133
Numa ocasião, quando João Goulart estava na presidência, veio aqui; o boi da
Maioba apresentou-se no Palácio dos Leões; o boi era de Hilário. Em 1960,
chegaram os caminhões, mas era muito caro. Padilha foi quem começou a levar o
boi [para o Palácio] (JESUS, 1999, p. 170).
Outro episódio muito relatado pelos intelectuais que pesquisam o bumba evidenciando
a “aproximação” entre sujeitos celebrantes e classe dirigente local foi a narrativa da dança do
boi no Palácio em 1966. A oradora dessa narrativa foi a Srª Zelinda Lima, ex-secretária da
Empresa Maranhense de Turismo (Maratur) durante o Governo Estadual de João Castelo a
partir de 1971, que também era uma pessoa bastante ligada ao governador José Sarney nos
anos 1960.
A história da dança do boi no Palácio foi contada publicamente diversas vezes em
palestras e congressos pela Srª Zelinda, inclusive no 10º Congresso Brasileiro de Folclore
realizado na cidade de São Luís no ano de 2002. Assim foi transcrita depois de gravada a fala
da Srª Zelinda Lima pela antropóloga Albernaz (2004, p. 45 - 46):
Mas houve um fato muito triste, que foi uma prisão que houve com Leonardo.
Leonardo do boi foi preso, espancado, tomaram o dinheiro todo, aquelas coisas de
polícia, né? Daquele tempo...(...) E ele, por azar da polícia, ele era muito amigo de
Sarney. Sarney freqüentava muito a casa dele. [Sarney] quando soube, transferiu o
delegado e me chamou: „Como é que se acaba isso?‟ „Como é que faz pra dar um
jeito nisso?‟... Então houve uma comitiva de fora, Odylo Costa Filho, uma série de
pessoas. Eu aconselhei que ele convidasse umas brincadeiras pra o Palácio [dos
Leões], né? E aí com isso o governador gostou. Todo mundo gosta, mas fica
calado... Aí começou devagarinho a irem descendo, né? E foi... Foi assim uma coisa
muito. O pessoal de fora aplaudiu muito, tinha fotógrafo, a imprensa de fora. E foi
muito apreciado. Aí começou devagar, toda vez que chegava uma pessoa... Depois
Abreu Sodré, foi governador, era governador de São Paulo, veio aqui também, foi
apresentado várias coisas pra ele. Ele ficou encantado. E aí a coisa foi quebrando, foi
quebrando... Até que acabou mais ou menos... Porque sempre existe uma, ficou,
custou muito a passar essa perseguição policial, custou muito... Eles vinham com
desculpa de pegar arma, porque realmente eles andavam muito armado, né? Então,
até com revólver, toda festa ali na Maioba tinha facada, tinha tiro... Hoje... Eu acho
até que ainda tem, começa a beber... Não dos brincantes, mas das pessoas que estão
assistindo... Tinha muita rivalidade entre os grupos de boi, quando eles se
encontravam, era muita cacetada, terminava em facada, era um desespero. Então isso
foi um trabalho de muitos anos, da gente conseguir desarmar, através de muita
paciência, de muita falação na cabeça deles, de grupo em grupo, toda vez que iam se
apresentar a gente ia lá antes, a gente conversava, ia eu, meu marido... De forma que
foi assim um trabalho muito longo, de muitos anos. Não é coisa que se mude uma
mentalidade, inda mais de agressividade, de um dia pro outro, né?
A narradora conta que com a permissão para o boi se apresentar diante das autoridades
se acabava a discriminação da sociedade perante do bumba e o início de um processo de
inserção da brincadeira na centralidade da cidade, marcando duas mudanças fundamentais que
vieram a facilitar o urrar do boi em São Luís: o fim da perseguição policial e a dissolução da
imagem de um folguedo de bárbaros.