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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG
PPGCS - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO: MESTRADO
YOUSSEF AZZAM
O PAPEL POLÍTICO DO CAMPESINATO
NO PENSAMENTO DE ERIC HOBSBAWM
Campina Grande-PB
2009
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2
YOUSSEF AZZAM
O PAPEL POLÍTICO DO CAMPESINATO
NO PENSAMENTO DE ERIC HOBSBAWM
Trabalho apresentado ao programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), em
cumprimento aos requisitos necessários para a
obtenção do grau do Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Edgard Afonso Malagodi
Campina Grande-PB
2009
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3
Dedico este trabalho:
Ao professor Lemuel Dourado Guerra Sobrinho, sem o
qual minha presença no Brasil seria muito mais difícil,
A Maria Rodrigues, pelo apoio incondicional desde o
início,
Ao povo brasileiro, pela ajuda e a adesão,
Á minha filha, Sara, em sua solidão.
4
AGRADECIMENTOS
Pelo fato de pertencer a uma sociedade oriental, na qual o passado, a ignorância e o
fanatismo são aspectos marcantes, onde as dificuldades de todo tipo se fazem sentir de
maneira mais marcante que em outras, é que considero essa experiência no Brasil algo muito
precioso, pois foi indispensável operar rupturas culturais, com um destino já traçado, e
entrecruzar outros espaços totalmente diferentes, a fim de ter um olhar igualmente diferente
vis-à-vis de uma sociedade que crê poder reproduzir o passado.
Assim, quero poder agradecer:
Ao Dr. Lemuel Guerra, atual diretor do Centro de Humanidades da UFCG, por ter sempre me
incentivado a acreditar que eu posso atingir meus objetivos, apesar de todas as dificuldades;
Ao Dr. Edgard Afonso Malagodi, meu orientador, por sua paciência, sua compreensão, e por
sua tolerância intelectual;
À Drª. Marilda Aparecida de Menezes, que me impõe, pela qualidade de suas aulas, revisar
muitas de minhas posições intelectuais;
A Rinaldo, Joãozinho e Zezinho, secretários do Programa de Pós- graduação em Ciências
Sociais da UFCG, pela ajuda multiforme em qualquer momento;
A todos os professores do programa de Pós- graduação, que me apoiaram durante toda minha
formação e me ajudaram na apreensão de conhecimentos acadêmicos preciosos;
Aos colegas de turma de em Ciências Sociais, em 2007.
5
Á memoria de todos os intelectuais e artistas,
marroquinos, árabes, e muçulmanos que foram
assasinados pelas mãos criminosas do fanatismo religioso,
do depostismo e do abismo societal.
Á memoria de meu irmão Abdelaziz Azzam, falecido aos
52 ans no dia 21 de maio de 2009.
HOMENAGEM
6
RESUMO
Neste trabalho, examino as condições históricas e epistemológicas da análise proposta por
Eric Hobsbawm, segundo a qual o campesinato estaria em fase de desaparecimento, não
podendo ser seu papel político mais que uma forma arcaica, que pertence ao passado. Dentre
os principais eixos da contra-argumentação aqui proposta, destacamos os seguintes: 1- O
processo do desaparecimento do campesinato é um fato histórico visível em muitos cenários
históricos, mas não é um processo obrigatório em todas as sociedades; 2- O papel político do
campesinato não pode ser devidamente entendido a partir das categorias de análise da
sociedade moderna ou contemporânea.
Campesinato 2. Política 3. Banditismo Social.
RESUMÉ
Dans ce travail, j´ examine les conditions historiques et épistémologiques qui ont poussé Eric
Hobsbawm à considérer la paysannerie comme étant en phase de disparition, et par
conséquence son rôle politique comme une forme archaïque qui appartient au passé.
Parmi les principaux éléments j’ai mis sous analise pour retenir l´attention: 1. Le processus
de disparition est un fait historique visible dans plusieurs experiences, mais il n´est pas un
processus obligatoire ou nécessairement faible pour les sociétés qui l´ont pas connu. 2. Le role
politique de la paysannerie ne peut être entendu á partir des categories d´analyse de la société
moderne ou contemporaine,
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 08
CAPÍTULO I: HOBSBAWM, VIDA & OBRA ........................................................... 15
1.1 ALGUNS ELEMENTOS BIOGRÁFICOS DE BASE......... ..................................... 17
1.2 AUNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE........... ............................. ...........................20
1.3 O PARTIDO COMUNISTA BRITÂNICO E SEUS HITORIADORES .................... 24
CAPITULO II: CAPITALISMO, AGRICULTURA & CAMPESINATO ............... 46
2.1 O DEBATE SOBRE O CAMPESINATO ................................................................. 48
2.2 A AÇÃO POLITICA DO CAMPESINATO ............................................................. 56
CAPITULO III: CAMPESINATO & POLITICA ................................................ 64
3.1 O CAMPESINATO NO CASO INGLÊS ................................................................... 64
3.2 O BANDITISMO SOCIAL & RURALIDADE ......................................................... 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 78
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 81
ANEXO 1 ......................................................................................................................... 83
ANEXO 2 ......................................................................................................................... 89
8
INTRODUÇÃO
Durante “A Era dos Extremos” (expressão utilizada por Eric Hobsbawm para
qualificar o século XX), mas já bem antes deste período, houve uma série de revoltas,
rebeliões e revoluções no sentido pleno do termo, nas quais os camponeses se impuseram
como força motriz, nomeadamente nos países colonizados ou semi colonizados. Estes
levantes camponeses, que se repetiram em vários países e em várias épocas, suscitaram o
interesse de diferentes intelectuais, líderes políticos, e investigadores de diversas disciplinas.
A pergunta geral que se fazia então era a mesma: O que é um camponês e qual a razão da sua
revolta? Várias tentativas de resposta foram construídas e surgiram propostas diversas, a
partir de perspectivas teóricas diferentes, embora a maior parte dos investigadores tivesse
ficado limitada a analisar casos concretos, bem específicos, mesmo que tenha havido algumas
tentativas de generalização.
Assim, partindo de uma leitura inicial que teve como eixo situar as propostas analíticas
que surgiram nas décadas de 60 e 70 em torno do tema do campesinato
1
1
A idéia inicial do projeto que deu origem a esta Dissertação era precisamente contar,
recuperar e compilar estas diferentes tentativas ou propostas analíticas do tema do
campesinato na sua conotação política, e ver em qual limite se poderiam estabelecer alguns
traços comuns, ou mesmo algum tipo de síntese.
, trato aqui de retomar
um debate que foi desencadeado com Hobsbawm em “Rebeldes Primitivos”, publicado em
1959, e que terminou parcialmente em 1979, com Teda Skocpol, em “Estados e revoluções
sociais”. Historicamente, este debate se inspirava em certas teses formuladas nos trabalhos de
Karl Marx e da primeira e segunda geração de marxistas (Friedrich Engels, Karl Kautsky,
Vladimir Lênin, principalmente.). No entanto, retomar toda a discussão desde Marx tornaria a
tarefa não somente delicada, mas claramente impossível. Era necessário reduzir a amplitude e
fixar-me em um objetivo mais modesto. E numa preocupação de delimitar historicamente o
9
tema, o interesse [teórico e político] maior recaiu sobre os desenvolvimentos mais recentes
vinculados ao período 1959-1979.
É preciso reconhecer que este debate englobou autores que pertencem a disciplinas
diferentes, como a história, a antropologia, as ciências políticas, a sociologia e outras que se
classificam indiferentemente sob o nome das ciências sociais. Isto tem certo impacto sobre as
abordagens elaboradas que partem de pontos de vista diferenciados. Esta
multidisciplinaridade não impediu, no entanto, o estabelecimento de certo referencial comum.
Se alguns destes autores não se declararam abertamente como de inspiração marxista, a
grande maioria deles mergulhou, de uma maneira ou outra, em algum tipo de marxismo,
eventualmente até privado dos seus elementos mais dogmáticos.
A outra característica destes autores é que eles não se dedicaram unicamente à questão
camponesa na sua dimensão política. Para muitos deles este foi um tema passageiro, não
aparecendo em seus trabalhos futuros, uma vez que tais autores abraçaram posteriormente
outras linhas de interesse. De fato, após 1979, a maioria deles se afastou do tema do
campesinato para se consagrarem a outros temas.
No entanto, o debate não terminou aí, pela simples fato de que a maior parte dos que
participaram dele abandonou o tema. Outros investigadores surgiram e continuaram a animá-
lo. Ainda que haja mudanças diversas, essa continuidade é incontestável.
E, do ponto de vista do cenário social e político, em todo o mundo, o mais importante
é que os “camponeses” continuam igualmente a lutar de uma maneira ou outra. Eles se
impõem, assim, como problema teórico e político ao mundo acadêmico.
Quanto ao problema que nos interessa, este debate englobou cronologicamente os
seguintes autores, através das obras indicadas:
Eric J. Hobsbawm: Rebeldes Primitivos (1959)
Barrington Moore: As Origens Sociais da Ditadura e a Democracia (1966)
10
Eric Wolf: Guerras Campesinas do século XX (1969)
Teodor Shanin: Camponeses e Sociedades Campesinas (1971)
Henry A. Landsberger: Movimentos Camponeses e Transformação Social (1974)
Jeffery Paige: A Revolução Agrária (1975)
Henri Mendras: Sociedades Camponesas (1976)
James Scott: A Economia Moral do Camponês (1976)
Samuel Popkin: O Camponês Racional (1979)
Theda Skocpol: Estados e Revoluções Sociais (1979)
É possível observar, no entanto, que as posições destes autores sobre a questão
“camponesa” não foram limitadas às obras supracitadas. Certo número deles efetivamente
consagrou outros trabalhos à questão, que sejam sob forma de artigos ou capítulos em livros,
ou ainda como comunicações em conferências, etc. É o caso, por exemplo, de Eric J.
Hobsbawm. Sua posição sobre a questão encontra-se dispersa em várias das suas obras,
escritos, conferências ou mesmo entrevistas. Terei a ocasião de mostrar isso, mais à frente.
Outra observação é que uma boa parte dos seus trabalhos não é acessível senão parcialmente e
em línguas diferentes do original. Praticamente, Teodor Shanin, Henry A. Landsberger,
Jeffery Paige, James Scott, Samuel Popkin e Theda Skocpol não são acessíveis em português,
estão principalmente em inglês, e algumas obras em francês ou espanhol. Este estado de
coisas tem criado um sério problema para o público leitor brasileiro e tem impedido o acesso
mais amplo ao debate da questão camponesa na globalidade dos trabalhos supracitados.
2
O segundo problema é que um estudo desta amplitude, que engloba dez autores de
uma vez, da postura intelectual deles, sobre um período de 20 anos, é em si um desafio que
excede de longe os limites de uma dissertação e requer, de fato, capacidades mais complexas.
2
Sendo de nacionalidade marroquina minha habilidade idiomática, além do árabe, é francês e espanhol, e bem
recentemente o português.
11
Foi necessário, por conseguinte, fazer uma nova delimitação. De um ponto de vista
meramente de língua, havia a possibilidade de nos concentrar nos quatro primeiros autores, ou
seja: Eric Hobsbawm, Barrington Moore, Eric Wolf, e Henri Mendras que estão mais
disponíveis em português. Mas, mesmo com esta nova fixação de limites, outro problema
emergiu no nível da estrutura do projeto da investigação.
Após algumas investigações preliminares para fins de contextualização,
principalmente nas bibliotecas da universidade e via Internet, foi evidenciado que o material
disponível não permite realizar uma dissertação pelo menos equilibrada em termos da sua
estrutura interna. A informação mais disponível da qual se dispõe, em relação a estes quatro
autores, era mais consistente apenas no caso de Hobsbawm. Foi assim que me vi no
constrangimento de remodelar o projeto de dissertação para consagrá-lo integralmente a este
autor, o historiador inglês Eric J. Hobsbawm.
O interesse em realizar este estudo centrado neste autor está ligado ao fato de ser
o mesmo conhecido um dos defensores da tese do desaparecimento do “campesinato”,
tese que permanece uma das mais controvertidas, sobretudo na condição dos países de
predominância camponesa ou em que a atividade agrícola deste segmento social é ainda
bastante importante em termos de indicadores socioeconômicos.
Esse interesse por Hobsbawm está ligado também ao seu percurso intelectual rico e
diversificado como historiador engajado, com cerca de trinta livros e centenas de artigos em
várias línguas. A importância desse autor está igualmente ligada ao fato que é um dos
representantes mais destacados e conhecidos da escola dos historiadores marxistas britânicos,
além de ser o último em vida. O estudo da obra de Hobsbawm justifica-se também pelo fato
que não se conhece nenhum trabalho integral ou parcial que lhe tenha sido consagrado, exceto
algumas exposições ou críticas sob forma de artigos. Talvez o único trabalho que tentou tratá-
12
lo como sendo membro do grupo dos historiadores britânicos seja ainda o de Harvey J. Kaye
The British Marxist Historiens, editado em inglês em 1984
3
Contudo, mesmo com tal delimitação, o problema não foi resolvido senão
parcialmente. E este trabalho terá que confrontar dois aspectos interligados. O primeiro é que
Hobsbawm pensa a questão através da acumulação dos conhecimentos adquiridos de outros
historiadores e debatendo com eles. Neste nível, retoma direta ou indiretamente certas teses de
outros historiadores marxistas britânicos, particularmente os especializados do campesinato
inglês como é o caso de Rodney Hilton. Há fortes possibilidades que a posição deste último
autor vis-à-vis sobre o campesinato é estreitamente ligada ao caso inglês, com tendências à
generalização bastante clara
.
O trabalho que tento aqui, por conseguinte, realizar em torno do pensamento deste
historiador, principalmente no que diz respeito à questão camponesa, cobre um aspecto que se
crê original, estimulante e instrutivo, na medida em que permite descobrir a riqueza e a
complexidade de uma aproximação teórica que foi desenvolvida desde 1947. No entanto, o
trabalho a empreender não é de modo algum biográfico, nem uma exposição ampla de seu
pensamento, nos seus diversos eixos temáticos, que podem ser considerados eventualmente
como mais importantes ou específicos. Este é um trabalho que se atém a uma temática bem
delimitada: a formulação elaborada por Eric J. Hobsbawm, a respeito da questão camponesa,
analisada, especialmente, em seus aspectos políticos.
4
O segundo é que se supõe que sua posição conheceu certo itinerário historicamente
evolutivo, embora ele nunca a alterasse substancialmente. Isto implica dizer que, para
entender esta posição, seria necessário certamente tentar delimitá-la na sua evolução, o que
significa simplesmente percorrer uma vida intelectual de quase 60 anos. De outro lado, vários
.
3
HARVEY, J. Kaye: The British Marxist Historians, An Introductory Analysis. Cambridge, Polity Press, 1984.
4
HOBSBAWM, Eric: A Era dos Extremos. O Breve Século XX 1914-1991. Editora Schwarcz Ltda. São Paulo.
2ª edição, pp. 284-287.
13
dos trabalhos de Hobsbawm são dispersos por toda parte, e, sobretudo inacessíveis, como os
publicados em revistas especializadas, ou disponíveis só em inglês, ou apenas pela via da
compra por preços para nós proibitivos. É nomeadamente o caso dos seus estudos e artigos
publicados em Past & Presente ou New Left Review ou ainda Marxism Today.
Seus principais trabalhos conhecidos por serem consagrados à problemática
camponesa e seus papéis políticos são especialmente três
Rebeldes Primitivos (1959)
Bandidos (1969)
Capitão Swing (1969)
Limitarei este estudo aos dois primeiros, por não dispor do terceiro, procurando ao
mesmo tempo completar as teses defendidas neles, através do exame de outras obras desse
autor que se pronunciam apenas parcialmente sobre a questão camponesa, tratando, ao mesmo
tempo, de outros objetos.
No seu tratamento da questão camponesa, Hobsbawm contem, de fato, vários
equívocos, dos quais especialmente, sua principal tese a este respeito: o desaparecimento do
campesinato em si. Vários dos seus leitores e críticos tiveram dificuldades em entender o que
este autor queria dizer com tal conclusão, sobretudo aqueles críticos que são mais
preocupados com a mesma questão, mas em outros contextos históricos ou sociais. Esta
conclusão de Hobsbawm refere-se a um caso bem específico ou entende ele isso como uma lei
geral que se refere a todos os campesinatos do mundo?
Tendo em conta o fato que Hobsbawm é em si, um pensador de inspiração marxista,
mas igualmente um militante comunista que demorou por muito tempo no seu partido, uma
hipótese se impõe a este respeito: Não seria esta longa identificação com o movimento
comunista internacional, movimento que assumiu e defendeu militantemente as teses relativas
14
ao desaparecimento e o papel político reacionário do campesinato que fez como que
Hobsbawm se encontrasse na obrigação de assumir e defender essa posição?
Verificar esta hipótese é a proposta que esta dissertação se propõe a realizar.
CAPÍTULO I: ERIC HOBSBAWM: VIDA & OBRA
De fato, não se conhece uma biografia de Hobsbawm que tenha sido publicada como
tal por outro autor, um especialista ou um biógrafo. A única que se conhece até agora é a que
foi feita pelo próprio Hobsbawm. Trata-se de uma autobiografia que foi publicada na sua
versão original em 2002, sob o título “de Interesting Times - A Twentieth-Century Life
5
Hobsbawm é plenamente consciente desta última característica e não falta ao dever de,
no prefácio da sua autobiografia
.
Esta autobiografia da vida pessoal, intelectual, acadêmica e política de um historiador que é
considerado como um dos maiores historiadores contemporâneos, foi feita por um historiador
que escreve sua própria “história”.
6
Não se trata da autobiografia de uma “personalidade” ou “celebridade”, como não se
trata igualmente de “memórias”. Hobsbawm é muito meticuloso na utilização deste último
termo para qualificar sua história. De fato, ele não se crê pertencendo a esta categoria de
pessoas cuja vida pessoal e atividades públicas são vinculadas estreitamente a grandes
, esclarecer os limites e os objetivos que procura impor à sua
própria autobiografia. Ele atribui um aspecto específico a sua própria história como sendo
parte integrante, não somente de uma história mais larga, mas que pode servir como matéria
prima para os que querem entender a história do século XX ou ainda escrevê-la.
Na ordem das suas prioridades, estão postos primeiramente os limites.
5
HOBSBAWM, E: Interesting times- a twentieth- century life. London, A. Lane, 2002.
6
HOBSBAWM, E: Tempos Interessantes. Uma Vida no Século XX. Editora Schwarcz Ltda. São Paulo. 1ª
edição. 2002.
15
acontecimentos ou a grandes personalidades ligadas aos centros de decisão. A humildade de
Hobsbawm, que parece um dos traços típicos da sua personalidade, empurra-o ainda a encarar
e a aceitar a possibilidade de que ele desapareça completamente da história do século XX, na
Grã-Bretanha, sem que este desaparecimento seja uma lacuna!
7
É nessa autobiografia, na sua tradução portuguesa, que o trabalho a seguir vai se
basear para elucidar alguns aspectos da trajetória do autor, embora se sabendo que,
geralmente, Hobsbawm não lhe atribui grande importância, para explicar suas posições
Quanto aos objetivos, esta autobiografia representa para Hobsbawm ele mesmo, um
tipo de confissão incapaz de ferir os sentimentos de outras pessoas vivas (ou mortas). Este
objetivo, que atua como um limite pode ser detectado nas páginas consagradas ao Partido
Comunista Britânico e os conflitos internos que o minaram até sua dissolução, em 1991.
Certamente, o objetivo do livro não era de modo algum o de escrever a história do PC, e pode
ser que Hobsbawm não se veja mesmo em condições de fazê-lo. Mas, o fato de haver passado
quase cinqüenta anos neste partido e freqüentado o essencial dos seus intelectuais e seus
líderes deixa questões suspensas a serem considerados a este respeito.
Hobsbawm antecipa este estado de fatos no prefácio da sua autobiografia. Sabe-se que
vários de seus leitores, jornalistas e interessados esperavam respostas às perguntas quanto a
sua adesão, participação e permanência no PC Britânico e no movimento comunista
internacional. Hobsbawm crê trazer alguns elementos de resposta sem que seu objetivo seja
principalmente este. Ele pensa que a Historia já julgou, em grande parte, suas opiniões
políticas e que sua principal preocupação nesta autobiografia é compreender a história (sic!).
Para ele, sua autobiografia se caracteriza, em comparação à sua obra “A Era dos Extremos”,
pelo fato que ela trata “ não a história do mundo ilustrada pelas experiências de um indivíduo,
mas a história do mundo dando forma a essa experiência”.
7
Idem, p. 10.
16
intelectuais ou políticas. Nessa perspectiva, tentar-se-á tratar, neste capítulo, de três elementos
que parecem mais susceptíveis de ter desempenhando um papel primordial na vida intelectual
de Hobsbawm:
O fato de aderir prematuramente ao movimento comunista e, através dele, ao
marxismo, antes de se tornar historiador de profissão;
O fato de escolher a história como disciplina de sua formação acadêmica; e
O fato de optar por tudo isto (aderir ao comunismo e se tornar historiador) num país
como a Grã-Bretanha.
1.1 ALGUNS ELEMENTOS BIOGRÁFICOS BÁSICOS
Eric John Ernest Hobsbawm nasceu aos 9 de Junho de 1917, em Alexandria, no Egito,
de um pai britânico e uma mãe austríaca, sendo os dois de confissão judaica. Após o fim da
primeira guerra mundial, a família se deslocou para a Áustria. Antes de ter treze anos, seus
pais morreram. Foi, então, viver com sua tia em Berlim. Na Alemanha de 1931, o jovem
Hobsbawm voltou-se, muito cedo, para a coisa política: aderiu ao comunismo, através de uma
organização estudantil, controlada pelo Partido Comunista Alemão, designada sobe o nome de
SSB (A Federação Socialista de Estudantes)
8
A escolha desta via política foi ditada pelas circunstâncias do momento e pelo fato de
o autor ter crescido num meio familiar de esquerda. Segundo o autor, no ambiente político da
.
Em retrospectiva, Hobsbawm explica este momento decisivo por motivos de ordem
geral. Para ele, não tinha, na época, bastantes razões pessoais para rejeitar a ordem
estabelecida ou sentir-se como uma das suas vítimas. Não se sentia mesmo tocado pela onda
de anti-semitismo em voga na época.
8
Essa organização que foi, de fato, marginal em termos do impacto político, foi inspirada pela famosa Olga
Benario, esposa de Carlos Luis Prestes, o líder conhecido do Partido Comunista Brasileiro.
17
Áustria e de Alemanha, países que viviam em processos de forte polarização, qualquer
posicionamento político resumia-se a optar entre a extrema direita, para a qual o autor não
estava apto, tanto como inglês quanto como judeu, e o comunismo. A família Hobsbawm se
encontrou, de fato, do lado operário e era sindicalizada mesmo. Vários dos seus membros
eram artesãos imigrados. Sobre este capítulo, Hobsbawm recorda-se que:
« Os meses que passei em Berlim me tornaram comunista para o resto
da vida, ou pelo menos me transformaram em alguém cuja vida
perderia a natureza e o significado sem o projeto político a que
dedicou quando estudante, ainda que visivelmente esse projeto tenha
falido e, como agora sei, somente poderia falir”.
9
Na Inglaterra, Hobsbawm freqüentou uma escola em Londres (St. Marylebone
Grammar School), por três anos, “onde recebeu a melhor educação possível na Inglaterra da
década de 1930”. Foi durante esta época que o futuro do historiador se decidiu pela carreira.
Embora ele não gostasse realmente da sua escola inglesa, pelo menos no início,
comparativamente a que freqüentava na Alemanha, teve a ocasião de aprender de professores
que “poderiam pertencer socialmente ao mundo universitário, porém não intelectualmente
A revolução de Outubro e o antifascismo constituíram doravante referências
francamente afirmadas que alimentaram um militantismo, às vezes clandestino, antes da
partida de Hobsbawm para a Grã-Bretanha, em 1933.
10
9
HOBSBAWM, E: Tempos Interessantes. Op., cit. p. 73.
10
Idem, p. 111
.
Este estado de coisas permitia certa qualidade de escolaridade, embora nada indicasse na
época que havia possibilidade para os alunos irem além da sua condição de liceu. A
universidade, na época era um lugar freqüentado pelos ricos, e as possibilidades para alguém
da condição social de Hobsbawm entrar nela eram mínimas, senão inexistentes. Hobsbawm
soube se beneficiar, de fato, de uma brecha neste sistema, graças à dedicação do seu professor
de história, que se mobilizou para ajudá-lo a ter êxito nos exames de admissão da
18
Universidade de Cambridge e de se beneficiar igualmente de uma bolsa. Nenhum dos seus
colegas da mesma escola teve a mesma oportunidade, nem nenhum outro membro da sua
família.
De fato, os elementos relatados pelo autor, no que diz respeito a esta época, evocam
duas indicações que parecem bastante interessantes tanto na explicação da sua própria
evolução intelectual posterior, como na escolha da história como disciplina de formação
acadêmica. Trata-se primeiramente da ausência da filosofia na formação dos alunos na época
e, em segundo lugar, da sua substituição por alguma espécie de literatura. Estas duas
indicações, apenas de passagem, permitem compreender, mesmo de maneira parcial, a
tendência da maior parte dos intelectuais marxistas ingleses a dedicar-se à história como
campo de pesquisa científica e com certo talento literário. O caso mais exemplar pode não ser
o de Hobsbawm, mas o de Edward Thompson, que escrevia a história com um estilo
predominantemente literário. Essa paixão pela literatura excedia de longe as segmentações
meramente ideológicas, de modo que vários futuros marxistas ingleses não viram contradição
entre seu marxismo e o antimarxismo de F.R. Leavis, que exerceu uma forte influência sobre
muitos deles
11
Por outro lado, é necessário mencionar que a literatura que substituiu a filosofia, no
caso inglês, não criou, de fato, literatos, mas historiadores. E, comparativamente aos
marxistas franceses, por exemplo, é bastante raro encontrar um filósofo, antropólogo ou
politólogo marxista inglês. O caso de John Lewis permanece uma exceção que confirma a
regra. Não se sabe se houve durante o mesmo período outros grupos de intelectuais marxistas,
.
11
Leavis, Frank Raymond (1895-1977), é professor universitário e crítico literário britânico, que pertencia ao
movimento da “Nova crítica” de Cambridge. Seu estilo pessoal, metódico e corrosivo, acompanhado de uma
preocupação brilhantemente expressa de rigor moral, tornou-o famoso, até que o termo “leavisista” permanece
um qualificativo na literatura contemporânea.
19
no PC britânico, da mesma importância do grupo dos historiadores. Parece que este grupo,
com efeito, representa a característica principal do marxismo britânico até hoje.
É durante esta época que se inaugura uma bifurcação essencial na vida de Hobsbawm,
dado a seu ingresso em Cambridge, através do King´s College, do qual ele faria parte
integrante a partir de 1935. Esta instituição universitária tinha uma notoriedade excepcional e
representava sozinha toda a fascinação que pode produzir sua existência, que remonta ao
século XIII.
King´s College de Cambridge
1.2 A UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE
12
A universidade de Cambridge é, na verdade, a segunda mais antiga instituição
acadêmica do mundo anglófono (a primeira é a universidade de Oxford) e seu antigo colégio,
ainda existente, é Peterhouse, fundado em 1284. Com seus 83 premiados de Nobel,
diretamente associados a ela (dos quais 70 são ex-alunos ), Cambridge gerou mais Prêmios de
12
http ;//fr.wikipedia.org/wiki/université de Cambridge
20
Nobel do que qualquer outra universidade no mundo e tanto quanto as universidades de
Oxford, Paris e Yale reunidas.
Embora a universidade ofereça hoje numerosos cursos em vários domínios, era
centrada essencialmente na matemática até ao século XIX, e o estudo desta disciplina era
obrigatório para obter seu diploma. Apesar da diversificação das disciplinas de ensino et de
pesquisa, Cambridge manteve a predominância das matemáticas. O Instituto Isaac Newton,
que faz parte dela, é considerado o instituto nacional de pesquisa em matemáticas e física
teórica.
A admissão nos colégios de Cambridge foi, por muito tempo, dependente do nível do
latim e do grego, um ensino que tinha um lugar importante nas escolas semi privadas (public
schools) britânicas. Aquilo levava a acolher estudantes que provêm principalmente da elite
social britânica. Desde os anos 60 do século passado, o processo de admissão é fundado na
meritocracia. Os candidatos devem ter as melhores qualificações e impressionar os
intervenientes do colégio durante as entrevistas.
Contudo, a universidade com sua longa história, suas tradições e sua fama
representava, de fato, uma verdadeira carga do passado, que pesava sobre seu presente,
impedindo assim qualquer tentativa de administrar mudanças no seu seio. A esse respeito,
Hobsbawm menciona (citando outro) que a principal contribuição de Cambridge na teoria e
na prática política é “o princípio do momento imaturo”, que se erige como barreira na frente
de qualquer tipo mudança, mesmo mínima.
Na época, Cambridge favorecia ainda as ciências naturais, em detrimento das ciências
humanas, pelo fato de que foram as primeiras que estabeleceram sua fama institucional. Eram
as proezas de um Isaac Newton e de todos os que arrancaram os prêmios Nobel que
aplanavam ainda sobre a atmosfera de toda a universidade. As ciências humanas, que se
21
beneficiaram praticamente de um estatuto secundário, eram administradas de maneira
fragmentária e sem grande interesse para a pesquisa.
Do tempo passado em Cambridge, Hobsbawm retém outra característica da
universidade, que lhe parece importante: este estabelecimento em comparação a outros,
nomeadamente Oxford e os centros da vida nacional, estava de fato demasiado isolado e
mesmo provincial a certos respeitos. Este aspecto empurrou o autor a freqüentar outros
centros de estudos que lhe pareciam mais interessantes, foi o caso de London School of
Economics, (onde Maurice Dobb um dos mais importantes historiadores marxistas britânicos
defendeu sua tese de Doutorado) que era e é, de fato, um dos grandes espaços da
intelectualidade anglófona.
O fato de estar ligado ao King´s College, por sua autonomia, aligeirava a indisposição
de Hobsbawm e de vários de seus colegas em relação à forte tradição ancorada no passado
que representa Cambridge em sua totalidade.
Quanto aos seus próprios professores, nomeadamente de História, Hobsbawm não cita
praticamente nenhum, senão o famoso Sr. M Postan
13
Os embriões do famoso grupo dos historiadores do PC britânico, embora sua
constituição oficial date do após guerra, estavam bem presentes no departamento de História,
não somente de Cambridge, mas igualmente de Balliol, em Oxford, e na universidade de
que goza de certo respeito do autor,
pelo seu nível intelectual avançado. Em outros níveis, Postan teria representado certa versão
da historiografia britânica na época. Mas, o notável nesta questão de professores é que
Hobsbawm não cita os professores, principalmente marxistas, que estavam presentes na
mesma universidade no mesmo período e que foram exercendo eventualmente certa influência
sobre ele.
13
Postan foi um historiador especializado na era medieval que foi igualmente a área dos estudos de Rodney
Hilton.
22
Leeds. Maurice Dobb, o famoso historiador econômico e uma das figuras de proa do grupo
dos historiadores marxistas britânicos, estava em Cambridge desde 1924. Vários militantes
comunistas da época figuram nas lembranças de Hobsbawm, como professores de outras
disciplinas ou ainda como estudantes da sua mesma geração.
Há igualmente menção “dos estudantes coloniais” que provinham, na sua maioria, do
continente indiano. Este grupo vai transformar-se mais tarde no famoso coletivo de
historiadores indianos conhecido como “Subaltern Studies”
14
e que terá um forte impacto no
desenvolvimento das ciências sociais no mundo
15
O aumento da força das idéias de esquerda não significava, no entanto,
necessariamente, ou apenas, uma ascendência do PC britânico que, embora se beneficiasse de
um largo apoio em certos momentos, não detinha uma influência total sobre esta esquerda.
Tratava-se antes de um amálgama de forças distintas que compartilhavam a convicção de lutar
pela paz e contra o fascismo, o qual se tornasse uma real ameaça de guerra.
.
De fato, Hobsbawm junta os principais fatores que lhe parecem decisivos na
explicação da tendência à radicalização estudantil da sua época. De um lado, ele cita as
repercussões da grande crise de 1929, que provocou a queda do governo trabalhista na
Inglaterra, mas, sobretudo, o crescimento da força do fascismo, com a vitória do nazismo na
Alemanha. Mas, a partir da segunda metade dos anos 30, é o estouro da Guerra Civil na
Espanha que vai determinar esta radicalização na direção da esquerda.
14
Subaltern Studies: é uma publicação que foi editada em 1983, expressando uma corrente intelectual
procedente da história social radical que passou a ser, posteriormente, o eixo principal das idéias pós modernistas
na Ásia do Sul. No fim dos anos 1970, o historiador marxista indiano RANAJIT GUHA reúne uma equipe de
pesquisa composta de 08 jovens estudantes de doutorado (06 indianos e 02 britânicos) Todos, na Grã-Bretanha,
nos Estados Unidos ou na Austrália. Tratava-se de Shahid Amin, Sumit Sarkar, Gyanendra Pandey, Partha
Chatterjee, Gautam Bhadra, Dipesh Chakrabarty, David Arnold e David Hardiman. Esta corrente foi
influenciada profundamente pelos historiadores marxistas britânicos, E.P. Thompson, Christopher Hill e Eric
Hobsbawm mas também pela leitura de Claude Lévi-Strauss, Pierre Bourdieu, Roland Barthes, Jack Goody,
Clifford Geertz, Max Gluckman, Georges Lefebvre e outros. O questionamento do racionalismo das Luzes, as
ideologias do progresso e o Estado-nação são retransmitidas aqui por intelectuais do Sul, alimentando um
discurso crítico do pós-colonialismo.
15
POUCHEPADASS, Jacques : Que reste-il de Subaltern Studies. Critique internationale, n°24 - julho 2004.
23
No caso dos estudantes britânicos, o que continuava a ser surpreendente era o fato de
que sua radicalização fazia-se na direção da esquerda, enquanto que, no continente europeu,
esta mesma tendência de radicalização fazia-se para a extrema direita. O caso britânico torna-
se mais surpreendente, quando se considera que a maioria das instituições universitárias não
era aparentemente de esquerda, nem no nível dos estudantes e, muito menos, no caso dos
professores. Hobsbawm cita alguns nomes destes, mas os considera na sua maioria como
moderados. Para ele, a interpretação deste momento decisivo para a esquerda foi ligado ao
papel desempenhado pelos próprios estudantes e, sobretudo, os das ciências exatas.
1.3 O PARTIDO COMUNISTA DA GRÃ-BRETANHA
Uma manifestação comunista na Grã Bretanha durante os anos 20
16
16
www.marxists.org/history/international/comintern/sections/britain/index.htm
24
Quanto ao PC Britânico, demasiado minoritário, contava praticamente com algumas
centenas de adeptos estudantes da universidade (cerca de 500), com uma boa
representatividade na comunidade dos estudantes judaicos do mesmo estabelecimento e
alunos das escolas secundárias. Segundo Hobsbawm, a mais notável característica do PC na
época é que ele podia se permitir ter entre seus quadros membros “intelectualmente
brilhantes”. O partido seguia, de fato, uma política de recrutamento em direção aos seus
jovens, aliciados nos liceus e nas universidades. Embora preocupado com a sua integração
gradual na ação política, queria satisfazer sua prioridade de se dotar de elevados quadros com
títulos acadêmicos. Hobsbawm cita que, mesmo durante a Guerra Civil espanhola, a direção
do PC foi oposta à eventualidade de seus estudantes poderem juntar-se às Brigadas
Internacionais, que lutavam na Espanha a favor dos republicanos. Contudo, esta prioridade de
empurrar seus próprios jovens militantes e quadros a formar-se firmemente nas universidades
não era realmente uma particularidade da linha política do PC britânico. Dotar-se de forças
intelectuais era antes um fenômeno historicamente conhecido no movimento comunista
internacional. Vários dos fundadores deste último, seus quadros e ideólogos eram dotados de
grandes potenciais intelectuais. Pode-se citar Antonio Gramsci, ou ainda Rosa de
Luxemburgo, entre outros. Vários intelectuais vão se transformar em comunistas por diversos
outros motivos que lhes são próprios e que não resultam unicamente da vontade do
movimento comunista em si. A observar rigorosamente o caso do PC britânico, observa-se
que sua especificidade mais considerável estava no fato de ter somente intelectuais.
Praticamente minúsculo em termos de efetivos e sem nenhuma presença significante
nas filas da classe operária, o PC apresentava a imagem de um partido de quadros e não de
massa. Esta particularidade vai lhe poupar, sobretudo, a pesada pressão soviética, em
comparação com os outros PCs do continente, como é o caso dos da França e da Itália. O fato
25
de ter um efetivo diminuto para os soviéticos deixará uma larga margem de manobra para os
Britânicos, em termos de debate intelectual e de produção teórica, embora continue a ser
inegável que os soviéticos permaneciam influentes de uma maneira ou outra
17
De fato, a atitude do partido em relação segunda à guerra sofreu mudanças repetidas e
atravessou múltiplas contradições. Esta posição, que não se encontrava de acordo com a
política de Stalin, foi alterada rapidamente. A brochura notória intitulada “Como ganhar a
guerra” (How to win the War), de Harry Pollitt, foi retirada de circulação. Pollitt, o secretário
geral do partido, e alguns outros líderes desculparam-se, declarando que falharam na
definição da verdadeira natureza da guerra e foi adotada uma nova linha de oposição à “guerra
imperialista
. É assim que,
em 1939, com o Círculo de Cambridge (este ajuntamento de vários intelectuais e cientistas, os
quais muitos obtiveram seguidamente o prêmio Nobel), Hobsbawm recusa seguir Stalin que
considera a guerra que começa como um conflito imperialista e que pede para os comunistas
condenarem igualmente o fascismo e o capitalismo.
18
.
Harry Pollitt (1890-1960)
Mais tarde, o PC britânico vai sofrer as varias crises, com efeito, da política soviética,
como nos outros PCs do mundo. O apogeu destas crises ocorreu, indubitavelmente, com a
17
HOBSBAWM, E : Revolucionarios,
18
http://bataillesocialiste.wordpress.com/2008/04/03/le-parti-communiste-et-la-deuxieme-guerre-mondiale-
spgb1970/
26
invasão da Hungria em 1956, que foi estourar as filas do PC britânico, ocasião em que perdeu
assim cerca de 21% de seus efetivos em todos os setores
19
1.3.2 O GRUPO DOS HISTORIADORES DO PARTIDO
COMUNISTA BRITÂNICO (1946 - 1956)
.
Após o desencadeamento da segunda guerra mundial, Hobsbawm se junta ao exército
britânico. Apesar de falar alemão, francês, espanhol e italiano fluentemente, foi afastado do
trabalho de inteligência, para ir servir no corpo dos engenheiros reais e nos corpos educativos.
Após a guerra, retornou à Universidade de Cambridge, onde fez um doutorado com uma tese
sobre “A Sociedade Fabiana”, a única associação socialista totalmente distante do marxismo,
que defendia a teoria da passagem gradual para o socialismo, apoiando-se sobre “o socialismo
municipal”
20
A partir de 1947, Hobsbawm tornou-se, por conseguinte, conferencista na
universidade de Birkbeck e se junta, ao mesmo tempo, a Edward Thompson, Christopher Hill,
Rodney Hilton, Raphael Samuel, George Rudé, John Saville, Dorothy Thompson, Edmund
Dell, Victor Kiernan e Maurice Dobb, para constituir o grupo dos historiadores do partido
comunista. À diferença do PC Francês, existiam no PCGB associações profissionais e
culturais que atuavam em seus próprios domínios. O grupo dos historiadores já se mostrava
notavelmente eficaz e registrava numerosos sucessos. Agrupava indistintamente professores,
sem nenhuma distinção entre os que eram doutores e os que não o eram. Seu trabalho estava
centrado na interpretação marxista da historia inglesa e na sua politização, valorizando, assim,
seus elementos progressistas. Tratava-se primeiro de “institucionalizá-la” e, seguidamente, de
.
19 MUNHOZ, Sidnei: Fragmentos de um possível diálogo com Edward Palmer Thompson, Revista de História
Regional, 2 (2): 153-185 1997. On line
20
http://www.marxists.org/francais/engels/works/1893/01/fe18930118.htm.
27
favorecer seu ensino nas escolas. Antes dessa época, a revolução inglesa do século XVII, por
exemplo, foi tratada unicamente como um desvio temporário da grande continuidade
21
Em 1940, Christopher Hill publicou “a Revolução Inglesa de 1640” e seguidamente,
em 1947, editou “Lenine e a Revolução Russa". Em colaboração com Edmund Dell, editou,
dois anos após, a coleção de documentos sobre a guerra civil inglesa, “a Boa Velha Causa
(1949). Na mesma época (em 1946), Dobb publicou seu famoso livro “Estudos sobre o
desenvolvimento do Capitalismo
.
De um ponto de vista cronológico, a constituição deste grupo parece ser estendida
sobre várias décadas, ao se considerar os trabalhos de Maurice Dobb, que fazia parte dele. Seu
primeiro livro (Capitalist Enterprise and Social Progress) data de 1925.
22
, que terá grandes impactos na evolução posterior do
grupo. Este assunto será abordado com mais detalhes em outro momento deste trabalho. Em
1952, o grupo fundou o jornal Past & Presente, considerado parente dos Anais
23
De outro lado, o grupo foi constituído de vários pesquisadores que a ele pertenciam
em certo momento. Mas, o efeito intelectual que ele engendrou em relação ao
desenvolvimento da pesquisa histórica na Grã-Bretanha e fora dela o ultrapassa em si e de
longe. De um ponto de vista temático, pode-se se aproximar deste grupo a partir de suas
preocupações de pesquisa. Parecia que havia certa divisão de trabalho entre seus membros,
segundo eixos de pesquisa bem distintos, mas havia igualmente certa complementaridade.
na França.
Durante os anos seguintes, o jornal traçou um caminho para a construção de uma nova
abordagem das questões históricas, a partir de uma perspectiva marxista.
21
HOBSBAWM, E: « le Probléme n´est pas la Barbarie ou la Terreur » entrevista realizada por Hazebroucq,
Théophile, Nouvelles Fondations, Nº 3-4, a consultar sobre o site : www.gabrielperi.fr
22
Traduzido em português no Brasil sob o titulo de: “A Evolução do Capitalismo”. Circulo dos Livros. São
Paulo. Sem data.
23
Les annales: é a revista histórica fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre, dois universitários de
Strasbourg, e que foi chamada pelo nome dos Anais de história econômica e social. Hoje é intitulada Annais,
História, Ciências sociais e editada pela Escola dos altos estudos em ciências sociais. Essa revista deu a origem à
que foi chamada da Escola dos Anais, uma das principais escolas historiográficas francesas do século XX, cuja o
mais popular representante é Fernand Braudel
28
Aproximadamente, poderia evocar cinco principais linhas de orientação que enquadram,
praticamente, o trabalho dos membros deste grupo:
A primeira linha, iniciada por Maurice Dobb, em torno da questão da transição ao
capitalismo;
A segunda, dirigida por Rodney Hilton, que concerne ao feudalismo e ao campesinato
inglês;
A terceira, proposta por Christopher Hill, sobre a revolução inglesa;
A quarta é a mantida por Eric Hobsbawm em torno das revoltas camponesas e os
movimentos operários;
A última é a de Edward Thompson, sobre a construção da classe operária.
Este corte que é baseado, de fato, numa interpretação de ordem metodológica de
Harvey J. Kaye
24
A oitava seção do livro I do Capital, consagrada à acumulação primitiva (ou
originária) do capital, mas que foi introduzida neste livro sem fazer parte da sua
estrutura inicial
é somente indicativo a certos respeitos, dado que todos esses autores
reportam-se de uma maneira ou outra sobre uma mesma problemática.
Trata-se aproximadamente de retomar a obra de Marx onde ela foi parada, ou seja,
numa perspectiva historiográfica. Marx nunca procurou escrever a Historia do capitalismo
como um processo diacrônico. Tudo o que ele deixou neste sentido não excede aos dois
elementos seguintes:
25
Alguns escritos políticos como “18 Brumário”, “luta de classes na França”… etc.,
mas que podem ser considerados apenas parcialmente como escritos historiográficos.
;
24
KAYE, Harvey. J: Op. Cit.
25
BLITMAN, Delphine: Le Statut de le Science dans le Capital de Marx Etude de la Section VIII du Livre I.
Actuel Marx n 17, 11/03/20003. www.netx.u-paris10.fr/actuelmarx.
29
Este grupo não tinha realmente outra escolha. Ser marxista e historiador de profissão
na Inglaterra na época impunha certas tarefas primordiais e predeterminadas. De um lado, o
trabalho de Marx, na explicação dos mecanismos do funcionamento do capitalismo, estava
incompleto; faltava-lhe, designadamente, uma abordagem historiográfica. De outro, fazer a
história do capitalismo a partir de condições bem específicas da Inglaterra, quer dizer fazer a
história do surgimento do capitalismo na Inglaterra atribuía à tarefa um caráter estratégico em
relação ao programa de investigação do marxismo pós Marx. Ninguém teria a capacidade de
fazê-lo melhor do que os historiadores marxistas ingleses.
Contudo, tal programa de investigação não se referia somente ao marxismo em si,
tinha outras repercussões sobre a História como disciplina. Na época, como hoje em dia
igualmente, havia pré-requisitos a observar e condições a preencher.
A história tinha sua História, quer dizer, sua leitura como ciência, como produção
acadêmica, suas tradições e seus métodos, e era necessário considerar o confronto que pode
surgir por causa da oposição teórica entre diferentes maneiras de conceber e fazer a História.
É exatamente isso que vai empurrar este grupo a coordenar seus esforços com as novas
gerações de historiadores para por termo à hegemonia acadêmica da história econômica e
social quantitativa (inspirada por Ernest Labrousse) e pelo positivismo. Tratava-se, por
conseguinte de um projeto que liga vários elementos ao mesmo tempo: complementar Marx,
enriquecendo-o; reescrever a história do capitalismo; fazer a história a partir dos “de baixo” e
se opor às principais tendências da historiografia dominante.
A originalidade dos historiadores marxistas britânicos não reside no fato de que
trabalhavam a partir de uma perspectiva que coloca no seu centro a análise de classe e a luta
de classe construída como uma visão “por baixo” dos processos históricos. Sua originalidade
é vinculada à modalidade concreta e singular de abordar uma análise em termos de classes
30
indo para o concreto e enriquecendo-a com um material empírico, coisa que, na sua grande
maioria, os historiadores marxistas não britânicos não tinham feito.
No caso dos marxistas britânicos, esta tendência corresponde quase espontaneamente à
sólida tradição empírica anglo-saxônica. A historiografia marxista britânica é caracterizada,
por conseguinte, por este esforço de síntese orgânica das teses originais de Marx com o
material histórico concreto que a história inglesa fornece. E, embora a história construída “por
baixo” não seja uma característica própria dos marxistas britânicos, dado que os Anais na
França e o grupo de History Workshop de Raphael Samuel a praticaram igualmente, mas esta
prática continuou a ser largamente atribuída aos britânicos agrupados no PC. Victor Kiernan,
que fazia parte deste grupo, tinha abordado o problema diferentemente para tentar
compreender porque esta maneira de fazer a história “por baixo” era largamente popular na
Grã-Bretanha. Segundo ele, o desenvolvimento do capitalismo estava bem menor na França,
na Espanha ou na a Itália, e, por conseguinte uma oposição menos marcada entre as classes
geraria uma história mais indeterminada. Em contrapartida, na Grã-Bretanha, uma
industrialização mais importante e um grau mais elevado de desenvolvimento capitalista
geraram este leque radical de correntes da história “por baixo”, que parece caracterizar a
historiografia britânica do pós-guerra
26
A apresentação seguinte dos membros do grupo, retomando ao mesmo tempo o
esquema proposto por Kaye, não se limita a ele certamente. Outros membros foram-lhe
adicionados, enquanto que outros não foram mencionados, por falta de informações. É o caso
.
E é assim que, na perspectiva de entender as diversas propostas deste grupo de
historiadores, foi necessário neste trabalho reunir alguns elementos básicos que, embora raros,
fornecessem uma idéia menos global e mais nuançada sobre sua trajetória coletiva e
individual.
26
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio: Harvey J. Kaye, The Education of Desire. Marxists and the Writing of
History. Annales, Année 1998, Volume 53, nº 2 p. 440 443.
31
nomeadamente de: Dona Torr, Louis Marks, Henry Collins, John Saville, Brian Pearce,
Robert Browning, Leslie Morton, Dorothy Thompson, Edmund Dell, Victor Kiernan, entre
outros.
1.3.3 MAURICE HERBERT DOBB (1900 - 1976)
Maurice Herbert Dobb, nascido aos 3 de Setembro de 1900 e falecido aos 17 de
Agosto de 1976 em Londres, é um economista centrado na interpretação da teoria neoclássica
de um ponto de vista marxista. É considerado pelas suas contribuições para a teoria do valor,
para a teoria da planificação econômica e pela sua análise do desenvolvimento econômico
soviético. É também o economista marxista mais influente da sua geração na G-Bretanha.
Dobb estudou primeiro a história no Pembroke College (Cambridge), em 1919, antes
de voltar-se um ano mais tarde para a economia. Defendeu sua tese de doutorado em London
School of Economics e tornou-se professor na Universidade de Cambridge, de 1924 até 1976,
e no Trinity College (Cambridge), de 1948 a 1976.
Interessado muito cedo pela instauração do socialismo na União Soviética, Dobb viveu
em Moscou durante o verão de 1925, o que lhe deu a possibilidade rara de estudar diretamente
a economia soviética a uma época onde este campo de estudo era quase desconhecido. A obra
"Russian Economic Development since the Revolution", de 1928, foi o fruto desta
investigação.
Para Eric Hobsbawm
27
27
HOBSBAWM, E : « Maurice Dobb », em Charles Hilliard Feinstein (ed.), Socialism, Capitalism and
Economic Growth. Essays Presented to Maurice Dobb, Cambridge University Press, 1967, p. 8. A consultar
sobre o site www.wiképedia
, não há dúvida que a carreira de Dobb sofreu pelas suas
tomadas de posição ideológicas e a sua longa pertença ao PCGB, em especial pelo fato que o
período da sua mais forte produção científica ter coincidido com os anos mais tensos da
guerra fria.
32
A importância da obra de Dobb na constituição do grupo dos historiadores marxistas
britânicos é estreitamente ligada ao debate que ela desencadeou em torno da problemática das
origens do capitalismo e seus desenvolvimentos ulteriores. Seu livro, “Estudos sobre o
desenvolvimento do capitalismo”, publicado em 1946, poderia ser considerado a obra
fundadora tanto deste debate como das outras reflexões que ela suscitou paralelamente ou
seguidamente.
Neste livro, Dobb tentou ampliar e confirmar as hipóteses e as análises propostas por
Marx em relação às origens e ao desenvolvimento do capitalismo e à industrialização como
modo de produção historicamente específico.
O livro iniciou assim um debate interrompido sobre a questão vinculada à
problemática da transição do feudalismo ao capitalismo, incluindo vários campos
disciplinares como a economia, a sociologia e os estudos históricos do desenvolvimento, bem
como a teoria marxista.
O livro de Dobb foi considerado por vários investigadores e críticos como uma
contribuição original e decisiva na elaboração da teoria da determinação das classes sociais
como estrutura em relação às relações de produção e aos processos de luta de classes.
O trabalho de Dobb foi concebido como um trabalho da história econômica ou ainda
da economia histórica, e isto faz sua originalidade. Na sua época, havia poucos investigadores
tanto pelo lado da economia como do lado da história que se interessavam a estabelecer
qualquer relação que fosse entre as duas disciplinas. A segunda contribuição de Dobb neste
livro corresponde a sua obstinação em considerar a análise econômica infrutífera, se ela não
se baseia no estudo do desenvolvimento histórico.
A maior parte dos historiadores comunistas britânicos, formados durante os anos 40 e
50, sofreu a crucial influência teórica da obra de Dobb, sobretudo a vinculada ao seu livro
"Estudos do desenvolvimento do capitalismo".
33
De fato, Dobb propôs no seu livro um modelo do modo da produção feudal, que
passou a ser o ponto de referência teórica para todas as discussões seguintes sobre a transição
do feudalismo ao capitalismo.
Dobb retomou as indicações de Marx, no Capital, que consideram o modelo inglês do
desenvolvimento do capitalismo como “o caminho verdadeiramente revolucionário” que este
último pode percorrer. Essa característica “revolucionária” evidencia que este modelo se
baseou num processo de diferenciação de classe, em termos de direitos de propriedade, e a
existência de uma verdadeira luta de classe.
Essa sugestão de Dobb terminou por definir todos os problemas históricos e teóricos,
aos quais os outros historiadores marxistas se dedicaram durante vários anos
28
Isto provocou duas fraquezas sérias na sua abordagem e nas dos seus discípulos
quanto à transição do feudalismo ao capitalismo. Primeiro, o modelo de Dobb foi concebido
essencialmente para explicar a transição ao capitalismo, quer dizer, para explicar porque o
modo da produção feudal era destinado a fracassar em crises gerais “vagamente datadas entre
o décimo quarto e o décimo sétimo séculos
.
Falando de Marx, tendemos freqüentemente a conceber sua “teoria” de história como
estabelecida sobre três pilares: uma teoria de determinação de classe e luta de classe; uma
teoria de desenvolvimento tecnológico; e uma teoria do Estado. E, dado que o Estado exige
um excedente para funcionar, certamente, deve incluir uma economia política de mercados.
Contudo, por razões políticas complexas e razões historiográficas, Dobb baseou o seu modelo
unicamente na luta de classes.
29
Dobb argumentou que esse malogro foi provocado por desânimos sistemáticos que
tocaram a acumulação do capital e a inovação, incluindo sobre exploração rural; mas não
.
28
Vis-á-vis da influencia de Dobb sobre o grupo dos historiadores do partido comunista, ver Hobsbawm, ‘The
Historians Group’, em R. Brenner, ‘Dobb on “The Transition from Feudalism to Capitalism”, Cambridge
Journal of Economics, 2 (1978), 12140.
29 A ambigüidade de Dobb em relação à cronologia provocou as críticas iniciais de Paul Sweezy.
34
pôde dar uma explicação convincente quanto ao fato de que o modo de produção feudal
tivesse sido capaz de expansão, territorialmente, econômica e tecnologicamente, para mais da
metade de um milênio antes da sua crise.
A segunda fraqueza do modelo de Dobb relaciona-se ao fato de que ele se baseou
principalmente na história inglesa para elaborá-lo. Havia boas razões de proceder assim, tendo
em conta a natureza paradigmática mesmo da Inglaterra, em Marx, na sua abordagem da
questão da transição ao capitalismo, e o estado da investigação histórica, quando Dobb
começou a escrever.
Mas, a restrição da discussão sobre a transição apenas ao caso inglês e na história
inglesa ajudou a mascarar as dificuldades de se basear unicamente numa análise estritamente
fundamentada na noção de classe, em detrimento da problemática marxista do
desenvolvimento desigual.
Duas questões críticas não foram feitas. Primeiro, porque a transição ao capitalismo
foi produzida originalmente na Europa ocidental, sabendo-se que outras regiões,
principalmente na Ásia, foram previamente mais avançadas economicamente?
30
E, em
segundo lugar, porque a economia inglesa, entre 1400 e 1700, fora primeiro capaz de
recuperar e exceder regiões européias continentais previamente mais avançadas?
31
30
WALLERSTEIN, Immanuel: “L´Occident, le Capitalisme et le système-monde moderne”. Sociologie et
sociétés, vol. 22, n° 1, avril 1990, pp. 15-52. Montréal: PUM, p. 6.
31
Idem
Paradoxalmente, os estudos de Dobb ofereceram uma demonstração convincente de
que uma análise puramente baseada na noção de classe não poderia fornecer uma explicação
satisfatória à superioridade do modo da produção feudal europeu, em comparação com seus
rivais, e justificar porque, apesar disto, o feudalismo não se desenvolveu ao mesmo ritmo e na
mesma direção.
35
Para responder a questões históricas comparativas desse gênero, teria sido necessário
apresentar os dois pilares da análise marxista que eram ausentes do trabalho de Dobb (e
igualmente do de Hilton): uma teoria do desenvolvimento tecnológico e uma economia
política dos Estados e dos mercados
32
1.3.4 CHRISTOPHER HILL (1912- 2003)
.
Christopher Hill, filho de um advogado, nasceu em York aos 6 de Fevereiro de 1912.
Os seus pais eram metodistas e reconheceram mais tarde que isto teve uma influência
importante sobre o seu desenvolvimento político.
Uma vez na escola, a sua capacidade escolar era tão evidente que foi recrutado por
Vivien Galbraith, um professor da universidade de Balliol, à idade de dezesseis anos.
Hill, já marxista, foi admitido na Universidade de Oxford. E, em 1935, filiou-se ao
partido comunista, para efetuar mais tarde um ano de estudos na União Soviética. Ao seu
regresso, atuou como conferencista auxiliar no centro de ensino superior. Após dois anos,
trabalhou em Balliol como tutor de história moderna.
Após longas discussões com A.L. Morton, Hill editou o seu artigo influente, “A
revolução inglesa 1640” (em 1940)
33
Após a guerra, Hill juntou-se ao grupo dos historiadores do partido e, em 1947 editou
"Lênin e a revolução russa". Dois anos após, editou com Edmund Dell a coleção de
.
Em 1940, Hill foi mobilizado pelo exército britânico, onde serviu como tenente antes
de tornar-se um comandante nos corpos de inteligência. Em 1943, foi enviado para trabalhar
no serviço exterior britânico, onde permaneceu até o fim da guerra.
32
EPSTEIN, S.R.: « Rodney Hilton, Marxism and the Transition from Feudalism to Capitalism » in « Rodney
Hilton’s Middle Ages ». Past and Present (2007), Supplement 2, pp 249- 256
33
HILL, Christopher: A Revolução Inglesa de 1640. Editorial Presença, Lisboa. (sem data).
36
documentos sobre a guerra civil inglesa: a boa velha causa (The Good Old Cause) (1949). Em
1956, como muitos outros historiadores marxistas, Hill deixou o partido comunista.
34
A revolução inglesa teve lugar numa cultura dominada por idéias religiosas e por uma
língua religiosa, e Hill considerou que era seu dever descobrir o contexto social da religião, a
fim de compreender a especificidade desta revolução, como momento decisivo, e, como
marxista, para verificar as correlações entre os aspectos intelectuais e sociais do período.
Após sua aposentadoria como professor na universidade de Balliol, Hill trabalhou
como professor visitante no centro nacional de ensino por correspondência.
A predominância incontestável de Hill na história da revolução inglesa pode ser
atribuída à sua produção prolífica de livros e de artigos, à sua participação contínua nos
debates e discussões com outros historiadores e à amplitude do seu estudo, abraçando a
história da literatura, a lei, assim como a religião e as ciências econômicas.
De fato, seu trabalho fixou a ordem de trabalho e a norma pela qual todos os
historiadores do período deveram dirigir-se, apoiando-se ou se opondo aos seus métodos e
interpretações. Sobretudo a inspiração que soube tirar do marxismo que permaneceu é o
elemento mais notável desse trabalho. Esse historiador foi de fato produto da tradição radical
britânica e fez mais que todos os outros para estabelecer o marxismo como central nesta
tradição.
35
1.3.5 RODNEY HILTON (1916- 2002)
Christopher Hill editou vários livros durante a sua carreira sobre diferentes aspectos da
revolução Inglesa
Christopher Hill morreu aos 24 de Fevereiro de 2003.
34
STEVNSON, Graham : Compendium of Communist Biography by Surname. In: Communist Party of Great
Britain, Britain History Section, M.I.A. Library. www.marxists.org
35
MANNING, Brian, Socialist Review, março de 2003. In :www.spartacus.schoolnet.co.uk/Pcommunist.htm
37
Rodney Hilton nasceu em Middleton no Lancashire, aos 17 de Novembro de 1916. Foi
criado numa família de unitários ativos no partido trabalhista independente. Formou-se em
Manchester Grammar School, em Manchester, seguidamente em Balliol Colégio, na
universidade de Oxford, onde encontrou Christopher Hill e Denis Healey. Durante os seus
estudos, juntou-se ao partido comunista.
A sua tese do doutorado consistia num estudo da economia rural de Leicestershire,
entre o século XII e XV.
Durante a segunda guerra mundial, Hilton juntou-se ao exército britânico e serviu na
África do Norte, na Síria, na Palestina e na Itália. Após o seu regresso, começou a ensinar na
universidade de Birmingham, onde ficou durante 36 anos. Após a guerra, Hilton como
comunista, tomou parte na constituição do grupo dos historiadores do partido. Em 1950,
editou com H. Fagan um livro de inauguração para os trabalhos desse grupo: “A revolta de
1381”.
E como a maior parte dos seus camaradas historiadores, pôs termo à sua adesão ao
partido após os acontecimentos da invasão da Hungria em 1956.
A luta de classe e a autodeterminação pela luta eram centrais no marxismo de Hilton,
como refletido pelo menos em dois de seus livros e pela coletânea dos seus ensaios
36
36
Ver HILTON e FAGAN, H: The English Rising of 1381 (1950); Hilton: Bond Men Made Free: Medieval
Peasant Movements and the English Rising of 1381, (1973) Hilton, Class Conflict and the Crisis of Feudalism.
Essays in Medieval Social History, (1985).
. Reuniu
uma boa documentação sobre as lutas e as resistências rurais contra a exploração dos
proprietários, restabelecendo assim o feudalismo não como uma ordem social estável e
estática, mas como ordem contradição, em conflito e movimento.
Havia dois objetivos na tentativa de Hilton de documentar o conflito de classe de
maneira completa:
38
Por um lado, Hilton exprimiu as apreensões, existentes há muito tempo entre os
historiadores de esquerda e não conformistas britânicos, relativas à problemática “do
conhecimento” sobre o conflito de classes e a autodeterminação dos trabalhadores, dos pobres
e privados; num certo tipo de história do fundo ou de história por baixo.
Esta tradição da história, do trabalho e do populismo comunista, que foi confirmada
fortemente por Dona Torr, ficou demasiado influente no grupo dos historiadores comunistas e
ajudou a dirigir as preocupações intelectuais destes para “a longa história da democracia
popular na Inglaterra”, e, em especial, para a importância do período no qual os pequenos
produtores comerciais perderam o controle dos seus meios de produção.
Por um lado, Hilton seguiu a controvérsia de Dobb relativa à transição do feudalismo
ao capitalismo na G-Bretanha, como o resultado da luta persistente em torno dos preços dos
arrendamentos (excedente econômico) entre os proprietários e os camponeses.
A luta relativa aos arrendamentos provocou tanto a ejeção do campesinato auto-
suficiente de sua terra na idade média tardia, como provocou a aceleração do processo da
diferenciação social em benefício de uma fração de camponeses ricos (o futuro yeomanry
rural), que produzia cada vez mais para o mercado e que se especializou na produção de
produtos vendáveis.
Finalmente, a luta de classe provocou o capitalismo agrário e os mercados
concorrenciais e, com ela, geraram-se os capitalistas vendedores e compradores: a luta de
classe teria explicado a transição futura ao capitalismo industrial.
Cerca de vinte anos após, o debate foi efetuado, ultimamente, sob novas ópticas, com
Robert Brenner, em 1976, no famoso debate sobre a origem da transição que leva sempre seu
nome próprio.
Rodney Hilton morreu aos 7 de Junho de 2002.
39
1.4.5 EDWARD THOMPSON (1924- 1993)
Edward Thompson, filho de missionários metodistas, nasceu em Oxford em 1924.
Estudou a história no Corpus Christi College, na universidade de Cambridge. Os seus estudos
foram interrompidos pela segunda guerra mundial, durante a qual fez parte do exército
britânico na Itália.
O seu irmão, Frank, foi morto lutando com os partidários búlgaros contra os fascistas.
Edward foi marcado por este fato para o resto da sua vida e dedicou um livro à memória do
irmão.
Em 1948, Thompson tornou-se conferencista em história na universidade de Leeds.
Durante 17 anos, trabalhou como conferencista suplementar. Mais tarde, juntou-se ao centro
dos estudos da história social na universidade de Warwick.
Após o 20º congresso do PC soviético, entrou em conflito aberto com a direção do
partido comunista britânico para se demitir. Mais tarde, ficou ativo no partido trabalhista.
Em 1957, Thompson participou na formação da campanha para o desarmamento
nuclear (CND), apoiando outros, como J.B. Priestley, Bertrand Russell. No protesto contra o
que se passava na universidade de Warwick, Thompson demitiu-se do seu posto em 1971.
De fato, E.Thompson representou uma trajetória intelectual excepcional em
comparação com a maior parte dos historiadores do PC britânico.
Politicamente falando, era mais ativo. Hobsbawm, numa entrevista, reconhece este
aspecto, comparando o perfil político de Thompson com o de Noam Chomsky ou ainda de
Pierre Bourdieu
37
37
HOBSBAWM, E: Tempos Interessantes. Op. cit., p. 242.
. Uma espécie de intelectual orgânico, de acordo com a velha fórmula de
Gramsci.
40
De fato, é Thompson que pode ser tido como principal protagonista da rebelião no PC
britânico. Ter-se-á certamente que retornar a isto, mais em detalhes, posteriormente, mas uma
observação de avaliação geral se impõe.
A posição de Thompson traduziu, com efeito, um sentido agudo no entendimento do
processo histórico, mesmo nos seus aspectos mais conjunturais e movimentados. Quer dizer
que ele soube que devia posicionar-se no momento e contra o momento, e a história ulterior
do PC deu-lhe razão. Este último desapareceu da cena política britânica bem antes do
desaparecimento de Thompson.
Primeiramente, sua posição denota que não era pessoal (para não dizer subjetiva), ou
mesmo individual (de fato, eram dois), mas uma manifestação de uma tendência coletiva que
fará apenas confirmar-se em seguida, durante os acontecimentos que vão se suceder. Todos os
historiadores do PC, exceto Hobsbawm e Dobb, vão se demitir alguns meses depois que
Thompson o já tinha feito.
Em segundo lugar, sua demissão do PC não o conduz a uma reversão para a direita,
já que continuou a ser fiel às suas convicções de esquerda e à classe operária, com a qual
realizou um trabalho de educação política básica, através dos famosos clubes de New Left
Review, que se transformaram numa verdadeira rede de agitação política, (contavam-se mais
de 30 clubes).
Em terceiro lugar, a posição que ele defendeu, fortemente crítica contra o stalinismo,
não foi limitada em sua própria característica política, mas ela a excedia para um
reposicionamento teórico dentro do próprio marxismo. Houve uma diminuição na questão
profunda dos velhos esquemas marxistas relativos às relações entre a infra-estrutura e a
superestrutura. A rejeição integral do determinismo econômico o conduz a propor a um novo
modelo de interpretação.
41
Thompson ia juntar-se, ao mesmo momento, a uma ala marxista internacional dita
“marxismo humanista”, que propunha uma alternativa teórica e política que ultrapassa a
fossilização intelectual e política do movimento comunista internacional.
Esta nova tendência compunha-se dos nomes seguintes: Erich Fromm, Herbert
Marcuse, Raya Dunayevskaya, Ernst Bloch, T.B. Bottomore, Lucien Goldman, Maximilien
Rubel, Eugene Kamenka, Oskar Schatz, Irving Fletcher, Mathilde Niel, Ernst Florian Winter,
Wolfgang Abendroth, Norman Thomas, Richard Titmus, Bertrand Russell, Stephen King
Hall, Paul Medow, Danilo Dolci, Umberto Cerroni, Galvano Della Volpe , C. Wright Mills. E
o grupo “New Left Review” de E.P. Thompson, Raphael Samuel, Raymond Williams, Stuart
Hall, Ralph Miliband, Alasdair MacIntyre, Isaac Deutscher e John Saville.
Dos países comunistas, participaram Predrag Vranicki, Gajo Petrović, Mihailo
Marković, Veljko Korać, Danilo Pejović, Rudi Supek, Karel Kosík, Ivan Sviták, Milan
Prŭcha, Adam Schaff, Bogdan Suchodolski, Marek Fritzhand, Bronislaw Baczko, Rudolph
Bahro, e Léopold Senghor e Nirmal Kumar Bose (dos países do Terceiro mundo)
38
De fato, as relações entre os dois pioraram desde então. O seu conflito sobe,
inicialmente, aos anos fundadores da New Left Review, que em seu início foi fundado por
Thompson e outros, retomada por Anderson que lhe alterou simplesmente a linha editorial.
.
Thompson participou igualmente de forma ativa dos debates que iriam rasgar,
praticamente, a nova esquerda inglesa, a partir dos anos 60, e que tiveram seqüências de
ordem intelectual importantes.
Entrou em debate conflituoso aberto com Perry Anderson, que esteve na época na
direção de New Left Review, no que diz respeito à crise da conjuntura política na Grã-
Bretanha. Deste debate, emerge o famoso ensaio Thompson, intitulado “The Peculiarities of
The English”.
38
A consultar sobre o site: www.marxists.org/subject/index/Marxist Humanism and the “New Left”
42
Mas o problema era igualmente de ordem intelectual, ligado a uma profunda divergência na
análise marxista dos fatos históricos.
As suas principais contribuições teóricas versavam, essencialmente, sobre a
revalorização dos movimentos populares considerados velhos pelos esquemas marxistas como
sendo pré-políticos ou apolíticos, porque não apresentam as características dos movimentos
organizados sob a forma de sindicatos ou partidos.
Teve ainda uma contribuição essencial na reconsideração dos fatores culturais e
morais como sendo determinantes na explicação dos fenômenos históricos. A este respeito,
certas críticas o consideram “culturalista” mais que marxista, ou ainda como “um historiador
das mentalidades”
39
1.4.6 GEORGE RUDÉ (1910-1993)
.
Gastou o resto da sua vida como embaixador para a paz no mundo. Deixou uma
grande herança constituída de vários escritos, artigos e uma série de livros.
Edward Thompson morreu em 1993.
40
George Rudé nasceu em 1910. Após a guerra, participou da constituição do grupo dos
historiadores do partido comunista.
Como membro do partido, foi perseguido pelas autoridades e não podia obter, por
conseguinte, emprego algum no sistema universitário. Foi, durante muitos anos, um professor
das línguas modernas nas escolas secundárias na Inglaterra. Mais tarde, pôde ensinar em
universidades na Austrália e no Canadá.
George Rudé morreu em 1993
1.4.7 RAPHAEL SAMUEL (1934- 1996)
39
MUNHOZ, Sidney: Op., cit, p. 7.
40
A consultar sobre o site : www.spartacus.schoolnet.co.uk/Pcommunist.htm
43
Raphael Samuel, filho de judaicos, nasceu em Londres, em 1934. Estudou na
universidade de Balliol, Oxford, onde Christopher Hill era seu professor.
Samuel, que se tornou marxista, integrou o partido comunista, e se juntou, por
conseguinte, ao grupo dos historiadores do partido, desde sua criação. Ele viro professor na
universidade de Ruskin, Oxford e, em 1967, criou o movimento de "atelier de história"
(History Workshop). Desempenhou igualmente um papel importante na vida do periódico
deste atelier que começou a parecer em 1975 (History Workshop Journal).
Os “Memoriais” duradouros, de Raphael Samuel, foi o trabalho que inspirou gerações
de estudantes, ensinados por ele na universidade de Ruskin, Oxford, de 1962 a 1996, e através
do atelier de história, sob seus modos multiformes de conferências anuais, redes locais e
federações - que se propagaram através da Europa e da Escandinávia - e pelo seu periódico. A
perspectiva de Samuel foi uma coalizão permanente entre trabalhadores, historiadores e
investigadores socialistas, que operou por mais tempo.
Gareth Stedman-Jones considerou, em um necrológio dedicado a Raphael Samuel, que
este último soube estabelecer uma cartografia, melhor que qualquer outro, do aumento
desesperado do trabalho duro de cada ramo da indústria, provocado pelo capitalismo
industrial da era Vitoriana (sobre a terra tanto quanto na fábrica)
41
41
STEEDMAN Carolyn,
.
Raphael Samuel era um dos historiadores no seu país que apoiavam a tentativa de
recuperar ativamente a história das pessoas comuns e os seus movimentos. De várias
maneiras, dava um passo adiante oposto às ortodoxias antes rígidas das histórias marxistas
mais mecânicas. Samuel alimentou diretamente a reaparição das idéias socialistas após 1968 e
o nascimento do movimento de mulheres, no qual a conferência de atelier de história, de
Novembro de 1968, desempenhou um papel de organização central.
Radical Philosophy (Marco de 1997). In: www.spartacus.schoolnet.co.uk.
Pcommunist.htm
44
Samuel criticou violentamente os socialistas com quem era em desacordo. A discussão
foi abordada em uma coletânea de artigos que ele escreveu sobre o partido comunista dos
anos 40 e 50, em New Left Review, sob o título “O mundo perdido do comunismo britânico”.
Foi uma tentativa de escrever uma história por baixo, porque era membro de PCGB, antes de
1956, enquanto que outros a perceberam como um ataque contra qualquer tipo de ativismo
político de esquerda.
42
42
FLETT Keith, Socialist Review (Janeiro de 1997). In:
Raphael Samuel morreu do câncer aos 9 de dezembro de 1996.
www.spartacus.school.net.co.uk. Pcommunist.htm
45
CAPÍTULO II: CAPITALISMO, AGRICULTURA &
CAMPESINATO
Ao contemplar a carreira muito fértil de E. J. Hobsbawm é notável que passasse
bastante tempo a estudar, de maneira muito inovadora, os movimentos dos quebradores de
máquinas no início da Revolução industrial, o banditismo social, “o longo século XIX” (1789-
1914) e “o curto século XX” (1914-1991), a invenção dos Estados-nações, as identidades
nacionais etc. Tendo em conta tal fato, parece bastante delicado delimitar minuciosamente a
totalidade dos campos de pesquisa onde propôs análises e, por conseguinte, os pontos de vista.
Há nítidas dificuldades em estabelecer, nesse caso pelo menos, com exatidão, quer o conjunto
de sua obra, quer tudo que ele editou desde 1947.
Seria, assim, um equívoco avançar na proposta para uma avaliação dos seus trabalhos
relativos à temática do campesinato; limitar-se, por conseguinte, às obras mais conhecidas a
esse respeito.
Cronologicamente, o mais velho texto de Hobsbawm que se pronuncia sobre a
questão, é “Rebeldes Primitivos”, editado como livro em 1959. Não se conhece outro texto
antes deste. A posição de Hobsbawm a respeito da questão camponesa parece bem resumida
num dos seus textos conhecidos: “A Era dos Extremos”, traduzido em 37 línguas e tirado em
80000 exemplares. Neste texto, embora não seja inteiramente consagrado à questão,
Hobsbawm expõe sua posição geral que o caracteriza em relação a outros autores. Para ele,
como foi desde o inicio de sua reflexão sobre o assunto, o campesinato é condenado
historicamente a desaparecer.
Certamente, não lhe falta argumentos, pois não é o tipo de pensador que se engaja
facilmente sobre uma via sem poder, mais ou menos,assumi-la. Neste texto, Hobsbawm expõe
seu ponto de vista do seguinte modo:
46
A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda
metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a
morte do campesinato
43
Esta é uma conclusão bastante taxativa certamente. E Hobsbawm apresenta uma série
de dados, nomeadamente de ordem estatística, que demonstram ou apóiam a validade desta
conclusão e numa escala internacional.
.
44
1. Dizer que Hobsbawm não é realmente um especialista da questão camponesa, que ele
tratou essa ultima de maneira acessória, daí ter-se satisfeito em reafirmar uma posição
doutrinal.
Alguns podem imediatamente lançar uma critica ousada dizendo que as estatísticas
apresentadas não são bastante suficientes para chegar a tal conclusão. As estatísticas não
falam por si mesmas, mas sofrem, em conseqüência, interpretações que podem ser totalmente
contraditórias. Outros, encontrando-se na impossibilidade técnica ou metodológica de
desconstruir esta conclusão a partir da mesma base de dados, podem persistir na negação
desses “fatos”, por outras razões que não têm nada a ver com estes “fatos”.
E como poderíamos nós interpretar essa posição do autor?
Pode-se sugerir algumas propostas a esta questão:
2. Ou então dizer que ele se baseou na suas conclusões, principalmente, no caso inglês,
caso em que o campesinato desapareceu efetivamente, mas que permanece sendo um
caso e apenas o único.
3. Ou ainda dizer que Hobsbawm reage a um debate, mas usando uma noção de
campesinato, sobre a qual nenhum consenso tenha sido constituído, e sobre o que este
noção significa.
43
HOBSBAWM, E: A Era dos Extremos. Op, cit. p. 284.
44
Anthony Giddens assume também esses dados, ver: GIDDENS, Anthony: Sociologia. 4ª Edição. Artmed
Editora S.A. Porto Alegre, p.48.
47
Não é certamente objetivo desta dissertação julgar as competências intelectuais de
Hobsbawm, mesmo no que diz respeito à qualidade das suas contribuições no debate sobre a
questão camponesa.
Com relação à possibilidade de ele ter se baseado apenas no caso inglês para extrair
suas conclusões, ter-se-á, talvez, a ocasião de iluminar alguns aspectos mais a frente neste
trabalho. Aqui faz-se necessário tentar determinar o significado do campesinato e ver depois
como Hobsbawm o entende e usa.
2.1 O DEBATE SOBRE O CAMPESINATO
Primeiro Momento
« Dans la perspective de l'étude comparée des sociétés, les
groupes paysans occupent une position stratégique ; ils
représentent en quelque sorte un moyen terme dans l'équation de
la culture et de la civilisation. D'une part, ils ressemblent aux
peuples primitifs auxquels s'intéresse tout particulièrement
l'ethnologue ; d'autre part, ils font partie de ce monde moderne
: Campesinato, uma autárquica local
O primeiro a descobrir o campesinato como realidade social específica ou particular é
o etnólogo americano Robert Redfield que constatou, durante suas investigações no México,
que os camponeses mexicanos não tinham nada conjuntamente como os "nativos primitivos”.
Este autor Publicou no fim da sua vida, em 1956, dois pequenos livros: “Peasant societies and
culture” e “The little Community”, nos quais descrevia as principais características do que,
segundo ele, é a sociedade camponesa. Deste modo, ele incentivava seus colegas a
empreender investigações sobre as diferentes formas de sociedades camponesas, na
perspectiva de estabelecer “uma ciência comparativa dos campesinatos”.
48
urbanisé dont l'étude constitue la préoccupation principale de la
plupart des sociologues américains. »
45
45
Redfield, Robert : La société canadienne française, pp. 69-73. Montréal : Les Éditions Hurtubise HMH ltée,
1971, 404 pp. [Version française de l'Introduction de Robert Redfield à l'ouvrage de Horace Miner, St. Denis, A
French-Canadian Parish (Chicago, The University of Chicago Press, 1939, XIII - XIX).]
De fato, Redfield procurava descobrir as características estruturais do campesinato a
partir do seu formato reduzido de autarquia local. Uma coletividade restrita e autárquica, com
suas hierarquias próprias e sua homogeneidade cultural, mas que é, ao mesmo tempo,
dependente de uma sociedade mais ampla, a qual lhe impõe as suas regras, seu poder e toma
uma parte das suas riquezas.
Para Redfield, as sociedades pré-industriais não foram todas “camponesas”. Nesse
sentido, opunha as características do campesinato às características das sociedades que chama
de “selvagens”, porque estas últimas são inteiramente auto-suficientes, enquanto que as
camponesas são sujeitas a uma sociedade mais global, sem perder, portanto seu caráter
autônomo. Por conseqüência, se não tem cidade, feudalidade, não tem campesinato, mas
apenas sociedades agrárias ou “primitivas”, e por isso ele atribuiu o caráter agrário às
sociedades antigas. Nestas sociedades, a existência dos escravos inculcava à economia um
caráter totalmente diferente da economia familiar camponesa.
Este autor tirou a mesma conclusão quanto às sociedades islâmicas e a maioria das
sociedades africanas, enquanto que os impérios orientais, qualquer que seja sua dimensão,
eram fundados sobre campesinatos típicos. O caso da China é então a ilustração ideal.
Segundo Mendras, a argumentação de Redfield, de tipo estruturalista, tomou o aspecto
de uma descoberta científica, na medida em que estabeleceu um axioma com fortes
conseqüências lógicas e metodológicas. Rejeitando inteiramente todas as descrições de caráter
ideológico que especulavam sobre “a alma" ou “a raça” camponesa, Redfield tem criado um
critério meramente objetivo para identificar o campesinato.
49
Mesmo o critério ligado ao trabalho da terra foi afastado da sua argumentação, dado
que é um critério compartilhado. As sociedades ditas “agrárias” que não são camponesas se
fundam igualmente sobre a cultura do solo.
Uma das conseqüências essenciais da descoberta de Redfield é que ele soube
demonstrar a inutilidade de um conjunto de “dicotomias”, que dominavam a antiga
sociologia, a partir de Tönnies, e foram retomadas por Friedmann (meio natural, meio
técnico), pelo próprio Redfield (Folk, urban) e pela maioria dos sociólogos da época, sob os
vocábulos de “tradição” e “modernidade”.
De fato, este tipo de reflexão “dicotômica” opera por graves erros metodológicos, no
momento em que pressupõe que, se um dos seus componentes é positivo, o segundo deve ser
necessariamente negativo. Trata-se de uma falsa simetria de pura abstração e que não dispõe
de nenhuma matéria histórica original.
Se todas as sociedades que procederam foram qualificadas de tradicionais, não tem
mais distinção a fazer entre o império chinês e as tribos africanas ou australianas etc. Era
necessário, por conseguinte, operar a análise das sociedades pré-industriais com base na sua
variedade.
Segundo Momento
Duby passou de uma análise comparativa de caráter sincrônico para uma outra de tipo
diacrônico, que analisa os mecanismos de mudança pelos quais o campesinato permaneceu o
: Campesinato, mais feudalidade e burguesia.
Numa resposta à tese de Redfield, Georges Duby respondia em 1962 pela publicação
da sua obra magistral: l´économie rurale et la vie des campagnes dans l´Occident médiéval.
De fato, Duby trazia uma confirmação decisiva à tese de Redfield afirmando que antes do ano
1000, a Europa era inteiramente agrária. Para esse autor, o campesinato, no sentido dado por
Redfield, começou a aparecer unicamente com o aparecimento da feudalidade e das cidades, e
com o desenvolvimento do comércio de longa distância.
50
mesmo num universo variável. De acordo com ele, o desenvolvimento técnico da agricultura a
partir do século X foi a condição do desenvolvimento da feudalidade e, seguidamente, das
cidades. As formas de organização entre a economia camponesa, a economia feudal e a
economia comercial provocaram o nascimento de uma “classe” intermediária, as burguesias,
que iriam desempenhar um papel dinâmico na transformação da feudalidade e do
campesinato, e na aparição de uma economia proto-capitalista e de um poder monárquico.
Contudo, o campesinato continuava a viver de acordo com sua lógica, que ficou
inalterada até a segunda revolução técnica de século XVIII. Assim, Duby confirmava os
propósitos de Redfield: o campesinato pode coabitar com diferentes formas de sociedades que
o englobam conservando, ao mesmo tempo, sua autonomia relativa e sua lógica.
A potente síntese de Duby era apoiada por materiais novos, graças a numerosas
monografias regionais e a diferentes períodos da Idade média, sobretudo a mais teorizada, “os
camponeses do Languedoc”, de E. Roy Ladurie (1966). A aparição das cidades e a burguesia
eram igualmente o objeto de várias monografias e em diversas épocas.
Por uma singular coincidência, nessa mesma época, Basile Kerblay e Daniel Thorner
traduzem, em 1966, o livro fundamental de Tchayanov: A organização da economia
camponesa.
Terceiro Momento
Historicamente, Tchayanov é o verdadeiro iniciador “da ciência do campesinato”,
dado que seu livro foi publicado na Rússia, em 1924, mas o stalinismo fez com que ele
desaparecesse das bibliotecas e das memórias durante meio século. As teses de Tchayanov
tinham por fundamentos, um material estatístico considerável acumulado pelas assembléias
: A Utilidade econômica camponesa e sua lógica interna
51
provinciais russas (os Zemstvos) - que dispunham de diversos serviços agronômicos e de
contabilidade de exploração - durante os últimos anos do czarismo, após Stlypine
46
Na sua proposta política às autoridades soviéticas, durante o período da Nova Política
Econômica (NEP), Tchayanov priorizava o desenvolvimento da agricultura de maneira a
enriquecer os camponeses ao máximo para seguidamente retirar das suas produções o
financiamento da indústria. Os soviéticos fizeram exatamente o contrário
.
Liderados por Tchayanov, um grupo de estudiosos da economia agrária em Moscou
reuniu agrônomos de tendência populista, sem que sua tendência ideológica impedisse-os de
analisar o modo de gestão e a lógica econômica do campesinato, que se revelou radicalmente
diferente da lógica da contabilidade capitalista. A visão de Tchayanov baseava-se numa
distinção teórica quanto aos modos de análises diferenciados que é necessário respeitar
quando se trata de apreender as realidades diferentes. Isto significa dizer que as categorias
analíticas utilizadas no estudo da economia capitalista não são igualmente válidas para outros
tipos de economias. Para ele, todos os elementos básicos que servem no estudo do
capitalismo, renda fundiária, capital, preço, lucro, trabalho assalariado etc., não podem servir
para entender o funcionamento do imenso setor da produção agrícola, que repousa na sua
maior parte sobre a economia familiar.
47
.
Quarto Momento
46
Stlypine, Piotr Arkadievitch (1862-1911): foi o Primeiro ministro tzar Nicolas II da Rússia de 1906 a 1911. A
sua ação consistiu essencialmente a lutar contra os grupos revolucionários e instaurar uma reforma agrária.
Stlypine esperava através das suas reformas melhorar a condição camponesa nomeadamente criando uma classe
de pequenos proprietários favoráveis à economia de mercado. Procurando acalmar a agitação dos camponeses,
desejava, além disso, reforçar a estabilidade do regime. É freqüentemente citado como um dos últimos grandes
homens da Rússia imperial, com um programa claramente definido e uma determinação de empreender
reformas importantes.
:
47
MENDRAS, Henri : l´Invention de la Paysannerie. Un moment de l´histoire de la sociologie française
d´après-guerre. Revue française de sociologie, nº 3, volume 41, année 2000. pp. 539-552. A consulter sur :
www.persee.fr.
52
Para Daniel Thorner, outro grande especialista da questão camponesa (estava
nomeadamente por trás da redescoberta dos trabalhos de Tchayanov), pode-se falar de
economia camponesa apenas quando se preenche inteiramente as cinco condições seguintes:
1. A metade, ou mais, da produção total for agrícola;
2. A metade, ou mais, da população ativa for comprometida na agricultura;
3. Existir uma potência pública organizada (por oposição a uma estrutura tribal
enfraquecida ou feudalidade descentralizada );
4. Existir uma diferença marcada entre a cidade e o campo, por conseguinte, aglomerações
importantes, ou, pelo menos, um mínimo de população urbana; e
5. A metade, ou mais, da produção agrícola resultar do trabalho de famílias camponesas,
cultivando suas terras principalmente com o concurso dos membros da sua família
48
Para ele, as economias camponesas” existiram bem antes da feudalidade,
prolongaram-se paralelamente a ela e efetivamente, após dela, para se perpetuarem no mundo
contemporâneo
.
De fato, numa perspectiva comparativa, Thorner opera uma análise de seis casos de
economias camponesas, a saber, a Rússia czarista, a Indonésia, a Índia, o Japão (até a primeira
guerra mundial), o México (entre as duas guerras) e a China contemporânea. Em termos de
modos de produção como propostos por Marx, Thorner pensa que a economia camponesa
coincide com o modo de produção feudal, como coincide igualmente com o modo de
produção “asiático”. Além disso, Thorner pensa que esta economia pôde estender-se por
longos períodos históricos, caracterizados por Marx como marcados pela pequena agricultura
camponesa, e que esse último considera como fases de transição de um modo de produção a
outro.
49
48
THORNER, Daniel: L´Économie Paysanne. Concept pour l´Histoire Économique. Les Annales, 19
ème
année,
numéro 3, mai-juin 1964, pp. 417- 432. A consulter sur ;
.
www.persee.fr.
49
Idem, p. 432.
53
Mas, em todos os casos, a economia camponesa, como definida por Thorner, deve
necessariamente responder aos cinco critérios já mencionados, o que evidencia que
praticamente este tipo de economia não existe mais e, por conseqüência, o próprio
campesinato!
Quinto Momento:
Henri Mendras, o famoso sociólogo rural francês, posiciona-se igualmente nesta
mesma perspectiva. Para ele, a industrialização da agricultura ( desejo das classes dirigentes)
defronta-se com obstáculos, não excluindo a idéia de que um número apreciável de pequenos
agricultores familiares pode conservar seu lugar. Contudo, a lógica do lucro e de
monetarização crescente da economia não permitem mais à economia camponesa ser um
modo de produção autônomo: a agricultura torna-se um setor de produção numa economia
global. Não existe mais autonomia para o campesinato!
50
É de fato o mesmo tipo de debate em que se ataca à questão da reforma agrária,
interrogando-se se há suficientemente razões de ordem econômica ou se tal reforma é
procurada unicamente por razões de justiça social? Economicamente falando, essa reforma
Para Mendras, a falta de autonomia do campesinato e a nítida evolução operada
principalmente nos países ocidentais, conduzindo, entre outros, a uma decomposição do
campesinato, não representam necessariamente uma boa escolha. Ao considerar a situação de
outros países, Mendras permanece bastante hesitante quanto à eficácia de tal modelo para os
países em via de desenvolvimento, como se interroga sobre a necessidade efetiva de encorajar
tal processo de desintegração dos campesinatos, tendo em conta o seu custo. Mas, nesta
altura, Mendras faz apenas confirmar o problema inicial, quer dizer, há obrigação de se
distinguir entre um processo de decomposição, em curso e independente, e o fato de se querer
pará-lo por outras razões, nomeadamente políticas (custo social).
50
MENDRAS, Henri: Um Schéma d´Analyse de la Paysannerie Occidentale. 1971. p. 3
54
pode mesmo ser prejudicial em certos casos, ou seja, ela não é de modo algum benéfica em
todos os casos. Várias reformas terminaram em desastre por uma razão ou outra
51
Nesta altura, Amin propõe, de fato, uma alternativa global às lógicas do capitalismo
que, fora de qualquer mecanismo de regulação e de controle, chegarão (essas lógicas)
certamente a erradicar, de uma maneira inequívoca, o que permanece de camponês sobre este
planeta
.
Sexto momento: a permanência do campesinato como alternativa ao capitalismo
Samir Amin, por seu lado, se junta à mesma tese que constata que existe certamente
um processo de decomposição da agricultura camponesa em benefício da agricultura
capitalista. Reconhece que não tem nenhuma possibilidade técnica ou econômica que pode
atribuir um caráter competitivo à agricultura camponesa face à subida do capitalismo agrário.
Faz igualmente uma nítida distinção entre o processo de destruição do campesinato no mundo
e o fato de se querer opor a ele. O economista egípcio afirma que nenhum desenvolvimento
industrial, mesmo com uma taxa de crescimento anual de 7% cada ano, que é inimaginável,
pode absorver cinco bilhões de seres humanos expulsos das suas economias camponesas.
52
.
Sétimo Momento
Para Hobsbawm, o problema se resolve diferentemente. Em toda simplicidade, não se
trata mesmo de um campesinato, termo ou noção demasiado ambígua para ele, mas sim de
uma população agrícola. Não tem mais um problema de conceito. De acordo com ele, o
campesinato é o equivalente do fragmento da população cuja atividade é a agricultura
: o campesinato em decadência
53
.
51
STÉDILE, João Pedro: A Questão Agrária Hoje, 2ª edição, Editora da universidade federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 1994
52
AMIN, Samir: Agriculture capitaliste ou paysanne, un enjeu de société. Documento publicado aos
02/07/2004. A consultar sobre o site do autor.
53
HOBSBAWM, E: A Era dos Extremos. Op. Cit., p. 284.
55
A definição de Hobsbawm considera, por conseguinte, o caráter geral e não se
preocupa com as especificidades históricas ou geográficas (por país) que esta população
agrícola pode ter incorporado ou ter manifestado.
É bastante claro que existem tantas especificidades quantos camponeses no mundo,
mas a tendência de lhes dar muita importância retira da aproximação “científica” sua vocação
em estabelecer generalizações.
Neste nível de compreensão, Hobsbawm continua a ser fiel a uma velha tradição
marxista que tende a estabelecer generalizações, leis gerais, como sendo objeto da ciência
social. O próprio Marx alimentou esta visão generalista especial da ciência.
A contemplar seu trabalho no "Capital", o objeto não foi de modo algum um trabalho
sobre um caso específico do capitalismo, mas sobre capitalismo em si, nas suas regras mais
gerais, nas suas categorias mais abstratas. O modo de produção capitalista como apresentado
no “Capital” não existe na realidade histórica concreta como tal, mas sob formas mais
complexas que os marxistas chamam de formações socioeconômicas.
Eduardo Sevilla Guzman comentou a esse respeito o seguinte:
Parec claro, pues, que Marx en su esquema teórico general considera
la existencia de distintos modos de producción en una formación social,
así como su atriculación en torno de un modo dominante. En su
análisis del capitalismo utiliza deliberadamente y a efectos
metodológicos la existencia de un modo de producción único, El
capitalista, para, a partir de esta abstracción, eliminar distorciones y
influencias externas al modelo teórico. El “capitalismo puro” que
Marx formulo es, pues, una abstración toérica para eliminar
56
perturbaciones de otros modos en él inmersos y así proyectar dicho
esquema teórico del presente al pasado, analizando la sociogenisis de
tal modo de producción.”
54
2.2 A AÇÃO POLÍTICA DO CAMPESINATO EM MOORE,
WOLF, E MENDRAS
Isto teria conduzido à negação das especificidades de cada capitalismo em cada país?
Certamente não. Devia conduzir, contrariamente, a apreender-lhes como especificidades a
partir de uma generalidade. De fato, existem especificidades somente em relação a
generalidades.
E, embora não tenha motivo para entrar em tal debate epistemológico (certamente
necessário a certos respeitos), a posição de Hobsbawm no que diz respeito à definição do
campesinato, de maneira “generalista”, traduz sua posição quanto à forma de conceber o
trabalho “científico”.
Para Hobsbawm, só três regiões no globo apresentam até hoje casos dominados pela
atividade agrícola, dos quais nomeadamente a China. Mas, estes casos confirmam, de fato, a
regra, quer dizer, a tendência geral à redução gradual e global do número de população ativa
no setor agrícola.
Se limitando a estas considerações, Hobsbawm parece mais preocupado com a
constatação de fatos em si ao invés de emitir posições contra ou a favor desses mesmos fatos.
O autor não propõe nenhuma alternativa a este processo de destruição dos campesinatos,
como não julga o fato a partir de uma alternativa que ele defenda.
54
Guzman, Eduardo Sevilla: Desde El pensamiento Social Agrario. Servició de Publicaciones,Universidade de
Cordoba, 2006, p. 79.
57
A problemática do papel político do campesinato, como foi mencionada na introdução
desta dissertação, foi debatida por 10 principais autores sobre um período de vinte anos
(1959-1979). Mas como o objeto desta mesma dissertação foi inteiramente consagrado ao
único Hobsbawm, o resto desses autores foi deliberadamente desconsiderado
No entanto, e na perspectiva de entender o raciocínio teórico de Hobsbawm sobre essa
problemática, escolhemos três autores que são os mais disponíveis na língua portuguesa, a fim
de criar um contraste que pode nos ajudar a iluminar diversos aspectos da problemática em
questão. Os três autores pertencem a tradições teóricas diferentes, e também a disciplinas
diferentes, com uma inspiração igualmente individualizada no marxismo, mas chegaram às
mesmas conclusões.
2.2.1 .Barrington Moore: “As Origens Sociais da Ditadura e da
Democracia” (1966).
55
Barrington Moore Jr. (1913- 2005) é um sociólogo político norte-americano que se
formou na universidade de Yale. Depois de seu doutorado em 1941, ele se tornou analista da
política durante a segunda guerra mundial, sob a direção de Herbert Marcuse. Nos anos 50
saiu para a universidade de Harvard em que se especializou na política soviética. Em 1958
editou um livro de ensaios sobre a metodologia e a teoria no qual atacou as perspectivas
metodológicas da ciência social dos anos 50. Enquanto trabalhava a Harvard, seus estudantes
incluíram os sociólogos comparativos como Theda Skocpol, e Charles Tilly. Sua obra a mais
famosa é “as origens socias
Nesta obra, o autor tinha por objetivo a análise das modalidades segundo as quais a
instauração de diferentes tipos de regimes políticos está estreitamente ligada às
transformações políticas e sociais que se produzem nas sociedades agrárias. No plano das
55
Moore, Barrington Jr.: As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia. Edições Cosmos. Lisboa. 1975.
58
grandes transformações de sociedades, o fenômeno agrário parece desempenhar um papel
essencial.
"O processo de modernização começou com revoluções abortadas de
camponeses. Culmina durante o século XX com revoluções de camponeses
bem sucedidas. Já não é possível levar a sério a idéia de que o camponês é
um “objeto da História”, uma forma de vida social sobre a qual as
mudanças históricas passam, mas que em nada contribui para o ímpeto
dessas mudanças."
56
Destacando ao mesmo tempo o papel importante desempenhado pelo campesinato no
processo de modernização, Moore não nega, contudo a tese de Marx segundo a qual houve de
uma classe urbana potente e independente, para poder empreender a via do desenvolvimento
da democracia parlamentar.
Moore estudou o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, a Rússia, a China,
do Japão e a Índia. A partir destes de estudos de casos, expõe três formas de aparecimento das
sociedades modernas:
1) O capitalismo com revoluções burguesas, casos da democracia parlamentar na
Inglaterra, Estados Unidos e França.
2) O capitalismo sem revoluções sociais, casos do fascismo na Alemanha e o Japão.
3) Revoluções sociais com forte participação camponesa que desembocaram no
comunismo na Rússia e na a China.
57
56
Idem., pág. 521.
57
Idem., pág. 495.
Quanto ao apoio fornecido pelo campesinato ao fascismo e pela postura contra
revolucionária de certas idéias encontradas no camponês, o autor menciona, em referência ao
caso alemão:
59
"Para o pequeno camponês, sofrendo com o avanço do capitalismo, com os
seus problemas de preços e hipotecas que pareciam ser controlados pelos
intermediários da cidade e pelos banqueiros, ambos hostis, a propaganda
nazi apresentava a imagem romântica de um camponês idealizado, “o
homem livre na terra livre”. O camponês tornou-se a figura-chave da
ideologia da direita radical elaborada pelos nazis. Estes gostavam de
acentuar o ponto de vista de que, para o camponês, a terra é mais do que um
meio de ganhar a vida.“
58
"Uma sociedade altamente segmentada, que depende de sanções difusas
para obter alguma coesão e para extrair o excedente aos camponeses, está
quase imune ás rebeliões de camponeses, porque, provavelmente, a oposição
toma a forma de mais um segmento. Por outro lado, uma burocracia agrária
Uma situação similar é constatada no caso da Itália e do Japão.
Quanto à explicação da participação do campesinato nas revoluções, Moore critica as
interpretações que o reduzem unicamente às condições econômicas. Os exemplos da China e
da Índia, que apresentando ao mesmo tempo situações econômicas similares, provocaram
reações diferentes em cada um dos dois países. A revolução produziu-se na China e não na
Índia.
Para Moore, a explicação de tipo culturalista é igualmente insuficiente. "Os abalos
socioculturais", que quebram a harmonia da propriedade, da família e da religião não são
razões suficientes para a emergência de uma situação revolucionária. Moore mostra como, no
caso russo, o mundo rural era culturalmente intacto no momento da revolução.
Para o autor, deve sempre existir um concurso de circunstâncias que suscitam a
participação nos processos revolucionários:
58
Idem., pág. 517.
60
ou uma sociedade que depende de uma autoridade central para extrair o
excedente, é um tipo muito mais vulnerável.”
59
O autor avança igualmente outras hipóteses neste sentido que podem ser sintetizadas
nas citações seguintes: "Quando os laços resultantes das relações entre o senhor rural e a
comunidade camponesa são fortes, a tendência para a rebelião (e, mais tarde, revolução) dos
camponeses é fraca."
60
"Especialmente quando não há alternativas claramente visíveis, pode-se
encontrar cada vez maior aceitação das privações, dentro do padrão dos
camponeses daquilo que é justo e devido. O que enfurece os camponeses (e
não só os camponeses) é uma nova e súbita exigência imposta que cai sobre
muita gente ao mesmo tempo e significa uma quebra de regras e costumes
aceites."
Acrescenta que:
61
"Só por si, os camponeses podem nunca chegar a executar uma revolução.
Sob esse aspecto, os marxistas estão absolutamente certos, embora estejam
longe da realidade noutros aspectos cruciais. Os camponeses precisam de
ter chefes de outras.”
Finalmente, pode-se pretender que na concepção de Moore há certa visão que se repete
praticamente na maioria dos trabalhos consagrados ao papel dos agentes externos e à aliança
necessária do campesinato com outras classes sociais, como fator determinante de modo que o
potencial revolucionário possa se desenvolver.
62
59
Idem., pág. 527
60
Idem., pág. 539.
61
Idem., pág. 544-545.
62
Idem, pág. 550.
Posto isto, a obra de Barrington Moore permanece indubitavelmente uma referência e
fonte indispensáveis para todos os estudos posteriores que se dedicam ao mesmo assunto.
61
2.2.2 Eric Wolf: “Guerras camponesas do século XX” (1969).
Neste trabalho, Wolf prossegue praticamente a linha dos estudos comparativos dos
principais processos revolucionários do século XX. O autor analisa as revoluções Russa,
Chinesa, Mexicana, Vietnamita, Cubana e Argelina, procurando responder em cada caso
específico a diversas perguntas:
Que tipo de camponês que participa nos levantamentos? Qual o grau de participação
que é atingido pelos diferentes tipos de camponês durante as rebeliões? Qual a relação da
radicalização do camponês com as motivações locais e nacionais? Que papel foi
desempenhado pelos agentes externos ao mundo rural no processo de radicalização do
camponês?
63
É a partir destes pontos de interrogação, que Wolf desenvolve uma série de
generalizações que sintetiza posteriormente no artigo: "On Peasant Rebelions”.
64
63
Wolf, Eric. R: Guerras Camponesas do Século XX. Op.cit., pág. 12.
64
Publicado na origem em “Social Science Journal”, vol.2, 1969.
A partir do estudo destes seis casos supracitados, o autor faz observar que o
compromisso do campesinato nas rebeliões não é um fenômeno muito comum e é geralmente
levado adiante com muitas e pesadas dificuldades.
O trabalho cotidiano do camponês efetua-se de maneira isolada e às vezes em
concorrência com seus vizinhos. A rotina e o peso do trabalho rural tende a uní-lo ao mundo
estreito do seu núcleo familiar. O trabalho da terra arrancá-lo na produção de subsistência. As
relações familiares e a solidariedade de comunidade permitem-lhe amortecer as crises. Os
interesses do camponês vão freqüentemente além das fronteiras de classe (cumplicidade entre
camponeses ricos e pobres).
A exclusão do camponês da participação na tomada de decisões externas à sua
pequena comunidade, priva-o da experiência e do conhecimento para organizar-se de maneira
62
autônoma na defesa dos seus interesses. As limitações observadas nas comunidades
campesinas, contudo não impediram que em circunstâncias determinadas o camponês fosse
capaz de superar as barreiras da apatia e de lançar-se na participação política revolucionária.
Para Wolf, o fator determinante que provoca esta participação é o impacto que ele sofre como
efeito do que ele chama as "três grandes crises": a crise demográfica, a crise ecológica e a
crise de poder e de autoridade.
65
"Assim na Rússia, a reforma agrária e a comercialização ameaçaram,
ambas, o acesso permanente do camponês às pastagens, ás florestas e ás
terras aráveis. No México, na Argélia, no Vietnã, a comercialização
ameaçou o acesso do camponês ás terra comunal; no México e em Cuba,
impediu o camponês de reclamar terras publicas devolutas. Na Argélia e na
China, acabou com a instituição dos silos públicos. Na Argélia rompeu o
equilíbrio entre as populações pastoris e sedentárias”.
No que diz respeito à crise demográfica, o melhor argumento de Wolf é de mostrar
através dos números o crescimento impressionante da população do campo durante os
períodos que precederam as explosões revolucionárias. Os crescimentos demográficos
constituem um fator de tensão e de desequilíbrio nas comunidades.
A crise ecológica é representada pelo advento do mercado capitalista como fator
principal de troca de bens, incluindo a terra:
66
As crises demográficas e ecológicas convergem para a crise de autoridade. As novas
elites (comerciantes, industriais) desafiam com sucesso o poder tradicional no campo (chefes
tribais, mandarins, grandes proprietários fundiários). O mercado gerou fortes rupturas ao nível
das relações tradicionais das comunidades agrárias. Produz-se uma "brecha" crescente entre
governadores e governados que, em certos casos, permite a emergência de uma elite
65
Wolf, Eric. R: Guerras Camponesas do Século XX. Op. cit., pág. 331-361
66
Idem., pág. 336-337.
63
alternativa (elites locais, intelectuais) que se transforma em intérprete dos interesses do
mundo campo.
É neste contexto de crise que pode produzir-se a mobilização do campesinato, mas sua
participação "duradoura" depende do tipo de camponês.
Para Wolf:
“O camponês pobre ou o trabalhador sem terra, que depende de um
senhorio quanto à maior parte ou mesmo à totalidade de sua subsistência,
não possui poder tático; está completamente dominado pelo seu empregador
e desprovido de recursos próprios suficientes que lhe sirvam na luta pelo
poder. Por conseguinte, é improvável que o camponês pobre e o lavrador
sem terra, tomem o partido da rebelião, a não ser que possam confiar em um
poder externo para desafiar o poder que os constrange. Esse poder externo
no caso mexicano foi representado pelo Exército Constitucionalista, em
Yucatán, que libertou os peões das dívidas de servidão, através de uma ação
“de cima”; foi também representado pelo colapso de exército russo, em
1917 e pelo refluxo dos camponeses-soldados, armados, ás suas aldeias; foi
representado, ainda, pela criação do Exército Vermelho Chinês, como
instrumento da derrota do poder dos proprietários de terras, nas aldeias.
Onde tal poder externo existir, o camponês pobre e o lavrador sem terra
terão lugar para movimentar-se; onde estiver ausente, estarão quase
totalmente coagidos.
67
O camponês rico é habitualmente ligado ao poder estabelecido e dependente dele. Sua
participação na revolução é pouco provável exceto em casos antes excepcionais onde a força
67
Idem., pág. 348.
64
revolucionária demonstra uma capacidade evidente de destruir o poder central, como o que
ocorreu na a revolução chinesa.
o campesinato médio, composto de pequenos proprietários e colonos ou
"camponeses periféricos" que possuem certa liberdade de movimento tem a "força interna
suficiente para comprometer-se numa rebelião sustentada. Como exemplos, Wolf cita o caso
dos camponeses de Morelos no México, das comunas da China, dos "fellahin" na Argélia e
dos colonos da província em Cuba.
68
2.2.3 Henri Mendras: “Sociedades camponesas” (1976).
O papel revolucionário do campesinato pode ser reforçado se existe igualmente um
grau de afinidade cultural e étnica específica que o torna diferente do seu inimigo. (A luta
contra o invasor japonês na China ou contra colonizador francês na Argélia e no Vietnã).
Finalmente, Wolf afirma que as rebeliões campesinas autônomas sempre tiveram
limites definidos no plano local e regional. A participação majoritária dos camponeses em
revoluções sociais que provocam transformações da sociedade faz-se sempre no âmbito de
alianças com sectores urbanos, e são estes que assumem o controle dos novos Estados. No
que diz respeito a este aspecto, o autor junta-se à posição de Moore e a visão clássica do
marxismo sobre a impossibilidade que o camponês possa fazer a revolução sem "liderança"
externa.
69
A pedra angular deste trabalho de Mendras é a definição do campesinato como
sociedade "submetida", quer dizer, pertencendo a uma sociedade global ou "dependente" dela.
Este conceito é desenvolvido a partir da obra do etnólogo americano Robert Redfield, um dos
pioneiros desse debate. 70
68
Idem., pág. 349.
69
Mendras, Henri: Sociedades Camponesas. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1978
70
Redfield, Robert: Peasant Society and Culture. The University of Chicago Press, 1956.
Segundo Mendras, seu trabalho elabora uma teoria do mundo rural
e um modelo analítico para permitir seu estudo.
65
Cada capítulo do seu livro é acompanhado de uma bibliografia específica estimável e
no fim, de um anexo, "Tradições antigas e tendências atuais no estudo do campesinato”, que
sobe às culturas mesopotâmica, egípcia, grega e romana para chegar aos anos 70 do século
passado. A introdução responda à pergunta atualmente "obrigatória" para os trabalhos
teóricos: o que é um camponês?
Mendras conseguiu elaborar uma definição que comporta cinco traços fundamentais
como tipo ideal e que parece ser uma das definições que melhor responde mais à realidade
complexa das sociedades camponesas. Estes traços característicos encontram-se no caráter da
vida rural e da produção agrícola que o diferenciam das sociedades "selvagens" e das
sociedades industriais agrícolas.
Tipo ideal de sociedade camponesa:
1) A autonomia relativa das coletividades camponesas frente a uma sociedade
envolvente que as domina, mas tolera as suas originalidades.
2) A importância estrutural do grupo doméstico na organização da vida econômica e
da vida social da coletividade.
3) Um sistema econômico de autonomia relativa, que não distingue consumo e
produção, e que mantêm relações com a economia envolvente.
4) Uma coletividade local caracterizada por relações internas de interconhecimento e
de relações débeis com as coletividades circunvizinhas.
5) A função decisiva do papel de mediação das pessoas notáveis no interior das
coletividades camponesas e da sociedade envolvente. 71
A partir desta definição, Mendras estuda os diferentes aspectos da problemática
camponesa: a ecologia, a economia camponesa, os grupos domésticos, as coletividades locais,
71
Mendras, H: Sociedades Camponesas. Op. cit., pág. 15.
66
exações, poder e mediações, revoltas e revoluções, reformas agrárias, êxodo rural, valores
camponeses, inovações, mudanças e política.
O caráter submisso da sociedade camponesa no que diz respeito á sociedade global,
instaurando-lhe limites à sua autonomia, o conflito cultural com a sociedade global, as formas
intermediárias que agem como mecanismos de contato para resolver os conflitos, negociar ou
impor algo de acordo com as circunstâncias. Os "notáveis" aparecem como personagens que
desempenham o papel de intermediários, e por isso revestem um interesse específico.
No capítulo, Revoltas e revoluções", o autor indica diversos exemplos de revoltas
camponesas na Idade média e dos processos de transformação revolucionária ocorridos a
partir da revolução francesa e a industrialização nos quais o mundo camponês desempenhou
um papel fundamental. Aproximando-se dos trabalhos de Moore e de Wolf, Mendras destaca
como as condições especiais históricas de cada sociedade camponesa e o tipo de relações que
mantêm com a sociedade global, representam um elemento chave para compreender o papel
do campesinato no processo revolucionário.
Outro aspecto que parece interessante na investigação de respostas à lógica política
camponesa é tratado no capítulo sobre os "valores camponeses". Mendras julga como
relativos os aspectos consideradas como leis universais pelos etnólogos que vêem "no amor
da terra e da família", características abstratas próprias a qualquer tipo de camponês.
A partir de um trabalho comparativo, é possível ver diferenças significativas nos
valores de uma sociedade à outra. É do mesmo modo no que diz respeito a uma capacidade de
adaptação às situações variáveis na investigação do benefício. As pesquisas do campo
mostram, segundo Mendras, que os camponeses, mesmo os mais tradicionais são capazes, de
mudanças rápidas e transcendentais. O trabalho de Mendras foi elaborado a partir de um
quadro teórico muito sólido.
67
CAPÍTULO III: HOBSBAWM COMPARANDO
3.1 O CAMPESINATO NO CASO INGLÊS (OU ESCOCÊS)
Num dos raros estudos inteiramente consagrados à analise da relação entre o
capitalismo e a agricultura
72
Por que, em certos contextos históricos bem determinados, o setor agrícola pôde
permitir ou impedir o desenvolvimento do capitalismo?
, Hobsbawm considera que a importância do setor agrário nas
sociedades pré-industriais torna qualquer forma de desenvolvimento do capitalismo
dependente do que se passa no seio desse setor. E, inversamente, o desenvolvimento
capitalista transforma necessariamente o papel e a natureza da agricultura, atribuindo-lhe o
caráter de uma ocupação entre outras. O interesse por esta relação entre capitalismo e
agricultura remete a duas perguntas principais:
E como o desenvolvimento do capitalismo pôde alterar a estrutura da agricultura?
Para Hobsbawm, é bastante difícil, no curto prazo, quantificar o que é capitalista do
que não o é numa estrutura agrária. Ao longo termo, tal distinção é possível somente por
recurso a outra distinção de ordem contextual. De fato, Hobsbawm considera que agricultura
não pode ser abordada do mesmo jeito quando se trata do feudalismo, dos períodos de
transição ou do capitalismo. A aparente semelhança da maior parte da atividade agrícola
durante estas diferentes épocas cria simplesmente uma confusão. Para ele, em cada uma
destas épocas históricas, não se pode tratar da agricultura da mesma forma.
Mas, também não pode se tratar igualmente do próprio capitalismo, dado que este não
opera da mesma maneira na indústria e na agricultura. O recurso, por exemplo, a certas
72
HOBSBAWM, E: Capitalisme et Agriculture: les Réformateurs Écossais au XVIIIème siècle. Les Annales,
Année 1978, Vol. 33, nº 3, pp. 580-601. A consultar sobre o site : www.persee.fr.
68
categorias analíticas como o salário ou o caráter mercantil da produção agrícola para
caracterizar este última como capitalista não é evidentemente válido. Colocando o problema
desta maneira, Hobsbawm recorre à experiência escocesa, pouco conhecida, que ele considera
revolucionária como modelo do desenvolvimento do capitalismo, pelo de fato que se baseou
em diversas reformas das estruturas agrárias p-capitalistas.
Para ele, os escoceses, cuja vanguarda reformadora se inspirava nas idéias de Adam
Smith, instauraram uma política a duplo fio que visava à resolução do problema agrário,
através de:
Transformar a senhoria feudal, com todos os direitos de propriedade e os poderes
que lhe eram associados, em aristocracia burguesa, empurrando-a para ceder suas
vantagens não econômicas ligadas a sua posição social, em benefício de uma melhoria
espetacular da sua posição econômica.
Destruir pelas armas o campesinato em seu conjunto, durante os anos 1688 e 1715
e, de maneira definitiva, durante e após a grande revolta de 1745. Nenhum acordo com
este campesinato, contrariamente à aristocracia, foi considerado e permitido
73
O objetivo de tal política visava à abolição dos direitos feudais, mas igualmente os
direitos comunais. Nos termos de uma nova lei promulgada neste sentido (o Ato 20), o direito
feudal foi abolido e uma outra lei (o estatuto de 1746) privou o costume de qualquer força
legal quanto aos aluguéis de terras. Medidas desse tipo procuravam constituir a propriedade
burguesa, expulsando o campesinato da terra, e permitir o progresso do capitalismo agrário. O
campesinato, nessa visão eliminatória, só podia oferecer uma divisão acelerada da terra, em
pedaços de subsistência, e uma imobilização de uma enorme força de trabalho que podia ser
empregada melhor em outros setores.
.
73
Idem, p. 587.
69
Segundo o autor, na Escócia nessa época, os camponeses mostravam sua incapacidade
para efetuar as melhorias necessárias à modernização da agricultura. Esta necessitava de uma
concentração econômica e uma vontade de modernizar. Havia uma forte resistência de sua
parte para comportarem-se como empresários, como não possuíam os meios, desde a
dimensão das suas propriedades, o que resultava em atividade “antieconômica”. Só uma
pequena parte deles podia, de fato, beneficiar-se das transformações em curso, condição que
os transformavam em burguesia rural, impulsionando-os um processo de diferenciação que a
separa do resto do campesinato.
Contudo, a transformação de certos camponeses em burgueses era pouco provável,
dado que seria necessário aumentar a produtividade, aumentando a dimensão das terras
cultivadas e reduzindo, ao mesmo tempo, o número deles. Tratava-se igualmente de uma
mudança radical nas mentalidades, que deviam acompanhar as transformações.
Hobsbawm pensava que o modelo escocês, que se realizou entre 1755 e 1800,
conforme a previsão dos seus projetistas “reformadores”, embora refletisse condições
históricas bem específicas do país, era visivelmente considerado como um modelo geral do
funcionamento do capitalismo na agricultura.
Contudo, Hobsbawm reconheceu que há dificuldade teórica de admitir que este
modelo exigisse necessariamente a eliminação “física” do campesinato e a concentração da
maioria das terras entre as mãos de um pequeno número de burgueses “agrícolas”. Tratava-se,
de fato, de expulsar todos os outros ocupantes das terras em benefício destes burgueses.
Havia, para justificar tal eliminação, as necessidades da produção agrícola, mas, sobretudo o
fato que a agricultura tradicional limitava a divisão do trabalho, e porque esta agricultura
podia confinar-se sobre ela mesma, sem ter necessidade de um grande mercado de troca.
Segue-se a isso, o fato de que quanto mais são numerosos os camponeses menos têm razão de
70
estender o mercado
74
. Esta via “clássica” que passa pela eliminação do campesinato, que foi
representada de modo diferente, pelos casos escocês e inglês ficou como exceção até o fim da
primeira metade do século XX, quer dizer durante a maior parte da história do capitalismo até
o presente. No entanto, à exceção de algumas “regiões” e produtos específicos, a maior parte
da produção agrícola fosse assumida pelo campesinato tradicional, que não pôde ser
eliminado por razões políticas e sociais.
Foi necessário esperar até os anos cinqüenta para que a população agrícola,
nomeadamente nos países “desenvolvidos”, entrasse em declínio, anunciando assim a
possibilidade que o modelo escocês fosse realizável com uma agricultura desembaraçada de
todos os camponeses, à exceção do agricultor burguês e do trabalhador assalariado.
O problema que decorre de tal modelo é que a subsistência do campesinato na maior
parte dos países desenvolvidos não entravou, de fato, o desenvolvimento do capitalismo, em
geral, e seu desenvolvimento na agricultura, particularmente.
Hobsbawm menciona que o campesinato nestes países se mobilizou como classe,
para apoiar politicamente os oponentes ( tanto de direita como de esquerda) do modelo
escocês, mas que o fez em benefício dos defensores deste último, tanto que a partir do
século XVI ao XVIII, pelo menos, sua resistência a este modelo conduziu certamente à
retardação do desenvolvimento do capitalismo
75
Mas,
.
74
Idem, p. 593.
75
Sobre esse assunto, Robert Brenner pôde desenvolver todo um debate a partir de 1976, que é conhecido até
hoje pelo seu próprio nome.
Hobsbawm reconheceu igualmente que há sérias dificuldades em provar
que o progresso do capitalismo mundial, desde 1850, foi obstruído pela sobrevivência do
campesinato, ou demonstrar que a existência prolongada de uma agricultura camponesa
71
em países industrializados (como Alemanha, a Bélgica, e os países escandinavos)
constituiu um obstáculo ao capitalismo
76
Segundo Hobsbawm, o debate sobre a questão agrária que dominou na primeira
geração dos marxistas (1894-1914) traduzia de fato sua tomada de consciência de que não era
.
A questão, então, seria se interrogar se há, de fato, “uma via camponesa ao
capitalismo” que não elimina o campesinato “do exterior”, mas que se apóia sobre um
processo de diferenciação no seu seio, transformando-o num componente de uma economia
agrária capitalista. Os únicos exemplos que ilustram a possibilidade de tal “via”, que funciona
pelo meio de uma transformação endógena de um campesinato tradicional que dá nascimento
a uma agricultura capitalista baseada na exploração familiar, são os Países Baixos do século
XVI ao século XI X, bem como a Dinamarca, durante o século XIX. Posto isto, parece que,
em geral, o desenvolvimento de tal modelo é também excepcional como o foi o da eliminação
radical, mas, nos dois casos, é bastante provável que a submissão da agricultura camponesa à
economia capitalista é uma necessidade sem a qual haveria sensivelmente um bloqueio do
desenvolvimento deste último à grande escala.
De fato, a aproximação de Hobsbawm se junta às posições iniciais do marxismo.
Nesta análise, confirma a opinião de Lenine que dizia que o pequeno camponês é destinado a
transformar-se num produtor de mercadorias, independentemente da sua própria vontade.
Assim, confirma a idéia de acordo com a qual o desenvolvimento de um mercado capitalista
externo para a agricultura conduz inevitavelmente à submissão desta última ao capitalismo.
Contudo, rejeita a posição dos marxistas (os ligados ao Bolchevismo) que
consideraram o campesinato russo, na sua maioria, como capitalista durante os anos próximos
da revolução, como igualmente a idéia de que ele tenha sofrido na época uma diferenciação
em termos de classe que teria sido aguda.
76
HOBSBAWM, E: Idem, p. 594
72
só suficiente confirmar a dominação do capitalismo sobre agricultura, mas que era necessário
precisar os termos desta dominação.
O problema camponês torna-se, portanto, muito complexo. Entre o momento onde a
grande massa dos camponeses pode ser considerada não capitalista e o momento onde sofre a
dominação do capitalismo, existe um longo processo de transição que não pode ser facilmente
periodizado com a mais exatidão.
3.2 O BANDITISMO SOCIAL E RURALIDADE
A noção de bandido social nasceu das pesquisas sobre os excluídos e os marginais nas
sociedades européias. Estudos numerosos foram consagrados à rebelião individual como
forma de protesto social, que tem tido por quadro a bacia do Mar Mediterrâneo, em geral, e a
Itália meridional, em especial. Este espaço foi o teatro de uma multidão de bandidos sociais e
permanece ainda hoje um lar ativo deste tipo de “marginalidade”
77
. As condições específicas
desta região privilegiada pela pesquisa foram essencialmente consideradas como fatores
explicativos da emergência e do desenvolvimento do banditismo social: ambiente rural, relevo
montanhoso, nomadismo pastoral, sub-industrialização relativa e fraqueza da influência das
estruturas estatais nas zonas excêntricas (ilhas, montanhas). É assim que Maurice Lannou
explica que a hostilidade irredutível entre nomadismo pastoral e agricultura sedentária está na
origem do fenômeno
78
77
DAY, J: Banditisme social et société pastorale en Sardaigne. In Les marginaux et les exclus dans l'histoire,
Paris, Union Générale d'Editions, 1979, pp. 178-214.
78
Idem,
. Na mesma via, F. Braudel, opondo a montanha pastoral e guerreira à
planície agrícola e pacífica, nos informa que “a montanha fabrica, até sob os nossos olhos,
73
estes fora-da-lei patéticos e cruéis,… que revolta a instauração do Estado moderno e os
carabineiros”
79
Tendo em conta um espaço muito mais largo: o conjunto do continente europeu nos
séculos XIX e XX
.
Essa abordagem centrada no Mar Mediterrâneo e as conclusões às quais conduz
contribuíram certamente para prevalecer a tese que exclui outras regiões do campo do
banditismo social.
80
Quanto às relações existentes entre o banditismo social e os movimentos agrários e
revolucionários, o autor expõe uma função oposta com a qual contam os movimentos agrários
organizados ou os partidos revolucionários
, E. Hobsbawm chega a conclusões interessantes destacando as
contingências locais e fornecendo uma grelha de leitura do banditismo social mais
operacional.
Em seu primeiro livro (1959), Hobsbawm operou uma análise das características das
rebeliões na Europa dos séculos XIX e XX que descreve como sendo "arcaicas",
concentrando ao mesmo tempo sua atenção sobre as formas de banditismo social que define
como movimentos justiceiros do tipo "Robin Hood". O banditismo social, segundo ele,
emerge durante os momentos de mudanças bruscas que alteram as sociedades rurais.
Traumatismos, que implicam a chegada do capitalismo em certas sociedades, podem provocar
a emergência deste tipo de reação, que toma a forma de uma resistência.
81
79
BRAUDEL F., La Méditerranée et le monde méditerranéen à l'époque de Philippe II, Paris, A. Colin, 1966,
tome 1, p. 35.
80
HOBSBAWM, E: Rebeldes Primitivos. Estudos de Formas Arcaicas dos Movimentos Sociais nos séculos XIX
e XX. 2e edição. Zahar Editores. 1976. ( O texto original em inglês pareceu 1959).
81
HOBSBAWM, E: Rebeldes Primitivos. Op. cit., p. 31.
. Segundo ele, quando os movimentos
revolucionários aparecem, os bandidos sociais transformam-se em revolucionários ou
desaparecem. Nas sociedades com desenvolvimento político fraco, o banditismo transforma-
se em fenômeno crônico. Hobsbawm mostra que outras formas de organização aparecem: as
74
máfias como movimentos que representam os interesses de certas camadas da sociedade com
um nível de organização sem grande envergadura, mas que pode, no entanto, chegar a formar
um poder paralelo ao Estado.
82
Outra forma de organização estudada por Hobsbawm é a representada pelos
movimentos "milenaristas" aos quais se atribui alguns aspectos similares aos movimentos
revolucionários, em especial no que diz respeito ao objetivo de transformação da sociedade. O
autor apresenta o exemplo dos "fascistas" italianos que, sob a influência das idéias socialistas,
transformara-se em camponeses revolucionários.
Em geral, as máfias se situam do lado da direita política,
quando chegam a se politizar e os compromissos dos seus membros dependem, sobretudo, das
relações familiares reais ou artificiais.
83
82
Idem., p. 52.
83
Idem., p. 104.
Em todo caso, o aparecimento dos movimentos “pré-políticos ou rebeliões primitivas
corresponde a transformações do contexto socioeconômico das regiões de origem destes
movimentos. Trata-se, de fato, de reações a respeito de certos fenômenos ou fatores como
uma crise de colheitas, ou a integração imposta à economia monetária, ou a desapropriação
das terras pelos grandes proprietários fundiários, ou ainda as exigências de dever pagar novas
rendas ou impostos. Numa edição posterior do seu trabalho, Hobsbawm incluiu dois estudos
sobre os camponeses da America Latina, onde encontra, no fenômeno da “Violência” na
Colômbia e nas lutas camponesas do vale da Convenção no Peru, os traços básicos do
banditismo social e as relações com o movimento revolucionário que se baseia socialmente
em alguns sectores do mundo rural.
Dez anos depois, Hobsbawm consagra todo um livro, em lugar de um capítulo, como
no seu primeiro livro, aos bandidos sociais para “explicar o fenômeno do banditismo social,
mas também apresentar seus heróis”. Este livro não podia ser evidentemente uma simples
repetição mais detalhada do capítulo do livro anterior.
75
De fato, em um período de dez anos, o mundo conheceu claramente mudanças
profundas assim como a experiência vivida pelo próprio autor destas mudanças. A questão
que decorre disso pelo menos é de conhecer o que permaneceu como constante na abordagem
de Hobsbawm e o que foi alterado.
Como em “Rebeldes Primitivos”, “Bandidos” é uma seqüência de monografias
escritas num estilo que retira todo o peso de uma documentação impressionante. Cada
capítulo remete ao resto da obra para constituir uma tipologia e uma teoria do fenômeno.
igualmente uma continuidade entre as duas obras no que diz respeito à análise interpretativa:
o recrutamento sociológico dos bandidos, suas motivações individuais, seus tipos de ação, as
formas do legendário, o significado do banditismo para a sociedade tradicional.
A originalidade de “Bandidos”, em contrapartida, manifesta-se primeiramente na
renovação da documentação. Sem cessar de se interessar por Robin Hood e Salvatore
Giuliano, Hobsbawm estende seu inquérito a outras áreas geográficas: os Bálcãs, dos
Haïduks, a América Latina, de Pancho e de Lampião, o Sudeste asiático e seus rebeldes contra
a lei da China imperial, ou contra a lei dos colonos ingleses e neerlandeses. Suas fontes são
principalmente literárias: poesias populares, contos folclóricos teatro romântico. Sua
investigação inclui a iconografia e se lança sobre o cinema. Por outro lado, se o autor se
interessa pela realidade do banditismo, ele considera igualmente seu mito (seu último
capítulo se intitula significativamente “o bandido, um símbolo”). Mais originais ainda são os
capítulos consagrados ao papel econômico e político dos bandidos. Fenômeno rural vinculado
a uma fase universal de transição entre as sociedades tribais e a penetração do capitalismo
agrário, o banditismo pode bem trazer soluções a certas situações, sem colocar em questão, no
entanto, as estruturas. Pelo contrário, o bandido pela compra das mercadorias para o seu
suprimento e pela venda dos seus botins e roubos se integra no setor mais moderno da
economia local, o mercado e contribui para a acumulação do capital.
76
Sua potência armada, com efeito, provém uma força política na cena local (Giuliano,
no caso da máfia siciliana) e um complemento às lutas de liberação nacional (os Haïduks, nos
Bálcãs), ou uma tendência original e autônoma (os anarquistas catalães).
De fato, o problema nesta análise é que Hobsbawm classificava os anarquistas como
fazendo parte do fenômeno do banditismo. No seu livro anterior, sublinhando mesmo seu
arcaísmo e o sua ineficiência política, o autor não os considerava como bandidos, mas como
autênticos revolucionários. O novo tratamento que Hobsbawm impinge aos anarquistas faz
deles “quase-bandidos”, mesmo se ele se interessa menos esta vez aos levantamentos rurais e
mais aos pequenos grupos especializados catalães. Dessa maneira, a analogia é bastante
grande com os verdadeiros bandidos. O único problema que cria tal tratamento é que, dessa
vez, os anarquistas catalães operam na zona urbana, enquanto que o autor não cessa de
considerar o banditismo como um fato tipicamente rural!
Em 1959, Hobsbawm, apesar de uma evidente simpatia pelos rebeldes, insistia sobre a
evolução necessária e desejada de vê-los transformar-se em revolucionários. A esse propósito,
Jacques Le Goff, no prefácio da edição francesa, felicitava Hobsbawm por ter estudado “a
passagem destes movimentos arcaicos ao fluxo normal da história”.
Em 1969, Hobsbawm assegura defender as mesmas teses que já defendia no passado,
mas o tom alterou. A era do banditismo já acabou praticamente no mundo inteiro, e seu fim
continua expresso tragicamente nos costumes. A questão não é mais esperar que os bandidos
se transformem em revolucionários. Trata-se unicamente de descrevê-los e admirá-los. Os
anarquistas (estes individualistas sem medo, estes vingadores sem programa) reencontram-se,
por conseguinte, em companhia dos outros heróis.
O segundo problema que coloca a tese de Hobsbawm é que o banditismo social não se
constitui como uma fase anterior à ação política moderna. Essa periodização não é bastante
77
evidente, o banditismo, que segundo o autor, faz doravante parte de um passado terminado,
não cedeu, porém, ao benefício de outras formas mais maduras de resistência social.
Em 1973, Hobsbawm publicou "Os Camponeses e a Política"
84
84
HOBSBAWM, E: Peasant and Politics. Journal of Peasant Studies, vol.1 (1973).
, no qual reproduz
certas teses de Marx e seus discípulos sobre a impossibilidade da ação política autônoma do
campesinato. Relata as dificuldades culturais que conduzem o camponês a desempenhar um
papel nos movimentos de caráter nacional (cita os exemplos da Colômbia nos anos 30 e o
Peru nos anos 60). Segundo o autor, a força potencial do camponês era enorme, embora sua
força efetiva e real fosse condicionada. Afirma que o estudo do fenômeno camponês na sua
relação com a política deve "ser trabalhado" pelos historiadores, dado a decadência acelerada
do mundo camponês.
Neste estudo, Hobsbawm confirma os resultados dos seus trabalhos anteriores e
retoma certos aspectos centrais de obras essenciais recentes (Moore, Wolf), bem como os dos
clássicos do marxismo, mas suas conclusões sobre o desaparecimento do campesinato
parecem um pouco precipitadas, de um ponto de vista retrospectivo.
Ao contrário de outros autores, Hobsbawm não explica porque a modernização tem
por efeito a radicalização do camponês em certas regiões, enquanto que isso não ocorre em
outras. Contudo, sua obra continua a ser bastante significativa, do ponto de vista da história,
para compreender as revoltas camponesas contemporâneas. O seu trabalho principal,
"Rebeldes Primitivos", foi a fonte de inspiração de estudos regionais e de períodos
específicos.
Numa entrevista que data dos anos 90, Hobsbawm retorna à questão de como
caracterizar os movimentos camponeses no passado como no presente, em sua relação com a
política, dizendo o seguinte:
78
“Eu não utilizaria mais este termo sem uma qualificação bastante cuidadosa. O
que eu queria dizer não era que as pessoas não eram de nenhum modo
políticas, mas que eram políticas antes da invenção da terminologia, do
contexto moderno e do complexo institucional da política - o cenário
moderno, o teatro moderno da política, o drama moderno da política. É algo
que, em geral, não existiu até o final do século XVIII, até a era das grandes
revoluções.
Antes, é lógico, não é que não houvesse qualquer política. É que simplesmente
a política operava de uma maneira diferente e, eu diria, muito freqüentemente
de modo muito mais limitado, porque havia muito menos possibilidade de
influenciar autoridades que tomavam decisões em larga escala. Nessa
perspectiva, existe um sentido de mudança importante.
Contudo, mesmo depois do desenvolvimento do moderno teatro da política, de
seu cenário e de seus enredos, há uma série de processos, movimentos sociais
e classes que num certo sentido representam os velhos enredos. Não estão
ainda habituados a operar no novo modo, ainda pensam à moda antiga. Nesta
medida, o conceito de pré-político persiste e mantém sua força. Parece-me
claro, por exemplo, que hoje, no Irã, um grande número das massas de
indivíduos organizados não pensa nos moldes do século XX. Mesmo que um
de meus colegas tenha demonstrado claramente que o chamado
fundamentalismo do aiatolá Khomeini repousa operacionalmente no conceito
territorial do moderno Estado-Nação e no governo moderno, o qual não tem
nada a ver com o Corão e com a situação no século VII, assim mesmo, um
grande número não pensa nestes termos. Eles pensam nos mesmos termos em
que seus bisavós ensinavam a pensar sobre questões sociais, sobre o modo de
organizar a sociedade e sobre o que é e o que não é uma sociedade justa ou
uma sociedade tolerável.”
85
85
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 3, nº 6, 1990, p.264-273
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao termo desta pesquisa, parece supérfluo tentar tirar conclusões precipitadas. O tema
é bastante complicado para permitir isto. No entanto, é importante recuperar aqui alguns
aspectos que ficaram evidentes neste estudo. Tambem não foi possível estabelecer, de alguma
forma, a relação entre os propósitos de Hobsbawm e os de outros historiadores marxistas
britânicos; contudo, vale supor uma proximidade maior de Hobsbawm com Rodney Hilton e
também, em certos aspectos, com Edward P. Thompson. Alguns escritos deste último, sobre
os “enclausures”, por exemplo, bem como sobre o desmonte dos direitos costumeiros, ,
aproximam-se de certos propósitos de Hobsbawm.
Finalmente, parece-me ter demonstrado que a idéia bastante difundida de que
Hobsbawm é um dos promotores da tese do desaparecimento do campesinato não é
suficientemente justificada. Como se demonstrou aqui, em seu estudo intitulado “Capitalismo
e Agricultura”, o autor analisa casos concretos, sem formular leis gerais. Para Hobsbawm, o
desaparecimento do campesinato é um caso histórico assaz demonstrado, sobretudo no
modelo escocês, que o autor teve a ocasião de estudar diretamente. A análise do campesinato
com a mesma conclusão foi repetida igualmente na analise do campesinato em outros países,
mesmo de maneira variada, como no caso “prussiano” e “americano”, mas mesmo esta
repetição não lhe permitiu atribuir de modo algum o atributo de uma lei inexorável para o
desaparecimento do campesinato. Como também, para Hobsbawm, nos industrializados, o
desenvolvimento do capitalismo não exigiu a eliminação do campesinato, sendo este caso
igualmente excepcional e não se tornando, por conseguinte, uma tendência geral e universal.
Neste ponto, concordo com Hobsbawm. A única tendência hoje em dia é o fato da diminuição
efetiva da população ativa no setor agrícola praticamente em todas as partes do mundo. Esta
80
tendência é um fato, mas isso não significa que esta seja uma tendência necessária, obrigatória
ou mesmo desejada.
Quanto ao papel político do campesinato, é possível perceber, de fato, que Hobsbawm
se depara com dificuldades efetivas em elucidar o que ele quer dizer com a expressão de
“pré-político”, para qualificar o comportamento político do campesinato. De um lado, ele
tentou se explicar, na entrevista concedida à revista brasileira “Estudos Históricos”, que “pré-
político” significa, para ele, uma política diferentemente dita e diferentemente feita, em
comparação com o que se entende geralmente por política na era moderna. Mas, de outro
lado, ele também avança a idéia, segundo a qual, a mobilização política do campesinato
estava na origem do bloqueio da possibilidade de desenvolvimento do modelo escocês em
outros países capitalistas. Hobsbawm insiste em “afirmar com alguma verossimilhança que,
do século XVI ao século XVIII, pelo menos, sua resistência vitoriosa retardou certamente o
desenvolvimento do capitalismo”
86
Tudo o que a leitura e a análise da obra de Eric Hobsbawm nos permitem pensar é que,
é importante reconhecer que o chamado “problema camponês(Engels) e seu papel político
.
De fato, ele retoma nesta afirmação, as conclusões defendidas por Robert Brenner. É
importante retomar aqui que não se pode aceitar facilmente esta idéia, uma vez que
Hobsbawm defende posições contraditórias: negar ao campesinato legitimidade histórica de
representar uma força política presente na formação social capitalista e, ao mesmo tempo,
reconhecer que esta classe tem força suficiente para influenciar o processo histórico, seja na
direção da direita ou da esquerda. Certamente tal conclusão deve basear-se em várias
investigações e várias obras do autor, contudo a contradição permanece.
86
HOBSBAWM, E: Capitalisme & Agriculture, op., cit., p. 594.
81
nas sociedades capitalistas contemporâneas são questões bastante delicadas para se deduzir e
afirmar algo de maneira peremptória e definitiva, simplesmente a partir des posições
doutrinarias defendidas pela primeira geração dos marxistas, de Engels, Kautsky e Plekhanov
principalmente. Uma concepção doutrinária, que se consolidou durante a II Internacional,
tornando-se um dos princípios do marxismo ortodoxo, ainda mais quando não foi questionada
pelos teóricos da Terceira (ou seja, Lenine, Trotsky, Stalin, etc.)
Portanto, parece ter sido demonstrada a hipótese desta dissertação (pag.14) de que a
posição e as dificuldades das analises de Hobsbawm sobre o campesinato se explicam antes
por sua vinculação a uma interpretação doutrinaria do marxismo do que por seus estudos
históricos. O que, dentro das limitações conhecidas, impostas a este trabalho confirma a
hipótese inicial
Num caso marroquino
87
, é bastante claro que as tribos camponesas conseguem se
organizar, vencer uma potência colonial e constituir-se em república com uma constituição de
40 artigos, um parlamento, um governo, um banco central, (Banco do Estado do Rif) e
relações exteriores
88
87
Ver o anexo 2, pág. 89.
88
Como este caso é praticamente desconhecido no Brasil, anexamos a esta dissertação um histórico deste
movimento. Ver o anexo 2, pag. 89
. Isto significa dizer que não é errado ou exagerado, de forma alguma,
dizer que as tribos de camponeses faziam política no sentido moderno do termo. Portanto, a
política dos camponeses do Rif, e que, portanto, não se tratava de uma política que encontra
legitimidade, importância e sentido na história moderna e contemporânea do Marrocos. Mas,
pelo contrario, se integra totalmente nela. Talvez a mesma consideração possa ser feita para
muitos movimentos de camponeses, em todos os continentes, particularmente na Ásia, África
e America Latina. O mundo, mas particularmente na América Latina. No Brasil, cabe
considerar dois casos: um já histórico, das Ligas Camponesas nas décadas 50 e 60, e do MST
- Movimento dos Trabalhadores Rurais sem- Terra. Em ambos os casos, o movimento
82
camponês tem podido se organizar, criar a aproveitar as conjunturas políticas para fazer
avançar o processo de democratização do uso e da posse da terra, além de representar em seu
espaço e área de influência social e política a perspectiva de geração de alternativas ao poder
político dominante
83
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(Em Francês)
2. Etudes sur le développement du capitalisme, Paris ,Maspero 1969.
3. Economie du bien-être et économie socialiste, Paris, Calmann-Lévy, 1971.
4. Economie des pays socialistes, avec Henri Tissot, Robert Laffont, 1975.
5. Du Féodalisme au capitalisme : problèmes de transition, avec Paul Sweezy et
d´autres, 02 volumes, Maspero, 1977.
6. Le développement économique soviétique depuis 1917.
1. Capitalist Enterprise and Social Progress, 1925
Em Inglês
2. Russian Economic Development since the Revolution, Londres, 1928.
3. Wages. A Comprehensive Study of Wage Problems, 1928.
4. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, Londres,
Routledge & Kegan Paul, 1937.
5. Marx as an Economist, 1943.
6. Some Aspects of Economic Development, 1951.
7. On Economic Theory and Socialism, 1955.
8. An Essay on Economic Growth and Planning,1960.
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9. The Works and Correspondence of David Ricardo, 15 volumes, avec Piero Sraffa
(eds), Cambridge University Press, 1951- 1973
10. Papers on Capitalism, Development and Planning, 1967.
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12. Socialist Planning: Some Problems, 1970.
13. Theories of Value and Distribution Since Adam Smith. Ideology and Economic
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Witness Against the Beast: William Blake and the Moral Law, (1993).
Making History: Writings on History and Culture, (1994).
The Romantics : England in a Revolutionary Age, (1997).
The Collected Poems, (1999).
90
5. GEORGE RUDÉ (1910-1993)
Crowd in French Revolution (1959).
Wilkes and Liberty (1962).
Crowd in History (1964).
L’Europe révolutionnaire: 1783-1815 (1969).
Captain Swing (com Eric Hobsbawm) (1969).
Paris and London in the 18th Century (1970).
Hannoverian London: 1714-1808 (1971).
Robespierre (1975).
Ideology and Popular Protest (1980).
Europe in the 18th Century (1985).
The Face of the Crowd (1988)
The French Revolution (1989).
.
6. RAPHAEL SAMUEL (1934- 1996)
Village Life and Labour (1975).
Miners, Quarrymen and Saltworkers (1977).
People's History and Socialist Theory (1981),
East End Underworld (1981).
Culture, Ideology and Politics (1983).
Theatres of the Left: 1880-1935 (1985).
The Lost World of Communism (1986),
91
The Enemy Within: The Miners' Strike of 1984 (1987).
Patriotism: The Making and Unmaking of British National Identity (1989)
Patriotsm: Minorities and Outsiders (1989).
The Myths We Live By (1990).
Theatres of Memory (1996).
Island Stories: Unravelling Britain (1997).
Anexo 2: O CASO MARROQUINO DA GUERRA DO RIF
90
Essas tribos eram dirigidas por chefes de “repúblicas”
A Guerra do Rif é uma guerra colonial que opôs as tribos da região de Rif (uma cadeia
de montanhas no norte de Marrocos) aos exércitos franceses e espanhóis, agindo em virtude
dos acordos de protetorado passados com o sultão de Marrocos, desde 1912.
91
As tribos desta região eram apenas camponeses
aldeãs chamados também
Amghar. Nelas, o direito costumeiro reinava distintamente do direito religioso
Aos 20 de Julho de 1921, o exército espanhol veio reprimir alguns rebeldes, mas foi
abatido e assim começou a famosa revolução dirigida pelo Abdelkrim El Khattabi, geralmente
chamado Abdelkrim.
92
90
montanheses, cortados do resto do
país, do qual formavam apenas uma ínfima parte, no momento em que eram expostas às
pressões de duas potências coloniais européias, a Espanha e a França.
www.fr.wikipedia.org/wiki/guerre du Rif
91
O tremo república designa uma forma de organização tribal local e não tem nada a ver com sua conotação
moderna.
92
Camponeses que não tenham direito de possuir a terra a titulo individual, A propriedade da terra era coletiva.
92
O general espanhol Manuel Fernández Silvestre dispunha na época de um exército
forte de 60.000 soldados para conter a tribo de Beni Waryaghel, a qual pertence a Abd El-
Krim.
No confronto entre ambas as partes, quase a totalidade do exército espanhol encontrou
a morte na batalha de Anoual. Perante este desastre, o general se suicidou ou foi morto.
Abdelkrim, então, reuniu os chefes tribais, que organizaram a resistência pela criação
da República confederada das tribos do Rif, em 01 de Fevereiro de 1922.
Tornou-se o primeiro e o último presidente dela. Pelo menos, não se declarou sultão,
e, ordenando aos imãs do Rif fazer a oração da Joumouaa (oração da Sexta-feira), em nome
do sultão Moulay Youssef, Abdelkrim nunca retomou em questão oficialmente a autoridade do
Rei e ancorou a revolução numa futura revolução nacional marroquina, que teria por objetivo
a independência do mundo muçulmano da colonização ocidental.
Numerosas cartas de boa fé que restituem a beyaa (fidelidade) devida ao sultão
chegaram a Moulay Youssef. Mas, a periculosidade do projeto de Abdelkrim fez dissuadir o
sultão que temia as reações dos ocupantes.
Uma guerra contra os Espanhóis seguiu-se e tiveram de retirar-se na direção da costa.
Não ocupavam em 1924 mais que Ceuta, Melilla, Asilah e Larache. A França interveio para
vir a seu socorro e evitar o contágio do resto do Marrocos, então sob dominação francesa.
Postos avançados foram instalados pelo exército francês, o que provocou o confronto
com os guerrilheiros de Abdelkrim, que foram esmagados durante a ofensiva francesa contra
Fès, durante o inverno e a primavera de 1924.
93
8 de Setembro de 1925: desembarque das tropas espanholas na baía de Al Hoceima
O general Lyautey obteve vitórias, mas foi substituído por Pétain. O comandante
Naulin teve o êxito de vencer as tribos do Rif. Abdelkrim foi enviado em exílio à ilha da
Reunião, em 1926, onde evadiu-se 20 anos após, para fugir para o Egito, onde morreu em
1963. Abdelkrim se deplorou à Sociedade das Nações pela utilização da aviação francesa de
bombas químicas.
Moh' and U Abd el-Krim El Khattabi
Abdelkrim em seu QG
Abdelkrim El Khattabi (1882-1963) tinha o nome completo de Mohamed Ben
Abdelkrim El Khattabi (em árabe); em amazigh, sua língua natal era Moh' and U Abd el-Krim
94
Khattabi. Ele era um chefe militar do Rif, zona berbere no nordeste do Marrocos. Tornou-se o
chefe de um movimento de resistência contra a França e a Espanha em Marrocos e,
seguidamente, o ícone dos movimentos independentistas que lutam contra o colonialismo.
Tomara a tocha da resistência após a derrota de Mouha ou Hammou Zayani. Seu
companheiro teólogo, Belarbi Alaoui, dito Cheikh Al Islã, aderiu à causa de Abdelkrim para
continuar a luta contra os espanhóis e os franceses.
Nascido em Ajdir, aproximadamente em 1882, em Marrocos, filho de um cadi (juiz
em árabe) do clã Ait Yusuf, da tribo de Beni Ouriaghel (ou Waryaghal), Abd el-Krim foi
instruído em confrarias (zaouïas) tradicionais e escolas espanholas, finalizando sua educação
na antiga universidade de Quaraouiyine, em Fès, seguida de três anos na Espanha, onde
estudou a mina e a tecnologia militar.
Entre 1908 e 1915, foi jornalista no diário de Melilla, onde preconizava a laïcidade e a
cooperação com os ocidentais, a fim de liberar a nação da ignorância e sob desenvolvimento.
Entrou na administração espanhola e foi nomeado cádi, chefe de Melilla, em 1915.
Nessa época, começou a opor-se à dominação espanhola e, em 1917, foi encarcerado por ter
dito que a Espanha não deveria estender-se para além dos territórios já ocupados (que na
prática excluía a maior parte das zonas descontroladas do Rif), exprimindo sua simpatia pela
causa alemã, durante a Primeira Guerra mundial.
Imediatamente depois de ter escapado, voltou a Ajdir, em 1919 e, com seu irmão,
começou a unir as tribos do Rif para organizá-las de forma independente. Por isso, tentou
aliviar as inimizades entre as tribos existentes.
A Espanha, por seu lado, provava dificuldades para administrar a região colocada sob
sua autoridade, desde 1912. Suas tropas defrontavam-se freqüentemente com bolsos de
resistência, particularmente na região montanhosa do Rif.
95
Em 1921, como uma repercussão inesperada dos seus esforços para destruir a potência
de Raisuni, bandido local, as tropas espanholas se aproximaram dos setores desocupados do
Rif. Abdelkrim, então, enviou ao general Manuel Fernández Silvestre uma advertência: se as
tropas de Espanha cruzarem o rio Amekran, o ato será considerado como um ato de guerra.
O general Silvestre, que comandou as forças espanholas na região, teria rido tomando
conhecimento da mensagem. Estava convencido de que se tratava só de um pequeno bando de
bandidos e continuou a avançar para o coração do Rif, encarregando um dos seus chefes de
batalhão, Jésus Villar, de instalar 250 homens, em posto militar avançado, sobre o rio de
Abarran, a 5 km do oeste de Anoual.
No primeiro de Junho de 1921, os homens de Villar, na tomada de suas posições,
encontraram-se cercados por combatentes locais no meio-dia: 179 militares espanhóis foram
mortos; apenas um punhado, entre eles, chegou a escapar, abandonando toda a artilharia aos
combatentes de Abdelkrim.
Graças à tomada desta artilharia, estes últimos prosseguem, quase dois meses, durante
sua ofensiva. Na tarde dos 21 de Julho de 1921, a Anoual (localidade situada a 120 km de
Melilla), 3.000 combatentes do Rif atacaram os 18.000 soldados espanhóis, e os obrigaram a
bater em retirada.
Na extremidade de três semanas de combates obstinados, o contingente espanhol é
cortado em peças. O general Fernández Silvestre foi morto em Anoual. Alguns falaram de
suicídio devido à rapidez da derrota.
Os Guerreiros de Abdelkrim recuperaram, na seqüência da batalha, o material
abandonado pelas tropas espanholas em recuada, ou seja: 20.000 fuzis, 400 metralhadoras,
200 canhões de calibres diferentes (dos 75, dos 65 e o 77), um estoque importante de granadas
e milhões de cartuchos, caminhões, abastecimentos em alimentos, medicamentos, material
médico e dois aviões.
96
Em numero de homens, a Espanha perdeu mais de 18.000 soldados, além dos 1100
prisioneiros feitos pelo contingente do Rif. Mas, conseguiu recuperar 24.000 feridos, 150
canhões e 25.000 fuzis.
Trata-se da primeira derrota de uma potência colonial européia, dispondo de um
exército moderno e equipado bem na frente de resistentes sem recursos, sem organização, sem
logística nem intendência.
Cadáveres de 8.000 soldados espanhóis mortos no Monte Arrui, em 9 de agosto 1921.
A vitória de Anoual teve uma imensa repercussão não somente em Marrocos, mas
também no mundo inteiro. Teve imensas conseqüências psicológicas e políticas, dado que ia
provar que, com efetivos reduzidos, um armamento ligeiro, mas também com uma importante
mobilidade era possível vencer exércitos clássicos.
Essa derrota que fustiga as forças coloniais é pesada de conseqüências nas duas partes
do Mediterrâneo. Essa humilhação, em 1923, em Barcelona, incitou o general Miguel Primo
de Rivera a lançar um pronunciamiento e a instaurar uma ditadura militar.
A Espanha tinha tentado retirar-se de Marrocos, mas a França, temendo o contágio na
sua zona do protetorado e nas suas outras colônias, recusou-se deixar os insurgidos impunes.
97
O Marechal Lyautey, o residente geral francês, toma o comando das operações, e a
guerra do Rif durou ainda cinco anos e terminou com a vitória da França e da Espanha.
A vitória de um pequeno grupo de resistentes sobre o exército espanhol tornou-se,
assim, um importante símbolo da luta anti-colonial e marcou um momento decisivo na
resistência ao duplo protetorado espanhol e francês instaurado em Marrocos, como também
marcou o nascimento de um mito: o de Abd El-Krim, herói de guerra, estrategista e chefe
carismático da resistência.
Satisfeito com seu sucesso, Abd el-Krim proclama, em Fevereiro de 1922 A
República Confederada das Tribos do Rif, um embrião de Estado berbere, politicamente
independente da ocupação espanhola e francesa do Marrocos. Criou um Parlamento
constituído dos chefes de tribos, que lhe votou um governo.
Esta república teve um impacto crucial na opinião internacional, porque foi a primeira
república procedente de uma guerra de descolonização no século XX.
A Bandeira da Republica do Rif
Em 1924, a Espanha retirou suas tropas das suas possessões ao longo da costa
marroquina. A França, que de qualquer modo tinha pretensões sobre o Rif meridional, deu-se
conta que deixar outra potência colonial ser vencida na África do Norte por indígenas criaria
um perigoso precedente para seus próprios territórios, e retornou do conflito.
Tentando juntar todas as forças vivas marroquinas, para constituir o núcleo de um
movimento de liberação marroquino prévio, a um vasto movimento de descolonização, Abd
98
El-Krim pediu ao sultão Moulay Youssef que aderisse a sua causa. Mas, este, devido à pressão
da residência geral francesa em Rabat, recusou-se a lutar contra as potências coloniais.
A entrada da França em guerra não se faz esperar, mas a pressão da opinião pública
tanto européia como internacional, subjugada por esta resistência do Rif, torna a tarefa mais
árdua e conduz ao envio do residente geral, marechal Hubert Lyautey.
Em 1925, Abd El-Krim lançou uma ofensiva na direção do Sul contra as forças
francesas do general Lyautey, que foram abatidas sem dificuldade, para recuar sobre Fès e
Taza. Paris enviou, então, Philippe Pétain, atribuindo-lhe os meios que tinham sido recusados
a Lyautey.
“O vencedor de Verdun”, aliado ao general Primo de Rivera, lançou uma vasta e forte
ofensiva, apoiando-se num exército franco-espanhol de 450.000 soldados.
O combate intenso durou um ano, mas os exércitos franceses e espanhóis combinados
recorreram a armas químicas, dentre as quais, o gás “iperita”, que foram liberadas por avião
maciçamente sobre os lugares, fazendo milhares de mortes, enquanto que suas seqüelas duram
ainda hoje na população Rif.
O conflito, extremamente duro, levou os homens de Abd El-Krim a pedir ao seu chefe
que encetasse negociações. Elas foram iniciadas em Oujda, mas, perante a intransigência dos
Franceses e dos Espanhóis, Abd El-Krim foi forçado à rendição.
Abd el-Krim tornou-se prisioneiro de guerra, pedindo que os civis fossem poupados.
Não será nada, as potências coloniais não podem tolerar que tal levantamento continua a ser
impune.
Assim, a partir de 1926, aviões, munidos de gás mostarda, bombardearam aldeias
inteiras, fazendo, assim, dos marroquinos do Rif, os primeiros civis gaseificados maciçamente
na História, ao lado dos curdos iraquianos, com os gases britânicos. Considera-se mais de
150.000 o número de mortes civis de 1925 a 1926.
99
Em 1926, Abd el-Krim foi exilado e instalou-se, primeiro, até 1929, no Castelo
Morange, nas alturas de Sant-Denis. Alguns anos depois, torna-se habitante da comuna rural
de Três - Bacias, no oeste da ilha, onde comprou terras e construiu uma propriedade.
Em Maio de 1947, finalmente obteve a autorização para instalar-se no Sul da França,
embarcando a bordo de um navio dos Serviços de mensagens marítimos, proveniente da
África do Sul, com destino a Marselha, com 52 pessoas do seu ambiente e o caixão da sua
avó.
Chegado a Suez, foi convidado pelo rei egípcio, Farouk, para fazer escala, mas,
aproveitando-se desta ocasião, ele escapou do seu cativeiro para se instalar, definitivamente,
para a grande fúria dos Franceses, na Egito, onde viria a presidir “o Comitê de liberação do
Magrebe árabe”.
Mohamed ben Abdelkrim El Khattabi morreu em 1963 no Cairo, onde seu túmulo está
até hoje.
Após a independência de Marrocos em 1956, a repressão voltou de novo na região.
Desta vez, uma repressão com cores nacionais, para reprimir por meio da aviação uma nova
revolta do Rif, fazendo, assim, mais de 8.000 mortes entre 1958 e 1961.
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