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Liana Flosky Manno
A EXPERIÊNCIA BURGUESA DO AMOR NA OBRA DE EÇA
DE QUEIRÓS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras – área de concentração em
Literatura Portuguesa, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre.
Linha de Pesquisa: Literatura Portuguesa e outros
campos do saber
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Nazar David
Rio de Janeiro
2005
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2
Liana Flosky Manno
A EXPERIÊNCIA BURGUESA DO AMOR NA OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras – área de concentração em
Literatura Portuguesa, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre.
Aprovado em: _____________________________________________________
Banca examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Nazar David (Orientador) - UERJ
_________________________________________________
Prof
a
. Dra. Luci Ruas Pereira - UFRJ
_________________________________________________
Prof
a
Dra. Maria do Amparo Tavares Maleval - UERJ
Suplentes:
_________________________________________________
Prof
a
Dra. Dalva Maria Calvão da Silva - UFRJ
_________________________________________________
Prof
a
Dra. Maria Cristina Batalha - UERJ
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3
DEDICATÓRIA
Ao meu marido José Luiz, minha filha Íris;
Aos meus pais, Ronald e Erica
4
AGRADECIMENTOS
Um trabalho por mais individual que possa parecer, na verdade, é resultado de
cooperações. Agradecer às pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho
expressa apenas parcialmente o meu reconhecimento, para com todos que colaboraram
para que a pesquisa seguisse adiante.
Ao meu marido, José Luiz Martins, que me acompanha, apóia e compreende a
importância de minha busca;
À minha filha Íris, por não ter recebido a atenção que lhe era devida nesses primeiros
anos de sua vida;
Aos meus pais, que proporcionaram e incentivaram meu aprendizado durante toda
minha vida;
Ao Prof. Sérgio Nazar David, orientador no sentido pleno da palavra, pelo apoio e
dedicação desde a pós-graduação, e em quem encontrei um cúmplice na paixão pelos
escritores do século XIX;
Ao Prof. Luiz Aranha Corrêa do Lago, pelo incentivo, apoio intelectual e bibliográfico,
e pela oportunidade de aprendizado que me proporcionou ao longo dos 17 anos que
trabalho ao seu lado.
Aos professores Marcos Alexandre Motta, Maria do Amparo Tavares Maleval, Maria
Antonieta Jordão de Oliveira Borba, Maria Cristina Batalha, Nadiá Paulo Ferreira e
Silvia Regina Pinto, pelos doutos ensinamentos;
À Beatriz Ruffo e Leda Martins, pela amizade, apoio, incentivo nesta trajetória;
À Stela Márcia de Oliveira, pela amizade, incentivo, sugestões e críticas feitas em
nossos encontros em que falamos sobre a vida e a literatura;
À Rejane Maria Lobo Vieira, por sua disponibilidade e dedicação para ler e rever o meu
trabalho;
Aos colegas do grupo de orientandos do Prof. Sérgio Nazar David, pelo respeito mútuo
e colaboração em nossos encontros.
5
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo investigar a experiência burguesa do amor na obra
de Eça de Queirós. A literatura do século XIX revelou os conflitos que a exigente moral
burguesa impunha e compelia seus devotos a ocultar. Os fracassos das histórias de amor
no romantismo e no realismo/naturalismo tiveram como álibi os obstáculos do mundo.
Os românticos costumavam acusar o mundo de agente opressor. Estas forças exteriores
impediriam o tão sonhado projeto de felicidade. Eça de Queirós também problematiza a
impossibilidade do amor. Seus romances da década de 70 ainda seguem, neste
particular, os preceitos românticos. Nas décadas de 80 e 90, entretanto, uma nova
configuração vai tomando força. Traçamos o percurso de Eça desde O Distrito de Évora
passando por O mistério da estrada de Sintra, O crime do padre Amaro, O primo
Basílio, Os Maias e “José Matias”, sempre enfocando as relações personagem/mundo
representado, no que se refere à temática amorosa. Encerramos o trabalho apresentando
três autores da virada do século, Raul Brandão, Arthur Schnitzler e Stefan Zweig, cujas
obras admitem a possibilidade, já anunciada em Eça, de deslocamento do conflito
homem/mundo para o que mais tarde Freud chamará de “um estranho interdito interior”.
6
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to investigate the bourgeois experience of love in the
work of Eça de Queirós. The literature of the nineteenth century disclosed the conflicts
that the demanding bourgeois moral imposed and compelled its followers to hide. The
failures of love stories of the Romantic as well as those of the Realism/Naturalism
periods had their alibi in the “obstacles of the world”. Romantic writers tended to blame
the world as the oppressing agent. These external forces would hinder the so dreamed
happiness project. In his work, Eça de Queirós focused on the impossibility of love. In
his earlier novels, written in the decade of 1870, the writer followed the romantic rules.
However, in the 1880’s and 1890’s, a new configuration arises. In this study, we
examine the work of Eça de Queirós from the Distrito de Évora to O mistério da
estrada de Sintra, O crime do padre Amaro, O primo Basílio, Os Maias and “José
Matias”, always focusing on the relationship between characters and represented world,
and on the theme of love. In the last chapter, we briefly present three authors of the turn
of the century, Raul Brandão, Arthur Schnitzler and Stefan Zweig, whose works admit
the possibility, already announced in Eça’s writings, of a displacement of the man/world
conflict to what Freud will later call the “strange interior interdict”.
7
SUMÁRIO
1 - Introdução.................................................................................................................. 9
2 – O Distrito de Évora...................................................................................................13
3 - A Década de 70: A Literatura e o Jornalismo a Serviço do Bem..............................28
4 - Os Maias e “José Matias” – Uma Suspeita no Campo do Amor...............................54
4.1 – O amor no realismo-naturalismo..................................................................... 54
4.2. – Os Maias – Uma Suspeita no Campo do Amor............................................. 61
4.3 – José Matias e Cruges .......................................................................................81
5 - Um Misterioso Interdito Interior................................................................................90
6 - Conclusão...................................................................................................................97
7 – Bibliografia..............................................................................................................101
7.1 – Impressas .......................................................................................................101
7.2 – Eletrônica .......................................................................................................107
8
“... De resto, as “Farpas” hão-de viver porque elas são o mais
interessante documento deste tempo: nelas se encontra, muito
viva, a impressão das duas grandes feições dos nossos dias — a
risível incapacidade da burguesia dirigente e a grande corrente de
revolução científica, que surge por baixo.”
(Carta a Ramalho Ortigão, Julho de 1879)
9
1 – Introdução
O principal objetivo deste trabalho é apresentar como foi tratada a questão da
experiência burguesa do amor na obra de Eça de Queirós. A literatura do século XIX
revelou os conflitos que a exigente moral burguesa impunha e compelia seus devotos a
ocultar. Os escritos do século XIX sobre o amor nos deram diversas pistas acerca de
uma cultura tão ampla e diversificada. Os que pensaram o amor no século XIX não
eram simplesmente adversários, mas também componentes da cultura burguesa.
Projetavam e organizavam as aspirações burguesas, bem como os medos burgueses,
dando voz às fantasias mudas ou mal formuladas do desejo. O principal adversário
enfrentado pela burguesia no amor era conseguir a união das duas correntes, do modo
como Freud expressa em “Contribuições à psicologia do amor”, a afetiva e a sensual.
(FREUD: 1997, p. 81) A questão era se no amor a classe média, por mais presa a regras
e convenções que parecesse a seus críticos, poderia atingir esse ideal sublime, a
combinação perfeita. E, se não conseguia, por que isto se dava?
O estudo pretende, na medida do possível, discutir, através da leitura de algumas
obras de Eça, a questão da impossibilidade do amor e as desculpas colocadas então para
os insucessos amorosos. Os românticos acusaram o mundo de agente opressor. Essas
forças exteriores seriam os obstáculos para o tão sonhado projeto de felicidade. Na
literatura realista/naturalista continuaram os mesmos álibis, até que, em algumas obras,
surge a possibilidade destes impedimentos e obstáculos estarem situados no campo da
realidade psíquica do próprio sujeito. Ressaltamos também as conseqüências do
desconforto do homem no mundo, a partir da “estranha” atitude de alguns personagens
no amor.
Inicio o capítulo dois com a mudança de Eça para Lisboa, as reuniões no
Cenáculo, o convite para dirigir o Distrito de Évora, Nos primeiros textos de não-ficção
(Distrito de Évora), identificaremos o inconfundível estilo do escritor que ali
despontava. Eça, aqui, se afirma como um astuto observador da sociedade. Aparecem na
pena de Eça, nestes artigos que assina para o Distrito de Évora, assuntos sobre os quais
10
se debruçaria ao longo de sua carreira: a degeneração da vida social portuguesa, a
educação, o erotismo, a literatura e o jornalismo.
O terceiro capítulo irá tratar do percurso de Eça de Queirós na década de 70. Sua
colaboração n’As Farpas, a Conferência do Casino Lisbonense e os romances
publicados nessa década: O mistério da estrada de Sintra, O crime do padre Amaro e O
primo Basílio. Os textos selecionados d’As Farpas tratam da crise social que, segundo
Eça, dominava Portugal, da educação da mulher portuguesa e do adultério. A
conferência proferida por Eça no Casino Lisbonense, em 1871, também merece
destaque. Foi lá que Eça dissertou sobre o “Realismo na Arte”, discurso pautado na
filosofia de Proudhon (“Du principle de l’art et de sa destination sociale”). Os
principais temas e idéias propostos nos artigos, nas crônicas e na sua conferência do
Casino estão presentes nos romances da década de 70: O mistério da estrada de Sintra,
O crime do padre Amaro e O primo Basílio. A elaboração de alguns personagens,
nesses romances, é pautada nas idéias dos textos apresentados. Destacamos a presença,
nestes romances, de tudo aquilo que Eça acreditava ser o motivo para a degeneração
portuguesa. Em relação ao amor destacamos o modo como o desejo fica amortecido
diante das idéias positivistas. A ficção e não-ficção de Eça, na década de 70, seguem
muito de perto os parâmetros do realismo-naturalismo visando à reforma dos costumes
através da literatura. Ou seja, uma literatura de forte cunho pedagógico.
Prosseguindo a investigação acerca da experiência burguesa do amor, o capítulo
quatro enfoca o romance Os Maias e o conto “José Matias”. N’Os Maias, verificamos a
saída do realismo estreito e das mensagens em tom pedagógico, devido às diversas
contradições e ambigüidades que vão surgindo ao longo da narrativa. Os furos do
modelo de educação, proposto na década de 70, aparecem. Eça talvez tenha se dado
conta de que a filosofia positivista e o cientificismo não seriam capazes de lhe dar todas
as respostas. No amor surge à suposição que não era apenas o “mundo” o responsável
pelos fracassos. Percebemos que, dentro das ambigüidades apontadas, pode-se
interpretar a suspeita de que algo não era como supunham. Existia uma força contrária
que os impedia de alcançar o ideal de Felicidade a que aspiravam. Ressaltamos a
permanência do escritor crítico e conectado com o mundo até suas últimas publicações.
A partir da análise do conto “José Matias” e de Cruges (personagem de Os
Maias) surge a suspeita de que o motivo para o fracasso no amor, não era “o mundo”.
11
Não é “o mundo” o responsável pelas estranhas atitudes desses personagens. Não há
mais como encobrir que algo parte do próprio sujeito.
No quinto e último capítulo apresentamos três autores: Raul Brandão (Húmus),
Arthur Schnitzler (A senhora Beate e seu filho) e Stefan Zweig (Confusão de
sentimentos), como sugestão para uma futura pesquisa. Na obra destes autores, a
interioridade humana é desnudada, algo que todos tentam ocultar, mas que acaba
voltando à superfície. Seus personagens descem aos abismos da consciência, revelando
sujeitos divididos e contraditórios. Neste romances/contos a misteriosa força interior
que impedia os personagens de seguir seus impulsos/desejos é revelada.
12
O Distrito de Évora. Évora, 1867
N
o
1 (6 Jan. 1867), p. [1] – BN J. 483/4 M.
“O jornalismo, na sua justa e verdadeira atitude, seria a intervenção
permanente do País na sua própria vida política, moral, religiosa, literária
e industrial.”
“Que o jornalismo possa sempre dizer: comigo estão a razão e a justiça!”
E de feito, com estas forças, pode-se lutar e sofrer (...) porque elas lhe são
uma coisa que tudo isso compensa — a nobre serenidade da
consciência!”
(Distrito de Évora)
13
2 – O Distrito de Évora
Em 1866, aos 21 anos, Eça de Queirós, bacharel formado, deixa Coimbra e vai
morar em Lisboa com a família, no Rossio 26, 4
o
andar. Sua estada em Lisboa durará
poucos anos, com várias idas e vindas. Não demorou a conquistar amigos e
admiradores, dentre eles: Batalha Reis, que morava na Travessa do Guarda-Mor, e que
foi quem propiciou o ressurgimento das reuniões, tal como existira em Coimbra em
torno de Antero de Quental. No Cenáculo de Lisboa reinava uma espécie de boemia
literária que continuava os tempos de Coimbra. Ali, naquela casa, os jovens
acalentavam seus próprios sonhos de mocidade, ao tomar conhecimento das novas
idéias vindas da Alemanha, da Itália e da França, nos livros de Michelet, Quinet,
Proudhon, Renan e Taine. Esses jovens intelectuais atentos às idéias e acontecimentos
europeus, e pouco crentes nos caminhos que as tendências monárquicas estavam a
seguir, conseguiram agitar a opinião pública com as Conferências do Casino, num
período transitório das suas vidas, compreendido entre as suas formaturas e as suas
efetivas carreiras como escritores.
Eça debutou no jornalismo na Gazeta de Portugal. Sua colaboração tem início
em março de 1866, quando ainda faltavam alguns meses para formar-se em Direito, e
vai até dezembro de 1867. As “Notas Marginais” constituem o primeiro texto impresso
queirosiano que se conhece. Em janeiro de 1867, aceitou assumir o cargo de diretor e
redator-chefe do bi-semanário político alentejano Distrito de Évora, cuja principal
missão era fazer oposição à Folha do Sul, que defendia o governo de Joaquim António
de Aguiar.
Durante os reinados de D. Pedro V (1855-61) e de D. Luís (1861-89) a política
interna de Portugal caracterizou-se por uma relativa calmaria, explicável no
enquadramento geral da expansão econômica e da prosperidade para as classes
dirigentes. Regeneradores e históricos (mais tarde chamados progressistas) alternaram-
se no poder. Algumas vezes, pequenas crises sacudiram a ordem pública, mas sem
grande relevância, como, por exemplo, o protesto contra o aumento de impostos
(Janeirinha) em 1868 e as Conferências do Casino em 1871.
14
As contradições da monarquia constitucional, entretanto, eram evidentes, e seu
ideário deixara de exercer qualquer apelo para as gerações mais jovens. Em vez disso,
eram o socialismo e o republicanismo que lhes apontavam a rota a seguir. As revoluções
francesa e espanhola dos anos 1870 tiveram enorme influência no surto de uma
consciência política nacional, em oposição ao rotativismo dos partidos e ao
enriquecimento despreocupado da burguesia. Até então, os partidos em Portugal não se
distinguiam, embora vivessem em conflito permanente. Os jovens que se designavam
geração nova tomaram partido contra o nacionalismo liberal, contra uma sociedade com
uma cultura nobiliárquica e eclesiástica.
O Distrito de Évora foi o primeiro veículo em que Eça expôs as idéias até então
discutidas nas reuniões do Cenáculo e acenou com um novo caminho que supunha-se
pudesse retirar Portugal da “apatia” e atraso em que se encontrava. Eça o compõe
inteiramente do n
o
1 (6 de janeiro de 1867) ao n
o
59 (1 de agosto de 1867)
1
.
Desempenhou diversos papéis no jornal: diretor, redator, cronista, repórter, crítico de
arte, folhetinista. Sozinho, ele escreveu as várias seções: Correspondência do Reino,
Política Estrangeira, Crítica de Literatura e Arte, Leituras Modernas. Sua habilidade e
versatilidade para expor suas idéias e também as inúmeras leituras acumuladas desde a
universidade permitiram-lhe tratar dos mais diversos assuntos. Acompanhou
importantes acontecimentos internacionais, questões referentes à política nacional, à
agricultura, ao comércio e à economia, entre outros. Nesses primeiros textos não-
ficcionais, identificaremos o inconfundível estilo do escritor que ali despontava.
O jovem jornalista se afirmaria como um astuto observador da sociedade em que
vivia, escrevendo críticas marcadas pelo humor, não poupando nem mesmo a juventude
da qual fazia parte. A crítica à vida lisboeta é mordaz; na Comédia Moderna, de 6 de
janeiro de 1867, Eça culpou a sociedade de Lisboa pela inércia e estagnação em que
vivia: “Como já disse, Lisboa dorme.” Desfaz das cerimônias da Monarquia
Constitucional, de sua falta de idéias e da precariedade da política, chegando a afirmar
que Portugal era um país onde não existia oposição política e sim pessoal.
1
De acordo com A. Campos Matos, Eça de Queirós compôs o Distrito de Évora do n
o
1 (6 de janeiro de
1867) ao n
o
66 (26 de agosto de 1867). (MATOS: 1988, p. 285) Beatriz Berrini afirma que Eça escreveu o
Distrito de Évora até o n
o
59, publicado em 1 de agosto de 1867. Beatriz Berrini, em Nota Preliminar
sobre o Distrito de Évora, diz que em 4 de agosto de 1867 o jornal publicou, na primeira página, uma
nota comunicando o afastamento de Eça de Queirós, desde o dia 1
o
. (QUEIRÓS: 2000a, p. 111)
15
Não há idéia que leve esta gente, tendência que os dirija; nem uma
tendência má; não: são todos indolentes e burguesmente bondosos. (...)
As mulheres aqui, como sabem, são feias pela maior parte, de olhar
audaz, vestir imodesto; há ainda um certo número de raparigas, doces
espíritos, almas delicadas, mas não se fala nelas.
O que predomina é o egoísmo e a inércia. Sobretudo os nossos
rapazes têm um caráter: a preguiça; dizem-se estróinas aventureiros,
audazes, valentes, mas ninguém os acredita (...) Vê-se andar esta
mocidade estéril e burguesa pelas ruas, abonecada, bem-composta e vazia
de idéias e de sentimentos. É mesmo a condição para bem viver nos
círculos célebres desta terra — a falta de idéias. (...) Nada do que é
humano entra nesta sociedade frívola. São sentimentos convencionais e
ridículos. (QUEIRÓS: 2000a, p. 391-392)
A rejeição à vida moderna é um dos assuntos tratados no jornal. A artificialidade
da vida urbana é contraposta à franqueza, à verdade de sentir, à serenidade, ao
desassombro dos espíritos na vida da província.
O tema natureza versus civilização foi um assunto muito abordado na literatura
ao longo do século XIX. O campo e a natureza são vistos como um ideal de pureza e a
metrópole como uma fonte de corrupção e inquietação. A filosofia de Rousseau ainda
impregnava o discurso dos autores da época. Como construir uma educação que pudesse
manter a bondade natural do homem? O que fazer para que ele não fosse corrompido
pela civilização? Tout est bien, sortant des mains de l’Auteur des choses, tout dégénère
entre les mains de l’homme.. (ROUSSEAU: 1856, p. 411) O que fazer para suportar as
armadilhas do “mundo vil” e não se deixar corromper? A idéia de apontar a natureza
como solução para o fim das angústias do homem e para a tão sonhada paz será
retomada em muitos textos, dentre eles: A cidade e as serras. Neste romance, Eça
desenvolverá a idéia de que talvez fosse necessário que o homem da cidade, fatigado
pela complexidade da vida civilizada, regressasse à simplicidade da vida rural.
A imagem que Eça nos transmite de Lisboa em O Distrito de Évora é a de um
local degenerescente: “um quarto infecto, um lugar onde lhe falta ar, além de causar
asfixia da alma”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 412) Eça sofria do mal que dominava a
sociedade do século XIX. Ao mesmo tempo em que a cidade o atraía, também lhe
causava repugnância.
A sociedade do século XIX sofreu com as transformações ocorridas no mundo.
As metamorfoses ligadas ao progresso resultante da Revolução Industrial se fizeram
16
sentir em todos os aspectos da vida social, levando-a a uma profunda crise moral.
Estruturas foram rompidas entre o homem e o mundo durante aquele período. O abalo
foi grande, tendo sido sentido por intelectuais e filósofos. Peter Gay, em A educação
dos sentidos, ressalta que mudanças são a lei da vida, e que a maioria das épocas são
períodos de transição. O que ocorreu no século XIX foi que a natureza das mudanças se
modificou: elas tornaram-se muito mais rápidas e irresistíveis do que haviam sido no
passado. O que se constatou no período final do século XIX foi a descoberta de que até
mesmo mudanças aparentemente para melhor poderiam gerar abalos psíquicos
profundos. O incerto e o dúbio trazem ansiedades e profundas angústias aos seres
humanos, fazendo com que o homem coloque em campo suas defesas: luta, fuga,
negação. O homem culpará o progresso e a vida moderna por suas angústias, mas, na
verdade, essa angústia é originária do próprio homem, pois acontecerá em qualquer
sociedade/civilização, embora nunca do mesmo modo. Freud e a psicanálise
contribuirão para que o homem possa compreender melhor esse processo, ao afirmar
que o propósito da vida é o programa do princípio do prazer. O homem esforça-se para
obter felicidade e quer ser feliz e assim permanecer, embora essa seja uma tarefa
impossível de modo completo e pleno. A felicidade almejada é tão difícil de ser
alcançada basicamente por três motivos: o poder superior da natureza, a fragilidade de
nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os
relacionamentos mútuos do homem na família, no Estado e na sociedade.
Para Freud, o argumento de que a civilização é a responsável pela desgraça do
homem e que este seria muito mais feliz se a abandonasse e retornasse às condições
primitivas é controverso, pois tudo o que buscamos, a fim de nos protegermos contra as
ameaças oriundas das fontes de sofrimento, faz parte dessa mesma civilização.
A humanidade se deu conta de que mesmo o progresso, tendo proporcionado
poder sobre o espaço e o tempo e subjugado as forças da natureza, não aumentou a
quantidade de satisfação prazerosa que se poderia esperar da vida e não tornou o homem
mais feliz. Além disso, os sacrifícios que a civilização impôs ao homem, não apenas à
sexualidade, mas também à sua agressividade, nos mostraram porque lhe é tão difícil ser
feliz. Essa contradição está presente — ou talvez fosse melhor dizer, está submersa —
em Eça, tanto na sua produção jornalística como na ficção, tornando-se mais clara com
a publicação de Os Maias.
17
Vejam o que Eça nos apresenta no n
o
5 da Correspondência do Reino (Distrito
de Évora):
Hoje, que tudo é imenso e exagerado, nesta vida moderna, cujo
verdadeiro nome é paroxismo (...), tudo nasce, passa, voa, é lido,
estudado, esquecido e lançado ao monturo. (...) A vida moderna tem um
característico: inchação. (...) nós chegamos àqueles tempos de
decadência, de abaixamento, de corrupção, de infâmia, de vileza, em que
um grande e terrível fato deve vir. (QUEIRÓS: 2000a, p. 397)
O homem torna-se um eterno desiludido. E daqui a pouco virá
uma geração nova; essa geração ouviu falar na honra, no amor, na
virtude, na alegria: quer essas coisas; quer sobretudo a virtude, quer
sobretudo o amor. (..) Em matéria de virtude, a verdadeira virtude
acabou, mas temos a elegância, os lindos vestuários, etc.; a caridade
também acabou um pouco, mas temos a roda; a honra também acabou
felizmente, mas temos as condecorações; (...) o amor também acabou,
verdade seja, mas também era uma tolice, uma pieguice, uma
imoralidade; hoje temos coisa melhor: temos as dançarinas, temos as
mágicas onde aparecem fadas, temos as matriculadas na polícia e temos
sobretudo os casamentos ricos. (QUEIRÓS: 2000a, p. 398)
A industrialização e o capitalismo que se expandiam eram vistos como fonte do
mal, e o dinheiro, o principal motor da sociedade e das instituições que dela fazem
parte. Acusavam o sentimento de haver se reduzido a uma operação contábil, e a razão,
a uma combinatória de estratégias para se extrair o melhor do pior. As condições sociais
presidem as relações humanas, demonstrando a inviabilidade de qualquer tentativa de
subversão da ordem instituída. Percebemos essa tendência das mudanças sociais em
Eça, e isto vai se intensificando em seus últimos escritos. Vejamos A cidade e as serras
e O Distrito de Évora:
— Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa! (...) E se ao
menos essa ilusão da Cidade tornasse feliz a totalidade dos seres que a
mantêm... Mas não! Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade os
gozos especiais que ela cria. O resto, a escura, imensa plebe, só nela
sofre, e com sofrimentos especiais que só nela existem! (...) Os séculos
rolam; e sempre imutáveis farrapos lhe cobrem o corpo, e sempre
debaixo deles, através do longo dia, os homens labutarão e as mulheres
chorarão. E com este labor e este pranto dos pobres, meu Príncipe, se
edifica a abundância da Cidade! (...) a tua Civilização reclama
18
insaciavelmente regalos e pompas, que só obterá, nesta amarga
desarmonia social, se o Capital der ao Trabalho, por cada arquejante
esforço, uma migalha ratinhada (...). A sua esfalfada miséria é a condição
do esplendor sereno da Cidade. Se nas suas tigelas fumegasse a justa
ração de caldo — não poderia aparecer nas baixelas de prata a luxuosa
porção de foie-gras e túbaras que são o orgulho da Civilização.
(QUEIRÓS: 1997b, p. 529-530)
Todos os que observam a indústria, conhecerão as classes
operárias, sabem que há uns lugares onde as crianças se vão corromper,
onde a família não existe, onde se ensina a prostituição, onde é vulgar a
promiscuidade; lugares onde se consomem rapidamente as forças físicas
e morais; lugares onde não há idéias da virtude e do vício, do justo e do
injusto, nem idéia religiosa, onde há um martírio, sem fim e sem
esperança, sofrimento por inocentes: estes lugares são as grandes
fábricas. (QUEIRÓS: 2000a, p. 541)
A afirmação de que os burgueses convertiam tudo em mercadoria e que eram
incapazes de amar deve ser interpretada com cautela. Por trás desses julgamentos,
muitas vezes estava a projeção das neuroses dos próprios críticos, e o esquecimento de
que em certas situações, a cultura liberal proporcionou alguma abertura de espaços aos
seus próprios detratores. Mesmo diante de tantas críticas ao modo de vida burguês, não
faltaram no século XIX observadores que também elogiaram a contribuição da classe
média para o progresso da civilização.
Na seção d’O Distrito de Évora destinada à crítica de arte, Eça (Leituras
Modernas n
o
1, de 06 de janeiro de 1867) defenderá a nova corrente literária que surgia
e o rumo que a arte deveria tomar em Portugal. Diz que a literatura é decaída, a pintura
estéril, que não há arquitetura ou música... Uma transformação radical era necessária
para que então a nação se fizesse valer por seus sábios, por suas escolas, pelos grêmios,
pela literatura, pelos seus exploradores científicos e pelos seus artistas. (QUEIRÓS:
2000a, p. 401)
2
A literatura romântica seria culpada pelo estado em que se encontrava a
nação. O discurso de Eça já estava impregnado pela filosofia positivista e cientificista
que dominou as primeiras décadas do século XIX. Afirma que o povo não queria mais
“ver a alma inerte, opaca, estéril, como sob a lei absoluta e católica; não quer a
passividade dos espíritos e as imitações servis (...)” (QUEIRÓS: 2000a, p. 625)
3
, não
2
Comédia Moderna – Correspondência do Reino (Lisboa) n
o
8 de 31 de janeiro de 1867.
3
Leituras Modernas – n
o
1 de 6 de janeiro de 1867.
19
admitindo o gosto oficial como dogma intelectual. Sua meta era que a ciência pudesse
ensinar sem medo das “fulminações católicas”. “(...) que não apostolize a religião
burguesa do interesse e do egoísmo, que não consagre a paixão infame, a futilidade, os
amores estéreis, quer que a poesia seja elevada (...), que é ser a vibração divina e
luminosa da vida social.”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 625-626) O positivismo é uma
filosofia determinista, que professa, de um lado, o experimentalismo sistemático e, de
outro, considera anti-científico todo o estudo das causas finais. Admite que o espírito
humano é capaz de atingir verdades positivas ou da ordem experimental, mas não
resolve as questões metafísicas, não verificadas pela observação e pela experiência. A
filosofia positivista contribuiu de maneira decisiva para delinear o caminho aberto à
inteligência da época, e em particular, aos romancistas realistas/naturalistas.
A influência do catolicismo é também apontada por Eça n’O Distrito de Évora
como uma das principais causas da decadência social e literária em Portugal: “(...) entre
nós é profunda a decadência literária. E as decadências literárias são sempre os mais
efetivos sintomas da decadência social. Provêm do abaixamento e fraqueza espiritual.”.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 627) A solução apresentada era de que em Portugal deveria haver
homens que não aceitassem os patronatos, os arcebispados literários, e que dissessem
coisas novas e profundamente originais à curiosidade popular. A ação desses homens
era necessária naquele momento de abatimento e de desilusão social. Os positivistas
defendiam uma religião, puramente natural, racional, científica e exclusivamente
humana, que não admitisse mistérios, revelação, vontade sobrenatural e que não
aceitasse nenhuma crença cuja exatidão a sua razão não lhe tivesse podido demonstrar.
Desgraçado o país onde se fazem sentir os efeitos de decadência
espiritual e a literatura se torna de imitação, de rotina, sem grandeza, sem
ideal. Esse país perder-se-á pelo abaixamento moral. (...) Quando a
literatura é fraca, estéril, doentia, baixa, produz o vazio dos espíritos e a
indiferença das inteligências; quando é imoral, escarnecedora, injusta,
produz o entorpecimento das consciências; os elementos da dissolução
que contém passam para os espíritos populares; pelo livro, pelo teatro,
pelo jornal, a influência maléfica espalha-se, corrói, destrói. Perdida seria
para a justiça, para o bem e para o direito, a sociedade cuja literatura
consagrasse o adultério, celebrasse o desprezo pela paternidade e
escarnecesse o trabalho. Os que combatem pela justiça, pela verdade,
pela beleza moral, derramam pelos seus escritos a consagração soberana
de elementos da vida social: a família, o trabalho e a educação.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 628)
20
Percebemos que os textos de 1867 já apontavam uma preocupação com as
causas objetivas da decadência, e buscavam possíveis soluções. Glorificam os grandes
poetas como Hugo, Lamartine, Musset, por terem combatido pela justiça, pela verdade,
pela revolução, pelo direito popular, lamentando estarem esquecidos.
E as decadências literárias são sempre os mais efetivos sintomas da
decadência social. Provêm do abaixamento e fraqueza espiritual. (...) em
Portugal, a literatura decai. (...) Estão longe dos movimentos modernos,
cultivam a arte pela arte, sem encontrar eco nos espíritos. (QUEIRÓS:
2000a, p. 627, grifo nosso)
Esse texto de Eça é uma prévia de sua conferência no Casino Lisbonense, já
pautada na doutrina do Realismo-Naturalismo.
Além da literatura, na Revista da Imprensa (n
o
1, de 6 de janeiro de 1867), Eça
coloca o jornalismo como um importante veículo para a revolução que deveria ocorrer
em Portugal: “O jornalismo, na sua justa e verdadeira atitude, seria a intervenção
permanente do País na sua própria vida política, moral, religiosa, literária e industrial.”.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 568)
Na Revista Crítica dos Jornais (Distrito de Évora), Eça segue a mesma temática
do artigo citado anteriormente quanto ao papel da arte. O dever do jornalista seria o de
garantir o conhecimento do estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos,
velar pelo poder interior da Pátria, pelo progresso que fazem os espíritos, pela
conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo
melhoramento das classes infelizes. (QUEIRÓS: 2000a, p. 568)
N’O Distrito de Évora, assim como iria afirmar mais tarde nas Conferências do
Casino, o jornalista deveria ter consciência de que estava no território da razão e da
justiça: “(...) o jornalismo ensina, professa, alumia sobretudo; é ele o grande construidor
do futuro;”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 570)
Que o jornalismo possa sempre dizer: comigo estão a razão e a justiça! E
de feito, com estas forças, pode-se lutar e sofrer: por elas pode o corpo
ser martirizado, a honra e a pureza caluniadas; podem os homens de
alma, por uma triste perseguição, languescer na mediocridade e na
21
sombra; pode o escritor andar roto, ter fome e sede, sofrer, chorar; porque
elas lhe dão uma coisa que tudo isso compensa — a nobre serenidade da
consciência! (QUEIRÓS: 2000a, p. 570)
Uma reflexão crítica sobre a imprensa e a prática jornalística acompanhou toda a
trajetória de Eça. Jornalistas e escritórios dos jornais comparecem com freqüência na
ficção queirosiana. A caricatura da classe jornalística, algumas vezes chegou a ser
implacável, como por exemplo: Palma Cavalão, figura sórdida, redator de uma folha
intitulada Corneta do Diabo, n’Os Maias.
Na carta que o seu heterônimo Fradique Mendes escreve a Bento de S.,
publicada na Revista Moderna de 25 de julho de 1897, comprovamos a permanência em
Eça da preocupação quanto à responsabilidade do jornal como um formador de opinião,
responsabilizando a imprensa por rótulos e juízos precipitados.
(...) todos nós hoje nos desabituamos (...) do penoso trabalho de verificar.
É com impressões fluidas que formamos as nossas maciças conclusões.
(...) Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos
nos dorsos dos homens e das coisas. (...) E a opinião tem sempre, e
apenas, por base aquele pequenino lado do fato, do homem, da obra, que
perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos.
(...) Todo jornal destila intolerância, como um alambique destila álcool, e
cada manhã a multidão se envenena aos goles com esse veneno capcioso.
É pela ação do jornal que se azedam todos os velhos conflitos do mundo
— e que as almas desevangelizadas, se tornam mais rebeldes à
indulgência. (QUEIRÓS: 1997b, p. 169-173)
Voltando ao Distrito de Évora, ali a mulher é representada de uma maneira
sarcástica, predominando um discurso moralista e misógino. O século XIX não foi
apenas um momento de total ausência de direitos para a mulher e de completa
submissão em relação ao homem, foi também o início de sua emancipação,
principalmente com o advento do feminismo como movimento social e político.
O papel que a sociedade esperava das mulheres era o de filha, mãe ou o de
esposa casta. A pureza da Virgem tornou-se o modelo de identificação, o centro da
educação feminina. A mulher deveria ser virgem de corpo e também inteiramente pura
de espírito. Seu dever era casar, ser uma boa mãe e obediente esposa. Sua educação era
orquestrada de modo a garantir que encontrasse sempre parceiros que lhe fossem
22
adequados, por razões de família e de dinheiro, sendo-lhes impostas penalidades
extremamente duras — ostracismo social e suspensão de heranças, entre outros, nos
casos de alianças erradas. Na literatura do século XIX, algumas obras funcionavam
como uma ponderada advertência contra os perigos das paixões precipitadas e um alerta
para as conseqüências dessas paixões, ao mesmo tempo em que mostravam que nem
tudo estava calmamente posto e assentado nos lugares que a religião e a ciência
demarcavam. Esse tipo de literatura tinha como objetivo manter a mulher nos papéis
que a sociedade havia designado para elas. De acordo com Peter Gay, “com sua fixação
no amor, os romances respondiam às necessidades pessoais e culturais”. Mas, além de
serem um testemunho informativo, também distorciam a experiência erótica da época.
(GAY: 2000, p.126) Logo, devemos ler com certa desconfiança aquilo que os escritores
chamavam de “realidade”.
Em alguns artigos e crônicas, a mulher é colocada como um ser perigoso,
principalmente em relação ao desejo. Eça aceitava a moral proudhoniana, na qual só
restavam dois lugares para a mulher: esposa ou prostituta.
A mulher é vista como força maléfica desde Eva, rotulada como um ser que se
deixa seduzir facilmente, conduzindo o homem ao pecado e, que por isso, deveria ser
educada para saber conter seus impulsos/desejos e permanecer reclusa. As mulheres
buscariam a sua afirmação nos comportamentos virtuosos. Conforme aponta Michela
de Giorgia, “A devoção da Imaculada permitiria «tomar consciência do desejo sexual
sem o aceitar». Não só «desejo de gozar o prazer sem sentir culpa», mas «procura do
prazer sem dor»”. (GIORGIO: 1994, p. 222) A cultura católico-cristã fundamenta a
valorização do papel materno nos comportamentos de piedade sentimental típicos da
devoção feminina. A maternidade da Virgem apagou o pecado de Eva. A moral
inscrita no século XIX exige a castidade antes do casamento e retirou o desejo do seu
contexto — o desejo sexual deveria advir do amor. No século XIX, se queria que a
mulher não sentisse desejo, enquanto o homem não o tivesse despertado, no
matrimônio, é claro. A dificuldade, porém, era conseguir permanecer neste modelo
propagado pela moral católico-cristã. O mito da castidade desencadeou apenas
frustração, e o homem tornou-se dividido entre as mulheres que podiam ser amadas e
as que podiam ser desejadas.
23
No Distrito de Évora, encontraremos diversos relatos de acontecimentos, como
o da prostituição londrina, com mensagens moralistas, associados à criminalidade e à
imundice, usados como advertência. O sexual fora do casamento lançava sempre um
véu de indignidade sobre a mulher. Vejamos a transcrição do Jornal do Comércio
publicada no Distrito de Évora de 24 de fevereiro de 1867, relatando as misérias de
Londres:
Sara Mason era uma moça de seus vinte anos, filha de um operário. Aos
três anos ficou logo órfã de pai e mãe, quase ao mesmo tempo, com mais
dois irmãos. Um policeman veio (...) e levou os pequenos para a
workhouse mais próxima. (...) Aos 15 anos, Sara saiu deste hospício para
ir servir para uma casa de boa gente. Daqui seduziram-na, e um mês
depois deixaram-na ao abandono, e ultimamente andava na maior
devassidão que é possível.
Um dia, em que estava sem pão e sem recursos alguns, não fazia senão
caminhar entre Temple Bar e Charing Cross. (...) A dona da casa em que
vivia advertiu-a de que não tornava a entrar senão trazendo-lhe um
shilling. Eis por que ela, à meia-noite, ainda cruzava no mesmo sítio.
Encontrou-se com outra desventurada mulher sua conhecida, e explicou-
lhe as suas dificuldades pecuniárias. Combinaram de ir mendigar alguma
coisa. “Vai tu para a ponte de Waterloo, que eu ficarei no Strand” — lhe
disse a outra (...) Eram três da manhã quando Isabel entrou na ponte com
cinco shillings, a fim de ir valer à sua desgraçada companheira.
O cobrador da portagem estava no posto e, ao ver passar Isabel, disse:
— Espero que não façais o mesmo que a outra que há uma hora saltou
por cima do parapeito para o rio!
— (...) três dias depois Acharam-lhe o cadáver perto de Billlingsgate.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 455-456)
Tanto no romantismo quanto no realismo, o final de uma mulher que se prostitui
só podia ser a desgraça e a morte — não havia outra saída. O leitor, ao se deparar com
uma história como a de Sara, chegaria à seguinte conclusão: Sara é uma vítima da
sociedade — não lhe foi dada uma chance de optar — a sociedade arrastou esta pobre
mulher para o vício. Uma órfã, filha de um operário, conseguiria subverter a ordem
instituída por aquela sociedade? Esse discurso da pobre órfã seduzida não esconderia
também o desejo, a sexualidade que a afeta também, e assim insistem em apresentá-la
sempre como refém do social, nunca como sujeito.
Ana Luísa Vilela, no artigo “Erotismo queirosiano”, diz que o erotismo serve de
base para a tematização de um universo decadente de cuja essencial desordem são sinais
24
a prostituição, os audaciosos costumes femininos, a literatura da paixão, a ociosidade —
invocando a catástrofe. Em sua opinião, “a mulher queirosiana de 1867 é um ser
irresistível e repulsivo: absolutamente romântico”. (VILELA: 2000, p.280)
Diversas vezes, a mulher é mostrada como um ser maligno e destrutivo, e o
amor/paixão como uma força que leva o homem à loucura. O vampirismo e a
destrutividade da sedução feminina ligada ao Eros são narrados por Eça, no n
o
42 das
“Crônicas” (Distrito de Évora), em uma história de amor trágico-melódico: a paixão de
um velho “gentleman” por uma linda caixeirazinha, como aponta Isabel Vilela. Um
velho capitão inglês passou a freqüentar com assiduidade certa loja em Londres, para
admirar a beleza de uma jovem balconista. Logo o velho estava violentamente
apaixonado e se declarou à balconista. Mas ela riu do amor que lhe inspirava. O velho,
mesmo triste, não deixou de freqüentar a loja. Ia para lá pela manhã e só se retirava à
noite. Mas a moça recebia os galanteios do capitão com um amável desprezo. Aos
poucos, o velho deixou de falar-lhe, contentando-se apenas em contemplá-la. Um belo
dia, o capitão passou a cantar uma triste ária francesa. A letra da ária terminava assim:
“Mais quand je serai loin. Pense à moi si tu m’aimes!” A triste melodia incomodava a
gente da loja e a moça viu-se obrigada a mandar sair o velho, a quem era impossível
impor silêncio. No dia seguinte, tinham-no levado para um hospital, onde continuava a
cantar sem parar. Tinha enlouquecido. (QUEIRÓS: 2000, p. 486-488) Ao relatar a
história do velho capitão inglês que enlouquece por amor, o desejo é colocado como um
instinto animal, uma bestialidade, que deve ser domado, caso contrário, o desfecho
poderia ser como o do capitão que enlouqueceu. Esse raciocínio é próximo daquele dos
princípios católicos — de que a Mulher seria fonte suprema do pecado. Se Eva não
tivesse se aliado a Satã para seduzir Adão, a humanidade ainda estaria vivendo no
paraíso, mantendo relações sexuais sem luxúria.
Os grandes amores nunca foram cultuados por Eça, que não via possibilidade do
Eros positivista, do amor conjugal realizar-se numa sociedade como aquela. Sua obra
poderá confirmar esta afirmação. Eça nunca se deixou contagiar por fantasias de
grandes amores ou casamentos perfeitos. Pelo contrário, seus romances e contos trazem
o carimbo/marca da desagregação e do fracasso diante de um ideal (que não se cumpre).
Os românticos criaram um ideal de amor no casamento, adaptando-o às exigências do
cristianismo — o amor respeitável era a antítese do amor libertino, e o desejo erótico só
25
era permitido quando voltado para a procriação. A mulher guardiã do lar e da pureza
familiar tem o dever de pôr o amor em primeiro lugar. Quanto ao homem, este é situado
no mundo impiedoso dos negócios e da política: satisfazer suas ambições e procurar o
lucro são deveres igualmente imperativos. Eça de Queirós mostrará em seus romances a
incapacidade que a maioria das mulheres de classe média, assim como a maioria dos
homens, tinham para o amor em qualquer situação. O ideal de amor no casamento
imposto pelos ideais cristãos e pelas leis médicas parece ser impossível de ser seguido,
além de exaustivo e subversivo. E são o social e o sexual que, ao que tudo indica, vêm
inviabilizá-lo. Homens e mulheres pagam um alto preço quando transgridem leis sub-
repticiamente apresentadas como inalcançáveis, mas ao mesmo tempo como um
horizonte, uma expectativa que se frustra.
Todos os assuntos destacados no Distrito de Évora não permaneceram apenas
nas páginas do bi-semanário. Eça os levaria também para sua ficção. Identificaremos em
seus personagens um trabalho minucioso e coerente, condensando atitudes e
comportamentos em um conjunto de indivíduos socialmente identificáveis, sob o campo
de visão do realismo crítico. Para Eça, a sociedade portuguesa da Regeneração deveria
ser observada e solapada em todos os vícios e defeitos de sua educação ultra-romântica.
Vejamos o que diz a esse respeito em “Idealismo e Realismo”:
Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-
o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. Outrora, no drama,
no romance, concebia-se o jogo das paixões a priori; hoje, analisa-se a
posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia. (...) A
arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das
imaginações inatas... (QUEIRÓS: 2000c, p. 203)
Durante o período em que viveu em Évora, instalou um escritório de advocacia
na Praça de D. Pedro, n
o
3. Porém, o jornalismo e a advocacia não seduziam o escritor.
Não tardou a deixar o Alentejo e a retornar a Lisboa. Feito isto, voltou logo ao
Cenáculo. Antero de Quental acabara de retornar de Paris como um apóstolo do
socialismo, fazendo com que o clima boêmio que reinava no Cenáculo mudasse. Sob
sua influência, passaram a estudar Proudhon, Hegel e as doutrinas socialistas.
Estudando a obra de Eça, comprovaremos o quanto absorveu do pensamento de
Proudhon: a defesa de um socialismo de predomínio idealista e utópico, a crítica aos
26
valores burgueses e à Igreja Católica. Eça citará diversas vezes o pensamento de
Proudhon: nas Conferências do Casino, n’As Farpas, em O crime do padre Amaro...
27
“...queria enlaçar uma cinta fina e doce, ouvir na casa o frufru de
um vestido! Decidiu casar. Conheceu Luísa, no verão, à noite, no
Passeio.”
“A sua alegria era ir aos domingos para o Passeio Público, e ali,
com a orla do vestido erguida, a cara sob o guarda-solinho de
seda, estar a tarde inteira na poeira, no calor, imóvel, feliz — a
mostrar, a expor o pé!”
(O primo Basílio)
28
3 – A Década de 70: A Literatura e o Jornalismo a
Serviço do Bem
Em fins de 1869, Eça viaja rumo ao Egito e Oriente Próximo para assistir à
inauguração do Canal de Suez. Retorna do Oriente em janeiro de 1870, e nesse mesmo
ano escreve um romance com Ramalho Ortigão: O mistério da estrada de Sintra,
publicado sob a forma de cartas no Diário de Notícias, de julho a setembro de 1870. Eça
e Ramalho decidiram fazer algo que chamasse a atenção dos leitores. Trabalharemos
com esse romance, ainda que não seja possível determinar com exatidão quais as partes
que cabem a Eça ou a Ramalho. Consideramos que, já que foi assinado também por
Eça, não deixa de integrar a obra do autor de O primo Basílio.
Alguns meses após a publicação de O mistério da estrada de Sintra, Eça escreve
n’As Farpas (março de 1872) que o livro era “a idealização da catástrofe, o encanto
terrível das desgraças de amor. Sobretudo o amor ilegítimo e culpado... Aí o perigo, o
final trágico, atraem como um abismo delicioso”. Seus romances da década de 1870
serão todos um alerta para as desgraças do amor ilegítimo e culpado. “O marido que
mata a mulher, pensando dar um castigo justo ao pecado, dá um relevo poético à
paixão”, ressalta Eça. (QUEIRÓS: 2000a, p. 862)
As cartas são cercadas de suspense envolvendo um seqüestro e assassinato. A
protagonista, Condessa de W., vive uma relação adúltera com Rytmel, e é essa relação
que lhe permite questionar seu próprio comportamento, como resultado do idealismo
romântico, que a leva ao tédio do ócio e daí ao adultério. A ilusão de vivenciar
aventuras de heroína romântica será a causa de sua degradação. As teorias de Eça em
relação ao comportamento da mulher e ao adultério serão apresentadas neste seu
primeiro romance:
Não sou uma mulher, sou um romance (...) Experimentei eu também os
sobressaltos da paixão — e nunca vi, nunca soube que estas imaginações,
que estas atrações nascessem de uma verdade da natureza, (...) da
irreparável ação do coração. Vi sempre, que saíam de um pequeno mundo
efêmero, romântico, literário, fictício, que habita no cérebro de todas as
mulheres. (QUEIRÓS: 1997a, p. 1680-1682)
29
A Condessa faz um alerta, na passagem acima, às mulheres para que não se
iludam com o discurso do conquistador. Diante da monotonia do casamento, as
mulheres, sob a influência de romances românticos, se deixariam enganar por esse tipo
que “Como tem uma aventura, não pode ocultar a sua alegria, toma ares misteriosos,
(...) mostra as minhas cartas em cima da mesa de um café, ao pé de uma garrafa de
cognac; jura aos seus amigos que me não ama, e que é — para se entreter (...)”.
(QUEIRÓS: 1997a, p. 1683)
A descrição que a condessa faz de si e seu alerta aos leitores dá-nos a medida das
suspeitas de Eça para com o adultério. Eça parece não se dar conta de que o motivo
para o adultério não era a leitura dos romances e o mundo fictício criado por eles. Eça
não reconhece que a falta faz parte da estrutura subjetiva do sujeito. E que daí se
articula o desejo, desejo do que não se tem... Ninguém deseja só porque lê romances
imaginosos à sombra ociosa de um cotidiano maçante e banal. Conforme assinala Nádia
Ferreira:
O desejo, ao contrário do amor, faz parte da estrutura subjetiva. Em
função da marca fundamental dessa estrutura, que é uma falta radical, o
homem inventou o amor e seus mitos. É a entrada na ordem simbólica
que inaugura o desejo, diferenciando a espécie humana dos outros seres
vivos. A partir dessa inscrição, o destino do homem é se deparar com
interrogações sobre a vida, a morte e a diferença sexual, que só
encontram respostas incompletas. (FERREIRA: 2004, p. 12)
Envolvida pelo sentimento desse amor ideal (amor-paixão), a Condessa de W.
vai querer seu amado somente para si e tal sentimento a levará a cometer um ato de
insanidade:
Tinha eu o direito de seqüestrar aquele homem para uso exclusivo
do meu coração, encarcerá-lo dentro duma ligação ilegítima e secreta (...)
era justo que eu, tendo sacrificado por ele tudo, desde o pudor íntimo até
à honra social, fosse agora arremessada como uma luva velha?
(QUEIRÓS: 1997a, p. 1685-1686)
30
Rytmel, como os próximos amantes dos romances queirosianos, possui o
discurso da sedução. Ao se sentir pressionado e receber uma proposta de fuga, tenta se
livrar da amante. A condessa, no entanto, num ato de desespero, de ciúme, mata o
amante, seu amor havia se transformado em ódio, por isso ela vai querer destruí-lo. De
acordo com a narrativa, ela matou Rytmel, involuntariamente, mas o ponto de vista do
narrador deixa implícito que ela quis realmente matá-lo. Dominada pela paixão, vence
a idéia de que, se não podia mais ser dela, ele não seria de ninguém.
A autopunição da Condessa de W. é morrer para o mundo, abrindo mão de tudo
e entrando para o convento das carmelitas descalças: “A morte para todas elas começa
no momento em que transpõem o limiar da portaria. Dentro tudo é sepulcro. A morte é
simplesmente a mudança do cubículo.”. (QUEIRÓS: 1997a, p. 1709)
O amor-paixão vigorou em toda a literatura do século XIX. O sujeito sairá em
busca de um objeto que o complete, para de dois formar Um. Capturado por uma
imagem, o sujeito se vê preso a esse objeto idealizado, esperando encontrar no outro
aquilo que lhe falta, aí estaria a tão ambicionada felicidade. No entanto, essa felicidade
jamais será conquistada, o objeto jamais suprirá aquilo que falta ao sujeito. O mundo
exterior será acusado de ser o obstáculo para a realização desse ideal de felicidade, e
esse ideal de amor se transforma em fonte de dor e sofrimento. Nas literaturas romântica
e realista, o personagem masculino viverá um conflito no campo do amor, tendo como
resultado no romantismo a angústia e o sofrimento, e no realismo o cinismo, que ao
final dissolve os conflitos em apologia do bem–estar do corpo. Já as mulheres, se ousam
se desviar do padrão de virtude, são punidas com a morte, tanto no romantismo quanto
no realismo.
Os romances de Eça publicados na década de 1870 possuem um discurso
fortemente pedagógico e moralista. Daí a maneira como a condessa relata seu caso para
as mulheres e autoriza a publicação do episódio, para que servisse de exemplo para
outras mulheres não se deixarem seduzir, como ela o fora. Eça sempre defendeu que os
desejos deviam ser contidos. O homem/mulher educados sob o signo da moral, saberiam
como detê-los.
Ramalho Ortigão, em Farpas Escolhidas, deu uma interessante justificativa para
a morte das mulheres n’O mistério da estrada de Sintra. Mas nem por isso deixou de ser
moralista. A alternativa apontada por Ramalho para que permanecessem vivas foi
31
publicar o folhetim em uma folha sem moral. Em um panfleto moralista, era necessário
que o desejo fosse retirado de cena, aniquilado (já que era visto como perdição), e o
amor, circunscrito às leis da conjugalidade, como salvação:
(...) as nossas lindas mulheres louras, apaixonadas, que tão poeticamente
se deixavam acabar e morrer sob as nossas duras penas de ferro!
Boa Dolores! — Creio que se chamava Dolores uma delas. A outra
parece-me que era Luísa! Quereis agora que vos conte porque vos
matamos a ambas? Pois bem: foi para salvar a moral: foi para nos não
comprometermos com a crítica. Particularmente, um com o outro,
tínhamos pena e dizíamos: — Coitadinhas! tende paciência... Morreis
agora sacrificadas à moral, mas havemos de escrever outro romance para
vos reviver, outro romance que se há-de publicar em uma folha sem
moral, em um periódico corrupto — com subsídio! (ORTIGÃO: 1971, p.
64-65)
Eça, juntamente com Antero de Quental e Teófilo Braga, entre outros
4
, abrem
em Lisboa, em 22 de maio de 1871, uma Sala de Conferências livres, um lugar onde as
grandes questões do momento, religiosas, políticas, sociais, literárias e científicas,
seriam tratadas num espírito de franqueza, coragem e positivismo. A principal pretensão
destes intelectuais era conquistar a hegemonia cultural que, no plano estético, visava
liquidar o sentimentalismo ultra-romântico; no plano político, minar, em nome de um
ideal mítico de uma revolução propriamente cultural, os alicerces da ordem
monárquico-constitucional; e que, no plano cultural, procurava trabalhar, contra a
influência do catolicismo e da Igreja, em prol da razão e da ciência. Eça de Queirós fez
a quarta das conferências: “A afirmação do realismo como nova expressão de arte” em
12 de junho de 1871. Falando no Casino, desejava colocar a literatura a serviço da
Revolução. Eça confessou-se submisso ao espírito revolucionário: “O espírito
revolucionário naturalmente tende a invadir todas as sociedades modernas — e a
afirmar-se na ciência, na política, na vida social, enfim. A revolução constituía assim,
portanto, uma forma, um mecanismo, um sistema.”. (QUEIRÓS: 2002, p. 68) Explica
que o espírito do tempo é a revolução. Ela era a alma do século XIX. A revolução a que
4
Assinaram o programa, de 16 de maio de 1871, das Conferências Democráticas do Casino: Adolfo
Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira
Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão
Saragga e Teófilo Braga.
32
Eça se refere é um conceito que implica a transformação gradual das elites governantes,
pela sua regeneração e educação. A revolução era sobretudo a denúncia, com vista à
correção, das manifestações de uma sociedade que urgia renovar. Para Eça, a Revolução
iria se concretizar através da reforma dos costumes, e ele irá tentá-la através dos
romances realistas
5
.
Eça chamou atenção para essa nova forma de fazer arte, cujo objetivo era
estabelecer moral, justiça e verdade. A obra do espírito revolucionário deveria ter em
vista três aspectos: o verdadeiro na Ciência, o justo na Consciência e o belo na Arte.
Segundo Eça de Queirós, o realismo não era um mero processo formal, e sim
uma base filosófica para todas as concepções, uma lei, uma carta guia, um roteiro do
pensamento humano na eterna região artística do belo, do bom e do justo. Essa nova
literatura proporcionaria ao homem uma maneira de saber o que era verdadeiro e o que
era falso, isto é, seria um modo de indicar o mal que está na sociedade, mas que também
está dentro do próprio homem. O princípio dessa nova literatura seria a lei moral e
científica. “A arte não deve ser destinada a causar impressões passageiras, visando
simplesmente o prazer dos sentidos. Deve visar a um fim moral: deve corrigir e
ensinar.”. (QUEIRÓS: 2002, p. 73) Através da arte se daria uma regeneração dos
costumes. O realismo deveria ser a negação da arte pela arte, a anatomia do caráter, a
crítica do homem, a arte que nos pintasse a nossos próprios olhos. (QUEIRÓS: 2002, p.
72)
Eça condenou o romantismo dizendo que os escritores pareciam fugir de seu
tempo, refugiando-se na individualidade e estabelecendo um profundo isolamento em
relação à sociedade. Entretanto, mesmo atacando o romantismo, seu discurso contém
preceitos românticos, dentre eles: o de propor uma literatura para corrigir e ensinar.
Embora aparentemente combatidos, os pressupostos românticos estavam presentes no
realismo/naturalismo. Hauser defende que o naturalismo é um romantismo de novas
convenções, de novas mas por enquanto mais ou menos arbitrárias pressuposições de
verossimilhança”. Em sua opinião, a maior diferença entre o romantismo e o
naturalismo reside no cientificismo da nova orientação “na aplicação dos princípios das
5
Antero de Quental, em “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, deu a seguinte definição de
revolução: “A Revolução não quer dizer guerra, mas sim paz; não quer dizer licença, mas sim ordem,
ordem verdadeira pela verdadeira liberdade. Longe de apelar para a insurreição: só os seus inimigos,
desesperando-a, a podem obrigar a lançar mão nas armas. Em si, é um verbo de paz porque é o verbo
humano por excelência. (QUENTAL: 2000, p. 86-89)
33
ciências exatas à apresentação artística dos fatos”. (HAUSER: 1989, p. 88) E o fato de a
arte naturalista predominar na segunda metade do século XIX é um sintoma da vitória
do ponto de vista científico e do pensamento tecnológico sobre o espírito de idealismo e
tradicionalismo.
Podemos confirmar o pensamento de Hauser através da justificativa de Eça para
uma obra de arte ser considerada superior: “quando a ciência nos disser: — a idéia é
verdadeira; quando a consciência nos segredar: — a idéia é justa; e quando a arte nos
bradar: — a idéia é bela.”. (QUEIRÓS: 2002, p. 74)
Era uma nova forma de fazer literatura naqueles tempos científicos. Zola, em O
romance experimental, explica que o papel do escritor naturalista é descrever o
mecanismo simples inicial das perturbações cerebrais e sensuais que comprometem a
saúde do corpo social. Mas o embasamento filosófico da teoria de Zola é utópico: “Ser
mestre do bem e do mal, regular a vida, regular a sociedade, resolver com o tempo todos
os problemas do socialismo e, sobretudo, trazer bases sólidas para a justiça, resolvendo
pela experiência as questões de criminalidade.”. (ZOLA: 1979, p. 18)
A posição de Eça perante a arte diz respeito à sua relação com o social, mais
especificamente, com certa idéia de revolução: “A arte deve ter o ideal moderno: a
verdade e a justiça (...). Se a arte não tem moral, perde a sociedade”. (QUEIRÓS: 2002,
p.73)
Em O crime do padre Amaro e O primo Basílio, a voz da ciência e da razão
estarão presentes nos personagens Dr. Gouveia e Julião. O Dr. Gouveia usa o discurso
científico, racionalizado, suas idéias dizem respeito ao realismo/naturalismo. Iguala os
homens aos animais ao afirmar que o homem se governa pelo sexual e também critica a
decadência da Igreja em Portugal e o celibato. Eça de Queirós, assim, através desse
personagem, contrapõe a corrupção do mundo à purificação de corpos e mentes. Deus
estaria dentro de cada ser humano, seria o princípio que dirige as ações e os juízos,
vulgo “Consciência”. Eça fala de uma consciência suprema, e coloca esse assunto na
voz de alguns personagens, como o Dr. Gouveia: “Eu não preciso de padres no mundo,
porque não preciso do Deus do céu. Isto quer dizer, meu rapaz, que tenho o meu Deus
dentro de mim, isto é, o princípio que dirige as minhas ações e os meus juízos. Vulgo
Consciência...”. (QUEIRÓS: 1997a, p. 265)
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Julião Zuzarte, em O primo Basílio, possui um discurso materialista. Deus para
ele “é uma hipótese safada, uma velha caturrice do partido miguelista”. O modo como
se refere às mulheres, ao casamento e ao desejo, pode ser comparado às idéias de
Schopenhauer e Proudhon: a fêmea era um “ente subalterno”; “o homem deveria
aproximar-se dela em certas épocas do ano (...) fecundá-la, e afastar-se com tédio.”.
(QUEIRÓS: 1997a, p. 686)
Em O mandarim, Eça também coloca a Consciência como um supremo árbitro.
Teodoro aceita a proposta do Diabo, aperta a campainha e mata o mandarim, mas não
consegue usufruir da vida de rico — torna-se um sujeito atormentado pela culpa. Mas
não é a sociedade que passa a atormentá-lo. Teodoro sofre porque sua Consciência o
condena. Mas, se a Razão sabe a verdade, porque então esta não o impediu de matar o
Mandarim? Sérgio Nazar David afirma:
(...) talvez haja algo que a perturbe, lançando-lhe sombras. A hipótese
básica d’O Mandarim parece ser de que este algo faz parte da própria
estrutura do desejo (enquanto desejo do desejo do Outro). Naquele ato
que o Diabo propõe estava implicado o desejo de Teodoro. O Diabo
propõe-lhe o crime. Isto é o que ele, Teodoro, quer. Mas para reconhecê-
lo precisa da palavra do Diabo. (DAVID: 2003, p.207)
Eça aposta numa razão reta que conduziria o homem à sua essência. Tudo o que
desvirtuava o homem do caminho correto seria um vício. Se o homem faz violência é
porque se desvirtuou, e na verdade sabemos que não é isso. N’O mandarim percebemos
que esse ideal de Eça é impossível de ser concretizado. Se a Consciência fosse capaz de
guiar o homem pelo caminho do “Bem”, Teodoro não apertaria a campainha. E em
momento algum Teodoro assume seu erro. Ele se coloca apenas na posição de vítima:
vítima da consciência e da sociedade.
As Conferências foram um marco na literatura portuguesa e sua repercussão
estabeleceu uma etapa importante na história do espírito crítico em Portugal.
Eça foi nomeado administrador do Conselho de Leiria em 21 de Julho de 1870.
Era a sua recompensa após o golpe do Duque de Saldanha, que, em maio, pusera abaixo
Regeneradores e Históricos. Aceitou o cargo, pois desejava submeter-se ao concurso de
Cônsul, e a lei impunha-lhe um mínimo de permanência no serviço público. Em nome
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dessa exigência, suportou o seu “exílio administrativo”. Presta concurso para cônsul, em
1870, mas somente é nomeado para a sua primeira função consular em março de 1872.
Desde a universidade tinha uma idéia que jamais abandonaria: ter uma Revista.
Assim, juntamente com Ramalho Ortigão, editaram um mensário, a que deram o nome
de As Farpas. De acordo com Eça: “As Farpas são pois o trait, a pilhéria, a ironia, o
epigrama, o ferro em brasa, o chicote — postos ao serviço da revolução.”. (QUEIRÓS:
2000b, 914)
6
O primeiro número d’As Farpas foi publicado em maio de 1871. A participação
de Eça na Revista vai estender-se até setembro/outubro de 1872, pois, nomeado para o
consulado das Antilhas Espanholas, irá residir em Havana. O jovem escritor, agora
conhecido pelo público, não poupará nenhum setor da sociedade. Criticará a
Regeneração portuguesa, o estado social, político, institucional, moral, cultural e
econômico em que se encontrava o país após vinte anos de regime monárquico-
constitucional, romântico e fontista, e quatro décadas de liberalismo.
Vinte anos após a publicação do primeiro número d’As Farpas, fará uma auto-
crítica, na introdução, ao dizer o quanto pretendiam com a Revista:
(...) quando Ramalho Ortigão e eu, convencidos como o Poeta, que a
tolice tem cabeça de touro, decidimos farpear até a morte a alimária
pesada e temerosa. Quem era eu, que força ou razão superior recebera
dos deuses, para assim me estabelecer na minha terra em justiceiro
destruidor de monstros?... A mocidade tem destas esplêndidas
confianças; só por amar a Verdade imagina que a possui; e,
magnificamente certa da sua infalibilidade, anseia por investir contra
tudo o que diverge do seu ideal, e que ela portanto considera Erro,
irremissível Erro, fadado à exterminação. Assim foi que, chegando da
Universidade com o meu Proudhon mal lido debaixo do braço, me
apressei a gritar na cidade em que entrava — Morte à Tolice! E desde
então, à ilharga de Ramalho Ortigão, não cessei durante dois anos de
arremessar farpas, (...) E assim desses tempos ardentes me ficara a idéia
de uma campanha muito alegre, muito elevada, em que a ironia se punha
radiantemente ao serviço da justiça, cada rijo golpe fazia brotar uma
soberba verdade, da demolição de tudo ressaltava uma educação para
todos, e o tumulto do ataque aparentemente desordenado era, como os
6
Carta a João Penha, junho de 1871 (A data foi fixada por F. Castelo Branco, a partir de um rascunho da
resposta de João Penha à carta de Eça de Queis. Outro fator a comprovar a data: ela trata das Farpas,
publicação fundada pelo romancista e por Ramalho Ortigão cujo primeiro número, datado de maio de
1871, circulou em junho desse ano).
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gregos combatendo em Platéia, dirigido por Minerva armada — quero
dizer, pela Razão. (QUEIRÓS: 2000a, p. 661)
Certo de poder mudar o mundo, Eça escreveu a Emídio Garcia: “As Farpas são
um panfleto revolucionário, é a ironia e o espírito ao serviço da justiça.”. (QUEIRÓS:
2000b, p. 915) Eça sonhava em transformar a sociedade e tinha como modelos a França
e a Inglaterra. De acordo com Eduardo Prado, Eça faz parte de uma geração que se
desnacionalizava. Quando As Farpas apareceram, Ramalho Ortigão e Eça de Queirós
eram “franceses” e afrancesados: “Portugal não lhes quadrava, não se justapunha aos
seus moldes franceses, não entrava nos compartimentos da sua concepção famosa de
vida”, escreve Eduardo Prado. (PRADO: 1897, p. 299) O atraso cultural e econômico de
Portugal era grande se comparado aos principais centros da Europa. O número de
adultos alfabetizados em 1870 era de 14% contra 31% na Espanha e Itália, 68% na
França e 76% na Grã-Bretanha. Em 1900, o número de analfabetos em Portugal era de
78% contra 56% na Espanha, 48% na Itália, 17% na França e 3% na Grã-Bretanha.
(TORTELLA: 1994, p. 11) Com a guerra franco-prussiana e a destruição da hegemonia
francesa, “Portugal não teve a quem imitar e coube-lhe a ventura de ficar reduzido a ser
português.”. (PRADO: 1897, p. 299) Já amadurecido, Eça tomará como “ímpetos da
juventude” seus ataques no semanário de eno e reconhecerá como ilusões os arroubos
de juventude. A mudança para Paris, em 1888, completou para Eça de Queirós a
dolorosa desilusão. Embora Paris sempre o tenha atraído, Eça manifestou no final de
sua vida reservas quanto à cultura francesa. Sua passagem pela França é marcada pelo
desencanto por tudo que a dita civilização traria. O progresso não consegue eliminar a
barbárie: competitividade, traição, covardia.... Eça modifica o seu modo de ver a França
e também o seu modo de ver a sua terra natal. Os egoísmos, as mesquinharias, as
hipocrisias, o triunfo das mentiras, da dita Civilização, são colocados pelo artista com
indignação, e parece guiado por um sentimento de justiça, quando, por exemplo, refere-
se à Madame obesa do Boulevard Haussmann, que, numa praia da Normandia,
pesadamente sentada à beira-mar, insulta o marido que impediu os seus cães de
morderem a perna de um rapaz, e expõe a berros esta hedionda fórmula de moral
prática: “Imbécile! Qu’est-ce que vous avez à gronder ces pauvres chéris! Eh bien!...
Quand ils mordront, on paiera le médecin!”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 1558) Essa mulher
civilizada, que pertence ao século XIX, cujos sentimentos cruéis são recobertos pela
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refinada educação, não admite que algo desmanche o seu “gozo contínuo e regrado da
vida”. Criada sob a onipotência do dinheiro, ela pode pagar o estrago que seus cães
fazem nas pernas humanas. “Os seus cães não se privam — ela goza.”. (QUEIRÓS:
2000a, p. 1561) Mas não pode se privar de oferecer o castigo àquele que rouba ou
arranha o seu bem-estar “civilizado” numa praia da Normandia.
Talvez o clássico estudo de Freud sobre a relação sempre conflituosa do homem
com o social nos ajude a pensar a trajetória de Eça entre um Portugal que chegava ao
final do século XIX humilhado pelo Ultimatum dos ingleses, e uma França que estava
longe de ser, a despeito de tudo, um modelo de civilização. Em Mal-estar na
Civilização, Freud irá explicar que as aspirações da juventude, seu espírito de
competição e transformação, são deixadas de lado diante das dificuldades e decepções
da vida:
Chega a hora em que cada um de nós tem de abandonar, como sendo
ilusões, as esperanças que, na juventude, depositou em seus semelhantes,
e aprende quanta dificuldade e sofrimento foram acrescentados à sua vida
pela má vontade deles. Ao mesmo tempo, seria injusto censurar a
civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição.
Elas são indubitavelmente indispensáveis. (FREUD: 1976, p. 134)
Dentre os inúmeros artigos que Eça escreveu para As Farpas, três merecem
destaque: n
o
I — junho de 1871, n
o
LXXV — março de 1872 e n
o
LXXXV — outubro
de 1872. Nesses três artigos, encontraremos temas como a política nacional, a imprensa,
a inércia da classe média, a corrupção, o rumo que tomou a religião no país, a educação,
a condição da mulher e o adultério, alguns discutidos anteriormente no Distrito de
Évora, e agora retomados de forma mais profunda e detida. Esses assuntos estarão
presentes nos romances publicados na década de 70: O mistério da estrada de Sintra, O
crime do padre Amaro, O primo Basílio, que fazem parte do que Eça chamou de “Cenas
da Vida Portuguesa”. Todas as idéias que expõe n’As Farpas estarão presentes nesses
romances, como justificativas ou como respostas para o comportamento de seus
personagens.
No primeiro número d’As Farpas, Eça traçou uma visão geral da degeneração
que dominava Portugal, expondo tudo o que achava que deveria ser modificado para
que o país pudesse prosperar. Disse que o país perdera a inteligência e a consciência
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moral. Ninguém se respeitava, o país estava, a seu modo de ver, perdido. Culpou a
monarquia, o catolicismo, e a sociedade em geral pelo torpor em que se encontrava:
“Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de norte a sul, no Estado, na
economia, na moral, o país está desorganizado — e pede-se cognac!. (QUEIRÓS:
2000a, p. 664) A política foi acusada de ser infiel aos seus princípios: “vivendo num
perpétuo desmentido de si mesma”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 666) Após sua experiência
no Distrito de Évora, a imprensa será um alvo constante de suas críticas.
Responsabilizou a nova imprensa pela falta de diversidade reinante, dividindo-a em
imprensa noticiosa e política. A primeira limitava-se a notícias banais, a segunda, igual
em todos os quadrantes. Quanto à literatura, disse que nenhum movimento real se
refletia, que não havia nenhuma ação original. O romance era a apoteose do adultério:
“Nada estuda, nada explica; não pinta caracteres, não desenha temperamentos, não
analisa paixões. Não tem psicologia, nem ação.”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 673)
Eça, bem como seus companheiros de Cenáculo e das Conferências, estava
impregnado pelo sentimento de “revolução”. Buscava uma maneira de acabar com a
passividade que dominava o país, e a literatura, dentro deste prisma, deveria servir de
exemplo para que a vida pudesse imitar a arte. Como afirmou através de carta a José
Joaquim Rodrigues de Freitas, desejava colocar a arte a serviço da revolução:
(...) o que importa é o triunfo do Realismo — que, ainda hoje méconnu e
caluniado, é todavia a grande evolução literária do século, e destinado a
ter na sociedade e nos costumes uma influência profunda. O que
queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas
feições em que ele é mau, por persistir em se educar segundo o passado;
queremos fazer a fotografia, ia quase a dizer a caricatura do velho mundo
burguês, sentimental, devoto, católico, explorador, aristocrático, etc E
apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e
democrático — preparar a sua ruína. Uma arte que tem este fim — não é
uma arte à Feuillet ou à Sandeau. É um auxiliar poderoso da ciência
revolucionária. (QUEIRÓS: 2000b, p. 920-921)
A educação portuguesa e o adultério foram os motivos que o autor considerou
como responsáveis pela degradação da família, tendo dedicado artigo exclusivo para
cada assunto. Coloca, como características biopsicossociais da mulher portuguesa, a
fraqueza, as doenças e a beatice, que, automaticamente, influenciariam também na
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educação dos homens, tornando-os fracos e doentes. “Diz-me a mãe que tiveste — dir-
te-ei o destino que terás.”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 848) Este destino será apresentado até
mesmo no perfil de personagens masculinos. Godofredo, por exemplo, de Alves & Cia:
sua educação foi pautada no amolecido romantismo degenerado, dominado pelo
sentimento e não pela Razão. É assim que o narrador no-lo apresenta:
É que, no fundo, aquele homem de trinta e sete anos, já um pouco calvo,
apesar do seu bigode preto, era um pouco romanesco. Herdara aquilo da
sua mãe, (...) que passava o dia a ler versos (...). Mais tarde todo esse
sentimentalismo que durante longos anos se dera às coisas literárias, aos
luares, aos amores de romance, se voltara para Deus: tinha tido os
começos duma monomania religiosa: a leitora de Lamartine tornara-se
uma devota maníaca do Senhor dos Passos; fora ela que então o fizera
educar nos jesuítas. (QUEIRÓS: 1997b, p. 1056)
Sob este ponto de vista, Godofredo é o resultado de uma má educação, recebida
pelo modelo de “mulher portuguesa”, influenciado pelos romances e pela beatice. Só
poderia ter se tornado um fraco, “de natureza indolente”.
Ana Luisa Vilela afirma que de acordo com o quadro ideológico do
determinismo naturalista, os fatores físicos determinam os morais: ser forte é ser capaz
de dominar e dominar-se. “A apologia do domínio físico abrange a saúde fisiológica, a
força muscular e a expansão espacial”. (VILELA: 2000, p. 280) Este quadro ideológico
cairá por terra, alguns anos mais tarde, com o personagem de Os Maias: Carlos da Maia,
conforme verificaremos no capítulo quatro.
Ora entre nós, as raparigas não têm saúde. Magrinhas, enfezadas, sem
sangue, sem carne, sem força vital — umas padecem de nervos, outras de
estômago, outras do peito, e todas da clorose que ataca os seres privados
do sol. (QUEIRÓS: 2000a, p.849)
Em Lisboa as casas não têm quintais, e isto só explica muitos destinos.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 857)
A educação inglesa será apresentada como modelo, sob o influxo da máxima de
Juvenal “mens sana in corpore sano, e a mulher inglesa será colocada como ideal de
pureza e de energia, ao contrário da mulher portuguesa: passiva, anêmica, indecisa e
tímida:
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Uma inglesa tem por dever moral, como a oração, o passeio — o largo
passeio (...). Aqui, as que andam a pé, (…) arquejam e recolhem à pressa
no ônibus. Algumas mesmo não sabem andar (...). Nada dá tanta idéia da
constância de caráter como a firmeza do caminhar. Uma alemã, uma
inglesa, anda como pensa — direita e certa. (...) As nossas raparigas,
constantemente sentadas e aninhadas, quando têm de se pôr a pé e de
marchar, gingam e rolam. Além disso, o hábito do sofá, do recosto (...)
— acostuma às posições lânguidas; cabeça errante, braços amolecidos,
corpo abandonado. Uma inglesa nunca toma, por pudor, estas atitudes.
São atitudes de serralho ou pomba amorosa. (QUEIRÓS: 2000a, p. 849)
Três anos mais tarde, em Newcastle (março de 1875), modificará sua opinião
acerca da mulher inglesa, fazendo o seguinte alerta ao amigo Ramalho Ortigão:
A inglesa é uma vista através das litografias de anjos louros ou de
amazonas radiosas de Hyde Park — e outra vista — na Inglaterra. O
continente — sobretudo o sul — conhece — pelos romances, pela
gravura, pelos versos, pela legenda — uma certa inglesa risonha, pura,
loura, casta como a neve, boa amiga, sábia, boa caminhadora, cheia de
douches de água fria, e de princípios: esta é a inglesa de lá. Agora a
inglesa da Inglaterra é outra coisa: não faz muita diferença da mulher –
tal qual a tem feito, no século XIX, a literatura, o romantismo, a música,
as modas, a ociosidade, a riqueza, o abuso da domesticidade, a
centralização etc., etc. Você vem aqui encontra a inglesa — com mais
temperamento, mais preguiça, mais saltos à Luiz XV, mais horror ao
banho frio, mais pieguice sentimental, mais delírio amoroso, e mais
frieza especuladora — do que em nenhum país perseguido do sol. Venha
cá ver as meninas da burguesia — à noite numa sala, ao chá severo da
família: que decotes! que olhares equívocos! que atrevimentos! (...) E
depois que temperamentos! Lembre-se que estas mulheres lêem uma
quantidade infinita de romances amorosos; (...) Note mais que todas,
honestas ou impuras, gostam de beber e que bebem: bebem: bebem
cerveja, Porti, Xerez... Meu amigo: seria necessário um livro: eu tenho
apenas a página. — Assim não se iluda na ilusão geral — que toma a
inglesa como a mulher ideal. Não: é uma mulher excessivamente filha de
Eva e do Pecado. (QUEIRÓS: 2000b, p. 111-112)
O que Eça não havia reconhecido era que a ausência de uma educação
supostamente saudável (dentro dos códigos da ciência positivista) não era o motivo que
estava levando a sociedade e a família a “degradar-se”. Eça não vê que o sexual sempre
irá resistir e nunca poderá ser sinônimo de conjugalidade. O sexual está presente na vida
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de todos, independentemente da educação e do sexo. O homem não é aquele ser
cordato, dotado de uma razão soberana, como acreditavam. Na verdade, não será através
de um modelo de educação, seja ele qual for, que a pulsão sexual (considerada aqui
“bestialidade”) será mantida sob controle absoluto. Mesmo que passassem a ser
educados da maneira defendida por Eça, o desejo sexual permaneceria no homem e na
mulher. O desejo nasce da falta, e a falta faz parte da estrutura do ser falante. E mais: o
sujeito nunca deixa de estar marcado por certa singularidade. O século XIX usou a
moral como álibi para mascarar a falta e impor um modelo; talvez como uma vã
tentativa de conter de alguma forma essas pulsões que tanto inquietaram corações e
mentes.
Diante dessa suposta ausência de iniciativa e de vontade, a menina portuguesa
precisava ser governada. Não sabia se comportar diante da menor dificuldade. É do
texto de Eça de março de 1872:
Uma menina portuguesa não tem iniciativa, nem determinação, nem
vontade. Precisa ser mandada e governada; de outro modo, irresoluta e
suspensa, fica no meio da vida, com os braços caídos. Perante um perigo,
uma crise de família, uma situação difícil, rezam. Têm a fé abstrata que
só Deus as pode inspirar, dar-lhes a decisão, a idéia precisa: mas
terminam quase sempre por seguir o conselho da criada. (QUEIRÓS:
2000a, p. 853)
A devoção religiosa colaborará ainda mais para a falta de iniciativa e
enfraquecimento das jovens. Ao invés da religião servir como um guia para sua
consciência e inteligência, ela é assimilada através de fórmulas e palavras combinadas,
cujo sentido é estranho e acatado exclusivamente por temerem um castigo divino: “as
trovoadas, as doenças, a morte. No entanto, “a mulher portuguesa” não saberá usá-la
contra as tentações da vida.
Desde que a criança sabe de cor o catecismo, supõe-se que ela tem
religião. (...) Da religião sabe a “reza”, não sabe o dever. (...) Uma ilusão,
um momento de abandono podem-na perder: e toda a copiosa, aparatosa
doutrina que lhe ensinaram e que não percebeu — não a pode salvar.
(QUEIRÓS: 2000a, p. 855-856)
42
O Dr. Gouveia, em O crime do padre Amaro, representa em todo o seu pensar
um sistema de idéias em nome do qual é feita a crítica ao clero, à vida sacerdotal e à
prática religiosa. A influência da autoridade eclesiástica (abade, bispo ou cônego) no
comportamento das famílias é questionada. Toda a vida do bom católico, os seus
pensamentos, as suas idéias, seus sentimentos, as relações de família e de vizinhança, a
sua vestimenta e os seus divertimentos eram regulados por eles. O dever de um bom
católico, segundo estes preceitos religiosos, seria aceitar essa direção sem discutir ou
questionar.
(...) segundo a religião de nossos pais, todas as virtudes que não são
católicas são inúteis e perniciosas. Ser trabalhador, casto, honrado, justo,
verdadeiro, são grandes virtudes; mas para os padres e para a Igreja não
contam. Se tu fores um modelo de bondade mas não fores à missa, não
jejuares, não te confessares, não te desbarretares para o senhor cura — és
simplesmente um maroto. (...) Isto prova que a moral católica é diferente
da moral natural e da moral social. (...) Queres tu um exemplo? Eu sou,
segundo a doutrina católica, um dos grandes desavergonhados que
passeiam as ruas da cidade; e o meu vizinho Peixoto, que matou a mulher
com pancadas e que vai dando cabo pelo mesmo processo da filhita de
dez anos, é entre o clero um homem excelente, porque cumpre os seus
deveres de devoto e toca figle nas missas cantadas. (QUEIRÓS: 1997a,
p.263-264)
Eça parece querer substituir a autoridade eclesiástica pela autoridade médica. Dr.
Gouveia denunciará o caráter ambíguo do culto católico sobretudo quanto aos aspectos
próximos ao erotismo — emotividade, imaginação, irracionalidade e ociosidade. N’O
crime do padre Amaro, Eça transcreve extratos erótico-místicos de um livro de orações.
Ana Luisa Vilela ressalta que este sermão é um exemplo claro da concupiscência
religiosa. Pela ação concorrente da ameaça da catástrofe e da excitação da fantasia,
representa um fator infalível de indução do desejo. (VILELA: 2000, p. 282)
Quando descia para o seu quarto, à noite, ia sempre exaltado.
Punha-se então a ler os Cânticos a Jesus, tradução do francês publicada
pela Sociedade das Escravas de Jesus. É uma obrazinha beata, escrita
com um lirismo equívoco, quase torpe — que dá à oração a linguagem da
luxúria: Jesus é invocado, reclamado com as sofreguidões balbuciantes
de uma concupiscência alucinada: "Oh! vem, amado do meu coração,
corpo adorável, minha alma impaciente quer-te! Amo-te com paixão e
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desespero! Abrasa-me! queima-me! vem! esmaga-me! possui-me!" E um
amor divino, ora grotesco pela intenção, ora obsceno pela materialidade,
geme, ruge, declama assim em cem páginas inflamadas onde as palavras
gozo, delícia, delírio, êxtase, voltam a cada momento, com uma
persistência histérica. E depois de monólogos frenéticos de onde se exala
um bafo de cio místico, vêm então imbecilidades de sacristia, notazinhas
beatas resolvendo casos difíceis de jejuns, e orações para as dores do
parto! Um bispo aprovou aquele livrinho bem impresso; as educadas
lêem-no no convento. É beato e excitante; tem as eloqüências do
erotismo, todas as pieguices da devoção; encaderna-se em marroquim e
dá-se às confessadas: é a cantárida canônica!
Amaro lia até tarde, um pouco perturbado por aqueles períodos
sonoros, túmidos de desejo; e no silêncio, por vezes, sentia em cima
ranger o leito de Amélia: o livro escorregava-lhe das mãos, encostava a
cabeça às costas da poltrona, cerrava os olhos, e parecia-lhe vê-la em
colete diante do toucador, desfazendo as tranças; ou, curvada,
desapertando as ligas, e o decote da sua camisa entreaberta descobria os
dois seios muito brancos. Erguia-se, cerrando os dentes, com uma
decisão brutal de a possuir.
Começara então a recomendar-lhe a leitura dos Cânticos a Jesus.
— Verá, é muito bonito, de muita devoção! — disse ele,
deixando-lhe o livrinho uma noite no cesto da costura.
Ao outro dia, ao almoço, Amélia estava pálida, com as olheiras
até o meio da face. Queixou-se de insônia, de palpitações.
— E então, gostou dos Cânticos?
— Muito. Orações lindas! — respondeu.
Durante todo esse dia não ergueu os olhos para Amaro. Parecia
triste — e sem razão, às vezes, o rosto abrasava-se-lhe de sangue.
(QUEIRÓS: 1997a, p. 159-160)
Retomando o texto d’As Farpas, Eça aponta o colégio como fonte de
aborrecimento e tédio, sendo este um dos seus grandes males. A educação literária é
classificada como falsa e esterilizadora e a leitura de Ponson du Terrail ou Dumas Filho
como responsáveis pelo desenvolvimento da imaginação, produzindo uma vida
sentimental precoce e falsa. Eça supõe que “É nos colégios que se aprende a astúcia. As
mulheres tornam-se aí hábeis em contradizer com o rosto a alma.”. (QUEIRÓS: 2000a,
p. 860)
A educação vai se completar sob duas influências — uma, interior — a família;
outra, exterior — a sociedade. Ambas, entretanto, colocam erroneamente, segundo Eça,
o dinheiro como necessidade vital para viver. Na passagem abaixo, note-se que Eça
também usou o dinheiro como álibi para encobrir as dificuldades daquela exigente
moral burguesa:
44
Hoje, no fundo do pensamento ou do sonho, há sempre o dinheiro. A
preocupação não é a religião, nem a pátria, nem a arte — é o dinheiro. O
desinteresse é desprezado com uma ingenuidade bacoca. O mundo
estende sofregamente a mão. Primeira, profunda influência no espírito da
mulher. — Daí o desejo de casar com dinheiro, casar rica; seja o marido
velho, imbecil, rude ou trivial, contanto que traga o dinheiro, e o poder
que ele dá. (QUEIRÓS: 2000a, p. 860-861)
O realismo/naturalismo empurrou o homem para a posição de refém, nada lhe
restando para além da posição mercantil do comprador ou do vendido, ou da pobre raça
vencida pelo vício. Vejamos que mesmo em Zola isto aparece deste modo:
No século XIX, o amor é um rapaz comportado, correto como um
notário, recebendo rendas do Estado. Freqüenta a sociedade, ou vende
alguma coisa numa loja. A política ocupa-o, os negócios tomam-lhe o dia
das nove horas da manhã às seis da noite. Quanto a suas noites, ele as
entrega ao vício prático, a uma amante que ele paga ou a uma mulher
legítima que o paga. (ZOLA: 1999, p. 10)
Eça resume a degradação da mulher portuguesa através da seguinte
consideração:
(...) a mulher na presença do mundo tentador — está hoje desarmada.
Desarmada, inteiramente. A família, com sua dignidade, enfraqueceu; a
religião tornou-se um hábito incompreendido; a moral está-se
transformando, e enquanto se transforma não influencia nem dirige; a fé
já não existe; a prática da justiça ainda não chegou: em que se apoiará a
mulher? (QUEIRÓS: 2000a, p. 861)
Encontraremos no perfil de Luísa, n’O primo Basílio, e em Amélia, n’O crime
do padre Amaro, diversos erros, tais quais descritos acima, cometidos na educação de
ambas: o incentivo ao catolicismo beato, a falta de uma ocupação sadia, a educação
voltada para o amor nos moldes dos romances românticos, o ócio... O leitor será levado
a deduzir, no desenrolar de ambas as narrativas, que elas seriam seduzidas pela luxúria,
devido à pouca capacidade de juízo, e também devido à incapacidade de domar seus
impulsos, não conseguindo jamais sair do estigma do pecado original. Através da
literatura, Eça não deixa de propagar o culto da imagem ideal de mulher da, para e na
45
época. Vejamos como Stéphane Michaud apresenta esta construção discursiva, que não
está apenas na literatura, referindo-se à posição da mulher na sociedade burguesa
européia do século XIX:
(…) o discurso que exalta as mulheres para melhor conquistar a sua
submissão é tão cínico, que qualquer dinamismo se consome na equação
irrisória imposta pela suficiência masculina: a mulher é madona, anjo ou
demônio. (...) instituições como a medicina, o direito e a religião que
assumem o mesmo sacerdócio: vigiar a fragilidade da mulher. A
literatura participa desse peso que domina o imaginário social. (...) O
espelho que a literatura oferece fala assim de uma verdade não sabida ou
que se teria desejado manter oculta. Ela esclarece a sociedade sobre si
própria, mais fortemente talvez do que em qualquer época anterior.
(MICHAUD: 1994, p. 146-150)
A educação de Amélia foi pautada no incentivo ao catolicismo beato e nos
rituais da igreja católica. Eça acreditava que o fanatismo religioso provocava a
destruição das mulheres portuguesas, pois a religião para elas nada mais era do que uma
relação social.
(...) o que amava agora na religião e na igreja era o aparato, a festa — as
belas missas cantadas ao órgão, as capas recamadas de ouro, reluzindo
entre os tocheiros, o altar-mor na glória das flores cheirosas, o roçar das
correntes dos incensadores de prata, os uníssonos que rompem
briosamente no coro das aleluias. (QUEIRÓS: 1997a, p. 151)
Tendo convivido durante toda sua vida em um meio exclusivo de beatas e
padres, Amélia só poderia ter um fim: apaixonar-se por um padre.
Quanto a Luísa, Eça apontará como principais culpados por sua fraqueza a
leitura dos romances românticos, o ócio, a monotonia da vida conjugal. Por isso, era
uma pessoa de caráter móbil, inconsistente, que se deixaria influenciar por qualquer
coisa, incapaz de conter seus impulsos e selecionar amizades. Não conseguindo domar
seus impulsos, Luísa terá um relacionamento amoroso com o primo. Enfim: a idéia
principal de Eça nestes romances — embora não seja prudente afirmar que tais obras se
reduzam completamente ao aspecto pedagógico — parece ser a de que a mulher
portuguesa não podia ser como Luísa e Amélia.
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O terceiro artigo selecionado, d’As Farpas, publicado em outubro de 1872, trata
do adultério — um dos principais temas da ficção queirosiana. Nesta “farpa”, Eça
levanta duas hipóteses para o adultério:
Ou o adultério é um fato da natureza eterna, ou é um fato fatal da
moral moderna. No primeiro caso, se ele é a antiga e primitiva lei da
promiscuidade animal, que apesar do apuramento nervoso da
humanidade, da civilização, do direito, da moral, permanece e impele
pela sua fatalidade fisiológica — seria necessário, para o extinguir,
mudar a própria constituição natural ou esperar mais vinte séculos.
No segundo, se ele provém da corrupção do matrimônio e da sua
decadência e descrédito como instituição social, se nasce da extinção da
fé conjugal nos esposos, se deriva da perversão lançada na dignidade
matrimonial pelo idealismo amoroso, se tem a sua origem na moral,
então é necessário fazer uma revolução nos costumes tão profunda como
foi o cristianismo, que nos dê uma outra religião, outra moral, outra
família e outro direito. (QUEIRÓS: 2000a, p. 893)
Parece evidente que Eça, neste artigo, opta pela segunda hipótese. Ao colocar o
adultério como um fato da “moral moderna”, automaticamente o está justificando com
as causas sociais e retirando de cena qualquer tipo de responsabilidade subjetiva do
sujeito, conforme já afirmamos. A culpa seria da educação portuguesa voltada
exclusivamente para o amor romântico, para a sedução e para a ociosidade. Esclarece
também que “ter um amante” não é “ter o homem que ama”, como a maioria das
pessoas imagina. Na verdade, a disponibilidade orgânica e cultural é que constituiria o
principal fator do adultério:
(...) — ter um amante significa — ter uma quantidade de ocupações, de
fatos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação,
acham um encanto inefável. (...) Ter um amante é ter a feliz, a doce
ocasião destes pequeninos afazeres — escrever cartas às escondidas,
tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar estendida no sofá; ter o
orgulho de possuir um segredo: ter aquela idéia dele e do seu amor,
acompanhando como uma melodia em surdina todos os seus movimentos
(...) Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a
complicam em cor-de-rosa, que a idealizam — são a sua grande atração.
É o que amam. (QUEIRÓS: 2000a, p. 895)
47
Conclui que as mulheres ocupadas são as mais virtuosas. Dê-se à mulher um
alto interesse doméstico, e dá-se-lhe uma virtude invencível. (...) encarregue sua mulher
de fazer casa, e a dispense de fazer moda.”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 900) A solução
apresentada é colocar a mulher nas ocupações da família para evitar a dissolução do
casamento: “Colocar a mulher nas ocupações da família, eis o que achamos de mais
genérico para evitar a dissolução do casamento.”. (QUEIRÓS: 2000a, p. 900)
Está clara, neste artigo, a posição de Eça em relação às opções de vida para a
mulher. Eça relata o pensamento de Proudhon: “Proudhon disse que a mulher só tem um
destino — menagère ou courtisane — dona de casa ou mulher de prazer.”. (QUEIRÓS:
2000a, p. 900) Chama a atenção para o que considera a hipócrita moral moderna: “O
homem que nunca teve uma amante casada é, segundo a apreciação mundana,
ligeiramente ridículo, filósofo caturra (...). Mas se teve uma amante com publicidade e
relevo, ah! É um homem. A sua fisionomia interessa e exala mistério.”. (QUEIRÓS:
2000a, p. 902) Eça deixa em entrelinhas a seguinte afirmação: em vez de reprimir, a
sociedade incentivava o adultério.
O primo Basílio irá representar muito daquilo que Eça pretendia da literatura
realista e muito também de sua visão atinente ao adultério. Em carta a Teófilo Braga,
em 12 de março de 1878, Eça define o romance:
O Primo Basílio apresenta, sobretudo, um pequeno quadro doméstico,
extremamente familiar a quem conhece bem a burguesia de Lisboa — a
senhora sentimental, mal-educada, nem espiritual, (porque Cristianismo)
já não o tem, (...) arrasada de romance, lírica, sobreexcitada no
temperamento pela ociosidade e pelo fim do casamento peninsular, que é
ordinariamente a luxúria, nervosa pela falta de exercício e disciplina
moral, etc. — enfim, a burguesinha da Baixa. Por outro lado, o amante
— um maroto, sem paixão nem a justificação da sua tirania, que o que
pretende é a vaidadezinha de uma aventura e o amor grátis. (BRAGA:
1902, p.92-93)
Basílio representou para Luísa a concretização de seus sonhos românticos e uma
forma de aproximar-se da alta sociedade, do luxo, da futilidade. Mas talvez Luísa se
envolva com Basílio porque realmente o desejava sexualmente. Neste caso, o amor
entraria como álibi do desejo. Para Sérgio Nazar David, no artigo “Entre o vício e o
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dever: a ficção realista-naturalista”, o desejo sexual, por ser considerado abjeto, na
ficção realista-naturalista, aparece então coberto pelas “galas rotas do romantismo”:
Luísa não se entrega a Basílio porque o deseja sexualmente e ponto, mas
porque é uma pobre iludida pelos romances que leu, e iludida também
nos braços do leão dos salões (Basílio). Ou sejam ela deseja porque ama
e ama porque acha que encontrou o príncipe encantado. (DAVID, 2003,
p. 435)
Mas a verdade é outra: Luisa se entregou a Basílio porque isto fazia parte de seu
desejo. No romance em questão, o desejo quase sempre comparecerá como algo ignóbil
— um vício que deveria ser contido. O narrador mostra isso confrontando os sonhos
românticos de Luísa com a decepção de que ela experimenta ao conhecer o Paraíso
(local escolhido por Basílio para seus encontros):
Assim um iate que aparelhou nobremente para uma viagem
romanesca vai encalhar, ao partir, nos lodaçais do rio baixo; e o mestre
aventureiro, que sonhava com os incensos e os almíscares das florestas
aromáticas, imóvel sobre o seu tombadilho, tapa o nariz aos cheiros dos
esgotos. (QUEIRÓS: 1997a, p. 587)
Logo, Luísa só poderia se enquadrar no lugar das prostitutas — “Basílio não se
dava ao incômodo de se constranger; usava dela, como se a pagasse.”. (QUEIRÓS:
1997a, p. 598) Isto é: Luísa faz o que faz. Só não cobra! Isto era algo que lhe causava
repulsa: ser confundida com uma prostituta — o que de fato acontece numa noite
quando vai passear com Juliana após passar uma tarde inteira no Paraíso. Quando sonha
com seu papel na peça de teatro, é o de Madalena que reserva para si: “os seus cabelos
de Madalena rojavam pelo tablado”. (QUEIRÓS: 1997a, p. 661) Dará início ao seu
calvário, anunciando sua sentença de morte, antes mesmo da morte de Juliana, por
acreditar que merecia passar por tudo aquilo. “E deixava-se viver, gozando como um
favor cada dia que vinha, sentindo vagamente, à distância, alguma coisa de indefinido e
de tenebroso onde se afundaria!” (QUEIRÓS: 1997a, p. 672) O curioso é que, depois da
morte de Juliana e da destruição das cartas, não haveria mais motivo para se castigar.
Mas nem assim Luísa consegue se livrar da culpa que a atormenta. Seu processo de
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autodestruição entra em um estágio sem retorno. Morre mesmo tendo sido perdoada
pelo marido.
Em seu estudo sobre a burguesia vitoriana, Peter Gay coloca o amor como o
tema principal do romance do século XIX. Além disso, aponta as diferentes pressões
que a sociedade exerceu sobre homens e mulheres durante aquele século.
Sob o ataque persistente das ansiedades ou dos sentimentos de culpa e
das severas pressões organizadas da cultura, as energias eróticas,
insaciáveis e ao mesmo tempo cheias de recursos, lançam mão de todos
os estratagemas que o engenho humano consegue arquitetar, pondo-os a
serviço de sua sobrevivência e de sua gratificação. (GAY: 2000, p. 222)
Peter Gay quer mostrar que o romance do século XIX quis dar uma idéia de que
a situação poderia ser detida, controlada, posta dentro dos moldes antigos. Ao mesmo
tempo, acabavam estes romancistas dando um estranho testemunho de um fracasso
experimentado na carne por tantos heróis e heroínas diante da força do desejo. Sendo
assim, situações reais raramente eram nitidamente definidas, e sentimentos reais eram
freqüentemente verdadeiros vespeiros de ambivalência. (GAY: 1989, p.33) Não estaria
aqui uma pista para explicar o impacto causado pelos romances de Eça? Ao mesmo
tempo em que os leitores encaravam aquelas narrativas como advertências, também
estavam em busca daqueles sentimentos (emoções) considerados impróprios pela
sociedade.
Jorge, d’O primo Basílio, quando descobre que havia sido traído e começa a
imaginar os momentos de prazer da mulher e seu amante, irá modificar sua maneira de
encarar a esposa, “(...) e amava-a mais desde que a supunha infiel, mas dum outro amor,
carnal e perverso.”. (QUEIRÓS: 1997a, p. 742) Até aquele momento parece que não
tinha desejo sexual por Luísa. Este era reservado às prostitutas e não à sua esposa.
Mesmo diante de tal mudança, necessitou colocar esse novo sentimento como algo
indigno. Aqui, o amor e o desejo sexual só poderiam contracenar no adultério. Porém,
que curioso, agora que sabe do adultério de Luísa, ao invés de repudiá-la irá desejá-la.
Mas isto está longe, segundo Peter Gay, de ser uma situação de valor universal
no “século vitoriano”. Vale referirmo-nos ao artigo de Freud que está em
“Contribuições à psicologia do amor”. O homem, segundo Freud, irá procurar objetos
que não rememorem as imagens incestuosas que lhe são proibidas. Caso isto ocorra terá
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apenas afeição pelo objeto, mas nenhum sentimento erótico. Por isso afirma que toda a
esfera do amor, nessas pessoas, permanece dividida em duas direções: quando amam,
não desejam, e quando desejam, não podem amar. (FREUD: 1997, p. 81)
A principal medida protetora contra essa perturbação a que os
homens recorrem nessa divisão de seu amor consiste na depreciação
psíquica do objeto sexual, sendo reservada a supervalorização, que
normalmente se liga ao objeto sexual, para o objeto incestuoso e seus
representantes. Logo que se consuma a condição de depreciação, a
sensualidade pode se expressar livremente e podem se desenvolver
importantes capacidades sexuais e alto grau de prazer. (...) As pessoas
nas quais não houve a confluência apropriada das correntes afetiva e
sensual geralmente não demonstram muito refinamento nas suas formas
de comportamento amoroso (...) e cuja realização (...) só parece possível
com um objeto sexual depreciado e desprezado. (FREUD: 1997, p. 82)
Peter Gay ilustra muito bem este processo da depreciação psíquica do objeto
sexual, em A educação dos sentidos, ao comentar os diários de Mabel Loomis Todd,
uma típica mulher casada, de classe média culta do século XIX. Através dos diários de
Mabel, Peter Gay constata que o casal conseguiu a feliz combinação de sensualidade e
afeição. A conduta e os sentimentos dos Todd contradizem a noção dominante de que
não havia como combinar sensualidade e afeição no século XIX. Portanto, o que Freud
aponta é uma dificuldade psíquica, ao que tudo indica muito freqüente à época, mas
longe de ser algo que a sociedade impunha de modo inarredável aos casais burgueses.
Se David Todd assumia a liderança nas intimidades sexuais, Mabel Todd o seguia
arrebatada e próxima; na realidade, os diários e cartas de Mabel sugerem que foi ela
quem inspirou ao marido as evocações mais belas. Mabel Todd teve um amante, seu
marido não ignorava o fato e era até conivente. Para David, Mabel não era nem anjo,
nem meretriz. Talvez David tenha conseguido combinar sensualidade e afeição porque
Mabel estava longe de ser o “anjo” ou o “demônio” que tanto atormentaram os homens
no século XIX. Diferentemente, Jorge, em O primo Basílio, mesmo perdoando Luísa,
precisou colocar seu novo sentimento como algo indigno.
Vale também reler o que diz Michelle Perrot, em História da vida privada, a
respeito da relação de conflito entre casamento e erotismo:
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A aliança e o desejo nem sempre concordam entre si (...) O drama das
famílias, a tragédia dos casais freqüentemente residem nesses conflitos
entre a aliança e o desejo. Quanto mais cerradas as estratégias
matrimoniais para assegurar a coesão familiar, tanto mais canalizam ou
sufocam o desejo. (PERROT: 2001, p.33)
O comentário de Ramalho Ortigão a respeito d’O primo Basílio constitui um
documento fundamental quanto aos propósitos doutrinários da fase realista queirosiana
e das severas pressões da cultura vitoriana: “Eis a doença que este livro acusa: — A
dissolução dos costumes burgueses.”. (ORTIGÃO: 1945, p. 15) E explicará a
mensagem do livro às mulheres: “Eis aqui está o modo pavorosamente simples como tu
te rendes da maneira mais ignóbil ao mais ignóbil dos homens.”. (ORTIGÃO: 1945, p.
25) E acrescenta: “o amor clandestino, que a arte romântica personificava aos teus olhos
em figuras apaixonadas, (...) ofereço-te eu tal como ele hoje te há-de aparecer na vida
real, na pessoa de um biltre asqueroso, bem vestido, (...) absolutamente podre.”.
(ORTIGÃO: 1971, p. 25)
A literatura do século XIX condensou as ansiedades das classes médias que a
maioria dos amantes burgueses era incapaz de articular ou havia reprimido por
completo. Impiedosamente, revelava os conflitos inconscientes que a exigente moral das
classes médias severamente impunha, compelindo os devotos a ocultar com a maior
severidade parte substancial de suas vidas e interesses no campo afetivo. Por isso, nos
romances de Eça da década de 1870, o mundo será sempre o culpado pelos fracassos do
homem na sociedade.
Eça acreditava que a estética do Realismo-Naturalismo provocaria uma mudança
no comportamento do leitor, fazendo com que, em vez de a arte imitar a vida — a vida
imitasse a arte. Havia ali uma concepção de arte, como se ela pudesse conter toda a
verdade, dizer o que era o bem, e o que era o mal. A partir de Os Maias, essa tese terá,
se não contradições evidentes, pelo menos ambigüidades e fissuras que o rótulo “Eça
crítico social” não consegue mais avalizar e/ou desfazer.
A ansiedade da burguesia do século XIX de buscar respostas, definir a si própria,
delimitar características morais recomendáveis, em uma época de progresso e confiança
no futuro, impregnou tanto a literatura portuguesa quanto a do restante da Europa. O
caráter burguês construiu-se, em grande parte, por meio de proibições, de mandamentos
que a classe média deveria seguir. É por isso que Peter Gay afirma que, de todas as
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classes, a classe média vitoriana talvez tenha sido, em todas as épocas, a que mais
sublimou seus impulsos básicos. Mesmo em países diferentes, a burguesia vitoriana do
século XIX compartilhava certa “humanidade” — em suas paixões. Embora
estabelecesse laços sociais de acordo com a classe social, educação, cultura, suas
experiências eram mais ou menos previsíveis. A família era o ícone adorado pela classe
média do século XIX, e a felicidade doméstica era o lema que pendia sobre o leito
conjugal. Mas fique claro que, para Peter Gay, isto não quer dizer que tudo se reduzia a
“bons modos” naquele mundo.
Encontramos na produção literária de Eça de Queirós um diálogo com temas,
valores, problemas que marcaram a cultura portuguesa e a cultura européia nesse
contraditório período que foi a segunda metade do século XIX.
No próximo capítulo, vamos mostrar também o quanto o Eça “moralista”
também foi capaz de abrir-se e o quanto esta moral burguesa tentou, em vão, ocultar “o
que não tem governo, nem nunca terá”...
53
“Carlos notou ainda sobre a mesa alguns livros (...) mas destoava
ali, estranhamente, uma brochura singular – O Manual de
interpretação dos sonhos. E ao lado, em cima do toucador, entre
os marfins das escovas, os cristais dos frascos, as tartarugas finas,
havia outro objeto extravagante, uma enorme caixa de pó-de-
arroz, toda de prata dourada, com uma magnífica safira engastada
na tampa dentro de um círculo de brilhantes miúdos, uma jóia
exagerada de cocotte, pondo ali uma dissonância audaz de
esplendor brutal.”
(Os Maias)
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4 – Os Maias e “José Matias” – Uma Suspeita no Campo
do Amor
4.1 – O amor no realismo-naturalismo
A literatura romântica trouxe consigo o descontentamento em relação ao tipo de
sociedade nova advinda da Revolução Industrial. Esses românticos procuravam, em
vão, uma unidade maior perdida, sem saber que ela nunca existira. Os romances
exibiram conflitos, sobretudo conflitos amorosos, que aquela sociedade fazia o possível
para retirar do palco da consciência. Ao homem parecia ser impossível, no amor, a
união das duas correntes, a afetuosa e a sensual, do modo como Freud nos apresenta em
“Tendência universal à depreciação na esfera do amor”. Diante dessa dificuldade, os
fracassos das histórias de amor passaram a ter como álibi os obstáculos do mundo.
Acusavam o mundo de ser o agente corruptor do ser humano.
No romantismo, o homem crê que alcançará a plenitude através do amor. O
romântico sustenta essa verdade tentando tornar o impossível possível. Transforma o
impossível em possível (harmonia do ser) e o possível em impossível no mundo (casar,
amar). E isto através de um agente colocado como metáfora do mundo, isto é, o Mundo.
Os personagens tornam-se impotentes diante da força do mundo. O fracasso da paixão
transforma o sofrimento em gozo. No artigo “O mito do amor sob o signo da paixão”,
Nadiá P. Ferreira afirma que metáforas são petrificadas através de mensagens que
insistem na repetição de que o amor é o remédio para todos os “males” causados em
alguém que foi humanizado pela intervenção do significante (simbólico) e, justamente
por isto, um sujeito para sempre submetido às leis das linguagens. Estes “males” nada
mais são do que a experiência vivida de que alguma coisa falta. Denegar, tentar encobrir
a impossibilidade de recobrir esta falta é o que chamamos de “denegação da castração”.
O amor-paixão, em vez de apontar para a fenda que envolve e preside qualquer relação
entre sujeito e objeto, forja o mito da Plenitude. Inscrevem-se nesta modalidade os
amores do romantismo e do realismo. (FERREIRA: 1996, p. 12)
Ao traçar o perfil do homem na cultura, Freud aponta para um sujeito assediado
por necessidades inconscientes, com sua incurável ambivalência, seus amores e ódios
primitivos e apaixonados, mal contido por coerções externas e sentimentos de culpa
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internos. Para Freud, as instituições sociais são sobretudo uma barreira contra o
assassinato, o estupro e o incesto. A vida em sociedade é um compromisso imposto, as
próprias instituições que funcionam para proteger a sobrevivência da humanidade
também geram mal-estar.
Freud expõe o grande dilema da humanidade civilizada: os homens não podem
viver sem civilização, mas também não podem viver felizes nela. A constituição do
homem é tal que a serenidade, uma paz permanente entre paixões prementes e
limitações culturais, está sempre fora de seu alcance. (GAY: 2002a, p.497) O homem
não conseguiu encontrar respostas plenas às perguntas fundamentais que sempre o
acossaram, e isto mesmo depois de todas as correntes filosóficas que surgiram,
juntamente com descobertas e invenções da ciência. Terá conseguido pelo menos
alimentar a ilusão de que poderia dominar suas pulsões?
Os conflitos vividos pelos heróis dos romances realistas serão mais complexos que
os dos românticos. Para entendermos essa mudança tomemos como exemplo Carlos,
herói de Viagens na minha terra. Carlos acreditava no amor ideal que une o homem a
uma mulher. Ele amava duas mulheres, Joaninha e Georgina, queria continuar fiel pelo
coração ao seu primeiro amor, Joaninha, mas não sabia como lidar com esse conflito.
Ele sabia que faltava alguma coisa a Joaninha e a Georgina também. Carlos acreditava
que era um ser perfeito, mas achava-se impotente para lutar contra essa força maior que
o arrastava para o mal. Assim, abriu mão de seu desejo, na medida em que abre mão de
fazer uma opção, e não fica nem com Joaninha nem com Georgina. Carlos vive um
conflito moral, pois acredita ter uma natureza ao mesmo tempo pura, e também
incorrigível. Vivendo em um mundo regido pelo dinheiro, interesses e prazer, não
conseguiu ficar sem se render à “tentação”, aceitando as leis desse “mundo hipócrita”.
Achava-se moralmente desqualificado, indigno do amor de Joaninha, afirmando que
mentia todo o tempo. A mulher que ama torna-se objeto impossível. Carlos viveu o
conflito do bom cristão, da luta do bem contra o mal: como continuar “puro” diante de
uma sociedade corrompida, onde o dinheiro e o poder ditam as leis?
Vítor Manuel de Aguiar e Silva afirma que o problema psicológico de Carlos
mostra aspectos reveladores acerca do “mal du siècle — a indefinível doença que
alanceia os românticos, que lhes enlanguesce a vontade, entedia a vida e faz desejar a
morte, (...) pois que exprime o cansaço e a frustração resultantes da impossibilidade de
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realizar o absoluto.”. (SILVA: 1979, p.479) Em sua opinião, as palavras de Carlos, ao
afirmar a Joana estar perdido, e sem remédio, pois sua natureza é incorrigível, são
reveladoras. Ou seja, para Vítor Manuel, o “mal” advém do mundo, “do “século”: “(...)
tenho energia demais no coração. Estes excessos dele me mataram... e me matam!”.
(GARRETT: s./d., p.139) Ao contrário da visão de Vítor Manuel, em que o “mal” vem
mesmo do mundo, e Carlos era apenas uma de suas vítimas, Nadiá P. Ferreira, em “O
Mito do Amor sob o Signo da Paixão”, afirma que, no século XIX, o objeto amado irá
adquirir o valor de bem precioso, na medida em que é idealizado como se fosse a
aparição da Coisa, para criar a ilusão de um amor primeiro e único. E se não se
consegue encontrar nada do que se espera, os álibis dos obstáculos intransponíveis vêm
dissimular, pela denegação da castração, a própria impossibilidade da união de dois
seres em Um. Álibis serão sempre inventados para burlar a castração. (FERREIRA, p.
10, 1996) Embora, nunca sejam suficientes para eliminar o mal-estar:
Nas estórias de amor infelizes, opera-se um deslocamento que irá
produzir um novo sentido para o mito do amor. A infelicidade que dava
lugar ao desabrochar do amor cortês é substituída por todos os sonhos de
plenitude. Os obstáculos que irão se entrepor a esses sonhos irão
provocar uma virada nesta expectativa fálica de felicidade,
transformando o sonho de amor em um pesadelo sem despertar que só
termina quando a morte vem. (FERREIRA: 1996, p.15)
Para Nadiá P. Ferreira portanto, o Mundo é um álibi.
Carlos aceitou a posição de vítima pacificamente. Essa é uma solução do
romantismo, com base nas crenças cristãs: os românticos vão culpar o mundo, não
cogitam qualquer outro tipo de solução para seus problemas. A preocupação dos autores
românticos e realistas a respeito do poder da corrupção do mundo era constante.
Seguiam a lição de Rousseau: o homem nascido naturalmente bom fora pervertido pela
sociedade. Jacinto do Prado Coelho explica que Carlos, por ser instável nos sentimentos
e mentir contra a vontade, está preso à concepção de homem de Rousseau — um ser
sempre em contradição consigo mesmo. Diz que defeitos como os de Carlos aparecem
como “defeitos comuns a todos os homens e conseqüências da inevitável sujeição a um
sistema social, o que iliba de culpas o protagonista do drama.”. (COELHO: 1977, p.84)
Em outro estudo seu: Introdução ao estudo da novela camiliana, aponta Camilo Castelo
57
Branco como um dos que também questionaram a livre escolha do homem. Diz que o
problema da responsabilidade preocupava Camilo. Questões como: “Em que medida
somos livres para escolher o bem e o mal? Temos de obedecer a um destino? Deus
intervém nos negócios humanos?”, estão presentes em alguns de seus romances — um
enigma metafísico que inquietava Camilo, aponta Jacinto Prado Coelho. (COELHO:
1983, p.205)
Diante desse conflito e da inexistência de uma resposta, o homem torna-se
escravo desse tormento. Quanto ao destino, que força seria esta que é capaz de
transformar a vida de um homem em uma tragédia? Não haveria uma fórmula que
pudesse impedi-lo? O discurso cientificista e positivista tentará solucionar a questão:
defenderá a educação baseada na razão, contrapondo-a à educação pautada nos
princípios católicos. Mais tarde, quando o século XIX começa a chegar ao fim, ficará
comprovado que a educação positivista também podia falhar.
Com o advento do Realismo, as correntes de pensamento românticas passaram a
ser duramente combatidas, sobretudo quanto à questão da influência maléfica dos
romances românticos. A geração de escritores que despontava na Europa passou a
questionar e a enfocar, em seus romances, a devastação que a literatura romântica,
supunham, causava. Flaubert chega a alertar para as tendências irracionais,
autodestruidoras do romantismo rousseauiano. “Que parlez vous de remords, de fautes,
d’appréhensions vagues et de confessions? Laissez tout cela, pauvre âme! Par amour de
vous.”. (FLAUBERT: 1980, p.120)
7
Faz essa pergunta a uma correspondente neurótica,
torturada por alucinações religiosas e por crises de auto-acusação. Ao analisar o
romantismo, Flaubert diagnosticou a doença do século XIX, reconheceu a neurose,
cujas vítimas são incapazes de responder por si e preferem fazer como se fossem outros,
logo, vêem-se, não como são, mas como desejariam ser. “Flaubert apreendeu a essência
do moderno subjetivismo, que deforma tudo o que toca. A consciência de que só temos
uma versão deformada da realidade e que estamos encarcerados dentro de formas
subjetivas do nosso pensar.”. (HAUSER: 1989, p. 111)
A repressão, imposta pela sociedade e pela igreja ao homem, tornavam-no em
um sujeito atormentado e neurótico. Ao reconhecer seus desejos e ter como principio
moral reprimi-los, o resultado só poderia ser devastador e hipócrita — ou o homem
7
Carta à Mll.
e
Leroyer de Chantepie de 18 de maio de 1857.
58
atormentava-se com a culpa ou aceitava o jogo cínico e dissimulado das regras impostas
pela sociedade. Esses desejos, mesmo recalcados, retornarão sob a forma de sintoma.
Por isso as mulheres, como a que escreveu para Flaubert, são torturadas por todos os
tipos de alucinações, diante de tantas forças contrárias que acusavam o sexual de imoral
e anormal. Por isso, as Luísas e Amélias não reconheceram seus desejos, e os romances
apontavam o mundo como responsável por seus “pecados”; ambas viveram conflitos
psíquicos e foram punidas com a morte.
As manobras defensivas usadas pela classe média do século XIX, lhe valeram a
reputação de hipócrita. Peter Gay, em A educação dos sentidos, diz que, à sua maneira
oblíqua, a hipocrisia também era uma educadora de sentidos, que instruía como
disfarçar sentimentos e convicções de forma a torná-los aceitáveis pela sociedade.
Romancistas, poetas, filósofos denunciavam sua época como um tempo de quase
intolerável falta de sinceridade. A vida parecia a esses analistas, mentirosa. O que
chama a atenção no século XIX é que não há nada de moderno na descoberta de que os
homens escondem as ações mais vis por trás das palavras mais nobres. Contudo, a lista
de romancistas, poetas e filósofos que se dedicaram à detecção e à denúncia da
hipocrisia está repleta de talentos: Flaubert, Eça, Ibsen, Baudelaire, Nietzsche... A vida
parecia mentirosa a esses implacáveis analistas. Se considerarmos a observação
freudiana de que toda civilização, por menos repressiva que seja, exige sempre
sacrifício das pulsões, é necessário então que haja uma certa dose de “hipocrisia
cultural” para que esta civilização sobreviva. Dessa forma, determinados tipos de
comportamentos rotulados como hipócritas, na verdade eram uma espécie de auto-
proteção. A metáfora teatral indicava o respeito, e, até certo ponto, a submissão dos
indivíduos a uma dinâmica de controle social de natureza consensual e até institucional.
(PAIS: 1986, p. 47)
O realismo/naturalismo não põe em xeque a união do amor e gozo no
casamento. O casamento se transforma em algo corrompido pelos usos e costumes
burgueses, pelos vícios de uma sociedade gangrenada. Recuperada a sociedade, poderá
se cumprir o eros positivista. Nadiá Paulo Ferreira destaca isto: que em momento algum
o “sonho” é visto como “impossível”:
59
Na passagem do romantismo para o realismo, a inadequação entre
o amor e obstáculos redimenciona o mito do amor, substituindo o morrer
de amor romântico pela morte da heroína adúltera diante de uma
desilusão amorosa.
O amor perde o valor de dom pela via da idealização na medida
em que reduz o mais além do amor a uma relação especular em que o
objeto se apresenta revestido de uma imagem com valor de Todos-os
bens. Um amor assim imaginado, como nos mostram os romances
dezenovescos que não têm a forma folhetinesca, só pode terminar em
estórias infelizes que se repetem. Mas, mesmo assim, o sonho não
realizado não é, em momento algum, visto como impossível, porque a
responsabilidade pelo fracasso é sempre a de um outro: as famílias, o
mundo, as diferenças étnicas e sociais etc... (FERREIRA: 1996, p. 25)
Sérgio Nazar David, ao abordar o mesmo tema, destaca que o escritor realista-
naturalista, ao reconhecer a força do desejo e apontá-la sempre como uma
“degenerescência”, parece querer dizer que há algo no humano que repugna: “É preciso
combatê-lo; é preciso armar a consciência, é preciso educar. Homens e mulheres
desarmados serão presas fáceis”. (DAVID: 2003, p. 429) O mito da razão soberana com
sede na consciência é apresentado como saída.
Diante da proposta do realismo de fazer uma literatura que revelasse a essência
do ser humano, “(...) a arte que nos pinta a nossos próprios olhos — para nos
conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que
houver de falso na sociedade.” (QUEIRÓS: 2002, p.72), perceberemos em alguns
romances uma outra opção até então não apresentada em relação aos conflitos do
homem com o “mundo”. Em alguns momentos os impedimentos / obstáculos para a
“felicidade” não partirão do mundo e sim do sujeito, embora, no século XIX, isto não
fique totalmente claro, pois o homem continua denegando a castração e culpando o
Mundo. Na obra de Eça de Queirós, essa questão aparecerá a partir d’Os Maias, ficando
mais clara no conto “José Matias”. Até então, era mais simples para o homem culpar o
mundo, a engrenagem capitalista (onde o dinheiro era o senhor absoluto), a educação,
em vez de assumir que era impossível a realização plena do desejo ou a adequação ao
ideal propagado pela ciência.
60
“Ela cruzava-o uma tarde, bela como uma deusa transviada no
Aterro, deixava-lhe cair na alma por acaso um dos seus olhares
negros, e desaparecia, evaporava-se, como se estivesse realmente
remontando do céu, doravante invisível, sobrenatural; e ele ali
ficava, com aquele olhar no coração, perturbando todo o seu ser,
orientando surdamente os seus pensamentos, desejos,
curiosidades, toda a sua vida interior, para uma adorável
desconhecida, de quem ele nada sabia senão que era alta e loura, e
que tinha uma cadelinha escocesa...”
(Os Maias)
61
4.2 – Os Maias – Uma Suspeita no Campo do Amor
Vivendo longe de Portugal, Eça, desde 1873, queixava-se a Ramalho Ortigão da
distância e do isolamento: “Há um ano que não converso!”. (QUEIRÓS: 2000b, p. 123)
Tinha saudades da pátria e dificuldade de prosseguir seu projeto das “Cenas
portuguesas”, conforme carta de 8 de abril de 1878:
Eu trabalho nas Cenas Portuguesas, mas sob a influência do
desalento. Convenci-me de que um artista não pode trabalhar longe do
meio, em que está a sua matéria artística. (...) eu não posso pintar
Portugal em Newcastle. Para escrever qualquer página, qualquer linha
tenho de fazer dois violentos esforços: — desprender-me inteiramente da
impressão que me dá a sociedade que me cerca — e evocar, por um
retesamento da reminiscência, a sociedade que está longe. Isto faz que os
meus personagens sejam cada vez menos portugueses — sem por isso
serem mais ingleses: começam a ser convencionais; vão-se tornando uma
maneira. Longe de um grande solo de observação — em lugar de passar
para os livros, pelos meios experimentais, um perfeito resumo social —
vou escrevendo, por processos puramente literários e a priori, uma
sociedade de convenção, talhada da memória. (QUEIRÓS: 2000b, p.123)
Eça passou por um período de incertezas e questionamentos quanto à sua
produção literária. Em alguns momentos, queixava-se de um vazio e uma certa
dificuldade para criar, alternando momentos de confiança quanto às suas possibilidades
literárias: “Tenho andado com um tal período de estupidez que não só não te pude
mandar um bocado de prosa bem confeccionada (...). Não se podem fazer promessas
literárias quando se está tão singularmente estúpido.”. (QUEIRÓS: 2000b, p.240)
8
A
dificuldade enfrentada por Eça permitiu que trilhasse um novo caminho sem precisar
continuar seguindo à risca os propósitos do realismo/naturalismo. O resultado desse
amadurecimento do autor pode ser comprovado n’O mandarim e n’Os Maias...
Ao comentar o projeto d’Os Maias com Ramalho, em carta de 20 de fevereiro de
1881, Eça diz que decidiu fazer um romance em que pusesse tudo o que tinha no saco.
(QUEIRÓS: 2000b, p.138-139) Reuniu em um único livro todos assuntos que atraíam a
8
Carta a Oliveira Martins, Bristol, 10 de junho de 1885.
62
sua atenção, mas agora retomados de forma mais profunda, agrupando temas, valores,
ideologias, culturas de diferentes épocas. Porém, não identificaremos mais de modo tão
acentuado a voz do realista doutrinário, cujos propósitos eram corrigir e ensinar. Ao
concluirmos a leitura d’os Maias, perceberemos que o tom de seu discurso se
modificou, que as soluções até então defendidas ferrenhamente em seus artigos e
romances da década de 1870 não eram infalíveis, e que a contradição e o
questionamento serão marcas do romance. O século XIX, ao prometer esgotar o
conhecimento pela revelação integral das leis que regem os fenômenos do universo,
também trouxe à luz problemas difíceis de resolver. Diferentemente dos romances
anteriores, Eça não restringiu suas análises aos universos da pequena burguesia
portuguesa. É sob os olhos da alta burguesia/aristocracia portuguesa que se passará o
romance. A história da família Maia também é um pretexto para o autor fazer uma
crítica à situação decadente do país e à alta burguesia lisboeta oitocentista.
Tomado por esse sentimento contraditório, por seu perfeccionismo e problemas
com o primeiro editor, despendeu no mínimo oito anos escrevendo o livro (Os Maias)
9
,
e, ao concluí-lo, em cartas aos amigos próximos como Ramalho Ortigão e Oliveira
Martins, diz que ainda não estava satisfeito com o romance, pois era “vago, difuso, fora
dos gonzos da realidade, seco, e estando para a bela obra de arte, como o gesso está para
o mármore”. (QUEIRÓS: 2000b, p.144)
10
Chega a recomendar a Oliveira Martins
apenas as primeiras cem páginas: ida a Sintra; as corridas; o desafio; a cena no jornal a
Tarde; e sobretudo o sarau literário. (QUEIRÓS: 2000b, p.248) Repare que os episódios
que Eça recomenda são os mais fiéis a uma prática realista. (LIMA: 1987, p. 171) Ao
recomendar essas passagens ao amigo, Eça reconhece que seu trabalho não seguia
fielmente os parâmetros do realismo/naturalismo como anteriormente. Mas, nem por
isso, deixou de lado seu propósito de fazer o inquérito e a pintura da vida e da sociedade
9
A 1
a
referência a’Os Maias surge em uma carta de 1878 ao editor Chardron. Em 1880, Eça combina
com o seu amigo Lourenço Malheiro a publicação em folhetins do que deveria ser então uma reduzida
novela com este título. Verifica depois que o assunto lhe merece maior desenvolvimento e, como
compensação, presenteia o seu amigo com uma novela, O mandarim. (MATOS: 1988, p. 571) Segundo a
versão que Eça dá dos acontecimentos (cartas a Ramalho em 20/02/1881, 18/05/1882, 03/06/1882,
19/07/1882, 10/08/1882) seu trabalho estava a ser dificultado pela inatividade do editor em Lisboa, o
“infamíssimo” Lallemant. (FREELAND: 1989, p. 24) Eça passou a negociar a transferência da
publicação para Chardron. Em 12 de julho de 1883, Eça comunica a Ramalho que Chardron havia
comprado o livro.
10
Carta a Ramalho Ortigão, Angers, 3 de junho de 1882.
63
portuguesa. Mas, ao contrário do que pensava Eça ao subestimar seu trabalho, Os Maias
acabou se firmando como uma das mais ricas obras de toda narrativa portuguesa.
A tragédia que persegue a família Maia e o Ramalhete poderia simbolizar o
fracasso do povo português e o sentimento de desencanto e vencidismo que se abatia
sobre aquela geração do final do século XIX. Isabel Pires de Lima afirma que estaremos
aptos a explicar Os Maias como expressão de uma visão do mundo feita pelo percurso
da desilusão da Geração de 1870 e sobre a consciência desistente dos Vencidos da Vida.
(LIMA: 1987, p.39) À medida que os fatos vão se sucedendo, vai se apoderando do
leitor essa sensação de impotência diante das convicções apresentadas até então: a
ciência e a filosofia não eram detentoras da verdade suprema, eram incapazes de dar
todas as respostas que inquietavam o espírito humano. N’Os Maias está a marca do
desgosto e das contradições da hipercivilização — sentimento característico do fim do
século XIX. Os romances produzidos no último quartel do século XIX questionam os
valores que até então pareciam ser a salvação da humanidade, e absolutamente
inquestionáveis. O que outrora parecia ser transparente surge agora coberto de
opacidade, o que era certeza agora era ambigüidade. Ao longo do romance, tudo que é
afirmado é quase sempre negado por outro ponto de vista. Os homens passavam por um
momento de transformação, tudo estava cheio de temor da vida, de insegurança. A
realidade, com as suas limitações, estava carregada de fatalidade, e os homens sentiam-
se impotentes diante da avassaladora força do mundo. A sociedade vivia uma profunda
crise moral e intelectual.
A educação é um dos temas que é posto em questão no romance. Até que ponto
a educação influenciaria o caráter e a consciência do homem? Haveria um modelo de
educação ideal em que o homem fosse capaz de dominar suas pulsões e viver em
harmonia? O comportamento/caráter de um homem “civilizado” era melhor do que o de
um homem que não tivesse recebido a “educação” considerada, naquele contexto da
Europa vitoriana, ideal?
Sabemos que Eça de Queirós, desde a década de 1870, defendeu uma reforma na
educação portuguesa, uma educação mais livre e saudável, e que não fosse pautada na
moral católica. Duas propostas de educação serão contrapostas n’Os Maias: Pedro da
Maia, educado em um ambiente amolecido por um Romantismo degenerado, dominado
64
pelo sentimento e não pela razão; e Carlos da Maia, que recebe uma educação liberal,
ambos fortemente condicionados por valores educativos.
D. Afonso, patriarca da família Maia, representa o ideal português: ideal de
dignidade, virtude e discernimento. Tentou, sem sucesso, fazer o filho escapar às
influências da mãe e dos padres. Não suportava o reacionarismo do clero, com suas
falsas interpretações e falsas realizações. Nunca deu crédito às promessas feitas pela
religião aos homens para que obtivessem proteção e felicidade, bastando que
cumprissem determinados requisitos morais. Via com desgosto o filho crescer
acreditando que os grandes inimigos da alma eram: o Mundo, o Diabo e a Carne.
Culpou a educação recebida por Pedro pela sua fraqueza, seu temperamento romântico,
e seu envolvimento com Maria Monforte (a Negreira) que o levou ao suicídio. Sérgio
Nazar David explica que D. Afonso representa o ideal de um homem que pauta sua vida
por princípios morais ditados por uma razão que ele crê pura. Só que a razão pura é a
voz da consciência, são os ditames do bem, e como tal não só vai se opor ao desejo
como também é a causa do recalque. A razão, para D. Afonso, não tem furo! (DAVID:
p. 96, 2003)
A educação de Carlos da Maia será baseada no modelo britânico, uma educação
sólida, inspirada nos moldes salutares de uma grande nação imperial. “Toda a educação
sensata consiste nisto: criar a saúde, a força e os seus hábitos; desenvolver
exclusivamente o animal, armá-lo de uma grande superioridade física. Tal qual como se
não tivesse alma. A alma vem depois... A alma é o luxo.”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1082)
D. Afonso educou o neto para ser um digno cavalheiro e um homem de bem e para não
cometer os mesmos erros do pai. Queria que Carlos fosse virtuoso por amor à virtude e
honrado por amor à honra; e não por temer às caldeiras de Pero Botelho, ou o engodo de
ir para o reino dos céus. Os manuais de educação conferiam uma superioridade à alma
sobre o corpo. O corpo seria uma fonte de pecados e dos vícios. Estas afirmações eram
baseadas na concepção tradicional das religiões superiores, da alma imortal, fonte de
virtude, dualmente oponível ao corpo mortal, fonte de pecado.
Afonso da Maia não acreditava no destino, nem em grandes paixões, sempre
defendeu que um homem digno deveria saber ouvir a voz da Consciência e ser capaz de
agir sob o signo da Razão. Esta seria a fórmula para escapar das armadilhas trágicas da
vida. D. Afonso comungava com a idéia de Razão soberana, tão cara a todo o século
65
XIX, também abraçada pelo cientificismo. Com as armas da Razão, Carlos seria capaz
de pôr-se a salvo das paixões e dos enganos. Mas o que constatamos é que esse
pensamento não passa de uma ilusão. A educação de Carlos não produziu um indivíduo
de caráter capaz de contribuir com qualquer melhoramento ao seu círculo de influência
e nem o impediu de entrar na zona obscura de seus desejos, quando descobre que Maria
Eduarda é sua irmã. O que pode ser lido nos vazios deste livro é que a tarefa de educar
é de alguma forma impossível. Não conhecemos, dentro da civilização, nenhum tipo de
educação que tenha produzido um indivíduo pacífico e tenha conseguido eliminar a
singularidade do desejo
11
.
N’Os Maias, os valores positivistas e cientificistas serão colocados em questão
diante da incapacidade de o homem controlar sua existência, o caráter imprevisível dos
fenômenos, a derrocada de uma situação de felicidade que aparentemente nada poderia
abalar. O mito da razão soberana é posto em questão. Ao descobrir que Carlos e Maria
Eduarda são irmãos, Ega resiste ao absurdo do “incesto” dentro daquela sociedade
aparentemente bem organizada. O acaso, para o espírito positivista, é um conceito
bastante insatisfatório, uma explicação irracional que deveria ser eliminada quando as
leis invariáveis que explicam o funcionamento da sociedade tivessem sido cabalmente
investigadas. O incesto foi uma espécie de desmentido que põe em causa a ilusão
positivista de conhecer, explicar e condicionar racionalmente o destino dos homens e
das sociedades. (REIS: s./d., p.92)
Era acaso inverossímil que tal se passasse, com um amigo seu, numa rua
de Lisboa, numa casa alugada à mãe do Cruges?... Não podia ser! Esses
horrores só se produziam na confusão social, no tumulto da Meia Idade!
Mas numa sociedade burguesa, bem policiada, bem escriturada, garantida
por tantas leis, documentada por tantos papéis, com tanto registro de
batismo, com tanta certidão de casamento, não podia ser! Não! Não
estava no feitio da vida contemporânea que duas crianças separadas por
uma loucura da mãe, depois de dormirem um instante no mesmo berço,
cresçam em terras distantes, se eduquem, descrevam as parábolas
11
Para Freud o mal-estar é estrutural, isto é, manifesta-se seja como for e não em decorrência
especificamente desta ou daquela coerção praticada pela civilização. Retomando o título de sua obra
capital sobre este tema, o mal-estar é “na” civilização e não “da” civilização. “A civilização tem de
utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter
suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. (...) daí a restrição à vida sexual e daí,
também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo (...) A despeito de todos os esforços,
esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito.”. (FREUD: 1976, p. 134)
66
remotas dos seus destinos – para quê? Para virem tornar a dormir juntas
no mesmo ponto, num leito de concubinagem! Não era possível. Tais
coisas pertencem só aos livros, onde vêm, como invenções subtis da arte,
para dar à alma humana um terror novo... (QUEIRÓS: 1997a, p.1474)
Carlos Reis afirma que para Ega o que está em causa é, antes de mais nada, o
significado ideológico de um incesto estranho numa sociedade que se julgava perfeita;
só que (e é aqui que começa a crise vivida por Ega) os fatos evidenciados por esse
misterioso Guimarães, “colidem brutalmente com a feição disciplinada de um sistema
social espartilhado pela burocracia e, portanto, aparentemente inadequado à eclosão do
excepcional.”. (REIS: 1984, p.170) O homem tem a ilusão de possuir controle sobre sua
vida, mas existem coisas que fogem totalmente a esse controle, e é justamente isso que
Ega não consegue compreender.
Vivendo em Londres e próximo da França, Eça percebe que o naturalismo passa por
uma crise a partir do final dos anos 1880. Crise que vinha se esboçando desde o final da
década de 1870. Em 1879, Eça já fazia comentários a respeito de mudanças no
Realismo. Em carta a Ramalho Ortigão, em 10/07/1879, faz a seguinte observação: “Em
literatura, estamos vendo o Realismo desviar-se do seu princípio científico, e cair na
Retórica amaneirada, ou no estudo exclusivo da sensação.”. (QUEIRÓS: 2000b, p. 137)
Os Maias é uma comprovação de que algo se modificava – o livro não segue a estreita
ótica realista/naturalista. Alguns anos mais tarde, na crônica “Positivismo e Idealismo”,
publicada na Gazeta de Notícias, do Rio Janeiro, em 27 e 28 de julho de 1893, Eça
relata a reação ao positivismo científico e ao jacobinismo, e uma simpatia para com o
romance de imaginação, de psicologia sentimental ou humanista. Eça apontou como
causas o “modo brutal e rigoroso com que o positivismo científico tratou a imaginação,
que é uma tão inseparável e legítima companheira do homem, como a razão”. Concluiu
o autor:
“O estridente tumulto das cidades, a exageração cerebral, a imensidade
do esforço industrial, a brutalidade das democracias, hão de
necessariamente levar muitos homens, os mais sensíveis, os mais
imaginativos, a procurar refúgio do quietismo religioso — ou pelo menos
a procurar no sonho um alívio à opressão da realidade.”. (QUEIRÓS:
2000a, p. 1256.)
67
Em “Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise”, Freud dirá que a
filosofia apegava-se à ilusão de ser capaz de apresentar um quadro do universo sem
falhas e coerente, embora tal quadro estivesse fadado a ruir ante cada novo avanço do
conhecimento. Freud também irá mostrar que a consciência não é a sede da razão —
pensamento dominante no século XIX. Explica que há desejos que permanecem apesar
de tudo, e que, recalcados, retornam à consciência sob a forma de sintoma: “A
consciência está sempre sendo de algum modo abalada por uma verdade que não quer
calar (sintoma), por esse algo de estranho que insiste e não desiste — o retorno do
reprimido.”. (DAVID: 2003, p.24) Freud lança por terra convicções como as de D.
Afonso, que não compreende a paixão de Pedro pela filha de um negreiro, e depois a do
neto por Maria Eduarda.
Os fracassos de ambos os personagens, Pedro e Carlos, de certa forma
representam também os males de Portugal. Fracasso que se deve às características que
Eça atribui ao povo português — a predileção pela forma em detrimento do conteúdo, o
diletantismo que impede a fixação em um trabalho sério, a atitude romântica perante a
vida, que consiste em desculpar sistematicamente os próprios erros e falhas, e dizer
“tudo culpa da sociedade”. Não era a primeira vez que Eça colocava a educação como
causadora dos erros/falhas de seus personagens: Amélia e Luísa são apresentadas como
vítimas de uma educação católica e romântica, por isso supõe que agiram como agiram,
sem conseguir dominar seus desejos. Jacinto do Prado Coelho, no artigo “Para a
compreensão d’Os Maias como um todo orgânico”, diz que Carlos não fraquejou por
causa da educação recebida, mas apesar da educação recebida. (COELHO: 1987, p.
187) Concluiremos que a educação havia perdido o peso que lhe fora conferido em seus
romances da década de 1870. Não era ela o motivo que estaria levando à degradação da
moral / da família / do homem, e havia algo além das supostas forças corruptoras do
mundo que impediam a concretização da tão almejada harmonia.
Eça optou por observar a burguesia, os políticos, os banqueiros, os aristocratas
do Ramalhete — local onde se reunia o seleto grupo de amigos da família Maia. O
grupo é caracterizado negativamente: figuras de destaque em Lisboa, mas que são
colocadas como verdadeiros parasitas, todos contaminados pela inércia portuguesa. A
esterilidade daquela gente é exposta através dos serões em Santa Olávia, no Ramalhete,
na Toca ou nas reuniões em casa do Conde de Gouvarinho. O que fazem todos?
68
Conversam, flertam, bebem, comem especulam e jogam — uma sociedade regida pelo
bem-estar do corpo.
O modo como representou a sociedade suscitou diversas apreciações negativas.
Dentre elas, a de Fialho de Almeida, no Repórter de 20/07/1888. A “construção
afrancesada”, o “ abuso do galicismo”, o tom destrutivo foram motivo de revolta.
Acusou Eça de escrever um romance cujos personagens eram todos iguais, copiados uns
dos outros: “grotescos, idiotas, insignificantes e velhacos”. (ALMEIDA: 1912, p. 278)
A crítica de Fialho é de certa forma incoerente, já que o próprio Fialho retratara a
sociedade de Lisboa em tons muito mais fortes. Mesmo assim, na mesma crítica, Fialho
elogia duas cenas como soberbas: a entrevista de Castro Gomes com Carlos da Maia e a
cena de amor em que Carlos se reconcilia com Maria Eduarda. Por fim, iguala Eça a
Thackeray pelo seu poder de observação e ironia. (ALMEIDA: 1912, p. 281) As
acusações de Fialho a Eça tornaram-se com os anos mais violentas: chegou a dizer que
Eça tinha sido o “maior desnacionalizador que teve Portugal.”. (ALMEIDA: 1923, p.
156) A resposta de Eça à crítica de Fialho a Os Maias foi: trata-se de uma obra que
pretendia reproduzir uma sociedade uniforme, nivelada, chata, sem relevos, sem
saliências — não poderia falsear a pintura. Caso seus tipos tivessem destaque,
dissemelhança, individualidade, não seriam portugueses.
V. distingue os homens de Lisboa uns dos outros? (...) Em Portugal há
um homem – que é sempre o mesmo ou sob a forma de dandy, ou de
padre, ou de amanuense (...): é um homem indeciso, débil, sentimental,
bondoso, palrador, deixa-te ir: sem mola de caráter ou de inteligência,
que resista contras as circunstâncias (...) É o português que tem feito este
Portugal que vemos. (QUEIRÓS: 2000a, p.1696-1697)
Sabemos que Portugal vivia um momento crítico desde 1871. Nas Conferências
do Casino Lisbonense, Eça e o grupo de intelectuais a que pertencia já mostravam uma
autêntica oposição às instituições e à ordem burguesa. A crise econômica européia
repercutiu em Portugal, sendo agravada pelo ambiente de pessimismo e profunda
descrença nos governantes e nos modos de governar que permeabilizava as classes
dirigentes. A falência do regime regenerador e da política fontista levou à perda de
esperança no liberalismo e ao descrédito em relação ao constitucionalismo baseado no
rotativismo dos arranjos político-partidários. Essa geração apostou todas suas fichas em
69
um projeto cultural revolucionário de oposição à Regeneração através de uma nova arte
que poderia modificar os rumos da nação. Essa nova geração não queria ser cúmplice da
indiferença, não queria pactuar com a paz podre regeneradora e queria revolucionar
mentalidades. A Geração de 1870 irá lutar contra a Regeneração, contra sua ideologia,
contra o seu rotativismo parlamentar, contra a sua inadequada política econômico-
social. Será a bengalada no homem de bem, nos Conselheiros Acácios e Gouvarinhos
do modo pelo qual Eça expressa em carta a Teófilo Braga datada de 12 de Março de
1878: “mostrar-lhes, como num espelho, que triste país eles formam — eles e elas.”.
(QUEIRÓS: 2000b, p. 917)
(...) Gouvarinho; ali estava um homem de ocupações, de posição política,
na véspera de ser ministro (...) Tem todas as condições para ser ministro:
tem voz sonora, leu Maurício Block, está encalacrado, é um asno!...
(QUEIRÓS: 1997a, p.1176-1177)
A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o
negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos
hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes
porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis...
(QUEIRÓS: 1997a, p.1524)
— Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizemos
como vocês os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a
fantasia, o ideal... Hoje é a realidade, a experiência, o fato positivo, o
documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente
realista. No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o
progresso, a viação, a liberdade, o palavrório... Nós mudamos tudo isso.
Hoje é o fato positivo, — o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica
massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro! (QUEIRÓS: 1997a,
p.1444)
Isabel Pires de Lima vai chamar Os Maias de “romance da desilusão”, a história
da desilusão de uma família. (LIMA: 1987, p. 49-51) Carlos, ao concluir a universidade,
tinha um ideal de realização pessoal e de participação construtiva na vida do país, mas,
à medida que o romance vai avançando, todos os seus projetos vão sendo deixados de
lado. Carlos é um personagem repleto de virtudes: descendente de uma família
tradicional, rico, honesto, bem-educado, inteligente, um “gentleman”, mas todas essas
virtudes não impediram que se deixasse contaminar pela indolência, pela dormência que
parece acometer a todos. “Ninguém faz nada — disse Carlos espreguiçando-se — Tu,
70
por exemplo, que fazes?”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1192) O mesmo se passa com Ega e
até com D. Afonso, que logo na juventude abre mão de seus propósitos revolucionários
após ser desterrado pelo pai para Santa Olávia. Carlos e Ega tinham muitos planos para
o futuro, gostariam de quebrar o marasmo do país — da “choldra ignóbil”. Tentavam
levar uma vida diferente daquela que embalava a juventude burguesa de Lisboa, cujas
ocupações se restringiam a reuniões em clubes da moda, espanholas, especulações e
amores, mas acabaram rendendo-se à síndrome do desencanto, da desistência. Em
pouco tempo, seus planos vão sendo deixados de lado, substituídos por passeios, jogos,
almoços... É uma espécie de melancolia, um conformismo, uma perda de esperança que
vai se apossando aos poucos desses personagens, ao mesmo tempo em que vão cedendo
aos hábitos que conduzem a uma suposta harmonia, a um suposto bem-estar. D. Afonso,
ao constatar a glorificação da inércia em Carlos e Ega, chega a implorar que façam algo:
“— Pois então façam vocês essa revolução. Mas pelo amor de Deus, façam alguma
coisa!”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1306) A desculpa para essa desistência era a
“imbecilidade” nacional, a massa burguesa que desdenhava a inteligência, o que é um
modo de mais uma vez culpar o Mundo. Ega e Carlos não assumem que essa impotência
parte acima de tudo deles mesmos.
Carlos Reis explica que num plano simbólico a esterilidade do herói, Carlos da
Maia, parece estender-se como estigma para além dele, atingindo a casta dirigente a que
ele pertence, como denúncia da incapacidade de renovação e regeneração de toda uma
sociedade de que essa casta é a elite ociosa e improdutiva. (REIS: s./d., p.69) Carlos e
Ega, sob certo prisma, simbolizam o vencidismo de toda a geração de 1870.
É possível que Eça também tenha se deixado contaminar por essa inércia, e que
aos poucos tenha modificado a visão revolucionária de arte proposta nas Conferências
do Casino em algo próximo da inutilidade de todo esforço após tornar-se cônsul.
Intitulava-se um vencido por não ter conseguido alcançar os ideais a que aspirara e seus
projetos terem ficado pelo caminho. O sentimento de Eça é o de não ter tido capacidade
de realizar seus projetos de juventude. Aparentemente, era um vencedor, mas seu
sentimento era o de um vencido, como explica em resposta publicada no jornal O
Tempo ao ataque feito pelo jornal Correio da Manhã aos Vencidos da Vida.
71
(...) para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da
realidade aparente a que chegou — mas do ideal íntimo a que aspirava.
Se um sujeito largou pela existência fora com o ideal supremo de ser
oficial de cabeleireiro, este benemérito é um vencedor, um grande
vencedor, desde que consegue ter nas mãos uma gaforina e a tesoura para
a tosquiar, embora atravesse pelo Chiado cabisbaixo e de botas
cambadas. Por outro lado, se um sujeito, aí pelos vinte anos, quando se
escolhe uma carreira, decidiu ser um milionário, um poeta sublime, um
general invencível, um dominador de homens (ou de mulheres, segundo
as circunstâncias), e se, apesar de todos os esforços e empurrões para
diante, fica a meio caminho do milhão, do poema ou do penacho — ele é
para todos os efeitos um vencido, um morto da vida, embora se pavoneie
por essa Baixa amortalhado numa sobrecasaca de Poole e conservando
no chapéu o lustre da resignação. (QUEIRÓS: 2000a, p.1713-1714)
Independentemente de sempre haver criticado o romantismo, encontramos na
obra de Eça um componente romântico que nunca se dissolveu por completo. Carlos
Reis chama de “multifacetada identidade artística”, essa presença oculta dos
componentes românticos em Eça. O romantismo ainda tinha um peso naquela sociedade
que se aproximava do fim do século, em ritmo de decadência e de crise institucional, em
vários níveis.
Supõe-se que todo o mal da família Maia tenha sido proveniente da ligação dos
homens com as mulheres. A maioria dos romances do século XIX trazem a visão cristã
de que a natureza erótica da mulher era um sinal, não de humanidade, mas de perfídia
essencial. Corrompida, ela era também corruptora. Freud diz que todo esse temor
fundamental e vitoriosamente reprimido frente à mulher, que os homens sentem
indefinidamente desde tempos imemoriais, apontam para a mulher como continente
inexplorado — o homem tem medo da mulher. (GAY: 2002a, p.473) Uma mulher que
se destacasse dentro daquela sociedade, da mesma forma que atraía a todos, também
despertava temor pelo desconhecido — uma espécie de mau presságio.
Tanto Maria Monforte quanto Maria Eduarda surgem radiantes e cercadas de
luz, iluminadas pela beleza, que as faz o centro das atrações, colocando-as em um lugar
superior ao das demais. Note-se que a aparição de ambas é semelhante:
Numa tarde, estando no Marrare, vira parar defronte, à porta de
M.
me
Levaillant, uma caleche azul onde vinha um velho de chapéu
branco, e uma senhora loura, embrulhada num xale de Caxemira (...).
72
Sob as rosinhas que ornavam o seu chapéu preto os cabelos
louros, dum ouro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica:
os olhos maravilhosos iluminavam-na toda; a friagem fazia-lhe mais
pálida a carnação de mármore: e com o seu perfil grave de estátua, o
modelado nobre dos ombros e dos braços que o xale cingia — pareceu a
Pedro nesse instante alguma coisa de imortal e superior à terra.
(QUEIRÓS: 1997a, p.1053)
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo
à portinhola; (...) depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu a mão
a uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito
escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos
afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa,
maravilhosamente bem-feita, deixando atrás de si como uma claridade,
um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar. (QUEIRÓS: 1997a,
p.1147)
O temor que essas duas mulheres deveriam suscitar é simbolizado na Vênus que
ornamenta o jardim do Ramalhete. Ambas pagam um alto preço por dar ao desejo e ao
amor um lugar especial em suas vidas.
Maria Eduarda é um enigma, uma mulher com inúmeras máscaras. Quem era ela
afinal: M.
me
Castro Gomes, Mac Green, ou Maria Eduarda da Maia? Maria Eduarda traz
a marca de Isolda — é sempre a desconhecida, o próprio enigma da mulher. Ela ia de
encontro a tudo aquilo que a sociedade tinha reservado à mulher até então, ela não se
encaixa em nenhum lugar que era destinado às mulheres — não era esposa nem cortesã.
(DAVID: 2003, p. 113) Além disso, parece que ela também está fora do sentido de
“propriedade” que os homens tinham em relação à mulher. Durante boa parte do século
XIX, as mulheres permaneceram virtualmente submissas aos seus pais e, depois, aos
seus maridos. A partir do momento em que as campanhas pelos direitos da mulher
adquiriram maior impulso, o sentimento de que a virilidade se achava em perigo se
aprofundou. Freud em “O tabu da virgindade” diz que talvez este receio se baseie no
fato de que a mulher é diferente do homem, eternamente incompreensível e misteriosa,
estranha e, portanto, aparentemente hostil. “O homem teme ser enfraquecido pela
mulher, contaminado por sua feminilidade e, então, mostra-se ele próprio incapaz.”.
(FREUD: 1997, p.100)
Além disso, diferentemente de sua mãe, Maria Monforte, Maria Eduarda não foi
apresentada como a fêmea fatal, devoradora que arrastou seu marido para o abismo.
73
Tinha o desejo de formar uma família, casar-se e ser aceita pela sociedade. No fundo,
gostaria de seguir os padrões morais da época. Mas como já estava fora dos ditos
padrões, deixa Lisboa, “coberta de negro”, envolta em mistério. Ega ainda se refere à
ela como Cleópatra: grande amante e suicida.
A busca da cara-metade foi o tema principal de inúmeros romances no século
XIX, e a maioria desses amores eram impossíveis e tinham trágicos desfechos. N’Os
Maias, estará presente, além da impossibilidade de se alcançar a “felicidade” através do
amor, a constatação da falência da instituição do casamento numa sociedade como
aquela. O casamento tinha por base uma idéia individual de felicidade, idéia que se
supõe comum aos dois cônjuges. Passou a ser um problema do homem moderno o
desejo de tornar-se senhor de sua própria felicidade. Eça, ao descartar a esperança de se
alcançar a felicidade através do amor e do casamento, principalmente nos romances da
década de 1870, acusa a civilização, e a educação como responsáveis por esse
impedimento. N’Os Maias, os motivos para essa impossibilidade modificar-se-ão. Não
será apenas o mundo o responsável pela “infelicidade” no amor — há também a
suposição de que uma força fora de controle agia contra aquela promessa de felicidade.
Carlos nunca amou, achava que era um impotente de sentimento como Satanás,
até encontrar aquela mulher “(...) mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre
nuvens, com um grande ar de Juno que remonta ao Olimpo”. (QUEIRÓS: 1997a, p.
1167) Somente uma “Deusa” — uma mulher cercada de mistérios, poderia atrair aquele
homem, que até então só via as mulheres como instrumentos de prazer, só conseguia
relacionar-se com aquelas que podia depreciar: “De resto tinha a certeza que nunca
amara as outras como a sabia amar a ela”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1364) Aquela
“estrangeira”, como ele, se sobressai na pequena Lisboa — Carlos sempre achou toda
aquela gente feia, amarela. Eça coloca Maria Eduarda em uma grande altura para o
deslumbramento amoroso de Carlos. O próprio Ega também se dá conta de que algo
superior unia os dois: “Há nada mais natural? Se ela fosse feia e trouxesse aos ombros
uma confecção barata da loja da América; se ele fosse um mocinho encolhido de chapéu
coco, nunca se notariam e seguiriam diversamente nos seus destinos diversos”.
(QUEIRÓS: 1997a, p.1474) Pela primeira vez, um sopro de paixão mais forte que as
leis humanas foi tomando conta de Carlos, que, chegando a se auto-censurar, temia por
aquela paixão a invadir-lhe aos poucos: “(...) envergonhou-se, sentiu-se humilhado com
74
este interesse romanesco que o trazia assim, uma inquietação de rafeiro perdido,
farejando o Aterro, da rampa de Santos ao cais de Sodré, à espera de uns olhos negros e
de uns cabelos louros de passagem em Lisboa”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1180)
Carlos, até aquele momento, vivia o conflito dos homens do século XIX: quando
amam não desejam, quando desejam não amam, por isso achavam-se interditados para o
amor. Somente uma deusa — uma estrangeira, uma mulher diferente de todas o
conquistaria. Maria Eduarda estava fora do lugar dado às mulheres naquela sociedade:
não era esposa, nem prostituta, era um enigma. (DAVID: 2003, p. 113)
Como Carlos, educado sob os princípios da consciência e da razão, se deixou
levar por aquele sentimento indominável? Os furos daquela educação começavam a
aparecer. Carlos não era fruto da educação beata e nem de uma educação inglesa por
completo. Algo do projeto de Afonso da Maia falha. É aí que as deficiências do projeto
realista também se mostrarão.
Ega pressente algo trágico nesse romance, nessa força que ultrapassa os
domínios da razão de seu amigo:
“Supusera um romancezinho, desses que nascem e morrem entre um
beijo e um bocejo: e agora, só pelo modo como Carlos falava daquele
grande amor, ele sentia-o profundo, absorvente, eterno, e para bem ou
para mal tornando-se, daí por diante, e para sempre, o seu irreparável
destino.”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1329)
Após a revelação de que Maria Eduarda era sua irmã, Carlos continua a amá-la.
Não havia como acabar com o seu amor, segundo ele, só porque revelações de um
Guimarães e uma caixa de charutos cheia de papéis velhos o declaravam impossível e
ordenavam que morresse. Carlos se revolta contra aquela lei que impede o seu amor,
como que a se perguntar: Como anular o desejo? Sérgio Nazar David explica que, para
Carlos, o que a sociedade considera incesto vai ter, sim, valor de interdito: “Para ele ali
não havia incesto algum. Carlos cai no engodo da proibição do incesto, engodo que
consiste em proibi-lo quando na verdade o que ele é mesmo é impossível. Proibi-lo é
uma forma de velar a castração (a impossibilidade de dois fazer Um). Ele só chegara até
ali porque não se tratava de um incesto. Ou seja: Maria Eduarda não é o objeto do
desejo (A Mulher). É, sim, o objeto que lhe causa desejo.”. (DAVID: 2003, p. 110) Cito
Os Maias:
75
Pois tu imaginas que por me virem provar que ela é minha irmã, eu gosto
menos dela do que gostava ontem, ou gosto dum modo diferente? Está
claro que não! O meu amor não se vai de uma hora para a outra
acomodar a novas circunstâncias, e transformar-se em amizade... Nunca!
Nem eu quero! (QUEIRÓS: 1997a, p.1492)
Ao seguir seu desejo, e insistir nele mesmo depois de saber da consangüinidade,
experimentará o limite, chegando ao território, considerado pelo narrador, do animal,
que o leva a sentir que “lhe punham nas veias uma chama que era todo bestial”.
(QUEIRÓS: 1997a, p.1506)
Carlos sentiu a quentura de desejo que vinha dela, que o entontecia,
terrível como o bafo ardente de um abismo, escancarado na terra a seus
pés. (...) E de repente, Carlos enlaçou-a furiosamente, esmagando-a e
sugando-a, numa paixão e num desespero que fez tremer todo o leito.
(QUEIRÓS: 1997a, p. 1500)
Os seus movimentos na cama, ainda nessa noite, o tinham assustado
como se fossem os duma fera, lenta e ciosa, que se estirava para o
devorar... (QUEIRÓS: 1997a, p.1506)
Quando Carlos volta a procurar Maria Eduarda estará apenas seguindo seu
desejo, está no território ambivalente do desejo. Mas, como seu objeto de amor está
interditado pelo social, tudo aquilo que antes o atraía passará a repugná-lo. Aos poucos,
deixa-se invadir por uma inquietação. A interdição começa a tomar conta de Carlos.
Mas somente quando passa a se sentir responsável pela morte do avô, aí sim, não mais
voltará a procurá-la:
(...) uma saciedade, uma repugnância por ela (...) Uma repugnância
material, carnal, à flor da pele, que passavam com um arrepio. (...) Se
partisse com ela, seria para bem cedo se debater no indizível horror dum
nojo físico. E que lhe restaria então, morta a paixão que fora a desculpa
do crime, ligado para sempre a uma mulher que o enojava — e que era...
(QUEIRÓS: 1997a, p.1506-1507)
76
Freud, no texto “Contribuições à psicologia do amor”, diz que o homem muitas
vezes sente respeito pela mulher, o que atua como restrição à sua atividade sexual, e só
desenvolve potência completa quando se acha com um objeto sexual depreciado. Isto
ocorreria, em parte, pela entrada de componentes sexuais perversos em seus objetivos
sexuais, que não ousa satisfazer com a mulher que respeita. O objeto uma vez
depreciado, não está mais interditado. Por outro lado, no amor é do objeto incestuoso e
de seus representantes que se trata; porém, uma vez supervalorizado o objeto, a
interdição torna-se imperativa. O desejo é sexualmente inibido em seus fins sempre que
o objeto “escolhido com a finalidade de evitar o incesto (...) [lembra] o objeto proibido
através de alguma característica freqüentemente imperceptível”. (FREUD: 1997, p.84)
Aqui estaria a origem da inibição do desejo sexual do homem, que tantas vezes
reconhece deparar-se com um obstáculo interior.
Eça faz uma aproximação sutil ao associar o homem aos animais, através do
instinto — apresenta a sexualidade como algo animal. Percebemos aqui a presença do
moralismo cristão e cientificista vigentes no século XIX. Schopenhauer era um dos
filósofos que considerava o homem guiado pelo instinto. Em Metafísica do amor /
Metafísica da morte, associa o impulso sexual à procriação. Schopenhauer considera
que o homem, guiado pelo instinto, serve de modo inconsciente à natureza. O desejo e o
amor estariam unicamente a serviço da procriação da espécie, logo a serviço da
Natureza. Para Schopenhauer, a natureza ilude o homem, através do amor e do impulso
sexual, para satisfazer unicamente à procriação e, com isso, à propagação do Mal.
Freud, ao contrário de Schopenhauer, vai dissociar a pulsão sexual da procriação e
associá-la à satisfação. Com isso, irá colocar de um lado a psicanálise, e de outro a
ciência positivista e a filosofia do século XIX. (DAVID, 2003a, p. 30-31)
Ao abrir mão de seu desejo, Carlos submete-se à imposição do mundo, retorna
ao sofrimento de que reclamava no início do romance com o amigo: estar condenado a
não poder amar: “Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres
da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar.”. (QUEIRÓS: 1997a, p.
1143)
A grande contradição do romance está no último capítulo. No início, a esperança
vigora nos personagens, mas, à medida que o romance avança, os projetos iniciais de
vários personagens vão caindo por terra: Afonso, Carlos, Ega, Maria Eduarda. Isabel
77
Pires de Lima diz que as ilusões vão se esfumando e a desilusão generalizada se instala,
no campo da ação individual, do amor, da vida coletiva e nacional. É que a
transparência e a clareza dos valores cede lugar a uma ambigüidade e opacidade cada
vez mais envolventes; e desistir é a única solução. (LIMA: 1987, p.46) N’Os Maias,
tomamos consciência de um tempo português presa do imobilismo. Ao retornar a
Lisboa, Carlos constata que nada havia mudado, tudo estava estagnado, “nada mudara”,
como se o tempo não houvesse passado. É como se uma “mortífera hidra invisível mas
voraz e castradora” (LIMA: 1988, p.23) houvesse capturado a todos. É aí que surge a
grande contradição do romance, aqui está o dilema vivido pelo homem civilizado.
Carlos e Ega acreditam que finalmente chegaram a uma teoria definitiva da existência:
não se esforçar por nada ou correr com ânsia para coisa alguma: nem amor, nem glória,
nem dinheiro, nem poder:
(...) Carlos, (...) deu a sua teoria da vida (...). Era o fatalismo muçulmano.
Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança — nem
a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a
tranqüilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes
e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria
organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até
reentrar e se perder no infinito do Universo... Sobretudo não ter apetites.
E, mais que tudo, não ter contrariedades.
Ega, sem suma, concordava. Do que ele principalmente se
convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade de todo o
esforço. (...) — Se me dissessem que ali embaixo estava uma fortuna
como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera,
para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo...Não!
Não saía deste passinho lento, prudente, correto, seguro, que é o único
que se deve ter na vida. (QUEIRÓS: 1997a, p.1541)
Mas, quando Carlos se lembra do jantar que havia marcado no Bragança, saem
em disparada correndo atrás do Americano. A contradição d’Os Maias está
principalmente na falência dos projetos da dita civilização moderna e na
impossibilidade de o homem comandar a vida. Mesmo sendo um cético, o homem não
tem como conservar-se coerente com suas próprias idéias; é inútil tentar uma filosofia
definitiva da existência, porque a vida sempre se apraz em zombar de todas as filosofias.
Está claro no romance o questionamento em relação a certas afirmações feitas
quanto aos propósitos do realismo/naturalismo: justiça e verdade; corrigir e ensinar; a
78
visão moralista da arte como aperfeiçoamento da espécie humana. Mas o livro encerra
com as perguntas — quais seriam essas saídas independentes das propostas realistas?
Quais seriam as soluções apontadas para o aprimoramento do homem, já que a
civilização não havia sido capaz de aperfeiçoá-lo?
Os questionamentos e angústias por que Eça passou durante o longo período de
elaboração de Os Maias talvez tenham feito parte de um processo de amadurecimento
como homem e escritor. É possível que, com o correr dos anos, tenha começado a se dar
conta de que suas convicções (propostas do realismo/naturalismo) em relação ao
aprimoramento da sociedade e do homem podiam falhar. N`Os Maias está presente,
subrepticiamente, a suspeita de que não havia mais como apontar o “Mundo” ou o
“Trágico Destino” como responsável pelas impossibilidades do homem.
Ao deixar Portugal e viver no exterior, Eça abandonou certos princípios que no
início de sua carreira apareciam como indiscutíveis. O jovem redator que, no Distrito de
Évora, nas Conferências do Casino e n’As Farpas, acalentava o sonho de
“revolucionar” (reformar) a sociedade através da literatura realista havia amadurecido.
É provável que tenha reconhecido que não havia uma fórmula que produzisse um
homem que se guiasse pela Razão soberana; havia alguma coisa a mais que ele não
podia explicar. Eça não conseguiu identificar o mal-estar que impedia o homem de
alcançar a Felicidade.
Nas décadas seguintes (80 e 90), percebemos que viveu um período de
indagações e conflitos. Não se julgava mais o portador da Razão e da Verdade. Pelo
contrário, naquele momento parece que o que o perturbava era justamente as questões:
O que era a Verdade? O que era o Bem para a sociedade? Qual seria o discurso da
Razão?
Em carta a Ramalho Ortigão, de 24 de outubro de 1890, fez o seguinte
comentário sobre As Farpas: “Eu acabo de reler as minhas Farpas: são uma coleção de
pilhérias envelhecidas que não valem o papel em que estão impressas. Estou hoje tão
longe delas, e do estado de espírito que as inspirou — que já quase as não compreendo,
e portanto de modo nenhum as defendo.”. (QUEIRÓS: 2000b, p. 169) O estado de
espírito a que Eça se refere era o de promover uma transformação dos costumes através
da arte. Uma concepção de arte que contivesse toda a Verdade.
79
A contradição presente em Os Maias persistirá em Eça principalmente quanto
aos projetos da dita civilização. Eça supunha que era a civilização que, de alguma
forma, trazia infelicidade ao homem. Podemos comprovar, nos últimos textos
queirosianos, que, ao contrário do que seria quase sinônimo de “acriticidade” — que
muitos insistem em afirmar (que Eça havia se tornado um neo-romântico) — permanece
o escritor perspicaz, crítico, revolucionário e conectado com o mundo ao seu redor. A
publicação de As cidades e as serras e A ilustre casa de Ramires causou uma
inesperada sensação — de que Eça havia se arrependido d’Os Maias. Porém, ao
contrário do que muitos acreditavam, a lição de ambas as novelas não era de um
“neogarretismo”. Na verdade, n’A ilustre casa de Ramires, Eça estava parodiando os
romances históricos à 1840, e em As cidades e as serras ironizou as modas e
descobertas do fim do século, além de criticar a artificialidade da vida da alta burguesia.
Algo, no entanto, começa a mudar no último Eça (da década de 1890). É o que veremos
a seguir. Em dois momentos, na obra de Eça, surgirá uma suspeita quanto aos
obstáculos que impediam o homem de conquistar a Felicidade. Referimo-nos a dois
personagens: José Matias (do conto “José Matias”) e Cruges (personagem d’Os Maias).
80
“O amor espiritualiza o homem — e materializa a mulher. Essa
espiritualização era fácil ao José Matias, que (sem nós
desconfiarmos) nascera desvairadamente espiritualista; mas a
humana Elisa encontrou também um gozo delicado nessa ideal
adoração de monge, que nem ousa roçar, com os dedos trêmulos e
embrulhados no rosário, a túnica da Virgem sublimada. Ele, sim!
Ele gozou nesse amor transcendentemente desmaterializado um
encanto sobre-humano.”
(“José Matias”)
81
4.3– José Matias e Cruges
“José Matias”, conto publicado pela primeira vez na Revista Moderna, de Paris,
no n
o
2, de 25 de junho de1897, é sem dúvida uma obra-prima. Trata-se de uma história
de um amor “espiritual” com todos os ingredientes de uma história de amor romântica.
O conto é narrado por um amigo (filósofo idealista e metafísico), professor de Filosofia,
durante o enterro de José Matias. A “Vênus Tenebrosa” estará novamente presente
nessa história de amor de Eça de Queirós.
Eça irá colocar em questão a impossibilidade do amor e desbanca todas as
desculpas colocadas até então para seus insucessos. Os românticos sempre acusaram o
mundo de agente opressor. Essas forças exteriores seriam os obstáculos para o tão
sonhado projeto de felicidade e a não concretização da fórmula da cara-metade. Só que
em “José Matias” não será mais o mundo o agente opressor, o culpado de seu
impedimento, a batalha é com ele mesmo. Estamos diante do que décadas atrás
chamariam de um “ultra-romântico com idealismos quixotescos”. Mas não é nada disso:
Eça o expõe cruamente em sua fragilidade e em seu desacordo consigo mesmo.
Sabemos que o amor não elimina a falta, nem o desconforto do homem no
mundo. Freud, em Mal-estar na Civilização, indicou as fontes principais desse
desconforto: as exigências imperativas da sociedade, a degradação do corpo, a morte e
os conflitos inerentes aos laços sociais (amor, relações familiares, de trabalho e de
amizade, etc). Além disso, existe algo que liga toda a literatura do século XIX, que é a
renúncia ao desejo. A maioria das obras de ficção funcionava como uma ponderada
advertência contra os perigos das paixões precipitadas. Os escritores seguiam o
raciocínio de que a humanidade era composta de criaturas frágeis, fracas, escravas da
paixão e do instinto. Sem um controle eficaz, o homem rapidamente estaria mergulhado
na animalidade. Assim, o Governo, a Legislação, a Literatura e a Religião deveriam
incumbir-se de evitar esse suposto Mal.
O retrato físico de José Matias nos sugere seu perfil moral: “um rapaz airoso,
louro como uma espiga, com um bigode crespo de paladino sobre a boca indecisa de
contemplativo, destro cavaleiro, de uma elegância sóbria e fina”. Os significantes
82
usados para descrevê-lo: “paladino” e “contemplativo” nos sugerem o amoroso, o
romântico, no sentido do senso comum.
A “formosa Elisa Miranda”, a “Elisa da Parreira, uma morena, de lânguidos
olhos negros, ondulosa, sedutora e suculenta é um contraste com o rapaz airoso, loiro e
contemplativo. Que tipo de amante seria aquele que tinha a alcunha de “coração-de-
esquilo”? Um homem que passava as noites de lua cheia, em Coimbra, encostado ao
parapeito da ponte, “com a alma e os olhos perdidos na lua”? Um sonhador incapaz de
se defrontar com “as fortes realidades da vida”? Optou por um amor que suportasse o
desgaste e a desilusão, para que permanecesse suspenso, imaterial, insatisfeito? Matias
preferiu não arriscar? E se preferiu isso, o fez por supor que assim não perderia nada?
Eça de Queirós usou de todos os estratagemas das histórias de amor românticas
para relatar a nada romântica história de um José Matias que contempla Elisa de sua
janela.
Em Amor de perdição, Simão e Teresa trocam juras de amor de suas janelas, e
não têm contato físico algum. O mesmo acontece em José Matias, um amor que vive de
olhares inflamados trocados de um jardim para o outro jardim, com um muro de
permeio, com raríssimas proximidades, apenas nos encontros semanais na residência de
D. Mafalda, amiga comum de ambos. Um amor espiritual. Porém, o narrador de Amor
de perdição narra como “aquele que sabe” enquanto o narrador de “José Matias” como
“aquele que não entende”, que se inquieta. Além disso, no que diz respeito ao amor, há
a diferença de que em um caso há os obstáculos do mundo (Amor de perdição) e no
outro não. Simão se dirige a Teresa como se ela fosse a sua cara-metade, José Matias
também. Mas, como não há cara-metade nesta vida, esse não haver é escamoteado
diferentemente por cada um deles. Ou seja: cada um deles denega a castração de um
jeito, cada um se engana de uma maneira, cada um deles ignora o não haver relação
sexual a seu modo. É óbvio que isso só pode cair para o narrador como “foi o mundo”
em Amor de perdição, ou então com um solene ponto de interrogação em “José Matias”.
Em vez de usar como álibi os argumentos do romantismo, Eça irá desmascará-
los. Agora o mundo irá colaborar com José Matias, sua “Divina” Elisa ficará viúva duas
vezes. Não seria esta a chance para finalmente lermos o tão esperado final: casaram-se e
viveram felizes para sempre? Mas não — José Matias foge, e continuará fugindo de sua
Deusa. Devido à sua incapacidade de colocar-se como sujeito desejante diante de uma
83
mulher, prefere ser apenas um contemplador. Matias viverá durante dez anos uma
espécie de idílio espiritual de amor. Sua satisfação era estar todo o dia a contemplar sua
Deusa. Com a morte do conselheiro, o idílio de José Matias torna-se um pesadelo, de
acordo com as palavras do narrador: “(...) a terra, para José Matias, tremeu toda, num
terremoto (...) o Miranda (...) morreu com uma pneumonia”. (QUEIRÓS: 1997b,
p.1606)
Sérgio Nazar David faz o seguinte comentário a respeito do conflito vivido por
José Matias:
O que estava escondido era que a sociedade que Eça combateu,
sobretudo em seus escritos de juventude, mais amortecera o mal-estar, o
impasse do homem diante do sexual, tentando fazer crer que eram pobres
noivinhas enganadas nas mãos de cínicos leões. Mas havia ali um desejo,
submerso, anestesiado, recalcado, subitamente às vezes emergindo sob a
forma de sintoma (...). Depois do “José Matias”, pudemos muito bem
entender que o século que então vinha se encerrando também era desse
triste homem que recusa a castração. José Matias mudou-se para perto da
divina Elisa, alimentou todos os sonhos românticos, mas descobriu que
não pode mais culpar o mundo. A impossibilidade da relação sexual
estivera disfarçada em impotência de amar (no mundo). Agora, entramos
melhor nisso, entendemos melhor um segredo que sempre estivera ali,
“como a fruta dentro da casca”. (DAVID: 2003, p.104-105)
José Matias foge para o Porto e não aceita nem mesmo receber Elisa. Mas por
quê? Porque seu objeto de amor se converteu em objeto de temor? As aspirações de
José Matias eram apenas espirituais/ visuais — gozava apenas contemplando-a —
talvez tivesse o medo da mulher, daquela que lhe causa desejo. Matias, ao ficar fixado
por uma imagem que o capturou, não quer que ela seja maculada. Prefere viver um
amor ideal sem consumá-lo. Matias fica aterrorizado a partir do momento em que Elisa
deixa de ser inacessível, sua imagem se transforma de Deusa imaculada em leoa
devoradora.
E todavia surpreendi o José Matias atirando para o terraço, rapidamente,
um olhar em que transparecia inquietação, ansiedade, quase terror! Como
direi? Aquele é o olhar que se resvala para a jaula mal segura onde se
agita uma leoa! (QUEIRÓS: 1997b, p.1606-1607)
84
— Já sabes? Foi o José Matias que recusou! Ela escreveu, esteve no
Porto, chorou...Ele nem consentiu em a ver! Não quis casar, não quer
casar! (...) Mas então esse sublime amor do José Matias? O Nicolau, seu
íntimo e confidente, jurou com irrecusável segurança: — É o mesmo
sempre! Infinito, absoluto... Mas não quer casar! (QUEIRÓS: 1997b,
p.1608)
Em A educação dos sentidos, Peter Gay afirma que o medo da mulher tomou
muitas formas no curso da história. Explica que é um medo que nasce da dependência
completa do menino em relação à mãe, de seu amor carinhoso e frustrado por ela, da
fadiga indefesa do homem após o coito “e do aspecto assustador e das implicações
assombrosas dos órgãos genitais femininos para o menino, pois o menino tende a ver na
mulher um homem castrado, vê na ausência do pênis uma ameaça ao seu próprio
pênis.”. (GAY: 1989, p.150) Ao representar estas mulheres como poderosas, dotadas de
uma beleza avassaladora, que levavam os homens a um sofrimento apaixonado e talvez
a uma morte precoce, muito menos do que o resultado de mudanças sociais e políticas,
estas se afiguram como um reflexo de suas angústias interiores.
Elisa é uma Deusa. Divina e Virginal está acima de todas as mulheres, e, no
desenrolar da narrativa, descerá do altar em que José Matias a colocou. Suas três etapas
são Deusa, esposa e amante. À medida que Elisa desce os degraus, Matias também
inicia sua derrocada, culminando com a morte. Ele perde “o sorriso de segura
beatitude, não consegue suportar o fato de sua Deusa ter se tornado a esposa de
Francisco Torres Nogueira, um homem jovem, viril, e não um doente. Os fartos bigodes
negros de Francisco Torres Nogueira, símbolo de virilidade e saúde, contrapõem-se aos
pelos louros e moles de José Matias. Note que o amante do fim ostenta “uma bela barba
escura” e José Matias no fim da vida: “uma barba rala, indecisa, mole, suja”. O que o
torturava, meu amigo, o que lhe cavara longas rugas em curtos meses, era que um
homem, um macho, um bruto, se tivesse apoderado daquela mulher que era sua!”.
(QUEIRÓS: 1997b, p.1609) A partir daí se consome de ciúmes e dá início a uma série
de extravagâncias.
Destaco o episódio das prostitutas quando José Matias reúne as mulheres mais
torpes do Bairro Alto e da Mouraria para uma ceia. Depois mandou-as montar em
burros e, na frente, sobre um grande cavalo branco, conduziu-as aos altos da Graça para
saudar a aparição do sol. Renato Mezan, em seu artigo “O Estranho Caso de José
85
Matias”, classifica esse ato de José Matias de sintomático. Parece reunir toda uma gama
de fantasias. “As prostitutas “torpes e sujas” representam a mulher degradada
sexualmente, e, ao que tudo indica, são uma materialização da imagem denegrida de
Elisa, que agora se fartava com o seu brutamontes de bigodes negros.”. (MEZAN: 1998,
p. 45)
Eça coloca em cena o que Freud, em seu escrito sobre a “Tendência universal à
Depreciação na esfera do amor”, irá chamar de impotência psíquica quando, em
determinadas pessoas, a esfera do amor permanece dividida em duas direções. Quando
amam, não desejam, e quando desejam não podem amar. Procuram objetos que não
precisem amar, de modo a manter sua sensualidade afastada dos objetos que amam. É
justamente o que acontece com José Matias. Ele quer manter Elisa na posição de Deusa,
para que ela jamais possa descer de seu altar. Caso a visse como uma mulher, deixaria
de amá-la. Eça, agora diferentemente dos românticos e dos realistas que colocavam o
obstáculo no mundo, irá apresentar, neste conto singular de 1897, uma impotência que
recai sobre o sujeito. Matias denega a castração. Ele não consegue ver que tomá-la
como mulher não é sinônimo de depreciá-la completamente. E é porque não vê isto que
opta pelo que, supõe, lhe resta. Toma este lugar distante, para o qual também quer
empurrá-la. Chega a ponto de espreitar o amante de Elisa e se pergunta por que Elisa
havia escolhido aquele homem. José Matias acha que “aquele homem” tem o que ele
não tem. E é isso que não suporta. José Matias opta por um amor que não se desilude
nem se farta. Caso seu amor fosse consumado, Elisa deixaria de ser divina Deusa.
Embora Elisa tenha descido do pedestal no qual foi colocada por José Matias, para ele
sua alma continua intacta.
E adivinha o meu amigo como ele gastava o dia? A espreitar, a seguir, a
farejar o apontador de Obras Públicas! Sim, meu amigo! uma curiosidade
insaciada, frenética, atroz por aquele homem que Elisa escolhera!... Os
dois anteriores, o Miranda e o Nogueira, tinham entrado na alcova de
Elisa, publicamente, pela porta da Igreja, e para outros fins humanos
além do amor — para possuir um lar, talvez filhos, estabilidade e
quietação na vida. Mas este era meramente o amante, que ela nomeara e
mantinha só para ser amada: e nessa união não aparecia outro motivo
racional senão que os dois corpos se unissem. (QUEIRÓS: 1997b,
p.1615)
86
Renato Mezan levanta a hipótese de José Matias ser um tipo de pessoa que
fracassa com o êxito. Explica que existem pessoas que, ao se cumprir um desejo
longamente acalentado, reagem de forma extravagante — não toleram a felicidade,
ficam em pânico e acabam se privando de gozar a satisfação que imaginavam buscar,
passando a agir de modo a destruir as condições que tornariam possível desfrutar do que
obtiveram. (MEZAN: 1988, p.22)
Devemos ressaltar o discurso moralista do “filósofo” narrador, ao ironizar a
última união de Elisa. Vejamos que tipo de filósofo é esse. Um filósofo positivo,
positivista, que não consegue, entretanto, com as suas armas, explicar e dar conta do que
narra. Ele critica o comportamento de Elisa, bem como o de José Matias, e chega a
concluir que ele “era um doente, atacado de hiperespiritualismo, (...) que receara
apavoradamente as materialidades do casamento, as chinelas, a pele pouco fresca ao
acordar, um ventre enorme durante seis meses, os meninos berrando no berço
molhado...”. (QUEIRÓS: 1997b, p.1610)
Segundo Roberto Ibañez, o conto José Matias pode ser chamado de conto de
conflito exclusivo, quer dizer, um conflito radicado na alma do protagonista, e o
resultado ou é sua derrota ou seu triunfo. (IBAÑEZ: 1945, p.320) José Matias é escravo
de uma força que se exerce dentro dele e contra ele. Seu fim só poderia ser aquele:
metido num portal na Rua do São Bento, tiritando de frio, bêbado, o que culminou com
a sua morte. “Parece que o encontraram, de madrugada, estirado no ladrilho, todo
encolhido no jaquetão delgado, arquejando, com a face coberta de morte, voltada para
as varandas de Elisa. (...) Morrera...”. (QUEIRÓS: 1997b, p.1616)
Outro personagem de Eça de Queirós que tem um comportamento diante da
mulher semelhante ao de José Matias é Cruges (Os Maias). Um pianista que vive com a
mãe, “uma senhora viúva, ainda fresca, e dona de prédios na Baixa”. (QUEIRÓS:
1997a, p.1190) Ega já nos dá algumas pistas a respeito do comportamento do maestro,
quando hesita em convidá-lo para jantar com Cohen: “receou a cabeleira desleixada do
Cruges, e alguns dos seus ataques de amargo spleen que estragaria o jantar.”.
(QUEIRÓS: 1997a, p.1145) Cruges não sabe se portar diante de uma mulher,
principalmente uma “grande dame como Maria Eduarda. Embaraça-se, fica
completamente atarantado. As únicas mulheres com as quais conseguia relacionar-se
são as Lolas e as Conchas (prostitutas). Podemos comprovar esse traço de seu
87
comportamento no episódio em que acompanha Carlos a Sintra. Ao encontrar uma
dessas amigas, sua familiaridade com as espanholas chama atenção. “O maestro
afirmou-se um momento, e partiu de braços abertos para a sua amiga Lola. E foi, (...)
uma grulhada em espanhol, grandes apertos de mão, e hombre, que no se le ha visto!
(QUEIRÓS
: 1997a, p. 1195) Em contrapartida, quando é convidado para jantar na Toca,
com Carlos e Maria Eduarda, tem um acesso de “spleen”, fica mudo, parece até querer
conversar, mas não consegue. Rubro diante de Maria Eduarda, acaba por estragar o
jantar. Cruges só consegue relacionar-se com as mulheres de má reputação, chega a
transformar-se ao lado delas. Ele tenta lutar, transpor essa barreira, mas não consegue:
O pobre maestro, roçando a casaca malfeita pela folhagem dos arbustos,
fazia esforços ansiosos por murmurar algum elogio “à beleza do sítio”;
mas escapavam-lhe então inexplicavelmente coisas reles, em calão:
“Vista catita!” “É pitada!”. (QUEIRÓS: 1997a, p.1405)
Cruges parece procurar objetos que não precisem que ele os ame ou que não possa
amar. No pouco que temos dele, em Os Maias, parece que só consegue relacionar-se
com um objeto sexual depreciado e desprezado. E em seu caso ainda há um agravante:
não acontece apenas no amor, socialmente ele também não sabe se portar diante de uma
senhora. Seu descontrole é tanto que faz uso de um vocabulário “ilícito”, mesmo
quando não está na boemia, ao referir-se a uma mulher. Os adjetivos usados no exemplo
acima: “catita”, “é pitada” eram gírias usadas na boemia ou para elogiar prostitutas.
Quando os amigos do Ramalhete estavam discutindo sobre a “apetitosa” Raquel, Cruges
irá chamá-la de “lambisgóia relambória”. (QUEIRÓS: 1997a, p. 1128) Os diferentes
segmentos da população de Lisboa traziam consigo um processo de diferenciação
lingüística, algo que Cruges não consegue respeitar. (PAIS: 1985, p.43)
Ele mora com a mãe, e tudo nos leva a crer que era um homem totalmente dominado
por ela. Tanto que no episódio de Sintra, ao encontrar com suas amigas “espanholas”,
acaba esquecendo de levar para a mãe as queijadinhas que esta lhe pedira. O seu
comportamento peculiar talvez seja decorrente da fixação infantil de seus sentimentos
de ternura pela mãe. Freud diz que, nesses casos, as características maternas
permanecem impressas nos objetos amorosos, e por esse motivo só consegue ficar à
vontade diante de mulheres degradadas.
88
O medo da mulher propiciou o aumento dos instrumentos de autodefesa masculina,
tais como o desgastado clichê sobre a mulher como o sexo misterioso. Seu processo de
emancipação fez com que alguns homens e até mulheres usassem de todos os recursos
para tentar recuperar o terreno perdido. Nas artes plásticas e na literatura, sua imagem
como figura contraditória e confusa, cheia de mistérios, será recorrente. Mas, na
verdade, tudo era um álibi para encobrir os dilemas interiores vividos pelo homem. Por
trás da escolha de um objeto amoroso está uma série de fatores que caracterizarão essa
escolha, e sua origem (como o dissemos) talvez esteja na fixação infantil de seus
sentimentos de ternura pela mãe. Além disso, o ideal burguês de amar era
excessivamente exigente, fazendo com que homens e mulheres abrissem mão de seus
desejos a todo o momento. Freud, em seu estudo “Sobre a tendência Universal à
Depreciação na Esfera do Amor”, dirá que a impotência psíquica estava muito mais
difundida do que se supunha, e que certa extensão desse comportamento caracterizava o
amor do homem civilizado. Era quase impossível harmonizar os clamores do desejo
com as exigências da civilização. Por isso Stefan Zweig, em A cura pelo espírito, afirma
que a moral do século XIX não aborda o problema real, antes evita-o. Não se pedia a
um indivíduo que fosse moral, mas que tivesse uma atitude moral. Diante de tais
exigências só poderia haver um resultado: as contradições. Tudo isso contribuiu também
para a proliferação de tipos como Carlos da Maia, José Matias e Cruges e suas histórias
de amor tortuosas e paradoxais. Mas onde o romantismo e o realismo-naturalismo
culparam unicamente a sociedade, o último Eça talvez venha trazer uma sombra de
suspeita, que, mais tarde, ficará evidente em alguns autores da virada do século.
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“A crítica não saberá provavelmente apreciar esta obra. Ela não
alcançará a sinceridade do autor e colocará o acento sobre alguma
coisa acessória, identificará a “confusão de sentimentos” na
relação amorosa com a mulher do professor admirado. Mas a
mulher é neste contexto unicamente um personagem de contraste.
O conflito consiste exclusivamente no fato de que o adolescente
gostaria de responder ao amor do homem, mas não o consegue
devido a um misterioso interdito interior.”
(Freud, em carta de 4 de setembro de 1926, a Stefan Zweig,
comentando a novela Confusão de sentimentos)
90
5 - Um Misterioso Interdito Interior
Em alguns autores da virada do século, a questão da interdição por parte do
sujeito não será mais uma suspeita. Esses autores preocuparam-se com o problema da
natureza do indivíduo numa sociedade em desintegração. Em suas obras, não havia mais
como comungar com a “embriaguez da razão” que havia sido lançada pelos progressos
da ciência. Era uma época marcada pela falência do positivismo e do mito do progresso,
pelo descrédito da religião, por graves convulsões políticas e sucessivas crises
econômicas, que culminaram com a Primeira Guerra Mundial. Era necessário
reconhecer as pulsões como forças poderosas que operam fora do determinismo social.
Destaco três autores como sugestão para um estudo a ser mais aprofundado futuramente
para exemplificar que não havia mais como sustentar a possibilidade da realização plena
do desejo ou a adequação aos ideais propagados pela religião ou pela ciência: Raul
Brandão (1867-1930), Arthur Schnitzler (1862-1931) e Stefan Zweig (1881-1942),
autores educados e formados no Oitocentos, mas que escreveram a parte mais
substancial de suas obras no século XX.
A obra de Raul Brandão traz o germe da destruição de qualquer poder de
edificação de um mundo possível que fosse regido pelas leis da harmonia e
verossimilhança. Raul Brandão define a condição trágica do homem moderno ao mesmo
tempo em que aponta para sua angústia existencial. Com Raul Brandão, emerge um
novo paradigma ficcional: o de uma ficção minada pela suspeita de que a vida é “uma
mentira trágica”. (REYNAUD: 2000, p. 19) Além disso, surge diante do leitor uma
profunda e dilacerada meditação acerca da existência humana face à finitude. Os
principais temas da ficção brandoniana são: a dualidade do “eu”, a vida como ilusão, a
dor, a miséria, a marginalidade, a morte, a denúncia do grotesco e o absurdo da
condição humana. Maria João Reynaud compara a obra de Raul Brandão com o quadro
“o grito” de Munch. Diz que é o mesmo grito, mudo e desesperado, que se repercute em
toda a sua obra, suspenso entre o terror apocalíptico e a esperança messiânica da
regeneração. (REYNAUD: 2000, p. 43)
91
Em Húmus, Raul Brandão coloca-nos perante uma experiência-limite,
que se processa num mundo dominado pela passividade e pela rotina, mas também pela
desigualdade e pelas injustiças sociais. Subitamente, a ordem do universo é abalada pelo
suposto desaparecimento de Deus, do inferno e da morte, e o que se revela é o abismo
tenebroso do ser humano, a explosão de pulsões ferozes, de uma liberdade que faz
eclodir o arbitrário, gerando o caos.
Jacinto do Prado Coelho faz a seguinte observação sobre Húmus, que pode
abranger o restante da obra de Raul Brandão: “o seu grande assunto é a dicotomia
terrífica do homem e da vida. (COELHO: 1977, p. 235) Mais: “(...) a ação principal de
Húmus consiste no choque entre o mundo aparente e o mundo autêntico, na descoberta
desnorteante, da existência de algo monstruoso, informe, que fica do outro lado, algo
que mexe, que avança, com uma força que revolve tudo.”. (COELHO: 1977, p. 235)
Tu lutas contra esta figura que dentro de ti te impele; tu queres fugir de ti
próprio, queres separar-te de ti mesmo, e não podes. Só consegues, à
custa de esforços desesperados, manteres-te dentro da fórmula ou da
máscara que escolheste, e arredar o crime e a loucura, e fingir e sorrir; tu
pudeste iludir o fantasma, seguindo pelo caminho trilhado. (BRANDÃO:
2003, p. 177)
Uma atmosfera inquietante, densa, percorre todo o livro. As indagações que ali
encontramos são indagações do mundo: Deus existe? O Inferno existe? Para que a vida?
Percebemos um questionamento constante de valores, a culpa atormenta o narrador. “A
revolução de que fala Húmus é uma revolução das almas, a descoberta da falsidade
desse edifício”. (COELHO: 1977, p. 238) Ao mesmo tempo em que retrata o homem
em toda a força das pulsões, Raul Brandão revolta-se com o espetáculo da dor diante da
degradação e da miséria.
O homem por dentro é um desconforme. É ele e todos os mortos. É uma
sobra desmedida; encerra em si a vastidão do Universo. E com isto teve
de atender a máscara. Para poder viver teve de se transformar e de
esquecer a figura real por a figura de todos os dias. Agora todos somos
fantasmas (...) Todos temos de matar, todos temos de destruir. Todos
temos de deitar abaixo. (BRANDÃO: 2003, p. 77)
92
O escritor austríaco, Arthur Schnitzler, irá diagnosticar com precisão a sociedade
vienense: artificialidade e fingimento eram algo comum, e em todos os aspectos da vida
o que importava eram as aparências. Seu discurso não se enquadrou no código
convencional sobre a moral e a imoralidade, principalmente ao mostrar que os desejos
sexuais destroem barreiras sociais e culturais. O amor e a morte caminham sempre
juntos em suas novelas, contos, peças e romances. O amor é marcado pela “aura dos
condenados” e carrega o cancro de sua morte já ao nascer.
Em suas obras, revelou a vida como um jogo de forças irracionais, desvendou a
hipocrisia moral da sociedade e colocou em questão as contradições vividas pelo
homem. Em Schnitzler, a aristocracia aparece em toda sua decadência e a burguesia em
toda sua voracidade. Ambas quedam impotentes e assinalam a impotência do ser
humano moderno. O pessimismo é imenso, a melancolia no subsolo é dura e a
insatisfação final garantida. (BACKES: 2003, p.235)
A senhora Beate e seu filho (1913) conta a história de uma mulher madura,
viúva, que, depois de muito tempo, sente a volta do desejo. A alma de uma mulher e
mãe é explorada até o fim e o monólogo interior — que aparece em toda sua intensidade
— é usado para desnudar a interioridade humana. Schnitzler leva sua personagem a
situações extremas e obriga Beate a uma decisão que parece irremediável: o suicídio.
Parece que Schnitzler quer mostrar que é na morte que o ser humano se livra das
máscaras que carregava em vida para esconder o rosto de seus vícios, fraquezas, etc.
Schnitzler trata do tema do incesto de um modo evidente. Em A senhora Beate e seu
filho é o homem que adquire a condição de “objeto sexual” nos desejos de Beate. A
imagem da mulher como anjo maternal é totalmente destruída. O incesto parte da mãe
na novela, fica mais direto, vive através de sinais e atos e se realiza na imensa
comunhão final entre a mãe e o filho, entre o amor e a morte. “(...) os olhos de Hugo se
abriram mostrando um olhar no qual se via um brilho de medo tentando uni-lo pela
última vez à sorte vulgar dos homens. Beate puxou o amante, o filho, o consagrado à
morte ao peito.”. (SCHNITZLER: 2001, p. 146) Schnitzler leva Beate a situações
extremas até que ela se vê obrigada a uma decisão irremediável.
O mundo retratado por Schnitzler é um lugar onde a instabilidade é uma
constância, uma vida na qual a certeza está em lugar nenhum. Em seus contos,
encontramos os sentimentos mais secretos da alma humana, as paixões mais profundas e
93
as perversidades mais doentias do homem. Em carta de 14/5/1922, Sigmund Freud disse
a Schnitzler que a identidade entre eles era grande e que ele havia conseguido elaborar
na ficção aquilo que ele, Freud, descobrira mediante um longo trabalho. São palavras de
Freud:
(...) sua preocupação com as verdades do inconsciente e com os impulsos
instintivos do homem, a dissecação que o senhor faz dos dogmas em que
se fundam as convenções e a cultura, a insistência das suas reflexões
sobre a polaridade do amor e da morte, tudo isto me comoveu com
inquietante familiaridade. (FREUD: 1982, p. 396)
Ao se voltar para as forças interiores que movem e que detêm o homem,
Schnitzler afasta-se do padrão dominante do século XIX.
Stefan Zweig também não compactuou com o suposto código moral do séc.
XIX. Para Zweig, o século XIX não foi regido por Kant, e sim pelo can´t. (ZWEIG:
s./d., p. 233) Assim como Schnitzler, não compactuou com o suposto “código de
silêncio” da sociedade vienense. O tema principal das novelas que escreve é o
“segredo”. Em Zweig, no mundo opaco de suas novelas, cada personagem é um mártir
que carrega dentro de si o próprio carrasco. (BONA: 1999, p. 57) Seus personagens se
debatem em algo inconfessado, oculto, e que, todavia, acaba por voltar à superfície,
ameaçando seu precário equilíbrio.
Das novelas que escreve nos anos 1920, é Confusões de sentimentos (1927) que
melhor mostra o papel do segredo na vida humana. A novela conta a história ambígua
de um jovem e de seu professor, especialista em teatro elisabetano, cuja
homossexualidade, inicialmente sugerida, é enfim revelada. Zweig deixará o misterioso
interdito explícito. Está claro que o que impede o homem de seguir seus impulsos
sexuais ou realizar seus desejos parte dele mesmo e não de fora. O adolescente vive um
conflito durante todo o tempo em que convive com o professor que ama. Ele não
consegue corresponder ao amor do homem que sempre admirou e amou devido a esse
misterioso interdito interior: “Porque não encontrei eu uma palavra? Porque continuei
mudo, como que indiferente, embaraçado, acabrunhado, em vez de caminhar para esse
homem cheio de amor e de lhe fazer desaparecer o seu receio errôneo? (ZWEIG: 1951,
p. 163) Rolando deseja consolar o homem que amava, sua “alma ardia por lhe dizer
94
palavras de consolação” (ZWEIG: 1951, p. 165), mas sua boca não obedecia, e assim
achava-se miseravelmente pequeno. Em carta a Zweig em 4 de setembro de 1926, Freud
faz o seguinte comentário sobre Confusão de sentimentos:
A crítica não saberá provavelmente apreciar esta obra. Ela não alcançará
a sinceridade do autor e colocará o acento sobre alguma coisa acessória,
identificará a “confusão de sentimentos na relação amorosa com a mulher
do professor admirado. Mas a mulher é neste contexto unicamente um
personagem de contraste. O conflito consiste exclusivamente no fato de
que o adolescente gostaria de responder ao amor do homem, mas não o
consegue devido a um misterioso interdito interior. (Apud ZWEIG: 2004,
p. 30)
Porque esses personagens não conseguem romper esta barreira? O que faz com
que tenham que abrir mão daquilo que realmente desejam, para simplesmente submeter-
se às convenções? Por que a saída para alguns é a degradação ou a morte, como é o caso
de José Matias ou Beate? Os conflitos interiores desses personagens são revelados,
colocando em cena a dificuldade do homem de conviver com o mundo e com as
convenções sociais, a força das pulsões, a angústia da morte...
É digno de nota a conexão entre os principais temas desses autores: a angústia
existencial, a morte como um momento em que o homem se livra das suas máscaras, o
carrasco que cada um traz dentro de si, os perversos sentimentos humanos. Percebemos
em todos eles uma inquietação diante da descoberta de um indivíduo contraditório e
ambíguo. Tudo isto só vem reforçar o que já foi afirmado anteriormente quanto à
fragilidade do homem para se adequar às regras que procuram ajustar os
relacionamentos mútuos do homem na família, no Estado, na sociedade. O final do
século XIX, marcado pela angústia e pela crise, somente agravou as inquietações
humanas. Os valores tradicionais corroídos trouxeram apenas decepções. Já não se
acreditava em Deus, na Igreja, na Monarquia, na Razão, na ciência positiva. Não havia
mais lugar para o mito de um homem dominado pela Razão, que buscava a tão almejada
Felicidade. A bondade natural do homem, defendida por Rousseau, havia perdido o seu
lugar. Entretanto, alguns se dão conta de que o que os impedia de serem felizes não
partia do mundo, e sim deles mesmos. Diante desse quadro, não havia mais como
camuflar a importância da sexualidade e do saber inconsciente. Não havia mais como
95
dar continuidade ao rigoroso exercício do que Peter Gay chamará de “educação dos
sentidos”. (GAY: 1989, p. 87)
Percebemos que esses autores, cada um por meio de seu próprio caminho,
descobriram que a autodeterminação do espírito era uma ficção, e que nós somos muitas
vezes surpreendidos por uma força que se exerce em nós, e, muitas vezes, contra nós.
96
“Afonso viu enfim Maria Monforte. (...) Afonso não
respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate,
que agora se inclinava sobre Pedro, quase o escondia,
parecia envolvê-lo todo — como uma larga mancha de
sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.”
(Os Maias)
97
6 - Conclusão
A experiência burguesa do amor no século XIX era nas palavras de Peter Gay
“ao mesmo tempo estilizada e espontânea”. (GAY: 2000, p. 9) Estilizada na medida em
que tudo nas uniões entre burgueses era “meticulosamente orquestrado” de modo a
garantir o encontro de parceiros adequados, por razões de família e de dinheiro, sendo-
lhes impostas penalidades extremamente duras nos casos de alianças erradas. A
espontaneidade surgiria do conflito entre a severidade imposta e a urgência das
tentações, abrindo um amplo espaço para motivações amorosas menos calculistas que a
vantagem material ou a ascensão social. O ideal erótico burguês era o amor conjugal.
Na sociedade burguesa do século XIX, onde o casamento na classe média era
também um contrato de negócios, sexo não era um assunto a ser discutido abertamente.
A classe média lançou mão de diferentes manobras que lhe valeram a reputação de
hipócrita. De certa forma, a hipocrisia também era uma educadora dos sentidos, que
instruía como disfarçar sentimentos e convicções de forma a torná-los aceitáveis na
sociedade. A reserva, o recato, a reticência e a decência uniam casais em uma espécie de
conspiração do silêncio. Todos estes artifícios formavam uma grande armadura de
táticas defensivas, já que a opinião pública era implacável.
O século XIX produziu inúmeros escritos acerca do amor e de sua cultura. A
imagem da Felicidade vinculada ao amor, como um remédio para todos os males era
algo que atraía mas também inquietava as pessoas. Assim, o sujeito sairia em busca
desse algo que lhe falta para compensar sua insatisfação, na ilusão de que, encontrando-
o comporia uma Unidade, um todo. O amor-paixão, em vez de apontar a fenda que
envolve a relação entre sujeito e objeto, forjou um mito de Plenitude. Diante da
impossibilidade de encontrar a cara-metade, as histórias de amor só poderiam ter finais
infelizes. Mas em momento algum este sonho foi visto como impossível. Pelo contrário,
responsabilizaram a família, o mundo, as diferenças étnicas, sociais...
Eça de Queirós ao concluir a Universidade de Coimbra, como todo jovem,
acalentava sonhos de transformar o mundo. Na década de 1870 sua geração buscou
promover uma revolução cultural, a transformação das elites governantes, pela sua
98
regeneração e educação. O positivismo, o cientificismo dariam as respostas que o
homem buscava. O homem, guiado pela Razão, conseguiria atingir a tão almejada
Felicidade. Nesse período, a década de 70, sua produção literária, pautada nos princípios
do realismo/naturalismo, terá um forte cunho pedagógico.
A literatura do século XIX condensou as ansiedades das classes médias, que a
maioria dos amantes burgueses era incapaz de articular ou havia reprimido por
completo. Impiedosamente, revelava os conflitos inconscientes que a exigente moral das
classes médias severamente impunha, compelindo os devotos a ocultar com a maior
severidade parte substancial de suas vidas e interesses no campo afetivo. Por isso, nos
romances de Eça da década de 1870, o mundo será sempre o culpado pelos fracassos do
homem na sociedade.
Na década de 1880 surgem indícios quanto às incertezas de Eça acerca da teoria
naturalista. A literatura de forte cunho pedagógico vai aos poucos se transformando. A
principal obra de Eça, Os Maias, é um romance repleto de dúvidas e de ambigüidades.
Principalmente para aquele que até então acreditava fazer o discurso da razão, da
verdade (a “bengalada do homem de bem”). Isso não quer dizer que Eça, ao fim de seus
dias, tenha se transformado em um neo-romântico. Pelo contrário, não perdeu sua
extraordinária capacidade de diagnosticar com precisão a sociedade. O homem de visão,
perspicaz, crítico, permaneceu ativo até seus últimos dias. Percebemos que Eça passou a
questionar suas próprias propostas. Diante da decepção das promessas não cumpridas
pelas diferentes correntes filosóficas e pelo cientificismo, sabia que nem Deus nem a
ciência lhe dariam todas as respostas. O que é a Verdade? O que é o Bem, o Justo? Sua
literatura dizia a Verdade? O que é o Bem para a sociedade? Estes conflitos submersos
em Eça, tanto na ficção como na não-ficção, vão se aguçando ao longo de sua obra.
Eça de Queirós trouxe, em sua obra, uma interrogação quanto à culpabilidade do
Mundo, para os fracassos das histórias de amor. Não havia mais como encobrir a falta e
encobrir os buracos do “mantozinho da moral que se punha em torno das coisas.
Colocou, de uma forma ficcional, questões referentes à condição da existência humana,
questões estas que estavam na pena dos principais filósofos e cientistas do século XIX,
superando-os pela criação ficcional. Não criou personagens que conseguissem superar
os dilemas aparentemente sociais: estes estão simplesmente retratando, vencidos pela
vida, a miséria humana, colocados diante da aparente inexorabilidade de determinados
99
sentimentos, não lhes sobrando, assim parece, muitas alternativas. Ou seja: estão
vencidos. Parece que pelas forças sociais, mas não. Estão vencidos por si mesmos. E
aqui Carlos terá que entrar no rol, embora aparentemente ostente um bem-estar ao final
do romance.
O projeto iluminista de Felicidade era uma ilusão, algo impossível diante das
misérias e fragilidades da vida. A aparente estabilidade e bem-estar escondem o mal-
estar presente dentro de todos. A vida da família burguesa era um teatro, onde cada um
deveria saber representar muito bem o seu papel.
Eça de Queirós se apoiou em algumas dicotomias: amor/morte; uma vida
autêntica/uma vida não autêntica; vício/virtude; manipulação/autonomia. O leitor
encontra-se com um arquétipo que revela alguma coisa essencial a respeito da condição
humana. Muitas vezes suas narrativas se iniciam com personagens insatisfeitos nos seus
mundos, que contribuem para que ocorra algo que virá para desafiar a aceitação do seu
ambiente. Seria como se seus personagens tivessem uma necessidade interior que não
encontra limites, ainda que esses limites possam ser a morte. O peso da moralidade
vitoriana sempre cairá sobre esses personagens, não permitindo nunca um desfecho sem
culpa.
Embora os personagens de Eça de Queirós não tenham transposto
completamente os limites dos impedimentos sociais, mesmo assim neles vemos temas
capitais como amor e a morte, e a vida artificial da burguesia. Podemos afirmar que Eça
antecipou temas e valores que foram retomados pela literatura moderna do século XX.
O que está submerso em Eça, virá a tona em Raul Brandão, Arthur Schnitzler e Stefan
Zweig.
100
“Sobre a nudez forte da Verdade
o manto diáfano da Fantasia”
(A Relíquia)
101
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