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Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Valéria Piccoli Gabriel da Silva
Figurinhas de brancos e negros:
Carlos Julião e o mundo colonial português
São Paulo
2010
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Valéria Piccoli Gabriel da Silva
Figurinhas de brancos e negros:
Carlos Julião e o mundo colonial português
Tese de Doutorado
apresentada à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo
Área de concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do
Urbanismo
Orientação:
Profa. Dra. Ana Maria de Moraes Belluzzo
São Paulo
2010
4
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
E-MAIL: vpiccoli@usp.br
Silva, Valéria Piccoli Gabriel da
S586f Figurinhas de brancos e negros: Carlos Julião e o mundo
colonial português / Valéria Piccoli Gabriel da Silva. –São
Paulo, 2010.
246 p. : il.
Tese (Doutorado - Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) FAUUSP.
Orientadora: Ana Maria de Moraes Belluzzo
1. Arte figurativa – Portugal – Século 18 2.História da arte
Brasil – Século 18 3.História da arte - Portugal – Século 18
4.Julião, Carlos 1740-1811 I.Título
CDU 7
5
Para José Eduardo Areias, o o,
grande ausência
6
7
Agradecimentos
Inicio essa série de agradecimentos com uma palavra a Ana Belluzzo. Mas ao fazê-
lo, não agradeço apenas à minha orientadora pelo apoio e pacncia, pelas injeções
de entusiasmo e pelos puxões de orelha necessários ao longo do caminho.
Agradeço também a uma pessoa que se tornou, ao longo de muitos anos de
convivência, uma das mais importantes referências pessoais e profissionais na
minha vida, além de uma amizade preciosa. É com imenso carinho e
reconhecimento que deixo aqui meu obrigada a ela, agradecimento que vale por
muito mais do que esse trabalho representa.
Da mesma forma, quero registrar aqui minha gratidão a três pessoas sem
cujo apoio esse trabalho jamais seria possível: Carlos Martins, Ivo Mesquita e
Marcelo Araújo. Além da generosidade com que me permitiram conciliar o
programa de doutorado com minhas atividades funcionais, é preciso reconhecer o
papel fundamental que eles tem desempenhado no decorrer da minha vida
profissional. Em diferentes momentos, sempre tive o privilégio de ter pelo menos
um deles por perto e é difícil dizer sem ser clico quanto o comprometimento, a
excelência e o afeto que empenham em tudo o que fazem tem me inspirado por
esses anos afora. Serei sempre grata por todas as oportunidades que me
proporcionaram e pela alegria de poder contar com eles no rol dos amigos
próximos.
E falando de vida profissional, agradeço a todos os meus colegas da
Pinacoteca do Estado de o Paulo, e de modo especial aos meus companheiros do
Núcleo de Pesquisa em Crítica e História da Arte: Ana Paula Nascimento, Dgenes
Moura, Juliana Ripoli, Taisa Palhares, Regina Teixeira de Barros. Nas diferentes
etapas deste trabalho, dividi com eles muitos momentos de apreensão e alegria,
ouvindo sempre palavras de carinho e incentivo.
Minha gratidão vai também para Beatriz Siqueira Bueno e Claudia Valladão
de Mattos, que com extrema delicadeza e companheirismo me auxiliaram
literalmente a colocar o bonde nos trilhos num exame de qualificação decisivo. Um
muitíssimo (bem superlativo!) obrigada fica aqui para Luciano Migliaccio e Ana
Cavalcanti, por o terem economizado esforços quando precisei da ajuda deles.
8
Agradeço ainda a Ermelinda Pataca, que me auxiliou com as questões mais
científicas desse trabalho, assim como a Antonio Wilson de Souza, pela gentileza
de me enviar uma cópia da sua tese de doutorado defendida na Universidade do
Porto.
Foram muitas as pessoas com quem pude contar nas diversas instituições e
coleções privadas consultadas para a constrão deste trabalho. Agradeço aqui em
especial à gentileza de Maria Inez Turazzi e Maurício Ferreira (Casa Geyer / Museu
Imperial, Petrópolis), nica Carneiro Alves (Fundação Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro), Cristina Antunes (Biblioteca José Mindlin, o Paulo), Paulo Garcez
Marins (Museu Paulista da USP), Débora Mendes (Instituto Ricardo Brennand,
Recife), à família de Cândido de Paula Machado, bem como aos funcionários do
Instituto de Estudos Brasileiros, das bibliotecas da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo e do Museu Paulista, todos da USP. Meu muito obrigada também aos
que me receberam e orientaram meus caminhos de pesquisa na Academia de
Ciências de Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Hisrico Militar,
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Gabinete de Estudos Arqueológicos de
Engenharia Militar, Biblioteca Nacional de Portugal e Fundação Oriente.
Pois sim, tive o privigio de passar um período ainda que curto em Lisboa.
E para abrir esta etapa dos agradecimentos, gostaria de dizer que eu bem precisaria
escrever outras duzentas páginas para enumerar o que este trabalho deve ao Prof.
Rafael Moreira, da Universidade Nova de Lisboa. Dizer da maneira afetuosa com
que me recebeu, de toda a atenção que me dispensou, dos agradáveis passeios, de
tudo o que aprendi com ele sobre “arte colonial portuguesa” e sobre a presença
lusa pelos quatro cantos do mundo é quase nada, pois isso foi o começo. Ele me
sugeriu ainda imensa bibliografia, me chamou a atenção para os azulejos de “figura
avulsa”, me apresentou Francisco de Holanda e o códice da Biblioteca Casanatense,
me forneceu imeros caminhos de pesquisa. Digo isto com toda a certeza de ter
esquecido muito pelo caminho! O fato é que minha gratidão por ele é, e será
sempre, imensa.
Agradeço da mesma forma ao Prof. Miguel Figueira de Faria, da
Universidade Autónoma de Lisboa, pela acolhida amistosa, pelas preciosas
sugestões e as rias questões desafiadoras que me apresentou e que tanto me
9
ajudaram na estruturação deste trabalho. Também por, de maneira tão generosa,
ter me apresentado a tese de Maria Manuela Tenreiro.
Ainda com relação ao período em Portugal, meu obrigada aos queridos
Cláudio e Irene Buarque pelo indispensável afeto. E também ao melhor dos amigos
que alguém pode ter em Lisboa: Pedro Mira, para quem dirijo o um, mas muitos
agradecimentos, dos mais especiais que possam existir. Sem ele por perto, minha
estadia não teria tido a mesma graça!
E por falar em amigos, agradeço ao Rafael Cardoso por várias palavras de
incentivo proferidas aqui e ali, entre divertidas conversas, infelizmente sempre
breves. E também por ter sido o primeiro a me falar do trabalho do Prof. Miguel
Faria. Ao Renato Palumbo, agradeço, além da amizade de muitos anos, um café
numa certa tarde na rua Maranhão, que me ajudou enxergar de modo diferente
uma situação que me parecia sem solução. Vo não sabe o que fez por mim
naquele dia! E, por fim, àquele time infalível dos amigos que nunca desertam (e
ajudam sempre que podem!): Karla Battistella (com um obrigada à cima
potência), Gabriela Celani, Flavia Galli Tatsch, Mila Chiovatto, Ana Cristina
Aaltonen, Carla Zaccagnini, Anny Lima, Renato Cymbalista, Marcos Marcelino.
Um super obrigada fica também para Julia Kovensky, sempre a postos para
aquela ajuda preciosa e mais que necessária dos últimos meses. E à sempre
impecável Mariana Nakiri, bem como ao sempre presente Carlos Martins, pelas
muitas ajudas de última hora.
Os últimos agradecimentos o ficam por último à toa. Certamente porque
se estendem a outros aspectos da vida, ultrapassando em muito os limites deste
trabalho. O primeiro e mais profundo deles é para os meus pais, Amélio e Maria
Amália, cujo apoio ilimitado me possibilitou seguir pela vida sem maiores
exigências, ao sabor de escolhas próprias, nem sempre convencionais e muito
menos óbvias. Bem sei que este é um privilégio de poucos! Ainda no âmbito
familiar, agrado aos meus tios Terezinha e Vanderley, com quem sei que sempre
posso contar, e à Maria Tereza, minha prima-irmã, mais irmã que prima, cujo
entusiasmo e alegria o uma constante inspiração. Agradeço também à torcida de
todos os membros da família.
10
Esse trabalho é dedicado a José Eduardo de Souza Areias, o Dão, amigo
caro, que deixou o mundo um pouco mais triste desde que ele se foi. É em
meria dele toda a alegria que estiver nessas páginas.
11
Resumo
Carlos Julião (1740-1811) é um militar de origem italiana a serviço do exército
português a quem são atribuídos documentos iconográficos conservados em
coleções brasileiras e portuguesas. Na medida em que esses documentos
incorporam representações de tipos sociais provenientes de rias partes do mundo
colonial portugs, eles ultrapassam o campo estrito do desenho militar e ganham
um novo interesse para os estudos da História da Arte. Especialmente no caso do
Brasil, as figurinhas desenhadas por Julião precedem o registro dos tipos sociais
operado pelos artistas viajantes do século XIX.
Este trabalho visa examinar a obra de Julião sob pontos de vista diversos, na
tentativa de entendê-la dentro do contexto histórico em que se situa. Dessa forma,
recorre-se à reconstituição da trajetória biográfica do autor, ao exame da prática do
desenho em Portugal no Setecentos, bem como ao estabelecimento de relações
com tradições da representação em vincia na arte européia. Em última instância,
esta tese buca encontrar para Julião um lugar no contexto da História da Arte no
Brasil colônia.
Palavras chave
Carlos Julião (1740-1811)
Viajantes – Brasil – século XVIII
Arte figurativaPortugal – século XVIII
História da Arte – Portugal – século XVIII
História da Arte – Brasil – século XVIII
12
Abstract
Carlos Julião (1740-1811) is an Italian born military man, serving under the
Portuguese Army. He is supposed to be the author of iconographical documents
preserved in Brazilian and Portuguese collections. Once those documents are
related to the depiction of social characters from different Portuguese colonies, all
over the world, they go beyond the specificity of the military drawing, reaching an
interesting status as Art History. Concerning Brazil, specifically, the human figures
by Julião are far ahead the social types depicted by the traveler-artists of the 19th
century.
The present work intends to examine the oeuvre of Carlos Julião under several
points of view, with the aim of understanding it within its historical context.
Concerning such approach, the reconstitution of the artist biography has been
searched, the use of the drawing in Portugal during the 18th century has been
examined, as well as possible relations linking his work to representational
traditions of European art. Ultimately, this thesis searches to place Julião within
the History of Art in colonial Brazil.
13
Lista de abreviaturas
ACL – Academia de Ciências de Lisboa
AHM Arquivo Histórico Militar, Lisboa
AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa
ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, São Paulo
FBN – Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
FO – Fundação Oriente, Lisboa
GEAEM – Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa
IEB Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo
IRB – Instituto Ricardo Brennand, Recife
MP Museu Paulista da USP, o Paulo
14
15
Índice
Introdução
…………………………………………………………
3
Capítulo 1
11
A figuração do espaço colonial……………………………...
11
Figurinhas de brancos e negros: um álbum de tipos brasileiros
28
As figurinhas na pintura ……………………………………….
56
Capítulo 2
73
Origem e formação………………………………………..
75
Início de carreira no exército…………………………….
79
Embarque para os Estados da Índia ……………………….
87
O retorno a Portugal e a busca de reconhecimento …………..
92
O Arsenal Real do Exército …………………………………
97
Capítulo 3
117
O desenho nas Academias ………………………………..
118
Aulas de desenho …………………………………………….
121
O desenho e a História Natural ………………………………….
124
Capítulo 4
133
O traje no momento da diferenciação dos costumes …………….
133
A figura e o lugar ………………………………………………...
142
Conclusão
…………………………………………………………
155
Bibliografia
…………………………………………………………
161
16
Apêndice
177
Anexos
191
Anexo 1 – Arquivo Histórico Militar ……………………….
193
Anexo 2 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo…….............
215
Anexo 3 – Arquivo Histórico Ultramarino………………..
231
Anexo 4 – Biblioteca Nacional de Portugal……………….
241
2
INTRODUÇÃO
3
Introdução
Muitas vezes, as portas de entrada de um trabalho acadêmico o bem distantes das
de saída e, nesse sentido, o presente trabalho é bastante exemplar. O ponto de
partida desta tese foi Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Sua Voyage pittoresque et
historique au Brésil (1834-1839) foi objeto de análise da Dissertação de Mestrado que
apresentei à FAU-USP em 2001, intitulada A pátria de minhas saudades: o Brasil na
Viagem pitoresca e histórica de Debret. Naquela ocasião, elaborei uma reflexão em
torno do livro que pretendeu ultrapassar a discussão da veracidade (ou o) de seus
registros, do caráter documental ou enganoso de suas imagens e do texto. A
Dissertação tinha como objetivo primeiro entender o que diferenciava o livro de
Debret das publicações ditas de “viagens pitorescas”, que tipo de narrativa histórica
(resultante da confluência de texto e imagem) o autor tinha em mente ao escrevê-lo,
e, finalmente, que imagem do Brasil emergia do livro.
Como é de conhecimento geral, grande parte da iconografia que integra o
livro de Debret contempla os personagens urbanos e as cenas de rua identificadas
com o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro no peodo joanino e do primeiro
Império. No desenvolvimento do trabalho, me deparei com hipóteses de que as
gravuras de Debret dos tipos urbanos cariocas seriam tributárias de ilustrações de
outros artistas que lhe são contemporâneos
1
. O presente estudo nasceu,
primeiramente, do interesse por averiguar essas afirmações e avaliar sua
pertinência.
A tarefa de compilar imagens de interesse para este trabalho empreendida a
partir de então me levou a um autor ainda um tanto obscuro do ponto de vista
historiográfico
2
: o italiano Carlos Julião, oficial do exército português, ativo na
segunda metade do culo XVIII. O caráter precursor de seu trabalho bem como
1
Naves (1997:96) e Belluzo (1994: v.3, 90), por exemplo, sugerem que as cenas de costumes
de Debret seriam tributárias dos tipos urbanos desenhados pelo militar de origem
portuguesa Joaquimndido Guillobel (1787-1859).
2
Destacamos, nesse contexto, a importância das recentes publicações da Prof. Silvia
Hunold Lara citadas na bibliografia, assim como a Tese de Doutorado de Maria Manuela
Tenreiro defendida na Universidade de Londres em 2008.
4
seu quase ineditismo para a historiografia da arte no Brasil justificam-no como
objeto desta tese. A ele o atribuídas duas peças cartográficas conservadas em
coleção portuguesa, um álbum de aquarelas na Fundação Biblioteca Nacional, no
Rio Janeiro, e, mais recentemente, duas pinturas pertencentes ao Instituto Ricardo
Brennand, no Recife. As obras atribuídas a Julião se caracterizam pela presença de
“figurinhas”, ou tipos humanos, que comparecem associados à representação
cartográfica ou organizados em álbum.
Um fato a destacar com relação às figurinhas de Julião é a precocidade na
prática do registro dos “tipos”, tendo em conta o contexto brasileiro. Cabe
esclarecer que, pelo termo “tipos”, refiro-me à representação isolada de uma figura
humana composta a partir da reunião de certos atributos que a tornam exemplar de
um determinado grupo social. É conhecida a imporncia que esta prática adquire
para a constituição, no século XIX, do nero do costumbrismo (palavra que
emprestamos ao espanhol em falta de tradução adequada em português), nero
este popularizado pela literatura de viagem. E, de fato, os tipos brasileiros
desenhados por Julião antecedem em anos aqueles presentes nas primeiras
publicações de livros de viagem ao Brasil.
Diante disso, uma primeira questão se apresentou ao trabalho: em que
medida Julião pode ser considerado iniciador da representação de tipos sociais
tendo em vista a arte no Brasil? Por outro lado, a particularidade de tratar-se de um
militar desafiava o trabalho a responder ao menos outras duas indagações: que
características específicas a formação militar confere ao seu trabalho iconográfico?
Sendo militar, como se relacionava com tradições de um gênero artístico?
Esta tese expressa a busca de respostas a estas perguntas e a outras mais
que o trabalho foi suscitando. A obra de Julião se constitui como um híbrido de
tradição cartográfica e observação da sociedade. A “planta”, o “perfil” e o
“prospecto” se acham
no campo das compencias dos militares do Setecentos português, e, à primeira
vista, a presença das figurinhas nesse contexto causa um certo estranhamento.
Salvo pela comparação com os figurinos militares, nero o difundido no mundo
luso do culo XVIII, os tipos de Julião encontram paralelo nos desenhos de
5
História Natural do mesmo período. É obra de um militar que tangencia um nero
artístico.
Sendo assim, ao longo do texto, optei por não utilizar a palavra “artista
para designar Carlos Julião, valendo-me, ao contrário, do termo luso “desenhador”,
por si tamm diverso de “desenhista”. Essa opção diz respeito ao estabelecimento
de uma diferenciação que julgamos necessária no contexto deste trabalho entre o
“artista” e o “desenhista” advindos de uma formação fundada no modelo das belas-
artes, e o “desenhador”, indivíduo que desenvolveu a habilidade para o desenho
por meio de uma formação instrumental, e que se vale dele no exercício de suas
atividades funcionais. Esse é o caso de Carlos Julião, assim como dos inúmeros
“criadores de imagens” valendo-me da expressão de Miguel Faria (2001:57) do
século XVIII português. Nunca é demais lembrar a inexistência de uma Academia
de Belas Artes em Portugal até 1836, que manteve o ensino do desenho vinculado
ao trabalho oficinal, atrelado à produção das manufaturas e instituões estatais.
Esse assunto será melhor tratado no catulo 3 desta tese.
Isto posto, explicita-se o quanto este trabalho se situa em terreno instável:
falamos de um contexto em que não existe exatamente um aprendizado “artístico”,
de desenhos que não se adequam às definições correntes de “arte”, de um
desenhador que não pode ser considerado artista, de um oficial do exército
português que é italiano, e que observa os domínios territoriais sob sua guarda, mas
que também lhe são estrangeiros. Por este motivo, os documentos iconográficos de
autoria de Julião pedem necessariamente uma abordagem multidisciplinar, sem o
que seu sentido o pode ser corretamente apreendido.
Ademais, as obras de Julião o paradigmáticas, que representam, em
certa medida, a ponta do iceberg formado pelos inúmeros personagens animos
que são autores de registros visuais sobre o Brasil e que merecem atenção da
historiografia. o é demais salientar que, no segmento referente à contribuição
portuguesa para a iconografia brasileira, muito ainda está por ser feito. De início, é
preciso abordar de modo mais circunstanciado as questões de autoria, determinar
corretamente datações, reencontrar os caminhos das encomendas, ordens de
serviço ou o que quer que tenha motivado a realização desses trabalhos. Em muitos
sentidos, os documentos iconográficos consultados apresentam problemas dessa
6
ordem. E reconheço que, em sua forma final, esta tese sofre um pouco das
indefinões que decorrem deste fato. Foi preciso antes um esforço de
compreensão do que cerca a realização dessas obras para, então, chegar à
elaboração de algumas hipóteses no campo da história das representações.
A construção do texto segue um ritmo de aproximações e distanciamentos.
O trabalho se organiza a partir de tentativas de abordagem do objeto por diferentes
ângulos. Sendo assim,
- o capítulo 1 apresenta o corpus da obra de Carlos Julião referente ao Brasil,
que consiste propriamente no objeto de alise deste trabalho. Busca-se a partir de
uma leitura descritiva das obras decifrar seus enunciados, supor destinatários e, ao
mesmo tempo, avaliar a familiaridade do autor com repertórios de imagens
consolidados;
- o capítulo 2 coteja a documentação encontrada sobre a carreira de Julião
em Portugal com as notas biográficas já publicadas sobre ele, em tentativa de
investigar sua relação com o universo da representação. Procura-se encontrar, por
meio da reconstituição biográfica, testemunhos de sua proximidade com
estabelecimentos do ensino e prática do desenho no contexto do ercito português
no Setecentos;
- o capítulo 3 examina as tradições do desenho em Portugal no século
XVIII, trazendo à discussão elementos sobre seu ensino e prática, com o intuito de
circunstanciar a atuação de Julião frente aos “criadores de imagens”
contemponeos a ele;
- o capítulo 4 propõe alguns paralelos possíveis entre a obra de Julião e
tradições da representação sedimentadas na cultura européia, buscando
compreender como seu trabalho se comporta diante delas;
- por fim, o Apêndice resume as buscas que empreendi pela cultura visual
portuguesa no que diz respeito à representação dos tipos sociais, tentando avaliar
em que medida poderiam ser encontradas fontes visuais para a obra de Carlos
Julião naquele contexto.
7
Esta tese conta ainda com quatro anexos em que se encontram transcritos
os documentos consultados durante a pesquisa realizada em arquivos portugueses.
Ficam, assim, disponíveis para que possam contribuir para futuros estudos.
8
9
CAPÍTULO 1
A obra de Carlos Julião sobre o Brasil:
figurinhas e figurados
10
11
A obra de Carlos Julião sobre o Brasil: figurinhas e figurados
A figuração do espaço colonial
Conhece-se, até o momento, apenas um documento iconográfico assinado por
Carlos Julião (1740-1811), militar de origem italiana a serviço da coroa portuguesa
na segunda metade do século XVIII. Trata-se, conforme atesta a legenda, de uma
Elevasam, Fasada, que mostra em prospeto pela marinha a Cidade do Salvador, Bahia de
todos os Santos na América Meridional aos 13 gráos de Latitude e 345 gráos e 36 minutos
de Longitude, com as Plantas e Prospetos embaixo, em ponto maior de toda a Fortificação
q. defende aditta Cidade. Este prospeto foi tirado por Carlos Julião Cap.m de Mineiros do
Re.to de Artha. da Corte na ocasião que foi na Nao N.Sa. Madre de Ds. Em Majo 1779,
obra conservada no Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar
(GEAEM), em Lisboa [Fig.1].
Elevação e fachada é uma obra composta de três partes, que se distribuem
nos quatro segmentos horizontais em que o papel suporte se encontra dividido. O
primeiro deles, o superior, é ocupado por uma vista em prospecto de Salvador, de
feitio bastante convencional, em que a cidade é representada em perfil tomado do
mar. O desenho põe em evidência o modo como o núcleo urbano se assenta sobre o
relevo natural do sítio. Neste prospecto, são apontados com meros os principais
edifícios e logradouros da antiga capital do Brasil, cada um deles correspondendo a
um item da legenda explicativa que ocupa toda a faixa inferior da prancha,
ladeando o extenso tulo. Tanto Ferrez (1963:38) quanto Reis (2000:316)
consideram que este prospecto de Salvador seja uma cópia do perfil da cidade
levantado por José Antonio Caldas (1725-1782)
3
em 1756, sob orientação do
engenheiro militar Manuel Cardoso de Saldanha. O principal indício deste fato
seria a representação, na Elevação e fachada, da Catedral de Salvador ainda com
duas torres, sendo que uma delas tinha sido demolida em 1756, em decorrência de
um deslizamento ocorrido na Ladeira da Misericórdia. Segundo afirmam ambos os
3
Natural de Salvador, Caldas sentou praça como soldado de Infantaria em 1745. Foi
discípulo de Manoel Cardoso de Saldanha, sob cuja orientação foi treinado nas atividades
de engenheiro militar, sendo-lhe atribuídas obras de fortificação e edifícios religiosos. Foi
professor da Aula Militar da Bahia desde 1761 até o ano da sua morte.
12
Fig. 1 – Carlos Julião. Elevasam, Fasada, que mostra em prospeto pela marinha a Cidade do Salvador...,
1779. Grafite, tinta e aquarela sobre papel.
Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa (Cota 4756-3-38-52)
13
historiadores, o levantamento de Caldas foi amplamente copiado por diversos
outros autores durante todo o século XVIII.
No segundo segmento, por sua vez, encontra-se representado o sistema de
defesa da cidade, com seus oito fortes e duas baterias desenhados
concomitantemente em planta e elevação, sendo as duas baterias representadas
superpostas ocupando o nicho central do segmento. Os desenhos são
acompanhados de legenda explicativa, que detalha o posicionamento geográfico de
cada forte, assim como o respectivo calibre de sua artilharia, conforme as legendas
abaixo:
I. Forte de S. Bartholomeu da Passagem Situado no Rio Pirajá distante da Bahia
huma Legoa, a sua Artilharia são oito peças de Ferro, p. Saber hum de Calibre
doze; huma de Calibre oito, seis de Calibre seis.
II. Forte de S.o Antonio da Barra da Cid.e da Bahia. Este Forte defende a porta da
Barra que entra para a Bahia, a sua Art.a são 16 peças 8 de Bronze a saber duas de
Calibre 26, quatro de 16m e duas de 19. As outras oitoo de Ferro de Calibre 36.
III. Fortinho de Santa Maria. Este Fortinho he situado ao Norte do Forte de
S.Ant.o da Barra hu tiro de Peça defende hum bemposto na Barra apto para
dezembarque a sua Art.a he de Ferro de Calibre 24, e 18.
IV. Fortinho de S.Diogo. Situado ao Norte do Fortinho de S.a Maria hum tiro de
mosquete, entre estes dois Fortinhos está o porto Ira da Barra, a sua Art.a são
sinco Peças de Ferro, a saber três de Cal.e 10, e duas de Cal.e 8.
VI. Battaria de S.Paulo. V. Battaria da Ribeira. Estas Batt.as cruzão os seus tiros
com a For.a do Mar são, a melhor defença da Bahia. VI. a sua Art.a são 19 Peças de
Ferro de Cal.e 24. V. a sua Art.a são 2 Peças de bronze hua de Cal.e 14 outras de 12
tem mais 30 peças de Ferro a saber 18 de 26, des de 18, e duas de 8.”
VII. Fortaleza do Mar. Esta Fortaleza está edeficada dentro do Mar afastada da
Terra dois tiros de Mosquete a sua Art.a de Bronze, de Calibre 24, 18, 16, e 8 e a de
Ferro, e de Calibre 40, 36, 26 e 18.
VIII. Fortinho de S. Francisco. Situado no Centro da Povoação da Marinha da
Cid.e da Bahia, he defectuozo e sem defença pellos edeficios q’ lhe avanção
lateralm.te. A sua Art.a são 7 Pas de Ferro, a saber duas de Cal.e 12, duas de 10, e
três de Cal.e 6.
14
IX. Fortinho de S.o Alberto. Situado junto a caza de Noviciado q’ foi dos Jezuitas,
este Fort.o he defectuozo, tende aliar a Marinha, neste lugar necessidade de
[deforça?]. A sua Art.a o 7 Peças de Ferro, a saber duas de Cal.72, três de 10, e
duas de 8.
X. Fortinho de Monsarate. Situado na ponta do norte, [ensima?] com a Penisula,
norte, sul com o Forte de St.a Maria, q’ fica na ponta do Sul, na [...] q’ forma esta
linha está colocada a Cid.e da Bahia, e seus subúrbios. A sua Art.a he de Ferro de
Cal.e 18, e de 12.
Consideradas, portanto, em conjunto, as duas partes que compõem a
metade superior da prancha de Julião constituem uma tipologia de representação
bastante condizente com o universo dos registros visuais de caráter militar,
abundantes na produção iconográfica setecentista relativa ao Brasil. O desenho
serve aqui a demonstrar o domínio sobre o território: o perfil da cidade evidencia a
ocupação do sítio, aponta a presença de tais e quais instituições civis e religiosas,
índice do grau de desenvolvimento do núcleo urbano; o registro dos fortes, por
outro lado, dá a ver os recursos disponíveis para a manutenção deste donio.
Estamos diante do que Belluzzo chama de um desenho finalista, instrumental, que
“não deixa fluir o imaginário (...) e serve à construção da vida real (Belluzzo
1994:3,49).
O terceiro dos segmentos horizontais que compõem a prancha da Elevação e
fachada, porém, marca um diferencial da obra de Julião no âmbito da produção
iconográfica de cunho militar. Os cinco compartimentos em que é dividida esta
seção da obra encerram representações de figuras humanas, protótipos dos tipos
urbanos que serão largamente difundidos pela prodão costumbrista dos artistas
viajantes do século XIX.
As figuras representadas na prancha de Julião correspondem, grosso modo,
a duas senhoras brancas, duas figuras de escravos (sendo um negro com jarro de
barro na cabeça e uma negra carregando um tabuleiro de frutas), além de um grupo
central, em que dois escravos carregam uma senhora branca numa cadeirinha
4
,
4
Este será, aliás, um dos picos visuais mais recorrentes na iconografia dos viajantes do
Oitocentos.
15
acompanhados por um cavalheiro que lhes indica a direção a seguir
5
. As figuras o
identificadas com as seguintes legendas:
1. Modo de trajar das mulatas da cidade da Bahia
2. Preto que vende leite na Bahia
3. Carruagem, ou cadeirinha em que andão as senhoras na cidade do Salvador da
Bahia de Todos os Santos
4. Mossa dançando o landú de bunda a cinta
5. Traje das pretas minas da Bahia quitandeiras
O que nos parece mais evidente numa primeira abordagem desses desenhos
é a falta de autonomia da imagem. Ou seja, ela não prescinde do texto, de que é, ao
contrário, uma ilustração. O observador recorre primeiro à legenda para saber de
que personagem se trata, para, daí, deduzir da imagem os atributos que o
definem como tal.
Tendo em vista esta complementaridade entre texto e imagem, convem
atentar para a importância da vestimenta de cada personagem como o principal
indicador identitário da figura, seja no que diz respeito à raça, condição social,
contexto cultural ou mesmo atividade desempenhada no quadro da sociedade que
se observa. A mulata da Bahia, por exemplo, se define aqui como uma nativa das
Américas de sangue africano menos pela cor da pele que pelo seu modo de trajar.
O preto vendedor de leite não tem sua condição escrava mencionada na legenda,
embora esteja descalço e tenha as roupas em farrapos, o que sabemos ser indícios
suficientes para definir um cativo. No grupo central, fica evidenciado o refinamento
que cerca a figura da “senhorada Bahia, seja do ponto de vista da cadeirinha em
que é carregada (de madeira entalhada, com dourão e adornos), seja de sua
própria vestimenta (que se insinua por trás das cortinas mais sofisticada que a dos
demais personagens), ou mesmo dos negros que a carregam, vestidos com esmero,
embora descaos. Não pode passar despercebido que o fato de estar sendo
5
Dos personagens representados, três correspondem exatamente a tipos que constam do
álbum Riscos iluminados ditos de figurinhos de brancos e negros dos usos do Rio de Janeiro e Serro
do Frio, obra atribuída a Carlos Julião, de propriedade da Fundação Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro, como veremos adiante. Este fato naturalmente põe em dúvida o fato de as
figuras do panorama de Salvador serem mesmo provenientes da Bahia, ou, pensando pela
via contrária, se os tipos do álbum da Biblioteca Nacional representam exclusivamente os
usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio, como atesta o título.
16
carregada e acompanhada é também índice claro de que se trata de uma sociedade
que concede privilégios a certos indivíduos em detrimento de outros, organizando-
se, portanto, hierarquicamente. A figura seguinte é designada apenas como uma
“mossa” que dança (embora pareça estática na imagem), sem que nos seja
especificada sua raça ou classe social. Contudo, o fato de dançar o lundu, dança de
origem africana, pode ser tomado como um sinal de que a personagem tenha de
fato ascendência africana, ou, ao menos, que as manifestações desta cultura lhe
sejam familiares
6
. Por fim, nos é apresentado o traje das pretas Minas da Bahia”,
em que se distingue a presença da “bolsa de mandinga” pendurada à faixa na
cintura, bem como das escarificações no rosto, que Julião desenha com grande
atenção
7
.
Ainda que saibamos tratar-se de tipos que pertencem a e se movimentam
dentro de um contexto urbano, nada em sua representação é indício claro disso,
nem mesmo a pequena porção de chão que os suporta. A associação ao contexto
urbano se dá na leitura geral do documento, que relaciona as figuras humanas à
ocupação e defesa do território. Essas figuras foram, ademais, recortadas e coladas
sobre o atual suporte, o que pressupõe ter havido, por parte do autor, uma seleção
e um propósito na maneira de dispô-las na prancha.
De fato, é de se notar que os tipos escolhidos e dispostos pelo desenhador
no suporte revelam aos olhos contemponeos aspectos fundamentais para o
entendimento de questões estruturantes da sociedade brasileira colonial.
Naturalmente, ganham relevo de imediato os aspectos relativos à cultura material,
expressa nos tecidos e na maneira de arranjá-los sobre o corpo, nos penteados e
adornos, nos utensílios, meios de transporte, etc. Por outro lado, ficam evidentes
também uma hierarquia social que se reporta à gradação de cor da pele, a
incidência do trabalho braçal sobre o elemento africano, bem como o alcance da
influência de tradões africanas em outros segmentos sociais que não apenas os
escravos. Ao representar a cidade de Salvador, o que Julião torna visível é,
6
Tenreiro (2007) entende que essa personagem seja uma mulher branca, européia, e que o
fato de dançar o lundu seja um índice de que a cultura africana permeia todos os níveis da
sociedade colonial. Da mesma forma, a autora julga que Julião tinha consciência deste fato
ao escolher representá-la, formando, nesta prancha, um quadro representativo das “castas”
da Salvador do século XVIII.
7
Lara (2002) e Tenreiro (2007) entendem a presença da bolsa de mandinga como um índice
de resistência cultural de certas etnias africanas no Brasil.
17
portanto, uma típica organização de colônia: uma sociedade hierarquizada, que faz
conviver etnias e culturas diversas e é mantida como tal por ões de controle e
domínio sobre o território.
No mesmo arquivo português, existe ainda outro documento que, embora
não assinado, pode ser atribuído ao mesmo autor da Elevação e Fachada [Fig.2]
8
.
Sua configuração geral é bastante semelhante ao anterior, sendo também dividido
em quatro segmentos horizontais, embora, neste caso, os prospectos de cidades
ocupem uma área bem menor, apenas as duas faixas superiores. Ali, estão
desenhadas vistas tomadas do mar de quatro cidades de possessão portuguesa na
Ásia, América e África, conforme indicam as seguintes legendas:
1. AB. Configuração da Entrada da Barra de Goa. N
o
.1
o
. fotaleza de Agoada, N
o
.2
Forte dos Reys, N
o
.3 Nossa Senhora da Piedade.
2. BC Prospeto que mostra a Praça de Dio vista da parte do mar em distancia de
meya legoa. No.4 a Fortaleza de Dio, No.5 Entrada da Barra.
3. CD Configuração que mostra a Entrada do Rio de Ianeiro em distancia de meya
legoa ao mar. No.6 Na. S.a de Copacabana, No.7 o Pão de Assucar, No. 8
Fortaleza de S.a Crus.
4. DE Prospeto que mostra a Ilha de Mozambique estando no seu Porto. Tem esta
Ilha 850 braças de comprido, e 120 na mayor largura. No.9 a Fortaleza da d.a, he
goarnecida com 40 peças de Bronze, e 20 de Ferro.
Julião se vale novamente do recurso do registro em perfil das cidades,
assinalando no desenho os fortes que guarnecem seus sistemas de defesa. A única
exceção é o perfil do Rio de Janeiro, em que não vemos propriamente a cidade, mas
a entrada da baía de Guanabara, onde, am dos fortes de Copacabana e Santa
Cruz, ganha destaque a pedra do Pão de Açúcar, a funcionar como marco
sinalizador no relevo. É fundamental notar a maneira como Julião dispõe as vistas
unidas como se fossem a representação de um mesmo território, ainda que
saibamos tratar-se de cidades geograficamente muito distantes. A vista em perfil,
ademais, liga-se à prática da navegação, enfatiza a condição do território observado
de longe, do risco tomado em alto mar. Associa-se à visão daquele que se ocupa do
8
Note-se, contudo, uma expressiva diferença na caligrafia das duas pranchas, sendo a da
Elevação e fachada mais próxima à letra cursiva que se vê nos documentos assinados por
Julião.
18
Fig. 2 – Carlos Julião (atribuído a). Configuração da Entrada da Barra de Goa..., sem data (c.1779).
Grafite, tinta e aquarela sobre papel.
Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa (Cota 4757-38-3-52)
19
que Murilo Marx chama de binômio do defender-se e do aportar(Marx 1996), que
orienta a lógica de ocupação portuguesa na Arica.
A essas duas faixas superiores, seguem-se outras duas em que nos são
apresentadas dezenove figuras humanas, algumas isoladas, outras em grupos. Esses
tipos estão identificados pelas seguintes legendas:
1. Ermitão pedindo esmola
2. Preta com taboleiro de doce e gorgoleta de agoa
3. As pretas do Rozario
4. Rede em que se transportao os Americanos para as suas chácaras, ou fazendas
5. Preta que leva o jantar na cuya
6. Moça dançando o landu de bunda a cinta
7. Mulata recebendo carta por sua Sen.a
8. Trajem das mulheres salvagems
9. Traje das nhonhas de Macao
10. Gentio de Goa no traje ordinário
11. Gentio de Goa trajado de gala
12. Bayé de Goa com traje Bramine
13. Baye de Goa de Casta Chardos
14. Farás de Mancilla mostrando o sol da Índia
15. Tapuyas já domesticados
16. Mistissa soministrando canja
17. Traje dos Chinas de Macao
18. Baye com dois caloens de agoa
19. Canarim q.e vai tirar a surra do coqueiro
O que de imediato diferencia esta prancha daquela analisada anteriormente
é que não a divisão em compartimentos onde as figuras estão contidas. Aqui elas
são apresentadas em fila, como num desfile, o que nos permite fazer um paralelo
com os perfis das cidades, desenhados num contínuo. Em conjunto, essas imagens
evocam a extensão do domínio português sobre uma diversidade de territórios e
povos pelo mundo, na medida em que reúnem dois pontos de colonização lusa na
Ásia (Goa e Diu), um na África (Moçambique) e um na Arica (Rio de Janeiro),
combinando-os a tipos humanos procedentes dessas e de outras regiões não
representadas. Naturalmente, está implícita uma certa operação de nivelamento – se
20
é que o termo é conveniente nesse contexto que, em sua variedade, expressa
nas vestimentas e adornos, os personagens se equivalem, pois vivem sob as mesmas
regras de um governo português. Todos esses territórios e todos esses povos estão
unidos. E tudo isso é Portugal.
Nesse rol de tipos humanos, Ferrez (2000) identifica como sendo
provenientes do Rio de Janeiro as figuras de meros um a oito, que compreendem
toda a faixa superior do “desfile”, mais a índia selvagem que inicia o segmento
inferior. Tenreiro (2007) considera significativo que todos os tipos da faixa
superior sejam brasileiros, porém o necessariamente de uma mesma região, e
que os outros brasileiros representados na parte inferior sejam apenas os indígenas:
uma selvagem e um casal Tapuia “domesticado”
9
.
Mais uma vez, atentemos para a seqüência em que os tipos são dispostos na
obra uma vez que, como Elevação e fachada, todas as figuras foram recortadas e
coladas sobre este novo suporte. Deste ponto de vista, é curioso notar como as
figuras de brasileiros no segmento superior o apresentadas de modo a sugerir
uma certa simetria: um casal na extrema esquerda, um à direita; de ambos os lados
uma figura feminina, uma negra e uma branca, ambas com um dos braços
levantados a a altura da cabeça; ocupando o centro, dois negros que carregam
uma rede, o que permite também estabelecer um paralelo com o grupo central da
prancha que contem o perfil de Salvador.
Na faixa inferior, Tenreiro (2007) também nota uma intenção de simetria na
disposição das figuras. A autora chama a atenção, por exemplo, para uma possível
correspondência entre aquelas que ocupam as extremidades da faixa, a índia
selvagem do Brasil e o Canarim” habitante de Karnataka (ou Canara), situada ao
sul de Goa –, ambos tipos representativos de etnias que não habitam o espaço
urbano. Podem ainda ser tomadas como figuras emblemáticas de resistência à
colonização, sempre segundo a opinião da autora,que os Canarim continuavam a
professar a religião hindu, rejeitando o Catolicismo, de modo análogo aos nativos
brasileiros, que, além disso, recusavam a submissão à condição da escravatura. À
direita da selvagem do Brasil, Julião nos apresenta uma “Nhonha”, termo que
9
Das figuras de brasileiros, todas apresentam certa correspondência com as ilustrações dos
Riscos iluminados, algumas de maneira mais imediata, como é o caso do casal de tapuias,
outras com alguma variação no traje ou na postura corporal.
21
designa uma dama de Macau, que teria como correspondência na lateral direita o
chinês e a mestiça da mesma região, respectivamente a terceira e quarta figuras da
direita para a esquerda. Na seqüência, vemos quatro personagens de Goa: duas
“Baye”, ou mulheres, ambas representantes das mais altas castas indianas
Brâmane e Chardos e duas figuras masculinas, os “gentios”, um vestido de gala,
outro em seu traje ordinário. Ocupando uma posição próxima do centro, o
personagem designado como Fas de Mancillaé o representante da mais baixa
das castas indianas, que se ocupa dos trabalhos que todas as outras se recusam a
fazer. A legenda que o identifica não apenas aponta seu lugar na hierarquia social,
como também caracteriza sua função: carregador de mancilla, ou palanquim. Como
uma última sugestão de correspondências, é possível ainda relacionar o “Fas” ao
grupo central do segmento superior, cuja ocupação também é transportar outras
pessoas, nesse caso, numa rede.
Entretanto, o é demais destacar que essas são tentativas de aproximação
de uma suposta lógica que teria orientado o desenhador na organizão das
pranchas, e essas leituras podem ser lidas ou não. Acima de tudo, importa evitar
que se busque nas obras ressoncias de discursos pré-existentes, assim como
encarar com reservas o parti pris de que o desenho corresponde sempre ao que se
tem diante dos olhos. O fato é que Julião executa uma composição e o é certo
que houvesse na operação de combinar esses tipos nenhuma intenção narrativa, ou
mesmo que ele tivesse consciência de tudo o que se expressa por meio do seu
desenho para a visão contemporânea, instrumentada pelos estudos
antropogicos.
Ao menos no caso das figurinhas de tipos brasileiros, Julião retoma motivos
que tinham sido explorados por estrangeiros antes dele. Um caso bastante óbvio
é o da “mulher salvagem” representada na Configuração da entrada da barra..., uma
visão quase arquetípica da indígena brasileira que, naturalmente, não pode ser
tomada como registro de um fato visual. O desenho de Julião nos remete às
ilustrações das cartas de Américo Vespúcio publicadas no século XVI, nas quais os
índios americanos eram representados esquematicamente com penas ao redor dos
quadris e da cabeça, segurando arcos e flechas [Fig.3], assim como a certas figuras
alegóricas da Arica inseridas em cartuchos de mapas.
22
Da mesma forma, o tema da mulher sendo carregada na rede fazia parte
do reperrio de imagens sobre o Brasil desde, pelo menos, a presença holandesa
no nordeste do país no Seiscentos. É o que podemos verificar, por exemplo, no
desenho nr.104 do Thierbuch
10
de Zacharias Wagener (1614-1668) [Fig.4]. Ainda no
contexto do Brasil Holandês, o mesmo tema surge reelaborado em linguagem
decorativa da Manufatura Gobelins na tapeçaria Os dois touros [Fig.5], que alude à
presença africana junto aos engenhos de açúcar em Pernambuco.
É bastante evidente que tanto a Elevação e fachada quanto a Configuração da
entrada da barra de Goa se organizam, do ponto de vista compositivo, a partir de
uma mesma operação: a superposição de recortes de figuras humanas a vistas
topográficas. O principal efeito desta operação es em promover uma direta
identificação entre as figuras e aquele lugar”. No que diz respeito aos próprios
personagens, reforça-se nesses desenhos a idéia de um “tipo”, figura que é
composta a partir da reunião de certos atributos que tornam visualmente
reconhecível um determinado grupo social. Pensando estritamente em termos
desses meios de representação, o nos trabalhos de Julião grande inovação.
Tanto a constituição do tipo, quanto a associação entre o tipo e o lugar fazem
referência a tradições visuais bastante difundidas na arte européia, notadamente na
cartografia e na literatura de viagem, desde, pelo menos, o século XVI. Teremos
oportunidade de voltar a esse assunto no capítulo 4 deste trabalho. Por ora,
gostaríamos de sugerir uma aproximação entre as obras de Julião e o conhecido
Mapa do Brasil sob domínio holandês [Fig.6], de autoria do geógrafo, astrônomo e
botânico Georg Marcgraf (1610-1644).
Assim como o Thierbuch, o mapa de Marcgraf integra a excepcional rie
10
O álbum de aquarelas de Wagener, de propriedade do Kupferstich-Kabinett de Dresden,
Alemanha, resulta de uma estadia de sete anos no Brasil a serviço da Companhia Holandesa
das Índias Ocidentais. Contem 110 ilustrações que abrangem temas como os organismos
aquáticos, aves, plantas, animais terrestres, figuras humanas, paisagens, mapas e cenas de
costumes, muitas das quais copiadas dos Libri Principis de Albert Eckhout. Todas as
ilustrações são acompanhadas de comentários. Reproduzimos a seguir o comentário da
prancha nr.104: Desta forma deixam-se transportar, por dois fortes escravos, à casa de
amigos ou à igreja, as esposas e filhas de ilustres e ricos portugueses; penduram sobre varas
os bonitos tapetes de veludo ou damasco, a fim de que o sol não as queime muito forte.
Também trazem atrás de si uma variedade de lindos e saborosos frutos como presente
àqueles a que querem visitar.” (Teixeira 1997).
23
Fig. 3 – Autor desconhecido. Mundo novo,
c.1505
Xilogravura e aquarela sobre papel
Ilustração da carta Mundus novus de Américo
Vespucci (Augsburg). New York Public
Library, Nova York
Fig. 4 – Zacharias Wagener. Sem título, 1634-
1641
Aquarela sobre papel
Ilustração de Thierbuch. Kupferstich-Kabinett,
Dresden
Fig. 5 – Manufatura Gobelins. Os dois touros,
c.1723
Tapeçaria (série Anciennes Indes)
Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand, São Paulo
24
Fig. 6 – Georg Marcgraf. Mapa do Brasil sob domínio holandês, 1647
Tipografia, buril e aquarela sobre papel
Acervo Fundação Estudar, São Paulo
25
iconográfica relacionada com o breve governo de Maurício de Nassau (1604-1679),
baseado em Pernambuco entre 1637 e 1644. Como lembra Beatriz Bueno
11
, a
representação cartográfica resulta de observações e levantamentos feitos pelo
próprio Marcgraf no Brasil e reúne informações sobre a rede fluvial e viária que
propiciava a interiorização, sobre a vegetação e relevo, a rede urbana e de
propriedades rurais, fortalezas para defesa da costa, bem como tribos indígenas
aliadas e inimigas dos holandeses. Ao ser transposto para a gravura em Amsterdam
em 1647, o mapa foi acrescido de vinhetas atribuídas a Frans Post (1612-1680), além
de guirlandas e cartuchos, assim como de um extenso texto que relata as conquistas
de Nassau. Constitui-se, assim, conforme Bueno, numa espécie de relatório/
cadastro das potencialidades econômicas e militares” da ocupação holandesa do
nordeste brasileiro. As informações de um atlas condensadas em um único
exemplar cartográfico.
Em A arte de descrever, Svetlana Alpers lucidamente assinala a coincincia
entre a prática da pintura e da cartografia no século XVII holandês, ambas
permeadas pelo impulso de “descrever próprio daquela cultura, em que a
“experncia visual era um modo fundamental de autoconscncia” (1999:39). Tendo
a visão e a representação como aspectos centrais, a arte “descritiva” do norte se
distinguiria, segundo a autora, da tradição narrativa” meridional, referenciada na
leitura e interpretação de textos. Além disso, na opinião de Alpers, é fundamental
considerar a não vinculação da arte holandesa ao modelo albertiano da pintura, ou
seja, ela não pressupõe a existência do observador em função de quem a narrativa
se constitui visualmente. Ora, essa ausência de um fio condutor e de um princípio
unificador respectivamente a narrativa e o observador para a arte italiana –, está,
para Alpers, no fundamento de um certo modo setentrional de compor a imagem
por “adição”. A superfície da tela, ou do papel, não seria, portanto, como uma
janela que se abre frente a um espectador, mas um espaço que contem a aparência
do mundo, tal qual ele se apresenta ao olho, na sua diversidade de femenos.
Essa pequena digressão teve como objetivo enfatizar o fato de que os
elementos acrescentados ao Mapa de Marcgraf cartuchos, vinhetas, paisagens,
guirlandas – longe de serem apenas ornamentais, ou destinados a tornar mais
11
Bueno, Beatriz P.S. As obras seiscentistas da Coleção Brasiliana / Fundação Estudar. In:
Martins 2000, pp.24-47.
26
interessante a representação cartográfica, participam da descrição pretendida pelo
editor ou por quem fez a encomenda
12
. Ao reunir na mesma prancha o desenho da
costa, dos cursos d’´água, do engenho de açúcar, da batalha com os índios, da fauna
local etc., o Mapa visibilidade ao que seria de outra forma invisível, constituindo-
se no registro de um empreendimento histórico. Segundo Alpers, o registro da
história nos mapas e atlas holandeses do século XVII é “conciso, fatual e não
interpretativo em suma, descritivo(1999:305). Neles, “os lugares, e não as ações
ou acontecimentos, é que o a sua base, e o espo, e não o tempo, é que deve ser
transposto” (1999:305).
Segundo o entendimento da cartografia holandesa sugerida por Alpers, o
Mapa de Marcgraf pode ser considerado uma descrição histórica da ocupação
holandesa do nordeste brasileiro. E esse ponto de vista nos parece útil para acercar
as duas obras de Carlos Julião de que vimos tratando até aqui. Por um lado, a
comparação de Julião com Marcgraf pode servir a elucidar a reunião um tanto
insólita de prospecto, perfil, planta, elevação, texto e figuras humanas num mesmo
suporte, ao mesmo tempo em que elimina a possibilidade de encarar a presença
dessas figuras nas pranchas como mera decisão decorativa. Por outro lado, essa
hipótese nos permite propor, por exemplo, que a Elevação e fachada seja entendida
como uma descrição histórica do desenvolvimento de Salvador, que se demonstra
por meio da presença das instituões sinalizadas no prospecto, da apresentação do
seu sofisticado sistema defensivo, assim como da complexidade do seu tecido
social, expressa pelos tipos humanos ali representados. É da capacidade dos
portugueses de transporem sua civilização para a América que se fala. Certo que
Salvador perdera seu status de capital para o Rio de Janeiro, mas continuava a ser, e
seria ainda a a chegada da família real em 1808, o porto de maior volume de
comércio do mundo colonial português, de acordo com Boxer (2002:241). A antiga
capital do Brasil era um ponto estratégico, portanto, para a coroa portuguesa no
sentido da representação dos seus domínios ultramarinos.
É possível ler a Configuração da entrada da barra... na mesma chave? Nos
parece que sim, mas, para tanto, é necessário trazer à discussão alguns pontos ainda
não abordados.
12
Segundo Bueno, o próprio Nassau teria encomendado a realização do Mapa do Brasil sob
domínio holandês, sendo a obra dedicada também a ele (Bueno, op.cit. in Martins 2000:38).
27
Como veremos no capítulo 2 deste trabalho, Julião foi designado para servir
no Estado Português da Índia em 1774, permanecendo por seis anos. É Boxer
quem faz notar que, neste mesmo ano, foram enviados a Goa um novo vice-rei e um
novo arcebispo, ambos com explícitas instruções do próprio marquês de Pombal
(1699-1782) para “fazer cumprir a legislação anti-racista que seus antecessores
tranquilamente arquivaram” (Boxer 2002:269).
A questão racial na Índia portuguesa teve conotações diversas daquelas que
caracterizaram a colonização da América. As penosas condições da viagem da
Carreira da Índia uma viagem que durava de seis a oito meses em navios
abarrotados, onde grassavam doenças variadas e reinava uma altíssima taxa de
mortalidade (dizia-se que morriam no percurso entre 1/3 e metade dos embarcados)
–, somadas à notória insalubridade de Goa, não constituíam grande atrativo para
imigração de mulheres portuguesas, que sempre foram pouco numerosas no
oriente luso. Os portugueses imigrados, a maioria com poucas condições de custear
a viagem de volta a Lisboa, acabavam por se casar com nativas convertidas ao
cristianismo. O contingente populacional mestiço era, portanto, bastante
numeroso. E esse contingente era, via de regra, preterido no acesso a cargos
públicos ou mesmo na possibilidade de ascensão na carreira eclesiástica.
O Alvarégio de 2 de abril de 1761 foi a primeira tentativa de equiparar o
estatuto legal e social dos ditos nascidos no oriente, desde que cristãos, com o
dos naturais do Reino. Assinado pelo rei e pelo então conde de Oeiras, o Alvará
ordena que
todos os Meus Vassallos nascidos na Índia Oriental, e Domínio, que tenho na Ásia
Portugueza; sendo Christãos e baptizados; e o tendo outra inhabilidade de
Direito, gozem das mesmas honras, preeminências, prerogativas, e privilégios, de
que gozão os naturaes destes Reinos, sem a menor differença
13
.
Apesar de as penas serem severas para quem descumprisse a lei – iam desde
a perda de títulos e privilégios ao pagamento de multas e degredo em Moçambique
, foi necessário reiterá-la dois anos depois em termos mais enérgicos. Entretanto,
nada foi feito pelas autoridades locais no sentido da efetiva implementação das
13
O texto integral do Alvapode ser consultado em www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt (Fontes
Históricas para o Direito Português, Universidade Nova de Lisboa).
28
ordens contidas no Alvará, o que fez com que Pombal continuasse a insistir na
validação de uma potica anti-racista na Índia. Segundo Boxer, era central para sua
lógica de governo que os portugueses agissem no ultramar com “as mesmas
estratégias usadas pelos romanos em suas conquistas” (2002:270), o que
pressupunha incluir os nativos no sistema de concessão de cargos e benefícios, sem
o que, o clima de tensão social se tornaria insuportável para os portugueses.
Não nos parece casual que, nesse contexto em que se reacende o debate
sobre a promoção de igualdades sociais e que o enviados a Goa novas autoridades
políticas e religiosas, Julião execute um desenho que une territórios
geograficamente distantes e dispõe em fila povos culturalmente distintos. Se
tomarmos a Configuração da entrada da barra... como uma descrição histórica, nos
termos colocados por Alpers, o nivelamento” operado por Julião do ponto de vista
da representação, a que nos referimos anteriormente, torna-se bem mais
significativo. Ele encontra sua contrapartida na própria política de dominação
portuguesa no oriente, permitindo supor que a prancha visibilidade à famosa
frase de Pombal: Sua Majestade não distingue seus vassalos pela cor, mas pelos
méritos de cada um” (apud Boxer 2002:269).
De toda forma, o nos parece exagerado afirmar que a presença dessas
“figurinhas” é o que confere interesse propriamente artístico ao trabalho de Carlos
Julião. Sem vida, elas marcam seu diferencial diante da produção iconográfica
resultante do trabalho dos desenhadores militares, autores de parte tão significativa
dos registros visuais da América Portuguesa no Setecentos. Basta lembrar que, sem
elas, a Elevação e fachada seria mais uma das cópias conhecidas do prospecto de
Salvador levantado por Jo António Caldas.
Figurinhas de brancos e negros: um álbum de tipos brasileiros
É preciso também considerar que o fato de recortar e recombinar essas figurinhas
em diferentes suportes sugere a existência de um reperrio de tipos constituído a
priori pelo desenhador. Nesse sentido, merece atenção o conjunto de desenhos
aquarelados que compõem os Riscos Iluminados ditos de figurinhos de Brancos e Negros
dos usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio, pertencente ao acervo da Fundação
Biblioteca Nacional (FBN), Rio de Janeiro. Composto por 43 pranchas de
29
ilustrações não acompanhadas de texto, este manuscrito o traz indicação de
autoria, mas é tradicionalmente atribuído a Julião pela semelhança e mesmo direta
correspondência entre muitas de suas figuras e as que compõem as pranchas
citadas acima.
Originalmente, o conjunto dos desenhos atribuídos a Julião fazia parte de
um volume que reunia três obras, a saber: Noticia summaria do Gentilismo da Ásia com
dez riscos iluminados ditos de figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do Rio de Janeiro, e
Serro do Frio Ditos de Vazos e Tecidos Peruvianos
14
. Segundo um documento assinado
por Lygia Cunha, datado de 11 de janeiro de 1971, e que encontra-se colado à
contracapa do volume que contem essas obras, o álbum com os desenhos de
figurinhas brasileiras teria sido desmembrado de sua encadernação original em
1950, quando então os Riscos iluminados passaram a compor um volume separado.
Note-se aqui um equívoco na interpretação da nomenclatura dos diferentes
manuscritos. Os “riscos iluminados” na verdade designam as dez ilustrações da
Noticia sumaria do Gentilíssimo da Ásia, enquanto os “figurinhos de brancos e
negros são apenas designados como Ditos de figurinhos... No entanto,
tradicionalmente, o conjunto das figurinhas desenhadas por Carlos Julião é
conhecido como Riscos iluminados de figurinhos de brancos e negros..., título utilizado
inclusive na edição facsimilar do manuscrito, publicada em 1960 pela FBN (Cunha
1960).
A primeira parte do volume, a Notícia sumária..., contempla em 107 capítulos
aspectos da religião hindu, em especial as formas de culto de suas divindades
(devas). O texto é acompanhado de dez ilustrações que diferem em muito, seja do
ponto de vista da técnica, seja do estilo, das demais que compõem as outras duas
partes do volume.
Outras três cópias deste manuscrito são conhecidas e encontram-se nos
acervos da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP)
15
e da Fundação Oriente, ambas
14
De acordo com Lygia Cunha (1960), a primeira notícia sobre a existência deste álbum foi
publicada em 1946 por Yan de Almeida Prado, que o teria manuseado em Paris, em artigo
de O Estado de São Paulo”, intitulado O Livreiro Chadenat. Pouco depois, o volume foi
adquirido nos Estados Unidos por Rubens Borba de Morais, então diretor da Biblioteca
Nacional, sendo incorporado ao acervo da instituição em 1947.
15
Os exemplares da BNP não foram consultados durante a pesquisa para este trabalho.
Baseamo-nos, para as informações aqui citadas, em catálogo de exposição da BNP (Caetano
30
em Lisboa. Um dos exemplares da BNP o códice 607 da Seção de Reservados é
transcrito e comentado na Collecção de noticias para a historia e geografia das nações
ultramarinas, que vivem nos domínios portuguezes, ou lhes são visinhas (Collecção, 1812),
publicado pela Academia de Cncias de Lisboa (ACL). Afirma-se no prefácio desta
edição que um manuscrito original de autoria de um missionário jesuíta português
na Índia no início do Seiscentos foi encontrado no Cartório dos Padres da
Companhia de Jesus após a expulsão da ordem de Goa em 1759. Este manuscrito
teria sido copiado e a cópia remetida à ACL por um de seus sócios
correspondentes, Francisco Luiz de Menezes (?-1804), capitão de Ordenanças de
Goa, passando, posteriormente à propriedade da BNP. O códice, que contem 107
capítulos e onze ilustrações [Fig.7], foi encadernado com outros dois textos: Relão
historica em que se refere o motivo porque se erigio a Estatua Equestre de el-Rei D. José o
I... / escripta por hum curiozo imparcial. Em Lisboa na Offecina emanuense anno de 1778
(cópia de obra impressa) e Profecia política verificada no que es succedendo aos
Portuguezees pela sua cega affeição p.ª com os Inglezes: feita logo depois do terremoto de
Lisboa do anno de 1755: impressa em Madrid no anno de 1762 com licença de Carlos 3.º / e
traduzida em portuguez por... no anno de 1777 (cópia de obra impressa). O segundo
exemplar da BNP cota IL 228 da Seção de Reservados possui 23 ilustrações e
tem sua autoria atribda a Ananta Camotim Vaga, sendo considerado também obra
executada durante o século XVIII (Caetano e Soromenho 2001).
O exemplar da Fundação Oriente, por sua vez, apresenta os mesmos 107
capítulos, ilustrados, porém, com quinze aquarelas [Fig.8]. No verbete que
acompanha sua entrada no catálogo Presea portuguesa na Ásia (Pereira 2008),
afirma-se que o manuscrito data de finais do século XVIII ou início do XIX, é
proveniente de Goa e pertenceu a José ncio Freire de Lima, membro do
Conselho de Governo do Estado da Índia (1840) e deputado às Cortes pelo Estado
da Índia (1846). Contudo, o autor do verbete sustenta que o original do qual
derivam todas as cópias “não podeser anterior a 1764, uma vez que, no texto, o
autor refere-se aos ingleses como senhores do territórios que se estendem de
e Soromenho 2001), em publicação da Academia de Ciências de Lisboa (ACL) (Collecção
1812), bem como em Tenreiro (2008).
31
Fig. 7 – Autor desconhecido. Vishnu, Brahma, Mahés,
Sol, Lua, Estrelas, sem data (séc.XVIII)
Aquarela sobre papel
Ilustração de Notícia sumária do gentilíssimo da Ásia.
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa (Códice 670,
Seção de Reservados)
Fig. 8 – Autor desconhecido. Vishnu, sem data
(séc.XVIII)
Aquarela sobre papel
Ilustração de Notícia sumária do gentilíssimo da Ásia.
Fundação Oriente, Lisboa (Cota FO/ 1100)
32
Allahabad até Bengala, após a batalha de Buxar, em Outubro de 1764” (Pereira
2008:65).
Seja qual for a data do manuscrito original, é fato que as cópias da Notícia
sumária... que se encontram em coleções portuguesas o todas provenientes de
Goa e datam da segunda metade do culo XVIII. Cientes da presença de Carlos
Julião naquela região entre 1774 e 1779 como teremos oportunidade de averiguar
no capítulo 2 deste trabalho seria natural supor que o exemplar da FBN tenha
sido copiado por ele em seu período de serviços na Índia. Contudo, como foi
notado, nada do ponto de vista do estilo aproxima as ilustrações deste códice dos
desenhos atribuídos a Julião nos Ditos de figurinhos de brancos e negros..., restando,
portanto, admitir que a hipótese de considerá-lo autor da cópia da Notícia sumária...
deve-se somente à presença de ambos os manuscritos na mesma encadernação.
Ora, a reunião de diferentes documentos num mesmo volume não é indicativo
seguro de autoria, uma vez que a operação obedece, na maioria das vezes, a
critérios estabelecidos pela convenncia do proprietário. A questão da autoria tem
de ser tomada com atenção, nesse caso, não sendo de todo óbvio admitir que a
cópia do códice indiano no acervo da FBN tenha sido executada por Julião.
A parte referente aos Ditos de vasos e tecidos peruvianos é composta por 33
pranchas de ilustrações em aguada de sépia, não acompanhadas de texto. Nessas
imagens, é curioso notar a atenção dedicada pelo desenhista às padronagens que
ornam vasos e xteis, assim como a certos instrumentos como teares, para
confecção de tecidos e rendas. Abaixo do título que abre o álbum, uma anotação
a grafite que afirma: “os dezenhos destes vazos forão tirados dos originaes
encontrados no galeão Hespanhol q deo à costa em Peniche e q vinha carregado de
Prata no Reinado de D.Maria 1
a
”.
O mais célebre naufrágio ocorrido na costa de Peniche no peodo mariano
foi o do navio de guerra espanhol San Pedro de Alcantara, em fevereiro de 1786
16
.
Com uma tripulação de quatrocentas pessoas, entre os quais alguns rebeldes
peruanos do movimento separatista comandado por Túpac Amaru (1780-1781), o
navio saíra do Peru dois anos antes e havia feito uma escala de quatro meses no Rio
de Janeiro para reparações, pois, como era sabido, o carregamento de prata, ouro e
16
A este respeito, ver www.ipa.min-cultura.pt (Instituto Português de Arqueologia).
33
cobre embarcado era superior à sua capacidade de transporte. Nesta carga
encontrava-se ainda um importante conjunto de peças de cemica pré-hispânica
da cultura Chimu, que havia sido coletado no Peru por dois botânicos europeus. O
valor da carga era tamanho que seu desaparecimento deu início a um enorme
movimento de recuperação promovido pelo governo espanhol. Em ts anos, quase
a totalidade dos itens transportados pelo San Pedro de Alcantara foi recolhido do
fundo do mar por mergulhadores de diversas nacionalidades contratados pela coroa
espanhola.
É claro que somente um cotejo mais criterioso entre os desenhos do
manuscrito da FBN e os objetos cerâmicos recuperados do San Pedro de Alcantara
poderia atestar a existência ou não de uma relação direta entre eles. Em todo o
caso, não parece muito provável que outro navio espanhol com carga de prata e
“vasos peruvianos” tenha colidido com os rochedos em Peniche no mesmo período,
o que concorre para a sustentação da hipótese. Em se tratando de um fato de
grande repercussão e de uma carga de notável raridade, justifica-se o registro em
desenho desses itens, seja a título de curiosidade ou obedecendo à requisição de
um superior. De toda forma, vale para este manuscrito o mesmo afirmado acima
com relação à Notícia sumária. Ou seja, o fato de estar encadernado junto com as
Ditos de figurinhos de brancos e negros não é motivo suficiente para assumir que a
autoria desses desenhos se deva a Carlos Julião
17
.
os Ditos de figurinhos de brancos e negros..
18
. ocupavam originalmente a
parte central do volume, conforme ainda é possível perceber pelo vazio na
encadernação. O álbum de desenhos atribuídos a Julião se abre com uma cena
alegórica que evoca o que parece ser uma vitória militar, que vemos um
personagem fardado, a cavalo, a brandir a espada na o direita sob um arco de
17
Tenreiro (2007 e 2008) considera que os desenhos sejam de autoria de Julião e que
tenham sido executados quando o oficial foi designado para uma vistoria das fortificações
da província de Estremadura. Contudo, isso não é compatível com a hipótese de que os
desenhos sejam referentes à carga do San Pedro de Alcantara, pois, como veremos no
capítulo 2 deste trabalho, a incumbência da vistoria foi cumprida por Julião entre 1791 e
1795, alguns anos depois do final dos trabalhos de recuperação da carga do navio.
18
O termo “figurinho não existe no dicionário de Bluteau, nem tampouco “figurino”. A
palavra “figura” traz, ao contrário, várias definições, entre as quais destacamos “superfície
exterior de hum corpo (...) homem ou molher representada em hum paynel (...) symbolo ou
imagem significativa de alguma cousa” (Bluteau 1712: t.4, 114).
34
triunfo, sendo saudado por figuras do povo situadas em primeiro plano [Fig.10]. No
arco de triunfo, logo abaixo do frontão, percebem-se as armas de Portugal,
enquanto na ruína que ocupa a lateral esquerda do desenho, um mastro caído
onde se vê a bandeira espanhola. Entre as duas edificações, vêem-se soldados
fardados como a figura principal que conduzem um grupo de outros soldados para
o fundo da cena. A alegoria é interpretada por Lygia Cunha (1960:XIII) a partir de
uma inscrição a grafite nas margens do desenho, segundo ela, escrita com “letra do
século XVIII”: “victoria alcançada por Pinto Bandeira de Minas Geraes contra os
Hespanhoes, provavelmente na guerra do sul em 1762”. Assim, conclui a autora, a
alegoria seria alusiva à mais importante vitória comandada por Rafael Pinto
Bandeira (1740-1795), coronel do corpo de cavalaria do Rio Grande do Sul (eo de
Minas Gerais, como afirma a inscrição): a tomada e destruição do forte espanhol de
Santa Tecla, em 1776, que pôs fim à invasão castelhana no atual território
riograndense.
Pinto Bandeira é um nome tão lendário
19
quanto controverso, que esteve
envolvido em diversas campanhas militares decisivas para a definição das linhas de
fronteira na porção sul da Arica portuguesa. Visto alternadamente como herói e
malfeitor, Pinto Bandeira foi nomeado para a governança militar do Rio Grande de
São Pedro do Sul, ao mesmo tempo em que sofria abertas acusações pelo que
chamaríamos hoje de “enriquecimento ilícito” por contrabando. Essas acusações
resultaram num processo-crime contra ele que foi arquivado em 1780 por um
decreto real de d.Maria I. Seus maiores opositores eram o governador da capitania,
José Marcelino de Figueiredo (1735-1814)
20
, que acabou por perder o posto, e o
vice-rei Luís de Vasconcelos (1742-1809).
Apesar da substituição do governador, Vasconcelos continuaria ainda a
tentar reunir provas que incriminassem Pinto Bandeira. Ciente desta situação, o
coronel se propôs, nas palavras de Augusto da Silva (1999:135), a “passar por cima
do vice-rei e buscar apoio na metrópole”. Assim, Pinto Bandeira chegaria a Lisboa
em fevereiro de 1789, onde permaneceria por cerca de um ano. Quando de seu
19
Érico Veríssimo fez dele um dos personagens do épico O tempo e o vento.
20
Pseudônimo de Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda, que foi governador do Rio Grande
entre 1769 e 1780.
35
Fig. 9
Fig. 10
Fig. 11
Fig. 12
Fig.9 – Autor desconhecido. Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira (1740-1795), sem data.
Fig.s 10 a 12 – Carlos Julião (atribuído a). Estampas 1 a 3 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem data
(século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
36
Fig. 13
Fig. 14
Fig. 15
Fig. 16
Fig.s 13 a 16 – Carlos Julião (atribuído a). Estampas 4 a 7 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem data
(século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
37
retorno, contava não apenas com o reconhecimento de sua atuação no alargamento
das fronteiras meridionais do Brasil, como com uma patente de brigadeiro. Sem
dúvida, a conjuntura internacional beneficiou Bandeira nesta ocasião, que no
tumultuado ano de 1789 começavam a agravar-se as diverncias que acabariam por
colocar Portugal e Espanha, aliados respectivamente de Inglaterra e França, em
lados opostos do conflito europeu, o que certamente teria reverberação nos
territórios americanos. Para a coroa portuguesa, portanto, era fundamental poder
contar com a experiência de guerra contra os espanhóis que Pinto Bandeira já
possuía. O fato é que, em agosto de 1790, ele despachava documentos como
Comandante General da Capitania de São Pedro (Silva 1999:137).
apenas uma imagem de Pinto Bandeira reproduzida na dissertação de
Augusto da Silva (1999) a ele dedicada. A ilustração não traz indicação de autoria,
data ou fonte, mas é ela que nos permite afirmar que se trata do mesmo
personagem que brande a espada a cavalo na página de rosto do manuscrito da
FBN [Fig.9]. Sendo assim, se confirma a hipótese sustentada por Cunha de que esta
cena alegórica celebra as vitórias de Pinto Bandeira contra os espanhóis no sul.
A temática militar prossegue nas estampas de dois a sete dos Ditos de
figurinhos de brancos e negros..., em que estão representados diversos tipos de
uniformes de oficiais [Figs.11 a 16] e uma cena de conteúdo mais anedótico, em que
uma moça se despede chorando de um oficial. Eles foram identificados por Jo
Washt Rodrigues (1891-1957) em 1949, segundo atesta um documento datilografado
e assinado por este artista e historiador, que foi anexado à gina de abertura do
álbum, e se intitula “Esclarecimento sobre alguns figurinos militares existentes no
livro de estampas originais, em cores, do último quartel do século XVIII adquirido
nos EUA do Norte pelo governo brasileiro, e atualmente na Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro”. A denominação apontada por Rodrigues serviu de base para os
títulos com que Ferrez (2000: v.1, 115) identifica as estampas em seu Iconografia do
Rio de Janeiro, assim como às legendas citadas por Cunha na edição facsimilar do
álbum (1960). Até mesmo a designação da estampa sete como sendo uma “cena
romântica” se repete nos dois autores.
O tema dos uniformes militares é sem dúvida um dos mais recorrentes no
que diz respeito à representação da figura humana no Portugal setecentista, o que
38
pode ser atestado pela sua presença em praticamente todos os arquivos
consultados, notadamente o ANTT [Fig.17], o AHU [Fig.18] e a FBN [Figs.19 e 20].
Esses desenhos circulavam em rios formatos, geralmente como anexo de
documentos enviados das colônias para o Reino. Assim, nos deparamos durante a
pesquisa com figurinos militares de o To e Príncipe, Moçambique e Macau,
além de Brasil. Com frequência os desenhos acompanhavam os “Mapas de tropas”,
tabelas em que eram enumerados e quantificados todos os oficiais e soldados que
compunham cada regimento das tropas pagas e auxiliares de determinada região.
Certamente, devem ser entendidos como parte do processo de reorganização do
exército português encabeçado pelo conde de Lippe (1724-1777) na década de 1760,
de que trataremos no próximo capítulo. Foi Lippe quem dotou o exército luso pela
primeira vez de um plano de uniformes em 1764, que abrangia todas as tropas do
Reino e Conquistas, e o surpreende que os desenhos de figurinos militares
comecem a se multiplicar a partir desta data.
É importante notar que a confecção dos vários elementos que compunham
o uniforme de oficiais e soldados servindo em Portugal e no ultramar – como
botões, calçados, galões, chapéus, armas, etc. , assim como a aquisição dos tecidos
e a própria fabricação dos fardamentos, eram centralizadas no Arsenal Real do
Exército em Lisboa. Parece lógico concluir que os desenhos de figurinos militares,
acompanhados dos Mapas de tropas, servissem também para que no Arsenal se
pudesse quantificar o material indispensável para vestir as forças militares de cada
região. Nunca é demais lembrar que o exército português compreendia tropas
servindo na Europa, Ásia, África e América e a visualização dos uniformes
possibilitada pelo desenho certamente facilitava a logística de fardar todos os
contingentes segundo as recentes instruções do conde de Lippe.
Com relação à figuração, em nenhum gênero se é que se pode considerar
os figurinos como um “nero” – é mais patente a questão do desenho constituído a
partir de modelos. As diversas ries são muito semelhantes, divergindo apenas no
que diz respeito ao traço, ou propriamente ao estilo pessoal do autor, segundo
tenha maior ou menor destreza na representação da figura humana, mais ou menos
39
Fig. 17Autor desconhecido. Fardamento dos
granadeiros do quarto terço auxiliar de Aveiro, sem
data (século XVIII)
Aquarela e nanquim sobre papel
Ilustração de Mapa do fardamento feito no Porto sob
a inspeção do Tenente General José de Almada.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa
(Ministério do Reino, Colecção de mapas e outros
documentos iconográficos, doc.72)
Fig. 18Autor desconhecido. Oficial, Oficial
inferior, Soldado, Tambor, 1774.
Aquarela e nanquim sobre papel.
Ilustração de Uniformes do Regimento de Artelharia
do Rio de Janeiro. Arquivo Histórico Ultramarino,
Lisboa (AHU_ICONm_017_f, D.288)
Fig. 19Oficial da ordenança da Vila de Parati
Fig. 20 Oficial do terço auxiliar de Irajá
Figs.19 e 20 – José Corrêa Rangel. Ilustração de Guarnição do Rio de Janeiro com seus uniformes e mapas do
número dos regimentos pagos e dos auxiliares. Feito por José Corrêa Rangel. Ajudante de infantaria com exercício de
engenheiro, 1786
Aquarela e nanquim sobre papel
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Divisão de Manuscritos, mss.50.1.032)
40
Fig. 21Autor desconhecido. Uniformes gerais das tropas da Espanha, 1778
Água-forte e aquarela sobre papel
Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa (Cota 4309_I-4-55-64-1)
41
habilidade no uso da aquarela. Na verdade, trata-se frequentemente da mesma
figura vestida de modo diferente: quase não variações no posicionamento das
mãos que podem estar apoiadas num bastão, segurando uma arma ou sobre o
peito , ou na organização corporal. E os figurinos militares de Julião fazem parte
desse universo dos ercitos de “soldadinhos de chumbo”. As matrizes desses
desenhos devem ser buscadas na gravura, de modo especial nas estampas que
representam Mapas de tropas, como é possível comprovar pela Fig.21.
Aos uniformes militares segue-se um grupo de quatro ilustrações em que os
personagens o casais indígenas [Figs. 22 a 25]. Na estampa oito surge pela
primeira vez um cenário onde as figuras se movimentam, nesse caso, composto de
rio, montanhas e árvores. O casal aparenta ser ainda selvagem, que ambos
carregam arco e flecha e acabam de abater uma onça que sangra em primeiro plano.
Novamente, chamamos a atenção para representação arquetípica do indígena
brasileiro: a figura da índia com um seio evoca os antigos mitos das guerreiras
amazonas, enquanto o índio, embora paramentado de cocar e saia de penas, é
representado barbado como um europeu. Os demais casais parecem bem mais
pacíficos, sendo o da estampa onze exatamente igual aos Tapuias domesticados
representados na Configuração da entrada da barra.... A estampa dez é um tanto
mais curiosa em termos de composição, pois tem a mesma figura espelhada, recurso
também utilizado na Fig.15. A presença de elementos vegetais e alguma sugestão de
relevo, que é comum às quatro ilustrações, concorre para a criação de sentido na
imagem, reforçando o pressuposto de que o habitat do indígena é o ambiente
natural, ainda não transformado pela civilização. De certo modo, esses atributos
alegorizam os personagens representados, constituindo-se em distantes
reminiscências das pinturas etnográficas de Albert Eckhout (1610-1666).
Sucedem-se aos casais indígenas outras três ilustrações de mulheres sendo
transportadas [Figs.26 a 28], sendo a primeira numa rede, e as demais por escravos
negros que portam as famosas cadeirinhas nos ombros. A estampa doze [Fig.26] é
semelhante à figura central da prancha da Configuração da entrada..., embora
42
Fig. 22
Fig. 23
Fig. 24
Fig. 25
Fig.s 22 a 25 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 8 a 11 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
43
oscarregadores sejam negros. na estampa treze [Fig.27], a figura central do grupo
das três mulheres que seguem a cadeirinha, que Lygia Cunha (1960) identifica
como sendo escravas, é também idêntica à mulata de Elevação e fachada. O grupo
da estampa quatorze [Fig.28] se repete na mesma obra relativa ao prospecto de
Salvador.
É importante assinalar que o tema das cadeirinhas encontra forte
ressoncia no imaginário sobre a sociedade portuguesa no oriente desde o
séculoXVI. Tanto Chaudhuri quanto Russell-Wood
21
nos lembram que o desejo de
enriquecimento e distinção social era o principal mote dos portugueses que se
dirigiam aos Estados da Índia, e que a ostentação pública era prática corrente da
sociedade lusa no ultramar. Nesse contexto, os meios de transporte serviam a
distinguir os nobres e fidalgos, que se faziam carregar em palanquins, seguidos de
séquitos de escravos. Essa prática, assim como a pompa no vestir-se, é notada e
criticada pelos vários cronistas que se ocuparam da Índia portuguesa, entre os quais
o mais famoso é certamente o holandês Jan Huygen van Linschoten (1563-1611), de
quem voltaremos a falar oportunamente. Destacamos aqui, a tulo de comparação,
uma gravura da sua Histoire de la navigation (...) aux Indes Orientales, em que vemos
uma portuguesa e suas filhas sendo carregadas numa liteira. [Fig.29]
As estampas quinze a dezessete referem-se a vestimentas de personagens
brancos e vemos repetir-se o recurso utilizado pelo desenhador nos figurinos
militares. As mesmas figuras o replicadas com pequenas variações no
posicionamento das cabeças e vestidas de modo diverso. Na verdade, a vestimenta
propriamente não varia, o que mudam são as cores e padronagens dos tecidos e
adornos [Figs.30 a 32]. Nessas ilustrações é mais evidente um traço o
característico das aquarelas de Julo que é fazer com que o casaco envolva a
personagem de modo a revelar o seu talhe na parte posterior.
21
Chaudhuri, K. O impacte da expansão portuguesa no oriente; Russell-Wood, A.J.R. A
sociedade portuguesa no ultramar. In Bethencourt &Chaudhuri 1998: 487-511, 266-281.
44
Fig. 26
Fig. 27
Fig. 28
Fig. 29Portuguesa sendo carregada em liteira
Fig.s 26 a 28 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 12 a 14 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem data
(século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
Fig.29 – Autor desconhecido. Ilustração de Jan Huygen van Linschoten, Histoire de la navigation... (Amsterdam,
1638, 3
a
ed.). Água-forte sobre papel.
Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo
45
Fig. 30
Fig. 31
Fig. 32
Fig. 33
Fig.s 30 a 33 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 15 a 18 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
46
Fig. 34
Fig. 35
Fig. 36
Fig. 37
Fig.s 34 a 37 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 19 a 22 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem data
(século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
47
Nas estampas dezoito e dezenove, o apresentadas cenas com personagens
que interagem [Figs.33 e 34]. A primeira, aparentemente uma cena de rua, nos
apresenta um negro que serve leite a uma senhora sendo ambos observados por um
homem (semelhante à figura masculina da estampa quinze). A outra é definida por
Cunha (1960) como sendo uma cena de caça aos patos e não parece ter muita
relação com as demais. As vestimentas de mulheres brancas reaparecem nas
estampas de vinte a 22 [Figs. 35 a 37], também caracterizadas pela repetição do
mesmo personagem que tem apenas o traje, os ornamentos e o posicionamento das
mão alterados.
Na estampa 23 [Fig.38], vemos outra cena classificada por Cunha como uma
“cena rontica”, em que um homem de bengala, “vestido à moda do século
XVIII” (Cunha 1960), entrega a uma jovem uma carta onde se : À Sra. Joanna
Rosa”. Mais um casal branco ocupa a estampa 24 [Fig.39], sendo a figura masculina
semelhante às que ilustram as estampas dezesseis e dezessete. A estampa 25 [Fig.40]
nos apresenta duas figuras femininas que bem poderiam ser comparadas
novamente à mulata de Elevação e fachada.
A partir da estampa 26, todas as demais se referem a personagens negros.
As cinco primeiras, de 26 a 30 [Figs. 41 a 45], o dedicadas exclusivamente aos
trajes, enquanto as quatro seguintes, de 31 a 34 [Figs. 46 a 49], colocam em cena os
negros vendedores de rua. Reencontramos aqui a vendedora de frutas em versão
idêntica à de Elevação e fachada, como também o vendedor de leite do mesmo
prospecto de Salvador, e a vendedora de doces da Configuração da entrada da barra
de Goa... em versões ligeiramente alteradas. Curioso notar que os vendedores de rua
são figurados de maneira a incorporar diversas sugestões de movimento, ao
contrário dos demais personagens vistos aaqui.
As estampas 35 a 39 [Figs.50 a 54] talvez sejam as ilustrações mais
reproduzidas deste conjunto, sempre utilizadas quando se trata de ilustrar textos
sobre festas no período colonial no Brasil. De fato, elas se reportam às festas de
encenação da coroação dos reis e rainhas do Congo ligadas às Irmandades de Nossa
Senhora do Rosário do Pretos. o também as estampas que mais diferem, do
ponto de vista do estilo, das demais ilustrações do manuscrito, visto que englobam
diversos personagens em séquito com variada movimentação corporal e adereços.
48
Fig. 38
Fig. 39
Fig. 40
Fig. 41
Fig.s 38 a 41 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 23 a 26 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
49
Fig. 42
Fig. 43
Fig. 44
Fig. 45
Fig.s 42 a 45 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 27 a 30 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
50
Fig. 46
Fig. 47
Fig. 48
Fig. 49
Fig.s 46 a 49 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 31 a 34 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
51
Muito do encanto dos desenhos desta série es justamente na
miniaturização desses personagens, tratados cada qual com suas roupas coloridas,
seus instrumentos musicais, adornos de cabeça e movimentos de dança. Nas
estampas 36 e 39, é curioso notar como, diante de um número maior de figuras, o
autor as compõe individualmente, fazendo com que a conformação da “cena”
resulte da somatória desses elementos. As figuras não estão submetidas a nenhuma
ordenação espacial prévia, ao contrário, o seu posicionamento no papel é que
conforma o espaço. Vale notar ainda que essa espécie de guarda-sol sob o qual
caminham o rei e a rainha no cortejo é um conhecido atributo dos rei africanos,
bastando mencionar aqui dois exemplos em que ele se faz presente: a tapeçaria O
rei negro carregado em triunfo, da rie Nouvelles Indes (Manufatura Gobelins) e a
Alegoria da África [Fig.59], gravada a partir de desenho de Charles Le Brun (1619-
1690).
As últimas ilustrações do álbum fazem referência ao trabalho de extração
nas “catas” de diamantes, possivelmente do Serro do Frio (Diamantina), conforme
se no título do volume. Vemos então, na estampa 40 [Fig.55], os negros
quebradores de pedras, que reaparecem na parte esquerda da estampa 41 [Fig.56],
uma vista mais abrangente e que contempla mais etapas da técnica de extração. A
lavagem do cascalho é representada na estampa 42 [Fig.57], caracterizada pela
presença de uma estrutura construtiva desenhada em perspectiva
extraordinariamente acentuada, que se constitui visualmente num estranho
paralelepípedo encravado numa paisagem de colinas e volumes delineados com
maior graça. Ilustração semelhante surge no início do século XIX no livro Travels in
the interior of Brazil (1812) do mineralogista britânico John Mawe (1764-1829)
[Fig.60], o primeiro estrangeiro a ter autorização para visitar o distrito aurífero de
Minas Gerais. Por fim, a ilustração 43 [Fig.58], que encerra os Ditos de figurinhos de
brancos e negros..., nos apresenta um escravo despido para ser inspecionado pelos
feitores.
Dentre as 43 ilustrações comentadas, dezessete (cerca de 40%) referem-se
exclusivamente aos modos de vestir de diferentes extratos da população do Brasil,
incluídos aqui os figurinos militares. Outros temas envolvem tipos indígenas (dos
mais selvagens aos mais civilizados), ilustrações relativas a práticas sociais (entre os
52
Fig. 50
Fig. 51
Fig. 52
Fig. 53
Fig. 54
Fig.s 50 a 54 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 35 a 39 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem data
(século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
53
Fig. 55
Fig. 56
Fig. 57
Fig. 58
Fig.s 55 a 58 Carlos Julião (atribuído a). Estampas 40 a 43 de Ditos de figurinhos de brancos e negros..., sem
data (século XVIII). Aquarela sobre papel.
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
54
Fig. 59 Charles Le Brun, gravado por Gilles
Rousselet. Alegoria da África, 1660-80
Água-forte sobre papel
Fig. 60 John Mawe, gravado por T. Woolnoth.
Vista de negros lavando diamantes em Mandango no
rio Jegitonhonha (sic) in Cerro do Frio, Brazil
Água-forte sobre papel
Ilustração de John Mawe, Travels in the interior of
Brazil (Londres, 1812).
Instituto de Estudos Brasileiros da USP, o
Paulo
55
quais meios de transporte, vendedores ambulantes, festas africanas), am de uma
importante (e lucrativa) atividade extrativa. Já tivemos oportunidade de notar a
importância que Julião confere a todos os elementos constitutivos do traje e à
eventual presença de marcas identitárias como caracterizadores dos personagens
representados. Em geral, a figura prescinde de cenário, utilizado nos casos em
que a presença de outros elementos narrativos colabora para a criação de sentido
na imagem.
Viemos até aqui examinando as obras de Julião no sentido de avaliar em
que medida poderíamos estar diante de um trabalho fundado em codificações da
representação e quais tradições poderiam estar ali implicadas. Resta indagar sobre
amotivação de Carlos Julião na constituição deste conjunto de ilustrações,
organizadas em forma de álbum. Convem ter em vista que subentende-se na
própria noção de álbum que os motivos tenham sido apreendidos no mundo e
reorganizados numa outra ordem. Assim sendo, é possível considerar que o álbum
da FBN tivesse sido composto tendo em vista um destinatário?
A este respeito, Lygia Cunha (1960:X) comenta:
o conjunto iconográfico foi preparado por Carlos Julião no período em que,
viajando por plagas distantes, ia reunindo o que encontrava de mais característico,
com o intuito de organizar um álbum de curiosidades, talvez para presenteá-lo a um
superior hierárquico, hipótese plausível à vista do assunto que ilustra a prancha I
De fato, a composição alegórica que abre o volume leva a pensar numa
possível dedicatória, cujo destinatário talvez fosse o próprio brigadeiro Rafael Pinto
Bandeira. Já tivemos a oportunidade de verificar que Bandeira permaneceu em
Lisboa por quase todo o ano de 1789. Sendo este um militar, assim como Julião
22
,
nessa altura capitão de uma das companhias do Regimento de Artilharia da Corte, é
bastante razoável supor que ambos tenham se conhecido durante este peodo. As
façanhas de Bandeira nas guerras contra os espanhóis no sul do Brasil
possivelmente fizessem dele um nome reputado no ercito português, o que se
traduziu na sua promoção a brigadeiro. Considerar que Julião tenha lhe oferecido
um álbum de desenhos com tipos brasileiros como sinal de admiração ou amizade
22
Note-se que ambos eram nascidos no mesmo ano de 1740.
56
não é de todo descabido, embora a hipótese ainda necessitasse de evidências mais
contundentes. Uma encomenda por parte de Bandeira também não pode ser
descartada.
Ainda com relação a este argumento, se a gina de rosto foi desenhada
especialmente em homenagem ao destinatário do álbum, é possível supor que todo
o conjunto de ilustrações também tenha sido composto na mesma ocasião, com o
intuito de ser ofertado. Ou seja, é possível supor que Julião, a partir de um
reperrio mais amplo de desenhos, que incluía personagens oriundos de diversas
partes do mundo português, tenha selecionado alguns tipos brasileiros para
constituir um álbum que desejava ofertar.
Vário motivos nos levam a esta hipótese: em primeiro lugar, sabemos que
ele desenhou outros tipos que o só os brasileiros, como se pode verificar pelos
indianos e chineses presentes na Configuração da entrada da barra de Goa...; em
segundo lugar, se as figuras das pranchas do GEAEM foram recortadas e coladas
junto aos prospectos de cidades, é porque existiam previamente em algum outro
suporte ou foram de copiadas; finalmente, o fato de querias figuras se repetem
no álbum da FBN e nas pranchas do GEAEM é indício de que o autor tinha como
prática multiplicar ou reutilizar” os tipos e que, portanto, existia um conjunto de
modelos aos quais ele se reportava para fazê-lo. Em vista disso, em nossa opinião, o
álbum da FBN deve ser encarado como resultante de uma seleção de desenhos feita
a partir de um repertório mais extenso, seleção esta que provavelmente tinha como
finalidade compor um volume a ser oferecido, ou que lhe tivesse sido
encomendado.
As figurinhas na pintura
Colabora também para esta hipótese a existência de duas pinturas que
atualmente pertencem ao acervo do Instituto Ricardo Brennand, em Recife [Figs.
61 e 62]. As telas foram adquiridas na Sotheby’s de Nova York e constituíam o lote
57
Fig. 61 – Carlos Julião (atribuído a). Noticias do Gentilismo, 1779.
Óleo sobre tela
Instituto Ricardo Brennand, Recife
Fig. 62 – Carlos Julião (atribuído a). Noticias do Gentilismo, sem data (c.1779).
Óleo sobre tela
Instituto Ricardo Brennand, Recife
58
400 do leilão de 28 de Janeiro de 1999 (Sotheby’s 1999)
23
. No catálogo, foram
intituladas apenas Peoples of Lisbon and Portugal, Rio de Janeiro, Brazil, and Angola.
Não há menção à proveniência das pas. No verbete do calogo afirma-se que a
atribuição a Carlos Julião foi feita pelo diplomata Mário Calábria.
De fato, o há como não relacionar as pinturas em questão à obra de Julião, que
elas nos apresentam um elenco de figuras humanas, entre as quais é possível
reconhecer alguns personagens com que nos deparamos nas obras analisadas
anteriormente. Além disso, os tipos estão organizados na mesma estrutura do
“desfileque tivemos oportunidade de observar na Configuração da barra de Goa....,
incluindo-se agora, surpreendentemente, tipos provenientes do Reino e não apenas
das Conquistas, como ocorria nos demais trabalhos. Vale notar, contudo, algumas
diferenças significativas com relação a certas soluções formais adotadas, como, por
exemplo, a do suporte em que se assentam os personagens, bastante diversa das
obras já vistas, bem como o fato de que algumas das figuras apresentam muito
maior expressividade em termos gestuais e de sugestão de movimento corporal.
Cada uma das telas é dividida em três faixas horizontais em que os tipos o
apresentados com legendas em português e italiano. Na faixa superior de uma das
pinturas, ocupando posição central no contexto da composição, vê-se o símbolo da
cidade de Lisboa a caravela com dois corvos
24
contornada por um ornamento
dourado ao estilo de uma talha rocaille, encimado por uma coroa real. Abaixo deste
brasão de armas, lemos a seguinte inscrição: Quadro que representa as Armas da
Cidade de Lisboa e as diversas maneiras de vestir de Portugal principalmente da
Corte. Quadro che rapresenta l’armi della Cittá di Lisbona e le diverse maniere di
vestire di Portugallo e particolarmente di Lisbona, 1779”. Esta inscrição permite,
portanto, datar as telas do ano de 1779, o que indica que são contemponeas da
prancha da Elevação e fachada.
23
Cabe aqui um agradecimento a Carlos Martins por mencionar a existência dessas pinturas
e nos apresentar o catálogo da Sothebys. Foi, porém, a leitura da tese de Manuela Tenreiro
(2008) que nos forneceu a localização das pinturas na coleção pernambucana.
24
Este é o principal atributo de São Vicente, padroeiro da cidade de Lisboa. Segundo uma
das versões da lenda, os restos do mártir, supliciado na Espanha pelos romanos, foram
encontrados junto ao cabo de São Vicente, na região do Algarve, numa barca à deriva, que
era guardada por dois corvos. Em outra versão, suas relíquias foram trazidas do Algarve
para Lisboa numa caravela que foi acompanhada em todo o trajeto por dois corvos.
59
Nessa pintura, estão representados 24 tipos, todos referentes ao Portugal
metropolitano, com exceção do primeiro soldado, este brasileiro. Os personagens
são identificados pelas seguintes legendas (iniciando na faixa superior, da esquerda
para a direita):
1. Sargento Mor das Minas / Sargento Maggiore delle Mine del Brasile
2. Sargento Mor Auxiliar / Sargento Maggiore della Milizia Urbana
3. Capitão Mor Auxiliar / Capitano Maggiore della Milizia Urbana
4. Dezembargador / Un Ministro del Tribunale
5. Porteiro da Caza / Portiero del Palazzo
6. Soldado de Malta / Soldato di Malta
7. Sargento Auxiliar / Sargento della Milizia Urbana
8. Soldado Auxiliar / Soldato della Milizia Urbana
9. Huma mulher de caza com a sua / Una Femina con il Capotto con la Sua
10. Escrava / Schiava
11. Mulher do Porto / Femina del Porto
12. Huma Parteira / Mammana
13. Huma Fidalga a pé em q.ta feira Santa / Una Signora vestita di Settimana Santa
a piedi e facendo la visita delle Chiese il Giove Sto.
14. Huma mulher de manto com a sua / Una Femina con il manto e la sua
15. Criada / Serva
16. Huma Regateira / Una Regattera
17. Huma Frialeira / Una Pescatoia, che vende pesce per la Cittá
18. Hum andador de Confraria, q. pede esmola / Un Fratello de Congregazione che
domanda la elemosina
19. Huma Saloia vestida de Estio / Una Saloia vestita d’Estate
20. O Meirinho da cidade com os seus Prettos em dia de bando, p.a alguma Festa /
Un Officiale della Cittá o sia Banditore con i suoi due Servi
21. Saloia a cavallo vestida de Inverno / Saloia a cavallo vestita d’Inverno
22. Huma Colareja / Una venditrice di Frutti
23. Huma Galinheira / Una venditrice di Galline
24. Hum Mariola de Alfandega / Un Facchino della Dogana
A primeira faixa, portanto, é ocupada por seis personagens militares,
semelhantes aos que vimos no manuscrito da FBN. Ladeando as armas de Lisboa,
60
vemos duas figuras ligadas ao poder judicrio: o Desembargador e o Porteiro
25
.
Entre os militares, note-se a presença de um oficial negro com uniforme de
regimento de Minas Gerais, além de um soldado designado como “de Malta”,
certamente ligado à Ordem militar dos Cavaleiros de Malta. Os demais oficiais são o
capitão, sargento-mor, sargento e soldado de tropas auxiliares, responsáveis pela
manutenção da ordem na cidade. Em conjunto, as figuras parecem evocar um
sentido de autoridade.
no segmento seguinte, todas as personagens o mulheres, sendo que a
fidalga trajada para Semana Santa ocupa a posição central, abaixo das armas da
cidade. A seção é composta por outras três senhoras, uma proveniente do Porto,
outra acompanhada de sua criada e outra de sua escrava. É de estranhar que se faça
referência a uma escrava urbana neste contexto, que a escravidão havia sido
abolida no Reino e na Índia em 1761. Além da parteira, situada ao lado da fidalga,
as duas últimas figuras à direita da tela introduzem o tema dos vendedores de
rua, tratado também na seção seguinte.
No segmento inferior, vemos novamente em posição central um personagem
que denota autoridade: o Meirinho, um administrador local e executor de
sentenças. Ele esacompanhado de “seus Prettos em dia de bando”, ou seja, tipos
vestidos e paramentados para a declaração pública de um decreto ou de pena
imposta a um transgressor. Os demais personagens masculinos são o carregador de
alfândega e o irmão que pede esmolas para a Confraria. Quatro figuras femininas
completam a pintura: a “saloia”, ou camponesa, em trajes de verão e de inverno,
além de duas vendedoras de rua. No conjunto da pintura, contamos, portanto, seis
militares, ts figuras masculinas que representam autoridade, quatro vendedoras
ambulantes, oito trajes femininos (fidalga, senhoras, a criada, a escrava, a parteira e
a camponesa), além do irmão pedinte e do carregador de alfândega.
A segunda pintura também é dividida em três faixas horizontais, mas tem
seus 22 personagens distribuídos de maneira menos simétrica e ordenada. A
25
De acordo com Bluteau (1712:633): Finalmente em todos os Tribunaes ha Porteyros,
Porteyro da Chancellaria, da Relação, do Desembargo do Paço &c. Ha Porteyros, que
podem citar, fazer penhora, & execução (...) Na Audiência está em , & com a cabeça
descuberta, quando apregoa”.
61
correspondência com desenhos de Julião se observa aqui com mais clareza que na
tela vista anteriormente. As legendas que identificam os personagens são:
1. Cavall.o do Rio de Jan.o / Zerbinetto del Rio di Jan.o
2. Huma Sr.a de Rio de Jan.o / Una Sig.a del Rio di Jan.o
3. O modo com q vem o Preto do Mato a despachar na Alfandega de Angola p. se
Venderem / Modo como viene un Negro dal Bosco [...] nella Dogana di Angola
per vendersi
4. Mocamba da Baya / Serva della cittá della Baya
5. Mocamba, q vem a ser molata, q. se tratta com gravidade / Serva, chiamata
Mulatta che si tratta con Pulizia
6. Mocamba do Rio de Jan.o / Serva del Rio di Jan.o
7. Mocamba do Rio de Jan.o / Serva del Rio di Jan.o
8. Mocamba do Rio de Jan.o / Serva del Rio di Jan.o
9. Como andão nas Cadeyrinhas as Snr.as do Rio de Jan.o, as q. vão atrás são as
Mocambas que as acompanhão sempre / Maniera che vanno nella Segette le
Signore di Rio de Jan.o e quelle che vanno dietro sono le serve che
l’accompagnano sempre
10. Mocamba [...] / Serva che va [...] di Notte a [...]
11. Mocamba em desfarce / Serva trasvestita
12. Mocamba do Rio de Jan.o / Serva del Rio di Jan.o
13. Como costumão estar as Mulheres em suas Cazas no Rio de Jan.o / Come siano
le donne in sue Caze nel Rio di Jan.o
14. Pretta Mocamba do Rio de Jan.o / Serva di Rio di Jan.o
15. Preto q. vende Agua no Rio de Jan.o / Negro che vende acqua nel Rio di Jan.o
16. Mocamba di Angola / Serva di Angola
17. Preta q. vende limonada no Rio de Jan.o / Negra che vende lemonata nel Rio di
Jan.o
18. O Modo de Carregarem os pretos no Rio de Janeiro / La Maniera di [...] li Negri
nel Rio di Janeiro
19. O modo com q. andão os Pretos em Angola / La maniera che vanno li Negri in
Angola
20. Preta q. vende doces no Rio de Jan.o / Negra che vende dolci nel Rio di Jan.o
21. Preta q. vende ovos no Rio de Jan.o / Negra che vende ovi nel Rio di Jan.o
22. Mocamba preta de Baya / Serva Negra della Baya
Diferentemente da pintura anterior, a parte central de cada segmento desta
obra é ocupada por grupos de personagens: na faixa superior, vemos uma cena de
62
mercado de escravos em Angola; na faixa central, uma cadeirinha sendo levada por
dois escravos e seguida por criadas (que corresponde à estampa treze do álbum da
FBN, ver Fig.27); na faixa inferior, um grupo de negros carregando um barril.
Apenas ts personagens ocupam a faixa superior: um cavaleiro e uma
senhora, ambos do Rio de Janeiro, e uma mucama da Bahia. No segundo segmento,
temos sete “mocambas” vocabulário desconhecido em Bluteau, mas que
possivelmente seja sinônimo de “mucama”, ou serva de casa –, todas brancas, sendo
quatro delas provenientes do Rio de Janeiro. A última personagem deste segmento
é uma mulher com os trajes que usa dentro de casa. A faixa inferior é ocupada
exclusivamente por personagens negros. Entre eles, vemos novamente ts
“mocambas”, sendo uma do Rio de Janeiro, uma da Bahia e uma de Angola, mais
quatro vendedores de rua (água, limonada, doces e ovos), além de uma personagem
que exibe o traje usado pelos nativos em Angola.
Diante disso, resta dedicar um pouco mais de atenção à questão da autoria
das telas. Nesse sentido, dois caminhos a considerar: aceitar ou não a atribuição
feita a Carlos Julião. Se consideramos que as obras tenham sido de fato executadas
por ele, o primeiro dado a atentar é a datação. Ainda que apenas uma delas seja
datada, pode-se admitir que sejam ambas as telas de 1779, o que nos leva a concluir
que elas foram forçosamente pintadas enquanto Julião estava a serviço da coroa
portuguesa nas possessões ultramarinas, como poderá ser comprovado no capítulo
2 deste trabalho, que trata da biografia do oficial. Neste período, aliás, ele
provavelmente estava no Brasil, que a data coincide com a da prancha da
Elevação e fachada. Deduz-se daí que todo o elenco de tipos provenientes do Reino
já estivesse então organizado quando Julião deixou Portugal em 1774, o que implica
que o hábito de desenhar visando a composição de “um álbum de curiosidades” é,
portanto, anterior às viagens “às plagas distantes”, como queria Cunha (1960). O
que nos leva a outra importante conclusão: o interesse de Julião pelo registro de
tipos humanos não foi despertado pelo que mais tarde se chamou de “exotismo
dos povos do ultramar português. Ao contrário, ao que parece, trata-se de um
interesse que antecede a viagem às Conquistas, e que talvez esteja informado por
tradições visuais internacionais, tais como os livros de trajes, a literatura de viagem
ilustrada e a cartografia. Caberia investigar de que forma Julião apreende essas
tradições.
63
Tendo em vista ainda a concordância com a atribuição das pinturas a Julião,
outros dois aspectos que precisam ser abordados. O primeiro deles diz respeito
à suposta habilidade de um militar para o ofício da pintura a óleo. Ora, sabemos, e
teremos oportunidade de voltar a esse assunto adiante, que o exercício do desenho
fazia parte da formação militar no século XVIII português, assim como a instrução
no uso da aquarela, ambos instrumentos de grande utilidade para a atuação desses
profissionais, em especial aqueles ligados diretamente à edificação. O desenho e a
aquarela eram de fácil manipulação em campo, ou seja, fora das condições
controladas de trabalho em gabinete, e, ao mesmo tempo, eram de grande eficácia
em “demonstrar”, “fazer ver” aquilo que era necessário comunicar aos superiores.
Não à toa existem tratados que estabelecem uma normativa para o desenho militar
no Setecentos português
26
. Contudo, a prática da pintura a óleo exige uma
preparação técnica diversa, que certamente o se adquire na Aula Militar. Mas,
supondo que ele possuísse essa habilidade, o que é possível, parece improvável que
Julião tivesse pintado essas telas no Brasil por diletantismo, o que faz pressupor ter
havido aí uma encomenda. A presença, aliás, das legendas em italiano vem reforçar
esta suposição. Na medida em que se pudesse apurar de modo conveniente a quem
eram destinadas essas telas, certamente seriam trazidas à tona novas fontes de
investigação, que ampliariam o entendimento da atuação de Carlos Julião no campo
das artes visuais.
Se, ao contrio, admitirmos que Julião possa o ser o autor dessas obras,
entra em cena, então, algum outro artista, que certamente tomou por base seus
desenhos para a composição das telas em questão. E aqui coloca-se um novo
problema: se Julião retornou a Portugal apenas em julho de 1780, como veremos, as
duas telas o podem ter sido pintadas simultaneamente. A primeira pintura, que
traz o símbolo de Lisboa, deve ter sido executada, portanto, em 1779 por artista
anônimo, baseando-se em modelos de outro(s) desenhador(es) que não Julião. a
segunda pintura deve ter sido feita algum tempo depois, usando as aquarelas de
Julião como principal referência. Nesse caso, o pequeno intervalo temporal entre a
26
Apenas para citar alguns: António Moreira, Regras de desenho para a delineação das plantas,
perfil, e prespectivas pertencentes à architectura militar, e civil… (Moreira 1793); ou Azevedo
Fortes, Tratado do modo o mas fácil, e o mais exacto de fazer as Cartas Geográficas, assim da
terra, como do mar, e tirar as plantas das Praças, Cidades, e edifícios com instrumentos, e sem
instrumentos (Fortes 1722).
64
primeira obra e a segunda explicaria talvez alguma diferença de composição entre
elas, notadamente no que diz respeito à ordenação dos personagens, muito mais
aglutinados na segunda pintura e melhor individualizados na primeira.
De todo modo, o dúvida de que essas obras ocupam posição singular
no contexto da arte portuguesa do século XVIII, não sendo usuais as
representações de tipos populares locais em pintura antes da última cada deste
século. Tenreiro (2008:129) nota essa singularidade ao sugerir que as telas sejam
renomeadas como Castas de Portugal” e Castas do Atntico Sul”, em alusão,
naturalmente, às pinturas de castas do Setecentos hispano-americano. Ainda que
tenhamos priorizado para este trabalho a relação de Julião com o universo do
desenho militar e que nos seja desconhecida a existência de qualquer tradição de
pintura de castas em Portugal, vale examinar se de alguma maneira é possível
associar essas as duas tradições.
Como faz notar García iz (1989), o surgimento do nero das pinturas de
castas na América Espanhola do século XVIII corresponde a um capítulo das
práticas artísticas voltadas aos temas profanos na arte do peodo colonial. Tendo
como assunto principal a mestiçagem, os quadros de castas se ocupam da
representação de conjuntos familiares compostos de um casal, cujos indivíduos
procedem de grupos raciais distintos, e pelo menos uma criança derivada desta
união e, portanto, mestiça. Considerando-se todos os cruzamentos possíveis entre
as três etnias principais o branco, identificado como espanhol, o negro e o índio
e dessas com os tipos mestiços resultantes de cada mescla, chega-se a dezesseis
diferentes “castas” que comporiam o total da população mexicana. Assim, é
habitual que as pinturas de castas se apresentem em ries de dezesseis quadros,
sendo que, em alguns casos, o pintor escolhe representá-las num mesmo painel
dividido em dezesseis compartimentos. A constante presença de uma inscrição que
explica a mescla racial figurada na pintura como “de Cambujo e Índia produce
Sambaigo” parece ser ptica emprestada das cncias naturais. Importante
assinalar que alguns historiadores sugerem que os quadros de castas seriam
destinados às paquias e que as inscrições servissem como orientação aos rocos
65
no momento registrar nascimentos, uma vez que o registro civil só foi estabelecido
no México, por exemplo, em 1856
27
. [Fig. 63 e 64]
Os quadros de castas mexicanos o ambientados como cenas domésticas,
em que os personagens são registrados no interior de suas casas ou no desempenho
de seus ofícios, constituindo um vasto repertório das atividades cotidianas no
México colonial. Logo, nessas pinturas, as castas se definem o apenas pela
mistura racial de que se originavam, como também pelo modo de vestir e pelo
ofício a que se dedicavam. A rie de dezesseis telas explicita a condição e o lugar
de cada casta, com o que se delineia um quadro geral da estrutura social da Nova
Espanha setecentesca.
Ao pensar as séries de castas num possível paralelo com as pinturas
atribuídas a Carlos Julião, uma primeira questão a considerar é o fato de que o
nero de pintura surgido no México se caracteriza como uma visão sobre a
sociedade americana construída na Arica. Sendo assim, aponta como fator
distintivo dessa sociedade seu caráter mestiço e não se furta a um julgamento moral
sobre a mescla de raças. Nas telas da coleção pernambucana (como também nas
demais obras atribuídas a Julião), ao contrário, o autor parece elaborar uma
narrativa sobre a diversidade de povos e costumes que se reúnem sob uma mesma
“coroa” (como literalmente ocorre na pintura dos tipos portugueses), diversidade
esta que ele escolhe expressar por meio dos diferentes modos de vestir. Não se
trata, portanto, de um discurso sobre si mesmo, como no caso das castas, mas sobre
o outro”. E, sendo assim, não podemos ignorar a dupla condição de Julião: um
piemontês de nascimento a serviço do exército português. Como militar, ele
personifica o que Pratt (1992) chama de olhos do império”, na medida em que
observa e figura o alcance do donio luso sobre diferentes povos e territórios. Ao
mesmo tempo, ele é também estrangeiro nesses donios, possivelmente atraído
pela multiplicidade de costumes com que se depara nesse universo. De todo modo,
não parece haver julgamento moral em Julião, nem tampouco uma apreciação
sobre a mescla de raças, embora a mestiçagem dos costumes seja percebida e
representada por ele.
27
Cf. Yturbide, Teresa Castello. La indumentária de las castas del mestizaje. In iz
1989:74-78.
66
Fig. 63 Miguel Cabrera. De negro e índia, china
cambuja, sem data (século XVIII). Óleo sobre tela.
Museo de América, Madri
Fig.64 Miguel Cabrera. De índio e barzina,
sambaiga, sem data (século XVIII). Óleo sobre tela.
Museo de América, Madri
Fig. 65Autor desconhecido. Castas de México, sem data (século XVIII).
Óleo sobre tela
Museo Nacional del Virreinato, Tepotzotlán, México
67
Entretanto, sendo ambas prodões típicas do século XVIII, é inevitável
que tanto as pinturas de castas quanto as obras de Julião estejam de alguma forma
imbuídas de uma mentalidade ilustrada, que almeja classificar e ordenar o mundo.
Essa intenção subjacente torna visíveis organizações sociais por si hierárquicas. Em
Julião, inexiste a intenção de compor um quadro completo de todas as
possibilidades de tipos sociais do mundo português do reino e ultramar e, dessa
forma, dar a ver uma estrutura social. Mas é possível sim entrever essa estrutura,
que se insinua nos modos mais ou menos sofisticados de vestir, no fato de todos os
negros carregarem algo nos ombros ou na cabeça e nenhum dos brancos carregar
nada, ou nos brancos que supervisionam o trabalho dos negros nas minas, ou no
fato de os indígenas estarem próximos dos recursos naturais. Nas pinturas de
castas, ao contrário, existe um programa compositivo a ser cumprido as dezesseis
possibilidades de cruzamento entre as três raças, representadas por meio de casais
e um filho que acaba por revelar o quanto as condões mais ou menos prósperas
de vida na Nova Espanha do Setecentos eram diretamente proporcionais à
quantidade de sangue branco trazido pelo tipo que representava aquele
determinado extrato social.
Por outro lado, sendo as castas um nero propriamente picrico, é natural
que esteja referenciado por convenções da pintura erudita
28
. Assim, é possível
perceber em muitas das telas que compõem as diversas séries modos de
representação dos gestos e posturas corporais oriundas da pintura religiosa barroca,
ou mesmo das cenas de nero os bodegones do século XVIII espanhol. Nas
pinturas pernambucanas é bastante evidente que as figuras, pensadas sempre
individualmente, estão referenciadas por outras figuras, provavelmente oriundas do
desenho ou da gravura, mas não por modelos da pintura. No caso das demais obras
atribuídas a Julião, ainda que haja mais de um personagem representado na mesma
prancha, eles raras vezes interagem ou compõem uma cena. Mantem-se em seus
desenhos a impressão de uma visão fragmentada, que retira os personagens de seu
contexto usual e os rearranja em outra ordem. Também, vale assinalar que o
desenho de Julião, em geral, apresenta uma certa “afetação” no modo de
28
Cabe lembrar que no México foi fundada, em 1785, a Real Academia de las Nobles
Artes de San Carlos, a primeira academia de belas artes das Américas e a única
instituição do gênero a funcionar durante o período colonial (Ades 1997:27).
68
representar os gestos e posturas corporais, que de resto é típica da ilustração
setecentesca. Colabora para tanto a noção de “teatralidade” que, herdada do
barroco, continua a informar a visualidade no que tange à representação da figura
humana.
De todo modo, é preciso reconhecer que as telas pernambucanas
apresentam uma configuração que se assemelha a certas pinturas de castas,
especificamente àquelas em que os dezesseis casais estão reunidos no mesmo
quadro. Como podemos notar pela Fig.65 , nessa tipologia as castas são organizadas
em compartimentos isolados e, assim como as telas da coleção Brennand, trazem
legendas para identificação dos personagens.
O exame particularizado do conjunto de obras de autoria de Carlos Julião
ou a ele atribuídas teve como propósito, em primeiro lugar, circunscrever o corpus
em torno do qual esse trabalho se desenvolve. Ao mesmo tempo, procuramos
apurar o que se tem dito sobre elas, avaliar o “estado da questão”, para, a partir
disso, construir hipóteses a respeito de enunciados e destinatários. Tentou-se
também averiguar em que medida esses trabalhos implicam na familiaridade com
reperrios de imagens já sedimentados.
A primeira questão que se apresenta quando se acerca esse corpus é a falta
de clareza com relação à autoria. Apenas uma das obras é assinada pelo militar
Julião, sendo as demais atribuídas a ele por semelhança com esta primeira. Ora, se
consideramos que o prospecto e os fortes representados na Elevação e fachada o
cópias de outros desenhos, o que nos garante que as figuras também não sejam? Da
mesma forma, não é difícil verificar que existe uma certa desigualdade no
tratamento das figuras da Configuração da entrada da barra... Entretanto, como
ponto de partida, admitimos esse conjunto como um corpus único, que se apresenta
sob um mesmo espectro de questões. De resto, os problemas de autoria são
bastante recorrentes no contexto da iconografia luso-brasileira do Setecentos.
Teremos ocasião de voltar a esse assunto oportunamente.
69
Entre as hipóteses que surgiram ao longo deste capítulo, destacamos
aquelas referentes às duas pranchas de Julião conservadas no GEAEM. Segundo a
leitura que Alpers (1999) propõe do mapa do Brasil holandês de Marcgraf como
uma “cartografia histórica”, sugerimos que a Elevação e fachada seja tomada como
uma “descrição histórica” de Salvador, como também que a Configuração da entrada
da barra... seja relacionada às tentativas de implantação de leis anti-racistas na Índia
portuguesa. Naturalmente, essa leitura implica que o destinatário dessas obras seja
o próprio estado português, o que é perfeitamente condizente com a condição de
Julião ser um oficial do exército. O fato de que elas façam atualmente parte do
acervo de uma instituição militar só vem reforçar a probabilidade de que sua
origem esteja ligada a alguma requisição superior. Esses desenhos fazem ver aos
olhos metropolitanos o que seria, de outro modo, invisível.
O álbum de “figurinhasda FBN, por sua vez, parece ter outro destinatário,
que, conforme sugerimos, seria o brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, personagem
central da composição alegórica que abre o volume. Isso implica, ainda, que o
álbum tenha sido composto para ser presenteado a partir de um repertório mais
vasto de “figurinhas”. Cabe destacar que algumas cenas de caráter mais anedótico,
como o as Fig.16 e Fig.34, destoam um pouco do conjunto, introduzindo um
ritmo narrativo diverso das demais.
Quanto às pinturas pertencentes ao Instituto Ricardo Brennand,
consideramos improvável que a autoria seja de Julião. Não dúvida que o pintor
se reporta aos desenhos de Julião para a composição, o que é procedimento
perfeitamente usual no período em questão, mas isso não é evidência suficiente
para que se assuma ser ele o autor dessas obras. Por outro lado, discordamos da
opinião de Tenreiro quanto a interpretá-las segundo o modelo das pinturas de
castas hispano-americanas. Em nossa opinião, Julião o se ocupa da mestiçagem,
mas sim da diversidade, que ele representa por meio dos modos de vestir.
De toda forma, é possível entrever muitas tradições e conveões da
representação neste conjunto de trabalhos. Isto faz de Julião não apenas um
observador atento, como também um observador informado. Ou seja, o que se
manifesta nessas obras não adm apenas da percepção, mas também de algum
conhecimento prévio dos assuntos retratados.
70
A seguir, vamos percorrer a trajetória biográfica de Julião, ao menos até
onde nos foi possível reconstituí-la. Vejamos o que pode ser revelado sobre sua
personalidade artística a partir daí.
71
CAPÍTULO 2
Afinal quem é Carlos Julião?
Um ensaio biográfico
72
73
Afinal, quem é Carlos Julião? Um ensaio biográfico
Carlos Julião é mais um entre os inúmeros funciorios que a Coroa portuguesa
colocou “on the move” para usar a expressão de Russel-Wood (1998) , a circular
pelo espaço colonial espalhado em quatro continentes. Definitivamente, portanto,
não é personagem citado em dicionários ou compilações de biografias de homens
célebres. Os dados biográficos que podem ser comprovados por documentação a
seu respeito o ainda escassos e para uma reconstituição cronológica de sua
trajetória é necessário recorrer a fontes bastante dispersas.
O trabalho pioneiro no sentido de esboçar uma biografia de Julião foi
publicado por Lygia Cunha em 1960, como introdução à edição facsimilar do álbum
Riscos iluminados de figurinhos de brancos e negros..., pertencente à FBN, Rio de
Janeiro (Cunha 1960). Silvia Hunold Lara (2002 e 2007) levou adiante em grande
parte a biografia traçada por Cunha, acrescentando-lhe algumas hipóteses, como
por exemplo, aquelas relativas ao local de morte do artista. Passo fundamental para
o aprofundamento da questão foi dado por Maria Manuela Tenreiro (2007 e 2008),
que, a partir de exame de documentação nos arquivos portugueses, trouxe à tona o
manuscrito da Biblioteca Nacional de Portugal (de que falaremos adiante), assim
como rias outras informações de relevo. Mais uma fonte a destacar nesse quesito
é o breve texto de Carlo Burdet (1986), o primeiro a fazer notar a proximidade entre
Julião e o coronel Carlo Antonio Napione (1756-1814) a partir de 1801, quando o
metalurgista e mineralogista turinense passou a servir o ercito português como
inspetor do Arsenal Real do Exército.
Tanto Cunha, quanto Lara e Tenreiro consideram que Julião
desempenhasse funções de engenheiro dentro dos quadros do ercito português,
conforme se pode deduzir das afirmações: dos dados que nos chegaram às os
não consta a data que obteve o exercício de engenheiro (Cunha 1960), ou an
engineer by training” (Lara 2002) ou ainda Julião who served in the Portuguese
colonial army as an engineer”
29
(Tenreiro 2007). Sendo assim, no intuito de
compreender adequadamente a gênese da obra iconográfica de Carlos Julião,
29
“um engenheiro por formação” (Lara 2002); “Julião que serviu o ercito colonial
português como engenheiro” (Tenreiro 2007), tradução nossa.
74
torna-se prioritário avaliar sua presença junto ao contexto de atuação dos
engenheiros militares no Setecentos português.
É conhecida a relencia do papel que esses profissionais exerceram
durante o século XVIII na América Portuguesa em áreas tão abrangentes quanto o
levantamento cartográfico e a delimitação de fronteiras, a construção civil e o
desenho urbano, entre outros. Em vista disso, é por vezes difícil circunscrever com
precisão seu leque de atividades, como lembra Rafael Moreira ao chamar o
engenheiro do século XVIII de generalista, homem dos mil ofícios o
especificados (apud Faria 2001:72). De fato, a expectativa em torno da atuação
desses profissionais pragmáticos era de que fossem capazes de viabilizar a ocupação
e defesa dos territórios submetidos à coroa portuguesa, encontrando soluções e
propondo intervenções a partir das características e variáveis apresentadas pelo
próprio sítio, e o apenas tendo em conta preceitos teóricos. Como fundamento
do exercício de todas as suas fuões estava o conhecimento da matemática e do
desenho.
Beatriz Bueno (2003) faz notar a confluência de sentido entre as palavras
“desenho” e “degnio” naquele contexto. A noção de “desenho” entre os
portugueses está então imbuída de forte caráter instrumental, que identificada
com o raciocínio, o “exercício mental que precedia a viabilização de qualquer
intento(Bueno 2004a:153). Outro aspecto importante a destacar é a utilização do
desenho durante o século XVIII lusitano com o propósito de “demonstrar”, dar a
conhecer, fazer ver aos gestores metropolitanos o processo de efetiva ocupação e
controle dos territórios das Conquistas. Dentro da lógica colonial, os desenhos
produzidos pelos engenheiros militares no ultramar português foram mediadores
da ação política de dominação territorial empreendida pela metrópole.
É fundamental que se estabeleça essa diferenciação entre o cater
“utilitário” do desenho praticado em Portugal daquele mais especulativo do
desenho engendrado pela cultura clássica, em que este se converte em modo de
apreensão da estrutura visível das coisas, tornando-se meio de conhecimento do
mundo. Diante da necessidade de veiculão de informações objetivas, era natural
que a prática do desenho entre os engenheiros militares fosse, em grande medida,
padronizada pelo uso de conveões de representação. De fato, é principalmente
75
nas publicações do engenheiro-mor do reino Manoel de Azevedo Fortes (1722 e
1729) que se encontram compilados os métodos, instrumentos e a codificação da
representação gráfica utilizada no Setecentos português (Bueno 2004a:176).
Em vista dessas considerações, no presente capítulo, as informações sobre a
vida de Julião veiculadas pelos autores citados anteriormente serão
complementadas e confrontadas com a documentação encontrada durante pesquisa
realizada em arquivos portugueses no curso deste trabalho, nomeadamente no
Arquivo Histórico Militar (AHM), Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Arquivo
Nacional da Torre do Tombo (ANTT) e Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). As
informações auferidas da documentação serão contrapostas a outras de ordem
histórica, que visam trazer elementos que possam esclarecer se, e de que forma,
Carlos Julião esteve vinculado à prática da engenharia militar ou aos
estabelecimentos de ensino do desenho no contexto do ercito portugs, quais
sejam: as Aulas dos Regimentos de Artilharia (instituídas por ocasião da reforma do
exército de 1762), a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho (criada em
1790), a Aula de Desenho e Lavra de Metais da Fundição do Arsenal do Ercito
(em funcionamento desde meados do culo XVIII) ou a Casa do Risco do Real
Jardim Botânico da Ajuda (criada em 1780)
30
. Vejamos até que ponto foi possível
remontar esse quebra-cabeças.
Origem e formão
Conforme está declarado em rios dos documentos consultados, Julião nasceu na
cidade de Turim, então capital do Reino da Sardegna
31
, em 1740. Uma das questões
que emerge a partir do reconhecimento de sua nacionalidade piemontesa é o
próprio sobrenome “Julião”. Burdet (1986) chama atenção para esse fato, afirmando
30
Embora a Casa do Risco tivesse como objetivo reunir e capacitar desenhadores de
História Natural, seus primeiros freqüentadores eram alunos transferidos da Fundição do
Arsenal do Exército. Entre eles, estava Jo Joaquim Freire (1760-1847), desenhador da
Viagem Filosófica comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815)
(Faria 2001).
31
Denominação do antigo Ducado de Savoia a partir de 1720. Por gerações os duques de
Savoia reivindicaram o status de realeza, adquirido em 1713, quando a participação na
Guerra de Sucessão Espanhola lhes garantiu a coroa da Sicília, posteriormente anexada à
coroa do Reino da Sardegna. Turim, a cidade-capital dos Savoia desde 1560, manteve-se
como ponto central dos seus territórios.
76
a dificuldade de deduzir, a partir da versão traduzida para o português do
sobrenome, o nome italiano original. Segundo o autor, o muito comuns na região
os sobrenomes Giuliano ou Giuliani que poderiam ser vertidos para Julo em
português –, até mesmo escritos com a inicial “J”. Burdet o descarta, ainda, a
hipótese de Julião ter nascido no Piemonte no âmbito, porém, de uma família de
origem portuguesa, possibilidade que Tenreiro também considera (2008:27). A
questão, contudo, poderia ser devidamente esclarecida por meio de uma
pesquisa mais atenta em arquivos turinenses. O fato é que, em toda a
documentação consultada sobre Carlos Julião em Portugal, seu sobrenome aparece
sempre na forma portuguesa, com uma única exceção: o Almanaque de Lisboa de
1807. Nesta publicação, o nome de Julião é mencionado duas vezes: a primeira à
página 120, onde se Carlos Juliani, no Arsenal Real do Exército, Campo de
Santa Clara”; a segunda à pagina 355, em que é citado como o coronel Carlos
Juliani, junto ao Parque do Campo de Santa Clara”. É provavelmente baseada no
Almanaque que Silvia Lara adota em seus escritos a grafia do sobrenome Juliani
(2007). O próprio Julião, no entanto, sempre utiliza a forma portuguesa do nome,
seja em sua correspondência, seja nos trabalhos de sua autoria, assinando Carlos
Julião” a prancha Elevação e fachada... e Carlos Valentim Julião” o manuscrito da
BNP.
Os dados relativos à formação de Carlos Julião o bastante imprecisos,
assim como não são claros os motivos de sua transfencia para Portugal. O
documento que pode nos dar algumas pistas para o esclarecimento dessas questões
fundamentais está conservado no AHU, e é datado de fevereiro de 1781
32
. Trata-se
de um Aviso do secretário dos Negócios Estrangeiros, Aires de e Melo (1715-
1786), ao secretário da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro (1716-1795),
em que se determina que os oficiais de artilharia que voltavam dos serviços no
Brasil e na Índia fossem agregados aos regimentos de artilharia da Corte, nos
postos que estivessem vagos. Anexo a este Aviso, um documento redigido de
próprio punho por Julião, em que o então primeiro-tenente de artilharia afirma ser
“natural da Corte de Turim de donde passou a esta de Lisboa, para adequerir a
32
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
77
gloria de servir a V.a Mag.de Fidelíssima”
33
. Vale ainda destacar a afirmação contida
em outro documento anexo a um processo de 1780, onde se que Carlos Julião
que disserão ser filho de João Baptista, natural de Turim, o qual declarou ter vindo
para este Reyno no anno de mil setecentos e sessenta e trez”
34
. A partir de ambos os
trechos expostos, é possível deduzir que Carlos Julião transferiu-se para Portugal
aos 23 anos, no que parece ter sido uma opção profissional de colocar-se a serviço
da coroa portuguesa. A chegada e imediato início de sua carreira no exército luso
num posto de oficial (como teremos oportunidade de confirmar adiante), nos
colocam diante de outra questão fundamental para entendimento da biografia de
Julião: a de que sua formação teria se dado ainda na Itália
35
.
O mesmo documento de fevereiro de 1781 que quase pode ser
considerado um curriculum vitae nos apresenta outra importante pista sobre os
anos formativos de Julião, especialmente no trecho em que o primeiro-tenente
afirma ser “constante o exercício e aplicação que o Sup.te teve em tirar moldes,
fazer debuxos, e riscos na reggia academia de Turim”. Tudo indica, portanto, que
Julião chegou a Portugal depois de cumprida sua formação militar, que aconteceu
em sua cidade natal, possivelmente na Reale Accademia di Savoia (ou di Torino),
fundada em 1679 pela regente Giovanna Battista (1644-1724), viúva do duque Carlo
Emmanuele II (1634-1675)
36
.
O livro Turin, 1564-1680 de Martha Pollak (1991) é especialmente relevante
para a compreensão da cultura de forte cunho militar que se desenvolve nesta
cidade, enquanto local escolhido pela Casa de Savoia para instalar a sua capital a
33
O título de Majestade Fidelíssimautilizado pelos monarcas portugueses foi concedido
pelo papado ao rei d.João V em 1748, conforme assinalado por Boxer (2002:173): ...as
quantidades de ouro brasileiro que mandou para a corte papal e para os cardeais
finalmente, em 1748, renderam-lhe o título de Sua Majestade Fidelíssima, realizando-se
assim seu desejo de igualar-se ao Cristiassimo rei de Fraa e ao Mui Católico rei de
Espanha.”.
34
ANTT – Ministério do Reino / Decretamentos de servos, Maço 60, Doc.59 (ver Anexo 2).
35
Tenreiro considera que o treinamento militar de Julião tenha acontecido em Portugal,
segundo se depreende do trecho “while his visual work was informed by the military
training he received in the Portuguese academy (...)” (“Na medida em que sua obra visual
era informada pelo treinamento militar que recebeu na academia portuguesa (...)”, tradução
nossa) (Tenreiro 2008:26).
36
Será somente no reinado de Carlo Emmanuele III (1701-1773) que será fundada uma
Scuola di Artiglieria e Fortificazione em Turim. A constituição de um regimento de
artilharia no Piemonte data de 1743.
78
partir de 1560. Segundo a autora, durante os séculos XVI e XVII, Turim – que até o
Quinhentos ainda mantinha sua forma primitiva de castrum romano –, terá seu
desenho urbano e sua fisionomia arquitenica sucessivamente transformados para
fazer dela uma cidade-capital, expreso do poder da corte ducal reinante. E a
preocupação central desta corte, conforme Pollak, o era outra senão a
manutenção da recém-adquirida independência do seu Estado, tornada possível
por meio de uma série de acordos diplomáticos estabelecidos com outras casas reais
européias. Essa certa fragilidade política era ainda agravada pela situação geográfica
do ducado, localizado bem aos s dos Alpes. Essa localização fazia com que o
Piemonte fosse considerado pelos demais estados italianos como um importante
bastião de defesa, que seria o primeiro alvo de possíveis invasores da pensula
itálica. Por outro lado, situava-se entre os territórios controlados pelas maiores
potências militares do período, França e Espanha (então ocupante da Lombardia).
E, em sucessivos episódios, o Piemonte foi invadido alternadamente por uma e
outra.
De acordo com a tese de Pollak (1991:18), esses fatores favoreceram o
desenvolvimento entre os Savoia de uma condição de “constante vigilância”,
determinante para a constituição de uma verdadeira “cultura militarno ambiente
turinense. Cultura essa que estaria expressa não somente na aparência de seus
edifícios e fortificações, como também na elaborada simbologia evocada nas festas e
cerimoniais promovidos pela corte ducal. A constituição da the richest princely
collection of military books in Italy”
37
(Pollak 1991:156), composta dos principais
escritos dos séculos XVI e XVII o apenas de autores italianos, mas também de
franceses e flamengos, e ainda de representativas coleções de mapas, tratados e
manuscritos são também aspectos significativos do interesse dos duques de Savoia
pelas questões militares. Esse ambiente tão moldado por preocupações da ordem
da defesa e fortificação das praças, do aperfeiçoamento das armas de artilharia, da
ordenação do espo urbano para circulação de tropas e equipamentos de guerra,
supostamente teria garantido a Julião uma formação militar sofisticada, que lhe
permitiria notável versatilidade em diversas área de atuação, como teremos
oportunidade de constatar adiante.
37
“mais rica coleção principesca de livros militares na Itália”, tradução nossa.
79
Início de carreira no exército
Também não pode passar despercebido o fato de Julião ter se transferido para
Portugal num momento de profunda reestruturação do ercito luso, fato esse que
merece algumas considerações. A segunda metade do culo XVIII corresponde a
um período de modernização e organização do exército enquanto instituição em
Portugal, ao mesmo tempo em que revela a emergência do militar como categoria
social naquele país. É Boxer quem nos lembra da total impopularidade e falta de
prestígio que o serviço militar tinha até então entre os portugueses, notoriamente
pelo fato de a Coroa ser mau patrão”, pagando “mal, tarde, ou nunca” (2002:310-
325). Outro fator que colaborava para a má reputação do serviço militar era o
sistema de recrutamento empreendido pelas levas”, que percorriam o interior do
país praticamente arrastando à força os jovens aptos a servir no exército. Segundo
afirma Marques (1981), até o período pombalino, subsistiam ainda práticas no
âmbito do exército que faziam com que sua organização reproduzisse uma
estratificação própria da sociedade portuguesa. Grosso modo, a alta nobreza, por
tradição e hereditariedade, ocupava os postos de comando, enquanto o restante da
oficialidade provinha de uma pequena aristocracia provincial, que podia contar
com o favor de algum “grande”. Os quadros se completavam com aventureiros e
marginais que se ofereciam como voluntários, ou soldados que haviam podido subir
um pouco na hierarquia aproveitando o sucesso de alguma campanha.
A inopencia do exército tinha sido sentida em parte por ocasião do
terremoto que assolou Lisboa em novembro de 1755 (Marques 1981:30), quando os
oficiais não foram capazes de conter o caos que rapidamente se espalhou pela
cidade. Mas o processo que desencadeou a necessária profissionalização das forças
militares em Portugal foi a Guerra do Pacto de Família, ou Guerra Fantástica, como
ficou conhecida a parcela da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) que se desenrolou
em território luso entre maio e novembro de 1762. O conflito originou-se da recusa
de d.José I em aderir ao pacto de família dos Bourbons da França, Espanha,
Nápoles e Parma contra a Inglaterra e Prússia. Uma vez desobedecido o ultimato
para que Portugal fechasse seus portos aos navios ingleses, o país foi invadido por
tropas franco-espanholas através da fronteira de Trás-os-Montes, em 5 de maio de
1762.
80
Por essa época, o exército português via-se um bom tempo reduzido à
metade de seus efetivos, “todos mal armados e pior disciplinados” (Cordeiro
1895:191). Em 1761, o se pagava a tropa há um ano e meio, e os soldados
recorriam frequentemente à mendicância e à violência (Marques 1981:31). Diante
do mero alarmante de deserções, algumas medidas emergenciais foram tomadas
com sucesso pela administração do então conde de Oeiras no sentido de aumentar
os efetivos, como, por exemplo, o pagamento de soldos atrasados. Asetembro de
1762, o exército salta de dezoito para sessenta mil homens. No entanto, como
ocorrera com freqüência no passado, diante do conflito, foi necessário recorrer
ainda à ajuda estrangeira para completar os quadros militares e armá-los
adequadamente para o confronto com os invasores. O rei George III da Inglaterra
enviou a Portugal um efetivo de oito mil homens, acompanhados de vários oficiais
superiores, que seriam alocados em postos de comando do exército português.
Também recomendado pelos ingleses, chega ao ps o personagem que assumiria
um papel de protagonista no processo de modernização das forças militares em
Portugal, o conde de Schaumburg-Lippe (1724-1777)
38
, que d.JoI famarechal-
general e comandante-em-chefe do exército luso-brinico em 10 de julho de 1762.
Ciente da inferioridade de suas tropas, Lippe limita sua ão a uma guerra
de posições, impedindo avaos do exército inimigo. A guerra transcorre sem que
nenhuma batalha significativa seja travada, e logo a 1 de dezembro assina-se o
armistício. Em fevereiro de 1763, o tratado de paz é ratificado em Paris. Apesar do
fim das hostilidades, era patente que Portugal não tinha capacidade de defender a
integridade do seu território sem recorrer a ajuda estrangeira, e em especial à da
Inglaterra.
Conforme afirma Marques, no âmbito da gica do projeto pombalino de
governo, o processo de modernização do Estado teria necessariamente de
considerar a reestruturação do seu exército. “O exército devia passar a
38
Sendo o segundo na sucessão do condado de Schaumburg, na Saxônia, Lippe foi
destinado à carreira militar. Estudou em Genebra, Leiden e Montpellier, passando ao
serviço da Guarda Real e da Marinha britânicas. Como conseqüência das mortes do iro e
do pai, é chamado a assumir, aos 24 anos, o governo do condado de sua família. Quando
eclode a Guerra dos Sete Anos, reúne suas tropas ao exército de Hannover, para combater
ao lado dos prussianos. Distingue-se na condução de diversas operações de batalha, o que
lhe vale a nomeação de comandante da artilharia dos exércitos aliados. Nessa condição, é
convidado a ir a Portugal liderar o exército luso-britânico contra os invasores franceses e
espanhóis.
81
corresponder à natureza despótica do poder, (...) ser, enfim, o garante da autoridade
do Estado impondo-se sobre a sociedade global(Marques 1981:48). É justamente
nesse contexto que o conde de Lippe é convidado pelo ministro Carvalho e Melo a
permanecer em Portugal e proceder a todas as reformas necessárias para dotar o
país de um exército em condões de enfrentar potenciais inimigos.
Com esse prosito, Lippe prolongou sua estadia em Portugal até setembro
de 1764, retornando posteriormente para outra temporada entre setembro de 1767
e março de 1768, quando voltou em definitivo para a Alemanha. No entanto,
mesmo à distância, o conde continuou a ser uma figura de refencia para os
portugueses: frequentemente enviava instruções e conselhos sobre questões
militares aos oficiais, muitos dos quais mantinham correspondência asdua com
ele, elaborava documentos, e era sempre o primeiro nome a ser lembrado, em
especial por d.Jo I, quando Portugal se encontrava diante de qualquer ameaça
mais efetiva.
As principais medidas adotadas por Lippe diziam respeito, em primeiro
lugar, à organização mesma do exército. No que se refere à Artilharia que nos
interessa particularmente, que será a arma onde trabalhará Carlos Julião –, foram
organizados quatro regimentos: o de Lisboa (ou da Corte), o de Lagos (ou do
Algarve), o de Extremoz (ou do Alentejo) e o do Porto (ou do Norte). Cada um
desses regimentos era formado por doze companhias, sendo uma de bombeiros (ou
bombardeiros), uma de mineiros, uma de artífices e nove de artilheiros
39
(Cordeiro
1895).
Com relação à disciplina e à instrução das tropas, grande preocupação de
Lippe, o conde apresentou, ainda no início de 1763, o Regulamento para cavalaria e
infantaria que haveria de continuar sendo referencial para o exército luso até o
século XIX. Lippe também dotou as forças militares portuguesas de seu primeiro
plano de uniformes, incluídos aí exército e marinha, datado do ano de 1764, projeto
este extensível às possessões ultramarinas. Só a partir deste ano, passou-se a fixar
com rigor o aspecto e a maneira de portar os uniformes. O corte seria o mesmo
39
Segundo Bluteau (1712): bombardeiro é o “official que faz pontaria com a artilheria & a
dispara” (t.2, 151), mineiro ou minador é “aquelle que mina ao muro para o voar” (t.5, 493) e
artilheiro é “aquelle cujo officio he assestar apontar & disparar a Artilharia” (t.1, 578). O
verbete “artífice” não menciona atividades de oficiais do exército.
82
para todas as armas e as unidades se diferenciariam pelas formas e cores das golas,
lapelas, bandas, vistas, galões, botões, etc. Somente em 1806 é que se estabelece em
Portugal o costume de vestir todo o exército com uniformes iguais (Rodrigues
1999:13). Outras iniciativas importantes do conde incluíam o fomento ao ensino e à
prática da artilharia e da engenharia militar, a definição das leituras e planos de
estudos para cada arma, indicação dos livros militares estrangeiros que deveriam
ser traduzidos para o português, assim como as obras mais adequadas aos
“exercícios de meditação militar” (Marques 1981:50).
De acordo com Marques, as reformas empreendidas por Lippe garantiram a
Portugal a constituição de um exército moderno, tanto do ponto de vista da sua
estrutura, quando dos valores militaristas que passaram a orientar a conduta das
tropas, como a obedncia, o respeito à hierarquia e o sentimento de honra com
relação ao serviço à pátria. Em seu conjunto, induziram os oficiais militares a um
novo tipo de relação hierquica, que deixava de ser social e tornava-se funcional.
As atribuões de graduações o diziam mais respeito à concessão de privigios,
mas passavam a depender de critérios profissionais como antiguidade e correto
cumprimento das obrigações funcionais. O que ocorreu, como é claro supor, não
sem resistência por parte daqueles ainda ligados aos antigos todos.
É possível que Julião estivesse ciente das reformas empreendidas pelo
conde de Lippe nas forças militares lusas e que isso tenha lhe parecido
suficientemente tentador para mudar-se para Portugal? É, sem dúvida, uma
hipótese. que a presença de estrangeiros no ercito português era o
significativa, talvez o jovem vislumbrasse uma chance de obter maior destaque
profissional do que poderia conseguir servindo em seu próprio país. No entanto,
esta é apenas uma hipótese, impossível de ser averiguada no estágio atual das
pesquisas. De toda forma, Lisboa ainda se reconstruía após a destruição provocada
pelo terremoto de 1755, e muitos estrangeiros se dirigiram para em busca de
oportunidades profissionais.
O fato é que a carreira de Julião no exército português inicia-se bem em
meio a esse processo, em outubro de 1763, quando recebe patente de segundo-
83
tenente
40
do corpo de bombeiros do Regimento de Artilharia de Lagos
41
, que havia
poucos meses tinha sido reorganizado para substituir o antigo Regimento de
Artilharia e Marinha do Reino do Algarve
42
. O comando do novo regimento estava
nas os do coronel Cristiano Frederico de Weinholtz (1732-1789), filho de
Frederico Jacob de Weinholtz (1700-1752), militar de origem ale que havia
alcançado bastante prestígio a serviço da coroa portuguesa.
A primeira promoção de Julião viria rápido, apenas alguns meses depois,
embora a patente viesse a ser confirmada em 1768. Essa é, aliás, a primeira de
algumas confusões que envolvem as patentes do nosso oficial. Em documento não
datado, mas posterior a 1765, Carlos Julião é citado como primeiro-tenente do
corpo de bombeiros do Regimento de Artilharia de Lagos. No entanto, afirma-se
que não tem Patente deste Posto em que foi nomeado em o 1
o
de Fevereiro de
1764 pelo Tenente Coronel Diogo Ferrier approvada pelo Marechal General
43
. E
ainda “cobrava o Soldo dobrado, que agora não cobra por não ter titulo, nem
ordem alguma que fosse passada ao Thesoureiro Geral para este pagamento
44
. De
fato, a falta de patente seria corrigida em 24 de março de 1768, quando esta seria
expedida em “concideração aos merecimentos e mais partes que concorrem na
pessoa de Carlos Julião (...) e aos serviços que me tem feito e a se achar sem a
patente que deve ter na forma das Minhas Reaes Ordens”
45
. Vale ainda assinalar
que, desde junho de 1764, o regimento de Lagos, onde estava alocado Carlos Julião,
havia sido transferido para o Quartel da Feitoria em Oeiras, onde o nosso oficial
passaria a residir.
40
Até 1911, não existiu nos regimentos de artilharia portugueses o posto de alferes, tendo
cada companhia, ao invés disso, dois tenentes.
41
ANTT – Conselho de Guerra / Livros de Registo..., Livro 106, f. 232 (ver Anexo 2).
42
O Prof. Rafael Moreira chamou-nos a atenção sobre a imigração numericamente
significativa de italianos para a região do Algarve, indicação de pesquisa que, no entanto,
não nos foi possível prosseguir.
43
AHM 3/ 12/ 3/ 6 (ver Anexo 1).
44
Marques (1981:70) assinala uma certa hostilidade existente entre os militares portugueses
e os oficiais estrangeiros que serviam o ercito. A prática de pagar soldo dobrado aos
estrangeiros estava bastante disseminada na instituição, o que causava grande
descontentamento aos portugueses, que, aparte o fato, ainda se sentiam agredidos pelas
diferenças culturais e religiosas e viam dificultadas suas chances de promoção.
45
ANTT – Conselho de Guerra / Livros de Registo..., Livro 108, f.255 (ver Anexo 2).
84
Visto que sua próxima promoção só aconteceria treze anos depois da
segunda carta-patente, cabe uma pausa para investigar quais teriam sido suas
atividades nesse período. O Processo Individual de Julião, conservado no AHM,
menciona alguns “desembarques” de que ele teria tomado parte, entre os quais
seria “de muita attenção a Expedição do Mazagão”, ocaso em que foi salvar a
Habitantes do ditto Prezidio debaixo do fogo do Inimigo, e com risco evidente da
sua vida
46
. Novamente será necessário recorrer ao documento do AHU citado
para esclarecer melhor a natureza desta expedição. Naquele documento, Julião
afirma ter “feito huma guarda costa com o Cap.m de mar e Guerra Bernardo
Remires de hum anno cuja campanha se concluio com o transporte de moradores
da praça de Marzagão [sic]”
47
.
Mazao havia sido fundada pelos portugueses em 1513 como entreposto
comercial na costa do atual Marrocos, ainda no contexto da fase da expansão
marítima lusitana na direção do Magrebe. Sua fortaleza, construída a partir de 1541
segundo projeto do italiano Benedetto da Ravenna, era das mais inexpugnáveis
edificadas pelos portugueses, o que provavelmente explica o fato de Mazao ter
sido o último baluarte luso na costa ocidental da África a cair, já na segunda metade
do século XVIII. Nessa altura, a cidade, nas palavras de António Dias Farinha,
“definhava numa luta intermitente com os mouros”
48
, aque, em 1769, não resistiu
ao cerco do sultão Sidi Mohamede ben Abdala. Diante da pouca importância da
cidade no sistema colonial português, decidiu-se pela sua evacuação, para o que foi
negociada uma trégua. Ainda segundo Farinha, foi enviada a Mazao uma forte
armada encarregada de trazer todos os moradores, a guarnição militar e todos os
bens que fosse possível embarcar”, após o que a fortaleza foi minada. Seus
habitantes e guarnições foram transportados primeiramente para Lisboa e, pouco
depois, para a recém-fundada cidade de Nova Mazagão, em plena Amania
brasileira, atual estado do Amapá.
Se Julião atuou, como afirma, no transporte dos moradores de Mazagão, é
certo que o navio em que servia como guarda-costas tenha feito parte da “forte
46
AHM, Processo Individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
47
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
48
Farinha, A.D. A apropriação do espaço. O norte da África. In: Bethencourt e Chaudhuri
1998:118-136.
85
armada” reunida para evacuação da cidade ordenada por d.JoI em 1769. Como
conseqüência dessa expedição e da “contajoza socciedadea que foi submetido, o
oficial afirma ter adquirido uma rigoroza maligna com a qual dezembarcou para
sua caza sem esperanças de vida, em cuja dilatada e perigoza doença gastou moito
do seo patrinio”
49
.
ainda outro trecho no mencionado documento de 1781 do AHU que nos
será bastante útil, o para trazer à tona atividades em que Julião esteve
envolvido e que o o mencionadas no seu Processo Individual, como também
para evidenciar a versatilidade e alcance de sua formação militar. Nele, o oficial
afirma que seu treinamento na academia turinense
deo motivo o Sup.te a fazer o modelo da Fortaleza do Bugio, que teve a honra de
ofreçer ao Serniss.mo Príncipe; e de ser encaregado de fazer o modelo em piqueno
da Estatua Eqüestre, por Fr.co Xavier de Mendonça que por causa da sua quazi
repentina morte se não [efetuou?] fazelo em grande. Huma pesa de artilharia com
seos reparos em proporção fondida pela sua mão que aprezentou ao Marechal o
Conde de Lippe na Aula de S.o Julião da Barra. E o retrato em pedra do mesmo
Conde de Lippe que o Sup.te aprezentou nas mãos do Snr. e Rey D.n Jo de
Gloriosa memória
50
.
Diante de todos esses dados, seconveniente tentarmos analisar as tarefas
uma a uma. Comecemos pela “fortaleza do Bugio”. O modelo a que Julião se refere
é provavelmente uma maquete da fortaleza de o Loureo da Cabeça Seca, ou do
Bugio, que está situada no meio do estuário do Tejo, em posição fronteiriça ao forte
de São Julião da Barra, na altura de Oeiras. Foi construída durante o reinado de
d.João IV (1604-1656, rei a partir de 1640), com projeto inspirado no Castel
Sant’Angelo de Roma, e que, por sua vez, acabou por servir de modelo à
construção do Forte de o Marcelo, ou Forte do Mar, em Salvador. Sabemos que
o terremoto de 1755 destruiu o farol do Bugio, que teve sua reconstrução ordenada
pelo secretário Sebastião Jo de Carvalho e Melo três anos depois. Julião foi
possivelmente encarregado de executar uma maquete por ocasião da reedificação
do farol, que só seria concluída em 1775.
49
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
50
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
86
Mas de que se trata o modelo em pequeno da Estatua Eqüestre”? Segundo
Julião, o modelo desta estátua lhe teria sido encomendado por Francisco Xavier de
Mendonça Furtado (1700-1769), irmão do futuro conde de Oeiras e marquês de
Pombal, que foi governador-geral da Capitania do Go-Pará e Maranhão desde sua
criação em 1751, até 1759. Isabel Mendonça (2003:6) nos lembra que, por ocasião do
retorno de Mendonça Furtado para o Reino, os vereadores de Bem do Pa lhe
solicitaram que localizasse em Portugal um artista habilitado a realizar uma estátua
de d.José I para ser colocada na praça fronteiriça ao novo Palácio dos
Governadores, edifício que começava a ser construído segundo projeto do arquiteto
bolonhês Antonio JoLandi (1713-1791). As obras, no entanto, o correram na
velocidade planejada e o Pacio seria terminado em 1772. Pouco antes disso, em
1769, os vereadores da cidade voltaram a dirigir-se a Mendonça Furtado, reiterando
o pedido de auxílio para a confecção de uma estátua do rei para Bem. Na ocasião,
foi enviado a Portugal inclusive um projeto de pedestal para a escultura, também
com desenho de Landi, que recebeu parecer desfavorável de Reinaldo Manuel dos
Santos (1731-1791), o arquiteto das obras públicas. o se sabe a quem teria sido
encomendada a escultura destinada a Belém
51
, mas é certo que a morte de
Mendonça Furtado interrompeu a tramitação do projeto, “impedindo assim que em
Belém do Pafosse concretizada a idéia pioneira de uma ‘praça real’, centrada pela
primeira estátua régia da arte portuguesa(Mendonça 2003:6). É curioso que Julião
tenha sido implicado nesse processo, ao realizar um modelo em escala talvez de
cera, ou mesmo fundido em bronze de uma escultura de d.José planejada para
ocupar o centro de uma praça idealizada por Landi no Pará.
Além das maquetes de fortalezas e modelos de esculturas, Julião inclui no
rol de suas competências a fundição de peças de artilharia, de que teria dado provas
ao próprio conde de Lippe na Aula de São Julião da Barra. Vale lembrar que o
forte de São Julião da Barra era onde estava aquartelado o Regimento de Artilharia
da Corte desde sua criação, em 1762. No mesmo alvará que ordena a constituição
do Regimento, cria-se “uma aula em que se dessem lições e fizessem exercícios
práticos três dias por semana, sendo hora e meia de manhã e uma hora de tarde
51
A hipótese de Mendonça é que o autor do projeto fosse o próprio Joaquim Machado de
Castro (1731-1822), escultor responsável pela estátua eqüestre de d.Jo I inaugurada em
1775 na Praça do Comércio, em Lisboa.
87
(Cordeiro 1895:262). Ou bem Julião esteve envolvido com esses “exercícios
práticos”, ou apenas tencionava impressionar Lippe, diante da falta crônica de
fundidores em Portugal, como faz notar Cordeiro (1895:207).
Resta ainda comentar sua declarada habilidade de escultor, comprovada
pela execução de um retrato em pedra do conde de Lippe, apresentado ao rei
d.José. Sem dúvida, entramos aqui numa seara que ultrapassa a qualificação técnica
própria da formação millitar, aproximando Julião das expressões de cunho artístico.
É curioso, de todo modo, que o oficial faça tão raras refencias à sua destreza no
desenho, o que não deixa de ser notado, no entanto, pelo capitão José Sanches de
Brito (?-1797), quando louva a conduta honrada de Julo, que, em sua opinião,
congrega “todas as Artes precizas a hum perfeito Militar, quaes são o desenho, a
Fortificação, a Fundição dos metaes, e a factura d’Artelharia”
52
. É ainda Brito que,
no mesmo documento, enfatiza que Julo foi destacado em huma Palla de Guerra
para nella ensinar o serviço d’Artelharia a bordo dos Navios”, o que o situa também
como um oficial hábil no ensino da artilharia naval
53
.
Embarque para os Estados da Índia
Ainda em referência aos “desembarques” citados no seu Processo Individual,
consta que Julião teria também viajado aos Brasis, Índia e China”
54
, embora nesse
documento as datas de tais viagens o sejam mencionadas. Mais uma vez,
recorremos a documentação constante em outros arquivos, no intuito de esclarecer
o caráter das missões de Julião no ultramar português.
Comecemos por destacar uma carta do coronel Weinholtz endereçada ao
conde de Lippe e datada de Faro, 21 de maio de 1777. Nela, o coronel do
Regimento de Artilharia de Lagos relata que
Mon ancien Regim.t fût divisé L’an 1774 en grands Détachemens dont les
premiers embarquèrent sur les vaisseaux du Roy, et les derniers qui etait de
52
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
53
Silvestre Ribeiro (1871: t.1, 304) enfatiza que “os Regimentos de Artilharia de S.João (sic)
da Barra e de Lagos seriam egualmente bem instruídos em todos os exercícios e manobras,
necessários para o serviço da artilheria a bordo dos navios
54
AHM, Processo Individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
88
cinq Compagniers se rendit par ordre de S.Majesté dans le pais-ci ou avec
d’autres semblables Détachements tirés des autres Regim.t d’Artilherie se
forma sous les ordres de Mr. Ferrier un nouveaux Regim.t d’Artilherie.
55
Este trecho de carta nos informa que o regimento em que servia Julião
como primeiro-tenente do corpo de bombeiros foi extinto em 1774 e que parte de
seus integrantes foi embarcada nas naus de d.José I, enquanto outros oficiais foram
agregados a outros destacamentos até a reorganização de um novo regimento. É
novamente Weinholtz quem esclarece a presença de Carlos Julião numa dessas
naus, quando atesta, em 1780, que o militar havia servido em seu regimento
(...) athe o dia doze de Fevereiro de mil sette centos e settenta e quatro vespora (sic)
do dia em que embarcou por minha Ordem em a Náo de Sua Magestade Nossa
Senhora a Madre de Deos que era commandante o Capitão de Mar e Guerra Joze
Sanches de Britto
56
que passou aos Estados da Índia.
57
O mesmo documento que situa o embarque de Julião para um período de
serviços na Índia Portuguesa em 13 de fevereiro de 1774, menciona também a data
de seu retorno a Lisboa em 23 de julho de 1780. Cumprem-se assim os seis anos e
meio de serviços prestados nos Estados da Índia que o mencionados em seu
Processo Individual. Durante esse longo período, o mais provável é que Julião
tenha permanecido a maior parte do tempo em Goa, a cidade sede do Estado
Português da Índia, local de residência do vice-rei e do arcebispo, a partir da qual
eram administradas todas as possessões lusas no oceano Índico, desde a costa
oriental da África ao Timor. Quais teriam sido as incumbências espeficas que
ele recebeu durante esses anos na Índia somente uma pesquisa mais aprofundada
nos arquivos de Goa poderia esclarecer. De todo modo, vale a pena destacar que
em 1773 havia sido constituído em Goa, pela primeira vez, um regimento de
55
“Meu antigo regimento foi dividido no ano de 1774 em grandes destacamentos, sendo que
os primeiros embarcaram nas naus do Rei, e os últimos que eram de cinco companhias,
foram distribuídos por ordem de Sua Majestade pelo país, ou com outros destacamentos
similares tirados de outros regimentos de artilharia foi formado sob as ordens do Sr. Ferrier
um novo Regimento de Artilharia”, tradução nossa (AHM 4/ 1/ 15/ 13).
56
Brito vinha a ser cunhado de Weinholtz, que casado com sua irmã, Luisa Margarida
Leonor de Weinholtz.
57
ANTT – Ministério do Reino / Decretamentos de servos, Maço 69, Doc. 59 (ver Anexo 2).
89
artilharia. É de se supor que muito do trabalho de Julião em seu período no
Oriente tenha de alguma forma se desenvolvido ali.
Para outros eventuais serviços em que Julião pode ter estado envolvido na
Índia é necessário recorrer novamente ao seu Processo Individual. está
mencionada uma viagem do oficial a Macau, “aonde foi por insinuação de Martinho
de Mello
58
, Secretario d’Estado, tirar a planta de todo o destricto, que pertence a
V.Alteza Real, o q. Executou com a maior exactidão, e entregou ao ditto Ministro”
59
.
Em 1773, segundo lembra Tenreiro (2007), Melo e Castro parece ter tido um
interesse especial por Macau, chegando a propor um plano de reforma da cidade.
Esta é provavelmente a causa de ter solicitado que fosse tirada a planta do local. A
ordem foi dada ao governador da India, que deve tê-la transmitido às autoridades
militares em Goa, responsáveis por designar Carlos Julião para a tarefa. É o que nos
sugere o capitão José Sanches de Brito, ao escrever que Julião “para tirar a Planta
da Cidade de Macao foi mandado aquelle Porto pello Governador, e Cap.m G.al da
Índia cujas Comiçoens cumprio com satisfação, e honra”
60
. No entanto, este
levantamento, que o oficial afirma ter executado com exatidão e ter entregue ao
ministro, não foi localizado nos arquivos consultados em Portugal. Na verdade, a
identificação deste tipo de documento é bastante difícil, visto que frequentemente
os desenhos não são assinados ou datados e foram separados da correspondência
de que seriam um anexo pela gica da organização documental dos arquivos
portugueses. Atulo de exemplo, reproduzimos aqui uma planta de Macau que não
traz indicação de autoria e não é datada, mas que é certamente contemporânea do
trabalho executado por Carlos Julião. [Fig.66]
Sabemos que Julião só retornaria a Lisboa em julho de 1780. Visto que a
Elevação e fachada, obra analisada no capítulo anterior, traz a data de maio de 1779,
parece bastante razoável supor que a nau Nossa Senhora da Madre de Deus, em
que o oficial servia, tenha ancorado em Salvador no seu retorno da Ásia. Aliás,
convem lembrar, conforme aponta Boxer (2002:234), que a coroa portuguesa
58
Martinho de Melo e Castro (1716-1795) foi dos secretários de Estado portugueses que mais
tempo se manteve no corpo ministerial. Iniciou sua carreira como diplomata, tendo sido
embaixador em Haia (1751) e Londres (1754). Foi nomeado para a Secretaria de Estado da
Marinha e Ultramar em 1770 e nesse cargo permaneceu até sua morte.
59
AHM, Processo Individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
60
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
90
sempre tentou evitar e mesmo proibir que os navios da Carreira da Índia
aportassem no Brasil. Concorriam para essa proibição o grande número de
deseões ocasionado pela escala, além do estabelecimento de copioso comércio
ilegal de produtos orientais em troca de ouro e tabaco brasileiros. No entanto, em
meados do século XVIII, sob diversos pretextos, que iam da necessidade de
reparos, ou da falta de provisões às más condições do tempo, a parada no Brasil, e
com maior frequência em Salvador, tornou-se uma prática, e foi mesmo ratificada
pelo governo português.
Se considerarmos que a viagem de Salvador a Lisboa durava por volta de
dois meses e meio a ts meses, e sabendo que Julião chegou a Portugal em julho
de 1780, é fácil supor que a nau tenha deixado o Brasil por volta de abril deste ano.
Quanto à data de chegada ao país, contudo, podemos por enquanto trabalhar
com suposições. Diante de uma viagem que levava de seis a oito meses, os navios
que deixavam Goa em direção a Lisboa procuravam zarpar ao final de dezembro, na
tentativa de evitar chegar à latitude do cabo da Boa Esperança no auge do inverno,
quando a navegação é bastante dificultada pelas tempestades na região. Se é que
essa regra se cumpriu no caso da nau Madre de Deus, os viajantes devem ter
aportado no Brasil em março ou abril de 1779. Isso nos garante que Julião tenha
permanecido no país ao menos por cerca de um ano.
Da mesma forma, permanecemos no campo das hipóteses no que diz
respeito aos locais pelos quais teria passado no terririo brasileiro. É possível
auferir de sua produção iconográfica a estadia em Salvador (Elevão e fachada),
além de Rio de Janeiro e do distrito diamantino do Serro do Frio, em Minas Gerais
(Figurinhas de brancos e negros, da FBN). Por outro lado, em correspondência
trocada entre o governador de Pernambuco, d.Tomás José de Melo, e o secretário
Martinho de Melo e Castro, datada de 19 de dezembro de 1788, encontramos uma
menção ao nome de Julião. Na carta, o governador enfatiza a necessidade de
reorganização dos regimentos de Olinda e Recife, assim como queixa-se da
decadência do corpo de artilharia. Segundo ele, a solução seria trazer para
Pernambuco um oficial com patente de capitão, “para o qual posto, me lembro de
91
Fig. 66 – Autor desconhecido. Planta da cidade e península do nome de Deos Macáo na China, sem data
(século XVIII). Grafite e aquarela sobre papel.
Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa (Cota 1245-2A-24A-111)
92
hum muito hábil, que he Carlos Julião, Capitão de huma das Companhias
graduadas do Regimento de Artilheria da Corte
61
. A citação poderia sugerir que
Julião tivesse estado tamm em Pernambuco, onde teria conhecido o governador.
Contudo, sabemos que d.Tos José de Melo tomou posse do governo da capitania
em dezembro de 1787, permanecendo no cargo por onze anos. Por esta época,
nosso oficial estava de volta a Lisboa, onde é mais provável que tenha se dado o
encontro dos dois.
Fatos importantes ocorreram em Portugal enquanto Julo esteve servindo
na Índia, alguns dos quais teriam impacto no prosseguimento de sua carreira no
exército. Em 1776, por exemplo, foi ordenada a incorporação de todos os
integrantes do antigo Regimento de Artilharia de Lagos (de que Julião fazia parte)
ao Regimento de Artilharia da Corte. Por outro lado, a morte de d.José I em
fevereiro de 1777 traria ao trono “a piedosa” d.Maria I, provocando o afastamento
do até então todo-poderoso ministro, o marquês de Pombal, e dando início ao
período conhecido como a Viradeira”. No que diz respeito ao exército, a Viradeira
representou um certo recuo com relação ao processo de profissionalização do
militar que havia sido deflagrado durante o peodo pombalino. O exército ve
voltar à cena em postos de comando os antigos aristocratas, como também
generalizar-se um certo clima de animosidade dirigida aos estrangeiros que serviam
como oficiais.
O retorno a Portugal e a busca de reconhecimento
É claro que um longo período de serviços nos domínios ultramarinos habilitava os
envolvidos a requisitar benefícios em forma de mercês e promoções à Coroa, e não
há porque não considerar que Julião tenha se fiado nessa ptica, que remontava ao
tempo das Descobertas, para esperar por recompensas que julgava merecidas. Com
efeito, desde seu retorno a Lisboa em 1780, nosso oficial inicia uma seqüência de
correspondências em que solicita mercês como pagamento pelos serviços
prestados. Em primeiro lugar, reclama a patente de capitão que lhe havia sido
prometida e que, segundo ele, não lhe fora concedida por se achar ausente da
61
AHU_ACL_CU_015, Cx.166, D.11832 (ver Anexo 3).
93
Corte. Como fica bastante claro na seguinte passagem, Julião sentia-se preterido,
pois
a não ser o embarque para que o nomiarão em a Nao N.a S.a Madre de Deos (...) o
Sup.te seria Cap.m de Bombeiros na promoção que se fez no seo regim.to no anno
de 1776, em a qual por efeito de se achar em distante serviço foi preterido, sendo
certo que o mesmo General McLean
62
deo sua palavra de honra ao Coronel
Dalemcour
63
de que logo que o Sup.te chegasse da Índia o faria Cap.m de Bomb.ros
como mostra pela atestação do mesmo Dalemcour.
64
É portanto na certeza de sua promoção a capitão, que deveria acontecer
assim que encerrada a viagem à Ásia, que Julião assina a prancha da Elevação e
fachada, o prospecto de Salvador, como “Capitão de mineiros do Regimento de
Artilharia da Corte” (grifo nosso). Note-se que, conforme o documento do AHU, os
oficiais chegados do serviço na Índia deveriam ser incorporados ao Regimento de
Artilharia da Corte nos postos que estivessem vagos. Portanto, em nossa opinião, a
nomeação para comandar uma companhia de mineiros não pode ser vista como
uma oão feita pelo oficial, ou mesmo que o fato pressuponha algum tipo de
especialização ou expertise
65
. Julião tinha, como vimos, uma lida formação como
oficial de artilharia, para o que era necessário reunir conhecimentos na área da
manufatura de armas de guerra o fabrico da pólvora para projéteis, bombas e
minas –, das melhores ligas para fundição de peças de bronze para canhões e outros
instrumentos bélicos, am de ter domínio da matemática e física para ser capaz de
calcular a trajetória de um projétil, o que influi no cálculo de sistemas de defesa e
fortificação. No entanto, nos parece um tanto excessivo considerá-lo “engenheiro,
especialista em metalurgia, mineralogia e química (Lara 2007:242). É claro que,
sendo a artilharia a arma mais “científica do exército, existia uma proximidade
62
General Francis Maclean (c.1717-1781), um dos oficiais enviados pelos ingleses a Portugal
em 1762, foi comandante do Regimento de Infantaria de Almeida.
63
Luís D’Alincourt, coronel do Regimento de Artilharia da Corte.
64
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507 (ver Anexo 3).
65
Tenreiro, em especial, enfatiza essa questão quando afirma: becoming a Captain, with
the expertise of mining” ou “the Royal Artillery Regiment was (...) divided into two
expertises that of crafts and that of mining and Julião’s choice was the latter”
(“tornando-se Capitão, com especialização em minas”, “o Real Regimento de Artilharia era
[...] dividido em duas expertises a dos ofícios e a de minas e a escolha de Julião foi a
última”, tradução nossa) (2008:28-34).
94
natural entre a prática do oficial de artilharia e do engenheiro militar, o que Lyra
Tavares chama de “bimio artilharia-engenharia” (Tavares 1965). E, como afirma o
mesmo autor, a origem da engenharia militar como corporação está nas companhias
de artífices e mineiros dos regimentos de artilharia. Apesar disso, não um
documento em que se afirme que Julião teve, em qualquer momento de sua
carreira, exercício de engenheiro. Mesmo as vistorias de fortificações para que foi
designado anos depois, como veremos, dizem respeito ao exame do estado da sua
artilharia e munições e não das condições físicas das edificações.
A desejada patente de capitão viria a ser confirmada em julho de 1781
66
,
para o comando da companhia de mineiros. Mas o desejo de ser recompensado
pelos dezessete anos de dedicação ao ercito levam nosso oficial a solicitar em
setembro de 1780 pouco mais de um s após, portanto, o retorno a Lisboa a
mercê do Hábito da Ordem de Cristo, com tença correspondente, como pagamento
dos servos prestados no ultramar
67
, que, conforme alega o suplicante, não teriam
sido remunerados. A mercê não lhe é concedida, embora esteja explícito no mesmo
documento não haver “dúvida que se possam decretar os servissos do Tenente
Carlos Julião”. O fato é que, alguns anos mais tarde, em 1789, Julião abre mão de
receber o benefício do Hábito da Ordem de Cristo, contentando-se apenas com a
concessão de uma tença. Esta decisão parece ter sido tomada diante da
“repugncia que V.a Mag.de tem em conceder a d.a merçe; conformandose com a
Real Vontade de V.a Mag.de pede o Sup.te queira por sua Real grandeza
retrocarlhe a d.a Merce em huma tença em alguns almocharifados com renoncia”
68
.
Anexa a esta requisição, segue uma declaração de rencia de tença, lavrada pelo
tabelião da cidade de Oeiras, Manoel Freire de Faria, em nome de d. Maria Clara da
Cruz Leal, moradora da mesma cidade. Dessa vez, uma tença efetiva de 65 mil réis
pelos servos prestados como segundo e primeiro-tenente lhe é concedida, assim
como a rencia solicitada
69
.
66
ANTT – Conselho de Guerra / Livros de Registo..., Livro 116, f. 275 (ver Anexo 2).
67
ANTT – Ministério do Reino / Decretamentos de serviços, Maço 69, Doc.59 (ver Anexo 2).
68
ANTT – Ministério do Reino/ Decretamentos de serviços, Maço 111, Doc.67 (ver Anexo 2).
69
ANTT – Registo Geral de Mercês / D.Maria I, Livro 24, f. 172 (ver Anexo 2).
95
Em dezembro de 1790, Julião volta a requerer o reconhecimento real,
requisitando agora o Hábito da Ordem de o Bento de Avis e tença equivalente,
novamente com possibilidade de renunciar
70
. A “repugncia” de d.Maria I parece
não ter sido tanta dessa vez, que em janeiro de 1791 lhe é passada a carta de
padrão do bito da Ordem de Avis, com tença efetiva de 45 mil is e
possibilidade de rencia de parte dela, 33 mil réis, a que ele renuncia em favor de
d.Ana Apolónia de Vilhena Abreu Soares
71
. Em março, assina-se o alvapara que
Julião seja armado Cavaleiro da Ordem
72
, acompanhado de carta de hábito, alva
de profissão e carta de quitação.
Antes de seguir adiante, cabe citar Fernanda Olival, que nos lembra “o
quanto a liberalidade, o gesto de dar era considerado, na cultura política do Antigo
Regime, como virtude própria de reis” (2001:15), e o quanto a sobrevivência e a
longevidade da monarquia portuguesa (como também de outras) dependeram dessa
capacidade de retribuir os serviços políticos, administrativos e militares prestados
em seu nome com honras, benefícios e privilégios. Desde 1551, a Coroa portuguesa
havia incorporado perpetuamente por bula papal o controle dos Mestrados das três
ordens militares do reino a de Cristo, de Santiago e de São Bento de Avis ,
descendentes das ordens medievais de cavalaria ligadas às cruzadas à Terra Santa e
às batalhas de reconquista da Península Ibérica aos mouros.
Em pleno século XVI, os mouros não representavam uma ameaça tão
relevante, pelo menos não em território luso. Interessava, ao contrário, enfrentá-los
em suas próprias terras, no norte da África, assim como estender mais e mais o
poderio de Portugal pelos territórios recém-conquistados. A distribuição honorífica
das ordens passou a estar então diretamente relacionada seja à defesa das praças da
África, seja a períodos de serviço à Coroa nos Estados da Índia. Para a África,
exigia-se, no entanto, um período menor de permanência (cerca de três anos),
que as oportunidades de enriquecimento ali eram quase inexistentes. Ao contrário
do que acontecia na Índia, por sua vez, onde o tempo de serviço exigido o era
maior, como os feitos que justificavam a conceso da mercê deveriam ser
70
ANTT – Ministério do Reino/ Decretamentos de servos, Maço 117, Doc.42 (ver Anexo 2).
71
ANTT – Registo Geral de Mercês / D.Maria I, Livro 21, f. 161v (ver Anexo 2).
72
ANTT – Chancelaria da Ordem de Avis / D.Maria I, Livro 8, fs. 199v-200 (ver Anexo 2).
96
particularmente notáveis. De fato, nenhum hábito ou comenda podia ser alcançado
sem que fosse por remuneração de servos feitos à Coroa, noção que estava
claramente enraizada na sociedade portuguesa desde finais do Quinhentos.
Outra bula papal, de 1570, passou a limitar a concessão de mercês e
comendas das três ordens militares portuguesas a requerentes que pudessem
comprovar “pureza de sangue” (não ascendência judia ou moura), como também
“limpeza de ofícios”, que os contemplados o poderiam ser filhos ou netos de
oficiais menicos. Consequentemente, do ponto de vista do seu estatuto social, um
cavaleiro do hábito era e assim foi visto ao século XVIII antes de tudo, um
servidor honrado do rei, ao que se acrescentava ser “limpo de sangue e com
patrimônio suficiente para não sujar as mãos com trabalho” (Olival 2001:56). Essa
situação perdurou até 1773, quando foram abolidas em definitivo as distinções
entre cristãos-novos e cristãos-velhos em Portugal.
Das ts ordens militares, a de Cristo era de longe a mais procurada e a mais
prestigiosa. Ainda segundo Olival, “acontecia por vezes de se solicitar uma
comenda oubito sem especificar a ordem. Aceitava-se, contudo, com maior
satisfação, a insígnia de Cristo” (2001:8). Não é, portanto, de admirar que Julião a
tivesse requerido em sua primeira tentativa. Entretanto, uma carta de lei de 19 de
junho de 1789 expedida pela rainha d.Maria I procede a uma grande reforma na
regulamentação das ordens. Fica estabelecido, a partir de então, que os servos
militares seriam recompensados exclusivamente com a Ordem de Avis, enquanto a
Ordem de Santiago serviria a agraciar os magistrados, reservando-se a insígnia de
Cristo para os cargos políticos e para os altos postos civis e militares. As ordens
militares passaram a ser, então, menos uma concessão de privigios que um
reconhecimento de distinção profissional. Não dúvidas que Julião tenha visto,
nessa reforma promovida pela rainha a sua chance de condecoração.
Quase nada se sabe sobre as atividades de Carlos Julião no período de
quinze anos em que serviu no Regimento de Artilharia da Corte, mas uma pista nos
é fornecida mais uma vez pela documentação do AHM. Em seu Processo Individual
menciona-se que foi encarregado pelo marechal-general, Duque de Lafões
73
, “de
73
João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva (1719-1806), 2
o
duque de Lafões, era filho de um irmão legitimado de d.João V. Deixou Portugal em 1757,
vivendo na Inglaterra e também na Áustria, onde alistou-se no ercito e tomou parte de
97
vizitar toda a Artilheria das Fortificações da Provincia de Estremadura de que deu
exacta carta, aprezentando Relações as mais bem circumstanciadas do Estado
d’Artilheria, e Munições de Guerra, que nas mesmas existião”
74
, incumbência esta
que certamente foi cumprida entre 1791 e 1795.
O Arsenal Real do Exército
Nesse ano de 1795, Julião recebe sua primeira patente de oficial superior, a de
sargento-mor, agora com exercício no Arsenal Real do Exército
75
. Neste local,
passaria a se desenrolar o restante de sua carreira militar.
Quando Julo foi transferido para o Arsenal do Exército, este era um dos
maiores estabelecimentos fabris de Portugal, onde estavam empregados mais de mil
funcionários distribuídos em 25 diferentes oficinas (Faria 2001:120). Ali se
concentrava todo o processo de confecção de material de guerra (armas e munições)
para suprimento do exército e da marinha do país, assim como a logística de seu
armazenamento e distribuição para as forças militares do Reino e ultramar. Em suas
oficinas, eram produzidos ainda todos os componentes dos uniformes de oficiais
servindo na corte e colônias, além de outros artefatos, como, por exemplo,
instrumentos cirúrgicos
76
. O Arsenal abrigava ainda um importante centro de
formação artística, a Aula de Desenho, Gravura e Lavra de Metais, de que
voltaremos a tratar posteriormente, tendo sido confeccionadas em suas oficinas
duas das obras mais representativas da arte portuguesa do final do Antigo Regime:
a estátua eqüestre de d.JoI e a baixela de prata oferecida pelo regente d.Jo ao
duque de Wellington em 1814 (Faria 2001:120).
algumas campanhas da Guerra dos Sete Anos. Retornou a Portugal as a morte de d.José.
O duque gozou de prestígio junto à rainha d.Maria, tendo sido sucessivamente nomeado
para o Conselho de Guerra, o governo das armas da Corte e Estremadura, como também a
marechal-general do ercito em 1791. Diante da ameaça de guerra contra a França,
assumiu a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra em 1801, sendo contudo
afastado de seus cargos militares e políticos frente ao embaraçoso episódio conhecido como
Guerra das Laranjas, de que trataremos adiante.
74
AHM, Processo Individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
75
ANTT – Conselho de Guerra / Livros de Registo..., Livro 122, f. 306 (ver Anexo 2).
76
Destacamos, a título de exemplo a “Relação dos Instrumentos Cirurgicos, que se fazem
necessarios na Praça de Bissáo, e que, por Avizo na data de hoje, se mandão, apromptar no
Arsenal Real do Exercito”, de 5 de setembro de 1805 (AHM 3/ 13/ 9/ 11).
98
No último quartel do século XVIII, o Arsenal compreendia um complexo de
três edifícios: as chamadas fundições de Baixo, de Cima e de Santa Clara. A
Fundição de Baixo funcionava no edifício hoje ocupado pelo Museu Militar de
Lisboa, que veio a substituir antigos desitos de artilharia destruídos pelo
terremoto de 1755. A Fundição de Cima fora instalada em edifícios fronteiriços ao
templo de Santa Engrácia, atual Panteão Nacional, adaptados no início dos anos
1760 para abrigar a fabricação de bocas de fogo. Na cada de 1770, o conjunto foi
acrescido da Fundição de Santa Clara, construída sobre as ruínas do antigo
convento de clarissas datado do século XIII, que tinha sido dos mais importantes
edifícios conventuais de Lisboa e fora totalmente arrasado pelo terremoto. Ali
ficaram concentradas as fábricas de armas, bem como casas para habitação de
oficiais.
A organização do Arsenal assim como o substantivo incremento de sua
atividade nesse período também devem ser entendidos no contexto das
reformulações conduzidas nas forças armadas portuguesas pelo conde de Lippe,
responsável inclusive por dar à antiga Tencia o nome de Arsenal Real do
Exército. Não deve ser esquecida, no entanto, a atuação de Bartolomeu da Costa
(1731-1801), no comando da instituição desde 1762 a a sua morte. Militar de
carreira com exercício de engenheiro, Costa seria o mais destacado fundidor de
artilharia em Portugal, sendo responsável por regular as bocas dos calibres e
construir fornos adequados para a atividade. Foi promovido a brigadeiro e
Intendente Geral das Fundições em 1774, como recompensa pelos servos
prestados na fundição da estátua eqüestre de d.José I.
É necesrio recorrer mais uma vez ao Processo Individual de Julião para
conhecer suas atividades no Arsenal. O pprio Bartolomeu da Costa é quem assina
um parecer dirigido ao Ministro da Guerra, datado de 31 de mao de 1800, em que
se lê que o oficial tinha sido
incumbido por Sua Alteza Real de auxiliar o Regimento de Artilheria Francezes
Emigrados, e de solicitar do ditto Arcenal os neros necessarios para as
Reparações do trem do ditto Regimento, e mais Armamentos d’Armada Auxiliar
99
Britânica: o que tem feito com todo o acêrto, e zêlo da Real Fazenda, e do mesmo
modo em tudo o mais, de que o tenho incumbido
77
.
Este documento integra o processo de requisição de nova promoção, desta
vez ao posto de tenente-coronel, a que Julião início em 1800, aos 60 anos. A
nomeação, concedida em consideração ao tempo de serviço e aos trabalhos
realizados por “occazião em que ordenei se formalizasse o Inventario do mesmo
Arsenal Real do exercito, e se classificassem methodicamente todos os effeitos, e
mais petrechos nelle existentes
78
, data de 14 de novembro de 1802, embora a carta
patente seja expedida apenas em novembro de 1804
79
. Por ocasião desta solicitação,
o oficial redige o documento que se encontra hoje anexo ao seu Processo Individual
conservado no AHM, em que menciona todas as suas conquistas profissionais no
exército luso, embora sem especificar as datas. Este documento, reproduzido no
Anexo 1 deste trabalho, é o utilizado como base da biografias publicadas por Cunha
(1960), Lara (2002 e 2007) e Tenreiro (2007 e 2008).
No ano de 1801, o nome de Julião aparece como tradutor de uma obra
publicada pela Tipografia do Arco do Cego intitulada Experiências e observações
sobre a liga dos bronzes, que devem servir nas fundições das peças de artilharia, de Carlos
Antonio Napion, tenente Coronel da Artilheria da Corte, inspector das fundições, officinas,
e laboratórios dos reaes exércitos; sócio das Academias Reaes de Lisboa, Turim, Stockholm,
Bergbaukunde, e da mineralogia de Jena, etc. Traduzidas por Carlos Julião, sargento-mor
com exercício no Arsenal Real. Lisboa na Typographia Chalcographica, Typoplastica e
Litteraria do Arco do Cego. Anno MDCCCI. Por Ordem Superior. Seu autor, o oficial
Carlo Antonio Galeani Napione, era tamm natural de Turim e havia chegado a
Portugal no ano anterior, a convite do secretário da Marinha e Ultramar, d.Rodrigo
de Sousa Coutinho (1755-1812)
80
.
77
AHM, Processo Individual, C.329 (ver Anexo 1).
78
ANTT – Conselho de Guerra / Decretos, Maço 161, doc. 193 (ver Anexo 2).
79
ANTT – Conselho de Guerra / Livro de Registos..., Livro 130, f. 254 (ver Anexo 2).
80
Natural de uma família de políticos e diplomatas da aristocracia portuguesa o pai foi
governador em Angola e o irmão embaixador na Dinamarca, Turim, Londres e Roma
Sousa Coutinho foi educado para a carreira política no Colégio dos Nobres e na
Universidade de Coimbra. Aos 23 anos, foi enviado como ministro plenipotencrio a
Turim, onde viveu dezessete anos, retornando a Lisboa em 1796, a pedido do príncipe
d.João, para assumir a Secretaria dos Negócios da Marinha e Ultramar por morte de Melo e
Castro. É conhecido por inúmeras iniciativas no sentido de racionalização da administração
100
Napione era iro do conde Gian Francesco Galeani Napione (1748-1830),
renomado historiador da corte dos Savoia. Destinado à carreira militar, sentou
praça como cadete do Corpo Reale d’Artiglieria em 1771. Foi aluno de destaque, e
breve se tornaria instrutor dos exercícios práticos da Scuola di Artiglieria,
distinguindo-se no estudo da mineralogia e da química metalúrgica. Seu nome
consta como sócio efetivo no ato constitutivo da Reale Accademia delle Scienze di
Torino, em 1783.
A colaborar para o reconhecimento sempre crescente que Napione
alcançaria como mineralogista nos meios científicos europeus estava a viagem de
pesquisa empreendida por ele e pelo major Francesco Azimonti (1757-1822) por
países do norte europeu, seguindo ordem real de Vittorio Amedeo III (1726-1796).
Entre 1787 e 1790, ambos percorreram a Áustria, Alemanha, Hungria, Transilvânia,
Suécia, Inglaterra e Escócia com o intento de reunir conhecimentos úteis para as
ciências mineragicas e metalúrgicas. De volta ao Piemonte, Napione seria
promovido a capitão e nomeado membro do Consiglio delle Miniere do Reino da
Sardegna. Assumiria ainda a direção do Laboratorio Metalurgico e do Museo do
Regio Arsenale di Torino. Em 1795, foi feito inspetor das minas do Reino (Burdet
1991).
Dois anos mais tarde, Napione publicaria o primeiro tratado italiano de
mineralogia, intitulado Elementi di Mineralogia esposti a norma delle più recenti
osservazioni e scoperte (Turim, 1797). O oficial propunha ali um todo de
classificação baseado nas “caractesticas complexas”, ou seja, na descrição das
propriedades físicas dos metais, como cor, luminosidade, transpancia, coeo,
dureza, densidade, condutibilidade térmica e configuração externa. Seu método
representou o ápice da fase descritiva da mineralogia, que prescindia do uso de
instrumentos e respondia bem a necessidades práticas, em especial àquelas ligadas
à indústria de minérios
81
.
financeira do Estado, em especial quando foi Presidente do Real Erário entre 1801 e 1803,
além do notável impulso dado à produção e difusão de saberes científicos por meio, por
exemplo, do financiamento a viagens exploratórias e da criação da Casa Literária do Arco do
Cego. Partidário da manutenção da aliança inglesa, Sousa Coutinho parece ter sido um dos
articuladores da transferência da família real para o Brasil, que ele acompanhou em 1808.
Nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro, foi agraciado com o título de conde de Linhares.
81
A este respeito, ver www.torinoscienza.it/accademia/personaggi (Accademia delle Scienze
di Torino).
101
A proximidade entre Napione e d.Rodrigo de Sousa Coutinho tivera início
em Turim, quando o futuro conde de Linhares servia como ministro
plenipotenciário português junto à corte dos Savoia. Em diversas
correspondências, d.Rodrigo mencionaria aos seus superiores a utilidade de buscar
a colaboração do oficial piemontês para o progresso do ercito luso (Burdet 1991).
A oportunidade surgiu quando da invasão do Piemonte efetivada por
Napoleão Bonaparte (1769-1821) em 1798. Napione pede, então, dispensa de suas
funções, alegando motivos familiares e de saúde. Transfere-se em 1800 para Lisboa
e é imediatamente agregado ao Regimento de Artilharia da Corte com patente de
tenente-coronel. Novamente por iniciativa de Coutinho, empreende viagem de
exploração pelas províncias de Estremadura e Beira, acompanhado dos irmãos
Andrada, os brasileiros Jo Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) e Martim
Francisco Ribeiro de Andrada (1775-1844). Em 1801, torna-se membro
correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa e é nomeado inspetor do
Arsenal Real do Exército, em substituição ao lendário Bartolomeu da Costa,
falecido naquele ano. No ano seguinte, assume também a direção da brica de
Pólvora de Barcarena e da Fábrica de Refino de Salitre de Alcântara. Promovido a
brigadeiro em 1807, acompanhou a transfencia da família real para o Brasil.
No Rio de Janeiro, a atividade de Napione não foi menos notável. Foi feito
membro do Conselho de Guerra do pncipe regente d.João, assim como inspetor
geral da Artilharia. Fundou a Fábrica Real de Pólvora anexa ao Jardim Botânico, e
foi o primeiro comandante da Academia Real Militar, onde ocupava-se das cadeiras
de mineralogia, química e física. Quando faleceu no Brasil, tinha patente de
tenente-general.
O fato de Julião ter traduzido a obra de um conterrâneo, oficial de carreira
como ele e que era seu superior na mesma unidade, o indícios suficientes para
supor uma ligação com Napione, que, ademais, pode ser confirmada também por
meio de outros documentos am da publicação citada acima. Mais importante, esta
proximidade traz à tona um especial interesse de Julião pelas cncias naturais, que,
até então, o era de todo perceptível em sua trajetória. Com efeito, encontramos
menção mais explícita a esse interesse em ofício dirigido em 1803 pelo governador
de São Paulo, Antonio José da Franca e Horta (1753-1823), ao visconde de Anadia,
102
João Rodrigues de e Melo (1755-1809), então secretário da Marinha e Ultramar.
Neste ofício, o governador afirma que
Tendo-me mostrado o Sargento-Mor Carlos Julião da Fundição huma Collecção de
Madeiras de todo o nosso Reino, e Arica incluída huma única desta Capitania me
rogou lhe mandasse as que me fossem possíveis, ou todas p.a bem de completar a
sua Collecção.
82
Também Burdet (1986) reproduz um comentário de Napione sobre a coleção
de madeiras constituída por Carlos Julião:
Il colonello Julião, che ha fatto uno studio particolare sui legni, di cui possiede una
ricca collezione, ha avuto la bontá di prestarsi alle mie richieste e mi ha comunicato
alcune interessantissime osservazioni su un certo numero di essi
83
Vale destacar que o mesmo Burdet (1991) assinala o interesse da Accademia
delle Scienze di Torino sobre o estudo das madeiras do Brasil que Napione, sócio
da instituição desde sua fundação, conduzia a partir de Lisboa. Em sua biografia do
oficial-cientista, o autor reproduz a carta de um sócio da Accademia datada de 1806,
em que se
Fra pochi gioni av tra le mani il manoscritto, e serie delle belle, ed originali
esperienze sulla forza, e durezza dei legnami, segnatamente di quelli del Brasile del
nostro Cav. Napione, il quale pure giá mi diede il permesso di darne un estratto a
quest’Academia. Essa è già tradotta in francese, e si finisce la traduzione
portoghese, e vi sono varie tavole comparative.
84
82
AHU_ACL_CU_023, Cx.19, D.948 (ver Anexo 3). Além dos 38 tipos de madeira paulista
destinados à coleção de Carlos Julião, o governador remetia ainda ao Secretário rias
sementes e plantas, cuja viabilidade comercial deveria ser avaliada por negociantes
lisboetas. Verifica-se, assim, um exemplo do envolvimento dos administradores coloniais
lusos na rede de circulação de informações sobre os recursos naturais das Conquistas, em
pleno funcionamento desde a segunda metade do século XVIII (Pataca 2006 e Kury 2004).
83
“O coronel Julião, que fez um estudo singular sobre madeiras, de que possui uma rica
coleção, teve a bondade de prestar-se às minhas dúvidas e me fez algumas
interessantíssimas observações sobre um certo número delas.”, tradução nossa.
84
“Dentro de poucos dias, terei em mãos o manuscrito e série das belas e originais
experiências sobre a força e dureza das madeiras, especialmente daquelas do Brasil do
nosso Cavaleiro Napione, o qual me deu a permissão de apresentar um extrato delas a
esta Academia. Este está traduzido para o francês, e se finaliza a tradução portuguesa, e
103
Mas a dedicação de Julião ao estudo das árvores e madeiras ultrapassou a
simples formação de uma coleção de amostras. É o que faz crer o manuscrito de sua
autoria, datado do ano de 1801, que traz o longo título
DICCIONARIO HISTORICO DAS ARVORES, E ARBUSTOS que contem os
nomes, e synonymos de cada huma dellas tirado dos melhores Auctores, que
escreverão nesta materia: Augmentado consideravelmente de muitas Arvores das
Conquistas de Portugal athe ao prezente não descriptas: Com a rezumida narração
que se pode alcançar nas suas Naturalidades, Troncos, Ramos, Cascas, Folhas,
Flores, Fructos, Balsamos, Gommas Rezinas, Oleos, e quanto nellas ha de mais
notavel para as distinguir.
OBRA DE SUMMA INSTRUCÇÃO. Pelo conhecimento que dão das differentes
madeiras, sua solides, e utilidades para a construcção das obras dos Arcenaes,
Edificios, e todos os artefactos que com ellas se constituem para a Economia
Domestica, e Utilidade Publica.
POR CARLOS VALENTIM JULIÃO Cavalleiro Professo na Real Ordem Militar de
S.Bento de Avis, por Sua Alteza Real O Principe Regente Major de Artilharia com
Exercicio no Arcenal Real do Exercito, Membro da Inspecção Militar, &c.
LISBOA MDCCCI
85
Tudo indica tratar-se de um projeto de publicação: as folhas são todas
pautadas, numeradas sequencialmente no canto superior direito, sendo cada folha
dividida em duas colunas de texto. As entradas dos verbete do dicionário são feitas
em diferentes grafias: letra de forma para a designação em português; letra cursiva
para o nome em francês; novamente letra de forma, mas com tinta pia para a
versão latina ou científica. Quando o nome em francês ou latim não existem, o
nome em português é repetido três vezes. A maior parte dos verbetes tem entre
cinco e quinze linhas de extensão, sendo que alguns, no entanto, ocupam toda uma
coluna. Infelizmente, na altura da letra C, o manuscrito começa a ficar de difícil
leitura, devido ao repasse da tinta ferrogálica. O volume tem encadernação de
couro com vesgios de douração na capa, onde é possível perceber a marca de um
rias pranchas comparativas.” (tradução nossa). MSS.129, Archivo dell’Accademia delle
Scienze di Torino (apud Burdet 1991).
85
d. 10748, Seção de Reservados, Biblioteca Nacional de Portugal (ver Anexo 4).
104
antigo brasão, certamente indicativo do proprierio anterior. É importante
assinalar que não nenhuma ilustração no manuscrito.
Mas vejamos que tipo de abordagem Julião nos apresenta em seu dicionário
com relação às espécies descritas. Tomando dois exemplos ao acaso:
Acajaiba / Acajaiba / Acajaiba
Arvore grande do Brazil especie de Caju a que dão o nome de Cedro de
St.Domingos, o tronco he tão grosso, que delle fazem canoas de 40 pez de
comprido, com 6 de largo, o Pau he avermelhado, e tambem o ha manchado de
amarello, e branco, recebe bom polimento, e difficilmente apodrece, delle se fazem
moveis que comunicão seu soave cheiro as roupas, a casca he parda e grossa, as
folhas pequenas de verde escuro, o fruto em forma de Coracão sempre verde,
encerra communmente 4 amendoas muito amargozas cobertas de pelle grossa.
Baonilha / Vanille / Vanilla
Arbusto que trepa pelas Arvores a modo de Hera, as folhas de verde claro
agradaveis a vista, compridas, estreitas, e pontagudas, depois de sete annos da
humas bainhas que encerrão graonzinhos miudos, misturados com huma especie de
polpa escura balsamica, e mui cheiroza q.e he o principal ingrediente do chocolate
ao qual lhe comunica admiraveis propriedades. Ha de tres especies que diferem no
tronco, ou do diverço grão de maturidade. A primeira ditta Pompona, ou Bova tem
o cheiro mui forte, a 2
a
mais comprida tem hum cheiro deliciozo, deste se uza com o
nome de Baonilha legitima, a 3
a
tem pouco cheiro, a melhor he a do Mexico, ou
Peru, a do Indostan he de huma grossura monstruoza, e tem o cheiro de ameixa.
Em outro tempo servia este ingrediente para perfumar o tabaco, mas os cheiros
estão como as mais couzas sugeitos a moda.
O Diccionario de Julião merece alguns comentários
86
. A própria escolha do
formato de diciorio para dispor a informação remete à estrutura da Encyclopédie
de Diderot e d’Alembert, o grande paradigma da Ilustração na sistematização do
conhecimento. O fato de ser uma “obra de summa instrucção”, como se afirma no
título, também vem de encontro às expectativas e à orientação do iluminismo em
Portugal, assim como no resto da Europa, sobre a divulgação de “conhecimentos
86
Um agradecimento a Ermelinda Pataca pelos muitos esclarecimentos que nos auxiliaram
na formulação desses comentários.
105
úteis”. No Prólogo que introduz sua obra, Julião argumenta que não se trata nesta
descripção de systema algum Botanico, nem das virtudes Medicinaes das Plantas”,
tarefa que compete aos grandes cientistas e o a um homem como ele, de
“pequenas luzes”. Assim, o autor se preserva, em certa medida, da responsabilidade
de, não sendo cientista, aventurar-se na realização de uma obra que resvala no
estudo científico. Mais relevante é que, ao fazê-lo, Julião enfatiza a importância do
saber ptico, da experncia que ensina a reconhecer a utilidade e o uso
apropriado dos recursos naturais à disposição.
Das espécies incluídas no Diccionario, as árvores são aquelas a que o autor
dedica mais atenção, afirmando que o Conhecimento, e combinação da força e
consistencia das Madeiras para qualquer construção, he por certo o ponto mais
interessante, e principal objecto a que este tractado se dirige”. Certamente, a
determinação de dados sobre a resistência das madeiras poderia ser alcançada
por meio de experiências, e, de fato, o autor alude no Plogo a experiências desse
nero conduzidas no Arsenal. Possivelmente, se tratem dos mesmos experimentos
a que se dedicava Napione, referidos por Burdet (1991)
87
. Julião prossegue
reafirmando a importância das madeiras nos mais variados campos: nos arsenais da
Marinha, para a costrução de “Cadastes, Mastros, Vergas, Cavernas, lemes, taboados
de Costados &.c Formalizão-se sobre as Agoas os monstruosos Edificios, que mais
parecem Villas fluctuantes do que Navios”; nos arsenais do Exército, para a
construção de Maquinas, Engenhos, Reparos de Artilhieria, differentes Carros de
Campanha, Coronha de Armas, e muitos petrechos pertencentes ao Trem de
Artilharia e aos mais instrumentos Bellicos”; e na construção civil, para a confecção
de “traves, Vigas, Pranchas, e Taboados”. Conclui dizendo que tudo da madeira se
aproveita: pois quando não serve para obras, serve para queimar, ou p.a fazer
Carvão, e athe as proprias Cinzas nas barrelas se aproveitão”
88
.
Não deve passar despercebido que o estudo sobre madeiras naquele
momento hisrico condizia, conforme lembra Pataca (2006:396), com as novas
preocupações manifestadas por d.Rodrigo de Sousa Coutinho ao assumir a pasta da
Secretaria dos Negócios da Marinha e Ultramar em 1796. Bem, as preocupações não
eram assim tão novas. desde a gestão de Melo e Castro, seu antecessor, debatia-
87
Ver nota 55.
88
Para todas as citações deste trecho, ver Anexo 4.
106
se a questão da racionalização da exploração madeireira. Havia a consciência de que
os recursos eram finitos, que a própria produção de madeira no Reino
escasseava. Os esforços de Coutinho se intensificaram, portanto, no sentido de
combater as queimadas e o corte indiscriminado, regulamentá-lo e promover a
exploração racional dos recursos, visando o seu melhor aproveitamento. Para tanto,
despachou orientações a toda a “rede de informão”
89
composta por naturalistas,
governadores e a elite intelectual das colônias para que as propriedades das
madeiras locais fossem cientificamente descritas, assim como planejada a
otimização do seu uso.
Além do incentivo ao estudo das madeiras, essenciais para a construção
naval e para a manufatura de armas, Coutinho dedicou-se também à promoção de
pesquisas sobre o salitre, matéria-prima da fabricação da lvora. Vale lembrar que
o contexto em que Coutinho assume a Secretaria era bem diverso daquele existente
durante a gestão de Melo e Castro. As possibilidades de que Portugal, ou mesmo o
Brasil, fossem invadidos pela Espanha ou pela França se tornavam a cada dia mais
concretas, o que certamente colaborava para a ênfase dada pelo Secretário ao
estudo desses materiais.
O esforço de Julião na realização do Diccionario deve ser compreendido,
portanto, nesse cenário. Também não deve ser desconsiderado o fato de que,
tendo traduzido a obra de Napione para a Tipografia do Arco do Cego, o oficial
talvez almejasse ver seu próprio trabalho vir a público pela mesma casa editorial.
Lembremos a relevância da iniciativa da criação da Casa Literária do Arco do Cego
para a divulgação de pesquisas científicas no setecentos português. Embora de
atuação emera funcionou apenas entre 1799 e 1801 –, o Arco do Cego alcaou
uma sistemática de publicação inédita na história do livro impresso em Portugal,
conforme lembra Faria
90
, constituindo-se num centro difusor de conhecimentos
úteis voltados ao aperfeiçoamento de cnicas de agricultura, à modernização dos
métodos de exploração de recursos naturais, a estudos sobre a flora brasileira,
tradução de obras científicas para o português, entre muitos outros. Fazia parte de
um projeto maior de cunho iluminista, encabeçado por Sousa Coutinho, que visava
89
A esse respeito, ver Pataca 2006 e Kury 2004.
90
Faria, Miguel F. Da facilitação e da ornamentação: a imagem nas edições do Arco do
Cego. In: Campos 1999, pp.107-137.
107
operar reformas e racionalizar a atuação do Estado. Na linha editorial promovida
sob orientação do botânico frei José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811), a
economia agrícola e a história natural tinham papel preponderante. Diante disso,
Julião talvez visse aí a chance de conseguir “a gloria de me constituir
raccomandavel aos tão sabios Nacionaes”, como afirma no Plogo do Diccionario, e
ver reconhecido seu pendor científico.
Afinal, a divulgação do seu estudo sobre madeiras demoraria alguns anos
para acontecer e seria apenas parcial. Napione fará publicar postumamente no
jornal O Patriota
91
, no Rio de Janeiro, um artigo de Carlos Julião, que aparece no
número de novembro-dezembro de 1814 sob o título “Observações feitas pelo
coronel Carlos Julião sobre algumas madeiras do Brasil”. O artigo repete o formato
do Diccionario, apresentando as características de 25 tipos de madeiras brasileiras.
Em julho de 1802, o nome de Carlos Julião aparece numa lista de seis
oficiais consultados sobre a pertincia da adão de novos calibres para as peças
de artilharia do exército português a serem usadas em campanha, aos quais se
requisitam pareceres. Os demais nomes implicados em tal consulta o: o Marechal
de Campo Quief de Ville, o Major Jean-Philippe de Tardy, o Marechal Conde de
Vionil, o Tenente General Leonardo Aleixo, Cavaleiro de Chalupe, além de
Napione, denominado no documento como Charles Napion
92
.
O parecer que Julião apresenta nesta ocasião parece bastante sensato. O
oficial defendia a manutenção dos calibres utilizados, argumentando que o fato
de serem menores, ao invés de representar uma desvantagem, na verdade fazia com
que fossem de mais cil condução, o que era conveniente tendo em vista a
acidentada topografia do território português. Justifica também que o calibre
utilizado pelos lusos era o mesmo da maioria das outras nações, inclusive da
Inglaterra “nossa aliada”, escreve eleo que seria sempre um elemento facilitador
no caso de um eventual pedido urgente de auxílio. A troca de calibre significaria, ao
91
Segundo Kury (2007), a publicação do jornal O Patriota, editado no Rio de Janeiro entre
1813 e 1814, foi um marco do deslocamento do “centro irradiador de conhecimento” da
metrópole para o Brasil. A autora lembra ainda que o jornal era, em grande medida,
herdeiro da política editorial adotada pelo frei Veloso na Casa Literária do Arco do Cego.
92
AHM 1/ 14/ 14/ 09 (ver Anexo 1). Importante notar que todos os pareceres são redigidos
em francês, com exceção do de Julião.
108
contrário, o descarte de todo o material de guerra existente, o que, sem vida,
causaria imensa despesa aos cofres do Estado português.
Convem tentar identificar os demais pareceristas, todos, aliás, de origem
francesa. Jean-Philippe Tardy de la Brossy (1751-?) e Léonard-Alexis, conde de
Chalup de Fareyron (1738-?) eram ambos oficiais do exército real da França que
serviram na guerra de independência americana. Também o conde de Vionil,
Charles-Joseph-Hyacinthe du Houx (1734-1827), havia combatido nos Estados
Unidos, e obtivera tal destaque em campanha que foi nomeado governador da
Martinica em 1789. Com a instauração do Terror, passou a servir no exército
organizado pelo príncipe Louis V Joseph de Bourbon-Condé (1736-1818), um dos
vários exércitos de emigrados realistas franceses, que uniram forças com a Grã-
Bretanha, a Rússia e a Áustria contra a França revolucionária. Como combatente
emigrado, tinha sido chamado a Portugal em 1801 pelo futuro conde de Linhares
para ser um dos comandantes do exército luso.
Convidar um oficial estrangeiro para o comando das forças militares
portuguesas não era exatamente uma novidade. Mas a medida tomada por
d.Rodrigo de Sousa Coutinho, assim como a preocupação com a artilharia de
campanha expressa no pedido de pareceres a rios oficiais sugerem que Portugal
vivia em clima de guerra. De fato, desde 1796 aguardava-se a invasão do
território. Naquele ano, o Tratado de Santo Ildefonso selara uma aliança ofensiva e
defensiva entre a França e a Espanha, o que convinha imensamente à política
expansionista e anti-britânica de Bonaparte, ademais intensificada depois do 18
Brumário. A declaração de guerra proferida pela Espanha contra a Inglaterra
polarizou em definitivo a Pensula Ibérica e pressionou os portugueses a
abandonarem a posição de neutralidade, mantida aali com grande zelo.
Diante da ameaça, Portugal, mais uma vez, recorre à Inglaterra para auxílio
militar. A partir de 1797, George III envia forças auxiliares a Lisboa, que incluíam
não apenas oficiais ingleses e irlandeses, mas também três regimentos de franceses
emigrados a servo da Grã-Bretanha (Cordeiro 1895). É justamente das
providências relativas ao material necessário para reparação de armamentos e
artilharia deste contingente estrangeiro que Julião se ocupa no Arsenal Real,
conforme mencionado em seu Processo Individual citado anteriormente.
109
Portugal seria efetivamente implicado no conflito em fevereiro de 1801. Em
apenas dezoito dias, as forças militares espanholas tomaram todas as principais
praças do Alto Alentejo, o que causou a queda do octogenário duque de Lafões e
obrigou a coroa a pensar em novos nomes para o comando do ercito luso. A
guerra, afinal, teria curta duração, que o tratado de paz seria assinado em Madri
em setembro de 1801. Contudo, ela seria o preâmbulo da Guerra Peninsular,
desencadeada quando da invasão francesa a Portugal em 1807.
É desnecessário, e mesmo excessivo, retomar aqui as implicações dos
acontecimentos deflagrados a partir de então, bastando lembrar do evento que mais
conseqüências teria sobre a história de Portugal e suas colônias, bem como sobre a
carreira de Carlos Julião: a transfencia da família real e sua corte para o Brasil.
Embarcado no cais de Bem naquele 27 de novembro de 1807 ia o brigadeiro Carlo
Napione, que, como vimos, teria um importante papel a desempenhar no Rio de
Janeiro. O brigadeiro deixava vago, portanto, o cargo de inspetor do Arsenal Real
do Exército e das Fábricas de Pólvora de Barcarena e de Refino do Salitre de
Alcântara. Por portaria datada do mesmo dia, emitida do Quartel da Junqueira,
Julião era informado que o Senhor General Marques de Vagos
93
ordena que Vossa
Senhoria fique fazendo as Vezes do Inspector do Arcenal Real do Exercito athe
nova ordem do mesmo Senhor
94
. Vale lembrar que em abril de 1805, o oficial
tinha recebido a patente de coronel de Artilharia
95
.
Entretanto, o coronel Julião não estava totalmente de acordo com o
procedimento adotado para sua nomeação como substituto de Napione. Apenas
alguns dias depois, em 1
o
de dezembro, o oficial dirige-se em carta a d.Miguel
Pereira Forjaz (1769-1827)
96
solicitando uma nomeação oficial para o posto de
inspetor do Arsenal, sob o argumento de que
93
D. Francisco da Silva Telo e Menezes (1723-1808), 6
o
conde de Aveiras, feito 1
o
marquês
de Vagos em 1802. Era membro do Conselho de Guerra.
94
AHM, Processo individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
95
ANTT – Conselho de Guerra / Livros de Registo..., Livro 130, f. 391 (ver Anexo 2).
96
9
o
conde da Feira, iniciou sua carreira no exército em 1785, chegando ao posto de
marechal de campo em 1808. Teve papel preponderante na reorganização do exército a
partir de 1808, após a saída das tropas de Junot de Lisboa. Foi nomeado secretário dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra pelo Conselho da Regência em 1809.
110
O Ex.mo General e Marquez de Vagos mandou que o d.to Coronel Julião suprisse
as Comissões do d.o Brigadeiro. Ha no dito Arsenal hua Junta authorizada com o
Augusto Nome de S.A., (...) e esta apenas informada da mencionada vacatura, fez a
nomeação do mesmo Coronel. Ambas estas nomeações ainda que authorizem no
Arsenal o exercicio das suas funções, com tudo como estas comissões são huma
graça de S.A.R. que athe aqui se conferia por Decreto, e o não ser a dita nomeação
feita por este Supremo Governo, por S.A.R. privativamente authorizado a conferir
as graças poderia originar algum inconveniente na promptidão do Serviço portanto
o abaixo assignado Carlos Julião implora com o maior acatamento e respeito a Este
Supremo Governo a nomeação do Cargo de Inspector das Fundições Officinas e
Laboratorio do d.o Arsenal, e Director da Real Fabrica de Barcarena e Refino de
Alcantara
97
.
A nomeação oficial requerida, porém, nunca se tornaria realidade. É preciso
considerar que este foi, acima de tudo, um peodo de quase desintegração para o
exército português. As instruções expressas de Bonaparte após a entrada de Junot
(1771-1813) em Lisboa eram para que o exército fosse imediatamente desarmado e
os soldados reorganizados em colunas que marchariam para a França e seriam
incorporadas ao ercito imperial com o nome de Legião Portuguesa. A situação
começou a se alterar após o armistício e a assinatura da Convenção de Sintra em
agosto de 1808. A reinstauração do Conselho da Rencia em setembro possibilitou
o início das providências para reconstituição do exército nos moldes em que existia
antes da invasão.
Certamente por isso a correspondência de Julião enquanto inspetor do
Arsenal, ao menos a que nos foi possível localizar, refere-se apenas aos meses de
julho a setembro de 1808. Numa série de documentos, ele requer orientação de
seus superiores sobre como comandar as atividades do Arsenal para “o tornar a por
no seu antigo estado”
98
, além de prestar contas da sua organização em tabelas como:
“Relação dos Soldos que vencem os Officiaes actualmente empregados no Arsenal
do Exército e dos Mezes que se lhes estão devendo”, Mappa dos Mestres Officiaes,
e mais pessoas empregadas nas Officinas do Arsenal Real do exercito, e da
importancia total das mesmas Officinas”, “Mappa dos Officiaes d’Artilharia
97
AHM, Processo Individual, Cx.329 (ver Anexo 1).
98
AHM 3/ 13/ 9/ 30 (ver Anexo 1).
111
empregados no Arsenal Real do Exercito”, “Resumo dos Mestres, Contra Mestres e
Operarios, empregados nas Officinas das trez Repartições, ou Departamentos do
Arsenal Real do Exercito” e “Relao dos Mestres, Contra Mestres, e Operarios,
empregados nas Officinas das tres Repartições do Arsenal Real do Exercito, com o
rezumo das obras que tem feito, e estão entre mãos depois da Sahida dos
Francezes
99
.
Justamente ao final do mês de setembro, o tom da correspondência se
altera. Em duas cartas endereçadas a Pereira Forjaz, Julião, assinando apenas
“Coronel” e não mais Coronel Inspetor”, pede expressamente a dispensa do
“imprativel encargo de inspetor”. Os motivos alegados na primeira carta são a
expedição de uma portaria ao mestre de uma oficina do Arsenal que contrariava
uma ordem expressa sua, bem como a nomeação de artífices para as oficinas sem
que lhe fosse feita nenhuma consulta, o que inevitavelmente provocaria entre seus
subalternos huma absoluta independencia, e insubordinação”
100
.
Na segunda carta, a questão da nomeação oficial requerida anteriormente
volta à tona. Julião se sente insultado, já que ha quem diga publicamente que eu ja
não sou Inspector por terem acabado os seis mezes durante os quaes sómente podia
servir pela nomeação da Real Junta da Fazenda”. Justifica-se, alegando que na
portaria que o nomeara não havia nenhuma especificação quanto à validade do
cargo, e que se, de fato, o prazo estava expirado, era obrigação da Junta nomeá-lo
novamente, ou a outro oficial para substituí-lo. Faz, inclusive, acusações ao
Deputado-Intendente, que “por espirito de monopolio pertende unir ao seu cargo o
de Inspector, o que tem perfeitamente conseguido”. Conclui reafirmando sua
correta conduta,que
não me considerando (...) nomeado pela Real Junta, mas sim pelo Ex.mo General
das Armas (que pela authoridade do seu Posto poderia directamente receber
Ordem de S.A.R. no momento da sua Partida) he que me julgo constituido
99
Respectivamente AHM 3/ 13/ 9/ 31, AHM 3/ 13/ 9/ 38, AHM 3/ 13/ 9/ 44, AHM 3/ 13/ 9/ 45
(ver Anexo 1).
100
AHM 3/ 13/ 9/ 47 (ver Anexo 1).
112
Inspector athe que o Supremo Tribunal da Regencia haja por bem dispensar-me, o
que tenho implorado, e Supplico com tanto fervor
101
.
A dispensa lhe foi concedida e Julião passa a desempenhar suas atividades
de coronel no Quartel General de Santa Clara. Nos poucos documentos localizados
relativos a este peodo, o oficial comunica, em certa ocasião, o afundamento de um
barco carregado de material bélico
102
defronte ao convento da Madre de Deus.
Pouco depois, solicita que seja expedida ordem ao Arsenal para a confecção de
camas para os inválidos que tinham sido transferidos de o Julião da Barra para o
quartel de Santa Clara
103
.
A proximidade dos 70 anos, contudo, parece tornar as coisas mais difíceis
para o nosso oficial. Ele solicita, por exemplo, a nomeação de um auxiliar para as
“varias incumbencias mais do Qu.el Gen.al q pa.a as comprir precizo de quem me
ajude pois o tenho ninguem” o que na ocasião prezente me faz grande falta
104
.
Queixa-se também do atraso no pagamento de sua remuneração, o que o prejudica
no cumprimento das fuões de comandante de artilharia de uma das brigadas de
defesa de Lisboa, atividade para a qual tinha sido designado pelo marechal
Beresford (1768-1854)
105
e que
obriga ao Sup.te hir assistir aos exercicios das diversas Battarias do ensino, e
repetidas vezes a Caza do General da Provincia, e do Brigad.ro encarregado da
defeza e não podendo hir a em razão da sua avaada idade, e faltando-lhe os
meios para hir de outro modo
106
.
101
AHM 3/ 13/ 9/ 47 (ver Anexo 1).
102
AHM 3/ 13/ 9/ 49 (ver Anexo 1).
103
AHM 1/ 14/ 173/ 14 (ver Anexo 1).
104
AHM 1/ 14/ 173/ 14 (ver Anexo 1).
105
William Carr Beresford, militar britânico escolhido pelo general Arthur Wellesley (1769-
1852), o futuro duque de Wellington, como marechal do exército português, para cuja
função foi nomeado em 1809 pelo Conselho da Rencia. Teve como principal tarefa tornar
compatíveis a organização e tica de militares portugueses e britânicos, de modo a permitir
a ação conjunta no campo de batalha. Manteve-se no comando do ercito luso mesmo as
a expulsão definitiva dos franceses da Península Ibérica. No Brasil, organizou as forças
militares para os combates da Guerra Cisplatina, recebendo de d.João o posto de marechal
general em 1816. Foi demitido de suas funções por ocasião da Revolução Liberal de 1820.
106
AHM, Processo Individual, Cx. 329 (ver Anexo 1).
113
Em 26 de maio de 1811, Julo era reformado no posto de brigadeiro do
exército. A carta patente, assinada pelo príncipe regente d.João no Rio de Janeiro,
seria confirmada apenas em 19 de janeiro de 1813. Para Julião, contudo, seria um
tanto tarde. Pouco mais de um ano antes, Manuel Ribeiro de Araújo, ex-diretor do
Arsenal do Porto e seu sucessor no cargo de inspetor do Arsenal Real, enviava um
comunicado a Pereira Forjaz, datado de Lisboa, 19 de novembro de 1811. Neste
documento, Araújo participava o falecimento na noite anterior do coronel de
artilharia Carlos Julião, oficial que tinha sempre desveladamente empregado os
Seus talentos como he bem constante; ajuntando a esta qualidade a de ser hum
honrado, e fiel Vassalo de S.A.R; por cujas razoens a sua perda se faz sensivel”
107
.
Sendo este um trabalho que se desenvolve no âmbito da História da Arte,
cabe enfatizar que a reconstituição da trajetória de Carlos Julião a partir da
documentação disponível nos arquivos consultados não visa, em última instância, a
reconstrução biográfica em si. O método biográfico foi utilizado aqui como apoio à
investigação sobre o desenho. Por meio dele, buscávamos evidências de possíveis
vínculos da atividade de Julião com o universo da representação, o que poderia vir
a responder questões de fundamental importância para a adequada compreensão
de sua produção iconográfica. Em especial, nos referimos aqui ao “por quê”, “para
quem” e “em que circuntâncias” esses trabalhos foram executados.
A hipótese inicial implícita nessa iniciativa era de que seria possível
encontrar testemunhos da relação de Julião com estabelecimentos de ensino e
prática do desenho dentro dos quadros do exército português, notadamente no
círculo de atividades dos engenheiros militares. Essa hipótese estava baseada, em
primeiro lugar, no fato de seus bgrafos anteriores o considerarem engenheiro. Ao
mesmo tempo, ao englobar a representação de prospectos, plantas e elevações, o
trabalho de Julião tangencia o campo de atuação que era de competência dos
engenheiros militares. Contudo, até onde foi possível apurar, Julião nunca foi
107
Para os documentos citados neste parágrafo, ver: AHM, Processo Individual, Cx.329
(Anexo 1).
114
considerado engenheiro em sua carreira de oficial militar, assim como não esteve
associado às “aulas” onde o desenho era ensinado e praticado no contexto do
exército em Portugal.
Buscava-se igualmente alguma indicação de que os desenhos referentes ao
Brasil e aos demais territórios do ultramar português pudessem estar relacionados a
alguma missão especial cumprida por Julião nesses locais. Mas nada nesse sentido
pode ser auferido da documentação consultada, restando ainda por identificar o
que teria motivado a sua realização.
O estudo de sua biografia nos revela um oficial comprometido na política de
defesa de Portugal e das Conquistas, que viaja pelo mundo no cumprimento de
incumbências relativas a esta política. As menções mais evidentes de atividades
ligadas à esfera da representação acontecem na primeira fase de sua carreira no
exército, e praticamente desaparecem depois de seu retorno dos Estados da Índia.
Entretanto, é certo que sua obra iconográfica não pode ser considerada episódica.
Contrariamente ao que se supunha, contudo, Julião cumpriu sua formação
como oficial de artilharia em sua cidade natal, Turim. Em que medida esse fato
informa sua obra iconográfica é assunto que ainda permanece por investigar.
115
CAPÍTULO 3
Da instrumentalidade do desenho
no século XVIII português
116
117
Da instrumentalidade do desenho no século XVIII português
Como afirmamos no início do capítulo anterior, Julião é mais um dos funcionários
que a coroa portuguesa colocou em circulão pelo espaço colonial. Se
acrescentarmos a esse fato a idéia exposta no capítulo 1 de que as pranchas da
coleção portuguesa se destinam a uma descrição histórica da cidade de Salvador e
da igualdade planejada para os ditos de d.Jo, se esboça com relação a Julião a
imagem de um funcionário habilitado para o exercício do desenho, cujo trabalho
vem de encontro às expectativas dos gestores do império luso
108
. Esse modelo do
desenhador-funciorio ou vice-versa –, atuante num amplo espectro de
atividades, se possivelmente o mais corrente no Setecentos português, como
teremos oportunidade de verificar a seguir.
É importante reforçar que temos evitado até aqui utilizar a palavra “artista
para qualificar Carlos Julião. Semais correto afirmar que nosso oficial é um entre
muitos “criadores de imagens” do século XVIII português. Para esclarecer melhor o
teor da expressão cunhada por Miguel Faria (2001:57) com a variante “praticante
da imagem” –, é conveniente trazer à discussão alguns dados sobre o ensino e a
prática do desenho em Portugal no período que coincide com a vida de Julião. Para
isso, nos baseamos principalmente no importante estudo de Faria dedicado a José
Joaquim Freire (1760-1847), o desenhador da Viagem Filosófica de Alexandre
Rodrigues Ferreira (1756-1815) (Faria 2001).
De início, vamos recorrer novamente ao Vocabulário de Bluteau para buscar
as definições de “arte e “artista” que podem ser esclarecedoras nesse contexto.
Para Bluteau, portanto, artista é o “destro em alguma arte, astuto” (1712:t.1, 579),
definição que remete à destreza, à habilidade e, portanto, serve a designar aquele
que possui a perícia manual para a execução de um trabalho artístico. A arte, por
sua vez, é definida por Bluteau como “regras & methodo, com cuja observação se
fazem muitas obras úteis, aggradaveis & necessárias à República (1712:t.1, 573).
Note-se que es excluída desta definição qualquer menção a um componente
intelectual da atividade arstica. Enfatiza-se, ao contrário, o seu caráter normativo,
108
Convem assinalar que nunca houve de fato um “império” português, uma vez que o rei
de Portugal nunca se intitulou “imperadorde seus territórios. O termo será utilizado neste
trabalho no sentido de designar o conjunto de possessões constituído pelo Reino e colônias.
118
ao mesmo tempo que se atribui a ela uma finalidade, qual seja, ser portadora de
uma mensagem “útil” configurada de modo “agradável máxima recorrente no
programa iluminista , e se fazer necessária à República”, que entendemos aqui
como algo que esteja em consoncia com as conveniências do estado. Esses o
aspectos que devem permanecer sempre no horizonte quando se pretende abordar
a cultura artística portuguesa do século XVIII.
Nunca é demais insistir nas implicações para o ambiente artístico português
da ausência de uma Academia constituída a partir do modelo das belas-artes, que
passaria a existir naquele contexto em 1836. Ora, é esse o modelo que altera
concomitantemente as condições do aprendizado artístico e o estatuto social e
intelectual do artista, a quem é permitido, então, abandonar o círculo dos ofícios
mecânicos e assumir um lugar junto às artes liberais. Esse processo em Portugal
ocorreu em descompasso com outros centros europeus. Assim sendo, se manteve
ativa ali até o século XIX a tradição do ensino oficinal, fundada na relação direta
entre mestre e aprendiz na efetiva execução do trabalho.
Na segunda metade do Setecentos, assiste-se a um aumento significativo no
número de estabelecimentos que se dedicam ao ensino de cnicas arsticas em
Portugal, todas ancoradas no modelo dos ofícios mecânicos. Esses
estabelecimentos, com exceção de um, resultam de iniciativas estatais e se integram
ao movimento de modernização do estado luso iniciado durante o período
pombalino.
Diante dessas considerações, vejamos quais eram os estabelecimentos
dedicados ao ensino artístico, e mais especificamente ao ensino do desenho,
naquele momento. Não pretendemos aqui um inventário exaustivo, mas somente
caracterizar melhor a atuação da coroa portuguesa como agente na criação dessas
instituições, bem como a ligação que daí decorre entre a produção imatica e os
interesses do estado.
O desenho nas Academias
A necessidade de manutenção de um vasto império ultramarino é certamente o
fator determinante para que fosse o contexto militar o primeiro em que se deu a
sistematização do ensino do desenho em Portugal. As Academias Militares
119
destinadas a formar um contingente profissional apto a fortificar e mapear o
território foram criadas no século XVII, e datam das primeiras décadas da centúria
seguinte os manuais de Azevedo Fortes que estabelecem uma normativa de
representação validada internacionalmente, a permitir uma leitura universal do
material iconográfico produzido pelos militares. Em continuidade desta tradão,
destaca-se, na segunda metade do século XVIII, a criação de duas novas
instituições a saber, a Academia Real da Marinha e a Academia Real de
Fortificação, Artilharia e Desenho.
A Academial Real da Marinha foi criada por Alvará de d.Maria I em 1779 e
manteve-se em funcionamento até 1837. O curso de formação baseava-se no ensino
da navegação teórica e prática, de disciplinas da física, como hidráulica e
hidrostática, contemplando também um forte componente matemático, por meio
do estudo da aritmética, geometria e trigonometria. Segundo Carvalho (2001:517), o
curso matemático compreendia o ensino do desenho voltado para construção de
barcos e para o traçado de cartas marítimas. Ribeiro também menciona a utilidade
do desenho nesse contexto, uma vez que era exigido dos pilotos de naus de guerra
que fizessem observações astronômicas, examinassem as marés e soubessem “tirar
configurações das costas e ilhas que avistassem do mar e dos portos” (Ribeiro 1871).
A Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, criada em 1790
109
,
veio substituir a antiga Aula de Fortificação, suprimida pouco mais de dez anos
antes. Assim como a Academia da Marinha, a Academia de Fortificação manteve-se
ativa até 1837. Segundo os estatutos da nova escola, os alunos que aspirassem a se
tornar engenheiros ou artilheiros deveriam apresentar atestado de aprovação no
primeiro e segundo anos do curso matemático da Academia da Marinha, ficando os
que desejassem pertencer às armas da infantaria ou cavalaria restritos aos estudos
do primeiro ano da mesma instituição. Os estudos eram assim divididos nos quatro
anos que deveria durar o curso:
- 1
o
ano: fortificação regular de ataque e defesa das praças, princípios
fundamentais de qualquer fortificação;
- 2
o
ano: fortificação irregular, efetiva e de campanha;
109
Todas as informações aqui citadas a respeito desta instituição são retiradas de AHM 4/ 1/
15/ 10, que compreende o Alvará de d. Maria I e os estatutos da Academia Real de
Fortificação, Artilharia e Desenho.
120
- 3
o
ano: teoria da artilharia das minas e contraminas e sua aplicação ao
ataque e defesa das praças;
- 4
o
ano: arquitetura civil, corte das pedras e madeiras e orçamento dos
edifícios, todos de construção de caminhos e calçadas, arquitetura de
pontes, canais, portos, diques e comportas.
Além das disciplinas citadas, o estatuto determinava que
haveum Lente de Dezenho que ensinará a desenhar o que os Discipulos forem
aprendendo em todas as tres Aulas; Como tambem a copear, e reduzir Plantas,
reprezentar perfis, e configurar diversos terrenos, e a traçar com perfeição a lettra
redonda; dispensando-se porem os Discipulos do quarto anno de toda a applicação
na Aula do Desenho.
O desenho seria praticado todos os dias após as aulas “especulativas”,
conjuntamente pelos alunos de todos os anos, exercício este que deveria durar uma
hora e um quarto. O estatuto pre ainda que os lentes de todas as disciplinas
fossem obrigados a sair a campo com os discípulos, ocasiões em que os alunos
seriam instruídos de forma prática a medir distâncias, nivelar terrenos, construir
trincheiras, manejar bocas de fogo, entre outras atividades. Ao lente de desenho
caberia ensinar “a tirar hua Planta sem Instrumento, configurando as differentes
irregularidades do terreno, e fazendo applicação das regras da Optica, e
Perspectiva”.
É bastante claro que, em ambas as escolas, estamos diante de métodos de
ensino de um desenho instrumental, voltado diretamente para habilitar o aluno
para a atuação profissional, fosse no projeto de embarcações e levantamento de
perfis, fosse no reconhecimento dos diversos terrenos e na avaliação das
possibilidades de ataque e defesa de praças. Nos dois casos, era indispensável o
conhecimento da matemática e, em particular, da geometria. Faria (2001:131) faz
notar que as regras do desenho na nova Academia de Fortificação ainda eram
estudadas pelo tratado de Azevedo Fortes. Em 1793, viria somar-se ao Engenheiro
Portuguez na bibliografia de referência sobre o desenho militar a obra de Antonio
José Moreira, Regras do Desenho... (Moreira 1793). O chamado “desenho de figura”
não fazia parte deste espectro de interesses e era mesmo considerado desnecessário
121
ao militar (Faria 2001:133). Como podemos ver, este fato vem contribuir para a
originalidade do trabalho de Carlos Julo.
Vale assinalar a breve existência de uma Academia do Nu, fundada em
Lisboa em 1780, a partir do empenho pessoal dos pintores Francisco Vieira, o
Lusitano (1699-1783), e And Gonçalves. Foi uma tentativa malograda de
estabelecer o ensino do desenho no molde das belas-artes sem apoio estatal,
sustentando-se a partir das contribuões dos alunos que a freqüentavam. A
Academia do Nu sofreu rios reveses, entre os quais, segundo relata Ribeiro, a
dificuldade de encontrar um homem que se dispusesse a servir de modelo, pois o
primeiro que se prestou àquelle servo foi tão maltratado pela estúpida plebe, que
no cabo de três ou quatro noites desappareceu” (Ribeiro 1871). A grande oposição
ao funcionamento da Academia do Nu parece ter sido mesmo popular, segundo
relata o mesmo autor, que “o povo rústico, o qual, em sabendo que havia de ser
exposta no estado de nudez uma creatura humana, para ser copiada, apedrejou as
janellas da casa onde a academia projectada havia de ter assento” (Ribeiro 1871). A
Academia do Nu funcionou por pouco mais de um ano e, apesar de tentativas de
reavivá-la, o obteve resultados significativos.
Aulas de desenho
Em 1781, um alvará de d.Maria I criou a Aula Pública de Desenho, dedicada
propriamente ao ensino do “desenho de hisria, ou figura” e ao “desenho de
arquitetura civil”. As condições de ingresso limitavam-se à aprovação do candidato
pela Real Mesa Censória e à sua comprovação de que sabia ler suficientemente,
fazer as quatro operações aritméticas eo ter defeitos de visão.
O conteúdo programático do desenho de arquitetura compreendia as
tradicionais disciplinas da aritmética e geometria, as proporções das cinco ordens
de arquitetura, a distribuição das pas de um edifício (fosse uma casa simples ou
palácio), além do desenho de ornatos e estudo da perspectiva (Ribeiro 1871).
Quanto ao desenho de história, ou de figura, deveriam ser ensinadas “as
proporções de varias figuras; tendo o cuidado, na correcção dos desenhos, de
indicar tudo o que no original houvesse de sublime, de medíocre e defeituoso”
(Ribeiro 1871). O ensino não se limitava às figuras humanas, compreendendo
122
também o desenho de animais, paisagens, plantas e flores. O professor deveria
acompanhar os progressos de cada aluno, de modo a notar que quando este
estivesse habilitado a “copiar bem um desenho, estampa ou pintura, devia então
fazel-o copiar modelos de relevo, para se ir acostumando a copiar do natural
(Ribeiro 1871).
Entre os professores da Aula de Desenho encontravam-se alguns dos mais
renomados artistas do último quartel do Setecentos em Portugal, como o pintor
Joaquim Manuel da Rocha (1727-1786), o gravador Joaquim Carneiro da Silva
(1727-1818) e o arquiteto Jo da Costa e Silva (1747-1819), autor do projeto do
Teatro o Carlos e um dos arquitetos do Palácio Nacional da Ajuda.
Ernesto Soares (1935) assinala que nos 34 anos de funcionamento da Aula
Pública de Desenho, passaram pela instituição 557 alunos, entre os quais destacam-
se Domingos Antonio de Sequeira (1768-1837) e Francisco Vieira Portuense (1765-
1805), pintores de grande expressão na transição para o século XIX em Portugal.
Entretanto, é sintomático que a imensa maioria desses alunos permaneça no
anonimato, constituindo um mundo dos “artistas sem história ou daqueles que
escolheram uma carreira alternativa(Faria 2001:59). Entre as carreiras alternativas
possíveis estava a Aula e Laborario de Escultura de Lisboa
110
, que condicionava o
ingresso de aprendizes à freqüência de cinco anos na Aula de Desenho.
No intuito de reforçar os exemplos de ensino de desenho ligado às
manufaturas, lembramos aqui a existência Aula de Desenho e brica de Estuques,
estabelecida em 1771 sob a inspeção dos diretores da Real brica das Sedas. Teve
como mestre João Grossi e seus alunos eram principalmente empregados nas obras
de reconstrução da cidade de Lisboa. Houve também uma Aula de Debuxo junto da
Fábrica de Vidros da Marinha Grande.
Um estabelecimento bastante ativo durante o Setecentos no que concerne
ao ensino de cnicas artísticas foi, sem dúvida, a Fundição do Arsenal do Exército,
110
Funcionou de 1772 a 1836, comandada por Joaquim Machado de Castro, escultor
formado nos canteiros da constrão do Pacio de Mafra. Criada sob a tutela da Secretaria
das Obras blicas, a Aula de Escultura esteve vinculada a grandes realizações estatais do
final do Setecentos, como a estátua eqüestre de d.Jo e as construções do Palácio da Ajuda
e da Basílica da Estrela, entre outras. Os aprendizes recebiam soldo e podiam viver junto da
Aula, o que reforça, na visão de Faria, a tradição oficinal do ensino arstico em Portugal
(Faria 2000).
123
onde se desenrolou a última etapa da carreira militar de Carlos Julião. Não se sabe
com exatidão quando começou a funcionar a Aula de Desenho, Gravura e Lavra de
Metais coordenada pelo mestre Jo de Figueiredo, mas a probabilidade aponta
para a década de 1760, quando as atividades do Arsenal se intensificaram no bojo
das reformas empreendidas pelo conde de Lippe.
Não é muita a informação disponível sobre o funcionamento da aula, mas
admite-se que seu intuito fosse basicamente desenhar e ornamentar o material
bélico produzido na Fundição. A aula da Fundão serviria a ensinar os aprendizes
“a desenhar, abrir ao boril, em chapa e em ôcco, lavrar metaes” (apud Faria
2001:118) e sua existência se justificava pela necessidade de que o armamento
tenha figura agradável, para que debaixo desta encubra o letal effeito do seu furor, e
se concegue adornando-a com huma boa repartição das molduras da sua culatra,
cascavel, golfinhos, e ainda com mantos de príncipes, e tropheus gravados no
primeiro, e segdo reforço, e ainda na bollada, levando folhagens, e o mais que for
de bom gosto (apud Faria 2001:124).
Constata-se que o Arsenal do Exército oferecia aos aprendizes uma série de
serviços de apoio social, como assistência médica e alimentar e ensino de primeiras
letras. A idade de admissão dos aprendizes variava entre onze e dezoito anos, não
sendo raros os casos de ingresso de alunos com nove anos de idade. Esses dados
vem reforçar o que foi dito sobre o modelo de transmissão dos saberes do ofício
por meio da relação mestre-aprendiz. A aula de Figueiredo era um local de
trabalho, não uma aula acadêmica. Aprendia-se o ofício no desempenho das
atividades ligadas à produção bélica do Arsenal. O fato de não ser conhecido
efetivamente um corpus de obras de desenho ou gravura de autoria de Figueiredo é
indicativo da confiança depositada no saber “prático” nesse contexto militar.
A presença de alunos provenientes da Aula da Fundição em uma rie de
outros estabelecimentos ligados à pratica artística em Lisboa como a Casa da
Moeda, Impressão gia
111
, Tipografia do Arco do Cego e Obras Públicas leva
111
A Impressão Régia, fundada por d.JoI em 1768, abrigou o primeiro núcleo de ensino
da gravura em Portugal, a Aula de Gravura, conduzida por Joaquim Carneiro da Silva. Esta
funcionou até 1787, ensinando principalmente a técnica do buril e da água-forte. A Aula
seria reativada em 1802, dessa vez conduzida pelo gravador italiano Francesco Bartolozzi
(1728-1815).
124
Miguel Faria a supor que o Arsenal funcionasse como uma espécie de “viveiro” de
desenhadores e gravadores, que seguiriam posteriormente o caminho de outras
especializações em atividades de produção gráfica (Faria 2001:126). Esse é o caso,
por exemplo, de José Joaquim Freire, aprendiz arsenalista, transferido para a Casa
do Risco do Jardim Botânico da Ajuda, onde foi treinado no desenho de História
Natural, como veremos a seguir.
O desenho e a História Natural
A profunda reestruturação promovida no campo do ensino durante o período
pombalino compreendeu especialmente um processo de laicização, visto que a
1759 este estivera sob a tutela dos jesuítas. Uma das primeiras medidas nesse
sentido foi a criação do Real Colégio dos Nobres em 1761, destinado a formar uma
elite letrada preparada para ocupar postos chave na administração do império.
Encontramos no currículo do Colégio, além do tradicional ensino de línguas,
esgrima e dança, o ensino do desenho vinculado ao estudo da arquitetura militar
(regras gerais de fortificação e acampamento do ercito) e civil (medidas e
proporções da edificação). Importante destacar que a constituição do corpo docente
resultou da contratação de diversos professores estrangeiros. Aliás, com excão
dos lentes de grego, latim e português, todos os demais professores eram italianos
(Ribeiro 1871).
O Colégio dos Nobres é um importante marco ainda da introdução das
disciplinas científicas no ambiente português, tendo contado com laboratório
equipado de apoio pedagico. Os equipamentos deste laboratório foram
transferidos para a Universidade de Coimbra e estão na origem do Gabinete de
Física Experimental constituído como apoio ao novo curso de Filosofia ali
instituído pelos novos estatutos de 1772 (Antunes 2004). Transferido também do
Colégio dos Nobres para assumir as cadeiras de Hisria Natural e Química do
curso de Filosofia estava o naturalista Domenico Vandelli (1730-1816), que teria
papel preponderante a desempenhar como “ponto de aplicação do poder político
apostado na (re)descoberta dos domínios coloniais da Coroa Portuguesa e das suas
125
respectivas potencialidades de exploração ecomica”, nas palavras de Faria
(2001:89).
Vandelli foi o orquestrador da criação de uma série de estabelecimentos
voltados aos estudos científicos no último quartel do século XVIII em Portugal,
assim como o responsável pela formação de uma geração de naturalistas treinados
para o trabalho de campo. Convidado a formar um Jardim Botânico junto ao
Palácio da Ajuda para instrução dos príncipes, transformou-o num laboratório para
estudo e desenvolvimento de espécies provenientes das colônias, cujo cultivo se
mostrasse de interesse para a exploração ecomica, seja do ponto de vista agrícola,
seja de aplicação à indústria nacional. Para suprir o Jardim Botânico de novas
espécies, o naturalista contava com uma rede de correspondentes espalhada pelo
ultramar que incluía os administradores locais, responsáveis pela prospecção de
plantas nativas, redação de merias” e organização de remessas de material para
análise de viabilidade econômica em Lisboa.
É conhecida a importância de Vandelli na concepção do grande plano das
Viagens Filosóficas que seriam despachadas para os domínios ultramarinos a partir
da década de 1780, sendo a mais frutífera a comandada por Rodrigues Ferreira ao
Pará
112
. Vandelli idealizou as viagens, treinou os naturalistas em laborario e em
pequenas viagens por Portugal, redigiu as instruções que deveriam orientar os
procedimentos no trabalho em campo e coordenou a sistematização das remessas
científicas no complexo constituído em torno do Jardim Bonico da Ajuda.
Este complexo compreendia ainda um Laboratório Químico, um Museu de
História Natural, assim como a chamada Casa do Risco, estabelecimento que
interessa mais particularmente a este estudo. Funcionando a partir de 1780, a Casa
do Risco reunia um corpo de desenhadores que, trabalhando sob a tutela de
naturalistas, foram treinados para o registro de espécies dos três reinos da natureza
e habilitados para o trabalho de campo nas expedições filosóficas. Ali atuaram cerca
de vinte profissionais, entre os quais se encontram, por exemplo, José Joaquim
112
Outras viagens filosóficas incluem a de Moçambique comandada por Manoel Galvão da
Silva, acompanhado pelo jardineiro Jo da Costa e o riscador Antonio Gomes; a de Angola,
por JoJoaquim da Silva acompanhado por Ângelo Donati; e a de Cabo Verde, conduzida
por João da Silva Feijó, todas iniciadas em 1783, assim como a de Ferreira. As viagens
filosóficas teriam continuidade sob a gestão de d.Rodrigo de Sousa Coutinho na Secretaria
da Marinha e Ultramar, a partir de 1796 (Pataca 2006:88).
126
Freire e Joaquim José Codina, que acompanharam Rodrigues Ferreira na
expedição ao Brasil, assim como Ângelo Donati, desenhador da viagem filosófica a
Angola, comandada pelo naturalista Joaquim José da Silva.
Fazia parte das atribuições desses profissionais executar “a figura de todas
as fructificações dos neros das plantas at agora conhecidos” (Vandelli apud
Faria 2001:156), realizar cópias do material enviado pelos naturalistas em viagem
113
,
além de aprender a “abrir chapas em cobre”. O desenvolvimento da capacidade de
transpor o desenho para a gravura deve ser entendido como necessário para a
concretização do mais ambicioso projeto de Vandelli, a publicação de uma História
natural das colônias, que viria a divulgar a sistematização científica dos
conhecimentos sobre a natureza do império colonial português que ele se
empenhara em promover. (Faria 1992). O projeto de Vandelli acarretaria a criação
de uma Casa de Gravura em 1800 junto à Casa do Risco, como também a
contratação de um experiente tipógrafo. No entanto, as conseqüências dos conflitos
que marcaram a história portuguesa na primeira década do Oitocentos colocariam
termo ao projeto acalentado pelo mestre italiano.
Como pudemos observar, à exceção da efêmera experiência da Academia do
Nu, todos os estabelecimentos citados se encontravam na órbita do estado luso e
cumpriam fuões específicas dentro da lógica administrativa, seja do ponto de
vista de formar estucadores para a reconstrução de Lisboa, ou gravadores para
ornamentar as edições da Impressão gia e Arco do Cego, ou abridores para a
Casa da Moeda, ou desenhadores para expedições científicas que permitiriam
incrementar a exploração dos recursos coloniais, sem deixar de mencionar o
tradicional ensino do desenho cartográfico e de fortificações. Portanto, o ensino do
113
“Em alguns casos eram executadas cópias no próprio local, durante a viagem. Para o
Reino eram enviados todos os originais dos quais Alexandre Ferreira solicitava fossem feitas
cópias na Casa do Risco do Museu da Ajuda, avisando que ‘desaparecido que seja o original,
não haver pia para o recuperar’, sinal de que não mantinha consigo qualquer exemplar.”
(Faria 1992). A existência de diferentes versões dos desenhos, até pouco, representou
uma certa dificuldade na identificação do espólio da expedição de Ferreira ao Brasil.
127
desenho no Setecentos português visava instrumentar o aprendiz para o
desempenho de uma atividade determinada dentro dos quadros do aparelho estatal.
Este modelo implicava numa prática finalista do desenho, que deveria servir à
circulação de informações de interesse do estado.
Principalmente por meio do desenho, constitui-se na segunda metade do
século XVIII um corpo de representações dos domínios portugueses no mundo a
partir de insncias diversas: os métodos produtivos e extrativos, o desenho urbano,
a história natural, tudo o que pudesse interessar ao governo metropolitano deveria
ser registrado. O desenho se presta, então, à elaboração de uma visão
verdadeiramente imperial”. Sendo este um período de grande transformação e real
esforço de racionalização dos procedimentos administrativos do estado luso, os
registros visuais adquirem papel preponderante para o melhor planejamento da
gestão das colônias (Faria e Pataca 2005).
Do ponto de vista do aprendizado das técnicas artísticas, este se encontrava
fundado no antigo sistema dos ofícios mecânicos. Isso talvez explique ao menos em
parte uma certa uniformidade de linguagem no desenho setecentista português que
dificulta a distinção de estilos pessoais, tornando mesmo árdua a atribuição de
autorias. Aliás, a noção de autoria parece não se aplicar facilmente a este universo.
Como um funcionário da coroa portuguesa, Julo se inscreve nesse ciclo de
produção de “imagens úteis” à coroa, para usar a terminologia de Faria (2001).
Nessa perspectiva, o registro de tipos que empreende por meio das figurinhas não
deve ser encarado como livre especulação ou atitude desinteressada, o que vem
reforçar as hipóteses apresentadas no capítulo 1.
Lembremos, entretanto, que o aprendizado de Julião ocorreu num
ambiente diverso do português, sobre o qual o temos ainda maior conhecimento.
Ainda assim, é de se notar algumas semelhanças entre as figurinhas de Julião com
os desenhos executados por Freire e Codina durante a viagem filosófica ao Pará
[Fig.67]
114
. A falta de treinamento no desenho da figura humana a partir do natural,
pode explicar a tendência a geometrizá-la, que é comum aos desenhadores. Essa
propensão à geometria tem como efeito a exploração do modelado dos volumes da
vestimenta mais que do corpo da figura. De resto, cabe assinalar ainda que a
114
Essa semelhança é mencionada, entre outros, por Raminelli (2001:971).
128
compreensão geométrica da figura humana nesse contexto certamente tem em
Vandelli uma de suas fontes. O procedimento de observação das coisas do mundo
pela história natural pressupunha a sua apreensão por meio da geometria e da
proporção matemática.
Raminelli assinala o insucesso dos desenhadores da viagem filosófica no
registro de traços fisionômicos das tribos indígenas observadas, o que faz com que
a grande contribuição da expedição de Rodrigues Ferreira para o conhecimento
dos povos amanicos seja aquela relativa à indumentária (Raminelli 2001:980). Ora,
a freqüência com que esse tipo de observação ocorre na historiografia nos leva a
enfatizar que a compreensão da fisionomia como pametro das diferenças é uma
etapa do conhecimento científico que o estava disponível naquele momento e
naquelas circunstâncias. As diferenças que o século XVIII portugs percebe entre
os povos o são raciais e sim culturais. Portanto, o critério de distinção
fisiomica o se aplica a este universo de imagens. O registro do traje / habitus é
que permite que as diferenças sejam expressas. Ao organizar um inventário de
indumentárias, Julião, assim como Freire e Codina, compõe a imagem de um
indivíduo exemplar, que o é tomado diretamente da realidade, mas resume as
características do grupo social que representa.
Na ocasião em que comentamos os desenhos de índios de Carlos Julião no
álbum da FBN, chamamos atenção para o cerio constituído no plano de fundo da
imagem a partir do acréscimo de elementos vegetais e sugestões de relevo. Esse
mesmo recurso está presente nos desenhos da viagem filosófica. Os tipos
registrados em campo por Freire e Codina eram representados isoladamente, mas
quando copiados na Casa do Risco ganhavam um cerio muito semelhante ao
utilizado nas figurinhas citadas de Julião, como podemos ver pela Fig.68.
Não há notícias, ao momento, de uma possível ligação entre Carlos Julião
e os desenhadores da Casa do Risco e a proximidade entre os modos de representar
se deve provavelmente ao aprendizado comum de raiz militar, bem como à
compreensão geométrica da figura que provem da história natural. Em todo o caso,
esta proximidade permanece como mais um caminho posvel de investigação.
129
Fig. 67 Joaquim José Codina.
Casal de índios espanhóis desertados ...,
1783-1792
Aquarela sobre papel
Museu Bocage, Lisboa
Fig. 68 J.J.Codina ou J.J. Freire.
Índio miranha com zarabatana e
cargaz, 1783-1792
Aquarela sobre papel
Museu Bocage, Lisboa
130
131
CAPÍTULO 4
O papel do traje na construção
das diferenças
132
133
O papel do traje na construção das diferenças
Como vimos no final do capítulo anterior, a distinção fisionômica não é um critério
que se aplica à representação dos tipos humanos no século XVIII português.
Quando Julião representa a índia brasileira, o “gentio de Goa ou a mulata da
Bahia, pouca diferença com relação a traços fisionômicos. É certo que, vistos em
detalhe, os negros tem os olhos mais redondos, e os índios, mais amendoados, mas
certamente isso diz respeito a modos já convencionados de representação de negros
e índios. Cabe perguntar então de que modo a visualização das diferenças se faz
possível naquele momento.
observamos anteriormente o quanto a contribuição de Julião é relevante
no que tange à indumentária, compreendidos aqui também os símbolos
identitários, como são os adereços e escarificações, entre outros. E não é casual que
ele utilize o termo traje” ou modo de trajar” nas legendas que atribui aos tipos
que representa. Para Bluteau, o traje, ou “trajo” é o modo de vestir” e, portanto, se
refere ao universo dos usos e costumes mais que à vestimenta enquanto tal (Bluteau
1712: t.8, 238). Se este é o meio utilizado por Julião para representar as diferenças
entre os povos que vivem sob o governo português, esse fato merece um exame
mais detido.
Desde o século XVI, a descrição do traje tem um papel central na maneira
como as culturas se decodificam umas às outras. E o entendimento do traje naquele
momento histórico compreendia mais do que simplesmente o vestuário. Também o
gesto, o porte, o decoro contribuíam para a constituição da apancia e
colaboravam para a composição de uma figura-tipo, que, como veremos a seguir,
vinha a sinalizar o lugar social do representado.
O traje no momento da diferenciação dos costumes
Daniel Defert (1989) faz notar que a partir do culo XV as hierarquias e diferenças
sociais no âmbito urbano se fazem mais e mais visíveis por meio dos trajes, marcas
da conveniência social. Conforme o autor, a vestimenta euroia vai se
particularizando nos diferentes países ao passo da adoção de insígnias e cores pelas
134
cortes principescas, assim como pelos representantes políticos ou de corporações
nos centros urbanos. O modo de vestir passa a ser regulado por leis suntuárias, que
determinam os tipos de tecidos e cores adequadas ao uso de cada extrato social,
convertendo-se na clara expressão dos lugares” destinados a cada um na estrutura
do Antigo Regime. O traje se torna então emblema de identidades.
Conjuntamente com as transformações nos modos de vestir e de se
comportar
115
, vemos surgir no meio mais popular e de maior circulação que é a
gravura
116
, coletâneas de imagens que catalogam tipos a partir de sua vestimenta. Na
falta de designação mais apropriada, Defert se refere a essas coletâneas como
“livros de trajes”
117
, considerando que constituem propriamente um nero da
ilustração no século XVI. Contudo, adverte o autor, esses inventários de roupas e
adornos não constituem livros de moda, no sentido que damos hoje ao termo. A
noção de traje no século XVI se associa à de habitus, que, segundo Defert, “supone
un trabajo sobre el cuerpo (...) indica la forma de ser de determinados grupos
estatutários” (Defert 1989:26), e não diz respeito, portanto, apenas a possibilidades
de escolha individual.
Habitus é palavra latina pela qual São Tos de Aquino traduz a noção de
hexis utilizada por Aristóteles. Segundo Fraois Héran, na matriz do termo está o
verbo habere, ou ter, tomado o para designar a relação entre o sujeito e um objeto
exterior a ele, mas entre o sujeito “et ses propres états, ses dispositions, ses
aptitudes, à quoi s’ajoute ce qu’il porte sur soi, à me soi”
118
(Héran 1987:398). O
115
“O decoro corporal é expressão de uma mente bem constituída”, conclui Norbert Elias
(1990:69) a respeito do conceito de civilité exposto no tratado de Erasmo de Rotterdam, De
civilitate morum puerilium, publicado em 1530.
116
Vale lembrar que também as primeiras experiências que levaram ao desenvolvimento e à
rápida disseminação das técnicas de gravura datam precisamente do final do século XV e
são contemporâneas da inveão da imprensa. Esse período representa o início de uma
primeira era de reprodutibilidade na arte européia, superada pela invenção dos processos
fotomecânicos em meados do século XIX. Argan faz notar que a disseminação das gravuras
teria alterado de maneira significativa a cultura arstica européia, o apenas por fazer
circular as chamadas gravuras de reprodução”, como também por tornar-se suporte para
uma notável diversificação do repertório temático no campo das artes visuais. Assim, a
gravura teria tido papel preponderante para a afirmação do valor autônomo da imagem
(Argan 2004:51).
117
Apenas na lingua alemã, os livros de trajes” receberam uma designação mais específica,
sendo identificados pela palavra Trachtenbuch.
118
“e os seus próprios estados, suas disposições, suas aptidões, ao que se acrescenta o que
ele traz sobre si, mesmo em si”, tradução nossa.
135
habitus / hexis, portanto, para os escolásticos, dizia respeito a algo que foi adquirido
e incorporado pelo sujeito por meio de suas próprias experiências. Em última
instância, implicava uma maneira de aparecer no mundo, de se mostrar para o
outro, uma vez que se reportava à apancia exterior como dimensão visível de um
estado geral do sujeito.
Ao analisar as sucessivas transformações do termo na passagem do latim ao
francês, o mesmo autor assinala que habitus está na origem de habit, que designa,
num primeiro momento, simultaneamente “apancia corporal” e indumentária”.
É nesta acepção mais abrangente que o termo é utilizado no século XVI, como
“extériorisation de l’intériorité”
119
(Héran 1987:394), como apancia, ou aquilo que
a ver as funções e o lugar social do portador.
As mais importantes coleneas de estampas dedicadas ao tema dos trajes
são publicadas entre 1560 e 1610, principalmente na França, Alemanha, Países
Baixos e Itália. Ao analisar dezesseis desses títulos, Defert chama a atenção para o
caráter universalista que eles adquirem enquanto tentativas de catalogação de um
amplo leque de nacionalidades. Assim, os tipos representados ultrapassam as
fronteiras européias, incluindo personagens provenientes da Ásia, África, como
também dos povos recém-descobertos no Novo Mundo. Por nacionalidades”,
porém, convem considerar grupos congregados regionalmente sob valores culturais
comuns, que não correspondem necessariamente às divisões políticas vigentes
naquela altura.
A diferenciação das “nacionalidades” nessas coleções de estampas não se
efetua a partir da observação de características fisionômicas ou anamicas, mas sim
por meio de elementos constitutivos da cultura, quais sejam a vestimenta, o gesto, o
porte, o que se cobre e o que se revela, os adornos e mutilações. A observação
desses dados não constitui, alerta Defert, as premissas de uma antropologia sica,
mas servem a compor o traje / habitus. Ao decodificar para “uns a apancia de
“outros”, os livros de trajes se tornam instrumentos da comunicação entre culturas.
119
“exteriorização da interioridade”, tradução nossa.
136
Fig.69 – A burguesa de Paris / O burguês
Fig.70 – A jovem de luto / O luto na Flandres
Fig.71O grego servo do turco / O lacaio turco
Fig.72 – A brasileira / O brasileiro
Fig.73 – O selvagem em pompa / O tártaro
Fig.74 – O macaco em pé / O ciclope
Figs.69 a 74 – François Desprez. Ilustrações de Récueil de la diversité des habits..., 1562 (Paris, Richard Breton).
Xilogravura sobre papel
137
O cueil de la diversi des habits, qui sont de present en usage, tant es pays
d`Europe, Asie, Affrique & Isles sauvages, le tout fait apres le naturel
120
[Figs. 69 a 74] é
tido como o primeiro livro do nero do registro dos trajes. Foi publicado pelo
impressor Richard Breton em Paris, em 1562, e reeditado ao longo do século XVI.
Compreende ao todo 121 xilogravuras de autoria de François Desprez
121
, também
autor dos poemas que ocupam a parte inferior das ginas e que descrevem em
versos a figura representada.
O livro se inicia com um convite aos leitores, escrito também em versos,
para que observem por meio dele os retratos, gestos e vestimentas de homens,
mulheres e jovens daquele tempo, e possam entender, dessa forma, como os
humanos são diferentes uns dos outros. Segue-se uma dedicatória ao rei Henrique
IV, em que Desprez cita algumas de suas fontes, afirmando que para compor as
figuras do livro serviu-se de “quelque dessein du defunct Roberval, Capitaine pour
le Roy, & d’un certain Portugais, ayant frequenté plusieurs & divers pays”
122
(Desprez 1562:A3).
Os primeiros a figurar no livro de Desprez o o Chevalier, o Gentilhomme e a
Damoyselle, acompanhados de outros tipos nobres. Seguem-se personagens mais
identificados com o ambiente urbano, como o burgês, o artesão e o soldado, e,
depois, tipos regionais como a Lyonnoise ou o Provençal, totalizando 34 figuras de
trajes franceses. As demais nacionalidades englobam desde o Moscovite e o Perse,
até a Rustique d’Espagne, assim como o Brasileiro e a Brasileira, antecedidos pelo
homem selvagem e seu par feminino. Em meio a todos esses personagens, se
destacam os tipos grotescos do Singe debout (macaco em pé) e do Cyclope, figura
lendária de um olho só que povoa o imaginário das narrativas fantásticas de viagem
do século XVI. Em geral, os tipos são representados aos pares, que nem sempre
120
“Coletânea da diversidade dos trajes, que estão presentemente em uso, tanto em países
da Europa, Ásia, África & Ilhas selvagens, tudo feito a partir do natural”, tradução nossa.
121
Artista sobre o qual não estão disponíveis maiores informações biográficas. Atribui-se a
Desprez a autoria das ilustrações de Songes drolatiques de Pantagruel de François Rabelais,
publicado por Richard Breton em 1564, pouco as a morte do escritor.
122
“alguns desenhos do defunto Roberval, Capitão do Rei, e de um certo português, que
freqüentou muitos e diversos países”, tradução nossa. Essa observação deixa clara a
importância que vai adquirindo a figura do viajante, aquele que “freqüentou muitos e
diversos países”, para a observação das diferenças culturais desde o Quinhentos. De fato, é
no deslocamento propiciado pela viagem que a experiência da diferença se faz possível. E
lembremos que Julião é também um viajante.
138
ocupam, entretanto, as ginas contíguas. Todas as figuras aparecem isoladas sobre
fundo neutro, pousadas numa sugestão de chão, que pode ou não conter elementos
de vegetação. A opção pelo fundo neutro parece servir a manter a atenção do
observador voltada para o assunto principal, evitando possíveis conflitos entre
figura e fundo.
Esse mesmo princípio orienta a figuração dos tipos de Degli habiti antichi et
moderni di diversi parti del mondo
123
[Figs. 75 a 80], publicado em Veneza em 1590, de
autoria do artista Cesare Vecellio (1521-1601). Trata-se de um dos mais conhecidos
manuais de trajes, citado por historiadores como refencia para compêndios
editados posteriormente
124
. Assim como no caso do livro de Desprez, as figuras
surgem isoladas, circundadas por uma moldura ornada de volutas e grotescos, e
identificadas por tulos que ocupam a parte superior da imagem. Elas parecem
“flutuarno espaço da representação, que em diversos casos não sugestão de
superfície abaixo delas e muitas se apóiam apenas nas suas próprias sombras. Mais
uma vez aqui, o destaque recai sobre o modo de vestir específico de pessoas de um
certo nero, que ocupam uma certa posição social, numa determinada região.
Os personagens das xilogravuras de Vecellio se sucedem de acordo com um
critério geográfico. Os primeiros apresentados o os italianos, seguidos pelos trajes
típicos dos países da Europa do norte, central e do leste, até a África, Ásia e
América. Contudo, o artista não se limita a representar os personagens que lhe o
contemponeos. Assim, na seção italiana, por exemplo, o artista insere figuras do
antigo império romano, seguidas por damas e cavaleiros medievais.
De fato, Defert considera que a disposição de personagens nos livros de
trajes obedecem a seqüências que pouco variam. Uma delas é a geográfica, utilizada
por Vecellio, que se inicia com a pátria ou cidade-pátria do autor, passando aos
demais países europeus, e depois ao Oriente Próximo (turcos, persas, árabes), à
África moura, África negra e, finalmente, América. Mas aquela que o autor
123
“Dos hábitos antigos e modernos de diversas partes do mundo”, tradução nossa.
124
Vecellio era pintor e gravador do círculo de Ticiano, ativo também como editor. Sua
publicação sobre trajes foi uma das mais referenciais no século XVI e mesmo depois.
Natália Majluf, por exemplo, nesta publicação uma das origens do costumbrismo do
Oitocentos (Majluf 2001).
139
Fig.75 – Príncipe, ou Doge
Fig.76Matrona inglesa
Fig.77 – Reitor de alunos
Fig.78Meretrizes públicas
Fig.79 – Mouros negros
Fig.80 – Hábito das ilhas Canárias
Figs. 75 a 80 – Cesare Vecellio. Ilustrações de Degli habiti antichi et moderni..., 1590 (Veneza).
Xilogravura sobre papel
140
Fig.81 – Camponesa / Aldeã / Jovem francesa
Fig.82 – Índia da África / Árabe / Jovem árabe
Figs.81 e 82 – Jean-Jacques Boissard. Ilustrações de Habitus variarum orbis gentium..., 1581 (Nuremberg).
Água-forte e aquarela sobre papel
Fig.83
Fig.84
Figs. 83 e 84 Abraham de Bruyn. Ilustrações de Omnium pene Europae, Asiae, Aphricae atque Americae
Gentium Habitus..., 1581 (Antuérpia).
Água-forte e aquarela sobre papel
141
considera a mais recorrente é a seqüência que organiza os tipos por critérios como
dignidade, status, profissão e idade. Dessa forma, os primeiros a ser figurados o os
príncipes espirituais (as coletâneas editadas em países católicos se iniciam com a
representação do Papa), seguidos dos príncipes temporais, dos representantes da
nobreza, clero e burguesia, passando daí aos artesãos, militares, camponeses e
servos. A introdução de personagens femininos nas coletâneas margem a uma
maior diversidade de abordagens, uma vez que considera a condição da
representada segundo esteja em seus trajes de núpcias, de luto ou de ir à igreja, e
segundo seja jovem ou velha, cortesã, criada ou religiosa.
Ainda no âmbito dos livros de trajes, gostaríamos de destacar duas
coletâneas publicadas em 1581, a primeira em Nuremberg e a segunda em
Antuérpia, que podem ser esclarecedoras do ponto de vista do estabelecimento de
convenções figurativas que auxiliem a compreensão do trabalho de Carlos Julião.
Estamos nos referindo a Habitus variarum orbis gentium de Jean-Jacques Boissard
(1528-1598) [Figs. 81 e 82] e Omnium pene Europae, Asiae, Aphricae atque Americae
Gentium Habitus de Abraham de Bruyn (1540-1587) [Figs. 83 e 84].
Ao invés da figura isolada que observamos nos livros comentados
anteriormente, encontramos nas estampas das publicações de Boissard e De Bruyn
uma outra maneira de dispor os tipos, mais próxima à utilizada nas pinturas da
coleção Brennand e na Configuração da entrada da barra de Goa..., ambas atribuídas
a Julião. A presença de mais de um personagem na mesma gravura também pode
ser comparada a algumas das ilustrações do álbum da FBN. Assim como as
figurinhas de Julião, esses tipos seiscentistas são apresentados lado a lado, apoiados
sobre uma superfície única, espécie de mostruário, onde estão identificados com
legendas em rias línguas. Não é exagero evocar aqui a idéia de palco, sendo o
livro o equivalente do teatro, ou seja, o lugar onde se contempla a diversidade dos
povos que habitam a Terra.
Como vimos, portanto, os livros de trajes não se propõe a um inventário
completo de todas as nacionalidades possíveis, mas o uma maneira de ordenação
do conhecimento sobre a diversidade dos povos, segundo o critério da “dignidade
ou da semelhança”, isto é, daquilo que é mais próximo e, portanto, mais parecido,
para o mais distante e diferente. E aqui, nos parece, reside um ponto estratégico
142
para a compreensão da obra de Julião. Seu trabalho se ocupa da apresentação de
uma ordem social, a ordem que preside o mundo colonial português e que se
constitui pela diversidade. E, para fazê-lo, o desenhador se vale da centeria
tradição dos trajes, tomados como emblemas de identidade na representação das
diferenças. Ainda que seja um homem do século XVIII, não nos parece que ele
pretenda uma classificação científica, muito menos no sentido taxonômico-linneano
do termo.
Se é bastante claro que a utilização do tipo isolado ou “enfileirado” a que
Julião procede tem suas raízes figurativas nos livros de trajes, fica ainda por
investigar outro ponto para o qual chamamos atenção no capítulo 1 deste trabalho,
ou seja, a identificação que este autor propõe nas pranchas do GEAEM entre a
figura e o lugar. Vamos a isso.
A figura e o lugar
A literatura de viagem
As viagens que propiciaram os Descobrimentos a partir de finais do século XV
trouxeram um incremento notável tanto à literatura de viagem quanto à prática da
cartografia na Europa. Se uma se propôs a reunir e divulgar as narrativas de
encontro com os povos recém-descobertos, a outra apressou-se em redesenhar o
mundo em seus novos contornos, incorporando as numerosas e freqüentes
informações trazidas por navegadores e aventureiros. E, como veremos, se
sobretudo nesses dois neros que a associação entre a figura e o lugar te
expressão.
No que diz respeito à literatura de viagem, interessa em particular abordar
as estampas com que o famoso gravador e editor Theodore De Bry (1528-1598)
ilustrou suas coleneas de viagem. De início, é conveniente distinguir as coleções
das Petits e das Grands Voyages que constituem o grandioso empreendimento
editorial de De Bry. A coleção das Grands Voyages, que reúne os relatos de viagem
ao ocidente, foi publicada em treze partes na edão latina e quatorze na alemã. Foi
iniciada em 1590, tendo De Bry participado da publicação de seis volumes, após o
que a coleção foi continuada por seus filhos e genro até 1624, quando veio a
143
público o 14
o
volume. A coleção das Petits Voyages, de menor formato, contem os
relatos de viagem às Índias orientais, e foi publicada em treze volumes na versão
alemã e doze na versão latina, entre 1598 e 1628.
Vale a pena atentar mais especificamente para o primeiro volume que inicia
a coleção das Grands Voyages. Trata-se da reedão de A brief and true report of the
newfound land in Virginia
125
, relato de Thomas Hariot (1560-1621) sobre a fundação
de uma colônia britânica na América do Norte por sir Walter Raleigh (c.1552-1618),
relato este anteriormente publicado em Londres em 1588. Dessa expedição,
acontecida em 1585, fez parte o artista John White (c.1540-c.1593), cuja missão era
produzir uma espécie de “reportagem visual do local com o intuito de angariar
futuros investimentos e encorajar novos colonizadores a se fixarem na América.
White registrou em cerca de vinte aquarelas os povos Algonquin e suas vilas de
Pomeiooc, Secotan e Roanoke, situadas no atual território da Carolina do Norte,
assim como exemplares da flora e fauna da rego. Na opinião de Defert (1989:35),
os registros de White sobre os índios americanos viriam a confirmar a influência
das convenções visuais difundidas nos livros de trajes sobre a observação dos
povos, uma vez que o artista desenha a partir da observação direta, mas
obedecendo a essas conveões. Na Fig.85, vemos um chefe tribal, cuja
representação é acompanhada da seguinte legenda: “the manner of their attire and
painting themselves when they go to their general huntings or at their solemne
feasts”
126
.
Ao transpor os motivos de White para a gravura, De Bry procede a duas
alterações importantes: primeiro, o desdobramento da figura em dois, de modo a
descrever o traje de frente e de costas; segundo, o acréscimo da paisagem que passa
a ocupar o plano de fundo da gravura [Fig.86]. De Bry propõe assim uma associação
entre o traje/habitus e a representação do território. Entretanto, é preciso ter em
conta que não é o território que está sendo descrito e sim o personagem. Dessa
forma, a paisagem nas gravuras de De Bry atua no mesmo sentido das legendas e
versos presentes nos livros de trajes, ou seja, ela concorre para atribuir certas
125
“Um breve e verdadeiro relato das recém-descobertas terras na Virginia”, tradução nossa.
126
“O seu modo de trajar e pintar a si mesmos quando vão para suas caçadas ou para suas
festas solenes”, tradução nossa.
144
Fig.85 – John White. Chefe indígena, c.1585
Aquarela sobre papel
The British Museum, Londres
Fig.86 John White, gravado por Theodore
De Bry. Um weroan ou grande chefe da
Virgínia.
Água-forte sobre papel
Ilustração de Theodore de Bry, América Pars
I, 1590.
Fig.87 Autor desconhecido. Mercador,
bania e brâmane com sua mulher.
Água-forte sobre papel
Ilustração Jan H. Linschoten, Histoire de la
naviagation..., 1683 (3
a
ed.). Instituto de
Estudos Brasileiros da USP, São Paulo.
145
características à figura, acrescentando informões relativas, por exemplo, a
atividades a que o personagem se dedica ou a aparência do local onde vive. A
configuração é bastante similar à utilizada por Albert Eckhout em suas pinturas
etnográficas, como notou Belluzzo (1994: v.1 89).
Podemos encontrar esquema compositivo semelhante utilizado na
representação dos povos do oriente português. É o que nos atestam as gravuras que
ilustram o relato de viagem de Jan Huyghen van Linschoten
127
, personagem
polêmico, envolvido numa hisria cheia de acasos, toques de aventura e suspeitas
de espionagem, cujo caráter excepcional merece alguns comentários.
Linschoten era de família católica, nascido nos Países Baixos, então parte do
império de Felipe II (1527-1598). Seguiu aos dezesseis anos para Sevilha e depois
para Lisboa, onde conseguiu entrar ao serviço do recém-nomeado arcebispo de
Goa, frei Vicente da Fonseca (c.1530-1587), em cuja companhia chegou à Índia em
1583. Trabalhando como guarda-livros do arcebispo e envolvido na burocracia
episcopal da Índia portuguesa por seis anos, Linschoten teve acesso a todo tipo
informação a respeito do que mantinha ativo o donio português sobre a rede
comercial marítima do oceano Índico. Teve contato com pessoas provenientes de
várias partes da Ásia, manteve os ouvidos atentos e os olhos abertos para tudo o
que via. Fez desenhos. De volta à Holanda, ciente da relevância de suas observações
tomadas em primeira mão, reuniu-se ao editor Cornelis Claesz (c.1551-1609) para a
publicação do Itinerario: Voyage ofte schipvaert van Jan Huyghen van Linschoten naar
Oost ofte Portugaels Indien, em 1596. O livro foi imediatamente traduzido para o
inglês, francês e latim.
Bill Frank (2001) enfatiza que, uma vez que Linschoten não era português e
não tinha interesses próprios em Goa, seu relato constitui um importante
contraponto às cnicas contemporâneas produzidas pelos lusos e missiorios
jesuítas. O Itinerário é um retrato crítico da sociedade portuguesa na Índia, assim
como um guia a desvendar os segredos do acesso às suas lendárias riquezas.
Embora as investidas holandesas na Ásia tivessem se iniciado, o livro de
127
O relato de Linschoten foi também publicado por De Bry em 1598, constituindo o
primeiro volume das Petits Voyages.
146
Linschoten veio fornecer os meios para que finalmente o secular monopólio
português do corcio no Índico fosse suplantado.
Ainda segundo Frank (2001), as 36 ilustrações presentes no Itinerario
constituem um divisor de águas no que diz respeito à imaginação européia sobre a
Ásia, uma vez que seriam reproduzidas e republicadas com freqüência pelas
décadas seguintes. Como foi dito, muitas delas tem origem em esboços feitos
pelo próprio autor, outras o baseadas em fontes textuais ou descrições verbais.
Um dos pontos importantes do conjunto de gravuras do Itinerario é o elenco de
tipos humanos asiáticos que Linschoten se propõe a descrever pela apancia e
pelo traje [Fig.87]. É notável o quanto essas ilustrões tem em comum com De Bry.
Não se trata aqui de determinar quem tem precencia, mas de afirmar um tipo de
representação que se torna usual. Nele, coexistem as conveões posturais e
gestuais dos livros de trajes já, por si, fundamentadas na tipificação clássica da
figura e a paisagem, tornada um atributo do personagem. E, como vimos, esse
esquema compositivo, que relaciona a figura ao lugar, terá larga difusão, sendo
usado para a representação tanto de índios americanos, quanto de hindus e
chineses, acabando por informar a pintura, como ocorre no mencionado caso de
Eckhout.
A cartografia
Por outro lado, a cartografia quinhentista comportava cenas dispostas sobre a
parte interior dos territórios, alusivas a hábitos nativos, flora e fauna caractesticos
daquela porção de terra incógnita. Nos mapas do Brasil desse período, são usuais as
cenas de tráfico de pau-brasil e canibalismo. Presenças constantes nos mapas do
Quinhentos são também as figuras alericas dos continentes.
Segundo Steffof (1995:115), o vigor da cartografia de uma nação podia ser
medida pelo seu status como potência mundial, que os pses que mantinham
atividades no comércio, na exploração e na guerra, não necessitavam de mapas
como tinham acesso às informações para produzi-los. Uma vez que a Holanda
desponta no último quartel do Quinhentos como grande potência marítima, não
surpreende que, a partir desse momento, o panorama da cartografia seja dominado
pela atuação dos batavos, que transformaram a impressão de mapas num business e
foram responsáveis por inovações verdadeiramente revoluciorias nesse campo.
147
Uma dessas criações holandesas foram os atlas, ou coleções de cartas
geográficas em forma de livro, cujo mais antigo exemplar foi impresso por Abraham
Ortelius (1527-1598) em 1570 com o título Theatrum Orbis Terrarum. O atlas que nos
interessa mais particularmente para o estudo das obras de Julião é o Theatrum Orbis
Terrarum sive Atlas Novus, publicado inicialmente em dois volumes em 1635, e
sucessivamente aumentado e completado até constar de doze volumes em 1663.
Nessa ocasião, o atlas publicado pela famosa família de cartógrafos Blaeu passou a
ser conhecido como Grooten atlas ou Atlas major.
Incluídos no Atlas major de Blaeu estão alguns mapas que passaram a ser
conhecidos como cartes à figures, para os quais gostaríamos de chamar a atenção. A
representação propriamente cartográfica do continente ocupa a parte central da
estampa que é contornada por uma espécie de moldura. A parte superior dessa
moldura é ocupada por pequenas vinhetas de forma ovalada que contem vistas das
cidades mais importantes do continente. No América nova tabula [Fig.88], as cidades
representadas são: “Havana, Santo Domingo, Cartagena, México, Cuzco, Potosí,
I.La Moche in Chili, Rio de Janeiro, Olinda in Phernambuco”. As laterais da
moldura são divididas em retângulos em que estão representados os habitantes
desses locais com seus trajes picos. Na estampa aqui reproduzida, vemos o
“Groelandi, Virginiani, Rex e Regina Floridae, Novae Albionis Rex, Mexicani,
Peruviani, Brasiliani, Brasiliani milites, Insulani de la Moche in Chili, Freti
Magellanici”.
Estamos diante de outra estratégia de associação entre a figura e o lugar. A
diferença com relação aos livros de viagem é que aqui o que essendo descrito é o
território. O personagem, com seu traje típico, se soma às vistas de cidades para dar
efetiva visibilidade ao território, de outro modo delineado pelo traçado abstrato da
cartografia. Ou seja, ele colabora para a “descrição” do território, no sentido dado
ao termo por Alpers (1999). A representação cartográfica serve a denotar a posição
do continente em relação ao teatro do mundo” para usar uma expressão em voga
naquele momento –, a quantificar a massa de terra que o forma, a estabelecer
distâncias. As vistas de cidade e os personagens, sendo elementos que permitem
148
Fig.88 – Johannes Blaeu. America nova tabula. Água-forte e aquarela sobre papel
Ilustração de Grooten atlas, 1663, v.8. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo
Fig.89 Autor desconhecido. Mapa mundi com representação
de quarenta nacionalidades, século XVII, Japão.
Pintura sobre papel
Idemitsu Museum of Arts, Tokyo
(frente e detalhe do verso)
149
analogias mais imediatas, fornecem uma escie de dimensão “palpável” à
representação
128
.
Uma última palavra sobre a cartografia holandesa servi a sinalizar a
amplitude do seu alcance no Seiscentos. Foram os missiorios jesuítas a levar
mapas europeus para o oriente. Entre eles, Matteo Ricci (1552-1610) tem um
papelfundamental não apenas por atuar como uma espécie de agente que
compilava informações geográficas sobre a China e as transmitia à Europa, como
também por ter impresso em Beijing em 1602 uma xilogravura representando um
mapa mundi ao modo ocidental, sendo a identificão dos lugares traduzidas para o
chinês. Embora o mapa de Ricci, que possivelmente teve como modelo mapas de
Blaeu, não tenha tido impacto relevante no ambiente chinês, ele foi bastante usado
para o ensino da geografia na escola jesuíta de Kyoto (Harley e Woodward
1987:404) e serviu como refencia para a decoração de biombos ao estilo nanban
129
.
São conhecidos ao menos três exemplos de biombos decorados com mapas do
mundo
130
[Fig.89], sendo que todos eles contem figuras humanas de tipos
ocidentais.
Um atlas de cidades
Acompanhamos até agora duas formas de associação entre o tipo social e o
território promovidos a partir do último quartel do século XVI: de um lado sua
associação à paisagem, proposta por De Bry, de outro, à cartografia, por Blaeu.
Resta ainda abordar uma outra maneira em que essa associação se deu no mesmo
período, o que faremos ao analisar a publicação das vistas de cidades contidas na
edição do Civitates Orbis Terrarum, de autoria de Georg Braun (1541-1622) e Frans
Hogenberg (1535-1590). Trata-se de um conjunto de estampas publicado em cinco
128
É curioso pensar em como essas figuras tomam o lugar das alegorias dos continentes.
Deixa-se de lado a metáfora visual para afirmar o valor da realidade observada, daquilo que
é validado pela autoridade do testemunho visual.
129
Estilo artístico desenvolvido no Japão que denota influência dos “nanbanou bárbaros
do sul”, como eram designados os navegadores portugueses que atingiram o Japão em
meados do século XVI. Abrange preferencialmente temáticas ocidentais tratadas segundo as
técnicas arsticas tradicionais japonesas.
130
Os outros dois exemplos de biombos com mapas e figuras humanas encontram-se
atualmente nas coleções do Shimonoseki City Chofu Museum, em Shimonoseki, e no
Nanban Culturel Hall, em Osaka.
150
Fig.90 – Autor desconhecido. Rostock.
Água-forte e aquarela sobre papel
Ilustração de G.Braun e F. Hogenberg Civitates orbis terrarum, vol.5, 1598.
Fig.91 – Autor desconhecido. Damasco.
Água-forte e aquarela sobre papel
Ilustração de G.Braun e F. Hogenberg Civitates orbis terrarum, vol.2, 1575.
151
volumes impressos em Colônia entre 1572 e 1598, ao qual veio se somar um sexto
volume publicado em 1617 pelos herdeiros dos autores.
O Civitates toma como modelo o Theatrum Orbis Terrarum, propondo um atlas que
compila o maior mero possível de vistas de cidades, e foi provavelmente
idealizado como complemento ao trabalho de Ortelius, conforme sugere Skelton
(Braun e Hogenberg 1965:XVIII). Reunindo gravuras realizadas no ateliê de
Hogenberg aos textos de Braun, a publicação tinha como objetivo prover ao leitor
“the pleasures of travel without the discomfort of travelling”
131
(Braun e Hogenberg
1965:VII).
Na introdução à edição facsimilar do Civitates orbis terrarum, Skelton
distingue basicamente quatro tipologias de representação de cidades utilizadas na
obra: o prospecto ou perfil, a perspectiva ou vista a vôo de pássaro, a planta e a vista
em forma de mapa (map-view, no original), que combina a representação em planta
com detalhes vistos em elevação. Na finalização das gravuras, eram acrescentados à
representação as armas heráldicas da cidade, legendas para identificar os edifícios
principais e vinhetas com personagens típicos do lugar situados no primeiro plano
da imagem. Independente de serem perfis, plantas ou vistas a vôo de pássaro, as
figuras humanas o dispostas nas estampas sem preocupação naturalista, isto é,
sem que estabeleçam com a representação da cidade nenhuma relação de
proporcionalidade ou ponto de vista, como podemos notar nas Figs. 90 e 91.
É bastante claro que os gravadores do Civitates recorrem aos livros de trajes
como refencia para a figuração desses tipos humanos. De fato, Skelton menciona
que os modelos mais utilizados nesse sentido foram o Omnium...gentium habitus de
Abraham de Bruyn [Figs.81 e 82], além do Trachtenbuch de Jost Amman (Braun e
Hogenberg 1965:XVII).
Como tivemos oportunidade de verificar, tanto o registro dos tipos sociais
particularizados por seus trajes, quanto a sua associação a um lugar de que provem,
131
“Os prazeres da viagem sem o desconforto de viajar”, tradução nossa. Este se tornará,
aliás, um recorrente mote da literatura de viagem até o século XIX. Utilizamos neste
trabalho a versão inglesa do texto de Braun e Hogenberg, originalmente publicado em latim.
152
ambos modos de representação utilizados nos trabalhos de Carlos Julião, são
procedimentos sedimentados na cultura artística européia desde o século XVI.
Esses modos de representação se fazem presentes principalmente nas gravuras de
ilustração, na cartografia e nos livros de viagem, neros de grande circulação e que
se prestam a todo tipo de transposições figurativas. Como foi dito anteriormente,
Julião é um observador atento e informado, sendo certa a sua familiaridade com
esse repertório visual.
Os livros de trajes informam Julião na maneira de representar seus tipos do
mundo colonial português. Note-se que a forma nos desenhos de Julião segue
sendo tipicamente setecentesca. Essa “maneira de representar” implica o
reconhecimento dos trajes como códigos de identidade, bem como a conscncia de
que dispô-los lado a lado faz emergir um quadro da diversidade. A representação
do traje se presta à distinção das culturas, distinção essa que não é racial, mas
“nacional”, termo compreendido aqui não em seu sentido político-territorial. O
traje participa na construção da perceão das diferenças. Por outro lado, não se
pode perder de vista que a percepção das diferenças se constitui a partir do
universo das viagens. E Julião é um viajante, duplamente estrangeiro frente ao
ultramar português.
Por outro lado, a associação das “figurinhasao desenho do território lhe é
claramente sugerida pela tradição cartográfica, mais do que pelo modelo da
literatura de viagem. Os tipos ajudam a descrever o território. E essa operação
parece ser uma contribuição original de Julião à iconografia luso-brasileira do
século XVIII. Ao menos nas coleções consultadas para a elaboração deste trabalho,
assim como na literatura de refencia utilizada, não encontramos nenhum outro
exemplar cartográfico que se assemelhe à proposição de Julião
132
.
132
A rigor, existe uma Planta da Vila Boa de Goiás, datada de 1782, pertencente ao acervo da
Casa da Ínsua em Penalva do Castelo, Portugal, que apresenta um elenco de “soldadinhos”
na margem de uma representação cartográfica (Garcia s.d.). Entretanto, essas “figurinhas” se
integram ao gênero dos figurinos militares que tivemos oportunidade de mencionar neste
trabalho, e são utilizadas pelo desenhador num sentido bastante diverso do proposto por
Carlos Julião.
153
CONCLUSÃO
154
155
Conclusão
La poursuite du motif iconographique de référence à
travers ses multiples avatars nous entraine dans un
labyrinthe dont nous n’avons fait qu’entrevoir les contours.
(Bucher 1977:51)
Voltemos, então, às perguntas iniciais propostas para este trabalho. A
primeira delas dizia respeito à possibilidade de situar a obra de Julião como
precursora da representação dos tipos sociais no contexto da arte no Brasil. De um
ponto de vista cronológico, as figurinhas de Carlos Julião certamente tem
preemincia com relação ao registro dos tipos brasileiros. Contudo, seu trabalho
não teve qualquer repercussão. Não se pode tomá-lo, nem mesmo, como precursor
de Joaquim ndido Guillobel (1787-1859), militar e arquiteto de origem
portuguesa que, estranhamente à sua formação, dedicou-se, no período
compreendido entre 1812 e 1822, ao registro de tipos urbanos do Rio de Janeiro e
do Marano. A atuação de Guillobel neste campo se aproxima das expressões do
“pitoresco”, que terão farta manifestação no Oitocentos. Julião, por sua vez, integra
um “sistema figurativo” (termo que emprestamos a Francastel) que diz respeito à
lógica estatal de gestão do império colonial português no século XVIII. De maneira
original, ele elege tipos sociais para compor a descrição que pretende, o que, pelo
que pudemos observar no material consultado em diversos arquivos, não parece ter
sido prática usual naquele contexto. Apesar disso, seu trabalho o deve ser
entendido como iniciador de um gênero artístico. Ao contrário, Guillobel estaria
mais apto a ocupar este posto e o real alcance de sua contribuição nesse sentido
ainda está por ser estabelecido.
Antes de seguir adiante, é preciso enfatizar um aspecto que nos parece
fundamental para o justo entendimento do trabalho de Julião. Por vezes, nossa
perspectiva um tanto limitada da história nos leva a deixar de lado
momentaneamente a noção de que o Brasil no culo XVIII é parte de um
complexo sistema colonial que inclui territórios da China, na Índia, em vários
pontos da África. Como um funcionário da coroa portuguesa, Julião viaja pelo
156
ultramar registrando tipos humanos de variadas procencias e compondo um
quadro da diversidade dos povos que vivem sob domínio português. Portanto,
Julião não se interessa pelos tipos humanos que observa no Brasil pelo seu
exotismo ou porque as mulheres da Bahia se fazem carregar em cadeirinhas. Ele se
interessa pelos tipos que observa no Brasil e os registra porque eles o parte do
mundo colonial português ao qual ele serve. Como afirmamos anteriormente, o
julgamento moral na maneira como Julião se aproxima do objeto a ser
representado. E o modo como a ordem social colonial é entrevista em suas obras
não implica compromisso com uma condenação do sistema colonial, incluindo a
escravidão, enquanto tal.
Em segundo lugar, nos propusemos a analisar as características que a
formação militar confere ao trabalho de Julião. E aqui é imprescindível mencionar
o primado da matemática e da geometria na maneira de apreender e representar o
mundo. Julião era um oficial do ercito habilitado para o desenho nas várias
acepções em que ele se fazia militarmente necesrio. Aliás, como tivemos
oportunidade de verificar no capítulo 2, sua formação abrangente o capacitava
também a executar maquetes, modelos de esculturas, fundir artilharia, entre outras
atividades.
Uma das atribuições do desenho no âmbito militar era a composição dos
figurinos militares, à qual Julião se dedicou. Para tanto, treinava-se o desenho da
figura humana através da cópia de gravuras, como vimos no capítulo 1. Resulta
desta prática um repertório um tanto limitado de gestos e posturas corporais, que
colabora para o desenho tipificado da figura. De resto, a conformação da figura-tipo
condiz com o modo cssico de representação, em que podemos situar a ptica
figurativa de Julião.
Por último, resta abordar as intersecções que seu trabalho estabelece com
neros artísticos. Entretanto, é conveniente uma correção na pergunta, pois não
nos parece que seja adequado relacionar a obra de Julião a neros propriamente
artísticos. Talvez o mais correto fosse considerá-lo como parte de um sistema
figurativo – e nos reportamos novamente a Francastel (1967)
133
que compreende as
133
Segundo Francastel (1967:29) “L’art est constitué en systèmes fons sur des conventions
éternellement changeantes, mais selon des lois d’enchaînement qui impliquent la
conservation, au cours de longues séries d’applications, d’un certain nombre de principes.
157
variadas instâncias em que a figura humana, paramentada dos atributos que a
particularizam e a tornam exemplar de um grupo social, se faz presente, sejam elas
os livros de trajes, a literatura de viagem, a cartografia, os atlas de cidades, ou
eventualmente outras. O fato é que Julião trabalha a partir de reperrios
internacionalmente codificados e muito estabelecidos na cultura visual européia.
Certamente, não se trata de um curioso com facilidade para o desenho. Restaria
investigar de que forma ele adquire familiaridade com essas tradições.
Como dissemos, a obra de Julião se insere também no universo figurativo
do desenho do século XVIII português. Ela compartilha com esse universo, por um
lado, a linguagem imediata, pragtica, quase crua do desenho, que resulta de um
processo de ntese e codificação que converte o dado real em informação visual.
Por outro lado, pom, suas figurinhas tem a graciosidade da ilustração do
Setecentos, para o que concorrem os gestos e posturas com que os tiposo
representados, o sabor do colorido, o gosto miniaturista expresso nas diferentes
padronagens e adornos.
Gostaria de encerrar com um comentário, talvez uma provocação. O que foi
exposto até aqui é válido enquanto considerarmos que Carlos Julião é de fato o
autor desse conjunto de obras. A discussão sobre a atribuão de autorias foi
proposta pontualmente durante este trabalho, mas não como ignorá-la. Não é
descabido pensar que Julião, assim como copiou o prospecto de Caldas, pode ter
copiado as famosas figurinhas de algum dos inúmeros outros desenhadores
obscuros do Setecentos português, sendo responsável, portanto, apenas pela
combinação dos elementos na prancha da Elevação e fachada. Visto que as demais
obras são todas atribuídas a ele por semelhança e correspondência com o prospecto
de Salvador... Bem, isso certamente é assunto para um outro trabalho.
(…) existe-t-il des formes d’art fondées sur des conventions inaltérables en dépit de la
mobilité des formes” (A arte é constitda de sistemas fundados sobre convenções
eternamente mutáveis, mas segundo leis de encadeamento que implicam a conservação, no
curso de longas séries de aplicações, de um certo número de princípios. (...) existem formas
de arte fundadas sobre convenções inalteráveis a despeito da mobilidade da forma.”,
tradução nossa)
158
159
BIBLIOGRAFIA
160
161
Fontes manuscritas
Academia de Ciências de Lisboa
Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o Filósofo
Naturalista nas suas peregrinações deve principalmente observar. Por Domingos
Vandelli 1779. Manuscrito nr. 405, série vermelha.
Arquivo Histórico Militar, Lisboa
AHM Processo Individual – Carlos Julião (P.I., Cx.329)
AHM 1 / 14 / 14 / 09
AHM 1 / 14 / 173 / 14
AHM 1/ 06 / 16 / 02
AHM 3 / 12 / 3 / 6
AHM 3 / 13 / 06 / 10
AHM 3 / 13 / 07 / 1
AHM 3 / 13 / 9 / 11
AHM 3 / 13 / 9 / 30
AHM 3 / 13 / 9 / 31
AHM 3 / 13 / 9 / 38
AHM 3 / 13 / 9 / 44
AHM 3 / 13 / 9 / 45
AHM 3 / 13 / 9 / 46
AHM 3 / 13 / 9 / 47
AHM 3 / 13 / 9 / 49
AHM 3 / 13 / 9 / 50
AHM 3 / 45 / 2 / 25
AHM 3 / 45 / 2 / 26
AHM 3 / 50 / 28 / 23
AHM 3 / 6.1 / 3 / 69
AHM 4 / 1 / 6 / 4
AHM 4 / 1 / 15 / 10
AHM 4 / 1 / 15 / 13
AHM fundo 100 – Biblioteca. Alunos da Academia de Fortificação, Escola do
Exército, Escola de Guerra e Escola Militar (1790-1940)
Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa
AHU_ACL_CU_015, Cx.166, D.11832
AHU_ACL_CU_017, Cx.255, D.17403
AHU_ACL_CU_017, Cx.293, D.20769
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Biblioteca Nacional de Portugal
Diccionário Histórico das arvores, e arbustos que contem os nomes, e synonymos de
cada huma dellas tirado dos melhores auctores, que escreverão nesta matéria. Por
Carlos Valentim Julião Cavalleiro professo na Real Ordem Militar de
S.Bento de Avis, por sua Alteza Real o Príncipe Regente Major de Artilharia
com exercício no Arcenal Real do Exercito, membro da inspecção militar,
&c. [Seção de Reservados, Cód. 10748]
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Fontes impressas
Aa s.d. a
C’EST UN CATALOGUE des cartes geographiques de villes tant en plan qu’en
profil & d’autres estampes ou taille douces qui se trouvent a Leide, chez
Pierre Vander AA.
Aa s.d. b
LA GALERIE AGÉABLE DU MONDE, ou l’on voit en un grand nobre de cartes
très exactes et de belles tailles-douces, les principaux empires, roiaumes,
republiques, provinces, villes, bourgs et forteresses, avec leur situation, & ce
qu’elles ont de plus remarquable.(...) Tome premier qui comprend Les
Roiaumes de Portugal & d’Algarve. Le tout mis en ordre & executé à
Leide, par Pierre Vander Aa, Marchand Libraire, Imprimeur de
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APÊNDICE
A representação do tipo popular
em Portugal
176
177
A representação do tipo popular em Portugal
Ao iniciarmos a pesquisa de possíveis fontes para a obra de Julião, o contexto
artístico português foi naturalmente a primeira das alternativas que se
apresentaram ao trabalho. Após a reunião de diversos exemplos, foi inevitável
concluir que aquele universo não ofereceria evidências que viessem a iluminar
questões do trabalho de Julião. No entanto, para ilustrar esse caminho do
raciocínio, acrescentamos em forma de Apêndice os resultados dessa pesquisa.
Século XVI: dois exemplos
É notória a escassez dos registros visuais relativos aos costumes na arte lusa frente
ao que se manifesta nas tradições artísticas do norte europeu, assim como na
França e Itália. Mesmo enquanto pioneiros no contato com povos do oriente e das
Américas, os portugueses pouco se utilizaram do desenho para descrevê-los,
privilegiando a narrativa escrita, conforme lembra Bethencourt
134
. As impressões
sobre as “gentes” e os novos costumes encontrados no oriente, mais correntes
naquela altura que os relatos sobre a Arica, circularam em textos impressos e
crônicas de funciorios, marinheiros e mercadores portugueses que se
aventuraram na Carreira da Índia. Bethencourt faz notar o quanto a percepção dos
costumes locais era uma necessidade para o português do Quinhentos, na medida
em que era justamente este conhecimento a permitir melhor mercadejar,
evangelizar e sujeitar politicamente” (Bethencourt e Chaudhuri 1998:88). A este
propósito, cabe citar o autor animo do manuscrito seiscentista da Crônica dos Reis
de Bisnaga quando afirma: “sei que não vai [a Bisnaga] nenhum [português] que
não traga suao de papel escrita das cousas de lá” (apud Matos 1985:42).
Entretanto, um caso bastante singular de um manuscrito ilustrado do
século XVI, que vale a pena ser mencionado nesse contexto: o códice 1889,
134
Bethencourt, Francisco. O contacto entre povos e civilizações. In: Bethencourt e
Chaudhuri 1998:88-115.
178
conservado na Biblioteca Casanatense em Roma
135
, incorretamente catalogado
como Disegni indiani, conforme aponta Matos (1985). Trata-se de um volume
composto de 76 fólios contendo desenhos aquarelados de personagens
característicos das regiões freqüentadas ou submetidas pelos portugueses ao redor
do oceano Índico. Em 32 desses lios, vemos casais que representam uma
determinada nacionalidade com sua indumentária típica, à maneira dos livros de
trajes comentados anteriormente. Acrescentem-se a esses, desenhos de divindades,
hábitos religiosos, rituais e costumes cotidianos de vários povos. O volume não é
datado e nem indicação de autoria. Da mesma forma, é desconhecida a sua
provenncia e o histórico que o levou à coleção da Casanatense. Os comentários
que acompanham as imagens o o único elemento do volume que permite aos
estudiosos algumas hipóteses: redigidas em português com caligrafia do século
XVI, levam a crer que o códice teria sido desenhado por um português vivendo na
Índia por volta de 1550.
As legendas que comentam as imagens trazem informações sobre o caráter
dos tipos representados, conforme sejam “belicosos” ou “bons cavaleiros”, a que rei
servem, a que atividade se dedicam, assim como a respeito dos produtos que devem
ser procurados em suas terras. A título de exemplo, citamos aqui duas delas:
XXXIII Esta gente chamam Resbustos; habitam nos matos no reino de Cambaia.
Mantem-se de roubar e nisso acabam. São muito valentes homes e grandes
cavalgadores e frecheiros. Sua lei é de gintios. [Fig.92]
LXXI Esta gente habita na ilha da Samatra e chamam-se Dachens; são gintios.
Gente muito belicosa, pelejam com uas zevratanas com as coaes botam frechas
piquenas de peçonha. Desta ilha de Samatra vem a águila e ndalo e bejuim de
buninas e assi mesmo muito oro e prata; é ua ilha muito rica. [Fig.93]
Do ponto de vista do desenho, é fácil notar que se trata de um autor de
pouca erudição. O desenho é simplificador e esquemático; a linha que delimita as
formas tem grande valor visual e quase não sugestão de volume. Apesar disto,
ele tem êxito em informar” a maneira como aqueles diferentes povos dispõem os
135
A Biblioteca Casanatense foi inaugurada em 1701, a partir do legado do cardeal Girolamo
Casanate (1620-1700). Foi dirigida pela Ordem dos Dominicanos até passar à posse do
Estado em 1873.
179
tecidos sobre o corpo, as diferentes formas, padronagens e cores usadas nas roupas,
os adornos e as armas, quais povos andam despidos, quais homens usam barba,
quais mulheres cobrem a cabeça, e assim por diante, à maneira de um manual que
ensina a reconhecer o outro, a decifrar sua origem atentando para o seu modo de
vestir. Nesse sentido, ao que tudo indica, o códice da Biblioteca Casanatense
aproxima-se de fato do formato dos livros de trajes do século XVI. Mas, para além
disso, o acréscimo da informação escrita só vem acentuar o sentido prático que se
atribui ao conhecimento do outro no mundo português quinhentista. Afinal, a
presença portuguesa no oriente era essencialmente uma empresa mercantil,
“emporialista” como quer Russell-Wood
136
ao contrário de imperialista, e a
liberdade para praticar o corcio dependia diretamente do estabelecimento de um
adequado relacionamento com os gentios”, que deveria estar fundamentado no
conhecimento dos seus hábitos e práticas.
Situação semelhante enquanto exceção pode ser observada no códice
conhecido como Livro das Antigualhas
137
de autoria de Francisco de Holanda
(c.1517-1584), hoje conservado na Biblioteca do Mosteiro do Escorial, na Espanha.
Holanda foi das personalidades proeminentes do século XVI português, exemplo
bem acabado do artista-cortesão com lustros de humanismo à italiana, a quem são
atribuídas (infundadamente, segundo alguns) incursões pela pintura e arquitetura, e
a quem se devem importantes escritos teóricos de arte, sem dúvida sua mais
substantiva contribuição à cultura portuguesa do Quinhentos
138
. Entre esses
escritos estão Da pintura antiga (1548), Do tirar pelo natural (1549), Da Fabrica que
falece à cidade de Lisboa (1571), Do quanto serve a ciência do desenho (1571) e De
Aetatibus Mundi Imagine (1573-83).
É necessário retomar um pouco da biografia deste personagem para uma
adequada compreensão do surgimento do Livro das Antigualhas. Nascido em Lisboa,
136
Russell-Wood, A.J.R. Os portugueses fora do império. In: Bethencourt e Chaudhuri
1998:256-265.
137
“Cousa que nos ficou dos antigos”, segundo Bluteau (1712: t.1, 405).
138
A trajetória biográfica de Francisco de Holanda, assim como o real significado de sua
contribuição para a cultura lusa, são ainda alvo de alguma controvérsia entre historiadores.
Para as informações deste trecho, nos baseamos principalmente no estudo do Prof. Rafael
Moreira (Moreira 1982).
180
Francisco de Holanda era filho de Antonio de Holanda (c.1480-1556), pintor de
iluminura heldica, possivelmente trazido dos Países Baixos para a corte de
Figs.92 e 93 – Autor desconhecido. Ilustrações do códice Disegni indiani, c.1550
Aquarela sobre papel
Biblioteca Casanatense, Roma
Figs.94 e 95 – Francisco de Holanda. Ilustrações do códice Álbum das Antigualhas, c.1550
Sépia sobre papel
Biblioteca do Escorial, El Escorial
181
d.Manuel I (1469-1521), onde atingiu a elevada posição de “rei de armas e escrivão
da nobreza”. O cargo o situava no estrato da pequena ou média nobreza de corte,
que, fazendo valer seus privilégios, atuava no sentido de angariar o favor e as
benesses reais. Francisco de Holanda, assim como seus irmãos, soube se
movimentar e tirar proveito da teia de relações proporcionada pela situação paterna
para alcançar posições de destaque na corte, am de um significativo salário anual
de 170 mil reais. Segundo a estimativa de Moreira (1982:648), o valor era onze vezes
maior que a tença concedida a Luis de Camões (c.1524-1580), dezessete vezes a do
escultor Nicolau de Chanterenne (ativo em Portugal entre 1517 e 1551) e 34 vezes
superior à do pintor régio Grerio Lopes (c.1490-1550).
Ainda assim, o indícios claros de qual fosse sua exata definição
profissional. Sabe-se que Holanda colaborou com o pai em trabalhos de bastante
responsabilidade e talvez tivesse sido preparado para sucedê-lo. Tinha grande
interesse pelo (e habilidade para o) desenho ou “debuxo”, como prefere Moreira
(1982:633), “especialidade dos cortesãos talentosos , assim como pelo
colecionismo antiquário, e possivelmente tenha atuado como calígrafo na
chancelaria de d.Jo III (1502-1557). Contudo, essas incumbências apenas não
explicam os motivos ainda desconhecidos da viagem a Roma que empreendeu entre
1538 e 1540. Para alguns, uma excursão de estudo como bolseiro” do rei, hipótese
que Moreira julga insustentável, argumentando pela existência de alguma missão
oficial, cujo caráter permanece ainda por esclarecer. O fato é que, em Roma,
Holanda freqüentou rculos seletos da sociedade, desenhou um retrato de
Michelangelo (1475-1564), recebeu comunhão das os do papa na Balica de São
Pedro. E desenhou vistas de cidades, de monumentos, paisagens e alguns tipos
humanos, numa espécie de reportagem visual da viagem. Moreira nota no percurso
registrado por Holanda um interesse quase “turístico” pela Itália. A novidade de
seu trabalho reside propriamente na utilização do desenho como meio de
expressão, fato bastante raro no contexto português da época.
Anos mais tarde, Holanda teria escolhido e mesmo refeito alguns desses
desenhos e os teria organizado como um conjunto, que foi possivelmente oferecido
pelo autor a d.João III. Das mãos do rei, teria passado às de seu irmão d.Luis (1506-
1555), e daí, às do filho deste, d.Antonio (1531-1595), Prior do Crato, provável
182
responsável pela reunião dos desenhos em álbum. O Livro das Antigualhas,
constituído de 113 desenhos, foi então confiscado por Felipe II e levado à Espanha
junto com outros bens do Prior.
Em meio às “antigualhas presentes no códice do Escorial, encontram-se
duas folhas com desenhos em sépia de trajes de mulheres originárias de diferentes
cidades italianas (e uma francesa), assim divididas: na primeira folha, a francesa, a
lombarda, a genovesa e a florentina; na segunda, a senesa, a romana, a napolitana e
a veneziana [Figs 94 e 95].
Os desenhos de Holanda tem um caráter bem diverso dos tipos que vimos
até aqui nos livros de trajes e de ofícios. Em primeiro lugar, não se trata de tipos
isolados. Ao contrário, o autor se vale de grupos de personagens para exibir as
vestimentas sob diferentes pontos de vista: de frente, de costas, em visão lateral.
Confere, assim, um certo ar anedótico à imagem, compondo pequenas cenas em
que os grupos parecem se encontrar casualmente. As figuras se olham, se
reverenciam, conversam, devolvem o olhar do observador. O traço de Holanda
denuncia o gosto pelos inúmeros pormenores dos arranjos de cabeça, das pregas e
panejamentos, dos bordados e transpancias, pingentes e sapatos, desenhados
com grande elencia e graciosidade. Diante da atenção e perícia na representação
das ínfimas particularidades dos trajes, não estranha que ele tenha sido treinado
pelo pai e seja, portanto, herdeiro da tradão da iluminura flamenga tardo-
medieval.
Tipos populares no azulejo
Contudo, tanto os desenhos de Francisco de Holanda quanto os do códice da
Biblioteca Casanatense permanecem, do ponto de vista da imagem, como
manifestações isoladas do interesse pelos tipos sociais no contexto da arte
portuguesa do Quinhentos. O surgimento dos temas ligados à representação da
vida cotidiana nesse âmbito se da na segunda metade do século XVII,
manifestando-se no mais popular dos elementos decorativos da arquitetura em
Portugal: o azulejo.
A importação de azulejos de manufatura sevilhana para a ornamentação do
Palácio da Vila de Sintra pelo rei d.Manuel I parece ter dado impulso à voga do uso
183
do elemento cerâmico na arquitetura lusa. As padronagens policromadas, de
intrincadas composições com motivos geométricos e vegetalistas, à imitação da
azulejaria espanhola, passariam a ser fabricadas em Portugal em finais do
Quinhentos, tornando-se elemento preferencial na valorização de espaços
religiosos, onde comparecem sobretudo nos frontais de altar, assim como em pisos
e paredes.
No culo XVII, duas importantes inovações, uma de ordem cnica e outra
de ordem estética, viriam alterar a maneira de se utilizar o azulejo em Portugal. A
primeira diz respeito à introdução no ambiente português da técnica italiana da
faiança, ou majólica, cujo todo de fabricação prevê a cobertura do azulejo com
um esmalte branco que permite a execução de pinturas diretamente sobre a peça
lisa, sem que as cores se misturem durante a cozedura. A faiança tornou possível a
elaboração de composições figurativas religiosas, de início, e sempre inspiradas
em estampas que rapidamente substituiriam em prefencia as padronagens
policromadas. Mais tarde, seria esta também a técnica utilizada na execução dos
grandes paiis azulejares de gosto rococó,o caractesticos da arte lusa do
Setecentos.
A segunda das inovações diz respeito ao apreço seiscentista por um item
que os próprios portugueses introduziram no mercado europeu e do qual
mantiveram o monopólio de comercialização durante todo o século XVI: a
porcelana chinesa, chamada genericamente “louça da Índia”. Vale destacar que o
método de fabricação da porcelana era então desconhecido fora da China, e assim
permaneceu a inícios do século XVIII (Levenson 2007:291). Portanto, além do
apelo comercial dado pela raridade, a qualidade da “louça da Índia” era realmente
superior à daquela fabricada no ocidente. Logo, o padrão do desenho azul sobre
fundo branco, que a porcelana chinesa popularizou, associou-se na mentalidade
européia à não de qualidade, colaborando para a enorme valorização alcançada
por esses itens junto ao consumidor ocidental.
Ceramistas holandeses o tardaram a enxergar uma grande
oportunidade de expansão de mercado. Segundo Santos Simões (1971), por volta
de 1615, se produzia em Delft louça azul e branca em quantidades comerciais. A
partir de meados do culo XVII, os holandeses passaram a se dedicar também à
184
fabricação de azulejos com motivos azuis sobre fundo branco, e Portugal tornou-se,
então, um de seus principais mercados consumidores. Isso ocorreu não sem dura
resistência dos oleiros lisboetas, que, insistindo ainda no fabrico das antigas
padronagens policromadas, reclamaram a implementação de medidas
protecionistas contra os holandeses, por fim revogadas nos últimos anos do
Seiscentos.
É, portanto, pela mão de artífices holandeses que chegam a Portugal na
segunda metade do culo XVII os azulejos decorados com tipos populares e cenas
do cotidiano, que foram mais tarde imitadas também pelos artífices locais. Um
exemplo a ser citado nesse contexto é um dos painéis que decoram a lateral
esquerda do altar da igreja do convento da Madre de Deus, em Lisboa [Fig.96]. O
elaborado programa decorativo da igreja, que congrega pintura, talha e azulejaria
139
na construção de uma única narrativa, foi estudado em publicação organizada por
Anabela Carvalho (2002). Dali se depreende que este painel, que representa
pastores caminhando com oferendas numa paisagem, se articulava com o painel
fronteiriço dos reis magos, no sentido de constituir a idéia de um presépio, com
todos os personagens se encaminhando para o altar, onde estava a imagem da
Madre de Deus. É curioso notar o modo como os pastores o ali figurados, mais
próximos em apancia a camponeses do século XVII, figuras certamente
tornadas triviais pelas gravuras holandesas do período. Outro exemplo de cena com
personagens populares ao gosto da arte setentrional pode ser visto no painel
decorativo que representa o mercado da Ribeira, possivelmente executado em
Portugal para um edifício civil, hoje conservado no Museu da Cidade, também em
Lisboa [Fig.97].
Incluem-se igualmente entre as novidades vindas da Holanda durante o
Seiscentos os chamados azulejos de “figura avulsa(enkele tegels), em que cada peça
apresenta um motivo aunomo, podendo ser um barco, uma flor, um animal, uma
figura humana, e mesmo uma casa, um moinho ou uma pequena paisagem [Fig. 98].
139
Os painéis de azulejos da Madre de Deus foram encomendados nas oficinas dos
holandeses Jan van Oort e Willem van der Kloet (segundo Monteiro, João Pedro. Os
azulejos da igreja da Madre de Deus. In: Carvalho 2002, pp.83-93).
185
Fig.96 Oficina de Jan van Oort. Painel dos pastores,
último quartel século XVII. Faiança.
Igreja do convento da Madre de Deus, Lisboa
Fig.98 – Autor desconhecido. Painel de azulejos e
figura avulsa, século XVIII. Faiança.
Fundação Ricardo Espírito Santo, Lisboa
Fig.97 – Autor desconhecido. Mercado da Ribeira Velha, início do século XVIII. Faiança.
Museu da Cidade, Lisboa (Cota MC.AZUL.PF.59)
186
Fig.100 Autor desconhecido. Azulejos de figura
avulsa, século XVII. Faiança.
Claustro do convento de Santo Antonio, Recife
Fig.101 Autor desconhecido. Figura de convite,
século XVIII. Faiança.
Fundação Ricardo Espírito Santo, Lisboa
Fig.99 – Autor desconhecido. Painel de azulejos de figura avulsa, XVIII. Faiança.
Museu da Cidade, Lisboa
187
Os azulejos de figura avulsa eram destinados prioritariamente ao uso residencial,
onde serviam de revestimento a dependências secundárias, como corredores,tios
e cozinhas. A cozinha do Pacio Pimenta, edificação do culo XVIII que abriga
atualmente o Museu da Cidade em Lisboa [Fig.99], é ornada com um notável
conjunto desses azulejos, constituindo-se em importante exemplo de sua utilização.
Os azulejos de figura avulsa correspondiam à mais barata produção das
olarias, que a relativa simplicidade do desenho tornava possível o emprego de
mão de obra infantil e feminina na transposão da figura para o azulejo. Os
motivos foram naturalmente obtidos a partir de cópias de estampas populares, mas
é certo que a repetição menica, ou o processo de “reprodução em riedesses
desenhos, transformou as figuras em estereótipos de barcos, flores, animais e
personagens. Sem nenhum compromisso narrativo, o efeito decorativo dos azulejos
de figura avulsa decorre do acúmulo, da graça conferida pela aparente repetição e
pela reunião insólita de motivos tão díspares. Do ponto de vista da representação
da figura humana, que interessa em particular a este trabalho, podemos identificar
o mesmo modelo proveniente dos livros de gravuras que analisamos anteriormente,
ou seja, o personagem isolado, apoiado sobre sua própria sombra ou um porção de
chão. Assim sendo, demonstram que possuem um denominador comum em relação
às figurinhas de Carlos Julião, embora, certamente, não devam ser tomados como
fonte para o seu trabalho.
A título de curiosidade, vale mencionar que um importante exemplo de
decoração seiscentista com azulejos de figura avulsa encontra-se no claustro do
convento franciscano de Santo Antonio, no centro do Recife, conjunto este
estudado por Santos Simões e Gonsalves de Mello em publicação datada de 1959
(Simões 1959a). Segundo esses historiadores, os azulejos ali presentes são de
origem holandesa e devem ter sido trazidos para Pernambuco durante o governo de
Maurício de Nassau, provavelmente para ornamentação de algum edifício civil
[Fig.100]. Gonsalves de Mello chega mesmo a considerar a hipótese de que sejam
origirios do palácio de Vrijburg, construído por Nassau na ilha de Antonio Vaz.
De toda forma, as a expulsão dos holandeses, quando o convento voltou a ser
utilizado com fins religiosos, os azulejos teriam sido cuidadosamente transpostos de
188
seu local original e aplicados nos parapeitos do claustro, segundo a técnica
portuguesa de ladrilhar.
Se é claro que a gravura esteve sempre a orientar a transposição de figuras
para o azulejo em Portugal, resta ainda mencionar um último exemplo nesse
sentido. As chamadas “figuras de convite [Fig.101] o produção típica do culo
XVIII naquele país, prolongando-se seu uso ainda pelos primeiros anos do
Oitocentos. Trata-se de figuras humanas em tamanho natural, de modo geral um
lacaio, uma dama ou um militar pintados sobre azulejo recortado, que eram
colocadas nas entradas de residências nobres ou junto a escadas e passagens. Essas
figuras faziam gestos de boas vindas aos visitantes ou indicavam o caminho a seguir.
Como pudemos observar, a representação de cenas de cotidiano e dos tipos
humanos a ela relacionados nunca se constituiu como um nero na cultura
artística portuguesa, como é sabido, bastante mais voltada ao dado religioso. A
representação do tipo social nesse contexto ocorre apenas pontualmente no século
XVI, sendo as ilustrações do códice da Biblioteca Casanatense e os desenhos de
Francisco de Holanda seus mais destacados exemplos. Na centúria seguinte, essa
prática se insinua na azulejaria, mas como elemento de ornamentação, desprovido
do seu sentido descritivo original.
O tipo popular e o pitoresco
O registro dos tipos sociais se tornará efetivamente um tema para artistas
portugueses somente a partir de inícios do culo XIX, difundindo-se pelo vs
“pitorescoda literatura de viagem. Admite-se que a primeira publicação a trazer
estampas de tipos portugueses seja Travels in Portugal, do irlandês James Murphy
(1760-c.1815), publicado em Londres em 1795 [Fig.102], ao que se segue o
surgimento de uma coletânea de gravuras de fatura portuguesa em 1806, atribuída a
Manuel Godinho
140
, que seria republicada com acréscimos em 1809, 1819 e 1826
com tulos como Ruas de Lisboa ou Povo de Lisboa [Fig.103]. De 1809, datam as
têmperas do francês Félix Zacharie Doumet (1761-1818) [Fig.104], atualmente no
140
Godinho era aluno de Joaquim Carneiro da Silva na Aula de Gravura da Imprensa Régia.
Era abridor de registros de santos e “estampinhas devotas, segundo Soares (1971). Suas
coleções de costumes de Lisboa totalizavam 70 estampas gravadas a buril.
189
acervo do Museu da Cidade, que bem estariam por merecer um estudo comparativo
com as aquarelas de Debret. Do mesmo ano, data a publicação de Sketches of the
country, character and costume in Portugal and Spain de William Bradford, editado em
Londres, que comporta quinze gravuras de tipos portugueses. O mais famoso
desses conjuntos seria o de autoria do francês Henri L’Evêque (1769-1832),
intitulado Costume of Portugal (Londres, 1814), publicação dedicada a Antonio de
Araújo e Azevedo, o conde da Barca (1754-1817). L’Evêque era um pico viajante,
que fazia render seu talento aplicando-o a novos assuntos destinados ao mercado
internacional. Foi responsável pelo desenho que deu origem à famosa gravura de
Francesco Bartolozzi (1725-1815) que representa a partida do príncipe regente
d.João para o Brasil.
190
Fig.102 Autor desconhecido. Uma camponesa do
Alentejo A vendedora de frutas de Lisboa Uma
mulher da Beira
Água-forte e água-tinta sobre papel
Ilustração de James Murphy, Travels in Portugal
(Londres, 1795)
Fig.103 Manuel Godinho. Ilustrações de Ruas de
Lisboa, 1806
Buril e aquarela sobre papel
Museu da Cidade, Lisboa
Fig.104 – Félix Doumet. Costumes nacionais, 1809
Têmpera sobre papel
Museu da Cidade, Lisboa
191
ANEXOS
Documentação relativa a Carlos Julião
em arquivos portugueses
192
193
ANEXO 1
ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR, Lisboa
Processo Individual – Carlos Julião
141
P.I., Cx.329
P.I.
Doc.1
Lisboa, 25 de julho de 1961
Exmo. Snr. Director do Arquivo Histórico Ultramarino
Assunto: Elementos biográficos, cartográficos e iconográficos sobe o brigadeiro
CARLOS JULIAO
Refer.a: V/oficio n
o
.324 de 10 de Julho de 1961
Sobre o assunto do ofício de referência, informa a V.Exa. do que consta nos
registos deste Arquivo.
Do Livro de matricula D1-3, folha 9, do Regimento de Artilharia da Corte, mais
tarde artilharia 1:
- Alferes em 31 de Outubro de 1763; Tenente em 1 de Fevereiro de 1764; Capitão
em 9 de Julho de 1781.
- Do Livro D30-1, a folhas 4, do Arsenal Real do Exército sendo Capitão de
mineiros do Regimento de Artilharia da Corte, entrou para o serviço deste Arsenal
em 13 de Agosto de 1795, com o posto de sargento mor (Major) data da
promoção.
A folhas 15 do mesmo livro, consta mais o seguintes: Coronel por Decreto de 3 de
Abril de 1805 e patente de 24.
Por aviso de 18 de Outubro de 1811 foi encarregado da economia do corpo da
oficialidade.
Nasceu em Turim em 1740 e faleceu em 18 de Novembro de 1811.
Do seu processo individual, consta:
a) Um requerimento datado de Março de 1800 no qual o requerente major Carlos
Julião pediu a promoção a tenente coronel, alegando: que servia o exército a 37
anos e que em todo esse tempo se havia comportado com honra, zelo e préstimo,
tendo feito algumas viagens ao Brasil, Índia e china e várias guarda-costas, sendo a
mais importante a que fez à Índia a qual durou 6 anos; que foi a Macau por ordem
do Secretário de Estado, Martinho de Melo, levantar a planta de todo aquele
Distrito, o que, diz, foi levado a efeito com a maior exactidão e entregou o
resultado dos seus trabalhos ao referido Ministro; que fez uma expedição a
Mazagão, onde, debaixo de fogo, salvou os habitantes do predio, com risco da
própria vida; que fez muitas outras comissões e foi encarregado pelo marechal-
general, Duque de Lafões, de fazer uma vistoria às fortificações de Artilharia da
Província de Extremadura, dando exacta conta do estado da artilharia e munições
que nelas existiam; e que foi ainda encarregado de tomar as providências
necessárias ao Regimento de Artilharia Franceses Emigrados e prover às
reparações do Trem de artilharia e mais armamento da Armada Auxiliar Britânica,
o que diz ter executado, com intenso trabalho, durante 3 anos sem a mínima
141
Os documentos constantes do Processo Individual estão apresentados na ordem em que se
encontram dispostos na pasta. Os demais documentos que se seguirão estarão organizados por ordem
cronológica, de modo a delinear a carreira de Julião no exército português.
194
gratificação ou interesse.
b) Que o tenente-general Bartolomeu da Costa, na informação prestada a S.A.Real
como director do Arsenal, confirma todos esses serviços e considera Carlos Julião
um benemérito oficial que tem servido com acerto e zelos da Real Fazenda,
julgando-o digno do posto que requereu.
c) Que em 1 de Dezembro de 1807 foi nomeado, interinamente, inspector das
oficinas do Arsenal do Exército, por S.A.Real o Pncipe Regente, em substituição
do brigadeiro Carlos Antonio Napion.
d) Que foi reformado no posto de brigadeiro, por decreto assinado no Rio de
Janeiro em 26 de Maio de 1811.
A Carta patente da sua reforma tem a data de 19 de Janeiro de 1813, dada na
mesma cidade, já depois da sua morte.
A sua promoção a tenente-coronel não consta dos registos de matrícula existentes
neste Arquivo, e não foi encontrado qualquer espécie iconográfica ou cartográfica
respeitante ao referido oficial.
A Bem da Nação
O Director
João Carlos de Nogueira
Coronel do C.E.M.
P.I.
Doc.2
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Em observancia do Avizo de V.Ex.a de 27 do corrente em que Sua Alteza Real me
manda informar com o meu parecer sobre a Supplica de que trata o Requerimento
junto, vou a expôr o seguinte.
O Supp.te Carlos Julião, Sargento Mór com Exercicio neste Arcenal Real do
Exército he hum benemérito Official: tem servido a Sua Alteza Real com honra,
préstimo e intelligencia: foi encarregado pelo Marechal General de vizitar toda a
Artilheria das Fortificações da Provincia de Extremadura de que deu exacta carta,
aprezentando Relações as mais bem circumstanciadas do Estado d’Artilheria, e
Munições de Guerra, que nas mesmas existião; e ultimamente incumbido por Sua
Alteza Real de auxiliar o Regimento de Artilheria Francezes Emigrados, e de
solicitar do ditto Arcenal os neros necessarios para as Reparações do trem do
ditto Regimento, e mais Armamentos d’Armada Auxiliar Britânica: o que tem feito
com todo o acêrto, e zêlo da Real Fazenda, e do mesmo modo em tudo o mais, de
que o tenho incumbido. Do mais serviço que alléga dos Embarques que tem feito,
me consta se tem portado com os mesmos sentimentos de honra.
Por tanto o considéro digno do Pôsto que requer. Este o meu parecer; Sua Alteza
Real determinará o que for servido.
Arcenal Real do Exército 31 de Março de 1800
Ill.mo e Ex.mo Senhor Bartholomeu da Costa
Luiz Pinto de Souza Ten.te Gen.al
[a lápis: Ministro da Guerra] [a lápis: Director do Arsenal]
P.I.
Anexo
Doc.2
Senhor
Carlos Julião, Major d’Artilheria com Exercicio no Arcenal Real do Exército com a
maior submissão, e respeito põe na Prezença de V.Alteza Real: Que elle tem a
195
honra de servir a Vossa Alteza ha trinta e sette annos; em todo este tempo tem
servido com honra, lo, e préstimo, tendo feito Desembarques nas Naus de Vossa
Alteza aos Brazis, India, China, e varias Guarda-costas, sendo os de mais
consideração, o que fez à India, em que gastou seis anos e meio; o que fez a Macáo,
aonde foi por insinuação de Martinho de Mello, Secretario d’Estado, tirar a planta
de todo o destricto, que pertence a V.Alteza Real, o q. Executou com a maior
exactidão, e entregou ao ditto Ministro; sendo tambem de muita attenção a
Expedição do Mazagão na occasião, que foi salvar a Habitantes do ditto Prezidio
debaixo do fogo do Inimigo, e com risco evidente da sua vida. Em todo o tempo,
que tem servido a Vossa Alteza, o Supp.te foi incumbido de innumeráveis
diligencias do Real Serviço; que tudo, que tem exposto, fez certo com
Attestações authenticas ao Ministro d’Estado Luiz Pinto de Souza; sendo
ultimamente encarregado pelo Marechal General de huma Vistoria a todas as
Fortificações da Provincia de Estremadura, do que deu huma exacta Carta do
estado d’Artilheria, e Munições de Guerra, que nella existião: e foi finalm.te
incumbido por V.Alteza Real de dar as providencias necessarias, tanto ao
Regimento d’Artilheria Francêzes Emigrados, como de prover do Arcenal Real do
Exército, os Géneros percizos para as Reparações do Trem d’Artilheria, e mais
armamt.os da Armada Real Britanica, o q tudo executou com a arrecadação
necessaria e laboriozo trabalho de trez annos, sem a minima gratificação ou
interesse.
Parece temeridade a hum Vassallo a ostentação de seus serviços quando os
Devêres do seu Emprêgo o constitúem na obrigação de servir bem, e
honradamente; mas o seu silencio seria reprehensivel, por tirar a gloria a hum
Soberano de premiar, e honrar o merecimento: Por tanto;
P. a V.Alteza Real, que por sua Real Grandeza, em Remuneração dos seus servos,
haja de promover ao Supp.te no Posto immediato de Tenente Coronel com
Exercicio no mesmo Arcenal Real do Exército, ou aonde for mais do Agrado de
V.Alteza Real.
E.R.M.e
P.I.
Doc.3
Senhor General Marques de Vagos ordena que Vossa Senhoria fique fazendo as
Vezes do Inspector do Arcenal Real do Exercipto athe nova ordem do mesmo
Senhor Deos Guarde a Vossa Senhoria. Quartel General da Junqueira vinte e sete
de Novembro de mil oito Centos e Sette Francisco da Cunha Menezes = Ajudante
General = Senhor Carlos Julião.
E trasladada a [comentei?] com a propria a que me reporto e entreguei a quem
maprezentou Lisboa o primeiro de Dezembro de mil oito Centos e sette annos e
leu o Tab.am Antonio Nunes Soares Correa a Sobre[...].
O mtto. [...]
Anto. Nunes Soares Correa
P.I.
Doc.4
Carlos Julião Coronel de Artilheria com exercicio no Arsenal Real do Exercito
reprezenta ao Supremo Governo destes Reynos que sendo embarcado em 26 de
Novembro proximo passado, por expressa Ordem de S.A.R. o principe Regente
Nosso Senhor, o Brigadeiro Carlos Antonio Napion Inspector das Fundições,
Officinas, e Laboratorio do dto. Arsenal, Director da Real Fabrica de Barcarena, e
Refineria de Alcantara, immediatamente o primeiro Tenente Alexandre Joze
Gervazone Ajudante de Campo do d.o Brigadeiro, deu esta parte no Quartel
General reclamando hum Chefe, que suprisse hum vacuo o consideravel nesta
Repartição aonde he precizo conter 1300 Operarios, que os anima ao trabalho
196
saberem que os seus Superiores sofrem com constancia a variação actual das
circunstancias. O Ex.mo General e Marquez de Vagos mandou que o d.to Coronel
Julião suprisse as Comissões do d.o Brigadeiro. Ha no dito Arsenal hua Junta
authorizada com o Augusto Nome de S.A., da qual tambem era Deputado o
Brigadeiro Napion, e esta apenas informada da mencionada vacatura, fez a
nomeação do mesmo Coronel. Ambas estas nomeações ainda que authorizem no
Arsenal o exercicio das suas funções, com tudo como estas comissões são huma
graça de S.A.R. que athe aqui se conferia por Decreto, e o não ser a dita nomeação
feita por este Supremo Governo, por S.A.R. privativamente authorizado a conferir
as graças poderia originar algum inconveniente na promptidão do Serviço portanto
o abaixo assignado Carlos Julião implora com o maior acatamento e respeito a Este
Supremo Governo a nomeação do Cargo de Inspector das Fundições Officinas e
Laboratorio do d.o Arsenal, e Director da Real Fabrica de Barcarena e Refino de
Alcantara.
Quartel do Campo de Sta. Clara às 4 horas da tarde do dia 1
o
de Dezembro de
1807.
Carlos Julião Cor.l Inspector
P.I.
Doc.5
Manda o Principe Regente Nosso Senhor que o Coronel d’Artilharia Carlos Julião
no impedimento do Brigadeiro Carlos Antonio Napion, Deputado, e Inspector das
Officinas do Arsenal Real do Exercito, sirva interinamente o dito Emprego de
Inspector das Officinas do mesmo Arsenal, e assim mesmo entraria na inspecção
da Fabrica da Polvora de Barcarena, e do refino do Salitre em Alcantara, de cujos
exercicios nas occasioens, que julgar necessarias dará Conta a esta Real Junta da
Fazenda. Lisboa vinte e sette de Novembro. E manda outrosim o mesmo Senhor,
que faça suspender as sessoens actuaes que athe qui se tem feito nas Officinas
referidas,, Botelho ,, Teixeira ,, Pereira ,, Atayde,,
Registada a folha noventa e huma verso do Livro quarto de Portarias.
E trasladada a [comentei?] com a propria a que me reporto, que entreguei a quem
ma apprezentou. Lisboa o primeiro de Dezembro de mil oitocentos e sette annos.
E eu o Tb.am Antonio Nunes Soares Correa o [...] e assinei [...]
O mtto. [...]
Ant.o Nunes Soares Correa
P.I.
Doc.6
Carlos Julião Cor.el d’art.a com exercicio no Arsenal R. do Exto. reprezenta que
elle esta encarregado das 7 Legiões d’art.a da defeza da Capital, sendo obrigado a
assistir aos exercicios dellas [...] pede que se lhe mandem pagar 2 mezes de soldo
que se achão notados na Thezouraria a fim de os empregar nestas diligencias [...]
Conformando-Me com o Parecer dos Governadores do Reino de Portugal, e dos
Algarves, a quem Mandei ouvir sobre o Requerimento do Coronel de Artilheria
Carlos Julião: Sou Servido reformallo no Posto de Brigadeiro do Exercito de
Portugal: O Conselhor Supremo Militar o tenha assim entendido, e lhe faça em
consequencia expedir os Despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, em
vinte e seis de Maio de mil outo centos e onze – com a Rubrica do Principe
Regente Nosso Senhor.
Guilherme Cypriano de Souza
P.I.
Senhor
197
Doc.7
Diz Carlos Julião Cor.el de Artilheria com exercicio no Arsenal Real do Exercito
que pelo General da Provincia lhe foi intimada huma ordem do Marechal
Beresford com data de 2 de maio 1809. Para o Sup.te ficar encarregado das sete
Legioens de Artilh.a que compoem a Brigada da direita da linha de defeza da
Capital; e prezentemente encarregado do Commando de toda a Artilh.a da dita
linha; cargo que obriga ao Sup.te hir assistir aos exercicios das diversas Battarias
do ensino, e repetidas vezes a Caza do General da Provincia, e do Brigad.ro
encarregado da defeza e não podendo hir a em razão da sua avançada idade, e
faltando-lhe os meios para hir de outro modo Suplica a V.a A.a Real seja servido
mandar pagar ao Sup.te dois mezes de soldo que se lhe devem, e que se achão
notados na Thezoraria das Tropas da Corte, affim de os empregar nas referidas
diligencias, e melhor poder dezempenhar o laboriozo cargo que ocupa, cuja merce
V.a A.a Real costuma praticar com os Off.es que se achão empregados na prezente
ocasião. P.T.o
Pede a V.a A.a Real que atendendo ao exposto haja de conceder ao Sup.te a merce
que suplica.
E.R.M.
Carlos Julião
P.I.
Doc.8
Ill.mo e Ex.mo S.or
Respeitozamente participo a V.Ex.a que no dia 18 do corrente pelas seis horas da
Noite faleceu o Coronel de Artilheria, com ex.cicio neste Arsenal Real do exercito
encarregado da economia do Corpo da Officialidade, emais praças additas ao dito
Arsenal, e 1
o
Comandante dos Battalhoens de Artilheiros Nacionaes, Carlos Julião,
havendo sempre desveladamente empregado os Seus talentos como he bem
constante; ajuntando a esta qualidade a de ser hum honrado, e fiel Vassalo de
S.A.R; por cujas razoens a sua perda se faz sensivel: persuadome que V.Ex.a entra
nos mesmos sentimentos.
D.s G.de a V.Ex.a Lisboa 19 de Novembro de 1811
Ill.mo e Ex.mo S.or
D.Miguel Pereira Forjaz
Manoel Ribeiro d’Araujo
P.I.
Doc.9
Dom João, por Graça de Deos, Principe Regente de Portugal e dos Algarves, d’
aquem e d’além Mar em Africa de Guiné, e da Conquista e Navegação, Comercio
d’Ethiopia, e Arabia, Percia, e da India Faço saber aos que esta Minha Carta
Patente virem, que Conformando-me com o Parecêr dos Governadores do Reino
de Portugal, e dos Algarves, a quem Mandei ouvirbre o Requerimento do
Coronel d’Artilheria Carlo Julião. Sou Servido Reformallo como por esta o
Reformo no posto de Brigadeiro do Exercito de Portugal, com o qual haverá o
Soldo que lhe tocar, pago na forma das Minhas Reaes Ordens e gozará de todas as
Honras, Privilegios, Liberdades, Izempçoens, e Franquezas, que direitamente lhe
pertencerem. Pelo que: Mando aos dittos Governadores, que mandando-lhe dar a
posse deste Posto, por tal reconheção, honrem e estimem e que o bem ordens
aos Officiaes maiores, e mais Cabos de Guerra, e o Soldo refferido se lhe assenta
nos Livros a que pertencer, para lhe ser pago aos seus tempos devidos. Em firmeza
do que, lhe Mandei passar a prezente, por Mim Assignada, e Sellada com o Sello
Grande de Minhas Armas. Dada nesta Cidade do Rio de Janeiro aos desanove de
Janeiro, do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezús Christo de mil outocentos
198
e treze.
O Principe
[no verso]
Rodrigo Pinto e Guedes Gaspar Jose de Mattos Fon.a Lucena
Patente porque V.A.R. por bem Reformar ao Coronel d’Artilharia Carlos Julião,
no Posto de Brigadeiro do Exercito de Portugal, como acima se declara.
Para V.A.Real vêr
Div 3 / Sec 12 / Cx 3 / Nr 6
142
[posterior a 1765]
Patentes dos oficiais dos Regimentos
X
o
. Regimento da Artilharia do R.no do Algarve, de q.e he Coronel João York
1
o
Tenente de Bombr.os
Carlos Julião............................................
o mesmo, e cobrava o Soldo dobrado, q.
agora não cobra por não ter titulo, nem
ordem alguma q. fosse passada ao
Thesour. Geral p.a este pagam.to
Não tem Patente deste Posto em q. foi
nomeado em o 1
o
de Fever.o de 1764
pelo Ten.te Cor.el Diogo Ferrier
approvada pelo Marechal General.
Div 3 / Sec 45 / Cx 2 / Nr 25
[1781]
Relação das Idades, antiguidades differentes graduaçoens dattas dellas, conductas
e prestimos dos Off.es Inf.s e Cadettes do Regim.to de Art.a da Corte.
[no final, após a enumeração de todos os oficiais que servem no Regimento da Corte]
Officiaes q. erão do Regim.to de Art.a do Algarve extincto, embarcados na
expedicão do Sul, e se aco agregados a este Regim.to
Capitaens
An.to Joze de Figueiredo
João Bap.ta Coelho
Sebastião Ant.o Quartim
Primeiros Ten.tes
Nicolau Galli
Joze Coelho da Silva
Carlos Julião
Segundos Tenentes
Anastacio Gomez
Nicolau Trimani
142
A indexação dos documentos do Arquivo Histórico Militar obedece à seguinte ordem: Divisão /
Secção / Caixa / Número do documento.
199
Gervazio Ant.o
Destes Officiaes não consta neste Regim.to as suas idades, nem antiguidades, e
pertence ao Chefe do referido Regim.to atestar seus merecimentos e utilid.es p.a o
Real Serv.o pois seria da maior just.a passassem outra vez as suas ordens, p.a não
carregar tanto a este Regim.to q.e tem officiais de merecim.to
Forte das Mayas S.João de 1781
Luis Dallincourt Coronel
Div 3 / Sec 45 / Cx 2 / Nr 26
[1782]
Relação da Idades, antiguidades differentes graduaçoens dattas dellas, conductas e
prestimos dos Off.es Inf.s e Cadettes do Regim.to de Art.a da Corte.
[citado entre os oficiais que servem no Regimento de Artilharia da Corte]
Comp.a de Mineiros
Cap.am Carlos Julião... veio por decreto
Forte das Mayas S.João de 1782
Luis Dallincourt Coronel
Div 3 / Sec 6.1 / Cx 3 / Nr 69
[1801-1802]
Doc.1
Consulta do Cons.o de Guerra de 4 de Fevr.o de 1802
Carlos Julião, Sargento mor de Artilheria com exercicio no Arsenal Real do
Exercito. Pede o Posto de Tenente Coronel com o mesmo exercicio.
Ao Conselho, conformando se com o parecer do General Conde de Aveiras, parece
que o Supp.te pelos seus serviços e mais circunstancias que allega he digno da
graça que requer.
General da Artilharia conde de Aveiras, Governador das Armas da Corte e
Provincia de Extremadura.
Doc.2
Senhor
Carlos Julião, Sargento mor de Artilharia com exercicio no Arcenal Real do
Exercito, pede que Vossa Alteza Real lhe confira o Posto de Tenente Coronel com
o mesmo exercicio. E Sendo ouvido o conde de Aveiras General de Artilharia
Encarregado do Governo das Armas da Corte e Provincia de Extremadura, deu a
sua resposta junta com a qual se conforma o conselho. Lisboa quatro de fevereiro
de mil oito centoz e dous.
[3 assinaturas em monogramas]
Doc.3
[de igual teor ao anexo do Doc.1 do Processo Individual, com os despachos]
200
Doc.4
Senhor
Carlos Julião Sargento Mor de Artilheria, com exercicio no Arcenal Real do
Exercito, mostra pelos documentos juntos o bem que tem Servido a Vossa Alteza
Real no decurso de trinta e sete annos, dando conta de varias deligencias de que
tem sido encarregado; e pela informação do Coronel de Artilheria do referido
Arcenal João Pedro Ribeiro, se manifesta ser tudo verdade que apoem [?] no seu
Requerimento, e o julgo digno pelo seu merecimento e prestimo, que Vossa Alteza
Real o atenda conferindo-lhe o Posto de Tenente Coronel, com o mesmo exercicio
que tem no Sobredito Arcenal Real do Exercito; Este he o meu parecer
Vossa Alteza Real resolverá o que achar mais justo.
Quarte General da Junqueira 23 de Outubro de 1801.
Conde de Aveiras
Doc.5
Ill.mo e Ex.mo Sr.
Por obdecer as ordens de v.Exa. que muito respeito, posso infomar a V.Exa. sobre
o requerim.to do Sargento Mor da Artilharia Carlos Julião com exercicio neste
Arsenal Real, do qual tenho exacto conhecim.to por ter servido comigo na Criação
do Regimento da Artilharia de Lagos, formado de novo em oposto de Tenente da
comp.a de Bombeiros, fazendo quasi sempre as vezes de Cap.am pela falta do dito
posto; exercendo, e disciplinando com m.ta actividade, e intelligencia; e
observando em tudo exactam.e as ordens do seos Supriores; e o mais que decorre
deste tempo, aprova por certidoins de Officiais de conhecida honra, e probidade;
avista das quais confirma o prestimo, e honra com que sempre o vi servir no que
lhe foi encarregado pelo que o julgo digno da Contemplação de S.A.R. He quanto
posso informar a V.Ex.a.
Lisboa 14 de Outubro de 1801
João Pedro Ribeiro
Doc.6
4 de fevereiro de 1802
Conselho de Guerra
Carlos Julião, Sargento mor de Artilharia com exercicio no Arcenal Real do
Exercito, pede que sua Alteza Real lhe confira o Posto de Tenente Coronel com o
mesmo exercicio. E satisfaz o Conselho ao que Sua Alteza Real ordena por Aviso
do Duque de Lafoens de 24 de Abril de 1801.
Marques de Angeja
Marques Estribeiromor
Conde de Aveiraz.
Div 1 / Sec 14 / Cx 14 / Nr 09
[1802]
Opinião dos oficiais abaixo indicados sobre a adopção de novos calibres de peças
para a artilharia
- Marechal de Campo Quief de Ville
- Major Jean-Philippe de Tardy
- Major Carlos Julião
201
- Marechal Conde de Viomenil
- Ten.te G.al, Leonardo Aleixo, Cav.o de Chalupe
- Charles Napion
[Parecer de Carlos Julião]
Ill.mo e Ex.mo Sen.r
Em observacia da ordem que recebi do Prezidente da Inspecção Militar para dar o
meu parecer como membro della sobre a qualidade de calibres das peças de
campanha que se hajão de adoptar em Portugal.
Tenho a honra de expor a V.Ex.a em prim.ro lugar, que as experiencias
comparativas dos alcances, que ha poucos dias se [...centarão] na costa da Trafaria
pouco decidirão neste cazo, por o ter sido possivel serem feitas com iguaes
circonstancias, pela polvora o ser da que deve servir na Guerra a disigualdade
no vento tanto das boccas como dos ouvidos das Peças, a mesma disigualdade nas
valas, e nos tacos, o que tudo influio consideravelmente e ocasionou as
extraordinarias variaçoens que se tem observados nos dittos alcances, ainda de
huma mesma Peça: com estas incertezas o se pode physicamente decidir hum
ponto de tanta consideração.
Portanto ainda que eu tenho por axioma, que quanto maior for o calibre das Peças
mais deve alcançar em iguaes circonstancias, com tudo as experiencias tem
mostrado, que nas Peças de pequenos calibres esta differencia não he mui sencivel
e julgo que esta fica superada pelas ventagens primo que com a mesma despeza
que se conduze para a Guerra tres Pecas de calibre quatro se conduzem quatro de
calibre tres, e atendendo aos caminhos montuozos da maior parte do nosso Pais,
fica mais facil a condução da nossa Artilha.a, em seg.do lugar sendo a nossa
Artilh.a dos mesmos calibres de que se servem ainda oje a maior parte das
Naçoens e principalmente a Inglaterra nossa Aliada, lhe fica a Esta m.to mais facil
o socorrer-nos instantaneamente das muniçoens necessarias nos accidentes o
previstos, que pelo contrario adoptando novos calibres temos não a
consideravel perca de immença Artilh.a; Balas, Carros, e mais petrechos a ellas
pertencentes que fica inutil, mas a enorme despeza que causaria ao Estado huma
total mudança.
Concluo que atendendo a rezoens acima expostas o meu fraco parecer he
cotinuarmos servirce dos calibres das nossas Peças de Campanha e mendando-lhe
os defeitos na que se fundir de novo com aquelle comprimento de calibre de que
forem susceptiveis de maior alcance, o que se ha de exatam.te conhecer nas
experiencias que se fizer quando houver polvora capas.
Este he o meu parecer, conformandome em tudo o caso com a Alta Comprehenção
de V.Ex.a em tudo q for servido ordenar a este respeito.
Sub.to Ob.te
Carlos Julião
Major
Lisboa p.ro de Julho de 1802.
[todos os documentos são redigidos em francês, com exceção do de Julião e do de Leonardo
Aleixo, apresentado em português e francês]
202
Div 3 / Sec 13 / Cx 06 / Nr 10 [Fig.105]
[1803]
Relação das obras em que foram empregados os operários das oficinas de
Fundição de Baixo e Pátio do Sequeiro.
[conjunto de relatórios semanais das atividades dos operários da fundição do Arsenal,
assinados por:
- 18, 9 e 23 de julho – Carlos Julião
- 20 e 27 de agosto José Caetano Vaz Passos, Capitão, e Luiz Ignacio Alvares da Costa,
Capitão do Estado Maior.
- 3, 17 e 24 de setembro as duas primeiras por José Caetano Vaz Passos, Capitão, e a
última por Luiz Ignacio Alvares da Costa, Capitão do Estado Maior.
- 8, 10, 15, 22 e 29 de outubro Carlos Julião, com exceção da do dia 10, assinada por
José Caetano Vaz Passos, Capitão.
- 5, 12, 19 e 26 de novembro – Carlos Julião
- 3, 17, 24, 31 de dezembro – Carlos Julião]
[abaixo a transcrição do relatório de 23 de julho de 1803]
Relação das obras em que foram empregados os operarios das oficinas de
Fundição de Baixo e Pátio do Sequeiro da Repartição do Ten.te Cor.l Carlos Julião
no decorço da semana que teve principio em 18 e findou em 23 de Julho de 1803.
Officinas = Abridores
Dois canos de espingarda p.a a Caza R.l, Huma forma p.a papeis dos Castiçaes da
d.a caza, Chapas p.a Baretinas, Regoas de Latão, Ferragens d’Espingardas, Mapas
p.a o Hospital, e os Aprendizes em debuxar
Alfayates
Sacos p.a a polvora, Reposteiros p.a Carros, Corte de Enxergoens e Concertos de
Barracas
Barraqueiros
Nos Concertos dos Barraquins para a Troppa
Bordadores
Bandeiras p.a Infant.a, Sayas de timbales e Estendartes p.a a Cavall.a Cordoens de
retros p.a Calça e polvorinhos das Reaes Caçadas e no Corte de Camizas p.a a
Troppa
Çapateiros
Botas para a Cavallaria e çapatos para a Troppa
Corronheiros
Coronhas d’Espingardas a Romana, d.as de munição de varios padroens, d.as de
Pistolas e nos Concertos das d.as d’Espingardas, e Pistolas, Varetas calendas de
ponta de boy, varias peças de ferram.tas e serrar Coronhas
Correeiros
Patronas d’Infant.a Boldrieis de Bayonetas, Guarda feixos, Pescosinhos, Escovas,
Bahinhas de xifarotes e de Bayonetas, Porta Clavinas, Coldres, Cintos Com bolças
p.a as Reaes Caçadas Barracas, Boldrieis p.a os Guarda Correias Barretinas, Caixa
p.a os Cartuxo dos Carros Mancegos & nos concertos de Guarniçoens e Parelhas,
d.o de Patronas com correas, d.o de boldrieis de bayoneta, e d.o de Bandoleiras de
Espingardas
Espingardeiros
Espingardas, e Pistolas finas, Tampas com cargas p.a polvorinhos de pontas de
boy, Pistolas p.a Major e Correios Espadas com guarnição de latão, Alabardas,
203
Bocaes e Ponteiras p.a bainhas de Espada p.a a Cavallo, Ferragens p.a
Instrumentos de música, Formas de ballas, Tizouras grandes p.a Cortar xapas de
ferro, Huma Loge de ferramenta p.ao Espingardeiro do Seg.do Regim.to de
Olivença, varias peças de ferram.ta p.a o Pinetti. Nos concertos d’Espingardas finas
e de munição de varios padroens d.os de Pistolas, Espadas Alabardas, e Xifarotes.
Na limpeza d’Espingardas de varios padroens. Obras de forja canos troxados,
Huma loge de ferra.ta de Espingardeiro, Mola p.a feixos, Ferragens p.a os
Engenhos de verrumar canos, d.a p.a Estendartes da Cavall.a, Parafuzos, e temprar
e soldar
Funilleiros
Catimploras, Caixas p.a Espoletas, Regadores, Caldeiras com tampas, Pocaros,
serpentinas, Medidas p.a Cartuxinhos, Pratos de Escrivaninhas, e Caixas de Guerra
de Latão, e nos concertos de Panelas, Lanternetas, serpentinas, Lampioens, Canos
de pipas d’agua, e Calderias de Latão
Fusteiros
Vasos p.a sellas da Troppa
Latoeiros
Botoens de Cazaca e Polainas, Fivellas p.a Patronas, e Boldrieis de Bayonetas
Fuzilhoens p.a varias fivelas Cargas p.a polvorinhos de Artil.a Chaves p.a fexadura
de portas, Armas p.a criados e Guarniçoens de Espada
Selleiros
Sellas p.a a Troppa, d.a mais superiores, d.a p.a parelhas de Artilh.a silhoens p.a
d.as Enxergoens, e cortir Pelles de Cabra
Serradores
Em beneficiar vaquetas e cordoame de preto e branco e nos Atanados de Lustro
Torneiros de latão
Escrivaninhas, Espontoens de Alabardas, Cargas de polvorinhos de Artilh.a Maxos
de Culatras, Botões de Casaca, veste e polainas, e nos concertos dos cabesotes dos
Tornos
Arsenal Real do Exercito aos 23 de Julho de 1803
Carlos Julião
Ten.e Cor.l
204
Fig. 105 Relação das obras em que foram empregados os operários das oficinas de Fundição de
Baixo e Pátio do Sequeiro (AHM 3 / 13 / 06 / 10)
205
Div 3 / Sec 13 / Cx 07 / Nr 1
[1804]
Relação das obras em que foram empregados os operarios das oficinas de
Fundição de Baixo e Pátio do Sequeiro.
[conjunto de relatórios semanais das atividades dos operários da fundição do Arsenal.
Datados entre 14 de janeiro e 15 de dezembro, são todas assinados por Carlos Julião, com
exceção do relatório do dia 18 de agosto, assinado por José Caetano Vaz Passos, Capitão]
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 31
[1808]
Relação dos Soldos que vencem os Officiaes actualmente empregados no Arsenal
do Exército e dos Mezes que se lhes estão devendo
[Carlos Julião aparece em 1
o
lugar na lista: com idade de 67 anos, vencimento mensal 68:000,
desconto 2:235, vencimento total 65:735, sendo que lhe eram devidos 3 meses de salário
(abril, maio, junho), totalizando 197:205.
Seguem-se os mesmos dados para 2 coronéis, 2 tenentes coronéis, 1 major, 6 capitães, 5
primeiros-tententes, 15 segundos-tenentes, 1 cirurgião]
Arsenal do Exercito 6 de Julho de 1808.
Carlos Julião
Coronel Inspector
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 38 [Fig. 106]
[1808]
Mappa dos Mestres Officiaes, e mais pessoas empregadas nas Officinas do Arsenal
Real do exercito, e da importancia total das mesmas Officinas de 9 até 30 de
setembro de 1808
[Os Mestres Oficiais estão divididos em três setores, o que uma idéia das atividades do
Arsenal, nessa época inspecionado por Julião:
Fundição de Baixo: espingardeiros, coronheiros, aprestes de Artilharia, barraqueiros,
alfaiates, seleiros, torneiros de latão, latueiros, correeiros, bordadores, abridores,
206
Fig. 106 - Mappa dos Mestres Officiaes, e mais pessoas empregadas nas Officinas do Arsenal Real do
exercito, e da importancia total das mesmas Officinas de 9 a30 de setembro de 1808 (AHM 3/ 13/ 9/
38)
207
- funileiros, sapateiros, fusteiros
- Parque de Santa Clara: carpinteiros de obra branca, tanoeiros, caldeireiros, esparteiros
e cordoeiros, pintores, carpinteiros de reparos, polieiros, pedreiros, ferreiros e
serralheiros, folheiros
- Fundição de Cima: fundidores de artilharia, torneiros de lima, fundidores de ferro,
lavrantes, instrumentos matematicos, abegoaria, guardas noturnas
Total de pessoas citadas: 1680]
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 44
[1808]
Mappa dos Officiaes d’Artilharia empregados no Arsenal Real do Exercito
Quartel de Santa Clara, 19 de setembro de 1808.
Carlos Julião
Cor.l Insp.r
[Tabela com os nomes e patentes dos oficiais sob comando de Julião, totalizando 40 nomes]
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 45
[1808]
Doc.1
Resumo dos Mestres, Contra Mestres e Operarios, empregados nas Officinas das
trez Repartições, ou Departamentos do Arsenal Real do Exercito.
Lisboa 19 de setembro de 1808.
Carlos Julião
Cor.l Insp.r
Doc.2
Relacão dos Mestres, Contra Mestres, e Operarios, empregados nas Officinas das
tres Repartições do Arsenal Real do Exercito, com o rezumo das obras que tem
feito, e estão entre mãos depois da Sahida dos Francezes.
Lisboa 27 de setembro de 1808
Carlos Julião
Cor.l Insp.r
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 30
[1808]
Ill.mos e Ex.mos Senhores Governadores destes Reinos
Como pelas odens do Principe Regente Nosso Senhor a Real Junta da Fazenda do
Arsenal Real do Exercito determinava todas as providencias do dito Arsenal e não
se achando por ora organizada, necessitava ser authorizado provisionalmente por
este Supremo Tribunal p.a dar as providencias concernentes ao serviço Militar,
como por exemplo, para se arrecadarem nos Armazens as muitas polvoras, que se
achão espalhadas sendo estas escoltadas, como sempre forão, pelos Sargentos com
exercicio no dito Arsenal.
208
Poder despedir a gente do Laboratorio fulminante, que se occupava em fazer
cartuxos, e que faz huma grande despeza sem que seja por ora necessaria.
Ajuntar os Operarios as suas respectivas Officinas, os quaes forão espalhados pelos
Francezes na forma que fica demonstrado na relação junta.
De que modo devo dar solução às muitas requisições que me fazem os Officiaes
Inglezes concernentes ao Serviço Militar, os quaes se me dirigem como Inspector.
Se devo ajuntar e aquartelar a Companhia de Artifices deste Arsenal, que se acha
espalhada parte no nosso Exercito Portuguez, e parte que ja se vierão aprezentar.
Se posso exercer as funções concernentes ao Cargo de Inspector conforme as Leys
e Ordens de S.A.R. o Principe Regente Nosso Senhor, rezervando-me o participar
a este mesmo Supremo Tribunal ou a quem me for determinado, todas as
providencias que julgar necessarias para bem do Real Serviço, e para o tornar a
pôr no seu antigo estado, ficando eu sempre prompto para executar todas e
quaesquer ordens que este mesmo Tribunal houver por bem de me encarregar
como bom e fiel Vassallo de S. A. R. Que sempe fui, tendo a honra de o servir,
sem nota alguma, ha quarenta e sete annos.
Lisboa 20 de setembro de 1808.
Carlos Julião
Cor.l Insp.r
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 46
[1808]
Ponho na Prezença de V.A.R. que se achão neste Arsenal dois obuzes de oito
pollegadas com a Inscripção seguinte: = S. Ex.e le Général Junot entà Lisbonne
le 29 Novembre 1807 =, tendo por baixo desta Inscripção hum resplendor com
hum círculo no meio, qe contem hum N. coroado: ha mais quatro espalhados pelas
margens do Tejo, com o ultimo ornado simplesmente.
Dezejando apagar esta funesta lembrança do nosso passado soffrimento, não me
atrevo a fazello, ignorando se he da intenção de V.A.R. que se faça este acto com
alguma solemnidade Militar, ou que se lhes grave algum distico, que conservando
a dita Inscripção indique a feliz Restauração destes Reynos.
V.A.R. mandará o q for servido.
Lisboa 29 de setembro de 1808
Carlos Julião.
Corn.l Inp.r
[anexos 2 desenhos: Fig. 107 e Fig. 108]
209
Fig. 107 – anexo de AHM 3/ 13/ 9/ 46
Fig. 108 – anexo de AHM 3/ 13/ 9/ 46
210
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 47
[1808]
Doc.1
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Conheço ser pessima a occazião para importunar a V.Ex.a implorando-lhe o seu
generozo Patrocinio; mas a necessidade, o meu credito, e sobre tudo o bem do
Real Serviço me obriga a cauzar-lhe este involuntario incómodo, e fiado na
bondade e retas inteões de V.Ex.a espero que me desculpe, e que se condôa do
lastimozo estado a que se acha reduzido hum Official honrado.
Depois da Real Junta da Fazenda do Arsenal Real do Exercito expedir uma
Portaria a hum Mestre de huma Officina, contra huma expressa Ordem e justas
dispozições que eu tinha dado, a qual pelos §§
os
. 10 e 18 do alvara de Regimento de
12 de Janeiro de 1802, amim se devia dirigir para lhe dar cumprimento como
inspector e Chefe das Officinas: Depois da artilharia =mente, o mesmo Tribunal
nomear, sem eu ser ouvido, os Mestres e Contra-mestres das Officinas de
Instrumentos Mathematicos, de Espingardeiros, e de Çapateiros, que estavão
vagos, cuja proposta me he privativa pelo § 40 do dito Regimento: ficão todos estes
subalternos authorizados para huma absoluta independencia, e insubordinação,
que tanto cohibem os §§
os
39 do mesmo Regimento, e 9
o
do Alvara de 13 de Maio
de 1807.
Trilhado, com publico escandalo, na execução dos meus deveres, o me resta,
Ex.mo Senhor, outro recurso senão retirar-me, esperando do Supremo Tribunal
da Regencia destes Reynos a Mercê implorada de me dispensar do impracticavel
encargo de Inspector, e dobrada Mercê receberei ainda se ordenar que se inquira
sobre a minha conduta, protestando que me conformarei sempre cegamente, e
com a maior satisfação e respeito aos seus inviolaveis Decretos.
D.s Gd.e a V.Ex.a m.s ann.s
Lisboa 30 de setembro de 1808
Ill.mo e Ex.mo Senhor D.Miguel Pereira Forjaz
Carlos Julião
Cor.l
Doc.2
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Constando-me que ha quem diga publicamente que eu ja não sou Inspector por
terem acabado os seis mezes durante os quaes sómente podia servir pela nomeação
da Real Junta da Fazenda, e atacando isto o meu crédito, tomo a librdade de pôr
na presença de V.Ex.a as observações seguintes para que V.Ex.a conheça que não
foi, nem he a ambição de cargos, e de authoridades, que me conserva no exercicio
deste Emprego, mas sim as Ordens que para isso me authorizarão, as quaes eu o
podia deixar de cumprir sem commeter huma falta de subordinação.
He pela vagancia do Brigadeiro Carlos Antonio Napion Deputado Inspector das
Officinas do Arsenal Real do Exercito, que recahio interinamente sobre mim o
exercicio desta commissão pelo Avizo do Ex.mo Senhor Marquez de Vagos de
glorioza memoria, assignado pelo Ex.mo Senhor Francisco da Cunha de Menezes
(copia N
o
.1).
Foi pela necessidade de prover peremptoriam.te para não parar o expediente do
Inspector, que a Real Junta se authorizou a expedir-me a Portaria (2) pela qual não
serviria com tanta satisfação senão estivesse nomeado pelo sobredito Avizo, por
que conhecia o ser da competencia da Junta nomear-me, mas sim consultar p.a
211
este fim a S.A.R. pelo Supremo Tribunal da Regencia, como manda o Alvara do
Regimento no § 12.
Agora porem p.a me fazer passar por impostor que queria inculcar de Inspector
sem o ser, vale-se do § 15 do mesmo Regimento, o qual ordena que vagando
alguns Officios que não sejão da nomeação da Junta, mas dos que se devem
Consultar, haja de prover as serventias delles pelo espaço de seis mezes etc.: e por
consequencia diz que eu ja não sou Inspector.
He impossivel que se possa considerar como Officio o Lugar de Inspector, quando
he, e deve ser, no Arsenal, um Cargo Militar; e mesmo quando fosse Officio devia a
Junta especificar na sua Portaria que me nomeava somente por seis mezes (que
ainda não acabárão por ter sido abolida indevidamente a Junta em 23 de Fevereiro
de 1807, e novamente instaurada nos ultimos dias de Setembro do presente anno),
e quando se julgasse acabado o dito tempo tinha obrigação a Real Junta de
reformar a dita Portaria, ou nomear (quando isto coubesse na sua alçada) outra
Pessoa que fizesse este Lugar, não devendo hum instante estar vago o Emprego
de Inspector.
A Real Junta não tem feito isto athe ao presente talvez por querer condescender
com o Deputado–Intendente que por espirito de monopolio pertende unir ao seu
cargo o de Inspector, o que tem perfeitamente conseguido pizando as Leys da mais
trivial civilidade; pois elle he quem ordena as obras, quem distribue agemte, e
emfim tudo resolve, mesmo objetos que ignora.
Não me considerando pois nomeado pela Real Junta, mas sim pelo Ex.mo General
das Armas (que pela authoridade do seu Posto poderia directamente receber
Ordem de S.A.R. no momento da sua Partida) he que me julgo constituido
Inspector athe que o Supremo Tribunal da Regencia haja por bem dispensar-me,
o que tenho implorado, e Supplico com tanto fervor.
D.s G.de a V.Ex.a m.s ann.s
Lisboa 5 de Outubro de 1808
Ill.mo e Ex.mo Senhor D.Miguel Pereira Forjaz
Carlos Julião
Cor.l
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 50
[1808]
Correspondência de Carlos Julião Inspector do Arsenal antes de M.el Ribeiro de
Araujo.
1808
10 de setembro
Perguntando se pode exercer as funcções de Inspector com huma Rellação, do N
o
e qualidade dos operarios.
19
Mappa dos Officiaes d’Artilheria empregados no Arsenal
27
Rellação das obras, feitas no Arsenal desde a saida dos Francezes ate este dia
212
29
Sobre os Obuzes, q se achavão no Arsenal com Inscripção Franceza, propondo
fazer limar a d.a Inscripção
30
Representando a intriga q existe no Arsenal a seu resp.to
5 de outubro
Sobre o M.mo com huma Nomeação, e Portaria (o aparece nem a Nomeação,
nem a Portaria)
19 de Dezembro
Participando ter-se afundado hum barco carregado de Munições.
Div 3 / Sec 13 / Cx 9 / Nr 49
[1808]
Ill.mo e Ex.mo Sr.
Tenho a honra de participar a V.Ex.a que no dia 18 do Corrente se afundou neste
Rio defronte da Madre de Deos hum dos barcos da Comissão encarregada pelo
Brigadeiro Joze Antonio da Roza, do Major Joze Caetano Guimarães, de que era
Arraes Joaquim Mendes da Barraquinha, carregado com 32 caixotes que
continhão,
480 cartuxos embalados de Calibre 3
36 Lanternetas.....d.o....d.o
680 Espoletas de papel Vazadas
80 Vellas de Compozição
20 Foguetes do ár para signaes
6 Reposteiros
Tambem se diz, se afogárão tres homens no numero dos quaes hum he Soldado do
Regimento d’Artilharia N.1 que escoltava a dita Carga; porem como adesgraça
deste me não he verificada, logo que o seja o participarei a V.Ex.a cuja respeitável
Pessoa D.s G.de m.s a.s
Quartel de Sta. Clara 19 de Dezembro de 1808
Carlos Julião
Cor.l
Div 1 / Sec 14 / Cx 173 / Nr 14
[1810]
Doc.1
Carlos Julião pede que do Arsenal R.al do Ex.to se lhe mandem fazer [...] 40 camas,
p.a [...] Invalidos que são destinados a guarnecerem as Baterias da Capital, e que
passão a ser alojados no Quartel da Comp.a d’Artifices do m.mo Arsenal.
Tao bem pede que lhe seja permitido nomear p.a o ajudar alguem dos Off.es
213
d’Artilharia Na [...] que nao poderao acompanhar o seu B.am ou forao demittidos.
1 Nov. 1810
Doc.2
Ill.mo e Ex.mo Sn.r
Tenho a honra de por na Prezença de V.Ex.a que tendo recebido ordem do Gen.al
da Provincia p.a aquartelar no Quartel da Comp.a de Artifices do Arsenal Real do
Exercito 40 Invalidos que vem de S.Julião da Barra, affim de eu os impregar nas
Guardas das Batarias desta Capital, cuja distribuição fica por minha conta, já tenho
dado as providencias a respeito do Quartel, para os receber a toda a hora que
cheguem, resta saber se V.Ex.a quer que se lhe dem camas na forma de costume,
neste cazo terá abondade de mandar passar as suas Ordens ao Intendente do
Arcenal, porq. sem expressa Ordem de V. Ex.a o Arcenal não fornece nada.
Eu tenho varias incumbencias mais do Qu.el Gen.al q pa.a as comprir precizo de
quem me ajude pois não tenho ninguem como julgo não foi do agrado de V.Ex.a
dar-me o Ajudante que tivi a honra de propor a V.Ex.a e que na ocasião prezente
me faz grande falta dezejava saber se V.Ex.a licença que me sirva de algum
official dos que não poderão por legitimas cauzas acompanhar o Batalhão, e que
p.r remediar alguns serviços destes podrão servir ou de alguns dos que ficarão
demetidos que hum, e outros se offerecem p.a me ajudar, porem V.Ex.a mandará a
este respeito o que for servido. Deos G.de a V.Ex.a Qu.el de Sta. Clara 12 de
outubro de 1810.
De V. Ex.a Ill.ma
Subdito Obediente
Carlos Julião
Cor.l
Ill.mo e Ex.mo S. D. Miguel Pereira Forjaz
214
215
ANEXO 2
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, Lisboa
Conselho de Guerra / Decretos
Maço 122
[1763, 29/10]
Sou servido nomear para Me servirem no Regimento de Artelharia da Praça de
Lagos, que mandei criar de novo, os Officiaes contheudos na Relação incluza
assignada por Dom Luis da Cunha Ministro e Secretario de Estado dos Negócios
Estrangeiros, e da Guerra. O Conselho de Guerra o tenha assim entendido, e lhes
mande passar os Despachos necessários. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda a
trinta e hum de Outubro de mil setecentos e sessenta e três.
Relação dos Officiaes que Sua Magestade foi servido nomear para servirem no
Regimento de Artilharia da Praça de Lagos.
Capitaens [8 nomes]
Primeiros Tenentes [7 nomes]
Segundos Tenentes
Carlos Julião [precedido dos nomes de outros 9 oficiais]
Nossa Senhora da Ajuda a 29 de outubro de 1763.
Dom Luis da Cunha
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 106, f.232
[1763, 31/10]
Decreto de 31 de outubro de 1763
Carlos Julião para Segundo Tenente do Regim.to de Artilharia de Lagos
Dom Jozé Faço saber aos que esta minha Carta Patente virem que tendo
concideração aos merecimentos mais partes que concorrem na pessoa de Carlos
Julião, e esperar delle; em tudo o mais Sem.te a Anced.te e feito por João de Souza
Maynard.
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 108, f.255
[1768, 24/03]
Decretos de 2 de Dez.bro de 1765 e 24 de M.ço de 1768
Carlos Julião p.a Prim.o Ten.te da Comp.a de Bombeiros de q he Cap.m João
Reeves do Regim.to da Artlh.a do Alg.e
Dom Jo. Faço saber aos q esta minha Carta Pat.e virem q tendo concideração aos
merecim.tos e mais p.tes q concorrem na pessoa de Carlos Julião Primr.o Ten.te
da Comp.a de Bombeiros de q he Cap.m João Reeves do Regim.to da Artilh.a do
Alg.e de q he Cor.el Christiano Frederico de Weignholtz e aos serviços q me tem
feito e a se achar sem a Pat.e q deve ter na fr.a das M.as Reaes ordens, e esperar
216
delle q em tudo o de q for encarregado me servirá m.to a Meu contentam.to p.r
todos estes respeitos Hey por bem e me praz de o nomear, como por esta carta o
nomeo por Prim.ro Ten.te da d.a Comp.a; o qual posto servirá em q.to Eu o
houver por bem e com elle havedezaseis mil reis por mês de soldo dobrado e
gozará de todas as honras, privilégios, liberd.es izeoes franquezas q direitam.te
lhe pertencerem. Pelo q ordeno (...) o mais Sem.e a anteced.te e feita pelo m.mo
off.al.
Ministério do Reino, Decretamentos de serviços
Maço 69, Doc. 59
[1780, 14/09]
Doc.1
Sua Magestade he servida que V.S., como Procurador Fiscal das Mercês, responda
se estão em termos de se decretarem os Papeis de Serviços juntos de Carlos Julião,
Primeiro Tenente aggregado da Artilharia da Corte.
Deos guarde a V.S. Paço em 14 de Septembro de 1780.
Il.mo e Ex.mo Snr. Visconde de Villanova da Cerveira
[abaixo em outra caligrafia]
Vai respond.o no verso da Certidão do Registo das Mercês.
Manoel Gomes Ferreira
Doc.2
Diz Carllos Julião primr.o Tenente aggregado da Artilharia da Corte, q elle tem
servido a V.Mag.e 16 annos, e 9 mezes que constão da de Officios, e attestação
incluza do seu Commandante prencipiando logo no posto de Segundo Tenente da
Comp.a de Bombeiros do Regim.to q foy de Lagos, e existio no Quartel da Feitoria
de S.Julião da Barra, 12 de Fever.o de 1774 dia antecedente ao em que por
ordem do seu Coronel embarcou de guarnição na Nau N.Sr.a M.e de Deos, de q.
hera Commandante o Capp.am de Mar, e Guerra Joze Sanches de Brito, q. passou
aos Estados da Índia, aonda o Supp.e sérvio té o dia 23 de Julho do prezente anno
em q. chegou a esta Corte, e ficou aggregado ao d.o Regimento em q. actualmente
serve comportando-se sempre como consta da sobredita attestação. E porq.
V.Mag.e costuma remunerar os serviços dos militares com satisfação com q. o
Supp.e o tem feito e pela Certidão junta do Registo geral das Mercês, mostra não
ter sido despachado.
P. a V. Mag.e seja servida despachar ao Supp.e com a Mercê do Habito de Christo
e a Tea comrrespondente [sic] a sua graduação e serviços e tudo na forma do
Estilo.
E.R.M.
Doc.3
Christianno Frederico de Weinholtz Cavalleiro Professo na Ordem de Christo
fidalgo da Caza de Sua Magestade Brigadeiro dos Seos Exércitos e Coronel do
Regimento de Artilharia do Reyno do Algarve. Certefico que revendo o Livro do
antigo Regimento de Artilharia de Lagos, que se achava de Quartel na Feitoria de
São Julião da Barra e de que fui Coronel por elle consta que Carlos Julião
Primeiro Tenente da Companhia de Bombeiros do sobredito Regimento tem
servido a sua Magestade dez annos, três mezes e seis dias: a saber três mezes e
dezouto dias em Segundo Tenente do dito Regimento, cujo serviço continuou de
sette de Novembro de mil settecentos e sessenta e três por Patente de Sua
Magestade do dito dia: e Nove annos, onze mezes e vinte e quatro dias em o posto
217
de Primeiro Tenente da Companhia de Bombeiros por Patente de Sua Magestade
de dezouto de Fevereiro de mil settecentos e sessenta e quatro; tudo athe o dia
doze de Fevereiro de mil sette centos e settenta e quatro vespora do dia em que
embarcou por minha Ordem em a o de Sua Magestade Nossa Senhora a Madre
de Deos que era commandante o Capitão de Mar e Guerra Joze Sanches de Britto
que passou aos Estados da Índia. E dos mesmos assentos consta não ter notta
alguma que lhe sirva de Empedimento pelo que lhe mandei passar a prezente
Certidão de de Officios para que conste onde convenha a seo Requerimento
cuja vai por mim assignada e sellada com o signette de minhas armas. Quartel de
Faro aos 31 de Julho de 1780.
Christianno Frederico de Weinholtz. Brigadr.o
de Officios do primeiro Tenente de Bombeiros Carlos Julião de dez annos três
mezes e seis dias como nella se declara, tudo na Artilharia.
[abaixo em outra caligrafia]
Reconheço o sinal asima ser do próprio. Lx.a 2 de setembro de 1780.
Francisco Pedro Barbosa
[na pág. Seguinte com outra caligrafia]
S. Mag.de [...] da sua Real Fazenda Fazemos saber aos q a presente virem q a [...]
por do escrivão q. a sobscreveo ser o [...] de Fran.co Pedro Barboza Tab.am
nesta Cid.e a q. havemos por certificado. Lx.a 5 de Setembro de 1780.
Fran.co Eustachio de [Leiro?] a fez escrever.
Romão Jose Rosa Guião de Abreu
Jerônimo de [Lemos e Mont.e?]
Doc.4
Artelharia da Corte
Altesto q.e em 12 de fev.ro de mil settecentos settenta e quatro, embarcou na Nau
Nossa Senhora a Madre de Deos, indo para os Estados da Índia aonde se
conservou athé o dia 23 de Julho de 1780, q.e tornou a esta Corte, o Primeiro
Tenente Carlos Julião da Comp.a de Bombeiros do Regim.to q.e foi de Artelharia
do Algarve, encorporado no da Corte em 5 de 7.bro de 1776, cujo primeiro
Tenente se acha actualm.te agregado ao meu Regim.to e nelle servindo. Forte das
Mayas, 10 de Agosto de 1780.
Luis D’Allincourt. Coronel
[abaixo com outra caligrafia]
Reconheço o sinal asima ser do próprio. Lx.a 2 de setembro de 1780.
Francisco Pedro Barboza.
[atrás com outra caligrafia]
S.Mag.de e dos de sua Real Fazenda Fazemos saber aos q a presente virem q a nos
nos contou por do escrivão q a sobscreveo ser reconhcim.to [...] de Fran.co
Pedro Barboza Tab.am nesta Cid.e o q havemos por certificado. Lx.a 5 de
Setembro de 1780
Fran.co Eustachio de Leiroa a fez escrever.
Romão Jose Rosa Guião de Abreu
Jerônimo de [Lemos e Mont.e?]
Doc.5
Nos Livros desta Secretaria do Registo geral das Mercês não consta que Carlos
Julião que disserão ser filho de João Baptista, natural de Turim, o qual declarou
218
ter vindo para este Reyno no anno de mil setecentos e sessenta e trez tenha havido
m.ce algua que lhe fosse feita a elle, nem a outra pessoa em remuneração dos seus
serviços até o prezente. Campolide dezanove de Agosto de mil setecentos e oitenta.
Desta e busca dois mil e vinte reis.
Pedro Caet.o Pinto de Moraes Sarm.o
[no verso com outra caligrafia]
Não tenho duvida a q. se possão Decretar os servissos do Tenente Carlos Julião.
Manoel Gomez Ferr.a
Doc.6
O D.or Manoel Joaquim Bandeira Cavaleiro professo na Ordem de Christo do
Dezembargo de Sua Magestade Fedellisima que Deos guarde e seu
Dezembargador da Caza da Suplicação que ao prezente sirvo de Corregedor do
Crime da Corte e Caza R.l. Mando aos Escrivães que costumão responder as folhas
nesta digão as culpas que tiverem de Carlos Julião primeiro Tenente da Artilharia
da Corte natural de Turim e morador na Vila de Oeyras de idade de quarenta
annos, filho de João Batista tudo segundo sua informação a qual folha corre para
requerimentos o que cumprirão. Dado nesta Corte e Cidade de Lisboa aos dezaseis
de Agosto de mil e sete centos e outenta annos. Deste quarenta reis e de asinar
sincoenta. Eu Joze Joaquim da Costa a subscrevi.
[na lateral]
P.a Reg.tos
Carlos Julião primeiro Tenente de Artelharia da Corte [...]
[seguem-se 2 paginas de assinaturas]
[na ultima pagina]
Esta folha de Carlos Julião primeiro Tenente de Artelharia da Corte vai
respondida pellos Escrivães que costumão responder a ellas como se de suas
respostas e sinais aos quais me reporto. Lix.a 29 de Agosto de 1780.
Manoel Joze da Cruz
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 116, f.275
[1781, 09/07]
Decreto de 9 de julho de 1781
Carlos Julião p.a Cap.m de Mineiros do Regim.to da Artilharia da Corte
Dona Maria. Faço saber aos q esta m.a Carta Pat.e virem q tendo concideração aos
merecim.tos, e mais p.tes q concorrem na pessoa de Carlos Julião Ten.e agregado
ao Regim.to de Art.a da Corte, e ao bem q me tem servido, e esperar delle q em
tudo o de q for encarregado me servirá mto. ao meu contentam.to, por todos estes
resp.tos Hey por bem, e me praz de o nomear, como por esta carta nomeo, por
Cap.m de Mineiros, q [...] Regim.to primeyro Regim.to vaga p.la promoção de João
Daniel de Roux a Sarg.to mor agregado; o q.al posto servirá emq.to Eu o houver
por bem, e com elle have trinta e dois mil reis por mes de soldo dobrado, e
gozará de todas as honras, privilégios, Liberd.e, izenções, e franquezas, q
direitam.te lhe pertencerem. Pelo q odeno ao Conde de Azambuja do meu Con.ho
de Gr.a Prezid.te do Con.o da Faz.da, e Ten.e Gen.al dos meus Exércitos q governa
as Armas da Corte, e Prov.a da Extremadura, q mandandolhe dar a pose deste
219
posto, jurando (...) de satisfazer as suas obrigações, o deixe servir, e exercitar, e o
Cor.el e os mais oficiaes mayores deste Regim.to a tenhão, e Conheção por Cap.m
da d.a Comp.a, e os of.es, e Soldados della lhe obedeção e guardem suas ordens
em tudo o q tocar ao meu Serv.o tão inteiram.te como devem, e são obrig.dos e o
Soldo referido se lhe sentará nos Livros a q pertencer p.a lhe ter pago aos seus
tempos devidos. Enfirmeza do q lhe mandei pasar esta carta por mim assinada e
selada com o selo grd.e de m.as Armas. Dada na Cid.e de Lix.a aos 30 dias do mês
de Julho, do anno do nascim.to de Nosso S.r Jezus Christo de 1781. A Rainha.
Marq. do Lavradio. Vis.e da Lourinham. Fran.co X.er Telles de Mello a fez (...).
José Euzébio Tavares a fez.
Ministério do Reino, Decretamentos de serviços
Maço 111, Doc.67
[1789, 25/05]
Doc.1
Carlos Julião, filho de João Baptista, natural de Turim, vindo p.a esta corte no
anno de 1763, requer a Vossa Magestade a satisfação dos seos serviços, obrados no
Regimento da Artilharia de Lagos, no Quartel da Feitoria, de onde embarcou para
o Estado da Índia em a Nau Madre de Deuz, de que foi commandante Jo
Sanchez de Brito, por espaço de dezaseis annos, nove mezes, e trez dias,
continuados de 7 de Novembro de 1763, em que por Patente de Vossa Mag.e
assentou praça de Primeiro Tenente da companhia de Bombeiros, athe 10 de
Agosto de 1780, em que ficava continuando no dito Posto de Tenente Agregado ao
mesmo Regimento, servindo sempre com muita honra, e préstimo no Real Serviço
e sem nota alguma em seus assentos, o que tudo consta das certidões dos seus
chefes, que aprezentou: Em satisfação de tudo.
Pede a Vossa Mag.e lhe faça mercê do Habito de Christo com a Tença que lhe
competir na forma do estilo.
Da certidão do Registo Geral das Mercez, constam que estes serviços não foram
remunerados athe o prezente.
Não tem crime: E dandose vista ao procurador Fiscal das Mercez o Dez.or do Paço
Manoel Gomez Ferreira, os deu por correntes para se decretarem.
[abaixo em outra caligrafia]
Sessente e sinco mil reys de tença nos Almoxarifados com faculdade de renunciar.
N.S. da Ajuda 25 de Mayo 1789.
Doc.2
Saybão quantos este publico Instromento de renuncia de tensa pella milhor forma
de Direito lugar haja virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus
Christo de mil sete centos e oitenta e nove annos, aos vinte três dias de Junho do
dito anno nesta Villa de Oeyras no meu Escriptorio para [...] prezente Carlos Julião
Cappitão de mineiros do Regimento de Artilharia da Corte morador nesta mesma
villa pesoa bem conhecida de mim Taballião que dou minha em o próprio pelo
qual foi dito na minha prezensa e das testemunhas audientes nomiadas enfim
deste asignadas que Sua Magestade Fidelisima que Deos guarde lhe havia feito a
grasa e merçe de lhe remunerar os seus servisos com huma tensa de cesenta e
sinco mil reys cada hum anno; e asim da mesma forma que a mesma Senhora foi
servida darlhe a renunciação em Dona Maria Clara da Cruz Leal moradora nesta
mesma villa, e na mesma sede todo o direito e asão que elle outrogante tem e
pudece devir a ter, na dita tensa por este instrom.to renunciada na forma sobredita
a qual haverá por bem firme e valioza, e asim o outrogado cendo testemunhas
220
prezentes Luis Antonio Salazar Moscozo cabo de escuadra; do Regim.to de
Artilharia da Corte, e Estevão Antonio Rapozo, ambos assentes nesta mesma villa
que neste Introm.to asignarão com elle outrogante, em Manoel Freire de Faria
Tabelião proprietário publico de notas em esta Vila de Oeyras e ceu termo por
nomiasão do Ill.mo Ex.mo Marques de Pombal Senhor Denotario da mesma vila; e
por confirmasão de Sua Magestade F.a q. D.s G.de [...] e asignei de meu signal
publico e caza.
O Taballião
Manoel Freire de Fr.a
Carlos Julião. Capp.m de Mineiros
Luiz Antonio Salazar Moscozo. Cabo
Estevão Antonio Rapozo
[abaixo em outra caligrafia]
Reconheço a letra e signaes [...] do Instrumento de Renuncia letra e supra se vem
do Tab.ão M.el Fr.e de Faria. Lx.a 26 de Junho de 1789.
Tab.ão
Fran.co de Borja Fialho
Doc.3
Diz Carlos Julião Capp.m de Mineiros do Regim.to de Artilh.a da Corte, que tendo
os seos papeis decretados para merçe do Abito, de prim.ro Ten.te de Bombeiros
do Regim.to de Artilh.a do Algarve vendo a repugncia que V.a Mag.de tem em
conceder a d.a merçe; conformandose com a Real Vontade de V.a Mag.de pede o
Sup.te queira por sua Real grandeza retrocarlhe a d.a Merce em huma tença em
alguns almocharifados com renoncia.
P. V.Mag.de por sua Real Grandeza seja servida retrocar a merçe do Abito em uma
tença com renoncia.
E.R.M.
Carlos Julião. Capp.m de Mineiros
[abaixo em outra caligrafia]
Reconheço ser a letra do signal supra de Carlos Julião Capitão de Mineiros do
Regim.to de Artilharia da Corte. Oeyras 20 de Mayo de 1786.
Em este dever de [...] Caetano João de Almada
[por fora, no envelope]
Em 22 de setembro de 1780
Carlos Julião
Serviços próprios de 17 annos, 9 mezes e 3 dias em o Posto de Primeiro Tenente
do Regimento de Artilharia do Reino do Algarve.
Livro de Registo Geral de Mercês, D.Maria I
Livro 24, f.172
[1789, 13/07]
Carlos Juliam f.o de Joam Bapt.a e n.al de Turim
D. M.a por Graça de D.s R.a de Portugal. Faço saber aos que este Padram virem,
q.e em Remuneraçam dos servos de Carlos Juliam f.o de Joam Bapt.a e n.al de
Turim obrados nos Regim.tos de Artilharia de Lagos, e da corte no Posto de
221
Segundo, e primeiro Tenente de Bombeiros por espaso de 16 anos 9. mezes e 3
dias continuados de 7 de Nov.o de 1763 em q se lhe formou asento de Segundo
Tenente até 10 de Ag.to de 1780 em q.e ficava continuando em 1
o
Tenente
agregado ao Regim.to de Artilharia da Corte tendo feito hum Embarque ao Est.o
da Índia. Houve por bem fazerlhe m.e de 65$mil réys de Tensa efectiva com
facul.de de Renunciar, e por haver Renunciado a d.a Tensa em D. Maria Clara da
Cruz Leal se lhe pagaria Padram em Seu Nome da mesma quantia, q se asentaria
em hum dos Almox.dos do Reyno em q.e coubesse sem prejuízo de 3
o
e nam
houvesse proibiçam com o vencim.to na forma das Reaes ordens p.a comprim.to
[...] Hey por bem, e me praz q a sobred.a D. M.a Clara da Cruz Leal tenha e haja da
m.a Faz.da os referidos 65$ mil r, da Tensa efectiva anual e vitalícia, e com faculd.e
m.a lhe foram renunciados, e q.e p.a os poder haver lhe sejam asent.os em
Almox.do dos nam proibidos cujo vencim.to desde 6 do corrente Mez, e ano dia da
data da Portr.a desta m.e aa do seu asentam.to sena forma das m.as ordens
com a declaraçam por [...] no Alvará de 17 de Abril de 1789. Lx.a 13 de Julho de
1789.
Ministério do Reino, Decretamentos de Serviços
Maço 117, Doc.42
[1790, 14/12]
Doc.1
Senhora
Diz Carlos Julião Cap.am da Comp.a de Mineiros do Regim.to da Artilharia de q
he chefe o Tenente General Guilherme Luis Ant.o de Valaré q elle actualm.te se
acha exercendo o m.mo posto; e como tem vensido seg.dos servissos como faz
certo p.la de Off.os e certidão do Registo Geral das m.ces q junta sem ter nota
alguma; e menos cometido crime como se da folha corrida e como tão
relevantes servisos the agora não forão [...] por isso recorre a V.Mag.de p.a effeito
de lhe fazer m.ce do habito da Ordem de Aviz na fr.a q V.Mag.e ordenar p.la Ley
de 20 de Jan.ro do anno 1789: com a tensa equivalente ao seu posto de 65$000 rs
ou aq V.Mag.de for servida; porem pertende o Supp.e q a tensa de 12$000rs Seja
p.a o Supp.e lugrar a titulo do mesmo habito de q lhe fizer m.ce e a [...] q lhe
conceda a Graça de a puder renunciar em q.alq.r pessoa Capaz portanto
P. a V.Mag.e lhe faça a m.e e Graça e emplora na fr.a q req.r e Estillo.
E.R.M.
Apro.r João Ant.o de Mattos
[acima em outra caligrafia]
Decretados em 14 de Dezembro de 1790
Doc.2
Guilherme Luis Antonio de Valleré Tenente General dos Exércitos de S.Mag.de
Fidelíssima, e Chefe do Regimento de Artelharia da Corte.
Certifico que revendo o terceiro livro Mestre que actualmente serve neste
Regimento nelle a f.2 consta q o Capitão da Comp.a de Mineiros Carlos Julião
serve a S.Mag.de no dito posto a nove annos e sincoenta e sinco dias contados de 9
de Agosto de mil setecentos e outenta, dia em que se lhe passou outra de
Ofícios e de seus assentos consta não ter nota, ou embaraço que lhe sirva de
impidimento; e para que conste onde convenha a seu requerimento lhe mandei
pasar a prezente Certidão de fé de Ofícios, a qual vai por mim asignada. Quartel da
Torre de São Julião da Barra cinco de Outubro de mil Setecentos outenta e nove.
222
Guil.me Luis An.to de Valleré.
de Ofícios do Capitão da Comp.a de Mineiros Carlos Julião de nove annos e
sincoenta e sinco dias, como nella se declara.
[abaixo em outra caligrafia]
Reconheço o sinal supra, ser do próprio nelle contheudo. Lx.a 10 de Dezbr.o de
1789.
[...] Joaquim Jozé e Brito
[assinado atrás]
Visconde de Anadia
D.Fernando de Lima
Doc.3
Nos Livros das Mercês que faz a Raynha Dona Maria Primeira Nossa Senhora no
do Numero vinte quatro a folhas cento setenta e duas anda Carlos Julião filho de
João Baptista e natural de Turim e em seu Titulo se apresentou o seguinte.
Dona Maria por Graça de Deos Raynha de Portugal [...]
[repete-se o mesmo conteúdo do Livro de Registo Geral das Mercês, D.Maria I, Livro 24,
f.172, reproduzido acima]
No titulo do dito Carlos Julião senão assentarão outras Mercês que lhe fossem
feitas a elle, nem a outra pessoa em remuneração de seus serviços até o prezente.
Campolide vinte dois de Setembro de mil setecentos oitenta e nove. Desta e busca
quinhentos e quarenta reis.
Pedro Caet.o Pinto de Moraes Sarm.o
[abaixo em outra caligrafia]
Podemse decretar [...] serviços p.r [...] se juntam, todos os papeis correntes. Lx.a 7
de Mayo de 1790.
Miguel Serrão Diniz
Doc.4
Manoel Joaquim Bandeira Cavaleiro professo na Ordem de Christo Fidalgo da
Caza de Sua Magestade Fidessima que Deos guarde e seu Dezembargador dos
Agravos da Caza da Suplicação e Corregedor do Crime da Corte e Caza [...] pela
dita Sn.ra Mando aos Escrivaens que costumão responder as folhas nesta digão as
culpas que tiverem de Carlos Julião, Capitão de Artelharia da Corte natural de
Torim da idade de sincoenta annos filho de João Batista tudo segundo sua
informação a qual folha corre para requerimentos a que comprirão. Dado nesta
Corte e Cidade de Lisboa aos dezasete de Outubro de mil sete centos outenta e
nove annos Deste quarenta seis [...]
Eu Joaquim Flavio da Cruz Soares a subscrevi.
[seguem-se duas folhas de assinaturas várias; atrás da última]
Esta folha do Capitão Carlos Julião vai respondida pelos Escrivaens que costumão
responder a ellas como se de suas Respostas e Sinaes aos quais me reporto.
Lix.a 24 de Outubro de 1789.
Manoel Jozé da Cruz
223
Livro de Registo Geral de Mercês, D.Maria I
Livro 21, f.161v
[1791, 21/01]
Carlos Julião f.o de João Baptista
Natural de Turim
Dona Maria por graça de D.s Raynha de Portugal. Como Governadora e Perpetua
Administradora q.e sou do e Mestra da Cavallaria e Ordem de S.Bento de Aviz.
Faço saber aos q.e este Padrão virem, q.e em remuneração dos Seguidos Serviços
de Carlos Julião f.o de João Bap.ta e Natural de Turim obrados depois de
despachado pellos primeiros q. no Regimento de Artelharia da Corte em o Posto
de Capp.am da Compahia de mineiros por espaço de 9 a.s hum mez e 26 dias
contados de 20 de Agosto de 1781 athé 5 de Outubro de 1789 em q.e ficava
exercitando o dito Posto sem Notta. Houve por bem fazerlhe m.ce do Habito da
Ordem de S.Bento de Aviz em 45$s de Tença effetiva e faculdade de renunciar
33$s da referida Tea. E por haver feito a dita renuncia na pessoa de D.Anna
Apollonia de Vilhena Abreu Soares desse se passaria Padrão em seu Nome da
mencionada quantia q.e se assentaria nos Almox.dos do Reyno em q.e coubesse
sem prejuízos de 3os. e o houvesse prohibição com o vencim.to na forma das
Reaes Ordens, e q.e o sobredito Carlos Julião Lograria os 12$s q.e restarão a
Titulo do referido Habito q.e lhe tenho mandado Laar: A cumplemento do q.e
Hey por bem fazer m.e ao mesmo Carlos Julião de 12$s de Tença effectiva cada
anno em sua vida somente p.a os Lograr a Titulo do Habito da ordem de S.Bento
de Aviz q.e lhe mandei Lançar os quaes 12$s se apresentarão em hum dos
Almoxarifados do Reyno em q.e couberem com o vencimento delles de 17 de
Dezembro de 1790 o q. foi o dia do despacho desta m.ce até o do Assento desta na
forma q.e Eu for servida rezolver como ordenei por Decreto de 17 de Janeiro de
1689 [sic]. Lisboa 2 de Mayo de 1791. O Príncipe com guarda. Por Portaria do
Secretario de Estado dos Negócios do Reyno de 21 de Janeiro de 1791.
Livro de Registo Geral de Mercês, D.Maria I
Livro 26, f.62
[1791, 31/01]
Carlos Julião
D.Maria por Graça de D.s R.a de Portug.l. Faço saber aos q este Padrão virem:
Que em remuneração dos seg.dos serviços de Carlos Julião, f.o de João Bauptista e
n.al de Turim, obrados depois de despachado pelos primeiros no Regim.to de
Artilharia da Corte com o Posto de Cap.am da Comp.a de Mineiros por espaço de
9 annos, hum mez e 25 dias contados de 20 de Ag.to de 1780 at5 de Out.o de
1789 em q ficava exercitando o d.o posto sem notta. Houve por bem fazer lhe m.ce
do Habito da Ordem de S.Bento de Aviz com 45$rs de Tença eff.a e faculdade de
renunciar 33$rs da referida Tença, e por haver feito a d.a renuncia na Pessoa de
D.Anna Apolonia de Vilhena Abreu Soares se lhe passará Padrão com seu Nome
da mencionada quantia q se assentará nos Almox.dos do Rn.o em q couber sem
prejuízo de 3
o
e não houver prohibição com o vencim.to na forma das Reaes
Ordens. E o sobred.o Carlos Julião logrará os 12$rs q restao a tt.o do referido
Habito q lhe tenho mandado Lançar para complem.t do q: Hey por bem e me praz
q a sobred.a D.Anna Apolonia de Vilhena Abreu Soares tenha da R.al Faz.da os
referidos 33$rs de Tença eff.a annual, e vitaliacia, e q para os poder haver lhe sejão
assentados em almox.do dos não prohibidos cujo vencim.to de 21 de do corrente
224
anno de 1791 dia da data da Port.a desta m.ce at a do seu assentam.to será como
Eu for servida resolver, e na comformid.e do Alvará de 17 de Abril de 1789. Lx.a
31 de Jan.ro de 1791.
[na lateral]
Por ser falecida D.Anna Apollonia de Vilhena Abreu Soares os 33$rs q.e p.r este
Padrão tinha em virtude da renuncia q.e nella fez o sobred.o Carlos Julião, ficao
pertencendo na Ir da fallecida D. Marianna Joaq.na Apollonia de Vilhena
Cout.o na conformid.e da Aport.a q.e está reg.da no L.o 14 de El Rey D.João 6
o
. a
p.156.
Livro de Registo Geral de Mercês, D.Maria I
Livro 26, f.124v
[1791, 24/03]
Carlos Julião
D.Maria por Graça de D.s Raynha de Portug.l. Como Gov.ora e perpetua Adm.ora
que sou do Mestra da Cavallaria e Ordem de S.Bento de Aviz. Faço saber a Vós
prior do Mosteiro de N.S.ra da Incarnação desta cidade da d.a Ordem q me pediu
por m.ce Carlos Julião, que por quanto dezejava e tinha devoção de servir a N.S.r e
a Mim na Ordem, houvesse por bem de o receber e mandar prover do Habito
della. E por Eu ser servida de o haver por habilitado para receber o habito da
mesma Ordem na conformid.e da minha Ley de 19 de Junho de 1789, e Decreto de
20 de Julho do mesmo anno. E por esperar que nella poderá fazer m.tos serviços a
D.s N.S.r e a Mim: Hey por bem, e me praz de o receber a Ordem; e por esta Vos
mando, e dou poder, e commissão para q lhe Lanceis o Habito de Noviço della na
Igreja do d.o Mosteiro com todos os actos, e ceremonias q a Regra dispõem para
obter com 12$rs de Tença eff.a q lhe tenho feito m.ce. Lx.a 10 de Março de 1791.
Por Decreto de S.Mag.e de 19 de Fevr.o, Port.a do Secretr.o de Est.o dos Negócios
do Ren.o Jode Seabra da S.a de 21 de Janr.o e Desp.o da Meza da Cons.cia e
Ordens de 31 deste mez, tudo de 1791.
Reg.da em 24 de Março de 1791.
Chancelaria da Ordem de Avis, D. Maria I
Livro 8, fs. 199v e 200
[1791, 24/03]
Alvará
de
cava-
leiro
A Carlos Julião, Alvará para ser armado Cavalleiro
Eu a Rainha, como Gov.ra: Mando a qualquer Cavalleiro professo da ditta Ordem
que dentro da Santa Igreja Patriarchal ou da Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora
da Incarnação desta cidade, armeis Cavalleiro da mesma Ordem a Carlos Julião a
quem hora Mando Lançar o Habito della, segundo a forma das Definiçoens: E para
seus Padrinhos nisto vos ajudarem, podereis mandar requerer a dois Cavalleios
mais da ditta Ordem, e de como assim o armardes Cavalleiro, lhe pasareis certidão
nas costas deste, com declaração do dia, mez e anno. E este se cumprirá, sendo
passado pela Chancellaria da Ordem. Lisboa dez de Março de mil sette centos
noventa e hum. Rainha. Por Portaria do Secretario de Estado dos Negócios do
Reyno Jo de Seabra da Silva de 21 de Janeiro de 1791. Domingos Antonio de
Araújo. Jo Fernandes Nunes. Bento Xavier de Azevedo Coutinho Gentil o fez
225
escrever. Januário Antonio da Silva Castro o fez. Deste duzentos e trinta reis.
Francisco Antonio Marques Giraldes de Andrade. Pagou cem reis, e aos Off.es
trezentos e oitenta reiz. Lisboa 24 de Março de 1791. Januário Antonio da Silva
Castro.
Carta
de
hábito
Ao d.o Carta de Habito
Dona Maria: Como Gov.ra: Faço saber a vós, Prior do Mosteiro de Nossa Senhora
da Incarnação desta cidade da ditta Ordem, que me pediu por merCarlos Julião,
que por quanto dezejava, e tinha devoção de servir a Nosso Senhor, e a Mim, na
Ordem, houvesse por bem de o receber, e mandar prover do Habito della. E por
Eu ser servida de o haver po habilitado para receber o Habito da mesma Ordem na
Conformidade da minha Ley, de dezenove de Junho de mil sette centos oitenta e
nove e Decreto de vinte de Julho do mesmo anno; E por esperar, que nella poderá
fazer muytos Servos a Deus Nosso Senhor, e a Mim: Hey por bem, e me praz de o
receber à Ordem, e por esta vos Mando, e Dou poder, e Commissão, para que lhe
Lanceis o Habito de Noviço della na Igreja do ditto Mosteiro com todos os actos, e
ceremonias, que a Regra dispõem; para o ter com doze mil reis de tença effectiva,
de que lhe tenho feito mercê: E de como assim lhe Lançardes o Habito, lhe
passareis certidão nas costas desta, com declaração do dia, mez e anno, em que o
recebeu; a qual elle será obrigado a mandar dentro de dois mezes ao Convento de
Aviz, para se assentar no Livro da Matricula dos Cavalleiros Noviços, e Se guardar
na Arca de Similhantes, que está no ditto Convento, e o R.do Dom Prior Mor, e
Visitador Geral da Ordem, ou quem no mesmo convento suas vezes fizer, lhe
passará a Certidão costumada. E esta se cumprira, sendo primeiro registada nos
Livros das Mercês, e passada pela Chancellaria da Ordem. Lisboa dez de Março de
mil sette centos noventa e hum. A Rainha. Por Decreto de S.Mag.de de 19 de
Fevereiro, Portaria do Secretario de Estado dos Negócios do Reyno, Jo de
Seabra da Silva, de 21 de Janeiro, e Despacho da Meza da Consc.ia e Ordens de 31
deste mez, tudo de 1791. Domingos Antonio de Araújo. Jo Fernandes Nunes.
Bento Xavier de Azevedo Coutinho Gentil a fez escrever. Januário Antonio da
Silva Castro a fez. Desta quinhentos reis. Nesta Secretaria do Registo Geral das
Mercês fica Registada esta Carta. Campolide 24 de Março de 1791. Pagou
quinhentos reis. Pedro Caetano Pinto de Moraes Sarmento. Lugar de Sello.
Francisco Antonio Marques Giraldes de Andrade. Pagou cem reis e aos Off.es
oitocentos reiz. Lisboa 24 de Março de 1791. Januário Ant.o da Silva Castro.
Alvará
de
profis-
são
Ao d.o Alvará de profissão
Eu a Rainha, como Gov.ra: Faço saber a vós, Prior do Mosteiro de Nossa Senhora
da Incarnação desta cidade da ditta Ordem, que me inviou a dizer Carlos Julião, a
quem hora Mando Lançar o Habito de Cavalleiro Noviço da mesma Ordem, que
dezejava, e tinha devoção de viver em toda a sua vida, e permanecer na Ordem, e
nella queria fazer Logo profissão, renunciando o anno, e dia de seu noviciado, e
provação na forma das Definiçoens; houvesse por bem de o admittir a ella: E
vendo Eu sua devoção e como he pessoa que à Ordem, e a Mim pode bem servir:
Hey por bem, e me praz de o admittir a profissão; e por este Vos dou poder para
que o recebais Logo a ella no ditto Mosteiro, segundo a forma das Definiçoens da
ditta Ordem: E de como assim o receberdes a profissão lhe passareis certidão das
Costas deste, como declaração do dia mez e anno: E o assignado da ditta profissão
será obrigado a mandar dentro de dois mezes ao Convento de Aviz para se assentar
no Livro da Matricula dos Cavalleiros professos, e se guardar no Cofre de
Similhantes, que está no ditto Convento; de que o R.do Dom Prior Mor, e
Visitador Geral da Ordem, ou quem no mesmo Convento suas vezes fizer lhe
passará a Certidão Costumada. E este se cumprirá, sendo passado pela
Chancellaria da Ordem. Lisboa dez de Março de mil sette centos noventa e um.
226
Rainha. Por Decreto de S. Mag.de de 19 de Fevereiro, Portaria do Secretario de
Estado dos Negócios do Reyno Jozé de Seabra da Silva de 21 de Janeiro, e
Despacho da Meza da Consciência, e Ordens de trinta e hum deste mez tudo de
1791. Domingos Antonio de Araújo. Jozé Fernandes Nunes. Bento Xavier de
Azevedo Coutinho Gentil o fez escrever. Januário Antonio da Silva Castro o fez.
Deste duzentos e trinta reis. Francisco Antonio Marques Giraldes de Andrade.
Pagou cincoenta reis, e aos Off.es trezentos e oitenta reis. Lisboa 24 de Março de
1791. Januário Antonio da Silva Castro.
Carta
de
quita-
ção
Ao d.o Carta de Quitação
Dona Maria: Como Gov.ra: Faço saber aos que esta Carta de Quitação virem, que
me fez certo Carlos Julião em como tinha pago e entregue a Fr. Manoel Vaz Nunes
Preto, Recebedor e Executor da Meyas Annatas da ditta Ordem, por mão de Seu
bastante Procurador, Fr. João Rangel, seis mil reis, da que devia pela tença de
doze mil reis, de que fui servida fazer-lhe mercê com o Habito de Cavalleiro da
mesma Ordem; os quaes se carregarão em receita ao ditto Recebedor a f.62 do L.o
14
o
, que com elle serve, como se vio por hum Conhecimento em forma, que foi
roto ao assignar desta; pela qual o hey por Livre e quite da ditta meya annata; para
qe possa uzar e gozar de todas as graças privilégios e Liberdades, que pela Santa
Apostólica são concedidas, e otorgadas aos Cavalleiros da Ordem, que a pagão
dos bens e rendas, que tem com o Habito della. E por firmeza de tudo lhe mandei
dar a prezente, por Mim assignada, e sellada com o Sello da referida Ordem.
Lisboa dez de Março de mil settecentos noventa e hum. A Rainha. Por hum
conhecimento em forma de quatro de Fevereiro de 1791. Domingos Antonio de
Araújo. Jozé Fernandes Nunes. Bento Xavier de Azevedo Coutinho Gentil a fez
escrever. Januário Antonio da Silva Castro a fez. Desta quinhentos reis. Lugar do
Sello. Francisco Antonio Marques Giraldes de Andrade. Pagou quarenta reis, e aos
Off.es sette centos reis. Lisboa 24 de Março de 1791. Januário Antonio da Silva
Castro.
Chancelaria da Ordem de Avis, D.Maria I
Livro 9, f. 142
[1792, 31/05]
Padrão
de
Tença
A Carlos Julião Padrão de Tença
Dona Maria Como Governadora Faço saber aos que esta Minha Carta de Padrão
virem, que em remuneração dos segundos serviços de Carlos Julião Filho de João
Baptista, e natural de Turim, obrados depois de despachado pelos primeiros no
Regim.to de Artilharia da Corte em o Posto de Capitão da Companhia de Mineiros
por espaço de nove annos hum mez, e vinte e sinco dias, contados de vinte de
Agosto de mil setecentos e oitenta athé 5 de Outubro de 1789 em que ficava
exercitando o ditto Posto sem Notta. Houve por bem fazer-lhe merçe do Habito da
Ordem de S.Bento de Avis com quarenta e sinco mil reis de Tença effectiva, e
faculdade de renunciar trinta e ts mil reis da referida Tea, e por haver feito a
ditta renuncia na Pessoa de D.Anna Apolonia de Vilhena Abreu Soares, se lhe
passaria Padrão em seu nome da mencionada quantia que se assentaria nos
Almoxarifados do Reyno em que houvesse sem prejzo de terceiro, e o
houvesse prohibição com o vencimento na forma das Minhas Reaes Ordens, e que
o sobredito Carlos Julião lograria os doze mil reis que restavão a titulo do refferido
Habito que lhe tenho mandado Lançar: A cumplemento do que Hey por bem fazer
merçe ao mesmo Carlos Julião de doze mil reis de Tença effetiva cada anno em
sua vida somente para os lograr a titulo do Habito da Ordem de S.Bento de Aviz
227
que lhe Mandei lançar os quaes doze mil reis se assentarão com hum dos
Almoxarifados do Reyno em que couberem sem prejuízo de terceiro, e o houver
prohibição com o vencimento delles de 17 de Dezembro de 1790, que foi o dia do
Despacho desta merçe, athé ao dia do assento será na forma que eu for servida
rezolver na Consulta que se Me fez pelo Conselho da Minha Fazenda, com
declaração porem que do tempo em que não tiver cabimento, ou depois de o ter se
em algum ou mais annos lhe ficarem por paga, por falta de rendimento se lhe o
hão de passar Provizoens para o Thezoureiro Mor do Reyno, nem produzirão
obrigação de divida mais que no almoxarifado em que os ditos doze mil reis forem
assentados por digo assentados como ordenei por Decreto de 17 de Janeiro de
1689 [sic.]. Pelo que Mando ao prezidente e Ministros do Conselho de Minha
Fazenda fação assentar nos Livros della em hum dos Almoxarifados do Reyno os
ditos doze mil reis a titulo do Habito da Ordem de São Bento de Aviz e levar em
cada hum anno em folha como dito . Porquanto pagou seis mil reis da meya
annatta à ditta Ordem que se carregarão ao Recebedor dellas a f.62 do Livro 12
o
que com elle serve, como constou por carta passada pella Meza da Conciencia e
Ordens registada na Chancellaria a f.200. E por firmeza de tudo lhe mandei dar
esta Minha Carta de Padrão por Mim assignada e sellada com o sello pendente da
ditta Ordem, a qual será registada nos Livros do Registo da Chancellaria, Fazendo
della, e Merçes que faço e posta a verba a margem do Registo da Portaria pella
qual se obra. Lisboa a dois de Mayo de mil sette centos noventa e dois. O Príncipe.
Romão Jose Rosa Guião de Abreu. Francisco Feliciano Velho da Costa Mesquita
Castello Branco. Passou-se por Portaria do Secretario de Estado dos Negócios do
Reyno de 21 de Janeiro de 1791. Belchior de Mattos de Carvalho o fes escrever.
Jose Craveiro da Silva Mattoso o fez. Nesta Secretaria do Registo Geral das Merçes
fica registado este Padrão. Lisboa 21 de Mayo de 1792 e pagou mil sessenta e sinco
reis. Pedro Caetano Pinto de Moraes Sarmento. A margem do Registo da Portaria
por que se obrou este Padrão fica posta a verba necessária. Nossa Senhora da
Ajuda em 25 de Mayo de 1792. Jose Balio da Gama. Francisco Antonio Marques
Giraldes de Andrade. Pagou sinco mil e seis centos reis, e aos Officiaes mil
trezentos sessenta e sinco reis. Lisboa 31 de Mayo de 1792. Antonio do Canto
Quevedo Castro Mascarenhas.
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 122, f. 306
[1795, 22/07]
Decreto de 22 de julho de 1795
Carlos Julião p.a Sarg.to mor de Art.a com Exerc.o no Arsenal Real do Exército
Dona Maria R.a. Faço saber aos q’ esta m.a Carta Pat.e virem q’ tendo
consideração aos merecim.tos e mais partes q concorrem na pessoa de Carlos
Julião, Cap.m de Mineiros do Regim.to de Art.a da Corte e ao bem q me tem
servido, e esperar delle q em tudo o de q for encarregado me Servirá muito ao meu
Contentam.o por todos estes resp.tos Hey por bem e me praz de o nomear, como
por esta Carta o nomeo, por Sar.o mor de Art.a com exercício no Arcenal Real do
Exercito, o qual Posto servirá em q.to Eu o houver por bem e com elle haverá o
soldo q lhe compete, e gozará de todas as honras, privilégios, Liberdades,
isençoens e franquesas q direitam.e lhe pertencerem. Pelo q ordeno ao Duque de
Lafoens, meu m.o prezado Tio, do meu Cons.o e do de Guerra e Mar.al Gen.al dos
meos Exércitos, q mandandolhe dar a posse deste Posto jur.do pr.o de Satisfazer
as suas obrigaçoens o deixe servir, exercitar, e os Cabos de Guerra, e mais off.es
maiores dos meos Exércitos, o tenhão e conheção por tal Sarg.to Mor de Art.a com
228
o mencionado exercício, e os Off.es Soldados q lhe forem subordinados lhe
obedeção e guardem suas ordens em tudo o q tocar ao meu serviço tão inteiram.e
como devem e são obg.dos, e o soldo referido se lhe assentara nos L.os a q
pertencer p.a lhe ser pago aos seos tempos devidos. Em firmeza do q R.a Dada na
Cid.e de Lix.a aos 13 dias do mez de Agosto do anno do Nascimento de nosso Snr.
Jezus Christo de 1795. Príncipe. Marquez das Minas. Conde de Soure. Joaq.m X.er
de Castro a fes.
Conselho de Guerra / Decretos
Maço 161, Doc. 193
[1802, 14/11]
Attendendo ao tempo de serviço de Rodrigo Pimentel do Vabo, de Joaquim
Joseph de Azevedo Barros, de Carlos Julião, e de Joseph Nunes, Sargentos Mores
de Artelharia com exercício no Arsenal Real do Exercito, e tendo especialmente
em consideração a assiduidade e Zelo com que se empregárão nos trabalhos de
que forão incumbidos na occazião em que ordenei se formalizasse o Inventario do
mesmo Arsenal Real do exercito, e se classificassem methodicamente todos os
effeitos, e mais petrechos nelle existentes; Sou Servido gradua-los nos Posto de
Tenente Coronel, com o mesmo exercício que actualmente tem. O Conselho de
Guerra o tenha assim entendido, e lhes mande expedir os Despachos necessários.
Palácio de Queluz, em quatorze de Novembro de mil oitocentos e dous.
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 130, f. 254
[1804, 14/11]
Decreto de 14 de Novembro de 1804
Carlos Julião por Ten.te Cor.el de Artilhar.a Graduado
D. João. Faço saber aos que esta minha Carta Patente virem q attendendo ao
tempo de serviço de Carlos Julião, Sarg.to Mor de Artilhr.a com exercício no
Arcenal Real do Exercito, e tendo especialm.te em concideração a assiduid.e e
Zello com q’ se empregou nos trabalhos de que foi incumbido na occazião em que
ordenei se formalizasse o Inventario do m.mo Arcenal Real do Exercito, e se
Classificassem methodicam.te todos os effeitos e mais petrechos nelle existentes;
por todos estes respeitos: Hey por bem e me praz de o nomear, como por esta carta
o nomeo, por Ten.te cor.el de Artilhr.a Graduado com o m.mo exercício q’
actualm.te tem, o qual Posto servirá emq.to Eu o houver por bem, e com elle
haverá o soldo que lhe compete e gozará. Tudo o mais como a anteced.te
Conselho de Guerra / Livros de Registo de Patentes, Alvarás e Provisões
Livro 130, f. 391
[1805, 03/04]
Decreto de 3 de Abril de 1805
Carlos Julião Cor.el de Artilhr.a com exercício no Arcenal Real do Exercito
D.João. Faço saber aos que esta minha Carta Patente virem, que tendo
229
concideração aos merecim.tos mais circunstancias, q’ concorrem na pessoa de
Carlos Julião, Ten.te Cor.el de Artilhr.a com exercício no Arcenal Real do
Exercito, e ter por certo q em tudo o de q’ o encarregar, dezempenhará as suas
obrigaçoens; por todos estes respeitos: Hey por bem e me praz de o nomear, como
por esta Carta o nomeo, por Coronel de Artilhr.a com exercício no m.mo Arcenal,
o qual Posto servirá emq.to Eu houver por bem, e com elle haveo soldo q’ lhe
compete, e gozara de todas as honras, privilégios, liberd.es izençoens e franquezas,
1’ direitam.te lhe pertencerem. Pello q’ ordeno aos Márquez de Vagos, do meu
Con.o e do de Guerra, Gen,al de Artilhr.a Encarregado do Gov.o das Armas da
Corte e Prov.a da Estremadura, que mandandolhe dar a posse deste Posto, jurando
primeiro de satisfazer as suas obrigaçoens, o deixer servir e exercitar, e os Cabos
de Guerra e mais Off.es maiores dos meos Exércitos o tenhão e reconheção por tl
Cor.el de Artilhr.a com o mencionado exercício, e os Off.es sold.os qlhe forem
subordinados lhe obedeção e guardem suas ordens em tudo o q’ tocar ao meu
serviço tão inteiram.te como devem e são obrigados e o soldo referido se lhe
assentará nos livros, a que pertencer p.a lhe ser pago aos seos tempos dividos. Em
firmeza do que. Dada na Cid.e de Lisboa aos 24 dias do mez de Abril do anno do
Nascim.to de N.Senhor Jezus Christo de 1805. O Príncipe. D.Antonio Soares de
Nor.a. D.Francisco X.er de Nor.a. Pedro Telles de Mello a fiz escrever. Joaquim
X.er de Castro a fez.
230
231
ANEXO 3
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa
AHU_ACL_CU_035, Cx. 6, D. 507
1781, Fevereiro, 10 [Lisboa]
Aviso do [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra], Aires de e
Melo, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e Castro,
remetendo lista de oficiais e determinando, em nome da rainha, que os oficiais de
artilharia que voltavam dos serviços no Brasil e na Índia, ficassem agregados aos
regimentos de artilharia da Corte, mas somente nos postos que estivessem vagos e
segundo os merecimentos que tinham tido naqueles domínios ultramarinos.
Anexo: listas, ofícios, cartas
Doc.1
Ill.mo e ex.mo S.or
Voltando para este Reino muitos Officiaes de Artilheria que serviram no Brazil, e
outros que completaram o tempo porque foram mandados ao Estado da Índia;
Ordenou Sua Mag.e que ficassem aggregados aos Regimentos de Artilheria, e
especialmente ao desta Corte; mas devendo ser providos nos Postos que nelle se
acham vagos e segundo os seus respectivos merecimentos, e qualidade de Serviços
que houverem feito nas Conquistas, de que não há noticia nesta Secretaria. Me
ordenou a Rainha Nossa Senhora que remetesse a V.Ex.a a lista dos referidos
officiaes que me consta acharem se aggregados ao Regimento de Artilharia da
Corte; para que V.Ex.a faça examinar pelas Contas e Relações que lhe terão vindo
do Ultramar, o préstimo, capacidade, e distinção com que Serviram, e se vieram
alguns mais do que os declarados na Lista sobredita, para tudo ser prezente a
Mesma Senhora, e se poderem prover aquelles Postos conforme o merecimento de
cada hum dos Officies.
Deus Guarde a V.Ex.a. Paço 10 de Fevereiro de 1781.
Ayres de Mello
Sr. Martinho de Mello e Castro
Doc.2
Lista dos Officiaes que consta terem vindo do Ultramar, e acharem se aggregados
ao Regim.to de Artilheria da Corte.
Capitaens [8 nomes]
Primeiros Tenentes
Carlos Julião
Nicolau Galli
Joseph Coelho da Silva
Segundos Tenentes [7 nomes]
Doc.3
Ill.mo e Ex.mo Snr.
V.Ex.a me ordena que informe do merecimento dos Officiaes do Corpo da
Artelharia que embarcarão de Guarnição em a Nau de S.Mag.de N.Snr.a Madre de
Deos de que fuy Comandante, e do serviço que naquella Expedição fizerão debaixo
das minhas Ordens, e do seu Comportamento: Obedecendo à Respeitável Ordem
de V.Ex.a digo que
O Capitão Sebastião Antonio Quatrini, he um Official muito pratico no Serviço da
232
Artelharia abordo dos Navios M.to deligente e pronto executor de quaesquer
Ordens, m.to bom zelador da Real Fazenda de que foy encarregado, e trazendo
sempre a Sua Companhia na melhor Disciplina, muito honrado em todas as suas
acçoens; O Primeiro Then.te Carlos Julião Official de grande theorica, e pratica
não na Artelharia mas em todas as Partes que Constituhem hum perfeito
Militar; insigne no desenho e na fundição da Artelharia; muito amante do serviço
de S.Magestade e de huma conducta a mais louvável. O Segundo Then.te Nicolau
Primani, Off.al que nunca mostrou aplicação, nem intiligencia alguma do seu
exercissio, e sempre remisso nas suas obrigaçoens, mostrando servir mais pelo
interesse que por honra.
He o que posso informar a V.Ex.a Caza 10 de Março de 1781.
Jozé Sanches de Britto
Doc.4
Carlos Julião natural da Corte de Turim de donde passou a esta de Lisboa, para
adequerir a gloria de servir a V.a Mag.de Fidelíssima. Reprezenta que elle esta
servindo no posto de prim.ro Ten.te da Comp.a de Bombeiros do Reg.to que foi de
Art.a de Lagos, de que era Coronel Cristiano Frederico de Voeinoltz [sic] ha
dezasete annos, avendo feito huma guarda costa com o Cap.m de mar e Guerra
Bernardo Remires de hum anno cuja campanha se concluio com o transporte de
moradores da praça de Marzagão de cujo laboriozo travalho e contajoza socciedade
ficou o Sup.te ferido de hua rigoroza maligna com a qual dezembarcou para sua
caza sem esperanças de vida, em cuja dilatada e perigoza doença gastou moito do
seo patrimônio. Depois sendo constante o exercício e aplicação que o Sup.te teve
em tirar moldes, fazer debuxos, e riscos na reggia academia de Turim, deo motivo
o Sup.te a fazer o modelo da Fortaleza do Bugio, que teve a honra de ofreçer ao
Serniss.mo Príncipe; e de ser encaregado de fazer o modelo em piqueno da
Estatua Eqüestre, por Fr.co Xavier de Mendonça que por causa da sua quazi
repentina morte se não [efetuou?] fazelo em grande. Huma pesa de artilharia com
seos reparos em proporção fondida pela sua o que aprezentou ao Marechal o
Conde de Lippe na Aula de S.o Julião da Barra. E o retrato em pedra do mesmo
Conde de Lippe que o Sup.te aprezentou nas mãos do Snr. e Rey D.n Jozé de
Gloriosa memória. Tudo o sob.to acompanhado da honrada Condota do Sup.te e
amor ao Real Serviço o fez recomandavel ao Marechal Conde Lippe, e depois ao
General McLean que a o ser o embarque para que o nomiarão em a Nao N.a S.a
Madre de Deos e mais laboriozo e de major louvação que tem feito os Vasalos de
V.a Mag.de o Sup.te seria Cap.m de Bombeiros na promoção que se fez no seo
regim.to no anno de 1776, em a qual por efeito de se achar em distante servo foi
preterido, sendo certo que o mesmo General McLean deo sua palavra de honra ao
Coronel Dalemcour de que logo que o Sup.te chegasse da Índia o faria Cap.m de
Bomb.ros como mostra pela atestação do mesmo Dalemcour.
Agora o alto decernim.to de V.a Mag.de reflexionando sobre este ponto veja se seis
annos e meyo de serviço na região mais remota fazendo no decorso deste vários
embarques e campanhas, sendo hua delles o de hir a Macáo, e na quelle porto tirar
por ordem do Governador com bastante trabalho toda a planta daquela terra; e
tudo este serviço feito com a major honra, e fidelidade, se merece o Sup.te acharse
preterido, e sujeito ser comandado por Off.es que já forão seos subalternos.
Portanto Pede a V.a Mag.de pela sua Innata piedade se digne de o prover ao posto
de Sargentomor.
E.R.M.e
Doc.5
Senhora
233
O Primeiro Tenente da Companhia de Bombeiros Carlos Julião de quem
V.Magestade he servida que eu informe, he hum Official em quem concorrem
todas as circunstancias que o fazem benemérito; Onrada conduta intelligente não
na obrigação correspondente ao seu Posto mas em todas as Artes precizas a
hum perfeito Militar, quaes o o desenho, a Fortificação, a Fundição dos metaes,
e a factura d’Artelharia.
Muito amante do Real Serviço e sempre prompto executor de quaesquer Ordens,
dando a todas a mais completa execução. Tem servido a V.Magestade os annos que
alega no seu Requerim.to e sempre me foi constante, assim a sua grande
inteligência, como o seu honrado procedimento, e no descurso de seis annos, e
meio que esteve debaixo das minhas ordens, e comando na Viagem q. fez aos
Estados da Índia em a Nau N.S. Madre de Deos tirei do préstimo deste official as
Provas de tudo o sobredito. Elle foi Destacado em huma Palla de Guerra para nella
ensinar o serviço d’Artelharia a bordo dos Navios; e com o mesmo fim e para tirar
a Planta da Cidade de Macao foi mandado aquelle Porto pello Governador, e
Cap.m G.al da Índia cujas Comiçoens cumprio com satisfação, e honra.
He o que posso informar a V.Magestade que mandara o que for servida. Hoje 23 de
Dezembro de 1780.
Jozé Sanches de Britto
Coronel do Mar
AHU_ACL_CU_015, Cx.166, D.11832
1788, dezembro, 19 [Recife]
Oficio (1
a
via) do [governador da capitania de Pernambuco], D.Tomás José de
Melo, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e Castro
sobre a necessidade de aumentar os regimentos de Olinda e Recife e se regular o
Corpo de Artilharia, bem como se nomear de um tenente-coronel sugerindo o
capitão de uma das Companhias graduadas do Regimento de Artilharia da Corte,
Carlos Julião.
Anexo: 1 doc
Ill.mo e Ex.mo S.or
Na carta de trinta de setembro próximo passado foi V.Ex.a servido responder a de
vinte e trez de Junho N
o
.10, que puz na sua respeitável Prezença com o Mappa da
Tropa paga que guarnece esta Capitania e as mais que lhe são subordinadas, na
qual eu Reprezetava a necessidade de se augmentarem com trez Companhias os
dous Regimentos de Olinda, e do Recife, e de se regular o Corpo de Artilharia;
sobre o que se digna V.Ex.a participar-me que Sua Magestade não tomou ate
aquelle tempo Resolução alguma, mas eu vendo a decadência em que se acha o
dito Corpo de Artilheria, e que não ha nelle se não o Capitão que saiba alguma
couza da respectiva disciplina, mas que esse se acha em avançada idade: o posso
deixar de Reprezentar novamente a V.E.a que convem muito ao Real Serviço que
Sua Magestade nomeie para Commandar, e disciplinar o mesmo Corpo hum
Official com Patente de Tenente Coronel; para o qual posto, me lembro de hum
muitobil, que he Carlos Julião, Capitão de huma das Companhias graduadas do
Regimento de Artilheria da Corte; porem V.Ex.a achando conveniente a minha
proposta; nomeará o mais benerito.
Deos guarde a V.Ex.a m.s an.s Recife de Pernambuco 19 de Dezembro de 1788.
234
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Martinho de Mello e Castro
Thomaz Jozé de Mello
AHU ACL CU 023, Cx.19, D.948
1803, fevereiro, 20 [São Paulo]
Oficio do governador e capitão general da capitania de São Paulo, Antonio Joda
Franca e Horta, ao [Secretario de estado da Marinha e Ultramar], visconde de
Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo Meneses e Souto Maior, enviando uma
remessa de madeiras da capitania de São Paulo para integrar a coleção de madeiras
do sargento-mor Carlos Julião na Fundição.
Anexo: oficio (copia), oficio, relação de madeiras
Doc.1
[do qual há mais 2 copias ilegíveis, com tinta repassada]
Tendo-me mostrado o Sargento-Mor Carlos Julião da Fundição huma Collecção
de Madeiras de todo o nosso Reino, e América incluída huma única desta
Capitania me rogou lhe mandasse as que me fossem possíveis, ou todas p.a bem de
completar a sua Collecção, e como vejo a utilidade deste conhecimento fiz
apromptar as que até ao prezente tem sido possível obter de terrenos mais
próximos, e como V.Ex.a igulmente dezejará os mesmos conhecimentos pelo Navio
Pensamento Ligeiro ínvio a Collecção contheuda na Rellação junta, a qual não vai
com a preciza descripção e Analize pelo não permitir o tempo mas a Copia q. me
fica demandará muito trabalho, tanto q.e me seja possível e o participarei a V.Ex.a.
Agora q.e se colhem as Pinhas dos grandes Pinheiros deste Contin.te ínvio huma a
V.Ex.a se bem q.e em duvida de chegarem os Pinhoens em podridão.
Acautelandome deste inconveniente tenho providenciado a plantação delles em
Caixotes q. hei de remeter em Navio q. do Porto de Santos sahir em direitura para
essa Cidade. As ditas Arvores as tenho avistado em toda a qualidade de terrno são
mais triviaes em terra montuoza do que em vargens a sua Classe he [Menemia?]...,
q estando issulados o vegetão as Pinhas são Arvores de alta grandeza. Quando
me for possível fazer alguma viagem pela Capitania procurarei elles se propaguem
próximos ao Mar, porquanto aonde existem em abundancia he de extraordinária
despeza a sua condução a ponte de navegar-se.
Também remeto a V.Ex.a as únicas sementes, q. agora pude descobrir de Mangues
sementeira q. se deveria promover no Reino em terras alagadas de Agoa Salgada.
Elles dão grande abundancia de Lenha, a melhor q. aqui se conhece p.a o fogo
pela razão de muito combustível, e pouco fumo. Crescem em pouco tempo, e a sua
Casca he excellente p.a o Costume da [Coirama?] socorro aos nossos sobraes de
ruína, q. diariamente sentem.
Também na mesma occazião inviarei a V.Ex.a plantaçoens delles. No meso Caixote
faço levar a V.Ex.a sementes de Cacau, q. na prezente conjuntura ainda pude
descobrir em estado de semear, porquanto o disposto p.a Comercio está
preparado em Forno. No mesmo Saquinho em q. o incluihi 2 favas de Baunilha
p.a V.Ex.a ver a sua qualidade.
Similhantes amostras ínvio a alguns Negociantes, a q.m rogo me fação conhecer
sua qualidade, e preços. Em conseqüência das noticias q. me derem promoverei
suas Culturas, porquanto o Cacau he ainda em muito pequna quantidade, a
Baunilha desprezada nos Mattos, e com muita produção.
235
Também remeto a V.Ex.a todas as espécies de Linho q. acho em uzo nesta
Capitania p.a toda a qualidade de Insarcias, ellas vão em todos os estados, a saber:
em rama, fiado e em obra. Delles dou as possíveis ideas obtidas da pratica
informaçoens.
O Tocum he uma especia de Palmeira, seu fio tirasse das folhas, partindose a
ipiderme superior da folha, e puxando-se p.a ella, aparecem os fios sahindo logo
limpos, sendo porem muito pouca a quantidade, q. se tira comparada com a q. se
possa tirar vista a muita q. lhe fica e q. se manifesta do resto da folha. Repetindo-
se a primeira e segunda vez torna a dar porção de fios: tenho tentado meios de
detruir a parte suculenta e erbacia p.a ficar a fibroza, mas o o tenho
conseguido.
Hei de entrar em novas experiências, e quanto o consiga m.to útil este gênero e em
razão da sua grande abundancia sendo tal a sua consistência e duração q. os
Pescadores preferem suas Linhas as do Linho, e com ellas fazem tresmalhos e mais
redes.
Outro determinado Caraquatá planta similhante ao Ananaz aem seu fruto, com a
differença de ser este inútil, muito mais compridas e carnozas suas folhas. Delle
uzão p.a insarsias, sua duração inferior a do Linho mas igual a sua manipulação.
He outro a Embira, Casca de Raízes, q. certa planta lança fora da terra. muita
abundancia e fácil a manipulação. Maça-se a Casca sahi o Linho, de q. se fazem
cordão da medida q. se requer mas não sofrem o rigor do tempo.
Também remeto a V.Ex.a a Casca q. denominão Quina, ha muita na Curitiba
destricto desta Capitania. A experiência q. tenho delle he corroborada & muitas
pessoas q. della uzão em ser prompto remédio p.a destruir indigestoens tão
somente mascando-se levalo o suco.
No mesmo Caixote vão varias cristalizaçoens e pedaços de Madeira petreficada
productos, q. me dizem haverem muitos na Povoação de Piracicaba nos Montes de
Parnagoá.
Ultimamente a Pólvora e Salitre, q. dirijo com a Copia do Officio ao Sn.r D.
Rodrigo, verá V.Ex.a nelle a minha exposição e quaes os meus projectos em tal
artigo.
Talvez algumas couzas já vistas p.r V.Ex.a e portanto inútil a minha remessa,
porem cumpro com o meu dever quando não encontra memória q. me anuncie
terem os meus Antecessores participado semilhantes noticias. Queira V.Ex.a
aceitalas como dezejos eficazes o milhorar e adiantar conhecimentos.
D.s G.e a V.Ex.a S.Paulo 20 de fevereiro de 1803.
Ill.mo e Ex.mo Sn.r Visconde de Anadia
Antonio Joze de Franca e Horta.
Relação das madeiras remetidas ao Il.mo e Ex.mo
Snr. Visconde de Anadia, de sua duração e principais cazos.
N.os das madeiras/nomes da madeiras
1. Arari
Esta madeira, já rara nas Vezinhanças de Santos, e S. Vicente, abunda em Iguape e
Paranagoá: he muito procurada para obras de marcenaria, para vigamentos,
Caibros, hombreiras, e vergas de portas; para Varaes de Sêge: pode aplicar-se na
236
construção naval para Cubertas e Cavernas, nunca para costados por ser muito
aspera, rachadiça e Segurar mal os pregos: He de muita duração, tanto na agoa, e
ao vigor do tempo; como em abrigado: ahi pode durar athe 30, aqui 80 e mais
annos. Achao-se Arvores de três palmos, e mais de diâmetro.
2. Canella preta
Esta madeira tem com pouca diferença a mesma duração que a superior; aplica-se
a todo e qualquer uzo e he muito proprio para Canoas, Cavernas, braços, cubertas
e entaboamentos de embarcaçoens. O tronco he direito e pode dar quilhas athe 80
palmos. Encontra-se no Cubatão Geral, Cananea, Paranagoá, e Ribeira de Iguape
não com abundancia. Tem se visto com 5 palmos de diâmetro no Rio Juquehá.
3. Canella amarella
Abunda nos Matos da Capitania; abrigada do vigor do tempo; poderá durar athe 20
annos e por isso só se emprega em obras pouco exposta a Athmosfera.
4. D.a Anhamperirica (?)
em abundancia nos matos; exposta ao tempo dura athe 15 annos: abrigada 30
annos : emprega-se em construção de Canoas e de outras Embarcaçoens, em
assoalhos de Cazas, forros, na factura de Caixas de assucar. Etc.
5. D.a Fede
Acha-se nos matos da Capitania; aplica-se utilmente a todo o uzo. pode durar athe
12, abrigada 40 annos.
6. Colhao de Porco
Encontra-se por toda a Marinha da Capitania: pode durar 15 annos. Aplicável a
todo o uzo.
7. Ingáguassu
Acha-se em varias partes da Capitania: ao tempo dura 10 annos, resgoardada 20.
Serve para Canoas, para Cobertas de Embarcaçoens maiores: para construcção de
Cazas, portas etc.
8. Acutica-he (?)
Abunda nos matos. Dura 15 athe 20 annos. Emprega-se na Construcção naval e
Civil.
9. Angelim amargozo
Encontra-se com abundancia nos matos. Em Iguape fazem-se canoas desta
madeira de 4 a 5 palmos de boca. Exposta ao tempo dura athe 20 annos, abrigada
40: imita muito a Arariba, e he igualmente procurada para toda a obra.
10. (?)
Esta madeira, de que muita abundancia em todos os matos, entra na
construcção de quazi todos os Navios feitos na Capitania, dura 30 annos para cima:
dos seus galhos de fazem Cavernas e braços; do seu tronco excellente taboado;
Secca dificultozamente.
11. Upiúba
Esta madeira, que tem o nome de Ipé no Rio e Bahia, e no Reino de pau de arco,
he muito forte e pode durar tanto ao rigor do tempo como abrigada, athe 20 annos,
porem muito pouca na Capitania e se achao paus muito delgados: Serve
utilmente para Varais de Sege, para esteios e estacadas, pouco para embarcaçoens
por ser muito rija, excepto , para Latas pes de Vitello (?), pes de Cabra etc.
237
12. Maçaranduba
Abunda nos matos: he aplicável a toda obra, tanto exposta ao tempo como
abrigada, onde pode durar 30, ou mais annos.
13. Guatambú, ou Piquebá(?)
pouca desta madeira, he muito procurada para obras de marcenaria,
instrumentos etc. Dura 20 a trinta annos.
14. Salsapraz(?)
Não se acha com frequencia nos matos: abrigada pode durar athe 40 annos: he
aplicada a toda obra e cheiroza.
15. Jacarandá-tan
He procurada para toda obra de marcenaria, porem he rara, e em geral em paus
muito delgados. Apezar disso não deixao de achar-se nos matos de palmo e meio
de medulla, ou Cerne, e pode extender-se a sua duração a 70, ou mais annos, e
achao se paus abatidos de immenso tempo sem corrupção alguma.
16. Taíbebuia
Abunda em toda a Capitania, especialmente nas Vargens: abrigada do tempo pode
durar athe 50 annos: Serve para forros de Caza, portaes molduras, achao-se paus
de 2 palmos de diâmetro.
17. Louro Pardo
Abunda só nos montes distantes da Marinha: abrigada dura athe 50 annos. He
excellente para Vergas, por ser Leve, e rebentar dificilmente; da muito bom
taboado para construcção naval e Civil.
18. Cedro
He rara na Capitania, abrigada pode durar hum Século: Serve para toda obra d’
entalhador; igualmente para as obras de moitas das embarcaçoens, em que pode
durar de 15 a 20 annos.
19. Oleo de Cupaiba
Acha-se no Cubatão e Vargens com abundancia: he muito boa para Coronhas de
espingarda, e outras obras, dentro d’agoa durará 12 annos, abrigada pode durar
mais.
20. Gurapeapunha
Esta madeira abunda na Capitania porem em paus muito delgados, e se se
encontra algum mais grosso, é geralmente fundo por dentro e oco. Dentro d’agoa e
exposta ao tempo pode durar 20 annos ou mais; abrigada athe 40 annos.
21. Mirundúba
Encontra-se em toda a parte na Capitania. Emprega-se a toda obra. Na construcção
Naval aplica-se a cubertas, entaboamentos etc. Durará de 12 a 15 annos.
22. Catoruíba(?)
Acha-se alguma nos matos: pode durar de 40 a 50 annos. Serve para toda obra e
reputa-se muito excellente para lentes (?), cis(?) e parafuzos de engenhos.
23. Iacorapirana(?)
Abunda nos matos: serve para Canoas, embarcaçoens em que atura de 8 a 10
238
annos.
24. Sapocaia
Madeira que se emprega para toda a obra abrigada especialmente para eixos de
engenhos, e então dura de 12 a 15 annos: não tanto quando serve em Cintas de
Navios, para que também se destina.
25. Murta
Madeira queserve para abrigado, e dura 8, ou 20 annos.
26. Caurí(?)
Abunda nos matos: considera-se como a melhor madeira de América para a
mastreação de Navios, principalmente o Cauri de conxa por ser mais Leve, sem
nós, e menos fácil de rebentar, tem se encontrado nas margens do Rio Jacupiranga
de 5 a 6 palmos de diâmetro, e de 80 a 100 palmos de Comprido; é igualmente boa
para Canoas, dura de 8 a 10 annos.
27. Mapurunga(?)
em muita abundancia: porem em paus pequenos, serve unicamente para
abrigado, onde dura 5 athe 6 annos.
28. Guanandi
Abunda nos matos: serve para mastros e vergões dos Navios, porem he preciso que
não tenha nós, o que he diffícil de encontrar: empenna muito: pode durar de 15 a
20 annos.
29. Cambuí(?)
abundancia desta madeira na Capitania: serve para abrigado, onde dura de
10 a 12 annos.
30. Canjaranna(?)
alguma, mas os troncos são muito delgados: serve para toda a obra e pode
durar de 10 a 12 annos.
31. Macopari(?)
Abunda nos mattos: tem pouca serventia para obras, dura 2, ou 3 annos.
32. Cambuca
Há muita: serve unicamente para abrigado, onde dura athe 20 annos.
33. Capête
em abundancia: excellente taboado, para forros de cazas e mesmo portas,
pode durar 8, ou 10 annos.
34. Corangugá(?)
Madeira que abunda, mas só boa para abrigado, dura 10 a 12 annos.
35. Guaiabeira
Há muita: serve para abrigado, e durará athe 15 annos.
36. Itahi
Abunda nos matos: aplica-se a toda obra de construcção naval, e civil; pode muito
servir para mastreação, emprega-se muito em eixos e moendas de Engenhos, dura
de 15 a 20 annos
239
37. Nhandu para
He rara e serve para abrigado, onde pode durar 30, ou mais annos.
38. Poabitinga(?)
Madeira para abrigado, onde pode durar 10, ou 12 annos: em grande
quantidade nos matos.
A duração das madeiras asima, so se deve entender a respeito da sua medulla por
que o resto apodrece muito mais rapidamente.
240
241
ANEXO 4
BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL, Lisboa
Códice 10748 – Seção de Reservados
[1801]
DICCIONARIO HISTORICO DAS ARVORES, E ARBUSTOS que contem os
nomes, e synonymos de cada huma dellas tirado dos melhores Auctores, que
escreverão nesta materia: Augmentado consideravelmente de muitas Arvores
das Conquistas de Portugal athe ao prezente não descriptas: Com a rezumida
narração que se pode alcançar nas suas Naturalidades, Troncos, Ramos, Cascas,
Folhas Flores, Fructos, Balsamos, Gommas Rezinas, Oleos, e quanto nellas ha
de mais notavel para as distinguir.
OBRA DE SUMMA INSTRUCÇÃO
Pelo conhecimento que o das differentes madeiras, sua solides, e utilidades
para a construcção das obras dos Arcenaes, Edificios, e todos os artefactos que
com ellas se constituem para a Economia Domestica, e Utilidade Publica.
POR CARLOS VALENTIM JULIÃO
Cavalleiro Professo na Real Ordem Militar de S.Bento de Avis, por Sua Alteza
Real O Principe Regente Major de Artilharia com Exercicio no Arcenal Real do
Exercito, Membro da Inspecção Militar, &c.
LISBOA
MDCCCI
Prólogo
Contemplar, e admirar as obras do Creador no Espetaculo da Natureza he
ocupação digna do homem q.e pensa. A parte mais interessante da Historia
Natural he sem duvida o das Arvores; o mais alto, e maior dos Vegetaes:
ornamento melhor de toda a Campina, q.e aprezenta aos nossos olhos hum
sublime painel do pasmoso aspecto de tão singulares produçõens, pela
raridade, formas, variedades, e formosuras das differente especies de
Arvoredos, q.e pousão o Universo, huns fructiferos, outros sylvestres, uteis, e
curiozos, que no recreio que offrecem a vista, e a imaginação nos elevão o
Coração com a sua elegante estructura a reconhecer e lovar o Todo Poderoso
nas suas obras.
Maior admiração nos causa o Plano das grandes utilidades, que rezultão ao
Comercio a Cultivação dellas; de que se pode bem dizer, que este Ramos he
hum thezouro tanto para o Vassalo, como para ao Sobrano; principalmente
n’hum Clima o bom como o nosso aonde todas produzem: posto que não ha
terreno algum apezar de chamarse verdadeiramente arido, e esteril que se não
possa aproveitar.
Em Piemonte quando a hum lavrador Pay de familia, nasce huma filha,
dispõem este na terra o seu Dote, plantando os terrenos aridos certa quantidade
d’Arvores proporcinada as suas posses; vai a filha crecendo, e as Arvores
tambem, de modo que chegada a idade de Cazar, acha nella hum dote
proporcionado a seu estado, sem ter feito ao Lavrador despeza alguma. He certo
que adunar as Plantas espalhadas no vasto campo do Univerço he difficultoza
empreza, potem, tentare non nocet.
Não espere o Leitor achar neste trabado obra completa, escripta em elegante
estylo, isto o cabe nos meus fracos talentos: Offreço unicamente objectos
avulsos, ou huma descripção simples, e familiar, ainda que rezumida, procurei
242
fosse verdadeira, e acho que o terei perdido o meu tempo, se exitar algum
curioso de superior talento a Corrigila, e aperfeiçoala acrescentando-lhe o q.e
escapou às minhas pequenas luzes. Não se trata nesta descripção de systema
algum Botanico, nem das virtudes Medicinaes das Plantas: a minha intenção foi
trabalhar para aquellas Pessoas, que pello seu estado não podem fazer hum
estudo particular nesta materia. Quem pertender os conhecimentos proprios
das classes, generos, e Especies a que pertencem, podem consultar o
incumparavel, e profondo Linneo, e o sabio Brotero, aonda achará
especificados methodicamente todos os principios geraes das suas qualidades.
Não entrei no immenso detalhe das virtudes Medicinaes, por estas depender
dos conhecimentos dos peritos desta Arte; Estreitando as descripções
volumosas a tratar simplesmente da grandeza Arborea, e a sua consistencia;
lugar do seu nascimento, e a nomenclatura das Arvores fructiferas,
Infructiferas, Sylvestres, e dos Arbustos linhozos que durão na terra mais de
dois annos.
A margem o os nomes das Plantas mais triviaes, e uzados em ordem
Alphabetica nas lingoas Portugueza, Franceza, e Latina; preferindo os que lhe
dão os Camponezes nas terras do seu nascimento. Os Synonymos que se
poderão alcançar vão no fim das descripcoens de cada huma dellas. Por mais
diligencias que fizesse julgo ser inevitavel a repetição de algumas Plantas de
baixo de nome diverso; por estes variarem de huma Provincia a outra.
Igualmente os tempos vão a pouco a pouco corrompendo os dittos nomes;
sobre tudo a liberdade que alguns escriptores tem arrogado asim de mudar os
nomes das Plantas, e darlhes o seu privativo, ou de alguma grande Personagem,
o que junto tem ocasionado huma não pequena confuzão. Da-se a explicação de
algumas palavras de que me servi, para facilitar a inteligencia da descripção, da
estructura externa, e configuração das Plantas; affastando-me quanto me foi
possivel da linguagem scientifica, e termos technicos da Botanica que nem
todos percebem.
Os Troncos Arboreos, e Arbustivos se compoem de Cascas, Entrecasco, lenho e
Amago a Casca diz-se encortada quando he por exemplo como a Cortiça do
Sobereiro: Gretada quando tem aberturas: Liza quando a superficie he igual,
felpuda, Cotonoza, ou lanuda quando tem pellos. O Entrecasco he a primeira
camada exterior do lenho, que apezar de o ser de consistencia tão rija como
elle, nem tão branda como a casca, em muitas Arvores com o tempo passa a ser
lenho. O Lenho, ou madeira he immediato ao Entrecasco, composto de muitas
camadas concentricas, humas em cima das outras, das quaes a ultima exterior,
que ordinariamente varia na cor, e consistencia a que vulgarmente chamão
entrecasco. Diz-se lenho compacto, ou maciço quando o he balofo [?],
encortiçado, ou Esponjozo. Da-se as dofferentes Cores, ou vizos do que as
madeiras são manchadas. O Amago ou Medulla, he o Centro do Lenho d’onde
partem as fibras linhozas, e o prinsipal nutrimento da Arvore. Diz-se Tronco
articulado quanto tem juntas de distancia, a distancia, trepador quando trepa
pelos corpos vizinhos que encontra. Ramozo quanto tem muitos ramos:
Espinhozo quanto tem espinhos: e Copado quando os ramos formão copa. As
dimençõens da sua altura, e Circumferencia, vão expressados em palmos, e
polegadas. Da Ramificação diz-se ser ramos alternos quando hum ramo não he
fronteiro a outro. Da folhatura chamo baze a parte da folha a que olha para
Cima, e inferior a que olha para a terra. Margem he a borda ou ourela da folha;
dou o seu tamanho, forma, ou comprimento, largura, e Cor, Explico se tem
sinuosidades; se são redondas, ou Ovadas, ou oblongas,: Rijas quando são de
consistencia firme; Delgadas quando são finas como papel. Serreadas se
amargem he cortada como dentes de Serra; Denteadas quando tem pequenas
pontas, Espinhozas quando a margem tem espinhos, Lustrozas quando são
243
polidas: Viscosas quando são pegajozas: Felpudas, ou lanuginozas quando tem
pello.
Da Florecencia: chamo Petalas as folhinhas de que se compoem a flor, o
numero dellas, a sua cor, e a qualidade de cheiro que tem. Da Fructificação
Dou a grandeza e forma dos fructos: se são boms para Comer, e o gosto que
tem, e tivi todo o quidado de indicas as especies nocivas: Chamo polpa, ou
carne do fructo, ao que os Botanicos chamão Pericarpo.
As Sylicas são recptaculos de varias sementes, que são ordinariamente
oblongas, e maiores que a sua largura, de que se o seu tamanho. As Vagens
são de todos os legume, de que se forma, e comprimento. Os Casullos se tem
partimentos, ou Celulars se da a forma dellas. A Baga he como pequenos globos
ou bollinhas por Ex.o da uva, Mortinhos, Prozella &.a As Pinhas são as que
constão d’escamars Linhozas. As Sementes se da numero, figura, substancia,
grandeza: se são umas Cobertas, aladas, lanudas, lizas, ou Rugozas. Os Succos
que se extrahem das Arvores se he por meio de incizão artificial q.e se faz na
Arvore, ou se o mana naturalmente. Do tempo proprio de se cortarem as
Arvores, de que se pertende utilizar com ventagem da sua madeira. Os cortes
das madeiras se devem fazer no Inverno quando as Arvores ja o tem Ceiva:
Mas para ter madeiras de muita duração, se deve tirar a Casca da Arvore antes
de a cortar na força da Ceiva, que he na Primavera quado a Ceiva sobe, porque
neste tempo despe-se da sua casca, que com facilidade se despega, e neste
estado se deixa todo o anno seguinte sem a cortar, porque deste modo adequir
a madeira mais solidez e fica de mais duração e o entrecasco endurece, e fica da
consistencia da madeira interior, e menos sugeir a bixos, Cortando-a depois no
anno sseguinte. As madeiras Conservando alguma Ceiva adocidada, são mui
sugeitas a bixos; Cuja largão em se pondo por algum tempo n’agua: Mas querem
livrarse de todo o escrupolo depois de estarem seccar, exponhão-se a hum
grande fogo, de modo que fiquem chamoscadas, e formem na superficie huma
especie de codia, pois o entrecasco he que attrahe os insectos que della se
nutrem, e damnificão a maior parte das madeiras: Pondo-se tambem as
madeiras por algum tempo em porção d’agoa em que se tenha dissolvido Pedra
hume, livrao-se de bixos, insendios,e podridão. Os troncos linhozos devem ser
cortados de Arvores nem muito velhas, nem muito novas. Advirto mais, que as
madeiras apenas se cortão, o devem ser logo expostas a humor livre, e muito
menos ao Sol; porque secca de repente a superficie, e como pello calor a
humidade interior quer sahir, não podendo raxa forrozamente as madeiras.
Devem-se recolher a hum ar temperado, e se deixão seccar insencivelmente.
O Conhecimento, e combinação da força e consistencia das Madeiras para
qualquer construção, he por certo o ponto mais interessante, e principal
objecto a que este tractado se dirige, pois deste conhecimento dependem as
dimençoens e grossuras que devem ter no seu corte, este se adequire de varios
modos, ou por meio de huma Maquina, que na Vinheta a margem deste vai
delineada, formando regoas de todas as madeiras que se querem experimentar,
por exempo de sinco, ou seis palmos de comprimento, com polegada, polegada
e meia em quadro, postas em igual distancia nos dois pontos de apoio da ditta
Maquina, aplicando no ponto central huma balança, augmentando os pezos
incencivelmente athe a regoa estalar, notando o pezo a que ella rezistio, e por
meio do qadrante o grão da forma que fica expressado na ditta Maquina. Ou de
outro modo aplicando no ponto Central a balaa romana fazendo estalar as
regoas em razão inverça: Por meio destas experiencias se vem no conhecimento
da grossura que devo dar a madeira, conforme o pezo que pertendo que ella
soffra: Advertindo porem que nunca se deve carregar, se não com metade do
pezo que a obrigaria a quebrar. Ainda que a respeito das suas forças, pois
244
apezar de serem da mesma especie, o terreno, o Clima, o modo como se cortão,
a parte por onde são cortadas, se de troncos, ou ramos, se por fibras direitas, ou
atravessadas, o que muito contribue a fazerlhes huma alteração na sua
gravidade especifica, com tudo sempre com aquella se chega a aproximar o
conhecimento das suas forças o mais que he possivel. As Arvores tambem
varião de pezo e duração conforme o nutrimento que recebem: As que crescem
devagar, por exemplo tem a Madeira mais rija. Distinguão-se em todo o cazo as
suas qualidades para as impregar utilmente, nos differentes artefactos, a saber:
as madeiras que se conservão melhor n’agoa. As que fora della ao ar livre. As
que se conservão de baixo da terra, e as finas que sofrem bom polimento para
as obras mais delicadas de Marceneiria.
Não se pode formar cabal ideia das utilidades, e vantagens que resulta destes
conhecimentos tanto as artes, como ao Comercio, e economia domestica.
Nos Arcenaes da Marinha com a construcção de enormes troncos de Madeiras
se formão Cadastes, Mastros, Vergas, Cavernas, lemes, taboados de Costados
&.a Formalizão-se sobre as Agoas os monstruosos Edificios, que mais parecem
Villas fluctuantes do que Navios. Com as Madeiras se arvorão os grandes
Guindastes, Cabrestantes, e tantos engenhos, e instrumentos, que abrangem os
mesmos vastos arcenaes, e que utilidade não recebe o Comercio dos generos
que transportão os Navios mercantes de huns para outros paizes, Defendendo-
se não menos com as Naus de Guerra da invazão dos inimigos as coas maritimas
do Estado; Nos Arcenaes dos Exercitos he pasmar os grandes madeiros, que se
consomem na construcção de tanta variedade de Maquinas, Engenhos, Reparos
de Artilhieria, differentes Carros de Campanha, Coronha de Armas, e muitos
petrechos pertencentes ao Trem de Artilharia e aos mais instrumentos Bellicos,
que com aquelles se fabricão. A quantidade de madeiras que se empregão na
Construcção dos varios edificios, em traves, Vigas, Pranchas, e Taboados. He
para admirar a monstruosidade de operarios, que se ocupão em manifaturar
tantas e tão differentes obras em madeiras no detalhe de milhares de officios.
Em huma palavra tudo da madeira se aproveita: pois quando não serve para
obras, serve para queimar, ou p.a fazer Carvão, e athe as proprias Cinzas nas
barrelas se aproveitão.
Finalmente se com este pequeno travalho comsigo a gloria de me constituir
raccomandavel aos tão sabios Nacionaes, a quem por deveres, e gratidão sou
obrigado obserquiar dou o meu tempo por bem empregado.
Exemplos
de
verbete
Acajaiba / Acajaiba / Acajaiba
Arvore grande do Brazil especie de Caju a queo o nome de Cedro de
St.Domingos, o tronco he o grosso, que delle fazem canoas de 40 pez de
comprido, com 6 de largo, o Pau he avermelhado, e tambem o ha manchado de
amarello, e branco, recebe bom polimento, e difficilmente apodrece, delle se
fazem moveis que comunicão seu soave cheiro as roupas, a casca he parda e
grossa, as folhas pequenas de verde escuro, o fruto em forma de Coracão
sempre verde, encerra communmente 4 amendoas muito amargozas cobertas de
pelle grossa.
Baonilha / Vanille / Vanilla
Arbusto que trepa pels Arvores a modo de Hera, as folhas de verde claro
agradaveis a vista, compridas, estreiras, e pontagudas, depois de sete annos da
humas bainhas que encerrão graonzinhos miudos, misturados com huma
245
especie de polpa escura balsamica, e mui cheiroza q.e he o principal
ingrediente do chocolate ao qual lhe comunica admiraveis propriedades. Ha de
tres especies que diferem no tronco, ou do diveço grão de maturidade. A
primeira ditta Pompona, ou Bova tem o cheiro mui forte, a 2
a
mais comprida
tem hum cheiro deliciozo,d este se uza com o nome de Baonilha legitima, a 3
a
tem pouco cheiro, a melhor he a do Mexico, ou Peru, a do Indostan he de huma
grossura monstruoza, e tem o cheiro de ameixa. Em outro tempo servia este
ingrediente para perfumar o tabaco, mas os cheiros estão como as mais couzas
sugeitos a moda.
Thim, ou Tomilho / Thim / Thymus
Arbusto mto. Pequeno do qual ha varias especies, a primeira não cresce mais de
hum pe laa varios ramos brancos com pequenas folhas opostas, estreitas,
branquicentas de gosto acre, tambem os ha de folhas largas, as flores nascem a
modo de botoenzinhos nas estremidades dos ramos de cor purpurina, abertas
como guellas, ha de cheiro agradavel, e outras sem cheiro, o fruto he huma
semente redonda fexada em hum Capzulo com cheiro agradavel, a 2
a
chamada
Thim negro he nto. Baixa com m.os ramos as folhas pequenas estreitas de verde
escuro as flores e sementes são similhantes as do precedente o 3
o
chamado
Thymus nostra tambem he pequeno Arbusto os ramos linhozos e vellozos
guarnecido de folhas miudas de cor cinzento, gosto acre, as flores, e semente
são similhantes as dos precedentes, todas as tres especies são de cheiro forte e
aromatico O Mel que as Abelhas fazem com o orvalho deste Arbusto he mui
saborozo.
246
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