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Uma inglesa tem por dever moral, como a oração, o passeio — o largo
passeio (...). Aqui, as que andam a pé, (…) arquejam e recolhem à pressa
no ônibus. Algumas mesmo não sabem andar (...). Nada dá tanta idéia da
constância de caráter como a firmeza do caminhar. Uma alemã, uma
inglesa, anda como pensa — direita e certa. (...) As nossas raparigas,
constantemente sentadas e aninhadas, quando têm de se pôr a pé e de
marchar, gingam e rolam. Além disso, o hábito do sofá, do recosto (...)
— acostuma às posições lânguidas; cabeça errante, braços amolecidos,
corpo abandonado. Uma inglesa nunca toma, por pudor, estas atitudes.
São atitudes de serralho ou pomba amorosa. (QUEIRÓS: 2000a, p. 849)
Três anos mais tarde, em Newcastle (março de 1875), modificará sua opinião
acerca da mulher inglesa, fazendo o seguinte alerta ao amigo Ramalho Ortigão:
A inglesa é uma vista através das litografias de anjos louros ou de
amazonas radiosas de Hyde Park — e outra vista — na Inglaterra. O
continente — sobretudo o sul — conhece — pelos romances, pela
gravura, pelos versos, pela legenda — uma certa inglesa risonha, pura,
loura, casta como a neve, boa amiga, sábia, boa caminhadora, cheia de
douches de água fria, e de princípios: esta é a inglesa de lá. Agora a
inglesa da Inglaterra é outra coisa: não faz muita diferença da mulher –
tal qual a tem feito, no século XIX, a literatura, o romantismo, a música,
as modas, a ociosidade, a riqueza, o abuso da domesticidade, a
centralização etc., etc. Você vem aqui encontra a inglesa — com mais
temperamento, mais preguiça, mais saltos à Luiz XV, mais horror ao
banho frio, mais pieguice sentimental, mais delírio amoroso, e mais
frieza especuladora — do que em nenhum país perseguido do sol. Venha
cá ver as meninas da burguesia — à noite numa sala, ao chá severo da
família: que decotes! que olhares equívocos! que atrevimentos! (...) E
depois que temperamentos! Lembre-se que estas mulheres lêem uma
quantidade infinita de romances amorosos; (...) Note mais que todas,
honestas ou impuras, gostam de beber e que bebem: bebem: bebem
cerveja, Porti, Xerez... Meu amigo: seria necessário um livro: eu tenho
apenas a página. — Assim não se iluda na ilusão geral — que toma a
inglesa como a mulher ideal. Não: é uma mulher excessivamente filha de
Eva e do Pecado. (QUEIRÓS: 2000b, p. 111-112)
O que Eça não havia reconhecido era que a ausência de uma educação
supostamente saudável (dentro dos códigos da ciência positivista) não era o motivo que
estava levando a sociedade e a família a “degradar-se”. Eça não vê que o sexual sempre
irá resistir e nunca poderá ser sinônimo de conjugalidade. O sexual está presente na vida