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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
CONCEITUAIS
SOBRE O LIVRE ARBÍTRIO EM SANTO
AGOSTINHO E CALVINO
SÃO PAULO
2009
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2
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência para a
obtenção do Título de Mestre em
Ciências da Religião no Curso de
Pós-Graduação Stricto Senso em
Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, sob a
orientação do Dr. Hermisten Maia
Pereira da Costa
DANIEL PIVA
SÃO PAULO
2009
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3
Ficha Catalográfica
P693c Piva, Daniel
Convergências e divergências conceituais sobre o livre arbítrio em
Santo Agostinho e Calvino / Daniel Piva – 2009.
90f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009
Bibliografia: f:802-87.
1. Teologia 2. Livre Arbítrio I. Calvino, João II. Agostinho, Santo
III. Título
LC BT810.2
CDD 233.7
4
Comissão Examinadora
_______________________________
Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa
_______________________________
Dr. Alderi Souza de Matos
_______________________________
Dr. José Normando Gonçalves Meira
5
Dedicação
Dedico este trabalho à minha filha Rebeca, e que ele também possa contribuir
para que ela faça jus ao seu nome e realmente dê de beber da pura água do
Senhor a todos quantos Deus assim determinar, com sua vida de testemunho do
Evangelho.
6
Agradecimentos
Agradeço
À minha esposa pelo apoio na confecção deste trabalho; à minha sogra Jenny e à
minha cunhada Roberta pelo apoio logístico em tudo que puderam fazer.
Aos meus colegas Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, como orientador; ao
Rev. Wilson Santana, pelas suas sugestões e apoio pessoal; ao Rev. Christian
Brially, no auxílio na temática deste trabalho, ao Rev. Donizeti Rodrigues Ladeia
pelo auxílio técnico da elaboração do sumário.
À Igreja Presbiteriana do Brasil, na figura do Instituto Presbiteriano Mackenzie, em
propiciar esta oportunidade de estudo e desenvolvimento, tanto acadêmico, como
ministerial e pessoal.
7
Resumo
Neste trabalho o autor faz uma pequena introdução histórica sobre
Santo Agostinho, João Calvino e o tema Livre-Arbítrio para tratar especificamente
das convergências e divergências entre estes dois teólogos sobre o referido tema.
Seu objetivo é contribuir para o maior entendimento sobre a questão da
vontade humana e suas limitações sob o ponto de vista das Ciências da Religião,
ampliando assim o campo do conhecimento das humanidades.
Palavras-Chave
Santo Agostinho, João Calvino, Livre-Arbítrio
8
Abstract
In this work the author begins with a short historic introduction about
Saint Augustine, John Calvin and Free Will in order to deal specifically with their
similarities and differences concerning this subject.
His goal is to contribute to a larger understanding about the human will
and its limitations from the perspective of Science of Religion, thus enlarging the
field of knowledge of the humanities.
Keywords
Saint Augustine, John Calvin, Free Will
9
Introdução
Ainda que este tema possua muitas ramificações, tais como o problema
do bem e do mal, o conceito de liberdade, cosmovisão, a delimitação do tema se
na medida em que os Agostinho e Calvino trataram do assunto, bem como as
aplicações à realidade feitas pelos mesmos.
O objetivo geral deste trabalho é expor a visão agostiniana e calvinista
sobre o Livre Arbítrio do homem, que tem sido tratado tanto tempo em outras
áreas como Patrologia, Filosofia, Sociologia, e Antropologia, por exemplo.
Os objetivos específicos visam contrastar estas duas visões, tendo em
vista a grande e significativa colaboração destes dois teólogos não somente no
campo estrito da teologia, mas também no campo da filosofia, e mesmo para a
cosmovisão de nossa sociedade moderna.
O primeiro problema com que nos deparamos é a específica e estrita
conceituação do Livre Arbítrio humano em Agostinho e Calvino, chegando mesmo
ao ponto da verificação se realmente o homem possui, ou não este; e se sim, em
que medida. Ainda outro problema a ser resolvido é delimitar em que esferas de
atuação do homem Agostinho e Calvino reconhecem a inexistência, ou existência
parcial, ou total do Livre Arbítrio.
A primeira hipótese é que tanto Agostinho como Calvino reconhecem a
existência do Livre Arbítrio no homem, contudo o fazem de forma diferente, sob
outras abordagens e pressupostos, inclusive se valendo de terminologias
diferentes.
10
Calvino utiliza Agostinho em vários de seus escritos, o que demonstra a
grande consideração deste segundo pelo primeiro. Deste modo, creio que poderá
ser observado o quanto Agostinho influenciou Calvino, neste pico específico do
Livre Arbítrio.
Este trabalho de pesquisa se justifica na medida em que trata de um
assunto que é discutido, tanto em meios acadêmicos, como de modo popular,
séculos, tendo em vista os planos e a amplitude da imaginação do gênero
humano em contraposição à realização dos mesmos, ainda em contraposição à
limitação humana, e ao sentimento de frustração do homem, devido ao fato deste
perceber que ainda que possa fazer muito, não pode fazer tudo, tendo em vista
forças maiores, tanto externas, como internas.
O trabalho se processará basicamente com leituras de material
publicado sobre o tema, fazendo-se uma síntese interpretativa e contrastante
sobre o tema e os dois autores, à luz do referencial teórico.
Este trabalho visa contrastar e encontrar um terreno comum entre os
dois, bem como mostrar onde estes não se harmonizam, ou o segundo completa,
amplia e aplica o primeiro.
11
Sumário
1. REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................... 12
2. INTRODUÇÃO HISTÓRICA ....................................................................... .....16
2.1
C
ONTEXTO
H
ISTÓRICO DE
A
GOSTINHO
............................................................ 16
2.1.1 Agostinho e a Controvérsia Maniqueísta.............................................. 19
2.1.2 Agostinho e a Controvérsia Donatista.................................................. 22
2.1.3 Agostinho e a Controvérsia Pelagiana................................................. 25
2.2
C
ONTEXTO
H
ISTÓRICO DE
C
ALVINO
................................................................ 27
2.2.1. Calvino e Sua Ligação com o Humanismo.......................................... 29
2.2.2. Calvino Como Pastor Reformador e Estadista.................................... 32
3. O CONCEITO DE LIVRE ARBÍTRIO EM AGOSTINHO.................................. 35
4. O CONCEITO DE LIVRE ARBÍTRIO EM JOÃO CALVINO ............................ 60
5. CONCLUSÃO.................................................................................................. 76
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 80
7 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR................................................................. 80
12
1. Referencial Teórico
É importante fazer algumas distinções de termos para que não haja
ambigüidade na compreensão dos mesmos e seus usos neste presente trabalho.
O primeiro termo a ser definido é “liberdade”. Segundo o teólogo
reformado Louis Berkhof (1873-1957), o conceito de “liberdade” está intimamente
ligado à questão moral, visto ser uma característica distintiva do ser humano:
O homem é um agente livre, com capacidade de
autodeterminação racional. Ele pode refletir sobre uma inteligente
escolha de certos fins, e também pode determinar sua ação com
respeito a eles.
1
Em contrapartida, imediatamente associa esta liberdade a um
determinado raio de ação, sendo este limitado pelos decretos divinos:
Todavia, o decreto divino não é necessariamente incoerente com
a liberdade humana no sentido de autodeterminação racional,
segundo a qual o homem age livremente em harmonia com os
seus pensamentos e julgamentos anteriores, suas inclinações e
desejos, e com todo seu caráter. Esta liberdade também tem
suas leis, e quanto mais familiarizados estivemos com elas, mais
seguro poderemos estar do que um agente livre fará em certas
circunstâncias. Foi Deus quem estabeleceu estas leis.
Naturalmente, devemos precaver-nos contra todo determinismo –
materialista, panteísta e racionalista em nossa concepção da
liberdade no sentido de autodeterminação racional.
2
1
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho. 1990. p. 106, fazendo
uma citação compilada e comentada de WATSON. Theological Institutes. Part II. Cap. XXVIII e
de MILEY. Systematic Theology. II. p. 271.
2
Idem. p.107.
13
Fica evidente que a concepção de Berkhof contempla tanto a liberdade
do homem como também o fato dela ser limitada por leis impostas divinamente, e
nisto não incoerência, mas sim, duas realidades que caminham juntas. Ainda
mais, ele faz uma diferenciação de outros sistemas que procuraram uma espécie
de harmonização plena e irrestrita, como por exemplo os que seguem o conceito
de determinismo.
Outro ponto importante na concepção de Berkhof é a questão do
pecado original e sua relação com a liberdade humana, pois este é um ponto
decisivo em um dado momento para Agostinho. Berkhof não aceita a idéia de um
Livre-Arbítrio, no sentido de uma “vontade livre”. Contudo, como visto
anteriormente aceita a idéia da Livre Agência, sendo esta última entendida não de
modo irrestrito, mas sim limitado, que em seu modo de ver a limitação não é
necessariamente o contrário de liberdade, antes parece ser um elemento
orientador desta.
No contexto da doutrina da incapacidade total do homem,
naturalmente surge a questão se, então, o pecado também
envolve a perda da liberdade, ou daquilo a que geralmente
chamam liberum arbitrium livre arbítrio, vontade livre. Esta
questão deve ser respondida com discriminação pois colocada de
maneira geral, pode ser respondida negativa ou positivamente.
Em certo sentido, o homem perdeu a sua liberdade; noutro
sentido, não a perdeu. uma certa liberdade que é possessão
inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade de escolher o
que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e
tendências predominantes da sua alma. O homem não perdeu
nenhuma das faculdades constitucionais necessárias para
constituí-lo um agente moral responsável. Ele ainda possui razão,
consciência e a liberdade de escolha. (...) Mas o homem perdeu
sua liberdade material, isto é, o poder racional de determinar o
procedimento, rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia
com a constituição moral original de sua natureza. O homem tem,
por natureza, uma irresistível inclinação para o mal. Ele não é
capaz de compreender e de amar a excelência espiritual, de
procurar e realizar coisas espirituais, as coisas de Deus, que
pertencem à salvação. Esta posição, que é agostiniana e
calvinista, é peremptoriamente contraditada pelo pelagianismo e
pelo socinianismo e, em parte, também pelo semipelagianismo e
pelo arminianismo. O liberalismo modernista, que é
essencialmente pelagiano, julga a doutrina de que o homem
perdeu a capacidade de determinar sua vida em direção à real
justiça e santidade, altamente ofensiva, e se vangloria da
capacidade do homem, de escolher e fazer o que é reto e bom.
Por outro lado, a teologia dialética (o bartianismo) reafirma
vigorosamente a completa incapacidade do homem, de fazer
14
sequer o mais leve movimento em direção a Deus. O pecador é
escravo do pecado e o tem a menor possibilidade de tomar a
direção oposta.
3
De forma explícita vemos que Berkhof compartilha da visão Agostiniana
e Calvinista do estado do homem depois do pecado. É bem verdade que
Agostinho passou a ter uma concepção sobre o arbítrio do homem segundo esta
forma, somente depois de algumas controvérsias das quais participou, como foi
visto anteriormente, mas seja como for, esta é sua última forma de conceber a
questão da liberdade e agência do homem e soberania divina.
Desta forma, segundo o ponto de vista do teólogo Berkhof, ficam
conceituados os termos liberdade, livre agência, livre arbítrio segundo o uso do
último período de Agostinho, e o todo dos escritos de Calvino.
Portanto, resumidamente, pode-se dizer que “liberdade” plena e
irrestrita não existe para Agostinho, fazendo este distinção entre “Livre-Arbítrio” e
“Liberdade”.
Que ninguém, ainda que não das obras, se vanglorie do próprio
arbítrio da vontade como se nele tenha início o mérito, ao qual
seja dado o prêmio como algo devido, a liberdade de agir bem.
4
Aqui, em uma única citação, podemos ver justamente três termos
importantes: “arbítrio”, “vontade” e “liberdade”. O arbítrio tem a ver com “as regras
mentais regendo as paixões” em uma constante busca de um equilíbrio para que
o melhor seja feito. A vontade é o “motor” que desperta o ser para se conduzir
para esta, ou para aquela direção, enquanto que a liberdade está muito ligada à
“possibilidade de se fazer algo, ou não”, no caso de Agostinho a possibilidade de
se fazer o bem.
Para Calvino o termo “Livre Agência” também sempre é compreendido
como limitado e orientado por leis deixadas por Deus. “Livre-Arbítrio” não existe
mais, agora, que o homem pecou em Adão, tendo, inerentemente, em sua
natureza o Pecado Original.
O termo “Livre-Arbítrio” tanto em Agostinho, como em Calvino, tem o
sentido do “poder da escolha contrária”.
3
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho. 1990. p. 250.
4
AGOSTINHO. Enchiridion. XXXVII.
15
Em contra partida, o termo “Livre-Agência” traz mais a idéia do “agir de
acordo com a própria natureza”. É bem verdade que um está diretamente ligado
ao outro, pois tanto um como outro são concordes em postular que o agir é a
conseqüência direta do planejar.
Entretanto, Gilson, para demonstrar como Agostinho, se por um lado
faz esta distinção, por outro, faz a utilização conjunta com outros termos, no caso
aqui, em harmonia com a idéia de Graça divina para com os homens:
Tal é o primeiro ponto que é preciso ter em mente ao abordar o
problema da graça: o fato do livre-arbítrio não está em questão;
ademais, como ele se confunde com a vontade, e a vontade é um
bem inalienável ao homem, em nenhum outro momento e sob
nenhuma outra forma o livre-arbítrio do homem pode estar em
questão.
(...)
Evitemos, portanto, misturar os problemas de santo Agostinho
com os nossos, se quisermos compreender a solução que ele
oferece aos seus.
(...)
O que Agostinho se pergunta não é se amar a Deus está ao
alcance de nosso livre-arbítrio, mas se está em nosso poder. Ora,
o poder fazer o que escolhemos fazer é mais do que o livre-
arbítrio, é a liberdade. Não há problema da graça e do livre-
arbítrio em santo Agostinho, mas um problema da graça e da
liberdade.
5
(...)
Sob essa estrita sujeição à graça, o que se torna a vontade
humana? A resposta tem poucas palavras: ela conserva seu livre-
arbítrio, ela alcança a liberdade.
6
Assim como a verdade, para Agostinho, a liberdade era um bem a ser
desfrutado em sua plenitude, desta forma o homem provaria inclusive ter
entendido e estar vivendo a genuína verdade.
Isso não pode ser alcançado sem exercício, que é a prática de atitudes
conscientes com o objetivo de ser fazer o bem, para experienciá-lo. Agostinho
não duvida da existência do livre-arbítrio, pelo contrário, parte deste pressuposto
para desenvolvê-lo da melhor maneira possível.
Segundo Gilson, Agostinho não parece entender que haja qualquer tipo
de oposição entre graça e liberdade, na verdade, a primeira ajuda a realização da
segunda.
5
GILSON, Étienne Henry. Introdução Ao Estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial. Paulus. 2007. p 299.
6
Idem. p 305.
16
2. INTRODUÇÃO HISTÓRICA
2.1 Contexto Histórico de Agostinho
Agostinho (Tagaste, 13 de Novembro de 354 Hipona, 28 de Agosto
de 430), era um jovem professor Norte Africano de retórica e teve sua experiência
de adesão ao Cristianismo, aos trinta e dois anos de vida. Aentão não havia
conseguido uma resposta satisfatória para a questão do alcance da verdade,
elemento este que sempre o instigara e haveria de ser a busca de sua vida, ainda
que a tenha encontrado, em alguma medida, no que diz respeito à sua mudança
de cosmovisão, quando se torna adepto ao Cristianismo. Ao ler as palavras de
Romanos 13.14, algo diferente tomou o coração de Agostinho. Vejamos o texto
da Escritura a reação de Agostinho:
Mas revestí-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a
carne no tocante às suas concupiscências.
Uma luz de certeza entrou em meu coração, e toda sombra de
dúvida se dissipou.
7
É a partir desta certeza que Agostinho vai construir sua teologia e sua
vida pessoal. Contudo, esta certeza inicial, não eliminaria a possibilidade de
7
BROWN, Peter Robert Lamont. Augustine of Hippo: a biography: A new edition with an epilogue.
Los angeles: University of California Press. 2000. p. 101.
17
continuar a fazer perguntas e inquirir sobre como a verdade divina estava
revelada e se manifestava na realidade.
Teve contato com o Maniqueísmo, e posteriormente, com o
Neoplatonismo, dois elementos que iam contra muitas doutrinas básicas para o
genuíno Cristianismo bíblico.
(...) Para Agostinho o tipo perfeito de conhecimento racional
era a filosofia de Platão, revisada e apresentada a ele por
Plotinus. Conseqüentemente, deu sua própria idéia do que
seja o conhecimento racional, o todo da atividade filosófica
de Santo Agostinho teve de ser uma interpretação racional
da Revelação Cristã, em termos de filosofia platônica. Como
São Tomás de Aquino diria posteriormente: ‘Agostinho
seguiu o despertar dos Platonistas tanto quanto pode
caminhar com estes.
8
Estes elementos sempre estariam influenciando todo raciocínio
teológico de Agostinho, bem como a sua vida de modo geral, pois ele se mostrava
extremamente coerente com aquilo que cria, sentia e fazia. O seu quadro de
referência e moldura conceitual sempre deixou transparecer a influência
platônica.
9
Sua vida e seu relacionamento com sua mãe foram efetivamente
harmoniosos somente depois de sua adesão ao cristianismo e batismo. Até então,
Agostinho, tendo em vista seu comportamento de baixa moral e uma vida sem
propósito, ainda que sempre ansiasse pelo conhecimento da verdade e uma vida
mais próxima de Deus dificultou sua aceitação do cristianismo de sua época.
Passando por alguns sistemas filosófico-religiosos, se via cada vez
mais sem um rumo ao qual pudesse efetivamente se entregar, bem como ter
todas as suas dúvidas pessoais resolvidas.
Ao longo de sua vida pessoal, ministerial e acadêmica, sempre tomou
posição definida quanto a várias controvérsias que trataram sobre grandes temas
da teologia, sendo que podem ser destacadas aqui três grandes controvérsias, a
Maniqueísta, que tratava sobre o Mal, a Donatista, que tratava sobre a
Eclesiologia, e a Pelagiana, que tratava do pecado original e a vontade do homem
8
GILSON, Étienne Henry. Reason And Revelation In The Middle Ages. New York: Charles
Scribner’s Sons. 1938. p 22, 23.
9
Idem, p. 23.
18
que é a que vai ser decisiva para uma mudança radical de sua teologia.
A pessoa de Agostinho passa a ser uma referência em temas
teológicos, e mesmo a ser utilizado em outras áreas afins, como por exemplo a
Filosofia, principalmente tendo em vista sua formação filosófica, originalmente
Neoplatônica, que era uma busca em tentar vencer o dualismo platônico original.
Escritores posteriores tiveram que recorrer aos seus escritos, não somente por
uma questão histórica, ou acadêmica, mas pela sua qualidade e grande
contribuição lançando bases para estudos futuros.
Com Santo Agostinho, ao contrário, uma nova era estava
nascendo, na qual de longe o mais alto tipo de pensamento
filosófico seria o dos teólogos. Bem verdade, até mesmo a de
um Agostiniano pressupõe certo exercício de razão natural.
(...)
Tal é este último sentido da famosa fórmula de Agostinho:
‘Entender é a recompensa da fé. Entretanto, procurar não
entender para que você possa crer, mas crer para que você
possa entender.’
10
Como dito acima, sua formação filosófica permeará todo o seu
pensamento, até mesmo quando este se encontra em sua fase mais teológica, se
podemos assim dizer. Para Calvino, isso não será problema, pois também
influenciado e inserido em um contexto humanista se valeu da lógica, da filosofia,
inclusive para demonstrar a própria inteligibilidade da Escritura.
Entretanto, uma diferença entre ambos, pois Calvino consegue
abstrair verdade absolutas do texto bíblico construindo e burilando seu sistema
filosófico, ao passo que Agostinho, ainda bíblico, por assim dizer, se vale muito
mais da filosofia para a interpretação escriturística, do que o inverso.
Mesmo com todo este contexto fortemente acadêmico, teórico, é notório
o destaque da teologia associada a uma prática pastoral em Agostinho. Seu
raciocínio não estava apenas colocado no plano teórico, ou conjetural, antes
estava aplicado diretamente a sua realidade, para não dizer, primeiramente a sua
própria pessoa.
É com Agostinho, mais do que outros teólogos anteriores e posteriores
que a “Sabedoria Cristã” chega a um grau elevado de importância e elaboração
10
GILSON, Étienne Henry. Reason And Revelation In The Middle Ages. New York: Charles
Scribner’s Sons. 1938. p 18, 19.
19
associadas a uma vida de genuína devoção:
Gilson escreve:
A combinação da santidade religiosa com o gênio especulativo
sempre permaneceu como uma possibilidade aberta, e todas as
vezes que ela se materializa, a Sabedoria Cristã chegou. Para
homens tais como Santo Anselmo e Santo Agostinho, existe a
religiosa, objetivamente definida em seu conteúdo pela
Revelação, como uma realidade completamente independente
das suas preferências pessoais.
11
Deste modo Agostinho se mostra um exímio teólogo, como também um
ótimo pastor durante o tempo em que atuou nesta função também, tendo em vista
que na função de bispo, tinha de se haver com inúmeras tarefas de ordem prática
que compreendiam da ajuda caridosa, até resolver disputas entre seus fiéis, bem
como administrar disciplina eclesiástica.
12
Boa parte de sua dedicação e convicção residia no fato de que ele cria
e confiava, de um modo praticamente incondicional na Igreja Católica de sua
época, diferente da modernidade, ou mesmo da Igreja com a qual Calvino, mais
tarde estava e se relacionava. Desta forma, em muitas situações foi relativamente
difícil ter a sua mente totalmente aberta para as verdades bíblicas e harmonizá-
las com os dogmas propostos pela igreja.
2.1.1 Agostinho e a Controvérsia Maniqueísta
A questão Maniqueísta acontece tendo em vista a posição teológica e
cosmovisão de seu fundador Mani (cerca de 216–276 A.C.), que tinha origem
Persa, viveu na região da Mesopotâmia, portanto no ponto de encontro do
Ocidente com o Oriente. Era profundamente religioso e ficou impressionado com
as várias manifestações de fé com que teve contato, tais como Zoroastrismo, a
religiosidade de Babilônia, Judaísmo e Cristianismo.
13
Inicialmente, Agostinho torna-se um simpatizante do movimento dos
11
GILSON, Étienne Henry. Reason And Revelation In The Middle Ages. New York: Charles
Scribner’s Sons. 1938. p 32.
12
LATOURETTE, Kenneth Scott. A History Of Christianity. New York: Harper & Brothers
Publishers. 1953. vol 1. p. 174.
13
Idem. p. 95.
20
Maniqueus por causa da abordagem que tinham do Antigo Testamento, que até
então, era um problema para Agostinho, que de certa forma, não atribuía a este o
devido valor escriturístico.
A maior dificuldade de Agostinho em ler a Bíblia estava em
aceitar o conteúdo do Antigo Testamento com digno de estudo
sério. Não na linguagem, mas também em sua descrição do
comportamento de Abraão, Isaac, Jacó e Moisés e dos que
vieram depois, parecia material grosseiro em comparação com o
conceito rarefeito de Sabedoria com que o Hortênsio o tinha
excitado e entusiasmado. Também quando eu escrevia as
Confissões teve certa dificuldade de justificar o comportamento
dos patriarcas, embora tivesse então firme respeito pela Escritura
(Conf.II,VII,12). Uma seita contemporânea de presumidos
cristãos prometia resolver-lhe o problema, por sua rejeição ao
Antigo Testamento e sua ênfase no Novo.
14
Desta forma Agostinho, não apenas não resolve verdadeiramente seu
problema, como cria outro. Continuava a não crer devidamente no Antigo
Testamento, e ainda viria a se filiar a um grupo, que sequer poderia ser chamado
de cristão. Agostinho entrou em contato com o Maniqueísmo, durante um tempo,
mas percebeu que este sistema não lhe traria a satisfação que procurava.
15
Isto fica evidente em seu livro “Confissões”, no qual diz o seguinte
sobre seu tempo no Maniqueísmo, o que pensou e sentiu sobre seu principal líder
Fausto:
Durante cerca de nove anos, em que meu pensamento errante
escutava a doutrina maniqueísta, ansiosamente esperava a vinda
de Fausto.
(...)
Logo que ele chegou, notei que era homem amável, aliciante na
conversa e que expunha dum modo mais agradável os mesmos
assuntos que os outros maniqueístas costumam tratar.
(...)
Notei que das artes liberais apenas sabia a gramática, e, ainda
esta, de modo nada extraordinário. Porque ele tinha lido alguns
discursos de cero, pouquíssimos tratados de Sêneca, alguns
trechos de poetas e os poucos livros da seita elegantemente
escritos em latim, e, além disso, porque exercitava
quotidianamente na oratória, tinha adquirido esta facilidade de
falar, que o bom emprego do seu talento e certa graça natural
14
EVANS, G. R. Agostinho sobre o mal. São Paulo: Paulus. 1995. p. 29.
15
Ibidem. p. 96.
21
tornavam mais agradável e sedutora.
16
Os principais pontos que o Maniqueísmo defendia eram o fato de que
existem dois princípios eternos dos quais todas as coisas procedem, dois reinos
eternos que fazem fronteira um com o outro, a saber, o reino de luz dominado por
Deus, e o reino das trevas, dominado por demônios. Estes dois reinos estavam
em constante tensão, e em dado momento entram em guerra e toda uma história
parecida com uma mistura do relato bíblico da queda do homem e sua
restauração tem lugar. Assim, como Cristo foi assunto ao céu, e prometeu o
Espírito Santo, Mani tinha a convicção de que era o próprio Pacletos, ou que
este falava através dele.
Para que pudesse ganhar adeptos de várias religiões, inclusive do
Cristianismo, Mani procurou rejeitar o Antigo Testamento criticando sua
autoridade, alegando que tinha sido produzido pelo deus das trevas, o qual os
judeus adoravam. Admitia alguns trechos do Novo Testamento, e cria que o que
se podia chamar de canônico, seriam apenas os seus próprios escritos.
O sistema organizacional desta escola era o de que assim como o Papa
de Roma julgava ser o sucessor de Pedro, Mani, depois de alistar doze
seguidores, também passaria sua direção a um seguidor específico e assim por
diante.
Quanto à compreensão da origem e natureza do mal, eles entendiam
que o mal habita o homem de maneira intrínseca, algo completamente oposto ao
defendido pelo Pelagianismo, que sustentava que o homem nasce naturalmente
neutro, e que portanto, pode por si mesmo converter-se a Deus. Assim, a única
forma de se conseguir purificação seria uma desmundanização, através de
práticas ascéticas e a busca por uma descorporeificação com a finalidade de
libertar a alma, o espírito para que este pudesse atingir níveis mais elevados. Este
sistema foi sistematicamente perseguido pela Igreja Católica Romana, e também
por governantes de sua época, pois não era apenas um sistema religioso, mas
também filosófico.
Toda a visão maniqueísta é guiada por dois pólos, ou forças que se
tocam, algo muito parecido com o pregado pelas religiões orientais, inclusive por
16
Confissões V.6.
22
influência destas. Sua influência, por que na verdade trazia consigo conceitos
milenares, está presente ainda hoje em muitas religiões, ou mesmo na maneira
dualista de se pensar e agir.
17
Tendo em vista a radical mudança que Agostinho procurava para sua
vida, não é sem razão que durante algum tempo tenha optado por seguir este
sistema tão rígido e irrestrito em opções para a compreensão do mundo, do mal,
e de ações para vida. Pode-se mesmo fazer uma interpretação psicológica de que
única forma para mudar uma vida supostamente “tão irremediável” seria um
“remédio” forte e poderoso como a doutrina maniqueísta. Agostinho chega mesmo
a conseguir adeptos para esta nova linha de pensamento
18
, e a ser entusiasta e
promotor da vida monástica dentro da Igreja Católica. Em parte, fruto desta
controvérsia é escrito o livro intitulado Livre-Arbítrio:
A intenção do De libero arbítrio era refutar os maniqueus, que
atribuíam à origem do mal a uma natureza coeterna a Deus,
rejeitavam assim a responsabilidade atribuída ao homem pelo
mal moral, negando o livre-arbítrio da vontade. Por isso nesse
diálogo é dada maior ênfase ao livre-arbítrio da vontade do que à
graça.
19
Assim, a Controvérsia Maniqueísta, vem trazer uma nova compreensão
do seja o mal, não somente para a teologia, mas também para a filosofia, que
estas duas áres estão sempre em diálogo.
2.1.2 Agostinho e a Controvérsia Donatista
Durante o séc. 4, surge uma divisão na igreja de Roma chamada
Donatismo, que tinha como foco principal a insatisfação com o que esta julgava
ser lassidão moral, e também sobre o trato das pessoa que havia negado sua
17
M’CLINTOCK, John. & STRONG, James. Cyclopaedia Of Biblical Theological and Ecclesiastical
Literature. New York: Harper & Brothers Publishers. 1894. vol V. p.706-708.
18
DOWLEY, Tim. Eerdmans’ Handbook to the History of Christinanity. England: Lion Publishing. p.
197. e D’ARCY, M. C. et al. Saint Augustine: His Age, Life, And Thought. New York: Meridian
Books. 1957. p. 92.
19
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 69.
23
em tempos de perseguição.
20
Nos primeiros dias do Cristianismo, principalmente por ainda estar
muito próximo da geração de seguidores que havia visto Cristo, ou um dos
apóstolos, o rigor doutrinário e disciplinar era muito forte. Contudo, este foi
decaindo com o passar dos anos.
Esta controvérsia além de doutrinária, tratava diretamente com a
natureza e portanto, a prática ética da igreja, bem como tratava sua liderança e os
seus fiéis. Havia um sério problema moral que estava em jogo, pois a maneira da
igreja se conduzir estava sendo questionada. Diferentemente de outras
controvérsias que apenas cogitavam sobre um determinado ponto doutrinário sem
se cogitar separatismo, ou algo do gênero, esta é efetivamente de caráter
separatista, entre a pureza eclesial, e o ecletismo eclesial.
21
Os Donatistas não
viam a igreja como uma comunidade à qual deveriam se unir em busca de
santidade, mas sim, como uma comunidade de santos perfeitos e prontos.
A Controvérsia Donatista se mais especificamente depois da
perseguição de Diocleciano no início do séc. 4. O fato que parece ter sido o
estopim do movimento foi o fato de um determinado bispo em Cartago ter sido
consagrado em 311, por alguém que havia sido declarado pela igreja, traidor
durante a perseguição. Um novo bispo foi escolhido, e posteriormente sucedido
por Donato, que mais tarde veio a dar nome ao movimento.
Agostinho, foi a pessoa indicada pela igreja para colocar paz e fazer
calar este movimento, pois eles se consideravam a verdadeira Igreja Católica.
22
É
fruto desta controvérsia que surgiu o princípio de que validade e autoridade do
batismo cristão não dependem de quem o administra (ex opere operato). Esta
linha de raciocínio é a seguida por muitas linhas do cristianismo, inclusive a
Reformada.
Aqui também estão presentes elementos que fazem um apelo a
questão da liberdade individual e até que ponto a igreja poderia ter ingerência
sobre a vida de uma pessoa, principalmente no seu relacionamento com Deus,
20
LATOURETTE, Kenneth Scott. A History Of Christianity. New York: Harper & Brothers
Publishers. 1953. vol 1. p. 138.
21
SCHAFF, Philip. History Of The Christian Church. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans
Publishing Company. 1994. vol 3. p.365.
22
LATOURETTE, Kenneth Scott. A History Of Christianity. New York: Harper & Brothers
Publishers. 1953. vol 1. p. 139.
24
tendo em vista que, segundo a visão Católica, se a pessoa estivesse
excomungada, não estaria participando efetivamente do Reino de Deus. Não foi
sem razão que Agostinho ficou incumbido de fazer a intermediação neste
assunto. Devido a sua perspicácia e ardente desejo de sempre ver a igreja unida
e defendê-la, o fez de modo bastante lúcido e próprio.
Dentro do tema que é o foco principal deste trabalho, o livre-arbítrio, e
seus correlatos, como por exemplo a livre-agência, Agostinho toca em um ponto
que mais tarde se mostraria importantíssimo para sua teologia na exposição de
como o homem deve lidar com a questão do bem e do mal.
O homem deve punir com o espírito de amor, até que tanto a
disciplina, como a correção venham de cima, ou o joio venha a
ser pego na colheita universal.
23
Nesta citação pode se perceber como Agostinho preservava a liberdade
do homem com grande ênfase na responsabilidade deste, sem contudo, deixar de
ver que haveria conseqüências diretas para todas as atitudes feitas por este.
Nisto se vê um conceito mais amplo de liberdade do homem.
Por fim, Agostinho conseguiu harmonizar as duas partes, fazendo
especificações que abriam margem para interpretações, inclusive sobre o corpo
de Cristo, isto é a igreja, demonstrando que muitos não pertencem a este corpo,
estando apenas em companhia deste. Tal distinção acabou criando um cisma
conceitual dentro da igreja, fazendo que houvesse duas igrejas dentro de uma.
Mais tarde, no meio reformado, esse fenômeno seria denominado de “Igreja
Visível” e “Igreja Invisível”.
Sob este ponto de vista, é uma e a mesma igreja, a qual está
agora misturada com os que não são de Deus, que serão, no
futuro, de igual modo como Cristo uma vez morto, agora vive
para sempre; e os mesmos fiéis, que agora são mortais, um dia
serão transportados para a imortalidade.
24
23
AGOSTINHO, Contra Epistolam Parmeniani, I,iii, c.2 §10-15, in SCHAFF, Philip. History Of The
Christian Church. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Company. 1994. vol 3.
p.368.
24
AGOSTINHO. Breviculus Collationis Cum Donatistis, Dies Tertius, cap. 10, §19 e 20, in
SCHAFF, Philip. History Of The Christian Church. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans
Publishing Company. 1994. vol 3. p.369.
25
Estes pontos vão, lentamente, fazendo parte do modo de ver
Agostiniano sobre a questão da liberdade, do mal, do bem, da disposição do
homem para ambos, e de como o homem faz uso de sua livre agência e esta
associada à soberania divina, também defendida por Agostinho, pois inicialmente
ele era um defensor do Livre-Arbítrio e da cooperação humana na salvação.
2.1.3 Agostinho e a Controvérsia Pelagiana
É preciso ter em mente que nos primeiros quatro séculos da Era Cristã,
o foco das discussões esteve na Cristologia, enquanto que a Justificação foi
esquecida.
25
Contudo, a questão sobre a liberdade humana sempre foi uma
questão presente nas culturas, tendo em vista que o homem sempre se questiona
a respeito do seu raio de ação e de como conhecer seus limites e tendências
inerentes. A controvérsia Pelagiana tratou justamente sobre a liberdade humana e
como a Graça Divina opera em relação ao homem, dentro do universo da
cristandade.
No Oriente, de modo geral, cria-se que o homem tem toda a liberdade e
capacidade para fazer o bem, e dedicar-se a Deus. Assim defendia, por exemplo,
João Crisóstomo (349- 407).
26
Por outro lado, no Ocidente, havia uma ênfase no
Pecado Original, a qual Agostinho, apesar de estar ligado ao Oriente, também
defendia, e com ele Tertuliano (155-222), Cipriano (entre 200 e 210 - 258) e
Ambrósio (340 - 397).
A questão da liberdade do homem já havia sido tratada em outras
oportunidades, por Pelágio, como por exemplo nos Sínodos de Dióspolis (415), e
Cartago (416, 418), ora com certa aprovação, ora com certa reprovação, aque
Juliano, bispo de Eclanun, chamou Agostinho para esta controvérsia, que foi
decisiva, no aperfeiçoamento desta doutrina em Agostinho.
No período em que a Controvérsia Pelagiana aconteceu de modo
propriamente dito, Agostinho tinha, em boa parte, formulado sua visão sobre a
Justificação. Tendo em vista sua desilusão com o sistema teológico Maniqueísta,
25
McGRATH, Alister E.. Justification By Faith. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House. 1991. p. 34.
26
LATOURETTE, Kenneth Scott. A History Of Christianity. New York: Harper & Brothers
Publishers. 1953. vol 1.
26
ele trabalha, ao longo do tempo, em rever pontos que não ficaram
satisfatoriamente resolvidos. A causa maniqueísta “afiou” Agostinho para esta
controvérsia, que continha um teor bem mais denso tanto dos elementos
teológicos, como dos elementos filosóficos.
Por causa deste estudo do tema, ele se via capaz de enfatizar a
inabilidade humana para alcançar a justificação e a necessidade da graça divina.
É justamente este ponto que mais difere dos momentos iniciais de Agostinho, pois
ainda que este sempre tenha admitido a necessidade de Deus agir para que o
homem pudesse fazer algo, agora, de um modo mais pleno, reconhece esta
realidade.
27
Inicialmente Agostinho, por influência do Neoplatonismo, que também
postula que o objetivo do universo e do homem é ser reabsorvido pelo “Ser
Absoluto” que o criou
28
, não reconhecia a presença ativa do mal, mas a idéia que
normalmente se tem de mal, era vista por Agostinho como se fosse apenas a
ausência do bem, conceito expresso pelo termo priuatio boni.
O mal, (...) significa priuatio boni: privação de bem. Numa escala
de bens, tal como é concebida a criação, não se inclui o mal
porque é deficiência. Daí não ser possível equiparar o mal ao
bem, visto que o mal não é dotado de substância.
29
(...) Pelo que o Todo-Poderoso Deus, quem, até mesmo os
descrentes concordam, tem supremo poder sobre todas as
coisas, sendo ele mesmo sumo-bem, jamais permitiria a
existência de algum mal em suas obras, se ele não fosse tão
Onipotente e bom que pudesse fazer o bem a partir do mal. Por
isso, o que é conceber o mal senão como a ausência de Deus?
30
Qual a causa determinante da vontade? O que leva cada um a
agir bem ou mal? A causa do mal é a vontade pervertida, e a
causa desta vontade é antes de tudo uma ausência de causa
(causa deficiens).
31
De fato, este posicionamento se deve também em parte ao fato de
27
Idem, p. 34.
28
CAIRNS, Earle E.. Christianity Through The Centuries. Grand Rapids, Michigan: Zondervan.
1967. p. 109.
29
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 61.
30
St. AUGUSTINE of Hippo. Enchiridion of Augustine. Grand Rapids, MI: Christian Classics
Ethereal Library. 2004. Cap 11. Formato Digital em PDF.
31
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 66.
27
Agostinho ter abandonado sua inicial visão maniqueísta, portanto dualista, sobre o
mal. Esta afirmação cumpria vários objetivos em Agostinho: não colocava o mal
na responsabilidade de Deus, não via o mal como uma força a ser resistida, ou
evitada pelo homem, e também, abria uma terceira opção, fora o irrestrito
dualismo maniqueísta.
Este tema do Livre-Arbítrio é apenas um ponto na história da
cristandade, no qual de um modo mais intenso e oficial se tratou do assunto da
liberdade do homem, pois ao longo dos tempos este tema sempre foi alvo de
inquirições, dúvidas e opiniões variadas, tendo em vista a direta ligação tanto com
a questão do pós-morte, como com a questão ética de como se deve viver esta
vida presente.
2.2 Contexto Histórico de Calvino
O autor Alister McGrath em sua obra intitulada “A Life of John Calvin”
faz um relato cronológico sobre a vida de Calvino, mostrando como estava
diretamente ligada a sua produção como acadêmico, e posteriormente como
Reformador, passando por várias etapas de consolidação de idéias, e suas
atitudes. Tendo em vista que este autor é um dos referenciais teóricos para este
trabalho, o tomarei como base para o contexto histórico de Calvino.
João Calvino (Jean Chauvin) nascido em 10 de Julho de 1509 em
Noyon na Picardia, França, foi um dos mais relevantes teólogos de sua época,
tendo em vista não somente o que pensou e escreveu, mas também pelo que
efetivamente fez. Era um homem da escrivaninha, mas também, se necessário de
mãos à obra prática.
Teve catorze irmãos, e era filho de Gérard Chauvin, secretário do bispo
de Noyon. Desta forma, foi possível ao seu pai conseguir certos privilégios e
facilidades ao seu filho. Sua mãe, Jeanne Le Franc morreu quando ele ainda era
bem pequeno, quatro anos. Aos catorze anos, é mandado à Paris para estudar
para o ramo eclesiástico. Depois dá início aos seus estudos em Direito por
orientação de seu pai, em Orléans e Bourges, pois este via nesta profissão um
28
meio rentável de vida.
32
É por volta de 1533 que Calvino se torna efetivamente um Cristão,
portanto aos vinte e quatro anos. Em suas palavras:
(...) mas Deus, pela secreta orientação da sua providência,
finalmente deu uma direção diferente ao meu curso. Inicialmente,
visto eu me achar tão obstinadamente devotado às superstições
do papado, para que pudesse desvencilhar com facilidade de tão
profundo abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão,
subjugou e trouxe minha mente a uma disposição suscetível, a
qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia
esperar de mim naquele primeiro período de minha vida. Tendo
assim recebido alguma experiência e conhecimento da
verdadeira piedade, imediatamente me senti inflamado de um
desejo tão tenso de progredir nesse novo caminho que, embora
não tivesse abandonado totalmente os outro estudos, me ocupei
deles com menor ardor.
33
Em 1534 veio para Paris e esteve em direta ligação com a Universidade
de Paris, tendo sido logo perseguido pela Igreja Católica, por causa dos seus
ideais reformistas vai para Basel, na Suíça, onde estudou teologia cristã antiga.
Na época de sua chegada à cidade, havia grande perseguição ao Luteranismo,
com execuções de pessoas, queima de livros luteranos.
Em Agosto de 1523, Calvino viu o monge agostiniano Jean Vallière ser
queimado, na Praça dos Porcos. Muito embora não se saiba exatamente como
este contexto contribuiu para a sua formação pessoal e teológica, fica evidente
que eram ares que influenciavam toda a vida parisiense de então, e certamente,
sensível à realidade que o cercava, Calvino haveria de tomar consciência destes
fatos, e logo formar suas opiniões.
34
Como não bastando esta experiência ainda haviam muitos outros
elementos próximo a Calvino, como por exemplo o fato de seu primo Olivetanus
ser um reformado, bem como o fato de seu professor de Língua Grega, do
curso de Direito, ser um Luterano, certamente o influenciaram na formação de sua
mentalidade, cosmovisão e como encarar a presente Igreja, a qual pertencia e
atuava.
Depois de sua convicta adesão, Calvino sempre se viu compromissado
32
CRAMPTON, W. Gary. What Calvin Says. Maryland: The Trinity Foudation. 1992. p. 2.
33
CALVINO, João. O Livro dos Salmos. São Paulo: Editora Parácletos. 1999. vol 1. p. 38.
34
GANOCZY, Alexandre. The Young Calvin. Philadelphia: The Westminster Press. 1987. p. 49.
29
com o estudo da Escritura. Sola Scriptura era para ele um raio de vida.
35
Isso fica
claro em um trecho de suas Institutas:
Quão peculiar, porém, é esse poder à Escritura, transparece
claramente disto: que dos escritos humanos, por maior que seja a
arte com que são burilados, nenhum sequer nos consegue
impressionar de igual modo. Basta ler a Demóstenes ou a Cícero;
a Platão ou Aristóteles, ou a quaisquer outros desse plantel: em
grua admirável, reconheço-o, são atraentes, deleitosos,
comoventes, arrebatadores. Contudo, se te transportares dali
para a sagrada leitura, queiras ou não, tão vividamente te afetará,
a tal ponto te penetrará o coração, de tal modo se te fixana
medula, que, ante a força de tal emoção aquela impressividade
dos retóricos e filósofos quase que se desvanece totalmente, de
sorte que é fácil perceber que as Sagradas Escrituras, que em
tão ampla escala superam a todos os dotes e graças da indústria
humana, respiram algo de divino.
36
E é justamente em seu tratado teológico denominado “Institutas da
Religião Cristã” que podemos ver como seu raciocínio lógico, filosófico e teológico
está organizado a ponto de percorrer uma grande extensão de temas, bem como
sua aplicação prática para a vida cotidiana.
2.2.1. Calvino e Sua Ligação com o Humanismo
É importante perceber que o humanismo inicial afirmava a dignidade
humana sem referência alguma a Deus.
37
Contudo, grande contribuições foram
deixadas por este movimento, principalmente na Reforma, na época do
Renascimento, quando o Humanismo estava de algum modo mais flexível, e
havia alguns proponentes de uma chamado Humanismo Cristão. Muito
provavelmente sem as bases e a mudança de foco do teocêntrico para o
antropocêntrico, não haveria contexto propício para que os ideais reformados
frutificassem, haja vista que sua semente estava sendo lançada muito tempo,
antes mesmo do humanismo se expandir.
A Igreja Católica, que seria a representante de então da uma visão
35
CRAMPTON, W. Gary. What Calvin Says: An Introduction To The Theology Of John Calvin.
Maryland: The Trinity Foundation. Jefferson. 1992. p. 125.
36
CALVINO, João. As Institutas. Edição Clássica. São Paulo: 2006. I:8:1.
37
McGRATH, Alister E.. Justification By Faith. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House. 1991. p. 52.
30
teocêntrica, na verdade se valia desta prerrogativa para atuar de maneira
clerigocêntrica, se podemos chamar assim, e opressiva em vários sentidos com
relação ao povo, de modo geral. Por isso mudanças eram necessárias e o
humanismo foi a ponta de lança para abrir caminho a estas mudanças.
Depois de deixar Paris em 1526-8, Calvino se muda para Orléans e vai
estudar direito sob a orientação de Pierre de l’Estoile. A vida em Orléans foi muito
mais centrada na universidade, que havia sido reformada em 1512. Erasmo de
Rotterdam chegou também a estudar nesta universidade seis anos antes de
Calvino.
38
É este humanismo bem organizado e cristianizado, que lhe abria um
mundo mais explicado e cognoscível, que vai permear a mente de Calvino.
Em Orléans e subseqüentemente em Bourges, ele encontrou
uma forma de humanismo que capturou sua imaginação, a qual
ele adaptaria mais tarde para os seus próprios propósitos
particulares.
39
Desde muito cedo em sua formação acadêmica, Calvino, teve contato
com várias expressões e linhas do Humanismo. Isso certamente contribuiu para
que a mente do reformador pudesse estar aberta suficiente para poder perceber a
realidade que o cercava, inclusive dento da igreja de um modo diferente do que
vinha se fazendo até então. Ganoczy nos diz o seguinte:
Nossa pesquisa histórica mostra que por vários anos, Calvino
viveu em um ambiente impregnado do Humanismo Cristão. Ele
visitou vários amigos (a família Hangest, Olivetanus, Cop, Daniel,
Duchemim, e Wolmar) e foi ensinado por vários mestres (Cordier,
Alciati, Danès, Vatable) que eram ao menos no início
seguidores de Erasmo e Lefèvre. Através do contato com eles,
ele mesmo se tornou um humanista “bíblico”, um defensor da
renovação interna da Igreja pelo retorno às suas fontes originais.
Como eles fizeram, Calvino se viu sob a influencia espiritual da
“devoção moderna”.
40
Este pensamento humanista foi sedimentando-se em Calvino, e isto
pode ser visto em seus escritos tais como o comentário De Clementia,
Psichopannychia, e claro, em suas Institutas da Religião Cristã.
38
Idem, p. 51.
39
McGRATH, Alister E.. A Life Of John Calvin: A Study In The Shaping Of Western Culture. Oxford
UK & Cambridge USA: Blackwell. 1990. p 51-52.
40
GANOCZY, Alexandre. The Young Calvin. Philadelphia: The Westminster Press. 1987. p. 178.
31
Seu comentário sobre De Clementia é a epítome de um estudo
humanista sobre um documento antigo. O tratado de Sêneca
sobre a virtude por excelência para um monarca que tratava a
respeito da justiça é explicado por uma referência constante a
outros autores clássicos, incluindo cinco latinos e vinte e dois
gregos. O método etimológico era amplamente usado por
Calvino. A ética de Platão, às vezes, recebe devido louvor e, às
vezes, crítica, que um cristão convicto deveria atribuir a ela.
41
Esta mente atenta às questões de sua época, com visão ampliada pelo
seu momento histórico-epistemológico e um apego incondicional ao estudo da
Escritura fez com que Calvino conciliasse, sem abrir mão de valores que o havia
de melhor da verdade divina revelada no mundo para compor seus escritos.
Calvino, como humanista, assumiu o projeto de valorização da
cultura. Para ele, a educação e as ciências devem ser
apropriadas como manifestações do favor divino. Soma-se a
estes a valorização do ser humano, através do cuidado com este.
Originalmente, Calvino participou do movimento humanista,
porém com cautela, não participou das agitações religiosas e do
fomento de levantes populares. Ou seja: no que concernia às
instituições eclesiásticas, Calvino se mostra conservador. Calvino
assumiu um tom aristocrático em seu humanismo, sendo hostil
àquilo que chamou de turba destituída de razão e
discernimento.
42
Provavelmente é esta figura que mais ficou marcada em Calvino,
principalmente, por aqueles que não o conhecem completamente. Aparentemente
por lidar mais com literatura do que com a agitação em si, pode parecer que não
havia ação por parte do reformador, ou até mesmo uma certa omissão, ou
covardia. Entretanto, basta uma olhada no todo do conjunto de sua obra, para
prontamente se verificar que estas afirmações não procedem.
Entretanto, é justamente esta natureza um pouco mais meditativa, e até
mesmo introvertida é que foi a responsável por tantos escritos que guiaram idéias
e atitudes de seus contemporâneos e tem sido assim até os dias de hoje, tanto
que assim como Agostinho, Calvino é tema de estudos e trabalhos.
41
Idem. p. 179.
42
AZEVEDO, Marcos. A Liberdade Cristã Em Calvino: Uma Resposta Ao Mundo Contemporâneo.
Santo André: Academia Cristã. 2009. p. 173.
32
2.2.2. Calvino Como Pastor Reformador e Estadista
Calvino, também desenvolveu um trabalho de pastorear. Não foi
apenas um teórico das verdades que defendia. De um modo interessante, ele
também cria na grande importância da igreja no papel de unir os fiéis. De alguma
forma, neste aspecto, ele também se parecia com Agostinho em seu amor pela
igreja. Contudo, Calvino via muito mais a igreja como reunião dos santos, do que
como instituição humana, aspecto mais preponderante em Agostinho. Ele
conforme Agostinho, também se vale do conceito de que na chamada igreja
visível pessoas que estão nela, muito embora não façam parte propriamente
dita:
Mas, visto que o exíguo e desprezível número se esconde sob a
turba imensa, e uns poucos grãos de trigo estão cobertos por um
montão de palha, a Deus cabe o conhecimento de sua Igreja,
cujo fundamento é a sua eleição secreta. Aliás não basta
conceber em pensamento e ânimo a multidão dos eleitos, mas
também que cogitemos tal unidade da Igreja na qual fomos
persuadidos de na verdade estar inseridos. Pois a não ser que
tenhamos ajuntado a todos os demais membros sob nosso
Cabeça, Cristo, não nos resta nenhuma esperança da herança
futura.
Por isso se chama Igreja católica ou universal: que não é
possível achar duas ou três, sem que Cristo seja dividido, o que
não se pode fazer.
43
Por causa desta visão de igreja, seus estudo convergiam diretamente
para seu pastorado, tanto que produziu Catecismos, e tantos outros livros de
caráter devocional, também por entender que a verdadeira teologia precisava ser
ensinada, para ser crida e vivida pelas pessoas, ou seja nunca pensou em ser um
líder político, ou um líder social, pois entendia que a mudança social poderia
acontecer se houvesse uma mudança pessoal, e isso poderia ser conseguido
pela instrumentalidade da Escritura e da igreja terrena:
Calvino tinha em mente essa reconstrução quando voltou a
Genebra, e, sem dúvida, tinha uma visão da comunidade toda,
tanto em vida secular como na vida da Igreja sendo transformada
naquilo que ele chamava de comunidade cristã, na qual as
pessoas responsáveis pelo governo civil deveriam obedecer à
43
CALVINO, João. As Institutas. Edição Clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. IV:1:2.
33
Palavra de Deus e servir a Cristo em suas próprias esferas
seculares com a mesma responsabilidade que aqueles que
desempenhavam uma tarefa no governo da Igreja. Ele tinha a
convicção de que o desafio e o poder do Evangelho deveria ser
capaz de limpar, regenerar e dirigir não apenas o coração
humano, mas cada aspecto da vida social na terra os
compromissos familiares, e educação, e economia e a política.
Cristo buscou não apenas um altar no coração humano para seu
ministério pastoral, mas também um trono no centro de toda a
vida humana, para sue ministério como rei. A “Sagrada Escritura”,
conforme John Bright o expressou, tinha de ser “colocada em
prática no Parlamento”.
44
Calvino, apesar de não querer ser um reformista, diante das situações
acabou aceitando os clamores das necessidades de então. O homem Calvino,
que era muito mais do escritório, e da escrivaninha, mas não se acovardou nem
se fez omisso diante de outras atividades completamente diferentes do seu
querer.
Em 1536, Calvino se persuadido e a ficar em Genebra, a pedido de
Farel, para resolver questões teológicas, mas também fazer com que a Reforma
fosse implantada de fato naquela localidade. Inicialmente, poucas atividades lhe
foram atribuídas. Exerceu a função de professor e de uma espécie de conselheiro
municipal.
45
Sua atividade estava mesclada tanto pelo estudo, ministração de
aulas, e um toque de ação política. A aceitação certamente se deve ao fato de
como este via a questão da responsabilidade do homem de Deus diante das
questões sociais e administrativas:
Com efeito, uma vez que já previamente declaramos o duplo
governo no homem e dentre esses um que foi posto na alma, ou
no homem interior, e que visa à vida eterna, o que discorremos
em outro lugar com suficiente amplitude, é chegado aqui o lugar
onde dissertaremos um pouco acerca também do outro, a saber,
o que diz respeito apenas ao estabelecimento da justiça civil e a
justiça exterior dos costumes. Ora, ainda que o teor desta
consideração pareça ser em natureza distinto da doutrina
espiritual da fé, o que me propus haver de tratar, contudo o
andamento da matéria mostrará que com razão tenho que
enfrentá-la, mais ainda, sou impelido pela necessidade a fazer
isso, especialmente porque, de uma parte, homens dementes e
44
WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: Um Estudo Sobre Calvino Como Um
Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 2003. p
31.
45
McGRATH, Alister E.. Justification By Faith. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House. 1991. p. 96.
34
bárbaros tentam furiosamente subverter esta ordem divinamente
estabelecida; de outra, porém, os aduladores dos príncipes,
exaltando-lhes desmedida mente o poder, não duvidam opô-la ao
domínio do próprio Deus. A menos que se resista a um e outro
desses dois males, a integridade da perecerá. Acrescenta-se a
isto que nos é coisa muito útil para permanecer no temor de Deus
saber quão imensa é sua benignidade nesta parte ao prover tão
bem o gênero humano, a fim de que com isso nos sintamos mais
estimulados a servi-lo para dar testemunho de que não lhe somos
ingrato.
46
A presença de Calvino, juntamente com Farel foram decisivas para a
mudança daquela cidade, entretanto, isso não gerou somente bons resultados,
pois muitas pessoas ficaram incomodadas, amesmo chegando ao ponto de
haver forças organizadas tanto contra Calvino, como Farel, que conseguiram que
Calvino fosse exilado, indo este para Estrasburgo no período de 1538-1541.
47
Assim, creio fica brevemente exposto o caráter prático, e ativo do
homem Calvino e de como algumas de suas marcas foram deixadas na história.
46
CALVINO, João. As Institutas. Edição Clássica. São Paulo: 2006. IV:20:1.
47
McGRATH, Alister E.. Justification By Faith. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House. 1991. 98-101p.
35
3. O Conceito de Livre Arbítrio em Agostinho
Agostinho começa a tratar do tema Livre Arbítrio a partir da origem do
mal, e do conceito de pecado. Na verdade, o próprio livro com o título “Livre-
Arbítrio” é, na verdade, um tratado sobre a origem do mal e de como ele se
manifesta no homem. Se existe algum mal ele é efetivado através do livre-arbítrio
do homem, e nunca por Deus. Agostinho entende a existência de dois males: o
inicial e o que é praticado. Deus pode ser autor somente do segundo. Ainda que
isso soe estranho, a princípio, Agostinho entende este mal como sendo algo visto
do ponto de vista do homem, ou seja, como o homem julga determinado
acontecimento, ou ato divino e não que este tenha efetivamente cometido, ou
permitido algum mal. Na verdade, na concepção de Agostinho não existe lugar
para o mal em um universo que provenha de Deus:
O mal não deve ter lugar em um universo proveniente de Deus e
feito para a música das idéias
48
Gilson, historiador medievalista nos diz o seguinte, quanto à concepção
do mal em Agostinho e sua luta por defini-lo e harmonizá-lo com suas crenças e a
realidade inexorável da concretude da vida:
O papel da graça é concebido somente em função dos males
48
D’ARCY, M. C. et al. Saint Augustine: his age, life, and thought. New York: Meridian Books.
1957. p. 190.
36
para os quais ela é remédio. Primeiro, há um insuficiência radical;
depois, uma desordem possibilitada por essa insuficiência; em
resumo, o mal. A existência do mal coloca um problema que
atormentou Agostinho longamente, desde sua conversão. Se a
palavra “Deus tem um sentido, pode significar um ser perfeito,
autor responsável de todas as coisas. Ora, dizer que um mal
no homem é admitir a imperfeição do universo. Como conciliar a
imperfeição da obra com a perfeição do obreiro e como remediar
isso?
49
Tendo em vista a própria formação pessoal de Agostinho, o exemplo de
sua mãe e sua devoção a Deus, vemos sempre submissão a este, e ao poder
eclesiástico de sua época, pois entendia ser a exata herança do modelo
neotestamentário. Por isso, ele não pode atribuir a Deus algum ato relacionado ao
mal. Como filho de sua época, Agostinho caminha dentro das limitações do seu
referencial acadêmico e contextual.
Entretanto, nem por isso esse tema do mal foi facilmente resolvido. Na
verdade, como diz Gilson, foi algo que o perseguiu a vida toda, ora mais
intensamente, ora menos, mas sempre presente de uma forma, ou de outra. De
certo modo, assim como Calvino, procurou uma saída na Graça divina, contudo,
isso resolvia parte do problema, é do ponto de vista do homem, mas não
apontava tão direta e incisivamente para a Glória divina, como o faz Calvino.
Entretanto, apesar de uma mente tão cativa de um sistema de
pensamento, bem como de uma praxis devocional diária tão regrada, ele não
estava necessariamente cego para ver outras coisas ainda não pensadas, ou
mesmo fazer uma releitura de pontos consagrados pelos filósofos, ou pela
teologia. Na verdade, parece que Agostinho consegue fazer uma harmoniosa
utilização de uma e de outra para alcançar o seu objetivo:
(...) Agostinho quebrou decisivamente com a tradição por privar o
estado de sua aura de divindade e por procurar o princípio de
ordem social na vontade humana. Deste modo a teoria
agostiniana, por sua cosmovisão diferente, primeiramente tornou
possível o ideal de uma ordem social que repousasse na
pessoalidade livre e no esforço do objetivo moral. Sendo assim,
os ideais orientais de liberdade e progresso e justiça social
devem, mais do que possamos imaginar, à profundidade de
pensamento deste africano que foi, por si mesmo, indiferente ao
49
GILSON, Étienne Henry. Introdução Ao Estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial. Paulus. 2007. p. 271.
37
progresso secular e à transitória fortuna do estado terreno.
50
Agostinho vai ter sua aceitação nos séculos vindouros, e mesmo até a
atualidade, muito provavelmente pelo fato de que esta harmonização ter sido tão
pertinente. O modo com que os temas foram tratados faz pensar que o modelo
proposto por Agostinho esteja presente nos outros modelos teológicos que o
sucederam, e em alguma medida, no modelo teológico da Reforma, quando em
seu nascimento. Ora, se assim não fora, Calvino, o sistematizador dos ideais
bíblico-reformados não o teria citado repetidas vezes para o embasamento de
seus postulados.
Outro ponto decisivo para a melhor compreensão de Agostinho é o fato
de que ele está em busca da verdade, e entende esta verdade como procedente
unicamente de Deus. Em sua história de vida, tendo passado da formação cristã,
a uma vida de devassidão na época de seus estudos, e retornado à fé,
praticamente ascética, é bem compreensível esta procura pela verdade. Esta
verdade não é somente um “tesouro” a ser encontrado, antes é a própria razão do
viver. Agostinho crê que a verdade seja algo superior à natureza humana, e
portanto, o homem deve buscá-la com todo empenho, pois é ela que haverá de
guiá-lo em todas as áreas da vida, principalmente no que deve fazer. Vejamos:
Assim, pois, se a verdade não é nem inferior, nem igual a nossa
mente, segue-se que ela possa superior e mais excelente do
que ela.
51
Para Agostinho, buscar a verdade é buscar a Deus, pois entendia que
encontrar a verdade é encontrar a Deus. Sua perfeição é irradiada através de
tudo o que é sublime e bom neste mundo. Portanto, tudo o que houver de ligação
com estas coisas, necessariamente haverá de ligação com Deus. Diante disso,
não poderia haver alvo mais elevado para uma vida do que dedicar-se a esta
procura e desfrute.
52
A busca pela excelência em tudo o que Agostinho fazia, deixa claro que
50
Idem. p. 77.
51
AGOSTINHO. O Livre Arbítrio. Série Patrística. vol 12. edição. São Paulo: Editora Paulus.
1995. p. 119.
52
D’ARCY, M. C. et al. Saint Augustine: his age, life, and thought. New York: Meridian Books.
1957. p. 193.
38
esta sede pela verdade é mais um dos pontos marcantes em sua vida. Ele
entende que a vida do homem é vazia, e sem sentido se não houver um objetivo
que ultrapasse este tempo passado na terra. A vida presente precisa,
necessariamente, buscar algo superior a si mesma, e este algo certamente
provém dos céus, de Deus.
Por outro lado, isso não impede que Agostinho tire os seus olhos deste
mundo, por isso, a verdade que tanto procura, imediatamente a aplicada aos
temas e a vida cotidiana, aliás é assim que a verdade pode ser realmente
efetivada.
No posterior Neoplatonismo, ainda se esta influência na pessoa de
Agostinho, muito embora, tenha um teor mais “espiritual” em contraste apenas
com uma conceituação “intelectual”, assim o caráter “volicional” pode ter lugar:
O idealismo platônico realmente deixou uma marca profunda no
pensamento de Agostinho. Apesar disso, ele nunca foi muito
longe nesta direção como o fez Orígenes, pois o seu platonismo
não destruiu o seu senso de realidade e de importância para o
processo histórico.
53
Na concepção dos neoplatônicos a atividade de Deus era
puramente intelectual. Para o cristianismo as coisas se passam
de outro modo. A ‘atividade’ de Deus não seria puramente
intelectual, mas também ‘volicional’. O Deus Cristão é um Deus
pessoal, unitrino (Pai, Filho, Espírito Santo), ele é espiritual e não
tem atributos; isso significa que esse Deus não é simplesmente
um puro intelecto, mas é a vontade, é o bem, a verdade, a
eternidade, o belo, a sabedoria a felicidade, a vida e assim por
diante; não tem atributos, mas os é. Ele não somente é o
intelecto, mas também sua vontade (e é uma natureza inefável e
simples).
54
Agostinho entende que o homem tem os atos maus provocados pelas
paixões, que dominam a razão, ou seja, para ele o mal, apenas tem seu lugar
quando praticado, e não interfere diretamente na tomada de decisões. Se o
homem se mantiver firme em suas crenças e valores, o mal não lhe atingirá, por
outro lado, se este ceder, o mal passa a ser praticado.
Sob a parcial influência do platonismo que defendia a imortalidade da
53
Idem. p. 68.
54
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 102.
39
alma, e a eternidade das coisas, e o retorno de todas as coisas a uma nova
passagem pela realidade, Agostinho deve ter compreendido que, de alguma
forma, o homem haveria de ter a “chance” de chegar até a verdade, até o bem, e
se não estivesse atento, poderia chegar também ao mal.
Neste período, percebe-se então uma luta concreta entre o bem e o mal
dentro do ser humano, mas este pode, com dedicação agarrar-se aos valores
divinos e estar plenamente livre para não errar, ou no conceito mais teológico,
não pecar. Idéia esta, que no decorrer do tempo, seria mais bem formulada e em
parte abandonada. Agostinho considera Deus a fonte de toda a justiça e doador
do bem, dos bons princípios ao homem. Justamente por isso, ele chega a
comentar que todas as leis justas estão de algum modo baseadas na lei eterna
sendo portanto, possível ao homem o querer não pecar.
‘De onde vem procedermos mal?’ Do livre-arbítrio da vontade e
não de Deus. O homem afasta-se de Deus voluntariamente, e
sendo assim o pecado provém do livre-arbítrio da vontade. Esta,
sendo livre, pode conduzir-nos à beatitude ou à infelicidade. (...)
Trataremos da vontade, de como ela é livre, e em que sentido se
torna.
55
Gilson, tratando da dualidade do mal em Agostinho, em oposição ao
bem que pode ser praticado diz o seguinte:
(...) o problema volta a ser saber se e em que medida a vontade
livre pode ser contada entre o número dos bens.
56
(...)
Talvez sejamos tentados a resistir a essa conclusão como
puramente dialética e abstrata. Ademais, dar-nos uma vontade
capaz de fazer o mal não seria nos dar um dom tão perigoso que
ele somente constituiria um verdadeiro mal? É verdade que toda
liberdade encerra um perigo, mas a nossa é também a condição
necessária para o maior dos bens que pode nos acontecer: a
beatitude. Em si, a vontade livre não poderia ser um mal;
tampouco é um bem absoluto, como a força, a temperança, ou a
justiça, dos quais não se poderia fazer mau uso sem destruí-los;
ela é um tipo de bem mediano, cuja natureza é boa, mas cujo
efeito pode ser mau ou bom segundo a maneira pela qual o
55
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 64.
56
GILSON, Étienne Henry. Introdução Ao Estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial. Paulus. 2007. p 276.
40
homem a usa. Ora, o uso do livre-arbítrio está à disposição do
próprio livre-arbítrio.
57
Gilson, aqui ao interpretar Agostinho e seus conceitos, parece trazer
uma terceira categoria de elementos, a saber, a idéia de algo “neutro”, “mediano”,
como ele assim a chama. Esta categoria evitaria os extremos presentes entre os
pólos “bem-mal”. Também escreve:
Ora, não ser determinado pelas coisas mas ser regulado pelo
conhecimento delas é precisamente aquilo a que chamamos ser
livre.
58
Então realmente parece existir casos em que as coisas sejam “neutras”,
e é seu uso, e seu conseqüente resultado que vai determinar se foi para o bem,
ou para o mal.
Nem Agostinho, nem Calvino entendem que as coisas, em si, sejam um
fim em si mesmas. A diferença entre os dois é que para Agostinho o objetivo da
busca da prática do bem é o alvo principal. Para Calvino, ele é um bem medial, se
pudermos chamar assim, pois o alvo principal e último é a glória de Deus:
Não nada mais claro nem mais certo que esta regra: Que
usemos a nossa liberdade, se, ao usá-la, estivermos promovendo
a edificação do nosso próximo; e que nos abstenhamos, se o
nosso uso dela não lhe for benéfico.
(...)
A nossa liberdade nos é dada a fim de que, tendo paz com Deus
em nossa consciência, vivamos igualmente em paz com os
homens.
(...)
O fim da liberdade cristã é incentivar-nos e induzir-nos à prática
do bem.
(...)
É que, sem escrúpulo de consciência nem turbação de espírito,
apliquemos os dons de Deus ao uso para o qual foram
destinados por Ele; e que, nesta confiança, a nossa alma goze
paz com Deus e nele descanse, reconhecendo e proclamando a
Sua generosidade para conosco.
(...)
57
GILSON, Étienne Henry. Introdução Ao Estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial. Paulus. 2007. p 277.
58
GILSON, Étienne Henry, Deus e a A Filosofia. Lisboa: Edições 70. 2003. p. 30.
41
É preciso libertar o nosso espírito da falsa idéia de que não temos
liberdade se não a exibimos a todo instante.
59
Assim parece que os conceitos de Calvino possuem um caráter mais
teológico-escriturístico, enquanto que em Agostinho, o caráter é mais teológico-
filosófico. Em meio às conceituações, Calvino trata também do uso da liberdade,
pois na última citação vê-se o cuidado em não se preocupar em exibi-las, o que
não impede o seu exercício, mas não é preciso “fazer alardes” disto. Se a
liberdade é a busca do bem, e o seu exibicionismo traz o mal, logo, este deve ser
abandonado.
Agostinho também trata da “voluntariedade”, e parece com isso tocar,
de algum modo, no conceito de responsabilidade, que seria mais tarde,
desenvolvido por Calvino. Ainda que em tempos posteriores ao seu início
teológico Agostinho tenha mudado sua maneira de entender o livre-arbítrio, ainda
parece deixar uma certa independência inata do homem em querer fazer o bem,
sendo sua decisão para não fazê-lo apenas um alternativa possível e equilibrada
e não tendenciosa, como vê Calvino.
Para Agostinho (...) a liberdade é um bem a ser assimilado, algo
mais do que livre-arbítrio, é o livre-arbítrio libertado do mal; supõe
o livre-arbítrio, mas orientado em direção ao bem.
60
É interessante notar que Agostinho parece trabalhar com idéias
hierárquicas para classificar as coisas. Provavelmente, movido pelo desejo de
alcançar a verdade, o bem supremo, buscava, como que em uma escalada,
categorizações dos elementos para atingi-los e ensiná-los como sendo “os mais
nobres”. Deste modo, ele ao tratar do livre-arbítrio em direta comparação com
liberdade, deixa transparecer, gradativamente que há um “crescendo” para que se
chegue à plenitude de uma vida humana de devoção a Deus. Primeiramente, a
vontade, depois o livre-arbítrio, este decidindo fazer o bem, ou seja, o bom uso
efetivo da liberdade, e finalmente o bem sendo alcançado em atitudes.
De fato, segundo defende a autora Mariana Cunha, pode-se perceber
inclusive dois estados de livre arbítrio concedidos ao homem:
59
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. IV.14.
60
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 79.
42
Em significativa passagem da Cidade de Deus (1.XXII, c. XXX.3)
se explicam os dois estados do livre-arbítrio concedidos ao
homem. Através do primeiro – conferido ao homem quando Deus
o criou justo – o homem podia não pecar (como também pecar); o
segundo é superior ao primeiro, por que através dele o homem
não pode pecar; este último, porém, não pertence à natureza
humana, mas é um dom de Deus conferido ao ser humano, e que
o torna partícipe da natureza divina: “Por natureza, Deus não
pode pecar; por outro lado, quem participa de Deus, dele o
recebe [i.e. o poder não pecar]”. Em seguida, diz que visto o
homem ter pecado, quando também podia não pecar, uma graça
mais abundante o libertará para que atinja a liberdade de não
pecar. Todos aqueles que pertencerão à Cidade de Deus terão
uma vontade livre, que é vontade isenta de todo o mal e plena de
todo o bem.
61
E no seu texto A Graça, também o faz:
O primeiro homem podia não pecar, podia não morrer, podia não
deixar o bem. Podemos dizer que não podia pecar gozando o
dom da liberdade? Ou não podia morrer, se lhe foi dito: Se
pecares, morrerás? Ou não podia deixar o bem, se o deixou pelo
pecado e por isso morreu? Portanto, a primeira liberdade da
vontade era poder não pecar. A primeira liberdade era poder não
morrer; a última será muito mais vantajosa, a saber, não poder
morrer. A primeira possibilidade da perseverança era poder não
deixar o bem; a última será a felicidade da perseverança, isto é,
não poder deixar de praticar o bem.
62
Este vislumbre de Agostinho com relação ao tempo futuro, do pós-
morte, no céu, de certa forma já é esperando aqui também, pois no ato de praticar
o bem, Agostinho entende que o homem estaria fazendo em parte o que fará
plenamente no futuro. Desta forma, em essência, o situações iguais, mas com
participações e efetivações das possibilidades de se fazer o bem, de modo
incompleto nesta vida, e pleno na vindoura.
Esta herança conceitual também estará presente nos escritos e
postulados dos reformadores, quando também viram ser necessário dar uma
resposta para os pecados cometidos pelo homem. Depois de retirada a opressão
da Igreja Católica Romana com o seus sistemas de penitências, foi preciso
entender o que realmente a Escritura dizia sobre como o homem deve lidar com
61
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 64.
62
AGOSTINHO. A Graça: A Correção e a Graça. 12.33
43
seu pecado no seu relacionamento com Deus.
Este ponto destacado por Agostinho foi de extrema ajuda e conforto
para que pudesse ser dada uma genuína esperança no porvir, mas um alento
concreto no presente, pois o pecador, poderia saber que suas limitações o
levariam a pecar, contudo o de forma contumaz e final, caso se achegasse às
leis divinas.
Agostinho deixa entrever em seus escritos que uma criatura pode ser
considerada superior a outra com base no grau de liberdade que esta tenha, ou
não. Ter uma existência livre para se fazer o bem, ainda que não se consiga
sempre, é melhor do que uma natureza que não haja possibilidades de realizar
nada.
Uma criatura que peca por sua vontade livre é superior àquela
que não peca por carecer de vontade. Ela é superior não devido
à sua corrupção ou aos vícios, mas pelo que conserva da
dignidade da sua própria natureza. Isso é semelhante à
comparação que Agostinho faz entre um cavalo que se perde e
uma pedra, que não pode perder-se e permanece em seu lugar,
por carecer de movimento e sensibilidade. (...) O cavalo sempre
será melhor que a pedra devido à sua natureza superior.
63
A razão pela qual Deus dota o homem com o Livre Arbítrio é justamente
para que este possa dominar a si mesmo, e, portanto se ver livre das paixões.
Agostinho nesta realidade, a grande semelhança com o próprio Deus, seu
modo de ser e agir. Em última análise, é isso que é o "Livre Arbítrio" para
Agostinho ou seja, parece confundi-lo com a liberdade responsável do homem, no
ver de Calvino.
Para Agostinho a liberdade é ligada às ações do indivíduo e suas
relações com Deus, um liberdade antes de mais nada teológica
(isto é, sempre remete a Deus) com reflexões morais e sociais;
não se trata mais da liberdade da Polis, a do homem livre e
escravo, mas das duas cidades em que a humanidade inteira se
divide.
A liberdade refere-se à relação que cada um tem consigo mesmo;
e à relação que cada um mantém com os bens temporais.
Podemos dizer que ela é uma liberdade teológica por expressar
63
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 76.
44
prioritariamente a aproximação que estabelece com o divino.
64
Vemos aqui tanto um caráter prático, concreto com a direta ligação com
o homem e com Deus. Agostinho concebe Deus como sendo o criador de todas
as coisas, mas imediatamente entende que a vida, como ela se processa, diz
respeito ao homem e este nunca poderia atribuir algum tipo de culpa a Deus.
Entretanto, apesar dessa separação, fica evidente a interdependência do
relacionamento que Agostinho vê entre Deus e o homem.
Podemos dizer que a relação é de caráter transcendente, enquanto
que, normalmente, na filosofia, a liberdade é de caráter humano, físico e se na
medida da relação com o semelhante. Ainda poderia ser dito:
O pensamento agostiniano sobre a liberdade conduz à reflexão
sobre a vida social e moral. Em Agostinho a origem da vida social
passa pela vida moral (que se funda no amor, e portanto na
vontade). É o amor por algo que gera espontaneamente uma
sociedade (formada por todos aqueles cujos amores coincidem).
Por exemplo, quando os expectadores de uma representação
teatral reúnem-se para assistir a um espetáculo, eles se ignoram
mutuamente e não formam uma sociedade; mas se um ator
representa com talento, aqueles a quem sua atuação agrada, não
se contentam em amá-lo; uma espécie de simpatia recíproca logo
se estabelece entre todos os que amam o ator, e nasce uma
sociedade: as sociedades têm sua origem no amor de cada
homem.
65
Para Agostinho a finalidade da vida não se alcança através de
um conhecimento isolado da memória, da vontade, do amor. Para
ele a vida humana deve ser avaliada em termos de vontade, em
última instância, charitas, ao invés de um conhecimento isolado
da vontade, do amor da memória.
66
A formação de Agostinho, e seu passado sempre revelado em suas
atitudes de busca pelo ideal, pela pureza e devoção fazem com que este busque
uma aplicabilidade concreta, vivencial para às conclusões a que chega. Por isso,
o trato com o livre-arbítrio não é um fim em si mesmo, e de igual modo o trato
com o mal. De fato, em sua busca pela verdade, Agostinho está muito interessado
em ter certeza se seu agir é digno e está conforme as determinações da lei divina,
e em termos mais eclesiásticos, em sintonia com a Igreja.
64
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 66.
65
Idem. p 61. Nota 36.
66
Idem. p 103.
45
O livre-arbítrio da vontade no estado da humanidade decaída é
este: somente com a graça podemos realizar o bem. No que se
refere ao cumprimento da lei, Agostinho une o livre-arbítrio à
graça, passagem necessária á liberdade.
67
Agora, livre do conceito maniqueísta, Agostinho a vontade como
uma escolha entre aproximação, ou afastamento de Deus:
A opção da vontade entre o bem e o mal deve ser entendida não
em sentido maniqueísta, mas como uma escolha entre
aproximação ou afastamento de Deus (conuersio ad Deum et ad
creaturam), entre a adesão à lei eterna ou o distanciamento dela,
entre ser bom voluntariamente ou por necessidade, isto é, uma
escolha entre seguir a lei eterna (a vontade divina) ativamente ou
ser ‘agido’ por ela. O ser humano passa a ser movido
passivamente e necessariamente pela lei de Deus, tal qual um
animal irracional, quando recusa o cumprimento da lei: (...)
68
(…) é somente no domínio da boa vontade que agimos segundo
a lei, nos outros casos, ao contrário, somos ‘agidos’ segundo a
lei, visto que a própria lei permanece invariável e visto que regula
tudo o que é mutável em um magnífico governo.
69
A possibilidade de escolha, tradicionalmente atribuída à razão, foi
interpretada por Agostinho como possibilidade da vontade, e a
escolha da vontade ocorre independentemente do conhecimento
daquilo que é melhor ou pior.
70
Se Deus não pode ser tido como autor do mal, e também o sendo
seu praticante, e por outro lado, todo o bem reside em Deus, parece
racionalmente cabível pensar que o mal seja mesmo inferior ao bem, e o mesmo
vale para seus poderes, ou ainda mais, existem determinadas coisas que
simplesmente não podem ser atribuídas ao mal. Por isso, o homem, no ver de
Agostinho, teria uma tendência para a prática do bem, e o do mal, desde que
“se deixe ser levado” pela lei de Deus.
Por sua influência filosófica, pode-se perceber traços que poderíamos
67
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 85.
68
Idem. p 61.
69
AGOSTINHO. De Diuersis Quaestionibus Ad Simplicianum Libri Duo. 83,27. Versão On-Line
http://www.augustinus.it/latino/questioni_simpliciano/index2.htm. Visitado em 17/11/2009, às
14h57.
70
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 101.
46
chamar de horizontais, ou seja, o homem em sua relação com este mundo e sua
realidade físico-concreta, incluindo próprio homem. Por causa de sua formação
teológica, pode-se perceber traços que poderíamos chamar de verticais, ou seja,
o homem em sua relação com o transcendente, no caso o Deus judaico-cristão.
A liberdade agostiniana é por assim dizer vertical, sempre
referida a Deus através da graça e ordem divinas, diferente de
uma liberdade por assim dizer moderna e ao menos
tendencionalmente horizontal, que rejeita o plano da
transcendência e permanece em nível interior, no plano do
homem para consigo mesmo, eliminando a relação
homem/Deus.
71
Para Agostinho, parece que a razão está livre de qualquer corrupção,
portanto, pronta para ser boa, desde que bem orientada e capacitada. O homem
teria todo o potencial de fazer o bem de forma inata, apenas precisa deste
despertar. Agostinho diz:
(...) vontade é o poder da alma de conseguir ou adquirir algum
objeto sem constrangimento
72
Associava inteiramente a vontade à existência da condição humana, e o
faz dentro de um enunciado lógico-filosófico, na tentativa de demonstrar como
uma evidenciava a outra:
Eu seu que vivo, certifico-me disto; eu sei que desejo viver,
certifico-me disto também; agora se toda a raça humana for
unânime neste ponto, então nossa vontade é tão evidente quanto
nossa existência.
73
E quanto à “escolha”, deixa transparecer que não seja a mesma coisa
que liberdade plena. Entende que “poder fazer ou não algo”, na verdade, repousa
em nossa vontade, por outro lado, liberdade significa poder fazer tudo o que é
bom
74
.
Contudo, é justamente este pequeno, mas decisivo detalhe, que
Agostinho não explica mais detalhadamente. Como se pode obtê-lo, ou seja,
71
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 80-81.
72
AGOSTINHO. Confissões. IV.XI.16.
73
Apud: Ibdem. p. 68.
74
Ibdem. 1957. p. 191.
47
como se consegue esta “liberdade”? Em certos momentos deixa transparecer,
como fruto de sua pessoal e particular observação, que alguns homens possuem
uma "boa vontade" de modo natural, e que esta é o "motor" para que se procure o
bem. Apesar de ver Deus como a fonte do bem, ele não o como quem toma a
iniciativa em doar seu bem. Na verdade, parece mais que o homem, ou pelo
menos alguns, podem chegar até Deus por algum mérito, ou propensão natural a
buscar Deus e então passar a receber este bem. Agostinho diz que “até podemos
não amar a Deus como ele deveria ser amado, mas o mal que cometemos é de
nossa inteira responsabilidade.”
75
.
(...) A escolha de nossa vontade é plenamente livre quando não
serve aos nossos vícios e aos nossos pecados.
76
(...) Deus prevê também a força da vontade. Portanto esta força
não é tirada de mim pelo conhecimento de Deus, pelo contrário,
ainda mais certamente, pertence a mim.
77
Assim, nossa ação será determinada pelo controle de nossas paixões.
É neste ponto que se poderá ver uma grande distinção da teologia calvinista.
Ainda que Calvino entenda que o homem possa e deva ter todas estas atitudes
descritas acima, não pode por si mesmo conseguir cumpri-las plenamente.
Agostinho deixa transparecer que sim, o homem pode chegar a cumprir este
objetivo de vida com sucesso, haja vista o seu asceticismo, depois de sua adesão
efetiva ao cristianismo.
Por outro lado, para que não pareça que Agostinho entende que o
homem tem sua vontade completamente livre, de algum modo, ele a associa à
ajuda divina para que se possa conseguir a realização desta vontade.
A nossa vontade é sempre livre, mas não é sempre boa. Ou é
livre da justiça, quando se sujeito ao pecado, e então é má, ou é
livre do pecado quando serve à justiça, e nesse caso é boa. A
graça de Deus, porém, sempre é boa, e faz com que tenha boa
vontade quem antes a tinha má. Com seu auxílio, a vontade
passou a ser boa, cresce com tanta bondade que chega a
cumprir os mandamentos divinos que quiser, quando desejar com
75
Ibdem. p. 191.
76
AGOSTINHO. City Of God. XXII.XXX.
77
AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Série Patrística. vol 12. 4ª edição. São Paulo: Editora Paulus. 1995.
294p. III.VIII.
48
decisão.
78
Não dúvida de que podemos guardar os mandamentos, se
queremos; mas como é Deus que prepara a vontade, é preciso
recorrer a Deus para termos a vontade necessária e assim,
querendo, possamos cumpri-los. É certo também que queremos
quando queremos; mas dispõe-nos a querer o bem aquele do
qual se afirmou o que antes eu disse: A vontade é preparada pelo
Senhor (Pr 8 seg. LXX); (...) Não há dúvida que fazemos, quando
fazemos, mas, outorgando à vontade forças deveras eficazes, faz
com que façamos aquele que disse: Farei com que andeis nos
meus caminhos e observeis e cumprais meus preceitos.
79
Eis no que consiste a nossa liberdade: estarmos submetidos a
essa Verdade. É ela o nosso Deus mesmo, o qual nos liberta da
morte, isto é, da condição do pecado.
80
Nestas afirmações que em muito se mostram parecidas com as de
visão reformada de Calvino, podemos concluir que mesmo Agostinho não no
homem uma autonomia tão independente e auto-suficiente para deixar Deus de
lado, ou mesmo que pudesse se achegar a Deus, ou mesmo obedecê-lo por livre
iniciativa e capacidade.
O raciocínio de Agostinho trabalha, por vezes, com o que poderíamos
chamar de tensões de termos, ou conceitos, como por exemplo na utilização dos
termos “liberdade” e “submetidos”. São estes aspectos que vão, aos poucos,
formando o todo da conceituação e liberdade e livre-arbítrio em Agostinho. Neste
ponto específico, pode-se notar a grande importância do Deus transcendente e
ativo na vida do homem, com relação a direção de sua vontade, e do seu arbítrio.
Contudo, apesar do destacado acima, Agostinho ainda parece entender
que o homem tem algo de bom de forma inata, ao menos uma semente que pode
ser cultivada para que se alcance graus mais elevados de dedicação e devoção
para com Deus.
Certamente, fruto de seu inicial envolvimento com a filosofia, o
somente a maniqueísta, mas também devido ao fato de estar acostumado com a
dinâmica do sistema do pensamento filosófico, Agostinho traz muitos destes
78
AGOSTINHO. A Graça E A Liberdade. Série Patrística. 15.31. Vol 13. edição. São Paulo:
Editora Paulus. 1995. 294p.
79
AGOSTINHO. A Graça. (De gratia et libero arbitrio). Série Patrística. vol 13. São Paulo: Paulus.
2002. 2ª edição. XVI.32.
80
AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Série Patrística. vol 12. 4ª edição. São Paulo: Editora Paulus. 1995.
294p. II.13,37.
49
conceitos sobre “bem” e “mal” e da dicotomia oposta entre o “sublime” e o “banal”,
o “elevado” e o “terreno”. Ora, todas estas afirmações ou pressuposições colocam
toda a ênfase de atuação no homem, fazendo que o homem seja capaz de
encontrar seu próprio caminho, suas respostas, ainda que, no sistema
agostiniano, Deus tenha um papel preponderante.
Não é difícil para ele afirmar que a liberdade está no desapego das
coisas materiais, pois estas podem escravizar nossa vontade e mente. O próprio
livro “O Livre Arbítrio” é escrito basicamente como um diálogo entre Agostinho e
um interlocutor que faz ver como é através do pensamento, e idéias colocadas à
prova que Agostinho vai firmando seus conceitos. O próprio sistema de
pensamento agostiniano e o modelo utilizado para o trato dos assuntos sempre se
assemelham em muito ao padrão de pensamento filosófico. Um ingrediente
adicional e diferenciador é que pela sua formação teológica ele traz sempre textos
bíblicos como referência e base para suas afirmações.
Quanto ao tema do Livre Arbítrio, tratado pela filosofia, Agostinho
parece não emitir um juízo de valor muito específico afirmando se este é, ou não
algo bom, tanto que a preocupação maior está direcionado ao fato de se este
pode ser bem, ou mal utilizado. Diz que o homem pode pecar por causa do Livre
Arbítrio que possui, e que o mesmo é dado por Deus, o que traz responsabilidade
ao homem pelos seus atos, e arrazoa ainda mais dizendo que se não fosse
assim, como poderiam ser justos os castigos e as bênçãos, pois não haveriam
nem culpados, nem responsáveis. Quanto a isso, vejamos seu comentário ao livro
do Gênesis:
(...) Por que, sendo assim, não permitiria que fosse tentado
aquele que ele sabia de antemão que haveria de consentir, se o
faria voluntariamente por meio da culpa e seria ordenado pela
justiça de Deus por meio do castigo, a fim de que também
mostrasse, desse modo, à alma soberba como ensinamento aos
futuros santos, quão retamente Deus se utilizaria das vontades,
mesmo das más, quando elas usassem mal das naturezas
boas.
81
Assim, Agostinho consegue assegurar tanto a perfeição divina,
81
AGOSTINHO. Comentário ao Gênesis. Série Patrística. vol. 21. São Paulo: Editora Paulus.
2005. p. 390.
50
afastando dela qualquer mal, bem como a responsabilidade total sobre o que o
homem faz, e suas conseqüências. Mais a frente, se propõe a explicitar e explicar
razão pela qual o homem não foi criado sem a possibilidade de pecar:
(...) Mas que eles concordem que não é uma má natureza que foi
criada de tal modo que poderia não pecar, se quisesse, e que é
justa a sentença pela qual foi punida aquela que pecou por sua
vontade, não por necessidade. Assim como a reta razão ensina
que é melhor uma natureza que de forma alguma se deleita com
o ilícito, assim também a reta razão ensina que também é boa
uma natureza que possui o poder de tal modo coibir o prazer
ilícito, se houver, que não só se alegre com os demais atos lícitos
e praticados como convém, mas também a coibição do prazer
depravado. Portanto, sendo boa esta natureza e aquela, melhor,
por que Deus não criaria as duas? (...) Aquela é própria dos anjos
e esta dos santos homens. Mas aqueles que escolheram para si
o caminho da iniqüidade desfiguraram a natureza merecedora de
louvor por sua vontade digna de culpa. Eles têm também seu
papel a desempenhar entre as coisas criadas para a utilidade dos
santos. Pois Deus não necessita nem sequer da justiça de
qualquer homem reto, quanto menos da iniqüidade do
perverso?
82
Agostinho faz seu arrazoado a partir do texto bíblico, mas sua
compreensão é em grande parte uma decorrência lógica, ainda que bastante
particular, do que tomou por princípio. Ele tem um pressuposto do que seja Deus
e sua natureza, assim também com o homem, e a partir daí traça várias linha de
pensamento. Em grande parte, seu trabalho realmente se mostra procedente,
principalmente naquilo que pode ser posto à prova pela realidade concreta.
Contudo, parece não haver um retorno ao próprio relato bíblico de onde parte
para verificação de suas afirmações.
É interessante notar que na época em que Agostinho está tratando
desde assunto o modelo teológico está contaminado pela filosofia, chegando
mesmo ao ponto de, em alguns casos, não se perceber exatamente onde estão
as fronteiras de uma e de outra, principalmente, tendo em vista que a teologia não
é algo que elimine o pensamento do homem, antes faz uso do mesmo.
83
Este raciocínio, por mais lógico e moral que pareça ser, sempre contou
82
AGOSTINHO. Comentário ao Gênesis. Série Patrística. vol. 21. São Paulo: Editora Paulus.
2005. p. 393.
83
D’ARCY, M. C. et al. Saint Augustine: his age, life, and thought. New York: Meridian Books.
1957. p. 30.
51
com muitos simpatizantes e mesmo defensores antes e depois de Agostinho,
contudo há uma série de elementos desprezados nesta afirmação, que mais tarde
seriam trazidos à luz por Calvino, através do método hermenêutico Histórico-
Gramatical, que se vale da chamada “Analogia da Fé”, ou seja, o que se crê em
determinado texto da Escritura não pode ser contradito por nenhum outro, e vice-
versa, partindo do princípio da unidade e organicidade da Bíblia. Agostinho não se
vale freqüentemente deste instrumento.
Através de alguns postulados, e mesmo de seus pressupostos, parece
que Agostinho deixa entender que a natureza do homem, de alguma forma é
propensa a Deus, tendo em vista ser criação deste. Segundo ele, o homem
consegue ver e entender qual é realmente o objetivo de sua vida, e qual a
verdadeira felicidade e é isso que fica claro no livro Livre arbítrio, uma obra
publicada justamente para defender esta verdade.
84
Neste ponto pode se
perceber uma diferença entre ele seus mestres filósofos, pois estes não
conseguiram ir além de uma religiosidade moral. Agostinho sim. Ele se vale do
raciocínio lógico para expor seus pensamentos, mas em momento algum este
instrumento de arrazoado como um fim em si mesmo. Ele está a procura da
verdade e de sua vivência.
De fato, mais do que propensa, na concepção agostiniana, nossa
própria existência é em função da existência divina e todas as suas demandas.
Portanto, amar a Deus, louvar a Deus, obedecer a Deus nada mais é do que o
mais puro cumprimento da fim da própria criação do homem.
Diferentemente do panteão dos deuses do filósofos, o Deus cristão é
um ser pessoal, e por isso mesmo dotado de vontade, inteligência e atitudes bem
particulares e diferentes das do homem. Por isso mesmo, sua vontade não pode
ser simplesmente comprada, ou benefícios não podem ser auferidos pela simples
atuação humana. É um ser superior que pode demandar o que quiser do homem,
mas o inverso não é verdadeiro.
Apesar da afinidade que existe entre Deus e o homem o
relacionamento não está, de modo natural, estável e perfeito, na verdade, existe
um grande abismo entre os dois devido ao pecado. Agostinho parece nunca ter
perdido isso de vista, e este é outro elemento que o diferencia radicalmente dos
84
Idem. p. 233.
52
filósofos que não contemplavam este aspecto. Aliás, são estes pequenos
aspectos quantitativos, mas de grande valor qualitativo que fazem de Agostinho
um marco no trato do assunto da vontade do homem, liberdade e outros afins,
pois é a sua “veia teológica” que irá dar margem para que o transcendente bíblico
possa ter seu lugar. Portanto, não é sem razão, que o reformador Calvino, e
outros foram buscar respaldo e autoridade em um escritor que tenha sido
pertinente e ainda, no conceito histórico, próximo ao início do Cristianismo
propriamente dito.
Para resolver melhor esta questão, Agostinho parece ter criado um
sistema no qual o homem tem a possibilidade de se “elevar”, isto é, sair deste
estado natural a todos de simplesmente seguir o seus próprio impulsos e paixões.
Assim nos apresenta Maurice Blondel:
(...) Santo Agostinho permanece sugerindo-nos que a idéia de
presença interior a qual cria o comando que ecoa do nada,
possível, aceitável, e infinitamente gracioso: a elevação, portanto,
para a qual somos compulsoriamente chamados não é uma
criação ex nihilo, ou um fardo adicional sobre as obrigações de
nossa própria consciência humana, ou um direito a ser afirmado,
ou uma simples escolha deixada ao nosso próprio desejo; as
demandas da caridade são uma mera tradução do estímulo
íntimo pelo qual Deus ama a si próprio e se deseja em nós,
devendo à adoção, a qual coloca no homem o próprio Espírito do
Pai Celeste, a vida do Filho que se encarnou por nós, e pela
santificadora ação do Esrito.
85
É esta íntima ligação que Agostinho concebe como sendo o motivador
de todas as coisas, ou seja, existe algo na natureza do homem, na própria
natureza da Criação e no relacionamento de Deus com estes que simplesmente
parece não permitir outra coisa que não a aproximação do homem para com
Deus. Quando isso não se verifica, parece mais devido ao fato de o próprio
homem livre e decididamente ter desejado assim, e envidado esforços para que
seja assim. No entanto, não deixa claro como este processo acontece, ainda que
não possa ser compreendido totalmente pela mente humana, aliás, outra
concepção agostiniana:
Agora Santo Agostinho apresenta, ainda que não claramente,
85
Maurice Blondel in Ibdem. p. 341.
53
mas nem por isso de uma forma não convincente, a solução para
o problema. Ele claramente percebe que toda a inteligência
congenitamente tende a saber e possuir a verdade de Deus da
qual toda a luz deriva, da sensível, racional, estética, da moral, e
não menos da ordem religiosa; mas ele também percebe que tal
verdade não poderia ser entendida, e não foi, de fato, entendida
pela mera curiosidade metafísica, ou pelo remover quer de algum
material, quer de algum obstáculo intelectual.
86
Aqui, parece estar o pressuposto e ponto de partida para todo o escrito
sobre o relacionamento do homem com Deus, e da possibilidade de este
encontrar a verdade para si. Mais uma vez, o elemento transcendente é uma
condição sem a qual não se pode chegar a esta sabedoria. Por isso, vemos
Agostinho fazendo algumas distinções entre elementos conhecidos dos filósofos,
mas os trata com um viés teológico, e não apenas isso, também devocional. Para
Agostinho o Livre Arbítrio é um verdadeiro bem dado por Deus:
Se visses uma pessoa sem pés, afirmarias que lhe falta a
integridade do corpo, um bem muito valioso. (...) Por conseguinte,
do mesmo modo como aprovas a presença destes bens no corpo
e que, sem considerar os que deles abusam, louvas o doador, de
igual modo deve ser quanto à vontade livre, sem a qual ninguém
pode viver com retidão. Deves reconhecer: que ela é um bem e
um dom de Deus, e que é preciso condenar aqueles que abusam
deste bem, em vez de dizer que o doador não deveria tê-lo dado
a nós.
87
Agostinho entende a livre vontade, o Livre Arbítrio como algo tão
inerente e precioso ao homem que chega ao ponto de compará-lo a um membro
do corpo e sua devida importância. A partir do fato de que Agostinho entende que
o Livre Arbítrio como vindo do próprio Deus, como então atribuiria a este algo que
não fosse inerentemente bom?
A pena me acompanha, porque me deste livre-arbítrio. Se, pois,
não me tivésseis dado o livre-arbítrio, e desta forma não me
tivesses feito melhor do que os animais, não sofreria justa
condenação ao pecar. Então, pelo livre-arbítrio me elevaste, e por
justo juízo me derrubaste.
88
86
Maurice Blondel in Ibdem. p. 343.
87
AGOSTINHO. O Livre Arbítrio. Série Patrística. vol. 12. edição. São Paulo: Editora Paulus.
1995. p. 136.
88
AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. o Paulo: Paulus. Série Patrística. vol. 9/3, 1998. p.
22.
54
Todas as decorrências deste pressuposto sempre fluirão para uma
compreensão positiva da existência do Livre Arbítrio, bem como da defesa da livre
possibilidade de se fazer o bem, o que é correto, bastando apenas empenho e
humildade para obedecer a Deus. Certamente parte deste arrazoado tem a ver
com a própria experiência de adesão de Agostinho, principalmente tendo em vista
a vida de devassidão que levava antes desta.
Mas porque, afinal, a vontade se afasta da perfeita realização do bem?
Cunha oferece uma observação pertinente ao caso, a partir de uma declaração de
Agostinho. Vejamos primeiramente a citação de Agostinho:
Ninguém busque, pois, a causa eficiente da vontade, tal
causa não é eficiente, mas deficiente, porque a má vontade não é
“efecção”, mas “defecção”. Com efeito, abandonar o sumo ser por
aquilo que é menos é começar a ter uma má vontade. Empenhar-
se, portanto, em buscar as causas de tais defeitos, não sendo
eficientes, mas como já dissemos, deficientes, é igual a pretender
ver trevas ou ouvir o silêncio. E, contudo, ambas essas coisas
nos são conhecidas, uma pelos olhos e outra pelos ouvidos, não,
porém, em sua espécie, mas na privação da espécie. Ninguém,
por conseguinte, procure aprender de mim o que não sei, mas
espere aprender o não saber o que se sabe ser impossível saber.
Com efeito, as coisas que não se conhecem em sua espécie,
mas na privação da espécie, se podemos falar assim, conhecem-
se, de certo modo, não conhecendo-as e não se conhecem,
conhecendo-as.
89
É interessante, notar que Agostinho faz estas afirmações baseado na
fenomenologia, ou no que ele crê ser a explicação. Aqui, me parece, ainda um
receio muito grande de ferir a Deus, ou a Igreja, seus dogmas, por o quer lhe
atribuir mal algum. Tanto que ele não diz qual é a origem primeira desta defecção.
A partir de seus conhecimentos filosóficos e lógicos, principalmente o platônico, o
próprio Agostinho trabalha, com um sistema de “causa e efeito”, por isso ser
necessário encontrar alguma razão para este efeito concreto e inegável. Mesmo
quando diz que não se pode encontrar a causa para este efeito, no momento que
traz a explicação da defecção, parece estar fazendo exatamente isso. Agostinho
não conseguiu romper os limites de sua estrutura de pensamento platônica, ou
seja, sua teologia, ainda que extremamente pertinente em vários pontos, estava,
89
AGOSTINHO. De Ciuitate Dei. XII.7-8.
55
contudo, permeada de filosofia, o que acarretava lacunas, ou inconsistências,
como creio ser esta. Vejamos o comentário de Cunha:
Também a vontade, ao contar-se entre os bens médios, pode ser
bem ou mal utilizada. Ela faz bom uso das coisas ao aderir ao
bem imutável que conduz o homem à vida feliz.
(...)
Chegamos ao núcleo da reflexão no que se refere ao problema
do mal: de onde viria esse movimento da vontade, afastando-se
do bem imutável e dirigindo-se aos bens mutáveis?
(...)
Agostinho baseia-se na tradição platônica para tratar do problema
do mal; o mal é apresentado como priuatio boni, ausência do
bem. Mas introduz modificações no conceito da tradição
platônica: a privação de bem é atribuída à vontade causadora do
mal.
A causa do mal está na vontade corrompida, e esta não tem
causa: provém antes de uma falta de causa (causa deficiens). No
De ciuitate dei lemos que não causa eficiente (causa
efficiens) para a vontade, mas somente uma causa
deficiente.
90
Em busca da verdade, da boa utilização desta proposta de liberdade de
escolhas, ele faz distinção, como visto anteriormente, entre “desejo” e
“conhecimento”. Para ele o conhecimento de Deus é, por si só, o motor e a
energia para que se consiga estar livre e desimpedido para ser fazer o bem.
Gilson também comenta mais detidamente esta linha de pensamento:
Se assim é o bem, o mal pode ser a corrupção de uma das
perfeições na natureza que as possui. A natureza é aquela
em que medida, forma ou ordem estão corrompidas, e ela é
somente na exata proporção do grau de sua corrupção. Não
corrompida, essa natureza seria toda ordem, forma e medida,
quer dizer, boa; mesmo corrompida, ela permanece boa
enquanto natureza e é apenas no tanto em que é corrompida.
Essa relação é uma privação. Com efeito, ele é a privação do um
bem que um sujeito deveria possuir, uma falta de ser o que ele
deveria ser e, por conseguinte, um puro nada.
91
Desta forma, no ver de Gilson, Agostinho ainda concebe uma parte
inalteradamente boa no ser humano, ao passo que em Calvino, ele o homem
90
CUNHA, Mariana Palozzi Sérvulo da. O Movimento da Alma: A Invenção Por Agostinho Do
Conceito De Vontade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p 73-74.
91
GILSON, Étienne Henry. Introdução Ao Estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial. Paulus. 2007. p 272.
56
corrompido em todas as áreas, mas não destruído, aniquilado; contudo o que
resta no homem é uma fagulha da imagem divina. Como pode ser visto:
Comvém-nos falar agora da criação do homem, não apenas
porque dentro todas as obras de Deus é ele a expressão mais
nobre e sumamente admirável de sua justiça, sabedoria e
bondade, mas ainda porque, como dissemos de início, Deus não
nos pode ser clara e plenamente conhecido, a não ser que se
acresça conhecimento correlato de nós mesmos. E visto ser
duplo esse conhecimento de nós próprios, isto é, que saibamos
como fomos criados em nosso estado original e como começou a
ser nossa criação, a não ser que reconhecêssemos qual é a
corrupção e deformidade de nossa natureza nesta desoladora
ruína em que nos achamos); agora, contudo, nos haveremos de
contentar com a descrição de nossa natureza íntegra, como era
originalmente. E, realmente, antes que desçamos a esta mísera
condição do homem a que ora está sujeito, é de relevância
conhecer como foi inicialmente criado.
92
Calvino deixa explícito que, o homem, agora decaído, não passa de
uma “deformidade” da imagem e semelhança divinas:
No entanto, parece que não houve ainda uma definição plena de
imagem, e não ser quando se manifesta mais claramente por
quais faculdades o homem sobressai e por quais deva ele ser
julgado espelho da glória de Deus. Realmente não se pode
conhecer melhor de outra parte senão da restauração de sua
natureza corrompida. Quando Adão caiu de seu estado original,
não a mínima dúvida de que, por esta defecção, ele veio a
alienar-se de Deus. Portanto, embora concordemos que a
imagem de Deus não foi nele aniquilada e apagada de todo,
todavia foi corrompida a tal ponto que, qualquer coisa lhe reste,
não passa de horrenda deformidade. E por isso o começo da
recuperação da salvação o temos nesta restauração que
conseguimos por meio de Cristo, o qual, por esta causa, é
também chamado segundo Adão, visto que nos restitui a
verdadeira e completa integridade.
93
Apesar desta importante nuança de diferença, existente entre Calvino e
Agostinho, pontos em comum sobre a concepção do que realmente restou no
homem da imagem e semelhança divina, é interessante notar que ambos
mencionam a idéia de “afastamento”, ou “alienação” de Deus.
Agostinho entendia que onde estiver o amor, no sentido de “paixão”,
92
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. I.XV.1
93
Idem. I.XV.4
57
“desejo” ali estarão também todas as forças e pensamentos empenhados. Por
isso, tanto proclama o abando no das paixões, e a utilização da sabedoria para
canalizar as energias para algo excelente, superior, e louvável.
Este amor entranhado é o que realmente move o homem a fazer as
coisas, e não o intelecto como crêem alguns. É como se o desejo enviasse uma
requisição a mente, e esta procurará com todos os seus recursos atender a esta
demanda tão premente. Dentro de seu sistema dicotômico, Agostinho alguns
pares opositivos, mas que caminham sempre juntos, por exemplo, dois amores:
“avareza” e “caridade”; duas filosofias: “conhecimento” e “sabedoria”; e as mais
conhecidas duas cidades: “cidade deste mundo” e “cidade de Deus”. Apesar de
Agostinho tanto captar estas oposições concretas, igualmente tratadas e
percebidas por Calvino, parece não haver uma definição que aponte para a
origem das mesmas. Apenas como o homem pode lidar com elas, e quais
delas se mostram mais dignas de serem praticadas.
94
Defensor da liberdade isenta do homem, Agostinho deixa claro que este
pode, por si mesmo, decidir quais destes “amores” vai decidir tomar para si como
prática. Os amores passageiros que degradam o ser, ou os amores que
realmente são bons e eternos.
(...) Toda a filosofia moral de Santo Agostinho é governada pela
consideração (...), e a Cidade de Deus deixa isso claro, da
perspectiva da sociedade humana. (...) A Cidade de Deus traz a
Jerusalém, e a Cidade do Mundo traz a Babilônia.
95
Esta atitude parece estar mais em harmonia com a filosofia do que com
a teologia, pois a primeira es mais voltada não necessariamente para uma
dissecação do ser, mas sim para vida deste; enquanto que a segunda, está mais
interessada em tratar das origens do relacionamento de Deus como o homem, da
origem deste. Certamente esta abordagem é um reflexo de sua época.
Um outro elemento que Agostinho acrescenta à obtenção e bom uso do
Livre Arbítrio é a sabedoria. Faz-se portanto necessário harmonizar estes dois
elementos para que se verifique como ambos contribuem para ação do homem.
94
D’ARCY, M. C. et al. Saint Augustine: his age, life, and thought. New York: Meridian Books.
1957. p. 192.
95
Idem. p. 193.
58
Vejamos:
(...) “antes de sermos sábios, nós temos impressa em nossa
mente a noção de sabedoria", isso em Agostinho tem a ver com a
doutrina da Iluminação.” (...) Logo, o ignorante conhece a
sabedoria! (...) Assim, está em ti a idéia dessas realidades
obtidas e sobre as quais respondeste muito bem, (...) Essa coisas
pertencem de fato à sabedoria cujo conhecimento te causou tanta
alegria.
96
Agostinho parece confundir o que Calvino chamaria mais tarde de a
“fagulha da perfeição” que restou no homem com o fato da verdade estar de
modo pleno e inerente no homem, ou pelo menos no fato de que o homem possa
chegar até a verdade sozinho.
Esta sabedoria a que Agostinho se refere não é a sabedoria fruto de
alguma simples experiência, ou vivência de algo. Ela é antes algo recebido dos
céus, irradiado por Deus e sua perfeição para aquele que assim desejar e se
humilhar. Isso é, em parte, muito parecido com o que Calvino postula sobre o
conceito de Iluminação como algo também recebido da parte de Deus, contudo,
com significativas diferenças que serão tratadas ainda mais a frente.
Para Agostinho, a sabedoria não pode ser adquirida pela simples
observação e avaliação da realidade pelo intelecto. Para ele todas as coisas têm
valor moral, por isso, não é diferente tratar de conhecimento e piedade, pois todas
as coisas devem apontar para o mesmo objetivo: chegar a verdade, chegar mais
perto de Deus.
Muito embora, reconheça que tudo quanto o homem possui, inclusive a
si mesmo, procede de parte de Deus, assim também o próprio conhecimento,
reconhece também que a sabedoria é de um nível mais elevado e reservada para
poucos, para os que a procuram do modo correto. Também é verdade que ele
não trata sobre qual seria o elemento que motivaria alguém a procurar este nível
mais elevado de relacionamento com Deus e com a natureza, ou seja, parece que
Agostinho apesar de tratar muito bem da fenomenologia da realidade, não
alcançou, ainda que com forte formação teológica o fulcro motivador daquilo que
defende.
96
AGOSTINHO. O Livre Arbítrio. Série Patrística. edição. Editora Paulus. São Paulo. 1995. pp.
107 e 127.
59
Outro ponto também relevante na consideração do livre-arbítrio em
Agostinho é a relação que este faz com a predestinação na presciência divina,
quanto aos atos do homem, ou as obras para as quais ele está destinado.
É interessante ver o conceito de “presciência”, pois em Agostinho,
diferentemente das várias nuanças que esta doutrina recebeu através dos
séculos, ainda se uma íntima união entre a presciência propriamente dita, e a
soberania e todo o poder em Deus fazer as coisas acontecerem como melhor lhe
parece. Também como em outras partes, Agostinho não teme calar-se. Devido a
sua devoção e consciência da inferioridade diante de Deus, Agostinho faz com
que sempre ele tenha a última palavra nas questões, mesmo que esta última
palavra seja um silêncio.
Em Calvino, a responsável liberdade humana e soberania seriam ainda
mais explicitadas e confirmadas, principalmente tendo em vista seu contexto
histórico e necessidades emergentes. Contudo, em Agostinho este conceito
estava firmado e presente, ainda que não tão amplamente expandido e aplicado,
devido aos mesmos fatores, tendo em vista a política da igreja de então de buscar
uma unidade teológico-administrativa.
60
4. O Conceito de Livre Arbítrio em João Calvino
Para Calvino, o problema do Livre Arbítrio não está diretamente ligado
ao fato do conhecimento da verdade em si, ou se o homem possui inerentemente
a liberdade, ou não. A questão inicial é a iluminação divina e transcendente, pois
para ele quando esta tem seu lugar, tudo o mais se torna uma conseqüência
direta.
Diferentemente de Agostinho, Calvino não se utiliza do termo “livre
escolha”, por entender que este pode causar uma compreensão, contudo,
nem por isso Calvino está necessariamente contra os Pais da Igreja, ou mesmo
Agostinho em todo e qualquer ponto desta questão.
Calvino esteve envolvido em um debate sobre o tema da vontade
humana livre, ou cativa, com Albert Pighius (Kampen, Holanda, por volta de 1490
- Utrecht, 26 Dezembro de 1542, teólogo católico romano, matemático e
astrônomo).
Dentre tantas controvérsias, com este a principal foi sobre a teoria de
Pighius sobre o pecado original que dizia que as únicas conseqüências do pecado
de Adão, foram a entrada da morte, e a imputação da culpa de Adão a toda a
humanidade. Não existe menção da corrupção da natureza e as paixões que os
seres humanos experimentam derivam da natureza criada e eram
experimentadas por Adão, antes da queda.
97
Pighius, segundo Calvino, deixa transparecer em seus escritos,
interpretações errôneas de muitos termos utilizados por Agostinho, bem como
97
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. xvii.
61
aplicações indevidas, ou ad absurdum de afirmações feitas por Agostinho.
A. N. S. Lane, comenta:
A questão central é, claro, a da vontade humana livre/cativa e da
escolha humana. Quase todos os outros tópicos são introduzidos
por sustentarem esta questão. Considerável espaço é dedicado
para discutir os pontos de vista dos antigos pais, de modo geral.
e Agostinho, em particular. Infelizmente, a questão foi
obscurecida pelo fato de que Calvino, diferentemente de
Agostinho, escolheu rejeitar o termo “livre escolha”. Pighius
imediatamente se apega a isso, assumindo que, porque os
Agostinho e os Pais afirmaram a livre escolha, enquanto que
Calvino a rejeita, Calvino esta em oposição aos Pais. Calvino
responde dizendo que enquanto ele aceita a livre escolha como
Agostinho a define, ele entende que é melhor abandonar o termo
por causa de compreensão. Mas deseja afirmar que a
vontade é livre no sentido de que temos vontades que não são
coercidas, mas auto-determinadas, escolhendo voluntariamente,
de acordo com elas próprias.
98
O próprio Calvino escreve:
Todos os escritores eclesiásticos exceto Agostinho falaram
ambiguamente ou diversamente sobre este assunto que nada
certo pode ser depreendido de seus escritos. Mas primeiro ele
define a força e o significado da expressão. Ele quer que
“escolha” seja entendida por “o escolher”, ou mais precisamente,
“vontade”, e, de acordo com sua definição, que chama de “livre” a
qual seja autônoma, ou sua própria mestra, sem dúvida, no
sentido de fazer qualquer coisa que faça, de modo que faz não
por necessidade, mas porque é hábil em não fazê-la.
Agora, tanto quanto se preocupe com este termo, eu continuo
mantendo o que declarei em minhas Institutas, que eu não sou
excessivamente preocupado com palavras a ponto de começar
uma discussão por esta causa, tendo em vista que uma clara
compreensão da realidade seja requerida.
99
Calvino, apesar de meticuloso e sempre precavido com o que diz,
demonstra um caráter bem mais prático do que ficar se detendo em outras
controvérsias paralelas. Isso, certamente, se deve ao fato de que ele não era um
apaixonado por disputas, ou autopromoção, antes desejava ardentemente que o
verdadeiro ensino bíblico fosse explicitado e pudesse ser obedecido por todos
quantos o desejassem fazer para Glória de Deus. Por outro lado, isso não o
98
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. xix.
99
Idem. p. 68.
62
impediu de buscar erudição e conhecimento nos escritos de seu tempo, e do seu
passado para aplicá-los às questões presentes.
As Escrituras são um elemento presente tanto em Agostinho como em
Calvino, no entanto, como esta atua na vida do homem, existem algumas
diferenças. Para Agostinho é um “caminho a ser seguido” e a ser compreendido
intelectualmente, com o aulio da Graça divina. Entretanto, para Calvino, como o
homem não pode ter nada de bom em si, e muito menos para se aproximar de
Deus, uma grande ênfase no fato de que o homem não coopera com Deus, e
nem conquista méritos, antes é o Espírito Santo que atua no ser do homem,
fazendo com que este esteja livre para fazer o que Deus demanda:
Toda a faculdade do livre arbítrio que os papistas sonham é,
profundamente solapada por estes dois pontos. Porque
começamos a nos aproximar de Cristo somente quando atraídos
pelo Pai, nem o começo da fé, nem a preparação para ela, reside
em nós. Por outro lado, se todos vem dos que o Pai ensinou, Ele
a eles não somente a liberdade para crer, mas a fé
propriamente dita. Quando, portanto, estamos desejosos de
obedecer ao guiar do Espírito, é uma parte, e como tal, o selo da
Graça. Por que Deus não nos atrairia se ele somente estendesse
sua mão e deixasse nossa vontade em suspense. Mas ele
propriamente disse que nos atrai quando estende o poder do seu
Espírito para o pleno completar da fé. Eles dizem ouvir a Deus e
que voluntariamente se submetem a Deus quando ele fala no
seu interior, porque o Espírito reina em seus corações.
100
A liberdade, como Calvino a vê, não é uma liberdade irrestrita, e na
verdade, como dito anteriormente, nem Agostinho a entende desta forma,
contudo, em Calvino a necessidade total de uma capacitação divina recebe muito
mais ênfase do que em Agostinho. O homem, mesmo quando atende
responsavelmente ao chamado divino, é porque tem uma novidade de
natureza, que o possibilita a entender as coisas de uma nova forma, e a ter um
vigor para desejar fazer as coisas preparadas por Deus. Na concepção de Calvino
Deus não “aproveita” algo de bom no homem, é ele quem infunde todos os
elementos para que o homem seja como ele quer.
Como em Agostinho, o elemento transcendente está presente e é
decisivo. No entanto, a compreensão da natureza deste, e de sua respectiva
100
CALVIN, John. Calvin’s Commentaries: The Gospel According to St. John 1-10. Grand Rapids,
Michigan: W. B. Eerdmans Publishing Company. 1961. p. 165.
63
atuação são diferentes entre os dois. Para Agostinho é como se compreende a
verdade; para Calvino é a certa e infalível possibilidade para se compreender e
agir segundo esta verdade.
101
Calvino destaca que Agostinho não associou devidamente a questão da
queda ao efeito do pecado no gênero humano. Ainda que Agostinho trate deste
tema, o Pecado Original, ele não faz as devidas concatenações conceituais e o
vai até às ultimas conseqüências do conceito de pecado, tal qual é exposto na
Escritura.
Ora esta incongruência, ou incompatibilidade, é uma decorrência da
percepção fenomenológica da realidade. Por um lado vemos o homem agindo e
fazendo muito do que planeja, por outro lado, somos confrontados diariamente
com nossa própria incapacidade e limitação em todas as áreas da vida, sejam
elas físicas, mentais, de ordem espiritual, ou religiosa.
Segundo Girardeau, na verdade, para Calvino, esta é uma questão que
pode ser tratada, mas que não pode ser plenamente resolvida tendo em vista a
limitação do homem em conseguir compreender plenamente o que é reservado a
Deus:
Não esperança para a tentativa de se conciliar a soberania de
Deus e a livre agência do homem, e portanto sem resultados.
Deus é soberano o homem um livre agente. Ambas as
proposições são verdadeiras. Cada uma está separada e
estabelecida pela sua própria evidência independente. Portanto,
cada uma precisa ser mantida. Nossa inabilidade de demonstrar
a consistência delas não é base para rejeitarmos nenhuma.
102
É interessante notar que apesar de uma aparente ceticismo, ou mesmo
de uma visão limitada sobre a questão, Calvino ainda trata delongadamente sobre
este assunto, em seus escritos. Ou seja, para ele, ainda que seja impossível
humanamente se compreender, é plenamente possível e necessário o trato do
tema, pois entendia que era de grande importância para a vida devocional
daqueles que decidem seguir a Cristo, bem como para uma devida
conscientização daqueles que ainda não o fizeram.
101
CALVIN, John. Tracts and Treatises On The Reformation Of The Church. Grand Rapids,
Michigan: W. B. Eerdmans Publishing Company. 1958. Volume 1. pp. 75 e 76.
102
GIRARDEAU. John L.. Calvinism and Evangelical Arminianism. Virginia, Harrisonburg: Sprinkle
Publications. 1984. p 396.
64
Em Calvino, o pecado subsiste no homem, e portanto, não existe mais
a liberdade plena da vontade haja vista que ela está corrompida por este.
103
Na
concepção calvinista, apenas Adão teve o Livre Arbítrio, e ainda assim, de uma
maneira não totalmente compreensível. Tendeu e finalmente escolheu cair em
erro, e no sentido teológico, pecou. Portanto, o tendo a plena compreensão de
quão decaído o homem está, não se percebe o quão incapaz ele é. Na
Declaração de Religião ao Imperador Carlos V, Calvino nos apresenta alguns
postulados que merecem atenção:
Este pecado, (i.e. a privação daquela retidão pela qual torna a
razão cativa de Deus), juntamente com a concupiscência, que ele
propagou para a toda sua posteridade, para que nenhum homem
qualquer que seja que venha a este mundo (Jó 25), seja nascido
com ele, do qual ninguém está livre, nem mesmo a criança de um
dia, segundo as Escrituras.
104
Calvino retira este exemplo de “uma criança de um dia” do livro de ,
capítulo 25. o se deve atribuir nada de especial a este fato de “um dia”, antes
significa que, no ver de Calvino, basta vir ao mundo para que se possa evidenciar
o fato de que o homem é inerentemente corrompido, ainda que em forma de
criança não pareça em um análise mais superficial. Ainda mais do que Agostinho,
Calvino é bem agudo em sua apresentação do Pecado Original, e ainda mais das
suas conseqüências.
É por isso que Calvino entende que ninguém possui o Livre Arbítrio, no
sentido pleno e irrestrito, nem mesmo sendo conhecedor da Lei de Deus. Não se
confunda aqui a "capacitação dada pelo Espírito" para que o homem haja com
responsabilidade, com alguma espécie de sinergismo entre Deus e o homem.
Calvino chega mesmo a utilizar o termo “meia liberdade”:
(...) Porque livre e cativa são termos mutuamente contraditórios,
assim aquele que afirma um nega o outro. Desta forma, se a
vontade humana é cativa, não pode ser dito, ao mesmo tempo,
que seja livre, exceto de modo impróprio. (...) Se os santos estão
cativos na extensão de que eles ainda se encontra em sua
própria natureza, o que dizer daqueles no quais suas naturezas
ainda florescem e reinam? Se depois da regeneração o homem
103
CALVIN, John. Tracts and Treatises On The Reformation Of The Church. W. M. B. Eerdmans
Publishing Company. Grand Rapids, Michigan. 1958. Volume 1. pp. 77 e 159.
104
Idem. Volume 3. p. 194.
65
tem meia liberdade, o que ele tem no tempo da sua geração
carnal original, senão total cativeiro?
105
Calvino mais comedidamente e acuradamente procura estabelecer uma
limitação da liberdade que todo o homem tem, e ainda para os transformados,
ressaltar sua real condição, bem como sua liberdade responsável, para que
ninguém se julgue merecedor de alguma coisa diante de Deus, ou até mesmo
diante de si próprio.
Assim como Agostinho, Calvino também associa a capacidade do
homem responder a Deus à Graça Divina, contudo o faz de um modo mais amplo
e aprofundado, não apenas colocando como condição sine qua non, mas ainda
demonstrando como é que esta Graça chega a atingir o homem.
Ainda que a ferida de nossa natureza, que o animal homem não
perceba as coisas que são espirituais (1Co 2), nem antes da
graça deseja e livremente escolhe a mesma, vendo que a
concupiscência e afeição da carne que reina nele são inimigas
contra Deus, e repugnantes para com a lei de Deus (Rm 8) e
impedidora de ele chegar ao bem, tanto quanto impulsionadora
para que este vá ao mal.
106
Calvino entende que a Graça divina não é dada por méritos que os
homens tenham, aliás é dela que precede toda a boa obra:
De fato, a graça de Deus não é dada como recompensa por
nossos méritos, mas nos é garantida em tempos em que não
temos méritos, exceto os maus. É dali que os bons méritos
começam, mas como tais são presentes puramente de Deus, e
de modo algum de nós.
107
Não meio termo para Calvino. Agora, no âmbito espiritual, depois de
Adão caído não existe uma “zona neutra” em que o homem esteja inserido e livre
para fazer o que deseja, aliás ao seu ver, o homem nem mesmo deseja o bom
desejo.
O homem pende de tal modo ao mal, que somente uma força maior do
105
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 2.279. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 69.
106
CALVINO, João. A Instituição da Religão Cris. II.iv.
107
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 4.330. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 141.
66
que este, também maior do que o próprio mal pode, na linguagem bíblico-
calvinista, “resgatar” o homem de sua situação irremediavelmente precária.
Na sua obra As Institutas da Religião Cristã, diz o seguinte:
A não ser que me engane, está suficientemente prova do que o
homem está tão preso pelo jugo do pecado que não busca o bem
pela própria natureza, por ser inspirado pela devoção ou por ser
impelido pelo zelo. A distinção anterior entre coação e
necessidade foi sustentada para que fique claro que, embora o
homem peque necessariamente, não seja entretanto nada menos
voluntário o pecar. Porém, uma vez que, enquanto segue na
servidão do Diabo, vê-se que antes atue o arbítrio daquele que o
seu, resta que se examine: o que sejam ambos os gêneros de
ação, e, resolvendo a questão, se algo deve ser atribuído a Deus
nas obras más, nas quais a Escritura insinua que não seja nula a
intercessão de sua ação. (...)
108
É nas entrelinhas que Calvino e Agostinho se encontram, e concordam
em muitos pontos, contudo, Calvino indo mais além, faz afirmações dogmáticas
acerca do assunto. Muito provavelmente, por não estar tão preso a um sistema
filosófico, ou não ter de fazer uma apologia da lógica de seu raciocínio diante de
nenhum sistema filosófico, ele consegue caminhar mais desembaraçadamente
rumo ao seu objetivo, o das conseqüências últimas de suas afirmações.
Calvino demonstra também nesta citação, que a vontade está
corrompida e tendenciosa não por uma força desconhecida ou a simples ausência
de uma espécie de “boa vontade”. Clara e diretamente ele pressupõe a ação do
Diabo, como a Escritura o concebe, ou seja, acredita em sua existência e efeitos
da mesma na vida dos homens. Este é outro campo que não é muito explorado
por Agostinho.
Talvez, por estar muito mais interessado em demonstrar o aspecto
positivo de uma mudança de vida, Agostinho, praticamente não lida com a
questão do mal, relacionando o Diabo, Satanás como seu agente mais efetivo.
Antes mesmo de haver esta ligação mais estreita entre mal, Diabo, e
pecado, Calvino, certamente no intuito de ressaltar a responsabilidade do homem,
tendo em vista que, a seu ver, este sempre dela se esquece, fala do pecado e de
sua ação no homem:
108
CALVINO, João. A Instituição da Religão Cris. II.iv.
67
Vencida pela servidão do pecado, a vontade é assim detida e não
pode mover-se para o bem, nem nele se aplicar; com efeito, tal
movimento é o princípio da conversão para Deus, o qual a
Escritura atribui totalmente à Graça de Deus.
109
Ora Calvino utiliza-se da pessoa de Satanás, ora do próprio pecado
como elemento escravizante da vontade do homem. Parece haver uma certa
intercambialidade acerca destes dois elementos. Seja como for, a vontade do
homem, no ver de Calvino, é escrava, e portanto, não pode ser livre para decidir,
muito menos para fazer o bem.
Se algum bem existe, esse parte de Deus. Isso também é dito por
Agostinho, contudo, de modo conciliado com a capacidade quase que inata que o
homem tem de fazer o bem. Assim como em Agostinho, para Calvino, Deus é a
fonte de todo o bem, contudo, para este último, Deus é quem toma toda a
iniciativa para com o homem, indo além de uma mera capacitação, colocação em
um estado de potencialidade para fazer o bem.
Calvino, interpretando Agostinho diz o seguinte:
Aquelas obras que Agostinho declara como sendo boas e dignas
de louvor são precisamente aquelas que o Espírito de Deus
prepara para serem feitas, e isso acontece pela preventividade da
graça sem nenhum mérito da vontade.
110
De fato, Calvino não tem problemas em reconhecer que existem boas
obras, que é o homem que efetivamente as pratica, mas não atribui
absolutamente nada de mérito ao homem. A liberdade em fazer algo de bom,
segundo a compreensão de Calvino, está diretamente ligada à capacitação divina
para que o homem possa realizar as obras que Deus tem separado para que este
as realize.
Wallace também deixa claro isso quando interpreta o pensamento de
Calvino no trato do tema da Predestinação, que invariavelmente também envolve
a questão da liberdade do homem:
(...) Quando um homem é salvo pela fé em Cristo, o espírito
quebra a escravidão da vontade, e de maneira que, a partir
daquele momento, ele passa a ter liberdade para escolher.
109
Idem. II.iii.5.
110
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 3.312. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 116.
68
Entretanto, o Espírito não confere ao homem a faculdade da
escolha, mas sim o poder de escolher de modo correto.
111
Por um momento, Calvino cogita a mera possibilidade filosófica e
retórica de o homem ter o Livre Arbítrio, mas imediatamente arrazoa o seguinte:
Ainda que o homem retivesse a liberdade de vontade, ainda que
fraca e avariada, e desta como de uma fonte fluíssem tanto
virtudes morais dos néscios, bem como os atos destes (virtudes),
ainda, antes da graça de Deus e da renovação ele não poderia
aspirar por uma retidão que seja válida diante de Deus, mas em
vez disto é escravo do pecado (...)
112
Não lugar para se pensar em qualquer ação boa, ainda que no nível
da intenção por parte do homem. Não porque supor ou inferir que do homem
proceda qualquer desejo de um aproximar-se de Deus, até mesmo porque, não
a consciência de que esteja longe deste, ou mesmo em situação de litígio.
Ambos, Agostinho e Calvino caminham juntos em muitos aspectos, Calvino
respeita e utiliza as conclusões de Agostinho, mas quando necessário, vai além,
ou mesmo mostra, segundo seu ver, as fraquezas, ou impropriedades das
mesmas.
Segundo Calvino, diante do natural orgulho do homem, novamente, nos
vemos diante de duas realidades aparentemente incompatíveis em outros
sistemas teológicos, ou mesmo filosóficos. Se o homem não entender que tudo
quanto é verdade procede de Deus, do transcendente, haverá um natural desejo
de se “harmonizar” a liberdade do homem com o poder pleno de Deus. É o que
vemos nos sistema calvinista, denominado, Soberania Divina. O homem não
podendo aceitar que tudo não repousa em suas mãos, forjou um "meio-termo", no
qual Deus e o homem "colaboram juntamente", doutrina denominada de
Sinergismo.
113
Por outro lado, é interessante e importante perceber que Calvino não
elimina a vontade do homem, mas a como incapaz de escolher o bem
111
WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: Um Estudo Sobre Calvino Como Um
Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo. o Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 2003. p.
223.
112
CALVIN, John. Tracts and Treatises On The Reformation Of The Church. W. M. B. Eerdmans
Publishing Company. Grand Rapids, Michigan. 1958. Volume 3. p. 194.
113
Idem. p. 108.
69
naturalmente:
(...) Nós, não negamos que alguma vontade, ainda que má,
permaneça no homem. Porque a queda de Adão não retirou a
vontade, mas a fez escrava naquilo que era livre. Não apenas
tendenciosa ao pecado, mas sujeita ao mesmo.
114
É nesta perspectiva que Calvino apresenta um homem não sem
vontade, antes a afirma neste; contudo, acrescenta que esta se encontra
escravizada pelo pecado, pelo seu erro inicial. Em conseqüência disto, Calvino
não crê que esta vontade possa ser sequer ajudada, que ela é franca em si
mesma, e não possui nem mesmo a capacidade de se valer efetivamente de
qualquer ajuda. Para que esta vontade do homem, segundo Calvino, tenha ações
diferentes, é necessário que seja transformada em sua essência:
(...) Mas eu pergunto: seria a mesma coisa instigar uma vontade,
e ajudá-la quando esta é fraca em si mesma, como formar um
novo coração no homem a fim de torná-lo desejoso?
115
Uma coisa é para a vontade ser movida por Deus para obedecer
se assim o quiser e outra coisa é ser formada para ser boa.
116
O conceito de liberdade em Calvino fica mais claramente entendido
quando o vemos falando do modo de a vontade se efetivar na realidade histórica,
e não somente do seu raio de ação, ou conseqüências:
(...) Agostinho dia que a livre escolha não foi perdida pela raça
humana. Por que ele diz isso? ‘Por que é por meio da livre
escolha que aqueles pecam com alegria do pecar. Desta forma
eles não estão livres da justiça, exceto pela escolha da vontade,
nem ele se tornarão livres do pecado senão pela graça do
Salvador.’ Portanto, é livre não porque possa mover-se em
qualquer direção por seu próprio poder, mas porque se
encaminha para o mal através de um movimento voluntário. Mas
eu sempre levanto testemunhas de que eu não desejo brigar por
palavras se está estabelecido de uma vez por todas que
liberdade não deve ser aplicada ao poder, ou habilidade de
escolher entre o bem e o mal, antes deve ser aplicada ao
114
CALVIN, John. Tracts and Treatises On The Reformation Of The Church. W. M. B. Eerdmans
Publishing Company. Grand Rapids, Michigan. 1958. Volume 1. p. 109.
115
Idem. p. 110.
116
Idem. p. 111.
70
movimento e a uma concordância que é auto-determinada. E qual
outro significado as palavras de Agostinho podem ter? O homem,
ele diz, possui uma vontade que é livre, mas para fazer o mal.
Por que? Porque ele é movido pelo prazer e pelos seus próprios
apetites. Ele acrescenta depois: ‘Mas esta vontade que é livre
nos ímpios, por gostarem do mal, não é livre para fazer o bem,
pois não foi libertada.’
117
Calvino se mostra irredutível diante do fato de que se certo crédito
ao homem quando este, externamente, se mostra propenso ao bem, ou em
praticar coisas que são consideradas agradáveis a Deus:
Deve ser acordado, de fato, que o homem ainda possui uma
vontade, ainda que ela seja cativa da tirania do pecado e de
Satanás; (...) Então, quando eles ensinam o modo para se obter a
Justificação, eles ensinam que Deus não age com o homem
como com uma pedra, que ele não o move sem o seu querer.
Quem negaria isso? Mas a questão é, de onde procede toda a
ensinabilidade da vontade humana a qual passa a se mostrar, por
si só, obediente a Deus, enquanto que a natureza é tanto
contumaz e intratável? (...)
118
Calvino vai diretamente ao ponto em que Agostinho o trata de forma
direta, pois este lida com as decorrências, enquanto que Calvino lida com a causa
primeira de qualquer atitude positiva do homem: a ação divina.
É bem verdade que Agostinho também afirma que Deus é fonte de
todas as coisas, mas não destaca o fato de que o homem está em uma condição
inerte de total impossibilidade de fazer o bem de modo inato. Não existe a ênfase,
ou mesmo o trato maior sobre a transformação na natureza humana para que o
homem possa ter a sensibilidade para querer a vontade de Deus. Este processo
para Agostinho parece ser muito compulsório, e talvez, por isso mesmo não muito
mencionado.
Agostinho trata no livro O Espírito e a Letra sobre dois elementos em
justaposição que são o “querer” e o “poder”. Ele diz o seguinte:
Alguém pode perguntar se está em nosso poder a fé, que parece
ser o começo da salvação ou das outras graças que enumerei
117
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 2.303. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 103.
118
CALVIN, John. Tracts and Treatises On The Reformation Of The Church. W. M. B. Eerdmans
Publishing Company. Grand Rapids, Michigan. 1958. vol 3. p. 243.
71
encadeadas. Vê-lo-emos com mais facilidade, se antes
examinarmos com algum cuidado o que significa este poder.
O querer e o poder são dois conceitos diferentes, de sorte que
nem o que quer pode nem o que pode quer. Assim como
algumas vezes queremos o que não podemos, da mesma forma
algumas vezes podemos o que não queremos. Considerando a
evolução dos termos, “vontade” (voluntas) deriva de querer”
(velle), enquanto o “poder” está ligado a “poder” (posse). Assim o
que quer tem vontade, e o que pode tem poder. Mas, para que o
poder realize alguma coisa, necessita do concurso da vontade.
Pois não se costuma afirmar que alguém fez algo pelo seu poder,
se o fez involuntariamente.
(...)
O que mais acrescentaremos? Não dizemos alguma vezes que
existe este poder, quando à vontade se junta a faculdade de
praticar? Daí o dizer-se que alguém tem poder, quando o faz o
que quer e não faz o que não quer.
119
A justiça e a são nossas, mas se diz serem de Deus e de
Cristo porque nos são concedidas por eles em sua liberalidade.
120
Agostinho introduz um novo elemento para falar sobre a vontade, ou o
querer que é o poder. Desta forma, é possível perceber como uma confluência
de elementos que juntos vão formar o todo do conceito da ação da vontade. A
fenomenologia da realidade, certamente, também do auto-exame em Agostinho
faz com que ele faça distinção entre estes dois elementos. Entretanto, ele o
aplica estas verdades a questão da responsabilidade como faz Calvino.
Calvino, comenta esta citação de Agostinho utilizada impropriamente
por Albert Pighius que defendia que o homem pode ter fé em Deus por si mesmo.
Ao contra-argumentar Pighius, Calvino destaca a questão da fé, que no
cristianismo é um grande “motor” do querer e do realizar:
Agostinho coloca a dentro de nosso livre controle, tendo em
vista que ela depende de nossa vontade, porque por uma livre
escolha nós podemos tanto nos inclinar para a fé, ou para a
descrença. Se todo o argumento terminasse nisso, Pighius
poderia, eu admito, ter motivo para alguma animação. Mas,
desde que Agostinho, ao mesmo tempo testifica que este poder é
conferido a nós por um excepcional dom de Deus e não vem de
nossa livre escolha; e que a vontade para crer também não é
concebida por alguma bondade inata, mas é feita e formada pelo
Espírito Santo, certamente, é agora fácil inferir o que ele quis
119
AGOSTINHO. O Espírito e a Letra. XXXI.53. Série Patrística. vol. 12. edição. São Paulo:
Editora Paulus. 1995. p. 80.
120
Idem. IX.15. p. 33.
72
dizer em suas primeiras palavras. Na verdade, o poder e o querer
são nossos somente quando cada um deles nos é dado, como
ele ensina no nono capítulo de seu trabalho, quando fala sobre
justiça e fé. ‘A justiça e a são nossas, mas se diz serem de
Deus e de Cristo porque nos são concedidas por eles em sua
liberalidade’. Desta forma, fazendo a distinção entre ser capaz e
querer, Agostinho diz que na Escritura não há ocorrência da
fórmula ‘Não há vontade, exceto procedente de Deus’ comparada
com o que é dito sobre o poder, aqui em cada ponto apóia nossa
posição. Logo mais à frente ele acrescenta a explicação: é para,
obviamente, prevenir a quem quer que seja o atribuir vontades
perversas a Deus. Mas tendo em vista que uma boa vontade é
propriamente e devidamente atribuída a Deus, pois é produzida
por ele, ele a permite.
121
Aqui parece ser o ponto em que mais próximo Agostinho e Calvino
chegam a respeito da questão da responsabilidade do homem diante da decisão
das coisas. Deus não pode ser o responvel primeiro e último sobre o mal, e
muito menos sobre os erros do homem, entretanto, uma coisa não elimina a
outra. Paralelamente a isso, o homem está livre em determinado grau, para agir
de forma que a responsabilidade de suas atitudes recaia sobre si próprio. Calvino
não problema em harmonizar esta liberdade que o homem tem com a questão
do dom dado por Deus para se fazer o bem.
Calvino também cita Agostinho para defender um ponto que julgava
importante, principalmente ainda relacionado à questão da responsabilidade, que
é a “escravidão”. É interessante e pertinente este contraste feito por ambos, pois
tanto se cuida em conceituar e definir a liberdade, que pode se esquecer do
estado em que o homem se encontra, se não estiver livre.
De modo geral, ambos concordam que o homem não está plenamente
livre para nada em sua existência, sendo assim, em alguma medida, o homem
sempre será escravo de algo, ou alguém. O homem não é um ser autônomo, nem
em sua existência, nem em sua manutenção, como Deus o é. Assim nos diz
Berkhof:
Deus é auto existente, isto é, ele tem em Si mesmo a base de
Sua existência. Às vezes esta idéia é expressa dizendo-se que
ele é a causa sui (a Sua própria causa), mas não se pode
considerar exata esta expressão, desde que Deus é o não
causado, que existe pela necessidade do Seu próprio Ser e,
121
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 3.314. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 119.
73
portanto, necessariamente. O homem, por outro lado, não existe
necessariamente, e tem a causa da sua existência fora dele
próprio. (...) Pode-se dizer que um tênue vestígio desta
perfeição na criatura, mas isto pode significar que a criatura,
conquanto absolutamente dependente, tem sua existência própria
e distinta. Mas, naturalmente, longe está de ser auto-existente.
122
Essa realidade também pode ser vista, pela própria necessidade que
Agostinho e Calvino defendem que o homem tem de ser primeiramente alcançado
pela Graça divina, para poder sequer desejar o fazer as boas obras. Agostinho
escreve em Correção e Graça:
Conseqüentemente, devemos confessar que temos liberdade
para fazer o mal e o bem; mas para fazer o mal, é mister libertar-
se da justiça e servir ao pecado, ao passo que na pratica do bem,
ninguém é livre, ser não é libertado por aquele que disse: Se,
pois o Filho vos libertar, sereis, realmente, livres (Jo 8,36). Mas
ninguém pense que, uma vez libertado da sujeição do pecado,
não lhe é mais necessário auxílio do libertador. Pelo contrário,
ouvindo ele: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5), responda-lhe:
Tu és minha ajuda; não me deixes (Sl 26,9).
123
Esta “escravidão” é uma condição diretamente oposta a da liberdade, e
na verdade, mais do que isso, parece ser “o outro lado de uma mesma moeda”,
pois livre de um, escravo de outro. De qualquer forma, não é sem razão que o
próprio título de obra de Calvino em resposta a Pighius seja “O Cativeiro e a
Libertação da Vontade”.
Calvino, comentando esta citação de Agostinho escreve:
Mas o ponto em questão é se a liberdade para escolher entre o
bem, ou o mal não reside naturalmente no homem. (...) Desta
forma as pessoas são libertas do mal somente pela Graça de
Deus. Sem esta elas não fazem bem de modo algum, seja pelo
pensar, desejar e amar, ou pelo agir. Isso significa não somente
que, quando a Graça mostra a eles que sabem o que deveriam
fazer, também os capacita a fazer prazerosamente o que sabem
ser correto.
Mas talvez Deus ofereça luz às mentes humanas, e isso seja o
poder para escolher aceitar, ou recusar, e ele move as vontades
122
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho. 1990. p. 61.
123
AGOSTINHO. A Correção e a Graça. I.2. Série Patrística. vol. 13. 2ª edição. São Paulo: Editora
Paulus. 1995. p. 85.
74
de tal modo que está em seu poder seguir seu movimento, ou
não.
124
Como se vê, Calvino também entende que o homem somente
capacitado por algo maior que si próprio é que pode ansiar coisas maiores a si,
como, por exemplo, as boas obras, desejar fazer o bem, e no resumo de todas as
coisas, querer fazer o que Deus demanda.
Wallace apresenta uma amostragem do pensamento de Calvino quanto
à liberdade humana, bem como quanto à responsabilidade do homem. Este cria
tanto em uma como em outra:
(...) Calvino começa a explicar a natureza e o efeito da nossa
liberdade e da nossa responsabilidade diante de Deus que
deparamos com um ponto de dificuldade em seu ensino. Ele
estava preocupado em não deixar mais espaço do que a própria
Escritura para este tipo de liberdade humana. (...) condenava
a idéia de que o universo poderia estar sujeito a um ‘governo
confuso e promíscuo’, no qual Deus era considerado como
determinando e iniciando o movimento geral que dirigia o sistema
como um todo, mas não governava a ação de cada criatura
individual, sendo que o homem teria a habilidade de ‘dirigir-se
para aqui e para acolá pela livre escolha de sua vontade’.
125
Calvino ao invés de forjar algum tipo de harmonização entre a
soberania de Deus, a dependência do homem e sua liberdade, procura ver os
pontos afirmados pela Escritura e não negá-los, nem corrompê-los. Com isso,
encontra a resposta para a questão no termo “responsabilidade”. Por outro lado,
não tinha receio de simplesmente parar quando entendia que não havia mais
terreno sólido para fazer afirmações ou chegar-se a conclusões procedentes.
Caminha um pouco mais especificamente quando aplica a questão da
responsabilidade aos eleitos, termo retirado do próprio texto bíblico. Faz também
menção da Providência divina, outra expressão da Soberania divina:
Ao confrontar o eleito com suas necessidades de tomar decisões,
Deus parece investi-lo com sua própria liberdade e deixar sobre
ele o ônus de usar todos os meios possíveis para que possa
124
CALVIN, John. The Bondage And Liberation Of The Will: A Defence Of The Orthodox Doctrine
Of The Human Choice Against Pighius. 3.314. Grand Rapids: Baker Books House. 1996. p. 119.
125
WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: Um Estudo Sobre Calvino Como Um
Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo. o Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 2003. p.
217.
75
atingir seus alvos. A providência de Deus não isenta ninguém de
ser prudente.
126
Assim como Agostinho também toca na questão de ser necessária a
sabedoria para se tomar decisões, e viver, de modo geral.
Ao tomarmos nossas decisões, precisamos, antes de qualquer
coisa, procurar a sabedoria que vem do alto. Ele adverte a Igreja
de Angers a não usar nenhum tipo de ‘sabedoria deste mundo’, o
que pode envolver a desonestidade, mas, sob a direção de
Cristo, agir com a ‘prudência do Espírito Santo’ que é ‘associada
à simplicidade’.
127
Para Calvino, ainda que seja muito importante a sabedoria, mesmo a
divina, não tem um papel tão importante como para Agostinho. Ele não faz dela a
grande busca de sua vida. Calvino não coloca o foco principal de sua atenção
nela, na verdade a pressupõe como um acessório, importante é verdade, mas
apenas como mais um instrumento de Deus a disposição do homem, a ser
utilizado com responsabilidade.
126
WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: Um Estudo Sobre Calvino Como Um
Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo. o Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 2003. p.
216.
127
Idem. p. 216.
76
5. Conclusão
Tanto Agostinho como Calvino compartilham uma formação acadêmica
bastante intensa, ambos são eruditos, contudo, conseguem manter uma piedade
notória por suas realizações.
Quanto à formação teológica, ambos foram grandes expoentes e
marcaram suas épocas e as posteriores também. Isso fica claro por terem
participado de consultas dogmáticas, estarem envolvidos com caráter apologético
em várias controvérsias, se tornando assim, referências. Deste modo podemos
ver as grandes semelhanças contextuais e confessionais de cada um. Entretanto,
vale lembrar que nenhum dos dois abraçou a Apologética como principal
atividade, antes a realizaram por uma demanda circunstancial em que cada um
estava inserido.
Tanto Agostinho como Calvino tiveram outras formações além da
teológica, e isso os influenciou diretamente em suas cosmovisões e escritos.
Agostinho muito envolvido com a Filosofia, Calvino além de sua formação
acadêmica clássica, do Direito, também esteve em direto contato com a corrente
do Humanismo.
Em Agostinho vemos o seu sistema teológico profundamente
influenciado pela Filosofia chegando mesmo a fazer inferências teológicas com
base na gica, epistemologia e experiência pessoal, que nem sempre podiam se
verificar plenamente quando confrontadas com o texto da Escritura.
Calvino, por outro lado teve um Humanismo bastante “filtrado” e
77
comedido. Sua mente foi aberta por este sistema, mas não dirigida por ele. A
mente de Calvino era cativa e serva dos conceitos escriturísticos. Soube com
propriedade intelectual e piedade regular e separar bem as áreas para que uma
não fossa contaminada pela outra, principalmente a teológica pela filosófica.
Dentro do tema deste trabalho, certamente as convergências e
divergências conceituais naturalmente afloraram, e aqui destaco as que julgo
principais.
Quanto à própria origem do problema cada um tem um ponto de partida
diferente, inclusive, por terem objetivos diferentes ao tratar do tema do Livre-
Arbítrio.
Para Agostinho o homem peca em conseqüência do Pecado Original, e
está propenso a fazer o bem, e optar por este, desde que se submeta à lei divina,
contudo, não demonstra claramente como este pode chegar a querer cumprir a lei
divina, estando corrompido pelo pecado.
Para Calvino, o homem também peca em conseqüência do Pecado
Original, mas nunca está propenso a fazer o bem, de forma alguma,
principalmente porque para Calvino, este supremo bem é o glorificar a Deus,
enquanto que para Agostinho, este bem pode ser qualquer tipo de “boa obra”,
como um fim em si mesmo.
Agostinho segue seu caminho sempre em busca da mais plena e clara
verdade de Deus como objetivo principal de vida, tanto que é um tema recorrente
e paralelo sempre presente em qualquer outro tema que tratasse. Calvino parece
que partia do pressuposto que conhecia esta verdade em uma medida suficiente
para aplicá-la à vida diária demonstrando o que Deus requer do homem. Sua
busca era mais da exposição dos dogmas escriturísticos, do que da procura por
algo ainda a ser descoberto mais plenamente.
Tanto para Calvino como para Agostinho nenhum mal pode ser
atribuído a Deus, contudo Calvino entende a atuação do mal na Criação de um
modo diferente do bem. Como visto no trabalho, para Agostinho o principal
sentido de mal é o priuatio boni, ou seja, a privação do bem, deixando
transparecer que o mal é a ausência, ou algo originado pela falta da atuação
concreta do bem. Para Calvino o mal sempre existiu e está presente no mundo
agindo ativamente através de vários modos. Como ponto em comum, ambos
78
atribuem a prática do mal como responsabilidade do homem, tendo este que
responder por todos os seus atos.
Aqui, no tema principal deste trabalho, vemos que Agostinho entende
que no homem uma certa liberdade maior do que na concepção de Calvino, e
isso se deve ao fato de que Agostinho vê na natureza humana uma possível
tendência para fazer o bem, caso este lhe seja devidamente apontado e aquela
seja capacitada pela Graça divina. Portanto, há em alguma medida o livre-arbítrio
Para Calvino, o homem não tem livre-arbítrio algum, aliás, ele nem
mesmo utiliza esta terminologia por achar que mais causa confusão, do que
explica. Calvino trata da liberdade e da vontade, e diz que estas se encontram
totalmente corrompidas, portanto, a única tendência que têm é para o mal e
nunca para o bem. Para que o bem seja sequer desejado, segundo Calvino, é
preciso que haja uma total e completa mudança no homem, ao que ele chama de
“regeneração”.
Para Agostinho, o objetivo de Deus ter dado livre-arbítrio ao homem é
para que este domine sobre si mesmo, portanto se ver livre das paixões inerentes
à sua natureza. Isso para Calvino é simplesmente inconcebível, pois o homem
pode ser ver livre de tais paixões, se Deus assim o transformar, libertando-o de
sua natureza corrompida.
Segundo esta concepção de Agostinho, então a escolha da vontade se
pode ser vista como uma aproximação ou afastamento de Deus. Para Calvino
esta escolha é o reflexo de um afastamento, ou aproximação. De modo que,
enquanto que para um a escolha é o fato, para outro é a conseqüência de algo
anterior. Para Calvino, o é possível desejar se aproximar de Deus, e muito
menos vir a fazê-lo, se primeiro Deus não se aproximar do homem.
Quanto à extensão do pecado, para Agostinho é diferente do que para
Calvino. Para Agostinho, o pecado corrompeu o homem, mas não a ponto de
subverter-lhe a vontade para o bem. Em Calvino, a concepção da extensão do
pecado é extensiva, pois não área da existência que não tenha sido atingida
por ele, e intensiva, pois foi profundamente corrompida a ponto de nem sequer
desejar o bem, ainda que não tenham sido destruídas todas as faculdades do
homem, a ponto de não poder algum senso de bem, mal, alegria, tristeza, ética,
moral, amor, etc..
79
Assim, a conclusão final que a que se chega neste trabalho é que
ambos contribuíram grandemente para a discussão deste tema. Apesar de
pressupostos, e objetivos diferentes, andaram em muito de maneira parecida,
paralela e harmoniosa, mas é claro as diferenças se fizeram presentes.
Tendo em vista que nos estudos acadêmicos, sempre o estudioso que
vem depois terá todo o benefício dos que lhe antecederam, Calvino parece ter
ampliado, burilado e tornado mais escriturístico os postulados de Agostinho, não
os eliminando, pelo contrário, os valorizando, mas trazendo uma nova leitura e
aplicabilidade para o seu momento vivencial.
80
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