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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA
PÚBLICA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL:
A DEMOCRACIA NA “PORTA GIRATÓRIA”
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Neila Pedrotti Drabach
Santa Maria, RS, Brasil
2010
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A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL: A DEMOCRACIA NA
“PORTA GIRATÓRIA”
por
Neila Pedrotti Drabach
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Educação, Área de Concentração em Práticas Escolares e Políticas Públicas,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para
obtenção do grau de
Mestre em Educação
Orientadora: Profª Drª Sueli Menezes Pereira
Santa Maria, RS, Brasil
2010
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© by Neila Pedrotti Drabach – 2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D756m Drabach, Neila Pedrotti
A modernização da gestão da escola pública estadual do Rio Grande do Sul : a
democracia na “porta giratória” . / Neila Pedrotti Drabach – Santa Maria , 2010.
169 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria, 2010.
“Orientação: Profª. Drª. Sueli Menezes Pereira”.
1. Escola Pública - Gestão Democrática. 2. Escola Pública - Gestão Gerencial.
3. Parceria Público-Privada. I. Pereira, Sueli Menezes. II. Título.
CDU: 37.014(816.5)
Bibliotecária Responsável: Lizandra Veleda Arabidian CRB/10-1492
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL
DO RIO GRANDE DO SUL: A DEMOCRACIA NA “PORTA
GIRATÓRIA”
elaborada por
Neila Pedrotti Drabach
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
______________________________________
Sueli Menezes Pereira, Profª Drª (UFSM)
(Presidente/Orientador)
_____________________________________
Vera Maria Vidal Peroni, Profª Drª (UFRGS)
________________________________________
Carlos Roberto da Silva Machado, Prof. Dr. (FURG)
Santa Maria, 30 de março de 2010.
E
ssa noção de “modernização”, vaga mas acolhedora,
constitui o fio diretor de uma retórica de combate, diante
da qual o espírito crítico parece, frequentemente, capitular.
Quaisquer que sejam a natureza e o teor de uma “reforma”
ou de uma inovação, é suficiente dizer que ela traduz uma
“modernização” da escola para que, no espírito de muitos,
ela seja sinônimo de progresso, de democracia, de
adaptação à vida contemporânea, etc. (...) E não é muito
difícil mobilizar a opinião, os pais, os “jovens”, enfim
todos aqueles que pensam que é preciso ser “absolutamente
moderno” para estar ao lado do progresso e da democracia
e apoiar, assim, as transformações (...).
(LAVAL, 2004, p. 189-190)
AGRADECIMENTOS
A todas as pessoas que se fizeram presentes nessa etapa enriquecedora e desafiadora:
À minha família – pai, mãe e irmãos – que mesmo distante, sempre esteve presente
através dos incentivos, do apoio e da sólida base de responsabilidade e crença nos estudos que
me permitiu chegar até aqui.
À minha irmã, Nadia, que esteve mais próxima, pelo incentivo e por ser, desde criança,
meu exemplo de dedicação aos estudos.
Ao meu Amor, Everton, com quem sempre dividi as alegrias e angústias deste percurso.
À professora e amiga Bete, pela presença marcante em minha trajetória acadêmica e
em minha vida.
À orientadora deste trabalho, pela confiança depositada em mim e pela autonomia no
desenvolvimento do trabalho.
À banca examinadora, pela disponibilidade de leitura, avaliação e sugestões que
enriqueceram esta pesquisa.
Aos colegas do curso de Mestrado, pelas amizades tecidas em meio a estudos e viagens.
Às entidades que contribuíram com a pesquisa, disponibilizando materiais e
informações.
À UFSM, pela possibilidade de tornar concreto meus objetivos.
À CAPES, pelo apoio financeiro no desenvolvimento da pesquisa.
À Escola Pública, fonte de inspiração e de luta!
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL DO RIO
GRANDE DO SUL: A DEMOCRACIA NA “PORTA GIRATÓRIA”
AUTORA: NEILA PEDROTTI DRABACH
ORIENTADORA: SUELI MENEZES PEREIRA
Data e Local de Defesa: Santa Maria, 30 de março de 2010.
A presente dissertação teve como propósito discutir e problematizar os desafios impostos à
democratização da gestão do ensino público a partir dos novos marcos de referência para a gestão
pública oriundos das mudanças no mundo no trabalho e no papel do Estado, tendo como objeto de
estudo a proposta de “modernização da gestão educacional” em vigor no governo estadual do Rio
Grande do Sul (Governo Yeda Crusius/Gestão 2007-2010). Para tanto, situam-se historicamente os
impasses entre a construção do projeto de gestão democrática como princípio constitucional e o novo
padrão de gestão (gestão gerencial), que passou a ser incorporado à gestão pública a partir do
movimento de reforma do Estado, impulsionado como estratégia de superação da crise capitalista da
década de 1970. Diante deste cenário paradoxal, analisa-se a trajetória da gestão democrática do ensino
público estadual do RS desde os primeiros movimentos de construção desta lógica de gestão
evidenciando os avanços e os impasses frente à adoção de práticas de gestão gerencial pelos governos
estaduais. Tendo como foco as proposições do atual governo para a educação, analisa-se, através de
pesquisa documental, a proposta de “modernização da gestão educacional” tomando como referência as
ações do Projeto “Professor Nota 10 valorização do Magistério”, que faz parte do “Programa
Estruturante Boa Escola para Todos”, o qual abarca as diretrizes de ação da Secretaria Estadual de
Educação e as parcerias firmadas com instituições privadas para a melhoria da qualidade do ensino
através de estratégias de gestão: Consultoria para Educação de Qualidade – SESI-RS e o Projeto Jovem
de Futuro em parceria com o Instituto Unibanco. A partir da análise dos documentos, orientada pela
técnica de Análise de Conteúdo, evidenciou-se que a proposta de “modernização da gestão educacional”
encontra-se entrelaçada ao modelo de gestão inserido no âmbito do governo, o qual é orientado por
ONGs especializadas em consultoria em gestão, pelas proposições da Agenda 2020 e pelas exigências
de contrapartida do empréstimo do Estado com o Banco Mundial, tendo como objetivo a inserção de
“práticas modernas de gestão” com vistas ao ajuste fiscal do Estado. A análise da proposta de mudança
na Lei Estadual de Gestão Democrática, inserida no Projeto Professor Nota 10 aponta para a introdução
de mecanismos de gestão inspirados no universo empresarial, como os contratos de gestão e a
meritocracia, com vistas a aumentar a eficiência e eficácia dos gastos educacionais, redimensionando a
autonomia e a participação da comunidade escolar para o âmbito da execução de metas contratadas. Em
relação aos projetos das parcerias público-privadas, evidencia-se a inserção do modelo de gestão
empresarial, de valores capitalistas de competitividade e premiação no âmbito escolar e o financiamento
privado na educação, efetivando a lógica de publicização dos serviços do Estado e a inserção de quase-
mercados na educação. A introdução destes mecanismos na gestão escolar descaracteriza o projeto de
gestão democrática, uma vez que recentraliza os processos de gestão educacional e introduz técnicas
privadas de gestão em detrimento da participação ativa da comunidade escolar, retomando a lógica de
administração capitalista na educação, que já fora fortemente criticada na década de 1980.
Palavras-chave: Gestão Democrática, Gestão Gerencial, Parceria Público-Privada
ABSTRACT
Dissertation of Master's degree
Program of Masters degree in Education
Federal University of Santa Maria
MODERNIZATION ON THE MANAGEMENT IN THE PUBLIC SCHOOLS IN RIO
GRANDE DO SUL: THE DEMOCRACY AT THE "TURNSTILE"
AUTHOR: NEILA PEDROTTI DRABACH
ADVISOR: SUELI MENEZES PEREIRA
Place and defense date: Santa Maria, march 30, 2010.
The present dissertation aimed at discussing and issuing the challenges to democracy in the management
of public education from the new benchmarks for public management revealed through changes in the
world work and the role of the state, considering the object of study as the proposal "modernization of
educational management" in force in state government of Rio Grande do Sul (Yeda Crusius’
Management 2007-2010). Thus, we find historically the issue between the project of construction of the
democratic management as a constitutional principle and the new pattern of management (managing
administration), now being incorporated into public administration from the movement of state reform,
as driven strategy of overcoming the capitalist crisis of the 1970s. Given this paradoxical scenario
analyzes the path of democratic management of public education the state of RS from the first
movements to build this logic of management, it highlights the progress and constrains the issues, facing
the adoption of management practices by state governments. Therefore, focusing on the propositions of
the current government for education, it is analyzed by means of desk research, the proposed
"modernization of educational management" with reference to the actions of the project Professor Nota
10 Valorização do Magistério (A Grade Teacher– valorization of the Teaching), which is part of the
Project Programa Estruturante Boa Escola para Todos (Structuring a Good School to Everybody)
which includes guidelines for action of the State Department of Education and partnerships with private
institutions to improve teaching quality through management strategies: Consultancy for the Quality of
Education - SESI - RS and the Project Future Youth as a partnership with Unibanco. From the analysis
of the documents, guided by the technique of content analysis, it became clear that the proposed
"modernization of educational management" is woven into the management model that forms part of the
government, which is driven by NGOs specializing in management consultancy, the proposals of
Agenda 2020 and the requirements for the loan of the state at the World Bank, aiming at the inclusion of
"modern management practices" in order to adjust to the State. The analysis of the proposed change in
state law for Democratic Management, inserted in the Project Professor Nota 10 points to the
introduction of management inspired by the business community, such as management contracts and
meritocracy, in order to increase the efficiency and effectiveness of spending education, reshaping the
autonomy and participation of the school community for the implementation of contracted targets.
Regarding the projects of public-private partnerships, highlights the integration of business management
model of capitalist values of competitiveness and awards in schools and private funding in education,
reporting the logic of publicity departments of State and the inclusion of emergent markets in education.
The introduction of these mechanisms in school management decharacterizes the project of democratic
management, a time which reprocesses the educational management techniques and introduces the
private management at the expense of the active participation of the school community, adopting the
logic of capitalist management education, which had been strongly criticized in the 1980s.
Keywords: Democratic Management, Management, Management, Public-Private Partnership.
LISTA DE SIGLAS
ACPM – Federação – Associação dos Círculos de Pais e Mestres
ANC – Assembléia Nacional Constituinte
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CF – Constituição Federal
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CPERS – Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul
DEM – Democratas
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FEDERASUL – Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDEP – Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INDG – Instituto de Desenvolvimento Gerencial
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MS – Ministério da Saúde
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONG – Organização não governamental
PAN – Partido dos Aposentados da Nação
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PFL – Partido da Frente Liberal
PGQP – Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade
PHS – Partido Humanista Social
PJF – Projeto Jovem de Futuro
PL – Partido Liberal
PPS – Partido Popular Socialista
PR – Partido da República
PROMEDLAC Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na
América Latina e Caribe
PRONA – Partido da Renovação da Ordem Nacional
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PT do B – Partido Trabalhista do Brasil
PTC – Partido Trabalhista Cristão
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SAERS – Sistema de Avaliação Educacional do Rio Grande do Sul
SEE – Secretaria Estadual de Educação
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESI – Serviço Social da Indústria
SESI – Serviço Social da Indústria
SESI-RS – Serviço Social da Indústria do Rio Grande do Sul
TCR – Termo de Compromisso de Resultados
TCR
Termo de Compromisso de Resultados
UDN – União Democrática Nacional
UGES – União Gaúcha de Estudantes
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Ações para a Gestão Pública: propostas da Agenda 2020 versus ações/propostas do
Governo Estadual ................................................................................................................... 112
Quadro 2 – Programas Estruturantes ...................................................................................... 115
Quadro 3 – Programa Estruturante Boa Escola para Todos – Educação para o desenvolvimento
das pessoas do Rio Grande ..................................................................................................... 125
Quadro 4 – Projeto Professor Nota 10 versus metas da Agenda 2020 para a Educação ........ 127
Quadro 5: Eleição de Diretores .............................................................................................. 131
Quadro 6 – Conselhos Escolares ............................................................................................ 132
Quadro 7 – Autonomia da Escola ........................................................................................... 133
Quadro 8 – Escolas participantes do Projeto Jovem de Futuro do Instituto Unibanco .......... 144
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução do número de professores (1994 a 2009) ............................................. 122
Tabela 2 – Diferença do número de professores entre diferentes governos (1994-2009) ...... 122
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo de Gestão Governo Yeda Crusius (2007-2010) ....................................... 117
Figura 2 – Sistema de Monitoramento e Avaliação do PJF .................................................... 145
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................. 14
CAPÍTULO I - A CONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO
ENSINO PÚBLICO: RELAÇÕES ENTRE A GÊNESE TEÓRICA E OS DIFERENTES
SIGNIFICADOS QUE DISPUTAM ESTE CAMPO ......................................................... 25
1.1 Constituição Histórica do Campo da Administração Escolar no Brasil: as bases
teóricas iniciais ........................................................................................................................ 26
1.2 Gênese teórica da Gestão Democrática: críticas ao modelo de administração escolar e
novas proposições ................................................................................................................... 37
1.2.1 A Construção política do princípio da Gestão Democrática na Legislação Educacional:
marcas de um passado e de um presente .................................................................................. 44
1.2.1.1 A emergência da gestão democrática da educação na Constituição Federal de 1988:
entre o projeto do Fórum Nacional de Educação e o projeto do “Centrão” ............................. 48
1.2.1.2 A LDB 9394/96 e a Gestão Democrática: a descaracterização dos propósitos ....... 52
CAPÍTULO II - A DEMOCRACIA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA FRENTE À
RESSIGNIFICAÇÃO DE SEUS CONCEITOS NO CONTEXTO ATUAL .................... 58
2.1 Do Elitismo Democrático à Democracia Participativa: a difícil travessia ......................... 58
2.2 Ressurgimento Democrático no Brasil: a perversidade do momento atual ........................ 69
2.2.1 A Democracia diante do ideário Neoliberal e da Terceira Via ................................... 71
2.3 O novo padrão de gestão para o setor público e suas implicações à Gestão da Educação . 85
2.3.1 Os mecanismos da Gestão Escolar Democrática frente a sua ressignificação no âmbito
da Gestão Gerencial .................................................................................................................. 90
CAPÍTULO III - A TRAJERIA DA GESTÃO DEMOCTICA DO ENSINO
PÚBLICO ESTADUAL DO RS: A DEMOCRACIA NA PORTA GIRARIA? ............... 94
3.1 Trajetória da Gestão Democrática do Ensino Público no Rio Grande do Sul .................... 95
3.2 A modernização da gestão do ensino público estadual do RS no governo Yeda Crusius:
implicações para o processo de Gestão Democrática ............................................................. 108
3.2.1 A forma de gestão do Estado no governo Yeda Crusius – o “novo jeito de governar”
................................................................................................................................................ 109
3.2.2 Buscando os fundamentos das ações da Secretaria de Educação (gestão 2007-2010)
para a gestão da educação pública estadual do RS ................................................................. 118
3.2.3 Projeto Professor Nota 10: análise da proposta de nova legislação educacional - as
mudanças na Lei de Gestão Democrática do Ensino Público Estadual (Lei n. 11.695/2001) 129
3.2.4 As parcerias Público-Privadas no âmbito da gestão escolar ..................................... 135
3.2.4.1 O Programa Consultoria para Educação de Qualidade – SESI ............................. 137
3.2.4.2 O Projeto Jovem de Futuro – Instituto Unibanco .................................................. 141
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 150
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 1504
154
14
C
ONSIDERAÇÕES
I
NICIAIS
Esta dissertação tem o propósito de discutir e problematizar os desafios impostos à
democratização da gestão da educação a partir dos novos marcos de referência para a gestão
pública oriundos das mudanças no mundo do trabalho e no papel do Estado, tendo como
objeto de estudo a proposta de “modernização da gestão educacional” em vigor no governo
estadual do Rio Grande do Sul (governo Yeda Crusius - gestão 2007-2010). Esse novo padrão
de gestão para o campo educacional apresenta-se como “moderno”, “eficiente”, “eficaz”,
“participativo”, utilizando-se muitas vezes dos mecanismos de gestão democrática
(autonomia, participação, descentralização), mas, no entanto, resguarda objetivos e interesses
que não se encontram relacionados estritamente ao processo de democratização da educação.
Este paradoxo no campo educacional tem sua origem nas duas últimas décadas, quando
se observa uma mudança de concepção nas propostas e práticas de gestão educacional, a qual
tem sido apontada na literatura da área como resultado de um processo de reformas na
educação, impulsionado pelo desenvolvimento de políticas educacionais voltadas para a
descentralização, democratização da gestão escolar e construção da autonomia nos sistemas e
unidades de ensino. Essas mudanças foram motivadas em contraposição à centralização e
burocratização que vinham conduzindo o campo educacional, desde o surgimento do campo
teórico da administração escolar, na década de 1930.
Dentre os elementos motivadores para esta mudança pode-se apontar os movimentos da
sociedade civil em prol da redemocratização do país, dentre eles as lutas dos educadores por
maior autonomia nos estabelecimentos escolares e a democratização do acesso e da gestão da
educação, na década de 1980, e a reforma do Estado a partir de pressupostos neoliberais, na
década de 1990, que passa a ter na descentralização político-administrativa a forma de
administração das instituições sociais (entre elas as educacionais). A princípio, se pode
visualizar nestes dois elementos características que os diferenciam e os contrastam, uma vez
que o primeiro surge como expressão da sociedade civil e o segundo parte de uma orientação
global para subsistência do capitalismo.
Análises feitas por diferentes pesquisadores (DAGNINO, 2004a; BRUNO, 2002;
OLIVEIRA, 2002) apontam que se instaura neste processo um paradoxo de forças
antagônicas que resultam na hibridização de duas diferentes propostas: a redemocratização da
sociedade e de suas instituições sociais, dentre elas, as educacionais e o projeto neoliberal
15
que, embora fazendo uso de uma mesma linguagem das reivindicações sociais:
descentralização, autonomia, participação, visa à redução do Estado nas suas funções sociais,
em prol da livre circulação do mercado.
Pode-se verificar a pertinência desta afirmação no momento em que voltamos o olhar
para as mudanças na gestão educacional em outros países, em especial na América Latina, as
quais seguem semelhante lógica orientadora. A exemplo da reforma de Estado, por que
passaram a maioria dos países latino-americanos, a educação também passou por reformas
seguindo as orientações neoliberais, em que a descentralização foi o eixo norteador das
mudanças operadas, demandando maior participação e responsabilização por parte da
sociedade civil (KRAWCZYK, 2002). Como agentes financiadores destas reformas, os
organismos internacionais
1
cumpriram destacado papel, entrelaçando seu apoio financeiro e
técnico à implementação de uma gestão educacional voltada à lógica do capitalismo de
mercado (gestão gerencial), por trás da chamada superação do paradigma centralizador da
gestão em prol da modernização desta prática (CASTRO, 2008).
Cabe, neste contexto, a colocação feita por Lima (2002), de que o discurso da
modernização não nega a democratização, ao invés disso:
A democratização, a participação, a ideia de “projecto educativo” e de “comunidade
educativa”, são ideias que não desaparecem pura e simplesmente; pelo contrário,
ressurgem com maior intensidade e frequência, mas concentrando novos
significados (...). A compreensão deste elaborado processo de reconceptualização
torna-se consideravelmente mais difícil, como mais problemática se afigura a
tentativa de desocultação das gicas profundas que estão na sua base (LIMA, 2002,
p. 126).
Compartilhando desta visão, Dagnino (2004a) aponta para este cenário como um
período perverso de confluência entre o projeto neoliberal e o projeto democrático, visto que a
década de 1980 marcou o fim da ditadura militar tanto no Brasil, quanto na maioria dos países
na América Latina. A perversidade
2
é decorrente do fato de que ambos os projetos, embora
apontando para direções opostas, requerem uma “sociedade civil ativa e propositiva”:
A disputa política entre projetos políticos distintos assume então o caráter de uma
disputa de significados para referências aparentemente comuns: participação,
sociedade civil, cidadania, democracia. Nessa disputa, onde os deslizamentos
semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da
prática política se constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos
1
Conforme referendam Krawczyk e Vieira (2003), as reformas na America Latina e no Caribe iniciaram-se a
partir dos compromissos assumidos pelos governos nacionais e organismos internacionais na Conferência
Mundial sobe Educação para Todos, ocorrida em 1990, em Jomtien/Tailândia.
2
Por perversidade, Dagnino (2004a, p. 96) entende o “fenômeno cujas conseqüências contrariam sua aparência,
cujos efeitos não são imediatamente evidentes e se revelam distintos do que se poderia esperar”.
16
leva ao campo adversário. a perversidade e o dilema que ela coloca, instaurando
uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil
(DAGNINO, 2004a, p. 97).
Em nosso país, embora assegurado como um dos princípios do ensino público, na
Constituição Federal de 1988 (artigo 206, VII) e referendado na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Lei 9.394/96, a Gestão Democrática, no seu processo de materialização no
âmbito dos sistemas de ensino e unidade escolares, é perpassada pelos entraves dos diferentes
significados que disputam esta prática de gestão. Conforme descreve Bruno,
[...] a regulamentação deste artigo [gestão democrática] nos estados transformou-se
num campo aberto em que concepções não adversas mas até mesmo antagônicas
acerca do que seja gestão democrática se enfrentam, denunciando a ambigüidade do
termo e a multiplicidade de práticas sociais passíveis de nele se verem reconhecidas
(2002, p. 19).
A necessidade de compreender como vem se desenhando a gestão da educação, sob o
preceito desta conjugação de forças, tem motivado o desenvolvimento de diferentes pesquisas
(OLIVEIRA, 2000; ADRIÃO, 2006; ZANARDINI, 2006; AMARAL, 2006; MOUSQUER,
2003; PERONI, 2003) que buscam compreender este cenário em diversos contextos. Observa-
se que este paradoxo de forças se reflete nos contextos locais e tem se tornado pauta da luta de
educadores e movimentos sociais engajados com a construção da democracia, elucidando a
falta de sustentação social das políticas educacionais em curso (KRAWCZYK, 2000). Por se
tratar de um campo de significações, em que a linguagem é utilizada muitas vezes de forma a
camuflar os reais interesses em jogo, esta situação requer, também dos pesquisadores da área,
uma “vigilância epistemológica” permanente (SANTOS, 2007), no sentido de investigar os
processos que se instauram no âmbito da gestão educacional e escolar, apontando quais são os
fundamentos que os sustentam.
Desde o seu nascedouro, com os primeiros escritos teóricos datados da década de 1930,
o campo da administração escolar no Brasil esteve entrelaçado às concepções teóricas da
administração capitalista (DRABACH, 2009). Hoje, embora, haja uma movimentação de
ruptura com esta gica, a partir das lutas sociais da cada de 1980, percebe-se, pelas
pesquisas já realizadas neste campo, que muitas das estratégias de gestão, envoltas sob o
manto “democrático”, que visam à melhoria da qualidade do ensino encontram-se travestidos
pela lógica capitalista que tem como intuito aumentar a eficiência do Estado com redução dos
gastos sociais (DALE, 1994).
O presente estudo prioriza a análise desse processo de mudança na gestão da educação
no contexto da educação pública estadual do Rio Grande do Sul, apesar de este movimento
17
estar ocorrendo em diferentes graus em diversos contextos nacionais e internacionais. Embora
considerando a trajetória da Gestão democrática tendo como marco os anos 1980, enfoca-se o
momento em que toma a frente do governo do Estado gaúcho o Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) Governo Yeda Crusius/Gestão 2007-2010 o qual, por sua vez, nos
apresenta e põe em prática seu ideário educacional.
Tendo como ponto de partida o diagnóstico de que a educação gaúcha vem perdendo
posição em âmbito nacional, a partir das avaliações que compõem o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica IDEB, o governo, através da Secretaria Estadual de
Educação (SEE), elencou uma série de propostas de mudança para sua rede de ensino, as
quais compõem a agenda do “Programa Estruturante Boa Escola Para Todos”
3
, tendo sido
delineado e vem sendo apresentado para as escolas da rede estadual de ensino desde 2008
4
.
O referido Programa Estruturante compõe-se de cinco projetos: Centros de Referência
na Educação Profissional; Escola Legal - Manutenção e Ampliação de Espaços Escolares;
Professor Nota 10 - Valorização do Magistério; SAERS - Sistema de Avaliação Educacional
do Rio Grande do Sul; Sala de Aula Digital - Tecnologia da Informação nas Escolas
Estaduais.
Para fins deste estudo, o enfoque será dado ao Projeto “Professor Nota 10 - Valorização
do Magistério”, pois é o que congrega as principais propostas inseridas no campo da gestão da
educação. Dentre as ações que compõem este projeto está a proposta de uma nova legislação
para a gestão educacional. Esta nova legislação diz respeito à reformulação no Plano de
Carreira do Magistério público e a mudanças na atual legislação da gestão escolar, que tem
como objetivos, respectivamente: “Valorização profissional do magistério articulado com
melhoria dos resultados educacionais” (SEE, 2009a) e “articular a gestão com a melhoria dos
resultados educacionais” (SEE, 2009b).
Diante do cenário de perda de destaque da educação gaúcha
5
, frente ao contexto
nacional, um dos objetivos para se alcançar a melhoria da qualidade da educação traçados
pela SEE é “mudar o padrão da gestão educacional: de processos para resultados, com metas e
indicadores” (SEE, 2007). Como alicerce principal para o desenvolvimento deste projeto está
3
A apresentação e descrição do Programa encontra-se disponível no site: http://www.estruturantes.rs.gov.br/
4
Embora suas primeiras ações tenham sido desenvolvidas desde 2007 (como o SAERS), o Programa foi
apresentado em 24/11/2008 em encontro com os Diretores de Escola e representantes da SEE, em todas as
regiões do Estado.
5
Os dados referentes ao IDEB apontam que em 2005 o RS, em relação aos demais Estados do país, ocupava 6°
lugar nas séries Iniciais, lugar nas séries finais e lugar no ensino médio. em 2007, os dados do IDEB
revelam outra posição do RS, embora não tenha retrocedido nos números do índice: lugar nas séries Iniciais,
7º lugar nas séries finais e 7º lugar no ensino médio.
18
o Sistema de Avaliação do Ensino do Rio Grande do Sul (SAERS), que visa avaliar os
resultados alcançados a cada ano na rede estadual de ensino.
Ao lado desta proposta, a SEE, alinhada com as práticas de gestão do governo, vem
introduzindo projetos em parceria com entidades privadas de forma a impulsionar a melhoria
da qualidade do ensino público através de medidas de gestão. Entre os projetos que tem
interferência na gestão escolar encontram-se: O Programa Consultoria para Educação de
Qualidade SESI, firmado a partir do Termo de Cooperação N. 197/2008 SESI e Secretaria
da Educação – RS e o Projeto Jovem de Futuro, em parceria com o UNIBANCO. Tais
projetos partem de parcerias entre a esfera pública e privada e visam promover estratégias
para melhoria dos resultados escolares. Embora não se apresentem diretamente ligados ao
“Programa Estruturante Boa Escola para Todos”, estes projetos apresentam uma lógica
semelhante à proposta de “modernização da gestão educacional” inserida no referido
programa da SEE e contribuem para a melhor compreensão do que significa a referida
“modernização” no campo educacional.
Neste sentido, pode-se dizer que a gestão encontra-se no centro dos processos de
mudança propostos pelo governo com vistas a melhorar a qualidade do ensino público, o que
nos obriga a refletir sobre a natureza destas mudanças no âmbito da gestão, uma vez que este
campo tem sido terreno fértil para a implantação de critérios e mecanismos alheios à natureza
educativa, tendo como corolário as necessidades do capitalismo.
Tendo em vista este cenário e o histórico de tensão entre as diferentes construções de
sentido que se aplicam à gestão democrática, desde sua instituição no ensino público, cabe-se
indagar: que configuração assume a gestão do ensino público estadual no Estado do Rio
Grande do Sul a partir das medidas de “modernização da gestão educacional” que inclui as
parcerias público-privadas e as mudanças na legislação educacional? E quais os desafios
impostos pela modernização da gestão educacional ao processo de gestão democrática do
ensino público estadual do Rio Grande do Sul?
Considerando que este modelo de gestão, oriundo da proposta de governo, visa
constituir-se em uma política educacional e que, portanto, terá influência direta no processo
educativo de milhares de crianças, jovens e adultos gaúchos, torna-se imprescindível
identificar os elementos que a compõem e o campo ideário onde são gestados, analisando-os
de modo a contribuir na compreensão deste cenário, ao construir resultados baseados em
dados concretos que poderão servir como subsídio para integrar o debate público sobre este
momento da educação no Rio Grande do Sul.
19
Tendo em mente os desafios de pesquisa que decorrem desta problemática central, as
ações da pesquisa se desdobram no seguinte objetivo geral: analisar a proposta de
modernização da gestão da educação através do projeto Professor Nota 10 inserido no
Programa Estruturante Boa Escola Para Todos do governo do Estado do Rio Grande do Sul
(gestão estadual 2007-2010) e das parcerias público-privadas voltadas à melhoria da gestão
escolar, buscando evidenciar suas implicações para a gestão democrática do ensino público
estadual; e objetivos específicos: analisar o processo histórico de construção do princípio da
gestão democrática do ensino público na legislação educacional vigente e os diferentes
significados que disputam este campo; compreender os desafios impostos à democracia e, em
especial ao campo da gestão democrática, a partir da sua ressignificação no âmbito do projeto
neoliberal e da Gestão Gerencial; identificar os fundamentos que sustentam as propostas de
mudança na gestão educacional e escolar preconizadas pelo Projeto Professor Nota 10
inserido no “Programa Estruturante Boa Escola para Todos do governo do Estado do Rio
Grande do Sul” (Gestão Estadual 2007-2010) e pelas parcerias público-privadas voltadas à
melhoria da gestão escolar e as implicações para a gestão democrática.
Tendo em vista a problemática da pesquisa e os objetivos que dela decorrem, a
investigação centra-se na análise da proposta de gestão educacional e escolar com vistas a
compreender os fundamentos que a sustentam e o que representa para o conjunto das
mudanças na gestão por que vem passando o campo educacional no Estado do RS. Ao mesmo
tempo, sinaliza para possibilidade de compreensão da lógica de construção da política
educacional vigente no Estado, em meio à análise das movimentações da sociedade civil, do
governo e de elementos interpostos nesta disputa.
Para atender as proposições elencadas nesta pesquisa, a metodologia utilizada baseou-
se na abordagem qualitativa. Diante desta opção, julga-se necessário, inicialmente, explicitar o
entendimento sobre esta abordagem e sua justificativa no estudo do objeto em questão.
A Ciência Moderna surge em oposição aos saberes e explicações dogmáticas que
dominavam a Idade Média, desenvolvendo-se no campo das Ciências Naturais. O
conhecimento verdadeiro para este paradigma é aquele advindo do uso da razão, através do
desenvolvimento de um método capaz de extrair a verdade das coisas, através da formulação
de leis universais. As Ciências Sociais, surgidas posteriormente, também foram pensadas a
partir deste modelo racional, pois se entendia que “tal como foi possível descobrir as leis da
natureza, seria igualmente possível descobrir as leis da sociedade” (SANTOS, 1987, p.18). No
entanto, este método não foi capaz de sustentar-se no campo das ciências sociais, uma vez que
não é possível cercar e quantificar os fenômenos sociais.
20
Neste sentido, a pesquisa qualitativa surge em resposta à necessidade de elaboração de
um método diferenciado para a pesquisa e análise de fenômenos da sociedade. Pode ser
entendida como uma forma de investigação social que procura ir além dos elementos
objetivos da realidade concreta. Assim, o propósito deste tipo de pesquisa deixa de ser o de
descrever e comprovar fatos reais, como na abordagem quantitativa, apresentando-se como
caminho para “construção de textos que dizem respeito a fatos socialmente construídos e que
mantêm a consciência da distância que separa a interpretação da ‘realidade’” (MELUCCI,
2005, p. 34).
Tendo em vista o objeto de pesquisa em questão, a investigação exigiu o estudo das
dinâmicas e dos diferentes significados e interesses que disputam a prática de gestão
democrática, entendida como uma prática social, tendo como foco as atuais proposições para
este campo no âmbito da educação blica estadual do RS. Neste sentido, a tarefa
investigativa leva em consideração o cenário maior em que se insere a educação e
principalmente as tensões que se instalam entre uma proposta democrática e as demandas para
a educação e para a sociedade neste momento histórico do capitalismo. Nesta ótica,
compreender a configuração da atual proposta de mudança na gestão da educação estadual do
RS pressupõe interpretar que referenciais sustentam as estratégias e instrumentos de gestão
que visam se inserir neste campo, uma vez que estes não são meras técnicas “sem alma”, ou
melhor, com “almas neutras”.
A partir destes pressupostos, o procedimento teórico-metodológico desta pesquisa se
constituiu em dois momentos interligados, mas distintos na sua forma de operacionalização.
No primeiro momento, em congruência aos dois primeiros objetivos, o procedimento se
baseou em uma investigação de base histórica e teórica que cumpre a intenção de identificar a
construção e as tensões que atingem o campo da gestão democrática e, a partir daí, aprofundar
a compreensão teórica dos conceitos que lhe são subjacentes, na tentativa de explicitar os
elementos que atuam na configuração deste campo. Neste caso, intencionou-se compreender
os novos significados produzidos em torno da democracia e da gestão democrática, neste
momento particular da história em que o sistema capitalista também se utiliza de propostas
“democráticas” e “participativas” para potencializar seus interesses. Ainda em consonância
com o primeiro momento, apresenta-se uma análise da trajetória de constituição da gestão
democrática no ensino público estadual do RS, envolvendo a legislação pertinente, como
fonte primária, e resultados de pesquisas já realizadas na área (MOUSQUER, 2003; CAMINI,
2005; AMARAL, 2006), tendo como propósito identificar os momentos de tensão entre as
distintas propostas e os significados de gestão que as atravessam, analisando os conflitos e/ou
21
contradições entre as propostas que emergem da sociedade civil e o que de fato é normatizado
a partir das instâncias governamentais.
O segundo momento da pesquisa configura-se em uma investigação de caráter
empírico, do tipo documental, com vistas a compreender o atual momento de proposições
para o campo da gestão da educação estadual do RS, através da explicitação dos fundamentos
que sustentam a proposta de gestão do Projeto “Professor Nota 10”, inserido no “Programa
Estruturante Boa Escola para Todos”, proposto pela Secretaria Estadual de Educação (Gestão
PSDB 2007-2010). Além disso, analisam-se os projetos que vem se desenvolvendo no
âmbito da gestão de escolas públicas estaduais a partir das parcerias estabelecidas pela SEE
com a iniciativa privada, são eles: Programa Jovem de Futuro, em parceira com o Instituto
Unibanco e Programa Consultoria para Educação de Qualidade, em parceira com o SESI-RS.
Esta análise documental visa identificar as implicações desta proposta e parcerias público-
privadas para a gestão democrática do ensino público estadual.
A pesquisa documental, segundo Gil (1999), apresenta a vantagem de que sua base de
investigação, os documentos, se constitui em fonte rica e estável de dados, além de sua
diversidade. Como documentos podem ser entendidos diferentes espécies de registros, que
podem ser divididos de acordo com duas categorias: aqueles que não receberam nenhum
tratamento analítico, como: cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos,
regulamentos, ofícios, boletins, jornais, folhetos, arquivos de instituições públicas ou
privadas, como sindicatos, igrejas, partidos políticos, entre outros. Outra categoria de
documentos, segundo Gil, seriam aqueles que de alguma forma foram analisados, como:
relatórios de pesquisa, relatórios em geral, tabelas estatísticas, etc.
Neste estudo, os documentos analisados abrangem os materiais produzidos pela SEE
sobre o Programa Estruturante Boa Escola Para Todos, especialmente aqueles que abarcam as
propostas para a gestão da educação. Constituem-se em sua maior parte de materiais
utilizados pelos membros da SEE para a apresentação do Programa em encontros com escolas
e debates com parcelas da sociedade civil (Fórum Temático da Educação da Agenda 2020
6
, o
Evento na Mesa promovido pela Federasul
7
). São utilizadas para a análise também uma
gravação transcrita de pronunciamento público da Secretária de Educação, registrada pela
pesquisadora e vídeos produzidos pela SEE que dizem respeito ao objeto de estudo. Além
6
A Agenda 2020 apresenta como definição em seu site (http://www.agenda2020.org.br): “Um movimento que
une os gaúchos para agir em busca de um futuro melhor. A Agenda 2020 organiza propostas concretas de
interesse da sociedade riograndense”. No entanto, como iremos constatar ao longo da pesquisa, a Agenda 2020
constitui-se em uma proposição de governo, Estado e sociedade oriunda dos interesses dos empresários gaúchos.
7
Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul, sediada em Porto Alegre – RS.
22
disso, foram realizadas visitas em escolas, com vistas a coletar materiais de interesse para a
pesquisa, tendo nos documentos enviados pela SEE um dos principais focos. Outra fonte de
documentos sobre o tema são os materiais (Jornal Sineta, panfletos, etc) produzidos pelo
CPERS/Sindicato sobre as propostas da SEE e as informações sobre a temática veiculada
através de jornais impressos (Correio do Povo e Zero Hora).
Diante deste corpus
8
de pesquisa, conduziu-se a análise a partir da metodologia de
Análise de Conteúdo, através das obras de Bardin (1977) e Franco (2008).
Segundo Franco (2008, p. 19), o ponto de partida da Análise de Conteúdo é a
mensagem, podendo ser ela verbal, gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente
provocada. Considerando que esta mensagem não está isolada, a autora ressalta que se torna
necessário entendê-la a partir das condições contextuais de seus produtores. Neste sentido,
pode-se afirmar que este tipo de análise não isola as informações de seu contexto, permitindo
buscar a compreensão do objeto de estudo de forma contextualizada, tendo como base as
condições políticas, econômicas e sociais em que se insere.
Em consonância a isso, Bardin define a análise de conteúdo como
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens
(1977, p. 42).
Como procedimentos para a análise de conteúdo Bardin (1977) situa três etapas: a
“pré-análise”, que consiste na primeira fase da preparação e organização do material de
análise, podendo ser entendida como uma fase de “intuições”, que resguarda o objetivo de
sistematização das idéias iniciais; a segunda etapa, “exploração do material”, continuidade
à etapa anterior, agora aprofundando a exploração do material, tornando-se possível o
levantamento de categorias, através de “operações de codificação, desconto ou enumeração,
em função de regras previamente formuladas” (BARDIN, 1977, p. 101); por fim, a terceira
etapa, denominada de “tratamento dos resultados obtidos e interpretação”, constitui-se no
momento de “tratar” os resultados, interpretando-os de acordo com os objetivos e base teórica
que norteia a pesquisa. Segundo Bardin (1977, p. 101), é o momento em que o pesquisador
“tendo em vista à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor
8
Corpus é entendido como “uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com
(inevitável) arbitrariedade, e com ele irá trabalhar” (Barthes, 1967, p. 96 apud BAUER; AARTS, 2002, p. 44).
23
inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que digam
respeito a outras descobertas inesperadas”.
A partir do desenvolvimento destes dois momentos da pesquisa, o presente texto se
divide em três capítulos, além desta parte introdutória e das considerações finais. No primeiro
Capítulo, busca-se compreender as bases teóricas do campo da administração escolar e o
processo de construção da Gestão Democrática enquanto princípio da legislação educacional.
O seu conteúdo sinaliza para as condições históricas, políticas, econômicas e sociais em que
se deu o processo de construção deste princípio constitucional, apontando para os
movimentos da sociedade civil, as tensões e contradições desta construção. Evidencia também
os desafios impostos a este projeto frente à tradição patrimonialista do Estado Brasileiro e ao
projeto neoliberal que se instala na sociedade brasileira a partir da década de 1990, quando
novos significados disputam este campo.
O segundo Capítulo continuidade à discussão, situando o processo de mudanças
político-econômicas no país, na década de 1990, e suas implicações para a redemocratização
da sociedade brasileira e a gestão democrática do ensino público. Para essa discussão, parte-se
das mudanças operadas no mundo do trabalho e no papel do Estado a partir da crise capitalista
da década de 1970, situando a reestruturação produtiva, o neoliberalismo e a terceira via como
estratégias de subsistência do capitalismo. Evidenciam-se como principais dilemas para a
democracia e a gestão democrática a ressignificação de seus mecanismos no âmbito do
projeto neoliberal e do padrão de gestão gerencial advindo das mudanças no mundo do
trabalho e no papel do Estado.
Essa discussão prepara o terreno para compreensão dos avanços e limites da
construção democrática no âmbito da gestão do ensino público estadual do RS. Após uma
retomada do histórico da gestão democrática na rede estadual de ensino do RS, o terceiro
capítulo apresenta os resultados da Análise de Conteúdo acerca dos materiais coletados sobre
a proposta de “modernização da gestão educacional” em vigor no atual governo estadual do
RS. A análise corresponde às ações voltadas à gestão escolar inseridas no Projeto “Professor
Nota 10 Valorização do Magistério” e dos projetos em parceria com entidades privadas:
Projeto Jovem de Futuro, em parceria com o Unibanco e Consultoria para Educação de
Qualidade, em parceria com o SESI-RS, tendo como objetivo norteador evidenciar as
implicações destes projetos para a Gestão Democrática do Ensino Público, assegurada em Lei.
A fim de situar o contexto destes projetos em análise, o capítulo situa o modelo de gestão do
governo identificando seus interlocutores e os fundamentos das ações da SEE, evidenciando o
24
processo de correlação de forças com as entidades opositivas à política educacional da SEE,
em especial o CPERS.
A pertinência da investigação sobre esta temática justifica-se frente à necessidade de
acompanhar os processos de mudanças na gestão democrática do ensino público do RS, com
vistas a identificar sua trajetória desde que se constituiu como princípio constitucional
referendado em Lei Federal (LDB/96) e Estadual da educação (Lei 10.576/95). Ao mesmo
tempo, ao possibilitar o registro de tais mudanças, a par das demais pesquisas já realizadas
(MOUSQUER, 2003; CAMINI, 2005; AMARAL, 2006), pode contribuir para a composição
de um histórico sobre a Gestão Democrática do Ensino Público Estadual do Rio Grande do
Sul.
25
C
APÍTULO
I
A
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Diante dos objetivos da pesquisa, este Capítulo busca analisar o processo histórico de
construção do princípio da gestão democrática do ensino público na legislação educacional
vigente e os diferentes significados que disputam este campo. Para atender de forma mais
clara o objetivo proposto, este capítulo divide-se em duas seções.
Na primeira seção, a análise parte de uma retrospectiva histórica que delineia o
processo de constituição do campo da administração escolar, espaço em que se inserem as
condições para a gênese teórica da gestão democrática. Essa investida apóia-se na idéia de
que, conforme expressa Konder (2002, p. 18), “enquanto não enxergarmos a dimensão
histórica de um ser, de um objeto, de um fenômeno, de um acontecimento, não podemos
aprofundar, de fato, a compreensão que temos dele”. Neste sentido, seu conteúdo constitui-se
de uma revisão histórico-bibliográfica, com vistas a compreender os elementos contextuais
que favoreceram o surgimento do campo teórico da administração escolar, como também as
principais idéias teorizadas sobre esta temática, a partir das primeiras obras e escritos
publicados no país, tendo nos anos de 1930 um marco inicial desta trajetória.
Tendo em vista que “a reconstrução de um caminho implica um processo de
desconstrução que não apaga as marcas, ocultas ou manifestas, das construções anteriores”
(SANDER, 1995, p. 13), a segunda seção discute a construção do princípio de gestão
democrática na legislação educacional brasileira, a par da trajetória da democracia e das
características do Estado Brasileiro. Para atingir este propósito, primeiramente, é necessário
compreender as bases teóricas do projeto de Gestão Democrática que se inicia com o processo
de redemocratização do país, tendo nos intelectuais da área o registro e reflexão sobre esta
proposta. Esta compreensão torna-se indispensável para evidenciarmos de que forma os
acontecimentos políticos e econômicos da década de 1990 ressignificam este projeto, ou seja,
quais os princípios e fundamentos da gestão educacional e escolar assumem novos
26
significados, resultando em um desencontro entre o que a sociedade civil reivindicava na
década de 1980 e o que de fato se materializou na política educacional, nos anos de 1990.
A trajetória histórica ensejada neste capítulo cumpre acima de tudo o objetivo de
evidenciar o processo de construção dos preceitos legais que orientam as políticas públicas no
campo educacional. Este percurso permite observar que a construção da legislação
educacional não se restringe a formalismos e aparatos normativos, mas é, sobretudo em uma
sociedade de classes, resultado de uma luta histórica regada por interesses e práticas
contraditórias.
1.1 Constituição Histórica do Campo da Administração Escolar no Brasil: as bases
teóricas iniciais
Embora tão em voga atualmente em virtude das inúmeras reformas educacionais, o
campo da administração escolar nem sempre foi alvo de atenção na produção acadêmica dos
intelectuais na História da Educação Brasileira. Em uma trajetória educacional de mais de 500
anos, a administração escolar estrutura-se como campo de estudos acadêmicos menos de
um século. Os primeiros escritos teóricos no Brasil reportam-se à década de 1930.
Isto não significa dizer que a prática administrativa era inexistente na educação
brasileira até então. No entanto, a ausência de um sistema de ensino para a população, fruto
do descaso dos governantes daquele período, não favoreceu o desenvolvimento de um corpo
teórico em relação à administração educacional. As publicações que existiam até a Primeira
República consistiam em “memórias, relatórios e descrições de caráter subjetivo, normativo,
assistemático e legalista
9
” (SANDER, 2007a, p. 21).
É na década de 1930 que a trajetória da administração da educação toma um novo
rumo, pois “começamos a escrever um novo capítulo no campo da administração da
educação” (SANDER, 2007b, p. 425). Neste momento, o contexto educacional acadêmico
encontrava-se imerso nos ideais progressistas de educação, em contraposição à educação
tradicional, a qual não mais favorecia os ideais de desenvolvimento do país naquele período,
que se voltava para o avanço da industrialização. Tal cenário educacional, constituiu-se em
9
Segundo Sander (2007a), a administração escolar, do período colonial até o início do século XX, era baseada
no enfoque jurídico de caráter normativo e dedutivo, vinculado à tradição do direito romano que fora
transplantado ao Brasil pela influência de sua colonização. Exerceu influência também a filosofia escolástica,
veiculada através da prática educacional jesuítica, e a filosofia positivista, que se refletiu na adoção dos
currículos enciclopédicos e nas práticas prescritivas e normativas de administração escolar (preocupação com a
“ordem e o progresso”).
27
virtude da influência do movimento pedagógico da Nova Escola
10
, especialmente, da corrente
norte-americana protagonizada por John Dewey.
Estes novos ideais de educação foram frutos de um conjunto de mudanças ocorridas
no final do século XIX e início do século XX, nos campos econômico, político, cultural e
científico, momento em que se engendram as bases do capitalismo industrial na Europa e aos
poucos se alastram a outros continentes. Decorrentes desta reorganização da sociedade
constituem-se novas dinâmicas sociais, resultando em diferentes exigências ao processo
educacional. Os avanços científicos no campo da Psicologia, da Medicina e da Psiquiatria,
impulsionados pelas demandas deste período, ofereceram as bases para o desenvolvimento de
uma racionalidade pedagógica capaz de combinar necessidades individuais e sociais, visando
a um retorno mais efetivo para a sociedade capitalista (VEIGA, 2007). A necessidade de mão-
de-obra para as indústrias demandava um trabalhador que atendesse às exigências de
velocidade e de eficiência dos resultados, necessidades do modelo produtivo
fordista/taylorista. A escolarização, neste período, generaliza-se, passando a se constituir em
processo decisivo tanto no âmbito do progresso individual, quanto social.
Diante deste contexto internacional, o discurso dos principais intelectuais brasileiros,
defensores da Escola Nova, pautava-se na necessidade de maior cientificização do campo
educacional acompanhado da ampliação na oferta educacional. Aliada a isso, havia também
uma pressão social em torno do atendimento escolar, alimentada pelo desejo de erradicação
do analfabetismo, seja pela visão de que “extirpar esta ‘vergonha nacional’ colocaria o país
pari passu com o mundo desenvolvido, seja porque aumentaria o número de votantes, seja
porque alguns grupos populares haviam compreendido a alfabetização como instrumento
político” (GIORGI, 1992, p.56).
Criou-se com isso uma áurea de otimismo em torno da educação, colocando-a como
redentora da sociedade. Conforme descreve Cury,
O período, mais conturbado pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista,
acelerador do desenvolvimento urbano-industrial, cria um clima de ansiedade pelo
bem-estar social e prosperidade nacional. E uma educação “prática”
(evidentemente própria da força de trabalho) voltada para tais objetivos seria capaz
10
Movimento pedagógico que se desenvolveu impulsionado pelo avanço da ciência e das necessidades sociais
engendradas com o surgimento do capitalismo industrial. A principal inovação que esta teoria trouxe para o
campo educacional foi deslocar o centro do processo pedagógico do professor para o aluno. Por outro lado,
muitas críticas realizadas a esta tendência pedagógica, como a produção de um processo de psicologização da
criança, vendo-a, muitas vezes, descolada de sua realidade social, aumentando assim as desigualdades sociais,
uma vez que diferentes condições sociais não são consideradas no processo educativo; promoveu/promove
adaptação da educação às demandas do sistema capitalista, sem questionar a organização da sociedade de sua
época; sua dificuldade de realização nas escolas públicas, umas vez que demanda um custo superior ao ensino
tradicional, entre outras.
28
de superar o “atraso e ignorância”. Ao “entusiasmo pela educação” se sucede agora
um “otimismo pedagógico”. Tal otimismo se expressou na proposta de reforma das
escolas existentes. A disseminação escolar não basta e nem é adequada sem os
princípios escola-novistas. A escola seria mais eficiente, seu espírito científico
qualificaria o ensino, a psicologização do processo educacional capacitaria o aluno
segundo suas virtualidades, a administração escolar racionalizaria o processo
educacional. Enfim começa a se fazer presente no Brasil a idéia da Reconstrução
social pela Reconstrução educacional (1978, p. 19).
Data deste período, o Manifesto dos Pioneiros da Educação que, tendo como eixo
principal a defesa dos princípios escolanovistas para a educação, mencionava, dentre outras
questões, a falta de “espírito filosófico e científico na resolução dos problemas da
administração escolar” como principal responsável pela “desorganização do aparelho escolar”
(MANIFESTO, 1932). Este reconhecimento reflete o momento histórico em que se
fomentavam as bases para o surgimento dos primeiros escritos sobre a temática da
Administração Escolar, sendo a maioria destes encarregados pelos próprios educadores
participantes do Manifesto.
Aliado a isso, neste momento tomam grandes proporções as teorias da Abordagem
Clássica da Administração
11
em virtude das necessidades do sistema de produção capitalista
em ascensão, a qual servirá de arcabouço teórico para se pensar a administração em âmbito
escolar. Esta abordagem é composta por duas correntes que se desenvolveram no início do
século XX, embora em contextos distintos: nos Estados Unidos a Escola de Administração
Científica, tendo como principais expoentes Frederick Winslow Taylor (1856-1915) e Henry
Ford (1863-1947); na França desenvolveu-se a Teoria Clássica, a partir dos trabalhos de Henri
Fayol (1841-1825). A primeira corrente desenvolveu uma teoria administrativa com ênfase
nas tarefas, enquanto a segunda a ênfase estava na estrutura (CHIAVENATO, 1983).
O ímpeto por cientificizar o campo educacional e as preocupações em torno da
administração neste espaço conduzem alguns educadores a adequar os princípios da
administração geral
12
aos objetivos da educação, a exemplo do que vinha ocorrendo com a
administração pública em geral.
11
A abordagem Clássica da Administração é composta por duas correntes que se desenvolveram no início do
século XX, embora em contextos distintos: nos Estados Unidos a Escola de Administração Científica, tendo
como principais expoentes Frederick Winslow Taylor (1856-1915) e Henry Ford (1863-1947); na França
desenvolveu-se a Teoria Clássica, a partir dos trabalhos de Henri Fayol (1841-1825). A primeira corrente
desenvolveu uma teoria administrativa com ênfase nas tarefas, enquanto a segunda a ênfase estava na estrutura
(CHIAVENATO, 1983).
12
O termo administração geral é utilizado para referir-se à Abordagem Clássica da Administração, em virtude de
que o primeiro termo é mais recorrente na literatura em geral.
29
É importante ressaltar que os pressupostos da administração empresarial, conduziram
também a administração pública estatal. O que enseja a interligação entre administração
estatal e a administração de suas instituições sociais, entre elas as educacionais.
Dentre as condições que favoreceram os escritos sobre a temática da administração
educacional, destacam-se a criação da Cadeira de Administração Escolar na Universidade de
São Paulo (USP)
13
e no Instituto de Educação do Rio de Janeiro
14
. Na USP, Roldão Lopes
Barros foi o primeiro professor da referida disciplina, sendo o introdutor das idéias de Henry
Fayol nos estudos de Administração Escolar. Embora não tenha produzido nenhum escrito
sobre o tema, foi orientador do trabalho de José Querino Ribeiro: Fayolismo na
Administração das escolas Públicas (1938). Tempos depois, Querino Ribeiro elabora outra
obra, Ensaio sobre uma teoria de Administração Escolar (1953), resultante da tese defendida
ao ingressar como professor na Cátedra de Administração Escolar e Educação Comparada, na
Universidade de São Paulo. Outro escrito que surge desta mesma trajetória é o livro de
Antônio Carneiro Leão, Introdução à Administração Escolar (1939), resultado de seus
estudos e atuação como professor na Cadeira de Administração Escolar na Universidade do
Distrito Federal e, posteriormente, na Universidade do Brasil.
Além disso, algumas produções foram decorrentes da atuação de intelectuais
escolanovistas em reformas empreendidas no campo educacional neste período, como no caso
da obra de Anísio Teixeira, Educação para a Democracia: introdução à administração
escolar (1936), que se constitui em grande parte do relatório de sua atuação na Secretaria de
Educação e Cultura do Distrito Federal, no período de 1931 a 1935. A obra de Lourenço
Filho, Organização e Administração Escolar: curso básico, publicada em 1963, também
resultou desta trajetória. Leonor Maria Tanuri expressa, no prefácio da edição desta obra,
que “certamente a longa experiência de Lourenço Filho em cargos administrativos, (...), seria
sistematizada e consolidada para a construção das bases teóricas da Organização e
Administração Escolar” (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 10).
Estes autores, acima referenciados, são considerados pioneiros
15
nos escritos teóricos
sobre a temática da administração escolar no Brasil. Seus escritos são avaliados como os
13
Na USP esta disciplina era denominada Administração e Legislação Escolar, fazendo parte do Currículo do
curso de formação de Diretores e Inspetores Escolares do Ensino Primário, também recém criado.
14
Disciplina incluída no currículo do Curso Pedagógico.
15
Ressalta-se que o termo pioneiro é utilizado aqui no sentido de primeiros, precursores na teorização sobre
administração escolar. Embora muitos dos autores tenham sido pioneiros da Educação Nova não é esta a
conotação enfocada. Outra ressalva que se faz em relação ao termo pioneiro é de que os autores em questão são
considerados pioneiros em relação aos escritos teóricos sobre administração escolar e não em relação aos
escritos em geral, uma vez que vários escritos foram produzidos sobre a administração/organização escolar,
como no caso da educação jesuítica.
30
primeiros traços conceituais acerca da administração escolar, favorecendo as bases iniciais
para a consolidação deste campo de estudos no meio educacional brasileiro. Nas palavras de
Sander,
Foi com as aulas e os escritos destes pioneiros, destes mestres de gerações de
educadores brasileiros que aprendemos as primeiras lições de administração escolar
e fizemos nossos primeiros exercícios de pesquisa educacional nos bancos dos
Institutos de Educação, Escolas Normais e Faculdades de Filosofia, Ciências e
Letras (2007b, p. 425).
A preocupação destes autores em relação à administração escolar, parte do consenso
de que o momento por que passa a educação, a partir da expansão de sua oferta no início do
século (século XX), exige uma nova forma de organização, que possibilite o avanço do
processo educacional sem perder com isso a sua unidade e objetivos. Nas palavras de Leão:
Nenhum problema escolar sobrepuja em importância o problema de administração.
O recente desenvolvimento dos sistemas nacionais de educação e a complexidade
crescente dos serviços requeridos na organização e no funcionamento de uma escola
moderna estão exigindo a formação de técnicos de administração realmente capazes
(LEÃO, 1945, p. 09).
Esta situação gerou a necessidade de conceber um tipo de administração modernizada,
oposta à organização empírica e espontânea, o que conduziu o campo educacional “a inspirar-
se na organização inteligente das companhias, das empresas, das associações industriais ou
comerciais bem aparelhadas” (LEÃO, 1945, p. 154). Neste sentido, o autor situa a
administração escolar no âmbito da administração geral, tomando como base as idéias de
Henry Fayol
16
, e defende que esta prática deve compreender:
a) Operações técnicas (distribuição, produção, transformação);
b) Operações financeiras (rendimento do trabalho efetuado);
c) Operações de segurança (proteção dos bens e das pessoas);
d) Operações de contabilidade (inventários, balanços, estatísticas...);
e) Operações administrativas pròpriamente ditas (previdência, organização,
comando, coordenação, colaboração, verificação) (LEÃO, 1945, p. 11).
O responsável por comandar estas operações, segundo determinada política
educacional, é, assim como nas fábricas, o Diretor (o chefe), contando com o auxílio de
“peritos especializados” (os inspetores) e professores “cuja função é preparar o ambiente e os
meios dentro dos quais e pelos quais a educação se processa” (LEÃO, 1945, p. 227). Dessa
16
Foi um Engenheiro de Minas, francês, que contribuiu para a origem da Teoria Clássica da Administração,
tendo como base a empresa capitalista, no século XIX. Sua maior contribuição foi a de identificar as funções
básicas da Administração: Prever, Organizar, Comandar, coordenar e Controlar, às quais atribuiu certa
universalidade (CHIAVENATO, 1983).
31
forma, segundo Leão, “A administração não é nem um privilégio exclusivo nem uma
sobrecarga pessoal do chefe ou dos dirigentes; é uma função repartida, como as demais
funções especiais, entre a cabeça e os membros do corpo social” (p. 10). Ou seja, a “cabeça”,
no singular, refere-se ao Diretor, responsável por pensar a política educacional, no sentido de
diretrizes, linhas gerais, e os membros, àqueles a quem compete colocar em prática tal política
educacional.
Ribeiro (1986), por sua vez, argumenta que em decorrência do “progresso social
geral
17
”, a escola ganha cada vez mais importância “na constelação das instituições sociais:
suas atividades específicas começam a ser sobrecarregadas pela multiplicação, variação e
extensão das coisas que deve ensinar e fazer aprender” (RIBEIRO, 1986, p. 27). Ao lado
disso, a estatização do ensino submete a escola à lógica do financiamento público, o que
implica a este organismo a responsabilidade de apresentar resultados adequados ao máximo,
frente o investimento.
[...] a Administração escolar vai funcionar como um instrumento executivo,
unificador e de integração do processo de escolarização, cuja extensão, variação e
complexidade ameaçam a perda do sentido da unidade que deve caracterizá-lo e
garantir-lhe o bom êxito (RIBEIRO, 1986, p. 30).
Diante desta necessidade, Ribeiro defende que a administração escolar deve ter como
um dos seus fundamentos
18
os estudos da administração geral. A exemplo do que ocorrera
com o Estado e as empresas privadas na solução de suas dificuldades decorrentes do
progresso social a adoção dos princípios da administração geral “a escola não precisou
mais do que inspirar-se neles para resolver as suas (...) teve apenas de adaptá-los a sua
realidade (RIBEIRO, 1986, p. 60).
Coerente a isso, o autor adentra na teoria da Administração Científica, a partir de
Taylor e na Teoria Clássica, a partir de Fayol, para buscar subsídios à teoria da Administração
Escolar. Embora criticando a excessiva e desumanizadora
19
divisão do trabalho da teoria de
Taylor e a exagerada ênfase à unidade de comando, na teoria de Fayol, Querino Ribeiro
afirma que isto não tira o mérito das tais elaborações teóricas, o que o conduz a defender que:
17
Ribeiro explicita qual a conotação atribuída a progresso: “tomamo-lo aqui no sentido de resultado da
multiplicação das necessidades e exigências sociais conseqüentes do aumento quantitativo e qualitativo dos
contatos entre os grupos humanos, por meio das inúmeras cnicas modernas de comunicação, que
intensificaram as dinâmicas das sociedades” (1986, p. 23).
18
Além dos estudos da administração geral, Ribeiro defende que a administração escolar deve ter como
fundamento a filosofia e a política da escola, como também os objetivos da educação Moderna (baseados nos
princípios da Escola Nova).
19
Ribeiro argumenta em relação a este ponto, afirmando que “Taylor não dispunha em sua época de
conhecimento e experiências que lhe permitissem distinguir entre as inconveniências psicossociais resultantes da
superespecialização” (1986, p. 62).
32
a) A Administração Escolar é uma das aplicações da Administração Geral; ambas
tem aspectos, tipos, processos, meios e objetivos semelhantes. b) a Administração
Escolar deve levar em consideração os estudos que se fazem nos outros campos da
Administração e, por sua vez, pode oferecer contribuições próprias utilizáveis pelos
demais (RIBEIRO, 1986, p. 95).
Este paralelo entre aspectos, tipos, processos, meios e objetivos da Administração
Geral e Administração Escolar, rende as principais críticas em relação ao trabalho de Ribeiro.
Paro (2007) afirma que reside um paradoxo na obra de Ribeiro: ao mesmo tempo em que
afirma que a administração escolar tem como finalidade a mediação para a realização de
objetivos educacionais, sendo que o processo educativo tem como fim último a formação de
sujeitos autônomos, como pode atender a objetivos semelhantes ao da administração geral
20
,
que visa em última instância à produção, subsumindo a condição de sujeito dos envolvidos?
A exemplo de Leão (1945) e Ribeiro (1986), Lourenço Filho (2007) identifica a
necessidade de mudanças na administração escolar frente ao aumento da demanda à
escolarização fruto da industrialização do país, que passa a adotar como critério a instrução na
seleção de trabalhadores, além das mudanças sociais e culturais que se processaram diante da
expansão do sistema capitalista:
Logo, porém, mais severo juízo em relação à qualidade do ensino, ou de sua maior
correspondência com as necessidades reais do trabalho, vem a existir. Isso passa a
ter influência no trabalho direto dos mestres, o qual, para que melhor se ordene, vem
a exigir novos moldes de estruturação e gestão dos serviços escolares. (...) Os
princípios de estruturação e normas de funcionamento terão de inspirar-se em novas
idéias, com revisão de muitas das até agora seguidas (LOURENÇO FILHO, 2007, p.
20-29).
Lourenço contribui para a discussão em torno da administração escolar, ao agregar
às “teorias clássicas” as “novas teorias” sobre o processo administrativo, as que defendem um
diferente papel aos sujeitos participantes do processo. Nas teorias clássicas, “os participantes
dos empreendimentos são essencialmente considerados como peças de um complexo processo
formal” (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 50), enquanto nas teorias denominadas Novas “esse
modo de ver passa a ser discutido em face das influências que a própria vida dos
empreendimentos exerça sobre as pessoas neles congregadas” (LOURENÇO FILHO, 2007,
p.50).
Os estudos de Henry Fayol e Frederic Taylor constituem-se nas elaborações teóricas
denominadas clássicas. Em tais teorias, segundo Lourenço, “o pressuposto fundamental é o
20
Esta afirmação do autor decorre do fato de que a administração geral foi pensada pela empresa capitalista. Em
suas palavras: “A empresa que sempre trabalhou, que sempre subsidiou, que sempre esteve interessada em
desenvolver princípios específicos ou gerais de administração é a empresa capitalista” (PARO, 2007, p. 565).
33
poder motivador que uma estrutura formal por si mesma imponha a uma organização de fato
(LOURENÇO FILHO, 2007, p. 54). Esta estrutura corresponde, no caso da teoria de Taylor, à
divisão de tarefas (especialização), e à coordenação e fiscalização (departamentalização), nas
idéias de Fayol. Neste sentido, explícita ou implicitamente, essas teorias reconhecem que
certas formas de “especialização e coordenação, racionalmente reguladas, acabam por
oferecer um sistema de estímulos suficientes e satisfatórios para que um empreendimento
qualquer se articule e preencha seus objetivos” (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 54). Desta
forma, as pessoas que deles participam são consideradas “peças abstratas” (LOURENÇO
FILHO, 2007, p. 54).
Frente a isso, as “teorias novas”, sem negar o valor das “teorias clássicas”, irão
apontar que estas se encontram incompletas, na medida em que não reconhecem a influência
das pessoas frente ao desenvolvimento das decisões. Nas palavras de Lourenço,
Uma decisão administrativa, bem fundamentada para certo nível funcional, poderá
perder tal caráter em outro. As expectativas de um plano de mais baixo em relação a
outro, ou inversamente, podem ser bastante diferenciadas, como variados serão
certos efeitos que as condições sociais de trabalho produzam sobre as pessoas, como
pessoas participantes de um grupo solidário, não simplesmente elementos que se
distribuam tarefas dispersas (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 55).
Os pressupostos teóricos em que se assentam estas teorias novas partem de estudos no
campo da Psicologia, especialmente aos de motivação do comportamento humano e dos
estudos sociológicos referente ao papel negativo da burocracia
21
no campo da administração.
Lourenço Filho explicita os estudos de R. K. Merton, P. Zelznick e A. W. Gouldner como
precursores dos estudos que consideram esta base teórica no campo da administração,
revisando as teorias clássicas. Dos estudos destes autores, Lourenço depreende que
[...] em termos esquemáticos, pode-se dizer que as teorias clássicas centralizavam
sua atenção nos processo administrativo formal; nas teorias novas, essa atenção se
estende ao comportamento administrativo. Mas as novas técnicas não invalidam
nem substituem as teorias clássicas, no que apresentam de fundamental. Apenas as
enriquecem, como novos elementos que podem levar a metodologia da Organização
e Administração a maior desenvolvimento (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 57).
Tendo em vista que as teorias novas visam a completar e não a rejeitar as teorias
clássicas, Lourenço Filho apóia-se nestas duas correntes ao tratar da Organização e
21
Na defesa do autor (Lourenço Filho), “Um sistema hierárquico a que se simples índole formal pode criar
uma tendência para decisões estereotipadas, de caráter rígido e impessoal, com eliminação da responsabilidade
de seus agentes, com o que prejudicam as finalidades da organização. É a esse efeito, ou conjunto de efeitos, que
se dá o nome pejorativo de burocracia” (p. 55).
34
Administração Escolar, afirmando que o sistema escolar carece tanto das atividades de
planejamento, coordenação, controle e avaliação, quanto da valorização das relações humanas
que se processam neste espaço.
No entanto, a importância de considerar as relações humanas nos processos de
organização e administração escolar não rompe com a estrutura hierárquica. Tem a ver apenas
com um elemento a mais que o administrador deve ponderar em seu comportamento
administrativo, no sentido de ajustamento dos indivíduos, para que possa alcançar a
satisfatória eficiência de um grupo. Mesmo assim, este novo elemento avança em relação ao
modelo estático de administração, convergindo para uma noção de “sistema aberto”
(MACHADO; RIBEIRO, 2007), que exige levar em conta a flexibilidade deste processo.
Anísio Teixeira parte do mesmo reconhecimento dos demais autores quanto às
necessárias mudanças na estrutura escolar: as transformações operadas no âmbito da
sociedade colocaram a escola no âmbito das necessidades sociais e individuais. O que era
antes destinado a uma elite minoritária agora deveria estender-se para todos, ressaltando que
não se trata apenas de escolas para todos, mas de que “todos aprendam” (TEXEIRA, 1997).
Esta mudança irá também se refletir na administração escolar,
Como conseqüência, transformam-se métodos e processos de ensino, transformação
que se reflete nos métodos de administração escolar. A administração deve
conseguir uma organização de eficiência uniforme da escola, para todos os alunos
organização e eficiência em massa. (TEIXEIRA, 1997, p. 166).
Dessa forma, Teixeira demonstrava-se preocupado com a questão da qualidade do
ensino diante da expansão dos sistemas escolares, decorrendo disso sua preocupação com a
administração escolar. Nas pequenas escolas, muitas vezes com apenas um mestre altamente
experiente, a função de administrar estava intrínseca ao ato de ensinar (professor administra
sua classe, ensina e guia o aluno). Com a complexificação dos sistemas escolares e a
necessidade de formação do quadro do magistério a partir de “camadas intelectuais mais
modestas”, a administração passa a requerer novos métodos. Nas palavras de Teixeira:
Como tenho que educar toda a população, terei de escolher os professôres em tôdas
as camadas sociais e intelectuais e, a despeito de todo o esfôrço de prepará-los,
trazê-los para a escola ainda sem o preparo necessário para que dispensem eles
administração. Esta se terá de fazer altamente desenvolvida, a fim de ajudá-los a
realizar aquilo que faziam se fossem excepcionalmente competentes. (...) Quanto
mais imperfeito for o magistério mais preciso de melhorar as condições de
administração (TEIXEIRA, 1961, p. 86).
Diante disso, aquelas três funções (administrar, ensinar e guiar) que antes se davam
intrinsecamente ao ato educativo, agora irão constituir as funções da administração escolar:
35
administrador escolar, supervisor de ensino, ou “mestre dos mestres”, orientador, ou “guia dos
alunos”. Dado que estas funções são intrínsecas ao trabalho educativo, Teixeira afirma que
“somente o educador ou o professor pode fazer administração escolar” (1964, p. 14), isso após
razoável experiência de trabalho e especialização em estudos pós-graduados, com vistas a
manter estas funções atreladas ao processo educativo.
Neste sentido, Anísio Teixeira difere-se dos autores antes abordados quando afirma
que a natureza da administração escolar é de “subordinação e não de comando da obra da
educação, que, efetivamente, se realiza entre o professor e o aluno” (1964, p. 17). Este
pensamento leva o autor a rejeitar a aplicação das teorias da administração empregada nas
fábricas no campo da educação, em função dos diferentes objetivos que estes processos
visam:
Embora alguma coisa possa ser aprendida pelo administrador escolar de tôda a
complexa ciência do administrador de emprêsa de bens materiais de consumo, o
espírito de uma e outra administração são de certo modo até opostos. Em educação,
o alvo supremo é o educando a que tudo mais está subordinado; na emprêsa, o alvo
supremo é o produto material, a que tudo mais está subordinado. Nesta, a
humanização do trabalho é a correção do processo de trabalho, na educação o
processo é absolutamente humano e a correção um certo esforço relativo pela
aceitação de condições organizatórias e coletivas aceitáveis. São, assim, as duas
administrações polarmente opostas (TEIXEIRA, 1964, p. 15).
Anísio Teixeira, apesar de ser contemporâneo dos demais autores aqui tratados, dá
início a um pensamento que rompe com a defesa dos princípios da administração geral
adequados à educação. Embora o pensamento contrário continue forte até o final da década de
1970, apontamentos desta mesma natureza serão enfocados na década seguinte, situando-os
como elementos para uma tentativa de mudança no campo da administração escolar.
Benno Sander (1995), ao realizar uma análise dos modelos que orientaram a produção
do conhecimento da área da Administração Escolar, identifica os autores acima referidos,
como fazendo parte do “enfoque tecnocrático (p. 14) de administração, a exemplo da
administração pública do período. Este enfoque, como foi visto, inspirou-se nos princípios da
administração científica, a partir das teorias de Taylor e Fayol, admitindo a pretensa
universalidade destas elaborações para o campo educacional. Nas palavras de Sander,
O enfoque tecnocrático assume características de um modelo-máquina preocupado
com a economia, a produtividade e a eficiência. (...) Como solução para os
problemas administrativos associados à explosão organizacional que se manifesta na
época da Revolução Industrial, os protagonistas do novo enfoque impulsionam uma
reforma técnica da administração pública (...). Ênfase especial era dada às
características organizacionais do sistema administrativo, com reduzida atenção à
influência dos fatores econômicos, políticos e culturais (1995, p. 12-13).
36
A centralidade cnica que assume este enfoque de administração conduz à separação
entre política e administração. Esta separação tornou-se o ponto nevrálgico deste modelo
administrativo, uma vez que a história é “eloqüente em demonstrar que política e
administração são inseparáveis. Na realidade, a administração pode ser definida como uma
prática particular da política, esta concebida como a prática global da convivência humana”
(SANDER, 1995, p. 12).
O que se pode apreender de comum entre os autores, considerados pioneiros no
campo da administração escolar, é a preocupação em situar a escola no rol das instituições
que corroboram com o desenvolvimento econômico do país. Os argumentos e idéias
desenvolvidos sobre o processo de administração escolar têm como fim último garantir que a
escola possa de forma segura adequar-se às novas necessidades da sociedade em
desenvolvimento, sob o prisma da industrialização, o que pode ser entendido a partir dos
pressupostos da Escola Nova em que se assenta o pensamento pedagógico destes educadores.
Tal como a teoria da Administração Científica fora um avanço diante do contexto em
que foi concebida, pois colocou em “xeque o sistema de administração puramente militar que,
até então, inspirara e dominara as atividades de Economia Privada e Pública” (RIBEIRO,
1986, p. 61), a Administração escolar ensaiada pelos Pioneiros também representou um
avanço frente aos princípios normativos e dedutivos que imperavam até então. Especialmente
a partir das elaborações de Anísio Teixeira, que avança em relação aos demais autores, na
medida em que critica a adoção direta das teorias da administração geral no âmbito escolar.
Todavia, a adoção da mesma racionalidade da divisão do trabalho, concebida no
âmago da produção capitalista, conduziu a uma concepção ingênua de que o domínio sobre o
aspecto racional da administração escolar conduziria ao alcance dos objetivos institucionais
(SOUZA, 2006). A adoção da cientificidade no campo da administração escolar, neste caso,
pareceu assumir o caráter de objetividade e neutralidade, como se existisse “um lugar não-
ideológico, que seria o da ciência” (KUENZER, 1984, p. 43). No entanto, pelo contrário,
como aponta Kuenzer (1984), o desenvolvimento da teoria da administração geral foi uma
“resposta intelectual às condições materiais do capitalismo” (p. 40), assumindo como
compromisso “a reprodução ampliada do capital” (p. 43).
A referida autora, reconhecendo as contribuições e principalmente os limites que a
teoria da administração geral impõe ao campo educacional, aponta a necessidade de que a
administração escolar retome
37
[...] criticamente suas bases e identifique a parcialidade de suas práticas, para
assumir-se como parcial, política, historicamente situada e, a partir, dessa
consciência, inserir-se na totalidade e desempenhar sua função critica de
desmistificação do discursos ideológicos, e assim deixe de ser controladora e
conformadora, para ser libertadora (KUENZER, 1984, p. 46).
Tal como Ribeiro havia se referido aos estudos da Administração geral, pode-se fazer
relação também aos estudos da Administração Escolar: “à medida que se vai avançando nos
seus estudos, vai se verificando que eles se desdobram e nos obrigam a confessar que estamos
longe de atingir a desejada segurança de bases” (RIBEIRO, 1986, p. 71). As mudanças
operadas na sociedade, no âmbito econômico, político, científico e cultural, tal como puseram
em xeque o modelo de administração empirista e normativo a partir da década de 1930, irão
questionar, a partir da década de 1980, o modelo economicista, construindo novas
perspectivas para o campo da administração escolar.
1.2 Gênese teórica da Gestão Democrática: críticas ao modelo de administração escolar e
novas proposições
Até os anos de 1980, os trabalhos dos pioneiros da Administração escolar configuram-
se como os mais importantes desta área. O período político-econômico (ditatorial) vivido no
país entre as décadas de 1960 a 1980 utilizou-se do modelo de administração escolar pautado
nas teorias da Administração Geral, empregando-o como instrumento de controle e punição
nos espaços escolares, ultrajando os avanços conquistados em décadas anteriores. Conforme
se referem Viriato e Cêa (2008), a organização e a gestão educacional neste período foram
marcadas pelo “autoritarismo e verticalismo, configurando um planejamento burocrático e
centralizado elaborado por especialistas, por técnicos vinculados a órgãos oficiais das três
esferas governamentais e por organismos internacionais” (p. 126).
O momento de contestação deste modelo teve seu auge na década de 1980, apesar de
resistências e protestos terem existido desde o início do período ditatorial. Embora tenha sido
considerada pelos economistas como a década perdida, em função da crise econômica vivida
neste período, no âmbito educacional a década de 1980 foi palco de muitas expectativas e
proposições de mudança para a educação (ARELARO, 2000), tendo maior expressão o
movimento em prol da democratização do acesso e da gestão.
Com o movimento de reabertura político-democrática no Brasil a libertação
progressiva da mordaça ditatorial –, dá-se início a uma nova fase de elaborações teóricas no
campo da administração escolar, com ênfase a partir do “enfoque sociológico” (SANDER,
38
1995). Este novo enfoque constitui-se principalmente a partir das lutas em prol da democracia
e da cidadania, da consolidação do campo de estudos em nível de pós-graduação no país e a
influência da literatura sociológica com base marxista
22
. A partir destes elementos, passa-se a
analisar com maior criticidade o papel da educação na sociedade, chegando a revelar a face
essencialmente política da administração da educação, em detrimento do caráter técnico que
lhe fora empregado historicamente.
As primeiras elaborações que se destacam a partir deste enfoque, segundo Souza
(2006), são os escritos de Arroyo (1979), Félix (1985) e Paro (2000)
23
. A partir de então, a
crítica ao enfoque tecnocrático de administração escolar, pautado nas teorias da administração
geral, tem sido contínua e defendida por diversos autores. Vale ressaltar que dentre os autores
pioneiros, Teixeira é poupado de tais críticas, em função de que suas últimas produções já
apontavam para uma rejeição ao emprego do modelo de administração empresarial nas
questões educacionais.
Miguel Arroyo (1979), ao analisar a relação entre a racionalidade administrativa e o
processo educativo, começa por questionar qual a contribuição desta racionalidade para a
diminuição das desigualdades sociais, e acaba por concluir que “há sintomas de que o sistema
escolar vem contribuindo para o contrário” (p. 38). Isto porque, no entendimento do autor, a
administração tem sido vista como exercício do poder a fim de reproduzir determinadas
relações sociais que são funcionais à manutenção da sociedade civil sob o prisma do
desenvolvimento econômico da sociedade, ou seja, do capitalismo. Tendo em vista que as
desigualdades são inerentes à gica deste sistema produtivo, a administração escolar, ao
reproduzir as relações capitalistas, contribui na manutenção de tais desigualdades.
Diante disso, o autor afirma que “a insistência em apresentar a racionalidade
administrativa como necessidade ‘natural’ ao bom funcionamento das instituições oculta a
dimensão política de todo o processo administrativo” (ARROYO, 1979, p. 39). A necessidade
da racionalização do trabalho nas instituições de ensino parece ter menos a ver com a
produtividade do que com o necessário controle deste processo pelo capital, tendo em vista
que “o grau de escolarização deixou de ser mero credencial de status social para se converter
em um dos mecanismos que justificam a distribuição da população na divisão sócio-técnica
do trabalho” (ARROYO, 1979, p. 41).
22
Nesta abordagem pode-se destacar, além das obras do próprio Karl Marx, os trabalhos de TRAGTEMBERG
(1974); BOURDIEU; PASSERON (1975); ALTHUSSER (1985), GRAMSCI (1981), entre outros.
23
Os trabalhos de Félix e Paro são resultantes de pesquisas em nível de pós-graduação, mestrado e doutorado,
respectivamente.
39
Assim, toda tentativa de apolitizar a administração da educação pode ser na verdade
“uma despolitização dos educadores e administradores a serviço de interesses políticos
específicos” (ARROYO, 1979, p. 43). Contrapondo-se a esta apolitização e centralização da
administração escolar, Arroyo aponta a urgência em desenvolver práticas administrativas que
envolvam a participação da comunidade escolar, com vistas a redefinir os fins da educação.
No entanto, falta-lhe ainda subsídios para uma proposição mais concreta. O próprio Arroyo
expressa isso, ao finalizar seu texto:
O problema, pois, é como encontrar mecanismos que gerem um processo de
democratização das estruturas educacionais através da participação popular na
definição de estratégias, na organização escolar, na alocação de recursos e,
sobretudo, na redefinição de seus conteúdos e fins. Fazer com que a administração
da educação recupere seu sentido social (ARROYO, 1979, p. 46).
Félix (1985) desenvolve a crítica à administração escolar no mesmo sentido de
Arroyo. Parte do reconhecimento de que a prática administrativa tal como se apresenta, a
partir das teorias de Taylor e Fayol, é fruto da organização capitalista do trabalho. Tendo este
modo de produção o objetivo de acúmulo de capital a partir da exploração do trabalho, a
função administrativa tem como propósito “exercer pleno controle sobre as forças produtivas,
o que ocorre desde o planejamento do processo de produção até o controle das operações
executadas pelo trabalhador” (FÉLIX, 1985, p. 35).
Diante disso, a pretensa universalidade e neutralidade das teorias da administração
geral “caem por terra”, na medida em que são frutos de uma determinada demanda
econômico-capitalista, em que a produção científica não está alheia ao contexto em que está
inserida. A única razão para a generalização da prática administrativa científica tem a ver
especificamente com a disseminação do próprio modo capitalista de organização da sociedade
(FÉLIX, 1985, p. 77). Nas palavras de Félix:
Ocorre, portanto, que a generalidade das teorias da Administração de Empresa não é
apenas o resultado de seu desenvolvimento teórico ao ponto de elaborar uma teoria
integral capaz de abarcar toda a realidade da prática administrativa de qualquer tipo
de organização. Nem a tentativa da Administração Escolar em adotar os princípios
de organização e administração das empresas capitalistas e os critérios de eficiência
e produtividade resulta, apenas, da sua evolução teórica em relação às teorias
modernas da Administração de Empresa, cuja “base científica” vai se solidificando,
a partir das pesquisas das Ciências comportamentais e das Ciências Exatas (FÉLIX,
1985, p. 76).
Neste sentido, a autora dirige sua crítica às elaborações de Querino Ribeiro, quando
este se convence da necessidade do aproveitamento das teorias de Taylor e Fayol em virtude
do caráter universal da administração. Por se apresentar como essencialmente técnica, as
40
teorias da administração empresarial aplicadas no âmbito da educação desviam os problemas
de suas razões sociais, econômicas e políticas para soluções técnicas, “obscurecendo a análise
dos condicionantes da educação” (FÉLIX, 1985, p. 82).
Esta visão técnica da administração escolar, acentuada no período militar, conduziu à
implementação de políticas para formação de administradores escolares em nível de
graduação
24
, colocando a dimensão pedagógica em segundo plano, que estes
administradores seriam formados sem ao menos terem experiência dos problemas da prática
educacional.
Félix também aponta a estreita relação entre a administração Estatal e seus
desdobramentos no âmbito educacional público. O Estado capitalista, entendido a partir dos
pressupostos teóricos de Gramsci, estende sua organização técnico-burocrática para as
instituições sociais, dentre elas as educacionais, como forma de “adequar a educação ao
projeto de desenvolvimento econômico do país, descaracterizando-a como atividade humana
específica” (1985, p. 188). Como também aponta Souza (2003), as mudanças na
administração pública seguiram sempre um mesmo propósito: “dar respostas às demandas de
um Estado que perseguia, e continua perseguindo, uma melhor inserção na economia nacional
e na economia global” (2003, p. 03).
Neste sentido, Félix reafirma o caráter predominantemente político da administração
escolar, na medida em que é instrumento de controle do processo educativo, tendo em vista os
interesses capitalistas, e não mero conjunto de técnicas necessárias ao “bom andamento” da
educação escolar.
As elaborações de Paro (2000), frente à temática da Administração Escolar, vêm ao
encontro do cenário de crítica ao modelo baseado na administração geral, que se configura na
década de 1980. A partir de uma base marxista de análise, Paro parte da natureza do trabalho
enquanto elemento central à vida humana e do caráter que este adquire a partir do modo de
produção capitalista. A divisão do trabalho tal como se na administração escolar (alguns
pensam especialistas e outros executam) é fruto da necessidade, surgida a partir deste
modo de produção, de controle do trabalho pelo capital, pois é a partir do trabalho que o
capitalista agrega valor a sua matéria-prima, o que lhe garante o lucro (PARO, 2000). À
necessária divisão do trabalho a administração se apresenta como prática que visa a
24
A partir do Parecer CFE n°. 252/69 e Resolução CFE n°. 2/69 a formação dos Administradores, Inspetores,
Supervisores e Orientadores Escolares dava-se a partir de habilitação específica em nível de graduação no curso de
Pedagogia.
41
racionalizar o emprego da força de trabalho a fim de atender, com eficiência e eficácia, os
objetivos da produção capitalista.
Contudo, a administração adquire diferentes conotações a partir dos condicionantes
históricos em que está situada. Em sentido geral, segundo Paro (2000), a administração pode
ser vista como a “utilização racional de recursos para a realização de fins determinados” (p.
18), podendo ser empregada em processos de diferentes naturezas. Sem negar, portanto, a
contribuição da administração para os processos educativos, o que o autor ressalta é a
natureza da racionalidade empregada na prática administrativa. Sua crítica recai sobre a
racionalidade capitalista, que transforma o trabalho, de sentido da existência humana, em
exploração da vida, colocando-o a serviço de uma determinada classe social – a classe
dominante dos meios de produção.
Os princípios da administração geral, pensados sob uma racionalidade capitalista, ao
serem adotados nos espaços escolares acabam por compactuar também desta racionalidade,
contribuindo para a manutenção das relações de exploração capitalista. Neste sentido, Paro
critica Ribeiro quando este se refere que a Administração Escolar é umas das aplicações da
Administração Geral” (RIBEIRO 1978, p. 95, apud PARO, 2000, p. 124), pois neste caso a
administração geral a que este último se refere é a administração concebida a partir das
demandas capitalistas, e não administração em sentido geral, como se refere Paro. Nas
palavras do autor:
A administração capitalista teve origem e foi elaborada a partir dos interesses e
necessidades do capital, estando, em decorrência disso, tanto na empresa produtora
de bens e serviços, onde ela foi engendrada, quanto na sociedade em geral, onde ela
cada vez mais se dissemina, comprometida com os objetivos e interesses da classe
capitalista, ou seja, da classe que detém o poder político e econômico em nossa
sociedade; não se pode esperar, por isso, que essa administração não continue, na
escola, servindo a estes mesmos propósitos da classe hegemônica, que são
nitidamente a favor da preservação do status quo (PARO, 2000, p. 129).
É necessário, segundo o autor, distinguir a administração, enquanto “prática
essencialmente humana” (PARO, 2000, p. 18), da administração capitalista, principalmente
quando esta última se apresenta sob o viés de universalidade e cientificidade, pois
[...] essa absolutização da administração capitalista considerada a administração
por excelência, produto do progresso humano, que se aplica aos mais diversos tipos
de situações – nada mais é que um caso particular da absolutização da própria
sociedade capitalista, considerada, no nível da ideologia dominante, como
organização social perene e insuperável, pairando acima da própria história como o
mais perfeito modelo de sociedade possível (PARO, 2000, p. 125).
42
Sendo a administração capitalista, apesar de sua hegemonia na sociedade, apenas um
tipo de administração, este fato não impede de se conceber processos administrativos
orientados por outra lógica, que não a de reproduzir as desigualdades da sociedade capitalista.
Neste sentido, o autor avança em relação às críticas anteriores, quando passa a investir na
idéia de que é possível, mesmo considerando os condicionantes sociais, históricos, políticos e
econômicos, desenvolver uma administração escolar voltada para a transformação social,
contrapondo-se ao caráter conservador daquela administração pautada na racionalidade
capitalista.
Ciente de que a construção de uma administração escolar transformadora não se
deve apenas a uma melhor adequação da administração científica ao espaço escolar, mas sim
de uma total oposição a esta prática, Paro defende que:
[...] a busca de uma especificidade para a Administração Escolar coincide com a
busca de uma nova Administração Escolar, que se fundamente em objetivos
educacionais representativos dos interesses das camadas dominadas da população e
que leve em conta a especificidade do progresso pedagógico escolar, processo este
determinando por estes mesmos objetivos (PARO, 2000, p. 152).
Neste sentido, a principal característica da administração escolar defendida pelo
autor é de que esta prática prioriza a participação dos sujeitos envolvidos no processo
educativo, assumindo a preponderância do caráter político em detrimento do caráter técnico,
embora isto não signifique a total extinção deste último. Passa a adquirir centralidade nesta
prática administrativa a concepção de um projeto educativo voltado para as necessidades da
população, a valorização de sua cultura, em detrimento da prática de operacionalização de um
projeto definido por outrem, concebido a partir de outra cultura e interesses, como se dava/dá
na concepção capitalista de administração escolar.
É a partir destas críticas ao conceito e prática de administração escolar baseada no
enfoque técnico, no contexto da década de 1980, que começa a aparecer na literatura deste
campo o conceito de gestão escolar. É este caráter de essência política e de preocupação com
o pedagógico que dão base ao conceito de gestão escolar, como forma de diferenciar-se da
visão técnica que historicamente permeou o conceito de administração escolar.
No entanto, pode-se notar nos escritos atuais sobre gestão escolar que o vocábulo
administração continua sendo usado
25
, porém, na maioria das vezes, com sentido diferenciado
25
Como é o caso da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), que embora
defendendo uma administração nos moldes do conceito de gestão, continua a utilizar o vocábulo administração em
seu nome. Paro também continua a expressar em seus escritos os termos gestão e administração como sinônimos:
43
daquele historicamente utilizado, passando a agregar a dimensão político-pedagógica. Neste
sentido, em pesquisa sobre o Estado da Arte deste campo, Gracindo e Kenski constatam que
Os termos gestão e administração [da educação] são utilizados na literatura
educacional ora como sinônimos, ora como termos distintos. Algumas vezes, gestão
é apresentada como um processo dentro da ação administrativa; em outras, seu uso
denota a intenção de politizar essa prática. Apresenta-se também como sinônimo de
gerência, numa conotação neotecnicista, e, em discursos mais politizados, gestão
aparece como a nova alternativa para o processo político-administrativo da
educação (GRACINDO; KENSKI, 2001, p. 113).
Para Mendonça (2000), a gestão democrática está relacionada a uma determinada
abordagem da administração da educação resultante do enfoque adquirido nas últimas
décadas, em “contraponto à ênfase organizacional e tecnicista, bem como ao reducionismo
normativista da busca da eficiência pela racionalização de processos” (p. 66). Na visão deste
autor, a gestão pode ser entendida no seu sentido amplo como um “conjunto de procedimentos
que inclui todas as fases do processo de administração, desde a concepção de diretrizes de
política educacional, passando pelo planejamento e definição de programas, projetos e metas
educacionais, até suas perspectivas de implementações e procedimentos avaliativos” (p. 69).
Neste sentido, pode-se apreender que o autor entende a gestão como uma forma de
administração e que, portanto, esta última é a mais ampla.
Outros autores, como é o caso de Heloísa Lück (2007), embora reconhecendo a
prioridade da mudança não de nomes, mas, preferencialmente, de concepção, preferem
demarcar uma distinção entre os termos (administração e gestão) como forma de ressignificar
esta prática. A referida autora defende o conceito de gestão escolar como mais apropriado
para as demandas do processo educativo atual, por entender que
[...] a intensa dinâmica da realidade faz com que os fatos e fenômenos mudem de
significado ao longo do tempo, de acordo com a evolução das experiências, em vista
de que os termos empregados para representá-los, em uma ocasião, deixam de
expressar plenamente toda a riqueza dos novos entendimentos e desdobramentos
(LÜCK, 2007, p. 47).
Diante da complexificação da sociedade, e conseqüentemente, de suas instituições
sociais, não se torna mais possível defender uma orientação pautada no “antigo enfoque da
administração científica, pelo qual se considera que, tanto a organização como as pessoas que
nela atuam, são componentes de uma máquina controlada de fora para dentro e de cima para
baixo” (LÜCK, 2007, p. 50). O conceito de gestão supera o de administração, pois se “assenta
“destaca-se no conceito de administração (ou gestão) sua dimensão de mediação para a realização de objetivos”
(PARO, 2008, p. 03)
44
na mobilização do elemento humano, coletivamente organizado, como condição básica e
fundamental da qualidade do ensino e da transformação da própria identidade das escolas” (p.
27). A partir desta ótica não de substituição, mas de superação, a administração passa a ser um
dos elementos da gestão: a gestão administrativa, que corresponde à administração de
recursos, do tempo, etc. (LÜCK, 2007). A gestão, desta forma, envolve um sentido e prática
mais abrangente, envolvendo os elementos culturais, políticos e pedagógicos do processo
educativo, sendo sua lógica “orientada pelos princípios democráticos” (LÜCK, 2007, p. 36).
Esta afirmação de que a gestão é por si democrática, enseja a ressalva feita por
Fernández (2006), de que em oposição à administração eminentemente autoritária”, todo o
processo de gestão seria por imanência democrático. Esta transposição de sentidos, defende a
autora, gera a idéia de que antes tínhamos uma administração (autoritária) e hoje temos uma
gestão (democrática), o que pode impedir a “visibilidade do autoritarismo que ainda
conservamos em nossas instituições escolares, mesmo sendo recriados pelos ‘novos’
procedimentos da gestão (supostamente) democrática (p. 38).
Da mesma forma que nem todo processo de gestão corresponde, eminentemente, a um
processo democrático, Gracindo e Kenski (2001) alertam para os diferentes significados do
termo gestão e as diferentes motivações de seu uso, que podem estar alicerçados em diferentes
pressupostos ou objetivos. A amplitude assumida pelo termo gestão e os diferentes espaços
que este circunda, acaba sendo cooptado pelo discurso de campos e atores até mesmo
antagônicos, o que nos leva a constatar a polissemia do termo e os perigos da persuasão a
partir dos usos de uma mesma linguagem.
Pode-se dizer que esta polissemia que circunda o conceito e prática de gestão no
campo educacional atuou como “pasteurizador”
26
da luta política em torno da aprovação do
princípio de gestão democrática, tanto na Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes
e Bases de 1996. A próxima seção deste capítulo visa transitar pelo processo de
materialização do princípio de gestão democrática e os diferentes sentidos em disputa neste
campo, localizando-o a partir do processo mais amplo de construção da democracia no Brasil
e das vicissitudes do aparelho Estatal Brasileiro.
1.2.1 A Construção política do princípio da Gestão Democrática na Legislação Educacional:
marcas de um passado e de um presente
26
Segundo Minto (1996, apud FERNÁNDEZ, 2006, p. 64), “este termo procura dar sentido a um processo
legislativo em que os interesses em jogo não conseguiram alcançar, individualmente, pleno êxito em
determinada matéria legislativa, de maneira que o texto final é tão genérico que serve a todos os interesses,
segundo suas diferentes interpretações”.
45
Aliado a este reconhecimento da função política da administração/gestão da educação
frente aos rumos da sociedade, a luta pela democratização do país na década de 1980 retoma a
questão da democratização da escola pública, não apenas pelo viés de seu acesso, mas
também pela democratização das práticas desenvolvidas em seu interior e na construção das
políticas educacionais. Esta reivindicação desenvolveu-se a par das lutas travadas por
movimentos populares e sindicais e pelos partidos de oposição à ditadura militar, que se
formavam neste período, em prol da publicização e democratização do Estado, através da
inserção de instâncias participativas (ADRIÃO; CAMARGO, 2007).
A intensa mobilização em prol da democratização da educação na década de 1980,
apesar dos ganhos obtidos, reflete o atraso da democratização da educação no país,
principalmente pelo viés do seu acesso. Isto significa o quão lento tem avançado este
processo, constantemente interpelado pelas forças conservadoras, que desde o período da
educação jesuítica, atuam na contramão da construção de uma educação pública para todos.
Neste sentido, cabe ressaltar a trajetória que a democracia assumiu no interior do
aparelho Estatal Brasileiro. Sader escreve em 1990, que os 100 anos de República no Brasil
caracterizam-se como a “mais longa parada militar que o país conheceu” (1990, p. 01),
analogia que faz jus ao domínio político que os militares tiveram (sempre apoiados pelas
elites) durante boa parte do regime republicano e impuseram a sua marca autoritária e
centralizadora das decisões estatais. A partir disso, pode-se aferir o quão restrito foram os
espaços possíveis para uma alternativa democrática, uma vez que, conforme este mesmo
autor, “a histórica política brasileira tem sido uma longa cadeia de acontecimentos articulados
entre si por pactos de elite, fiados pela força militar” (p. 01).
Concernente a esta análise, Ciavata (2002) afirma que a figura do Estado autoritário e
intervencionista está ligado ao próprio desenvolvimento do Estado no Brasil. Com suas raízes
ainda presas à burocracia patrimonialista
27
portuguesa (FAORO, 2001), o Estado brasileiro
seguiu o compasso de maior ou menor intervencionismo regido pelas elites que,
revesadamente, assumiram sua direção. Embora passando por “rupturas”, tendo como marco a
“modernização conservadora” da década de 1930, esta característica intervencionista e de
comando pelo alto a partir das elites continua dominante (COUTINHO, 2006), utilizando-se
neste momento, em que a sociedade civil começa a emergir, de estratégias de absorvimento
27
De acordo com Mendonça (2000), podemos compreender, resumidamente, patrimonialismo como “uma forma
de organização social baseada no patrimônio, uma forma tradicional de organização da sociedade, inspirada na
economia e no poder domésticos e baseada na autoridade santificada pela tradição. Na estrutura patrimonial do
Estado, o poder político da autoridade é organizado segundo os mesmos princípios do poder doméstico,
objetivando a administração patrimonial a satisfação das necessidades pessoais, de ordem privada, da família do
chefe da casa” (p. 50) .
46
desta para o interior dos interesses estatais, conservando sua dominação. Com isso, se refere
Coutinho (2006, p. 179), “é favorecido o permanente fortalecimento do Estado e a não menos
permanente tendência ao debilitamento da sociedade civil”.
É importante destacar que o autor se refere à sociedade civil a partir do sentido
gramsciano, ou seja, “como arena de luta de classes, como o conjunto de aparelhos ‘privados
de hegemonia que representam os interesses e valores de diferentes classes e segmentos
sociais” (2006, p. 197).
A partir desta configuração estatal brasileira, podemos compreender as tentativas
pouco exitosas de deflagração de um processo democrático, em especial, como campo da
educação. O primeiro momento que acena para a democratização da educação teve sua
origem na década de 1930, quando as pressões sociais em torno da educação pública tomam
vulto em virtude da necessidade de instrução frente ao desenvolvimento industrial
28
. Neste
contexto, surge o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que invocava, dentre outros
aspectos, o papel do Estado com a Educação. No entanto, apesar de pela primeira vez
aparecer na Constituição Federal (Constituição de 1934) a necessidade de “traçar as diretrizes
da Educação Nacional” (Art. 5º, inciso XIV), este processo não avançou, tendo em vista a
instauração do Estado Novo, em 1937.
Neste período, apesar de ter sido o momento em que mais se falou em democracia na
escola pública, pelo contrário, como afirma Saviani (2007), menos democrática a escola foi.
Por não ter sido expandida na forma de um sistema nacional de educação, as experiências
escolanovistas desenvolvidas ficaram restritas a uma determinada clientela: “não foi o povo,
não foram os operários, não foi o proletariado. Essas experiências ficaram restritas a pequenos
grupos, e nesse sentido elas se constituíram, em geral, em privilégios para os privilegiados,
legitimando as diferenças.” (p. 48). Para o “povão”, quando muito, as escolas continuavam
sendo aquelas orientadas pelos métodos tradicionais.
Na década de 1940, com a queda do Estado Novo, a promulgação da Constituição de
1946 retoma as condições necessárias para a democratização da educação, quando faz emergir
novamente a discussão em torno das “diretrizes e bases da educação nacional”, impulsionada
pelos ideais progressistas de educação, emergidos nas décadas de 1920-1930. Neste momento,
completam-se as condições reais para a democratização da educação, uma vez que se torna
possível a construção da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),
28
Vale ressaltar que o modelo agrário-exportador absolutamente predominante no país até a década de 1930, não
exigia a necessidade de escolarização em massa. A educação se fazia imprescindível apenas para a formação dos
quadros políticos, a qual era suprida pelos modelos educacionais provenientes da Europa (MOUSQUER, 2003).
47
a qual fora encarregada a uma comissão composta de educadores de diferentes tendências
(SAVIANI, 2002).
No entanto, ao tramitar pelo Congresso Nacional o projeto da LDBEN esbarra na
correlação de forças entre os partidos políticos (especialmente UDN União Democrática
Nacional – e PSD – Partido Social Democrático), que tinham diferentes concepções quanto ao
que deveria se constituir em diretrizes e bases da educação. Após diversas alterações no
projeto original, chegando até mesmo a ser substituído, a disputa final pelo projeto a ser
aprovado, girou em torno do conflito entre liberais e católicos. Os liberais, representados pela
corrente progressista baseada nos ideais da Escola Nova, defendiam a instauração de uma
escola pública de domínio estatal. Os católicos aludiam, por sua vez, a não exclusividade das
verbas públicas se destinarem à escola estatal, abrindo espaço às escolas privadas.
Para o desfecho deste conflito, que já durava 13 anos, optou-se pela estratégia de
conciliação, novamente a partir do alto. O texto final, aprovado em 1961, sob nº 4.024,
representou meia vitória para ambos os lados. Neste aspecto, as marcas patrimonialistas do
Estado brasileiro fizeram emergir uma lei que mais beneficiou os envolvidos na disputa, do
que o conjunto da população.
Como exemplo dos limites desta lei para o avanço da educação pública, pode-se
apontar as justificativas quanto a não obrigatoriedade da educação, sendo atribuídas ao
“comprovado estado de pobreza do pai ou responsável” e à “insuficiência de escolas”,
abstendo-se de lançar esforços para superação destas limitações (SAVIANI, 2004). Tal como
expressou Álvaro Vieira Pinto: “É uma lei com a qual ou sem a qual tudo continua tal e qual”
(apud SAVIANI, 2002, p. 40).
Até a década de 1960, a democracia no Brasil, pode-se dizer, constituía-se apenas
como regime político formal, e ainda assim tinha restrições (como a proibição do voto para
analfabetos). A concepção de democracia como soberania popular, tal como defendida por
Rousseau, passou ao largo dos ideais dos grupos econômicos que dominaram a política no
Brasil, uma vez que este tipo de democracia entra em contradição com a lógica capitalista
(COUTINHO, 2002). Conforme Romano (2006, p. 133), no Brasil fingimos ter uma
democracia, entendida como soberania do povo, como forma de governo, pois “na realidade
ao nosso povo a soberania é recusada, sempre em proveito das oligarquias e dos que ocupam
os três poderes formais do Estado.”
Apesar de nenhum governo republicano ter negado a democracia, exceto o período
ditatorial de Vargas, esta foi introduzida na sua versão liberal. Como defende o pensador
liberal Schumpeter (1961), a democracia é um método, com determinadas regras, utilizado
48
para formar governos. Sendo o povo considerado incompetente para governar, cabe a ele
escolher através do voto os seus governantes. Neste sentido é impossível um governo pelo
povo, como defendia Rousseau, mas apenas um governo do povo, em outras palavras,
escolhido pelo povo (SCHUMPETER, 1961).
Frente aos múltiplos sentidos atribuídos a palavra democracia, este vocábulo é
conduzido ao seu esvaziamento, podendo ecoar significados até mesmo antagônicos. É
ilustrativo para esta afirmação o fato de o golpe civil-militar no Brasil, em 1964, ter sido
justificado em nome de “salvar” a democracia brasileira das ameaças comunistas
(COUTINHO, 2002). Neste sentido, torna-se proveitoso a inexistência de uma definição
unânime em torno da democracia, uma vez que “os defensores de qualquer tipo de regime
afirmam tratar-se de uma democracia, e têm medo de serem obrigados a parar de usar a
palavra democracia se esta for vinculada a um significado específico” (LEE, 2004, p. 13).
1.2.1.1 A emergência da gestão democrática da educação na Constituição Federal de 1988:
entre o projeto do Fórum Nacional de Educação e o projeto do “Centrão”
Diante desta trajetória de poucos avanços democráticos no campo educacional e da
sociedade como um todo, Coutinho (2002) aponta para a característica da sociedade brasileira
até a década de 1960, que apresentava uma débil organização civil. Em termos gramscianos,
se constituía em uma sociedade do tipo “oriental”
29
. Apesar das tentativas alavancadas por
movimentos sindicais e políticos de massa, estas não foram suficientes para se sobrepor às
estruturas autoritárias do Estado, tendo sido subsumidas pela repressão estatal. Conforme
aponta Sallum Jr. “Ao longo de sua existência, este Estado [Brasileiro] cumpriu o papel de
núcleo organizador da sociedade, deixando pouco espaço para as organizações e a
mobilização autônomas de grupos sociais (sobretudo os vinculados às classes populares)”
(2003, p. 35).
Contraditoriamente, a ditadura civil militar iniciada na cada de 1960 rendeu para
formação da sociedade brasileira uma estrutura social e política muito mais complexa,
29
A sociedade do tipo oriental é caracterizada, a partir de Gramsci, como sendo uma sociedade primitiva e
gelatinosa” (COUTINHO, 2002, p. 21). Apesar de a sociedade brasileira ter apresentado movimentos
organizados de oposição ao Estado, o que explica em partes o golpe de 1964, Coutinho caracteriza-a como
“oriental”, pois sua organização ainda não era estável e forte o suficiente para conter o golpe ou até mesmo
produzir uma reação efetiva a ele. Isso não significa ignorar os protestos oriundos da sociedade que culminaram
em repressões violentas, mortes e exílio, no entanto, tais expressões não foram suficientes para conter, tampouco
para impedir a continuidade do governo ditatorial. Vale lembrar também que a sociedade não é algo coeso e
homogêneo, boa parte da sociedade brasileira, identificada com os interesses de internacionalização de capitais,
apoiou e legitimou o Golpe.
49
conduzindo, ao que Coutinho (2002) intitula a partir de Gramsci, à formação de uma
sociedade civil do tipo “ocidental”, melhor dizendo, uma sociedade “tendencialmente
ocidental” (p. 28). Embora neste tipo de sociedade o Estado continue sendo forte e
interventor, a ele se opõe “uma sociedade civil igualmente organizada, articulada e forte”
(COUTINHO, 2002, p. 22).
Esta complexificação da estrutura social deu-se, segundo Coutinho (2002), pela
própria característica do regime militar brasileiro. Por ser um regime voltado à modernização
capitalista, o governo não deu importância à organização da sociedade em termos políticos,
restringia-se apenas a reprimir as suas ações contra o regime. Contraditoriamente, como
ironiza o autor, “o feitiço voltou-se contra o feiticeiro”, e o fato é que emergimos da ditadura
militar com “bases objetivas de uma sociedade civil” (p. 24), desenvolvidas principalmente a
partir da organização operária e dos movimentos populares
30
.
Esta organização da sociedade civil refletiu-se na luta pela democratização do país, a
partir do final da década de 1970. Apesar de a queda da ditadura civil militar ter tido como
principal pano de fundo a crise do capitalismo, após o fim do período de “ouro” do
capitalismo, os movimentos sociais organizados cumpriram o papel de desgaste deste regime
político, logrando significativas conquistas neste período, principalmente no que concerne à
participação nas decisões políticas, em especial na elaboração da nova Constituição Federal.
A questão que se colocava como desafio à sociedade, ante a conquista do Estado
Democrático, embora não tão legítimo
31
, era redefinição das relações do Estado com as
diversas instituições da sociedade. Neste quesito, os movimentos sociais organizados foram
ávidos em ocupar os espaços de participação e defender suas propostas.
No campo educacional o processo de construção da Constituinte
32
, iniciado em 1987,
representou um momento ímpar na história da educação brasileira, abrindo espaço para a
sociedade assegurar seus anseios em relação ao sistema educacional. Antes mesmo da
composição da Assembléia Nacional Constituinte (ANC) e da deflagração dos seus trabalhos,
a IV Conferência Brasileira de educação, realizada em Goiânia, em 1986, teve como pauta
30
Ver a este respeito SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos
trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
31
Conforme análise de diversos autores, entre eles Sader (1990), o processo de transição da ditadura militar à
democracia processou-se somente em termos políticos, visto que muitos dos políticos do regime ditatorial
permaneceram no poder, não alterando significativamente as práticas políticas.
32
Embora contestando a legitimidade da Assembléia Nacional Constituinte que se formou em 1987, visto que
seus componentes eram oriundos das eleições para parlamentares de 1986, a qual ainda carregava as marcas do
poderio econômico, a metodologia de trabalho, proposta pelo então Senador Fernando Henrique Cardoso,
possibilitou uma participação mais direta da sociedade na elaboração e discussão das propostas. Segundo Jorge
Hage (1988, apud TAVARES, 2003, p. 14) “pelo método que foi utilizado, a Constituinte, de fato, absorveu as
pressões reais da sociedade”.
50
central “A Educação e a Constituinte”, resultando na aprovação de um documento Carta de
Goiânia contendo as propostas dos educadores
33
para o Capítulo da Educação na futura
Carta Magna do país (SAVIANI, 2004).
Além de prever a garantia do artigo correspondente ao compromisso da União em
elaborar as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as reivindicações giraram, entre outras
questões, em torno da gratuidade ensino público, defendendo a exclusividade do dinheiro
público às escolas estatais, e da democratização da educação, tanto do seu acesso visto que
chegamos à década de 1980 com um contingente muito grande de pessoas analfabetas
34
quanto do ensino e da organização escolar, na qual se sobressaía a estrutura hierárquica e
autoritária, acentuada pelo regime ditatorial, conforme referendado na seção anterior. Luis
Antonio Cunha, ao proferir discurso de abertura da Conferência em Goiânia, assim se referia
a este aspecto:
O ensino democrático não é aquele que permite o acesso de todos que o
procuram, mas, também, oferece a qualidade que não pode ser privilégio de
minorias econômicas e sociais. O ensino democrático é aquele que, sendo estatal,
não está subordinado ao mandonismo de castas burocráticas, nem sujeito às
oscilações dos administradores do momento. Tem, isto sim, currículo, condições de
ingresso, promoção e certificação, bem como métodos e materiais discutidos
amplamente com a sociedade, de modo que os interesses da maioria, em termos
pedagógicos, sejam efetivamente respeitados. O ensino democrático é, também,
aquele cuja gestão é exercida pelos interessados, seja indiretamente, pela
intermediação do Estado (que precisamos fazer democrático), seja diretamente, pelo
princípio da representação e da administração colegiada (CUNHA, 1987, p. 06)
[grifos do autor].
Pode-se aferir que a democracia reivindicada no campo educacional apontava para
uma concepção mais ampla, envolvendo valores, práticas e direitos sociais, contrariamente
aos limites da democracia liberal vivenciadas até então. Como expressou Arroyo, nesta
mesma conferência, não basta apenas colocar o povo na escola, é preciso considerá-los como
“sujeitos da produção do saber, não apenas receptores do saber, contraposto ao professor que
transmite os conteúdos” (ARROYO, 1987, p. 18).
Tendo em vista a correlação de forças emergida entre os defensores da educação
pública e aqueles que advogavam em torno do repasse de recursos públicos às escolas
33
Esta Carta configurou-se na proposta defendida pelo Fórum Nacional de Educação, que veio a ser congregado
em 1987, a partir das entidades que comungavam das idéias defendidas pela Carta de Goiânia. Vale ressaltar,
que em função da divergência entre posições de entidades que compunham o Fórum, no que concerne à
destinação dos recursos públicos para a educação, levando à dissidência de algumas entidades, este passou a
intitular-se Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, a fim de demarcar sua posição em relação à
exclusividade dos recursos públicos às escolas públicas, entendidas como estatais (GOHN, 1994).
34
Em 1980, segundo dados do IBGE, a taxa de analfabetismo no Brasil era de 25,6%, o que representava um
contingente de 19.356 milhões de analfabetos, com 15 anos ou mais. Disponível em:
<http://www.publicacoes.inep.gov.br>
51
privadas, a Carta de Goiânia não foi integralmente incorporada ao Capítulo da Educação na
Constituição Federal. Novamente se instaura a disputa entre progressistas e conservadores do
Congresso Nacional, ou a disputa entre o projeto do Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública (FNDEP) e o projeto do “Centrão”, defendido pelos deputados identificados com os
interesses das escolas privadas, da qual resultou novamente na estratégia da “conciliação pelo
alto”
35
(TAVARES, 2003, p. 41). Neste sentido, ilustra-se a afirmação de Fernandes (1986),
sobre a “continuidade que se estabeleceu entre a ditadura e a ‘república’ que nasceu de seu
ventre”, ou seja, apenas uma reorganização do poder, no qual as práticas patrimonialistas
continuaram vigentes.
O princípio da Gestão Democrática, apesar de ter sido mantido
36
no projeto aprovado,
sofre algumas restrições, conforme analisa Tavares (2003). Tais restrições dizem respeito ao
seu campo de atuação: “limita-se ao ensino público como resultado de acordo de lideranças
com os setores privatistas, na época nitidamente fortalecidos” (TAVARES, 2003, p. 47).
Inicialmente, o princípio da gestão democrática foi apresentado pelo projeto do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública, tendo o sentido de atribuir-se a todas as instituições de
ensino, tanto públicas quanto privadas, e a todos os níveis de ensino. Esta proposição
expressava o entendimento de que a formação de cidadãos para uma sociedade democrática
impõe a necessidade de vivências democráticas desde o cotidiano formativo das instituições
de ensino e anunciava-se através da seguinte redação: “gestão democrática do ensino, com
participação de docentes, alunos, funcionários e comunidade” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007,
p. 66).
Entretanto, o grupo ligado aos interesses privatistas contrapunha-se a tal formulação,
no que concerne à forma de participação na gestão da escola e ao âmbito educacional a que
este princípio se aplicava, restringindo-o ao campo público estatal. A participação defendida
pelos privatistas restringia-se à mera “colaboração” da comunidade escolar na execução de
decisões previamente tomadas, retirando o caráter político da participação. Dessa forma, o
adjetivo público foi agregado ao princípio da gestão democrática do ensino e as formas e
35
O artigo que define a aplicação dos recursos públicos ficou assim delineado: “Os recursos de que trata este
artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que
demonstrarem insuficiências de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na
localidade da residência do educando, ficando o poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão
da sua rede na localidade (BRASIL, 1988, Art. 213 § 1º).
36
Até porque, conforme analisa Tavares (2003), seria um contrassenso negar o princípio de gestão democrática,
uma vez que o próprio processo de construção da nova Constituição consistia em um resgate da democracia no
país.
52
sujeitos da participação ficaram de fora da redação final, ficando em seu lugar a expressão “na
forma da lei”
37
.
Apesar da resistência e da correlação de forças enfrentadas pela proposta
democratizadora da sociedade e do campo educacional, defendida pelos movimentos
populares e entidades de esquerda, em relação às posturas conservadoras próprias de um país
historicamente comandado pelas elites, a Constituição Federal de 1988 foi referendada como
a mais cidadã da história do país. A despeito dos entraves dos interesses privatistas, muitos
avanços foram obtidos com o que foi assegurado na CF de 1988. No que concerne à educação
pública, estabeleceu-se o princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola e, pela primeira vez em uma Constituição Federal Brasileira, definiu-se a garantia do
princípio de gestão democrática da educação (BRASIL, Art. 206), apesar das restrições que
lhe foram impostas. No entanto, estes princípios conquistados ficaram a mercê de regulação
específica a ser referendada pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
É importante deixar registrado que o uso do termo gestão, em detrimento do termo
administração, tinha um significado claro para aqueles que defendiam a proposta de gestão
democrática. Conforme explicita Adrião e Camargo (2007), a adoção do termo gestão sugere
“uma tentativa de superação do caráter cnico, pautado na hierarquização e no controle do
trabalho por meio da gerência científica, que a palavra administração (como sinônimo de
direção) continha (p. 68). A substituição pelo termo gestão significava a tentativa de
instaurar uma nova lógica na organização do trabalho, tendo como pressuposto “evidenciar os
aspectos políticos inerentes aos processos decisórios” (p. 68).
1.2.1.2 A LDB 9394/96 e a Gestão Democrática: a descaracterização dos propósitos
A década de 1990, momento em que se encaminhava a construção e aprovação da
nova LDB, não pode ser considerada tão produtiva quanto à década de 1980, no que se refere
à continuidade e consolidação dos projetos educacionais gestados no período anterior. Em
resposta à crise financeira que se estabelecia em nível global, gestava-se no país um novo
projeto de sociedade a partir de orientações neoliberais, que colocou em xeque o avanço
democrático.
Retomando o pensamento de Coutinho (2002), a sociedade brasileira emerge da
ditadura militar com as bases necessárias a constituição de uma sociedade civil do tipo
37
Artigo 206, inciso VI: “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
53
ocidental, a partir de suas organizações sociais. Porém, no final da cada de 1980 este
processo toma um novo rumo, a partir das eleições presidenciais. Ao apontar para uma
diferenciação entre dois tipos de sociedade ocidental uma do tipo “americano” e outra do
tipo “europeu”
38
o autor se refere que diante das urnas eleitorais de 1989 a sociedade estava
prestes a escolher qual dos dois modelos de sociedade adotaríamos. De um lado nhamos o
projeto neoliberal de sociedade (proposta Collor de Mello), apresentado sobre o invólucro de
modernidade, que se identifica com o modelo ocidental americano, de outro, uma proposta
que defendia a ampliação do espaço público, a distribuição de renda e a participação popular
organizada (proposta de Lula - PT), que se identificava ao modelo europeu.
Em que pese toda a campanha midiática e ideológica em torno da “modernização” da
proposta de governo de Collor de Mello, a vitória nas urnas do projeto neoliberal instalou no
país as bases de um projeto de democracia do tipo liberal que entrou em disputa com a
proposta democrática de sociedade gestada na década de 1980, obstruindo a continuidade dos
avanços sociais. Conforme sintetiza Arelaro,
A década de 1990 inicia-se com dois movimentos aparentemente contraditórios e
fortes: de um lado, o desejo de implementação dos direitos sociais recém-
conquistados e a defesa de um novo projeto político-econômico para o Brasil,
presente especialmente nas propostas dos governos municipais progressistas, eleitos
em 1989; de outro, a assunção de Fernando Collor de Mello, na Presidência da
República, com um discurso demagógico de defensor dos “descamisados” (os
pobres) contra os marajás” (os ricos) e um projeto de caráter neoliberal, traduzindo
o “sentimento nacional” de urgência de reformas do Estado para colocar o país na
era da modernidade (ARELARO, 2000, p. 96).
Na análise de Brasilio Sallum Jr. (2003), as eleições presidenciais de 1989, com a
vitória de Fernando Collor de Mello “político identificado com o neoliberalismo e pouco
simpático aos experimentos participativos da democracia” demarcaram a separação entre
“dois momentos da transição política brasileira, quais sejam, o período em que predominou a
democratização política e o que teve como seu impulso básico a liberalização econômica” (p.
42). Prova deste embate entre projetos societais distintos, foram as inúmeras emendas à
constituição, que levou à descaracterização de muitos dos direitos adquiridos.
38
A diferença entre este dois tipos de sociedade ocidental está na forma de organização política da sociedade,
segundo Coutinho (2002). No modelo americano, as organizações são essencialmente corporativas,
despolitizadas, em que as lutas se dão a partir de interesses restritos, “meramente econômico-corporativos”.
Como exemplo, o autor aponta os sindicatos americanos, os quais ”lutam apenas por melhores salários e
condições de trabalho para os operários daquela fábrica, daquela empresa” (p. 26). o modelo europeu, que
embora hoje está cada vez mais de “americanalhandoafirma o autor, apresenta uma organização da sociedade
civil em termos políticos, em que suas organizações ultrapassaram o momento “econômico-corporativo,
egoístico-passional, para o momento ético-político, universalizador”. Este tipo de organização, segundo
Coutinho, foi o que permitiu à Europa ter alcançado um Estado de Bem-estar Social, incomparável a outras
partes do mundo.
54
No entanto, o projeto democrático de sociedade continuou presente, como afirma
Coutinho (2002), e a afirmação do projeto neoliberal foi postergada com a movimentação
civil e política que conduz o Presidente Collor à renúncia. Vale ressaltar que o período de
crise econômica vivida pelo país e o desagrado das medidas político-econômicas tomadas por
Collor, tiveram grande peso na crise política que levou o presidente à renúncia, mas isso não
retira a evidência da organização da sociedade civil e de seu projeto de luta.
Embora o projeto neoliberal tenha sido em partes interrompido com a renúncia de
Collor, este teve sua retomada e intensificação aprovada pelas eleições de 1994, quando o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) assume o governo através do Presidente
eleito Fernando Henrique Cardoso
39
. Ao lado do projeto de LDBEN da sociedade civil, novos
projetos educacionais entraram em interlocução com o governo federal, gerando um jogo de
forças desiguais que se reverteu em um processo de “contra-reforma”
40
ao projeto
democrático de educação e sociedade que a Constituição Federal de 1988 apontava.
Em um momento de crise que atravessava o sistema capitalista, em âmbito mundial, a
emergência da democracia colocava em risco suas estratégias de superação, que as
instituições democráticas são permeáveis às pressões e às demandas da população” (PERONI,
2006, p. 14). Neste sentido, sob a pretensa busca de governabilidade e modernização do
Estado, a reforma do aparelho estatal processada nos diversos países da América Latina na
década de 1990, buscou instituir uma nova dinâmica na relação Estado-sociedade, de modo a
regulamentar o campo social de acordo com a nova ordem econômica globalizada.
No Brasil, partindo do ponto de vista de que a crise estava no Estado e não no próprio
sistema capitalista, a reforma do Estado se deu a partir da lógica da Terceira Via
41
. O
conhecido teórico da Reforma, o Ministro Luis Carlos Bresser-Pereira, em suas análises sobre
a crise, aponta que
A partir dos anos 70 face ao seu crescimento distorcido e ao processo de
globalização, o Estado entrou em crise e se transformou na principal causa da
redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e
do aumento da taxa de inflação que, desde então, ocorreram em todo o mundo
(BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 7).
39
É importante ressaltar que Fernando Henrique Cardoso adentra no governo federal ainda em 1993, através do
Ministério da Fazenda, podendo ser apontado este momento como o início da “era FHC” (FARIA, 2005).
40
Borón (2003) utiliza este termo ao analisar as reformas educacionais implantadas na America Latina. O Autor
considera que o termo “reforma”, na tradição ocidental, significa um processo de mudança em prol de uma
sociedade mais igualitária, justa e potencialmente democrática e, na América Latina, pelo contrário, a reforma, a
partir das orientações do Banco Mundial, conduziu a um processo de destruição e de “des-ciudadanización” (p.
34).
41
Esta perspectiva teórica frente à crise do Estado será tratada com mais ênfase no Capítulo II.
55
Diante de tal diagnóstico, o Estado precisava rever as estratégias de atuação que
estavam colocando-o em crise, dentre as quais se apontava principalmente o tamanho do
Estado e sua forma de regulação sobre as instituições, dentre elas as econômicas.
Reconhecendo que estas questões faziam parte da lógica de administração do Estado,
instalou-se o ponto da mudança: de uma lógica burocrática, centralizadora, passou-se a ter
ênfase na lógica gerencial, o que implicou em transformações ou criações/recriações nas suas
instituições. Nas palavras de Bresser-Pereira (1991, p. 19), “uma outra forma de conceituar a
reforma do Estado em curso, é entendê-la como um processo de criação ou de transformação
de instituições, de forma a aumentar a governança e a governabilidade.”
Com a condução da Reforma a partir da lógica gerencial, a administração do Estado
passou a assumir novos contornos, os quais são explicitados por Bresser-Pereira:
(1) descentralização do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições
para os níveis políticos regionais e locais; (2) descentralização administrativa,
através da delegação de autoridade para os administradores públicos transformados
em gerentes crescentemente autônomos; (3) organizações com poucos níveis
hierárquicos ao invés de piramidal, (4) pressuposto da confiança limitada e não da
desconfiança total; (5) controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle
rígido, passo a passo, dos processos administrativos; e (6) administração voltada
para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida (1996, p. 06).
Estas mudanças na forma de gestão do Estado implicou na estruturação de uma nova
forma de gestão como mecanismo de regulação do sistema educacional, consolidado a par das
muitas formas de intervenção dos organismos internacionais, trazendo profundas implicações
para o projeto de gestão democrática que buscava se materializar neste período.
Apesar de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reiterar o princípio de
gestão democrática, sua contribuição ficou aquém dos princípios orientadores que a sociedade
esperava. Sendo resultado de uma intensa disputa de projetos
42
que durou 8 anos, a LDBEN
aprovada consolidou a perspectiva do governo, claramente identificada com a perspectiva
neoliberal
43
.
42
Segundo Krawczyk e Vieira (2003), o impasse entre o projeto de LDBEN da sociedade civil e o projeto que
contava com o apoio dos organismos internacionais, só foi superado com a intervenção do Executivo na
tramitação da Lei, resultando em uma ruptura no processo democrático e visto como ilegítimo por setores da
sociedade.
43
Na análise de Saviani (2004) sobre o projeto aprovado da LDB, trata-se de um “documento legal que está em
sintonia com a orientação política dominante hoje em dia que vem sendo adotada pelo governo atual em termos
gerais e, especificamente, no campo educacional. O Ministério da Educação, em lugar de formular para a área
uma política global, enunciando claramente as suas diretrizes assim como as formas de implementação e
buscando inscrevê-las no texto do projeto da LDB que estava em discussão no Congresso Nacional, preferiu
esvaziar aquele projeto optando por um texto inócuo e genérico” (p. 199).
56
Os mecanismos da Gestão Democrática são direcionados apenas ao âmbito escolar,
como a eleição de diretores, conselhos escolares, construção coletiva do Projeto Político
Pedagógico. No entanto, a construção democrática neste espaço tem relação direta com a
gestão dos sistemas de ensinos e da educação nacional, como um todo. Compreendendo a
gestão no campo educacional como um “(...) processo político-administrativo
contextualizado, através do qual a prática social da educação é organizada, orientada e
viabilizada” (BORDIGNON; GRACINDO, 2000, p. 147), não é possível divorciar as
diferentes instâncias do ensino público. A gestão da educação envolve processos que se dão
tanto no nível macro da educação, quanto em nível de unidades escolares.
Neste sentido, as mudanças no padrão de gestão da educação, repercutem nos espaços
da gestão escolar. A gestão do sistema de ensino que estiver orientada pela lógica da
democracia contribuirá para a construção da gestão democrática no espaço escolar, do
contrário, reverterá em prejuízos para o andamento deste processo nas unidades escolares.
Vitor Paro (2007), ao realizar uma análise da forma como foi regulamentado o
princípio de gestão democrática da educação na LDBEN, aponta para a “pobreza” do seu
conteúdo em relação ao que a sociedade civil reivindicava ao inserir este princípio na Carta
Magna de 1988. Novamente, a regulamentação da gestão democrática foi preterida, sendo
relegada agora para o âmbito dos sistemas de ensino:
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os
seguintes princípios:
I participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político
pedagógico da escola;
II participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes. (BRASIL, 1996).
Diante da forma como se apresenta a gestão democrática na LDBEN, Paro faz a
seguinte avaliação:
[...] ao renunciar a uma regulamentação mais precisa do princípio constitucional da
“gestão democrática” do ensino básico, a LDB, além de furtar-se a avançar, desde já,
na adequação de importantes aspectos da gestão escolar, como a própria
reestruturação do poder e da autoridade no interior da escola, deixa também à
iniciativa de estados e municípios cujos governos poderão ou não estar articulados
com interesses democráticos a decisão de importantes aspectos da gestão, como a
própria escolha dos dirigentes escolares (PARO, 2007, p. 75).
Diante disso, a LDBEN contribuiu mais para dar legitimidade às experiências de gestão
democrática que vinham acontecendo em alguns sistemas de ensino, do que suscitar um
57
processo de democratização dos sistemas como um todo. Apesar de que elementos normativos
por si só, não são capazes de instituir a dinâmica democrática no campo educacional, sua
ausência permite a formação de um campo aberto em que diferentes concepções e lógicas de
gestão se inserem. Desta forma, extingue-se a possibilidade de construção de um espaço
democrático, que pode atuar não somente como forma de gestão, mas também na construção
de uma cultura democrática que contribua para o avanço da democracia na sociedade.
Pode-se apontar que a trajetória de instituição da gestão democrática no âmbito da
legislação da educação sofre a intervenção de dois momentos distintos da vida política e
econômica brasileira: de um lado, quando da sua instituição na Constituição Federal, sofre os
impasses de um congresso que reflete as marcas do passado autoritário, regido por práticas
patrimonialistas, resultando na sua aprovação com algumas restrições; de outro, apesar de
reiterado pela LDBEN 9394/96, é subsumido no âmbito do projeto neoliberal de sociedade
marcas do presente momento histórico traduzindo-se em uma técnica de gestão voltada
para as necessidades do momento político-econômico de redefinição do papel do Estado.
Conforme constata Peroni (2003), a política educacional desenvolvida nos anos 1990,
fez parte da própria constituição da Reforma do Estado. Neste sentido, pode-se apontar que
este processo empregou à educação a mesma lógica de Gestão do Estado: a gestão gerencial, a
qual surge, segundo as próprias palavras do “Ministro da Reforma”, “inspirada nos avanços
realizados pela administração de empresas” (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 05).
Esta situação demanda um aprofundamento sobre a situação da democracia no
momento atual do capitalismo e do projeto de gestão democrática da educação através da
inserção da gestão gerencial no âmbito das instituições públicas, entendida como uma nova
forma de “administração geral”, a exemplo da administração fordista/taylorista, e que vem
ganhando espaço e credibilidade no campo educacional. Este assunto será o tema do próximo
capítulo.
58
C
APÍTULO
II
A
D
EMOCRACIA E A
G
ESTÃO
D
EMOCRÁTICA FRENTE À
R
ESSIGNIFICAÇÃO DE SEUS
C
ONCEITOS NO
C
ONTEXTO
A
TUAL
Este capítulo se desenvolve a partir do objetivo de compreender os desafios impostos à
democracia e, em especial ao campo da gestão democrática, a partir da sua ressignificação no
âmbito do projeto neoliberal e da Gestão Gerencial incorporada ao setor público.
Para tanto, na primeira seção do Capítulo situa-se, ainda que sucintamente, o debate
teórico e as disputas travadas em torno da questão democrática ao longo do século XX e os
paradoxos que acompanham esta prática no contexto atual. Contextualiza-se o momento atual,
buscando sua elucidação a partir da crise capitalista de 1970 e os desdobramentos de suas
estratégias de superação reestruturação produtiva, neoliberalismo, Terceira Via para o
andamento do projeto democrático de sociedade no contexto brasileiro.
No âmbito desse processo, na segunda seção do Capítulo, situa-se, a partir das
mudanças na forma de gestão do Estado, as implicações do novo padrão de gestão para o
campo educacional e a ressignificação dos mecanismos de gestão democrática frente a nova
forma de regulação da educação pelo aparelho estatal.
2.1 Do Elitismo Democrático à Democracia Participativa: a difícil travessia
Ao tratar da gestão democrática do ensino público apresenta-se o desafio de qualificar
o debate em torno de qual democracia se fala, tendo em vista os inúmeros predicativos que se
associam à questão democrática e o fato de todos se dizerem, nominalmente, democratas,
conduzindo assim à banalização de seu sentido. A multiplicidade de adjetivos que
acompanham o termo denota que esta prática sofre mutações históricas, resultante dos
interesses e disputas entre as diferentes forças sociais, ao mesmo tempo em que ao ser
entendida como processo está em permanente aperfeiçoamento. Esta situação se reflete no
quadro teórico acerca da temática, o qual se encontra em constante debate em torno de sua
definição (COUTINHO, 2002), denotando que a democracia indica um campo em disputa
59
por diferentes correntes/escolas/tradições que reivindicam legitimidade no plano discursivo
quer acadêmico, político ou societário” (RIBEIRO; COUTINHO, 2006, p. 14).
Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer (2002), ao analisarem historicamente
a trajetória da democracia, chegam à constatação de que o Século XX foi um marco no que
diz respeito à centralidade assumida pela democracia, tendo em vista as disputas travadas
neste campo. Tais disputas deram-se especialmente após as duas guerras mundiais e ao longo
da Guerra Fria, envolvendo duas posições principais: na primeira metade do século, a
desejabilidade ou indesejabilidade da democracia; na segunda metade, as condições
estruturais da democracia e a compatibilidade ou incompatibilidade entre democracia e
capitalismo.
Das disputas em torno da primeira posição, segundo os autores, apesar de ter saído
como vitoriosa a desejabilidade da democracia, o modelo que se tornou hegemônico ao final
da primeira metade do século culminou na “restrição das formas de participação e de
soberania ampliadas em favor de um consenso em torno de um procedimento eleitoral para
formação de governos” (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 40). Esse resultado encaminhou o
desfecho do segundo embate, ou seja, sobre a relação entre democracia e capitalismo, uma
vez que o modelo hegemônico de democracia o liberal não representava riscos à estrutura
capitalista de sociedade.
Para situar os argumentos e propostas teóricas construídos neste espaço de discussão e
lutas políticas, cabe relacioná-los aos fatores que conduziram a questão democrática ao grau
de importância adquirido no século XX. Conforme Coutinho (2002), a o século XX, o
liberalismo enquanto corrente representativa dos interesses e ascensão da burguesia à classe
dominante ou não se interessou pela questão da democracia, ou se manteve avesso às
propostas democráticas.
Como adverte Bobbio (2005), a atual existência de regimes denominados liberal-
democráticos não significa a interdependência entre liberalismo e democracia, antes, oculta a
trajetória histórica de conflitos entre estas duas orientações políticas. Pelo contrário, “um
Estado liberal não é necessariamente democrático” e “um governo democrático não dá vida
necessariamente a um Estado Liberal” (BOBBIO, 2005, p. 07). Esta oposição encontra seus
fundamentos nos princípios e objetivos de um e outro regime político: enquanto o liberalismo
constitui-se em um modelo de Estado com participação restrita àqueles que são “possuidores”
(proprietários), a democracia, como definida por Rousseau, se fundamenta na participação de
todos na constituição do poder (soberania popular).
60
No entanto, as relações entre liberalismo e democracia começam a adquirir novos
contornos, a partir do movimento inaugurado por Rousseau, ao dirigir suas críticas à
sociedade liberal, e consequentemente ao capitalismo, em prol de uma sociedade
democrático-popular. As críticas e proposições democráticas de Rousseau, além de gerar
reações por parte de intelectuais liberais
44
, orientaram a ação de sujeitos políticos durante a
Revolução Francesa, como os jacobinos (COUTINHO, 2002).
Somado a isso, as crescentes pressões sociais em torno de direitos civis e políticos, ao
longo do século XIX, e a conquista do sufrágio universal, no início do século XX, forçaram,
cada vez mais, os regimes liberais a assimilar elementos da democracia. Como se refere
Wood (2006), as classes dirigentes passaram a reivindicarem-se democráticas em resposta às
“lutas populares que eventualmente tornaram impossível continuar negando direitos políticos
primitivos às massas, e particularmente à classe trabalhadora” (p. 385). No entanto, o ganho
da democracia neste momento não representou igualmente ganhos para as classes populares,
uma vez que foram assimilados apenas elementos isolados da democracia, descaracterizando
as suas “virtualidades redistributivas” (AVRITZER; SANTOS, 2002, p. 40).
Frente à irreversibilidade do avanço democrático, o debate deixa de ser em torno da
desejabilidade ou não da democracia, mas sim a sua forma desejável e compatível aos
interesses da classe dominante, tendo em vista suas implicações na relação entre Estado e
economia. Este desafio teórico e prático se impõe tendo em vista a incompatibilidade entre
democracia genuína e capitalismo, na medida em que, segundo Wood (2003)
Não existe um capitalismo governado pelo poder popular, não capitalismo em
que a vontade do povo tenha precedência sobre os imperativos do lucro e da
acumulação, não capitalismo em que as exigências de maximização dos lucros
não definam as condições mais básicas da vida (p. 08).
Joseph Schumpeter é um dos pensadores liberais que, em 1942, elabora uma solução
elitista para a questão democrática, assumida amplamente pelos regimes liberais. O
pensamento do autor, que origem ao modelo hegemônico de democracia no século XX,
aponta como crítica central ao modelo clássico de democracia a impossibilidade de existir um
governo pelo povo.
44
Como lembra Coutinho (2002), o liberal francês Benjamim Constant escreve, em 1819, que a liberdade
teorizada por Rousseau “é a liberdade do mundo antigo, ou seja, a liberdade de participar na formação do
governo, o que implica a criação de uma esfera pública da qual todos participam, onde todos discutem,
debatem[...] Mas isso, afirma Constant, não é mais liberdade dos tempos modernos. A liberdade dos tempos
modernos, diz ele, consiste em fruir na esfera privada aquilo que os indivíduos constroem para si mesmos, suas
riquezas, suas famílias, etc.” (COUTINHO, 2002, p. 13). Até mesmo Tocqueville, que apesar de convencido de
que a democracia era um processo irreversível, temia a tirania da maioria.
61
Para defender sua tese, Schumpeter alega que é impossível definir um único bem
comum para todo o povo. Nas palavras do autor, “Não se deve isso primariamente ao fato de
que as pessoas podem desejar outras coisas que não o bem comum, mas pela razão muito mais
fundamental de que, para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum provavelmente
significará coisas muito diversas.” (1961, p. 307).
Ciente de que Nenhuma dificuldade com a democracia, exceto, talvez, a maneira
de fazê-la funcionar” (1961, p. 306), Schumpeter passa a elaborar e defender à sua maneira
uma forma de fazê-la funcionar (ou seria torná-la funcional ao capitalismo?). Considerando,
no seu ponto de vista, a impossibilidade de existir um bem comum a todo o povo, o fato de
que o desejo de uma maioria não é o desejo de todos e de que as pessoas não têm capacidade
de opinar sobre todas as questões, além da impossibilidade de colocar em prática um modelo
antigo de democracia em um Estado Moderno, que tem uma sociedade plural, dimensões
geográficas e populacionais muito maiores, Schumpeter propõe inverter os pilares da
democracia clássica
45
. Enquanto na concepção clássica de democracia a eleição de
representantes é uma questão secundária, pois o foco está no poder de decisão do povo nas
questões políticas, cabendo aos representantes apenas legitimar as decisões do povo, no
modelo proposto pelo autor a eleição de representantes passa para o centro do processo, tendo
o povo apenas a função de “formar um governo” (SCHUMPETER, 1961).
A partir desta mudança, o conceito de democracia, que adquire uma conotação
procedimentalista, passa a ser um “sistema institucional, para a tomada de decisões políticas,
no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do
eleitor” (SCHUMPETER, 1961, p. 328). Ou seja, a democracia passa a ser definida como um
conjunto de normas e regras para escolher e autorizar governos. A soberania do povo passa a
vigorar nos termos de eleger periodicamente, dentre as opções do “mercado político”, aquele,
hipoteticamente, mais capacitado para governar. O eleitor passa a ser encarado como
“consumidor de bens públicos” e os políticos, os “empresários”, que apresentam suas
propostas no “mercado político” e disputam os votos (a compra) dos eleitores.
Neste modelo de democracia a “função dos votantes não é a de resolver problemas
políticos, mas a de escolher homens que decidirão quais são os problemas e como resolvê-los
a política é uma questão de elites dirigentes” (CHAUÍ, 2006, p. 145), que as questões
políticas não fazem parte do espectro de interesses imediatos do cidadão comum. Segundo
Schumpeter, o cidadão comum “desce para um nível inferior de rendimento mental logo que
45
A democracia clássica, para Schumpeter, se constitui a partir das idéias de Rousseau, as quais se inspiram nas
experiências de democracia em Atenas.
62
entra no campo político” (1961, p. 319). É possível que ele empregue “menos esforço
disciplinado para dominar um problema político do que gasta numa partida de bridge”,
arrebata o autor (p. 318). Dessa forma um elemento importante na teoria schumpeteriana é a
valorização da apatia política, pois o cidadão não precisa se envolver nas questões políticas,
pelo contrário, delega esta função a alguém através do voto. O que caracteriza o governo
democrático, segundo Schumpeter (1961), não é a ausência de elites dirigentes (fazendo
referência à Aristocracia), mas a existência de muitas elites concorrendo entre si para a
conquista do voto do eleitor.
Macpherson elabora uma crítica ao modelo shumpeteriano de democracia,
denominando-o de um modelo de “equilíbrio elitista pluralista”. O autor justifica estes
predicativos explicando que o modelo
É pluralista porque parte da pressuposição de que a sociedade a que se deve ajustar
um sistema político democrático é uma sociedade plural, isto é, uma sociedade
consistindo de indivíduos, cada um dos quais é impelido a muitas direções por seus
muitos interesses, ora associado com um grupo de companheiros, ora com outro. É
elitista naquilo que atribui a principal função no processo político a grupos auto-
escolhidos de dirigentes. É um modelo de equilíbrio no que apresenta o processo
democrático como um sistema que mantém certo equilíbrio entre a procura e a oferta
de bens políticos (MACPHERSON, 1978, p. 81).
Este modelo, que teve também contribuição de Robert Dall, contribuiu para legitimar
as democracias dos Estados Unidos e da Inglaterra, contrapondo-se às formas mais
participativas. O grau de apatia política do cidadão estimulado pela democracia liberal se
justifica frente ao risco que o aumento da participação pode trazer ao sistema econômico,
gerando conflitos sociais. Conforme Silva (2003), “não é a passividade política que preocupa
os pluralistas, mas a maior participação, que pode colocar em risco a estabilidade do sistema”
(p. 16). Assim, resta aos indivíduos apenas as eleições como forma de controle sobre os
dirigentes políticos.
Além de Schumpeter, outro pensador liberal que segue a linha procedimentalista de
democracia, é o italiano Norberto Bobbio
46
. Também convencido de que a democracia
clássica está impossibilitada de realizar-se na sociedade moderna, Bobbio “dá o passo
seguinte ao transformar o procedimentalismo em regras para a formação de governos”
(SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 45).
No dizer de Bobbio, considerar a democracia como “participação de todos os cidadãos
em todas as decisões a eles pertinentes” (2000, p. 54) é uma proposta insensata. Essa
46
Bobbio, em sua vertente procedimentalista, segue a linha de Kelsen (Essência e valor da Democracia, 1929),
para o qual a democracia é um método para a seleção de chefes (BRANDÃO, 2006).
63
afirmativa leva em consideração as atuais condições dos Estados Nacionais, cada vez mais
populosos e mais complexos, nos quais a única forma de democracia possível e existente é a
representativa. Nesse sentido, o que se tem a fazer, segundo Bobbio, é aprimorar as regras do
procedimento democrático, uma vez que “para um regime democrático, o estar em
transformação é seu estado natural: a democracia é dinâmica” (2000, p. 19).
Esta assertiva se fundamenta no único modo, segundo Bobbio, de se chegar a um
acordo sobre a democracia, que “é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras
(primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas
e com quais procedimentos(2000, p. 30). Bobbio alega que as decisões sempre são tomadas
por indivíduos, tendo em vista que “o grupo como tal não decide” (p. 31), e por isso é preciso,
para que as decisões sejam aceitas como decisões coletivas, que se estabeleçam quais são os
indivíduos autorizados a tomar as decisões e quais procedimentos devem norteá-los. O que
distingue um governo democrático de um governo não democrático, segundo Bobbio, são as
regras do jogo, mais precisamente, “não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo,
mas, sobretudo, o fato de que estas regras, amadurecidas ao longo de séculos de provas e
contraprovas, são muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se
hoje, quase por toda parte, constitucionalizadas” (2000, p. 77).
No entanto, Bobbio admite que historicamente a democracia
[...] teve dois significados prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha
em maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para que o
poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as
assim chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um governo democrático deveria
se inspirar, que é o da igualdade. À base dessa distinção costuma-se distinguir a
democracia formal da substancial, ou, através de uma outra conhecida formulação, a
democracia como governo do povo da democracia como governo para o povo (2005,
p. 37-38).
Apesar disso, o autor enfatiza que é impossível que a democracia representativa
(conjunto de regras do jogo, ou democracia formal) venha a ser substituída pela democracia
direta (governo do povo ou democracia substancial), isto porque a democracia moderna de
modo algum pode ser desprovida de representação. A democracia direta pressupõe a
participação direta dos cidadãos nas decisões políticas, no entanto, o Estado Moderno
apresenta cada vez mais obstáculos a esta prática, como a necessidade de técnicos
especialistas para os problemas políticos. Assim, “tecnocracia e democracia são antitéticas: se
64
o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão
comum
47
” (BOBBIO, 2000, p. 46).
Entretanto, a existência de uma não pressupõe a exclusão da outra, segundo o autor.
Apesar de a democracia direta não ser suficiente para o Estado Moderno, indiretamente ela
está presente na democracia representativa (através da eleição) e pode servir de complemento
a esta. Como exemplo, Bobbio cita os referenduns “que é o único instituto da democracia
direta de concreta aplicabilidade e de efetiva aplicação na maior parte dos Estados de
democracia avançada” (2000, p. 66), mas que se trata de uma prática extraordinária para
situações extraordinárias. Esta restrição tem como fundamento salvaguardar a democracia do
excesso de demandas, pois conforme o autor, “nada ameaça mais matar a democracia que o
excesso de democracia” (2000, p. 39).
Detendo-se apenas a duas visões de intelectuais liberais sobre a democracia, pode-se
dizer, com Bobbio, que a democracia moderna não não é incompatível com o liberalismo
como “pode ser considerada, sob muitos aspectos e ao menos até certo ponto, um natural
prosseguimento” (BOBBIO, 2005, p. 37). No entanto, alerta Bobbio, sob uma condição: “que
se tome o termo ‘democracia’ em seu sentido jurídico-institucional e não o ético, ou seja, num
significado mais procedimental do que substancial” (p. 37). Esta condição se justifica, tendo
em vista que a única forma de colocar em prática o princípio de soberania popular contido na
proposta democrática em um Estado Liberal é através da “atribuição ao maior número de
cidadãos do direito de participar direta e indiretamente na tomada de decisões coletivas; em
outras palavras, é a maior extensão dos direitos políticos até o limite último do sufrágio
universal, salvo o limite de idade” (BOBBIO, 2005, p. 43).
Nesse sentido, torna-se nítido a análise de Chauí, de que “a peculiaridade liberal está
em tomar a democracia estritamente como um sistema político que repousa sobre os
postulados institucionais que se seguem, tidos, então, como as condições sociais da
democracia” (2006, p. 147). Essa foi a forma, segundo Wood (2006), que o capitalismo
encontrou para possibilitar que “os direitos políticos se convertessem em universais sem
afetar fundamentalmente a classe dominante” (p. 386). Isso porque, no capitalismo o político
47
Sobre a relação entre burocracia e democracia, Marilena Chauí rebate os argumentos de Bobbio, ao enfatizar
que: “A ampliação burocrática e tecnocrática, longe de ser conseqüência imprevista da ampliação democrática, é
a resposta encontrada pelas classes dominantes para impedir a democratização. Nada nos projetos populares-
democráticos que explique, numa relação de causa e efeito, o surgimento do mundo da organização e da
burocracia, senão como formas de controlar as exigências democráticas em nome de supostos princípios
racionais do fundamento de sociedades complexas. Afinal, se Bobbio crê em sua afirmação de que democracia é
subversiva e por isso difícil, de concordar que as classes dominantes façam o possível e o impossível para
controlar e desmantelar os efeitos de práticas democráticas” (CHAUÍ, 2006, p. 194-195).
65
e o econômico estão separados, de modo que “as pessoas podem exercitar seus direitos como
cidadãos sem afetar muito o poder do capital no âmbito econômico” (WOOD, 2006, p. 387)
48
.
Segundo Santos e Avritzer (2002), a consolidação da democracia liberal enquanto
modelo hegemônico foi possível graças ao potencial que este modelo tem de estabilizar a
tensão entre democracia e capitalismo. Esta estabilização ocorreu por duas vias:
[...] pela prioridade conferida à acumulação de capital em relação à redistribuição
social; e pela limitação da participação cidadã, tanto individual, como coletiva, com
objetivo de não “sobrecarregar” demasiado o regime democrático com demandas
sociais que pudessem colocar em perigo a prioridade da acumulação sobre a
redistribuição (p. 59).
A definição de democracia como procedimento, como referenda o modelo
hegemônico, sofre críticas principalmente da vertente marxista, que considera a democracia
muito além de uma simples prática procedimental para a formação de governos. Reduzí-la ao
campo político conduz a uma visão minimalista de democracia, descolada de qualquer sentido
econômico e político (COUTINHO, 2002) e, consequentemente, reduzida no seu potencial de
transformação social. Como aponta Silva (2003), com base em Marx, a democracia burguesa
(liberal) é uma forma específica de dominação, por meio da qual se mantém o sistema
capitalista, e que as classes dominantes não hesitam em romper com as regras do jogo quando
se sentem ameaçadas pelos movimentos de luta das classes populares” (p. 27).
Somado a isso, Santos e Avritzer (2002) apontam alguns dos principais problemas da
democracia representativa, os quais derivam da representação: o problema da representação
das múltiplas identidades e o de prestação de contas, tendo em vista a distância que se
estabelece entre o representante e o representado. De acordo com os autores,
A representação não garante pelo método da tomada de decisão por maioria que
identidades minoritárias irão ter a expressão adequada no parlamento; a
representação ao diluir a prestação de contas em um processo de re-apresentação do
representante no interior de um bloco de questões também dificulta a desagregação
do processo de prestação de contas (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 49).
48
Este arranjo político-econômico é o fator que impede uma democracia nos moldes como ocorreu na Antiga
Grécia, segundo Wood (2006). Naquele momento histórico, a exploração do trabalhador se dava através de
meios políticos e jurídicos, em outras palavras, “a capacidade de extrair mais-valia dos produtores diretos
dependeu de uma forma ou de outra da coerção direta exercida pela superioridade militar, política e jurídica da
classe exploradora” (WOOD, 2006, p. 386), como a cobrança de impostos aos camponeses e o confisco na forma
de renda para seus senhores. Portanto, a participação dos camponeses no poder político debilitava o poder de
exploração. No capitalismo, entretanto, a capacidade de exploração dos capitalistas não depende diretamente de
seu poder político ou militar, os trabalhadores para sobreviverem são obrigados a vender sua força de trabalho
em troca de salário.
66
Para enfrentar estes problemas é imprescindível a tarefa de reinventar a própria
democracia, reconhecendo ou construindo formas alternativas ao modelo hegemônico de
representação. Nas palavras de Santos e Avritzer “trata-se de perceber que a democracia é
uma forma cio-histórica e que tais formas não são determinadas por qualquer tipo de leis
naturais” (2002, p. 51) e, nesse sentido, passível de mudança, de construção de novas normas
e novas leis.
Neste sentido, apesar de subsumida frente à expansão da democracia liberal, a
democracia direta, como concebida por Rousseau, nunca saiu de cena, permanecendo nos
bastidores das lutas políticas travadas especialmente pelos movimentos populares. Inclusive
Bobbio reconhece que
[...] o ideal de democracia direta como a única verdadeira democracia jamais
desapareceu, tendo sido mantido em vida por grupos políticos radicais, que sempre
tenderam a considerar a democracia representativa não como inevitável adaptação
do princípio da soberania popular às necessidades dos grandes Estados, mas como
condenável ou errôneo desvio da idéia originária do governo do povo, pelo povo e
através do povo (2009, p. 154).
Ao lado do modelo hegemônico de democracia se desenvolveram formas alternativas,
as quais Santos e Avritzer (2002) intitulam “contra-hegemônicas
49
”. As alternativas
democráticas contra-hegemônicas, ao contrário da perspectiva liberal, concebem a democracia
para além de um regime político e deslocam-na de condições sociais específicas, passando a
concebê-la como uma “gramática social e histórica”, e que, portanto, não é determinada por
normas ou leis naturais.
A aposta das alternativas contra-hegemônicas está no alargamento da participação
como forma de romper com o círculo vicioso da apatia política, “resgatando a dimensão
pública e cidadã da política” (SADER, 2002, p. 659). Nesse sentido, a democracia passa a ser
concebida não apenas como um método para formação de governos, mas como uma prática
social que possibilita o “exercício coletivo do poder político”, representando assim um
potencial de emancipação social, ao incitar a redistribuição social através da participação de
diferentes grupos no poder.
Esta concepção de democracia adquire maior força na medida em que a democracia
liberal se generaliza e ao mesmo tempo enfrenta sua crise. Parece contraditório que em meio à
49
Sobre este conceito, Santos e Avritzer (2002) postulam que “Estamos entendendo o conceito de hegemonia
como a capacidade econômica, política, moral e intelectual de estabelecer uma direção dominante na forma de
abordagem de uma determinada questão, no caso a questão da democracia. Entendemos, também, que todo
processo hegemônico produz um processo contra-hegemônico no interior do qual são elaboradas formas
econômicas, políticas e morais alternativas. No caso do debate atual sobre democracia isso implica uma
concepção hegemônica e uma concepção contra-hegemônica de democracia” (p. 43).
67
expansão do regime democrático se situe sua crise, mas esta se deve não pela sua expansão, e
sim pela insuficiência do modelo que se tornou hegemônico, o qual Santos e Avritzer (2002)
denominam de “baixa intensidade”. Na visão destes autores, “quanto mais se insiste na
fórmula clássica da democracia de baixa intensidade, menos se consegue explicar o paradoxo
de a extensão da democracia ter trazido consigo uma enorme degradação das práticas
democráticas.” (SANTOS, AVRITZER, 2002, p. 42). Neste contexto, aponta Santos (2007), a
democracia tornou-se parte do problema, e “temos de reinventá-la se quisermos que seja parte
da solução” (p. 90).
A insuficiência do modelo democrático liberal diz respeito aos seus resultados,
especialmente no campo social. Neste sentido, a democracia participativa começa a se
delinear a partir da ação de movimentos sociais que passam a reivindicar políticas sociais
entre elas saúde, educação, trabalho – e lutar por espaços de decisões políticas. Segundo Silva
(2003), as primeiras experiências do modelo de democracia participativa, foram gestadas na
Europa durante os anos 1960, quando intensas mobilizações políticas protagonizadas pelos
movimentos popular e sindical defendiam uma maior participação na definição das políticas
governamentais.
De acordo com Santos e Avritzer (2002), estas experiências participativas que
iniciaram no Sul da Europa, e chegam à América Latina nos anos 1980, ao inserirem novos
atores na cena política, instauram uma disputa pelo significado da democracia e pela
constituição de uma nova gramática social. Neste contexto se inserem também as lutas
democráticas no campo educacional que buscavam alargar a participação da sociedade civil
na construção de políticas educacionais e as comunidades escolares nas decisões no âmbito
das instituições educativas.
De acordo com Dagnino, Olvera e Panfichi (2006), o projeto democrático-
participativo, que teve grande expressão no Brasil motivado pelos movimentos sociais,
partidos de esquerda e outras organizações da sociedade civil, tem como núcleo central o
aprofundamento e a radicalização da democracia, confrontando com nitidez “os limites
atribuídos à democracia liberal representativa como forma privilegiada das relações entre
Estado e sociedade” (p. 48). A importância da participação, neste projeto, é concebida a partir
de dois vieses: como “compartilhamento do poder decisório do Estado em relação às questões
relativas ao interesse público” e como controle social do Estado através do “acompanhamento
e monitoramento de sua ação por parte da sociedade, de modo a garantir seu caráter público”
(DAGNINO; OLVERA; PANFICHI, 2006, p. 49-50).
68
No entanto, como apontam Santos e Avritzer (2002), por ser uma prática contra-
hegemônica, a participação se em um terreno minado pelas estruturas cristalizadas de
poder. Nas palavras destes autores, “por combaterem interesses e concepções hegemônicas,
estes processos [participativos] são muitas vezes combatidos frontalmente ou
descaracterizados por via da cooptação ou da integração” (p. 60). A via da integração é a mais
perversa, pois, ao mesmo tempo em que não impede a realização de processos participativos
ao integrá-los a canais institucionais conservadores retiram seu potencial democrático e de
transformação.
Santos e Avritzer fazem esta observação em relação às vulnerabilidades da
participação tendo em vista as evidências presentes nas diversas experiências democráticas
que são apresentadas no livro Democratizar a Democracia, organizado por Santos (2002), no
qual os autores em questão fazem sua introdução. Dentre estas experiências analisadas, um
caso situado no contexto brasileiro
50
evidencia que a participação festejada pelos movimentos
sociais na década de 1980, através da conquista de canais constitucionais de participação da
sociedade civil na vida política, para além do processo eleitoral, também enfrenta os entraves
das estruturas hegemônicas de democracia. Neste sentido, tornam-se elucidativas as palavras
de Camini (2005) quando afirma que “o Estado não se democratiza apenas com a eleição de
um governo democrático, envolve uma disputa, um jogo de forças mais complexo e
contraditório na sociedade” (p. 22).
Borón (1994), ao analisar o processo de redemocratização dos países da América
Latina, aponta que
[...] o problema é que a recuperação democrática da nossa região tropeça com um
mercado mundial cujos centros dominantes se tornaram mais céticos acerca das
virtudes da democracia em seus próprios países e bastante indiferentes – quando não
dissimuladamente hostis acerca das tentativas de instituí-las nas sociedades
dependentes (p. 24).
A partir destas premissas, o tópico seguinte deste capítulo aborda os desafios
enfrentados pelo processo de redemocratização do Brasil, a partir dos anos 1980, e dos
entraves à consolidação de políticas educacionais voltadas à democratização da gestão
escolar, a partir das mudanças instauradas no contexto político-econômico do país. Esta
50
A experiência brasileira refere-se ao texto de Maria Célia Paolli “Empresas e responsabilidade social: os
enredamentos da cidadania no Brasil”, que analisa o ativismo social dos empresários frente à exclusão social. O
caso analisado ilustra como o ideal de participação da sociedade civil, idealizado pelos movimentos sociais da
década de 1970 e 1980, pode ser cooptado pelos setores hegemônicos e canalizado para o desmonte das políticas
públicas e, além disso, utilizado como estratégia de promoção para as empresas envolvidas.
69
abordagem tem o propósito de delinear o campo em que se insere a política de gestão
proposta pelo atual governo do RS, o que será tratado no próximo capítulo.
2.2 Ressurgimento Democrático no Brasil: a perversidade do momento atual
O título deste tópico faz referência à análise de Dagnino (2004a; 2004b; 2004c) sobre
o processo de redemocratização do Brasil. Com a abertura política da década de 1980, o
debate acerca da democracia ganha novo fôlego, embora intrincado em contradições e
paradoxos. De acordo com a Cientista Política, o processo democrático que ressurge no país
com o fim da ditadura militar enfrenta uma confluência perversa de seus princípios com a
ideologia neoliberal que adentra no cenário brasileiro na década de 1990, resultando em um
deslocamento de sentidos em torno dos elementos democráticos.
De um lado, com a Constituição de 1988, conhecida como a mais Cidadã da história
brasileira, inicia-se um processo de alargamento da democracia, alcançado através da criação
de novos espaços públicos de participação da sociedade civil na tomada de decisões
políticas
51
. Nesta conquista da sociedade civil, segundo Dagnino (2004a), relacionam-se dois
marcos importantes. Um deles diz respeito ao reestabelecimento da democracia formal, que
permitiu que esse projeto democrático, configurado no interior da sociedade, pudesse alcançar
as esferas do poder executivo. O segundo, e como decorrência, marca uma nova forma de
relação entre Estado e sociedade civil, em que o confronto e o antagonismo que tinham
marcado esta relação nas décadas anteriores dão espaço a uma “aposta na possibilidade da sua
ação conjunta para o aprofundamento democrático” (2004a, p. 197).
De outro lado, o projeto neoliberal que entra em cena no país na década de 1990,
através da globalização capitalista e da Reforma do Estado, introduz a noção de Estado
Mínimo
52
que reduz progressivamente o princípio de garantia de direitos sociais, ao isentar-se
de suas responsabilidades sociais repassando-as para a sociedade civil. Neste cenário, a
sociedade civil é chamada a participar, como conseqüência da descentralização político-
administrativa do Estado que desloca execução e controle das políticas sociais para o nível
local. Apesar de valer-se de elementos comuns ao projeto democrático, como participação,
51
A Constituição Federal de 1988 incluiu mecanismos de democracia direta e participativa. Entre eles, o
estabelecimento de Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos níveis municipal, estadual e federal, com
representação paritária do Estado e da sociedade civil, destinados a formular políticas sobre questões
relacionadas com a saúde, crianças e adolescentes, assistência social, mulheres, etc. (DAGNINO, 2004a).
52
É válido ressaltar, como aponta Peroni (2003) que o Estado Mínimo oriundo do neoliberalismo é mínimo
apenas no campo social, pois no campo econômico continua sendo máximo.
70
sociedade civil e cidadania, a identidade de propósitos é apenas aparente, tendo em vista que o
neoliberalismo constitui-se em uma estratégia ideológica do capital para superar a crise
enfrentada a partir dos anos 70.
No entanto, como aponta Dagnino (2004b), esta “similaridade” entre o projeto
neoliberal e o democrático é cuidadosamente construída “através da utilização de referências
comuns, que tornam seu deciframento uma tarefa difícil, especialmente para os atores da
sociedade civil envolvidos, a cuja participação se apela tão veementemente e em termos tão
familiares e sedutores” (p. 142). Neste sentido, instala-se a perversidade que atravessa o
avanço democrático no Brasil, pois
Por um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo positivo das
décadas de luta pela democratização, expresso especialmente mas não pela
Constituição de 1988, que foi fundamental na implementação destes espaços de
participação da sociedade civil na gestão da sociedade. Por outro lado, o processo de
encolhimento do Estado e da progressiva transferência de suas responsabilidades
sociais para a sociedade civil, que tem caracterizado os últimos anos, estaria
conferindo uma dimensão perversa a essas jovens experiências, acentuada pela
nebulosidade que cerca as diferentes intenções que orientam a participação
(DAGNINO, 2004b, p. 143).
Diante deste cenário, pode-se apontar que enquanto no século XX a disputa
democrática se dava em torno de formas variantes de democracia, atualmente a disputa dá-se
em termos muito mais sutis, permeados de ambigüidades e nebulosidades. A disputa passa a
ser um jogo de sentidos, em que as palavras não demarcam mais diferenças, antes as
confundem. Nunca a participação foi tão requisitada e ao mesmo tempo tão banalizada em seu
sentido político.
Compreender como se instaura esta confluência de projetos antagônicos que atravessa
a dinâmica do processo democrático na sociedade brasileira, requer a compreensão das
mudanças político-econômicas deste período, que produziram uma expansiva transformação
na sociedade. Para tanto, investe-se em uma análise sobre o neoliberalismo e sua coadjuvante,
a Terceira Via, apontando as estratégias empregadas para a obtenção do consenso em torno
das mudanças necessárias ao atual momento histórico do capitalismo e suas implicações à
prática da democracia.
71
2.2.1 A Democracia diante do ideário Neoliberal e da Terceira Via
Para compreendermos os elementos que compõem este cenário perverso à democracia,
torna-se necessário retrocedermos historicamente a fim de situar o momento em que se dão as
bases do projeto neoliberal. Segundo Harvey (2008a), as transformações ocorridas no final do
século XX que acarretaram sinais de modificações profundas em processos de trabalho,
hábitos de consumo, poderes e práticas do Estado, entre outros, tem a ver com as
transformações operadas no sistema capitalista, a partir da crise iniciada nos anos 1970. Tal
crise impôs ao capitalismo a necessidade de uma “transição no regime de acumulação e no
modo de regulamentação social e política a ele associado” (HARVEY, 2008a, p. 117), no
entanto, sem alterar o fato de que “as regras básicas do modo capitalista de produção
continuarem a operar como forças plasmadoras invariantes (p. 117)” no desenvolvimento da
sociedade.
Após um longo período de expansão, o denominado pós-guerra, que se estendeu de
1945 até por volta de 1973, o tripé que sustenta o sistema capitalista Capital, Trabalho e
Estado começa a dar sinais de crise (ANTUNES, 2005). As conseqüências mais visíveis
foram a queda da taxa de lucros; o esgotamento do padrão de acumulação fordista/taylorista
de produção, frente à sua incapacidade de responder à retração de consumo estimulada pelo
aumento do desemprego e às greves operárias
53
, agravando ainda mais a taxa de lucro; e a
crise do Estado de Bem-Estar-Social
54
(Welfare State), tendo em vista sua intervenção
“prejudicial” à economia e o alto custo na garantia dos direitos sociais, o que acarretou a crise
fiscal do Estado Capitalista.
O que se torna visível com esta crise, segundo Harvey (2008a) é a incapacidade do
regime de acumulação fordista e do Keynesianismo em conter as contradições inerentes ao
capitalismo. No entanto, a resposta à crise partiu de uma visão fenomênica que resultou em
53
De acordo com Sergio Lessa (2005, p. 76) a “impossibilidade ontológica de tornar repetíveis os atos humanos
é a razão última para que a tentativa do taylorismo em padronizar absolutamente os atos singulares de trabalho
tenha sido fadada ao fracasso desde o seu início. De fato, como tornar idênticos atos que sempre produzem algo
novo tanto no mundo material que transforma quanto no indivíduo que o executa? Quantificados os atos
humanos, padronizados seus movimentos constituintes, doutrinada a subjetividade operária pela ideologia
dominante, ainda assim os atos de trabalho são sempre distintos, suas singularidades não são passíveis de
cancelamento. Essa a razão fundamental para que o sonho dos “cientistas” do taylorismo não possa descer a
terra: a padronização que almejavam é ontologicamente impossível.”
54
Esta forma de Estado emergiu na Europa a partir da Segunda Guerra Mundial, orientando-se pelas idéias de
John Keynes que partia do pressuposto de que o Estado deveria “concentrar-se no pleno emprego, no
crescimento econômico e no bem-estar de seus cidadãos, e de que o poder do Estado deveria ser livremente
distribuído ao lado dos processos de mercado – ou, se necessário, intervindo ou mesmo substituindo tais
processos – para alcançar esses fins” (HARVEY, 2008b, p. 20).
72
uma mudança no padrão produtivo (regime de acumulação) e na adoção do neoliberalismo
como modo de regulação social e política desta nova fase do capitalismo (HARVEY, 2008a).
No tocante ao regime de acumulação, a solução para a rigidez do fordismo foi investir
em formas flexíveis de produção apoiado no uso de novas tecnologias, ao invés das máquinas
pesadas; diversificar a produção, ao invés da produção em massa do fordismo; aplicar o just
in time, ou seja, produção somente após a venda do produto a fim de melhor aproveitar o
tempo de produção, ao invés dos estoques de mercadoria que podem resultar em prejuízo na
ausência do consumo (ANTUNES, 2005). Esta nova organização do trabalho, a acumulação
flexível (HARVEY, 2008a) ou toyotismo (ANTUNES, 2005)
55
, através da Gerência da
Qualidade Total, imprimiu uma nova forma de relação entre capital e trabalho, demandando
um trabalhador mais qualificado, participativo e polivalente. Aparentemente uma organização
muito mais favorável do que no modelo fordista, em que o trabalho simples e repetitivo era
um fardo ao trabalhador. No entanto, se mantém o caráter essencialmente capitalista de
produção do lucro através da exploração do trabalho e dessa forma os novos elementos
agregados ao trabalho cumprem acima de tudo a função de expandir o capital. Conforme
aponta Paula (2005) a administração participativa do processo de trabalho não implica em
emancipação do trabalhador, no geral significa atribuição de novos encargos sem concessão
de poder. O maior beneficiado com isso, portanto, não é o trabalhador e sim a empresa, pois
“esse modo de gestão aumenta a identificação do trabalhador com a empresa e possibilita a
redução de cargos à medida em que concentra um maior número de responsabilidade em um
único funcionário” (PAULA, 2005, p. 92).
Nesse sentido, a aparente flexibilidade e autonomia no trabalho traduzem-se em maior
exploração da força produtiva. A superação do automatismo (fordismo/taylorismo) da
produção pela maior participação do trabalhador (toyotismo), não reduz a alienação em
relação à produção, considerando que cada vez mais as “personificações do trabalho” tendem
a se converter em “personificações do capital” (ANTUNES, 2005). Ao mesmo tempo em que
55
Sistema de produção desenvolvido no âmbito da fábrica da Toyota no Japão, iniciando-se em 1947. Foi
desenvolvido pelo engenheiro industrial da Toyota Taiichi Ohno, tendo como objetivo enfrentar a crise
financeira do pós-guerra, quando se demitiu inúmeros funcionários, e logo em seguida a empresa foi solicitada a
aumentar sua produção, em virtude da demanda da Guerra da Coréia. A necessidade de aumentar a produção
sem poder recorrer à admissão de novos trabalhadores, levou Ohno a agregar no mesmo posto de trabalho
diferentes máquinas e agrupar diferentes funções de trabalho, gerando um trabalhador polivalente, capaz de
realizar ao mesmo tempo funções de planejamento, execução e controle da qualidade (PINTO, 2007). Assim, a
participação maior no processo de produção pelo trabalhador, quer dizer neste sistema ampliação na capacidade
produtiva do trabalhador e aumento do lucro para a empresa uma vez que deixa de contratar mais funcionários.
Antunes (2005) ressalta que a adoção do toyotismo no ocidente gerou um processo de adaptação singular,
especialmente em relação à segurança do trabalhador no emprego, que no ocidente representa menos de 11% da
força de trabalho das empresas, contra 30% no Japão.
73
as demandas de consumo aumentam em velocidade ímpar, através da capacidade do capital de
fundir necessidade produtiva e necessidade de vida, contraditoriamente, a dificuldade em
ingressar e manter-se no mundo do trabalho (formal) se intensifica.
Esta reestruturação produtiva trouxe como algumas das conseqüências ao trabalhador
o desmantelamento das forças sindicais e o aumento do desemprego. A flexibilização da
organização do trabalho flexibiliza também os espaços e os tempos, visto que as novas
tecnologias empregadas no processo produtivo permitem o deslocamento da produção (em
algumas áreas o funcionário não precisa necessariamente estar na empresa para produzir) e do
ritmo da produção, gerando trabalhos temporários, casuais. Estas alterações acirram a
competitividade entre os trabalhadores e contribuem para o desmantelamento das
organizações sindicais, seja através da separação dos trabalhadores no espaço de trabalho, ou
através de sua conversão ao interior das empresas, “sindicalismo dócil” (ANTUNES, 2005).
Além disso, o uso crescente de tecnologias microeletrônicas no processo produtivo diminui
ainda mais os postos de trabalho ao mesmo tempo em que aumenta a exploração do
trabalhador, que passa a ter seu próprio consentimento, visto que a massa de trabalhadores
desempregados é funcional ao capitalismo. Como Marx apontava, constitui-se no “exército
industrial de reserva”, que tem como função pressionar os salários para baixo e desintegrar as
organizações sindicais.
Conforme conclui Silva (2001) o “Toyotismo ou a Gerência da Qualidade Total são a
sistematização e a resposta dadas pelos gestores do capital às complexificações postas em
momentos de crise do próprio movimento do capital” (p. 80). Enfim, muda-se a gestão para
conservar o capital.
Esta nova organização/administração do mundo do trabalho suscitou um mercado
muito mais flexível e expansível para além das fronteiras nacionais (mercado global),
impondo, ao mesmo tempo em que gerando, uma nova forma de atuação do Estado, que a
forma de regulação econômica, social e política próprias do Keynesianismo representam
limitações para esta nova fase do capitalismo. Novamente, a leitura feita pelos defensores do
sistema do capital é de que este modelo de Estado estaria em crise e as alternativas apontadas
enfatizam o retorno aos mecanismos naturaisdo mercado (BIANCHETTI, 2005), os quais
foram desvirtuados a partir das políticas redistributivas e pela regulação do mercado
promovidas pelo Estado de Bem-Estar Social
56
. Neste sentido, assim como o modelo fordista
56
Vale ressaltar que no Brasil, assim como a maioria dos países de Terceiro Mundo, não tivemos um Estado de
Bem-Estar Social, apesar das medidas protecionistas do governo Vargas, a economia brasileira no século XX
passou boa parte subordinada ao capitalismo monopolista.
74
de produção necessitou de um sistema de regulamentação por parte do Estado e de uma
ideologia que sustentasse uma forma de vida adequada as suas necessidades, as mudanças
demandadas no mercado capitalista deste momento histórico requerem novos marcos
reguladores e ideológicos que estimulem a sociedade a aderir a um novo modo de vida. Nas
palavras de Neves e Sant’ana, uma nova Pedagogia da Hegemonia (2005).
Este conceito, segundo Neves, é inspirado em Gramsci, para o qual “toda relação de
‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no
interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo
internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais” (apud
NEVES; SANT’ANA, 2005, p. 27). Nesse sentido, afirma Neves e Sant’ana (2005), o Estado
capitalista, na condição de educador, desenvolveu e desenvolve “uma pedagogia da
hegemonia com ações concretas na aparelhagem estatal e na sociedade civil” (p. 27).
Retomam-se então, com base nas teorias econômicas clássicas e neoclássicas
57
, a tese
de que “as relações econômicas de mercado são a única forma de distribuição dos bens, que
mantém o equilíbrio entre a demanda crescente e uma oferta limitadas pelas possibilidades da
própria natureza” (BIANCHETTI, 2005, p. 22), gerando o modelo ideológico, político e
econômico adequado a esta nova fase capitalista, denominado neoliberal. Enquanto o
liberalismo assentou suas forças contra o Estado mercantilista e as corporações, o
neoliberalismo, no século XX, renova esta luta ao direcionar-se contra o Estado de Bem-Estar
Social e os sindicatos e centrais sindicais, que segundo os neoliberais, incorporam-se ao
Estado para sabotar as bases da acumulação privada (MORAES, 2001). Para os neoliberais os
inimigos agora vestiam novas roupagens, mas revelam “as mesmas taras e perversões
(MORAES, 2001, p. 28). O Estado-providência, segundo Hayek, atua como “destruidor da
liberdade dos cidadãos e da competição criadora, bases da propriedade humana” (apud
MORAES, 2001, p. 28).
Como afirma Harvey (2008b), nenhum modo de pensamento consegue atingir grandes
proporções sem se utilizar de um aparato conceitual que mobilize sentimentos, valores e
desejos dos sujeitos. O neoliberalismo se tornou dominante justamente por cumprir esta tarefa
através de seus ideais de dignidade humana e de liberdade individual colocados como
“valores centrais da civilização”. Estes ideais são caros a qualquer projeto de sociedade e
57
Segundo Harvey (2008b), “o rótulo ‘neoliberal’ marcava sua adesão aos princípios de livre mercado da
economia neoclássica que emergiu na segunda metade do século XIX (graças aos trabalhos de Alfred Marschall,
Wiliam Stanley Jeovons e Leon Walras) para substituir as teorias clássicas de Adam Smith, David Ricardo e
naturalmente, Karl Marx. Mas também seguiam a idéia de Adam Smith de que a mão invisível do mercado
constituía o melhor recurso de mobilização de mesmo os mais vis instintos humanos, como a gula, a ambição e o
desejo de riqueza e poder em benefício de todos” (p. 30).
75
segundo os neoliberais estariam sendo ameaçados não somente pelas ditaduras e comunismo,
mas também pela intervenção do Estado ao substituir os julgamentos individuais por juízos
coletivos (HARVEY, 2008b). Em contraposição a esta ameaça “o pressuposto de que as
liberdades individuais são garantidas pela liberdade de mercado e de comércio” constitui um
elemento vital do pensamento neoliberal (HARVEY, 2008b, p. 17).
A corrente de pensamento neoliberal, conforme lembra Moraes (2001), não nasce a
partir da crise capitalista dos anos 1970, suas bases vinham sendo construídas ao lado do
desenvolvimento e apogeu do Estado de Bem Estar Social, na Europa, e do Estado
desenvolvimentista e nacional-populismo na América Latina, e é claro suas idéias vinham de
encontro a estas formas de Estado. Ridicularizados, os pensadores neoliberais foram vistos
durante muito tempo como “sobreviventes de um laissez-faire paleolítico e sem futuro.
Dinossauros do livre-cambismo” (MORAES, 2001, p. 31). Apesar de não ter sido acatado
como alternativa no contexto do pós-guerra, em que as idéias de Keynes tiveram maior
respaldo, o grupo dos neoliberais continuaram se fortalecendo política e teoricamente
58
culminando com o momento histórico da crise na década de 1970 que favoreceu sua ascensão.
Segundo Harvey (2008), a ascensão das idéias neoliberais foi alimentada, inclusive
economicamente, pelo desejo de restauração do poder das elites econômicas, diante da
ameaça das forças populares e socialistas que se fortaleceram mediante a crise.
O pensamento neoliberal se desenvolve, de acordo com Moraes (2001) a partir de três
principais escolas, sendo o pensamento de Friedrich August Von Hayek, com o célebre livro
Caminho da Servidão (1946), e Milton Fridmam os grandes sustentáculos desta ideologia.
Tais escolas, por ordem de nascimento, são: a Escola Austríaca, que tem como base o
pensamento de Hayek; a Escola de Chicago, que tem como principal expoente Milton
Fridmam; e a Escola de Virgínia ou Public Choice (Teoria da Escolha Pública), liderada por
James Buchanan.
A visão em comum que estas escolas têm, segundo Moraes (2001), é de que o
mercado é o organizador do mundo social, e que a intervenção do Estado deve ser no sentido
de garantir as liberdades individuais e não restringir suas iniciativas. De acordo com Harvey
(2008b, p. 12),
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas
que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as
58
Um grupo de defensores das idéias neoliberais (entre eles Ludwig Von Misses, Milton Friedman e Karl
Popper) se congregaram em torno do renomado filósofo político austríaco Friedrich Von Hayek e criaram a
Mont Pelerin Society, que leva o nome do spa suíço em que se reuniram pela primeira vez, em 1947, e se
constituiu (HARVEY, 2008b).
76
liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura
institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres
mercados e livre comércio.
Nesta perspectiva, o papel do Estado é “criar e preservar uma estrutura institucional
apropriada a essas práticas” (HARVEY, 2008b, p. 12). A intervenção do Estado nos
mercados, ao contrário do Estado de Bem-Estar Social, deve ser mantida num nível mínimo,
isso porque o “Estado [na visão dos neoliberais] possivelmente não possui informações
suficientes para entender devidamente os sinais do mercado e porque poderosos grupos de
interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções do Estado” (p. 12),
especialmente nas democracias.
Neste sentido, para os neoliberais, as raízes da crise estariam nos efeitos nefastos
promovidos pelo Estado ao ceder às pressões de aumento dos gastos sociais e suas
intervenções econômicas e pelos sindicatos a partir de suas reivindicações salariais, que
enfraqueceram as bases da acumulação capitalista. De acordo com Anderson (1995),
O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de
romper com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os
gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a
meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina
orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa
“natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho
para quebrar os sindicatos (p. 11).
Esta prática do Estado sob as bases do neoliberalismo, segundo Peroni (2003),
desmistifica a crença do Estado nimo, visto que ela vale apenas para as políticas sociais.
Conforme constata a autora, mesmo os governos mais empenhados com a lógica neoliberal
“têm sido grandes interventores a favor do grande capital, o que ressalta mais uma vez o
caráter classista do Estado, que, ao mesmo tempo em que se torna mínimo para as políticas
sociais e de distribuição de renda, configura-se como Estado Máximo para o capital
(PERONI, 2003, p. 33). A crise bancária iniciada no ano de 2008 nos EUA e que se estendeu
pelos diversos continentes em decorrência da organização mundial do capital, refletiu a
importância do Estado nas estratégias de superação da crise. Como exemplo, pode-se apontar
o fato de que o Congresso americano não titubeou em aprovar os empréstimos gigantescos do
Estado em prol do mercado, frente à crise econômica iniciada em 2008, no entanto, o projeto
de Reforma da Saúde proposto pelo presidente Barack Obama enfrentou intensa polêmica e
conflitos políticos. Enquanto isso, a população enfrentava/enfrenta sérios problemas frente à
carência do atendimento público à saúde, evidenciando, conforme aponta Frigotto (2003), que
77
“o tamanho do Estado aumentou em todo o mundo, mas tornou-se cada vez menor o espaço
para políticas e direitos sociais”.
Neste sentido é que as classes economicamente dominantes tiveram o maior interesse
pela disseminação do neoliberalismo, chegando a patrocinar a primeira experiência de
neoliberalismo no Chile, na década de 1970
59
. Além disso, os postos que costumam ocupar os
defensores neoliberais foram/são estratégicos para a difusão de seu ideário, são eles:
universidades, meios de comunicação, corporações financeiras, instituições-chave do Estado e
instituições internacionais (BM, FMI, OMC) (HARVEY, 2008b).
O projeto neoliberal atinge seu ápice no momento em que é assumido pelo governo de
Margaret Thatcher na Grã-Bretanha. As drásticas mudanças no papel do Estado, desmontando
o aparato do Estado de Bem-Estar social, vieram acompanhadas de uma exaltação do
individualismo, da propriedade privada, da responsabilidade individual e de valores familiares
(HARVEY, 2008b). As práticas de privatização dos serviços públicos, a desregulamentação
econômica, aumento do desemprego e a imposição de legislação anti-sindical foram algumas
das práticas dos governos Thatcher que ilustram o ideário neoliberal (ANDERSON, 1995).
É válido lembrar, como advoga a versão neoliberal pregada pela Public Choice, que
nem todas as atividades desenvolvidas pelo Estado podem ser privatizadas, como é o caso dos
bens públicos que pertencem ao universo do não-mercado, já que suas escolhas são coletivas e
não individuais. Mesmo assim, a alternativa para tanto não retira a tese da centralidade do
mercado, que “o funcionamento da ordem de mercado é visto como um paradigma, um
modelo de financiamento para outras instituições” (MORAES, 2001, p. 49). Para Buchanan
(apud MORAES, 2001) a alternativa é tornar as decies de não mercado mais próximas
das decisões do tipo mercado
60
.
Na América Latina, o neoliberalismo atingiu grandes proporções a partir das regras
definidas pelo “Consenso de Washington
61
”, no final da década de 1980, a fim de desenvolver
o ajuste estrutural do Estado. As regras formuladas tornaram-se exigências tanto para a
negociação da vida externa quanto para novos empréstimos às agências internacionais por
parte dos países da América Latina, são elas: 1 Disciplina fiscal; 2 Redução dos gastos; 3
59
De acordo com Harvey (2008b), o golpe contra o governo democraticamente eleito de Salvador Allende foi
patrocinado por elites de negócios chilenas ameaçadas pela tendência de Allende para o socialismo e apoiado por
corporações dos Estados Unidos, pela CIA e pelo Secretário de Estado Henry Kissinger.
60
Segundo Moraes (2001), a respeito disso é conhecido o exemplo de Milton Friedman propondo a distribuição
de “cupons” aos pais de crianças, dando-lhes a oportunidade de escolher e comprar serviços educacionais
fornecidos pela iniciativa privada.
61
O Consenso de Washington se constitui no resultado de um encontro sediado na capital americana em que
organismos internacionais, entre eles BM, FMI e BID, reuniram-se a fim de buscar alternativas para o ajuste
econômico dos países em desenvolvimento.
78
Reforma tributária; 4 Juros de mercado; 5 Câmbio de mercado; 6 Abertura comercial; 7
Investimento estrangeiro direto, com eliminação das restrições; 8 Privatização das estatais; 9
Desregulação afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas; 10 Direito de propriedade
(NEGRÃO, 1998, p.42).
Conforme alerta Borón (1998), “não é precisamente uma causalidade que a crítica ao
Estado tenha começado a aumentar quando os Estados capitalistas da América Latina
iniciaram uma nova etapa democratizadora” (p. 77). A partir do desmantelamento das
regulações promovidas pelos Estados Nacionais impulsionado pela política neoliberal o poder
de regulação passa para um patamar superior em que se situam os organismos internacionais e
os países capitalistas centrais, gerando um “Estado Supranacional do capital” (GORZ, 1997,
apud MORAES, 2001). Neste sentido, o poder da sociedade de influir sobre a atuação dos
Estados, com a redemocratização da década de 1980, se dilui, pois o “espaço em que ele se
exerce é esvaziado em proveito de um espaço maior, mundializado, onde eles [o povo] não
votam nem opinam” (MORAES, 2001, p. 39).
Acompanhando este processo de neoliberalização, Harvey (2008b) constata que a
crescente desigualdade social e a restauração do poder econômico da classe alta tem sido uma
característica tão persistente que podem ser considerados estruturais ao projeto neoliberal.
Esta visão negativa do neoliberalismo tornou-se contundente o que obrigou a revisão de suas
práticas desembocando na alternativa teórica da Terceira Via.
De acordo com Giddens (2001), a terceira via, “esquerda modernizante” ou “social-
democracia modernizadora” se refere a “uma estrutura de pensamento e de prática política
que visa a adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao
longo das duas ou três últimas décadas. É uma terceira via no sentido de que é uma tentativa
de transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo” (p. 36).
Dentre as mudanças, destaca-se o fim Guerra Fria e a globalização como sendo as que
impulsionaram um rearranjo em todas as esferas da vida social, fazendo com que as
alternativas tanto de direita quanto de esquerda perdessem seu sentido frente aos novos
quadros de referência (GIDDENS, 2001). É neste contexto que a terceira via pretende ser
“uma ‘nova’ força político-ideológica capaz de superar as polaridades e os conflitos trazidos
do modelo anterior, ao mesmo tempo em que proclama as vicissitudes engendradas pela
globalização e o engajamento do conjunto das instituições do Estado, das forças políticas e da
sociedade civil aos ‘Novos Tempos’” (GUIOT, 2006, p. 57). Isto significa ir além do discurso
de direita que prega que o governo é o inimigo e o discurso de esquerda que afirma que o
governo é a resposta (GIDDENS, 2003).
79
Esta nova “força político-ideológica”, segundo Antunes, se compõe pela “preservação
de um traço social-democrático associado a elementos básicos do neoliberalismo(2005, p.
95). Em relação ao Welfare State, a terceira Via critica os elevados gastos sociais que
conduzem à dependência, à passividade dos indivíduos e ao “perigo moral”; a sua
incapacidade de eliminar a pobreza; e os elevados níveis da burocracia que geram a
insatisfação popular. Com relação ao neoliberalismo, a terceira via condena a tese de Estado
Mínimo, ao buscar atender as demandas imediatas do mercado não percebendo os sérios
problemas que isso causa a esfera social. Nesse ponto, indicam a falha política do
neoliberalismo ao supor “que não é preciso se responsabilizar pelas consequências sociais das
decisões baseadas no mercado. Os mercados não podem sequer funcionar sem uma estrutura
social e ética – que eles próprios não podem proporcionar” (GIDDENS, 2001, p. 40).
No entanto, como apontam Lima e Martins (2005), a crítica ao neoliberalismo é
contraditória, pois a terceira via ao mesmo tempo considera como “atos necessários de
modernização” (GIDDENS, 2001) as políticas neoliberais de reforma concretizadas na Grã-
Bretanha, o único problema identificado por este ideário estaria na ausência de consideração
ao social, o que “ameaçou seriamente a coesão social”. Neste sentido, pode-se afirmar que a
Terceira via se identifica com o conteúdo das reformas neoliberais, sua única distinção é a
preocupação com a coesão social, ou seja, o “grau de estabilidade político-social vivida pelos
países” (LIMA; MARTINS, 2005, p. 45). Os efeitos nefastos da política neoliberal que se
abateram sobre a classe trabalhadora, a exploração, a acentuação das desigualdades, etc. não
se constituem em preocupações da Terceira Via (LIMA; MARTINS, 2005). Como afirma
Silva (2003), a mudança de rota (do neoliberalismo para a terceira via) não significou a crítica
ao caráter das políticas neoliberais: “pelo contrário, avaliou-se que as políticas neoliberais
foram insuficientes para abrir um novo ciclo de desenvolvimento econômico, sendo
necessário aprimorá-las” (p. 67).
Frente a estes pressupostos políticos e econômicos, Antunes afirma que o projeto da
“Terceira Via” “é essencialmente um ideário que se assume como de ‘esquerda’, mas que
pratica o que a direita gosta. Ou, se quisermos, é o que restou da social-democracia na fase
mais destrutiva do capitalismo, que tenta consertar alguns dos estragos do neoliberalismo,
preservando sua engenharia econômica básica” (2000, p. 51) [grifos do autor]. Concernente a
esse diagnóstico, Lima e Martins (2005, p. 67) evidenciam que a terceira via constitui-se de
fato em um “neoliberalismo de terceira via, portador de princípios e estratégias que
fundamentam na atualidade o novo projeto de sociabilidade burguesa e as estratégias da nova
pedagogia da hegemonia nos marcos do neoliberalismo”.
80
A diferença, segundo Antunes (2000), é que a alternativa teórica e política da Terceira
Via produz um abrandamento discursivo das teses neoliberais a fim de renová-las, torná-las
mais atraentes. Apesar de se afirmar como uma alternativa entre a social-democracia do
Estado de Bem Estar Social e o Neoliberalismo, segundo Antunes (2000, p. 50) o que o
governo de Tony Blair
62
vem mostrar é que a “Terceira Via” é a preservação do fundamental
do neoliberalismo, com um verniz social-democrático cada vez mais roto.” [grifos do autor].
Nesta perspectiva, a Reforma do Estado pensada pelo neoliberalismo do tipo Terceira
Via tem como principal pressuposto redimensionar as relações entre Estado e Sociedade civil
em prol do capitalismo, mas buscando um consenso entre ambos especialmente a partir do
discurso de “democratização da democracia”. Tendo como pressuposto o ajuste fiscal do
Estado e a liberalização da economia, assim como propõe o neoliberalismo frente à crise que
se instaura, as estratégias defendidas pela terceira via na Reforma do Estado centram-se na
mudança da forma de gestão a partir da incorporação dos seguintes elementos:
descentralização administrativa, democratização, transparência, eficiência administrativa,
espaços de participação e a função reguladora dos riscos sociais, econômicos e ambientais
(LIMA; MARTINS, 2005). Trata-se de não tolher as iniciativas do mercado e ao mesmo
tempo conceder espaços de participação à sociedade civil, buscando uma administração
estatal com eficácia e eficiência aos moldes das empresas atuais. Na visão de Giddens,
significa construir um Welfare positivo, em que o dispêndio com Welfare “será gerado e
distribuído não através de todo o Estado, mas pelo Estado que trabalha em combinação com
outras instituições, inclusive as empresas” (2001, p. 138).
Conforme constata Paula (2005) em suas análises, “a mesma agenda política e
administrativa perpassa o neoliberalismo e a terceira via: o pensamento neoliberal é mantido,
assim como as visões de reforma e gestão que a ele se associam” (p. 79).
No Brasil, a Reforma do Estado foi capitaneada pelo governo do Partido da Social-
Democracia Brasileira (PSDB), que segundo estudo de Guiot (2006) constitui-se no
“Moderno Príncipe” para a burguesia brasileira
63
e tem como base os pressupostos da Terceira
Via
64
. Assim como prega o projeto da terceira via, a Reforma do Estado Brasileiro não vai de
62
Governo iniciado em 1997 na Grã-Bretanha, que se consolida com base na alternativa teórica da Terceira Via,
tendo em vista a aversão social ao neoliberalismo provocado pelas medidas do governo de Margaret Thatcher.
63
Segundo Guiot, “o PSDB encarna a função do “moderno Príncipe” da burguesia brasileira na medida em que
se imbui do desafio de unificar os diversos setores do capital. E o faz tanto por meio dos seus programas
partidários quanto por sua atuação militante nos diversos organismos da sociedade civil ligados aos setores
empresariais.” (2006, p. 14).
64
As medidas tomadas em nível nacional tiveram reflexo nos contextos estaduais e municipais, sendo o PSDB o
carro chefe das reformas empreendidas no aparato estatal em prol do novo gerencialismo. Mais adiante,
81
encontro à democracia, pelo contrário, justifica-se a Reforma como necessária para a o avanço
democrático uma vez que a desburocratização do aparelho estatal é condição para se
estabelecer novas formas de relação com a sociedade civil e fundar o “novo estado
democrático” (LIMA; MARTINS, 2005).
Conforme expressa o Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira,
Esta reforma em curso, da forma que a vejo, não parte da premissa burocrática de
um Estado isolado da sociedade, agindo somente de acordo com a técnica de seus
quadros burocráticos, nem da premissa neoliberal de um Estado também sem
sociedade, em que indivíduos isolados tomam decisões no mercado econômico e no
mercado político. Por isso ela exige a participação ativa dos cidadãos; por isso o
novo Estado que está surgindo não será indiferente ou superior à sociedade, pelo
contrário, estará institucionalizando mecanismos que permitam uma participação
cada vez maior dos cidadãos, uma democracia cada vez mais direta (1998, p. 53)
Como aponta Guiot (2006), o discurso democrático propalado pela terceira via
constitui-se no ponto de avanço em relação ao neoliberalismo, ou melhor dizendo, seu
aperfeiçoamento. Enquanto Hayek apontava a democracia como empecilho ao
desenvolvimento do mercado, Antony Giddens (2001) defende que o “Novo Estado
Democrático” possibilita o desenvolvimento de uma “economia mista”, que busca uma “nova
sinergia entre os setores público e privado, utilizando o dinamismo dos mercados, mas tendo
em mente o interesse público” (p. 109). Conforme analisa Santos (2007), a fórmula clássica se
inverteu: antes o Estado era a solução e a sociedade era o problema, agora a sociedade civil é
a solução e o Estado é o problema: “o Estado é ineficiente”, “o Estado é a causa de todos os
problemas”, etc.
No entanto, como alertam Neves e Sant’ana (2005) o apelo à participação da
sociedade civil por parte dos governos alinhados ao neoliberalismo de terceira via diz respeito
ao fato de que, mesmo nesse movimento, “não é possível abrir mão da idéia de participação
política, dado que os homens não podem mais ser deixados de fora de um processo que,
interessado em conquistar sua adesão, ainda que prioritariamente passiva, demanda sua
presença” (p. 35). É a partir destes princípios que a política do neoliberalismo do tipo terceira
via se torna mais palatável para as diferentes forças sociais, gerando uma verdadeira
confluência de sentidos com o projeto democrático-participativo abordado no tópico anterior.
Na análise de Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) não se trata de o projeto neoliberal
adotar ou incorporar elementos do projeto democrático. Sua identificação com o projeto
analisaremos as características da gestão pública estadual no atual governo (Yeda Crusius PSBD 2007-2010) e
seus reflexos na política educacional.
82
democrático é apenas no nível das referências utilizadas, mas, no entanto, guardam outro
sentido, que por não se explicitarem com clareza torna perversa esta confluência.
Diante disso, a democratização proposta pela terceira via consiste mais em uma
estratégia de obtenção do consenso das diferentes forças sociais aliado ao objetivo de repasse
das funções sociais do Estado para a sociedade civil. A nova parceria Estado-sociedade
denominada de “nova economia mista” – como aponta Guiot (2006, p. 61) teria como
objetivos “a substituição do Estado tanto na produção de bens e serviços públicos quanto na
prestação de serviços sociais”.
A nova relação Estado-Sociedade entendida como democrática, para a terceira via,
constitui-se em uma estratégia de repasse das funções sociais do Estado, uma alternativa à
privatização dos serviços sociais proposta pelo neoliberalismo clássico. Ao invés da
privatização dos serviços públicos, considerados não exclusivos do Estado, como educação,
saúde, assistência social, a terceira via investe publicização destes serviços através das
parcerias com a sociedade civil (empresas, ONGs, associações) formando o chamado público
não-estatal ou terceiro setor, cabendo ao Estado não mais o papel de principal provedor de
políticas sociais, como era no Keynesianismo, tornando-se o regulador e avaliador das
políticas desenvolvidas (PERONI, 2006). Em outros termos significa investimento público
sendo administrado pelos mecanismos de mercado, entendidos como mais eficientes.
Segundo Montaño (2008),
Afirma-se no debate sobre o “terceiro setor”, a importância da mobilização popular
da sociedade civil, como fundamental para a democratização social. Porém, a lógica
de mobilização contida nesse debate é uma lógica gerencial ou, na melhor das
hipóteses, de gestão controlada de recursos comunitários para as respostas concretas
a demandas pontuais e individualizadas. Esta gica é fortemente funcional à
manutenção da ordem, porquanto elimina do seu horizonte político as contradições
de interesses de classe (p. 277). [grifos do autor]
Torna-se visível que o conceito de sociedade civil nos marcos do neoliberalismo está
sendo mobilizado para servir a variados fins. Na visão de Wood (2003) o uso corrente do
termo já não exprime o sentido de um espaço de lutas contra a opressão estatal e a exploração
capitalista dado pela sua conotação no campo da esquerda. As evidências de seu uso atual
denotam que o conceito está sendo mobilizado para agir no campo adversário correndo-se o
risco de vermos hoje a sociedade civil transformar-se “num álibi para o capitalismo” (p. 205).
A lógica burocrática e centralizadora é criticada pelo neoliberalismo de terceira via,
assim como o projeto democrático-participativo o rejeita em prol de estruturas favoráveis à
participação da sociedade civil. Porém, enquanto o projeto democrático defende a
83
participação como instrumento para a ampliação da cidadania e fortalecimento da sociedade
civil em busca de igualdade social, o projeto neoliberal incentiva a participação como
instrumento da nova gica de administração, baseada nos princípios da nova gerência
empresarial sob os marcos da acumulação flexível, a fim de reduzir os gastos sociais e torná-
los ainda mais eficientes (fazer mais com menos!). Essa diferença de objetivos que conduzem
a participação nos marcos do novo gerencialismo, em susbstituição à administração
centralizadora inspirada no modelo fordista/taylorista, em relação à participação nos marcos
da democracia participativa, constitui, segundo Tatagiba (2006), um novo modelo
democrático: a democracia gerencial.
A democracia gerencial consiste em uma conjugação entre elementos da democracia
participativa e da democracia liberal. Ao mesmo tempo em que valoriza a participação,
principio básico da democracia participativa, os canais institucionalizados para tal centram-se
na negação da dimensão política, ao incentivarem ações individuais como: “realizar sua
parte”, “oferecer sua contribuição”, entre outras (TATAGIBA, 2006). Nas palavras de
Tatagiba,
Nos marcos da democracia gerencial, a participação despede-se de seu potencial
transformador por meio de um deslocamento da centralidade do conflito, uma vez
que o que está em jogo não é a mudança das condições de dominação, mas a
possibilidade de administrar de forma eficiente os recursos financeiros, materiais e
humanos existentes. O que se busca, como horizontes de expectativas, não é a
“partilha do poder de governar”, mas a dissolução deste poder na gerência eficiente
(2006, p. 145).
Nesse sentido, como aponta Paula (2005), encontra-se em jogo duas alternativas de
gestão pública: uma oriunda do projeto democrático que institui a participação popular como
elemento imprescindível à administração estatal democrática, no sentido de assegurar
políticas públicas voltadas às necessidades sociais e ao mesmo tempo fiscalizar as ações do
Estado, constituindo-se em uma gestão pública social; a outra, oriunda da lógica empresarial,
tem na eficiência do mercado os critérios para a administração das demais instituições,
restringe a democracia e a participação à esfera da execução e tem como norte a busca por
resultados. Este último modelo de gestão
65
vem ganhando espaço no setor público a partir da
sua difusão através dos organismos internacionais, que condicionam seus financiamentos à
adoção do novo padrão de gestão, sendo chamado como “nova administração pública”,
65
Segundo Paula (2005), as reformas empreendidas no Reino Unido e nos Estados Unidos estabeleceram as
bases da nova administração pública. Para mais informações sobre estas reformas, vide PAULA, A. P. de P. Por
uma nova gestão pública. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
84
“administração pública gerencial”, “nova gestão pública”, “modernização da gestão”, “gestão
gerencial
66
”.
Assim, o mercado passa a ser parâmetro de referência também para a gestão das
instituições públicas, visando torná-las “tão eficazes e ágeis como muitos setores da economia
o são agora” (GIDDENS, 2003, p. 64). Os prejuízos para a construção de uma gestão de
caráter público são evidentes, visto que a gestão orientada pelos princípios mercadológicos
“transforma os governos em ‘provedores de serviços’ e os cidadãos em ‘clientes’, ‘usuários’”
(DAGNINO; OLVERA; PANFICHI, 2006, p. 55) descaracterizando os direitos sociais.
A partir dos elementos deste cenário pode-se compreender a confluência perversa de
que tem encurralado o avanço do projeto democrático-participativo de sociedade. Como
aponta Baquero, “o neoliberalismo consegue, portanto, algo inédito, qual seja, sem destruir as
instituições democráticas, submetê-las aos seus interesses e utilizá-las como instrumentos de
dominação e enriquecimento ilícito (2001, p. 101-102).
Conforme analisa Borón (2009), o neoliberalismo
[...] não só impôs o seu programa, mas também, inclusive, mudou para o seu
proveito o sentido das palavras. O vocabulário “reforma”, por exemplo, que antes da
era neoliberal tinha uma conotação positiva e progressista – e que fiel a uma
concepção iluminista, remetia a transformações sociais e econômicas orientadas para
uma sociedade mais igualitária, democrática e humana foi apropriado e
“reconvertido” pelos ideólogos do neoliberalismo num significante que alude a
processos e transformações sociais de claro sinal involutivo e antidemocrático (p.
11).
Assim como a administração baseada nos princípios fordistas/tayloristas que
orientavam o mundo da produção influenciaram na administração das esferas públicas,
incluindo a educação, como vimos no Capítulo I, veremos que novamente a lógica de gestão
que orienta o modelo de produção toyotista ou acumulação flexível assume proporções gerais
e acaba intervindo no setor público. Essa transposição acarreta ainda mais prejuízos no campo
educacional no atual momento histórico, visto que havíamos avançado na construção de
uma lógica pública de gestão dos sistemas de ensino a partir do princípio constitucional de
Gestão Democrática. Além disso, a nova lógica de gestão do sistema privado que vem se
impondo nos espaços públicos, impulsionado pelas políticas internacionais de reformas nos
sistemas de ensino, torna-se perversa, pois ao mesmo tempo em que não destitui os
mecanismos democráticos de gestão converte-os para seu âmago que por orientar-se por
princípios mercadológicos destitui seu caráter político e transformador.
66
Neste trabalho utilizaremos a expressão “Gestão Gerencialpara nos referirmos a esta nova lógica de gestão
do setor privado que passa a influir no setor público e, consequentemente, no campo educacional.
85
Analisaremos a seguir os reflexos deste novo padrão de gestão para o campo
educacional e as características que as políticas educacionais passam a assumir.
2.3 O novo padrão de gestão para o setor público e suas implicações à Gestão da
Educação
Considerando que a reestruturação produtiva, o neoliberalismo e a terceira via são
estratégias do capitalismo para enfrentar a crise que assolou o sistema a partir dos anos 1970
(PERONI, 2003), os reflexos destas estruturas e modelos ideológicos de Estado cumprem o
papel de responder às demandas do capital. A nova forma de regulação do Estado sobre as
políticas sociais interfere diretamente no campo educacional, que passa a ser orientado por
princípios definidos pelas demandas do capitalismo que compõem uma “nova ordem
educativa mundial” (LAVAL, 2004, p. XIV).
Assim como diretrizes globais passaram a incidir na atuação dos diferentes Estados
nacionais, o campo educacional ficou a mercê de novas determinações uma vez que este é um
espaço central para as novas necessidades do sistema capitalista, através da formação do
“capital humano
67
”. Determinações cada vez mais incisivas na dinâmica educacional dos
países passaram a ser impostas tendo como principal veículo os organismos internacionais.
Como afirma Ball (2004, p. 1108), “não é mais possível ver as políticas educacionais apenas
do ponto de vista do Estado-Nação: a educação é um assunto de políticas regional e global e
cada vez mais um assunto de comércio internacional.”
Conforme sintetiza Azevedo (2004), “as reformas educacionais operadas
mundialmente têm em comum a tentativa de melhorar as economias nacionais pelo
fortalecimento dos laços entre escolarização, trabalho, produtividade, serviços e mercado” (p.
XI). A educação, neste contexto, passa a ser constituir em um “mercado em acentuada
expansão”, incorporando “procedimentos e valores típicos do capitalismo competitivo na
gestão dos sistemas e das instituições educacionais” (SOUZA; OLIVEIRA, 2003, p. 874).
Nesse sentido, operam-se transformações no caráter e no conteúdo que as instituições devem
ensinar e no perfil e no trabalho dos professores, em virtude da necessidade de formação de
um novo tipo de trabalhador adequado às atuais características do mundo do trabalho.
Na análise de Laval (2004),
67
Esta concepção de educação é expressa, dentro outros, por Giddens que afirma: “A principal força no
desenvolvimento de capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investimento público que
pode estimular a eficiência econômica e a coesão cívica” (2003, p. 78).
86
A escola que antigamente encontrava seu centro de gravidade não somente no valor
profissional, mas também no valor social, cultural e político do saber, valor que era
interpretado, de resto, de maneira muito diferente segundo as correntes políticas e
ideológicas, está orientada, pelas reformas em curso, para objetivos de
competitividade que prevalecem na economia globalizada (p. XIII).
Neste enfoque sobre a reforma que o campo educacional sofre a partir das
transformações no campo econômico político e ideológico analisadas anteriormente,
interessa-nos compreender os novos mecanismos incorporados ao campo da gestão
educacional e escolar e suas implicações para o processo de Gestão Democrática que
vinha/vem sendo construído nos diversos contextos da educação brasileira. Faz-se esse
esclarecimento tendo em vista que as mudanças processadas no âmbito educacional dizem
respeito a uma gama de aspectos que demandam vários ângulos de análise. Neste estudo
prioriza-se o ângulo das mudanças nos processos de gestão da educação.
O principal marco das reformas educativas foi a Conferência Internacional de
Educação para Todos, ocorrida no ano de 1990 em Jomtien, na Tailândia. A meta principal
era alargar a oferta educacional da educação básica, em especial a educação primária, “vista
como elemento essencial para um desenvolvimento sustentável e de longo prazo, assim como
para aliviar a pobreza” (TORRES, 1995 apud PERONI, 2003, p. 97).
O alcance desta meta não poderia colocar em risco ou comprometer o ajuste ou o
processo de ajuste fiscal dos Estados e, portanto, demandou a adoção dos novos padrões de
gestão no campo educacional. Como aponta Casassus (2001) esta questão balizou o segundo
marco da reforma educacional que consistiu na IV reunião do PROMEDLAC
68
, ocorrida em
Quito no ano de 1991. Segundo o autor, a declaração oriunda da reunião enfatiza que
[...] as estratégias tradicionais sobre as quais se apoiaram os sistemas educativos da
região esgotaram suas possibilidades de conciliar quantidade e qualidade. É por isso
que afirmamos a necessidade de empreender uma nova etapa de desenvolvimento da
educação que responda os desafios da transformação das atividades de produção, da
equidade social e da democratização política... para fazer face a estas exigências é
necessário suscitar uma profunda transformação da gestão tradicional (apud
CASASSUS, 2001, p. 11) [grifo nosso]
Na análise de Castro (2008), esta reunião evidenciou que o campo da gestão
educacional, assim como vinha acontecendo com os demais setores públicos, necessitava
mudar seu estilo burocrático de administração que não dava conta de responder ao desafio
da expansão da oferta educacional e a garantia de sua qualidade frente aos novos marcos
68
Promedlac é a sigla que indica as Reuniões do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de
Educação na América Latina e Caribe, que convocadas pela Unesco para analisar o desenvolvimento do Projeto
Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (CASASSUS, 2001).
87
econômicos e sociais. A saída era adotar estratégias de aumento da eficácia e eficiência dos
sistemas educativos e ao mesmo tempo otimizar o uso dos recursos disponíveis. As novas
estratégias, segundo Castro (2008), envolveriam a “participação dos agentes educativos (que
deveriam assumir a responsabilidade pelos resultados), [...] o desenvolvimento de
responsabilidade e criatividade dos docentes” (p. 394) e a descentralização “como estratégia
capaz de possibilitar o desenvolvimento dos atores educacionais na consecução dos objetivos
educacionais” (p. 394)
Neste sentido, as políticas educacionais passam a ter um contorno específico, qual
seja, segundo Dale (1994), “retirar custos e responsabilidades do Estado e, simultaneamente,
aumentar a eficiência e a capacidade de resposta e consequentemente a qualidade do
sistema educativo” (p. 109-110). Laval (2004) confirma esta realidade ao afirmar que a
“escola neoliberal” pretende elevar a força de trabalho, sem aumentar o nível dos impostos,
até mesmo reduzindo, tanto quanto for possível, as despesas públicas. Para tanto, as
estratégias empregadas seguem a lógica de gestão do Estado orientada pelo neoliberalismo e
terceira via, ou melhor dizendo, constituem parte da estratégia de mudança no papel do
Estado em prol do fortalecimento dos mercados (PERONI, 2003). De outro modo, como
aponta Afonso (2009), a reforma educativa compõe-se de “estratégias adequadas para ajudar o
Estado a fazer a ‘gestão da crise’” (p. 58).
A privatização da educação, em sentido estrito, segundo Dale (1994) está longe de ser a
única forma possível de realizar as aspirações da reforma educacional impulsionada pelas
novas bases político-ideológicas do sistema capitalista. Para além da tradicional relação
público-privado, as mudanças processadas no campo educacional tornam esta relação muito
mais complexa, em que os novos mecanismos adotados incorporam a lógica privada sem, no
entanto, deslocar o estatuto público da educação.
Tem-se neste contexto a formação de novos mercados educacionais, os quais não
ofertam diretamente o ensino, mas interferem-no através dos seus serviços educacionais que
passam a ser contratados ou assumidos pelos sistemas de ensino (DALE, 1994). A formação
destes mercados educacionais tem relação direta com a nova forma de regulação do Estado no
campo educacional, que se desloca do acompanhamento do processo para o controle dos
resultados educacionais (BARROSO, 2005), permitindo o estabelecimento de condições sob
as quais vários mercados internos são autorizados a agir (BALL, 2004).
Conforme explicita o plano de Reforma do Estado no Brasil, O Estado “deixa de ser o
responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e
serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”
88
(BRASIL, 1995, p.17). Não sendo o responsável direto pelos serviços sociais entre eles os
educacionais, o Estado abre espaço para a atuação de organizações da sociedade civil, da
própria comunidade escolar na resolução dos problemas escolares e da intervenção da gica
de gestão do setor privado entendida como mais eficiente que a do setor público. Esta última
forma de intervenção constitui-se a partir das parcerias com o setor privado que se
encarregam de financiar parte dos gastos das instituições e empregar suas técnicas “neutras
de gestão a fim de aumentar a eficiência do setor público, constituindo o “quase-mercado” no
campo educacional.
Ao Estado cabe a função de regular tudo isso através de mecanismos de avaliação e
definição de alvos (metas e resultados, contratos de gestão) permitindo-lhe dirigir as
atividades do setor público à distância (BALL, 2004). Nestes marcos, substitui-se
gradativamente a função provedora do Estado em prol da emergência do “Estado Avaliador”.
Nas palavras de Santos (2004, p. 1152-1153), “a emergência e o desenvolvimento do Estado
avaliador são justificados e legitimados como uma importante maneira de tornar transparente
para o público a forma como as instituições atuam e utilizam os recursos públicos.” Neste
sentido, alcançam alto grau de adesão por parte da população, contribuinte de impostos.
Como afirma Laval (2004),
Se não se pode mais aumentar os recursos por causa da redução desejada das
despesas públicas e das retiradas obrigatórias, o esforço prioritário deve incidir sobre
a gestão mais racional dos sistemas escolares graças a uma série de dispositivos
complementares: a definição de objetivos claros, a coleta de informações, a
comparação internacional de dados, as avaliações e o controle das mudanças (p.
188).
Essa nova forma de regulação do campo educacional acompanha as mudanças na
forma de gestão processadas no mundo do trabalho. No modelo de produção toyotista, a
gestão do trabalho baseia-se no controle dos resultados como forma de monitoramento da
organização e funcionamento interno. No caso das instituições educacionais, substitui-se o
controle rígido interno, característico da administração escolar baseada no modelo fordista,
por inúmeros índices de avaliação que acabam cumprindo a mesma função de controle,
justificado em função da garantia de um padrão mínimo de “qualidade”, atuando como uma
nova estratégia de regulação do sistema de ensino. As relações de poder e controle tornam-se
cada vez mais complexas e ao mesmo tempo em que menos aparentes, mais eficazes. Esta
prática revela a adoção pelo Estado de estratégias do modelo de gestão privada a partir da
ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos (AFONSO, 2009).
89
A avaliação, neste contexto, surge como uma contrapartida à descentralização. Ao
mesmo tempo em que estabelece autonomia às instituições escolares ou publiciza suas
funções sociais o Estado permanece no controle da situação ao cobrar determinados
resultados através de avaliações dos sistemas de ensino
69
, incitando a competitividade entre os
sistemas e unidades escolares a partir dos rankings produzidos pelos resultados destas
avaliações. Como se referem Souza e Oliveira (2003), “de um lado, centralizam-se os
processos avaliativos e, de outro, descentralizam-se os mecanismos de gestão e
financiamento, tornando-se os meios destinados a ‘otimizar’ o produto esperado, os bons
resultados no processo avaliativo” (p. 874-875)
Este tipo de avaliação encerra duas principais possibilidades: reduzir as estruturas de
controle, que o controle dos processos passa para o controle dos resultados, que demanda
estrutura e aportes financeiros e humanos menos dispendiosos; induzir a melhoria do
desempenho, que estimula procedimentos competitivos através dos rankings elaborados a
partir das avaliações, os quais são, muitas vezes, utilizados como parâmetro para
financiamento (SOUZA; OLIVEIRA, 2003).
Este fenômeno no campo educacional não é exclusivo de um ou outro país. Diversas
pesquisas vêm mostrando como este processo tem se inserido em diversos contextos: Laval
(2004) analisa a realidade francesa, Lima (2003); Afonso (2009) analisam o caso de Portugal,
Peroni (2003); Adrião (2006); Oliveira (2000) analisam a realidade brasileira, apenas para
citar alguns. Na América Latina, a análise de Krawczyk e Vieira (2008) demonstra que os
organismos internacionais tiveram um papel imprescindível no andamento das reformas
educacionais, através da contrapartida exigida nos financiamentos destinados a esses países,
que circundam em torno da adoção dos novos padrões de gestão na esfera pública e nas
decisões tomadas nas inúmeras conferências que comprometem os chefes de Estado a
desempenhar as medidas estabelecidas. O que se diferencia de um contexto para outro são os
graus de desenvolvimento e os mecanismos utilizados para impor as mudanças. No entanto, o
caráter das medidas permanece o mesmo, qual seja, adequar a realidade educacional para as
novas demandas do sistema capitalista e o novo perfil de atuação dos Estados Nacionais.
69
Na realidade brasileira inúmeros são os sistemas avaliativos tanto a nível Nacional, quanto a níveis estaduais e
municipais. Apenas para citar alguns, em nível Nacional tem-se a Provinha Brasil, destinada à avaliação do
processo de alfabetização dos dois primeiros anos do Ensino Fundamental; Prova Brasil, destinada à avaliação
do Ensino Fundamental; o SAEB, destinado a avaliar o Ensino Fundamental e o Ensino Médio; o ENEM, avalia
especificamente os estudantes do Ensino Médio e mais recentemente tem-se o IDEB que constitui-se a partir da
média das avaliações ao final de cada etapa da educação básica (4ª e séries do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio) e a taxa de aprovações de cada etapa de ensino correspondente. No RS atualmente está em vigor
o Sistema de Avaliação da Educação do Rio Grande do Sul SAERS, que visa avaliar o ensino ofertado pela
rede estadual.
90
Na realidade brasileira, tendo em vista o movimento da sociedade em prol da
democratização inclusive do campo educacional, como vimos no capítulo anterior, o
movimento necessário à adequação dos sistemas educacionais às novas demandas não
puderam excluir os mecanismos democráticos. No entanto, demandou uma inflexão nos seus
sentidos e repercussões práticas no aprofundamento da democracia no meio educacional.
Mais uma vez a estratégia da conversão de sentidos do vocabulário identificado com a
proposta progressista de Gestão Democrática do ensino público foi praticada pelo ideário
neoliberal. Como lembram Azevedo e Gomes (2009, p. 96) “uma das formas apuradas do
modus operandi do discurso neoliberal, é a apropriação de enunciados e conceitos de
linhagens críticas do pensamento social e seu consequente uso instrumental e dogmático,
geralmente com conotação mercadológica”.
A seguir enfocaremos a análise sobre as implicações da nova lógica de gestão da
educação para os mecanismos da gestão democrática no âmbito da escola, enfocando aspectos
como autonomia, participação e descentralização.
2.3.1 Os mecanismos da Gestão Escolar Democrática frente a sua ressignificação no âmbito
da Gestão Gerencial
A confluência perversa que analisamos anteriormente em relação ao projeto
democrático de sociedade frente ao ideário neoliberal, parece se repetir também no âmbito da
realidade escolar, atingindo o projeto de Gestão Democrática. A gestão democrática escolar,
por estar relacionada ao processo democrático mais amplo, acaba por sofrer também entraves
à sua consolidação. Os mecanismos reivindicados no contexto da década de 1980 como
caminho para a democratização do campo educacional e a busca de uma educação de
qualidade social, também são reivindicados no contexto das reformas educacionais dos anos
1990, no entanto, a partir de novos marcos reivindicatórios. Entre os mecanismos cooptados
do campo progressista e ressignificados pelo ideário das reformas educacionais estão: a
autonomia, a descentralização e a participação.
Segundo Adrião (2006), a autonomia das unidades escolares passou a ser defendida
por diversos programas governamentais na década de 1990, mas com o objetivo de
responsabilizar as unidades escolares na resolução de suas mazelas. O incentivo à autonomia
da escola na busca por soluções próprias aos seus problemas, sob o argumento de que o local
tem mais condições de definir o que é melhor para a escola, constitui-se na pedra angular do
processo de descentralização.
91
Na análise de Oliveira (2009), o marco das políticas educacionais
70
desenvolvidas em
âmbito nacional nos anos 1990, foi a descentralização, processada em três dimensões:
administrativa, financeira e pedagógica. Isso resultou na transferência de responsabilidade
para os locais (da União para os Estados, dos Estados para os Municípios) e na
potencialização da autonomia em nível escolar, pois se daria no âmbito da escola a gestão dos
recursos financeiros a partir das suas necessidades, da construção do projeto político
pedagógico, a definição das estratégias pedagógicas mais adequadas à sua realidade, entre
outros, tudo isso a partir de uma gestão colegiada. Vale ressaltar que toda esta mudança na
forma de gestão da educação era justificada em nome da “democratização da educação” a
partir da introdução de um modelo de gestão fundado em formas mais flexíveis,
participativas e descentralizadas de administração dos recursos e das responsabilidades”
(OLIVEIRA, 2009, p. 53).
Em tese, esta política corresponderia às reivindicações da sociedade civil defendidas
desde a década de 1980, em contraposição à centralização e burocratização da administração
educacional, conforme explicitada no capítulo I. No entanto, a centralização do Estado a partir
da avaliação conduz a uma situação paradoxal de autonomia, conforme descreve Oliveira
(2007),
Ao mesmo tempo em que ganham maior autonomia, liberdade de definir certas
regras do seu dia-a-dia, como o calendário, a escolha de um tema transversal que
deverá ser trabalhado por toda a escola, definir projetos, discutir coletivamente
saídas e estratégias para desafios encontrados localmente (...) os trabalhadores
docentes se tornam mais presos às suas atividades e compromissos. A
responsabilização sobre os destinos da escola, dos alunos, dos projetos passa a ser
cada vez maior. É como se os trabalhadores docentes tivessem que pagar o preço por
esta autonomia conquistada, já que é resultante de suas lutas (p. 369).
Enquanto a autonomia figurava no âmbito das lutas do magistério como instrumento
para a escola “buscar democraticamente seus fins educativos” (PARO, 2006, p. 15),
inversamente, os governos neoliberais estimularam/estimulam uma pretensa autonomia no
desenvolvimento dos processos educativos, mas, no entanto, centralizam os resultados,
através de índices, metas, rankings. Este tipo de autonomia pode ser traduzido na máxima:
faça como quiser, desde que chegue a este resultado”.
Pereira (2008) chama a atenção neste cenário de descentralização para a ambiguidade
do significado do termo, apontando que o que se evidencia, na realidade concreta, é “uma
70
As principais políticas desenvolvidas neste período foram: Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e Valorização do Magistério (FUNDEF), Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e o Sistema Nacional de Avaliação.
92
oscilação entre centralização e descentralização indicando ‘responsabilidades’ e não ‘competência
decisória’ da escola e da comunidade escolar, o que se caracteriza pela ambigüidade e os
paradoxos dos conceitos de descentralização e desconcentração nas práticas de geso escolar.”
(p. 174) [grifos da autora]. Neste sentido, alerta Pereira (2008), “é preciso não confundir
descentralização de poder e desconcentração de tarefas” (p. 174), tendo em vista que a
política educacional atual tem se caracterizado pela descentralização de ações e a
concentração de decisões em nível acima das unidades educativas.” (p. 174).
Assim, à necessidade de descentralização de poder demandado pela Gestão Democtica
das escolas respondeu-se com a
[...] desconcentração de tarefas e atribuições, apenas “permitindo maior flexibilidade na
utilização dos mesmos parcos recursos, estimulando, (quando não de fato compelindo) a
participação” das famílias e dos usrios da escola na forma de prestação de servos ou
de contribuições financeiras, para compensar a ausência dos recursos, condição essencial
de uma autêntica autonomia (PARO, 2006, p. 16).
Neste sentido, a nova forma de gestão da educação, embora não tenha se oposto ao
processo de descentralização, ainda que no nível das ações, e autonomia das instituições
educativas, por orientar-se por natureza incompatível ao projeto democrático, descolou as
reformas educacionais das reais demandas da sociedade. É que se instala o paradoxo da
democracia neste momento do capitalismo global e da situação social e política da sociedade
brasileira: de um lado tem-se a luta da sociedade civil pela participação nas esferas políticas e
sociais e de outro uma estratégia do capitalismo a fim de promover seu crescimento
econômico, que apesar de não excluir a participação civil, redimensiona o objetivo da
participação de um nível “ético-político para o nível econômico-corporativo” (NEVES;
SANT’ANA, 2005, p. 35).
Conforme sintetiza Lima, nesse novo padrão de gestão
[...] autonomia (mitigada) é um instrumento fundamental de construção de um
espírito e de uma cultura da organização-empresa; a descentralização é congruente
com a “ordem espontânea” do mercado; respeitadora da liberdade individual e
garante a eficiência econômica; a participação é essencialmente uma técnica de
gestão, um fator de coesão e consenso. Assim, nesta perspectiva, conceitos como
“autonomia”, “comunidade educativa”, “projecto educativo”, continuarão a ser
convocados, e até com maior freqüência, mas como instrumentos essenciais de uma
política de modernização e racionalização, como metáforas capazes de dissimularem
os conflitos, de acentuarem a igualdade, o consenso e a harmonia, como resultados
ou artefactos, e não como processos e construções colectivas (2002, p. 31).
Ao contrapor as características desse novo padrão de gestão que tem se alojado nas
políticas educacionais, assim como no setor público como um todo, aos pressupostos da
93
gestão democrática evidencia-se que estas se confrontam, entre outros aspectos, em um
requisito que é caro à gestão pública: a prevalência do aspecto político e social em detrimento
do técnico. Sob o invólucro da técnica “as dimensões políticas que impliquem em conflitos de
interesse, de valores e de ideais são esvaziadas” (LAVAL, 2004, p. 192).
Conforme sintetiza Freitas, a gestão democrática se caracteriza como uma nova forma
de administrar que deveria ser capaz de
[...] opor à prevalência da técnica a prevalência do político e do pedagógico; à
racionalidade instrumental, uma racionalidade valorativa; ao predomínio do
formalismo, das normas escritas e das estruturas hierarquizadas, a construção
cooperativa de alternativas e as formas participativas de decisão-ação-regulação; à
separação entre concepção e execução, a unidade do pensar-fazer, da teoria-prática;
ao aprofundamento da divisão técnica do trabalho, mediações para a democratização
de conhecimentos e saberes do trabalho; à seletividade do processo de escolarização,
a garantia e a efetivação da educação escolar como direito público subjetivo (2007,
p. 503).
Vale ressaltar que o alto grau de avanço do padrão de gestão oriundo das novas
demandas do mundo do trabalho nos sistemas e unidades de ensino, a despeito do que fora
evidenciado nas análises deste Capítulo, tem como aliado o discurso de “modernização” que o
acompanha. Conforme ressalta Laval (2004, p. 190), “quaisquer que sejam a natureza e o teor
de uma ‘reforma’ ou de uma ‘inovação’, é suficiente dizer que ela traduz uma modernização
da escola para que, no espírito de muitos, ela seja sinônimo de progresso, de democracia, de
adaptação à vida contemporânea, etc”. No entanto, por detrás das mudanças aparentemente
“técnicas”, a “modernização anuncia uma mutação da escola que toca não somente sua
organização, mas seus valores e seus fins” (LAVAL, 2004, p. 189).
Nesse sentido, assim como se propunha a adoção do modelo de administração escolar
oriundo do fordismo/taylorismo para o campo educacional, a gestão gerencial utiliza-se do
discurso neutro da técnica, da eficiência, da modernização para atrelar o processo educativo às
novas necessidades do capitalismo.
No próximo Capítulo analisaremos o processo de instituição da Gestão Democrática
no ensino público estadual do RS, evidenciado os entraves, avanços e retrocessos de sua
trajetória. O principal enfoque será dado às ações e propostas do governo atual (gestão 2007-
2010) para o campo da gestão da educação, buscando analisar as implicações das práticas de
“modernização da gestão educacional” para o processo de construção da democracia na
gestão escolar.
94
C
APÍTULO III
A
T
RAJETÓRIA DA
G
ESTÃO
D
EMOCRÁTICA DO
E
NSINO
P
ÚBLICO
E
STADUAL DO
RS
:
A
D
EMOCRACIA NA
P
ORTA
G
IRATÓRIA?
A educação em suas concepções e as políticas e a gestão da
educação pública dos sistemas educacionais ganham
compreensão quando tomadas como constituídas e
constituintes das relações e dos interesses das classes
fundamentais, frações de classe e grupos sociais.
(FRIGOTTO, 2009, p. 65)
Considerando que a mudança proposta e em andamento no atual governo à gestão da
educação dá-se em um campo que tem sua historicidade e, portanto, um caminho
percorrido, faz-se necessário desenhar este percurso com vistas a analisar os novos traços que
serão incorporados a esta trajetória. Tendo em vista que não é o foco principal desta pesquisa
a análise da trajetória da Gestão Democrática desde sua instituição legal, esta será aqui tratada
de forma sistematizada a partir de informações e análises de pesquisas já realizadas sobre o
assunto. Ao lado desta trajetória serão enfocadas as mudanças na gestão do Estado,
evidenciando que a gestão da educação encontra-se estreitamente interligada com os novos
padrões de gestão incorporados ao âmbito do setor público. Esta sistematização é importante,
pois veremos que elementos da nova lógica de gestão advinda do setor privado não é
novidade na rede estadual de educação no RS. Estes elementos compõem o conteúdo da
primeira seção do Capítulo.
Após esta caracterização, este capítulo enfoca, em sua segunda seção, a pesquisa
empírica sobre as atuais propostas e ações na gestão da educação gaúcha alavancados pela
Gestão Governamental do PSDB (Governo Yeda Crusius/Gestão 2007-2010) evocados em
nome da “modernização da gestão educacional”. A análise apresentada parte de uma pesquisa
documental acerca das medidas que dizem respeito à gestão da educação que fazem parte do
Programa Estruturante Boa Escola para Todos”, o qual compõe as diretrizes de ação da
Secretaria Estadual de Educação. Dentre os projetos que integram este Programa enfoca-se,
no presente estudo, o Projeto “Professor Nota 10”, o qual abrange as principais mudanças no
95
campo da gestão da educação, implicando em alterações na Lei de Gestão Democrática do RS
(Lei 11.695/2001). Outro elemento que compõe a análise são as parcerias firmadas com
instituições privadas para a melhoria da qualidade do ensino através de estratégias de gestão,
são elas: Consultoria para Educação de Qualidade SESI, firmado a partir do Termo de
Cooperação N. 197/2008 SESI e Secretaria da Educação RS e o Projeto Jovem de Futuro
em parceria com o Instituto Unibanco. A investigação teve como propósito identificar que
configuração assume a gestão do ensino público estadual no Estado do Rio Grande do Sul a
partir destas medidas e evidenciar suas implicações para o processo de gestão democrática do
ensino público estadual do Rio Grande do Sul.
A fim de delinear o campo em que se situam as mudanças na gestão da educação
gaúcha, recorre-se à compreensão da lógica de gestão estatal impulsionada pelo governo em
exercício, a qual se desdobra no campo educacional. Além disso, analisa-se a correlação de
forças produzida entre as proposições da SEE, seus interlocutores, como a Agenda 2020 e a
luta opositiva do CPERS/Sindicato, buscando evidenciar os pressupostos que norteiam as
ações da Secretaria de Educação do RS.
3.1 Trajetória da Gestão Democrática do Ensino Público no Rio Grande do Sul
Falar da trajetória educacional no ensino público estadual do RS implica considerar o
processo de correlação de forças do magistério, através das lideranças de seu sindicato
CPERS e os governos estaduais em exercício. Na esteira do processo de luta pela
democratização da sociedade que tencionava o fim da ditadura militar, o CPERS herdeiro
do pequeno Centro dos Professores Primários Estaduais surgido em 1945 - constituiu-se no
maior sindicato de professores públicos do País, alcançando em seu cinqüentenário a marca
de 87.354 associados (CPERS, 2009a).
A entidade tem sua marca registrada nas lutas em defesa de seus direitos profissionais
e na contenção das ameaças à educação gratuita e democrática (CPERS, 2009a). Um dos
marcos das ações do CPERS foi a greve de 1979, registrada como a “primeira categoria do
Estado e a segunda do país a entrar em greve após o golpe militar” (CPERS, 2009b, p. 10). A
partir daí, muitas greves se sucederam, sendo que o histórico elaborado pela entidade denota
um processo de avanços e retrocessos chegando a desestimular muitos dos professores. Sobre
a primeira greve, o “Histórico das Greves” elaborado pelo CPERS descreve o contexto
daquele momento histórico,
96
Chega um tempo em que afloram as reivindicações represadas. Não suportando mais
as injustiças, os educadores fazem a primeira greve da sua história. O clima tenso
revela a gravidade do momento. Estava em jogo mais do que um aumento: estava
em jogo a dignidade, a luta pela democracia, era um momento de elucidar a crise
social gerada pelas distorções de uma política econômica concentradora da renda
nacional (CPERS, 2009c, p. 01).
A busca pela democratização da gestão escolar esteve presente na pauta da entidade
desde a primeira greve. As primeiras conquistas foram deflagradas ainda da década de 1980,
quando a solicitação de eleição de diretores para as escolas estaduais integrou-se ao
Acordo/80 (acordo resultante a partir de nova greve em 1980) e constituiu-se uma Comissão
Mista entre o CPERS e a Secretaria de Educação a fim de definir as normas. Das propostas e
negociações desta Comissão resultou a aprovação da Lei 8.025/85, que definia as normas para
a eleição de diretores, através de lista tríplice (AMARAL, 2006). Esta lei contrariava as
aspirações do professores que reivindicavam a eleição direta. Segundo constata Amaral
(2006) “Iniciou-se o processo de normatização da gestão democrática no Estado do Rio
Grande do Sul, ainda que timidamente” (p. 108), sendo um dos Estados pioneiros a deflagar a
democratização da gestão escolar.
Embora a lista tríplice representasse avanço em relação à forma anterior de
provimento ao cargo de Diretor indicação política a categoria de professores não desistiu
de alcançar a conquista das eleições diretas. Com o processo da Constituinte Estadual em
1988 e 1989, o Fórum Gaúcho em Defesa da Escola Pública mobilizou-se para a participação
na elaboração da lei, em especial dos princípios a serem garantidos para o campo educacional,
sendo que o CPERS foi uma das entidades mais atuantes no fórum. Garantiu-se através desse
processo a reiteração do princípio de Gestão Democrática instituído pela Constituição Federal
e avançou-se ao normatizar, através do Artigo 213, a instituição dos Conselhos Escolares e a
Eleição direta e uninominal para Diretores Escolares:
Art. 213 - As escolas públicas estaduais contarão com conselhos escolares,
constituídos pela direção da escola e representantes dos segmentos da comunidade
escolar, na forma da lei.
§ - Os diretores das escolas públicas estaduais serão escolhidos, mediante eleição
direta e uninominal, pela comunidade escolar, na forma da lei. (ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL, 1989)
A partir deste dispositivo assegurado na Constituição Estadual que apontava para a
normatização a partir de Lei própria, em 1991 a eleição de diretores teve suas normas revistas
com a Lei 9.233/91, passando a ser praticada via eleições diretas e uninominal através de
chapas, o que significou maior abertura democrática às escolas. Além disso, instituiu-se a
97
normatização dos Conselhos Escolares através da Lei 9.232/91, prescrevendo em seu Artigo
que “Os Conselhos Escolares terão funções consultiva, deliberativa e fiscalizadora
constituindo-se no órgão máximo de discussão ao vel de escola” (ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL, 1991). A lei também define que os Conselhos Escolares devem ser
compostos pelo Diretor, professores, alunos, pais e funcionários, compondo um conjunto de
sujeitos representativos de cada um dos segmentos da escola. As atribuições do Conselho
Escolar constituem-se, conforme sintetiza Amaral (2006), na
[...] elaboração do seu regimento, a modificação e aprovação do Plano Anual
formulado pela direção, a criação e garantia de mecanismos de participação efetiva e
democrática da comunidade escolar na definição do projeto político-administrativo e
pedagógico da unidade escolar, a escolha, num prazo de dez dias, de uma das três
pessoas indicadas pelo diretor da escola para ser o vice-diretor, a divulgação
periódica e sistemática de informações referentes aos recursos financeiros, a
coordenação do processo de discussão, elaboração ou alteração do regimento
escolar, a convocação de assembléias dos segmentos da comunidade escolar, o
encaminhamento à autoridade competente de proposta para instrução de sindicância
para os fins de destituição de diretor ou vice-diretor da escola e a recorrência a
instâncias superiores sobre decisões a que não se julgar apto a decidir (p. 111-112).
A partir daí tal conquista que, gradativamente, deveria somar-se a outras, sofreu os
entraves das políticas partidárias
71
, que impuseram à democratização da gestão avanços e
retrocessos a cada mudança de governo. Com o início do Governo de Alceu Colares (PDT
1991-1994) elaborou-se uma alteração nas normas da eleição de diretores originando a Lei
9.263, e antes mesmo de acontecer as eleições nas unidades escolares, que seriam no final do
mesmo ano, o Governador arguiu inconstitucionalidade das Leis 9.233 e 9.263 e, embasando-
se na Constituição Federal, transformou a escolha de diretores em indicação política
(AMARAL, 2006).
A ação de inconstitucionalidade movida pelo governador apóia-se no inciso II do
Artigo 37 da Constituição Federal que normatiza: “a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração” (BRASIL, 1988). Por entender que Diretor de Escola constitui-se em “cargo em
comissão”, o governador reivindica o direito constitucional do Chefe do Executivo em
nomear as pessoas que ocuparão este cargo:
71
Ressalta-se que esta crítica se refere à descontinuidade das políticas educacionais, pois cada partido que chega
ao governo busca imprimir sua marca nas políticas públicas, não favorecendo a construção de políticas de
Estado, ou seja, políticas que atendem a um projeto da sociedade.
98
Subtraindo a escolha dos diretores das escolas públicas estaduais à competência do
Chefe do Poder Executivo, que, no caso, por tratarem-se as funções de autênticos
“cargos em comissão”, é discricionária, ofende ele, como se disse, a um tempo, a
independência e harmonia entre os Poderes tal como modelada e imposta aos
Estados-membros pela Constituição Federal e a regra de livre nomeação inscrita
na segunda parte do art. 37 daquela Carta Política. (RIO GRANDE DO SUL, 1991,
fl. 9, apud PARO, 2003, p. 64) [grifos no original]
O fato que desencadeou a arguição das eleições diretas para diretor escolar, segundo
pesquisa de Amaral (2006), foi um ofício entregue por representantes do CPERS à Secretária
de Educação Neusa Canabarro, o qual reivindicava uma administração independente por parte
das escolas, devendo o Estado restringir-se à manutenção financeira das unidades escolares.
Esta ação conduziu o governador a acionar a medida administrativa que impediu a realização
das eleições e introduziu diretores indicados a partir de critérios técnicos e partidários, os
quais ficaram conhecidos nos contextos escolares como “interventores”. A ação de
inconstitucionalidade permaneceu em julgamento até 1999 e, apesar das manifestações
contestatórias advindas do CPERS, obteve resultado favorável ao pedido, o que ocasionou a
revogação do §1º do Artigo 213 da Constituição Estadual, através da ADI nº 578-2, publicada
no D.J.U. em 18 de maio de 2001.
Conforme aponta Paro (2003), ao analisar as diversas
72
ações de inconstitucionalidade
movidas por chefes de governo à eleição de diretores, “esse argumento é muito cômodo
porque permite a esses opositores se colocarem contra a medida ‘em nome da legalidade’,
sem questionarem o seu mérito, procurando evitar, assim, o desgaste político diante da
opinião pública.” (p. 62). Ainda conforme Paro (2003), o que se pode evidenciar sobre esta
situação nos diversos Estados é que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade acionadas
pelos governos não significam qualquer “apego à legalidade ou à democracia, mas o medo do
controle democrático do Estado pela população que o sustenta, e o interesse em voltar a
práticas de favorecimento dos aliados políticos, utilizando o Estado, que deveria ser público,
em benefício de interesses de grupos particulares” (p. 72).
Isto evidencia os desafios postos àqueles que lutam pela extensão e aprofundamento
da democracia em uma sociedade em que as práticas patrimoniais continuam a persistir.
Segundo Paro (2003), para lutar contra estas práticas
[...] não basta estar com a razão, é preciso mostrar à sociedade que se está com a
razão e convencê-la de que as leis, numa sociedade democrática, devem existir, não
72
Além do Rio Grande do Sul, como aponta Paro (2003), os Estados do Mato Grosso, Santa Catarina e Paraná
moveram ações de inconstitucionalidade em relação à eleição de diretores escolares. Assim como no RS, as
instâncias que receberem o pedido deferiram as ações de inconstitucionalidade, justificando-as a partir do
conteúdo do Artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
99
para obstar o progresso social, mas para a proteção do cidadão e a promoção da
convivência civilizada de todos. Se assim não ocorre, é preciso lutar para modificá-
las, envidando todos os esforços nesse sentido, mas sem abrir mão da maneira
democrática de fazê-lo (p. 72).
Agindo a partir destas premissas, as lutas do magistério, que conquistaram o apoio da
sociedade, em especial da comunidade escolar, não cessaram, alcançando significativa
conquista em 1995 com a promulgação da Lei de Gestão Democrática do Ensino Público
Lei n. 10.576/95, que normatiza a eleição de diretores, a composição e funções do Conselho
Escolar, a autonomia pedagógica, financeira e administrativa. A retomada das eleições de
diretores que fora contestada anteriormente pelo próprio Estado do RS prova que a
inconstitucionalidade desta prática é antes de tudo uma questão de vontade política, pois
mesmo estando o processo sob júdice, encontrou-se uma saída para retomar esta prática
adotando o termo indicar ao invés de eleger
73
ao normatizar a forma de escolha dos diretores
através de eleições diretas.
No entanto, neste momento o governo em exercício no RS (Governo Britto PMDB
1995-1998) encontrava-se em total sintonia com as políticas adotadas pelo governo federal e
entra na esteira da Reforma do Estado
74
assumindo os princípios neoliberais na esfera pública.
No setor público a Reforma do Estado implicou na privatização de empresas estatais
75
, na
adoção de medidas de gestão para redução dos gastos públicos, incentivos fiscais às empresas
multinacionais
76
, tendo em vista a busca pelo ajuste fiscal do Estado e o impulso para o
desenvolvimento econômico a partir do princípio neoliberal do livre mercado. Segundo
Camini (2005) o Estado do Rio Grande do Sul, no período de 1995-1998, “foi pioneiro na
busca de financiamento para a implementação das reformas do Estado e no processo de
privatização, tido como referência pelo Governo Federal” (p. 89).
No campo educacional as políticas de cunho neoliberal também se fizeram presentes,
especialmente no momento de elaboração e aprovação da Lei de Gestão Democrática do
Ensino Público. No momento de discussão do projeto de lei, duas propostas distintas
73
A adoção do termo indicar ao invés de eleger causou polêmica na votação da Lei. A redação do texto legal
“Os Diretores das escolas públicas estaduais poderão ser indicados pela comunidade escolar (Art. ) dava
margem para outras interpretações, inclusive a de não obrigatoriedade das eleições para a escolha de diretor.
Mesmo assim, o termo indicar prevaleceu em razão da ação de inconstitucionalidade movida pelo Estado ainda
não ter tido seu desfecho judicial.
74
O Programa de Reforma do Estado foi instituído pela Lei Estadual 10.607 em dezembro de 1995 e alterado
pela lei Estadual n° 10.893/97 (CAMINI, 2005).
75
Nesse período privatizou-se a Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações (CRT) e a Companhia
Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
76
Para receber a empresa multinacional General Motors no RS o governo promoveu um abono fiscal
correspondente a R$ 253milhões, além das obras no valor de R$ 200 milhões que o Estado arcou para a
instalação da empresa (CAMINI, 2005).
100
disputaram a aprovação pela Assembléia Legislativa do Estado, porém na forma de um único
projeto PL 410/95: uma delas oriunda do Grupo de Trabalho composto por organismos da
sociedade civil e participantes do governo e outra que se constituía com base neste mesmo
projeto, porém, acrescido de alguns pontos polêmicos por parte do poder executivo governo
do PMDB - gestão 1995-1998 (MOUSQUER, 2003). Embora, sob sinais de protesto e
resistência da parte do magistério e de alguns parlamentares da Assembléia Legislativa tal
proposta acabou sendo aprovada. Na análise do CPERS (2009b),
Através da Secretaria de Educação, o governo aceita a discussão com as entidades
da área educacional, participando inclusive das elaborações dos documentos e,
posteriormente, no interior dos gabinetes, de forma isolada e autocrática,
descaracteriza o trabalho que fora construído coletivamente. Dessa forma, usa as
entidades na tentativa de legitimar suas propostas (p. 09).
Os pontos polêmicos, de acordo com a divulgação feita pelo CPERS/Sindicato, eram:
realização de curso preparatório para os candidatos a diretor, premiação de escolas a partir da
avaliação externa, mandato do diretor reduzido de três para dois anos, redução da carga
horária do vice-diretor e municipalização do ensino (SINETA, set. 1995). Estes elementos
vêm em sentido contrário ao processo de democratização, especialmente a introdução do
curso preparatório para diretores uma vez que restringe a autonomia das comunidades na
escolha de seu representante e sobrepõe a capacidade cnica à capacidade política e ao
conhecimento da realidade escolar como elementos necessários ao exercício da função de
diretor escolar. Segundo análise de Azevedo (1995, p. 33), esta medida significa “uma
cassação prévia do direito das comunidades para estabelecer critérios de legitimação de suas
lideranças”.
Sobre este impasse, Mousquer (2003) chama a atenção para o fato de que “o processo
de regulamentação dessa Lei coincide com a possibilidade de efetivação de diferentes
políticas sob o manto da gestão democrática” (p. 153). A lógica da premiação por
desempenho identifica-se claramente com o ideário neoliberal, ao responsabilizar os
indivíduos por questões que não são inteiramente de seu domínio. Em certa medida constitui-
se uma contradição a normatização da premiação por desempenho nas avaliações externas em
uma Lei que pretende instaurar a democratização das escolas públicas e, consequentemente,
estimular o desenvolvimento de práticas democráticas por seus sujeitos. Conforme aponta
Freitas (2003), “todo processo de avaliação/premiação é sempre um processo de caráter
exclusivamente individual e competitivo, e, por que não dizer, punitivo e intimidatório” (p.
1111) e, nesse sentido, contrário à construção de uma escola democrática.
101
Vale ressaltar que a avaliação de desempenho constitui-se parte das normativas para o
campo educacional instituída pela LDB 9394/96. Em seu artigo 67, inciso IV, a LDB
preconiza dentre os elementos a serem considerados pelos sistemas de ensino em relação ao
ingresso e valorização dos profissionais da educação a “progressão funcional baseada na
titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho”. Como vimos no Capítulo I, a LDB
foi aprovada em meio a disputa entre projetos de sociedade em que prevaleceu o projeto
neoliberal. Esta Lei reflete as intenções e mecanismos deste projeto e, ainda que não estipule
as conseqüências da avaliação de desempenho dos professores, abre brechas para diferentes
interpretações e introdução de mecanismos competitivos e de adoção da lógica de gestão
empresarial, como no caso da Lei aprovada no governo Britto no RS.
A regulamentação da remuneração por desempenho foi instituída pela Lei 11.125/98
que, dentre outras questões referente ao Magistério Estadual, define o Prêmio de
Produtividade Docente, que é regulamentado através do Programa de Avaliação da
Produtividade Docente instituído pela Lei 11.126/98. Segundo o Artigo 30 desta Lei,
Art. 30. O Prêmio de Produtividade Docente será auferido pelo Professor, desde
que:
I. os alunos das turmas sob sua responsabilidade obtenham aprovação, em processo
de avaliação externa promovido pela Secretaria da Educação, em prova de
conhecimentos, adaptada aos currículos das diferentes séries, superior à meta
percentual estabelecida; e
II. o índice de reprovação, incluindo as reprovações por desistência, seja inferior à
meta percentual estabelecida.
III. comprovada a qualidade do ensino na aprendizagem do aluno. (ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL, 1998b)
Esta normativa nos remete à situação contraditória em que se situa a busca pela
qualidade do ensino a partir das políticas neoliberais. Enquanto nas décadas de 1960 e 1970 se
criticava o pensamento tecnicista como entrave à qualidade da educação, entendida em um
espectro mais amplo como qualidade social e formação humana, a cada de 1990 superou
contraditoriamente este discurso, reiterando a centralidade no conteúdo da escola e retomando
a “ênfase excessiva do que acontece na sala de aula, em detrimento da escola como um todo”
(FREITAS, 2003, p. 1096) e, acrescentamos, da sociedade como um todo. Longe de ser um
fato isolado da política educacional do RS, a adoção da lógica desempenho docente versus
aprendizagem dos alunos, tem inspiração no setor privado e constituiu-se em uma “tendência
global, preconizada pelas reformas educacionais, de incorporação dos principais mecanismos
de gestão privada nas instituições públicas, inclusive as educacionais” (CASSETTARI, 2008,
p. 02).
102
Além disso, seguindo as diretrizes neoliberais para o campo educacional, a referida Lei
11.126/98 normatiza o Programa Adote uma escola. De acordo com o Artigo 24 desta lei, “O
Programa Adote um Escola objetiva a melhoria e a manutenção das escolas da rede de ensino
estadual e o atendimento ao aluno carente, mediante a captação, junto à comunidade escolar,
de prestação de serviços, de recursos financeiros e materiais.” (ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL, 1998b).
Este programa evidencia claramente o afastamento do Estado na manutenção dos
serviços sociais. Ao evocar para a “solidariedade” e “voluntarismo” da sociedade como
valores morais “nobres” encobre-se a estratégia do Estado de transferência de suas funções
para a sociedade. Como denunciam Frigotto e Ciavatta (2003) “as apelativas e seqüenciais
campanhas de ‘adote uma escola’, ‘amigos da escola’, ‘padrinhos da escola’ e, depois, do
‘voluntariado’ explicitam a substituição de políticas públicas efetivas por campanhas
filantrópicas.” (p. 115).
Ambas as Leis (11.125/98 e 11.126/98) foram revogadas com o início do Governo
Olívio Dutra em 1999 (PT gestão 1999-2002). Os pontos polêmicos da Lei de Gestão
Democrática também foram revisados neste governo, obtendo-se no ano de 2001 a aprovação
da Lei 11.695/2001, que se configura por mudanças na lei 10.576 de 1995, mas ainda
contrárias a algumas parcelas da sociedade civil e do governo (CAMINI, 2005). Embora tenha
se constituído uma comissão mista, conforme relata Camini (2005), formada por
representantes dos pais (ACPM Federação), União Gaúcha de Estudantes (UGES),
Sindicato dos Trabalhadores em Educação (CPERS/Sindicato), para elaboração do projeto de
reformulação na Lei de Gestão Democrática, ainda em 1999, ao passar pela Assembléia
Legislativa o projeto sofreu diversas emendas que partiram da base de oposição ao governo,
descaracterizando o projeto, que teve de ser retirado de votação. A comissão elaborou novo
projeto e a oposição interpôs um substitutivo, o qual, embora sob reprovação do executivo, foi
sancionado pelo presidente da Assembléia em 12 de setembro de 2001.
Segundo análise de Camini (2005),
O resultado desse processo representou um passo atrás na democratização da gestão,
uma vez que a lei aprovada suprimiu a eleição por chapas, permitiu a recondução
sucessiva de mandatos, ensejando a perpetuidade do Diretor na função, manteve a
avaliação externa do Sistema Estadual de Ensino, suprimiu o respeito à
proporcionalidade de 50% (cinqüenta por cento) dos votos para o segmento pais-
alunos e 50% (cinqüenta por cento) dos votos para o segmento Magistério-
funcionários e introduziu o voto universal. (p. 141-142)
103
Em relação à gestão do Estado, o governo Olívio Dutra adotou como estratégia a
democracia direta, através do Orçamento Participativo e, nesse sentido, substituiu a
centralização administrativa em prol da “participação popular na formulação, controle e
fiscalização na aplicação de recursos públicos do estado” (CAMINI, 2005, p. 94). Esta
inflexão na forma de gestão do Estado em relação ao governo anterior repercutiu na política
educacional, a qual, em consonância com a estratégia do orçamento participativo adotado em
outras esferas do setor público, articulou-se em torno do movimento da Constituinte Escolar
Construção da Escola Democrática e Popular” que se constituiu “em espaço de mobilização
social, de incorporação dos sujeitos no processo de decisão para a definição dos princípios e
diretrizes da educação pública do Rio Grande do Sul” (CAMINI, 2005, p. 94-95).
A proposta da Constituinte Escolar (CE) se traduzia como um movimento para a
construção da democracia no campo educacional, através da “elaboração dos princípios e
diretrizes que orientarão a construção de uma Escola Democrática e Popular e criar condições
para sua implementação” (SEE, 1999, p. 05). Construídos os princípios e diretrizes da Escola
Popular e Democrática, estes encaminhariam a construção dos Projetos Políticos Pedagógicos
das unidades escolares e as ações das Coordenadorias e da Secretaria de Educação na
construção da política educacional. Para tanto, este movimento contou com a participação de
educadores, pais, estudantes, funcionários, movimentos sociais populares, Instituições de
Ensino Superior e Instituições do Poder Público, no intuito de que ambos exercessem sua
condição de sujeitos no processo de definição dos rumos da educação e da escola pública.
A metodologia de desenvolvimento da CE priorizou os debates
77
, estudos da realidade
e socialização de experiências entre as escolas em âmbito regional, culminando com a
realização de uma Conferência Estadual em que participaram 3.500 delegados de todo o
Estado, ocorrida em agosto de 2000 (CAMINI, 2005). Este processo esteve orientado pela
concepção dialética da construção do conhecimento, concebendo a realidade como uma
totalidade e não mera soma de partes e, com vistas nisso, esteve pautado nos seguintes
pressupostos: Educação como direito de todos; Participação Popular; Dialogicidade;
Radicalização da democracia e Utopia (SEE, 2000).
O desenvolvimento da CE constitui-se em 5 momentos interligados: o primeiro foi o
momento da elaboração da proposta e lançamento da Constituinte (março/abril de 1999); o
77
Recordo-me destes momentos de debates realizados em minha escola quando cursava o Ensino Médio. Todas
as turmas e professores reuniram-se no salão de eventos da escola a fim de debater, em pequenos e grandes
grupos, os temas propostos e apontar sugestões. Lembro com satisfação destes momentos em que fomos ouvidos
e pudemos apontar sugestões para o andamento da escola, desde sugestões para a infraestrutura a sugestões no
processo de ensino e aprendizagem. Mais tarde, ao cursar Pedagogia fui entender melhor o significado daqueles
momentos que foram marcantes em minha escolaridade.
104
segundo foi o momento do estudo da realidade e do levantamento das temáticas
78
para
posterior aprofundamento (maio a novembro de 1999); o terceiro momento consistiu no
aprofundamento das temáticas levantadas no momento anterior, em nível de escola,
município, microrregiões e regiões, através das Pré-Conferências (dezembro de 1999 a junho
de 2000). Neste momento a SEE encaminhou às escolas os Cadernos Temáticos da
Constituinte escolar. Foram 25 cadernos ao todo, que abordavam cada uma das temáticas
levantadas pelas escolas no momento anterior. Cada caderno temático constituía-se de uma
problemática inicial acerca do tema abordado, aprofundamento teórico sobre a temática e
plano de ação a ser elaborado pela escola em relação a cada temática
79
; o quarto foi o
momento da definição de princípios e diretrizes da Escola Democrática e Popular que
culminou com a Conferência Estadual (julho e agosto de 2000); o quinto e último momento,
após toda a trajetória formativa percorrida, foi destinado à (re) construção dos projetos
político-pedagógicos das escolas, da Secretaria de Educação e das Coordenadorias Regionais
de Educação (a partir de setembro de 2000) (CAMINI, 2005).
O movimento da Constituinte Escolar foi um marco histórico na construção da
democracia no sistema de ensino estadual do RS. A Lei de Gestão Democrática deixou, neste
momento, de ser um elemento isolado no âmbito da escola e passou a migrar por todas as
instâncias do sistema educacional do Estado. Conforme analisou Frigotto, na época,
A Constituinte Escolar é uma outra face de extraordinário valor ético-político e de
democracia ativa, de orçamento e planejamento participativo. A Constituinte
78
Foram levantadas 25 temáticas para estudo e aprofundamento no momento da CE, são elas: 1. Gestão
Democrática (administrativa, financeira e pedagógica); 2. Planejamento Participativo; 3. Estrutura do Sistema
Educacional Escolar; 4. Relações de Poder na Escola e na Sociedade (interpessoais, de trabalho, família-escola,
escola-comunidade, escola e diferentes organizações da sociedade); 5. Concepções Pedagógicas e Teorias de
Ensino-aprendizagem; 6. Processo de Ensino-aprendizagem e Construção do conhecimento a partir da realidade;
7. Conhecimento científico e saber popular; 8.Currículo (avaliação como processo, metodologia,
interdisciplinaridade, ritmo, tempo/espaço, conteúdo/conhecimento); 9. Evasão e repetência; 10. Avaliação da
prática educativa; 11. Papel social do estado, do serviço público e função social da escola; 12. Escola como
espaço público de produção do conhecimento, cultura, lazer e recreação; 13. Escola: humanização ou exclusão?;
14. Projetos de desenvolvimento socioeconômico e educação; 15. Qualificação, valorização e formação
permanente dos trabalhadores em educação; 16. Saúde dos Trabalhadores em Educação; 17. Educação
ambiental; 18. Educação do Campo; 19. Educação e tecnologia; 20. Violência. 21. Trabalho infantil e
adolescente; 22. Influência dos Meios de Comunicação na formação, controle e alienação dos sujeitos sociais;
23. Diversidade sociocultural, étnica e de Gênero; 24. Ética, cidadania e valores; 25. A construção da unidade
político-pedagógica na diversidade dos níveis e modalidades de ensino.
79
Em razão do envio destes Cadernos Temáticos às escolas, a SEE sofreu críticas de ideologização do sistema de
ensino. As críticas alegavam a utilização de referências teóricas que apontavam uma única visão de mundo. No
entanto, qualquer pessoa que tiver acesso aos Cadernos Temáticos, pode comprovar que as referências teóricas
utilizadas são variadas e se constituem em bibliografia utilizada em diversas instâncias formativas
(universidades, faculdades, eventos científicos). O único diferencial, conforme aponta a pesquisa de Mousquer
(2003, p. 183), é de que as referências utilizadas se apresentam “comprometidas com uma perspectiva crítica de
construção coletiva de autonomia e emancipação” no meio educacional, como no caso da obra de Paulo Freire,
utilizada nos cadernos temáticos.
105
Escolar, que se propõe a democratização do acesso à escola e, sobretudo, à
democratização do conhecimento e gestão, constitui-se num alargamento fecundo e
extraordinário dessa inversão de relação Estado - Sociedade e da constituição efetiva
de uma esfera pública democrática (FRIGOTTO, 1999 apud CAMINI, 2005, p.
119).
No entanto, como aponta a análise da própria Secretária de Educação deste período,
Lúcia Camini (2005), apesar deste avanço, o desenvolvimento da Constituinte Escolar esteve
intrincado em tensões, limites e contradições. Após o lançamento da Constituinte Escolar,
com a participação do CPERS, a entidade decidiu em Assembléia Geral, em maio de 1999,
condicionar a participação na Constituinte Escolar à definição de uma política salarial para a
categoria, como forma de pressionar o governo.
Muitas foram as tratativas entre governo e CPERS, no entanto a proposta salarial do
governo não agradava a entidade, chegando a culminar em uma greve, em março de 2000.
Após 22 dias de greve, a categoria e o governo chegaram a um acordo: o reajuste salarial de
14,9%, a ser revertido para o quadro do Magistério em parcelas até o final daquele ano
(CAMINI, 2005).
Apesar disso, segundo estimativas, um contingente de 60% dos professores participou
das etapas da CE. No entanto, este fato desencadeou outros entraves ao andamento deste
processo. A oposição do governo, tanto na Assembléia quanto no seio da sociedade (em
especial o Grupo RBS
80
), embarcou na decisão do CPERS, passando a apoiar a categoria
81
e
dificultando as ações do governo em relação à CE, ao restringir o financiamento de suas ações
e disseminar frente à opinião pública uma imagem de autoritarismo e intransigência do
governo.
A oposição na Assembléia Legislativa retirou do orçamento os recursos destinados a
custear a CE, obrigando a SEE a buscar outros mecanismos para garantir a continuidade de
suas atividades. Após envio de ofício à Procuradoria Geral do Estado, que garantiu a
legalidade dos gastos com a CE, a SEE teve novamente à disposição os recursos necessários
ao andamento das atividades previstas. No entanto, ao prestar contas ao Tribunal de Contas do
Estado (TCE), a SEE foi notificada de uso ilegal de recursos públicos, que a Constituinte
Escolar fora suprimida da Lei orçamentária/2000 e somente a Assembléia, por designação da
Constituição Estadual, tem poder de aferir no âmbito orçamentário. Neste contexto, Camini
80
O Grupo Rede Brasil Sul de Telecomunicações é composto por canais de televisão, dio e jornais impressos.
O Canal de televisão aberto, RBS TV, é afiliado à Rede Globo.
81
É válido ressaltar que dentre o grupo de oposição ao governo estavam os partidos e organizações, como a RBS
TV, que sempre foram contrários às reivindicações do CPERS, acusando-os de baderneiros e promotores da
desordem.
106
(2005) avalia que “em certa medida, chegou-se a uma luta de classe”: de um lado o poder
público, através da SEE, “forçava a ampliação de espaços de participação, inclusão”, de outro,
“por parte dos órgãos responsáveis pela aprovação dos projetos e fiscalização, a determinação
era por dificultar e limitar a implementação das propostas pelo Governo” (p. 126-127).
Em que pese os argumentos do CPERS em prol sua reivindicação salarial, seu
posicionamento frente à proposta da CE contradiz sua luta histórica pela democratização da
educação. Uma de suas principais críticas em relação à atuação dos governos no campo
educacional era a ausência de espaços para participação da sociedade nas decisões e
proposições de políticas educacionais. A CE representava este espaço, no entanto, fora
obstruído em função da estratégia utilizada pela entidade ao negociar a política salarial da
categoria.
No quadriênio seguinte, assume o governo do Estado do RS o governador Germano
Rigotto (PMDB – gestão 2003-2006) e as estratégias democráticas no âmbito da gestão
pública são represadas tendo em vista a adoção da lógica gerencial no setor público, ancorada
no estabelecimento de metas, avaliação e gratificação (AMARAL, 2009). Substituiu-se o
planejamento participativo por um planejamento pautado em técnicas e processos gerenciais
identificados com a “eficiência” do mercado. Esta lógica incidiu no campo educacional
através da criação da Lei 12.237/2005 que normatizava, dentre outros elementos, os contratos
de gestão entre a Secretaria Estadual de Educação e as escolas, a fim de firmar metas a serem
cumpridas, sendo que as instituições que apresentassem dados positivos receberiam bônus
financeiro como premiação. Nas palavras do Secretário de Educação deste período, o contrato
de gestão constitui-se em “instrumento administrativo e gerencial muito tempo utilizado
por empresas nas esferas pública e privada com o propósito de aumentar a eficiência e a
eficácia na utilização dos orçamentos financeiros existentes” (FORTUNATI, 2007, p. 35).
Esta prática foi desenvolvida na forma de projeto-piloto em duas Coordenadorias Regionais
de Educação
82
, a partir da livre adesão por parte das escolas, não tendo sido levado adiante em
função das reivindicações do CPERS/Sindicato, que a relacionava com o ideário neoliberal, o
que inviabiliza a democratização da gestão.
Neste aspecto, pode-se visualizar a convivência de diferentes pressupostos e objetivos
atuando no campo da gestão democrática. Coerente com o princípio neoliberal de que a lógica
de gestão do mercado consegue atingir maiores graus de eficiência, os contratos de gestão
82
O Contrato Geral entre a Secretaria da Coordenação e Planejamento e a Secretaria da Educação foi assinado
em agosto de 2005. Em 28 de setembro do mesmo ano, os Subcontratos entre Diretores de Escola e Secretarias
de Estado foram assinados, envolvendo 117 escolas da 25ª e 32ª CRE(s), com sedes em Soledade e São Luiz
Gonzaga (SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO, 2006).
107
passam a inserir na gestão da educação a lógica do quase-mercado (DALE, 1994),
contribuindo para a generalização dos procedimentos e valores típicos do capitalismo
competitivo. Esta prática de gestão surge da alternativa encontrada para a superação da
dicotomia “gestão ‘estatal-centralizada-burocrática-ineficiente’ de um lado, ‘mercado-
concorrencial-perfeito’ de outro”, introduzindo “concepções de gestão privada nas instituições
públicas sem alterar a propriedade das mesmas” (OLIVEIRA; SOUZA, 2003, p. 876). Além
disso, a meritocracia inserida através da premiação às instituições que obtiverem êxito no
alcance das metas reforça a individualização e a responsabilização da escola pelos seus
resultados, desconsiderando a totalidade dos fatores que interferem no processo educativo.
Pode-se constatar, nesta trajetória, que a educação fica à mercê das concepções e
projetos dos partidos políticos que estão à frente do governo
83
. A cada mudança de gestão,
novas concepções revestem as práticas políticas, redimensionando o foco das políticas
educacionais. A gestão educacional e escolar, sendo o espaço por excelência destas mudanças,
acaba por assumir novos significados, que resultam em diferentes funções, muitas vezes
antagônicas. Esta situação aponta para o fato de que a norma de gestão democrática,
assegurada em lei, tem se tornado espaço de diferentes interpretações e proposições e vem
sendo atravessada por mecanismos privados de gestão, embora interpelado por
movimentações sociais contrárias.
A Gestão Democrática do ensino público estadual encontra-se assim em uma porta
giratória: ora é tomada como princípio para as políticas educacionais da rede, ora é repelido,
seja em nome de práticas patrimoniais de governo, seja em prol de medidas de gestão mais
eficientes do ponto de vista econômico.
O movimento de introdução de práticas de gestão inspiradas no setor privado,
ensaiadas nos governos Britto e Rigotto, vem à tona novamente no governo Yeda Crusius
(2007-2010). Neste governo vem sendo desenvolvida e almejada a introdução de mecanismos
privados de gestão e financiamento da educação, através das parcerias firmadas com entidades
privadas e mudanças no padrão de gestão da educação. A seguir analisaremos estas ações que
são apresentadas sob o invólucro de “modernização da gestão educacional”.
83
Conforme análise de Cunha (1995, p. 475), esta situação conduz ao padrão de “administração zig-zag”, que
acarreta em, notadamente, duas conseqüências lesivas para o campo educacional: a impossibilidade de avaliar
resultados das políticas educacionais, uma vez que elas saem de cena antes de alcançar algum resultado; e a
resistência dos professores frente a mudanças, ao acostumar-se com a efemeridade destas.
108
3.2 A modernização da gestão do ensino público estadual do RS no governo Yeda
Crusius: implicações para o processo de Gestão Democrática
A trajetória da Gestão Democrática do Ensino Público Estadual do RS, após este
histórico de avanços e impasses decorridos de diferentes motivações, mas em especial das
ações dos governos neste campo, vive mais um episódio de disputas a partir do acirramento
das práticas de “modernização da gestão” introduzidas pelo governo Yeda Crusius (2007-
2010). Neste momento, enfocamos as medidas e propostas oriundas da atual gestão
governamental (gestão 2007-2010) que visam “modernizar a gestão educacional”, como o
propósito de evidenciar as implicações destas ações para a Gestão Democrática do Ensino
Público Estadual.
Inicialmente, cabe ressaltar a dificuldade de coleta dos documentos de interesse da
pesquisa e o desafio da análise devido à dispersão das ações da SEE. No contato com as
escolas, estas ficam temerosas em dar qualquer informação sobre as medidas advindas da
SEE; a SEE, por sua vez, disponibiliza muito pouco material sobre suas ações. As
informações são veiculadas por meio de sites, jornais e materiais utilizados em palestras com
as escolas
84
(alguns ficam disponíveis no site da SEE) e organizações sociais, portanto, se
apresentam fragmentadas, exigindo um esforço lógico e analítico na compreensão deste
“quebra-cabeça”. As instituições das parcerias público-privadas também cerceiam a
divulgação de seus materiais, sendo que a escola não pode autorizar o acesso a estes materiais
para pessoas externas à instituição. Por outro lado, as ações desenvolvidas no campo da
educação, apesar de muitas estarem congregadas no “Programa Estruturante Boa Escola para
Todos”, e outras, como as parcerias público-privadas, não se apresentarem relacionadas
diretamente a este programa, não têm uma linha de ação em comum
85
, o que novamente nos
desafia a juntar as “peças” a fim de compreendê-las e analisá-las em sua totalidade.
A partir dos passos da Análise de Conteúdo, explorou-se o material coletado a fim de
apreender em seu conjunto as ações de “modernização da gestão educacional”. Essa
exploração suscitou o aprofundamento de alguns elementos que se entrelaçam à proposta de
“modernização da gestão educacional”, na tentativa de apreender o contexto em que esta é
formulada.
84
Na reunião realizada com Diretores das Escolas Estaduais de Abrangência da CRE estive no local para
assistir a reunião, mas fui impedida por membro da CRE de entrar, alegando que naquele momento apenas os
diretores poderiam participar e que haveria outro momento aberto para a comunidade escolar. Até hoje este
momento não foi oportunizado.
85
As ações na área da educação no início do governo apresentavam-se dispersas, sem uma linha orientadora.
Após o início dos trabalhos da consultoria do PGQP foi elaborado o “Programa Estruturante Boa Escola para
Todos” que buscou reunir as ações da SEE.
109
Neste sentido, buscamos, inicialmente, compreender a lógica de gestão pública
adotada pelo governo Yeda Crusius, pois desta decorrem todas as ações das Secretarias do
Governo, inclusive na educação. Além disso, evidenciou-se como necessário a identificação
dos interlocutores da proposta da SEE para a educação e a análise da correlação de forças
produzida com relação a esferas da sociedade civil na construção da política educacional, em
especial com entidade representativa do Magistério, o CPERS.
Após esta contextualização, a análise de conteúdo deteve-se aos documentos
relacionados ao projeto “Professor Nota 10 – valorização do Magistério” que compõe as ações
do Programa Estruturante “Boa Escola para Todos” e abarca as principais medidas de gestão
da política educacional da SEE e os documentos coletados referentes às parcerias público-
privadas: Projeto Jovem de Futuro (PJF) do Instituto Unibanco e a Consultoria para uma
Educação de Qualidade do SESI-RS. Esta análise, por pretender identificar as implicações
destas ações para a gestão democrática do ensino público estadual, foi conduzida a partir das
seguintes categorias: o papel do Estado na gestão da educação; o papel da participação da
comunidade escolar na gestão da escola; os espaços (ou ausências) da autonomia escolar; o
modelo de gestão difundido pelas parcerias público-privadas no âmbito das escolas. Nesse
sentido, busca-se articular o material empírico coletado interpretando-o com base nas
questões de pesquisa que se encontram apoiadas no referencial teórico que embasa a
investigação.
3.2.1 A forma de gestão do Estado no governo Yeda Crusius – o “novo jeito de governar”
Yeda Crusius assumiu o governo do RS em 2007, tendo sido eleita com 53,943% dos
votos no segundo turno das eleições de 2006
86
, surpreendendo os candidatos favoritos ao
cargo no primeiro turno
87
. O governo Yeda Crusius é composto pela coligação “Rio Grande
Afirmativo”, liderada pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) com apoio de
outros 10 Partidos Políticos, são eles: PSC (Partido Social Cristão), PL (Partido Liberal, atual
PR Partido da República), PPS (Partido Popular Socialista), PFL (Partido da Frente Liberal,
atual DEM Democratas), PAN (Partido dos Aposentados da Nação), PRTB (Partido
Renovador Trabalhista Brasileiro), PHS (Partido Humanista Social), PTC (Partido Trabalhista
86
Yeda Crusius foi para o 2º Turno com 32,904% dos votos, concorrendo com Olívio Dutra do Partido
Trabalhista (PT) que obteve 46,057% dos votos no segundo turno.
87
A candidata surpreendeu por sua votação no primeiro turno, tendo em vista que as pesquisas pré-eleitorais
apontavam o favoritivismo de Germano Rigotto (PMDB) e em segundo lugar de Olívio Dutra (PT). Além disso,
o partido da governadora (PSDB) não tinha tradição na vida política do RS e sua bancada na Assembléia não era
muito expressiva.
110
Cristão), PRONA (Partido da Renovação da Ordem Nacional) e PT do B (Partido Trabalhista
do Brasil)
88
. Antes mesmo de assumir o governo do Estado, após as eleições, havia sinais
de conflito na coligação, sendo que o Vice-Governador Paulo Feijó, do DEM já se encontrava
em divergência com a candidata a governadora em pleno processo eleitoral
89
.
Desde o Plano de Governo, a proposta desta coligação ao assumir o Estado gaúcho era
construir um “novo jeito de governar” (PLANO DE GOVERNO, 2006, p. 02). Dentre os
problemas apontados em relação ao Estado no plano de governo estava a “crise das finanças
do Estado e o atraso na adoção de práticas mais modernas na gestão pública” (p. 02),
evidenciando que a mudança na gestão do Estado encontrava-se dentre as prioridades do
governo.
No entanto, as ações do “novo jeito de governar” na esfera estatal, traduziram-se no
velho “choque de gestãopraticado pelos governos peessedebistas de São Paulo (Geraldo
Alckmin 2003-2006 e José Serra 2007-2010) e de Minas Gerais (Aécio Neves 2003-
2010), que tem seus efeitos conhecidos principalmente pelos usuários dos serviços públicos e
pelos servidores públicos, pois o objetivo último do “choque de gestão”, o “déficit zero
90
”,
apóia-se na redução dos gastos na área social. Prova disso, foi o imediato corte de 30% das
despesas de custeio de cada Secretaria, inclusive da educação.
O PSDB é um partido claramente identificado com a corrente teórica da Terceira Via
(ou neoliberalismo de Terceira Via), embora tenha se desenvolvido no Brasil antes mesmo de
esta corrente alcançar visibilidade, como aponta a análise de Guiot (2006)
91
. Nesse sentido, a
proposta de modernização da gestão pública apresentada no Plano de Governo (2006) alerta
desde para sua oposição ao sentido (stricto) de privatização do setor blico, assim como
propõe a terceira via, e aponta que:
[...] o que estamos propondo objetivamente é aplicar no dia a dia do governo uma
administração que seja orientada pela busca de metas e que trabalhe com indicadores
de resultado e de esforço em cada um dos seus programas prioritários. Esta é uma
técnica de gestão que não depende de mais recursos, mais pessoas ou de alterações
na estrutura patrimonial do Estado. Requer sim uma nova postura de gestão do
Estado. Uma postura mais comprometida com os resultados que o cidadão espera na
prestação de serviços públicos (p. 56). [grifos no original]
88
Informações do site do Tribunal Superior Eleitoral < www.tse.gov.br>
89
Durante as eleições Feijó apontou problemas na administração do Banrisul e foi criticado por Yeda, alijando-o
da campanha eleitoral. Durante o governo muitas foram as divergências do DEM em relação ao governo,
refletindo-se no apoio dos deputados do partido ao pedido de Impeachment da governadora, assim como o PSDB
ameaçou pedido de impeachment do vice-governador. O PDT também saiu do governo após a governadora
demitir o Secretário da Segurança Ênio Bacci que é do partido.
90
Déficit Zero corresponde ao equilíbrio entre o valor das despesas e das receitas em um governo, empresa, etc.
91
Conforme afirma Guiot, “o programa peessedebista, desde sua origem, além de estar vinculado com o
neoliberalismo, apresenta traços marcantes dos pressupostos daquilo que Giddens, em meados dos anos 90,
denominaria de terceira via.” (2006, p. 13-14).
111
Esta declaração deixa explícita a compreensão de que o problema do Estado está na sua
forma de gestão. A alternativa apontada, assim como prega a Terceira Via, é a mudança na
gestão do Estado, utilizando-se dos “ensinamentos” da esfera privada, a fim de torná-lo mais
eficiente e menos dispendioso. Conforme o Plano de governo destaca: “O objetivo principal
da modernização da gestão pública é prestar melhores serviços públicos ao cidadão e fazer
mais com os recursos públicos que estão disponíveis” (2006, p. 56).
A fim de introduzir as “práticas mais modernas de gestão” com vistas a suprir a crise
fiscal do Estado, o governo Yeda Crusius articulou-se com algumas organizações não-
governamentais que se tornaram seus principais interlocutores no desenvolvimento das ações
do governo. Estas organizações são a “PÓLO RS” e o “Programa Gaúcho de Qualidade e
Produtividade” (PGQP). Esta última vinha interagindo com diversas instituições gaúchas
inclusive os governos estaduais, desde o mandato de Alceu Colares, sendo intensificada no
Governo Britto.
A LO RS Agência de Desenvolvimento, segundo seu site de divulgação
92
,
consiste em uma organização não-governamental privada, sem fins lucrativos, que congrega
empresas e entidades que representam diferentes setores da economia do nosso Estado
93
. Esta
organização iniciou suas atividades ao final de 1995, concentrando suas ações na atração de
investimentos e na criação de projetos estratégicos para o desenvolvimento do Rio Grande do
Sul.
Ao lado desta organização, o governo estadual também conta com as diretrizes de
gestão disseminadas pelo Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade, que vem atuando
no Estado desde 1992. O PGQP é uma organização que atua através de assessorias e
orientações a instituições e empresas públicas e privadas
94
disseminando as ferramentas e
conceitos da gestão de Qualidade Total, com vistas a conduzir estas entidades a melhorar os
produtos e serviços, economizar tempo e otimizar seus recursos.
O principal instrumento de atuação destas organizações no governo gaúcho,
atualmente, é através da Agenda 2020. A Agenda 2020 veio a público em 2006, sendo
92
<http://www.polors.com.br>
93
Dentre as entidades que compõem a PÓLO RS estão: a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul
FIERGS, a Federação do Comércio de Bens e Serviços do Rio Grande do Sul – FECOMÉRCIO, a Federação das
Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul FEDERASUL, a Federação das Câmaras de
Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul – FCDL, a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul –
FARSUL, Federação das Empresas de Transportes Rodoviários de Passageiros do Estado do Rio Grande do Sul
– FETERGS, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae/RS, entre outras.
94
Para receber assessoria da PGQP as instituições públicas e empresas privadas devem solicitar esse serviço
através do termo de adesão disponível no site da PGQP (http://www.mbc.org.br/mbc/pgqp/index.php).
112
resultado de encontros com empresários gaúchos que tinham como objetivo buscar
alternativas para reverter o ciclo vicioso da crise no Estado (AMARAL, 2009). As alternativas
encontradas compõem o Projeto O Rio Grande que Queremos Agenda estratégica 2006-
2020, mais difundido como Agenda 2020.
No entanto, o site que reúne as proposições e conquistas da Agenda 2020
(www.agenda2020.org.br) apresenta-a como “um movimento que une os gaúchos para agir
em busca de um futuro melhor. A Agenda 2020 organiza propostas concretas de interesse da
sociedade riograndense.” Percebe-se que este movimento utiliza-se do termo sociedade civil
para legitimar uma proposta que é própria das necessidades de uma classe, a empresarial.
A visão apresentada pela Agenda 2020, que congrega a linha de pensamento tanto da
PÓLO RS quanto do PGQP, de que para romper com a crise fiscal do Estado é necessário a
modernização da gestão pública vem ao encontro dos interesses declarados pelo atual governo
desde seu plano eleitoral e, portanto, encontra total simbiose com a visão destas organizações.
Os movimentos sociais pelo contrário, apontam que a crise do Estado não se justifica pelas
políticas sociais desenvolvidas e sim pelos benefícios fiscais concedidos pelo Estado ao
empresariado (AMARAL, 2009). Esse antagonismo entre a visão do governo e a visão dos
movimentos sociais aponta desde que as políticas desenvolvidas pelo Estado constituirão
ponto de atrito entre ambos. Analisaremos, posteriormente, a posição do CPERS/Sindicato em
relação às políticas do Estado, especialmente no campo educacional.
As ações apontadas pela Agenda 2020 em relação às mudanças necessárias à gestão
pública estatal são correlatas aos projetos apresentados e desenvolvidos pelo governo
estadual, evidenciando que os interesses dos empresários são correspondidos ou constituem os
mesmos interesses do governo. A seguir apresentamos um quadro comparativo entre as
propostas da Agenda 2020 para a gestão estatal e as ações propostas/desenvolvidas pelo
governo, através dos Programas Estruturantes – “Governo de Resultados” e “Ajuste Fiscal” na
área da gestão.
Quadro 1 - Ações para a Gestão Pública: propostas da Agenda 2020 versus
ações/propostas do Governo Estadual
Propostas da Agenda 2020 para a Gestão Pública
Ações desenvolvidas/previstas pelo governo Yeda
Crusius em relação à Gestão Pública
- Projeto Reforma da Previdência - Iniciar a reforma do sistema previdenciário estadual
- Projeto Estudar a retirada do Estado de serviços de
mercado
- Venda de 40% das ações do Banrisul
- Projeto Publicização de Serviços Não Exclusivos
do Estado
- Lei das OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público) – Lei 12.901/2008 e referido
Decreto nº 45.541/2008
113
- Projeto Transparência na Gestão Pública e nos
serviços delegados
- Projeto Teto Salarial e Lei de Responsabilidade
Fiscal
- Portal da Transparência e Manual do Gestor Público
(http://www.transparencia.rs.gov.br)
- Projeto Transparência RS
- Emenda Constitucional
95
nº 57 (estabelece teto de
remuneração para servidor público)
- Projeto Implementação das PPPs - Programa de Parcerias Público-Privadas
- Projeto Reforma Administrativa
- Projeto Modernização da Administração Pública
Estadual (Gestão e Qualidade)
- Modernizar a gestão da receita do Estado (Projeto
“Receita para Crescer" - Modernização da Receita)
- Implantar um modelo de gestão pública pautado em
resultados (contratualização)
- Implantar remuneração relacionada ao desempenho
institucional (Modernização dos serviços públicos)
- Racionalizar a despesa com esforço compartilhado
entre todos os Poderes e reestruturar a dívida pública
com a União
- "Fazendo Mais com Menos" - Racionalização da
Despesa
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora a partir de informações dos sites www.agenda2020.org.br e
www.estruturantes.gov.br
Este comparativo ilustra o fato de que as ões do governo encontram-se totalmente
alinhadas com o programa da Agenda 2020. De um lado, pode-se apontar como impulso para
esse fato a atuação enfática da Agenda 2020 no sentido de impor sua pauta de interesses à
sociedade e ao governo, de outro a identificação destas propostas com o governo e com o
programa político do PSDB, tendo em vista que é um partido com forte base empresarial
(GUIOT, 2006). Conforme ressaltou o secretário de Planejamento e Gestão da época Ariosto
Culau, no Fórum de Gestão da Agenda 2020 reunido dia 14/02/2008: “As coisas estão sendo
feitas exatamente no mesmo caminho e tudo que está nos Programas Estruturantes do
Governo do Estado faz parte da Agenda 2020” (PÓLO RS, 2008).
Outro fator que impulsionou o governo na adoção destas “práticas modernas de gestão”
foi o empréstimo de US$ 1,1 bilhão do Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD, mais conhecido como Banco Mundial), firmado em de setembro
de 2008. Como um dos organismos de disseminação dos princípios da Gestão Gerencial, o
BM estabelece como contrapartida do Estado na negociação do empréstimo a modernização
do setor público do Estado (gestão baseada em resultados), a sustentabilidade fiscal, a partir
do ajuste fiscal e diminuição dos gastos e a reforma da seguridade e previdência social
(CONTRATO DE EMPRÉSTIMO, 2008). No entanto, vale ressaltar que as exigências do
Banco Mundial encontram-se alinhadas com o programa de governo, como pode ser
95
Emenda à Constituição Estadual do RS, altera o disposto nos artigos 33 e 53.
114
observado no documento elaborado pelo governo estadual e apresentado ao Banco Mundial
nas negociações do empréstimo
96
.
Segundo Gonçalves (2009) a estratégia de atuação do Banco Mundial no Brasil
atualmente é favorecer empréstimos aos Estados e municípios como forma de interiorizar a
disseminação de suas idéias de gestão, de ajuste no papel do Estado e de liberalização da
economia. Segundo analisa o autor, o BM está mudando a tática da “guerra de movimentos”
para a da “guerra de posições” (p. 12), ou seja, ocupando posições estratégicas para
disseminação de sua política, preocupando-se mais em “como fazer” do que “o que” fazer
(GONÇALVES, 2009, p. 12). Tendo em vista que o Governo Federal, assim como vários
Estados e Municípios já desenvolvem políticas liberais, o Banco Mundial concentra-se em
“aumentar a velocidade e a eficácia de implementação deste modelo no Brasil”
(GONÇALVES, 2009, p. 12).
Esta análise ratifica o fato de que o governo do RS apenas obteve apoio do BM para a
implementação de seu planejamento para a gestão dos serviços do Estado. Em termos
coloquiais, o BM deu uma “forcinha” para as ações do governo Yeda, empregando
legitimidade, valoração e financiamento para suas iniciativas, traduzindo-as através de metas
a fim de garantir que o programa do governo seja posto em ação.
Para o desenvolvimento das ações de modernização da gestão o governo contou com a
assessoria do PGQP. Segundo a declaração do Coordenador Executivo do PGQP, Luiz Pierry,
O governo atual assumiu [a modernização da gestão pública] com a proposta de um
novo jeito de governar e encontrou na participação e parceria com o PGQP a
possibilidade de uma contribuição efetiva para ajudar a realizar muitos dos seus
objetivos. Quem fez o déficit zero acontecer foram os servidores públicos, que
acreditaram que a nova orientação era para valer e apostaram na oportunidade de
fazer mudanças. Nós, do PGQP, podemos dizer que fomos o veículo para construir a
caminhada. Trabalhamos juntos em frentes de aumento de arrecadação, diminuição
de despesas, reestruturação de processos em vários órgãos, na montagem dos
programas estruturantes e na construção de um portal de gestão, que ao nosso ver é
um instrumento fundamental para agilizar a gestão e seus resultados, bem como
importante instrumento de controle social e transparência na gestão da coisa pública.
Com o conhecimento, as cnicas e ferramentas, fomos úteis no processo de
facilitação na busca de realizar este objetivo (Entrevista a Capital Gaúcha,
disponível em: <http://www.capitalgaucha.com.br/>) [grifos nossos]
96
Documento: International Bank For Reconstruction and Development Program Document for a Proposed
Development Policy Loan in the Amount of Us$1.1 Billion to the State of Rio Grande do Sul with the
Guarantee of the Federative Republic of brazil in Support of Rio Grande Do Sul - Fiscal Sustainability for
Growth Program. Disponível em: <http://www-
wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2008/07/15/000333037_20080715014726/R
endered/PDF/428620PGD0P1061e0only10R20081015911.pdf>
115
Os Programas Estruturantes, que foram construídos com o auxílio do PGQP e em
consonância com as propostas da Agenda 2020 e as exigências do BM através do contrato de
empréstimo, constituem o núcleo das ações do Estado e integram as 5 Frentes de Trabalho do
governo em parceira com o PGQP. Estes Programas se dividem em três eixos:
Quadro 2 – Programas Estruturantes
Áreas
Desenvolvimento
econômico
sustentável
Finanças e Gestão
Pública
Desenvolvimento Social
Programas
Estruturantes
Terra Grande do Sul
nosso campo mais
moderno e produtivo
Mais Trabalho, mais
futuroo governo gaúcho
atraindo investimento para
gerar mais empregos
Irrigação é a solução
enfrentando a seca para o
campo produzir mais
Duplica RS - transporte e
infra-estrutura para o Rio
Grande crescer
Governo de
Resultados
colocando a casa em
ordem para gerar
resultados
Ajuste Fiscal
equilibrando as contas
públicas para investir
no Rio Grande
Saúde Perto de Você prevenção
e cuidado com a saúde de todos
Saneamento em Ação para o
Rio Grande crescer, saneamento é
básico
Nossas Cidades – o governo
gaúcho trabalhando no seu
município
Emancipar: todo mundo é
cidadão o governo gaúcho
cuidando de quem mais precisa
Cidadão Seguro – o governo
gaúcho cuidando da segurança de
seu povo
Boa Escola para Todos
educação para o desenvolvimento
das pessoas e do Rio Grande
Fonte: Quadro construído pela pesquisadora com base em informações do Site: www.estruturantes.rs.gov.br
Em consonância com os princípios do gerencialismo difundidos pelo PGQP e INDG
(Instituto de Desenvolvimento Gerencial), os Programas Estruturantes se desenvolvem sob a
ótica do “gerenciamento intensivo”, que “tem por objetivo a implementação de uma nova
postura de gestão, focada em resultados, contribuindo assim para a melhoria dos níveis de
eficácia, eficiência e efetividade da ação pública, que são objetivos desejados pelos cidadãos”
(PROGRAMAS ESTRUTURANTES, 2009). A metodologia de gerenciamento intensivo de
projetos, desenvolvida por consultoria externa (INDG) e aplicada com êxito em outros
Estados e na iniciativa privada, se através da definição clara das responsabilidades a
“fulanização” no desenvolvimento dos programas. Para isso, os Programas Estruturantes se
dividem em Projetos, e os Projetos, por sua vez, se dividem em Ações e a cada uma destas
atapas dos Programas Estruturantes uma pessoa responsável. Esta divisão e
responsabilização pelas etapas do Programa se justifica, segundo a proposta do governo, em
função de que na ausência dessa definição “as iniciativas de modernização da gestão pública,
por mais bem intencionadas que sejam, tendem a cair no vazio, quando se atribui o
gerenciamento da execução, por exemplo, de uma determinada etapa para a “Secretaria de
116
Saúde”, ao invés de se apontar claramente quem é o responsável” (PROGRAMAS
ESTRUTURANTES, 2009).
A definição dos responsáveis de cada etapa dos Programas Estruturantes é importante
para o controle dos resultados através da “Contratualização” e a “Gestão de Resultados” que
são considerados fatores críticos para seu sucesso. Cada Programa Estruturante possui um
Termo de Compromisso de Resultados (TCR)
97
firmado entre a Governadora Yeda Crusius e
o Secretário Responsável, o Coordenador Executivo e os Gerentes dos Projetos que compõem
o Programa, além das Secretarias de Estado intervenientes e parceiras no desenvolvimento do
Programa. Este Termo visa assegurar que as metas estabelecidas sejam cumpridas e que os
resultados sejam divulgados periodicamente com vistas à monitoração do desenvolvimento
dos Programas. O Termo ressalta que a defasagem em até 30% no cumprimento das metas de
um projeto implica na justificação deste resultado para fins de liberação (ou de não liberação)
orçamentário-financeira.
Além dos Programas Estruturantes, compõem as Frentes de Trabalho do Governo do
Estado em parceria com o PGQP: o Gerenciamento Matricial da Receita (GMR) ferramenta
de controle e fiscalização da arrecadação de impostos; o Gerenciamento Matricial da Despesa
(GMD) ferramenta de controle gerencial para o acompanhamento das despesas do Governo
que auxilia na obtenção da economia de recursos; a Racionalização das Estruturas
Administrativas otimizar alguns dos principais procedimentos adotados pelo Governo do
Estado, como, por exemplo, o processo de compra de medicamentos, permitindo gerar grande
economia de recursos públicos; e a Modernização da Gestão das Secretarias de Governo
98
implementação de ferramentas de planejamento estratégico e gerenciamento de resultados nas
secretarias de governo, dando unidade às ações de modernização da gestão pública estadual.
Esta última frente de trabalho tem implicações no funcionamento da Secretaria
Estadual de Educação, a qual, segundo a Ex-Secretária Mariza Abreu, tem passado por uma
reestruturação organizacional de seus processos, “o que significa informatização dos
processos internos da Secretaria, mudança no organograma da Secretaria de Educação,
diminuição do tempo, das pessoas e dos procedimentos das atividades meio para aumentar o
tempo e as pessoas nas atividades fim” (ABREU, 2009)
99
.
97
O TCR de cada Programa Estruturante está disponível na página de apresentação dos Programas, no site
<www.estruturantes.rs.gov.br>.
98
Esta frente de trabalho contou com a consultoria do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG).
99
Segundo Notícia publicada no site da SEE, a Secretária Mariza Abreu e Diretores dos Departamentos da SEE
reuniram-se com representante do PGPQ e INDG, para debater a proposta, apresentada por estas instituições
consultoras, para reestruturação do sistema de gestão dos recursos financeiros da SEE. “A proposta do INDG
117
A fim de assegurar o desenvolvimento destas “práticas modernas de gestão” o governo
do Estado implantou a Escola de Governo (Decreto 45.400/2007) que se desenvolve no
âmbito da Fundação de Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH). O objetivo da
Escola de governo é disseminar uma cultura gerencial moderna nos quadros de pessoal do
setor público gaúcho, visando preparar os servidores para o novo modelo de gestão com foco
em resultados em implementação no Governo do Estado do Rio Grande do Sul (FDRH,
2008).
O que relatamos até agora sobre as medidas de gestão adotadas pelo governo Yeda
Crusius pode ser visualizado na figura abaixo:
Figura 1 – Modelo de Gestão Governo Yeda Crusius (2007-2010)
Fonte: <http://www.estruturantes.rs.gov.br/>
Frente a este panorama da gestão do Governo Yeda Crusius, pode-se afirmar que a
contribuição do povo gaúcho foi substituída pela participação de especialistas/consultores na
definição das prioridades e nas ações do governo. Fica claro a adoção dos procedimentos e
está em sintonia com as idéias de aperfeiçoamento da gestão pública promovidas pela governadora Yeda
Crusius”, ressaltou o superintendente do PGQP, Luiz Ildebrando Pierry. (Site SEE, Publicação: 30/05/2007).
118
técnicas da Gestão Gerencial impulsionados pela assessoria do PGQP que disseminam a
cultura gerencial na gestão do Estado.
Conforme advoga Giddens (2001), para “conservar ou recuperar sua legitimidade”, os
Estado tem de “elevar sua eficiência administrativa” (p. 84), e para tanto passa a se orientar
pelos critérios de eficiência espelhados no setor privado. Situado em um histórico de mais de
37 anos de crise fiscal, o Estado do RS, segundo os dados do governo Yeda, recuperou sua
capacidade de investimento a partir do alcance do “déficit zero
100
”, através da adoção das
“práticas modernas de gestão”. No entanto, este movimento de recuperação da “capacidade”
do Estado vem utilizando como mecanismos a diminuição dos gastos na área social,
evidenciando que a lógica adotada atende às recomendações do neoliberalismo de Terceira
Via.
Isto pode ser confirmado pelos índices de investimento do Estado na área da saúde e
da educação, conforme dados do Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Saúde (MS).
Segundo o MEC, o Estado do RS foi o que menos investiu em educação. Em 2008 apenas
18,44%, enquanto o mínimo previsto pela Constituição Federal para os Estados é de 25% e a
Constituição Estadual prevê 35%. Embora a SEE questione os dados do MEC, afirmando que
o cálculo do Ministério da Educação não leva em conta as despesas com os professores
aposentados, informou na época que o investimento foi de 25, 47%, o que continua abaixo do
percentual estabelecido pela Constituição Estadual
101
. Na área da saúde, novamente o RS
amarga o último lugar no ranking: enquanto a Constituição Federal prevê o mínimo de 12%, o
Estado investiu 3,7% em 2007 conforme dados divulgados pelo MS. Para compensar essa
carência de recursos (ou para diminuir os recursos), o governo aderiu, no campo educacional,
a parcerias com a iniciativa privada, como veremos posteriormente.
A seguir, analisaremos as implicações das “práticas modernas de gestão” no campo da
educação estadual gaúcha.
3.2.2 Buscando os fundamentos das ações da Secretaria de Educação (gestão 2007-2010) para
a gestão da educação pública estadual do RS
Como bem sinaliza Ciavatta (2002), as políticas educacionais são resultado das
diferentes conjunturas históricas e para entendê-las devemos captar os movimentos da
100
O clímax das práticas de modernização da gestão do Governo Yeda Crusius foi o alcance do “déficit zero”
anunciado no final do ano de 2008.
101
Informações divulgadas no Jornal ZERO HORA, no dia 01 jul. 2009.
119
sociedade e as vozes que se fizeram ouvir. Ao lançarmos um olhar sobre esta realidade
corremos o risco de simplificar a riqueza das relações/movimentos que edificam os processos
sociais, mas isso não inibe esta tarefa que embora sempre incompleta, porque um olhar não
capta tudo e todos ao mesmo tempo, proporciona a construção de sentidos que permitem uma
determinada compreensão dos fatos.
As ações realizadas e preconizadas pelo atual governo no campo educacional dão-se
em um contexto que tem como principal guia o projeto de modernização da gestão pública
frente a crise fiscal vivenciada pelo Estado, como vimos no tópico anterior. A educação entra
na esteira desse projeto e sofre implicações principalmente em sua forma de gestão. Conforme
explicita a Secretária de Educação Mariza Abreu, “qualidade da gestão escolar pode
contribuir com a resolução da crise fiscal gaúcha” (site SEE, Publicação: 10/09/2007).
Tendo em vista que a qualidade da gestão escolar representa, nesse contexto, “fazer
mais com menos”, uma das primeiras ações da SEE foi adotar medidas de redução de custos,
como por exemplo: redução de 30% nas verbas de autonomia escolar, por um período de 3
meses, como decorrência da estratégia de gestão do governo para reduzir o déficit do Estado;
a enturmação: fusão de turmas pequenas com vistas a suprir a falta de professores nas escolas
da rede; diminuição do número de professores concursados, através da não reposição das
aposentadorias ou exonerações.
Estas medidas foram fortemente combatidas pelo CPERS, denunciando em seu jornal
Sineta e informativos os efeitos de tais ações, a partir das seguintes manchetes: “Choque de
Gestão - Novo Governo com Velhas Práticas” (SINETA, jan. fev. 2007); “A Educação
Pública corre perigo no RS” (SINETA, fev. 2007); “Governo Yeda/Feijó O novo Jeito de
Sucatear” (SINETA, mar./abr. 2007); “O Novo Jeito de Governar provoca caos na educação”
(INFORMATIVO CPERS, mar. 2007); “Governo Yeda comete atentado contra a educação
pública no RS” (SINETA, ago. 2007); “Enturmação: um novo sinônimo para destruição!”
(SINETA, ago./set. 2007), apenas para citar algumas.
Estas manchetes fazem referência aos efeitos que estas medidas trouxeram para o
cotidiano das escolas. Segundo os informativos, em virtude da falta de professores e
funcionários, setores como orientação pedagógica, bibliotecas e salas de informática foram
fechadas no início de 2007, pois os professores que atuavam nestes setores foram
encaminhados para as escolas que estavam com falta de profissionais. Ao mesmo tempo em
que esta medida fora anunciada como “um novo padrão de gestão de recursos humanos”, com
vistas “à melhoria dos desempenhos de aprendizagem nas escolas gaúchas”,
contraditoriamente, comprometem a qualidade do ensino, tendo em vista a importância destes
120
setores, especialmente das bibliotecas e laboratórios de informática, para o processo
educativo.
Esta mesma contradição pode ser visualizada na medida de enturmação. Enquanto
diferentes pesquisas educacionais apontam para a importância do acompanhamento individual
do aluno pelo professor em seu processo de aprendizagem, o aumento do número de alunos
por turma dificulta esta prática.
A medida da enturmação provocou a reação também da Faculdade de Educação da
UFRGS. Os professores de cursos de licenciaturas e Pós-Graduação em Educação publicaram
um Manifesto demonstrando preocupação com as conseqüências desta medida da SEE para a
educação de qualidade no Estado. Abaixo, um trecho do Manifesto:
(...) Nossa ocupação, enquanto professoras/es, está direcionada à formação de nossos
alunos e alunas, e tem privilegiado as temáticas do desenvolvimento da inteligência,
do “saber pensar”, da construção da linguagem, do processo de socialização, da
inclusão social, digital, e das pessoas com necessidades especiais, das diferenças de
gênero, cultura, raça, etnia, dos processos de subjetivação, dos ritmos de
aprendizagem, das técnicas de ensino, entre outras.
Sabemos que as escolas públicas deste Estado acolhem crianças, adolescentes e
adultos, na sua maioria, das camadas populares que têm nessas escolas, talvez a
única oportunidade de acesso à escolarização. Esses alunos e alunas, em geral
moradores de bairros periféricos, têm pouco ou quase nenhum acesso ao manuseio
de livros, jornais, computadores e outros recursos pedagógicos. Assim, uma de
nossas preocupações é com a oferta de uma escolarização de qualidade para essas
crianças, que pode ficar prejudicada com a estratégia da “enturmação”. Nesse
sentido, perguntamos: como acompanhar individualmente os alunos com
dificuldades de aprendizagem ou mesmo dar uma orientação pedagógica efetiva a
pequenos grupos? Ou ainda: não seria um retrocesso quando os professores, pais e
comunidades rurais, em todo o país, começam a deixar para trás a antiga escola
“multisseriada”, que as escolas rurais e urbanas, em nosso Estado, venham a adotar
tal estratégia, a da “enturmação”? (...)
A estratégia do Estado do Rio Grande do Sul, fundamentada apenas em uma
justificativa econômica, acaba por anular os nossos esforços, enquanto
educadoras/es, de oferecer uma formação integral aos nossos educandas/os,
esperando que as/os mesmas/os, em seu futuro trabalho, mantenham esse princípio
orientador. Tememos pelos resultados do que, em curto prazo, poderá significar um
retrocesso nas conquistas históricas da educação pública gaúcha. Por isso, e dentro
dos princípios democráticos que sustentam a formação oferecida nesta Faculdade de
Educação, expressamos nossa expectativa de que, com esse Manifesto, possamos
estar contribuindo para repensar as estratégias adotadas para a formulação da
política educacional para todos os gaúchos e gaúchas (SINETA, ago./set. 2007, p.
01)
De outro lado, “coincidentemente”, o site da SEE, no período em que tomava vulto na
rede estadual o processo de enturmação e ao mesmo tempo em que afloravam os
posicionamentos contrários dos docentes em relação à medida, recomendava, na seção
121
Artigos, a leitura de um texto, publicado pela revista VEJA
102
, de autoria do economista
Gustavo Ioschpe, o qual escreveu textos com elogios rasgados à Secretária Mariza Abreu.
Sob o título “Educação de quem? Para quem?” o texto utiliza-se do argumento de que
defender o professor não é a mesma coisa que defender o aluno. A idéia de que professores
mais bem pagos, salas de aula como menor mero de alunos e recursos materiais para o
desenvolvimento das aulas garantem uma melhor aprendizagem por parte dos alunos, segundo
o texto, não se materializa na prática, pois quando se analisa o desempenho de alunos em
testes e se conferem as características das suas escolas e professores, “descobre-se que o
número de alunos em sala de aula não tem impacto significativo sobre o aprendizado, nem o
salário dos professores, nem a presença de infra-estrutura rebuscada nas escolas” (IOSCHPE,
2008, p. 32-33). Única e exclusivamente é de responsabilidade do professor, da qualidade de
suas aulas, a garantia de bom desempenho dos alunos, segundo o artigo.
Esse fato evidencia não apenas a concepção deste veículo de informação, a Revista
Veja, mas a concepção da SEE frente à medida de enturmação e do processo educativo como
um todo. Uma concepção meritocrática da educação, que responsabiliza os indivíduos, em
especial, os professores por todos os resultados educacionais, principalmente os resultados
ruins e retira o Estado do dever de garantir os insumos necessários ao desenvolvimento de
uma educação de qualidade.
A medida da enturmação reduziu um número de 1590 turmas, representando um
universo de 3% das turmas das escolas estaduais e 26% das escolas que tiveram redução de
turmas (Site SEE, Publicação: 22/08/2007). No início de 2008, o jornal Zero Hora noticiou a
confirmação da SEE sobre o fechamento de 105 escolas, tendo sido resultado, segundo a SEE,
da diminuição do número de matrículas e do processo de organização das turmas (ZERO
HORA, 2008).
Sobre a falta de professores apontada pelo CPERS, a Secretária Mariza Abreu
apresentou, em reunião com empresários gaúchos, na sede da FEDERASUL em Porto Alegre
RS, uma tabela com a relação do quadro do magistério de acordo com os governos do
período. Vale ressaltar que, ao anunciar a apresentação deste quadro, a Secretária ressaltou
aos empresários: “acho que os senhores vão gostar deste gráfico, do mero de professores
em atividade na rede de ensino”, antevendo o fato de a medida estar em concordância com os
interesses dos empresários. Abaixo, os dados apresentados:
102
A revista Veja desempenha um papel importante de disseminação da ideologia neoliberal no país, apoiando
explicitamente os governos neoliberais, desde o governo Collor. Na visão de Gramsci (1978), a Revista Veja
também pode ser considerada um partido, visto que possui uma base social definida, o empresariado, e busca
conduzir moral e politicamente a sociedade, através da visão de mundo difundida pela sua publicação semanal.
122
Tabela 1 – Evolução do número de professores (1994 a 2009)
Governo Mês/Ano Nº de professores
Collares dez 1994 92.399
Britto dez 1998 83.697
Olívio dez 2002 91.877
Rigotto dez 2006 88.890
Yeda dez 2008 80.921
Yeda fev 2009 80.825
Fonte: SEE, 2009c.
Tabela 2 – Diferença do número de professores entre diferentes governos
(1994-2009)
Governo Períodos Diferença
Britto 1994 – 1998 - 8.702
Olívio 1998 – 2002 +8.180
Rigotto 2002 – 2006 - 2.987
Yeda 2006 – 2008 -7.921
Yeda 2002 – 2008 -10.956
Yeda 2002 – 2009 -11.052
Fonte: SEE, 2009c.
Enquanto, de um lado, a SEE comemora a diminuição do número de professores da
rede, alegando que conseguiu atingir esse número “não repondo aposentados e não
contratando tudo o que a legislação permite” (ABREU, 2009) de outro os professores sofrem
as conseqüências desta “conquista”. Em carta publicada em blog, uma professora da rede
estadual denuncia os problemas advindos da falta de professores nas escolas. Segundo esta
professora, em razão da falta de professores seu pedido de licença para qualificação
profissional (LQP) não é aceito, o argumento da SEE é de que “não vão te liberar porque não
tem professor para colocar nas escolas” (ANTONIOLI, 2010) [grifos da autora]. Ainda
segundo este relato:
Se tu fores a três escolas aleatórias e perguntares quantos professores são
nomeados e quantos são contratados, vais ouvir como resposta, pelo menos,
50%/50%. (...) O contrato é um problema sério, porque é um dispositivo que serve
123
para recrutar professores para resolver emergências, ou seja, cobrir licenças
aquelas que eu disse que não estão concedendo (ANTONIOLI, 2010)
103
.
Nesse fato, evidencia-se novamente o critério do custo como preponderante na decisão
da SEE. Apesar do Decreto que veta a realização de cursos (especialização, mestrado e
doutorado) com ônus para o Estado, como é o caso da LQP, o § 2º do artigo que impõe o veto,
aponta a exceção:
§ O afastamento de servidores e agentes públicos, previstos no caput, custeados
com recursos de fundos estaduais ou federais, fica condicionado a prévia autorização
do Governador do Estado, desde que haja a correlação do conteúdo programático do
respectivo curso com as atribuições do cargo titulado pelo servidor e justificativa do
órgão ou da entidade interessada (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2007)
Esta situação reforça a contradição entre o intuito de melhoria da qualidade da
educação gaúcha e os efeitos que o ajuste fiscal impõe. A licença qualificação existe para
qualificar o quadro do funcionalismo público, como o magistério e, com isso, obter ganhos
para o ensino público. No entanto, a meta de aumento da eficácia da gestão pública, como
demanda o “novo jeito de governar” e apóia (ou determina?) a Agenda 2020, através da meta
de “aumento da eficácia do gasto por aluno (relação gasto x IDEB) na educação gaúcha”
(AGENDA 2020, 2009), substituem os cursos acadêmicos de qualificação por formações
rápidas, menos dispendiosas, que tratam diretamente das competências e habilidades a serem
desenvolvidas pelos alunos, de acordo com a matriz das avaliações externas (como poderá ser
vizualizado adiante nos objetivos do “Projeto Professor Nota 10”), as quais podem ser
desenvolvidas com o financiamento da iniciativa privada (como veremos nos projetos das
parcerias público-privadas analisados adiante).
A divergência do CPERS em relação à política proposta pela SEE, acirrou ainda mais
com o anúncio das medidas previstas para a educação a partir do “Programa Estruturante Boa
Escola para Todos”, chegando a culminar com o afastamento da Secretária Mariza Abreu
104
,
103
Ao tomar conhecimento sobre este relato, a SEE rebateu as informações, informando que prefere professor
em sala de aula a aluno sem aula e afirmou que 17 mil cadastros para professor temporário à disposição.
Pode-se verificar que estas duas afirmações são contraditórias, pois se professor para ser contrato e cobrir a
licença da professora, os alunos não ficarão sem aula. Não satisfeita com a resposta da SEE, a professora Nina
solicitou novamente a Licença para Qualificação Profissional e então informaram que desde 2007 há um Decreto
(Decreto Nº 44 861, de 04 de janeiro de 2007) que proíbe o afastamento de servidores públicos da Administração
Direta e Indireta de realizar cursos de Pós-Graduação com ônus para o Estado, como é o caso da solicitação da
professora Nina (estas informações foram publicadas no blog da professora Nina:
http://algumolhar.wordpress.com/, publicadas no dia 4 de março de 2010).
104
Em virtude de o Projeto Professor Nota 10 e as parcerias público privadas na educação terem sido construídos
durante a gestão da Secretária Mariza Abreu, utilizaremos a denominação Secretária de Educação, restringido a
denominação ex-Secretária quando estiver em relação ao atual Secretário de Educação.
124
em setembro de 2009, sendo substituída pelo Professor Ervino Deon, que fazia parte do
quadro da SEE
105
. Anunciado desde o Plano de Governo (2006), sob a faceta de
“modernização da gestão educacional” a política educacional de maior impacto foi a proposta
de reforma na legislação educacional, incluindo a mudança no Plano de Carreira do
Magistério e alterações na Lei de Gestão Democrática, que fazem parte das ações de um dos
projetos do Programa Estruturante, o Projeto “Professor Nota 10 Valorização do
Magistério”.
Desde o início do governo, as ações desenvolvidas pela Secretaria Estadual da
Educação foram marcadas pela apresentação de um planejamento construído em gabinetes
sem a participação do magistério e da sociedade como um todo, como foi o caso do Programa
Estruturante Boa Escola para Todos. Este Programa foi ressaltado pela Secretária Mariza
Abreu como uma política que abarca “ações que vão mudar a fisionomia, mudar a forma de
oferta da educação e que vão, na nossa expectativa, dar um salto de qualidade na oferta da
educação” (ABREU, 2009).
Elaborado a partir da consultoria com o PGQP e INDG, o Programa Estruturante da
educação reúne ações que vinham sendo desenvolvidas pela SEE desde o início do
governo, como a avaliação externa da educação gaúcha, e o projeto-piloto de
Alfabetização
106
, em parceria com entidades privadas. Em outras palavras, o Programa surgiu
para dar um “slogan” às ações da SEE e adequar sua gestão ao padrão de gestão do governo,
especialmente quanto à metodologia do gerenciamento intensivo
107
, que vimos anteriormente.
Para melhor visualizar, o Programa Estruturante Boa Escola para Todos assim se apresenta:
105
Este fato não muda o foco das políticas educacionais da SEE, pois o novo Secretário, ao assumir,
comprometeu-se em dar continuidade às ações em desenvolvimento e previstas pela SEE.
106
Este projeto vem se desenvolvendo desde 2007, inicialmente como uma experiência piloto e depois se
disseminou em todas as turmas de alfabetização da rede estadual. Três empresas trabalham diretamente com as
escolas a partir de seus métodos ou programas de alfabetização, são elas: Instituto Airton Senna, Instituto Alfa e
Beto e o Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação GEEMPA. O projeto piloto em
2007 contou com o financiamento de seus custos pelas seguintes empresas privadas: REFAP, GERDAU,
ARACRUZ, COPESUL e MARCOPOLO (SEE, 2009c).
107
O Programa Estruturante, assim como todos os demais Programas do governo, se orienta pela metodologia do
gerenciamento intensivo, em que um responsável pelo Programa, um gerente para cada projeto, que possuem
objetivos e metas de acordo com seu propósito, e um Termo de Compromisso de Resultados, que sujeita os
projetos à perda do financiamento caso não atinjam ás metas estabelecidas.
125
Quadro 3 – Programa Estruturante Boa Escola para Todos – Educação para o
desenvolvimento das pessoas do Rio Grande
Programa Estruturante Boa Escola para Todos
108
Secretário Responsável: Mariza Abreu (jan. 2007 a set. 2009) Ervino Deon (set. 2009 – atual)
PROJETO/GERENTE AÇÕES
METAS ATÉ 2010/VALOR
INVESTIDO
Centros de Referência na
Educação Profissional
Gerente: Vulmar Leite
Transformação de nove escolas
públicas estaduais de educação
profissional em centros de referência
nas áreas de saúde, indústria, química,
informática, meio ambiente, gestão,
telecomunicações, turismo e
hospitalidade e agropecuária.
- Número de Centros de Referência
Implantados: 9
R$ 11,8 milhões
Escola Legal - Manutenção e
Ampliação de Espaços
Escolares
Gerente: Antonio Valcir Capa
Manutenção, construção, adequação ou
ampliação de escolas públicas
estaduais.
- Número de Obras Realizadas:
1.500
R$ 194,2 milhões
Professor Nota 10 -
Valorização do Magistério
Gerente: Sonia Maria
Nogueira Balzano
Prevê ações de formação continuada
dos professores, várias em execução, e
a implantação de nova legislação para
o sistema educacional gaúcho.
- Número de Professores
Capacitados: 30.000
- Novo modelo de concurso para o
magistério elaborado
- Novo modelo de avaliação de
desempenho dos professores no
estágio probatório elaborado
- Novo modelo de carreira do
magistério implantado
- Nova legislação para gestão
educacional implantada
R$ 77,7 milhões
SAERS - Sistema de
Avaliação Educacional do Rio
Grande do Sul
Gerente: Alexandre Rodrigues
Soares
O SAERS tem duas ações em
andamento: a avaliação externa do
rendimento escolar dos alunos no
ensino fundamental e dio, em
termos de domínio de habilidades e
competências cognitivas básicas, e o
Projeto Piloto para Alfabetização de
Crianças com 6 e 7 Anos, voltado para
a construção da matriz de habilidades e
competências cognitivas em
alfabetização e matemática para o e
anos do ensino fundamental de 9
anos.
- Percentual de Turmas Avaliadas:
mínimo 90%
R$ 17,3 milhões
Sala de Aula Digital -
Tecnologia da Informação nas
Escolas Estaduais
Gerente: Francisco Elifalete
Xavier
Implantará em mais mil escolas
estaduais a Tecnologia da Informação
como recurso pedagógico.
- mero de salas de aula digitais
Implantadas: 1.000
R$ 28,8 milhões
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora a partir de informações do site: <www.estruturantes.rs.gov.br>
108
Os projetos que compõe o Programa Estruturante tiveram mudança de gerentes no decorrer de seu
desenvolvimento. Ressalta-se que os dados aqui apresentados foram atualizados em janeiro de 2010, no site dos
Programas estruturantes (www.estruturantes.rs.gov.br).
126
De acordo com o próprio site do Programa (www.estruturantes.rs.gov.br), estas ações
estão identificadas com o Movimento Todos pela Educação, criado em 2006, que tem como
vanguarda empresários brasileiros
109
, assim como as metas para a educação da Agenda 2020.
Além disso, como se referiu publicamente a Secretária Mariza Abreu: “Tudo isso [referindo-
se em especial às ações do Projeto Professor Nota 10] é contrapartida do empréstimo do
Banco Mundial” (ABREU, 2009).
A identificação da política educacional da SEE com a Agenda 2020 reflete os
constantes diálogos entre as duas entidades. O Fórum Temático da Educação mantido pela
Agenda 2020 para discussão das metas para a educação, conta sempre com a participação de
integrantes da SEE em suas reuniões. Ademais, a ex-Secretaria Mariza Abreu e o atual
Secretário Ervino Deon intitulam-se voluntários da Agenda.
O diálogo da SEE com o empresariado gaúcho é mantido, além da relação com a
Agenda 2020, através dos eventos promovidos por entidades representativas, como o Evento
Na Mesa promovido pela FEDERASUL, no qual a Secretária Mariza Abreu, assim como
diversos membros do governo, esteve conversando com os empresários sobre as propostas
para a educação gaúcha
110
. Esta prática de diálogo sobre as políticas pensadas pela SEE, não é
evidenciado com o restante da sociedade gaúcha, tendo em vista que a única reunião que
permitiu a participação da sociedade foi a de apresentação do Programa Estruturante Boa
Escola para Todos, em novembro de 2008. Os demais chamamentos restringiam-se apenas ao
Diretor escolar.
Outra base de relações da SEE na construção das políticas educacionais é o Comitê
gaúcho do Todos pela Educação, o qual, segundo Mariza Abreu, conta com a participação do
Ex-Ministro da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso e atual Ministro da
Educação de São Paulo, Paulo Renato de Souza (ex-Consultor do Banco Mundial). O Comitê
reúne-se a cada dois meses para discutir a situação do Estado e encontrar soluções (ABREU,
2009).
109
Segundo o Site do Movimento (http://www.todospelaeducacao.org.br), os dirigentes o: Presidente: Jorge
Gerdau Johannpeter (Grupo Gerdau); Conselho de Governança: Ana Maria Diniz (Instituto Pão de Açúcar),
Antonio Matias (Fundação Itaú Social), Beatriz Bier Johannpeter (Instituto Gerdau), Daniel Feffer (Instituto
Ecofuturo), Danilo Miranda (SESC- SP), Denise Aguiar (Fundação Bradesco), Fábio Barbosa (Banco Real),
Gustavo Ioschpe (Colunista da Revista Veja), José Paulo Soares Martins (Instituto Gerdau), José Roberto
Marinho (Fundação Roberto Marinho), Luis Norberto Pascoal (Fundação Educar), Milú Villela (Instituto Faça
Parte), Ricardo Young (Instituto Ethos), Viviane Senna (Instituto Ayrton Senna) e Wanda Engel Aduan
(Instituto Unibanco).
110
Palestras proferidas pela Secretária Mariza Abreu na FEDERASUL: Desafios da Gestão Educacional no RS
(outubro de 2007) e Gestão da Educação no RS: desafios e reformas (abril de 2009). Nesta última palestra a
pesquisadora esteve presente e teve a autorização da organização do evento (após consulta à Secretária Mariza
Abreu) para gravar o áudio da palestra, o qual foi transcrito e está sendo utilizado neste trabalho sob a referência
de Abreu, 2009.
127
Estes fatos apontam que o projeto educacional da SEE encontra-se claramente
identificado com o projeto educacional do empresariado, o qual apóia (e reivindica) o ajuste
fiscal do Estado e, consequentemente, a eficiência dos gastos públicos com a educação através
da adoção de “práticas modernas de gestão”, introduzindo os mecanismos de gestão da esfera
privada na escola pública.
Tendo em vista que as ações de maior impacto na gestão da educação fazem parte do
Projeto “Professor Nota 10 Valorização do Magistério”, iremos centrar a análise na
correlação de forças produzida em relação às ações deste projeto.
Assim como os demais projetos que compõem o Programa Estruturante, seus objetivos
encontram-se em consonância com as metas do Projeto “Educação Básica de Qualidade”
elaborado pela Agenda 2020. Para melhor situar os objetivos do Projeto Professor Nota 10,
apresentamos a seguir um quadro comparativo com alguns dos objetivos do Projeto
Educacional da Agenda 2020.
Quadro 4 – Projeto Professor Nota 10 versus metas da Agenda 2020 para a Educação
Projeto Professor Nota 10 – SEE Projeto Educação Básica de Qualidade Agenda 2020
Oferecer formação continuada aos professores
vinculada ao trabalho em sala de aula e ao
aumento dos níveis de aprendizagem;
Melhoria contínua dos níveis de aprendizagem dos
alunos em função da participação dos professores em
atividades de formação continuada.
Aperfeiçoar o concurso público e contratação
temporária, de forma a agilizar o provimento de
pessoal das escolas e a melhorar a qualidade dos
professores admitidos;
Qualificação de 100% dos processos de seleção, com
avaliação dos conteúdos do componente curricular de
futura atuação do professor e foco no desenvolvimento
de competências e habilidades cognitivas pelos alunos.
Articular a progressão na carreira do magistério
com a melhoria da qualidade do ensino;
Remuneração de 100% dos professores com parte
determinada em função dos resultados educacionais.
Fortalecer a autonomia da escola articulada com
a prestação de contas dos resultados educacionais.
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora com base em informações dos sites: www.estruturantes.rs.gov.br e
www.agenda2020.org.br
Estes objetivos, como vimos no quadro anterior, tem como meta traduzir-se em
princípios para a nova legislação educacional para o Magistério e para a Gestão Escolar. O
principal princípio a ser incorporado no sistema de ensino diz respeito à meritocracia, ou seja,
o pagamento dos professores com base nos resultados de aprendizagens dos alunos, aderindo
assim ao critério de modernização da gestão dos serviços públicos exigido (gestão baseada em
resultados) pelo BM como contrapartida ao empréstimo.
128
Tendo em vista a contrariedade do CPERS a esta medida, inúmeras mobilizações,
paralisações e greves da categoria, que começaram ainda no ano de 2007, culminando com a
primeira greve como início em 14 de novembro de 2008 e término em 28 de novembro. A
posição do CPERS em relação à meritocracia é de que esta “é uma prática economicista, em
que poucos recebem o bônus, enquanto os salários continuam arrochados.” (INFORMATIVO
CPERS, 2008, p. 03).
Às pressões do magistério, através de greves e paralisações, o governo respondeu com
o Decreto 45.959, que determina que: “Art. Fica vedado o registro de efetividade no
sistema de Recursos Humanos do Estado RHE, correspondente aos dias não trabalhados em
virtude de greve ou paralisação no serviço público estadual”. Essa medida provocou, apesar
da resistência e continuidade de alguns, um desmonte na mobilização da categoria, visto que
os trabalhadores em educação dependem de seus salários para sustento da família, não sendo
possível abrir mão de seus proventos. Esta ação do governo evidencia a repressão ao
sindicalismo, o qual, segundo a visão neoliberal, como vimos no capítulo anterior, representa
um perigo para as bases de acumulação capitalista, tendo em vista suas pressões em prol de
políticas sociais e direitos trabalhistas.
Ao invés de um diálogo aberto com a sociedade a SEE priorizou ações de
convencimento dos benefícios de suas propostas para a educação. Entre as ações está um
seminário de socialização das experiências de São Paulo e Minas Gerais sobre a implantação
da meritocracia em suas redes de ensino, promovido pela Secretaria em 1º de outubro de 2008
(aberto apenas para convidados), e a Pesquisa sobre Democracia Deliberativa do Rio
Grande do Sul, que contou com a orientação metodológica do Professores James Fisnhkin da
Universidade de Standford dos Estados Unidos e teve o intuito de comprovar o apoio dos
gaúchos para a implantação da meritocracia no serviço público.
Ao lado da SEE, a mídia, especialmente os veículos pertencentes ao Grupo RBS, (os
mesmos que apoiaram o CPERS em seu impasse com o governo Olívio Dutra) também critica
o CPERS frente sua rejeição às propostas de reforma da SEE, referindo-se da seguinte forma:
“Na terra em que o povo valoriza seu espírito combativo e politizado, uma outra face desse
perfil com contornos de conservadorismo, corporativismo e polarização política barra
tentativas de reformas” (ZERO HORA, 2009).
Estas medidas e posicionamento do governo frente às demandas da educação pública
apontam como principal diretriz a redução de gastos com a educação e o aumento da
eficiência dos recursos aplicados. Essa diretriz encontra total apoio do empresariado gaúcho,
que tem sido o maior interlocutor do governo na construção das políticas educacionais deste
129
período. Ao ser apresentada como contrapartida no empréstimo do BM, evidencia que a
mudança nas práticas de gestão da educação encontra-se alinhada ao movimento internacional
de reforma na educação com vistas a adequá-la às novas demandas do sistema do capital.
3.2.3 Projeto Professor Nota 10: análise da proposta de nova legislação educacional - as
mudanças na Lei de Gestão Democrática do Ensino Público Estadual (Lei n. 11.695/2001)
As ações previstas para esse projeto, como vimos anteriormente, envolvem, além de
cursos de capacitação para professores, a mudança na legislação educacional. Segundo a
Secretária Mariza Abreu (2009) essa mudança é essencial para a sobrevivência da política
educacional do governo e para o “salto de qualidade na educação”, pois uma vez assegurada
em Lei poderá resistir aos próximos governantes. Nas palavras da ex-Secretária: “nós
chegamos a um ponto que tudo o que nós fizemos pode ser desfeito com muita facilidade. Só
chegar alguém e dizer não tem mais (..)” (ABREU, 2009).
Diante disso, a SEE, em consonância com o projeto educacional do empresariado
gaúcho, elaborou duas propostas de mudança: uma para o Plano de Carreira do Magistério e
outra para a Gestão Escolar. As duas propostas estão interligadas, visto que ambas tem como
foco a mudança do padrão de gestão: de processos para resultados.
O problema da educação do RS segundo a ex-Secretária é um problema de gestão, visto
que o RS, frente aos Estados da Região Sul (Santa Catarina – SC e Paraná PR) e um Estado
da Região Sudeste, Minas Gerais (MG), tem um valor aluno no FUNDEB maior do que
nestes três Estados (PR, SC e MG) e salário de professores maior que SC e MG (menor que o
PR). No entanto, dentre os quatro Estados é o que tem menor IDEB. Isso significa, segundo
Mariza Abreu,
[...] que nós temos fundamentalmente um problema de gestão da educação no RS, e
que não é melhorando o dinheiro que nós vamos melhorar os nossos níveis de
educação. A gente tem dito sempre, e isso vale para o Brasil e para o RS: mais
recursos e mais salários são condições necessárias, mas não são condições
suficientes. Se a gente colocar dinheiro num tonel furado não vai resolver. A gente
tem que aumentar sim a destinação de recursos para a educação pública no Brasil e
no RS; a gente precisa sim melhorar os níveis de formação do magistério brasileiro e
gaúcho, mas não com o padrão de gestão que a gente tem (ABREU, 2009).
Tendo em vista a apontada ineficiência do padrão de gestão vigente na educação,
segundo a Secretária, a alternativa apontada assume os mecanismos de gestão da esfera
privada, que são reconhecidos como capazes de responder às necessidade de melhoria dos
130
índices educacionais e ao mesmo tempo não aumentar os gastos do Estado, inserindo na
legislação educacional a lógica do mercado, formando o quase-mercado em educação (DALE,
1994). O objetivo deste novo padrão de gestão, a ser implantado através da revisão da
legislação educacional, é interligar a valorização dos professores e gestão escolar à melhoria
dos resultados educacionais, leia-se: aumento dos índices de aprendizagem (IDEB).
Com relação ao Plano de Carreira do Magistério, os mecanismos de gestão adotados é
a avaliação individual de conhecimentos
111
para a promoção na carreira e remuneração
variável pelo desempenho coletivo da escola (indicadores: fluxo escolar e níveis de
aprendizagem aferidos pelo SAERS) para pagamento de 14º salário por mérito, de acordo
com o alcance das metas do contrato de gestão entre escolas e SEE
112
(SEE, 2009a).
Estes mecanismos têm relação direta com as mudanças propostas para a gestão escolar,
conforme se refere o CPERS, “as alterações no Plano de Carreira do Magistério e na Gestão
Democrática estão casadas, uma não pode ser feita sem a outra” (SINETA, abr. 2009, p. 03).
Tendo em vista o objetivo de analisar as implicações das mudanças no padrão de gestão para
a gestão democrática do ensino, daremos ênfase à análise da proposta de mudança na gestão
escolar.
A proposta de gestão escolar foi construída pela SEE e apresentada, juntamente com a
proposta de Plano de Carreira, às escolas através de reuniões com os Diretores
113
e envio de
DVD com a apresentação dos projetos para os demais professores conhecerem as medidas
114
.
Dentre as medidas adotadas a fim deste redimensionamento no foco da gestão, está a mudança
na Lei de Gestão Democrática em vigor na rede estadual (Lei nº 11.695/2001), a saber:
111
Esse mecanismo visa substituir a progressão por tempo de serviço, considerado desatualizada para o atual
momento, em que os conhecimentos se tornam ultrapassados muito rapidamente e “fazer mais do mesmo” não
serve mais. Segundo Abreu (2009), “essa prova tem que ser inteligente, ela tem que tanto testar o professor nos
conteúdos da área dele, na física, na química, na biologia, mas também no ensino. Por exemplo: frente a tal
dificuldade de aprendizagem qual seria a intervenção pedagógica que deveria ser aplicada.”
112
Além do objetivo de melhorar os índices educacionais esse projeto visa atingir a sustentabilidade das despesas
com a previdência (uma das exigências do empréstimo do BM), pois a o pagamento variável por desempenho
poderá não será incorporado à aposentadoria, como também passam ser desindexadas da aposentadoria as
gratificações (direção, vive-direção, difícil acesso, entre outras que os profissionais vierem a receber durante sua
trajetória docente na rede estadual).
113
Cada coordenadoria de educação convocou os diretores de suas escolas para a reunião que foi no município
sede. No documento, após o texto da convocação, havia uma observação: “Solicitamos a presença apenas do (a)
Diretor (a) e, se impossibilitado de comparecer, o (a) substituto (a) legal.” Além do diretor ou representante
legal, ninguém mais pode assistir à reunião. A pesquisadora esteve no local de uma reunião, porém não teve a
autorização para assistir.
114
O ofício de encaminhamento do DVD informava que a escola deverá debater e refletir com todos os
professores e apresentar sugestões que contribuam para a elaboração do(s) Projeto(s) e Lei que será(ão)
encaminhado(s) à Assembléia Legislativa”. Percebe-se que novamente a SEE exclui a comunidade escolar da
participação deste processo de construção da legislação educacional, a qual, como vimos, contém alterações em
no seu papel frente à gestão escolar. Em muitas escolas, devido aos atritos do Magistério com a SEE, os
professores, em forma de protesto, se negaram a assistir o material.
131
- escolha dos diretores: alteração na composição das eleições; exigência de certificação em
gestão escolar para os candidatos à direção; contratos de gestão entre direção eleita e SEE,
com metas e resultados educacionais a serem alcançados, sendo que resultados positivos
reverterão em bônus (meritocracia) para a escola (14º salário).
Abaixo, podemos visualizar um comparativo entre estes aspectos na atual Lei de
Gestão Democrática da rede estadual e a proposta de mudança:
Quadro 5: Eleição de Diretores
Como é Como pode ser
professores e servidores de escola com curso
superior podem candidatar-se a diretor(a)
somente professores poderão ser diretores (LDB,
Arts. 64 e 67)
não exigência de qualificação em gestão
escolar para ser candidato a diretor(a)
para ser diretor(a) de escola, será necessário
submeter-se a avaliação específica para certificação
em gestão escolar
os diretores são indicados pela comunidade
escolar mediante votação direta
professores certificados em gestão escolar poderão
ser candidatos a diretor(a) de escola em processos
onde votarão professores, servidores de escola, pais
e alunos
votam professores, servidores de escola, pais e
alunos, cada um com um voto
votarão professores, servidores, pais e alunos, cada
um com um voto; no resultado da eleição o
segmento dos professores e servidores terá peso de
50% e o dos alunos e pais, outros 50%
alunos votam a partir da série ou maiores de
12 anos
votam pais de alunos até 16 anos incompletos e
alunos a partir de 16 anos ou pais de alunos da
educação infantil e ensino fundamental e alunos de
ensino médio, técnico e EJA
candidatos apresentam plano de gestão para a
comunidade escolar, mas sem metas de
resultados educacionais
as direções eleitas firmarão contratos de gestão ou
acordos de resultados com a SEC, com metas de
resultados educacionais a serem atingidos
Fonte: SEE, 2009b.
Segundo a Secretária Mariza Abreu, as mudanças na forma de eleição de Diretores
decorrem do fato de que os Diretores, ao serem eleitos pelo voto universal, “ficam donos do
poder”, “só podem ser destituídos por sindicância” e “o governo perdeu o controle” (ABREU,
2009). Neste sentido, a introdução do contrato de gestão, já vivenciado de forma experimental
no governo Rigotto, retira este poder do diretor ao delimitar as suas ações à perseguição das
metas, que estas são o caminho para a remuneração variável por desempenho e também
determinantes para sua continuidade no cargo, pois “o diretor, depois de 1, 2 anos, como é em
Nova Yorque, se não cumpre as metas: novo processo eleitoral” (ABREU, 2009). De outro
lado, a certificação em gestão escolar, como foi proposta em governo anterior (Governo
Britto), cumpre o papel de selecionar candidatos que se identificam com a proposta deste
132
padrão de gestão, não abrindo espaços para contestações. A formação em gestão escolar é
imprescindível para todos os professores da escola, visto que em uma gestão democrática não
se concebe a prática de gestão como fruto de um único sujeito, o diretor, mas sim de todos os
envolvidos com a instituição escolar. Porém, esta formação/certificação não deve partir de um
único centro de visão, tampouco ser o único requisito e, a priori, para o desempenho da
função, visto que o conhecimento da realidade escolar é um fator também muito importante
para a gestão da escola. A proposta da SEE, em menor dimensão, pode acabar se
transformando em um concurso para diretor, descaracterizando os mecanismos de gestão
democrática previstos na Lei.
Tendo em vista que as eleições para diretor levaram para o âmbito da escola todas as
mazelas das eleições gerais, a “criança pequena votando para diretor tem sido mais um
exercício pouco democrático, do que democrático” (SEE, 2009d). Em virtude disso, tem a
proposta de aumentar para 16 anos a idade mínima para o aluno votar. Considerando que a
idade regular para a conclusão do Ensino Médio é de 17 anos, o aluno regular teria, se contar
com a sorte de neste ano ocorrer eleições, uma única oportunidade de participar deste
processo. Esta proposta, ao se eximir de buscar soluções para o problema, exclui a
oportunidade de oferecer um espaço educativo, de aprendizagem de uma prática democrática
pelos estudantes.
No mesmo sentido de controle sobre a gestão escolar, está a proposição de mudança
na eleição e atribuições do Conselho Escolar. Abaixo apresentamos a proposta em relação às
normativas da Lei vigente no que concerne a este órgão:
Quadro 6 – Conselhos Escolares
Como é Como pode ser
Composição: representantes da comunidade escolar, em
nº impar (mínimo 5 e máximo 21) de acordo com a
tipologia da escola; respeitada a proporcionalidade de
50% de pais e alunos e 50% de professores e servidores,
sendo o diretor membro nato
Composição: representantes da comunidade
escolar; avaliar a diminuição do número máximo
de 21 membros
Escolha dos conselheiros: direta uninominal ou por
chapas – nas assembléias de cada segmento; votam e
podem ser votados alunos a partir da série ou os
maiores de 12 anos; eleição “preferencialmente” em abril
Escolha dos conselheiros: eleição uninominal;
rever a participação dos alunos; estabelecer
período certo para a eleição
Funções: consultiva, deliberativa e fiscalizadora nas
questões pedagógicas, administrativas e financeiras
Funções: rever a função deliberativa,
especialmente restringindo-a no campo
pedagógico
Fonte: SEE, 2009b.
Por um lado, como vimos no capítulo II, a democracia, para atingir seus propósitos,
necessita expandir cada vez mais sua base participativa em detrimento da representação, a
133
reformulação na composição do conselho escolar, de outro, limita o número de participantes,
no intuito de restringir a participação em prol da representação, ampliando as dificuldades de
representação legítima e a possibilidade de controle sobre um grupo menor, pois um
“conselho muito grande se torna difícil de decidir” (SEE, 2009d).
A restrição da atuação deliberativa do conselho escolar sobre o campo pedagógico
denota uma concepção de que apenas os professores tem poder de aferição neste campo, pois
“têm competência técnica” (SEE, 2009d), excluindo os pais, alunos e funcionários, que
também são sujeitos do processo educativo. Por outro lado, esta medida representa o fato de
que o padrão curricular implantado no ensino estadual gaúcho, conforme veremos a seguir,
representa não apenas uma sugestão de currículo, conforme anuncia a SEE, mas sim o
currículo, não havendo espaço, portanto, de interferência por parte das escolas.
Outro aspecto da mudança no padrão de gestão escolar diz respeito à autonomia
escolar, que sofre alterações em função da implantação de referencial curricular padrão e da
possibilidade de participação da direção na escolha do quadro de pessoal. Abaixo o
comparativo da legislação vigente e a proposição da SEE.
Quadro 7 – Autonomia da Escola
Como é Como pode ser
escolas definem seus currículos sem nenhuma
referência formal da SEC - definem o que ensinar,
como ensinar e até o número de horas-aula por
disciplina em cada série
as escolas organizam seus currículos a partir de
proposta de referencial curricular da SEC, que define
habilidades e competências cognitivas e conteúdos
mínimos para cada série do EF e EM; a escola pode
escolher como ensinar, mas não o quê ensinar ou não
ensinar, em respeito ao direito de aprender dos alunos
as direções das escolas não m participação na
escolha do quadro de pessoal da escola
as direções das escolas devem ter participação na
escolha de seu quadro de pessoal, como também poder
devolver à SEC professores e servidores que não se
integrarem às suas equipes (há necessidade de
viabilizar juridicamente essa possibilidade)
Fonte: SEE, 2009b.
Segundo a declaração de Mariza Abreu (2009), as escolas têm que “ter uma grade
curricular mínima, tem que ter um padrão curricular”, mas “em compensação os diretores tem
o direito a escolher seus professores, pois se os diretores não puderem escolher seus
professores, como é que ele vai fazer o padrão curricular funcionar?”. “A única dimensão bem
sucedida da autonomia é a financeira, e é assim no Brasil inteiro, nas demais nos
atrapalhamos” (SEE, 2009d). Este “atrapalho” se deve ao fato de que as escolas, segundo a
SEE, tem autonomia demais em alguns aspectos (grade curricular) e autonomia de menos em
outros, como a participação da direção na escolha da equipe.
134
Esta última medida relaciona o diretor ao papel desempenhado por este cargo em uma
empresa particular: se o funcionário não corresponde às expectativas, prontamente, é
substituído por outro, não se permitindo o diálogo ou o conflito.
O referencial curricular para o ensino estadual, que faz parte das ações do Projeto
Professor Nota 10, sob a denominação de “Lições do Rio Grande”, já foi construído e lançado
para as escolas, ainda em 2009 e será implementado no currículo escolar no ano de 2010.
Segundo site da SEE,
A proposta de criação dos referenciais curriculares foi elaborada por uma comissão
de especialistas em Educação, a partir do que foi realizado na rede estadual e
também utilizado em outros países, como Argentina e Portugal, e em outros Estados
como São Paulo e Minas Gerais, respeitando e apropriando-se a realidade do Rio
Grande do Sul (SITE SEE, Publicação: 12/03/2010).
O material é destinado aos Anos Finais do Ensino Fundamental e as três séries do
Ensino Médio, e contém as “habilidades, competências cognitivas e conteúdos mínimos que
devem ser desenvolvidos em cada série” (Site SEE, Publicação: 12/03/2010). No que se refere
à autonomia pedagógica, a partir destes referenciais, esta
[...] fica restrita a escolha de como ensinar, mas não sobre o quê ensinar. Consiste na
autonomia didático-metodológica de cada professor e não mais no direito de
escolher o que será ensinado. As instituições devem ensinar os conteúdos mínimos
adaptados às peculiaridades regionais e locais de cada comunidade escolar (SITE
SEE, Publicação: 12/03/2010).
Apesar de não anunciado nas propostas de mudança na gestão escolar, o Projeto
Político Pedagógico, outro mecanismo de gestão democrática, também é afetado a partir dos
novos elementos introduzidos na gestão da escola. Tendo em vista a implantação do padrão
curricular e os contratos de gestão, os espaços de proposição da escola ficam restritos ao
atendimento destas determinações, cabendo ao Projeto Pedagógico mais um papel de
definição sobre como cumprir estas exigências, em substituição à sua função de instrumento
de construção da identidade da escola. À comunidade escolar, por sua vez, cabe a tarefa de
participar da execução deste universo de metas e procedimentos eleitorais.
Pode-se afirmar que, se forem levadas à cabo estas mudanças, a Gestão Democrática
continuaria apenas no nome da Lei, pois alterá-lo seria ferir um princípio constitucional. No
entanto seu conteúdo comportaria outro padrão de gestão: a gestão gerencial, com base em
mecanismos de aumento da produtividade e eficiência das unidades escolares.
135
Apesar de esta proposta não estar em vigor na forma da legislação educacional, a SEE
introduziu este padrão de gestão nas escolas através das parecerias público-privadas, como
veremos a seguir.
3.2.4 As parcerias Público-Privadas no âmbito da gestão escolar
A relação público-privada no campo educacional não é algo recente, mas assume um
peculiar relevo no contexto atual. As fronteiras entre estes dois pilares que historicamente
eram tão definidas hoje se confundem: ora o público pode estar dentro do privado, ora o
privado está dentro do público. O que era uma relação opositiva tornou-se uma simbiose.
Como resume Dale (1994), “a distinção público-privado parece-me absolutamente inadequada
para captar as complexidades das mudanças a que os sistemas educativos estão a ser
submetidos” (p.110).
Esta nova faceta da relação público-privado, porém, não pode ser entendida como algo
natural, evolução de uma prática. Ela é intencional, provocada e necessária como mecanismo
de gestão dos serviços sociais a partir do novo marco de atuação que o Estado assume no
momento atual. A fim de reduzir os gastos públicos, o Estado compartilha com a iniciativa
privada o financiamento e gestão dos serviços públicos. De um lado, o Estado se beneficia da
forma de gestão privada, entendida como mais eficiente e assim reduz seu gasto, de outro a
iniciativa privada, através de sua “obra” no espaço público, dissemina seus valores,
princípios, ideologia e cultura necessários para a formação do novo trabalhador demandado
pelo mercado. Nesse sentido, o interesse cada vez maior das empresas com a educação
pública, não representa uma benesse, solidariedade ou preocupação com a educação das
classes populares. Tem a ver, sim, com seu interesse na formação de competências
profissionais adequadas às demandas do setor produtivo.
A respeito da participação da iniciativa privada no financiamento e gestão da
educação, as palavras da Secretária de Educação Mariza Abreu, demonstram este interesse:
“Toda parceria que ofereça um aporte de recursos financeiros é sempre bem-vinda” (site SEE,
Publicação: 29/08/2007); "Precisamos cada vez mais do apoio dos empresários para melhorar
a Educação” (site SEE, Publicação: 19/03/2008). em outro momento, a Secretária reafirma
a importância da parceria entre o setor público e privado, ressaltando que com as parcerias
“não estamos promovendo a privatização do ensino público. Estamos aproveitando as
oportunidades de parcerias com empresas privadas para aplicar recursos em projetos que
podem contribuir com a garantia da qualidade na educação para todos” (Site SEE, Publicação:
136
20/08/2008). Nestas afirmações, fica clara a concepção de publicização
115
dos serviços
públicos como educação, em que o Estado compartilha através de parcerias com as
organizações sociais seu financiamento e gestão, no entanto, sem abrir mão do controle
público sobre o serviço ofertado. Este mecanismo se constitui em uma privatização camuflada
do serviço público, pois embora seu estatuto continue sendo estatal é gerido por formas
privadas de gestão e parte de seu financiamento, formando o que se denomina “quase-
mercado” em educação.
A publicização de serviços não exclusivos do Estado faz parte das propostas da
Agenda 2020. No caso da Educação, a Agenda defende que este processo seja trabalhado
gradativamente, através de projetos-piloto que comprovem sua eficiência. As ações do Estado
vêm ao encontro desta orientação, pois as parcerias desenvolvidas ou se dão na forma de
projetos-piloto, como o Projeto-piloto de Alfabetização, ou se dão a partir de pequenos
grupos, como as parecerias com o Instituto Unibanco e SESI – RS, que veremos a seguir.
Na parceria público-privado o que se ressalta, geralmente, são os benefícios que a
lógica privada proporciona, no entanto, esta relação não traz apenas a eficiência” para o
campo educacional. Conforme resume e questiona Ball,
O argumento para o envolvimento do privado na escolarização pública é muito
simples: o incentivo ao lucro e à concorrência, assim como as culturas
organizacionais que destes derivam, geram formas de prática que melhoram
(inevitavelmente) a eficiência e aumentam o desempenho. Mas será que o setor
público herda apenas isso com a participação do setor privado? E as mudanças
culturais e éticas que acompanham o incentivo ao lucro? Não nos deveríamos
preocupar com o currículo moral oculto que tudo isso pode transmitir, direta ou
indiretamente? Em outras palavras, o que é que o setor privado “ensina” em nossas
escolas e faculdades? (2004, p. 1119).
Concernente a esta análise, Silva (2001), em pesquisa realizada sobre a influência do
empresariado na educação, denomina de Pedagogia da Habituação os efeitos desta presença
para a formação dos estudantes. A Pedagogia da Habituação assinala que
Mais do que mudanças substanciais nas dimensões operacionais ou de
financiamento, as dinâmicas empresariais operam principalmente em relação aos
conteúdos culturais e políticos que circulam no cotidiano da escola por intermédio
das ações e discursos da empresa que veiculam representações, gestos, maneiras,
imagens, condutas e comportamentos específicos (SILVA, 2001, p. 264).
115
A publicização trata da migração de parte da gestão dos órgãos prestadores de serviços não exclusivos de
Estado (nas áreas da arte e cultura, pesquisa, meio ambiente, esportes, assistência social, educação e saúde) para
entidades públicas de direito privado (http://www.agenda2020.org.br/propostas.php?PropostaId=31)
137
Neste sentido, a atuação da esfera privada não atua apenas de forma objetiva na gestão
escolar. Atua na formação da subjetividade dos sujeitos, adequando-as à nova condição
competitiva do mundo do trabalho, através da disseminação dos mecanismos de meritocracia,
contratos de gestão, entre outros.
Além disso, de forma objetiva, a ações da iniciativa privada, ao partirem da concepção
de gestão empresarial, comprometem o processo de gestão democrática, ao se utilizarem de
seus mecanismos a partir de outros interesses. Isso pode ser evidenciado no fato de que ambas
as parcerias, PJF (INSTITUTO UNIBANCO) e Consultoria para uma Educação que
Qualidade (SESI-RS), valorizam a participação e o envolvimento da comunidade na gestão da
escola, no entanto, os espaços de participação ofertados reduzem-se à execução das ações para
se atingir os resultados almejados, que são reforçados pela premiação. Tanto na parceria com
o Instituto Unibanco quanto com o SESI, as metodologias de gestão empregadas são
orientadas por técnicas empresariais de gestão, substituindo o protagonismo dos sujeitos pela
“eficiência” e “neutralidade” das técnicas.
Tendo em vista a carência de recursos nas escolas e a dificuldade de os professores
lidarem com todas as demandas para a educação escolar, estas parcerias têm grande
aceitabilidade e recepção no ambiente escolar, tendo em vista que os recursos oferecidos
representam oportunidades de crescimento para a escola.
Por fim, evidenciamos que as parcerias cumprem em nível de escola o que se
incumbiu a Escola de Governo à nível de Secretarias Estaduais: disseminar uma cultura
gerencial moderna nos quadros de pessoal das escolas estaduais, visando adequar os
servidores para o novo modelo de gestão com foco em resultados adotados pelo Governo do
Estado do Rio Grande do Sul, na gestão Yeda Crusius, e pretendido para a gestão escolar
através das mudanças previstas para a Lei de Gestão Democrática.
3.2.4.1 O Programa Consultoria para Educação de Qualidade – SESI
O Programa Consultoria para a Educação de Qualidade se desenvolve em escolas da
rede estadual do RS, desde 2008, quando foi firmado o termo de Termo de Cooperação N.
197/2008 entre a SEE e o Serviço Social da Indústria do Rio Grande do Sul (SESI – RS). Esta
consultoria faz parte das ações previstas no Programa Educação para a Nova Indústria,
lançado em 2007 por iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Serviço Social
da Indústria (SESI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e congrega as
138
ações do Eixo Educação Básica e Continuada, que se desenvolve sob a responsabilidade do
SESI
116
.
Conforme analisa Rodrigues (1998) o SESI e o SENAI são as bases pedagógicas do
pensamento educacional burguês da CNI. Presentes no cenário brasileiro desde o período da
“modernização conservadora” tiveram um papel fundamental na conformação técnica e
psicológica da classe trabalhadora às demandas do país industrializado: “se o SENAI busca
atender aos interesses industriais ao formar profissionalmente o trabalhador, o SESI tem como
objetivo conformar ‘moral e civicamente’ a força de trabalho, funcionando como indutor da
‘solidariedade de classes’” (RODRIGUES, 1998, p. 22). Apesar de o modelo educacional do
período ter perdido sua função com as mudanças operadas no mundo do trabalho e muitas das
instituições terem se desfeito, estas instituições (SESI e SENAI) souberam se adaptar à nova
base técnico-científica do mundo do trabalho e continuam fortes até hoje (RODRIGUES,
1998), influenciando as políticas educacionais.
O Programa Educação para a Nova Indústria deixa claro seu projeto educacional ao
explicitar seus elementos centrais de ação:
[...] expansão e diversificação da oferta de educação básica, continuada e
profissional ajustada às necessidades atuais e futuras da indústria; modernização,
otimização e adequação da infra-estrutura física das escolas e laboratórios;
flexibilização no formato e metodologias de atendimento às demandas educacionais
da indústria; capacitação de docentes, técnicos e gestores em tecnologias e gestão
dos processos educacionais (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA,
2007, p. 19).
Estes elementos visam ser atingidos tanto pela Rede SESI de Educação, quanto pela
inserção das ações do Programa na rede pública de ensino.
O Programa Consultoria para uma Educação de Qualidade que vem se desenvolvendo
na rede estadual gaúcha está interligado ao Prêmio SESI Qualidade de Educação (nível
nacional). “Enquanto que o Prêmio SESI Qualidade da Educação induz processo de avaliação,
identifica e reconhece boas práticas, a Consultoria para Educação de Qualidade apóia
processos de melhoria, qualificando gestores e promovendo o intercâmbio de experiências”
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2007, p. 28), incentivando a gica
meritocrática na educação.
Em 2008, 280
117
escolas pertencentes às CREs convidadas pela SEE, com base nos
menores resultados do IDEB de 2007 no Estado, participaram do Programa em parceira com o
116
O SENAI é responsável pelo Eixo da Educação Profissional, que tem como meta atingir, até 2010, o número
de 9.121.822 brasileiros, através de cursos/programas de Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores,
Educação Profissional Técnica de Nível Médio e Educação Superior.
139
SESI-RS. Esse número passou para 300 escolas, em 2009, atingindo 82 mil alunos e 6 mil
professores.
O objetivo da Consultoria é “assessorar escolas e redes de ensino estaduais e
municipais, para a elaboração de planos de melhoria” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA
INDÚSTRIA, 2007, p. 28) através da implantação de um “programa de Gestão pela
Qualidade, focado na melhoria contínua dos resultados das Escolas” (FIERGS; SESI, 2008a).
A metodologia de desenvolvimento da Consultoria consiste em 4 encontros de capacitação
(totalizando 64h) durante um ano letivo e acompanhamento do plano de ação elaborado pelas
escolas através de relatórios bimensais enviados ao SESI-RS.
O primeiro encontro consiste no repasse da metodologia do Programa, com a presença
de dois representantes por escolas, sendo um deles obrigatoriamente o (a) diretor (a), em
turmas compostas de 20 escolas. O material disponibilizado às escolas inicia com os pré-
requisitos para a implantação do Programa:
A implantação do programa demanda uma profunda mudança cultural, que exige
liderança e persistência por parte da Direção da Escola, bem como grande habilidade
para promover o envolvimento de toda a Comunidade Escolar, através de uma
gestão participativa, para se atingir resultados.
Para que esta metodologia de gestão seja gradativamente implementada na escola, é
imprescindível criar uma Comissão Representativa da Escola, capaz de mobilizar a
envolver todos os componentes da Comunidade Escolar (FIERGS; SESI, 2008b).
Estes pré-requisitos denotam a postura que a escola deve ter frente ao programa a ser
desenvolvido na Consultoria. Tal postura deve ser de envolvimento nas ações a serem
desenvolvidas, de “abraçar o Programa” e executar tudo o que for necessário. O uso do termo
“gestão participativa” não significa a possibilidade de participação ativa da comunidade
escolar na gestão, como veremos nos passos da metodologia. Ao invés disso, a exemplo de
seu uso no universo empresarial, conforme Lima (2003), o chamamento à participação visa
obter o consenso e pacificar as relações de trabalho, reduzindo-se em uma técnica de gestão.
Nas palavras do autor (2003, p. 133), a “participação significa, assim, integração e
colaboração, e não representação e intervenção política”.
A seguir o material apresenta uma lista de ações que compõem o papel dos membros da
Comissão Representativa da Escola, abrangendo desde o comportamento que os membros
117
Estas escolas pertencem às Coordenadorias de: Porto Alegre (1ª CRE), Pelotas (5ª CRE), Passo Fundo (7ª
CRE), Cruz Alta (9ª CRE), Uruguaiana (10ª CRE), Guaíba (12ª CRE), Ba (13ª CRE), Santo Ângelo (14ª
CRE), Rio Grande (1CRE), Santana do Livramento (19ª CRE), Três Passos (2CRE), Gravataí (28ª CRE),
Canoas (27ª CRE) e São Borja (35ª CRE). Cada CRE pode inscrever até 20 escolas com mais de 100 alunos para
participar da Consultoria (notícia Site SEE, Publicação: 03/03/2009).
140
devem ter (paciência, tolerância, disposição...) no desenvolvimento do programa, até as suas
responsabilidades. Segundo as orientações, a Comissão deve liderar a implantação da
metodologia de gestão, junto à comunidade escolar, começando pelos seguintes passos:
definição da missão, visão e valores da instituição; realização de diagnóstico a partir de
instrumentos (questionário e entrevistas) e guia de referência
118
definidos pela Consultoria.
Cada um dos passos é cuidadosamente explicado, apresentando exemplos de missão, visão e
valores de empresas privadas e frases de motivação.
Definida essa etapa, passa-se a elaborar, com base na missão, visão, valores e
diagnóstico da realidade escolar, o Plano de Ação da escola, o qual passa a fazer parte do
Projeto Político Pedagógico da instituição. Esta etapa é orientada por algumas ferramentas da
Gestão da Qualidade Total, como: Matriz GUT (Gravidade, Urgência e Tendência) que visa
apontar os problemas; Brainstorming (tempestade de idéias ou toró de palpites) para levantar
alternativas/soluções; Diagrama Causa e Efeito (espinha de peixe) para definir as causas dos
problemas e, por fim, a ferramenta 5W2H (O que? Onde? Quando? Por que? Quem? Como?
Quanto?), que visa apontar as ações/metas frente os problemas e alternativas levantadas.
Frente a esta metodologia de gestão, inspirada no universo empresarial, os sujeitos tem
um papel passivo frente à técnica empregada. A sensação é de que a técnica se torna o sujeito
do processo e as pessoas o objeto. Utilizando-se de termos marxistas pode-se visualizar o
fetiche da técnica e a reificação
119
dos sujeitos envolvidos no processo.
118
O material apresenta um guia de perguntas sobre dimensões da gestão escolar: acompanhamento e avaliação;
planejamento, relação com os profissionais, gestão administrativa e financeira; relação com a comunidade e
parceiros externos; dimensão ambiente educativo (gestão dos espaços educativos da escola; resolução de
conflitos e combate à violência; responsabilidade sócio-ambiental). Para o diagnóstico basta a equipe coletar as
informações solicitadas a partir de cada pergunta. Além disso, a Consultoria forneceu questionários para análise
dos critérios de eficácia escolar das dimensões de: Ensino e Aprendizagem; Clima Escolar; Pais e Comunidade;
Gestão de Pessoas e Gestão de Processos. Cada uma das dimensões havia uma série de questões que deveriam
ser respondidas através de uma escala de 1 a 5. De acordo com as respostas dadas pelos sujeitos consultados,
soma-se a pontuação de cada dimensão e a compara com a pontuação definida (pelo instrumento) como mínima
para a sua eficácia e assim se identifica o índice de satisfação daquela dimensão. As questões expressam, em sua
maioria, preocupação em relação a normas e comportamentos, por exemplo: “O Diretor, no contato com
professores, expressa sua confiança na capacidade de aprendizagem dos alunos.” (Instrumento 2 – Clima
Escolar).
119
O exemplo de Ghiraldelli é ilustrativo para a compreensão destes dois termos neste contexto: “É fácil
entender o fenômeno da reificação e do fetichismo, ou seja, a ideologia. Uma moça entra em uma loja para
comprar uma calça jeans. A calça não serve. E então ela não pensa em levar a calça para ajustes. A calça (o
morto, o produzido) é que cria vida na medida em que ordena a moça que para academia ou para a mesa de
um cirurgião plástico e, uma vez , corte a si mesma. A velha prática de cortar a calça fica afastada. E a moça
obedece. Uma vez esculpida (pelo bisturi laser ou pela “malhação”) a moça é sugada para a loja pela vontade da
calça, e chegando compra a calça. Na prática, foi a calça que levou a moça. O morto cria vida e realiza seus
desejos sobre os que estavam vivos (os agentes, os produtores ou sujeitos), e que então se portam como mortos
sem vontade. Ir para academia ou para a mesa de cirurgia pode parecer um ato de vontade forte, mas nesse tipo
de análise, não é, pois não houve vontade deliberativa, apenas a vontade da calça se impôs. A mercadoria é
fetichizada, cria vida, e o vivo é reificado, vira coisa objeto morto. A ilusão é evidente: a moça acredita que
agiu por sua vontade, mas agiu por vontade da mercadoria, a calça jeans” (GHIRALDELLI JR, 2010).
141
A autonomia e a participação dos sujeitos da escola neste modelo de Gestão reduzem-
se a cumprir um programa e atingir o máximo de resultados a partir dele. Retoma-se no
campo da gestão escolar a divisão entre a concepção e a execução, que foi amplamente
criticada e combatida pelo projeto de Gestão Democrática.
Entrelaçado ao desenvolvimento da Consultoria o SESI-RS prevê o Prêmio
Planejamento, que é “uma ação que tem por objetivo estimular a melhoria da qualidade da
educação, por meio do reconhecimento aos trabalhos desenvolvidos pelas escolas
participantes do Programa Consultoria para Educação de Qualidade/2008, a partir da
metodologia de gestão proposta pelo mesmo.” (FIERGS; SESI, 2009, p. 01). As escolas
participantes da Consultoria que tiveram no mínimo 75% de presença nos cursos de formação
podem concorrer ao Prêmio, fazendo sua inscrição e enviando o Planejamento elaborado pela
escola durante o desenvolvimento da Consultoria.
A comissão de avaliação é composta por profissionais da Sede do SESI-RS e da
Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul. Esta Comissão avalia o
planejamento enviado pelas escolas e seleciona os 8 melhores para realização de uma
avaliação in loco, a fim de definir os vencedores (as três primeiras escolas colocadas). Os
critérios de avaliação reduzem-se ao comprimento (com eficiência!) dos passos da
metodologia de gestão difundida pela Consultoria, como pode ser visualizado: Composição da
comissão; Missão, Visão e Valores; Envolvimento da Comunidade; Grau de Aprofundamento
do Diagnóstico; Cumprimento das etapas da Metodologia; Consistência do Plano de Ação;
Ações propostas; Registro nos relatórios (FIERGS; SESI, 2009, p. 03).
O prêmio para as três escolas finalistas, conforme a classificação é de: Lugar: R$
10.000,00; 2º Lugar: R$ 8.000,00; 3º Lugar: R$ 5.000,00. Esta premiação, na lógica da gestão
gerencial, não visa apenas recompensar a escola por sua prática de gestão, esta prática
objetiva reforçar o comportamento da instituição com vistas a materializar este modelo de
gestão em seu cotidiano, conforme analisa Silva (2001). Isto implica na inserção de uma
lógica de controle sobre a gestão escolar, mesmo quando os agentes da consultoria não estão
presentes, atuando como um controle internalizado.
3.2.4.2 O Projeto Jovem de Futuro – Instituto Unibanco
O projeto Jovem de Futuro se desenvolve em escolas estaduais do RS desde o ano de
2008. Este projeto faz parte das ações do Instituto Unibanco, fundado em 1982, que pertence
142
ao conglomerado Unibanco
120
. O órgão é responsável pela área social do conglomerado e atua
essencialmente com projetos voltados aos jovens, mais especificamente aos jovens que
freqüentam o Ensino Médio em escola pública.
Segundo seu site de divulgação
121
, o Instituto Unibanco tem como missão “contribuir
para o desenvolvimento humano de jovens em situação de vulnerabilidade” e, para tanto, visa
conceber, validar e disseminar “princípios e tecnologias sociais que contribuam para aumentar
a efetividade de políticas públicas”, especialmente na área da educação tendo em vista o
propósito de aumento de capital humano. A justificativa para este foco de atuação do Instituto
é de que:
Acreditamos que a juventude é um momento decisivo para o futuro de todo ser
humano. Um momento de escolhas que repercutirão ao longo de toda uma vida -
quando se iniciam caminhos e trajetórias, cuja soma representa o futuro de um país.
Essa crença fundamenta nosso foco de atuação: jovens cursando o Ensino Médio em
escolas públicas. Cremos também que, numa economia do conhecimento, o
passaporte mínimo para a inclusão das novas gerações no mercado produtivo seja o
diploma do Ensino Médio. (...) Temos a certeza, porém, de que não basta que as
novas gerações aumentem sua escolaridade e desenvolvam experiências e
habilidades básicas para o mundo do trabalho. É necessário que construam uma
visão de futuro, para que desenvolvam um senso de responsabilidade por suas ações
nos campos econômico, social e ambiental (INSTITUTO UNIBANCO, 2008. p. 06).
Estes objetivos do Instituto são alcançados através de projetos desenvolvidos junto a
governos estaduais e organizações da sociedade civil em âmbito nacional. Os principais
projetos em desenvolvimento pelo Instituto são: “Jovem de Futuro”, “Jovens Aprendizes” e
“Entre Jovens”. Os recursos financeiros para o desenvolvimento destes projetos, segundo
relatório da entidade, provêm dos rendimentos de um fundo criado para este fim um fundo
endowment (INSTITUTO UNIBANCO, 2008).
O Projeto Jovem de Futuro (PJF) iniciou em 2007 e atualmente é o que tem maior
amplitude, chegando a abranger, no ano de 2008, mais de 76 mil jovens cursando o ensino
médio em escolas públicas. Atualmente, este projeto está em desenvolvimento em três
Estados brasileiros, coincidentemente, todos governados pelo PSDB: São Paulo, Minas Gerais
e Rio Grande do Sul. Além da identificação deste partido político com a lógica da Terceira
Via e, consequentemente, com o espaço privilegiado das parcerias público-privadas na gestão
e provimento dos serviços públicos, cabe destacar que na composição política do PSDB
120
O Unibanco foi fundado em 1924 a partir da criação da Seção Bancária da Moreira Salles e Cia., em Poços de
Caldas (MG). Em 1967, a instituição adotou o nome de União de Bancos Brasileiros e, no ano de 1975,
Unibanco. No dia 3 de novembro de 2008, Itaú e Unibanco assinaram contrato de associação para a unificação
das operações financeiras dos dois bancos, passando a denominar-se “Itaú Unibanco”. (Fonte:
<www.unibanco.com.br>).
121
<http://www.unibanco.com.br>
143
encontram-se dirigentes que atuam no conglomerado Unibanco
122
, o que aproxima estas duas
entidades.
O PJF tem como metas o aumento em 50% das médias de desempenho no SAEB
(Sistema de Avaliação da Educação Básica) em Matemática e Língua Portuguesa da terceira
série dos alunos das escolas públicas de ensino médio participantes do projeto e a redução em
40% dos índices de evasão escolar. Para isso, o projeto se desenvolve em um ciclo de três
anos, ou seja, durante as três séries do Ensino Médio.
Durante o desenvolvimento do projeto, o Instituto se compromete a oferecer apoio
técnico (contratação temporária de monitores, especialistas em educação, assistentes sociais)
para a elaboração de um plano estratégico, utilizando a metodologia do Marco Lógico,
assistência técnica para uma “gestão para resultados” e R$100,00 por aluno/ano destinados à
implantação desse plano (INSTITUTO UNIBANCO, 2008). Segundo relatório do Instituto,
O Jovem de Futuro baseia-se no princípio de que um pequeno investimento de
recursos técnicos e financeiros, colocados à disposição de qualquer escola pública,
pode trazer um impacto significativo nos resultados dos alunos, desde que respeite a
autonomia da escola, mobilize a comunidade escolar em torno de metas e estratégias
pactuadas, reforce a gestão para resultados e ofereça incentivos e melhoria das
condições de trabalho para professores e alunos (INSTITUTO UNIBANCO, 2008,
p. 17).
Nesse processo destaca-se o afastamento do Estado no provimento de recursos à
melhoria da educação, inclusive de recursos humanos, e a iniciativa do mercado, que à
despeito de sua benesse com a educação pública, contempla seus objetivos de disseminação
de práticas gerenciais e valores adequados ao mundo empresarial que passam a fazer parte da
gestão escolar e, conseqüentemente, da formação destes jovens que ingressarão no mercado
de trabalho.
Na rede estadual de ensino do RS o PJF envolve diretamente 25 escolas que compõem
o grupo de tratamento e 25 escolas indiretamente, compondo o grupo de controle. As escolas
habilitadas para fazer parte do projeto foram aquelas localizadas em Porto Alegre e na Região
Metropolitana
123
, sendo que deveriam contar com o número mínimo de 400 alunos. Dentre as
escolas habilitadas que manifestaram interesse em participar do PJF foi realizado sorteio, na
122
Segundo pesquisa de Guiot (2006), fizeram/fazem parte do Unibanco (hoje Itaú Unibanco) os dirigentes
pessedebistas André Lara Resende, Clóvis Carvalho, Pérsio Arida, Amínio Fraga e Pedro Malan.
123
A região metropolitana de Porto Alegre é composta por 31 Municípios, incluindo a Capital, são eles:
Alvorada, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Estância Velha, Esteio, Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, São
Leopoldo, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Viamão, Dois Irmãos, Eldorado do Sul, Glorinha, Ivoti, Nova Hartz,
Parobé, Portão, Triunfo, Charqueadas, Araricá, Nova Santa Rita, Montenegro, Taquara, São Jerônimo, Arroio
dos Ratos, Santo Antônio da Patrulha e Capela de Santana.
144
sede da SEE em agosto de 2007, a fim de compor os dois grupos participantes grupo de
controle e grupo de tratamento, conforme quadro abaixo:
Quadro 8 – Escolas participantes do Projeto Jovem de Futuro do Instituto Unibanco
Grupo de Tratamento
Grupo de Controle
CE. Julio de Castilhos (Porto Alegre) CE. Inácio Montanha (Porto Alegre)
CE. Formação de Prof. General Flores da Cunha (Porto Alegre)
EEEB Almirante Bacelar (Porto Alegre)
IE Dom Diogo de Souza (Porto Alegre) Instituto Est. Rio Branco (Porto Alegre)
IEE Paulo da Gama (Porto Alegre) EEEM José do Patrocínio (Porto Alegre)
CE. Dom João Becker (Porto Alegre) CE. Candido José de Godoi (Porto Alegre)
CE. Florinda Tubino Sampaio (Porto Alegre) ETE Irmão Pedro (Porto Alegre)
EEEM Santos Dumont (Porto Alegre) CE. Piratini (Porto Alegre)
EEEM Santa Rosa (Porto Alegre) CE. Elpídio Ferreira Paes (Porto Alegre)
IE Professora Gema Angelina Belia (Porto Alegre) CE. Presidente Arthur da Costa e Silva (Porto Alegre)
CE. Ruben Berta (Porto Alegre) CE. Coronel Afonso Emílio Massot (POA)
CE. Prof. Elmano Lauffer Leal (Porto Alegre) EEEM Infante Dom Henrique (Porto Alegre)
CE. Marechal Rondon (Canoas) EEEM Affonso Chalier (Canoas)
EEEM Guarani (Canoas) EEEM São Francisco de Assis (Canoas)
EEEB Prof. Gentil Viegas Cardoso (Alvorada) EEEM Nossa Senhora Aparecida (Alvorada)
CE. Antonio de Castro Alves (Alvorada) CE. Érico Veríssimo (Alvorada)
EEEB Julio Cesar Ribeiro de Souza (Alvorada) EEEM Campos Verdes (Alvorada)
EEEM Sen Salgado Filho (Alvorada) IE Nossa Senhora do Carmo (Alvorada)
CE. Barbosa Rodrigues (Gravataí) EEEM Morada do Vale I (Gravataí)
EEEM. Carlos Bina (Gravataí) EEEM Dr. Luiz Bastos do Prado (Gravataí)
EEEM Tuiti (Gravataí) EEEM Adelaide Pinto de Lima Linck (Gravataí)
CE. Antonio Gomes Correa (Gravataí) EEEM José Mauricio (Gravataí)
EEEM Açorianos (Viamão) IEE Isabel de Espanha (Viamão)
CE. Alcebiades Azeredo dos Santos (Viamão) EEEM Governador Walter Jobim (Viamão)
EEEM Ayrton Senna da Silva (Viamão) EEEM Orieta (Viamão)
EEEM Vale Verde (Alvorada) EEEM Érico Veríssimo (Canoas)
Fonte: site SEE <www.educacao.gov.br> Notícia publicada no dia 29/08/2007
O grupo de tratamento é o que participa efetivamente da parceria, recebendo os
recursos financeiros e assessoramento do Instituto Unibanco. O grupo de controle não recebe
o financiamento e as orientações do Instituto, participa apenas das avaliações (diagnóstica e
somativa) a fim de comparação com o grupo de tratamento.
A avaliação é central no desenvolvimento do PJF, pois afere o ponto de partida e de
chegada do projeto. Conforme consta no Relatório do Instituto,
O diagnóstico é uma das fases mais importantes do processo de monitoramento e
avaliação. É quando traçamos um quadro de situação inicial dos indicadores de
processo e de resultado - a chamada linha de base - em função da qual se realiza o
processo de supervisão, mensuram-se os resultados (linha de base x desempenho
final) e se avaliam os impactos (resultados do grupo de tratamento x do grupo de
controle) (INSTITUTO UNIBANCO, 2008, p. 12).
O processo avaliativo inicia com a avaliação dos alunos que concluíram o terceiro ano
na escola em que será desenvolvido o PJF, a fim de compor o “ano zero”. No primeiro ano de
145
implantação do PJF, “os alunos de primeira série do Ensino Médio são avaliados,
censitariamente, por meio de três avaliações: uma diagnóstica (que compõe a linha de base),
em março; uma formativa que ocorre em junho; e uma somativa ou final, em novembro.”
(INSTITUTO UNIBANCO, 2008, p. 23). Nos segundos e terceiros anos é realizada apenas
avaliação somativa e outra formativa, anualmente. Estas avaliações são baseadas na escala de
pontuação do SAEB e têm como função “fornecer dados para que as escolas acompanhem seu
desempenho e utilizem os resultados como insumos para a melhoria do processo pedagógico
(INSTITUTO UNIBANCO, 2008, p. 23). O papel da avaliação no PJF pode ser melhor
visualizado através do diagrama abaixo:
Figura 2 – Sistema de Monitoramento e Avaliação do PJF
Fonte: INSTITUTO UNIBANCO, 2009.
Conforme se evidencia no diagrama, para além de contribuir na melhoria dos índices
educacionais, o PJF visa provar sua eficiência de sua lógica de gestão e conquistar espaço
para as parcerias público-privadas no campo educacional, através do mecanismo de
comparação entre o desempenho das escolas de tratamento e as escolas de controle. Esta
estratégia visa legitimar a inserção de quase-mercados no campo educacional, reforçando a
lógica de “Gestão para resultados” pretendida pelo governo através das alterações na Lei de
Gestão Democrática, que inclui, assim como no PJF, a meritocracia. Concernente a esta
146
constatação, na ocasião da premiação do primeiro ano de desenvolvimento do PJF nas escolas
gaúchas, a Secretária Mariza Abreu ressaltou: “O Jovem do Futuro mostra um caminho, que é
apoiar as escolas com assistência técnica, recursos financeiros, estipular metas e cobrar os
resultados, e destacar aquelas escolas que se saíram melhor” (Site SEE, Publicação:
25/05/2009).
A estrutura organizacional do PJF envolve dois grupos: o estratégico composto pelo
Instituto Unibanco e a Secretaria Estadual de Educação; e o operacional representado pela
escola. Esses grupos formam, nas escolas participantes, o Grupo Gestor, que é composto por
representantes da comunidade escolar: diretor, coordenador pedagógico ou interlocutor do
PJF na escola, representantes de professores, alunos e pais ou responsáveis, representante da
Associação de Pais e Mestres APM / Caixa Escolar / Círculo de Pais e Mestres - CPM ou
órgão similar (INSTITUTO UNIBANCO, 2008). Além do interlocutor local do PJF, o
Instituto Unibanco indica supervisores responsáveis (um supervisor para cada 5 escolas) e
dois estagiários por escola participante.
Durante o desenvolvimento do projeto, o Instituto Unibanco desenvolve cursos de
formação (capacitação) para os diretores, coordenadores do projeto na escola e equipe
gestora, a fim de trabalhar temas pertinentes à gestão para resultados e orientar as escolas na
construção do Plano Estratégico de Ação
124
. Esse trabalho recebe continuidade do supervisor
do Instituto Unibanco que acompanha e supervisiona periodicamente o andamento do projeto
nas escolas.
Apesar de ressaltar que as escolas têm autonomia para a alocação dos recursos do
projeto e na definição das prioridades, a estrutura do projeto deixa claro que à comunidade
escolar compete operacionalizar as diretrizes do PJF. Nesse sentido, a autonomia referida
pelo projeto é uma autonomia operacional, visto que a autonomia em termos expressivos é
possível face a um projeto de gestão democrática, em que os sujeitos são protagonistas na
concepção e execução de um projeto/atividade. Esta situação nos remete ao fato,
mencionado, de que os mecanismos de gestão democrática são acionados em diferentes
contextos, porém com uma nova roupagem, passando a ilusão de uma gestão “democrática”,
mas que, no entanto, apenas objetivam maior grau de mobilização da comunidade escolar no
desempenho de um projeto com objetivos e interesses centralizados.
Um dos pilares para uma gestão para resultados, segundo a visão do Projeto, é a
premiação e reconhecimento de alunos e professores. Para tanto, o PJF incentiva as escolas
124
Os materiais utilizados nestes encontros não foram disponibilizados pelo Instituto Unibanco.
147
durante o desenvolvimento do projeto a desenvolver para os professores “sistema de
premiação por pontualidade, assiduidade e resultados de seus alunos, acesso à capacitação,
fundos para projetos pedagógicos” e para os alunos “bolsas-monitoria, fundos para atividades,
acesso a atividades culturais, premiação por desempenho e fundo de necessidades especiais”.
Além disso, o PJF prevê, anualmente, premiação a “grupos gestores, professores, turmas e
alunos que obtêm melhores resultados ou maiores ganhos de desempenho e retenção”
(INSTITUTO UNIBANCO, 2008, p. 21). Por outro lado, o PJF prevê a interrupção dos
recursos financeiros à escola que, dentre outros critérios, “apresentar desempenho de
tendência negativa ao final do primeiro ou do segundo ano (ganho inferior à média das
escolas de controle) ou aumentar seu índice de evasão”, reforçando, assim, a lógica
meritocrática.
Para a premiação através do Sistema de Incentivos Anuais, o PJF contempla dois
âmbitos: escolas e turmas e professores, orientando-se através dos seguintes critérios:
Escolas
• Premiação por desempenho (desde que o índice de participação dos alunos seja acima de
70%)
– maiores ganhos de desempenhos em Português e Matemática;
– maiores resultados nas avaliações somativas;
- maiores diminuições do percentual de alunos com desempenhos em Português e
Matemática, abaixo do nível intermediário.
• Premiação por retenção (índice de evasão)
– Escolas com maior redução.
Turmas e Professores
• Premiação por desempenho (índice de participação dos alunos acima de 70%):
– maiores ganhos em português e matemática;
– maiores resultados em português e matemática;
– Maiores diminuições do percentual de alunos com desempenhos em Português e matemática
abaixo do nível intermediário.
• Premiação por retenção
– turmas que não perderem nenhum aluno (matrícula X avaliação somativa).
148
Os critérios avaliativos, como se pode visualizar, estimulam a competição, tanto entre
escolas quanto entre turmas e professores das disciplinas. Não basta apenas a escola melhorar
seus índices, em uma lógica cooperativa em que todos ao atingirem as metas compactuadas
receberiam a gratificação, é necessário superar-se e superar os demais. Na relação das escolas
e turmas premiadas, pode-se identificar que as turmas que ficaram em lugar nas avaliações,
não foram premiadas em nível de escola, evidenciando que prevaleceu o esforço
individualizado dos professores e turmas e não da instituição como um todo. Os prêmios
nunca são em dinheiro, são revertidos às turmas, professores e escolas na forma de passeios,
materiais e financiamento de projetos pedagógicos. Vejamos a classificação:
Escola com maior ganho em Português:
1º lugar: C.E. Florinda Tubino Sampaio - Porto Alegre
2º lugar: E.E.E.M. Açorianos - Viamão
3º lugar: E.E.E.M. Tuiuti - Gravataí
Escola com maior ganho em Matemática:
1º lugar: E.E.E.M. Açorianos - Viamão
2º lugar: E.E.E Médio Tuiuti - Gravataí
3º lugar: C.E. Florinda Tubino Sampaio - Porto Alegre
Turmas com maior ganho em Português:
1º lugar: Turma 110 do C.E. Antonio de Castro Alves - Alvorada
2º lugar: Turma 105 do C.E. Florinda Tubino Sampaio - Porto Alegre
3º lugar: Turma 103 da E.E.E.M. Tuiuti - Gravataí
Turmas com maior ganho em Matemática:
1º lugar: Turma 107 do C.E. Dom João Becker - Porto Alegre
2º lugar: Turma 101 da E.E.E.M. Tuiuti - Gravataí
3º lugar: Turma 105 da E.E.E.M. Açorianos - Viamão
Associado ao desenvolvimento do PJF nas escolas, o Instituto Unibanco promove o
concurso Superação, que tem o “objetivo de estimular melhorias na escola por meio da
mobilização de toda a comunidade escolar” (INSTITUTO UNIBANCO, 2009, p. 02). Cada
APM das escolas participantes do PJF pode participar da competição inscrevendo sua equipe,
que deve ser composta por no mínimo 3 e no máximo 7 pessoas, incluindo necessariamente o
coordenador do PJF na escola.
Esta equipe é responsável por diagnosticar as melhorias necessárias na escola e
mobilizar a comunidade escolar a realizar estas melhorias nos dias da “SuperAção”, os quais
149
são estipulados pelo regulamento do concurso a cada ano. As melhorias devem ser
relacionadas com as seguintes categorias, segundo o regulamento do SuperAção de 2009: I -
Ações Estruturais: atividades que envolvem melhoria na estrutura ou infra-estrutura da escola;
II - Ações Interativas: atividades voltadas ao entretenimento, educação e cultura, que
promovam a interação dos alunos, pais, professores e comunidade em geral; III
Doações à APM: deverão ser efetuadas de acordo com as necessidades específicas de cada
APM (materiais de consumo); IV - Participação/adesão da comunidade: quanto mais
pessoas participarem, mais pontos a APM irá ganhar e V - Atividade Bônus: caso todas as
atividades planejadas sejam cumpridas a APM ganha uma pontuação extra.
Cada atividade realizada, correspondente a uma destas categorias e número de
participantes, recebe pontuação específica, contida no regulamento do concurso, que são
atribuídas pelo “observador” do Instituto Unibanco presente nos dias da SuperAção. As três
APMs com maior pontuação são premiadas pelo Instituto Unibanco.
Esta ação do Instituto Unibanco reforça ainda mais a busca pela inserção da lógica
neoliberal na educação. A educação deixa de ser vista como um direito do cidadão e dever
obrigatório do Estado e passa a ser fruto de doações e trabalho voluntário.
Além desta forma de interferir na gestão das escolas públicas, introduzindo modelo de
gestão, valores e princípios consonantes com o sistema capitalista, o projeto Jovem de Futuro
foi incluído pelo MEC no Guia de Tecnologias Educacionais de 2010, a fim de ser tomado
como ferramenta para os diversos níveis de ensino e instituições educacionais. Este fato
concretiza o objetivo do Instituto Unibanco de influenciar as políticas educacionais e sinaliza
um ato de legitimidade à incorporação da lógica de gestão gerencial no âmbito da educação,
comprometendo o modelo de gestão pautado na lógica de gestão pública das instituições
sociais, tendo os sujeitos envolvidos como protagonistas desta prática.
150
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
O caminho percorrido por este estudo teve como ponto de partida a compreensão das
bases da administração escolar e as mudanças por que vem passando este campo a partir das
transformações do contexto atual, que colocam a gestão no centro das reformas educacionais
tendo em vista sua adequação às novas demandas da sociedade capitalista. Nesse sentido,
analisamos, inicialmente, as bases teóricas do campo da administração escolar, evidenciando
que este vem à tona tomando como referência as bases teóricas administração capitalista. O
projeto de Gestão Democrática para a educação, impulsionado pelos movimentos sociais, em
especial, do magistério, embora restrito pelos limites da democracia em uma sociedade
capitalista, representou uma ruptura com a gica capitalista de administração das unidades
escolares, enfatizando, a partir de um processo de descentralização das políticas educacionais,
a participação e a autonomia da comunidade escolar como caminho para a construção de uma
educação de qualidade. No entanto, os mecanismos de reestruturação do capitalismo
reestruturação produtiva, neoliberalismo e terceira via após a crise estrutural da década de
1970, implicaram na reforma do aparelho, especialmente em sua forma de gestão, utilizando-
se da descentralização, autonomia e participação da sociedade, porém, no intuito de
desresponsabilizar o Estado de suas funções sociais, tendo em vista que o gasto com os
serviços públicos são apontados como causador da crise, repassando-as para a sociedade civil.
Esta medida diminui os custos do Estado no provimento destes serviços, porém não deixa de
empregar o estatuto público já que o Estado, neste novo padrão de gestão, não abre mão do
controle sobre o resultado desses serviços.
Diante deste cenário paradoxal para a democracia e a gestão democrática, a educação
no RS, apesar de situar-se na vanguarda do processo de democratização da gestão escolar,
hoje apresenta uma realidade bem diferenciada a partir do avanço das práticas gerenciais de
gestão no setor público. Por meio da análise da trajetória de gestão democrática, podem-se
constatar as tentativas de inserção da lógica de gestão privada, muitas vezes tendo sido
repelidas pela força do Sindicato do Magistério Gaúcho CPERS outras vezes pela
descontinuidade destas práticas na mudança de governo.
151
Esta trajetória de disputa em relação à gestão democrática do ensino gaúcho pode ser
ilustrada pela metáfora do movimento da porta giratória, em alguns períodos a correlação de
forças produzida entre governos e movimentos em defesa da democratização da gestão
educacional, fez com que o princípio democrático adentrasse no espaço educacional
orientando as políticas educacionais, em outros, como o atual momento, fora repelido em prol
da inserção de uma lógica de gestão que prima pela eficiência econômica através de técnicas
“modernas” de gestão.
A análise sobre a proposta de “modernização da gestão educacional” inserida no
campo educacional pelo atual governo gaúcho evidencia o acirramento do gerencialismo na
educação, substituindo a participação da sociedade gaúcha na construção de políticas
educacionais por agências de consultoria e entidades privadas que visam aumentar a
eficiência dos gastos públicos através de modelos de gestão inspirados no universo
empresarial. A proposta de mudança na Lei de Gestão Democrática, inserida no Projeto
Professor Nota 10, e principalmente os projetos das parcerias público-privadas materializam a
inserção da lógica privada de gestão no âmbito da educação pública.
Estas mudanças inseridas na gestão da rede estadual do RS fazem parte de um
processo mais amplo, que visa adequar o campo educacional às necessidades do mundo do
trabalho a partir das mudanças operadas a partir da crise estrutural do capitalismo. Nesse
processo, no âmbito do RS, pode-se apontar a grande participação do empresariado, através
da Agenda 2020, o programa de ajuste fiscal do governo e a contrapartida do empréstimo do
Estado com o Banco Mundial, os grandes pilares que sustentam essa proposta no campo
educacional.
As ações desenvolvidas pelo governo em exercício no RS promove uma ruptura
drástica do andamento do processo de gestão democrática na rede estadual de ensino, ao
aderir ao movimento internacional de “modernização da gestão” que tem como conseqüência
a privatização e a adequação das formas de gestão da educação às novas atribuições do Estado
no atual estágio do desenvolvimento capitalista.
Embora a Gestão Democrática do Ensino continue a ser mencionada na proposta de
gestão do governo gaúcho, evidencia-se que na prática a participação e a autonomia da
comunidade escolar traduz-se mais como instrumento para execução das demandas da SEE às
escolas, do que em termos de participação ativa em tomadas de decisões e construções
coletivas. Além disso, a proposta de mudança na legislação educacional visa reduzir os
espaços de realização de práticas democráticas nas unidades escolares, em prol de aumento do
controle da mantenedora sobre as unidades escolares.
152
Neste sentido, a chamada modernização da gestão educacional, anunciada desde o
plano de governo, significa a inserção dos mecanismos da gestão gerencial, em que a busca
pela eficiência do setor público guia-se pelos mecanismos de mercado, os quais por orientar-
se por uma gica diferenciada, acabam distanciando a gestão blica e, nesse caso, a
educacional, do atendimento ao interesse público e à democracia.
Além disso, pode-se afirmar que a “modernização da gestão educacional” proposta pelo
governo gaúcho (gestão 2007-2010), a despeito dos diferentes significados do termo, não tem
o sentido de inovação nem de avanço. Tendo em vista que esta proposta representa a
introdução da lógica de gestão empresarial na gestão educacional, não representa nenhuma
novidade, pois desde a década de 1930 este campo sofre a intervenção da administração
capitalista, como vimos no capítulo I, a única diferença é que no contexto atual esta
introdução passa a se dar também através de formas mais “modernas” como as consultorias
prestadas pelas empresas privadas ao campo educacional. Tampouco esta proposta oferece
avanço frente à construção de uma educação blica de qualidade, uma vez que a referida
“modernização” retira cada vez mais a participação do Estado no provimento do direito à
educação, relegando esta tarefa às organizações da sociedade civil, e introduz uma lógica
meritocrática que descaracteriza a educação de qualidade enquanto direito para referi-la como
merecimento por esforço individual, como pode ser evidenciado na lógica de premiação
inserida pelos projetos das parcerias público-privadas.
Evidencia-se, assim como em pesquisa de Adrião (2006) e as análises de Paro (2001),
que as medidas que enfatizam a qualidade do ensino secundarizam, ou excluem, a relevância
da prática democrática na construção desta qualidade. Este resultado se justifica em função
dos fundamentos de onde partem estas medidas e dos propósitos que almejam. Estes
fundamentos e propósitos encontram-se relacionados às estratégias de gestão utilizadas pelo
setor privado, as quais não têm compromisso com a construção democrática, antes o
contrário.
Nesse sentido, a atual política educacional em implementação na rede estadual gaúcha
impõe desafios à construção democrática da gestão escolar, na medida em que estabelece um
modelo de gestão baseado em critérios que não convergem à democracia, pelo contrário,
estimulam a competição e baseia-se no princípio meritocrático de ensino e aprendizagem, que
do ponto de vista social e pedagógico é extremamente excludente, além de restringir os
espaços de autonomia e participação na gestão escolar. De um projeto de gestão democrática,
o enfoque passa a ser um projeto de gestão gerencial, em que os sujeitos são subsumidos pelas
técnicas e indicadores quantitativos de qualidade na educação.
153
As constatações e reflexões apontadas suscitam a continuidade do estudo a fim de
aprofundar a análise do processo de construção destas ações de “modernização da gestão
educacional” buscando suas contradições e lacunas a fim de construir e fortalecer uma política
contra-hegemônica a este movimento internacional de “privatização” da gestão educacional.
A continuidade do estudo também é suscitada frente aos novos desdobramentos que este
processo terá ao longo de seu último ano de implementação por parte do governo, visto que a
gestão governamental (Governo Yeda Crusius) encerra-se ao final do ano de 2010.
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