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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
A INFERÊNCIA CAUSAL NA FILOSOFIA MORAL DE HUME
RENATO DE MEDEIROS JOTA
NATAL – RN
2007
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RENATO DE MEDEIROS JOTA
A INFERÊNCIA CAUSAL NA FILOSOFIA MORAL DE HUME
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre em Filosofia. Curso de Pós-graduação em
filosofia(PPGFIL) do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes (CCHLA) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) .
ORIENTADOR: Prof. Dr. Juan Adolfo Bonaccini.
CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. Jaimir Conte.
Natal – RN
2007
2
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RENATO DE MEDEIROS JOTA
A INFERÊNCIA CAUSAL NA FILOSOFIA MORAL DE HUME
Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Titulo de Mestre
em Filosofia e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Filosofia (PPGFIL), nível de mestrando, do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em: de Novembro de 2007.
Apresentando à Comissão Examinadora, integrada pelos Professores:
____________________________________
Prof. Dr. Juan Adolfo Bonaccini (UFRN)
Orientador
_______________________________________
Prof. Dr. André Leclerc (UFPB)
Membro Externo
________________________________________
Prof. Dr. Glen Walter Ericson (UFRN)
Membro
________________________________________
Prof. Dra. Sara Albieri (UFSC)
Suplente Externo
_________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Costa (UFRN)
Suplente interno
Natal, 2007
3
Dedico esta dissertação a minha família e aos meus
amigos e orientadores Professores Juan A. Bonaccini e
Jaimir Conte por suas inestimáveis observações e
orientações nesta árdua tarefa que é pensar.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por ser meu guia e pai supremo nesta dura
caminhada que é a vida, e a minha mãe Gorett inteligente e lutadora. A minha
esposa Zaira sábia e paciente pelos momentos de ausência e tumulto que
circundaram sua vida diante de minha ausência. A meus amigos e Orientadores
professores Juan Adolfo Bonaccini e Jaimir Conte por sua paciência e constante
orientação. A meu irmão Robsom e família por seu apoio e carinho. Agradeço
também a minha família, A Eugênio Pereira da Silva a quem devo muito do que
consegui até agora e a minhas irmãs Rafaela, Raissa e a minha tia Alba Lúcia a
meus avós José Abdias e Zulmira apesar de distantes forma importantes nos
momentos difíceis de minha vida. Agradeço igualmente a Nazareno Cláudio e a
Francisca Atanázio meus sogros, e agora parte de minha família por sua
compreensão e carinho. Estendo estas ressalvas a Neper, Namir e Claudio
irmãos de minha esposa, e apesar de tão pouco tempo mostraram-se
importantíssimo para nos unir em prol de um sonho. E a meus amigos e irmãos
por escolha, aqueles que me deram apoio e suportaram muitas vezes meus
comentários “espirituosos” como Jean Carlos, Manuel Lopes, Marco Aurélio
Jordão (companheiro de curso), Manuel Amaro, Izidro Brito, Bérgson, e a meus
amigos e companheiros de trabalho e colaboradores, Jario Antônio do
Nascimento, Jackeline, Gilson Gomes, Ubiratan e a Mario Pereira que foram de
extrema importância para a conclusão deste projeto. Devo também, muito desta
dissertação a pequenas colaborações de amigos de trabalho que me ajudaram
dando apoio e me encorajando nas horas difíceis como Rogeferson, Francinildo e
Edinaldo e a todo o pessoal da cozinha da lanchonete que facilitaram minha vida e
suportaram os momentos de perturbação e angústia que cercaram este
empreendimento. Também devo agradecer a meus dois anjos da guarda Vânia e
Francisca de Lira Chacon por terem me atendido nas horas mais difíceis. Assim
como ao pessoal da zeladoria José Maria, Francisco Canindé de França e
Ricardo. Vale lembrar especificamente a todos aqueles chefes e encarregados
que apesar das saídas constantes nos horários mais inconvenientes foram
fundamentais para a conclusão desta dissertação. Finalmente, agradeço a todos
aqueles que não mencionei, mas que tiveram paciência e boa vontade, sejam eles
de cargos grandes ou pequenos, foram de muita importância para a concretização
deste sonho e agradeço a todos eles.
5
A filosofia moral, ou ciência da natureza humana,
pode ser tratada de duas maneiras diferentes,
cada uma delas possuidora de um mérito peculiar
e capaz de contribuir para o entretenimento,
instrução e reforma da humanidade. A primeira
considera o homem principalmente como nascido
para a ação e como influenciado em suas atitudes
pelo gosto e pelo sentimento, perseguindo um
objeto e evitando outro, de acordo com o valor que
esses objetos parecem possuir e segundo a
perspectiva em que se apresentam (...) Os
filósofos da segunda espécie vêem no homem
antes um ser dotado de razão do que um ser ativo,
e dirigem seus esforços mais à formação de seu
entendimento do que ao cultivo de seus costumes.
David Hume
Investigação sobre o entendimento humano (IEH, 1. 1, p. 19).
6
RESUMO
Partindo da idéia de que o resultado da análise humeana das inferências causais
deve aplicar-se coerentemente ao restante de sua obra, incluindo sua teoria moral,
a presente dissertação objetiva investigar se a filosofia moral de Hume se
fundamenta no sentimento, ou se isto não seria antes essencialmente uma
conseqüência de nossas inferências causais. A idéia central consiste em mostrar
que nossas inferências morais, na medida em que para Hume são empíricas,
dependem da nossa crença em uma conexão entre o que foi anteriormente
observado e algo que não é observado ( mas espera-se ocorrer ou observar-se no
futuro ). Assim, essa mesma crença fundamentaria nossas inferências morais
sobre as ações dos indivíduos, e conseqüentemente, nos levaria a associar
determinados comportamentos, bem como o caráter e as convicções morais dos
homens a certos sentimentos “morais”. A dissertação desdobra-se em três
capítulos. No primeiro capítulo relata-se a teoria da percepção e mostra-se que
ela constitui parte essencial da explicação das nossas inferências . No segundo
capítulo, trata-se da análise das inferências causais e como contribuem na
formação das nossas inferências morais. No terceiro, a partir da análise anterior,
investiga-se a formação de nossas inferências morais e a real contribuição da
doutrina da necessidade e da liberdade para o exame de nossas ações.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia moral – Inferências causais – Teoria da
percepção – Hume - Causa e efeito.
7
ABSTRACT
Starting from the idea that the result of the Humean analysis of causal inferences
must be applied coherently to the remaining part of his work, including its moral
theory, the present master thesis aims at investigating whether Hume´s moral
philosophy is essentially based on feeling, or whether this would not be rather
essentially a consequence of our causal inferences in human actions and
deliberations. The main idea consists in showing that our moral inferences, to the
extent that they are for Hume “empirical”, depend on our belief in a connexion
between something which has been previously observed and something which is
not being observed ( but that it is expected to occur or to be observed in the
future). Thus, this very belief must base our moral inferences concerning the
actions and deliberations of the individuals. Therefore, must e o ipso induce us to
associate actions and behaviors, as well as character and moral claims of men to
certain “moral” feelings. Accordingly, the thesis is unfolded in three chapters. In
the first chapter Hume´s theory of the perception is reported as essential part of
the explanation or the principles that bind ideas in our mind and constitute our
inferences. In the second chapter, the Humean analysis of causal inferences is
presented and the way they contribute in the formation of our moral inferences is
explained. In the third and last chapter, the formation of our moral inferences and
the real contribution of the doctrine of freedom and necessity for the examination or
our actions are analysed and discussed.
KEYWORDS: Moral Philosophy – Causal inferences – Theory of perception –
Hume – Causation.
8
SUMÁRIO
Lista de abreviaturas........................................................................ 10
Introdução.......................................................................................... 11
Capítulo 1: A teoria humeana da percepção................................... 16
1.1 Ceticismo e percepção................................................ 16
1.2 Impressões e idéias..................................................... 20
1.3 Semelhanças e diferenças entre as idéias................ 33
Capítulo 2: O percurso causal.......................................................... 39
2.1 Associação entre idéias.............................................. 39
2.2 Causalidade primeira aproximação........................... 45
2.3 A inferência causal...................................................... 49
2.4 A crença e o hábito...................................................... 60
2.5 A probabilidade............................................................ 71
2.6 A conexão necessária................................................. 76
Capítulo 3: Necessidade e conhecimento..................................... 87
3.1 A experiência como o guia moral dos sentimentos 87
3.2 Conjunção entre motivos e ações voluntárias.......... 95
3.3 A doutrina da necessidade......................................... 101
3.4 A doutrina da liberdade............................................... 108
3.5 Inferência causal e moral............................................ 116
3.6 A síntese humeana entre liberdade e necessidade 121
Considerações finais......................................................................... 125
Referências Bibliográficas................................................................ 129
9
Abreviaturas para as obras de Hume
T - Tratado da natureza humana
IEH - Investigação sobre o entendimento humano
IPM - Investigação sobre os princípios da moral
10
INTRODUÇÃO
Em duas de suas obras, talvez as principais, o Tratado da natureza humana
e a Investigação sobre o entendimento humano, Hume objetiva a fundamentação
de uma ciência do homem. Esta ciência abrangeria a teoria do conhecimento, a
metafísica e a filosofia moral, assuntos de extrema importância em sua época.
Para fundamentar esta ciência humana, entretanto, teria que solucionar um
problema que possui sua origem na metafísica: o uso de inferências causais fora
da experiência
1
. Partindo desta observação, Hume estabelece sua crítica à
metafísica tomando como base a experiência. Neste ponto, Hume não é original.
Locke já tinha estabelecido que só podemos obter conhecimento objetivo através
da experiência
2
, seguindo o legado de Bacon. Daí dizermos que Locke e Hume
talvez sejam os principais pilares da filosofia empirista. Contudo, para muitos a
experiência não seria suficiente para o conhecimento, pois parece que faltaria
algo que ligasse os objetos, uma conexão “necessária” entre as causas e os
efeitos, fazendo-nos inferir, do aparecimento de uma “causa”, a conseqüência
necessária do seu “efeito”. Hume concentra boa parte de sua investigação na
1
Tanto no Tratado como na Investigação sobre o entendimento humano, Hume tem por objetivo, não
explicar a natureza exterior ao indivíduo. Aliás, isso ele reconhece que Newton fez com grande sucesso na
verdade, ele pretende fazer o mesmo em relação à parte humana (neste sentido a natureza interior) o mesmo
que Newton fez em relação ao mundo físico. Na Investigação, Hume tem como objetivo fazer uma geografia
mental que constituem as operações do pensamento em suas palavras “e se não pudermos ir mais além dessa
geografia mental, ou delineamento das diferentes partes e poderes da mente, chegar até lá já terá sido uma
satisfação; e quanto mais óbvia essa ciência vier a parecer (e ela não é de modo algum óbvia), mais
censurável ainda se deverá julgar seu desconhecimento por parte daqueles que aspiram ao saber e à filosofia”
(IEH, 1. 13, p. 28).
2
É preciso não esquecer apesar do rótulo de empirista, Locke é mais racionalista do que comumente se supõe.
Especialmente em relação ao conhecimento moral, Locke afirma que as regras morais constituem “as mais
óbvias deduções da razão humana” (Ensaio, 1.3.12).
11
análise desta conexão “necessária”, a qual supostamente ligaria o surgimento da
causa a seu respectivo efeito e seria responsável, por sua vez, pela maioria de
nossas inferências sobre questões morais.
Hume toma como base de análise a idéia de que existem “princípios de
associação de idéias”, identificando três princípios básicos: semelhança,
contigüidade no tempo e espaço, e causa-e-efeito. Julga que nossa experiência
nos leva a associar idéias por sua semelhança, contigüidade ou relação causal em
nossa mente. No entanto, a relação causal parece ser o mais importante, por
estar presente na maioria de nossas inferências factuais. Assim, todos os
conhecimentos que temos na ciência sobre as questões de fato e de existência
são guiados por este princípio de causa e efeito. O objetivo de nossa dissertação,
neste contexto, consiste em mostrar o papel de nossas inferências causais nos
assuntos morais, mesmo que não exista uma conexão “necessária” ligando de fato
cada causa a seu respectivo efeito. Deste modo, dividiremos nossa análise em
três capítulos: o primeiro tem como objetivo dar uma visão geral da teoria da
percepção de Hume; o segundo busca explicar como e por que fazemos
inferências “causais”, já que não existe uma conexão necessária entre causa e
efeito; e o terceiro concentra-se na explicação de como as inferências causais
contribuem para a formação de nossos juízos morais.
De fato, a filosofia de Hume tem como objetivo maior não só fundamentar
uma espécie de “epistemologia psicológica”, tendo como base a experiência de
nossas percepções na mente, mas visa também esclarecer e explicar nossos
juízos morais a partir de uma análise dos sentimentos. Para isso, Hume passa a
investigar todo o mecanismo que nos leva a fazer inferências sobre nossos atos e
12
os sentimentos gerados por eles. Sua análise, portanto, parte dos mecanismos
constitutivos de nossa mente, baseando-se numa teoria da percepção que visa
traçar uma “geografia mental” (IEH, 1.13) . Segundo Hume, a experiência obtida
por nós através dos sentidos mostra-se como a principal via de acesso ao
conhecimento. Nossa percepção, divide-se em “impressões” e “idéias”
3
. As
primeiras são mais fortes e vivazes, pois são as sensações originais que formam a
base do conhecimento. Já as segundas, as idéias, são posteriores às impressões,
e constituem como que o seu reflexo. São, por vezes, copias fiéis das impressões,
e diferenciam-se destas em seus graus de vivacidade, sendo mais fracas e
lânguidas se comparadas às impressões que antecedem.
Além da distinção que acabamos de mencionar, ainda existe uma outra
subdivisão entre as idéias, já que elas se dividem em “simples” e “complexas”
(IEH, 2.3, p. 34). Por exemplo, a idéia de cor de uma maçã mostra-se
estreitamente ligada a uma idéia simples, pois sua explicação não vai além do fato
puramente dado, e nos leva, portanto, a concluir que o sabor, aroma e a cor que
são características daquele tipo de fruta, podem ser vistos separadamente, e,
portanto, são idéias simples. A idéia complexa, em contrapartida, mostra-se em
sua dupla composição, pois alia tipos de idéias simples reunidas em uma só. Por
exemplo, se temos a idéia complexa de uma “maçã”, é porque aliamos a idéia
3
É preciso deixar claro o novo sentido dado por Hume ao termo impressão. Hume se refere não só as
impressões externas ou sensações, mas também às impressões internas (ou de reflexão). E seu vínculo mostra-
se quando utilizamos as impressões internas ou externas como mediadoras de nossas inferências ou juízos
sobre nossas ações morais, claramente ligadas ao sentimento produzidas por algum estímulo, exterior ou
interior. Por exemplo, se alguém que me esbofeteia cria em mim um sentimento, de medo ou ódio que em um
primeiro momento foi estimulado por uma sensação externa. O sentimento de medo ou ódio, por outro lado,
mostra-se como uma sensação interna, e portanto, mostra-se a sensação de duas formas em meu juízo moral,
como uma mão dupla constituída tanto de uma sensação interna como externa. Elas constituem, nossas
inferências quando estão em jogo sentimentos de aprovação ou reprovação de determinada ação.
13
simples de seu sabor ou aroma ligada a uma fruta, que reúne as duas idéias. As
idéias complexas, portanto, são ligadas pela imaginação. A imaginação pode
compor e modificar os objetos em nossa mente, mas para que faça isso é
necessário que as idéias sejam conjugadas, ou seja, precisa-se de duas ou mais
idéias simples associadas para que possamos compor e modificar esses objetos.
Após estabelecer esta distinção, Hume sugere que existem certos
princípios que associam idéias. Conforme acima mencionado, Hume defende a
existência de três tipos de princípios
4
com base nas quais associamos idéias na
mente: de semelhança, de contigüidade e de causa e efeito. Este último destaca-
se por sua relevância para a maioria das inferências sobre questões de fato.
O princípio causal ganha também destaque ao observarmos na natureza
uma sucessão entre os fenômenos. Pois, se todas as vezes que observo o fogo
eu espero como conseqüência necessária seu calor, não estarei me baseando em
nenhum princípio a priori, mas na crença habitual de que do aparecimento de um
segue-se naturalmente o do outro. Assim, Hume diz não haver a priori nada na
mente que justifique inferir um efeito a partir de algo que foi anteriormente
observado. O motivo disso está intrinsecamente ligado à crença em uma conexão
entre o que foi anteriormente observado e algo inobservado que se espera no
futuro. É essa crença que funda nossas inferências sobre as ações dos indivíduos
e, conseqüentemente, nos leva à associar determinados comportamentos a certos
sentimentos que nos leva a associar as características dos homens a certas
4
Neste ponto existe uma discussão bastante interessante de Monteiro sobre haver um quarto princípio de
associação entre idéias que segundo autor é encontrado no Tratado e que abordarei no segundo capítulo.
14
ações
5
, e as convicções morais e ações
6
aos sentimentos com base num princípio
de causa e efeito.
Segundo consta, a maioria de nossas inferências morais está estreitamente
ligada às ações dos indivíduos; e estas ações recebem a influência dos
sentimentos. Constata-se, portanto, que a maioria de nossas ações geram e
pressupõem sentimentos, sejam eles de amor ou ódio, coragem ou medo, alegria
ou rancor. Parecem, portanto, supor algum princípio causal que faz a ligação entre
elas e os sentimentos. Pois nossas avaliações de conduta e caráter supõem de
alguma maneira uma relação entre as ações e os sentimentos. De modo que
pareceria ser de extrema importância investigar este terreno ainda inóspito no
pensamento de Hume, a fim de compreender a influência sua da teoria acerca da
inferência causal em assuntos morais.
Nestes termos, o objetivo de nossa dissertação consiste em analisar a
influência das inferências causais no âmbito da moral, objetivando mostrar que a
filosofia moral humeana não está somente baseada no sentimento, guia de todas
as nossas ações, mas também sofre a influência do princípio do hábito,
responsável direto por nossas inferências factuais e elemento essencial para
formação moral.
5
Cf. T II, III, 1-3
6
Cf. T III, I, 1
15
1. A teoria humeana da percepção.
1.1 Ceticismo e percepção
O problema posto na obra de David Hume pelo conceito de impressão tem
sido motivo de discussões diversas sobre a possibilidade da existência externa
dos objetos independentes de uma percepção. Os trabalhos desenvolvidos na
atualidade pelos que estudam Hume, principalmente sobre o tema da
confiabilidade de nossos sentidos como fonte de conhecimento, classificam sua
filosofia como cética. Normalmente os estudiosos vêem em sua obra a relação do
mundo com as percepções muito mais sob a ótica do ceticismo
7
, do que sob
qualquer outra faceta encontrada em seus escritos
8
. Este ceticismo em relação a
nossos sentidos perpassa boa parte da filosofia moderna e encontra-se
“sobretudo” presente na discussão sobre o problema do mundo externo, que é de
enorme interesse na obra de Hume. Assim, por exemplo, Hume nos diz no
Tratado:
Quanto às impressões provenientes dos sentidos, sua causa
última é, em minha opinião, inteiramente inexplicável pela razão
7
Assim, Plínio Junqueira Smith (SMITH, 1995, p. 289) André Verdan (VERDAN, 1998, p.99) e Maria
Magdalena de Mendonça (MENDONÇA, 2003, p. 35), participam da mesma opinião sobre os intérpretes de
Hume, e as diversas visões sobre o ceticismo contido em sua obra. Mendonça expõe as diversas visões dos
filósofos que investigam os seus escritos, classificando-as em “radicais” ou “moderadas”, assim como as
diversas opiniões sobre qual a “intensidade” e “influência” do pensamento cético em seus estudos (2003, p.
35).
8
Kemp Smith ( KEMP SMITH 2005, pp. 9-10 e 365-366) observa que a filosofia humeana é claramente
pautada em um naturalismo.Contudo, vale salientar que Kemp Smith não nega o ceticismo de Hume, mas diz
que em sua filosofia encontramos uma maior quantidade de traços naturalistas do que céticos . Já a posição de
Gilles Deleuze ( DELEUZE 2001, p. 11-12) mostra que a filosofia humeana é fundamentalmente mentalista,
pois centraliza toda a possibilidade de conhecimento na subjetividade do indivíduo.
16
humana, e será para sempre impossível decidir com certeza se
elas surgem imediatamente do objeto, se são produzidas pelo
poder criativo da mente, ou ainda se derivam do autor de nosso
ser (...) Podemos sempre fazer inferências partindo da coerência
de nossas percepções, sejam estas verdadeiras ou falsas,
representem elas a natureza de maneira correta ou sejam meras
ilusões dos sentidos (T. I,III,V, p.113)
9
.
De fato, Hume duvida que os sentidos permitam perceber algo além das
impressões e parte deste ponto para estabelecer sua doutrina acerca da
veracidade do que pode ser realmente conhecido por nós. Daí o porquê de
pensar-se o autor sob a ótica cética. Contudo, as impressões em Hume não giram
só em torno da idéia de “existência contínua” e “externa” dos objetos
10
, a qual não
pode ser dada por impressões simples, mas apontam para a relação objetivo–
subjetivo, ao contrário do que defendem os filósofos que pensam a teoria de
Hume como cética ao extremo e a identificam com a impossibilidade de podermos
conhecer algo totalmente e sem margem a dúvidas .
Desta forma, nosso objetivo aqui consiste primeiro em elucidar a noção de
percepção, procurando mostrar que Hume não possui um ceticismo extremado,
como o pirrônico
11
, por exemplo, buscando o que o autor vislumbrou sobre o
9
A partir de agora quando me referir ao Tratado da natureza humana, usarei o “T” maiúsculo para indicar a
obra referida, assim como a numeração romana para indicar o livro, a parte e a seção. Para indicar a página
da obra referida utilizarei a numeração arábica da edição brasileira (2001). Já com a edição inglesa de David
Fate Norton usarei o método autor-data.
10
Sobre isso veja-se Alcoforado (2003).
11
Mendonça comenta que Richard Popkin acredita que Hume é um autentico representante da tradição cética
antiga, e o apresenta como paradigma do pirrônico, sustentando que era o único a possuir uma visão de um
pirronismo consistente, mesmo comparado a Sexto, o último dos céticos da antiguidade, devido a ter
17
assunto. Mas vale salientar que com isso não se fecha a porta para a discussão
com aqueles que vêem um ceticismo na obra de Hume. Pelo contrário, será muito
proveitoso manter esta discussão, observando onde começa o ceticismo do autor,
o que aqui não negamos, e onde inaugura um novo tipo de ceticismo, diferente
dos seus antecessores. Sobretudo porque Hume não visa a negar total e
completamente o conhecimento, mas antes abre espaço para a possibilidade de
conhecermos os objetos da natureza na experiência, passando a trabalhar sob o
auspício de uma nova forma de pensar o ceticismo e tendo a percepção como
ponto de partida para fundamentar a ciência do homem que se propõe a
estabelecer. Assim, faz-se necessário explicar a critica cética existente na obra de
Hume e em que ela difere da filosofia cética de tipo pirrônico, que é um ceticismo
mais radical.
Primeiramente devemos observar que o ceticismo de Hume nasce de sua
critica a toda metafísica, que objetiva estabelecer todo o seu conhecimento em
conceitos puramente subjetivos, não levando em consideração a experiência
sensível. A utilização desta razão subjetiva, somente, não se mostra para ele
como critério suficiente para o conhecimento; não sem antes tomar como base a
experiência. Assim, a razão somente ganhará validade se tiver o auxílio da
experiência. Sem esta, para Hume, a razão degenerará em sofismas e
obscuridade.
encontrado a mistura perfeita entre dogmatismo e ceticismo, crença e suspensão, para o pensamento pirrônico.
Assim, Hume não procurou refutar ou excluir o pirronismo, mas “ao contrário, teria apontado certos
problemas psicológicos e práticos implícitos na versão pirrônica ortodoxa, que insistia em uma atitude
demasiadamente dogmática sobre a suspensão de juízo, o que significa fornecer uma leitura corrigida que
visaria fortalecê-la, ao invés de expurgá-la” (MENDONÇA 2003, p.37).
18
Em segundo lugar, ao contrário do ceticismo do tipo pirrônico ou radical
12
,
que diz “não haver evidência adequada ou suficiente para determinar se alguma
forma de conhecimento é ou não possível e que, portanto, devemos suspender o
juízo acerca de todas as questões relativas ao conhecimento (POPKIN 2000, p.
13)”, mostra-se ligeiramente diferente de Hume, porque no caso de Hume se trata
de um tipo de ceticismo diferente, chamado por alguns de ceticismo “naturalista”
(SMITH, 1999) ou “mitigado”
13
(Cf. POPKIN 2000, pp. 211ss) que não nega o
acesso ao conhecimento, mas nega somente o conhecimento não empírico de
entidades metafísicas. Portanto, podemos dizer que para Hume o conhecimento é
provável, pois do contrário degeneraria em dogmatismo, e o aproximaria
justamente daquilo que busca combater, a saber, a pretensão de conhecer
verdades necessárias sobre a realidade. No entanto, não vemos Hume
desmerecer a razão, pelo contrário, ele busca orientar sua direção em uma nova
perspectiva, com o apoio da experiência, para estabelecer suas bases em uma
“razão empírica” e fundar uma nova ciência do homem.
12
Popkin mostra que “o pirronismo, como uma formulação teórica do ceticismo, é atribuída a Enesidemo,
que viveu de c. 100 a 40 a.C. O ceticismo para eles era uma habilidade, ou atitude mental, que permitia opor
evidências a favor e contra qualquer questão relativa ao não evidente, de modo a levar à suspensão de juízo
acerca desta questão. Este estado mental levaria então à ataraxia, a quietude ou impertubabilidade, quando o
cético então não mais se preocuparia com questões que transcendem as aparências. O ceticismo seria a cura
para a doença do dogmatismo ou precipitação (...) o pirrônico, portanto, vive de modo não dogmático,
seguindo suas inclinações naturais, as aparências que percebe, e as leis e costumes da sociedade a que
pertence, sem jamais se comprometer com qualquer juízo acerca disto” (2000, p.15).
13
Popkin observa que para enfrentar a crise cética sobre o pensamento era necessário “encontrar na
formulação de uma teoria que pudesse aceitar a força total do ataque cético à possibilidade do conhecimento
humano, no sentido de verdades necessárias sobre a natureza da realidade, e no entanto admitir a
possibilidade do conhecimento em um grau inferior, como verdades convincentes ou prováveis sobre as
aparências. Este tipo de visão, que se tornou o que muitos filósofos hoje em dia consideram a concepção
cientifica, foi apresentada pela primeira vez no século XVII no grandioso ataque de Mersenne ao pirronismo,
La verité dês sciences, contre lês Septiques ou Pyrrhoniens, e mais tarde, de uma forma mais sistemática, pelo
bom amigo de Merssene, Gassendi (...) Mas, mesmo as formulações mais teóricas deste ceticismo mitigado
ou construtivo tendo ocorrido provavelmente já no início do século XVII, um novo dogmatismo teria de ser
desenvolvido e destruído antes que esta nova solução para a crise pyrrhonienne pudesse ser aceita. Só após a
19
1.2 – IMPRESSÔES E IDÉIAS.
O conceito de “impressão” é extremamente importante para a teoria da
percepção de Hume; pois somente a partir dele é que passamos a ter a noção da
existência de uma relação de idéias mediante um princípio associativo
responsável por nossos juízos e nossas inferências.
Entretanto, para compreender melhor o percurso da argumentação
humeana até a fundamentação da ciência moral, devemos começar pela teoria da
percepção, passando depois pela análise do principio causal, para finalmente
abordar a teoria moral. Assim, primeiramente, partiremos do ponto de vista de
Hume, sobre como funciona a percepção em nossa mente, para em seguida
apresentarmos a relação existente entre impressões e idéias, ambas
denominadas “percepções”.
Hume começa sua análise declarando que todas as nossas percepções se
reduzem a apenas dois tipos, a saber, impressões e idéias, consistindo sua
diferença em seu grau de força e vivacidade mais ou menos fraco. As percepções
que chegam com mais força e violência em nossa mente são chamadas de
impressões, incluindo todas as nossas sensações, paixões e emoções. Mas
aquelas que são pálidas imagens de nossas impressões no pensamento e no
raciocínio são chamadas de idéias . Há, portanto:
apresentação deste ponto de vista por David Hume, e sua assimilação por Mill e Comte, é que ele pode se
tornar filosoficamente respeitável” (2000, p.211).
20
(...) duas classes ou espécies que se distinguem por seus graus de
força e vivacidade. As que são menos fortes e vivazes são
comumente denominadas pensamentos ou idéias (...) Entendo
pelo termo impressão, portanto, todas as nossas percepções mais
vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos,
ou odiamos, ou desejamos ou exercemos nossa vontade. E
impressões são distintas das idéias, que são as percepções
menos vívidas, das quais estamos conscientes quando refletimos
sobre quaisquer umas das sensações ou atividades já
mencionadas (IEH, 2.3, p. 34)
14
.
Embora a distinção seja clara e análoga àquela entre pensar e sentir ou
entre sentir ou experimentar e lembrar que sentiu ou experimentou, às vezes
torna-se difícil distinguirmos impressões das idéias porque seus graus variam
conforme sua proximidade. Mas o que predomina, afirma Hume, é a facilidade
com que estas percepções podem ser distinguidas umas das outras, e de se
assemelharem como cópias fieis umas das outras. Somente em alguns casos a
distinção é mais difícil:
Assim, por exemplo, no sono, no delírio febril, na loucura, ou em
qualquer emoção mais violenta da alma, nossas idéias podem se
aproximar de nossas impressões. Por outro lado, acontece, às
14
A partir de agora, quando me referir à Investigação sobre o entendimento humano, usarei as siglas
maiúsculas “IEH” maiúsculo para indicar a obra referida e a numeração arábica para indicar a seção,
21
vezes, de nossas impressões serem tão apagadas e fracas que
não somos capazes de as distinguir de nossas idéias. Mas,
apesar dessa grande semelhança em alguns poucos casos, elas
são geralmente tão diferentes que ninguém pode hesitar em
separá-las em duas classes distintas, atribuindo a cada uma um
nome característico para marcar sua diferença. (T, I, I, I, p. 26).
Demarcada a diferenças entre impressões e idéias, existe uma segunda
divisão identificada por Hume em nossas percepções. Estas podem ser divididas
em simples e complexas. O nosso autor diz que as percepções simples, sejam
impressões ou idéias, não podem ser divididas, não admitindo distinção ou
separação. Ao contrário das simples, as percepções complexas podem ser
distinguidas e separadas.
Percepções simples, sejam elas impressões ou idéias, são
aquelas que não admitem nenhuma distinção ou separação. As
complexas são o contrário dessas, e podem ser distinguidas em
partes. Embora uma cor, sabor e aroma particulares sejam todas
qualidades unidas nesta maçã, é fácil perceber que elas não são a
mesma coisa, sendo ao menos distinguíveis umas das outras (T.,
I, I, I,. p. 26).
parágrafo e a página indicada utilizada pela edição brasileira (Tradução de José Oscar de Almeida
Marques, São Paulo, UNESP, 2004).
22
Assim, podemos dizer que em alguns casos impressões e idéias são
reflexos uma das outras
15
, implicando que todas as percepções de nossa mente
são duplas “aparecendo como impressões e como idéias” (T, I,I,I, p. 26). Porém,
há casos nas quais impressões e idéias não são semelhantes; elas diferem, como
já dito, em seus graus. Por exemplo, se observarmos muitas das nossas idéias
complexas, não poderemos identificá-las a suas impressões correspondentes, e
muitas das impressões complexas não são copiadas exatamente como idéias.
Sobre esse aspecto Hume nos traz um exemplo bastante elucidativo: quando
pensamos em uma cidade como Nova Jerusalém (T.,I,I,I,p.27), pavimentada de
ouro e com seus muros de rubis, podemos imaginá-la, ter uma idéia do que
provavelmente seria, mas não temos uma impressão correspondente a esta idéia.
Destarte, tampouco posso dizer de Paris, mesmo que a tenha visto alguma vez e
dela tido uma impressão, que tenho uma idéia geral da cidade, pois não poderia
estender esta impressão a todas as suas ruas ou às avenidas que não tenha visto.
Portanto, no primeiro caso, não tive uma impressão e tenho uma idéia (Nova
Jerusalém). No segundo (Paris) tenho ou tive uma impressão, como a das ruas,
mas não tive uma idéia.
Esta classificação das percepções em impressões e idéias vai de encontro
à teoria de John Locke, que apenas idéias existiriam em nossa mente como única
fonte de conhecimento interno (reflexão) ou externo (sensação). Pois, assim, ele
diz que todas percepções nada mais são do que idéias, sendo percepções e
15
As idéias são cópias das impressões (externas ou internas), mas não se pode dizer que as impressões são
cópias das idéias. Afinal, a tese que Hume defende e que “todas as nossas idéias, ou percepções mais tênues,
são cópias de novas impressões, ou percepções mais vívidas(IEH,2,5). Por isso, não se pode dizer que
impressões e idéias são reflexos um dos outros sem reservas.
23
idéias correlatas: “perguntar quando um homem começa a ter quaisquer idéias
equivale a perguntar quando começa a perceber, pois dá no mesmo dizer ter
idéias ou ter percepção” (LOCKE 1978, p.161). Mas isso, segundo Hume, denota
um equívoco, quando Locke utiliza o termo “idéia” referindo-se só às percepções.
Hume também se remete às percepções, mas as “percepções” para ele são tanto
as “impressões” como as “idéias”. Em sua definição das impressões, Hume diz
que elas são aquilo que nos atinge em toda sua força e vividez, ou seja, é a
experiência imediata dos fenômenos que temos tanto externamente através dos
sentidos (olfato, tato, visão, audição e degustação) como internamente através de
sensações das paixões e da vontade, enquanto que as idéias são o reflexo das
impressões no pensamento. Hume diz que utiliza o termo “impressão” devido à
falta, em sua língua ou em quaisquer outra, de um termo adequado. Desta
maneira, a “percepção” é o termo que reúne “impressões” e “idéias”, e não
somente idéias. Além disso, vimos que para Hume existe uma clara divisão entre
impressões e idéias relativa a seus graus de vivacidade, tal como nos é dito logo
no início do Tratado.
As percepções da mente humana se reduzem a dois gêneros
distintos, que chamarei de impressões e idéias. A diferença entre
estas consiste nos graus de força e vividez com que atingem a
mente e penetram em nosso pensamento ou consciência. As
percepções que entram com mais força e violência podem ser
chamadas de impressões (...) Denomino idéias as pálidas
24
imagens dessas impressões no pensamento e no raciocínio (...)
(T,I,I,I, p. 25).
Entretanto, Hume observa que existem casos raros, segundo ele, em que
uma idéia pode ser independente de sua impressão correspondente. Isso pode ser
constatado nas diferentes espécies de idéias de cor que entram por nossos olhos
ou nas idéias de som que captamos por nossos ouvidos, que se mostram
realmente distintas, porém assemelhadas, devido a sua estreita ligação com a
percepção. De fato, Hume mostra que há exceções que nos levam a constatar que
uma idéia pode ser concebida na mente sem o subsídio dos sentidos: como no
caso de uma pessoa que se familiarizou com todos os tipos de cores, com
exceção de determinada cor azul, com a qual nunca travou conhecimento, e tendo
todas as cores dispostas a sua frente, com exceção daquela determinada cor azul
desconhecida, com certeza sente a falta deste tom, e “(...) perceberá que naquele
lugar há, entre as cores contíguas, uma distância maior que em qualquer outro
lugar” (IEH, 2.8, p. 38). Nessa altura, Hume pergunta se esta pessoa não
conseguiria pela simples imaginação suprir a falta deste tom pela simples idéia
que poderia ser feita dele, já que não teve nenhum contato pelos sentidos. A
resposta humeana é positiva: podemos suprir a ausência da impressão
correspondente pela mera imaginação, ao identificarmos que existe a falta de um
determinado tom:
25
Acredito que poucos negarão que isso seja possível, o que pode
servir como prova de que as idéias simples nem sempre são, em
todos os casos, derivadas das impressões correspondentes,
embora esse exemplo seja tão singular que quase não vale a pena
examiná-lo, e tampouco merece que, apenas por sua causa,
venhamos a alterar nossa tese geral. (I., 2.8, p.38)
Portanto, mesmo com as exceções (como no caso de uma pessoa a quem
não foi apresentada determinada tonalidade), podemos dizer que a máxima de
Hume sobre as impressões serem causas das idéias continua valendo, pois as
idéias são cópias das impressões
16
(SMITH, 1995, p. 51). Como conseqüência
natural dessa relação, as idéias simples são cópias das impressões simples que
lhes dão origem.
Por outro lado, Norton
17
, considera que Hume está convencido de que os
objetos de nossa mente sempre provêm de alguma coisa no nível mental, de
ordem interna ou externa, e que filósofos como Descartes, Locke e Berkeley
utilizavam uma nomenclatura errada para estas entidades mentais chamadas de
idéias. Hume passa a revisar esta linguagem, tomando o que chama de
percepções como o objeto de seu estudo, e por isso as divide em dois tipos
diferentes, impressões e idéias. Norton, como já foi dito acima, afirma que para
Hume
16
Smith diz que se “observamos não apenas uma relação de semelhança entre as impressões e as idéias, mas
também podemos afirmar que as impressões são causas das idéias. Como decorrência dessas duas relações,
pode-se dizer que a idéia simples é uma cópia da impressão simples que lhe dá origem”.
26
As impressões incluem “todas as nossas sensações, paixões e
emoções” e para começar pode-se dizer que penetram na mente
com maior força ou vivacidade que às idéias, as “imagens fracas”
das impressões. Embora Hume inicialmente sugira que a
diferença entre os dois tipos de percepção é simplesmente a
diferença entre experimentar realmente alguma coisa e relembrar
depois esta experiência, nós depois aprendemos que esta
diferença particular está longe de ser absoluta. As idéias podem
por vezes ser fortes e vivazes como as impressões (NORTON,
2005, p. I 17)
18
Norton também menciona que Hume divide as nossas impressões em
idéias simples e complexas. Hume, na verdade, parte do princípio que percepções
simples não podem ser separadas, como o caso da cor “azul”, que por si mesma
não dá margem a nenhuma separação de sua idéia, ou como no caso do sabor
de um abacaxi, que não podemos desvincular do fruto. Portanto, são percepções
que não admitem nem distinção nem separação. Assim, nossa percepção simples
é destituída de qualquer semelhança que possamos fazer com outras idéias,
constituindo-se em uma idéia única e inseparável. Em contraste, percepções
complexas, como, por exemplo, uma impressão ou idéia de Paris (pois tive uma
17
(Cf. NORTON 2005, I17).
18
Assim diz Norton: “ impressions include ‘all our sensations, passions and emotions’ and for starters can be
said to enter the mind with greater force or vivacity than do ideas, the ‘faint images’ of impressions. Although
Hume initially suggests that the difference between the two types of perception is simply the difference
between actually experiencing something and later remembering that experience, we later learn that this
particular difference is far from absolute. Ideas may on occasion be as forceful and vivacious as impressions”
(NORTON, 2005, p. I 17).
27
impressão da cidade, mas não tenho uma idéia de todas as ruas que a
constituem) ou de Nova Jerusalém e seus muros de rubi (pois tive uma idéia da
cidade, mas não uma impressão), podem ser analisadas ou divididas, podendo
constituir partes separadas em nosso pensamento. Isto é, impressões e idéias
complexas podem ser divididas. Neste quesito, Norton observa em Hume uma
diferença fundamental entre as impressões e idéias. Enquanto essas impressões
simples são causalmente ligadas a nossas idéias simples como seus efeitos, as
idéias complexas são ligadas a impressões complexas também pela semelhança
existente entre elas. Portanto, Norton observa que a segunda, a idéia, é ligada a
um termo que é o reflexo da sua impressão correspondente (NORTON 2005, p.
I17), tornando-a causalmente dependente da forma que entra em nossa mente; ou
seja, se nossas impressões forem simples, formarão idéias simples, mas se forem
complexas formarão idéias complexas.
Assim, conforme a análise de Norton, o primeiro princípio estabelecido por
Hume para a formação de uma ciência da natureza humana, é definido por nossas
idéias simples e sua procedência mediata ou imediata de suas correspondentes
(semelhanças) impressões (NORTON 2005, p. I 17). Esta importante constatação
é sustentada por dois fatores. O primeiro estabelece que impressão simples e
idéia simples estão fundamentadas regularmente em pares assemelhados. Esses
são casos tipicamente encontrados, ligados a nossos sentidos, como o caso da
dor de uma alfinetada, que está ligada a uma impressão simples. O que constituirá
uma idéia simples assemelhada a uma impressão simples, neste caso, é a
recordação desta dor. Cada conjunção constante torna-se, nesse contexto, único
e fechado, não dando margem a outro tipo de interpretação. O segundo fator
28
observado por Norton mostra-se na incapacidade de formarmos uma idéia de um
fenômeno sem que haja uma correspondente impressão que viabilize a idéia a ele
relacionado (NORTON 2005, p I18). Alguém que nunca tenha comido um abacaxi,
nunca terá uma impressão do sabor do abacaxi. Portanto, não formará uma idéia
do sabor desta fruta naquele instante, necessitando de um sentido particular
orgânico que venha a viabilizar seu conhecimento. Sem este sentido, não há como
formular uma idéia de quantidades ou qualidades associadas a este órgão. Mas
vale lembrar que Hume não interdita este aspecto, como Norton, e apenas limita-o
a casos isolados, dizendo que a regra da dependência entre idéias e impressões
simples vale, se não para todos, pelo menos para a maioria dos casos.
Constatado isso, procedemos agora à análise de mais uma subdivisão
proposta por Hume para nossas impressões e idéias, começando pelas duas
espécies de impressões existentes, a saber, as de sensação e de reflexão. Feito
isso, analisaremos na próxima parte os outros dois tipos de idéia existentes, a
saber, as idéias de memória e imaginação.
Hume nos diz que as impressões de sensação nascem mais próximas de
nossas percepções e sua causa é desconhecida, enquanto as impressões de
reflexão derivam de nossas idéias simples. Então passa a analisar como a
sensação e a reflexão são produzidas em nossa percepção. No início, diz Hume,
uma impressão surge em nossos sentidos, levando-nos a perceber o calor ou o
frio, a sede ou a fome, o prazer ou a dor, de um tipo ou de outro; atribuindo a essa
impressão o nome de sensação. Em seguida, alega que nossa mente faz uma
cópia dessa impressão, a qual permanece presente mesmo quando esta última
está ausente e se chama idéia. Essa idéia é denominada por Hume de “reflexiva”
29
porque retorna à alma (ou mente), produzindo novas impressões, quer de aversão
ou desejo, quer de esperança ou medo (se tomamos como exemplo a idéia de
prazer ou de dor). Podem, por isso, ser chamadas de impressões de reflexão,
porque são derivadas das próprias idéias simples. Estas impressões de reflexão,
que chamamos de impressões secundárias, retornam, por sua vez, sendo
copiadas na memória e na imaginação, e convertendo-se em idéias puras que
podem gerar outras impressões e idéias de reflexão (NORTON 2005, p. I 19).
Como o próprio Hume deixa bem claro:
Impressões originais ou de sensação são as que surgem na alma
sem nenhuma percepção anterior, pela constituição do corpo,
pelos espíritos animais, ou pela aplicação dos objetos sobre os
órgãos externos. As impressões secundárias ou reflexivas são as
que procedem de algumas dessas impressões originais, seja
imediatamente, seja pela interposição de suas idéias. Do primeiro
tipo são todas as impressões dos sentidos, e todas as dores e
prazeres corporais; do segundo, as paixões e outras emoções
semelhantes (T,I,I,II, p. 309).
Neste contexto, vale mencionar aqui uma observação importante feita por
Plínio Junqueira Smith em relação à teoria humeana das impressões. Para Smith,
opera-se aqui uma mudança de primazia no estudo de Hume, já que agora as
idéias são o ponto de partida, não mais as impressões; as impressões de
sensação, pelo contrário, não residem em nossos sentimentos, mas em nossos
30
sentidos
19
. Destarte, estas impressões “novas” são copiadas produzindo idéias
correlatas.
Yves Michaud
20
tem uma opinião diferente da de Smith sobre o estatuto
das impressões de reflexão, ainda que esta sua opinião não invalide a primazia
acima apontada. Segundo ele, a impressão de reflexão corresponde a um afeto e
têm com este uma mesma origem comum, pois deriva de idéias simples.
Enquanto está ligada a uma natureza mais consciente, pois se fundamenta em
elementos puramente mentais, como a idéia de amor, ódio, vingança, amizade,
egoísmo ou generosidade, ou seja, os nossos sentimentos, mostram-se mais
ligada à moral do que a uma natureza fisiológica, como é o caso das impressões
de sensação, que estão estreitamente ligadas a nossos sentidos (como tato,
audição, degustação, olfato e visão) e seus antecedentes são de natureza
fisiológica e não necessariamente consciente. Por isso sua investigação, i.é, “o
estudo de nossas sensações cabe antes aos anatomistas e aos filósofos naturais
que aos filósofos morais” (T., I, I, III, 1, p.32).
De modo que a interpretação de Michaud não busca reunir a impressão de
reflexão e a impressão de sensação em uma causa única, com vistas a uma
natureza homogênea, mas visa, antes de tudo, concentrar sua análise nas
impressões de reflexão e sua importância para o conhecimento. Inclusive observa
que a impressão de reflexão não se mostra confiável, devido a não acrescentar
nenhuma informação além da que encontramos em nossos sentimentos. A
19
Assim, as impressões de sensação são aquelas que nos m pelos sentidos e as impressões de reflexão são
as paixões, os desejos e as emoções. O estudo da origem de nossas impressões de sensação, segundo Hume, é
tarefa dos anatomistas e filósofos naturais, ao passo que as impressões de reflexão derivam de idéias. Desse
31
impressão de reflexão, portanto, é produto de uma idéia. Contudo, as idéias, por
serem partes essenciais de nosso pensamento, são importantes para o
conhecimento, o que já não podemos dizer sobre a impressão de reflexão, porque
seu conhecimento é extraído de sentimentos. Assim, as impressões de reflexão
não possuem nenhuma independência das idéias; e, portanto, não acrescentam
nada ao nosso conhecimento. Uma impressão de reflexão, por ser produto de uma
simples idéia e por constituir um simples afeto, é pobre de conteúdo e nada nos
acrescenta conhecer sua causa:
As idéias se se preferir, impressionam-nos fazendo eco em nós,
mas as impressões de reflexão não representam nada para tanto:
que se conheça sua causa não muda em nada sua natureza, que
permanece tão pobre, um simples efeito, o simples fato de ser
afetado (MICHAUD, 1999, p. 62)
21
.
modo, inverte-se o rumo planejado, pois as idéias devem agora ser examinadas em primeiro lugar (SMITH
1995, p. 56).
20
MICHAUD 1999, p. 62.
21
No original Michaud, diz que “Les idées, si l’on prèfére, nous impressionnent en retentissant en nous, mais
les impressions de réflexion n’en représentent rien pour autant: que l’on connaisse leur cause ne change rien à
leur nature qui reste aussi pauvre, un simple effect, le simple fait d’être effecté “(MICHAUD, 1999, p. 62).
32
1.3 – SEMELHANÇA E DIFERENÇAS ENTRE IDÉIAS:
Nossas idéias também se subdividem em dois tipos, de memória e de
imaginação. O primeiro tipo retém uma maior quantidade de graus de vivacidade,
enquanto que o segundo perde em grau de vivacidade, tornando-se uma idéia
simples. A maneira como isso acontece mostra-se com clareza na diferença
existente entre as idéias que guardamos mais tempo na mente, em toda a sua
força e vividez, que são da memória, e as que perderam com o tempo toda sua
força e vividez, que são as da imaginação. Esta diferença entre memória e
imaginação é a principal fonte de confundirmos geralmente uma idéia com uma
impressão.
Novamente, como foi mencionado acima, são os graus de força ou vividez
que incitam a troca de papéis e nos fazem tomar uma impressão por uma idéia, ou
vice-versa. No Tratado, Hume explica que quando uma impressão faz sua
passagem pela mente ela aparece de duas formas: como idéia ou como
impressão, conforme um ou outro de dois princípios. Conforme o primeiro, pode
reter em sua nova aparição determinados graus de força e vividez original,
constituindo, portanto, uma forma intermediária entre uma impressão e uma idéia;
acontecendo o contrário, ou seja, ao perder a força e vividez originais, torna-se
uma perfeita idéia. Chamamos à forma como adquirimos nossas idéias da
primeira maneira de memória, e à da segunda, de imaginação.
33
A faculdade pela qual repetimos nossas impressões da primeira
maneira se chama MEMÓRIA, e a outra, IMAGINAÇÃO. É
evidente mesmo, à primeira vista, que as idéias da memória são
muito mais vivas e fortes que as da imaginação, e que a primeira
faculdade pinta seus objetos em cores mais distintas que todas as
que possam ser usadas pela última.(T., I,I,III, p. 33).
Assim, quando relacionamos o princípio da semelhança e as diversas
formas que as idéias ou impressões tomam em nossa mente, observamos que
existe uma variação em sua entrada e que seus graus mudam conforme o tempo
e a intensidade de sua força e vividez. Hume destaca que é essa diferença entre
imaginação e memória que limita a segunda e abre as portas da primeira:
Há uma outra diferença, não menos evidente, entre esses dois
tipos de idéias. Embora nem as idéias da memória nem as da
imaginação, nem as idéias vívidas nem as fracas possam surgir na
mente antes que impressões correspondentes tenham vindo abrir-
lhes o caminho, a imaginação não se restringe à mesma ordem e
forma das impressões originais, ao passo que a memória está de
certa maneira amarrada quanto a esse aspecto, sem nenhum
poder de variação. (T., I, I, III, II, p. 33).
34
Assim, Hume passa a explicar agora o princípio pelo qual compomos e
modificamos nossas idéias de imaginação e menciona “a liberdade que tem a
imaginação de transpor e transformar suas idéias” (T. I, I, III, IV,p. 34) é oriunda da
relação existente entre impressões e idéias, bem como da variação que podemos
experimentar ao misturá-las. Apesar de as idéias serem cópias fiéis de
impressões, variando apenas em sua força e vividez, vale aqui lembrar sua divisão
em idéias complexas e simples. Hume observa que a imaginação, ao perceber
uma variação nas idéias, prontamente produz uma separação entre as que são
simples e as outras, facilitando a passagem e a modificação entre as idéias. Tal
diferença entre a memória e imaginação é identificada em dois princípios. O
primeiro centra-se nesta transposição (passagem) de um estado de idéias para
outro. O segundo diz que as idéias de memória estão presas à ordem e à forma
das impressões originais, enquanto que as da imaginação não o estão. Smith
endossa o que já dissemos sobre a memória, expondo seus princípios. Para ele,
a idéia de memória em Hume apresenta-se com toda sua força e vividez porque
está mais próxima das impressões, mas a idéia de imaginação é fraca e lânguida
em conseqüência de ser pura idéia e estar, portanto, mais afastada das
impressões originais. De modo que se aparece uma alteração na forma, isto é, na
“ordem e posição” das idéias umas em relação às outras, dizemos que a memória
falhou
22
.
22
Cf. SMITH 1995 p. 58.
35
A ligação existente entre idéias de memória e as impressões mostram-se,
sobretudo, em sua característica imutável; e, como as impressões não mudam,
permanecendo as mesmas em sua força e vividez, assim as idéias de memória
sofrem deste mesmo efeito, pois permanecem em estreita ligação com as
características herdadas das impressões. Mas as idéias de imaginação, como
vimos, aparecem menos vivazes e como que enfraquecidas, devido à perda
gradual de suas características e a sua falta de proximidade com as impressões.
Em compensação, todavia, a imaginação ganha da memória em capacidade de
compor e agrupar qualidades de determinadas características de objetos, com o
fito de formar uma nova relação de idéias.
Aqui, porém, é preciso fazer uma observação a respeito das idéias, a qual
é importante para compreender a relação entre o seu tempo de duração e seus
graus de vividez. Dissemos acima que as idéias de memória diferem das de
imaginação quanto a sua imutabilidade, ou seja, elas não mudam e por isso não
possuem a capacidade de compor, relacionar idéias, o que não pode ser dito de
suas contrapartes, a saber, das idéias da imaginação. É neste ponto onde reside
uma peculiar dificuldade no pensamento humeano sobre as idéias de memória.
Pois sabemos que elas não possuem mobilidade ou não oferecem ao pensamento
a liberdade de compor e transformar idéias de imaginação.
Mas Hume nos diz que com o tempo observamos nelas uma perda gradual
de vivacidade e força, transformando-se cada uma delas em uma perfeita idéia,
uma idéia mais fraca. A pergunta que poderia ser feita a Hume seria: se não
mudam, como é que as idéias de memória podem chegar a se transformar em
idéias de imaginação, ou, simplesmente, em “puras idéias?” A explicação que
36
poderia ser dada por Hume reside nos graus que delimitam uma impressão ou
idéia. Podendo tanto aproximá-las como afastá-las, conforme o tempo e seu grau
de força e vividez. O motivo disso é o tempo, ao qual as impressões estão
sujeitas, pois aos poucos perdem sua força e vividez inicial. Conseqüentemente, a
memória sofre o mesmo processo. Mantém uma ordem que não muda, mas
decresce na vivacidade de seu conteúdo. O contrário acontece com a idéia de
imaginação; ela adquire força e vividez com o passar do tempo, podendo por
vezes ser tomada por uma idéia de memória, e mesmo ser confundida com esta.
E assim como uma idéia da memória, ao perder sua força e
vividez, pode degenerar a ponto de ser tomada por uma idéia da
imaginação, assim também, em contrapartida, uma idéia da
imaginação pode adquirir tal força e vividez que chega a passar
por uma idéia da memória, simulando seus efeitos sobre a crença
e o juízo (T, I, III, IV, VII, p. 115)
A memória, assim, por não ter nela mesma força suficiente que a mantenha
próxima à impressão, pode paulatinamente perder força e vividez aproximando-se
da idéia de imaginação. Mas, por outro lado, por ser intermediária entre a
impressão original e a idéia simples, gravitando entre estas duas forças e estando
como que presa entre elas, segundo Hume, “a memória está de certa maneira
amarrada quanto a esse aspecto, sem nenhum poder de variação” (T., I, I, III, II,p.
33). Assim, deve-se observar que a passagem de uma idéia a outra só pode
ocorrer pela variação do tempo, que torna mais ou menos forte e vivaz uma idéia,
37
como no caso dos mentirosos, que “pela freqüente repetição de suas mentiras,
acabam finalmente por acreditar nelas (...)” (T., I, III, IV, VI, p. 115).
Portanto, é pela freqüente repetição (no tempo) que adicionamos ou
retiramos a força e vivacidade a uma idéia, tendo como conseqüência desta
adição ou subtração tomar uma idéia da memória por uma idéia da imaginação.
Apesar de a primeira estar estreitamente ligada a uma impressão original, isso não
impede com o tempo um declínio de seus graus de força e vivacidade, o que
resulta em que uma idéia de memória seja tomada por uma idéia da imaginação
ou vice-versa. Isso acontece, diz Hume, por uma deficiência de algum
“mecanismo” cognitivo em nossa mente (que Hume não identifica), que faz tomar
uma idéia pela outra sem notar a confusão.
Esta possibilidade tanto das idéias ganharem quanto perderem vivacidade,
servem para Hume como princípio de explicação e solução definitiva do problema
de saber como uma idéia de memória pode ser tomada por uma idéia da
imaginação. Isto, por sua vez, será importante para compreender como é que nos
juízos e inferências relativas a fatos somos inclinados a esperar a ocorrência de
acontecimentos que ainda não estão presentes. Se inferências causais,
referentes a eventos ou ações, supõem a uniformidade da série dos eventos
naturais a partir da memória de casos passados, a imaginação terá importante
papel na representação de um futuro provável e na expectativa de sua realização.
38
2. O percurso causal
2.1 – Associação entre idéias
Antes de entendermos como as idéias criam uma associação entre si,
devemos, mostrar como Hume opera uma divisão importante para o
conhecimento. Primeiramente, como vimos, reúne na percepção dois princípios,
chamados por ele de impressões e idéias, que diferem em sua força e vividez e
são a matéria para todo o conhecimento. Em segundo lugar, observa que as
idéias são relacionadas entre si, e que sua união se processa com necessidade na
mente, que passa a associar uma idéia à outra por sua contigüidade. Deste modo,
Hume estabelece três princípios associativos, explicando que eles permitem uma
“passagem suave” de uma a outra idéia: o da semelhança, o da contigüidade e o
da causa-efeito
23
.
Hume faz uma distinção entre dois modos de considerar a relação causal, a
saber, como relação natural ou filosófica. No primeiro a relação se diz natural,
devido às idéias ligarem-se naturalmente umas às outras formando os três
princípios de associação por ele definido: semelhança, contigüidade e causa-
efeito. Se, por exemplo, olhamos um retrato de uma pessoa, por semelhança
somos levados pela memória a associar a imagem do retrato à pessoa. Assim
23
Na formação destes princípios de associação entre idéias percebe-se a influência newtoniana, pois as idéias
sofrem naturalmente uma atração que as une, passando, estas, a gravitar no plano mental: “eis aqui uma
espécie de atração, cujos efeitos no mundo mental se revelarão tão extraordinários quanto os produzidos no
mundo natural, assumindo formas igualmente numerosas e variadas” (T., I, I, I, p 37). Cada uma destas idéias
possui seu grau de força e vivacidade, e quanto maior for seu grau de força e vivacidade mais próxima será de
uma impressão.
39
podemos, muito naturalmente, ser levados a pensar na pessoa que foi motivo do
retrato. A menção de um cômodo em uma casa nos leva por contigüidade,
naturalmente, a uma observação ou indagação sobre os demais. E se pensarmos
em um ferimento dificilmente deixaremos de evitar imaginar a dor que o
acompanha como seu efeito. Em cada um destes casos podemos dizer que há
uma espécie de “qualidade associativa” que conecta as duas idéias, pois a
experiência nos leva a pensar que uma idéia naturalmente virá a introduzir outra.
No segundo modo de ver a relação causal se diz relação filosófica, porque
aqui se parte do princípio de não possuirmos a habilidade ou o poder para
estabelecer, voluntária ou involuntariamente, por meio da razão, nenhuma ligação
entre as idéias (por exemplo, a idéia de fogo com a idéia de calor ou a idéia do
modelo com a idéia de seu retrato). Ao mostrarem-se associadas em nossa
mente, porém, podemos perguntar: quando fazemos isso, estamos produzindo
uma relação de tipo filosófica? De acordo com Hume, esta comparação particular
mostra-se improvável. Pois existe um significativo discernimento dentro do sujeito
que o faz escolher entre uma ou outra idéia. Isso mostraria a que ponto somos
livres para explorar as possibilidades de relacionar as idéias, incluindo aquelas
que nunca poderiam, ocorrer juntas no pensamento (como o caso do fogo e a
chama ou do modelo e seu retrato). Chamamos, portanto, cada comparação
filosófica de relação e não associação por este motivo. Hume já tinha sugerido que
cada comparação imaginativa é um componente essencialmente deste tipo de
empreendimento filosófico. Salvo esta distinção particular feita por Hume, o que
fica é a forma como se faz à passagem de uma idéia à outra, acontecendo
40
suavemente e não havendo nada que crie obstáculos em nossa mente para tal
acontecimento.
Na opinião de Monteiro (2003) esta constatação de Hume parece ser a
mais aceitável, se considerarmos que é justamente este primeiro conceito que
encontramos na Investigação, obra na qual Hume corrigiu algumas negligências,
como menciona em sua nota introdutória, passando a adotar o primeiro conceito
em lugar do segundo. Pois, segundo Monteiro, o Tratado parece trabalhar com
dois conceitos associativos ligados aos três princípios (semelhança, contigüidade
e causação) cuja a diferença o próprio Hume não percebeu
24
. Contudo, não é
nosso objetivo aqui entrarmos nesta discussão, já que o nosso interesse é apenas
entender o princípio de associação de Hume. Por isso tentaremos sintetizar em
linhas gerais o que Monteiro quer mostrar sobre os dois conceitos de associação
que, segundo ele, existem no Tratado.
O primeiro desses conceitos, segundo Monteiro, é encontrado na afirmação
de Hume de que existe “uma qualidade associativa pela qual uma idéia
naturalmente introduz outra (T, I,I,I, p. 30)”; e segundo Hume, devemos apenas
vê-la como uma força suave, que comumente prevalece em nosso juízo,
acrescentado que as qualidades que dão origem a tal associação são de três
tipos: semelhança, contigüidade no tempo e espaço e causa e efeito.
24
Segundo Monteiro o Tratado parece nos levar a um quarto princípio de associação, que seria a crença e o
hábito além daqueles princípios de associação (estabelecidos por Hume) semelhança, contigüidade e causa e
efeito, diz Monteiro que talvez Hume não tenha percebido este peculiar lapso de sua parte no Tratado e que “
(...) o princípio de união entre idéias, responsável pela associação em sentido trivial realmente não é diferente
dos três princípios da associação em sentido técnico e no fundo depende da mesma origem, o filósofo talvez
tenha produzido a mais obscura de todas as passagens de seu Tratado. Não se vê com nitidez que tipo de
associação aquele princípio é capaz de produzir. Mas não parece haver lugar para duvidar de que o princípio
em si mesmo é o costume e o hábito, assim chamado antes e depois deste trecho da primeira obra de Hume”
(MONTEIRO 2003, p. 26).
41
O segundo conceito de associação de idéias existente no Tratado, segundo
Monteiro, é encontrado na Parte terceira do primeiro livro, apesar de Hume ter
enfatizado que os princípios de semelhança, contigüidade e causação são os
únicos princípios gerais que associam idéias. Monteiro observa que Hume
acrescenta aos três princípios mais um, que seria o do costume ou hábito ligado à
causação dando uma nova definição de associação ao hábito e costume. Assim,
Hume diz que o costume mostra-se como um princípio associativo devido a
encontrarmos na experiência uma união constante entre duas classes de objetos,
união que se repete porque nosso costume associa o surgimento de um objeto ao
daquele que o acompanha costumeiramente:
Esse é claramente um novo conceito de associação, no qual o
“princípio de união” não depende de qualquer semelhança,
contigüidade ou causação, pois depende de um fator totalmente
diferente: a união constante dos membros de duas classes de
objetos em nossa experiência; sobre isso Hume comenta que esse
é um verdadeiro princípio de associação entre idéias (MONTEIRO,
2005, p. 113).
Neste contexto, até agora nós não poderíamos ter imaginado existir no
Tratado de Hume esta peculiar diferença em seu pensamento, devido a termos
nos concentrado apenas no entendimento do seu conceito geral do primeiro
principio associativo (semelhança, contigüidade e causalidade). Contudo, este
segundo princípio associativo parece existir, diz Monteiro, levando-nos a crer que
42
é o hábito ou costume o que nos conduz a associar duas classes de objetos na
experiência. É que não há nada que mostre ser mais forte do que o costume e o
hábito, sendo este segundo princípio de associação bem diferente do primeiro
princípio, considerado como sendo “uma força suave” que liga uma idéia à outra.
O costume ou hábito não tem nada de suave, pelo contrário ele nos acomete com
toda força, mostrando-se irresistível. O primeiro princípio associativo mostra que a
transição entre as idéias acontece normalmente ou como diz Hume,
“suavemente”, em nosso pensamento. Monteiro observa esta diferença e conclui
que:
Chegamos assim à conclusão de nosso primeiro ponto, que em
síntese é a seguinte: na teoria epistemológica definitiva de Hume,
apresentada na Investigação sobre o entendimento humano, o
único conceito de associação de idéias que é apresentado não tem
nem poderia ter qualquer papel direto na formação das crenças
causais (Cf. MONTEIRO 2005, Cf. doispontos, vol. 1, n. 2, 2005, p.
115)
A opinião de Norton, porém, mostra-se favorável à esta interpretação
associativa de Hume, que diz que as idéias fazem sua passagem suavemente,
pois, segundo ele, Hume no Tratado sugere que estes três princípios produzem
uma “união ou coesão” entre idéias, fazendo, com que cada ocorrência de
associação aconteça naturalmente. E diz que esta “coesão” é de grande
importância para uma ciência da natureza humana, porque, estritamente falando,
eles são os únicos que ligam as partes do universo, ou conectam-nos com alguma
43
pessoa ou objeto exterior em nós mesmos. Eles são realmente para nós o cimento
do universo
25
, e toda a operação da mente, em grande medida, depende deles.
Podemos dizer também que a associação de idéias mostra-se igualmente
importante para a composição e modificação das idéias em nossa mente. Contudo
sua liberdade possui limites porque depende de um termo médio que liga as idéias
e faz a transição entre elas em nosso pensamento que se deve à imaginação:
A imaginação humana, ele nota (Hume), é livre tanto para juntar ou
separar as idéias como para produzir virtualmente qualquer
combinação que lhe aprouver. Todavia, esta liberdade da
imaginação é limitada pelo fato de que há uma ‘ligação secreta ou
união entre idéias particulares, que faz a mente agrupá-las mais
freqüentemente, fazendo com que o aparecimento de uma,
introduza a outra’ (NORTON 2005, I 20)
26
.
Hume está convicto de que a transição de uma idéia a outra acontece
suavemente e sem sobressaltos, pois nossa imaginação não possui liberdade
suficiente que influencie nessa associação. Pelo contrário, seus limites, como diz
Hume, são bem estreitos e delimitados; pois a associação já está estabelecida em
25
A expressão é de J.L. Mackie (1998), contudo Mackie utiliza a própria nomenclatura dada por Hume sobre
as causas serem o verdadeiro cimento de todas as nossas inferências mentais e expressa este pensamento da
seguinte maneira “eis aqui um encadeamento de causas naturais e ações voluntárias, mas a mente não sente
nenlhuma diferença entre elas ao passar de um elo para outro, nem esta menos certa do futuro resultado do
que estaria se ele se conectasse a objetos presentes à sua memória ou sentidos por uma seqüência de causas
cimentadas pelo que nos apraz chamar uma necessidade física (I, 7.19, p. 131).
26
Norton assim diz “The human imagination, he notes, is free to join or separate ideas so as to make up
virtually any combination it wishes. None the less, this freedom of the imagination is limited by the fact that
‘there is a secret tie or union among particular ideas, which causes the mind to conjoin them more frequently
together, and makes the one, upon its appearance, introduce the other (NORTON 2005, I20)
26
.
44
nossa mente, acontecendo, muito freqüentemente, de uma idéia introduzir outra
sem necessidade de aviso. Isso se dá automaticamente, não há como
percebermos em nossa mente esta junção. Se quando observo fumaça espero o
fogo que a acompanha usualmente, isso não acontece conscientemente. O
motivo disso é que esta associação surge naturalmente em nosso pensamento
não precisando de nenhum dispositivo que nos avise de sua chegada. Portanto,
sua passagem dá-se suavemente: uma idéia necessariamente introduz outra sem
determinar quando isso vá ocorrer. E isso mostra-se de suma importância para a
causalidade, que é a principal fonte desta associação e que será muito importante
para entendermos o próximo capítulo.
2 .2 – Causalidade primeira aproximação.
Podemos dizer, pelo que foi visto no primeiro capítulo que nosso
conhecimento é constituído por duas vias importantes: a primeira é das relações
que estabelecemos entre idéias, e a segunda, as questões de fato que
conhecemos pelos sentidos em nossos juízos sobre um dado da experiência.
Contudo há uma relação singular que nos leva além do dado presente à
memória em uma idéia ou aos sentidos em uma impressão: a relação de
causalidade. Esta relação é o que nos faz a creditar na existência de uma conexão
que serve como base para o processo costumeiro de associarmos idéias e
objetos
27
e extrapolarmos os estreitos limites de nossos sentimentos no âmbito da
27
Smith (1995, p. 76) observa que : “(..) a idéia de existência não se distinguia da a mera concepção do
objeto tido como existente e a de existência externa não passava de atribuições de diferentes relações,
conexões e durações às próprias percepções, não constituindo-se em nada especificamente diferente destas
(...) Hume se mantêm fiel a esse conhecimento da mente às percepções”.
45
moral. A causalidade permite que façamos conexões diversas entre as idéias,
conexões que se mostram necessárias, sejam elas no nível do conhecimento,
sejam elas no nível moral. Mas não se restringe somente a isso, pois ainda nos
permite dizer que existem objetos que não vemos nem ouvimos ( ROVIGHI, 2002,
p. 276).
Este princípio, portanto, é encontrado na maioria de nossos raciocínios e
constitui a maior parte do nosso conhecimento sobre os fenômenos de natureza .
Porém, este conhecimento da relação causal não se encontra nos próprios objetos
dados pelos sentidos, mas acontece apenas subjetivamente com base em nossos
pensamentos e nos princípios que os conectam. Só mediante a experiência de
casos repetidos de associação nosso pensamento começa a antecipar o
surgimento de determinado objeto, esperando que ele venha acompanhado por
aquele que geralmente lhe é associado. Ou seja, pela repetição dos fenômenos
na experiência, começamos a acreditar na existência de algo que não está dado a
partir do aparecimento de um evento que sempre o acompanhou. Este princípio
parece envolver uma conexão necessária responsável por fazermos esta ligação
entre as idéias e está na base do princípio de causalidade. Entretanto, a simples
menção da existência de um evento não implica necessariamente que venha a ser
seguido de seu acompanhante habitual.
Não encontramos justificativas para fazer valer esta inferência, pois do fato
de que A e B tenham seguido um ao outro até agora não se segue logicamente
que dado A há de seguir-se agora B. O que leva Hume a observar que a idéia de
conexão necessária não deriva de nenhuma impressão que nos garanta que ela
existe. Isso fica claro na discussão do célebre exemplo das bolas de bilhar :
46
O mais atento exame e escrutínio não permite à mente encontrar o
efeito na suposta causa, pois o efeito é totalmente diferente da
causa e não pode, conseqüentemente, revelar-se nela. O
movimento da segunda bola de bilhar é um acontecimento
completamente distinto do movimento da primeira, e não há nada
em um deles que possa fornecer a menor pista acerca do outro (I,
4, 9, p. 58)
Mas há casos menos controversos em que nossa inferência pareceria ser
aceitável. Assim, por exemplo, digo que “um homem que encontre um relógio ou
qualquer outra máquina em uma ilha deserta concluirá que homens estiveram
anteriormente nessa ilha” (IEH, 4.4, p. 55), isso é tipicamente um raciocínio
causal. Mas sempre nos baseamos em experiências anteriormente observadas e
as projetamos para experiências inobservadas
28
, como quando da existência de
um “relógio”, inferimos a passagem de “homens” pela ilha, como seu efeito
conseqüente.
Contudo, nada nos garante a confiança na probabilidade de um grande
número de casos observados quando se trata de um único caso: “mas nenhum
homem tendo visto apenas um único corpo mover-se após ter sido impelido por
outro, poderia inferir que todos os outros corpos mover-se-iam após um impulso
28
Cf. Barry Stroud (2000), p. 42 -43.
47
semelhante” (IEH, 5. 4, p.75). O motivo disso mostra-se na ausência de uma
conjunção constante observada entre os objetos.
Constatamos, portanto, que os fenômenos em si mesmos não nos informa
da existência de nenhuma conexão necessária entre eles. Esta suposta conexão
tem sua origem quando, a partir da experiência passada, associamos um evento
a outro como a causa a seu efeito. Mas nada nos garante que isto sirva de regra
para todos os casos, e Hume nos diz que só podemos fazer inferências desse tipo
se tivermos o auxilio da experiência. Por essa simples razão não podemos
justificar em nosso pensamento raciocínios como universalmente válidos para
todos os casos, já que se trata de raciocínios prováveis, mais ou menos, com base
na experiência e no hábito.
Hume tem com isso dois objetivos: romper com a parte lógica dedutiva da
metafísica clássica em seu uso do raciocínio causal e fundamentar a sua teoria do
conhecimento nas leis da mente
29
. A primeira parte mostra-se pela
impossibilidade para a razão de explicar nossos raciocínios causais como
raciocínios a priori, que constitui a parte negativa de seu pensamento. A segunda
visa estabelecer as bases psicológicas para sua ciência do homem e constitui, sua
parte positiva
30
.
29
Cf. Smith , 1995, p. 72.
30
Para Smith este pensamento sobre a existência de uma parte positiva ou negativa no pensamento de Hume
mostra-se equivocada. “na exposição da linha de raciocínio seguida por Hume não se observa nenhuma
distinção entre uma etapa negativa e outra positiva, dentro do desenvolvimento mais geral de seu pensamento
não se vislumbra nenhuma separação entre uma parte lógica, filosófica e negativa e uma parte construtiva,
psicológica e positiva (SMITH, 1995, p. 73)”. Contudo, devemos observar que Smith só faz isso para dar
uma melhor compreensão da filosofia de Hume como um todo, que objetiva dar uma conotação mais cética
sobre a obra. Mas isso não parece invalidar a existência de uma visão bipolar na filosofia de Hume. Basta ver
autores como Barry Stroud que claramente divide a obra de Hume em negativa quando o autor faz a critica a
existência de conexões que liguem as idéias e positiva quando utilizamos para validar nossos raciocínios
causais na crença e no hábito.
48
Esta discussão é bastante pertinente para Hume, principalmente, quando
ele objetiva expor a influência dos sentimentos sobre nossas inferências morais. È
claramente de extrema importância para sua análise do princípio de causalidade,
e deste tipo de inferências. Contudo, apesar do que foi discutido anteriormente, o
que vemos é que nossas inferências não se baseiam somente em uma relação de
causa e efeito. A experiência de percebermos sentimentos como amor e ódio ou
bem e mal reiteradamente associados entre si, facilmente nos leva a considerar
um sentimento como associado a outro. No entanto, isso não descarta que possa
existir na idéia de amor ou de ódio um princípio que igualmente os ligue, que não
está presente em nosso raciocínio, o que nos levará a nosso próximo tópico, que
visa analisar a concepção humeana de conexão necessária como principal elo de
ligação de nossas idéias.
2.3 – Inferência causal
O fato de nossa mente não identificar uma idéia de conexão necessária
está implicada na questão de por que fazermos inferências tendo como base os
sentimentos, principalmente no âmbito da moral. E isso mostra-se
importantíssimo para Hume, pois um dos seus objetivos é dar às ciências morais o
mesmo rigor empírico que se encontra nas ciências naturais.
Para realizar este objetivo Hume passa a investigar as principais fontes de
nossas inferências, que são as relações de idéias e as questões de fato. As
primeiras mostram-se estreitamente ligadas à ciência da geometria, álgebra e
49
aritmética, que podem ser intuitiva ou demonstrativamente comprovadas.
Podemos dizer que “o quadrado da hipotenusa é igual ao quadrado dos dois
lados” e mostra-se claramente, nesta preposição, uma relação entre as
grandezas, do mesmo modo que quando dizemos “que três vezes cinco é igual à
metade de trinta” se mostra nitidamente uma relação entre números. Ou seja, as
relações de idéias validam-se por si mesmas e são auto-evidentes, sua verdade é
comprovada por suas próprias premissas. No segundo caso, as questões de fato
não são apuradas da mesma maneira, pois por maior que seja a verdade de sua
evidência, o contrário de toda questão de fato mostra-se possível, não implica
contradição. Pois é muito fácil observar que:
Que o sol não nascerá amanhã não é uma preposição menos
inteligível nem implica mais contradição que a afirmação de que
ele nascerá; e seria vão, potanto, tentar demonstrar sua falsidade.
Se ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição
e jamais poderia ser distintamente concebida pela mente (IEH, 4.2,
p. 54).
A análise da maioria destas inferências tem como base uma relação de
causa e efeito, na qual nada mais há do que dois fatos conectados entre si, pois
como diz Hume “todos os nossos raciocínios relativos a fatos são da mesma
natureza” (IEH, 4.4). Não obstante esta constatação, questões de fato mostram-
se como uma reunião de experiências que nos faz extrapolar o que está presente
à memória e aos sentidos. Por exemplo, se toda vez que fizer sol esperarmos
50
automaticamente o seu calor, estaremos indo além dos estreitos limites de nossa
experiência de sensação, pois nada nos garante que toda vez que o sol
despontar, o calor, seu acompanhante usual, vá surgir.
Do mesmo modo, podemos estender este raciocínio para as nossas
inferências no âmbito moral, porque não há como possuirmos uma certeza quanto
à “regularidade” das ações dos indivíduos. Nossas inferências neste domínio são
inteiramente baseadas em sentimentos, e como os sentimentos não se mostram
regulares, variando conforme a idade avance, não possuímos certeza absoluta
quanto à sua exatidão. No domínio das ações morais não há constância nos
diversos períodos de tempo e na variação de nossos sentimentos. O motivo de
nossas inferências é acharmos que existe uma conexão, algo que liga na mente
“um fato presente e o fato que dele se infere” (IEH, 4. 4, p. 55). Caso não
houvesse algo que os ligasse, a inferência seria totalmente injustificável, Hume dá
um exemplo que demonstra muito bem este tipo de pensamento:
Por que a audição de uma voz articulada e de um discurso com
sentido na escuridão nos assegura da presença de alguma
pessoa? Porque esses são os efeitos da constituição e de feitio do
ser humano, e estão intimamente conectados a ele (IEH, 4.4, p.
55).
Portanto, podemos dizer que para podermos fazer algum tipo de inferência
sobre questões de fato necessitamos que os fatos estejam de algum modo
ligados. Caso isso não aconteça, não há como inferirmos nada sobre coisa
51
alguma, ou seja, as nossas inferências estão intimamente ligadas às idéias
conjugadas em nossa mente. Para nos aprofundarmos mais sobre as inferências
em questões de fato, devemos segundo Hume, investigar os mecanismos que nos
obrigam a fazer tais inferências, ou seja, devemos investigar os estritos limites da
relação entre as idéias, a fim de nos aproximarmos da origem de nossas
inferências.
Para tanto devemos partir da definição de causa e efeito dada por Hume,
devido a toda sua filosofia estar centrada neste princípio, tanto no domínio do
conhecimento como no domínio moral, e que é a fonte originaria de todas as
nossas inferências. A relação causal não é, em nenhum caso, obtida por meio de
raciocínios a priori, mas pode ser adquirida pela experiência, pois por meio dela é
que “descobrimos que certos objetos particulares acham-se constantemente
conjugados uns aos outros (IEH, 4.6, p. 55)”. Do mesmo modo, podemos dizer
que a relação causal entre idéias existe em nossa mente por elas se basearem
neste mesmo princípio causal. Pois o que é uma idéia de fogo ou uma idéia de
calor, se não duas formas de idéias relacionadas entre si. Podemos dizer o
mesmo do “corte” ocasionado por um objeto cortante e da “dor” que este
ocasiona. Podemos dizer ainda que nossa razão não é capaz de extrair qualquer
conclusão referente à existência efetiva de questões de fato sem auxílio da
experiência.
Adão, ainda que supuséssemos que suas faculdades racionais
fossem inteiramente perfeitas desde o início, não poderia ter
inferido da fluidez e transparência da água que ela o sufocaria,
52
nem da luminosidade e calor do fogo que este poderia consumi-lo
(IEH, 4. 6, p. 56).
Observamos, portanto, a admissão humeana de dois princípios de ordem
mental para a formação do conhecimento da natureza humana, o primeiro
princípio é interno (mostra-se por meio das nossas percepções) e o outro principio
externo (adquirido por nós através de nossos sentidos como olfato, audição, tato,
visão e degustação), mas em ambos os casos é a mente que os concebe.
Podemos comprovar isso quando Hume diz que a maioria de nossas inferências
se dá através destes dois fatores:
Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos
sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que
dele provirão; e tampouco nossa razão é capaz de extrapolar,
sem auxílio da experiência, qualquer conclusão referente à
existência efetiva de coisas ou questão de fato (IEH, 4.6, p. 56).
Mesmo que acreditemos na regularidade da natureza e dos objetos
existentes em nossa mente, isoladamente e sem o auxílio da experiência nada
nos diz que o futuro continuará a se assemelhar ao passado. Tampouco que seu
comportamento no passado revele sua natureza constante:
53
É fútil alegar que conhecemos a natureza dos corpos com base na
experiência passada; sua natureza secreta e, conseqüentemente,
todos seus efeitos e influências podem modificar-se sem que suas
qualidades sensíveis alterem-se minimamente (IEH, 4.21, p.68).
Este é um típico caso que explica por que não temos inteira confiança em
nossas inferências sobre as ações morais. Porque as ações tomadas no âmbito
do sentimento não são constantes, e assim como o aparecimento dos objetos vem
a nós constantemente associados entre si, isso não nos garante que isso sempre
ocorrerá assim. Os nossos sentimentos, portanto, são parecidos com esta relação
existente entre os corpos assim como entre as idéias. Pois para podermos estar
seguros quanto a sua validade é necessário que sua relação seja constante, o que
não é sempre o caso. Hume explica que não há como provar que (tanto
sentimentos quanto os objetos expostos) sua relação a nossos sentidos venham a
ocorrer regularmente.
As opiniões sobre nossas inferências apontam para o mesmo caminho
Kemp Smith
31
, parte do pressuposto de que a conexão causal nos faz inferir a
partir do aparecimento dos objetos em conjunção constante algo que à primeira
vista não nos fornece nenhum elemento para tanto. Mostra-se assim de grande
relevância para entendermos como nossa mente é condicionada a conceber uma
ligação entre uma idéia de causa e uma idéia de efeito.
Segundo Kemp Smith, no que se refere ao princípio de causalidade, Hume
admite que a causa é distinta de seu efeito, que é seu acompanhante habitual.
54
Contudo, pensa Kemp Smith, a constância existente entre os objetos conjugados
na mente não explica suas constantes falhas presentes quando pomos casos que
em tudo se assemelham, mas que diferem em algum ponto. Portanto, não somos
capazes de fazer as mesmas inferências que nos casos anteriores (como, por
exemplo, o ruibarbo serve para curar alguns casos de doenças e não serve para
curar outros). As inferências, assim, não possuem nada constante que estabeleça
as fronteiras que separam o passado, o presente e o futuro. Porque não temos
como saber se a ligação vá ocorrer entre as idéias, o que nos deixa em uma
encruzilhada. Pois se por um lado não estamos conscientes de existir algo que
conecte as idéias, por outro lado nós nos vemos a fazer inferências sem ter
nenhuma certeza quanto a sua ocorrência. Assim, podemos afirmar que nossas
inferências no futuro não são acompanhadas por uma experiência, e da mesma
forma, adicionamos a inferência ao pensamento, presumindo uma semelhança
entre os objetos em nossa mente entre a experiência que tivemos daqueles
objetos e a dos futuros com os quais não tivemos contato algum.
Assim, a certeza da inferência é a certeza da experiência adquirida por nós
nos objetos presentes na mente, e nenhuma razão nem a experiência pode ser de
algum proveito para extrairmos algo sobre sua origem. Kemp Smith é enfático
quanto a isso:
“A razão não pode nos ajudar; ela não tem jurisdição e, portanto, é
incapaz de agir em questões de fato e existência. Nem a
experiência pode nos ajudar; ela só nos pode instruir acerca do
31
Cf. Kemp Smith, 2005, p. 365 – 388.
55
que é de facto; ela necessariamente silencia acerca de tudo que
ainda não existe” (KEMP SMITH 2005, p. 374)
32
Podemos acompanhar outra opinião sobre a influencia das inferências em
nossa mente na figura de Stroud. Para ele, a origem das inferências na
concepção humeana parte do seguinte princípio: todas as nossas inferências
começam por alguma coisa (lugar), e elas são de grande interesse para nós, por
partirem de algo existente na mente. Contudo, isso só acontece pelo costume que
temos de fazer associações e de achar que nossa mente está consciente da
presença desta associação, pois sempre que começamos a fazer nossas
inferências por meio da crença existente na sucessão dos objetos que estão
presentes nela, sentimos imediatamente a necessidade de algo que ligue as idéias
em sucessão em nossa mente, levando- nos a achar que existe um princípio que
as conectam. Stroud observa que Hume mostra que todas as nossas inferências
vêm de uma impressão que pode vir dos sentidos ou da memória. A impressão
mostra-se no pensamento de Hume como o ponto de partida ou fundamento da
relação causal, podendo esta ser meramente hipotética; se nossa razão pode
dizer que A existe, então conseqüentemente podemos dizer que B existe, e se B
existe então C existe, e assim por diante. Essa crença incondicional depende de
alguma impressão que se apresente à mente e sirva de fundamento da inferência.
Mas conforme Stroud, isso não é suficiente:
32
“Reason cannot aid us; it has no jurisdiction, and is therefore unable to operate, in respect of matters of fact
56
“Pois embora se requeira uma impressão para inferirmos o
inobservado do observado, de modo algum isso é suficiente, ter
meramente uma impressão de A nunca é em si mesmo suficiente
pra originar qualquer crença sobre algo que não é presente á
mente” (STROUD 2000, P. 51)
33
Podemos pensar que aquela impressão de que A existe mostra-se como
algo suficiente para elevá-lo (a cada crença que temos) a uma crença, podendo
ser provado por uma razão demonstrativa somente. Podemos, portanto pensar
que se A existe, então B também existe. Caso B não fosse algo presente na
mente nós poderíamos, então, ter produzido uma inferência do que está presente
na mente para o que não está. Novamente neste caso, observarmos surgir,
através da crença, a idéia de conexão necessária. O argumento de Hume mostra
que essa crença é injustificada, devido a não encontrarmos nos próprios objetos
nem na sucessão de nossas idéias uma base suficiente para tanto. Pois não
podemos deduzir a partir da existência de um objeto que algo é sua causa e
aquele outro é seu efeito. Hume afirma claramente que isso é algo que não
podemos fazer. Não podemos deduzir causas da existência daquele certo objeto
em nossa mente nem do surgimento daquele outro objeto tido como seu efeito
and existence. Nor can experience help us; it can instruct us only in regard to the sheerly de facto; it is
necessarily silent in respect of all that has not yet existed ” (KEMP SMITH 2000, p. 374)
33
But although an impression is required in order for us to infer from the observed to the unobserved, it is
by no means enough. Merely having an impression of A is never enough in itself to give rise to any belief
about something not then present to the mind” (STROUD 2000, p. 51).
57
conseqüente, não sendo ligado este ou aquele objeto particular, a uma causa ou
efeito
34
.
Isso nos leva a imaginar que a crença na idéia de necessidade também
encontra-se nos pensamentos probabilísticos associados ao princípio causal. Pois
eles são pautados em uma constância, regularidade e uniformidade, nos quais
achamos nunca encontrar nenhuma irregularidade ou exemplo contrário que
mostrasse uma falha em sua operação: “o fogo sempre queimou e a água sempre
afogou qualquer criatura humana; a produção de movimento pelo impulso e pela
gravidade é uma lei universal que até agora não apresentou exceções (IEH, 6.4, p.
93). Entretanto, esse pensamento mostra-se errado por existirem causas que não
são constantes, regulares e uniformes (como o caso do ruibarbo) que valem para
alguns casos e para outros não. Mas mesmo constatando essa irregularidade e
incerteza, continuamos a agir como se essas exceções não existissem.
Hume constata que o motivo de fazermos isso se baseia na experiência
observada na sucessão dos objetos e de “(...) como o hábito nos leva, em todas
as nossas inferências, a transferir o passado para o futuro, todas as vezes em que
o passado mostrou-se inteiramente regular e uniforme esperamos o
acontecimento com a máxima segurança, e não deixamos lugar para qualquer
suposição em contrário” (IEH, 6.4, p. 93). Contudo, se o hábito está ligado à
experiência e à sucessão dos objetos mentais e não nos permite identificar às
vezes os casos contrários, isso se dá porque existe um sentimento responsável
34
O argumento de Stroud consiste em dizer que “Just as he earlier tried to show that from the fact that an
object exists we cannot deduce that it has some cause or other, he now claims on the same grounds that we
cannot deduce from the fact that a certain object exists that it has this or that particular cause or effect. If the
earlier argument were successful, this conclusion would follow directly (STROUD 2000, p. 51)
58
por estabelecer com força e firmeza os objetos em nossa mente, a saber, a
crença, que Hume mostra “Se admitirmos que a crença nada mais é que uma
concepção de um objeto dotada de mais força e firmeza do que a que acompanha
as meras ficções da imaginação, essa operação pode, talvez, ser em certa medida
explicada” (IEH, 6.3, p. 92). Portanto, a probabilidade de eventos acontecerem se
dá mediante o número de casos favoráveis em detrimento daqueles que não
aconteceram com certa regularidade e uniformidade. É a partir disso que somos
levados a inferir, por exemplo, da soma de todos os resultados obtidos no lance de
um dado, mostrando o número que mais se repetiu em suas faces, que esta
constância e regularidade esta pautada em uma “(...) confluência de diversas
ponderações em um único acontecimento particular engendra de imediato, por um
inexplicável dispositivo da natureza, o sentimento de crença e dá a esse
acontecimento uma vantagem maior sobre seu antagonista, que esta respaldado
por um número menor de ponderações e retorna com menor freqüência à mente”
(IEH, 6.3,p. 93). Portanto, Hume passa a explicar como acontece este processo
probabilístico em nossa mente, mostrando que é assunto de suma importância
para a crença na existência de uma conexão baseada na associação entre os
objetos mentais. Pois, como constatamos que na Investigação, antes de tratar da
idéia de conexão necessária Hume comenta brevemente como a mente articula,
baseada no acúmulo de casos favoráveis, as experiências e como verifica a
constância e uniformidade com que os objetos aparecem à mente, passando a
observar que quanto maior for a constância mais forte será o sentimento de
crença no surgimento de seu acompanhante usual.
59
2.4 – A crença e o hábito
A fase “positiva” do pensamento humeano é sugerida sobretudo pelo
estabelecimento do princípio do hábito, que produz crença, tanto no “Tratado” (LI,
III, VIII, VII) como na Investigação ( Seção 5). Através deste princípio mostra-se, a
base pela qual fazemos a maioria das nossas inferências no âmbito da moral e do
conhecimento.
Observamos que o princípio do hábito mostra-se como uma força irresistível
que por intermédio da repetição de uma idéia particular nos faz, antecipar em
nossa mente a idéia a ela associada antes mesmo que tenhamos constatado, pela
experiência que este fato é passível de ser realizado. Este raciocínio parte da
suposição de que “objetos ou acontecimentos semelhantes estão constantemente
unidos uns aos outros (IEH, 5.4, p. 74)”, e isso acontece devido a
experimentarmos algo que nos leva a antecipar na mente que determinado objeto
vem acompanhado por outro:
Pois sempre que a repetição de algum ato ou operação
particulares produz uma propensão a realizar novamente esse
mesmo ato ou operação, sem que se esteja sendo impelido por
nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos
invariavelmente que essa propensão
é o efeito do hábito (IEH, 5.5,
p. 74).
60
Quando Hume diz que o hábito é o responsável por constantemente
esperarmos que os mesmos objetos venham a se repetir em nossa mente, isso
não quer dizer que ele tenha pretendido oferecer uma clara definição do que é o
principio do hábito ou costume. Pois o seu intento é apenas apontar um “princípio”
universalmente aceito da natureza humana e que se mostra por seus efeitos.
A conclusão, portanto, mostrada por Hume, consiste na constância
existente entre os objetos que aparecem em conjunção entre si, por exemplo,
“calor” e “chama” ou “peso” e “solidez”, que nos faz esperar sempre, do
aparecimento do primeiro, que vá necessariamente surgir o segundo. E isso
mostra uma explicação plausível das inferências causais, a saber, que com base
no hábito a mente infere as ocorrências futuras, pautada nas experiências
passadas. Entretanto, isso não explica a dificuldade que temos de “extrair de mil
casos uma inferência que não seríamos capazes de extrair de um único caso, que
dele não difere em nenhum aspecto” (IEH, 5.5, p. 75).
Destarte, a razão mostra-se incapaz de passar de uma idéia a outra, pois a
razão não possui a capacidade de variar e, portanto, de possuir um mesmo critério
que lhe permita passar da consideração, por exemplo, de “um único exemplo de
círculo à consideração de todos os círculos do universo” (IEH, 5.5, p. 75)”. No
entanto, o que ocorre é que o hábito age inteiramente desvinculado de nossa
consciência, e nos faz aceitar prontamente a conjunção constante de dois objetos
estabelecidos na mente. Hume é bem claro quanto a isso quando declara:
Mas nenhum homem, tendo visto apenas um único corpo mover-
se após ter sido impelido por outro, poderia inferir que todos os
61
outros corpos mover-se-iam após um impulso semelhante. Todas
as inferências da experiência são, pois efeitos do hábito, não do
raciocínio (IEH, 5.5, p. 75).
É através do princípio do hábito que a experiência ganha relevância como
objeto de conhecimento na filosofia de Hume. É através dela que esperamos que
no futuro uma cadeia de acontecimentos semelhantes ocorra tal como foi no
passado. Não obstante, Hume observa que se a experiência não contasse com o
importante auxílio deste principio do hábito, todo o nosso conhecimento definharia
em sofismas, porque não seriamos capazes de antecipar que do surgimento de
determinado objeto, como o movimento de uma bola de bilhar ao chocar-se com
outra bola ele lhe comunicaria determinado movimento e não outro. Devido a isso,
não saberíamos o resultado deste choque resultaria. A observação de Hume
sobre a relevância do hábito para a experiência é bastante oportuna.
(...) com toda a sua experiência, ela ( a pessoa) não terá adquirido
nenhuma idéia ou conhecimento do poder secreto pelo qual o
primeiro objeto produz o segundo, e não é nenhum processo de
raciocínio que a leva a realizar essa inferência (...) há aqui algum
outro princípio que a faz chegar a essa conclusão. Esse princípio é
o hábito ou costume (IEH, 5.4, p. 74)
Podemos dizer outras coisas sobre o principio do hábito. Sem ele
ignoraríamos totalmente toda questão de fato que extrapole o que está
62
imediatamente dado, presente à nossa memória e aos sentidos. É por meio dele
que fazemos a maioria de nossas inferências sobre os objetos que estão
intimamente conectados uns aos outros. Hume observa que se não tivéssemos o
hábito como guia de nosso pensamento, não seríamos capazes de adequar meios
a fins, quanto menos, de “empregar nossos poderes naturais para produzir um
efeito qualquer (IEH, 5.6, p. 77)” e como conseqüência seria impossível toda ação
(no âmbito moral), assim como a toda tentativa de especulação feita de nossa
parte.
Observamos, portanto, que as conclusões extraídas da experiência nos
levam para além do domínio de nossa memória e de nossos sentidos e nos dão
uma segurança maior quanto à ocorrência de fatos estabelecidos nos mais
distantes lugares e épocas. Mas para que isso aconteça é necessário existir
algum fato que esteja presente a nossos sentidos ou à memória para que dele
possamos extrair conclusões. Podemos entender isso da seguinte maneira:
Um homem que encontrasse em um território deserto as ruínas de
suntuosas edificações concluiría que aquela região havia sido
ocupada em tempos antigos por habitantes civilizados, mas, se ele
não deparasse com nada dessa natureza, jamais poderia fazer tal
inferência (IEH, 5.7, p. 78).
Hume nos diz que se não partíssemos de um fato presente à memória ou
aos sentidos, os nossos raciocínios estariam no âmbito puramente “hipotético”
(conjectural), e por mais forte que sejam os elos individuais que conectam (os
63
fatos) uns aos outros, a maioria de nossas inferências (ou cadeia de inferências)
como um todo, não se estabeleceria. O que nos levaria a não conhecer nada
sobre a existência efetiva de qualquer coisa. Se fossemos justificar nossa crença
em algum fato particular, teríamos de fornecer uma razão, que nada mais é do que
outro fato que está ligado ao primeiro. Quanto a isso a opinião de Hume é.
Mas, como não se pode proceder dessa maneira in infinitum, você
deve chegar por fim a algum fato que esteja presente à sua
memória ou aos seus sentidos, ou então admitir que sua crença é
inteiramente infundada (IEH, 5.7, p. 78).
Se em alguns casos objetos quaisquer, por exemplo, “chama” e “calor”,
“neve” e “frio”, são constantemente observados juntos na experiência, de tanto os
vê-los unidos nossa mente nos leva, pelo hábito a esperar calor ou frio, e
considera-os como intimamente ligados e nos faz acreditar que “tal qualidade está
presente e irá revelar-se se examinado de perto” (IEH, 5.8, p. 79). Assim, a crença
é resultado necessário do hábito, que é a base para estabelecer na mente as
inferências em tais circunstâncias. Hume é bem claro quanto a isso:
Trata-se de uma operação da alma que, quando estamos nessa
situação, é tão inevitável quanto sentir a paixão do amor ao
receber benefícios, ou a do ódio quando nos deparamos com
injurias. Todas essas operações são uma espécie de instintos
naturais que nenhum raciocínio ou processo do pensamento ou
entendimento é capaz de produzir ou evitar (IEH, 5.8, p. 79).
64
Observando, portanto, esta explicação de Hume sobre a natureza de
nossas inferências factuais com base no hábito, o qual produz a crença na
regularidade natural, vale lembrar que Hume distingue entre ficção e crença, o que
pode facilitar a compreensão da importância do hábito e da crença para a filosofia
moral humeana. A diferença entre a ficção e a crença mostra que esta última
situa-se em alguma “sensação” ou “sentimento” que se encontra ausente na
primeira, e que não se encontra na vontade e nem pode ser convocada quando
necessária. Pois, seja qual for o sentimento, “ele deve ser provocado pela
natureza e surgir da situação particular” (IEH, 5.11, p. 81) na qual a mente se
encontra naquele determinado momento. Ora, se observarmos um objeto
qualquer, e este se apresentar à memória ou aos sentidos, e imediatamente, pela
força do hábito, a nossa imaginação for levada a conceber o objeto que o
acompanha usualmente, é esta concepção do objeto com aquele que esta
usualmente associado a ele, aliado a uma sensação ou sentimento que o
diferencia dos “devaneios soltos da fantasia“ (IEH, 5.11, p. 81), ou seja, da ficção,
e isso é dito claramente por Hume quando define a crença.
Nisso consiste toda a natureza da crença; pois, como não há
questão de fato na qual se acredite tão firmemente a ponto de não
se poder conceber o contrário, não haveria nenhuma diferença
entre a concepção a que se dá o assentimento e aquele que se
rejeita, se não fosse por algum sentimento que as distingue uma
da outra (IEH, 5.11, p. 81)
65
Essa diferença entre ficção e crença é importante porque muitas de nossas
decisões estão pautadas no sentimento de crença, pois: “podemos em nossa
compreensão, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não
está em nosso poder acreditar que um tal animal tenha alguma vez realmente
existido” (IEH, 5. 10, p. 80). Portanto, muitas de nossas decisões morais são
estabelecidas por este sentimento de crença que se baseia na experiência obtida
por nós através dos sentimentos vividos anteriormente.
Constatamos aqui a definição de Hume sobre a natureza da crença:
“Afirmo, então, que a crença nada mais é do que uma concepção de um objeto
mais vívida, vigorosa, enérgica, firme e constante do que jamais seria possível
obter apenas pela imaginação” (IEH, 5.12, p. 82). Hume utiliza-se desta
nomenclatura, apenas em vista de uma melhor definição daqueles atos da mente
que tornam a realidade mais presente para nós do que a ficção.
Justamente neste ponto reside a diferença entre imaginação e crença.
Pois, Hume diz que é impossível que a faculdade da imaginação possa por si só
aproximar-se da crença, e isso mostra-se evidente devido à ausência de “uma
natureza particular ou ordem específica de nossas idéias na crença, pois ela
reside na maneira como são concebidas e no sentimento que trazem à mente”
(IEH, 5.12, p. 82). Portanto, a diferença entre a imaginação e a crença reside em
que a primeira possui o poder de relacionar e modificar as idéias em nossa mente,
enquanto que a segunda mostra-se na maneira como são concebidos que escapa
a nossa compreensão, e mostra-se no sentimento (sensação) captado pela mente.
Esta diferença aparece quando Hume observa que
66
Essas idéias se apoderam de minha mente de uma maneira mais
firme que idéias de um castelo encantado; elas atuam muito
diferentemente sobre o sentimento e têm uma influência muito
maior e diversificada, tanto na produção de prazer quanto na de
dor, de alegria quanto de pesar (IEH, 5.12, p. 83).
Ora, se a idéia na transição (do objeto que lembra o amigo para a idéia que
faço dele) é antes enfraquecida do que avivada, está só pode vir a esmaecer pela
distância que nos separa e só pode ser resgatada em toda sua plenitude de força
e vigor, estando diante de algo do próprio amigo que nos faça lembrar dele. Caso
isso não seja possível, preferimos “(...) considerar a pessoa, do que por meio da
reflexão sobre a pessoa do que por meio da reflexão sobre uma imagem
igualmente distante e obscura” (IEH, 5.15, p. 84). Assim, podemos dizer que os
“objetos sensíveis sempre têm, sobre a imaginação, uma influência maior que
quaisquer outros objetos, e transmitem prontamente essa influência às idéias com
as quais se relacionam e às quais se assemelham” (IEH, 5.16, p. 85).
Destarte, Hume observa baseado nesse raciocínio que o efeito da
semelhança sobre o avivamento das idéias mostra-se comum; e que cada caso
possui seu grau de semelhança com uma impressão presente.
Segundo consta, se pensarmos qualquer coisa sobre um determinado
objeto, o pensamento sobre ele nos leva a conceber imediatamente aquilo que lhe
é contíguo. Contudo, é apenas com a presença efetiva do objeto que nós somos
levados a concebê-lo com vivacidade. A contigüidade, portanto, por ser uma idéia
67
que pode ser estimulada por meio da presença do objeto que foi motivo da idéia
pela presença do indivíduo que estava longe, torna-se mais forte quanto mais
próxima estiver do objeto de seu pensamento. Do mesmo modo, pode-se se
enfraquecer pela distância do mesmo, estando ele no tempo ou espaço. A
distância serve tanto para revitalizar a força de uma idéia quanto para enfraquecê-
la, e encontramos isso dito por Hume da seguinte maneira:
Quando estou a poucas milhas de casa, tudo que a ela se
relaciona toca-me muito mais perto do que quando estou a
duzentas léguas, embora mesmo a esta distancia a reflexão sobre
qualquer coisa nas proximidades de meus amigos ou de minha
família produza naturalmente uma idéia deles (IEH, 5. 17, p. 85).
Entretanto, se considerarmos que a idéia de casa e a nossa idéia dela, são
ambas consideradas pela mente como idéias unidas por um princípio de
contigüidade, a transição feita de uma para a outra, mesmo que seja feita com
facilidade, não se mostra capaz de nos transmitir a força e vivacidade superior a
qualquer uma das idéias, pois lhes falta alguma impressão imediata que seria o
próprio objeto exposto aos nossos sentidos.
Portanto, mostra-se necessário passar por estes dois princípios o de
semelhança e o contigüidade porque estão ligados ao terceiro associação de
idéias, o de causalidade, e de serem os três, dando destaque ao último o de
causalidade, responsáveis por estabelecer na mente as determinações da crença
e do hábito. A causalidade mostra-se para nós através da associação de objetos
68
estabelecidos na mente, por exemplo, “pessoas supersticiosas gostam muito das
relíquias de santos e homens pios, pela mesma razão que as (pessoas) leva a
buscar símbolos e imagens: a fim de avivar sua devoção e dar-lhes uma
concepção mais forte e profunda daquelas vidas exemplares que desejam imitar”
(IEH, 5.18, p. 87), ou seja, nossa devoção é avivada por objetos expostos a
nossos sentidos, levando a relacionar estes objetos a sua causa, que seriam os
santos e homens pios. Este efeito mostra-se imperfeito, porque, apesar de estar
conectado por uma cadeia de conseqüências que se mostra “ (...) mais curta do
que qualquer uma daquelas pelas quais sabemos da realidade de sua existência”
(IEH, 5., p. 87), não nos leva como conseqüência a identificar uma conexão que
ligue a causa a seu respectivo efeito. A transição de uma idéia para outra em
nossa mente mostra-se inteiramente desconhecida e o único motivo de o
fazermos é pelo hábito de vermos os objetos constantemente associados. Como
Hume já havia dito:
Sempre que um objeto qualquer é apresentado à memória ou aos
sentidos, ele imediatamente, pela força do hábito, leva a
imaginação a conceber o objeto que lhe está usualmente
associado, e essa concepção é acompanhada de uma sensação
ou sentimento que difere dos devaneios soltos da fantasia (IEH, 5.
10, p. 81).
Podemos dizer, portanto, que a transição de nosso pensamento da causa
para o efeito não se encontra na razão, mas têm sua fonte estabelecida
69
inteiramente no hábito e na experiência. E se por exemplo, “quando lançamos ao
fogo um pedaço de madeira seca, a mente é imediatamente levada a conceber
que isso aumentará as chamas, não que as extinguirá (IEH, 5. 20,p. 88), isso se
deve a que o objeto que está presente aos sentidos torna a idéia ou concepção da
chama mais vívida e forte do que um pensamento da imaginação. Esta idéia
origina-se imediatamente e o pensamento “ move-se” de imediato em sua direção
e lhe comunica toda “aquela força de concepção” que se forma da impressão
presente aos sentidos. Portanto, isso é tudo que podemos dizer das operações da
mente, existentes em nossas conclusões relativas a questões de fato e de
existência.
Finalmente, pode-se dizer que o hábito é o principal responsável pela
harmonia existente entre o curso da natureza e a sucessão de idéias, e isso
mostra nosso total desconhecimento dos poderes e forças que governam
intrinsecamente aquele curso da natureza. Constata-se, por isso, que todos os
nossos pensamentos e conjecturas convergem para o mesmo caminho feito pelas
demais “obras da natureza”, ou seja, para o princípio que reúne todas estas
correspondências e mostra-se como “(...) tão necessária à sobrevivência de nossa
espécie e à direção de nossa conduta, em todas as situações e ocorrências da
vida humana” (IEH, 5 . 21, p. 89).
Esse é claramente o objetivo humeano quando fundamenta sua teoria do
conhecimento; fornecer uma base experimental que mostra em nossa mente os
princípios que governam todas as nossas ações relacionadas a natureza,
objetivando fazer com as ciências morais o mesmo que já se fez com a filosofia
natural, ou seja, utilizar a experiência como base para nosso entendimento.
70
2.5 – A probabilidade
O problema das inferências causais mostra-se como o principal ponto de
discussão do próximo assunto abordado por nós, sobre como nossas inferências
podem ser prováveis, quanto à possibilidade de repetição junto à experiência.
A probabilidade é semelhante à crença, pois a probabilidade surge do
acúmulo de casos favoráveis em nossa mente, que nos faz inclina a adotar
aquele pensamento que se mostra mais constante. Ou seja, se observamos um
determinado acontecimento X se repetir mais que determinado acontecimento Y,
isso nos leva a concluir que a probabilidade de X ocorrer (devido à maior
constância de sua repetição em nossa mente, que nos faz anteciparmos à sua
aparição) é bem maior do que o de casos contra. Á medida que cresce a
possibilidade de X ocorrer mais vezes que Y, conjuntamente cresce a
probabilidade de que esse resultado venha a ocorrer. Vemos como conseqüência
disso nossa crença aumentar.
O exemplo utilizado por Hume para demonstrar esta propensão mostra-se
sobre a figura de um dado, marcado o mesmo “algarismo” ou “número” de pontos
em quatro de seus lados e com outro algarismo ou número de pontos nos dois
lados restantes. A probabilidade do primeiro algarismo se repetir torna-se bem
maior que a do segundo. Se o dado tivesse “mil lados marcados” e apenas um
lado diferente, a probabilidade aumentaria mais ainda, nos levando à crença ou
expectativa em relação a esse resultado. Mostrando-se mais firme e forte a crença
71
quanto maior for a probabilidade do algarismo vir a se repetir em nossas mente,
toda vez que rolarem os dados teremos de inferir quase imediatamente o seu
resultado.
Contudo, deve-se notar que há um mecanismo em nossa mente que,
apesar do primeiro algarismo ser em quantidade de lados maior que o do
segundo, põe em grau de igualdade todos os lados do dado, pois em princípio a
probabilidade de qualquer um dos lados cair para cima é igual (sem levar em
conta os seus algarismos). Por esta constatação, Hume nos leva a pensar que
essa é a própria natureza do “acaso”, pois “parece claro que a mente, quando
busca descobrir o evento que resultará do lançamento desse dado, considera
como igualmente provável que se volte para cima qualquer uma das faces
individuais; e essa é a própria natureza do acaso: tornar inteiramente iguais todos
os acontecimentos particulares que abrange” (IEH, 6. 3, p. 92). A mente, neste
contexto, está pronta a descobrir qual “o evento que resultará do lançamento
desse dado e passa a considerar como igualmente provável” que qualquer uma
das faces se volte para cima é esta a natureza do acaso. Entretanto, ao
encontrarmos um número maior de faces que contribui a favor de um lado do que
para outro, nossa mente nos leva freqüentemente a considerar mais vezes este
acontecimento, que nos faz passar a considerar as diversas possibilidades ou
acasos que sejam dependentes do resultado final. A convergência, a qual toma
as diversas ponderações reunidas em um único acontecimento particular, produz
de imediato um inexplicável “dispositivo” da natureza, “um sentimento de crença e
dá a esse acontecimento uma vantagem sobre seu antagonista” (IEH, 6.3, p. 92),
que em relação a este encontra-se em nossa mente em numero menor de vezes.
72
Portanto, não é de estranharmos a analogia da “probabilidade” com a “crença”.
De fato a “crença’ se refere a uma impressão ou idéia complexa que confundimos
com a impressão de um objeto, porque é vívida, e nos inclina a assentir ou
esperar algo que não está presente à memória ou aos sentidos :
Se admitirmos que a crença nada mais é que uma concepção de
um objeto dotada de mais força e firmeza do que a que
acompanha as meras ficções da imaginação, essa operação pode,
talvez, ser em certa medida explicada. A confluência dessas
diversas ponderações ou rápidas percepções grava com mais
força a idéia na imaginação, dá-lhe força e vigor superiores, torna
mais perceptível sua influencia sobre as paixões e os fatos, e, em
uma palavra, engendra aquela confiança ou certeza que constitui a
própria natureza da crença e opinião (IEH, 6.3, p. 92).
Mas quando passamos a fazer uma relação entre a probabilidade e as
causas, observamos que esta relação é a mesma que Hume faz associada ao
acaso, ou seja, tanto a relação entre probabilidade e causalidade ou probabilidade
e acaso passam fundamentalmente pelo mesmo princípio. Isto mostra-se
evidente quando observamos que “há algumas causas que produzem um certo
efeito de maneira inteiramente uniforme e constante, sem que jamais se tenha
encontrado nenhum exemplo de falha ou irregularidade em sua operação” (IEH,
6.4, p. 93). Vimos por isso que “o fogo sempre queimou e a água sempre afogou
73
qualquer criatura” (IEH, 6.4, p. 93), e na física aprendemos que o movimento é
produzido pelo impulso e pela gravidade, que é uma lei universal, em qualquer
lugar da terra, e que até agora não apresentou exceções. Contudo, existem
algumas coisas que se mostraram irregulares e incertas aos nossos sentidos, as
causas não aparecem com regularidade a nossos sentidos e isso e posto por
Hume quando mostra estas exceções “mas há outras causas que se têm
mostrado mais irregulares e incertas: o ruibarbo nem sempre funcionou como um
purgante ou ópio como um soporífero para todos os que ingeriram esses
medicamentos” (IEH, 6.4, p. 93). Hume nos mostra que quando os filósofos não
encontram o efeito relacionado a uma causa como costumeiramente acontece,
não atribuem tal ocorrência a uma irregularidade existente na natureza, mas
atribuem este fato (no caso de um efeito não estar relacionado a sua causa) a
alguma causa oculta “naquela estrutura particular de partes” (IEH, 6.4, p. 93).
Assim, mesmo que existam estas exceções, continuamos em nossas inferências
sem levar em consideração as exceções, ou seja, considerando existir
regularidade na natureza de causas mesmo quando aparentemente não vêm
acompanhada de seu efeito.
Portanto, quando somos levados a fazer estas inferências podemos afirmar
que é o hábito que nos leva, baseado em experiências “passadas”, a inferirmos “o
futuro”, pressupondo determinada regularidade (ou uma maior probabilidade de
que elas possam acontecer). Se o passado mostrou-se totalmente “regular” e
“uniforme”, somos levados a esperar que o acontecimento vá se repetir com a
máxima segurança, e não deixamos nenhuma dúvida para qualquer suposição em
contrário. Portanto, Hume nos diz que:
74
Mas, quando se constata que efeitos diferentes seguem-se de
causas que são aparentemente em tudo semelhantes, todos esses
diversos efeitos devem apresentar-se à mente quando se transfere
o passado para o futuro, e devem ser levados em conta ao
determinarmos a probabilidade do acontecimento (IEH, 6. 4, p. 93).
Apesar de termos a propensão a darmos crédito ao que se mostrou mais
usual (e isso pode se estender igualmente para os assuntos morais), e, portanto,
passarmos a acreditar que ele vá ocorrer, não devemos excluir os demais casos
que se mostram irregulares. Temos de atribuir a cada caso o seu devido valor,
conforme o tenhamos encontrado em maior e menor freqüência. E, não obstante,
mostra-se que, quando “transferimos a passado para o futuro a fim de determinar
o efeito que resultará de alguma causa” (IEH, 6.4, p. 94), fazemos assim a
transferência de todos os diferentes acontecimentos na mesma proporção que os
encontrados no passado, e originamos um deles a partir da constância com que
aparecem a nossos sentidos, por exemplo, tido como sua “ocorrência uma
centena de vezes; outro dez vezes; outro, uma só” (IEH, 6.4, p. 94).
Conseqüentemente, podemos dizer que partindo de um grande número de
ocorrências que se juntam para um determinado “acontecimento”, fortalecendo-o
e confirmando-o na imaginação, engendra-se o sentimento que chamamos de
“crença” e dá ao “objeto” dessa crença a preferência sobre o acontecimento
contrário que não se encontra apoiado por um igual número de experiências (e,
75
portanto, não retorna com freqüência ao pensamento quando transferimos o
passado para o futuro).
2.6 - A conexão necessária
Segundo consta, nossas impressões originam-se na mente e são à base da
maioria de nossas inferências factuais, seja no âmbito do conhecimento, seja no
âmbito moral. Contudo, um problema persiste: pareceria existir uma conexão
necessária entre as idéias da mente que se reportaria a uma conexão “necessária”
entre os objetos.
O foco de Hume recai sobre a maneira como nossa mente faz esta ligação
entre as idéias e visa mostrar que na verdade não há como justificá-la. Seja por
via externa como no caso do “impulso da primeira bola de bilhar é acompanhada
do movimento da segunda, e isso é tudo o que é dado a nossos sentidos externos.
Quanto algum sentimento ou impressão interna, essa sucessão de objetos não faz
a mente experimentar nada desse tipo” (IEH, 7.6, p.99). Isso mostra que
necessariamente o hábito já havia determinado a trajetória da bola, baseado em
experiências passadas, e projetá-la para o futuro, e esperar que tal acontecimento
se repetisse necessariamente e não outra, por via interna, porque nossas idéias
não nos dão a menor pista dos mecanismos que fazem com que tal idéia de
“conexão necessária” surja no plano mental ou psicológico. Pois já que não
achamos um “termo médio” que ligue as idéias, mostrando-se como um
76
conhecimento perceptível a nosso raciocínio; ou seja, não há uma impressão de
“conexão necessária”.
A objeção de Hume fundamenta-se em uma tendência de natureza
psicológica, estabelecida pelo costume que nos faz esperar que as idéias venham
associadas umas às outras e revelem algo que conecte os objetos em nossa
mente. Esperamos que esses objetos associados se mostrem conectados
causalmente baseados em nossas experiências passadas, forjando em nosso
íntimo uma inclinação para antecipar o surgimento de determinado objeto em
nossa mente a partir daquele que costumeiramente está associado a ele. Hume
explica que há dois princípios pelos quais a idéia de “conexão necessária” parece
surgir em nossa mente, levando-nos erroneamente a concebê-la como existente.
O primeiro princípio é o de associação de idéias e o segundo princípio é o do
hábito.
Para podermos seguir adiante, devemos entender que a mente não
consegue identificar na primeira vez que um objeto surge qual o efeito que lhe
será associado. Isso é um fato, segundo Hume. Mas caso fosse possível
identificarmos a priori o efeito que pode gerar, não necessitaríamos da experiência
para constatar que efeito se seguiria ao aparecimento da causa, e poderíamos
fazer isso pelos simples pensamento e raciocínio.
Contudo, o que constatamos é que não há nada no universo, e mesmo na
mais ínfima porção de matéria que nos mostre, por suas qualidades sensíveis, o
poder ou energia (conexão) de ser causa de X, Y ou Z que nos leve a imaginar de
um objeto em nossa mente como causa do outro. Portanto, a razão mostra-se
totalmente nula perante estes casos.
77
Sabemos, de fato, que o calor é um acompanhante regular da
chama, mas não temos meios sequer de conjecturar ou imaginar
qual é a conexão entre eles. É impossível, portanto, que a idéia de
poder possa ser derivada da contemplação de corpos em casos
isolados de sua operação, porque nenhum corpo jamais exibe
algum poder que possa ser a origem dessa idéia (IEH, 7. 8, p. 99).
A principal motivação, para postular o princípio causal advém da
observação de uma conjunção constante entre objetos ou eventos que sempre
apareceram acompanhados, juntos. Só neste contexto vemos surgir a idéia de
uma conexão necessária entre ambos. A ausência desta conjunção, aniquilaria
igualmente a causalidade, mostrando-se, para nós, como a base empírica
principal de nossa inferência causal. Se não existe conjunção, não existe
causação; e por conseqüência a conexão não aparece na mente como um
princípio “necessário”. Deve-se observar que em fenômenos distintos, como o
fogo e o gelo, não há a mínima “conexão” entre eles, porque sua conjunção
constante inexiste, portanto não experimentamos algo que os “conecte”
35
.
Assim, a idéia de conexão tem na verdade como base o princípio do hábito
estabelecido em nossa mente pela experiência de casos associados que nos leva
a conceber as idéias ligadas entre si
36
. Por exemplo, quando observamos que “o
35
A critica humeana baseia-se justamente, nesta tendência natural de extrapolarmos o que é observável
levando para além da experiência uma idéia que não se mostrou anteriormente a nossos sentidos.
36
Kemp Smith observa que esse raciocínio envolve dois fatores distintos, ligados a uma conexão necessária,
que é estabelecida por uma única condição (as idéias vêm conjugadas uma as outras por algum principio que
os ligue), e por sua constituição (na formação das idéias em sua associação costumeira). A constância de uma
78
impulso da primeira bola de bilhar é acompanhado do movimento da segunda, e
isso é tudo o que é dado a nossos sentidos externos (IEH, 7.6, p. 99)” não
encontramos uma impressão ou sentimento que a justifique internamente em
nossa mente, nem na sucessão dos objetos, que leve a acreditar na existência de
uma conexão necessária, a mente não pode experimentar nada desse tipo nem
poderia.
De fato, não sabemos de onde vem está idéia de poder ou conexão, pois
este poder está longe de ser conhecido por nós e é inteiramente fora de nossa
compreensão. No entanto, Hume esboça uma explicação bastante interessante do
porquê disso acontecer. Segundo ele, nossa mente às vezes realiza um “ato da
vontade”, objetivando um certo acontecimento que produz imediatamente um
outro acontecimento inteiramente desconhecido, pois este difere totalmente
daquele que buscava produzir. Assim, nossa mente produz um acontecimento
pela qual esperamos ser seguido de outro (da causa vir seguida de seu efeito),
que é igualmente desconhecido (ou seja, o efeito e distinto da causa como a
causa é distinta de seu efeito); e cremos que por uma longa sucessão
chegaríamos, a produzir o acontecimento desejado por nós baseados em nossa
vontade e pela experiência (IEH, 7. 14, p. 103). O que Hume quer dizer é que o
efeito necessariamente não depende de sua causa, do mesmo modo que o
surgimento da causa não implica por si só o seu efeito, o que não garante, neste
contexto, um princípio associativo e nem a existência de uma conexão necessária.
conjunção é requisito necessário através do qual somente a crença pode ser adquirida. Apartir deste
raciocínio que Kemp Smith diz: “It is this feeling, thus complexly conditioned, which constitutes our
impression, and therefore our idea, of causation; and through it belief in a necessary, and thereby in a causal,
connexion, is first made possible to the mind” (KEMP SMITH 2005, p. 373).
79
E Hume é bem claro quanto a isso ”Mas, se o poder original fosse sentido, ele
teria de sê-lo, dado que todo poder é relativo a seu efeito. E vice-versa: se o
efeito não for conhecido , o poder não pode ser conhecido, e nem sentido” (IEH, 7.
14, p. 103).
Mas Hume observa que se o poder original fosse sentido por nós, teríamos
que conhecê-lo, e se assim fosse, seu efeito igualmente o seria, dado o poder e
seu efeito estarem inteiramente relacionados por uma conexão “necessária”. Do
mesmo modo, podemos dizer o inverso se não conhecemos o efeito, não
conheceremos ou sentiremos seu poder e podemos dizer que Hume caminha para
esta constatação da total falta de conhecimento da conexão que liga as idéias em
nossa mente, já que ela não pode ser observada em nós mesmos e nos próprios
objetos.
Podemos concluir, diante de tudo o que foi exposto aqui, que a idéia de
poder (conexão necessária) não é copiada de nenhum sentimento ou impressão
consciente, que nos leve a pensar em um “poder” causal que por acaso venhamos
a experimentar em nossa mente ao “darmos inicio ao movimento animal” ou
quando o empregamos em nossos membros em seus usos costumeiros :
Que seu movimento se segue ao comando de nossa vontade é um
fato da experiência ordinária, como tantos outros acontecimentos
na natureza. Mas o poder ou energia por meio de que isso se
realiza é-nos desconhecido e inconcebível (IEH, 7.15, p. 103).
80
Esta observação mostra-se bastante oportuna, porque nos leva
necessariamente à mesma opinião que a de Norton. Ele observa que a nossa
idéia não é uma qualidade singular (de um movimento ou calor) fundada em tudo
que seja um princípio de causa
37
. Hume mostra que nossa experiência causal
ligada aos pares (no caso do fogo vir acompanhado de seu calor) não nos levaria
diretamente a experimentá-los dentro de uma forma de impressão de sensação
relacionada com uma ligação causal. Caso observássemos o movimento de uma
bola batendo em uma segunda bola, que então passaria a mover-se, nunca
concluiríamos pelos sentidos qual a causa direta que liga a batida da primeira bola
com o movimento da segunda.
Quando examinamos dois objetos causalmente ligados, o que nós
percebemos unicamente é a contigüidade espacial e a sucessão temporal, não
uma conexão necessária. Ora, se nós considerarmos o porquê de dizermos que
dois objetos são causalmente ligados, veremos que é o fato de eles serem
contíguos, sucessivos e constantes. Mas nunca estão conectados causalmente.
Norton estabelece isso da seguinte forma:
Estritamente falando em ou acerca de dois objetos quaisquer A e
B, tomados como causalmente relacionados, nada há que dê
37
Neste ponto podemos dizer que Norton concorda com Monteiro que a conexão não se apóia, somente em
um principio de causalidade, mas que existem exceções a serem consideradas como o movimento único de
uma bola de bilhar e seu choque com uma segunda produzir um efeito que esta estreitamente ligada à
primeira. Contudo, isso não se mostra como uma regra geral para todos os casos que possam vir a acontecer.
Ou seja, não há como garantir que nossas inferências encontrem respaldo em um princípio causal, porque o
principio de causalidade mostra-se portador de uma constância duvidosa em casos nos quais a experiência não
está presente, como no caso de anteciparmos o efeito antes deste se realizar por uma obra da crença que não
está apoiada por uma impressão presente. (NORTON 2000, p. I 35; MONTEIRO 2003, p 19).
81
conta da inferência causal quando experimentamos apenas um
deles (NORTON, 2005, p. I 37)
38
.
Hume chega a uma importante constatação: a “eficácia” das causas (sobre
os objetos mostra-se) enganosas para as determinações da mente. De todas as
opiniões imagináveis, segundo Norton, seria esta a mais contundente na
concepção de Hume. Assim, Hume estabelece que determinadas qualidades que
estão ligadas aos sentidos como cores e sons estão fundadas unicamente na
mente e não as encontramos nos próprios objetos. Ele não apóia a idéia de uma
conexão necessária que possa derivar de uma impressão de reflexão, e nem de
uma impressão que una conjuntamente os objetos, pois isso implicaria que
deveríamos procurar uma impressão correspondente à idéia desta conexão
necessária
39
.
Neste momento, lembrar a análise de Stroud sobre a conexão necessária é
pertinente, pois nos faz ver que uma impressão pode vir a determinar uma idéia,
que é sua correlata, e esta idéia, estabelecida por Hume, nos levaria a questionar
por que e como uma impressão produz uma idéia de “necessidade” baseada na
idéia de “conjunção”; não obtemos nenhuma resposta que valide esta idéia de
necessidade. Entretanto, Stroud diz que Hume responde que uma impressão
38
Norton diz “ Strictly speaking in or about any two objects A and B, taken to be related as cause and effect,
there is nothing that accounts for the causal inference we make when we experience just one of these objects”
(NORTON 2005, p. I 35).
39
Outra opinião relevante para esse assunto é de Beebe. Seu argumento consiste em dizer que os eventos
observados por Hume não vêem sozinhos e separados, mas estão sempre que aparecem em nossa mente,
causalmente conectados entre si, e, portanto: “I argue for a different view – the view that Hume actuallly
takes the impression of necessary connection to affect visual experience itself. I argue that, on Hume´s view,
once the impression of necessary connection arises, events no longer seem ‘entirely loose and separate’; they
actually seem causally connected” (BEEBEE, 2006, p. 75).
82
pode produzir uma idéia de necessidade, porque se opõe a alguma outra idéia
(como o exemplo dado pelo próprio Stroud, a idéia de -1 ou 2, ou mais ainda, a
idéia de montanha de ouro) porque é uma impressão de necessidade ou
determinação
40
.
Stroud observa que Hume geralmente não menciona nada sobre as causas
de nossas impressões, o que poderia dar uma esperança de explicação sobre a
idéia de causa. Sua teoria da mente simplesmente inicia-se com ela, não
passando nenhuma informação adicional que nos desse uma pista de sua origem
(STROUD 2000, p. 88).
Se geralmente Hume não nos dá qualquer explicação a mais, deve-se ao
fato de que se baseia em alguma impressão particular que poderíamos nomear
por uma impressão de um tipo X. Entretanto, no caso da necessidade, ele não
ignora a questão. Ao contrário, segundo Stroud, Hume responde
antecipadamente a qualquer questionamento que por ventura se venha fazer,
desde que não possamos afirmar que uma impressão de necessidade consistisse
apenas em uma impressão derivada de um exemplo em que a necessidade fosse
exibida aos sentidos. Pois não podemos mostrar uma idéia de necessidade,
devido a não haver como identificarmos por meio de nossas “sensações” (olfato,
tato, audição e etc.) algo que lhes corresponda no plano mental (ou seja, nossas
40
Stroud resumidamente explica isso quando diz “If we ask why the idea of necessity comes into the mind.
Hume´s answer is that it is caused by a certain impression. Even if we grant that there is an impression that
gives rise to that idea, we are still faced with the question of why that impression produces the idea of
necessity. That, after all, is what was to have been explained. Hume´s answer again is that that impression
produces the idea of necessity, as opposed to some other idea (say, the idea of -1 or the idea of a golden
mountain), because it is an impression of necessity or determination. But it looks as if he can say that only
because he knows that impression is in fact the one that produces the idea of necessity” ( STROUD, 2000, p.
88).
83
impressões e idéias), e assim, por intermédio da percepção a nossa mente não
teria como descobrir os mecanismos que a constituem. Portanto, a idéia de
conexão necessária não está pautada em nenhum exemplo que possa nos
assegurar sua existência, Stroud é bastante claro sobre isso:
Assim estou sugerindo que Hume pode admitir que ela é de fato
necessária, e não apenas algo que acontece na mente, que
projetamos para as relações entre os eventos no mundo. Quando
acreditamos que dois eventos são necessariamente conectados
cremos apenas em algo sobre a maneira como o mundo é, e não
sobre nossas próprias mentes, embora acreditemos que o
fazemos apenas porque certas coisas ocorrem em nossas mentes.
E o mesmo pode ser dito de tudo o que realmente acreditamos
(ainda que falsamente, segundo Hume). Essa necessidade é algo
que ‘reside’ nas relações entre os objetos ou eventos no mundo
objetivo (STROUD, 2000, P. 86)
41
.
A discussão sobre a causa de nossa impressão, não se mostra interessante
para Hume, devido a não haver como chegar a sua origem, seja no plano da
observação na sucessão dos objetos externos a nós, seja no nível mental
adquirido pela simples reflexão na experiência de uma sucessão das idéias. Isso
não quer dizer que chegamos a identificar como surge à idéia de conexão
41
Citando Stroud , “So I am suggesting that Hume can allow that it is really necessity, and no just something
that happens in the mind, that we project onto the relations between events in the world. In believing that two
events are necessarily connected we believe only something about the way the world is, and nothing about our
own minds, although we believe what we do only because certain things occur in our minds. And so it can
84
necessária em nossa mente. Stroud observa bem isso quando diz “no caso da
necessidade, sempre, é uma dificuldade dizer alguma coisa que ilumine ou ajude,
sobre o que seria tido por uma idéia de necessidade, ou como a idéia (de
necessidade) não teria nenhuma diferença daquela (idéia que lhe deu origem)”
(STROUD 2000, p. 88)
42
. A única coisa que podemos afirmar com certeza é que
não temos como identificar interna ou externamente esta idéia. Assim, Hume nos
deixa com esta constatação acerca da incerteza de sua origem ou natureza,
implicando esta dificuldade a total falta de algo que justifique em nossa razão o
porquê de ligar nossas idéias. Portanto, não sabemos nem no nível de nosso
conhecimento nem de nossos sentimentos morais qual é a fonte de ligação entre
nossas idéias.
A opinião de Kemp Smith, considerado um dos maiores comentadores
clássicos de Hume, segue este mesmo caminho. Ele observa que não há como
identificar em nossa mente a origem da idéia de conexão baseados na sucessão
dos objetos nem como saber porque continuamos a pensá-la sempre que
observarmos um objeto vir acompanhado de outro.
Se tivermos como base o que acima foi mencionado concluiremos que o
resultado obtido nesta forma de “inferência” é o sentimento por elas causado, isto
é, sem o sentimento nunca distinguiríamos em que se baseiam nossas inferências
ou qual sua evidência. Podemos dizer, portanto, que a inferência não pode ser
be said after all that we really do believe (albeit falsely, according to Hume). That necessity is something
that ‘resides’ in the relations between objects or events in the objective word (STROUD, 2000, p. 86).
42
Stroud assim fala literalmente “in the case of necessity, however, it is difficult even to say anything
illuminating or helpful about what it is to have the idea of necessity, or how having that idea differs from not
having it” (STROUD 2000, p. 88).
85
uma relação de idéias, mas que tampouco pode ser sobre questão de fato, porque
não há experiência de “necessidade”
Se a base de ambos os tipos fundamentais de juízo é de uma e a
mesma espécie, o sentimento, nunca intuição (insight) ou qualquer
inferência baseada em evidência, então a inferência empírica
resultará, bem examinada, não ser inferência, e as causas que a
determinam (e as causas que a determinam) – como
determinantes de nossos juízos – serão precisamente a
necessidade que estávamos procurando, a qual .... fugiu até agora
a nossa descoberta” ( KEMP SMITH, 2005,p. 392)
43
.
Esta observação de Kemp Smith é importante para nós, pois nos
mostra que o nosso julgamento, não está fundamentado em princípios fortemente
estabelecidos pela razão. A razão por si só não possui subsídios suficientes que
fundamentem seu conhecimento. Isso implica um sério problema para nossas
inferências no âmbito da moral, pois se não soubermos o que necessariamente
liga os objetos em nossa mente, também não saberemos se as nossas inferências
estão corretas ou não, devido à falta desta conexão entre os objetos do nosso
conhecimento . Esta conclusão nos faz retornar ao alerta humeano sobre a forma
como utilizamos os termos filosóficos, que ao identificar alguma idéia
43
Kemp Smith assim diz em suas palavras: ”If the basis of both these fundamental types of judgment is in
kind one and the same, namely, feeling, never insight or any inference based on evidence, then empirical
‘inference’ will turn out, on examination, not to be inference, and the causes which determine it – as
determinant of our judgments – will be precisely the natural necessity for which we have been looking, and
which, while all the time imposing itself upon us, has hitherto, just because it is thus withdrawn within the
mind, evaded our discovery” (SMITH 2005, p. 391)
43
.
86
desacompanhada de sua impressão correspondente devemos descartá-la, pois
não implica conhecimento, mas antes, apenas o desvio e a obscuridade deste.
Capítulo 3: Necessidade e conhecimento
3.1 – A experiência como o guia moral dos sentimentos
Segundo Hume a discussão sobre a origem das distinções morais tem
por base a existência de duas opiniões diferentes. A primeira busca reduzir todas
as nossas conclusões morais a deduções da razão e serve como apoio de todos
“os modernos investigadores (IPM, 1.4, p. 226)”, que utilizam argumentos
obscuros e complexos visando explicar os problemas morais. Estes argumentos
baseados na razão são puramente abstratos e não se apóiam na experiência; por
isso mostram-se insuficientes para reconhecer se um ato é útil ou nocivo
moralmente. Isso acontece segundo Hume porque os modernos investigadores
não possuem algo como um método experimental que venha apoiar suas
conclusões morais, ficando suas conclusões relegadas a deduções lógicas da
razão, ou seja, a um conhecimento baseado apenas na subjetividade
desvinculada da experiência e que busca afastar qualquer representação da
natureza humana que não seja baseada em hipóteses puramente conjecturais.
Mas para Hume a razão sozinha “não basta para produzir qualquer censura ou
aprovação moral” (cf. apêndice, IPM, 1.3, p. 368). Já de acordo com a segunda
opinião, é com base nos sentimentos, com base naquilo que nos é agradável ou
87
desagradável, que distinguimos entre o que é nocivo ou útil, estabelecendo,
assim, aquilo que é moralmente louvável ou moralmente condenável. Além do
mais, é com base no sentimento que escolhemos entre aquelas ações que
consideramos moralmente louváveis ou condenáveis. Hume estabelece como
hipótese geral que, diante de uma ação, ao experimentarmos um sentimento de
aprovação ou reprovação, declaramos que tal ação é moralmente louvável ou
reprovável de acordo com os sentimentos que nos dominam naquele momento
específico:
(...) a hipótese que adotamos é clara. Ela afirma que a
moralidade é determinada pelos sentimentos, e define a
virtude como qualquer ação ou qualidade mental que
comunica ao espectador um sentimento agradável de
aprovação; e o vício como o seu contrário (Cf. IPM, apêndice,
1.10, p. 372).
O primeiro a fazer uma divisão, na moral, entre razão clássica e sentimentos
foi Lord Shaftesbury
44
. Segundo o próprio Hume, Schaftesbury claramente
44
Segundo os antigos que concebiam o bem como fim último de todas as aspirações que poderíamos almejar,
e, corresponderia com a ordem universal, e o mal consiste no contrário do fim último ou ordem, ou seja do
bem. Assim, a inclinação a procurar o bem é uma boa atitude, desde que não atente contra o “interesse
comum da espécie”. Caso os interesses individuais e a conservação estivessem em primeiro lugar, não
haveria como existir um bem comum. Rovighi observa que depois deste enquadramento finalista, seria
esperado que Shaftesbury tivesse dito que a determinação do homem esta pautado na virtude, e , portanto, ele
seria bom, deduzindo esta conclusão de sua natureza. Entretanto, o que se observa ao chegar à 3ª seção da II
parte do Ensaio sobre a virtude, nos deparamos com uma reviravolta: o bem do homem é imediatamente
intuída por ele. O homem, diz Shaftesbury, é capaz de ter idéias gerais e de refletir: pode conhecer as
próprias ações e inclinações e sentir afeto por seus próprios afetos. E, do mesmo modo que os objetos
exteriores suscitam em nós um sentimento de prazer quando são belos, e um sentimento de repulsa quando
são feios, assim as ações humanas, sobre as quais somos capazes de refletir, suscitam em nós um sentimento
88
conclui que existe uma divisão bastante significativa entre a razão e o sentimento
que se encontra já nos filósofos antigos os quais, apesar de postularem que a
“virtude” moral deve se adequar a razão, tendem a considerar que a moral “deriva
sua existência mais do gosto e dos sentimentos” (IPH, 1.4,p. 226) do que da razão
somente. Esta constatação parece não ter influenciado os filósofos morais
modernos, como bem observou Shaftesbury, pois segundo estes a razão
predominava sobre os sentimentos. Ao contrário dos modernos, Shaftesbury
adere aos princípios morais dos filósofos antigos. Contudo, vale salientar que,
segundo Hume, os antigos não estavam inteiramente isentos desta confusão
conceitual entre razão e sentimentos. O que se tinha era a opinião de que existia
em nossos juízos morais a influência de sentimentos, mas que estes não
contribuíam para nosso julgamento.
A posição de Hume sobre a moral acompanha a de Shaftesbury
45
(IPM, 1.4, p.
227), pois ele prestigia o sentimento
46
ao invés da razão, dando preferência ao
primeiro por ser experimentalmente comprovado, ao invés da segunda, por
basear-se em argumentos abstratos
47
. Não obstante, Hume diz que só podemos
disputar sobre a verdade e não sobre o gosto, e mesmo assim a única coisa que
existe “na natureza das coisas é a norma de nosso julgamento, mas a norma do
de prazer, de aprovação, quando são boas, e um sentimento de desprazer quando são más. O conhecimento da
bondade ou maldade de uma ação não é, portanto, deduzido de características essenciais da natureza humana,
por meio da razão, mas, como a beleza, é imediatamente sentido. Imediatamente percebido e imediatamente
amado, isso quando não se intepõem certos obstáculos (...) ” (Cf. ROVIGHI 1999, p. 263).
45
Cf. IPM, 1.6, p. 228
46
Cf. S. V. ROVIGHI 1999, p. 292.
47
Cf. T., 2.2.9.10, p. 420.
89
sentimento é o que cada pessoa sente dentro de si mesma
48
” (IPM, 1.5, p. 227), e
é o que sobressai quando julgamos ações morais. A filosofia moral de Hume é,
acima de tudo, uma filosofia do sentimento. É o sentimento, para Hume, que nos
leva a aprovar ou reprovar moralmente as ações. A moralidade de um ato é
imediatamente sentida e nos faz avaliar se esse ato é moralmente certo ou não.
O sentimento de aprovação ou reprovação supõe algum tipo de inferência.
A simpatia
49
é o principio estabelecido por Hume como capaz de estabelecer
grande parte de nossas avaliações morais. Ela é claramente um sentimento, e,
portanto, faz parte de nossos julgamentos, servindo como base para nossas
avaliações, levando-nos a considerar se um ato é louvável, e, portanto, a aprová-
lo ou não. Destarte, só julgamos os atos morais como benéficos se os
considerarmos no âmbito da simpatia e do sentimento. Por exemplo, alguém que
age com honestidade e honradez mostra-se mais digno de nossa simpatia do que
aquele que age de forma vil e traiçoeira. E sabemos disso pela constante
associação das ações observadas na experiência. Caso ocorra o contrário, ou
seja, se basearmos nossos juízos na racionalidade, sem que haja qualquer fator
que indique associação e constância mediados empiricamente, estes raciocínios
48
Sentimentos como ódio, amor, medo e coragem são casos individuais que encontramos em um sujeito
particular, e, portanto, são livres para existirem, pois o que é liberdade, segundo Hume, “é o poder agir ou não
agir” significa, se quero ficar em pê opto por não me sentar, exerço minha liberdade como sujeito conforme as
designações existentes naquele momento, particular, desde que não seja cerceado por algum fenômeno
externo.
49
Hume observa que o princípio de simpatia é aquilo que “Podemos observar, em geral, que as mentes dos
homens são como espelhos umas das outras, não apenas porque cada uma reflete as emoções das demais, mas
também porque as paixões, sentimentos e opiniões podem se irradiar e reverberar várias vezes, deteriorando-
se gradual e insensivelmente. Assim, o prazer que um homem rico obtém com seus bens, projetado sobre o
observador, causa, neste, prazer e apreço; estes sentimentos, por sua vez, sendo objetos de percepção e
simpatia, aumentam o prazer do proprietário; e, sendo mais uma vez refletidos, tornam-se um novo
fundamento de prazer e apreço no observador. (...) Dentre essas paixões, uma das mais consideráveis é a do
90
residirão apenas em argumentos abstratos e obscuros, resumindo-se apenas a
deduções da razão, sem haver base nenhuma que nos dê alguma segurança
quanto a seu conhecimento.
A base estabelecida por Hume para que o sentimento seja moralmente aceito
fundamenta-se na experiência obtida pela constância das ações humanas. Neste
contexto, Hume tem como meta dar relevância à experiência ligada à moral em
detrimento daqueles raciocínios abstratos e abstrusos, aproximando o enfoque
das ações humanas do empirismo encontrado na filosofia natural. Vale lembrar
que Hume não foi o único a referir-se a uma “razão empírica” com o objetivo de
oferecer para a filosofia moral o mesmo tipo de abordagem oferecido para a
filosofia natural. Locke afirmou que as regras morais constituem “as mais óbvias
deduções da razão humana” (Ensaio, 1.3.12.). Não obstante, Hume e Locke
participaram de uma linha de pensamento filosófico que recebeu influência da
descoberta newtoniana que utiliza métodos experimentais para validar suas
demonstrações
50
.
A descoberta do experimento para validar hipóteses racionais modificou
definitivamente as linhas gerais do conhecimento, principalmente aquelas que
estão intimamente ligadas à ciência e à moral. E esta nova revisão do
conhecimento leva Hume a questionar toda a razão “clássica”, mostrando que só
amor ou apreço por parte dos demais, que procede, portanto, de uma simpatia com os prazeres do proprietário.
(T., 2.2.5.21, p. 399).
50
Conforme Paolo Casini em sua obra “Newton e a consciência Européia” não só os ingleses como toda a
Europa reconheceram que a experiência ganhava importância fundamental para validar descobertas feitas em
filosofia natural. Voltaire, por exemplo, escreveu uma obra na qual enaltecerá o pensamento experimental de
Newton, dado a importância de seu pensamento para o conhecimento na época ( CASINI 1999, p. 83 - 101).
91
por meio do método experimental é que deduzimos máximas gerais comparando
casos particulares. Hume observa que.
Os homens estão hoje curados de sua paixão por hipóteses e
sistemas em filosofia natural, e não darão ouvidos a
argumentos que não sejam derivados da experiência. Já é
tempo de que façam uma reforma semelhante em todas as
investigações morais e rejeitem todos os sistemas éticos, por
mais sutis e engenhosos, que não estejam fundados em fatos
e na observação (IPM, 1.10, p. 231).
Entretanto, o método experimental só pode ser utilizado satisfatoriamente se
nos forem expostas todas as “circunstâncias” e “todas as relações” dos fatos
diante de nosso entendimento. Contudo, a aprovação ou censura não pode ser
dada pelo entendimento, mas cabe somente de “uma proposição ou afirmação
especulativa” com base em um sentimento ou sensação ativo (IPM, 1.11, p. 373).
Existe uma clara diferença na abordagem humeana, como ela aparece nas obras
Investigação sobre o entendimento humano e Investigação sobre os princípios da
moral, relativamente à nossas inferências tanto no domínio do conhecimento como
a nível moral. No primeiro caso, observamos que nossas inferências partem das
relações e circunstâncias conhecidas, para algo novo e até então desconhecido
(IPM, 1.11) porque partimos de uma conclusão anteriormente observada e as
projetamos para aquilo que não é observado (como no caso de inferir a existência
de fogo a partir da observação de fumaça). Quando passamos para o segundo
caso, as decisões morais, todas as nossas “circunstâncias” e “relações” devem ser
92
antecipadamente estabelecidas e conhecidas, devendo ser apresentadas como
um todo a mente, que sente como conseqüência disso, alguma nova impressão de
afeto ou desagrado, estima ou repúdio, aprovação ou raciocínio (IPM, 1.11, p.
373).
Portanto, existe entre a IEH e IPM um pensamento correlato no caso das
questões de fato nos levar a fazer julgamentos e emitimos juízos partindo de
experiências anteriormente observadas para casos inobservados, nos levando a
fazer inferências sobre eles, o mesmo podemos estender em relação aos juízos
morais. A qual nos baseamos através da observação, uma constância passada
das ações tendemos a projetá-los para o futuro, extraindo conclusões até então
não observadas
51
e que nem foram experimentadas por nós, e nem tivemos
acesso a todos os dados do conhecimento por meio da experiência daquilo que foi
inferido. Se observarmos que os “ovos assemelham-se entre si como nenhum
outro objeto, e ninguém, no entanto, com base nessa aparente similaridade,
espera encontrar em todos eles o mesmo gosto e sabor” (IEH, 4. 20, p. 66) a não
ser que tenha experimentado todos eles, e, certamente, não concluirá partindo de
um único caso que todos eles serão iguais sem que tenha experimentado cada
um deles para que possa formar uma conclusão geral sobre os demais. Isto é tão
certo que “este processo de raciocínio que, de um caso único, extrai uma
conclusão tão diferente da que infere de uma centena de novos casos que de
nenhum modo diferem daquele caso inicial” (IEH, 4, 20, p. 66) , e isso mostra-se
51
Cf. Barry Stroud (2000) p. 52 – 53.
93
porque falta uma conexão que ligue uma caso único para uma centena de casos
encontrados.
No segundo caso, relacionado às decisões morais, Hume nota que podemos
proceder do mesmo modo. Afirmando que nossos juízos baseiam-se em
conclusões anteriormente observadas nas ações humanas e que também
fazemos inferências causais a partir das ações . Tendemos a projetá-las, por meio
da experiência, para aquilo que não é observado, e mostram-se necessárias para
podermos fazer nossos julgamentos sobre as “circunstâncias” em que acontecem
as ações e as “relações” humanas. Isso é necessário para que a mente tenha a
experiência de cada caso particular e considere as ações humanas como um todo,
passando então a produzir uma nova impressão de aprovação ou reprovação,
conforme o sentimento
52
que venha a atingi-lo naquele momento.
A importância da experiência
53
, portanto, mostra-se relevante quando
observamos a conjunção das ações humanas que são motivadas por algum dado
da experiência que nos faz observar e admitir “universalmente que há uma grande
52
Cf. José Luiz Tasset (1998) p. 27 – 48. A teoria do sentimento ou simpatia levou muitos autores como a
Tasset a considerar Hume como, em suas palavras “o avô do utilitarismo” por ser o primeiro em suas
palavras em “(..) realizar uma contribuição crucial à História do Utilitarismo ao desenvolver e aplicar (já
avançada por F. Hutcheson) entre o Utilitarismo de Ato e Utilitarismo da Regra. Contemplamos por outro
lado como o conceito de Utilitarismo desempenham funções construtivas dentro da teoria política de Hume
(origem da justiça , manutenção desta e surgimento das instituições políticas e governamentais) e também
desconstrutivas (critica do contratualismo e solução dos limites da obediência política). Tudo Isto deveria
bastar para considerar David Hume como um autor Utilitarista. .
53
Podemos, assim, fazer uma breve análise sobre a divisão feita por Hume sobre o conhecimento, observando
que esta divisão se mostra importante na medida em que ele institui por meio da experiência uma nova forma
de fazer filosofia. Podemos estabelecer como primeiro ponto de observação que Hume propõe em todas as
suas obras uma revolução sobre o conhecimento semelhante a que Newton realizou nas ciências naturais. Ele
faz isso com o objetivo de redirecionar à razão lógica dedutiva ou metafísica clássica, predominante em sua
época, para uma razão pautada na experiência que estaria de acordo com o novo método de conhecimento que
surgia no século XVIII. Encontramos isso tacitamente estabelecido no primeiro Livro do Tratado, que visa
estabelecer o conhecimento experimental como pedra de toque para todas as nossas conclusões, sejam elas
conhecidas ou não.
94
uniformidade nas ações dos homens em todas as épocas e nações, e que a
natureza humana permanece a mesma em seus princípios e operações” (IEH, 8.7,
p. 122). Portanto, a uniformidade é o pressuposto necessário para que isso
aconteça. Em contrapartida, encontramos em nós ações voluntárias que se
mostram contrárias a esta uniformidade de ações e que são particularmente
avessas a esta regra, e, é neste contexto que surge nosso próximo tópico.
3.2 – Conjunção entre motivos e ações voluntárias
É um fato bastante discutido por Hume que a natureza humana se constitui de
uma diversidade de opiniões pela a qual a uniformidade mostra-se bastante
duvidosa, quando não conta com o auxilio da experiência. Entretanto,
constatamos na experiência que as ações humanas possuem certa uniformidade e
constância. Podemos constatar isso verificando a história e as nações quando
estão envolvidos sentimentos e inclinações que são encontradas constantemente
ligadas aos homens. Observando mais atentamente nossas ações passamos a
julgar os motivos de seu acontecimento e chegamos a concluir que “os mesmos
motivos produzem sempre as mesmas ações; os mesmos acontecimentos
seguem-se das mesmas causas” (IEH, 8.7. p. 122), mostrando-se estas ações,
portanto, constantes.
Ora, se não houvesse constância em nossas ações, principalmente em
nossas ações morais, não haveria como estabelecer, pela experiência, nenhuma
95
regularidade que nos fizesse observar ligações entre motivos e ações. A falta
desta uniformidade nas ações humanas implicaria nossa completa incapacidade
de fazer julgamentos. E só encontramos a justificativa da existência de uma
regularidade entre motivos e ações por meio de nossa experiência. Numa
pergunta que ele mesmo responde, Hume diz:
Por que o velho lavrador é mais habilidoso em seu ofício que o
jovem principiante, senão porque há uma certa uniformidade na
operação do sol, da chuva e da terra no que tange à produção de
vegetais, e por que a experiência ensina ao velho praticante as
regras que governam e dirigem essa operação (IEH, 8.9, p. 125).
A resposta de Hume nos leva a estabelecer que do mesmo modo que sem
motivo não há constância, podemos dizer que sem constância não há motivo nem
ação. E o que verificamos é que tanto um como outro sempre estão ligados entre
si. E isto é tão evidente que encontramos esta constância entre motivo e ação nos
planos físicos e psicológicos. Contudo, apesar desta constância, não
identificamos um princípio conectivo que liga tanto as operações da natureza
como as operações mentais. E observamos isso quando experimentamos
determinados fenômenos aliados a uma constância, como no caso de uma bola de
bilhar e seu choque com outra bola de bilhar como podemos inferir que esta
tomará uma determinada direção e não outra? O que nos garante o motivo de
todo este percurso feito por nós e nos leva a relacioná-lo a uma constância
observada e estabelecida na experiência? Tornar-se-á impossível identificarmos
pela simples razão o motivo ou ação última e nem a constância do surgimento
96
destas idéias em nossa mente. Apenas sentimos que algo as liga, mas sua
natureza está completamente vedada a nosso conhecimento.
Os princípios da natureza humana seguem este padrão de constância que
observamos que existe entre motivos e ações ou entre causa e efeito. A
constância entre objetos serve de acesso a nossas inferências e estabelece na
mente a conjunção entre motivos e ações. Por outro lado, a idéia de necessidade
não se encontra apenas no plano psicológico; ela existe igualmente na sucessão
dos corpos. Assim as mesmas conclusões que podemos tirar no plano psicológico,
podem ser tiradas no plano físico. Hume busca mostrar que o julgamento moral
segue as mesmas regras encontradas no plano físico, e ele nos diz que
“reconhecemos, assim, uma uniformidade nas ações e motivações humanas de
forma tão pronta e universal como o fazemos no caso das operações dos corpos”
(IEH, 8.8, p. 124). Assim, identificamos que existem conjunções tanto no plano
moral entre motivos e ações como no plano físico, entre causas e efeitos.
Conseqüentemente, podemos concluir que motivos e ações, por serem correlatos
de causas e efeitos, sofrem influência de uma ligação necessária:
Portanto, nossa idéia de necessidade e causação provém
inteiramente da uniformidade que se observa nas operações da
natureza, nas quais objetos semelhantes estão constantemente
conjugados, e a mente é levada pelo hábito a inferir um deles a
partir do aparecimento do outro (IEH, 8.5, p. 122).
O resultado, portanto, que nos leva a fazer inferências parte, particularmente,
da idéia de conexão necessária que se apresenta conjugada em nossa mente,
97
provocando em nosso íntimo um sentimento que leva a mente, através do hábito,
a fazer inferências e conceber ações e motivos, atos e sentimentos
conjuntamente. Para termos idéia desta conjunção é preciso haver “uma
diversidade” de casos, que possa manifestar esta idéia de conexão necessária em
nossa mente. À sucessão de casos causalmente experimentados, produz uma
crença, ligada a estes casos, sugerindo, como conseqüência que há em nossa
mente uma conexão necessária pois “quando muitos casos uniformes se
apresentam, e o mesmo objeto é seguido sempre pelo mesmo resultado, a noção
de causa e de conexão começa a surgir a nossa consideração” (IEH, 7.30).
Em contrapartida, vimos como Hume observa que em casos isolados não
existe nada que permita identificar uma impressão correspondente à idéia de
conexão. Segundo ele “em todos os casos isolados de operações dos corpos ou
de mentes, não conseguimos identificar qualquer impressão e também, qualquer
sugestão de idéia de conexão necessária” (IEH, 7.30). Não podemos obter, de
casos isolados, nada que surgira dependência entre idéias, nem a existência de
conexão necessária. Essa idéia só surge mediante a imaginação e a operação do
hábito a partir da sucessão dos objetos da mente. O que existe em ambos os
casos, seguramente, é conjunção. Isso significa dizer que relativamente a casos
isolados não podemos ter nenhuma idéia de sucessão, uniformidade e conjunção,
muito menos tirar deles alguma experiência que contribua para o nosso
conhecimento. Pois não haveria parâmetros para compará-los, não havendo,
portanto, nem motivos e nem ações que contribuam de fato para nossos juízos.
98
Isso nos leva a considerar a existência de ações voluntárias que não estejam
ligadas a um processo de sucessão. Seria o mesmo, neste caso, que dizer que o
efeito é distinto de sua causa, e, portanto não nos dá garantias quanto à
conjunção, sucessão e regularidade dos objetos no plano físico, como nas idéias
no plano psicológico. A possibilidade de existirem causas contrárias, neste caso,
mostra-se importante, devido a observar-se que existem causas que não são
sucedidas por outras em nosso conhecimento. Hume está certo de existirem
estes casos, pois “observações adicionais convertem essa possibilidade em
certeza, quando notam que, após um cuidadoso exame, uma disparidade nos
resultados sempre revela uma disparidade nas causas e deriva de sua mútua
oposição” (IEH, 8.13, p. 127). Podemos estender estas conclusões a nossos
sentimentos e motivações, pois se observarmos tanto as opiniões de causas
distintas
54
, como nossas próprias opiniões, o que constatamos é que as ações
entre os indivíduos muitas das vezes podem ser diferentes. Do mesmo modo,
podemos estender tal observação a nós mesmos, porque nem sempre mantemos
nossas assertivas ou julgamentos o tempo todo, e elas podem variar conforme o
transcorrer do tempo ou por uma modificação de nossas paixões ou sentimentos:
Se as ações de uma mesma pessoa mostram-se muito distintas nos
diversos períodos de sua vida, da infância à velhice, isso abre
espaço para muitas observações gerais relativas à mudança
54
Hume define que a causa pode ser interpretada de duas maneiras: causa pode ser entendida como união
constante de objetos semelhantes, ou na inferência do entendimento, que passa de um objeto a outro. Estas
duas definições na realidade convertem-se em uma que é a idéia de conexão necessária (IEH, 8.27, p. 139).
99
gradual de nossos sentimentos e inclinações, e para as diferentes
máximas que prevalecem nas diferentes idades das criaturas
humanas (IEH, 8.11, p. 126).
Entretanto, o que vale tanto para o princípio de causa e efeito quanto para
motivos e ações voluntárias é a conjunção à qual subordina todos os objetos,
sejam eles físicos ou psicológicos, e que nunca foi motivo de “disputas” em
filosofia ou na vida comum. E isso se dá em grande medida pela “experiência
passada da qual extraímos todas as inferências relativas ao futuro” (IEH, 8.16, p.
129) e que nos leva a concluir que “objetos que sempre aparecem conjugados
estarão conjugados sempre” (IEH, 8.16).
Podemos observar nas ações humanas que, apesar de existirem exceções,
mostram-se conjugadas a seus motivos devido à mútua dependência existente
entre ambas. E não é difícil constatarmos esta conjunção entre as ações em toda
a sociedade porque “(...) a dependência mútua entre os homens é tão grande em
todas as sociedades que dificilmente haverá uma ação humana inteiramente
completa em si mesma, ou realizada sem alguma referência às ações de outros
que são requeridas para fazê-las corresponder plenamente à intenção do agente”
(IEH, 8.17, p. 129). Destarte, à medida que as relações entre os homens vão se
tornando cada vez mais complexas, mais complexas vão se tornando suas
relações morais, pois seus “esquemas de vida” dependem de um acúmulo cada
vez maior de “ações voluntárias” que venham em grande medida “pelos motivos
apropriados”, e esperam que estas ações sejam retribuídas e passem a contribuir
com seus próprios anseios. Resumidamente, Hume diz que:
100
(...) inferência e raciocínio experimentais acerca das ações de
outros impregna de tal forma a vida humana que ninguém,
enquanto desperto, deixa de realizá-los por um momento sequer.
Não temos nós, portanto, razão para afirmar que toda a
humanidade sempre esteve de acordo quanto à doutrina da
necessidade (...) (IEH, 8.17, p. 130)
Podemos finalizar dizendo que a doutrina da necessidade, como a da
liberdade, que são assuntos do próximo tópico, são constituídos por esta
conjunção encontrada entre motivos e ações voluntárias, as quais são obtidas
pela experiência, que nos fornece a idéia de uma regularidade de motivos,
circunstâncias e caracteres. As inferências sobre os objetos, físicos ou
psicológicos, nos obrigam a reconhecer a existência de um princípio de
necessidade que admitimos existir em nossa vida, e, é “responsável por cada
passo de nossa conduta e procedimento” (IEH, 8.22).
3.3 – A doutrina da necessidade
Podemos começar dizendo que a idéia de necessidade reúne duas
maneiras diferentes de ver a conjunção entre motivos e ações. A primeira
estabelece-se na conjunção constante de objetos semelhantes, a segunda na
inferência do entendimento que passa de um objeto a outro. Estas duas formas
existem igualmente, tanto no nível das operações naturais, e, portanto, externas
como nas operações psicológicas internas. Constatamos que mangueiras sempre
101
dão frutos em dezembro, cajueiros em setembro; que onde há fumaça há fogo;
que o céu cinza anuncia chuva. Esses, entre outros exemplos, são todos
operações da natureza onde encontramos uniformidade, constância e
regularidade. Se utilizarmos os mesmos princípios para as ações humanas,
observaremos que somos guiados pelos mesmos princípios encontrados nos
corpos físicos. Para conhecer os sentimentos e inclinações dos gregos ou
romanos, estudemos o temperamento e ações dos franceses e ingleses” (IEH,
8.7). Ora, o que nos faz transferir as qualidades dos primeiros para os segundos, é
a associação que fazemos de qualidades que sempre constatamos estarem
associadas umas as outras e por isso fazemos inferências a partir delas. Contudo,
vale salientar que a idéia de conexão necessária é de origem psicológica; ela é um
dado puramente mental, já não encontramos nos corpos físicos esta necessidade
ligada aos objetos. Outra coisa que contribui para firmar a constância em nossa
mente é a experiência. Ela contribui para fixar as associações de tal maneira que
quando temos uma idéia de um objeto, imediatamente concebemos o de seu
acompanhante usual.
Aqui podemos reduzir a dois pontos a doutrina da necessidade de Hume: o
primeiro ponto visa estabelecer que necessidade é um termo correlato à conexão
necessária entre objetos. Contudo, Hume demonstra em sua epistemologia que
de fato não percebemos conexões nos objetos físicos. O que constatamos são
conjunções, as quais originam a idéia de conexão em nossa mente. Assim, a
necessidade, quando associada aos objetos, deve ser entendida como conjunção
constante, comportamento regular e uniforme. Quando a observamos ligada às
102
nossas operações mentais, significa a inferência que fazemos de um objeto a
outro, quando já se estabeleceu a associação habitual entre eles (IEH, 8.21, p.
133).
O segundo ponto visa mostrar que a necessidade pode ser compreendida e
suposta ao comportamento humano, incluindo todas as ações chamadas de
voluntárias. Nossos motivos e ações que são percebidas ganham relevância na
determinação das inferências feitas por nós o tempo todo (IEH, 8.16). Parece que
Hume tem por objetivo mostrar que não devemos nos basear apenas nas
conjecturas da razão. Mas devemos apoiar esta razão com a experiência obtida
por meio da observação das ações humanas, que nos faz acreditar conhecer a
natureza humana tendo como base a experiência passada, ou nos autores em
quem cremos e confiamos (T, 2.3.1, p. 441). Contudo, o que nos garante esta
idéia de necessidade? A regularidade da conjunção constante entre causas e
efeitos:
Mas, uma vez que nos convencemos de que nada sabemos acerca
de qualquer tipo de causação além da simples conjunção constante
de objetos e a conseqüente inferência de um ao outro realizada
pela mente, e descobrirmos que essas duas condições são
universalmente admitidas como tendo lugar nas ações voluntárias,
seremos mais facilmente levados a reconhecer que essa mesma
necessidade é comum a todas as causas (IEH, 8.21, 133).
103
Mas, quando falamos de motivos e ações humanas no plano moral, não
estaríamos nos referindo metaforicamente a causas e efeitos, como quando
dizemos que onde há fumaça há fogo
55
no plano do conhecimento? Poderíamos
dizer, de outro modo, que onde há determinados motivos, há determinadas
ações? Se não seguíssemos estes raciocínios baseados em um princípio de
causa e efeito nos acharíamos sem saída e não teríamos como nos apoiar em
nossas determinações morais.
Sabemos que as emoções como amor, ódio, avareza, generosidade, são
paixões ou sentimentos que possuem forte influência em nossas ações e
motivações. Hume utiliza exemplos que mostram que nossas opiniões, quando
tomadas no calor das emoções não gozam da mesma credibilidade que aquelas
que tomamos diante de um exaustivo ato de reflexão a partir da experiência de
casos repetidos. Observemos isso nos exemplos expostos pelo próprio Hume “o
proprietário de uma manufatura conta com o trabalho de seus empregados para a
execução da tarefa a eles determinada, da mesma forma que acredita nas
ferramentas que emprega e se surpreenderia se suas expectativas fossem
frustradas (IEH, 8.17, p. 129). E se um homem honesto e opulento, com quem
tenho íntima amizade, vier à minha casa, onde estou rodeado de empregados,
que me dão uma certa segurança, isso permite pensar, que antes de partir que ele
não irá apunhalar-me pelas costas e roubar meu porta tinteiro de prata (...)” (IEH,
8.20, p. 132). Na verdade, o que devemos observar é que cada ação humana
55
Cf. Guimarães 1999 pp. 213 – 214.
104
voluntária, como também cada ciência humana, supõe a mesma doutrina da
necessidade estabelecida nos objetos físicos.
Nossas considerações sobre as ações humanas seguem os mesmos princípios
e limites que as operações da natureza, e isso decorre da mesma necessidade
que as une, a saber, uma conexão necessária em nosso pensamento, ou seja, da
regularidade com que aparecem conjugados em nossa mente. Há um exemplo
clássico de Hume a esse respeito :
Um prisioneiro que não tenha dinheiro nem rendimentos descobre a
impossibilidade de sua fuga tanto ao considerar a obstinação do
carcereiro quanto ao observar as paredes e grades que o cercam,
e, em todas as tentativas de ganhar a liberdade, escolhe
preferencialmente laborar sobre a pedra e o ferro destas últimas do
que sobre a natureza flexível do primeiro (IEH, 8.19, p. 131).
Analisando este caso particular de Hume podemos encontrar três princípios
que sugerem que as ações humanas são semelhantes às operações naturais. Isto
aparece quando: 1) por meio da experiência descobrimos uma união regular e
identificamos entre os fenômenos ou ações humanas; 2) o efeito desta conjunção
na mente é o mesmo (Cf. T, 2.3.2, p. 442 e IEH, 8.19, p. 131).
A busca por estabelecer uma relação de necessidade nas ações humanas,
semelhante às da matéria ou dos corpos encontrada na filosofia natural, faz parte
105
da geografia mental que Hume se dispôs fazer. Ora, a necessidade em um
primeiro momento parece distinta, e age diferente, tanto nas ações humanas,
quanto nas operações naturais ou materiais. No entanto, apesar de suas
diferenças, o que observamos em ambos é a regularidade, uniformidade e
constância, as quais aparecem na mente. Segundo Hume: “só temos
conhecimento de sua união constante que deriva a necessidade” (T, 2.3.1.4, p.
436). Assim, a doutrina da necessidade associa tanto ações humanas como
operações naturais (T, 2.3.1.8, p. 438).
Observando a definição de Hume sobre a doutrina da necessidade, vemos que
nos leva através do hábito a fazer associações na mente, inferindo da observação
de um objeto o aparecimento do outro, constituindo, assim, parte importante do
princípio causal, e que podemos ligar tanto as ações humanas quanto a natureza
dos corpos. Seguindo esta linha de raciocínio, isso nos leva a pensar que, tal
como ocorre no plano físico, onde o principio de causa e efeito é responsável por
nossas inferências, o mesmo ocorre no plano das ações humanas. Pois, como
acontece no plano físico, podemos basear nossas conclusões sobre as ações
humanas em um princípio causal. De fato, encontramos esta mesma relação em
nossa vontade, porque muitas de nossas ações morais são causais. Segundo
consta, a vontade surge de “uma impressão interna de que temos consciência
quando deliberadamente geramos um novo movimento em nosso corpo ou uma
nova percepção em nossa mente (T,
2.3.1.2, p. 435). A vontade, portanto, é
semelhante a impressão. Segue-se que Hume estabelece uma estreita ligação
106
entre a matéria e as ações morais. E para se entender as ações morais é
necessário compreender a matéria.
Podemos também dizer que a vontade não pode ser tomada por uma paixão.
Contudo, para compreendermos os mecanismos que constituem a paixão, é
preciso que a vontade venha em seu auxílio. Além do mais, a vontade, mostra-se
por sua regularidade, e, portanto, por uma necessidade psicologicamente
estabelecida pelo princípio causal. Notamos isso quando exercemos nossa
vontade associada às dos outros: “o príncipe que impõe uma taxa a seus súditos
espera sua aquiescência. O general que comanda um exército conta com um
certo grau de coragem, do mesmo modo, que um homem dá ordens para seu
jantar e não dúvida da obediência de seus criados” (T, 2.3.1.15, p. 441). Nossa
vontade, portanto, depende da vontade do outro. O general se surpreenderia ao
dar ordem de ataque a seus comandados, se ao invés de atacarem recuassem; o
reinado de um príncipe estaria em perigo caso houvesse, ao invés de
aquiescência, revolta; e um homem ficaria certamente surpreendido se ao dirigir-
se à mesa constatasse que seus empregados não haviam obedecido suas ordens.
Todos estes exemplos baseiam-se na constância das ações humanas; e para que
a vontade seja realizada se faz necessário que haja aquiescência do outro, seja
por algum motivo ou sentimento. “Em suma, como nada nos interessa tanto
quanto nossas próprias ações e as dos outros, a maior parte de nossos raciocínios
é empregada em juízos a respeito deles” (T, 2.31.15, p. 441).
Mas também constatamos nas ações humanas irregularidades, do mesmo
modo que em relação ao clima. Nossas ações não se mostram uniformes e
107
regulares o tempo todo. A natureza também age do mesmo modo. Existem
muitas variáveis que influenciam nossa conduta, assim como encontramos
variáveis na natureza, o que nos leva a pensar se não “serão as transformações
de nosso corpo da infância à velhice mais regulares e certas que as de nossa
mente e conduta?” (T, 2.3.1. 7, p. 437). Por isso não conseguimos em todos os
casos estabelecer firmemente e com precisão adequada a relação causal entre
ações, expressões e gestos com inclinações e motivos. Entretanto,
reconhecemos que esta incapacidade nossa se deve antes a nosso
desconhecimento das causas do que a sua inexistência. E podemos dizer que
diante de uma ação pela que não podemos explicar, não podemos simplesmente
alegar, que “não foi causada”. Não obstante, apesar de existirem variações que
parecem pôr em dúvida a regularidade e uniformidade das ações humanas, o que
verificamos é sua constância, e, portanto, a sua necessidade.
3.4 – a doutrina da liberdade
Podemos então dizer, baseados na doutrina da necessidade, que nossa
vontade é livre para deliberar sobre as ações? A resposta de Hume é negativa. A
necessidade não se encontra no agente da ação, e não a encontramos
estabelecida nos corpos, mas só pode ser encontrada na mente, no pensamento
de seres inteligentes, que ao considerarem a ação, baseiam sua análise na
sucessão dos objetos, passando a tirar suas conclusões através delas e a partir
disso as utilizam como base de suas inferências. Sabemos que nossa vontade é
108
compreendida na necessidade, e o que caracteriza a necessidade é a conjunção
constante entre os objetos, o que nos leva a pensar que existe entre os objetos
uma conexão que os ligue no pensamento. Contudo, a liberdade é pensada
geralmente como o contrário da necessidade. Enquanto a primeira é o livre poder
de agir ou não agir de cada um segundo suas próprias determinações, a segunda
só se realiza na conjunção constante de ações de vontades individuais unidas
entre si. Não encontramos, portanto, na necessidade, nenhuma ação justificada a
partir da experiência de um único caso, enquanto a liberdade ela só existe em
casos únicos, individuais, em que não há como experimentarmos sucessão neles.
A liberdade pode ser explicada pela falsa noção de indiferença ou nulidade
que podemos ter em relação a nossas ações. Como a doutrina da necessidade,
que parece ser o oposto da liberdade, é ligada às determinações da mente, se
sentimos ou observamos sucessão nos objetos, aliados a princípios causais, isso
só acontece porque existe um ser inteligente que constata a sucessão e a
causalidade. Portanto, a noção de necessidade não está no agente, como
descrito acima, mas no ser que elabora a ação “assim como a liberdade, quando
oposta à necessidade, nada mais é que a falta desta determinação, e um certo
desprendimento ou indiferença que sentimos ao passar, ou não passar, da idéia
de um objeto à de algum outro que o suceda” (IEH, cf. nota, p. 135).
Ora, se não podemos encontrar respostas para nossa liberdade tomando
como base nosso entendimento, devemos buscá-las, então, no plano físico, e na
experiência, ou seja, devemos buscar aliar a doutrina da liberdade à da
necessidade. Aliar a razão à experiência. Hume define que liberdade é “um poder
109
de agir ou não agir de acordo com as determinações da vontade (IEH, 8.23, p.
136). Isso significa dizer que enquanto não existem limites externos, somos
hipoteticamente livres, não incluindo nisso, os casos nos quais “estejamos presos
e acorrentados”, pois neste caso, a liberdade foi negada pelos outros.
Para que a liberdade seja estabelecida satisfatoriamente é preciso seguir
duas condições básicas que Hume apresenta: 1º) que a definição seja consistente
com os fatos; e 2º) que seja consistente consigo mesma. Estas duas condições
claramente estão estabelecidas, tanto na conjunção constante quanto na
inferência que os acompanha. Se dissermos que quando há fogo há fumaça,
observamos haver consistência em suas premissas, e também dizemos que se
mostra em si mesma como uma preposição verdadeira. E como este exemplo é
um fato necessário observamos que a liberdade só existe porque a necessidade
existe. A idéia de liberdade por si só não é suficiente, pois é singular e não é
estabelecida por uma conjunção de casos observados uniformemente,
necessitando de uma conjunção de fatos para que seja estabelecida. O princípio
causal neste contexto é requisito necessário para seu acontecimento.
Observando, então, a liberdade isoladamente, ela é acaso e indiferença. Não
obstante, constata-se que ela só ganha validade quando:
Se os objetos não apresentassem uma conjunção regular uns com
os outros, jamais chegaríamos a conceber qualquer noção de causa
e efeito, e é dessa conjunção regular que provém aquela inferência
do entendimento que é a única conexão da qual podemos ter
alguma compreensão (IEH, 8.25, p. 137).
110
Estabelecemos, então, duas diferenças importantes para as ações
humanas ou morais. A primeira estabelece que a doutrina da liberdade encontra-
se em casos isolados ou em eventos não uniformes e regulares. Ora, nada há de
mais irregular e volúvel que as ações humanas, principalmente quando
analisarmos a diversidade de caracteres, predisposições e opiniões tiradas dos
indivíduos em suas particularidades. Se as condutas entre os homens se
mostrassem irregulares nos diversos estágios da vida, não haveria como achar
alguma regularidade em suas ações, e, portanto, o principio causal não existiria.
Entretanto, a segunda diferença, estabelecida na doutrina da necessidade, diz que
se observamos essa inconstância, em determinada época da vida de um homem
ou nação, devemos atribuí-la, antes, à força do hábito e da educação, formadoras
de seu caráter, que moldam a “mente humana” desde tenra idade. Não a uma falta
de constância e uniformidade nas ações humanas. Um homem, por mais diferente
que seja nos diversos períodos de sua vida, olhado em suas ações nestes
diversos momentos de sua vida, observaremos que no todo suas ações seguiram-
se constantes. Mesmo diante destas singularidades, portanto elas foram
estabelecidas causalmente em sua constância.
A conduta de um homem, no decurso de sua vida, muitas vezes mostra-se
irregular. As ações de uma mesma pessoa modificam-se, suas atitudes na
infância não são as mesmas, se as compararmos as mesmas atitudes tomadas
na velhice. Nossas ações mostram-se distintas conforme os diversos períodos de
nossa vida, abrindo espaço para que consideremos que nossos sentimentos e
111
inclinações, conforme o tempo passe, mudam “gradualmente
56
”. E os motivos
acompanham esta mudança, porque tanto ações como motivos parecem não nos
habilitar a pensar em uma conexão necessária, que dê uniformidade, constância e
regularidade às ações humanas. Note-se que a liberdade, neste momento,
entende-se como irregularidade de ações do individuo “e que são exceções a
todos os padrões de conduta já estabelecida para direção dos homens (IEH,
8.12)”, ou seja, a causa não se encontra conjugada a seu efeito e nem é
uniforme.
Um artífice que manipula apenas matéria inanimada tem tanta
chance de ver seus objetivos frustrados quanto um político que
dirige a conduta de agentes dotados de sensação e inteligência. O
vulgo, que toma as coisas tal como lhe aparecem à primeira vista,
atribui a incerteza dos resultados a uma incerteza nas causas, que
as priva ocasionalmente de sua influência habitual embora não
sofram impedimento em sua operação (IEH, 8.12, p. 126).
Entretanto, mesmo que constatemos irregularidades nas ações humanas,
isso não serve de base para dizermos que não são regulares “(...) assim, se no
corpo humano, quando os sintomas usuais da saúde ou doença frustram nossas
expectativas, quando os remédios não operam com a eficácia desejada (...)“ (IEH,
8.14), então irregularidades despontam, e põem em dúvida a constância e
regularidade nas ações humanas ou a eficácia do remédio. Mas devemos
56
Parece que a idéia tão discutida por Monteiro, sobre a transição associativa entre idéias acontecer
suavemente, encontra-se posto aqui por Hume, só que desta vez ele fala da transição de ações morais. Se
observarmos atentamente, Hume utiliza o mesmo princípio associativo de passagem suave de uma idéia à
outra.
112
entender com isso que assim como os nossos corpos possuem muitas variáveis,
as quais escapam de nossa compreensão, sua operação em muitos casos não
será sempre constante. E mesmo que esta irregularidade nos corpos, ou em
nossa mente, se apresentem, isso não serve de argumento para provar que as leis
naturais ou as ações humanas não sejam obedecidas com o máximo de
regularidade e uniformidade em suas determinações.
Chegamos, portanto, à segunda definição para as ações humanas,
estabelecida na doutrina da necessidade. Segundo consta, Hume nos dá duas
definições de causa para que se realizem as nossas ações. A primeira é
estabelecida na “conjunção constante de objetos semelhantes; e a segunda é
estabelecida pela inferência do entendimento que passa de um objeto a outro.
Isso quer dizer que ações humanas, assim como “as leis da natureza” seguem
certa regularidade estabelecida pela experiência, observada na conjunção
constante como aparece na mente (IEH, 8.27, p. 139).
Nossas ações, portanto, são um misto de singularidade e associação
causal. Porque dependem de uma conjunção de ações humanas feitas por
indivíduos inseridos em uma sociedade, e não por um ser em particular. Formam
um encadeamento de causas naturais e ações voluntárias, no qual “a mente não
sente nenhuma diferença entre elas ao passar de um elo para outro e nem está
menos certa do futuro resultado do que estaria se ele se conectasse a objetos
presentes à sua memória ou seus sentidos pôr uma seqüência de causas
cimentadas pelo que nos apraz chamar de necessidade física” (IEH, 8.19, p.
131). E à medida que as relações entre os homens são ampliadas elas “tornam
113
mais complicadas suas relações com os outros, seus esquemas, passam a incluir
uma variedade cada vez maior de ações voluntárias que eles esperam, pelos
motivos apropriados, que venham a cooperar com as suas próprias (IEH, 8.17, p.
129)”. Isso mostra que as ações tornam-se cada vez mais ligadas por uma
associação causal, no que envolve motivos e ações voluntárias quando estão
envolvidos interesses comuns.
Deste modo, podemos dizer que liberdade mostrar-se a primeira vista
oposta à necessidade. O que constatamos é o contrário, ambas servem para a
formação das ações humanas e contribuem para a formação de nossas
inferências. Quando Hume diz que “o único objeto adequado de ódio ou vingança
é uma pessoa ou criatura dotada de pensamento e consciência ; e quando
algumas ações criminosas ou prejudiciais excitam essa paixão, isso ocorre pela
relação, ou conexão, que essas ações mantêm com a pessoa” (IEH, 8.29, p. 140),
Ele defende que a vontade não é livre, mas causalmente determinada. Seu
argumento é que se não houvesse a possibilidade de vincular as ações de um
indivíduo a causas na pessoa que as praticou, não faria sentido louvar ou
responsabilizar a pessoa pelos seus atos. Nossas ações neste contexto só são
justificadas porque existe um princípio associativo ligando-as. Podemos concluir
portanto que a liberdade sem a necessidade não é válida por si, devido precisar
de algo que a complemente e que sirva para ligar as ações humanas. É
necessário para que isso seja possível uma pessoa dotada de pensamento e
consciência que reconheça a existência dessa liberdade e que tenha como base
uma relação de causa-efeito, observadas nas ações.
114
Isso nos leva conseqüentemente a considerar o porque de determinadas
causas não encontrarmos seus efeitos, nos levando a observar que a natureza
das ações torna as causas “temporárias” e “perecíveis”, e as mostram não
procederem de “alguma causa estabelecida no caráter e na disposição da pessoa,
percebemos, então, que elas não podem contribuir nem para sua honra, se forem
boas ações, nem para sua infâmia se forem más” (IEH, 8.29) porque não
encontramos nenhum efeito ligado a ela. As ações só ganham relevância diante
da doutrina da necessidade, pois como dito anteriormente, pressupõe
regularidade, uniformidade e conjunção constante. E só podemos justificar a
imparcialidade da liberdade ao declararmos:
(...) Que as ações tornam uma pessoa criminosa meramente por
provarem a existência de princípios criminosos na mente; e quando
uma alteração desses princípios faz que deixem de ser provas
legítimas, elas deixam igualmente de ser criminosas? Mas, a menos
que se admita a doutrina da necessidade, elas nunca teriam sido
provas legítimas, e, conseqüentemente, nunca teriam sido
criminosas (IEH, 8.30, p.141).
Devemos concluir, então, sobre a liberdade, a relevância que ela possui
para a formação moral, e que nenhuma ação humana que esteja ausente dela é
capaz de modificar quaisquer qualidades morais, ou estabelecer nos objetos um
sentimento de aprovação ou reprovação.
115
3.5 – inferência causal e moral.
Podemos dividir o assunto das inferências sobre o conhecimento e a moral
em dois tópicos. O primeiro tem por objetivo estabelecer no entendimento o
mesmo processo experimental encontrado nas operações naturais entre os corpos
físicos
57
. No segundo tópico, observamos nas ações humanas ou morais o
mesmo processo que encontramos nas operações da natureza. Nossas ações são
deduzidas da experiência, mediante a observação da constância, uniformidade e
conjunção entre nossas atitudes, inclinações e sentimentos. Utilizamos
informações experimentais para deduzir constância, uniformidade e conjunção em
nossas idéias, passando a ter os mesmos critérios que os encontrados nos corpos
físicos, os quais, através da conjunção constante, nos permitem fazer inferências.
Esta divisão, todavia, é meramente ilustrativa no pensamento de Hume.
Nossas inferências sobre objetos exteriores servem apenas como pedra de toque
para inferências estabelecidas por nós internamente em nossa mente através de
nossa percepção
58
. Quando digo, que se há sol há calor, tenho como base
57
lembre-se que Hume objetiva dar à ciência humana o mesmo status experimental encontrado na ciência
natural. Para que isso ocorra faz-se necessário estabelecer novas bases para o conhecimento, ao mesmo
tempo que redirecionar todo o pensamento da razão clássica para uma nova orientação que teria como
fundamento uma razão experimental, baseado no princípio de causa e efeito.
58
o pensamento humeano visa por a mostra os problemas e limites do entendimento humano reflete projeto
semelhante ao de Locke, que no Ensaio sobre o conhecimento humano relata que seu livro nasceu quando
ele,”com mais cinco ou seis amigos”, discordaram sobre um “tópico bem distante deste (isto é, Ensaio):
“ficamos logo inertes, pelas dificuldades advindas de todas as partes. Depois de algum tempo de hesitação,
sem nenhuma solução viável acerca das dúvidas que nos haviam deixados perplexos, considerei que havíamos
116
apenas a experiência de uma conjunção constante observada nos corpos, que me
leva a postular o principio de causa e efeito. Constatamos isso “quando olhamos
para os objetos ao nosso redor e consideramos a operação das causas, não
somos jamais, capazes de identificar, em um caso singular, nenhum poder ou
conexão necessária, nenhuma qualidade que ligue o efeito à causa e torne o
primeiro uma conseqüência infalível da segunda” (IEH, 7.6 p. 98-99)”. Ou seja, só
identificamos constância e uniformidade mediante diversidade de casos
experimentados. A inferência só pode ser justificada se existir conexão
necessária, sem esta, não há inferência. É importante sabermos disso, quando
passamos a considerar as inferências mentais. Semelhantes ao que encontramos
nos corpos as inferências só acontecem mediante associação das idéias, ou como
diz Hume, de fatos. Constatando a ausência de conexão entre as idéias, não há
como fazermos nossas inferências, principalmente quando passamos para ações
humanas
59
.
Esta constatação de Hume é importantíssima para estabelecer o seu
método experimental relativamente ao conhecimento em geral e ao conhecimento
iniciado pelo caminho errado e que, antes de nos empenharmos em investigações desta natureza, devemos
examinar nossas próprias habilidades para averiguar com quais objetos nossos entendimentos podem, ou não
tratar adequadamente”. É preciso, todavia, observar que o texto de Hume deixa bem claro a intenção de
empregar o mesmo método de Locke, de forma bem mais agressiva e mais categórica do que foi utilizado por
este (Cf. nota, IEH b, p. 31).
59
Observamos que Necessidade e Liberdade diferenciam-se pela constância com que aparecem em nossa
mente, e, neste caso, é sucessão entre objetos, pressupõe necessidade na diversidade de casos enquanto
liberdade, relaciona-se na singularidade dos objetos ou de ações, nada nos garante da causa seguir-se o efeito,
ou melhor, a causa é distinta do efeito e neste caso não está ligado a uma sucessão. Portanto, necessidade
implica em uniformidade, regularidade e conjunção, enquanto liberdade implica em ausência das mesmas, e,
bem como ausência de inferência. Isto é melhor explicado por Hume quando ele diz que” a necessidade de
qualquer ação, quer da matéria quer da mente, não é, propriamente, uma qualidade que esteja no agente, mas
em um ser qualquer, dotado de pensamento e intelecto, que possa observar a ação; e consiste principalmente
no fato de sue pensamentos estarem determinados a inferir a existência daquela ação a partir de alguns objetos
precedentes; assim como a liberdade, quando oposta a necessidade, nada mais é que a falta dessa
117
moral. Não existe nada externamente ou internamente que nos garanta a
existência de uma conexão necessária que ligue cada causa a seu efeito. Aliás,
para que a idéia de conexão necessária seja fixada na mente é preciso que os
princípios associativos, a saber, semelhança, contigüidade no tempo e espaço e
causa e efeito levem a mente de uma idéia à outra. Ora, se a mente não sente ou
não identifica este princípio associativo que influência tanto os objetos externos
como os internos, e nos leva a concebê-los como conectados, o que nos garante
que isso ocorra novamente?
A resposta de Hume é simples: a experiência. Ela é a responsável por
continuarmos a fazer inferências a partir de conjunções que não exibem nenhuma
conexão entre si. Entretanto, não podemos extrair de casos singulares
regularidade e conjunção. Não há como, baseados em um caso singular,
obtermos associações suficientes que validem seu conhecimento, e nem a
experiência faz-se válida se não há conjunções que se mostrem constantes e nos
permitam extrair algum conhecimento da observação. Assim, a idéia de conexão
apresenta-se mediante a de conjunção. Sem ela não existe forma ou maneira de
a identificarmos em nossas idéias. Mas o que observamos é que as idéias
sempre vêem acompanhadas, e casos particulares, existem. Contudo, não são a
regra; o que predomina é a sucessão entre os objetos na mente:
determinação, e um certo desprendimento ou indiferença que sentimos ao passar, ou não passar, da idéia de
um objeto à de algum outro que o suceda” (Cf. nota IEH a, p. 135).
118
(...) Quando uma espécie particular de acontecimento esteve
sempre, em todos os casos, conjugada a uma outra, não mais
hesitamos em prever a ocorrência de um quando aparece o outro, e
a fazer uso desse raciocínio que, só ele, pode nos dar garantias
quanto a qualquer questão de fato ou existência. Chamamos então
um dos objetos causa, e o outro efeito, e supomos que há entre
eles alguma conexão, algum poder no primeiro objeto pelo qual ele
produz invariavelmente o segundo, e que opera com a máxima
certeza e a mais forte necessidade (IEH, 7.27, p. 113).
Não obstante, o conhecimento não é adquirido de casos isolados, mas de
conjunções experimentalmente observadas, que nos levam a estabelecer bases
bastante sólidas para o conhecimento das operações da natureza, assim como
das ações humanas. Assim mostra-se bastante temerário basear nossas
inferências sobre o curso geral da natureza tendo um único experimento como
pedra de toque para todas as nossas conclusões, por mais exatas que sejam.
Mas, o que nos faz experimentar com tanta intensidade a idéia de
necessidade ligada aos princípios associativos, e passar de uma idéia à outra? A
resposta humeana para esta pergunta mostra que isso ocorre pela crença e pelo
hábito que nos faz experimentar uma conexão hábitual
60
estabelecida no
pensamento ou imaginação, entre o objeto e seu acompanhante usual. E esse
60
Hume está certo quanto a grande influência que o hábito exerce sobre o sentimento que temos sobre a
conexão necessária ou necessidade causal entendida na associação de idéias, e, ele diz que “o hábito é o
princípio pelo qual veio a se produzir essa correspondência, tão necessária à sobrevivência de nossa espécie e
à direção de nossa conduta, em todas as situações e ocorrências da vida humana. Se a presença de um objeto
não excitasse instantaneamente a idéia dos objetos que a ele comumente se associam, todo o nosso
conhecimento teria de ficar circunscrito à estreita esfera de nossa memória e de nosso sentimento, e jamais
119
sentimento é o principio original que estamos buscando para aquela idéia. A
conexão só é estabelecida porque a crença e o hábito nos conduz além dos dados
experimentais fixados em nossa mente:
Mas, como é impossível que essa faculdade da imaginação possa,
por si só, alcançar a crença, torna-se evidente que a crença não
consiste na natureza particular ou ordem específica de nossas
idéias, mas na maneira como são concebidas e no sentimento que
trazem à mente (IEH, 5. 12, p. 82)
Por fim podemos dizer que nossas inferências contribuem em grande
medida para o julgamento de nossas ações. É inquestionável que todas as nossas
decisões e conclusões morais são baseados em sentimentos que estão
estabelecidos nesses mesmos julgamentos, ações e caracteres, quer sejam eles
amáveis ou odiosos, quer sejam louváveis ou repreensíveis. Isso, contudo, só
acontece se houver constância, regularidade e conjunção em nossas ações, dado
que para ser estabelecido, deve haver estes critérios reunidos na experiência
porque possamos extrair o máximo de inferências possíveis conforme o número
de casos expostos a nosso conhecimento. Hume visa com isso introduzir um
fundamento que unifique sentimento e experiência em nossas ações, dando uma
maior regularidade a eles em vista daqueles casos singulares, em que não há
garantias de confiarmos em sua constância.
teríamos sido capazes de ajustar meios a fins ou de empregar nossos poderes naturais seja para produzir o que
é bom, seja para evitar o que é mau” (IEH, 5.21, p. 89).
120
3.6 - A SÍNTESE HUMEANA ENTRE LIBERDADE E NECESSIDADE
Apesar de Hume encontrar nas opiniões filosóficas relativas as diferenças
entre a liberdade e a necessidade, estando relacionada na forma como são
concebidas em nosso pensamento ele observa que devemos concebe-las
conjuntamente e não separadamente, apesar de haver certa diferenças entre elas.
Hume estabelece que estas aparentes diferenças são importantes para
compreender a verdadeira natureza tanto da liberdade como da necessidade, e
que estas diferenças são complementadas neste conflito de opiniões sobre seu
conhecimento e que nos leva a considerá-las conjuntamente em nosso raciocínio.
Ora, a vontade subjetiva, isolada de qualquer determinação estabelecida
por um processo de sucessão encontrada tanto nos objetos físicos quanto
mentais, no caso da liberdade, mostra-se enganosa. Nós não somos,
individualmente, livres em nossas ações voluntárias sem que estejamos ligados às
ações de outras pessoas. Note-se que não podemos encarar a liberdade
desvinculada da uniformidade das ações humanas, pois nossas inferências morais
partem deste princípio de constância e uniformidade e não nos baseamos
somente em uma liberdade hipotética de “(...)um poder agir ou não agir de acordo
com as determinações da vontade; isto é, se escolhermos ficar parados, podemos
ficar assim, e se escolhermos nos mover, também podemos fazê-lo” (IEH, 8.23,
p.136). Portanto, se existe alguma liberdade subjetiva ela está circunscrita a
121
estreitos limites de nossa razão. Esta passagem está claramente dita por Hume
quando:
pois o que se entende por liberdade quando esse termo é aplicado
a ações voluntárias? Com certeza, não estamos querendo dizer
que as ações têm tão pouca conexão com motivos, inclinações e
circunstâncias que não se sigam deles com um certo grau de
uniformidade, e que esses mesmos motivos, inclinações e
circunstâncias não apóiem uma inferência que nos permite concluir
a existência das ações, pois esses são fatos simples e
reconhecidos (IEH, 8.23, 136).
Encontramos, portanto, o apoio neste raciocínio para as ações voluntárias
quando elas são entendidas como um processo de sucessão, uniformidade e
regularidade, semelhantes às leis estabelecidas nos plano físico pela doutrina da
necessidade para validar nossas ações e apoiar nossas inferências morais. Ora,
a concepção de nossas ações voluntárias segue, no que diz respeito à
necessidade, os mesmos princípios que as encontradas nas operações da
matéria. Pois estas seguem um encadeamento sucessivo de causas necessárias,
que encontram-se preordenadas e preestabelecidas e que se estende da causa
original de tudo até cada ação particular de cada ser humano. Isso significa dizer
que se não somos responsáveis por nossas ações voluntárias e que não somos
livres verdadeiramente, pois estamos sujeitos a uma sucessão necessária
122
encontrada em cada ação ou motivo por nós executado, podemos dizer então que
a liberdade subjetiva é uma ilusão. Assim como encontramos um princípio
necessário na natureza dos corpos que diz que de determinada causa se seguirá
seu efeito, estendemos esta regra igualmente para as ações voluntárias, pois “ao
atuarmos , sofremos ao mesmo tempo uma atuação” (IEH, 8.32, p.142). E este
raciocínio de Hume mostra que:
É possível dizer, por exemplo, que, se as ações voluntárias
estiverem submetidas às mesmas leis de necessidade que as
operações da matéria, haverá uma cadeia contínua de causas
necessárias, preordenada e predeterminada, estendendo-se da
causa original de tudo até cada uma das volições particulares de
cada criatura humana. Nenhuma contingência em parte alguma do
universo, nenhuma indeterminação, nenhuma liberdade (IEH, 8.32,
p. 142).
Se entendermos, neste contexto, a doutrina da necessidade como uma
sucessão de acontecimentos estabelecidos na mente e observado nos corpos,
fazendo com que os preestabelecemos em nossas ações, isso significaria dizer
que nossa liberdade, também pode ser preestabelecida e, portanto, fazendo
desaparecer a hipótese de existir uma liberdade individual e singular.
Podemos dizer finalmente que se a liberdade como é entendida acima,
pode ser compreendida semelhante á doutrina da necessidade, porque possui
características parecidas com ela, chegamos a concluir que tanto necessidade
123
como liberdade não são apoiadas inteiramente por um processo da razão no que
diz respeito as ações voluntárias, mas pela experiência pautada na sucessão,
uniformidade e regularidade das ações humanas que são semelhantes as
operações da matéria, na qual tiramos a maioria de nossas inferências.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Devemos notar que a filosofia moral de Hume não é fruto só de nossos
sentimentos como bem observamos ao longo dessa discussão, mas é um
processo longo de investigação que nos leva a uma conclusão bastante
importante sobre a moral humeana, a saber, que nossas inferências sobre as
ações morais ou humanas também são constituídas pelo pensamento associativo
que fazemos através da experiência, observada na sucessão dos objetos físicos
como nos objetos mentais.
Hume mostra que nosso pensamento sobre a filosofia moral deve seguir
regras semelhantes às encontradas nas operações da matéria, que têm na
experiência, sua principal pedra de toque para todo o seu conhecimento. O
objetivo humeano é, portanto, utilizar a experiência descoberta pela ciência natural
para validar a ciência humana que busca fundar, e têm um propósito bem claro:
comprovar se determinado conhecimento poderia ser validado empiricamente ou
se ela têm como fundamento apenas conjecturas obtidas por meio da razão.
Na verdade, Hume visa ir de encontro a todo o pensamento filosófico
metafísico da modernidade que punha sob o julgo da razão toda a validade do
conhecimento, principalmente aqueles que eram predominantemente humanos
como a moral.
Hume passa a analisar todo os objetos do pensamento com a intenção de
identificar o que nos leva a fazer inferências causais tendo como base a sucessão
dos objetos físicos ou mentais.
125
Para isso ele se utiliza do método empirista como apoio para o estudo da
ciência do Homem, visando utilizá-lo como ferramenta para validar todo o
pensamento que tenha como meta o conhecimento desvinculado de todo o teor
conjectural estabelecido pela razão.
Ele almeja com isso, fazer uma geografia mental de todo o conhecimento, e
isso vai além daqueles conhecimentos obtidos pelas deduções da razão,
passando a investigar os mecanismos associativos estabelecidos na mente. O
resultado desta investigação, mostra-se através da idéia de que nossas ações
baseadas em um processo de sucessão entre os objetos nos levaram a crer que
existe algo que liga em nossa mente estes mesmos objetos (uma conexão
necessária) que são constantemente observados juntos. Esta ligação na
realidade não existe nos objetos físicos, eles só são identificados por nossa
mente, independente de existirem ou não no plano material. Portanto, a conexão
entre objetos só existe porque a mente imagina que ele possa existir.
Este princípio associativo estabelecido por nossa mente tem sua origem na
teoria humeana da percepção que reúne a impressão, que é forte e vivaz e a idéia
que é reflexo da primeira só que é mais fraca e lânguida. A idéia de necessidade,
portanto surge da união de idéias simples entendidas nas complexas chamadas
por Hume de semelhança, contigüidade – no tempo e espaço e causa e efeito. O
último é responsável pela maioria das inferências que fazemos sobre as ações
humanas.
Neste ponto, podemos comentar que em algumas das suas melhores obras
o Tratado da natureza humana e A Investigação sobre o entendimento humano,
Hume estabelece que nossos conhecimentos são conseqüência de um princípio
126
associativo que passamos a inferir do surgimento de uma causa se seguirá
necessariamente o seu efeito e, isso acontece pelo hábito de associarmos o
surgimento de um com o aparecimento do outro em outras palavras “de causas
que aparecem semelhantes, esperamos efeitos semelhantes; essa é a súmula de
todas as nossa conclusões experimentais” (IEH,4.20,p. 66). Isso mostra que a
forma como fazemos associações mostra-se como um princípio tão irresistível que
achamos existir uma conexão entre as idéias, mas nada nos garante que ela
exista.
Podemos concluir com isso, que o princípio causal se mostra presente em
toda a filosofia humeana e podemos estendê-la às ações humanas. De fato, a
filosofia humeana tem como objetivo claro não só estabelecer uma espécie de
“epistemologia psicológica”, tendo como base nossas percepções, mas busca
também esclarecer e explicar nossos juízos morais a partir da análise dos
sentimentos e das inferências baseadas no princípio causal. Para isso, Hume
passa a investigar todo o mecanismo que nos leva a fazer inferências sobre
nossos atos e os sentimentos gerados por eles. Nesta análise, partimos dos
mecanismos constitutivos de nossa mente, tomando como base a teoria de Hume
da percepção que visa fazer uma “geografia mental” buscando estabelecer os
parâmetros como se processam nossos raciocínios associativos.
Destarte a maioria de nossas inferências parte da experiência que
possuímos ao observar á associação dos objetos físico e que pelo hábito somos
levados automaticamente a antecipá-los em nosso pensamento. Isso mostra que
as nossas inferências morais estão estreitamente relacionadas às ações dos
indivíduos, pois elas acontecem semelhantes ao que observamos no plano
127
material. Como a maioria dos processos associativos são baseados em um
princípio de causa e efeito, nós somos levados por um sentimento ou crença a
pensar na existência de uma conexão entre o que foi anteriormente observado e o
que foi inobservado. É a crença que fundamenta nossas inferências sobre as
ações dos indivíduos e, conseqüentemente, somos levados á associar
determinados comportamentos a certos sentimentos que nos leva a associar as
características dos homens a certas ações, e as convicções morais e ações aos
sentimentos tendo como base um princípio de causa e efeito e isso é a sumula do
que podemos descrever sobre nossas inferências causais.
128
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