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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade de Comunicação e Artes
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS URBANAS NO CANAL MOTOBOY:
Um estudo sobre as mediações sociotécnicas do coletivo brasileiro
da rede Megafone.net
Raquel Salomão Utsch de Carvalho
Belo Horizonte
2009
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Raquel Salomão Utsch de Carvalho
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS URBANAS NO CANAL MOTOBOY:
Um estudo sobre as mediações sociotécnicas do coletivo brasileiro da
rede Megafone.net
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Comunicação Social da Pontifícia Universidade
Católica como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.
Orientadora: Geane Alzamora
Co-orientador: José Márcio Barros
Belo Horizonte
2009
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Raquel Salomão Utsch de Carvalho
Relatos de experiências urbanas no canal motoboy:
um estudo sobre as mediações sociotécnicas do coletivo brasileiro da rede
Megafone.net
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
______________________________________________
Dra. Geane Carvalho Alzamora (Orientadora) - Puc Minas
_________________________________________
Dr. José Márcio Barros (Co-orientador) - Puc Minas
____________________________________
Dra. Maria Beatriz Almeida Sathler Bretas - UFMG
_______________________________
Dra. Maria Ângela Mattos - Puc Minas
__________________________________
Dr. Julio César Machado Pinto (Suplente) - Puc Minas
Belo Horizonte, 16 de dezembro de 2009.
Para meus filhos,
João (in memoriam), Clara e Nina.
Agradecimentos:
Aos familiares e amigos queridos, que participaram deste percurso;
A tudo que permitiu a sua concretização;
Aos professores Geane e José Márcio, pela preciosa orientação.
RESUMO
Este estudo reflete sobre o processo de produção e registro de relatos
multimidiáticos e hipertextuais, por motoboys de São Paulo, através da mediação do
website Canal Motoboy, vinculado à rede Megafone.net. Tendo em vista o
funcionamento da lógica associativa e o uso dos recursos das tecnologias móveis de
informação e internet, busca-se compreender como a produção, o consumo e a
difusão da informação conformam práticas comunicativas que geram novos
territórios de sentido, possibilitando o compartilhamento de experiências urbanas na
rede Megafone.net, da qual o coletivo faz parte. O trabalho objetiva investigar as
mediações sociotécnicas da rede, como delineadoras da produção destes relatos,
por parte de motoboys da cidade de São Paulo. A partir da observação do website,
foi definido o corpus da pesquisa e, posteriormente, os registros multimidíáticos
foram selecionados, tendo em vista a observação dos processos de mediação
sociotécnica presentes, com base na perspectiva teórico-conceitual da observação
empírica, bem como das entrevistas realizadas com o idealizador e coordenadores
do projeto. Para tanto, foram identificadas áreas de interesse recorrentes e formas
regulares de apropriação dos recursos sociotécnicos de mediação. A investigação
aponta a relevância da experiência estética, no contexto dos usos e apropriações do
espaço urbano, que conformam os relatos multimidiáticos compartilhados na rede.
Palavras-chave: Redes sociotécnicas. Mediação. Espaço urbano. Mídias locativas.
Relatos do cotidiano. Experiência estética.
ABSTRACT
This study reflects on the production process and registration of multimediatics and
hipertextual reports, by couriers in São Paulo, through the mediation of the website
Channel Motoboy, linked to the Megafone.net network. Considering the functioning of
the associative logic and the usage of mobile technology of information and internet
resources, we seek to understand how the production, consumption and
dissemination of information configure communicative practices that generate new
territories of meaning, allowing the sharing of urban experiences in the Megafone.net
network, which the collective is a part of. The work aims to investigate the network
sociotechnical mediation, outlining the production of these reports, by couriers in São
Paulo. From the observation of the website, it was defined the body of the research
and, subsequently, the multimediatics records were selected, in order to observe the
processes of sociotechnical mediation, based on theoretical and conceptual
perspective of empirical observation, as well as interviews with the creator and
project coordinators. To this end, recurrent areas of interest and regular forms of
appropriation of sociotechnical resources of mediation were identified. The
investigation indicates the importance of aesthetic experience, in the context of the
uses and appropriation of the urban space, that configure the multimediatics reports
shared on the network.
Keywords: sociotechnical networks. Mediation. Urban espace. Locative media.
Stories of everyday life. Aesthetic experience.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Barrera 1 - Jose 05-12-2008 (Deficicentes físicos - Barcelona) ............... 72
FIGURA 2 Barreira 2 Momo 06-06-2008 (Pessoas com mobilidade reduzida -
Genebra) ................................................................................................................... 73
FIGURA 3 Moradia 1 ................................................................................................. 74
FIGURA 4 Conflito - 2009-10-10 21:36:32 ................................................................ 74
FIGURA 5 Insônia ..................................................................................................... 75
FIGURA 6 Trabalho 1 - “En las mañanas no hay ni un duro” .................................... 76
FIGURA 7 Trabalho 2 - En el vivero también trabajan muchas mujeres migrantes.
Aquí en la pela de braquea...güegüense 30-12-2006 ............................................... 77
FIGURA 8 Moradia 2 ................................................................................................. 79
FIGURA 9 Trabalho Sitio Radio (Taxistas do México) ............................................... 80
FIGURA 10 Trabalho 4 - Anhabuha 2009-10-12 12:36:52 trabajo ............................. 81
FIGURA 11 Mulheres - Megafone3 2009-10-13 10:25:03 mujeres ............................ 82
FIGURA 12 Edison (26-03-2009). ............................................................................. 86
FIGURA 13 Ronaldo Buraco - 2009-03-27 14:44:15 ................................................. 87
FIGURA 14 Lacre 2009-03-20 22:38:23 .................................................................... 90
FIGURA 15 Ronaldo Cadeirante - 2009-03-27 14:44:15 ........................................... 91
FIGURA 16 Ronaldo cidade limpa - 2009-03-13 10:41:29 ........................................ 92
FIGURA 17 Ronaldo Família - 2006-11-26 14:24:46 ............................................... 124
FIGURA 18 Neka Patrimônio 2009-06-30 19:20:37 ................................................ 124
FIGURA 19 Neka Moradia 3 2009-06-30 19:20:37 .................................................. 125
FIGURA 20 Neka Dia a Dia 2 - 2009-07-02 09:41:51 .............................................. 129
Figura 21 Ronaldo Corredor 1 2009-07-08 18:42:36 .............................................. 131
Figura 22 Tadeu perigo corredor - Pessoas transitam sem atenção pelos corredores
2007-05-08 16:55:08 ............................................................................................... 132
FIGURA 23 Bahiano Acidente 2009-03-10 23:09:41 ............................................... 133
FIGURA 24 Canal Palavras ..................................................................................... 134
FIGURA 25 Perigo Homem da telefonica trabalhando no meio-fio sem nenhuma
sinalização da área. Neka 2008-02-12 14:41:19 Neka perigo sinalização .............. 135
FIGURA 26 Interface Emissores / Andrea ............................................................... 136
FIGURA 27 Página inicial do Canal Dia a Dia ......................................................... 137
FIGURA 28 Ronaldo a cidade em obras causa enchetes iai? 2008-02-22 23:42:18
Ronaldo Dia a Dia água .......................................................................................... 138
FIGURA 29 Neka Dia a Dia 4 2009-08-31 14:06:28 Fonte: Neka, 2009a ............. 162
FIGURA 30 Andrea Transporte Novo Metrô de S.Paulo 2009-09-12 15:16:18
transporte ................................................................................................................ 163
FIGURA 31 Buraco Ronaldo 2009-09-18 17:11:07 ................................................. 164
FIGURA 32 Ronaldo 2009-09-08 18:37:14 Ronaldo Fala 1 .................................... 167
FIGURA 33 Ronaldo Fala 2 2009-10-01 20:13:26 .................................................. 170
FIGURA 34 Grupo gaúcho Grupo gaucho Andrea 2009-09-13 19:31:04 Andrea
revelando................................................................................................................. 173
FIGURA 35 Ronaldo 2009-09-08 13:46:17 Chuva 1 ............................................... 177
FIGURA 36 Ronaldo chuva 2 2009-09-08 15:26:46 ................................................ 178
FIGURA 37 Andrea Hospital 1 2009-09-23 20:41:49 ............................................... 179
FIGURA 38 Andrea Hospital 2 2009-09-23 02:43:41 Em isolamento nos hospital das
clínicas.Instituto da criança. .................................................................................... 180
FIGURA 39 Interface Canal Dia a Dia ..................................................................... 183
FIGURA 40 Ronaldo 2009-09-29 12:58:08 Ronaldo trânsito Trânsito .................... 185
FIGURA 41 Andrea 2009-09-07 20:05:47 Andrea Sesc Pompéia Pompéia 1 ........ 188
FIGURA 42 Andrea 2009-09-07 19:05:35 Andrea Sesc Pompéia 2 ........................ 189
FIGURA 43 Ronaldo 2009-09-17 00:21:33 Dia a Dia .............................................. 191
FIGURA 44 Neka 2009-09-01 19:57:12 Neka Evento 1 ......................................... 194
FIGURA 45 Neka 2009-09-01 21:49:21 Evento 2 ................................................... 195
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 ESPAÇO URBANO, REDES E MEDIAÇÃO .......................................................... 24
2.1 Redes de comunicação móvel no espaço urbano .......................................... 24
2.1.1 Experiência, mediação e interação .................................................................. 24
2.1.2 Redes sociotécnicas e mídias locativas: conexões no espaço urbano ........... 38
2.1.3 Práticas colaborativas e visibilidade midiática .................................................. 51
2.2 A cidade contemporânea como redes de informação e sentido ................... 60
2.2.1 Megafone.net: rede de coletivos ...................................................................... 69
3 CANAL MOTOBOY: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS URBANAS ........................ 85
3.1 Canal Motoboy: coletivo brasileiro da rede Megafone.net ............................ 85
3.2 Comunicação, arte e política: mediações ....................................................... 94
3.2.1 Estética e política: cenas do cotidiano.............................................................. 94
3.2.2 Coletivos: micropolíticas de apropriação do espaço urbano .................. 101
3.2.3 Mobilidade e experiência urbana: interações ................................................. 107
3.3 Canal Motoboy: “cronistas do cotidiano” ..................................................... 111
3.3.1. Relatos de experiências urbanas .................................................................. 111
3.3.2 Quem falará e a quem? .................................................................................. 116
4 A EXPERIÊNCIA DO COTIDIANO: CONSTRUINDO A REDE ........................... 122
4.1 Interações em relatos mediados .................................................................... 122
4.1.1 Relatos mediados: o programa coletivo ......................................................... 139
4.2 Experiência em rede: entre o estético e o ordinário .................................... 145
4.2.1 Sobre a experiência estética .......................................................................... 152
4.3 Canal Dia a Dia ................................................................................................ 159
4.3.1 Experiência urbana compartilhada em rede ................................................... 159
4.3.2 Fragmentos de uma experiência mediada: relatos do Canal Motoboy ........... 182
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 198
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 211
APÊNDICE .............................................................................................................. 229
APÊNDICE A - ROTEIRO ENTREVISTA ANTONI ABAD ..................................... 230
APÊNDICE B - ROTEIRO ENTREVISTA COORDENADORES DO PROJETO,
ELIEZER MUNIZ E RONALDO SIMÃO DA COSTA .............................................. 231
ANEXO ................................................................................................................... 232
ANEXO A - HISTÓRICO DAS ATIVIDADES DO COLETIVO - CANAL MOTOBOY
................................................................................................................................ 233
12
1 INTRODUÇÃO
As práticas comunicativas cotidianas constituem formas concretas de
intervenção no espaço urbano; estas pontuam, portanto, um modo próprio de lidar
com as situações prosaicas, através de recursos sociais e técnicos. Lembrando
Certeau (2007), essas práticas remetem à operacionalização de táticas de
sobrevivência, construídas com base nas vivências do homem comum. Dizem
respeito, ainda, à formação de um conhecimento baseado na vida ordinária, do qual
as pessoas lançam mão para organizar seus sentimentos, ações e crenças sobre o
mundo.
No atual contexto sociocomunicacional, as práticas cotidianas podem ser
vistas a partir das relações estabelecidas pelas redes de informação, que amplificam
as trocas simbólicas processadas por meio das tecnologias de comunicação. Nas
últimas décadas, assistiu-se à mudança do modelo de sociedade centrada nos
processos industriais para a chamada sociedade da informação, na qual o processo
comunicativo adquire centralidade no funcionamento das instâncias econômica e
cultural, afetando, por consequência, a vida nas cidades.
Verifica-se que, sob forte influência dos dispositivos comunicacionais,
conformadores de práticas sociais e culturais no mundo globalizado, as cidades
caracterizam-se, progressivamente, pelo excesso informacional e aceleração dos
processos interativos. A crescente midiatização da experiência urbana reforça a
tendência à virtualização das práticas comunicativas, conformando o que Sodré
(2002) chama de bios midiático, ambiente tecnocultural no qual as normas da vida
são predominantemente configuradas pela mídia, que acaba por influenciar todas as
dimensões do cotidiano.
Este estudo volta-se às práticas comunicativas realizadas no espaço urbano
por motoboys paulistas integrantes da rede Megafone.net
1
. Uma vez compartilhadas
na internet, estas traduzem suas experiências urbanas em territórios de acesso
público, revelando estratégias coletivas que buscam o reconhecimento quanto à
função social desse profissional. A atuação do coletivo remete à condição de
1
MEGAFONE Net, 2009.
13
alteridade que demarca as interações sociais, potencializadas, na
contemporaneidade, pelo uso das tecnologias da comunicação móvel.
Criada pelo artista plástico catalão, Antoni Abad, a rede Megafone. net
2
aciona
minorias urbanas de vários países para a mobilização, com o uso das mídias
locativas, de processos comunicacionais que visem a auto-representação, em rede,
desses grupos sociais. Esses formulam e difundem, na rede Megafone. net,
registros multimidiáticos sobre o cotidiano, captados via dispositivos móveis de
comunicação, conferindo visibilidade midiática a suas idéias e percepções de
mundo.
A rede foi criada pelo artista em 2004, como resultado, neste primeiro
momento, dos processos de produção e registro de experiências urbanas de um
grupo de taxistas da cidade do México. O coletivo
brasileiro Canal Motoboy, o mais
duradouro do projeto, integra a proposta desde 2007, com a participação inicial de
17 profissionais da cidade de São Paulo
3
. Além dos motoboys brasileiros e taxistas
mexicanos, participam da rede:
- Ciganos (Léon e Lleida - Espanha, 2005);
- Prostitutas (Madri, 2005);
- Imigrantes nicaraguenses (Costa Rica, 2006);
- Deficientes físicos (Barcelona, 2006), Pessoas com mobilidade reduzida
(Genebra, 2008);
- Migrantes e ex-guerrilheiros (Colômbia, 2009)
4
e
2
Originalmente, o projeto utilizava o nome “Zexe.net”, em referência à imagem de uma mosca
virtual, que confere identidade aos trabalhos do artista na internet. O atual nome foi adotado em
março de 2009, quando a rede, que emprega recursos de comunicação móvel, associados à
internet, passou a utilizar o sistema de rodízio de um mesmo celular (o “megafone comunitário”),
para viabilizar a participação coletiva, com menor custo de manutenção para os grupos. Além disso,
conforme Abad, o nome original não permitia a fácil identificação do propósito da rede social.
(MEGAFONE Net, 2009). O acesso à rede virtual pode ser feito pelos endereços eletrônicos
www.zexe.net ou www.megafone.net. Dados obtidos em entrevista com o artista, por skipe:
24/09/09. A comunicação via skipe opera por meio de rede IP, que conecta computadores para
transmissão de áudio e vídeo.
3
Na página inicial do website, informa-se o total de 12 participantes, no entanto, verifica-se que, no
link de participação individual, este número chega a 17, total confirmado por Antoni Abad em
entrevista, em 24/09/2009, via Skipe. O primeiro grupo social a testar o sistema de rodízio do
megafone comunitário foi o de motoboys da cidade de o Paulo, em 2008. O artista trouxe ao
coletivo brasileiro dois celulares com sistema GPS, um deles ficando para uso do coordenador
Ronaldo Simão, e o outro para uso coletivo.
4
Tradução nossa. Nome original do coletivo, informado no website: Desplazados e desvinculados”.
(MEGAFONE Net, 2009).
14
- Jovens refugiados Sarahauis (Argélia, 2009).
A participação na rede é voluntária. O projeto é iniciado com o convite de
Abad aos futuros membros, pertencentes a grupos que sofrem formas de
discriminação social no espaço urbano. Os coletivos, que têm duração média de dois
a quatro meses, o gerados a partir do interesse do artista pelas condições sociais
dos grupos envolvidos; problematizadas, na rede, no contexto da mobilidade física e
informacional, sempre relacionado às experiências urbanas de seus integrantes. Ao
fomentar práticas de uso e apropriação social do espaço, com o emprego dos
dispositivos móveis de comunicação, a proposta interfere nas ações habituais dos
coletivos, estabelecendo, através da mobilidade informacional, novas conexões
entre os elementos do espaço urbano.
A atuação dos coletivos é realizada com o uso da tecnologia móvel de
comunicação, visando a constituição de espaço público digital de auto-
representação e troca de conhecimentos. O contato com os grupos acontece,
geralmente, por intermédio de eventos dos quais o artista participa, ou através da
indicação terceiros, que apresentam a possibilidade de trabalho com novos
coletivos.
Os grupos sociais recebem, do artista, dispositivos veis integrados por
aparelho celular - equipado com
câmeras fotográfica e de deo, com conexão à
internet. O registro das experiências urbanas ocorre através do envio de mensagens
multimidiáticas, publicadas em tempo real na rede. A arquitetura da informação do
website organiza bancos de dados que retratam a experiência urbana na perspectiva
dos coletivos: registros fragmentários sobre suas histórias de vida misturam o
universo da cidade a acontecimentos ligados à vida íntima, conformando o ambiente
de memória coletiva e fonte de informação sobre a categoria profissional.
Para refletir sobre os processos de mediação presentes neste projeto, adota-
se o conceito de redes sociotécnicas, conforme Latour (2008), que se baseia na
condição de alteridade como motor do processo comunicativo; e que articula,
através de instrumentos e práticas, documentos e traduções, os elementos da
natureza e da cultura, permitindo a atuação de coletivos híbridos. Assim, quando se
refere à mediação do projeto, ou do programa que organiza a atuação coletiva, este
estudo considera que os recursos sociais e técnicos agem na rede enquanto
formações híbridas, cujos componentes são constantemente entrelaçados, em favor
15
de interesses convergentes, possibilitando o fazer coletivo.
A atuação de coletivos urbanos conjuga, nas redes sociotécnicas,
expectativas e interesses comuns, em favor de ações concretas no mundo, que
vinculam diferentes fontes sociais aos mesmos propósitos. Os fluxos informacionais
associados às mídias locativas detêm implicações importantes nas experiências
urbanas desses coletivos, uma vez alterando as formas de apropriação do espaço e,
consequentemente, reorganizando as relações sociotécnicas que engendram essas
práticas ubíquas de comunicação no espaço urbano.
Com base em Weissberg (2004), considera-se que a conexão entre os
espaços físico e virtual constrói um território híbrido, a partir do compartilhamento
simultâneo de vários lugares. Essas práticas permitem a formação, ainda, conforme
Lemos (2008), de territórios informacionais que ressignificam o espaço urbano,
através do controle sobre fronteiras, que podem ser tanto físicas, quanto sociais,
simbólicas, culturais e subjetivas.
Para compreender como a produção, o consumo e a difusão da informação
conformam práticas comunicativas que geram novos territórios de informação e
sentido no Canal Motoboy, possibilitando, assim, o compartilhamento de suas
experiências urbanas, este trabalho tem como objetivo geral investigar as mediações
sociotécnicas da rede, como delineadoras da produção de relatos multimidiáticos e
hipertextuais por parte de motoboys da cidade de São Paulo. Para tanto, a pesquisa
visa investigar como, através de suas experiências urbanas, os motoboys interagem
por intermédio dos relatos que produzem e registram nesse projeto, ou seja,
pretende-se compreender como se realiza a forma operacional da mediação
exercida pela rede. Desta forma, objetiva-se acompanhar como se desenvolvem os
usos e apropriações do referido espaço físico/informacional, tendo em vista
identificar os regimes interacionais que regulam essas vivências cotidianas, ao se
participar de determinada rede de experiências, ou de modos de agir coletivo. Parte-
se do pressuposto de que o conhecimento comum é construído no âmbito da
relação estabelecida entre os motoboys; portanto, seu estatuto coletivo assume-se,
enquanto tal, na processualidade das interações diferidas e difusas que emergem da
rede.
Busca-se caracterizar, assim, os referidos processos de mediação e o modo
como tais mediações se especificam no contexto interacional do Canal Motoboy;
16
bem como investigar como os relatos multimidiáticos, produzidos e registrados por
intermédio de dispositivos móveis de comunicação, revelam a auto-representação e
a experiência urbana do grupo social, marcado pela mobilidade espacial.
Nesse contexto de análise, o Capítulo 2 visa dimensionar a experiência
urbana na perspectiva dos usos e apropriações do espaço das redes sociotécnicas
contemporâneas. As mediações sociotécnicas são contextualizadas no cenário da
cultura midiatizada (FAUSTO NETO, 2008), na qual os limites entre os campos
sociais articulam-se e influenciam-se; e o mais se distinguem emissores e
receptores, a tecnologia transformando-se, assim, no próprio meio de comunicação
social. Nesse capítulo, os agenciamentos sociotécnicos promovidos em torno
desses processos comunicacionais são observados no contexto da lógica
intermidiática das associações imediatas e fluidas, típicas da cultura da mobilidade
física e informacional. Verificam-se como esses processos comunicacionais,
incorporados ao cotidiano do homem comum, promovem a diversificação integrada
das mediações sociotécnicas, elevando a capacidade de produção e difusão de
mensagens, por diversas fontes, como o coletivo Megafone.net.
No ambiente reticular da internet, as conexões múltiplas apontam, cada vez
mais, para a estratificação das mediações, potencializando a expressão de ruídos -
antes impensáveis no domínio da lógica transmissiva da informação. No entanto, a
perspectiva apresentada aponta que as redes sociotécnicas não significam a ruptura
com o modelo massivo, mas a coexistência de suas funções às das chamadas
mídias pós-massivas, que enfatizam a lógica associativa de produção.
No Capítulo 3, observa-se como a mediação do Canal Motoboy aciona
micropolíticas de enunciação coletiva que relacionam os campos da arte, da
comunicação e da política, em territórios de visibilidade pública; o que pode criar
situações que tensionem os processos midiáticos tradicionais. Com base no
conceito de Delleuze e Guatarri (1995), considera-se que as micropolíticas permitem
a composição de agenciamentos coletivos de enunciação; por meio dos fluxos
informacionais envolvidos nos referidos processos comunicativos.
Essa análise baseia-se, ainda, conforme Rancière (2005), no pressuposto de
que a dimensão estética dessas práticas comunicativas detém implicações de ordem
eminentemente políticas. Nessa linha de raciocínio, como explica Sodré (2002), a
circunstância de visibilidade legitima determinada forma de distribuição das pessoas
17
e de suas funções em espaços determinados; o fato político ligando-se, portanto, à
divisão espacial, estreitamente vinculada à apresentação da ordem do sensível.
A ativação de micropolíticas de enunciação coletiva interliga, no contexto
analisado, a condição de visibilidade pública à de mobilidade compulsória no espaço
físico. Estes percursos acompanham trajetos difusos, implicando desvios constantes
por parte desses profissionais nas ruas. ticas dispersas no território físico,
acionadas por eles para lidar não só com as limitações físicas enfrentadas no
percurso diário, mas também com o preconceito social, decorrente de condições
sociais conflitantes, enfrentadas em situações de intenso trânsito urbano.
Além da mobilidade, outra característica importante da atuação coletiva,
analisada neste capítulo, consiste na apresentação, como consta na homepage do
website, dos integrantes da rede como “cronistas do cotidiano”. Os relatos
resultantes dessas práticas de mobilidade informacional interligam os mundos do
trabalho e da família, aos acontecimentos diários - através de imagens, declarações
textuais e por meio de áudio - valorizando os afetos pessoais, a atividade
profissional e a convivência social como elementos centrais na construção dos
discursos sobre a vida na cidade.
A sensibilização para a função social do motoboy e a tentativa de
humanização da figura profissional chamam a atenção para aquele que pode ser
visto como signo das intensas trocas sociais no espaço urbano - elemento
indispensável de ligação entre os pontos de uma rede complexa, onde circulam
produtos e serviços, dos quais dependem o funcionamento da atividade econômica
da maior cidade brasileira. O dispositivo comunicacional constitui um espaço híbrido,
que articula os interesses do grupo social e as características dos recursos
tecnológicos, para construir, assim, as cenas multimidiáticas relacionadas à
presença do profissional no espaço urbano.
Observa-se que, no século XX, o desgaste das macronarrativas modernas
que explicavam o mundo, em decorrência do progressivo enfraquecimento das
grandes ideologias, ocasiona a queda dos sistemas universais de explicação sobre
as coisas. Em contrapartida, ganham projeção, nas redes, os pequenos relatos que
continuam a alicerçar os processos comunicacionais cotidianos. Mas, em que
medida e de quais formas as expressões sociais sobre o cotidiano banal se fazem
presentes, nas redes sociotécnicas, alicerçando as trocas contemporâneas?
18
Os relatos sobre o cotidiano das pessoas comuns conjugam valores de
mercado a afetos pessoais, interesses políticos aos sentimentos do homem comum,
misturando os limites traçados pelas categorias modernas de pensamento, que
classificavam e hierarquizavam as vivências por meio de narrativas lineares,
conforme a visão histórica dos processos sociais. Nas redes sociotécnicas
contemporâneas, os relatos traduzem experiências fragmentárias, alimentadas por
diversas fontes sociais, ordenadas por espacialidades e temporalidades que se
justapõem, sem se excluírem. Esses relatos caracterizam uma época em que a
intensa circulação da informação acentua a articulação entre as instâncias sociais e
técnicas, gerando a multiplicidade de versões sobre os acontecimentos que afetam o
cotidiano.
No Capítulo 4, busca-se verificar como se desenvolvem, através dos recursos
de mediação sociotécnica envolvidos no programa coletivo, estratégias afetivas
acionadas por seus integrantes, para a sensibilização quanto às questões de
interesse. Assim, o conhecimento comum é construído por relatos tornados públicos,
nos quais a experiência estética assume papel relevante, respondendo pela
condução de processos comunicacionais que visam, sobretudo, alcançar o
envolvimento com o outro, através do uso social da tecnologia. Essas situações
comunicativas objetivam favorecer, prioritariamente, a sensibilização quanto às
aspirações do grupo social, consubstanciadas no desejo de reconhecimento, por
meio da condição de visibilidade midiática.
Percebe-se, assim, que as experiências dos motoboys paulistas são relatadas
de forma a privilegiar a experiência estética, em decorrência da atuação integrada
das diversificadas mediações sociotécnicas presentes da rede, tais como as
intervenções do artista e dos motoboys, bem como dos recursos multimidiáticos e
hipermidiáticos, que funcionam como entidades delineadoras da produção de
relatos, por parte dos integrantes do projeto. Isto porque a articulação entre os
recursos de linguagem confere centralidade ao uso da imagem, em torno da qual se
conjugam os recursos de som e texto - o que torna o objeto, conforme previsto no
programa coletivo, inconcebível sem sua presença (SANTAELLA; NÖTH, 2008).
Além disso, as formas de apropriação social da rede revelam o uso afetivo do
espaço hipermidiático, assim como a fluidez dos relatos, baseados na mobilidade
física, é redimensionada pelas associações hipermidiáticas, em novos recortes
19
espaço-temporais. Nesse contexto comunicacional, prevalece a mediação do signo
estético, que se caracteriza pela ênfase na dimensão sensível da existência, não
completando, desta forma, a função de representação sígnica do objeto
(SANTAELLA, 1994).
A pesquisa analisa os usos e apropriações do espaço urbano, no contexto
dos pressupostos sociotécnicos de mediação adotados na rede Megafone.net;
portanto, busca acompanhar como se desenvolvem as práticas comunicacionais que
perfazem as experiências ordinárias dos motoboys integrantes da rede. Para
compreender como a mediação da rede Megafone.net conforma os relatos
produzidos pelos integrantes do coletivo brasileiro Canal Motoboy, desenvolve-se
estudo de caso, com base em recorte empírico relacionado aos conteúdos do link
Canal Dia a Dia
5
.
A seção permite o acompanhamento da evolução cronológica do projeto e
aponta a ocorrência de regularidades temáticas, bem como os processos
interacionais adotados - uma vez que reproduz os registros efetuados nos links,
considerados centrais na rede, Emissores
6
e Motoboy Ambiental
7
, como previsto no
programa tecnológico. Os demais links presentes na rede não permitem o
acompanhamento do desdobramento das referidas práticas comunicacionais, que
não demonstram como se desenvolvem as vivências cotidianas, no âmbito do
projeto; objetivando, especificamente, a discussão sobre temas de interesse (Link
Fórum)
8
, o arquivamento das notícias relativas ao projeto (Meios)
9
, ou das palavras-
chave empregadas pelo coletivo (Canal Palavras)
10
.
No link Canal Dia a Dia (2009), são efetivados os vínculos resultantes das
interações sociais promovidas na rede; que os renova, constantemente, por meio
das relações construídas entre os elementos urbanos envolvidos nessas práticas
5
CANAL Dia a Dia, 2009.
6
EMISSORES, 2009.
7
MOTOBOY Ambiental, 2009.
8
FORÚM, 2009.
9
PROJETOS Meios, 2009.
10
Observa-se que a rede é integrada, ainda, por link destinado a textos e programação paralela, que
não é utilizado pelos integrantes na atual fase do projeto, registrando poucas inserções - realizadas
na etapa inicial do trabalho coletivo - sobre a ocorrência de acidentes, contexto profissional e
programação de evento de interesse. (CANAL Palavras; TEXTOS..., 2009).
20
cotidianas. Considera-se que o link constitui, portanto, nó privilegiado (VAZ, 2000) da
rede Megafone.net, porque concentra os registros multimidiáticos do website,
demonstrando como o emprego dos recursos de linguagem relacionam-se às
práticas cotidianas dos motoboys no espaço urbano, bem como apontando os
assuntos e abordagens recorrentes sobre suas experiências urbanas.
Assim, com base no Canal Dia a Dia (2009), pretende-se compreender como
a mediação sociotécnica do projeto delineia os relatos multimidiáticos e
hipermidiáticos, conformando as interações sociais e as experiências urbanas dos
participantes. Nessa perspectiva, percebe-se que os relatos registrados na seção
demonstram como a rede Megafone.net desempenha a função prevista no
dispositivo de visibilidade pública, que objetiva construir o processo de auto
representação coletiva do grupo social, através dos recursos tecnológicos das
mídias locativas associados à internet.
A identificação do referido recorte empírico, para a etapa de análise qualitativa
das informações, resultou do trabalho de observação não participante do website,
desenvolvido ao longo do primeiro semestre de 2009. A análise qualitativa dos
registros multimidiáticos presentes no Canal Dia a Dia (2009) adota, como
referência, conjunto de dados coletados no período de 31 de agosto a 1º de outubro
de 2009.
No link, a linguagem fotográfica detém lugar de destaque, como recurso
utilizado na formulação das cenas multimidiáticas, permitindo, assim, o
acompanhamento factual das práticas cotidianas dos motoboys (consideradas
elementos centrais, na construção da rede, que o desenvolvimento do projeto
depende do registro dessas operações de mobilidade no espaço urbano). Tendo em
vista, ainda, a importância das tags, ou palavras-chave, na composição e articulação
das cenas, a análise do Canal Dia a Dia (2009) foi desenvolvida, quando necessário,
com a devida observação das tags presentes no Canal Palavras
11
, classificadas
conforme as categorias “populares” e frequentes”. Essas informam,
respectivamente, as palavras utilizadas pelo maior número de motoboys e aquelas
predominantes no banco de dados do projeto.
O critério de classificação das “palavras frequentes” é utilizado, quando
preciso, para contextualizar a análise do Canal Dia a Dia, que a categoria
11
CANAL Palavras, 2009a.
21
“popular” não retrata a atual fase do projeto, referindo-se ao uso das tags, pelos
integrantes, durante a fase inicial da proposta (correspondente aos primeiros quatro
meses de funcionamento do projeto). As palavras mais frequentes não são adotadas
como principal referência para seleção e observação das cenas analisadas, mas a
avaliação conjunta dos recursos multimidiáticos presentes, que apontam para a
importância de determinado fato, no universo das experiências urbanas e, portanto,
indicam determinada tag como dado relevante, para a análise integrada desses
dados.
Os registros o apresentados, no Capítulo 4 (item 4.3), da forma como são
inseridos no website, pelo integrante da rede: dois registros por vez, um ao lado do
outro, acompanhados das respectivas tags, comentários textuais e gravação de
áudio presentes
12
. A análise qualitativa dos conteúdos baseia-se, ainda, em
informações coletadas por meio de entrevistas em profundidade, realizadas com o
artista plástico Antoni Abad, e com os coordenadores do projeto - Eliezer Muniz
(também curador-adjunto da rede, na fase inicial da proposta) e Ronaldo Simão da
Costa. As entrevistas visam, assim, contextualizar a ação coletiva, na perspectiva do
idealizador do projeto e dos motoboys participantes da atual fase do projeto.
13
O estudo adota duas categorias de observação, cada qual envolvendo
operadores conceituais formulados a partir da observação e conceituação teórica,
visando abarcar as qualidades mais destacadas do conjunto analisado. A primeira
categoria, “Experiência urbana compartilhada em rede” pretende refletir sobre a
interface entre as experiências ordinária e estética, tendo em vista a mediação
exercida pelo programa coletivo. Este refere-se à ação conjunta, possível mediante o
engajamento, em dado momento histórico, de entidades técnicas e sociais, dentre
eles o integrante da rede, que se propõe a participar das atividades. Assim, constitui
12
Os registros breves são efetuados on line, através do uso de tags, imagens e comentários
textuais, ou por meio dos recursos de dio, com duração média de um minuto. as declarações
textuais longas e as operações de edição dos recursos (menos frequentes) requerem o uso do
computador, sendo realizadas depois do horário de trabalho dos integrantes.
13
Foram realizadas, no total, 10 entrevistas, sendo:
a) Uma entrevista semi-estruturada, em profundidade, via skipe , no dia 24/09/09, com o artista
plástico do projeto, Antoni Abad. (Apêndice A: roteiro);
b) Oito entrevistas, informais - sete foram realizadas por email, ao longo de todo o estudo (duas com
o artista plástico Antoni Abad, e cinco, com o coordenador do projeto, Eliezer Muniz) e uma realizada
por telefone, no dia 12/11/2009, com Antoni Abad.
c) Uma entrevista semi-estruturada, em profundidade, realizada face-a-face, no dia 03/10/09, em São
Paulo, em conjunto, com os dois motoboys - coordenadores da rede Eliezer Muniz e Ronaldo
Simão da Costa. (APÊNDICE B: Roteiro).
22
o resultado do acordo temporário entre interesses e propriedades relativos a essas
instâncias, permitindo a realização da intenção comum, através do desdobramento
das ações em rede (LATOUR, 2008).
O programa - no âmbito do qual a imagem técnica participa vigorosamente
(FLUSSER, 2002), orienta a ação coletiva, através da formação de uma “memória”
dessas ações, acumulada no dispositivo fotográfico. Portanto, regula a atuação
sociotécnica na rede; ao mesmo tempo em que é renovado pela ação coletiva,
visando potencializar o alcance de objetivos comuns. Também detêm relevância,
nessa fase de análise, o contexto da midiatização da experiência e os processos de
interação social baseados na lógica associativa e na diversificação das mediações
que, como visto ao longo da pesquisa, oferece condições favoráveis à operação da
representação sígnica, no contexto sociocomunicacional da rede Megafone.net.
A segunda categoria, “Fragmentos de uma experiência mediada: relatos do
Canal Motoboy”, envolve a reflexão sobre a formação de territórios informacionais,
ou de heterotopias nas redes sociotécnicas contemporâneas, em função da
apropriação das mídias locativas, pelas pessoas comuns. A categoria relaciona as
micropolíticas de apropriação do espaço urbano, acionadas pelos motoboys
paulistas, aos processos comunicativos analisados, que conjugam os recursos
multimidiáticos e hipermidiáticos de mediação sociotécnica.
As reflexões realizadas sobre as formas de mediação sociotécnica, como
delineadoras dos relatos dos motoboys paulistas, baseiam-se em exemplares que
mostram áreas de interesse recorrentes e formas regulares de apropriação dos
referidos recursos. A relevância de alguns assuntos foi identificada, conforme a sua
recorrência no conjunto de experiências urbanas registradas pelos motoboys, que
servem de base para a análise - tais como as questões ligadas aos universos
profissional, familiar e cultural. Os processos comunicacionais observados visam à
compreensão quanto às formas de mediação adotadas no website, que conformam
esses relatos. Para tanto, é importante lembrar que os operadores conceituais
adotados estão presentes, quando necessário, em ambas as categorias, cujos
campos de reflexão são indissociáveis, exigindo abordagens integradas.
Ao passo que mediante o seu gesto as cidades erguem muralhas perfeitas,
eu recolho as cinzas das outras cidades possíveis que desaparecem para
ceder-lhe o lugar e que agora não poderão nem ser reconstruídas nem
recordadas. Somente conhecendo o resíduo da infelicidade que nenhuma
pedra preciosa conseguirá ressarcir é que se pode computar o número
exato de quilates que o diamante final deve conter, para o exceder o
cálculo do projeto original. (CALVINO, 1990, p. 58).
24
2 ESPAÇO URBANO, REDES E MEDIAÇÃO
2.1 Redes de comunicação móvel no espaço urbano
2.1.1 Experiência, mediação e interação
A experiência contemporânea emerge na crescente profusão de vivências
associadas ao uso dos meios de comunicação social. Trata-se da experiência
cotidiana, na definição de Rodrigues (1999), que diferentemente do postulado
científico, traduz a sabedoria das vivências, respondendo pela formação de crenças
e hábitos no campo simbólico da vida ordinária. Toma-se como ponto de partida que
saberes da experiência são inalienáveis, uma vez que não se pode prescindir deles,
embora não possam ser fundamentados racionalmente, por proposições científicas
de natureza apodíctica” (RODRIGUES, 1999).
Rodrigues (1997) diferencia os âmbitos complementares da experiência e da
experimentação. A primeira oferece parâmetros, modelos e referências razoáveis
para a ação no mundo. Através da sabedoria adquirida, esta disponibiliza condições
efetivas para a experimentação do cotidiano, que se processa no enfrentamento de
novas situações de vida - muitas delas incompreensíveis. De forma complementar,
por sua vez, estas experimentações podem gerar novas experiências.
Alicerçada na ação concreta do homem no mundo, a experiência é fruto do
conjunto de vivências que afetam a percepção da realidade e modificam a
existência, conferindo-lhe sentido. As formas de experiência são intermediadas por
valores e normas de conduta que orientam a vida prática, esses, por sua vez,
articulados por mediações simbólicas, tais como as exercidas pela linguagem,
instituições, grupos sociais e meios tecnológicos.
Na contemporaneidade, os processos de mediação realizados pelos meios de
comunicação participam vigorosamente das formas de experiência, tendo em vista
que estes atuam na perspectiva de fazer a ponte, ou fazer comunicarem-se duas
partes, processo decorrente de um lugar simbólico, que descrimina, faz distinções,
25
portanto, fundador de todo conhecimento (SODRÉ, 2002).
Essas formas de mediação compõem o fenômeno da midiatização que, na
visão de Sodré, constitui-se de uma ordem de mediações socialmente realizadas,
incluindo processos informacionais que se desenvolvem a reboque das
organizações empresariais. O processo corresponde ao conjunto de
tecnomediações caracterizado pela presença de um dium
14
, sendo que a
mediação não se restringe ao dispositivo técnico
15
, mas diz respeito ao fluxo
comunicacional vinculado a esse dispositivo (SODRÉ, 2002).
O dispositivo comunicacional consiste, assim, em espécie de abstração capaz
de articular comportamentos, ao conjugar elementos sociais e técnicos; agenciando
práticas em favor de determinada lógica de funcionamento das trocas sociais.
Agambem (2006) destaca a função reguladora do dispositivo sobre as
relações sociais, caracterizando-o como
[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar,
orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos,
as condutas, as opiniões e os discursos dos seres vivos. o somente,
portanto, as prisões, os manicômios, o panóptico, as escolas, a confissão,
as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão com o
poder é em certo sentido evidente, senão também a lapiseira, a escritura, a
literatura, a filosofia, o cigarro, a navegação, os computadores, os celulares
e - por que não - a linguagem mesmo, que é possivelmente o mais antigo
dos dispositivos em que milhares e milhares de anos um primata -
provavelmente sem dar-se conta das consequências que se seguiriam -
teve a inconsciência de deixar-se capturar. (AGAMBEM, 2006, tradução
nossa).
16
14
O termo médium é empregado por Sodré (2002) como prótese tecnológica e mercadológica da
realidade sensível”, em referência à “forma tecnointeracional, resultante de uma extensão especular
ou espectral que se habita, como um novo mundo, como nova ambiência, código próprio, e
sugestões de conduta,... entidade capaz de uma retroação expropriativa de faculdades
tradicionalmente atinentes à soberania do sujeito, como saberes e memória”. (SODRÉ, 2001, p. 21).
15
O dispositivo abrange o dado material ou técnico - que corresponde ao suporte ou canal, a
tecnologia, o código e a estruturação em um sistema significante (ANTUNES; VAZ, 2006).
16
“[...] cualquier cosa que tenga de algún modo la capacidad de capturar, orientar, determinar,
interceptar, modelar, controlar y asegurar los gestos, las conductas, las opiniones y los discursos de
los seres vivientes. No solamente, por lo tanto, las prisiones, los manicomios, el panóptico, las
escuelas, la confesión, las fábricas, las disciplinas, las medidas jurídicas, etc., cuya conexión con el
poder es en cierto sentido evidente, sino también la lapicera, la escritura, la literatura, la filosofía, la
agricultura, el cigarrillo, la navegación, las computadoras, los celulares y - por qué no - el lenguaje
mismo, que es quizás el más antiguo de los dispositivos, en el que millares y millares de años un
primate - probablemente sin darse cuenta de las consecuencias que se seguirían - tuvo la
inconciencia de dejarse capturar” (AGAMBEM, 2006). O autor parte da noção foucaultiana, na
perspectiva dos dispositivos enquanto formas de manutenção dos jogos de poder, ampliando-a, para
discutir a questão na contemporaneidade.
26
A noção de midiatização é aqui compreendida no contexto do bios midiático
contemporâneo, conceito que tem como base os gêneros de existência formulados
por Aristóteles, para classificar as formas de vida na Polis (SODRÉ, 2002):
theoretikos (vida contemplativa), politikos (vida política) e apolaustikos (vida
prazerosa, vida do corpo). No bios midiático, as normas da vida são
predominantemente regidas pela mídia, que influencia todas as instâncias do
cotidiano, tanto da vida privada, como o espaço público, de uso comum e posse
coletiva.
Este estudo refere-se aos meios tecnológicos como instrumentos
articuladores de determinada ambiência sociocomunicacional, orientada através das
práticas sociais de produção, difusão e consumo de informações. O dispositivo
comunicacional providencia, assim, a manutenção de espaços de compartilhamento
dos sentidos, uma vez composto de mediações sociais e tecnológicas que
respondem a demandas sociais e históricas, bem como a interesses econômicos e
institucionais, articulados no contexto do bios midiático contemporâneo.
Os meios de comunicação fomentam as trocas sociais, desenvolvidas através
do imbricamento entre o dispositivo técnico e a dinâmica das relações entre diversas
fontes sociais; são, portanto, constitutivos de espaços de produção dos sentidos
atribuídos à vida cotidiana. Como as práticas comunicativas midiáticas conjugam
valores e engendram ações concretas no mundo, a ambiência midiática configura-se
como lugar de experiência, bem como de sua interpretação e reconfiguração em
determinado contexto da vida coletiva (ANTUNES; VAZ, 2006).
Nesse sentido, a noção de midiatização da experiência diz respeito aos
modos de ser construídos por influência das apropriações de dispositivos midiáticos,
que interferem nas práticas realizadas através dos recursos tecnológicos. O
processo de midiatização da vida social compreende, assim, a formulação dos
discursos e o espaço da interlocução Os discursos midiáticos veiculam sentidos que
influenciam a percepção, difundindo padrões de comportamento, produzindo a
identificação de padrões sociais, através da criação de tipificações e pelo
acolhimento e metamorfose de outros discursos” (ANTUNES; VAZ, 2006, p. 51).
Pode-se dizer que os fluxos midiáticos contemporâneos participam,
vigorosamente, da construção do tecido social, ao promover a circulação de relatos
que traduzem estratégias ligadas a interesses mercantilistas; mas também engendra
27
sentidos gerados no âmbito da vida social, que redirecionam, inclusive, o
funcionamento dos meios, reconfigurando suas estratégias discursivas. Dessa
forma, no contexto do bios midiático, os fluxos comunicacionais são regulados não
por influência das mídias corporativas, mas também pela crescente apropriação
social dos meios de comunicação, incorporada às práticas sociais que permeiam a
vida cotidiana.
Nessa perspectiva de análise, distinguem-se a sociedade dos meios e a
cultura midiatizada (FAUSTO NETO, 2008). Enquanto, na primeira, as mídias detêm
relativa autonomia em relação aos demais campos, a cultura midiatizada funciona
como referência sobre a qual a cultura discursiva desenvolve-se, tornando-se a
tecnologia o próprio meio, ao permitir novos modos de interação social. Na
sociedade dos meios enfatiza-se a relação transmissiva da informação ao receptor,
através do processo simbólico massivo, típico da indústria cultural do século XX. No
contexto da cultura midiatizada, expandem-se os usos e as apropriações sociais
que, no fim desse século, introduzem, concomitantemente, novas formas
comunicativas, desenvolvidas por meio dessas tecnologias.
Nesse cenário, as mídias passam a referenciar as formas de vida em
sociedade, o que altera as circunstâncias de enunciação da realidade. A cultura
midiatizada provê condições efetivas de produção e difusão de informações a
variados campos sociais, que passam a se associar, assim, em defesa de objetivos
comuns. Assim como as instituições, os grupos sociais e, até mesmo, indivíduos
com acesso e domínio dos recursos tecnológicos, por iniciativa própria, podem
construir seus próprios personagens e histórias, organizando-os em relatos que
produzem e fazem circular na rede.
Não os meios exercem o papel de instância representativa dos demais
domínios sociais, promovendo as trocas no espaço de acesso público, mas os
diversos segmentos o convocados, pela lógica midiática contemporânea, a
formularem suas práticas discursivas. Para isso, assimilam certos paradigmas
comunicacionais que permitem a formulação de discursos e a circulação dos
sentidos produzidos - sejam esses destinados à possível divulgação, pelos meios
tradicionais, ou através de mídias corporativas próprias.
De acordo com Fausto Neto (2008), o atual cenário enfatiza a midiatização
como ambiente sociocomunicacional em que as tecnologias conformam as relações
28
sociais.
As mídias perdem este lugar de auxiliaridade e passam a se constituir uma
referência engendradora no modo de ser da própria sociedade, e nos
processos de interação entre as instituições e os atores sociais. A expansão
da midiatização como um ambiente, com tecnologias elegendo novas
formas de vida, com as interações sendo afetadas e/ou configuradas por
novas estratégias e modos de organização, colocaria todos - produtores e
consumidores - em uma mesma realidade, aquela de fluxos [...] (FAUSTO
NETO, 2008, p. 93).
A cultura midiatizada evidencia, dessa forma, o funcionamento da estrutura
das conexões, característica da rede de fluxos comunicacionais, que diversifica as
vinculações sociais, ao relacionar instâncias diversas. Em vez da linearidade que
identifica o funcionamento da cultura dos meios, instaura-se a organização difusa
das redes de informação e comunicação, que projeta a ambiência midiática nas
dimensões institucional e cultural da vida coletiva.
A importância adquirida pelos sistemas de gestão de informação, no contexto
reticular da comunicação, é enfatizada por Rodrigues (1993), tendo em vista a
influência de dispositivos que permitem a generalização da informação mediatizada,
a partir de meados da década de 1970. Com isso, houve a reunião, no mesmo
circuito, de conteúdos digitais verbais e imagéticos e a integração das mensagens
de diversos domínios socioculturais e formatos midiáticos. No modelo reticular,
conteúdos de ordem política, publicitária e noticiosa o conjugados em espaços
comunicacionais que visam conferir transparência e universalidade de acesso às
referidas informações.
O autor destaca que a criação de dispositivos especializados nos variados
campos da experiência destinam-se a suprir a rede de informações relacionadas aos
produtos comunicacionais, com a formação, para isso, de instâncias supranacionais
para administração do sistema integrado de informação
17
.
Para Fausto Neto (2006) essa lógica sociocomunicacional detém relevância
como processo de regulação da vida social, naturalizando regimes de interação
social fundamentados em processos midiáticos. Os processos interativos
17
Antecedem o modelo reticular duas outras formas de relação entre os processos
comunicacionais e os modos de sociabilidade, de acordo com Rodrigues (1993): o modelo informal
da comunicação tradicional, fundamentado na tradição oral e no território comum; e o modelo da
comunicação moderna, pautada pela autonomia da linguagem sobre a natureza e o sagrado, com a
proliferação dos profissionais e técnicas da comunicação e a multiplicidade de domínios funcionais
autônomos, articulados pelo campo da comunicação social. Estes modelos não são sucessivos, mas
“coexistem no mesmo território e especializam-se no desempenho das funções próprias da
experiência” (RODRIGUES, 1993, p. 134).
29
intensificam-se, através de ações realizadas por modos transversais, o que, em vez
de homogeneizar, diversifica e complexifica os aspectos relacionais, inerentes às
práticas sociais. Mais do que amplia, a cultura midiatizada, principalmente, mistura
domínios e modifica extensões das atividades sociais, aliando propósitos
estratégicos e tensionando pontos de vista tornados públicos. Por isso, é possível
afirmar que o atual estágio da midiatização redimensiona as mediações culturais,
cujas práticas passam a ser influenciadas por essa lógica, nos mais diversos setores
sociais, que se planejam, assim, de forma integrada, para dela obter o maior proveito
possível.
Gómez (2006) enfatiza, nesse contexto, a importância do desordenamento
das mediações tradicionais e da ênfase na mediação tecnológica, identificando na
explosão das mediações a causa de importantes desordenamentos sociais
18
. No
cenário das relações sociais midiatizadas, o autor constata a formação de redes
marcadas pela participação deslocalizada, estimulada pelo desenvolvimento das
audiências - em decorrência da diversificação das fontes -, e pela acentuada
migração digital no ambiente hipermidiático. As apropriações tecnológicas,
incidentes sobre os domínios temporal-histórico e espaço-situacional, intensificam-
se, na contemporaneidade, gerando e entrecruzando audiências; assim como
produzindo reclassificações segmentárias e, assim, transformações de ordem
identitária, por meio da hibridação de suas características.
Na ordem do cotidiano, os relatos corriqueiros circulam, cada vez mais, por
meio dos processos midiáticos, a exemplo da internet e dos dispositivos de
comunicação móvel, que permitem a formação dos significados, no campo das
práticas comunicativas, e ampliam a produção de informações
19
. Essas práticas
concretizam-se por intermédio de formas operativas do processo mediador (SODRÉ,
2002), as interações sociais, que possibilitam a afetação entre as partes envolvidas.
18
A capacidade de percepção, exemplifica Gómez (2006), é potencializada pelas formas de
mediação tecnológica, com a conversão entre o digital e o televisivo; e a imagem, por sua vez,
adquire centralidade nos processos comunicativos, principalmente a imagem em movimento, de que
se constitui a visualidade tecnificada.
19
Adota-se a perspectiva de Alzamora (2007) para o termo polissêmico “informação”, como o
conjunto de dados transmitidos e sentidos partilhados nos processos comunicacionais. De acordo
com a autora, “a noção está fundamentada na semiótica peirceana, segundo a qual a informação,
como aquisição de conhecimento, refere-se ao produto simbólico da denotação (extensão;
determinação sígnica do objeto) e da conotação (profundidade; representação sígnica do
interpretante).”
30
Considera-se a interação como uma “ação entre” os participantes do encontro
(TEIXEIRA PRIMO, 2003), no qual enunciador e enunciatário configuram o
enunciado.
Os processos interacionais perfazem a organização de universos simbólicos,
construídos com base nas trocas sociais, gerando narrativas
20
que remetem ao
âmbito dos saberes e conhecimentos do cotidiano. De acordo com França (2006), as
narrativas, enquanto práticas ordenadoras de sentido, intervenções concretas, em
contextos específicos, desenvolvidas por sujeitos; [...] estão inseridas ou fazem parte
de um processo mais amplo, que são os processos comunicativos”. (FRANÇA,
2006, p. 61). As interações são protagonizadas pelos narradores do cotidiano, na
situação de sujeitos em comunicação, tal como França (2006) os nomeia, criticando
as teorias clássicas do paradigma informacional, baseadas na intervenção funcional
dos indivíduos e na distinção dos papéis de emissor (aquele que codifica e produz) e
receptor (quem recebe e consequentemente consome informações)
21
.
Para além do determinismo tecnológico, França (2006) insiste no processo de
construção de sentido como marco fundamental da relação com o outro, defendendo
que a formação das identidades relaciona-se às práticas simbólicas que nos
posicionam no mundo. De acordo a autora, a noção do sujeito construído pelo outro
contrapõe-se, cada vez mais, à definição iluminista do sujeito centrado, unificado
22
.
20
O termo narrativa é empregado, neste estudo, como sinônimo de relatos formulados sobre o
cotidiano.
21
A teoria do interacionismo simbólico, adotada pela autora, não será aprofundada neste estudo,
visto que não é nosso objetivo, mas cujo posicionamento em relação ao narrador interessa, porque
legitima a presença do sujeito ativo, eliminando-se a dicotomia emissor/receptor na prática
comunicativa. Entende-se ser apropriada, porque identifica a processualidade interacional, cujos
interlocutores produzem sentido, sendo estes afetados pelo outro e pelo terceiro (o social, o pólo da
cultura), afetando o outro e o terceiro. Uma das bases fundadoras do interacionismo simbólico é a
indicação do caráter reflexivo da ação, que pode ser encontrada nos trabalho de G.H. Mead
(Universidade de Chicago, 1920-1930). O sociólogo trata da construção social dos sujeitos (self) e
da natureza das interações - ações reciprocamente referenciadas, baseadas em gestos
significantes, ou que encarnam um sentido para quem os fez e provocam sentidos naquele que os
recebe (FRANÇA, 2006).
22
Embora preservem a estrutura emissor/receptor, os estudos culturais, por sua vez, trazem à
análise do processo comunicativo o receptor ativo, que negocia sentido, ao contrário das teorias
anteriores baseadas na transmissão da informação do polo emissor para o polo receptor. Ao refletir
sobre a cultura das diferenças e a mitologia do estudo da cultura popular, Paula (1998) afirma que a
sociedade estrutura-se, hoje, por vários campos e que a interação e transmissão de práticas
discursivas e culturais vêm provocando a dissolução da oposição entre as categorias elite e popular.
Indivíduos experientes, críticos e familiarizados com formatos e processos produtivos: essa é a
perspectiva atual dos estudos culturais, segundo ele, em relação aos membros de determinada
audiência. Souza (1999) relaciona a recepção midiática à prática de expressão do sentimento de
31
Oliveira (2008), por sua vez, enfatiza que a busca por fazer parte de
processos de interação social revela modos de presença apreensíveis não por
meio da racionalidade, mas, principalmente, em função de uma sensibilidade que
fundamenta a construção dos sentidos. Por isso, as formas de contato presentes nas
interações superam as situações previstas e, enfatizando a dimensão sensível das
trocas sociais, a cada nova tentativa de contato interactancial, interpõe-se o
propósito de que se estabeleça um sentido de estar junto, no aqui e agora de
mundos interconectados, intercomunicantes” (OLIVEIRA, 2008, p. 33).
Os regimes interacionais regulam as vivências cotidianas, ao se participar de
determinada rede de experiências, ou de modos de agir coletivo, que valorizam a
permanente condição de fazer sentido para si e para o outro(OLIVEIRA, 2008, p.
35). O conhecimento é construído na relação estabelecida entre os agentes, e seu
estatuto coletivo assume-se, enquanto tal, na processualidade das interações.
Tendo em vista, ainda, a influência marcante da lógica midiática sobre as
interações sociais na contemporaneidade, Braga (2006) defende que a mediatização
(neste estudo, entendida como sinônimo de midiatização), atua de forma a,
progressivamente, tornar-se, inclusive, processo interacional de referência da vida
social
23
. Os processos interacionais de referência assumem-se enquanto principais
instrumentos modelizadores das relações sociais, que reconfiguram os processos de
referência anteriores, conforme sua lógica de funcionamento
24
.
pertencimento ao espaço público, em sinergia com a mutação das novas tecnologias e a
constituição das comunidades virtuais em uma sociedade fragmentada. Nesse contexto, as redes e
os fluxos sociais formam novos modos de representação e simbolização. Reconfigurando a
sensação de pertencimento, a recepção passa a ser parte de um processo de despacialização, bem
como associa-se a ela o consumo, na dimensão do desejo. Os meios de comunicação funcionam,
assim, como ambiente de aproximação, frente à fragmentação contemporânea, relacionando-se à
identidade e à busca do sentimento do comum, da inclusão social e da cidadania.
23
Para Braga (2006), a incompletude da mediatização, como processo interacional de referência,
em seu atual estágio (nos países centrais da instauração burguesa), deve-se, em síntese: à
indefinição dos subsetores que devem garantir a estabilidade ao sistema; dificuldade de percepção
dos papéis sociais, até mesmo no espaço de ação profissional; e ausência de claras articulações de
subsunção, em âmbitos sociais relevantes. A inexistência de respostas a essas questões no meio
acadêmico seria, conforme o autor, um demonstrativo importante da insuficiência do processo,
enquanto referência no campo das interações sociais.
24
A discussão não será aprofundada, mas contextualizados alguns pontos pertinentes, no contexto
da midiatização, cujo momento, segundo Braga (2006), é de transição da escrita para a crescente
mediatização com base tecnológica. Como explica o autor, a escrita tornou-se, por intermédio da
cultura burguesa, processo interacional de referência, expandindo-se através do ensino e de
subsistemas sociais associados à sua lógica, que proveram a sua auto-referencialidade. A oralidade,
processo de referência anteriormente adotado, passou a complementar a escrita, como parte da
32
Nas palavras do autor:
Um processo interacional 'de referência', em um determinado âmbito, o
tom aos processos subsumidos - que funcionam ou passam a funcionar
segundo suas lógicas. Assim, dentro da lógica da mediatização, os
processos sociais 'da mídia', passam a incluir, a abranger os demais, que
não desaparecem, mas se ajustam. (BRAGA, 2006).
A midiatização resulta, assim, do relacionamento entre as diversas
mediações sociais que, através da incorporação de sua forma de funcionamento e
valores, veicula visões de mundo, cujas práticas correlatas, para Braga (2006),
tendem a tornar-se processo interacional de referência. Trata-se de compreender a
midiatização como ambiência plural, em que as mediações sociais tensionam os
processos comunicacionais, em alguma medida, porque expressam formas de
elaboração e interpretação diferenciadas, quanto aos conteúdos midiáticos,
conferindo matizes específicas e características localizadas às interações sociais.
Considera-se que, embora o ambiente midiatizado, de fato, torne-se,
progressivamente, referência importante para as trocas sociais, que se verificar,
sempre, como interferem no processo interacional os usos e apropriações sociais
dele constitutivos, ou seja, a lógica midiática, em percurso ascendente, perfaz os
processos interacionais contemporâneos, transformando-se sob influência das
mediações sociais envolvidas.
Assim, trata-se de uma ambiência geral que permeia, através dos fluxos
difusos de informação, contextos particulares de produção de sentido. As mediações
sociais estabelecem, portanto, limites; tensionam interesses, provocam
comportamentos baseados em valores e crenças particulares, que se confrontam,
aliam-se, misturam-se em novos contextos sociocomunicativos, reconfigurando,
assim, as situações da vida cotidiana. Verifica-se a existência de interações sociais
engendradas pelos parâmetros gerais da midiatização, que articulam, mas não
determinam; influenciam, mas relativizam-se, ao serem atravessados pelas múltiplas
formas de mediação que, embora se associem, em grande medida, aos parâmetros
gerais da midiatização, introduzem especificidades não menos importantes ao
lógica da nova cultura, para a qual a sociedade teve que construir mecanismos de instrução e
formação de competências. Tais instruções são adotadas como parâmetro na elaboração da
realidade social, visando a capacitação necessária ao desenvolvimento do processo interacional de
referência em questão.
33
processo.
Na medida em que se busca compreender os meios, enquanto rede de
mediações sociais e tecnológicas que articulam modos de produção de sentido,
destacam-se os estudos de Martín Barbero (2008). Esta perspectiva desloca o foco
de atenção do lugar lógico da produção para o uso que se faz desses meios nos
processos de interação social. A visão do autor privilegia as especificidades de
determinado contexto social, envolvendo as práticas e os significados partilhados,
que atribuem sentido à realidade.
Martín Barbero (2008) situa os processos comunicativos no campo de
articulação entre os formatos industriais, as lógicas de produção, as matrizes
culturais e as competências da recepção (consumo), processada em torno do eixo:
comunicação, cultura e política
25
. Assim, volta-se em direção à experiência que
determinado meio proporciona na interação comunicativa, privilegiando a relação
entre comunicação e cultura, como base da articulação entre os interesses e
significados envolvidos.
Ainda que a presença dos elementos mediadores pressuponha níveis
diferenciados de poder entre as instâncias da produção e recepção, implicando a
verticalização do processo comunicativo, segundo Martín Barbero (2008), é preciso
considerar as mediações presentes nas relações sociais, e não apenas o lugar
lógico da emissão, que não detém o controle dos sentidos em construção. Tendo em
vista que as mediações simbólicas integram as culturas na forma de leis, artes,
linguagens, articulando-se com as mediações tecnológicas (SODRÉ, 2002), o
processo comunicativo envolve a dinâmica social dos modos de vida, a participação
dos interlocutores, as relações e os conflitos presentes na construção dos sentidos.
Trata-se do lugar interpretativo, que constrói a representação no terreno
25
Tecnicidade, ritualidade, socialidade e institucionalidade são as categorias utilizadas por Martín
Barbero (2008), em esquema representativo do processo cultural que inclui as lógicas de produção,
os formatos industriais, as competências de recepção (consumo) e as matrizes culturais. No modelo,
as instâncias envolvidas no processo comunicativo são mediadas pela tecnicidade (intermediária
entre as lógicas de produção e os formatos industriais/gêneros), a ritualidade (entre os formatos
industriais e as competências de recepção/consumo), a socialidade (entre as competências de
recepção e as matrizes culturais) e a institucionalidade (entre as matrizes culturais e as lógicas de
produção). Tendo em vista a emergência de um “novo entorno tecnocomunicativo” (MARTÍN
BARBERO, 2009) em que os meios assumem protagonismo marcante, o autor enfatiza que se trata
de não mais estudar as matrizes culturais da comunicação”, mas as “matrizes comunicativas da
cultura”. Ele enfatiza que a atual perspectiva não significa priorizar os meios, mas dirigir a análise,
no atual contexto, do âmbito da cultura ao da comunicação. Mais sobre o assunto ver Barbero
(2009).
34
simbólico das mediações envolvidas. O processo comunicativo não se limita,
portanto, a determinado pensamento hegemônico sobre a realidade, difundido pelos
meios de comunicação. Assume-se a cultura como principal mediação, conforme
argumenta Gómez (2006): Estou entendendo as mediações como processos
estruturantes que provêm de diversas fontes, incindido nos processos de
comunicação e formando as interações comunicativas dos atores sociais”. (GÓMEZ,
2006, p. 88).
A articulação entre os âmbitos da produção, mediação e cultura remete às
contradições entre interesses e aos desafios sociais que as potencialidades
comunicativas implicam na contemporaneidade, envolvendo a identificação de novos
espaços de enunciação para as diversas instâncias culturais. Refere-se, assim, ao
espaço, na definição de Santos (1997), como “conjunto de objetos e de relações que
se realizam sobre estes objetos; não entre estes especificamente, mas para as quais
eles servem de intermediário”. (SANTOS, 1997, p. 71).
Portanto, as características do meio e as relações sociais que organizam os
fluxos comunicativos constituem o universo da mediação, em variados contextos
sociocomunicacionais. Nesse sentido, considera-se a mediação dos meios
massivos, situada nos contextos sociais em que essas vigoram e que a determinam;
bem como da ambiência da internet, e não especificamente das qualidades técnicas
inerentes ao computador. Da mesma forma, é a comunicação por dispositivos
móveis, enquanto processualidade, e não apenas os aparelhos de telefonia celular,
que conforma a mediação tecnológica.
Thompson (2008) distingue as mídias comunicacionais pela introdução de
características espaciais e temporais que distendem a interação quanto à
desespacialização e temporalidade, através do uso das tecnologias. A temporalidade
pode ser ampliada ou comprimida dependendo do meio utilizado, modificando as
formas de interação e de visibilidade social. Assim, cartas e telefonemas tornaram
possível o fluxo dialógico entre indivíduos distantes no espaço e no tempo,
concretizando uma forma de interação frente à redução das referências simbólicas
permitidas no contato face a face
26
.
26
Vale ressaltar que, para além da mediação tecnológica, toda forma de interação é mediada,
tendo em vista a presença indispensável dos recursos de linguagem, para que a afetação entre as
partes desencadeie o processo comunicativo. Sobre o tema ver Alzamora (2003).
35
a interação mediada por jornais, livros, rádios e programas de TV
exemplificam a “interação quase mediada”, contexto comunicativo de predominância
monológica
27
, mas no qual, ainda assim, relacionamentos interpessoais são
desenvolvidos. Esses meios possibilitam o acompanhamento detalhado de ações e
comportamentos do emissor; e a emissão, por sua vez, apresenta-se de forma mais
próxima e particularizada, criando uma relação, nas palavras do autor, de “intimidade
não-recíproca à distância”, uma vez que não se mantém o fluxo bidirecional e
simétrico das informações.
O meio digital
28
, por sua vez, atualiza as formas midiáticas, ao gerar
ambientes diversificados; distintos, no entanto, das práticas comunicativas
precedentes, pela hibridação das lógicas e processos comunicacionais que o
constituem (THOMPSON, 2008). A exemplo do uso do e-mail, semelhante ao da
carta, ambos dialógicos, mas diferenciados não pela compressão temporal
efetuada pelo recurso digital, como também pela presença das instituições
mediadoras e das condições de uso próprias da internet, inclusive de recursos
culturais e materiais que fazem a mediação do processo comunicativo
29
.
Com ressalvas importantes, a abordagem proposta por Thompson (2008)
contribui para a descrição das características evolutivas dos meios, de forma a
pontuar aspectos distintivos entre eles. Por outro lado, a reflexão realizada por
Braga (2001) permite abordar a interação mediada em perspectiva ampliada,
considerando-se a análise processual que busca verificar o que as ações
27
Quanto a esta análise, especificamente, ressalvam-se as considerações de Martín Barbero (2008)
sobre a importância da articulação entre as mediações presentes, o que relativiza a determinação
do lugar lógico da produção na construção dos significados, destacando o uso que se faz desses
meios. Nessa perspectiva, os processos de interação social enfatizam o aspecto dialógico, mesmo
na presença dos meios massivos. Por outro lado, a comunicação mediada não resulta,
necessariamente, na perda das referências presenciais, a exemplo do uso dos recursos de
webcans, associado à comunicação mediada por computador. Ressalva-se, ainda, que a rede
intermidiática contemporânea (baseada no relacionamento das diversas mídias) reconfigura os
meios e provoca novas formas híbridas de interação à distância (ALZAMORA, 2007). Portanto, o
atual cenário implica a ocorrência de temporalidades diferidas, sem a perda dos recursos da
comunicação face a face, como afirma Thompson (2008).
28
Thompson (2008) analisa o meio digital no contexto da internet. Ressalva-se, no entanto, a
abordagem intermidiática a respeito do termo, adotada no presente estudo, na medida em que este
abrange, necessariamente, a integração dos fluxos de informação realizados por intermédio da
internet e dos dispositivos de comunicação móvel.
29
A comunicação na internet é mediada por organizações midiáticas, como a Gooogle Inc, empresa
que oferece serviços de busca gratuita de informações, disponibilizando, ainda, espaços de
interação social na rede, como o site de relacionamentos Orkut e de compartilhamento de vídeos
You Tube.
36
comunicativas produzem, efetivamente, no que se refere às interações sociais.
Segundo o autor, em um modelo de interatividade como processo mediado,
considera-se que as interações sociais superam o contexto de espaço e tempo de
produção e uso concreto do produto midiático; bem como da reação promovida em
torno dele; ou, ainda, de determinada forma de ação que implique o retorno à
instância produtora quanto ao referido produto.
A interatividade social mediatizada não é determinada, para Braga (2001),
pelas propriedades interativas do meio, o que implicaria a fixação da análise na
valorização das características do modelo conversacional, direto e recíproco da
comunicação face a face, mas diz respeito a processos comunicacionais diferidos no
tempo e no espaço, e difuso em relação aos destinatários. Mais do que observar a
interação de produtores e receptores em torno de um produto ou serviço específico,
trata-se, assim, do sistema interacional de circulação de informações, formado em
torno desses produtos, ou o conjunto de relações amplas entre um subsistema
produtor/produto e um subsistema receptor/produto permeadas ainda em outras
mediações.” (BRAGA, 2001, p. 119).
O autor destaca as situações comunicativas em que a divisão entre os níveis
de produção e recepção não se justifica, caracterizados, assim, por interações
processadas entre 'pessoas e grupos', interagindo em torno de 'produtos' que
possam ser percebidos como disponibilidades sociais(BRAGA, 2001, p. 119). Além
disso, ele ressalta que a interação face a face integra os processos de interação
mediada, através da difusão de informações e interpretações sobre os produtos
midiáticos, ao contrário do que Thompson afirma sobre os processos massivos.
Essa posição enfatiza a coexistência de diferenciadas formas de interação em uma
mesma situação comunicativa, que se mostra ampla e abrangente, tendo em vista
os desdobramentos ocorridos em torno do acontecimento midiático.
De acordo com Braga (2001), além de interagirem com os produtos, ao
interpretá-los, através dos processos de seleção, apropriação, recusa e edição da
mensagem; os participantes do ato comunicativo interagem, por meio de conversas
e re-interpretações, sobre esses produtos, ou na forma difusa e indireta da partilha
de conhecimentos e referências exemplares. Os desdobramentos da situação
comunicativa em curso afetam, também, as relações entre usuários e outros, quando
reagem, em seus grupos de relacionamento, tendo incorporado o produto em seus
37
repertórios.
Nesse contexto, a internet intensifica e diversifica as interações sociais. Os
conteúdos passam a circular de forma imprevisível na rede, superando os limites dos
regimes espaciais e temporais, implicados na formas anteriores da comunicação
impressa e eletrônica
30
. Assim, os processos interacionais envolvem circunstâncias
diferenciadas de visibilidade, que conformam as situações comunicativas na rede. O
meio abarca os recursos linguísticos de texto, som e imagem, as situações de
visibilidade adquirindo contornos complexos, na medida em que se amplia o acesso
às formas de criação e disseminação de conteúdo, por parte de maior número de
pessoas conectadas em todo o mundo.
Esse processo tem origem na Idade Moderna, quando uma nova visibilidade
surge com o desenvolvimento da indústria gráfica, nos séculos XV e XVI, como
estratégia midiática de veiculação de formas simbólicas encarregadas de traduzir
valores e interpretações sobre a realidade, por grupos sociais que controlavam a
referida mediação.
Thompson (2008) compara os regimes de visibilidade em vigor na Idade
Média e Idade Moderna
31
, acrescentando à análise a presença das mídias
comunicativas, como forma de visibilidade sem a necessidade do contexto de co-
presença. Através dos recursos televisivos e da despacialização auditiva
proporcionada pelo rádio, tornou-se possível o acesso à reprodução das referências
30
Serres citado por França (2002) lembra a importância de se manter o foco na apreensão das
dinâmicas relacionais efetuadas no contexto das redes. O modelo proposto pelo autor ressalta a
pluralidade das vias dispostas em rede e, assim, a possibilidade de escolha, pela seleção das
mediações; a “tabularidade” que substitui a linearidade dos processos relacionais, o que aponta o
aumento das mediações, mas também permite a distinção das naturezas e forças presentes nas
relações; a plurideterminação dos nós articulados em configurações instáveis, conforme diferentes
posicionamentos assumidos em situações de reciprocidade; a identificação de associações locais e
momentâneas que escapam a explicações exclusivistas que privilegiam os aspectos local ou global.
E ainda: a conjugação do singular, do acontecimento, com a estrutura, contexto e regras no qual se
está inserido (tendo em vista as situações marcadas pelo pluralismo do elemento ocorrencial, pela
variação e mudança do diagrama em rede). O último ponto destacado diz respeito à afetação mútua
entre a origem e a recepção, que traduz a circularidade do processo comunicativo e a
reversibilidade das dinâmicas sociais.
31
Thompson (2008) desenvolve a questão na perspectiva de Foucault (1975), que analisa a relação
entre visibilidade e poder nas sociedades ocidentais. Enquanto no mundo antigo vigoravam as
sociedades do espetáculo, em que as manifestações públicas de força e poder expressavam a
visibilidade de poucos para muitos, na sociedade moderna instituições como o exército e a escola
garantiam a normatização do poder através do treinamento e da disciplina. Nessa nova forma de
vigilância, a visibilidade de poucos por muitos foi substituída por uma visibilidade de muitos por
poucos e “a apresentação espetacular do soberano foi substituída pelo poder normatizante do olhar
(THOMPSON, 2008).
38
visuais e orais propiciadas por essas tecnologias. Assim, a visibilidade
providenciada pelas mídias eletrônicas foi diferente da impressa, na medida em que
trazia o elemento da “simultaneidade desespacializada”, recurso que permite a visão
instantânea de fatos situados em espaços distantes
32
.
os processos midiáticos contemporâneos, dos quais a internet é exemplo,
vêm intensificar a diversificação da mediação cultural, alterando a experiência
ordinária. Ocorre, assim, a sobreposição das mediações, que não provêm dos
meios, mas constituem processos estruturantes decorrentes de diversas fontes
sociais. Como visto até aqui, o intenso cruzamento de elementos sociais e técnicos,
no âmbito das práticas comunicativas contemporâneas, configura a cultura
midiatizada como ambiência plural - demarcada pela crescente diversificação das
mediações
33
.
Nesse contexto, os processos comunicacionais afetam, profundamente, o
desenvolvimento das formas de organização da sociedade, ao superar a
centralidade do dispositivo tecnológico, para situar-se, inevitavelmente, no contexto
de redes integradas por elementos sociais e técnicos que, associados, viabilizam as
trocas comunicacionais.
2.1.2 Redes sociotécnicas e mídias locativas: conexões no espaço urbano
As trocas sociais contemporâneas evidenciam o contexto comunicativo das
32
Deleuze (1990) atualiza o pensamento de Foucault, enfatizando a passagem do regime
disciplinar para o de controle, no qual as relações sociais não estão limitadas ao confinamento dos
espaços institucionais, em que vigoravam a manipulação direta e a vigilância sobre o corpo
produtivo. Não que as estratégias que garantiam a condição de visibilidade tenham sido suprimidas,
mas trata-se, agora, da incorporação, pelo sistema capitalista, de procedimentos difusos de
vigilância, adotados em espaços onde não se separam, por exemplo, as dimensões do público e
privado; do trabalho e lazer, o que confere ao regime maior fluidez. Este é um tipo de gerenciamento
dispersivo que, amparado pelos meios de comunicação, consegue penetrar no plano da produção
simbólica, de forma a naturalizar a influência das estratégias de poder no contexto das dinâmicas
sociais.
33
Gómez (2006) enfatiza as transformações na vida cotidiana, em consequência da crescente
dependência tecnológica, principalmente, da midiática e digital. Mudanças que, no entanto, resultam
do direcionamento das apropriações da tecnologia para determinados interesses sociais, refletindo a
predominância de processos comunicacionais marcados mais por fins mercantilistas, do que para a
realização de projetos efetivamente compromissados com o desenvolvimento humano.
39
redes sociotécnicas, que explicita as inúmeras conexões, de implicações sociais e
técnicas, que regem os processos interacionais. Esses tornam-se cada dia mais
presentes no cotidiano, através do intenso uso das tecnologias de comunicação, que
configuram os fluxos interpessoais de informação. As redes sociotécnicas são
construídas por práticas mistas, processadas através de operações mediadoras que
envolvem elementos da ordem social, da linguagem e da natureza. Operações de
“tradução”, conforme conceitua Latour (2008), que criam misturas entre gêneros de
seres completamente novos, híbridos de natureza e cultura”. (LATOUR, 2008, p. 16).
Musso (2004) conceitua a rede como matriz espaço-temporal, de caráter não-
linear, que acrescenta ao espaço-tempo físico um espaço ampliado, com a
sobreposição de um espaço sobre o território. Assim, a rede desterritorializa e
reterritorializa, portanto, a organização espacial. Além disso, a velocidade das
informações resulta no tempo reduzido
34
. A referida forma comunicativa é descrita
como estrutura de elementos em interação, ou de nós conectados por ligações,
formando um conjunto definido em um espaço de três dimensões, de interconexão
instável no tempo.
As interações obedecem a um regime de complexificação gerada pela própria
estrutura, e, ainda, a modificação dessa segue alguma regra de funcionamento,
partindo-se do pressuposto de que a dinâmica invisível da rede responde pelo
funcionamento visível do sistema (MUSSO, 2004)
35
. Ao misturar lógicas
ordenadoras, que abarcam o fluxo de informações, mas também a sua organização
espacial,
as metáforas da rede parecem inscrever-se / situar-se a meio caminho entre
a árvore e o caos, entre uma ordem linear hierarquizada e uma desordem
absoluta. A imagem da rede é a de uma figura intermediária: uma trama
mais aberta e mais complexa que a árvore, porém estruturada demais para
dar conta do aleatório e da desordem. (MUSSO, 2004, p. 34).
34
Neste estudo, entende-se que coexistem, na internet, vários regimes de temporalidades e
espacialidades; desta forma, a visão do autor refere-se, especificamente, à capacidade tecnológica
do meio, que permite a compressão temporal, não refletindo a diversidade de usos e apropriações
que singularizam as situações comunicativas, no tempo e no espaço, conforme as mediações
presentes.
35
Considera-se que a rede consiste, simultaneamente, em estrutura estável, que articula elementos
em contextos sociais específicos, e ambiência não linear, cujas ligações se tornam visíveis por meio
de conexões fluidas e difusas, que se desviam das formas estruturadas para fundar novos lugares
de enunciação.
40
A constituição em rede permeia as práticas interacionais, instância onde
residem os coletivos, formações híbridas resultantes do contágio entre natureza e
cultura. Nas redes gravitam elementos de ordens diversas, que emergem das
múltiplas relações e mediações presentes. Esses elementos estão na base da
constituição das formas coletivas, nas quais a contínua articulação de fatores sociais
e técnicos fomenta processos de interação e mediação social.
Nesse contexto comunicativo, humano e não humano, natureza e sociedade,
local e global agenciam-se permanentemente. O agenciamento desses fatores é
operado por meio de práticas comunicativas, que estabelecem as relações sociais e
permitem a produção de relatos sobre o cotidiano, através dos quais se expressam
os sentimentos e as interpretações sobre o mundo.
Na perspectiva de Machado (2002), o agenciamento implica a possibilidade
de escolha sobre a condução da narrativa, por intervenções realizadas no contexto
de determinada interação sociotécnica. Agenciar é, portanto, experimentar um
evento como seu agente, como aquele que age dentro do evento e como elemento
em função do qual o próprio evento acontece” (MACHADO, 2002).
No entanto, como o autor enfatiza, as formas de agenciamento estão
limitadas às possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos disponibilizados,
uma vez que o participante pode atuar conforme a previsão do programa, exceto
quando a ele também é permitida a intervenção nesse campo. Em geral, o efeito de
agenciamento resulta de sistemas cujo funcionamento é interativo, ou seja, sistemas
capazes de reagir ou de responder às ações do usuário(MACHADO, 2002). Dessa
maneira, os processos interacionais permitem a formação de coletivos articulados
por práticas e recursos mediadores, que relacionam elementos híbridos em torno de
determinada questão comum.
36
36
É importante enfatizar que os usos e apropriações dos usuários permitem experimentações
inovadoras não previstas no sistema. Nesse sentido, Teixeira Primo (2007) enfatiza que a noção de
interatividade supera o foco tecnicista, para referir-se à processualidade da interação mediada pelo
computador, e não apenas ao meio. O autor diferencia a interação mútua” da “interação reativa”, a
primeira baseando-se em relações de interdependência e processos de negociação, em que os
participantes interagem, de forma inventiva e cooperada; e a última como processo delimitado por
condições de estímulo e resposta determinadas pelo sistema. Na interação mútua, os integrantes do
processo comunicativo modificam-se reciprocamente, afetando-se mutuamente. Transforma-se
também o relacionamento entre eles, cujo desdobramento é imprevisto e impacta o comportamento
das partes envolvidas. Mais detalhes a este respeito podem ser encontrados em Teixeira Primo
(2007, p. 40-50; 55-58). Retoma-se, ainda, a abordagem de Braga (2001), anteriormente comentada
neste estudo. Para ele, a noção de interatividade não é determinada pelas propriedades interativas
do meio, ou seja, não se restringe às possibilidades do suporte tecnológico, ou à situação concreta
41
Deleuze e Guattarri (1995) conceituam o agenciamento como processo
maquínico, na medida em que envolve a articulação entre agentes coletivos de
enunciação, ou multiplicidades que não respondem à lógica binária de
representação, mas interligam diversos estratos, atuando em várias direções, no
cruzamento dos conteúdos e das expressões em cada estrato, e do conjunto dos
estratos com o plano de consistência” (DELEUZE; GUATTARRI, 1995, p. 89).
Os agenciamentos organizam as relações entre os estados de força e os
regimes de signos, sempre em conexão com outros agenciamentos de forças. Ao
mesmo tempo em que o agenciamento maquínico é direcionado para a constituição
do organismo, também aciona as conexões que o desfazem.
O agenciamento é considerado, pelos autores, como relação espaço-
temporal, entre os estados de movimento e repouso, de latitude e longitude. Estes
constroem um mapa, sempre em formação, de acontecimentos baseados no poder
de afetar e ser afetado. Assim, o modo de individuação não remete precisamente a
uma coisa ou sujeito, mas ao campo das relações implicadas no processo
(DELEUZE; GUATTARI, 1997).
Segundo Deleuze e Guattari (1995),
Não existe enunciado individual, nunca há. Todo enunciado é o produto de
um agenciamento maquínico, quer dizer, de agentes coletivos de
enunciação (por "agentes coletivos" não se deve entender povos ou
sociedades, mas multiplicidades). Ora, o nome próprio não designa um
indivíduo: ao contrário, quando o indivíduo se abre às multiplicidades que o
atravessam de lado a lado, ao fim do mais severo exercício de
despersonalização, é que ele adquire seu verdadeiro nome próprio. O nome
próprio é a apreensão instantânea de uma multiplicidade. O nome próprio é
o sujeito de um puro infinitivo compreendido como tal num campo de
intensidade. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 49).
Nessa linha de raciocínio, Latour (2008) identifica, nas redes sociotécnicas -
que constituem a forma híbrida de existência das coisas - a atuação de coletivos
articulados através de instrumentos e práticas, documentos e traduções. Se as
experiências refletem a influência conjugada de fatores sociais e cnicos que
alteram os padrões de percepção sobre a realidade, os elementos híbridos, ou as
multiplicidades, superam o humano e o natural para a identificação de objetos que
em que alguém produz, usa ou reage a determinado produto, mas abrange todas as formas de ação
processadas em torno das mensagens (proposições, produtos, textos, discursos etc.), diferidas no
tempo e no espaço, relacionadas à certa situação comunicativa. Mais sobre o assunto ver Braga
(2001, p. 109-136).
42
não se localizam de forma compartimentada, mas se mantêm vivos na existência
conjugada das diferenças que o constituem.
Trata-se do coletivo construído pela afetação mútua e que não admite a
exclusão ou o antagonismo das formas expressivas, mas nutre-se da relação
cooperativa entre suas partes. Admitindo-se a modificação contínua, não excludente,
pode-se perceber o contágio e a fusão de elementos indissociáveis, uma vez
reunidos em torno de movimentos convergentes, por associações temporárias e
fluidas.
A condição de alteridade revela-se, assim, como o motor que funda o
processo comunicativo, uma vez admitida como diferença que articula, situada na
base da existência híbrida. As coisas escapam a assimetrias entre universos
separados, no limite entre sujeito e objeto; natureza e humano; técnico e divino;
coexistindo no tempo e no espaço. Se não os estados de imanência ou
transcendência puros a se contradizerem, considera-se, por princípio, a condição
existencial sob a forma de redes agenciadas por fatores humanos e não humanos,
que se afetam mútua e profundamente (LATOUR, 2008).
O que se deve verificar, nas redes sociotécnicas, é a passagem, a mobilidade,
o percurso; ao contrário da busca pela essência e a manutenção do foco nos pontos
fixos, na ordem, no absoluto. A afetação, a enunciação e a alteridade são os
elementos centrais para a compreensão dos processos relacionais; para a troca
comunicativa que torna possível a abertura ao outro. Em vez do mapa acabado e
estável, trata-se do movimento que se processa na rede da cartografia que
acompanha o espaço dinâmico, por meio do acoplamento dos fatores diversos que a
compõem e determinam a formação dos sentidos
37
.
O empenho da racionalidade moderna de classificação e purificação das
instâncias cede terreno à compreensão dos deslocamentos e da fusão dos
elementos em mobilidade. Assim vistos, os fenômenos existem sob a influência de
elementos mediadores, conforme explica Latour (2008), lembrando que a ciência e o
Estado, por exemplo, são porta-vozes e, como tal, recortes tradutores da
37
Serres citado por Parente (2004) oferece um exemplo elucidativo sobre o componente híbrido,
que mistura temporalidades, articulando-as através da montagem de suas partes: a constituição dos
carros, cujos componentes traduzem tecnologias de períodos distintos. Visto dessa forma, o carro
hibridiza características e modos de vida típicos de várias épocas históricas: a roda ao neolítico, a
mecânica ao século XVIII, o motor e a termodinâmica ao século XIX e a eletrônica à
contemporaneidade. (SERRES apud PARENTE, 2004, p. 95).
43
modernidade, que se esforça por separar as instâncias representativas.
No entanto, as experiências do cotidiano conformam-se no bojo da interação
de elementos da natureza e da cultura, na dimensão do vínculo entre os fenômenos,
interligados enquanto presença, passagem e relação:
Chamo de delegação esta transcendência sem oposto. A enunciação, ou a
delegação, ou envio de mensagem ou de mensageiro permite continuar em
presença, ou seja, existir. Quando abandonamos o mundo moderno, não
recaímos sobre alguém ou sobre alguma coisa, ou sobre alguma essência,
mas sim sobre um processo, sobre um movimento, uma passagem,
literalmente, um passe, no sentido em que estas palavras têm no jogo de
bola. Partimos de uma existência contínua e arriscada - contínua porque é
arriscada e não de uma essência; partimos da colocação em presença e
não da permanência. Partimos do vinculum em si, da passagem e da
relação,
aceitando como ponto de partida apenas aqueles seres saídos
desta
relação
ao mesmo tempo coletiva, real e discursiva. Não partimos dos
homens, estes retardatários, nem da linguagem, mais tardia ainda. O mundo
dos sentidos e o mundo do ser são um único e mesmo mundo, o da
tradução, da substituição, da delegação, do passe. (LATOUR, 2008, p. 127).
No que se refere à dinâmica das relações sociais estabelecidas no cenário
urbano, as formas de mediação repercutem, na atualidade, a influência marcante
das chamadas mídias locativas nos hábitos sociais, através dos usos e apropriações
do espaço. As mídias locativas consistem em tecnologias e processos info-
comunicacionais, por meio de dispositivos digitais, cujo conteúdo informacional
vincula-se a um lugar específico; referindo-se, portanto, a processos de emissão e
recepção de informações, que relacionam lugares e dispositivos móveis de
comunicação (LEMOS, 2008).
Sua importância remete à impressionante quantidade das conexões que
transformam os vínculos sociais e à diversidade dos contatos efetuados, mas
também à qualidade e extensão das situações comunicativas que essas práticas
cotidianas instauram.
Refletindo a influência marcante da mobilidade espacial e da
aceleração do tempo nos modos de vida, os recursos da interação mediada por
computador aliam-se às práticas sociais contemporâneas ligadas à comunicação
móvel.
Essas tecnologias de comunicação promovem a associação entre os
sistemas de redes simbólicas baseadas em trocas informacionais e os dispositivos
físicos de conexão urbana. Delineadas pela comunicação ubíqua
38
, práticas
38
A ubiqüidade é a propriedade que permite o compartilhamento simultâneo de vários lugares
44
interativas caracterizadas pela mobilidade espacial, ao mesmo tempo em que
possibilitam a relação concreta com o espaço físico, permitem a conexão entre os
habitantes da cidade, ressignificando-a, conforme as experiências compartilhadas.
As informações que circulam por dispositivos móveis, aliados à internet, interligam
pessoas e lugares, expandindo as relações e os vínculos sociais, com base no
contato instantâneo, mediado tecnologicamente.
O emprego dos recursos da telefonia celular, associados à internet, propicia a
personalização da informação e a identificação do usuário, bem como a constituição
de bancos de dados com informações contextualizadas localmente, a troca de
informações e a conexão, por redes sem fio, entre os dispositivos móveis. Para
Lemos (2008), pela sua capacidade de agregar conteúdo informacional a um local
específico, as mídias locativas criam novas formas para o espaço urbano, que
consistem na dimensão virtual das cidades, originada das diversas redes sociais
(técnicas, políticas, culturais e imaginárias). Devido a esse conjunto de
características, é possível afirmar que as mídias locativas potencializam ações
ligadas a movimentos de ativismo político, ao viabilizar a organização de projetos
coletivos em rede
39
.
Assim, essas mídias podem instituir processos de
conexão/compartilhamento/escrita e releitura do espaço, através de instrumentos
como geolocalização, anotação e mapeamento urbanos, que possibilitam práticas de
sinalização ou descrição do lugar. Para tanto, são empregados recursos de imagem,
som e texto, que podem ser identificados por geotags - etiquetas criadas pelo
praticante, para diferenciar e caracterizar determinado lugar.
A diversidade e extensão dessas práticas comunicacionais podem ser
ilustradas por projetos citados por Lemos (2008), que promovem a articulação entre
espaços sociais, através da troca informacional. Por exemplo, a função de Realidade
Móvel Aumentada permite a obtenção de informações sobre determinada localidade,
através da sua visualização, em dispositivos móveis, uma vez estes apontados para
locais de interesse
40
. Já a função locativa de mapeamento e monitoramento do
(WEISSBERG, 2004). Detalharemos adiante sobre essa característica, ao aprofundar a análise
sobre o contexto das redes sociotécnicas.
39
A análise sobre o uso político dos meios de comunicação móvel será aprofundada no Capítulo 3.
40
MOBILE Augmented Reality Applications, 2009 (MARA)
45
movimento demonstra a diversidade de percursos e vivências que perfazem a
cidade
41
. O recurso das Anotações Urbanas possibilita, por sua vez, a apropriação
do espaço por meio de escritas eletrônicas
42
.
Lemos (2007b) aponta que, no início do século XX, os meios massivos e de
comunicação interpessoal produziam a desterritorialização das informações, no
entanto, restringiam-se a centros privilegiados de emissão e a lugares privados,
caracterizando-se pela imobilidade
43
. Hoje, com as chamadas mídias pós-
massivas
44
, os meios de comunicação incorporam a característica da mobilidade
informacional no espaço urbano, com emprego de ferramentas ubíquas para
emissão e recepção de informações. Essas mídias enfatizam a perspectiva reticular
dos fluxos informativos contemporâneos e a articulação, por meio dos dispositivos
midiáticos, de suas especificidades.
45
As mídias locativas, conjugadas à Internet, adotam formas de mediação e
interação que favorecem processos singulares de trocas de conhecimentos e
vinculação social no espaço urbano. Em vez de apenas informar determinado
41
Exemplo dessa prática foi apresentado na Bienal de Veneza (2006), com o projeto Realtime Roma
(Mit e Tim Itália), que monitora pessoas, mostrando percursos e densidades info-comunicacionais.
(BIENAL de Veneza, 2006).
42
No projeto Geonotes, usuários agregam informações através de SMS. (GEONOTES, 2009).
43
A primeira forma de mobilidade compreendia o homem como ser da locomoção, a cidade
transformando a sua experiência do ouvir naquela de ver. A segunda mobilidade urbana
corresponde à mobilidade social e do lugar de habitação, cujo deslocamento realiza-se através, por
exemplo, das experiências da educação, profissionalização e enriquecimento; e a terceira constitui-
se da mobilidade social por intermédio da moda, que faz aderir ao comum e ao mesmo tempo
diferencia as pessoas. O autor sugere a existência, hoje, de uma quarta forma de mobilidade, a
informacional (LEMOS, 2007b).
44
Lemos (2007b) afirma que a função massiva refere-se ao fluxo centralizado de informação, com o
controle editorial do polo da emissão, por grandes empresas, financiadas pela publicidade. Essas
mídias, geralmente, concentram-se em determinado território geográfico. As mídias de função pós-
massiva, por sua vez, funcionam por meio de redes telemáticas, de alcance global, em que o polo
da emissão é liberado, sem necessariamente a presença de empresas e conglomerados
econômicos. O produto é personalizável, respondendo a nichos específicos e, na maioria das vezes,
acompanha fluxos comunicacionais bi-direcionais (todos-todos).
45
Lemos (2007b) enfatiza a necessidade de se pensar as transformações ocorridas nos processos
comunicacionais contemporâneos, em relação às funções e não aos dispositivos midiáticos. Assim,
o que se verifica é a reconfiguração dos sistemas, a exemplo do que acontece na internet, ambiente
midiático no qual vigoram funções massivas (a TV pela Web, os grandes portais ou máquinas de
busca) e pós-massivas (blogs, wikis, podcasts). Castells (2006) chama de Mass Self Communication
à forma de comunicação em massa - presente na internet e nos dispositivos de comunicação móvel
- produzida, recebida e experienciada individualmente. Utilizada por movimentos sociais, essa
ferramenta de mobilização e organização social também é empregada pelos meios corporativos, que
incorporam blogs, por exemplo, em sua programação.
46
aspecto sobre a cidade, como possibilita a mídia analógica, por exemplo, uma placa
que sinaliza a localização de determinado dispositivo urbano; a mídia locativa
permite a personalização dessa informação pelo emissor que, ao atuar no espaço
urbano, através de uma ação mediada tecnologicamente, apropria-se deste como
espaço relacional, configurando então um lugar simbólico, para o qual ele constrói
sentido (LEMOS, 2008).
O espaço físico da cidade é cada vez mais apreendido pelo uso dessas
tecnologias, que acompanham percursos os mais diversos na complexa rede
urbana. Os relatos sobre o cotidiano são contextualizados em ambientes marcados
pela reticularidade, no qual se extrapolam limites físicos e identidades sociais fixas,
por meio das variadas conexões estabelecidas. Mediando valores e percepções
atribuídos ao espaço habitado da cidade, as redes virtuais vinculam ao território
físico processos de construção de sentido a ele associados, que podem ser
compartilhados através do uso de recursos multimidiáticos.
Essas práticas inserem as pessoas em uma “cultura da conexão
generalizada” (LEMOS, 2008), cujas relações sociais no espaço virtual não são
vistas como processos de desterritorialização, mas também de novas
territorializações, possíveis por meio das dinâmicas de controle e acesso à
informação. Portanto, as tecnologias móveis de informação são indissociáveis das
dinâmicas sociais ligadas ao espaço urbano contemporâneo e, como causa e
sintoma de uma época que acelera as trocas simbólicas, essas contribuem para
imprimir velocidade aos processos interativos.
Por outro lado, a apropriação que se faz do espaço através dessas mídias
fundam novos territórios informacionais, definidos “através da idéia de controle sobre
fronteiras, podendo essas serem físicas, sociais, simbólicas, culturais, subjetivas”
(LEMOS, 2008). O campo das trocas simbólicas, permanentemente renovável,
atualiza-se tendo em vista a estrutura não linear e reticular da rede.
Vistas como elementos de conexão entre os espaços da cidade e o virtual, as
redes sociotécnicas contemporâneas constituem um híbrido território/rede
comunicacional” (WEISSBERG, 2004, p. 121), a partir do compartilhamento
simultâneo de vários lugares, como defende Lemos, ao esclarecer sobre a noção de
território e de desterritorialização:
47
“Criar um território é controlar processos que se dão no interior dessas
fronteiras. Desterritorializar é, por sua vez, se movimentar nessas fronteiras, criar
linhas de fuga, re-significar o inscrito e o instituído”. (LEMOS, 2007a).
Sob essa ótica, a noção de território ultrapassa o aspecto jurídico, como
espaço físico delimitado, provocando o redimensionamento espaço-temporal dos
vínculos sociais, que se desterriorializam e se reterritorializam constantemente
46
. A
idéia é que essas práticas comunicativas geram novos territórios de acesso público,
nos quais se reconfiguram vínculos existentes e criam-se outros. Assim, partimos do
pressuposto de que territórios informacionais emergem da conexão entre espaço
físico e virtual, realimentando um processo comunicativo que redimensiona a função
social dos agentes envolvidos.
A mediação das redes sociotécnicas enfatiza a capacidade de mobilidade,
velocidade e extensão e, em especial, de distribuição, acesso e controle
informacional proporcionada ao usuário. Em função do seu dinamismo, essas redes
expandem-se em outros nós e, ao gerar sub-redes, formam-se novos territórios
informacionais por meio de interações sociais estabelecidas em determinado recorte
espaço-temporal.
Duarte (2008) esclarece que as redes não formam unidades estagnadas,
mas, ao contrário, permanecem em estado de articulação constante, de mobilidade
que articula e desarticula as redes e os sistemas. Por isso, para o autor, essas são,
primeiramente, um modo de pensar, um modo de ler o mundo e um modo de agir
no mundo” (DUARTE, 2008, p. 157). A rede urbana consiste em um sistema aberto,
fluido, instável, que possibilita formas híbridas de apropriação do espaço, criando
sub-redes fundadas em territórios de controle eletrônico-informacional e físico.
Nas redes sociotécnicas, os registros de imagens banais relativas às
experiências cotidianas articulam-se em universos simbólicos que refletem as
diversificadas mediações sociais presentes e as experiências de seus participantes.
46
Haesbaert (2007) também defende a desterritorialização como movimento que des-re-
territorializa, assim, não provoca o desaparecimento do território, nem se desenvolve paralelamente
ao movimento territorializador, mas consiste em processo relacional, que aponta tanto para a
flexibilidade e amplitude das associações comunicativas, quanto para formas de isolamento social.
De acordo com o autor, processo “em que o próprio território se torna mais complexo, múltiplo, por
um lado mais híbrido e flexível, mergulhado que está nos sistemas em rede, multiescalares, das
novas tecnologias da informação e, por outro, mais inflexível e fechado, marcado pelos muros que
separam ricos e pobres, grupos 'mais' e 'menos' seguros, 'mais' e 'menos' territorializados
(HAESBAERT, 2007, p. 66).
48
Imagens que expressam percursos capturados pelas ruas da cidade, por olhares em
movimento, falam de um espaço ressignificado, que passa pela eleição do
acontecimento, enquadramento do olhar, refletindo o espaço das trocas sociais.
Territórios efêmeros que, ao se conectarem, modificam suas fronteiras originais e,
pela ação comunicativa, alteram outras, hibridizando-se a novos territórios
informacionais.
Nesse contexto de análise, Lemos (2008) adota a noção de território
informacional como novas heterotopias, na perspectiva do conceito elaborado por
Foucault (1984). Enquanto as utopias são sítios sem lugar real, as heterotopias
materializam estes lugares em todas as culturas, como explica Foucault:
também, provavelmente em todas as culturas, em todas as civilizações,
espaços reais -espaços que existem e que o formados na própria
fundação da sociedade -que são algo como contra-sítios, espécies de
utopias realizadas nas quais todos os outros sítios reais dessa dada cultura
podem ser encontrados, e nas quais são, simultaneamente, representados,
contestados e invertidos. (FOUCAULT, 1984).
A ideia defendida por Lemos é que, em vez de anular o espaço, as
tecnologias produzem outras formas de espacialidade
47
, no espaço urbano
socialmente produzido. Por isso, a analogia contribui para a reflexão sobre o atual
contexto das redes, ou quanto ao sentido que essas podem vir a assumir enquanto
heterotopias, na condição de territórios informacionais.
Para Foucault (1984), vivemos a época dos espaços simultâneos, da
justaposição, do próximo e do longínquo
.
Do espaço hierarquizado da Idade Média,
passamos à extensão espacial trazida pela ciência moderna, com Galileu, e na
atualidade temos a configuração do posicionamento:
Hoje o sítio, que substitui a extensão que, por sua vez, tinha substituído a
disposição. O sítio define-se por relações de proximidade entre certos
pontos e elementos [...] A nossa época é tal que os sítios se tornam, para
nós, uma forma de relação entre vários sítios. (FOUCAULT, 1984).
Assim, de acordo com Lemos (2008), no atual contexto sociocomunicacional,
a heterotopia do controle informacional confere novas funções às antigas,
47
No Capítulo 3, a noção de espacialização será detalhada, na perspectiva de Santos (1997), que
destaca as relações sociais incidentes sobre o arranjo das circunstâncias espaciais, produzindo as
espacialidades.
49
redimensionando, por exemplo, as do desvio (modernidade) e do tempo cumulativo
(biblioteca). Entende-se que isto, respectivamente, segundo as lógicas das
conexões o lineares efetuadas no ambiente reticular e da constituição dos bancos
de dados, que mistura temporalidades diversas - conforme os usos e apropriações
deste espaço, que atualiza a memória coletiva midiatizada.
Lemos (2008) retoma os cinco princípios definidos por Foucault (1984), para
conceituar as heterotopias: o fato de toda cultura criar heterotopias (na cibercultura,
heterotopias de controle informacional); assim como de que, com a evolução das
sociedades, as heterotopias mudam de função. o terceiro princípio implica que as
heterotopias sobreponham vários espaços em um só. O território informacional,
resultante da intersecção entre os espaços urbano e eletrônico, exemplifica a fusão
e reconfiguração de espaços. O quarto princípio faz a ligação entre as heterotopias e
a dimensão do tempo, especificamente, ao tempo real de acesso e controle da
informação.
De acordo com o quinto princípio, as heterotopias consistem em sistemas de
abertura e fechamento, o que as torna penetráveis e herméticas. Assim, o acesso
aos territórios é possível àqueles que possuem senhas informacionais. Nesse
sentido, conforme Lemos (2008), territórios informacionais são heterotopias de
controle informacional, acessíveis por artefatos móveis em redes sem fio na
sociedade da informação”.
Vários espaços são sobrepostos, transformados, não havendo oposição,
portanto, entre eles, uma vez que a interseção entre territórios urbano e eletrônico
funde e reconfigura estes espaços. A dimensão do tempo é também alterada, de
acordo com o tempo síncrono de acesso e controle das informações, mas também
do tempo diferido, decorrente do uso particularizado do meio. O lugar conforma-se
por atividades sociais que criam pertencimento (simbólico, econômico, afetivo,
informacional), estabelecendo, desta forma, o vínculo com o outro, modificando,
assim, as relações através da criação de heterotopias de controle informacional.
No mapa urbano formado por percursos simbólicos, portanto, de contornos
imprevistos, as interações sociais processam-se na ambiência deslizante e ubíqua
das redes, característica que particulariza a referida mediação na sua relação com o
espaço. Para Weissberg (2004), o que a comunicação ubíqua
48
possibilita é o
48
Para Dominique Carré, citado por Weissberg (2004), o estudo das tecnologias móveis relaciona as
50
compartilhamento simultâneo de vários lugares; bem como o regime temporal
diferido, na medida em que se considera a atenção própria no tratamento da
informação, envolvendo os procedimentos de compreensão, dúvida, decisão e ação.
Experimenta-se uma lógica temporal em que o perene e o atual se hibridizam,
passado e presente encontrando-se em uma temporalidade ao mesmo tempo
diferida e difusa.
Por isso, para o autor acima citado, o tempo real caracteriza o funcionamento
dos meios massivos, que homogenizam a temporalidade da programação, de
acordo com a oferta planejada dos produtos midiáticos. Ao contrário, as formas de
interação nas redes sociotécnicas possibilitam modos próprios de atuação, dentre as
quais aquelas processadas em tempo síncrono. Diferenciam-se, assim, neste
ambiente, as formas de agenciamento das situações comunicativas, conforme
determinada intervenção acontece no tempo e no espaço, reconfigurando a
interação social.
Portanto, tempo real e tratamento diferido misturam-se nas redes. Trata-se de
um tempo contínuo que, segundo Weissberg (2004), não exime a presença do
ontem, mas não se furta ao desdobramento do futuro, fundindo temporalidades que
se misturam, sem justaporem-se:
[...] as estruturas temporais emergentes o poderiam contrapor
seqüencialidade e hipermediação, ou instantaneidade e temporização, mas,
ao contrário, reuni-las, inserindo-as nas configurações que fazem coexistir
(pacificamente?) seus regimes específicos. (WEISSBERG, 2004, p. 134).
Nessa perspectiva, a experiência ubíqua, processada com o emprego das
mídias locativas, modifica a relação com a cidade, na medida em que permite o
deslocamento entre seus territórios, tornando possível a relação simultânea entre
vários territórios simbólicos e, ao mesmo tempo, a atuação em determinado ponto
do espaço físico, sobre o qual se emitem informações personalizadas. A informação
customizada permite a qualquer pessoa, em condições de acesso e uso da referida
tecnologia, produzir, armazenar e circular informações em vários formatos e
modulações.
figuras da ubiquidade e onipresença: a primeira refere-se à coincidência entre deslocamento e
comunicação, ou seja, o usuário comunica-se durante a atividade de deslocamento; a última oculta o
deslocamento, possibilitando a continuidade das atividades de comunicação, quando se está em
outros lugares que não o de trabalho habitual.
51
Com a comunicação ubíqua, as pessoas podem processar e customizar a
informação, dados variáveis e modificáveis em tempo real (LEMOS, 2008). Isto
porque essas mídias indexam novas informações às registradas, como websites ou
comentários, promovendo ações efetivas relacionadas ao espaço urbano. Assim, ao
contrário de provocar ou acentuar a alienação em relação ao espaço físico, as redes
reterriorializam as relações sociais em novas conexões simbólicas sobre a cidade,
redimensionando a experiência urbana.
A relação de emissão e recepção por dispositivos que permitem a mobilidade
comunicacional e informacional no espaço urbano acentua a localização espacial e
os vínculos territorializados, uma vez que
a localização não perde seu poder. Ela se exprime atualmente através do
tratamento sintético informatizado, que se torna um órgão de compreensão
e de organização geoestratégica, uma forma de sumários
topoinformacionais, um revelador carto-semântico. (WEISSBERG, 2004, p.
120).
Em vez de diluir as relações sociais com o local ao qual estão vinculadas, a
rede contribui para enfatizar as localizações no espaço urbano, efetivando a
constituição do território híbrido entre cidade e virtual. Como meios que resistem à
interrupção do fluxo temporal, em continuidade às relações urbanas, as redes
reforçam vínculos, intensificando laços, provocando encontros reais (WEISSBERG,
2004). Espaços físico e virtual se justapõem sob a influência de fatores de diferentes
naturezas. Na fusão entre os espaços, as relações estabelecidas entre os pontos de
conexão ou nós presentes na rede configuram o processo comunicativo na
contemporaneidade.
2.1.3 Práticas colaborativas e visibilidade midiática
As redes de informação conformam-se, pois, pelas práticas
sociocomunicativas surgidas ao longo do século XX, com o advento dos meios de
comunicação de massa e, no fim do século, são potencializadas pela associação
entre os recursos da internet e das tecnologias de comunicação móvel. As formas de
52
interação social abarcadas pela internet acompanham a multiplicidade de situações
decorrentes das conexões interpessoais, massivas e colaborativas
49
. O meio tem
propiciado às pessoas que o recebem notoriedade por parte das organizações
midiáticas, a condição de visibilidade, por meio da produção, consumo e difusão da
informação.
Bretas (2008) observa que as pessoas comuns
[…] são vistas como sujeitos ordinários, não apresentam atributos especiais
que lhes confiram maiores distinções, embora sejam seres singulares. São
desprovidas da notoriedade proporcionada pelos refletores midiáticos e
constituem em suas conversações um vasto manancial para a realização
cotidiana da vida, servindo de motor para a tessitura de redes sociais que
conectam as pessoas entre si e ao mundo. (BRETAS, 2008).
No ambiente da Internet, a noção de ser comum é relativizada por
circunstâncias favoráveis à construção de certa reputação em contextos
comunitários específicos. Associados aos dispositivos de comunicação móvel, os
recursos da internet permitem a liberação do polo emissor - em níveis diversificados,
conforme determinado contexto comunicativo - o que difere estes processos
interacionais daqueles vivenciados por intermédio das mídias massivas. No entanto,
Bretas (2008) pondera que, embora as facilidades de uso propiciadas pelo meio
favoreçam publicizar argumentos próprios e a consequente distinção em
determinado contexto sociocomunicacional do qual se faz parte, apenas as
circunstâncias de exposição na rede não garantem a condição de visibilidade e a
superação da condição de ser comum.
De qualquer forma, a incorporação dos recursos midiáticos à formulação dos
discursos cotidianos tem gerado a progressiva familiaridade com os meios. Com a
adoção das estratégias discursivas midiáticas pelas pessoas comuns, Lemos (2008)
considera que as mídias locativas estão redimensionando a produção simbólica no
espaço urbano e, com isso, reconfigurando a indústria cultural, cuja orientação dos
processos de produção e circulação de informações é pautada pelo consumo
mercadológico.
49
Como exemplifica Thompson (2008) sobre a diversidade deste meio: news group, salas de bate
papo, bulletin boards (quadro de mensagens) diferenciam-se da comunicação interpessoal,
propiciada por e-mails; porém, apresentam recursos dialógicos específicos, como bate-papo em
tempo real, requisição e/ou download de materiais de sites e contato via e-mail (THOMPSON,
2008).
53
No contexto da cultura midiatizada (FAUSTO NETO, 2008), os fluxos
comunicativos interligam produtores e consumidores em redes de conhecimentos
baseados nas vivências cotidianas estabelecidas no espaço urbano, cruzando
informações em torno de interesses os mais diversos. Redes simbólicas são
multiplicadas, em resposta ao desdobramento das relações sociais, processando a
incessante troca de informações, por meio dos usos e apropriações sociais do
espaço contemporâneo.
O atual cenário não exclui os modos anteriores de interação e práticas
sociais; ao contrário, essas tecnologias e processos comunicativos são incorporadas
pelos diversos agentes sociais, políticos e econômicos, reforçando a expansão e o
fortalecimento de seus interesses e estratégias de produção de sentido relativas à
informação como mercadoria. Constata-se, no entanto, a diversificação dos centros
mediadores, com a instalação de processos interativos que oportunizam a criação de
contextos sociais polifônicos e polissêmicos, o que tensiona, em alguma medida, os
processos comunicativos ordenados pela indústria cultural.
Levando-se em conta o contexto participativo, a mediação tecnológica
instaura conexões que emergem da vida ordinária, expandindo a vivência cotidiana
da cidade para o ambiente comunicativo das redes telemáticas. Com isso, a
ampliação da conectividade e do intercâmbio de informações entre espaços sociais,
trazida pela internet, propicia a experiência da visibilidade midiatizada a grupos
sociais cuja expressão pública, antes, dependia dos processos fundados na lógica
mercadológica das instituições mediadoras tradicionais.
Trata-se das condições de funcionamento próprias da lógica associativa, na
qual não se distinguem os lugares estanques de emissão e recepção. Ao contrário
da comunicação de massa, fundamentada no modelo unidirecional de informações,
“um-todos”, essas práticas enfatizam a comunicação interpessoal, mesclando os
modelos de comunicação “um-um” e “todos-todos”, baseados no fluxo bidirecional
de informações. (TEIXEIRA PRIMO, 2003).
Assume-se a perspectiva adotada por Alzamora (2006), baseada na semiose
peirceana, que refere-se à comunicação social como processo de desdobramento
contínuo de um correlato sígnico em outro. Nesse processo, os três correlatos
sígnicos - signo, objeto e interpretante - articulam-se, permanentemente, produzindo
comunicação e cognição. Como explica a autora,
54
O signo, ou semiose, desdobra-se a partir das seguintes operações
semióticas: o objeto determina o signo, que por sua vez, determina o
interpretante, este se caracteriza por ser um novo signo que representa
parcialmente o objeto que o determinou através da mediação do signo. As
operações semióticas de determinação, representação e mediação são,
portanto, complementares [...]. (ALZAMORA, 2006, p. 155-156).
As operações de determinação e representação podem se aplicar à semiose
das lógicas comunicacionais transmissiva e associativa, tendo em vista que essas
privilegiam, respectivamente, a difusão de informação (fluxo unidirecional) e a
produção de sentidos (fluxo bidirecional). Caracterizando-se por processos
sociocomunicacionais baseados em práticas colaborativas, essas formas de
interação social dependem, portanto, da ação representativa que faz circular a
informação por demanda e disponibilização e, em vez da regulação pelo princípio da
oferta, apenas, que norteia o funcionamento das mídias massivas.
A forma associativa desenvolve-se no contexto comunicativo correspondente
à lógica das conexões (KASTRUP, 2004), cujo elemento constitutivo de análise
consiste nos pontos, ou s presentes que possibilitam o processo comunicativo,
não importando sua forma ou dimensões, mas as conexões internas estabelecidas.
Também chamada de ciberespaço ou espaço virtual, a configuração em rede
carateriza-se pela composição em linhas e não de formas espaciais, em que não se
consideram superfícies e contornos, limites e formas, mas pontos de convergência e
de bifurcação, não como uma totalidade fechada, dotada de superfície e contorno
definido, mas sim como um todo aberto, sempre capaz de crescer através de seus
nós, por todos os lados e em todas as direções” (KASTRUP, 2004, p. 80).
Na atualidade, as mediações sociotécnicas diversificam-se, atualizando
estratégias discursivas baseadas na interconexão de formatos midiáticos; assim, a
coexistência dos fluxos comunicativos interpessoais, massivos e colaborativos
configura a rede intermidiática da comunicação
50
.
50
Os portais, por exemplo, funcionam como uma porta de entrada para outros sites, situando-se em
ambiente no qual a gica intermidiática permite que o interlocutor avance de uma mídia a outra,
com capacidade de abrigar a comunicação interpessoal, massiva e colaborativa. A evolução das
novas tecnologias leva, ainda, à situação de significativa perda de controle sobre os conteúdos
institucionais, frente aos rumos incertos aos quais as narrativas difundidas são reconduzidas na
hipertextualidade; ao acesso e visibilidade dos agentes sociais, seja pela inserção de recursos
interativos, como blogs, chats, fóruns de discussão, nuvens de tags (links ligados a palavras mais
frequentes no portal), ou a partir da consulta a banco de dados, apropriação crítica dos conteúdos e
links externos oferecidos.
55
Como explica Alzamora (2007),
A navegação pelos fluxos de informação nas redes sociotécnicas
contemporâneas se expande pelas interfaces de celulares, laptops,
palmtops e MP3 players, o que contribui para disseminar a lógica espaço-
temporal do ciberespaço para a sociedade em rede, como um todo. A
perspectiva espaço-temporal dessas interconexões, ubíquas e onipresentes,
evidencia a lógica reticular da hipermídia, que integra e refina a noção de
rede intermidiática de comunicação. Assim, a noção contemporânea de rede
intermídia leva em conta a interconexão de fluxos de informação
interpessoais, massivos e colaborativos, mesclando aspectos das lógicas
transmissiva e associativa de comunicação e enfatizando a perspectiva
reticular da comunicação contemporânea. (ALZAMORA, 2007).
A lógica intermidiática mistura os componentes e características das três
fases que marcam a evolução da internet em direção à lógica associativa (TEIXEIRA
PRIMO; RECUERO, 2006)
51
, configurando ambientes hipermidiáticos híbridos
52
. A
primeira fase é caracterizada pela disponibilidade do texto tal como no impresso,
numa transposição direta de um suporte ao outro, tendo rodapés, remissões e
índices como elementos de ligação entre os conteúdos; na etapa seguinte conta-se
com a maior velocidade e o acesso aos hiperlinks, possibilitando o percurso
descontínuo, mas sem a criação de links e inserção de conteúdos próprios.
A terceira geração, relativa à da web 2.0
53
consiste na atual fase colaborativa,
em que o valor da interconexão e do compartilhamento alicerça as interações
sociais, permitindo formas multi-direcionais de leitura e a abertura de documentos e
bens públicos ao compartilhamento e intervenção
54
. A mediação dos projetos
51
A diferenciação das três fases não significa que uma geração da hipertextualidade tenha superado
a anterior, mas que estas coexistem na rede (TEIXEIRA PRIMO; RECUERO, 2006).
52
Nesses ambientes, a lógica associativa é conformada pelas mediações presentes, que
estabelecem hierarquias, regras de uso e protocolos de conduta; ou seja, embora sob uma mesma
lógica, a estratificação das mediações ajusta comportamentos de forma distinta e define padrões de
relacionamento diferenciados. A exemplo de formatos colaborativos como: wikipedia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Wiki); Centro de Mídia Independente - CMI
(http://www.midiaindependente.org/pt/blue/) e Overmundo (http://www.overmundo.com.br/), cujo
funcionamento baseia-se em pressupostos de mediação sociotécnica que estabelecem as
possibilidades de interação social.
53
Termo criado por O’Reilly (2005), em referência a uma segunda geração de comunidades e
serviços disponibilizados na plataforma web, como sistemas colaborativos wiki, aplicações baseadas
em folksonomia, cuja moldura semântica é gerada a partir da classificação criada pelo participante, e
na expansão das redes sociais. Para um aprofundamento no assunto: (O’REILLY, 2005).
54
Teixeira Primo e Recuero (2006) exemplificam essa fase os blogs, o peer-to-peer (P2P), o
webjornalismo participativo e serviços como Flickr7 (para a publicação e discussão de imagens),
del.icio.us (sistema de compartilhamento de listas de favoritos e geração colaborativa de
56
cooperativos distinguem-se pela valorização da participação daqueles envolvidos
nas atividades, a discussão no grupo e a construção do conhecimento - e não a sua
reprodução por sistemas reativos, em que comportamentos e opções previstas de
resposta comandam as interações sociais
55
.
A potencialidade das redes, quanto à visibilidade social, reside em que,
dependendo do contexto comunicativo, tanto a expressão dos grupos urbanos torna-
se mais acessível e, portanto, dá-se a conhecer mais, como também a disseminação
imprevisível das informações permite reencaminhar situações, desviar direções,
contaminar a ordem institucional, por intermédio dos agenciamentos e mediações
representativas das diversas instâncias sociais urbanas.
Neste contexto de diversificação das mediações sociais, que gera novos
territórios de acesso público em um meio marcado pela mobilidade informacional, as
transformações identitárias são uma tendência resultante da condição de
visibilidade, e
embora guardem remanescente próprios de outras etapas e modelos
identitários, os gostos e as sensações que a visualidade tecnificada
proporciona, as gratificações midiáticas e tecnológicas obtidas pelos atores
vão enquadrando e prefigurando suas identidades emergentes. (GÓMEZ,
2006, p. 93).
A oportunidade de tornar pública determinada posição em relação ao mundo
implica a construção de uma imagem que vise, sobretudo, afetar o outro, gerar uma
experiência. Identifica-se a oportunidade do encontro que vise o reconhecimento
social entre universos simbólicos distintos. Nesse sentido, a possibilidade da
comunicação social passa a ser considerada através de uma linguagem que faça a
ponte entre visões de mundo intercambiáveis, por meio dos recursos de visibilidade
midiática.
A necessidade de reconhecimento social, então, implica o sintoma crescente
do desejo de pertencimento à determinada coletividade, de fazer parte, ao assumir
metadados),Wikipédia, entre outros.
55
Teixeira Primo (2002) aponta três tipos de hipertexto, de acordo com as possibilidades de
participação social na produção das informações: potencial, cujos caminhos e movimentos possíveis
são pré-definidos; colaborativo, que resulta de uma colagem de contribuições, não envolvendo
discussões quanto ao processo produtivo; e cooperativo, cuja produção das informações está
vinculada ao debate. O conceito de hipertexto foi cunhado pelo filósofo americano Ted Nelson
(1965) e refere-se, de forma sintética, a sistemas interativos e multidimensionais de produção e
organização da informão, com base em blocos de conteúdos dispostos em hiperlinks. Mais sobre
o assunto, ver Murray (2003).
57
um papel que tenha sentido na constituição de um todo. A dependência do
reconhecimento não se manifesta apenas na ordem do utilitário ou da posição social,
mas envolve, fundamentalmente, a manifestação dos afetos e do gosto por estar
junto. A busca da aprovação do outro se revela no reconhecimento que só é
possível graças à tecnologia midiática que permite ter visibilidade em telas e que
cada vez mais se torna sinônimo dela(GÓMEZ, 2006, p. 03).
No contexto colaborativo, marcado por fluxos de informação que circulam por
meio dos dispositivos móveis associados à internet, os relatos do cotidiano
constituem registros fragmentários, estratégias de enunciação que manifestam
situações ou experiências particulares, organizadas em contextos específicos. Estes
expressam as práticas culturais
56
que conferem sentido à realidade social e
possibilitam o conhecimento do mundo (CERTEAU, 2007).
Certeau (2007) relaciona estes relatos aos percursos cotidianos que sinalizam
o movimento e a multiplicidade de relações e vivências das quais emerge a
experiência. os mapas, segundo ele, localiza, no espaço enrijecido, as instâncias
fixas do poder, vigorando como território externo à experiência, porque demarcado
pelo outro. Os relatos do cotidiano enunciam, para o autor, as resistências das
tradições culturais e os desvios constituídos em relação a macronarrativas
dominantes na modernidade, como os discursos da ciência, religião e Estado.
Observa-se a noção de micronarrativa, que remete à discussão de Lyotard
(1998)
57
sobre a formação da condição pós-moderna que, no fim do século XX,
opõe-se à metanarrativa. Ao contrário da grande narrativa, que comporta as visões
totalitárias sobre o mundo, como as correntes do humanismo, iluminismo e
modernismo, as micronarrativas não exigem a aprovação do domínio científico e,
dificilmente, revelam uma construção simbólica universal, capaz de explicar os
fenômenos de forma ampla e genérica.
Nesse período, a derrocada das grandes ideologias que sustentavam a visão
moderna de mundo (como as noções de verdade, apoiada no uso da razão; e de
oposição, por exemplo, entre as noções de essência e aparência, e de natureza e
56
Entende-se as práticas culturais como formas de ação concreta no mundo, que dizem respeito à
produção de sentido sobre a existência. Tendo como referência as mediações que conformam as
interações sociais processadas no Canal Motoboy, o estudo busca compreender como, no âmbito
do projeto, os processos comunicacionais delineiam as trocas sociais envolvidas.
57
Sobre o assunto ver Lyotard (1998).
58
cultura, que edificavam o pensamento moderno), paralelamente ao intenso
desenvolvimento tecnológico, que permitiu a proliferação das micronarrativas. Com a
queda das grandes narrativas, vão se diluindo os parâmetros relativos à
racionalidade moderna, baseados no progresso científico e nas formas tradicionais
de orientação exercidas pelas instituições sociais, como a escola e o Estado.
Com o deslocamento dos valores tradicionais da posição de referência
central, os discursos institucionais universalizantes que, antes, instruíam e detinham
influência determinante na vida social, dão lugar à crescente presença das
mediações sociotécnicas, das quais participam os grupos sociais e indivíduos.
Com Lyotard (1998), observa-se que a crise dos metarrelatos modernos vem
relativizar a força da mediação das instituições, evidenciando a centralidade da
experiência gerada no universo das práticas sociais cotidianas. Abala-se, assim, a
universalidade dos ideais iluministas fundadores do pensamento moderno, com a
passagem pelas grandes guerras e a falência da burocracia institucional e das
ideologias modernas em solucionar as problemáticas sociais trazidas pela
civilização.
Na atualidade, as micronarrativas são formas típicas da comunicação via
dispositivos veis, como o twitter e os microblogs, ambientes em que os
microrrelatos multiplicam as trocas de informações, com base na síntese e agilidade
dos contatos, por meio dos fluxos de informação nômade que caracterizam o
referido contexto colaborativo. A comunicação por dispositivos móveis configura
espaços de atualização de micronarrativas, formando redes de relacionamento que
reúnem preferências, afinidades e gostos. Redes que abrem, assim, oportunidades
para novos laços sociais, ao mesmo tempo em que remetem a fontes institucionais,
que servem de referência à construção desses relatos.
As formas narrativas respondem pela formação das audiências, na medida
em que capturam a atenção de quem passa, formando vínculos mais ou menos
consistentes. A posição de audiência atualiza os laços sociais, ao modificar a relação
com o outro e o espaço comum; transforma os vínculos sociais com o ambiente,
acontecimentos e fontes tradicionais de informação, dentre elas as
institucionalizadas, como o governo ou a iniciativa privada (GÓMEZ, 2006, p. 91). A
condição de audiência pode relativizar, portanto, as formas de ver o mundo; e ao
legitimar novas expressões e valores, alterar padrões de comportamento, sob a
59
influência da constituição de laços sociais.
Por meio de micronarrativas, que não traduzem respostas universalizantes, ou
paradigmáticas sobre o mundo, mas expressam manifestações particulares
relacionadas ao cotidiano, os espaços sociais interconectam-se na rede, formando
novos agrupamentos em torno de interesses e preferências estéticas. A experiência
ordinária abarca “fragmentos, cruzamentos e micro universos de sentido (VAZ,
2000), e constitui-se enquanto lugar de “[...] afinidades e paixões comuns,
estabelecendo vinculações e formando uma convivência volátil, fluida e híbrida,
esgarçada em relação ao vínculo institucional tradicional”. (VAZ, 2000).
Como meio de interação e mediação social, a situação comunicativa
desenvolve-se intensamente na configuração em rede, sendo as relações sociais
mediadas tecnologicamente ou não. O que chama a atenção na contemporaneidade
é que as redes se complexificam, alterando-se a qualidade, a extensão e a
quantidade de seus s (agentes) e elos (relações). A constituição não linear e
reticular dessa ambiência sociocomunicacional possibilita a construção de formas
não hierarquizadas, frente a novos agenciamentos, oportunidades de abertura de
sentido e multiplicidade de centros mediadores impensáveis nos meios tradicionais.
Mas, reforça-se, aqui, o entendimento de que o espaço híbrido também serve
para acentuar as intenções comunicativas que buscam a homogeneização das
manifestações sociais, promovendo as desigualdades crescentes do sistema
econômico; forças sociais que estimulam a atomização e a funcionalidade dos
processos produtivos, através de estratégias comunicativas vinculadas ao mundo do
trabalho ou às relações sociais cotidianas.
Interesses de grupos sociais são articulados, nas redes sociotécnicas, tanto
com base em parâmetros tradicionais de classe econômica e grupo social, como
também se renovam em agrupamentos instáveis que demarcam territórios efêmeros.
A ação comunicacional não cessa, assim, de servir à busca da atenção alheia, tendo
em vista a questão da visibilidade e o reconhecimento social. Provocar a formação
de audiências, estabelecer contato com universos sociais desconhecidos: o ato
comunicativo constrói, incessantemente, lugares relacionados a audiências
amalgamadas no espaço físico/virtual.
O dinâmico contexto sociocomunicativo da rede revela, entre seus nós, elos
os mais diversos, que podem consistir em abrigos para as mediações temporárias,
60
mas também em moradas para vínculos duradouros, construídas com base em
novos significados, hábitos e valores conferidos ao outro, à cidade e a si mesmo. As
cidades constituem, assim, corredores de informação, crescentemente mediados
pelo uso social das tecnologias de comunicação, que abarcam diferentes modos de
atribuir sentido ao espaço, atualizando a experiência urbana.
2.2 A cidade contemporânea como redes de informação e sentido
A experiência nas cidades contemporâneas está ligada à evolução das
tecnologias de comunicação, que modificam significativamente a vida urbana ao
longo do século XX. Essas tecnologias podem ser vistas como dispositivos culturais
e comunicacionais que geram novas formas de vivenciar o espaço e o tempo.
Conforma-se, por meio delas, uma grande rede de informações que afeta a
construção dos sentidos e a experiência urbana daí resultante
58
.
No século XX, processos sociocomunicacionais importantes determinam a
vida nas cidades, como a acentuação do espaço público midiatizado, a aceleração
da vida e, com ela, a opacidade, que impregna o olhar em seu percurso cotidiano,
frente ao excesso informacional. Como afirma Barros (2005), a velocidade de
deslocamento do indivíduo contemporâneo promove o achatamento da paisagem”.
(BARROS, 2005, p. 82)
Considerando-se o espaço urbano como instância mediadora entre o
simbólico (espaço, portanto, de construção das representações que organizam os
valores culturais) e o imaginário
59
de determinada coletividade; ambiente
58
As tecnologias de comunicação intermediam o rearranjo espacial, mediante a aceleração dos
fluxos materiais e imateriais, o que inviabiliza, na atualidade, a concepção de uma cidade integral,
isto é, delimitada por fronteiras definidas e limites distintos (LIMONAD, 2007). As cidades
contemporâneas constituem-se de lugares articulados por fluxos físicos e informacionais, em que
“as redes sociais, culturais, tecnológicas, institucionais e econômicas se entrecruzam (ou não) e
interagem (ou não) multidimensionalmente com esses sítios, conectando-os intimamente a um
mundo mais amplo” (LIMONAD, 2007, p. 167).
59
Silva (2008) chama a atenção para a importância dos imaginários urbanos como elementos que,
efetivamente, constroem a realidade social. O imaginário, na sua qualidade imaterial, fundamenta
formas simbólicas que ordenam a ocupação do espaço, engendrando os sentidos que organizam a
convivência na cidade. A dimensão cultural e estética do imaginário construído sobre a cidade
reconfigura o espaço físico, ao relacionar os usos concretos da cidade às apropriações tecnológicas
61
caracterizado por uma polifonia comunicativa, a cidade pode ser vista como
dimensão física e simbólica que exacerba o visível e expressa a realidade no espaço
público conformado midiaticamente. A cidade torna-se fenômeno til ao olhar,
revelando a importância estruturante das imagens inscritas no espaço urbano: Não
vemos mais a cidade; a utilizamos. Não mais cidadãos formais, mas também
usuários e consumidores” (BARROS, 2005, p. 82).
Frente ao contexto dinâmico de questionamento das identidades, da
historicidade, dos espaços fixos, do local e do global, é preciso perceber a cidade
como espaço de passagem e mobilidade, que configura identidades em constante
formação, não como lugares definidos por uma memória que instaura a presença do
passado constituído. Ao contrário das cidades modernas, construídas como
estruturas de lugares, marcada pela instalação das fábricas, a vida citadina
contemporânea destaca o deslocamento urbano, o consumo da cultura e da
comunicação (BARROS, 2005).
As grandes cidades caracterizam-se por uma sociabilidade
60
pautada nas
redes de conexões e trocas simbólicas estabelecidas no espaço de fluxos,
priorizando a interatividade e o intercâmbio de informações que supera o espaço
físico, sem, no entanto, eliminar o significado de seus lugares (CASTELLS, 2007).
Ganham notoriedade as expressões sociais do que se define como glocalização da
economia e da cultura
61
, processo acentuado pelo desenvolvimento do capitalismo
tardio, que investiu esforços qualitativos e quantitativos na integração econômica,
do espaço urbano, que funcionam, assim, como “arquivos das cidades imaginadas, de mecanismos
psíquicos de valorização grupal” (SILVA, 2008, p. 205). Mais detalhes a este respeito podem ser
encontrados em: Silva (2008, p. 203-214).
60
O homem pré-histórico vagava em busca de abrigo e alimento, fugindo dos predadores; o
construía, assim, espaços de socialidade. Com as vilas e as cidades, formaram-se, posteriormente,
os espaços de convivência, como as praças das polis - núcleo da democracia grega, onde os
cidadãos se reuniam para tratar dos assuntos de interesse blico. A Idade Média concentrou os
espaços de sociabilidade em seus castelos e mosteiros, situação que o surgimento dos burgos
reverteu, reinstalando a convivência em cidades e vilas e, por fim, nas metrópoles urbanas. O grau
de socialização esteve, até então, relacionado ao espaço físico, até que os equipamentos
eletrônicos introduziram uma sociabilidade à distância. Com a rede e os dispositivos móveis,
permitiu-se o acesso descentralizado às informações, também, por sua vez, descentralizadas.
Nesse contexto, as atividades compartilhadas não se restringem às funções sociais do referido lugar
de acesso, como, por exemplo, no que se refere aos vínculos estabelecidos em redes ligadas a
bibliotecas e universidades contemporâneas (PELLANDA, 2006).
61
O termo glocalização refere-se à presença das instâncias locais na rede globalizada de
informação, o que envolve processos culturais de ruptura, mas também de continuidades e
hibridações que caracterizam as cidades contemporâneas.
62
rompendo com as barreiras locais, para a inserção na lógica do mercado mundial
(SANTAELLA, 2007).
Os processos de comunicação em rede exercem influência central nesse
cenário, na medida em que potencializam a capacidade de interação e hibridação
dos processos econômicos e culturais. No entanto, observa Santaella (2007), não se
trata de analisar o processo sob a influência da lógica de colonização massiva e
homogeneizadora, mas de entendermos como se a formação de “terceiras
culturas(SANTAELLA, 2007, p. 131), incluindo a preservação das identidades, as
trocas e a geração de uma cultura híbrida, em um cenário de intenso fluxo de
informações, bem como de dinheiro, bens e pessoas.
Islas (2004) afirma que o desencantamento com as condições de vida
oferecidas pelas cidades pós-industriais tem levado as pessoas a estabelecerem
novas relações sociais nas ciberurbes, constituídas, cada vez mais, na dimensão
das redes tecnológicas.
Em nossos dias, a convergência digital contribui para estender nossa
condição de cidadania ao completo e incerto cenário da situação do
ciberespaço. Se as cidades pós-industriais admitem ser consideradas como
comunidades mediadoras territoriais da interação social, as cibercidades
poderiam ser definidas como instâncias mediadoras de uma nova interação
simbólica, não territorial. (ISLAS, 2004, tradução nossa)
62
.
Mediante o pressuposto de que, conforme a teoria social, o espaço consiste
em suporte material de práticas sociais de tempo compartilhado, Castells (2007)
enfatiza o sentido simbólico dessas formas de intervenção, incorporado ao suporte
material. No espaço de fluxos de informação que organiza as práticas
contemporâneas de tempo compartilhado, as redes simbólicas guardam lugares de
enunciação correspondentes a referências concretas no espaço físico. Assim, os
fluxos informativos promovem o intercâmbio e interação social entre posições
fisicamente desarticuladas e possibilitam o funcionamento em rede das estruturas
econômica, política e simbólica (CASTELLS, 2007).
Com Certeau (2007, p. 201-202), analisa-se o espaço contemporâneo como
lugar praticado”. De acordo com uma configuração instantânea de posições”, este
62
En nuestros días, la convergencia digital contribuye a extender nuestra condición ciudadana al
complejo e incierto escenario del ciberespacio. Si las ciudades postindustriales admiten ser
consideradas como comunidades mediadoras territoriales de la interacción social, las ciberciudades
podrían ser definidas como instancias mediadoras de una nueva interacción simbólica, no territorial.
63
se faz lugar, definindo-se pela coexistência ordenada. O autor emprega a expressão
“não lugar” para definir o espaço resultante de táticas criadas pelo indivíduo ou
coletivo, frente ao poder estratégico das instituições modernas, como a ciência ou o
Estado. As táticas de sobrevivência associam-se a não lugares, na medida em que
elas podem acontecer no lugar do outro. Essas devem ocupar o território alheio
da estratégia, para se afirmarem, criativamente, frente ao planejamento que sustenta
o ideal do poder totalizante, que tudo pretende organizar e prever. (CERTEAU, 2007,
p. 173).
Assim, construindo trajetórias singulares, os narradores do cotidiano operam
táticas, como formas de sobrevivência, que se diferenciam das estratégias do poder:
Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de força
que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e
poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica)
pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito
como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com
uma exterioridade de alvos ou ameaças... Gesto da modernidade científica,
política ou militar. (CERTEAU, 2007, p. 99).
As táticas, por sua vez, consistem em movimentos de astúcia, ações
determinadas pela ausência de um lugar, a partir de oportunidades abertas na
vigilância da estrutura do poder; implicam movimentos com objetivos momentâneos,
baseados no exercício de um cálculo provisório. O lugar da narrativa tática constrói-
se no espaço, depende dele para gerar sentido. Os deslocamentos fundam lugares
próprios de enunciação, que atravessam o âmbito das estratégias das instituições
sociais, operando na multiplicidade dos enunciados. As táticas são percursos que
devem se deslocar no terreno do outro, para expressar sentidos próprios, traduzidos
em narrativas que servem ao testemunho do cotidiano. O uso do espaço configura-
se, assim, como o terreno fértil das mediações sociais, uma vez considerada a
apropriação da cidade como fator que transforma constantemente o ambiente
urbano. São as diversas leituras e significações geradas no espaço urbano que
permitem a construção dos sentidos coletivos.
64
No compasso acelerado da supermodernidade
63
,
que, paradoxalmente à
abertura econômica do mundo globalizado, restringe o contato espacial, o lugares
constituem-se de relatos contados através das brechas: espaços em que se formam
os sentidos, entre as mediações tradicionais. Na rede, ao mesmo tempo simbólica e
tecnológica, que tudo liga enquanto processo e potencialidade, estes são pontos de
encontros e desencontros constantemente revisitados e modificados, capazes de
gerar, nessas condições, novos vínculos sociais. A capacidade de transformação das
redes está relacionada justamente à intensa processualidade das interações sociais,
mediadas pela tecnologia, nesse ambiente comunicacional que se funde aos lugares
físicos, conformando o espaço urbano.
No espaço urbano, que não se restringe ao físico mas envolve as
apropriações simbólicas, mediadas tecnologicamente ou não, revelam-se valores,
orientam-se e legitimam-se visões de mundo, que deflagram processos subjetivos,
concretizando maneiras de viver.
Nesse sentido,
[...] a lógica construtiva de uma cidade é suporte que se disponibiliza à
comunicação de uma ideologia, de uma utopia, plano ou imagem que,
enquanto mídias, articulam desejos e valores a identificar uma cidade entre
cidades mas, enquanto interação, a cidade vai além das suas aparências ou
massagens midiáticas para se propor como desafio que exige o diálogo
banal, corriqueiro, cotidiano, frágil que constitui a vida e a morte de uma
cidade... (FERRARA, 2002, p. 44).
A caracterização dos usos como fator determinante do contexto urbano leva à
atualização da percepção do ambiente como processualidade inerente à vida nas
cidades. O que diferencia os estágios de uso é a dimensão do controle à total
possibilidade de apropriação do espaço, através da linguagem, implicando o
aumento da taxa de potencial de informação, ou informação não codificada
(FERRARA, 1981). Assim, para a autora, o contexto urbano define-se através do
uso, configurando o lugar; como espaço, em ambientes abertos; ou sinaliza um
63
A expressão é utilizada por Augé (2006), em referência ao período a partir da segunda metade do
século XX, quando a modernidade caracteriza-se pelo excesso de informação, pelas imagens e pelo
individualismo, no seguinte contexto, como definido pelo autor: fim da Guerra Mundial; fracasso
econômico, político e cultural dos países comunistas; condição de aldeia global em função do
desenvolvimento tecnológico (prevista por McLuhan), que é creditada à adoção de uma mesma
economia e língua universal, o inglês; e ainda o fim da História (Fukuyama), decorrente da
associação, em nível mundial, entre economia de mercado e democracia representativa, identificada
como o fim da história das ideias.
65
ambiente intermediário, misto, enquanto espaço e lugar.
O percurso que vai do estágio de um lugar, ao do espaço em aberto, depende
da redução da rigidez do sistema que favorece a mudança na construção dos
sentidos, sempre por meio da relação, ou da mediação estabelecida com este
espaço. A percepção do ambiente urbano modifica-se no contexto dos significados
atribuídos à cidade, na dimensão renovada dos seus usos, que afetam uns aos
outros nas relações sociais. Vista sob esse prisma, a história mantém relação direta
com os usos do espaço urbano; trata-se de escrevê-la com base no cenário
complexo das relações firmadas no e com o espaço urbano, superando clichês e
relações assimétricas ou hierárquicas na classificação dessas percepções e usos.
A história é construída no passado inscrito e atualizado no uso presente, no
ato de apropriação do espaço urbano que, quanto menos autoritário, desautomatiza
a percepção, revelando gestos inusitados e falas genuínas de quem vive na cidade.
São relatos que enunciam formas próprias de viver em determinado tempo histórico;
que afetam e são afetados pelas dinâmicas e processos sociais inscritos no espaço
contemporâneo.
As cidades resultam da convivência diária de seus habitantes, sob influência
marcante dos processos de globalização da informação
64
. Para Wolton (2006),
rompendo com as amarras do desconhecido, essa acirrou a formação de uma
narrativa que organiza a defesa, distanciando as diferenças. Se no contexto massivo
de poucos canais e mensagens, a informação era sinônimo da comunicação, a
globalização da informação, ao contrário de implicar a construção da coabitação,
acentua, no ambiente sociocomunicacional contemporâneo, a incomunicação e o
isolamento.
Quanto mais cresce a globalização da informação, mais se observa a
resistência dos receptores. Amanhã, a comunicação vencerá a informação.
Passaremos da informação à incomunicação, da comunicação à coabitação.
A sociedade da comunicação não é aquela em que tudo se comunica’, este
é o esquema da sociedade da informação. É, ao contrário, aquela em que
entre a informação e a comunicação reconhece-se a importância da
incomunicação e da coabitação. (WOLTON, 2006, p. 151)
64
Dentre as cidades brasileiras, São Paulo é a que melhor exemplifica esse processo. Principal
centro financeiro e mercantil da América Latina, a maior cidade do hemisfério sul é considerada a
14ª mais globalizada do mundo. (PORTAL Exame, 2007).
66
Enquanto os atuais modos de vida reforçam hábitos atomizados de consumo,
alicerçados no valor mercantil, o estatuto da comunicação social está, cada vez
mais, atado à interpelação do outro, ao campo da pluralidade das redes
sociotécnicas, integradas pelas culturas, ou modos de vida que surgem da
convivência urbana. Trata-se não de dizer o que se pretende seja entendido, mas da
criação de espaços mediadores da experiência urbana, da ordem da partilha, da
diversidade sociocultural, espaços legitimadores da incomunicação.
Nas cidades emerge, portanto, um conjunto diverso de informações; mas este
é também o espaço da palavra inegociável, daquilo que não cabe dizer: as cidades
são espaços da incomunicação. Para Wolton (2006), a chamada sociedade da
informação evoluiu pautada na lógica de uma visibilidade estéril, na medida em que
reforçou a defesa das identidades e a incomunicação entre elas
65
. Assim, se a
comunicação é a base do processo de negociação das diferenças no âmbito das
relações sociais, o lugar da incomunicação demarca o território de compreensão do
outro, do encontro possível e da aceitação das diferenças, o patamar mais elevado
da comunicação, enquanto pluralidade de versões sobre a realidade. O pressuposto
da comunicação é de que as redes devem se abrir à diferença como condição
primeira de coabitar, levando-se em conta a diversidade de pensamentos, ações e
conhecimentos sobre o mundo.
Se o ruído e a diferença, provocados por certo grau de descontrole nos
padrões da lógica transmissionista, remetem ao estágio de incomunicação; a
diversificação da mediação sociotécnica, nesses termos, pode criar, em
determinados pontos ou nós da rede, situações comunicativas que favorecem as
relações de coabitação. Isto conforme o recorte das mediações envolvidas, e sob
níveis variáveis quanto ao alcance dessa condição.
65
Segundo informações do jornal Estado de São Paulo, as regiões mais urbanizadas do planeta são
a América Latina e o Caribe, cuja população urbana é de 434.432 milhões. São Paulo, Rio de
Janeiro, Cidade do México e Buenos Aires estão entre as 14 megacidades do mundo. No mundo
globalizado, a desigualdade social é fator de crescente marginalização social, como no continente
latino-americano, que possui 27% da população vivendo em favelas, do total de 117.439 milhões de
habitantes. Observa-se que o atual contexto socioeconômico funciona como fator de discriminação e
fragmentação social, nas grandes cidades brasileiras, acirrando as diferenças e, portanto, as
defesas delas decorrentes. O processo de exclusão social reflete os pressupostos da lógica
mercantil, promovendo o crescimento econômico com base na fragmentação do espaço, em
resposta à especulação imobiliária que direciona as formas de ocupação das grandes cidades.
(REUTERS, 2008).
67
Como explica Pinto (2002), uma vez o signo representando em parte, apenas,
o mundo das coisas, para necessariamente torná-las objetos apreensíveis aos
nossos sentidos; escapa-nos, sempre, à linguagem, uma outra parte dos objetos
primeiros, que o signo jamais pode desvelar inteiramente. Em outras palavras, essa
condição indica a falta, que torna o outro a instância inapreensível,
irremediavelmente fora da explicação totalizante. A fatalidade do ruído invalida,
portanto, a visão transmissionista de controle das informações e,
consequentemente, de completo gerenciamento dos sentidos. Como afirma Pinto
(2002), entre o tudo e o nada, há, portanto, muita coisa, e o que vale é aquilo que
está entre, isto é, o meio acerto e, portanto, o meio errado”. (PINTO, 2002, p. 37)
Da experiência do ruído depende o acerto possível, por meio das vivências
que validam ou refutam as hipóteses sobre as quais elaboramos nossos
pensamentos sobre o mundo. O elemento novo, segundo o autor, ao qual se vincula
o ato criativo, está fundamentalmente associado à oportunidade do erro. Geram-se
novos sentidos, ainda que não revelados, muitas vezes, porque suprimidos dos
discursos institucionalizados, com fins transmissionistas. Assim, a comunicação em
rede pode validar o ruído, potencializá-lo como prática social da ordem da
incomunicação e da coabitação.
De acordo com Pinto (2002),
Num paradigma não linear da comunicação, análogo à noção de texto em
rede, ou hipertexto, o ciclo de feedback pode demorar a ou nunca acontecer
porque a relação entre os nós ou através dos links pode seguir rumos
inesperados por causa de associações mais ou menos impertinentes entre
os objetos e os interpretantes de signos dispostos não em cadeia, mas em
clusters em que a mídia é apenas mais um. Nesse caso, sempre haverá
discrepância porque não há um último objeto a que um signo faz alusão, de
modo anafórico, e nem uma interpretação imediata que a partir do signo se
projeta cataforicamente (PINTO, 2002, p. 38).
Nesse contexto, marcado pela característica da ubiquidade, o ciberespaço é
construído através de espacialidades moventes organizadas através da
montagem
66
, operação de linguagem que permite a apreensão dos resíduos sem
66
Ferrara (2007a) classifica a história do espaço segundo três formas de inscrição que o
caracterizam: proporção, construção e reprodução. A primeira diz respeito à qualidade da simetria,
que demarca a tentativa de representação do espaço, no período renascentista; a construção
reflete, por sua vez, a influência do conhecimento advindo da geometria, que assinala a
construtibilidade do espaço: a desmontagem da hegemonia ortogonal da proporção, com a
possibilidade de hierarquização do espaço e a distinção de seus volumes e movimentos. Guiada
68
sentido aparente, mas que podem produzir correspondências e associações que
se organizam através dela” (FERRARA, 2007b, p. 34).
A montagem é uma forma de organização que viabiliza a construção de um
mosaico de possibilidades cognitivas, em que sínteses entre os mais diversos
pontos, em princípio, díspares, podem ser realizadas, criando associações múltiplas.
Essas conexões detêm, segundo a autora, implicações de ordem estética e
comunicante. Como explica Ferrara (2007a), a montagem comparativa difere-se da
organização que busca enquadrar o espaço, revelando, assim, as contradições, os
conflitos e as diferenças entre os lugares do mundo constitutivos da rede, os quais,
enfatiza-se, neste estudo, são lugares produzidos por mediações sociotécnicas.
Para Ferrara (2007a), enquanto a montagem renascentista enquadrava o
espaço, a montagem comparativa entre os lugares do mundo resulta do confronto
entre realidades e possibilidades de sobrevivência (FERRARA, 2007a, p. 24). A
montagem reconhece igualdades e, principalmente, aponta diferenças conflitantes
que provocam tensões no espaço.
É possível associar a percepção desses resíduos, por meio das associações
hipermidiáticas, à introdução de ruídos na dimensão comunicativa do espaço
urbano. Dessa forma, a partir de Pinto (2002) e Ferrara (2007b), pode-se dizer que o
desenvolvimento de projetos colaborativos, nas redes sociotécnicas, redefine os
territórios informacionais urbanos, delineando espacialidades que passam a integrar
as camadas de experiências, por meio da operação de montagem.
As espacialidades dão visibilidade às formações híbridas resultantes das
interconexões midiáticas, em contextos colaborativos nos quais a visualidade
adquire dimensão marcante. Nessa situação comunicativa, a imagem consiste na
expressão tecnificada de um espaço fragmentado, passível de múltiplas conjunções,
realizadas por meio das possíveis operações de agenciamento sobre seus
elementos.
Proporcionando a condição de visibilidade àquilo que parece sem importância
- ao ruído - ou resíduo, segundo Ferrara (2007b), as espacialidades funcionam como
fator de intermediação que “opera nas camadas mais internas e sutis dos processos
pela mecânica da primeira Revolução Industrial, a reprodução instaura a capacidade técnica de
multiplicação do espaço, para além dos seus limites físicos. Ferrara (2007a, p. 10) enfatiza a
construtibilidade como dimensão central na relação entre as duas outras formas de inscrição do
espaço: “Apreender o espaço da exponenciabilidade proporcional à reprodução técnica supõe
enfrentar sua construtibilidade”.
69
comunicantes do espaço, estabelecendo, nessas camadas ou níveis, o diálogo entre
aqueles resíduos para descobrir o nexo que os pode organizar em montagem”
(FERRARA, 2007b, p. 35). A montagem reconfigura os lugares sociais, ao
contrastá-los no plano físico/informacional; construindo situações comunicativas
sobre as quais este estudo propõe refletir, tendo em vista os percursos urbanos
criados pelo projeto Megafone.net, do qual faz parte o coletivo brasileiro Canal
Motoboy.
2.2.1 Megafone.net: rede de coletivos
A rede Megafone.net
foi criada pelo artista plástico Antoni Abad, com a
participação de um grupo de taxistas do México, em 2004. A partir de então, outros
coletivos urbanos passaram a integrar o projeto. São eles:
- Ciganos (Léon e Lleida - Espanha, 2005);
- Prostitutas (Madri, 2005); Imigrantes nicaraguenses (Costa Rica, 2006);
- Deficientes físicos (Barcelona, 2006), Motoboys de São Paulo (2007)
67
,
Pessoas com mobilidade reduzida (Genebra, 2008) e
- Migrantes e ex-guerrilheiros (Colômbia, 2009)
68
e
- Jovens refugiados Sarahauis (Argélia, 2009).
67
Em junho de 2003, quando Abad esteve no Brasil, para participar de uma exposição na cidade de
Porto Alegre (RS), chamaram a atenção do artista as circunstâncias sociais associadas ao trabalho
dos motoboys, que inspiraram a criação da rede Zexe.net, iniciada, no ano seguinte, com os taxistas
do México. Ele destaca que a problemática social do grupo mexicano assemelha-se à dos
motoboys, incluindo as condições de precariedade e ilegalidade, bem como a recorrência de
acidentes de trânsito envolvendo esses profissionais. Dados obtidos em entrevista por skipe: 24 set.
09.
68
O coletivo colombiano propõe viabilizar o diálogo entre pessoas que saíram do campo, em
decorrência da violência paramilitar neste pais, e ex-integrantes da guerrilha que buscam integrar-
se à sociedade. O projeto visa construir um espaço virtual onde os dois “grupos antagônicos podem
estabelecer diálogo e reconciliação”, de acordo com Abad. No Brasil, a perspectiva, segundo ele, é
de criação de mais um coletivo em São Paulo, formado por deficientes físicos, como feito em
Barcelona e Genebra. Outro coletivo, previsto para dezembro de 2009, envolve a participação de
índios canadenses, “que abandonaram as reservas para morar nas cidades e não conseguem se
adaptar à vida urbana”, nas palavras de Abad. Estima-se que 60% dos jovens indígenas da região
migraram de suas reservas. A intenção é, ainda, iniciar em junho de 2010, na Espanha, a
participação de pessoas com deficiência visual, o que exigirá a adaptação do projeto às
especificidades do referido grupo social. As informações foram obtidas por meio de entrevista
realizada por email com Antoni Abad, em 06 maio 2009 e, em 24 set. 09, por skipe.
70
Desde 1995, o artista catalão desenvolve trabalhos que misturam vídeo-arte e
tecnologia, com emprego das ferramentas interativas e comunicacionais da
Internet
69
. A participação na rede Megafone.net é voluntária. O projeto é iniciado com
o convite do artista aos futuros membros, que recebem os dispositivos veis de
comunicação - integrados por aparelho celular com câmaras fotográfica e de vídeo
integradas, e conexão com a internet - para o registro de suas experiências na
cidade. O contato com os coletivos é motivado pelo interesse do artista quanto à
problemática enfrentada pelo grupo social no contexto urbano. A atuação dos grupos
ocorre durante, em dia, dois a quatro meses; sendo o coletivo brasileiro o mais
duradouro da rede.
Conforme informado por Abad, em entrevista este estudo
70
, a situação dos
motoboys brasileiros e taxistas mexicanos chamaram a sua atenção devido às
condições profissionais adversas e ao preconceito social em relação às categorias
profissionais. Segundo ele, estes grupos o associados, respectivamente, ao
comportamento indevido no trânsito e a delitos - principalmente furtos - cometidos
contra a população.
A situação dos migrantes nicaraguenses destacou-se em função do número
expressivo da população, estigmatizada pelos meios de comunicação do país. O
contato com este coletivo, bem como com o colombiano e o de prostitutas (Madri),
foi intermediado por projetos de cunho social, para os quais o artista foi convidado a
participar. os coletivos de deficientes físicos (Barcelona e Genebra) decorreram
da apresentação, a Abad, de uma pessoa portadora de mobilidade reduzida, que
tinha o hábito de fotografar obstáculos arquitetônicos durante o seu trajeto cotidiano,
o que motivou a criação da rede baseada no mapeamento da condição de
acessibilidade das duas cidades.
71
69
FORÚM Permanente, 2008.
70
Entrevista realizada por telefone, em 12 nov. 2009.
71
Em novembro de 2009, Abad esteve na cidade de São Paulo, participando do evento Mobilefest,
na área de novas tecnologias; quando lançou, no Brasil, o projeto Canal Acessível, para portadores
de deficiência, como feito nas cidades de Genebra (Suíça) e Barcelona (Espanha). O site do evento
informa que o resultado do trabalho, nos dois países, “foi um grande mapa da acessibilidade das
cidades com a precisão do GPS e enriquecidos por fotos tiradas pelos próprios cadeirantes, que
permitiram uma mudança e adaptação dos locais onde foram encontrados problemas”.
(MOBILEFEST, 2009).
71
No início das atividades, os coletivos participam de treinamento técnico
durante o qual recebem instruções sobre as formas de publicação e edição on line
dos registros
72
. Formada por minorias urbanas, a rede objetiva a auto representação
desses grupos sociais, frente a estereótipos a eles atribuídos pelas instituições
midiáticas.
73
Como informado na home page do website:
Desde 2003, megafone.net convida grupos de pessoas em risco de
exclusão social à expressar suas experiências e opiniões em reuniões
presenciais e através do uso de celulares. Ao permitir que os participantes
façam registros de sons e imagens, publicando-os imediatamente na Web,
estes telefones móveis se convertem em megafones digitais, que amplificam
a voz de pessoas e minorias ignoradas ou desfiguradas pelos meios de
comunicação predominantes.
As mediações sociotécnicas da rede Megafone.net são caracterizadas pela
articulação entre as formas de participação do artista plástico Antoni Abad e dos
integrantes dos coletivos, bem como emprego dos recursos multimidiáticos das
mídias locativas e hipermidiáticos da internet. A atuação dos coletivos, formados por
minorias urbanas, é processada com o uso da tecnologia móvel de telefonia celular,
visando a constituição de “um espaço público digital de auto-representação e troca
de conhecimentos na rede”, como afirmado, ainda, na home page. O projeto
constitui-se de relatos
relacionados à experiência urbana, através das mediações
sociotécnicas que pretendemos pesquisar.
A proposta de realização de atividades com um mesmo fim, em função de
interesses comuns, e de forma organizada, constitui esses grupos enquanto
coletivos da rede Megafone.Net. Estes registram, no referido ambiente
sociocomunicacional, relatos multimidiáticos, que aliam recursos de som, imagem e
texto, adotando os mesmos pressupostos sociotécnicos de mediação. Os relatos
72
O encontro envolve a formação de um conselho editorial e a abordagem conceitual do projeto,
etapa em que o artista explica a proposta aos membros do grupo. Antes da reunião, ele se informa
sobre as características do grupo social, priorizando, na ocasião, o incentivo à formação da auto
representação coletiva: “Digo aos participantes que esse é um meio, através do qual eles podem se
organizar para mostrar sua imagem para o resto dos internautas”, sintetiza Abad. O artista considera
que o aprimoramento dos recursos tecnológicos (interface e programa) permitiu a redução do tempo
de capacitação, em relação aos primeiros grupos do projeto, como o Canal Motoboy, por exemplo,
de aproximadamente 45 dias. No coletivo colombiano, um dos mais recentes, foram necessários 15
dias. Informações obtidas em entrevista com Abad por skipe, em 24/09/09.
73
MEGAFONE Net., 2009.
72
refletem as experiências propiciadas pelo uso dos recursos de telefonia móvel e da
internet, retratando as características da rede ampliada dos fluxos informacionais,
propiciada pela integração dos referidos meios. ambientes destinados à
exposição de aspectos do cotidiano urbano, seções de uso particular e espaços de
discussão, com a oportunidade de participação do visitante. As páginas apresentam
as seções integrantes do coletivo, sendo que a estrutura reticular dota de mesma
importância os nós mediadores presentes.
Os coletivos seguem os mesmos pressupostos sociotécnicos do projeto,
porém, a arquitetura da informação modifica-se, incluindo links diferenciados,
conforme as especificidades dos grupos sociais, valores culturais e interesses
particulares de cada um deles. A apropriação do meio é diferenciada dentro de um
mesmo grupo, revelando preferências pessoais, como no coletivo brasileiro, em que
alguns participantes inserem em suas páginas pessoais a possibilidade de
participação externa, por meio de comentários.
As interações sociais revelam singularidades quanto aos usos e apropriações
da rede. Nos coletivos de Deficientes físicos de Barcelona e de Pessoas com
mobilidade reduzida (Genebra), observa-se a ênfase no julgamento dos espaços
urbanos, quanto à adequação às necessidades do grupo social, retratando a
condição apresentada pelos dispositivos de uso público.
Figura 1: Barrera 1 - Jose 05-12-2008 (Deficicentes físicos - Barcelona)
Fonte: Canal Barrera, 2006
73
A tônica de denúncia predomina, no uso da rede, como se observa nas
imagem seguinte, que evidencia os obstáculos do espaço físico aos percursos
urbanos.
74
Figura 2: Barreira 2 Momo 06-06-2008 (Pessoas com mobilidade reduzida
Genebra)
Fonte: Megafone Obstacles, 2009.
Ciganos (Léon e Lleida - Espanha) e Imigrantes nicaraguenses (Costa Rica,
2006) guardam similaridade estética, na apropriação da rede, expondo imagens
sobre o espaço urbano misturadas às da vida íntima. Este traço é marcante em
todos os coletivos.
A imagem seguinte foi registrada no Canal Pla (Ciganos Lleida).
74
As imagens analisadas neste estudo são acompanhadas dos dados registrados no website pelo
produtor do referido conteúdo, tais como: nome do participante, tags, data de publicação e
comentários. (MEGAFONE. OBSTACLES, 2009).
74
Figura 3: Moradia 1
Fonte: Canal Gitano, 2009
No coletivo colombiano, os registros sobre o cotidiano ressaltam,
frequentemente, aspectos sensíveis das vivências cotidianas, conforme apresentado
na Figura 4.
75
Figura 4: Conflito - 2009-10-10 21:36:32
Fonte: Canal Manizales, 2009
75
Associa-se à imagem declaração por meio de áudio, cuja qualidade sonora não possibilita a
compreensão do relato. (CANAL Manizales, 2009).
75
os taxistas (México), prostitutas (Madri) e motoboys (São Paulo)
evidenciam, também, no uso da linguagem multidimiática, o interesse dessas
categorias profissionais em afirmar suas funções sociais nas cidades em que
trabalham, ao mesmo tempo em que as imagens tornam visíveis os âmbitos da
intimidade e do afeto.
Figura 5: Insônia
Fonte: Canal Gitano, 2009
Marcada pelo emprego da linguagem fotográfica, a mediação tecnológica do
projeto Megafone.net envolve o processo de imbricamento da vivência cotidiana de
seus coletivos, na cidade, com o ambiente multimidiático das redes sociotécnicas
76
.
Com o uso do aparelho celular, através de mensagens instantâneas, as duas
experiências justapõem-se, formando um banco de dados integrado por relatos
multifacetados sobre a vida na cidade, que ora remetem ao mundo compartilhado na
vida profissional, ora revelam aspectos subjetivos, levando-nos, durante o percurso
pelo website, ao espaço urbano relacionado ao universo afetivo do participante.
76
Esse aspecto será analisado no Capítulo 4, quando trataremos do processo de produção, pelos
motoboys, de relatos multimidáticos mediados pela rede Megafone.net.
76
Figura 6: Trabalho 1 - “En las mañanas no hay ni un duro”
Finte: Canal Temporal, 2009.
A tecnologia móvel de telefonia celular, aliada aos recursos hipermidiáticos,
possibilita o registro de relatos multimidiaticos e hipertextuais, que oportunizam o
aprofundamento em questões de interesse, conforme o universo semântico criado
pelo coletivo e organizado pela arquitetura da informação do website.
Antoni Abad afirma que o Megafone.net desvia recursos normalmente
destinados à arte para o campo social
77
. Em consonância com essa proposta, a
diversidade cultural
78
é enfatizada pelo projeto, na medida que este confere
visibilidade a diferentes expressões sociais. O ativismo político desenvolve-se como
mediação que articula as manifestações culturais na rede, propiciando a organização
coletiva e a interação de minorias urbanas de diversos países
79
. As trocas
77
ANTROPOSMODERNO, 2008. Sobre esse aspecto, em entrevista realizada por skipe, em
24/09/2009, o artista explicou que a criação da rede decorreu de questionamento pessoal quanto à
concentração social da produção de informações, no âmbito dos meios de comunicação: “Por que os
artistas têm o privilégio de fazer comentários da sua sociedade através de sua produção artística, e
por que isso não poderia ser feito por outras pessoas ou grupos que sofrem discriminação. A maior
parte do que eu encontrava no mundo das artes não me interessava, comentários longe da
realidade.” Por isso, ele buscou, como artista, modelar, construir um dispositivo que poderia servir
para esses coletivos se expressarem. Modelar um dispositivo de comunicação sempre feito com a
gerência de seus participantes”.
78
O projeto destaca a dimensão da diversidade cultural, propiciando a convivência com o "outro" -
mas também o reforço das próprias referências culturais. Nesse contexto, observa-se que a
diversidade cultural pressupõe a interação das diferenças culturais e não a soma dos universos
simbólicos envolvidos.
79
Quanto aos benefícios da ão coletiva na rede, o artista afirma que o principal deles é a
capacidade de articulação do grupo social. “O grupo de quatro ou cinco motoboys sabe o que eles
estão trabalhando. Eles tomam consciência da realidade do grupo. Todos os projetos conseguem
77
comunicativas relacionadas ao espaço urbano cruzam as identidades e
nacionalidades presentes, conformando um meio híbrido de experiências que
oportunizam novos vínculos sociais, para além dos territórios originários
80
.
Figura 7: Trabalho 2 - En el vivero también trabajan muchas mujeres migrantes. Aquí
en la pela de braquea...güegüense 30-12-2006
Fonte: Canal Pegue, 2009
Como visto, as mídias locativas permitem processos de criação de territórios
informacionais, espaços híbridos de controle eletrônico informacional e físico em
mobilidade (LEMOS, 2008). A implicação política dessas mídias, conforme Lemos,
sensibilizar a sociedade... As empresas de comunicação são links que levam as pessoas a visitarem
esses projetos”, enfatiza ele, citando como exemplo a participação do Canal Motoboy em vários
eventos sociais, como decorrência do projeto (Sobre o histórico do grupo e repercussão midiática do
projeto: ver anexo A ). Entrevista concedida pelo artista em 24/09/2009, por skipe.
80
Observa-se que o acesso limitado ao banco de dados do projeto constitui obstáculo ao completo
gerenciamento dos dados coletivos. Conforme Abad, isso se deve à falta de recursos financeiros
para aprimorar o dispositivo, que poderia oferecer maior autonomia de acesso, tratamento e
cruzamento das informações. no primeiro projeto eu achei que os coletivos poderiam se
comunicar e uma maneira de fazer isso era partir das palavras-chave, e que poderia ter um chat. Era
difícil encontrar uma unidade semântica para que eles se comunicassem”, explica o artista,
esclarecendo sobre a intenção de implantar recurso que visa a conexão de participantes de distintas
cidades: “Por exemplo, motoboys do Rio, Porto Alegre; o sistema está preparado para conectar
pessoas do mesmo grupo. Na Colômbia o projeto está só em uma cidade. Mas a ideia partiu de
fazer com grupos interligados em outras cidades... O dispositivo tem muito mais acesso a partes
da administração, como organização de palavras-chave, do que aquele dos motoboys; se
tivéssemos orçamento necessário, poderíamos atualizar o dispositivo para mais possibilidades
administrativas”. No início do projeto, o conteúdo textual era inserido pelo artista e pelo programador
Eugenio Tisselli, mas, com o aprimoramento do dispositivo, os próprios grupos assumiram a função
de classificação semântica dos registros. O coletivo brasileiro foi o primeiro grupo a empregar o
recurso das tags. Entrevista realizada por skipe, em 24/09/09.
78
alia-se, assim, a aspectos urbanísticos e comunicacionais, que, através delas, os
espaços cotidianos são transformados em conjunto de dados, cuja apropriação
social pode resultar em sistemas de vigilância e controle, mas também virem a
constituir ações coletivas, de alcance transformador.
A rede Megafone. net vem possibilitando a coletivos urbanos apresentarem
modos específicos de ver e de viver no espaço de uso comum das cidades
contemporâneas. Trata-se, segundo Antoni Abad, de desenvolver um projeto social
ancorado na organização progressiva dos próprios grupos. O tempo de duração do
projeto depende, portanto, da auto-organização dos coletivos e do interesse dos
grupos em dar continuidade às atividades conjuntas
81
.
Ao discorrer sobre os desdobramentos das atividades, Abad (2008) assume
lugar mediador que visa à progressiva organização dos grupos sociais.
Temos os dois grupos de ciganos que já participaram do projeto na Espanha
e também as prostitutas de Madrid que consideraram que já tinham dito
tudo aquilo que tinham para dizer. No entanto, no caso das pessoas com
mobilidade reduzida de Barcelona, eles criaram um pequeno grupo e uma
associação específica só para dar continuidade ao projeto. Os taxistas do
México, que foi o primeiro projeto desse tipo, criaram a “Fundación
Latinoamericana do Transporte Público” que pretende ter um âmbito latino-
americano. A minha relação com esses grupos que continuam é esporádica
porque eles já organizaram-se. (ABAD, 2008).
82
Desta forma, o processo comunicativo que se desenvolve na referida rede
social pode ser, potencialmente, visto como uma ação de implicações políticas
83
,
uma vez baseada nas narrativas de cidadãos que não tinham, até então, nas mídias
massivas, a oportunidade de produzir e difundir seus próprios discursos, de forma a
compartilhar suas experiências com coletivos urbanos de outros países. A
precariedade das condições de habitação urbana, por exemplo, é destacada na
Figura 8.
81
FORÚM Permanente, 2009.
82
FORÚM Permanente, 2009.
83
O projeto articula práticas de ativismo político, ao problematizar, no contexto da rede social, a
realidade das minorias urbanas integrantes de seus coletivos. No Capítulo 3, será analisada a
relação entre os campos da arte, comunicação e política, no âmbito da proposta.
79
Figura 8: Moradia 2
Fonte: Canal Vivienda, 2009
Esta es una vista panorámica del precario de la Cuenca Norte de Guarari de
Heredia, en el cual yo vivo, en este precário existe una Asociaciòn Pro-
vivienda con el fin de buscar los canales para poder proporcionar a cada
una de las familias que aqui viven una vivienda digna. Cabe mencionar que
en este precário hay familias nicas y ticas. Juntos podremos lograr la meta.
(CANAL VIVIENDA, 2009).
Tendo em vista que as práticas cotidianas partilham as experiências, através
das interações, essas produzem relações da ordem do sensível e, como tal, de
dimensão estética, as quais Rancière (2005) afirma, são eminentemente políticas.
Ao trazer à cena determinado ator, tornando visível o que antes não se mostrava
como linguagem, como na Figura 9, o narrador contemporâneo apresenta, ou torna
aparente, um modo singular de ver o mundo e as formas como esse mundo o afeta.
Torna-se visível a sabedoria de que se constitui a sua própria experiência, o que
dificilmente aconteceria nas formas de comunicação midiática tradicionais.
80
Figura 9: Trabalho Sitio Radio (Taxistas do México)
84
Fonte: Sitio Taxi, 2009
Portanto, a dimensão estética está na base da política, enquanto forma que
partilha o sensível, que diz respeito às regras de distribuição das pessoas e suas
funções em espaços determinados” (SODRÉ, 2006, p. 129). Os escravos, para
Aristóteles, não possuíam cidadania, uma vez que, embora compreendessem a
linguagem, não detinham sua “posse” (SODRÉ, 2006, p. 130). Logo, não alçavam a
condição da fala comum - função elementar à participação na política grega. Seu
conhecimento não era legitimado, uma vez não reconhecido enquanto posse da
palavra, condição de visibilidade, para o exercício da razão.
A atividade política da polis referia-se, assim, ao que se pode apreender pelos
sentidos, o jogo político ligando-se à instância do comum atado à ordem do sensível,
à partilha do que se podia ver ou falar.
Assim como o pastor apascenta (nemein) as ovelhas no campo,
organizando-lhes os lugares, a comunidade constitui-se definindo a
condições de organização da vida de todos, o que abrange os espaços, os
tempos e as formas que podem entrar na partilha do que é comum ao grupo
- e isto já constitui um aspecto essencial ao fenômeno político. (SODRÉ,
2006, p. 129).
Nesse sentido, a exploração do potencial comunicativo das mídias locativas,
por artistas e ativistas, em iniciativas de cunho social, como na rede Megafone.net,
84
Imagem acompanhada de entrevista, via áudio, em que o taxista Sergio Buenrostro, atuante 22
anos na profissão, discorre, dentre outros assuntos, sobre as condições de trabalho, as
circunstâncias de assalto na cidade e a necessidade de organização da categoria. (SITIO Taxi, 2009).
81
possui implicações estéticas e políticas importantes no cenário urbano, conforme
argumenta Lemos.
Para além da publicidade fácil e do marketing das empresas, deve-se
encorajar a produção de conteúdo, a apropriação criativa do espaço urbano,
a atenção para com processos de invasão de privacidade, de controle e de
vigilância. As mídias locativas podem instituir processos de
conexão/compartilhamento/escrita e releitura do espaço urbano. (LEMOS,
2008).
As Figuras 10 e 11 integram o banco de dados do coletivo mais recente da
rede Megafone.net, o de Jovens refugiados Sarahauis (Argélia), criado em outubro
de 2009. O grupo compartilha na rede, principalmente, situações ligadas ao trabalho,
ou relacionadas à paisagem da região, às condições de seus acampamentos, e à
vida cultural e familiar.
Figura 10: Trabalho 4 - Anhabuha 2009-10-12 12:36:52 trabajo
Fonte: Canal Saharaui - trabajo, 2009
As mulheres do coletivo estão presentes, frequentemente, nas fotos; a
participação feminina é singularizada por tag específica
.85
85
Em outubro de 2009, Abad trabalhou com o grupo de jovens refugiados, no deserto de Saara,
82
Figura 11: Mulheres - Megafone3 2009-10-13 10:25:03 mujeres
Fonte: Canal Saharaui - mujeres, 2009
Pode-se dizer que o projeto sinaliza a influência de um movimento artístico
socialmente engajado, que busca construir, através das interações sociais e da
experiência ordinária, processos de organização e auto representação de minorias
urbanas. A mediação dos meios de comunicação móvel vem potencializar a
proposta, permitindo aos coletivos tratarem a cidade como ambiente comunicativo,
com base em seus fluxos de informações, no qual as narrativas sobre a experiência
urbana são construídas e partilhadas no contexto polissêmico da rede.
A proposta da rede Megafone.net reflete, em alguma medida, as
transformações ocorridas no meio artístico a partir da segunda metade do século
XX, que marcam a preocupação com a criação de projetos centrados na participação
do público, sendo a criação concebida para o contexto interativo, lugar onde se
processam as trocas sociais e a diversidade de relatos. A intenção é que o
espectador seja agente do processo, uma vez que confere sentido à obra de arte.
Essa passa a ser vista como um processo comunicativo, privilegiando o diálogo, em
detrimento da autoridade do artista enquanto autor exclusivo da obra
86
.
com uso do sistema wi fi, o que ele caracteriza como avanço significativo para o projeto: Isso quer
dizer que não temos que pagar uma operadora; vamos ver se conseguimos implantar isso no projeto
dos motoboys”, afirmou o artista, em entrevista realizada em 24/09/09, por skipe. O emprego da
tecnologia permite que os coletivos “sejam desenhados para durar a vida toda”, disse, ainda, em
entrevista por telefone, em 12/11/09.
86
Práticas sociais conformadas pelo emprego das mídias locativas correspondem a uma “estética
politicamente orientada” (SANTAELLA, 2008, p. 128), que reflete as novas formas de comunicação,
83
Através das instalações e do emprego das dias digitais, a interação entre o
artista, sua obra e o público passa a ter a sincronicidade da experiência como
princípio estético fundador. Pode-se então falar de participação real e não mental. A
arte cinética oferece numerosos exemplos de obras retroativas e plurissensoriais
que incitam fortemente os espectadores à participação” (COUCHOT, 1997, p. 136).
O pressuposto do descompasso temporal que diferenciava a arte do mundo
ordinário é relativizado pela inserção das novas tecnologias nos processos criativos,
inovação marcada pelo evento da reprodutibilidade das imagens e de maior
possibilidade de acesso, propiciados pela linguagem fotográfica.
A arte parece buscar na prática comunicativa um ponto de encontro
necessário entre o artista e o outro que participa e dá sentido à obra; questiona-se o
lugar estanque das galerias, convocando-se à construção coletiva. Construção
simbólica idealmente sem fins utilitários, a arte instala-se nas ruas e modifica o
espaço das galerias, legitimando o processo comunicativo que visa à interação com
possíveis interlocutores a suas provocações estéticas. A situação comunicativa
demarca, então, um território informacional no espaço urbano, como elemento
mediador entre o artista e seu público.
Lembrando Couchot (1997), o relógio da arte não mais adianta, mas registra o
compasso de processos relacionais que fazem sentido na convergência criativa e
criadora dos mundos da vida, da política, ou da arte
87
. Os ponteiros apontam,
irreversivelmente, ao encontro que faz convergirem os lugares onde vive a
experiência urbana; as cidades podem ser, na arte e na vida, espaços de alteridade
e afetação criadora entre artista, obra e público.
conexão e interação social. A autora explica que as mídias locativas estão ligadas à tradição estética
de ativismo político, cujo legado remete, originalmente, às práticas da land arte, no final dos anos
60, que visavam o protesto contra a artificialidade e comercialização da arte, com o deslocamento
da exposição em galerias para lugares distantes da natureza. A estética situacionista, originada em
1957, tinha o objetivo, por sua vez, de fundir poesia e música e, assim, transformar a paisagem
urbana, através da superação entre arte e cultura, integrando essas instâncias à vida cotidiana. O
movimento criticava o sistema capitalista, com foco na arquitetura e no planejamento urbano, vistos
como instrumentos do poder estatal, responsáveis pela fragmentação da esfera pública. Para
Debord citado por Santaella (2008), seu principal representante, as experiências autênticas estavam
sendo transformadas em espetáculo, e o indivíduo em consumidor passivo.
87
O autor refere-se à consideração do poeta Charles-Pierre Baudelaire (1821/1867) de que a
genialidade do artista antecipa-se à sua época, ou às experiências do homem comum.
Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se
chamam metaphorai. Para ir para o trabalho ou voltar para
casa, toma-se uma “metáfora” - um ônibus ou um trem. Os
relatos poderiam igualmente ter esse belo nome: todo dia,
eles atravessam e organizam lugares; eles selecionam e os
reúnem num só conjunto; deles fazem frases e itinerários.
(CERTEAU, 2007, p. 199)
85
3 CANAL MOTOBOY: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS URBANAS
3.1 Canal Motoboy: coletivo brasileiro da rede Megafone.net
“Motoboys transmitem de seus celulares: 12 Motoboys
88
percorrem espaços
públicos e privados da cidade de São Paulo. Munidos de celulares com câmera
integrada, fotografam, filmam e publicam em tempo real na internet suas
experiências, transformando-se em cronistas de sua própria realidade.” Assim é
apresentado o projeto Canal Motoboy, na homepage do website
89
integrante da rede
Megafone.net. A síntese sobre o projeto enfatiza a linguagem multimidiática e a
participação dos motoboys como narradores do seu cotidiano - aspectos centrais
para se pensar a mediação sociotécnica que conforma as experiências urbanas
produzidas e registradas por este coletivo no Canal Motoboy e que norteiam, por sua
vez, o desenvolvimento desta pesquisa.
O lançamento do projeto no Brasil, em maio de 2007, contou com o apoio,
pelo período de seis meses, do Centro Cultural de São Paulo, Prefeitura Municipal
de São Paulo, Embaixada da Espanha no Brasil, Sociedad Estatal para La Acccion
Cultural Exterior (Sea Cex), Espana Cooperacíon Cultural Exterior, Faap e
Telecentro. Atualmente, o coletivo brasileiro recebe financiamento das entidades:
Centro Cultural da Espanha em São Paulo - Agência de Cooperação Espanhola -
AECID, Instituto Socioambiental, ONG Ação Educativa, Cidade do Conhecimento -
USP e AM3 - Eventos. O patrocínio é restrito a eventos realizados
90
.
O Canal Motoboy é integrado pelos links:
- Canal Dia a Dia (voltado à cena cotidiana);
- Motoboy Ambiental (direcionado às questões do meio ambiente e espaço
88
Embora informado o total de 12 integrantes, na fase inicial o projeto contou com 17 motoboys. O
projeto é o mais duradouro, dentre os participantes da rede.
89
CANAL Motoboy, 2009.
90
A sede do projeto funciona na Ong Ação Educativa, na cidade de São Paulo. Antoni Abad envia,
atualmente, o valor de R$ 80, para custeio da conta telefônica referente ao aparelho celular,
registrada em nome do coordenador do projeto Ronaldo Simão da Costa. Informações obtidas em
entrevista com os coordenadores do projeto, em São Paulo, em 03/10/09.
86
urbano);
- Canal Palavras (constituído de tags, ou etiquetas definidas pelos
integrantes);
- Emissores (links individuais dos motoboys);
- Meios (conteúdos veiculados pela mídia);
- “Fórum” (com participação do visitante por meio de comentários);
- ? (textos e programação paralela) e
- Rede Megafone.net (links com os demais coletivos do projeto).
A foto seguinte integra o link Canal Dia a Dia
91
. A seção oferece um panorama
sobre os vários aspectos envolvidos na relação dos participantes com a cidade. As
situações relacionadas ao trânsito, como na Figura 12, são recorrentes.
Figura 12: Edison (26-03-2009).
Fonte: Edison, 2009
No link Motoboy Ambiental, os integrantes registram imagens que,
geralmente, denunciam circunstâncias problemáticas ligadas ao meio ambiente. As
fotografias exibem as dificuldades atravessadas pelo coletivo, em seus percursos
físicos diários, que provocam acidentes decorrentes da falta de planejamento e da
manutenção inadequada dos equipamentos urbanos.
91
As Figuras 11 a 14 são acompanhadas dos dados registrados no website, pelo produtor do
referido conteúdo, como: nome do participante, tags, data de publicação e comentários textuais. As
falas registradas por meio de áudio foram transcritas, com exceção de trechos avaliados como
redundantes, de forma que não seja comprometida a integridade das informações.
87
Problemas que, pode-se dizer, acirram os conflitos dos motoboys no trânsito,
uma vez que tensionam a relação com os motoristas, motivando manobras
arriscadas e a obstrução das vias urbanas, por exemplo. Estes são aspectos
freqüentemente retomados que expõem a preocupação da categoria profissional
com a qualidade de vida de seus integrantes.
Figura 13: Ronaldo Buraco - 2009-03-27 14:44:15
Fonte: Ronaldo, 2009a
Áudio: Bom dia a todos, eu aqui no 20, da Imigrantes [...] esse buraco
aqui já tá fazendo aniversário. Já fecharam, já abriram e como o asfalto é de
uma ótima qualidade então já aberto de novo. Eu gostaria de saber o por
quê de não fazer um remendo adequado ao buraco, não só tampar o
buraco, fazer o remendo certo, . Por que isso , a gente passa num
buraco desse aí, acaba com a moto, acaba com o carro e a gente paga
IPVA, a gente paga multa, então eu acho que eles têm que gastar o que a
gente paga com melhoria pra população. Valeu. (RONALDO, 2009a)
O ex-motoboy Eliezer Muniz dos Santos participou da fase de elaboração do
projeto no Brasil, junto a Antoni Abad
92
. Em 2007, o artista convidou-o para assumir
o cargo de curador adjunto da Exposição“canal*MOTOBOY: Motoboys Transmitem
de Celulares", realizada no Centro Cultural São Paulo, de 12 de maio a 29 de julho
daquele ano
93
. Graduando-se em Filosofia à época, Muniz atuara à frente de
92
Abad conta que, inicialmente, teve dificuldades para implementar o projeto junto aos motoboys,
devido à intensa rotina profissional. Entrevista realizada com o artista em 24/09/09, por skipe.
93
Ao final da exposição, o coletivo decidiu dar continuidade ao projeto, sob a coordenação dos
integrantes Eliezer Muniz e Ronaldo Simão da Costa. Segundo Muniz, a intenção tornou-se possível
devido à participação dos pesquisadores Augusto Astiel e Keila Muniz dos Santos e, posteriormente,
88
iniciativas em torno da organização da categoria. Embora não exerça a profissão
desde 2002, ele integra o grupo desde o início, dividindo a função de coordenação
com o motoboy Ronaldo Simão da Costa, este, atualmente, coordenador geral do
coletivo.
Segundo Muniz, em entrevista
94
, o filme “12 Trabalhos” (Ricardo Elias, Brasil,
2006), que tem os motoboys no centro da narrativa, foi referência inicial para a
seleção do número de participantes. Também contribuiu para a definição do mero
o fato de Antoni Abad ter trazido da Espanha 10 celulares e comprado mais dois
aparelhos no Brasil.
Foi uma formação natural, portanto, quando sentimos que tínhamos um
grupo, demos início aos trabalhos, não havendo qualquer tipo de seletiva ou
prévia entre os escolhidos. Quem foi convidado e se interessou ficou,
exceto a busca por uma motogirl, que tínhamos colocado como meta, fomos
atrás e achamos uma. (MUNIZ, 2008)
95
De acordo com o integrante da rede, os motoboys pretendem constituir uma
Ong, que funcionará como uma agência de notícias relacionadas à capital paulista
96
.
Desdobramento importante do projeto, a idéia de criar a agência de notícias traduz a
intenção de se construir uma identidade coletiva calcada na atividade de
reportagem, em tempo real, no website. Ao reportar os acontecimentos cotidianos, o
Canal Motoboy assumiria, assim, a posição de fonte de informações atualizadas
do doutorando Matheus Castro. Membro do Núcleo de Antropologia da USP, Astiel apresentou
Muniz à Abad, em 2005, depois que o artista conheceu, via internet, a pesquisa desenvolvida, por
eles, sobre os motoboys paulistas. Ronaldo, por sua vez, foi apresentado a Abad pela artista plástica
Regina Silveira. Foram estabelecidas, ainda, parcerias institucionais que conferissem
sustentabilidade à proposta, encaminhando assim, conforme Muniz, as “demandas surgidas dentro
do grupo em relação à sua categoria profissional; com uma sala multimídia, estrutura e espaços de
reuniões cedidas pela ONG Ação Educativa; com apoio técnico-financeiro por parte do Centro
Cultural da Espanha em São Paulo; e o apoio técnico-jurídico por parte do ISA - Instituto
Socioambiental, ajudando a formular uma proposta de Associação, sem fins lucrativo, ao Projeto”.
Entrevista realizada com Eliezer Muniz por email, em 03/04/2009.
94
Entrevista realizada com Eliezer Muniz, por e-mail, em 02/12/2008.
95
Segundo Eliezer Muniz, a presença feminina é estratégica porque chama a atenção, no meio
profissional, para o respeito aos direitos trabalhistas da categoria, comumente negligenciados. A
participação feminina no projeto reforça as implicações sociais dessas questões no referido
contexto. “Além disso, a presença de uma motogirl chamava a atenção para o fato de que, na
categoria, elas não o vistas, caracterizando uma categoria eminentemente de homens, e não é
verdade”, disse Eliezer Muniz, em entrevista por e-mail, em 02/10/2009.
96
Como informado em entrevista, por e-mail, com Eliezer Muniz, em 04/12/2008.
89
sobre a cidade, através dos relatos de seus integrantes disponibilizados em rede.
97
Por meio de suas experiências urbanas, como “cronistas” do cotidiano
98
, os
integrantes realizam a produção e o registro dos acontecimentos que dizem respeito
ao seu dia-a-dia, e na perspectiva autoral, lançam mão da característica da
mobilidade e da experiência de seus itinerários vários, para formular relatos que
singularizam a rotina profissional.
Ao darem continuidade ao projeto, à frente de sua coordenação desde agosto
de 2007, os motoboys tornam-se agentes, ou justamente respondem pelos nós que
mediam a presença de um pensamento coletivo. A ação pública organizada
desenvolve-se segundo a conjugação, ou hibridização de elementos sociais e
técnicos, que influenciam as relações entre os integrantes do coletivo e deles com a
cidade e seus habitantes.
A participação do coletivo brasileiro na rede Megafone.net é singularizada
pela forma de atuação profissional do grupo social, caracterizada pela intensa
mobilidade espacial. A tecnologia de telefonia móvel, conjugada à estrutura não
linear da internet, acentua a influência central que essa característica detém no
projeto, ao possibilitar a construção de relatos que retratam as vivências e dinâmicas
próprias da vida cotidiana nas cidades contemporâneas.
O resultado é a expressão coletiva, em espaço de acesso público digital, que
visa fazer frente a estereótipos sociais estabelecidos sobre as minorias urbanas
participantes, pelos meios de comunicação tradicionais. Refere-se, neste estudo,
aos processos de produção de sentido que essas práticas comunicativas permitem,
no âmbito do projeto, promovendo a organização, pelos integrantes da rede, da
apresentação de suas experiências urbanas. A ênfase nas práticas compartilhadas,
como mediadoras dos processos sociocomunicacionais, situam tais processos de
troca social no campo das experimentações que constituem as experiência urbanas
de seus integrantes (RODRIGUES, 1997).
97
Embora o coletivo brasileiro tenha obtido penetração significativa nas mídias corporativas e
atraído o interesse de entidades em apoiar a proposta, o principal obstáculo para o desenvolvimento
do projeto e aumento do número de participantes, segundo Abad, consiste em que o grupo ainda
não conseguiu criar uma entidade jurídica, que formalize as parcerias institucionais, para
recebimento de recursos que viabilizem as ações coletivas. Entrevista: 24/09/09, por skipe.
98
Os integrantes são apresentados como cronistas do cotidiano na home page do website: “12
Motoboys percorrem espaços públicos e privados da cidade de o Paulo. Munidos de celulares
com câmera integrada, fotografam, filmam e publicam em tempo real na Internet suas experiências,
transformando-se em cronistas de sua própria realidade.” (CANAL Motoboy, 2009)..
90
Dentre os recursos das mídias locativas, destaca-se no Canal Motoboy a
função de anotação urbana, que possibilita a escrita eletrônica, como na Figura 14,
por indexação instantânea de mensagens (SMS, vídeo, foto) a lugares específicos; e
a função de geotag, que agrega informação digital ao mapa da cidade (LEMOS,
2008).
Figura 14: Lacre 2009-03-20 22:38:23
Fonte: Lacre, 2009
Precisei pedir para relacrarem a placa da moto, porque derrepente apareceu
arrebentada. Por conta deste gasto fique sem dinheiro. Muito Obrigada
!” (LACRE,
2009)
Personagens urbanos aparecem em situações ligadas à sua atuação
profissional. O trabalho desenvolvido nas ruas por deficientes físicos é destacado,
com frequência, neste tipo de registro.
91
Figura 15: Ronaldo Cadeirante - 2009-03-27 14:44:15
Fonte: Ronaldo, 2009c
Áudio:
Entrevistado: Tudo pra deficiente.
Ronaldo: Quando vai ser a feira?
Entrevistado: Dia 2, 3, 4 e 5.
Ronaldo: É uma feira só pra deficiente físico?
Entrevistado: Tudo para deficiente físico, visual, cadeirante [...] e tem
transporte gratuito do Jabacuara.
Ronaldo: Legal, isso aqui indo pro site, mesmo assim eu vou certificar
disso e eu vou passar lá, véio. Falô, fica com Deus. (RONALDO, 2009c)
Com o acentuado crescimento do número de profissionais motoboys, nas
últimas décadas, processo que acompanha a evolução e o dinamismo das grandes
cidades contemporâneas, a imagem da categoria, não raro, ocupa o centro do
conflito entre a aceitação necessária, pela sociedade, de sua função social, e o
questionamento quanto à forma de atuação do grupo no espaço urbano.
Imprudência, excesso de velocidade e desrespeito às regras do trânsito são alguns
dos comportamentos comumente associados aos motoboys nas narrativas
midiáticas tradicionais.
Tais características expõem a categoria a críticas recorrentes,
problematizando as condições de trabalho destes profissionais, bem como os
modelos de planejamento e desenvolvimento vigentes, que comprometem a
qualidade de vida nas cidades brasileiras. Nesse contexto, como afirmado no
website, trata-se de uma experiência colaborativa que fomenta a auto-
representação de coletivos e comunidades que sofrem com os estereótipos
projetados pelos meios de comunicação preponderantes” (CANAL Motoboy, 2009).
92
Na realidade, o coletivo traz à superfície as imagens desgastadas da falência
dos modos e condições de vida de que a cidade dispõe hoje. A mediação que o
projeto exerce, fazendo a ponte entre a categoria profissional e a cidade, é
provocadora, se considerarmos que deflagra problemas coletivos, ao expor os
pontos de vista de trabalhadores que espelham os efeitos do crescimento urbano
acelerado.
Construindo cenas de visibilidade blica, o motoboy registra eventos da vida
ordinária. Devido à condição de mobilidade do coletivo que, por atravessar a cidade,
tem acesso a diversificadas situações urbanas, torna-se possível o registro de cenas
inusitadas, relacionadas ao cotidiano da capital paulista, como na Figura 16.
Figura 16: Ronaldo cidade limpa - 2009-03-13 10:41:29
Fonte: Ronaldo, 2009e
Áudio: Vamos se conscientizar, vamos parar de jogar garrafa Pet na rua,
elas vêm parar tudo aqui, dentro do rio. Pô legal quando o cara vem e vende
o refrigerante naquele puta trânsito né, meu, a gente toma aquela água,
aquele refrigerante gostoso, muitos exageram, tomam até uma cervejinha
né. que, quando tomar esse refrigerante, essa água, deixa dentro do
seu próprio carro a garrafa, quando você chegar num lugar que tenha lixo
você joga, porque a situação do rio não é nada agradável e desse jeito fica
é difícil né, a gente colaborar com a natureza. Vamo pensar nisso né,
uma olhada no rio. (RONALDO, 2009e).
Segundo pesquisa realizada pelo jornalista
Giuliano Cedroni, roteirista do
filme “Vida Loka” - documentário que trata do cotidiano destes profissionais em São
Paulo -, em outubro de 2006, pelo menos dois motoboys morriam por dia na capital,
93
que o pesquisador afirma ser o maior centro de motoboys do mundo
99
.
Informações publicadas no Canal Motoboy reforçam a preocupação da
categoria com as condições de trabalho, como analisado no website do coletivo, em
conteúdo registrado no dia 31 jan. 2008:
[...] impulsionado pelo trânsito caótico das cidades e pela necessidade de
serviços de entregas rápidas, o número de motos no país cresceu 151% em
sete anos. E o de mortes de motociclistas aumentou 83% entre 2002 e
2006. Dados da Polícia Civil de Brasília, citados pelo ministério da Justiça,
mostram que metade dos acidentes na cidade envolvem motos, que, na
maioria, estão entre as faixas. O número de motociclistas mortos em 2006,
de acordo com o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado
na terça-feira, chegou a 6.829. É um número próximo ao de pessoas mortas
em acidentes com carros (7.440), cuja frota é o triplo da de motos. Hoje, os
motociclistas representam 25% das mortes no trânsito e perdem apenas
para os pedestres. (CANAL Motoboy, 2008)
Personagem que viabiliza as trocas materiais e simbólicas diárias, de
espécies as mais diversas, o motoboy estabelece a comunicação entre pontos
dispostos em todas as direções do complexo mapa urbano, espelhando, na
mobilidade excessiva que conforma sua prática profissional, os problemas e
desafios inerentes ao território de uso comum. É o trabalho do motoboy que interliga
interesses particulares. Por seu intermédio, estes passam do estado de dispersão à
comunicação no espaço, portanto, ele pode ser visto como um central da
dinâmica urbana, na medida em que a sua presença nas ruas permeia a vida
econômica e os laços sociais. Pode-se dizer que o motoboy consiste em signo
genuíno da cidade, uma vez que a atividade profissional viabiliza o intenso fluxo
material e informacional que conecta os elementos do espaço urbano.
As vias de acesso público constituem, para o profissional, um espaço com o
qual ele firma uma intimidade; as ruas detêm, acumulam significados que
preenchem de sentido o cotidiano, entre os universos profissional e afetivo; nelas se
constrói um conhecimento próprio - relatos fundados na experiência de conexões
necessariamente rápidas: a cidade precisa funcionar.
99
De acordo com Cedroni, a cidade de Bangcoc (Tailândia) detinha a maior frota de motos do
mundo à época da pesquisa, mas nem todas estavam a serviço. Em o Paulo, a estimativa era de
que 80% eram usadas para trabalho, formando uma frota de 456 mil motos, conforme informações
da indústria automobilística. (CEDRONI, 2008). Estima-se que total de 150 mil motoboys trabalhava
na capital paulista em janeiro de 2008 e, destes, 90% atuavam como profissionais autônomos.
(SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGA DE SÃO PAULO E REGIÃO,
2008).
94
O motoboy personifica o trânsito banal dos interesses e necessidades que
comandam a vida cotidiana. A agilidade exigida de seu desempenho profissional
provoca a estabilidade do lugar do outro, trazendo à superfície o risco da morte. Os
conflitos que centralizam a figura do motoboy colocam à prova a razão de ser dos
centros urbanos; sua presença nas ruas questiona o ideal da convivência, expõe o
esgarçamento dos laços sociais e o desequilíbrio das relações efetivadas com o
espaço coletivo. Os problemas urbanos que atingem a categoria profissional
deflagram o questionamento das próprias condições de vida na cidade,
singularizando, assim, suas experiências.
Criando não lugares na passagem estreita, a mobilidade profissional é,
portanto, signo da cidade praticada por entre caminhos muitas vezes tênues,
territórios abertos entre pontos fixos que precisam se comunicar. As cenas da
urgência cotidiana revelam a cidade sobrecarregada dos imperativos do sistema
econômico, da aceleração imposta às trocas sociais, realizadas por intermédio dos
motoboys. (CERTEAU, 2007)
3.2 Comunicação, arte e política: mediações
3.2.1 Estética e política: cenas do cotidiano
Como visto até aqui, os relatos registrados no website Canal Motoboy
configuram-se através da estratificação de mediações sociais e tecnológicas
presentes no âmbito da rede Megafone.net. A rede é delineada, originalmente, pela
intermediação do artista plástico Antoni Abad, que confere identidade conceitual e
estética à proposta, dirigida a grupos sociais urbanos. Também constituem
instâncias mediadoras: os coletivos participantes, enquanto organizações sociais
que conduzem politicamente as atividades; a atuação de cada integrante, que
modela os processos sociocomunicacionais; e os recursos de comunicação móvel,
conformadores dos modos de percepção e das formas de experiência
compartilhadas.
95
Trata-se de processo de mediação cujas camadas simbólicas promovem a
interface dos campos da arte, da comunicação e da política, com base nos recursos
de comunicação móvel. No contexto comunicativo baseado na participação coletiva,
os relatos produzidos e registrados pelos motoboys geram visibilidade à proposta
concebida pelo artista e levada adiante pelo grupo social, como previsto pelo projeto
no que se refere quanto à autonomia da ação coletiva
100
.
Os recursos de linguagem possibilitam a criação de circunstâncias favoráveis
à afetação entre as práticas artísticas - que sensibilizam para as formas sensíveis da
existência - e as práticas políticas, que, por sua vez, problematizam as condições de
vida em sociedade. A articulação entre essas linhas de forças potencializa ações de
visibilidade pública relacionadas às experiências urbanas dos motoboys paulistas.
Em outras palavras, o processo comunicativo conjuga, através da linguagem,
ações com fins de resistência coletiva e a criação de formas de vida, que geram
espacialidades urbanas na confluência entre as dimensões física e virtual. Santos
(1997) relaciona a espacialidade à situação específica, ou instante das relações
sociais geografizadas
101
. Dependente do espaço para sua realização, a
espacialização reflete também as relações sociais incidentes sobre certo arranjo das
circunstâncias espaciais. A espacialização é produzida por mudanças estruturais ou
funcionais no espaço, por isso, para Santos (1977, p. 73) é sempre o presente, um
presente fugindo”.
Ao manter relação estreita com a criação de espacialidades urbanas, a
linguagem oportuniza a passagem da ordem cotidiana à mudança da cena urbana
normalmente associada ao motoboy, criando novos territórios informacionais, ou
heterotopias de controle informacional (LEMOS, 2008) ligadas ao território físico,
que reconfiguram os laços sociais e os vínculos cotidianos. Rancière (2005) associa
100
Segundo Abad, embora ele não participe diretamente dos projetos, depois da fase inicial, são
realizados contatos periódicos com os grupos, de forma a que ele acompanhe as atividades e sejam
promovidas ações conjuntas. O artista retornou à cidade de São Paulo algumas vezes, para
atividades junto aos motoboys, em eventos afins à proposta da rede Megafone.net. A intenção é
voltar a Colômbia para incentivar a continuidade da rede, em outras cidades. Entrevista concedida
por Abad: 24/09/2009, por skipe.
101
Santos (1997) defende que a geografia consiste em uma ciência dos homens, em vez de ciência
dos lugares. A distinção é particularmente importante neste estudo, porque, nessa perspectiva, o
lugar detém autonomia, como conjunto de objetos que o constitui, mas não quanto à sua
significação. Embora possa continuar esquematicamente o mesmo, este muda conforme as
diferentes situações e funções a ele associadas. O autor enfatiza, assim, a dimensão simbólica das
configurações geográficas, decorrente das distintas formas de inserção humana no espaço.
96
o estatuto da visibilidade, baseado na linguagem, à emergência do fato político: na
medida em que a linguagem permite ver, simbolizando um lugar próprio de fala,
enuncia-se um discurso capaz de provocar um dano, um litígio.
Considera-se que a dimensão estética inscreve uma cisão de ordem política,
interferindo, em alguma medida, no espaço programado por relações sociais
excludentes: tensionando as interações sociais, atualiza a percepção das questões
compartilhadas. A estética deve ser entendida, assim, no contexto
sociocomunicacional delineado por “maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas
maneiras de fazer e modos de reflexão sobre suas relações” (RANCIÈRE, 2005:13).
Ligada à dimensão do sensível, a expressão estética é, portanto, indissociável
do âmbito político da experiência, uma vez funcionando como
[...] um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da
palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo
na política como forma de experiência. A política ocupa-se do que se pode
dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade
para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis do tempo.
(RANCIÈRE, 1996, p. 16)
Sodré (2006) enfatiza a situação política da polis grega para dimensionar a
importância da fala, tendo em vista a afirmação no espaço político. Como o escravo
não tinha a identidade comunitária, explica Sodré (2006, p. 130), a sua 'maneira de
fazer' não é suficiente para torná-lo politicamente visível, isto é, para poder realizar
aquilo que é fundamental à política grega: falar. Razão e palavra abrigam-se numa
mesma palavra: o logos.
A importância do acontecimento político está vinculada ao campo da estética,
na medida em que remete à capacidade de reconfigurar a posição dos interlocutores
na cena constituída tornada visível; a forma sensível conferindo significado à
situação potencialmente litigiosa. Dessa decorre o conflito, ou o desentendimento,
que, como explica Rancière (1996), não se no contexto de desconhecimento ou
ignorância, assim como de mal entendido entre as partes. Ao contrário, o referido
contexto sociocomunicacional implica a existência da circunstância de entendimento,
ou de igualdade, da qual emerge, então, a situação de desigualdade: o
acontecimento político.
O desentendimento ocorre quando os interlocutores estão entendendo e não
entendem a mesma coisa nas mesmas palavras(RANCIÈRE, 1996, p. 12). A
97
interferência da dimensão estética escapa ao controle da cena política habitual, na
medida em que não desloca completamente os elementos partilhados no cotidiano,
mas estabelece o ruído, inscrevendo na cena habitual o elemento incomum e
estranho à percepção, quer dizer, afeta, em alguma medida, os sentidos
estabelecidos para as formas de vida e as relações sociais urbanas.
Provoca-se o dano na cotidianidade, sem, no entanto, suprimir dela ou
transformar, radicalmente, seus modos de vida habituais, mas encenando-se outras
referências que problematizam os pressupostos da convivência, ocasionando
fissuras no espaço convencional. Ao se desarticular os elementos da rede urbana,
associando-os a outros significados, alteram-se os sentidos originalmente
compartilhados
102
.
Essa situação pode ser verificada quando, acionados por pessoas comuns,
dispositivos comunicacionais disponíveis nas redes sociotécnicas são utilizados para
a formulação de cenas sobre questões relacionadas ao dia-a-dia. A apropriação
destes dispositivos de comunicação pode resultar no deslocamento dos elementos
dispostos na rede urbana, tensionando determinado conjunto de relações
incorporadas ao estado de normalidade do sistema.
Os dispositivos de comunicação podem vir a gerar ou potencializar
circunstâncias de recondicionamento das regras de distribuição das pessoas e de
seus papéis, bem como dos espaços e tempos. Isto porque a visibilidade de algum
modo 'precodifica' as posições a serem assumidas por aqueles a quem se destina o
suposto jogo livre da política(SODRÉ, 2006, p. 129), modificando o espaço, que
adquire funções sociais diferentes.
Assim, provavelmente, na contemporaneidade, a instauração de
situações que relativizam a visão unificada do espaço urbano é potencializada nas
redes sociotécnicas, que multiplicam e diversificam as oportunidades de interação
social. Ao permitirem outros usos do espaço, diversificando as práticas sociais,
mediações que articulam ativismo político e práticas comunicacionais buscam tornar
visíveis fluxos informativos que fogem à gica transmissiva da informação
enunciada pelos centros emissores tradicionais. As conexões emergentes dão
102
Rancière (1996) considera a dimensão polêmica da vida em sociedade inerente ao exercício da
política, na medida em que a apresentação do objeto litigioso ocasione a fissura, o desvio da ordem
consensual, igualitária, efetivando-se uma torção no ideal do estado policial, ou democrático. Este,
por princípio, deve empenhar-se em edificar o espaço homogêneo e regulatório, que calcula o
entendimento entre as partes, conforme previsto ao desejável funcionamento do sistema.
98
visibilidade a cenas registradas sobre o espaço urbano plural, traduzido em recortes
específicos, conforme as experiências de determinado grupo social.
Lembrando Certeau (2007), relaciona-se o acontecimento imprevisto, que
escapa ao cálculo generalizante, ao surgimento de práticas que reinventam o
espaço em sua dimensão estética e política.
As práticas cotidianas, fundadas na relação com o ocasional, isto é, no
tempo acidentado, seriam portanto dispersas ao longo da duração, na
situação de atos de pensamento. Gestos permanentes do pensamento.
Assim, eliminar o imprevisto ou expulsá-lo do cálculo como acidente
ilegítimo e perturbador da racionalidade é interdizer a possibilidade de uma
prática viva e “mítica” da cidade. Seria deixar a seus habitantes apenas os
pedaços de uma programação feita pelo poder do outro e alterada pelo
acontecimento. O tempo acidentado é o que se narra no discurso efetivo da
cidade: fábula indeterminada, melhor articulada em cima das práticas
metafóricas e dos lugares estratificados que o império da evidência na
tecnocracia funcionalista. (CERTEAU, 2007, p. 311).
Escapando à fala ordenada, os diferentes modos de viver se fazem presentes
e, assim, experiências ordinárias que sobrevivem do acontecimento ocasional, entre
lugares estratificados pela linearidade instrumentalista, remetem a outros lugares de
enunciação. Experiências na rede virtual, vinculada ao espaço físico, acenam a
capacidade de desviar os percursos instalados sob formas homogêneas de
conceber a vida na cidade, tornando possível a concretização de potenciais formas
de ocupação do espaço urbano.
Sob este ponto de vista, as mediações do projeto Megafone.net interceptam o
plano político, conectando minorias que traduzem, em cenas de acesso comum,
suas impressões sobre as cidades contemporâneas, em diversos contextos urbanos.
Pequenos deslocamentos dos sentidos convencionais são possíveis, na medida em
que os produtores desses conteúdos trazem à cena e assim, revisitam, a imagem da
cidade obstruída, do trânsito caótico, da velocidade e do excesso que caracterizam
as metrópoles contemporâneas - cenas das quais são protagonistas.
Ao testemunhar as condições de vida na cidade, a rede problematiza a
própria condição do grupo social no cenário urbano, ainda que não se trate de um
conjunto de ações completamente premeditadas, em todos os seus
desdobramentos, mas que, justamente pelo seu caráter não totalmente programado,
possa vir a criar modos singulares de observar a cidade e gerar reconhecimento
social.
99
A mediação em rede aponta o caráter ativista do movimento, uma vez que as
expressões estéticas de determinado grupo, conjugadas às manifestações de outras
minorias, retratam cenas urbanas que guardam questões similares - ainda que
situadas em diferentes contextos culturais. Como visto, fundamental à lógica
mercantil, a figura do motoboy serve ao discurso midiático como personagem de
uma cena urbana incômoda - porém banalizada - que denuncia os danos
decorrentes da condição de mobilidade a ele associada e o situa como vilão de seus
procedimentos nas ruas. Por outro lado, no espaço de acesso público da rede
Megafone.net, intensifica-se a interação com o grupo urbano, por meio de conexões
com coletivos de outros países e novos interlocutores.
Como os usos do espaço estão associados à produção dos saberes fundados
na experiência ordinária, novas apropriações engendram os saberes; estes, por sua
vez, rearticulam as apropriações do espaço. Por isso, entende-se que os relatos
produzidos testemunham, na cena midiatizada, um mapa sensível dos lugares
eleitos pelos integrantes do coletivo paulista, ligados às suas vivências urbanas. A
mediação do projeto permite ver, assim, a cidade que o motoboy pratica e conhece,
sob uma perspectiva própria, transformando a paisagem urbana em novos territórios
de informação e sentido.
Santos (1997) diferencia paisagem e espaço, lembrando que este integra
elementos fixos e fluidos, ao refletir os processos sociais e históricos que incidem
sobre a paisagem.
O espaço é a totalidade verdadeira, porque dinâmica, resultado da
geografização da sociedade sobre a configuração territorial. Podem as
formas, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a
sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma
configuração territorial, nos oferecem, no transcurso histórico, espaços
diferentes. (SANTOS, 1997, p. 77).
Já a paisagem
103
, explica o autor, consiste na materialidade formada por
objetos materiais e não materiais; a materialização de um instante da sociedade
definido, primeiramente, pelo alcance da visão, fruto do domínio do visível,
103
Para Santos (1997), a paisagem artificial revela a construção do homem no espaço e a paisagem
natural é aquela ainda não alterada pelo esforço humano. No entanto, o autor pontua que as duas
categorias estão cada vez mais indistintas, que a paisagem natural praticamente não existe mais.
Os lugares são crescentemente objeto de interesse econômico ou político, são históricos, portanto,
sociais, ainda que não fisicamente tocados pelo homem.
100
abarcando volumes, cores, movimentos, odores e sons. A visão depende de onde se
está, ou da posição da qual se avista o recorte espacial, que determina diferentes
escalas para a paisagem. Também a percepção - como processo seletivo de
apreensão; e a interpretação - que gera o conhecimento; constroem a paisagem,
transpondo, portanto, a dimensão da aparência, para conferir significado à
experiência, particularizando a relação com o espaço habitado.
A paisagem urbana constitui conjunto heterogêneo que abarca elementos
naturais e artificiais, cujo arranjo se complexifica conforme a diversidade das formas
de vida social; essa muda sempre, porque resulta de acréscimo e substituições,
herdando da atuação humana - inscrita na sua superfície material, as camadas
temporais que se sobrepõem, como resultado de demandas sociais próprias de
determinado momento histórico. A paisagem urbana é, portanto, cada dia mais
diversa, decorrente da relação complexa entre espaço e processos de produção,
circulação, distribuição e consumo de bens materiais e imateriais.
Concretizadas na dimensão dos usos e apropriações do espaço urbano, as
experiências desdobram-se em novas formas de reconhecimento da cidade,
gerando heterotopias; e de multiplicidades no tempo, movendo-se entre a noção do
tempo real e a dilatação do tempo diferido. Jesus (2006) denomina paisagens
temporais as formas de construir o espaço por meio da representação ou do olhar,
criadas no âmbito de processos midiáticos interativos que redimensionam a relação
de presença. As paisagens temporais reconstroem o espaço, através de
entrecruzamentos de tempo e espaço e suas extensões virtuais.
Nesse sentido, pode-se dizer que a mediação do projeto Megafone.net
apresenta fragmentos da paisagem urbana, em novos arranjos espaço-temporais;
assim, gera recortes simbólicos sobre o cotidiano, reunindo-os no ambiente de
participação coletiva. Transformam-se, nesses termos, as experiências que
conferem sentido ao espaço, interligando-se as dimensões estéticas e política,
através da ação comunicacional.
101
3.2.2 Coletivos: micropolíticas de apropriação do espaço urbano
Os fluxos informativos que circulam nas redes sociotécnicas resultam da ação
humana sobre o espaço; singularizados em certas circunstâncias históricas,
implicam a adoção de pressupostos sociotécnicos comuns. Trata-se, portanto, do
registro de cenas historicamente construídas que entrecruzam linhas de poder,
visibilidade e enunciação, ativadas e mantidas pela ação coletiva.
As relações comunicativas conjugam conteúdos semânticos e práticas de
enunciado, processos de comunicação observáveis no campo da micropolítica
(DELEUZE; GUATARRI, 1996). Essas práticas ativam uma “máquina abstrata”, nas
palavras dos autores, que produz conexões entre os elementos da rede, implicando
a multiplicidade e a não hierarquização como princípios inerentes às relações
estabelecidas. A máquina abstrata fomenta os processos comunicativos,
funcionando no universo de agenciamento contínuo das linhas de força que
compõem o rizoma
104
, e
[...] opera a conexão de uma língua com os conteúdos semânticos e
pragmáticos de enunciados, com agenciamentos coletivos de enunciação,
com toda uma micropolítica do campo social. Um rizoma não cessaria de
conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que
remetem às artes, às ciências, às lutas sociais. (DELEUZE;
GUATTARI,1995, p. 14).
A micropolítica permite a composição de agenciamentos coletivos de
enunciação; interessando-se, portanto, pelo contexto de articulação de linhas de
força
105
e por movimentos de fluxos de informações. Capaz de gerar instabilidades
104
Consideramos que as redes promovem a diversificação dos centros mediadores, e não como
definido no conceito de rizoma, que implica o espaço acentrado em todos os seus domínios e
extensões. No entanto, para a definição do conceito de micropolítica, os pressupostos do rizoma
devem ser mantidos, uma vez que constituem referência central do pensamento dos autores. Para
eles, todo rizoma é constituído de linhas de segmentaridade, que lhe atribuem significado, mas
também de linhas de fuga pelas quais este se desvia das camadas organizadas. O dualismo não
corresponde à natureza do rizoma, uma vez que as configurações são transitórias, relativas a
“determinado produto de uma seleção ativa e temporária a ser recomeçada”. (DELEUZE;
GUATTARRI, 1996, p. 17).
105
Deleuze e Guattari (1996) identificam três tipos de linhas de força: uma linha relativamente
flexível de códigos e de territorialidades entrelaçados, na qual as segmentações de territórios e de
linhagens compõem o espaço social; uma linha dura que opera a organização dual dos segmentos,
a sobrecodificação generalizada: o espaço social implica aqui um aparelho de Estado, e uma ou
102
que resultem em transformações sociais, a micropolítica intensifica as diferenciações
que escapam ao domínio dos jogos de poder.
Ao contrário da condição totalitária,
Os princípios característicos das multipheidades concernem a seus
elementos, que são singularidades; a suas relações, que são devires; a
seus acontecimentos, que são hecceidades (quer dizer, individuações sem
sujeito); a seus espaços-tempos, que são espaços e tempos livres; a seu
modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao modelo da árvore); a
seu plano de composição, que constitui platôs (zonas de intensidade
contínua); aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e
graus de desterritorialização (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 8)
Enquanto a macropolitica pressupõe a análise dos fenômenos em sua
instância binária, os agenciamentos micropolíticos envolvem a dinâmica dos fluxos
de informação, questionando as sobrecodificações e suas reterritorializações
instituídas pelo sistema, no contexto de redes mediadas pela linguagem. As linhas
de força coexistem no espaço; mobilizam os percursos e reorganizam os
procedimentos.
O ambiente reticular da internet, associado ao uso dos recursos
multimidiáticos das mídias locativas, favorece a articulação entre os elementos da
rede, promovendo a multiplicidade dos agenciamentos, através das práticas ubíquas
de apropriação do espaço. Como afirma Weissberg (2004), a justaposição dos
espaços físico e virtual gera o espaço híbrido da rede, que possibilita novas
conexões entre os elementos urbanos.
Sob esse ponto de vista, o espaço de fluxos
106
, que interliga as informações
em rede, produz linhas de fuga que vazam pelas bordas do sistema, através de
novas conexões com o espaço exterior, e ganham força à medida que geram
fissuras, deslocando os elementos. Considera-se que “há sempre um mapa variável
das massas sob a reprodução das classes(DELEUZE; GUATTARRI,1996, p. 93),
vinculado à potência de transbordamento inerente aos processos criativos.
algumas linhas de fuga, definidas por descodificação e desterritorialização, nas quais sempre
algo como uma máquina de guerra em funcionamento (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 94).
106
O termo é cunhado por Manoel Castells, em referência à forma espacial própria às práticas
sociais que modelam a sociedade em rede, abarcando as camadas de suporte material (eletrônica,
centros de comunicação e práticas econômicas), que articulam os campos econômico, político e
simbólico das relações sociais. Mais sobre a perspectiva do autor ver Castells (2007).
103
A cada agenciamento, as dimensões da rede são alteradas. Assume-se a
perspectiva de que não cadeia de significados ou estratos sociais cristalizados, a
tal de ponto de conferir inabalável rigidez ao sistema social, impedindo a ocorrência
de processos de desterritorialização quanto à ordem prevista. Mas, também, da
mesma forma, processos de territorialização coexistem a essas linhas nos espaços
sociais, estratificando-os por posições retrógradas, ratificando, assim, os padrões de
comportamento, segundo determinada orientação de poder macropolítico.
Desta forma, os agenciamentos micropolíticos processam-se em segmentos
sociais constantemente deslocados, uma vez operando no detalhe, no fragmento,
nas dimensões plurais e transitórias de mediação social. Estes agenciamentos
redimensionam as práticas, codificando-as mediante novas conexões estabelecidas.
Enquanto a política opera por julgamentos molares, os micro agenciamentos são
práticas da ordem dos acontecimentos e apreciações moleculares (DELEUZE;
GUATARRI,1996).
A abordagem micropolítica valida a potência de ativação dos fluxos de
informação, por intermédio das redes sociotécnicas, apontando a existência de
linhas de fuga que alteram a configuração dos pontos através de novas relações, e
fundam, assim, novos lugares sociais, por meio da condição de visibilidade pública.
Ativando micropolíticas de apropriação do espaço, movimentos coletivos de
intervenção urbana interligam as práticas artísticas, comunicacionais e políticas
107
. A
vertente estética, vinculada ao contexto artístico; as questões ligadas à alteridade,
que constituem desafios próprios ao pensamento comunicacional; e a defesa de
determinada posição ideológica, que caracteriza a atitude política, recebem sinergia
com o emprego das mídias associadas às redes de comunicação móvel.
Assim, estes agenciamentos respondem por processos coletivos de
construção de sentidos, gerando a atualização dos discursos e práticas sociais.
Gonçalves relaciona os percursos comunicativos acionados por coletividades
temporárias à efetiva possibilidade de articular as relações sociais no campo das
alteridades; problematizando os códigos usuais de comportamento e mobilizando a
107
Segundo Gonçalves (2007), o trabalho dos coletivos é realizado por organizações a partir, pelo
menos, das vanguardas europeias. No princípio dos anos 90 começam a convergir as ações
hacktivistas e de artistas. São desenvolvidas, a partir de então, formas de protesto conjugando, ou
não, as mediações das redes virtuais, mídias diversas e intervenções em espaços públicos. As
iniciativas baseadas em projetos de arte e “ciberativismo” reúnem programadores de software e
hackers e atualizam propostas artísticas ligadas à apropriação da cidade, como os movimentos
dadaísta e situacionista, promovidos na década de 60 (GONÇALVES, 2007).
104
capacidade inventiva no espaço de uso comum.
Na atualidade, agenciamentos de forças originadas de diferentes campos
sociais não afirmam, necessariamente, ações formais, ou implicam o engajamento
permanente de seus integrantes; mas, sobretudo, demonstram formas de
pertencimento a grupos que desejam transformar aspectos da vida social que lhes
dizem respeito, aproximando visões de mundo afins.
Na visão de Gonçalves (2007),
Esses grupos - chamados coletivos são constituídos por ativistas,
intelectuais, estudantes, artistas e pessoas comuns que começaram a se
mobilizar e a usar taticamente antigos e novos meios para difundir e
compartilhar ações, experiências e obras artísticas que constituem -
claramente ou não - formas de resistência temporárias e nômades,
apoiadas em redes de comunicação. (GONÇALVES, 2007).
Originados no meio artístico
108
, estes movimentos assumem caráter social,
nos quais o compromisso com a crítica da contracultura não mais constitui seu eixo
de desenvolvimento. A obra desmaterializa-se do objeto, mesclando-se a outras
referências estéticas e conceituais
109
. Propostas coletivas baseadas em redes de
comunicação
110
evidenciam a ampla capacidade de compartilhamento de
informações das tecnologias interativas, através das quais o artista assume lugar
estratégico de mediação no processo comunicativo. Enquanto agenciador das
articulações sociais, ele “[...] perde o 'monopólio' da criação no contexto dessas
obras/ações que seriam a um tempo, arte e pensamento, táticas conceituais
(GONÇALVES, 2007).
Verifica-se que a tecnologia mistura linguagens e agrupa diferentes coletivos
em torno de interesses comuns, sendo incorporada não necessariamente a projetos
duradouros, ligados ao estatuto moderno da classe social ou à formalização
108
Lemos (2007b) relaciona as práticas realizadas com dispositivos móveis às situações geradas
pelos propostas dos movimentos situacionista, dadaísta e surrealista, na medida em que as mídias e
os territórios informacionais atualizam formas de deriva pelo espaço urbano, promovendo a
apropriação e transformação deste.
109
O trabalho colaborativo é realizado no campo da arte desde o início das vanguardas europeias
(ROSAS apud GONÇALVES, 2007), porém, o que se destaca no atual cenário é a crescente
associação das tecnologias comunicativas às ações artísticas de cunho social.
110
Gonçalves (2007) destaca os movimentos anti-globalização (Seattle, USA, 1999) e o Movimento
Zapatista (Chiapas, México, 2001), além de redes artísticas como a Rijksakademie Artist´s Initiative
Network (RAIN) e a Res Artis, e os festivais internacionais de Mídia Tática, Mídia Independente e de
Arte Midiática.
105
universalista que demarca certa posição, valores ou ação política planejada. Mas,
talvez, seja a representação coletiva que, primeiramente, busca juntar-se ao outro,
tendo em vista sustentar determinada identidade possível frente ao excesso de
informações, explorando os recursos de linguagem e oportunidades de expressão
abertas na rede para a manifestação particularizada de ideias, afetos e aspirações,
que dizem respeito a determinado lugar social, provisório ou não
111
.
Importa, aqui, pensar os meios de comunicação como espaços de
aproximação social, frente à fragmentação e aceleração da vida na cidade,
relacionando a identidade à busca do sentimento do espaço comum, dos modos de
inclusão social e de novas formas de expressão da cidadania. Nesse sentido, a
despeito de ter sido formulada em contexto sociocomunicacional anterior, considera-
se elucidativa a perspectiva de Maffesoli (1999), no atual cenário das práticas
intermidiáticas e ubíquas, ligadas ao espaço urbano, que incentivam a criação de
comunidades, propiciando experiências de compartilhamento e debate de
informações. Na visão do autor, essas experiências exemplificam situações
comunicativas nas quais se identificam potências simbólicas que consistem em
fatores essenciais de coesão e organização social, a partir de determinado
imaginário cultural.
A rede constitui, portanto, segundo o autor, mecanismo de estabilidade, mas
também de renovação das formas sociais em torno de experiências caracterizadas
pelo hedonismo coletivo. Essas experiências acompanham o desenvolvimento dos
recursos colaborativos de comunicação, que expandem a convivência social em
torno de valores comuns, mas também da descoberta de novos modos de expressão
social.
O autor compara a concepção moderna da política com as manifestações de
multiplicidade social acentuadas pelo desenvolvimento tecnológico, para defender a
prevalência do âmbito emocional sobre o racionalismo nas relações sociais
contemporâneas. Nesse contexto, as rupturas pontuais ou os pequenos
deslocamentos exerceriam força simbólica que estruturam a convivência, conferindo
integridade aos grupos sociais. Para Maffesoli (2005), trata-se do fenômeno da
111
Maffesoli (1999) reconhece a importância crescente das forças que atuam no cotidiano e
respondem pela socialidade e partilha simbólica, de forma contundente, defendendo a diferença
entre poder e potência, esta determinante das relações: “Subterrânea, cristaliza o jogo social de
vontades e de interesses. Determina o poder”. (MAFFESOLI, 1999, p. 22)
106
“transfiguração do político”, em que “o instante, a oportunidade, o momento vivido,
representam a alternativa absoluta à filosofia da história ou do progresso lentamente
elaborada ao longo da modernidade” (MAFFESOLI, 2005, p. 149).
Sob este ponto de vista, privilegiando a criação de socialidades baseadas na
multiplicidade de expressões, contagiadas pelo sentimento de partilha, os coletivos,
de certa forma, colocam em questão as formas sociais vinculadas ao sistema
hierárquico moderno, que se caracteriza por administrar as práticas com base na
utilidade e unidade sociais. A transfiguração do político marca uma época cujas
coletividades retomam aspectos característicos da pré-modernidade, que privilegiam
o sentimento de vinculação social, como explica Maffesoli (2005), para retomar o
termo mais clássico, de uma solidariedade orgânica de contornos pouco precisos,
mas cuja eficácia e resistência não podem ser negligenciados”. (MAFFESOLI, 2005,
p. 183).
A potência e a sinergia alcançada por esses movimentos, para o bem ou para
o mal da humanidade, reside mais na sua capacidade de resistência, baseada em
práticas de dissimulação e consentimento, em rituais cotidianos de aceitação e
afirmação do que se é, do que na ação política que se desenvolve em função do
pensamento abstrato moderno. Trata-se da ação baseada no sincretismo de forças,
em vez da separação estanque entre as categorias de pensamento, que vise a
adoção de projeto único, ligado ao progresso, disciplina e ordem, por meio do poder
organizado (MAFFESOLI, 2005).
Em vez da ordem mecânica que instaura o cotidiano regular, uniforme e
produtivo, a atualidade estaria mostrando mais a busca da intensidade do momento,
resultante da atividade coletiva presente.
Para o autor,
o Estado-nação moderno implica a administração de alto para baixo ou do
centro para a periferia... O desenvolvimento tecnológico veio coroar a
desmontagem desse sistema hierárquico. O uno perde terreno para a
diversidade. As relações tornam-se policêntricas. A comunicação deixa de
ser unilateral. O receptor torna-se também emissor. A interatividade substitui
as trocas dirigidas. Internet representa uma ruptura em relação à ordem
estabelecida. A representação cede cada vez mais lugar à participação. A
política tradicional perde terreno. Internet cria comunidades virtuais.
(MAFFESOLI, 1999, p. 21).
107
Importa aqui pensar os coletivos urbanos, que empregam as tecnologias de
comunicação móvel, como práticas de reconfiguração do espaço de ação política,
uma vez tensionando rotinas, percepções e hábitos, com a criação de micropolíticas
que rearticulam os percursos usuais. Práticas que reconfiguram as interações
sociais em novos recortes espaço-temporais, que conectam linhas de força de
dimensão estética e, portanto, de cunho político. Nesse contexto comunicativo, são
observadas as experiências dos motoboys integrantes da rede Megafone.net, cujos
relatos guardam relação direta com a condição de mobilidade do coletivo, que
interliga os territórios, em suas dimensões física e simbólica.
3.2.3 Mobilidade e experiência urbana: interações
Os relatos dos motoboys da rede Megafone.net acompanham e redefinem o
arranjo espacial das interações sociais de que participa o grupo, na cidade de São
Paulo. Na rede, forma-se uma trama dinâmica de relações estabelecidas com o
espaço, que se atualizam pela lógica das conexões (KASTRUP, 2004). Os relatos
correspondem e alteram, portanto, a configuração dos itinerários efetuados,
rearticulando os pontos físicos da cidade e seus habitantes.
A mobilidade física singulariza as vivências dos motoboys, ao relacionar os
percursos em um mapa dinâmico, de roteiros renováveis, associados às vivências
destes profissionais. As experiências que dizem respeito à relação com o espaço
urbano tornam-se dela uma extensão, redimensionando, na rede, a atuação
profissional, por intermédio dos dispositivos de comunicação móvel. Considera-se a
experiência urbana como fruto das vivências cotidianas (RODRIGUES, 1999), cujas
interações sociais fomentam a circulação de informações, em decorrência de
práticas operadas na confluência entre os ambientes físico e virtual. Reforçam-se na
rede as relações estabelecidas no espaço físico, criando-se novos vínculos
(WEISSBERG, 2004).
Os itinerários através dos quais o profissional relaciona-se com a paisagem
urbana são conectados pela condição de mobilidade espacial, elemento central,
portanto, para a compreensão de suas vivências e usos do espaço. Se os territórios
108
físicos expressam práticas que revelam, em micro escalas, modos de escritura
próprios; territórios de controle informacional (LEMOS, 2008) reverberam questões
relacionadas aos usos do espaço, ou que dizem respeito às apropriações sociais,
ligadas às interações que compõem a trama do cotidiano.
Como o espaço é o resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da
paisagem com a sociedade através da espacialidade (SANTOS, 1997, p. 73),
tomando-se como pressuposto que o espaço mantém relação direta com as práticas
sociais e as relações produtivas que o constituem, pode-se relacionar a mobilidade
compulsória, característica da atuação do motoboy, com a geração de
espacialidades urbanas, na medida em que essas, ao incidirem sobre o espaço,
modificam seus contornos.
Enquanto a paisagem é relativamente estável, a espacialização é processo
dinâmico, circunstancial, resultante de mudanças funcionais ou estruturais; como
nos diz Santos (1997), e o espaço, por sua vez, corresponde à sociedade
encaixada na paisagem, a vida que palpita conjuntamente com a materialidade”.
(SANTOS, 1997, p. 73). Assim, operações de espacialização incidem, através da
condição de mobilidade, sobre determinado arranjo espacial. Modos de estar e
interagir na cidade emergem dessas práticas de deslocamento, que organizam as
experiências coletivas. A mobilidade agencia as dinâmicas sociais e interfere nas
formas de percepção do espaço urbano.
Sob este prisma, os percursos constituem ações concretas que legitimam
lugares de experiência; potências criativas, logo, geradoras de outras
espacialidades. Certeau (2007) aborda as cidades como espaços de mobilidade,
enquanto percurso, uso e criação sociais, que têm no “passo”, no caminhar dos seus
habitantes, o elemento que funda o local. Nessa perspectiva, as camadas de
experiências reagem ao planejamento estratégico que representa a cidade enquanto
conjunto homogêneo e previsível, consequentemente, ordenável.
Conforme explica o autor: “O ato de caminhar parece, portanto, encontrar uma
primeira definição como espaço de enunciação”, ou ainda, como “modos de usar o
sistema (CERTEAU, 2007, p. 177). As ações realizadas no contexto urbano
compreendem usos que transformam os percursos; abrangem linhas de
deslocamento sobre as quais se articulam permanentemente as trocas sociais,
expressões culturais que traduzem o cotidiano, trocas comunicativas e crenças que
109
sustentam as experiências urbanas.
As trocas cotidianas alicerçam-se em interações banais - sem importância
para os discursos históricos, inúteis ao modelo turístico e a pretensões
monumentais, enfim, aos parâmetros apropriados ao imaginário da cidade ideal.
Nesse sentido, a cidade consiste em espaço de práticas que fogem a utopias
generalizantes, e cujo mapa em aberto absorve o elemento imprevisto, criando
modos concretos de viver junto. O espaço urbano abriga, portanto, resistências que
se manifestam no plano mínimo da ação cotidiana, embutidas na profusão das
imagens de que se constitui a paisagem urbana e nas cenas que revelam a cidade e
seus acontecimentos de uma perspectiva própria.
Se o ordenamento do espaço enfatiza a funcionalidade e o controle das
operações sociais a ele delegadas; por outro lado, o emprego dos recursos de
comunicação vel, conforme as mediações sociais que intervêm no processo
comunicativo, potencializa, dependendo dos usos sociais, o surgimento de situações
que deslocam os elementos da rede urbana, criando linhas de fuga momentâneas e,
possivelmente, geradoras de outros percursos. Certeau (2007) relaciona a este
processo de apropriação social o discurso relativo ao lugar/não lugar (ou origem) da
existência concreta, um relato bricolado com elementos tirados de lugares comuns,
uma história alusiva e fragmentária cujos buracos se encaixam nas práticas sociais
que simboliza” (CERTEAU, 2007, p. 182).
É preciso considerar que a mobilidade compulsória, que caracteriza os
percursos urbanos realizados pelos motoboys, privilegia o acesso a cenas
inapreensíveis à maioria dos habitantes da cidade; de certa forma, atravessar a
cidade implica lidar com o elemento imprevisto, atuar na zona heterogênea que
demarca o espaço social. A atuação profissional exige o deslocamento urgente:
prática nômade vinculada à sobrevivência, que organiza as transações materiais
realizadas.
Nesse sentido, a diversificada rede de interações das quais o motoboy é
protagonista
112
viabiliza os vínculos sociais dela resultantes. Assim, pode-se dizer
112
Embora a atividade dos motoboys seja exercida antes de 2003, só neste ano a categoria
profissional é reconhecida no país, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. De acordo com a
Classificação Brasileira de Ocupações, registro nº 5191-10, os motoboys "coletam e entregam
documentos, valores, mercadorias e encomendas. Realizam serviços de pagamento e cobrança,
roteirizam entregas e coletas. Localizam e conferem destinatários e endereços, emitem e coletam
recibos do material transportado. Preenchem protocolos, conduzem e consertam veículos”.
110
que a mediação do projeto Megafone.net potencializa a versatilidade do grupo
social, por meio dos recursos de comunicação vel e da internet. O espaço urbano
é redimensionado em novas conexões que, em micro escalas, acentuam os
deslocamentos vivenciados na cidade, em um espaço-tempo virtualizado.
Ao engendrar a forma operacional das mediações sociotécnicas envolvidas
na rede Megafone.net, a condição de mobilidade influencia também na organização
do grupo. Com base em suas experiências urbanas, os motoboys formulam relatos
que podem ser vistos como formas concretas de atuação coletiva sobre o espaço,
consideradas as conflitantes condições de trabalho vivenciadas pela categoria
profissional na maior cidade do país
113
.
Observa-se que o exercício da profissão envolve esforços práticos de
organização dos percursos físicos. A crescente exigência de aceleração do ritmo de
trabalho é fator determinante do desempenho individual, do qual depende, em última
instância, o retorno financeiro dos esforços - físico e imaterial - despendidos. O
exercício da atividade de motofrete (nome oficial da referida ocupação) insere-se no
atual contexto trabalhista de progressiva desregulamentação profissional, fator que
contribui para agravar as recorrentes situações de risco a que está exposto o grupo
social, refletindo a acentuada concentração de renda e as desigualdades
econômicas presentes nas metrópoles brasileiras.
Assim, a informalidade profissional demarca a inclusão dos motoboys no
mundo do trabalho. Os trajetos construídos na rede física/virtual resultam, portanto,
das condições socioeconômicas e políticas que condicionam os usos do espaço
urbano, mas também podem revelar brechas na experiência cotidiana, uma vez
estabelecendo conexões imprevistas entre seus elementos. Nessa perspectiva, a
(BRASIL, 2009).
113
Segundo conclusões apresentadas em relatório da Companhia de Engenharia e Tráfego (CET),
“Motocicletas: Evolução do número em circulação, acidentes e vítimas 2000 a 2005”, no referido
período, em São Paulo, “enquanto a frota de motos registrada pelo Detran ou o volume de motos
nos horários de pico giram em torno dos 10% de participação sobre o total de veículos (2005), os
índices de participação das motos em todos os tipos de acidentes analisados (com vítimas,
atropelamentos, fatais) ou de mortes de motociclistas quase sempre permeiam a casa dos 25%”.
Sobre os acidentes registrados neste período, a pesquisa conclui ainda que “a gravidade dos
acidentes envolvendo veículos de duas rodas é normalmente maior do que os acidentes envolvendo
os demais veículos. Durante o período analisado (neste caso de 2000 a 2006), em média, um
motociclista morreu por dia nas ruas de o Paulo”. O relatório foi divulgado em janeiro de 2008.
(
COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO, 2008).
O jornal
Folha de S. Paulo
divulgou, na edição de 05/07/2009, que, em dez anos, a frota de motos no país quadruplicou, e as
mortes de motociclistas aumentaram mais de 800%. (FOLHA de S. Paulo, 2009).
111
acentuada mobilidade, inerente às práticas cotidianas, intervém no quadro de
normalidade das trocas sociais, como vetor que desvia os fluxos informativos, de
forma a propiciar, no campo da produção simbólica, a construção dos sentidos para
as suas vivências.
Operam-se micro agenciamentos que reinserem os acontecimentos em
espaços intersticiais, cujas fronteiras se misturam através das conexões em rede.
Em princípio, a mediação tende a provocar a formação de um campo de forças que
vem problematizar os parâmetros do olhar normalmente dirigido ao grupo social e às
relações com a cidade, com base na condição de mobilidade do coletivo.
As experiências dos motoboys da rede Megafone.net exemplificam como a
grande rede urbana sedimenta os sentidos gerados na diversidade de relatos sobre
o cotidiano. Enunciados presentes nos variados territórios simbólicos que compõem
a cidade agenciam a multiplicidade de intenções, sensibilidades e atitudes banais
que dela fazem parte. Compartilhados na rede, estes relatos tornam visíveis as falas
de pessoas comuns, que narram o cotidiano, com base em suas experiências de
vida.
3.3 Canal Motoboy: “cronistas do cotidiano”
3.3.1. Relatos de experiências urbanas
A autonomeação, pelos integrantes do coletivo paulista Canal Motoboy, como
cronistas do cotidiano, distingue a participação do grupo na rede Megafone.net
114.
Nota-se, neste ponto, a assunção de uma forma de enunciação que referencia a
prática coletiva. Caracterizar os relatos do website como crônicas localiza a atuação
organizada do grupo social, no espaço simbólico atrelado ao testemunho do
114
Como informa o website: “12 Motoboys percorrem espaços públicos e privados da cidade de São
Paulo. Munidos de celulares com câmera integrada, fotografam, filmam e publicam em tempo real
na Internet suas experiências, transformando-se em cronistas de sua própria realidade”. (CANAL
Motoboy, 2009).
112
cotidiano
115
.
O website apresenta relatos datados sobre a cidade, não relacionados ao
espaço físico, mas que, sobretudo, revelam a cidade experienciada, em que o
participante da rede social registra cenas de sua vida íntima, com a presença da
família e em momentos de lazer e trabalho. Trata-se, portanto, de fragmentos da
vida cotidiana que dirigem a cena midiatizada a aspectos da vida na cidade de São
Paulo, tal como percebida pelos motoboys.
O contexto urbano em que se insere a produção destes relatos mostra-se
progressivamente paradoxal, como nos explica Lipovetsky (2007), gerando situações
extremas, que afetam a experiência nas grandes metrópoles, ao longo do século XX.
A experiência não mais se concentra nos tradicionais espaços de sociabilidade, mas
compreende trocas sociais cada vez mais pluralizadas e dispersas em redes
urbanas de informação, intensificando-se a sensação do risco, com a relativização
dos valores tradicionais. O autor relaciona esses sintomas, na contemporaneidade,
aos chamados “tempos hipermodernos”, nos quais se abalam as referências dos
grandes relatos, como os da ciência e do Estado. No entanto, segundo o autor, a
hipermodernidade acentua, assim, os ditames do mercado, da tecnociência e do
individualismo.
Por outro lado, Maffesoli (2005) credita às formas coletivas que se expandem
na atualidade justamente a força vital oposta ao individualismo moderno, uma vez
que este é suplantado pelo contágio dos sentimentos compartilhados - alicerce dos
rituais cotidianos e dos modos de estar junto contemporâneos
116
. Na sua visão, as
influências mercantilistas sobre as formas de vida servem - mais do que para
promover o controle das expressões do indivíduo que se isola do outro - à
sedimentação do universo simbólico, referente a práticas concretas de partilha e
criação do momento presente.
115
A autonomeação como cronistas é ressaltada, neste estudo, para contextualizar o sentido do
termo no projeto, como lugar de enunciação assumido publicamente por seus integrantes. Observa-
se que a apropriação do termo, pela ão coletiva, configura-se de forma a referenciar a proposta e
seus objetivos; mas é delineada em ambiente discursivo distinto daquele formalmente associado ao
gênero jornalístico, por meio de fragmentos audiovisuais e textuais.
116
Defendendo que a participação estética sobrepõe-se, cada vez mais, à exacerbação do
individualismo, o autor argumenta que, embora este sirva de suporte ao processo coletivo, é, no
entanto, superado pela dimensão da empatia e harmonização das diferenças, que marca a
experiência contemporânea: O retorno do sensível “justifica a identificação ou participação estética,
no sentido mais amplo do termo, a transmissão das emoções opera-se pelo viés do sentido”
(MAFFESOLI, 2005, p. 202).
113
A experiência urbana é situada, nesse contexto, no universo das práticas de
linguagem e das interações comunicacionais: relatos que propiciam o
compartilhamento da vida ordinária, baseada na sabedoria advinda das experiências
comuns. As redes de comunicação acenam a possibilidade de institucionalizar-se,
em alguma medida, no âmbito do discurso coletivo, este vinculado à determinada
ação política, resultante, portanto, de processos sociais de dimensão estética.
Os relatos difundidos nas redes sociais contemporâneas trazem à cena
midiática o mundo heterogêneo e a pluralidade dos papéis sociais. Murray (2003)
explica que o mundo contemporâneo não mais legitima a grande narrativa capaz de
conferir uma única e válida explicação para a realidade, mas demanda, ao contrário,
a multiplicidade e a coexistência de várias versões. O gesto de alcance comunitário
parece traduzir os percursos de grupos sociais organizados, em favor da construção
de determinada narrativa que os posicione frente à profusão dos relatos que
emergem no espaço urbano
Os relatos sobre a experiência urbana conformam, na rede, a diversidade de
enunciados e, como afirma Murray (2003), tal possibilidade reflete a estrutura aberta
do ambiente comunicativo, originando narrativas que se entrecruzam e aprofundam
pontos de vista, privilegiando visões de mundo particulares. No contexto
multimidiático, hipermidiático e coletivo, narrativas fundamentadas em textos
multiformes possibilitam, assim, a pesquisa, o envio de sugestões ou a criação de
narrativas próprias (MURRAY, 2003).
Murray explica que, como o computador é um meio procedimental, não a
limitação a descrever ou observar padrões de comportamento, como no texto
impresso ou filme, por exemplo. Nesse meio participativo, a colaboração no
processo de construção dos relatos permite aos participantes explorar processos
diferidos e difusos de interação social, bem como alterar, controlar, compreender e
apreciar, sob o aspecto estético, estes percursos. Permitindo-se que novas estórias
sejam elaboradas, evidenciam-se outros personagens do cotidiano, cenários e
perspectivas desconhecidas, que ganham vida em estórias difundidas
midiaticamente.
Uma vez multilineares e polifônicos, esses ambientes remetem os
participantes ao cruzamento de informações. Os relatos aprofundam, relativizam e
iluminam vários aspectos de uma mesma questão. Estórias entrelaçadas resultam
114
na multiplicidade de versões e imaginários sobre o cotidiano que, sob diferentes
perspectivas, podem se cruzar ou serem agenciadas de forma independente umas
das outras, conforme os parâmetros de mediação adotados. Isso deve-se, de acordo
com a autora, às capacidades enciclopédicas e multidimiáticas do meio, que
espaço a diversas contextualizações.
No contexto das redes sociotécnicas, afirma Murray (2003):
O poder caleidoscópico do computador permite-nos contar histórias que
refletem com maior autenticidade nossa sensibilidade na virada do século.
Não acreditamos mais numa realidade singular, numa visão única e
integradora do mundo, nem mesmo na confiabilidade de um só ângulo de
percepção. No entanto, retemos o desejo humano fundamental de fixar a
realidade sobre uma tela apenas, de expressar tudo o que vemos de modo
integrado e simétrico. A solução é a tela caleidoscópica, capaz de apreender
o mundo como ele se apresenta desde diferentes perspectivas complexo
e talvez incompreensível no final das contas, mas ainda assim coerente.
(MURRAY, 2003, p. 159).
Cada vez mais pressionado pelas exigências do mundo hipermoderno, o
cotidiano dos motoboys paulistas reflete a expectativa do futuro incerto,
demonstrando a fragilidade das condições de trabalho na cidade. Se o homem
hipermoderno é aquele que se fragmenta no ritmo acelerado da vida, no espaço
descontínuo das micronarrativas, os processos de partilha e, portanto, as práticas
comunicativas, tornam possível prover a existência de sentido.
Ao mesmo tempo em que se corre contra o tempo - para responder ao
presente, que exige crescente produtividade - buscam-se as estabilidades do
passado, lembra Lipovetsky (2007). A hipermodernidade reforça os valores do
mercado e do individualismo e, diante desse quadro, o homem precisa recuperar
suas referências afetivas frente à perda da historicidade antes garantida pelas
grandes narrativas modernas. Para o autor, justamente por força da perda que este
novo cenário apresenta, acirra-se a busca por segurança em vivências passadas,
como medida preventiva para a instauração de um futuro minimamente controlável.
A vida acelerada parece convocar o relato a conservar referências
indispensáveis da memória, ao mesmo tempo em que este renova os laços sociais,
amparados em relações fluidas e transitórias. Lipovestky (2007) afirma que,
enquanto a tendência ao consenso, no mundo atual, traduz-se na adesão ao regime
da moda e impulsiona o gosto e o hábito do efêmero, cresce em sentido oposto, o
vetor da permanência.
115
Por isso,
É inegável que, ao celebrar o sempre novo e os gozos do aqui-agora, a
civilização consumista opera continuamente para enfraquecer a memória
coletiva, acelerando o declínio da continuidade e da repetição ancestral.
Não obstante, permanece o fato de que nossa época, longe de encerrar-se
num presente trancado em si mesmo, é palco tanto de um frenesi histórico-
patrimonial e comemorativo quanto de uma investida das identidades
nacionais e regionais, étnicas e religiosas. Quanto mais nossas sociedades
se dedicam a um funcionamento-moda focado no presente, mais elas se
veem acompanhadas de uma onda mnêmica de fundo. Os modernos
queriam fazer tábula rasa do passado, mas nós o reabilitamos; o ideal era
ver-se livre das tradições, mas elas readquirem dignidade social.
(LIPOVETSKY, 2007, p. 85).
A memória construída sobre o grupo de motoboys paulistas, através dos
relatos de seus integrantes, testemunham o presente, permitindo o acesso ao
acontecimento atual, ao mesmo tempo em que remetem à lembrança dos percursos
percorridos, na confluência das redes física e virtual. De representatividade
individual e coletiva, a memória formada no website expressa formas de uso e
apropriação da cidade, revelando o universo simbólico constituído por suas
experiências de vida.
Halbwachs (2006) enfatiza a memória enquanto construção social, ou
testemunho que relativiza as formas assumidas pela realidade em narrativas que
sobrevivem à passagem do tempo; uma vez traduzida em linguagem, a memória
conserva e transmite os sentidos construídos coletivamente. A evocação da
lembrança é indissociável do testemunho do outro; fundamenta, portanto, uma
atitude de dimensão coletiva.
Evocar o fato passado legitima a instância do que temos em comum com
determinado grupo; confirma, no presente, a lembrança validada pela vida
comunitária, fundamental ao compartilhamento do tempo vivido. Conforme
Halbwachs (2005), a existência de pontos de contato entre as memórias individuais
é indispensável para que certa lembrança seja reconhecida e reconstruída; para que
a memória possa, como necessário, nutrir-se do relato compartilhado.
Para ele, o sentimento do pertencimento é condição para a lembrança:
[...] como nós e as testemunhas fazíamos parte de um mesmo grupo e
pensávamos em comum com relação a certos aspectos, permanecemos em
contato com esse grupo e ainda somos capazes de nos identificar com ele e
de confundir o nosso passado com o dele. Também poderíamos dizer: é
116
preciso que a partir de então não tenhamos perdido o hábito nem o poder
de pensar e de nos lembrar na qualidade de membro do grupo.
(HALBWACHS, 2006, p. 33).
Embora as referências temporais sejam intercambiadas com crescente
flexibilidade e não respondam pela multiplicidade das expressões da vida coletiva,
continuam a demarcar os universos da memória e da experiência ordinária; sendo
convocadas como eixos organizadores que, necessariamente, fundam modos
elementares de estar no mundo. Murray (2003) lembra-nos que narrar o cotidiano é
desejo inerente ao ser humano: ao representar-se, ele lança mão da imaginação,
reinventando a existência. São os testemunhos sobre a vida comum que servem de
substrato social ao tempo presente, na medida em que os relatos o se constroem
apenas com base em objetos exteriores, mas dependem do outro, para se realizar.
Se as narrativas constituem formas de compreensão da ação humana no
mundo; geradas no convívio diário, consistem, fundamentalmente, em expressões
indissociáveis da dimensão coletiva da experiência, sobre a qual são construídas as
referências de vida. Como afirma Halbwachs (2006), é difícil encontrar lembranças
que nos levem a um momento em que [...] não misturássemos nenhuma das
imagens, nenhum dos pensamentos que nos ligavam a outras pessoas e aos grupos
que nos rodeavam” (HALBWACHS, 2006, p. 43).
3.3.2 Quem falará e a quem?
Contar histórias de vida consiste em recurso simbólico indissociável da
experiência humana. Na falta de uma palavra autorizada que dá sentido ao mundo, a
partir da modernidade, o homem deve relatar uma nova época, cuja autoria, afirma
Certeau (2007), passa a ser de responsabilidade exclusivamente sua, e das
instituições sociais representativas de seu tempo. A necessidade de compartilhar os
modos de vida pressupõe, desde então, o desafio de construir sentidos para o novo
contexto social, edificado sobre visões de mundo que assumem a postura crítica,
baseada na racionalidade moderna. A dimensão coletiva da narrativa conforma-se,
pois, por meio de relatos baseados, fundamentalmente, na autonomia do
117
pensamento sobre seu tempo. A palavra vem questionar a tradição e rompe com as
crenças antigas, amparada pelo conhecimento da tecnociência.
Com a ausência da palavra divina que ordenava os sentidos, surge o
problema da comunicação, ou de uma linguagem que deve ser construída no espaço
das relações sociais. O que era ouvido como destino deixará o vazio que desafia o
homem a apropriar-se do espaço como produtor de seus relatos sobre o mundo.
Resta a pergunta: “Quem falará? E a quem?” (CERTEAU, 2007, p. 229). O autor
problematiza, desse modo, o lugar da fala frente à autoridade dos discursos das
instituições sociais que arbitram sobre a narrativa individual, impedindo a
comunicação da experiência. A questão que permanece atual é se, ou em que
medida, as histórias serão mediadas pelo homem comum, frente a instituições como
o Estado e a ciência (e, cada vez mais, na contemporaneidade, do mercado).
Benjamin (1996) resgata a figura do contador de histórias referindo-se à
experiência ainda possível no mundo pré-moderno. O narrador, nesse contexto, é
aquele cujos relatos baseiam-se nas histórias de vida ligadas às de seus
antepassados, portanto, refere-se à dimensão afetiva que a narrativa permite
conservar no tempo. Ao sugerir uma narrativa sobre o mundo, o narrador
benjaminiano possibilita a partilha de um relato da ordem do miraculoso
117
.
Resgatamos os pensamentos de Benjamin (1996) e Certeau (2007), para a
compreensão das práticas sociocomunicacionais envolvidas no Canal Mototoboy,
tendo em vista a ênfase dos autores na experiência, como sabedoria comunicada, e
na dimensão afetiva que estabelece o vínculo com o outro. De acordo com a
perspectiva Certeau (2007) e, ainda que se tratando do contexto
sociocomunicacional pré-moderno (Benjamin), as referidas análises permitem tratar,
na atualidade, a experiência do cotidiano; acompanhando, assim, as transformações
históricas por que passam seus narradores, cujos relatos dizem respeito aos
acontecimentos ordinários. Os autores problematizam, ainda, a mediação
institucionalizada, como os discursos histórico e jornalístico, tendo em vista valorizar
a experiência das pessoas comuns.
117
Benjamin (1996) descreve dois grupos de narradores ou cronistas, referenciando-se no narrador
medieval: aquele que viaja e por isso mesmo tem muito que contar, mas também “o homem honesto
que ganhou a vida sem sair do seu país, que conhece suas histórias e tradições” (BENJAMIN, 1996,
p. 199). Característica importante do narrador nato é o senso prático ou o aconselhamento. O
conselho, ou sabedoria comunicada, particulariza a experiência, e por meio dela, o cronista não
responde a uma pergunta, mas permite a continuidade de uma estória, através da mediação oral.
118
Ao contrário de transmitir a informação - matéria-prima da ciência histórica e
da atividade jornalística - o narrador de quem nos fala Benjamin busca compartilhar
suas vivências, que refletem a experiência adquirida por força da tradição. A ele não
cabe, portanto, explicar os eventos de sua época, fundamentando determinado
ponto de vista, tal como se exige da historiografia ou do jornalismo - instituições que
dependem da argumentação plausível para se constituírem como tais
118
. Benjamin
(1996) defendia que o fato histórico diz respeito à visão positivista que constrói a
narrativa dos vencedores e não apreende a riqueza simbólica do testemunho do
homem comum, este comprometido com os valores que conferem sentido ao mundo
e ultrapassam a passagem do tempo, por meio dos relatos.
Nas duas reflexões, são os relatos das pessoas e seus testemunhos de vida a
que os autores parecem evocar, como mediação que legitima a experiência. Relatos
formulados, ainda hoje, com base em referências familiares, mas que foram
progressivamente relativizadas pelas informações advindas do mundo do trabalho,
das relações de consumo e das trocas culturais que se intensificam, na
contemporaneidade, acompanhando a evolução dos meios de comunicação.
Como argumenta Benjamin (1996), a memória oral garantia a mediação
coletiva capaz de dar sentido aos vínculos sociais, mas, a partir da modernidade, no
entanto, o conselho não sustenta mais uma visão totalizante; adquire peso relativo e
conta com a margem de erro, antes obliterada pela palavra divina e pela sabedoria
comunicada pelos antepassados
119
. Não mais a memória que unifica o pensamento
rege a enunciação, mas a busca de significados baseados em interpretações
próprias sobre o mundo.
118
O narrador benjaminiano está vinculado à memória de seus antepassados; nele não se operou a
cisão entre o homem e a coletividade; nem a impessoalidade do relato, que marca a narrativa
apresentada pelo romance. Este gênero literário assume a expressão lírica do eu subjetivo, que
personifica o conflito com o mundo, na visão de Benjamin, definitivamente dissociado das
experiências coletivas de seus antepassados (BENJAMIN, 1996).
119
A autoridade inerente ao narrador legitima-se no momento de sua morte, instante absoluto que o
conecta à dimensão do desconhecido. Nessa situação, o relato do homem comum é reconhecido
pelos seus contemporâneos como sabedoria e sobrevive ao tempo, justamente porque se baseia na
força da estória que conta, ou na experiência que sedimenta por meio da tradição. Benjamin evoca o
cronista medieval para apontar que, na modernidade, o narrador vive naquele de quem se espera a
arte dos relatos autênticos, alimentados pela sabedoria comunicada de uma geração a outra, por
meio da tradição oral. O cronista épico remonta os eventos sociais em sua narrativa vinculada à
instância coletiva. Define Benjamin: “O cronista é o narrador da história... enquanto o historiador
deve explicar os episódios com que lida, não podendo representá-los como modelos da história do
mundo, o cronista assim o faz, através de seus representantes clássicos, os cronistas medievais,
precursores da historiografia moderna.”(BENJAMIN, 1996, p. 209).
119
Novos papéis sociais são instituídos, com a divisão do trabalho que responde
à especialização das atividades profissionais e contribui para o crescimento
acelerado das cidades e a multiplicidade de referências simbólicas;
consequentemente, a fragmentação das narrativas que compõem as redes de
informação contemporâneas.
A cisão com a narrativa que explica o mundo leva à perda do espaço
simbólico onde a tradição fazia a ponte entre passado e futuro
120
. No entanto, outras
mediações sociotécnicas são incorporadas ao cotidiano urbano, invenções
coadjuvantes ao intenso e progressivo desenvolvimento das cidades. Engendrada
pela linguagem, a narrativa continuará, também na contemporaneidade, por
intermédio dos meios de comunicação impressos, eletrônicos e no fim do século XX,
pelos meios pós-massivos, a convocar o outro à experiência comum, transformando
as relações sociais.
Se, como afirma Benjamin, a comunicação da experiência está
definitivamente comprometida, configurando-se por formas de percepção
fragmentárias, advindas do culto crescente à novidade, ao individualismo e ao
progresso cnico; continua não havendo outra forma de dar significado ao mundo,
de gerar os laços sociais, a não ser criando relatos dos quais dependemos para
comunicar a experiência.
No entanto, entende-se que a geração destes relatos emerge na profusão de
significados e imagens urbanas que engendram as vivências cotidianas, não mais
contando com o lastro da confiança inabalável, que unia o homem pré-moderno a
seu passado. Trata-se, na atualidade, portanto, de identificar a expressão que
escapa à experiência institucionalizada; detectar relatos cujo traço particular do
homem comum guarda a capacidade de instaurar roteiros próprios, através das
formas de mediação social disponíveis em seu tempo.
120
O empobrecimento da capacidade de relatar faz da modernidade uma época em que se abala
drasticamente o ideal do narrador benjaminiano. Para o autor, a guerra mundial marca o fim da
possibilidade narrativa, como estratégia do poder que determina a falência da experiência. Quando
à experiência falta o ideal humanista, em privilégio da técnica moderna, como ao homem que
retorna da guerra, resta à narrativa recolher-se sob domínio do horror. Nesta situação, afirma ele,
“quem tentará lidar com a juventude invocando sua experiência? o, esclaro que as ações da
experiência estão em baixa... Na época já se podia notar que os combatentes tinham voltado
silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis[...]” (BENJAMIN,
1996, p. 115).
120
Para Certeau (2007), essa é a enunciação capaz de assinalar a produção de
desvios em relação ao discurso do sistema vigente, formando micronarrativas
historicamente negligenciadas nos registros oficiais. Relatos que não explicam o
mundo em sua totalidade, mas revelam resistências, ao atestarem formas de estar e
agir, individual e coletivamente, perante os desafios e circunstâncias presentes na
vida ordinária.
Com a cisão entre o homem e a grande narrativa pré-moderna e a posterior
queda das metanarrativas modernas, destaca-se, cada vez mais, a importância das
vivências cotidianas na construção das formas de experiência coletiva. As
tecnologias de comunicação assumem função mediadora preponderante na rápida
difusão e troca de informações, viabilizando a diversidade de interações sociais que
independem, cada vez mais, do contato pessoal; e ganham autonomia, na
contemporaneidade, ao superar os limites do espaço físico e do tempo cronológico.
O ato comunicativo permanece, assim, ativo em sua função de apresentar
determinada forma de ver o mundo, através da diversidade de relatos sobre as
práticas cotidianas. Comunicar experiências passa a engendrar práticas vinculadas a
formas de mediação social não mais ancoradas exclusivamente na tradição, mas
que recorrem também a seus pressupostos, assimilando os conhecimentos
transmitidos de uma geração a outra, como elemento componente dos enunciados;
ou ainda estritamente referenciadas nos discursos das instituições sociais modernas,
sem descartá-los, no entanto, como forma possível de compreensão sobre o mundo.
Diferentes contextos sociocomunicacionais provocam a observação de
vertente marcante ligada à dimensão da experiência urbana, na perspectiva das
pessoas comuns
121
. O movimento tático que Certeau (2007) sinaliza, em
contraponto ao estratégico, e a experiência que Benjamin defende, na contramão da
informação, convergem à comunicação que potencialmente aponta perturbações,
ainda que mínimas, na tese da história oficial. Isso justamente porque não têm
compromisso com o poder estabelecido, ou com o discurso institucional. Ao mediar a
história, como testemunho dela, o narrador comunica determinada experiência,
traduzida com base em suas referências de vida, de acordo com Benjamin; ou
operando taticamente, para Certeau (2007), inventa o cotidiano.
121
Em ambos os contextos abordados pelos autores, a cidade expressa formas de ser e agir no
mundo, seja através dos percursos de seus habitantes, ou de acontecimentos históricos resultantes
de estratégias do poder que institucionalizam os discursos coletivos.
[…] Poderíamos inferir que todas as formas têm sua virtude em si mesmas e
não em um 'conteúdo' conjetural... A música, os estados de felicidade, a
mitologia, os rostos trabalhados pelo tempo, certos crepúsculos e certos
lugares querem dizer algo, ou algo disseram que não deveríamos ter
perdido, ou estão prestes a dizer algo; essa iminência de uma revelação,
que não se produz, é talvez o fato estético. (BORGES, 1999, p.11)
122
4 A EXPERIÊNCIA DO COTIDIANO: CONSTRUINDO A REDE
4.1 Interações em relatos mediados
Ao conjugar as interações processadas nas ruas e no website, a mediação da
rede Megafone.net possibilita o compartilhamento de relatos sobre o cotidiano,
através de operações de agenciamento que desterritorializam e reterritorializam,
constantemente, as ações de apropriação do espaço. A rede é construída por fatores
sociais e tecnológicos, conectando, em tempo síncrono, as trocas comunicacionais
promovidas no espaço físico/informacional. Os territórios informacionais resultantes
da ação coletiva são formados através das práticas de mobilidade de seus
integrantes, conjugadas ao uso de imagens, texto e som - recursos disponibilizados
pela mediação tecnológica do projeto. Essas práticas constroem um espaço híbrido,
ao aliar os percursos realizados no espaço físico, aos recursos de linguagem, para
expressão das referidas experiências urbanas.
Assim, por meio da produção de conteúdos que conferem sentido ao espaço
urbano, a ação concreta no mundo atualiza-se na rede. Com base em Latour (2008),
considera-se que operações de tradução dessas experiências efetivam-se em
relatos que formam novas espacialidades multimidiáticas, formuladas pelos
motoboys. As espacialidades, como esclarece Ferrara (2007a-b) resultam da
operação de montagem, composição cênica que contrasta os elementos urbanos,
promovendo, possivelmente, ruídos na percepção usual do espaço urbano.
Os relatos são construídos a fim de se estabelecer um discurso coletivo capaz
de marcar a posição crítica do grupo frente às condições históricas adversas
enfrentadas no espaço urbano. Por outro lado, como estão inseridas nas dinâmicas
dos fluxos comunicativos, as experiências registradas pelos motoboys são afetadas,
constantemente, por novos agenciamentos, compreendidos nas suas dimensões
física e virtual. Nesse sentido, pode-se dizer que a rede social ancora-se em nós,
mas também é feita de vazios, enquanto potências discursivas a serem preenchidas
pelos usos do espaço. A sobreposição dos espaços físico e virtual engendra
123
situações comunicativas que promovem a rearticulação entre as práticas habituais
no espaço físico e a ação coletiva na rede.
Parente (2004) afirma que, no contexto reticular que favorece diversificadas
conexões, pensar a comunicação (ou as interações sociotécnicas envolvidas no
processo interacional) implica compreendê-la como lugar da inovação e do
acontecimento, daquilo que escapa ao pensamento da representação”. (PARENTE,
2004, p. 92). Considera-se, assim, que as experiências urbanas transformam-se,
permanentemente, sob a influência da estratificação das mediações envolvidas no
projeto, extrapolando o estágio de uma representação definitiva. A ambiência
reticular rearranja os fragmentos da paisagem urbana, conforme o agenciamento
dos elementos sociotécnicos. Espaços móveis interconectam os pontos da rede,
interferindo em domínios de sentidos estabelecidos, provocando novos
agenciamentos e a oportunidade, assim, de participação em novas situações
comunicativas proveitosas às intenções previstas no programa coletivo.
Os relatos dos motoboys paulistas são constantemente redimensionados,
uma vez contextualizados na “cultura das mídias” (SANTAELLA, 1996), que
interessa, aqui, enquanto processo que acentua a relação entre cultura e
comunicação na contemporaneidade, através da crescente apropriação dos meios
comunicativos pelas pessoas comuns e da hibridização, em ampla escala, entre os
campos sociais.“A cultura das mídias tende a acelerar a dinâmica dos intercâmbios
entre formas eruditas e populares, eruditas e de massa, populares e de massa,
tradicionais e modernas etc.” (SANTAELLA, 1996, p. 31). Nesse contexto, os relatos
mediados no Canal Motoboy ampliam o ambiente de alteridade típica das interações
sociais urbanas.
As interações sociais intermediadas pelo projeto acompanham os trajetos
rotineiros realizados pelos motoboys na cidade de São Paulo e traduzem o universo
afetivo dos integrantes do coletivo; como mostram as imagens compartilhadas por
eles, no website, sobre suas famílias (Figura 17), motos e objetos pessoais; exibidas
junto ao cenário das ruas, elementos da natureza, patrimônio urbano e pessoas que
fazem parte do cotidiano
122
.
122
A importância da dimensão sensível nos referidos relatos multimidiáticos será detalhada adiante.
Considerações feitas nesta fase do estudo o fruto de observação exploratória do website,
realizada ao longo do 1º semestre/2009.
124
Figura 17: Ronaldo Família - 2006-11-26 14:24:46
Fonte: Ronaldo, 2009f
As Figuras 18 e 19 são posicionadas no website uma ao lado da outra,
demonstrando como estes fragmentos discursivos relacionam, por sua vez, o
patrimônio histórico aos contrastes sociais da capital paulista, de forma a
problematizar as condições de vida na cidade.
Figura 18: Neka Patrimônio 2009-06-30 19:20:37
Fonte: Neka, 2009d
125
Figura 19: Neka Moradia 3 2009-06-30 19:20:37
Fonte: Neka, 2009e
Os relatos multimidiáticos resultam da complementação entre linguagens de
diferentes meios, ou de suas formas de organizar e acessar as informações, ou seja,
as mídias atuam conservando suas interfaces originais (MANOVICH, 2008)
123
.
Justamente por possibilitar a expressão multimidiática, face à linearidade da escrita
e do discurso lógico, para Martín Barbero (2006), a internet privilegia a dimensão
sensível da experiência. A internet potencializa, assim, a expressão das emoções,
por meio dos recursos audiovisuais. A linguagem multimidiática altera os padrões da
experiência das pessoas comuns, conformados na ambiência dos fluxos
comunicativos que misturam diferentes contextos de sociabilidade.
Conforme Martín Barbero (2006),
A ruptura da ordem linear sucessiva alimenta um novo tipo de fluxo, que
conecta a estrutura reticular do mundo urbano com a do texto eletrônico e
do hipertexto. Na assunção de tecnicidade midiática como dimensão
estratégica de cultura, nossa sociedade pode interagir com novos campos
de experiência em que hoje se processam as mudanças:
desterritorialização/relocalização das identidades, hibridizações da ciência e
da arte, os escritos literários e audiovisuais e digitais, a reorganização dos
saberes desde os fluxos e redes, pelos quais hoje se mobilizam não a
informação, mas também o trabalho e a criatividade, o intercâmbio e a
aposta em comum de projetos políticos, de pesquisas científicas e
123
O termo multimídia refere-se à coexistência de conteúdos relativos a diferentes mídias
disponibilizados no mesmo ambiente. a mídia brida implica a mistura de linguagens, gerando
novas propriedades, através de suas interfaces e técnicas. A hibridização das linguagens implica a
mistura de suas propriedades, gerando novas formas de expressão, o ambiente multimidiático
resguarda a autonomia de cada meio envolvido (MANOVICH, 2008).
126
experimentações estéticas. (MARTÍN BARBERO, 2006, p. 76)
Considerando-se o contexto intermidiático das redes sociotécnicas, que
conecta relatos multimidiáticos e fragmentados, com base no fluxo de informações
que transita entre os meios, lembramos Manovich (2008), que conceitua o
computador como metamídia, na medida em que este tem a capacidade de simular
as demais. A associação das mídias vincula-se às propriedades interativas do meio,
que o diferenciam, neste campo, de seus precursores multimidiáticos, como, por
exemplo, a televisão e o cinema
124
.
Nessa perspectiva, a internet incorpora formatos midiáticos que, articulados
pela reticularidade do meio, transformam-se em conteúdos coexistentes na rede.
Mcluhan (2007) afirma que a intensidade do efeito de um meio sobre a experiência
dá-se como resultado da apropriação de outro meio, que ele passa a tomar como
seu conteúdo. A experiência renova-se como a mensagem de uma nova forma de
comunicação, mediada tecnologicamente
125
.
Trata-se, na ambiência da Internet, de se considerar, a mobilidade das
informações e a influência entre as linguagens, como fatores que conformam a
mediação realizada por imagens, sons e textos combinados. Santaella e Nöth (2008)
enfatizam a importância das afetações entre os meios, através dos quais se
processam as mediações. A relação entre as linguagens é determinada pelo
contexto comunicativo, em que estas se influenciam mutuamente e são
hierarquizados conforme a mediação que as articula.
Assim, segundo os autores, a relação entre texto e imagem comporta níveis
que vão da redundância à informatividade: a imagem pode ser inferior ao texto, ser
redundante, ao complementá-lo (como em ilustrações de livros, na cultura
124
Jordan (2002) define o ambiente digital pelas propriedades: integração, interatividade, hipermídia,
imersão e narratividade, conforme explica o autor: Integração: A combinação de formas artísticas e
tecnologia dentro de formas híbridas de expressão; Interatividade: A habilidade do usuário de
manipular e afetar a experiência da media diretamente, e para comunicar-se com outros através da
media; Hipermedia: o link de separação dos elementos da media para outro para criar a trilha de
associação pessoal; Imersão: A experiência de entrar na simulação ou sugestão de
empreendimentos tridimensionais; Narratividade: Estratégias estéticas e formais que derivam dos
conceitos acima, que resultam em formas de história o linear e apresentação mediática. Mais
sobre o assunto, ver Jordan (2002).
125
Assim, o conteúdo de um filme é um romance, uma peça de teatro ou uma ópera, por exemplo; e
da escrita ou da imprensa é a fala (MCLUHAN, 2007, p. 33).
127
impressa); a imagem pode ser superior ao texto, mais informativa do que ele (como
no Canal Motoboy), dominando-o, que sem ela não há condições de conceber o
objeto (exemplificações enciclopédicas são exemplos) e, ainda, de
complementaridade, quando ambos detêm igual importância, determinam-se
reciprocamente - a relação desenvolvendo-se em contextos situados entre
redundância e informatividade.
contextos de discrepância ou contradição envolvem a circunstância de
incoerência entre as mensagens. Os autores destacam que imagens podem ser
contextualizadas, também, por outras imagens - a exemplo do que ocorre no website
em estudo; comentando-as, através da relão de contiguidade (como no meio
impresso) ou disposição sequencial (meio eletrônico).
A configuração dos recursos mediadores materializa-se na interface gráfica,
que consiste em programa operativo cujos elementos guiam a interação (SCOLARI,
2003). A interface negocia interesses, ao indicar formas de uso e meios de acesso
às informações, privilegiando linguagens e modos de percepção sobre os objetos
126
.
Interfaces baseadas em práticas colaborativas favorecem a lógica associativa
(ALZAMORA, 2007), que enfatiza a produção das informações, como suporte ao
estabelecimento das interações na rede. Por intermédio da interface gráfica do
website Canal Motoboy, as informações produzidas pelos participantes da rede são
organizadas, formando um universo simbólico que posiciona a categoria profissional
quanto ao espaço urbano.
Os relatos imbricam, predominantemente, duas linguagens: as imagens
apresentam a cidade; e os textos, por sua vez, visam representá-la
127
, organizando
as imagens registradas. Do texto, portanto, a mediação não dispensa o caráter
reflexivo, ou pelo menos elucidativo, sintético e preciso da linguagem conceitual, da
126
Durante o processo interativo, idealizadores do programa e usuários têm uma imagem ou
modelo mental do sistema com o qual estão interagindo; por isso, quando desconhecem seu
funcionamento os usuários aplicam modelos relativos a experiências anteriores de interação. A
contrapartida são os constrangimentos: os objetos nos comunicam sua função e informam, através
da interface, o que não deve ser feito (SCOLARI, 2003).
127
Santaella citado por Alzamora (2003) afirma que os níveis intersemióticos de linguagens
decorrem da complexa relação de domínios lógicos, configurada a partir das três categorias
peirceanas: primeiridade, secundidade e terceiridade. “Tais relações aportam-se, segundo a autora,
nas matrizes de linguagem sonora (primeiridade, domínio icônico-remático), visual (secundidade,
domínio indicial, dicente) e verbal (terceiridade, domínio simbólico, argumental)”. Mais sobre o
assunto ver Alzamora (2003, p. 2-16).
128
ideia que vem delimitar um território de sentido. Da associação entre os recursos de
linguagem resulta o acesso ao universo simbólico, que traduz, assim, formas
específicas de olhar e vivenciar os percursos realizados na cidade. O processo
interacional desenvolve-se, de forma conjugada, por meio das imagens, palavras-
chave e comentários - textuais, ou através do recurso de áudio - a essas
associadas.
Destaca-se a centralidade da fotografia, mas recorre-se com frequência ao
uso da palavra, utilizada para identificar e contextualizar as imagens, localizando-as
em determinado campo interpretativo
128
. No fórum de discussões
129
, a linearidade do
texto é exclusivamente empregada; mas nos demais links observa-se que, junto às
fotos, a palavra é usada como elemento auxiliar de contextualização sucinta, sob a
forma de tags
130
, ou breves comentários. Definidas pelos produtores das
informações, as tags indexam o conteúdo postado e, evidenciando o processo de
auto-representação coletiva, conferem identidade aos percursos pelos hiperlinks.
O emprego do recurso do som atesta a centralidade da fotografia, à qual vem
se referir, registrando comentários e opiniões sincrônicos às imagens, ou
reproduzindo o som ambiente e os ruídos do espaço fotografado. Os vídeos não têm
inserção expressiva no website.
A Figura 18 mostra registro de foto e comentário associado à imagem, como
programado pela interface multimidiática, que gera um campo interpretativo sobre as
experiências urbanas dos motoboys paulistas.
128
Antoni Abad ressalta a importância do recurso na constituição da interface do site. Segundo ele,
mais do que organizar o processo comunicativo, as tags participam ativamente na construção dos
relatos multimidiáticos, cujas possibilidades ainda não são plenamente utilizadas pelo coletivo.
Esses relatos podem ser formulados através de recursos de edição, que originariam histórias
articuladas pelas palavras-chave, apontando a importância central das tags na constituição do
conhecimento coletivo. Observa-se, assim, que a rotina profissional conforma o uso do dispositivo
comunicacional, privilegiando as conexões imediatas, com emprego de imagens aliadas a breves
declarações - por meio dos recursos de texto e áudio e do registro das tags a elas associadas.
Entrevista realizada com Abad em 24/09/09, via skipe.
129
FORÚM de Discussões, 2009.
130
O termo “folksonomia”, cunhado por Thomas Vander Wall, é a junção da palavra inglesa “folks”
(para determinar pessoas) e “taxonomia” (a ciência de classificar), referindo-se a algo como
“classificação do povo”. Os sistemas de tags formam uma rede social de informações, que propicia a
busca através das relações formadas entre a informação e as tags a estas relacionadas. (ZANETTI,
2008).
129
Figura 20: Neka Dia a Dia 2 - 2009-07-02 09:41:51
Fonte: Neka, 2009b
“Pela anistia ampla, geral e irrestrita. Pelo direito de ter Direito. Pela liberdade
de expressão. Pelo direito de ir e vir. E por uma midia livre e sem censura” (NEKA,
2009b)
Trata-se, desta forma, de relatos contextualizados no ambiente multimidiático
e hipermidiatizado, cuja mediação privilegia o emprego de imagens e tags, ou
palavras-chave
131
, fragmentos discursivos articuláveis por movimentos de
associação e dissociação dos recursos de linguagem. Imagens, sons e palavras
originam um mosaico de registros que propiciam interconexões entre as
diversificadas leituras sobre o cotidiano.
No ambiente colaborativo hipertextual, os conteúdos são classificados pelos
integrantes do coletivo, que conferem moldura semântica ao banco de dados
constituído. De forma geral, privilegia-se o percurso interno, na medida em que não
são indicados, com frequência, links para outros nós, destacando-se a
intratextualidade, ou os próprios relatos, como referência sobre os assuntos tratados.
Da mesma forma, os comentários externos o são incentivados, disponibilizados
apenas no link Fórum.
131
Wei-Hao Lin e Hauptmann (2008) classificam as tags nas categorias: topical e ideological. As
primeiras são previstas enquanto índices do que se trata a questão abordada, não apontando a
perspectiva ideológica do autor. Já a “ideological tag” refere-se à idéia que o autor apresenta sobre
determinado assunto. As duas categorias têm pesos com características específicas, na análise dos
autores. O peso das topical tags mostra a frequência de escolha da tag em função da questão
apresentada. O peso da ideological tag expressa com qual intensidade é enfatizada a ideologia do
autor relacionada a certa questão. Nessa perspectiva, a freqüência observada da tag é controlada
por essas duas séries de pesos combinados. Mais sobre o assunto, ver Lin; Hauptmann (2008).
130
O emprego do texto, por meio de tags, faz referências pontuais às imagens. O
recurso organiza o acesso aos comentários e imagens, funcionando como eixo
norteador das buscas efetuadas na rede. Nas páginas do website, o programa
informa as palavras mais postadas, tendo como referência o número de motoboys
que utiliza determinada tag. Quando se busca por uma palavra, especificamente, o
sistema reúne os registros multimidiáticos que com ela mantêm relação, de acordo
com as associações efetuadas pelos motoboys, resultantes de seus percursos
urbanos.
No “Canal Palavras”, pode-se realizar a escolha entre as tags, classificadas
nas categorias "populares" ou "freqüentes”. A primeira categoria indica as tags
utilizadas por maior mero de motoboys e que, portanto, “mostram melhor a
inteligência coletiva e o interesse geral do grupo”, de acordo com Abad
132
. A
categoria “freqüentes” refere-se às palavras mais postadas pelo coletivo, não
necessariamente aquelas mais empregadas pela maior parte do grupo.
Em entrevista a este estudo
133
, o coordenador Ronaldo Simão explicou que
as tags foram definidas pelo grupo, conforme suas experiências urbanas, e em geral
seguidas, com mudanças relacionadas a eventos pontuais. No início, eles definiam
os temas a serem abordados durante a semana; assim, mesmo que o motoboy
registrasse outros aspectos de seu cotidiano, deveria ficar atento aos assuntos
pautados. Com o tempo, as palavras-chave permaneceram como referências para
os registros; no entanto, o interesse de cada integrante por assuntos específicos
também devia ser respeitado.
As tags “Corredor” e “Perigo” estão entre as classificadas na categoria
“popular”
134
. No exemplo seguinte, a fotografia é acompanhada de declaração, por
132
Entrevista realizada pela pesquisadora com Antoni Abad, por email, em 22/09/09.
133
Entrevista realizada em 03/10/09, em São Paulo, com os coordenadores do projeto.
134
Total de 17 e 8 motoboys utilizaram, respectivamente, as referidas tags, na fase inicial do projeto.
Além dessas, as mais registradas, apresentadas em ordem alfabética no website, são: Acidente
(18), Amigo (19), Água (10), Arte (8), Arte na rua (13), Carros (10), Casa (10), Chuva (8), Corredor
(17), Cultura (10), Dia a dia (17), Entrevista (8), Estacionamento (12), Eu (10), Isa (9), Lazer (12),
Moto (20), Motoboy (8), Natureza (10), Paisagem (11), Perigo (8), Policia (8), Reunião (17), Sonho
(8), Trabalho (14), Trânsito (17), Tv (8). Para a seleção do exemplo em estudo, dentre as mais as
tags “populares”, não se considera o critério quantitativo, mas a representatividade da cena
multimidiática, tendo em vista o uso integrado dos recursos de linguagem e a abrangência das
experiências urbanas relacionadas, por seu intermédio; ou seja, a sua relevância no contexto da
131
meio de áudio, ou seja, é personalizada pela declaração que vem demarcar
determinado ponto de vista, testemunhando aspectos considerados relevantes.
Figura 21: Ronaldo Corredor 1 2009-07-08 18:42:36
Fonte: Ronaldo, 2009g
Áudio: Boa tarde a todos. aqui na Dutra, sentido Marginal Tietê. Tá tudo
parado [...] Então meu, hoje é véspera de feriado, tenha muita paciência.
Quem for viajar, vai mais tarde viu meu …. Agora, principalmente muito
complicado o trânsito aqui na Dutra, Fernão Dias e acredito eu em outras
rodovias. Uma boa viagem,vão com Deus. (RONALDO, 2009g).
Através da semântica coletiva, que propicia as associações sígnicas entre as
referências registradas sobre as experiências na cidade, a mediação do projeto visa
representar, organizar e relacionar as informações referentes às práticas cotidianas
dos motoboys. A constituição da memória coletiva torna-se possível, como explica
Halbwachs (2006), através das contribuições individuais daqueles que vivenciam os
acontecimentos, como parte integrante de determinado grupo. A lembrança,
indissociável do testemunho do outro, permite o exercício da memória; vinculando-
se, assim, à dimensão coletiva da experiência compartilhada na rede.
A mediação do projeto viabiliza a formação do universo semântico resultante
das interações processadas no espaço físico/informacional. Essas interações,
realizadas na interface entre as vivências cotidianas, na cidade e no espaço virtual,
semântica coletiva. Observa-se a importância da dimensão estético-artística do projeto, destacada
com o emprego das tags Arte e Arte na rua. (CANAL Palavras, 2009)
132
são viabilizadas por meio da pluripresença mediatizada (WEISSBERG, 2004),
conforme a circunstância de ubiquidade, propiciada na rede. Através da lógica
associativa, renova-se o conjunto semântico resultante das interpretações sobre as
situações cotidianas; ou seja, efetivam-se novas associações sígnicas, relacionadas
aos usos concretos do espaço urbano, processadas nas múltiplas dimensões
espaço-temporais do meio hipermidiático.
A interconexão e o compartilhamento de experiências urbanas responde pela
formação da moldura semântica coletiva, alicerçando, por sua vez, as interações
sociais, no âmbito da rede. Através de formas multi-direcionais de leitura,
desenvolvem-se práticas comunicacionais baseadas no compartilhamento de
informações, que promovem a intervenção concreta no espaço urbano (TEIXEIRA
PRIMO; RECUERO, 2006).
As questões relativas ao meio ambiente, qualidade de vida, categoria
profissional e vida íntima são redimensionadas frente ao universo semântico e
imagens definidas pelos participantes; assim, tornam visíveis determinadas formas
de se relacionar com o espaço urbano.
Figura 22: Tadeu perigo corredor - Pessoas transitam sem atenção pelos corredores
2007-05-08 16:55:08
Fonte: Tadeu, 2009
133
Na Figura 23, um dos registros correspondentes à tag Acidente
135
apresenta
comentário sobre acontecimento envolvendo um motoboy, através do qual se critica
a reação preconceituosa da sociedade a este tipo de situação, em que a categoria
está recorrentemente envolvida.
Figura 23: Bahiano Acidente 2009-03-10 23:09:41
Fonte: Bahiano, 2009
Os bombeiros prestando socorro e os curiosos em volta comentando; E
mais um motoquero eles não presta atenção, tamainha iguinorancia e so
analisar quem não respeitou as leis de transito que não se pode fazer
converção ou retono em pista dupla nesse caso a culpada e da condutora
do carro que ja saiu de dendro do carro botando cupa no motociclista
afirmado que ele vinha em alta velocidade; E sepre a culpa do motociclista
pq ele comprou uma moto. (BAHIANO, 2009)
A leitura do texto converge para a imagem, detalhando sobre as
circunstâncias do acontecimento relatado. A argumentação vem circunscrever,
assim, determinado universo de sentido para a imagem apresentada, sem a qual,
entretanto, é impossível conceber o objeto, uma vez que a ela estão direcionados os
demais recursos de linguagem (SANTAELLA; NÖTH, 2008). A interface do programa
coletivo (SCOLARI, 2003) orienta o percurso na rede, exigindo que a imagem esteja
presente em todos os relatos do Canal Dia a Dia, o que não ocorre com os recursos
135
CANAL Palavras, 2009.
134
de texto e som, que podem ou não ser utilizados na composição dos registros
136
.
Os termos recorrentes no website indexam os conteúdos referentes a
determinado assunto, a partir da classificação por tags, que destaca as palavras
mais utilizadas. Nuvens de tags também são disponibilizadas nas páginas, para
acesso aos conteúdos, por meio das referências semânticas registradas pelo grupo.
O recurso constitui forma de representação visual que organiza as palavras-chave
empregadas no website, tendo em vista hierarquizar os assuntos tratados, por
ordem alfabética e tamanho da fonte proporcional ao volume de conteúdos ligados
ao termo, conforme o uso por determinado número de motoboys.
Por meio das nuvens de tags, chega-se ao banco de dados, ou à memória
coletiva formada pelos relatos multidimiáticos formulados e classificados pelos
motoboys sobre suas experiências urbanas. Uma ou mais tags podem ser geradas
para um mesmo post e, em resposta aos mecanismos de busca de informações na
rede, conteúdos do website são relacionados, permitindo a “troca de informações e a
geração de conhecimento”
137
, com base nas experiências urbanas do coletivo.
Figura 24: Canal Palavras
Fonte: Canal Palavras, 2009
136
Os dados referentes a data, hora e emissor do conteúdo o automaticamente informados pelo
sistema tecnológico no ato do registro.
137
Megafone Net, 2009.
135
O uso do recurso de linguagem permite a escolha por assunto de interesse,
visto, ainda, na perspectiva de determinado integrante. A opção por aprofundar-se
em certo relato sobre a cidade pode relativizar, ou alterar, determinado modo de
olhar para o cotidiano. Ao optar-se por um ponto de vista ou discussão proposta,
determinada hipernarrativa passa a ser o foco de atenção e sensibilização, em
relação à experiência registrada pelo grupo social.
Na Figura 25, a tag “Perigo” indica, desta vez, situação ligada ao trabalho nas
ruas, dialogando com as questões sociais relacionadas ao espaço urbano. Na
imagem, motociclistas aparecem ao fundo, relacionados, portanto, com o contexto
registrado:
Figura 25: Perigo Homem da telefonica trabalhando no meio-fio sem nenhuma
sinalização da área. Neka 2008-02-12 14:41:19 Neka perigo sinalização
Fonte: Neka, 2009c
Os links disponibilizados interligam-se em todas as páginas, permitindo o
acesso aos conteúdos do website, de forma homogênea, diferenciando-se apenas
por intervenções particulares dos integrantes, em suas páginas individuais (link
“emissores”). Por exemplo, a participação do visitante, por meio de comentários, é
permitida apenas no link “fórum” (MOTOBOY Ambiental, 2009), ambiente textual
voltado à argumentação; e em “emissores” - integrantes “Andréa” e “Adriana”.
(EMISSORES, 2009).
136
Na Figura 26, a seção emissores/Andréa, que oferece o recurso interativo,
privilegiando a comunicação interpessoal. A interface é personalizada, ainda, com a
utilização de cor diferenciada das demais.
Figura 26: Interface Emissores / Andrea
Fonte: Andrea, 2009
O recurso geotag é disponibilizado no link “Motoboy Ambiental” (MOTOBOY
Ambiental, 2209), possibilitando a localização de determinado ponto da cidade,
associado à imagem registrada por determinado integrante. Além de Andrea, os
emissores “Bahiano” (EMISSORES Bahiano, 2009), Beiço (EMISSORES Beiço,
2009), Cleyton (EMISSORES Cleyton, 2009), Ronaldo (EMISSORES Ronaldo,
2009) e Vira Lata (EMISSORES Vira Lata, 2009) também optam pela
disponibilização do recurso em suas páginas.
A arquitetura não linear integra os módulos de informação ou nós ligados por
nexos (links), através do sistema de conexões, com inúmeras possibilidades de
combinações agenciáveis. A localização privilegiada - enquanto nó intermediário
entre dois outros, e a proximidade de conexão que facilita o acesso aos demais,
definem o grau de centralidade de determinado ponto, em meio ao excesso de
informações na rede (VAZ, 2000). Na medida em que se apresentam como
elementos facilitadores e organizadores dos percursos, os recursos de mediação do
website favorecem a formação de pontos ou nós centrais, como o “Canal Palavras”,
137
que concentra as palavras-chave, permitindo a articulação entre os demais nós da
rede; e o “Canal Dia a Dia”, que reproduz, como previsto no programa, as
informações registradas pelos integrantes, em seus links individuais.
Figura 27: Página inicial do Canal Dia a Dia
Fonte: Canal Dia a Dia, 2009
O Canal Dia a Dia (2009) reúne a maioria dos registros multimidiáticos sobre
o cotidiano dos motoboys paulistas integrantes da rede Megafone.net, indicando os
principais assuntos, problemas e aspirações relatados pelo grupo. A seção funciona
como referência quanto às principais reflexões propostas por seus participantes;
inclusive, a tag “Dia a Dia” tornou-se a mais frequente do programa, identificando a
ação coletiva com o universo das interações cotidianas.
138
138
Em ordem alfabética, as tags mais frequentes informadas pelo programa: Água (495), Dia a Dia
(1097) e Trânsito (609). (CANAL Palavras, 2009).
138
Figura 28: Ronaldo a cidade em obras causa enchetes iai? 2008-02-22 23:42:18
Ronaldo Dia a Dia água
Fonte: Ronaldo, 2009d
Tendo em vista que a cultura da mobilidade evidencia a diversificação das
mediações, alargam-se as oportunidades das trocas informacionais relacionadas às
experiências urbanas dos motoboys paulistas. A mediação dota o website de
recursos comunicativos, de forma a torná-lo fonte de informações disponíveis na
rede, já que, como nos diz Vaz (2000),
cada contém virtualmente a rede inteira e a informação os objetos do
mundo - está em qualquer e em nenhum ao mesmo tempo. Todos os
museus ou bibliotecas virtuais pertencem a cada nó: basta que estejam
agrupados numa pasta de favoritos. (VAZ, 2000)
A função dos bancos de dados assume fundamental importância na troca de
informações e no processo de constituição da memória sobre o coletivo Canal
Motoboy. Através do banco de dados do projeto, constituído com base na moldura
semântica criada pela ação coletiva, os relatos mediados pela rede Megafone.net
disponibilizam informações para o processo interacional que favorece ltiplas
associações entre os elementos integrantes do coletivo, incentivando a escrita
colaborativa e a construção da memória urbana. Essas interações ubíquas resultam
de interconexões operadas segundo o funcionamento da lógica reticular da
hipermídia, no contexto da rede intermidiática de comunicação (ALZAMORA, 2007).
No caso do projeto, envolvendo fluxos informacionais ativados mediante a
integração dos recursos de comunicação móvel e internet. Diante de uma memória
139
de capacidade infinita, a apropriação do espaço requer a operação atualizadora que,
por sua vez, o redimensiona, constantemente, pela lógica das conexões.
4.1.1 Relatos mediados: o programa coletivo
Considerando-se que os hábitos tecnológicos são indissociáveis das práticas
cotidianas, observa-se, na rede Megafone.net, que as operações de mediação
conjugam elementos sociais e técnicos que ativam formas específicas de interação
social e de percepção do mundo. Essas operações de agenciamento entre os
elementos sociotécnicos geram padrões de funcionamento para as trocas
comunicativas. Nas redes sociotécnicas, os relatos sobre as experiências
urbanas são mediados por processos caracterizados pela ampla e rápida
capacidade de difusão, versatilidade e descontinuidade permitida pela linguagem
hipermidiática, e reticularidade típica do meio. A linguagem hipermidiática permite
que diversas versões da realidade articulem-se no espaço multimidiático, cada dia
mais preenchido por imagens produzidas por meio de dispositivos móveis de
comunicação e amplamente difundidas na internet.
Verifica-se a intensa circulação de imagens que dizem respeito às situações
de vida das pessoas comuns. Essas compõem boa parte dos relatos, organizados
de forma a que sejam preferencialmente acessados, segundo as intenções
comunicativas de coletivos que programam ações, incentivam o compartilhamento
de informações sobre suas experiências cotidianas e estabelecem o convívio social
com base nas possibilidades tecnológicas oferecidas pelo meio. Como afirma
Parente (2004), sobre a organização das informações na rede, o ciberespaço é
apenas o mais novo espaço de jogos da humanidade, que inaugura uma nova
arquitetura, a arquitetura da informação”. (PARENTE, 2004, p. 99).
Com a diversificação das mediações na rede, o meio estabelece padrões de
relacionamento, influenciando as formas de percepção; legitima procedimentos e
regras de conduta e de participação que orientam a convivência social. O espaço
mediado pela linguagem funda, assim, determinada experiência comunicativa,
140
engendrando os sentidos, em torno de certos hábitos sociotécnicos incorporados ao
cotidiano. Pode-se afirmar que o meio conforma a mensagem, de acordo com as
mediações sociotécnicas presentes em determinando ambiente
sociocomunicacional.
139
A rede Megafone.net é construída através da articulação das características
próprias de cada linguagem, processo que absorve as particularidades dos recursos
empregados, integrando-os em uma certa forma de percepção da realidade. O meio
de comunicação modifica as formas de vida, alterando as culturas
140
, produzindo
novas relações com o espaço urbano. Ao modificar a percepção, o meio induz a
comportamentos a ele associados, transformando determinada maneira de se
relacionar com o mundo; assim, estes correspondem às necessidades e expressões
sociais de seu tempo
141
.
Na contemporaneidade, a relação estabelecida com o espaço urbano, através
do uso do aparelho celular, amplia, no espaço de acesso público da internet, a
possibilidade de apropriação das tecnologias comunicacionais e a versatilidade das
conexões. Nas redes sociotécnicas, a produção e o registro instantâneo de imagens
sobre a cidade favorecem o uso da linguagem fotográfica, o que sinaliza a
importância desse recurso tecnológico no desenvolvimento dos processos
comunicativos.
142
139
A conhecida máxima de Mcluhan (2007) de que o “meio é a mensagemressalta a influência
determinante do recurso tecnológico no referido contexto sociocomunicacional. Segundo o autor, o
meio é a mensagem “porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e
associações humanas” (MCLUHAN, 2007, p. 23). Dessa forma, a mensagem reflete o padrão de
mediação introduzido nas relações sociais pelo recurso tecnológico.
140
Nesse sentido, como meio frio, a televisão demanda a postura da busca e solicita o pleno
envolvimento dos sentidos. A aceleração propiciada por essa tecnologia não permite a fragmentação
da percepção ou a objetivação do visual, remetendo a uma experiência em que o corpo é envolvido;
modificando, tal como a fotografia e o cinema o fizeram, a relação entre a tecnologia e o homem.
141
Enquanto a tecnologia da máquina vem fragmentar, especializar; a automação integraliza,
descentralizando os processos comunicativos. Da mesma forma, “a estrada de ferro não introduziu
movimento, transporte, roda ou caminhos na sociedade humana, mas acelerou e ampliou a escala
das funções anteriores, criando os tipos de cidades, de trabalho e de lazer totalmente novos”
(MCLUHAN, 2007, p. 22).
142
Com a introdução dos recursos fotográficos no circuito das artes, no século XIX, novas formas
de percepção do tempo e do espaço tornaram-se acessíveis ao homem moderno, através do
processo de reprodutibilidade técnica. O declínio da aura da obra de arte marca a nova fase da
relação com o objeto artístico, até então destinado a ser contemplado em espaço exclusivo. A
transformação tecnológica socializa a experiência, ao retirar do objeto a autoridade que carregava,
141
As práticas coletivas envolvidas no Canal Motoboy são desenvolvidas de
forma a privilegiar o uso da fotografia, uma vez que o programa direciona essas
ações à formulação de espacialidades, destinadas a tornar visíveis novas relações
entre os elementos urbanos registrados e a presença do motoboy. A interface gráfica
organiza as informações textuais e sonoras, em torno das imagens dispostas em
rede.
Flusser (2002) destaca a dimensão simbólica da fotografia, que consiste no
primeiro objeto pós-industrial, que seu valor reside na informação que carrega, e
não no objeto em si mesmo, implicando a vigência do símbolo. O autor enfatiza a
relação do fotógrafo com o meio, em função do programa que o aparelho prevê, na
produção de símbolos sobre o mundo:
Imagem produzida e distribuída automaticamente no decorrer de um jogo
programado, que se ao acaso que se torna necessidade, cuja
informação simbólica, em sua superfície, programa o receptor para um
comportamento mágico. (FLUSSER, 2002, p. 71).
O gesto de fotografar é comandado pelo programa que atravessa todo o
processo de mediação sociotécnica, ou seja, este afeta as formas como se
relacionam os elementos sociais e técnicos envolvidos no processo comunicativo. O
resultado do programa é a produção de imagens técnicas, desenvolvidas por meio
de aparelhos, cuja função é informar: produzir, manipular e armazenar símbolos. O
fotógrafo age, então, como um funcionário do que se passa no interior do aparelho,
da “caixa preta” que determina a linguagem, ao mediar o processo de
representação: ele fotografa automaticamente.
Em vez de suas vivências, valores e conhecimentos, ele fotografa a “memória
da máquina”, ou aquilo que o seduz, orientando seus relatos, em decorrência da
função de programação implícita no aparelho.
Fotógrafo amador apenas obedece modos de usar, cada vez mais simples,
inscritos ao lado externo do aparelho. De maneira que quem fotografa não
pode decifrar fotografias. Sua práxis o impede de fazê-lo, pois o fotógrafo
seu testemunho, enquanto tradição. Este é o momento em que a arte contemporânea passa a se
orientar pelo mecanismo da reprodutibilidade, propiciando a experiência inclusiva: A catedral
abandona seu lugar para instalar-se no estúdio de um amador, o coro, executado numa sala ou ar
livre, pode ser ouvido num quarto” (BENJAMIN, 1996, p. 168). Mais sobre o assunto ver Benjamin
(1996).
142
amador crê ser o fotografar gesto automático graças ao qual o mundo vai
aparecendo. (FLUSSER, 2002, p. 55).
A informação adquire seu último significado no canal de distribuição e para
sua transcodificação colaboram fotógrafo e aparelho. Para o autor, lidar com a
automação envolvida no jogo entre imagem, aparelho, informação e programa exige
ir contra as camadas de mediação imposta pelo aparelho, estabelecendo intenções
humanas”, frente ao significado mágico das imagens (FLUSSER, 2002, p. 70). As
interações sociotécnicas em questão processam-se no interior do “jogo” estabelecido
entre o aparelho e o fotógrafo. O caráter intencional dessas imagens vale-se do
programa para se afirmar publicamente, superando-o; ou de outra forma, é superado
por ele, automatizando-se.
Tanto tendemos à mediação das imagens técnicas no mundo atual que
são elas a memória eterna de todo empenho... Como a imagem técnica é a
meta de todo ato, este deixa de ser histórico, passando a ser um ritual de
magia. Gesto eternamente reconstituível segundo o programa. Com efeito,
o universo das imagens técnicas vai se estabelecendo como plenitude dos
tempos. (FLUSSER, 2002, p. 18).
A imagem técnica reconstitui a dimensão mágica abstraída pelo texto, sem,
no entanto, suprimi-lo de sua processualidade, ao contrário, reflete a codificação
textual embutida no processo.
143
Se a função das imagens técnicas é libertar o
homem do pensamento conceitual, a dos textos reside justamente em retirar das
imagens o seu caráter mágico. As imagens técnicas não criam novos imaginários
sobre o mundo, a que se destinava a imagem pré-histórica, mas decorrem da
construção do pensamento linear, resultante do conjunto das mediações
143
Para Flusser citado por Gerbase (2001) são três os períodos definidores de um pensamento
sobre a manipulação das imagens pelo homem, cuja abordagem nos interessa, tendo em vista a
articulação multidimiática presente na rede Megafone.net e a experiência que a referida mediação
promove no website. Segundo Flusser, na pré-história, a pintura rupestre, com fins pragmáticos,
eliminava as dimensões do tempo e profundidade, possibilitando o relato de caráter mágico, na
mediação entre o homem e o mundo. A escrita realiza uma segunda revolução da imagética, pela
qual o homem concretiza o pensamento linear, em substituição à temporalidade circular das
imagens. Subtrai-se, assim, também a dimensão da largura. Por meio dos conceitos que privilegiam
o raciocínio baseado na abstração das ideias, “o homem afastou-se ainda mais do mundo concreto
quando, efetivamente, pretendia aproximar-se dele” (FLUSSER apud GERBASE, 2001, p. 35). A
escrita, ou nas palavras do autor, as “imagens rasgadas”, passam então a significar o mundo e, uma
vez os textos buscando explicar as imagens, “decifrar textos é descobrir as imagens significadas
pelos conceitos”.
143
sociotécnicas envolvidas no programa embutido no aparelho fotográfico. “Isso faz
com que as imagens técnicas sejam paradoxais: aparentemente, não precisam ser
decifradas, e esta suposta facilidade de acesso impede que elas sejam realmente
compreendidas”, conclui Gerbase (2001, p. 35).
Lembrando Latour (2008), a ação coletiva, da qual a imagem técnica participa
vigorosamente, no Canal Motoboy, resulta do engajamento, em dado momento
histórico, de entidades cnicas e sociais, dentre eles o integrante da rede, que se
propõe a participar das atividades. Ou seja, o acordo temporário entre interesses e
propriedades pertinentes a essas instâncias realiza a intenção comunicativa do
programa - conferindo-lhe sentido coletivo - que, assim, pode se desdobrar, através
das ações em rede. O programa seduz, orienta, conforma a atuação sociotécnica na
rede; ao mesmo tempo em que é produzido e renovado pela ação coletiva, visando
potencializar o alcance de objetivos estabelecidos.
144
A imagem técnica apresenta as experiências urbanas registradas pelo coletivo
Canal Motoboy e, acompanhando-as, os textos, em forma de tags e comentários,
sinalizam conceitos sobre determinada forma de compreender a realidade. Como a
imagem técnica implica a passagem pela representação textual, é também
atravessada pela dimensão histórica que a mediação do projeto detém, sua
produção baseando-se na sobreposição de cadeias de significado construídos
historicamente.
Na pretensa apresentação natural da realidade, as imagens são enunciados
formulados a partir da inalienável dimensão simbólica que as constitui, enquanto
formas de expressão da experiência. As interações resultantes dos relatos mediados
pelo projeto Megafone.net são baseadas na articulação entre os recursos de
linguagem, acionados pelos seus integrantes. Portanto, condicionam-se ao
programa embutido no meio, construído através do acordo entre elementos sociais e
técnicos comprometidos com o desenvolvimento da atuação coletiva.
O programa envolve a composição entre interesses do artista e instituições a
ele vinculadas e àqueles relativos especificamente ao grupo social; como na fase de
lançamento da rede, em que instituições ligadas aos segmentos da arte e cultura
apóiam a iniciativa, atuando junto ao grupo; o que assegura recursos financeiros e
144
Mais sobre o assunto ver Latour (2001, p. 201-246).
144
apoio institucional para o desenvolvimento das ações naquele momento. E ainda, na
atual fase, o artista continua investindo na ação coletiva, respondendo pelo custo de
telefonia móvel do projeto, bem como a Ong Ação Educativa, em cuja sede são
realizadas, periodicamente, as reuniões do coletivo.
Os relatos dos motoboys são elaborados com base na articulação entre o
projeto do artista, vinculado, portanto, às estratégias profissionais do idealizador da
rede, e às demandas do grupo social. O programa associa e modifica esses
objetivos específicos, promovendo acordos temporários que alteram a configuração
original das entidades presentes, ao negociar as intenções do grupo com a do artista
plástico. Como se pode verificar, por exemplo, quanto às restrições referentes à
gestão tecnológica do projeto, mantida sob a responsabilidade de seu idealizador;
tirando proveito dela os coletivos, sob condições de funcionamento previamente
acordadas, que viabilizam as ações realizadas.
Ao mesmo tempo, vale ressaltar que essas interações produzem novas
associações gnicas, mediante as conexões efetuadas no website, que as renovam
constantemente. Interações promovidas não por intermédio das associações
hipermidiáticas, ou seja, vinculadas ao suporte cnico, mas também através do
estreitamento das relações entre o grupo e instituições que fomentam a participação
do coletivo em acontecimentos ligados à vida na cidade, ou mesmo através dos
contatos feitos durante a rotina de trabalho. Submetidas ao programa coletivo, as
imagens técnicas guardam relação direta, no entanto, com o elemento imponderável
das vivências, em decorrência dos usos e apropriações do espaço urbano. Os
registros relatam experiências certamente programadas, mas também de conexões
urbanas imprevistas que se apresentam nos percursos, revelando caminhos
impensados.
Se as imagens técnicas são determinadas por programas que a precedem, ou
resultam do conjunto articulado das mediações implicadas nos processos de
produção industriais e publicitários, por exemplo; no caso dos motoboys paulistas,
são indissociáveis da dimensão institucional do coletivo urbano, enquanto programa
- ou grupo social organizado, instância representativa que administra interesses
comuns. A geração das imagens, processo organizado no âmbito do projeto, reflete
o planejamento do grupo em função de metas coletivas, mas, também, a relação dos
145
motoboys com itinerários determinados pelo universo profissional. Assim, as
imagens retratam, ainda, a programação decorrente dos hábitos e comportamentos
sociais, implicados no imaginário construído sobre a cidade, que antecedem à
experiência coletiva da rede social.
Com Flusser (2002, p. 50), afirma-se que os motoboys fotografam em função
do meio, este permitindo a permanência dos registros na rede, já que “o canal é para
o fotógrafo um método para torná-lo imortal”. As interações em relatos mediados
pelo projeto traduzem, assim, as intenções contidas no programa do aparelho - que
funciona como dispositivo comunicacional, ao promover a aliança de forças entre a
atuação dos participantes da rede e dos meios de comunicação móvel e Internet.
O dispositivo comunicacional socializa a intervenção coletiva no espaço
urbano, refletindo, conforme Latour (2008), o acordo entre agentes sociais e
técnicos, que gera o elemento híbrido (humano/não humano) atuante na rede. Os
relatos fotográficos acenam a possibilidade de persuadir, em relação a determinado
lugar de fala, mas, para isso, o emissor em potencial deve decidir, em princípio,
sobre a validade das operações; se são proveitosas, em função de objetivos
convergentes. Optar, enfim, por aderir ao programa, ou ser seduzido por ele.
4.2 Experiência em rede: entre o estético e o ordinário
Conforme os objetivos previstos no programa coletivo, os motoboys devem
eleger questões relevantes sobre a vida na cidade, produzindo registros que visam
a autorepresentação do grupo social
145
. Situações comunicativas capazes de fazer
frente, assim, ao agendamento, pelas mídias corporativas, dos temas que lhes
145
O processo de auto-representação coletiva implica, como previsto no projeto Megafone.net, a
construção de cenas que gerem novos sentidos à presença do motoboy no espaço urbano. Para
isso, os integrantes da rede devem construir relatos, cujos significados humanizem a imagem da
categoria. Os relatos consistem em cenas multimidiáticas que demostram a posição do grupo em
relação à vida na cidade, nas esferas profissional e pessoal. Situações comunicativas cujos
elementos urbanos sensibilizam para a percepção da referida função profissional, relacionando-a à
preocupação com a qualidade de vida e à esfera das relações pessoais. Na rede, os motoboys
assumem a postura, como previsto no programa, de “cronistas de sua própria realidade”, seja como
participantes das cenas apresentadas pelo coletivo, ou destacando personagens e situações ligadas
ao espaço urbano, cujas vivências são relatadas pelo grupo social.
146
dizem respeito. Os integrantes da rede formulam registros multimidiáticos que
apresentam suas experiências ordinárias, através de uma ótica própria sobre o
cotidiano, particularizando determinada visão de mundo.
Nesse contexto, observa-se a experiência ordinária relacionando-a aos
processos sociocomunicacionais presentes na rede; como instância que sedimenta
o aprendizado adquirido através das vivências cotidianas, disponibilizando
parâmetros, modelos e referências razoáveis para a ação concreta no mundo
(RODRIGUES, 1997). Por isso, pode-se dizer que essas práticas comunicativas,
realizadas no território híbrido físico/informacional, passam a engendrar as
experiências do coletivo, que constroem um espaço de interlocução e
aprendizado a partir de suas vivências no espaço urbano.
Compreende-se a experiência ordinária como o conjunto de experimentações
alicerçadas, fundamentalmente, no emprego do senso comum, ou dos
conhecimentos aos quais se recorre para organização dos relatos sobre o cotidiano.
Adotado como parâmetro para os intercâmbios sociais de que se constitui a
experiência ordinária, o senso comum refere-se à noção, de acordo com Maffesoli
(1998), de algo que tem validade em si, como uma maneira de ser e de pensar que
basta a si própria e não carece, quanto a isso, de nenhum modo preconcebido,
fosse qual fosse, que lhe desse sentido e respeitabilidade(MAFFESOLI, 1998, p.
161).
Trata-se do conhecimento comum, gerado no âmbito da socialidade, ou seja,
conforme o desdobramento dos processos comunicacionais cotidianos, sem o aval
do saber científico ou do poder instituído. O senso comum revela a pluralidade dos
conhecimentos formulados nos âmbitos das instituições sociais, como a família, o
trabalho e, cada vez mais, dos grupos sociais que se formam nas redes tecnológicas
de comunicação.
Através de práticas comunicativas baseadas no testemunho sobre o
cotidiano, a rede Megafone.net tem como eixo o desenvolvimento de relatos sobre o
espaço urbano, elaborados com base nas experiências ordinárias dos grupos. A
prática do testemunho implica, de acordo com Rodrigues (1997) que o enunciador
detenha o privilégio exclusivo do controle sobre a mensagem, uma vez tendo
experienciado diretamente os fenômenos relatados. A rede Megafone.net agencia,
147
portanto, as propriedades sociais e técnicas, em favor da continuidade do processo
comunicacional baseado na ação testemunhal, que apresenta modos singulares de
agir no mundo e perceber o espaço urbano. Por essa razão, a credibilidade da
mensagem trocada depende exclusivamente do reconhecimento, por parte do
destinatário, do capital de credibilidade que está disposto a atribuir ao destinador da
mensagem” (RODRIGUES, 1997).
A rede é construída, assim, com base no nculo
146
formado entre os
participantes, tendo como referência central o compromisso com o testemunho sobre
a vida cotidiana. Em torno do relato testemunhal, as ações são desenvolvidas, o que
amplia os laços sociais do grupo para outros espaços comunicativos.
A experiência ordinária corresponde ao conhecimento que abrange tanto os
valores e crenças, como o domínio das percepções e sensações
147
, e a expressão
das emoções
148
compartilhadas por determinada coletividade, que orientam suas
condutas práticas. Nesse sentido, Maffesoli (1998, p.175) aponta a dependência dos
universos inteligível e sensível na formulação do senso comum; e o fato de que, na
base de toda socialidade, antes de qualquer racionalização, existe uma vivência
comum”, que permite o desdobramento das trocas sociais. Conforme Sod(2006),
a emoção unidade aos fenômenos sensíveis, fazendo com que o estado afetivo
permeie todos os estados da consciência” (SODRÉ, 2006, p. 29).
O universo do senso comum, que caracteriza a experiência ordinária, envolve,
assim, a dimensão afetiva
149
que permeia as trocas sociais efetuadas na rede,
146
Destaca-se a dimensão do vínculo como condição necessária à constituição da rede
sociotécnica. O vínculo viabiliza a formação de laços que respondem a interesses comuns, mas
também remete à adoção de determinada forma de comprometimento com a causa coletiva. A
geração do vínculo, conforme Sodré (2006, p.69), é instaurada pela condição da instância comum,
que opera a sintonia sensível das singularidades, capaz de produzir uma similitude harmonizadora
do diverso”.
147
Segundo Sodré (2006. p.81), a percepção consiste na intuição primeira de um conjunto ou todo
exterior ao sujeito, a partir de uma impressão sensorial e na dependência de um sentimento de
realidade. Já a sensação apreende uma qualidade do todo, independentemente do conjunto; “é
subjetiva, mas implica uma análise”.
148
O significado de emoção está circunscrito àão de afetar ou do exercício de uma ação sobre a
sensibilidade de um ser necessariamente vivo; correspondendo, portanto, a um “fenômeno afetivo
que não sendo tendência para um objetivo, nem uma ação de fora para dentro (a sensação, vale
lembrar, é de fora para dentro), define-se por um estado de choque ou perturbação da consciência”
(SODRÉ, 2006, p.29).
149
Sodré (2006, p. 29) esclarece que termos como afeição ou afecção referem-se a estados e
148
através das quais se transforma a experiência; por isso, essa inclui o uso da razão,
como também os sentimentos
150
inerentes aos processos comunicativos.
O conhecimento incorporado à experiência do dia-a-dia diz respeito ao modo
como os participantes são afetados por elementos híbridos, dispostos em redes
sociotécnicas (LATOUR, 2008); mediante contextos comunicativos e sujeitos,
portanto, à dinâmica das interações sociais
151
. Dessa forma, os elementos urbanos
são articulados por meio das práticas comunicacionais das quais fazem parte os
motoboys, conforme o agenciamento do programa, que transforma suas
experiências urbanas, através de novas experimentações, de ordem afetiva, geradas
no âmbito da rede.
O programa coletivo resulta da dinâmica operacional que articula as formas
de apropriação do espaço urbano, baseadas na mobilidade; e as propriedades
tecnológicas do meio intermidiático, que conjuga os recursos técnicos dos meios de
comunicação móvel e da internet. Assim, a rede aciona formas próprias de uso do
espaço, gerando um campo visual configurado por essas práticas comunicativas que
exprimem as emoções relacionadas às vivências no espaço urbano.
Com o emprego das mídias locativas em contextos colaborativos, as redes
sociotécnicas espacializam comportamentos e valores que regulam as relações
comunicativas. Amplia-se a dimensão simbólica do espaço urbano, por meio das
associações realizadas entre as informações que circulam na rede e os dispositivos
físicos de conexão urbana. Ao espaço delineado pela dinâmica das relações sociais,
construído, portanto, através da ação humana sobre a paisagem (SANTOS, 1997),
são atribuídas formas significantes, constantemente desdobradas em modos
tendências dentro da função psíquica denominada afetividade, que envolve a “mudança de estado e
tendência para certo objetivo, provocadas por causa externa”. Emoção e paixão são recursos
sensíveis, do campo da afetividade, que se diferenciam pelo fato de que a última implica um estado
emocional durável, mais persistente do que o abalo instantâneo que caracteriza a emoção.
150
Sodré (2006) cita Damásio para explicar que os sentimentos correspondem à percepção das
alterações provocadas no corpo, como decorrência das emoções vivenciadas nas situações do
cotidiano. Assim, os sentimentos acompanham o estado do corpo, ao mesmo tempo em que os
pensamentos continuam a se desenvolver ao longo das interações com o meio circundante.
(DAMÁSIO apud SODRÉ, 2006, p. 48).
151
A experiência ordinária resulta, portanto, da influência dos acontecimentos em situações
marcadas pela alteridade, como explica Valverde (2008): A experiência de vida assume caráter
claramente relacional, envolvendo a participação do sujeito vivo em seu ambiente, a unidade dos
momentos vividos por esse sujeito e sua interação com outros sujeitos presentes no mesmo
mundo”. (VALVERDE, 2008).
149
específicos de sentir, agir e conceber as relações sociais
152
.
Como se observa no projeto Megafone.net, as práticas comunicativas
articulam as experiências ordinária - fundada no conhecimento comum-, e estética -
referente à dimensão sensível da existência-, permitindo, através dos recursos de
linguagem, a manutenção do espaço de ação colaborativa. Considera-se que essas
formas expressivas, uma vez espacializadas na rede, implicam a presença dos
motoboys em contexto interacional de dimensão estética, no qual as emoções
caminham junto ao uso da razão, que os sentimentos estabelecem a empatia
necessária ao desdobramento das relações comunicacionais na rede.
De acordo com Bretas (2008), os processos de interação social revelam
marcas próprias de enunciações coletivas, que indicam a importância da “natureza
estética das interlocuções, conformadas de acordo com modalidades contratuais
peculiares a cada grupo ou comunidade que articula cadeias de enunciados...”.
Parte-se do pressuposto de que a dimensão estética presente na experiência
ordinária afeta o desenvolvimento do ato comunicativo e a configuração das
relações sociais nas redes. Como afirma Martino (2007, p. 31), uma estética em
todo ato comunicativo, que abarca o domínio das sensações, sentimentos e afetos
resultantes das impressões dos objetos do mundo sobre os sentidos humanos -
estágio sem o qual o processo comunicativo não pode ser acionado.
Percebe-se que a produção simbólica, baseada no uso do senso comum,
conforma significados estéticos que passam, assim, a integrar o cotidiano dos
motoboys. Elementos urbanos o revisitados, reordenados conforme a lógica das
conexões, através da articulação dos recursos multimidáticos que evidenciam a
experiência estética. Isto porque estes privilegiam a percepção da dimensão
sensível dos acontecimentos que acometem a vida dos profissionais paulistas,
construindo a rede através da afetação dos sentidos pelas emoções expressas, sob
a forma do testemunho do cotidiano. Os relatos do Canal Motoby relacionam as
vivências ordinárias aos sentimentos e aspirações coletivas, direcionando a
percepção para quadros nos quais os elementos ordinário e estético do cotidiano
152
Martino (2007) enfatiza que a linguagem estrutura a percepção conceitual, através de símbolos
arbitrários, que permitem a compreensão do mundo; sendo construída por predisposições
emocionais, afetivas e inconscientes. Tal é a sua importância, que “o entendimento do mundo é o
entendimento da linguagem que o estrutura. A clareza na linguagem é a clareza no entendimento do
mundo” (MARTINO, 2007, p. 63).
150
são indissociáveis da experiência urbana relatada.
O uso dos recursos s-massivos das mídias locativas é prioritariamente
direcionado, segundo o programa coletivo, para estratégias de envolvimento afetivo,
o que acentua as propriedades estéticas inerentes à composição da interface
gráfica. Pode-se dizer que as características técnicas fundem-se à apropriação
social do espaço, que acompanha as necessidades concretas do grupo, para a
montagem de espacialidades multimidiáticas que reúnem esses elementos urbanos
na rede (FERRARA, 2007a,b). A rede híbrida é caracterizada pela conjugação dos
universos ordinário e estético, através das formas de agenciamento dos elementos
sociais e técnicos. A atuação conjunta desses recursos humanos e não humanos
resulta na apresentação de uma estética do cotidiano, com base no testemunho dos
motoboys.
Por implicar o afeto, a partilha e o vínculo como elementos estruturantes da
existência, a dimensão sensível amalgama, na instância do conhecimento comum,
os elementos sociotécnicos que participam dos processos comunicacionais.
Maffesoli (1998) relaciona a ênfase crescente à sabedoria gerada no convívio social
com o ressurgimento do vínculo comunitário na contemporaneidade. Se o
racionalismo instituiu o ideal da solidariedade mecânica postulada pela democracia
moderna; hoje o senso comum “conforta a solidariedade orgânica do ideal
comunitário”, caracterizando a formação de grupos sociais por afinidades estéticas e
afetivas, não necessariamente amparados por pressupostos de fundo racional e
ordenação progressiva dos propósitos e sentidos compartilhados
153
. (MAFFESOLI,
1998, p. 174).
Portanto, a utilização dos dispositivos móveis, associados aos recursos da
internet, evidencia o emprego do senso comum como elemento estruturador das
experiências que circulam nas redes sociotécnicas contemporâneas. A partir do
autor, pode-se afirmar que as vivências coletivas são, cada vez mais, norteadas por
aspectos ligados à sensibilidade e aos afetos cotidianos. Estes são evidenciados,
nas redes sociotécnicas contemporâneas, em consequência da queda dos grandes
153
Para Maffesoli (2007), a relativização da experiência, pela História, motiva, na atualidade, o
“retorno do recalcado”, que corresponde às formas de vida presentes no cotidiano. De acordo com
ele, “a História acabou por evacuar as histórias”, ao adotar uma atitude de “centrifuguismo”, em vez
da visão que busca a apreensão da “experiência vivida”, do “relacionismo” e das “inter-relações
recíprocas”. Mais detalhes a este respeito podem ser encontrados em: Maffesoli (2007, p. 241-260).
151
relatos, que caracterizaram o pensamento moderno, como referência para a
organização da experiência. A importância dos microrrelatos recebe visibilidade
crescente na rede, o que evidencia a centralidade da experiência ordinária como
alicerce das relações cotidianas.
Pode-se dizer, ainda, que, fundamentadas na gica associativa (TEIXEIRA
PRIMO; RECUERO, 2006), as práticas de anotação urbana, realizadas pelos
motoboys, reordenam, em alguma medida, os lugares e as funções sociais
associadas a esse profissional, gerando heterotopias (FOUCAULT, 1984), através
do deslocamento dos elementos urbanos. Essas cenas multimidiáticas evidenciam
as imagens como suporte da ação realizada por recursos de texto e som, que a elas
vêm complementar. Ao reorganizar os lugares do mundo através da visualidade
tecnificada (GÓMEZ, 2006), a ação coletiva cria lugares nos quais as utopias do
grupo podem ser realizadas; cujo controle das informações, disponibilizadas no
território híbrido físico/virtual, é mantido pelos participantes do projeto. Nas redes
sociotécnicas contemporâneas, essas heterotopias constituem espaços que
enfatizam a dimensão estética das vivências, concretizada por meio dos recursos
multimidiáticos da interface gráfica.
O uso social da tecnologia
154
conforma, portanto, a experiência ordinária,
participando dos modos de vida que engendram as vivências compartilhadas. A
prática do testemunho oportuniza aos integrantes do Canal Motoboy gerarem
espacialidades que privilegiam a percepção sensível do espaço urbano, com base
no uso do senso comum, ou do conhecimento gerado no território físico/virtual. A
dimensão estética desses processos comunicacionais demarca a construção do
território informacional de uso e organização coletiva, engendrando a formação de
laços sociais e a vinculação de ordem afetiva. Tais circunstâncias favorecem,
provavelmente, o desenvolvimento das ações colaborativas que se mantêm ativas
através da atitude voluntária de seus integrantes; essa, por sua vez, fundamentada
154
Santaella (1996) esclarece que, enquanto as ferramentas são artefatos que funcionam como
extensões ou prolongamentos de habilidades físicas, destinadas à realização de um trabalho ou
tarefa, as máquinas são uma espécie de ferramenta que detem a capacidade de aumentar a rapidez
da atividade humana. “Toda máquina começa com a imitação de uma característica humana que a
máquina se torna, então, capaz de amplificar” De acordo com ela, as máquinas podem atuar em três
níveis de atividade humana: muscular-motor (criadas com a Revolução Industrial, cujo símbolo era a
máquina a vapor), sensório (a exemplo da fotografia) e cerebral (computadores). (SANTAELLA,
1996, p. 197).
152
nos sentimentos e aspirações comuns que constituem o universo da experiência
estética.
4.2.1 Sobre a experiência estética
Ao tornar visíveis os modos de uso e apropriação do espaço urbano, através
da apresentação de formas sensíveis relacionadas a essas práticas, a experiência
estética singulariza as vivências dos motoboys da rede Megafone.net, porque
distingue, lembrando Rancière (2005), determinada forma de organização dos
elementos urbanos, através dos relatos formulados. Sodré (2006) observa que o fato
estético relaciona-se diretamente ao universo das emoções que fazem parte do
cotidiano, abarcando uma teoria da sensibilidade, entendida como o conhecimento
intuitivo transmitido pelos sentidos, sem a mediação reflexiva dos conceitos
(SODRÉ, 2006, p. 89). As espacialidades criadas no Canal Motoboy inscrevem as
vivências, assim, na dimensão sensível da existência, ao se participar de processos
comunicacionais que enfatizam as emoções e os sentimentos.
Ao retomar a origem da Estética com A.G. Baugarten (XVIII), de acordo com a
qual esta remete fundamentalmente à arte de perceber, ou a uma poética da
percepção por meio dos sentidos, Sodré faz referência, assim, às formas sensíveis
que engendram as trocas afetivas, no plano das interações pautadas pelo
sentimento. Relacionada ao conteúdo afetivo da vida cotidiana, a experiência
estética está vinculada ao estado da estesia, que caracteriza a percepção sensível
dos acontecimentos que afetam as vivências; nas palavras do autor, abrindo-se
para uma semântica do imaginário coletivo, presente na ordem das aparências fortes
ou formas sensíveis que investem as relações intersubjetivas no espaço social
(SODRÉ, 2006, p. 91).
Em ambientes comunicativos favoráveis a experiências que enfatizem as
emoções, ativam-se os mecanismos denominados por Sodré (2006) de “estratégias
sensíveis”, articuladas no contexto dos jogos intersubjetivos das vinculações sociais,
que permitem a partilha de vivências cotidianas. As estratégias sensíveis revelam
153
formas expressivas voltadas à persuasão do outro, mas que não se baseiam,
predominantemente, na argumentação plausível sobre determinado aspecto da
realidade, enfatizando o jogo das emoções e a afetação por meio dos sentidos.
Nelas prevalecem os aspectos sensíveis envolvidos nas trocas sociais, em
detrimento dos conceitos associados ao uso do raciocínio.
Através das estratégias sensíveis, são estabelecidos vínculos sociais,
mantidos em função de determinada ligação afetiva, de dimensão, portanto, estética;
e não, prioritariamente, por razões fundamentadas na funcionalidade de propósitos
previamente estabelecidos, ou racionalmente justificáveis.
No lugar, portanto, de uma comunidade argumentativa e consensual,
produtora de normas e sentido num contexto intersubjetivo de livre
discussão, emerge uma comunidade afetiva, de base estética, onde a
paixão dos sujeitos mobiliza a discursividade das interações (SODRÉ, 2006,
p. 67).
Por meio da língua ordinária, as expressões sociais ligadas aos afetos da vida
cotidiana renovam-se, através dos jogos intersubjetivos das vinculações sociais, e
extrapolam o controle racional sobre o processo comunicativo. Conforme argumenta
o autor, essa é a situação enunciativa, em que têm lugar o que nos permitimos
designar como estratégias sensíveis, para nos referirmos aos jogos de vinculação
dos sujeitos no interior da linguagem” (SODRÉ, 2006, p. 120).
Nesse sentido, pode-se dizer que os sentimentos compartilhados sobre os
acontecimentos do dia-a-dia, no Canal Motoboy, respondem pela formação de
vínculos afetivos no plano da experiência ordinária; articulados por estratégias
sensíveis das quais lançam mão as pessoas comuns, com a atuação dos recursos
tecnológicos disponíveis nas redes sociotécnicas contemporâneas. Assim,
processos relacionais são construídos, no espaço situado entre as experiências
ordinária e estética, no qual a vinculação aparece como a 'estratégia sensível que
institui a essência do processo comunicativo” (SODRÉ, 2006, p. 93).
A estética é caracterizada por Sodré como o signo da comunicação, enquanto
âmbito da pluralidade de sentido e abertura a novos significados. Isso porque a
experiência estética não atinge a dimensão de representação do objeto, decorrente
da influência de determinada generalidade simbólica sobre as relações sociais. A
154
experiência sensível implica a construção de processos relacionais marcados pela
indeterminação dos sentidos e particularidade da polissemia, nos quais prevalece a
circunstância de possibilidade e potência dos elementos que fazem parte do
processo comunicativo. Sob o domínio do elemento vago, indefinido, a estética abre
espaço à ocorrência do acontecimento impreciso, do fator imponderável; nela
prevalecem, assim, os aspectos qualitativos do objeto, e não a organização dos
conceitos que caracteriza a mediação simbólica.
O autor baseia-se no conceito de signo, conforme postulado pela teoria
semiótica, desenvolvida por Charles Sanders Peirce (2008, p. 46)
155
. Nessa teoria,
o signo, ou representâmen é aquilo que sob certo aspecto ou modo, representa algo
para alguém”.
Ainda nas palavras de Peirce (2008), o signo
é tudo aquilo que está relacionado com uma Segunda coisa, seu Objeto,
com respeito a uma Qualidade, de modo tal a trazer uma terceira coisa, seu
Interpretante, para uma relação com o mesmo objeto, e de modo tal a trazer
uma Quarta para uma relação com aquele objeto na mesma forma, ad
infinitum. (PIERCE, 2008, p. 28-29).
O signo constitui o meio de comunicação que permite a partilha de
experiências, ao realizar a operação de mediação e representação das coisas
(SODRÉ, 2006). Através da operação semiótica da mediação, o signo permite o
trânsito de uma propriedade de um elemento para outro, por meio da linguagem. A
mediação articula as operações de determinação e representação sígnica. O signo
processa a semiose, ou ação de representação sígnica, ao fazer a ponte entre o
lugar lógico da emissão - que o determina, e a interpretação de uma mente
interpretante, que consiste no lugar lógico de representação.
Peirce identifica três categorias presentes no processo comunicativo, no
âmbito do qual essas são indissociáveis: a primeiridade consiste na qualidade,
categoria na qual prevalece a dimensão estética, portanto, relacionada ao domínio
da percepção sensível da experiência. a secundidade refere-se à instância do
atual, da ordem da percepção vinculada à existência no mundo; e a terceiridade aos
155
Charles Sanders Peirce (1839-1914) é o fundador da doutrina dos signos, ou semiótica. A
referida teoria será abordada para a conceituação do signo estético, tendo em vista o necessário
entendimento de suas propriedades, que delineiam a experiência estética da vida ordinária.
155
hábitos e leis que regulam os fenômenos, aos valores e princípios que determinam a
vida cultural e social (PEIRCE, 2008)
156
.
Alzamora (2007) explica que, na semiose peirceana, as dimensões do
espaço e do tempo são tratadas como instâncias lógicas, referindo-se à
“permanência fugaz dos correlatos gnicos”. As configurações espaço-temporais do
ciberespaço relacionam-se, desta forma, ao predomínio das categorias da
primeiridade, secundidade ou terceiridade, conforme enfatizem respectivamente, o
presenteísmo; a contiguidade física, referência ao passado; ou o caráter dinâmico
dos movimentos, tendência ao futuro.
Como espaço resultante das relações sociais, constituído, portanto, pela ação
concreta no mundo, a experiência ordinária corresponde à categoria sígnica da
secundidade
157
. A dimensão da experiência estética está situada na primeira
categoria da secundidade, sendo formada por signos degenerados, uma vez que o
ícone, signo correspondente a essa instância,
158
estabelece com os objetos a
156
As três instâncias funcionam segundo três tricotomias: “Os signos são divisíveis conforme três
tricotomias; a primeira, conforme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente
concreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no
fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou mantiver alguma relação existencial com esse
objeto ou em sua relação com um interpretante; a terceira, conforme seu interpretante representá-lo
como um signo de possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo de razão” (PEIRCE,
2008, p. 51). Conforme seu interpretante, as imagens podem adquirir caráter de secundidade
discente (segunda categoria da terceiridade), como em montagens fotográficas que conduzem a
imagens incompatíveis com a realidade; e caráter generalizante de argumento (terceira categoria da
terceiridade), de acordo com o contexto comunicativo em que se inserem, como na fotografia de
propaganda e na fotografia científica. Sobre o assunto, ver: Santaella e Noth, (2008, p. 150).
157
A categoria da secundidade inclui as mediações do ícone (no nível da primeiridade), índice
(secundidade) e o símbolo (terceiridade). Vale lembrar que as três instâncias sígnicas funcionam
juntas, sempre em relação uma à outra e, caso isso não aconteça, estão comprometidas as
condições necessárias para a evolução do propósito coletivo da convivência, rumo à razoabilidade
concreta. Pela mediação dos signos, os princípios universais vão sendo descartados, ou
reformados, em função das circunstâncias que afetam a existência no espaço das interações
sociais. No entanto, conforme possibilitar a polissemia, o espaço torna-se mais aberto à pluralidade
dos sentidos, como em práticas colaborativas que, em graus diferenciados, fortalecem as
propriedades do signo estético.
158
As imagens são qualisignos (instância da primeiridade) situadas na segunda tricotomia peirceana
(secundidade), portanto, expressam as qualidades do signo em si mesmo, no contexto das relações
que este mesmo signo estabelece entre o objeto que o determina e a sua existência concreta, sob
certas condições reais, e que, nessas circunstâncias, produz interpretantes emocionais (hábitos de
sentimento). Situado na primeira categoria da secundidade o ícone abrange a imagem, o diagrama e
a metáfora, que guardam a relação de semelhança com as coisas, identificando-as por sua
qualidade de sensação e sentimento. Mas, observa-se que, mesmo o signo estético, caracterizado
pela instância da qualidade, é condicionado no plano da lei, já que, embora não implique a
representação atrelada ao referente, é limitado por propriedades físicas inerentes à qualidade a ele
156
relação de semelhança, analogia e metáfora, que não completam a função de
representação ou mediação, característica da terceiridade. Para Peirce (2008), a
estética é a primeira das três ciências normativas (estética, ética e lógica ou
semiótica). o signo estético - ou hipoícone - é um signo degenerado, porque não
cumpre a função de representação sígnica.
Assim, justamente porque não está vinculada à determinação dos conceitos
estabelecidos no campo simbólico da terceiridade
159
, a experiência que evidencia a
qualidade do signo estético - devido ao seu alto poder de sugestão - é demarcada
pela abertura do sentido, como afirma Sodré (2006). Santaella (1994) esclarece que
todo signo tem um determinado tipo de propriedade que definirá a espécie de
relação mantida com o objeto; no caso do signo estético,
[...] são as qualidades intrínsecas do signo que se colocam em primeiro
plano, pois se assim não fosse, ele o estaria apto a produzir o efeito de
suspensão de sentido, ou desautomatização dos processos interpretativos
entorpecidos pelo hábito, suspensão esta responsável pela regeneração
perceptiva, mudança de hábito de sentimento na qual se consubstancia o
efeito característico que faz desse signo o que ele é: estético (SANTAELLA,
1994, p.180).
Devido às propriedades de suspensão dos sentidos e desautomatização dos
hábitos, o signo estético possui a capacidade de provocar ruídos na percepção
habitual das cenas cotidianas. Isto porque a experiência ordinária decorrente da
mediação deste signo privilegia, como visto, a sensação da unicidade e imediatismo,
apresentando situações imprevistas, que provocam novas percepções sobre a
realidade
160
.
relacionada.
159
Observa-se que a terceiridade diz respeito, também, aos clichês produzidos e legitimados pela
uniformização dos estereótipos sociais, criados pelas instâncias do poder institucionalizado, dentre
elas a midiática. Daí a potência das mídias locativas para a transformação de imagens
consolidadas, através do uso de recursos de linguagem que privilegiam a dimensão estética.
160
Assim, entende-se que tais situações comunicativas podem vir a modificar os hábitos de
sentimento, chamados de interpretantes emocionais, correspondentes à categoria da primeiridade.
Os demais tipos de interpretante são: energético (secundidade) e lógico (terceiridade), de forma
que, em cada um deles, respectivamente, o signo evidencia a qualidade pura, a relação com o
existente e a interpretação do objeto, em direção à razoabilidade concreta, condição jamais
definitivamente alcançada.
157
Referindo-se à presença, por ela mesma, da qualidade, a experiência estética
não está atada ao referente vinculado a determinado espaço simbólico, situando-se
na categoria da primeiridade, na qual observamos as características predominantes
da mediação sociotécnica rede Megafone.net
161
. Na rede, o ícone - entre ser coisa
(potência, uma vez situado no âmbito da primeiridade) e signo (mediação, que
corresponde à primeira categoria da terceiridade, os chamados interpretantes
emocionais), não representa o objeto, como visto, embora contenha uma ligação
especial entre o pensamento e o sentimento que permite a este signo oferecer uma
experiência de abertura de sentido (SODRÉ, 2006).
A foto, como signo icônico, possui a qualidade do sentimento, mas é um signo
complexo, tendo em vista que funciona como índice, ao apontar para o fato
existente. Mesmo sendo indicial, explica Santaella (2004), a linguagem fotográfica
permanece signo estético, porque nela prevalecem as características do imediatismo
e unicidade, que identificam a qualidade do objeto, priorizando a sua dimensão
sensível.
De acordo com Santaella (1994), a ambiguidade que a qualidade detém, e
não o objeto, define a estética. Como este signo o corresponde exatamente ao
objeto, mas diz respeito à ambiguidade inerente ao sentimento produzido pela
mediação, o componente estético da rede Megafone.net não consiste propriamente
no objeto da fotografia, cuja mediação detém centralidade nas estratégias de
linguagem acionadas por seus integrantes, mas equivale à sensação imediata
provocada pelo conjunto das formas sensíveis.
Com base nas práticas urbanas dos motoboys paulistas, a mediação do
programa configura a experiência estética, uma vez que as situações comunicativas
não dizem respeito à construção de determinada argumentação que represente os
fundamentos da ação coletiva, mas se alicerçam, principalmente, nos sentimentos e
emoções que emergem das experiências de seus integrantes no espaço urbano.
Essas experiências são constantemente redimensionadas, por trocas promovidas
conforme as múltiplas interconexões operadas em rede.
161
Como visto, não se trata de uma característica exclusiva, tendo em vista que as três categorias
estão presentes, simultaneamente, nas operações de mediação sígnica, mas de se observar o
predomínio de uma ambiência que, provavelmente, privilegia as propriedades do signo estético.
158
A partir do conceito de signo estético, formulado por Peirce (2008),
discutimos, nas perspectivas adotadas por Sodré (2006) e Santaella (1994), a
dimensão estética dos relatos multimidiáticos presentes no Canal Motoboy. Trata-se
de compreender a ação do signo estético na constituição do espaço reticular, que
privilegia, através da mobilidade física e informacional, as conexões fluidas e
imediatas entre os elementos da rede; bem como mediante as propriedades e
formas de apropriação social dos recursos multimidiáticos, que remetem à
centralidade da imagem e à expressão da dimensão afetiva da experiência
urbana
162
.
As conexões temporárias configuram um espaço coletivo de experimentação,
no qual prevalece o presenteísmo nas trocas promovidas, em rede, através das
múltiplas associações sígnicas. Revela-se o predomínio da categoria da
primeiridade, em decorrência das características tecnológicas do meio
hipermidiático e multimidiático, conjugadas às formas de uso e apropriação do
espaço, que se caracterizam, por sua vez, pela mobilidade física e expressão da
dimensão sensível das vivências urbanas.
Observa-se, ainda, a relevância da instância da secundidade no âmbito do
projeto. Caracterizada pela contiguidade física das vivências, no plano
físico/informacional da experiência ordinária, essa faz referência ao passado,
sinalizando a conexão existencial entre os acontecimentos urbanos. Da associação
entre os registros hipermidiáticos (referentes às configurações espaço-temporais
dos elementos da rede), decorre a construção da memória do grupo - por meio do
banco de dados que referencia a continuidade do fazer coletivo.
O espaço reticular do projeto Megafone.net articula os relatos multimidiáticos
dos motoboys paulistas, evidenciando, através da linguagem audiovisual, as
162
A teoria semiótica destaca a dimensão estética da experiência (primeiridade), como instância
que define a ética (secundidade) e permite que esta, por sua vez, ancore a lógica ou o raciocínio
(terceiridade). As instâncias da ética e do raciocínio são guiadas pela estética, que confere
sustentação ao objeto, durante o processo comunicativo, como algo admirável por ele mesmo (o
“summum bonnum”), sem nenhuma razão ou consideração anterior que o eleja como tal. Nas
palavras de Santaella (1994, p. 126), “a ética ajuda e guia a lógica através da análise dos fins aos
quais esses meios devem ser dirigidos”, sendo que os sentimentos estão na base da ação e da
razão, consistindo na motivação básica do processo comunicacional, sem a qual não se processa o
desdobramento cognitivo. O qualissigno-icônico-remático (terceiridade) é um signo ideal
(corresponde ao ideal estético, sempre almejado, jamais plenamente alcançado), mas o hipoícone
(legissigno-icônico-remático) corresponde, na categoria da secundidade, à materialização, sempre
parcial e incompleta, desse ideal.
159
dimensões afetiva e sensorial de suas experiências urbanas. O signo estético
enfatiza a relação de semelhança com seu referente e, assim, favorece as
vinculações afetivas entre o grupo, assim como do grupo social com os elementos
do espaço urbano com os quais este interage diariamente. Na medida em que
privilegia a percepção imediata, o conjunto dos recursos multimidiáticos implementa
processos comunicativos nos quais não prevalece a representação - da ordem
conceitual; mas que traduzem as experiências cotidianas dos motoboys paulistas,
preponderantemente, através da esfera simbólico-afetiva das suas vivências no
espaço urbano.
4.3 Canal Dia a Dia
4.3.1 Experiência urbana compartilhada em rede
A mediação dos participantes do Canal Motoboy conforma os modos de
apropriação do espaço urbano, uma vez que o projeto constitui-se do planejamento
coletivo (em reuniões periódicas) e das práticas comunicacionais cotidianas. A
experiência compartilhada em rede é construída, portanto, através da ação concreta
no mundo - no caso dos motoboys, das vivências urbanas estreitamente vinculadas
à condição de mobilidade compulsória no espaço, o que particulariza a relação
desse profissional com os elementos que fazem parte da vida prosaica, agenciando
linhas de força que integram novos percursos urbanos, por intermédio do projeto
(DELEUZE; GUATTARI, 1995).
As situações comunicativas geradas pela ação coletiva ganham a condição
de visibilidade em forma de espacialidades moventes (FERRARA, 2007b), que se
conjugam na rede, provocando novas associações entre os elementos. Ou ainda,
conforme Santos (1997), as relações desenvolvidas no contexto do programa
coletivo incidem sobre o arranjo das circunstâncias espaciais, produzindo novas
espacialidades.
160
Os territórios informacionais, resultantes do agenciamento dessas linhas de
força (LEMOS, 2008), desvelam o desempenho dos elementos urbanos no
programa coletivo. Com o emprego das mídias locativas, efetiva-se o processo de
conexão/compartilhamento/escrita e releitura do espaço, gerando-se elementos
híbridos que se integram ao funcionamento do projeto. Modificam-se, através desses
agenciamentos, tanto os motoboys participantes, quanto também o próprio espaço
urbano, ressignificado através da ação comunicacional (LATOUR, 2008). As
vivências físicas integram-se às práticas on line, assim também a mobilidade
espacial e as condições de vida na metrópole paulista são aliadas às propriedades
multimidiáticas e à linguagem hipermidiática.
Essas práticas urbanas podem ser vistas como táticas que funcionam através
da operação de bricolagem (CERTEAU, 2007), que articulam as referências
simbólicas cotidianas, recombinando-as em resposta à necessidade histórica do
grupo de redimensionar os significados associados as suas vivências. Uma vez o
uso da tecnologia atendendo a demandas sociais; trata-se de situá-las no contexto
da relação estabelecida entre os participantes, o espaço físico da cidade e o
desempenho das mídias locativas. Assim, a composição visual do espaço, por meio
das espacialidades elaboradas com base nas práticas urbanas, permite a percepção
de como a mediação do projeto conforma os relatos dos motoboys. As cenas
relacionam os objetos de modo a apresentar, no espaço híbrido físico/virtual,
determinadas associações entre os elementos selecionados pela atuação coletiva e
a presença do motoboy no espaço urbano, a qual o grupo social pretende
ressignificar.
Por meio dos recursos tecnológicos, os usos e apropriações sociais do
espaço constroem a ambiência polifônica e heterogênea da rede Megafone.net, na
qual as informações se desterritorializam e reterritorializam constantemente, através
do compartilhamento das experiências relatadas. Esses territórios informacionais
constituem, portanto, novas formas do urbano, ao propiciar outras leituras sobre
experiências do homem comum. Ampliando o espaço, ao fundir as vivências no
plano físico/virtual (WEISSBERG, 2004), a rede reforça os vínculos do grupo com o
território físico, cujas práticas são enfatizadas em novas situações comunicativas
(CASTELLS, 2007).
161
A rede intermidiática articula os fluxos comunicacionais, promovidos pela
conjugação entre os recursos móveis de comunicação e da internet. Favorece,
assim, a conexão entre os elementos do espaço urbano, permitindo que os relatos,
formulados pelos habitantes da cidade, expressem suas experiências com base no
uso do senso comum (Maffesoli, 1998), que serve de parâmetro para a construção
dessas vivências na rede. Retomando Benjamin (1996) e Certeau (2007), atualiza-
se a discussão sobre a possibilidade das pessoas comuns narrarem seu cotidiano,
na contemporaneidade, revelando suas experiências de vida. Observa-se, no Canal
Motoboy, o registro de referências de origens diversas sobre a vida na cidade, que
tomam como base, principalmente, a ligação afetiva com os elementos urbanos,
sejam eles relativos aos ambientes familiar, do trabalho, ou do mercado. Estes
objetos são relacionados de maneira a extrapolar domínios específicos, formando
discursos híbridos que demonstram como essas referências alicerçam, juntas, a
experiência cotidiana.
Nesse sentido, os recursos de mediação sociotécnica, dentre eles, as tags,
constituem elemento importante para a expressão dessas experiências. A articulação
entre essas palavras-chave forma um conjunto semântico que possibilita o acesso
às referências simbólicas, norteando os percursos realizados pelos motoboys, para
tratar de suas experiências urbanas. A tag Dia a Dia é a mais frequente no website
(1072 inserções até o dia 13/10/09), articulando situações cotidianas que remetem à
diversificado leque de assuntos. Por meio dessa palavra-chave, associam-se cenas
ligadas ao universo semântico de outras tags, como Trânsito, Fala (referente aos
personagens urbanos), Família, Amigos, dentre outras.
A tag Dia a Dia reúne esses relatos, de forma a proporcionar um mosaico das
experiências urbanas. A interligação entre essas tags reforça o campo semântico à
qual elas dizem respeito, ao mesmo tempo em que gera novas associações
sígnicas, especificando os desdobramentos dessas situações comunicativas;
reorganizando, assim, as espacialidades em territórios de sentido correlatos.
Os relatos sobre a vida ordinária revelam modos de estar na cidade, o ato de
caminhar caracterizado, portanto, como espaço de enunciação, como afirma
Certeau (2007), cujos percursos resultam da afetação contínua entre os elementos
urbanos, envolvidos nos trajetos percorridos pelos motoboys. A exemplo da Figura
162
29, os relatos presentificam modos de fazer e estar no espaço, singularizando as
formas de vida adotadas pelo grupo social.
Tendo à frente dos registros os motoboys, na posição de “cronistas” de suas
vivências, os quadros formulados remetem aos fatos corriqueiros, para tratar do dia-
a-dia, na perspectiva do profissional. A profissão de motoboy está diretamente
vinculada à vida urbana, relação que a cena pretende reforçar. A autoria das
mensagens reitera a intenção de reordenar a forma como os elementos urbanos são
usualmente relacionados aos motoboys.
Figura 29: Neka Dia a Dia 4 2009-08-31 14:06:28
Fonte: Neka, 2009a
Por meio de associações sígnicas relativas à inserção do profissional na
cidade, as relações sociais o encenadas de acordo com certos parâmetros de
convivência, destinados a valorizar as trocas que perfazem essas vivências.
Articulados na rede, os registros informam percursos urbanos diretamente ligados
aos encontros cotidianos; encenando vínculos, evidenciando laços sociais que
permeiam os trajetos realizados na cidade (Figura 30).
163
Figura 30: Andrea Transporte Novo Metrô de S.Paulo 2009-09-12 15:16:18 transporte
Fonte: Canal Dia a Dia, 2009
O detalhamento dessas situações comunicativas, ligadas à convivência diária,
mostra, ainda, a tentativa de descrever os percalços enfrentados nas ruas; o que,
como ressalta, em entrevista a este estudo
163
, o coordenador do projeto, Ronaldo
Simão da Costa, normalmente não acontece na cobertura midiática tradicional,
comumente associada aos acidentes que envolvem a presença dos motoboys. Ele
enfatiza que a programação noticiosa enquadra o profissional como infrator das
regras de trânsito, vinculando-o ao comportamento de desrespeito aos padrões de
convivência social: É motoboy morreu, assaltou, não tem fazendo uma festa.
Agora tem canal motoboy, motoboy de olho”, afirma.
163
As referências feitas, neste capítulo, às declarações dos integrantes do Canal Motoboy, Eliezer
Muniz e Ronaldo Simão da Costa, foram coletadas em entrevista concedida a este estudo, realizada
em 03/10/09, pessoalmente, em São Paulo, com os coordenadores do projeto.
164
Figura 31: Buraco Ronaldo 2009-09-18 17:11:07
Fonte: Ronaldo, 2009h
Áudio: É meu amigo, vocês não estão entendendo nada né? Essa pedra
aqui, ó,mais ou menos do tamanho de um paralelepípedo, estava no meio
da Castelo Branco, na saída 23 B. Se alguém passou, furou o pneu, e
poderia causar um grande acidente na hora que o cara vai desviar de uma
pedra dessas; pode resultar num acidente, que vem vários motoqueiros ao
lado, pode pegar do motoqueiro cair debaixo de uma carreta como a gente
sempre, então a gente que morre muito motoqueiro, só que muita
gente não sabe o que a gente sofre, pra trabalhar na cidade de São Paulo e
em outros municípios também. Valeu. Minha parte eu fiz, na Castelo - saída
23, trânsito muito bom. (RONALDO, 2009h)
A exposição do motoboy ao risco de acidente é comentada na Figura 31, que
destaca a fragilidade das circunstâncias ligadas ao exercício profissional. Ao final, é
enfatizado o caráter de utilidade pública da informação disponibilizada através do
projeto. Verifica-se a influência do modelo midiático, especificamente do formato
radiofônico, com a incorporação, pelo integrante da rede, do papel de repórter. Ele
assume a autoria do discurso que visa, primeiramente, defender o interesse comum
e o bem-estar social, a fim de prestar, desta forma, um serviço de utilidade
pública
164
.
A inserção do projeto na ambiência da cultura midiatizada (FAUSTO NETO,
2008) ou conforme Sodré (2002), no contexto do bios midiático, ocorre, também, por
meio da possível assimilação de seus pressupostos de mediação sociotécnica, pela
programação dos meios tradicionais, principalmente no começo das atividades.
Ronaldo relata que, no início do projeto, foi chamado à Rede Globo para explicar
164
Os registros multimidiáticos são apresentados tal como aparecem no website Canal Motoboy. A
transcrição das gravações sonoras são disponibilizadas, neste estudo, abaixo das imagens, tags e
comentários textuais formulados pelos integrantes do grupo.
165
como os motoboys efetuavam os registros on line, através das práticas
colaborativas.
Ele relaciona o interesse da empresa, quanto ao funcionamento do projeto, às
dificuldades inerentes à produção da atividade jornalística, que exige mais
tempo
para a cobertura dos fatos cotidianos, segundo os parâmetros de qualidade vigentes
no referido meio profissional. Na sua visão, este seria o principal ponto de atração da
proposta, que chamou a atenção para a agilidade das práticas coletivas. Sobre esse
aspecto, acrescenta-se, ainda, que o interesse da empresa pode ser visto como
decorrência da presença do artista à frente do lançamento do projeto - o que
certamente influenciou a expressiva cobertura midiática, tendo em vista o caráter de
noticiabilidade alcançado pela atuação coletiva, junto aos meios corporativos.
Por outro lado, Eliezer aponta, como principal atrativo do programa, a
peculiaridade da condição em trânsito do motoboy, em relação ao motorista e ao
pedestre:
O motorista não tem autonomia sobre a mobilidade dele, ele está preso ao
trânsito. Motoboy não é pedestre, não é motorista de carro e de ônibus.
Essa perspectiva, esse olhar sobre a cidade, que é dele, capta muito
mais coisas, tem a capacidade de contemplar muito mais coisas [...] Chega
uma hora que dá vontade de registrar. (ELIEZER, 2009).
Devido ao potencial comunicativo da rede em se tornar referência pública
para o agendamento midiático, a ideia dos integrantes é de transformar o coletivo
em uma agência de notícias, mas essa perspectiva ainda não foi concretizada, de
acordo com Eliezer, em virtude de dificuldades financeiras e burocráticas, que
inviabilizam a atuação coletiva sob essas condições.
A afirmação permite relacionar a circunstância de extrema mobilidade urbana
ao apelo do programa coletivo, que ativa mecanismos de sedução (FLUSSER, 2002)
junto aos motoboys. Os recursos de mediação sociotécnica conjugam a versatilidade
no espaço e as ferramentas tecnológicas disponíveis no projeto, para o alcance de
metas traçadas pelo grupo, de acordo com suas necessidades históricas165. As
165
Eliezer Muniz (entrevista 03/10/09) enfatiza a potência da ação em rede, que permite ao motoboy
produzir os registros, on line, em cerca de dois minutos. Na sua avaliação, esse é um ponto forte do
projeto, na medida em que se alia o recurso tecnológico à mobilidade física, possibilitando a produção
ágil de registros, em situações as mais variadas.
166
práticas sociais retomam as temáticas e o tratamento dado às situações cotidianas,
revelando assuntos, enquadramentos e lugares de fala recorrentes, como as
questões relacionadas aos universos do trabalho, família e vida cultural.
Percebe-se, nesse ponto, a função da imagem técnica no engendramento das
ações coletivas, que, como afirma Flusser (2002), atua de forma a atualizar o texto
embutido no programa. As características tecnológicas do dispositivo
comunicacional centralizam o papel da imagem na regulação de comportamentos
adotados pela atuação coletiva, conformando os relatos sobre temas e enfoques
comuns. Promovendo a convergência dos recursos de linguagem, a imagem detém,
como explica Agambem (2006) sobre a função reguladora do dispositivo, a
capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e
assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos”.
Como afirma Flusser (2002), a “memória da máquina” pode ser percebida,
através de padrões de ação moldados pelo programa. As referências da mídia
corporativa, portanto, dos planos de produção industrial e publicitário implicados,
servem de matriz da produção simbólica, projetando, nas cenas multimidiáticas, as
experiências urbanas de seus integrantes, conforme os interesses do coletivo,
previamente planejados. A programação repete-se com a reutilização das tags e
elementos visuais, em semelhantes enquadramentos, ou por meio de comentários
que revelam a sintonia dos discursos, através de preocupações e enfoques comuns.
A satisfação trazida pela visibilidade midiática, expressa na fala anterior de Ronaldo,
também indica a sedução exercida pelo programa sobre seus integrantes,
influenciando a percepção sobre o funcionamento da ação coletiva.
Anteriores ao projeto, as instâncias da produção industrial e publicitária
regulam as formas de uso da tecnologia, que conformam essas práticas em torno de
certos padrões estéticos e morais, empregados em defesa dos interesses do
coletivo. Além da mediação dos recursos técnicos e da influência das instâncias
midiáticas tradicionais, que privilegiam determinadas formas de apresentar a
realidade, a programação é afetada pelas vivências cotidianas no espaço físico, ou
seja, essas experiências de vida imbricam-se com as referências das mídias
tradicionais, o que pode ser percebido através da articulação da linguagem ordinária
com os padrões do formato midiático convencional.
167
O programa incorpora a experiência cotidiana que, em alguma medida,
redireciona ações e singulariza os relatos; ao reordenar aspectos da vida que dizem
respeito ao motoboy, sempre de acordo com parâmetros desejáveis de convivência
social. Como visto nas cenas anteriores, a construção da imagem do motoboy é
mediada pela caracterização do profissional preocupado com a qualidade de vida no
espaço urbano, inserido na dinâmica das relações cotidianas. As experiências
registradas pelos participantes abarcam não só as suas declarações, mas também a
de outros motoboys, que o convidados a tratar de problemas relacionados às
situações cotidianas, como na Figura 32.
Figura 32: Ronaldo 2009-09-08 18:37:14 Ronaldo Fala 1
Fonte: Ronaldo, 2009i
Ronaldo: Beleza, tô com mais um motoqueiro aqui, como você chama?
Entrevistado: Afonso.
Ronaldo: Afonso, quanto tempo você trabalha na rua?
Entrevistado: Três anos.
Ronaldo: Ô Afonso, qual a maior dificuldade, sem ser a chuva, que você
encontra pra trabalhar na cidade de São Paulo?
Entrevistado: As dificuldades são variadas né, tem o carro, os motoristas
não ajudam o nosso trabalho, não veem a gente com uma boa visão, não
respeita, não dá seta pra trocar de faixa, tem pedestre que atravessa fora da
faixa, a gente tem que se virar pra desviar [...) (RONALDO, 2009i).
A utilização do recurso da entrevista com personagens urbanos reafirma as
estratégias sensíveis do grupo, que aponta os problemas enfrentados na cidade,
ressaltando, através da fala do outro, a função social do motoboy. O formato
168
midiático oportuniza um lugar de fala que pontifica, com a participação externa, o
papel social desse profissional, visando legitimar a função de representação coletiva
pretendida pelo Canal Motoboy. Estratégias afetivas chamam a atenção para a
relação estreita do profissional com a cidade; elementos circunstanciais (como o
trabalhador ao fundo da cena) são hierarquizados (o profissional em primeiro plano),
funcionando como signos da esfera sensível, que articula a construção dos relatos
multimidiáticos.
As declarações ligadas às imagens, em forma de comentários textuais, ou por
meio dos recursos de áudio, enfatizam aspectos centrais dos testemunhos de
personagens urbanos. A tag Fala, que reúne os depoimentos de personagens da
cidade entrevistados pelos motoboys, remete ao testemunho do profissional de São
Paulo sobre as condições de trabalho da categoria, apontando para o descaso da
sociedade em relação à atividade. Observa-se que a experiência ordinária, baseada
nas vivências cotidianas, funde-se à experiência estética, ligada à dimensão afetiva
da relação com o espaço urbano; na medida em que se constrói uma ambiência
sociocomunicacional que objetiva, prioritariamente, sensibilizar para as condições de
trabalho dos motoboys.
A referida cena exemplifica, como na anterior, a influência da cultura
midiatizada sobre o programa coletivo, que se alicerça na postura do entrevistador,
assumida pelo integrante da rede na relação com o colega de profissão. A cultura
midiatizada, como visto, modela estes relatos; o uso das mídias locativas
possibilitando, por sua vez, a socialização das questões de interesse comum, sob a
perspectiva do profissional. Este atua, então, como mediador de suas vivências na
cidade, adotando certos parâmetros originários do contexto dos meios de
comunicação massivos.
Em determinado momento da entrevista, Ronaldo direciona a conversa para a
ênfase nas condições de trabalho no centro da cidade. A reportagem das condições
profissionais é construída por meio da ngua ordinária, identificada na informalidade
de um lugar próprio de expressão, que se associa, assim, à postura do repórter
compromissado com o interesse da categoria.
Ronaldo: Outra coisa que eu te pergunto, sou motoqueiro também: é fácil
trabalhar ali pra área da Paulista, no centro de o Paulo, você encontra
169
estacionamento fácil?
Entrevistado: Não, ali é difícil porque a maioria da zona sul, é tudo proibido
moto, então são poucos motoqueiros que colocam naquela região, então
tanto a região da Paulista como a região central não suporta a capacidade
de motoqueiro... enfim uma multa que você leva, meu, é praticamente, mais
de uma semana de trabalho seu [...]
A mediação sociotécnica conforma o lugar de fala híbrido, construído na
interface entre as referências das relações cotidianas e das formas midiáticas. Ao
mesmo tempo em que reflete as matrizes comunicativas adotadas nos meios de
comunicação corporativos (MARTÍN BARBERO, 2009), a mediação sociotécnica
remete à linguagem cotidiana, informal; para construir, através dos recursos de
linguagem, a imagem do profissional caracterizado pela familiaridade com as
questões urbanas.
O programa coletivo remodela, assim, as matrizes comunicativas incidentes
sobre as mediações sociais, ao cruzar seus pressupostos de mediação com as
interpretações dos integrantes sobre suas vivências na cidade, gerando elementos
mediadores híbridos. O cruzamento entre a mediação do projeto e as referências
midiáticas tradicionais incorporadas a seu funcionamento disponibiliza os recursos
sociais e técnicos para a construção de discursos que buscam, reiteradamente,
envolver o outro no universo das experiências urbanas relatadas. Ao articular essas
instâncias, o dispositivo comunicacional viabiliza a continuidade da ação coletiva no
espaço urbano.
No contexto da cultura midiatizada (FAUSTO NETO, 2008), que fomenta as
conexões entre as fontes sociais, as associações não lineares geram situações
híbridas, nas quais se identifica a influência marcante das macropolíticas de
enunciação corporativa, mas também o delineamento de cenas que traduzem
ruídos, em alguma medida, nos processos comunicacionais, enfatizando a
perspectiva coletiva sobre os temas tratados. O dispositivo comunicacional
providencia, através dos elementos de mediação sociotécnica compromissados com
seu desempenho, a negociação entre essas instâncias, redimensionando-as, na
rede, sob novos parâmetros de funcionamento, para fins de interesse comum.
O emprego da tag
Fala demarca a importância conferida ao contexto de
alteridade em que se dá a participação de outros motoboys, reforçando a ideia,
pretendida pelo grupo, de sintonia com os interesses da categoria profissional. A tag
170
leva às cenas agrupadas sobre o assunto no banco de dados do projeto, como a
Figura 33, possibilitando novas associações sígnicas através da moldura semântica
coletiva.
Figura 33: Ronaldo Fala 2 2009-10-01 20:13:26
Fonte: Ronaldo, 2009j
Ronaldo: Tô com mais uma motoqueira, aqui, como que cê chama?
Entrevistada: Edna.
Ronaldo: Edna, quantos anos a senhora tá trabalhando na rua?
Entrevistada: Dois anos e pouco.
Ronaldo: A senhora encontra muita dificuldade pra trafegar na cidade de
São Paulo?
Entrevistada: Demais.
Ronaldo: Qual a maior dificuldade que a senhora encontra pra trabalhar
aqui na cidade de São Paulo?
Entrevistada: Buraco e sinalização.
Ronaldo: Estacionamento é fácil, estacionar, quando a senhora pega um
serviço no centro lá na Paulista?
Entrevistada: Muito difícil.
Ronaldo: Eu também sou motoqueiro e encontro esse tipo de problema.
Outra coisa que eu queria falar, a senhora pensou se todo motoqueiro
fosse cadastrado, isso seria bom ou seria ruim?
Entrevistada: Seria ótimo.
Ronaldo: Eu acho que se todo motoqueiro fosse cadastrado, a gente sairia
das barbas do patrão, é mais ou menos isso?
Entrevistada: Com certeza. (RONALDO, 2009J)
Ao acionar a colaboração de outros motoboys, a mediação sociotécnica do
projeto busca influenciar a percepção alheia, visando atingir certos efeitos de sentido
que valorizem a imagem profissional. A atividade mediadora implica, como afirma
Sodré (2002), a atuação de um lugar fundador de todo conhecimento, que se revela
171
no apontamento das questões, provocando o desdobramento dos assuntos tratados.
Percebe-se, ainda, a ênfase no vínculo entre os profissionais, como pode ser
observado no trecho: “Eu também sou motoqueiro e encontro esse tipo de
problema”. Na sequência da entrevista, qualidades como a idoneidade e a prontidão
para o trabalho são ressaltadas pela mediação do coletivo, que delineia este relato
com base no formato midiático.
Ronaldo: Daqui cê tá indo pra onde?
Entrevistada: Tô indo pro centro de São Paulo.
Ronaldo: E depois?
Entrevistada: Pra Acaíra.
Ronaldo: Tem motoqueiro que reclama né, quando quatro e meia, cinco
horas, não atende nem o telefone.
Entrevistada: É, mas uma mão lava a outra; tem que ajudar o patrão, pra
quando precisar o patrão ajudar nós também.
Ronaldo: Quem precisa, precisa.
Entrevistada: É isso aí.
Ronaldo: Valeu. Grande abraço e dá uma olhada no site lá.
O desdobramento da situação prosaica acontece por meio de estratégias de
cunho afetivo, que se associam à força peculiar da imagem feminina no contexto
profissional. A mediação sociotécnica conforma a experiência estética, construindo
quadros que enfatizam o apelo à emoção, no tocante a questões de interesse, seja
ao longo da conversa sobre o cotidiano profissional, ou por meio das imagens que
lançam mão da figura da motogirl para impressionar, envolver o outro, promover o
estado de empatia favorável aos propósitos do grupo. A mediação do signo estético,
que se associa ao estado de estesia e afetação dos sentidos, traduz o elemento da
ordem do admirável, permanentemente reiterado. Através da atuação integrada dos
recursos multimidiáticos e hipermidiáticos, busca-se dirigir a percepção ao reforço
das aspirações que movem a ação coletiva.
As aspirações do grupo são consubstanciadas no desejo de visibilidade e,
através dela, de alcance do reconhecimento social. Para tanto, o conjunto valoriza
as ações rotineiras, evidenciando a linguagem corporal e as expressões das
emoções, em contraponto às dificuldades apresentadas em situações de
adversidade, enfrentadas pelo profissional nas ruas. A expressão estética desses
relatos é revelada em testemunhos focados nas principais dificuldades e, em
contrapartida, nas realizações coletivas frente a elas.
172
A mediação do signo estético implica considerar a condição de abertura de
sentido, precisamente no que se refere às possibilidades de atribuição de novos
valores aos motoboys, da forma pretendida pelo grupo (SANTAELLA, 1994; SODRÉ,
2006). A ambiguidade provocada pelo sentimento de impotência e, ao mesmo
tempo, de perseverança frente às dificuldades, por parte da motogirl entrevistada,
situa os quadros multimidiáticos na esfera da vida ordinária - que apresenta
singularidade afetiva, uma vez seus elementos organizados na perspectiva do
grupo. Parecem, assim, compor quadros estranhamente familiares, justamente
porque, embora rearticulem, em alguma medida, os elementos urbanos, dizem
respeito a lugares de uso coletivo, reportando ao espaço conhecido e compartilhado
diariamente.
Espaço urbano para o qual se busca, no website, o reconhecimento como
signo das trocas sociais mediadas pela presença do motoboy - que assume não só a
posição de personagem dos relatos, mas, principalmente, de narrador do cotidiano.
Para tanto, ele mostra-se comprometido com a aspiração de melhoria das condições
do espaço comum, controverso e plural; tendo em vista o reconhecimento de uma
experiência que atinja a esfera do semelhante, do íntimo, do pertencimento em
relação a esse espaço.
Na Figura 34, a situação urbana corresponde à apresentação de um grupo
gaúcho, conjugada, na mesma página
166
, a outras cenas ligadas ao evento cultural.
A imagem é acompanhada da música ambiente, que reforça o caráter estético do
testemunho sobre o cotidiano. Através da mediação do projeto, os elementos
urbanos são evidenciados, assim, como recursos expressivos que destacam a
esfera sensível da experiência ordinária. A situação comunicativa confere
significados estéticos à experiência urbana, inscrevendo-a no universo da imagem
técnica. Lembrando Flusser (2002), essas imagens refletem a construção do
pensamento linear, comprometido com as mediações sociotécnicas envolvidas no
programa, embutido no aparelho fotográfico. As referências da vida cotidiana,
originárias de diversas fontes e influências sociais e históricas, são articuladas,
gerando imagens cnicas que traduzem a intenção comunicativa do programa
coletivo.
166
Canal Dia a Dia, 2009.
173
Figura 34: Grupo gaúcho Grupo gaucho Andrea 2009-09-13 19:31:04 Andrea revelando
Fonte: Canal Dia a Dia, 2009
Através do signo estético, o motoboy faz a ponte entre a aspiração coletiva e
as possíveis transformações vinculadas à imagem desses profissionais, ou aos
resultados que o projeto pretende obter, tendo-os à frente de seus relatos. Nota-se
que o signo estético não corresponde ao objeto da fotografia, mas ao impacto
provocado pelas suas características de ambiguidade, imediatismo e abertura de
sentido (SANTAELLA, 1994), que geram o efeito de suspensão dos sentidos e de
estesia. Para tanto, contribui a música ambiente (situada, assim como a imagem, na
categoria da primeiridade, portanto, classificada como signo icônico, conforme a
teoria semiótica).
Por meio das mídias locativas, o compartilhamento de experiências urbanas
em rede transpõe as interações físicas dos motoboys, para o conjunto de quadros
urbanos construído a partir desses trajetos, ressignificando a presença do grupo
social na cidade. Práticas colaborativas envolvem hábitos de interação que
incentivam a lógica da representação sígnica no ambiente hipertextual. A operação
da representação sígnica é favorecida (ALZAMORA, 2007) no projeto, que os
registros formulados pelos próprios motoboys, com base em suas práticas na
cidade, são articulados pelas mediações sociais e técnicas envolvidas, conforme o
desenvolvimento da lógica das conexões (KASTRUP, 2004).
As práticas colaborativas dependem, portanto, da adesão dos motoboys à
proposta comum, não se amparando apenas na oferta de produtos midiáticos, mas
174
na convergência de interesses, através de mecanismos de motivação recíproca e
autossustentáveis de atuação coletiva. As formas de interação social adotadas, nas
dimensões física e virtual, o resultantes da ação representativa que permite que a
informação circule com base na demandas traçadas e conduzidas por interesses
organizados coletivamente. O projeto consiste em dispositivo comunicacional cujas
atividades não são reguladas, apenas, portanto, pela oferta de informações, que
norteia o funcionamento transmissivo das mídias massivas. É fundamental que haja
a disponibilização dessas informações, pelos participantes - cujas práticas sociais
realimentam o funcionamento da rede.
É preciso que ocorra a associação entre os relatos fragmentários e as
vivências cotidianas - condição sem a qual o trabalho coletivo não perdura. As
interações processadas na cidade são redimensionadas, na rede, através da
atuação do motoboy, que responde pela autoria dos relatos. A lógica associativa
exige situar o trabalho no tocante não às formas de mediação tecnológica, que
viabilizam a participação coletiva; mas também às diretrizes conceituais definidas,
pelos profissionais, em reuniões periódicas realizadas, atualmente, a cada quinze
dias.
Implica, ainda, considerar as condições materiais do projeto, especificamente,
as limitações de ordem financeira que restringem a manutenção da proposta
colaborativa em patamares almejados. Ou seja, a prática colaborativa conforma
esses relatos através da conjugação de fatores materiais e humanos (LATOUR,
2008), visando atender, mediante restrições importantes, às intenções comunicativas
estabelecidas pelo programa coletivo. As interações sociais regulam as formas de
experiência dos participantes do projeto, que atuam, juntos, na permanente condição
de fazer sentido, um para o outro, no referido contexto sociocomunicacional
(OLIVEIRA, 2008). Não se restringem, assim, às propriedades do dispositivo
tecnológico, mas provocam, como defende Braga (2001), a circulação dos fluxos
informacionais, conforme a interacionalidade dinâmica construída em torno do
programa coletivo. Essas interações referem-se a processos comunicacionais
diferidos no tempo e no espaço, e difuso em relação aos participantes.
A lógica associativa implica a realização de operações de representação
sígnica comprometidas com a ideia central da rede Megafone.net, que visa a auto-
175
representação dos grupos sociais - diretriz da atuação coletiva, concebida pelo
artista e socializada no âmbito dos grupos formados por minorias urbanas. Ronaldo
relaciona a própria motivação em continuar no projeto à oportunidade de
compartilhar experiências urbanas: Alguém repartiu aquela indignação comigo, eu
entendi o projeto dessa forma. Eu registro, eu envio, eu mando... até um ano são
oito participantes”, justifica.
167
Vários fatores constrangem as formas de participação na rede, de acordo com
os parâmetros de mediação sociotécnica do projeto. O sistema tecnológico, por
exemplo, determina regras de funcionamento e limita as formas de acesso ao banco
de dados pelos integrantes
168
. Assim, também, a interface privilegia a visualidade,
programando os percursos urbanos em função da centralidade do registro
fotográfico. A ambiência comunicacional da rede Megafone.net, criada pelo artista
plástico Antoni Abad, condiciona os comportamentos em torno da lógica associativa,
indicando linhas de atuação que mantenham sintonia com os pressupostos
sociotécnicos embutidos no programa, de cunho social e artístico, que passa a se
auto-regular através das práticas cotidianas.
Como não há espaço destinado à participação externa, o link Canal Dia a Dia
também opera conforme a lógica transmissiva, ou seja, com base na difusão de
informação (fluxo unidirecional) pelos integrantes do grupo, em direção ao visitante.
A mediação sociotécnica visa a apresentação das experiências urbanas, e não a
participação externa (fluxo bidirecional de informações).
169
Cabe ressaltar,
entretanto, conforme esclarece Alzamora (2007), que a lógica transmissiva, típica do
funcionamento dos meios massivos, baseia-se na relação entre diferenciadas
167
Ronaldo conta que o fato de o ingresso no projeto significar a aquisição do aparelho celular, e
também a remuneração, por quatro meses, foram fatores de estímulo à adesão dos motoboys. O
equipamento, à época, ainda não era popularmente acessível. Segundo o coordenador, fatores
diversos contribuíram para a saída do grupo, em geral: problemas familiares, questões de ordem
financeira e indisponibilidade para as reuniões semanais, aos sábados, pela manhã (na atual fase
do projeto, realizadas quinzenalmente).
168
Sobre esse aspecto, Eliezer disse que não considera a restrição um dado importante para os
motoboys no que se refere ao desenvolvimento das práticas comunicativas, mas apenas quanto ao
desenvolvimento de pesquisas em que essas informações sejam necessárias para análise.
169
No link Fórum”, é desenvolvida a argumentação em torno das questões relativas ao grupo, com
a participação externa, por meio do recurso textual. O link possui características diferenciadas, não
abordadas neste estudo, tendo em vista que o recorte empírico adotado visa o entendimento das
características predominantes de mediação sociotécnica, na perspectiva de se compreender como
se processam os usos e apropriações do espaço urbano, tal como permitido no Canal Dia a Dia.
176
esferas espaço-temporais, correspondentes aos âmbitos de produção e recepção de
informações.
na rede intermidiática, os fluxos informacionais circulam pelas interfaces
dos celulares e internet, através de operações de associação que implicam a partilha
sincrônica de informações, em múltiplas interconexões. Ou seja, ao mesmo tempo
que se permite o fluxo massivo de informações, a sobreposição integrada das
informações originadas de diversificadas mediações, relativas a dinâmicas temporais
variadas e simultâneas. Configura-se a rede intermídia, que conjuga aspectos das
lógicas transmissiva e associativa, na perspectiva reticular da comunicação
contemporânea.
A função pós-massiva, caracterizada pela liberação do pólo emissor,
conforme Lemos (2007b), permite personalizar as informações vinculadas ao espaço
urbano, com base no funcionamento da lógica colaborativa, que incentiva, entre os
motoboys, a operação de representação, ou a construção de sentido sobre suas
práticas cotidianas. A lógica colaborativa demanda a participação dos motoboys nas
intervenções no espaço urbano, promovendo situações comunicativas que
relacionam os fragmentos multimidiáticos, por meio das tags, mas também
resultantes da identificação visual, e do acompanhamento da sequência cronológica
dos registros. A constituição de relatos, enfáticos em algumas questões, como as
situações de trabalho, trânsito e acidentes, formam uma ambiência cíclica, sobre
olhares que convergem, acentuam-se; interagem, retomando as abordagens
priorizadas pelo coletivo, através dos recursos multimidiáticos.
Pode-se afirmar que as tags, as situações escolhidas e os enquadramentos
dados a elas, bem como a posição assumida pelos integrantes em declarações
sobre os acontecimentos registrados, revelam a construção de um discurso coletivo
que enfatiza significados estéticos associados às experiências relatadas. A mediação
sociotécnica do projeto conforma situações comunicativas nas quais o grupo se
inscreve, segundo determinados padrões de comportamento, associados, pelos
motoboys, às práticas de apropriação do espaço urbano.
As consequências da chuva para a cidade, por exemplo, são registradas nos
relatos do dia 08 de setembro.
170
A cena seguinte é acompanhada pelo depoimento
170
A tag Chuva não está entre as mais frequentes do website, registrada 90 vezes até 25/11/09; mas
177
do motoboy e morador da rua onde acontece o fato em questão, o que acentua a
singularidade de seu ponto vista. Em tom de denúncia, o relato censura o
procedimento da moradora vizinha, detalhando, inclusive, o número da casa onde
ela mora e o comportamento habitual da pessoa fotografada. As estratégias
sensíveis associam-se à autoridade da fala do morador, o que reforça o caráter
testemunhal da cena. Essas chamam a atenção para o conhecimento baseado nas
vivências cotidianas, que confere, por sua vez, autenticidade à abordagem crítica
dada ao tema. Ao relatar o seu cotidiano, na rede, o motoboy expressa, portanto, a
experiência ordinária que traduz a sabedoria de suas vivências, respondendo pela
formação de suas crenças e hábitos (RODRIGUES, 1999).
Figura 35: Ronaldo 2009-09-08 13:46:17 Chuva 1
Fonte: Ronaldo, 2009K
Áudio. Ronaldo: É dia de chuva, o pessoal não tá nem aí, moro aqui na rua
Jaraguá 36 anos e essa esquina sempre esteve assim, e o mais
engraçado, eu aqui, ó, na rua Visconde de Tonai com a rua Jaraguá, a
moça ali do 251, chegou aqui e jogou um monte de sacola de lixo, sendo
que o lixo passa a noite, o lixo vai ficar o dia inteiro aqui, olha as
condições que estão a esquina. Ela veio e jogou o lixo aqui, aquela moça
da casa verde do outro lado da rua. (RONALDO, 2009K)
Em outro testemunho registrado por ele, com a tag Chuva, o mesmo contexto
é abordado, enfocando a situação de um veículo que consegue atravessar a rua,
sua importância relaciona-se ao impacto negativo provocado no cotidiano do profissional por esse
tipo de ocorrência, remetendo, portanto, ao universo semântico de outras tags, como Buraco,
Trânsito e Dia a dia. Canal Dia a Dia, 2009 e Canal Palavras, 2009.
178
apesar da precariedade das vias urbanas. Ao final, a problemática do profissional
motoboy é retomada na perspectiva do integrante da rede, que comenta sobre o seu
percurso em tais circunstâncias críticas.
Figura 36: Ronaldo chuva 2 2009-09-08 15:26:46
Fonte: Ronaldo, 2009l
“Ronaldo: molhado onde passando a perua do tiozinho, ele passou
hein, indo pra Guarulhos agora, vamos ver como é que pra lá.” (RONALDO,
2009l).
O conjunto das cenas reitera o interesse prioritário por relatar as condições
físicas do espaço, mostrando a afetação direta dos percursos dos motoboys pelas
circunstâncias ligadas ao planejamento urbano ineficiente. As cenas multimidiáticas
enquadram a atividade profissional no espaço socialmente construído, cuja
dimensão humana é motivo de constante reflexão, por meio dessas experiências.
A ênfase na dimensão afetiva da experiência conduz, ainda, às relações
familiares. Na Figura 37, a motogirl integrante do grupo registra cenas, no hospital,
com o filho doente; que permitem o acompanhamento cronológico do período de
internação da criança. A sequência diferencia-se pela carga emocional que
caracteriza o acontecimento, incluindo o relato sobre o histórico da doença.
179
Figura 37: Andrea Hospital 1 2009-09-23 20:41:49
Fonte: Andrea, 2009
O Carlinhos teve Pneumonia agravada pela asma e influenza
normal.Ficamos internados no hospital das clínicas 6 dias,recebendo
medicamentos via venoza,via oral e inalação. Graças a Deus e os esforços
de todos, ele reagiu bem ao tratamento e está bem e fora de perigo de vida.
faz uma semana que estamos em casa,dia 5 voltamos no Cotoxó para
Rx e avaliação médica e aparentemente está tudo bem.Tomara a Deus, ele
sempre continue bem.Muito Obrigado a todos que nos ajudaram.Que Deus
os abençõe .(ANDREA, 2009).
No registro seguinte, Andrea posiciona a sua foto ao lado da imagem do filho,
Carlinhos, que recebe tratamento em condições de “isolamento” no hospital
171
As
gravações de áudio não são compreensíveis, referindo-se ao som ambiente no
momento da foto.
172
171
Observa-se que, frequentemente, a motogirl registra comentários textuais. Isso ocorre, segundo
Eliezer Muniz, porque Andrea possui computador em casa, o que permite a edição das cenas à
noite, após o expediente profissional - ao contrário dos demais integrantes, que não têm como
realizar esse procedimento.
172
Canal Dia a Dia, 2009.
180
Figura 38: Andrea Hospital 2 2009-09-23 02:43:41 Em isolamento nos hospital das clínicas.Instituto
da criança.
Fonte: Canal Dia a Dia, 2009
Os relatos registrados no Canal Dia a Dia (2009) demonstram, assim, que o
processo de auto-representação coletiva não se baseia na apresentação racional de
determinado conceito sobre o coletivo (por meio de um discurso de cunho
institucional, antecipadamente elaborado, de forma a representar o grupo,
fundamentando claramente seus propósitos, ações e princípios). A mediação
conforma, predominantemente, significados estéticos, construindo uma comunidade
afetiva, cuja discursividade das interações é acionada pelos sentimentos, emoções e
paixões de seus participantes (SODRÉ, 2006).
O referido contexto é conformado pela atuação integrada dos elementos
sociotécnicos: a composição da interface gráfica favorece a experimentação dos
recursos de linguagem, destacando a centralidade da imagem na relação com o
registro do espaço urbano; o meio hipermidiático não disponibiliza apenas uma
leitura das mensagens registradas, permitindo diversas associações sobre as cenas
dispostas em rede, a partir de percursos físicos marcados pelo deslocamento
constante. Além disso, as formas de uso e apropriação do espaço constroem a
apresentação sensível dos fatos abordados, buscando atingir estados de comoção,
envolvimento e vínculo com o outro. A dimensão simbólica da ação coletiva é
constituída através do compartilhamento das experiências urbanas que evidenciam
a dimensão estética da vida cotidiana, por meio de estratégias sensíveis que
buscam sensibilizar quanto aos aspectos afetivos das experiências urbanas
relatadas.
181
A expressão estética, alcançada através dos recursos de mediação
sociotécnica, insere-se em cenário potencializado pelos fluxos informacionais. A
linguagem hipermidiática relaciona os fragmentos multimidiáticos, permitindo
associações sígnicas realizadas com base na versatilidade física e informacional no
espaço urbano. Como nó central, o Canal Dia a Dia (2009) retrata a apropriação dos
demais espaços presentes na rede, seja através da correlação entre os fragmentos
multimidiáticos, por meio do universo semântico das tags; ou de temas regulares e
padrões de participação recorrentes, enfatizados nas imagens e declarações
afetivas sobre a cidade.
As tags, embora de natureza conceitual, não definem as experiências urbanas
do grupo; mas integram, junto aos recursos audiovisuais, espacialidades que
proporcionam vários percursos interpretativos, reforçando a formação de uma
ambiência comunicativa cíclica que traduz os valores coletivos, através da afetação
dos sentidos. O universo simbólico do programa coletivo é ordenado pelo banco de
dados formado com as palavras-chave registradas por seus integrantes que, por sua
vez, remetem às fotografias e declarações tornadas públicas, através da associação
com outras tags. Ou seja, não se trata de circunscrever a mediação estética, que
privilegia a dimensão sensível das experiências, ao emprego dos recursos
audiovisuais e, portanto, de enfatizar, isoladamente, ou supervalorizar as suas
propriedades; mas de se observar como a atuação integrada destes recursos de
mediação sociotécnica aponta para a relevância da dimensão estética do projeto
173
.
A ação planejada pelo grupo define as tags referentes às principais situações
cotidianas, conferindo determinadas diretrizes temáticas e conceituais ao projeto.
Essas palavras-chave norteiam o olhar dos motoboys nas ruas e as suas
declarações na rede, funcionando como referência para o registro multimidiático de
suas experiências. Os argumentos e as formas de expressão dos integrantes são
construídos para atender as necessidades do grupo, que emprega recursos de
caráter emocional, seja através dos comentários, do tom testemunhal adotado em
opiniões relacionadas à vida urbana, na interpelação de personagens urbanos; ou,
173
A ênfase na mediação estética do projeto não significa a exclusão, portanto, de processos de
participação ligados à dimensão simbólica. Ressalta-se a formação de uma ambiência comunicativa
cuja dimensão estética abarca universos de sentido compartilhados - não através das imagens,
mas também por meio das tags, comentários textuais e declarações sonoras a elas referentes.
182
ainda, na abordagem afetiva que permeia as situações familiares, compartilhadas no
espaço de acesso público. Os recursos técnicos e as formas de uso e apropriação
do espaço são articulados, constantemente, pela mediação sociotécnica, que
conforma os relatos de forma a privilegiar a experiência estética.
4.3.2 Fragmentos de uma experiência mediada: relatos do Canal
Motoboy
As práticas comunicativas que integram a rede Megafone.net conferem o
lugar de autoria aos motoboys paulistas, cujos relatos resultam da seleção e
organização de elementos urbanos que referenciam as suas experiências
174
. A visão
do coletivo sobre suas vivências na cidade é acessada por meio de relatos
multimidiáticos (MANOVICH, 2008), relacionados à dimensão física e virtual das
experiências conectadas em rede. Do modo como se relacionam na rede, imagem,
texto e áudio conservam suas interfaces originais, sendo percebidos na integridade
de suas formas, ao mesmo tempo em que constroem os registros multimidiáticos,
através da complementaridade de suas propriedades.
174
Nessa fase de pesquisa (informações relativas ao período de 31/08 a 01/10/09), os registros
disponibilizados na rede são realizados por Eliezer Muniz (Neka), Ronaldo Simão da Costa e Andrea
Sadocco Giannini. Conforme informado por Muniz, participam da rede, ainda, os motoboys Baiano e
Mirtão. Entrevista realizada por email com Eliezer, em 08/11/2009.
183
Figura 39: Interface Canal Dia a Dia
Fonte: Canal Dia a Dia, 2009
A interface do Canal Dia a Dia (2009) delega importância central às imagens
sobre os fatos registrados e, de acordo com Scolari (2003), negocia os modos de
interação no website, orientando o olhar sobre seu conteúdo, no caso, com base na
predominante visualidade das cenas multimidiáticas. Por meio das imagens, a
percepção é afetada pelo conjunto das situações comunicativas, fragmentos
discursivos mediados pelas práticas sociais e recursos técnicos, que convergem o
olhar para as vivências ordinárias dos motoboys. As imagens são associadas, assim,
à condição de informatividade, na medida em que não se pode conceber a
existência do objeto, ou da interface, sem a sua presença. Ao se contextualizarem,
os relatos fragmentários mantêm a relação de contiguidade entre as cenas
produzidas (SANTAELLA; NÖTH, 2008).
Através da montagem das referências urbanas, a interface gráfica não
procede a organização hierárquica dos conteúdos; gerando espacialidades que
reposicionam os elementos da rede urbana, através da combinação resultante da
cronologia dos percursos físicos. Como visto na Figura 39, a interface do website
Canal Motoboy ordena as espacialidades geradas pelo coletivo, de forma que as
184
cenas multimidiáticas formuladas pelos motoboys sejam constantemente atualizadas
por novos registros, que passam a integrar o banco de dados do projeto;
participando, assim, de outros agenciamentos na rede.
175
No website, o conhecimento gerado através das práticas cotidianas resulta na
apresentação de fragmentos do percurso físico, desenvolvido por meio das
interações sociais que permitem aos motoboys o registro on line de situações as
mais variadas. O trajeto não-linear de apropriação do espaço hipermidiático
desenvolve-se na confluência dos recursos multimidiáticos, que se conjugam na
rede, promovendo novos desdobramentos das situações apresentadas. Dentre os
recursos, as tags são elementos de ordem conceitual, que mais indicam do que
delimitam percursos simbólicos; assim, os conceitos registrados por palavras-chave
sinalizam a existência de territórios informacionais organizados e rearticulados pela
ação coletiva (LEMOS, 2008), a exemplo da Figura 40.
176
A tag Trânsito, registrada nessa cena, é a segunda mais frequente no website,
apontando o interesse do grupo em priorizar o assunto.
177
175
Canal Motoboy, 2009.
176
Canal Dia a Dia, 2009.
177
A tag Trânsito tem 601 inserções, atrás apenas da palavra-chave Dia a Dia, com 1070 inscrições
registradas no website. O sistema classifica, na terceira posição, a tag Água, inserida 493 vezes.
Corredor, com 138 inserções, apresenta situações semelhantes à tag Trânsito. Observações feitas
em 10/10/2009, no link Canal Palavras. (CANAL Dia a Dia, 2009).
185
Figura 40: Ronaldo 2009-09-29 12:58:08 Ronaldo trânsito Trânsito
Fonte: Ronaldo, 2009m
“Ronaldo: O caminhão respeitando, mantendo as duas faixas à direita, isso
ajuda bastante... porque hoje São Paulo tá assim, tem fila até de motoqueiro”
.
(RONALDO, 2009m)
Nessa cena, a condição de mobilidade no espaço público favorece o
testemunho presencial, que singulariza a ótica do motoboy sobre a situação. A
condição de deslocamento é potencializada pela mediação das mídias locativas,
possibilitando a criação de não lugares, na expressão Certeau (2007:183), ou de
“uma maneira de 'passar'”, sendo os elementos do cotidiano articulados através
dessas práticas comunicativas.
A cronologia dos registros permite, no Canal Dia a Dia (2009), o
acompanhamento linear dos acontecimentos, mas o recurso não determina o
percurso narrativo, na medida em que os relatos podem ser associados a outras
referências semânticas, disponibilizadas no banco de dados do projeto, que
relaciona os fragmentos multimidáticos, proporcionando outros campos
interpretativos sobre as mesmas circunstâncias. O compartilhamento de
experiências em rede caracteriza o ambiente comunicativo pela multiplicidade de
testemunhos sobre uma mesma questão (MURRAY, 2003), em vez de disponibilizar
determinada versão do coletivo sobre os aspectos urbanos tratados. Ao contrário de
uma única narrativa que esclarece sobre os pontos de vista do coletivo, a ambiência
186
comunicativa propicia a diversidade de percepções dos percursos urbanos.
Os recursos de edição possibilitam a inserção de várias tags para um mesmo
registro, o que amplia as possibilidades de associação entre os significados das
experiências urbanas; no entanto, os motoboys não procedem dessa forma, na
maioria das vezes, registrando apenas uma tag para cada situação comunicativa.
Isso se deve, segundo os coordenadores do projeto, à própria dinâmica dessas
práticas nas ruas, que induz à breve inserção de informações no website. Ou seja,
as formas de apropriação do espaço físico, baseadas na mobilidade compulsória,
são transpostas para a rede, conformando os fragmentos multimidiáticos mediante
as conexões realizadas no espaço físico.
Ao mesmo tempo em que o espaço físico justapõe-se ao virtual, coexistindo
ambas as dimensões na rede urbana; as temporalidades associadas a essas
práticas ubíquas são difusas e diferidas (WEISSBERG, 2004), dependendo das
formas de uso do espaço, pelos participantes do ato comunicativo. Na Figura 40, por
exemplo, tem-se acesso à cronologia do fato, mas a possibilidade oferecida pelo
dispositivo de efetuar registros on line não significa a presença de um único regime,
baseado na compressão temporal, o que amplia as interações para outros territórios
informacionais que vão se formando na rede.
Através das práticas ubíquas, que permitem o compartilhamento simultâneo
de vários lugares, a temporalidade cronológica do registro é relativizada pela
percepção de outras cenas disponibilizadas no banco de dados, e dependendo das
formas de uso dos recursos, essas temporalidades alteram-se, entrecruzando-se.
a percepção, ainda, de um tempo cíclico, construído pelo conjunto das cenas
que, ao voltarem aos assuntos, redimensionando-os, afirmam recorrências temáticas
inscritas na visualidade do espaço urbano. Os fragmentos multimidiáticos, dispersos
na rede, acumulam intenções, sobrepondo as espacialidades. As interações difusas
e diferidas estendem a ação comunicacional para universos de sentido
diferenciados.
A atualização dos dados não determina a vigência de uma temporalidade
estritamente vinculada ao momento presente, tendo em vista que a memória do
banco de dados remete ao passado e propicia novas interpretações sobre as
situações comunicativas, projetando o futuro. Este processo ocorre através da
187
operação de representação sígnica do interpretante, conforme explica Alzamora
(2007), que implica a ação de conotação e profundidade sobre os conteúdos.
Emergem na rede novos interpretantes, ou entidades híbridas que representam, em
parte, o objeto em questão, sendo por ele determinadas.
Ao articular os fragmentos multimidiáticos, esses fluxos informacionais criam
outros lugares - heterotopias de controle informacional que, de acordo com Lemos
(2008), invertem ou contestam as formas usuais de percepção das relações
urbanas, associando diferentes regimes temporais e espaciais em diversas escalas.
Heterotopias conformadas pela ação coletiva no espaço urbano, através de senhas
infocomunicacionais que permitem o acesso, pelos motoboys, à produção de
conteúdo do website.
Na Figura 41, a autoria do registro é da motogirl Andrea, que fotografa o filho
durante evento cultural, situação recorrente nas postagens da integrante do coletivo.
A cena associa a imagem do motoboy ao interesse pela vida cultural da cidade,
invertendo os significados normalmente vinculados ao profissional, pelas mídias
corporativas. A conjugação das temporalidades on line e de uso da rede, assim
como dos espaço físico e virtual, transforma as trocas efetivadas com o profissional
no espaço urbano, através de heterotopias ligadas a uma estética do cotidiano, que
traduzem a dimensão sensível vinculada às práticas da vida ordinária. A cena
contrapõe universos de sentido, estabelecendo relações que contestam e invertem
os significados dos elementos urbanos.
188
Figura 41: Andrea 2009-09-07 20:05:47 Andrea Sesc Pompéia Pompéia 1
Fonte: Andrea, 2009
O olhar do narrador vincula-se à presença do outro, criando um diálogo com a
vida ordinária, em novos recortes espaço-temporais; formando, de acordo com
Jesus (2006), paisagens temporais. Essas consistem em formas de construir o
espaço, por meio da representação ou do olhar, criadas no âmbito de processos
midiáticos interativos que redimensionam a relação de presença no espaço urbano.
As espacialidades construídas pela motogirl põem em contato referências da sua
vida familiar e da socialidade urbana, entrelaçando essas instâncias em elementos
híbridos, que as fundem, ressignificando o espaço. Conforme explica Ferrara (2007),
a operação de montagem comparativa, que reúne e relaciona essas espacialidades,
reconhece igualdades e, principalmente, distingue diferenças que provocam tensões
no espaço.
A página da Figura 41 apresenta os fragmentos sobre o evento cultural,
reiterando o ambiente de alteridade, através do qual se busca a construção de uma
convivência social, por meio da visualidade tecnificada. Esta sobrepõe as mediações
sociais, produzindo audiências que tensionam, em alguma medida, os discursos
midiáticos convencionais, na medida em que oferecem outros enfoques sobre as
questões tratadas, redimensionando o vínculo com as instituições midiáticas
(GÓMEZ, 2006).
As duas imagens, uma do filho caminhando, ao longe, com painel artístico ao
fundo; a outra, dos visitantes presentes no evento; circunscrevem, no contexto da
socialidade urbana, o registro da relação familiar. O sentimento de pertencimento à
189
cidade, por intermédio da vida cultural, faz-se presente através dos fragmentos
mediados pelo projeto, conformando o Canal Motoboy (2009) como território
informacional que proporciona novos vínculos com as práticas cotidianas de seus
integrantes. As gravações de áudio que acompanham as fotos registram o som
ambiente - a música da apresentação artística - evidenciando, mais uma vez, a força
expressiva dos componentes estéticos presentes no projeto. A produção amadora
dos registros direciona o olhar para quadros urbanos aos quais os motoboys querem
se associar; situações comunicativas em relação às quais o grupo se posiciona, por
meio dos recursos sociotécnicos de mediação.
Figura 42: Andrea 2009-09-07 19:05:35 Andrea Sesc Pompéia 2
Fonte: Andrea, 2009
Os fragmentos multimidiáticos pontuam a escolha por apresentar determinada
forma de se relacionar com o mundo; enfatizam gostos e preferências, para
construir, assim, a imagem do grupo social - inscrita, sempre, no espaço urbano das
relações sociais. O contexto da vida cultural é, nesse sentido, um meio de
singularizar as experiências urbanas, afirmando determinada visão de mundo que
destaca a sensibilidade para a produção na área (Figura 42). A abordagem reitera a
proposta de cunho social da rede Megafone.net, cuja mediação enfatiza a
190
diversidade cultural, expressa nas práticas de apropriação do espaço urbano.
178
A mobilidade dos percursos afetivos aciona micropolíticas de apropriação do
espaço (DELEUZE; GUATARRI,1995), favorecida pela interface não linear, que
remete à pluralidade de associações entre os fragmentos multimidiáticos. A
liberação do pólo emissor, permitida pelas mídias locativas, proporciona que o
espaço urbano seja revisitado, e ressignificadas as práticas que o constituem. A
reticularidade do meio hipermidiático expande a cidade, propiciando novas formas
de exploração do espaço urbano, que, como explica Ferrara (1981), os estágios
de uso do espaço diferenciam-se do controle à total possibilidade de apropriação,
através da linguagem, implicando o aumento da taxa de potencial de informação, ou
informação não codificada, na medida em que se processa a experimentação do
espaço urbano.
O conjunto semântico
179
relacionado à vida urbana, disponibilizado no banco
de dados, mostra o conhecimento comum gerado pela ação concreta do grupo
social, atualizável através das palavras-chave eleitas, por seus integrantes, como
referência simbólica de suas experiências urbanas. O rearranjo das tags evolui,
constantemente, conforme os usos e apropriações do espaço de ação coletiva;
mantendo, na rede, a atualização de uma ambiência afetiva que reflete as
necessidades de expressão social e as formas de ocupação do espaço pelos
motoboys.
Nas cenas que têm como palco o dia-a-dia, a relação familiar conjuga-se ao
universo cultural dos integrantes, formando uma ambiência comunicacional que
retoma a afetividade como fio condutor dos relatos. As práticas urbanas são
responsáveis pela presentificação de determinado modo de funcionamento da ação
colaborativa, com base no programa coletivo.
178
Não há intenção de analisar as cenas multimidáticas por meio das diferenças apresentadas entre
os registros, de acordo com as mediação dos motoboys integrantes do projeto, mas de
contextualizar a sua importância na diversidade do conjunto formado. Enquanto Andrea, por
exemplo, prioriza a vida familiar e as atividades culturais, Ronaldo mostra perfil comprometido com o
interesse blico, direcionando a cena às questões problemáticas ligadas à presença do motoboy
no espaço urbano.
179
Segundo a classificação de Lin e Hauptmann (2008), a maioria das palavras-chave presentes no
website são do tipo topical tags; atribuindo conceitos genéricos às situações tematizadas, e não
efetuando juízos de valor, com o uso de ideological tags. As tags indicam, objetivamente, situações
relevantes às quais se volta o interesse do grupo, como as relacionadas às palavras-chave: Trânsito,
Dia a Dia e Acidente.
191
Figura 43: Ronaldo 2009-09-17 00:21:33 Dia a Dia
Fonte: Ronaldo, 2009n
Ronaldo: Dia a Dia na Sala São Paulo, é ruim hein, Dona Regina Silveira
mesmo pra mandar um convite para um motoboy de um prêmio Bug 2009,
que ela foi uma das premiadas. Meus parabéns Dona Regina Silveira, a
senhora é uma pessoa excelente, uma pessoa maravilhosa, e o Canal
Motoboy existe porque a senhora nos apresentou a Antoni Abad. Muito
obrigado por confiar em mim, muito obrigado por ter feito parte dessa noite
maravilhosa. Um grande abraço do Ronaldo do Canal Motoboy, valeu.
(RONALDO, 2009n)
Na Figura 43, o agenciamento entre o universo da arte e as micropolíticas de
enunciação coletiva, que ligam linhas de poder, visibilidade e enunciação
(DELEUZE; GUATARRI,1995), aponta, mais uma vez, para a realização de táticas
do cotidiano, como oportunidades momentaneamente exploradas no espaço urbano.
Através das relações comunicativas que conjugam conteúdos semânticos, como o
tradicional espaço artístico - referência da cultura erudita, às práticas de enunciado
que remetem à expressão popular, sobre aspectos da vida ordinária; a ação coletiva
produz linhas de fuga que alteram a configuração dos pontos da rede, fundando,
assim, outros lugares sociais, por meio das conexões entre seus elementos.
Ou seja, a sobreposição das mediações sociotécnicas gera acontecimentos
que se desviam dos padrões usuais de valoração da categoria. A cena mostra
espacialidades ativadas pelo projeto criado por Antoni Abad, por intermédio de outra
artista, organizadas e mantidas pela atuação do grupo. Essas misturam as
referências simbólicas dos campos de ação da arte, da comunicação e da política;
criando entidades híbridas, inscritas na composição da cena tornada pública.
192
A montagem dos fragmentos, lembrando Ferrara (2007), opera nas camadas
mais internas e sutis dos processos comunicantes do espaço, estabelecendo... o
diálogo entre aqueles resíduos para descobrir o nexo que os pode organizar em
montagem”. (FERRARA. 2007b, p. 35). Resíduos que, em entrevista a este estudo,
Ronaldo afirmou serem indissociáveis de suas ações cotidianas, ligadas, pelo
projeto, simultaneamente, aos campos da arte, comunicação e política. A impressão
do motoboy é de que esses relatos híbridos transformaram, significativamente, o
agendamento midiático:
Eu sou um pai de família, não sei se exemplar, o motoboy é um cidadão
como todos, que tem os seus direitos e deveres. Mas tava aparecendo a
parte negra dos motoboys. E hoje ele tem a oportunidade de mostrar que a
gente é cidadão, não é uma máquina como é uma moto. (RONALDO,
2009n)
Em tom instrutivo, ele atribui ao profissional a corresponsabilidade pela
imagem pública construída pela mídia corporativa: O próprio motoboy acha que em
cima da moto ele pode tudo. Sua família depende de você, a profissão é aquilo que
dá sentido pra vida e quem dá o significado é o próprio cara.”
Eliezer também considera os resultados significativos, especificamente, em
relação à atuação do profissional jornalista, que se orienta, hoje, por outras
referências sobre a categoria, na cobertura midiática sobre acontecimentos
envolvendo motoboys
180
. A articulação de micropolíticas de enunciação coletiva,
acionadas pelo programa, pode ser verificada através da produção de livro
autobiográfico sobre a cultura do motoboy, no segundo semestre de 2009, com a
180
O coordenador Ronaldo Simão avalia que, depois do projeto, a imagem dos motoboys foi
transformada; tendo em vista que o discurso associado ao profissional não se restringe a
abordagens desvinculadas do interesse comum, por parte dos próprios motoboys. A ão coletiva
conseguiu ligar a imagem da categoria à preocupação com o meio ambiente, com a valorização da
vida familiar, enfatizando, nas suas palavras, “que embaixo do capacete tem um pai de família”. Ele
ressalta que a mudança foi intermediada pela mídia que, paradoxalmente, “ao mesmo tempo que te
destrói, te ajuda”. Eliezer Muniz avalia que a condição de visibilidade midiática mudou a imagem da
categoria junto aos jornalistas: “O caminho tava truncado, o meio jornalístico não tinha abertura. Eu
posso dizer que o Canal Motoboy provocou essa modificação [...], através da construção de uma
certa identidade” [...] Não importa se a gente não conseguiu, do ponto de vista econômico, se a
gente não tá conseguindo gestar. Nossos críticos falam justamente isso: que a gente é ineficiente,
não consegue vencer as barreiras da tecnologia, do patrocínio. Mas a gente não consegue porque,
no começo, havia o preconceito contra o motoboy, o próprio artista demorou quatro anos para
conseguir patrocínio”, contextualiza.
193
participação de profissionais não integrantes da rede
181
.
Essas práticas comunicacionais reconfiguram as interações sociais geradas
pelo projeto, situando-as em novos recortes espaço-temporais de atuação coletiva,
que conectam linhas de força de dimensão estética, portanto, como afirma Rancière
(2005), de cunho político. O campo de ação das micropolíticas mostra a potência
dos fluxos de informação que, por intermédio das redes sociotécnicas, alteram o
posicionamento dos nós da rede. Novas relações, e portanto, outros lugares sociais
são criados através da articulação entre os elementos urbanos, apresentados sob a
forma de fragmentos multimidiáticos.
Sintetiza Eliezer, sobre a publicação:
A ideia é falar da cultura, a voz do motoboy. O Canal nos uniu, mas nós
temos uma história de vida que é de antes. O canal aparece como um
momento da nossa vida. A preocupação do livro é justamente mostrar como
surge o profissional, a parte cultural. (ELIEZER, entrevista em 03/10/2009)
Com base em Delleuze e Guattari (1995), percebe-se que o programa aciona,
em torno do nculo oportunizado pela publicação, o agenciamento de
multiplicidades, gerando campos de intensidade nos quais emergem linhas de força
relativas a experiências de motoboys não integrantes do projeto; mas que atuam,
temporariamente, no contexto comunicacional de diversificação integrada das
mediações envolvidas. As conexões urbanas propiciadas, no âmbito da rede, podem
ser exemplificadas no contexto da Figura 44. Por meio dessa, Eliezer explicita sua
participação, como representante do projeto Canal Motoboy, em evento da área de
tecnologias digitais, reforçando a intenção de gerar visibilidade à presença do
coletivo na esfera de discussão acadêmica.
181
A oportunidade decorreu da apresentação, por Eliezer Muniz, de romance de sua autoria à
editora, na tentativa de publicação do conteúdo. Em 2008, ela demonstrou interesse por
informações recentes sobre as experiências dos motoboys, proposta que resultou na produção do
livro.
194
Figura 44: Neka 2009-09-01 19:57:12 Neka Evento 1
Fonte: Neka, 2009a
Os fragmentos multidimidiáticos, articulados pela interface hipermidiática,
mostram como os recursos sociotécnicos publicizam a ocupação, pelo motoboy, de
outros lugares sociais, alterando a configuração do espaço através da ação
comunicacional. Na Figura 44, a gravação do debate acompanha a imagem, mas a
qualidade do som não permite a compreensão das falas. No Canal Palavras, a tag
Evento, relacionada ao registro, remete a cenas correlatas que contextualizam o
acontecimento, complementando as referidas informações.
É o caso da Figura 45, que valoriza a presença do Canal Motoboy na mesma
oportunidade, desta vez através de comentário textual relacionado às duas imagens.
A primeira foto localiza a participação de Eliezer Muniz, dentre os integrantes da
mesa redonda; o comentário inscrevendo o projeto na programação de âmbito
internacional.
182
182
Canal Dia a Dia, 2009.
195
Figura 45: Neka 2009-09-01 21:49:21 Evento 2
Fonte: Neka, 2009b
Nesta terça feira participamos do Ciclo de Conferência A Inteligência
Conectiva e a Era das Tags” dentro da programação que reúne importantes
estudiosos da Itália, França, Espanha, Canadá e Brasil, para apresentar e
debater as profundas mudanças sociais que estão ocorrendo em
conseqüência da difusão das novas tecnologias comunicativas digitais.O
professor e diretor do Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia da
Universidade de Toronto, Canadá, Derrick de Kerckhove proferiu sua
palestra e depois participou da mesa-redonda Redes de Informação e
Conectividade com Vinicius Pereira, da ESPM/RJ; Fernão Ciampa, do
ÉMídia Embolex; Eliezer Muniz, do Canal Motoboy; Elisa Prado, da Tetra
Pak; com mediação de Leandro Yanaze, do ATOPOS (ECA-USP). No Teatro
Anchieta no Sesc Consolação - SP. Neka 2009-09-01 21:49:21 (NEKA,
2009b).
O projeto Megafone.net potencializa a ocorrência de micropolíticas de
enunciação coletiva entre seus integrantes, originando, inclusive, novos ambientes
de alteridade e interlocução, para além da dimensão original da rede; ou seja, essas
conjugam-se, em alguns momentos, a macro enunciações coletivas, pertencentes a
ambientes institucionais. A presença em acontecimento na área de novas
tecnologias transforma-se em espacialidade que introduz ruídos na abordagem
comumente associada aos processos comunicacionais envolvendo a imagem do
motoboy.
Através do uso das mídias locativas, essas cenas midiáticas traduzem
vivências ligadas à sabedoria cotidiana - elementos inviáveis à cobertura midiática
corporativa, por isso, excluídos do enquadramento dado aos fatos. Com base em
Rancière (2005), percebe-se que estes fragmentos das experiências do cotidiano
exibem danos situados sob o arranjo usual dos elementos da rede urbana, ao
196
provocar a percepção de lugares sociais nos quais o motoboy ocupa outras
funções. O reordenamento dos elementos urbanos, em favor de um lugar de fala
próprio, torna visível a condição de desigualdade na divisão sensível do espaço: os
relatos colocam à prova a suposta circunstância de igualdade entre as parcelas que
compõem o espaço, configurando o ato político.
Pode-se dizer que o movimento de implicações estéticas e políticas cria
situações concretas para encontros nos quais emergem, em alguma medida, as
circunstâncias de coabitação e incomunicação (WOLTON, 2006). Insistindo na
importância da dimensão normativa da comunicação, que ao mesmo tempo em que
busca a intercompreensão, admite as dificuldades e os distanciamentos implicados
nas trocas comunicacionais, Wolton (2006) defende que é nos interstícios e na
heterogeneidade que será necessário organizar a comunicação, ou seja, a
coabitação, e não na ilusão de uma aproximação dos pontos de vista relativos ao
mundo.” (WOLTON, 2006, p. 165).
Para além da condição de visibilidade midiática conferida às experiências
urbanas dos motoboys, o que, por si só, não assegura a condição de coabitação;
pode -se dizer que a atenção momentânea à questão do outro configura, no
contexto da rede, a impossibilidade mesma da comunicação, ou a ocorrência do
ruído como estágio mais elevado da partilha no espaço de uso comum, referindo-se,
assim, à ação de coabitar. Trata-se de uma ambiência colaborativa, conformada por
predominante influência dos recursos estéticos de mediação sociotécnica, em que o
retorno das ações não são completamente mensuráveis; ao contrário, a rede
expande o espaço urbano para territórios informacionais nos quais não se torna
possível o gerenciamento das trocas, para fins funcionalistas, como pretendido na
perspectiva integradora do modelo transmissivo.
Como explica Pinto (2002), a não linearidade da rede hipermidiática implica
que a relação entre os nós, ou através dos links, pode conduzir a rumos
inesperados, promovendo associações imprevistas. Isto porque essas mensagens
podem seguir percursos comunicativos que não se submetem à transmissão
planejada das informações - gerando novas perspectivas interessantes para o grupo
social, em outros ambientes sociotécnicos, como na Figura 45; ou, de outra forma,
não se desdobrando em acontecimentos relevantes, sem que esse tipo de situação
197
seja, inclusive, administrável pela ação coletiva.
A associação entre os recursos das mídias locativas e da internet, no âmbito
da rede Megafone.net, conjuga práticas ubíquas no espaço reticular hipermidiático,
que delineia conexões emergentes entre os campos da arte, da comunicação e do
ativismo político. Situadas na confluência dos contextos físico/informacional, essas
trocas, transitórias e fragmentárias, reconfiguram os usos do espaço urbano,
redimensionando os vínculos que se estendem no tempo, através da plurilocalização
instantânea.
Os fluxos de informação ativados pelas práticas cotidianas se
desterritorializam e reterritorializam, pela lógica das conexões, conformando
micropolíticas de enunciação coletiva vinculadas ao espaço urbano. Sob a condição
de visibilidade, a divisão sensível do espaço expõe, na rede, a desigualdade sobre a
qual se assenta o planejamento do espaço urbano, refletida nas condições de vida
de seus habitantes. As situações comunicativas relacionam-se a percursos estéticos
que favorecem, lembrando Sodré (2002), a abertura dos sentidos, mediante a
afetação do elemento imprevisível; do fator contingencial que agencia as
associações fluidas e temporárias no espaço físico/informacional. Os fragmentos
multimidiáticos traduzem as experiências urbanas dos motoboys, permitindo a
produção dos sentidos e a construção da memória do grupo social, com base em
suas aspirações coletivas.
198
5 CONCLUSÃO
Percursos são caminhos inacabados, espaços a serem construídos. O
recomeço parece ser o ponto absoluto de toda caminhada; instante em que a
experiência não permite concluir algo, mas, por isso mesmo, possibilita levar adiante
a busca na qual se acredita. Novas perguntas são apresentadas a questões que
retornam, reformuladas pela interferência dos trajetos percorridos. Percursos são,
assim, modos de sentir, fazer e pensar sobre o mundo, sujeitos ao que não se
conhece, jamais, completamente.
As situações comunicativas que emergem das experiências dos motoboys
paulistas, integrantes da rede Megafone.net, mostraram algumas convergências
importantes em seus percursos urbanos - pistas que sinalizaram um modo de agir
coletivo, revelando a ótica sob a qual atua o grupo social e as aspirações que
motivam o fazer conjunto. Guiada pela ação concreta no mundo, como alicerce da
experiência cotidiana, a reflexão sobre o coletivo brasileiro, Canal Motoboy, identifica
nas práticas de mobilidade física, articulada aos fluxos de informação no espaço, a
construção de processos baseados em táticas do cotidiano, ativadas por pessoas
comuns. No espaço hipermidiático, a condição de mobilidade valida o constante
devir dessas ações, perspectiva evidenciada através de interações marcadas pela
acelerada rotina profissional, e pela versatilidade das conexões hipermidiáticas
permitidas pelo programa, que acentua os deslocamentos espaço-temporais na
rede.
A sobreposição integrada das mediações presentes na rede delineia os
percursos urbanos dos motoboys. Isso torna-se possível através do agenciamento
dos recursos sociotécnicos atuantes no programa coletivo, que privilegia a
experiência estética, tendo em vista as seguintes características: o meio
hipermidiático favorece as conexões fluidas e temporárias, através de práticas
ubíquas de deslocamento e experimentação no espaço urbano, acentuando as
intensas circunstâncias de mobilidade física dos motoboys na cidade. As
características cnicas dos dispositivos de comunicação móvel também induzem à
realização de breves registros sobre o cotidiano, levando à produção instantânea de
199
imagens, bem como de textos curtos, em torno de uma dada situação
comunicacional. A mediação do artista, por sua vez, privilegia o uso dos recursos
multimidiáticos, conformando relatos idealizados para conter, necessariamente, a
presença da imagem.
Os registros multimidiáticos integram os fluxos informacionais que circulam
entre as interfaces dos meios de comunicação móvel e internet. Estes constituem,
portanto, inscrições instantâneas que presentificam as experiências na rede,
conjugando a presença marcante da imagem e a fluidez das mensagens renovadas
pela ação concreta no espaço físico. Configura-se a sensação de ambiguidade e de
imediatismo no ambiente comunicacional, predominando as características do signo
estético nos processos de mediação das experiências apresentadas.
O uso afetivo do espaço, pelos motoboys, também reforça a esfera sensível
das experiências por eles relatadas, configurando um espaço de predominante
dimensão estética, através de abordagens que visam, sobretudo, comover o outro,
envolvendo-o nas questões de interesse da categoria. Nesse ponto, o emprego dos
comentários sonoros e textuais constitui recurso importante, porque confere
personalidade ao relato, particularizando um lugar de fala sensível à defesa das
referidas demandas profissionais.
A programação coletiva resulta, portanto, da fusão entre as mediações
sociotécnicas, que negociam interesses e conjugam propriedades tornadas comuns
na rede. Destaca-se que as instâncias sociais e técnicas se encontram
entrelaçadas desde o início da atuação coletiva. A criação do artista, os recursos
multimidiáticos de linguagem e as propriedades do meio hipermidiático são
elementos indissociáveis da concepção do projeto; vinculada, por sua vez, à ação
dos motoboys na cidade, ou à articulação entre as circunstâncias ligadas ao espaço
físico, à mobilidade urbana e às necessidades históricas do grupo social.
As instâncias atuantes no coletivo são formações híbridas; entidades que
aliam elementos humanos e não humanos, cujo desempenho a rede desvela,
através de eventos emergentes. Essas instâncias influenciam-se mutuamente, de
modo a regular o funcionamento do programa, favorecendo a apropriação estética
do espaço urbano, por meio das formas operacionais de mediação sociotécnica.
Nesse contexto comunicacional, as interações sociais decorrem de práticas ubíquas
200
de experimentação do espaço, que possibilitam a construção dos sentidos coletivos,
através da ação colaborativa.
As operações realizadas no âmbito do projeto Megafone.net, envolvendo
questões, conflitos e utopias comuns (que geram heterotopias na rede), expressam
táticas comunicacionais de predominante dimensão estética, pelas quais se realizam
ações conjuntas, com consequências diretas no espaço territorializado - que estas
se originam e o realimentadas por demandas concretas ligadas à vida cotidiana. A
centralidade das imagens - para as quais convergem, através da interface do
programa, os demais recursos multimidiáticos, conduz à percepção de uma estética
do cotidiano que emerge das práticas de apropriação do espaço urbano.
Trata-se de uma estética da vida ordinária, de forte tom midiático, que afeta o
desenvolvimento das relações comunicacionais contemporâneas, engendrando a
construção dos sentidos sobre as experiência urbana. A conjugação entre os
deslocamentos físico e informacional, bem como as formas de apropriação social
dos recursos de linguagem - direcionados à expressão de estratégias sensíveis -,
conformam a mediação sociotécnica, de modo a construir o espaço que privilegia o
presenteísmo, por meio de conexões instáveis e fluidas. A experiência sensível
emerge das relações cotidianas banais; que, reconfiguradas na rede, conferem
sentido à presença de pessoas comuns em ambientes midiáticos. Assim, a partir da
observação da rede Megafone.net, pode-se dizer que a experiência compartilhada
nas redes contemporâneas atesta a importância crescente da análise da dimensão
do afeto, na construção das vinculações sociais que se desenvolvem na esfera da
vida ordinária.
Na tentativa de acompanhar essas práticas comunicacionais, a pesquisa
identifica cartografias de percursos afetivos, sem que seja possível separá-los em
territórios de limites precisos, tais como o da vida privada e pública, do
entretenimento e da ação política, do racional e do emocional. Percursos estéticos
que lançam mão das características da mobilidade dos fluxos informacionais,
associados ao ambiente hipermidiático e fragmentário; e dos recursos
multimidiáticos que compõem os relatos na rede; para revesti-los, de forma
marcante, da dimensão sensível das experiências urbanas compartilhadas.
201
A rede sociotécnica transforma-se, permanentemente, mediante as conexões
realizadas; o que invalida a ênfase na essência de seus elementos, exigindo
observá-los de forma integrada. Ou seja, é preciso acompanhar como se desenvolve
a conjugação entre os recursos sociotécnicos, conforme os deslocamentos espaço-
temporais que resultam das associações entre os diversos percursos urbanos.
Como o espaço corresponde à totalidade dinâmica das relações entre seus
elementos fixos, reconfigurados em espacialidades geradas pela produção simbólica
de seus habitantes, o contexto da mobilidade física e informacional exige que se
acompanhe a transformação dos elementos sociotécnicos, agenciados em novos
recortes espaço-temporais. Estes processos de mediação resultam da afetação
entre elementos sociais e técnicos; constituem o resultado da influência das
percepções, ações e valores do coletivo em estudo, integrando as instâncias de
concepção do projeto, pelo artista Antoni Abad, e de apropriação desse espaço,
pelos motoboys paulistas. A mediação sociotécnica do programa delineia os
percursos dos motoboys paulistas e, embora sem a participação direta do artista,
como na fase inicial da proposta, as marcas da mediação estética, concebida por
ele, conformam a rede por meio do dispositivo comunicacional.
Desta forma, a conceituação original da proposta intervém, constantemente,
nessas práticas, com implicações tecnológicas, políticas e estéticas nas práticas
cotidianas de seus integrantes. Essa diretriz é atualizada através de testemunhos
compromissados não com a problemática profissional, mas que pretendem
reiterar associações sígnicas relativas à vida cultural e afetiva de seus integrantes,
como habitantes da cidade. O projeto mostra que, ao contrário de reduzir a atividade
mediadora, os processos comunicacionais em rede são mantidos através da
contínua sobreposição das mediações sociais, refletindo a conjugação dos
interesses das entidades compromissadas com o seu desenvolvimento, inclusive as
institucionais.
Por exemplo, a ênfase nos recursos estéticos de mediação demarca a
influência da presença do artista que, com o apoio de instituições sociais, convida
minorias urbanas a criarem relatos multimidiáticos sobre suas vivências cotidianas,
gerando espacialidades nas quais predomina a dimensão sensível da experiência. O
processo comunicativo, originado no meio artístico, privilegia a experiência estética,
202
influenciando as práticas habituais dos grupos envolvidos, ao favorecer a relação
afetiva com o espaço coletivo.
As práticas urbanas, por sua vez, modificam as intenções originais do artista,
a exemplo das ferramentas relacionadas à edição de conteúdo, que não são
plenamente utilizadas, devido à intensa mobilidade profissional no espaço físico. O
programa coletivo resulta, portanto, do acordo temporário entre as mediações
envolvidas, que se ajustam conforme as necessidades históricas próprias e
interesses afins, alterando-se, sob influência das formas concretas de uso e
apropriação do espaço urbano. Essa situação comunicativa demonstra, ainda, a
importância da autoria coletiva dos registros, configurados como formas híbridas que
emergem da integração das mediações sociotécnicas atuantes no programa.
Por sua vez, as características tecnológicas do dispositivo comunicacional,
resultantes da conjugação entre as propriedades dos meios de comunicação móvel
e internet, perfazem os procedimentos envolvidos, permitindo experienciar a cidade
em ltiplas temporalidades e espacialidades, combinadas na rede, conforme usos
específicos. Promove-se a sobreposição das camadas de experiência, em que as
espacialidades se justapõem e modificam a configuração da vida ordinária, através
das práticas ubíquas de deslocamento urbano. Assim, o espaço desdobra-se em
outros lugares sociais, mediante a influência de temporalidades híbridas que
reorganizam e modificam a relação entre seus elementos, alterando os parâmetros
de percepção da vida na cidade. O relato linear constitui, portanto, uma das
possibilidades de leitura de uma ambiência cíclica, que retoma aspectos centrais,
mas também transforma-se, por influência do elemento contingente, aleatório, que
perfaz essas práticas cotidianas.
Objetos rotineiros, irrelevantes ao discurso das mídias convencionais
recebem visibilidade, promovendo novos parâmetros interpretativos sobre a rotina
desses profissionais. As atividades de tradução, delegação e mediação efetivam as
circunstâncias de mudança e passagem, como condição dinâmica do espaço urbano
que emerge dessas situações comunicativas. Ao contrário de oferecer um único
discurso representativo do argumento coletivo, há a percepção de um espaço cíclico
que se repete, diferenciando-se. Espaço cuja mobilidade informacional e física
conjuga e integra as diversas versões sobre as questões de interesse, renovadas
203
através das múltiplas conexões entre os fragmentos multimidiáticos.
Estes fragmentos revelam reincidências quanto aos temas e abordagens
apresentadas, que os situam sob os mesmos paradigmas de enunciação, implicados
na mediação do programa coletivo. Entretanto, a mediação sociotécnica conforma
esses relatos através das recombinações efetuadas entre eles, sem a possibilidade
de controle das informações registradas. O elemento urbano rotineiro, mas também
aqueles ligados à ocorrência do imprevisível, são captados pelos dispositivos de
comunicação móvel e redimensionados na internet, configurando uma rede
intermidiática que acompanha, mas também altera os percursos físicos realizados na
cidade.
Percebe-se as cidades como corredores dinâmicos de informação e sentido;
nos quais alguns pontos da rede urbana podem vir a originar sub-redes favoráveis a
situações de coabitação e incomunicação, nos termos de Wolton (2006). A exemplo
da rede Megafone.net, que vem oportunizando a atualização de práticas de
diversidade cultural, através da ação colaborativa entre minorias urbanas,
promovendo, assim, a desterritorialização e a reterritorialização constante dos fluxos
informacionais gerados em torno da proposta coletiva. A potência política da rede
Megafone.net consiste na geração de heterotopias queo visibilidade à pluralidade
das expressões comunicativas que perfazem o espaço urbano. Essas práticas de
mobilidade física e informacional não refletem o predomínio da lógica transmissiva
das mensagens, enfatizando, através do agenciamento dos elementos urbanos, a
ocorrência de ruídos, em relação aos recortes espaço-temporais efetuados pelos
meios tradicionais.
Nesse contexto, os motoboys assumem um lugar próprio de fala, que legitima
a atuação coletiva, revelando camadas da experiência urbana ausentes nas
narrativas históricas oficiais, e percursos excluídos da programação dos meios
massivos. A apropriação social do espaço hipermidiático vincula-se ao campo dos
afetos, expectativas e necessidades das pessoas comuns, formando uma ambiência
comunicacional que, ao mesmo tempo em que sensibiliza para as condições sociais
adversas da cidade, demonstra, em contraponto, como a experiência ordinária
responde, no dia-a-dia, pela construção das relações urbanas.
204
As conexões realizadas pelos motoboys paulistas fomentam processos de
partilha de informações e a formação de vínculos sociais entre os integrantes do
grupo, com base em pressupostos comuns de mediação sociotécnica adotados na
rede. Estes processos comunicativos permitem a criação de novos territórios de
informação e sentido, que invertem os significados normalmente associados às
funções sociais dispostas no espaço urbano. Os territórios informacionais são
mediados por palavras-chave que organizam, conceitualmente, o espaço de
interlocução, relacionando as vivências registradas pelos motoboys ao longo de
seus percursos urbanos. As tags delineam os trajetos físicos realizados na cidade,
associando significados aos lugares de uso comum, lembrando Certeau (2007:173),
referenciam o “lugar praticado”, revelando, assim, o espaço dinâmico de produção
de sentido, que modifica, constantemente, a relação entre os elementos urbanos, no
plano da vida cotidiana.
Esses trajetos baseiam-se na ativação de estratégias de visibilidade midiática,
criadas como resultado do sentimento de pertencimento à cidade, em circunstâncias
outras; relatos que reenquadram as situações comunicativas cotidianas, no espaço
das trocas comunicacionais, através do lugar de autoria da fala, assumido pelos
motoboys paulistas. A mediação do projeto organiza as impressões dos integrantes
sobre a vida na cidade, os quais, através das práticas urbanas realizadas, revisitam
e questionam os laços sociais estabelecidos pelo grupo no espaço. A experiência de
deslocamento no território físico, ao qual o profissional está ligado afetivamente,
gera visibilidade, na rede, ao universo simbólico do coletivo, expandindo a cidade,
em alguma medida, para além e, em contraponto, aos significados estereotipados
pelas mídias convencionais.
Com a globalização e o desenvolvimento tecnológico que marcam o século
XX, os narradores do cotidiano, na expressão Certeau (2007), ou os sujeitos em
comunicação, no entender de França (2006), vêm desenvolvendo formas de
apropriação coletiva dos dispositivos midiáticos para organizar seus discursos.
Participando de práticas urbanas realizadas nas redes sociotécnicas
contemporâneas, esses relatos desenvolvem vínculos importantes, através de
modos operativos relacionados à produção, difusão e troca de conhecimentos, com
base nas experiências do homem comum.
205
Agenciados pelo programa coletivo, estes percursos passam a funcionar
como signos da presença do motoboy na cidade, de forma a evidenciar a relevância
de sua função social, por meio das situações prosaicas que dizem respeito ao
conteúdo afetivo da existência. O dispositivo comunicacional regula a atuação
integrada dos integrantes, providenciando as condições necessárias aos processos
de produção e articulação dos relatos, através dos recursos de mediação
sociotécnica. Isto significa dizer que a mediação do projeto Megafone.net
transforma, efetivamente, os usos do espaço, conferindo significados estéticos para
as ações cotidianas, ao ativar a formação de heterotopias de controle informacional.
A perspectiva da experiência urbana como fio condutor do olhar dirigido ao
cotidiano fez a ponte, ao longo da pesquisa, com os assuntos tratados, de forma a
que a reflexão considere o caráter híbrido das redes sociotécnicas mediante a
articulação entre as circunstâncias ligadas aos contextos macro e micro da
existência. Em outras palavras, entre as condições socioeconômicas do grupo social
e a potência da ação coletiva em transformar, em alguma medida, as circunstâncias
históricas que conformam a vida cotidiana.
A participação decrescente dos motoboys apontou os conflitos sociais que
afetam a evolução do projeto - motivados por questões de ordem organizacional e
financeira, que dificultam a permanência do desejável nível de participação e,
também, a inserção de novos integrantes. A reduzida participação reflete
circunstâncias adversas a serem enfrentadas, muitas delas ainda sem resposta
imediata, o que não invalida a atual configuração da proposta, demonstrando, por
outro lado, as formas de resistência daqueles que continuam investindo na ação
coletiva, apesar das dificuldades.
Os conflitos indicam os obstáculos que inviabilizam a ampliação da
participação coletiva, mas também apontam as brechas, os atalhos construídos para
dar continuidade ao projeto, por seus atuais membros. Mais do que revelar falhas
incontornáveis, que atestariam a incapacidade de permanência do processo
comunicacional, sob condições previamente pautadas, a rede mostra as afetações
contínuas entre os elementos acionados.
Ainda que limitados em seus desdobramentos, os percursos dos motoboys
continuam a provocar circunstâncias de interacionalidade expressas na abertura de
206
oportunidades temporárias, através de conexões urbanas que desviam os rumos da
experiência ordinária de seus integrantes, com repercussões positivas para a
categoria profissional. Essas interações surgidas da ação coletiva redirecionam os
trajetos urbanos; emergindo, na rede, situações comunicativas que possibilitam ao
grupo tirar proveito da manutenção das atividades e realizar, em alguma medida, as
aspirações coletivas.
O programa influencia as práticas do grupo reduzido de participantes, com
consequências válidas para a imagem do profissional no espaço urbano – na opinião
dos atuais membros do coletivo, o mais duradouro até então da rede Megafone.net.
De qualquer forma, a proposta do artista não é de desenvolvimento de um projeto
permanente, mas de fomentar articulações temporárias, relacionadas aos processos
comunicacionais das minorias urbanas envolvidas, e, a partir desse acordo datado
entre os integrantes da rede, produz-se a vinculação entre seus elementos humanos
e não humanos. Por outro lado, o espaço de memória coletiva, organizado pela
moldura semântica criada pelos motoboys, permanece na rede; promovendo novas
associações gnicas, cujos percursos são imprevisíveis, tendo em vista a
rearticulação entre as sub redes urbanas, através dos registros multimidiáticos.
O atual nível de participação no projeto, que se mantém estável, parece
relacionar-se, para além das dificuldades financeiras e burocráticas, à motivação
primeira que a proposta deve ser capaz de provocar, visando a adesão voluntária e o
desejável comprometimento do grupo com determinadas condições de
funcionamento, objetivos e formas de participação previamente definidas pelo
idealizador. O interesse pelo programa mostra-se contundente, na fase inicial,
provavelmente, em função da presença do artista, da oportunidade de aquisição do
aparelho de telefonia móvel, à época, e do apelo midiático que o convite de Antoni
Abad oferecia, no momento de seu lançamento.
Essas são questões que problematizam o objeto de estudo e constituem, por
si só, universo de futuras pesquisas; fazem parte, portanto, das perguntas
acrescentadas ao trajeto – que, no momento, não podem ser esclarecidas. Em
possíveis desdobramentos desta pesquisa, torna-se, assim, importante investigar
como se desenvolve a construção da autonomia dos integrantes da rede, tendo em
vista o afastamento progressivo de seu idealizador e mobilizador inicial, Antoni Abad;
207
bem como observar as progressivas formas de relacionamento construídas entre o
coletivo e outras redes presentes no espaço urbano.
Mostra-se relevante, por ora, acompanhar como a rede altera-se, através da
articulação entre os elementos urbanos; reconfigurando a atuação do coletivo em
torno de novos eventos. Como no cotidiano, apesar das condições ideais de
realização das atividades propostas não se manterem; criam-se, através da
apropriação dos recursos sociotécnicos, não menos importantes associações de
interesses, que continuam a renovar as expectativas das pessoas comuns, em torno
de aspirações coletivas.
Os relatos multimidiáticos e hipermidiáticos da rede Megafone.net
materializam a aspiração se fazer presente no espaço; conforme uma lógica
midiática que implica organizar os próprios discursos e torná-los suficientemente
atrativos ao olhar externo. Percebe-se o entrosamento das mediações sociotécnicas
com a ação das mídias corporativas, que revela influências mútuas e, também,
cumplicidades, através das quais as fontes sociais tiram proveito da possibilidade de
adotar formatos tradicionais de visibilidade midiática; e os meios, por sua vez,
capturam audiências, ao assimilar essas produções amadoras.
Nesse contexto, as mídias corporativas exibem como fato extraordinário o
acontecimento prosaico: as práticas banais que perfazem o cotidiano do homem
comum. Promovem, assim, uma ambiência comunicacional que banaliza as relações
desiguais no espaço urbano, através da estetização da vida ordinária. Aqui, vale
interrogar em que medida, frente ao excesso informacional e à força produtiva do
poder mercantil, a intensa espetacularização da experiência cotidiana, pelas mídias
corporativas, compromete a potência da atuação de redes sociotécnicas geradas em
torno das aspirações das pessoas comuns, como a Megafone.net.
Assim, a experiência urbana é permeada pelo que se poderia chamar de uma
espécie de ambiência midiática, em que se incorporam às práticas cotidianas as
técnicas e modos de produção antes restritos aos meios de comunicação
corporativos. A apropriação do espaço da rede, na posição de “cronistas do
cotidiano”, configura a atuação dos motoboys como repórteres das condições de
vida na cidade. Os discursos midiáticos formulados pelo coletivo absorvem formatos
e princípios típicos dos meios de comunicação corporativos, como, por exemplo, a
208
realização de entrevistas com profissionais da área; ou, ainda, o compromisso com a
oferta de informações de utilidade blica, com base na condição privilegiada de
intensa mobilidade no espaço urbano.
O projeto adota formas de mediação sociotécnica que dialogam com os
modelos midiáticos tradicionais, associando-se ao modelo de defesa do interesse
público - através do uso dos recursos de comunicação móvel e internet; mas
incorporando a este, por outro lado, modos peculiares de fazer e estar na cidade.
Estes relatos expressam a singularidade das experiências de apropriação do
espaço, seja através da informalidade do lugar de fala cotidiano, ou por meio da
produção amadora das cenas multimidiáticas, que reiteram temas e abordagens
previstos na programação coletiva. Sob esse prisma, o espaço urbano reflete o
esforço estratégico de seus habitantes e instituições sociais, por conquistar a
atenção de audiências cada vez mais dispersas e segmentadas nas redes
sociotécnicas.
Configura-se uma ambiência midiática de interações diferidas e difusas, nas
quais a visibilidade tecnificada orienta os modos de vida, modelando as ações
prosaicas em direção ao reconhecimento social. Não se trata, entretanto, de uma
ambiência de característica manipuladora ou totalitária, à qual se submetem os
modos de vida adotados pelas pessoas comuns, mas de processos comunicacionais
que conformam os modos de expressão social, lançando mão das referências da
vida ordinária. Portanto, a diversificação integrada das mediações sociotécnicas
impossibilita que analisemos, isoladamente, as instâncias do mercado e da cultura;
da elite e do popular, da tradição e da cultura massiva. Esses elementos mediadores
articulam-se na rede, permutando características, revelando ambiguidades - assim
como acontece na esfera da vida ordinária - em sua contínua tentativa de conferir
sentido ao mundo.
Ao refletir as demandas sociais de seu tempo, o uso da tecnologia sobrepõe
as camadas de mediação sociotécnica, conectando-as, transformando os
parâmetros de interação social - que o excluem as desigualdades, mas
tensionam, em alguma medida, o desempenho unilateral dos modelos midiáticos
transmissivos. A diversificação integrada das mediações apresenta formas
particulares de estar no mundo atual, apontando possibilidades de uso das redes
209
para a ação coletiva, que funciona como contraponto à sua redução à lógica
mercadológica.
Identificar o possível desenvolvimento de processos consistentes de
identidade coletiva, engajamento político e cidadania reterritorializada não significa
elevar o potencial do uso democrático da internet, frente à força do sistema
capitalista na produção das relações materiais de desigualdade e marginalização
econômica e social; ao contrário, trata-se de problematizar as mediações envolvidas
em determinada situação comunicativa, identificando efetivas oportunidades de
apropriação do espaço urbano, para a produção do conhecimento e expressão dos
grupos sociais.
Esses registros fragmentários formam territórios informacionais que indicam a
potência estética e, portanto, política; inerente às formas de vida ordinária, que
sempre exerceram atuação determinante na condução das trocas cotidianas. Por
tudo isso, pode-se afirmar que a condição de visibilidade traz à tona as formas de
sentir, agir e pensar que dão sentido à base da existência coletiva, ressignificando o
espaço urbano. Para além dos preceitos da palavra divina -como nas narrativas pré-
modernas-, e das referências das grandes narrativas modernas; esses relatos são
construídos, sobretudo, através da relação com o outro, entrelaçando inscrições
familiares, do mundo do trabalho e do desenvolvimento tecnocientífico e
mercadológico. Ao criar relatos para organizar o mundo, as pessoas comuns
apropriam-se, portanto, das influências históricas precedentes, reconfiguradas na
totalidade da vinculação social.
Na contemporaneidade, esses processos comunicativos são realizados
através do uso social da tecnologia - especialmente dos recursos audiovisuais, que
favorecem a expressão do conteúdo sensível das vivências cotidianas. Os percursos
estéticos criados através da mediação do Canal Motoboy exprimem os sentidos
conferidos ao espaço urbano. Por isso, a potência dessas formas de vida consiste
na tradução e socialização, justamente, do elemento banal da existência, que
sedimenta as experiências das pessoas comuns nas redes sociotécnicas
contemporâneas.
A multiplicidade de experiências mostra, assim, como as vinculações
sociotécnicas constroem espacialidades diretamente relacionadas à ação no espaço
210
físico, fortalecendo o vínculo entre os habitantes da cidade. Espacialidades
fragmentárias que não respondem, de forma totalitária, na maioria das vezes, às
questões da atualidade, mas engendram o fazer cotidiano, por meio dos relatos que
referenciam as experiências do homem comum. Atualizam-se as perguntas feitas por
Certeau (2007), que permanecem desafiadoras: Quem falará? E a quem?;
redimensionadas nos seguintes termos: Sobre o que e como falar do que interessa
dizer, com o outro, potencializando a criação de redes sociotécnicas que
transformem o espaço urbano, ao encontro das aspirações das pessoas comuns?
211
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SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGA DE SÃO PAULO E
REGIÃO. MOTOFRETE: SETCESP apóia normas do Inmetro para uso do capacete
padronizado dos profissionais do motofrete - 2008. Disponível em: <
http://www.setcesp.org.br/noticiacompleta.asp?CodNoti=8855> Acesso em: 14 nov.
2009.
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http://www.megafone.net/MEXICODF/taxi.php?qt=8&can_actual=29. ..> Acesso em:
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em rede. Petrópolis. RJ: Vozes, 2002. p. 11-28.
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<Ohttp://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=11366> Acesso em: 20
nov. 2009.
SOUZA, Mauro Wilton de. Recepção mediática: linguagem de pertencimento. Texto
baseado no artigo “Práticas de recepção mediática como práticas de pertencimento
público, publicado em Novos Olhares, Departamento de Cinema Rádio e TV,
Universidade de São Paulo, Brasil, n. 3, 1999. p. 12-30.
227
TADEU. Perigo corredor - Pessoas transitam sem atenção pelos corredores.
Disponível em: <
http://www.megafone.net/SAOPAULO/motoboy.php?qt=0&can_actual=206&tag=76.
>. Acesso: 05 jul. 2009.
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potencial à escrita coletiva. In: Compós 2002 - XI Encontro da Associação Nacional
dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2002, Rio de Janeiro. Anais,
2002. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_789.PDF>
TEIXEIRA PRIMO, Alex Fernando. Enfoques e desfoques no estudo da interação
mediada por computador. In: Intercom XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2003, Belo Horizonte. Anais, 2003. Disponível:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP08_primo.pdf.>
Acesso em: 05 nov. 2008.
TEIXEIRA PRIMO, Alex Fernando; RECUERO, Raquel da Cunha. A Terceira
Geração da Hipertextualidade: cooperação e conflito na escrita coletiva de
hipertextos com links multidirecionais. Revista da Faculdade de Comunicação
Casper Líbero, p. 83-93. São Paulo, 2006.
TEIXEIRA PRIMO, Alex Fernando. Interação mediada por computador.
Comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007. p. 40-50; 55-58.
TEXTOS e programação paralela. Disponível em:
<http://www.megafone.net/SAOPAULO/motoboy.php?qt=8&can_actual=224>.
Acesso: 16 nov. 2009.
VALVERDE, Monclar. 2008. Disponível em:
<http://www.compos.org.br/data/biblioteca_362.pdf. > Acesso: 25 nov.2009.
VAZ, Paulo Roberto Gibaldi. Esperança e excesso. 2000. v.1.Disponível em: <
<http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1368.pdf> Acesso em: 15/06/2009.
THOMPSON, John. A nova visibilidade. Revista Matrizes, 2008. Disponível em:
<http://www.usp.br/matrizes/atual.php.> Acesso em: 01/06/2009.
ZANETTI, Humberto. Tags e folksonomia: o usuário classifica a informação. 2007.
Disponível em: < http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/01/12/tags-e-
228
folksonomia-as-pessoas-organizam-a-informacao.> Acesso em: 14 dez. 2008.
WEISSBERG, Jean-Louis. Paradoxos da teleinformática. In: PARENTE, André
(Org.). Tramas da rede. Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 113-141.
WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.
p. 147-179.
229
APÊNDICE
230
APÊNDICE A - ROTEIRO ENTREVISTA ANTONI ABAD
1- algum critério para escolha dos grupos? Especificamente no caso dos
motoboys, porque o coletivo brasileiro?
2- Em que consiste o encontro realizado com os grupos, dos pontos de vista técnico
e conceitual da proposta?
3- Quem detém o gerenciamento dos recursos tecnológicos do projeto, depois da
fase de treinamento? Como os coletivos interagem em relação ao banco de dados
constituído, em termos de acesso e autonomia de uso?
4- O projeto sofreu mudanças em relação à proposta inicial, em que aspectos? Por
quê?
5- Os coletivos utilizam a rede para apresentar seus próprios relatos, não trocam
informações. Isso era esperado ou a sua expectativa era de maior interlocução? A
que isso se deve, na sua avaliação?
6- Como artista, qual a principal motivação para criar a rede? Você tinha feito algo
semelhante?
7- Há perspectiva de formar novos grupos? Quais? Onde? Por que a escolha?
231
APÊNDICE B - ROTEIRO ENTREVISTA COORDENADORES DO PROJETO,
ELIEZER MUNIZ E RONALDO SIMÃO DA COSTA
1- Como utiliza o Canal Motoboy no dia-a-dia? Os registros são feitos em tempo
real? Como o dispositivo entra na sua rotina?
2 - Quais os aspectos mais registrados? Por quê?
3- Sobre os recursos: vocês empregam mais as fotos, tags, breves comentários
textuais e declarações de áudio. Não usam os recursos de vídeo e de edição de
conteúdos. Por quê?
3- Por que continuar o trabalho: qual a principal motivação em participar, ainda que
tenha que arcar com custos de manutenção do projeto, lidando ainda com a pouca
participação da categoria, por exemplo?
4- Quais aspectos mudaram, no seu cotidiano e do grupo, depois do projeto? Vocês
acreditam que têm conseguido, em alguma medida, transformar a imagem dos
profissionais motoboys, como desejado?
5- Quais os temas mais pautados por vocês nas reuniões semanais e o critério de
seleção desses assuntos? Como esses temas evoluíram desde 2007?
6- O pequeno número de participantes deve-se a quais fatores? intenção de
atrair novos profissionais para o trabalho? Vocês têm alguma proposta nesse
sentido?
7- houve contato com coletivos de outros países? E de motoboys de outros
estados? A categoria se manifestou sobre o projeto, depois que vocês assumiram
o espaço de acesso blico? Vocês costumam acompanhar a evolução da rede
Megafone.net, na internet e através de informações vindas de outros coletivos?
8 - Qual a relação do coletivo com o artista? Ainda são promovidas ações conjuntas?
9- Sobre o banco de dados: como acontece o acesso/gerenciamento do banco
formado pelo coletivo?
10 - A agência de notícias será criada? Quando?
11 - Parcerias atuais e previstas.
12 - Histórico e planejamento das ações coletivas.
232
ANEXO
233
ANEXO A - HISTÓRICO DAS ATIVIDADES DO COLETIVO - CANAL MOTOBOY
12/05/07 - Abertura da Exposição “Motoboys transmitem de celulares”
canal*MOTOBOY no CCSP.
22 a 26/05/07 - Ciclo de Debates e Filmes “Os Profissionais Motociclistas e a Cidade
de São Paulo”.
23/06/07 - Audiência na Câmara Municipal de São Paulo - Auditório Nobre
Freitas.
24/11/2007 - Lançamento do Catálogo canal*MOTOBOY, no CCSP.
12 a 17/05/08 - Realização da Semana de Cultura Motoboy no Centro Cultural
da Consolação.
26 a 27/02/09 Realização do II rum Nacional dos Profissionais Motociclistas /
São Paulo
Participação em eventos:
05 a 08/10/07 - Seminário e exposição no MOV.ART.em Belo Horizonte / MG.
12 e 13/09/07 - Onda Cidadã Itaú Cultural - Sustentabilidade das Mídias
Autônomas / RJ.
16 a 21/10/07 - Salão Duas Rodas 2007. Visita e transmissão de notícias / SP.
05 a 07/12/07 - Mobilefest (Festival Internacional de Arte e Criatividade Móvel) -
SESC / SP
24 a 27/01/08 - MOTOBOY FESTIVAL 2008. Estandes multimídia, projeção do
canal*MOTOBOY / SP.
11 a 17/01/08 - Campus Party 2008–Intervenção e apresentação da Parceria
Pesquisa Fundação telefônica.
25 a 27/03/08 - Participação no Seminário Internacional “Mídias Nativas”
Universidade São Paulo / SP.
14 a 15/06/08 - Participação no Fórum Mídias Livre – UFRJ – Rio de Janeiro / RJ.
15 a 17/11/08 - Mobilefest (Festival Internacional de Arte e Criatividade Móvel) MIS /
SP.
234
Prêmiação
25/06/08 - Prêmio Orilaxé “Veículo de Comunicação - Grupo Cultural AfroReggae
/ RJ.
Livros Grátis
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