Download PDF
ads:
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CONSTITUCIONAL
A NACIONALIDADE REVISITADA: O DIREITO
FUNDAMENTAL À NACIONALIDADE E TEMAS
CORRELATOS
Marina Andrade Cartaxo
Fortaleza-CE
Abril 2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
MARINA ANDRADE CARTAXO
A NACIONALIDADE REVISITADA: O DIREITO
FUNDAMENTAL À NACIONALIDADE E TEMAS
CORRELATOS
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em
Direito Constitucional, sob a
orientação da Professora Doutora
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Fortaleza Ceará
2010
ads:
,
_____________________________________________________________________________
C322n Cartaxo, Marina Andrade.
A nacionalidade revisitada: o direito fundamental à nacionalidade e temas
correlatos / Marina Andrade Cartaxo. - 2010.
146 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010.
“Orientação: Profa. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu.”
1. Nacionalidade. 2. Estado. 3. Direitos fundamentais. 4. Soberania.
I. Título.
CDU 342.751
___________________________________________________________________________
_
MARINA ANDRADE CARTAXO
A NACIONALIDADE REVISITADA: O DIREITO
FUNDAMENTAL À NACIONALIDADE E TEMAS
CORRELATOS
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Gina Vidal Marcílio Pompeu
UNIFOR
____________________________________
Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque
UNIFOR
_______________________________________
Prof. Dr. Wagner Menezes
USP
Data da aprovação em: ______/________/_______
Dedico este trabalho aos meus pais, Deca Andrade e Joaquim Cartaxo,
pelo amor incondicional e por todas as oportunidades que me
proporcionaram no decorrer desses 28 anos de vida, e aos meus avós:
José Maria de Sales Andrade Filho, Maria José Monteiro de Sales
Andrade, Joaquim Ayres Cartaxo (falecidos) e Valdelice Cavalcante
Pereira.
AGRADECIMENTOS
Ao AMIGO maior, Jesus, por nos proteger de todos os males.
A todos os meus tios e primos, que são muitos para citar, mas são a minha família.
À minha “tia” Dulcinea Guedes Uchôa e ao seu falecido marido, e querido amigo,
André Luiz Uchôa, pois há famílias de sangue e famílias do coração.
A todos os amigos que fiz ao longo da vida, que graças a Deus são muitos, em especial
as irmãs do coração: Cíntia, Taianá, Andressa, Virna e Carol.
À Professora Doutora Gina Pompeu pela orientação e atenção dada, e por toda sua
paciência e dedicação ao ensino.
A todo o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da
Universidade de Fortaleza UNIFOR, em especial: Prof.ª Dr.ª Lília Maia de Morais Sales,
Prof.ª Dr.ª Ana Maria D’Ávila Lopes, Prof. Dr. Arnaldo Vasconcelos, Prof. Dr. Francisco
Luciano Lima Rodrigues, Prof. Dr. José de Albuquerque Rocha, Prof.ª Dr.ª Maria Lírida
Calou de Araújo e Mendonça, Prof. Dr. Martônio Mont'Alverne Barreto Lima, Prof. Dr.
Newton de Menezes Albuquerque, Prof. Dr. Paulo Antônio de Menezes Albuquerque, Prof.
Dr. Rosendo de Freitas Amorim, e Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho.
Aos funcionários do Mestrado: Lanuce, Luiz Carlos, Nadja e Ana Paula.
A todos os colegas de Mestrado, em especial: Isabelle, Luís, Clarissa, Sérgio, Walléria,
Valdana, Alberto, Rodrigo, Rogério, Janaína, Ana Katarina, Olívia, Nilsiton, Franzé, Dione,
Andrine, Nathalie, Ana Carolina e Natércia.
Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar
para atravessar o rio da vida ninguém exceto tu, só tu. Existem,
por certo, atalhos sem números e pontes, e semideuses que te
oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custará a tua
própria pessoa.
Tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho por onde tu podes passar. Onde
leva? Não perguntes, segue-o.
(Nietzsche)
RESUMO
O presente estudo trata do direito fundamental à nacionalidade e temas correlatos. No Brasil,
a previsão do direito à nacionalidade está na Constituição Federal de 1988, Título II, Capítulo
III, artigos 12 e 13, bem como em legislação ordinária (Lei. n. 6.815/80). Trata-se de um
direito fundamental do homem, portanto, com características próprias que asseguram a
aplicabilidade imediata e a função dignificadora, ou seja, assegura ao homem receber do
Estado uma proteção que lhe garanta a dignidade humana. Determinar os elementos que
compõem o Estado, bem como definir origem, extensão e aplicabilidade dos direitos
fundamentais, faz-se necessário para uma interpretação aprofundada do título deste trabalho.
Outros temas também estão relacionados com nacionalidade e aqui restam observados:
entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional, os efeitos da adoção internacional na
nacionalidade dos adotados, bem como refúgio e deslocados internos. O direito à
nacionalidade é determinado pelos Estados, ou seja, são seus ordenamentos jurídicos que a
prescrevem. Portanto, se observará que existem conflitos de nacionalidade que tanto dão
direito a mais de uma nacionalidade ao indivíduo como, às vezes, podem deixá-lo em situação
de apatridia. A comunidade internacional então busca formas de se evitar tanto a cumulação
de nacionalidades, como também a possibilidade de não se ter nacionalidade. A
fundamentabilidade da nacionalidade está no fato de ela ser o direito que garante o sujeito ter
direitos, por vincular o Estado a ele. Doutrina, legislação e jurisprudência serão as fontes
bibliográficas utilizadas, por meio de uma pesquisa de abordagem do tipo qualitativa. O que
se investiga é essência do direito à nacionalidade e motivo da proteção constitucional.
Palavras-chave: Estado. Soberania. Direitos Fundamentais. Nacionalidade.
ABSTRACT
The present study is about the civil right to a nationality and correlated themes. In Brazil, the
prediction of the right to a nationality is in the 1988 Federal Constitution, Title II, Chapter III,
articles 12 and 13, as well as in the ordinary legislation (bill n. 6.815/80). It´s a fundamental
human right with its own characteristics to secure its immediate application and dignifying
use, be it that, assures the person protection from the State which guarantees human dignity.
In order to perform a throughout interpretation of the title of this work, it is necessary to
determine the elements that form the State, as well as to define the origin, the extension and
the application of fundamental rights. Other themes are related to nationality and here they are
observed: the surrender of nationals to the International Criminal Court, the effects of the
intercountry adoption in the nationality of the adopted, as well as refugee and internally
displaced person. The right to a nationality is determinate by the States, there for, their
internal law is the one that defines it. It will be seen that there are conflicts of nationality that
will give to the individual more than one nationality, as sometimes, leave him a stateless
situation. Therefore the international community seeks for ways to avoid the accumulation of
nationalities, as also, the possibility of having no nationality. The nationality fundamental is
in the fact of it be the right that secures the subject others rights, by linking the State to him.
Doctrine, legislation and jurisprudence are going to be the bibliographical sources used, with
a qualitative research approach. What it is investigated is the essence of the right to a
nationality and the reason to its constitutional protection.
Key-words: State. Sovereignty. Civil rights. Nationality
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
1 O ESTADO BRASILEIRO E A NACIONALIDADE..........................................................14
1.1 O Estado: origem e elementos constitutivos....................................................................15
1.2 O Estado Brasileiro e a previsão do direito à nacionalidade...........................................28
2 DIREITO FUNDAMENTAL À NACIONALIDADE..........................................................39
2.1 Conceito de nacionalidade...............................................................................................40
2.2 Nação e nacionalidade.....................................................................................................44
2.3 Nacionalidade e cidadania...............................................................................................49
2.4 Direitos fundamentais e nacionalidade............................................................................55
2.4.1 Tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição Federal
de1988.......................................................................................................................................62
2.4.2 Tribunal Penal Internacional e a entrega de nacionais............................................63
3 AQUISIÇÃO E PERDA DA NACIONALIDADE..............................................................66
3.1 Espécies de nacionalidade e critérios da aquisição.........................................................66
3.2 Brasileiros natos..............................................................................................................72
3.3 Naturalização..................................................................................................................80
3.4 Perda e renúncia da nacionalidade..................................................................................89
3.5 Efeitos da adoção internacional na nacionalidade dos adotados...................................94
4 CONFLITOS DE NACIONALIDADE...............................................................................106
4.1 Polipatria.......................................................................................................................108
4.2 Apatridia.......................................................................................................................113
4.2.1 O caso da Emenda Constitucional n. 3 de 1994..................................................118
4.2.2 Refúgio................................................................................................................120
4.2.3 Deslocados internos.............................................................................................127
CONCLUSÃO........................................................................................................................130
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................134
ÍNDICE ONOMÁSTICO.......................................................................................................143
1 O ESTADO BRASILEIRO E A NACIONALIDADE
O vínculo jurídico-político que une permanentemente o indivíduo a um determinado
Estado, fazendo deste elemento componente da sua dimensão pessoal, é o que se chama de
nacionalidade. Dela derivam direitos e obrigações de ambos os lados. Pontes de Miranda
(1967, p. 346-347) leciona sobre o tema:
[...] O nacional, o pátride, o que é proximamente ligado ao Estado não significa
outra coisa que o indivíduo que constitui um dos elementos da dimensão pessoal do
Estado, como o território é elemento das suas dimensões apessoais geográficas. [...]
[...]
[...] Hoje, ‘nacionalidade’ corresponde ao que melhor se denominaria de
‘estatalidade’. Nacionalidade é o laço que une juridicamente o indivíduo ao Estado,
e até certo ponto, o Estado ao indivíduo. [...] (grifo original)
Os nacionais guardam, pois, uma relação jurídica com seu Estado, onde quer que se
encontrem. Mesmo quando residem num Estado estrangeiro, o vínculo permanece. Pode-se
dizer que o objeto do direito da nacionalidade é determinar quais são os indivíduos que
pertencem ao Estado e que à sua autoridade se submetem. De Plácido e Silva (2004, p. 939)
ensina que a nacionalidade:
Exprime a qualidade ou a condição de nacional, atribuída a uma pessoa ou coisa,
em virtude do que se mostra vinculada à Nação ou ao Estado, a que pertence ou de
onde se originou. Revelada a nacionalidade, sabe-se assim, a que nação pertence à
pessoa ou a coisa. E, por essa forma, se estabelecem os princípios jurídicos que se
possam ser aplicados quando venham as pessoas a ser agentes de atos jurídicos e as
coisas, objeto destes mesmos atos.
[...] A questão da nacionalidade é de relevância em Direito, visto que, por ela, é que
se determina, em vários casos, a aplicação da regra jurídica, que deve ser obedecida
em relação às pessoas e aos atos que pretendem praticar, em um país estrangeiro,
notadamente no que se refere aos Direitos de Família, de Sucessão. É, tamm,
reguladora da capacidade política da pessoa. (grifo original)
A atribuição de uma nacionalidade às pessoas naturais torna o ente estatal apto à
condução de assuntos de interesse do indivíduo e é importante para a própria existência do
Estado, pois se refere à formação do povo, dimensão pessoal do fenômeno estatal. Para a
pessoa, a ligação com um Estado é normalmente um dos principais critérios para o exercício
15
de direitos políticos na ordem interna e enseja o direito à proteção por parte do ente estatal
quando o nacional se encontra fora do seu território.
1.1 O Estado: origem e elementos constitutivos
Então, indaga-se: como o Estado surgiu? Por que se faz importante o estudo de suas
origens? Sobre o estudo da evolução histórica do Estado, Dalmo de Abreu Dallari (2000, p.
60) leciona que:
A verificação da evolução do Estado significa a fixação das formas fundamentais
que o Estado tem adotado através dos séculos. Esse estudo não visa à satisfação de
mera curiosidade em relação à evolução, mas contribuirá para a busca de uma
tipificação do Estado, bem como para a descoberta de movimentos constantes,
dando um apoio valido, em última análise, à formulação das probabilidades quanto à
evolução futura do Estado.
Para Georges Burdeau (2005, p. XI), o Estado é a institucionalização do poder. Expressa
ele que:
[...] os homens inventaram o Estado para não obedecer aos homens. Fizeram dele a
sede e o suporte do poder cuja necessidade e cujo peso sentem todos os dias, mas
que, desde que seja imputada ao Estado, permiti-lhes curvar-se a uma autoridade que
sabem inevitável sem, porém, sentirem-se sujeitos a vontades humanas. O Estado é
uma forma do Poder que enobrece a obediência. Sua razão de ser primordial é
fornecer ao espírito uma representação do alicerce do Poder que autoriza
fundamentar a diferenciação entre governantes e governados sobre uma base que
não seja relações de forças.
Para Hans Kelsen (1938, p. 7-11), O Estado é uma ordem de conduta humana” e tem
seu fundamento “na subordinação das relações do homem entre si a uma certa ordem”.
Leciona, no entanto, que o Estado não é apenas poder, mas essencialmente vontade:
O Estado não é apenas poder. Afirma-se sempre, também, que ele é,
essencialmente, ‘vontade, ou que tem por essência uma vontade. Essa vontade, diz-
se, é distinta da vontade dos indivíduos. Não há dúvida que ela tem, ou melhor, o
Estado, como vontade, tem por instrumentos indivíduos e suas vontades; mas a
vontade do Estado não se confunde com as vontades particulares dos indivíduos que
lhe estão submetidos: ela é maior que a sua soma, que a sua simples adição, à qual é
superior.
Sobre a necessidade do Estado, Marina Furtado (2008, p.7) define:
O Estado é necessário para os povos, pois visa à preservação da vida, já que sem a
presença do Estado, não possibilidade de paz e segurança entre os homens. Onde
não há lei, existem homens subjugados, e daí a necessidade de um poder superior
para impor a ordem e o respeito mútuo entre os homens.
Esse poder supremo, resultado da concordância de vontades dos cidadãos, se
investido de legitimidade, que condicionará as vontades individuais ao seu comando,
16
visando à paz, à segurança e defesa comum da sociedade civil. Para assegurar a paz
e a defesa comum, uma grande maioria confere a uma pessoa, mediante a forma do
Estado e por intermédio de pactos, poder para que, em nome deles, possa protegê-
los, utilizando todos os recursos necessários.
Martin van Creveld (2004, p. 2) divide as formas de organizações anteriores ao
surgimento do Estado moderno em: tribos sem governante, tribos com governante, cidades-
Estado e Impérios fortes e fracos. Ele afirma que “o Estado [...] é invenção relativamente
recente. Durante a maior parte da história, e em especial da pré-história, existia governo, mas
não Estados”.
Ao tratar do Estado e de suas origens, porém, Hermann Heller (1968, p. 157) defende a
ideia de que “Para compreender o que chegou a ser o Estado atual não é necessário [...]
acompanhar os seus ‘predecessores’ até os tempos remotos, quando não até a época primitiva
da humanidade”, já que “a consciência histórica de que o Estado, como nome e como
realidade, é algo, do ponto de vista histórico, absolutamente peculiar e que, nesta sua moderna
individualidade, não pode ser trasladado aos tempos passados”. Apesar de alguns autores
falarem em Estado Medieval, o autor refuta esse entendimento ao acentuar que:
Mesmo que nos limitemos ao propósito de conceber o Estado do presente partindo
dos seus pressupostos históricos imediatos e de confrontá-lo com as formações
políticas medievais, chamadas então reino ou território, vê-se logo que a
denominação Estado medieval é mais que duvidosa. [...] na Idade Média, não
existiu o Estado no sentido de uma unidade de dominação, independentemente no
exterior e interior que atuara de modo contínuo com meios de poder próprios e
claramente delimitada e territorialmente.
[...]
Os reinos e territórios da Idade Média eram, tanto no interior como no exterior,
unidades de poder político, por assim dizer, só intermitentemente e inclusive,
durante séculos, apenas excepcionalmente. O ‘Estadode então não podia conservar
a sua ordenação de modo ininterrupto, mas só temporariamente, intervindo de vez
em quando para eliminar a perturbação da ordem estatal que desejava manter
(Hartmann, p. 16). O seu poder estava limitado, no interior, pelos numerosos
depositários de poder feudais, corporativos e municipais e, no exterior, pela Igreja e
pelo Imperador. (HELLER, 1968, p. 158-159)
As circunstâncias históricas que ocorreram durante os séculos XIV e XV deram início
ao que é o Estado moderno. Pode-se mencionar o surgimento da burguesia, que vinha sendo
gestada desde a Baixa Idade Média, bem como a queda de Constantinopla pela invasão turca,
acabando com o monopólio comercial de Veneza, forçando os europeus a encontrarem uma
nova rota comercial para o Oriente. Mário Lúcio Quintão Soares (2008, p.75) também aponta
o descobrimento de novas fontes de riqueza no Velho e novo Continentes; o desenvolvimento
17
das finanças internacionais, primordialmente na Itália e depois nos Países Baixos; a revolução
nos métodos de cultivo da terra e na distribuição da propriedade territorial; a invenção e
disseminação da imprensa, redundando no término do monopólio cultural da Igreja; a
invenção e aplicação da pólvora, implicando o fim do monopólio militar da nobreza; e a
Reforma, como expressão do racionalismo e início de uma secularização ideológica.
Na sua evolução, o Estado moderno transferiu a autoridade e a administração, que era
do domínio privado, para a propriedade pública. O poder de mando, antes exercido pelos
indivíduos, passou no primeiro momento, para o príncipe absoluto e depois para o Estado.
Sobre essa evolução:
A partir do século XII, os reis e certos senhores feudais conseguiram reforçar seu
poder em detrimento do feudalismo. Um sistema jurídico próprio estruturou-se em
casa reino e grande senhorio, baseado nos costumes locais e nas legislações e
decisões das jurisdições reais ou senhoriais.
No centro da Europa, manteve-se, dada a sobrevivência do Império Carolíngio, o
Sacro Império Romano-Germânico. Toda via, o poder dos imperadores enfraqueceu-
se, sobretudo desde o século XIII, em favor dos senhorios feudais e das cidades.
Este poder imperial desapareceu inteiramente na Itália, tornada um conjunto
complexo de principados e cidades autônomas, para além dos Estados pontifícios, e
na Suíça, que optou por uma confederação de cantões autônomos.
O moderno Estado soberano derivou da luta dos príncipes territoriais para a
consecução do poder absoluto dentro de seu território contra o Imperador e a Igreja,
no exterior; e com os poderes feudais organizados em estamentos, no seu interior.
(SOARES, 2008, p. 77)
E foi esse contexto histórico que levou Maquiavel (1999, p. 3), na sua obra O Príncipe,
a afirmar “Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens
foram e são ou repúblicas ou principados”. Ele ensina que o soberano fará inimizade com os
indivíduos do território que conquistar e não poderá manter laços de amizade estreitos com os
que lhe auxiliarem, mas ressalta que “por mais que alguém disponha de exércitos fortes,
sempre precisará do apoio dos habitantes para penetrar numa província”. (MAQUIAVEL,
1999, p. 7)
Outra lição importante da obra diz respeito à necessidade de organização
administrativa centralizada na figura do príncipe:
[...] os principados dos quais se tem memória são governados de dois modos
diversos: ou por um princípe de quem são servidores todos os outros, que, na
qualidade de ministros por sua graça ou concessão, o ajudam a governar aquele
reino, ou por um princípe e barões que detêm a sua posição não pela graça do
senhor, mas pela antiguidade do sangue. Esses barões possuem estados e súditos
18
próprios que os reconhecem como senhores e nutrem por eles natural afeição. Nos
estados governados por príncipe e seus servidores, o príncipe tem maior autoridade,
porque em toda a província não há ninguém que se reconheça como superior a ele e,
caso obedeçam a qualquer outro, fazem-no apenas pela sua condição de ministro ou
funcionário, não lhe dedicando particular afeição. (MAQUIAVEL, 1999, p. 17)
E segue dando como exemplo a Turquia e a França, no primeiro caso existe um
império forte porque a monarquia turca é dirigida exclusivamente pelo soberano e seus
assistentes, e tem o seu território dividido em províncias. Enquanto isso, “o rei de França, ao
contrário, está cercado de uma quantidade de antigas famílias de senhores, reconhecidas e
amadas por seus súditos em seus próprios estados, e detentoras de prinvilégios que o rei não
lhes pode arrebatar sem perigo”, o que dificulta a centralização do poder nas mãos do
príncipe. (MAQUIAVEL, 1999, p. 18)
Cabe observar aqui, que, mediante os ensinamentos de Maquiavel, a soberania do
Estado se encontrava na figura do príncipe, ou seja, do soberano, o que fortalece o
entendimento de Estado Absoluto. Foi somente com Revolução francesa, no século XVIII,
com a queda do sistema absolutista, que se pode falar em soberania popular, ou seja, esta
passou do monarca para o povo. Sobre o surgimento do Estado moderno, Heller (1968, p.
161-162) leciona que:
O aparecimento do poder estatal monista produziu-se segundo formas e etapas muito
diferentes nas diversas nações. [...] As origens propriamente ditas do Estado
moderno e das idéias que a ele correspondem devem procurar-se, não obstante, nas
cidades-repúblicas da Itália setentrional na época da Renascença. [...]
A nova palavra ‘Estado’ designa acertadamente uma coisa totalmente nova porque, a
partir da Renascença e no continente europeu, as poliarquias, que até então tinham
um caráter impreciso no territorial e cuja coerência era frouxa e intermitente,
transformando-se em unidades de poder contínuas e fortemente organizadas, como
um só exército que era, além disso, permanente, uma única e competente hierarquia
de funcionários e uma ordem jurídica unitária, impondo ainda aos súditos o dever de
obediência com caráter geral. Em conseqüência da concentração dos instrumentos de
mando, militares, burocráticos e econômicos, em uma unidade de ação política
fenômeno que se produz primeiramente no norte da Itália devido ao mais prematuro
desenvolvimento que alcança ali a economia monetária surge aquele monismo de
poder, relativamente estático, que diferencia de maneira característica o Estado da
Idade Moderna do Território medieval.
O Estado, tal como surgiu entre cerca de 1560 e 1648, não foi concebido como fim, mas
apenas como meio. Durante um período de intensos conflitos civis e religiosos, sua finalidade
principal era garantir a vida e a propriedade, impondo a lei e a ordem; qualquer outra coisa
como conquistar o consentimento dos cidadãos e assegurar seus direitos era considerada
secundária e tinha de esperar até que se pudesse restabelecer a paz.
19
Gregorio Paces-Barba Martínez (2004, p. 76-79) apresenta o Estado moderno como um
elemento imprescindível para o surgimento dos direitos fundamentais. E para ele o Estado
moderno apresenta certas características: monopólio do uso da força; monopólio da produção
normativa; fundamentação do Poder absoluto na origem divina do poder; consideração do
indivíduo como súdito; unidade e racionalidade do poder, ou seja, dependência da justiça e da
administração no figura do rei, único soberano; justificativa das condutas do soberano na ideia
de razão do Estado; e a utilização da religião para favorecer a unidade e o poder do monarca
absoluto.
A História aponta três grandes movimentos político-sociais que transformaram o Estado
moderno, originalmente absolutista, no Estado Democrático de Direito. O primeiro deles,
denominado de Revolução Inglesa (1640-1688), ocorreu em 1689, com a Bill of Rights. O
segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na declaração da
independência das treze colônias americanas, de 1776. E, por último, a Revolução Francesa,
que teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram
expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789” (FURTADO, 2008,
p. 12). Gina Marcílio Pompeu (2010, p. 354-355), ao analisar o Estado, sintetiza a sua origem
e evolução da seguinte forma:
A figura do Estado toma feições diferentes a cada época, de acordo com as
necessidades humanas. Para bons intérpretes, Maquiavel (sec. XV-XVI) pregava a
conquista da fortuna (honra, riqueza, glória e poder) pelo príncipe, mediante um
comportamento de virtude (virilidade e coragem) que garantisse, por fim, segurança
aos seus governados. [...] A qualidade e a inteligência de um príncipe eram
observadas na escolha de ministros capazes e fiéis. Para Hobbes (séc. XVII), o
Estado era essencial para garantir segurança aos povos que, por índole, viviam se
digladiando. A separação dos poderes surgiu com John Locke (séc. XVII) e tomou
corpo com Montesquieu (séc. XVIII). Os direitos individuais e suas garantias foram
uma conquista da segunda metade do século XVIII, com a independência dos Estado
Unidos e os federalistas, e a Revolução Francesa com seu ideal: egalité, fraternité e
liberté. A Revolução Industrial trouxe a necessidade de regulamentar os direitos
trabalhistas e as relações de trabalho no século XIX; já os direitos sociais, por fim,
começaram a conquistar espaço nas constituições, após a primeira Grande Guerra do
século XX.
O conceito de Estado varia do ponto de vista da doutrina, do autor e do enfoque que se
pretende dar, ou seja, sob o aspecto político, sociológico, constitucional, filosófico etc., torna-
se, portanto, difícil estabelecer os reais contornos para o termo Estado. Às vezes a palavra é
usada em sentido amplo, para indicar a sociedade como tal, mas também é empregada com
um sentido restrito, para indicar um órgão particular em sociedade por exemplo, o governo,
ou os sujeitos do governo, uma nação, ou o território que eles habitam. Vimos que o primeiro
20
autor a usar o termo, no sentido moderno, foi Maquiavel. Nesse sentido ensina Dalmo Dallari
(2000, p. 51):
A denominação Estado (do latim status = estar firme), significando situação
permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez
em ‘O Príncipede Maquiavel, escrito em 1513, passando a ser usada pelos italianos
sempre ligada ao nome de uma cidade independente, como, por exemplo, stato di
Firenze. Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos
franceses, ingleses e alemães. Na Espanha, até o século XVIII, aplicava-se também a
denominação de estados a grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos
proprietários tinham pode jurisdicional De qualquer forma, é certo que o nome
Estado, indicando uma sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um
dos argumentos para alguns autores que não admitem a existência do Estado antes
do século XVII. Para eles, entretanto, sua tese não se reduz a uma questão de nome,
sendo mais importante o argumento de que o nome Estado só pode ser aplicado com
propriedade à sociedade política dotada de certas características bem definidas. [...]
(grifo original)
Darcy Azambuja (2008, p. 23) também tem um entendimento sobre a origem da palavra
Estado:
A palavra Estado, no sentido em que hoje a empregamos, é relativamente nova. Os
gregos, cujos Estados não ultrapassavam os limites da cidade, usavam o termo polis,
cidade, e daí veio política, a arte ou ciência de governar a cidade. Os romanos, com
o mesmo sentido, tinham civitas e respublica. Em latim, status não possuía a
significação que hoje lhe damos, e sim a de ‘situação’, ‘condição’. Empregavam os
romanos freqüentemente a expressão status reipublicae para designar a situação, a
ordem permanente da coisa pública, dos negócios do Estado. Talvez aí, pelo desuso
do segundo termo, tenham os escritores medievais empregado status com a
significação moderna. Mas, ainda muito posteriormente, na linguagem política e em
documentos públicos, o termo Estado se referia de preferência à três grandes classes
que formavam a população dos países europeus, a nobreza, o clero e o povo, os
Estados, como eram abreviadamente designados. Reino e república eram as palavras
que traduziam a idéia de organização política, não tendo república nenhuma relação
com a forma de governo, em oposição à monarquia.
De modo geral, no entanto, pode-se dizer que, do século XVI em diante, o termo
Estado vai aos poucos tendo entrada na terminologia dos povos ocidentais: é o État
francês, Staat alemão, em inglês State, em italiano Stato, em português e espanhol
Estado. (grifo original)
E o que realmente é o Estado? O Estado por ser uma organização político-
administrativa, deve ter elementos constitutivos. Estes, normalmente, são determinados como:
território (porção de área demarcada), povo (grupo de pessoas) e governo soberano. À medida
que estes elementos se unem, ter-se-á o Estado. Na falta de um deles, não haverá, em
princípio, Estado propriamente dito.
Em algumas circunstâncias, porém, poderá existir Estado independentemente da
ausência de algum dos elementos constitutivos, como, por exemplo, no caso da França, que na
Segunda Guerra Mundial, ao ser ocupada pelos alemães, não deixou de ser reconhecida e teve
21
a sede de seu governo temporariamente transferida para a Inglaterra. Sobre os elementos
constitutivos do Estado, cabe citar o entendimento de Georges Burdeau (2005, p. 14):
Sobre as condições objetivas, não vale muito a pena insistir. Não haver Estado sem
território, sem população e sem autoridade que comanda parece tão evidente que a
opinião comum vê nesses dados os elementos do Estado. É um erro, já que podem
coexistir todos sem que por isso o Poder deixe de ser individualizado. Mas a verdade
é que a maneira de ser deles favorece, em certa medida, a formação da idéia de
Estado. Assim, é inegável que, embora todas as histórias nacionais sejam dominadas
pelo esforço dos governantes para reunir um patrimônio territorial e assegurar a sua
unificação interna, a política de reunião das terras não é benéfica em si; só é válida
se, à unidade física do espaço fechado no interior das fronteiras, corresponde a
unidade espiritual do grupo que nele vive.
O governo soberano, ou melhor, a soberania nacional, tem duas acepções: uma interna e
outra externa. No âmbito interno, a soberania diz respeito à ordem jurídica do Estado, bem
como à centralização e ao monopólio do poder de polícia do Estado, que é condição de paz
interna. No âmbito externo, trata-se do respeito mútuo de todos os Estados, que são iguais e
independentes entre si, sendo condição de paz internacional.
Determinar com precisão o conceito de soberania não é possível, já que existem
muitos conceitos diferentes que variam conforme o período histórico e o autor. Pode-se, no
entanto, asseverar que a ideia de soberania vem da consolidação do poder laico dos monarcas
em detrimento do poder da Igreja. A origem divina, que fundamentava a soberania, passa do
Papa para a figura do rei. Nesse sentido, Newton Albuquerque (2001, p. 87) ensina que:
Somente quando os ideólogos do Estado conseguem tecer teorias que intentam se
apropriar das explicações teológicas de mundo, fazendo-as gravitar em torno do
esforço da autoridade monárquica na época do absolutismo, é que podemos divisar o
início de um processo de secularização do poder do Estado. Não por que os vincos
entre poder secular e o transcendente, que perpassam todos os períodos históricos
desde a Antiguidade com os romanos e sua divinização pagã dos poderes do
imperador até o período de transição da Idade Média para o período moderno
tivessem se estiolado ou mesmo atenuado mas porque, a partir de agora eles se
subordinam a uma lógica de legitimação do poder secular e temporal.
Sobre o surgimento da noção de soberania, escreve Marcelo Varella (2009, p. 233-
234):
[...] A noção de soberania nasce com o processo de construção do Estado-Nação,
sobretudo a partir do final da Idade Média, na Europa, e evolui conforme a própria
evolução do conceito de Estado.
O termo soberania tem origem francesa: souverainé. Não havia palavras
equivalentes em outras línguas no século XV. A expressão majestatem, em latim, ou
signoria, em italiano, não tinham a mesma acepção. Outras línguas passaram a usar
em seguida expressões derivadas da língua francesa, como os ingleses com
22
sovereignty ou os espanhóis com soberanía e os portugueses e italianos com
soberania.
Não se pode falar de soberania sem falar Jean Bodin, pois foi ele quem primeiro
defendeu ser a soberania a característica essencial do poder estatal. Reinhold Zipellius (1997,
p. 75) analisa a obra do autor francês da seguinte forma:
[...] Ele formulou este poder soberano em termos jurídicos. O ponto principal(da
majestade soberana e do poder) absoluto deveria encontrar-se na faculdade de
legislar sobre os súditos sem o consentimento destes últimos [...] Ela integra, pois, o
poder de dispor sobre o instrumento de direção normativa que coordena a conduta
dos Homens numa estrutura de condutas (juridicamente organizada) [...] Foi
essencial aqui a reunião num única competência determinante dos diversos direitos
individuais, que, na Idade Média, formaram o poder soberano: ‘Este poder de criar e
abolir leis engloba simultaneamente todos os demais direitos e características da
soberania de modo que, em rigor, apenas existe esta característica de soberania.
Todos os outros direitos soberanos são a ele subsumíveis’. (grifo original)
Fazendo uma comparação entre Jean Bodin e Thomas Hobbes, Arno Dal Ri Júnior
(2003, p. 52-53) observa que:
[...] o soberano em Thomas Hobbes é já absoluto, tendo dizimado todos os vínculos
patrimoniais, corporativos e familiares que poderiam interferir na sua relação direta
com os cidadãos e com a cidade. Com o desaparecimento destas interferências, o
cidadão se vê sozinho de fronte ao soberano. A ordem, a cooperação, o clã e o feudo
já não o acompanham mais, já não se interpõem entre o súdito e o soberano. Não
sendo mais avaliado segundo o grupo a que pertence, o cidadão, independente das
suas origens, é igualado a todos os outros cidadãos que compõem o conjunto sob a
autoridade do soberano. [...]
Com a Revolução Francesa, entretanto, a soberania deixou de estar na pessoa do
monarca absoluto e passou a ser do povo, exercida pelo Estado. É a chamada soberania
popular. A influência de Jean-Jacques Rousseau aqui foi de suma importância. Resumindo
essa linha de pensamento, Jean Rivero e Hugues Moutouh (2006, p. 42-43) expõem que:
Nessa sociedade de iguais, onde estará o poder? Na vontade geral. No contrato
social, os homens decidiram submeter-se a ela. [...] O que é a vontade geral? [...] A
vontade geral será, portanto, da maioria. [...]
Mas, para que o homem possa reconhecer sua vontade na vontade geral, ainda é
preciso que tenha participado pessoalmente de sua elaboração. Para Rousseau, a
vontade geral não se delega: ninguém pode pretender quer em nome e em lugar de
outro. A decisão tomada por uma assembléia de representantes eleitos reflete apenas
suas vontades particulares, não a vontade geral: obedecer a essa decisão é obedecer a
outros homens, portanto, deixar de ser livre. [...]
23
Sobre a soberania e possibilidade de sua divisão, Rousseau (1996, p. 88) acentua que:
A soberania é inalienável, pela mesma razão que é indivisível, uma vez que a
vontade, ou é geral, ou não, ou é aquela do corpo do povo ou somente a de uma
parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e tem valor de
lei. No segundo, não passa de uma vontade particular, ou de um ato de magistratura;
no máximo, é um decreto.
No entanto, nossos políticos, não podendo dividir a soberania no seu princípio,
dividem-na no seu objeto; dividem-na em força e em vontade, em pode legislativo e
em poder executivo, em direitos de impostos, de justiça, e de guerra, em
administração interna e em autonomia para tratar com o estrangeiro [...]
Ao estudar sobre povo, nação e representação política à época da Revolução Francesa,
Fábio Konder Comparato (2008, p. 141) aponta que o “grande problema político do
movimento revolucionário francês foi, exatamente, o de encontrar um outro titular da
soberania, ou do poder supremo, em substituição ao monarca”. Apesar de Mirabeau ter
proposto a adoção de uma “assembleia dos representantes do povo francês”, a solução do
problema veio da obra de Sieyès, “Qu’est-ce que Le Tiers Etat?, onde os deputados se
reuniram em uma assembléia nacional:
A grande vantagem prática da fórmula encontrada pelos deputados do Tiers Etat foi
que o novo soberano, pela sua própria natureza, é incapaz de exercer pessoalmente o
poder político. A nação pode existir politicamente como referência simbólica, mas
só atua, contrariamente ao que ocorre com o povo, por meio de representantes. ‘O
princípio de toda soberania’, proclama o artigo 3 da Declaração de 1789, ‘reside
essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer
autoridade alguma que dela não emane expressamente’. [...] a Constituição
promulgada em 1791, afastando todas as veleidades de um fracionamento individual
da soberania, dispôs com uma clareza cortante: ‘A Nação, de quem unicamente
emanam todos os Poderes, não pode exercê-lo senão por delegação A Constituição
francesa é representativa’ (título III, art. 2º). (COMPARATO, 2008, p. 144)
“Transferindo do povo para a Assembléia dos representantes o poder de traduzir a
vontade geral, a Declaração deturpou gravemente o pensamento de Rousseau” (RIVERO;
MOUTOUH, 2006, p 44). Leia-se que onde se fala em Nação, na verdade, é o que
entendemos por Estado. Sobre a soberania popular exercida pelo Estado, escreve Friedrich
Müller (2009, p. 51):
[...] Segundo os textos mencionados todo o poder do Estado não está ‘no povo’, mas
‘emana’ dele. Entende-se como exercido por encargo do povo e em regime de
responsabilização realizável perante ele. Esse entendimento de ‘emanar também
não é supostamente metafísico; é normativo. Por isso não pode ele permanecer uma
ficção, senão que deve ter o poder de desembocar em sanções sensíveis na realidade,
tendo necessariamente ao seu lado a promessa democrática na sua variante ativa.
Dito de outra forma: o ‘povocomo instância de atribuição de legitimidade, o povo
legitimado, não se refere ao mesmo aspecto do povoenquanto povo ativo. Mas
esse entendimento é defensável onde ele é simultaneamente real: não em sistemas
24
autoritários onde opovoé fartamente invocado como instância de atribuição, ao
passo que depois só tem (des)valor ideológico, não mais função jurídica. A figura da
instância de atribuição justifica embora de maneira sui generis somente onde
está dada ao mesmo tempo a figura do povo ativo. (grifo original)
Sidney Guerra (2004, p. 330-331) define a soberania como “qualidade do poder
supremo do Estado de não ser obrigado ou determinado senão pela sua própria vontade,
dentro da esfera de sua competência e dos limites superiores do Direito”. Ao abordar o
problema da soberania no mundo globalizado, conclui, no entanto, que:
Sabemos que no âmbito internacional a soberania vai ser limitada pelos imperativos
da coexistência de Estados soberanos e que assim, na sociedade internacional limita
a soberania o princípio da coexistência pacífica das soberanias. [...] A noção de
soberania se transforma cada vez mais em uma palavra oca sem conteúdo. É um
mero critério formal na caracterização do Estado num mundo globalizado.
Um caso curioso sobre a questão da soberania é o da província de Quebec no Canadá.
Habermas (2002, p. 240) descreve a como uma província que quer se tornar um “Estado
dentro do Estado”, o que fugiria do modelo tradicional de Estado soberano. Flávia Piovesan
(2007, p. 533) também sustenta a idéia de que, em virtude da internacionalização da proteção
dos direitos humanos, a noção tradicional de soberania absoluta do Estado “passa a sofrer um
processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional em
prol da proteção dos direitos humanos”. E conclui que “Prenuncia-se, deste modo, o fim da
era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um
problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania”.
O direito à nacionalidade, porém, ainda é matéria regulada pela soberania interna dos
Estados. Estes que determinam quem é ou deixa de ser a nacional. É o princípio da atribuição
estatal da nacionalidade. Sobre o tema, Pontes de Miranda (1967, p. 367-368) ensina que:
Os Estados podem dizer quais são os seus nacionais. Só eles o podem fazer, e não
podem dizer que os seus nacionais não são o de outros Estados. É-lhes lícito estatuir
que se perca a nacionalidade de outro Estado antes de se adquirir a sua, porém não
que a aquisição da sua implique a perda da nacionalidade de outro Estado. Em
resume: o Estado só legisla sobre a aquisição e a perda da ‘sua’ nacionalidade.
(grifo original)
Também é mediante a soberania externa que os Estados exercem a proteção diplomática
de seus nacionais. Quando o nacional sofre abusos do Poder Público do seu país, ele sabe
quais são os possíveis meios de reparação do dano. Se isso acontece em Estado alienígena, no
entanto, ele pode tanto não ter legitimação para ir a juízo, como no caso de pretensão perante
as cortes internacionais, somente o Estado pode ali demandar, por ter personalidade jurídica
25
de Direito Internacional Público. Sobre a proteção diplomática Hildebrando Accioly (2009, p.
504) é enfático ao dizer que:
O direito de proteção diplomática é geralmente considerado como limitação ao
direito de jurisdição territorial do estado. Assim, num mesmo estado, coexistem dois
poderes distintos, relativamente a um estrangeiro: este depende, juridicamente, do
estado do qual é cidadão e daquele em cujo território habita. Ao primeiro acha-se
ligado por vínculo orgânico; com relação, porém, ao outro, isto é, ao estado onde se
encontra, o fundamento de sua sujeição jurídica reside no fato material de sua
permanência no território de tal estado.
Portanto, como veremos a seguir, a circunstância de apatridia situa o indivíduo num
estado de vulnerabilidade, por não ter Estado que utilize a proteção diplomática ao seu favor.
A fundamentabilidade da nacionalidade não é apenas o fato de estar inserido num
ordenamento jurídico como titular de direitos e deveres, mas também é a segurança de saber
que o Estado lhe oferece proteção contra os possíveis abusos sofridos no estrangeiro.
Reinhold Zipellius (1997, p. 111) considera o território de um Estado como sendo “um
âmbito de domínio especificamente soberano.” Ensina o autor que, no entanto, esse
entendimento foi ofuscado no até o XIX pelo entendimento romano de patrimonium.
Portanto, o território era considerado patrimônio do senhor feudal. O elemento específico de
domínio, típico do poder do Estado, surgiu, segundo o autor:
[...] quando se impôs a diferenciação entre dominium de direito privado e imperium
soberano. [...] O imperium, isto é, o poder de regulação, só pode exercer-se sempre
sobre entes humanos. Nesta óptica, o território do Estado surge como âmbito
territorial em que se exerce o poder do Estado sobre as pessoas que nele vivem,
como o ‘palco do domínio’.
O território estatal, então, é a “base espacial do poder jurisdicional do Estado”.
Compõe-se de terra firme, incluindo o subsolo e as águas internas (rios, lagos e mares
internos), o mar territorial, a plataforma continental e o espaço aéreo (SOARES, 2008, p.
125). Sobre a soberania do Estado dentro do seu território, Zipellius (1997, p. 112) leciona:
A soberania territorial tem um lado positivo e um lado negativo. O aspecto positivo
implica que cada indivíduo se encontra no território do Estado está sujeito ao poder
deste Estado. O lado negativo significa que dentro do território do Estado não deve
ser exercido qualquer poder soberano que não decorra do poder de regulação do
Estado. Isto não exclui que o Estado excepcione das suas intervenções soberanas,
em virtude do seu próprio poder estatal, p. ex., diplomatas estrangeiros garantindo-
lhes a sua extraterritorialidade [...] Além disso ele pode, p. ex., em virtude de
servidões políticas positivas ou negativas, [...] conceder a um outro Estado
determinadas faculdades soberanas no seu território ou renunciar ao exercício de
certos direitos de soberania próprios no seu território...
26
O território, além de ser um elemento que compõe o Estado, é também o espaço de
integração de uma comunidade. “Cumpre esta função como pátria comum, como paisagem
natural e cultural vivida em comum, como campo de atividade e de criatividade comuns no
plano cultural, civilizacional e técnico, e finalmente como terreno de destino político
comum”. (ZIPPELIUS, 1997, p. 112-113)
O território também é critério de atribuição da nacionalidade. É o chamado critério do
jus soli, onde todo aquele que nasce no território de um Estado adquire a nacionalidade deste.
O Estado brasileiro sempre previu esta forma de aquisição, com base no território, nas suas
Constituições. Já em França, apenas o jus soli não é fator suficiente para aquisição da
nacionalidade. Lá este tem sempre que estar vinculado a algum outro critério: apatridia,
duplex jus soli (segunda geração de nascidos em França) ou residência qualificada (MICALI-
DROSSOS, 2003, p. 152). Fazendo um paralelo entre território e povo, para medir a força
política do Estado, Rousseau (2009, p. 51-53) expressa que:
Da mesma forma que a natureza pôs limites à estatura do homem bem
proporcionado, além dos quais só cria gigantes ou anões, assim, atendida a melhor
constituição do Estado, deve a latitude dele ser limitada, a fim de não ser
demasiadamente grande, o que tolhe ser bem governado, nem demasiadamente
pequeno, para se manter por si mesmo. Em todo corpo político há maximum de força
que ele não pode transcender e do qual se alonga muitas vezes, engrandecendo-se;
quanto mais se estende o vínculo social, tanto mais se afrouxa, e um pequeno reino é
geralmente, e em proporção, mais forte que um grande.
[...]
De duas maneiras se pode medir o corpo político; a saber, pela extensão do território
e pelo número do povo, e entre ambas há uma relação conveniente, para dar ao
Estado a sua verdadeira grandeza: os homens compõem o Estado, e o terreno é que
nutre os homens; essa relação é pois a de que a terra basta para manter seus
habitantes, os quais sejam tantos quantos ela pode nutrir. É nessa proporção que se
acha o maximum da força de uma determinada parcela do povo; [...]
Como visto, o povo é o elemento humano do Estado. Tanto o Estado precisa do
povo para a sua manutenção, como o povo clama pelo Estado. Se assim não fosse, não haveria
tantos grupos humanos na busca de sua emancipação política. O Estado existe para que o
povo possa se determinar politicamente, ou seja, criando sua ordem política, jurídica e
administrativa. Nesse sentido:
[...] povo é o grupo de homens e mulheres que se colocam sob a tutela do mesmo
Direito que por sua vez lhes atribui a condição de cidadão e súdito. Deste modo,
apreende-se que o significado de povo é composto por dois lados: um lado subjetivo,
quando o que está em destaque é a característica de cidadão, e um lado objetivo
quando o que está em destaque é seu atributo de súdito. Nas palavras de Jorge
27
Miranda ‘o povo vem a ser, simultaneamente, sujeito e objeto do poder, princípio
ativos e princípio passivo na dinâmica estatal.
[...] povo é a dimensão humana do Estado, e a dinâmica entre povo e Estado é tão
íntima que é possível afirmar que o povo não existe sem a organização e o poder do
Estado, de forma que inexistindo um ou outro, levaria ao desaparecimento do povo.
Destarte, o Estado nasce desta comunidade que irá se transformar em povo,
convertendo-se em razão de ser do Estado; o poder político se determina em relação
ao povo e só então é possível se definir em relação a outros poderes; o poder insurge
do povo e necessita ser validade por ele, uma vez que o poder se pratica por
identificação ao povo. (REGINALDO, 2006, p. 22-23)
O conceito de povo não se confunde com população, muito menos com Nação. Para este
estudo povo é o conjunto de nacionais de um Estado, enquanto a população é a contabilização
dos habitantes dele, que tanto podem ser nacionais como estrangeiros. Sobre a confusão
normalmente feita entre conceitos de povo, nação e população, Sidney Guerra Reginaldo
(2006, p. 76) ressalta que:
Aqui vale uma ressalva de que alguns cientistas sociais insistem em empregar a
palavra povo de modo genérico e comum, costumando indicá-la como um primeiro
elemento do Estado com significado de população ou de Nação, o que é inaceitável,
pois a população é uma base de referência estatística e econômica do Estado, de
caráter muito abrangente, inerente à caracterização do conceito de povo, enquanto a
Nação se forja através de estatísticas de vínculos em comuns, em uma comunidade
física, das mais variadas natureza.
Não só os cientistas sociais, porém, fazem confusão entre os conceitos. Todos de uma
forma ou de outra empregam estes como sinônimos quando na verdade não são. Juristas
também o fazem entre os conceitos, um exemplo é Reinhold Zippelius (1997, p. 93):
O ‘povosujeito ao poder de regulação de um Estado também não é idêntico à soma
dos seus nacionais. Numa democracia, apenas os nacionais (com capacidade
crítica’) gozam da ‘cidadania ativa’, designadamente a função de eleger os órgãos
supremos do Estado e de eventualmente participar também de forma direta nos atos
legislativos e nas decisões individuais do Estado. Da nacionalidade derivam ainda
outros direitos e deveres específicos. No entanto, no Estado territorial também estão
sujeitos ao poder de regulação do Estado os não-nacionais, isto é, estrangeiros e
apátridas que se encontram no território do Estado. Assim, existe também uma
divergência entre o círculo dos indivíduos sujeitos ao poder estatal e o dos cidadãos
nacionais. Desta divergência nascem os problemas do direito de estrangeiros’.
Nota-se que no conceito tudo está correto: numa democracia apenas os nacionais gozam
de cidadania ativa e da nacionalidade derivam outros direitos e deveres que não são os
políticos. Quanto aos estrangeiros, porém, entende-se que estes fazem parte da população do
Estado e não do povo. E por não estarem incluídos no conceito povo, não quer dizer que não
estejam sujeitos a soberania do Estado. Enquanto o não-nacional precisa estar no território do
28
país para estar sujeito a sua soberania, o nacional, aonde quer que se encontre, está ligado ao
Estado pela nacionalidade.
Cabe ressaltar aqui que o surgimento do Estado é sempre consequência de uma decisão
política. Ele vai precisar de um território, de nacionais e de soberania, mas é por meio das
decisões políticas que o Estado delimita seu território, determina seus nacionais e reafirma sua
soberania. Por isso não se deve confundir Estado com Nação. Nesta existe um sentimento que
vincula os indivíduos entre si, e não com o Estado, seja por um idioma comum, cultura, ou
etnia. Já o Estado não necessariamente precisa que seus nacionais tenham as mesmas
características culturais ou étnicas.
Existem nações que correspondem a Estados, mas há vários exemplos de Estados que,
pelas escolhas políticas na sua formação, têm várias nações dentro dos seus territórios. A
Espanha, a Grã-Bretanha, ou a ex-Iugoslávia, são exemplos. Todos são nacionais do mesmo
Estado: o inglês e o escocês são britânicos, o catalão e o basco são espanhóis, os croatas e os
sérvios eram iugoslavos. Apesar de cada um destes grupos ter características culturais
próprias, inclusive idioma e religião, todos são nacionais do mesmo Estado.
O Estado brasileiro também surgiu de uma decisão política, e não de uma nação que
clamava por independência, como muitos achavam. Na verdade, boa parte da população só
tomou conhecimento da independência do Brasil bem depois do fato. E as características que
o Estado adotou vieram justamente da vontade política da elite local em manter a unidade
nacional, tanto do território quanto da população. O mesmo ocorreu com a proclamação da
República. E a grande naturalização de 1891, como veremos, foi uma decisão política de
incluir no povo brasileiro, mediante a naturalização, o grande número de estrangeiros que aqui
residiam. Aliás, cada constituição do Estado brasileiro é marcada pelas escolhas políticas da
época da sua elaboração.
1.2 O Estado brasileiro e a previsão do direito à nacionalidade
Segundo o sítio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (BRASIL,
2010, online), o Brasil possui um território de 8.514.215,3 km² de área, divido em 27
unidades da Federação, e com pelo menos 5.564 municípios (dados da contagem da
população de 2007). Estimativa populacional do Brasil em 500 anos foi: no ano de 1500
contava com 15.000 habitantes; em 1600, já possuía 100.000, sendo 30.000 brancos e 70.000
mestiços, negros e índios; em 1700 tinha 300.000; no ano de 1800, contava com 3.250.000;
29
em 1900 eram 17.438.434, sendo destes 8.900.526 homens e 8.537.908 mulheres; e,
finalmente, no ano 2000, totalizou 169.590.693 habitantes.
O IBGE informa que em 2007 a população do Brasil já contava com 185.987.291 de
pessoas, estando 14.623.316 na região Norte, 51.534.406 na região Nordeste, 13.222.854 na
região Centro-Oeste, 77.873.120 na região Sudeste, e 26.733.595 na região Sul.
O Brasil só surgiu como Estado, em 1822, quando se tornou independente do Reino de
Portugal. Apesar de já contar com território e população, faltava-lhe soberania. Mesmo, em
1808, com a abertura dos portos e saindo da condição mera colônia de produção, o Brasil
ainda não era Estado.
O Estado brasileiro teve períodos democráticos e ditatoriais. Nos seus 188 anos de
existência, teve seis constituições e uma emenda constitucional que tradicionalmente é
considerada como constituição. A nacionalidade sempre esteve prevista nestas constituições.
O surgimento do Estado brasileiro teve influência das revoluções Francesa e Americana
do final do século XVIII. Em Portugal, a Revolução do Porto, sob a influência destas revoltas,
exigia a volta de D. João VI ao reino, a promulgação de uma Constituição e o retorno do
Brasil à condição de colônia. Os portugueses achavam que tinham sofrido muitos prejuízos
com a abertura dos portos brasileiros, pois não tinha como competir com a produção dos
novos países industrializados. Na verdade, as elites brasileiras não queriam a independência,
mas também não queriam perder o poder e a liberdade que já tinham adquirido. Emília Viotti
da Costa (1999, p. 9-10) assinala:
As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 compunham-se de fazendeiros,
comerciantes e membros de sua clientela, ligados à economia de importação e
exportação e interessados na manutenção das estruturas tradicionais de produção
cujas bases eram o sistema de trabalho escravo e a grande propriedade. [...] A
presença do herdeiro da Casa de Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade de
alcançar a Independência sem recorrer à mobilização das massas. Organizaram um
sistema político fortemente centralizado que colocava os municípios na dependência
dos governos provinciais e as províncias na dependência do governo central. [...]
Adotaram um sistema de eleições indiretas baseado no voto qualificado (censitário),
excluindo a maior parte da população do processo eleitoral.
O pensamento da Ilustração também foi um dos fatores que contribuíram para a
emancipação do Brasil. Sobre a influência do Iluminismo na elite nacional:
As críticas feitas na Europa pelo pensamento ilustrado ao absolutismo assumiriam
no Brasil o sentido de críticas ao sistema colonial. No Brasil, Ilustração foi, antes de
mais nada, anticolonialismo. Criticar a realeza, o poder absoluto dos reis, significava
30
lutar pela emancipação dos laços coloniais. Na suas últimas décadas do século
XVIII, as tensões entre colonos e metrópole se concretizaram em alguns
movimentos conspiratórios os quais evidenciam a influência das revoluções
Francesa e Americana e das idéias ilustradas. Nos autos dos processos de Devassa as
idéias revolucionárias eram definidas como os abomináveis princípios franceses’.
(COSTA, 1999, p. 26)
Em 1822, as elites optaram por um regime monárquico, mas uma vez conquistada a
Independência, competiram com o Imperador pelo controle do País, cuja liderança assumiram
em 1931, quando levaram D. Pedro I a abdicar. Por meio do sistema de clientela e
patronagem, as elites brasileiras consolidaram sua hegemonia sobre os demais grupos sociais
o que contribuiu em parte para a estabilidade relativa do sistema político nos anos que se
seguiram. Foi essa mesma elite que assumiu o poder com a Proclamação da República, em
1889, que perdurou até 1930, com o início da era Vargas.
E a nação brasileira? Ver-se-á que sua formação é recente e ela percorreu um longo
caminho para chegar a onde está. Com influências culturais indígenas, africanas e europeias,
teve diferentes ondas de imigração até quase a metade do século XX. Ainda hoje não é raro
encontrar comunidades que falam alemão, italiano ou espanhol, no entanto, o sentimento de
ser brasileiro é algo comum no País. A língua falada é praticamente a mesma, do extremo Sul
ao extremo Norte, de Leste a Oeste, com suas belas variações regionais. Atualmente,
coexistem no Brasil muitos “brasis”, que variam conforme as diferentes regiões do País.
A Carta Magna de 1824 foi a primeira Constituição brasileira. O País ainda estava se
consolidando como Estado. Marcada pela criação do Poder Moderador, tinha característica
centralizadora, tentado manter a unidade do território e da população. Previu o direito à
nacionalidade nos artigos 6 e 7, do Título 2º, Dos Cidadãos Brasileiros. Não fazia distinção
entre nacionalidade e cidadania.
Art. 6. São Cidadãos Brasileiros
I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o
pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
II. Os filhos de pai Brasileiro, e os ilegítimos de mãe Brasileira, nascidos em ps
estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Império.
III. Os filhos de pai Brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do
Império, embora eles não venham estabelecer domicílio no Brasil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no
Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas Províncias, onde
habitavam, aderiram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua
residência.
31
V. Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei
determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalização.
Art. 7. Perde os Direitos de Cidadão Brasileiro
I. O que se naturalizar em país estrangeiro.
II. O que sem licença do Imperador aceitar Emprego, Pensão, ou Condecoração de
qualquer Governo Estrangeiro.
III. O que for banido por Sentença.
[...]
Ditou como forma principal de aquisição da nacionalidade originária o nascimento, no
território brasileiro, para os indivíduos livres, seja originariamente (ingênuos) ou de maneira
adquirida (libertos). O jus soli, como sistema de aquisição da nacionalidade originária, não
reinava imaculado na primeira Constituição do Império brasileiro. Havia previsão de jus
sanguinis, no entanto, exigia a inserção destes brasileiros no meio nacional, para a
assimilação dos hábitos, costumes e tradições do povo brasileiro, mantendo assim o elemento
territorial, típico do jus soli.
No art. 6, IV, determina que todos os portugueses que residissem no Império na data da
independência passariam a ser brasileiros. Esta naturalização foi na Constituição de 1891
ampliada a todos os estrangeiros. É um método que tenta aumentar o vínculo jurídico-político
do Estado com um maior número de indivíduos possíveis, já que o Brasil era um Estado em
formação.
A Carta de 1891 foi a primeira constituição republicana do Estado brasileiro. Previu o
direito à nacionalidade nos artigos 69 e 71 do Título IV, Dos Cidadãos Brasileiros. Aqui,
também, a Constituição não fez distinção entre nacionalidade e cidadania.
Art. 69 - São cidadãos brasileiros:
1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço
de sua nação;
2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país
estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;
3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República,
embora nela não venham domiciliar-se;
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não
declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo
de conservar a nacionalidade de origem;
32
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com
brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se
manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
[...]
Art. 71 - Os direitos de cidadão brasileiro só se suspendem ou perdem nos casos
aqui particularizados.
[...]
§ 2º - Perdem-se:
a) por naturalização em pais estrangeiro;
b) por aceitação de emprego ou pensão de Governo estrangeiro, sem licença do
Poder Executivo federal.
§ 3º - Uma lei federal determinará as condições de reaquisição dos direitos de
cidadão brasileiro.
Aqui, a cidadania foi resultante da determinação da nacionalidade e do reconhecimento
dos direitos políticos. Acolheu as normas da Constituição Imperial: a adoção do jus soli, com
a concessão ao jus sanguinis, no caso de filhos de brasileiros, e ilegítimos de mãe brasileira,
nascidos no estrangeiro, se estabelecessem domicílio no Brasil, ou que estivessem no exterior
a serviço da República.
A Constituição de 1891 também previu o que se chamou de Grande Naturalização (art.
69, 4º e 5º), ou seja, todos os estrangeiros que estivessem no Brasil na data da proclamação da
República (15 de novembro de 1889), e não declarassem no prazo de 180 dias que gostariam
de manter a nacionalidade de origem, seriam brasileiros. Ou os estrangeiros que, casados com
brasileiros ou tivessem filhos brasileiros, além dos que possuíssem bens imóveis e residissem
no Brasil, também seriam brasileiros.
Isto ocorreu porque nos anos que antecederam a proclamação da República, o Brasil
recebeu uma quantidade expressiva de estrangeiros, que aqui vieram para trabalhar nas
lavouras de café. Sobre esse período, Emília Viotti da Costa (1999, p. 195) exprime que:
Com o objetivo de promover pouco a pouco a substituição do braço escravo na
lavoura de café, recorreu-se, nos meados do século XIX, à colonização estrangeira,
sob sistema de parceria. Pretendia-se, dessa maneira, conciliar fórmulas usadas nos
núcleos coloniais de povoamento com as necessidades do latifúndio cafeeiro.
Contava-se com a experiência dos núcleos coloniais de povoamento cuja criação
desde a vinda da Corte de D. João VI para o Brasil tinha sido estimulada. A partir de
então, havia se rompido definitivamente com as tradicionais restrições à fixação de
estrangeiros na colônia. Estimulava-se a vinda de imigrantes. Reconhecia-se a
33
necessidade de povoar o país e para isso se recorria à colonização. No Espírito
Santo, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul,
formaram-se os primeiros núcleos.
Pontes de Miranda (1967, p. 479-480) acentua que o “Brasil não impôs a nacionalidade
brasileira aos estrangeiros residentes no Brasil a 15 de novembro de 1889; ofereceu-lhes a
nacionalidade brasileira, criando, é certo, presunção de aceitação”. E continua lecionando que:
O intuito do Brasil não foi o de nacionalizar os estrangeiros, sem os consultar. O
próprio preâmbulo do Decreto n. 396, de 15 de maio de 1890, foi explícito quando
disse ter tido por fito o Governo proporcionar àqueles que se associarem ao
movimento de idéias, ou aderiram, voluntária e espontaneamente, à nova situação
política o meio de vincular-se à nação brasileira, sem a necessidade de ato expresso
que significaria a renúncia de sua pátria primitiva; mas por forma alguma ocasionar
qualquer espécie de constrangimento, direto ou indireto, aos que não quisessem
adotar por pátria o Brasil’. Foi esse elemento de vontade que, na sua lei e, depois, na
Constituição de 1891, o Governo brasileiro apontou, como pressuposto necessário
da naturalização, aos Estados que protestarem contra a regra jurídica (Portugal,
Espanha, Grã-Bretanha, Itália, Áustria-Hungria).[...]
O autor também levanta a questão dos estrangeiros menores na data da proclamação da
República, pois a naturalização não deveria incidir sobre estes; mas a jurisprudência foi
noutro sentido e fixou que o prazo de seis meses correria após a maioridade (PONTES DE
MIRANDA, 1967, p. 485). As Constituições que a vieram depois (1934, 1937, 1946, 1967 e
1988) não previram esse tipo de naturalização, mas reconheceram a nacionalidade adquirida
em virtude do art. 69, 4º, da Constituição de 1891.
A Constituição de 1934 prevê a nacionalidade como um direito político, nos artigos 106
e 107 do Título III, Da Declaração de Direitos.
Art. 106 - São brasileiros:
a) os nascidos no Brasil, ainda que de paiÿÿstraÿÿeiÿÿ, nãÿÿreÿÿdindÿÿeste a
serviço do Governo do seu país;
b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os seus
pais a serviço público e, fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela
nacionalidade brasileira;
c) os que já adquiriram a nacionalidade brasileira, em virtude do art. 69, nºs 4 e 5, da
Constituição, de 24 de fevereiro de 1891;
d) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
Art. 107 - Perde a nacionalidade o brasileiro:
a) que, por naturalização, voluntária, adquirir outra nacionalidade;
34
b) que aceitar pensão, emprego ou comissão remunerados de governo estrangeiro,
sem licença do Presidente da República;
c) que tiver cancelada a sua naturalização, por exercer atividade social ou política
nociva ao interesse nacional, provado o fato por via judiciária, com todas as
garantias de defesa.
Pela primeira vez se fala na opção pela nacionalidade. O art. 106, b expressa que “os
filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando seus pais a serviço
público e, fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade
brasileira”. Aqui se deixa o critério de fixação do domicílio (jus soli) e surge a opção de
nacionalidade após a maioridade.
A Constituição de 1937 apareceu no momento de tensão política no País. Esta
Constituição foi outorgada no mesmo dia do golpe dado por Getúlio Vargas. Ficou conhecida
como “Polaca”, pois se abandonou a inspiração da Constituição de Weimar, que caracterizava
a Constituição de 1934, elaborada na Polônia, no período Pilsudski, com características do
período totalitário que ocorria na Europa (POSENATO, 2003, p. 226). Prevê o direito à
nacionalidade nos artigos que seguem:
Art. 115 - São brasileiros:
a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço
do governo do seu país;
b) os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais
a serviço do Brasil e, fora deste caso, se, atingida a maioridade, optarem pela
nacionalidade brasileira;
c) os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, nº
4 e 5, da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891;
d) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
Art. 116 - Perde a nacionalidade o brasileiro:
a) que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade
b) que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro
comissão ou emprego remunerado;
c) que, mediante processo adequado tiver revogada a sua naturalização por exercer
atividade política ou social nociva ao interesse nacional.
A Constituição de 1946 mantém essa linha de entendimento, e prevê o direito à
nacionalidade nos artigos 129, 130 e 137 do Título IV, Da Declaração de Direitos, Capítulo I,
Da Nacionalidade e da Cidadania.
35
Art. 129 - São brasileiros:
I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a
serviço do seu país;
II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem
a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no País. Neste caso, atingida
a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela,
dentro em quatro anos;
III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, n
os
IV e V, da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891;
IV - os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portugueses
apenas residência no País por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade
física.
Art. 130 - Perde a nacionalidade o brasileiro:
I - que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II - que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro
comissão, emprego ou pensão;
III - que, por sentença judiciária, em processo que a lei estabelecer, tiver cancelada a
sua naturalização, por exercer atividade nociva ao interesse nacional.
[...]
Art. 137 - A lei estabelecerá as condições de requisição dos direitos políticos e da
nacionalidade.
Esta Constituição foi elaborada num período de redemocratização do País e também da
fase pós-Segunda Guerra Mundial. Ela volta às diretrizes democráticas da Constituição de
1934. Sobre esta Constituição, lembra Naiara Posenato (2003, p. 230) que:
Espelhando-se, como sobredito, em Cartas anteriores, a Constituição de 1946 não
modificou em muito a disciplina da cidadania. Nota-se, que a terminologia, referida
sempre à nacionalidade e não à cidadania. Permaneceu inalterada, o que evidencia a
ausência de reconhecimento de algumas categorias de direitos como inerentes ao
status de cidadão.
A Constituição de 1967 previa o direito à nacionalidade nos arts. 140 e 141 do Título II,
Da Declaração de Direitos, Capítulo I, Da Nacionalidade.
Art.140 - São, brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos em território brasileiro, ainda que de pais estrangeiros, não estando
estes a serviço de seu país;
b) os nascidos fora do território nacional, de pai ou de mãe brasileiros, estando
ambas ou qualquer deles a serviço do Brasil;
36
c) os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, não estando estes a serviço
do Brasil, desde que, registrados em repartição brasileira competente no exterior, ou
não registrados, venham a residir no Brasil antes de atingir a maioridade. Neste caso,
alcançada, esta, deverão, dentro de quatro anos, optar pela nacionalidade brasileira;
II- naturalizados:
a) os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do art. 69, nºs IV e V, da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891;
b) pela forma que a lei estabelecer:
1 - os nascidos no estrangeiro, que hajam sido admitidos no Brasil durante os
primeiros cinco anos de vida, radicados definitivamente no território nacional. Para
preservar a nacionalidade brasileira, deverão manifestar-se por ela,
inequivocamente, até dois anos após atingir a maioridade;
2 - os nascidos no estrangeiro que, vindo residir no Pais antes de atingida a
maioridade, façam curso superior em estabelecimento nacional e requeiram a
nacionalidade até um ano depois da formatura;
3 - os que, por outro modo, adquirirem a nacionalidade brasileira; exigida aos
portugueses apenas residência por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade
física.
§ 1º - São privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-Presidente da
República, Ministro de Estado, Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Federal de Recursos, Senador, Deputado Federal, Governador e Vice-Governador de
Estado e de Território de seus substitutos.
§ 2º - Além das previstas nesta Constituição, nenhuma outra restrição se fará a
brasileiro em virtude da condição de nascimento.
Art. 141 - Perde a nacionalidade o brasileiro:
I - que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II - que, sem licença do Presidente da República, aceitar comissão, emprego ou
pensão de Governo estrangeiro;
III - que, em virtude de sentença judicial, tiver cancelada a naturalização por exercer
atividade contrária ao interesse nacional.
Ela é a Constituição do período ditatorial que perdurou no Brasil por 20 anos (de 1964 a
1984). Antes desta, foram expedidos quatro atos institucionais, mantiveram a ordem
constitucional anterior, mas impuseram várias cassações de mandatos e limitação aos direitos
políticos. Com a Constituição de 1967, a autonomia individual foi consideravelmente
reduzida. Sobre o tema:
Este regime ditatorial então em vigor, considerava como sujeito de direito somente o
cidadão ‘cooperante, aquele que aderia ao regime e contribuía a reforçar a
identidade da comunidade política. Excluía da cidadania, de forma mais ou menos
intensa, os dissidentes e os perturbadoresda homogeneidade nacional.
37
O cidadão brasileiro assistiu a própria condição jurídica subjetiva subordinada a um
interesse abstrato, interpretado por decisão autoritária do grupo dominante.
Conseqüentemente, a sua posição se aproximava daquela de um súdito do
absolutismo, que o privava das liberdades autênticas e dos direitos fundamentais.
A Emenda Constitucional nº 01 de 1969 veio alterar a grande parte dos artigos da
Constituição de 1967, ao ponto de certos autores a considerarem como uma nova
Constituição, mantendo o autoritarismo da Constituição anterior e baseando-se nas normas do
Ato Institucional n. 5.
Art. 145. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos em território, embora de país estrangeiros, desde que estes não
estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos fora do território nacional, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde
que qualquer deles esteja a serviço do Brasil; e
c) os nascidos o estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não estejam
estes a serviço do Brasil, desde que registrados em repartição brasileira competente
no exterior ou, não registrados, venham a residir no território nacional de atingir a
maioridade; neste caso, alcançada esta, deverão, dentro de quatro anos, optar pela
nacionalidade brasileira.
II - naturalizados:
a) os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 69, itens IV e
V, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891;
b) pela forma que a lei estabelecer:
1 - os nascidos no estrangeiro, que hajam sido admitidos no Brasil durante os
primeiros cinco anos de vida, estabelecidos definitivamente no território nacional.
Para preservar a nacionalidade brasileira, deverão manifestar-se por ela,
inequivocadamente, até dois anos após atingir a maioridade;
2 - os nascidos no estrangeiro que, vindo residir no País antes de atingida a
maioridade, façam curso superior em estabelecimento nacional e requeiram a
nacionalidade até um ano depois da formatura;
3 - os que, por outro modo, adquirirem a nacionalidade brasileira, exigidas aos
portugueses apenas residência por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade
física.
Parágrafo único. São privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-
Presidente da República, Ministro de Estado, Ministro do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal
Superior do Trabalho, do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal de Contas da
União, Procurador-Geral da República, Senador, Deputado Federal, Governador do
Distrito Federal, Governador e Vice-Governador de Estado e de Território e seus
substitutos, os de Embaixador e os das carreiras de Diplomata, de Oficial da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Art. 146. Perderá a nacionalidade o brasileiro que:
38
I - por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II - sem licença do Presidente da República, aceitar comissão, emprego ou pensão de
governo estrangeiro; ou
III - em virtude de sentença judicial, tiver cancelada a naturalização por exercer
atividade contrária ao interesse nacional.
Parágrafo único. Será anulada por decreto do Presidente da República a aquisição de
nacionalidade obtida em fraude contra a lei.
Manteve o texto da Constituição de 1967, salvo pequenas alterações como o
aumento dos cargos privativos de brasileiros natos e determinou a competência do
Presidente da República para o decreto de anulação da nacionalidade obtida mediante fraude à
lei.
A Constituição Federal de 1988 surgiu no período de redemocratização do País, após 20
anos de ditadura militar. Também prevê o direito à nacionalidade, que tem status de direito
fundamental, pois está previsto no Capítulo III, do Título II, Dos Direitos e Garantias
Fundamentais. Em razão das constantes violações dos direitos fundamentais que aconteceram
no regime militar, a Constituição de 1988 dá a estes direitos uma valoração diferente. Eles
agora fundamentam todo o ordenamento jurídico, tem aplicabilidade imediata e são cláusulas
pétreas, ou seja, seu processo de revisão constitucional não pode ocorrer para diminuir
direitos e garantias. Estudar-se-ão os direitos fundamentais e, principalmente, o direito
fundamental à nacionalidade, nos capítulos seguintes.
2 DIREITO FUNDAMENTAL À NACIONALIDADE
Guido Fernando Silva Soares (2004, p. 314-316) ensina que a nacionalidade é o vínculo
mais antigo nas relações internacionais, e que esteve presente nas civilizações do mundo
antigo, apesar de a expressão estar sempre associada à emergência do próprio Estado
moderno, a partir do século XVI. Ressalva, que, no entanto, para se afirmar que a
nacionalidade existia nas antigas civilizações, tem que se adotar como relações internacionais
não a relação entre os Estados no conceito moderno, mas entre entidades autônomas, células
políticas, que se diferenciavam entre si por um forte traço cultural.
Na Grécia da fase helênica, era considerado “grego” o filho de um grego, e que se
distinguiria dos barbarophonói (“aqueles que falam com a voz rouca”), pois estes não
falavam o idioma grego. O falar, aqui, era muito mais do que se exprimir em grego, mas no
sentido de não pertencer a uma civilização que se supunha superior às demais de seu tempo.
Um bom exemplo da origem da nacionalidade se deu no auge do expansionismo romano.
Apesar do status de cives romani, com o passar do tempo, ter se estendido para todos os
povos habitantes do Império Romano, estes passavam sua qualidade pessoal aos seus
descendentes mediante o critério jus sanguinis, determinado por laços familiares. O status de
cives romani servia para legitimar os direitos e deveres do indivíduo livre. O estrangeiro, nas
civilizações antigas, era cercado das maiores hostilidades, e somente em alguns períodos da
civilização grega e romana teve alguns poucos direitos.
Foi no universo da Idade Média que o critério do jus sanguinis, passou a conviver com
outro critério de vinculação dos indivíduos a determinado ordenamento jurídico. O conceito
de jus soli emergiu ligado ao fenômeno do local de nascimento do indivíduo, sem qualquer
referência às qualidades de seus progenitores, pois aqui a terra era considerada a maior
riqueza e símbolo do poder.
No século XV, no começo da emergência dos Estados modernos, a nacionalidade
readquiriu sua importância, e passou a ser o elemento determinante para a submissão do
40
indivíduo a um ordenamento jurídico, circunscrito a território e dominado por poder
incontrastável do soberano. O objetivo aqui era exigir submissão total à vontade do rei,
principalmente em momentos de crise, como nas guerras. A formação dos exércitos nacionais
foi coetânea à emergência dos Estados modernos, além de que o soberano era considerado
forte à medida que tivesse à sua disposição grande contingente militar.
Guido Soares (2004, p. 316-317) ainda levanta a questão de saber até que ponto a
nacionalidade foi um expediente dos Estados absolutistas, para conseguirem total submissão
de seus súditos, ou se o Estado que soube se aproveitar do elemento forte de unificação entre
as pessoas, para daí extrair seu poder.
O fato é que, desde a emergência dos Estados modernos, a existência de uma
nacionalidade definida tem servido como elemento de afirmação da existência do
próprio Estado e dos motivos que justificariam o essencial dos comportamentos do
mesmo, em primeiro lugar, ao legitimar aquelas pessoas que têm direitos de
participar, nos ordenamentos jurídicos internos, diretamente na formação da vontade
política nacional [direitos de votar e serem votados], às quais são reservados direitos
exclusivos, e, em segundo, no que se refere à proteção de indivíduos, nas relações
internacionais [o instituto da proteção diplomática, bem como as justificativas para
as relações consulares, exercidas em relação a pessoas nacionais que se encontram
em territórios de outros Estados e os casos de deveres canalizados aos Estados da
nacionalidade das pessoas que se encontram em espaços internacionais comuns].
A nacionalidade também teve o papel de acabar com outros critérios de pertença que
existiam, concomitantemente, na Idade Média, já que era comum que pessoas se
encontrassem em classes sociais distintas e com regras próprias. Situando na pessoa do
dirigente absoluto a legitimidade do ordenamento jurídico dos Estados, nada mais natural que
desaparecessem outras fontes de normas jurídicas, ao mesmo tempo em que se fortificava o
conceito de nacionalidade, inclusive atribuindo-lhe deveres imperativos, como o dever do
serviço militar.
2.1 Conceito de nacionalidade
O conceito de nacionalidade é matéria pacífica na doutrina nacional. Pode-se dar como
exemplo o de Manuel Gonçalves Ferreira Filho (1977, p. 38):
Nacionalidade. A nacionalidade é o vínculo que prende um indivíduo a um Estado,
fazendo desse indivíduo um componente do povo desse Estado, integrante, portanto,
de sua dimensão pessoal. É o direito de cada Estado que diz quem é nacional e quem
não o é, ou seja, quem é estrangeiro. Segundo direito internacional público, o
nacional continua preso ao Estado, de cujo povo é membro, mesmo quando se acha
fora do alcance de seu poder, estabelecido em território de outro Estado. (grifo
original)
41
Neste mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 765) acentua que:
A nacionalidade configura vínculo político e pessoal que se estabelece entre o
Estado e o indivíduo, fazendo com que este se integre uma dada comunidade
política, o que faz com que o Estado distinga o nacional do estrangeiro para diversos
fins. A própria definição do Estado é indissociável da idéia de nacionalidade. [...]
Liliana Lyra Jubilut (2007, p.120) explica que o termo “nacionalidade” apresenta duas
concepções. A primeira que deriva do vernáculo natio e designa a origem do indivíduo,
favorecendo a sua conotação étnica, ou seja, grupo de indivíduos com base em semelhanças
biológicas. Já a segunda é baseada na palavra populus, e com isso causa confusão entre os
entes nação e Estado, que comumente são confundidos, por valorizar o elemento povo, ou
seja, “conjunto de indivíduos semelhantes por pertencer a um mesmo Estado, como o caso do
povo brasileiro, que forma o Estado brasileiro, apesar de derivar de várias nacionalidades”.
Existem correntes doutrinárias sobre a definição do elemento caracterizador da
nacionalidade. A primeira, de origem alemã, entende que a nacionalidade “se baseia em
aspectos objetivos como território, língua, religião, raça, comunidade cultural que podem
existir isolada ou conjuntamente na base do vínculo, sendo, portanto, denominada de teoria
objetiva”. Já a segunda, de procedência francesa e italiana, a chamada teoria subjetiva ou
voluntarista, “nega a fundamentação da nacionalidade em bases objetivas e entende que esse
vínculo decorre da vontade dos indivíduos de estar unidos”. E a terceira entende que a
nacionalidade se verifica a posteriori, a partir da realidade empírica, pois os elementos
apontados pelas teorias objetiva e subjetiva seriam apenas explicadores do
“protonacionalismo”, ou seja, “do porquê os indivíduos desejam unir-se, daquilo que antecede
a criação de uma nação, mas não explicadores do vínculo em si”. (JUBILUT, 2007, p. 120-
121)
Diz-se atualmente tratar-se de um vínculo jurídico-político, pois pode o indivíduo ser
nacional de um país e estar sujeito, juridicamente, à legislação de outro. O país em causa pode
ser a pátria de origem do indivíduo ou o local que ele adotou por meio de naturalização. Seja
num ou noutro caso, diz-se que o indivíduo é nacional do Estado. Daí entender-se que o que
realmente informa a nacionalidade são razões de ordem política, como consequência da
organização estatal.
42
Então, pode-se asseverar que a nacionalidade nada mais é do que o estado de
dependência em que se encontram os indivíduos perante o Estado a que pertencem. Trata-se
de questão de soberania do Estado, em triplo aspecto. Primeiro, porque somente ele pode
atribuir ao indivíduo, pelo simples fato do seu nascimento, a sua nacionalidade. Outro aspecto
é o fato de só o Estado soberano poder conceder a condição de nacional aos estrangeiros, por
meio de naturalização.
E, por último, só ele pode estabelecer os casos perda da nacionalidade. Cabe ressaltar
que nenhum Estado federado tem competência para atribuir nacionalidade (ainda que em
alguns países isso seja costume), uma vez que falta a estes personalidade jurídica
internacional. Se o fazem, é tão-somente para uso interno.
Cada país é livre para legislar sobre a nacionalidade de seus indivíduos, sem que haja
qualquer relevância a vontade pessoal ou os interesses privados destes, o que não significa
que lhes sejam retirados o direito à escolha e ao exercício dessa nacionalidade. O princípio da
competência para estabelecer a nacionalidade está no artigo 1º da Convenção de Haia de 1930
(2010, online):
[...] cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os seus nacionais.
Esta legislação será aceita por todos os outros Estados, desde que esteja de acordo
com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito
geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade [...]
Ele se completa com a norma contida no seu artigo 2º: “Toda questão relativa ao ponto
de saber se um indivíduo possui nacionalidade de um Estado será resolvida de acordo com a
legislação desse Estado”.
A nacionalidade é, primariamente, objeto de regulamentação pelo Direito interno. Em
outras palavras: a definição acerca da concessão da nacionalidade pelo Estado é ato soberano,
e cabe exclusivamente a cada ente estatal definir as normas que pautarão a atribuição da
respectiva nacionalidade e, em alguns casos, decidir discricionariamente acerca da sua
obtenção pelos indivíduos, não cabendo a nenhum outro Estado interferir a respeito.
O caráter estritamente soberano da concessão da nacionalidade fundamenta-se no fato
de que os nacionais constituem o elemento humano do ente estatal. Nesse sentido, a própria
existência do Estado depende da definição de quem são seus nacionais. Com isso, não é
conveniente que outro ente estatal interfira nessa matéria, pois o surgimento e conservação do
Estado dependeria juridicamente de poderes externos. Nas palavras de Celso Ribeiro de
43
Bastos (1988-89, p. 547), “são portanto nacionais de um Estado aqueles que o seu direito
define como tais. É uma situação jurídica e não uma mera situação de fato”.
As constituições brasileiras sempre regularam o problema da nacionalidade. Foi o que
ocorreu com a Constituição do Império de 1824 (artigos 6º e 7º), nas Constituições federais de
1891 (artigos 69 e 71), de 1934 (artigos 106 e 107), de 1937 (artigos 115 e 116), de 1946
(artigos 129 e 130), e de 1967 (artigos 140 e 141), EC n. 1, de 1969 (artigos 145 e 146), e na
atual Constituição de 1988 (artigo 12).
Deixar, porém, a definição acerca da nacionalidade nas mãos do Estado pode ensejar
prejuízos, mormente para os indivíduos, que podem, por exemplo, dependendo do marco legal
estatal a respeito, ficar sem nacionalidade ou com mais de uma nacionalidade, o que, às vezes,
é problemático. Nesse sentido, Pontes de Miranda (1967, p. 349-350) adverte para o fato de
que:
Muito embora caiba aos Estados dizer quais são seus nacionais e os seus cidadãos,
não podem eles, depois de usar desse direito de legislar sobre a sua nacionalidade e
cidadania, fugir aos deveres de direito das gentes que decorrem de tal atribuição da
qualidade de nacional ou de cidadão. Não podem, por exemplo, recusar-se a recebê-
los. Outrossim, não podem invocar direito de proteger, por seus Agentes consulares,
pessoas que não consideram nacionais, ou que não seriam obrigados a receber. Nem
lhes é permitido impor a tais pessoas deveres que são próprios dos nacionais (e. g., o
de serviço militar). (grifo original)
Ian Brownlie (1997, p. 419-420) também exprime a possibilidade de Estados que não
possuem legislação sobre nacionalidade:
Pode suceder um Estado não tenha adotado qualquer lei da nacionalidade nos
moldes atuais. Estes casos são cada vez mais raros, antes do aparecimento das
definições gerais estabelecidas por lei, a nacionalidade estava relacionada com o
domicílio (e, em certa medida, ainda está), e, na realidade, estes dois conceitos não
se distinguiam. A criação de novos Estados deu origem a repetidos exemplos de
ausência de legislação sobre a nacionalidade.
Também fala este autor da possibilidade de aquisição da nacionalidade por pessoas não
abrangidas pela legislação nacional:
[...] A necessidade jurídica de afetar os indivíduos a um Estado na ausência de
disposições internas que rejam o estatuto de um grupo e, também, nos casos em que
ocorra uma denegação deliberada da cidadania, tornou-se óbvia a partir dos
exemplos fornecidos por dois casos internacionais. Numa decisão arbitral de 22 de
janeiro de 1926, o estatuto dos índios Cayuga, que tinham emigrado dos Estados
Unidos para o Canadá, foi estabelecido com base numa conexão factual. Sustentou-
se que Ester índios se tinham tornado nacionais britânicos presumindo-se que, para
efeitos de Direito Internacional, tinham estado anteriormente ligados aos Estados
Unidos. (BROWNLIE, 1997, p. 420)
44
A doutrina aponta alguns princípios gerais para reger a nacionalidade, apesar de não
serem absolutos. Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 955-956) aponta que todo indivíduo
deve ter uma nacionalidade e não mais que uma; a nacionalidade é individual; a nacionalidade
não é permanente, ou seja, pode se mudar de nacionalidade; e, apesar de ser matéria de
competência do Estado, a nacionalidade está sujeita, em certos casos, às normas de direito
internacional.
Meireles Teixeira (1991, p. 548) acrescenta que não é lícito a Estado algum estabelecer
regras sobre a condição de nacional e perda de nacionalidade em outro Estado; se a
Constituição estabeleceu os casos de aquisição e perda da nacionalidade, mediante certos
critérios, não pode o legislador ordinário criar casos, nela não previstos; os meios de prova da
nacionalidade são determinados pela lei do Estado respectivo; as leis sobre nacionalidade têm
efeito imediato, retroagindo a situações, respeitados os direitos adquiridos; um Estado não
deve impor sua nacionalidade a estrangeiros contra consentimento destes; e os conflitos de
leis não podem ser resolvidos unilateralmente, mas apenas por meio de acordos e convenções
entre os Estados interessados.
A nacionalidade não se confunde com naturalidade. Esta é apenas o local onde a pessoa
efetivamente nasce. O nascimento é um simples fato para o mundo jurídico, que não
ultrapassa uma dimensão territorial local, de sorte que a naturalidade da pessoa é designada
pela localidade do nascimento, que normalmente é o município ou a região do País onde
nasceu. Portanto, o indivíduo pode ser natural da cidade de Tóquio ou Berlim, no entanto,
possuir nacionalidade diversa da japonesa ou alemã.
2.2 Nação e nacionalidade
Normalmente conceitua-se Nação como “um grupo de indivíduos que se sentem
unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e
aspirações”. Ela “é uma comunidade de consciência, unida por um sentimento complexo,
indefinível e poderosíssimo: o patriotismo”. (AZAMBUJA, 2008, p. 36)
A definição de nação relaciona-se, em certo momento histórico, também à raça, como
no discurso nazista e fascista, dos anos trinta e quarenta do século passado. É uma ideologia
que se mantém até hoje, com a qual se justificam os mais variados atos em sua defesa,
inclusive a ingerência sobre outros Estados. A formação de nacionalismos foi fortalecida com
45
a emergência de regimes políticos fortes. Seu objetivo era suprimir as diferenças culturais das
distintas regiões de um mesmo Estado, com base na ideia de uma só nação.
Apesar de nacionalidade e nação derivarem do termo, no entanto, elas não significam
a mesma coisa. Eric Hobsbawm (2008, p. 27-28), no estudo das origens do vernáculo
“nação”, explica que este, tal como se conhece atualmente, é recente. “A característica básica
da nação moderna e de tudo o que a ela está ligado é sua modernidade”. E continua, dando
como exemplo como o sentido da palavra nación transformou-se na Espanha:
[...] Antes de 1884, a palavra nación significava simplesmente ‘o agregado de
habitantes de uma província, de um país ou de um reino’ e também ‘um estrangeiro’.
Mas agora era dada como ‘um Estado ou corpo político que reconhece um centro
supremo de governo comum’ e também ‘o território constituído por esse Estado e
seus habitantes, considerados como um todo’ e, portanto, o elemento de um Estado
comum e supremo é central a tais definições, pelo menos no mundo ibérico. [...]
Além disso, no Dicionário da Academia Espanhola, a versão final de ‘nação’ não é
encontrada até 1925, quando é descrita como ‘a coletividade de pessoas que têm a
mesma origem étnica e, em geral, falam a mesma língua e possuem a mesma
tradição comum’.
Celso Lafer (1991, p. 136), no entanto, consegue achar a etimologia da palavra Nação
e demonstra como esta evoluiu:
Etimologicamente, nação vem do verbo latim natio, por sua vez derivado de natus,
particípio do verbo nascor: nascer. Designava originariamente a ação de nascer e
tinham um sentido étnico que, por uma transição fácil, aplicada a coletividade,
passou a ter a acepção de indígena, ou seja, a dos nascidos no território e, por isso,
originários do país, por oposição aos alienígenas. Numa acepção derivada, o termo
nação, depois das Revoluções Americana e Francesa, foi sendo aplicado à
organização política do populus, identificando-se com o Estado, daí advindo a
origem do princípio contemporâneo da autodeterminação dos povos.
Ao estudar a Nação, Otto Bauer (2000, p. 46-47) entende que a nação pode ser
estudada com suporte no caráter nacional. Ele o define como o complexo de características,
sejam elas físicas ou mentais, que distinguem as nações entre si. Continua ele, ao dizer que
todos os povos têm características comuns, pois todos são humanos, no entanto, existem
características no alemão médio que difere do inglês médio. Além disso, esse caráter é
mutável. Para o autor:
A nação tem um caráter nacional. Mas esse caráter nacional significa apenas uma
comunhão relativa de traços no modo de comportamento de cada indivíduo; não é
uma explicação dos modos de comportamento desses indivíduos. Ao estabelecer a
variação do caráter nacional, a ciência não resolveu o problema da nação, mas
simplesmente o enunciou. O que a ciência tem que apreender é como surge essa
relativa comunhão do caráter, como todos os membros de uma nação, apesar de suas
diferenças individuais, coincidem numa série de aspectos e, apesar de sua identidade
46
física e mental com outros povos, continuam a diferir dos membros de outras
nações. (BAUER, 2000, p. 46-47)
De Plácido e Silva (2004, p. 939) entende que o elemento dominante de Nação se
“assenta no vínculo que une estes indivíduos, determinando entre eles a convicção de um
querer viver coletivo(grifo original). E conclui que:
[...] É, assim, a consciência de sua nacionalidade, em virtude da qual se sentem
constituído um organismo ou um argumento, distinto de qualquer outro, com vida
própria, interesses especiais e necessidades peculiares. [...] A nação existe sem
qualquer espécie de organização legal. [...] mesmo que, comumente, seja empregado
em sinonímia humana que o forma, atuando aquele sem seu nome e no seu próprio
interesse, isto é, pelo seu bem-estar, por sua honra, por sua independência e por sua
prosperidade.
O princípio das nacionalidades idealizava que cada Estado corresponderia a uma
Nação. Este princípio servia como maneira de legitimar o Estado moderno, e regeu as
configurações estatais durante vários anos. A Nação, entretanto, não se confunde com o
Estado. Tanto existem Estados compostos por várias “nações”, como as antigas Iugoslávia e
Tchecoslováquia, e há nações que não constituem um Estado, necessariamente, tais como os
tibetanos e os chechenos. Sobre a origem do princípio das nacionalidades:
[...] A consciência nacional desperta sobretudo durante as guerras de libertação
contra Napoleão, e a teoria do espírito e índole populares do Romantismo com a sua
compreensão do povo como organismo desenvolvido como ser vivo, formam o pano
de fundo histórico do princípio do Estado nacional: ‘Cada nação tem vocação e
direito para constituir um Estado. Tal como a humanidade está dividida num número
de nações, também o mundo deverá estar dividido no mesmo número de Estados.
Cada nação Um Estado. Cada Estado Um ser nacional’ [...] Esta idéia de Estado
nacional como reivindicação de um direito à autoderteminação dos povos serviu na
história recente, repetidamente, como um lema político e como divisa de luta.
(ZIPELLIUS, 1997, p. 100)
Sobre o princípio das nacionalidades anota Darcy Azambuja (2008, p. 41) que:
Na realidade, conquanto não se possa negar que o princípio das nacionalidades seja
um belo ideal, tem sido quase impossível decidir se uma coletividade forma uma
nação, e o próprio pronunciamento das populações interessadas é sujeito a injunção
que lhe podem desvirtuar a veracidade. Em segundo lugar, muitas nações, do velho
continente sobretudo, estão de tal modo interpenetradas, formam uma rede tão
inextricável de interesses superpostos aos interesses simplesmente morais, que a sua
divisão equivaleria, para muitos Estados, a uma catástrofe, diante da qual é lícito
hesitar.
[...] A aplicação prática e geral do princípio das nacionalidades acarretaria, muitos
casos, a fraude contra ele mesmo. Poderia fomentar os mais nocivos separatismos;
qualquer coletividade, sem possuir realmente os característicos necessários, ficaria
com direito de declarar-se uma nação e desmembrar Estados. O pronunciamento das
massas é tão sujeito a influências perniciosas, os mil e um meios lícitos e ilícitos de
47
propaganda subversiva são de tal modo poderosos, que muitas nações verdadeiras
poderiam ser esfaceladas por manobras de inimigos ocultos ou ostensivos.
Por muito tempo, os judeus foram utilizados como exemplo de povo, ou melhor, de
Nação sem Estado. Como se sabe, com a diáspora judaica, estes se espalharam pelo mundo,
principalmente, na Europa, e até a criação do Estado de Israel, ficaram a mercê da legislação
de cada Estado que os recebia. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação de Israel,
em 1945, pela Organização das Nações Unidas, a situação dos judeus melhorou
consideravelmente.
Ainda existem, no entanto, outros exemplos de Nação sem Estado. Os palestinos são
também exemplo clássico, pois sua situação ainda não está definida. Os tibetanos também são
outro exemplo. Os chechenos declararam sua independência, mas este Estado até hoje não foi
reconhecido. Sobre o assunto, Jürgen Habermas (2002, p. 239-240) leciona:
Cabe distinguir aí outro tipo de nacionalismo: o das populações que, por
compartilhares um destino histórico comum, entendem-se como grupos étnico e
lingüisticamente homogêneos e desejam manter sua identidade não apenas enquanto
comunidades de ascendência comum, mas sim sob a forma de um povo organizado
como Estado e politicamente capaz de agir. [...] A Itália e a Alemanha, em
comparação com os Estados ÿÿcionais ÿÿ primeira geração, foram chamadas
“nações tardias”. Outro contexto foi dado pelo período de descolonização após a
Segunda Guerra Mundial. Outra constelação, por sua vez, é dada pela decadência de
impérios como o Reino Otomano, a Áustria-Hungria ou a União Soviética. Disso se
distingue a situação de minorias nacionais que nasceram em virtude da formação de
Estados nacionais, como é o caso de bascos, curdos e irlandeses do norte. Um caso
especial é a fundação do Estado de Israel, decorrente de um movimento nacional-
religioso e dos horrores da Auschwitz, na região da Palestina, inicialmente de
mandato inglês e reivindicada por árabes.
Vale a pena falar, porém, um pouco do caso dos curdos: uma minoria espalhada por
vários Estados, em busca da formação do seu próprio Estado. Eles são um grupo étnico de
uma região conhecida como Curdistão, que inclui partes adjacentes dos territórios da Turquia,
da Síria, do Irã e do Iraque. Eles também são encontrados no Líbano, na Armênia, no
Azerbajão, nos Estados Unidos e em muitos países europeus. Encontram-se sempre em
conflito com os países que contêm parte de seu território justamente porque pretendem a
criação do Estado curdo. (WASHINGTON POST, 2010, online)
Em países como os Estados Unidos, e o próprio Canadá, a situação dos curdos não é tão
ruim, porque o processo de integração de imigrantes, pela própria história destes países,
permite a obtenção da cidadania por meio da naturalização. Eduardo Appio (2008, p. 200-
48
201), em estudo sobre o direito das minorias e o sistema jurídico americano de defesa destes
direitos, garante que:
[...] pessoas de outras nacionalidades que tenha residência permanente nos Estados
Unidos são consideradas sujeitas a uma maior proteção da Suprema Corte, o que foi
definido a partir do caso Graham v. Richardson (1971), quando então se afirmou
que os estrangeiros são uma minoria identificável que está sujeita a um processo
discriminatório e, bem por isso, demanda um exame rigoroso das leis
especialmente as estaduais e locais que estabeleçam distinções. A única exceção
que se faz a esse tipo de exame decorre da aplicação pela Corte da chamada ‘função
política’, quando então se assegura que o governo possa opor exceções ao
provimento de determinados cargos públicos, como o de policial, que estejam
intimamente ligadas ao autogoverno do país. [...]
Em países da Europa, como a Alemanha, a situação já é diferente. Habermas (2002, p.
263) ressalta que a República da Alemanha precisa de uma nova política de imigração. Nesse
sentido, expressa a ideia de que:
Em vez de tornar mais simples o processo de aquisição da nacionalidade alemã para
os estrangeiros já assentados na Alemanha, especialmente para aqueles
‘trabalhadores-hóspedes’ recrutados em outros tempos, o acordo sobre o asilo recusa
mudanças no direito à naturalização. Aos estrangeiros já estabelecidos no país
recusa-se a concessão de dupla cidadania, embora houvesse razões muito
compreensíveis para que ela lhes coubesse de maneira preferencial; nem sequer seus
filhos nascidos na Alemanha adquirem os direitos de cidadania sem restrições. E até
os estrangeiros dispostos a renunciar à cidadania de que já dispõe precisam ser
residentes na Alemanha há mais de quinze anos para se naturalizar. Por outro lado,
os assim chamados ‘alemães por nacionalidade’, sobretudo poloneses e russos que
podem comprovar a ascendência alemã, dispõem de direito constitucionalmente
expresso a se naturalizar. [...]
A política alemã para a concessão de asilo baseia-se sobre a premissa sempre
reiterada de que a República Federal da Alemanha não é um país de imigração.
Atualmente o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados tem colocados
refugiados curdos iranianos, bem como inúmeros palestinos, em campos de refúgio na divisa
do Iraque com a Síria (ONU, 2010, online). No último capítulo deste trabalho falar-se-á da
questão dos apátridas e do refúgio em razão da nacionalidade, ou seja, vários grupos de
indivíduos destituídos de sua nacionalidade, ou perseguidas em razão desta, que buscam
refúgio em outros países, como no caso há pouco citado.
Conclui-se que nacionalidade não se confunde com nação, porque a primeira é vínculo
jurídico-político que a pessoa mantém com o Estado, sendo este Estado-nação ou Estado
multicultural. Uma pessoa pode se tornar nacional de um Estado estranho a ela culturalmente,
como os filhos de estrangeiro, que ao nascerem no Brasil, têm direito a nacionalidade, mas
cedo passam a residir em outro país, não criando laços culturais com o Estado. Já Nação é um
49
ideal de pertença, um sentimento de coletividade que os indivíduos mantêm uns com os
outros. Portanto, é um aspecto muito mais sociológico do que jurídico-político.
2.3 Nacionalidade e cidadania
A confusão entre nacionalidade e cidadania precisa ser evitada. São duas matérias
inter-relacionadas, mas que juridicamente não se confundem. O conceito de cidadania,
entretanto, e frequentemente apresentado de forma vaga e imprecisa. Uns a identificam com a
perda ou aquisição da nacionalidade; outros com os direitos políticos de votar e ser votado; e
outros, ainda, como uma função da nacionalidade.
No Direito Constitucional, aparece o conceito comumente relacionado à nacionalidade e
aos direitos políticos. Na Teoria Geral do Estado, por sua vez, aparece ligado ao elemento
povo, como integrante constitutivo do Estado, contrapondo o conceito de nacional em face do
estrangeiro. E a situação ainda mais se agrava quando se sabe que o termo cidadão é, também,
recorrentemente invocado de forma descompromissada, no discurso e nos meios políticos de
nosso tempo. Meirelles Teixeira (1991, p. 547-548) posiciona-se sobre o tema:
A nacionalidade determina a pertinência, ao indivíduo, de certos direitos e
obrigações próprios do nacional; constituí a condição ou requisito básico para a
condição de cidadão, isto é, do exercício de direitos políticos. Pode-se ser nacional
sem ser cidadão (o menor, por exemplo), mas não pode ser cidadão (votar, ser
votado) sem ser nacional. Aos nacionais corresponde à sua nacionalidade (por
exemplo, ao brasileiro, a proteção da soberania brasileira, mesmo que ele se
encontre no estrangeiro). E também certos deveres, como a prestação de serviço
militar, a fidelidade ao Estado, etc.
A Enciclopédia Britânica distingue entre national e citizen, explicando que a
nacionalidade é distinta da cidadania, este sendo termo usado para denotar o status dos
nacionais que detêm todos os privilégios políticos. Antes que o Congresso americano lhes
concedesse cidadania, no sentido total da palavra, os índios americanos eram referidos às
vezes como noncitizen nationals (nacionais não-cidadãos). (DOLINGER, 2008, p. 158)
Celso Lafer (1991, p. 135) entende que o termo cidadania “pressupõe a nacionalidade,
mas o nacional pode estar legalmente incapacitado para exercer a cidadania, ou seja, os seus
direitos políticos”, como no caso do menor até atingir a maioridade política, os interditados
etc.
A ideia de cidadão, que, na Antiguidade clássica, conotava o habitante da cidade o
citadino firma-se, então, como querendo significar aquele indivíduo a quem se atribuem
50
direitos políticos; é dizer, o direito de participar ativamente da vida política do local onde se
vive. Assim, por cidadania entendia-se a qualidade dos que poderam exercer direitos políticos.
Sobre “virtude cívica” na Grécia antiga, ensina Arno Dal Ri Júnior (2003, p. 26-27) que:
É dado como certo, que os gregos não conheceram o termo cidadania, nem o
significado que este adquiriu na modernidade. Porém [...] é possível reconhecer na
noção de ‘virtude cívica’, um elemento com conteúdo e função semelhante ao da
moderna cidadania [...]
[...] eram considerados cidadãos todos os homens livres que pertenciam ao grupo
dos que contribuíam ativamente à organização da comunidade. Além de possuidor
de um vínculo de origem com o território da comunidade, o cidadão grego deveria
ser homem, livre, de grande despojamento pessoal [...] em prol dos interesses da
polis. Por conseguirem identificar os próprios interesses pessoais com o da cidade-
Estado, estes eram considerados homens ‘virtuosos’ e ‘sábios’.
Na Antiguidade clássica, Roma foi a primeira cidade-Estado a instituir o conceito
jurídico de cidadania e servindo-se dele como base para todo o seu ordenamento jurídico. O
cidadão romano podia exercer determinados direitos, tais como o direito a tria nomina, ou
seja, de possuir três nomes (praenomen, nomen e cognomen), e o de contrair matrimônio. Já
quanto às obrigações perante o Estado, ele deveria pagar tributos e prestar o serviço militar.
Os jurisconsultos romanos consideravam a condição de cidadão como um direito
perpétuo, no entanto, havia previsão no ordenamento jurídico romano para a perda da
cidadania. A primeira hipótese se dava no caso de aquisição da cidadania de outra cidade-
Estado. Já a segunda hipótese acontecia caso o cidadão perdesse sua liberdade.
Desde o momento em que Roma se transformou em Império, iniciou-se um gradual de
esvaziamento do conceito de cidadania. Do período que vai da queda do Império Romano até
a coroação de Carlos Magno como imperador do Sacro Império Romano-Germânico, se
efetiva a redução do status de cidadão à condição de súdito.
Mazzuoli (2009, p. 610-612) conta que o primeiro esboço do conceito que se tem hoje
de cidadania está ligado intimamente ao surgimento dos direito civis, no decorrer do século
XVIII (chamado Século das Luzes), sob a forma de direitos de liberdade.
A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o
Ancien Régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios
mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de
‘cidadão’, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a
igualdade contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator.
51
Como resultado da Revolução Francesa, apareceu a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 1789, sob a influência do discurso jurídico burguês. A revolução burguesa
pretendeu deixar claro que não haveria Constituição onde não se tivesse assegurada a garantia
dos direitos individuais. Buscou-se, então, situar em primeiro plano os direitos dos indivíduos,
transformando-os de súditos a cidadãos, em repúdio à monarquia absolutista e sob o manto de
uma república constitucional. A expressão “direitos do homem” significava o conjunto de
direitos individuais, ao passo que a dicção direitos do cidadão” expressa o conjunto dos
direitos políticos, capacidade de votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia
representativa.
Assim, os vernáculos “homem” e “cidadão” recebiam significados diversos. Quer dizer,
o cidadão teria um plus em relação ao homem, consistente na titularidade de direitos na ordem
política, na participação da vida em sociedade e na detenção de riqueza, formando, então, uma
casta especial e mais favorecida, distinta do resto da grande e carente massa popular, por sua
vez considerados como simples indivíduos.
Por cidadãos deveriam ser entendidos os homens franceses (ou seja, seres humanos do
sexo masculino) que podiam prover o seu sustento pelo próprio capital, isto é, que não tinham
relação de dependência para com o capital de outrem. Em outras palavras, da condição de
cidadãos estavam excluídas todas as mulheres, bem assim aqueles que não podiam prover o
seu sustento pelo próprio capital, ou seja, todos os trabalhadores, empregados e
hipossuficientes. As qualidades de pertencer ao sexo masculino e ser dotado de boas
condições econômicas eram, portanto, fatores fundamentais para a participação ativa na vida
da sociedade francesa do século XVIII.
T. H. Marshall (1967, p. 63-64), ao estudar o desenvolvimento da cidadania até o fim do
século XIX, divide o seu conceito em três elementos: civil, político e social. O elemento civil
é composto dos direitos necessários à liberdade individual. O elemento político trata do
direito de participar no exercício do poder político. Já o elemento social:
se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar
econômico e segurança ao direito de participar, por completo na
herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os
padrões que prevalecem na sociedade. [...]
Na Carta brasileira de 1824, por exemplo, falava-se, nos artigos. 6º e 7º, em cidadãos
brasileiros, como querendo significar o nacional, ao passo que, nos artigos, 90 e 91, o termo
52
cidadão designava aqueles que podiam votar e ser votados. Esses últimos eram chamados de
cidadãos ativos, pois gozavam de direitos políticos. Aqueles, por sua vez, pertenciam à classe
dos cidadãos inativos, porque destituídos do direito de eleger e ser eleitos.
Jacob Dolinger (2008, p. 157-158) explica que os norte-americanos também confundem
nacionalidade e cidadania, uma vez que a Emenda XIV à Constituição dos EUA proclama que
“todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição são
cidadãos dos Estados Unidos[...]”, tendo então o vocábulo cidadão o mesmo valor de
nacional. Só que, na verdade, a intenção do legislador ianque foi salvaguardar os direitos do
negro americano que acabara de ser libertado da escravidão, deixando bem claro que todos
são efetivamente cidadãos.
Com o aparecimento do Estado social nas primeiras décadas do século XX, as fronteiras
da cidadania ampliaram-se ainda mais, aumentando as dificuldades de formulação de um
conceito mínimo, capaz de entender, coerentemente, esse novo fenômeno em construção.
Esta ideia, entretanto, foi sendo gradativamente modificada quando do início do
processo de internacionalização dos direitos humanos, nascido com a proclamação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Passa-se a considerar como cidadãos,
a partir daí, não só aqueles detentores dos direitos civis e políticos, mas, sim, todos os que
habitam o âmbito da soberania de um Estado e desse Estado recebem uma carga de direitos
(civis e políticos; sociais, econômicos e culturais) e deveres dos mais variados.
Nossas Constituições distinguem a nacionalidade da cidadania. A Constituição de 1946,
em seu título IV “Da Declaração de Direitos” cujo capítulo I se intitulava “Da
Nacionalidade e da Cidadania”, cuidava nos artigos 129 e 130 da aquisição e da perda da
nacionalidade brasileira, enquanto o artigo 131 versava sobre os eleitores brasileiros, matéria
atinente à cidadania.
A Constituição de 1988, no título relativo aos direitos fundamentais, tem um capítulo
dedicado à “nacionalidade” e outro aos “direitos políticos”, compondo estes as características
da cidadania. No capítulo sobre a nacionalidade, vem enunciando quem é brasileiro, como se
adquire e quando se perde a nacionalidade brasileira (artigo 12), e no capítulo intitulado “Dos
Direitos Políticos”, cuida-se dos direitos de votar e ser eleito expressões da cidadania (artigo
14) – da sua perda e suspensão (artigo 15).
53
No artigo 1º, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil como Estado
Democrático de Direito, enunciam-se a soberania e a cidadania, esta como manifestação dos
direitos políticos dos membros componentes do povo, conforme parágrafo único do mesmo
artigo. No artigo 22, inciso XIII, estabelece a Constituição a competência da União para
legislar sobre “nacionalidade, cidadania e naturalização”, em que a naturalização é
redundante, eis que incluída na nacionalidade.
Dentre os atos legislativos para os quais a Constituição veda a delegação artigo 68,
§1º - figura a legislação sobre nacionalidade e sobre cidadania (inciso II), que estão
igualmente discriminadas no inciso LXXI do artigo 5º ao tratar do mandado de injunção. Só o
cidadão tem legitimidade para propor ação popular (artigo 5º, inciso LXXIII), para propor leis
complementares e ordinárias (artigo 61) e para denunciar irregularidades perante o Tribunal
de Contas da União (artigo 74, §2º).
Apesar de a Constituição só enunciar a condição de “cidadão” para os cargos de
Ministro do Supremo Tribunal Federal (artigo 110) para os membros do Conselho de
República (artigo 89, inciso VII) e para o Advogado-Geral da União (artigo 131, §1º),
entende-se que a mesma condição se aplica a cargos em que a Constituição fala em
“brasileiros”, como os ministros dos tribunais de contas da União (artigo 73, §1º), ministros
do Superior Tribunal de Justiça (artigo 104, parágrafo único), juízes dos tribunais regionais
federais (artigo 107), ministros do Tribunal Superior do Trabalho (artigo 111, §1º), ministros
do Superior Tribunal Militar (artigo 123, parágrafo único). Cabe ressalvar que apesar de a
Constituição não ter feito referência quanto à nacionalidade brasileira no caso dos juízes dos
tribunais regionais do trabalho (artigo 115), entende-se que este cargo também é privativo de
“brasileiros”.
O artigo 15, que cuida da perda ou suspensão dos direitos políticos, enuncia cinco
hipóteses. A primeira cuida da perda de nacionalidade (cancelamento da naturalização,
prevista no artigo 12, §4º, n. I), devendo-se atentar para o fato de que o mesmo ocorrerá para
quem perder a nacionalidade por ter adquirido outra nacionalidade, por naturalização
voluntária (n. II do mesmo artigo 12, §4º) também aí se dará a perda dos direitos políticos,
eis que, perdida a nacionalidade, perdida fica a cidadania. As outras quatro hipóteses de perda
ou suspensão de direitos políticos, especificadas nos itens II a V do artigo 15, só tratam de
perda da cidadania, mas não de perda da nacionalidade.
54
Hoje, a preocupação maior consiste em entender a cidadania não como mera abstração
ou hipótese jurídica, mas como meio concreto de realização da soberania popular, entendida
esta como poder determinante do funcionamento estatal. Não obstante esse anseio de
mudança conceitual, os textos constitucionais de vários países ainda induzem à confusão entre
nacionalidade e cidadania, inclusive no Brasil, onde a Constituição se refere a estas
expressões em diversos dispositivos, atribuindo-lhes significados variados.
Pode-se considerar a nacionalidade como sendo o elo jurídico-político que liga o
indivíduo a determinado Estado e a cidadania como a condição de exercício dos direitos
constitucionalmente assegurados, que não mais se limita à mera atividade eleitoral ou ao voto,
compreendendo também uma gama muito mais abrangente de direitos por sua vez oponíveis
à ação dos poderes públicos e, também, deveres para com toda a sociedade etc. Cidadania,
mais do que apenas a capacidade de votar e ser votado, é a plena capacidade civil de exercer
os direitos civis, políticos e sociais previstos constitucionalmente.
A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de participação dos indivíduos
na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito de seu Estado, alcançados, em
igualdade de direitos e dignidade, pela convivência coletiva, com base num sentimento ético
comum, capaz de torná-los partícipes do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público. São
atos que comprovam o exercício da cidadania o desempenho de funções públicas, de
atividades comerciais ou empresariais, o exercício do voto, a participação na vida da
sociedade civil etc.
As prerrogativas conferidas pela cidadania aos nacionais normalmente (mas nem
sempre) excluem a participação dos estrangeiros, principalmente no que tange às questões
políticas privativas dos cidadãos do país em que se encontrem. Não obstante o Texto
Constitucional brasileiro assegurar “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [isso
não significando que os estrangeiros não residentes não disponham de quaisquer meios para
tutelar situações subjetivas, como apontam os autores constitucionalistas] a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (artigo 5º, caput), a
própria Constituição reserva aos brasileiros o exercício de certos direitos públicos e privados,
excluindo a participação dos estrangeiros.
Por outro lado, a nacionalidade é o conceito mais ligado aos aspectos internacionais do
vínculo que liga o indivíduo a um Estado, distinguindo-o do estrangeiro, enquanto que a
55
cidadania tem características mais ligadas à participação social, esta última, como garantia do
exercício dos direitos fundamentais (Constituição Federal de 1988, artigos. 1º, inciso II, e 14).
Sob esse aspecto, a cidadania pressupõe nacionalidade, e é conceito menos amplo do que o de
nacional.
2.4 Direitos fundamentais e nacionalidade
Os direitos fundamentais também sempre foram previstos nas constituições brasileiras.
A Constituição do Império (1824) já consignava os direitos fundamentais de primeira geração
quase integralmente. Ela, no entanto, não trazia o título Declaração de Direitos, comum nas
demais constituições, mas Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis e Políticos
dos Cidadãos Brasileiros, com disposições sobre a aplicação da Constituição, sua reforma,
natureza de suas normas e o art. 179, com 35 incisos, dedicados aos direitos e garantias
individuais, especialmente.
Já a Constituição de 1891 abria a Seção II do Título IV com uma Declaração de
Direitos, onde assegurava a brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à segurança e à propriedade nos termos dos 31 parágrafos
do art. 72, acrescentando algumas garantias funcionais e militares nos arts. 73 a 77 e
indicando no art. 78, que a enumeração não era exaustiva, regra que passou para as
constituições subsequentes. Ela, basicamente, só continha os chamados direitos e garantias
individuais.
Foi desde a Constituição de 1934 que, não só os direitos e garantias individuais estarão
previstos, mas tamm os de nacionalidade e os políticos. Além disso, que, na esteira das
constituições de pós-Primeira Guerra Mundial, reconheceu os direitos econômicos e sociais
do homem, ainda que de maneira pouco eficaz, no Título “Da Ordem Econômica e Social”.
Aliás, já no caput do art. 133, que arrola os tradicionais direitos e garantias individuais, à
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade,
adita também a inviolabilidade aos direitos à subsistência, elevando, por conseguinte, esta
também à categoria dos direitos fundamentais do homem.
Essa Constituição durou pouco mais de três anos, pelo que nem teve tempo de ter
efetividade. A ela sucedeu a Carta de 1937, ditatorial na forma, no conteúdo e na aplicação. A
Constituição de 1946 trouxe o Título IV sobre a Declaração dos Direitos, com dois capítulos:
um sobre a Nacionalidade e a Cidadania e outro sobre os Direitos e Garantias Individuais
56
(arts. 129 a 144). O caput do art. 141, sobre os direitos e garantias individuais, não incluíra o
direito à subsistência. Em seu lugar, colocara o direito à vida. Assim fixou o enunciado que se
repetiu na Constituição de 1967 (art. 151) e sua Emenda 1/69 (art. 153), assegurando os
direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos
parágrafos que se seguiam ao caput do artigo.
Na de 1946, o direito à subsistência se achava inscrito no parágrafo único do art. 145,
onde assegurava a todos trabalho que possibilitasse existência digna. Aparecem nela, como
nas de 1967 e 1969, os direitos econômicos e sociais, mais bem estruturado do que na de
1934, em dois títulos: um sobre a ordem econômica e outro acerca da família, da educação e
da cultura. O Título II cuidava da Declaração de Direitos, com cinco capítulos: I Da
Nacionalidade; II Dos Direitos Políticos; III Dos Partidos Políticos; IV Dos Direitos e
Garantias Individuais; V Das Medidas de Emergência, do Estado de Sítio e do Estado de
Emergência. Os direitos econômicos e sociais constavam de dois Títulos: III Da Ordem
Econômica e Social e IV Da Família, da Educação e da Cultura.
Já a Constituição de 1988 começa seu texto com um título sobre os princípios
fundamentais, e logo introduz o Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, nele
incluindo os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (Cap. I), os Direitos Sociais (Cap. II),
os Direitos da Nacionalidade (Cap. III), os Direitos Políticos (Cap. IV) e os Partidos Políticos
(Cap. V).
Antes de começar o estudo dos direitos fundamentais, cabe fazer distinção entre as
expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Pérez Luño (2005, p. 32) explica
que a dicção “direitos fundamentais” (droit fondamentaux) apareceu em França, em 1770, no
movimento político e cultural que conduziu a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789. E na Alemanha, sob o título Grundrechte, articulavam o sistema de relações
entre o indivíduo e o Estado, e que serviam de fundamento para toda a ordem jurídico-
política.
Daí veio o costume da doutrina de chamar de “direitos fundamentais” os direitos
humanos positivados nas constituições dos Estados. Enquanto isso, “direitos humanos” era
mais apropriado para os direitos previstos em declarações ou convenções internacionais. Esse
também é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 35-36). Sobre o assunto, José
Afonso da Silva (2008, p. 178) assinala que:
57
Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo,
porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e
informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para
designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele
concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem
mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual,
devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente
efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa
humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa
humana ou direitos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos
fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos
fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17. (grifo original)
Ana Maria D’Ávila Lopes (2001, p. 35) conceitua direitos fundamentais como sendo
“os princípios jurídicos e positivamente vigentes em uma ordem constitucional que traduzem
a concepção da dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal”.
Suas características são função dignificadora, natureza principiológica, elementos
legitimadores, normas constitucionais e historicidade.
A função dignificadora é o princípio da dignidade humana, fundamento destes direitos,
não só na relação Estado-indivíduo, como nas demais relações da vida do cidadão. Eles têm
natureza principiológica, pois servem de fundamento para dirimir conflitos de toda sorte. São
elementos legitimadores, já que fundamentam o sistema jurídico. Normas constitucionais
porque se encontram positivadas na Constituição. E historicidade, porque ao surgirem vão
refletindo a concepção de dignidade humana da sociedade que as regula. (LOPES, 2001, 37)
Pedro Lenza (2009, p. 672) apresenta outras características para os direitos
fundamentais: universalidade, limitabilidade, concorrência, irrenunciabilidade,
inalienabilidade e imprescritibilidade. Universais porque se destina a todos
indiscriminadamente. Limitáveis porque não são direitos absolutos. Concorrentes porque
podem ser exercidos cumulativamente. Irrenunciáveis porque ninguém pode renunciar a eles,
o que pode acontecer é o não-exercício do direito. Inalienáveis porque são indisponíveis, e por
não terem conteúdo econômico-patrimonial não podem ser alienados. Imprescritíveis porque
são sempre exercíveis, não a prazo para a utilização.
Normalmente os direitos fundamentais são classificados em gerações. Os de primeira
geração dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e
políticos que traduzem o valor de liberdade. Os de segunda geração, também chamados de
direitos sociais, culturais e econômicos, correspondem aos direitos de igualdade. Os de
58
terceira são dos direitos de solidariedade, ou seja, o direito a um meio ambiente saudável, os
direitos do consumidor etc. Há quem fale em direitos de quarta geração:
[...] segundo orientação de Noberto Bobbio, referida geração de direitos decorreria
dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria
existência humana, através da manipulação do patrimônio genético. Segundo o
mestre italiano: ‘[...] já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se
de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da
pesquisa biológica, que permitirá manipulação do patrimônio genético de cada
indivíduo’. (LENZA, 2009, p. 670-671) (grifo original)
As normas que tratam dos direitos fundamentais são aquelas que revelam, com maior
ênfase, os princípios e valores que devem guiar a interpretação constitucional. Ana Cristina
Costa Meireles (2008, p. 65) acentua que elas garantem um status que lhes retira da
tradicional dicotomia Direito Público e Privado e do qual resultam as seguintes inovações
constitucionais: a) irradiação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Privado; b)
elevação de tais direitos à categoria de princípios, passando a se constituir o mais importante
pólo de eficácia normativa da Constituição; c) eficácia vinculante com relação aos três
poderes; d) aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais; e e) fonte de
inspiração, impulso e diretriz para a legislação, a administração e a jurisdição.
John Rawls (2004, p. 104), por sua vez, defende que os direitos humanos “estabelecem
um padrão necessário, mas nã suficiente, para a decência das instituições políticas e sociais” e
que ao fazê-lo “limitam o Direito nacional admissível de sociedades com boa reputação em
uma Sociedade dos Povos razoavelmente justa”.
O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem nas declarações de direitos é
coisa recente, mas suas possibilidades não se esgotam, pois, conforme a Humanidade evoluir,
surgirão outros direitos. Ao logo da História, os direitos humanos foram sendo declarados em
documentos clássicos, tais como a Magna Carta inglesa de 1215, a lei do Habeas Corpus, de
1679, a Bill of Rights, de 1689, a Declaração de Independência e Constituição dos EUA, de
1776, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a Constituição
mexicana, de 1917, e a Constituição alemã, de 1919.
A primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno, foi a Declaração
de Direitos do Bom Povo de Virgínia, que era uma das treze colônias inglesas na América do
Norte. Essa declaração é de 12 de janeiro de 1776, sendo anterior à Declaração de
Independência dos EUA. Ambas, contudo, inspiradas nas teorias iluministas,
consubstanciavam as bases dos direitos do homem, tais como: todos os homens são por
59
natureza igualmente livres e independentes; e todo poder está investido no povo, e, portanto,
dele deriva, e os magistrados são seus depositários e servos, e a todo tempo por ele
responsáveis.
Basicamente, preocupava-se com a estrutura de um governo democrático, com um
sistema de limitação de poderes. Os textos ingleses anteriores apenas tiveram por finalidade
limitar o poder do rei, proteger o indivíduo contra a arbitrariedade deste e firmar a supremacia
do Parlamento. As Declarações de Direito, iniciadas com a da Virgínia importam em
limitações do poder do Estado como tal, inspiradas na crença na existência de direitos naturais
e imprescritíveis do homem.
A Constituição dos EUA, de 1787, não continha inicialmente uma declaração dos
direitos fundamentais do homem. Sua entrada em vigor, contudo, dependia da ratificação de
pelo menos nove dos treze Estados independentes, para que tais Estados soberanos se
tornassem um Estado Federal. Só que alguns somente concordaram em aderir a esse pacto se
houvesse na Constituição uma Carta de Direitos. Daí o surgimento das conhecidas emendas a
Constituição dos EUA que preveem uma série de direitos fundamentais.
Já o que diferenciou a Declaração Francesa de 1789 das proclamadas na América do
Norte foi sua vocação universalizante. Sua visão universal dos direitos do homem constituiu
uma de suas características marcantes. Os direitos fundamentais aqui são de todos os homens
e não só dos cidadãos de um Estado (Do Bom Povo da Virgínia); é a Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão.
Com a Segunda Guerra Mundial, as atrocidades e os abusos praticados contra os
indivíduos impulsionaram a criação de normas e princípios capazes de assegurar o respeito à
dignidade humana. Ocorreu a universalização dos direitos humanos, fazendo com que os
Estados consentissem em submeter ao controle da comunidade internacional o que até então
era do seu domínio reservado. Este processo ocorreu mediante a criação de uma sistemática
internacional de monitoramento e controle a chamada international accountability.
(PIOVESAN, 2008, p. 157)
A Carta da Organização das Nações Unidas - ONU de 1945, em seu art. 55, estabelece
que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais. E, em 1948, a Declaração Universal dos Diÿÿitosÿÿo Homem veio a definir e
fixar o elenco dos direitos e liberdades fundamentais a serem garantidos. Para Paulo
60
Bonavides (1996, p. 526); a previsão destes direitos na Declaração Universal de 1948 “Foi tão
importante para a nova universalidade dos direitos fundamentais o ano de 1948 quanto o de
1789 o fora para a velha universalidade de inspiração liberal”. Isto porque:
[...] essas Declarações fizeram vingar um gênero de sociedade democrática e
consensual, que reconhece a participação dos governados na formação da vontade
geral e governante. Ergueram-se desse modo conceitos novos de legitimação da
autoridade, dos quais o mais importante vem a ser aquele que engendrou a chamada
teoria do poder constituinte [...] (BONAVIDES, 1996, p. 528)
Acontece que, por não ser um tratado internacional, a Declaração Universal, em si
mesma, não apresentava força jurídica obrigatória e vinculante. Instaurou-se, então, uma larga
discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a
observância universal dos direitos nela estão previstos. Entendeu-se que a Declaração deveria
ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e
vinculante no âmbito do Direito Internacional. É o que ensina Flávia Piovesan (2008, p. 158):
Esse processo de ‘juridicização’ da Declaração começou em 1949 e foi concluído
apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos o Pacto
Internacional dos Direito Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais que passaram a incorporar os direitos constantes
da Declaração Universal. Ao transformar o dispositivo da Declaração em previsões
juridicamente vinculantes e obrigatórias, os dois pactos internacionais constituem
referência necessária para o exame do regime normativo de proteção internacional
dos direitos humanos.
Formou-se, então, a Carta Internacional dos Direitos Humanos, International Bill of
Rights, integrada pela Declaração Universal de 1948 e pelos dois pactos internacionais de
1966. Inaugura-se, com efeito, o sistema global de proteção desses direitos, ao lado do qual já
se delineava o sistema regional de proteção, nos âmbitos europeu, interamericano e,
posteriormente, africano. Estes tratados internacionais de direitos humanos não objetivam
estabelecer o equilíbrio de interesses entre os Estados, mas sim garantir o exercício de direitos
e liberdades fundamentais aos indivíduos. Aqui, o Estado tem a responsabilidade primária
pela proteção desses direitos humanos, ao passo que a comunidade internacional tem a
responsabilidade subsidiária.
Os tratados consagram os parâmetros protetivos mínimos, cabendo ao Estado, em sua
ordem jurídica interna, pô-los em prática, sempre ampliando o catálogo dos direitos, e nunca o
diminuindo. Os pactos internacionais de Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, embora tenham sido aprovados em 1966, pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, entraram em vigor apenas dez anos depois, 1976, pois, somente neste ano,
alcançaram o número de ratificações necessárias. Segundo o sítio do Alto Comissariado das
61
Nações Unidas (ONU, 2010, online), 162 Estados já aderiram ao Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos e 159 Estados aderiram ao Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Apesar do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos fazer menção ao direito da
criança de adquirir uma nacionalidade, esta omitiu a previsão sobre nacionalidade que existe
na Declaração Universal de 1948 (2010, online), no seu artigo XV: “1. Todo homem tem
direito a uma nacionalidade; 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade,
nem do direito de mudar de nacionalidade”. Sobre o assunto, Fábio Konder Comparato (2008,
p. 283) leciona que:
Sem dúvida, após a Declaração e antes de serem adotados os Pactos, duas
convenções internacionais tiveram por objeto garantir a proteção jurídica às pessoas
despidas de nacionalidade: a Convenção de 28 de setembro de 1954 sobre o Estatuto
dos Apátridas, [...] e a Convenção sobre a Redução da Condição de Apátrida, datada
de 30 de agosto de 1961. Mas esse processo na regulação da matéria não explica
nem justifica a ausência da proclamão desse direito nos Pactos de 1966,
elaborados justamente, para serem a Carta Internacional dos direitos humanos
naquele momento histórico. A lacuna é grave, porque, como foi assinalado, a
situação dos que tiveram sua nacionalidade cancelada pelos Estados totalitários, e
não conseguiram ser admitidos como nacionais de outro país durante o período
conturbado dos anos 30 e 40, ilustrou de modo trágico a perda da condição de
pessoa humana na comunidade universal. É obvio que a disposição genérica do
artigo 16 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos não supre a inexistência de uma
norma específica sobre o direito de toda pessoa a ter uma nacionalidade, nem o de
preferir a condição de apátrida.
Antes desses documentos internacionais citados, o primeiro, de caráter multinacional,
declarando os direitos do homem foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, cujo texto agasalha a maioria dos direitos individuais e sociais inscritos na
Declaração Universal de 1948. José Afonso da Silva (2008, p. 166) ressalta que ela foi
aprovada pela IX Conferência Internacional Americana, reunida em Bogotá, de 30 de março a
2 de maio de 1948, antecedendo, assim, à ONU cerca de oito meses, e que na mesma
Conferência, foi aprovada também a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais,
consubstanciando os direitos sociais do homem americano.
A declaração mais importante, no entanto, foi a Convenção Americana de Direitos
Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, adotada nesta cidade em 22 de
novembro de 1969, juntamente como seus meios de proteção: a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, prevista na Resolução VIII, da V Reunião de Consulta dos Ministros das
Relações Exteriores (Santiago do Chile, agosto de 1959); e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, que vigora desde 18 de junho de 1978. O Brasil, porém, só aderiu ao Pacto em
62
1992, já que nas décadas de 1960 e 1970 estava submetido a um regime ditatorial militar que,
como diversos regimes latino-americanos, não respeitava os direitos individuais dos
nacionais. É o que explica Luiz Alberto David Araújo (2010, p. 119):
[...] A Convenção foi produzida em 1969, portanto, há mais de trinta anos. Há,
portanto, evidente defasagem entre as idéias afirmadas no texto e a situação atual. E,
especialmente em ambiente turbulento como o americano, os direitos alardeados
passam por problemas de cumprimento e efetividade nos sistemas internos. Não
podemos deixar de anotar que Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai, por
exemplo, passaram por ditaduras onde era muito difícil a implementação de um
sistema democrático de proteção. Os direitos humanos eram violados com
freqüência. E, além disso, havia, como já comprovado, uma cooperação entre os
Estados para a manutenção de tais regimes ditatoriais. [...]
O sistema global, por sua vez, foi ampliado com o advento de vários tratados
multilaterais de direitos humanos, pertinentes a determinadas e específicas violações de
direitos, como o genocídio, a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as
mulheres, a violação dos direitos das crianças, entre outras formas específicas de violação. O
direito à nacionalidade está previsto nos principais tratados internacionais direitos humanos.
2.4.1 Tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição Federal de
1988
O artigo 5º, §2º, da Constituição assinala que os direitos e garantias nela previstos “não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Portanto, parte doutrina
tende a interpretar que os direitos humanos previstos nos tratados internacionais de que o
Brasil é signatário estão inclusos no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos. No
entanto, o Supremo Tribunal Federal STF, jamais admitiu essa leitura do §. Para essa
Corte, os direitos humanos decorrentes de tratados internacionais, que entraram no
ordenamento jurídico pátrio, têm força de mera lei ordinária, sem poder constitucional
vinculante.
Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o §3º ao artigo 5º, onde
prevê que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados, em cada casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas à Constituição, reforçou-se o entendimento do STF de que os
tratados de proteção a direitos humanos anteriores à emenda teriam força de lei ordinária
federal. Defende-se aqui, no entanto, o entendimento de Flávia Piovesan, André de Carvalho
Ramos e Valério Mazzuoli, de que estes direitos são de hierarquia constitucional sim. Neste
63
sentido, Piovesan (2008, p. 76) assinala:
Reitere-se que, por força do art. 5, §2º, todos os tratados de direitos humanos,
independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais,
compondo o bloco de constitucionalidade. O quorum qualificado está tão-somente a
reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados
ratificados, propiciando a ‘constitucionalização formal’ dos tratados de direitos
humanos no âmbito jurídico interno. Como já defendido por este trabalho, na
hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não
formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da
dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia das
normas, e não o oposto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico,
como é o caso de um direito fundamental, deve condicionar a forma no plano
jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela.
Portanto, em razão da sua natureza material de Direito Constitucional, os tratados
internacionais sobre direitos humanos tais, como o a Convenção sobre o Estatuto dos
Apátridas (Decreto 4.246, de 22 de maio de 2002), a Convenção sobre Nacionalidade da
Mulher Casada (Decreto 64.216, de 18 de março de 1969), ou a Convenção de Haia sobre
Nacionalidade (Decreto 21.798, de 06 de setembro de 1932), no que não se chocam com a
ordem constitucional vigente, ampliam o catálogo de direitos fundamentais da Constituição.
2.4.2 Tribunal Penal Internacional e a entrega de nacionais
O interesse deste estudo é sobre a possibilidade de entrega de nacionais pelo governo ao
Tribunal Penal Internacional. Em 1998, foi realizada a Conferência de Plenipotenciários em
Roma, que resultou na adoção da versão final do tratado que criava o TPI por 120 países que
o assinaram. Dos 148 que estavam representados nesta Conferência 21 se abstiveram, e
apenas sete votaram contra a adoção do tratado.
O art. 126 do Estatuto estabeleceu que o TPI entraria em vigor somente após o depósito
de 60 instrumentos de ratificação pelos países que o assinaram até 31.1.2000. Este fato
ocorreu em 11.04.2002. Ele está vigente no Brasil e foi aprovado pelo Decreto Legislativo
112, de 06.06.2002, e promulgado pelo Decreto 4.388, de 25.09.2002. É importante recordar
que o Estatuto não permite que se façam quaisquer reservas de suas cláusulas (art. 120).
Há, porém, autores que dizem existir, aparentemente, incompatibilidades entre o
Estatuto de Roma e algumas normas fundamentais consagradas pela Constituição Federal de
1988. Entre elas está a proibição da extradição de nacionais por parte do Brasil, enquanto o
Estatuto prevê essa entrega (ER, art. 89). Sobre o assunto, Alessandra Hernandes anota:
64
No que se refere à extradição, convém acentuar que o próprio Estatuto de Roma
diferencia a extradição do ato de entrega (surrender). De acordo com o Estatuto,
‘por ‘entrega’ se entenderá a entrega de um indivíduo por um Estado ao Tribunal,
em conformidade com o disposto no presente Estatuto’; e ‘ por ‘extraditado’ se
entenderá a entrega de um indivíduo por um Estado a outro, em conformidade com o
disposto em um tratado, convenção ou no direito interno’. (ER, art. 102, alíneas ‘a’ e
‘b’). (HERNANDES, 2004, p. 63)
Esse é o entendimento de Flávia Piovesan (2009, p. 175-176) que pensa ser uma
questão de conflito aparente. Para ela “a extradição implica a rendição de uma pessoa por um
Estado a outro Estado, enquanto que a entrega importa na rendição de uma pessoa por um
Estado a um tribunal internacional, cuja jurisdição esse Estado tenha reconhecido”. E conclui,
dizendo que:
[...] Um Estado, ao reconhecer a jurisdição de um tribunal internacional, não está
formando uma nova entidade soberana e autônoma, perante a qual terá que se
proteger, como o faz diante de outro Estado. Estará, ao contrário, formando uma
entidade que consistirá em uma extensão de seu poder soberano e que refletirá a
intenção conjunta de vários Estados em colaborar para a consecução de um escopo
comum, tangente à realização da justiça. [...]
Portanto, de acordo com essa distinção, o Estatuto de Roma não colide com a CF/88. O
Tribunal Penal Internacional não se trata de outro Estado, mas sim de uma organização
internacional que representa a comunidade dos Estados e que o Brasil ajudou a constituir.
Wagner Menezes (2005, p. 73) destaca o fato de que o Tribunal, por seguir o princípio da
complementaridade, “só será acionado para intervir quando as autoridades nacionais se
mostrarem incapazes ou omissas no sentido de julgar esses crimes no âmbito de seu
território”. E continua discorrendo sobre a importância do Tribunal Penal Internacional:
O pleno funcionamento do TPI é um grande avanço para o Direito Internacional
dentro desta nova contextualização internacional, e muda os paradigmas da
disciplina. Não é mais um mero acontecimento a povoar o cenário mundial. Ele
preenche uma lacuna na evolução do Direito Penal Internacional como uma
jurisdição de caráter permanente e vocação internacional para julgar violações
cometidas não só pelos Estados, mas também por indivíduos, contra ordem
internacional.
Acerca da soberania dos Estados que aderiram ao Tribunal Penal Internacional, assim
entende Jorge Oliveira (2004, p. 519):
[...] Ora, se um Estado soberano, livre de qualquer tipo de pressão, decide aderir a
um tratado internacional, deve aceitar as imposições deste tratado, não como ente
subalterno na comunidade mundial, mas como um sujeito igual de direito
internacional. Trata-se na verdade, não de abrir mão da soberania, mas de, no
exercício pleno da soberania, reconhecer a competência de um órgão internacional
para assuntos cuja competência era tratada internamente. Isto, motivado pelo
interesse de formar, na comunidade internacional, entre aqueles que vislumbram
65
como prioridade as obrigações voltadas à manutenção da convivência pacífica, ao
fortalecimento das relações de cooperação e ajuda mútua. Neste contexto, há que se
destacar mais uma vez o compromisso expresso constitucionalmente pelo Estado
brasileiro de pugnar em favor dos direitos humanos. Sendo assim, aceitar cooperar
com um organismo internacional em favor do dos direitos humanos é, ao mesmo
tempo, cumprir o texto constitucional e exercitar a soberania. Talvez seja mesmo o
caso de considerar-se este compromisso internacional uma espécie de garantia de
direitos que poderão um dia ser violados.
Portanto, pensa-se que a criação do Tribunal Penal Internacional não fere o direito do
nacional de não-extradição, pois aqui o que ocorre é a entrega do nacional a um órgão de
jurisdição internacional da qual o Brasil faz parte, portanto, integrante do mesmo sistema
jurisdicional, para ser julgado. É o que a Constituição prevê no §4º do artigo 5º: “O Brasil se
submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado
adesão”.
3 AQUISIÇÃO E PERDA DA NACIONALIDADE
Apesar de os Estados terem a liberdade para definir quais serão as normas relativas à
atribuição de sua nacionalidade, as semelhanças encontradas nos diferentes ordenamentos
permitem identificar institutos comuns. Portanto, a nacionalidade pode ser de duas espécies
originária (primária ou atribuída) e adquirida (secundária, derivada ou de eleição).
A definição da nacionalidade primária vincula-se a dois critérios predominantes: jus
soli(s) (local de nascimento) e o jus sanguinis (nacionalidade dos pais à época do
nascimento), ou ainda de qualquer relação tida pelo Estado como suficiente para se atribuir a
alguém a nacionalidade. A secundária, que se verifica sempre após o nascimento, se obtém
mediante naturalização ato de vontade do indivíduo, que adquire livremente no decorrer de
sua vida, não podendo ser imposta pelo Estado. Este apenas a aceita e a concede, de acordo
com seu Direito interno, em substituição da nacionalidade de origem.
3.1 Espécies de nacionalidade e critérios da aquisição
No estudo da nacionalidade originária, tem-se o critério do jus soli(s), também
conhecido como critério territorial. Aqui o indivíduo adquire a nacionalidade do Estado em
que nasce, independentemente da nacionalidade dos ascendentes. Teve origem na Idade
Média, com o feudalismo, no qual a ideia dominante era manter o indivíduo preso à terra, ao
solo, como ensina Pontes de Miranda (1967, p. 399).
Foi adotado, em outro momento histórico, pelos Estados novos, que surgiram com a
independência das antigas colônias europeias, pois estas necessitavam formar povo próprio,
desvinculado de outros entes estatais, além de que receberam muitos imigrantes nos anos que
se seguiram. O jus soli permitiu rápida integração dos indivíduos com o Estado onde
nasceram e evitando que a manutenção de vínculos com o ente de origem pudesse ameaçar a
integridade do Estado que os recebia.
Esse critério de atribuição da nacionalidade não se aplica aos filhos de agentes de
Estados estrangeiros, como diplomatas, cônsules, chefes de missão diplomática etc., já que
67
tais indivíduos estão intimamente ligados à nacionalidade de seu país e à sua respectiva
função pública. Portanto, os filhos de agentes de Estados estrangeiros nascidos no Brasil não
terão sua nacionalidade atribuída pelo critério do jus soli, mas sim pelo jus sanguinis, que é o
outro critério de atribuição da nacionalidade originária. Francisco Rezek (2010, p. 192), no
entanto, apresenta uma exclusão a esta regra:
Há, na exceção ao jus soli, outro aspecto relevante, em torno do qual ou autores não
discrepam: os pais, estrangeiros, devem estar a serviço do país cuja nacionalidade
possuem para que incorra a atribuição da nacionalidade brasileira. Seria brasileiro,
dessa forma, o filho de um egípcio que cuidasse no Brasil da representação de Catar
ou Omã. A quem estranhe essa particularidade, convém lembrar que o constituinte
não tendenciou abrir exceção ao jus soli senão quando em presença de uma
contundente presunção de que o elemento aqui nascido terá outra nacionalidade,
merecedora, por razões naturais, de sua preferência, e de que assim a atribuição da
nacionalidade local iria originar quase que seguramente uma incômoda bipatria, a
seu tempo resolvida em favor da nacionalidade a cujo serviço se encontram, a
presunção perde sua energia, de modo que a recusa da nacionalidade local jure soli
poderia não raro dar origem a uma situação que a todo custo tem de ser evitada, qual
seja a apatria de um natural do Brasil.
Isto significa dizer que, só não receberá a nacionalidade brasileira o filho de
estrangeiros que estejam no Brasil a serviço do seu país de origem. Se estiverem estes a
serviço de um terceiro Estado, seus filhos aqui nascidos serão considerados brasileiros natos.
Pelo critério do jus sanguinis, a nacionalidade é atribuída de acordo com a
nacionalidade dos pais ou de outros ascendentes, independentemente do local onde nasça o
indivíduo. É o critério mais antigo, com registro de sua existência no Egito, no povo hebreu e
na Grécia Antiga. É adotado predominantemente por Estados marcados pela emigração,
permitindo a manutenção do vínculo dos emigrantes com o Estado de origem. Sobre o
assunto, Pinto Ferreira (1989, p. 227) leciona:
A Constituição do Império adotou o princípio do jus soli (art. 6º, 1º), embora
temperado com o do jus sanguinis (art. 6º, 2º), quando favorável à nacionalidade
brasileira. As demais constituições seguiram esta linha ideológica de modo genérico.
A Constituição do Império (art. 6º, 5º) admitia a naturalização, o que também
ocorreu com as constituições subseqüentes. A primeira lei de naturalização do Brasil
foi editada em 23 de outubro de 1832, mas no Império o Legislativo outorgava
naturalizações mediante resoluções especiais.
Não obstante as regras sobre a nacionalidade originária estarem bem delineadas, o
antagonismo existente na aplicação de um ou outro critério jus sanguinis e jus soli faz
com que surjam inúmeros conflitos de leis, dando ensejo aos casos em que o indivíduo nasce
sem nacionalidade alguma ou com mais de uma nacionalidade, pois nenhum, ou quase
nenhum Estado soberano adota rigidamente uma ou outra regra, optando, quase sempre, pela
68
escolha de um desses critérios como regra geral, admitindo exceções permissivas de
atribuição da nacionalidade pelo outro.
Jacob Dolinger (2008, p. 162-163) expressa que há um entendimento no sentido de que
o domicílio (jus domicilii) deve servir como critério autônomo para a aquisição de
nacionalidade, como que um “usucapião aquisitivo” a favor de quem se encontra domiciliado
em país por tempo determinado. Sobre o tema discorre Gustavo Ferraz de Campos Monaco
(2002, p. 39):
O domicílio é critério caracterizador da população de determinado Estado, ao passo
que a nacionalidade torna súditos daquele Estado os indivíduos que a adotarem.
‘Pela nacionalidade converte-se a pessoa em súdito permanente do Estado; pelo
domicílio, passa a fazer parte da população de um Estado, como súdito temporário’.
[...]
Na aquisição originária da nacionalidade, o domicílio tão-somente serve como um dos
elementos componentes da aquisição da nacionalidade, como na hipótese do filho de
brasileiros que nasce no exterior e que vem residir no Brasil (CF/88, artigo 12, I, c); já na
nacionalidade secundária o domicílio pode, efetivamente, se tornar elemento assegurador da
naturalização (CF/88, artigo 12, II, b).
No âmbito dos conflitos internacionais de nacionalidade, porém, o domicílio serve
como critério de solução. Exemplo disto é o artigo 5º, da Convenção sobre Nacionalidade de
Haia, 1930, ao dispor que em um terceiro Estado o indivíduo que possuí várias nacionalidades
terá reconhecida a nacionalidade do país no qual tenha sua residência habitual e principal.
A nacionalidade secundária (ou adquirida) é aquela atribuída depois do nascimento (e
não em razão deste), normalmente em decorrência da manifestação de vontade do Estado em
concedê-la e da vontade do indivíduo em adquiri-la, obedecidos certos requisitos legais. Aqui,
o elemento “vontade” tem papel fundamental. A liberdade individual na aquisição secundária
de nacionalidade é a expressão do direito de mudar e de não mudar de nacionalidade.
Francisco Rezek (2010, p. 194) sobre o tema exprime:
Se, ao contrair matrimônio com um francês, uma brasileira é informada de que lhe
concede a nacionalidade francesa em razão do matrimônio, a menos que, dentro de
certo prazo, compareça ela ante o juízo competente para, de modo expresso, recusar
o benefício, sua inércia não importa naturalização voluntária. Não terá havido de sua
parte, conduta específica visando à obtenção de outro vínculo pátrio, uma vez que o
desejo de contrair matrimônio é, por natureza, estranho à questão da nacionalidade.
Nem se poderá imputar procedimento ativo a quem não mais fez que calar. Outra
seria a situação se, consumado o matrimônio, a autoridade estrangeira oferecesse,
nos termos da lei, à nubente brasileira a nacionalidade do marido, mediante simples
69
declaração de vontade, de pronto reduzida a termo. Aqui teríamos autêntica
naturalização voluntária, resultante de procedimento específico visto que o
benefício não configurou efeito automático do matrimônio , e de conduta ativa,
ainda que consistente no pronunciar de uma palavra de aquiescência.
O direito de mudar seria o direito de perder. Quando um indivíduo requer naturalização
em um país, geralmente, se exige que este renuncie à nacionalidade anterior; e o direito de
adquirir, que a rigor não se trata de um direito subjetivo, pois, geralmente, a outorga de
nacionalidade derivada depende de concessão dada pelos Estados, que a decidem
discricionariamente. Pode haver, contudo, hipóteses de naturalização que não dependem da
vontade do governo, como, no Direito brasileiro, a hipótese do artigo 12, II, letra b, da
Constituição Federal de 1988, e do artigo 145, II, b, n. 1 e 2, da Constituição Federal de
1967/69.
Certas legislações admitem a renúncia tácita da nacionalidade, que ocorre quando o
cidadão naturalizado volta a seu país de origem e lá permanece além de determinado período,
considerando-se ter renunciado à nacionalidade que adquirira mediante a naturalização.
Já o direito de não mudar seria o direito de não adquirir, que se manifesta
principalmente nos casos de cessão ou anexação de território. Na Europa, era comum a nova
soberania impor sua nacionalidade às pessoas domiciliadas no território anexado, o que
representava desrespeito à autonomia da vontade da pessoa.
O direito de não mudar também se manifesta no direito de não perder. Na hipótese do
território anexado, as pessoas nele domiciliadas não estão obrigadas a adquirir a sua
nacionalidade do Estado anexante; têm elas o direito de manter sua nacionalidade original,
desde que o respectivo Estado não tenha desaparecido com a anexação.
No caso Romano v. Comma, julgado pela Egyptian Mixed Court of Appeal em 1925, foi
decidido em relação ao Vaticano, cujo território fora anexado à Itália em 1870, que todos os
nacionais do Estado anexado haviam-se tornado automaticamente cidadãos do Estado
anexador, sem necessidade de uma declaração expressa de sua parte, não havendo opção de
nacionalidade nos casos em que o antigo Estado desaparece inteiramente. Hoje em dia, deve-
se conceder à pessoa a opção entre aceitar a nacionalidade do Estado anexador, manter a
nacionalidade original, ou tornar-se apátrida e ficar sob a égide dos instrumentos
internacionais que protegem os sem pátria, situação esta que não é ideal. (DOLINGER, 2008,
p. 164-165)
70
A anexação de um Estado por outro e seu desaparecimento levam à aquisição da
nacionalidade do novo ente estatal pelos cidadãos do antigo Estado, o que também ocorre na
unificação. Quando apenas parte de um ente estatal passa à soberania de outro Estado, os
indivíduos que vivem na região transferida podem ou não, dependendo do caso, adquirir a
nacionalidade da nova pátria em que passaram a viver.
Por fim, há também a nacionalização unilateral, pela qual nova nacionalidade é
atribuída com base no mero ato do Estado ou “pela vontade da lei”, como ocorreu no Brasil,
quando a Constituição de 1891 determinou serem brasileiros “os estrangeiros, que se achando
no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem dentro de seis meses depois de entrar
em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem” (art.69, parágrafo
4º).
Poderá um Estado destituir um cidadão de sua nacionalidade? A Convenção para a
Redução da Apatridia, patrocinada pela ONU, no seu artigo 8º dispõe que “os Estados
contratantes não destituirão uma pessoa de sua nacionalidade se isto causar sua apatridia”. A
rigor, o princípio está imanente no artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que dispõe:
“1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém poderá ser privado
arbitrariamente de sua nacionalidade e a ninguém será negado o direito de trocar de
nacionalidade.”
A primeira parte a alínea 2 impede que um Estado retire arbitrariamente a nacionalidade
de um cidadão seu. Já a parte final é de implementação difícil, eis que a troca de
nacionalidade implica perder uma e adquirir outra. A primeira parte, como se viu, deve ser
livre, mas a segunda depende sempre de ato discricionário do Estado, que não tem obrigação
de conceder sua nacionalidade a todos os que lhe pleiteiem.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aprovada em Bogotá, em
1948, foi redigida mais consentaneamente com a realidade. Dispõe seu artigo 19 que: “Toda
pessoa tem direito à uma nacionalidade que legalmente lhe corresponda, podendo mudá-la se
assim o desejar, pela de qualquer outro país que estiver disposto a concedê-la”. E a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José de Costa Rica, de 1969,
em seu artigo 20, dispõe que: “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda
pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território tiver nascido, se não tiver
71
direito à outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do
direito de mudá-la.”
O critério de aquisição da nacionalidade secundária por excelência é a naturalização,
pelo qual a nova nacionalidade é obtida com sucedâneo na manifestação do interesse do
estrangeiro em obter uma nova nacionalidade, seguida do exame do atendimento de uma série
de exigências legais e culminando com ato discricionário do Estado em conceder essa
nacionalidade ao interessado. É adotado pelo Brasil.
Outros critérios de aquisição da nacionalidade secundária, entretanto, são identificados
pela doutrina e na prática internacional. Um critério comum era o casamento, pelo qual a
pessoa adquiria automaticamente a nacionalidade do cônjuge estrangeiro pelo mero fato de
com este contrair matrimônio, envolvendo ou não sua manifestação de vontade. Na
atualidade, tal critério caiu em desuso, em vista de inúmeros problemas anteriores, quando o
fim do vínculo matrimonial ou a mudança de nacionalidade do cônjuge varão normalmente
produzia efeitos sobre a nacionalidade da mulher, quadro que nem mesmo a celebração da
Convenção sobre Nacionalidade da Mulher Casada (2010, online), em 1957, logrou reverter.
Outro meio de obtenção da nacionalidade adquirida é o vínculo funcional com o Estado.
É critério empregado pelo Vaticano, que pode conceder sua nacionalidade àqueles que sejam
seus servidores. Apesar de o Brasil não adotar esse critério, a prestação de serviço relevante
para o País pode reduzir a exigência de prazo de residência no País de quatro para um ano, e o
estrangeiro que tiver trabalhado por pelo menos dez anos em missão diplomática ou consular
brasileira fica dispensado do período mínimo de residência, exigindo-se apenas uma estada de
30 dias no Brasil.
Pode-se finalizar esta parte do estudo com a definição da nacionalidade originária como
aquela atribuída no momento do nascimento da pessoa (dependente ou não de registro ou de
opção posterior), e que no Brasil, os detentores denominam-se brasileiros “natos”, e não se
confunde com a nacionalidade adquirida, ou seja, a que depende de ato voluntário e não
possui qualquer anterior vínculo jus sanguinis com o país da nova nacionalidade, cujos
detentores aqui se denominam brasileiros “naturalizados”.
No sistema constitucional brasileiro, os brasileiros natos ou naturalizados, que, tendo
um dos progenitores estrangeiros, solicita a declaração de segunda sua nacionalidade, não se
72
naturalizam, por terem reconhecida a nacionalidade originária dos pais pela lei estrangeira
(Constituição Federal, art. 5º, parágrafo 4º, inciso II).
Da mesma forma, a nacionalidade que outros Estados possam impor a um brasileiro,
independentemente da vontade dele, não se considera “naturalização”, pelo menos na hipótese
definida na Constituição Federal brasileira de “imposição de naturalização, pela norma
estrangeira, ao brasileiro residente em território estrangeiro, como condição para permanência
em seu território ou para o exercício de direitos civis” (art.5º, parágrafo 2º, alínea “b”),
restando, portanto, uma lacuna constitucional no que se refere a naturalizações pelo
casamento com a pessoa de nacionalidade estrangeira, por determinação da lei estrangeira
(caso da França).
3.2 Brasileiros natos
Dada a importância da matéria, ligada à própria existência do Estado brasileiro, a
nacionalidade originária é objeto de regulamentação dentro da Constituição Federal. Cabe
destacar o fato de que a concessão da nacionalidade brasileira originária implica a obtenção
do status de brasileiro nato. José Afonso da Silva (2009, p. 205) define brasileiro nato:
A Constituição reputa brasileiro nato aquele que adquire a nacionalidade brasileira
pelo fator ‘nascimento’. É dizer: ‘brasileiro nato’ é quem nasce na República
Federativa do Brasil. Corresponde ao titular da nacionalidade brasileira primária,
para cujo reconhecimento nossas Constituições sempre adotaram o critério ius solis,
com ligeiras atenuações. O art. 12, I, da CF e só ele é que dá os critérios e
pressupostos para que alguém seja considerado necessariamente, e de direito,
brasileiro nato. Por ele se vê que não só o ius solis é fonte da nacionalidade primária
entre nós; há concessões ao princípio do ius sanguinis combinado com outros
elementos. (grifo original)
Como se sabe, os Estado são livres para legislar sobre matéria de nacionalidade. É o
chamado princípio da atribuição estatal da nacionalidade. No Brasil, por ser a nacionalidade
matéria constitucional, está atualmente disciplinada nos artigos 12 e 13 da Constituição
Federal de 1988, e as hipóteses constitucionais de atribuição da condição de brasileiro nato,
estão tratadas especificamente em dois incisos do art. 12. Entende-se que são hipóteses
numerus clausus, ou seja, fora das quais não existe a possibilidade de sua configuração, seja
para ampliar, seja para restringir os casos estabelecidos pelo Texto Constitucional.
A Constituição do Império definia em seu artigo 6º que “são cidadãos brasileiros os que
tiveram nascido no Brasil, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro,
uma vez que este não resida por serviço de sua nação”. Era a nacionalidade originária de
73
acordo com o princípio do jus soli. Também seriam brasileiros “os filhos de pai brasileiro e os
ilegítimos de mãe brasileira nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no
Império”. Era uma combinação do critério jus sanguinis com fator jus domicilii.
A terceira hipótese de cidadania brasileira (leia-se nacionalidade brasileira) é a de
“filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro, em serviço do Império, embora
eles não venham estabelecer domicílio no Brasil”. É o jus sanguinis combinado com o
elemento funcional. A Constituição imperial acrescentava a quarta hipótese de nacionalidade
brasileira para os “nascidos em Portugal e suas possessões que, sendo já residentes no Brasil
na época em que proclamou a independência nas províncias, onde habitavam, aderiram a esta,
expressa ou tacitamente, pela continuação de sua residência”.
Esta aceitação tácita da nacionalidade brasileira baseada em continuação de residência
no país que acabara de proclamar sua independência foi ampliada na Constituição de 1891,
cujo artigo 69 enumerava entre os cidadãos brasileiros (leia-se nacionais) “os estrangeiros
que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentre em seis meses
depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem”,
representando um reflexo da realidade europeia, em que muitas populações haviam sido
forçadas a novas nacionalidades como consequência de cessões e anexações de territórios.
A diferença entre estas hipóteses de nacionalização unilateral é que a Constituição de
1891 deu ao estrangeiro a opção de declarar que conservava a nacionalidade de origem,
enquanto na Carta imperial a continuação da residência no País pelos portugueses era
suficiente para impor-lhes a nova nacionalidade. No atual regime jurídico brasileiro, a
manifestação expressa da vontade se faz necessária para qualquer troca de nacionalidade,
tanto quando se tratar de adquirir a brasileira, como de trocá-la por outra.
A primeira Constituição republicana também estendia a nacionalidade brasileira aos
“estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou
tiverem filhos brasileiros, contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção
de não mudar de nacionalidade”. Esta forma de aquisição automática de nacionalidade
brasileira cessou com a Constituição de 1934 (art. 106, letra c).
O artigo 12, I, alíneas “a”, “b” e “c”, determina quem são os brasileiros natos, adotando
tanto o critério jus solis como o jus sanguinis. Na alínea “a”, consagra o jus solis, atribuindo-
74
se a nacionalidade brasileira a todos os que nasçam em território nacional, inclusive os filhos
de cidadãos estrangeiros, exceto quando estes estejam a serviço de seu Estado de origem.
O primeiro caso de nacionalidade originária previsto na Constituição diz respeito aos
“nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes
não estejam a serviço de seu país” (art. 12, I, a). A primeira indagação que fica desta primeira
hipótese diz respeito ao que se considera República Federativa do Brasil para efeito de
nacionalidade.
Em termos técnicos, a República Federativa do Brasil pertence ao território brasileiro
(espaço físico onde o Estado exerce a sua soberania sobre as pessoas e bens, aqui
contemplados, os Estados-membros e os Municípios), nele se incluindo os rios, mares, ilhas e
golfos brasileiros, o mar territorial e os navios e aeronaves de guerra brasileiros, onde quer
que se encontrem.
Apenas os nascidos em navios e aeronaves de guerra serão brasileiros natos, onde quer
que se encontre a embarcação ou aeronave. O mesmo já não ocorre com os nascidos em
navios ou aeronaves de natureza pública (que não são de guerra) quando atracados ou
estacionados em espaço à outra soberania. Sobre o tema, discorre Francisco Rezek (2010,
p.191-192):
Um problema vestibular, mais complicado do que se poderia à primeira vista supor,
é o da noção do que seja território brasileiro. [...] O constituinte se esquivou de
qualquer pronunciamento, ainda que implícito, acerca dos espaços hídricos, aéreos,
ou mesmo terrestres, imunes a toda incidência de soberania (o alto mar, o espaço
aéreo, o continente antártico). Transferindo o problema à doutrina, Pontes de
Miranda aventou solução que figura dentre as mais convincentes, entendem-se
nascidos no Brasil os nascidos a bordo de navios ou aeronaves de bandeira brasileira
quando trafeguem por espaços neutros. O mesmo não ocorre em espaços afetos à
soberania de outro Estado, mesmo se público o engenho onde acontece o
nascimento.
A falta de previsibilidade constitucional relativamente ao tema pode causar
inconvenientes. De qualquer forma, não há como recusar a nacionalidade originária (jus soli)
àqueles nascidos nas águas territoriais brasileiras, ou em nosso espaço aéreo, mesmo que a
bordo de embarcação ou aeronave militar estrangeira.
Diz a Constituição que a primeira regra tem valor somente quando os pais estrangeiros
“não estejam a serviço de seu país”. Nesta hipótese abre-se exceção ao jus soli para se
prestigiar a regra do jus sanguinis, no caso de indivíduos nascidos no Brasil, filhos de pais
75
estrangeiros que aqui se encontrem a serviço de seu país. São pessoas nascidas no Brasil, mas
que não serão brasileiras a qualquer título.
Este serviço referido pelo Texto Constitucional, desde que público e relativo ao Estado
estrangeiro, não necessita ser exercido de forma permanente no Brasil. Também não abrange
apenas funções diplomáticas ou consulares, podendo tratar-se de serviços públicos em geral,
quer federal, estadual ou municipal (ainda que serviços modestos, como por exemplo os de
datilógrafo, de técnico de inspeção de navios ou de compras do Estado). Frise-se, porém, que
para que a nacionalidade desse filho não seja brasileira, é necessário que seus pais aqui
estejam a serviço do país de sua nacionalidade.
Aqui, a expressão no plural utilizada pela Constituição significa que ambos os pais têm
de ser estrangeiros, e não que os dois estejam a serviço do mesmo país. Portanto, basta que
apenas um deles tenha cargo, podendo o outro estar apenas acompanhando, mas, o que fazer
no caso de diplomata estrangeiro no Brasil a serviço de seu país, casado com brasileira, e aqui
venha a ter um filho? Prevalecerá o critério do jus soli. Se assim não fosse, chegar-se-ia ao
absurdo de não reputar brasileiro aquele que aqui nasceu de pai ou mãe nacional, enquanto tal
qualidade se atribui a quem, em idêntica base genética, nasceu no exterior, pouco importando
a qualidade funcional do cogenitor estrangeiro (CF, art. 12, I, c). Sobre o assunto elucida
Mazzuoli (2009, p. 626):
A confusão se dá porque a alínea a do art.12, I, da Constituição, é a única que se
refere a pais estrangeiros no plural, enquanto que as alíneas b e c do mesmo
dispositivo, falam em ‘pai brasileiro ou mãe brasileira’, o que poderia induzir à falsa
idéia de que, no caso da alínea a, os dois componentes do casal (ou seja, ambos os
pais) devem estar a serviço de seu país para que o filho aqui nascido não seja
brasileiro. O que o texto constitucional quis dizer é que ambos têm que ser
estrangeiro, ainda que somente um deles esteja efetivamente a serviço de seu país e
o outro não faça mais que acompanhá-lo, pois se um deles for brasileiro é claro que
o filho aqui nascido deverá ser considerado como brasileiro nato. (grifo original)
Frise-se que deve haver coincidência entre a nacionalidade do casal e o serviço prestado
por este ao seu Estado patrial. Assim, caso o país de origem dos pais não seja o mesmo
daquele a que prestam serviço, serão brasileiros os seus filhos nascidos no Brasil, aplicando-
se a regra geral do jus soli. Esta solução evita o inconveniente da apatridia de quem
efetivamente nasceu no Brasil, filho de estrangeiro a serviço de outro Estado que não o seu de
origem. Assim, será brasileiro o filho de casal italiano que preste, no Brasil, serviço para a
França.
76
O filho de pais estrangeiros a serviço de seu país, nascido no Brasil, pode perfeitamente
ter seu nascimento aqui registrado (art. 50 da Lei 6.015/73, chamada Lei de Registros
Públicos). Esse registro, contudo, apenas atesta o fato natural do nascimento em território
nacional, sem induzir nacionalidade. Daí alguns autores sugerirem que conste neste registro o
teor da ressalva constante da letra a do inciso I do art. 12 da Constituição Federal, e que a
pessoa aqui nascida não é brasileira, por estarem seus pais a serviço do seu país de origem.
A alínea “b” do artigo 12 da Carta Magna também determina que são brasileiros os
filhos de mãe brasileira ou de pai brasileiro que estejam no exterior a serviço do Brasil,
indiferentemente da nacionalidade estrangeira do outro genitor, adotando, nessa hipótese, o
jus sanguinis. As pessoas a serviço do Estado brasileiro incluem servidores civis e militares
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como de suas autarquias e
empresas públicas e de organizações internacionais das quais o Brasil faz parte.
Observe-se que o critério jus sanguinis aqui contemplado não é o puro, mas sim o
impuro ou misto, uma vez que permite que apenas um dos pais (ou o pai ou a mãe,
indistintamente) seja brasileiro, podendo o outro ser estrangeiro. Esta regra constitucional
acaba com a polêmica, que já se firmou outrora no Brasil, sobre o que se considera brasileiro
nato: se o efetivamente nascido em território brasileiro ou se também o nascido brasileiro, não
importando o local de nascimento.
Nessa linha de raciocínio, poderia um nova-iorquino, ou um londrino, ou alguém que
tenha nascido fora do território nacional ser Presidente da República Federativa do Brasil?
Sim, desde que seja filho de pai brasileiro ou mãe brasileira a serviço do Brasil no país onde
este tenha nascido. Ser parisiense (que é uma naturalidade do indivíduo) não significa ser
obrigatoriamente francês, assim como ter nascido em Florença não induz ter o indivíduo
nacionalidade italiana, e assim por diante. Deve-se lembrar que os conceitos de naturalidade e
nacionalidade não se confundem, portanto, nada impede que uma pessoa natural de cidade
europeia seja um brasileiro nato, podendo este ascender a qualquer um dos cargos que a
Constituição reserva exclusivamente a essa classe de nacionais.
Essa regra constitucional, que diz serem brasileiros natos os filhos de pai ou mãe
brasileiros, nascidos no estrangeiro, se qualquer deles estiver a serviço da República
Federativa do Brasil, teve por finalidade impedir que crianças nascidas nessa condição fossem
77
estrangeiras dentro de seu próprio lar. Além de que a razão determinante de elas terem
nascido no exterior foi o serviço público prestado ao Brasil.
Cabe ressalvar que não deixa de ser brasileiro nato o nascido no estrangeiro, filho de pai
ou mãe que sejam brasileiros naturalizados, estando qualquer deles a serviço do Brasil no
exterior. E isto porque, a Constituição, ao falar “pai brasileiro ou mãe brasileira”, não fez
distinção entre natos e naturalizados, além de que não é requisito para estar a serviço do Brasil
no exterior a qualidade de cidadão nato.
A hipótese do art. 12, inciso I, alínea c, da Constituição, segue o mesmo entendimento,
sendo indiferente o fato de que o pai ou a mãe sejam brasileiros natos ou naturalizados para
que o filho, nascido no estrangeiro (e satisfeitos os requisitos constitucionais), seja igualmente
considerado como brasileiro nato.
O Brasil adota o critério jus sanguinis também na alínea c, ao conferir a nacionalidade
brasileira ao filho de cidadão brasileiro que nasça no exterior, ainda que sua mãe ou seu pai
não estejam a serviço do Brasil. A nova redação da alínea c foi incluída pela Emenda
Constitucional nº 54, promulgada em 20 de setembro de 2007. Reformou a anterior redação
que concedia o status de brasileiro nato apenas aos “nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro
ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em
qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”, e que vigorava desde a Emenda
Constitucional de Revisão nº 3, de 1994.
A Emenda Constitucional nº 54 retomou as linhas gerais da redação original da
Constituição de 1988, que determinava que eram brasileiros natos “os nascidos no
estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição
brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da
maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”.
Assim, têm-se aqui duas hipóteses distintas: a) a daqueles nascidos no estrangeiro (entre
7 de junho de 1994 e 20 de setembro de 2007) e que lá continuam a residir, caso em que
poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente; e b) a
daqueles nascidos no estrangeiro (dentro daquele mesmo período citado) mas que já residem
no Brasil, caso em que o registro de nacionalidade deverá ser efetivado no ofício de registro
de pessoas naturais.
78
Assim, a primeira possibilidade existente é já registrar o filho nascido no exterior em
repartição consular brasileira, a fim de que ele passe, a partir desse momento, a já estar
garantido na condição de brasileiro nato, ainda que jamais venha a residir no Brasil, não fale o
nosso idioma, não conheça a nossa cultura etc.
A segunda possibilidade diz respeito aos filhos de brasileiros nascidos no exterior que,
por qualquer motivo não tiveram seu registro consular ali efetuado. Nesse caso, exige a
segunda parte do dispositivo duas condições para que a nacionalidade brasileira de origem
opere: a) a vinda ao país (antes ou depois de atingida a maioridade); e b) a opção, em
qualquer tempo (mas depois de atingida a maioridade), pela nacionalidade brasileira. Assim,
os filhos de brasileiros nascidos no exterior que já alcançaram a maior idade e vierem depois
dela residir no Brasil, já poderão (de imediato) ingressar em juízo (Justiça Federal) a fim de
exercer o direito de opção pela nacionalidade brasileira.
Os que vierem residir no Brasil enquanto menores terão que aguardar a maioridade para
o exercício do direito de opção, ficando na condição de brasileiros natos sub conditione (qual
seja, a condição de opção pela nacionalidade brasileira, em qualquer tempo, após atingida a
maioridade aos 18 anos). Não há fixação de prazo para a vinda ao Brasil e, tampouco, pela
opção da nacionalidade brasileira, na segunda hipótese do art. 12, inciso I, alínea c, situação
que tem por efeito perpetuar a condição suspensiva imposta pelo Texto Constitucional.
É criticável, antes de tudo, a referência ao critério residencial, pois o indivíduo pode ser
domiciliado no exterior e apenas vir a residir no Brasil, para que consiga a nacionalidade
brasileira, uma vez manifestada a opção a qualquer tempo. Esta última expressão “em
qualquer tempo” abriu margem para várias discussões antes da reforma constitucional,
principalmente referentes à situação jurídica do filho que vinha residir no Brasil antes de
atingida a maioridade. Aqui, tem-se a chamada nacionalidade potestativa, ou seja, os
indivíduos devem ser considerados brasileiros natos no lapso entre o início de residência no
Brasil e a maioridade exigida agora pelo Texto Constitucional, devendo ter eles, inclusive, o
direito ao registro provisório de que trata a Lei de Registros Públicos, art. 32, §2º, que assim
dispõe:
O filho de brasileiro ou brasileira, nascido no estrangeiro, e cujos pais não estejam
ali a serviço do Brasil, desde que registrado em consulado brasileiro ou não
registrado, venha a residir no território nacional antes de atingir a maioridade,
poderá requerer, no juízo de seu domicílio, se registre, no livro E do 1º. Ofício do
Registro Civil, o termo de nascimento.
79
Nos termos da parte final do art. 12, inciso I, alínea c, a opção pela nacionalidade
brasileira somente poderá operar “depois de atingida a maioridade”. Portanto, fica vedada a
opção de nacionalidade brasileira por iniciativa dos pais, por meio de representação ou
assistência dos menores em juízo, quando a família volta a morar no Brasil. Aqui, somente a
pessoa poderá optar, quando maior, pela nacionalidade brasileira.
Antes da reforma constitucional de 2007, o Supremo Tribunal Federal, em conhecido
acórdão do Recurso Extraordinário nº 418.096, de que foi relator o ministro Carlos Velloso, já
havia decidido, por unanimidade, que a opção pela nacionalidade, prevista no art. 12, inciso I,
alínea c, da Constituição tem caráter personalíssimo, somente podendo ser manifestada depois
de alcançada a capacidade plena, não suprida pela representação ou assistência dos pais. O
entendimento da Suprema Corte foi no sentido de que, atingida a maioridade civil aos 18
anos, enquanto não manifestada a opção, esta passa a se constituir condição suspensiva da
nacionalidade brasileira, sendo então mais sensato aguardar que os menores, hoje
considerados brasileiros natos, possam requerer a nacionalidade, convictos de sua escolha.
Deve-se observar é que o panorama mudou após a Emenda n. 54/07, já que garante a
condição de brasileiros natos aos filhos de brasileiros nascidos no exterior, quando registrados
na repartição brasileira competente. Não se justifica poderem se beneficiar com esse título os
filhos de brasileiros nascidos no exterior e lá residentes e não reconhecê-lo àqueles filhos de
brasileiros, também nascidos no exterior, mas que agora residem no Brasil e aqui pretendem
permanecer. Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 707-708) expõe que:
Em nossos dias, o simples registro em repartição pública competente já é bastante
para obter a nacionalidade potestativa. Nem é preciso ingressar em juízo para que
assim seja. Isso porque a fixação de residência no Brasil não é mais único fato
gerador da nacionalidade, porque o art. 12 , I, c, oriundo da Emenda Constitucional
n. 54/2007, utilizou o conectivo ‘ou’. Quer dizer, alternou a necessidade de registro
com o ato de residir na República pátria, eliminado o critério de exclusividade. A
exegese aqui é a lógica-razoável, ainda quando tomemos como suporte a dicção
gramatical do preceito. Ora bem; não se há de complicar a vida de filhos de pais
brasileiros nascidos no exterior impedindo-os, por meio de imposições descabidas e
desarrazoadas, de adquirir a nacionalidade primária assim que registrados na
repartição consular. As normas constitucionais, nos Estados democráticos, existem
para beneficiar a vida humana, e não para colocar pedra de tropeço no caminho dos
outros.
A opção pela nacionalidade brasileira, no caso do art. 12, inciso I, alínea c, in fine, da
Constituição, é formal e se processa perante o juiz federal, por força do art. 109, incido X, da
Carta de 1988, que lhe atribui competência para processar e julgar “as causas referentes à
nacionalidade. Inclusive a respectiva opção, e à naturalização”. Assim a opção pela
80
nacionalidade brasileira, embora potestativa, não tem forma livre, havendo de se fazer em
juízo, em procedimento de jurisdição voluntária, que termina com a sentença que homologa a
opção e lhe determina a transcrição, uma vez acertados os seus requisitos objetivos e
subjetivos.
Não existe documento específico que certifique a condição de brasileiro nato. A
comprovação desse atributo, conferido quer pelo jus soli que pelo jus sanguinis, todavia, é
feita com a certidão de nascimento ou mesmo de casamento, subsidiariamente.
(GUIMARÃES, 1995, p. 37-38)
Se, entretanto, inexistir registro, não significa isso dizer que a pessoa não é brasileira, já
que tal condição não emerge de registro, mas do fato do nascimento em Território Nacional,
ou, se no exterior, de pai ou mãe brasileiros, segundo previsão e na forma do art. 12, inciso I,
alíneas b e c.
Se o nascimento do filho brasileiro ocorreu no exterior e o registro for feito em
repartição consular, é a certidão desse registro o documento que comprova a nacionalidade,
valendo a sua inscrição no Registro Civil, como mero ato de publicidade em Território
Nacional.
Ainda na hipótese de filho de brasileiro nascido no exterior, a falta de registro consular
não induz à ausência da nacionalidade brasileira aferida pelo jus sanguinis, impuro ou misto,
já que a pessoa assim nascida, cujo assentamento respectivo foi feito em país estrangeiro,
poderá, a qualquer tempo vir a residir no Brasil e, mediante opção, tornar definitiva a
condição de brasileiro nato.
3.3 Naturalização
Wilba Lúcia Maia Bernardes (1996, p. 114) define a naturalização como “um acordo de
vontades entre as partes, Estado e indivíduo, já que é o Estado soberano quem a concede em
razão do pedido do interessado, que tem a faculdade de mudar de nacionalidade e escolher a
que bem entender”. Ainda nesse sentido:
[...] a naturalização é um ato soberano e discricionário do Poder Público, quer dizer,
a autoridade que tem a qualidade para concedê-la é também soberana para recusá-la;
a outorga da nacionalidade pelo Governo representa uma decisão inteiramente
discricionária; como faculdade que é, poderá deixar de ser utilizada mesmo que o
naturalizando preencha todas as condições estatuídas em Lei; o Estado é senhor
81
exclusivo da conveniência de concedê-la, não estando o Poder Público obrigado a
revelar os motivos que ditaram o ato de recusa. (CAHALI, 1983, p. 457)
A obtenção da nacionalidade brasileira por estrangeiro por meio da naturalização
também é regulamenta pela Constituição Federal; entretanto, o tema é marcado por muitas
especificidades, pelo que a Carta Magna se ocupa, sobretudo, em remeter à legislação
específica na matéria, no caso o Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815, de 19 de agosto de
1980, regulamentando pelo Decreto 86.715, de 10 de dezembro de 1981.
O Estatuto do Estrangeiro lembra que a concessão da naturalização é faculdade
exclusiva do Executivo. No Brasil, a concessão da naturalização nos casos previstos na
Constituição é faculdade exclusiva do Poder Executivo e se opera mediante portaria do
Ministro da Justiça, ou seja: a naturalização é ato discricionário, que deve obedecer a certos
requisitos legais, mas que, em última instância, depende de considerações vinculadas ao
próprio interesse nacional.
Ressalte-se que nenhum Estado é obrigado a atribuir sua nacionalidade ao estrangeiro,
mesmo que este preencha os requisitos legais para tal, com fulcro no direito de conservação
do próprio Estado, que requer a necessidade de evitar a inclusão em seu elemento humano de
indivíduos que possam ser nocivos para o próprio ente estatal. É nesse sentido que o artigo
122 do Estatuto do Estrangeiro reitera que “A satisfação das condições previstas nesta Lei não
assegura ao estrangeiro direito à naturalização”.
Jacob Dolinger (2008, p. 182) narra que em novembro de 1982, o Tribunal Federal de
Recursos julgou o Mandado de Segurança nº 97.596, impetrado contra o Ministro da Justiça
pelo estudante universitário Francisco Javier Ulpiano Alfaya Rodrigues, nacional espanhol
que aqui se criou, tendo abraçado a atividade político-universitária, chegando à presidência da
União Nacional dos Estudantes (UNE), que teve seu pedido de naturalização recusado por
motivo de “mau procedimento”, por ter exercido atividade de natureza política, vedada pela
lei dos estrangeiros. O Tribunal aceitou integralmente as informações do Ministério da Justiça
que continham dois pontos:
1) a naturalização é ato de soberania, de política governamental, questão de conveniência, de
oportunidade e nunca questão de direito subjetivo que possa ser apreciada por juízes e
tribunais;
82
2) no caso, não fora esse critério exclusivo de conveniência e soberania, mas a obediência ao
princípio da legalidade que ocasionou a negativa da autoridade impetrada, eis que
desrespeitado pelo impetrante ao atuar na área política, que lhe era defesa.
Esse entendimento também é encontrado em outros países. Em França, por exemplo, o
artigo 110 do Código de Nacionalidade dispõe que “as decisões desfavoráveis em matéria de
naturalização... não especificam sua motivação”. Todas as tentativas efetuadas em França para
obter a intervenção dos tribunais administrativos em casos de indeferimento de naturalização
foram infrutíferas, sempre sustentada e mantida a teoria da soberania do governo nesta
matéria. (DOLINGER, 2008, p. 182-183)
Há, contudo, hipóteses excepcionais em que a Constituição prescreve o direito à
naturalização: artigo 12, II, b, determina que sejam naturalizados os estrangeiros de qualquer
nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. Nestes
casos a naturalização não é ato discricionário, não depende de critério governamental e deverá
ser concedida.
O mesmo ocorria na Constituição anterior, nas hipóteses dos nº 1 e 2 da letra b do inciso
II do artigo 145, que dispunha a respeito do nascido no estrangeiro que tivesse sido admitido
ao Brasil durante os primeiros cinco anos de vida, estabelecido definitivamente no Território
Nacional, e que, para preservar a nacionalidade brasileira, deveria se manifestar por ela,
inequivocamente até dois anos após atingir a maioridade. E a respeito da pessoa que, nascida
no estrangeiro, tivesse vindo residir no País antes de atingida a maioridade, concluísse curso
superior em estabelecimento nacional e requeresse a nacionalidade até um ano depois da
formatura.
A naturalização mais comum na forma da lei a que o art. 12, inciso II, alínea a, da
Constituição faz referência, é a concedida ao estrangeiro residente no Brasil há pelo menos
quatro anos, ininterruptos, e que atenda às oito condições elencadas nos incisos do art. 112 do
Estatuto do Estrangeiro, quais sejam:
I capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II ser registrado como permanente no Brasil;
83
III residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos,
imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV – ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;
V exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;
VI – bom procedimento;
VII inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime
doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1
(um) ano; e
VIII boa saúde (O requisito de boa saúde é dispensado ao estrangeiro que reside no Brasil
há mais de dois anos).
Um dos principais requisitos para a naturalização, fixados no art. 112 do Estatuto do
Estrangeiro, é a permanência do naturalizando no País há pelo menos quatro anos
ininterruptos. Entende-se que somente após esse período mínimo de radicação no Território
Nacional o estrangeiro estará mais integrado à brasilidade, melhor conhecendo, do Brasil, os
hábitos, costumes etc. O período de quatro anos de permanência no País deve ser firme e
ininterrupto, mas eventuais viagens ao exterior determinadas por motivo relevante não devam
ser entendidas como causa de interrupção da radicação no Território Nacional. Assim, nos
termos do art. 119, parágrafo 3º, do Decreto n. 86.715/81, que regulamentou o Estatuto do
Estrangeiro:
Quando exigida residência contínua por quatro anos para a naturalização, não
obstarão o seu deferimento as viagens do naturalizando ao exterior, se determinadas
por motivo relevante, a critério do Ministro da Justiça, e se a soma dos períodos de
duração delas não ultrapassar 18 (dezoito) meses.
Frise-se, todavia, que o prazo de quatro anos de residência no País pode ser reduzido, na
forma do art. 113 do Estatuto, nos seguintes casos: I ter o naturalizando filho ou cônjuge
brasileiro; II ser filho de brasileiro; III haver prestado ou poder prestar serviços relevantes
ao Brasil, a juízo do Ministro da Justiça; IV recomendar-se por sua capacidade profissional,
científica ou artística; ou V ser proprietário, no Brasil, de bem imóvel, cujo valor seja igual,
pelo menos, a 1.000 (mil) vezes maior valor de referência (critério este já revogado, devendo
ser substituído pelo atual índice oficial de atualização); ou ser industrial que disponha de
84
fundos de igual valor, ou possuir cota ou ações integralizadas de montante, no mínimo,
idêntico, em sociedade comercial ou civil, destinada, principal e permanentemente, à
exploração de atividade industrial ou agrícola.
O período de residência nesses casos será: a) no mínimo de um ano, no caso do item I a
III; b) no mínimo de dois anos, no caso do item IV; e c) no mínimo de três anos, no caso do
item V. O art. 114 do Estatuto abre ainda uma exceção ao prazo de quatro anos, dizendo ficar
dispensado tal prazo exigindo-se apenas a estada no Brasil por 30 dias, quando se tratar (1) de
cônjuge estrangeiro casado há mais de cinco anos com diplomata brasileiro em atividade; ou
(2) de estrangeiro que, empregado em missão diplomática ou em repartição consular do
Brasil, contar mais de dez anos de serviços ininterruptos (art. 114).
Também, na forma da lei, ainda vigora a chamada naturalização por radicação precoce e
por conclusão de curso superior (art. 115, parágrafo 2º, incisos I e II, do Estatuto do
Estrangeiro), que são outras duas hipóteses de naturalização extraordinária que a Constituição
não contemplou expressamente. O primeiro caso diz respeito ao estrangeiro admitido ao
Brasil até cinco anos de idade, radicado definitivamente no Território Nacional, desde que
requeira a naturalização até dois anos após atingir a maioridade. O segundo caso trata do
estrangeiro que tenha vindo residir no Brasil, antes de atingida a maioridade, e haja feito curso
superior em estabelecimento nacional de ensino, se requerida a naturalização até um ano
depois da formatura.
Por fim, a Constituição, no parágrafo 2º do seu art. 12, dispõe que “a lei não poderá
estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta
Constituição”. Estes casos excepcionais dizem respeito à hipótese em que a Constituição
privilegia os brasileiros natos, em relação a determinados cargos que somente eles podem
ocupar, constantes do parágrafo 3º do mesmo dispositivo, sendo ele: o de Presidente e Vice-
Presidente da República; o de Presidente da Câmara dos Deputados; o de Presidente do
Senado Federal; o de ministro do Supremo Tribunal Federal; o da carreira diplomática; o de
oficial das Forças Armadas; e o de ministro de Estado de Defesa. Outra distinção
constitucional diz respeito à composição do Conselho da República (art. 89, inciso VII), que
deve incluir em sua formação “seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de
idade”etc.
85
O cargo de ministro das Relações Exteriores não é privativo de brasileiro nato, não
obstante a circunstância de que essa autoridade é chefe imediato dos membros da carreira
diplomática, que devem obrigatoriamente ser brasileiros natos. Recorde-se que o cargo de
ministro pode ser preenchido por qualquer pessoa maior de 21 anos, no exercício dos direitos
políticos (art. 87).
A residência no Brasil é dispensada para pessoas casadas há mais de cinco anos com
diplomatas em atividade e para estrangeiros que, empregado em missão diplomática ou em
repartição consular do Brasil, contar mais de dez anos de serviços ininterruptos. Em ambos os
casos, exige-se apenas uma estada de trinta dias no Brasil.
A naturalização será requerida pelo interessado por meio de petição dirigida ao ministro
da Justiça, apresentada no órgão competente do Ministério da Justiça nos Estados, no caso o
Departamento de Polícia Federal, que procederá à sindicância sobre a vida pregressa do
naturalizado e opinará quanto à conveniência da naturalização. Os requisitos precisos da
petição em apreço e os documentos que devem acompanhá-la constam do art. 115 do Estatuto
do Estrangeiro: nome por extenso, naturalidade, nacionalidade, filiação, sexo, estado civil,
dia, mês e ano de nascimento, profissão, lugares onde haja residido anteriormente no Brasil e
no exterior, se satisfaz o requisito a que alude o art. 112, VII (inexistência de denúncia,
pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena
mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a um ano), e se deseja ou não traduzir
ou adaptar o seu nome à língua portuguesa.
Caso o estrangeiro tenha interesse em se tornar um cidadão brasileiro deverá preencher
os requisitos descritos no artigo 112, e requerer esta modalidade junto ao Departamento de
Polícia Federal mais próximo do local de residência, o qual, além de outras providências,
certificará se o interessado sabe ler e escrever a língua portuguesa, considerada a sua
condição.
A petição deve ser assinada pelo naturalizado e instruída com os documentos
especificados no Regulamento. Exige-se a apresentação apenas de documento de identidade
para estrangeiro, atestado policial de residência contínua no Brasil e atestado policial de
antecedentes, passando pelo serviço competente do lugar de residência no Brasil, quando se
tratar: a) de estrangeiro admitido ao Brasil até a idade de cinco anos, radicado definitivamente
no Território Nacional, desde que requeira a naturalização até dois anos após atingir a
86
maioridade; ou b) de estrangeiro que tenha vindo residir no Brasil, antes de atingida a
maioridade e haja feito curso superior em estabelecimento nacional de ensino, se requerida a
naturalização até um ano depois da formatura.
Qualquer mudança de nome ou de prenome, posteriormente à naturalização, será
permitida apenas por exceção e motivadamente, mediante autorização do ministro da Justiça.
Ao final, o ministro da Justiça é competente para emitir a portaria que concede a
nacionalidade brasileira ao estrangeiro e, do despacho que denega o pedido, cabe pedido de
reconsideração. A portaria de naturalização gerará a emissão pelo ministro da Justiça, de
certificado de naturalização, o qual será solenemente entregue pelo juiz federal da cidade
onde tenha domicílio o interessado.
Havendo várias varas da Justiça Federal será competente para entrega do certificado o
juiz da 1ª Vara. Não havendo nenhum juiz federal, o certificado será entregue pelo juiz da
comarca e, na sua falta, pelo da comarca mais próxima. A naturalização perderá efeito, porém,
se o certificado não for solicitado pelo interessado no prazo de doze meses, contados da data
de publicação do ato, salvo motivo de força maior, devidamente comprovado.
No ato de entrega do decreto de naturalização, o estrangeiro casado poderá, mediante
expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz que se apostile ao mesmo a adoção do
regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção
ao competente registro, nos termos da LICC, art. 7º, parágrafo 5º.
A Constituição Federal também estabelece algumas normas específicas relativas à
naturalização, facilitando a aquisição da nacionalidade brasileira por determinados grupos de
estrangeiros, dispensando-os da observância dos demais requisitos constantes do Estatuto do
Estrangeiro, nas seguintes condições (art. 12, II, a e b). Recorda-se de que os países de língua
oficial portuguesa são: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São To
e Príncipe e Timor Leste. Os cidadãos de Macau, antiga possessão portuguesa em território
chinês, só terão acesso a esse benefício se tiverem nacionalidade portuguesa.
Os juízes federais são competentes para processar e julgar as causas referentes à
naturalização (CF, art. 109, X). Em caso de recurso, compete aos tribunais regionais federais
apreciar a questão (CF, art. 108, II). Uma das matérias que poderão ser julgadas pela Justiça
Federal é a possibilidade de cancelamento da naturalização por atividade nociva ao interesse
87
nacional (CF, art. 12, parágrafo 4º, I). No curso do processo de naturalização, poderá qualquer
do povo impugná-la, desde que o faça fundamentadamente (art. 120).
Quanto aos seus efeitos, pode-se dizer que a naturalização visa, em primeiro lugar, a
transformar o estrangeiro em um nacional brasileiro, integrando-o à comunidade política
brasileira, a que passa a pertencer (com basicamente os mesmos direitos conferidos aos
nossos nacionais) e, em segundo plano, desvincular ex nunc (para o futuro), esse estrangeiro
da sua nacionalidade anterior.
Diz-se que a perda do vínculo com a nacionalidade de origem se dá ex nunc pelo fato de
não se admitir que desobrigue o naturalizado de suas obrigações contraídas antes da
naturalização (entre elas, v.g., a obrigação do serviço militar). A natureza da naturalização
passa a ser sempre constitutiva, não tendo efeitos coletivos e tampouco pretéritos
(retroativos). Nos termos do art. 122 do Estatuto do Estrangeiro, a “naturalização, salvo a
hipótese do art. 116, só produzirá efeitos após a entrega do certificado e confere ao
naturalizado o gozo de todos os direitos civis e políticos, excetuados os que a Constituição
Federal atribui exclusivamente ao brasileiro nato”.
Um dos aspectos relevantes do último caso diz respeito à extradição, admitindo-se aos
países que não extraditam nacionais (como é o caso do Brasil) que abram exceção nos casos
do indivíduo naturalizado após a infração cometida fora do território. O Texto Constitucional
brasileiro, nesse sentido, ressalva a possibilidade de extradição para o naturalizado, em caso
de crime comum praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins (CF, art. 5º, inciso LI). No caso de deportação, porém, a
formulação do pedido de naturalização impede a deportação do estrangeiro, se o visto de
permanência vencer durante o período de exame do pedido. No caso, eventual deportação
caracterizaria constrangimento ilegal.
Outros efeitos da nacionalidade são elencados pelo Estatuto do Estrangeiro, arts. 123 e
124, segundo os quais, respectivamente, ela “não importa aquisição da nacionalidade
brasileira pelo cônjuge e filhos do naturalizado, nem autoriza que estes entrem ou se radiquem
no Brasil sem que satisfaçam as exigências desta Lei”; e também “não extingue a
responsabilidade civil ou penal a que o naturalizando estava anteriormente sujeito em
qualquer outro país”.
88
Dentre os naturalizados, somente aqueles que obtiveram a nacionalidade brasileira
mais de dez anos poderão ser proprietários de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e
de sons e imagens (art. 222), a não ser que constituam pessoas jurídicas de acordo com as leis
brasileiras e que tenham sede no País. Em qualquer caso, pelo menos 70% do capital total e
do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens
deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez
anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão de atividades e estabelecerão o conteúdo da
programação (art. 222, parágrafo 1º). Por fim, a responsabilidade editorial e as atividades de
seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou
naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social (art. 222,
parágrafo 2º).
O brasileiro nato não pode ser extraditado. É o que depreende do art. 5º, LI, CF/88,
que permite, porém, que o naturalizado seja extraditado em duas hipóteses: em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. Nas hipóteses em que um brasileiro, nato ou
naturalizado, não puder ser extraditado, é indiferente a circunstância de o indivíduo ter
também a nacionalidade do Estado que pede a extradição. Nesse sentido, a extradição não
será concedida.
Um aspecto a observar é que a declaração nas normas internas dos Estados sobre quem
são seus nacionais, bem como as eventuais distinções entre nacionais e, por implicação, quais
os direitos dos estrangeiros, nos respectivos territórios, são aspectos que o Direito
Internacional Público define como domínio reservado à competência interna dos Estados. As
limitações exigidas são aquelas que relacionadas aos direitos da pessoa humana, referentes
aos estrangeiros, conforme vigentes na comunidade internacional. Immanuel Kant já
afirmava, no seu terceito artigo definitivo para a paz perpétua, no direito do estrangeiro de não
ser tratado com hostilidade. (KANT, 2004, p. 50-51)
Poderá haver distinções entre nacionais e estrangeiros, dentro dos limites dos
permissivos da Constituição Federal e dos tratados e convenções internacionais sobre direitos
e garantias à pessoa humana de que o País seja parte. No que diz respeito aos limites
constitucionais, o art. 5º, caput, determina que todos “são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”,
89
que deve ser interpretado em conjunto com o parágrafo 2º do mesmo art. 5º: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
E também distinções entre os estrangeiros, sendo o exemplo mais evidente a Convenção
sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, promulgada no Brasil
pelo decreto n. 79.391, de 12 de abril de 1972, que equipara os portugueses abrangidos pelo
denominado “estatuto da igualdade” aos brasileiros naturalizados, diferindo estes das demais
estrangeiros.
3.4 Perda e renúncia da nacionalidade
As legislações dos diversos Estados não são uniformes no que tange à perda da
nacionalidade dos seus respectivos cidadãos. Roberto Luiz Silva (2008, p. 218) ensina que
Aos brasileiros que estejam respondendo a processo de perda da nacionalidade
brasileira é assegurado o uso de passaporte brasileiro, no qual deverá ser feita
anotação de que o titular responde ao referido processo e de que também é portador
de passaporte estrangeiro da nacionalidade adquirida.
O mesmo autor também nos dá exemplos de Constituições de países onde não há
hipótese de perda de nacionalidade, como a Colômbia e o Uruguai. Há outros casos em que se
perde a nacionalidade inclusive por traição à pátria (Equador e Paraguai).
Colômbia
Artículo 96. [...]
b. Ningún colombiano por nacimiento podrá ser privado de su nacionalidad. La
calidad de nacional colombiano no se pierde por el hecho de adquirir otra
nacionalidad. Los nacionales por adopción no estarán obligados a renunciar a su
nacionalidad de origen o adopción.
c. Quienes hayan renunciado a la nacionalidad colombiana podrán recobrarla con
arreglo a la ley.
Uruguai
Artículo 81. [...]
a. La nacionalidad no se pierde ni aún por naturalizarse en otro país, bastando
simplemente, para recuperar el ejercicio de los derechos de ciudadanía, avecinarse
en la republica e inscribirse en el Registro Cívico.
Equador
90
Artículo 11. La nacionalidad ecuatoriana se pierde:
1. Por comisión de delito de traición a la Patria, declarada judicialmente;
2. Por adquisición voluntaria de otra nacionalidad […]; y,
3. Por cancelación de la carta de naturalización.
Paraguai
Artículo 29. La nacionalidad paraguaya se pierde:
1. Por comisión de delito de traición a la Patria declarada en sentencia judicial,
entendiéndose por tal traición solamente el atentado contra la independencia o la
integridad territorial de la República, o la ayuda al enemigo de ella en guerra
internacional;
2. Por adquisición injustificada del país durante más de dos años, en el caso de
naturalizados. (SILVA, R., 2008, p. 218-219) (grifo original)
No caso do Brasil, tanto o brasileiro nato como o naturalizado podem perder a
nacionalidade brasileira, nos casos de cancelamento da naturalização, por sentença judicial,
em virtude da prática de atividade nociva aos interesses nacionais, ou de aquisição de outra
nacionalidade, por meio de naturalização voluntária.
Ocorrido um desses fatos, o Presidente da República declara a perda da nacionalidade
brasileira em relação ao indivíduo. Seu ato, portanto, é declaratório e não constitutivo, ou seja,
o fato que constituiu a perda da nacionalidade brasileira foi o cancelamento da naturalização,
por meio de sentença judicial, ou a naturalização que antecedeu o ato presidencial, por força
do qual se extinguiu o vínculo de nacional que o indivíduo detinha no Brasil.
Somente por meio de declaração expressa e específica do interessado em naturalizar-se
voluntariamente em outro Estado estrangeiro é que ele que perde a nacionalidade brasileira. O
que se leva em conta é a vontade do brasileiro de dar ensejo a que o Estado estrangeiro o
considere seu nacional. Dessa forma, não perde a nacionalidade brasileira aquele que foi
naturalizado involuntariamente em país estrangeiro, a exemplo do menor impúbere
naturalizado alemão por intermédio de sua mãe e que, após a maioridade, pretendeu
estabelecer-se no Brasil e aqui gozar dos direitos de brasileiro nato. Assim, também, a inércia
de uma nubente, que se casa com francês, em aceitar perante o juízo competente o benefício
da nacionalidade francesa, não importa nacionalização voluntária.
A perda da nacionalidade tem suas origens históricas no chamado princípio da ligiância
(allégeance perpétuelle), segundo o qual os indivíduos de determinado Estado liga-se a ele
91
por um laço de sujeição perpétua, devendo fidelidade e obediência ao suserano superior, que
concentrava o poder militar (ligiância absoluta). Esta obrigação os impedia de adquirir outra
nacionalidade sem a autorização do soberano ou chefe de Estado, ou autoridades outras
indicadas por ele. Sua infração era punida com a perda da nacionalidade, que somente poderia
ser readquirida depois de desaparecidas as causas que determinaram a punição. (PONTES DE
MIRANDA, 1967, p. 369-370)
O direito brasileiro inseriu a nacionalidade dentre as matérias de Direito público,
regulando-a no seu Texto Constitucional, afastando o princípio da ligiância perpétua e
entendendo sempre pessoais os seus efeitos. Portanto, o brasileiro só perde a sua
nacionalidade por uma das causas expressamente enumeradas no parágrafo 4º, art. 12, da
Constituição de 1988.
Segundo este dispositivo, será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: (1)
tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional ou (2) adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento
da nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma
estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência
em seu território ou para o exercício de direitos civis. Tais hipóteses constitucionais são
taxativas e não admitem ampliação, sendo vedado ao Estado ampliar ou restringir o seu
conteúdo.
As duas causas constitucionais de perda da nacionalidade brasileira têm procedimento
de apuração próprios regulados pela Lei n. 818, de 18 de setembro de 1949 (arts. 22 a 34), que
ainda se encontra em vigor no Brasil no que tange à perda e reaquisição da nacionalidade
brasileira (e revogada quanto à condição jurídica do estrangeiro).
Os efeitos da declaração da perda da nacionalidade são sempre ex nunc (sem
consequências pretéritas) e, em ambos os casos estabelecidos pelo Texto Constitucional, de
natureza sancionatória. O primeiro caso se refere à perda da nacionalidade pelo cancelamento
da naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.
A disposição constitucional, aqui, se refere exclusivamente à nacionalidade adquirida ou
secundária (uma vez que atinge aquele que “tiver cancelada sua naturalização...). Essa
hipótese do art. 12, parágrafo 4º, inciso I, da Constituição (cancelamento da naturalização
“por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional”), conhecida
92
como perda-punição, é bastante criticada por certa parte da doutrina, uma vez que atividade
nociva e interesse nacional são expressões abertas e de conteúdo variável, podendo dar
margem a injustiças e a toda sorte de perseguições, ainda mais quando se sabe que, em
regimes autoritários, é sempre nocivo ao interesse nacional exprimir ideias contrárias às
daqueles que estão no poder.
A competência para conhecer e decidir em processo de perda da nacionalidade, neste
caso, é da Justiça Federal (CF, art. 109, incido X), cabendo ao ministro da Justiça (por meio
de representação) ou a qualquer cidadão (por solicitação) deflagrar a respectiva ação. Em
ambos os casos também é correta a provocação pelo Ministério Público Federal. O trânsito em
julgado da sentença faz com que o estrangeiro que foi naturalizado brasileiro perca a sua
condição de brasileiro.
Além do caso de cancelamento da naturalização, por sentença judicial, em virtude de
atividade nociva ao interesse nacional, também perde a nacionalidade brasileira o indivíduo
que “adquirir outra nacionalidade”, contemplando a Constituição duas exceções, nas alíneas a
e b, do inciso II, do parágrafo 4º, do seu art. 12. Não importam os motivos pelos quais se
adquiriu outra nacionalidade. Importa sim que o brasileiro tenha adquirido voluntariamente a
nacionalidade de outro Estado, independentemente de qualquer coação física ou psicológica
que, porventura, poderia ter vindo a sofrer. É indiferente que o brasileiro queira continuar
tendo a nacionalidade, uma vez que a perda do vínculo com o Estado brasileiro se dá como
punição por deslealdade para com o País.
Não se enquadram na disposição constitucional a dupla nacionalidade originária, nem
aquela da mulher que adquire, em virtude do casamento, a nacionalidade do marido, como é o
caso da brasileira que casa com o italiano (residente ou não na Itália) e passa a adquirir a
nacionalidade italiana (jus communicatio). Também não se enquadra, aqui, a hipótese de
outorga automática da nacionalidade por outro Estado que também, assim como no caso do
casamento, é hipótese de “nacionalidade involuntária” uma vez que, em ambos os casos
citados, não existe a vontade do brasileiro de se tornar nacional de outra soberania.
Há, entretanto, uma impropriedade técnica na redação do inciso II, do parágrafo 4º,
desse dispositivo constitucional, quando expressa como subdivisão da exceção da perda da
nacionalidade (“adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de...”) o reconhecimento de
nacionalidade originária pela lei estrangeira, de que cuida a alínea a. Se lei estrangeira está
93
reconhecendo a nacionalidade originária do indivíduo, não se trata de aquisição de outra
nacionalidade, por parte deste. Se a nacionalidade é originária, não pode ser adquirida. O
reconhecimento da nacionalidade originária por parte de outro Estado estrangeiro não leva ao
entendimento de que o indivíduo está requerendo a nacionalidade deste Estado, mas tão-
somente de que, já sendo seu nacional, tem apenas que se documentar para fazer prova desta
dupla nacionalidade (da mesma forma que um brasileiro que chega à idade apropriada deve
providenciar seus documentos pessoais, como carteira de identidade e CPF). Portanto, o
inciso II, do parágrafo 4º, do art. 12 da Constituição, é desnecessário e nada acrescenta ao
Direito brasileiro.
No caso da alínea b, do inciso II, parágrafo 4º, do art. 12, a Constituição pretendeu
evitar o constrangimento de um sem-número de brasileiros que, por força de contratos, tinham
que passar a exercer atividades profissionais em países que exigiam a naturalização de
estrangeiros para trabalhar em seu território. A maioria dos brasileiros que saem do Brasil
para buscar trabalho no estrangeiro o fazem como fuga da crise econômica que afeta o País há
longo tempo, buscando um vida melhor e mais rentável fora do Brasil. Ocorre que tais
brasileiros, normalmente menos favorecidos, raramente pretendem desvincular-se da
nacionalidade brasileira e, quase sempre, acabam retornando ao Brasil após um período de
trabalho no exterior. Daí o motivo de a Constituição, coerentemente e levando em
consideração critérios de justiça para com essas pessoas, não desprotegê-los com a perda da
nacionalidade brasileira.
Por fim, frise-se novamente que o Texto Constitucional brasileiro é taxativo no que
tange às hipóteses de perda da nacionalidade brasileira. Não existe, assim, a possibilidade de
renunciar o brasileiro à sua nacionalidade, visto que a renúncia não está contemplada entre as
hipóteses constitucionais de perda da nacionalidade brasileira. A vontade do indivíduo, aqui,
não é preponderante. O que prevalece é sempre a vontade do Estado. Este é que declara, de
maneira impositiva, quem são os seus nacionais e como estes perdem a sua nacionalidade. A
nacionalidade é um direito personalíssimo e indisponível do cidadão, que não pode ser pura e
simplesmente por este renunciada. Entender de modo contrário é ensejar a apatria ou a
expatriação voluntária, o que não é admitido pelo constitucionalismo brasileiro. Dispõe a
Constituição Federal, artigo 12, §4º, em sua versão original:
Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
94
I tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude da atividade
nociva ao interesse nacional;
II adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária.
A atual Constituição só manteve duas hipóteses de perda da nacionalidade: perda-
punição (I) e a perda-mudança (II), não reproduzindo a perda-incompatibilidade que constava
nas Cartas anteriores, que determinava a perda da nacionalidade para quem, sem licença do
Presidente da República, aceitasse comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro.
Existe também o instituto da revogação da perda da nacionalidade, que beneficia
aqueles que queiram retornar à condição de brasileiros, mas não possuem domicílio no Brasil.
Para isso, deverão procurar a repartição consular com jurisdição sobre a região onde vivem e
solicitar a revogação do ato que declarou a perda da nacionalidade.
3.5 Efeitos da adoção internacional na nacionalidade dos adotados
Normalmente, a aquisição da nacionalidade dos pais não é um efeito imediato da adoção
internacional, ficando esta a critério da legislação do país de origem dos adotantes. Como
neste tipo de adoção se lida com no mínimo dois tipos de nacionalidade, e os adotados irão
residir a princípio no país de origem dos adotantes, entende-se ser relevante o tema, que é
pouco explorado pela doutrina nacional.
Há, também, em meio aos nossos doutrinadores, quem entenda que as crianças
estrangeiras adotadas por brasileiros não podem adquirir a nacionalidade brasileira, por ser
taxativo o rol de aquisição do art. 12 da Constituição de 1988, e já que não preveria esta
situação.
Levantam-se, no entanto, alguns pontos: como admitir que crianças estrangeiras
adotadas por nacionais não tenham o mesmo direito à nacionalidade originária que fazem jus
os filhos biológicos? Como admitir a adoção de crianças brasileiras por casais estrangeiros
onde o seu ordenamento pátrio não assegura a possibilidade dos adotados adquirirem a
nacionalidade dos pais? E essa aquisição de nacionalidade estrangeira causaria a perda da
nacionalidade brasileira?
O baixo índice de natalidade, a melhoria das condições sociais das mães solteiras e a
legalização do aborto são fatores que ajudaram na redução do índice de crianças em situação
95
de abandono nos países desenvolvidos, fazendo com que muitos casais se desloquem para
países na América Latina, África e Ásia em busca de crianças para adoção.
Observa-se que, nesses países, a utilização sistemática dos meios de contracepção,
aliados à possibilidade de recurso ao aborto voluntário e legal, impede o nascimento
de crianças não desejadas. Desta forma, o contingente de crianças abandonadas
decresceu de maneira vertiginosa nos últimos anos. Este fato inviabiliza o recurso à
adoção da parte de casais sem filhos. Constata-se, de outro lado, um aumento do
número de casos de esterilidade, mesmo com os tratamentos modernos oferecidos
pela medicina. O recurso aos métodos científicos de procriação assistida, embora
muito divulgados, são dispendiosos e nem sempre apresentam resultados positivos.
É necessário ressaltar que a maioria dos países europeus, a exemplo da França,
oferece um auxílio médico e financeiro à gestante, principalmente às mães solteiras
ou com prole numerosa, durante toda a gestação e após o nascimento, por períodos
previamente determinados. Toda mulher grávida que desejar, pode ficar com seu
filho, sem ser levada a abandoná-lo por falta de recursos financeiros. Se ela decide
abandoná-lo, será certamente por outros motivos, talvez de ordem psicológica ou
familiar. (BRAUNIER apud VERONESE; PETRY, 1994, p. 171)
Antes de analisar a adoção internacional, deve-se fazer um breve estudo introdutório da
adoção, que remonta aos tempos antigos e evoluiu na História. Sobre a adoção na
Antiguidade, Fustel de Coulanges (2003, p. 58-59) leciona que:
A necessidade de perpetuar o culto doméstico foi o princípio do direito de adoção
entre os antigos. Essa religião, que obrigava o homem a se casar, que facultava o
divórcio em casos de esterilidade, substituindo o marido por algum parente nos
casos de impotência ou de morte prematura, oferece, como último recurso à família,
um meio de escapar à desgraça tão temida de sua extinção; esse recurso consistia no
direito de adotar um filho.
[...]
A adoção era, pois, zelar pela continuidade da religião doméstica, pela salvação do
lar, pela continuidade das oferendas fúnebres, pelo repouso dos manes dos
antepassados. A adoção justificava-se apenas pela necessidade de prevenir a
extinção de um culto, e só se permitia a quem não tinha filhos. [...]
Na Idade Média, desaparecido o condicionalismo determinante da adoção na
Antiguidade (assegurar a continuidade das famílias e a perpetuidade do culto doméstico), o
instituto caiu em desuso. Na Idade Moderna, com a Revolução Francesa, Napoleão,
preocupado em resolver o eventual problema da falta de descendentes para o trono
hereditário, que já visionava, introduziu o instituto da adoção no Código Civil francês, mas
somente de adultos.
Ao longo do século XIX, os jurisconsultos reagiram contra o instituto. O Visconde de
Seabra, por exemplo, o considerava como uma aberração da natureza humana, dizendo que a
adoção não correspondia necessidade alguma do coração humano, pois ninguém poderia amar
96
por ficção. Daí o fato de o Código português de 1867 o haver ignorado; mas isso foi mudando
no começo do século XX, já que o Código Civil alemão o acolheu. No Brasil, isso também
aconteceu com o Código Civil de 1916. (VENOSA, 2002, p. 308-309)
Ainda sobre as origens do instituto da adoção, Jacob Dolinger (2003, p. 401) ensina
que:
Em 1939, a França introduziu a legitimação adotiva, pela qual a criança rompe todos
os laços com sua família biológica e se integra na família adotiva, com os mesmos
direitos e obrigações do que as crianças legítimas, recebendo o nome de seus novos
pais, inovação esta que influenciou muitas outras legislações, e foi ampliada por
nova lei francesa, de 1966. O Peru antecedera a França, instituindo a adoção plena
em 1936. Na Itália, já como conseqüência do morticínio da 2ª Guerra Mundial, ela
foi instituída sob a denominação de afilliazone. Uruguai legislou da mesma forma
em 1945, seguida do Chile.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo (2009, p. 19) garante que, apesar da ideia de uma
“família para uma criança” e não “uma criança para uma família” estar pacificada na doutrina
e legislações ocidentais, ainda existem “aspectos bastante específicos quando se coteja a
realidade de suas motivações em um país do 1º mundo e outro do 3º mundo”.
Atualmente, no Brasil, a adoção de crianças e adolescentes é regulada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (2010, online). Aqui a adoção
deixa de ser instituto que permitia a continuidade do culto aos deuses por determinada família,
ou para preencher as lacunas de casais inférteis, e passa a ser medida de proteção, rompendo
com o modelo anterior (Código de Menores), pois a família passa a ser vista como espaço das
relações afetivas e de educação de valores. Neste sentido:
A adoção não se faz por meio de caridade, nem por compaixão da criança ou do
adolescente. Adoção não é ‘estepe’ da família falida, tampouco panacéia para as
feridas familiares. Não se presta para aliviar a solidão do casal nem para dar
companhia ao filho único; não consola a família quando falece um filho; não
transfere a afetividade daquele que faleceu para aquele que foi adotado, pois isso é
prejudicial para ele que se vê em segundo lugar no coração da ‘mãe’.
[...]
E a adoção é muito mais que isso. Nem mesmo podemos considerá-la como ato
humanitário se não vier acompanhada da entrega e doação total dos adotantes. [...]
E o amor descrito aqui não é aquele com significado de compaixão. A criança que
está a espera de uma família para ser adotada não quer receber compaixão; isto ela
teve demais na instituição onde permaneceu. Agora ela necessita da entrega total em
doação no amor daqueles que se propõem a essa vocação. (LIBERATI, 2003, p. 26)
(grifo original)
97
A adoção internacional no Brasil tem previsão tanto na Constituição Federal como no
Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula a matéria quando a adoção envolve crianças
e adolescentes. É um instituto jurídico de ordem pública que concede a estas, em estado de
abandono, a possibilidade de viver num novo lar, noutro país, assegurados o bem-estar e a
educação, desde que obedecidas as normas do país do adotado e do adotante. Sobre as origens
do instituto da adoção internacional:
Ainda que de modo embrionário [...] a origem do instituto da adoção internacional
poderia ser situado no ano de 1627, quando uma quantidade considerável de
crianças inglesas cerca de 1.500 foi transportada de navio para o sul dos Estados
Unidos, para ser integrada a famílias de colonos (este universo era constituído de
meninos e meninas órfãos, abandonados, ou mesmo daqueles que tinham a adoção
autorizada por seus próprios pais, a fim de serem aprendizes em famílias de
artesãos). Este instituto passou a ter uma maior relevância com o crescimento das
nações e isto foi mais intenso e profundo após a Segunda Guerra Mundial. A partir
daí a comunidade internacional entende como importante dar uma maior atenção à
questão da exclusão e do abandono social, os quais caminhavam em paralelo ao
desenvolvimento industrial. [...] (VERONESE; PETRY, 2004, p. 20-21)
Ainda sobre as origens da adoção internacional, Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
(2009, p. 30) leciona que:
O fenômeno da Adoção Internacional, tal como o conhecemos hoje com o crescente
número de sua promoção por pessoas de países do 1º mundo em relação a crianças
do 3º mundo é relativamente recente, iniciado entre o final da década de 60 e início
da de 70 e incrementado nos anos 80 e 90. Há, é verdade, alguns movimentos
anteriores micro-localizados, como as adoções internacionais promovidas por
americanos e franceses de crianças coreanas e vietnamitas, após as respectivas
guerras, mas sem maiores repercussões no contexto mundial de globalização. [...]
Apenas à guisa de curiosidade, referenciamos que na literatura o primeiro registro de
uma adoção internacional se dá na lenda do príncipe hebreu ‘Juda Ben-Hur’, quando
este então condenado às galés foi adotado pelo general romano, após haver salvado-
lhe a vida por ocasião do naufrágio do navio.
A adoção por estrangeiros sempre preocupou a comunidade internacional e a
Organização das Nações Unidas ONU, além de juristas, no concerto internacional, que
tentam coordenar as diferentes leis nacionais a fim de prevenir contra abusos e garantir os
direitos da criança adotada. Por isso, em 1960, na cidade de Leysin, foram idealizados os
Fundamental Principals of Intercountry Adoption (Princípios Fundamentais da Adoção
Internacional). Eram princípios de observância não obrigatória entre os países signatários,
mas que já demonstravam a preocupação da ONU naquela época para com a adoção. Wilson
Donizeti Liberati (2003, p. 42) fala sobre esses princípios:
A recomendação originada dos Principals não constituía legislação vinculante para
o país-membro signatário, e, portanto, eram princípios de observância não
obrigatória. De qualquer modo, essa iniciativa da ONU demonstrava, já naquela
98
época, uma preocupação crescente com a adoção. Tanto é que a principal conclusão
daquele Seminário considerou a adoção internacional como medida excepcional,
sugeria preferência à adoção nacional e, por fim destacava que a adoção
internacional só deveria ser autorizada se fosse para o bem estar da criança.
Logo depois, em 1965, na cidade de Haia, foi realizada a Convenção sobre a Adoção
Internacional, onde o tema central era lei aplicável, jurisdição e reconhecimento em matéria
de adoção, na tentativa de regular os conflitos de lei que existiam. A meta dessa Convenção,
no entanto, era disciplinar as adoções realizadas entre pessoas que tivessem domicílio em
países europeus.
A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (2010, online) de 26 de janeiro de
1989 (no Brasil, Dec. 99.710/90), em seu artigo 1º, prevê que os países-membros se
comprometem a adotar medidas a fim de lutar contra a transferência ilegal de crianças para o
exterior e a retenção ilícita destas fora do país e que para tanto, os Estados-Partes promoverão
a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou adesão a acordos em curso.
Ela é da mesma época do Estatuto da Criança e do Adolescente e assegura direitos
fundamentais à criança, dentre os quais se destaca o de isonomia, prioridade, direito à
identidade cultural, nacionalidade, e assegura que os países signatários combaterão o tráfico
de crianças e o seqüestro, com finalidade de adoção (arts. 11 e 35), e que a adoção
internacional será medida subsidiária (art. 21 lit. b in fine). Por força desta Convenção da
ONU, a competência para os crimes de tráfico de crianças é, hoje, da Justiça Federal (art. 109,
V da Constituição Federal).
A Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção à Criança e Adolescente em
matéria de Adoção Internacional (2010, online), também conhecida como Convenção de
Haia, foi concluída em 29 de maio de 1993 (no Brasil, Dec. 3.087/99). Seu objetivo é impedir
o tráfico internacional de crianças e uniformizar os ritos processuais entre países, elaborando
assim um instrumento jurídico internacional que serve de base para toda e qualquer adoção
internacional. Jacob Dolinger (2003, p. 403) leciona sobre o problema da diversidade de
legislações sobre adoção entre os países:
Assim, a adoção internacional foi se desenvolvendo, e com ela, os problemas
decorrentes da diversidade de legislação entre os Estados dos adotantes e dos
adotados, para cuja solução passou-se a elaborar o direito internacional privado da
adoção, por leis internas e por várias convenções internacionais, rica em doutrina e
copiosa jurisprudência.
99
Em verdade, mais do que a diversidade de legislações, consolidou-se uma diferença
filosófica entre os países ricos, onde se procura uma criança para pais disponíveis, e
os países em desenvolvimento, onde se busca encontrar pais para uma criança
abandonada. Assim, numa comparação não muito feliz, surgiu o binômio ‘oferta’ e
‘procura’ no campo da adoção internacional, criando a necessidade, em cada pólo,
de proteger os correspondentes interesses. [...]
A maior preocupação da Convenção é o interesse superior da criança. Portanto, é
fundamental tentar ajudar a criança a permanecer junto dos pais biológicos. Só em caso de
isto não ser possível é que se procurará outras opções, como manter a criança junto de outros
membros da família, da comunidade ou no país de origem. E não se encontrando uma solução
desse tipo, a adoção internacional irá beneficiar os menores que estão em situação irregular,
ou seja, em estado de abandono ou situação de risco e fora do poder familiar. Ressalte-se que
o interesse maior no caso é o da criança, portanto, a excepcionalidade da adoção internacional
só se justifica se for para garantir bem-estar desta e não em prol de um patriotismo
exacerbado.
A Convenção dos Direitos da Criança já afirmava que os Estados, dentre eles o Brasil,
reconheciam que adoção por pessoas que residam em outro país pode ser considerada como
“outro meio de cuidar da criança, no caso em que a mesma não possa ser colocada em lar de
adoção ou entregue a uma família adotiva ou não logre atendimento adequado em seu país de
origem” (art. 21, b).
A proteção constitucional da adoção internacional está contida no art. 227, §5º da
Constituição Federal de 1988, quando diz que “a adoção será assistida pelo Poder Público, na
forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”.
E, também, afirma no §6º que os filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação.
O novo caput do art. 51 do ECA, que foi alterado pela lei 12.010, de 21 de junho de
2009, traz o conceito de adoção internacional, ao dizer que “Considera-se adoção
internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do
Brasil...”, ou seja, ela também se aplica aos brasileiros residentes fora do Brasil; no entanto, o
§2º do mesmo artigo diz: “Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos
estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro”. É
afirmação do princípio da subsidiariedade, ou seja, a adoção por estrangeiros será sempre a
última opção. Sobre o assunto Claudia Lima Marques (2010, online), em artigo, expõe que:
100
Na visão atual brasileira, a adoção nacional e, especialmente, a manutenção dos
vínculos familiares da criança devem ter preferência. A decisão de transferir a
criança, através da adoção internacional deve só ser tomada, se não é possível ou
recomendável uma solução nacional. Assim, prevêem as novas Convenções e Atos
Internacionais esta subsidiariedade da adoção internacional. O art. 21 lit. b in fine da
Convenção da ONU sobre direitos das crianças de 1989 expressamente prevê esta
linha de preferência para as soluções nacionais. A Convenção de Haia de 1993
impõe o princípio da subsidiariedade no seu preâmbulo (Considerandos 1, 2, 3 e 4).
Já nos artigos 4º, 5º, 14, 15, 16, 17 e 19, a Convenção cria um controle específico
sobre o cumprimento deste princípio (teste da subsidiariedade). No Brasil, as
Resoluções 01/2000 e 02/2000 do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras
regulam em detalhes o cumprimento do princípio da subsidiariedade.
Neste sentido, podemos afirmar que o princípio da subsidiariedade significa, em
matéria de adoção internacional, ‘tempo e ordem’, isto é: que as Autoridades
Centrais, os Juízes de Estados estrangeiros de residência dos pais adotivos e os
interessados (por exemplo, pais adotivos ou intermediários das agências) somente
poderão ser ativos, quando e se as Autoridades Centrais e os Juízes do país de
residência da criança estabeleceram com clareza que uma solução nacional para
aquela criança não é mais possível ou desejável, sempre tendo em vista seu bem-
estar concreto e o respeito ao direito de manutenção do vínculo familiar de origem.
Pode-se garantir que o principal efeito da sentença que confere a adoção é o
rompimento do vínculo de parentesco do adotando com sua família natural e, ao mesmo
tempo, a constituição de novo vínculo de filiação, agora, com os pais adotivos. Portanto, nem
mesmo a morte dos adotantes pode restabelecer o poder familiar dos pais biológicos. O único
vínculo que não se desfaz são os impedimentos matrimoniais. Até porque, não teria como se
admitir que o rompimento do vínculo de parentesco pela adoção permitisse que pais e filhos
biológicos pudessem casar entre si.
Além disso, não pode existir distinção entre os filhos biológicos e os adotados, segundo
o §6º do artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Wilson Liberati (2003, p. 186-187) traz
uma série de legislações de outros países que consagram o mesmo princípio, dentre eles:
[...] No Chile, por exemplo, o art. 36, da Lei 18.703, de 10.5.88, que dita normas e
dispõe sobre adoção de menores, enuncia: ‘La adopción plena hace caducar los
vínculos de la filiación de origen del adoptado em todos sus efectos civiles, com la
salvedad de que subsistirán los impedimientos para contraer matrimonio,
estabelecidos em el art. 5º de la Ley de Matrimonio Civil’.
O art. 8º, do Código sueco da Tutela do Poder Paternal dispões: ‘Quanto da
aplicação de disposições legais ou administrativas que confiram valor jurídico ao
parentesco ou à afinidade, o adotando deve considerar-se filho do adotante e não dos
pais em sentido biológico’.
No mesmo sentido o art. 267, 1 e 2, do Código Civil suíço: ‘1. A criança adquire a
qualidade jurídica de filho de seus pais adotivos. 2. Os vínculos de filiação
anteriores são rompidos, salvo com relação ao cônjuge do adotante’.
[...]
101
O histórico dessas leis de adoção indica, cristalinamente, que a adoção deve produzir
efeitos que assegurem à criança uma condição de legitimidade e semelhança da
natureza. Ou seja, que esses efeitos permitam que o adotado seja, de fato,
considerado um filho legítimo, com todos os direitos e obrigações e sem
discriminações, como se fosse nascido da mãe adotiva. Desse modo, a adoção estará
imitando a natureza.
No mesmo sentido são as legislações de França, Portugal, Espanha, Venezuela,
Argentina e Alemanha, no entanto, a legislação mexicana confere efeitos restritos à adoção,
que se produzem somente entre o adotante e o adotado, e as relações de parentesco com a
família de origem permanecem válidas. (LIBERATI, 2003, p. 187-188)
Outro efeito de suma importância é a certeza de que a sentença é irrevogável. Está
previsto no §1º do artigo 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A adoção é medida
excepcional e irrevogável [...]”. Portanto, os efeitos produzidos pela adoção não podem ser
desfeitos ou anulados pela vontade dos interessados, como num contrato. Liberati (2003, p.
202-203) mais uma vez, indica na legislação alienígena posição igual à brasileira:
Na legislação estrangeira encontramos posição idêntica à nacional: na Espanha, o
art. 180 do Código Civil; no Chile, o art. 38 da lei 18.703, de 10.5.88; na França, o
art. 359 do Código Civil; na Argentina, os arts. 17 a 19 da Lei 19.134, de 30.6.71;
em Portugal, o art. 1.989 do Código Civil; no Uruguai, a Lei 10.674/45.
Na Itália, após tornada a adoção chamada legittimante, não se permite qualquer
forma de revogação; nas adoções in casi particolari e dei maggiorenni, existem as
possibilidades de revogação da ação previstas nos arts. 51, da Legge n. 184/83 e 305
e seguintes do Código Civil, respectivamente.
Na Venezuela, entretanto, os arts. 258 e 259 do Código Civil não atribuem o efeito
da irrevogabilidade à sentença constitutiva do vínculo de adoção.
Na Suíça, após deferida a sentença que defere a adoção, esta torna-se definitiva,
apesar de o Código Civil não mencionar, expressamente, sua irrevogabilidade.
Agora, passar-se-á ao estudo da nacionalidade das crianças submetidas ao processo de
adoção internacional. Apesar de não ser efeito automático produzido pela sentença de adoção,
a aquisição da nacionalidade dos pais adotivos é tema relevante, já que as crianças e
adolescentes adotados irão começar sua vida social e familiar noutro Estado, com outra
cultura, idioma etc.
Por ser a nacionalidade um tema de soberania interna dos Estados, como já vimos,
cabe a cada um deles determinar como os indivíduos adquirem a sua nacionalidade. No caso
brasileiro, está previsto no art. 12 da Constituição Federal de 1988. A Convenção de Haia de
1930, sobre nacionalidade, dispõe em seu artigo 17 que:
102
Artigo 17
Se a lei de um Estado admitir a perda da nacionalidade, em conseqüência da adoção,
esta perda ficará, entretanto, subordinada á aquisição pelo adotado da nacionalidade
do adotante, de acordo com a lei do Estado, de que este for nacional, relativa aos
efeitos da adoção sobre a nacionalidade.
Esta regra visa a evitar a apatridia; daí só se admitir a perda da nacionalidade originária
do adotado se houver concomitante aquisição da nova nacionalidade, do Estado do adotante
mas este dispositivo não trata da hipótese em que a lei do Estado do adotado não admite a
perda da sua nacionalidade por força da adoção, enquanto a lei do Estado do adotante
determina a aquisição de sua nacionalidade.
A Convenção Europeia, de 1967, sobre adoção de crianças, assinada em Estrasburgo,
dispõe que, quando a criança adotada não tiver a mesma nacionalidade do adotante, a parte
contraente da qual o adotante é nacional deverá facilitar a aquisição de sua nacionalidade pela
criança, e, da mesma forma que a Convenção de 1930, acrescenta que a perda de
nacionalidade como consequência de uma adoção ficará condicionada à posse ou aquisição de
outra nacionalidade.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Princípios Sociais e Legais Relativos ao
Bem-Estar das Crianças, com referência especial a famílias substitutas e Adoção Nacional e
Internacional, de 1986, recomenda que na adoção internacional seja garantido que a criança
poderá migrar para se juntar aos pais adotivos e poderá obter a nacionalidade deles (artigo
22). A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças dispõe que a criança terá
direito, desde o momento em que nasce, a uma nacionalidade (artigo 7º). Ainda sobre o tema:
Quando os debates preparatórios da Convenção da Haia de 1993 [...] foi levantava a
questão da perda e aquisição de nacionalidade no contexto da adoção internacional,
tendo a maioria dos participantes considerado que este é um tema autônomo que não
deveria ser tratado na convenção que se estava preparando.
A opinião de Van Loon é de que, na hipótese de uma adoção plena, realizada na
conformidade da Convenção de Haia de 1993, reconhecida no país receptor, onde a
criança passa a viver com seus pais adotivos, estaria no espírito da convenção que a
criança obtivesse a nacionalidade deste Estado. Apesar de a naturalização de pais
não repercutir na nacionalidade dos filhos, em caso de adoção que ocasiona a
imigração do adotado para o país do adotante, parece-nos justo que o país que
acolhe o filho adotivo estenda-lhe sua nacionalidade. (DOLINGER, 2003, p. 444-
445)
Francisco Xavier da Silva Guimarães (1995, p. 15) assevera que a adoção não é meio
próprio para aquisição da nacionalidade brasileira. Apoia-se no entendimento de
103
doutrinadores, como Pontes de Miranda e Miguel Jerônymo Ferrante, que também não
admitiam que a adoção fosse forma de aquisição da nacionalidade brasileira. Sobre o assunto
assinala Pontes de Miranda (1967, p. 459):
A adoção não tem, no direito brasileiro, nenhuma conseqüência quanto à
nacionalidade. E é acertado que assim seja. Devem-se evitar influências das relações
de direito privado nos laços de direito público. Se a regra de um Estado, que confere
a nacionalidade, em virtude da adoção pelo nacional, é criticável, mais ainda o é a
que dá à adoção pelo estrangeiro a conseqüência da perda da nacionalidade do
adotado. Aquela produz polipatria; essa apatria.[...] (grifo original)
Seguindo essa linha de pensamento, Jacob Dolinger (2003, p. 427) posiciona-se da
seguinte forma sobre o assunto:
No direito brasileiro a naturalização não importa aquisição da nacionalidade pelo
cônjuge e filhos do naturalizado (artigo 123 da Lei 6.815 de 1980), de forma que
não parece que a adoção de estrangeiro por brasileiro possa ter qualquer influência
na nacionalidade do adotado, mormente porque entre nós a nacionalidade depende
de expressa previsão constitucional, tanto no sentido da aquisição, como no da
perda. Diversa a situação na França onde o Código Civil expressamente estabelece
que a adoção plena, por pais franceses, ou pai francês, resulta na nacionalidade
francesa do filho adotivo.
Não se pode, entretanto, admitir esse entendimento após a Ordem Constitucional de
1988. Antes havia clara distinção entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados. A própria
adoção de menores podia ser plena ou simples. Agora, a Constituição garante que a adoção
cria vínculos entre adotado e adotante, tal como o da filiação biológica. E não admite nenhum
tipo de distinção entre filhos naturais e adotados. Portanto, quando o art. 12, I, b e c, afirma
que são brasileiros natos os filhos de brasileiros nascidos no exterior, estejam seus pais a
serviço do Brasil ou não, garante também aos filhos adotados no estrangeiro a condição de
nacionais brasileiros, já que adoção é um parto fictício. Além disso, o atual art. 52-B da lei
8.069/90 acentua que
Art. 52-B. A adoção por brasileiro residente no exterior em país ratificante da
Convenção de Haia, cujo processo de adoção tenha sido processado em
conformidade com a legislação vigente no país de residência e atendido o disposto
na Alínea ‘c’ do Artigo 17 da referida Convenção, será automaticamente
recepcionada com o reingresso no Brasil.
§ 1
o
Caso não tenha sido atendido o disposto na Alínea ‘c’ do Artigo 17 da
Convenção de Haia, deverá a sentença ser homologada pelo Superior Tribunal de
Justiça.
§ 2
o
O pretendente brasileiro residente no exterior em país não ratificante da
Convenção de Haia, uma vez reingressado no Brasil, deverá requerer a homologação
da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça.
104
Portanto, a adoção, por brasileiro residente no exterior, seja ela recepcionada
automaticamente ou não, produzirá os mesmos efeitos da adoção feita no Brasil, sendo assim
o filho de brasileiro adotado no exterior brasileiro nato pela previsão do art. 12, I, c da
Constituição de 1988. No que diz respeito aos brasileiros adotados por estrangeiros, Gustavo
Ferraz de Campos Monaco exprime que:
[...] A criança ou adolescente adotados permanecerão com sua nacionalidade
brasileira reconhecida e assegurada, a menos que o adotado pretenda, de forma
espontânea, adquirir a nacionalidade de seus pais adotivos, quando então será
declarada a perda da nacionalidade brasileira, segundo o disposto no inc. II do §4º
do art. 12 da CF/88. Pode ocorrer, entretanto que a legislação exija a naturalização
do adotado, como condição para que possa permanecer no território em que os
adotantes residam habitualmente. Nesse caso, o Estado brasileiro reconhecerá
subsistir a nacionalidade brasileira, segundo o disposto na alínea b do mesmo inc. II
citado anteriormente. (MONACO, 2002, p. 116)
Aqui não se concorda com este entendimento. A criança brasileira adotada por casal
estrangeiro, de uma maneira ou de outra, mantém a nacionalidade brasileira. No Brasil, a
sentença de adoção não permite verificar se a filiação se originou pela via biológica ou pela
adoção. Com efeito, como prevê o art. 12, I, a da Constituição Federal de 1988, os nascidos
no Brasil mesmo que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço do seu país
origem, são brasileiros natos.
O adotado recebe a nacionalidade originária dos pais, mesmo que tenha que se submeter
a processo de naturalização, pois, nesse caso, não há voluntariedade, e sim um trâmite
processual em decorrência do reconhecimento da adoção no país de origem. E, portanto, não é
causa de perda da nacionalidade brasileira, já que cai na exceção do art. 12, II, a da
Constituição.
Defende-se aqui o argumento de que o Brasil deveria conceder a adoção somente a
casais estrangeiros que comprovem a possibilidade de aquisição da sua nacionalidade pelos
adotados, já que estes serão filhos com plenos direitos. Isto porque nem sempre há
compatibilidade entre a legislação do país dos adotantes que querem adotar com a legislação
brasileira. Wilson Liberati (2003, p. 211-212) traz alguns exemplos de legislação que
“consagra o princípio de que a criança adotada adquire a cidadania dos pais adotivos”:
[...] É o exemplo do art. 267ª (2) do Código Civil suíço: ‘A criança menor adquire a
cidadania dos pais adotivos, em lugar e em substituição do local de seu direito de
cidadania anterior’.
105
A Legge n. 184/83 prescreve, no art. 39 que ‘menor de nacionalidade estrangeira
adotado por casais de cidadania italiana adquire o direita a tal cidadania’.
[...]
Na Suécia, a Lei n. 382/1950, que dispõe sobre a modificação da cidadania, receber,
em 1.792, um novo parágrafo: ‘Uma criança que não tenha completado doze anos de
idade e for adotada por cidadão sueco será, com a adoção, cidadão sueco, se: a) a
criança for adotada em Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia ou Noruega; b) a
criança for adotada através de um decisão sobre adoção tomada num país
estrangeiro, que é aprovada em Suécia conforme a Lei n. 796/1971 sobre as relações
legais internacionais que tratam de adoção’.
Na Espanha, o art. 19 do Código Civil dispõe que: ‘1. El extranjero menor de
dieciocho años adoptado por un español adquiere, desde la adopción, la
nacionalidad española de origen. 2. Si el adoptado es mayor de dieciocho años,
podrá optar por la nacionalidad española de origen en plazo de dos años a partir
de la constitución de la adopción’.
O atual art. 52, VII, do ECA, prevê uma verificação da compatibilidade entre as
legislações, antes da habilitação, para que a criança não venha a ter direitos dirimidos.
Autorizar a adoção de uma criança a casal estrangeiro, tendo ela que se naturalizar de forma
espontânea na idade adulta, é simplesmente submetê-la a situação pior do que a tinha no país
de origem. Portanto, a constatação da possibilidade de aquisição da nacionalidade pela criança
ou adolescente, tal como se filho biológico fosse, é mais do que necessária, já que o direito à
nacionalidade é direito fundamental, assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Submeter o adotado a viver num Estado como estrangeiro, até que possa fazer opção pela
nacionalidade dos pais, é privá-lo de direitos que a filiação legítima lhe assegura.
4 CONFLITOS DE NACIONALIDADE
Deixar a definição de nacionalidade nas mãos do Estado pode ensejar prejuízos. Por
exemplo, dependendo do marco legal estatal a respeito, indivíduos podem ficar sem
nacionalidade ou com mais de uma nacionalidade, o que, às vezes, é problemático. É por isso
que o Direito Internacional estabelece regras gerais a respeito da matéria, que não prejudicam
a prerrogativa soberana de o Estado determinar quem são seus nacionais, mas apenas indica
soluções, em vista da proteção da dignidade da pessoa humana e da estabilidade da sociedade
internacional.
Em primeiro lugar, a nacionalidade é galgada ao patamar de direito humano. Essa é a
norma consagrada na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao determinar que
“Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade” (art. XV, parágrafo 1), secundada pelo Pacto
dos Direitos Civis e Políticos, que dispõe que “toda criança tem direito de adquirir uma
nacionalidade” (art. 24, parágrafo 1º). No âmbito dos Estados americanos, acrescente-se ainda
que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica
art.20, parágrafo 2º), estabelece que “Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em
cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra”.
O Direito Internacional adota o princípio de que todo indivíduo deveria ter apenas uma
nacionalidade. A ideia é evitar os conflitos que podem advir da chamada “polipatria”,
entretanto, ainda há pessoas com mais de uma nacionalidade.
O indivíduo tem direito a mudar de nacionalidade. Com efeito, com fulcro nas
premissas relativas à dignidade da pessoa humana, a possibilidade de mudança de
nacionalidade pode permitir a vinculação a um Estado que melhor resguarde os direitos da
pessoa. Tal direito, contudo, está sujeito a regras estabelecidas pelos entes estatais envolvidos
e, nesse sentido, é proibida a privação arbitrária dessa possibilidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo XV, parágrafo 2) determina que
“ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade”. Nesse sentido, consagra-se a
107
norma de que a pessoa pode perder sua nacionalidade, desde que com suporte em regras
previamente estabelecidas e compatíveis com as normas internacionais de direito humanos e
com o Estado de Direito. Repugna ao Direito Internacional a retirada da nacionalidade por
motivos políticos, raciais ou religiosos.
A nacionalidade deve ser efetiva, ou seja, fundamentada em laços sociais consistentes
entre indivíduo e o Estado, cujo caráter de nacional se detém ou é pretendido, a exemplo de
tempo de residência em seu território, domínio do idioma nacional, laços familiares,
investimentos no Estado etc. É a norma da Convenção de Haia de 1930, que determina que a
nacionalidade só é oponível a outros Estados se tiver um mínimo de efetividade. Pretende-se,
com efeito, também evitar que a nacionalidade seja concedida em bases meramente
mercantilistas ou fictícias.
A Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957, determina que nem a
celebração ou dissolução do casamento entre nacionais e estrangeiros nem a mudança de
nacionalidade do marido durante o matrimônio poderão afetar automaticamente a
nacionalidade da mulher. É regra geral que filhos de agentes de Estado estrangeiros, como os
diplomatas, herdem a nacionalidade dos pais, não importa onde nasçam, com base na
presunção de que esses filhos terão um vínculo maior com o ente estatal da nacionalidade dos
genitores.
Por fim, o nacional tem direito a encontrar acolhida no território do Estado que lhe
conferiu a nacionalidade. Com isso, é regra generalizada a proibição do banimento, ou seja, a
vedação de que o ente estatal expulse o nacional de seu próprio território. Por outro lado, o
Estado sempre deve receber os detentores de sua nacionalidade quando venham do exterior,
inclusive quando expulsos ou deportados de Estado estrangeiro.
Do exercício da competência estatal para definir quem são seus nacionais e, portanto, do
emprego de critérios distintos de atribuição do status de nacional, pode haver conflitos de
nacionalidade: um positivo (polipatria) e um negativo (apatridia). Não obstante as regras
sobre a nacionalidade originária estarem bem delineadas, o antagonismo existente na
aplicação de um ou de outro critério jus sanguinis e jus soli faz com que surjam inúmeros
conflitos de leis, dando ensejo aos casos em que o indivíduo nasce sem nacionalidade alguma
ou com uma nacionalidade a mais.
108
4.1 Polipatria
A figura da polipatria é mais conhecida como dupla nacionalidade. José Afonso da
Silva (2009, p. 202) conceitua o polipátrida como o que tem mais de uma nacionalidade:
‘Polipátrida’ é quem tem mais de uma nacionalidade o que acontece quando sua
situação de nascimento se vincula aos dois critérios de determinação da
nacionalidade primária. Assim se dá, por exemplo, com filhos de oriundos de Estado
que adota critério do ius sanguinis quando nascem em Estado que acolhe o do ius
solis. É o caso dos filhos de italianos nascidos no Brasil. [...]
Neste caso, os filhos de italianos nascidos no Brasil têm dupla nacionalidade porque o
Estado brasileiro que adota o critério do jus soli, portanto, são brasileiros, mas também são
italianos, pois a Itália adota, como critério de nacionalidade, o sistema do jus sanguinis. Sobre
o tema do polipatridia, observa Pontes de Miranda (1967, p. 350):
Confusão grava é a que se observa na crítica à dupla ou múltipla nacionalidade. Há
os que a isso reputam sem solução, portanto fato que se tem que sofrer; e os que,
relembrando Cícero, querem que pelo cerne se corte a possibilidade: Duarum
cicitatum civis esse, nostro iure civile, nemo potest. Nem só as regras jurídicas sobre
nacionalidade contêm provimentos sobre entes humanos, ligando-os ao Estado,
impondo-lhes deveres de direito público, ou conferindo-lhe direito de tal caráter.
Nem existe contradição fundamental entre a atribuição da nacionalidade por outro
ou por outros, tanto assim que vemos coexistirem e funcionarem duas ou mais
nacionalidades, o que a Constituição espanhola de 1931 previa (art. 24, 2º, alínea
2ª): ‘A base de una reciprocidad internacional efectiva y mediante los requisitos y
trámites naturales de Portugal y países hispánicos de América, comprendido el
Brasil, cuando así lo soliciten y residan en territorio español, sin que pierdan ni
modifiquen su ciudadanía de origen’. Na alínea 3ª: ‘En estos mismos países, si sus
leyes no lo prohíben, aun cuando no reconozcan el derecho de reciprocidad, podrán
naturalizarse los españoles sin su nacionalidad de origen’. [...] (grifo original)
Não é certo dizer que o Brasil não admite a dupla nacionalidade, eis que não se pode
fechar os olhos ante a realidade de um cidadão que, considerado brasileiro por nossa
legislação, tamm seja havido como nacional pelas leis de outro país. Esta posição foi
reconhecida pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7 de junho de 1994, ao alterar a
redação do §4º do artigo 12, que passou a admitir a concomitância da nacionalidade brasileira
com nacionalidade estrangeira, originária, conforme reproduzido anteriormente. O sítio do
Ministério das Relações Exteriores (BRASIL, 2009, online), ao tratar do tema da dupla
nacionalidade e suas possibilidades, dispõe que:
Não há qualquer restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros que
possuam nacionalidade originária estrangeira, em virtude de nascimento (jus soli)
ou de ascendência (jus sanguinis). Isto significa que todo indivíduo que, no
momento de seu nascimento, já detinha direito a cidadania diferente da brasileira,
reconhecida por Estado estrangeiro, poderá mantê-la sem conflito com a legislação
brasileira. Por conseguinte, a dupla nacionalidade não se aplica ao cidadão brasileiro
109
que adquire nacionalidade estrangeira, ao longo da vida, por casamento ou
imigração, entre outros motivos, com exceção feita aos casos onde houver, pelo
Estado estrangeiro, imposição de naturalização, como condição para permanência
em país estrangeiro ou para o exercício de direitos civis.
Os cidadãos com dupla nacionalidade não devem jamais esquecer que mantêm
direitos e deveres em relação aos países que lhe concedem nacionalidade
(serviço militar, situação eleitoral, fiscal, etc). Ademais, a dupla nacionalidade
pode implicar limitações na reivindicação de certos direitos, como nos casos de
pedido de assistência consular dentro de um país onde também é considerado como
nacional. A título de exemplo: um indivíduo com dupla cidadania, brasileira e
colombiana, sempre que se encontrar dentro do território colombiano será tratado,
pelas autoridades locais, exclusivamente como colombiano, e nunca como
estrangeiro, ainda que apresente documentos brasileiros e alegue essa condição.
Estas restrições podem ocorrer, por exemplo, em casos de separação, divórcio,
litígio em relação ao direito sobre guarda de filhos, heranças e questões de
pagamento de impostos, entre outros. (grifo original)
A Convenção de Haia Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis
sobre Nacionalidade, de 1930 (Convenção de Haia), consagra o princípio de que a pessoa só
deve ter uma nacionalidade; entretanto, por continuar a existir polipátridas, tema foi regulado
por esse mesmo tratado e por outros instrumentos, como o Protocolo Relativo às Obrigações
Militares, em Certos Casos de Dupla Nacionalidade, do mesmo ano.
Quando se tiver que decidir sobre a nacionalidade de um binacional, ligado a outros
dois países, o Código Bustamante, no seu artigo 10, dispõe que se reconhecerá a
nacionalidade do país em que a pessoa tiver domicílio. E a Convenção sobre Nacionalidade de
Haia, de 1930, estabelece no artigo 5º que se reconhecerá tanto a nacionalidade do país onde o
binacional tenha sua residência habitual quanto a nacionalidade do país ao qual, segundo as
circunstâncias, ele pareça, de fato, mais ligado. A segunda opção de solução obedece ao
princípio da proximidade.
Em todo caso, a Convenção de Haia determina que um Estado não pode exercer a sua
proteção diplomática em proveito de um seu nacional contra outro Estado de que o mesmo
seja também nacional. Dispõe também que, em um terceiro Estado, o indivíduo que possua
várias nacionalidades deverá ser tratado como se não tivesse senão uma, podendo esse
terceiro Estado reconhecer, dentre as opções existentes, apenas a nacionalidade do país no
qual ele tenha sua residência habitual e principal ou a do país ao qual, segundo as
circunstâncias, o estrangeiro pareça mais ligado, ou seja, a nacionalidade mais efetiva. Ainda
sobre o tema, Jacob Dolinger (2008, p. 198) narra que:
Em 1979, o State Department dos Estados Unidos dirigiu uma nota à embaixada
soviética em Washington consultando-a sobre algumas questões relacionadas à Lei
de Nacionalidade soviética de 1978, que entrou em vigor em 1º de julho de 1979,
110
observando o seguinte: ‘[...] os Estados Unidos reconhecem a existência de dupla
nacionalidade em casos individuais como conseqüência dos conflitos de leis sobre a
matéria de nacionalidade, uma vez que não há regra uniforme de direito
internacional relativa à aquisição da nacionalidade’. Devido às diferenças entre leis
sobre nacionalidade dos vários países, inclusive dos Estados Unidos e da Rússia
soviética, há muitas pessoas que têm conferida a nacionalidade de dois ou mais
países. Como resultado, é possível que uma pessoa tenha direito legítimo à
nacionalidade americana de acordo com as leis deste país, tendo igualmente legítima
pretensão à cidadania da União Soviética, de acordo com a lei soviética.
Questões de dupla nacionalidade ocorreram no julgamento de várias causas submetidas
ao Tribunal de Reclamações Irã - Estados Unidos, em razão da norma contida no Acordo que
criou esta corte especial, determinando que cidadãos americanos poderiam reclamar contra o
Irã e cidadãos iranianos contra os Estados Unidos, surgindo dúvidas sobre a competência da
Corte para julgar reclamações de cidadãos com dupla nacionalidade americana e iraniana. O
Tribunal decidiu, com base na Convenção de Haia de 1930, apurar a “nacionalidade
dominante e efetiva” do reclamante. Esta apuração se processa com base em vários aspectos
da vida da pessoa, assim como sua residência, participação em eleições, propriedades, local de
sua educação, pagamento de impostos, laços familiares, prestação de serviço militar e
investimentos. Temos aqui também o princípio da proximidade. (DOLINGER, 2008, p.199)
A Corte Internacional de Justiça julgou um contencioso sobre escolha de
nacionalidade entre Liechtenstein e a Guatemala. No caso, tratava-se de Friedrich Wilhelm
Nottebohm, comerciante nascido em Hamburgo em 1881, que, em 1939 após o exército de
Hitler invadir a Polônia solicitou e obteve a naturalização no Principado de Liechtenstein.
Nottebohm havia fixado residência e o centro de suas atividades empresariais na Guatemala
desde 1905. Em 1943, autoridades policiais da Guatemala, a pedido do Governo dos EUA,
prenderam Nottebohm e o deportaram para os Estados Unidos. Em 1944, procedimentos
legais foram iniciados contra Nottebohm visando à expropriação de suas propriedades sob a
alegação de conduta traidora, em conluio com nazistas. Liechtenstein submeteu, em 1951, à
Corte Internacional a questão, pleiteando a restituição e reparação, sob o argumento de que o
Governo da Guatemala processou, julgou e condenou Nottebohm, cidadão do Principado, de
maneira ilegal, contrária à lei internacional.
Em face do problema da nacionalidade de Nottebohm, a Corte Internacional considerou
que, no caso de dupla nacionalidade e para esses fins, a nacionalidade preponderante deveria
ter correspondência com os fatos, ou seja, somente se justificava por meio de laços fáticos
entre a pessoa envolvida e um desses Estados: local de sua residência habitual, lugar de centro
111
de seus interesses, ambiente de seus laços de família, de sua participação na vida pública, sítio
de educação de seus filhos, etc. Assim a nacionalidade de Liechtenstein foi desconsiderada.
Problema semelhante foi enfrentado na Comissão para julgar os conflitos entre a
Eritreia e a Etiópia, em dezembro de 2005. A Eritreia é um Estado resultado da secessão na
Etiópia, em 1993. Alguns cidadãos com dupla nacionalidade (eritreiana e americana;
eritreiana e holandesa) reclamavam serem vítimas de abusos cometidos por autoridades
etíopes. A Etiópia, por sua vez, alegava que a Comissão não deveria apreciar o caso, haja
vista que a teoria da nacionalidade efetiva estava consolidada no Direito Internacional e que,
pelo fato de essas pessoas viverem na Etiópia, a nacionalidade efetiva deveria ser a etíope,
quando então o Direito Internacional não seria aplicado; no entanto, a Comissão considerou
que tal teoria deveria ser aplicada apenas quando o reclamante tem nacionalidade dos dois
Estados em conflito, com o objetivo de determinar se o conflito é ou não internacional, não
devendo ser aplicada quando envolve nacionalidade de um terceiro país. (VARELLA, 2009,
155-156)
Nessas situações, é necessário definir critérios para a escolha de qual nacionalidade será
considerada válida. A Corte Internacional de Justiça define que se avalie com qual Estado o
indivíduo tem mais vínculo. Entre outros critérios, sugere os seguintes: a) residência habitual
da pessoa; b) centro de seus interesses profissionais; c) local em que estabelecem os laços
familiares; d) lugar onde ocorre sua participação na vida pública; e) sítio onde ocorre a
educação de seus filhos;
Quando o indivíduo mantém laços estreitos com as duas nacionalidades, pode ser
possível admitir a proteção diplomática pelas duas, mas não uma contra a outra, no entanto,
como se viu, é lícito eleger critérios para definir qual das duas nacionalidades será
considerada para garantir direitos do indivíduo e do Estado. Esses critérios irão definir qual
nacionalidade será preponderante.
A dupla nacionalidade é admitida pela legislação brasileira em dois casos:
reconhecimento da nacionalidade estrangeira pela lei brasileira ou imposição de naturalização,
pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para
permanência em seu território ou para o exercício dos direitos civis.
O reconhecimento da nacionalidade estrangeira pela lei brasileira é muito comum,
sobretudo nos últimos anos, com a evolução constante do interesse dos brasileiros,
112
descendentes de europeus, em adquirir a cidadania de seus antecedentes. A dupla
nacionalidade hoje é vista pelos próprios Estados e por muitas organizações internacionais
como algo positivo que contribui para o progresso das relações internacionais e para melhor
compreensão entre os países.
O fundamento da segunda nacionalidade será o jus sanguinis, pois o brasileiro solicitará
ao Estado estrangeiro a nacionalidade por ser descendente. Cada Estado irá definir seus
critérios para atribuição da nacionalidade. Em Portugal, por exemplo, exige-se que o
descendente tenha pelo menos um de seus avós nascidos em Portugal. Na Itália, as mulheres
apenas adquiriram direitos de transmitir a cidadania a partir de 1948. Assim, se na linha de
descendência houver uma mulher, nascida antes de 1948, não existe o direito à nacionalidade.
A hipótese de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro
residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis é menos comum, mas pode ocorrer quando o brasileiro ocupa
funções privativas de naturalização no país onde habita. Trata-se de hipótese acrescentada
pela Emenda Constitucional n. 3, de 1994. Nesses casos, a segunda nacionalidade não
interfere na nacionalidade brasileira e o indivíduo poderá usufruir os direitos de nacional dos
dois Estados. (VARELLA, 2009, p. 170)
A dupla cidadania é condição relevante também no interior dos ordenamentos estatais,
pois acarreta na titularidade de direitos políticos dois, ou mais, Estados e também dos
consequentes deveres de fidelidade e defesa. Tentando dirimir este tipo de conflito na Europa,
foi elaborada a Convenção Europeia pela Redução dos Casos de Cidadania Múltipla e sobre
os deveres militares em caso de pluralidade de cidadanias. Redigida em Estrasburgo, em 6 de
maio de 1963, e subscrita pela Itália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Grã-
Bretanha, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Espanha, Suécia e Irlanda, impôs aos
Estados contraentes privar da própria cidadania os que adquirem voluntariamente a cidadania
de outro Estado contraente. Por outro lado, consente ao cidadão que possui duas ou mais
cidadanias, de forma originária, prestar serviço militar em somente um dos Estados de que é
cidadão. (STANCARI, 2003, p. 107-108)
No Brasil, a prestação do serviço militar ou alternativo é obrigatória, consoante a
disposição da do artigo 143, §1º da Constituição Federal de 1988. O Decreto nº 57.654, de 20
de novembro de 1966, que regulamenta a Lei do Serviço Militar, alterado pelo Decreto nº
113
1.294, de 26 de outubro de 1994, estabelece, no §4º do artigo 5º que “os brasileiros
naturalizados e por opção são obrigados ao Serviço Militar a partir da data em que recebem o
certificado de naturalização ou da assinatura do termo de opção”.
O Brasil, no entanto, aderiu ao protocolo relativo ás obrigações militares, em caso de
dupla nacionalidade, firmado em Haia, em 12 de abril de 1930, Decreto 21.798, de 06 de
setembro de 1932, que afirma no artigo 1º:
Todo indivíduo que possuir a nacionalidade de dois ou mais países e residir
habitualmente no território de um deles ao qual esteja, de fato, mais ligado, ficará
isento de todas as obrigações militares no outro ou qualquer dos outros países. Essa
isenção poderá acarretar a perda da nacionalidade do outro ou de qualquer dos
outros países.
Como a não-prestação do serviço militar não é causa de perda da nacionalidade
brasileira, segundo as hipóteses do art. 12, II, da Constituição Federal de 1988, entende-se
que, se o brasileiro polipátrida já prestou o serviço militar em outro país, com o qual mantém
vínculo de nacionalidade, fica isento da mesma prestação no Brasil.
4.2 Apatridia
Heimatlos é uma expressão alemã que significa sem pátria ou apátrida. São pessoas que,
dadas as circunstâncias em que nascem, não dispõem de nenhum laço que as prenda ou que as
vincule a determinado Estado. A isto alguns autores denominam anacionalidade, e outros de
conflito negativo de nacionalidade. Sobre o tema, ensina Meirelles Teixeira (1991, p. 563-
564):
O problema da apatria, isto é, dos sem pátria, não é de Direito Constitucional, mas
pertence ao âmbito do Direito Internacional Público, do mesmo modo que o dos
‘polipátridas’, indivíduos com mais de uma nacionalidade. [...]
Constitui princípio indisputado o de que cada Estado legisla soberanamente sobre a
sua própria nacionalidade, não podendo impedir que os outros Estados também o
façam, seria ingenuidade pretender [...] resolver o assunto por dia do Direito interno,
pois tais conflitos só podem solucionar-se por meio de convenções internacionais,
como as de Haya (1930), a de Montividéu (1933) e outras, ou tratados entre os
interessados, como os que o Brasil já celebrou com a Inglaterra, a Itália e outros
países. [...] (grifo original)
Sobre a origem do termo apátrida, Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 1000) fala
que:
A denominação de apatridia para as pessoas sem nacionalidade foi criada por
Charles Claro, advogado no Tribunal de Apelação de Paris, em 1918. Na Alemanha,
114
eles eram denominados de heimatlos, sem pátria, ou de staatenlose (sem Estado). Na
Inglaterra, de statelessness. Outras denominações foram propostas, com a de apolidi
(Ilmar Penna Marinho), etc. Entretanto, a de apátrida e de apatridia foram
consagradas nas convenções internacionais e por grande parte da doutrina (François,
Vichniae, etc.).
A apatridia pode ocorrer quando o indivíduo perde a nacionalidade que tinha, por não se
submeter ao processo relativo à sua conservação, de acordo com a legislação do Estado de
que era nacional; ou por choque entre legislações sobre nacionalidade, a exemplo da mulher
que, quando se casa com estrangeiro, perde sua nacionalidade e adquire, ipso facto, a do
marido, enquanto a legislação particular deste não admite tal forma de aquisição da
nacionalidade.
Outro exemplo mais comum diz respeito ao caso dos filhos de pais estrangeiros
nascidos em países que adotam o jus sanguinis, quando o Estado de origem dos pais adota o
sistema do jus soli, sem quaisquer temperamentos. Neste sentido, anota José Afonso da Silva
(2009, p. 203):
Heimatlos (expressão alemã que significa ‘sem pátria’, ‘apátrida’) é também um
efeito possível da diversidade de critérios de atribuição da nacionalidade. Consiste
na situação da pessoa que, dada a circunstância de nascimento, não se vincula a
qualquer daqueles critérios que lhe determinariam uma nacionalidade. Trata-se, pois,
de situação inversa daquela outra, porquanto, aqui, o fato ‘nascimento’ ocorreu em
circunstância tal que a pessoa não adquire nacionalidade alguma. Tratando-se de
filho de brasileiro, para que não seja heimatlos, um sem-pátria, a Constituição dá
algumas soluções que estão inscritas no seu art. 12, I, ‘b’ e ‘c’[...] (grifo original)
Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 999), ao analisar o tema da apatridia, traz
referências históricas do seu surgimento:
Em Roma já existia a figura do apátrida, havia uma categoria de estrangeiros que
entrava nela, a dos peregrini sine civilitate. Por outro lado, a dos dediticii, sem gozar
do jus civile e da proteção de uma lei nacional, muito se aproximava do apátrida
moderno.
No período medieval e na Idade Moderna o apátrida desapareceu.
Foi no século XIX que a apatridia passou a existir com as inúmeras legislações de
nacionalidade no império alemão. No nosso século, o fenômeno se agravou com as
guerras mundiais, ocasionando o deslocamento de pessoas: a revolução comunista
na URSS, o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, uma vez que todos que
fugiram a estes sistemas políticos perderam a sua nacionalidade.
Ser apátrida é estar sem nacionalidade ou cidadania. O vínculo jurídico entre o
indivíduo e o Estado deixou de existir. Apátridas encaram numerosas dificuldades na sua vida
diária: eles podem não ter acesso aos sistemas de saúde, educação, direitos de propriedade e a
115
capacidade de transitar livremente. São, também, vulneráveis a tratamentos arbitrários, e a
crimes, como tráfico de pessoas. A sua marginalização pode criar tensões na sociedade e levar
a instabilidade na esfera internacional, incluindo, em casos extremos, conflitos e
deslocamento.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (2010, online) reconhece dois
tipos de apátridas: o de direito e o de fato. Os apátridas de direito são pessoas não
consideradas nacionais por nenhum sistema jurídico de nenhum país. Existem, contudo,
também casos em que a pessoa formalmente possui uma nacionalidade, mas esta é ineficaz.
Essa é a situação chamada de apátridas de fato. Um bom exemplo disto é o de uma pessoa
que tem, na prática, negado direitos desfrutados por todos os outros nacionais, tais como o
direito de retornar para o seu país e lá residir. A linha que divide o apátrida de direito e o de
fato é difícil de ser estabelecida. Milhões ao redor do mundo estão presos neste limbo legal.
Causas importantes de apatridia são discriminação e lacunas na legislação nacional.
Sobre apatridia e conflitos negativos de nacionalidade, Uadi Lammêgo Bulos (2009, p.
710) expressa que são inaceitáveis, e por isso a previsão na Declaração Universal dos Direitos
do Homem, afirmando que “toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e ninguém será
arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade” (art.
15). Sobre o surgimento dos apátridas, escreve Celso Lafer (1991, p. 138-139):
É certo que, no século XIX, a carência de nacionalidade não deixou de se colocar
como problema político na Europa, com a emigração que se seguiu aos movimentos
revolucionários de 1848 e com grupos como os ciganos e os judeus, que não eram
tidos necessariamente como naturais de nenhum país. É por isso o termo apátrida
que significa, para o indivíduo, ser estrangeiro em todos os países e, portanto,
carecer de direitos políticos e sofrer restrições em matéria de direitos civis surge
no século XIX, mostrando a existência do problema. [...]
[...] O término da I Guerra Mundial, no entanto, modificou radicalmente este padrão
com o aparecimento, em escala numericamente inédita, de pessoas que não eram
bem vindas a lugar algum e que não podiam ser assimiladas em parte alguma. Estas
displaced persons, observa Hannah Arendt, converteram-se no refugo da terra, pois
ao perderem os seus lares, a sua cidadania e os seus direitos viram-se expulsos da
trindade Estado-Povo-Território. [...] (grifo original)
Tal anomalia muitas vezes nasce de medidas políticas repressivas, como ocorreu no
totalitarismo alemão da Segunda Guerra à exemplo do que já fizera desde 1921 o Governo
soviético que arbitrariamente privou inúmeras pessoas de sua nacionalidade, ou mesmo a
título jurídico de pena e sanção, representando um verdadeiro perigo para a sociedade
internacional, na medida em que deixa seres humanos sem a devida proteção estatal,
116
tornando-os vítimas de um sistema que, além de imperfeito, é arbitrário e cruel. Sobre o tema,
Fábio Konder Comparato (2008, p. 233) ensina que:
[...] o Estado nazista aplicou, sistematicamente, a política de supressão da
nacionalidade alemã a grupos minoritários, sobretudo a pessoas consideradas de
origem judaica. Logo após a guerra, Hannah Arendt chamou a atenção para a
novidade perversa desse abuso, mostrando como a privação de nacionalidade fazia
das vítimas pessoas excluídas de toda proteção jurídica no mundo. Ao contrário do
que se supunha no século XVIII, mostrou ela, os direitos humanos não protegidos
independentemente da nacionalidade ou cidadania. [...] aquele que foi despojado de
sua nacionalidade, sem ser opositor político, pode não encontrar nenhum Estado
disposto a recebê-lo: ele simplesmente deixa de ser considerado uma pessoa
humana. Numa fórmula tornada célebre, Hannah Arendt conclui que a essência dos
direitos humanos é o direito a ter direitos.
Já Hannah Arendt (2007, p. 329) descreve como os sistemas totalitários,
principalmente o alemão dos anos 1930, se utilizaram da situação da apatridia para eliminar
seres humanos em massa, uma vez que não havia Estado algum que os reclamasse.
A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados
da vida, da liberdade ou da procura da felicidade nem da igualdade perante a lei ou
da liberdade de opinião fórmulas que se destinavam a resolver problemas dentro
de certas comunidades , mas do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade.
A sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas
sim não existirem mais leis para eles; não de serem oprimidos, mas de não haver
ninguém mais que se interesse por eles nem que seja para oprimi-los. Só no último
estágio de um longo processo é que o seu direito à vida á ameaçado; só se
permanecem absolutamente ‘supérfluos’, se não se puder encontrar ninguém para
‘reclamá-los’ é que suas vidas podem correr perigo. Os próprios nazistas começaram
a sua exterminação dos Judeus privando-os, primeiro, de toda a condição legal (isto
é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os do mundo para os
juntar em guetos e campos de concentração; e, antes de acionarem as câmaras de
gás, haviam apalpado cuidadosamente o terreno e verificado, para sua satisfação,
que nenhum país reclamava aquela gente. O importante é que se criou uma condição
de completa privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado.
Em 1930, em Haia, foram firmados protocolos aditivos à Convenção sobre
Nacionalidade, visando à proteção dos apátridas. Com isso, para tentar conferir maior
proteção aos indivíduos nessa situação, foram concluídos o Protocolo Relativo aos Casos de
Apatridia, em 1930 (Decreto 21.789, de 06/09/1932), e a Convenção sobre o Estado dos
Apátridas, de 1954 (Decreto 4.246, de 22/05/2002).
Além disso, as normas internacionais de direitos humanos, que conferem uma série de
direitos a qualquer pessoa sem distinção de qualquer espécie, garantem aos apátridas a mesma
proteção devida a qualquer ser humano. Em 1963 foi assinada a Convenção Europeia para a
Solução dos Casos de Múltipla Nacionalidade por iniciativa do Conselho da Europa.
117
Sobre o tema dos apátridas, no entanto, ensina Pontes de Miranda (1967, p. 348) que:
Têm-se confundido a necessidade de ser ressortissant, de ser adstrito (digamos em
língua portuguesa), e a de ter nacionalidade.
Foi isso que levou alguns autores à
afirmativa de que o ente humano não pode renunciar a qualquer nacionalidade;
outros, à convicção ingênua de que todo homem deve ter uma nacionalidade, porque
não pode pertencer, durante toda a vida, sem ligação a algum Estado. Claro está que
tais considerações são meramente discursivas, éticas, e não jurídicas. Ainda não há,
no direito das gentes, qualquer princípio que obrigue o ser humano a ter uma
nacionalidade. O que se dá é que ele precisa ter estatuto, por que se reja, nas
relações de direito privado, mas estatuto têm também os apátrides; e as leis penais
podem ter por pressupostos objetivos a qualidade de ser nacional, ou de não ser
nacional (estrangeiros). Posto que possa a vir a ser aspiração doutrinária a existência
de regra de direito das gentes em que se obriguem os indivíduos a terem pátria, tal
regra jurídica não existe. Ou, melhor, ainda não existe. A apatria é reconhecida pelos
Estados e pelo próprio direito das gentes. (grifo original)
Discordar-se-á neste ponto do ínclito doutrinador, uma que vez que, no mundo atual,
não há como se admitir a situação de apatridia. Inúmeros tratados já foram ratificados, criando
regras que dificultem essa situação, justamente por ela ser desumana. A própria Emenda
Constitucional n. 54 de 2007 veio corrigir um erro que colocou muitos filhos de brasileiros
em condição de apatridia.
Apesar de ser de suma importância ter um estatuto de leis que regule sua situação ou um
passaporte, nacionalidade é mais do que isso. Ela permite a proteção diplomática do Estado
quando o nacional sofre abusos em outro país. E a regra é a de que nenhum Estado pode
conceder proteção diplomática a indivíduo que não seja nacional; ou seja, o apátrida não tem
Estado que o reclame, e, como bem expressou Hannah Arendt, ou o queira nem que seja para
oprimi-lo. Ele fica à mercê da ajuda de organismos internacionais, como o ACNUR, de
organizações não governamentaisONG´s que defendem direitos humanos, ou da boa-
vontade dos Estados que o acolhem.
Prevenir a situação de apatrídia não se trata, portanto, de considerações são meramente
discursivas, éticas, e não jurídicas. Ao assinar tratados multilaterais que contêm regras de
prevenção à apatridia, bem como fazer revisões nas normas internas que tratam da
nacionalidade, os Estados se comprometem com o combate a esta triste situação.
Um caso curioso, e lamentável, ocorreu com o iraniano Mehran Karimi Nasseri (BBC,
2010, online), também conhecido como Sir. Alfred Mehran, que passou quase 18 anos
morando no Terminal 1 do Aeroporto Internacional Charles de Gaulle. Na sua história, foi
baseado o filme “O Terminal”, de Steven Spielberg. Ele foi expulso do Irã, em 1977, após ter
118
protestado contra o regime iraniano, e conseguiu junto o ACNUR o status de refugiado na
Bélgica, o que lhe dava liberdade de trânsito na Europa.
Após ter fixado residência no Reino Unido, em 1986, teve seus documentos roubados,
em Paris, no ano de 1988. Como ele não pode apresentar passaporte ao voltar para a
Inglaterra, foi deportado de volta para a França. No primeiro momento, ele ficou preso, mas
como sua entrada no aeroporto não foi ilegal, e ele não tinha país de origem para retornar,
ficou morando no Terminal 1 do Aeroporto.
Em 1992, o Governo francês afirmou que, como ele entrou no país legalmente ele não
podia ser expulso do aeroporto, mas também não podia entrar no País. Somente em 2006, ele
saiu do aeroporto para ser hospitalizado, e depois passou a morar em alguns abrigos de Paris.
4.2.1 O caso da Emenda Constitucional n. 3 de 1994
A hipótese do art. 12, I, c, da Constituição Federal de 1988, de aquisição originária de
nacionalidade brasileira, é objeto de sucessivas alterações, sendo necessária uma retrospectiva
para melhor compreensão da matéria. A Constituição de 1967 dispunha em seu artigo 140, I,
letra c, que são brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, não
estando estes a serviço do Brasil, desde que, registrados em repartição brasileira competente
no exterior, ou não registrados, venham a residir no Brasil antes de atingir a maioridade.
Neste caso, alcançada esta, deverão, dentro de quatro anos, optar pela nacionalidade
brasileira”. A Carta de 1969 manteve a mesma orientação, alterando ligeiramente a
formulação, que ficou assim no art. 145, I, c:
[...]os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não
estejam estes a serviço do Brasil, desde que registrados em repartição brasileira
competente no exterior ou, não registrados, venham a residir no território nacional
antes de atingir a maioridade; neste caso, alcançada esta, deverão, dentro de quatro
anos, optar pela nacionalidade brasileira.
Basicamente, como se vê, a mesma regra era contida nas duas Cartas constitucionais do
período militar, ambas igualmente obscuras na parte essencial, que se prestava a duas
interpretações: a) registrado ou não registrado em repartição brasileira competente no exterior,
deveria o filho vir residir no Brasil e optar pela nacionalidade brasileira, ou, b) a exigência de
residência, seguida de opção, só visava a hipótese de não ter sido registrado no exterior, mas,
tendo sido registrado, isto seria suficiente para que fosse considerado brasileiro nato.
119
A Jurisprudência, após alguma hesitação, aceitou a segunda interpretação, entendendo
que a residência no Brasil, seguida de opção, só seria exigida na hipótese de não ter havido
registro no exterior.
A Constituição de 1988, em redação mais precisa, corrigiu a obscuridade contida nos
Textos de 1967 e 1969, assim dispondo: “Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a
residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem em
qualquer tempo pela nacionalidade brasileira”. Ficou assim, confirmada a interpretação dada
aos textos das Cartas anteriores, no sentido de que o nascido no exterior de pai ou mãe
brasileiros, que se registrasse em repartição brasileira competente, seria brasileiro nato,
independentemente de vir ao Brasil e/ou exercer opção.
Com a Emenda Constitucional de Revisão n. 3, de 1994, eliminou-se a possibilidade de
registro dos filhos brasileiros nascidos no exterior em repartição consular, além de impor a
necessidade de se residir no Brasil antes da maioridade como condição para a opção da
nacionalidade brasileira. Assim, a partir de 1994, a residência no Brasil e a opção pela
nacionalidade aparecem como condição suspensiva para a aquisição da nacionalidade
brasileira.
A Reforma Constitucional de 1994, ao acabar, sem qualquer motivo justificável, com a
possibilidade de se atribuir ao filho de brasileiro nascido no estrangeiro a condição imediata
de brasileiro nato, por meio do registro de nascimento em repartição consular no exterior,
trouxe problemas para os brasileiros que residiam fora do País no período de 1994 a 2007. O
fato é que muitos filhos de brasileiros nascidos em países que adotam a regra do jus sanguinis
(como a Suíça, o Japão e a Alemanha) acabaram ficando privados, tanto da nacionalidade
brasileira, quanto da nacionalidade do local de nascimento, passando a permanecer em
verdadeira situação de apatridia. .
Além do mais, era muito dispendiosa a vinda ao Ps e a opção pela nacionalidade
brasileira para fins de atribuição da nacionalidade originária ao filho de pai brasileiro ou mãe
brasileira nascido no exterior. Ainda sobre a Emenda Constitucional de Revisão n. 3 de 1994:
Toda via, a redação introduzida pela emenda apresentava outros problemas que a
tornaram insatisfatória: primeiramente a omissão do que figurava no texto original,
de que a vinda para o Brasil deveria ocorrer antes da maioridade. Como aceitar
alguém que nasceu no exterior (de pais brasileiros), que viveu grande parte de sua
vida no exterior, e vindo para o Brasil, já em idade avançada, possa optar pela
120
nacionalidade brasileira, tornando-se brasileiro nato? Outro problema foi manter o
que estava no texto original da Constituição, de que a opção se pode exercer a
qualquer tempo. Qual o sentido disto? Qual status desta pessoa que veio residir no
Brasil, mas não optou pela nacionalidade brasileira? Difícil considerá-lo brasileiro
ante a necessidade de opção. Muito melhores neste aspecto os textos constitucionais
de 1967 e 1969 que condicionavam a aquisição do estado de brasileiro nato ao
estabelecimento de residência no Brasil antes de atingida a maioridade e ao
exercício da opção até quatro anos após a aquisição da maioridade. (DOLINGER,
2008, p. 172)
Daí, então, o aparecimento de nova proposta de alteração constitucional (PEC 272/00),
que teve como relatora a deputada federal Rita Camata, dando origem à Emenda
Constitucional n. 54, de 20 de setembro de 2007, que assegura a nacionalidade brasileira a
todos os filhos de brasileiros que nasceram e continuam a viver fora do País, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente (v.g., a repartição consular).
Como se percebe facilmente, a nova redação do art. 12, inciso I, alínea c, ressuscitou, na
sua primeira parte, o texto original da Constituição de 1988, com a única diferença de também
não mais exigir (na segunda hipótese versada pelo dispositivo) a vinda ao País, antes da
maioridade, como condição para a opção da nacionalidade. Na sua segunda parte, por sua vez,
a Emenda n. 54 manteve a redação dada pela reforma de 1994 relativa à opção pela
nacionalidade brasileira para aqueles que aqui vieram a residir, tendo nascido no estrangeiro
sendo filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira com o acréscimo (fruto da jurisprudência
do STF) da condição de se atingir a maioridade para realizar a opção.
A Emenda Constitucional nº 54 permitiu aos filhos de brasileiros, nascidos entre 1994 e
2007, obter a nacionalidade brasileira desde já, quando no artigo 95 dos ADCT, da
Constituição Federal de 1988, determina que as crianças nascidas entre 7 de junho de 1994 e a
data de promulgação da Emenda, nas condições do art. 12, I, c, “poderão ser registrados em
repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a
residir na República Federativa do Brasil”.
4.2.2 Refúgio
Hannah Arendt (2007, p. 330) assevera que “Só com uma humanidade completamente
organizada, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão
da humanidade”, pois:
Só conseguimos perceber a existência de um direito de ter direitos (e isto significa
viver numa estrutura onde se é julgado pelas ações e opiniões) e de um direito de
pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando surgiram milhões de
121
pessoas que haviam perdido esses direitos e não podiam recuperá-los devido à nova
situação política global. [...]
O Ministério da Justiça (BRASIL, 2010, online) informa que hoje, no Brasil, existem
cerca de 4.240 refugiados, de 75 diferentes nacionalidades, dentre os quais 3.822 foram
reconhecidos pelas vias tradicionais de elegibilidade e 418 por meio de reassentamento.
Dentre os refugiados, a nacionalidade com o maior número é a angolana, 1.688 refugiados
(39,8% do total de refugiados), e o continente com maior representação é o africano, com
2.748 refugiados (64,8% do total). Refugiados hutus, ruandeses, angolanos, chechenos,
colombianos, afegãos, palestinos, dentre outros, que não possuem Estado, passado ou
identidade, são submetidos a toda sorte de deficiências e privações. Flávia Piovesan (2009, p.
123) leciona que:
Quando pessoas têm que abandonar seus lares para escapar de uma perseguição,
toda uma série de direitos humanos são violados, inclusive o direito à vida, liberdade
e segurança pessoal, o direito de não ser submetido a tortura, o direito à privacidade
e à vida familiar, o direito a liberdade de movimento e residência e o direito de não
ser submetido a exílio arbitrário. Os refugiados abandonam tudo em troca de um
futuro incerto em uma terra desconhecida. É assim necessário que as pessoas que
sofram esta grave violação aos direitos humanos possam ser acolhidas em um lugar
seguro, recebendo proteção efetiva contra a devolução forçosa ao país em que a
perseguição ocorre e tenham garantido ao menos um nível mínimo de dignidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no seu art. 14, n. 1, afirma que
“toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros
países”. Acrescenta o mesmo artigo que “este direito não pode ser invocado em caso de
perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos
propósitos e princípios das Nações Unidas” (art. 14, n. 2). A Convenção da ONU Relativa ao
Estatuto dos Refugiados (2010, online), assinada em Genebra em 1951, em seu artigo 1º, 2,
conceituou refugiado como aquele:
Que, em virtude dos eventos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e devido a
fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, está fora do país de sua nacionalidade, e não pode ou,
em razão de tais temores, não queira valer-se da proteção desse país; ou que, por
carecer de nacionalidade e estar fora do país onde antes possuída sua residência
habitual, não possa ou, por causa de tais temores ou de razões que não sejam de
mera conveniência pessoal, não queira regressar a ele.
No caso de uma pessoa que tem mais de uma nacionalidade, a expressão ‘do país de
sua nacionalidade’ se refere a cada um dos países dos quais ela é nacional. Uma
pessoa que, sem razão válida fundada sobre um temor justificado, não se houver
valido da proteção de um dos países de que é nacional, não será considerada privada
da proteção do país de sua nacionalidade.
122
A Convenção de 1951 estabeleceu uma limitação temporal e geográfica, uma vez que a
condição de refugiado se restringia aos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de
1951 no Continente Europeu. Em 1967, foi adotado em Nova Iorque o Protocolo da ONU
sobre o Estatuto dos Refugiados, que complementou a Convenção, com a finalidade de
ampliar o alcance de refugiados, que, em seu art. 1º, II, suprimiu as referidas limitações. De
acordo com esses documentos, refugiado é aquele que sofre fundado temor de perseguição
por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou
opiniões políticas, não podendo ou não querendo por isso vale-se da proteção de origem.
A Convenção da Organização da Unidade Africana, de 1969, conceitua refugiado como
toda pessoa que, em virtude de agressão, ocupação ou dominação estrangeira, e de
acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública – em parte ou na totalidade de seu
país de origem, ou de seu país de nacionalidade vê-se obrigada a abandonar sua residência
habitual para buscar refúgio em outro lugar, fora de seu país de origem ou de nacionalidade.
A Declaração de Cartagena sobre Refugiados, de 1984, recomenda que a definição de
refugiado abranja também as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança
ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos
conflitos internos, pela violação maciça dos direitos humanos, ou por outras circunstâncias
que hajam perturbado gravemente a ordem pública. Nesse sentido:
A definição ampliada e a definição clássica de refugiados não devem ser
consideradas como excludentes e incompatíveis, mas, pelo contrário,
complementares. O conceito de refugiado, tal como é definido na Convenção e no
Protocolo, apresenta uma base jurídica apropriada para a proteção universal dos
refugiados. Contudo, isso não impede a aplicação de um conceito de refugiado mais
extenso, a ser considerado como um instrumento técnico efetivo para facilitar sua
aplicação ampla e humanitária em situações de fluxos maciços de refugiados.
(PIOVESAN, 2009, p. 127)
Objetivam esses documentos comprometer os Estados a reconhecerem aos refugiados
os mesmos direitos outorgados aos demais estrangeiros em relação ao emprego remunerado,
aos sindicatos profissionais, ao exercício de profissões liberais, ao reconhecimento de títulos
universitários, à instalação de firmas comerciais e industriais e à aquisição de imóveis. Em
alguns temas, como ensino primário, seguridade social, prática religiosa, acesso aos tribunais
e à assistência judiciária, os refugiados devem ser equiparados aos nacionais. Outrossim, os
Estados deverão facilitar ao refugiado sua assimilação ao país e naturalização.
Cabe ressaltar aqui que o refugiado não é respeitado no seu Estado de origem, ou de
residência habitual, porque ou é este quem o persegue, ou não pode protegê-lo quando aquele
123
estiver sendo perseguido. Essa é suposição dramática que dá origem ao refúgio, fazendo com
que a posição do solicitante seja absolutamente distinta do estrangeiro normal.
Convém lembrar que o refugiado muitas vezes abandona seu Estado sem mesmo portar
documentos, diante da iminência de ser preso ou morto. Daí ter surgido o “passaporte
Nansen”, assim chamado em alusão ao seu criador, o pesquisador norueguês Fridtjof Nansen,
antigo comissário da Sociedade das Nações, e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1922. O
Bureau Nansen para Refugiados, com sede em Genebra, então criado, conquistou o Prêmio
Nobel da Paz em 1938. Em 1946 foi criada a Organização Internacional de Refugiados, com
sede em Genebra, que amparou mais de um milhão de pessoas nos seus quatros anos de
atividade.
Iniciou atividades, em 1951, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, o ACNUR, instituído pela Assembleia Geral da ONU. Seus objetivos são auxiliar
os governos a equacionar o problema dos refugiados, repatriá-los quando for o caso e ajudar
na sua integração. Conquistou o Prêmio Nobel da Paz em 1954 e em 1981. Tem sede em
Genebra.
Instituto correlato ao refúgio é o princípio do non-refoulement, pelo qual não se admite
que o refugiado seja enviado de volta ao Estado de onde proveio e onde corre risco de
perseguição ou de vida, ou seja, é a proibição de rechaço desse estrangeiro. O refoulement,
por óbvio, constitui-se no ato administrativo de impedir, mediante recusa da acolhida do
estrangeiro pelo Estado, a sua recondução ao país de origem. Não está pacificada na doutrina
a admissão do non-refoulement como regra costumeira de Direito Internacional. Stefania
Barichello (2009, p. 32) assinala que o instituto do refúgio teve duas fases:
[...] A primeira compreende o período de 1921 a 1939, no qual o conceito observava
o grupo étnico ou nacional a que o refugiado pertencia (elemento objetivo), sendo
ele, por conceituação, definido como membro de um determinado grupo de pessoas
perseguidas em seu estado de origem. A segunda fase, de 1938 a 1951, caracteriza-
se pela perspectiva individualista daquele que buscava proteção (elemento
subjetivo), na qual o fator determinante para análise da situação de refugiado era
‘baseado na necessidade de proteger as pessoas, independente de qualquer definição
de grupo, mas que de alguma forma, tinham sido afetadas por um evento político ou
social’.
Sobre as origens do refúgio, aponta-se a Segunda Guerra Mundial como o evento que
mais causou refugiados na História. Formaram-se dois grupos de refugiado ali: primeiros os
judeus, “que no início da guerra foram deportados para além das fronteiras alemãs, após terem
124
sido despojados de todos os seus bens e de sua nacionalidade, tornando-se apátridas, ou seja,
os refugiados de fato”; e, depois seres humanos, que durante o desenrolar do conflito,
abandonaram voluntariamente seus países de origem, pois eram perseguidos e não contavam
com a proteção estatal, os refugiados propriamente ditos (JUBILUT, 2007, p. 25-26).
Segundo Jubilut, (2007, p. 23-24) a temática dos refugiados existe desde o século XV.
Há quem aponte a existência de refugiados na Antiguidade, mais especificamente no antigo
Egito, mas foi no século XV que os refugiados começaram a aparecer de modo mais
sistemático. Primeiramente, com os judeus expulsos da região da atual Espanha, no ano de
1492, em função da política de europeização do reino unificado de Castela e Aragão
iniciada após a Reconquista deste da dominação turca que levou à expulsão da população
apátrida, não totalmente assimilada e que contabilizava 2% do total da população, em função
de esse reino ter a unidade religiosa como uma de suas bases constitutivas. E, logo em
seguida, de Portugal, país no qual buscaram refúgio.
A tal população agregaram-se quatro outros grupos. Primeiro os mulçumanos expulsos
dessa mesma região durante o curso do século XVI, por serem nacionais do Império
Otomano, que emergia como rival dos Estados ibéricos no Mediterrâneo e poderia ameaçar a
segurança militar desses, caso decidisse proteger seus nacionais que viviam no exterior, como
no episódio da revolta dos mulçumanos em Granada, quando esses contaram com o apoio
militar dos otomanos. Segundo, os protestantes dos Países Baixos, de 1577 à década de 1630,
em um total de 14% da população da região, mais uma vez por motivos religiosos, dado que o
Estado possuía uma religião oficial, em torno da qual gravitava o ideal de homogeneidade
ideológica, à qual os protestantes não aderiram. Terceiro, os huguenotes que fugiram de
França em 1661 quando, em uma clara violação ao Edito de Nantes, que pôs fim a 40 anos de
guerra civil ao conceder liberdade religiosa aos protestantes (apesar de elevar o catolicismo ao
posto de religião oficial do Estado), o rei Luís XIV impôs a conversão religiosa da população
ao catolicismo, ao mesmo tempo em que proibiu a saída daqueles do território francês.
E, por fim, os puritanos, quakers e os católicos irlandeses expulsos da Inglaterra,
alguns para os Estados Unidos e outros como escravos para o Caribe, no século XVIII,
também em nome da unidade religiosa da Grâ-Bretanha. A proteção institucionalizada desses
indivíduos, contudo, por meio de um instituto jurídico, somente aparece na segunda década do
século XX, quando a comunidade internacional se deparou com a fuga de milhões de russos
de seu Estado, em função das alterações políticas que aí ocorriam:
125
[...] A fuga era motivada pela situação política e econômica desse país, mais
especificamente pela Revolução Bolchevique, pelo colapso das Frentes
antibolchevique, pela fome e pelo fim da resistência dos russos que se opunham ao
comunismo, e tinha como justificativa a perseguição que aí ocorria. (JUBILUT,
2007, p. 73)
Afirma, também, sobre a aparição dos refugiados, Stefania Barichello (2009, p. 33) que:
A aparição dos refugiados como fenômeno de massa teve lugar no final da Primeira
Guerra Mundial, com as quedas dos impérios russo, austro-húngaro e otomano e a
nova ordem criada pelos tratados de paz que alteraram profundamente as bases
territoriais da Europa centro-oriental.
[...]
O término da Primeira Guerra Mundial, no entanto, modificou em escala numérica
inédita o padrão de pessoas que não eram bem-vindas a lugar algum e que não
podiam ser assimiladas por parte alguma. Com observa Arendt, essas pessoas se
converteram no ‘refugo da terra’, pois quando perderam seus lares, sua cidadania e
seus direitos se viram expulsos do seu país. Em pouco tempo, foram deslocados de
seus países 1.500.000 russos brancos, 700.000 armênios, 500.000 búlgaros,
1.000.000 de gregos e milhares de alemães, húngaros e romenos. A essas massas em
movimento tem-se que acrescentar a situação explosiva determinada por cerca de
30% das populações dos novos organismos estatais criados por tratados de paz
conforme o modelo do Estado-nação (por exemplo, Iugoslávia e Tchecoslováquia),
que constituíam minorias que tiveram que ser tuteladas por meio de uma série de
tratados internacionais, chamados Minority Treaties.
Sobre o que aconteceu com os apátridas na Europa do após a Primeira Guerra Mundial,
discorre Hannah Arendt (2007, p. 302):
Com o surgimento das minorias na Europa oriental e meridional e com a incursão
dos povos sem Estado na Europa central e ocidental, um elemento de desintegração
completamente novo foi introduzido na Europa do após-guerra. A desnacionalização
tornou-se uma poderosa arma da política totalitária, e a incapacidade constitucional
dos Estados-nações europeus de proteger os direitos humanos dos que haviam
perdido os seus direitos nacionais permitiu aos governos opressores impor a sua
escala de valores até mesmo sobre os países oponentes. [...] O jornal oficial da SS, o
Schwartze Korps, disse explicitamente que em 1938, se o mundo ainda não estava
convencido de que os judeus eram o refugo da terra, iria convencer-se tão logo,
transformados em mendigos sem identificação, sem nacionalidade, sem dinheiro e
sem passaporte, esses judeus começassem a atormentá-los em suas fronteiras. [...]
No caso dos refugiados russos, o número de apátridas viu-se multiplicado por conta de
uma prática política em matéria de imigração, naturalização e nacionalidade:
[...] A desnaturalização em massa por motivos políticos foi o caminho inaugurado
pelo governo russo, pelos decretos de 28 de outubro e 15 de dezembro de 1921, os
quais retiravam a nacionalidade russa daqueles que se encontravam no exterior há
mais de 5 anos e, até 22 de junho de 1922, não houvessem obtido o passaporte das
novas autoridades ou, ainda, houvessem abandonado a Rússia depois da revolução,
em razão de sua discordância com o regime que passou a vigorar. Portanto, antes de
se tornarem refugiados, foram, eÿÿÿÿ primeiro momento, apátridas.
ÿÿARICHELLO, 2009, p. 35)
126
A assistência dessas pessoas, antes da criação do Alto Comissariado para os Refugiados
Russos, era feita pela Cruz Vermelha, mas, como o número de pessoas foi aumentando, essa
solicitou ajuda a Liga das Nações. Em 1921, o Alto Comissariado foi criado. Sua função era
definir a situação jurídica dos refugiados, repatriá-los ou levá-los a assentamentos. Sob a
coordenação do Delegado do Governo da Noruega na Sociedade das Nações, Fridtojf Nansen,
que conseguiu sensibilizar a comunidade internacional a fim de tratar de encontrar uma
solução permanente para o problema dos refugiados.
Inicialmente preocupado com os problemas dos refugiados que necessitavam viajar, em
5 de julho de 1922, foi ratificado por 52 países, em Genebra, o Ajuste Relativo à Expedição
de Certificados de Identidade para os Refugiados Russos. Apesar de não definir o que seria
considerado como “refugiado russo”, instituiu o Certificado de Identidade, que ficou
conhecido como Passaporte Nansen:
[...] destinado a dar aos refugiados russos um status jurídico, identificá-los e permitir
aos que se refugiavam viajar sobre o território dos países que os reconheciam e
retornar ao país que havia expedido o documento. Foi um primeiro passo para dar
aos refugiados a possibilidade de começar uma nova vida e radicar-se.
(BARICHELLO, 2009, p. 36)
O Escritório Nansen teve como maior mérito a elaboração de um instrumento jurídico
internacional sobre os refugiados, a Convenção de 1933. Apesar de ter um conteúdo limitado,
essa Convenção possibilitou o início da positivação do Direito Internacional dos Refugiados,
trazendo, inclusive, um dispositivo acerca do princípio do non-refoulement (que consiste na
proibição da devolução do solicitante de refúgio e/ou do refugiado para território no qual sua
vida ou integridade física corram perigo), de vital importância para os refugiados.
Após as desnaturalizações maciças do regime nazista, iniciadas pela lei de 14 de julho
de 1933, os judeus passaram a ser perseguidos em toda a Alemanha, tornando-se cidadão de
segunda classe e perdendo todos os seus direitos. Além disso, as desnaturalizações
alcançaram um grande número de judeus e imigrados políticos residentes fora do Reich.
Portanto, em 1936, foi criado o Alto Comissariado para Refugiados da Alemanha (judeus ou
não). Aqui o critério que define o refugiado deixa de ser a “origem nacional” e passa a ser a
“perseguição”.
Em 1938, a Convenção Relativa aos Refugiados Provenientes da Alemanha igualou a
situação do apátrida à do refugiado, e excluiu do rol de proteção aquelas pessoas que
deixavam seu país por conveniência. Reiterou, também, o princípio do non-refoulment, pois
127
estabeleceu a proibição da expulsão ou devolução dos refugiados ao território alemão, salvo
em caso de seguridade nacional e a manutenção da ordem pública.
Tanto o Bureau Nansen para Refugiados quanto o Alto Comissariado para os
Refugiados da Alemanha encerravam suas atividades no final do ano de 1938. Por isso, nesse
mesmo ano, a Liga das Nações criou o Alto Comissariado da Liga das Nações para
Refugiados. Então, com esse novo órgão de proteção, o refugiado não é mais qualificado com
base em sua origem, nacionalidade ou etnia, mas passou a ser fundamentada também em
aspectos individuais, ou seja, na sua história, na perseguição sofrida etc. Ele, porém, só
manteve suas atividades até 1946, quando a Liga das Nações foi oficialmente extinta. Além
de mais, com a Segunda Guerra Mundial, o Alto Comissariado não conseguia mais exercer
suas tarefas, em decorrência da multiplicação na quantidade de refugiados produzido por esta
guerra (mais de 40 milhões). (JUBILUT, 2007, p. 78)
Depois, com a criação da Organização das Nações Unidas, e, posteriormente, do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados [ACNUR], o instituto do refúgio passou a
ter os contornos de proteção que atualmente apresenta. A nacionalidade nunca deixou de ser
motivo para caracterização do refúgio. O que mudou foi o fato de que, antes, a nacionalidade
determinava o grupo considerado como refugiados e agora ela é motivo que caracteriza a
perseguição do indivíduo num determinado Estado.
4.2.3 Deslocados internos
E os deslocados internos? Os deslocados internos não são protegidos nem assistidos
pelo seu país de origem, e, por não cruzarem uma fronteira internacional, ficam sem acesso a
proteção internacional. Encontram-se between chairs, ou seja, entre a soberania do seu
Estado-nação, que não os protege, e a proteção internacional do Direito do Homem, a que não
tem acesso. A doutrina se divide sobre o assunto. Há quem acredite que deslocados internos
são pessoas completamente distintas dos refugiados, não havendo espaço para analogia. E
existe a corrente que entende serem os deslocados internos, e os refugiados, pessoas idênticas,
por serem fruto de um mesmo fenômeno: deslocamento forçado.
Em razão dos conflitos na ex-Iugoslávia, o ACNUR requereu, em 1991, a realização
de um levantamento da real situação dos deslocados internos em todo o mundo. Em 1992, o
Secretário-Geral da ONU, Boutros-Ghali, apresentou pela primeira vez uma definição
concreta da pessoa do deslocado interno:
128
Persons who been forced to flee their homes suddenly or unexpectedly in large
numbers, as a result of armed conflicts, internal strife, systematic violation of
human rights or natural or man-made disasters; Who are within the territory of
their own countries. (MORIKAWA, 2006, p. 95)
Márcia Mieko Morikawa (2006, p. 37), no entanto, não concorda com a definição
apresentada, já que ela fora “demasiadamente restritiva quanto à forma de deslocamento”. Na
definição do antigo Secretário-Geral da ONU, as pessoas tinham que abandonar suas
residências involuntariamente, de forma repentina e em grande número. Portanto, essa
definição excluía casos individuais ou pequenos núcleos familiares. Continua a autora:
[...] Na Colômbia, por exemplo, a população deslocada pela violência política do
governo e por grupos guerrilheiros move-se individualmente ou em pequenos
grupos. Noutros casos, as violações de Direitos do Homem e o medo da perseguição
são graduais, não se requerendo, necessariamente, a expressão ‘de repente
(suddenly) como condição. No caso do deslocamento dos curdos no Iraque, por
exemplo, não seria possível identificar o deslocamento dessas pessoas com os
requisitos ‘repentino’ e ‘inesperado’, uma vez que, devido à opressão ‘permanente’ e
‘continuar’ do governo iraquiano, essa pessoas se deslocaram num período
relativamente longe dos anos 70 aos anos 90. (MORIKAWA, 2006, p. 37)
Foi em 1998 que Francis Deng apresentou um conceito mais apropriado para
deslocados internos, definindo-os como pessoas, ou grupo de pessoas, que, não tendo
atravessado uma fronteira internacionalmente reconhecida de um Estado, são forçadas ou
obrigadas a fugir ou abandonar suas casas ou seus locais de residência habituais, a fim de
evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de
direitos humanos ou calamidades humanas ou naturais.
Portanto, segundo esta definição, os deslocados internos não são apenas aqueles que
sofrem com os conflitos armados ou situações de violência e violação de direitos humanos,
como no caso da região de Darfur, no oeste do Sudão, mas também os haitianos que sofreram
com uma série de abalos sísmicos, no começo de 2010, e se viram forçados a abandonar tudo
o que tinham, ou se é que restara algo, podem ser considerados como estas categorias de
indivíduos.
Márcia Morikawa informa que a América Latina, além de ser uma das mais avançadas
em organizações locais, nacionais e regionais para assistência e proteção dos deslocados,
representa a única região do mundo que possui um órgão responsável pelo fenômeno do
deslocamento: a Consulta Permanente para o Deslocamento Interno nas Américas CPDIA,
na Costa Rica:
129
A CPDIA é o único exemplo de mecanismo regional para a proteção e assistência
aos deslocados internos. Este órgão foi criado em 1992 pelo Instituto Interamericano
de Direitos Humanos (IIDH) e é composto pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), representantes de organizações intergovernamentais,
como o ACNUR e a UNICEF, e ONG’s, como a Cruz Vermelha, por exemplo. A
natureza da CPDIA é, como se pode notar, singular e merecedora de especial
atenção: trata-se de um órgão que reúne em si organismos de direitos humanos, de
assistência humanitária, organizações inter-governamentais e não-governamentais,
utilizando-se da especialização de cada uma delas para fazer face ao problema do
deslocamento forçado. (MORIKAWA, 2006, p. 101)
Enquanto, porém, um documento internacional próprio para os deslocados internos
não for elaborado, estes indivíduos continuarão numa situação pior do que as dos refugiados.
O instituto do refúgio assegura que o Estado que concede o asilo se compromete a oferecer ao
refugiado os mesmos direitos que garante aos estrangeiros no seu território, enquanto que o
deslocado interno, por continuar em território de origem, fica submetido ao poder do Estado
que não lhe assegura direitos fundamentais, e por ser soberano, pode impedir a entrada de
organismos internacionais de assistência humanitária no seu território.
Cabe lembrar que, no Brasil, a regra geral é a de que o estrangeiro tem praticamente os
mesmos direitos e deveres dos brasileiros, inclusive a obrigação de observar as leis;
entretanto, ainda há regras peculiares aplicáveis ao não-nacional, estabelecidas na
Constituição Federal e na legislação ordinária, notadamente no Estatuto do Estrangeiro, que
se fundamenta na necessidade de controlar a presença estrangeira no Brasil em vista dos
interesses nacionais.
CONCLUSÃO
O objetivo da pesquisa foi demonstrar que o direito à nacionalidade é fundamental não
só aos brasileiros, mas a todo ser humano. Tirar a nacionalidade do indivíduo é privá-lo do
direito mais essencial, que é o de estar inserido no ordenamento jurídico de um Estado. Não
há como se falar em dignidade da pessoa humana num Estado que não garante a
nacionalidade dos indivíduos.
E não é só prever a aquisição da nacionalidade. É garantir que esta não será retirada do
indivíduo de forma arbitrária. O nacional não tem que ficar eternamente vinculado a um
Estado, pois ele pode sim mudar de nacionalidade, como foi visto. Esta mudança, no entanto,
tem que ser fundada no desejo voluntário de trocar de nacionalidade. Nos casos em que a
nacionalidade é imposta por outro Estado não há que se falar em voluntariedade.
Como se observou, por ser elemento da dimensão pessoal do Estado, o direito à
nacionalidade sempre esteve previsto nas Constituições brasileiras, mesmo nas de período
repressivo. A nacionalidade no Direito brasileiro foi prevista de forma a incluir no rol de
nacionais o maior número de indivíduos: os estrangeiros, por meio da naturalização, como os
filhos de estrangeiros, com o nascimento.
Por ser um direito fundamental da Ordem Constitucional de 1988, o direito à
nacionalidade assegura a aplicabilidade direta e imediata, e serve de fonte de inspiração,
impulso e diretriz para a legislação, a administração e a jurisdição do Estado brasileiro. Não
importa se o Estado utiliza o critério jus sanguinis ou critério jus soli, ou dois, ou um critério
diverso, para a aquisição da nacionalidade originária. Tem que ser um critério objetivo.
No caso do Brasil, viu-se que o artigo 12, I, da Constituição de 1988 prevê as formas de
aquisição da nacionalidade originária. Nestes casos, não há que se falar em discricionariedade
do Poder Público em conceder a nacionalidade. Só se admite discricionariedade na aquisição
da nacionalidade brasileira nos casos de naturalização previstos no Estatuto do Estrangeiro,
131
pois nenhum Estado é obrigado a atribuir sua nacionalidade ao estrangeiro, mesmo que este
preencha os requisitos legais, segundo o artigo 122, da Lei 6815/80.
O Brasil não admite diferença entre brasileiros natos e naturalizados, a não ser no
acesso a alguns cargos, previstos na Constituição, que, pela sua natureza e hierarquia, devem
de fato ficar restrita ao grupo dos nacionais originários. E também no caso de perda da
nacionalidade, pois o naturalizado pode perder a nacionalidade brasileira por sentença
judicial, enquanto o brasileiro nato só perde o vínculo jurídico-político com o Estado por
meio da naturalização voluntária.
Viu-se que previsão da entrega de nacional ao Tribunal Penal Internacional não fere a
previsão constitucional de que brasileiro não pode ser extraditado. Como os institutos da
entrega e da extradição não se confundem, tanto o nato quanto o naturalizado se praticarem
algum dos crimes previstos no Estatuto de Roma, poderão ser entregues para julgamento. No
caso da extradição, porém, o brasileiro nato nunca pode ser extraditado, enquanto o
naturalizado responde pelos crimes comuns que cometeu fora do Brasil antes da
naturalização.
Apesar de a nacionalidade não ser efeito direto da sentença adoção internacional, como
já exposto, defende-se a ideia de que ela pode e deve atribuir a nacionalidade dos pais de
forma originária à criança, ou adolescente, adotada. A Constituição Federal de 1988 consagra
o direito ao convívio familiar, bem como a igualdade dos filhos. Garante também
nacionalidade originária aos filhos de estrangeiro nascidos no Brasil. E não admite como
causa de perda da nacionalidade a aquisição da nacionalidade estrangeira de forma originária.
Portanto, mesmo no caso de, no país de acolhida, o adotado passar pelo processo da
naturalização, esta é mera formalidade, uma vez que este não pode fazer opção por
nacionalidade. Entende-se que a aquisição da nacionalidade dos pais é fundamental, já que a
criança, ou adolescente, irá crescer e viver nesta nova comunidade. Não se pode admitir que o
adotado cresça num país onde é estrangeiro e que tenha de se submeter a processo de
naturalização somente na maioridade; muito menos que a aquisição da nacionalidade dos pais
acarrete na perda da nacionalidade brasileira.
A Constituição também prevê, como se viu, a aquisição da nacionalidade originária dos
filhos de brasileiros que nascem no exterior. Com ressalva ao período de validade da Emenda
Constitucional de Revisão n.3 de 1994, a regra atual é de que a criança pode ser registrada em
132
repartição consular ou pode vir ao Brasil e fazer opção pela nacionalidade brasileira. Portanto,
no caso dos brasileiros que adotam filhos no exterior, estes também serão brasileiros.
No registro da criança que é adotada não pode haver nada que a distinga de um filho
biológico. Inclusive os pais podem dar um novo nome à criança. Tudo no processo de adoção
de ser feito de forma a incluir o adotado no novo seio familiar como se tivesse nascido da
mãe que o adota, como, por exemplo, o direito a licença maternidade. Então se a criança
adotada é filho de brasileiro, e nasceu no estrangeiro, ela tem direito de registro como
brasileira.
Tanto é assim que a nova previsão sobre adoção internacional, no ECA, prevê que,
quando a adoção é feita nos Estados que aderiram à Convenção de Haia sobre Adoção
Internacional, a sentença não precisa passar pelo STJ. Ela por si só produz efeitos no
ordenamento jurídico brasileiro.
Finalmente, quanto aos conflitos de nacionalidade, observa-se é que o Brasil não é
contra a possibilidade de dupla nacionalidade, contanto que a segunda nacionalidade não
interfira nos deveres do nacional perante o Estado brasileiro. Já em relação à apatridia, o
Brasil, com a Emenda Constitucional de Revisão n.3 de 1994, criou, de forma impensada,
casos em que filhos de brasileiros ficaram sem nacionalidade. Com a Emenda Constitucional
n.54, de 2007, os brasileiros que moram fora e não estão a serviço do Brasil, mas estão
estudando, ou trabalhando, podem registrar seus filhos em repartição consular brasileira.
Na verdade, o Brasil, que antes foi um país de imigração, agora é um país de emigração.
Inúmeros brasileiros estão fora do País na busca de melhores condições de vida. E, apesar de
não quererem perder o vínculo com o Estado, eles tencionam melhores condições de emprego
e moradia. Por isso moram fora. É comum existir comunidades de brasileiros no Canadá,
Estados Unidos, Inglaterra, Espanha... E como o conceito de povo engloba tanto os nacionais
dentro do território como fora, nada mais justo do que continuar o vínculo jurídico-político do
Estado com os filhos de brasileiros que residem em outros países.
Por fim, analisou-se a questão dos refugiados, em razão da nacionalidade, e o dos
deslocados internos. São temas correlatos. O refugiado nada mais é do que o estrangeiro que,
por motivos de perseguição, não pode continuar no seu país de origem. E o deslocado interno
é aquele que, por não atravessar a fronteira do país, não pode receber a proteção internacional
que é estendida ao refugiado.
133
No primeiro, caso a nacionalidade é motivo de perseguição. Como se descreveu, grupos
humanos são perseguidos ou por terem uma determinada nacionalidade, ou perderam a sua
nacionalidade de forma arbitrária, tornando-se estrangeiros no seu próprio país. É a criação de
apátridas em massa tão comum nos períodos entre Primeira e Segunda Guerra Mundial.
Esta situação que fez com que a comunidade internacional se preocupasse em erradicar
tanto a situação de apatridia, como assegurar direitos aos refugiados que não conseguem ser
repatriados. Atualmente o mundo conta com instrumentos internacionais, tais como a
Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 sobre Refugiados, o Estatuto dos Apátridas, além
da previsão do direito a nacionalidade na Declaração de Direitos da ONU, de 1948, do Pacto
de São José da Costa Rica, entre outros.
A comunidade internacional só não conseguiu ainda tratar de forma eficaz da situação
dos deslocados internos. O principal problema dos organismos internacionais de ação
humanitária, quando tentam levar auxílio a grupos humanos que necessitam de ajuda, é a
soberania dos Estados. A Organização das Nações Unidas é um organismo compostos de
Estados soberanos. Portanto, ainda não existe nada que esteja acima do Estado.
A soberania estatal vem sendo mitigada ao longo da história, principalmente nos
acordos internacionais, para que estes possam se efetivar. No caso de descumprimento de um
tratado, no entanto, existem punições no concerto internacional, mas nada que autorize uma
intervenção ou uma invasão. A ONU nem exército tem. Os países que a compõem cedem seus
soldados para ajuda humanitária em países que a requeiram.
Portanto, no caso dos deslocados internos, se o Estado do indivíduo não lhe assegura
direitos, e não admite a entrada de organismos internacionais para auxiliá-los, eles
continuarão em situação de risco. E não podem ser equiparados a refugiados. Enquanto um
tratado não é elaborado para que os países pactuantes se comprometam com o que for
estabelecido, entidades, como a ACNUR, prestam socorro aos deslocados que conseguem ter
acesso. Aqui o vínculo jurídico-político, em vez de beneficiar, oprime e piora a situação dos
nacionais, quando lhes deveria garantir-lhes a dignidade que lhes é característica.
O tema sobre a nacionalidade, na sua existência multifacetada, continua atual e deve
ser revisitado, fazendo parte dos estudos e pesquisas acadêmicas. Conclui-se a presente
dissertação com a esperança de que outros trabalhos se somem a este no contínuo processo de
tese e antítese de direito inerente à natureza do homem e do Estado.
REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Hildebrando et al. Manual de direito internacional público. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Teoria política da soberania. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2001.
APPIO, Eduardo. Direito das minorias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção dos direitos sociais no sistema americano. In:
SCAFF, Fernando Facury et al. (Coord.). A eficácia dos direitos sociais. São Paulo: Quartier
Latin, 2010.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Cia das
Letras, 2007.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 4. ed. São Paulo: Globo, 2008.
BARICHELLO, Stefania Eugenia Francesca. Direito internacional dos refugiados na
América Latina: o Plano de ação do México e vaticínio da Hannah Arendt. Santa Maria-RS,
Universidade Federal de Santa Maria, 2009, 127p. Dissertação (Mestrado em Integração
Latino-americana). UFSM-RS, 2009.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1989.
BAUER, Otto. A nação. In: BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão
nacional. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996.
BROWNLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Tradução de Maria Manuela
Farrajota et al. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BURDEAU, Georges. O Estado. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
135
CAHALI, Yussef Said. Estatuto do estrangeiro. São Paulo: Saraiva, 1983.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin
Claret, 2003.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia a República. Momentos decisivos. 7. ed. São
Paulo: UNESP, 1999.
CREVELD, Martin van. Ascensão e declínio do Estado. Tradução de Jussara Simões. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
DAL RI JÚNIOR, Arno. A evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania.
In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de (Org.). Cidadania e
nacionalidade: efeitos e perspectivas: nacionais regionais globais. Ijuí-RS: Unijuí, 2003,
p. 25-84.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado - Parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
_______________. Direito internacional privado - A criança no Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira: Emenda
Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1976. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1977.
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional. Doutrina e prática. Curitiba,
Juará, 2009.
FURTADO, Marina Locci. Integração: o desenvolvimento conseqüência da integração dos
Estados-membros nos paradigmas supranacional e intergovernamental. São Paulo, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2008, 123p. Dissertação (Mestrado em Direito). PUC-
SP, 2008.
GUERRA, Sidney. Soberania e Globalização. O fim do Estado-nação? In: GUERRA, Sidney;
SILVA, Roberto Luiz (Org.). Soberania Antigos e novos paradigmas. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2004. p. 326-345.
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição.
Rio de Janeiro: Forense, 1995.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Estudos de teoria política. Tradução de George
Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
HELLER, Hermann. Teoria geral do Estado. Tradução de Lycurgo Gomes da Mota. São
Paulo: Mestre Jou, 1968.
136
HERNANDES, Alessandra Cardoso. O tribunal penal internacional à luz da Constituição
Federal Brasileira de 1988. In: MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de direito
internacional: anais do 2º Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Curitiba: Juruá,
2004. v. I. p. 60-66.
HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. Programa, mito e realidade.
Tradução de Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
JUBILUT, Liliana Lyra. O direito internacional dos refugiados e sua aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Método, 2007.
KANT, Immanuel. Para a paz perpétua. In: GUINSBURG, J (Org.). A paz perpétua: um
projeto para hoje. São Paulo: Perspectiva, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria geral do Estado. Tradução de Fernando de Miranda. São Paulo:
Saraiva, 1938.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de
Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LIBERATI, Wilson Donizeti. ADOÇÃO Adoção Internacional Doutrina e
jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
LOPES, Ana Maria D’Ávila. Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2001.
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. 9.
ed. Madrid: Tecnos, 2005.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
MARTÍNEZ, Gregorio Paces-Barba. Lecciones de derechos fundamentales. Madrid:
Dykinson, 2004.
MARSHALL, T. H. Cidadania, clase social e status. Tratução de Meton Porto Gadelha. Rio
de Janeiro: Zahar, 1967.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009.
MEIRELES, Ana Cristina Costa. A eficácia dos direitos sociais. Os direitos subjetivos em
face das normas programáticas de direitos sociais. Salvador: JusPODIVM, 2008.
MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. v. 2.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
137
MICALI-DROSSOS, Isabella. Cidadania e Nacionalidade no Ordenamento Jurídico da
República Francesa. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de (Org.).
Cidadania e nacionalidade: efeitos e perspectivas: nacionais regionais globais. Ijuí-RS:
Unijuí, 2003.
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Direitos da criança e adoção internacional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
MORIKAWA, Márcia Mieko. Deslocados internos: entre a soberania do Estado e a proteção
internacional dos Direitos do Homem. Uma crítica ao sistema internacional de proteção dos
refugiados. Coimbra: Coimbra, 2006.
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de
Peter Naumann. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Jorge L. B. de. O TPI e a ordem constitucional brasileira. In: MENEZES,
Wagner (Org.). Estudos de direito internacional: anais do 2º Congresso Brasileiro de
Direito Internacional. Curitiba: Juruá, 2004. v. I. p. 509-523.
PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
________________. Direitos Humanos: desafios da ordem internacional contemporânea. In:
MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de direito internacional: anais do 3º Congresso
Brasileiro de Direito Internacional. Curitiba: Juruá, 2007. v. III. p. 531-547.
_______________. Temas de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
POMPEU, Gina Vidal Marcílio. A ordem econômica e o acesso à educação. Condição
essencial para o efetivo exercício dos direitos fundamentais. In: SCAFF, Fernando Facury et
al. (Coord.). A eficácia dos direitos sociais. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1967.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. Salvador:
JusPODIVM, 2009.
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. In:
DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de (Org.). Cidadania e nacionalidade:
efeitos e perspectivas: nacionais – regionais – globais. Ijuí-RS: Unijuí, 2003.
RAWLS, John. O direitos dos povos. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
REGINALDO, Sidney Guerra. O povo fundamento do Estado democrático de direito.
Fortaleza, Universidade de Fortaleza, 2006, 193p. Dissertação (Mestrado em Direito
Constitucional). UNIFOR, 2006.
138
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Tradução de Maria Ermantina
de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a economia política e Do contrato social.
Tradução de Maria Constança Peres Pissara. Petrópolis: Vozes, 1996.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Salaibi Filho e Gláucia
Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008.
_________________. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2009.
SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2004.
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Novos paradigmas em face da
Globalização. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
STANCARI, Perla. Panorama dos Estados que aceitam a dupla cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de (Org.). Cidadania e nacionalidade: efeitos e
perspectivas: nacionais – regionais – globais. Ijuí-RS: Unijuí, 2003.
VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2009.
VENOSA, Sílvio Sávio. Direito civil: direito de família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
VERONESE, Josiane Rose Petry; PETRY, João Felipe Correa. Adoção Internacional e
MERCOSUL Aspectos jurídicos e sociais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. Texto revisto e
atualizado por Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
ZIPELLIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho.
12. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
Internet
BBC. Mehran Karimi Nasseri - In Transit. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/dna/h2g2/A33471100>. Acesso em: 19 abr. 2010.
139
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 18 fev. 2010.
BRASIL. Ministério da Justiça. Dupla nacionalidade. Disponível em:
<http://www.abe.mre.gov.br/faq/dupla-nacionalidade-informacoes>. Acesso: 21 abr. 2009.
BRASIL. Ministério da Justiça. Refúgio. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7605B707ITEMIDE5FFE0F98F5B4D22AFE703E02B
E2D8EAPTBRNN.htm>. Acesso em 18 fev 2010.
MARQUES, Cláudia Lima. A Convenção de Haia de 1993 e o regime da adoção
internacional no Brasil após a aprovação do Novo Código Civil Brasileira em 2002.
Disponível em: <http://www.abmp.org.br/acervo/311.htm>. Acesso em: 12 set. 2007.
ONU. Alto Comissariado das Nações Unidas para direitos humanos. Disponível em:
<http://www.ohchr.org>. Acesso em: 18 fev. 2010.
ONU. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR. Disponível em
<http://www.unhcr.org/pages/49c3646c158.html>. Acesso em: 18 fev 2010.
ONU. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_carta.php>. Acesso em: 18 fev. 2010.
ONU. Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 18 fev. 2010.
ONU. Declaração de Cartagena. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/?L=csuxwvemen&tx_danpdocume
ntdirs_pi2[mode]=1&tx_danpdocumentdirs_pi2[folder]=64&tx_danpdocumentdirs_pi2[sort]
=doctitle,sorting,uid&tx_danpdocumentdirs_pi2[download]=yes&tx_danpdocumentdirs_pi2[
downloadtyp]=stream&tx_danpdocumentdirs_pi2[uid]=254>. Acesso em> 18 fev. 2010.
ONU. Convenção da Organização de Unidade Africana. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/?L=csuxwvemen&tx_danpdocume
ntdirs_pi2[mode]=1&tx_danpdocumentdirs_pi2[folder]=64&tx_danpdocumentdirs_pi2[sort]
=doctitle,sorting,uid&tx_danpdocumentdirs_pi2[download]=yes&tx_danpdocumentdirs_pi2[
downloadtyp]=stream&tx_danpdocumentdirs_pi2[uid]=254>. Acesso em: 18 fev. 2010.
ONU. Iranian Kurd refugees in Iraq relocated from no-man’s land to camp UN.
Disponível em: <http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=31403&Cr=Iraq&Cr1=
Refugee>. Acesso em: 19 abr. 2010.
WASHINGTON POST. Who are the Kurds? Disponível em: <http://
www.washingtonpost.com/wp-srv/inatl/daily/feb99/kurdprofile.htm>. Acesso em: 19 abr.
2010.
Referências legislativas
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Rio de Janeiro,
22 abr. 1824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
140
______. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro, 24 fev. 1891. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao91.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
______. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro, 16 jun. 1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
______. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro, 10 nov. 1937. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
______. Constituição (1946). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro, 18 set. 1946. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
______. Constituição (1967). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Brasília, 24 jan. 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
______. Emenda Constitucional nº1, de 17 de outubro de 1969. Revoga artigos da
Constituição Federal de 1967. Brasília, 17 out. 1969. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
Acesso em: 18 fev. 2010.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 22
out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
_______. Lei 818, de 18 de setembro de 1949. Regula a aquisição, a perda e reaquisição da
nacionalidade, e a perda dos direitos políticos. Rio de Janeiro, 18 set. 1949. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0818.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre registros públicos e dá outras
providências. Brasília, 31 dez. 1973. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6015.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no
Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Brasília, 19 ago. 1980. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6815.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, 13 de jul. 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 13 mar. 2010.
141
_______. Decreto 18.871, de 13 de agosto de 1929. Promulga a Convenção de direito
internacional privado, de Havana (Bustamante). Rio de Janeiro, 13 ago. 1929. Disponível em:
<http: // www2.mre.gov.br/dai/bustamante.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 18.956, de 22 de outubro de 1929. Promulga seis convenções de Direito
Internacional Público, aprovadas pela Sexta Conferência Internacional Americana. Rio de
Janeiro, 22 out. 1929. Disponível em : <http: // www2.mre.gov.br/dai/asilo.htm>. Acesso em:
18 fev. 2010.
_______. Decreto 21.798, de 06 de setembro de 1932. Promulga uma convenção e três
protocolos sobre nacionalidade, firmados na Haya, a 12 de abril de 1930. Rio de Janeiro, 06
set. 1932. Disponível em : <http: //www2.mre.gov.br/dai/nacionalidade.htm>. Acesso em: 18
fev. 2010.
_______. Decreto 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Promulga a Convenção relativa ao
Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951. Brasília, 28 jan.
1961. Disponível em : <http: //www2.mre.gov.br/dai/refugiados.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
_______. Decreto 64.216, de 18 de março de 1969. Convenção sobre Nacionalidade da
Mulher Casada. Brasília, 18 mar. 1969. Disponível em: <http: //
www2.mre.gov.br/dai/m_64216_1969.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 70.946, de 07 de agosto de 1972. Promulga o Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados. Brasília, 07 ago. 1972. Disponível em: <http: //
www2.mre.gov.br/dai/m_70946_1972.htm >. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 86.715, de 10 de dezembro de 1981. Regulamenta a Lei nº 6.815, de 19 de
agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho
Nacional de Imigração e dá outras providências. Brasília, 10 dez. 1981. Disponível em : <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D86715.htm>. Acesso em: 18 fev.
2010.
_______. Decreto 99.710, de 21 de novembro 1990. Convenção sobre os Direitos da Criança.
Brasília, 21 nov. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/D99710.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 591, de 06 de julho de 1992. Pacto Internacional sobre direitos econômicos,
sociais e culturais. Brasília, 06 set. 1992. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 592, de 06 de julho de 1992. Pacto Internacional sobre direitos civis e
políticos. Brasília, 06 set. 1992. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 678, de 06 de novembro de 1992. Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Brasília, 06 nov. 1992. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 2.429, de 07 de dezembro de 1997. Promulga a Convenção Interamericana
sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de Menores, concluída em La Paz, em 24 de
142
maio de 1984. Brasília, 17 dez. 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2429.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999. Convenção Relativa à Proteção das
Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional. Brasília, 21 jun. 1999.
Disponível em : <http: //www2.mre.gov.br/dai/adopt.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
_______. Decreto 4.246, de 22 de maio de 2002. Promulga a Convenção sobre o Estatuto dos
Apátridas. Brasília, 22 maio 2002. Disponível em: <http: //
www2.mre.gov.br/dai/m_4246_2002.htm >. Acesso em: 18 fev. 2010.
______. Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuo de Roma do Tribunal
Penal Internacional. Brasília, 25 set. 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 18 fev. 2010.
ÍNDICE ONOMÁSTICO
ACCIOLY, Hildebrando, 25
ALBUQUERQUE, Newton, 21
APPIO, Eduardo, 47
ARAÚJO, Luis Alberto David, 62
ARENDT, Hannah, 116, 120, 125
AZAMBUJA, Darcy, 20, 44, 46
BARICHELLO, Stefania, 123, 125, 126
BASTOS, Celso Ribeiro de, 42, 43
BAUER, Otto, 45, 46
BERNARDES, Wilba Lúcia Maria, 80
BOBBIO, Noberto, 58
BODIN, Jean, 22
BONAVIDES, Paulo, 60
BORDEAU, Georges, 15, 21
BOUTROS-GHALI, 127
BRAUNIER, 95
BROWNLIE, Ian, 43
BULOS, Uadi Lammêgo, 79, 115
CAHALI, Yussef, 80, 81
CAMATA, Rita, 120
COMPARATO, Fábio Konder, 23, 61, 116
144
COSTA, Emília Viotti da, 29, 32
COULANGES, Fustel de, 95
CREVELD, Martin van, 16
DALLARI, Dalmo de Abreu, 15, 20
DAL RI JÚNIOR, Arno, 22, 50
DENG, Francis, 128
DOLINGER, Jacob, 49, 52, 68, 70, 81, 82, 96, 98, 102, 109, 110,
D. PEDRO I, 30
D. JOÃO VI, 30
FERRANTE, Miguel Jerônymo, 102
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves, 40
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros, 96, 97, 100
FURTADO, Marina, 15, 19
GUERRA, Sidney, 24
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva, 80, 102
HABERMAS, Jürgen, 24, 47, 48
HELLER, Hermann, 16, 18
HERNANDES, Alessandra, 64
HOBBES, Thomas, 22
HOBSBWAN, Eric, 45
JUBILUT, Liliana Lyra, 41, 124, 125, 127
KANT, Immanuel, 88
KELSEN, Hans, 15
LAFER, Celso, 45, 49, 115
LENZA, Pedro, 57, 58
LIBERATI, Wilson Donizeti, 97, 100, 101, 104
LOPES, Ana Maria D’Ávila, 57
145
LUÑO, Antonio Enrique Pérez, 56
MAGNO, Carlos, 50
MARSHALL, T. H., 51
MORIKAWA, Márcia Mieko, 128, 129
MARQUES, Cláudia Lima, 99
MARTÍNEZ, Gregorio Paces-Barba, 19
MAQUIAVEL, 17, 18, 20
MAZZUOLI, Valério, 50, 62, 75
MEIRELLES, Ana Cristina Costa, 58
MELLO, Celso de Albuquerque, 44, 113, 114
MENDES, Gilmar Ferreira, 41
MENEZES, Wagner, 64
MICALI-DROSSOS, Isabella, 26
MIRABEAU, 23
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos, 103, 104
MOUTOH, Hugues, 22, 23
MÜLLER, Friedrich, 23
NANSEN, Friedtojf, 123, 126
NASSERI, Mehran Karami, 117
NOTTEBOHM, Friedrich Wilhelm, 110
OLIVEIRA, Jorge, 64
PETRY, João Felipe Correa, 95, 97
PINTO FERREIRA, 67
PIOVESAN, Flávia, 59, 60, 62, 63, 64, 121, 122
POMPEU, Gina Vidal Marcílio, 19
PONTES DE MIRANDA, 14, 24, 25, 33, 43, 66, 91, 102, 108, 117
POSENATO, Naiara, 34, 35
146
RAMOS, André de Carvalho, 62
RAWLS, John, 58
REGINALDO, Sidney Guerra, 27
REZEK, Francisco, 67, 68, 74
RIVERO, Jean, 22, 23
RODRIGUES, Francisco Javier Ulpiano Alfaya, 81
ROUSSEAU, Jean-Jacques, 23, 26
SARLET, Ingo Wolfgang, 56
SILVA, De Plácido e, 14, 46
SILVA, José Afonso da, 56, 61, 72, 108, 114
SILVA, Roberto Luiz, 89, 90
SIEYÈS, 23
SOARES, Guido Fernando Silva, 39, 40
SOARES, Mário Lúcio Quintão, 16, 17, 25
SPIELBERG, Steven, 121
STANCARI, Perla, 112
VARELLA, Marcelo, 21, 111, 112
VARGAS, Getúlio, 30, 35
VELLOSO, Carlos, 79
VENOSA, Sílvio, 95
VERONESE, Josiane Rose Petry, 95, 97
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles, 44, 49, 113
ZIPELLIUS, Reinhold, 22, 25, 26, 27, 46
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo