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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DENALIZE GOULART LEITE
A INTERPELAÇÃO DOS DISCURSOS ÉTICO E
ECONÔMICO NA EDUCAÇÃO
Porto Alegre
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
DENALIZE GOULART LEITE
A INTERPELAÇÃO DOS DISCURSOS ÉTICO
E ECONÔMICO NA EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação à Banca
Examinadora da Faculdade de Educação.
Orientadora: Nadja Hermann
Porto Alegre
2010
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DENALIZE GOULART LEITE
A INTERPELAÇÃO DOS DISCURSOS ÉTICO E
ECONÔMICO SOBRE A EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação à Banca
Examinadora da Faculdade de Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Apresentado em ____________ / ____________________ / ____________.
BANCA EXAMINADORA
....................................................................
Prof(a).
Orientadora Nadja Hermann – PUCRS
...................................................................
Prof. Avelino da Rosa Oliveira – UFPEL
...................................................................
Prof. Marcos Villela Pereira – PUCRS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
L533i Leite, Denalize Goulart
A interpelação dos discursos ético e econômico na
educação. / Denalize Goulart Leite. – Porto Alegre,
2010.
59 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, PUCRS.
Orientação: Profa. Dra. Nadja Hermann.
1. Educação. 2. Discurso Ético. 3. Discurso
Econômico. 4. Ética – Educação. 5. Educação e
Sociedade. I. Hermann, Nadja. II. Título
.
CDD 370.193
370.114
Ficha elaborada pela bibliotecária Cíntia Borges Greff CRB 10/1437
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PPGEDU, pela oportunidade de
realização deste trabalho em minha área de pesquisa. Agradeço em particular ao
Professor Doutor Marcos Villela Pereira.
Agradeço em especial à minha orientadora, Professora Doutora Nadja
Hermann.
Agradeço aos colegas do PPGEDU, pelo seu auxílio nas tarefas
desenvolvidas durante o curso deste trabalho.
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
de Pesquisa – CNPq, pelo financiamento concedido.
E não poderia deixar de agradecer a Deus, à minha família sanguínea, aos
amigos que são a família eleita pelo coração e, por fim, agradeço a “Francisca” e a
compreensão da amiga Michelle.
Sonho Impossível
Chico Buarque
Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender
Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão
Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
RESUMO
O presente estudo versa sobre a interpelação dos discursos ético e
econômico na educação. Por meio de uma abordagem bibliográfica, o trabalho tem
como objeto central trazer à reflexão aspectos sobre qual o discurso que a educação
deve assumir para se manter viva nesta encruzilhada; caracterizada por formar o
indivíduo que o mercado exige e, ao mesmo tempo, formá-lo mais ético, menos
individualista e técnico. Primeiramente, a economia era uma ciência que versava
sobre a arte de bem administrar a família, porém, agora, está submetida ao modelo
capitalista, que é o principal responsável pelo atual estado de niilismo e de
despotencialização ética. Como consequência deste cenário, surge uma sociedade
capitalista caracterizada por uma conduta individualista, e crédula de que única
forma de desvendar a natureza, o progresso e dominar o verdadeiro conhecimento,
sejam os avanços científicos e tecnológicos. É justamente neste contexto que se
interpela a educação de forma tendenciosa, ou seja; impõem-se à educação a tarefa
de dar respostas que o sistema capitalista necessita. Estas respostas são traduzidas
em formação que desenvolve o indivíduo tecnicamente para garantir seu
desempenho em atividades de produção e de finanças. Negligenciando assim, a
formação prática, a formação que orienta para uma práxis moral, e o acesso à
qualidade de vida digna. Sendo assim, o estudo destaca em suas considerações,
que o indivíduo e a educação são subordinados ao capitalismo que trata com
descaso a educação, o indivíduo e a natureza. Apesar de o sistema capitalista
explorar a educação para aperfeiçoar seu desempenho econômico, as condições de
vida da sociedade não têm apresentado melhorias satisfatórias. Ainda, observou-se
que o crescimento econômico está muito além do comprometimento ético praticado
na lógica capitalista. O conceito de bem estar pregado pelo sistema atual, está
restritamente ligado à aquisição de bens tangíveis. Para ter acesso ao bem estar e a
plenitude propagada pelo sistema, o indivíduo procura a educação; porque ela é o
principal insumo do mercado capitalista ao garantir uma colocação no mercado de
trabalho. Por outro ângulo, mesmo que a educação seja interpelada pelo discurso
econômico e, também, pelo discurso ético, apesar da ineficiência da formação
educacional brasileira, ao colocá-la em prática sobrepõem-se às interpelações
econômicas em detrimento às questões éticas. Visto que, a educação se na
obrigação de atender às necessidades das instituições que a sustentam.
Consequentemente, a educação tornou-se moeda de troca: mercantilismo. No
entanto, a educação rompeu com seu compromisso original de formar seres
humanos, seres socializados que compreendem o verdadeiro sentido da vida. Por
isso, é necessário conquistar-se um maior espaço para os saberes filosóficos
comprometido com o resgate ético, com atitudes pautadas em hábitos e valores
moralmente instituídos. A educação precisa se abrir para a possibilidade de resgate
ético. Por mais que esta realidade esteja longe da atual formação dos professores,
pois estrutura-se no modelo conteudista e a instrumentalização da razão
recrudesceu o processo de formação do docente; além da educação priorizar as
exigências capitalistas do consumismo a qualquer custo, é fundamental que a classe
profissional trabalhe com vistas à recuperação dos aspectos éticos e de visão
crítica-construtiva dos cidadãos.
Palavras-chave: Discurso ético; Discurso econômico; Educação.
ABSTRACT
This study regards the interpellation of the ethical and economic discourse in
education. By means of a bibliographic approach, the work had as its main object
bringing to examination aspects of what kind of discourse education must endorse in
order to keep alive throughout the crossroads to shape the individual demanded by
the market, yet ethical, less individualistic and technical. At first, economy was a
science concerned with the art of the proper management of family, but today it is
subjugated to the capitalist system, primarily responsible for the current state of
nihilism and ethical disempowerment. As a consequence of this scenario, a capitalist
society emerges, characterized by an individualistic behavior, believing that the only
way to unveil nature, achieve progress and hold true understanding is the scientific
and technological development. It is exactly in this context that education is taken in
a biased way, that is, education is burdened with the task of giving the answers to the
needs of the capitalist system. Those answers are displayed as training to technically
develop the individual to assure their performance in activities of production and
finances, thus, neglecting practical training, basis for moral praxis and access to a
satisfactory quality of life. Therefore, this study highlights in its considerations that the
individual and the education are subjected to capitalism which regards recklessly
education, individuals and nature. Although the capitalist system relies on education
to improve its economic performance, the life conditions of society have not shown
satisfactory advances. Moreover, it has been observed that the economic growth is
still too far from the ethical commitment applied in the capitalist logic. Also the
concept of being well expended by the current system perspective is strictly
associated with the acquisition of tangible assets. In order to have access to the
welfare and plenitude advertised by the system, the individual goes in quest of
education; since it is the main input of the capitalist system to ensure a position in the
job market. On the other hand, even though education is interpellated by the
economic and ethical discourse, despite the inefficiency of the Brazilian educational
training, when put into practice the economic interpellations outweigh the ethical
issues. Since education is made responsible for meeting the demands of the
institutions that subsidize it, naturally it became a bargaining chip: mercantilism.
Besides, education violated its original commitment of forming human beings,
socialized individuals who comprehend the true meaning of life. That is why it is
necessary to obtain more room for the philosophical knowledge committed with the
ethical redemption. Although this reality is far from the current teacher training, since
it is structured in the content-centered pattern and the instrumentalization of the
reasoning recrudesced the training process of teachers, as well as prioritizing the
capitalist demands of consumerism at any rate, it is also essential that educators
work aiming for the redemption of ethical aspects and the constructive critical view of
its citizens.
Keywords: ethical discourse; economic discourse; education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
1.1 O PROCESSO EDUCATIVO NA MODERNIDADE ............................................... 9
1.2 A PROBLEMÁTICA ............................................................................................. 11
1.3 A SEQUÊNCIA DE ARGUMENTOS ................................................................... 12
2 ÉTICA, EDUCAÇÃO, MODERNIDADE TARDIA E O ATUAL NIILISMO ............. 14
2.1 ETHOS E ÉTICA ................................................................................................. 14
2.2 A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE TARDIA OU PÓS-MODERNIDADE ..... 16
2.3 O LEGADO OBSCURO DA MODERNIDADE: A MÁQUINA E O NIILISMO DE
NIETZSCHE .............................................................................................................. 18
2.3.1 O contínuo fortalecimento da máquina e do niilismo ................................. 20
2.4 A INTERPELAÇÃO DA ÉTICA À EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA ................. 21
2.4.1 O resgate de uma dimensão ética na educação .......................................... 24
3 A ECONOMIA E O SISTEMA CAPITALISTA: SUAS IMPLICAÇÕES NA
SOCIEDADE, NA EDUCAÇÃO E NO ESTADO ....................................................... 27
3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA ECONÔMICA ........................................ 27
3.2.O.DESDOBRAMENTO DA CIÊNCIA ECONÔMICA EM SISTEMA
CAPITALISTA A ........................................................................................................ 27
3.3 A PERFEITA SINCRONIA DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO COM A
ÉTICA UTILITARISTA ............................................................................................... 31
3.4 O SISTEMA ECONÔMICO DAS DESIGUALDADES GLOBAIS ......................... 35
3.4.1 O mercado de trabalho: o reflexo da desconfiguração ética ..................... 37
3.5 A INTERPELAÇÃO ECONÔMICA NA EDUCAÇÃO ........................................... 38
4 O DISCURSO PROFERIDO PELA EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE TARDIA .. 42
4.1 A EDUCAÇÃO PARA O MERCADO DE TRABALHO ......................................... 42
4.2 A MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................................ 43
4.2.1 A visão capitalista da educação contemporânea ........................................ 45
4.3 AS INTERFERÊNCIAS QUE ACOMETEM A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
N.... ............................................................................................................................ 49
4.4 O DISCURSO PROFERIDO PELA EDUCAÇÃO ................................................ 49
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 56
9
1 INTRODUÇÃO
1.1 O PROCESSO EDUCATIVO NA MODERNIDADE
O indivíduo contemporâneo vem sendo conduzido por princípios e normas
bem distintos daqueles cultivados no passado. Passado este que traz as marcas
oriundas do espírito do Humanismo italiano, no Renascimento, que almejava uma
reforma não só de natureza humana, mas institucional e social com base em valores
éticos. Séculos depois, no período denominado Iluminismo, no início da
modernidade, o indivíduo, por intermédio da razão, passa a dirigir a si mesmo,
preocupando-se com a ampliação do saber através do progresso intelectual, moral e
social da humanidade.
Essas afirmações corroboram com as idéias de que as ideologias
contemporâneas são o avesso do antigo ideal almejado de formação
1
, que articulava
a constituição da subjetividade com uma ordem universal, como por exemplo, o agir
moral que proporcionaria as condições de construir uma sociedade baseada nas
idéias de igualdade. Tudo isso é o oposto do atual desvirtuamento do agir humano.
No contexto presente, a sociedade é individualista, imediatista, consumista,
globalizada e empobrecida em seus valores éticos. No âmbito da economia e da
sociedade, o indivíduo perde constantemente espaço para a eficácia, o lucro e o
consumo.
No âmbito econômico predomina essencialmente o modelo industrial. Como
função econômica e social, ostenta uma aparente neutralidade ao abster-se de
qualquer crítica normativa, e, como função política, defende um Estado democrático
bastante complexo e enfraquecido, que trabalha em prol dos interesses do capital.
Em outras palavras, pode-se dizer que neste cenário predomina uma racionalidade
instrumental, ou seja, predomina o paradigma instrumental que corroborou com o
insucesso do projeto Iluminista. Conforme Mühl:
As expectativas iluministas acabaram frustradas no desenrolar da história, a
modernidade, que surge com o sonho de instituir uma sociedade justa e
igualitária, defronta-se com resultados que demonstram que a racionalidade
1
O conceito de Bildung (formação) é fundamentalmente compreendido como a ão livre do homem
de buscar se auto-educar, ou seja, é como o homem desenvolve suas disposições e capacidades
naturais na busca por cultura, e esta entendida no seu sentido mais amplo (HERMANN, 2009).
10
tem conduzido a humanidade a uma nova espécie de barbárie (MÜHL,
2009, p. 243).
Este paradigma, com seus avanços científicos e tecnológicos, condiciona os
nossos valores, a nossa forma de pensar, perceber e fazer as coisas. Colaborando e
promovendo modificações no jeito de ver o mundo e no jeito de ver a si próprio.
Como parte integrante deste quadro, a educação também sofreu e sofre
modificações, pois a organização educacional que deveria ser a responsável pelo
processo contínuo de construção de valores éticos e de solidariedade para com
todos, passou a ser a principal reprodutora das exigências do sistema vigente.
Essas exigências explicitam no campo educacional a ética utilitarista da
formação do indivíduo. Este deve ser produtivo, tecnicista, adaptado e submisso ao
capital. Isso faz com que o sentido do trabalho, enquanto valor de uso e ação de
transformação da natureza para a produção e reprodução do ser humano solidário,
seja precarizado (FRIGOTTO, 2004).
O capitalismo, ao formar no indivíduo uma nova visão de valores, criou as
condições para que se incorporasse uma visão de trabalho fundado na competição e
na remuneração, em que as relações intersubjetivas perderam qualidade no que
tange ao comportamento moral, uma vez que o sistema capitalista rege uma
sociedade global que passa a ser sinônimo de uma ética econômica, política e social
mínima. Ou seja, não o respeito por aqueles valores que todos compartilham e
que compõem os mínimos de justiça.
Sendo assim, é importante se pensar o papel da educação diante este
cenário porque, para que uma sociedade se mantenha e prospere, é fundamental
uma educação ética e não unicamente técnica. Essa educação técnica, voltada
unicamente para o desenvolvimento de competências e habilidades, cria e mantém
mecanismos de exclusão e desigualdade, desvirtuando o papel da educação, que
deveria ser a busca pela coesão social através de uma práxis ética ensinada pelo
educador. A educação virtuosa, promotora da justiça e do aperfeiçoamento do
indivíduo, não pode ser deixada a cargo de um mercado que, por essência, é
incapaz de criar as condições de igualdade (CORTINA, 2005).
Mesmo estando-se imerso em leis e regras do paradigma dominante,
acredita-se ser possível formar indivíduos em sintonia com o profissional que o
mercado demanda, e propiciar uma educação que resgate o sentido de
11
pertencimento à comunidade. Ou seja, uma educação capaz de criar uma sintonia
entre o profissional capitalista e o indivíduo consciente da necessidade do agir ético.
No mesmo sentido, interessante destacar a colocação de Coan ao afirmar:
As atitudes que as Universidades terão de tomar, frente a uma das
tendências mundiais da educação para o século XXI, é a necessidade da
formação de um cidadão solidário, capaz de circular democraticamente no
meio de diversas culturas e prepará-lo para incorporar as novas tecnologias
em seu cotidiano (COAN, 2008, p. 8).
1.2 A PROBLEMÁTICA
A modernidade é reconhecida como sinônimo de mudanças (RATTO, 2007),
mudanças essas que trouxeram modificações e interferiram nos processos de
urbanização, globalização, sistema educativo e consumo. O foco deste trabalho são
as modificações e interferências ocorridas no discurso proferido pela educação.
Essa influência transformadora é oriunda, em grande parte, dos discursos
econômicos e dos discursos éticos. “A educação, então, de paradoxo em paradoxo,
torna-se também um mero ‘resíduo’ em relação ao seu compromisso originário com
a emancipação humana”
2
(HERMANN, 2001, p. 11).
Sendo assim, torna-se cada vez mais latente na contemporaneidade, a
preocupação com o sentido e o desempenho da educação. A função da educação,
que deveria ser a de promover no indivíduo uma conduta ética, não é mais tão
óbvia. O seu desempenho está comprometido pelas constantes imposições do
sistema capitalista. Este sistema obscureceu o conceito de ética.
Desse modo, surge o ponto norteador deste trabalho, que é o seguinte
questionamento: Qual é o discurso que a educação deve assumir para se manter
viva nesta encruzilhada, que é formar o indivíduo que o mercado exige e, ao mesmo
tempo, formá-lo mais ético, menos individualista e técnico?
Para responder a este problema de pesquisa deve-se ter ciência de que a
questão ética é tão importante quanto à economia, pois, se esta ensina o que
produzir, quanto e para quem produzir e gerar riquezas, a ética é “un modo de
enfrentarse a la vida” (CORTINA, 1986, p. 23):
2
A emancipação humana deve ser entendida como algo mais que simplesmente uma efetivação da
liberdade do individuo, ela dever ser entendida também, como o fim das desigualdades produzidas
pelo capital.
12
[...] a mi modo de entender, la ética es una incomprendida y que tal
incompresión la es dejando sin quehacer, es decir, sin nada que hacer.
[...] la ética aparece em los planes de Bachillerato como una disciplina
sinuosa, competidora de la religión, especie de moral para increyentes”,
pero sin serlo.
1.3 A SEQUÊNCIA DE ARGUMENTOS
O referencial teórico preocupa-se em esclarecer, em um primeiro momento,
como se deu a constituição da modernidade tardia, ou seja, como o projeto
moderno, ancorado no ideal iluminista kantiano, pôde não lograr êxito e, ainda,
possibilitar a constituição de uma sociedade enfraquecida em seus valores moral.
Essa sociedade, denominada pós-moderna, caracteriza a modernidade tardia, como
um período de profundas mudanças, que consolidaram o desenvolvimento
tecnológico, o pluralismo de valores e certo niilismo, como Nietzsche havia
diagnosticado no século XIX.
Dentre tantas mudanças, a educação é interpelada pela ética: Não está no
momento de resgatar parte do ideal moderno de educação? Não está na hora de
voltar a caminhar junto com a ética, para que juntas propiciem a sonhada condição
humana racional, autônoma e crítica, que anseia por uma perfectibilidade humana,
onde os valores morais, como justiça, respeito, solidariedade e igualdade seriam
respeitados?
Em um segundo momento, especifica-se o surgimento deste sistema
econômico capitalista, que é o principal responsável por este atual estado de
niilismo, de despotencialização ética. A economia era uma ciência que versava
sobre a arte de bem administrar a família. Porém, esta ciência passa a se submeter
a um modelo econômico, qual seja o modelo capitalista.
E, a partir deste instante, surge o indivíduo capitalista, a sociedade capitalista,
regidos por uma conduta individualista, secularizada e totalmente crédula nos
avanços científicos e tecnológicos, como exclusivos instrumentos capazes de
desvendar a natureza e proporcionar o progresso e o verdadeiro conhecimento. E
esse modelo econômico interpela a educação de forma tendenciosa, pois interpela
impondo à educação para que esta conceda as respostas que o sistema capitalista
deseja.
Essas respostas são traduzidas em uma formação que desenvolve e amplia
no indivíduo sua capacidade técnica voltada especificamente para garantir que este
13
saiba desempenhar atividades de produção e de finanças. Negligenciando a
formação prática, a formação que orienta para uma práxis moral, um bem viver.
A seguir, aborda-se o discurso proferido pela educação diante das
interpelações feitas pela ética e pela economia.
14
2 ÉTICA, EDUCAÇÃO E MODERNIDADE TARDIA E O ATUAL NIILISMO
2.1 ETHOS E ÉTICA
Etimologicamente, a filosofia é, a princípio, entendida como o amor à
sabedoria. O conceito de filosofia não é unívoco. Na tradição grega, é compreendida
como a sabedoria prudencial em busca de vida e felicidade. Deve-se destacar que
outras interpretações surgem em função de diferentes contextos históricos. E,
portanto, no século XVIII, com Kant, a filosofia é entendida como um conhecimento
racional por princípios, que impõe prévia delimitação das possibilidades da razão
(FERRATER, 2001).
Contudo, o valor exacerbado, creditado à razão e às mudanças de concepção
em torno do que seja felicidade, provocou na contemporaneidade a necessidade de
se pensar o agir e a consciência do indivíduo. Pois este, cada vez mais, encontra-se
deliberando em prol de interesses exclusivamente particulares, rompendo com os
interesses sociais. Em outras palavras, há, na vida contemporânea, a predominância
de ações egoístas, descomprometidas com as questões de justiça e solidariedade.
A denominação ética, assim como a denominação moral, seusada neste
trabalho para designar a mesma área de conhecimento, conforme Vaz (2006), ética
e moral designam fundamentalmente o mesmo objeto, a saber, o estudo do agir
humano individual e social. A origem da ética (ethike) advém do termo grego ethos,
que se refere ao conjunto de hábitos e ações de indivíduos dentro de uma
sociedade. O termo moral advém de mos, moris, que originalmente significa
costume.
O ethos em sua origem grega escrito inicialmente com a letra eta (ηθοζ)
significa a morada ou abrigo dos animais, conceito depois transposto para o mundo
humano, em que passa a significar a morada do homem e a revelar os costumes da
sociedade. Nas palavras de Vaz (2006, p. 37), tem-se uma idéia mais clara da
identidade ética e ethos: “[...] a Ética tem por objeto o ethos, que se apresenta como
um fenômeno histórico-cultural dotado de evidências imediatas e impondo-se à
experiência do indivíduo tão logo este alcança a primeira idade da razão”.
Pode-se afirmar, então, que a ética é a ciência que estuda os hábitos e ações
do indivíduo enquanto membro de uma sociedade. “Ela nasce da reflexão dos
costumes e se origina no espírito grego até chegar à tematização daquilo que
15
chamamos bem viver ou bem agir”, conforme descrito por Hermann (2001, p. 15).
Este bem viver ou bem agir, na filosofia prática exercitada pelos gregos,
representava um bem humano supremo. Este bem supremo era a felicidade obtida
através da prática racional de virtudes. A felicidade antes era algo absoluto e
autossuficiente.
No entanto, na contemporaneidade, a busca por felicidade, entendida como a
busca por bem viver, um fim natural ao qual se destinava o indivíduo, perde seu
significado original. Deixando de ser um bem em si mesmo para assumir a
característica de estar por detrás de numerosos bens tangíveis, bens de consumo, a
felicidade adquiriu uma multiplicidade de significados e não é mais um bem
supremo, absoluto.
Além da questão da felicidade, a modernidade enfrenta a pluralidade de
orientações valorativas, o que levou, Kant, por exemplo, a buscar um fundamento
universal da ética, baseado no dever ser. Kant apud Hermann (2001, p. 58), explicita
que “a ética universalista deontológica parte de um fim único para todos, ou seja, o
cumprimento da lei moral que restringe universalmente a busca de fins individuais ou
de grupos”.
Mas, nem sempre a moral universal se impôs. De modo geral, o egoísmo não
consegue ser superado e o homem tende a agir de acordo apenas com seus
interesses. Nesse sentindo, percebe-se a predominância desses interesses nos
atuais hábitos e ações dos indivíduos contemporâneos que recebem uma educação
intensamente incorporada do espírito econômico.
Contudo, ainda cabe mais uma explicação acerca do significado empregado à
ética e a moral, pois, Cortina (2005, p. 20), salienta que “ética e moral confluem
etimologicamente em um significado quase idêntico: tudo aquilo que se refere ao
modo de ser ou caráter adquirido como resultado de pôr em prática alguns costumes
ou hábitos considerados bons”.
Ou seja, na atualidade, esses termos passaram a significar também o caráter,
o modo de ser de uma pessoa. E essa significação por ora fará parte deste recorte
científico, pois o indivíduo contemporâneo parece ter formado um caráter pouco
afeito a uma moral responsável por possibilitar o bem viver universal.
Por fim, o ponto em que reside a inquietação deste trabalho encontra-se nas
constantes mudanças ocorridas no ethos, principalmente a partir do ideário
Iluminista, que influenciou bastante os costumes e os hábitos de uma sociedade, ou,
16
dito de outro modo, interferiu na formação do caráter dos indivíduos. Na
modernidade tardia, o indivíduo passa a reger sua vida de forma bem distinta das
antigas pretensões universais do século XVIII.
Assim, faz-se a ressalva de que o recorte deste trabalho pode aproximar-se
da formação do caráter do indivíduo contemporâneo, pois este se encontra inserido
neste mundo constantemente interpelado pela economia e pela ética e, desta
maneira, compelido a agir e pensar de modos antagônicos.
2.2 A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE TARDIA OU PÓS-MODERNIDADE
As mudanças que contribuíram fortemente com a constituição da
modernidade tardia tem um começo mais longínquo que se encontra na Idade
Média, situada entre os séculos XIV e XV, que se caracteriza pela importante
sintonia entre a razão grega e a cristã, e que, conforme Vaz (2006), permite a
formação de um discurso racionalmente ordenado da doutrina dos costumes. Esse
discurso, racionalmente ordenado, dá início a importantes mudanças de âmbito
social e político, quando a racionalidade e a autonomia começam a integrar o ideário
dos indivíduos da época.
O Renascimento é o período que continuidade às inovações iniciadas na
Idade Média tardia. Cronologicamente, o Renascimento compreende o período entre
o final do século XV até o final do século XVI, aqui a ruptura com o Deus
transcendente acentua-se, surgem novos ideais éticos e começa a formar-se uma
nova concepção de indivíduo, de Deus e de sociedade.
Ainda na Renascença ascensão do Humanismo, cujo projeto corroborou
com os avanços científicos e tecnológicos e com a intensa produção filosófica de
oposição ao teocentrismo. Os humanistas não eram contra Deus e o catolicismo,
eles eram contra a submissão do homem à religião. Essa corrente defendia um
conjunto de valores e ideais, dentre eles o antropocentrismo, a ética e a consciência
do indivíduo.
É a partir do humanismo renascentista que importantes mudanças
começaram a se desenhar e a contribuir para a formação da atual sociedade. Essas
mudanças ocorrem principalmente na esfera social, devido ao fato de a nova
composição de sociedade ser constituída por indivíduos racionais que começam
uma ruptura com o governo externo, os indivíduos preparam-se para agir de modo
17
autônomo, ou seja, o início de uma moralidade de autogoverno. Mas, ao mesmo
tempo em que o autogoverno, surge também a visão sobre o que seja governar e
sobre o que se deve governar. Conforme Foucault:
[...] Governam-se coisas. Mas o que significa esta expressão? Não creio
que se trate de opor coisas a homens, mas de mostrar que aquilo a que o
governo se refere é não um território e sim um conjunto de homens e
coisas. Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens,
mas em suas relações com coisas que são suas riquezas, os recursos, os
meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas qualidades,
clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relações com outras coisas
que são costumes, os hábitos, as formas de agir e de pensar, etc. [...]
(FOUCAULT, 1988, p. 282).
Dessa forma, a sociedade converge para a modernidade, em que o projeto
Iluminista (Aufklãrung), é o período no qual definitivamente o agir humano passa a
ser problematizado não mais no âmbito teológico e sim na ação do sujeito
demiúrgico
3
.
O Iluminismo crê irrestritamente na razão como o único meio eficaz de
universalizar o agir humano com base na vontade livre e na ética laica, pois acredita
que assim a igualdade, a justiça e a liberdade seriam disseminadas de modo
global a todos os indivíduos (HERMANN, 2001).
É nesse período também, que a educação rompe com o vestígio teológico de
educar para a virtude, para a mais alta ideia de bem. Essa ruptura com a ética cristã,
que prepara para perfeição e obediência, torna-se um constante problema de como
fundamentar a educação, pois tudo que escapa da busca por este telosobediência
e perfeição – torna-se um problema para a educação, uma vez que o sistema
educacional não consegue motivação fora da metafísica, como se observa no
pensamento de Hermann:
A modernização pedagógica, ao não mais encontrar seu significado no
âmbito religioso, embora já impregnada por uma orientação moral voltada
para a mais alta idéia de bem, depara-se com novas exigências de
legitimidade. Essa exigência foi possível de ser pensada quando a
energia religiosa, que até então justificava o agir o humano, se esvaneceu,
abrindo espaço para uma reflexão secularizada (HERMANN, 2001, p. 21).
Intenta-se mostrar que, a partir dessas mudanças expostas, é que se inicia a
viagem através da corrupção da criação divina e da incerteza do lugar do homem no
mundo (MATOS, 1997). Uma vez que é na modernidade que se funda e se propaga
3
Sujeito demiúrgico é o sujeito construtor de si do conhecimento.
18
o tempo em que a essência das coisas passa a estar em sua função. Desta maneira,
mundo e sujeito serão, de agora em diante, apreendidos em termos de ordem e
medida calculáveis, mundo e homem tornam-se previsíveis. Aliás, mundo e homem
se tornaram essencialmente instrumentalizados na modernidade tardia.
2.3 O LEGADO OBSCURO DA MODERNIDADE: A MÁQUINA E O NIILISMO DE
NIETZSCHE
O legado obscuro da modernidade, que precisa ser cuidadosamente estudado
para que não corrompa cada vez mais a práxis humana, é a razão
instrumentalizada
4
. Isso se porque a razão, ao se instrumentalizar, cria uma nova
visão de Deus, do indivíduo, do Estado, da economia e da educação exclusivamente
utilitária, preocupada com a eficiência econômica, ou seja, a antiga legitimação
dessas instituições desmorona.
Assim, vislumbra-se de modo objetivo o problema da interpelação ética à
educação contemporânea. A educação, entendida como a legítima propagadora de
melhorias à sociedade, melhorias advindas por meio de uma reflexiva orientação
moral, não mais corresponde a este ideário, e como resultado deste contexto
começa, então, a derrocada da fundamentação dos valores morais.
Em outras palavras, com o crescente instrumentalizar da razão, as relações
interpessoais entram em crise, visto que novos valores passam a nortear os rumos
dessas relações sociais. Esses novos valores fundamentam-se com exclusividade
na racionalidade técnica, e visam unicamente ao alcance da xima utilidade dos
processos e a exploração da eficiência dos indivíduos. Essa conjuntura transformou-
se, aos poucos, em um poder que não conhece limites, que não se detém ante a
destruição da natureza, da escravidão ou da manipulação do indivíduo (GOERGEN,
2001).
Sendo assim, subsiste a máquina e o niilismo nietzschiano, ou seja, a
máquina e a perda dos valores morais. E nesse desolador cenário o paradigma
mecanicista ou instrumental predomina e corrobora com a suplementação do
homem pela quina, o que, consequentemente, resulta no relativismo dos valores
éticos, pois, desde a instrumentalização da razão, a sociedade passou a ser
4
A racionalização instrumental é um processo que se fundamenta na relação meio-fim com o intuito
de dominar/escravizar tudo à sua volta e este seria o lado obscuro da modernidade.
19
constituída por valores que se traduzem em conveniência, eficiência e lucro
econômico, ou seja, houve um esvaziamento ético no agir e pensar do indivíduo.
Esses novos valores baseados na conveniência, na eficiência e no lucro,
corroboram com a substituição da ética do dever de Kant. Nessa nova visão não
haveria a necessidade de sanções para garantir o bem, pois a exploração, o lucro e
o consumo desmedido passam a ser aceitos.
Além disso, o mundo pluralizou-se e, como conseqüência, a “concepção da
pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado da
capacidade da razão, de consciência e de ação” (HALL, 2005, p. 10), cedeu seu
lugar para o sujeito “pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade
fixa, essencial ou permanente”. Este indivíduo não respeita a natureza e nem o
outro, pois este indivíduo é formado por uma moral materialista e por um extremo
egoísmo.
Além disso, o sujeito da modernidade tardia é escravo da lógica de mercado,
uma vez que, o sistema capitalista, que será tratado no próximo capítulo, cria novos
mecanismos de subordinação do indivíduo ao sistema econômico. E esta maior
subordinação do indivíduo ao sistema econômico capitalista acirra a alta
competitividade e o egoísmo.
Desta maneira, o progresso da humanidade não se concretiza nos moldes
Iluministas, uma vez que o indivíduo tomou atitudes de certa forma irracionais nesta
busca pelo lucro econômico. Por conseguinte, a crença em uma razão universal, foi
abandonada, passando a existir “uma pluralidade de razões” (HERMANN, 2001, p.
90). Isso permite uma abertura a múltiplas formas de vida. No entanto, muitos
desses modos de vida se ajustam ao poderio econômico e, por sua vez, balizadas
por um caráter destrutivo, materialista, efêmero e consumista.
Nietzsche é crítico voraz do projeto moderno de crença na razão. Ele
argumenta que os iluministas falharam na tarefa de criar o sujeito autônomo que
propagaria para as sociedades vindouras seus avanços na esfera social. Em outras
palavras, Nietzsche argumenta que a morte da metafísica representou o fim de toda
a verdade, de todo conhecimento e o fim da moralidade. Este cenário avança no
tempo e origina na contemporaneidade a sociedade pós-moderna, herdeira do seu
niilismo.
Essas críticas devem ser aproveitadas no campo educativo, ético e político,
pois ajudam a entender o significado e a dinâmica do desenvolvimento histórico
20
contemporâneo, ou seja, a entender esta crise do ethos que se originou na
modernidade. É importante destacar que esta crise inicia na modernidade devido ao
fato de a razão começar a apresentar atitudes extravagantes quando extravaga, pois
o agir humano, orientado pela razão, encontra-se voltado unicamente para a
utilidade econômica e para o poder (MATOS, 1997).
Quando se trata desta nova cultura, desta modernidade tardia, está-se
precisamente tratando, portanto, da supremacia deste novo sistema econômico, que
traz novas exigências formas éticas e educacionais. E, sendo assim, a ética deve
interrogar a educação sobre se esta irá continuar a colaborar com o fortalecimento
deste sistema econômico. Na contemporaneidade, uma sobrepujança por parte
do sistema econômico capitalista sobre todas as instituições. Parte desta potência
do capitalismo esvanecer-se-ia frente a um projeto educacional que resgatasse um
pouco que fosse do ideal iluminista.
2.3.1 O contínuo fortalecimento da máquina e do niilismo
O capitalismo hodierno é um sistema mais feroz, mais destrutivo, pois, após
atravessar uma profunda crise, o sistema articulou um conjunto de idéias políticas e
econômicas para reafirmar o poder do capital e a não participação do Estado na
economia. Esse conjunto de idéias políticas e econômicas denomina-se
neoliberalismo. Defende que a base da economia deve ser formada por empresas
privadas, e isto reafirma a busca por resultados econômicos mais atraentes, mais
lucrativos.
Por conseguinte, aquelas particularidades individualismo, pluralidade,
transvaloração dos valores e o fenômeno do consumismo que compõem a
sociedade pós-moderna são profundamente acentuadas. E, como conseqüência
desse fenômeno, há um abismo cada vez maior entre os valores morais e a primazia
do mercado neste capitalismo denominado tardio ou contemporâneo.
Esse atual capitalismo utiliza-se fartamente de eufemismo para encobrir sua
principal preocupação, qual seja, a de continuar expandindo a produção de bens
materiais via desenvolvimento tecnológico que resulta em diminuição da força de
trabalho e expandindo o consumo por meio de novas políticas de incentivo a esta
prática consumista. Um exemplo de eufemismo deste capitalismo é:
21
O elogio do interesse próprio. Em primeiro lugar, o grande vício do egoísmo,
vituperado por todas as culturas humanistas e tradições religiosas, é
metamorfoseado, no discurso do liberalismo econômico, num mecanismo
natural/racional chamado agora de interesse próprio. O indivíduo ao buscar
seu próprio interesse, freqüentemente ele promove o da sociedade de
maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de
promovê-lo (SMITH apud RUIZ, 2001, p.4).
A ética não deve falar mais do egoísmo de forma pejorativa, pois, agora, o
eufemismo do interesse próprio o torna legítimo e louvável. Afinal o
interesse próprio é: "um desejo que vem conosco do útero materno e nunca
nos deixa até que vamos para a sepultura”. No mundo do mercado, os
autênticos egoístas alcançarão a salvação [grifo do autor] (SMITH apud
RUIZ, 2001, p. 5).
Sendo assim, esses eufemismos servem para justificar as decisões egoístas
e materialistas dos indivíduos quando da busca pela plena satisfação de suas
necessidades individuais, desde que essas se traduzam em lucro para o sistema
econômico capitalista. Logo, esses eufemismos são, portanto, reflexos da
racionalidade econômica, egoísta e materialista. Com o culminar desta racionalidade
econômica, os princípios éticos perdem sua força persuasiva e o mundo reafirma a
falta de interesse por qualquer outra coisa que não o econômico e o lucrativo.
Desse modo, as interpelações feitas pela economia à educação obtêm as
respostas desejadas, uma vez que a educação está possibilitando que o receituário
econômico seja concretizado, posto que a instituição educacional colabora com a
transformação do homem em mera condição de força de trabalho e de consumidor,
ou seja, a educação no momento trabalha de forma a ajustar os indivíduos às
demandas do capital.
Após demonstrar o atual panorama composto por educação fortemente
submetida às tendências econômicas, não resta outra coisa se não objetivamente
abrir-se espaço para que a ética interpele a educação com a finalidade de despertar
a educação para o seu objetivo principal.
2.4 A INTERPELAÇÃO DA ÉTICA À EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
O real legado do Século das Luzes foi essa sociedade capitalista, utilitária e
egoísta, na qual a educação não mais consegue cumprir seu papel de responsável
por transmitir os conhecimentos técnicos, favorecer a formação na perspectiva ética,
que conduz à pratica do bem, ao respeito ao outro e ao meio à sua volta. A
22
formação ética depende também das relações sociais que, na modernidade tardia,
encontra-se fragilizada em seus valores éticos.
Assim, salta aos olhos a importância de se questionar até que ponto a
educação permanecerá permissiva a esta fragilidade dos valores morais. Será que a
educação não deveria se apoiar em um novo modelo de formação de professores
para, assim, combater este contexto? A educação dos dias atuais deveria responder
à ética através de um resgate dos saberes aristotélicos, tanto práticos quanto
teóricos e poiéticos
5
, destinados a orientar os indivíduos na condução de uma boa e
justa vida. Ou seja, esses três saberes são contribuições de Aristóteles que defende
que eles os saberes teóricos, poiéticos e práticos são de suma importância para
que a sociedade alcance um desenvolvimento harmonioso. Sobretudo, devemos
distinguir que conhecimento teórico não é o mesmo que a sabedoria prática.
Entretanto, a educação está simplesmente reproduzindo as demandas do
mercado econômico e transmitindo somente o saber poiético que visa, com
exclusividade, a ensinar apenas como fazer, como produzir determinado produto.
Nesta contemporânea educação, o compromisso adquirido pela ética se esvanece
frente aos conceitos e regras do sistema econômico, uma vez que os conhecimentos
éticos não são condizentes com os objetivos do sistema econômico capitalista.
A educação, ao responder com exclusividade ao capitalismo, o consegue
lograr exitosos resultados no que tange a contribuir com a perfectibilidade humana.
Isso significa que, ao se submeter às demandas do capitalismo, a educação legitima
a instrumentalização da razão, legitima a vigência do paradigma instrumental e,
como resultado, cada vez mais o indivíduo recebe um tratamento de meio
manipulável e destinado ao lucro, ao contrário do que se pretendia, um indivíduo
com um fim em si mesmo.
Consequentemente, a esta visão de indivíduo como meio reafirma-se uma
sociedade em que os direitos fundamentais são substituídos pelo direito financeiro e
direito administrativo. E, desta forma, o ser humano é transformado em um simples
recurso do capitalismo dentre tantos outros destinados a gerar lucros. A educação,
junto com o indivíduo, é um dos principais recursos do capitalismo, pois é a
educação que reproduz a mão de obra demandada pelo sistema capitalista. E,
5
A rigor, pode se falar, segundo Aristóteles, de três tipos de saber: o saber teórico que tem por
objetivo o conhecimento; O prático que tem por objetivo a ação, especialmente a ação moral, que se
chama sabedoria prática; e o poiético que tem por objetivo a produção (FERRATER, 2001).
23
atualmente, o capitalismo ainda exige que a educação reproduza mão de obra em
larga escala, mas também com qualidade, ou seja, com elevado grau de ensino para
que os lucros se concretizem.
Deste modo, outra importante interpelação impõe-se: Não está no momento
de a educação se revoltar contra este papel de reprodutora de mão de obra para o
sistema capitalista? Como visto, a educação adapta o indivíduo às exigências
técnicas deste paradigma econômico instrumental. E todo aquele conceito de
educação como um meio responsável por retirar o indivíduo do seu estado de
menoridade não se realiza; ou seja, o estado em que o indivíduo é incapaz de servi-
se de seu entendimento sem a condução de outrem, é renovado constantemente
neste sistema, uma vez que, para o capitalismo, é interessante que o indivíduo
permaneça na menoridade, pois assim o sistema impõe-lhes seus desejos.
Portanto, será que não chegou a hora de a educação questionar o sentido
de suas ações e refletir sobre o rumo que esta tomando? Em outras palavras, será
que não chegou na hora de criar novas ações, como por exemplo, uma formação de
professores que discuta a importância de uma sociedade mais justa? E assim deixar
de ser uma instituição responsável unicamente por formar indivíduos para
desempenhar o papel de instrumento manejável de forma escrava para a obtenção
de ganho econômico?
Especificamente, o que se busca ao interpelar a educação é um caminhar da
educação junto com a ética, pois essas duas ciências são capazes de propiciar a
sonhada condição humana racional, autônoma e crítica, que anseia por uma
perfectibilidade humana, em que os valores morais como justiça, respeito,
solidariedade e igualdade seriam respeitados. Nas palavras de Luckesi (1992, p.
33), “Filosofia e educação, estão vinculadas no tempo e no espaço. Não como
fugir a essa ‘fatalidade’ da nossa existência”.
Isso significa que é possível combater o legado deixado pela modernidade
da máquina e do niilismo nietzschiano por meio de uma educação que responda
de forma positiva às interpelações éticas e não às econômicas. a educação tem
o poder de formar indivíduos com uma consciência ética e, assim, minar esta busca
excessiva por lucros. Busca esta que desrespeita qualquer costume moralmente
instituído. A sociedade precisa ser recolocada no caminho do bem viver e do bem
agir universal, defendido pelos iluministas.
24
2.4.1 O resgate de uma dimensão ética na educação
Para se combater esse quadro recentemente exposto é necessário, então,
referenciar as expectativas e desejos da modernidade no que tange à educação. E
os anseios kantianos de uma educação moral servem perfeitamente como arma
para este combate. Ou seja, Kant, como um autor moderno, acredita que a
educação é o meio para que se alcance o desenvolvimento social. Além disso, em
Kant está presente uma educação que compreende a necessidade de bitos
morais e da visão de indivíduo como um fim em si mesmo, e não como meio.
O indivíduo, para Kant, não possui uma finalidade pré-definida, ele precisa
receber uma educação que lhe oriente a fazer um bom uso de sua razão. E, por
conseguinte, desenvolver suas disposições naturais em direção ao bem. Assim, em
Kant, o indivíduo é guiado para fazer um bom uso de sua racionalidade e, desta
forma, se desviar do egoísmo e de suas inclinações. Nas palavras de Kant:
Ao contrário do animal que cumpre seu destino sem o saber, o homem é
“obrigado a tentar a conseguir o seu fim”, preparando-se para escolher os
bons fins, aquelesaprovados necessariamente por todos e que podem ser,
ao mesmo tempo, os fins de cada um” [grifo do autor] (KANT, 1996, p. 18).
A educação a que Kant almeja é aquela em que uma geração educa a outra
de modo a despertar a moralidade da humanidade. Esta é despertada através de
uma educação prática. Em outras palavras, por meio de uma educação preocupada
em preparar o indivíduo para seguir uma moral universal. Sendo assim, reforça-se
que o ponto principal da pedagogia kantiana é a educação moral.
Um dos pressupostos desta pedagogia para uma educação moral é a
disciplina. Por meio desta, o indivíduo cultiva a capacidade de disciplinar o seu agir,
ou seja, o indivíduo deve agir em conformidade às regras criadas por sua razão. Até
aqui, tem-se, então, que o indivíduo é dotado de racionalidade, mas necessita
participar de um processo educacional que discipline o agir conforme o dever, que
por meio da razão ele estabelece para si mesmo.
A educação deve propiciar ao indivíduo a possibilidade de alcançar sua
autonomia, uma vez que a moralidade kantiana é compreendida como autogoverno.
O indivíduo possui plenas condições de dirigir a si mesmo, alcançar sua maioridade,
25
sem necessidade de qualquer tipo de gerência, seja por parte do Estado, da Igreja,
ou por parte de outro indivíduo.
Ao caminhar entre os escritos sobre pedagogia de Kant, o que se evidencia,
então, é que a educação deve ser um projeto que influencie no aperfeiçoamento
moral, na autonomia do indivíduo e na disciplina. Além disso, Kant insere o ideal do
outro, ou seja, agir de modo à sempre considerar o outro um valor em si mesmo. O
indivíduo moral em Kant é aquele que não se deixa governar pelo egoísmo, e sim
pela noção do dever universalmente válido.
Esta breve revisão do que Kant entendia por educação e do valor que ele
atribuía ao uso da razão, compõe este argumento pelo fato de o referencial kantiano,
do imperativo categórico; poder ser interpretado como um instrumento de auxílio no
estabelecimento do indivíduo moral, contra esse poderoso sistema econômico de
despotencialização ética. Até porque Kant, assim como os pensadores que
compõem a modernidade, acredita irrestritamente na educação como peça
fundamental para o fortalecimento de uma natureza ética, que por dever eliminaria
todas as inclinações instituídas pelos desejos econômicos pós-modernos egoístas e
consumistas.
E, além de crer na educação como o principal meio de formar um indivíduo
moral, o referencial kantiano pode também servir de guia contra a
instrumentalização do indivíduo, ou seja, contra esta visão de indivíduo como um
meio, uma vez que o imperativo categórico tenta alcançar a humanidade como fim
último. Logo, vai de encontro à lógica capitalista dominante, novamente, visto afirmar
que todo o ser racional existe como fim em si mesmo e não apenas como meio para
uso arbitrário desta ou daquela vontade. Goergen (2001, p.20) elucida esta forma de
agir e pensar:
Estabelece-se uma conexão íntima entre racionalidade e eficiência
empírica, ou seja, entre racionalidade e os meios técnicos adequados para
atingir determinados fins. A racionalidade dos meios requer um
conhecimento empírico, tecnicamente utilizável. A forma de racionalidade
que passa a ser considerada científica, certa e segura, separa-se e
distancia-se daquela outra vigente nas decisões práticas (morais) e
estéticas que requerem a explicação e a consciência interior dos sistemas
de valor para a derivação de atos de decisão. E é a racionalidade (técnica)
sujeita ao aumento da eficiência econômica ou administrativa.
Na contemporaneidade, pode-se pensar o imperativo categórico kantiano
considerando a pluralidade das formas de vida de forma contextualizada e não
26
atemporal, como pensou Kant. Assim, quem sabe, o ideal kantiano de realizar a
Aufklãrung se cumpra, ou seja, a humanidade realizar-se-ia, visto que “a Razão
Moral é necessariamente desinteressada, age sem cálculo, é incondicionada”
(MATOS, 1997, p. 127). Isto é, seria o oposto da razão vigente que proporcionou o
atual estado de niilismo e supremacia da máquina sobre o indivíduo. Vale a ressalva
de que mesmo necessitando de ajustes, os anseios de Kant são de imensurável
relevância para o combate deste contexto.
27
3 A ECONOMIA E O SISTEMA CAPITALISTA: SUAS IMPLICAÇÕES NA
SOCIEDADE, NA EDUCAÇÃO E NO ESTADO
3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA ECONÔMICA
A história das civilizações está fortemente marcada pela presença da
economia, o que determinou a necessidade de estudos sobre ela. As ciências
econômicas surgem como ciência autônoma e, no desenrolar da História, mostrou-
se totalmente subordinada aos desejos do sistema econômico capitalista. No início,
as relações no âmbito econômico, configuravam-se em simples trocas: na forma de
correspondência primária onde não existia a moeda. Com o passar dos tempos,
essas trocas tornam-se insuficientes e surge a necessidade de se impor uma
correspondência em valor, ou seja, uma correspondência de valor situada em um
campo de abstração, sendo o momento em que a moeda surge e começa a permear
as transações de compra e venda.
Contudo, a ciência econômica, quando de sua origem, não tinha como
objetivo focar seus estudos na obtenção de lucro e no consumo desenfreado. A
ciência econômica era “a arte de governar adequadamente uma família”
(FOUCAULT, 1988, p. 280), na busca por bem-estar. Cronologicamente, este
período situa-se na Idade Média. Esse período, em termos de progressos materiais,
apresentou significativo desenvolvimento, no entanto, tudo tinha um significado
sagrado e realizador de felicidade.
Com isso, esse sistema ancorado na revelação divina e na Igreja chega ao
fim, passando-se então ao período Renascentista. Aqui, o indivíduo passa a ocupar
o centro do universo, a ciência passa a ocupar o lugar da Igreja e -se início ao
sistema capitalista. Surgem os primeiros movimentos de busca por bens materiais
como forma de se alcançar o bem-estar. Este deixa de ser um estado espiritual
conquistado por meio de ações morais para ser uma busca materialista.
Logo em seguida, o Iluminismo substituiu a era Renascentista, e a grande
virada ocorre, pois, conforme Foucault (1988), começam os problemas de governo
da alma, governo dos Estados, governo das crianças e, neste momento, a ciência
econômica deixa de ser arte de governar sabiamente a família e passa a ser
incorporada à arte de governar o Estado. Ou seja, economia e política se fundem em
meio à definitiva derrocada da Igreja e ascensão da classe burguesa e seus anseios
28
econômicos e materiais. La Perrière lança um texto argumentando sobre o que seria
a definição de governo, e deste modo elucida a fusão da economia com a política:
[...] aquilo a que o governo se refere não é um território e sim um conjunto
de homens e coisas. Estas coisas, de que o governo deve se encarregar,
são os homens, mas em suas relações com as coisas que são as riquezas,
os recursos, os meios de subsistência, o território e suas fronteiras, com
suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens em suas relações
com outras coisas que o os costumes, os hábitos, as formas de agir e
pensar, etc.; finalmente, os homens em suas relações com outras coisas
ainda que podem ser os acidentes ou as desgraçadas como a fome, a
epidemia, a morte, etc. (LA PERRIÈRE apud FOUCAULT, 1988, p. 282).
Desta forma, quando a ciência econômica deixa de circunscrever a arte de
bem administrar a família e passa a ser a arte de governar um Estado segundo o
modelo econômico, drásticas mudanças ocorrem tanto no âmbito político e
econômico, como no indivíduo e sociedade; pois, “a palavra economia começa a
adquirir seu sentido moderno” (FOUCAULT, 1988, p. 282). Ainda, no século XVIII,
surge o indivíduo capitalista, a sociedade capitalista, que irá sustentar esta ciência
econômica.
Em outros termos, em seguida que a palavra economia adquire seu sentido
moderno, o homem racional reforça sua identidade individualista, secularizada e
totalmente crédula nos avanços científicos e tecnológicos como os exclusivos
instrumentos capazes de desvendar a natureza e proporcionar o progresso e o
verdadeiro conhecimento. E, assim, nas palavras do economista Lionel Robbins, a
definição desta ciência dentro deste contexto passa a ser:
A economia é a ciência que estuda as formas de comportamento humano
resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a
satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos
alternativos (ROBBINS, 1944, p. 16).
No entanto, este conceito de economia, extremamente influenciado pela
lógica moderna de separar o objeto do observador, origem a uma ciência neutra,
que passa a não expressar juízo de valor. O que faz parecer que a ciência
econômica esteja unicamente preocupada com a obtenção de fins, uma vez que lida
com a orientação da ação humana no sentido de atingir os objetivos escolhidos,
quaisquer que sejam esses objetivos (MISES, 1990).
29
Então, quando a ciência econômica se diz neutra por não emitir juízo de valor
algum, ela estaria, na verdade, sendo omissa. Ao verificar a trajetória da ciência
econômica, pode-se diagnosticar que a mesma passou em um determinado
momento a reproduzir com exclusividade a lógica do sistema econômico vigente o
sistema capitalista. E este sistema, em sincronia com uma razão instrumentalizada,
passou a legitimar o domínio da natureza e a exploração da mão de obra do
indivíduo na busca de bens de consumo e lucro.
De modo mais enfático, poder-se-ia dizer que passou a vigorar a exploração e
o domínio da natureza e da mão de obra dos trabalhadores pelos empresários
donos dos meios de produção e comunicação, tudo isso em prol da acumulação de
capital e de aquisição de bens materiais. Conforme Cortina:
[...] la época del nacimiento del capitalismo la ley natural que rige la
conducta humana no es como Kant cree la de los motivos psicológicos,
sino la ley económica del beneficio individual, propria del sistema de libre
competencia. La ley económica configura en el capitalismo las motivaciones
psicológicas de los indivíduos y se convierte em uma implacable ley natural,
determinante de la conducta (CORTINA, 1986, p. 273).
E nesta realidade de busca insaciável por mais e mais capital, resta à ciência
econômica exercer a função de sinalizar as várias possibilidades de caminho sem
considerar se eles são éticos ou não. Porém, isso deve ser objeto de constante
questionamento, pois essa economia contemporânea é a causa de desigualdades e
de uma profunda instrumentalização da educação, uma vez que esta é, nos dias
atuais, interpelada pela economia e influenciada a seguir a gica tecnicista que visa
ao modo de produzir com eficiência. Por isso, conforme Schneider, faz-se
necessário:
Pôr o ser humano no centro do desenvolvimento e orientar para satisfazer
mais eficazmente as necessidades humanas. Contra a afirmação de que
“tudo é negociável” e de que o lucro é critério supremo da economia. [...]
visando recolocar a pessoa humana como valor ético fundamental da
economia e do desenvolvimento (SCHNEIDER, 1994, p. 7).
Em outras palavras, quando a ciência econômica deixou de ser uma ciência
voltada para a correta administração das riquezas de uma família, deixou de zelar
pelo justo preço, pela justa distribuição e pela melhor utilização dos recursos
naturais para cuidar da obtenção de lucro e incentivar o consumo desenfreado. E,
assim, virou sinônimo de sistema capitalista, ou sinônimo de interesses financeiros e
30
políticos, em que o indivíduo, a sociedade e a natureza encontram-se
completamente negligenciados.
3.2 O DESDOBRAMENTO DA CIÊNCIA ECONÔMICA EM SISTEMA CAPITALISTA
Foi, então, a partir das inovações ocorridas no Século das Luzes que a
ciência econômica incorporou o discurso proferido pelo sistema capitalista. O
capitalismo é um sistema econômico que instaurou nas civilizações o trabalho
assalariado, o livre comércio, o lucro e a propriedade privada dos meios de
produção. Adam Smith lança, em 1776, a obra Inquérito Sobre a Natureza e as
Causas da Riqueza das Nações, que seria a mola propulsora do discurso capitalista.
Ou seja, no momento em que a economia moderna faz a interpretação dos escritos
de Smith, cria-se este moderno sistema que conhecemos hoje. Sen elucida este
entendimento ao afirmar que,
a interpretação errônea da postura complexa de Smith com respeito à
motivação e aos mercados e o descaso por sua análise dos sentimentos e
do comportamento, refletem bem quanto a economia se distanciou da ética
com o desenvolvimento da economia moderna (SEN, 2008, p. 43).
O distanciamento da economia em relação à ética gerou este sistema
baseado no livre jogo do mercado, na não intervenção do Estado, que acarretaria
melhores arranjos de preços, de custos de produção e constantes inovações
tecnológicas. Esse sistema faz, ainda, apologia à ação individual, à competição, ao
imediatismo e ao lucro.
Com as indústrias surgidas na modernidade, concretizou-se o mercado de
compra e venda de mão de obra, onde as jornadas de trabalhos começaram a ser
longas e pouco remuneradas, além da competição entre as nações industrializadas
ser instaurada: ou seja, nascia a globalização. Nesse contexto, reafirma-se que a
ciência econômica curva-se ao discurso do sistema econômico capitalista, enraizado
nos movimentos liberais do século XVIII.
Contudo, o a ciência econômica virou um instrumento do modelo
econômico capitalista; a política e, consequentemente, a área social também se
curvaram ao modelo. Quando o economista e filósofo Adam Smith escreve seu livro
A riqueza das nações, teve o intuito de realçar sua crença no poder natural do
31
mercado em se autorregular e, também, argumentar a favor de que fossem
separadas novamente as atividades econômicas das atividades políticas. Nas suas
palavras:
Além disso, pouco se requer, para levar um Estado da barbárie mais baixa
para o mais alto grau de opulência, além da paz, impostos baixos, e uma
administração aceitável da justiça; todo o resto é feito pelo curso natural das
coisas (SMITH, 1983, p.20).
Adam Smith não logrou êxito ao tentar separar estas ciências, todavia, suas
publicações conquistaram uma soberania do sistema econômico sobre os demais
sistemas político e social. E uma vez soberano, este aparelho econômico o
demora a intervir no modo de agir e pensar da sociedade e do Estado. Para Ruiz, o
sistema capitalista, baseado na produção, no lucro, no livre mercado caracteriza-se
como:
[...] como Deus, o mercado é o princípio e o fim de todas as atividades
sociais; impregna de modo onipresente todas as relações humanas; regula
de forma onisciente todas as decisões históricas; premia os bons
competidores e castiga com a exclusão aos despreparados (RUIZ, 2001, p.
4).
3.3 A PERFEITA SINCRONIA DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO COM A
ÉTICA UTILITARISTA
O capitalismo tardio ou contemporâneo passa a condicionar os indivíduos,
substituindo os antigos valores morais por novos valores que legitimem o interesse
econômico. Esse sistema está fortemente ancorado na ética utilitarista e se mantém
operante por meio de empresários competitivos. Estes agem de forma predadora na
busca do lucro, mas, na contemporaneidade, utilizam subterfúgios para disfarçar a
ausência de valores morais em suas ações. Diante disso, nos últimos anos, assistiu-
se a uma proliferação, quase indiscriminada, de códigos de éticas, como descreve
Ruiz (2001, p. 100).
Concretizando mais o exemplo, um determinado banco ou empresa oferece
a seus funcionários e clientes um código de ética interno como garantia de
que suas atividades são eticamente irreprocháveis. Porém, este mesmo
banco não se questiona sobre [...] se o desequilíbrio que entre seus
lucros e o salário dos seus empregados é moral, etc. [...]. O banco ou a
empresa apresenta para a sociedade um código de ética que reflete a mera
32
legalidade vigente, porém a existência desse mesmo código é exibida para
reforçar a legitimação das práticas do capital, tão reprováveis em muitos
casos.
A ética parece estar sendo usada como subterfúgio dentro do capitalismo.
Tornou-se uma prática que influencia na formulação de valores e define as atitudes,
desde que sejam condizentes com a exploração, o lucro e o consumo desmedido. O
que, desta maneira, desfigurou não apenas o sentindo de uma ética voltada para a
justiça como também o indivíduo e todo o seu entorno. E esta desfiguração, além de
propiciar a consolidação dos interesses do capital, institui uma moral burguesa
baseada na exploração e na desigualdade. Rawls explicitava como se constitui o
pensamento desta moral burguesa.
A distribuição preferível é aquela que assegura o máximo de satisfação, de
tal forma que os ganhos importantes de uns compensem as perdas de
outros e que a violação da liberdade da minoria seja justificada pela grande
abundância de bens partilhados pela maioria (RAWLS 1971 apud
BERTRAND e VALOIS, 1994, p. 92).
As palavras de Rawls explicitam a teoria utilitarista com supremacia, uma vez
que, para esta ética o bem é pensado e almejado de forma consequencialista e
maximacionista. O utilitarismo considera direito e dever como subordinados ao bem-
estar da coletividade, o que permite atitudes até mesmo de desrespeito à liberdade e
à dignidade humana em prol do bem-estar de uma maioria; ou seja, no utilitarismo é
possível justificar o sacrifício de uma minoria pelo bem-estar da maioria (OLIVEIRA
2001).
Esse contexto torna-se possível porque o utilitarismo se baseia em uma teoria
teleológica, que elege um fim ou objetivo, qual seja, o bem do próprio agente ou o
bem do maior número de agentes. E essa ideologia utilitária coube perfeitamente ao
capitalismo tardio, pois ajuda a reforçar o fenômeno consumista, uma vez que este
capitalismo associa o ideal de maior bem-estar do indivíduo à compra desenfreada
de bens materiais. Como explicita Kesselring (2007, p.41):
O lado forte do utilitarismo está em acentuar os resultados e as
conseqüências materiais de ações ou de medidas políticas e no esforço de
medir quantitativamente esses resultados e conseqüências. O lado fraco
está na renúncia a uma avaliação qualitativa desses resultados e
consequências.
33
Esta afirmação de que o utilitarismo serve perfeitamente aos interesses do
capitalismo é embasada no fato de o utilitarismo mensurar o bem-estar, mensurar a
felicidade, deixando um espaço para que os interesses capitalistas incorporem a
idéia de compra, de consumo; ou seja, de necessidades materiais. Essas
necessidades materiais substituem os estados subjetivos de bem-estar. E, a partir
disto, surgem afirmações como que seria evidente que os seres humanos, para ser
feliz, precisam de mais variedades e qualidades de bens que o resto dos animais.
Portanto, esta variedade e qualidade são pensadas no âmbito das necessidades
materiais (CORTINA, 2005).
Outro ponto que corrobora com a idéia de que a ética utilitarista seria um
instrumento do sistema capitalista, de sua lógica de produção e do seu fenômeno do
consumo, é pensar o significado de bem-estar. Este sofreu profundas modificações
ao longo dos tempos e, deste modo, es longe de ser como antes da
instrumentalização da razão e do surgimento do capitalismo: um agir e pensar moral
que possibilitaria um estado de felicidade, em que a felicidade é um bem em si
mesmo, um estado espiritual. A felicidade era algo desejado em si mesma e nunca
no interesse de outra coisa.
De forma mais exata, pode-se dizer que, no período que compreende a
instrumentalização da razão e os primeiros passos do capitalismo, o bem-estar
passa a ser uma busca de felicidade alcançada por meio do trabalho e do consumo.
Porém, um consumo regrado, ainda influenciado pela idéia teocêntrica que versa
contra a acumulação, determinando o consumo na base da satisfação de
necessidades básicas. E, por fim, já na contemporaneidade, o bem-estar é um
estado de prazer imediato conquistado através de um conjunto de bens de consumo.
O bem-estar é a acumulação, lucro; o bem-estar é sinônimo de satisfação de
desejos abstratos e está quase sempre vinculado a um bem material.
Sendo assim, após o projeto moderno e a conseqüente instauração do
sistema econômico capitalista, pode-se dizer que houve uma desconfiguração do
conceito de bem-estar e felicidade. Esses eram sinônimos e perseguidos por
representarem um bem supremo, desejado em si mesmo e nunca no interesse de
outra coisa. E é com base nessa desconfiguração que se corrobora a afirmação da
perfeita sincronia do capitalismo contemporâneo com a ética utilitarista.
Entretanto, o objetivo deste trabalho não é condenar a ética utilitarista, que
leva em consideração o autointeresse, mas sim, trazer à reflexão o fato de que seus
34
princípios podem estar sendo aplicados inadequadamente pelo sistema capitalista. A
teoria do utilitarismo possui traços positivos extremamente bem articulados. Mill
(2000) aponta para o mau uso da xima utilitarista o maior prazer para o maior
número de indivíduos. Este mau uso seria o de se remeter tudo a uma forma de
prazer, dito por ele como a mais grosseira. E, sendo assim, pode-se inferir que
esses seriam os prazeres fortemente cobiçados na contemporaneidade como, por
exemplo, o consumo desmedido.
No entanto, para os utilitaristas não são esses os prazeres cobiçados, os
verdadeiros prazeres são os ditos sublimes, que vão além desses prazeres
imediatistas da sociedade s-moderna. Pode-se afirmar que, para os filósofos que
defendem o utilitarismo, o fim moral almejado não está apenas na conquista
individual desses prazeres sublimes. O fim moral está na obtenção de prazeres
sublimes para todos os indivíduos, ou seja, está na superação dos interesses
egoístas, mesquinhos dos indivíduos.
Porém, como mencionado, o sistema capitalista está realizando uma errônea
interpretação da ética utilitária. Na sociedade capitalista, o conteúdo do estado de
felicidade ou de bem-estar, tem se identificado cada vez mais com o poder, a
riqueza e o consumo na forma de obtenção imediata de prazer. E, ao se mencionar
a distribuição de tais bens, o quadro agrava-se substancialmente, uma vez que a
distribuição acontece de forma imperfeita, dada a estrutura socioeconômica da
sociedade capitalista.
Em outras palavras, na sociedade capitalista global, industrializada e
consumista, a felicidade da classe detentora dos meios de produção depende da
infelicidade da classe que não os detém. O que novamente revela a falta de
sentimentos morais da atual sociedade. Por fim, resultam crescentes desigualdades
sociais, materiais e culturais. O filósofo Thomas Kesselring incentiva as reflexões
éticas em torno dessas desigualdades e em torno da euforia em relação à
globalização. Ele mostra que:
Não menos do que 1,2 bilhões de pessoas, ou seja, um em cada cinco
habitantes do planeta, deve contentar-se com menos de um dólar por dia.
Essas pessoas praticamente não têm acesso aos mercados, portanto,
nenhum acesso a bens e serviços, os quais seriam propriamente
necessários à condução de uma vida satisfatória e humanamente digna
(KESSELRING, 2007, p. 16).
35
3.4 O SISTEMA ECONÔMICO DAS DESIGUALDADES GLOBAIS
O sistema capitalista fez a economia romper com a ética e, como
conseqüência agravou profundamente as desigualdades sociais, materiais e
culturais entre os indivíduos. Essas desigualdades, desde o século XIX, vêm
aumentando em nível global, em vez de diminuir. Dito de outra forma, apesar de
toda a retórica da igualdade, apesar dos progressos da ideia da universalização em
nível teórico e da euforia da globalização, a desigualdade aumentou constantemente
em nível global (KESSELRING, 2007).
O sistema capitalista, desde seu surgimento, apresenta crises econômicas
sistêmicas, e a cada crise o que se verifica são profundas transformações no modo
de agir moral do indivíduo. Este se torna mais egoísta e capaz de maior exploração
para recuperar seu lucro perdido, o que causa mais desigualdades. Nas palavras de
Kesselring (2007), no atual sistema de mercado, cada um está disposto a explorar a
realização de terceiros em seu próprio proveito.
Consequentemente, a cada crise cíclica do capitalismo a desigual realidade
se agrava, pois se reforçam medidas econômicas, políticas e jurídicas que erguem
grandes muros reais e virtuais para novamente acentuarem as desigualdades
materiais. Contudo, uma incongruência nisto, pois, como pode haver em uma
sociedade globalizada muros reais e virtuais, uma vez que o fenômeno globalização
significa o afastamento de barreiras para permitir o livre fluxo de bens, serviços,
capital, conhecimento e pessoas?
Isso pode ser explicado em razão de estarmos habituados à teoria da
igualdade dos homens, embora não à igualdade mesmo (Nietzsche, 2002). Em
outras palavras, a economia capitalista não é condizente com a idéia de igualdade,
pois se baseia em renumerações meritocráticas em um sistema em que não
igualdades de chance na obtenção de formação.
E este sistema econômico, sinônimo de desigualdades, discursa em prol do
desenvolvimento, um desenvolvimento com princípios éticos e iguais, como o
pregado pelos iluministas no século XVIII. Contudo, ultimamente se prática um
desenvolvimento do tipo econômico, que supervaloriza o papel do capital como fator
essencial para o desenvolvimento social. Esquece-se de que para haver um
desenvolvimento igual é preciso praticar uma educação baseada nos saberes
36
poiéticos e práticos, que ensine como produzir os bens e serviços, mas, também
ensine o respeito aos valores morais fundamentais.
O desenvolvimento imposto pelo capitalismo, como mencionado, é desigual e
injusto, pois nesta economia de mercado são as empresas que legitimam os valores
éticos e, estes, são praticados se puderem ser traduzidos em lucros para o
mercado global. Contudo, não se pode simplesmente julgar esta busca por lucro
como uma conduta completamente errada, uma vez que a razão de a empresa
existir é ser lucrativa. Mas que se ter cuidado com o limite dessas ações
capitalistas que visam somente ao lucro.
Essas grandes empresas denominadas multinacionais
6
, cada vez mais são
responsabilizadas por gerir as relações interpessoais. Uma vez que com a
globalização, as fronteiras nacionais desapareceram e o papel do Estado foi
enfraquecido, as empresas são as encarregadas de gestar não apenas os negócios,
mas também as relações morais que envolvem os indivíduos. Barbosa (1992, p.
211) afirma que “as empresas transnacionais são vistas como poderosas agentes
que moldam a vida cotidiana das populações das sociedades contemporâneas”.
Contudo, é nessas empresas que hoje regem a sociedade, e que ditam os
padrões de conduta dos indivíduos, que mais se sente a despotencialização ética
das relações interpessoais. Essas empresas impõem à educação que qualifique os
indivíduos para o mercado de trabalho, com habilidades técnicas e saberes
direcionados para uma conduta competitiva, onde não espaço para a formação
moral e preocupação em despertar as disposições naturais para o bem.
E uma vez preocupado com sua subsistência, o indivíduo que possui uma
chance de lutar pelo seu interesse investe em educação, pois enxerga nesta a
possibilidade de se capacitar e, assim, ingressar neste mercado de trabalho se
sujeitando aos desejos egoístas e puramente econômicos do sistema capitalista.
6
São empresas que se caracterizam por desenvolver uma estratégia internacional a partir de uma
base nacional, ou seja, são empresas que resultam da concentração de capital e da
internacionalização da produção capitalista.
37
3.4.1 O mercado de trabalho: o reflexo da desconfiguração ética
O capitalismo necessita de um mercado de trabalho para manter-se; mercado
este, que Karl Marx denominou exército industrial de reserva
7
regular e capacitado. A
origem do mercado de trabalho está intimamente relacionada à exploração, surgido
em consonância com a Revolução Industrial e as indústrias da época, se
preocupavam em obter mão de obra barata para garantir a mais-valia, o seu lucro.
Desse modo, o que se tem, então, é que, com a ruína do modelo econômico
feudal, muitos camponeses foram expropriados de suas terras - de seus meios de
subsistência -, e foram direcionados para as cidades a fim de servirem como mão de
obra para as indústrias. Em outras palavras, o sistema capitalista criou o seu
mercado de trabalho por meio da expropriação injusta dos trabalhadores da terra.
Karl Marx, em O Capital (1982), dizia que os indivíduos se tornaram vendedores
de si mesmos depois de terem sido roubados todos os seus meios de produção e
privados de sua subsistência.
As formas de coação física e moral foram amplamente usadas durante o
processo de formação do mercado de trabalho. É notório que na Inglaterra, berço da
Revolução Industrial, os camponeses eram transformados em trabalhadores
assalariados por meio da violência
8
. Os indivíduos que não logravam êxito em
conquistar um trabalho tornavam-se moradores de rua, e eram, por isso, fortemente
punidos. Conforme Marx (1982, p. 854):
[...] a população rural, expropriada e expulsa de suas terras, compelida à
vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exigida pelo sistema
assalariado, por meio de um grotesco terrorismo legalizado que empregava
o açoite, o ferro em brasa e a tortura.
Constituído por meio da violência, este mercado representa a conhecida
divisão da sociedade entre os detentores dos meios de produção de mercadorias de
um lado e, do outro, os indivíduos que apenas possuem a sua força de trabalho para
vender
9
. É desta forma, então, que ocorre a consolidação do exploratório mercado
de trabalho capitalista causador de profundas desigualdades e a consolidação de
7
Trabalhadores desempregados.
8
As leis sanguinatárias na Inglaterra.
9
Entende-se que é problemática esta divisão rígida depois de todo o fenômeno da globalização, mas,
no entanto, este sistema de divisão rígido ainda se mantém efetivo para análise da questão da
produção capitalista.
38
sua forma de produção, em que produtos, máquinas, dinheiro, força de trabalho são
convertidos em mercadorias. Ou seja, tudo se torna mercadoria e, por conseguinte,
negociável, lucro.
Contudo, todos querem e precisam fazer parte desta perfeita representação
do que seja uma despotencialização ética das relações interpessoais, ou seja, todos
por algum motivo querem estar inseridos no mercado de trabalho. O mercado de
trabalho capitalista com o tempo sofreu modificações para adaptar-se cada vez mais
aos desejos do sistema econômico capitalista.
Essas modificações ratificam a exploração da mão de obra, pois elas, na
prática, são um meio de eliminação dos menos eficientes. O mercado de trabalho
reproduz uma visão puramente economicista, que busca exclusivamente o lucro, em
que as modificações visam quase exclusivamente dividir as tarefas de modo a
aumentar a eficiência de cada etapa e reduzir os custos.
E esta divisão excludente na contemporaneidade começou a ser realizada
não mais por meio da força física dos trabalhadores, mas, principalmente, por meio
da especialização e das habilidades que o indivíduo deve possuir ou adquirir, se
quiser ingressar no mercado de trabalho. Conforme Cortina (2005, p. 263), há: “uma
produção sempre mais eficiente que torna cada vez mais supérflua a força de
trabalho, ou uma formação de forças de trabalho profissional cada vez mais
profundamente especializada” [grifo nosso].
Logo, os indivíduos que possuem alguma chance investem na
contemporaneidade em educação, reforçando assim a práxis capitalista. O indivíduo
necessita ingressar no mercado de trabalho, e, na ânsia por ingressar, não
questiona a formação que recebe e, assim, o sistema capitalista fica livre para
interpelar a educação de forma tendenciosa, ou seja, questiona a educação
influenciando esta a reproduzir seu receituário tecnicista e acrítico.
3.5 A INTERPELAÇÃO ECONÔMICA NA EDUCAÇÃO
Diversas são as exigências que o sistema capitalista faz à educação com o
objetivo único de criar maior produtividade no mercado de trabalho, e assim propiciar
a conquista das taxas máximas de lucro, que é o objetivo supremo deste sistema.
Essa política condiciona o indivíduo a buscar um contínuo aperfeiçoamento, e criar
39
ou reafirmar os sentimentos de individualismo, concorrência e submissão
10
(FRIGOTTO, 2004).
Sendo assim, o capitalismo interpela a educação exigindo uma resposta
sobre que profissional a instituição educacional irá lançar para o mercado de
trabalho. Todavia, o sistema econômico influencia na resposta, uma vez que é o
sistema econômico capitalista o responsável pela educação, mantendo
financeiramente a educação, depois que foi imposto o Estado mínimo.
Portanto, a educação concede a resposta que o capitalismo almeja.
Responde transferindo conhecimentos específicos, técnicos; ou seja, a educação
responde treinando o indivíduo para uma determinada função dentro do mercado de
trabalho do sistema capitalista. Seria um saber fazer, mas sem a presença de uma
reflexão crítica baseada em valores éticos. É a educação a serviço do capital.
O homem capitalista compra uma educação técnica, esvaziada de conteúdo
moral. Isso no longo prazo cria e reafirma o círculo vicioso do mercado de trabalho
atual, que seria: o homem perseguindo ascensão profissional através da educação,
pois esta é compreendida como um meio possibilitador de igualdade e felicidade.
Nas palavras de Bertrand e Valois (1994, p. 92): “A incitação para o trabalho é
mantida através de recompensas financeiras e da possibilidade, senão do sonho, de
uma mobilidade para o nível de vida superior”.
Este sonho de ascender profissionalmente e de assim conquistar um poder
aquisitivo mais alto e sonhar com o consumo de prazeres imediatos, faz emergir
outro importante objeto referente à educação que o capitalismo espera que se
propague. Este objeto se traduz no seguinte questionamento: É a educação capaz
de formar um indivíduo competitivo? A educação responde satisfatoriamente a este
objeto, uma vez que a educação promove o receituário econômico da meritocracia, o
que instiga uma conduta competitiva. Vale destacar que essa habilidade na prática
gera um comportamento que, muitas vezes, pode ser de desrespeito pelo outro e
pela natureza. Conforme Young (1958) apud Bertrand e Valois (1994, p. 91):
No paradigma industrial incentiva-se a competição “justa”, tanto ao nível do
talento como da ambição: trata-se de levar os mais talentosos até o topo, a
fim de beneficiar ao máximo da sua capacidade. É a lógica da meritocracia
10
Acreditamos que o termo submissão no mercado de trabalho poderia ser sinônimo de flexibilidade,
pois esta determina o indivíduo que se submete a todas as imposições do mercado para se manter
empregado.
40
que significa que o certificado de um sucesso acadêmico se torna condição
de uma função superior.
Por conseguinte, a sociedade se transformou em um ambiente materialista,
egocêntrico e competitivo, onde a procura por educação encontra-se em constante
crescimento. O indivíduo, na procura por ascensão social e econômica, não critica a
educação, e, por sua vez, esta não se vê incentivada a mudar este contexto, no qual
“o princípio de organização é o relacionamento de trabalho assalariado e capital”
(HABERMAS, 1980, p. 34).
Esta relação entre o trabalho assalariado e o capital deve ocorrer em bases
éticas concebidas pelo interesse empresarial. A empresa sempre busca um
profissional honesto capaz de estabelecer uma parceria dentro da conceituação de
ética organizacional. Entretanto, essa concepção ética não pode ser confundida
como um referencial ético que direciona a sociedade para um agir crítico-construtivo
universal, visando à qualidade de vida das pessoas pelo equilíbrio de interesses
entre as partes.
Assim sendo, pode-se dizer que a educação interpelada pelo capitalismo
reforça a formação de uma sociedade muito pouco crítica, pois padroniza e qualifica
o indivíduo para exercer função de ferramenta com múltiplas opções manipuláveis
em prol exclusivo do lucro. Ou seja, as interpelações feitas pela economia à
educação buscam respostas que corroborem com os ganhos econômicos. Assim, a
economia age suprimindo as contribuições éticas à educação, e, consequentemente,
produzindo uma instrumentalização da educação que estimula as operações de
mercado.
A educação não deveria se preocupar em conceder as respostas que o
sistema capitalista exige. Ela deveria sim é formar indivíduos críticos com
conhecimentos práticos, buscando um caminho do bem, do dever, impedindo a
instrumentalização da educação e do indivíduo. Isso significa impedir que a
instrumentalização prevaleça sobre o conteúdo prático, orientando os indivíduos na
condução de uma boa e justa vida.
Por fim, está a educação preparada para formar o profissional que o mercado
de trabalho capitalista demanda? Mesmo nos termos das exigências do próprio
sistema, aqui criticado, a educação atual ainda apresenta dificuldades de cumprir
sua tarefa, devido a sérias queixas como, por exemplo, o fato desta lidar com um
expressivo índice de analfabetismo na faixa dos indivíduos considerados aptos para
41
integrar o mercado de trabalho capitalista. Conforme Relatório de Educação para
Todos da Unesco, “[...] um milhão de brasileiros com idades entre 15 e 24 anos
ainda são considerados analfabetos” (UNESCO, 2005).
E, desta forma, pode-se observar que se houvesse um compromisso ético,
por parte dos professores, do sistema político e do sistema econômico, ou seja; se
os professores fossem formados levando em consideração a importância da
exigência ética e os sistemas políticos e econômicos respeitassem também a
interpelação ética em suas ações, não se verificaria estatísticas educacionais
expressivamente deficitárias. Portanto, a interpelação ética na educação se faz
extremamente necessária.
42
4 O DISCURSO PROFERIDO PELA EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE TARDIA
4. 1 A EDUCAÇÃO PARA O MERCADO DE TRABALHO
As relações estabelecidas entre os indivíduos do século XXI são
determinadas pela eficácia das transações econômicas. A idéia de lucro penetrou o
mundo do trabalho e da educação. Sendo a educação profundamente interpelada
pelo discurso econômico vigente, neste contexto somar a suas competências
uma maior importância em relação ao desenvolvimento econômico dos países. O
capitalismo impõe ao mundo sua visão economicista, ampliando constantemente a
possibilidade de se empregar a astúcia e a traição (KESSELRING, 2007).
Ao longo da história o trabalho sofreu inúmeras transformações, tanto em sua
base conceitual como na prática, que hoje conta com uma avançada tecnologia para
realização das tarefas. Na atualidade, ele é meritocrático, visto como excludente e
gerador de desigualdades.
O mercado dita as normas e o trabalho “propaga a lógica do dinheiro e do
poder, visando à busca não mais do entendimento, mas sim de interesses privados
e particulares” (DALBOSCO, 2009, p. 165).
Portanto, a visão de trabalho que Cortina (2005, p. 70) descreve “o trabalho
remunerado é fonte não de dinheiro, mas de identificação e participação social”
não condiz mais com o contexto capitalista. Pois no contemporâneo capitalismo o
trabalho não é este mecanismo pelo o qual o indivíduo se socializa e procura
satisfazer suas necessidades básicas, o capitalismo é simplesmente a busca pela
riqueza, pelo lucro através da exploração da mão de obra.
Todavia, o capitalismo não modificou apenas o modo de agir dentro do
mercado de trabalho. A instituição escolar e a sociedade também foram
transformadas, pois fazem parte de um todo interligadao e dependente um dos
outros, e juntos estão contribuindo para que o capitalismo se fortaleça e dite suas
normas predatórias.
Sendo assim, essa amedrontadora configuração do mercado de trabalho, é
alimentada pela mão de obra formada, conforme, Gentille (2004), dentro de um
“mercado escolar”, que tem a função não mais de propriciar uma formação que
converta o indivíduo em pessoa, e sim, na função de transmitir ao indivíduo o mais
43
rápido possível todo conhecimento cnico necessário para que ele possa suprir as
demandas do mercado de trabalho. Como segue em Cabanas:
Desde que Rouseau distinguiu o Homem do cidadão, entendeu-se que não
se podia ser o primeiro sem se ser o segundo, de tal modo que a integração
de ambos os elementos consitui o ser do Homem real. Para isso requeria-se
que a sociedade se preocupasse em formar os seus cidadãos, sobretudo no
aspecto profissional, com que o ideal de Bildung se transformou no de
Ausbildung (significa formação escolar). Deste modo, passou-se a distinguir,
nas instituições educativas, dois tipos de formação: uma formação “geral” e
uma “profissional” (CABANAS, 2002, p. 41).
No entanto, o que existe é a deformação desta antiga concepção criado por
Rousseau, pois na modernidade o capitalismo impõe às instituições escolares, que
ensine unicamente, conforme, as regras do paradigma industrial em harmonia com o
paradigma racional de educação, ou seja, o capitalismo impõe que se eduque
apenas o aspecto profissional, negligenciando a educação geral, que seria à
responsável pela constituição do modo de agir e pensar do indivíduo dentro de uma
sociedade.
Em conformidade com Bertrand e Valois (1994), pode-se dizer que a
educação que o sistema impõe, é concedida dentro do modo racional de
conhecimento, que tem uma concepção de ser mecanomórfico e egocêntrico. Onde
seus valores e interesses são econômicos, e perseguidos através da adaptação da
pessoa à sociedade industrial, e isto é alcançado devido à ausência de críticas.
O capitalismo consolidou relações baseadas unicamente em interesses
individuais e de ganho financeiro, e fortaleceu a idéia de indivíduo exclusivamente
produtivo e consumidor. Consolidou um ideal de indivíduo nos moldes que realmente
importa para seu sistema econômico. Desta maneira, o capitalismo influenciou
decisivamente o sistema educacional na formação de um discurso em prol da idéia
de que o melhor para a sociedade é propiciar uma educação que qualifique o
indivíduo, única e exclusivamente, para o mercado de trabalho. Flickinger (2009, p.
67) valida este discurso com o seguinte trecho:
Visto deste ângulo, o é de admirar que hoje a busca da porta de entrada
para a sociedade de trabalho passe, em primeira linha, pela qualificação do
indivíduo segundo as necessidades econômicas, uma qualificação que se
impõe como objetivo principal ao sistema de educação. O processo de
formação vê-se guiado pelas diretrizes da racionalidade econômica [...].
44
4.2 A MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
O consumo que durante muito tempo foi a aquisição de bens e serviços
voltados para a satisfação de necessidades externas, é agora uma procura de
satisfação interna. Através do ato de comprar o indivíduo tenta conquistar a
liberdade, a justiça, a igualdade e a felicidade. Valores morais antes conquistados
somente por meio de uma educação cívica, que é “uma chave ineludível da
cidadania” (CORTINA, 2005, p. 38). Em outras palavras, surge entre os indivíduos
da modernidade tardia uma intensa busca por formação, por aquisição de saberes
técnico que os possibilite saber como produzir, como fazer determinados produtos.
E, sendo assim, a educação cívica na contemporaneidade é negligenciada.
Seus temas filosóficos, responsáveis por saberes que implicam na constituição de
valores e normas que o indivíduo deveria seguir quando inserido em uma sociedade,
estão sendo substituídos por uma educação para o consumo. Que é mais
concernente com os objetivos capitalistas, como segue:
No que diz respeito à organização educativa, trata-se de valorizar a
produção de uma pessoa bem adaptada à sociedade industrial, eficaz e que
não conteste as regras do jogo da livre iniciativa. O aluno deve ser
socializado pelo consumo dos conhecimentos que lhe são transmitidos no
sentindo de desenvolver as atitudes pertinentes a um funcionamento normal
numa sociedade regularizada pelo paradigma industrial (BERTRAND e
VALOIS, 1994, p. 93).
Para este sistema a reflexão filosófica não serve, porque ela cria um senso
crítico que prejudica o sistema defensor, na maioria das vezes, que os fins justificam
os meios. Sendo assim, tem-se que o sistema e o paradigma vigente sobrevivem da
falta de reflexão moral, da falta de um comprometimento ético do indivíduo
contemporâneo e de uma educação puramente técnica que incentiva o consumo
como forma de ascensão.
E, deste modo, até a própria educação virou uma mercadoria pertencente a
um mercado em expansão, pois ela se tornou o caminho para felicidade, não aquela
felicidade aristotélica, e sim, a felicidade entendida como bem estar material. A
educação, além de, estar vinculada a formação de mão de obra para o mercado de
trabalho, ela também é fonte de ascensão social e profissional e, por isso, passa a
ser desejada por um número maior de pessoas.
45
E, neste contexto, onde tudo é medido pelo poder de compra do indivíduo, o
fato de se estar empregado é uma condição indispensável para a felicidade, para a
completude do ser humano capitalista e, portanto, há uma crescente busca por
qualificação profissional, uma crescente busca por uma formação continuada, como
segue:
Quem quiser alcançar um mínimo de independência pessoal terá de
concentrar todo o esforço no aperfeiçoamento das condições que o acesso
ao mercado de trabalho exige (FLICKINGER, 2009, p. 66).
É, neste momento, então, que passa a vigorar na educação mais do que
nunca a lógica capitalista, onde tudo se resume em produção, consumo e lucro. Ou
seja, ao ser objeto de desejo de um número crescente de indivíduos, a educação
despertou a ganância capitalista. Que a transformou em uma mercadoria
comercializada através de novas instituições, que são abertas de forma
indiscriminada prometendo o conhecimento necessário para a inserção no mercado.
Conforme Cenci, Dalbosco e Mühl (2009, p. 17):
[...] a crescente mercatilização da educação e a redução da função
educativa à tarefa de formação de mão de obra para o mercado, tem levado
as instituições a oferecerem cursos “mais enxutos” e uma formação mais
aligeirada, implicando a gradativa eliminação das disciplinas destinadas a
desenvolver a formação geral e a capacidade crítica do aluno [...].
Logo, a OMC (Organização Mundial do Comércio) já estuda submeter à
educação às regras do comércio global, e o Estado ao não tomar uma atitude
enérgica para regular a educação faz com que ela esteja vulnerável à avidez das
empresas internacionais em entrar e dominar este setor lucrativo, que é o setor da
formação de mão de obra para o sistema capitalista. Como segue:
Se a política educacional adotada nos últimos anos no Brasil não logrou
melhorar as condições de vida da população mais pobre, reduzindo a
concentração de renda, conforme anunciado pelas IFMs
11
, certamente
atingiu outro objetivo desses organismos: criou um mercado extremamente
atraente para a iniciativa privada, sobretudo no ensino superior (GRACIANO
e HADDAD, 2004, p.68).
E esta realidade impulsiona, portanto, à educação a reproduzir a lógica
intrínseca do capitalismo global, qual seja, a transformação da educação em uma
11
Instituições Financeiras Multilaterais.
46
mercadoria para consumo global. E sendo assim, esta mercadoria, além de fornecer
uma formação altamente técnica, voltada para suprir as demandas do sistema
capitalista, deve ainda se preocupar com as exigências de contínua flexibilidade e
mobilidade da mão de obra voltada para o mercado global. Desse modo, a educação
compreendida como uma mercadoria é, consequentemente, pressionada pelo
sistema capitalista para se tornar um negócio cada vez mais rentável para os
mercados capitalistas.
4.2.1 A visão capitalista da educação contemporânea
É importante destacar-se que a educação interpelada pela lógica capitalista e
que, por conseguinte, reproduz um discurso defensor de uma educação aligeirada e
enxuta voltada exclusivamente para a aprendizagem de habilidades técnicas, sofre
ataques por parte desta lógica capitalista. Em outras palavras, mesmo satisfazendo
às demandas do sistema econômico, a educação encontra-se longe de ser o ideal
almejado pelos capitalistas.
A educação brasileira é julgada como ineficaz pelo mercado de trabalho
capitalista, conforme relatório global Educação para Todos da UNESCO, a educação
brasileira apresenta os seguintes dados negativos: alto índice de analfabetismo
entre os adultos, dificuldade de melhorar o exercício de leitura e interpretação de
seus demandantes, alto índice de repetência, a quantidade de horas que as crianças
passam na escola não é satisfatório, o ritmo com que o Brasil procura erradicar o
analfabetismo funcional é substancialmente lento, podendo não cumprir com um
compromisso global de reduzir em cinquenta por cento esta estatística a2015. Ou
seja, de forma resumida:
O sistema educacional brasileiro nem sempre é capaz de desenvolver
habilidades cognitivas de importância essencial para a vida cotidiana e
evidencia debilidades no fomento à formação de valores que capacitem os
cidadãos a uma participação ativa na sociedade, e também na promoção do
desenvolvimento humano sustentável (UNESCO, 2005).
Contudo, como não poderia ser diferente, devido a acrescente
mercantilização da educação, ou seja, devido ao crescente interesse do capital pelo
conhecimento científico, o número de vagas para ingresso excepcionalmente nas
universidades particulares cresceu, e cresce, alcançando os índices dos países
47
desenvolvidos. Entretanto, quase a metade dos que se matriculam em cursos
superiores não conseguem concluir o curso, uma vez que, a qualidade do ensino
médio é avaliada como insatisfatória. Assim como, o acesso ao ensino médio e a
educação para a primeira infância são em números insatisfatórios também.
E esta crise educacional brasileira afeta negativamente a meta de
acumulação de capital por parte das empresas capitalistas. E, sendo assim, estas,
criticam rigorosamente a qualificação profissional, afirmando que a o de obra
brasileira não se encontra de acordo com as novas regras de competitividade global.
Portanto, critica-se a qualidade do processo pedagógico, processo esse diretamente
influenciado pelos vultosos investimentos capitalistas.
Em síntese, esta educação fortemente interpelada pelo capitalismo, que
formula seus discursos de forma a responder eficazmente as exigências do mercado
de trabalho capitalista recebe mesmo assim severas críticas por parte deste sistema.
Críticas que abrangem desde o conteúdo do currículo, o método defasado de
ensino/aprendizagem, a qualidade dos seus profissionais, a precária estrutura física
e tecnológica das instituições de ensino público e críticas também quanto ao seu
papel social.
Conseqüentemente, mais do que nunca a visão de educação almejada pelos
filósofos deve ocupar um lugar privilegiado no discurso proferido pela educação,
uma vez que, assim a sociedade teria um real acesso aos conhecimentos
necessários para desenvolver-se em sua plenitude e deixar um legado prospero
para as gerações futuras. Esse quadro de plenitude e preocupação com a sociedade
vindoura o objetivos diretamente condizentes com os perseguidos pelos filósofos
da Grécia e da modernidade. Conforme Rohden (2009, p. 103):
A retomada da perspectiva pedagógico-filosófica de ser e de pensar que
desenvolve a paidéia grega, que é tecida pelo viés da universalidade e se
efetiva plenamente no exercício da dialética dialógica, pode nos livrar das
tiranias e da progressiva destruição do planeta.
Em suma, o discurso educacional quando sensibilizado predominantemente
pelas questões morais com quais os filósofos se ocupam, possibilitaria um novo viés
para a formação de indivíduos, um viés mais comprometido com o valor do outro e
comprometido com o meio, a natureza. Em outras palavras, reflexões que iriam além
da simples acumulação de capital
.
48
4.3 AS INTERFERÊNCIAS QUE ACOMETEM A EDUCAÇÃO CONTEMPORANEA
Não podemos cultivar a crença de que a educação dos gregos define a
nossa educação sem examinar criteriosamente essa afirmação. A
educação, como a entendemos hoje, fecha-se à definição dada pela origem
da paidéia grega. Vivemos uma constelação de aspectos que a definição do
que é educação encontra enormes dificuldades, pois em cada caso
precisamos validar e justificar o que se entende por educação (PAVIANI,
2009, p. 136).
No entanto, o que se entende por educação é diretamente influenciado pelas
interpelações realizadas à educação por parte da ética, filosofia e por parte do
capitalismo, economia. Ou seja, o sentido de educação, de formação hoje é
intensamente discutido entre os filósofos, estes aportam o sentindo da formação no
resgate da paidéia grega
12
e no ideal iluminista. Em contrapartida a lógica capitalista
aporta o sentido de formação no ideal de indivíduo racional e instrumentalizado que
corresponda integralmente com as habilidades e competências exigidas pelo
mercado de trabalho.
Sendo assim, o sentido da educação encontra-se atravessado por uma
pluralidade de culturas das mais diversas realidades socioeconômicas e, por
conseguinte, por uma pluralidade de experiências pedagógicas, que fazem com que
a educação na atualidade esteja carente de uma fundamentação precisa e coesa.
Uma vez, aprofundando o que os filósofos contemporâneos discutem e
esperam da educação se têm, por exemplo, que:
[...] com o surgimento da filosofia na Grécia e, posteriormente, da ciência
moderna, a educação passa a delas depender. Na sociedade grega e por
um longo período histórico, que chega até a modernidade, a filosofia tornou-
se o conhecimento fundamentador dos processos educacionais,
contribuindo para a formação da imagem do homem e do mundo, mantendo
uma forte proximidade entre formação, conhecimento, ética e política
(CENCI, DALBOSCO E MÜHL, 2009, p. 13).
Em outras palavras, a educação que os filósofos almejam é amplamente
ancorada na ética, nos valores morais. Isto, uma vez que a educação incluí em suas
ações uma série de valores e dimensões simbólicas que afetam não a formação
12
A paidéia grega e o ideal iluminista de formação Bildung possuem um mesmo horizonte
conceitual, ou seja, ambas buscam o conhecimento de si. No entanto, “a paidéia grega valoriza a
polis, priorizando o coletivo, o iluminismo concentra-se no indivíduo, buscando a autonomia do
indivíduo, no sentindo do progresso da humanidade” (PAVIANI, 2009, p. 138). E por possuírem o
mesmo horizonte conceitual também será citado neste trabalho.
49
para o mercado de trabalho, mas, afetam também, a formação do ethos do
indivíduo, ethos da sociedade como um todo.
E, sendo assim, defendem uma educação, uma formação do indivíduo com
base nos saberes aristotélicos, já mencionados anteriormente, ou seja, o saber
teórico, o prático e poiético, de forma a se organizar um ambiente educacional
extremamente comprometido com uma educação ética que se destina a possibilitar
a constituição de um maior comprometimento com a busca para o viver
corretamente.
Contudo, esta educação ética “não pode ser objeto de um saber
simplesmente ensinável. Não um uso dogmático da ética” (GADAMER, 1999, p.
478). A tarefa da educação ética é orientar-nos para aquisição do hábito de pesar,
ponderar, ser sensível as questões de justiça e, por fim, deliberar em prol de uma
vida justa. Em outras palavras, a educação ética é experienciada pelo indivíduo e
implica em capacitá-lo para uma práxis humana de reflexão em busca do autêntico
sentido da vida e, não simplesmente a mera aquisição de conhecimentos e
habilidades (GOERGEN, 2001). Nas palavras de Flickinger (2009, p. 74):
Em comparação com as ideias gregas de formação, cuja articulação foi feita
com vistas à criação da responsabilidade ética e ao melhor
desenvolvimento possível dos potenciais pessoais, o sistema de formação
em vigor aplica a maior parte de seus esforços na adequação dos jovens à
racionalidade instrumental como fio condutor da sociabilidade. Quem não se
adaptar a ele, perde a chance de se integrar na normalidade da rede social
e de ser reconhecido sem restrições.
Portanto, a educação que os filósofos defendem e esperam ver em pratica, é
extremamente diferente da educação regida pela lógica capitalista. Pois, esta se
baseia com exclusividade na aquisição de competências e habilidades técnicas, “é o
saber do artesão que sabe produzir coisas determinadas” (GADAMER, 2009, p.
469), ou seja, o saber que aqui já citado como o saber poiético.
E este é o saber que impera na atual educação, uma vez que, a educação
como já largamente citada neste trabalho se tornou uma mercadoria rentável e
imensuravelmente consumida, e vista como um meio de ascensão social e
profissional. Este novo sentido da educação é formulado a partir do momento em
que o indivíduo percebe o mundo de forma mecânica, matematizável, cita-se
Goergen (2001, p. 38-39):
50
Com isso, reformula-se todo o sentindo da formação, tanto em termos
práticos do que importa aprender e saber, quanto em termos mais amplo,
da nova relação entre homem e natureza. Isso representa uma nova visão
de mundo, que institui o homem como agente do progresso pelo domínio
cada vez maior da natureza.
Sendo assim, a partir da instrumentalização da razão o sapare aude o ouse
saber de Imannuel Kant, transformou-se em um confiar exagerado em um
conhecimento racional, egoísta e heterônomo. Ou seja, o contrário do desejado por
kant. O indivíduo tornou-se dominado pela lógica de mercado. E, assim como o ideal
de autonomia não foi alcançado o ideal de respeito pelo outro, o ideal de nunca
enxergar o outro como meio e sim como um fim em si mesmo não se concretiza.
Resultando, nesta sociedade injusta e desigual social e economicamente, onde o
fenômeno de unificação dos povos e territórios, ou seja, a globalização se realiza em
partes, se realiza com a forte presença de muros invisíveis.
4.4 O DISCURSO PROFERIDO PELA EDUCAÇÃO
No século XVIII havia a certeza de que a luz do presente iria irradiar o futuro.
O presente imanaria para o futuro a luz da igualdade, da justiça e da fraternidade por
meio de uma formação educacional, por meio do esclarecimento. “Desde sua
significação mais originária, a educação pretende formar homens que se sintam
partícipes de uma comunidade moral e que sejam capazes de constituir-se como
sujeitos autônomos” (HERMANN, 2001, p. 20).
Portanto, a educação era vista como capaz de desenvolver ou influenciar o
indivíduo no processo de interiorização dos preceitos morais. A educação moderna
foi fortemente influenciada pela Paidéia
13
grega, que havia exercido influencia na
Renascença. A Paidéia influenciou os filósofos Iluministas com sua no poder de
tornar o indivíduo autônomo e virtuoso, por meio do correto esclarecimento da razão.
Matos (1997, p. 38), descreve este ideal de formação:
O termo grego Paidéia aproxima-se do alemão Bildung e, como este,
guarda o duplo significado de educação-formação, ou educação formadora,
a educação que se diferencia da idéia de aprendizado. A Paidéia visa a
formar um caráter (ethos), a educar a criança para a harmonia, a
moderação e a temperança consigo mesma, e à concórdia na cidade. A
Paidéia é a educação que supõe uma determinada interpretação do homem
13
Paidéia grega foi um ideal de educação que versa, na Grécia antiga, não só pelos conhecimentos e
habilidades, mas também pelas artes e pela formação do caráter.
51
e da cidade e tem como objetivo torná-lo apto ao desenvolvimento do
caráter virtuoso.
Mas, o desenrolar do século das luzes trouxe uma crescente inovação técnica
e científica, assim como, mudanças no jeito de pensar e agir do indivíduo que, por
conseguinte, geraram um conflito na orientação do uso razão. A razão moderna se
perdeu dentre seus propósitos, e passou a ser regida por leis científicas e por
probabilidades matematizáveis que transfiguraram a sociedade e o modelo
educacional. Sociedade e educação foram então, instrumentalizadas e manipuladas
pela lógica do sistema capitalista, oriundo do progresso tecno-científico. Goergen
(2001, p. 6) escreve que:
A ciência e a tecnologia, os dois fogosos cavalos de batalha do iluminismo
conduziram a carruagem do mundo ocidental, a par dos lugares de conforto
e bem-estar, à beira dos abismos assustadores das dicotomias individuais e
sociais em que segurança e fragilidade, conhecimento, riqueza e pobreza,
saúde e doença, opulência e miséria, vida e morte coabitam lado a lado. No
contexto do sistema econômico neoliberal [...].
O acréscimo de racionalidade em fina sintonia com as inovações tecno-
científicas chega ao século XIX disseminando a singular preocupação de propiciar
uma formação por excelência técnica, condizente com o progresso econômico, onde
o referencial ético é apontado como um meio de legitimar as ferramentas do sistema
econômico capitalista. E, neste contexto, ética e educação passam a ser pensadas
em termos de índices econômicos, uma vez que, ambas devem responder as
exigências do mercado de trabalho do sistema econômico vigente.
Por conseguinte, o indivíduo permanece heterônomo, sujeito a leis exteriores,
que neste caso são as leis do mercado. E nestes termos, este indivíduo constituí
uma comunidade moral, enquanto, subjugado às exigências do mercado.
Por fim, a ruptura com os antigos valores morais se inicia na modernidade e
se irradia para o contexto atual da sociedade. Razão, educação e indivíduo
permanecem rompidos com qualquer pretensão que vise o desenvolvimento
conjunto de virtudes e de competências. O desenvolvimento intelectual não mais é
visto como capaz de causar o progresso moral da sociedade. O ideal moderno da
Paidéia grega, a Bildung, entrou em choque com o desenvolvimento técnico e
objetivo do capitalismo.
52
O que restou deste choque? Inúmeras concepções pedagógicas tentando
validar o processo educacional. Estas concepções “reafirmam a educação como
formadora de sujeitos racionais, capazes de ação intelectual e moral, com condições
de construírem a si e ao mundo” (HERMANN, 2001, p. 25).
No entanto, este entendimento não se verifica na prática, e a educação torna-
se uma ação puramente econômica, uma vez que, visa especificamente à
instrumentalização do indivíduo, visa especificamente desenvolver competências
que os tornem produtivos, o de obra rentável para as empresas capitalistas, ou
seja, o que restou deste choque foi à pedagogia das competências, que em sua
origem na França remonta ao ensino técnico.
A pedagogia das competências é o principal meio propagador da lógica
capitalista, ela reproduz o conhecimento dito como vital para a acumulação
capitalista. Até porque esta pedagogia surgiu da direta relação firmada entre a
educação e o trabalho, ou seja, a pedagogia das competências surgiu da lógica
capitalista. Lógica que crê que a educação pode e deve ser o principal meio
garantidor de uma nova mão de obra, mais ilustrada e voltada para o mercado.
Contudo, esta pedagogia nada mais é do que
uma reforma educacional
voltada para satisfazer a demanda por trabalhadores mais flexíveis, mais adaptáveis
às demandas do mercado capitalista global. E na esfera social esta pedagogia
proporciona ao indivíduo a esperança de adquirir os conhecimentos necessários
para a sua empregabilidade. Esperança esta falaciosa, uma vez que, como
mencionado, a qualidade da educação brasileira ainda é deficitária. E, portanto, não
oferece ao aluno nem o conhecimento poiético, necessário para empregabilidade,
nem o saber prático e teórico responsáveis por formar uma idéia de bem viver justo
e responsável pela natureza e pelo outro.
E, dentro desta ideologia de competências o espaço,
conseqüentemente, para uma educação reflexiva que proporcione uma orientação
moral que almeja manter um conjunto básico de deveres morais capazes de
possibilitar uma convivência justa, igual e feliz.
Sendo assim, este quadro persiste porque a educação não possui
mecanismos que a possibilite gerenciar a correta internalização desses processos
científicos e tecnológicos que ocorreram na modernidade. Ou seja, a educação
proporciona e organiza um espaço externo, comum a todos, mas, coexiste um
espaço de gerencia exclusiva do indivíduo que vai além do alcance da educação. E
53
é neste ponto que a educação falha e, consequentemente, o ideário econômico se
manifesta e interfere no modo de gerir a natureza e os indivíduos. E conforme
Hermann (2001, p. 31):
Instala-se desta forma a autodestruição da razão liquidando a si mesma
como agente de compreensão ética, moral e religiosa. Juntamente com a
autodestruição da razão, instala-se também a tolerância burguesa, que
permite o convívio entre religião e filosofia, gerando uma atitude de
neutralidade em relação a todo o conteúdo espiritual. A razão orienta-se,
então, pelo interesse pessoal, que na era industrial alcança sua supremacia.
Todos os outros motivos são desconsiderados e abre-se espaço para a
desvinculação da razão de seu conteúdo originário. Em decorrência, as
ideias fundamentadas na razão objetiva, como justiça, igualdade, felicidade,
democracia, entre outras, perdem seu vínculo, passando a ser orientadas
pelo interesse particular.
Desta maneira, a educação que deveria, então: discursar, propagar os
valores morais e criar uma consciência crítica capaz de se indignar com a
supremacia do agir competitivo sobre o agir solidário, se tornou exclusivamente uma
educação formadora de uma mão de obra treinada para agir de forma racional e,
desta forma, possibilitar a conquista de mais-valia. Em outras palavras, e de forma
mais enfática o discurso proferido pela educação na modernidade tardia é destituído
de conteúdo ético, de compromisso ético, e versa em prol de uma formação técnica
e instrumentalizada.
Este discurso se propaga em um contexto de crescente mercantilização da
educação e, por isso, não passa de um discurso preocupado em reforçar a
importância de um currículo baseado em um conjunto de saberes cnicos
organizados de forma a permitir ao indivíduo os atributos necessários à sua
condição de futuros trabalhadores e cidadãos. No entanto, utilizar-se a citação de
Gadamer para reforçar que este saber não é suficiente para criar uma sociedade
justa, igualitária. Mas, é por sua vez suficiente para manter este capitalismo
retratado no interior deste trabalho:
Uma tekne
14
se aprende, e pode-se esquecer. Por outro lado, o saber ético
não pode ser aprendido e nem esquecido. Não nos confrontamos com ele
de maneira que dele possamos nos apropriar ou não nos apropriar, da
mesma forma que se pode eleger um saber objetivo, uma tekne
(GADAMER, 1999, p. 472).
14
“Este é a habilidade, é o saber do que sabe produzir coisas determinadas.
54
5 CONCLUSÃO
A modernidade tardia é a época em que o destino individual e social é
governado pelas leis poderosas do mercado, onde uma forte pressão ao
indivíduo, a sociedade e a educação de se submeter a estas leis econômicas do
mercado capitalista. O indivíduo e a educação são subordinados deste sistema
econômico capitalista que trata com descaso a educação, o indivíduo e a natureza.
Pode-se afirmar que este sistema explora excessivamente seus recursos e, a
educação em especial, pois nestes últimos anos, essa é vista como o principal
recurso para a consecução de um ótimo desempenho econômico. Contudo, este
desempenho econômico, não está sendo acompanhado por um melhor desempenho
social, ou seja, não melhorias nas condições de vida da sociedade, esta nem
sempre conta com o mínimo de justiça e bens e serviços necessários para a sua
subsistência.
Além disso, o crescimento econômico esta longe de ser acompanhado por
um comprometimento ético por parte dos indivíduos que pertencem a esta lógica
capitalista. Consequentemente, verifica-se a destruição de hábitos e regras
moralmente instituídos e desejados pelos movimentos e pensadores preocupados
com o viver justo, solidário e feliz. que se destacar que não é possível conciliar
crescimento econômico com crescimento social em uma realidade composta por
indivíduos descompromissados com as questões éticas.
Este assombroso quadro é o reflexo de um desastroso conceito econômico
de desenvolvimento. Dito de outra maneira, este quadro composto de
desigualdades, injustiça, egoísmo e desrespeito pelo outro e pela natureza é reflexo
de uma sociedade que deixou de zelar pela justa distribuição de suas riquezas e
produtos para preocupar-se demasiadamente com o lucro e acumulação.
A ciência econômica é uma ciência autônoma e intimamente ligada à ética,
ao agir moral em prol de uma sociedade igual social e economicamente. No entanto,
os conceitos capitalistas distorceram o fim último da ciência econômica, tornando-a
uma ferramenta a serviço exclusivo do capital, e sendo assim, a sociedade se
transformou em um grande mercado econômico onde são feitas constantes escolhas
envolvendo unicamente uma procura por utilidade que deve obrigatoriamente
proporcionar ao indivíduo bem-estar.
55
No entanto, o bem estar do indivíduo e seu ideal de plenitude nunca foram
tão ligados à aquisição de bens tangíveis como é nesta modernidade tardia. E, para
consolidar este novo conceito de bem estar e de plenitude do ser, o indivíduo
atualmente procura a educação. Pois como visto a educação é o principal insumo
do mercado capitalista. Portanto, o indivíduo procura adquirir uma formação que
garanta-lhe uma colocação no mercado de trabalho.
Mas, esta formação voltada para a empregabilidade é falaciosa, uma vez que,
como se ponderou neste trabalho a formação, em especial a brasileira, é vista pelos
participantes da lógica capitalista como ineficaz, deficitária. Esta acusação na
maioria das vezes é feita por parte dos responsáveis pelo atual estado da formação.
Pois a educação é nos dias hoje intensamente interpelada pelo discurso econômico
e pelo discurso ético. Mas, ao formular o seu discurso a educação busca
corresponder de forma satisfatória às interpelações feitas pela economia. Uma vez
que, esta é quem na contemporaneidade dispensa vultoso investimento para
educação, ou seja, a educação tenta responder satisfatoriamente a instituição que a
sustenta.
E assim, naturalmente consolida-se a concepção de educação como
mercadoria. E, desta maneira, ocorre um distanciamento entre a formação e o ethos
do justo viver. Em outras palavras, é no momento em que a educação se deixa
transformar em uma mercadoria que ela rompe de uma vez por todas com o seu
compromisso original de formar seres humanos, seres socializados que
compreendem o verdadeiro sentido da vida. Qual seja, o saber conduzir-se para um
estado de felicidade onde existe o respeito pelo meio e pelo outro, afim de, se dirigir
ao progresso da humanidade.
Por fim, estando a sociedade inserida neste contexto de mercantilização da
educação, de busca insaciável por lucro, onde o caráter se forma regido pelas
regras do mercado econômico, não resta outra solução se não a de se conquistar
um maior espaço para os saberes filosóficos comprometidos com o resgate ético,
com atitudes pautadas em hábitos e valores moralmente instituídos.
Portanto, a educação, ao conceder em seu discurso um maior espaço para as
questões filosóficas, estaria criando a possibilidade de rever, por exemplo, a
formação do professor e rever também a pratica educacional, pois só assim, a
educação abriria espaço para os questionamentos a cerca de qual é o atual objetivo
56
da educação. Para onde se direcionam os passos atuais da formação de
professores?
Em outras palavras, deve a educação se abrir para a possibilidade de resgate
ético. Uma vez que, assim, haveria a possibilidade de se criar um meio regido
exclusivamente por condutas éticas, pela busca de aprofundamento nos aspectos
culturais e, conseqüentemente, formar novos indivíduos, novas vivencias.
Contudo, é de conhecimento de todos que esta realidade esta longe da atual
formação dos professores. A atual formação é conteúdista, a instrumentalização da
razão recrudesceu o processo de formação dos professores e, desta maneira,
gradualmente se vê a educação priorizar as exigências capitalistas em detrimento de
uma formação ancorada em um compromisso ético e de visão crítica.
Porém, a crença irrestrita no processo educacional, a crença irrestrita em uma
formação de professores pautada em uma conduta ética me faz crer ser um dos
caminhos para um capitalismo menos egoísta, me faz crer ser um dos caminhos
para uma formação composta por saberes tanto práticos como morais.
Uma vez que, esta educação possibilitaria um exercício profissional mais ético
por partes dos educadores, logo este comportamento ético resgataria os valores
morais entre todos os indivíduos submetidos ao processo educacional. O que
consequentemente, proporcionaria a formação de novos valores para esta
sociedade capitalista. Valores como os de solidariedade, o colocar-se no lugar do
outro de modo a respeitá-lo em suas singularidades.
Assim, poderíamos vislumbrar outro horizonte em que a justiça e o sentimento
de igualdade passariam a orientar as ações, possibilitando à constituição de uma
sociedade e de uma economia divergentes do atual legado obscuro da máquina e da
razão instrumentalizada que o sistema econômico capitalista reforça dia após dia.
57
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