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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
GILDÁSIO JESUS BARBOSA DOS REIS
PROTESTANTISMO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:
análise do conceito de missão integral em C. René Padilla e
sua contribuição para uma ação não alienante do
evangelicalismo brasileiro no contexto contemporâneo
São Paulo
2009
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GILDÁSIO JESUS BARBOSA DOS REIS
PROTESTANTISMO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:
análise do conceito de missão integral em C. René Padilla e
sua contribuição para uma ação não alienante do
evangelicalismo brasileiro no contexto contemporâneo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências da Religião.
Orientador:
Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho
São Paulo
2009
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GILDÁSIO JESUS BARBOSA DOS REIS
PROTESTANTISMO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: análise do conceito de
missão integral em C. René Padilla e sua contribuição para uma ação não
alienante do evangelicalismo brasileiro no contexto contemporâneo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião.
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho - Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
Prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
Universidade Metodista de São Paulo
À minha querida esposa Jamili Kury Reis,
compreensiva e envolvida nesta pesquisa;
e aos meus herdeiros, Matheus e Rebeca.
AGRADECIMENTOS
Desde o início, eu estava consciente das dificuldades que eu teria que enfrentar, a
começar pelo pouco tempo que dispunha para esta pesquisa. Assim, esta se tornou
possível apenas com a colaboração de muitas pessoas. Diante disso, penso que
justifica fazer os devidos agradecimentos a todos que me ajudaram e me incentivaram
nesta caminhada.
Inicialmente agradeço ao Dr. C. René Padilla por duas razões principais:
primeiramente, por ter gentilmente me concedido a entrevista e me possibilitado
desfrutar de alguns momentos singulares ao redor de uma mesa; e, em segundo
lugar, pelo fato dele ter aceitado ler este trabalho e dar sua importante contribuição.
Agradeço o apoio do meu amigo e colega Christian Brially, pelas vezes em que
facilitou a chegada às minhas mãos de livros tão necessários a esta pesquisa.
Agradeço de modo muito particular à minha querida esposa, Jamili Paulo Kury Reis,
que, também, na qualidade de secretária do curso de pós-graduação em Ciências da
Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, muito me orientou sobre as
questões burocráticas que envolvem o relacionamento discente e universidade. Sem
ela, esta pesquisa seria impossível de ser concluída em tempo hábil. Além da esposa,
lembro também de meus filhos, Matheus e Rebeca, os quais tiveram que abrir mão de
muitas horas de lazer com o pai, este sempre absorvido nas leituras.
Agradeço à minha querida igreja que me cedeu boa parte de um tempo em que eu
poderia estar a serviço dela.
Agradeço ao prof. Dr. Paulo Rodrigues Romeiro, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, e ao prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, da Universidade Metodista de São
Paulo, os quais participaram da minha banca, dando preciosas sugestões.
Agradeço ao meu orientador, prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho, que me
acompanhou durante a pesquisa, me incentivando, corrigindo e ajudando-me a
cumprir os prazos.
Agradeço ao Mack-Pesquisa o apoio dado, o que me possibilitou fazer a viagem à
Salvador onde pude conhecer e entrevistar o Dr. C. René Padilla.
Agradeço de maneira muito especial a Deus, sem o qual nada poderia ser feito. Faço
minhas as palavras do apóstolo Paulo: “Ao Deus único e sábio seja dada glória, por
meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém!”. Sim, a Deus, tributo toda
glória!
O protestantismo é fermento algo revolucionário,
semente de liberdade que liberta o homem dos
conformismos religiosos, sociais e políticos e o
encoraja a iniciativas benéficas que lhes sugere o
Evangelho.
André Biéler
É pela atitude do Cristão em relação aos bens
materiais, que se julga da sua vida espiritual. O
comportamento do homem para com o dinheiro é a
expressão tangível de sua verdadeira fé.
João Calvino
Deus é ação. Nosso Deus é um que age: que liberta,
constrói, transforma. Ao falar da ação, a teologia entra
em seu verdadeiro assunto...
José Comblim
RESUMO
Esta dissertação versa sobre a contribuição do missiólogo equatoriano Carlos René
Padilla ao evangelicalismo latino-americano. Padilla tem se constituído num dos
teólogos evangelicais mais lidos de língua espanhola, com vários livros publicados e
inúmeros artigos em diferentes revistas. Suas palestras, livros e artigos têm abordado
o tema do envolvimento da igreja evangélica na sociedade. O tema “missão integral”
tem uma grande importância em seus escritos. Para Padilla, a “missão integral” leva
em conta aquilo que as Escrituras Sagradas dizem a respeito do ser humano, o qual é
uma unidade de corpo e alma, inseparáveis entre si. Em razão disso, não se pode
ajudar alguém dando atenção apenas a um desses aspectos. A “missão integral” é
uma missão que busca satisfazer o ser humano em suas necessidades básicas,
incluindo sua necessidade de Deus (necessidade espiritual), mas também suas
necessidades de abrigo, alimento, saúde física e dignidade humana.
Palavras-chave: Carlos René Padilla. Protestantismo. Evangelicalismo.
Missão integral. Ação social. Alienação.
ABSTRACT
This dissertation discusses the contribution of the Ecuadorian missiologist Carlos
René Padilla to Latin-American evangelicalism. Padilla has established himself into
one of the most read Spanish evangelical theologian, with many published books
and innumerous articles in different journals. His speeches, books and articles have
all covered the theme of evangelical church involvement in the society. The theme
“complete mission” is of great importance among his writings. To Padilla, “complete
mission” considers what the Holy Writ says about the average human being, who is
a union of body and soul, inseparable from one another. Therefore, one cannot help
someone with focus only on one of these aspects. “Complete mission” is a mission
that seeks to satisfy basic human needs, including the need for God (spiritual
need), as well as the need for shelter, food, physical health and human dignity.
Key words: Carlos René Padilla. Protestantism. Evangelicalism.
Complete mission. Social action. Alienation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................................
12
1
CONCEITUAÇÕES IMPORTANTES PARA SE COMPREENDER A
MISSÃO INTEGRAL........................................................................................................................
18
1.1 A RELAÇÃO ENTRE PRÁXIS E TEORIA.............................................................
18
1.2 ALIENAÇÃO...........................................................................................................................
22
1.3 EVANGELICALISMO........................................................................................................
23
2 A TRAJETÓRIA DE C. RENÉ PADILLA: SUA VIDA E SUA OBRA..................
26
2.1 O CONTEXTO DA VIDA DE PADILLA....................................................................
26
2.1.1 O cenário político..............................................................................................
26
2.1.2 O cenário religioso...........................................................................................
27
2.1.2.1 Equador
................................................................................................................... 29
2.1.2.2 Argentina
................................................................................................................. 30
2.1.2.3 Colômbia
................................................................................................................. 30
2.1.3 Cenário socioeconômico..............................................................................
31
2.2
A VIDA E OBRA DE C. RENÉ PADILLA................................................................
32
2.2.1 Sua família, infância e juventude.............................................................
32
2.2.2 Sua preparação acadêmica........................................................................
35
2.2.3 Sua liderança eclesiástica...........................................................................
37
3 MARCOS TEOLÓGICOS NA OBRA DE C. RENÉ PADILLA.................................
41
3.1 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE C. RENÉ PADILLA....
41
3.1.1 Conceito de Reino de Deus........................................................................
41
3.1.2 Conceito de Escritura Sagrada.................................................................
45
3.1.2.1 A autoridade da Sagrada Escritura
............................................................... 45
3.1.3 Conceito do homem........................................................................................
46
3.1.4 O conceito de evangelho.............................................................................
47
3.1.5 O conceito de evangelização.....................................................................
52
3.1.6 O conceito de hermenêutica em René Padilla.................................
54
3.2
ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA PASTORAL DE C.
RENÉ PADILLA
....................................................................................................................
61
3.2.1 Requisitos para uma eclesiologia para a Missão Integral..........
61
3.2.2 A integralidade do crescimento da igreja............................................
66
3.2.3 O lugar da pregação na teologia integral de Padilla.....................
69
3.2.4 A espiritualidade em René Padilla..........................................................
71
3.2.4.1 O conceito de mundanismo
............................................................................. 72
3.2.5 O uso dos bens materiais em Padilla....................................................
74
3.3 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE MISSÃO DE C.
RENÉ PADILLA...................................................................................................................
76
3.3.1 Conceituando a missão................................................................................
76
3.3.2 A teologia da missão transcultural de Padilla...................................
78
3.3.2.1 A universalidade do Evangelho
...................................................................... 78
3.3.2.2 O senhorio de Cristo e a Missão Integral
................................................... 82
3.3.2.3 O conceito de arrependimento
....................................................................... 84
3.3.2.4 Sobre a singularidade de Cristo
..................................................................... 85
3.3.3 A teologia da missão integral de C. René Padilla..........................
87
3.3.3.1 A missão integral na conceituação de C. René Padilla
......................... 87
3.3.3.2 Uma perspectiva correta dos propósitos de Deus
.................................. 90
3.4 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA MISSÃO INTEGRAL.............
93
3.4.1 Congresso sobre a Missão Mundial da Igreja em Wheaton.....
94
3.4.2 Congresso Mundial de Berlim sobre Evangelização....................
94
3.4.3 Congresso de Evangelização para a Ásia e Pacífico Sul..........
95
3.4.4 Congresso de Evangelização para os Estados Unidos..............
95
3.4.5 Congresso Latino-Americano de Evangelização (CLADE I)....
96
3.4.6 Congresso Europeu de Evangelização................................................
96
3.4.7 Dia de Ação de Graças sobre os evangélicos e a
preocupação social.........................................................................................
97
3.5 A RELAÇÃO ENTRE MISSÃO INTEGRAL E MISSÃO
TRANSCULTURAL............................................................................................................
100
3.6 MISSÃO INTEGRAL NO MUNDO ISLÂMICO....................................................
103
3.7 A DIMENSÃO SOCIAL DO CRISTÃO NA SOCIEDADE PAGÃ...............
105
4 A CONTRIBUIÇÃO DA “MISSÃO INTEGRAL” PARA A AÇÃO NÃO
ALIENANTE DA IGREJA EVANGÉLICA NO BRASIL...............................................
106
4.1 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE FRENTE ÀS
QUESTÕES SOCIAIS......................................................................................................
110
4.2 O PAPEL DA IGREJA E A VIOLÊNCIA URBANA............................................
112
4.3 O PAPEL DA IGREJA FRENTE À AIDS...............................................................
114
4.4 O PAPEL DA IGREJA E A EDUCAÇÃO................................................................
118
4.5 O PAPEL DA IGREJA E SEU ENVOLVIMENTO NA POLÍTICA..............
121
4.6 O PAPEL DA IGREJA E SUA INFLUÊNCIA NA FAMÍLIA...........................
125
4.7 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE ECOLÓGICA.....
127
4.7.1 A Base Bíblica para a ação ecológica..................................................
128
5 CONCLUSÃO......................................................................................................................................
133
REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................
135
12
INTRODUÇÃO
Para entender a relevância de René Padilla para a ação da Igreja brasileira, a
pesquisa se movimenta em torno de três focos: a) primeiramente, os conceitos de
evangelicalismo, ação, teoria e alienação; b) em segundo lugar, são levantados dados
sobre esse missiólogo, procurando conhecer sua história, suas obras e sua teologia;
e, por fim, c) é realizada uma análise das propostas de Padilla e suas implicações
para a ação não alienante da Igreja evangélica brasileira
1
.
Esta pesquisa visa investigar uma questão significativa para a atualidade: a
ação da igreja na sociedade. Meu desejo em desenvolver esse tema pode ser
justificado sob três aspectos: 1º) Aspecto social – a proposta da “missão integral”
procura estudar o homem diante dos problemas sociais e desafios que ele enfrenta no
mundo moderno. Em seus escritos, René Padilla aborda muitos desses problemas
sociais, tais como: ecologia e crise ambiental, AIDS, pobreza, racismo, política,
direitos humanos, saúde pública, violência urbana etc. Estudar Padilla significa buscar
caminhos e alternativas para entender as necessidades do homem moderno e
atendê-las; 2º) Aspecto pessoal – como educador, pastor evangélico e professor em
um seminário presbiteriano
2
, tenho interesse em conhecer melhor as ideias de C.
René Padilla. Considerando que tenho por pressuposto que a vida religiosa e a vida
material do cristão encontram o mesmo espaço nos planos de Deus (visão esta
também defendida por Padilla), entendo que tal pesquisa contribuirá em muito para
minha atuação ministerial; e 3º) Aspecto científico – trata-se de um trabalho pioneiro.
René Padilla é um escritor com várias obras publicadas e ainda não foi escrito
nenhum trabalho de dissertação, especificamente, sobre ele. Ressalto, ainda, que
vários teólogos, ao escreverem sobre a responsabilidade da Igreja na sociedade,
fazem uso do conceito de “missão integral” de René Padilla.
O que viabiliza a pesquisa é o acesso às fontes referentes a esse missiólogo,
incluindo livros e artigos em diversas revistas.
1
Embora Padilla tenha influência no âmbito da América Latina, neste estudo abordarei as implicações e
aplicações de sua “missão integral” apenas no contexto da sociedade brasileira.
2
Sou pastor presbiteriano há dezoito anos e há seis leciono no Seminário Presbiteriano “Rev. José
Manoel da Conceição” – SP, na cadeira de teologia prática, as disciplinas de missiologia, educação
cristã, liderança, entre outras.
13
O objetivo geral desta dissertação é o de buscar na trajetória biográfica e
teológica de René Padilla – missiólogo e pastor batista – contribuições relevantes para
a missiologia brasileira e prática pastoral da Igreja na sociedade, particularmente as
que se referem aos valores protestantes.
A sociedade brasileira vive um momento de crise, que se manifesta em
diversos segmentos: político, moral, espiritual e social. Convivemos diariamente com a
violência, a imoralidade, a miséria e o desemprego, e, não poucas vezes, somos
tomados por um sentimento de perplexidade e impotência. No entanto, essa
realidade social não é estática nem imutável, pois é o resultado de um processo que
pressupõe a ação do homem, e este, por sua vez, depende da adoção de uma ética
que reflita valores e princípios bíblicos.
Como cristãos evangélicos, precisamos acreditar em possibilidades de
mudança, e, no âmbito de nossa ação vocacional, tentar abrir espaço para o
surgimento de uma nova mentalidade que favoreça a reconstrução da sociedade.
Esse processo somente será viável no desenvolvimento de uma ética de
responsabilidade social, que embase ações que visem ao bem coletivo, isto é, que
tenham por objetivo a criação de possibilidades de bem-estar para todos, incluindo as
gerações futuras.
Nessa perspectiva, a Igreja evangélica, por meio da prática da missão integral,
apresenta-se como o espaço onde a ação, ao ser desenvolvida sistematicamente,
coincide com os objetivos de uma missiologia que visa à transformação da sociedade
não apenas no âmbito espiritual, mas também no social.
Sendo assim, a minha proposta neste trabalho é mostrar, à luz do conceito de
missão integral em René Padilla, que a práxis religiosa do protestantismo tem uma
preocupação com o homem em sua totalidade. Dessa forma, a presente pesquisa
objetiva estudar as possibilidades que o protestantismo tem de participar de uma ação
em direção à sociedade, de modo a oferecer contribuições significativas para
transformá-la.
A metodologia adotada será uma pesquisa bibliográfica, com posterior análise
das obras produzidas sobre o tema. Essas fontes são primárias, sobretudo as obras
de René Padilla e uma entrevista com ele, a qual tive o prazer de fazer quando de sua
vinda a Salvador, Bahia
3
; contudo, serão utilizadas também obras secundárias.
3
Entrevista realizada com René Padilla em 10 de outubro de 2009, quando participou de um Congresso
realizado em Salvador, Bahia, e que teve por tema: “Transformando a Missão”.
14
Para uma coleta coerente, análise e interpretação dos dados, foram levantadas
as fontes de pesquisa em diferentes locais: 1) na Biblioteca da Universidade
Presbiteriana Mackenzie (SP); 2) na Biblioteca do Seminário Manoel da Conceição
(SP); 3) em minha biblioteca pessoal, e em bibliotecas de amigos e colegas pastores;
4) na Biblioteca da Universidade Metodista de São Paulo, localizada em São Bernardo
do Campo; 5) no site da Fundação Kairós
4
, da qual, atualmente, C. René Padilla é seu
presidente emérito. Nesse site, podemos ter acesso a diversos artigos escritos pelo
autor nas publicações das revistas: Revista Kairós e Revista Iglesia y Misión; e 6)
entrevista realizada com René Padilla.
Por fundamento teórico que dê suporte para a ação da Igreja protestante na
sociedade, apoio-me no humanismo social de João Calvino (1509-1564). Tal escolha
deve-se ao fato de encontrar no reformador francês um modelo histórico sobre a
prática da ação da Igreja na sociedade. Além de teólogo, trabalhou em benefício da
cidade de Genebra e liderou, no século XVI, a reconstrução daquela cidade,
produzindo mudanças profundas, não apenas na vida religiosa, como também nas
estruturas políticas e sociais.
O pensamento de Knudsen é útil para justificar a escolha de Calvino como
suporte teórico, pois esclarece a relação e a influência do Calvinismo na cultura
ocidental: “[...] o Calvinismo teve em mira não só a reforma na doutrina, na vida
individual e na vida da Igreja, mas também a transformação em toda a cultura, em
nome de Cristo.” (KNUDSEN, 1990, p. 12).
Quanto ao problema da pesquisa, chamo a atenção para o ponto em que
teóricos, como Marx (1818-1883) e Feuerbach (1804-1872), postularam que a
alienação (alienus) social resulta do fato de que os homens não se reconhecem como
agentes e autores da vida social de suas instituições. Para esses autores, a religião é
uma das fontes que alimentam essa alienação
5
. Sendo assim, a questão que deve
nortear esta pesquisa é a seguinte: em que medida os valores e princípios defendidos
pelo protestantismo histórico podem contribuir para melhorar a sociedade
contemporânea, a partir do conceito de “missão integral” em Carlos René Padilla. Em
outras palavras, a ideologia evangelical da “missão integral”, defendida nos escritos de
4
Disponível em: <http://www.kairos.org.ar>.
5
Como pensou Karl Max ao afirmar que a religião é o “ópio do povo” (cf. MARX, 2001, p. 45;
FEUERBACH, 1988, p. 55).
15
Padilla, favorece o afastamento da sociedade e dos desafios sociais que ela enfrenta
(alienus), ou serve como incentivo e oportunidade para melhorar a sociedade?
Minha hipótese é a de que, não obstante o evangelicalismo ser rotulado de
uma instituição alienada da realidade social, ao olhar para a sociedade e o universo
de problemas que o homem moderno enfrenta, pode-se constatar que a religião
professada pelo evangelicalismo ou protestantismo histórico não tem sido alienante ou
indiferente a essa realidade.
6
O sociólogo Peter Berger (1985) percebe várias funções exercidas pela religião
na sociedade. Dentre elas, afirma que a religião tem uma função de desalienação.
Segundo esse autor, embora muitas vezes a religião exerça uma influência fazendo
com que o ser humano viva num mundo transcendente, ela pode igualmente, e em
nome da mesma transcendência, exercer um papel diverso (BERGER, 1997).
Como é possível constatar, a práxis ou ação da Igreja evangélica na sociedade,
conforme vista em René Padilla, não se limita à assistência espiritual, meta-histórica
ou transcendente. Para Padilla, a Igreja não deve estar alheia (alienus), distante da
realidade que as pessoas vivem. Ao contrário, o evangelicalismo, em sua natureza e
vocação, deve se preocupar também com a educação, com a formação profissional,
com o combate à violência urbana, com a ecologia, com a política etc. Uma
concepção de fé que não se envolve com essa realidade concreta e não liberta as
pessoas para viverem uma nova realidade, é uma fé alienada.
Diferentemente do pensamento de Marx
7
, busco comprovar por meio desta
pesquisa que o evangelicalismo, desenvolvido pelo teólogo equatoriano, tem forte
ênfase social, propondo uma reflexão para a ação da Igreja numa sociedade real e
empírica. Longe de anestesiar, sua proposta desafia-nos a agir integralmente em
todas as dimensões da vivência humana. A comunidade evangélica no Brasil e na
América Latina em geral não tem levado esse elemento tão a sério. No entanto, é
preciso redescobrir a integralidade da práxis da Igreja, da dimensão social do
evangelicalismo na América Latina, conforme elaborado por Padilla, e sua relevância
6
Estou consciente da vasta e complexa problemática que envolve o conceito de alienação, o qual será
definido mais adiante. No entanto, utilizo aqui o conceito no sentido de separado, alheio,
descompromissado.
7
Para Marx, a função da religião é a de anestesiar os oprimidos para a realidade de sua opressão.
Enquanto as pessoas acreditarem que seus sofrimentos poderão lhes garantir liberdade e felicidade no
futuro, considerarão a opressão como parte de uma ordem natural – um fardo necessário e não uma
coisa imposta pelos outros homens. Esse é o conceito de Marx ao chamar a religião de “ópio do povo”:
ela alivia sua dor, mas, ao mesmo tempo, torna-os indolentes, nublando sua percepção da realidade e
tirando-lhes a vontade de mudar (MARX, 2001).
16
para a Igreja e sociedade brasileiras. A função da religião (evangelicalismo) ou a
vocação da Igreja, como verificaremos, longe de ser alienante, ao contrário, é
compromissada com o mundo em que vivemos.
A esperança de uma sociedade melhor é um dos aspectos essenciais da
esperança cristã. Ninguém que tome à sério o ensino bíblico sobre o
propósito de Deus de criar uma nova humanidade pode alimentar uma
esperança que se esgota na salvação individual além da morte. O propósito
redentor de Deus inclui a criação de uma nova sociedade que acate a
soberania em todas as esferas da vida e reflita sua glória (PADILLA, 1994a,
p. 181, tradução nossa).
Com o intuito de responder às questões aqui apresentadas, esta dissertação
está organizada em 5 partes.
No primeiro capítulo serão apresentadas as conceituações de ação e teoria,
evangelicalismo e alienação. Nessa primeira parte, entendo ser necessário conceituar
alguns termos-chave para melhor compreensão da pesquisa. Na definição dos termos
‘práxis’ e ‘teoria’, farei uso de Casiano Floristán. Sua contribuição é muito significativa
considerando que sua obra, Teologia Práctica: teoría y práxis de la acción pastoral, é
considerada um clássico ao tratar desse assunto, e também porque Floristán
relaciona a ação da Igreja com a sociedade. Para ele a práxis é ação, porém
transformadora, emancipativa, ação crítica, que é capaz de renovar, de transformar a
realidade presente. Para definir o termo ‘alienação’, farei uso de Rubem Alves, uma
vez que, etmologicamente, oferece sua importante contribuição. Por último, para
conceituar o ‘evangelicalismo’, utilizarei fontes já conhecidas, tais como as obras de
Longuini, Paul Freston e Alister McGrath.
O segundo capítulo versa sobre a vida e obra de C. René Padilla. Pretendo
apresentar a trajetória de sua vida, mostrando alguns aspectos de sua vida pessoal,
familiar, acadêmica e ministerial.
O terceiro capítulo traz como título: “Marcos teológicos na obra de René
Padilla”. Mais do que comumente se pensa, a obra de Padilla é extensa, como se
pode comprovar na parte bibliográfica. Entretanto, não é minha pretensão abordar
toda sua teologia nesta pesquisa, mas sim alguns de seus marcos teológicos, os
quais entendo ser os mais significativos para a compreensão da sua teologia da
“Missão Integral”.
17
Por último, pretendo analisar a contribuição do conceito de “missão integral”
para a ação não alienante da Igreja evangélica no Brasil. Objetiva-se, de maneira
sintetizada, analisar, pelo menos, 5 áreas em que a teologia da missão integral
poderia ser aplicada no contexto brasileiro: a) nas questões sociais; b) na violência
urbana; c) na AIDS; d) na educação; e) na política; f) na família; e, por último, g) na
ecologia.
18
1 CONCEITUAÇÕES IMPORTANTES PARA SE COMPREENDER A
MISSÃO INTEGRAL
1.1 A RELAÇÃO ENTRE PRÁXIS E TEORIA
Falar de ação é falar de práxis. No entanto, é preciso esclarecer o que se
entende por esses termos. A palavra ‘práxis’ é a transcrição do termo grego πρᾶξις,
que significa ação, fazer, praticar. Equivale à ação ou à atividade do homem
(FLORISTÁN, 2002). No grego antigo esse termo “[...] designava a ação que se
realizava no âmbito das relações entre as pessoas, a ação intersubjetiva, a ação
moral, a ação dos cidadãos” (KONDER, 1992, p. 97).
É importante verificar uma distinção que tem sido feita entre ‘ação’ e ‘prática’.
Conforme Floristán (1926-2006), esses termos não devem ser vistos como sinônimos;
pois enquanto ação requer o domínio de conteúdo, a prática apenas se refere a um
exercício ou atividade, para a qual não requer reflexão ou teoria que a fundamente
(FLORISTÁN, 2002).
A partir da afirmação de que a “ação requer o domínio de conteúdo”, cabe uma
conceituação do termo ‘teoria’. Este, por sua vez, está relacionado à faculdade
intelectual do homem; é o ato de refletir, pensar.
Floristán (2002) pontua que o termo grego theoria designa a ação de
contemplar, olhar, corresponde ao que os expectadores fazem no teatro: contemplar
uma peça de teatro. Daí pode-se conceituar a teoria como uma faculdade da mente.
Trata-se, portanto, de um binômio inseparável. Em outras palavras, “o binômio
dialético teoria-práxis se estabelece mediante uma relação entre o modo de pensar e
um exercício da ação” (p. 177).
Diante do exposto, pode-se concluir que práxis deve ser entendida como a
ação da Igreja na sociedade. Entretanto, não uma ação irrefletida, mas uma ação que
exige um compromisso com um conteúdo; exige conhecimento da verdade a fim de
não ser apenas uma prática.
Para uma definição de ‘ação’, farei uso da elaborada por Comblim (1982, p.
54):
19
Chamamos ação o que muda o mundo, aquilo que faz o homem mudar-se a
si mesmo, mudar os outros homens. A ação consiste em passar do pecado à
justiça, em mudar uma situação de pecado em uma situação de justiça, em
passar do mal para o bem [...] A ação é uma conversão [...] Agir é assumir
uma parte da missão de libertação [...] A ação intervém na luta do Espírito
contra o pecado, na luta da justiça contra a opressão, da libertação contra as
forças da escravidão.
É preciso agora estabelecer outro ponto: Qual deve ser o objeto ou referencial
para a ação? O pressuposto é que a teologia vista na Escritura Sagrada deve ser o
ponto de partida para a ação. Deve-se partir da Escritura (da teoria) para a práxis, e
não ao contrário. Inicia-se com a teoria (teologia) e não com o contexto em que a ação
deve ser exercida. Diferentemente da perspectiva libertacionista, entendo que se deve
fazer teologia prática a partir da reflexão bíblica e não a partir da realidade social.
Dr. James Olthuis
8
, filósofo reformado, ao analisar a subordinação no
pensamento de um dos teólogos da libertação, Juan L. Segundo, faz a seguinte
ponderação:
Para Segundo, a fé, que é ‘absoluta’, encontra manifestação histórica por
meio de uma ideologia, que é sempre ‘relativa’. Entretanto, a fé não tem
conteúdo teórico; são as ideologias que conferem à fé o seu conteúdo de
crenças e valores. Assim, para ele, não existe ‘verdade’ na fé; esta consiste
de um processo educacional, uma atitude de aprendizado em relação ao que
é absoluto. O conteúdo positivo da fé (crenças religiosas, valores, etc.) seria
historicamente condicionado, relativo à situação do crente, não sendo
‘verdadeiro’ nem ‘falso’. O importante é que a fé inspire uma práxis libertadora
do homem hoje (OLTHUIS apud CARVALHO, 2006, p. 147-148).
René Padilla, em sua análise da Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL)
9
,
aponta o problema hermenêutico ou metodológico, afirmando o seguinte:
A conclusão é inevitável que o foco da hermenêutica na ética e na política
tem resultado uma teologia que não faz justiça a totalidade do ensino bíblico.
O fazer teológico se converte em um exercício que tem como propósito achar
8
Dr. James H. Olthuis, professor emérito de filosofia e religião no Institute for Christian Studies em
Toronto, tem dado sua contribuição acadêmica nas áreas de antropologia filosófica, hermenêutica, ética
e psicoterapia.
9
Criada em 1962, conhecida pela sigla ISAL, trata-se de uma instituição organizada após a Primeira
Consulta Latino Americana sobre Igreja e Sociedade, realizada em Huampaní, Peru, nos dias 23 a 27
de julho de 1961. A ISAL veio a se tornar o principal centro de convergência dos teólogos protestantes
da libertação. O propósito da Consulta que originaria o ISAL foi o de que as igrejas tomassem
conhecimento dos problemas da sociedade latino-americana, e teve por tema geral: “A
responsabilidade social da igreja evangélica frente às rápidas mudanças sociais.” (PADILLA, 1974, p.
119, tradução nossa).
20
na Bíblia os elementos úteis para a ação política (PADILLA, 1974, p. 126,
tradução nossa).
Para Padilla, a ideologia presente na prática dos teólogos da libertação os leva
a considerar os textos bíblicos apenas como “notas de rodapé dos acontecimentos
históricos”, e que tal ideologia, ou maneira de se aproximar da Escritura, traz como
consequência um grande déficit na compreensão do verdadeiro sentido e origem dos
textos bíblicos (1974, p. 126-127, tradução nossa). Ele afirma:
O déficit de conhecimento bíblico que caracteriza o povo evangélico latino
americano não se solucionará quando uma exegese ideológica for substituída
por outra, senão, quando houver um retorno às fontes com o desejo e a
oração de que nossas premissas ideológicas sejam julgadas pela Palavra de
Deus. A Bíblia não é um depósito de textos que o teólogo possa escolher e
manejar segundo os ditados de sua ideologia. Seja qual for sua posição
política, o teólogo tem a obrigação de examinar suas premissas e tomar
medidas, até onde for possível, a fim de evitar que aquilo que ele extrai da
Bíblia não seja o reflexo de suas próprias ideias (PADILLA, 1974, p. 127,
tradução nossa).
Pode-se verificar claramente o posicionamento de Padilla quanto à relação
teoria-práxis, bem como a devida importância e preeminência da teologia sobre a
prática ou ação da Igreja. Em seu artigo, Para que serve a teologia?
10
, Padilla (1994a)
afirma que a teologia tem por função exercer seu julgamento crítico a respeito da
nossa ação.
Guilherme Carvalho também faz eco às palavras de Padilla e mostra qual a
perspectiva reformada sobre a relação do binômio teoria-práxis:
Na perspectiva reformacional, o pensamento teórico é, ao lado das ações
políticas, por exemplo, um tipo de ação humana, e o conjunto das ações
orientadas para um ideal pode ser considerado a ‘práxis’. O pensamento
contribui para compor a práxis, e a ideologia da práxis orienta a direção do
pensamento, mas não há prioridade ontológica da práxis histórica sobre a
práxis teórica (CARVALHO, 2006, p. 152).
Tanto no pensamento reformado quanto no pensamento de Padilla, a práxis é
serva e está subordinada à teoria, ou seja, à verdade. “A boa teologia desloca-se da
10
Este artigo de René Padilla faz parte do livro Discipulado, Compromisso Y Misión, obra publicada em
1974 pela Vision Mundial. Trata-se de uma coletânea de artigos do autor publicados inicialmente na
Revista Misión (agora denominada Iglesia Y Misión). Os capítulos dessa obra podem ser encontrados
no sítio da Fundação Kairós (www.kairos.org.ar).
21
cabeça até o coração e, finalmente, até a mão” (GRENZ; OLSON, 2003, p. 51). Essa
é exatamente a posição de Padilla. A ação da Igreja deve estar subordinada à teoria –
à verdade da Palavra:
Uma razão é que sem iluminação da Palavra, a ação se transforma em
ativismo sem sentido de direção. À teologia compete a importante tarefa de
avaliar o que se está fazendo, e de avaliá-lo a luz da Palavra para ver se em
efeito está contribuindo aos objetivos do Reino de Deus e sua justiça
(PADILLA, 1994a, p. 56, tradução nossa).
Ressalto aqui a ênfase dada por ele de que compete à teologia (teoria) a
importante tarefa de avaliar o que se está fazendo (a ação). Padilla faz uma
contundente e esclarecedora declaração:
Não obstante, quando se concebe a situação histórica como ‘o texto’, o ‘lugar
teológico referencial primeiro’, abre-se o caminho para a subordinação da
Palavra ao contexto humano. Acaba por criar um ‘cânon dentro do cânon’ e
se reduz o Reino de Deus a fim de limitá-lo a história. Como resultado, se lê a
Bíblia seletivamente. Esta fala somente em relação a uma situação histórica
concreta e um projeto histórico concreto, a primeira interpreta e o segundo
concebido sobre o pressuposto de que a Palavra de Deus não tem nada que
contribuir a estas tarefas exclusivamente ‘racionais’. A concentração da
hermenêutica na ética e na política resulta assim em uma teologia que não
faz justiça a totalidade da revelação bíblica. O que não responde aos
interesses da práxis é posto de lado como irrelevante. Não é um acidente que
a teologia da libertação seja tão inadequada no que se refere a questões que
não guardam relação direta com a política ou apontam a dimensão pessoal e
supra-histórica do Evangelho (PADILLA, 1982, p. 15, tradução nossa).
Casiano Floristán, em certo aspecto, compartilha da mesma opinião que vemos
em Padilla. Segundo ele, “quando se acentua demasiadamente a práxis em
detrimento da teoria cai-se no erro do pragmatismo. E quando se faz exagerada
ênfase da teoria com respeito à práxis se chega ao idealismo” (FLORISTÁN, 2002, p.
178).
“A contemplação sem ação é fuga da realidade concreta; a ação sem
contemplação é ativismo vazio de significado transcendente” (PADILLA, 2006a, p.
187).
Padilla ainda comenta:
Não obstante, há razões de peso para afirmar que no que tange a vida e
missão da Igreja, não basta o pragmatismo, ou seja, a ênfase no como
22
divorciado do por que e para quê. Uma razão é que sem a iluminação da
Palavra, a ação se transforma em ativismo sem sentido de direção (PADILLA,
1994a, p. 55-56, tradução nossa).
1.2 ALIENAÇÃO
O conceito de alienação não é um conceito homogêneo, é vasto e pode
englobar várias maneiras e formas de pensamento. Trata-se de um termo muito
utilizado na sociologia, ciência política, teologia, filosofia, economia, psicologia etc.
Dada essa pluralidade de ciências que fazem uso do conceito, já justifica a dificuldade
para sua homogeneidade. Rubem Alves nos ajuda apontando três sentidos distintos:
1) o sentido dado no discurso político-social; 2) o sentido conforme encontrado no
discurso epistemológico; e 3) o sentido encontrado nos discursos que buscam
compreender a condição humana, quanto aos aspectos emocionais e afetivos
(ALVES, 1984).
Quanto ao primeiro sentido, Alves (1984) esclarece que a alienação é
entendida como o “abandono voluntário de propriedade e transferência dela a outra
pessoa” (p. 32). A alienação se caracteriza, portanto, pela transformação de tudo em
mercadoria; tudo é julgado como coisa, inclusive o homem. É aqui que encontramos o
conceito de alienação no pensamento de Marx.
O segundo conceito de alienação, segundo Alves (1984), é o epistemológico.
“Alienado é o indivíduo cujas idéias não constituem conhecimento efetivo do real” (p.
32).
Ainda para Alves (1984), uma terceira compreensão do conceito de alienação é
aquela utilizada para qualificar os fenômenos religiosos. Esta é a que me interessa
neste trabalho, a qual se beneficiou da contribuição do existencialismo e centra-se na
descrição dos sentimentos e experiências humanas individuais de ansiedade, solidão
e desespero, descritas pelos existencialistas, que mostram a dupla impotência do
homem perante si próprio e perante a realidade externa.
Rubem Alves (1984) afirma que a religião é sempre uma “expressão de
alienação, o ‘suspiro da criatura oprimida’, um ‘protesto contra o sofrimento real’ [...] a
consciência que suspira em decorrência da opressão e que protesta contra o
sofrimento, se projeta idealmente para a superação de tais condições” (p. 35).
23
Alves (1984) continua esclarecendo que, ao ver a religião como alienação, dois
juízos são apresentados: 1º) A consciência religiosa é falsa consciência, neurose ou
ideologia; e 2º) A consciência religiosa é sempre conservadora, em oposição à
ciência, que seria crítica.
O segundo juízo representa a ideia que Marx tem da função da religião na
sociedade, ou seja, esta age como calmante: “É o ópio do povo”. “A compreensão por
trás desta expressão é que a religião exerce um papel hipnotizante gerando nos
homens uma falsa idéia de superação da miséria e dos problemas sociais” (ZILLES,
1991, p. 126). No entender marxista, a religião tem a função social de distrair os
oprimidos da realidade em que vivem. E, ao mesmo tempo, torna-os indolentes,
nublando sua percepção da realidade e tirando-lhes a vontade de mudanças (ZILLES,
1991).
1.3 EVANGELICALISMO
Não é necessário entrar em detalhes diminutos sobre as origens históricas e
complexas do movimento evangelical, mesmo porque outros, e com sucesso, já
fizeram isso. Contudo, é preciso estabelecer uma definição do que se entende por
evangelicalismo
11
, visto ser ele importante para a proposta deste trabalho.
O termo vem sendo usado desde o século XVI e de tempos em tempos tem
assumido diferentes sentidos. Para os reformados históricos, é sinônimo de
protestante. Porém, nos dias atuais, “podemos afirmar que os protestantes são
evangélicos, mas nem todos são evangelicais” (PIERARD, 1992 apud LONGUINI
NETO, 2002, p. 21).
No livro O novo rosto da missão, Longuini Neto entende que é mais produtivo
discutir sobre as bases da fé evangelical, a se discutir o que é ser evangelical. Sendo
assim, busca na figura de John Stott, um dos principais líderes do movimento
evangelical, a seguinte contribuição:
11
Há quem se utiliza deste termo ‘evangelical’ como um anglicismo; ou seja, termo ou expressão
inglesa introduzida na língua portuguesa. Por isso que Paul Freston diz que “evangelical” trata-se de um
“deselegante anglicismo” (FRESTON, 1992, p. 122).
24
Não basta somente ser um evangelical; também é essencial manter o
testemunho de fé evangelical. Para o evangelical, fé não é alguma variação
excêntrica do cristianismo histórico, pelo contrário, na nossa convicção é o
cristianismo em sua mais pura e primitiva forma... Nossa preocupação
primária como evangelicais é sermos bíblicos. Se, portanto, puder ser
provado para nós nas Escrituras que alguma de nossas crenças está errada,
nós estaremos prontos para modificá-la ou suprimi-la imediatamente. De fato,
a principal marca do autêntico evangelical é a determinação para submeter-se
à Escritura de corpo e alma, junto com uma prévia confiança para submeter-
se a qualquer coisa que, na perspectiva da Escritura, possa demonstrar
ensinamento (STOTT apud LONGUINI NETO, 2002, p. 24-25).
Numa perspectiva reformada, Alister McGrath, em Paixão pela verdade, dá
uma definição de evangelicalismo, afirmando que esta encontra sua identidade em
relação a uma série de temas e interesses, entre os quais podem ser encontrados:
1. Um enfoque, tanto devocional como teológico, na pessoa de Jesus Cristo,
especialmente sua morte na cruz;
2. A identificação da Escritura como autoridade suprema em matéria de
espiritualidade, doutrina e ética;
3. Uma ênfase na conversão ou ‘novo nascimento’, como uma experiência
religiosa que transforma a vida;
4. Uma preocupação em compartilhar a fé, especialmente por meio da
evangelização (MCGRATH, 2007, p. 20).
Freston ressalta que há certo reducionismo na compreensão do que significa
ser evangélico atualmente no contexto brasileiro. Ou seja, trata-se de um adjetivo para
se referir a alguém pertencente a uma determinada tradição eclesiástica (FRESTON,
1992). O mesmo Freston cita Samuel Escobar
12
como sendo também um crítico
desse reducionismo, que em artigo publicado em 1982
13
destaca seis elementos da
herança evangélica:
1) A herança teológica da Reforma: somente a fé, somente a Escritura,
somente a graça e somente Cristo,
2) A paixão evangelística, oriunda dos grandes reavivamentos do século
XVIII, sobretudo o de Wesley,
3) A piedade pessoal, característica do despertamento no luteranismo
alemão de fins do século XVII que conhecemos como o pietismo: a ênfase
na decisão pessoal e na experiência de uma relação com Deus, seguida
por uma vida de oração e piedade associada a uma intensa vocação
missionária,
12
O peruano Samuel Escobar é um dos mais respeitados missiólogos latino-americanos. Juntamente
dom René Padilla, tem dado grande contribuição à Missão Integral.
13
O artigo mencionado foi publicado na Revista Misión e teve por título Qué significa ser evangélico
hoy?.
25
4) A postura anabatista de separação entre Igreja e Estado,
5) A ética puritana: uma vida distinta e consagrada a Deus, com altos níveis
de conduta,
6) A dimensão social do evangelho: um claro sentido de serviço, de
obrigação social e de postura profética perante os males da sociedade
(ESCOBAR, 1982 apud LONGUINI NETO, 2002, p. 23.
O evangelicalismo ou movimento evangelical surge dentro do segmento
evangélico, sendo que o congresso realizado em Berlim foi um marco referencial para
a caminhada evangelical no final do século XX. Esse congresso ocorreu em 1966 (de
24 de outubro a 4 de novembro), na cidade de Berlim, na Alemanha, e, patrocinado
pela revista Christianity Today, contou com a participação de 1.100 líderes
evangelicais. No âmbito da América Latina, esse movimento começa a ganhar corpo
com a realização dos Congressos Latino-Americanos de Evangelização (CLADEs),
mas o grande marco que representou o ponto-chave para a definição e avanço do
movimento evangelical foi o Congresso Mundial de Evangelização, realizado na
cidade suíça de Lausanne, entre os dias 16 e 25 de julho de 1974.
14
Ao longo deste trabalho irei me referir à Padilla como evangélico.
15
Sendo
assim, penso ser útil, e até mesmo para evitar qualquer mal entendido, fazer uso do
próprio conceito utilizado por Padilla. Ele assim conceitua o termo:
Uso o termo ‘evangélico’ para me referir às igrejas vinculadas à Reforma do
século XVI (Luterana, Reformada, Valdense e Anglicana), às ‘denominações
históricas’ (Metodistas, Presbiteriana, Batista, Discípulos de Cristo etc.) e
outras que surgiram mais recentemente (Nazarena, Aliança Cristã e
Missionária, Igreja Evangélica Livre), e o Movimento Pentecostal. Ficam
excluídos grupos como Testemunhas de Jeová, os Mórmons e a Ciência
Cristã, que por suas ênfases doutrinárias ficam fora de órbita do
protestantismo. Cabe anotar que na América Latina ‘evangélico’ se usa mais
comumente que ‘protestante’. Além disso, é mais inclusivo, e deve, portanto,
ser preferido (1975, p. 153, tradução nossa).
14
Posteriormente serão dados mais alguns detalhes do Congresso de Lausanne e os CLADEs.
15
Na entrevista que fiz com Padilla perguntei qual dos termos melhor lhe caracterizava: ‘protestante’,
‘evangélico’ ou ‘evangelical’. Sua resposta foi: “eu sou um evangélico por causa do evangelho de Jesus
Cristo”.
26
2 A TRAJETÓRIA DE C. RENÉ PADILLA: SUA VIDA E SUA OBRA
2.1 O CONTEXTO DA VIDA DE PADILLA
Dificilmente poderíamos conhecer bem uma pessoa, caso viéssemos a ignorar
o contexto em que ela vive. Sendo assim, a fim de podermos entender melhor Padilla,
faz-se necessário, ainda que de maneira breve, estudar o contexto de sua vida.
2.1.1 O cenário político
Tomemos como exemplo a Colômbia, país onde Padilla passou boa parte de
sua infância. Uma nação marcada por muitas lutas, ditaduras, comunismo e golpes
militares, envolvendo os principais partidos políticos da época.
A data de 9 de abril de 1948 registra o início de um dos momentos mais
sangrentos da Colômbia. Trata-se do assassinato de Jorge Gaitán, líder do Partido
Liberal, ocorrido no centro de Bogotá, que deu início há uma série de protestos e
revoltas como reação ao seu assassinato. Esse movimento de reação ficou conhecido
como “Bogotazo”. Os acontecimentos que se seguiriam até 1958, aproximadamente,
desencadearam na Colômbia o período que viria a ser chamado de La Violencia.
16
Muitos protestantes eram filiados ao Partido Liberal. Em razão disso, alguns
reflexos são imediatamente sentidos na vida da Igreja:
Depois de 1950, durante a administração do conservador Gomez, todos os
liberais foram reputados como comunistas, bandoleiros e transgressores. Isso
acendeu muito ódio religioso, porquanto a maioria dos protestantes eram
seguidores do partido liberal. Elementos fanáticos da Igreja Católica Romana,
incluindo muitos sacerdotes, aproveitaram-se da oportunidade que lhes era
16
O historiador colombiano Jorge Serpa Erazo defende que as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC) nasceram dentro deste período conhecido como La Violencia, etapa conseguinte ao
Bogotazo na qual o governo iniciou uma campanha de terror contra a população, matando mais de 200
mil pessoas (ERAZO, 1999).
27
dada pela Violência a fim de perseguirem os evangélicos (READ;
MONTERROSO; JOHNSON, 1969, p. 146).
Padilla, em entrevista a Víctor Rey, nos informa sobre o clima de perseguição
religiosa na Colômbia, e justifica ser esta a razão principal que levou sua família a
mudar para o Equador:
Fiz meu primário na Colômbia, fui expulso da escola quando estava fazendo o
terceiro ano por não assistir a uma procissão, o qual mostra um pouco da
situação que vivem os evangélicos na Colômbia nestes anos. E na década de
30 e ainda muito posteriormente, em parte por causa da perseguição religiosa
[...] minha família voltou para o Equador (REY, 2004, p. 38, tradução nossa).
Schneider descrevendo a situação política, que permeava a América Latina na
década de 60, esclarece que nessa época, e como reação às forças políticas
revolucionárias, a elite conservadora fez alianças com o poder militar. Como
consequência dessas alianças, instala-se a partir daí um sistema marcado pela
ditadura e opressão que atinge a diversos países. A Igreja, dentre outros segmentos
da sociedade, passa a ser alvo dessa ditadura:
Muitas pessoas das comunidades cristãs sofreram sob esses regimes. Outras
tantas sucumbiram ao uso da força e da tortura, cidadãos comuns, líderes,
políticos, não cristãos e também católicos e evangélicos. Não obstante, houve
resistência. Geralmente, não das igrejas oficiais, ciosas de posições
equilibradas e cautelosas. Houve grupos que mantiveram uma atitude crítica,
se arriscaram para defender os direitos humanos, mesmo em favor de
militantes não-cristãos. Comissões de Justiça e Paz, Comissões de Direitos
Humanos, Grupos de Apoio Fraterno surgiram em muitas partes, com o apoio
de setores de igrejas e comunidades cristãs. Algumas personalidades
sobressaíram por seu desassombro diante do regime militar, levando suas
instituições a se posicionarem criticamente. A resistência foi um sinal de
esperança para muita gente. A missão acontecia por vias não-convencionais
(SCHNEIDER, 1998, p. 211).
2.1.2 O cenário religioso
Dos eventos missionários acontecidos no século XX, dois servem como
paradigmas para se pensar sobre a realidade religiosa na América Latina. O primeiro,
28
conhecido como Conferência Missionária de Edimburgo
17
(NOLL, 2000), e o segundo
evento foi realizado em fevereiro de 1916, na zona americana do canal do Panamá,
sendo por isso conhecido como Congresso Evangélico do Panamá.
Apesar da sua abrangência, as divergências sobre a necessidade de se fazer
missões na América Latina eram grandes e acirradas entre os organizadores
18
. No
fim, a Conferência de Edimburgo deixou de fora a América Latina.
O motivo para essa exclusão era a forte presença da Igreja católica na América
Latina. Assim, ela foi vista como uma região já cristianizada, deixando de ser
considerada como alvo da ação missionária. John Mackay descreve a reação de
Robert Speer
19
(1867-1947) a essa decisão de Edimburgo:
Esteve profundamente em desacordo quando a primeira reunião ecumênica
rechaçou considerar os países sob o domínio da Igreja Católica Romana
como esferas legítimas da atividade missionária protestante (MACKAY apud
PIEDRA, 2006, p. 145).
Seis anos mais tarde, em 1916, organizado pela Comissão de Cooperação na
América Latina (CCAL), o Congresso do Panamá, ainda que em meio a muitas
divergências, tomaria um caminho diferente à Edimburgo, decidindo que a América
Latina deveria ser considerada um continente a ser evangelizado (PADILLA, 1975, p.
155)
20
.
Sobre a importância desse Congresso, Piedra assevera que
o Congresso do Panamá de 1916 é considerado um acontecimento que
marcou uma nova era no tocante à presença e expansão do protestantismo
na América Latina. Representou o final de um período em que a presença da
Igreja Católica fez crer que, por ser um território já ocupado pelo cristianismo,
o trabalho das instituições missionárias protestantes eram estranho e
ilegítimo. Por outro lado, para as grandes sociedades missionárias, o
congresso significou o começo de um esforço consciente para estender seu
trabalho ao longo do continente latino-americano, como nunca tinha sido feito
(PIEDRA, 2006, p. 159).
17
Realizada no Salão de conferências da Igreja Unida da Escócia, na cidade de Edimburgo, de 14 a 23
de junho de 1910.
18
A obra de Arturo Piedra (2006) aborda em detalhes as correspondências trocadas entre os dois
grandes líderes presentes nessa Conferência (John Mott e J. H. Oldham), onde revelam os pontos
discordantes.
19
Robert Speer (1867-1947), secretário da Junta de Missões Estrangeira da Igreja Presbiteriana dos
Estados Unidos (1891-1937), foi assistente do Congresso de Edimburgo. Considerado um dos maiores
“estadistas missionários” da primeira parte do século XX, tinha um interesse especial na América Latina.
20
Citando John Mackay, René Padilla (1975) informa que vários líderes ameaçaram abandonar a
Conferência se a América Latina fosse considerada como campo missionário.
29
É possível traçar um perfil de alguns países da América Latina, países estes
que diretamente Padilla esteve mais envolvido: Equador, Colômbia e Argentina.
21
2.1.2.1 Equador
Equador é o país de origem de Padilla, tendo nascido em Quito em 1932. Por
causa da forte presença do catolicismo romano, Equador foi um dos últimos países da
América Latina a abrir suas portas para o trabalho protestante (READ;
MONTERROSO; JOHNSON, 1969)
22
.
Read, Monterroso e Johson (1969) nos informam que, nos anos de 1967, cerca
de 360 missionários trabalhavam no Equador para atender os 12 mil membros ativos
nas diversas igrejas e congregações evangélicas. Um forte instrumento utilizado já
naqueles anos, desde 1935, para a propagação da fé evangélica, era a Rádio HCJB,
que tinha a sua sede em Quito. Essa Rádio conseguia transmitir para vários países da
América Latina e contava, nos anos 60, com cerca de 100 missionários envolvidos
diretamente na Rádio
23
.
Sobre o trabalho na Rádio HCJB, Padilla afirma em entrevista: “Eu iniciei minha
vida como pregador, ainda quando cursava o Secundário no Colégio Mejía de Quito.
Antes de completar 18 anos de idade comecei a pregar na Voz dos Andes [HCJB]”
(1984a, p. 114, tradução nossa).
21
Em 1959 René Padilla foi eleito secretário itinerante da Comunidade Internacional de Estudantes
Evangélicos (CIEE) para visitar estes países (PADILLA, 1984a).
22
Esta obra originalmente publicada em 1969 em inglês foi traduzida para o espanhol e também na
língua portuguesa pela Editora Mundo Cristão, tendo sua primeira edição na década de 70. Trata-se de
um trabalho de pesquisa patrocinado pela Escola de Missões Mundiais e pelo Instituto de Crescimento
da Igreja do Seminário Teológico Fuller. Dr. Donald McGavran foi diretor dessa pesquisa e o Dr. Alan
Tippett foi consultor sobre os métodos de pesquisa. Estas e outras informações sobre as fases de
preparação e elaboração da pesquisa podem ser encontradas na introdução da obra, em português,
conforme citada na bibliografia no final deste trabalho.
23
A Rádio HCJB, A Voz dos Andes, ainda hoje continua com suas atividades (RÁDIO HCJB, 2009).
30
2.1.2.2 Argentina
Padilla, após um período de dois anos na Inglaterra
24
, retornou para a América
Latina, residindo por um curto período de pouco mais de um ano na Colômbia, e
depois se transferiu para a Argentina, Buenos Aires, onde vive até hoje.
Na pesquisa de Read, Monterroso e Johnson, já citada neste trabalho, é feita
uma afirmação sobre a Igreja batista na Argentina, denominação em que Padilla era
pastor:
No ano de 1956, apenas uma igreja batista de Buenos Aires mostrou
crescimento; as outras aparentemente marcavam passo. Certo professor de
seminário evangélico na Argentina observa que a elevação do nível de vida
dá aos argentinos o senso de satisfação, levando-os a reagirem lentamente
em favor do evangelho (1969, p. 103).
2.1.2.3 Colômbia
Um marco importante que pode ser destacado em relação à Colômbia é que,
na cidade de Medellín, de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968, foi realizada a II
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano (CELAM). Convocada pelo Papa
Paulo VI, teve por principal objetivo aplicar à realidade latino-americana os
ensinamentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. O tema de estudos foi: “A Igreja na
atual transformação da América Latina à luz do Concílio”.
Essa Conferência é considerada inovadora e “revolucionária”, pois foi nesse
espaço que “a Teologia da Libertação teve sua origem, inspirando-se na evangélica
opção pelos pobres e no fenômeno da erupção dos pobres na história” (PADILLA,
1991a, p. 9, tradução nossa).
24
Como veremos um pouco mais à frente, Padilla foi para a Inglaterra para fazer seu doutorado em
Manchester, tendo concluído o mesmo em 1965.
31
2.1.3 Cenário socioeconômico
Nos anos de 1930, a América Latina era predominantemente rural, ou seja,
apenas 17% da população residiam em cidades de 20 mil habitantes ou mais. Mas, a
partir dessa época, começou uma explosão de crescimento e durante o meio século
seguinte a população das cidades aumentou mais de dez vezes (BETHELL, 2005).
Grande parte das questões que envolvem a situação social e econômica na América
Latina deve-se a esse rápido crescimento. Entre 1930 e 1990, a população latino-
americana sofreu um aumento de quatro vezes, passando de 110 milhões para quase
450 milhões de pessoas (BETHELL, 2005).
Podemos tomar o Brasil como exemplo desse processo de urbanização.
Segundo o Censo 2000 do IBGE, o Brasil tinha quase 170 milhões de habitantes, o
que corresponde a uma população dez vezes maior do que a existente no país em
1900. No ano 2000, já contava com 81,2% da população morando em áreas urbanas
e 18,8% vivendo em áreas rurais. Ao contrário do que acontecia na década de 50,
quando 63,8% viviam no campo e 36,2% nas cidades (COMBLIM, 1999).
Duas causas principais justificam este grande aumento populacional urbano
no pós-guerra. Primeiramente, a alta taxa de crescimento populacional da
região, e em segundo lugar, a reestruturação das economias, que de
economias agrícolas orientadas para a exportação passaram para economias
industriais de orientação mais regional (BETHELL, 2005, p. 266).
As grandes mudanças ocorridas em virtude da urbanização, além de
benefícios, trouxeram algumas dificuldades para o homem; ou seja, trouxeram muitos
e graves problemas, próprios do crescimento desordenado a que seus habitantes são
submetidos, tais como: concentração excessiva de pessoas, desigualdades sociais,
problemas de habitação, favelas, falta de saneamento, de saúde etc. (PADILLA,
1991a). Citando dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL), Padilla (1991a) apresenta a realidade da pobreza na América Latina, onde,
segundo esse órgão, em 1980 os pobres eram 135 milhões, em 1986 eram 170
milhões, e em 1989 eram 183 milhões, com 88 milhões de indigentes.
Padilla reconhece o grave problema deste crescimento desordenado das
cidades:
32
Dentro desta perspectiva, o futuro que temos diante de nós é muito
promissor. Nossas cidades não estão minimamente equipadas para satisfazer
as necessidades dos milhões e milhões de novos habitantes no campo da
saúde, da educação, do trabalho. Evidência disso são os vastos setores da
população urbana que vivem na pobreza e privados da esperança de
melhorar sua situação. E é precisamente nestes ‘cinturões de miséria’ onde
se registra o maior crescimento demográfico, com o qual as cidades latino-
americanas oferecem um espetáculo cada vez mais desolador (PADILLA,
1994a, p. 95, tradução nossa).
No entanto, Padilla não apenas admite essas dificuldades, mas reconhece que
a urbanização se constitui em um desafio para a Igreja urbana. Ele vê no discipulado
uma alternativa de ação eficaz da Igreja. Segundo esse teólogo, a Igreja não pode se
limitar a pregar uma mensagem do “evangelho do êxito”
25
, uma mensagem de alívio
para as necessidades físicas imediatas; mas deve ter uma ação que leve as pessoas
da urbe, escravizadas pelo materialismo e consumismo, a confessarem a Jesus Cristo
como Senhor:
Tem que ver com a urgente necessidade de formar uma comunidade que,
pese a poderosa influencia de uma sociedade da massa escravizada pelo
materialismo e o consumismo, confesse a Jesus Cristo como Senhor e viva à
luz desta confissão. As cidades modernas, incluindo as latino-americanas,
têm muito de Sodoma e Gomorra. A missão urbana da Igreja tem que estar
orientada à formação de discípulos de Cristo que, a nível pessoal e
comunitário, deem testemunho da graça e do juízo de Deus, em palavra e em
ação, no coração mesmo da cidade (PADILLA, 1994a, p. 96, tradução nossa).
2.2 A VIDA E OBRA DE C. RENÉ PADILLA
2.2.1 Sua família, infância e juventude
Esta parte deste trabalho teve por base, além de dados que foram sendo
coletados ao longo da pesquisa, três outras fontes: a entrevista que Padilla concedeu
ao pastor batista Víctor Rey Riquelme (REY, 2004); um artigo do próprio René Padilla
25
Uma obra indispensável para se compreender bem o movimento chamado teologia da prosperidade e
as implicações para a vida da igreja, é o livro do Dr. Paulo Romeiro. Nessa obra, Romeiro, de maneira
clara, simples e profunda, apresenta um retrato fiel e contundente dos exageros e dos deslizes
teológicos da confissão positiva (ROMEIRO, 1993).
33
intitulado Siervo de la palabra (PADILLA, 1984a); e uma entrevista que fiz com ele em
Salvador, Bahia, quando da realização de um congresso sobre temas relacionados à
Missão Integral
26
.
C. René Padilla nasceu em um lar evangélico, em 1932, no Equador na cidade
de Quito. Buscando melhores condições de vida, seu pai viaja para a Colômbia e após
conseguir um pouco de estabilidade financeira retorna ao Equador para buscar sua
esposa e filhos. Padilla informa que, quando estava para completar dois anos e meio,
seu pai decidiu mudar com toda a família para residir definitivamente na Colômbia,
onde passaria sua infância (REY, 2004).
Sua infância foi passada na cidade de Santa Fé de Bogotá, antigo nome da
capital da Colômbia, e, como já mencionado, cidade onde a presença do catolicismo
era muito forte. Em razão disso, Padilla (1984a) afirma ter presenciado muitas
discussões de seu pai com seus vizinhos católicos. Segundo ele, nessa época os
protestantes sofriam ameaças, e, juntamente com sua família, foi objeto de muita
perseguição religiosa. Padilla fala algo sobre essa perseguição naqueles anos na
Colômbia:
Fiz meu primário na Colômbia, fui expulso da escola quando estava fazendo o
terceiro ano por não assistir a uma procissão, o qual mostra um pouco da
situação que vivem os evangélicos na Colômbia nestes anos. E na década
de 30 e ainda mui posteriormente, em parte por causa da perseguição
religiosa [...] minha família voltou para o Equador (REY, 2004, p. 38,
tradução e grifo nossos).
René Padilla era o filho do meio, pois tinha outros três irmãos e três irmãs.
Sobre sua mãe, Padilla me informou que ela era muito católica e que chegou a pedir
ao esposo que não lhe falasse mais do Evangelho. Mas algum tempo depois, por volta
de 1921, sua mãe recebeu um convite para ir à inauguração do primeiro templo
evangélico em Quito. Aceitou o convite e, ao ouvir a mensagem pregada por um
missionário, veio a se converter (ENTREVISTA, 2009). Outra informação que Padilla
fez questão de ressaltar é que sua mãe era uma mulher muito inteligente. Embora não
tivesse mais que quatro anos de estudos. Contrariando ao esposo, o qual desejava
26
Esse congresso aconteceu entre os dias 08 e 10 de outubro de 2009, nas dependências da Igreja
Batista da Graça – Salvador, Bahia. Teve por tema “Transformando a Missão: justiça, espiritualidade e
cidadania”. Padilla, juntamente com outros líderes ligados à Missão Integral, foi um dos preletores. No
sábado, dia 10, tive um encontro com Padilla, onde pude realizar com ele uma longa entrevista. De
agora em diante, nesta pesquisa, farei referência a essa entrevista como “Entrevista, 2009”.
34
que os filhos seguissem a sua profissão de alfaiate (ENTREVISTA, 2009), a mãe de
Padilla insistiu e estimulou que os filhos se aplicassem nos estudos. Demonstrando
muito orgulho de sua mãe, e de certa forma querendo honrar a sua memória e os
frutos do seu esforço, Padilla revela com alegria ser membro de uma família de
escritores, e isso ele credita boa parte à insistência de sua mãe, a qual muito se
esforçou para que os filhos estudassem (ENTREVISTA, 2009). Um de seus irmãos,
Plácido, e que é pastor batista, escreveu um livro sobre a História do Protestantismo
no Equador (ENTREVISTA, 2009). Quanto ao seu pai, de nome Carlos, Padilla (1984)
também fala dele de maneira muito carinhosa. Nas suas palavras, seu pai foi seu
primeiro mestre em teologia. Viria a falecer aos 90 anos de idade, sendo enterrado em
Quito. Nessa época, Padilla não pode ir ao seu sepultamento, pois estava morando
em Buenos Aires e não conseguiu passagem para fazer a viagem (ENTREVISTA,
2009).
Respondendo à pergunta de Rey (2004) sobre que fatores contribuíram para a
sua formação teológica, Padilla menciona a grande influência exercida por seu pai.
Em que pese o fato de seu pai ter sido um homem de poucos recursos financeiros,
Padilla nos diz que ele era alguém que amava a leitura. Um autodidata. E diz ter
aprendido a ser um amante da leitura com seu pai. Padilla diz se lembrar de alguns
títulos de livros lidos por seu pai: “El cura, La mujer y el confesionario, Pepa y La
Virgen, El Pentateuco, Diccionario de La Santa Bíblia” (1984a, p. 113). Além de um
amante da leitura, seu pai era também alguém apaixonado pela evangelização. Tanto
que sua casa tornou-se um lugar de propagação do Evangelho (1984a).
Quanto à mudança da Colômbia para o Equador, Padilla apresenta duas
razões: a perseguição religiosa e a busca de condições melhores de estudos para os
filhos (REY, 2004). Em Quito, Padilla concluiria seus estudos secundários.
Padilla fornece dados sobre sua caminhada espiritual, quando ainda estudava
em Quito, e afirma que tal experiência ou fase de sua vida muito contribuiu para seu
crescimento na fé: “Recordo de minhas caminhadas pelos largos corredores do
Colégio Mejía de Quito, lendo o Novo Testamento porque queria inteirar-me mais
pessoalmente do que significava o ensino bíblico” (REY, 2004, p. 39, tradução nossa).
Nessa mesma entrevista dada a Rey, Padilla conta três fatos importantes que
tiveram lugar na sua adolescência: o primeiro, sobre o compromisso pessoal que
assumiu com Jesus Cristo quando tinha seus 15 anos de idade; o segundo ocorreu
aos 17 anos quando foi eleito presidente da Sociedade Juvenil, o que revela que
35
nessa idade já tinha, por parte de sua igreja, o reconhecimento de sua liderança; e,
por último, também aos 17 anos, começou a pregar o Evangelho, tanto na
Penitenciária Garcia Moreno como na Rádio HCJB.
Durante os anos de adolescência em que estava cursando o secundário,
Padilla já se sentia desafiado a pensar sobre os desafios que o marxismo impunha
sobre a teologia. Ele diz que nessa época dois ou três professores marxistas já
haviam lhe incomodado com questões sobre a relevância da Igreja na sociedade:
Dois ou três professores marxistas me haviam sacudido com suas perguntas
relativas ao ‘idealismo’ cristão. Sua crítica à religião como o ‘ópio dos povos’
haviam semeado em minha consciência adolescente a inquietude por um
cristianismo viril, um cristianismo que tomasse a sério a realidade social e a
história. Agora de novo, em minha juventude, a mesma preocupação florescia
com nova força e se me impunha como um problema que exigia
impostergavelmente uma resposta (PADILLA, 1984a, p. 115, tradução nossa).
2.2.2 Sua preparação acadêmica
Após a conclusão do curso secundário, em 1953, Padilla decide ir para os
Estados Unidos, dando, assim, continuidade aos seus estudos no Wheaton College
27
,
onde durante seis anos estudou filosofia, grego, hebraico, Bíblia e teologia. Mas,
conforme o próprio Padilla (1984a) ressalta, não foi sem muita luta, perseverança e
resignação, e se não fosse a ajuda de um diácono de sua congregação fazendo-lhe
um empréstimo financeiro, bem como a ajuda de seu irmão chamado Washington, ele
não teria como fazer o curso em Wheaton. Padilla informa ainda:
Algumas das lembranças mais vívidas que eu tenho do que Deus quis fazer
em minha vida se deu em um contexto de momentos difíceis, por exemplo,
quando na Universidade de Wheaton não dispunha de meios necessários
para meu próprio sustento porque não tinha como pagar tudo, eu não tive
nenhum tipo de ajuda de minha instituição. Recebi uma beca da própria
universidade e isso foi tudo, porém isso para mim foi uma disciplina que me
ajudou muito a crescer e a confiar no Senhor e saber que Ele era capaz de
27
É interessante ressaltar que nesse mesmo colégio também estudaria Carl F. H. Henry, chamado de
“o principal intérprete da teologia evangélica, um de seus mais importantes teóricos” (GRENZ; OLSON,
2003, p. 350). Henry daria uma grande contribuição ao evangelicalismo nos anos seguintes,
principalmente quando fundou a Revista Christianity Today, ficando responsável como seu editor até o
ano de 1967. Lembro que foi essa revista que convocou o Primeiro Congresso Latino Americano de
Evangelização (CLADE I).
36
prover minhas necessidades e ao longo da minha experiência tem sido assim
(2004, p. 40, tradução nossa).
Durante os anos de estudo nos Estados Unidos, Padilla obteve os seguintes
títulos acadêmicos: Bacharel em Filosofia no Wheaton College e Mestre em Teologia,
no Wheaton College Graduate School, defendendo sua dissertação que teve por tema
“Os nomes de Cristo no livro de Apocalipse” (ENTREVISTA, 2009).
Um passo importante na carreira acadêmica de Padilla foi sua viagem para a
Inglaterra, em agosto de 1963. Nessa época já estava casado com Catalina Feser,
que conheceu durante os anos de estudo em Wheaton, e tinha duas filhas (Ruth e
Sara)
28
. Sob a orientação do catedrático F. F. Bruce (1910-1990)
29
, cursou o
doutorado em Ciências Bíblicas pela Universidade de Manchester, concluindo o
mesmo em 1965. Sua tese teve o seguinte título: Church and World: A Study of the
Relation Between the Church and the World in the Teaching of Paul the Apostle (A
Igreja e o Mundo: um estudo da relação entre Igreja e mundo nos escritos de Paulo).
Padilla entende que a escolha do tema de sua tese teve por motivação sua
inquietação sobre a relevância da Igreja na sociedade, inquietação esta que nasceu
como resultado do seu contato com professores marxistas. Anos mais tarde, na
manhã de julho de 1974, enquanto já corria o terceiro dia do Congresso de Lausanne
na Suíça, Padilla fez sua palestra com base em um ponto de sua tese doutoral
(PADILLA, 1984a).
Assim que terminou seu doutorado, em 1966, Padilla retornou para a América
Latina, indo morar em Lima, no Peru. Agora, além da sua esposa Catalina, suas duas
filhas, Ruth e Sara, conta com uma terceira filha, Elisa Padilla.
30
Ao todo Padilla teve
seis filhos: Rubens, Ruth, Sara, Elisa, Margarita e o caçula René
31
. Todos estão muito
28
Ruth Padilla DeBorst exerceu até este ano de 2009, o cargo de Secretária Geral da FTL.
29
Frederick Fyvie Bruce nasceu em Elgin, Escócia, em 12 de outubro de 1910. Recebeu seu M. A.
(grau de Mestre em Artes) em letras clássicas em Aberdeen e em Cambridge, e recebeu de Aberdenn o
seu D. D. (grau de Doutor em Divindade). De 1947 a 1959 foi professor de História e Literatura Bíblicas
da Universidade de Sheffield. Em 1959 mudou-se para a Universidade de Manchester, onde se tornou
professor de Crítica Bíblica e Exegese.
30
Elisa Padilla exerce atualmente o cargo de secretária executiva na Fundação Kairós (antes Editora
Kairós), organizada por René Padilla e que em 1987 se tornou uma Fundação, entidade que funciona
como uma ONG sem fins lucrativos, de acordo com as leis da Argentina (FUNDAÇÃO KAIRÓS, 2009).
31
Algumas informações sobre seus filhos: Rubens mora atualmente na Costa Rica com sua esposa e
tem seis filhos. Ruth, conforme já mencionado em nota anterior, exerceu o cargo de Secretária Geral da
FTL. Reside atualmente em Bogotá, em Costa Rica. Sara vive atualmente nos Estados Unidos e
desenvolve, juntamente com seu esposo, um ministério de evangelização dos imigrantes que vivem
ilegalmente naquele país. Padilla me informou na entrevista que se trata de um trabalho extremamente
difícil. Elisa vive em Buenos Aires, e é a atual Diretora da Editora Kairós. Padilla também informa que,
37
envolvidos na Missão Integral. Sua estada no Peru durou pouco mais de um ano,
após o qual foi para a Argentina.
2.2.3 Sua liderança eclesiástica
Como já mencionado anteriormente, desde muito cedo Padilla já se revelava
um líder na sua igreja local. Em 1959, após terminar os cursos em Wheaton, dá início
à sua caminhada na Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE).
Padilla informa que seu trabalho junto à CIEE teve início em 1959 e terminou em
1982, na Argentina (PADILLA, 2004). Nesse mesmo ano foi nomeado Secretário
Itinerante para atender aos seguintes países: Venezuela, Colômbia, Equador e Peru.
Um ano antes, em julho de 1958, Padilla já havia participado da histórica
reunião realizada pela CIEE. O Congresso de Cochabamba, realizado na Bolívia, em
1958, foi um dos fatos importantes para o movimento estudantil, sinalizando que a
obra iniciada não era algo isolado, mas sim parte de um corpo em formação na
América Latina. Padilla também informa que a sua participação na CIEE foi o que o
aproximou de Samuel Escobar e de Pedro Arana (PADILLA, 1994a).
Em um artigo, publicado na Revista Ultimato, Padilla (2005) apresenta algumas
contribuições do CIEE ao avanço do Evangelho nas últimas cinco décadas:
1) Em primeiro lugar, a CIEE tem sido um verdadeiro celeiro de líderes cuja
espiritualidade inclui o cultivo de uma mente cristã. Homens e mulheres
formados nestas últimas décadas nas fileiras desse movimento hoje
exercem cargos, com um indiscutível senso de missão, no pastoreio de
igrejas, em entidades evangélicas (inclusive várias ONGs) ou nas mais
variadas profissões ‘seculares’.
2) Em segundo lugar, a CIEE teve uma contribuição singular no
redescobrimento da missão integral entre os evangélicos na América
Latina. Com certeza, a evangelização tem ocupado um lugar central na
vida do movimento em âmbito mundial... Muitos profissionais que
passaram pela CIEE hoje são dedicados a servir ao próximo, atendendo
às suas necessidades em todas as dimensões. Trata-se, na verdade, de
assim que Elisa se casou, ela e seu esposo foram morar em uma favela, não por dificuldades
financeiras, mas como uma opção ministerial, com a finalidade de evangelizar os pobres. Por 12 anos
desenvolveram esse trabalho. Margarita vive em Buenos Aires e também está envolvida na Missão
Integral. Desenvolve um ministério trabalhando no que Padilla denominou de Recursos Naturais
Renováveis. Trata-se de uma missão que busca cuidar das questões ambientais. O caçula, René, vive
também em Buenos Aires e é funcionário da Toyota. Também está envolvido na Missão Integral, onde
desenvolve um programa de capacitação profissional de jovens em situação de pobreza (ENTREVISTA,
2009).
38
um redescobrimento da missão integral que esteja vinculada a essa
maneira de compreender a missão cristã: o sacerdócio de todos os
crentes.
3) Finalmente, a CIEE demonstrou com seu próprio ministério o significado
da unidade em Cristo. Como movimento de caráter interdenominacional,
espera superar muitas barreiras (várias delas importadas de outras
latitudes) que separam as igrejas. Devido ao testemunho de união na
universidade, criou um ambiente de colaboração mútua e abertura ao
diálogo com todos – um ambiente ecumênico, mas não de ‘ecumenismo’.
Após ter deixado suas funções na CIEE, Padilla investiu boa parte de seus
esforços na área de publicações. Por vários anos esteve à frente da Revista Certeza e
depois foi editor do editorial Caribe. Atualmente, Padilla é presidente emérito da
Editora Kairós, com sede em Buenos Aires.
Uma das atividades desenvolvidas por Padilla que merece destaque foi sua
liderança frente à Fraternidade Teológica Latina Americana (FTL). Essa importante
instituição, veículo de divulgação da teologia evangelical e da Missão Integral, teve
seu início em dezembro de 1970, na Bolívia, quando da realização do CLADE I.
Contando com 920 pessoas de todo o continente, o CLADE I aconteceu em
novembro de 1969, na cidade de Bogotá. Conforme já mencionei, esse CLADE foi
convocado pela revista evangélica Christianity Today, e a responsabilidade por sua
organização ficou com a Associação Evangelística Billy Graham. Devido à forte
consciência das necessidades de mudanças que precisam acontecer na América
Latina, nasce um desejo de unir esforços para trabalhar para promover mudanças na
sociedade. O próprio tema do Congresso já é revelador quanto a essa consciência:
“Ação de Cristo para um Continente em Crise”.
Segundo o pastor luterano Valdir Steuernagel, um dos principais líderes do
movimento evangelical, o CLADE I teve duas marcas distintivas: manifestou com
clareza que, na América Latina, somos e queremos ser evangélicos. E, como
evangélicos, somos e queremos ser latino-americanos. Naquela ocasião e naquele
contexto, tornava-se urgente que, sendo evangélicos, buscássemos uma teologia da
encarnação que estabelecesse as pautas para um diálogo com a situação de
sofrimento e opressão que se vivia em toda a América Latina (PAREDES, 1999).
Um dos resultados do CLADE I foi a criação da FTL; uma Fraternidade que
pudesse canalizar a inquietude teológica de novas gerações evangélicas que estavam
desejando mudanças na forma de ver a Igreja e sua ação na sociedade. A FTL é
organizada e tem na figura de René Padilla um de seus fundadores, juntamente com
outros líderes, como Samuel Escobar, Pedro Savage, Pedro Arana, J. Andrés Kirk,
39
Rolando Gutiérrez, Tito Paredes, Emílio A. Núnez, Robinson Cavalcante e Valdir
Steuernagel.
Já no ano seguinte (1970), entre os dias 12 e 18 de dezembro, em
Cochabamba, na Bolívia, acontece a Primeira Consulta convocada pela FTL. Nessa
consulta Padilla apresentou sua palestra com o tema: “A autoridade da Bíblia na
teologia latino-americana” (1972).
A FTL foi responsável pela convocação dos demais CLADEs (II, III e IV). Com
a presença de apenas 266 pessoas e tendo adotado o tema: “Que a América Latina
ouça a voz de Deus”, o CLADE II aconteceu em Huampani, Lima, Perú, em outubro
de 1979. A palestra de Padilla (1980) versou sobre o seguinte tema: “Cristo e o
Anticristo na Proclamação”. Nessa palestra, ele abordou três aspectos: 1) na primeira
parte expõe sua compreensão do que o Novo Testamento diz sobre o Anticristo; 2) na
segunda, ele apresenta alguns discernimentos sobre os sinais dos tempos; e 3) por
último, sugere algumas aplicações para o contexto da América Latina
32
.
No CLADE II foram debatidos outros temas, tais como o papel do
protestantismo, a missão da Igreja, a natureza da evangelização e a formação de
nova liderança.
O CLADE III teve por lema: “Todo o evangelho para todos os povos”.
Aconteceu entre os dias 24 de agosto e 4 de setembro de 1992, em Quito no
Equador.
33
Teve a participação de 1.080 integrantes, vindos de 26 países da América
Latina (LONGUINI NETO, 2002). Conforme Robinson Cavalcanti (1999, p. 51), “O
CLADE III foi o ápice do trabalho da Teologia da Missão Integral da Igreja em nosso
continente”.
Longuini Neto (2002) informa que esse CLADE foi composto de duas partes
distintas: a primeira com o tema “Todo o Evangelho”, no qual várias palestras
focalizaram a essência e a natureza do Evangelho, e a segunda com a preocupação
focada na universalidade do Evangelho com a ênfase “Para Todos os Povos”.
O CLADE IV, à semelhança do anterior, reuniu-se na cidade de Quito, no
Equador, entre os dias 2 e 8 de setembro de 2000. Tendo por lema “O testemunho
evangélico para o Terceiro Milênio: Palavra, Espírito e Missão”, os 1.300 participantes
32
Essa palestra de Padilla é o capítulo 5 do livro Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a igreja
(1992a). Além disso, o documento do CLADE II foi publicado em português, embora numa versão
simplificada, pela ABU (STEUERNAGEL, 1980).
33
O número 23 do Boletim Teológico da FTL trás um artigo de Samuel Escobar, Balanços e
perspectivas do Clade III, onde fornece uma visão dos antecedentes históricos desse congresso
(ESCOBAR, 1994).
40
refletiram sobre temas como: pluralismo religioso, crescimento da Igreja,
espiritualidade e estruturas de poder. Longuini Neto (2002) menciona que, na carta de
convocação, a FTL declarou os objetivos que deveriam nortear aquele Congresso:
Reafirmar o lugar essencial das Escrituras na formação do pensamento,
vivência e missão da comunidade cristã; destacar o papel, da presença e do
poder do Espírito Santo na missão da igreja latino-americana; refletir sobre as
distintas expressões teológicas, missiológicas e litúrgicas da igreja evangélica
no continente; desafiar a igreja evangélica a ser um agente de mudança na
sociedade atual, que se caracteriza por violência, corrupção, pobreza e
injustiça; dar testemunho público do poder de Deus no crescimento da igreja
evangélica na América Latina durante o século que se finda (LONGUINI
NETO, 2002, p. 213-214).
41
3 MARCOS TEOLÓGICOS NA OBRA DE C. RENÉ PADILLA
3.1 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE C. RENÉ PADILLA
3.1.1 Conceito de Reino de Deus
Em seu artigo que trás como título A Missão da Igreja à luz do Reino de Deus
34
,
Padilla expressa o conceito de “reino de Deus” e de como esse tema é fundamental
na sua teologia. A missão da Igreja, segundo ele, não poderá ser compreendida de
maneira adequada, a menos que se entenda à luz da Escritura o significado de “reino
de Deus”. Ele ressalta que
falar do Reino de Deus é falar do propósito redentor de Deus para toda a
criação e da vocação histórica que a Igreja tem com respeito a este propósito
aqui e agora, ‘entre os tempos’. É também falar de uma realidade
escatológica que constitui simultaneamente o ponto de partida e a meta da
Igreja. A missão da Igreja, conseqüentemente, só pode ser entendida à luz do
Reino de Deus (1992a, p. 197).
Padilla analisa o pessimismo da escatologia judaica, em que a história estava
divorciada da escatologia, ou seja, em que o presente e o futuro estão desvinculados.
Acompanhando o pensamento de Georg Ladd e Oscar Culmann, Padilla observa que
Jesus é a figura central que corrige as distorções sobre o Reino de Deus, bem como
norteia todo esse tema numa perspectiva bíblica. Padilla pondera que
o Reino de Deus é, portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma
promessa que será cumprida no futuro: ele veio (e está presente entre nós) e
virá (de modo que esperamos seu advento). A afirmação simultânea do
presente e do futuro tem como resultado a tensão escatológica que permeia
todo o Novo Testamento e representa, indubitavelmente, um redescobrimento
34
O mesmo Padilla menciona que, dois anos antes, já havia apresentado esse tema numa consulta
sobre a Evangelização e a Responsabilidade Social, realizada em Michigan em 1982. Na qualidade de
preletor, foi convidado para falar nessa consulta, onde abordou o tema sobre a relação entre “o reino
em relação à igreja e o mundo” (PADILLA, 1992a, p. 12).
42
da escatologia ‘profético-apocalíptica’, que o judaísmo tinha perdido (1992a,
p. 198).
Segue sua definição de Reino de Deus:
O Reino de Deus não é meramente o governo de Deus sobre o mundo por
meio da criação e da providência [...] O Reino de Deus é, antes, uma
expressão do governo final de Deus em toda a criação, o mesmo que, em
antecipação ao fim, se fez presente na pessoa e obra de Jesus Cristo. Tanto
a proclamação do Reino como os sinais visíveis de sua presença por meio da
Igreja se realizam pelo poder do Espírito – o agente da escatologia em
processo de realização – e apontam para sua realidade presente e futura
(PADILLA, 1992a, p. 206-207).
Como veremos a seguir, essa maneira de Padilla enxergar o Reino de Deus
ajuda a corrigir as distorções sobre a ação da Igreja na sociedade. Mas, antes, preciso
ressaltar que tal conceito sobre o Reino de Deus é também visto em outros teólogos
de linha reformada, como, por exemplo, por Anthony Hoekema. Veja a seguir:
O Reino de Deus deve ser entendido como o Reinado dinamicamente ativo
de Deus na história humana através de Jesus Cristo, cujo propósito é a
redenção do povo de Deus do pecado e de poderes demoníacos, e o
estabelecimento final dos novos céus e nova terra. Isto significa que o grande
drama da história da salvação foi inaugurado e que a nova era foi instaurada
[...] O Reino de Deus significa que Deus é Rei e age na história para trazer a
história a um alvo divinamente determinado (LADD apud HOEKEMA, 1989, p.
63).
No conceito de Padilla, pode-se extrair alguns aspectos do Reino de Deus. E,
como veremos, esses aspectos trazem desdobramentos positivos para a ação da
Igreja na cidade:
a) O Reino de Deus é uma realidade presente, mas ainda não finalmente
Para Padilla, uma marca muito distintiva e que caracteriza a escatologia do
Novo Testamento é a tensão entre o “já” e o “ainda-não”. “O Reino de Deus é,
portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma promessa que será
cumprida no futuro” (1992a, p. 198). Essa é a perspectiva também vista em Paulo. O
apóstolo diz que “é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos
43
debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo a ser destruído é a morte” (I Co 15.25-26).
Ao afirmar que é necessário que Jesus reine pondo seus inimigos debaixo de seus
pés, e, ao falar que o último inimigo a ser destruído é a morte, Paulo nos ensina que o
Reino de Deus já está presente. E, ao mesmo tempo, ainda nesse mesmo capítulo,
Paulo mostra que a morte será tragada pela vitória da ressurreição que se dará por
ocasião da Segunda Vinda de Cristo. Dessa forma, a parousia (Segunda Vinda)
marcaria o fim e não o começo dessa etapa do Reino de Deus. A primeira vinda de
Cristo marca a inauguração do Reino, ou seja, o “já”, e a segunda vinda marca o
“ainda não” desse Reino.
Padilla faz algumas críticas à escatologia judaica em razão do seu dualismo,
onde o mesmo reflete grande dose de pessimismo, em que “surgiu em Israel um
conceito de história com um interesse exagerado no futuro e um persistente desprezo
para com o presente” (2002a, p. 197, tradução nossa). A ideia que permeava essa
escatologia fatalista ou pessimista entendia que a Era presente estava abandonada,
sob o domínio do mal e do sofrimento. Padilla ressalta que essa visão escatológica
não está em harmonia com a mensagem pregada pelos “profetas do Antigo
Testamento, para os quais o cumprimento dos propósitos de Deus na história era de
suma importância” (1992a, p. 197).
b) O Reino de Deus é uma realidade da presença transformadora de Jesus
Neste ponto, pode-se perceber também claramente a aplicação do conceito de
Reino de Deus em Padilla e a ação da Igreja na sociedade. O Reino tem a ver com o
poder dinâmico de Deus por meio do qual “os cegos vêem, os coxos andam, os
leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos
pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.5). Tem a ver com o Espírito de Deus
– o dedo de Deus – que expulsa demônios (Mt 12.28; Lc 11.20). Ele é visto na
libertação dos poderes demoníacos (Lc 8.36), cegueira (Mc 10.46-52), hemorragia
(Mc 5.34) e a própria morte (Mc 5.23) (PADILLA, 1992b, p. 199).
De acordo com esse aspecto da teologia de Padilla sobre o Reino de Deus, a
escatologia deveria servir de motivação para a ação da Igreja em direção à
transformação da sociedade, e não o contrário. Segundo John Stott, uma teologia
44
distorcida sobre a escatologia é uma das causas da Igreja ter se distanciado da
sociedade:
Segundo o pré-milenismo o mundo atual é tão mau que qualquer melhora ou
redenção se torna impossível; ele continuará se deteriorando mais e mais, a
a vinda de Jesus, que estabelecerá então o seu reino milenial aqui na terra.
Se o mundo vai piorar cada vez mais, e se somente a vinda de Jesus dará um
jeito nisso, diz o argumento, não faz sentido algum tentar reformá-lo nesse
meio tempo (STOTT, 1989, p. 24-25).
c) O Reino de Deus é a expressão do Senhorio de Jesus sobre todas as
coisas
Segundo o Novo Testamento, todo o mundo foi colocado sob o senhorio de
Jesus Cristo. A esperança cristã se relaciona com a consumação do propósito de
Deus de unir todas as coisas no céu e na terra sob o mando de Cristo como Senhor, e
de libertar a humanidade do pecado e da morte em seu Reino.
O Cristo que a Igreja reconhece como Senhor é o Senhor de todo universo.
Nesta afirmação de seu senhorio universal, a Igreja encontra a base para sua
missão. Cristo foi coroado como Rei, e sua soberania se estende sobre a
totalidade da criação. Como tal, ele comissiona os seus discípulos a fazerem
discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20) (PADILLA, 1992b, p. 203).
A visão do evangelista João, conforme vemos em Apocalipse 5.9, descreve
uma cena em que estão reunidos os redimidos de todos os povos, língua, tribos e
nações. O desígnio da redenção (v. 9) é universal, pois se estende a todos os povos.
Portanto, a tarefa missionária é reunir os redimidos de todos os povos por meio da
pregação do Evangelho (Jo 10.16; 11.51,52; Ap 5.9).
Mateus (28.19) nos ensina que a autoridade é para que o Filho do Homem
35
reine sobre todas as nações e para sempre. A autoridade do Filho do Homem tem o
elemento universal no sentido geográfico e cronológico. Missão ocorre em todo lugar
onde o senhorio de Cristo não penetrou ainda. As missões são a manifestação de seu
senhorio universal.
35
Embora não seja tão clara a origem desse nome, essa é uma das formas que o Senhor Jesus Cristo
usou para revelar quem Ele era. O uso da expressão ‘Filho do Homem’ era conhecida pelos judeus,
conforme pode ser visto em Daniel 7.13,14.
45
d) O Reino de Deus inclui a Igreja, mas não é a igreja
Por último, a Igreja não é o Reino de Deus, mas sim o resultado do Reino. Para
Padilla, a Igreja leva as marcas de sua existência histórica, do “ainda não” que
caracteriza o tempo presente. Em razão disso, a Igreja não deve se alienar. Ela, aqui
e agora, participa do “já” do Reino que o Senhor Jesus iniciou. Como a comunidade
do Reino é habilitada pelo Espírito Santo, a Igreja é claramente chamada a ser uma
nova sociedade, uma terceira força junto com os judeus e gentios (I Co 10.32). Ela
não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele (PADILLA,
1992b).
3.1.2 Conceito de Escritura Sagrada
3.1.2.1 A autoridade da Sagrada Escritura
A fim de termos acesso à compreensão de Padilla sobre a Escritura Sagrada,
seu artigo La Autoridad de la Biblia y la Teología Latinoamericana nos serve de
grande ajuda. Nesse texto, é apresentada a sua definição de doutrina da autoridade
bíblica:
A Bíblia tem um propósito soteriológico. Forma parte da história da salvação.
E dela deriva sua autoridade como registro fidedigno dos acontecimentos da
redenção e como parte, ela mesma, da história da salvação, já que é o livro
pelo qual estes acontecimentos são atualizados de geração em geração no
povo de Deus, pela ação do Espírito Santo (PADILLA, 1972, p. 127, tradução
nossa).
Ao falar sobre a pregação da Palavra, Padilla defende uma posição bem
conservadora. Segundo ele, o pregador deve anunciar todo o conselho de Deus, “em
uma palavra, uma proclamação que seja uma prolongação autêntica da Palavra da
Revelação que nos tem sido dada nas Sagradas Escrituras” (1972, p. 139, tradução
nossa). Ele pondera ainda que “a teologia da América Latina deve definir um sentido
46
de missão da Igreja a partir da Palavra de Deus em contraposição com definições
baseadas em critérios socioeconômicos” (1972, p. 138, tradução nossa).
Tal posicionamento de Padilla encontra seu apoio na doutrina protestante da
Sola Scriptura (Somente a Escritura). Esta afirma que Deus tem um plano eterno e
que este só pode ser corretamente compreendido através de Sua revelação especial.
Todos os outros esforços serão inúteis e apenas conduzirão ao misticismo e a
caminhos falsos. A importância desse tema para a Missão Integral é a de que a ação
da Igreja é vista como sendo fiel se ela é submissa à Escritura.
3.1.3 Conceito do homem
Dois textos principais são indispensáveis para se entender a perspectiva
teológica de Padilla sobre o homem. O primeiro tem por título A Relação homem-
mulher na Bíblia
36
. O segundo texto, escrito juntamente com sua esposa, Catalina
Feser de Padilla, traz o seguinte título Hombre y Mujer: perspectiva biblica (2005). No
primeiro texto, Padilla (1991b) procura abordar o tema sob três aspectos:
primeiramente, dentro do contexto da criação, depois no contexto do pecado, e por
último no contexto da redenção. Demonstrando habilidade exegética, Padilla
desenvolve uma análise da criação do homem à luz da Bíblia, considerando o
conceito teológico da Imagem de Deus.
O significado essencial da descrição do Homem como a Imago Dei é o
caráter representativo que o homem tem com relação a Deus [...] o Deus, ao
qual o homem se parece é aquele que cria o universo e os seres viventes por
meio de sua palavra, mas, imediatamente, faz uma imagem de si próprio e o
coloca no mundo como seu representante. É o Criador que implanta no
Homem sua própria criatividade e faz dele seu legítimo representante,
confiando-lhe a mordomia de sua criação [...] ao Homem, como sua imagem,
seu representante, Deus dá faculdade de reproduzir-se e confia a mordomia
do mundo. A tarefa humana fundamental é o governo da realidade criada, em
representação a Deus e sob sua autoridade. Esse é o Mandato Cultural, em
cujo cumprimento o ser humano manifesta, efetivamente, que é Imago Dei. O
Homem completo, como ser somático e espiritual, assemelha-se a Deus
porque a ele foi confiada a mordomia da criação. Nisso se radica a base da
36
Esse texto foi preparado por Padilla e apresentado numa consulta realizada pela Associação de
Seminários e Instituições Teológicas (ASIT). Publicado posteriormente no Boletín Teológico de 1991.
47
responsabilidade humana no uso e cuidado dos recursos naturais, bem como,
no desenvolvimento científico e tecnológico (PADILLA, 1991b, p. 8).
Van Groningen parece concordar com esse conceito de Padilla. Ele afirma que,
ao criar a humanidade à sua própria imagem, Deus estabeleceu uma relação
na qual a humanidade poderia refletir, de modo finito, certos aspectos do
infinito Rei-Criador. A humanidade deveria refletir as qualidades éticas de
Deus, tais como ‘retidão e verdadeira santidade’... e seu ‘conhecimento’ (Cl
3.10). A humanidade deveria dar expressão às funções divinas em ralação ao
cosmos e atividades tais como encher a terra, cultivá-la e governar sobre o
mundo criado. A humanidade em uma forma física, também refletiria as
próprias capacidades do Criador: apreender, conhecer, exercer amor,
produzir, controlar e interagir (GRONINGEN, 1995, p. 94).
Como veremos, mais à frente, esse conceito do homem em Padilla é
fundamental para sua teologia da Missão Integral, em especial, quando da ação da
Igreja em relação às questões ecológicas.
3.1.4 O conceito de evangelho
Em sua obra intitulada El Evangelio Hoy, Padilla (1975) estabelece por objetivo
mostrar sua compreensão do que seja o genuíno Evangelho. Conforme ele mesmo
aponta, diante do crescimento quantitativo fenomenal do evangelicalismo na América
Latina, tal crescimento não tem correspondido na mesma proporção, visto não estar
acompanhado também de seus qualitativos orgânicos.
Conhecendo um pouco o cenário evangélico atual, não é difícil concordar com
a análise de Padilla. Inquestionalvelmente, o evangelicalismo em nossos dias
encontra-se em um estado de perplexidade e confusão. J. I. Packer aponta a causa
dessa perplexidade:
Esse é um fenômeno complexo, para o qual muitos fatores têm contribuído.
Porém, se descermos até à raiz da questão, descobriremos que essas
perplexidades, em última análise, devem-se ao fato que temos perdido de
vista o evangelho bíblico. Sem o percebermos, durante os últimos cem anos
temos trocado o evangelho por um substitutivo que, embora lhe seja
semelhante quanto a determinados pormenores, trata-se de um produto
inteiramente diferente. Daí surgem as nossas dificuldades; pois o produto
48
substitutivo não corresponde às finalidades para os quais o evangelho
autêntico do passado mostrou-se tão poderoso. O novo evangelho fracassa
notavelmente em produzir reverência profunda, arrependimento profundo,
humildade profunda, espírito de adoração e preocupação pela situação da
Igreja. Por quê? Cumpre-nos sugerir que a razão jaz em seu próprio caráter e
conteúdo (PACKER, 1992, p. 3).
Padilla faz uso da pesquisa de Read, Monterroso e Johnson (1969), na qual é
apontada uma das razões para a crise no evangelicalismo latino-americano:
Sentimo-nos alarmados pela falta de ensino sólido e de exposição bíblica em
muitas das igrejas que visitamos. No campo da ética, da moral e da
responsabilidade social, com frequência encontramos que faltava um claro
ensino baseado nas Escrituras (READ; MONTERROSO; JOHNSON, 1969
apud PADILLA, 1975, p. 15, tradução nossa).
No ensaio escrito por Padilla, o autor procura defender um Evangelho que não
seja reduzido a uma ideologia, que não esteja divorciado da prática, limitado a
fórmulas doutrinárias sem qualquer referência à realidade histórica em que está
inserido. A convicção de Padilla (1975) é a de que o Evangelho autêntico é a resposta
para a renovação da Igreja e sua crise de missão.
Não é difícil entender que a inércia das igrejas no campo da ação e do serviço
em favor dos ‘extirpados da terra’ tenha compelido especialmente a juventude
a menosprezar o valor da fé e a absolutizar a política. Porém o fato é que,
quando a fé se reduz a uma ideologia que se esgota no plano horizontal, o
Evangelho perde toda a verdadeira relevância e a Igreja se converte em um
movimento sem especificidade cristã (1975, p. 15, tradução nossa).
Mas como identificar o Evangelho autêntico em meio a tantos outros? Para
responder a esse questionamento, Padilla (1975) apresenta cinco critérios de
avaliação para identificar o Evangelho genuíno.
1º) O genuíno evangelho tem uma estreita relação com o Antigo
Testamento.
Fazendo uso de sua habitual facilidade com a exegese, Padilla analisa os
vários usos do termo euangelion no Antigo Testamento. Segundo ele, euangelion tem
seu uso secular, sem conotação religiosa (II Sm 18.20,22,25; II Rs 7.9; I Rs 1.42; I Sm
49
31.9; Sl 68.11,12). Em todas essas passagens, o termo euangelion é usado para a
ação de trazer “boas notícias” (PADILLA, 1975).
Não obstante esse uso secular, sua aplicação é algumas vezes relacionada à
esperança messiânica, tão presente na história do povo judeu (Is 40.9; 61.1-3). O
apóstolo Paulo, ao falar das boas novas, volta às profecias do profeta Isaías (52.7;
Rm 10.15). O próprio Jesus em Lc 4.18,19 entende as boas novas de Isaías 61.1,2
como uma promessa que tem o seu cumprimento na sua pessoa. Padilla (1975)
afirma então: “O Evangelho de Isaías é a vinda da era messiânica através do poder de
Deus. E nele se antecipa o evangelho cristão” (p. 20, tradução nossa).
2º) O genuíno evangelho tem uma mensagem escatológica.
No registro de Lucas 4.18,19, é afirmada as palavras de Jesus:
O Espírito do Senhor está sobre mim porquanto me ungiu para anunciar boas
novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e
restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e para
proclamar o ano aceitável ao Senhor.
Essa passagem mostra Jesus no templo lendo as Escrituras hebraicas e, após
terminar a leitura, Ele devolve o livro ao assistente e diz: “Hoje se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir” (Lc 4.21).
A passagem de Isaías é de grande importância aqui. Pelas expressões ‘cativos’
e ‘algemados’ (61.1), podemos entender que se trata de uma época em que Israel
estava no exílio. Na leitura feita por Jesus, portanto, Ele anuncia a aurora de um novo
tempo, onde a salvação definitivamente chegou.
Padilla observa que
qualquer pessoa que ler o Novo Testamento dificilmente poderá ignorar a
importância que o Antigo Testamento teve na propagação do Evangelho
desde o começo... a constante referência às Escrituras Hebraicas era muito
mais que uma técnica literária: ela expressava a compreensão da obra de
Jesus como o cumprimento das promessas divinas contidas nestas
escrituras. A história de Jesus era vista como a culminação de seu longo
processo de redenção, um processo que se havia iniciado com Abraão, o pai
de Israel (1975, p. 21, tradução nossa).
50
Conforme o entendimento de Padilla,
o mundo no qual o Evangelho foi proclamado inicialmente era um mundo de
expectativas messiânicas. Não importa o que se crê acerca da conexão entre
o Novo Testamento e os escritos apocalípticos judeus contemporâneos, o fato
é que estes mostram que o ambiente em que aconteceram os eventos do
evangelho havia uma viva esperança escatológica (1975, p. 22, tradução
nossa).
3º) O genuíno evangelho tem uma mensagem centrada em Cristo.
Em seu esforço de definir exatamente a natureza do Evangelho, Padilla mostra
a importância e a centralidade da pessoa e obra de Jesus na ação evangelizadora da
Igreja. Ele mostra essa centralidade abordando diversos aspectos da vida, pessoa e
obra de Jesus e afirma que “o coração do Evangelho é Jesus Cristo” (1975, p. 31). O
genuíno Evangelho é uma mensagem acerca de Cristo, o Filho de Deus, o Cordeiro
de Deus, que morreu pelos pecados; o Senhor ressurreto; o Salvador perfeito.
Sendo dessa mesma opinião, J. I. Packer faz uso da definição de
evangelização do Comitê de Arcebispos (da Igreja Anglicana) de 1918 e afirma:
Ela deixa claro, para começar, o fato de que evangelizar significa declarar
uma mensagem específica. Segundo esta definição, evangelização não
significa meramente ensinar verdades gerais sobre a existência de Deus ou a
lei moral; evangelizar significa apresentar a Jesus Cristo, o Filho divino que se
tornou homem em um ponto particular da história do mundo, a fim de salvar
uma raça arruinada (PACKER, 2002, p. 34).
Orlando Costas, conhecido teólogo evangelical latino-americano e amigo de
Padilla, corrobora com as opiniões anteriores:
Evangelizar é participar de uma ação transformadora, isto é, as boas-novas
da salvação. Neste sentido, a evangelização não é um conceito, mas sim uma
tarefa dinâmica, encarnada primeiro na vida e ação salvifica de Jesus Cristo.
Portanto, ela não pode ser reduzida a uma fórmula verbal. Evangelizar é
reproduzir pelo poder do Espírito Santo a salvação que foi revelada em Jesus
Cristo (1989, p. 133).
51
4º) O genuíno evangelho tem uma mensagem soteriológica.
Outro aspecto muito importante, e que diferencia ou caracteriza o genuíno
Evangelho, é que ele proclama a Jesus o Salvador, o único que “veio ao mundo para
salvar os pecadores” (I Tm 1.15), e que veio cumprindo as profecias do Antigo
Testamento, e que nos “resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição
em nosso lugar” (Gl 3.13).
Ao destacar esse ponto como necessário para definir a natureza do Evangelho
genuíno, Padilla deixa bem estabelecido seu posicionamento quanto aos
pressupostos da Teologia da Libertação. Isso porque aqueles que abraçam a teologia
libertacionista veem a “salvação” como libertão da pobreza, da opressão etc.
René Padilla fala de quatro “perigos” nas teologias da libertação
latinoamericanas: 1) o perigo do pragmatismo em enfatizar a práxis, 2) o perigo do
reducionismo historicista na importância da análise histórico-gramatical, 3) o perigo da
opção sociológica ao dar importância às ciências sociais e, 4) por último, o perigo da
redução do Evangelho a uma ideologia ao supervalorizar o condicionamento
ideológico a toda teologia (PADILLA, 1989).
5º) O genuíno evangelho tem uma mensagem que convoca ao
arrependimento e à fé.
Um quinto e último aspecto, na percepção de Padilla (1975), que ajuda a
conceituar o verdadeiro Evangelho, é que o arrependimento e a fé são inseparáveis.
Precisamos concordar com Padilla, pois a Escritura deixa muito claro que todos
aqueles que ouvem o Evangelho são chamados por Deus para se arrependerem e
crerem. O apóstolo Paulo disse aos atenienses: “Deus… notifica aos homens que
todos, em toda parte, se arrependam” (At 17.30)
37
.
Padilla (1975) diz que onde não há um arrependimento concreto tampouco há
fé genuína e, consequentemente, tampouco há salvação. A ideia é que a
concordância intelectual com a soberania de Jesus Cristo é insuficiente para participar
das bênçãos do Reino que estão à disposição de todos por meio dele.
37
Várias outras passagens podem ser lidas para se conferir esse aspecto: At 11.18; Lc 24.47; Mc 1. 15;
At 20.21; Ez 18.30-31; 34.31; Sl 51.4; Jr 31.18-19; II Co 7.11; Sl 119.6,59,106; Mt 21.28-29.
52
3.1.5 O conceito de evangelização
O Pacto de Lausanne foi o principal documento do Congresso Mundial de
Evangelização, realizado na cidade suíça de Lausanne, em 1974. Trata-se de um
marco do movimento evangelical, cujo relator John Stott teve a contribuição
significativa de teólogos latino-americanos, como René Padilla, Orlando Costas e
Samuel Escobar. O Pacto formulou uma definição de evangelização que claramente
coloca a proclamação no centro da tarefa evangelizadora da Igreja:
Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos
pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei,
ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a
todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é
indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo
cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a
evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico
como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele
pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do
evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus
ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos,
tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os
resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em
sua igreja e um serviço responsável no mundo (PACTO DE LAUSANNE,
1974, artigo 4).
Na definição de René Padilla, conforme veremos a seguir, percebe-se de
maneira muito clara que ele não acompanha o pragmatismo tão comum nas igrejas
evangélicas em nossos dias. Para Padilla,
evangelizar, portanto, não é oferecer uma experiência de libertação de
sentimentos de culpa, como se Cristo fosse um super psiquiatra e seu poder
salvador pudesse ser separado de seu senhorio. Evangelizar é proclamar
Jesus Cristo como Senhor e Salvador, por cuja obra o homem é liberto tanto
da culpa como do poder do pecado, integrando-se ao propósito de Deus de
colocar todas as coisas sob o mando de Cristo (1992b, p. 23).
Desdobrando essa definição, três aspectos podem ser destacados, revelando
sua posição mais conservadora:
53
a) A evangelização não deve ser reduzida à comunicação verbal de
conteúdos doutrinais
Para Padilla (1992b), o diabo e suas hostes malignas agem para dominar e
escravizar o ser humano e, por isso, precisamos estar conscientes dessa realidade. O
homem está aprisionado dentro de um sistema e é exatamente por isso que a
evangelização não pode estar reduzida a uma mera apresentação verbal de
conteúdos doutrinais. “A proclamação do Evangelho que não toma a sério o poder do
inimigo tampouco poderá tomar a sério a necessidade dos recursos de Deus para a
luta” (p. 21).
b) A evangelização não pode estar depositada na eficácia de seus
métodos
O problema fundamental é que, num mercado de ‘livres consumidores’ de
religião em que a igreja não tem a possibilidade de manter o monopólio
religioso, este cristianismo adotou o recurso de reduzir sua mensagem ao
mínimo, para tornar possível que todos os homens queiram ser cristãos. O
Evangelho assim se converte numa mercadoria cuja aquisição garante ao
consumidor a posse dos valores mais altos: o êxito na vida e a felicidade
pessoal agora e para sempre (PADILLA, 1992b, p. 28).
Padilla denuncia uma evangelização que trata o Evangelho como uma
mercadoria. Rubem Amorese
38
, há tempos, também já fez essa denúncia. Segundo
ele, a religião que participa desse mercado, para se manter viva, precisa passar por
adaptações constantes. No mercado, esclarece Amorese (1993), o cliente tem sempre
razão e, como o gosto dos clientes está sempre em processo de mudança, a
mentalidade mercantil da Igreja força que ela se adapte aos novos sabores dos novos
ventos. Daí, podemos entender porque tantos modismos no meio evangélico, e tantos
novos ventos de doutrina.
As palavras de Padilla não deixam dúvida sobre sua posição teológica sobre
esse tipo de evangelização:
38
Rubem Martins Amorese atua como consultor legislativo no Senado Federal e é considerado um dos
grandes escritores evangelicais em nossos dias. Na obra citada, Amorese apresenta as três forças da
modernidade e como estas agem de maneira devastadora na vida da igreja: a pluralização, a
privatização e a secularização.
54
O ato de ‘aceitar a Cristo’ é o meio para alcançar o ideal da ‘boa vida’ sem
custo algum. A cruz perde seu escândalo, uma vez que aponta para o
sacrifício de Jesus Cristo por nós, mas não é um chamado para o discipulado
[...] o Deus deste cristianismo é o Deus da ‘graça barata’, o Deus que sempre
dá, mas nunca exige nada, o Deus feito expressamente para o homem-
massa que se rege pela lei do menor esforço e busca as soluções fáceis, o
Deus que se concentra naqueles que não tem possibilidade de negarem-se a
ele, porque o necessitam como analgésico (PADILLA, 1992b, p. 29).
c) A evangelização deve ser definida somente em termos do conteúdo
da mensagem
Depois de mostrar de forma negativa o que não é evangelização, Padilla, de
forma positiva, afirma que
evangelizar é proclamar Jesus Cristo como Senhor e Salvador, por cuja obra
o homem é liberto tanto da culpa como do poder do pecado, integrando-se ao
propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o mando de Cristo (1992b,
p. 23).
Conforme a perspectiva de Padilla, o conteúdo da evangelização é a pessoa de
Jesus e sua obra. O lugar certo para depositarmos a nossa confiança é no próprio
Cristo, o Senhor e Salvador que morreu pelos pecados. Estritamente falando, o objeto
da fé que salva é o Senhor Jesus Cristo.
Acompanho o pensamento de Padilla ao dizer que “evangelizar é proclamar a
Jesus como Senhor”. Isso porque a Escritura também mostra que evangelizar não é
apenas apresentar Cristo como um “amigo e ajudador”
39
, sem qualquer referência à
sua obra redentora (I Tm 2.5 ; I Pe 3.18 ; Rm 14.9; I Co 15.3-4).
3.1.6 O conceito de hermenêutica em René Padilla
O termo ‘hermenêutica’ é uma transliteração do verbo grego hermēneuein e
significa ‘esclarecer’, ‘anunciar’, ‘interpretar’ ou, ainda, ‘traduzir’. Aparece em Lucas
39
Conforme veremos ainda, Padilla faz críticas ao chamado “evangelho do êxito”. Um evangelho que
procura se ajustar a uma sociedade como a nossa que cultua a saúde, a riqueza e a felicidade. O
evangelho do êxito é uma mensagem barata destinada às pessoas que procuram uma “solução rápida”
para os seus problemas, mas não mudança permanente em seu caráter.
55
24.25-28, onde é traduzido para o português por ‘explicar’. É possível afirmar que a
hermenêutica nos ensina os métodos ou princípios para tornar algo compreensível
(KAISER JUNIOR; SILVA, 2002).
Minha preocupação aqui é com a chamada hermenêutica bíblica e sua relação
com o tema da Missão Integral. Com a questão: “De que vale as Escrituras serem
normativas se não respondem as perguntas que surgem em nossa situação
contemporânea?” (1984b, p. 13, tradução nossa), Padilla quer mostrar que uma
hermenêutica para ser fiel à Bíblia, e também relevante para nossos dias, precisa ser
contextual. Em seu artigo Hacia una hermenêutica contextual, Padilla propõe:
Uma hermenêutica que considere seriamente a situação e que faça possível
que a mensagem bíblica registrada nos textos antigos tome contato com a
situação dos seus leitores e ouvintes modernos, e ao mesmo tempo se
mantenha fiel ao seu propósito original (1984b, p. 1, tradução nossa).
Nesse artigo, o autor descreve três diferentes maneiras de se aproximar da
Escritura: intuitivo, científico e contextual.
O modelo intuitivo: nesse modelo, o leitor se aproxima da Escritura
colocando ênfase na aplicação da mensagem. Nessa forma, na maioria das
vezes o leitor não tem qualquer preocupação com a exegese, mas tão
somente em como a mensagem extraída da simples leitura tem aplicação à
realidade experimentada por ele naquele momento.
O modelo científico: trata-se de uma abordagem na qual o leitor se
aproxima do texto com o uso de ferramentas exegéticas
40
e sempre preso
às tecnicidades. Trata-se de uma tarefa que frequentemente é realizada por
uma pessoa cujo treinamento recebido a ajudou a conhecer bem as línguas
originais e as circunstâncias históricas e culturais dos textos no seu âmbito
original
. Esse modelo, historicamente, tem sido conhecido como “método
histórico-gramatical”
41
.
40
Pelo termo ‘exegese’ entende-se o estudo sistemático da Escritura para descobrir o significado
original que foi pretendido por seu autor. A exegese é basicamente uma tarefa histórica. É a tentativa de
escutar a Palavra conforme os destinatários originais devem tê-la ouvido; descobrir qual era a intenção
original das palavras da Bíblia.
41
O livro de Walter C. Kaiser Jr. e Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica, pode ser
consultado para se conhecer melhor esse método.
56
Padilla (1984b) observa certa limitação no método histórico-gramatical, em que,
segundo ele, essa abordagem crítica não conseguiu propiciar uma aproximação ao
texto que fosse fiel ao seu propósito, ou seja, comunicar-se com o leitor comum.
Trata-se de um método que, não obstante ter seu valor, não tem sido muito útil em
ajudar o leitor a transpor o abismo existente entre o autor original e o leitor moderno.
Ao destacar o valor do método histórico-gramatical, Padilla entende que o valor desse
modelo está no fato de considerar a natureza histórica da revelação bíblica, mas falha
por aumentar o abismo entre a Bíblia e os leitores contemporâneos. O método
científico pressupõe que a tarefa do intérprete se limita a definir a mensagem original
do texto, deixando de lado a aplicação da mensagem. Sua opinião sobre a tarefa do
intérprete é expressa, com muita coerência e persuasão, nos seguintes termos:
A tarefa da hermenêutica não se limita a definir a mensagem original do texto.
Além do mais, o intérprete não pode supor que o único contexto histórico
concreto que tem que levar em conta é o contexto histórico relacionado ao
texto, como se o mesmo fosse um ser ahistórico. A hermenêutica tem a ver
com a transposição da mensagem bíblica do contexto histórico original ao
contexto histórico do intérprete moderno, de modo que o texto escrito no
passado tenha impacto no presente (1984b, p. 3, tradução nossa).
O modelo contextual: tendo destacado as limitações dos dois métodos
anteriores, Padilla vê no método contextual uma abordagem que procura
combinar o que tem de positivo nos dois modelos anteriores e desfaz o
abismo existente entre o passado e o presente. Procura falar ao leitor
contemporâneo sem perder o significado original. Para Padilla (1984b), a
hermenêutica não deve se preocupar em apenas encontrar o significado
original do texto, desconsiderando o leitor como se este fosse ahistórico. Ao
contrário, a hermenêutica deve cumprir a função de, além de descobrir o
sentido original, transportar a mensagem para o contexto do leitor moderno.
Por hermenêutica contextual, Padilla entende:
O contexto do leitor contemporâneo tem muito em comum com o do contexto
original da mensagem bíblica e ele pode, consequentemente, apropriar-se
dessa mensagem hoje e que esta apenas pode ser entendida corretamente à
luz de seu contexto original. Tanto o contexto do texto antigo como o contexto
do leitor moderno recebe o peso que lhe corresponde. O objetivo é que o
horizonte do texto da situação histórica contemporânea venha se unir com o
57
horizonte do texto, de maneira tal que a mensagem proclamada na situação
contemporânea seja um equivalente dinâmico da mensagem proclamada no
contexto original (1984b, p. 4, tradução nossa).
Para que essa tarefa hermenêutica possa se realizar de maneira eficiente, é
preciso que o texto e o intérprete se condicionem mutuamente
42
(GADAMER, 1997);
além disso, deve ser tomado em consideração quatro elementos dentro do círculo
hermenêutico: a situação histórica do intérprete; a cosmovisão do intérprete; as
Escrituras Sagradas; e a teologia.
a) A situação histórica do intérprete
Sobre esse aspecto, Padilla chama a atenção para a realidade concreta e
histórica que o intérprete vive, e a menos que se leve em conta elementos, tais como
língua, formas de pensamento, costumes, reações, laços familiares etc., a mensagem
não o alcançará.
John Stott, muito conceituado entre os evangelicais, diz que
não são apenas os leitores da Bíblia que são produtos de uma determinada
cultura; os autores bíblicos também o eram. E Deus levou isso em
consideração quando quis comunicar-se com o seu povo. Ou seja, ao falar,
ele não usou a sua própria língua (se é que ele fala alguma língua), nem se
expressou em termos de sua própria cultura celestial, pois tal comunicação
teria sido ininteligível para os seres humanos aqui na terra. Deus tampouco
gritou, lá do imenso céu azul, máximas descontextualizadas. Pelo contrário,
ele se humilhou e expressou-se na língua do seu povo (hebraico clássico,
aramaico e grego comum), e dentro das culturas do antigo Oriente Médio (o
Antigo Testamento), do judaísmo palestino (os Evangelhos) e do Império Ro-
mano helenizado (o resto do Novo Testamento). Nada da Palavra de Deus foi
dito em um vazio cultural; cada palavra de Deus se expressou em um
contexto cultural (STOTT, 2005, p. 214).
Padilla assim se expressa:
Se Deus há de confrontar o homem com sua Palavra dentro de uma situação
específica, deve produzir um contato com os horizontes do leitor e do autor da
mensagem em seu próprio contexto histórico. Deus não saiu em direção ao
homem em uma situação abstrata; Deus lhe saiu ao encontro unicamente em
42
A linguagem de Padilla deixa explícita sua aproximação com o conceito de ‘fusão de horizontes’ de H.
G. Gadamer. O que não significa que Padilla se apresente como adepto dos pressupostos de Gadamer.
58
uma situação histórica, em um contexto de sua existência corporal. [...] A
tarefa da hermenêutica exige compreensão da situação histórica do intérprete
tanto quanto uma compreensão das Escrituras. Nenhuma transposição da
mensagem bíblica é possível a menos que o intérprete esteja familiarizado
com o marco de referência dentro do qual há de cobrar sentido a mensagem
(1984b, p. 6, tradução nossa).
b) A cosmovisão do intérprete
As pessoas percebem o mundo de maneiras diferentes porque constroem
pressupostos diferentes da realidade. Juntos, os pressupostos básicos sobre a
realidade que se encontram atrás das crenças e comportamentos de uma cultura são,
algumas vezes, chamados de cosmovisão
43
.
As pessoas acreditam que o mundo é realmente da maneira como o veem.
Entretanto, raramente estão cientes de que a maneira que veem é moldada por sua
cosmovisão. Em razão disso, Padilla (1984b) acredita que não podemos ter uma
cosmovisão secular quando nos aproximamos da Escritura. Ao contrário, é a Escritura
que deve interpretar nossa visão secular. Segundo Padilla, a perspectiva secular do
mundo está centrada no homem, enquanto a perspectiva bíblica está centrada em
Deus. Por isso é que a maneira como o leitor enxerga o mundo e a vida é tão
significativa na sua interpretação da Bíblia. A Escritura deve ser lida de acordo com
suas premissas, e não conforme as premissas humanas. Padilla afirma que
o intérprete cuja perspectiva de mundo e da vida tem sido marcada por uma
situação histórica dominada pelo pressuposto de um universo fechado, no
qual tudo pode ser explicado na base das causas naturais, necessita da
correção que proporciona as Escrituras com sua ênfase em um Criador
pessoal que age com sentido em e através da história; e na criação como
totalmente dependente de Deus; no homem como ‘imagem de Deus’, afetado
pelo pecado e necessitado da redenção. Tais elementos constituem as
substâncias da perspectiva bíblica do mundo e da vida, a parte da qual não
pode haver uma compreensão nem da realidade nem das Escrituras (1984b,
p. 8, tradução nossa).
43
O termo ‘cosmovisão’ veio da língua Inglesa como uma tradução da palavra alemã Weltanschauung
(percepção de mundo, ponto de vista, concepção).
59
c) As Escrituras Sagradas
Em certo sentido a Bíblia deve ser lida como qualquer outro livro, o qual
significa que o intérprete tem que levar a sério o fato de que está frente a um
texto antigo com seus próprios horizontes. Sua tarefa é fazer que o texto
mesmo fale, ele estando de acordo com o que diz o texto ou não. [...] Nenhum
intérprete, qualquer que seja sua cultura, tem liberdade para fazer dizer o
texto qualquer coisa que ele queira fazer dizer. Sua tarefa é conseguir que o
texto fale por si mesmo, e com este fim, inevitavelmente, tem que tomar
contato com os horizontes do texto pela via do contexto literário, da
gramática, da história etc. (1984b, p. 8-9, tradução nossa).
Padilla é da opinião que a objetividade do intérprete nem sempre é possível. No
entanto, afirma que,
a menos que a objetividade se estabeleça como meta, todo o processo
interpretativo está condenado ao fracasso desde seu começo. Certamente
devemos esperar objetividade, porém também temos que manter a
esperança de entender o texto sem que nossas ideias pré-concebidas
entorpeçam a tarefa de fazer que a Bíblia fale por si mesma (1984b, p. 10,
tradução nossa).
d) A teologia
Quanto a esse aspecto, Padilla mostra que a teologia deve expressar
relevância histórica quanto fidelidade às Escrituras. Ela, a teologia, será relevante
quando oferece respostas ao homem em seu contexto vivencial e fiel na medida em
que expressa seus postulados baseados na Escritura Sagrada. Segundo minha
leitura, as três razões que apoiam essa tese de Padilla são:
Proclamação encarnada: desde que a Palavra se fez carne, a única
comunicação possível dessa Palavra é aquela que se encarna na história
com o objetivo de se colocar ao alcance do homem como um ser histórico.
Proclamação relevante: a proclamação da Palavra está relacionada com a
totalidade do universo e da experiência humana. A menos que essa
proclamação esteja dirigida às necessidades humanas e problemas
específicos, o ouvinte não terá como experimentar a realidade da Palavra.
60
A segunda obrigação é sensibilidade para com o mundo moderno. Embora
Deus tenha falado ao mundo antigo em suas próprias línguas e culturas, ele
pretendeu que sua Palavra fosse para todas as pessoas em todas as
culturas, incluindo a nós no começo do século XXI em que nos chamou para
viver. Portanto, o expositor bíblico é mais do que um exegeta. O exegeta
explica o significado original do texto. O expositor vai adiante e aplica isso ao
mundo moderno. Precisamos nos esforçar para entender o mundo em que
Deus nos chamou para viver, pois ele está mudando rapidamente.
Precisamos sentir sua dor, sua desorientação e seu desespero. Tudo isso é
parte de nossa sensibilidade cristã na compaixão pelo mundo moderno
(STOTT apud ROBINSON; LARSON, 2009, p. 26).
Proclamação contextualizada: a comunicação efetiva do Evangelho é
aquela que leva em consideração o contexto histórico e cultural dos
ouvintes. A pregação para alcançar seus propósitos precisa encontrar um
ponto de contato.
A hermenêutica contextual de Padilla procura inter-relacionar esses quatro
elementos (a situação histórica do intérprete; a cosmovisão do intérprete; as
Escrituras Sagradas; e a teologia) no processo hermenêutico, o qual tem por meta
buscar a transformação da pessoa dentro de sua realidade histórica. Conforme Padilla
(1984b), o intérprete precisa saber ler sua realidade e identificar quais são os seus
problemas; e precisa formular perguntas. Tendo feito isso, o passo seguinte é ler as
Escrituras buscando nelas as respostas. Sem uma compreensão real de quais os
problemas enfrentados, será impossível uma compreensão da relevância da
mensagem das Escrituras.
Padilla chega a citar Croatto
44
(1986), reconhecendo a contribuição acadêmica
desse autor no processo hermenêutico. No entanto, manifesta sua discordância de
Croatto por entender que sua hermenêutica é muito subjetivista e, na opinião de
Padilla (1984b), Croatto comete um grave erro em defender que os leitores e
intérpretes da Escritura estão no mesmo nível de seus autores originais.
A hermenêutica de Padilla considera seriamente o contexto histórico do leitor,
mas, de maneira ainda mais séria, considera a prioridade do contexto histórico da
Escritura. Ele afirma que “quanto mais rica e profunda for nossa compreensão do
44
J. Severino Croatto, teólogo católico e ligado à hermenêutica libertacionista, entende a leitura da
Escritura a partir das experiências de cada leitor. Croatto defende uma leitura aberta do texto bíblico,
sem considerar o seu contexto histórico, gramático e cultural. Para ele, a Escritura está aberta a muitas
leituras e diferentes interpretações.
61
texto bíblico, tanto mais profundo e rico será nosso entendimento do contexto histórico
e do significado da obediência cristã neste contexto” (1984b, p. 13, tradução nossa).
No que diz respeito à questão da subjetividade e da objetividade, Padilla
posiciona-se com certo conservadorismo hermenêutico. Faço uso de uma citação, a
qual revela esse conservadorismo e deixa claro, inclusive, o seu posicionamento
quanto à hermenêutica da Teologia da Libertação:
Ainda que a objetividade científica absoluta seja um mito, razão pela qual a
‘suspeita ideológica’ é essencial na hermenêutica, a interpretação bíblica está
condenada ao fracasso se de entrada se dá por certo que a compreensão
objetiva do texto bíblico está totalmente bloqueada. Devemos duvidar de
nossa objetividade, por outro lado, devemos nos aproximar do texto com a
esperança de que nossos prejuízos nos impedem que as Escrituras nos falem
(PADILLA, 1982, p. 17, tradução nossa).
3.2 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA PASTORAL DE C. RENÉ PADILLA
3.2.1 Requisitos para uma eclesiologia para a Missão Integral
A fim de tornar a Missão Integral uma realidade, Padilla entende que se faz
necessária uma boa teologia sobre a Igreja. Caso contrário, ela “não conseguirá levar
avante sua função de ser sal da terra e luz do mundo” (2003, p. 14, tradução nossa).
Em razão disso, com o propósito de estabelecer uma eclesiologia que atenda aos
referenciais da Missão Integral, Padilla concebe que essa igreja precisa reunir quatro
características:
1) O compromisso com Jesus Cristo como Senhor de tudo e de todos; 2) o
discipulado cristão como um estilo de vida missionário ao qual toda a igreja e
cada um de seus membros tem sido chamados; 3) a visão da igreja como
uma comunidade que confessa a Jesus Cristo como Senhor e vive à luz desta
confissão de tal modo que nela se vislumbra a iniciação de uma nova
comunidade; e 4) os dons e ministérios como meios que o Espírito de Deus
utiliza para capacitar a igreja e a todos os seus membros para o cumprimento
de sua vocação como colaboradores de Deus no mundo (PADILLA, 2003, p.
14).
62
Vejamos, com mais detalhes, essas quatro características:
a) O compromisso com Jesus Cristo como Senhor de tudo e de todos
A ideia neste ponto é que existe uma estreita relação entre a missão de Cristo
e a missão da igreja. Citando João 20.21, onde Jesus diz: “Assim como o Pai me
enviou eu também vos envio”, Padilla (2003) afirma que o ministério da igreja é uma
extensão do ministério de Jesus.
Essa é a afirmação feita também no Relatório de Willowbank
45
, Sobre
Evangelho e Cultura (1978): a encarnação foi “o exemplo mais espetacular de
identificação cultural na história da humanidade” (COMISSÃO DE LAUSANNE, 1983,
p. 25).
John Stott corrobora com essa opinião e se expressa de maneira clara e
consistente:
Nossa missão deve ser modelada a partir da sua missão. Na verdade, toda
missão de verdade é missão encarnacional. Exige identificação sem perda de
identidade. Significa entrar no mundo dos outros, assim como ele entrou no
nosso mundo, mas sem comprometer nossas convicções, valores e padrões
cristãos (STOTT, 2005, p. 157).
Esse é também o entendimento de Padilla (2003); para o qual a missão de
Jesus serve de paradigma para a Missão Integral, quando parte da compreensão de
pelo menos três aspectos dos “eventos salvíficos”, por meio dos quais Jesus
consumou nossa redenção. São eles: sua vida e ministério, sua morte na cruz, sua
ressurreição e sua exaltação.
John Stott, procurando mostrar a relação entre o ministério de Jesus, em
especial seu sofrimento, e a missão da igreja, fez referência ao missionário Vincent
Donovan, o qual tinha uma resposta sobre qual seria a marca distintiva de um
missionário:
45
O conhecido “Relatório de Willowbank” é resultado de uma consulta internacional realizada entre 6 e
13 de janeiro de 1978, nas Ilhas Bermudas e contou com John Stott como moderador. Esta reunião teve
a presença de teólogos, antropólogos, linguistas, missionários e pastores. A ABU, em parceria com a
Visão Mundial, publicou todos este relatório na série que leva o título Série Lausanne.
63
O missionário é essencialmente um mártir social, arrancado de suas raízes,
de sua gente, seu sangue, sua terra, seu contexto, sua cultura... Ele tem que
ser desnudado até o máximo que um ser humano pode ser, até as próprias
entranhas do seu ser... (ele precisa) despir-se de sua própria cultura, a fim de
poder ser um instrumento nu e cru do evangelho para as culturas do mundo
(DONOVAN apud STOTT, 2005, p. 160).
O ministério de Jesus se constitui em um modelo para a Missão Integral na
medida em que lança as bases para uma conceituação do que significa amar a Deus
e se oferecer em sacrifício pelo próximo.
b) O exercício dos dons e a Missão Integral
Um dos temas da Reforma do século XVI, o sacerdócio de todos os crentes,
encontra eco na teologia pastoral de Padilla. Todo membro da igreja é chamado para
fazer parte do corpo de Cristo e a este lhe foi dado um ministério cristão. Ele pontua:
Todo crente é chamado ao ministério cristão, seja qual for a sua vocação.
Como consequência, entre o povo evangélico se fez comum a ideia de que
era possível separar os benefícios da salvação da responsabilidade
missionária. A missão integral exige a recuperação do sacerdócio de todos os
crentes de tal modo que a igreja seja uma comunidade donde todos os
membros por igual se estimulem mutuamente na descoberta e
desenvolvimento dos dons e ministérios nas múltiplas áreas da vida humana
que requerem ser transformadas pelo poder do Evangelho (PADILLA, 2003,
p. 41, tradução nossa).
A função do líder é ajudar a desenvolver e aperfeiçoar os crentes para
cumprirem a vontade de Deus. Encontramos em toda a Escritura essa tarefa como
sendo essencial a uma filosofia bíblica de ministério. Especialmente em II Tm 2.2,
encontramos esse princípio claramente expresso: “E o que de minha parte ouviste
através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também
idôneos para instruir a outros”. João Calvino (1998, p. 113) contribui ao afirmar que
“sejam quais forem os dons que possuamos, não devemos ensoberbecer-nos por
causa deles, visto que eles nos põem sob as mais profundas obrigações para com
Deus”.
64
Ao falar sobre a importância da educação teológica e sua relevância para a
missão da igreja, Padilla chama a atenção para a crise que atinge a liderança
eclesiástica, bem como apresenta uma solução para essa crise:
A crise de identidade dos líderes da igreja coloca em evidência a urgente
necessidade de uma educação teológica que oriente mais adequadamente os
futuros pastores quanto a sua futura tarefa. Tal orientação, não obstante, só é
possível dentro de um marco de referência previsto por uma teologia bíblica
da vida e da missão da igreja. Para entender o papel dos membros da igreja
no mundo, a missiologia cobra assim especial cuidado no que diz respeito à
formação dos líderes do povo de Deus (1994a, p. 60, tradução nossa).
c) O discipulado cristão e a Missão Integral
Se, conforme lemos em Mt 28.19, a tarefa da missão é fazer discípulos, torna-
se imprescindível termos bem claro uma definição do que entendemos por
discipulado. No Novo Testamento um discípulo denota uma pessoa que está ligada a
Jesus como seu mestre. Como diz John MacArthur Junior, “a essência do verdadeiro
discipulado é um compromisso pessoal de ser como Jesus Cristo” (1991, p. 229).
Na definição a seguir, Padilla relaciona o discipulado à missão da Igreja:
O discipulado cristão entendido como um estilo de vida missionário – a
participação ativa na realização do propósito de Deus para a vida humana e
para a criação revelado em Jesus Cristo, ao qual toda a igreja e cada um de
seus membros tem sido convocados, resume o conteúdo da missão da igreja
(2003, p. 23, tradução nossa).
Os discípulos são homens que se comprometem com Cristo sem restrição, que
aceitam a Palavra, que levam sua cruz, que têm um testemunho cristão em cada
esfera da sua vida. O discípulo é alguém que demonstra uma vida transformada e
pode ser identificado por seu fruto.
Paulo, em Cl 1.28, diz: “o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e
ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo
homem perfeito em Cristo”. Nessa passagem, o apóstolo nos revela o objetivo pelo
qual ele ensinava: “apresentar todo homem perfeito em Cristo”.
65
René Padilla (2003) afirma que a conversão é apenas o início da vida cristã, e
que o discipulado é o caminho progressivo para a conformidade à imagem de Cristo.
Nessa expressão temos a essência do discipulado.
Sabe-se que a conversão apenas dá início a uma nova vida; ao nascer, o novo
crente inicia uma longa caminhada na espiritualidade, a qual necessitará de uma
educação a fim de proporcionar-lhe crescimento na fé, e, assim, torná-lo “perfeito” em
Cristo, ou seja, um discípulo (Cl 3.10).
No pensamento de Padilla (2003), o que distingue um discípulo não é o fato de
ele participar de uma igreja, mas sim o fato de manifestar um estilo de vida que reflita
o amor e a justiça do Reino de Deus. Em relação a esse aspecto, Padilla esclarece
que a verdadeira natureza do Evangelho não se limita a “ganhar almas”:
A missão da igreja, portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem
de ‘salvação da alma’: sua missão é ‘fazer discípulos’ que aprendam a
obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no
privado como no público, tanto no pessoal como no social, tanto no espiritual
como no material. O chamado do Evangelho é um chamado a uma
transformação integral que reflete o propósito de Deus de redimir a vida
humana em todas as suas dimensões. A missão integral só é possível
quando há discípulos que têm visão de conseguir que a influência dos valores
do reino de Deus a todas as esferas da sociedade (2003, p. 24-25, tradução
nossa).
Ressalto ainda as palavras de Padilla, pelas quais demonstra haver uma clara
relação entre um relacionamento vital com Jesus e uma vida dedicada de serviço a
Ele, até mesmo como expreso de que, de fato, o cristão está envolvido de maneira
integral com Seu reino:
Que significa hoje ‘aceitar a Cristo’? Para muitos tudo se reduz a uma
experiência religiosa vagamente referida a Jesus Cristo, da qual se derivam
benefícios ‘espirituais’. Essa maneira de entender a profissão de fé é, no
mínimo, deficiente. Necessita ser corrigida por uma visão evangélica das
implicações do discipulado cristão. Desde esta perspectiva, ‘aceitar a Cristo’ é
adotar a prática profética de Jesus, é apropriar-se de seu compromisso com o
Reino de Deus e sua justiça, é disponibilizar-se a seguir seu caminho e a
‘participar em seus sofrimentos e chegar a ser semelhante a ele em sua
morte’ (Fl 3.10). Em outras palavras, é compartilhar sua missão e seu
sofrimento (PADILLA, 1994a, p. 53, tradução nossa).
66
d) A visão da igreja como uma comunidade que confessa a Jesus Cristo como
Senhor e vive à luz dessa confissão, de tal modo que nela se vislumbra a
iniciação de uma nova comunidade.
3.2.2 A integralidade do crescimento da igreja
Novas técnicas e ideias evangelísticas vêm e vão, mas, ao contrário das
novidades técnicas e do marketing eclesiástico, as instruções do apóstolo Paulo
quando encorajou a Timóteo foram: “Prega a Palavra, insta, quer seja oportuno, quer
não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (II Tim 4.2).
Em seu artigo, El Futuro del Cristianismo en America Latina: perspectivas y
desafíos misionológicos, Padilla (1998a) se propõe a fazer uma análise da explosão
do rápido crescimento das igrejas evangélicas na América Latina, e aponta os
desafios que tal crescimento representa, tanto para a Igreja Católica Romana quanto
para a Igreja Protestante.
A explicação de Padilla para o rápido crescimento dos evangélicos deve-se ao
fato da igreja adotar a tecnologia do mundo moderno: “o cristianismo-cultura não
somente transformou o Evangelho em produto barato, mas além disso converteu a
estratégia da evangelização num assunto de tecnologia” (1992b, p. 44). Ele insiste:
O uso da mídia de massa especialmente nas igrejas carismáticas, que em
geral são as que mais crescem, é parte de uma combinação de elementos
com os quais elas têm tomado a forma do espírito da época: o modelo
empresarial, o uso de técnicas de marketing para alcançar objetivos
numéricos, a oferta da prosperidade material, a ajuda para as pessoas se
sentirem bem, a ênfase no entretenimento. Tudo isso vem acompanhado pela
redução do conteúdo da mensagem a sua mínima expressão e a apatia para
a formação de discípulos que vivam a fé em todas as dimensões da vida
(1998a, p. 68, tradução nossa).
O protestantismo evangélico, por outro lado, no afã do crescimento numérico
está levando muito líderes a assimilar elementos da cultura light que domina na
sociedade, ao acentuar o individualismo e o objetivismo característicos da redução
cristológica e sociológica herdada do passado, e ao minimizar as demandas éticas do
Evangelho (PADILLA, 1998a).
67
Ao responder a uma questão, durante sua palestra no Congresso de Lausanne,
sobre a relação quantidade e qualidade de membros na igreja, Padilla alerta sobre o
perigo de se buscar a expansão numérica em detrimento da qualidade:
A qualidade é pelo menos tão importante quanto a quantidade, se não mais, e
que, consequentemente, a finalidade do Evangelho nunca deve ser
sacrificada no altar da quantidade. Quando se manipula o Evangelho a fim de
facilitar para que todos sejam cristãos, coloca-se já de saída a base de uma
igreja infiel. Como a semente, assim é a árvore, e como a árvore, assim é o
fruto. Segue-se, pois, que a questão realmente importante com respeito ao
crescimento da igreja não é a expansão numérica exitosa – um êxito segundo
os critérios do mundo, mas a fidelidade do Evangelho, que certamente nos
impulsionará a orar e trabalhar para que mais gente se converta a Cristo. Eu
quero quantidade, mas quantidade no contexto da fidelidade ao Evangelho
(PADILLA, 1992b, p. 43-44).
Nessa mesma direção, John MacArthur Junior faz eco às palavras de Padilla;
entendendo também que há um perigo envolvido na pregação pragmática:
O Evangelho que está em voga hoje em dia oferece uma falsa esperança aos
pecadores. Promete-lhes que terão a vida eterna apesar de continuarem a
viver em rebeldia contra Deus. Na verdade, encoraja as pessoas a
reivindicarem Jesus como Salvador, mas podendo deixar para mais tarde o
compromisso de obedecê-Lo como Senhor. Promete livramento do inferno,
mas não necessariamente libertação da iniqüidade. Oferece uma falsa
esperança às pessoas que folgam em seus pecados da carne e desprezam o
caminho da santidade (1991, p. 18).
Em El desafío de un crecimiento integral, Padilla defende que a igreja não deve
ceder às tentações de um crescimento apenas numérico. Antes, juntamente com essa
expansão numérica, deve buscar o crescimento integral, como a busca da justiça e
paz; fortalecimento da unidade em Cristo; aprofundamento da fé cristã; entre outras
necessidades da igreja, além dos números (PADILLA, 1994a).
A Missão Integral deve enfatizar o crescimento da Igreja. No entanto, tal
crescimento deve estar baseado em critérios bíblicos. Ao fazer uma avaliação sobre
esses critérios, Padilla faz uso da abordagem do seu colega Orlando E. Costas (1942-
1987)
46
, no que diz respeito ao fato dessa abordagem não contemplar os anseios
pragmáticos e meramente numéricos, tão comum em nossos dias (PADILLA;
46
Uma obra sobre a vida e obra desse teólogo é o livro Orlando Costas: sua contribuição na história da
teologia latino-americana (CALDAS, 2007).
68
YAMAMORI, 2006). Embora de maneira resumida, exponho aqui essas quatro
dimensões conforme vistas em Costas (1994):
Crescimento numérico: é a reprodução que a igreja de Deus experimenta
como resultado da proclamação do Evangelho, chamando as pessoas ao
arrependimento e a crerem na pessoa e obra de Jesus Cristo. Segundo
Costas (1994, p. 113), “essa dimensão é parte fundamental do ser da igreja.
Necessita novos tecidos para manter-se viva. Daí a necessidade de uma
contínua reprodução celular”.
Crescimento orgânico: nessa dimensão é destacada a importância da
igreja funcionar como uma estrutura organizada.
Tem a ver com o sistema de relações entre os membros: suas formas de
governo, sua estrutura financeira, sua liderança, o tipo de atividades em que
investe seu tempo e recursos, e sua celebração cultural. Como um organismo
vital, a igreja não pode contentar-se com a mera reprodução de suas células
(PADILLA, 1994a, p. 113, tradução nossa).
Crescimento conceitual: essa dimensão acentua a necessidade que a
igreja tem de pensar a fé de maneira crítica. Trata-se do
grau de inteligência da fé: o grau de consciência que a comunidade eclesial
tem com respeito à sua existência de ser, sua compreensão da fé cristã, seu
conhecimento da fonte desta fé (as Escrituras), sua interação com a história
desta fé e sua compreensão com do mundo que a rodeia. Esta dimensão dá
a igreja firmeza intelectual para enfrentar todo tipo de ventos de doutrinas e
capacitar de maneira crítica para evitar a fossilização e garantir a criatividade
evangelizadora, orgânica e ética (COSTAS, 1994, p. 113).
Crescimento diaconal: esse modelo ou dimensão tem uma estreita
relação entre a vida da igreja e seu envolvimento ou serviço na vida da
comunidade.
Essa dimensão abarca o impacto que tem o ministério reconciliador da igreja
no mundo; o grau de participação na vida, conflitos, temores e esperanças da
sociedade, à medida que seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as
69
condições sociais que têm condenado milhões de homens, mulheres e crianças à
pobreza (COSTAS, 1994).
Segundo Costas (1994), sem esse crescimento a igreja perderia sua
autenticidade e credibilidade na sociedade, tendo em vista que “somente na medida
em que conseguir dar visibilidade e concreticidade à sua vocação de amor e serviço
ela pode esperar ser ouvida e respeitada” (p. 113).
Padilla tem um posicionamento que também corrobora, e muito nos ajuda, para
entendermos bem esse aspecto do crescimento da Igreja:
Sentimos-nos obrigados a insistir na necessidade de trabalhar e orar para que
o crescimento das igrejas evangélicas não seja apenas numérico, mas
também integral: que sejam comunidades que encarnem o amor, a justiça e a
paz do Reino de Deus, que vivam para servir ao Messias crucificado, para a
glória de Deus (1994a, p. 33, tradução nossa).
3.2.3 O lugar da pregação na teologia integral de Padilla
Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se
envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
(I Tim 2.15)
Padilla, ao defender a importância e preeminência da pregação para a missão
integral, inicia chamando a atenção para a crise existente na igreja, como
consequência do descuido da pregação. A Declaração Evangélica de Cochabamba
47
afirma:
A pregação, frequentemente, carece de raízes bíblicas. O púlpito evangélico
está em crise. Há entre nós um lamentável desconhecimento da Bíblia e da
aplicação de sua mensagem para o dia de hoje. A mensagem bíblica tem
indiscutível relevância para o homem latino-americano, porém sua
proclamação não ocupa entre nós o lugar que lhe corresponde (PADILLA,
1994a, p. 40, tradução nossa).
47
A Declaração Evangélica de Cochabamba é fruto da reunião inaugural da Fraternidade Latino-
Americana, realizada em 1970.
70
Padilla faz referência à Declaração de Cochabamba para dizer que o grande
problema da igreja estava no púlpito. A pregação sofre de uma erosão da autoridade
da Escritura.
Padilla é categórico:
A crise do púlpito é por sua vez uma causa e um sintoma da crise da igreja. É
causa porque não se pode esperar que sem o cultivo da Palavra a igreja dê
seus melhores frutos: a uma pregação pobre corresponde uma vida eclesial
igualmente pobre: as debilidades e carências que a afetam, necessariamente,
repercutem nos portadores de sua mensagem (1994a, p. 40, tradução nossa).
Há pelo menos 20 anos, Padilla fazia essa afirmação. E ainda em nossos dias
continuamos enfrentando esse mesmo descuido pela pregação bíblica. Albert Mohler
Junior descreve essa erosão nos seguintes termos:
Uma aversão ao Cristianismo doutrinário vem crescendo há décadas, junto
com uma intolerância crescente para com a prestação de contas em matéria
de doutrina e confissão de fé. Os evangélicos acolheram as tecnologias da
modernidade, muitas vezes sem reconhecer que essas tecnologias
reivindicaram o papel de mestre em vez de servo (MOHLER, 1999, p. 60).
Devemos concordar com Padilla de que presenciamos uma época em que, em
boa parte do segmento evangélico, a pregação é vazia e superficial. Padilla,
reconhecendo essa crise na pregação, aponta três das principais causas, as quais,
segundo ele, afetam a pregação na América Latina:
1. Improvisação: Poucos pregadores estão dispostos a dedicar tempo
necessário para a preparação do sermão.
2. Postergação: Vinculada à improvisação, a postergação (às vezes
indefinida) da preparação do sermão é, frequentemente, a consequência
de um falso conceito da tarefa pastoral. Entre nós, o pastor é em geral um
‘homem orquestra’ que se dedica a múltiplas tarefas administrativas,
relações públicas, visitas etc., pelo que nunca tem tempo para estudar.
Alguém tem dito que o urgente é o maior rival do importante.
3. Falta de capacitação: […] Lamentavelmente, muito do déficit na pregação
se deve a que muitos seminários preparam ‘funcionários eclesiásticos’,
mas não expositores bíblicos. Há falta de uma tomada de consciência da
importância das disciplinas bíblicas (começando com os métodos de
estudo bíblico) e do estudo teológico interdisciplinar como base do
ministério pastoral (PADILLA, 2009a, tradução nossa).
71
3.2.4 A espiritualidade em René Padilla
Podemos iniciar este ponto citando a declaração de Padilla, quando da
abertura do Congresso de Lausanne:
Nossa maior necessidade é um Evangelho mais bíblico e uma igreja mais fiel.
Podemos sair deste Congresso com uma bela quantidade de palestras e
resoluções que entrarão para os arquivos e logo serão esquecidas, e com a
recordação de uma reunião mundial impressionante. Ou podemos sair com a
convicção de que temos fórmulas mágicas para a conversão das pessoas.
Minha esperança e oração é que saiamos com a atitude de arrependimento
por nossa escravização ao mundo e nosso triunfalismo arrogante, e com a
confiança de que Deus ‘tem poder para fazer muitíssimo mais do que nós
pedimos ou sequer pensamos, por meio de seu poder que trabalha em nós.
Glória a Deus na igreja e em Cristo Jesus, por todos os séculos e para
sempre! Amém’ (1992b, p. 7).
Nessa fala, chamo a atenção para outro aspecto marcante na teologia pastoral
de Padilla: sua espiritualidade. Ao escrever sobre esse ponto e sua relevância para a
vida e missão da igreja, Padilla (2006a) diz haver dois déficits que se constituem numa
ameaça para a prática da Missão Integral; são eles: a ausência de reflexão teológica e
ausência de espiritualidade. Ele afirma que
uma igreja sem reflexão teológica está ameaçada pelo perigo da heresia ou
do mundanismo [...] uma igreja que não presta maior atenção a sua
espiritualidade está ameaçada pelo perigo do ativismo (2006a, p. 184,
tradução nossa).
Mas o que vem a ser ‘espiritualidade’? Qual o seu conceito? Padilla oferece um
conceito de espiritualidade, que, para ele, não trata de religiosidade, muito menos de
um espiritualismo individualista desvinculado da vida diária ou do mundo presente. Eis
sua definição:
A espiritualidade tem muito mais a ver com o que somos, do que com
experiências espirituais, ordinárias ou extraordinárias, que podemos ou não
ter. Na realidade, falar de espiritualidade e falar de um estilo de vida que se
orienta para o cumprimento do propósito de Deus para a vida humana e a
totalidade da criação, se concentra em uma maneira de pensar, sentir e agir
coerentemente com Jesus Cristo como modelo da nova humanidade, e
depende do poder do Espírito Santo (2006a, p. 186, tradução nossa).
72
Ele continua: “A espiritualidade é um dom e uma tarefa; requer da comunhão
com Deus (a contemplação) e da ação no mundo (a práxis). Quando estas se
separam, se produz uma verdadeira anomalia, tanto na vida como na missão cristã”
(2006a, p. 187, tradução nossa).
Buscando distinguir a espiritualidade cristã de outras espiritualidades, Padilla
nos fornece seis pistas, as quais, segundo ele, são importantes porque apontam para
uma espiritualidade que é o resultado da ação do Espírito Santo de Deus.
1. A espiritualidade cristã é abarcadora: inclui a oração e o louvor, mas
também se estende a totalidade da vida, até os bens materiais (At 2.44-
45; 4.32-37).
2. A espiritualidade cristã é pessoal e comunitária (Ge 25.22,23).
3. A espiritualidade cristã é a espiritualidade da solidariedade com os
necessitados – coloca o material a serviço do espiritual.
4. A espiritualidade cristã e a espiritualidade do poder: não intenciona fazer
do poder de Deus um meio de engrandecimento pessoal; recorre a ele
para benefícios dos demais e para a glória de Deus.
5. A espiritualidade cristã é a espiritualidade da fidelidade à Palavra de
Deus: faz desta seu fundamento, seu guia, seu sustento, sua fortaleza,
sua pedra.
6. A espiritualidade cristã e a espiritualidade da reconciliação: supera as
barreiras de raça, classe social, sexo e faz da imagem de Deus a base da
dignidade de todos os membros da raça humana, não deixando lugar
para a discriminação (2006a, p. 208-210, tradução nossa).
3.2.4.1 O conceito de mundanismo
Para Padilla (1992b), o termo ‘cosmos’ tem pelo menos três significados
distintos na Escritura: 1) mundo, como a soma de toda a criação (Mt 24.21; Jo 1.9,10);
2) mundo, como a ordem presente da existência humana (Mt 4.8; Jo 8.23; 12.25;
16.33); e 3) mundo, a realidade formada por pessoas, sendo estas escravizadas pelo
pecado e rebeldes contra Deus.
Através de uma breve análise, porém profunda, Padilla observa que o termo
‘cosmos’ inclui o significado de “uma humanidade em aberta hostilidade contra Deus,
personificada no inimigo de Jesus Cristo e em seus seguidores” (1992b, p. 19).
Para Padilla, o grande problema do homem não é o fato dele cometer alguns pecados
ou ceder às tentações particulares, o problema é “que está aprisionado dentro de um
73
sistema que o condiciona para que absolutize o relativo e relativize o absoluto, um
sistema cujo mecanismo de auto-suficiência o priva da vida eterna e o submete ao
juízo de Deus” (1992b, p. 21).
Posso agora enumerar algumas razões apresentadas por Padilla, as quais,
estando presentes na vida da igreja, trazem prejuízos, dificultando uma ação eficaz na
sociedade:
a) A adoção do chamado “cristianismo secular”
Por essa expressão, o autor entende que, mesmo que haja diversas versões do
“cristianismo secular”, todas partem de um pressuposto básico: “o homem moderno
chegou à maturidade [...] e não precisa mais do sobrenatural” (PADILLA, 1992b, p.
26). Em outras palavras,
é a compreensão que o homem moderno tem, de que se é possível enfrentar
o mundo sem a ajuda de Deus. O ‘Cristianismo Secular’ é uma religião
antropocêntrica que diz ao homem unicamente o que ele quer ouvir: que é
dono de si mesmo, que o futuro da história está em suas mãos, que Deus
somente pode ser tolerado como algo impessoal que ele pode manipular. É
uma negação da mensagem bíblica, que tem como um dos seus
pressupostos básicos o de que Deus transcende o universo e atua livremente
nele (PADILLA, 1992b, p. 27).
John Stott (2005) nos ajuda mostrando que a sociedade secularizada, ao abrir
mão da transcendência, trouxe diversos problemas a ela mesma. Dentre alguns
desses problemas, Stott menciona o abuso de drogas, busca pelo ocultismo e
misticismo, e apego ao materialismo.
Insiste que a solução para esses problemas é um retorno à velha doutrina da
transcendência:
Enfim, é profundamente lamentável que homens e mulheres modernos, em
sua busca por transcendência, voltem-se para as drogas, o sexo, a ioga, as
seitas, o misticismo, a Nova Era e a ficção científica, ao invés de procurarem
a igreja, em cujos cultos de adoração sempre se deveria experimentar a
verdadeira transcendência e desfrutar um encontro íntimo com o Deus vivo
(STOTT, 2005, p. 254).
74
b) A adoção do “cristianismo etnocêntrico”
O etnocentrismo é a atitude característica de quem só reconhece legitimidade e
validade nas normas e valores vigentes na sua cultura ou sociedade. Tem a sua
origem na tendência de julgarmos as realizações culturais de outros povos a partir dos
nossos próprios padrões culturais, pelo que não é de admirar que consideremos o
nosso modo de vida como preferível e superior a todos os outros.
Padilla (1992b), ao apresentar esse assunto, chama a nossa atenção para uma
nova forma de “cristianismo cultura” ou “cristianismo etnocêntrico”, que vem
dominando o cenário mundial – o American way of life
48
.
3.2.5 O uso dos bens materiais em Padilla
A interpretação que Padilla faz sobre a utilização dos bens materiais ou
riquezas por parte dos cristãos, conforme veremos um pouco mais à frente, é
semelhante ao que vemos em Calvino; ou seja, dentre outras coisas, Padilla nos
alerta sobre os perigos das riquezas: “A absolutização dos bens materiais não só
fomenta a divisão social, mas também leva seus adeptos a pôr sua confiança nas
riquezas e a esquecer-se de Deus. Por isso, da perspectiva bíblica a posse de
riquezas traz consigo um perigo real” (PADILLA, 2008a, p. 36).
Ao analisar a passagem bíblica de Tiago 5.1-6, Padilla (2008a) mostra como a
Bíblia, ao invés de incentivar, denuncia o acúmulo de riquezas por parte de uma
minoria privilegiada em detrimento de uma maioria que vive na pobreza.
Considerando que o texto bíblico começa fazendo um convite para os ricos
chorarem (“atendei, agora, ricos, chorai lamentando”), Padilla apresenta na sua
análise textual, cinco razões para esse choro:
48
O conceito American way of life é amplamente conhecido. Esse movimento de ascensão que os
Estados Unidos experimentaram teve seu auge após a Segunda Guerra, mas seus primeiros contornos
já se faziam presentes em meados do século XIX e tornaram-se mais claros na década de 1920. Devido
a um período de ascensão socioeconômica, os Estados Unidos experimentaram um período de grande
prosperidade e bem-estar social. O American way of life se espalhou pelo mundo, influenciando os
costumes em diversos países, alimentando o sonho de se parecer com a potência americana.
75
1ª) A primeira é que a condição de seus bens materiais (sua riqueza em
estado de decomposição, sua roupa esburacada, suas moedas de ouro e
prata enferrujadas) são evidências irrefutáveis de sua avareza e falta de
repartir com os necessitados (v. 2,3).
2ª) A segunda razão é que seu acúmulo mostra que não deram conta de que
despontou a alvorada de uma nova era e está terminando a oportunidade
de arrepender-se e usar os bens na realização de objetivos de valor mais
permanente (v. 3).
3ª) A terceira razão é que a queixa que seus trabalhadores, encurvados sob
a exploração, fazem contra eles foi percebida por Deus e que ele, quando
ouve os gritos dos pobres atua em juízo contra os opressores (v. 4).
4ª) A quarta razão é que seu estilo de vida soma injustiça e a indiferença
frente às necessidades dos outros ao luxo e aos prazeres pessoais (v. 5).
5ª) A quinta razão é que eles manipularam os processos judiciais nos
Tribunais e matam os pobres (v. 6) (PADILLA, 2008a, p. 39-40).
Analisando Lucas 12.15-21, parábola que descreve um estilo de vida de um
fazendeiro rico, que após uma grande colheita faz planos para viver uma vida
regalada no futuro, Padilla afirma:
Seu problema não é apenas não se conscientizar da temporalidade e fazer
planos como se nunca fosse morrer. Seu problema é não reconhecer a
função social da riqueza, não repartir com outros o excesso acumulado, e
adotar um estilo de vida totalmente centrado em si mesmo. [...] A
contrapartida a essa vida de riqueza excessiva, do ponto de vista de Jesus,
não é uma vida de pobreza absoluta, mas uma vida em que os bens
materiais, poucos ou muitos, são postos ao serviço de Deus e do próximo
(PADILLA, 2008a, p. 42).
Essa última afirmação feita por Padilla (2008a, p. 42), de que “os bens
materiais, poucos ou muitos, são postos ao serviço de Deus e do próximo”, está em
harmonia com o pensamento de Calvino. Segundo o reformador,
a vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós, [...] que
cada um socorra os indigentes na medida de suas possibilidades, a fim de
que alguns não sofram necessidades enquanto outros têm em supérflua
abundância (CALVINO apud BIÉLER, 1970, p. 43).
Comentando Efésios 4.28, Calvino mostra que é o amor ao próximo que nos
leva a ver o trabalho não apenas como uma atividade em benefício próprio, mas
também para ajudar a satisfazer as necessidades dos outros: “O amor nos leva a
fazer muito mais. Ninguém pode viver exclusivamente para si mesmo e negligenciar o
76
próximo. Todos nós temos de devotar-nos à ação de suprir as necessidades do
próximo” (CALVINO apud BIÉLER, 1970, p. 146).
Ao descrever sobre a desigualdade social pela qual passa a América Latina,
Padilla chama a atenção para o fato de que, na posição de cristãos, não podemos
ficar indiferentes a essa realidade. Mas o que podemos fazer? A resposta oferecida
por Padilla é a de que os cristãos devem adotar um “estilo de vida” que leve a usar
bem os recursos materiais. Ele afirma que
algo anda muito mal se entendermos que, se ganhamos bem ou temos sido
bem sucedidos, temos o direito de desfrutarmos dos luxos que nos oferece a
sociedade de consumo, sem que sequer perguntamos se tais luxos não
devem ser postergados a fim de liberar recursos para satisfazer necessidades
mais urgentes, não nossas mas dos outros (PADILLA, 1994a, p. 118-119,
tradução nossa).
Em I João 3.17,18 lemos: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e
ver seu irmão passar necessidade e, fechar-lhe o coração, como pode permanecer
nele o amor de Deus?”. Padilla (1994a) pondera que, “em um contexto de
necessidades físicas e materiais prementes, um estilo de vida sensível, em função do
serviço ao próximo, é uma exigência do amor” (p. 119, tradução nossa).
Na percepção de Padilla e de Calvino, não deve existir um tipo de
espiritualismo que separe a vida material da vida espiritual. A doutrina reformada não
advoga esse tipo de alienação, a vida espiritual e a vida do corpo estão intimamente
ligadas.
3.3 ASPECTOS RELEVANTES DA TEOLOGIA DE MISSÃO DE C. RENÉ PADILLA
3.3.1 Conceituando a missão
A questão da definição e conceituação da missão há muito tem sido uma das
questões mais discutidas no estudo da missiologia. O que é missão? Qual é a sua
natureza? Quais os objetivos das missões cristãs? A considerar os diferentes
77
pressupostos teológicos, uma gama muito grande de respostas pode ser dada a
essas questões.
Desde o começo da história da Igreja muitas derivações de termos têm
aparecido nas traduções latinas procedentes do termo grego ‘apóstolo’, onde o verbo
significa “a arte de exercer o apostolado, o ofício de um apóstolo”. A terminologia
‘missio’ somente veio a aparecer no século XVI quando os Jesuítas e Carmelitas
enviaram ao Novo Mundo de então centenas de missionários. Inácio de Loyola e
Jacob Loyonez consistentemente empregaram o termo ‘missio’. Eles, os jesuítas,
foram os primeiros a utilizarem a terminologia ‘missão’ como a propagação da fé cristã
entre os povos não cristãos, ou seja, a disseminação da fé entre os povos não
católicos (os protestantes foram vistos como indivíduos a serem alcançados). Esse
sentido estava intimamente associado com a expansão colonial do mundo ocidental
aos demais povos (atualmente chamado de terceiro mundo) (NOLL, 2000).
Francisco Xavier (1506-1552), um dos companheiros de Loyola, embarcou em
diversas viagens missionárias levando a mensagem do cristianismo católico para a
Índia, Malásia, Indonésia e Japão (NOLL, 2000).
Desde meados do século XX, vários sentidos têm sido aplicados ao termo
‘missão’, alguns mais estreitos, outros mais amplos. A seguir, alguns conceitos de
missão.
Até o século XVI, o termo ‘missão’ foi usado exclusivamente para fazer
referência à doutrina da trindade, isto é, ao seu papel na história da redenção; o envio
do filho pelo Pai e, por sua vez, o envio do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho. Essa
interpretação, contanto que aceita como doutrina básica da Igreja Cristã, foi um dos
motivos da cisão do Cristianismo medieval no ano de 1054.
Em seu sentido mais amplo, a missão é tudo o que a Igreja faz a serviço do
Reino de Deus (Missões no plural). Em sentido mais restrito, contudo, a missão
refere-se à atividade missionária, à pregação do Evangelho entre povos e culturas em
cujo meio ele não é conhecido (Missão no singular). A seguir, duas definições:
J. H. Bavinck define missões como sendo uma
atividade da igreja, essencialmente nada mais do que a atividade de Cristo,
realizada por meio da igreja, pela qual a igreja, neste período intermediário,
chama os povos da terra ao arrependimento e à fé em Cristo, de modo que se
tornem seus discípulos e, pelo batismo, sejam incorporados a comunhão
daqueles que esperam a vinda do Reino (BAVINCK apud KUIPER, 1976, p.
5).
78
David Bosch (1929-1992)
49
, que também participou do Congresso de
Lausanne, nos oferece também uma definição de missão:
A missão constitui um ministério multifacetado em termos de testemunho e
serviço, justiça, cura, reconciliação, paz, evangelização, comunhão,
implantação de igrejas, contextualização, etc. Inclusive intento de arrolar
algumas dimensões da missão, porém está repleto de perigo, porque de novo
sugere que nos é possível definir o que é infinito. Quem quer que sejamos,
espreita-nos a tentação de enclausurar a Missio Dei nos estreitos confins de
nossas próprias predileções, voltando, necessariamente, à unilateralidade e
ao reducionismo (2002, p. 610).
3.3.2 A teologia da missão transcultural de Padilla
3.3.2.1 A universalidade do Evangelho
Quanto à tarefa da pregação, o Evangelho é universal. Ele deve ser anunciado
a todas as nações. Esse é o pensamento de Padilla:
Da universalidade do Evangelho se deriva a universalidade da missão
evangelizadora da igreja. O reclamo do mundo por parte do Evangelho,
iniciado em Jesus Cristo, continua por meio dos seus seguidores. Assim
como o Pai o enviou, também ele nos enviou ao mundo (Jo 17.18). O
arrependimento e o perdão de pecados em seu nome devem ser anunciados
em todas as nações (Lc 24.47; Mt 28.19; Mc. 16.15) (PADILLA, 1992b, p. 18-
19).
49
David Jacobus Bosch (1929-1992), membro da Igreja Reformada Holandesa, foi professor de
missiologia na Universidade de Pretória, na África do Sul, por 24 anos. Secretário geral da Sociedade
Sul-Africana de missiologia desde sua instituição em 1968. Foi editor da revista Missionalia desde sua
fundação em 1973. Além de Bacharel em teologia, Bosch graduou-se como mestre de artes em línguas
(afrikaans, holandês e alemão). Fez seu doutorado na Suíça (Universidade de Basileia), na área de
Missiologia, com orientação de Oscar Cullman, que exerceu grande influência em sua vida. Bosch
escreveu mais de 150 artigos em periódicos e muitos livros, incluindo a sua obra magna Transforming
Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (1991). Esse livro foi selecionado como um dos “Quinze
livros de destaque de 1991” pela International Bulletin of Missionary Research. Lesslie Newbigin fez
elogios aos mesmo chamando-o de “uma espécie de Summa Missiológica” em referência à obra
Summa Teológica de Tomás de Aquino. Sua contribuição e influência nos estudos da missiologia foi
imensa. Convém destacar que Bosch constitui num modelo da prática da Missão Integral, pois ele muito
lutou contra o racismo na África do Sul. Morreu tragicamente, num acidente de carro, no dia 5 de abril
de 1992, aos 62 anos (DAVID BOSCH, 2009).
79
Lendo Apocalipse 5.8-10, é possível verificar o clímax que há diante do trono
de Deus, como resultado da pregação do Evangelho por todo o mundo. Os quatro
seres viventes e os vinte e quatro anciãos entoavam novo cântico dizendo: “Digno és
de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue
compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, para o
nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra” (Ap. 5.8-10).
A visão de João nessa passagem de Apocalipse revela o desígnio da pregação
do Evangelho: reunir os redimidos de todos os povos, língua, tribos e nações. O
propósito da redenção é universal, pois se estende a todos os povos por meio da
pregação do Evangelho (Jo 10.16; 11;51,52; Ap 5.9).
Por ocasião do CLADE III, Terceiro Congresso Latino-Americano de
Evangelização, René Padilla fez o discurso inaugural com o seguinte tema: “Todo o
evangelho para todos os povos desde a América Latina”. Em seu discurso, Padilla
reflete o seu objetivo, bem como o de todo o Congresso, de pregar o Evangelho por
todo o mundo. Note bem, “para todos os povos, desde a América Latina”
(STEUERNAGEL, 1994, p. 17).
Nessa palestra inaugural, Padilla afirma:
Em virtude da obra de Jesus Cristo, através de sua morte e ressurreição,
fomos feitos ‘raça eleita, sacerdote real, povo de propriedade exclusiva de
Deus’ e isso para que anunciemos as obras maravilhosas de Deus. Os
privilégios que temos recebido por meio de Cristo são inseparáveis da nossa
responsabilidade missionária. O Evangelho que nos foi dado não é só para
nós; é para todos os povos da terra (1994a, p. 20, tradução e grifo nossos).
Sobre o uso da expressão “todos os povos da terra”, Padilla ainda esclarece:
Tal afirmação pressupõe a universalidade do Evangelho, e este é um
pressuposto que, nesta época caracterizada pelo pluralismo religioso, é
questionado dentro e fora da Igreja. Mas o único Evangelho que reconhece a
Bíblia é o Evangelho que proclama Aquele cujo domínio Deus se propôs
convergir ‘todas as coisas, tanto as do céu como as da terra’ (Ef 1.10), e criar
uma nova humanidade com gente de ‘toda tribo, língua, povo e nação’ (Ap
5.9). CLADE III nos convida, portanto, a renovar nosso compromisso com
nosso Senhor, a quem foi dada ‘toda a autoridade no céu e na terra’, e a ir em
seu nome aos povos de todas as nações e fazer delas seus discípulos,
confiando que Ele estará conosco até o fim do mundo (Mt 28.19-20) (1994a,
p. 20, tradução nossa).
80
Ao fazer referência à passagem de Mateus 28.19-20, chamando a atenção
para a autoridade de Cristo, Padilla, na realidade, está nos lembrando de que a nossa
autoridade para realizar a obra missionária sustenta-se a partir da autoridade de
Cristo. É com a autoridade de Cristo ressuscitado que nós, na qualidade de seus
discípulos, somos comissionados a realizarmos a missão. É preciso dar atenção ao
advérbio no início da sentença – ‘Portanto’. Ou seja, a missão é consequência natural
da coroação do Senhor ressurreto e da autoridade que isso traz.
Sem a proclamação de Jesus Cristo como Senhor de tudo, à luz de sua
autoridade universal, todos os valores da era presente se relativizam, não há
verdadeira evangelização. Evangelizar é proclamar Jesus Cristo como aquele
que reina hoje e continuará reinando ‘até que haja posto todos os inimigos
debaixo de seus pés’ (I Co 15.25) (PADILLA, 1992b, p. 24).
O evangelista Mateus, ao usar essas palavras de Jesus, nos ensina que a
autoridade é para que o Filho do Homem
50
reine sobre todas as nações e para
sempre. A autoridade do Filho do Homem tem o elemento universal no sentido
geográfico e cronológico. Missão ocorre em todo lugar onde o senhorio de Cristo
ainda não tenha penetrado. Missões é a manifestação de seu senhorio universal.
Um segundo ponto que podemos observar no pensamento de Padilla é que
essa tarefa é realizada pelos discípulos, mas tendo Cristo como modelo. Ele afirma:
“O reclamo do mundo por parte do Evangelho, iniciado em Jesus Cristo, continua por
meio dos seus seguidores. Assim como o Pai o enviou, também Ele nos enviou ao
mundo (Jo 17.18)” (1992b, p. 18-19).
René Padilla (1994a), ao trabalhar o tema “La gran comisión”, faz uma análise
do texto de Mateus 28.16-20, onde, segundo ele, essa passagem conhecida como a
“Grande Comissão” não deve ser aceita como um mandato evangelístico que tenha
por preocupação central a conversão de pessoas, mas sim o reconhecimento de que
pertencemos a um Senhor, o qual nos chamou para testemunharmos sobre sua
Pessoa.
Em sua análise, Padilla destaca três aspectos:
50
Filho do Homem, título utilizado, inclusive pelo próprio Jesus ao falar de si mesmo, que traz como
significado o fato que Ele possuía humanidade real (Mc 8.31; 10.45; Lc 9.58).
81
A autoridade de Jesus é a base para a tarefa missionária: “Toda a
autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18) (CARSON, 1984, p.
594).
Acrescento que o contexto mais remoto dessa afirmação de Jesus, quanto à
sua autoridade, encontra-se em Daniel 7.13-14: “Um como o Filho do Homem se
aproxima do Ancião de Dias [...] e se lhe deu autoridade, poder e majestade. Todos os
povos, nações e línguas o adorarão! Seu domínio é um domínio eterno, que não
passará, e seu reino jamais será destruído!”
A tarefa da missão é discipular: fazendo referência à língua grega, Padilla
(1994) mostra que a construção gramatical nos leva à conclusão que o
objetivo principal da Grande Comissão é fazer discípulos. Isso porque o
verbo ‘discipular’ (matheteusate - v. 19) é um imperativo aoristo.
51
Como realizar a missão: Padilla observa que a maneira como a missão
deve ser realizada é definida pelos outros três verbos (todos particípios) que
aparecem na passagem. Primeiramente, poreuthentes (indo, v. 19) aponta
as circunstâncias nas quais o mandato missionário (de fazer discípulos)
deve ser realizado. Em segundo lugar, baptízontes (batizando v. 20) mostra
que fazer discípulos envolve a incorporação de novos crentes na
comunidade cristã por meio do batismo. Em último lugar, didaskontes
(ensinando v. 20), que diz que fazer discípulos é inseparável de uma
formação integral orientada à obediência da fé.
Ao concluir a análise da Grande Comissão, Padilla chama a atenção,
principalmente, para a questão da autoridade de Jesus:
51
A chamada Grande Comissão também foi objeto de análise de David Bosch, o qual ensina que
nesses versículos temos quatro verbos: matheteusate (imperativo aoristo ativo), poreuthentes (particípio
aoristo passivo), baptízontes (particípio presente ativo) e didaskontes (particípio presente ativo). O verbo
principal e, também, aquele que constitui o coração da perícope, como dito acima, é matheteusate
(BOSCH, 1996). Os demais particípios, pelo simples fato de serem particípios, denotam o meio, “o
modo de emprego relacionado à ação do verbo principal” (LASOR, 1990, p. 77; CHAMBERLAIN, 1989,
p. 128). Bosch comenta que os particípios estão subordinados ao verbo principal e que estes
descrevem a forma pelo qual o fazer discípulos será tomada (BOSCH, 1996).
82
Mateus 28.16-20 não é um ‘mandato evangelístico’ no qual a preocupação
central da Igreja deve ser a conversão de indivíduos e estabelecimento de
igrejas. É, mais que isso, é um chamado que o Senhor ressurreto faz à Igreja
a dedicar-se a formar homens e mulheres que reconheçam seu senhorio
universal, se integrem ao povo de Deus e empreendam um movimento que
envolva todo aspecto da vida humana. É, em outras palavras, uma
convocação particular na formação de cidadãos do Reino de Deus dispostos
a obedecê-lo em tudo, para o qual a Igreja conta com a presença constante
do Espírito Santo (‘o outro Jesus’) até o fim do mundo (1994a, p. 17, tradução
nossa).
No início do artigo, Padilla deixa claro que sua proposta era mostrar que a
Grande Comissão não deveria ser reduzida a um “mandato evangelístico”,
enfatizando a pregação do Evangelho por todo o mundo. No entanto, entendo que há
na Grande Comissão (v. 20) dois outros aspectos que poderiam ter sido explorados: a
promessa de Cristo em enviar o Espírito Santo e o alcance da missão, ou seja, por
todas as nações.
A promessa da missão: Jesus promete sua presença por meio do Espírito
Santo. A presença permanente do Senhor ressuscitado em sua Igreja a
sustentará e animará até que a obra seja concluída.
O alcance da missão: finalmente, o texto mostra que há um entendimento
de que as bênçãos irão alcançar aos gentios. A tarefa missionária é reunir
os redimidos de todos os povos por meio da pregação do Evangelho.
A pregação do Evangelho a todas as nações é o entendimento de Padilla: “A
missão é fundamentalmente, por tanto, o cumprimento de um mandato que Cristo deu
a seus discípulos e que tem a ver, antes de tudo, com a pregação do Evangelho a
todas as nações da terra” (1994a, p. 15, tradução nossa).
3.3.2.2 O senhorio de Cristo e a Missão Integral
Partindo da análise de Mateus 28.18-19, em que o evangelista afirma que
Cristo tem toda autoridade no céu e na terra, Padilla entende que seria incoerência da
83
Igreja não entender que esse domínio também devesse se estender sobre todas as
áreas da vida humana. A missão é consequência natural da coroação do Senhor
ressurreto e da autoridade que isto traz. “O senhorio de Cristo é o fundamento da
eclesiologia integral e da missão integral” (PADILLA, 2003, p. 20, tradução nossa).
Padilla, de maneira clara e incisiva, declara que
se Jesus Cristo é Senhor de todo o universo, a quem lhe foi dado toda
autoridade no céu e na terra, sua soberania se estende tanto no âmbito
econômico como no político, tanto no âmbito social como no cultural, tanto no
âmbito estético como no ecológico, tanto no âmbito pessoal como no
comunitário. Nada nem ninguém pode ser excluído de seu senhorio (2003, p.
21-22, tradução nossa).
A permanência da Igreja no mundo e a sua proclamação do Evangelho
possuem uma íntima relação com o conceito de senhorio de Deus sobre todas as
coisas, como René Padilla expõe:
Segundo o Novo testamento, todo o mundo foi colocado sob o senhorio de
Jesus Cristo. A esperança cristã se relaciona com a consumação do propósito
de Deus de unir todas as coisas no céu e na terra sob o mando de Cristo
como Senhor, e de libertar a humanidade do pecado e da morte em seu
Reino (1992b, p. 203).
De maneira semelhante, e em concorncia com o ensino das Escrituras, o
calvinismo evita dicotomias do tipo profano-sagrado, entendendo que todas as esferas
da existência humana estão sob o senhorio de Cristo. São oportunas as palavras de
Abraham Kuyper, as quais corroboram com essa questão:
Esses homens e mulheres de todas as classes da sociedade e de
nacionalidade foram admitidos pelo próprio Deus à comunhão com a
majestade de seu ser eterno. Graças a esta obra de Deus no coração, a
convicção de que o todo da vida do homem deve ser vivido como na
presença divina tem se tornado o pensamento fundamental do Calvinismo.
Por esta idéia decisiva, ou melhor, por este fato poderoso, ele tem se
permitido ser controlado em cada departamento do seu domínio inteiro. É a
partir deste pensamento-matriz que nasce o sistema de vida abrangente do
Calvinismo (2002, p. 34).
Robinson Cavalcanti, de igual modo, consciente dessa dicotomia no meio
evangélico, define de modo abrangente a natureza dessa ação da Igreja na
sociedade, na perspectiva da teologia reformada:
84
Para o ponto de vista reformado, ou calvinista, o homem é um ser
integralmente unificado. Deve-se evitar dicotomias. Tudo é esfera sagrada, e
deve-se aplicar a Palavra de Deus a todas as áreas da vida. Toda a criação
caiu com o pecado e está agora sob a ação redentora de Cristo, que é o
Senhor tanto da Igreja quanto da sociedade. Os cristãos devem lutar hoje
para manifestar a presença do reino de Deus, embora a sua plenitude
somente se alcançará com o retorno de Cristo. Somos salvos para servir. Os
cristãos devem se infiltrar em todas as esferas da sociedade para chamá-la
ao arrependimento e à conformação às normas do reino. A Igreja é um centro
de arregimentação e treinamento de pessoas que se reformam para reformar.
(CAVALCANTI, 1994, p. 127)
3.3.2.3 O conceito de arrependimento
Sem o chamado ao arrependimento não há Evangelho. E o arrependimento
não é mero remorso de consciência, a “tristeza do mundo” que produz morte (II Co
7.10), mas uma mudança de atitude, uma reestruturação de todos os valores, uma
reorientação de toda a personalidade. Não é o abandono de hábitos condenados por
uma ética moralista, mas a renúncia a um estado de rebelião contra Deus para voltar-
se para Ele. E tampouco é o mero reconhecimento de uma necessidade psicológica,
mas a aceitação da cruz de Cristo como uma morte ao mundo a fim de viver para
Deus (PADILLA, 1992b, p. 31).
Segundo Padilla, o arrependimento bíblico sempre aponta para uma mudança
de mentalidade e envolve o homem como um todo, inclusive sua vida social. Para
justificar seu posicionamento, apresenta quatro verdades sobre o arrependimento:
1ª) O arrependimento tem forte ênfase escatológica. Fazendo uso de
Mateus 3.2, Padilla defende que a presença do genuíno arrependimento
é sinal da chegada do Reino de Deus, e que Jesus está cumprindo as
promessas e seus propósitos.
2ª) O arrependimento coloca os homens numa situação de crise. A idéia é
que todo aquele que diz estar arrependido, deve ter a sua vida
reorientada, pois o Evangelho faz exigências para que se viva uma nova
vida. Impossível continuar vivendo como se nada tivesse acontecido (Mt
3.2).
3ª) O arrependimento pressupõe um estilo ético de vida. Citando Lucas 3.8,
um novo estilo de vida é percebido em todo aquele que está
arrependido. ‘Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento’.
4ª) Uma quarta verdade, é que o arrependimento pressupõe obediência. O
genuíno arrependimento desemboca em situações concretas da vida, e
não se esgota em generalizações. Em outras palavras, há renúncia,
85
mudanças, compromissos específicos em situações reais e concretas
(Mc 1.4; Lc 13.3; 19.9; Mt 21.32) (PADILLA, 1992b, p. 31-32).
3.3.2.4 Sobre a singularidade de Cristo
Uma questão tratada por Padilla está relacionada às abordagens cristãs sobre
a dimensão universal do Evangelho. O ponto é: se Jesus é o Salvador do mundo, e
não de uma seita, pode-se afirmar que todos serão salvos ou apenas alguns? Já que
existem pessoas devotas em outras religiões, pode-se afirmar que tais pessoas
podem ser salvas mesmo que não tenham ouvido a pregação do Evangelho? Seu
posicionamento, o qual defende a singularidade de Cristo, é assim expresso:
Claramente, a salvação de Deus em Jesus Cristo tem um alcance universal.
Mas a universalidade do Evangelho não deve ser confundida com o
universalismo dos teólogos contemporâneos, que em virtude da obra de
Cristo, todos os homens receberam a vida eterna, seja qual for a sua posição
em Cristo (PADILLA, 1992b, p.18).
Já é amplamente conhecido que, teologicamente, há pelo menos três
abordagens cristãs sobre o destino daqueles que nunca foram evangelizados
(inclusiva, particularista e pluralista) (PRICE, 2004)
52
. De acordo com a abordagem
inclusiva, algumas pessoas, mesmo que nunca tenham ouvido o Evangelho, serão
salvas. O escritor jesuíta Karl Rahner é considerado o grande defensor dessa
abordagem e Alister McGrath faz uma apresentação objetiva e clara dessa
abordagem, apresentando três, das quatro teses desenvolvidas por Karl Rahner
(2007). Segundo Rahner, “Deus deseja que todos os homens sejam salvos, mesmo
que nem todos conheçam a Cristo” (RAHNER apud MCGRATH, 2007, p. 352).
O Vaticano II abraçou essa abordagem ao declarar que a obra salvadora de
Cristo é válida “não apenas para os cristãos, mas para todos os homens de boa
vontade em cujos corações a graça atua de maneira invisível” (STOTT, 2005, p. 235).
Esse posicionamento, com um viés mais pluralista, é fruto da ambiência pós-
moderna e do mundo globalizado. Ricardo Barbosa de Souza explica esse ponto:
52
Sobre esse tema há um livro que sugiro que seja consultado por aqueles que queiram se aprofundar
um pouco nos estudos sobre essas três posições: O que será dos que nunca ouviram? (PRICE, 2004).
86
Vivemos o risco de um novo modelo de intolerância. Afirmar a centralidade da
obra de Cristo já pode ser visto como preconceito. Uma das contradições da
cultura pós-moderna e globalizada é sua capacidade de romper fronteiras e
preconceitos, tornando-a mais inclusiva e, ao mesmo tempo, criar outras
fronteiras e preconceitos, tornando-a extremamente exclusiva e violenta. Nas
últimas décadas, a civilização ocidental tem feito um enorme esforço para
diminuir as distâncias entre as raças, romper com os preconceitos e a
discriminação sociais e criar uma sociedade menos violenta e mais aberta à
inclusão das minorias (SOUZA, 2006).
Essa abordagem pluralista não encontra apoio no pensamento de René
Padilla, o qual entende que a afirmação de que Jesus é o salvador do mundo não
significa dizer que Jesus salva a todas as pessoas automaticamente. Para Padilla, há
uma estreita relação de independência entre a fé e a salvação:
A proclamação de Jesus como ‘o Salvador do Mundo’ não é uma afirmação
de que todos os homens sejam salvos automaticamente, mas um convite
dirigido a todos os homens a colocarem sua confiança naquele que deu sua
vida pelos pecados do mundo. Cristo não salva independentemente da fé: a
fé não nos restaura independentemente de Cristo. Ele se fez um conosco:
nós temos que fazer-nos um com ele. Sem a afirmação deste duplo processo
de auto-identificação e dos resultados que o seguem não há uma exposição
completa do Evangelho (1992b, p. 18).
Como podemos verificar, Padilla defende uma abordagem particularista ou
exclusivista. Ele entende que não há qualquer oportunidade de salvação para o
homem, se não existir conhecimento de Cristo e uma resposta pessoal e consciente
ao seu chamado. Para que alguém seja salvo, é fundamental ouvir o Evangelho nesta
vida e fazer uma decisão por Jesus.
O Pacto de Lausanne no Artigo 3, “A Unicidade e a Universalidade de Cristo”,
expressa a convicção da impossibilidade em se considerar outras crenças e
tendências religiosas como caminhos alternativos de salvação:
Afirmamos que há um só Salvador e um só Evangelho, embora exista uma
ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização.
Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus
através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal
conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a
verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do Evangelho,
todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de
que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus
Cristo, sendo ele próprio o único Deus-homem, que se deu uma só vez em
resgate pelos pecadores, é o único mediador entre Deus e o homem. Não
existe nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos. Todos os
87
homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os
homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam.
Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-
se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como ‘o Salvador do
mundo’ não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de
tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação
em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de
pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador
e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus
Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que
todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor
(PACTO DE LAUSANNE, 1974, artigo 3).
O exclusivismo cristão, conforme vemos aqui no Pacto, já tem sido ensinado ao
longo dos séculos pelas igrejas reformadas, e a Confissão de Fé de Westminster
(Cap. X, 4) defende esse ponto:
Os não eleitos, posto que sejam chamados pelo ministério da palavra e
tenham algumas das operações comuns do Espírito, contudo não se chegam
nunca a Cristo e portanto não podem ser salvos; muito menos poderão ser
salvos por qualquer outro meio os que não professam a religião cristã, por
mais diligentes que sejam em conformar as suas vidas com a luz da natureza
e com a lei da religião que professam; o asseverar e manter que podem é
muito pernicioso e detestável (Ref. Mt 22.14; Mt 13.20,24; Jo 6.64-66; Jo 8.24;
I Jo 2.19; Hb 6.4-6; At 4.12; Jo 14.6; Jo 17.3; II Jo 9.10,11; Gl 1.8)
(ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER, 1649).
3.3.3 A teologia da missão integral de C. René Padilla
3.3.3.1 A missão integral na conceituação de C. René Padilla
Como bem observa o teólogo equatoriano, a expressão “missão integral”, na
realidade da América Latina, surge no seio da Fraternidade Teológica Latino-
Americana (ZABATIERO, 2007) nos anos 70.
53
Acrescenta que a motivação com que
ela surge era
53
Afirmação feita em sua palestra intitulada Hacia una definición de la misión integral, proferida durante
o Congresso Nacional de Evangelização em 12 de junho de 2001, em Honduras. Posteriormente, em
2006, a Editora Kairós publicou essa palestra como o primeiro capítulo no livro El Proyecto de Dios y las
necesidades humanas, em que Padilla é editor juntamente com Tetsunao Yamamori (2006b).
88
com a ideia de fazer justiça ao ensino bíblico a respeito da missão da Igreja.
Foi o resultado de uma tomada de consciência da necessidade de voltar ao
texto bíblico na busca de elementos que ajudarão o povo de Deus a cumprir
seu papel na história, à luz de seu compromisso com Jesus Cristo e de sua
situação concreta (PADILLA, 2006b, p. 19, tradução nossa).
Esse conceito de Missão Integral, em nível mundial, é bem anterior a Padilla e
à FTL. Ao longo da história da Igreja é possível ver movimentos e líderes cristãos
envolvidos com essa visão. O próprio Padilla faz referência aos pietistas, que já no
século XVIII e XIX tinham a compreensão de que a tarefa da Igreja era a de pregar o
Evangelho e também de atender às necessidades do corpo.
54
Na opinião de Padilla, e pensando exclusivamente na América Latina, esse
conceito de Missão Integral foi se perdendo ao longo dos anos. E o início desse
desvio de visão deu-se quando o movimento missionário, procedente dos Estados
Unidos, implementou uma visão de evangelização mais conversionista, em razão do
contexto católico romano na América Latina
55
.
As raízes do movimento evangélico na América Latina, como em outros
lugares do mundo, se estendem aos labores do movimento missionário que
foi tomando forma ao longo do séc. 19. As assim chamadas ‘igrejas
históricas’, que chegaram em nosso continente durante o século 19, não
tinham uma visão missionária; chegaram com suas respectivas colônias
europeias: os presbiterianos com os escoceses, os luteranos com os
alemães; os anglicanos com os britânicos, os valdenses com os italianos.
Tinham em comum sua falta de visão missionária. Foram as ‘igrejas
conversionistas’, com os batistas e as metodistas, as que se atreveram a
pregar o Evangelho em um contexto tradicionalmente católico romano, com
frequência com a desaprovação de seus irmãos nas ‘igrejas históricas’
(PADILLA, 1987, p. 6-13, tradução nossa).
A partir do final do século XVIII, começa a surgir um novo entendimento de
missão, o qual, lamentavelmente, concebia a tarefa missioria da Igreja
essencialmente em termos geográficos. A tarefa era “atravessar as fronteiras
geográficas com o propósito de levar o Evangelho desde o ‘mundo ocidental e cristão’
aos ‘campos missionários’ do mundo não cristão (os países pagãos)” (PADILLA,
1994a, p. 24, tradução nossa). O propósito da missão era “salvar almas” e “plantar
54
Após citar o teólogo David Bosch, que afirmara que já nos séculos XVIII e XIX a Igreja, ao pregar o
Evangelho, pouca separação fazia entre o “serviço à alma” (soteriológico) e o “serviço ao corpo”
(humanitário) (PADILLA, 2006b, p. 21, tradução nossa).
55
Lembro a controvérsia presente no Congresso de Edimburgo, em 1910, sobre a questão de se
considerar a América Latina como um território cristianizado ou não.
89
igrejas”, por meio da proclamação do Evangelho. Para Padilla, o propósito da missão
deveria ser algo mais do que apenas pensar na “salvação das almas”:
Falar de missão integral, portanto, é falar da missão orientada a reconstrução
da pessoa em todo aspecto de sua vida, tanto no espiritual como no material,
tanto no físico como no psíquico, tanto no pessoal como no social, tanto no
privado como no público (2006b, p. 30, tradução nossa).
Em entrevista dada à revista Cristianismo Hoje, Padilla, ao ser perguntado
sobre como define o conceito de missão integral, respondeu:
Ela pode ser definida sob várias perspectivas. Uma delas diz que o homem é
um ser não só espiritual, mas também possui as instâncias psicológica e
física. Então, a missão integral tem a ver com a totalidade da vida humana e
leva muito a sério as necessidades de cada uma dessas áreas – ora,
ninguém pode viver sem alimento ou sem abrigo, mesmo que conheça a
Deus. Falar de missão integral é falar do ser humano em todos os aspectos
de sua vida individual e em sociedade. Outra perspectiva seria a de que o
Deus da Criação tem interesse e soberania sobre cada aspecto de sua obra.
A missão integral nos motiva a alcançar o homem na plenitude de suas
necessidades, sem separar religioso ou profano, sacro ou secular. E em cada
um desses aspectos da vida, somos chamados a dar glórias a Deus
(PADILLA, 2008b).
Padilla entende ter havido uma distorção da verdadeira natureza da missão da
Igreja. Ao fazer um alerta sobre o erro que se pode cometer em dar preferência à
evangelização em detrimento da ação social, Padilla (1998b, p. 36) afirma: “O
chamado do Senhor é para um ministério integral em que a intenção permanente é
testificar de Cristo em palavra e ação; compartilhar com os necessitados o pão da vida
junto com o pão de cada dia”.
Para corrigir essa distorção, René Padilla (2006b) afirma que é necessária a
presença de dois elementos ou enfoques na teologia de missões: uma perspectiva
correta do propósito de Deus e uma perspectiva correta da natureza do ser humano.
90
3.3.3.2 Uma perspectiva correta dos propósitos de Deus
Sobre o primeiro elemento constitutivo essencial da natureza da missão, Padilla
(2006b) observa que o propósito de Deus é a redenção da criação.
a) A doutrina da criação
Padilla fundamenta seu entendimento da “missão integral” dentro de uma
compreensão do conceito da Teologia Bíblica da Criação. Segundo ele, não podemos
fazer uma dicotomia entre a criação e a salvação (PADILLA, 2006b).
Quando olhamos para a criação, devemos considerar os três mandatos dados
por Deus aos homens: o mandato espiritual (seu relacionamento com o Criador), o
mandato social (seu relacionamento em família) e o mandato cultural (seu
relacionamento com a sociedade). Padilla observa que a Igreja tem uma
responsabilidade nessa relação com a criação e destaca o mandato cultural. Em seu
artigo El desastre ecológico actual: un reto a la conciencia Cristiana, ele declara:
O mandato cultural, no poema da criação em Genesis 1, inclui a vocação de
encher a terra e cultivá-la. Este invólucro, entre outras coisas, o uso
cuidadoso dos recursos naturais, como sentido de mordomia responsável. A
sociedade de consumo converte o uso em abuso e faz dos recursos naturais
meros objetos comerciais, meios de enriquecimento material. A quem
consideramos filhos e filhas de Deus corresponde recuperar a vocação de
mordomos em termos de um estilo de vida ecológico a nível pessoal e
comunitário, e denunciar tudo aquilo que atente contra o equilíbrio ecológico
da criação de Deus (2008c, tradução nossa).
Padilla é claro e objetivo. Fazendo referência a Juan Stam, ele pondera o
seguinte:
A criação não se contempla à parte da salvação, nem a salvação à parte da
criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é indispensável para uma
correta compreensão tanto da religião como da ação da Igreja. Jamais
poderemos entender biblicamente a salvação e a missão se as
desvincularmos da criação (STAM apud PADILLA, 2006b, p. 29-30, tradução
nossa).
91
Com isso, Padilla ressalta que o propósito da missão não é meramente a
salvação da alma, e sim a transformação da pessoa de modo que esta glorifique a
Deus. Portanto, a missão deve abarcar suas relações interpessoais, e também sua
relação com a criação de Deus.
O ponto central aqui, o qual fornece uma base teológica segura para a missão
integral, é que Deus criou seu povo para a sua glória (Is 43.7). Não apenas os seres
humanos, mas toda a criação foi feita com este propósito de mostrar a glória de Deus.
Mesmo as criações inanimadas, as estrelas, o sol e o céu, testemunham da
majestade de Deus (Sl 19.1,2; Ef 1.6; Ap 4.11).
b) A natureza do ser humano
O tema da missão integral está ligado intimamente a tomada da consciência
da responsabilidade social da Igreja, tomada de consciência que por sua vez
depende em grande medida do reconhecimento do caráter social da vida
humana (PADILLA, 2001, p. 8, tradução nossa).
Um segundo ponto importante para conceituar a “missão integral” é levar em
conta aquilo que as Escrituras Sagradas dizem a respeito do ser humano.
Ele é uma unidade de corpo e alma, inseparáveis entre si. Em razão disso,
não se pode ajudar alguém dando atenção apenas a um destes aspectos. A
‘missão integral’ é uma missão que busca satisfazer o ser humano em suas
necessidades básicas, incluindo sua necessidade de Deus (necessidade
espiritual), mas também suas necessidades de abrigo, alimento, saúde física
e dignidade humana (PADILLA, 2006b, p. 31, tradução nossa).
Esse posicionamento de Padilla está em pleno acordo com o pensamento da
teologia reformada. É comum a discussão sobre tricotomia e dicotomia. Teólogos,
como Anthony Andrew Hoekema (1913-1988), são de opinião que não se deve optar
nem por um nem por outro, mas pelo que Hoekema (1999) chama de unidade
psicossomática: “a vantagem desta expressão é que ela faz plena justiça aos dois
aspectos do homem, ao mesmo tempo em que enfatiza a sua unidade” (p. 240).
Para Hoekema, não obstante a Escritura descrever o homem como uma
unidade, isso não significa que ela deixa de considerar que o mesmo possui dois
lados: “o físico e o não-físico” (1999, p. 241). Ver o homem com essa perspectiva traz
92
várias implicações para a ação da Igreja na sociedade. São esclarecedoras as
palavras de Hoekema:
Em sua tarefa evangelista e missionária, a igreja deveria lembrar-se também
que ela está tratando com pessoas completas. Embora o propósito principal
de missões seja confrontar as pessoas com o evangelho, de forma que elas
possam se arrepender de seus pecados e serem salvas através da fé em
Cristo, todavia a igreja nunca deve se esquecer que os objetos de sua
empreitada missionária têm necessidades tanto físicas quanto espirituais.
Com isto em mente, o fato de que o homem é um ser unitário, deveríamos
evitar expressões como ‘salvar a alma’ quando descrevendo a tarefa do
missionário, e deveríamos optar por uma abordagem holística ou abrangente
em missões. Esta abordagem, que algumas vezes é conhecida como ‘o
ministério da palavra e das ações’, direciona o missionário a estar
preocupado não somente a respeito de ganhar convertidos para Cristo, mas
também em melhorar as condições de vida desses convertidos e seus
vizinhos, trabalhando em áreas como agricultura, dietética e saúde. O
estabelecimento de escolas para a educação cristã dos nacionais e a
manutenção de clínicas e hospitais tanto para o cuidado da saúde rotineira
como da emergencial, entretanto, não deve ser considerado como estranho à
província da atividade missionária da igreja, mas como um aspecto essencial
dela (1999, p. 246).
Em entrevista a Víctor Rey, Padilla declara:
A única missão que sabe honrar o nome de Jesus Cristo é a missão em que
se mostra uma compaixão real pelo homem integral, como pessoa e como
membro de uma sociedade, em seu aspecto pessoal e em seu aspecto
comunitário. Eu creio que na América Latina por muito tempo trabalhamos
como se as pessoas não tivessem corpo, só alma. Hoje em dia as coisas
estão mudando. Somos seres psicossomáticos e espirituais e, portanto, a
atenção tem que ser ao homem integral na sociedade e na comunidade
(REY, 2004, p. 43, tradução nossa).
Após ter apresentado as razões que podem corrigir as distorções quanto às
dimensões da missão, Padilla fornece uma definição mais completa do seu conceito
de Missão Integral:
A missão só faz justiça ao ensino bíblico e a situação concreta quando é
integral. Em outras palavras, quando é um cruzar fronteiras (não só
geográficas senão culturais, raciais, econômicas, sociais, políticas etc.) com o
propósito de transformar a vida humana em todas as dimensões, segundo o
propósito de Deus, e de capacitar a homens e mulheres para que desfrutem a
vida plena que Deus tem feito possível por meio de Jesus Cristo no poder do
Espírito Santo (2006b, p. 33, tradução nossa).
93
Assim, devemos entender que a Missão Integral defende um evangelismo que
contempla o ser humano na sua integralidade, ou como vimos anteriormente, na sua
unidade psicossomática, alma e corpo.
Nesse sentido, André Biéler, professor de Ciências Econômicas da
Universidade de Genebra, Suíça, de maneira muito clara mostra como a Missão
Integral está presente no pensamento de Calvino:
Para Calvino, com efeito, dúvida não há de que a Palavra de Deus se dirige
ao homem integral, como um todo, na presente vida como na vida futura, em
sua alma como em seu corpo, na vida espiritual como na vida material, em
seu ser pessoal como em sua vida em sociedade. Quando Deus fala, Ele
encontra o homem na totalidade do seu ser e de seu vir-a-ser, Sua voz se
dirige a ele, tanto quanto à humanidade, ao universo e à Criação toda: todo o
profano se torna sagrado, nada escapa ao desígnio, nem ao julgamento, nem
ao amor de Deus (BIÉLER, 1990, p. 257).
Concluo este ponto citando Samuel Escobar:
Sustentamos que uma evangelização que não toma conhecimento dos
problemas sociais e que não anuncia a salvação e a soberania de Cristo
dentro do contexto no qual vivem os que ouvem, é uma evangelização
defeituosa, que trai o ensino bíblico e não segue o modelo proposto por
Cristo, que envia o evangelista (1992, p. 20).
3.4 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA MISSÃO INTEGRAL
É comum ouvirmos pessoas afirmarem que a Missão Integral começa no Pacto
de Lausanne. Na opinião de Padilla, essa é uma compreensão equivocada
56
. A fim de
elucidar essa questão, ele apresenta a trajetória histórica do conceito da Missão
Integral, ao analisar de forma breve, porém muito clara, as conferências evangélicas
internacionais realizadas nas décadas passadas (2008d).
56
Quando da minha entrevista com Padilla, em resposta a minha pergunta sobre quais os desvios que
ele tem percebido na atualidade na teologia da Missão Integral, sua resposta foi que “muitas pessoas
pensam que a Missão Integral tem seu início em Lausanne”.
94
3.4.1 Congresso sobre a Missão Mundial da Igreja em Wheaton
Esse Congresso foi realizado na cidade de Wheaton, Illinois, Estados Unidos,
no período de 9 a 16 de abril de 1966. Contou com a participação de quase 1.000
delegados, vindos de 71 países. Segundo Padilla, não obstante seu conservadorismo,
o documento fruto desse Congresso, intitulado “Declaração de Wheaton”, teve a
virtude de reconhecer que “somos culpados por um isolamento do mundo, um
isolamento que não tem base bíblica e que, muitas vezes, não nos permite enfrentar e
suportar honestamente suas preocupações” (2008d, p. 57, tradução nossa). Uma
conquista importante, e presente na Declaração, é que ele confessa nossa falha como
Igreja em “aplicar os princípios bíblicos a problemas, tais como o racismo, a guerra,
explosão demográfica, pobreza, desintegração da família, revolução social e o
comunismo” (2008d, p. 57, tradução nossa).
A Declaração de Wheaton foi um marco histórico que sinalizou uma nova
mentalidade dos evangélicos para enxergarem a missão da Igreja e os problemas
sociais.
3.4.2 Congresso Mundial de Berlim sobre Evangelização
Convocado pela revista Christianity Today, aconteceu entre os dias 25 de
outubro e 4 de novembro de 1966 em Berlim, e contou com a participação de 1.111
congressistas vindos de 100 países. Esse congresso teve por tema “Uma Raça, Um
Evangelho, Uma tarefa”. Billy Graham, em seu discurso de abertura, reafirmou a sua
convicção de que
se a igreja voltasse ao seu dever maior de proclamar o Evangelho e as
pessoas convertessem a Cristo, isto teria um impacto bem maior nas
necessidades sociais, morais e psicológicas do homem do que poderia ser
alcançado através de qualquer outra coisa que a Igreja conseguisse fazer
(GRAHAM apud PADILLA, 2008d, p. 59, tradução nossa).
95
Citando Arthur Johnston, Padilla afirma que o Congresso de “Berlim não
estabeleceu a base teológica para a ação social, senão, que afirmou que a
proclamação do Evangelho é a missão da Igreja” (PADILLA, 2008d, p. 59, tradução
nossa). Não obstante, continua Padilla, “a Afirmação Final incluía uma importante
declaração relacionada com as dimensões sociais do Evangelho”:
Depois do Congresso de Berlim outros congressos se seguiram patrocinados
pela Associação Evangelística Billy Graham. Em todos eles, com uma
regularidade surpreendente, os palestrantes traziam à tona a questão sobre o
envolvimento social cristão como uma questão intimamente relacionada à
evangelização (PADILLA, 2008d, p. 60, tradução nossa).
3.4.3 Congresso de Evangelização para a Ásia e Pacífico Sul
Esse congresso ocorreu em Singapura entre os dias 5 e 13 de novembro de
1968. Segundo Padilla (2008d), contou com 1.100 delegados asiáticos vindos de 24
países diferentes. Padilla chama a atenção para a palestra do colombiano Benjamim
E. Fernando, que teve por tema “O Evangelho e a inquietação social” (2008d, p. 60,
tradução nossa). Padilla continua citando parte da palestra proferida naquela ocasião:
Parte da tragédia do nosso tempo é que os cristãos evangélicos estão
evitando a revolução que eles mesmos têm causado mediante seu
testemunho bíblico inicial, de tal modo que outros se têm ocupado da mesma
[...] não há substitutos para a reforma social (BENJAMIM apud PADILLA,
2008d, p. 60, tradução nossa).
3.4.4 Congresso de Evangelização para os Estados Unidos
Congresso realizado em Minneapolis, entre os dias 8 e 13 de setembro de
1969, contou com a presença de 4.700 representantes de 93 denominações. De
acordo com Padilla (2008d), diversos oradores fizeram referências contundentes
sobre a relação entre a evangelização e a responsabilidade social nessa
oportunidade. Esse consenso ao redor do tema, por parte dos preletores, exerceu
96
forte impacto nos delegados. Padilla faz referência a isso dizendo que um dos
presentes chegou a afirmar que
o consenso dos delegados foi que qualquer igreja ou membro da mesma que
cante no mundo uma melodia celestial, porém não segue a Cristo enquanto
não aliviar a opressão e o sofrimento humano, é um barco encalhado. Em
Minneapolis observaram como a direção do Espírito de Deus afasta a Igreja
da armadilha do isolamento social e a coloca com a proa rumo ao amplo mar
da humanidade (PADILLA, 2008d, p. 61, tradução nossa).
3.4.5 Congresso Latino-Americano de Evangelização (CLADE I)
Aconteceu entre os dias 21 e 30 de novembro de 1969, na cidade de Bogotá,
contando com 920 pessoas de todo o continente. Devido à forte consciência das
necessidades de mudanças que precisam acontecer na América Latina, nasce um
desejo de unir esforços para trabalhar para promover mudanças na sociedade. O
próprio tema do Congresso já é revelador quanto a essa consciência: “Ação de Cristo
para um Continente em Crise”. Segundo Padilla (2008d), Samuel Escobar apresentou
uma palestra sob o tema: “A responsabilidade social da Igreja”.
3.4.6 Congresso Europeu de Evangelização
Foi realizado em Amsterdam, entre os dias 28 de agosto e 4 de setembro de
1971, e contou com 1.064 participantes de 36 países. Para Padilla (2008d) a principal
palestra foi apresentada por Paavo Kortegangas, sobre o tema “Implicações sociais
do Evangelho”.
97
3.4.7 Dia de Ação de Graças sobre os evangélicos e a preocupação social
Esse evento, conforme Padilla (2008d), se constitui em um importante marco
para despertar a consciência social por parte dos cristãos em âmbito global. Realizado
em Chicago, de 23 a 25 de novembro de 1973, esse movimento produziu o
documento que ficou conhecido como a “Declaração de Chicago sobre a preocupação
social evangélica”. Sobre essa Declaração, Padilla afirma que a mesma
foi recebida com entusiasmo por muitos que viram nela clara evidência de
que os evangélicos estavam superando a tradicional dicotomia entre
evangelização e responsabilidade social (PADILLA, 2008d, p. 62, tradução
nossa).
Como podemos perceber, a Missão Integral não tem seu início no Congresso
Mundial de Evangelização em Lausanne (1974). No entanto, foi nesse Congresso que
ela iria fincar definitivamente suas estacas. Realizado na cidade suíça de Lausanne,
entre os dias 16 e 25 de julho de 1974, esse congresso, na opinião de Padilla, “deu
um passo definitivo na afirmação de que a evangelização e a responsabilidade social
são aspectos essenciais da missão da Igreja” (2002a, p. 63, tradução nossa).
Ao destacar algumas afirmações do parágrafo 5 do Pacto de Lausanne, onde a
relação entre evangelização e responsabilidade social aparece como sendo parte do
nosso dever como cristãos, Padilla ressalta várias expressões do Pacto, entre elas:
“Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes
considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas”; e “a
mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de
alienação, de opressão e de discriminação”. Nas palavras de Padilla, tal declaração
“foi um golpe mortal a toda intenção de reduzir a missão da Igreja à multiplicação de
cristãos e de igrejas por meio da evangelização” (2002a, p. 66, tradução nossa).
Mesmo tendo sido bem recebido nos diversos seguimentos do evangelicalismo
mundial, o Pacto de Lausanne não passou isento de muitas críticas e rejeição. John
Stott esclarece que uma das razões dessa rejeição é que “os evangélicos reagiram
contra o assim chamado ‘evangelho social’, que na época estava sendo desenvolvido
pelos teólogos liberais” (STOTT, 1989, p. 24).
98
Padilla nos informa que em resposta a essas críticas, John Stott publicou na
revista Christianity Today, publicada em 5 de janeiro de 1979, uma defesa do Pacto,
reafirmando
um compromisso prioritário com a evangelização do mundo, porém
primeiramente asseverou que a distinção entre evangelização e ação social é
‘frequentemente artificial’ e que a relação entre os dois era ‘uma questão
teológica que Lausanne deixou sem resolver e que todavia necessita ser
discutida’ (PADILLA, 2002a, p. 67, tradução nossa).
Ainda no Congresso de Lausanne, como uma crítica a essa dicotomia, vários
delegados apoiaram uma declaração que recebeu o nome de “Uma resposta a
Lausanne”. David Bosch faz menção a uma afirmação desse documento:
Não há dicotomia bíblica entre a palavra falada e a palavra que se faz visível
na vida do povo de Deus. Os homens olharão ao escutarem, e o que eles
virem deve estar em consonância com o que ouvem [...] Há tempos em que
nossa comunicação pode dar-se apenas por atitudes e ações, e há outros em
que a palavra falada estará só: mas precisamos repudiar como demoníaca a
tentativa de meter uma cunha entre a evangelização e a preocupação social
(BOSCH, 2002, p. 486).
Posteriormente, várias consultas foram realizadas com a proposta de dirimir as
dúvidas sobre a relação entre evangelização e responsabilidade social. Por exemplo,
na Consulta Internacional sobre Evangelho e Cultura, realizada em Willowbank (1978)
foi reconhecido que
frequentemente nós ignoramos os temores e frustrações das pessoas, suas
dores e preocupações, e sua fome, pobreza, privação e opressão, na verdade
as suas ‘necessidades na pele’, e temos nos mostrado demasiadamente
lentos para regozijarmos ou chorarmos com as mesmas (PADILLA, 2002a, p.
68, tradução nossa).
A Missão Integral estava caminhando para sua solidificação, e em outras
conferências que aconteciam durante esse período o interesse na Missão Integral era
muito positiva (PADILLA, 2002).
Padilla ainda menciona “A Carta Pastoral”, emitida pelo Segundo Congresso
Latino-Americano sobre Evangelismo (Lima, Peru, 1979), a qual revelou claramente
sua preocupação nos seguintes termos:
99
Aqueles que estão famintos e sedentos por justiça, aqueles que são privados
do que precisam para sobreviver, grupos étnicos marginalizados, famílias
destruídas, mulheres que não têm direito algum, jovens dedicados ao vício ou
com tendência à violência, crianças sofrendo por causa da fome, abandono,
ignorância e exploração (PADILLA, 2002a, p. 69-70, tradução nossa).
Enquanto a Missão Integral ganha corpo, cresce também a necessidade de
estabelecer de maneira clara, exatamente, qual a relação entre a evangelização e a
ação social. Considerando que o Pacto de Lausanne, no parágrafo 6, afirma que a
evangelização deve ter prioridade, a necessidade era a de buscar entender em que
sentido era essa prioridade.
Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai
o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e
sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na
sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a
evangelização é primordial (PACTO DE LAUSANNE, 1964).
Realizada entre os dias 19 e 25 de junho de 1982, em Grand Rapids, no
Michigan, a Consulta Internacional sobre a relação entre evangelização e
responsabilidade social tratou de esclarecer a questão que estava até então
provocando divisão entre os evangélicos: em que sentido a evangelização tem
prioridade sobre a responsabilidade social?
Conforme menciona Padilla, essa consulta entendeu que a pregação do
Evangelho e a ação social estão tão relacionados entre si que podem ser
comparados, “na verdade, a um casamento” (2002a, p. 76, tradução nossa). Sendo
assim, ressalta que “é óbvio que a primazia da evangelização não significa que a
mesma precisa, sempre e em todo lugar, ser considerada mais importante que a sua
parceira. Se este fosse o caso, algo estaria errado com este casamento” (PADILLA,
2002a, p. 77, tradução nossa).
Conforme Padilla (2002a), o documento de Grand Rapids admitiu que a
alternativa entre evangelização e responsabilidade social é em grande medida
conceitual e que, na prática, palavra e ação são inseparáveis. Ainda de acordo com
Padilla, a mais importante afirmação evangélica do compromisso com a missão
integral nas últimas décadas do século XX foi a da Declaração de Wheaton, em 1983,
“A transformação: a Igreja em resposta à necessidade humana”. Nesse sentido,
Padilla pondera que
100
a declaração resultado desta conferência reconhece que toda a vida está
sujeita ao poder transformador de Deus e que somente através da expansão
do Evangelho, a necessidade básica dos seres humanos pode ser satisfeita:
a de ter comunhão com Deus (2002a, p. 77, tradução nossa).
Padilla continua mostrando a importância da Declaração de Wheaton para a
Missão Integral:
Declaração de Wheaton de 1983 é uma conquista bem como uma síntese da
base teológica para a missão integral e um resumo das questões mais
significativas que podem ser levantadas a respeito da Igreja como agente de
Deus para a transformação integral. O documento colocou um sólido
fundamento teológico para a missão da Igreja, sem a tradicional dicotomia
entre evangelização e responsabilidade social. Seria muito difícil encontrar,
em círculos evangélicos pelo mundo, qualquer documento redigido depois de
1983, que supere a este, em direção a recuperar uma visão integral da Igreja
e a sua missão (PADILLA, 2002a, p. 79, tradução nossa).
Com relação a essa Declaração, David Bosch afirma que “pela primeira vez
uma declaração oficial emitida por uma conferência evangélica supera o eterno
problema entre a evangelização e o envolvimento social” (BOSCH apud PADILLA,
2002a, p. 80, tradução nossa).
3.5 A RELAÇÃO ENTRE MISSÃO INTEGRAL E MISSÃO TRANSCULTURAL
Padilla (2009b) mostra que a Missão Integral se distingue da missão
transcultural ou tradicional e reconhece o valor e a contribuição dada pelo modelo de
missão transcultural. Contudo, sua preferência é pelo modelo de Missão Integral, que,
para ele, é um paradigma que, se adotado, não esgota o sentido da missão
transcultural. Com o intuito de justificar a sua preferência, apresenta suas razões
pontuando que a Igreja, ao reduzir sua missão ao modelo tradicional (salvar almas em
outras culturas), deu lugar a pelo menos quatro dicotomias que afetaram a Igreja
negativamente: 1) A dicotomia entre igrejas que enviam missionários e igrejas que
recebem missionários; 2) A dicotomia entre o “lar”, localizado em algum país do
“mundo ocidental e cristão”, e o “campo missionário”, localizado em algum país pagão.
3) A dicotomia entre “missionários”, chamados por Deus a servir-lhe, e cristãos
101
comuns e ordinários, que podem desfrutar dos benefícios da salvação, mas estão
exonerados de participar no que Deus quer fazer no mundo. Essa dicotomia, no
entender de Padilla, pode ser a razão do ensino errôneo da separação entre “clérigos”
e “leigos”; e 4) A dicotomia entre a vida e a missão da Igreja (2009b). Sobre essa
quarta dicotomia, Padilla é claro ao afirmar que
se, para que a igreja fosse ‘missionária’ bastasse enviar e apoiar alguns de
seus membros para que se ocupassem da missão, algumas igrejas não
teriam nenhum impacto significativo na sua vizinhança: a vida se
desenvolveria na situação local (‘at home’); mas a missão, em outro lugar,
preferivelmente no exterior (‘the mission field’) (2009b, p. 17).
Padilla então conclui que o modelo da Missão Integral torna-se um paradigma
de missão que soluciona esses problemas, sem esgotar o modelo de missão
transcultural. Nessa perspectiva, afirma que
a missão pode ou não envolver o cruzamento de fronteiras geográficas;
porém, em qualquer caso, envolve primordialmente o cruzamento da fronteira
entre o que é fé e o que não é fé, seja na terra natal (at home) ou no exterior
(no ‘campo missionário’), em função do testemunho acerca de Jesus Cristo
como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação (2009b, p. 17).
Padilla continua:
Em outras palavras, cada igreja, seja qual for sua localização, é chamada a
participar na missão de Deus – uma missão que tem um alcance local, um
alcance regional e um alcance mundial – começando em sua própria
‘Jerusalém’. Para cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é não é
necessário cruzar fronteiras geográficas: o fator geográfico é secundário. O
compromisso com a missão está própria essência de ser igreja; portanto, a
igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus
Cristo e assim cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é, deixa de ser
igreja e se converte em um clube religioso, um mero grupo de amigos ou uma
agência de bem-estar social (2009b, p. 17,18).
Concordo com Padilla quando este afirma que para se fazer missões não é
necessário cruzar as barreiras geográficas. No entanto, entendo que o compromisso
principal da Igreja não é a missão e sim a adoração, o culto a Deus.
Martyn Lloyd-Jones assim se expressa:
102
O objetivo supremo desta obra é glorificar a Deus. Esse é o ponto central.
Esse é o objetivo que deve dominar e sobrepujar todos os demais. O primeiro
objetivo da pregação do Evangelho não é salvar almas; é glorificar a Deus.
Não se tolerará que nenhuma outra coisa, por melhor que seja nem por mais
nobre, usurpe esse primeiro lugar (1994, p. 97).
O pastor batista John Piper também defende essa posição, de que o culto a
Deus e não à obra missionária deve ser a preocupação principal da igreja do Senhor.
Eis o seu argumento: “O desafio missionário existe e persiste porque o culto pleno a
Deus ainda não existe [...] O culto é o alvo último da igreja. O culto a Deus deve ter
prioridade na igreja, não a obra missionária, porque Deus é último, e não o ser
humano” (2001, p. 13).
Por mais que o nosso desejo seja o de afirmar a prioridade da obra missionária,
precisamos acompanhar o pensamento de John Piper, para o qual uma análise
honesta da revelação bíblica leva à conclusão que o culto é o fim último da igreja e o
desejo máximo de Deus para toda a humanidade (PIPER, 2001). A primeira pergunta
do Catecismo de Westminster diz: “Qual é o fim principal do ser humano?” E a
resposta acertada é: “O fim principal do ser humano é glorificar a Deus e gozá-Lo para
sempre”. É dentro dessa perspectiva reformada que a minha reflexão a respeito da
obra missionária se encontra.
Quando a igreja se compromete com a missão integral e se propõe a
comunicar o evangelho mediante todo o que é, faz e diz, entende que seu
propósito não é chegar a ser grande em número, ou rica materialmente, ou
poderosa politicamente. Seu propósito é encarnar os valores do Reino de
Deus e testificar do amor e justiça revelado em Jesus Cristo, no poder do
Espírito, em função da transformação da vida humana em todas as suas
dimensões, tanto no nível pessoal como no nível comunitário. [...] Concebido
nesses termos, este ‘novo paradigma para a missão’ não é tão novo: é, na
verdade, a recuperação do conceito bíblico da missão, já que, de fato, a
missão é fiel ao ensinamento das Escrituras na medida em que se coloca a
serviço do Reino de Deus e sua justiça. Conseqüentemente, ela focaliza o
cruzamento da fronteira ente o que é fé e o que não é, não somente em
termos geográficos mas também em termos culturais, étnicos, sociais,
econômicos e políticos com o fim de transformar a vida em todas as suas
dimensões, segundo o propósito de Deus, de modo que todas as pessoas e
comunidades humanas experimentem a vida abundante que Cristo lhes
oferece (PADILLA, 2009b, p. 19-20).
103
3.6 MISSÃO INTEGRAL NO MUNDO ISLÂMICO
A aplicação do conceito de Missão Integral para a missiologia transcultural é
apresentada de maneira muito clara por René Padilla. Podemos constatar essas
aplicações em seu artigo sobre o trabalho missionário entre os povos muçulmanos
(PADILLA, 2009c). Segundo ele, os frutos colhidos pelos missionários que atuam
nesses campos vão além das conversões ao cristianismo, pois outras lições podem
contribuir em muito para transformar a maneira como a Igreja vê a tarefa de
evangelização entre os povos islâmicos. São três as lições a serem aprendidas:
1ª) “Os missionários devem aprender a trabalhar como profissionais e assim
testificar de Jesus na vida diária”. Padilla mostra a importância para a
atividade missionária quando aquele que atua no campo exerce uma
profissão. Ele é sábio ao afirmar que
alguns, devido à sua formação ‘evangélica’, todavia não se libertaram da ideia
de que a profissão é só uma desculpa para estar onde não poderiam esta de
outra maneira; um ‘mal necessário’ que ele utiliza no momento que poderiam
dedicar a fazer o que realmente importa: falar de Cristo e ‘ganhar almas’. Faz
falta, portanto, seguir estimulando a reflexão sobre temas tais como: o lugar
essencial de serviço na vida cristã; a relação do estilo de vida com a
evangelização; as várias dimensões da salvação e a maneira como elas se
relacionam entre si; a conversão como obra do Espírito Santo; a presença de
Deus em tudo o que contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas,
especialmente, os pobres, os ‘don nadie’ que estão à margem da sociedade;
a amizade sincera; sem segundas-intenções, como um valor humano que
Deus usa (sempre) para manifestar seu amor e (às vezes) para fazer possível
a comunicação explícita da mensagem de Cristo. Todos estes são
ingredientes básicos da missão integral (PADILLA, 2009c, tradução nossa).
2ª) A segunda lição refere-se à parceria entre a ação do Espírito Santo e a
ação do homem. Nesse ponto, o trabalho missionário entre povos
islâmicos proporciona uma grande oportunidade para revelar o quanto os
missionários precisam depender do Espírito Santo no trabalho.
Padilla é de opinião que, pelo fato desses países serem tão fechados ao
Evangelho, os métodos modernos de evangelização, como a televisão, internet etc.,
não teriam alcance. Em razão disso, e até mesmo pelo exemplo que temos de Jesus,
104
o mundo islâmico obriga a Igreja a adotar um modelo de evangelização encarnacional.
Ou seja, os missionários precisam pregar o Evangelho, mas também precisam entrar
na cultura do povo se entregando e servindo naquele contexto. A esse respeito,
Padilla aponta que
o mundo muçulmano nos obriga a retomar este modelo de evangelização
encarnacional e ‘em forma de cruz’. Em outras palavras, nos obriga a um
testemunho que inclui a palavra do Evangelho, porém a inclui no contexto de
serviço abnegado que inspira amor sacrificial. Nos obriga a um testemunho
em que o evangelista não apenas joga a semente, senão que ele mesmo se
converte na semente que cai na terra e morre. Que outra morte que a do
evangélico latino-americano que se vê forçado a abrir mão de buscar o ‘êxito
evangelístico’ e ter que limitar-se a ‘fazer o bem sem olhar a quem’ e a dar
razão da esperança que está nele, sem garantias de êxito em termos de
número de cabeças que se pode contar? Que outra morte que a de quem
sabe que, segundo o propósito de Deus, um semeia, outro rega, e que, em
todo caso, apenas Deus é que faz crescer e a ele lhe pertence a glória?
(PADILLA, 2009c, tradução nossa).
3ª) Por último, a terceira lição a ser aprendida do trabalho missionário entre
povos islâmicos é que, segundo os critérios do Reino de Deus, o sucesso
não pode ser medido em termos de números de conversões, mas sim em
termos de fidelidade à vontade de Deus.
John R. W. Stott, em sua palestra proferida no Congresso de Lausanne,
também afirmou:
Evangelização não deve ser definida em termos de resultados, pois não é
dessa maneira que se usa a palavra no Novo Testamento [...] ‘Evangelizar’,
na acepção bíblica do termo, não significa ganhar conversos (como em geral
se pensa, quando usamos a palavra), mas simplesmente anunciar as boas
novas, independentemente dos resultados (1989, p. 39).
Concluindo, Padilla entende que os missionários que atuam no mundo islâmico
têm a oportunidade de colocar em evidência a teologia da Missão Integral. Observem
suas palavras:
No mundo muçulmano há missionários latino-americanos que estão pondo
em evidência que a Missão Integral não é apenas uma ordem ou uma
estratégia: é a missão da Igreja e constitui a única maneira de difundir a boa
nova de Jesus Cristo com integridade, especialmente no mundo muçulmano
105
e em outras situações onde há hostilidade para com o Evangelho (PADILLA,
2009c, tradução nossa).
3.7 A DIMENSÃO SOCIAL DO CRISTÃO NA SOCIEDADE PAGÃ
Os cristãos não têm apenas responsabilidade para com o Estado, mas também
para com o próximo. Escrevendo a Tito (3.1), Paulo diz que o cristão deve ser alguém
“preparado para toda boa obra”. Obviamente, que a base para essa dimensão social
não é o conceito de salvação pelas obras, mas no amor a Deus e ao próximo
(HENDRIKSEN, 1975).
Calvino, também no exercício de seu pastorado, sempre procurou encorajar
pessoas sobrecarregadas, que não conseguiam encontrar consolo mediante sua
própria aproximação de Deus, a procurarem seu pastor para aconselhamento
particular e pessoal. Nas palavras de Ferreira, “Calvino é pastor zeloso e incansável
no seu esforço em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de
toda sorte” (FERREIRA, 1985, p. 153).
Antônio José do Nascimento Filho vai ao encontro do pensamento de Calvino
quando afirma que
o povo de Deus, desde o começo, tem sido identificado como uma
comunidade solidária e amorosa, e os cristãos devem manter este
comportamento no mundo de hoje, de sorte que o nome do Senhor seja
engrandecido por meio do nobre testemunho de sua igreja (1999, p. 35).
Ou seja,
a transformação social, quando tem base na palavra de Deus, é mais
profunda e muito mais difícil de evitar. O poder do Estado tem de estar
próximo da verdade para que sua administração faça crescer a riqueza em
proveito de seu povo. Esta é a ordem da fé transformada em ação. A ação
para nós, cristãos, deveria estar sempre representada por fixar objetivos
transparentes, promover a união e difundir a verdadeira informação para a
que todos dela tomem conhecimento e partilhem (BIÉLER, 1999, p. 8).
106
4 A CONTRIBUIÇÃO DA “MISSÃO INTEGRAL” PARA A AÇÃO NÃO
ALIENANTE DA IGREJA EVANGÉLICA NO BRASIL
Neste capítulo, temos por objetivo mostrar que a teologia da Missão Integral,
através de sua proposta, oferece ao cristão a oportunidade de ser não apenas
expectador, mas autor das transformações na sociedade. Penso ter ficado claro que
os pressupostos que norteiam a Missão Integral, à semelhança do calvinismo, não
fazem distinção entre sagrado e profano, entre o que é religioso e o que é social. A
Missão Integral não dissocia a vida cristã da vida na sociedade.
Marx não deixa de ter alguma razão quando diz que a religião projeta o homem
para um mundo ilusório (ZILLES, 1991). Muitas vezes, tenho percebido que, na
prática, os evangélicos têm adotado a postura de Tertuliano (HORTON, 1998), ou
seja, estão apenas defendendo um Evangelho com implicações meta-históricas,
totalmente indiferentes aos problemas da era moderna; uma pregação preocupada
apenas na salvação da alma, voltada para a eternidade; mas sem qualquer vinculação
com a realidade presente. Há uma espécie de niilismo cristão, na forma como esboça
Israel Belo de Azevedo, ao expor algumas razões do “redomismo” (AZEVEDO, 2005)
evangélico:
Niilismo (‘cristão’) [...] é a tendência do cristão de projetar a esperança para o
futuro. [...] Como o mundo é mau, pouco se pode esperar aqui desta vida [...]
Em outras palavras, todas as decisões já foram tomadas por Deus. Todos os
destinos foram postos por Ele. Por isso, ninguém pode escapar ao seu
‘destino’. Nada mudará por mais que lute o homem (AZEVEDO, 2005, p. 27).
No entanto, esse “redomismo” fatalista, que neutraliza a Igreja em sua ação na
sociedade, não tem base bíblica ou teológica; e, como disse Alister McGrath, “a
verdadeira teologia é operante e transformadora” (2007, p. 67).
A teologia da Missão Integral não é somente uma doutrina limitada à esfera da
espiritualidade. O ser humano é integral. Como tal, há necessidades espirituais,
físicas, emocionais e sociais. Todas elas devem estar sob a influência do Evangelho.
Nas Escrituras, não vemos uma dicotomia entre social e espiritual.
Wallace afirma que,
107
para Calvino, nenhum tipo de ensino que levasse os homens a deixarem de
se preocupar com qualquer coisa que afetasse de maneira profunda a vida
humana, até mesmo suas preocupações puramente humanas, poderia de
forma alguma ser cristão (2003, p. 90-91).
Além da Escritura, temos também diversos exemplos na história de homens e
mulheres que, longe de conduzir à lassidão moral, em razão de sua fé, influenciaram
positivamente o mundo e, assim, promoveram grandes transformações na sociedade
(HORTON, 1998).
Mas é preciso esclarecer que os motivos fundantes para essa ação não
alienante repousam na teologia, e não como um fim em si mesmo. Em outras
palavras, a base que justifica e fundamenta a ação da Igreja na sociedade está em
Deus e não na sociedade. Anthony Hoekema (2002) ensina esse pressuposto de
maneira muito clara. Segundo ele, crer na doutrina da “graça comum” nos ajuda a
atuarmos neste mundo, buscando sua transformação, a despeito da condição decaída
do ser humano (HOEKEMA, 1999). Nesse sentido, o calvinismo
tem dado proeminência ao grande princípio de que há uma graça particular
que opera a Salvação, e também uma graça comum pela qual Deus,
mantendo a vida do mundo, suaviza a maldição que repousa sobre ele,
suspende seu processo de corrupção, e assim permite o desenvolvimento de
nossa vida sem obstáculos, na qual Ele glorifica-se como Criador (KUYPER,
2002, p. 38-39).
Portanto,
é preciso que continuemos a nos interessar por este presente mundo, sua
política, sua economia, sua vida e sua cultura. Não que devamos esperar um
mundo totalmente cristianizado antes da nova terra; não esperamos. Mas
devemos continuar a lutar por um mundo melhor aqui e agora. Para esse fim,
devemos usar os recursos educacionais e editoriais. Devemos ser ativos na
área política, por meio dos esforços dos legisladores, juízes e magistrados
cristãos; por meio das urnas, petições e referendos; por meio da pressão para
persuadir os representantes que elegemos. Devemos continuar fazendo tudo
o que podemos para aliviar o sofrimento e a fome no mundo e para fazer
justiça aos oprimidos. Devemos fazer oposição permanente à corrida insana
às armas nucleares e trabalhar incessantemente pela paz mundial. Devemos
nos esforçar permanentemente pela eliminação da escravidão causada pela
pobreza e das condições desumanas em que muitos vivem. Devemos nos
opor persistentemente a todas as formas de racismo (HOEKEMA, 1999, p.
222-223).
108
Igualmente, Calvino sustentava uma visão ampla do conceito dessa ação do
homem na sociedade. Para ele, Deus é Senhor de todas as coisas e, por isso, toda
verdade é verdade de Deus. Esse conceito estava embasado em seu entendimento
teológico da “graça comum” de Deus sobre todos os homens (CALVINO, 1986).
A enfermeira cristã no hospital; a professora cristã na escola; a secretária
cristã no escritório, o vendedor cristão na loja ou o empregado cristão na
fábrica – cada um tem possibilidade de exercer influência acima de quaisquer
números ou percentagens. E quem pode calcular a influência positiva que é
capaz de ter sobre a vizinhança um único lar cristão onde marido e mulher
são fiéis ao outro e se realizam mutuamente? Onde os filhos crescem
abrigados pela disciplinada segurança do amor, e onde a família, ao invés de
viver fechada em si mesma, volta-se para o bem da comunidade? (STOTT,
1989, p. 107).
Mas, aos poucos, a Igreja foi se afastando dessa visão de influenciar a
sociedade. As causas que levaram a esse distanciamento podem ser vistas nas
palavras de John Stott:
1ª) A primeira causa foi a luta contra a teologia liberal que na virada do
século devastava as igrejas da Europa e da América. Nessa época os
evangélicos estavam tão ocupados em vindicar os fundamentos da fé
que julgavam não haver tempo a perder com preocupações sociais [...]
2ª) Em segundo lugar, os evangélicos reagiram contra o assim chamado
‘evangelho social’, que na época estava sendo desenvolvido pelos
teólogos liberais.
3ª) A terceira razão de os evangélicos negligenciarem a responsabilidade
social foi a desilusão e pessimismo que se seguiram à 1ª Guerra
Mundial, devido à exposição da maldade humana. Programas sociais
anteriores haviam falhado. O homem e a sociedade pareciam
irreformáveis. Qualquer tentativa de reforma era inútil. Para dizer a
verdade, os evangélicos, conhecendo as doutrinas bíblicas do pecado
original e da depravação humana, nem deveriam ter se surpreendido
com isso.
4ª) Em quarto lugar, disseminavam-se (especialmente através dos
ensinamentos de J. N. Darby e sua popularização da Bíblia de Scofield)
o esquema pré-milenista. Segundo o pré-milenismo o mundo atual é tão
mau que qualquer melhora ou redenção se torna impossível; ele
continuará se deteriorando mais e mais, até a vinda de Jesus, que
estabelecerá então o seu reino milenial aqui na terra. Se o mundo vai
piorar cada vez mais, e se somente a vinda de Jesus dará um jeito nisso,
diz o argumento, não faz sentido algum tentar reformá-lo nesse meio
tempo.
5ª) A quinta razão de os evangélicos se alienarem das questões sociais foi
provavelmente a difusão do cristianismo entre as pessoas da classe
média, cuja tendência era diluí-lo no processo de sua identificação com a
própria cultura (STOTT, 1989, p. 22-25).
109
Nossa tarefa como igreja é a proclamação da salvação em Cristo,
acompanhada de todas as suas implicações. A Missão Integral apresenta Cristo como
Senhor sobre todas as áreas da vida humana.
René Padilla, em sua palestra no Congresso Internacional de Lausanne,
abordou o tema “A Evangelização e o Mundo”. De forma eloquente, declara a
incoerência dessa dicotomia na vida da Igreja:
A falta de apreciação das dimensões mais amplas do Evangelho leva
inevitavelmente a compreender mal a missão da Igreja. O resultado disso é
uma evangelização tendendo a considerar o indivíduo como uma unidade em
si mesma – um Robinson Crusoé a quem Deus dirigisse seu apelo numa ilha
–, cuja salvação só se dá em termos de relação com Deus. Deixa-se de
perceber que o indivíduo não vive isolado e, consequentemente, que é
impossível falar de salvação sem se referir ao mundo do qual ele faz parte
(1984c, p. 131, tradução nossa).
John Stott, comentando sobre essa responsabilidade do cristão numa
sociedade pagã, ressalta de maneira convincente:
Precisamos resgatar aquilo que se poderia descrever como a ‘dupla
identidade’ da igreja. Por um lado ela é um povo ‘santo’, separado do mundo
para pertencer a Deus. Por outro, porém, é composta de gente mundana, no
sentido de que é enviada de volta ao mundo para testificar e servir (1989, p.
45).
Jesus nos ensinou sobre essa responsabilidade na sociedade em Mateus 5.13-
16, utilizando-se da metáfora do sal e da luz. O que Jesus quer dizer é que o cristão
deve estar no mundo (sem ser dele) para temperar e trazer luz. Fazendo assim, o
cristão estará desempenhando uma dupla identidade.
O apóstolo Pedro também escreveu sobre essa dupla identidade:
Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes
das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o
vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra
vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras,
glorifiquem a Deus no dia da visitação (I Pe 2.11,12).
Segundo a teologia da Missão Integral, os cristãos não devem estar no mundo
apenas como observadores, mas sim como agentes de transformação do mundo no
qual estão inseridos, promovendo mudanças e tornando-o melhor.
110
De acordo com Michael Horton (1998, p. 48), existem pelo menos três
convicções teológicas que sustentam essa visão: 1) a importância da doutrina da
criação (“graça comum” e a Imago Dei): “o mundo é o teatro da glória de Deus”; 2) a
humanidade é caída: porém a depravação total não se constitui no mal ontológico, isto
é, o homem não é mal meramente porque é humano; e 3) o mundo aguarda completa
redenção, podemos ter vitórias parciais ocasionais enquanto aguardamos a volta de
Cristo.
4.1 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE FRENTE ÀS QUESTÕES
SOCIAIS
A Consulta realizada em 1982, na cidade de Grand Rapids, sob a presidência
de John Stott, foi um documento que serviu para estabelecer a relação entre a
evangelização e a responsabilidade social da Igreja, visto que em Lausanne essa
relação não foi discutida (PADILLA, 2006a). A Consulta, mesmo concluindo que a
evangelização deve ter a primazia sobre responsabilidade social, declara:
De todas as necessidades vitais do ser humano, nenhuma é maior do que a
alienação do seu Criador e a realidade da morte eterna dos que se recusaram
a arrepender-se e crer. Mesmo assim, este fato não pode tornar-nos
indiferentes às degradações do ser humano sob condição de pobreza e
opressão. Cremos que esta escolha ocorra a um nível conceitual. Na prática,
como aconteceu no ministério de Jesus, estas duas realidades são
inseparáveis [...] em lugar de estarem em competição, elas se sustentam e
fortalecem mutuamente, numa espiral ascendente de preocupação crescente
(COMISSÃO DE LAUSANNE, 1983, p. 23).
Padilla faz uma observação sobre essa primazia e chama a atenção para dois
aspectos importantes da mesma: trata-se de uma prioridade lógica e teológica. Em
suas palavras:
É, em primeiro lugar, uma prioridade lógica, considerando que o próprio ato
de uma responsabilidade social cristã pressupõe que haja cristãos
responsáveis socialmente, e só é possível que eles existam mediante a
evangelização e discipulado. Em segundo lugar, é uma prioridade teológica
derivada do fato que a evangelização se relaciona com o destino eterno das
pessoas e, ao trazer a estas pessoas as boas novas de salvação, os cristãos
estão fazendo o que ninguém mais pode fazer (2008d, p. 76, tradução nossa).
111
Desde o tempo da Reforma do século XVI, podemos perceber que a ação da
Igreja procurou dar o devido equilíbrio a essas duas dimensões da ação da Igreja na
sociedade. A Reforma não foi somente um movimento espiritual e eclesiástico. Teve
também seus aspectos sociais. Calvino, bem como os outros reformadores, deu
atenção aos problemas sociais de sua época. A situação social em Genebra revelava
graves problemas sociais (BIÉLER, 1999).
Augustus N. Lopes, em seu artigo O ensino de Calvino sobre a
responsabilidade social da igreja, traz um retrato de Genebra nos tempos de Calvino:
Havia pobreza extrema, agravada por impostos pesados. Os trabalhadores
eram oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho.
Campeava o analfabetismo, e a ignorância; havia aguda falta de assistência
social por parte do Estado; prevalecia a embriagues e a prostituição.
Destacava-se o vício do jogo de cartas, que levava o pouco dinheiro do povo.
As trevas espirituais características da Idade Média refletiam-se nas
condições morais e sociais das massas. Essa era a situação que prevalecia
em Genebra antes da chegada da Reforma espiritual, a qual deu lugar, em
seguida, a reformas sociais, econômicas e políticas, mesmo antes de Calvino
chegar à Genebra (2003).
Diante de tão grandes desafios sociais, e para que a Igreja pudesse ter uma
ação mais prática na vida de Genebra, Calvino criou o serviço diaconal. Sua prática
pastoral não estava circunscrita aos limites da Igreja, mas contemplava também uma
dimensão social. Biéler faz um comentário sobre essa preocupação social do
reformador francês e sua ação na cidade genebrina:
Com a adoção da Reforma, Genebra já criara a instituição do hospital geral,
bem como o seguro médico, de velhice e de invalidez. Esse sistema social
médico, de velhice e de invalidez foi aperfeiçoado por Calvino que trabalhou
para que essa assistência, organizada e dirigida pelo Estado – mas exercida
pelo ministério eclesiástico dos diáconos – não tivesse discriminação
nacionais, promovesse a assistência domiciliar e incluísse um serviço de
medicina social. ‘Que haja um médico e um cirurgião’, dizem as ordenanças
de 1541, às expensas da cidade... encarregados de cuidar do hospital e de
visitar os outros pobres (BIÉLER, 1990, p. 245).
Em outro lugar, podemos conhecer um pouco mais do pensamento de Calvino
sobre a relação que devemos, como cristãos, ter com os pobres. Diz ele:
Ao praticar uma caridade, os cristãos deveriam ter mais do que um rosto
sorridente, uma expressão amável, uma linguagem educada. Em primeiro
112
lugar, deveriam se colocar no lugar daquela pessoa que necessita de ajuda, e
simpatizarem-se com ela como se fossem eles mesmos que estivessem
sofrendo. Seu dever é mostrar uma verdadeira humanidade e misericórdia,
oferecendo sua ajuda com espontaneidade e rapidez como se fosse para si
mesmo. A piedade que surge do coração fará com que se desvaneça a
arrogância e o orgulho, e nos prevenirá de termos uma atitude de reprovação
ou desdém para com o pobre e o necessitado (CALVINO, 2000, p. 39).
Ele também desenvolveu em seu pastorado grande cuidado à visitação dos
enfermos (LESSA, 1934). A esse respeito, Ronald Wallace nos lembra que Calvino
prescreveu em suas Ordenanças Eclesiásticas que “ninguém deveria permanecer três
dias inteiros confinado à sua cama sem cuidar para que o ministro seja notificado e,
quando qualquer pessoa desejar que o ministro vá à sua casa, deve cuidar de chamá-
lo numa hora conveniente para a visita” (WALLACE, 2003, p. 148).
Talvez alguém possa pensar que Calvino tivesse tempo de sobra e só por isso
conseguia fazer as suas visitas. Não é bem assim. Observe como Halsema fala sobre
a agenda diária do Reformador:
Calvino trabalhava de uma maneira que teria esgotado qualquer homem com
saúde. Estava em pé e ocupado às cinco da manhã. Se doente, ele estava na
cama e ocupado, com livros espalhados sobre a colcha. Aos domingos ele
pregava duas ou três vezes em Saint Pierre. Em semanas alternadas,
pregava sermões na segunda, quarta e sexta-feira. Semanalmente, fazia
conferências públicas na terça, quinta e sábado. Nas quintas-feiras ele
também presidia a reunião do conselho da igreja, na qual todos os ministros e
presbíteros se reuniam para estudar as Escrituras. Calvino assumia sua
parcela de responsabilidades nas visitas aos doentes e prisioneiros. Visitava
as famílias da sua paróquia com regularidade, como tivera estabelecido nas
Ordens. Esses eram os deveres normais (HALSEMA, 1968, p. 139).
4.2 O PAPEL DA IGREJA E A VIOLÊNCIA URBANA
Não é tarefa simples abordar as implicações ou definir o tema da violência
urbana. De maneira geral, é entendida como agressão, destruição, violação,
intimidação, coação, abandono, rejeição, danos físicos, morais e patrimoniais, e morte
(BALANDIER, 1999).
Para Georges Balandier,
113
a violência é um ‘revelador’ da sociedade onde se manifesta, segundo as
formas nas quais se realiza. [...] Hoje, a sobremodernidade parece ser uma
geradora de violência, parece produzi-la e dissipa-la em todo o tecido social,
em todas as configurações culturais, até o foro íntimo das pessoas nas quais
aumenta a ferida interior. Está presente em todos os lugares, visível ou
supostamente escondida, e vigilante. Mantém uma insegurança multiforme,
insidiosa, preserva, que o acontecimento realça. Por intermédio das imagens,
invade as consciências e o imaginário (BALANDIER, 1999, p. 242).
Como tal, essa violência há muito deixou de ser uma preocupação
exclusivamente dos governantes.
57
Trata-se de uma questão que envolve toda a
sociedade. O tráfico de drogas, os sequestros e a marginalidade, em seus mais
variados meios, estão presentes na história da cidade.
Nos últimos anos, a sensação de insegurança e impotência tem crescido em
razão de uma sucessão de crimes que impressionam pela crueldade. De acordo com
uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça, no início de 2000, cerca de
50% dos moradores das capitais evitam sair à noite com medo da violência (SECCO,
2000).
Em julho de 2006, uma onda de terror atingiu os 11 milhões de habitantes de
São Paulo. Nesse ano, uma organização criminosa, autodenominada “Primeiro
Comando da Capital”, desfechou uma série de ataques em diversas regiões da
cidade. O saldo desses ataques, os quais revelam a imagem da violência, foram: 68
ônibus incendiados, 16 agências bancárias atacadas por bomba, 6 agentes de
segurança e policiais, além de um civil, mortos pelos bandidos a serviço do “partido do
crime” (O PODER..., 2006).
Os estudos realizados pela UNESCO no Brasil (WAISELFISZ; ATHIAS, 2005)
apontam que no estado de São Paulo os jovens entre 15 e 24 anos são as maiores
vítimas do homicídio. A taxa de homicídios nessa faixa etária é três vezes maior que
nas demais. Todavia, na Baixada Santista as taxas que atingiram os jovens se elevam
para 45,8%; na região metropolitana de Campinas, 41,8%; e na região metropolitana
de São Paulo, 41,5%. O pico das taxas de homicídios é em torno dos vinte anos: 96,5
para cada cem mil vítimas. Os dados estatísticos coletados por esta agência indicam
o crescimento da participação das armas de fogo nessas mortes. Se em 1998 elas
57
Em que pese o fato, a incapacidade endêmica do Poder Público brasileiro de deter criminosos,
condená-los a castigos proporcionais a seus delitos e assegurar que eles serão cumpridos em sua
exata extensão, de forma previsível.
114
eram responsáveis por 45% dos homicídios, em 2003 elas responderam por 68,8% no
estado de São Paulo.
Essa realidade representa um grande desafio para a Igreja. Portanto, podemos
nos perguntar: em que medida o evangelicalismo ou a teologia prática pode contribuir
para diminuir a violência urbana? Ernst Troeltsch (1865-1923), sociólogo e historiador
alemão, tratou dessa questão. Ele afirma que
os ideais e valores centrais do cristianismo não podem, sem compromisso,
ser realizados neste mundo e, portanto, a história do cristianismo se torna a
história de uma busca constantemente renovada desse compromisso, e uma
nova oposição a esse espírito de compromisso (TROELTSCH
, 1931, p. 999-
1000).
Semelhantemente, o teólogo José Comblim (1991, p. 19) afirma que “a Igreja é
chamada a assumir a sociedade urbana, não por oportunismo religioso, mas por
vocação [...] Seu papel consiste em criar o povo de Deus a partir da cidade”.
Falando sobre a questão da violência, Padilla mostra que a missão de Deus em
reconciliar o mundo com Ele mesmo e com o próximo continua através da ação da
Igreja (1994a). Segundo ele,
a reconciliação do mundo com Deus, pelo qual morreu Jesus, se faz efetiva
por meio da mensagem ou ministério da reconciliação que nos tem sido
recomendado (ver II Co. 5.18-19). A reconciliação é entre judeus e gentios,
pelos quais Jesus deu a sua vida, se fez carne nesta comunidade de perdão
e reconciliação que é a Igreja (ver Ef 2.11-12). Assim, pois, somos
‘colaboradores de Deus’, agentes de reconciliação em meio de um mundo
profundamente afetado pela inimizade com Deus e com o próximo. As
implicações desta relação com o problema da violência na sociedade
moderna são claras. Não se exige maior conhecimento bíblico ou erudição
teológica para afirmar que, dentro da perspectiva do Novo Testamento, ser
seguidor de Jesus é (entre outras coisas) viver em função do Reino de Deus
e de sua justiça, no qual supõe a prática da não violência (PADILLA, 1994a,
p. 137-138, tradução nossa).
4.3 O PAPEL DA IGREJA FRENTE À AIDS
Há muitos anos a AIDS tem sido uma das questões mais preocupantes para as
lideranças que atuam na área da saúde. Segundo dados do Ministério da Saúde do
115
Brasil, de 1980 a junho de 2008 foram identificados 506.499 casos de AIDS no país. O
total de óbitos por AIDS acumulados até 2007 foi de 205.409. Com relação às
gestantes infectadas pelo HIV, foram notificados 41.777 casos desde 2000. De julho
de 2005 a junho de 2008 foram notificados 10.792 casos de sífilis em gestantes. A
sífilis congênita apresenta 46.530 notificações desde 1998. Os óbitos por sífilis
congênita totalizaram 1.189 no período de 1996 a 2007 (AIDS E DST, 2008).
Também, de acordo com o Jornal do Brasil (2006), o número de infecções por
HIV ainda naquele ano continuava a crescer em todas as regiões do planeta. Quase
40 milhões de pessoas no mundo têm essa doença, e o maior aumento de casos
ocorreu no Leste da Ásia e da Europa, e na Ásia Central. O crescimento foi provocado
pelo uso de drogas e a prática sexual.
Ainda segundo números informados pelo Jornal do Brasil (2006),
na América Latina, dois terços dos 1,7 milhões de pessoas infectadas pelo HIV
moram no Brasil, México, Colômbia e Argentina. De acordo com o relatório, a
África Subsaariana ainda é a maior atingida pela Aids, com 24,7 milhões, ou
praticamente dois terços das pessoas infectadas no mundo. A epidemia de HIV
na China, que responde por cerca da metade das 650 mil infecções no país,
alcançou proporções alarmantes, de acordo com as organizações do estudo.
Na Ásia, 8,6 milhões de pessoas têm Aids, um aumento de cerca de 1 milhão.
Na Índia, onde a epidemia parece estar estável e em queda em algumas
regiões, há 5,7 milhões de pessoas infectadas. Cerca de 4 milhões de pessoas
no planeta foram atingidas pelo HIV em 2008, com uma grande concentração
em jovens. A epidemia de HIV em jovens na Europa Oriental e na Ásia Central
continua a crescer.
Não resta dúvida que esses números representam não apenas uma
preocupação para as autoridades médicas e governamentais, mas também um
desafio para a Igreja evangélica. É fato inconteste que esse assunto provoca diversas
reações e impasses dentro da Igreja, e não podemos negar que existem barreiras ao
se abordar o tema entre os evangélicos. Isso porque falar de AIDS é falar de corpo, de
sexualidade, de pecado, de doença. Não obstante essas dificuldades, é preciso se
conscientizar que cabe às igrejas, na qualidade de agências do Reino de Deus, o
urgente retorno à sua missão.
Segundo René Padilla (1994a), existem pelo menos quatro ações que a Igreja
deve exercer, a fim de se tornar uma comunidade terapêutica: informação,
santificação, compaixão e consolação:
116
Informação: “O que é e como age o vírus HIV?”, “Como se transmite a
AIDS?” ou “Quais os grupos de maior risco ou quais os meios mais eficazes
de prevenção?” são questões que devem ser tratadas de maneira muito
transparente. Nesse sentido, a Igreja pode exercer uma ação
transformadora oferecendo todas essas informações. Conforme Padilla, “a
falta de informação é em si um dos maiores obstáculos para sua prevenção
e controle” (1994a, p. 161, tradução nossa).
Santificação: é nossa convicção, à luz da ética bíblica, que os métodos
utilizados atualmente no combate à AIDS estão longe de se mostrarem
plenamente eficazes; uma vez que não se combate essa enfermidade
apenas pela informação, ou com distribuição ou incentivo do uso de
preservativos, mas sim com a mudança de comportamento. O Dr. Vicente
Amato Neto
58
, que chegou a assumir o cargo de superintendente do
Hospital das Clínicas em São Paulo, diz: “Descobri que a informação não
produz transformação, e se a sociedade não for transformada em seus
hábitos sexuais, não teremos meios de controlar o avanço da AIDS” (apud
VASSÃO, 1993, p. 8).
Muitas vozes na sociedade dizem que a única maneira de evitar a
contaminação pelo vírus da AIDS é praticar o sexo seguro; e isso, segundo essas
pessoas, só é possível com o uso da camisinha. Atualmente, “camisinhas” e o “sexo
seguro” são expressões usadas quase como sinônimas.
Padilla discorda dessa abordagem e afirma que compete à Igreja ensinar os
princípios éticos que envolvem o relacionamento sexual, o casamento dentro de uma
perspectiva bíblica. Em suas palavras:
Nunca foi correto o fato de nossos líderes eclesiásticos terem feito da moral
um moralismo e de nos ensinarem como se fossemos seres angelicais sem
instintos e necessidades sexuais. Hoje, muito menos. Porém não nos
enganemos: a prevenção da AIDS não depende de campanhas em defesa do
uso massivo de preservativos e seringas descartáveis. Depende, sim, de uma
58
Professor emérito de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo de 1976 a 1997; professor Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade
Estadual de Campinas de 1968 a 1976; professor emérito de Doenças Infecciosas e Parasitárias da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe do Laboratório de Parasitologia do
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (AMATO NETO, 2009).
117
mudança radical de atitude para as questões de conduta ética, incluindo as
relações sexuais; de uma clara afirmação, em palavra e ação, da fidelidade
conjugal como o único contexto apropriado para o deleite do amor erótico. E
deixemos claro: da fidelidade conjugal do casal, e não só da mulher, já que na
América Latina, segundo certos informativos, muitas mulheres contraem a
enfermidade por intermédio de seus próprios esposos que praticam a
promiscuidade (1994a, p. 162, tradução nossa).
Concordo com Padilla. De fato não podemos negar a sexualidade, pois esta faz
parte dos desígnios de Deus para os seres humanos. Mas devemos, como Igreja, ter
uma ação educativa e mostrar às pessoas um ensino ético e bíblico a respeito da
sexualidade. Mesmo correndo o risco de incompreensão diante da massa discordante,
temos que agir de conformidade com os preceitos da Escritura. Devemos ensinar aos
jovens a importância em se adiar a prática sexual para o momento certo. E adiamento
não é a mesma coisa que negação. Precisamos deixar claro que, com essa medida,
os evangélicos não estão negando a sexualidade. Esta faz parte da essência de
nossa personalidade. Deus não fez nossos corpos para serem as prisões de nossas
almas. Tenho consciência disso. Não podemos negar nossos apetites sexuais, mas
também não devemos gratificá-los sempre que tivermos vontade, aderindo assim à
promiscuidade.
Compaixão: uma terceira frente de ação para a Igreja na sociedade,
objetivando sua transformação, é a prática da compaixão. René Padilla faz
uma comparação da ação de Jesus diante do problema dos leprosos
naquele tempo com a AIDS em nossos dias. Segundo ele, “os leprosos do
nosso tempo são os enfermos da AIDS” (1994a, p. 162 tradução nossa).
Portanto, que tipo de atitude a Igreja deveria ter diante desse desafio? Usando
de interrogações, ele nos dá a resposta:
Que atitude devemos adotar frente a estes se não a daquele que devolveu
sua dignidade aos leprosos ao tocá-los com poder curador? Deveríamos fugir
da nossa responsabilidade, interpretando a AIDS como evidência do juízo de
Deus, e nada mais, ou temos de atuar movidos por uma compaixão que levou
o Senhor a fazer seu o sofrimento de todos os marginalizados sociais,
incluindo os leprosos? (1994a, p. 162-163, tradução nossa).
118
Consolação: uma quarta e última ação sugerida por Padilla considera o
ministério de consolo àqueles que, diretamente ou indiretamente, sofrem
desse mal.
Ao longo da vida experimentamos algumas dores. Por vezes, são dores bem
definidas, dores físicas, que se intensificam ou se abrandam, dores que falam, ou
gritam, e logo corremos a atendê-las e, comumente, encontramos um paliativo ou uma
solução para elas. No entanto, existem dores para as quais não há remédio para o
alívio imediato. Dentre elas, temos a dor de quem está vivendo a perda de alguém
querido. É uma dor movida por sentimentos de tristeza, de medo, de abandono, de
fragilidade e insegurança.
Como Igreja, e porque conhecemos Aquele que é o Consolador por excelência,
podemos oferecer ajuda e consolar aqueles que sofrem as consequências desse mal.
Ao invés de adotarmos uma postura de juízes, acusando as pessoas dos seus erros,
podemos levar uma palavra de ânimo e encorajamento (Is 41.10; Sl 46.1,11).
4.4 O PAPEL DA IGREJA E A EDUCAÇÃO
Entre os dias 19 e 25 de agosto de 1985, em Conocoto, Equador, a FTL
organizou um encontro com a finalidade de refletir sobre o tema: “Novas Alternativas
da Educação Teológica”. Contando com a participação de 45 pessoas, oriundas de 14
países, foi produzido um documento que recebeu o mesmo nome do tema do
encontro (PADILLA, 1986).
Muito embora, a reflexão fosse uma busca mais centrada na educação
teológica, a mesma revela a visão de Padilla sobre a educão. Assim, inicio
chamando a atenção para a definição:
Educar é informar, porém mais que isso é formar homens e mulheres
dispostos a colaborar com Deus em sua obra de transformar o mundo para
que este reflita sua glória. Falhamos miseravelmente se não formamos
pessoas abertas para o futuro de Deus e nos baseamos nos modelos
conhecidos de educação teológica (PADILLA, 1986, p. 120, tradução nossa).
119
Podemos destacar um importante aspecto nessa definição. A educação não
tem o objetivo apenas de dar informação, mas vai além. Ela deve ser um instrumento
de formação. Em outras palavras, educar significa transformar alunos em discípulos
maduros.
Essa mesma ideia é vista no apóstolo Paulo em Cl 1.28: “o qual nós
anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a
sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo”. Assim,
podemos notar que o apóstolo ensinava não apenas para informar, mas também para
formar. Note a ênfase: “apresentar todo homem perfeito em Cristo”.
Padilla, ao fazer uma abordagem sobre os modelos educativos utilizados na
história, chama a atenção para o modelo utilizado pelos reformadores, o qual,
conforme ele, era baseado na doutrina do sacerdócio de todos os crentes. Essa
doutrina, para Padilla (1986), é um pressuposto fundamental da eclesiologia bíblica e
por isso tem desdobramentos significativos para a tarefa educacional da Igreja.
Sobre esse modelo, Padilla lamenta que a Igreja tenha se distanciado tanto
dele a ponto de abandoná-lo:
Baseados na doutrina do sacerdócio de todos os crentes, os reformadores
protestantes do séc. XVI colocaram ênfase na educação cristã popular
integrada na educação religiosa. Desgraçadamente, esta ênfase desapareceu
pouco a pouco nas gerações seguintes e se voltou novamente a uma
educação teológica para uma elite pastoral exclusivamente (1986, p. 121,
tradução nossa).
Voltando ao ponto afirmado anteriormente, em que a educação deve objetivar a
formação e não apenas a informação, Padilla, ao comentar sobre a educação nos
primeiros séculos da história, diz que: “a educação teológica era um incentivo ao
discipulado e a submissão da vida ao senhorio de Cristo, e não somente uma
transmissão de conhecimentos doutrinários [...]” (1986, p. 121, tradução nossa). Em
outro artigo Padilla pontua o seguinte sobre a relação educação e o discipulado:
A primeira e mais básica, função da educação teológica é a capacitação
integral de todo o povo de Deus para o cumprimento da vontade de Deus em
todos os aspectos da vida. Não se ocupa apenas de conteúdos, métodos e
técnicas, senão que envolve valores, atitudes coerentes com o discipulado
cristão (PADILLA, 1994b, tradução nossa).
120
Conforme Padilla (1986), a grande proposta do documento gerado no encontro
promovido pela FTL foi a de repensar a educação teológica tradicional e buscar novos
modelos de ensino que respondam às necessidades do complexo mundo do século
XX.
No artigo, Los desafíos de La educación teológica, Padilla mostra como a
educação teológica e a missão da Igreja na sociedade estão intimamente
relacionadas:
A educação teológica não tem razão de ser se não está a serviço da vida e da
missão da Igreja [...] o sacerdócio universal de todos os crentes exige uma
educação teológica de caráter interdisciplinar, uma educação em que a
teologia busque relacionar a fé cristã com todas as múltiplas dimensões da
vida prática, bem como, consequentemente, está disposta a dialogar com as
disciplinas humanas que se ocupam de tais dimensões. A educação teológica
tem que estar preparada para capacitar o educando a superar a dicotomia
entre ‘o secular’ e o ‘sagrado’ e poder discernir as maneiras em que o
evangelho afeta a totalidade da vida humana (PADILLA, 1994b, tradução
nossa).
Esse entendimento de Padilla, de que a educação deve responder às
necessidades do mundo, afetando todas as dimensões da vida humana, encontra
apoio na teologia da educação do reformador de Genebra. É inegável o impacto que
Calvino gerou sobre a Europa e no restante do mundo. E essa influência foi
consolidada por meio da fundação da sua Academia, a qual veio a se tornar a
Universidade de Genebra. Calvino promoveu a educação na escola secundária e
insistiu sobre a educação primária compulsória para meninos e meninas. Segundo
Calvino não deve haver fragmentação do saber, não devem existir compartimentos
“sagrados” e “mundanos” do conhecimento humano. Ele não faz distinção entre o
secular e o sagrado. Calvino entende que a Igreja, além de uma comunidade religiosa,
de fé e adoração a Deus, é também um lugar de ensino. Não há distinção de valores
entre o estudo de línguas, história, ciências ou religião, porque todo o ensino visa ao
aperfeiçoamento do ser humano para o cumprimento da sua vocação. Nesse
contexto, a educação deve ser transformadora da sociedade (FERREIRA, 1985, p.
184).
Reid faz o seguinte comentário sobre a influência da Academia de Calvino:
O trabalho de Calvino tanto como pregador quanto como professor, foi
extremamente eficaz em Genebra, pois, estudando-se a história da cidade
121
durante este período, pode-se ver que muito da mudança ocorrida ali foi
provocada por suas atividades (1990, p. 51).
4.5 O PAPEL DA IGREJA E SEU ENVOLVIMENTO NA POLÍTICA
Como seres sociais, somos naturalmente seres políticos. Não há uma escolha
de exercermos ou não a nossa cidadania. A questão é como a exercemos:
com consciência e responsabilidade ou de modo alienado e irresponsável.
(CAVALCANTI, 1993, p. 27)
É assim que o bispo Robinson Cavalcanti define o relacionamento do cristão e
a vida política. Em razão da nossa natureza social, não há como não sermos políticos.
Ao invés de se isolar, o cristão deve se envolver com a sociedade civil e com os
problemas que lhe dizem respeito.
Padilla, escrevendo sobre a participação do cristão na política, utiliza-se do
sociólogo e teólogo protestante Jacques Ellul (1912-1994), o qual vê a política como
“satânica e diabólica”. Apesar de concordar com Ellul, Padilla compreende ser
impossível que um cristão fique alienado da vida social. Ele diz:
Quer gostemos ou não, enquanto estamos no mundo estamos obrigados a
responder aos desafios que nos propõe esta política ‘satânica, diabólica’ de
que fala Ellul. Talvez nunca nos vejamos forçados a escolher entre seguir
sendo cristãos e ter uma política estúpida, ou sermos cristãos eficazes e
deixar de ser cristãos. Em outras palavras, é possível que descubramos
modos de evadir da luta política partidária, o esforço por adquirir poder e
manter frente a outros. O que não podemos fazer é evitar toda definição
política ou abstermos de atuar politicamente em uma sociedade em que a
vida está tão condicionada por estruturas e relações institucionais (PADILLA,
1994a, p. 171-172, tradução nossa).
Para a teologia da Missão Integral a fé cristã e a política, longe de serem
inimigas, podem ser aliadas e juntas agirem para a transformação da sociedade. Para
Padilla, a Igreja evangélica deve encarar a política como um aspecto da missão.
Segundo ele,
faz-se absolutamente urgente que os cristãos encararem a tarefa política com
um verdadeiro sentido de missão, ou seja, com a consciência de haverem
sido enviados pelo Senhor da história como testemunhas de sua soberania
122
sobre cada aspecto da existência humana (PADILLA, 1994a, p. 178, tradução
nossa).
A Missão Integral pressupõe a existência da dupla cidadania para os cristãos.
De um lado eles pertencem ao Reino de Deus, e do outro, à sua terra natal: são parte
da “nova humanidade” e vivem no meio da “velha humanidade”. Essa perspectiva não
significa um conflito. Isso porque não é preciso escolher uma cidadania e renunciar à
outra. As funções da Igreja e do Estado não podem ser confundidas. Mas também não
devem ser separadas.
Padilla, ao comentar Romanos 13, é de opinião que “o Estado guarda relação
com o propósito ‘ordenado’ de Deus para a sociedade” (1986, p. 29, tradução nossa).
Calvino, a exemplo de Padilla, em seu comentário de Romanos 13.1-7, ensina que a
Igreja e o Estado são duas instituições procedentes de Deus; ambas são instrumentos
de Deus para a vinda do Seu Reino na terra (CALVINO, 1997).
Segundo Padilla (1994a), com o intuito de encarar a política como uma tarefa
da missão, a Igreja precisa ter em mente três aspectos da ação na política:
1ª) A Igreja precisa reconhecer as tentações do poder. Lembrando das
advertências de Jacques Ellul, Padilla entende que para a Igreja
evangélica agir na vida política, esta deve sempre trazer à mente a
realidade das tentações do poder e se prevenir para não cair nos mesmos
erros que muitos têm caído, de usar a política em benefício próprio.
2ª) A Igreja precisa estar consciente dos limites do poder. Existe uma
grande diferença entre a política deste reino e a política do Reino de
Deus. Para uma ação diferenciada de uma política centrada no homem, a
política com sentido de missão deve agir profeticamente, tendo sempre
em mente os valores do Reino de Deus.
3ª) A Igreja precisa estar capacitada. Padilla defende que, para uma ação
mais eficaz da Igreja na sociedade, é necessário abandonar a
improvisação e se preparar. Ele usa a expressão “teologia política” para
mostrar a importância de se relacionar a política à teologia. A fé cristã
precisa capacitar-se para criticar, avaliar, comparar e intervir na realidade
123
à luz das Escrituras Sagradas, fazendo uma política com ética,
compromisso, transformação e realização de justiça social.
Dentro dessa perspectiva, e pensando a práxis da Missão Integral na questão
política, podemos procurar agir em pelo menos quatro frentes:
1) O dever de orar a favor dos que exercem autoridade governamental (I
Tm 2.1-2). Precisamos orar por auxílio divino para resolver alguns dos
problemas sociopolíticos que afetam negativamente a vida humana e a
proclamação do Evangelho (CAVALCANTI, 1994).
Biéler (1990) faz referência ao Sermão XI de Calvino sobre I Timóteo 2.1,2, no
qual o reformador diz que o fato de algumas autoridades não serem tementes a Deus,
e ainda perseguirem a Igreja, não deve impedir os fiéis de orarem pelos magistrados.
2) O dever de votar com responsabilidade e de advertir as autoridades
quando estas se esquecem de suas responsabilidades.
Não apenas dedicar-se às orações, a Igreja precisa estar atenta e exigir que os
magistrados cumpram com as responsabilidades de seu ofício. Biéler (1990, p. 384)
observa que “se a igreja cessa de ser vigilante, ela própria se torna cúmplice da
injustiça social e, cessando assim de cumprir sua missão, não mais lhe resta que ser
destruída”.
3) O dever de candidatar-se e ocupar cargos públicos. Embora Cristo não
tivesse ocupado cargo político, não significa que os cristãos não possam
fazê-lo, caso contrário, incorreriam no erro de um estreito literalismo
(CAVALCANTI, 1994).
O cristão é chamado por Deus a atuar como fermento na construção de uma
cidade nova, usando corretamente os bons meios que a política coloca ao seu dispor.
Os cristãos enquanto cidadãos, isto é, membros de uma comunidade organizada, têm
o dever de participar, cada um segundo a sua condição, na buscar do bem comum da
sociedade, como verdadeiro “sal da terra e luz do mundo”. Como sal, para que, pelas
124
virtudes que lhe são próprias, o tecido social não se continue a corromper; como luz,
para que, pela propriedade que tem de iluminar, brilhe na escuridão da mentira, de
outros males morais a luz da verdade que é Cristo (STOTT, 1989).
São oportunas as palavras de Stott:
Cada cristão em particular precisaria ser politicamente ativo no sentido de,
como cidadão consciente, votar nas eleições, manter-se informado sobre os
assuntos contemporâneos, participar de debates públicos, talvez escrever
para algum jornal, influenciar os políticos e participar de demonstrações. Além
disso, alguns indivíduos são chamados por Deus para dedicar sua vida ao
serviço político, seja no governo local, seja a nível nacional. Os cristãos que
compartilham das mesmas preocupações morais e sociais deveriam ser
encorajados a formar grupos, ou juntar-se àqueles que estudam tais assuntos
a um nível mais profundo, visando a busca de soluções apropriadas (1989, p.
31).
4) O dever de obedecer às autoridades constituídas.
Um quarto e último aspecto que Padilla nos lembra é que “o chamado a nos
submetermos às autoridades não é um chamado a obedecer ao governo
incondicionalmente nem para contribuir para manter o status quo” (1986, p. 36,
tradução nossa).
Podemos observar que, na visão de Padilla, essa obediência às autoridades
não deve ser de maneira cega, a qualquer custo. Segundo ele, a autoridade do
Estado, como qualquer outra autoridade neste mundo, é uma autoridade delegada por
Deus. Nesse caso, Deus ordena ao Estado para trabalhar em promoção do bem e da
justiça (Rm 13.4), e sempre que esse propósito é contrariado o Estado passa a
usurpar a autoridade recebida (SCHAEFFER, 1985). Sendo assim, de acordo com
Padilla (1986), nenhum cristão está obrigado a obedecer às autoridades, visto que sua
obediência, primeiramente, é cativa à sua fidelidade a Deus.
A Igreja nunca foi anarquista, ao contrário, sempre ensinou a ordem e o
respeito às autoridades legitimamente constituídas, bem como às instituições
necessárias ao bem do povo. Calvino, embora tenha ensinado sobre o direito de
resistir ao Estado, insistiu, antes, na obediência que devemos ter para com as
autoridades (BIÉLER, 1999).
Jesus ensinou que toda autoridade vem de Deus. Ele disse a Pilatos: “Não
terias poder algum sobre mim, se de cima não te fosse dado” (Jo 19.11). Os apóstolos
125
aprenderam esse ensinamento com Jesus e sempre ensinaram a respeitar as
autoridades. O apóstolo Paulo, em Rm 13.1-3, diz:
Cada qual seja submisso às autoridades constituídas. Porque não há
autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram constituídas por
Ele. Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se a ordem estabelecida
por Deus; e os que a elas se opõem atraem sobre si a ira de Deus.
Padilla, ao comentar essa passagem de Romanos 13, mostra que a razão que
motivou o apóstolo a exigir a obediência às autoridades não era apenas para evitar o
castigo por parte do Estado, mas também por uma questão de consciência cristã.
Conforme Padilla,
a liberdade cristã inclui a submissão às autoridades superiores com plena
consciência de que, dentro da esfera que lhes tem sido designada, são
‘servos de Deus’ e como tais mantêm uma relação particular com o propósito
de Deus (1986, p. 36, tradução nossa).
4.6 O PAPEL DA IGREJA E SUA INFLUÊNCIA NA FAMÍLIA
A Missão Integral também vê a necessidade de se investir na família. René
Padilla, em um livro publicado em 2002, escreveu um capítulo onde trata sobre a
natureza do casamento à luz da Escritura. Ele se utiliza de cinco casos de
relacionamentos conjugais reais para responder a pergunta: Que é o matrimônio?
(2002b). Esses casos ilustram uma variedade de situações: divórcio, traição, viuvez,
sofrimento, gravidez indesejada etc. Padilla demonstra através desses casos que o
matrimônio está em crise, e, em todas essas realidades, a Igreja precisa assumir a
responsabilidade pastoral de agir para ajudar à família (2002b). Para tanto, a Igreja
precisa evitar dois perigos: o legalismo e o antinomismo:
O legalismo insiste nos princípios éticos, a lei, sem levar em conta a
realidade. O antinomismo enfatiza a realidade sem levar em conta os
princípios éticos. Entre o legalismo e o antinomismo está uma pastoral que
parte da realidade, porém, se orienta à formação de casais nos quais se
cumpre o propósito para o qual Deus criou o matrimônio (2002b, p. 12,
tradução nossa).
126
Fazendo uso de uma analogia
59
, Padilla fala de alguns ingredientes
necessários para a construção do matrimônio. Em resposta a pergunta: Com quais
ingredientes o casal faz uma torta? ou seja, com quais ingredientes o casal constrói o
matrimonio?, ele elabora uma proposta para um casamento de acordo com os
propósitos divinos. Essa proposta precisa apresentar alguns valores:
Amor sacrificial: uma decisão pactual de amor-entrega: existem muitas
semelhanças entre o matrimônio e outros relacionamentos humanos. No
entanto, apenas no casamento exige-se uma intimidade a ponto de os dois
se tornarem uma só carne (PADILLA, 2002b).
Para Padilla, nenhuma outra relação humana alcança tal grau de intimidade.
Em razão disso, afirma: “E por isso que a relação matrimonial exige, figuradamente,
um novo rompimento do cordão umbilical que liga os cônjuges a seus respectivos
ligamentos, com o objetivo de formar a nova família” (2002b, p. 13, tradução nossa).
Padilla aponta (2002b) que a base, na qual o casamento encontra seu firme
alicerce, é o compromisso. Diz ele:
É urgente que a Igreja desenvolva uma pastoral que ajude às pessoas em
geral, e aos jovens em particular, a entender que o matrimônio cristão é
essencialmente um compromisso amor-entrega, compromisso que se assume
na presença de Deus, da Igreja e da sociedade (2002b, p. 16, tradução
nossa).
Intimidade: um segundo elemento importante para a construção do
casamento é a intimidade. Mas não apenas a intimidade física ou sexual,
como também, a emocional, intelectual, estética, criativa e espiritual
(2002b). Para Padilla, todo ser humano tem uma grande necessidade de
amar e ser amado. Em razão disso, no matrimônio, os cônjuges têm a
oportunidade de descobrir e satisfazer essa necessidade entre si.
Responsabilidade: embora entendendo que as obrigações legais que
norteiam o casamento sejam insuficientes para tornar um relacionamento
saudável, Padilla as vê como algo necessário. Isso porque, os cônjuges
59
Essa analogia refere-se a uma torta, a qual para ficar pronta e saborosa precisa reunir os seguintes
ingredientes: farinha, frutas, nozes e cobertura de creme (sacrifício, intimidade e responsabilidade).
127
precisam cumprir com as responsabilidades que todo casamento lhes
impõe (2002b).
Sua definição de casamento é:
Dentro de uma perspectiva cristã, o matrimônio é a relação conjugal em que
um homem e uma mulher se unem permanentemente ‘até que a morte os
separe’, por meio de um pacto de amor-entrega para conviver e servir a Deus
e ao próximo. Sua união é selada pelo ato sexual, legalizada formalmente,
reconhecida socialmente, e nutrida e celebrada comunitariamente na Igreja
(2002b, p. 19, tradução nossa).
A família em geral está passando por momentos difíceis. Recentes pesquisas
têm mostrado que, mesmo dentro das igrejas evangélicas, o divórcio tem sido
tolerado. No entanto, essa realidade não é característica de nossos tempos.
Como já foi dito, Padilla e Catalina tiveram seis filhos
60
. Em entrevista a mim
concedida, ele informou que o seu ministério, como pastor, missiólogo, escritor e
editor, “foi construído ao redor da mesa”; querendo dizer, com isso, que sua família
teve uma grande participação em tudo aquilo que fez. Deve-se ressaltar também que
toda a família de Padilla, esposa e filhos, está envolvida em projetos que caracterizam
a Missão Integral
61
.
4.7 O PAPEL DA IGREJA E SUA RESPONSABILIDADE ECOLÓGICA
Não é novidade para ninguém a grave crise ecológica vivida atualmente pela
humanidade. O chamado “aquecimento global” e “o efeito estufa”
62
têm provocado
intenso debate por parte de vários seguimentos da sociedade em busca de soluções.
Essas questões também foram objetos dos estudos de René Padilla (1994a). Com
razão, ele faz críticas aos países ricos, que, em razão da ambição econômica, têm
trazido prejuízos para a ecologia. Devemos concordar com Padilla de que as causas
60
Essa informação consta na página 37.
61
Conferir a nota 31, onde informo a atuação dos seus filhos na Missão Integral.
62
Um tema muito discutido foi o chamado “Protocolo de Quioto”, um tratado internacional que
estabelece compromissos para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa,
considerados como a principal causa do aquecimento global.
128
dessa degradação ambiental podem estar na própria modernidade. O uso das
inovações tecnológicas protagonizado pela revolução industrial – industrialização e a
urbanização, crescimento da riqueza e da população e exploração dos recursos
naturais – tem provocado o uso predatório da natureza.
No entanto, Padilla não se detém apenas em críticas, apontando as causas
dessa crise ecológica. Ele também propõe alternativas com o objetivo de ajudar a
solucionar tais problemas. Ele declara que “a Igreja tem uma missão ecológica. Em
outras palavras, foi chamada, entre outras coisas, a se preocupar pela mordomia da
criação” (1994a, p. 141, tradução nossa).
Como os cristãos não podem ser indiferentes quanto a conhecerem a Deus
como Criador, ou quanto à alegria de celebrarem a sua criação, eles não
podem ser indiferentes quanto às necessidades da criação, especialmente
quando essas necessidades se expressam como crises ecológicas do mundo
moderno (VAN DYKE et al., 1999, p. 222).
4.7.1 A Base Bíblica para a ação ecológica
Ao defender o envolvimento da Igreja nas questões ecológicas, Padilla busca
na doutrina da criação a razão para essa ão, e afirma: “para que os cristãos
cumpram sua missão ecológica precisam de uma vida enraizada na teologia bíblica da
criação” (1994a, p. 143, tradução nossa). Padilla também menciona que,
do ponto de vista cristão, muito acima dos interesses econômicos estão os
interesses do Reino de Deus e da sua justiça. O fim supremo da vida não é o
consumo de bens criados pela tecnologia senão o cumprimento da vontade
de Deus – a afirmação de sua soberania em termos de uma relação
harmônica com ele, com o próximo e com a criação. Uma relação harmônica
com a criação pressupõe o reconhecimento que o homem não é o dono
senão só o mordomo do planeta Terra e de seus recursos. Como imagem e
semelhança de Deus, a ele, tem sido delegada a tarefa de cultivar e preservar
a criação de Deus (1994a, p. 142, tradução nossa).
Concordo com Padilla que se faz necessário assumir o desafio de repensar a
doutrina cristã da criação num contexto ecológico. É preciso fazer uma leitura da
Bíblia e perceber o sentido dos textos que são significativos para a compreensão dos
desafios atuais do respeito à natureza.
129
Esse é o ponto de partida. A ação da Igreja na questão ecológica deve partir da
reflexão bíblica sobre o conceito de Deus como Criador. Conforme lemos em Gênesis
1, o universo foi obra de Deus e essa verdade está presente em muitas outras
passagens da Escritura (Dt 33.13-16; Sl 104.10-24; 136.3-9). Um pensamento correto
sobre quem é o Criador e qual o propósito dele para com sua criação é o começo para
essa ação não alienante da Igreja nas questões ecológicas. Devemos insistir que a
razão ou motivação inicial para esse envolvimento não é social, como às vezes
ouvimos em muitos apelos feitos pelos ambientalistas. A motivação primordial deve
ser teológica e bíblica.
As Escrituras fornecem muitas evidências de que Deus ordena e deseja que
cuidemos da terra, administrando-a cuidadosamente. Van Dyke et al. nos ensinam
que
Criador e criação são palavras e conceitos que a Igreja deve recuperar se ela
quiser conduzir, com sucesso, as pessoas a conhecerem a Deus e seu
mundo conforme são, e não meramente como pensamos que sejam.
Conhecer a Deus como Criador é saber que ele é pré e auto-existente, que
ele é transcendente (não a mesma coisa que ele criou) que ele é imanente
(presente conosco) e que ele é livre, e cria para as suas próprias finalidades,
não para as nossas (VAN DYKE et al., 1999, p. 220).
Outra afirmação da doutrina bíblica da criação com aplicação na questão
ecológica é a declaração de que o ser humano foi colocado no “jardim” com a
responsabilidade de cuidar dele (Gn 2.15). O papel do ser humano não é apropriar-se
da natureza como dono e explorador, mas sim assumir a função de um jardineiro que
zela para que esse jardim esteja sempre em ordem.
Numa obra, em que descreve alguns modelos de prática missionária, Valdir
Steuernagel nos apresenta sua opinião sobre esse tema:
Se bem que seja preciso evitar que a missão se dilua na luta pela ecologia e
que esta se transforme numa bandeira discursiva e vazia, uma prática
missionária séria terá de abraçar a luta pela preservação da natureza, pois
este pedaço de terra onde vivemos é parte do mundo criado por Deus. A
glória de Deus ainda se percebe e se expressa na terra que produz, no rio
que corre e no pássaro que canta [...] E isto é uma boa nova que deve ser
anunciada quando se fala da Boa Nova. A nossa prática missionária só será
íntegra e completa quando ela desembocar também na ecologia, e a nossa
luta pela preservação da natureza só será sólida quando trouxer no seu bojo
‘todo o conselho de Deus’ e o nosso compromisso com a totalidade do
Evangelho (1993, p. 85).
130
Voltando ao pensamento de Padilla, a Igreja só consegue cumprir essa missão
ecológica, de maneira eficiente, através de duas convicções:
A Igreja cumpre sua missão ecológica, em primeiro lugar, quando anuncia o
Evangelho como as boas novas da restauração das relações do homem, não
só com Deus, senão também com o próximo e com a criação, por meio de
Jesus Cristo (1994a, p. 144, tradução nossa).
Nesse ponto, podemos perceber que Padilla parte do pressuposto que o
pecado humano está na raiz dos problemas ecológicos. A alienação do homem não é
apenas para com Deus e o próximo, mas também com a natureza. Essa posição está
de acordo com o pensamento do apóstolo Paulo (Rm 8.21-22). Por causa do pecado
humano, a criação também “geme e suporta angústias”. Padilla nos dá a segunda
convicção que deve nortear a ação da Igreja na ecologia:
Em segundo lugar, a Igreja cumpre sua missão ecológica quando denuncia a
violação da criação de Deus no uso irresponsável dos recursos naturais e na
contaminação do solo, da água e do ar, com a consequente destruição da
vida animal, vegetal e humana. E a cumpre também quando denuncia a
expulsão dos habitantes originais da selva para o deserto, despojados de
suas terras pelos poderosos, ou vão contra o enfoque consumista da vida e
da tergiversação dos valores tais como a justiça, a paz e a integridade da
criação em nome do nível de vida. A Igreja está convocada a ser a
consciência ecológica da nação (PADILLA, 1994a, p. 144, tradução nossa).
Nessa ação da Igreja, a sugestão é que os cristãos deixem de ser passivos e
indiferentes e tenham atitudes mais incisivas e objetivas, tais como: utilizar ação
política, criar grupos de discussão e apresentar propostas para o uso do solo de
maneira responsável; protestar contra medidas, tanto dos governantes quanto de
empresas, que fazem uso indiscriminado da natureza; etc.
De 13 a 18 de julho deste ano (2009), no Kenia, foi realizada a Quarta Consulta
global trienal da Rede Miqueias
63
. Essa Consulta deu origem ao documento
“Declaração sobre mordomia da criação e mudança climática”. Na opinião de Padilla
essa Declaração,
63
A Rede Miqueias, fundada em 1999, é uma organização que está envolvida com a Missão Integral e
tem atualmente René Padilla como seu presidente. Alguns de seus objetivos “envolvem ajuda mútua
para combater as necessidades dos pobres e oprimidos, através do que chamamos de Missão Integral,
e o encorajamento da igreja mais ampla na sua responsabilidade, atribuída por Deus, em demonstrar o
Seu amor pelos pobres”. O documento “Declaração sobre mordomia da criação e mudança climática”,
bem como outras informações podem ser adquiridas no site <http://www.micahnetwork.org>.
131
deverá ser considerado o documento mais significativo que tem surgido em
círculos evangélicos sobre um tema que até o momento não havia recebido a
atenção que merece por parte de um povo que confessa o trino Deus como o
Deus da criação (2009d).
Penso que pelo menos quatro medidas podem ajudar à Igreja em direção a
uma práxis restauradora na ecologia:
Conscientização: primeiramente, como Igreja, cumprimos nossa missão
ecológica com educação. Podemos iniciar simplesmente partilhando esse
conhecimento sobre Deus e a criação com um amigo, conhecido ou vizinho.
Uso moderado sem desperdício: é preciso aprender a utilizar os recursos
naturais de modo criterioso e responsável. Um pequeno gesto quando
utilizamos a impressora pode fazer uma grande diferença. Como por
exemplo, procurar imprimir frente e verso da folha; reutilizar folhas como
rascunhos; imprimir apenas quando for trabalho final etc. Isso tem sido
chamado de desenvolvimento sustentável, que ao mesmo tempo em que
utiliza também preserva e protege os recursos para que não se esgotem.
Em terceiro lugar, a Igreja cumpre sua missão ecológica quando anuncia o
Evangelho como as boas novas da restauração das relações do homem,
não só com Deus, mas também com o próximo e com a criação, por meio
de Jesus Cristo. Com isso, estou afirmando que o pecado humano está na
raiz dos problemas ecológicos. Conforme já mencionado anteriormente, a
alienação do homem não é apenas com a natureza, mas também com o
próximo, e antes de tudo, com Deus.
Em quarto lugar, a Igreja cumpre sua missão ecológica quando denuncia a
violação da criação de Deus no uso irresponsável dos recursos naturais e
na contaminação do solo, da água e do ar, com a consequente destruição
da vida animal, vegetal e humana.
Como Igreja, que adora ao Deus Criador, não podemos ficar indiferentes às
questões ambientais. Devemos, com oração e ação, cuidar do Jardim de Deus, o qual
132
nos foi dado para que, como bons mordomos, cuidássemos dele. Fazendo assim,
além de obedecer e honrar a Deus, deixaremos um ambiente e um clima seguros
para nossos filhos e para os filhos de nossos filhos.
133
5 CONCLUSÃO
Chego ao final desta pesquisa com duas sensações muito distintas e,
aparentemente, contraditórias. A primeira, ter conseguido alcançar meus objetivos.
Sinto-me realizado. A segunda sensação, até mesmo em razão da vasta produção
bibliográfica de Padilla, sinto que deixo muitas ideias que precisam ser melhor
analisadas e muitas questões ainda sem respostas.
Quando iniciei meu projeto, tinha em mãos não muito mais do que dois ou três
livros de C. René Padilla. E apenas um deles, intitulado A Missão Integral, lembro que
havia lido, e mesmo assim, não totalmente. Cheguei ao final da pesquisa, tendo lido,
todos de autoria de Padilla, 9 livros, 32 capítulos em diversas obras e 26 artigos.
Penso que, ao ler todo esse material, consegui um dos meus principais objetivos, que
era o de conhecer e compreender o conceito de Missão Integral em C. René Padilla.
Nessa minha caminhada acadêmica, à medida que ia descobrindo a teologia
da Missão Integral, ia me identificando com a mesma. Não apenas pela minha própria
trajetória, marcada pela pobreza, violência, perplexidade e crises, mas também pela
coerência com a teologia bíblico-reformada. A proposta da Missão Integral, conforme
pudemos constatar, encontra pleno apoio na Escritura Sagrada e mostrou de maneira
muito clara que a religião protestante está longe de anestesiar os oprimidos para a
realidade dos seus sofrimentos no presente. Ao contrário, oferece propostas
relevantes para o agir transformador da Igreja na sociedade.
No último capítulo deste trabalho, procurei verificar as implicações da teologia
da Missão Integral para a vida em sociedade. Abordei algumas áreas, como a
violência urbana, a política, a educação e a AIDS, e pude observar que o
evangelicalismo deve atuar de maneira mais direta nessas questões. Com este
capítulo, percebe-se claramente que o problema desta pesquisa foi atendido. Para
lembrar, o problema era: em que medida o evangelicalismo pode contribuir para
melhorar a sociedade contemporânea? Penso que a proposta da Missão Integral
conseguiu responder a essa questão. Longe de ser alienante, o evangelicalismo,
conforme a natureza da sua vocação, deve se envolver na sociedade, identificando-se
com os problemas que a aflige para poder, então, ajudar em sua restauração.
134
Fiz questão de conceituar, desde o início, o que deve ser entendido pelo termo
‘protestante’. Algumas críticas, as quais são feitas a determinados movimentos
religiosos, não devem ser aplicadas ao tipo de protestantismo conforme defini. Em sua
análise sobre a resposta que o neopentecostalismo tem dado às questões sociais,
Mariano diz:
não tece uma única crítica sequer ao capitalismo, nem à injustiça e
desigualdade sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo
globalizado. Na melhor das hipóteses, o que ela proporciona, ao indivíduo,
não ao coletivo, resume-se a elementos de natureza psicológica: melhora da
auto-estima, aumento da autoconfiança, vontade de prosperar, esperança no
futuro (MARIANO, 1999, p. 185).
A proposta da Missão Integral revelou de maneira contundente que críticas
dessa natureza não encontram lugar dentro do evangelicalismo. Isso porque possui
uma fé prática e desalienante (Tg 2.14-17). Essa missão não é exercida apenas no
mundo das ideias abstratas, mas sim como resposta que identifica sua própria
natureza vocacional, capaz de exercer seu papel transformador.
Já disse aqui sobre minha segunda sensação ao terminar esta pesquisa.
Parece que fiquei no meio do caminho. Muita coisa sobre Padilla e a Missão Integral
ainda precisam ser lidas e analisadas. Essa tarefa, posteriormente, será, sem dúvida
e com muito prazer, um dos meus desafios. Entretanto, entendo que o pequeno trecho
percorrido pelo menos abriu algumas oportunidades para outros pesquisadores que,
com mais competência, farão grandes e úteis descobertas.
Concluo finalmente com as eloquentes palavras de Newbigin (1994, p. 141):
Acho que a única coisa que pode tornar o Evangelho confiável, a única coisa
que torna possível o acreditar que a autoridade máxima sobre o universo todo
reside em um homem pregado na cruz, é a companhia de pessoas que vivem
uma histórica bíblica para que saibam que esta é como a sua própria história,
e como uma pista para toda a história da humanidade.
135
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