço também para
a improvisação de outros componentes do conjunto.
Cabe aqui a menção de duas situações particulares nas gravações de Hélio Delmiro
como guitarrista. Uma delas encontra-se no disco “Samambaia”, concebido em parceria com o
pianista e arranjador César Camargo Mariano, que por si só já constitui um caso à parte na
discografia de Hélio, dado o especial tratamento dispensado ao aspecto formal, com elaboradas
introduções, pontes, interlúdios e finalizações. Na única faixa do álbum gravada à guitarra, No
1
Vide Tabela 2, com divisão da discografia de Hélio Delmiro por gêneros, às páginas 29 e 30.
25
rancho fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo, Delmiro utilizou-a não só como instrumento
melódico mas também em acompanhamentos, em momentos nos quais o piano assumia aquele
papel.
A outra situação que foge ao conceito da guitarra jazzística é a introdução de Quarto
minguante, composição de Renata Montanari e Wanda Stefânia gravada no LP “Chama”. Nela,
movimentos contrapontísticos característicos das peças violonísticas são executados pela guitarra
solo. O trecho demonstra uma possibilidade específica do emprego da técnica de mão direita
usada por Delmiro, já que uma execução polifônica como essa dificilmente seria viável apenas
com o uso de palheta.
3.1.2 O violonista
Apesar dos estudos da técnica clássica, Delmiro tem um
toque leve e uma relação
com o violão que evidencia sua familiaridade com a cultura musical popular do Brasil,
particularmente aquela mais diretamente associada ao Rio de Janeiro. Isso pode ser observado,
por exemplo, nas conduções melódicas das linhas de baixo, que resultam em inversões de
acordes, características do
choro. Ou então na atividade rítmica intensa e sincopação presentes
em vários de seus solos e acompanhamentos, cheios de um “balanço” próprio do músico popular,
muito associado na história do
samba à “malandragem” carioca. Esses elementos confrontam-se e
somam-se a uma estética de influência jazzística proposta no final da década de 1950 pela bossa
nova, que contribuiu com um refinamento harmônico e uma interpretação intimista para a música
produzida no país.
A parte ‘violonística’ da discografia de Delmiro pode ser dividida entre os registros
ao
violão solo e os duos.
26
3.1.2.1 Violão solo
Nos primeiros, Hélio revela-se não só um exímio solista, mas também um importante
compositor do instrumento. Quase todas as suas gravações ao violão solo são registros de peças
suas, em sua maioria valsas, choros e sambas, nos quais se pode observar o intérprete Hélio
Delmiro fora do contexto da improvisação. São composições que transitam entre o popular e o
clássico, muitas delas de caráter polifônico.
Hélio segue a ‘escola’ de Baden Powell, compositor e violonista virtuoso que
explorou componentes rítmico-melódicos e inflexões característicos da música brasileira e
desenvolveu uma abordagem peculiar para a execução simultânea de melodia e harmonia em seu
instrumento (“chord melody”), influenciando gerações, direta ou indiretamente. A obra de Baden
também apresenta elementos do jazz, porém em certos momentos e de maneira mais discreta, não
chegando a assumir abertamente este ambiente, como acontece na carreira de Hélio Delmiro,
notadamente pelo aspecto do improviso melódico.
Um outro lado do violonista Hélio Delmiro, visto mais freqüentemente em suas
apresentações solo, pode ser apreciado na gravação ao vivo do standard Autumn leaves (Joseph
Kosma e Johnny Mercer), no CD “Romã”. Aqui, Delmiro mescla essas duas ‘personalidades
musicais’ – o “jazzman” e o ‘concertista’ –, fazendo uso ao violão de uma estética habitual do
universo da guitarra jazzística, numa forma de tocar que tem em Joe Pass um de seus principais
representantes. Nela, o executante concentra ao mesmo tempo as funções de solista e
acompanhador, que muitas vezes se confundem, deixando subentendidos alguns movimentos de
vozes e harmonias, devido às limitações físicas inerentes ao instrumento.
3.1.2.2 Duos
Nos registros em duos encontra-se boa parte desses momentos de fusão estilístico-
instrumental na obra do músico e predomina o mesmo modelo formal jazzístico utilizado nas
gravações à guitarra. A formação favorece a criação de um ambiente camerístico, propício a uma
atuação do violão como melodista, visto tratar-se de um instrumento de pouca projeção e
27
sustentação. Por outro lado, é bastante eficiente em termos de acompanhamento, seja em
andamentos lentos ou situações que requerem maior atividade rítmica. Assim sendo, o
instrumento demonstra-se uma opção que oferece versatilidade, qualidade importante diante da
necessidade de alternância de papéis que a execução a dois por vezes impõe.
Todas as gravações em duo foram divididas com um outro instrumento melódico-
harmônico, na maior parte das vezes o piano ou teclado. Além dos álbuns inteiramente dedicados
à formação, “Samambaia”, com César Camargo Mariano, e “Symbiosis”, com Clare Fischer, há
também registros de duos de violão e piano/teclado nas faixas Tua (Hélio Delmiro), do LP
“Chama”, com Fernando Martins, e Só saudade (Newton Mendonça e Tom Jobim), do CD
“Romã”, com Rique Pantoja. Em “Violão urbano”, Delmiro gravou duos de violões utilizando o
recurso tecnológico de “overdubbing”, que permite a gravação de instrumentos separadamente,
por meio da sobreposição de canais.
3.1.2.3 Último desejo
Uma das gravações analisadas, Último desejo,
2
apresenta peculiaridades que tornam
pertinentes algumas considerações. Embora não se trate de um fonograma pertencente à
discografia de Hélio Delmiro, além de um excelente desempenho do instrumentista, o registro
oferece a possibilidade da observação isolada de seu trabalho como arranjador, num álbum de
outro artista (Ivan Lins). Para o samba-canção de Noel Rosa, Hélio escolheu uma instrumentação
inusitada – voz, violão, contrabaixo acústico e caixa de fósforos –, adotando uma atitude
jazzística, através da utilização do violão em “compings”,
3
contracantos e improvisações, o que
produziu um interessante contraste estilístico. Em seu chorus, com a ausência da voz, encontra-se
um raro momento de Delmiro gravado em trio, formação considerada um desafio para
guitarristas, devido à ausência de instrumento harmônico, o que exige habilidade do
instrumentista para delinear a harmonia horizontalmente (melodicamente).
2
CD “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” vol. 2, Velas, 1997.
3
Tipo de acompanhamento utilizado por guitarristas de jazz onde as distribuições dos acordes, normalmente ricos em
tensões, dispensam o uso dos baixos. No piano, corresponderia à “harmonia de apoio”, realizada através da mão
esquerda, sendo adequado à execução em conjunto com o contrabaixo.
28
3.2 Repertório
Conforme mencionado, a discografia de Hélio Delmiro compõe-se basicamente de
quatro gêneros de composições: standards de jazz, músicas do cancioneiro da MPB,
instrumentais de compositores relacionados ao músico e suas próprias composições. A
Tabela 2
discrimina essa divisão:
29
Tabela 2
Discografia de Hélio Delmiro dividida por gêneros
Composição Autor(es) Álbum
Autumn leaves
J. Kozma – J. Prevert – J. Mercer “Romã”,
“Symbiosis”
Body and soul
Eyton – Green – Heyman – Sour
“Emotiva”
Caravan
J. Tizol – I. Mills – D. Ellington
“Romã”
Epistrophy
Thelonious Monk – Kenny Clarke
“Emotiva”
My favorite things
R. Rodgers – Oscar Hammesrtein II
“Compassos”
My old flame
A. Johnston – S. Coslow
“Symbiosis”
Pensativa
Clare Fischer
“Symbiosis”
’Round midnight
C. Williams – B. Hanighen – T. Monk
“Compassos”
Waltzin’
Victor Assis Brasil
“Emotiva”
Standards jazzísticos (10)
Witchcraft
Carolyn Leigh – Cy Coleman
“Compassos”
Amor em paz
A. C. Jobim
“Symbiosis”
O morro não tem vez
A.C. Jobim – Vinícius de Moraes
“Compassos”
Samba de uma nota só
A. C. Jobim
“Symbiosis”
Só Saudade
A. C. Jobim – Newton Mendonça
“Romã”
Folha morta
Ary Barroso
“Chama”
No Rancho Fundo
Ary Barroso – Lamartine Babo
“Samambaia”
Ponteio
Edu Lobo – Capinam
“Compassos”
Ilusão à toa
Johnny Alf
“Compassos”
Milagre dos peixes/
Cais/
San Vicente
Milton Nascimento – Fernando Brant/
Milton Nascimento – Ronaldo Bastos/
Milton Nascimento – Fernando Brant
“Samambaia”
Tarde
Milton Nascimento
“Emotiva”
Carinhoso
Pixinguinha – João de Barro
“Samambaia”
MPB (12)
Mulher rendeira
Zé do Norte
“Chama”
Itapê
Bruno Cardozo
“Compassos”
Choratta
César Camargo Mariano
“Samambaia”
Curumim
César Camargo Mariano
“Samambaia”
Samambaia
César Camargo Mariano
“Samambaia”
Blues in F
Clare Fischer
“Symbiosis”
Melina do Rio
Clare Fischer
“Symbiosis”
Donna, my love
Clare Fischer
“Symbiosis”
Quarto minguante
Renata Montanari – Wanda Stefânia
“Chama”
Inaiá
Rique Pantoja
“Romã”
Romã
Rique Pantoja
“Romã”
Instrumental (11)
(Compositores relacionados)
Pro Zeca
Victor Assis Brasil
“Emotiva”
30
Composição Autor(es) Álbum
Ad infinito
Hélio Delmiro “Chama”,
“Romã”
Alabastro
Hélio Delmiro
“Compassos”
Bolero
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Cacá e Bié
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Carrousel
Hélio Delmiro “Romã”,
“Symbiosis”
Catarse
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Cerrado
Hélio Delmiro
“Chama”
Chama
Hélio Delmiro
“Chama”
Compassos
Hélio Delmiro
“Compassos”
Das Cordas
Hélio Delmiro
“Samambaia”
Desafeto
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Dois por quatro
Hélio Delmiro
“Symbiosis”
Emotiva n
o
1
Hélio Delmiro “Emotiva”,
“Violão urbano”
Emotiva n
o
3
Hélio Delmiro
“Chama”
Emotiva n
o
4
Hélio Delmiro
“Samambaia”
Espada de Fogo
Hélio Delmiro “Romã”,
“Compassos”
Esperando
Hélio Delmiro “Emotiva”,
“Symbiosis”,
“Compassos”
Íntima
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Lago’s
Hélio Delmiro “Symbiosis”,
“Violão urbano”
Lágrima azul
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Marceneiro Paulo
Hélio Delmiro
“Emotiva”
Ninhos
Hélio Delmiro
“Samambaia”
Novo Tempo
Hélio Delmiro
“Romã”
87 - Boca do mato
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
P’ro Baden
Hélio Delmiro
“Symbiosis”
Paz no Coração
Hélio Delmiro
“Romã”
Rio Doce
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
Serôdia
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
TP
Hélio Delmiro
“Compassos”
Tua
Hélio Delmiro
“Chama”
Composições próprias (31)
Violão urbano
Hélio Delmiro
“Violão urbano”
31
Observando-se a tabela, percebe-se que as trinta e uma composições próprias
ocuparam mais da metade da discografia do músico, com trinta e oito fonogramas. A composição
mais gravada foi Esperando (três vezes), seguida de Ad infinito, Carrousel, Emotiva n
o
1, Espada
de fogo e Lago’s, com duas gravações cada uma. A outra metade divide-se em três partes
praticamente iguais, sendo dez standards jazzísticos, doze brasileiros e onze músicas de
compositores ligados a Delmiro. Dentre as composições que não são de sua autoria, a única
regravação foi Autumn leaves. Os compositores mais gravados por Delmiro foram Tom Jobim e
Clare Fischer, com quatro registros cada, César Camargo Mariano, com três, e Thelonious Monk,
Victor Assis Brasil, Ary Barroso, Milton Nascimento
4
e Rique Pantoja, com dois. O gráfico a
seguir ilustra essas proporções nas quatro ‘categorias’:
Figura 1
Fonogramas da discografia de Hélio Delmiro divididos por gêneros
MPB (12)
17%
Instrumental (11)
15%
Próprias (38)
53%
Standards
(11)
15%
4
Considerando-se o pot-pourri com três músicas de Milton Nascimento registrado em “Samambaia” como apenas
uma gravação.
32
CAPÍTULO IV – Aspectos rítmicos
4.1 Variedade rítmica
Talvez por herança do jazz, referência para a improvisação na música popular, os
estudos desta matéria tenham-se voltado predominantemente para seu aspecto melódico, na busca
pelo aperfeiçoamento da aplicação de escalas, arpejos, padrões melódicos e outros mecanismos
que, dado seu elevado grau de dificuldade, costumam ser praticados sobre uma métrica simples,
normalmente binária ou ternária. A própria escala dominante que recebe o nome do período áureo
do desenvolvimento do vocabulário melódico jazzístico, o bebop, tem como principal
característica a inclusão de uma oitava nota, a sétima maior, que funciona como aproximação
cromática (para a tônica, quando ascendente, ou para a sétima menor, quando descendente),
diferenciando-a do modo mixolídio, mas principalmente, permitindo que a nota de chegada recaia
33
sobre o tempo forte do compasso e que, na forma descendente, as notas de acorde também
recaiam sobre as partes fortes de tempo.
Escala bebop dominante – formas ascendente e descendente
Grande parte dos mais conhecidos solos desse estilo fundamentam-se basicamente
sobre as oito colcheias do compasso 4/4, prática essa que vem influenciando músicos de diversas
nacionalidades que procuram se aperfeiçoar no estudo da improvisação.
No entanto, há também, embora em número reduzido, aqueles instrumentistas que,
além de discursarem fluentemente através da linguagem melódica improvisada, o fazem sobre
uma rítmica não menos complexa, como é o caso dos pianistas Bill Evans, Herbie Hancock e
Keith Jarret, dos saxofonistas Michael Brecker, Paquito D’Rivera e Erik Marienthal, dos
trompetistas Dizzy Gillespie e Arturo Sandoval e dos músicos brasileiros Hermeto Pascoal,
Cláudio Roditi e Nailor Azevedo “Proveta”, entre outros.
Na música popular brasileira, mais especificamente no samba, o elemento rítmico
regular característico da melodia é a
síncope, que antecipa a(s) nota(s) de chegada, estabelecendo
um contraste à marcação forte dos tempos. Desse modo, aquela escala bebop dominante que, no
jazz, seria executada sobre as metades de tempo do compasso quaternário, no samba, pode
assumir diferentes configurações, de acordo com a intenção do compositor ou intérprete, como,
por exemplo, as seguintes:
1
1
Exemplos baseados em: Nelson FARIA, The Brazilian Guitar Book, p. 23.
34
A pluralidade de ritmos é uma característica da música de Hélio Delmiro. Os mais
presentes em sua discografia são a bossa nova e o samba, mas entre seus fonogramas encontram-
se também valsa, baião, marcha-rancho, samba-canção, ijexá e guarânia. Além desses ritmos
brasileiros, há ainda registros em balada e valsa jazzísticas, funk, fox/swing, fusion, blues, e rock
ballad. Um aspecto interessante e que causa surpresa são algumas combinações de músicas e
estilos originalmente não relacionados, como, por exemplo, o arranjo em funk de Folha morta, de
Ary Barroso, no LP “Chama”, ou a gravação de My favorite things em marcha-rancho, no CD
“Compassos”.
Essa diversidade rítmica parece ser uma dos fatores diferenciais de Delmiro com
relação a grande parte dos improvisadores da guitarra. Entre os compassos 41 e 47 do improviso
sobre Pro Zeca, por exemplo, podem-se perceber células características do baião (compassos 41 a
43), xote (compasso 45) e choro (segundo tempo dos compassos 42 e 46):
35
Pro Zeca (Victor Assis Brasil) – “Emotiva”, 1980
O trecho abaixo, que mostra o início de seu solo sobre Espada de fogo, também é
bastante ilustrativo desse aspecto da criatividade do músico:
Espada de fogo (Hélio Delmiro) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
36
4.2 Deslocamento métrico
O deslocamento métrico é, no âmbito do ritmo, aquilo a que David Liebman se refere
como “
superposição” (“superimposition”), isto é, “a colocação de um elemento musical sobre
outro, que deve soar simultaneamente com o original”.
2
Para o autor, a habilidade de superpor
pressupõe um certo grau de aptidão na manipulação de múltiplos elementos musicais, ao mesmo
tempo em que se mantém um deles em foco, o que poderia ser comparado a tocar ou ouvir
complicadas permutações rítmicas através do compasso, mas sempre mantendo em mente a
estrutura métrica e a pulsação originais. Em sua opinião, essa habilidade pode ser treinada e
desenvolvida através da experiência e prática constante.
No choro, o deslocamento métrico é uma prática comum. Os deslocamentos a cada
três semicolcheias, ou seja, o valor de uma colcheia pontuada (
Figura 2a), e a cada seis
semicolcheias, ou seja, o valor de uma semínima pontuada (
Figura 2b), são bastante recorrentes
em composições do gênero, como “Um a zero” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ou
“Brasileirinho” (Waldir Azevedo). Porém, enquanto nesses casos o trecho deslocado não
ultrapassa cinco compassos, alguns deslocamentos observados em solos de Hélio Delmiro
prolongam-se por mais tempo, em um número bem maior de repetições. Assim sendo, a
referência da unidade de tempo real torna-se mais distante, potencializando o efeito da
superposição. O uso desse recurso requer, do improvisador, uma
independência rítmica que lhe
permita estabelecer tal contraposição métrica, “contradizendo” os tempos do compasso através de
uma suposta ‘nova unidade de tempo’, ao mesmo tempo em que continua mantendo-os como
referência enquanto o faz.
Figura 2a
Figura 2b
=
=
2
David LIEBMAN, A chromatic approach to jazz harmony and melody, p. 14.
37
Um exemplo desse primeiro caso de deslocamento (colcheia pontuada) é o fragmento
de frase utilizado repetidamente entre os compassos 34 e 40 do improviso de Hélio sobre Pro
Zeca:
Pro Zeca (Victor Assis Brasil) – “Emotiva”, 1980
Esse mesmo clichê voltará a ocorrer mais adiante no solo, entre os compassos 167 e
174, e também no compasso 5 da gravação de No Rancho Fundo.
3
Trata-se de um lick bastante
recorrente no blues, notadamente pela presença da blue note b3, que caminha para a terça maior
do acorde dominante. Neste estilo, porém, o recurso costuma ser utilizado sobre quiálteras de
terços de tempo (tercinas), recaindo a nota inicial sobre o início de cada tempo, não
caracterizando, portanto, deslocamento métrico.
Outra aplicação desta superposição rítmica observada na obra de Hélio Delmiro
ocorre através do recurso conhecido como
side slips, que consiste em uma transposição
3
Música de Ary Barroso e Lamartine Babo gravada no LP “Samambaia” (EMI-Odeon, 1981).
38
cromática ascendente ou descendente de determinada(s) parte(s) de frase. No referido improviso
sobre Pro Zeca, isso é realizado entre os compassos 60 e 72, resultando numa sonoridade outside
através do uso de tríades maiores (D-Db-C) sobre o acorde D7. Nesse caso, sempre que a
primeira semicolcheia de um grupo de três coincide com o início do primeiro tempo do compasso
2/4, isso só torna a se repetir a cada três compassos, após a ocorrência de oito desses grupos. O
Exemplo 1 ilustra essa recorrência através do referido trecho em side slips. O procedimento da
construção melódica neste caso é similar ao de Brasileirinho, sendo descendente, porém, o arpejo
das tríades.
Exemplo 1
Note-se que neste trecho a tríade inicial (D) repete-se a cada quatro grupos de três
semicolcheias (D-Db-C-C# Æ D-Db...). Esse período, equivalente à duração de três tempos no
compasso 2/4, pode ser percebido como um compasso subjacente de 3/4, no qual ocorreria uma
polirritmia de quatro tempos contra três, através da quiáltera aumentativa irregular de quatro
semínimas no lugar de três (
Exemplo 2a).
39
Exemplo 2a
Esta regularidade pode sugerir também um compasso deslocado em relação ao
compasso real: se cada semicolcheia pontuada for percebida como uma unidade de tempo
(deslocado), supor-se-á, então, a existência um compasso 12/16 (
Exemplo 2b). Este, por sua vez,
terá duração equivalente à de três semínimas, ou seja, repetir-se-á a cada três tempos no
compasso 2/4 ou a cada compasso 3/4.
Exemplo 2b
Aquele segundo caso de deslocamento, exemplificado pela
Figura 2b, pode ser
observado no fragmento descendente bastante idiomático do violão e da guitarra que Hélio
Delmiro utilizou entre os compassos 11 e 15 do supracitado improviso sobre Pro Zeca, bem
como nos compassos 7 e 8 daquele outro sobre No Rancho Fundo. Tratam-se de cinco notas
descendentes cromaticamente com início na tensão 13 (nota si) e chegada na quarta justa (sol),
40
acrescidas de uma terça menor também descendente (sol-mi), caracterizando a sonoridade
13sus4.
Pro Zeca (Victor Assis Brasil) – “Emotiva”, 1980
Levando-se em consideração a periodicidade com que a nota inicial da célula de seis
semicolcheias recai sobre alguma ‘cabeça’ (parte forte) de tempo, constata-se que essa
recorrência, neste lick, equivale à dos anteriores: três tempos do compasso real ou um compasso
3/4. Todavia, aqui o compasso subjacente seria o 6/8 (
Exemplo 3).
41
Exemplo 3
Desse modo, uma lógica comum a esses três casos seria a
contraposição da intenção
ternária à métrica binária, seja pela presença de uma “falsa unidade de tempo” (figura pontuada),
seja pela duração equivalente ao compasso deslocado no compasso real (3 tempos no compasso
2/4). Vale ainda ressaltar que tal efeito também poderia ser obtido através do uso de tercinas,
sendo que, assim, as notas iniciais dos fragmentos recairiam sobre as partes fortes de tempo com
maior regularidade, evidenciando a métrica normal (
Figura 3).
Figura 3
42
4.3 Quiálteras
As quiálteras representam alterações na métrica ‘normal’ de uma música ou trecho e
podem produzir sensações de retardamento, aceleração ou mesmo sugerir uma divisão ou
subdivisão diferente da corrente até então, dependendo da maneira como são empregadas. Seu
efeito pode ser uma atmosfera lírica ou nostálgica, sendo elas um recurso comum a intérpretes
quando desejam imprimir um caráter mais expressivo em determinado momento. Um exemplo
disso pode ser observado nos compassos 22 e 23 do improviso sobre No rancho fundo, onde,
após uma intensa atividade melódica com intenção ‘bluesy’ no compasso 21 e início do 22, Hélio
utiliza
tercinas de colcheias para ‘esfriar o clima’:
No rancho fundo
4
(Ary Barroso e Lamartine Babo) – “Samambaia”, 1981
Uma outra aplicabilidade das tercinas é a
ornamentação de melodias. No compasso
57 do solo sobre Pro Zeca há uma ocorrência desse tipo:
Pro Zeca (Victor Assis Brasil) – “Emotiva”, 1980
4
Escrita em compasso 2/2.
43
Essa é uma célula bastante comum no jazz: a divisão de um ou dois tempos ao meio,
sendo uma metade dividida em três partes iguais – tercina – e a outra em duas. Neste estilo,
porém, costuma haver uma diferença na representação desses valores, visto que, enquanto Pro
Zeca é um baião, escrito, portanto, em 2/4, o compasso de uso mais freqüente no jazz é o 4/4. A
segunda metade do 16
o
compasso de Donna Lee, composição do saxofonista Charlie Parker,
contém um desses casos:
Donna Lee (Charlie Parker)
Por outro lado, essas figuras também podem estar representadas por complexos
agrupamentos métricos, podendo até confundir o ouvinte, deixando claro esse aspecto de
densidade e elaboração rítmica. Entre os compassos 27 e 29 do improviso sobre Espada de fogo,
Delmiro combina subdivisões ternárias e binárias, dividindo inclusive o último terço de tempo do
compasso 27 em duas partes (notas sol e ré bemol):
Espada de fogo (Hélio Delmiro) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
Entre os compassos 40 e 42 do solo sobre Espada de fogo, Delmiro emprega um lick
‘bluesy’, fazendo uso de três diferentes tipos de quiálteras: aquela tercina comum aos jazzistas, a
44
sextina (seis notas por tempo) e a quintina (cinco notas por tempo), resultando numa espécie de
deslocamento métrico, que mantém sua regularidade não pelo período (que varia a pequenos
valores), mas pelo desenho melódico.
Espada de fogo (Hélio Delmiro) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
Em Último desejo, Hélio Delmiro serviu-se do andamento lento e da instrumentação
acústica e econômica para criar um ambiente de jazz camerístico. Como único instrumento
harmonizador, acompanhado apenas por contrabaixo e percussão, o violão ficou livre para
dialogar com a voz de Ivan Lins, ora através de acordes, ora através de contracantos
improvisados, onde Delmiro pôde explorar elaboradas combinações rítmico-melódicas. A
segunda metade do compasso 47 da gravação, por exemplo, apresenta uma rica divisão através de
três grupos de tercinas, que ocupam, respectivamente, o lugar de meio tempo, um tempo e meio
tempo:
Último desejo (Noel Rosa) – “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” vol. 2 (Ivan Lins), 1997
45
CAPÍTULO V – Aspectos melódicos
A indicação das notas de escalas aqui apresentada segue o modelo exposto por Ian
Guest em seu livro Arranjo: método prático vol. 1, onde os graus são indicados por algarismos
arábicos, sendo os intervalos maiores e justos representados apenas pelos números – 2, para
segunda maior, 5, para quinta justa, etc. –, e os demais, precedidos dos sinais de alteração
correspondentes – b3, para terça menor, #11, para décima primeira aumentada, etc.
46
5.1 Escalas pentatônicas
O uso destas escalas formadas por cinco notas tem-se mostrado um recurso bastante
eficiente em diversas situações de improvisação ou de composição. Sua sonoridade sintética
possibilita uma comunicação mais direta de algumas idéias musicais quando comparada à escala
maior, sendo muito comum o uso superposto de pentatônicas aparentemente “estranhas” a
determinada tonalidade como forma de atingir-se somente certas ‘notas-chave’ de um acorde. Em
seu livro Pentatonic scales for jazz improvisations, Ramon Ricker propõe que as tais escalas
sejam classificadas numa “série contínua” (“continuum”), da mais “inside” à mais “outside”,
1
de acordo com a sonoridade resultante quando executadas sobre uma dada formação acordal.
2
A formação das pentatônicas será abordada aqui como uma seleção de cinco, dentre
os sete sons que compõem o modo maior, a saber: 1, 2, 3, 5 e 6 – o que, em Dó maior,
corresponderia às notas dó, ré, mi, sol e lá. Portanto, ao mencionar-se que determinada escala
pentatônica encontra-se construída, por exemplo, sobre o “b3” da tonalidade de “Ré maior”, este
grau será então a tônica do modo maior por cujas notas a escala será formada. Assim, essa
pentatônica seria constituída pelas notas fá, sol, lá, dó e ré.
A seguir, encontram-se listados alguns exemplos de aplicações de escalas
pentatônicas encontrados nas gravações selecionadas para a pesquisa de iniciação científica O
estilo de improvisação de Hélio Delmiro:
3
Em
acordes maiores, construídas sobre:
1: “No Rancho Fundo”, compassos 15, 17
“Espada de Fogo”, compassos 39, 56, 60-61
“Novo Tempo”, compassos 1, 26
“Dois por Quatro”, compassos 6-7 (“over the bar”, incomp.), 14 (inc.), 40
1
Os termos “inside” e “outside” são utilizados conforme as diferentes possibilidades de aplicação de escalas sobre
determinado acorde, podendo aquelas ser consideradas mais “dentro” ou “fora” deste, de acordo com a quantidade de
notas em comum com ele.
2
Ramon RICKER, Pentatonic scales for jazz improvisations, p.5.
3
Bruno Rosas MANGUEIRA.
47
b2: “No Rancho Fundo”, compasso 47
2: “Espada de Fogo”, compassos 29-30
“Novo Tempo”, compasso 9
5: “Espada de Fogo”, compassos 37-39, 63-64
“Novo Tempo”, compassos 3, 12
“Último Desejo”, compasso 79 (incompleta)
“Novo Tempo”, compasso 26
b7: “No Rancho Fundo”, compasso 21
Em
acordes menores, construídas sobre:
b3: “Pro Zeca”, compassos 56-57
“No Rancho Fundo”, compassos 5, 18
“Espada de Fogo”, compassos 10-11, 17-18, 43-44
“Novo Tempo”, compasso 2
“Último Desejo”, compassos 67-68
4: “Espada de Fogo”, compassos 35-36
“Novo Tempo”, compasso 10
b6: “Pro Zeca”, compasso 17
“Dois por Quatro”, compasso 1-2 (incompleta)
b7: “Pro Zeca”, compasso 51
“Espada de Fogo”, compassos 33-35
“Dois por Quatro”, compasso 36
48
Em
acordes dominantes, construídas sobre:
1: “Pro Zeca”, compassos 3, 44-45, 124-125 (incompleta)
“Novo Tempo”, compassos 12, 18
b2: “Pro Zeca”, compasso 77 (incompleta)
“No Rancho Fundo”, compasso 50
2: “Pro Zeca”, compasso 146
4
4: “Pro Zeca”, compasso 123 (incompleta)
“Novo Tempo”, compassos 10, 18, 27, 28-29
b5: “No Rancho Fundo”, compassos 20, 49
5: “Dois por Quatro”, compassos 35-36 (“over the bar”)
b6: “Pro Zeca”, compassos 153-155 (incompleta)
“No Rancho Fundo”, compasso 48
b7: “Pro Zeca”, compassos 4, 46 (incompleta), 178 (incompleta), 152 (incomp.)
“Novo Tempo”, compassos 2, 7-8, 19-20 (“penta blues” incompleta), 27-28
“Dois por Quatro”, compassos 48-50 (incompleta)
7: “Pro Zeca”, compasso 118;
5
“No Rancho Fundo”, compasso 49
Em
acordes meio-diminutos, construída sobre:
b3: “No Rancho Fundo”, compasso 19
4
Sobre C7, d-e-f-a, concluindo com b, nota que estaria ‘fora’ do acorde, no compasso seguinte, sobre Bm7.
5
“One solution is to use pentatonic scales that slip in and out of the harmony that the rhythm section is playing. (…)
The solo line momentarily leaves the key (…) but it gracefully returns, or resolves. (…) The soloist has created
interest.” (Ramon Ricker, Pentatonic Scales for Jazz Improvisations, Chapter III – Application of Pentatonic Scales
to Chord Progressions – Modal or Static Harmony, p. 15)
49
5.2 Padrões melódicos
5.2.1 Quartas (justas)
O intervalo de quarta justa vem-se mostrando, ao longo das últimas décadas, uma
interessante opção à sonoridade das terças, exploradas exaustivamente ao longo da história da
música popular. Tanto no aspecto melódico quanto no harmônico, as estruturas sobre quartas
costumam estar associadas a contextos de sabor modal. Exemplos do emprego desse recurso
podem ser encontrados no trabalho de músicos como os pianistas Bill Evans (que consagrou a
distribuição quartal dos acordes na gravação de So What, de Miles Davis, no álbum “Kind of
blue”) e Chick Corea e o saxofonista Michael Brecker.
No caso específico do violão e da guitarra, as quartas são intervalos inerentes aos
instrumentos, em virtude de sua afinação. Na obra de Hélio Delmiro, podem ser observados
alguns exemplos desse tipo de construção melódica, seja em composições ou em solos
improvisados. Neles, o idiomatismo torna simples a digitação, onde as quartas podem ser
executadas sobre cordas vizinhas através de pequenas
pestanas com os dedos 1 e 3 ou 1 e 4,
dependendo da frase; apenas a combinação das cordas 2 e 3 não pode se beneficiar desse
mecanismo, devido ao intervalo de terça existente entre elas em sua afinação. Uma alternativa à
pestana no dedo 3 é o uso do dedo 4 na corda inferior, evitando um recurso usual na prática da
guitarra, mas não recomendado pela técnica violonística clássica.
Pode-se notar que, de maneira geral, as frases sobre quartas utilizadas por Hélio
Delmiro dividem-se em grupos
ascendentes de duas ou três notas, sendo estas preferencialmente
tocadas através da pestana com o dedo 1, podendo haver combinação com alguma nota no dedo
2, devido à facilidade técnica na região. É o que ocorre no exercício
6
a seguir (Exemplo 4): as
seqüências ascendentes de três notas seguidas (si bemol-ré-sol, ré-sol-dó e sol-dó-fá) são tocadas
com a utilização da pestana no dedo 1 (V posição), enquanto as de duas notas (mi-lá e lá-ré)
utilizam os dedos 3 e 4.
7
Aqui, Hélio também faz uso de ligado ascendente, substituindo a
6
Nota de aula durante o “30
o
Festival de Inverno de Campos do Jordão”, em julho de 1999.
7
Neste caso, também é possível o uso da pestana com o dedo 3.
50
primeira quarta do grupo por uma terça, prática recorrente em outros exemplos desse tipo de
fraseado.
Exemplo 4
Em Espada de fogo,
8
Delmiro utiliza uma frase quartal em anacruse construída sobre
a escala pentatônica maior de Fá, que se resolve sobre a nota mi, no tempo forte do compasso de
chegada. Neste caso, são utilizadas as pestanas sobre os dedos 1 e 4.
As notas constituintes dessa frase (fá-sol-lá-dó-ré) assumem diferentes funções
melódicas de acordo com as mudanças na harmonia. Primeiramente, a frase em Fá é utilizada
sobre o acorde Em9 (compasso 4), configurando-se numa pentatônica maior sobre a b9 do acorde
menor, resultando nas notas b9, b3, 11, b13 e b7, conferindo ao trecho um sabor frígio,
notadamente pela presença da nona menor. Em seguida, sobre o acorde FMaj7(#11) (compasso
8), a pentatônica sobre a fundamental do acorde maior resulta nas notas 1, 9, 3, 5 e 6. Na última
8
Gravada originalmente no CD “Romã – Hélio Delmiro in concert” (Line Records, 1991) e posteriormente em
“Compassos” (Deckdisc, 2004).
51
repetição da frase, sobre o acorde Db7(#9) (compasso 12), a pentatônica encontra-se construída
sobre a terça do acorde dominante (alterado), resultando nas notas 3, #11, b13, 7 e b9. Neste caso,
a presença de uma nota não pertencente à escala do acorde – a sétima maior (nota dó) – confere
ao trecho uma sonoridade outside.
O motivo inicial é então desenvolvido (compassos 15 e 16) através de variações
cromáticas – side slips sobre os acordes Cm7 e Bm7 – e tríades ascendentes – F#, sobre o acorde
D#m7, resultando em b3, 5 e b7, e arpejos dos acordes, no compasso 16. A melodia do compasso
15 contrapõe-se aos saltos harmônicos, ora sugerindo movimento oblíquo, ora contrário.
Curiosamente, a melodia deste último trecho consta apenas da primeira gravação; na segunda,
somente a harmonia é executada sobre as convenções rítmicas.
52
Espada de fogo (Hélio Delmiro) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
53
No mesmo álbum “Romã”, encontra-se um registro ao vivo do standard norte-
americano Autumn leaves, em memorável performance de Delmiro ao violão solo. Como não há
acompanhamento, a linha melódica do improviso sugere por vezes caminhos aparentemente
independentes da harmonia original, como é o caso da frase em quartas transcrita a seguir. Ela
está dividida em três segmentos, os dois primeiros construídos sobre as escalas pentatônicas de
Dó (ou Lá menor) e Sol (ou Mi menor), guardando entre si intervalo de quinta justa (ascendente),
e o terceiro sobre a escala de Lá bemol (ou Fá menor), resultando numa sonoridade outside
através de side slip, que termina com uma resolução cromática descendente, retornando ao tom
da música, Mi menor.
Autumn leaves (Joseph Kosma e Johnny Mercer) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
Outro exemplo de melodia em quartas pode ser encontrado na composição TP,
gravada no CD “Compassos”. No penúltimo compasso do tema, Delmiro utiliza um fraseado
quartal sobre o modo lídio dos acordes BbMaj7 e EbMaj7. Trata-se, na verdade, de um mesmo
segmento de frase, constituído de nove notas, repetido sobre cada acorde. Comum a ambos, a
nota dó, no início do terceiro tempo, funciona como elemento de ligação, pois, ao mesmo tempo
em que encerra a semifrase correspondente ao acorde BbMaj7, recai sobre EbMaj7, a cuja escala
também pertence.
54
TP (Hélio Delmiro) - “Compassos”, 2004
Mais adiante, durante seu solo (compasso 12), Hélio faz emprego do modo frígio
sobre o acorde dominante alterado, resultando nas notas de escala 1, b9, #9,
9
4, 5, b13 e b7.
5.2.2 Trítonos
Por se tratarem de procedimentos fraseológicos muito específicos, alguns dos
recursos melódicos utilizados por Hélio Delmiro durante a improvisação tornaram-se uma
espécie de ‘marca registrada’ sua, algo como uma ‘assinatura’. São soluções que denotam
familiaridade com o instrumento, evidenciando seu domínio técnico.
Este é o caso de um fraseado que tem como base o intervalo de
trítono. Nele, o braço
da guitarra/violão é trabalhado horizontal e verticalmente. A simetria característica do intervalo
de trítono encontra um paralelo na associação visual proporcionada pela escala do instrumento,
onde as notas estão dispostas a uma casa e uma corda de distância. Entre as cordas 3 e 2, que
guardam entre si intervalo de terça e não de quarta, predomina a simetria física, resultando num
intervalo de quarta justa. A única exceção é reservada às cordas 2 e 1, onde é realizada uma
9
A nona aumentada da escala do modo frígio sobre o acorde dominante é enarmônica à terça menor, que aqui não
caberia por tratar-se de uma tríade maior.
55
abertura entre os dedos 3 e 4 da mão esquerda, resultando em nova quarta justa. A aplicação mais
comum desse lick costuma ser sobre o acorde dominante, com início na sétima menor, resultando
numa tipologia X7(13). O exemplo a seguir é uma transcrição dos compassos 128-130 do
improviso sobre Pro Zeca, sobre o acorde D7.
Exemplo 5
Delmiro também empregou este padrão nos compassos 196-198 desse mesmo solo, e
ainda nos improvisos sobre: Último desejo, compasso 87; Dois por quatro, compasso 28; Autumn
leaves, últimos dois compassos.
No compasso 29 do improviso sobre Dois por quatro, há uma adaptação do modelo
acima ao
acorde alterado, alcançando os graus #9, b13, 3 e b7. Apesar da mudança de acorde
(para G9sus4), a frase estende-se até o início do compasso 30, prática essa conhecida como
to
play over the bar (“tocar através do compasso”).
56
5.3 Uso de apojaturas
Na construção de melodias, algumas notas estabelecem-se como pontos de referência
na relação melódico-harmônica. Elas podem fazer parte da formação da tétrade básica –
notas de
acorde – ou simplesmente enriquecê-la – notas de tensão –, e poderão ter esse caráter de apoio
reforçado ou não, de acordo com sua colocação rítmica. Outros sons atuam como contornos ou
elementos de ligação entre aquelas, estruturalmente mais importantes, assumindo um papel de
ornamentação. Essas
notas de aproximação “diatônica ou cromaticamente, se resolvem nas notas
‘de boa sonoridade’” e “têm a duração comparativamente curta, ocupando lugar metricamente
fraco no compasso”.
10
Para aproximar as ‘notas-alvo’, Hélio Delmiro freqüentemente lança mão de um tipo
de
apojatura que Kostka e Payne apontam como o mais comum, a saber: “abordada por salto
ascendente e deixada por grau conjunto descendente”.
11
Por vezes, combina ainda esse recurso ao
uso de
aproximações cromáticas. Essas e outras técnicas de extensão das escalas fazem parte de
uma “linguagem comum”
12
que permeia e caracteriza o vocabulário jazzístico, sendo
freqüentemente utilizadas em conjunto com passagens escalares, mostrando-se eficazes tanto no
enriquecimento melódico, através do aumento de densidade, quanto na adequação rítmica,
visando a ênfase de determinadas notas ao recaírem sobre certos tempos ou partes de tempo.
5.3.1 Aproximação à 5
a
justa do acorde dominante
Podem-se observar alguns casos de aproximação à quinta justa do acorde dominante
nos improvisos transcritos de Hélio Delmiro. A essência de todos é a conclusão através de
apojatura formada por notas localizadas respectivamente um semitom abaixo – quarta aumentada
– e um tom acima – décima terceira maior – da nota de resolução:
10
Ian GUEST, Arranjo: método prático vol. 1, p. 99.
11
Stefan KOSTKA; Dorothy PAYNE, Tonal harmony, p. 175. “Todas as apojaturas são abordadas por salto e
deixadas por grau conjunto, mas a seqüência não é sempre salto ascendente seguido de grau conjunto descendente.”
(p. 176)
12
David BAKER, How to play bebop vol. 1, p. 6.
57
Este tipo de abordagem assemelha-se bastante ao que David Baker se refere como
deflexão (“deflection”),
13
diferenciando-se desta classificação apenas pelo fato de, nos
exemplos a seguir, a nota inicial não ser também a quinta justa, mas, na maior parte das vezes, a
sétima menor. Seu emprego normalmente ocorre sobre o modo mixolídio do acorde dominante,
que pode vir configurado como X7 ou X7sus4, notadamente nos casos onde ocorre aproximação
cromática da quarta justa para a quarta aumentada. Note-se que a quarta justa caracteriza o modo
mixolídio, enquanto a quarta aumentada é a nota que realmente realiza a aproximação (em
conjunto com a tensão 13), conforme os exemplos (a), (b) e (c). Já no exemplo (d), a nota que
precede a quarta aumentada é a terça do acorde dominante, o que demonstra uma clara intenção
de caracterização do modo Mixo #11 ou Lídio b7, onde não há a presença da quarta justa. Aos
exemplos, segue uma lista de ocorrências similares nos improvisos transcritos.
a)
Iniciando pela b7: “Pro Zeca”, compassos 30-31, 115, 121-122; “Novo Tempo”,
compassos 26-27; “Último Desejo”, compassos 51-52 (aplicação sobre cadência
II-V); “Dois por Quatro”, compasso 15
b)
Iniciando pela b7 com aproximação cromática: “Pro Zeca”, compassos 2, 28-29,
32-33; “No Rancho Fundo”, compassos 15-16
c)
Iniciando pela tensão 13 com aproximação cromática: “Pro Zeca”, compasso 162
13
David BAKER, How to play bebop vol. 1, p. 7.
58
d)
Adaptado ao modo Mixolídio #11 ou Lídio b7 (IV grau da escala menor
melódica): “Pro Zeca”, compasso 187
Entre os compassos 6 e 9 do improviso sobre “Pro Zeca”, a mesma idéia de aproximação
da situação (a) é estendida através da repetição das tensões #11 e 13 sobre a célula característica
do baião, ritmo da composição:
5.3.2 Aproximação à fundamental em acordes menores
A abordagem da fundamental em acordes menores não só segue os mesmos
princípios da aproximação à quinta justa em acordes dominantes, como também utiliza as
mesmas notas. Frases e padrões melódicos aplicáveis a dominantes também costumam sê-lo aos
IIm7s relacionados e vice-versa, sendo essa uma prática comum no universo jazzístico. Aqui, os
graus que formam a apojatura são a sétima maior (sensível) e a nona maior:
14
14
Neste caso, a apojatura formada pelas notas si, ré e dó, respectivamente 7, 9 e 1 (fundamental) de Cm7, também
seria aplicável ao dominante relacionado F7, assumindo os graus #11, 13 e 5.
59
Os (a), (b) e (c) de aproximação à quinta justa do acorde dominante encontram
paralelos nos exemplos (e), (h) e (i), neste caso, adaptados ao acorde menor, aproximando então
sua fundamental, com início na terça menor e na nona maior. Além dessas, foram verificadas
também variações iniciando-se pela nona maior sem aproximação cromática (f) e com o uso da
apojatura precedida apenas do cromatismo de aproximação da sétima menor para a maior (g).
e)
Iniciando pela b3: “Espada de Fogo”, compasso 68; “Último Desejo”, compasso
81
f)
Iniciando pela tensão 9: “Espada de Fogo”, compassos 51-52; “Último Desejo”,
compasso 71
g)
Aproximação cromática: “Espada de Fogo”, compasso 59
h)
Iniciando pela b3 com aproximação cromática: “Pro Zeca”, compassos 55, 79
i)
Iniciando pela 9 com aproximação cromática: “No Rancho Fundo”, compasso 5
No compasso 32 do solo sobre “No Rancho Fundo”, apesar de efetivamente ocorrer
uma aproximação à fundamental do acorde dominante, a intenção parece ter sido de uma frase
sobre Dm7, com aproximação à fundamental do acorde menor, iniciando pela b3:
60
5.3.3 Uso seqüencial de apojaturas
No décimo quinto compasso
15
do improviso sobre Último Desejo, Delmiro utiliza
seqüencialmente três aproximações por apojatura: à terça do acorde menor (nota dó, em Am7), à
fundamental do mesmo acorde (lá) e à terça do acorde dominante (fá sustenido, em D7). Uma
situação semelhante pode ser observada na seção [B] do choro Naquele tempo, de Pixinguinha e
Benedito Lacerda, onde ocorrem quatro apojaturas seqüenciais: duas aproximando a tensão b13
em acordes dominantes (E7 e A7) e outras duas, a fundamental em acordes menores (Am e Dm).
No exemplo a seguir, a harmonia de Naquele tempo foi transposta para a tonalidade de
Dó maior
para que se possam observar com clareza os oito graus em comum nos dois trechos – da primeira
nota si à nota sol, em ambos.
Último desejo (Noel Rosa) – “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” vol. 2 (Ivan Lins), 1997
Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda), 1947
15
Desconsiderando-se, para a contagem, os dois compassos de improviso em anacruse que precedem a seção [A].
61
5.4 Melodias em oitavas
Uma característica marcante no toque de Hélio é o uso de melodias em oitavas.
Apesar de ser inevitável a comparação com seu ídolo Wes Montgomery, talvez a principal
referência da aplicação deste recurso na guitarra, Delmiro diz utilizar as oitavas desde antes de
conhecê-lo.
Um dia, (...) eu era garoto, (...) estava tocando lá [no Clube do Jazz, no Rio de
Janeiro], com as minhas “oitavas”, né? Aí, quando eu terminei (...) me
apresentaram ao [Roberto] Menescal e tal, e ele falou pra mim: “Cara, eu acabei
de chegar dos Estados Unidos, fui há pouco tempo e vi um sujeito (...) que toca
desse jeito (...) Você conhece o trabalho dele? (...) É impressionante como você
parece, tocando!” Eu falei: “Não. Quem é?” Ele falou: “Wes Montgomery.” Eu
falei: “Não, nunca ouvi falar.” (...) [Menescal] – “Rapaz, eu estou
impressionado! Como é que tem coisa que você faz aí que parece muito com ele!
Eu pensei que você ouvisse muito.”
16
Diferentemente de Wes, que utilizava apenas o polegar da mão direita para tocar
melodias e mesmo acordes, Hélio Delmiro, provavelmente como decorrência de seus estudos,
aborda o intervalo de oitava assim como o fazem os violonistas, com cada nota sendo tocada por
um dedo da mão direita, normalmente i (indicador) e a (anular). O uso dessa técnica gera também
uma diferença de sonoridade: o toque à maneira de Wes, e também o de guitarristas que ferem as
cordas do instrumento com palhetas ao tocar oitavas, produz um pequeno atraso da nota aguda
com relação à grave, que é atingida primeiro; na técnica violonística, ambas as cordas são tocadas
simultaneamente, havendo um ataque mais definido.
A melodia de Paz no coração é toda formada por oitavas. A transcrição abaixo ilustra
a seção [A] da composição:
16
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 36-37.
62
Paz no coração (Hélio Delmiro) – “Romã – Hélio Delmiro in concert”, 1991
5.5 “Double stops”
Double stops é o termo empregado no meio ‘guitarrístico’ para o uso de intervalo
harmônico no instrumento. Este recurso também é bastante utilizado por outros instrumentos da
mesma família, como o banjo e o cavaquinho, e em diferentes estilos, como blues, country e
choro. Sua execução pode vir associada a outros elementos de ornamentação, como ligaduras e
“bends”.
17
Assim como as frases sobre intervalos de trítonos, Delmiro também utiliza alguns
clichês sobre double stops como forma de imprimir seu estilo em improvisos ou interpretações.
Um conhecido exemplo é a frase em anacruse que inicia seu solo sobre No rancho fundo. Na
composição, cuja letra trata do interior do Brasil, Delmiro faz referência à música regional norte-
americana, através de um fraseado característico do country e do blues. No trecho, Hélio emprega
alguns tipos de double stops: primeiramente, aquele que talvez seja o mais freqüentemente
associado a ele, onde inicia um intervalo de segunda menor e, com a tensão na corda mais grave,
17
“Bend”: recurso pelo qual “levanta-se” a corda dentro da mesma casa do braço do instrumento para que ela
produza o som correspondente à(s) casa(s) seguinte(s), aumentando de altura.
63
esta atinge a mesma nota da outra, produzindo o
uníssono; posteriormente, ao final do segundo
compasso em anacruse, há uma passagem em terças com uso de bend, que leva às blue notes b5 e
b7 (em relação ao acorde de tônica, tocado antes do breque), que termina com um
movimento
oblíquo, onde a nota inferior descende por cromatismos, no primeiro compasso do chorus.
No rancho fundo (Ary Barroso e Lamartine Babo) – “Samambaia”, 1981
64
CAPÍTULO VI – Aspectos harmônicos
Além da variedade rítmico-melódica presente na música de Hélio Delmiro, sua
concepção harmônica também se apresenta através de uma abordagem pessoal. Tanto em
composições como em reharmonizações, Delmiro explora graus do campo harmônico tonal nem
sempre visitados em composições de seus contemporâneos na música popular brasileira. O
presente capítulo visa expor algumas situações ilustrativas desse aspecto de sua musicalidade.
Para tanto, basear-se-á na sistematização proposta por Sérgio Freitas em sua dissertação de
mestrado, Teoria da harmonia na música popular: uma definição das relações de combinação
entre os acordes na harmonia tonal, e também em alguns conceitos apresentados por Arno
Roberto von Buettner, em Expansão harmônica: uma questão de timbre, e Walt Weiskopf e
Ramon Ricker, em Coltrane: a player’s guide to his harmony.
65
6.1 Acordes de empréstimo modal
Em seu arranjo de Último desejo,
1
Delmiro utilizou uma formação intimista – voz,
violão, contrabaixo acústico e caixa de fósforos – e lançou mão de alguns acordes que
contribuíram significativamente para a criação da “atmosfera mágica”
2
que envolveu a gravação
da “obra mestra”
3
do “Poeta da Vila” e certamente agradaram ao intérprete, que é também um
compositor adepto da exploração das diversas possibilidades expressivas do campo harmônico
tonal.
Último desejo é um samba-canção de 64 compassos, divididos em duas seções de 32
cada, sendo a primeira em Sol menor e a segunda em Sol maior. A reharmonização de Hélio
Delmiro enfatiza o contraste entre as tonalidades homônimas através do uso de
acordes de
empréstimo modal em ambas as seções, sendo substituídos inclusive os próprios acordes de
tônica, com o emprego de G, ao invés de Gm, na seção [A], e o inverso em [B].
A gravação inicia-se com uma introdução de violão solo harmonizada em blocos
(“chord melody”). A seguir, a primeira seção, em tonalidade menor, é exposta apenas por voz e
violão, onde Delmiro imprime um acompanhamento de choro, enfatizando os caminhos da linha
de baixo, como faz o violão de sete cordas. Da segunda seção em diante, com o acréscimo de
contrabaixo e percussão, o arranjo assume um caráter jazzístico (embora se trate de um samba-
canção) e o violão passa a intercalar acordes (“comping”) e trechos improvisados paralelamente à
linha melódica.
No exemplo a seguir, entre o terceiro e o sexto compassos da seção [A], há uma
preparação para a volta ao primeiro grau menor (Gm). Porém, o acorde que recai sobre o início
do compasso 7 é o IMaj7/3 (GMaj7/B). O movimento descendente dos baixos – D7, D/C – é
utilizado para aproximar a cadência GMaj7/B, E7(b9), Am7(b5), D7(#9)/F#, Gm, onde,
excetuando-se a inversão do dominante principal, os baixos caminham pelo ciclo de quintas
descendentes (ou quartas ascendentes), sugerindo o movimento da cadência perfeita III-VI-II-V-
I.
1
Música de Noel Rosa, gravada no segundo volume do CD “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” (Velas, 1997), em que
Ivan Lins homenageia os 60 anos da morte do compositor.
2
Nota de João MÁXIMO no encarte do CD “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” vol. 2, 1997.
3
Idem.
66
Último desejo (Noel Rosa) – “Vivanoel – tributo a Noel Rosa” vol. 2 (Ivan Lins), 1997
6.2 Modulação para a dominante maior
Ainda no exemplo anterior, um acorde em especial chama a atenção: DMaj7/A
(compasso 11). Para atingi-lo, Delmiro utiliza um clichê harmônico que Arno von Buettner
relaciona ao
modo menor, onde “a utilização do baixo na sétima menor do acorde menor (IV
grau)” teria por finalidade “aproximar harmonicamente o IIm7(b5)”.
4
No caso de Último desejo,
esta seria uma preparação originária da tonalidade de Ré menor:
Ré menor
IVm7 IVm/b7 IIm7(b5) V7 Im
Gm7 Gm/F Em7(b5) A7 Dm
4
Arno Roberto von BUETTNER, Expansão harmônica: uma questão de timbre, p. 45.
67
Segundo o autor, os “
clichês do modo menor” funcionam como modelos aplicáveis
não só ao I grau, mas também aos demais locais (acordes) de chegada da tonalidade, mostrando-
se “funcionais para outras relações harmônicas, inclusive para o modo maior”.
5
Assim, nessa
preparação, ao invés de um possível Dm7 (Vm7), o acorde de chegada é DMaj7, não pertencente
ao campo harmônico de Sol menor ou Sol maior (o que configuraria empréstimo modal), e que
caracteriza uma breve modulação para a tonalidade de Ré maior:
Esta
modulação para a dominante maior, que voltará a ocorrer na seção [B] (esta,
porém, em Sol maior) da reharmonização de Último desejo, aparece também na transição entre as
seções [A] (em Mi menor) e [B] (em Si maior) da bossa Esperando,
6
de Hélio Delmiro, gravada
originalmente em seu primeiro LP, “Emotiva” (EMI-Odeon, 1980), e posteriormente nos CDs
“Symbiosis” (Clare Fischer, 1999) e “Compassos” (Deckdisc, 2004).
6.3 Acorde da “região da mediante” – IIIMaj7
O clichê do modo menor que possibilita a mudança para uma quinta justa acima do
acorde corrente, utilizado na modulação para a dominante maior, está presente também na única
canção gravada por Hélio Delmiro como intérprete:
7
Ilusão à toa, de Johnny Alf, cujo registro
original é de 1961, no primeiro disco do compositor, “Rapaz de Bem” (RCA Victor). Aqui,
porém, o acorde de chegada é o IIIMaj7 (FMaj7), homônimo do anti-relativo (menor) da tônica.
5
Arno Roberto von BUETTNER, Expansão harmônica: uma questão de timbre, p.39.
6
Vide exemplo à página 73, no item 6.4 – Ciclo de terças maiores.
7
CD “Compassos” (Deckdisc), 2004.
68
Apesar de aparentemente ‘estranho’ à tonalidade, este acorde não caracteriza uma modulação,
pois sua correspondência de terça com o I grau situa-o funcionalmente como “
mediante
superior”. Esta é uma rica possibilidade expressiva do campo harmônico tonal, dado o elevado
grau de novidade proporcionado pela presença de duas notas não pertencentes à escala diatônica
do modo maior: #5 e #2 (em Ré bemol, notas lá e mi), respectivamente terça e sétima maiores do
IIIMaj7.
Ilusão à toa (Johnny Alf)
Na obra de Hélio Delmiro, essa passagem pelo acorde da “região da mediante
superior” pode ser observada nas composições Alabastro e Dois por quatro. O exemplo a seguir
ilustra esse procedimento nesta música, na tonalidade de Ré maior. O clichê tem início no
compasso 23, com o acorde Bm7, que, além de sua função tônica enquanto VIm7, assume
também a de subdominante menor do terceiro grau, para o qual progride, mas que, na chegada
(compasso 25), configura-se não como IIIm7, como seria esperado, mas como IIIMaj7 (F#Maj7).
69
Dois por quatro (Hélio Delmiro) – “Symbiosis”, 1999
6.4 Ciclos de terças maiores
No final dos anos 50, o saxofonista John Coltrane desenvolveu uma nova abordagem
harmônica para a cadência perfeita II-V-I. Antes de atingir o acorde de resolução esperado, a
progressão, que ficou conhecida como
Coltrane changes, caminha por outros dois centros
tonais através de preparações e resoluções do tipo V-I, percorrendo um
ciclo de terças maiores
descendentes, que divide a oitava simetricamente, de dois em dois tons. O exemplo
8
a seguir
mostra a aplicação dessa técnica nos primeiros quatro compassos de sua composição Countdown,
uma variação do standard jazzístico Tune-up, do também saxofonista Eddie Vinson,
“freqüentemente atribuído a Miles Davis”.
9
Coltrane fez uso do ciclo de terças maiores descendentes em várias de suas
composições, que se tornaram referência no estudo da improvisação sobre esse tipo de progressão
8
Exemplo extraído de Walt WEISKOPF e Ramon RICKER, Coltrane: a player’s guide to his harmony, p. 7.
9
Ibid., p. 5.
70
harmônica. Supõe-se que ele tenha se inspirado no trabalho de Nicholas Slonimsky
10
e em obras
de compositores que tenham usado progressões semelhantes, como Richard Rodgers,em Have
you met miss Jones.
Sérgio Freitas fornece uma explicação sobre as “
relações de terça maior entre os
acordes maiores do modo maior”, que, segundo ele, ganham “destaque importante em certos
contextos da prática atual da música popular”:
A progressão cadencial matriz deste tipo de relação é aquela que se dá entre o I
grau + o III grau (Mediante Superior, acorde maior que se encontra uma terça
maior acima do I grau) + o bVI grau (grau de Empréstimo Modal, acorde que se
encontra uma terça maior acima do III grau; acorde por vezes chamado de
‘Mediante da Mediante’ pela relação de terça que mantém com a Mediante
IIIMaj7 e por estar ao ‘meio’ do IIIMaj7 e do Imaj7 graus da tonalidade).
11
Para o autor, “mesmo nessas relações mais longínquas, aparentemente ‘atonais’ e
aparentemente contrárias e daninhas ao sistema [tonal], a supremacia das relações funcionais
entre T [tônica], S [subdominante] e D [dominante] se vê novamente fortificada, através de uma
superfície inusitada e revigorante”.
12
Assim, por exemplo, a harmonia de Giant steps, marco
dessa fase do músico, caminharia, além da tonalidade principal
13
, EbMaj7, pelas regiões da
“mediante superior”, GMaj7, e “mediante da mediante”, BMaj7, que é também um acorde de
empréstimo modal (bVIMaj7, enarmônicamente, CbMaj7).
Em sua análise harmônica sobre a composição, Weiskopf e Ricker observam ainda
uma outra peculiaridade em sua construção:
10
“Tem sido bem documentado que Coltrane estudou extensivamente o livro de Nicholas Slonimsky, Thesaurus of
scales and melodic patterns: Charles Scribner’s sons, Nova Iorque, 1947. É possível especular que sua inspiração
para o uso do ciclo de terças maiores descendentes possa ter vindo do estudo desse livro.” (Ibid., p. 10.)
11
Sérgio P. R. de FREITAS, Teoria da harmonia na música popular, p. 151.
12
Ibid., p. 152.
13
Os autores mencionados apresentam diferentes pontos de vista quanto à tonalidade de Giant steps. Para Freitas, a
“eleição da região de
Si maior como tonalidade principal se fundamenta antes nas razões de Forma e Melodia de
‘Giant steps’ do que na ambigüidade de sua harmonia” (o grifo é nosso), uma vez que, “como as três regiões estão
simetricamente dispostas entre si, através de intervalos de terça maior”, poder-se-ia “considerar qualquer uma delas
como a tonalidade principal.” (Sérgio P. R. de FREITAS, Teoria da harmonia na música popular, p. 152). Optou-se,
neste trabalho, pelo proposto por Walt Weiskopf e Ramon Ricker, que, embora não o explicite, sugere, em sua
argumentação, que a escolha por
Mi bemol maior encontre razão no fato da música iniciar-se (através do ciclo de
terças maiores descendentes) e terminar com progressões para este centro tonal.
71
O desenho completo dessa composição é evidente quando se observa que, a cada
dois compassos (1, 3, 5, 7, etc.), os centros tonais
ascendem por intervalos de
terças maiores. Na primeira metade do tema, o ciclo de terças maiores
descendentes é usado para alcançar essa finalidade. Na segunda metade,
Coltrane o faz com progressões II-V-I tradicionais.
14
Giant steps (John Coltrane)
Desse modo, em Giant steps, além de sua progressão convencional, onde os acordes
que funcionam como ‘tônicas temporárias’ mudam a cada compasso, Coltrane emprega um
ciclo
de terças maiores ascendentes, porém, num ritmo harmônico mais lento, com os centros tonais se
modificando a cada dois compassos.
14
Walt WEISKOPF e Ramon RICKER, Coltrane: a player’s guide to his harmony, p. 9.
72
Ciclo de terças maiores ascendentes
15
(compassos ímpares de Giant steps)
B
G E
β
Algumas composições de Hélio Delmiro também apresentam trechos onde a
harmonia é polarizada por centros tonais distantes de terças maiores ascendentes. Para atingi-los,
Delmiro faz uso de diferentes caminhos harmônicos.
Em Esperando, ao final da seção [A], em Mi menor, ocorre uma preparação
modulatória para a tonalidade de Si maior. A progressão, de quatro compassos, inicia-se com o
acorde GMaj7 e, a partir do baixo descendente (GMaj7/F#), caminha para aquele clichê de
preparação para a dominante – Em7, Em/D, C#m7, F#7 – abordado no Capítulo IV (item 4.2),
alcançando o acorde BMaj7, localizado uma terça maior acima do primeiro.
Apesar do ciclo ter início no quarto compasso anterior, é na seção [B] que ele assume
um ritmo harmônico constante. Trata-se (enarmônicamente) do mesmo ciclo de terças maiores
ascendentes utilizado por Coltrane em Giant steps, também com mudança de centros tonais (B,
Eb e G) a cada dois compassos.
15
Ilustração baseada em Walt WEISKOPF e Ramon RICKER, Coltrane: a player’s guide to his harmony, p. 7.
73
Esperando (Hélio Delmiro)
O ciclo é percorrido completamente entre o último compasso da seção [A] (F#7) e o
sexto de [B] (GMaj7), diferenciando-se neste trecho de seu uso na segunda metade de Giant steps
pela ausência do IIm7 cadencial. A chegada ao último acorde maior da segunda seção é realizada
por cadência plagal (EMaj7, BMaj7).
É interessante notar que, no referido trecho de seis compassos, o ciclo é utilizado por
Delmiro da mesma maneira que na conhecida progressão de John Coltrane, ou seja, com os
acordes maiores precedidos de seus respectivos dominantes. A diferença está no sentido do
caminho pelos centros tonais, sendo um descendente – “Coltrane changes” – e outro, ascendente
Esperando. Abaixo, uma comparação entre ambos:
74
Esperando (Hélio Delmiro)
“Coltrane changes”
Ciclo de terças maiores
descendentes Ciclo de terças maiores ascendentes
B
D
#
G
B
G D
#
Outro exemplo do uso do
clichê de preparação para o dominante no modo menor para
atingir os acordes de chegada do ciclo de terças maiores ascendentes pode ser encontrado na
seção [B] de Lago’s, uma valsa jazzística em Lá menor gravada no CD “Symbiosis”, em duo
com o pianista e arranjador norte-americano Clare Fischer, e posteriormente no álbum “Violão
urbano”. Aqui, o ciclo tem início no relativo maior (CMaj7), caminhando, a partir deste, para os
centros tonais que com ele mantêm distância de terça maior (EMaj7 e AbMaj7).
D7
F
#
7
A
#
7
A
#
7
F
#
7
D7
Lago’s (Hélio Delmiro)
75
Em seu sétimo e mais recente álbum, o CD “Compassos”, Delmiro gravou
Alabastro, uma composição que percorre o conhecido
ciclo de terças maiores descendentes de
John Coltrane, contudo, através de uma complexa progressão de acordes, onde a mudança de um
centro tonal a outro ocorre a cada quatro compassos.
O ciclo inicia-se no quarto compasso do tema (compasso 12), que possui apenas uma
seção, sobre o IIIMaj7 (F#Maj7), acorde da região da “mediante superior”. No compasso
seguinte, este acorde torna-se um meio-diminuto (construído sobre a mesma nota fundamental
F#), que inicia uma série de três cadências do tipo IIm7(b5), V7 descendentes cromaticamente
(compassos 13-15), numa
interpolação de progressões II-V do modo menor com substituição por
trítono, sendo a última (Em7(b5), A7) a preparação original (emprestada do modo menor) que
retorna à tônica (DMaj7 – compasso 16). Esta, no próximo compasso, torna-se o primeiro
IIm7(b5) de uma seqüência estruturalmente idêntica à anterior, mas localizada uma terça maior
abaixo (compassos 17-19), que leva ao bIVMaj7 (BbMaj7 – compasso 20), terceiro centro tonal
do ciclo.
Por outro lado, o trecho onde há o ciclo de terças maiores descendentes é precedido e
sucedido por progressões em terças maiores
ascendentes. Primeiramente, após a introdução de
oito compassos, o tema inicia-se sobre a tônica (DMaj7 – compasso 9) e, através de dominantes
estendidos, caminha para o acorde que dá início ao ciclo, IIIMaj7, localizado uma terça maior
acima. Depois, na volta à introdução, utilizada então como ponte, retorna-se à tonalidade original
(Ré maior) por terça maior ascendente.
76
Alabastro (Hélio Delmiro)
6.5 Modulação para o homônimo do relativo maior
Em Marceneiro Paulo, choro contrapontístico em menor para violão solo de
autoria de Hélio Delmiro, gravado originalmente no álbum “Emotiva”, encontramos, no sexto
compasso da seção [B], o acorde Ab6(7M). Precedendo-o, há uma preparação de dominante:
77
Eb7/Bb. Esta seria a preparação para a tônica Dm (Im) por substituição de trítono, ou subV7
principal. Porém, ao invés de substituto, tal acorde assume a função de dominante original ao se
resolver sobre o Ab6(7M), que não está diretamente relacionado à tonalidade da peça, mas à sua
relativa, Fá maior. Este acorde é o terceiro grau do campo harmônico tonal de Fá menor,
configurando uma rápida
modulação para a tonalidade homônima do relativo maior de Ré menor.
Marceneiro Paulo (Hélio Delmiro) – “Emotiva”, 1980
78
O retorno à tonalidade inicial da peça é realizado em meio a uma ambigüidade,
representada pela harmonia subentendida entre os compassos 7 e 8. Os acordes Bbm(add9) e Db
o
sugerem uma cadência perfeita (S-D-T) de preparação para Fm, uma vez que o diminuto pode ser
assumido como inversão do dominante C7(b9). Mas o acorde que se segue é A7, dominante
principal, que restabelece a tonalidade anterior e tem, como possibilidade de inversão, o acorde
C#
o
, enarmônicamente, o mesmo que já vinha sendo executado através da melodia nos dois
compassos anteriores.
79
CONCLUSÃO
Após uma reflexão sobre a trajetória musical de Hélio Delmiro, relacionando o
contexto histórico, social e cultural em que obteve sua experiência de vida aos aspectos musicais
pertinentes de sua obra, foram verificadas correspondências que evidenciam suas referências
gênero-estilísticas, a saber, o jazz e a música popular brasileira. Delmiro sintetiza essas
linguagens de maneira particular, estabelecendo diálogos entre realidades musicais de origens
distintas e acrescentando sua própria personalidade a tais combinações. Para tanto, vale-se de
amplo conhecimento sobre várias das vertentes em que podem ser subdivididos aqueles dois
gêneros mencionados: blues, swing, bebop hard bop, fusion, choro, samba-canção, bossa nova,
samba, marcha-rancho, baião. Tal embasamento estilístico serve de lastro para uma concepção
musical sólida e pessoal.
80
Observando-se sua carreira de uma perspectiva histórica, percebe-se que uma
conjunção de fatores colaborou para o êxito artístico do músico. Por um lado, talento, dedicação e
competência possibilitaram-no tornar-se apto a atuar nas diversas situações de trabalho a que se
propôs. Por outro, encontrava-se numa cidade que concentrou grande parte da produção artística
do país. O Rio de Janeiro ‘pós-bossa nova’ das décadas de 1960 e 70 atravessava um período de
efervescência cultural, com grande número de artistas e investimento maciço por parte da mídia e
gravadoras na música popular brasileira. Com isso, um profissional com sua qualificação via-se
diante de boas oportunidades num mercado de trabalho diversificado: festivais, shows, gravações,
programas de TV.
A respeito dos elementos essencialmente musicais, expostos na Segunda Parte do
trabalho, confirmaram-se duas hipóteses levantadas durante o projeto de pesquisa. Uma delas, a
de que o estilo de Hélio Delmiro caracterizar-se-ia por uma fusão dos gêneros, entre os quais sua
obra transitaria: a música popular brasileira e o jazz. Primeiramente, essa síntese pôde ser
constatada através do fator ritmo, entendido aqui sob dois pontos de vista: em primeiro lugar, a
partir da ‘micro-estrutura’ presente na construção melódica, ou seja, as células e grupos rítmicos
sobre os quais se fundamenta a criação de Hélio, onde, num fraseado plural e sincopado,
encontram-se elementos do samba, choro e baião, mas também do bebop, havendo momentos em
que o tempo obedece a uma subdivisão de “swing”; segundo, por suas escolhas de repertório,
onde, além da multiplicidade rítmico-estilística, há também o aspecto da execução de
composições sobre ritmos relacionados a estilos outros que não os de origem daquelas, resultando
em combinações interessantes e inusitadas.
Com relação à melodia, observou-se a predominância de uma linguagem solidamente
embasada em suas raízes jazzísticas, trabalhada num grau de complexidade correspondente ao
contexto harmônico em que se insere, o qual exige conhecimento e domínio das escalas de
acordes, bem como dos clichês e recursos de ornamentação próprios de cada estilo que permeia a
obra do artista. Combinados a esse tipo de fraseado, puderam ser observados artifícios
fraseológicos idiomáticos do instrumento. Com isso, foi possível constatar uma conseqüência das
estratégias de aprendizado, a serem detalhadas mais adiante, utilizadas pelo músico em sua
formação: a absorção de linguagens estilísticas por meio da audição e da prática, aliadas à
fluência na execução, obtida através do domínio técnico do instrumento, cujo idiomatismo pode
conduzir a soluções de sonoridade diferenciada.
81
Na harmonia de Hélio Delmiro, verificaram-se procedimentos que denotam uma
visão atual da tonalidade na música popular, onde o uso de acordes pertencentes ao campo
homônimo (empréstimo modal) pode apresentar-se como uma solução eficaz à questão da
continuidade do ritmo harmônico, ao mesmo tempo em que aumenta o grau de novidade na trama
harmônica. Além disso, puderam ainda ser observados caminhos por centros tonais que mantêm
uma relação um pouco menos imediata com a tônica: a modulação para o V grau maior, através
de um clichê bastante empregado na progressão descendente de quarta justa (ou ascendente de
quinta justa) a partir do acorde menor; o acorde da região da mediante superior (IIIMaj7); os
ciclos ascendente e descendente de terças maiores; e, numa tonalidade menor, a modulação para
o homônimo do relativo maior. Acima do domínio técnico e conhecimento das várias
possibilidades de distribuição de vozes no braço do instrumento, suas gravações deixam
transparecer uma profunda compreensão das relações funcionais entre os acordes, o que
possibilita uma condução dinâmica e equilibrada da harmonia.
O segundo pressuposto desta pesquisa diz respeito à possibilidade de generalização
de algumas das características apontadas na obra em questão no intuito de contribuir para a
sistematização da chamada música instrumental brasileira. Considerando-se que os princípios
estruturais desta, ou seja, a co-existência de elementos da cultura musical popular regional e
urbana do Brasil – inflexões e padrões rítmicos e melódicos – e do jazz norte-americano –
vocabulário melódico-harmônico e modelos formais –, com ênfase em seu meio de expressão
mais característico, a criação espontânea (improvisação), demonstraram-se os mesmos presentes
na obra de Delmiro, para a finalidade de uma categorização genérico-estilística, poder-se-ia
classificar seu trabalho como uma manifestação pertencente a tal segmento.
Uma vez que muitos dos procedimentos apontados na obra de Hélio Delmiro são
considerados então características de estilo, resta delimitar, dentro deste, quais os traços que
caracterizariam sua ‘personalidade musical’. Provavelmente, ela residiria nas entrelinhas de seu
trabalho, em nuances rítmicas, melódicas e harmônicas, no toque violonístico à guitarra e
guitarrístico ao violão, em sua forma de adaptar elementos da técnica violonística clássica ao
vocabulário jazzístico, num tipo de construção melódico-improvisacional que denota um
pensamento composicional, presente também em seus arranjos e composições.
82
Por fim, constata-se a importância da obra de Hélio não pela introdução de um
material musical efetivamente “novo” ou “original” na música popular, sendo os próprios termos
passíveis de questionamento, em se tratando de um fazer artístico de características já
estabelecidas e bem-definidas ao longo de décadas, mas pela consolidação de uma maneira de
compor, interpretar e improvisar própria do músico, e mais especificamente do
violonista/guitarrista brasileiro atuante no cenário da música instrumental. A contribuição de
Delmiro para o desenvolvimento e solidificação dessa linguagem pode ser percebida pela
maneira de tocar de importantes músicos das gerações posteriores à sua, como Romero Lubambo,
Lula Galvão e Diego Figueiredo, que tiveram em Hélio uma forte referência em suas formações.
O trabalho do músico aponta ainda para a validação de um repertorio de guitarra, enquanto
instrumento solista, na música popular brasileira, superando o elo violão-guitarra, paradigma do
aprendizado desta.
Mesmo não sendo este o foco do presente trabalho, do ponto de vista do ensino da
música, pode-se pressupor, a partir das informações concernentes à formação artístico-musical de
Hélio Delmiro, que algumas de suas estratégias de aprendizado sejam passíveis de generalização.
Primeiro, indo ao encontro do que educadores e estudiosos do jazz vêm afirmando nas últimas
décadas, constata-se a importância da prática da audição no entendimento e incorporação de
componentes estilísticos. Na música popular, certas inflexões e nuances rítmicas ligadas ao estilo
não costumam ser mensuradas na codificação dos sons pela partitura, sendo, porém, esperado do
instrumentista seu conhecimento quando da interpretação. Essas convenções são tradicionalmente
absorvidas a partir da observação (auditiva), no contato com a obra de arte, seja pelo meio da
gravação ou da apresentação.
Outro aspecto relevante também diretamente relacionado ao aprofundamento
estilístico é o conhecimento de repertório. No início da vida musical de Hélio, essa experiência se
deu através de apresentações em bailes e casas noturnas, contribuindo igualmente para seu
desenvolvimento como improvisador. Com o passar dos anos, esse saber foi sendo enriquecido e
depurado pela prática e o convívio com excelentes profissionais.
Quanto às ferramentas necessárias à execução, o modo do músico de encarar seus
estudos exemplifica a possibilidade de complementaridade entre aprimoramento técnico-teórico e
percepção musical. Para ele, o aperfeiçoamento ao instrumento constitui-se num importante meio
83
a ser usado em beneficio da intuição: “o fator mais importante para inibir a criatividade é a falta
de preparo técnico”.
1
Conclui-se, com isso, que a obra gravada de Hélio Delmiro representa uma fértil
fonte de pesquisa sobre a música instrumental brasileira e o papel do violão e da guitarra nesta.
Acredita-se que o presente material constitui um saber atual sobre a música popular recentemente
produzida no país e possa, num outro momento, vir a servir de subsídio à organização de um
trabalho de cunho didático, tendo como base a técnica e o estilo do instrumentista, de maneira a
propiciar seu pleno aproveitamento pedagógico.
1
Bruno Rosas MANGUEIRA, O estilo de improvisação de Hélio Delmiro, p. 25.
84
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