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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Letras
Valéria Marcelino Ferreira
Os Autos da Barca do Inferno, da Barca do Motor Fora da Borda e da Compadecida
sob a Óptica da Moralidade
Rio de Janeiro
2008
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Valéria Marcelino Ferreira
Os Autos da Barca do Inferno, da Barca do Motor Fora da Borda e da Compadecida
sob a Óptica da Moralidade
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de Concentração: Literatura
Portuguesa.
Orientador: Prof. Dr. Iremar Maciel de Brito
Rio de Janeiro
2008
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Valéria Marcelino Ferreira
Os Autos da Barca do Inferno, da Barca do Motor Fora da Borda e da Compadecida
sob a Óptica da Moralidade
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de Concentração: Literatura
Portuguesa.
Aprovada em ______________________________________________
Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Iremar Maciel de Brito (Orientador)
Instituto de Letras da UERJ
_________________________________________
Prof. Dra. Maria Helena Sansão Fortes
Instituto de Letras da UERJ
_________________________________________
Prof. Dra. Elza Maria Ferraz de Andrade
Faculdade de Letras da UNIRIO
Rio de Janeiro
2008
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, marido e filhos pelo estímulo, apoio e compreensão recebidos durante o
curso.
In Memorian ao Prof. Dr. José Carlos Barcellos, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, por suas aulas inesquecíveis.
AGRADECIMENTOS
A todos os meus professores que contribuíram para a minha formação e, em especial, ao
Professor Iremar Maciel de Brito, orientador, por suas aulas que me incentivaram a realizar
este trabalho.
Às minhas amigas Fátima e Nena pela ajuda, amizade, apoio e reflexões críticas.
O teatro de um país só pode tornar-se um fenômeno culturalmente válido na
medida em que for questionado e digerido através de uma sistemática reflexão
em profundidade sobre suas intenções e realizações, suas raízes e tendências,
o papel que ele desempenha dentro da coletividade à qual se destina.
Yan Mchaiski
RESUMO
FERREIRA, Valéria Marcelino. Os Autos da Barca do Inferno, da Barca do Motor Fora
da Borda e da Compadecida sob a Óptica da Moralidade. 2008. 75 f. Dissertação
(Mestrado em Literatura Portuguesa) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
O presente trabalho tem por objetivo analisar as peças teatrais O Auto da Barca do
Inferno, de Gil Vicente, elaborada durante o medievalismo português, o Auto da Barca do
Motor Fora da Borda, de Luís de Sttau Monteiro, pertencente ao modernismo, e o Auto da
Compadecida, brasileiro e contemporâneo. Serão traçados paralelos existentes entre eles,
identificando as características universais e atemporais comuns sob a óptica da crítica de
costumes das sociedades nas perspectivas moral e religiosa e ressaltando a função social do
teatro.
Palavras-chave:: auto, costumes, moralidade.
ABSTRACT
This study aims to examine the theatre plays “O Auto da Barca do Inferno” by Gil
Vicente, draftad during the portuguese late medieval period. “O Auto da Barca do Motor
Fora da Borda” by Luís de Sttau Monteiro belonging to Modernism, and “O Auto da
Compadecida” by Ariano Suassuna that is a braziliam contemporary.Will be traud some
parallels between them identifying the universal characteristcs and timeless that are
common under the critical optica and societies behaviors in a perspective of the morality
and religious way and emphasizing the social funcion of the theatre.
Keywords: Auto, behaviors, morality
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO TEATRAL ................................. 14
2 MORAL, ÉTICA E RELIGIÃO .................................................................. 18
3 GIL VICENTE ............................................................................................... 29
3.1 Auto da Barca do Inferno .......................................................................... 31
3.1.1 Estrutura da obra........................................................................................ 33
3.2 Símbolos ....................................................................................................... 40
4 LUÍS STTAU MONTEIRO .......................................................................... 48
4.1.Auto da Barca do Motor Fora da Borda e sua relação com o
Auto Vicentino .............................................................................................. 49
5 ARIANO SUASSUNA ................................................................................... 57
5.1 Auto da Compadecida ................................................................................ 58
5.1.1 Composição da Identidade nordestina ....................................................... 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 73
9
INTRODUÇÃO
Durante as aulas de Especialização em Literatura Portuguesa na Universidade
do Rio de Janeiro durante o 2 º semestre de 2004, realizamos, sob a orientação do Professor
Doutor Iremar Maciel de Brito, estudos sobre dois Autos relevantes da dramaturgia
Portuguesa: O Auto da Barca do Inferno, escrito por Gil Vicente (séc. XVI) e O Auto da
Barca do Motor Fora da Borda, de Luís Sttau Monteiro (séc. XX), que é uma releitura do
Auto de Gil Vicente, visto que mantém o mesmo foco narrativo, estrutura dramática,
problematização e ainda conserva as mesmas características na maioria das personagens. A
fábula, nos dois Autos, é retratada através do diálogo, onde os personagens são caracterizados
pelas virtudes ou defeitos morais, e por eles são julgados.
A partir dos estudos sobre estes dois Autos, considerei pertinente relacioná-los a um
outro Auto pertencente à da Literatura Brasileira, devido a universalização contida na
temática comum entre eles. Refiro-me ao Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, autor
pós-modernista, por conter elementos semióticos que se assemelham entre os três textos.
Esta dissertação segue a linha de pesquisa em Literatura Portuguesa e outras
literaturas, dentro dos estudos sobre a Idade Média e suas atualizações nas literaturas
Portuguesa e Brasileira.
A proposta é a abertura de diálogos entre estes Autos, que envolvem a mesma
temática, porém com uma releitura que perpassa as transformações ocorridas dentro da
sociedade, analisando sob as perspectivas sincrônica, diacrônica e diatópica.
No âmbito das literaturas portuguesa e brasileira, a pesquisa visa ampliar os
conhecimentos concernentes na área da dramaturgia que envolvem os séculos XVI e XX. O
trabalho seguirá a linha da literatura comparada, visando enriquecer a análise dos textos entre
si, através dos pontos em que se relacionam, sejam eles convergentes ou paradoxais.
Pretende realizando estudos sobre a crítica de costumes e as transformações da
sociedade (mutações e estagnações), reflexões sobre figuras simbólicas através dos conceitos
estabelecidos na cultura clássica, como o Bem e o Mal, e os reflexos destes a partir dos
preceitos de religiosidade, relacionados ao cristianismo.
. Alguns personagens foram mantidos, porém, com funções e objetivos modificados
devido às transformações das questões sociais ocorridas diacronicamente.
Em O Auto da Barca do Inferno Gil Vicente criticou os costumes da sociedade do
século XVI pautada nos valores cristãos, enquanto Sttau Monteiro abordou estes costumes
10
dentro de uma visão capitalista, que é o que está mais em voga no início do século XX. É a
renovação da Arte, trazendo uma visão antropocêntrica, se sobrepondo ao Teocentrismo
Medieval.
Através da universalização literária, verificamos em nossa produção O Auto da
Compadecida, de Ariano Suassuna, que se assemelha muito em sua temática e pode-se
relacionar, cartesianamente, a maioria dos personagens. É um Auto com características
regionalistas.
É importante ressaltar que, embora o mundo tenha mudado, os costumes continuam
sendo criticados. O homem está cada vez mais corruptível e desapegado aos valores ligados à
moral e à moral cristã. A sociedade ruma ao caos, pois os interesses pessoais resultam de uma
mecanização das relações humanas, da degeneração na formação de valores e da neutralização
de políticas de inclusão.
Porém, podemos perceber que o homem ainda busca soluções divinas para seus
problemas. Esta busca o leva tentar seguir uma doutrina que acaba por, de alguma forma,
orientá-lo moralmente.
Comparando os Autos, reafirmamos a teoria de que quanto mais o homem busca a
civilização, mais afasta-se dos valores sociais e morais. Percebemos, então, a maior finalidade
da Arte: refletir as coisas do seu tempo.
Realizaremos estudos sobre o teatro alegórico enquanto meio de representação de
idéias abstratas com personagens, e situações relacionadas ao cotidiano. Sobre os dois Autos
portugueses, onde o cais e as barcas são a alegoria da morte; a barca do inferno, que é
alegoria da condenação da alma; a barca do céu, a da salvação, e os grandes juízes são o Anjo
e o diabo revelando, assim, a dicotomia embutida nos preceitos do espírito cristão. Na obra de
Ariano Suassuna, o Anjo é substituído por Jesus Cristo e é inserida uma figura intermediária –
Nossa Senhora – e um lugar intermediário – o Purgatório. As personagens, nos três Autos,
são típicas, isto é, não são indívíduos singulares nem possuem traços psicológicos complexos;
pelo contrário, apenas reúnem as características mais marcantes de sua classe social, de sua
profissão, de seu sexo, de sua idade.
Também será feito um estudo sobre a visão lúdica destas obras com o objetivo de
entreter, mas que também visa criticar os costumes, acentuando os “defeitos” da sociedade
através da caricaturização das personagens apresentadas. Para Massaud Moisés, de forma
mais genérica, “personagens são seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres
humanos” (MASSAUD: 1985/396)
11
Teatro cômico e satírico, as peças de Gil Vicente, em sua maioria, são comédias de
costumes, que seguem o lema latino ridendo castigat mores (pelo riso corrigem-se os
costumes). O dramaturgo lança mão de inúmeros recursos eficientes para provocar o riso:
personagens caricaturais; situações absurdas; imprevistos e ridículos. Mas é sobretudo
através do poder da linguagem que as obras ganham ressonância.
Discutiremos também, relação dos personagens em Sttau Monteiro com as
personagens vicentinos, e as de Ariano Suassuna: transformações nos nomes e no
comportamento destes personagens, em consonância com as transformações sociais. O que
mudou e o que se conserva na modernidade?
Através da análise semiótica das personagens, veremos a representatividade das
imagens do Anjo e do diabo, refletindo os traços de religiosidade medieval e a dicotomia
entre o Bem e do Mal. A retirada do personagem do Anjo, no Auto de Sttau Monteiro, e a
inclusão de Jesus Cristo e Nossa Senhora no Auto da Compadecida revelam as
transformações ocorridas também no aspecto religioso, além da simbologia contida nos
objetos que os personagens portavam. Ambientado no início da Era Moderna, o teatro
vicentino ainda reflete o pensamento medieval, que, aliás, vemos em nosso também em nosso
tempo, ao propor sua moral religiosa e sua concepção teocêntrica do mundo.
Constataremos o reflexo dos Autos nas literaturas posteriores e a revelação dos tipos
similares entre eles. O estudo sobre personagens recorrentes e a formação de conceitos e
comportamento. A importância do recurso teatral pela proximidade da realidade e dialogismo
com o expectador/leitor.
Os objetivos propostos para este trabalho visam relacionar nos três Autos,
analogicamente, os personagens-tipo através de suas características comuns, como por
exemplo: o Onzeneiro, o banqueiro agiota e Major Antônio Morais, o sapateiro, o industrial
de sapataria e o dono da padaria, o parvo e João Grilo, o Frade o, o padre e o bispo, Brísida
Vaz, Brigette de Vaz e a mulher do padeiro. Perceber as diferenças e semelhanças também
entre as personagens que representam os grandes juízes nos Autos: o Anjo e o diabo, no Auto
da Barca do Inferno; o diabo e a supressão da figura que representa a absolvição, no Auto da
Barca do Motor Fora da Borda; e Jesus (substituindo o Anjo), o diabo e Nossa Senhora
(como intercessora) no Auto da Compadecida. Importa perceber o entendimento que o autor
tem em relação ao trabalho de construção de personagens. Serão discutidas sobre traços que
se mantêm ou se alteram, revelando a inesgotabilidade de possibilidades para a caracterização
de determinados tipos.
12
Poderemos, através da análise didática, perceber o caráter dialógico contido no texto
teatral. A problemática que envolve os personagens e a relação com o cotidiano do
leitor/expectador. Análise dos personagens-tipo. Contextualização Arte e Vida, com ênfase no
diálogo, através do teatro cômico e satírico;
Será possível também discutir e reconhecer o caráter didático dos Autos, que, no caso, é
ilustrado através da absolvição do parvo e da condenação dos outros tipos, revelando a
ideologia contida nos textos a partir da discussão das relações do homem com a vida.
Perceber quais são os valores essenciais necessários à humanidade. Observaremos a revelação
de que a ludicidade do teatro popular funciona não só como entretenimento e aproximação
das personagens com a platéia, através da informalidade, mas também visa criticar os
costumes e imprimir ensinamentos através das obas.
Realizaremos estudos sobre a crítica de costumes e os valores éticos, morais e religiosos
valorizados pela sociedade. Perceber qual a importância deles em cada obra. Analisar a
desvalorização, as transformações e /ou conservação destes valores, revelados no tom de
denúncia, crítica e auto-crítica na fala dos personagens;
O uso da Razão na literatura também será um ponto discutível, onde o uso jurídico se
sobrepõe à emoção e à vontade.
Poderemos abordar sobre as circunstâncias que fazem parte do contexto da obra, como:
espaço geográfico, contexto histórico, social, político, econômico e religioso que ocorrem no
enredo e movem os personagens.
Será proposta a abertura da discussão entre as obras , em que a de Sttau Monteiro foi
elaborada a partir da temática abordada na obra de Gil Vicente; porém com uma releitura que
perpassa as transformações ocorridas dentro da sociedade, analisando-as diacronicamente.
Perceberemos a similaridade dos tipos que compõem o universo popular nos referidos
Autos. Em O Auto da Compadecida esses caracteres populares de personagens têm uma base
próxima à Commedia dell’arte. Observar com particular atenção a ambientação determinada
pelo regionalismo nordestino neste Auto. Dentro do enredo e da problemática do texto
percebemos claramente essa ambientação, enquanto os outros dois Autos acontecem em
locais indefinidos. O Auto da Compadecida apresenta elementos similares aos dos dois Autos
citados anteriormente, porém, com características regionalistas peculiares ao Nordeste
brasileiro, como a seca, a fome e a pobreza.
Como metodologia serão utilizadas como pesquisas no campo da literatura comparada,
estudos sobre o humor, a caricaturização, a crítica de costumes, a formação de moral dos
indivíduos nas sociedades medieval e contemporânea, as transformações diacrônicas de
13
comportamento, sociedade e religiosidade – variantes de personagens-tipo, paradoxos e
conservação de idéias.
1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO TEATRAL
A origem etimológica de teatro dá ao vocábulo o sentido de miradouro, lugar de onde se vê. O
edifício autônomo, de fins idênticos àquele que se chama hoje, teatro, se denominava odeion;
auditório. Na terminologia dos logradouros cênicos da Grécia, teatron corresponde à platéia.
1
Contextualizamos Arte e Vida o tempo todo. A Arte é uma metáfora: muitas vezes,
sobre o indizível, o incompreensível. É o jogo metafórico. É o texto criado para traduzir
performance e discutir questões cotidianas de maneira reflexiva, lúdica ou metafísica.
O teatro acompanha a evolução da linguagem da Arte. O teatro é o texto verbal, é Arte
literária No teatro há traços de uma época, de uma estética, como o vocabulário, a
ambientação e a caracterização dos personagens. Até o final do século XIX o teatro era muito
marcado pelo texto. Nas pequenas cidades ele se assemelhava ao teatro antigo. Era muito
rudimentar do ponto de vista cenográfico, da iluminação e da expressão.
O chamado empilhamento vertical revela as várias facetas impressas na encenação;
como o texto a encenação o vocabulário utilizado, o cenário e o figurino, dentre outros.
Os estudos sobre o teatro revelaram que este pode alcançar uma magia, uma
amplitude, uma objetividade – e até, como no teatro contemporâneo, uma subjetividade –
utilizando outros recursos artísticos, como som, iluminação, as artes plásticas para se unirem
ao texto e a performance, para tornar-se mais envolvente. Traduzimos performance como o
recurso de encenação do ator. Com isso, a linguagem é redimensionada, passando a ter uma
comunicação maior com a platéia. O texto teatral é uma obra literária feita para representação.
Há grande ênfase no diálogo, que é a forma mais presente de comunicação. O teatro
não lida com a Arte distanciada do indivíduo.
O autor teatral se despersonaliza dentro da obra. O teatro é uma Arte dupla: alia texto
performance. As rubricas, ou didascálias, dos autores pontuam de que maneira a encenação
alcança a proximidade do seu sonho; porque a Arte ocupa a mesma dimensão da idealização,
dos objetivos, dos desejos.
Em Portugal, antes do teatro de Gil Vicente, o que se observava eram pequenas
encenações religiosas da Baixa Idade Média, comumente encenada nas festas religiosas, como
1
CAMPEDELLI apud MAGALDI, 1999, p. 67
14
a Páscoa e Natal, no interior das igrejas, e, posteriormente, passaram a ocupar ao espaços das
praças em frente à igreja. Este teatro foi tomando formas mais elaboradas e começou a seguir
os padrões estéticos renascentistas.
O teatro é uma das formas de representação mais completas, pois redimensiona aquilo
que está escrito para a esfera da emoção e do entretenimento; porém, a função social mais
importante legada ao teatro é a crítica.
O teatro, como uma atividade de transformação, possui uma dimensão prática e
comunicativa. Prática no sentido de ser uma atividade racional sobre a vida cotidiana.
Comunicativa porque é naturalmente humana, social e ideológica, isto é, mediada pelo
indivíduo através de suas relações, interesses e valores individuais e coletivos.
Essa atividade comunicativa é traduzida também pela função histórica de informar,
educar e entreter. Informar no sentido de tornar público e de interpretar aquilo que se conhece
e acontece na sociedade. Informar seria também como dar forma à realidade, organizando-a,
interpretando-a. Educar no sentido de que toda informação é cultura. Educa-se, civiliza-se
pela informação. Entreter no sentido de apresentar a realidade de forma amena, prazerosa,
reveladora. Avaliamos a dimensão de espetáculo no teatro como entretenimento, mas neste
está embutida uma ideologia que reflete uma época e determinados comportamentos
humanos.
O texto teatral discute a relação do homem com a vida e a realidade apreensível.
Enquanto atividade humana, social e ideológica, representa uma atividade de produção
incessante de sentido para ser lido, ouvido e visto.
O tema está centrado, geralmente, sobre os fatos da realidade. O texto teatral propicia
o relato da problemática, da particularização e da contextualização dos acontecimentos. É
permitido ao texto teatral a ampliação e/ou a particularização do relato.
Poderíamos dizer também que esses temas incidem sobre a realidade no sentido de
diminuir o grau de incertezas através do pensamento crítico e reflexivo acerca dos
procedimentos de interesse humano ou do interesse do público.
O teatro pode ainda ser entendido como um sistema de reprodução simbólica do
Estado, da Religião, da Economia, da Cultura e do comportamento humano. Essa reprodução
simbólica do caráter social/coletivo constrói um conteúdo reconhecido mostrando a
variedade, diversidade, complexidade, multiplicidade porque reflete a dinâmica da vida,
produzindo um efeito de familiaridade porque sempre refere-se às mutabilidades do mundo
real.
15
O teatro seria uma forma de representação simbólica da diversidade complexa do
mundo real.
Essa rede de construção de sentidos entre fatos, indivíduos e sociedade vai favorecer
as relações ideológicas entre mundo natural e mundo simbólico. Isto é, o entrecruzamento
entre ideologia subjetiva e mundo dos fatos, revelando o teatro como um produto cultural
subjetivo, ideológico e coletivo.
O texto teatral é mostrado como resultado da idéias de um ou mais autores, que
lança(m) sobre os atores a proposta de representar estas idéias da maneira mais próxima à
qual foram concebidas.
Neste composto, atravessam-se as influências ideológicas da didática da informação, a
performance dos atores e as influências pessoais dos autores e a receptividade do expectador e
tem a intenção de separar informação de opinião, fatos de sentimentos, realidade de
imaginação, fantasia, desejo e ficção.
Quando existe a intencionalidade de atingir a massa ou de entreter o público os efeitos
de sentido correm o risco de apontar para a inexatidão, imprecisão, distorção, denúncia,
sensacionalismo, morbidez, preconceito, estereotipação, caricaturização ou escracho,
dependendo da receptividade.
A exatidão e a correção indicam também uma intencionalidade positiva para o bom
senso. Dependendo da intenção, os efeitos de produção podem também apontar para a
superficialidade, a descontextualização ou fragmentação temática. O fato é que o texto teatral
é um veículo oportunista que se utiliza do espetáculo para contribuir com a exposição de
fatos que fazem parte da condição humana, e através dele podem ser observadas, criticadas e
até mesmo transformadas. Nesta fonte inesgotável de significação reside a função social do
teatro.
O teatro religioso de Gil Vicente, por exemplo, pode ser classificado como Auto de
Moralidade. Suas peças de caráter didático e moral, baseado nos princípios religiosos do
cristianismo, representavam o comportamento humano através das caricaturas ou
personificações alegóricas. No Auto da Barca do Inferno, porém, percebemos a sátira que
recai mais sobre o sentido social e político que o religioso, com ênfase sobre a ética e a moral.
Os personagens revelam os vícios das classes de maior prestígio, como a burguesia e o clero.
Luís Sttau Monteiro produziu um Auto de Moralidade baseado no contexto da ditadura
de Salazar, onde os valores capitalistas se sobrepõem aos valores cristãos.
O Auto de Moralidade de Ariano Suassuna já tinha como objetivo a composição de
uma cultura nacionalista e regionalista.
16
Cada autor, segundo seus objetivos, produziu Autos de Moralidade, pois continham
personagens divinos, com poderes de julgar, condenar e absolver. Tais personagens fazem
parte dos princípios cristãos pregados mediante a doutrina católica.
Os três Autos apresentam intersecção de vícios, personagens-tipo e modalidade de
representação; e todos eles situados em momentos históricos e geográficos diferentes; mas
todos eles reproduziram o modelo didático que um Auto de Moralidade sugere.
O teatro geralmente busca a realidade como fonte para traduzir aquilo que pode ser
local ou universal e traz a discussão para o âmbito da dramatização. Esta modalidade traz a
força de um referencial crítico e atua como formador de opinião; daí o seu valor crítico-
literário.
Os acontecimentos marcantes em quaisquer sociedades assumem caráter de registro
histórico. Dependendo da intencionalidade do autor, este registro acontece de maneira
fidedigna, ou seja, retratando o fato histórica da maneira mais fiel possível, satírica,
possibilitando a reflexão crítica, ou apenas utilizando o fato transportando-o para uma outra
dimensão, um outro contexto, criando novas possibilidades.
17
2 - MORAL, ÉTICA e RELIGIÃO
Pretendemos articular alguns conceitos sobre moralidade e religião para discutirmos os
três Autos com os quais iremos nos ater. Para tanto, é necessário que façamos alguns estudos
epistemológicos acerca de critérios éticos definidos por alguns filósofos.
No início da civilização grega, Aristóteles(383-322 a.C.) utilizou o critério
eudemonista, que valorizava a inteligência e o uso da Razão para definir os critérios morais.
Para ele, todo excesso é característico da deficiência moral, privilegiando as virtudes
intelectuais.
A busca pela felicidade é constante, podendo ser encontrada, segundo ele, apenas
através da sabedoria.
Também a.C. (341-270), Epicuro acreditava que a realização do homem residia no prazer,
aliás, muito utilizado nos dias de hoje em nosso mundo consumista. Para ele, o prazer estaria
relacionado ao bem, assim como a dor relacionada ao mal. Caracterizado como critério
hedonista (do grego hedone “prazer”) postula a formação de uma moral elementar, prática,
relacionada ao espírito utilitário.
A “utilidade” é a única propriedade que indica a possibilidade de aumentar o prazer,
para diminuir a dor. O princípio a utilidade constitui única razão que explica porque a ação
pode ou deve ser moralmente praticada. Tal princípio não admite outro critério normativo
além de si mesmo. O juízo moral válido é o que aprecia o prazer como bem e a dor como
mal.
2
Considerando que nessa perspectiva o prazer individual e imediato é o único bem
possível, podemos dizer também que este pensamento de Epicuro se aproxima do critério
voluntarista de Friedrich Nietzche (1844-1900) devido à necessidade de fazer valer a vontade
como fator condicionante da vida moral. Para ele, querer é poder
Esta idéia reside no senso comum e tem por base sua filosofia de negação, que compreende o
universo como incoerência, um verdadeiro caos, privado de finalidade, de sentido. O homem,
as coisas, os costumes – tudo é um sistema e forças em conflito, em combate.
3
2
MELLO, 1996, P. 32
3
Ibdem, p. 33
18
Refletindo acerca das dimensões que compreendem a vontade e o poder, a ética
poderia ser interpretada a partir do antagonismo que existe entre as forças de domínio e
subjugação.
Também no plano ético-filosófico, Jean-Paul Sartre (1905-1980) absolutizou a
liberdade como princípio que define a pessoa humana e fonte que deu origem a todos os
valores, entendendo que o ser não consiste em uma essência fixa. É sempre um vir a ser. Ao
ser humano são atribuídas todas as responsabilidades e conseqüências. As circunstâncias dos
acontecimentos, a maneira como as como acontecem, as condições de sua existência, os
valores que o constitui. Ele é absolutamente responsável por suas escolhas e envolve toda a
humanidade.
A liberdade, na compreensão sartrena, é absoluta. Dois fatores fundamentam essa firmação: a
razão de que a existência precede a essência torna impossível a referência a uma explicação
ou a uma natureza imutável; o fato de que Deus não existe faz com que não encontremos
diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento.
4
Emanuel Kant (1724-1808) priorizou o dever como critério ético. Podemos pensar que
Kant teve uma visão mais comunitária na elaboração do conceito sobre ética, pois o dever
serve muito mais à sociedade que ao indivíduo propriamente. O dever implica mais nas
conseqüências sobre o outro do que a si mesmo, onde caberia apenas a vontade e a liberdade.
O dever incide naquilo que se definiu como senso comum, o que implica em regras e sanções.
É onde percebemos o uso jurídico sobre o comportamento ético e moral do ser humano.
O conceito de dever, objetivamente, exige da ação sua concordância com a lei.
Subjetivamente, é em respeito à lei, como único modo de a vontade deixar-se determinar pela
lei. O primeiro caso (o da concordância) é a legalidade, na qual repousa a lei. O segundo (o
respeito) é a moralidade: o valor moral deve ser posto exclusivamente no fato de a ação
ocorrer pelo dever, isto é, somente pela lei.
5
Embora seja interessante a alusão, mesmo de maneira breve os diferentes linhas de
pensamento a respeito da formação ético-moral do ser humano, especificamente para este
estudo, interessa discutir a moral a partir do critério espiritualista. Baruch Spinoza (1632-
1667) dedicou-se a elaborar estudos a este respeito. Segundo esta concepção,
4
Mello, 1996, p.34
5
Ibdem, p.33
19
o Absoluto, o evocado como Deus, como Ser necessário, constitui fundamento último. O
critério supremo de moralidade. Spinoza classifica Deus como a ordem invariável que
sustenta o universo
6
.
Spinoza defendeu a absolutização de Deus sobre todas as coisas, mas, ao mesmo
tempo, criticou os dogmas e a inflexibilidade da Igreja católica. Por este motivo, citaremos as
relações da Igreja com a sociedade na Idade Média, revelando o pensamento religioso da
época em que foi produzido o Auto da Barca do Inferno, que era bastante teocêntrico, mas
que também transitava entre o Humanismo, valorizando o homem.
Segundo SARAIVA, 1982, na Idade Média, a Igreja Católica dominava o cenário
político e religioso de Portugal. Detentora do poder espiritual, a Igreja influenciava o modo de
pensar e agir. Ostentava grande poder econômico; possuía muitas propriedades e até mesmo
servos trabalhando. Os monges viviam em mosteiros e eram responsáveis pela orientação
espiritual da sociedade. Passavam grande parte do tempo rezando e copiando livros e a Bíblia,
aos quais somente os letrados tinham acesso. Os alfabetizados compunham uma pequena
parcela da elite e eram os que tinham acesso à Bíblia.
A Igreja tentava impor seus interesses ao comportamento das pessoas de acordo com
seus próprios interesses. Seus dogmas impunham aos fiéis a acreditar na correspondência
inevitável do Bem, que era a garantia da salvação da alma e do Mal, como castigo eterno. O
Bem correspondia aos valores de justiça, fraternidade, igualdade, solidariedade e fidelidade à
Igreja, o que consequentemente representava a sustentação do luxo e riqueza que esta
ostentava. O Mal, antagonicamente, representava a infração dos referidos preceitos e
penalidade aos infratores. A dicotomia castigo e salvação estaria ligada ao plano metafísico,
onde Deus faria o julgamento final. O cristianismo preconiza a finitude do corpo e a infinitude
da alma, o que faz com que o cristão se preocupe com o destino da alma, até porque é algo
que ele desconhece por se tratar de um dos mistérios de Deus.
Portanto, o sagrado e o profano sempre estiveram em discussão. Por este motivo, a
religião, enquanto fenômeno social, constitui um referencial de valores à formação humana.
Os Autos colocam em evidência estes conflitos percebidos entre as ações humanas e o
padrão moral religioso exigido da sociedade. O modelo de representação de Auto utiliza a
caricaturização e a comicidade com o intuito de criticar e instruir no que tange uma moral
didática e reflexiva. Na verdade, o homem, enquanto sujeito social, sempre conviveu com este
tipo de cobrança de comportamento. É muito mais social do que de ordem interna.
6
Ibdem, p.34
20
Estudos antropológicos apontam o homem como ser social que no decorrer de suas
experiências vai constituindo a moral de maneira a dar sustentabilidade às relações que se
estabelecem dentro desta sociedade. As normas que são estabelecidas a partir das convenções
morais são produzidas a partir de juízos de valor, o que conseqüentemente gera uma ordem
jurídica. As antigas civilizações deram início a este racionalismo que foi sendo adaptado a
outras sociedades.
Tais adaptações foram necessárias devido a diversidade de opiniões, cultura e interesse
dos grupos e das transformações ocorridas ao passar do tempo. Até mesmo os traços que
poderíamos afirmar consensualmente que seriam comuns em qualquer sociedade, na realidade
podem não ser. Por exemplo: poderíamos dizer que não matar seria uma atitude correta para
todas as pessoas; porém, temos conhecimento que em alguns lugares mata-se em nome da
religião e tal atitude seria honrosa para o praticante do ato. Alguns países vivem em conflitos
constantes por guerras milenares.
Poderíamos, em um segundo exemplo, dizer que um homem deveria casar-se com uma
mulher de cada vez; contudo, vemos que em alguns países o casamento poligâmico é legal.
Portanto, as leis que regem os indivíduos e os grupos sociais dependem de fatores peculiares.
Com a introdução do cristianismo nas sociedades ocidentais, a religião passou a ser
também um orientador moral, regulando, pelo menos ideologicamente, o comportamento
humano. Dizemos que a função é reguladora por assumir normas passíveis de julgamentos e
sanções no plano metafísico sob a forma de castigo divino, que submete o infrator à
condenação ao inferno e o benefício da salvação eterna da alma àqueles que cumpriram o
ideal religioso.
É a geração da consciência moral religiosa. A Igreja, através de seus dogmas, dita um
modelo de comportamento moral que prevê o julgamento, condenação e absolvição de seus
fiéis de acordo com seus atos sobre a Terra.
Todo este processo ocorre no plano metafísico e implica na condenação ou salvação
da alma. A partir também desta concepção, os juízos valorativos foram - e continuam sendo –
concebidos.
Todo valor moral deriva da lei; seja ela religiosa, política ou da própria razão. A única coisa
que pode dar valor moral a uma ação é se ela se realiza por um senso de dever. Se alguém
pratica uma ação apenas porque quer, ela não tem valor moral.
7
7
Kant, 1975, p. 15
21
O homem está sempre em busca da satisfação de seus anseios, portanto, movido pelo
desejo que o impulsionam em sua subjetividade, conseqüentemente inferindo também sobre o
outro. As ações que ele desenvolve a partir da busca de seus objetivos faz com que ele seja
julgado também pelo outro. Daí a necessidade de uma consciência moral que o direcione a
agir licitamente.
O princípio moral rege que o direito de um não deve influir negativamente no outro. A
liberdade de escolha de cada pessoa deve estar em conformidade com padrões éticos e morais
estabelecidos para o grupo ao qual ele pertence.
Podemos observar o caráter conflitivo do indivíduo com a moral, pois estando na
esfera do coletivo, suas atitudes irão implicar no respeito ao espírito de justiça e
reciprocidade.
A lei foi pensada ainda na cultura clássica com o objetivo de estabelecer parâmetros
que determinam a convivência social. Norteado por tais leis, o homem vem adaptando novas
formas, cada vez mais convenientes de relacionamento entre si. Isto não significa que todos os
indivíduos obedecem a estes parâmetros, mas a maneira de se relacionarem passou a ter uma
forma mais organizada de iteração.
Com o advento do Cristianismo, outra forma de estruturação moral foi estabelecida.
Os princípios morais cristãos passaram a influenciar o comportamento das pessoas de maneira
coercitiva, implicada nos princípios de obrigação moral; nas relações de castigo e
recompensa, de condenação ou absolvição da alma.
Inicialmente poderíamos pensar em ideologia como um ideário, ou seja, um conjunto
de idéias dominantes que passariam a representar o senso comum; porém, Marilena Chauí
afasta-se desta definição. Para relacionarmos a religião ao tema da ideologia, faz-se necessária
uma breve consideração sobre o que realmente seria isto. Segundo Marilena Chauí, “falar em
ideologia dos dominados é um contra-senso visto que a ideologia é um instrumento de
dominação”(CHAUÍ, p.110).
De acordo com as considerações da autora, ideologia é a marca de uma imposição,
pois mascara a realidade social, permitindo a exploração e a dominação de forma legitimada.
Essa dominação é exercida pela classe privilegiada, ou seja, representantes do clero e da
burguesia, sobre os menos favorecidos, com quem mantém uma relação de dependência.
A manipulação ocorre a partir de instrumentos utilizados pela religião, que faz uso do
assistencialismo e do domínio sobre os bens particulares dos indivíduos, muitas vezes de
forma medíocre. A opressão a que são subjugados os oprimidos não os permite questionar,
22
criticar ou agir em oposição aos interesses das “elites”. Estabelece-se, então, uma relação
de opressão, que ocorre em diversas esferas, mas aqui nos interessa ressaltar a opressão pela
religião.
O conceito de ideologia, hoje, está inscrito como manipulação dos menos favorecidos
pela classe dominante.
Mas quem pode desmantelar a ideologia? Somente na prática política nascida dos explorados
e dominados e dirigida por eles próprios. Para essa prática política é de grande importância o
que chamamos de crítica à ideologia, que consiste em preencher as lacunas e os silêncios dos
pensamentos e discursos ideológicos, obrigando-os a dizer tudo que não está dito, pois dessa
maneira a lógica de ideologia se desfaz e se desmancha, deixando ver o que estava escondido
e assegurava a exploração econômica, a desigualdade social, a dominação política e a
exclusão cultural.
8
Concordando com Marilena Chauí, Louis Althusser define ideologia como:
“a maneira pela qual os homens vivem suas relações com as condições de
existência”. O mesmo autor define as ideologias práticas “de um lado como formações
complexas de montagens, de noções, de representações, de imagens; e de outro, de montagens
de comportamentos, atitudes, gestos, sendo que o conjunto funciona como normas práticas
que governam a atitude e o posicionamento concreto dos homens, a respeito dos objetos reais
de sua existência social e individual e de sua história”.
9
Toda sociedade é dividida em classes sociais, e essa divisão acontece, geralmente
motivadas por desigualdades econômicas, idéias antagônicas ou diferentes interesses e
culturas, conceituamos a ideologia como aquela que rege socialmente determinados grupos.
Essa regência se dá através da identificação pela religião, raça, costumes, língua e até mesmo
do próprio conceito de Nação. Esta ideologia pode aparecer tão enraizada dentro de
determinados grupos, que caracteriza grupos exacerbados em seus conceitos e objetivos,
como ufanistas, organizações de luta pelos direitos de raças, grupos religiosos fanáticos,
dentre outros; o que, às vezes, ultrapassa os limites das convenções sociais e gera conflitos
entre eles, ocasionando até mesmo guerras seculares.
Devemos compreender, portanto, que a formação moral e ética sociedade da depende
de infinitos fatores que não nos permitem unificar uma regra única, mas que a convivência
com o meio constrói e determina parâmetros específicos de comportamento que estão acima
dos interesses individuais.
O descumprimento destas “regras” gera insatisfações, prejuízos a outrem e
necessidade de regulamentação que tenha o intuito de coibir atos considerados impróprios.
8
CHAUÍ, 2002, p. 118
9
Louis Althusser citado por Régine Robin, Histoire et linguistique, pp.101-102 citado por
UBERSFELD, 2005, p. 180
23
Porém, não devemos perder de vista que os indivíduos têm a sua própria lei moral
internalizada constituída através de suas experiências e traços de personalidade que, não raras
as vezes, não entram em sintonia com as regras propostas para o grupo. Algumas pessoas
podem julgá-los amorais, o que é uma incorreção, pois todos temos constituição moral. Os
parâmetros é que variam entre indivíduos e sociedades.
Nos Autos que faremos referência no corpus deste trabalho, observaremos
características correlatas aos Sete Pecados Capitais, que representam uma classificação de
vícios que foram usados para doutrinar os cristãos de forma a compreender e controlar os
instintos básicos. São eles: avareza, ira, luxúria, gula, orgulho, inveja e preguiça. Tais
características são consideradas defeitos morais. Estes conceitos se popularizaram e fazem
parte da cultura humana de todo o mundo.
De acordo com o livro Sacred Origins of Profounds Things (“Origens Sagradas das
Coisas Profundas”), de Charles Panati o teologista e monge grego Evagrius de Pontus (345 d.
C. – 399 d. C.) teria escrito uma lista de oito crimes e “paixões” humanas: gula, luxúria,
avareza, melancolia, ira, acedia (preguiça espiritual, vaidade e orgulho - em ordem crescente
de gravidade. Para Evagrius os pecados ficavam piores à medida em que se tornavam mais
egocêntricos, com o orgulho como supra-sumo essa fixação do ser humano em relação a ele
mesmo. No final do século VI d. C. o Papa Gregório reduziu a lista a sete itens trocando
“vaidade” por “orgulho”, “acedia”por “melancolia” e adicionando “inveja”. Para fazer seu
próprio ranking, o pontífice colocou em ordem decrescente os pecados que mais ofendiam ao
amor: orgulho, inveja, ira, melancolia, avareza, gula e luxúria. Mais tarde, outros teólogos,
como São Tomás de Aquino analisaram novamente a gravidade dos pecados e fizeram mais
uma lista. No século XVII, a Igreja substituiu “melancolia” – um pecado vago demais – por
“preguiça”. Assim, hoje os sete pecados capitais são: gula, avareza, orgulho, luxúria,
preguiça, ira e inveja.
10
AVAREZA
Apego demasiado ao dinheiro; mesquinhez. (BUENO, 2001, p. 72)
O Onzeneiro, em o ABI, revela seu apego ao dinheiro, demonstrando
inclusive o desejo de voltar à Terra para buscá-lo.
Onzeneiro:
Óla! Ó demo barqueiro!
Sabeis vós no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo
10
www. wikpedia.com.br/pecados capitais
24
E trarei o meu dinheiro.
11
A avareza geralmente está ligada à ambição, que, em excesso, faz com que atos ilícitos
sejam praticados em função do desejo de enriquecimento a qualquer preço.
No ABMFB, Sttau Monteiro a dinâmica das personagens está vinculada a questão monetária.
No Auto da Compadecida, a avareza é praticada pelo comerciante, que explora os
funcionários. João Grilo reclama que ficou doente em cima de uma cama e os patrões não lhe
deram um copo d'água.
O bispo e o padre também eram gananciosos e avarentos, querendo todo o lucro para
si.
LUXÚRIA
[...] libertinagem; lascívia; exuberância; sensualidade. (BUENO, 2001, p. 347)
Severino [referindo-se a mulher do padeiro]:
Vergonha é uma mulher casada na igreja se oferecer desse jeito. Aliás já tinha ouvido falar
que a senhora enganava seu marido com todo mundo.
12
A mulher do padeiro divertia-se usando a sensualidade para seduzir os homens e trair
o marido. Demonstrava atração por homens fortes e símbolos de poder.
Brisette, em o ABMFB, pede como vantagem vestidos e objetos de adorno para
seduzir seus clientes.
ORGULHO
Elevado conceito que alguém faz de si próprio; amor-próprio exagerado; vaidade; brio;
altivez; ufania. (BUENO, 2001, p. 406)
Fidalgo:
Que me deixeis embarcar.
Sou fidalgo de solar,
É bem que me recolhais.
[...]
Para senhor de tal marca
não há aqui mais cortesia?
13
11
VICENTE, 1951, p. 35
12
SUASSUNA, 1997, p. 111
25
Em o Auto da Compadecida o Major Antônio Morais orgulhava-se de sua posição
comparada ao “coronelismo” e dava demonstrações arbitrárias de poder, fazendo uso de sua
influência para obter vantagens.
IRA
Cólera; raiva. (BUENO, 2001, p. 322)
Judeu [em resposta a recusa do diabo em deixá-lo entrar no batel] :
Corregedor, coronel,
Castigai esse sandeu!
Azará, pedra miúda,
Lodo, chanto, fogo, lenha,
Caganeira que te venha!
Má corrença que te acuda!
Per el Deu, que te acuda!
Com a beca nos focinhos!
Fazes burla dos meirinhos?
Dize, filho da cornuda!
14
O judeu, no Auto da Barca do Inferno, sentiu-se injustiçado em relação ao seu
julgamento, pelo fato de o diabo permitir que Brízida entrasse em seu batel e recusá-lo.
João Grilo também fez várias referências a exploração e insensibilidade de seus
patrões, nutrindo um desejo de vingança por eles.
INVEJA
Desgosto ou pesar pelo bem dos outros; desejo de possuir o bem alheio; cobiça. (BUENO,
2001, p. 320)
Judeu:
Por que não irá o judeu
Onde vai Brízida Vaz?
Ao senhor meirinho apraz?
Senhor meirinho, irei eu?
15
13
VICENTE, 1951, p. 30
14
VICENTE, 1951, p. 47
15
Ibdem,, p. 47
26
Neste caso, o desejo era o de ser conduzido ao batel, o que lhe foi negado e ainda
colocado em posição inferior a da alcoviteira Brízida Vaz.
GULA
Gulodice; ex cesso de comida e bebida; grande amor a boas iguarias. (BUENO, 2001, p.
288)
Diabo:
De que morreste?
Joane:
De quê?
Samicas de caganeira.
Diabo:
De quê?
Joane:
De caga merdeira,
Má rabugem que te dê!
16
Entende-se que Joane morreu por conseqüências advindas do costume de comer
demais.
PREGUIÇA
Aversão ao trabalho; morosidade; negligência; moleza; indolência; vadiagem; [...](BUENO,
2001, p. 452)
Encourado [a respeito do padre]:
E ele tinha ainda outro defeito queo bispo nunca teve.
Padre:
Qual era?
Encourado:
A preguiça. Deixava tudo nas costas do sacristão e a paróquia ficava completamente entregue
a esse patife, por sua culpa.
17
A dignidade humana está vinculada a práticas fundamentadas na consciência crítica
daquilo que lhe convém e o efeito das atitudes sobre o outro. O comprometimento com a
sociedade o faz agente da História, através do diálogo de seus valores com a sociedade, o
concebendo como agente de transformação.
16
SUASSUNA, 1970, p. 36
17
Ibdem, p.154
27
Como afirma a teoria do existencialismo em Heidegger, no Seminário n o. VIII, o
homem é sempre um vir a ser, estando, portanto em constante transformação compondo a sua
existência. Alguns conceitos e valores vão se constituindo. Alguns se consolidam, outros
sofrem alterações; mas estes são inerentes a condição humana.
É no cotidiano, no fruto das relações que se estabelecem que o homem constrói seus
valores, escolhe suas atitudes e determina os caminhos que lhe convém.
Qualquer indivíduo é passível de cometer os chamados pecados capitais, mas a
sociedade o julga, bem como a sua consciência; principalmente quando provoca prejuízos de
ordem financeira ou moral a outros.
A sociedade estabelece parâmetros de comportamento ideal, daquilo que é moralmente
aceitável.
Os temas místicos e morais sempre estiveram ligados aos princípios de religiosidade.
O teatro permite a conscientização e a tomada de posição a partir de um
distanciamento, porque é visto da condição de ator/expectador, mas que paradoxalmente
aproxima o indivíduo daquilo que nele é visto como vício ou virtude.
Para chegarmos a algum contraponto a respeito dos conceitos de moral, ética e
religião, não devemos perder de vista que sejam quais forem os critérios capazes de constituir
a ética individual (seja eles:razão, prazer, vontade, liberdade, dever ou religiosidade) é preciso
tomar como base o bom senso para a prática da convivência sustentável, que deve estar
baseada no respeito, na dignidade humana, na solidariedade e no desejo de prática do Bem.
28
3 – GIL VICENTE
O teatro português anterior a Gil Vicente se restringira à representação de momos e
entremesses, de grande aparato cênico, mas sem valor literário, a certos esboços dramáticos
de Anrique da Mota, incluídos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
18
Gil Vicente provavelmente nasceu em 1465(?). Foi ourives em Portugal, casou-se duas
vezes e teve vários filhos; entre eles Paula e Luís. A esta foi concedido o privilégio de
imprimir e vender as obras do pai, tarefa que foi executada por Luís, em 1562.
Sendo uma das mais relevantes figuras do Humanismo renascentista europeu, Gil
Vicente é considerado o fundador do teatro português. Seu teatro freqüentemente atendia às
solicitações de temas sugeridos pelas solenidades religiosas ou cortesãs a que se destinavam.
Autor com raízes na tradição medieval, encontrou soluções cênicas para superar os
limites das formas antigas que conheceu e renovou. O teatro de Gil Vicente é popular, com
um vocabulário reformulado e aproximação das personagens com a platéia através da
informalidade. Suas obras são marcadas pela liberdade com que criticava os diferentes tipos
que compunham a sociedade da época.
As tragicomédias compostas por ele tratavam, quase sempre de assuntos profanos.
Católico, Gil Vicente crê em Deus e obedece aos preceitos da Igreja; porém, sua visão
crítica não lhe tirou a lucidez com que refletiu as torpezas desta sociedade. Criticava os
clérigos, não a Igreja. Mordaz, não hesitou em denunciar reis, clero, burguesia e classes
menores, de maneira lúcida e incisiva, mesclada com humor satírico. O seu teatro apresenta
uma rica galeria de tipos que traduzem toda a realidade inspirada na burguesia medieval, e
ainda revela sua simpatia pelos humildes.
18
BERARDINELLI, 1974, p.10.
29
Sua obra apresenta caráter didático; por produzir obras empenhadas na educação e na
correção de costumes. É a visão do homem em sua totalidade, desde os assuntos mais
simplistas que permeiam o dia-adia até as mais dramáticas situações morais.
Foi muito criticado devido à liberdade com que denunciava a sociedade de maneira
sarcástica em suas obras; porém, era muito querido na Corte de D. Manuel e D. João III. Por
este motivo não foi perseguido, até porque, seu teatro servia de entretenimento para a Realeza.
A sátira não é somente severa; muitas vezes é leve e divertida, mesmo expondo as fraquezas
humanas. Mesmo assim, não foi poupado, inclusive de despertar rumores de que suas obras
seriam plágios.
Para desfazer tal calúnia, Gil Vicente pediu um mote e fez a sua melhor peça: A Farsa
de Inês Pereira.
A sua vasta obra é composta de quarenta e quatro peças escritas em português,
castelhano e outras bilíngües, compostas ao longo de trinta e quatro anos (1502-1536).
Segundo VARELLA, 1982, p.18, “Foi o próprio Gil que dividiu seu teatro em obras de
caráter hierático (de devoção), aristocrático (tragicomédias) e popular (comédias e farsas),
tenso, nesta tarefa sido auxiliado por sua filha Paula”.
O trabalho de Gil Vicente refletiu as grandes transformações pelas quais passou
Portugal. Criticou a ganância pelo dinheiro, a hipocrisia na prática do cristianismo e a
exploração dos fiéis.
Sempre preocupado em registrar as falhas humanas para fazer
uma crítica construtiva, Gil Vicente adotou como lema de seu teatro a famosa frase latina:
Rindo corrigem-se os costumes”. Assim, ele sempre partia de situações que serviam de lição
e que produziam efeitos imediatos na platéia. O riso fácil – resultado de trocadilhos, palavrões
e situações embaraçosas – são artifícios dos quais ele se valia para chegar à proposta de
correção de costumes. Genialmente, Gil Vicente utilizou o humor para traduzir as temáticas
sociais e religiosas abordadas, numa visão empírica do homem.
O cômico do auto resulta, não do inesperado das situações ou do automatismo, mas tão
somente da caracterização estilística das diferentes personagens, cujo comportamento é um
retrato vivo da sua realidade terrena, e a beleza da peça reside, portanto, no realismo dessa
caracterização das personagens, intimamente vinculada à realidade material e à sua condição
lingüística.
19
A essência moral e social de seu teatro primava pela intenção crítica a um público que
acabava por rir de si mesmo sem que se reconhecesse entre as personagens que refletiam a
19
SPINA, 2000, p.111.
30
sociedade da época. Não podemos discernir até que ponto essa falta de reconhecimento se
dava por hipocrisia ou por vaidade.
O teatro de Gil Vicente não pode ser considerado puramente medieval ou
renascentista. Ele registra uma época de transição. Do medievalismo, temos como
característica, em seu teatro, a religiosidade, o respeito pela Igreja e a saudade dos valores
ideais. Já da Renascença, observamos a aversão ao cristianismo cego, como uma forma de
defender a humanização da Igreja, e o homem, que é visto como um ser superior na Terra,
como a medida de todas as coisas.
Desse modo, o religioso aparece a serviço do ser humano, já que a religião é um
grande instrumento que orienta a virtude e a moral. Portanto, podemos dizer que Gil Vicente
traduziu esta transição de maneira genial, através de seu teatro inovador. Mais que isto, os
temas abordados em suas obras são universais e atemporais, o que poderemos discutir adiante.
3.1 – AUTO DA BARCA DO INFERNO
À viragem da vida social e política iniciada no século XII corresponde a uma viragem na vida
cultural. É nessa época que verdadeiramente se inicia o renascimento geral da cultura que virá
dar os seus melhores frutos na grande Renascença do século XVI.
20
A expansão marítima e comercial no século XV fez de Portugal um país próspero que
resultou em um período de ostentação de uma vida de aparências, da busca do enriquecimento
ilícito e fácil; porém, era uma riqueza irreal, visto que a maioria do povo lusitano vivia na
absoluta miséria. A agricultura entrou em declínio por falta de capital e mão-de-obra, pois
todos queriam buscar riquezas nas Índias. Todos os serviços então, passaram a ser realizados
por escravos africanos.
A Igreja, que representava um referencial moral, tinha seus dogmas e as suas
autoridades questionadas em seus procedimentos e envolvimento com assuntos da nobreza.
A Igreja atravessa uma época controlada ao longo dos séculos XIV e XV. Surgem as novas
heresias (...) que se expandem largamente entre os camponeses e as populações das cidades; a
autoridade do Papa é repetidamente atacada , e arrasta-se durante muitos anos o conflito entre
o Papa e o Concílio, que pretendia sobrepor-lhe.
21
Gil Vicente traduziu a história de seu povo e sua época; porém não limitou-se a um
mero observador desta sociedade em decadência.
20
SARAIVA, p. 38
21
Ibdem, p. 105
31
O Auto da Barca do Inferno reflete o julgamento moral racionalizado no final do
século XV. Neste momento está toda a estética literária. É uma peça de temática religiosa,
muito própria da cultura medieval, que revela conflitos entre as ordens popular e oficial
através de personagens alegóricos que representam várias classes sociais.
Segundo a tradição cristã medieval, não se acredita nos atos humanos como atribuição
do destino. O livre arbítrio absolve ou sentencia o homem mediante seus atos. Os atos
terrenos já foram praticados, mas as recompensas e os castigos ainda não foram distribuídos.
O fato de estarem todos mortos revela outra ordem de valores que nivela todos os homens a
uma mesma condição. Há uma destituição da hierarquia, onde já não existem oprimidos e
opressores, grandes e pequenos. Os mortos, em situação de igualdade, estão em um cais na
expectativa de atravessar o mar e atingir a estadia final, julgando-se, todos, merecedores do
barco divinal, que representa a recompensa pelo procedimento moral durante a vida; porém, o
que poderemos verificar é que a maioria é conduzida à barca infernal.
Podemos perceber estas características nos três autos referidos neste trabalho. A
dinâmica da obra é o julgamento destas personagens pelo Anjo e o diabo através do uso da
Razão na literatura. É o uso jurídico se sobrepondo à emoção. É nesse momento que Gil
Vicente escreve e recria sobre este ponto medieval. Utilizando criticidade e ludicidade, Gil
Vicente imprime o caráter didático da obra ao absolver o parvo, que é o personagem mais se
aproxima dos anseios populares, apoiados nos conceitos de dignidade humana. A
simplicidade, o humor e a ingenuidade deste personagem aproximam o público, provocando
empatia.
O Humanismo de Gil reflete uma visão aristotélica, que diz que a função do humor
tem caráter crítico e tenta corrigir defeitos da sociedade. A obra de Gil Vicente registra uma
época de transição de valores. De um lado, encontramos traços da tradição medieval (o
velho); de outro, os novos ares da Renascença, que dominaram o século XVI, embora os
traços medievais apareçam mais acentuados. Dentre eles podemos destacar o respeito pela
Igreja e a esperança nos valores ideais. O contraste entre duas imagens; a conjunção do
sagrado com o profano, do alto com o baixo, do sublime com o vulgar, da sabedoria com a
estupidez, da afirmação com a negação. Um jogo de antíteses num palco universal, comum a
todos os homens.
Notamos também um hibridismo erudito e popular. Os traços renascentistas
comparecem na aversão ao cristianismo cego, pois Gil sempre defende a humanização da
Igreja; e a valorização do homem como um ser superior na Terra, como medida de todas as
coisas, e também condutor de seu destino. Suas convicções religiosas permitiam que ele
32
criticasse os clérigos, e não a Igreja. É a discussão entre a fé, a moral e a razão, com tom
sarcástico para dar leveza à criação.
Em O Auto da Barca do Inferno reside esta dicotomia simbolizada através das duas
Barcas: uma que leva ao Céu, que representa as virtudes; e outra do Inferno, que representa os
pecados. Os Arrais – Anjo e diabo – representam, respectivamente, o Bem e o Mal e são os
grandes críticos do Auto, o que caracteriza um teatro mais voltado para a tradição medieval,
apesar da forte corrente humanista.
Outros elementos alegóricos observados são os objetos que os personagens portam. A
relação dos objetos consiste na simbolização dos pecados em vida. O objeto funciona como
uma carga que representa os atributos, as profissões; aquilo que representa o apego material
na vida terrena. A respeito destes símbolos veremos adiante.
O Auto vicentino é caracterizado por peças com seqüência dramática repetitiva, onde
cada cena é representada de forma independente; não tendo relação com a cena seguinte. A
ação dramática ocorre em cenas atemporais. O autor primou pelo dinamismo no diálogo
crítico com tom sarcástico em relação aos costumes observados em qualquer sociedade, a
qualquer tempo. Une de forma simbólica elementos de naturezas natural e sobrenatural.
A fábula, em O Auto da Barca do Inferno, é retratada através do diálogo onde as personagens
são caracterizadas por virtudes e defeitos morais e por eles são julgados. O Anjo e o diabo são
as figuras que representam a fronteira entre o Bem e o Mal, que irão sentenciá-los. As barcas
irão conduzi-los aos seus destinos.
O caráter didático da peça reside em absolver o parvo, pela sua ingenuidade e os quatro
cavaleiros, que lutam em nome de Cristo; e condenar as outras personagens, condenando-as
por seus defeitos de conduta e caráter. Desse modo, os títulos e honrarias da vida não
concedem aos personagens nenhum privilégio, opondo-se às construções sócio-hierárquicas
da vida cotidiana.
3.1.1 –ESTRUTURA DA OBRA
ESPAÇO
Trata-se de um espaço alegórico entre a morte e a eternidade onde acontece a travessia
de duas barcas que conduzem a dois destinos paradoxais.
TEMPO
33
O tempo se passa no universo interno da consciência das personagens e é
caracterizado como metafísico. Ele é permanente, ao extrapolar limites. Acontece uma
sucessão de fatos sem que haja indicação de temporalidade entre as mutações de cenas. O
tempo é puramente dramático, isto é, acontece mediante as falas das personagens. O tempo
não é evidenciado. É circunstancial, de acordo com a evolução do diálogo. O espaço é aberto,
cósmico; próprio ao tema. É um espaço mítico transcendental entre céu, terra e inferno, porém
real, dentro do universo ficcional. O espaço dramático é estático.
LINGUAGEM
A palavra transcende o poder da ação. O diálogo sim, este tem progressão dramática,
porque apresenta oposições. A ambientação é única, com cenário único, onde duas barcas
levam ao céu e ao inferno.
O texto, ideologicamente, discute a relação do homem com a vida, os valores
estabelecidos e o caminho que cada um segue, partindo do livre arbítrio, e o julgamento em
relação a estas escolhas, seguindo o critério da moral cristã ideal.
As falas replicantes entre os mortos, o Anjo e o diabo são indicadoras profissão, classe
social, além de estereotipar reações, gerando efeito cômico.
Assim, o emprego de termos latinos pelo corregedor, com o intuito de impressionar os
ingênuos; a linguagem evocativa à providência divina do frade, para tentar traduzir
religiosidade; a linguagem hipócrita, astuciosa e lisonjeira de Brízida Vaz e a fala popular do
Parvo, com expressões familiares e de baixo calão, com função puramente cômica.
A linguagem reflete as ideologias contidas no texto, a realidade e as transformações
na sociedade evidenciadas naquele tempo.
O foco narrativo atua através do discurso direto entre personagens e leitor, em tom
coloquial, próximo à oralidade.
ESTILO
O estilo é apresentado em Redondilha Maior, ou seja, versos articulados em sete
sílabas poéticas.
Diabo
Vem/hais em/bo/ra, en/for/ca/do
1 2 3 4 5 6 7
Que/ diz/lá/ Gar/cia/ Mo/niz
34
1 2 3 4 5 6 7
Enforcado
Eu/ vos/ di/rei o/que e/ lê/ diz
1 2 3 4 5 6 7
Que/ fui /bema/vem/tu/ra/do
1 2 3 4 5 6 7
Que/ pe/los/fur/tos/que eu/fiz
1 2 3 4 5 6 7
Sou/ san/to/ ca/no/ni/za/do
1 2 3 4 5 6 7
Os versos obedecem a rima seguindo o esquema ABBAACCA, como podemos
verificar na fala do frade:
Ah, Corpo de Deus consagrado! (A)
Pela fé de Jesus Cristo, (B)
Que eu não posso entender isto! (B)
Eu hei-de ser condenado? (A)
Um padre tão namorado (A)
E tanto dado à Virtude?! (C )
Assim Deus me dê saúde, ( C)
Que eu estou maravilhado! (A)
PERSONAGENS
Gil Vicente construiu um teatro com características próprias. Muitos personagens de
sua galeria são reincidentes, isto é, são reincidentes em várias peças do autor.
Elas são planas e o comportamento absolutamente previsível. Geralmente são
caricaturizadas. A caricatura é a revelação acentuada de um só traço da personagem. No Auto
da Barca do Inferno, por pretender ser uma crítica de costumes, os perfis dos tipos delineados
por Gil Vicente eram bem acentuados. As personagens apresentam-se vinculados à condição
lingüística e à sua realidade terrena e material.
O Auto da Barca do Inferno, segundo sua proposta de crítica de costumes direcionada
pela moral cristã, serve-se de personagens-tipo caricatos em sua composição. O Anjo e o
diabo são personagens centrais que atuam como representantes da absolvição ou condenação,
julgando segundo as atitudes dos homens.
O Anjo é um Ser etéreo, porém próximo por representar um ser de fronteira entre o
céu e a terra, entre a história humana natural e os desígnios divinos. É, portanto um ser
próximo e longínquo que acompanha as ações do homem tanto na vida presente, quanto no
destino futuro. Representa o condutor do homem à recompensa que merecem aqueles que
praticam o Bem e a Justiça.
35
O diabo representa o inferno, o caos, a desordem, o adversário de Deus, que busca
nas falhas humanas motivos de condenação. Representa o Mal e o castigo, segundo o
pensamento cristão.
Cada personagem apresentado a seguir terá sua sentença relacionada aos pecados
capitais dos homens, sobre os quais serão julgados e sentenciados.
A situação post mortem de cada um deles está destituída de hierarquia social ou
eclesiástica, embora a ligação com o mundo terreno seja tão consistente a ponto de tentarem
fazer uso de prestígio ou classe social para a obtenção da absolvição, o que não é possível aos
condenados.
Das autoridades eclesiásticas do século XIX, a ordem mais dignificada era a dos
frades, devido à dedicação exclusiva às coisas da Fé; tanto que no Auto da Compadecida na
fala de Severino do Aracaju sobre os frades, verificamos o registro desta tradição medieval:
“Não, não gosto de matar frade que dá azar. Vá embora. (...)” SUASSUNA, 1997, p. 118. Por
este motivo, este tipo foi utilizado para representar de maneira crítica as atitudes ofensivas à
Fé cristã.
Quando questionado pelo diabo sobre esta companhia, o frade acaba por denunciar
outros eclesiásticos do convento, confirmando assim, sua conivência: “E eles fazem outro
tanto”. A resposta do frade ao diabo, diante da eminente condenação, revela hipocrisia e falta
de temor: “Eu hei de ser condenado?!... Um padre tão namorado e tanto dado à virtude?”
22
.
Não percebe a gravidade de sua atitude, pois, mesmo estando em pecado, sente-se injustiçado,
devido à tantas rezas, acreditando mesmo que deveria ser absolvido: “Por ser namorado e
folgar com iia mulher se há um frade de perder, com tanto salmo rezado?!...”.
23
Representa
também aqueles que, por tanto envolvimento com seus pecados, distancia-se da concepção de
pecado.
Brízida Vaz, a alcoviteira que promovia encontros amorosos entre os clérigos e a
burguesia da época, argumenta com o Anjo por ter “criado meninas” para os cônegos da Sé;
como sendo esta uma maneira de agradar aos homens que servem a Deus, acreditando assim,
ter algum merecimento. Ela se julga injustiçada, pois, segundo ela, se fosse por merecimento,
todos seriam condenados: “A coutes tenho levados e tormentos suportado que ninguém me foi
igual. Se fosse ó fogo infernal, lá iria todo o mundo.”
24
22
VICENTE, 1951, p.41
23
Ibdem, p.41
24
Ibdem, p.45
36
O diabo também convida o corregedor para embarcar em seu batel. Ironicamente o
chama de “Santo descorregedor”, por suas práticas abusivas e arbitrárias. Na fala do
corregedor observamos o emprego de termos latinos, muito utilizados em questões jurídicas, o
que denota a argumentação em defesa da própria causa. O diabo e o parvo, em tom irônico,
também utilizam termos latinos em resposta em sustentação do arrazoamento de acusação.
Esta passagem denuncia a corrupção no sistema jurídico, baseado no pressuposto que
os representantes da Justiça deveriam ser imparciais e incorruptíveis, porém, isto não é
verificado em todos os segmentos.
Corregedor:
Hou! Videtis Qui petatis – Super jure magestatis tem vosso mando vigor?
Diabo:
Quando éreis ouvidor nonne accepistis rapina? Pois ireis pela bolina onde nossa
mercê for...
25
Os judeus eram perseguidos pela sua prática religiosa que não estava de acordo com
as leis cristãs da Igreja católica. Eram utilizados contra eles métodos violentos para tentar
convertê-los ao cristianismo. Gil Vicente faz alusão no ABI à Fé verdadeira, segundo os
dogmas da Igreja. O judeu foi acusado pelo parvo por não seguir as tradições cristãs ao
consumir carne no dia de Corpus Christi, e desrespeitar o espaço sagrado da Igreja,
desmerecendo as crenças no Cristianismo. Os judeus eram considerados bem sucedidos
financeiramente, praticando, inclusive, a agiotagem em favor da própria burguesia lusitana.
Parvo:
E ele mijou nos finados n’egueja de São Gião!
E comia carne da panela no dia de Nosso Senhor! E aperta o salvador, e mija na caravela!
26
O judeu também vem acompanhado por um bode, símbolo maior pecado por
representar o próprio demônio.
O fidalgo está entre os personagens que representam a crítica à burguesia, que era a
classe social elitizada que sobrevive do prestígio e da exploração dos pobres. Quando acusado
pelo diabo de seus defeitos morais, o tenta utilizar-se do prestígio de sua posição de fidalgo
para obter o merecimento da salvação: “Pera senhor de tal marca non há aqui mais
25
VICENTE, 1951,.49
26
Ibdem, p.47
37
cortesia?
27
, ao que o diabo revela que este teria o mesmo destino do pai: “Mandai meter a
cadeira, que asi passou vosso pai”.
28
Mediante o fracasso de seus argumentos, o fidalgo mostra arrependimento por não ter
observado os princípios que poderiam tê-lo encaminhado para a salvação, perdido na cegueira
da vaidade e dos valores fúteis: “Folgava ser adorado , confiei em meu estado e não vi que
perdia”.
29
Percebendo que não havia modo de ser salvo, pensou em sua mulher, que, pelo menos,
intercederia à Deus por sua alma. Decepcionado, surpreende-se com a revelação do diabo, que
confirma que nem o prestígio que sua classe social lhe conferia evitou que fosse traído pela
mulher com outro de menos valor: “Pois estando tu expirando, se estava ela requebrando
com outro de menos preço”.
30
A mulher, na Idade Média, figurava em posição social desvalorizada; até porque,
naqueles tempos de viagens marítimas por conquistas, as mulheres ficavam por longos
períodos sem seus maridos, o que incorria em adultério por parte de muitas delas. Algumas se
casaram por imposição dos pais, que tinham a esperança de alcançar, através do casamento
das filhas, títulos nobres.
O Onzeneiro representa a visão capitalista que se sobrepõe à religiosa, visto que este
acredita que ninguém tem valor sem o dinheiro. Sua prática é a agiotagem, que supria as
necessidades do mundo capitalista.
Neste contexto o dinheiro representa a finalidade primeira que movimenta todos os
interesses da sociedade moderna. Acredita que foi conduzido à barca do Anjo por estar sem o
seu dinheiro, porque acreditava que poderia conseguir qualquer intento a partir do poder que o
dinheiro lhe concedia “Quero lá tornar ao mundo e trazer o meu dinheiro que aquele outro
marinheiro [o Anjo] , porque me vê vir sem nada, dá-me tanta borregada como arrais lá do
barreiro [o diabo]”
31
.
É acusado pelo Anjo pela ganância que reside em seu coração, pela prática da
agiotagem e exploração dos pobres.
Onzeneiro:
Eu pera o Paraíso vou.
27
Ibdem, p.30
28
Ibdem, p.29
29
Ibdem, p.31
30
VICENTE, 1951, P.32
31
Ibdem, p.36
38
Anjo:
Pois cant’eu mui fora estou de te levar para lá. Essoutra te levará; vai pera quem te
enganou!
Onzeneiro:
Porquê?
Anjo:
Porque esse bolsão tomará todo o navio.
Onzeneiro:
Juro a Deus que vai vazio!
Anjo:
Não já no teu coração.
32
À época em que foi produzido O Auto da Barca do Inferno, uma das profissões que
tinham grande valor era a de sapateiro, devido ao fato de que apenas pessoas ilustres usavam
sapatos, e os poucos profissionais cobravam altas somas em dinheiro para confeccioná-los,
caracterizando assim, o superfaturamento e o oportunismo. O sapateiro chega ao batel com
seu avental carregado de formas. O diabo o acusa: “Tu roubaste bem trint’anos o povo com
teu mester”
33
. Porém, este entra em discussão em sua defesa ao afirmar que por ter assistido a
missas e dando muitas ofertas teria assim garantia a sua salvação. Interessa-nos ressaltar que
ainda hoje são muitas as religiões – senão a maioria de origem cristã - que pregam isto.
As formas que o sapateiro levava representavam um oponente, um símbolo de seu
pecado representado no objeto. Desta forma, este passa a condicionar a entrada no batel
divinal.
Outro personagem que entra em juízo é o Enforcado, que traz consigo a corda com
que se matou, no intuito de redimir-se do pecado do roubo. Foi condenado por transgredir as
leis cristãs que condena veementemente o suicídio. Biblicamente o pecado de agir contra a
vida, dom de Deus, não tem perdão, o que satisfez aos intentos do diabo, que o quer colocar
em lugar de prestígio em seu governo: Diabo: Entra ca, e remarás / até as portas do Inferno
(Vicente, 1951: 18).
O Parvo Joane é o representante do povo humilde e explorado pelas classes mais
favorecidas. Justificado pelo Anjo devido às suas atitudes que, mesmo sendo debochado e
usando vocabulário de baixo calão, não é percebida nele intencionalidade em suas palavras e
atitudes para o mal das pessoas.
Não era isento de pecados, mas estes eram ínfimos em relação aos pecados dos outros
condenados. Seu discurso cômico, carnavalizado, apresenta e comenta os vícios das
32
Ibdem, p.34
33
VICENTE, 1951, p..38
39
personagens. É tolo e simples. Não traz consigo nenhum objeto que traduza a marca do
pecado. Ele é debochado porque se diverte com isso, insultando até o diabo, quando
convidado a entrar na barca deste:
“Ó infernal ieramá.
Hio, hio, barca do cornudo,
Beiçudo, beiçudo,
Rachador d’alvenca, huhá!
Sapateiro da Landosa,
Entrecosto de carrapato,
Sapato, sapato
Filho da grande aleivosa;
Tua mulher he tinhosa,
E há de parir um sapo,
Chentado no guardanapo,
Neto da cagarrinhosa.
Furta cebolas, hio, hio,
Exccomungado nas igrejas,
Burrela cornudo sejas.”
34
Seu vocabulário é simples, algumas vezes inconveniente, mas sem a intenção de
ofensa agressiva. Falava mais por diversão. A função dele, dentro da peça, é atuar como uma
espécie de coadjuvante do Anjo e o diabo emitindo juízo de valor sobre as atitudes dos outros
personagens, para efeito moralizante.
. É absolvido pelo Anjo por sua simplicidade de caráter e inocência de atitudes.
Anjo:
Tu passarás, se quiseres;
porque em todos os teus fazeres
per malícia nom erraste.
Tua simpreza t’abaste
para gozar dos prazeres
.Espera entanto por í,
Veremos se vem alguém
Merecedor de tal bem
Que deva de entrar aqui.
35
Ainda nos autos que iremos expor, veremos que João Grilo, em o Auto da Compadecida,
apresenta características semelhantes ao parvo e também recebe a absolvição.
Por ser um Auto de cunho religioso e moral, apenas estão absolvidos do castigo eterno
o Parvo e os Quatro Cavaleiros. Segundo o pensamento teocêntrico medieval, perder a vida
em nome do Cristianismo indica ato heróico e de grande valor religioso pois, a luta em nome
da Fé cristão significa atitude de grande merecimento.
34
VICENTE, 1951, p.53.
35
Ibdem, p.37
40
Anjo:
Ó cavaleiros de Deus, a vós estou esperando, que morrestes pelejando por Cristo, Senhor dos
Céus! Sois livres de todo mal, mártires da Santa Igreja, que quem morre em tal peleja merece
paz eternal.
36
3.2 – SÍMBOLOS
Segundo MARCONI (1985:50), “Símbolos são realidades físicas ou sensoriais ao
quais os indivíduos que os utilizam lhe atribuem valor ou significantes específicos”.
Desta forma, compreendemos a teoria saussureana a respeito da relação existente entre
significante e significado. O valor simbólico está relacionado ao sentido que é atribuído que
pode variar de acordo com o desenvolvimento da própria existência, antropologicamente
falando. Essa existência pressupõe o contato com a realidade física com outros indivíduos,
caracterizando o consenso de acordo com valores acordados pela sociedade ou valores
internalizados em escala relativa de maior ou menor importância.
Uma mesma palavra, um mesmo objeto pode ser concebido por diferenciadas
significações de um indivíduo para outro. A polissemia relacionada aos signos pode ter como
conseqüências a dificuldade de análise da obra.
A Lingüística bem pode explicar estas relações que ocorrem de maneira diacrônica e
diatópica. Em relação ao texto teatral, especificamente, que muitos destes signos são
traduzidos de maneira simultânea, como afirma UBERSFELD, 2005, p. 12 que todo sistema
de signos pode ser lido segundo dois eixos: o eixo das substituições ou eixo paradigmático, e
o eixo das combinações ou eixo sintagmático. Segundo a autora,
Compreende-se como o empilhamento vertical dos signos simultâneos na
representação (signos verbais, gestuais, auditivos, etc.) favorece um jogo
singularmente maleável em ambos os eixos: paradigmático e sintagmático.
Daí a possibilidade, para o teatro, de dizer muitas coisas ao mesmo tempo,
de construir várias narrativas simultâneas ou entrelaçadas. O empilhamento
de signos permite o contraponto.
37
Partindo deste pressuposto, é possível encontrarmos controvérsias no campo da significação,
variando de um receptor para outro, mas, em sentido geral, a combinação destes signos nos aproxima
de um senso comum de acordo com a proposta do autor.
36
Ibdem, p.56
37
UBERSFELD, 2005,p.13
41
Observou-se principalmente no Romantismo o cuidado no detalhamento de ambientes
e personagens. A partir da observação de tais detalhes, o leitor torna-se capaz de visualizar
toda a atmosfera que envolve a cena. Porém ai, é uma observação direta que influencia o
leitor sensorialmente.
Porém, a Literatura possui alguns códigos específicos que atuam de maneira velada
por estarem inscritos no campo simbólico de significação.
Os símbolos sobre os quais estamos tratando aqui, estão relacionados a uma dimensão
maior que traduz uma ideologia textual como proposta.
No Auto da Barca do Inferno, lugar está carregado de simbologia. As barcas, por
exemplo, são signos que representam o Bem e o Mal, visto que, no sentido religioso,
representam os caminhos da salvação ou condenação da alma, respectivamente.
O que está em julgamento é a conduta humana em relação aos valores convencionais,
religiosos e morais da sociedade
. O mar representa a passagem, a travessia que vai dar direção aos destinos dos
personagens. Assim, o cais, onde os mortos encontram-se funciona como um local de
realizações coletivas.
O Anjo e o diabo assumem a função do julgamento dos mortos. Neste contexto que se
assemelha a um grande tribunal, alguns elementos assumem grande valor simbólico.
Alguns elementos também ganham lugar na idealização do Auto, como veremos a
seguir.
BARCA
A Barca é o símbolo da viagem, de uma travessia realizada seja pelos vivos, seja pelos
mortos. (...) A barca dos mortos é encontrada em todas as civilizações. (...) Na tradição cristã,
a barca dentro da qual os crentes ocupam seus lugares a fim de vencer as ciladas deste mundo
e a tempestade das paixões é a Igreja.
38
A barca já era representada nas antigas civilizações em que os mortos eram colocados
nelas com moedas sobre os olhos para que fossem levadas a um mundo melhor.
As barcas, no auto vicentino, representam dois destinos aos quais os mortos poderão
ser conduzidos. Uma, conduzida pelo Anjo, poderá levar ao caminho da Salvação dos que, em
vida, praticaram atos condizentes com os bons costumes e não apresentavam defeitos morais
que os pudesse condenar.
38
CHEVALIER, 2000, p. 121
42
A Igreja tinha o papel de instituir seus dogmas, estabelecendo padrões de
comportamento. A outra, conduzida pelo diabo, leva os mortos que apresentaram atitudes
imorais à condenação eterna.
No auto de Sttau Monteiro apenas uma barca é representada, simbolizando que há
apenas um caminho: o da condenação, numa visão pessimista de mundo.
MAR
Símbolo da dinâmica da vida. Tudo sai do mar e retorna a ele: lugar do nascimento, das
transformações e dos renascimentos. Águas em movimento, o mar simboliza um estado
transitório entre as possibilidades ainda informes as realidades configuradas, uma situação de
ambivalência, que é a da incerteza, da dúvida, da indecisão, e que pode se concluir bem ou
mal. Vem daí que o mar é ao mesmo tempo a imagem da vida e a imagem da morte.
39
As barcas seguem o caminho do mar, que, simbolicamente representam uma travessia,
passagem para um outro destino, que poderia ser a morte, ou, no caso dos três autos para outra
vida. Segundo o destino de cada um, o paraíso ou o inferno.
BODE
Sua virtude sacrificial aparece igualmente na Bíblia, onde o bode do sacrifício mosaico serve
para a expiação dos pecados, desobediência e impurezas dos filhos de Israel. (...) Os bodes,
quando colocados à esquerda por ocasião do julgamento final, representam os malvados, os
futuros condenados ao inferno. Na arte, vê-se por vezes um bode à frente de um rebanho de
cabras. Nesse caso, é possível que ele designe os poderosos – graças ao dinheiro ou ao
renome - que arrastam os fracos para o mau caminho. (...) Santo e divino para uns, satânico
para outros, o bode é claramente o animal trágico, que simboliza a força do élan vital, ao
mesmo tempo generoso e facilmente corruptível.
40
O judeu tentou entrar na barca do diabo com o bode. Segundo o cristianismo, a morte
de Cristo na cruz redime o homem de todos os pecados, não sendo mais necessário o
sacrifício de animais, como acontecia no Velho Testamento. O bode representava os pecados,
por isso era sacrificado como forma de redenção. Simbolicamente, de acordo com a definição
encontrada em Chevalier, o bode não só representa o pecado, mas também influência negativa
aos que caminham em retidão de comportamento.
39
Chevalier, 2000, p. 592
40
Ibdem , P. 134
43
ESCUDO
O escudo (broquel) é o símbolo da arama passiva, defensiva, protetora, embora às vezes possa
ser também mortal. (...) Todas as razões de viver, todas as belezas do universo, todos os
símbolos de força, da riqueza e da alegria estão mobilizados e concentrados nesse broquel.
Esse espantoso espetáculo simboliza também o que está em jogo na batalha: tudo o que se
perde ao morrer, tudo o que se ganha ao triunfar. (...) Na descrição pauliniana da armadura, da
qual o cristão deve servir-se para o combate espiritual da salvação , o escudo é a Fé.
41
O frade, em ABI, comparece caracterizado com broquel e espada, sendo exímio
manejador da esgrima, denunciando o envolvimento das autoridades da Igreja nas lutas
armadas em razão das conquistas lusitanas, o que não deveria ser de interesse das autoridades
da Igreja, rigorosamente proibida e condenada aos clérigos.
A maneira com que o frade entra em cena, cantando e dançando ao som cortesão do
tordião, típica dos salões palacianos, escandaliza até ao próprio diabo; porém a atitude mais
inadmissível, segundo as premissas que regem o cristianismo, é o frade vir acompanhado de
Florença, sua amante. Ela é uma figura sem voz; representada pelo próprio corpo, que
reproduz o objeto de pecado, da sedução e da luxúria.
JUÍZO FINAL
Assim, a última etapa antes da visão do Mundo, o Juízo Final simboliza o apelo vitorioso do
Espírito, princípio unificador que penetra e sublima a matéria.
42
No caso dos Autos, o que está em julgamento é o comportamento moral do homem. A
possibilidade do caminho da salvação, para o cristão, é sempre almejado, até porque o castigo
da condenação é uma situação ao mesmo tempo misteriosa e aterrorizante.
No Auto da Barca do Inferno, notamos que todos já foram julgados. Mesmo a
presença do Anjo não alterou a sentença daqueles que forma absolvidos ou condenados.
Apesar do apelo, não houve nenhum tipo de intercessão.
No Auto da Barca do Motor Fora da Borda, todos foram julgados condenados. Não
havia a figura do Anjo e o diabo, apesar de presente no Auto, ficou em um plano inferior em
relação ao Banqueiro, que tomou a iniciativa de conduzir o julgamento, já que a ênfase era
capitalista.
41
,Ibdem, p.387
42
CHEVALIER, 2000, p. 427
44
No Auto da Compadecida já comparecem, como julgadores, Emanuel ou Jesus Cristo,
o demônio e ainda a Compadecida, mãe de Jesus, como elemento de intercessão que irá
influenciar diretamente o destino das pessoas que irão a julgamento.
Neste Auto observa-se ainda um terceiro destino, como é o caso de João Grilo, que
tem a oportunidade de retornar a sua condição de vivente na terra.
O julgamento é mais brando para os outros personagens, pois a Compadecida
argumenta com o Filho de maneira justificar os mortos vendo o lado positivo, as qualidades
de cada um. Além disso expõe a situação de miséria de João Grilo e Chicó, assim como os
episódios de violência sofridos por Severino do Aracaju e sua família.
ANJOS
Seres intermediários entre Deus e o mundo (...) Ocupariam, para Deus, as funções de
ministros: mensageiros, guardiães, condutores de astros, executores de leis, protetores dos
eleitos etc. (...) símbolos das funções divinas, símbolo das relações de Deus com as
criaturas.
43
Deus é o Ser Supremo, onipresente e onisciente. Representa o Princípio e o Fim de
tudo o que existe no Universo. Criador e regedor das leis físicas e metafísicas. Detém todo o
mistério da criação do mundo e da existência. Por todos estes atributos, Deus não poderia ser
diretamente apresentado ao homem, apesar de termos conhecimento de que em várias
passagens bíblicas do Velho Testamento Deus falou aos homens através de sonhos e vozes,
por exemplo. Mas segundo as Escrituras, o principal meio por onde Deus fala aos homens são
os Anjos. Segundo o cristianismo, os Anjos são instrumentos de proteção, de advertência e até
mesmo de julgamento sob a ordem divina.
Em Sttau Monteiro todos foram julgados condenados. A figura do Anjo foi suprimida
de maneira que não houvesse a possibilidade de absolvição através de qualquer tipo de
intervenção divina.
O diabo é a figura antagônica ao Anjo, pois representa o castigo, a condenação. No
ABI ele praticamente domina todas as cenas, fazendo diretamente as acusações e convidando
os condenados a entrarem na sua barca, com exceção de Joane os Quatro Cavaleiros.
Notamos que o diabo, neste contexto representa um paradoxo, pois apesar da
satisfação por arrebanhar almas ao Inferno, também é uma figura que está revelando, no
decorrer do Auto, juízos de valor moral através de suas acusações.
CÉU
43
CHEVALIER, 2000, p.60
45
No Apocalipse, o céu é a morada de Deus, maneira simbólica de designar a distinção entre o
Criador e a sua criação. O céu, entra então, num sistema de relações entre Deus e os
homens.
44
(...) Emprega-se a palavra, com freqüência, para significar o absoluto das aspirações do
homem, com a plenitude de sua busca, como lugar possível de uma perfeição do seu
espírito(...)
45
O céu é a dimensão mais distante para o homem, sendo impossível alcançá-lo.
Possivelmente por este motivo foi designado como a morada de Deus, o Ser que detém todo
poder e magnitude, acima de todas as coisas. Para o cristão, ser digno de alcançar o céu e
entrar na morada de Deus torna-se o objetivo primeiro. Representa a justficação pelo seu
sacrifício de renunciar aos vícios e aos desejos terrenos, tornando-se “perfeitos” perante os
preceitos da Igreja e da Bíblia.
SAPATO
Andar de sapatos é tomar posse da terra, observa Jean Servier, em Lês Portes de l Année
(Robert Laffont, paris, 1962, p. 123). Para apoiar essa interpretação, o sociólogo cita
exemplos tirado da Grécia e do Oriente antigo, assim como do norte da África. Ele lembra
uma passagem da Bíblia: Ora, antigamente era costume em Israel, em caso de resgate ou de
permuta, para validar o negócio, um tirar a sandália e entregá-la ao outro (Ruth, 4, 7-8). Os
exegetas da Bíblia de Jerusalém observam, efetivamente, a esse respeito: Aqui, o gesto
sanciona...um contrato de troca. Pôr o pé ou jogar a sandália num campo significa tomar
posse dele. Assim, o calçado torna-se um símbolo do direito de propriedade. Ao tirar-lhe ou
devolver-lhe o calçado, o proprietário transmite ao comprador esse direito.
46
Nas tradições ocidentais, o calçado teria uma significação funerário: um agonizante está
partindo. O sapato, a seu lado, indica que não está em condições de andar, revela a morte.
Mas esta não é a única significação. Simboliza a viagem, não só para o outro mundo, mas em
todas as direções. É o símbolo do viajante.
47
Podemos validar as duas definições encontradas em Chevalier.
Na primeira, podemos pensar na carga simbólica do sapato como um elemento de
poder.
O sapateiro era respeitado e ganhava muito dinheiro confeccionando sapatos na Idade
Média, e usá-los era privilégio de poucos. Por este motivo era uma profissão tão valorizada e
rentável, o que fazia com que os profissionais de caráter questionável abusasse do
superfaturamento, caracterizando roubo. A condenação do sapateiro deu-se por este motivo.
44
Ibdem , p. 229
45
VIRI, p.108 apud CHEVALIER, 2000, p. 230
46
CHEVALIER, 2000, p. 80
47
Ibdem, p. 802
46
Na segunda definição, a condição daquele que vai partir para o final a que se destina
todos os seres humanos: a morte.
INFERNO
É a perda da presença de Deus; e, como já nenhum outro bem poderá jamais iludir a alma do
defunto, separada do corpo e das realidades sensíveis, o inferno é a desventurança absoluta, a
privação radical, tormento misterioso e insondável. É a derrota total, definitiva e irremediável
de uma existência humana. A conversão do danado já não é mais possível; empedernido em
seu pecado, ele está para sempre cravado na sua dor.
48
Contrariamente ao Céu, o inferno seria o lugar para onde aqueles que em vida não
tiveram atitudes dignas de merecer o Reino dos Céus. Seriam os condenados por agirem
segundo seus desejos e interesses, ignorando a ordem divina de Deus. É a última instância
inapelável para uma alma condenada.
Nos Autos de Moralidade é o lugar para onde vão a maioria das pessoas, pois o tipo de
representação implica justamente em enfatizar os vícios humanos.
**********
Alguns objetos também reproduzem uma simbologia que dialoga com o leitor.
Brízida, por exemplo, leva consigo instrumentos de cirurgia genital para a realização
de abortos, artigos de feitiçaria, jóias de vestir, etc.
Esses objetos simbolizam atitudes impróprias, artifícios de luxúria e sedução e
incentivo à lascívia, que são condenáveis.
O corregedor também traz seus processos, que representam os artifícios utilizados
para manipular a justiça, mediante as propinas recebidas, usurpando do trabalhador o direito à
justiça; o Onzeneiro carrega o seu bolsão, que cresce a medida em que mais endividados
carecem da sua agiotagem; os instrumentos de sapateiro, que representa o acúmulo de
dinheiro de maneira imprópria,etc.
Todo esse quadro social é condenado em GiI Vicente, e, ironicamente pelo diabo.
Serve ideologicamente também em Sttau Monteiro.
48
Ibdem, p. 506
47
4 - LUÍS DE STTAU MONTEIRO
Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro, nasceu em Lisboa em 3 de abril de 1926 e
faleceu em 23 de julho de 1993 na mesma cidade: ficcionista, dramaturgo e jornalista. Aos
dez anos partiu para a Inglaterra acompanhando o pai, que lá foi ocupar o cargo de
embaixador de Portugal. Em 1943 o pai é demitido por Salazar e então regressou a Portugal
para se formar em Direito. Exerceu a profissão durante dois anos. Colaborou com diversas
publicações, destacando-se na Revista Almanaque e o suplemento A Mosca do Diário de
Lisboa, e cria a seção Guidinha no mesmo jornal.
Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande
Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser
representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça,
resultando num êxito estrondoso.
Foi preso em 1967 pela Pide após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A
Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos,
adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria
Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como
novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia.
Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance,
1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar
(1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda
(1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968).
48
Embora mais habitualmente referido como dramaturgo, foi nos
domínios da ficção que se estreou e tem evidenciado o seu talento de
narrador, de estilo desenvolto, flagrância de assuntos e temas, perfeito
recorte das personagens; qualidades estas que igualmente são
evidenciadas em sua obra teatral. Sem dúvida, um dos mais
significativos das últimas décadas, já pela audácia de certos temas, já
pela segurança na estrutura dramática.
49
Mesmo consciente de que sua obra não teria investimentos devido a política de
censura salazarista, não sendo própria para consumo, até pelo conteúdo de suas obras, que
eram instrumentos de denúncia das arbitrariedades e injustiças sociais, Sttau Monteiro
produziu suas obras de grande relevância. Naquele momento suas obras não foram publicadas
e muito menos encenadas.
Era inconformado diante do sistema totalitarista que marcou a sua geração.
Sua proposta era dialogar com esta sociedade sobre este momento de confronto entre a
riqueza da nação do século XVI com a pobreza do século XX, mas que também a estrutura de
exclusão social mantinha a pobreza em um mesmo momento de prosperidade econômica para
poucos.
4.1 – O AUTO DA BARCA DO MOTOR FORA DA BORDA E SUA RELAÇÃO COM
O AUTO VICENTINO
Arrais Vicentino:
Mudastes o auto a mestre Gil?
Burguês:
Não fomos nós, foi o tempo.
Arrais contemporâneo(rindo-se):
Mudou o mundo, mudou a gente, mudaram as barcas!
50
Para melhor compreensão do período em que foi escrito o Auto da Barca do Motor
Fora da Borda, é necessário contextualizá-lo historicamente, pois seu referencial reflete a
situação política e, principalmente econômica na qual Portugal se encontrava.
Portugal passava por maus momentos socioeconômicos o que levou os militares a
instaurarem a ditadura militar em 28 de maio de 1926, pondo fim à Primeira República
Parlamentar. Em junho do mesmo ano, António de Oliveira Salazar foi convidado para a pasta
e Finanças devido a grande credibilidade por sua formação em Economia e um passado
49
VARELA, 1982, p. 36
50
MONTEIRO, 1970, p. 34
49
político de certa relevância. Além disso, era considerado um representante da Extrema Direita
católica, inclusive ajudando a fundar o Partido Católico, do qual foi deputado.
Algum tempo depois entendeu que o dispunha de condições favoráveis para proceder
as reformas que se faziam necessárias, Salazar demitiu-se. Agravou-se a situação financeira
do país, e foi chamado novamente em abril de 1928 para o mesmo Ministério com a condição
de ter seus atos ampliados, inclusive com direito de veto em todos os aumentos
orçamentários. Tais medidas fizeram com que Portugal saísse do caos em que se encontrava.
Salazar alcançou grande prestígio e foi consagrado o “Salvador da Pátria”.
Sua notoriedade era tanta, que passou a controlar também problemas políticos e
militares, a ponto que em julho de 1932, Salazar foi nomeado para a chefia do governo. Em
1933 foi promulgada a Constituição, que consagrou um novo sistema de governo chamado
Estado Novo, ou Salazarismo. Tinha como características um governo autoritário, que
submetia a liberdade individual aos interesses da Nação. Conservador, impunha-se ao
liberalismo e à democracia. Defendia o corporativismo e o nacionalismo.
Tais princípios conferiram a Salazar a credibilidade por todos os segmentos da
sociedade, desde a Igreja e a alta burguesia até as classes populares, por acreditarem em seus
critérios de justiça e prática política.
Seus valores eram pautados na trilogia “Deus, Pátria e Família”. A paz social, a
moralidade e a hierarquia eram questões prioritárias em seu governo, em respeito às tradições
nacionais.
A religião católica foi definida como a religião da Nação Portuguesa, uma vez que Deus
era um exemplo de virtude a seguir. Neste contexto, a religião era um fator moralizante para a
sociedade.
Neste sistema político, a mulher foi reduzida a um papel passivo do ponto de vista
econômico, social, político e cultural, porque esta poderia representar uma ameaça à
estabilidade familiar e à formação moral das gerações portuguesas. Deveria ser, então, uma
esposa carinhosa e submissa ao marido e uma mãe sacrificada e virtuosa.
Para além disso, a família era vista como um ponto importante de construção e transmissão de
valores nacionalistas à sociedade portuguesa.
51
A censura prévia nos meios de comunicação foi outro recurso utilizado por Salazar para
manter sustentar a doutrina de suas idéias e defender amoral e os bons costumes ditados pelo
regime. Esta iniciativa ficou conhecida por “política do espírito”.
Defensor de uma política ruralista, Salazar investiu em produção agrícola oferecendo
emprego e meios de subsistência ao país em tempos de crise. Quanto ao setor industrial, este
não teve muito investimento, pois temia-se que o seu desenvolvimento desencadeasse o
51
http://salazarismo.blogs.sapo.pt/
50
desemprego, a superprodução e a queda de preços. Este fato provocou obstáculos à
modernização.
A Barca, no Auto de Sttau Monteiro, encontrava-se estagnada, assim como o processo
de crescimento industrial em Portugal; emperrada por uma série de condicionamentos
políticos e econômicos.
Quanto aos trabalhadores, ficavam submetidos ao autoritarismo capitalista dos Sindicatos
Nacionais, oferecendo-lhes resistência, quando deveriam estar incondicionalmente dando
suporte aos interesses dos trabalhadores.
Sttau Monteiro produziu uma literatura com características bastante pessimistas, com
o objetivo de constituir uma crítica ofensiva ao regime ditatorial de Salazar, que dominou
Portugal por mais de quarenta anos, e estiliza o Auto da Barca do Inferno (1517), através do
engenhoso Auto da Barca do Motor Fora da Borda (1966). Ele fez um trabalho de alto nível
dentro da modernidade, utilizando o recurso do metateatro, que era uma característica o
Modernismo. Sttau Monteiro fez uma releitura do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente,
adaptando-o ao contexto político em que vivia Portugal sob a ditadura de Miguel Salazar. A
sociedade, em seu estado de letargia e o Estado exercendo o poder dominante sobre a classe
trabalhadora. A fala do Arrais bem reflete este estado: Barca parada não serve para nada.
As classes sociais encontravam-se fortemente hierarquizadas. Entre os “dominados”
estava o povo, oprimido e resignado, entre o medo, a miséria e a ignorância. A classe
dominante, fazia parte de um regime absolutista e tirânico, que utilizava da força militar e
algumas medidas como a censura, para manter-se no poder.
O totalitarismo mantinha uma severa conspiração contra os conspiradores. As
desigualdades entre pobres e abastados eram alarmantes e a agitação social eram motivo de
constantes conflitos entre civis e militares.
A intertextualidade é percebida em falas dos personagens quando fazem referências
diretas a Gil Vicente e compara personagens afins. Não percebemos a intenção em criticar
Gil, e sim reafirmar, numa visão humanista, que os mesmos defeitos persistem, dando mais
ênfase. No Auto de Sttau, o sentido é mais capitalista que religioso. A ideologia dominante
está representada no capital através das figuras do Banqueiro e do Onzeneiro
Sttau representa em seus textos uma visão carnavalizada da sociedade, que, segundo
Backtin, 1997:123 “uma vida desviada de sua ordem habitual, em certo sentido, uma vida às
avessas, um mundo invertido”. Isto representa um rompimento com as barreiras da hierarquia
convencional, traduzindo um desrespeito a ordem social. Invadem o espaço público e dão
lugar àquilo que é considerado profano.
51
Sttau reafirma a certeza da impunidade, já que o dinheiro, agora, passa a representar o
Bem e o Mal, e revela a hipocrisia dos poucos que buscam sentido no mundo da religião.
Segundo Sttau, “Já ninguém acredita no Inferno (...) e os poucos que acreditam no Paraíso,
vivem como se não acreditassem nele.”(Monteiro, 1970:p.17).
As falas demonstram que a sociedade caminhava para uma “dessacralização” e que a
experiência religiosa deveria estar fora do mundo do dinheiro, da ciência, das propagandas, da
venda, da compra, do lucro.
Segundo Alves,(1984:p.9), o efeito ideológico é a crítica àquela postura de Religião
distanciada dos problemas sociais e que colabora com a sua manutenção ao articular uma
pregação de justiça e eqüidade reservadas somente para além da morte.
Ele compara o que aconteceu com o homem de lá para cá e constata que, mesmo com
a crítica didática de Gil Vicente, o homem só piorou. Critica a burguesia enquanto classe
dominante, revelando os erros da sociedade.
A Barca, no ABMFB, nem anda. É uma metáfora que representa o capitalismo e os
diversos segmentos da sociedade que fazem parte dele, desde o simples trabalhador, até o
banqueiro mercenário. Representa também os entraves do sistema que serve a interesses
particulares de pessoas ou grupos. Não tem o parvo, e sim o povo, porque não se acredita
mais na ingenuidade do homem, na falta de malícia e de interesses. Só é feita referência a ele
no Auto de Sttau Monteiro para revelar a utilização da mão-de-obra barata do povo em favor
da máquina capitalista.
O Bem e o Mal perdem o referencial de acordo com o que convém a cada segmento da
sociedade. Não tem Anjo, pois a sociedade se tornou por demais corruptível e também foi
perdendo a religiosidade e a crença na salvação. Vale ressaltar que é uma crítica de Sttau que
pode não corresponder à realidade, já que a religião cristã e seus preceitos é bastante
difundida até os dias de hoje.
Observamos que cada um deles concebe o Bem e o Mal segundo suas visões de
mundo. Gil revela uma dicotomia: Céu X Inferno (Bem X Mal). Em sua peça, utiliza duas
Barcas. Sttau utiliza apenas uma; querendo mostrar que no mundo capitalista estão todos no
mesmo barco. “Esta Barca é o Inferno e o Paraíso ou o Paraíso no Inferno – questão de
gosto”.
Os objetivos críticos da obra diferem de GV, pois SM critica as Instituições. A Barca,
em Sttau, representa a Economia do país. Neste, os pontos do comportamento capitalista da
modernidade são revelados como “pecados novos”, como a conivência entre o banqueiro, o
industrial e o burguês, no ajuste do pagamento de propina e outros acordos: “Estamos todos
52
no mesmo barco, caro doutor”.[banqueiro ao burguês] / “Você não contou com a comissão
dos doutores (...)” [banqueiro ao industrial]
52
Também vemos a utilização da mulher como objeto de persuasão mediante o interesse
capitalista, evitando, assim, as revoltas do povo: “Põe-se uma assistente social, escolhida por
mim, na cantina e poupa-se no reforço da guarda” [banqueiro]
53
Sttau Monteiro dividiu a peça em atos, que vão se prolongando. Ele utilizou a técnica
do metateatro e uniu o velho ao novo, recriando sobre a obra de Gil Vicente.
O título – O Auto da Barca do Motor Fora da Borda (ABMFB) – representa a
sociedade, que, neste momento, é levada pelo capitalismo. Ninguém quer ficar dentro dela,
mas todos ajudam a fazer com que ela rume ao caos. O Arrais Contemporâneo revela: Não
ruma. Anda a deriva (Monteiro, 2000:p. 12)Segundo ele, também poderia se chamar “Vá
com Deus”, por estar à mercê das oscilações de valores da sociedade ou “Barca que não sabe
andar”, por não encontrar soluções para os problemas da contemporaneidade ou mesmo
“Barca parada”, pela estagnação em que se encontra. O motor fora da borda indica que os
instrumentos para fazer Portugal retomar seu rumo e vocação existem, mas não estão sendo
utilizados, devido ao regime ditatorial.
A barca possui um motor, mas não anda. Esta representação refere-se a estagnação
econômica, à falta de investimentos na produção industrial. Nos anos 60 Portugal vivia um
momento de necessidade de modernização dentro do cenário sócio-político-econômico de
transformações da Europa estabelecido no pós-guerra.
As personagens são conhecidas por suas ações, ou pelo que dizem delas. Fazendo uma
leitura comportamental das personagens, nos são reveladas as “falhas humanas” em relação ao
comportamento ideal esperado delas, o que é característico dos Autos. A peça tem um
dinamismo representado em uma seqüência de peças menores. O lugar cênico é determinado
típico do teatro moderno, em que as personagens utilizam todos os espaços do palco, correm
para o centro, estacam junto à ribalta e falam para o público, acompanhados por focos de
projetores. É um recurso para convidar o público a participar dos atos de forma mais próxima.
O dinamismo da representação está no ritmo, que é rápido e alegre, criando um
ambiente de feira com o objetivo de contagiar e contar com a cumplicidade do público. Como
característica do teatro moderno, o tempo é revelado fazendo analogias entre passado e
presente – o Auto de Gil Vicente e o de Sttau, com a visão capitalista se sobrepondo à
religiosa - procurando mostrar que as personagens e seus “defeitos” são revelados
52
MONTEIRO, 1970, p. 37
53
Ibdem, 37
53
diacronicamente. Diferente do Auto de Gil Vicente, que focava sobre a temática da moral
religiosa e criticando os costumes, o Auto da Barca do Motor Fora da Borda critica toda uma
sociedade capitalista: Arrais Vicentino: “Mudastes o auto a mestre Gil?” / Burguês: “Não
fomos nós, foi o tempo.”
Analisadas estas disposições, o espetáculo segue por conta das características dos
personagens e a performance dos atores.
Podemos também fazer a análise dos personagens correlatos nos dois Autos, de forma
que até mesmo alguns nomes foram preservados. Abordaremos aqui, a relação entre estes
personagens.
Neste auto de Sttau Monteiro, a figura do diabo é sobreposta pela do Banqueiro,
porque este representa o sistema capitalista. O poder econômico move toda a sociedade da
época.
Para banqueiro, representando o poder capitalista, vê-se recompensado por conseguir
vantagens financeiras e acreditar que isto é apenas o que precisa para estar no Paraíso: “Em
já estou no Paraíso. Não posso ir para um sítio onde já estou”
54
Este mesmo banqueiro é visto como um mal necessário, destacando o valor deste para
o engrandecimento da sociedade, como dito pelo burguês que se não fosse ele [o banqueiro] e
o esforço que tem desenvolvido para elevar o nível de vida do país, esta barca não teria o
motor fora da borda, referindo-se ao que realmente tinha valor: o capitalismo.
Brisette de Vaz é a personificação de Brízida Vaz. O nome foi afrancesado com a
intenção de lhe conferir status, pois ela depende de prestígio para a venda do corpo aos mais
abastados financeiramente. Defende-se das acusações de alcoviteira afirmando ter uma função
social, como sendo a mulher que, através do seu exemplo de subordinação, delegou ao
homem poderes dentro da sociedade. Ela é criticada pela Brízida Vaz vicentina pela postura
hipócrita, acusando-a de também se vender e ter interesses nessa “subordinação” das mulheres
aos homens. Segundo ela, teria a defesa por “criar meninas” para os cônegos da Sé, sendo
assim, um negócio pobre, enquanto a contemporânea beneficia-se de um grande negócio
lucrativo por estar a serviço de interesses capitalistas, apregoando a submissão feminina.
Ironicamente o Arrais Contemporâneo ressalta as qualidades de Brisette em suas
qualidades na defesa das causas femininas:
Arrais Contemporâneo:
Quem classificou esta senhora de alcoviteira, não sabe o que diz. Esta senhora é representante
das mulheres... Foi ela que defendeu a tese da subordinação da mulher ao homem, no seio da
54
MONTEIRO, 1970, p. 28
54
família. Se a mulher não pode sair do país sem a autorização do marido, a ela o devem. Se o
homem é o administrador dos bens do casal, a ela o devem. Se os fundamentos do divórcio
exigidos 'a mulher são diferentes dos fundamentos exigidos ao marido, a ela o devem.
Alcoviteira! Alcoviteira é uma mulher que vende mulheres aos homens, ao passo que esta
senhora..
55
.
O padre contemporâneo do Auto da Barca do Motor Fora da Borda, tenta se justificar
culpando os pecados antigos cometidos por padres e frades pela maledicência do povo contra
a Igreja: É por essas e por outras que se diz de nós o que de nós se diz”. Com esta fala tenta
redimir a imagem corrompida dos eclesiásticos, ultrajada pelo conhecimento de tantos
escândalos.
E onde critica Gil Vicente: “Este frade inventado por Mestre Gil é talvez verdadeiro
no seu tempo, mas não é justo criticar a Igreja pelo que faz um homem.”. Ele tenta fazer com
que a crítica não seja generalizada.
Percebemos também que, no Auto moderno o diabo evolui para a figura do banqueiro.
Na época, todo mal era creditado ao demônio; hoje, creditado ao capitalismo por ser o
causador de todas as mazelas morais e distorções sociais que presenciamos em nosso tempo.
As corrupções se apresentam sob diversas formas. Tanto no Auto de Gil Vicente,
quanto no de Sttau Monteiro, os escrivães são corruptíveis. Observamos isto na acusação do
diabo:“Ireis ao lago dos cães [inferno] e vereis os escrivães como estão prosperados.”,
mostrando que o pecado foi praticado desde os antepassados, caracterizando um pecado
antigo
A despretensão e a falta de malícia do Parvo o absolvem da condenação. Já no Auto de
Sttau, as características do Parvo são citadas ao falar sobre a classe trabalhadora, pela
humildade do povo e as explorações cometidas contra ele. O parvo está representando uma
coletividade: o povo.
Banqueiro (para o industrial de sapataria): Aí tens o que procuras, homem, um parvo!
Industrial: Para que preciso eu dum parvo?
Banqueiro: Não disseste que ias dar um corte de noventa por cento nos salários?
Industrial: Disse. E depois?
Banqueiro: Aqui tens um candidato a operário?
56
Nesta citação, vemos uma crítica ao povo, como se fossem tolos por permitirem cortes
em seus salários em benefício de seus patrões.
Outra crítica marcante evidenciada no Auto da Barca do Motor Fora da Borda, está
relacionada à Inquisição e ao extermínio dos judeus, quando o Arrais Contemporâneo faz
55
Ibdem, p. 32-34
56
MONTEIRO, 1970, p. 32
55
analogia ao judeu: “O vosso judeu, agora, é quem morre pregado à cruz. Olha que isso nem é
graça nem é história antiga. Em dez anos, matamos cinco milhões!”.
Esta crueldade também está ligada ao regime ditatorial de Hitler e Mussolini, que
também influenciaram Salazar; não pelo uso de violência, mas de dominação e demonstrações
de poder. O ato de matar pode estar tanto no sentido denotativo, quanto conotativo ao figurar
a morte dos anseios e da liberdade do povo.
O parvo, em Sttau Monteiro, é substituído pelo Enforcado por uma proposta
ideológica. Está representando aquele que está inconformado com a opressão e movimenta a
classe trabalhadora contra seus opressores. Este fato revela a denúncia contra o absolutismo
salazarista, que em resposta, às reivindicações do povo, recorres a atitudes punitivas contra os
considerados “conspiradores”.
Como reflexo da ditadura de Salazar, a rebeldia do Parvo é punida publicamente ao ser
enforcado e lentamente içado, como se fosse a vela da barca, e colocado em situação de
exposição, como exemplo de castigo para a restauração da ordem.
Por fim, Os Quatro Cavaleiros são substituídos em Sttau Monteiro pelos Quatro Pára-
quedistas. Movido pelos conflitos em relação às coisas da Fé, que aconteciam naquele
momento, e a situação caótica em que o País se encontrava, os Pára-quedistas sugerem uma
única solução que poderia vir do céu: a intervenção militar.
56
CAPÍTULO 5 - ARIANO SUASSUNA
Em 1927, nasceu na Paraíba Ariano Suassuna, quando seu pai era governador do
Estado, sendo filho de família tradicional sertaneja. Devido à perseguições políticas, seu pai
foi assassinado em 1930 no Rio de Janeiro, deixando nove filhos. Suassuna passou a infância
em Taperoá, onde estudou o primário. Cursou o ginásio, o colegial e formou-se em Direito em
Recife.
De família protestante, converte-se ao catolicismo em 1951.Funda, em 1950, o Teatro
do Estudante de Pernambuco.
Foi professor de Estética na Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, crítico
teatral do Diário de Pernambuco, e membro do Conselho Federal de Cultura de 1968 a 1972.
Também foi fundador da Orquestra Armorial.
Antes do Auto da Compadecida, foi autor de várias outras peças premiadas em
concursos locais. Pelo Auto da Compadecida foi premiado com Medalha de Ouro em janeiro
de 1957, no Rio de Janeiro.
Funde o dramaturgo, em seus trabalhos, duas tendências que se desenvolvem quase sempre
isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da sua matéria-prima.
Alia o espontâneo ao elaborado, o popular ao erudito, a linguagem comum ao estilo terso, o
regional ao universal. A quase superstição das histórias folclóricas atinge o vigor de uma
religiosidade profunda, que pode espantar os cultores de um catolicismo acomodático, mas
responde às exigências daqueles que conduzem por uma fé verdadeira. A crença de A
Compadecida, por exemplo, alimenta-se de amor efetivo e do melhor sentido que possa ter a
palavra misericórdia.
57
Observamos nesta citação uma síntese das características do teatro de Ariano
Suassuna, que se aproxima muito das características essenciais do populário religioso das
tradições medievais observadas em O Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.
57
Ibdem, p.236.
57
5.1 - AUTO DA COMPADECIDA
Com Ariano Suassuna começa a surgir um “teatro do Nordeste”, assim como se constituiu e
persiste um “romance do Nordeste”: com sua fisionomia própria, inconfundível... Nunca um
teatro de motivo brasileiro encontrou com tanta nitidez os seus legítimos recursos expressivos
quanto em o Auto da Compadecida.
58
Ao mérito artístico juntou-se um aspecto que deve ser ressaltado em nossa literatura: trata-se
de uma dramaturgia católica, na melhor tradição que esse teatro fixou em todo o mundo,
vindo das tradições medievais, em que se assinalam os caracteres populares e folclóricos e
uma religiosidade simples, sadia, irreverente e presidida pela Graça, com a condenação dos
maus e a salvação dos bons.
59
Cinco séculos após a representação do Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente continua
atual, sobretudo pela galeria de tipos e de personagens através dos quais soube expor os tipos
e ações nefastas presentes no seio de qualquer sociedade, já que os males que afligia aquela
época são os mesmos que vemos hoje, noticiados principalmente pelos textos e imagens
midiáticas. Muitas personalidades, principalmente da vida pública, estariam aptos, hoje, a
‘subirem na Barca do Inferno’.
O teatro é visto como uma forma de análise das transformações sociais ocorridas ao
longo do tempo. Estabelece uma relação entre os fatos passados com o presente, projetando o
futuro. Faz parte de um processo de construção da sociedade.
O enredo, em o Auto da Compadecida, está construído em função do testamento do
cachorro. A partir deste acontecimento as características relativas a cada personagem revelam
defeitos morais correlatos às pessoas, em qualquer sociedade.
João Grilo: "Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja
toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos
bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu,
coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem
assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e
que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria
no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão".
60
58
PORTELLA apud SUASSUNA, 1997.
59
MAGALDI, 1997, p.236.
60
SUASSUNA, 1997, p. 63
58
O Auto da Compadecida (1966), de Ariano Suassuna reflete, como nos dois Autos
citados anteriormente, um texto religioso moralizante, que utiliza-se de alegorias e
caricaturização para exercer a crítica de costumes.
De maneira irônica, o próprio Suassuna, representado pelo palhaço (personagem da
peça), convida o leitor a uma análise de seus próprios atos e comportamentos.
Este personagem introduz os atos da peça através da carnavalização e mantém o
diálogo com o leitor:
Palhaço:
Muito bem, com toda essa gente morta, o espetáculo continua e terão oportunidade de assistir
seu julgamento. Espero que todos os presentes aproveitem os ensinamentos desta peça e
reformem suas vidas, se bem que eu tenha certeza de que todos aqui são uns verdadeiros
santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez,
incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões,
excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes. E basta, se bem que seja pouco.
61
A diferença básica do Auto da Compadecida para os dois Autos anteriores é que
Suassuna levou uma temática universal para o cenário regional nordestino, aderindo ao
popular folclórico brasileiro.
A composição da linguagem é próxima a oralização, Os únicos registros diferentes
ocorrem, com indicados no próprio texto, por conta do Bispo, personagem medíocre,
profundamente enfatuado, como se nota nesta passagem:
Bispo: "Deixemos isso, passons, como dizem os franceses
62
Manuel: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar de
Jesus, de Senhor, de Deus... Ele [o Encourado, o Diabo] gosta de me chamar Manuel ou
Emanuel, porque pensa pode persuadir de que sou somente homem. Mas você, sequiser, pode
me chamar de Jesus.”
63
A compadecida: Não, João, por que iria eu me zangar? Aquele é o versinho que Canário
Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, um invocação.
Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta
de tristeza é o diabo.
64
A composição sugere simplicidade na forma de apresentação e lucidez na exposição
dos temas. Transporta as preocupações com a fé e a moral religiosa que atinge o
comportamento humano comprometendo, muitas vezes, suas ações. Basicamente, entre a
61
SUASSUNA, 1997, p.137.
62
Ibdem, p. 74
63
Ibdem, p. 147
64
Ibdem, p. 171
59
trama que envolve as personagens, elementos e situações fabulares que propiciam a
abordagem da dicotomia entre o bem e o mal, num desfecho didático, do ponto de vista moral
e cristão.
O efeito, na escolha dos nomes dos personagens também sugere o riso, como Chicó e
João Grilo; ou o uso do latim macarrônico no trecho em que o bispo cita o código canônico e
também utilizado no Auto da Barca do Inferno e a do Motor Fora da Borda no diálogo em
que participam o corregedor e o diabo. O uso de termos vulgares, mas com tom humorístico
também são utilizados: “morreu de cagamerdeira” (parvo), “filho de chocadeira” (João Grilo
ao diabo), etc.
Na peça de Gil Vicente o diabo age com uma relação de certa independência com
Cristo, representado na figura do Anjo, porque o interrogatório que se sucede é feito
separadamente. Dessa forma, as esferas do divino e do infernal tocam-se apenas por dividirem
o mesmo espaço, já que não há diálogo entre eles. Não há, nesse Auto, quem defenda os
personagens que serão julgados.
Podemos afirmar que quando eles chegam ao cais, já foram sentenciados. Já no Auto
da Barca do Motor Fora da Borda não comparece a figura do Anjo como opção para os
personagens. No Auto da Compadecida vemos Cristo (ou Manuel), o diabo (ou Encourado) e
a figura intercessora da Compadecida (Nossa Senhora), concedendo aos julgados a
oportunidade da salvação. Neste Auto, curiosamente, percebe-se um abrandamento das
acusações.
Os pecados, ao longo do tempo em que transcorrem os três Autos, continuam
praticamente os mesmos; porém, o julgamento, neste último, acontece de forma mais branda.
João Grilo, personagem que se assemelha ao Parvo, dos Autos de Gil Vicente e Sttau
Monteiro, é perdoado e ainda alcança o milagre de voltar à vida. Aos outros acusados é dada a
possibilidade de redenção através do Purgatório.
Esse desfecho parece evidenciar que as pessoas, hoje, são mais tolerantes aos erros
humanos, buscando justificativas para determinados comportamentos; porém, não abandona
os princípios cristãos. Reflete que todos – inclusive João Grilo, por um motivo ou outro, tem
seus defeitos e que, algumas vezes, os meios justificam os fins. A sua condição inferior na
Terra já era o próprio castigo. Teve uma vida de privações e humilhações, o que o fazia digno
de perdão por pecados pequenos que cometia para sobreviver.
Diante da visão cristã, os erros devem ser dignos da misericórdia divina - no caso,
Jesus e Nossa Senhora, visto que, enquanto humanos, também passaram por situações e
60
sentimentos enfrentados pelas pessoas, como o medo, a pobreza, a terra seca e a solidão. Os
elementos Sagrados são colocados num ponto de maior proximidade das mazelas terrenas.
Os personagens que atuam no Auto da Compadecida mantêm a mesma crítica de
costumes observadas nos Autos anteriores. Eles sofrem uma alteração vocabular em virtude
do caráter regionalista nordestino dado à obra.
Em relação à estrutura, percebemos uma mudança em função do tempo, que agora é
cronológico em função de cenas seqüenciais. Os acontecimentos se sucedem com cenas
dependentes umas das outras.
O espaço idealizado segue as características do teatro popular, que é adequado para a
representação nas ruas; possibilitando cenário simples, sem grandes aparatos e
rebuscamentos. É um teatro mais aproximado dos espetáculos de circo e assumindo
características folclóricas, como o cordel nordestino.
A dinâmica é alegre, iniciando com o palhaço, que sai tocando corneta pelas ruas e
anunciando o início do espetáculo. A peça, segundo o autor, pode ser montado em apenas
dois cenários: um para o começo, e outro para a cena do julgamento. É importante ressaltar
que o teatro é popular e de características simplistas, e não vulgar.
Refletiremos, agora, sobre a movimentação destes personagens na peça.
O palhaço é uma figura interessante no texto. Ele explica, logo no início da peça,
enquanto personagem, que ele é a representação do próprio autor, que tem o objetivo de
denunciar as mazelas da sociedade, mas que devido aos seus defeitos, por ser humano,
preferiu ser personificado na figura do palhaço.
Palhaço:
Ao escrever esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser
representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua alma é um
velho catre, cheio de insensatez e solércia
65
.
Fala em nome do povo e é também um personagem de ligação entre algumas cenas e
situações. Ele dialoga com o público e, ao final da peça, com o personagem Chicó, que é um
tipo que funciona quase como um “complemento” para João Grilo, já que ele é um
personagem ingênuo e de bom coração que participa das peripécias de João Grilo por amizade
e também por estar na mesma condição de miséria que ele. É um personagem simpático, de
hábitos simples e bastante divertido por contar histórias fabulosas e impossíveis de acontecer.
65
SUASSUNA, 1927, p.23.
61
Quando não tem fundamentos para dar veracidade à história contada, responde: “Só sei que
foi assim”.
Ele é o personagem que faz a promessa à Nossa Senhora de dar o dinheiro do
enterro do cachorro para que ela salve o seu amigo.
João Grilo é um personagem tipicamente folclórico É um sujeito com características
simplórias, acostumados com a pobreza, a fome e a vida dura de quem resiste bravamente aos
problemas relacionados à seca nordestina. Aparentemente não tem estudo, sobrevive graças à
esperteza, com atitudes nem sempre convencionais, que lhe conferem sucesso nas
empreitadas, que não passam de articulações para se sair bem a partir do momento em que
vão surgindo as situações. É a própria figura do nordestino sertanejo, às vezes ingênuo e, de
acordo com a necessidade usa de sagacidade para transpor as dificuldades que a vida lhe
oferece.
Em algumas situações lembra o personagem Gato de Botas das histórias infantis. Apesar
disso, não se afasta de suas bases religiosas, mantendo alguns princípios ortodoxos.
Sua simplicidade e simpatia faz com tenha contato com pessoas de todas as classes
sociais, que variam entre o simples, o elitizado e o clero. Não é isento de pecados, mas estes
são revelados ínfimos diante dos pecados dos outros acusados.
Ao representar o povo humilde e explorado, ele demonstra revolta contra a situação
de não lhe ser permitido fazer e ter aquilo que deseja pelas condições de vida em que se
encontra:
João Grilo:
(...) Está esquecido da exploração que eles fazem conosco naquela padaria do inferno? (...) E a
raiva que eu tenho é porque quando estava doente, me acabando em cima de uma cama, via
passar o prato de comida que ele mandava para o cachorro. Até carne passada na manteiga
tinha. Para mim nada, João Grilo que se danasse. Um dia eu me vingo.
66
Vale ressaltar que João Grilo não pode ser caracterizado como um mau caráter. Ele
utiliza de sagacidade e não de maldade.
No Auto da Barca do Motor Fora da Borda, também vemos claramente essa visão
capitalista de exploração da mão-de-obra barata.
É notável a similaridade das características entre o Parvo e João Grilo. Ambos
apresentam espontaneidade nos diálogos, simplicidade nas atitudes, tom sarcástico na fala e
dados psicológicos mínimos. Ambos são intolerantes com a empáfia humana e quebram o
66
SUASSUNA, 1927, p.39.
62
decoro hierárquico, como observamos em uma de suas falas: “Vão se danar todos, sacristão,
padeiro, padre, bispo, porque eu já estou cheio, sabem?” (Suassuna, 1927, p.39)
João Grilo mantém uma fala semelhante a do Parvo do Auto da Barca do Motor Fora
da Borda quando declara ao patrão explorador que nunca fora despedido porque trabalhava
bem e barato, seguindo a visão capitalista do Auto de Sttau Monteiro, que denuncia a
exploração da mão de obra barata. Já em relação ao Auto de Gil Vicente, se assemelha pela
simplicidade e falta de objetivos maiores na vida.
João Grilo também reproduz a fala de Brízida Vaz, quando fala que “se fôssemos
julgados pela justiça, toda a nação seria condenada”. Ele mostra também as atitudes
contraditórias do homem regidas pelos interesses próprios:
João Grilo:
Era o único meio de o padre prometer que benzia [o cachorro]. Tem medo da riqueza do
major que se péla. Não viu a diferença? Antes era “Que maluquice, que besteira!”, agora
“Não vejo mal nenhum em se abençoar as criaturas de Deus.
67
João Grilo cede a voz ao autor quando este alerta sobre a ignorância católica por
desconhecimento da Bíblia, quando pergunta a Cristo se ele é protestante por conhecê-la tão
bem.
Manuel:
Está. É no Evangelho de São Marcos, capítulo trezes,
versículo trinta e dois.
João Grilo:
Isso é que é conhecer a Bíblia! O Senhor é protestante?
Manuel:
Sou não, João, sou católico.
João Grilo:Pois na minha terra, quando a gente vê uma
pessoa boa e que entende a Bíblia, vai ver é protestante.
(...)
68
Ao ser absolvido e ter a oportunidade de voltar à vida terrena, porém, sem o dinheiro
do testamento do cachorro por causa da promessa que Chicó fizera de dar todo o dinheiro do
testamento à Nossa Senhora, caso João Grilo escapasse da morte. Resigna-se em voltar a
mesma humilde em que vivia.
O padre é personagem corruptível e hipócrita. O padeiro oferece o custeio das obras da
igreja, benfeitoria da Irmandade das Almas o que faz com que o padre faça certas concessões.
Mas o benefício maior, que derruba qualquer argumentação destas concessões é o que lhe
confere favor pessoal, que é a vaquinha que dá leite e que fica à disposição dele. Também é
67
SUASSUNA, 1997, p.35.
68
Ibdem , p. 147
63
acusado do pecado da preguiça, pois deixava todo o trabalho da igreja na responsabilidade de
um sacristão incompetente que roubava a igreja.
Já o Bispo, personagem mundano, autoritário, soberbo e medíocre. Acusado de
simonia, por negociar o próprio cargo, aprovando o enterro do cachorro em latim, por seis
contos oferecidos por seu dono. Também por falso testemunho ao citar levianamente o
Código Canônico, primeiro para condenar o padre, depois para justificar o enterro do
cachorro.
Também tinha fama de grande administrador, mas não passava de um político
negociante, de sabedoria mundana e subserviente aos poderosos. Arrogante e soberbo no
desempenho de suas funções.
João Grilo, através de sua fala, defende os bons sacerdotes e condena os maus:
Diabo:
Garanto. Eu teria medo se fosse o anterior, que era um santo homem. Só o jeito que ele tinha
de olhar para a gente me fazia tirar o chapéu. Mas com esses grandes administradores eu me
entendo que é uma beleza.
69
No Auto há uma denúncia clara contra o racismo, onde Suassuna apresenta Cristo
negro e critica o racismo americano. Durante a guerra, o Nordeste foi ocupado por bases
americanas, momento em que o preconceito racial e destrato destes estrangeiros ficou em
evidência.
Além disso, o racismo é um sentimento anti-cristão lamentável, que Suassuna trouxe
para discussão em sua obra:
Manuel [ao bispo]:
Você é cheio de preconceitos de raça. Vim assim de propósito, porque sabia que isso ia
despertar comentários.(...) Para mim, tanto faz um branco como um preto. Você pensa que
sou americano para ter preconceitos de raça?
70
Também o padre é acusado pelo diabo de segregação racial e de classes, pois só
batizava os pretos depois dos brancos. Exceções apenas quando os pretos eram ricos. Esta
questão é mundial. No Norte e Nordeste é latente:
Padre:
Eu, por mim, nunca soube o que era preconceito de raça.
Encourado:
69
SUASSUNA, 1997, p.69
70
Ibdem p.149
64
É mentira. Só batizava os meninos pretos depois dos brancos.
Padre:
Mentira! Eu muitas vezes batizei os pretos na frente.
Encourado:
Muitas vezes, não, poucas vezes, e mesmo essas poucas quando os pretos eram ricos.
71
Como no Auto da Barca do Inferno, o Frade é um personagem valorizado, segundo as
tradições medievais. Na Compadecida, o sacristão é um personagem sem muito espaço, mas
marcante por ser o único considerado justo por suas atitudes, reconhecido até pelo próprio
Encourado, devido ao seu desejo de servir a Deus. É tratado como um santo homem, digno
de encaminhamento do processo de santificação. Pede para ser missionário entre os índios e
será martirizado. Compara-se aos quatro Cavaleiros, do Auto da Barca do Inferno, que são
justificados pela luta em nome da fé cristã.
O padeiro e sua mulher incorrem nos pecados de avareza e adultério. Exploram os
trabalhadores pobres, reduzindo-os a uma condição sub-humana pela falta de solidariedade no
trato e injustiça na remuneração dos mesmos. Assim como o fidalgo, paga a indulgência
pelos favores a absolvições oferecidos pela Igreja.
A mulher, sedutora, tentou persuadir Severino do Aracaju, para se livrar da morte,
convidando-o para trabalhar e enriquecer na padaria. O padeiro acaba por perdoar a traição da
mulher por medo da solidão e amor a ela.
O cangaceiro Severino do Aracaju é defendido pela Compadecida com o argumento
que teria enlouquecido depois que a polícia matou sua família. Louco, portanto, não poderia
ser responsável por seus atos ilícitos. Apesar de aparecer contextualizado como a figura do
vilão, aparenta uma certa ingenuidade ao acreditar na história da gaita que o levasse ao
encontro de Padre Cícero e depois ressuscitar.
Mesmo sendo um transgressor da lei terrena, mantém certo respeito pelo que é
considerado sagrado, como pelo frade, que era mais respeitado que o padre e o bispo por sua
dedicação às coisas de Deus e ao padrinho Padre Cícero. Dizia que não gostava de matar
frades porque dava azar, confirmando, assim, o respeito pelas figuras santificadas. A
religiosidade é um traço muito forte no sertanejo.
O diabo aparece personificado na figura do Encourado, hierarquicamente acima dos
outros demônios, muito moreno, queimado do sol forte do Nordeste e vestido de vaqueiro,
segundo a crença do Nordeste. Representa o acusador, o interessado na condenação dos réus
com o objetivo de encaminhar suas almas ao inferno.
71
Ibdem, p. 149
65
Ao fazer referência à intercessão da Compadecida: “Mulher em tudo se mete”. E a
crítica: “Não tem jeito não. Homem que mulher governa...”, o Encourado admite que seu
intuito de condenar pode não ter sucesso, pontuando a força da figura feminina. A mulher
nordestina pode ser comparada a personagem de Maria Bonita, em força, inteligência e
coragem. É a constatação de que o papel da mulher na sociedade mudou. Ela também tem
poder decisório em diversas questões.
Antagonicamente à figura do Encourado aparece Manuel. Apresenta-se como o Leão
de Judá, o Filho de Davi, de Jesus, Senhor, Deus, portanto, o próprio Cristo. Afirma que o
diabo refere-se a ele com o nome de Manuel ou Emanuel na tentativa de persuadi-lo como
sendo apenas homem, minimizando sua condição divina.
É o grande Juiz, que ouve as acusações do Encourado, a defesa dos acusados e a
ponderação da intercessora, a Compadecida.
Também faz referência ao Palácio da Justiça denunciando-o como um local onde se
pratica atos ilícitos em questões judiciais:
Manuel [mediante acusação do Encourado a João Grilo]:
Deixe de chicana, João, você pensa que isso aqui é o palácio da justiça? Pode acusar.
72
A crítica recai também sobre o serviço público ao dirigir-se à Compadecida:
Manuel:
Se a senhora continuar a interceder assim por todos, o inferno vai terminar como disse
Murilo: feito repartição pública, que existe, mas não funciona.
73
A Compadecida aparece como símbolo de Nossa Senhora, mãe e intercessora dos
pecadores a Jesus Cristo, o Salvador. Enquanto sua condição de mãe ela perdoa, justifica,
consola, compreende, defende e ameniza o peso dos pecados. Ela dá o tom da agradabilidade
existente na religião como algo simples e doce, desmistificando o caráter solene e
complicado.
O objetivo é demonstrar a simplicidade que deve imperar nas relações do homem com
Deus, na compreensão da fé e dos atos de misericórdia. A proposta é de diálogo entre o
humano e o santificado.
72
SUASSUNA, 1997, p.162.
73
Ibdem, 190.
66
É interessante a mudança de sentido de uma frase dela para justificar João Grilo:
“Quem não é contra nós, é por nós”; que sugere que as pessoas apenas não se oponham às leis
cristãs; o que, pragmaticamente é diferente da outra conhecida frase: “Quem não é por nós, é
contra nós”, que, neste caso, exige dedicação e defesa incondicional da fé e doutrinas cristãs.
Acusa o diabo de ser apegado a formas exteriores, como todo fariseu.
Na peça defende a mulher, não pelo seu pecado de adultério, mas por sua condição de
escravizada pelo marido e sem grande possibilidade de se libertar, fato muito constante em
todas as sociedades.
O Auto da Compadecida segue a linha do humor, provocado pelo lado cômico
das ações humanas. O teatro satírico revela o riso através daquele elemento que critica os
outros em tom de zombaria, que é o tipo mais comum.
São personagens cômicas por natureza, mas algumas características foram
caricaturizadas, ou seja, assim como no estereótipo, é um recorte que vai ser enfatizado, e, no
caso da caricatura, exagerado para se obter o efeito cômico. A atuação dos elementos cômicos
podem ser refletidos sob diversos prismas. As situações em que se envolvem os personagens
permitem explorar o humor através do comportamento inusitado das personagens, o que
revela a comicidade de caráter, que resulta das características psicológicas das personagens-
tipo ou por acontecimentos que se sucedem.
5.1.1 - A COMPOSIÇÃO DA IDENTIDADE NORDESTINA
Ao conceituar identidade, percebemos que se trata de uma construção simbólica, que
tende a diferenciar o “nós” do “eles”. Particularmente trataremos sobre o nordestino, para
melhor compreensão do Auto de Ariano Suassuna.
O povo nordestino tem solidificada a sua própria identidade determinada por várias
características peculiares. A primeira condição para ser nordestino é o local de nascimento,
incluído no espaço geográfico estabelecido e reconhecido como Nordeste. Para fins desse
trabalho, o espaço geográfico representa importância fundamental, pois inclui características
como o vocabulário e o cenário em que se contextualiza o Auto da Compadecida, que se
propõe a ser um Auto genuinamente nordestino.
A segunda condição é a experiência adquirida pelo tempo em que se viveu nesse
espaço Nordeste, e que faz de alguém um nordestino. A partir daí, o indivíduo que permanece
em sua terra natal assimila características próprias aos comuns àquela região.
67
As práticas culturais, como as festas, as músicas regionais, as comidas típicas, e o
vocabulário, por exemplo, também são elementos definidores de quem são os nordestinos.
Essas características e práticas refletem a representação individual: é nordestino aquele que se
reconhece como tal; o que é importante no aspecto de formação da identidade social. As
disparidades são colocadas em segundo plano, enquanto as semelhanças são evidenciadas.
Para que se sinta parte do grupo, o indivíduo tem que ter semelhanças com os demais
membros.
Para fins de interpretação, a representação social da identidade regional não pode ser
tomada como algo estanque e definido, porque senão apenas o fato de ter nascido naquela
região seria suficiente para que fosse considerado um nordestino com todos os traços que lhe
são peculiares. Carregar marcas de identidade e representações possíveis para a identificação
de traços comuns a grupos sociais determinados, onde mesmo a identidade singular, é sempre
plural, pois o identifica como pertencente a um grupo definido. No Auto da Compadecida o
autor (nordestino) cita, por mais de uma vez, a cidade de Taperoá, na Paraíba. Parece uma
espécie de homenagem ao lugar onde passou a sua infância. Outras marcas foram deixadas
por ele para identificar o regionalismo do Auto, como: Severino do Aracaju, o cangaceiro;
acentuação da devoção ao Padrinho Padre Cícero, numa demonstração da religiosidade do
povo nordestino; dois demônios vestidos de vaqueiro e o Encourado, que seria o diabo,
segundo a crença comum no Nordeste; referência a terra como seca e pobre; e também alguns
registros de fala estereotipados reproduzidos nas falas das personagens, como: “cabra safado”,
“ah, promessa desgraçada, promessa sem jeito!”, “Valei-me Nossa Senhora!”, “chama-se já
está arranjado” e referência a João Grilo como “amarelo”, dentre outros.
Estes registros funcionam como estereótipos, a partir de representações mentais que
levam a um processo de construção de um esquema geral sobre o local geográfico, as pessoas
e seus comportamentos, relacionando-os a um grupo social definido. Nas versões adaptadas
para o cinema e TV, o local geográfico do Auto da Compadecida é definido por
características inerentes do ambiente nordestino, bem como o figurino.
A construção do estereótipo está ligada às relações sociais. Se forem relações
amigáveis, os estereótipos dela procedentes terão tom afetivo positivo devido a identificação e
empatia e vice-versa.
Devemos considerar o imaginário e o estereótipo como formadores da identidade
nordestina.
Tais aspectos dizem respeito à representação simbólica, que é uma interpretação da
realidade, estratégia presente em todo ser humano, que tenta apreender o mundo que o
68
circunda para nele poder se relacionar. Todo o comportamento humano é baseado na
interpretação que os homens atribuem à realidade. Assim, o imaginário é uma das formas de
interpretação simbólica do mundo, embora não seja a única, pois há ainda a representação
intelectual ou cognitiva. Em seu livro O que é imaginário, Laplantine identifica o diferencial
entre o processo representativo imaginário e o intelectual: no imaginário é possível criar "uma
imagem e uma relação que não são dadas diretamente na percepção" (1997, p.24).
O imaginário permite assim uma construção que não necessariamente corresponda em
todos os aspectos à realidade, mas que tenha alguma conexão com ela. A estratégia do
imaginário é a de “deslocar o "estímulo perceptual," ou seja, a apreensão da realidade de tal
maneira a criar "novas relações inexistentes no real." (Laplantine, 1997, p. 25). A
religiosidade apresentada nos Autos é construída através do imaginário, uma vez que não faz
parte da realidade concreta.
Algumas situações absurdas apresentadas no Auto também são compostas pelo
imaginário; porém, a partir da identificação do público com o tema apresentado, este
simbólico passa a fazer sentido dentro da realidade do leitor, como mensagens subliminares.
O imaginário trabalha com construção de símbolos, mediante a idéia representativa de
um dado da realidade, atribuindo-lhe significados.
Entretanto, os símbolos, por serem construídos pelo imaginário não exigem
comparação ou verificação com o real.
A fala reincidente de Chicó, a respeito da morte representa um signo:
Chicó:
Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é o nosso
estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só
rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre.
74
Quando representamos o Nordeste, é a símbolos que nos referimos, e não à própria
realidade em si; são imagens e representações mentais que não são o Nordeste, mas que falam
por ele, como o vocabulário regional, a seca, a terra rachada, o cactus etc. Muitas vezes o
texto referentes ao Nordeste se apropria do imaginário em suas construções simbólicas como
podemos confrontar através da linguagem poética em Os sertões, do compositor Belô
Veloso:
Marcado pela própria natureza o nordeste do meu Brasil
Oh solitário sertão de sofrimento e solidão
A terra e seca não se pode cultivar
74
SUASSUNA, 1997, passim
69
Morrem as plantas e foge o ar
A vida e triste nesse lugar
Sertanejo é forte supera a miséria sem fim
Sertanejo homem forte dizia o poeta assim
Foi no século passado no interior da Bahia
O homem revoltado com a sorte
Do mundo em que vivia
Ocultou-se no Sertão espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei que a sociedade oferecia
(...)
75
Os símbolos evocam também entendimentos diversos e diferentes olhares, pois age
sobre a subjetividade das emoções. Um mesmo símbolo pode suscitar orgulho em um e
desprezo em outro, mas ambos estarão amparados por uma realidade comum representada.
Eles não têm valor absoluto, pois a informação e a emoção variam de indivíduo
para indivíduo.
(...) os símbolos são polissêmicos e polivalentes, aparando-se também no referencial
siginificante que lhes propicia os sentidos, os quais contêm significações afetivas e são
mobilizadores de comportamentos sociais. A eficácia dos símbolos consiste nesse caráter
mobilizador e promotor das experiências cotidianas: os símbolos permitem a cura de doenças
psicossomáticas e fazem emergir emoções como: raiva, violência, nostalgia e euforia.
76
Nas associações relativas ao Nordeste estão presentes os nordestinos e os não
nordestinos. Essa tensão delimita sobre o conceito de quem somos "nós" e passa pela
diferenciação de quem são "eles," e, para que "nós" tenhamos uma boa imagem, é necessário
que sejamos o oposto de tudo aquilo que de negativo vemos "neles”.
Onde entra, então, o imaginário na construção simbólica do Nordeste? Laplantine
responde a essa pergunta da seguinte forma:
O imaginário, como mobilizador e evocador de imagens, utiliza o simbólico para exprimir-se
e existir e, por sua vez, o simbólico pressupõe a capacidade imaginária." (pp 23,24). O
imaginário torna-se fundamental nessa construção, pois dá a ela a liberdade e a flexibilidade
que a interpretação cognitiva da realidade não possui. Enquanto a representação cognitiva só
lida com relações observáveis na realidade, "o imaginário (...) pode inventar, fingir,
improvisar, estabelecer correlações entre os objetos de maneira improvável e sintetizar ou
fundir essas imagens [primeiras do real].
77
(...) o imaginário não é a negação total do real, mas apóia-se no real para transfigurá-lo e
deslocá-lo, criando novas relações no aparente real.
78
75
www.cifras.com.br
76
LAPLANTINE, 1997, p.22.
77
Ibdem, p.27.
78
Ibdem, p.28.
70
Ariano Suassuna, portanto, preservou os traços nordestinos por ter o objetivo de não
só encaminhar rumos para uma cultura nacional, como destacou, em particular, o Nordeste,
valorizando suas origens e a fertilidade desta região para o campo literário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da literatura comparada, percebemos em o Auto da Barca do Motor Fora da
Borda e o Auto da Compadecida uma atualização na abordagem temática a partir da
construção do Auto da Barca do Inferno. Algumas personagens – reflexos da sociedade -
foram mantidas, porém, algumas funções e objetivos sofreram alterações devido as
transformações das questões sociais ocorridas diacronicamente.
Revisitar o pensamento de um autor e construir outra obra sobre a mesma temática
reafirmando características comuns não invalida a obra original; ao contrário, só enriquece
através das adaptações posteriores necessárias para fins de atualização e ainda permite a
análise das transformações ocorridas em outra perspectiva de sociedade.
Gil Vicente criticou os costumes da sociedade do século XV, pautada nos valores
cristãos; enquanto Sttau Monteiro abordou estes costumes dentro de uma visão capitalista,
que é o que está mais em voga no início do século XX.
Já Ariano Suassuna transpôs a mesma crítica de costumes, assumindo características
regionalistas. É a renovação da Arte, trazendo uma visão antropocêntrica, se sobrepondo ao
Teocentrismo Medieval, mas sem abandonar os valores morais cristãos; porque acredita no
efeito moralizante que a religião exerce sobre a formação do caráter do homem. Ela contribui
para que a convivência deste e dos outros membros da sociedade se torne conveniente e
sustentável.
A sociedade ruma ao caos, pois os interesses pessoais resultam na mecanização das
relações humanas, na degeneração da cultura de valores e na neutralização das políticas de
inclusão.
Comparando os três Autos, reafirmamos a teoria de que quanto mais o homem busca a
civilização, mais se afasta de seus valores sociais e morais impressos e desejados.
Situações de preconceito de raça e de classes mostram a intolerância e as limitações
humanas diante de fatos que os problemas que afligem a humanidade são universais e que a
71
dramaturgia é um espaço amplo de discussão e que permite refletir a sintonia do tempo
histórico a cada montagem de texto.
Eles revelam a metáfora da condição dramática do homem diante da escolha entre o
bem, que nem sempre o satisfaz; e o mal, que muitas vezes lhe convém, mas que pode trazer
conseqüências de diversas naturezas. As más escolhas produzem o sentimento de desengano e
frustração diante da possibilidade de condenação, pois há a cobrança social e pessoal de
comportamento.
A didática dos textos reside em que se reflita de maneira crítica e auto-crítica a
respeito das implicações de práticas não convencionais que marginalizam o homem através da
transgressão dos valores ideológicos impostos pela sociedade.
A universalização do tema retira o caráter individual e traz a problemática para a
esfera da coletividade, através do confronto de idéias e das relações de poder.
Verificamos que os costumes se mantêm, independente de espaço e tempo transcorrido.
Algumas pequenas adaptações no comportamento humano são observadas, como maior
tolerância ou severidade, de acordo com interesses envolvidos e, até mesmo a banalização
dos erros humanos. A valorização do bem estar presente é um grande apelo que se sobrepõe,
muitas vezes, aos objetivos religiosos de moralidade.
Talvez, com o passar do tempo, surjam outros Autos que confirmem tudo o que foi a
abordado neste estudo, com contribuições que reflitam outras transformações que ocorrerão
dentro da sociedade.
A partir destas reflexões podemos concluir que a função social da Arte, neste sentido,
evidencia estes acontecimentos refletindo as coisas do seu tempo, contribuindo para uma
leitura crítica e circusntancial da Literatura.
72
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